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EAD 2010

HISTÓRIA
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

Organização do Trabalho Escolar

Salvador
2010

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


EAD 2010
HISTÓRIA

ELABORAÇÃO
Eliene Maria da Silva Barbosa

PROJETO GRÁFICO
Nilton Rezende

DIAGRAMAÇÃO
Fernando Luiz de Souza Junior

COLABORADORES DESTA EDIÇÃO


Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB

Diretora
Maria Nadja Nunes Bittencourt

Assessora Editorial
Carla Cristiani Honorato

Colaboradores
Sidney Santos Silva
Teodomiro A. de Souza
João Victor Souza Dourado
Fernando Luiz de Souza Junior
Débora Alves Souza

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).


Catalogação na Fonte
BIBLIOTECA DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA – UNEB

BARBOSA, Eliene Maria da Silva


B238 Organização do trabalho escolar I - Licenciatura em história / Eliene
Maria da Silva Barbosa. Salvador: UNEB / GEAD, 2010.

32p.

1. Educação 2. Teoria da educação 3. Trabalho pedagógico I. Título.


II. Universidade Aberta do Brasil. III. UNEB /GEAD

CDD: 370.7

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA

HISTÓRIA
Luis Inácio Lula da Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Fernando Haddad

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Carlos Eduardo Bielschowsky

DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Hélio Chaves Filho

SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL


DIRETOR DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA CAPES
Celso Costa

COORD. GERAL DE ARTICULAÇÃO ACADÊMICA DA CAPES


Nara Maria Pimentel

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA
GOVERNADOR
Jaques Wagner

VICE-GOVERNADOR
Edmundo Pereira Santos

SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO
Osvaldo Barreto Filho

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


REITOR
Lourisvaldo Valentim da Silva

VICE-REITORA
Amélia Tereza Maraux

PRÓ-REITOR DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO


José Claúdio Rocha

COORDENADOR UAB/UNEB
Silvar Ferreira Ribeiro

COORDENADOR UAB/UNEB ADJUNTO


Jader Cristiano Magalhães de Albuquerque

DIRETOR DO DEDC – I
Antônio Amorim

COORDENADOR DO CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA


Eliziário Andrade Souza

COORDENADOR DE TUTORIA DO CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA


Osvanildo de Souza Ferreira

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Caro (a) cursista,

HISTÓRIA
Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem
estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura em História na modalidade à distância.

O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da
área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar conhecimento teórico-prático de maneira
contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos
envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser
utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor
Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso
somado compõe os estudos relacionados a EAD.

É importante também que vocês estejam sempre atentos as caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem
durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A idéia é mediar junto ao leitor, uma
forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo
desse material.

São objetivos dos ícones em destaque:

? Você sabia? – convida-o a conhecer outros aspectos daquele tema/conteúdo. São curiosidades ou
VOCÊ SABIA?
informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta;

Saiba mais – apresenta notas ou aprofundamento da argumentação em desenvolvimento no texto, trazendo


?? SAIBA
? MAIS
conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliem a compreender melhor o conteúdo abordado;

Indicação de leituras – neste campo, você encontrará sugestão de livros, sites, vídeos.
INDICAÇÃO DE LEITURA
A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas
ou outros olhares e interpretações sobre aquele tema;

Sugestões de atividades – consistem em indicações de atividades para você realizar autonomamente


SUGESTÃO DE ATIVIDADE
em seu processo de auto-estudo. Estas atividades podem (ou não) vir a ser aproveitadas pelo professor-
formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo primeiro delas é provocá-lo, desafiá-lo em seu
processo de auto-aprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e
entusiasmo para, juntos, desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO


Gestão dos Projetos e Atividades de Educação à Distância - GEAD

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Apresentação

HISTÓRIA
O presente módulo procura trazer em sua abordagem uma relação de co-influências entre a organização social
mais ampla, as bases epistemológicas do conhecimento e a organização do trabalho pedagógico da escola. Nesse
sentido ele discute a organização do trabalho pedagógico da escola tomando como ponto de partida a crença de
que a escola organiza o seu trabalho numa relação de influências com o tecido social mais amplo e ainda a crença
de que a forma como a escola organiza o seu trabalho, legitima uma ou outra concepção de mundo e de sociedade

Este módulo está organizado em dois blocos. No primeiro discutimos as bases epistemológicas do conhecimento e
como estas influenciaram os modelos pedagógicos utilizados pela escola ao longo da sua história. Especificamente
neste bloco estabelecemos relações entre as bases epistemológicas e as bases pedagógicas enfatizando que a
organização do trabalho da escola se pauta nestes modelos, ora priorizando um, ora outro.

No segundo bloco apresentamos ao leitor como o tempo escolar e o Projeto Político Pedagógico encontram
centralidade na organização do trabalho pedagógico realizado pela escola.

No decorrer de todo o módulo o leitor é convidado a pensar este tema para além das discussões teóricas. São
sugeridos filmes, situações problemas para serem analisadas, dentre outras situações de aprendizagem.

Boa interação!

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SUMÁRIO

HISTÓRIA
1 As bases epistemológicas que fundamentam as principais teorias da educação:
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Inatismo, Empirismo e Interacionismo
2 A organização do trabalho pedagógico da escola e as bases epistemológicas: que
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relações estabelecer?
3 O tempo na organização do trabalho pedagógico 19

4 O Projeto Político-pedagógico como documento estruturante e estruturador da


25
organização do trabalho pedagógico da escola
5 Referências 32

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HISTÓRIA

HISTÓRIA
1. AS BASES EPISTEMOLÓGICAS Portanto são a ideias puras e não a experiência que
nos proporcionam o acesso ao conhecimento. Como
QUE FUNDAMENTAM AS PRINCIPAIS podemos perceber, a aprendizagem aqui não é um
TEORIAS DA EDUCAÇÃO: INATISMO, elemento importante, pois o que conhecemos já está
EMPIRISMO E INTERACIONISMO. conosco desde o nascimento, não sendo, portanto,
um processo de construção, mas sim de descoberta.
Dessa forma, a ação docente tem um papel
No geral ao pronunciarmos a palavra aprendizagem
secundarizado no processo de constr ução de
lembramo-nos da palavra ensino, isto porque
conhecimento já que, para esta visão apriorista, o ser
associamos estes dois termos. Essa associação não
humano é dotado de um saber ou de um não-saber de
é fruto do acaso. Aprendemos que para aprender tem
nascença, tendo o meio físico e social uma influência
que alguém ensinar. Daí vem essa associação, como
muito reduzida ou nenhuma. Pautados nessa crença,
se só houvesse aprendizagem se houvesse ensino.
muitas crianças e adolescentes foram classificados
Contrário a esse entendimento Becker nos diz: como aptos a aprender e outros a não aprender. No dizer
“Aprende-se porque se age e não porque se ensina. de Becker (2001) aceitamos com isso o determinismo
[...] o ensino não pode ser visto como a fonte da de que tudo que o sujeito conhecerá já está programado
aprendizagem. A fonte da aprendizagem é a ação do na sua herança genética e proclamamos a renúncia
sujeito, ou seja, o indivíduo aprende por força das ações de uma característica fundamental da ação docente:
que ele mesmo pratica.” (BECKER, 2003, p. 14) a intervenção do professor no processo de ensino e
Por fundamentar-se na ideia de que ensinar equivale aprendizagem.
a aprender, a educação escolar historicamente centrou No extremo oposto desta visão situa-se o empirismo.
suas orientações tradicionalmente no ponto de vista É com Aristóteles, discípulo de Platão, que a tradição
do ensino, tirando, a partir daí, conclusões sobre a empirista começa a edificar-se. A experiência, as
aprendizagem. O debate metodológico e a literatura sensações são, ao contrário do que prega o racionalismo,
pedagógica têm girado fundamentalmente em torno dos os elementos que criam no sujeito as impressões e as
sentidos do ensino e não nos sentidos da aprendizagem, ideias que se constituirão como conhecimentos. Nesta
criando a ilusão de que os métodos de ensino coincidem visão, a aprendizagem, ou melhor, dizendo, o ensino,
com os métodos de aprendizagem. ocupa lugar de destaque. Com a crença de que o que o
As bases epistemológicas influenciam a forma sujeito conhece é um reflexo fiel do ambiente, o ensino,
como a escola organiza o seu trabalho pedagógico. nesse sentido, se baseará em se aproximar, da melhor
Foi a partir das bases epistemológica que a educação maneira possível, da realidade que se apresenta para
acabou denominando as tendências ou teorias da que o sujeito a copie e a reproduza.
educação. Portanto faz-se necessário ao tratarmos O empirismo marca for temente o início da
desse assunto recorrer ao que Gardner (1985) chama constituição do método das ciências humanas no
de “agenda grega”. As principais perspectivas sobre final do século XIX e início do século XX. Para uns dos
a origem e aquisição do conhecimento encontram-se principais precursores dessa epistemologia, Watson, o
assentadas nas tradições filosóficas da Grécia Clássica. homem ao nascer herda apenas as estruturas de seu
Muitos filósofos gregos e da Antiguidade trouxeram um corpo e de seu funcionamento. Não herda nenhuma
grande legado sobre essa discussão. Platão, no século característica mental: nem inteligência, nem habilidades,
IV a.C, no seu mito da caverna, traz a metáfora do sujeito nem instintos, nem “dons” especiais. Para esse
acorrentado aos seus sentidos. O racionalismo nesta pesquisador, o condicionamento (S-R) exercido pelo
metáfora entende que as ideias que o sujeito já dispõe ambiente, era responsável pelo comportamento. Foi
internamente são projetadas enquanto sombras nas baseando-se nessas ideias que escreveu em seu livro
paredes da caverna. O conhecimento é, dessa forma, Behaviorismo (1925)
o reflexo das ideias inatas que jazem dentro de nós.

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Dêem-me uma dúzia de crianças sadias, de boa constituição ininterrupto de assimilação1 e acomodação2. As origens
HISTORIA

e a liberdade de poder criá-las à minha maneira. Tenho a filosóficas do construtivismo são encontradas em Kant
certeza de que, se escolher uma delas ao acaso e puder
no século XVIII. Kant tenta situar a aprendizagem numa
educá-la convenientemente, poderei transformá-la em
posição intermediária, compreendendo que se aprende
qualquer tipo de especialista que eu queira: médico,
advogado, artista, grande comerciante e até mesmo em
com a experiência, mas experiência como construção
um mendigo e ladrão, independente de seus talentos, e não como réplica da realidade.
propensões, tendências, aptidões, vocações de raça e de É importante enfatizar que na visão construtivista
seus ascendentes (WATSON, 1925, p. 183). de Piaget (1973, p. 36), a mera soma dos aspectos
valorizados pelas concepções de base empirista
Os desdobramentos advindos desse método, que e apriorista não são suficientes para entender a
toma de empréstimo o rigor das ciências da natureza, aprendizagem. Para ele:
influenciam largamente as ciências humanas como a
sociologia, a psicologia e a educação. O ponto essencial de nossa teoria é o de que o conhecimento
Várias gerações foram escolarizadas sob uma resulta de interações entre sujeito e objeto que são mais
orientação epistemológica que vê o ensino como base ricas do que aquilo que os objetos podem fornecer por
para o aprendizado. As abordagens educacionais eles mesmos. Portanto, nem a solução apriorista da
unidirecionalidade da influência do sujeito sobre o objeto
de base empirista, como a tradicional e a tecnicista,
em que este só intervém “relativamente a estruturas
defendem que o aluno aprende a partir de modelos.
nas quais introduz suas próprias contribuições”, nem o
O professor é quem sempre ensina e o aluno quem inverso, ou seja, a solução empirista, segundo a qual “o
sempre aprende. Existe sempre uma separação entre conhecimento adquirido por aprendizagem não poderá
sujeito e objeto. A aprendizagem, nessa visão, vem mais ser considerado como devido a uma ação com único
do meio físico e social, pois acredita que, ao nascer, sentido do objeto sobre o sujeito, mas como uma interação
o indivíduo nada tem em termos de conhecimento. É no seio da qual o sujeito introduz adjunções específicas”.
a crença do indivíduo enquanto tábula rasa, segundo (PIAGET, 1973, p. 36)
a qual “não há nada em nosso intelecto que não tenha
entrado lá através dos nossos sentidos” (POPPER, apud Diferentemente do empirismo que reduz o aprendizado
BECKER, 2001, p. 12). a algumas leis universais e objetivas, o construtivismo
compreende a aprendizagem como um processo
Para Becker (2001), quando o professor fundamenta
cultural, reconhecendo que as pessoas diferem
a sua ação docente nesta concepção, ele está muito, principalmente na forma como aprendem.
acreditando no mito da transmissão do conhecimento, Ninguém, no processo de aprendizagem, está imune
concebendo o aluno como uma folha em branco e na à cultura. Até os animais quando realizam atividades
crença de que só há aprendizagem se houver ensino. circenses e se negam a obedecer a um comando do
Ambas as concepções de conhecimento e de adestrador, demonstram com isso que o argumento da
aprendizagem aqui discutidas se fundamentam numa aprendizagem associativa não dá conta de responder
visão fixista e maniqueísta de mundo, para a qual se como as aprendizagens, de fato, se produzem. E em se
separa a realidade entre isto ou aquilo, uma coisa ou tratando das aprendizagens humanas essas diferenças
outra.
Já a visão construtivista de aprendizagem pressupõe 1
No sentido piagetiano é o processo cognitivo de colocar
que nossa estrutura cognitiva é, na verdade, uma rede (classificar) novos eventos em esquemas existentes. É
de esquemas de conhecimento que ao longo da vida a incorporação de elementos do meio externo (objeto,
acontecimento...) a um esquema ou estrutura do sujeito. Na
são revisados, modificados, ficando mais ricos em
assimilação o indivíduo usa as estruturas que já possui.
relações, sendo, portanto, mais complexos. É a crença 2
Também numa visão piagetiana, acomodação é a
de que o indivíduo só aprende se ele age e problematiza modificação de um esquema ou de uma estrutura em função
a sua ação sobre o que lhe é apresentado no meio das particularidades do objeto a ser assimilado. A acomodação
físico e social, se fazendo e se refazendo num processo pode ser de duas formas, visto que se pode ter duas alternativas:
criar um novo esquema no qual se possa encaixar o novo
estímulo, ou modificar um já existente de modo que o estímulo
possa ser incluído nele.

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são, conforme Pozo (2002), ainda mais marcantes. Para 2. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

HISTORIA
este autor, “a complexidade de nosso mundo social e PEDAGÓGICO DA ESCOLA E AS BASES
cultural só pode ser adquirida mediante um sistema de EPISTEMOLÓGICAS: QUE RELAÇÕES
aprendizagem também complexo, dotado de diversos ESTABELECER?
processos de aprendizagem úteis para metas e fins
distintos.” (POZO, 2002, p.2)
A forma como a escola organiza o seu repertório
Como bem evidencia Vygotsky (1916), o sujeito
se constrói e se desenvolve à medida que interage pedagógico responde a uma ou outra concepção de
socialmente, apropriando-se e recriando a cultura conhecimento. Ou seja, ela não age solta, por si só,
elaborada pelas gerações que o precederam. O que ao fazer esta ou aquela atividade ela legitima uma
está em jogo é a elaboração do conhecimento coletivo, visão de sociedade, de homem, de conhecimento.
pois a cultura aparece como elemento constitutivo Quem de nós não se lembra de frases como: Esse
do desenvolvimento do homem. Sua apropriação é menino não tem jeito, não aprende mesmo! Podemos
resultado de um lento processo de reelaboração pelo ver que esta expressão tem uma crença por trás. A
indivíduo, que constrói conhecimentos a partir das crença de que, se o aluno tem dificuldade, nada que o
relações que explicam o mundo e gradativamente professor ou a escola enquanto uma comunidade de
modifica sua forma de pensar, agir e sentir. aprendizagem possa fazer, vai mudar esta condição.
Apresentamos a seguir um quadro como forma de Outra expressão muito comum: Meus alunos não
provocar a visualização das bases epistemológicas aprendem porque são pobres mesmo!
e seus desdobramentos com alguns elementos do
Qual ideia de como o conhecimento é construído
trabalho pedagógico da escola.
está sustentando uma afirmação desta? A ideia
de que nada, nenhuma intervenção da escola, terá
Epistemologia Pedagogia minimamente impacto na condição do aluno. Com essas
ideias, nós não estaríamos desacreditando da função
Teoria Modelo Modelo Teoria social da escola? Mesmo sem termos consciência,
estamos dizendo que a escola é dispensável. Se for
Empirista S←O A←P Diretiva
dispensável, o que estamos fazendo lá, para que ela
Apriorista S→O A→P Não-Diretiva continua existindo? Ora, se meus alunos são pobres,
não aprendem mesmo, qual a função social do ensino.
Construtivista S↔O A↔P Relacional
Qual a importância de ensinar algo aos alunos se não
BECKER, F. Educação e Construção do Conhecimento. tem jeito mesmo, se estes já estão fadados ao fracasso?
Porto Alegre: Artmed, 2001. Negamos com essa ideia uma das principais
LEGENDA
características do trabalho pedagógico da escola: a
intervenção. Professores e escola não devem se
S = Sujeito O = Objeto A = Aluno P = Professor eximir de serem lugares de possibilidades. Dito de
outra forma, a escola a partir do que o aluno traz, deve
possibilitar as formas de ampliar esse repertório,
sempre tendo em vista uma formação cidadã. Como
SUGESTÃO DE ATIVIDADE diz sabiamente Telma Weiz (1999, p.71) “não informar
nem corrigir significa abandonar o aluno à própria
sorte”
Analise os adágios populares abaixo, indicando em
A ideia provocada com os adágios populares acima
quais bases epistemológicas eles estão fundamentados:
colocados é de fato, provocar uma reflexão sobre qual
“Pau que nasce torto nunca se endireita”; concepção de conhecimento a escola está legitimando
“Filho de peixe, peixinho é”; em suas ações pedagógicas. Como a escola acredita
“Quem se mistura com porcos farelos come”; que acontece o processo de conhecimento (Bases
“Diga-me com quem tu andas que te direi quem és” epistemológicas) e de como essas bases refletem

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em modelos pedagógicos cristalizados pelas escolas No entanto, a modernidade instituiu o espaço, o


HISTORIA

ao longo de sua história. Será que, quando nunca tempo e as formas de aprender: a escola, o calendário
chamamos um aluno que tem dificuldade em matemática  escolar com seus horários e a ideia de que se aprende
para ir ao quadro responder uma questão, não estamos a partir do ensino. Durante muito tempo, o espaço da
sem nos darmos contas, reforçando  a ideia de que escola foi aceito e defendido como o único lugar de
“pau que nasce torto nunca de endireita”, ou  ainda ensinar e de aprender. A sociedade difundiu essa ideia
reafirmando que este “aluno não aprende mesmo”? Não que corrobora com a organização linear e hierárquica
estaríamos nós, legitimando uma base epistemológica que caracteriza o pensamento moderno. Os currículos
inatista  que se materializa em um modelo pedagógico escolares se organizaram em tempos fixos e defenderam
não-diretivo? uma aprendizagem monológica ancorada em princípios
Ou por outro lado, quando realizamos ações na de “descoberta”, situada em condições de espaço, de
tempo e de modo bem demarcados e padronizados a
escola somente a partir do olhar dos professores
partir de critérios universais.
sem levar em consideração o que pais, alunos,
comunidade externa podem propor, não estaríamos A escola foi a principal instância e a Ciência o
sendo diretivos demais alicerçados numa ideia de principal meio utilizados pela Modernidade para os
mundo empirista. Na ideia inclusive de que pais e indivíduos terem acesso ao conhecimento e construírem
alunos são tábulas rasas, não sabem nada e a escola suas identidades e subjetividades, a partir de uma
é a grande detentora do saber? estrutura e de um funcionamento que se edificou numa
segmentação e rotinização de tempos de ensino e de
Vejam que ambas as concepções são extremistas.
aprendizagem (hora-aula, ano letivo, semana de prova)
Uma só enxerga o que está dentro do sujeito, a
Numa perspectiva mais relacional de compreensão
outra, o que está fora dele, foca apenas no mundo,
do conhecimento, passamos a reconhecer que
na experiência, como se o mundo fosse algo dado
diferentes sujeitos, saberes, espaços e tempos trazem
como pronto.
diferentes contribuições e novas dialogias que se
Que bom que a humanidade avançou para uma constroem fora da escola. Percebe-se, dessa forma,
terceira compreensão. A base interacionista. Esta que há uma multiplicidade de espaços, tempos, sujeitos
traz uma ideia bem interessante de construção e saberes que em suas relações ampliam os sentidos
do conhecimento. Ela supera as dicotomias do que seja a aprendizagem.
das concepções anteriores afirmando que o
No entanto compreender como este espaço-tempo
conhecimento não ocorre exclusivamente, nem de
organiza o trabalho nele realizado é de suma importância
dentro para fora, nem de fora para dentro, mas se para...
dá na relação interativa entre sujeito e meio.
No presente capítulo pretendemos refletir sobre 2.1. Caracterizações do trabalho pedagógico ao
diferentes aspectos que constituem a organização longo do tempo – concepções e práticas que
do trabalho pedagógico na escola brasileira: distintas nortearam/norteiam a história da educação escolar
concepções pedagógicas, teorias de desenvolvimento brasileira.
e aprendizagem, formas de organizar o currículo, o
tempo e o espaço escolar, dentre outros. Pretende-se A escola brasileira, ao longo da sua existência,
com esta reflexão relacionar de que forma a cultura da vem organizando as ideias e práticas que alicerçam o
escola e seus desdobramentos como a organização do seu trabalho pedagógico de diferentes maneiras. Tal
tempo e espaço influenciam na dinâmica interna e diz organização acabou por gerar na literatura educacional
muito sobre como a escola concebe o conhecimento. uma espécie de taxionomia de concepções e/ou
O homem é um ser histórico e social, que se forma tendências pedagógicas. Quem de nós professores,
nas relações que estabelece com o mundo que o ao ler um texto, ao analisar uma imagem sobre escola/
circunda através da cultura. Dessa forma podemos educação não os classificou em “tradicional”, tecnicista,
afirmar que a aprendizagem é um fenômeno que sociocultural” ou outros?
acontece em todos os lugares e tempos e das mais Mesmo reconhecendo que toda classificação
variadas formas. possibilita a exclusão, refletiremos agora sobre as

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características mais centrais do trabalho pedagógico Normas disciplinares rígidas;

HISTORIA
nas diferentes concepções/tendências pedagógicas. Prepara o individuo para a sociedade.
Reconhecemos também que tal classificação não
tem limites fixos e que as fronteiras entre uma e outra O ALUNO
tendência/concepção/abordagem são porosas, ou seja, É um ser “passivo” que deve
elas podem se comunicar. Ressaltamos ainda que a acumular os conteúdos transmitidos
classificação ora apresentada é fruto de um acúmulo pelo professor
de discussões e práticas que embalaram a formação Deve dominar o conteúdo cultural
de muitos de nós, hoje professores e, que ainda embala universal transmitido pela escola.
também nossas práticas.
Diversos autores refletem e classificam o processo O PROFESSOR
de ensino e aprendizagem em concepções/tendências/ É o transmissor dos conteúdos aos
abordagens. Dentre este destacamos o trabalho de alunos;
Bordenave(1984), Libâneo(1982), Mizukami (1986), Predomina com autoridade.
Saviani(1984) ressaltando que a classificação feita
por eles partem e se baseiam em critérios diferentes. ENSINO E APRENDIZAGEM
Optamos aqui em adotar a classificação-base de Os objetivos educacionais obedecem
Mizukami(1986), a partir de uma releitura interessante a sequência lógica dos conteúdos.
de Santos(2005) um vez que tal classificação foca Os conteúdos são baseados em
na natureza do trabalho realizado pela/na escola em documentos legais, selecionados a
situações concretas de ensino e aprendizagem que partir da cultura universal acumulada.
envolve os fazeres e dizeres dos sujeitos da ação Predominam aulas expositivas, com
pedagógica - professores e aluno. Apresentamos a exercícios de fixação, leituras-cópias.
seguir um quadro resumo de como são compreendidos
04(quatro) elementos importantes (escola, aluno,
ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA
professor, processo de ensino aprendizagem) do
fenômeno educativo nas abordagens abaixo:
A ESCOLA
Uma agência educacional;
• abordagem tradicional; Modelo empresarial aplicado à escola;
• abordagem comportamentalista; Divisão entre planejamento (quem
• abordagem humanista; planeja) e execução (quem executa);
• abordagem cognitivista; No limite, a sociedade poderia existir
sem a escola;
• abordagem sociocultural.
Uso da teleducação;
Ensino à distância.
Resumo das diferentes abordagens do processo de
ensino e aprendizagem. In: SANTOS, R. V. Abordagens O ALUNO
do processo de ensino e aprendizagem. Revista Elemento para quem o material
Integração Ensino-Pesquisa-Extensão. São Paulo - SP, é preparado. O aluno eficiente
n. 40, p. 29-30, 2005. e produtivo é o que lida
“cientificamente” com os problemas
ABORDAGEM TRADICIONAL da realidade.

A ESCOLA O PROFESSOR
Escola lugar ideal para realização da É o educador que seleciona, organiza
educação; e aplica um conjunto de meios que
Organizada com funções claramente
definidas;

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garantem a eficiência e a eficácia do ABORDAGEM COGNITIVISTA


HISTORIA

ensino.
A ESCOLA
ENSINO E APRENDIZAGEM Dá condições para que o aluno possa
Os objetivos são operacionalizados aprender por si próprio. Oferece
e categorizados a partir de liberdade de ação real e material.
classificações: gerais (educacionais) Reconhece a prioridade psicológica
e específicos(instrucionais), da inteligência sobre a aprendizagem.
ênfase nos meios: recursos Promove um ambiente desafiador
audiovisuais, instrução programada, favorável á motivação intrínseca do
tecnologias de ensino, ensino aluno.
individualizado(módulos
instrucionais) “máquinas de ensinar”, O ALUNO
computadores, hardwares, softwares. Papel essencialmente “ativo” de
Os comportamentos desejados serão observar, experimentar, comparar,
instalados e mantidos nos alunos por relacionar, analisar, justapor,
condicionantes e reforços. compor, encaixar, levantar hipóteses,
argumentar etc.
ABORDAGEM HUMANISTA
O PROFESSOR
A ESCOLA Cria situações desafiadoras e
Escola proclamada para todos. desequilibradoras pela orientação.
”Democrática”; Estabelece condições de
Afrouxamento das normas reciprocidade e colaboração ao
disciplinares. Deve oferecer condições mesmo tempo moral e racional.
ao desenvolvimento e autonomia do
aluno. ENSINO E APRENDIZAGEM
Desenvolve a inteligência
O ALUNO considerando o sujeito inserido
Um ser “ativo”. Centro do processo numa situação social. A inteligência
de ensino e aprendizagem. Aluno constrói-se a partir da troca do
criativo que “aprendeu a aprender’. organismo com o meio, pelas ações
Aluno participativo. do indivíduo. Baseado no ensaio e no
erro, na pesquisa, na investigação,
O PROFESSOR na solução de problemas, facilitando
É o facilitador da aprendizagem. o “aprender a pensar”. Ênfase nos
trabalhos em equipe e nos jogos.
ENSINO E APRENDIZAGEM
Os objetivos educacionais obedecem ABORDAGEM SOCIOCULTURAL
ao desenvolvimento psicológico do
aluno. Os conteúdos programáticos A ESCOLA
são selecionados a partir dos Deve ser organizada e está
interesses dos alunos. ”Não- funcionando bem, para proporcionar
diretividade”. A avaliação valoriza os meios para que a educação se
aspectos afetivos (atitudes) com processe em seus múltiplos aspectos.
ênfase na auto-avaliação.

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O ALUNO 3. O TEMPO NA ORGANIZAÇÃO DO

HISTORIA
Uma pessoa concreta, objetiva, que
determina e é determinada pelo social,
TRABALHO PEDAGÓGICO DA ESCOLA
político e econômico, individual (pela
história). Deve ser capaz de operar Inicialmente é fundamental trazer para discussão
conscientemente mudanças na algumas concepções de tempo. O olhar clássico
realidade. da física vê o tempo como algo independente do
sujeito. Para Newton, “o tempo absoluto, verdadeiro e
O PROFESSOR matemático por si mesmo e por sua própria natureza,
O educador que direciona e conduz o flui uniformemente, sem nenhuma relação com
processo de ensino e aprendizagem. as coisas exteriores a ele e é chamado duração.”
(NEWTON, 1990, p. 6). O tempo nessa visão é algo
A relação entre professor e aluno
independente do que acontece ao redor do sujeito e
deve ser horizontal, ambos se
da consciência do sujeito sobre esse tempo. O tempo
posicionando como sujeitos do ato de
dessa forma seria um dado, um objeto absolutamente
conhecimento.
independente desse sujeito.
ENSINO E APRENDIZAGEM Podemos dizer que esta é a concepção de tempo
que povoa o imaginário popular. Desde a Idade Média,
Os objetivos educacionais são
o tempo cronológico (chronos) se sobrepõe ao
definidos a partir das necessidades
tempo vivido (kairós) e se legitima enquanto artefato
concretas do contexto histórico-social
fundamental para os princípios da racionalidade
no qual se encontram os sujeitos.
científica e da organização social da modernidade.
Busca uma consciência crítica. O
Fixar o tempo numa determinada visão, pretensamente
diálogo e os grupos de discussão são mensurável, responde a uma concepção de ciência que
fundamentais para o aprendizado. tem em sua base a intenção do controle dos tempos
Os “temas geradores” para o ensino políticos e produtivos. O paradigma produtivista da
devem ser extraídos da prática de vida economia foi o grande responsável por uma separação
dos educandos. entre tempos que valem e tempos que não valem numa
lógica moderna de valorização ou desvalorização do
tempo a partir desta dicotomia ancorada no mundo
ESPELHO, ESPELHO MEU! da produtividade. Hoje esse mesmo paradigma já não
responde às demandas atuais, inclusive no campo
Após realizar a leitura das abordagens acima, reúna- econômico. A organização da economia na atualidade
se com um colega e dialoguem sobre: está provocando a necessidade de se repensar as
relações entre tempo vivido e tempo contado.
• Qual/quais abordagens foram as mais presentes Os relógios que escorrem representados no famoso
na formação de vocês enquanto alunos? quadro “Persistência da Memória” de Salvador Dali
• E hoje, como professores e professoras, qual/ (1931), traduzem a sensação dessa ideia de tempo na
quais abordagens se sobressaem no trabalho pós-modernidade. O tempo “escorrendo por entre os
pedagógico por vocês realizado? Justifiquem dedos” é, pois, viscoso, exato e solto. Para Assmann
a resposta. (2001), estamos convivendo hoje com tempos de
relógio e tempos vivenciais.
Dessa forma, é preciso tomar o tempo como
uma “experiência vivida”, próximo à concepção de
Santo Agostinho (1973) que denominava “tempo da
alma”. Numa acepção mais atual de tempo, estamos
colocando esse tema no campo da subjetividade e nos
afastando da ideia da homogeneidade. Aproximamo-

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 19


EAD 2010

nos, portanto, de uma concepção de tempo como algo é bom, mas não precisa de mais um ano. Basta estabelecer
HISTORIA

vivido pelo sujeito em sua relação com os sentidos que que o Ensino Fundamental vai dos 6 aos 13 anos. Oito anos
lhe acontecem. Dessa forma, o sujeito vive esse tempo com jornada diária de 5 horas de efetivo trabalho escolar é
mais do que 9 anos com 3 horas. (MELLO, 2004, p. 3)
muito rápido ou muito devagar, dependendo da situação
e dos sentidos que tal situação tem para si.
De todo o exposto o que fica evidente é que o
A escola enquanto organização social específica tempo escolar passou por diferentes configurações
não fica imune a estas formas de se relacionar com o e significados representando, portanto, parte de um
tempo. No trabalho que realiza organiza-se de tal modo processo de institucionalização do tempo que varia com
que institui outras formas de viver o tempo: sequências o próprio tempo, com o local e com outras variáveis.
didáticas, rotinas, ordenando e organizando o tempo “O tempo escolar, além de trazer marcas da sociedade,
em seu trabalho pedagógico. Neste ínterim queremos é um elemento próprio dessa cultura que constituí
ressaltar que organizar o trabalho didático dessa ou o núcleo central das caixas pretas da educação”.
de outra forma responde sempre a uma concepção de (FERREIRA; ARCORVERDE, 2001, p. 63)
conhecimento e, sobretudo de aprendizagem.
A tendência dominante de organização do trabalho
Diferentes realidades educacionais mostram que há pedagógico se pauta na compartimentalização dos
uma diversidade de distribuição do tempo nas escolas. saberes e dos currículos escolares. Podemos afirmar
Convivemos simultaneamente com iniciativas que que foi a compartimentalização dos saberes provocada
alargam ou diminuem o tempo escolar. De um lado pela da égide da modernidade que favoreceu o
temos escolas de tempo integral3 e, do outro, projetos aparecimento de 4 (quatro) processos dominantes,
que reduzem as horas diárias de efetivo trabalho escolar. subsidiando assim a escola se organizar tal como ela
Observamos também que no sistema educacional é hoje. Varela e Popkewitz citados por Alves & Garcia
brasileiro há uma ampliação do tempo destinado (2001) nominam tais processos de: pedagogização
à escolarização obrigatória (Ensino Fundamental). dos conhecimentos, grupalização, hierarquização e
Exemplo dessa ampliação é a duração dessa etapa da centralização. Para estes autores na dinâmica interna do
Educação Básica prevista nas Leis de Diretrizes e Bases trabalho pedagógico realizado pela escola, reforça-se os
da Educação Nacional. Vejamos: princípios que fundamentaram a lógica da modernidade.

Lei 11.274/2006 a partir • Pedagogização do conhecimento – O


LDB 4.024/61 LDB 5692/71
da 9394/96 conhecimento está em todo o tecido social,
04 anos 08 anos 09 anos
sendo pois algo que acontece em todos os
espaços. No entanto a escola ao organizar o
seu currículo acaba por imprimir uma lógica de
Dos dados acima apresentados podemos dizer que quais conhecimentos são válidos e quais não
em pouco menos que meio século o tempo escolar são, quais conteúdos são “escolarizáveis” e
obrigatório no Brasil dobrou. Esse movimento provoca quais não são. Este processo é possível a partir
um repensar das práticas nas instituições escolares da utilização da estratégia da seleção. Quantos
sobretudo se levarmos em consideração o que Mello temas de História foram impedidos de entrar na
(2001) nos diz a respeito da ampliação do ensino escola, nos currículos das aulas de História?
fundamental de 08 para 09 anos:
Ao selecionar que saberes entram e quais ficam
Em vez de oito gerações, serão nove. Ingresso mais precoce fora dos currículos escolares fica evidente que o
conhecimento é uma convenção negociada e pautado
3
Inspirados nas ideias da escola de tempo integral de Anísio
principalmente por sujeitos que no contexto da
Teixeira, assistimos nos anos 80 a exemplos como: Escola escolha privilegia a manutenção das relações de poder
Parque da Bahia, o Centro Integrado de Educação Pública instituídas.
- CIEP no Rio de Janeiro, o Centro Integrado de Apoio à Observem que ao escolher o que entra e o que não
Criança - CIAC em Curitiba que objetivavam dar assistência entra na escola é necessário retirar o conhecimento do
às crianças e jovens bem como promover a sua escolarização
obrigatória. seu “contexto original”. Para dá a esse conhecimento

20 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


EAD 2010

um tratamento escolarizável, fraciona-se, pois na sua PARA PENSAR – Faça um inventário de repostas

HISTORIA
forma original não cabe no tempo e no espaço da sobre a questão abaixo, preferencialmente ouvindo
escola. pessoas com idades diferentes, que estudaram
Por tanto ao pedagogizar ou escolarizar o também em tempos diferentes.
conhecimento, inevitavelmente há um processo de
fragmentação que foi ao longo da história legitimado Como a escola se relaciona com os seguintes
como o conhecimento/ saber válido. grupos:
Fomos formados por esta lógica. A lógica de
que os conteúdos trabalhados na escola eram os “Estudiosos”;
conhecimentos válidos. Autores como Cortella nos “Bagunceiros”;
alenta ao dizer que: “O conhecimento é fruto da “Não querem nada”
convenção, isto é, de acordos circunstanciais que não
necessariamente representam a única possibilidade de • Hierarquização – Para entender mais ainda
interpretação da realidade” (CORTELLA, 2000, p. 46). como a modernidade influenciou a organização
Com isso podemos afirmar que aquele saber, aquela do trabalho pedagógico que hoje conhecemos,
fatia do todo que foi eleita para entrar como saber é importante pensar um pouco mais sobre o
válido nos currículos escolares não é de fato, o único processo de hierarquização.
saber válido.
Além de decidir quais saberes entram e quais
ficam de fora dos currículos, foi necessário decidir
qual tratamento seria dado aos que entraram. Dessa
INDICAÇÃO DE LEITURA forma a escola destinou mais tempo para alguns
conteúdos, menos tempo para outros, carga horária
Folhei alguns livros de História do Brasil, maior para um componente curricular, menos para
preferencialmente livros que tenham sido adotados no outra, hierarquizando dessa forma, quais saberes são
Ensino Fundamental e Médio, em períodos distintos essenciais, e quais são secundários.
(diferentes tempos), nas escolas públicas brasileiras. PARA PENSAR – Observem qual lugar foi destinado
Reúna-se com alguns colegas e analisem: quais a disciplina história ao longo do tempo? Pensem em
conteúdos de História entraram nos livros? Quais foram termos de carga horária, de status, de poder simbólico,
proibidos de entrar. Hipotetizem por que isso ocorreu. refletindo inclusive em quais momentos ela muda
de lugar, e quais grupos a considera mais ou menos
Faça o mesmo procedimento em outro livro e
importante.
observem o que mudou. Registrem as conclusões do
grupo
• Centralização – Por fim, a centralização aparece
aqui como a culminância dos outros 3 (três)
• Grupalização – Os mesmo sujeitos que elegeram processos já apresentados. A organização
os conhecimentos ditos válidos, passam então da escola pautada na escolarização do
a organizar a sociedade a par tir dos seus conhecimento, na fragmentação, na grupalização
interesses, ordenando as suas práticas sociais e na hierarquização leva sistematicamente a
de modo que garantisse a manutenção do centralização.
status quo. Assim expressões genéricas como:
o ser humano, o aluno, o homem o professor Faz-se impor tante frisar que os processos
foram sendo utilizadas para chamar um conjunto aqui apresentados se configuram como bases do
de pessoas com idiossincrasias diversas. A pensamento moderno e suas influências com a
escola então passa a reforçar essa organização e organização do trabalho pedagógico, não representando
grupaliza os diferentes sujeitos em: séries, turma de modo algum a única forma da escola de constituir.
fraca, turma forte, grupo dos que sabem, grupo
dos que não sabem, aprovados, reprovados,
dentre outros.

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 21


EAD 2010

Sabemos inclusive que a égide da modernidade as crianças; aquela vontade de saber os “como” e
HISTORIA

materializada na escola não se deu/dá num movimento os “porque”, especialmente em relação às coisas da
harmônico. Pelo contrário, o conflito e a contradição a natureza; a curiosidade e o gosto de saber que se vão
essas práticas sempre esteve presente a partir da luta extinguindo em geral, com a freqüência à escola. Não
de educadores e pelo próprio movimento de forças há curiosidade que aguente aquela “decoreba” sobre o
internas e externas a escola. corpo humano, por exemplo.
PARA PENSAR – Analise a situações abaixo, Sabendo por seus colegas que nesse dia haveria
identificando que/quais lógicas de organização do merenda, Joãozinho resolve ir à escola. Nesse dia, sua
trabalho pedagógico estão subjacentes: professora se dispunha a dar uma aula de Ciências,
coisa que Joãozinho gostava. A professora havia dito
que nesse dia iria falar sobre coisas como o Sol, a
Ato de fé ou conquista do conhecimento ATO DE FÉ Terra e seus movimentos, verão, inverno etc.
OU CONQUISTA?4
A professora começa por explicar que o verão é o
Um episódio na vida de Joãozinho da Maré tempo do calor, o inverno é o tempo do frio, a primavera
é o tempo das flores e o outono é o tempo em que as
Professor Rodolpho Caniato folhas ficam amarelas e caem.
Em sua favela, no Rio de Janeiro, Joãozinho conhece
calor e tempo de mais calor ainda, um verdadeiro
O Joãozinho de nossa história é um moleque muito sufoco, às vezes.
pobre que mora numa favela sobre palafitas espetadas
As flores da primavera e as folhas amarelas que
em um vasto mangue. Nosso Joãozinho só vai à
caem ficam por conta de acreditar. Num clima tropical
escola quando sabe que vai ser distribuída merenda,
e quente como do Rio de Janeiro, Joãozinho não viu
uma das poucas razões que ele sente para ir à escola.
nenhum tempo de flores. As flores por aqui existem ou
Do fundo da miséria em que vive, Joãozinho pode
não, quase independentemente da época do ano, em
ver bem próximo algumas das conquistas de nossa
enterros e casamentos, que passam pela Avenida Brasil,
civilização em vias de desenvolvimento (para alguns).
próxima à sua favela.
Dali de sua favela ele pode ver bem de perto uma das
grandes Universidades onde se cultiva a inteligência Joãozinho, observador e curioso, resolve perguntar
e se conquista o conhecimento. Naturalmente esse por que acontecem ou devem acontecer tais coisas. A
conhecimento e a ciência ali cultivadas nada tem a ver professora se dispõe a dar a explicação.
com o Joãozinho e outros milhares de Joãozinhos pelo − Eu já disse a vocês numa aula anterior que a
Brasil afora. Terra é uma grande bola e que essa bola está
Além de perambular por toda a cidade, Joãozinho, rodando sobre si mesma. É sua rotação que
de sua favela, pode ver o aeroporto internacional do provoca os dias e as noites. Acontece que,
Rio de Janeiro. Isso certamente é o que mais fascina enquanto a Terra está girando, ela também
os olhos de Joãozinho. Aqueles grandes pássaros de está fazendo uma grande volta ao redor do
metal sobem imponentes com um ruído de rachar os Sol. Essa volta se faz em um ano. O caminho
céus. Joãozinho, com seu olhar curioso, acompanha é uma órbita alongada chamada elipse. Além
aqueles pássaros de metal até que, diminuindo, eles dessa curva ser assim alongada e achatada, o
desapareçam no céu. Sol não está no centro. Isso quer dizer que, em
Talvez, por frequentar pouco a escola, por gostar de seu movimento, a Terra às vezes passa perto,
observar os aviões e o mundo que o rodeia, Joãozinho às vezes passa longe do Sol. Quando passa
seja um sobrevivente de nosso sistema educacional. perto do Sol é mais quente: é VERÃO. Quando
Joãozinho não perdeu aquela curiosidade de todas passa mais longe do Sol recebe menos calor:
é INVERNO.
4
Publicado no Boletim da Sociedade Astronômica Brasileira,
ano 6, número 2, abril / junho de 1983, páginas 31 a 37.

22 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


EAD 2010

Os olhos de Joãozinho brilhavam de curiosidades − É, Joãozinho, mas vamos mudar de assunto.

HISTORIA
diante de um assunto novo e tão interessante. Você já está atrapalhando a aula e eu tenho um
programa a cumprir.
− Professora, a senhora não disse antes que a
Terra é uma bola e que está girando enquanto Mas Joãozinho ainda não havia sido domado pela
faz a volta ao redor do Sol? escola. Ele ainda não havia perdido o hábito e a iniciativa
de fazer perguntas e querer entender as coisas. Por isso,
− Sim, eu disse. - respondeu a professora com apesar do jeito visivelmente contrariado da professora,
segurança. ele insiste.
− Mas, se a Terra é uma bola e está girando todo − Professora, como é que pode ser verão
dia perto do Sol, não deve ser verão em toda e inverno ao mesmo tempo, em lugares
a Terra? diferentes, se a Terra, que é uma bola, deve
estar perto ou longe do Sol? Uma das duas
− É, Joãozinho, é isso mesmo. coisas não está errada?
− Então é mesmo verão em todo lugar e inverno − Como você se atreve, Joãozinho, a dizer que
em todo lugar, ao mesmo tempo, professora? a sua professora está errada? Quem andou
− Acho que é, Joãozinho, vamos mudar de pondo essas suas ideias em sua cabeça?
assunto. − Ninguém, não, professora. Eu só tava
A essa altura, a professora já não se sentia tão pensando. Se tem verão e inverno ao mesmo
segura do que havia dito. A insistência, natural para tempo, então isso não pode acontecer porque
o Joãozinho, já começava a provocar uma cer ta a Terra tá perto ou tá longe do Sol. Não é
insegurança na professora. mesmo, professora?
− Mas, professora, – insiste o garoto – enquanto  A professora, já irritada com a insistência atrevida
a gente está ensaiando a escola de samba, na do menino assume uma postura de autoridade científica
época do Natal, a gente sente o maior calor, e pontifica:
não é mesmo? − Está nos livros que a Terra descreve uma
− É mesmo, Joãozinho. curva que se chama elipse ao redor do Sol,
que este ocupa um dos focos e, portanto, ela
− Então nesse tempo é verão aqui? se aproxima e se afasta do Sol. Logo, deve ser
por isso que existe verão e inverno.
− É, Joãozinho.
Sem dar conta da irritação da professora, nosso
− E o Papai Noel no meio da neve com roupas Joãozinho lembra-se de sua experiência diária e
de frio e botas? A gente vê nas vitrinas até acrescenta:
as árvores de Natal com algodão. Não é para
− Professora, a melhor coisa que a gente tem
imitar a neve? (A 40º no Rio).
aqui na favela é poder ver avião o dia inteiro.
− É, Joãozinho, na terra do Papai Noel faz frio.
− E daí, Joãozinho? O que tem a ver isso com o
− Então, na terra do Papai Noel, no Natal, faz verão e o inverno?
frio?
− Sabe, professora, eu acho que tem.
− Faz, Joãozinho. A gente sabe que um avião tá chegando perto quando
ele vai ficando maior. Quando ele vai ficando pequeno
− Mas então tem frio e calor ao mesmo tempo?
é porque ele tá ficando mais longe.
Quer dizer que existe verão e inverno ao
mesmo tempo?

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 23


EAD 2010

− E o que tem isso a ver com a órbita da Terra, À noite, já mais calma, a professora pensa com os
HISTORIA

Joãozinho? seus botões:

− É que eu achei que se a Terra chegasse mais − Os argumentos do Joãozinho foram tão claros
perto do Sol, a gente devia ver ele maior. e ingênuos... Se o inverno e o verão fossem
Quando a Terra estivesse mais longe do Sol, provocados pelo maior ou menor afastamento
ele deveria aparecer menor. Não é, professora? da Terra em relação ao Sol, deveria ser inverno
ou verão em toda a Terra. Eu sempre soube
− E daí, menino? que enquanto é inverno em um hemisfério,
é verão no outro. Então tem mesmo razão o
− A gente vê o Sol sempre do mesmo tamanho.
Joãozinho. Não pode ser essa a causa do calor
Isso não quer dizer que ele tá sempre da
ou frio na Terra. Também é absolutamente
mesma distância? Então verão e inverno não
claro e lógico que se a Terra se aproxima e se
acontecem por causa da distância.
afasta do Sol, este deveria mudar de tamanho
− Como você se atreve a contradizer sua aparente. Deveria ser maior quando mais
professora? Quem anda pondo “minhocas” próximo e menor quando mais distante.
na sua cabeça? Faz quinze anos que eu sou
− Como eu não havia pensado nisso antes?
professora. É a primeira vez que alguém quer
Como posso ter “aprendido” coisas tão
mostrar que a professora está errada.
evidentemente erradas? Como nunca me
A essa altura, já a classe se havia tumultuado. ocorreu, sequer, alguma dúvida sobre isso?
Um grupo de outros garotos já havia percebido a Como posso eu estar durante tantos anos
lógica arrasadora do que Joãozinho dissera. Alguns “ensinando” uma coisa que eu julgava Ciência,
continuaram indiferentes. A maioria achou mais e que, de repente, pode ser totalmente demolida
prudente ficar do lado da “autoridade”. Outros pelo raciocínio ingênuo de um garoto, sem
aproveitaram a confusão para aumentá-la. A professora nenhum outro conhecimento científico?
havia perdido o controle da classe e já não conseguia
Remoendo essas ideias, a professora se põe a
reprimir a bagunça nem com ameaças de castigo e de
pensar em tantas outras coisas que poderiam ser tão
dar “zero” para os mais rebeldes.
falsas e inconsistentes como as “causas” para o verão
Em meio àquela confusão tocou o sinal para o fim e o inverno.
da aula, salvando a professora de um caso maior. Não
houve aparentemente nenhuma definição de vencedores − Haverá sempre um Joãozinho para levantar
e vencidos nesse confronto. dúvidas? Por que tantas outras crianças
Indo para casa, a professora, ainda agitada e aceitaram sem resistência o que eu disse?
contrariada, se lembrava do Joãozinho que lhe estragara Por que apenas o Joãozinho resistiu e não
a aula e também o dia. Além de pôr em dúvida o que “engoliu”? No caso do verão e do inverno
ela ensinara, Joãozinho dera um mau “exemplo”. a inconsistência foi facilmente verificada.
Joãozinho, com seus argumentos ingênuos, mas Se “engolimos” coisas tão evidentemente
lógicos, despertara muitos para o seu lado. erradas, devemos estar “engolindo” coisas
mais erradas, mais sérias e menos evidentes.
− Imagine se a moda pega... - pensa a Podemos estar tão habituados a repetir as
professora. - O pior é que não me ocorreu mesmas coisas que já nem nos damos
qualquer argumento que pudesse enfrentar o conta de que muitas delas podem ter sido
questionamento do garoto. simplesmente acreditadas; muitas podem
ser simples “atos de fé” ou crendice que nós
− Mas foi assim que me ensinaram. É assim que
passamos adiante como verdades científicas
eu também ensino - pensa a professora. – Faz
ou históricas.
tantos anos que eu dou essa aula, sobre esse
assunto...

24 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


EAD 2010

Atos de fé em nome da ciência 4. O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

HISTORIA
É evidente que não pretendemos nem podemos COMO DOCUMENTO ESTRUTURANTE
provar tudo aquilo que dizemos ou tudo o que nos
E ESTRUTURADOR DA ORGANIZAÇÃO
dizem. No entanto, o episódio do Joãozinho levantara
um problema sério para a professora. DO TRABALHO PEDAGÓGICO DA
Talvez a maioria dos alunos já esteja “domada” pela ESCOLA.5
escola. Sem perceberem, professores podem estar
fazendo exatamente o contrário do que pensam ou Entendemos por Organização do Trabalho Pedagógico
desejam fazer. Talvez o papel da escola tenha muito a o trabalho efetivo desenvolvido na escola, no interior
ver com a nossa passividade e com os problemas do da sala de aula e as ideias e ações que permeiam o
nosso dia-a-dia. projeto político-pedagógico. Um dos instrumentos que
Todas as crianças têm uma nata curiosidade estrutura as linhas gerais para a organização do trabalho
para saber os “como” e os “porquês” das coisas, pedagógico da escola é o Projeto político pedagógico.
especialmente da natureza. À medida que a escola vai Sabemos que entre a proposta curricular e dinâmica
ensinando, o gosto e a curiosidade vão-se extinguindo, real vivida pela escola há um hiato que não consideramos
chegando frequentemente à aversão. negativo, para nós é parte da própria natureza dessas
Quantas vezes nossas escolas, não só a de duas esferas: a intenção e a ação.
Joãozinho, pensam estar tratando de Ciência por falar O Projeto Político Pedagógico não é uma “novidade”
em coisas como átomos, órbitas, núcleos, elétrons instituída pela LDB 9394/96, embora sua obrigatoriedade
etc... Não são palavras difíceis que conferem à nossa esteja mais explicitada nesta lei. A LDB anterior
fala o caráter ou “status” de coisa científica. Podemos (5692/71) solicitava apenas o cumprimento das
falar das coisas mais rebuscadas e, sem querer orientações provenientes do poder central, da forma
estamos impingindo a nossos alunos “atos de fé”, que como é visto hoje, o PPP é um projeto elaborado de
nada dizem ou não são mais que uma crendice, como forma participativa e colaborativa, originado no seio da
tantas outras. Não é à toa o que se diz da escola: um coletividade docente, discente e administrativa que dá
lugar onde as cabecinhas entram redondinhas e saem uma identidade à instituição ou ao curso.
quase todas “quadradinhas”. Projeto Pedagógico e Projeto Político-pedagógico
são termos utilizados para designar o mesmo sentido:
projetar, lançar, orientar, dar direção a uma ideia,
a um processo pedagógico intencional alicerçado
nas reflexões e ações do presente. Tem uma dupla
dimensão: ser orientador e condutor do presente e do
futuro.

Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas


para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado
confortável para arriscar-se, atravessar um período de
instabilidade em função da promessa que cada projeto
contém de estado melhor do que o presente. Um projeto
educativo pode ser tomado como promessa frente a
determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os
campos de ação possível, comprometendo seus atores e
autores. (GADOTTI apud VEIGA, 1995)

5
O presente texto foi originalmente publicado no Módulo
I - Fundamentos Pedagógicos do Curso para Formação
de Gestores escolares numa autoria coletiva de SALES;
BARBOSA ; PIRES (2008) .

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 25


EAD 2010

Alguns autores defendem que o qualificativo Político da escola com um todo e como organização
HISTORIA

é desnecessário já que não há ação pedagógica que não da sala de aula, incluindo sua relação com o
seja política. Assim, o político seria necessariamente contexto social imediato, procurando preservar
assumido pelo adjetivo Pedagógico. Pensar o PPP de a visão de totalidade.
uma escola é pensar a construção de sua identidade o
que implica numa análise coletiva tanto da sua história A elaboração do PPP deve ser vista como um
(a que lhe deu as características que apresenta no instrumento que possibilita maior organicidade
momento) quanto das direções intencionais que serão ao trabalho pedagógico da escola como um todo,
assumidas em função das definições tomadas por este sinalizando por onde esta deve caminhar, no sentido
Projeto. de garantir a efetivação do seu papel social, político e
pedagógico. Como o processo de elaboração deve ser
feito coletivamente, ouvindo as vozes de estudantes, dos
O que é um Projeto político-pedagógico (VEIGA,
professores, do corpo técnico administrativo e vozes da
1995)
comunidade mais ampla, a construção do PPP promove
uma rica polifonia que tece a cotidianidade da escola e a
− Vai além de um simples agrupamento de sua rede de significados e ainda possibilita esta se tornar
planos de ensino e de atividades diversas. um espaço mais democrático e participativo, alterando
− É construído e vivenciado em todos os progressivamente a sua gestão de um modelo mais
momentos, por todos os envolvidos com o centralizado para a gestão colegiada e democrática.
processo educativo da escola. O Processo de construção do Projeto Político-
− Busca um rumo, uma direção. É uma ação Pedagógico deve ser desenvolvido em espiral, no
intencional, com um sentido explícito, com sentido de um crescente dinâmico de integração entre
um compromisso definido coletivamente todas as tentativas de respostas, estando em contínua
é, também, um projeto político por estar construção, avaliação e reelaboração. Esta construção
intimamente articulado ao compromisso reflete e é a contínua expressão de nossas ideias
sociopolítico com os interesses reais e sobre a educação, sobre a escola e sua função social,
coletivos da população majoritária. sobre o curso, sobre o ensino e a pesquisa, sobre o
− É político no sentido de compromisso com currículo, sobre a relação teoria e prática, e outros tantos
a formação do cidadão para um tipo de elementos constitutivos da ação escolar.
sociedade. “A dimensão política se cumpre na Necessariamente o Projeto Político-Pedagógico é
medida em que ela se realiza enquanto prática construído no contexto de uma realidade complexa e sua
especificamente pedagógica” (SAVIANI apud estruturação revela as características das inter-relações
VEIGA, 1995) existentes na escola, entre os diferentes níveis de ensino
− Na dimensão pedagógica reside a ali oferecidos, no sistema educacional e no contexto
possibilidade da efetivação da intencionalidade social do qual faz parte. As possibilidades e os limites
da escola, que é a formação do cidadão do PPP passam por questões do contexto externo e da
participativo, responsável, compromissado, natureza interna da instituição.
crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de
definir as ações educativas e as características Veiga (1995) apresenta alguns princípios que
necessárias às escolas de cumprirem seus segundo ela, devem ser norteadores do projeto
propósitos e sua intencionalidade. político-pedagógico:
− Político e pedagógico têm assim uma
significação indissociável.
a) Igualdade de condições para acesso e
− Propicia a vivência democrática necessária
permanência na escola.
para a participação de todos os membros da
comunidade escolar e o exercício da cidadania. A autora defende que só é possível considerar o
− Tem a ver com a organização do trabalho processo educativo em seu conjunto na condição de
pedagógico em dois níveis: como organização

26 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


EAD 2010

se compreender a democracia como possibilidade no professores, funcionários e alunos que aí

HISTORIA
ponto de partida e como realidade no ponto de chegada. assumem sua parte de responsabilidade na
Requer, portanto, mais que a expansão quantitativa construção do projeto político-pedagógico e
de ofertas; requer ampliação do atendimento com na relação destes com o contexto social mais
simultânea manutenção de qualidade. amplo.

b) Qualidade que não pode ser privilégio de e)Valorização do magistério – Pensar


minorias econômicas e sociais. O desafia que na valorização do magistério implica
se coloca ao projeto político-pedagógico da considerar alguns elementos indispensáveis
escola é o de propiciar uma qualidade para à sua profissionalização: formação (inicial e
todos. Esta perspectiva de qualidade tem continuada), condições de trabalho (recursos
duas dimensões indissociáveis: a formal ou didáticos, recursos físicos e materiais,
técnica e a política. Demo (apud VEIGA, 1995) dedicação integral à escola, redução do
afirma que a qualidade formal: “[...] significa número de alunos na sala de aula etc.) e
a habilidade de manejar meios, instrumentos, remuneração.
formas, técnicas, procedimentos diante dos
desafios de desenvolvimento” A garantia deste princípio requer a articulação
entre instituições formadoras, no caso as instituições
A qualidade política está voltada para os fins, valores de ensino superior e a Escola Normal, e as agências
e conteúdos. O projeto político-pedagógico, ao mesmo empregadoras, ou seja, a própria rede de ensino, além
tempo em que exige a definição clara do tipo de escola da compreensão da indissociabilidade entre a formação
que intenta, requer a definição de fins. inicial e a formação continuada.
A seguir apresentamos uma sugestão de um roteiro
c) Gestão democrática abrange as dimensões reflexivo que pode ser utilizado como instrumento para
pedagógica, administrativa e financeira. a construção do projeto político pedagógico (LIBÂNEO,
Implica em ruptura histórica na prática 2001 – adaptado por DALTRO, Selma e BARBOSA,
administrativa da escola; construção coletiva Eliene):
de um projeto político-pedagógico ligado á
educação das classes populares. Visa romper
1. Contextualização e caracterização da escola
com a separação entre concepção e execução,
1.2. Aspectos sociais, econômicos, culturais,
entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática.
geográficos
Busca resgatar o controle do processo e do
1.3. Condições físicas e materiais
produto do trabalho pelos educadores.
1.4. Caracterização dos elementos humanos
1.5. Breve história da escola (como surgiu,
A busca da gestão democrática inclui,
necessariamente, a ampla par ticipação dos como vem funcionando a administração, gestão,
representantes dos diferentes segmentos da escola participação dos professores, visão que os alunos
nas decisões/ações administrativo-pedagógicas. Não têm da escola, pais, escola e comunidade)
é um princípio fácil de ser consolidado, pois se trata da
participação crítica na construção do projeto político- Pergunta de deve ser pensada pelo coletivo da
pedagógico e na sua gestão. escola: Quem é o nosso aluno do ponto de vista sócio-
econômico?
d) Liberdade associado à ideia de autonomia.
Por esta concepção, as regras e orientações Atendemos a alunos de qual faixa etária?
são criadas pelos próprios sujeitos da ação
educativa, sem imposições externas. Se 2. Concepção de educação e de práticas escolares
pensarmos na liberdade na escola, devemos 2.1. Concepção de escola e de perfil de formação
pensá-la na relação entre administradores, dos alunos

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 27


EAD 2010

2.2. Princípios norteadores da ação didático- Como a nossa escola deverá organizar situações
HISTORIA

pedagógica de aprendizagem para os alunos e não situações de


ensino?
Que cidadãos pretendemos, com nossa ação
pedagógica, ajudar a formar 7. Proposta de formação continuada de
professores
3. Diagnóstico da situação atual
3.1. Levantamento e identificação de problemas  Qual o perfil dos professores e professoras da
e necessidades a atender nossa escola?
3.2. Definição de prioridades
Quantidade, faixa etária, sexo, formação inicial, se
3.3. Estratégias de ação, escolha de soluções
tem outra ocupação paralela a de professor, quantos e
Quais as forças e fraquezas de nossa escola? quais cursos já participaram, quais os pontos fortes do
corpo docente da escola, mas também quais os pontos
Como está o desempenho dos alunos nas diversas
que precisam ser melhorados.A quais bens culturais
áreas do conhecimento?
nós professores e professoras temos acesso?
Qual seria o desempenho ideal dos alunos nas
diversas áreas do conhecimento, tomando como
8. Proposta de trabalho com os pais, comunidade
parâmetros os indicadores externos e internos ?
e outras escolas de uma mesma área geográfica
Quais as ações que poderão encurtar a distância
entre as duas realidades, a real e a ideal? Qual o nível de participação dos pais em nossa
escola?
4. Objetivos gerais Como nossa escola valoriza a cultura dos pai?
Quais as estratégias que a nossa escola desenvolve
A nossa escola tem definido metas a curto, médio
para atrair os pais a fim de que par ticipem da
e longo prazos?
aprendizagem dos estudantes?
Quais as parcerias nossa escola estabelecem com
5. Estrutura de organização e gestão
outras escolas e comunidade?
5.1. Aspectos organizacionais
5.2. Aspectos administrativos
5.3. Aspectos financeiros 9. Formas de avaliação do projeto.

 As ações pedagógicas e administrativas estão Qual a periodicidade para avaliação do projeto?
voltadas para as metas de aprendizagem? Todas as pessoas estão envolvidas no processo de
avaliação?
6. Proposta curricular Quais ações/instrumentos estão pensadas para
6.1. Fundamentos sociológicos, psicológicos, avaliar o projeto?
culturais, epistemológicos e pedagógicos
6.2. Organização curricular (da escola, das
séries ou ciclos, plano de ensino da disciplina):
Objetivos, conteúdos, abordagem metodológica,
avaliação da aprendizagem

Qual a crença que nossa escola tem sobre como os


nossos alunos aprendem?
Como a escola compreende a relação saberes
globais e saberes locais no processo de construção
do conhecimento? 

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EAD 2010

PARA PENSAR MAIS: Passemos agora aos dilemas que professores

HISTORIA
universitários, como eu, estão vivendo no presente
momento. As “Diretrizes Curriculares para a Formação
Leia a carta abaixo de autoria da professora Lucíola de Professores da Educação Básica, em nível superior,
Santos (Revista Educação e Sociedade, 2002) dirigida curso de licenciatura, de graduação plena”, aprovadas
ao Ministério da Educação, relacionando de que forma pelo Conselho Nacional de Educação, Resolução CNE/
a descrição nela apresentada pode ser ou não um CP1, de 18 de fevereiro de 2002, definem em seu
desmembramento de políticas públicas educacionais parágrafo 3º, artigo 6º, que os projetos pedagógicos
que orientam a organização do trabalho pedagógico dos cursos de formação de docentes precisam
da escola. possibilitar a aquisição de diferentes competências
que envolvem conhecimentos relacionados a uma
Exmo. Sr. Ministro: cultura geral ampla, cultura profissional, conhecimento
sobre crianças, jovens e adultos, conhecimento sobre
Meu nome é Luciola Licinio de Castro Paixão a dimensão cultural, social, política e econômica da
Santos, sou professora na Faculdade de Educação da educação, domínio dos conteúdos que são objeto de
Universidade Federal de Minas Gerais. Tenho dedicado ensino, conhecimento pedagógico e conhecimento
toda minha vida à educação, desde o magistério das advindo da experiência.
séries iniciais do ensino fundamental até a orientação De um lado, como membro do Colegiado do
de dissertações e de teses de mestrado e doutorado. Curso de Pedagogia que habilita professores para as
Ao longo de minha carreira, sou defrontada e desafiada séries iniciais do ensino fundamental, acredito que a
por problemas relacionados, sobretudo, com o fracasso implementação dessa legislação pela elaboração de
escolar. Como formadora de professores que atuarão um novo currículo ou de uma nova proposta político-
no ensino fundamental, encontro-me, neste momento pedagógica para esse curso é inteiramente exequível.
e de maneira mais intensa, diante de problemas que Em uma Faculdade como a nossa, cresce a cada dia a
considero de extrema relevância para apreciação do produção no campo do ensino das diferentes disciplinas.
Ministério da Educação. Entendo que este órgão, Temos especialistas no ensino da língua materna, da
que define políticas, avalia e interfere no sistema de matemática, da geografia, história, educação física e
ensino, esteja buscando sanar problemas como o artes, sem falar no crescente número de professores
baixo desempenho dos sistemas de ensino; aliam-se que se dedicam a estudar e pesquisar os denominados
a isso as dificuldades de implementar reformas que problemas de aprendizagem.
produzam efeitos concretos no sistema escolar. Sei Por outro lado, como docente e orientadora de
que, hoje, a grande preocupação dos educadores pesquisa e nas minhas atividades de investigação,
e dos homens públicos que trabalham no campo tenho deparado com a realidade do universo escolar
educacional é a garantia de permanência da criança na em que os problemas cotidianos passam muito
escola, uma vez que a ampliação da oferta de vagas longe de questões de ensino e de aprendizagem dos
já vem possibilitando o acesso da quase totalidade da conteúdos curriculares propostos pelos Parâmetros.
população em idade escolar. Entendo que a questão Tenho presenciado depoimentos de professores com
da permanência tem sido analisada por educadores os quais convivo (por mim gravados e colocados ao
e políticos, tomando como referência a qualidade de inteiro dispor desse Ministério) que retratam os reais
ensino. Projeta-se uma escola capaz de formar cidadãos problemas das escolas. Abaixo apresento alguns
dotados de capacidade de resolver problemas, pensar extratos desses relatos.
de modo criativo, de se comunicar usando diferentes
Segundo uma professora da rede pública de ensino,
códigos, ou seja, estamos pensando em um processo
minha orientanda de mestrado, a escola na qual trabalha
de escolarização que permita ao aluno acesso ao
fica situada entre duas favelas. No seu dia-a-dia, essa
conhecimento, instrumentalizando-o para resolver
escola lidava com o problema de alunos drogados,
questões de diferentes naturezas. Tenho certeza de
brigas e lutas entre alunos pertencentes a grupos
que não há nenhuma possibilidade de discordância em
rivais. O prédio da escola pichado, as janelas e os
relação a essas questões por todos aqueles envolvidos
mobiliários e equipamentos quebrados evidenciavam
com os processos de escolarização.
o clima de violência dos alunos, que no processo de

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EAD 2010

depredação do prédio e das instalações escolares dividindo um pequeno espaço comum. O único banheiro de
HISTORIA

jogavam bombas intimidando professoras, alunos e que dispõem é, muitas vezes, o banheiro público, ou seja,
funcionários da instituição. A equipe da escola, incluindo um banheiro que serve a várias casas. Eu estava passando
um dia na rua próxima, vi uma aluna minha de 8, 9 anos
direção, supervisão e professores, tomou a iniciativa de
enrolada numa toalha no meio da rua porque ela morava
elaborar um projeto para superar esses problemas. Hoje,
naquela região e provavelmente estava esperando uma vaga
através de um trabalho que parte da chamada cultura
para tomar banho.
“hip-hop”, desenvolve-se uma série de atividades com
grafitismo, trabalho e composições de rap e street (...) É uma cena que eu não consigo esquecer (...) Entrei
dance, que modificou completamente o cenário da numa sala de 1ª série então, veio um aluno de 6 anos, quase
escola. Os alunos participaram de encontros e de 7, ele entrou na sala e pediu para lanchar antes da aula. Ele
concursos musicais e de grafite e, hoje, o prédio escolar, falou assim: “Ô professora, me deixa comer alguma coisa
cuidadosamente decorado com o trabalho de seus que eu estou com fome, eu não almocei, eu não comi nada”.
alunos, destaca-se no bairro pela beleza e preservação Eu falei assim: “pode comer”. Ele tirou uma garrafinha
de seus espaços. O problema de drogas foi afastado plástica com um pouquinho de leite e um pão que estava
e esses alunos produzem bons trabalhos de música, duro. Eu vi o menino comendo aquilo e passei mal a aula
dança e artes visuais. É fantástico o trabalho realizado inteira, pois aquilo era o almoço dele.
pelas professoras dessa escola. Essa professora
comentou comigo que no dia em que a turma, que Um dia uma menina foi surpreendida com maconha na
escola, enquanto deixaram a menina na secretaria para
ganhou o concurso de grafitismo, pintava os muros do
chamar os pais, a menina fugiu, foi para o banheiro e se
estacionamento da escola, a diretora resolveu colocar
cortou toda com uma gilete (...).
no alto-falante da escola, como música de fundo, o
hino nacional orquestrado. Esses alunos que sempre se O professor foi chamar a atenção de um aluno em relação
insubordinavam diante de músicas cívicas, em atitudes ao dever de casa, porque sua caligrafia era horrível, apesar
de deboche, de ironia e de insolência, permaneceram de ser considerado um aluno esforçado. O menino então
calados e respeitosamente pintavam as paredes da respondeu ao professor: “Ô professor, é muito difícil apoiar
escola, em um clima de profunda harmonia, ao som o caderno numa tampa de panela”.
do hino nacional: sentia-se no ar orgulho e respeito.
Essas são experiências de resgate, de recuperação de Na época das férias, eu ia na escola, às vezes, e encontrava
um grupo que estava pegando, na expressão de Drauzio meus alunos no meio da rua. Subia de manhã, às 9 horas,
Varella, uma conexão equivocada na vida, que talvez e quando eu descia já eram 2 horas. Na volta verificava que
os levaria para caminhos perigosos e sem retorno. É os alunos estavam no mesmo local, não tinham ido embora
inegável o valor desse trabalho. para almoçar. Por isso a merenda da escola faz o maior
sucesso, porque eles têm fome. Nas férias eles não têm
Como não tenho espaço para um relato mais
para onde ir. A casa deles só tem um cômodo, por isso
detalhado de outras experiências, posso informar-lhe ficam brincando, pedindo dinheiro, jogados ao tempo (...).
que, diante do alto índice de drogas, de violência,
de indisciplina, de gravidez e prostituição infantil, de A gente sabe que a maior parte dos alunos tinha bolsa-
doenças sexualmente transmissíveis, de problemas de escola, mas tanto o pai quanto a mãe ou o companheiro
higiene corporal, as professoras vêm desenvolvendo não têm nenhum tipo de trabalho fixo, são “biscateiros” e o
projetos sobre “educação afetivo-sexual”, “higiene índice de alcoolismo é bem alto entre eles (...).
e saúde”, “prevenção e combate às drogas”, entre
outros. Trechos de alguns depoimentos, em que as Muitos alunos andam armados e a escola está toda pichada,
professoras explicam as razões de trabalharem com por dentro e por fora das salas de aula, as carteiras também
essas temáticas, esclarecem a redução do tempo estão todas quebradas e, em uma porta, está escrito
disponível para o desenvolvimento dos conteúdos, hospício e em outra, cadeia.
planejados de acordo com as propostas curriculares
prescritas pelos órgãos públicos. Nesse momento, não posso deixar de me lembrar
de Betinho, o sociólogo Herbert de Souza, e de sua
A situação de pobreza em que vivem esses alunos é
campanha “Ação da cidadania contra a fome, a miséria
chocante. Muitas pessoas moram no mesmo cômodo, e pela vida”. Como sociólogo, o Betinho sabia que

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EAD 2010

esse tipo de campanha não iria resolver o problema possibilidades e interesses, determinados aspectos

HISTORIA
da distribuição de renda no país nem a questão social serão priorizados por esses profissionais no seu
e econômica, principalmente da população que vive trabalho cotidiano. No entanto, todos os problemas
abaixo da linha de miséria. É nesta mesma situação acima citados são tão importantes e exigem respostas
que se encontram os professores. Fazem campanhas tão imediatas que o docente é constantemente assaltado
para arrecadar fundos para as escolas, trabalham no por dúvidas, incertezas e indecisões, quando não a
combate e prevenção às drogas, ensinam os meninos a apatia ou o desespero. Como conciliar as atividades de
produzirem materiais caseiros de limpeza... mas sabem assistente social, com as de psicólogo, de profissional
que não irão resolver o problema da criminalidade, do da saúde pública e com o exercício do magistério? Qual
desemprego e da violência urbana. Mas o que fazer? o seu papel? Para o que está preparado para atuar e que
tipos de problemas é capaz de resolver?
O que fica dissonante nessa situação é que, além Estes problemas só poderão ser superados com a
da ausência de políticas sociais que se encarregassem conjugação de várias políticas públicas, voltadas para
de lidar com muitos dos problemas que os professores as necessidades das camadas populares. Políticas
estão enfrentando, o governo implementa programas no campo da redistribuição de renda, políticas de
de avaliação como o SAEB. É claro que, via SAEB, emprego, habitação e saneamento, políticas de saúde
continuarão sendo ignoradas tanto as condições de e programas sociais de diversas ordens. Só assim,
trabalho, como as iniciativas heróicas de docentes que, inserido em um campo maior de reformas, o sistema
na ausência de políticas públicas sociais, procuram público poderá se transformar e apresentar um melhor
de forma criativa contornar problemas e intervir em desempenho. A educação sozinha não pode assumir a
situações alarmantes do ponto de vista social e ético. É solução dos problemas sociais.
obvio também que os resultados do SAEB serão muito O docente só poderá realmente assumir sua função
baixos, quando os professores gastam mais tempo e seu papel, de acordo com aquilo que é posto pelas
em trabalhos sociais e assistenciais, ficando muito políticas públicas no campo educacional, quando
reduzido o espaço para organização e sistematização forem criadas condições para que ele possa dedicar-
de conhecimentos dos conteúdos avaliados pelo SAEB. se à solução dos problemas educacionais. Quando
Seria interessante indagar se talvez o resultado desse ele/a puder concentrar suas energias em colocar
trabalho não estaria se expressando de forma mais em ação uma proposta de currículo afinada com as
concreta em pesquisas que mostrem redução dos concepções de uma educação inclusiva. Quando o
índices de mortalidade infantil, de aumento do índice Poder Público entender que, para uma mudança no
de esperança de vida e outras similares. quadro da educação, é necessário que sejam realizadas
Como o senhor pode ver, os problemas sociais de reformas econômicas e sociais e sejam concedidas
diversas ordens aparecem de forma mais perversa mais verbas para a educação e mais apoio e incentivo
na escola, porque atingem uma população infantil e à carreira docente. Finalmente, como já existem muitas
juvenil que precocemente sente o peso da fome, do prescrições, recomendações, advertências e sugestões
desamparo e dos sinais de um futuro sem esperanças. sobre os deveres a serem assumidos pelos docentes,
Nesse cenário, o professor é desafiado a educar essa considera-se que seria opor tuno, uma vez mais,
população, tarefa que para ser desempenhada termina concluir relembrando de seus direitos: direito a uma
passando por várias outras, como resolver problemas remuneração digna, direito a melhores condições de
de alimentação e doenças dos alunos, ajudá-los a trabalho, direito de participar em todas as instâncias
superar problemas emocionais, orientá-los em relação em que seu trabalho é discutido e analisado.
ao comportamento sexual, trabalhar com a prevenção Finalizando, deixo-lhe algumas indagações: Como
ao crime e às drogas, entre outros. implementar os Parâmetros Curriculares Nacionais
Fica evidente, nesse quadro, que estão sendo se os professores têm de resolver problemas sociais,
colocadas responsabilidades e tarefas muito complexas restando pouco tempo para conteúdos educacionais
e demasiado número de problemas para o docente previstos naquela proposta? Qual a finalidade do
solucionar. Dependendo de seu compromisso, de suas SAEB se já sabemos que não existe na escola espaço

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EAD 2010

para o desenvolvimento dos conteúdos acadêmicos 5. REFERÊNCIAS


HISTORIA

nas formas como são propostos? Como formar um


superprofissional da educação, capaz de lidar com
ALVES & GARCIA (Orgs.) O sentido da escola. 3 ed.
problemas tão complexos, se a carreira do magistério
Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
é tão pouco atrativa do ponto de vista salarial e
profissional?
ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à
sociedade aprendente. 5 ed. Rio de Janeiro: Vozes,
Atenciosamente, 1998.

Luciola Licinio de Castro Paixão Santos. BARBOSA, Eliene Maria da Silva. Aprendência
nômade: um estudo dos processos itinerantes da
aprendizagem docente. 2007. 140f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal da Bahia/UFBA, Salvador.

BECKER, F. Educação e construção do conhecimento.


Porto Alegre: Artmed, 2001.

BORDENAVE, J.E.D. A opção pedagógica pode ter


conseqüências individuais e sociais importantes. In:
Revista de educação AEC, nº 54, 1984, p. 5-41

CORTELLA, M. A escola e o conhecimento:


fundamentos epistemológicos e políticos. São Paulo:
Cortez. Instituto Paulo Freire, 2000.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da


escola: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2001.

MELLO, G. Educação escolar brasileira: o que


trouxemos do século XX. Porto Alegre: Artmed, 2004.
MIZUKAMI. M.G.N. Ensino: as abordagens do
processo. São Paulo: EPU, 1986.
NEWTON, I. Principia: Princípios matemáticos de
filosofia natural. São Paulo: Nova Stella/EDUSP, 1990

POZO, J. Aprendizes e mestres: a cultura da


aprendizagem. Trad.Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed
Editora, 2002

QUINO. Toda Mafalda. Tradutores Andréa Stahel M. da


Silva et. al.. São Paulo: Martins Fontes 1993.

SALES, K. (Org.) Processo Seletivo para dirigentes


escolares da rede pública estadual de ensino:
formação de gestores. Salvador. EGBA, 2008.

32 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA


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SANTOS, Luciola Licinio de C. P. Políticas públicas

HISTORIA
para o ensino fundamental: Parâmetros Curriculares
Nacionais e Sistema Nacional de Avaliação (SAEB).
Educ. Soc., Set 2002, vol.23, no.80, p.346-367.

SANTOS, R. V. Abordagens do processo de ensino e


aprendizagem. Revista Integração Ensino-Pesquisa-
Extensão. São Paulo - SP, n. 40, p. 19-31, 2005.

SAVIANI, D. Escola e Democracia. São Paulo: Cortez,


1994.
VEIGA, Ilma Passos A (Org.). Projeto Político-
Pedagógico da Escola: uma construção possível.
Campinas, SP: Papirus, 1995.
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Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

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comparative psychology. Nova York: Holt, 1925.

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