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Colecção História e Filosofia da Ciência

A Evolucão I

da Tecnologia

George Basalla
Coordenação da Colecção e Revisão Científica
Ana Simões e Henrique Leitão

~ PORTO EDITORA ·
Sumário

Prefácio IV

I. Diversidade, necessidade e evolução

2. Continuidade e descontinuidade 27

3. Inovação (1): factores psicológicos e intelectuais 67

4. Inovação (2): factores socioeconómicos e culturais 109

5. Selecção (1): factores económicos e militares 143

6. Selecção (2): factores sociais e culturais 179

7. Conclusão: evolução e progresso 219


Título A Evolução da Tecnologia
Autor George Basalla Ensaio bibliográfico
Tradu~o Sérgio Duarte Silva 231
Coordenação da Colecção Ana Simões e Henrique Leitão
Revisores Cientificas Ana Simões e Henrique Leitão
Índice remissivo 246
Capa Eduardo Aires
Editora Porto Editora
Titulo original The Evolution ofTechnology
Edição original ISBN 0-521-22855-7
Editado pela primeira vez por
The Syndicate of the Press of the University of Cambridge
Copyright © Cambridge University Press, 1988

© PORTO EDITORA, LDA- 2001


R. da Restauração, 365
4099-023 PORTO -PORTUGAL

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DEZ/2003 ISBN 972-0·45083·5


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IV 1 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA PREFÁCIO IV

Prefácio po~er-se-á c~ncluir que qualquer sociedade, em qualquer época, possui


ma1s potencial de evolução tecnológica do que alguma vez poderá ter
Este livro apresenta uma teoria da evolução tecnológica baseada em esperança de explorar.
estudos acadêmicos recentes sobre a história da tecnologia e em docu- Dado que apenas uma pequena parcela das novas possibilidades tec-
mentos da história económica e da antropologia. A organização e o nológicas é suficientemente desenvolvida para se tornar parte da vida
conteúdo dos capítulos foram determinados pela natureza da analogia material de um povo, tem de ser feita uma selecção entre os novos arte-
evolutiva e não pela necessidade de apresentar uma descrição cronoló- factos competidores. Em última instância, a selecção é feita de acordo
gica dos acontecimentos da história da tecnologia. Contudo, visto tra- com os valores e necessidades da sociedade e em harmonia com a sua con-
tar-se principalmente de um estudo histórico, e não de um exercício de cepção de "vida boa" num dado momento. O Capítulo 5 e o Capítulo 6
filosofia ou de sociologia da tecnologia, serão apresentados exemplos exploram o processo de selecção e as forças que o impulsionam.
históricos que elucidam e apoiamo quadro teórico. Os principais desen- Em jeito de conclusão, o Capítulo 7 é dedicado à questão do pro-
volvimentos da história da tecnologia, como a invenção da máquina a gresso tecnológico e do melhoramento humano. É posto em evidência
vapor ou o advento do sistema de iluminação eléctrica, são apresenta- que a concepção tradicional de progresso revela falhas internas e é
dos em simultâneo com a exposição de uma explicação evolutiva da incompatível com a evolução tecnológica. Contudo, é possível redefi-
mudança tecnológica. nir progresso de modo a não entrar em conflito com uma perspectiva
O capítulo 1 desta obra apresenta três temas que voltarão a ser abor- evolutiva.
dados em capítulos posterio;res: diversidade- o reconhecimento do ele- Desejo expressar a minha gratidão aos autores listados na bibliogra-
vado número de diferentes tipos de artefactos, ou coisas feitas, que se fia, porque uma obra desta envergadura não poderia ter sido escrita sem
encontra há muito disponível; necessidade- a crença de que os seres as investigações acadêmicas levadas a cabo por historiadores da tecno-
humanos são levados a inventar artefactos para satisfazer necessidades logia ao longo das últimas décadas. Um reconhecimento especial para
biológicas básicas; e evolução tecnológica - uma analogia orgânica que George Kubler e Nathan Rosenberg, pois utilizei com frequência ideias
explica tanto o apareciment9 como a selecção desses novos artefactos. e conceitos po:r eles desenvolvidos.
Uma observação mais atenta destes temas revela que a diversidade é um Es~ou particularmente grato a dois amigos: William Coleman, que
facto da cultura material, a necessidade é uma explicação popular, mas compilou comigo a Cambridge History ofScience Series e me ajudou na
errónea, da diversidade, e a evolução tecnológica é uma forma de expli- questão da analogia evolutiva; e Eugene S. Ferguson, meu colega na
car a diversidade sem recorrer à ideia de necessidade biológica. Universidade de Delaware, que me aconselhou em todos os aspectos
A explanação formal da teoria da evolução tecnológica começa no deste livro. Não é exagero afirmar que este livro não teria sido possível
Capítulo 2, onde se afirma que o artefacto é o principal objecto de estudo sem os seus contributos.
da tecnologia e que no universo das coisas feitas prevalece a continui- Por fim, desejo agradecer a Catherine E. Hut~hins do Winterthur
dade. A existência de continuidade pressupõe que os novos artefactos Portfolio pela revisão do texto, a Marie B. Perrone por dactilografar o
têm origem em artefactos anteriores- que os novos tipos de artefactos manuscrito, a Kenneth Marchionno pelas ilustrações e à minha mulher
nunca são uma pura criação da teoria, do engenho ou do gosto. e família pelo apoio constante.
Para a tecnologia evoluir tem de haver inovação no seio da conti-
nuidade. O Capítulo 3 e o Capítulo 4 destacam as várias fontes da ino-
vação- a imaginação humana, as forças socioeconómicas e culturais, a
difusão da tecnologia, o avanço da ciência- tcinto em culturas primiti-
vas como nas modernas nações industrializadas. Desta abordagem

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1. Diversidade, necessidade e evolução
DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO li

Diversidade
Dt.:rante séculos, a rica e espantosa diversidade de formas de vida que
habitam a Terra intrigou a humanidade. Por que razão as coisas vivas surgiam
como paramécias e colibris, como sequóias e girafas? Durante muitos séculos
a resposta foi dada pelo Criacionismo. Segundo esta doutrina, a diversidade
da vida é o resultado e a expressão da natureza generosa de Deus: na imensi-
dão do Seu poder e amor, Deus escolheu criar a maravilhosa diversidade de
<oisas vivas que se encontra no planeta.
~m meados do século XIX, e particularmente após a publicação da Origem
das Espécies de Charles Darwin em 1859, a explicação religiosa da diversidade
fui posta em causa por uma explicação científica. Segundo esta nova interpre-
tação, tanto a diversificação da vida num determinado momento como o apa-
recimento de novas formas de vida através dos tempos resultavam de um pro-
cesso ey-olutivo. Apoiando as teorias de Darwin, os biólogos levaram a cabo a
identificação e catalogação de mais de 1,5 milhões de espécies de flora e fauna
e explicaram esta diversidade com o conceito de variabilidade reprodutiva e
selecção natural .
.Houve, contudo, um outro exemplo de diversidade de formas que foi
esquecido, ou tomado como certo, de forma demasiado célere - a diversidade
das coisas produzidas pela mão humana. A esta categoria pertence «o vasto
universo de objectos utilizados pela humanidade para ser bem sucedida no
mundo fisico, para facilitar as suas relações sociais, para satisfazer os seus gos-
tos e para criar símbolos com significado". 1
Uma vez .que entre o conjunto de objectos manufacturados pelo homem
não é possível identificar com precisão categorias distintas_, é difícil conseguir
ema enumeração precisa dos diferentes tipos de artefactos. É possível faze~
nma aproximação, ainda que grosseira, a esse número, utilizando o número
G.e patentes concedidas como indicador da diversidade do mundo construído.
Só nos Estados Unidos da Améri~ foram emitidas mais de 4,7 milhões de
patent<!s desde 1790. Se considerarmos que cada uma destas patentes é equi-
valente a uma espécie orgânica, é possível afirmar que o mundo tecnológico

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ThorruEl Schlereth, Material culture studies in Americ:a (Nashville, 1982), p. 2.
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21 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA

possui uma diversidade três vezes superior à do mundo orgânico. Apesar de


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DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO

outro é resultado de um processo natural aleatório. Um produz um objecto


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algumas lacunas, esta tentativa de medir a diversidade através de uma análise físico estéril, o outro um ser vivo, ele próprio capaz de se reproduzir. Devo
comparativa sugere que a diversidade do mundo tecnológico se aproxima da 'l salientar que não pretendo fazer uma correspondência minuciosa entre estes
do mundo orgânico.
A variedade de coisas feitas é tão espantosa como a variedade de coisas
vivas. Veja-se a distância que vai. dos utensílios de pedra aos microchips, dos
,I domínios marcadamente diferentes. Na narrativa e análise que se seguem, uti-
lizo a metáfora ou analogia evolutiva sempre que considero oportuno esclare-
cer aspectos, de outro modo inacessíveis, da história da tecnologia.
moinhos hidráulicos às naves espaciais, das tachas de desenho aos arranha-céus. A natureza da metáfora e o seu papel neste livro requerem um esclareci-
Em 1867, Karl Marx ficou surpreendido ao saber que em Binningham, Ingla- mento adicional. As metáforas não são ornamentos arbitrariamente inseridos
terra, se produziam quinhentos tipos diferentes de martelo, cada um adap- no discurso com finalidades poéticas. As metáforas, ou analogias, são fulcrais
tado a uma função específica na indústria ou nos ofícios (figura 1.1.). Que para o pensamento analítico e para o juízo critico. Sem metáforas, a literatura
forças conduziram à proliferação de tantas variações desta antiga e vulgar fer- seria estéril, a ciência e a filosofia dificilmente existiriam e a história estaria
ramenta? Ou, numa abordagem mais geral, porque existem tantos tipos dife- reduzida a uma crônica de acontecimentos.
rentes de coisas? Os historiadores utilizam há muito tempo metáforas na interpretação do
As nossas tentativas para compreender a diversidade no mundo cons- passado, especialmente metáforas orgânicas que invoquem nascimento, cres-
cimento, desenvolvimento, maturidade, saúde, doença, senilidade e morte.
truído, ou mesmo para apreciar a sua riqueza, têm sido condicionadas pelo
Nos últimos cem anos, aqueles que se dedicam ao estudo da história da ciên-
pressuposto de que as coisas que fazemos são apenas instrumentos que nos
cia e da tecnologia têm invocado regularmente uma forte metáfora política, a
permitem lidar com o ambiente natural e satisfazer necessidades vitais. O
de revolução, para explicar os acontecimentos nessas áreas. Assim, ao utilizar
saber tradicional acerca da natureza da tecnologia salienta a importância da
a teoria da evolução para tornar a mudança tecnológica mais compreensível,
necessidade e da utilidade. É como ouvirmos dizer que, a.través dos tempos,
não estou a introduzir a metáfora num domínio a que o conceito era total-
os técnicos proporcionaram aos seres humanos objectos úteis e estruturas
mente alheio, mas a sugerir uma nova metáfora e a afirmar que as suas impli-
necessárias à sobrevivência. cações mais vastas devem ser seriamente analisadas.
A necessidade e a utilidade não podem, isoladamente, explicar a diversi- Peço aos leitores a mesma indulgência concedida aos que escreveram
dade e a inovação dos artefactos produzidos pelo Homem, por isso, torna-se sobre as revoluções científicas e industriais. Do mesmo modo que os historia-
necessário procurar outras explicações, em especial as que incluam os pressu- dores da ciência e da tecnologia não são considerados responsáveis por todos
postos mais gerais acerca do significado e objectivos da vida. Esta procura os pontos de semelhança entre a revolta política e a mudança radical da ciên-
pode ser facilitada pela aplicação da teoria da evolução orgânica ao mundo cia, tecnologia e indústria, também não devo ser culpabilizado se não estabe-
tecnológico. lecer paralelos entre todas as características do mundo das coisas construídas
A melhor forma de compreender a história da tecnologia, uma disciplina e o mundo orgânico.
centrada na invenção, produção e utilização de artefactos materiais, é através Há wn aspecto em que o uso que faço da metáfora difere do da maior
da aplicação de uma analogia. Uma teoria que explique a diversidade do parte dos historiadores: eles utilizam metáforas implicita e frequentemente de
mundo orgânico pode ajudar a explicar a variedade de coisas feitas. Contudo, forma inconsciente; neste livro, dou-lhe um uso explícito e consciente. Apesar
este projecto tem os seus. perigos, como avisa o poeta e. e. cummings: «Um de a nossa escolha, e abordagem, das metáforas poder divergir, partilhamoS
mundo de construções não é um mundo de nascimentos." 2 um objectivo comum: dar sentido ao passado.
A metáfora evolutiva deve ser ~bordada com cautela porque existem gran-
des diferenças entre o mundo das coisas construídas e o mundo das coisas Necessidade
nascidas. Um resulta da actividade humana com um propósito definido, o
Há uma fábula de Esopo que é especialmente relevante para a discussão da
tecnologia, diversidade e necessidade. Era uma vez, escreveu o fabulista grego,
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e. e. cummings, «pitythisbusy monstermanunkimL>. in Poems, 1923-1954 (Nova Iorque, 1954), p. 397. j uma gralha prestes a morrer à sede que encontrou um balde parcialmente

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Figura 1.1. A diversidade de artefactos refle<:tida na forma dos marteks utilizados pelos artífices de dois ângulos). 11: A- cabeça de martelo com unha utilizado para arrancar pregos; B- cinzel de
ingleses. I: A, 8, C, D, E- martelos de pedreiro utilizados para partir, cortar, quadrar e ornam~­ assentador de ardósia; C- machadinha de ripas; D -enxó de pregar de tanoeiro utilizado em anéis
tar a pedra· F G- martelo de carpinteiro com cabeça reforçada; H- cabeça cmva de martelo uti- de barril; E- pequeno barril de manteiga utilizado para abrir e fechar cascos de manteiga; F- com-
lizada para'p;oteger a superfície da madeira ao espetar um prego; r- martelo para trabalhos gerais binação de martelo e provador de queijo; G- martelo amoladore afinador de serra; H- martelo
em madeira; K- martelo de pena direita de ferreiro; L- martelo de pena de bola, martelo para ~ra­ de estofador ou albardeiro; J, K- martelos de sapateiro. Fonte: PercyW. Blandford, Countrycraft
balhos gerais em metal; M- martelo de construtor de cadeiras; N- martelo de ferrar cavalos (vtsto tools (Newton Abbot, 1974) pp. 49, 55.
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cheio de água. Tentou vezes sem conta beber, dobrando e esticando o pes- cavalos. Os lideres nacionais, os pensadores influentes e os escritores não esta-
coço, mas o seu bico curto não conseguia alcançar a superfície da água. vam a apelar à substituição do cavalo, nem os cidadãos comuns estavam
Quando também falhou na tentativa de virar o pesado recipiente, o animal ansiosamente à espera que uns inventores preenchessem com urgência uma
ficou desesperado pensando que nunca iria satisfazer a sua sede. Foi então grave lacuna pessoal e social de transporte motorizado. Na realidade, durante
que teve uma ideia brilhante. Vendo, por perto, calhaus soltos, a gralha come- a primeira década da sua existência, 1895-1905, o automóvel foi um brin-
çou a deitá-los no balde. À medida que as pedras eram colocadas, o nível da quedo para aqueles que tinham possibilidade de comprar um.
água começou a subir e a gralha conseguiu beber. Moral: a necessidade é mãe O camião a motor teve uma aceitação ainda mais lenta do que o automó-
do engenho. Alguns críticos modernos recordam esta mensagem para louvar vel. O êxito do transporte em camiões militares durante a Primeira Guerra
os indivíduos que, em vez de desesperarem face a um problema, usam a saga- Mundial, combinado com um intensivo esforço conjunto dos fabricantes de
cidade e o engenho para inventar novos utensílios e máquinas que resolvam camiões e do exército após a guerra, resultou no afastamento do transporte de
dilemas, satisfaçam necessidades biológicas básicas e contribuam para o pro- tracção animal e, mais tarde, do caminho-de-ferro. Mas o camião a motor
gresso material. não foi criado para superar quaisquer deficiências óbvias da tracção animal
A crença de que a necessidade aguça o esforço inventiva tem sido invo-
cada constantemente para explicar a maior parte da actividade tecnológica. I ou a vapor. Tal como com os automóveis, a necessidade de camiões apenas
surgiu após, não antes, serem inventados. Por outras palavras, a invenç~o dos
Os seres humanos necessitam de água, por isso, cavam poços, constroem veículos movidos por motores de combustão interna deu origem à necessidade
diques nos rios e nos ribeiros e desenvolvem tecnologia hidráulica. Precisam J de transporte motorizado.
de abrigo e defesa, portanto, constroem casas, fortalezas, cidades e máqui-
nas militares. Necessitam de alimento, por isso, cultivam plantas e criam
animais. Precisam de se deslocar com facilidade, por isso, inventam navios,
quadrigas, carroças, carruagens, bicicletas, automóveis, aviões e naves espa-
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Os carros e camiões a motor surgiram no final de um século marcado por
uma intensa actividade tecnológica, por isso, podem ser considerados maus
exemplos para ilustrar a necessidade que está por detrás de uma qualquer
invenção. Talvez se se conseguisse identificar uma invenção mais antiga, uma
ciais. Em cada uma destas situações, os seres humanos, tal como a gralha da que não coincidisse nem com a inovação tecnológica deliberada e dissemi-
história de Esopo, utilizam a tecnologia para satisfazer uma necessidade nada nem com a crença no progresso material que a acompanha, fosse possí-
premente e imediata. vel isolar mais facilmente a necessidade que lhe deu origem. A roda promete
Se a tecnologia existe sobretudo para satisfazer as necessidades mais bási- ser esse tipo de invenção.
cas do ser humano, devemos então determinar com precisão quais são essas
necessidades e que grau de complexidade deve ter uma tecnologia que as
satisfaça. Qualquer complexidade que vá além da estrita satisfação dessas A roda
necessidades deve ser considerada supérflua e deve ser explicada por outras
razões que não a necessidade. Reconhecida como uma das mais antigas e mais importantes invenções na
Ao analisar as necessidades e as técnicas essenciais aos seres humanos, um história da humanidade, a roda é, a par com o fogo, citada como um dos
crítico moderno poderia perguntar: Precisamos de automóveis? Dizem-nos, maiores êxitos técnicos da Idade da Pedra. Na banda desenhada e nos dese-
com frequência, que os automóveis são absolutamente essenciais, porém os nhos animados, as rodas de pedra e o fogo são retratados como criaçQes cOn-
automóveis têm pouco mais de um século. Os homens e as mulheres tinham juntas dos homens das cavernas pré-históricos. Este retrato familiar, que sur-
vidas felizes e preenchidas antes de, em 1876, Nikolaus A. Otto ter inventado giu pela primeira vez nos· finais. do século XIX, tem como exemplo actual a
o motor de combustão interna a quatro tempos. banda desenhada B. C.*
Uma pesquisa às origens do automóvel de motor a gasolina revela que não
foi a necessidade que inspirou os seus inventores. O automóvel não foi desen- • (Nota dos coordenadores} B. C.- banda desenhada muito popular nos Estados Unidos, com persona·
volvido em resposta a uma crise internacional de cavalos ou a uma escassez de gens da época pré-histórica.
SI A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO 19

Aqueles que têm um conhecimento mais profundo da história antiga da As primeiras ilustrações mostram-nos esses veículos a serem utilizados para
cultura humana sabem que o fogo e a roda não tiveram origem na mesma tfansporte de efígies de divindades ou de personalidades importantes. Os mais
altura. O fogo é utilizado há pelo menos 1,5 milhões de anos, ao passo que a antigos vestígios de veículos com rodas foram encontrados em túmulos; esses
roda tem pouco mais de 5000 anos. Contudo, mesmo a este nível de com- veículos, enterrados com o cadáver como parte de uma cerimônia funerária
preensão histórica, há uma tendência para emparelhar as duas invenções religiosa, foram encontrados em vários locais do Próximo Oriente e da Europa
colocando-as numa categoria especial acima e para alé:n de todas as outras Os veículos enterrados com os mortos eram geralmente do tipo utilizado
realizações humanas. Por exemplo, quando o distinto h:Storiador económico no campo de batalha. Assim, os usos rituais e cerimoniais da roda estavam
David S. Landes avaliou o significado do relógio mecânico, concluiu que este intimamente relacioriados·com a sua utilização na guerra. As exigências mili-
"não estava na classe do fogo e da roda" e que merecia, por isso, uma classifi- tares exerceram uma forte influência no subsequente desenvolvimento dos
cação mais baixa.3 veículos com rodas. Por exemplo, as provas pictóricas e físicas apoiam a ideia
Seja qual for o grau de sofisticação histórica, a maior parte das pessoas de que os "vagões de batalha" de quatro rodas e os "carros de montar" de duas
acredita que a utilização do transporte com rodas é um sinal de civilização. O rodas (um veículo semelhante à quadriga) da Mesopotâmia eram, inicialmente,
transporte e a roda estão de tal forma interligados que o progresso de uma utilizados como plataformas móveis, das quais podiam ser lançados dardos. A
cultura tem sido avaliado pelo seu desenvolvimento no transporte com rodas. inovadora roda radiada, que exigiu um elevado grau de perícia artesanal, foi
Por este padrão, a ausência total de roda é suficiente para separar uma cultun,1 pela prim~!ra vez utilizada em carros de guerra no segundo milénio a. C. para
do mundo civilizado. . criar veícUlos leves e rápidos que pudessem ser facilmente manobrados no.
Para procurar a~ origens desta maravilhosa invenção não é necessário pes- campo de batalha.
quisar os reinos da natureza. Exceptuando um pequeno número de microrga- Para além dos usos rituais e militares, a roda também foi utilizada para o
nismos, não há nenhum animal que se desloque por mei.o de um conjunto de transporte de mercadorias. Apesar de esta terceira função não se encontrar
rodas orgânicas girando livremente nos eixos. A origem da roda deve ser pro- claramente registada nos mais antigos achados arqueológicos, pressupomos
curada entre as coisas feitas. que os veículos podiam ser, e foram, utilizados com fins mais mundanos. O
Antes do advento da roda, os objectos pesados e de grandes dimensões primeim documento que refere o uso de vagões para transportar produtos de
eram deslocados em trenós- plataformas de madeira com ou sem corredou- uma quinta, como feno, cebolas, juncos, data de 2375 a 2000 a. C., cerca de
ras. Eram utilizados rolos cilíndricos (toros polidos) CQlocados debaixo do mil anos após o aparecimento inicial da roda. Contudo, este hiato de tempo
veículo para facilitar a deslocação dos trenós, e pensa-se que foram estes rolos pode simplesmente reflectir a natureza ritual, cerimonial e militar de muitos
que inspiraram a invenção da roda. dos achados arqueológicos. Apesar· da ausência de provas fortes que atestem a
Qualquer que tenha sido a fonte de inspiração, as rodas surgiram pela pri- utilização de veículos com rodas para fins de transporte num período mais
meira vez no quarto milênio a. C., numa vasta área que se estende do rio antigo, é possível defender que o aspecto utilitário foi primordial e que a
Tigre ao Reno. Os achados arqueológicos sugerem que os veículos com rodas necessidade de transporte dos produtos agrícolas esteve na origem da inven-
tenham sido inventados na Mesopotâmia e que daí se tenham espalhado rapi- ção do vagão e da carroça.
damente até ao Noroeste da Europa. As primeiras rodas eram sólidos discos A nossa discussão sobre~ roda e os seus usos tem-se confinado a uma área
de madeira cortados de uma única tábua ou modelos tripartidos, um con- geográfica relativamente pequena. A história da roda no resto do mundo cOn-
junto de três pranchas de madeira aparada e ligadas por grampos. tinua por contar. Os veículos com rodas surgiram na índia no terceiro milé-
Uma leitura mais atenta dos registos arqueológicos revela que os primei- nio e no Egipto e na China no segundo milénio a. C. Os povos do Sudeste
ros veículos com rodas foram utilizados com finalidades rituais e cerimoniais. Asiático, África a Sul do Sara, Australásia, Polinésia, América do Norte e
Amérka do Sul conseguiram sobreviver e, em muitos casos, prosperar sem o
auxílio da roda. Os veículos com rodas, para fins de transporte, só foram
3
David S. Landes, Revolution in rime: clocks and the making of the modem world (Cambridge, Mass.,
1983), p. 6. introduzidos nestas zonas nos tempos modernos.
10 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO 111

Especialmente interessante é o caso da Mesoaméiica (aproximadamente o A resposta às questões acima formuladas é simples. Os Mesoamericanos
México e a América Central). Embora desconhecessem os transportes com não usaram a roda porque não era viável fazê-lo por causa das características
rodas antes da chegada dos Espanhóis, os mesoamericanos.fabricavam minia- topográficas do território e por não disporem de tracção animal apropriada.
turas de objectos com rodas. Entre os séculos IV e XV d. C., as figuras de O transporte sobre rodas está dependente de vias adequadas, uma exigência
barro de diversos animais tinham eixos e rodas para as tornarem móveis difícil de satisfazer numa região caracterizada por densas selvas e terreno
(figura 1.2.). Desconhece-se se estas figuras eram brinquedos ou objectos de montanhoso. Também eram necessários grandes animais de tracção capazes
culto ou votivos; contudo, independentemente da sua finalidade, mostram de puxar pesados veículos de madeira, mas os Mesoamericanos não tinham
que o principio mecânico da roda era bem compreendido e aplicado por domesticado quaisquer animais que pudessem utilizar para esse fim. Os
povos que nunca o usaram no transporte de mercadorias. homens e as mulheres do México e da América Central viajavam por trilhos e
Como podemos explicar esta falta de exploração de uma invenção unani- por terrenos irregulares com cargas às costas. Não era necessário construir
memente considerada como uma das duas maiores realizações técnicas de estradas para estes carregadores humanos.
todos os tempos? Se partirmos do pressuposto que estamos a falar de um :E: possível usar um argumento ainda mais persuasivo contra a superiori-
povo cujo desenvolvimento intelectual é tão reduzido que foi incapaz de dar dade universal e a aplicabilidade da roda, voltando ao seu lugar de origem no
um uso prático à roda, como poderemos explicar o facto de ter sido capaz de Próximo Oriente. Entre os séculos III e VII d. C., as civilizações do Próximo
inventar a roda? E como explicar as florescentes culturas Azeteca e Maia, com Oriente e do Norte da África desistiram dos veículos com rodas como meio
as suas múltiplas realizações nas artes e ·na ciência? de transporte e adoptaram uma forma mais eficaz e veloz de transportar pes-
soas e mercadorias: substituíram o vagão e a carroça pelo camelo. Este delibe-
rado abandono da roda, na sua própria região de origem, durou mais de mil
anos e só terminou quando as principais potências europeias, impondo os
seus esquemas imperialistas ao Próximo Oriente, reintroduziram a roda.
O camelo foi preferido como animal de carga em detrimento dos veículos
com rodas por razões que se tornam óbvias quando se compara o camelo com
o típico veículo _puxado por bois. Comparado com o boi, o camelo é mais
resistente, pode transportar mais mercadorias e deslocar-se mais depressa,
consumindo menos comida e água. Os camelos de carga não precisam de
estradas ou pontes, podem atravessar terrenos irregulares e rios, e a sua força
é totalmente concentrada no transporte da carga, em lugar de ser desperdi-
çada a puxar o peso morto de um vagão.
Depois desta comparação, interrogamo-nos por que razão a roda foi
alguma vez adaptada na região. Uma grande parte dos transportes de merca-
dorias no Próximo Oriente foi~sempre feita por animais de carga. Foi uma
sobrevalorização da roda que.levou os académicos ocidentais a subestimarem
a utilidade dos animais de carga e a atribuírem um valor demasiado elevado
ao contributo dos veículos com rgdas nos anos que antecederam a substitui-
ção da roda pelo camelo.
Figura 1, 2. Figura de barro com rodas fabricada pelos Azetecas (México). É possível encontrar
por toda a Mesoamérica figuras de animais que tinham eixos e rodas. Datam de cerca de 300 d. C. Quanto mais sabemos acerca da roda, mais claro se torna que a sua his-
até à chegada dos Espanhóis, no século XVI, período em que não havia transportes com rodas na tória e influência foram distorcidas pela extraordinária atenção que lhe é
região. Fome: Stuart Piggott, TheeJtrliest wheded transport (Ithaca, N.Y., 1983), p.15. Neg. n. 0 326744;
cortesia do Departamento de Serviços da Biblioteca, American Museum ofNatural History. dada na Europa e nos Estados Unidos. A ideia ocidental de que a roda é

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121 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO 113

uma necessidade universal (tão essencial à vida como o fogo) é de origem Segundo os antropólogos e os sociobiólogos funcionalistas, todos os
recente. A preciosa dádiva que Prometeu roubou aos deuses e ofereceu à aspectos da cultura, materiais e imateriais, podem ser relacionados com a
humanidade foi o fogo, não a roda. Do· mesmo modo~ foi o fogo, e não a satisfação de uma necessidade básica. De acordo com este ponto de vista, a
roda, que apareceu tradicionalmente retratado como o grande agente civiliza- cultura não é mais do que a resposta humana à satisfação das suas necessida-
cional na literatura e nas artes visuais da cultura ocidental. Só nos finais do des de nutrição, reprodução, defesa e higiene. Contudo, os críticos da teoria
século XIX é que os escritores populares sobre tecnologia elevaram a roda ao biológica lançaram vários contra-argumentos fortes. Alguns afirmaram que
lugar de destaque que hoje tem. os fenómenos mais importantes da cultura, como a arte, a religião e a ciência,
A história da roda que aqui se apresentou teve como propósito inicial pro- possuem ligações muito ténues com a sobrevivência humana. De igual modo,
curar um avanço tecnológico significativo produzido para dar resposta a uma a agricultura e a arquitectura, que deveriam estar relacionadas com as necessi-
necessidade humana universal. No final, a roda acabou por ser considerada
dades de alimentação e abrigo, manifestam-se de modos que só remotamente
uma invenção ligada a uma cultura, cujo significa~o e impacto têm sido exa-
podem ser explicados por uma necessidade biológica. A produção agrícola
gerados no Ocidente. Embora não tenha por objectivo desvaloriza: a impor-
moderna, por exemplo, tem muitos outros motivos para além da preocupa-
tância real da roda na tecnologia moderna, esta critica levanta sérias dúvidas
ção em fornecer alimento aos seres humanos e um arranha-céus não é sim-
sobre o seu uso como-critério de avaliação de outras culturas.
plesmente uma estrutura para proteger as pessoas da intempérie.
Ao colocarmos o transporte sobre rodas numa perspectiva cultural, histó-
Alguns académicos afirmam que a linguagem é a característica mais
rica e geográfica mais vasta, há três pontos importantes que se salientam: pri-
importante da cultura e que é a linguagem, e não a biologia, que determina a
meiro, os veículoS de ro4as não foram necessariamente inventados Para facili-
definição daquilo que o ser humano considera ser necessáriO ou útil. Segundo
tar 6 transporte de _mercadorias; segundO, a civilização ocidental é uma civili-
estes estudiosos, a necessidade não é algo imposto ao homem pela natureza,
zação centrada na roda e leyou o transporte sobre rodas a um elevadíssimo
mas uma categoria conceptual criada por escolha cultural Estas perspectivas
estádio de desenvolvimento; e, terceiro, a roda não é uma invenção mecânica
reconhecem a existência de condicionalismos materiais externos à cultura;
única, necessária, ou útil, para todas as pessoas em qualquer época.
contudo, esses condicionalismos são considerados remotos e de pouca impor-
tância em comparação com a imensa gama de possibilidades culturais abertas
Necessidades fundamentais
à humanidade. A necessidade biológica funciona negativamente e em limites
A nossa pesquisa sobre necessidade e invenção revelou que necessidade é extremos. Decreta o que é impossível, não o que é possível.
um termo relativo. Uma necessidade para um povo, geração ou classe social Uma outra abordagem crítica das teorias da cultura baseadas em necessi-
pode não ter valor utilitário, ou ser um luxo dispensável para outro povo, dades fundamentais preexistentes avalia o papel da tecnologia no reino ani-
geração, ou classe social. Ao mesmo tempO que na Europa se desenvolvia de mal. Os sel.!S proponentes concluem que não é necessário qualquer tipo de
forma enérgica o transporte sobre rodas, no Próximo Oriente. abandonava-se tecnologia para satisfazer as necessidades dos animais. A prova desta afirma-
o uso da roda, e na Mesoamérica a roda era adaptada-a figuras de barro. A ção é obtida observando o reino animal onde se procura satisfazer as necessi-
análise comparativa da aceitação e do uso da roda poderia ser repetida para dades vitais sem intervenção da tecnologia. Ao contrário da gralha da fábula
todas as chamadas necessidades da vida moderna. Longe de satisfazerem de Esopo, as aves reais não obtêm água recorrendo a complexos estratagema~
necessidades universais, elas adquirem a s11-a importância num contexto cul- tecnológicos. As aves, e os outros animais, não escavam poços, nem cons-
tural ou sistema de valores específico. troem canais, aquedutos ou canalizações. A natureza fornece-lhes directa-
Esta ilação levanta a possibilidade de determinar um núcleo de necessida- mente água, comida e abrigo, sem intervenção de estruturas construídas.
des fundamentais, aplicável ao ser humano em qualquer tempo -e local, se Claro que alguns animais usam paus e pedras como ferramentas rudimenta-
separássemos as falsas necessidades e as triviais a que nos fomos acostu- res para recolherem comida, ou como armas para se defenderem, mas o com-
mando. Estas necessidades universais constituiriam uma base sólida para a portamento animal relativamente aos utensüios é tão rudimentar e limitado
compreensão da cultura, incluindo a tecnologia. que não pode ser comparado à tecnologia das mais simples culturas humanas.
141 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇAO IIS

Não há animais que usem o fogo, nem há animais que construam regular-
,,.
O que concebemos como uxrilt n~cessidade coincide muitas vezes com
mente novas ferramentas, melhorem o design dos antigos utensílios, utilizem uma necessidade animal, como as exigências de alimentação. Porém, não
utensílios para fazer outros utensílios, ou passem o conhecimento técnico devemos esquecer que os seres humanos escolheram meios tecnológicos
acumulado aos seus descendentes. demasiado complexos para satisfazer necessidades básicas. Em lugar de con-
Tendo em conta estes factos, é enganador ligar, por meio de uma curva fiarmos exclusivamente na natureza para obter os nossos alimentos, criámos
suave de transição, o uso que os animais fazem dos utensílios com a tecnologia as desnecessárias técnicas da agricultura e da culinária. Desnecessárias porque
humana. Mesmo os primeiros e mais rudimentares utensílios fabricados pelo as plantas e os animais são capazes de crescer, e mesmo de ser bem sucedidos,
homem implicam uma antevisão considerável e um grau de desenvolvimento sem intervenção humana, e porque a comida não precisa de ser transformada
mental que os demarca dos mais sofisticados utensílios feitos pelos animais. pelo fogo para ser adequada ao consumo humano. A agricultura e a culinária
Como Karl Marx salientou, o pior arquitecto humano é superior ao I?ais habi- não são pré-requisitos para a sobrevivência humana, só se tomam necessárias
lidoso insecto construtor de ninhos ou de colmeias, porque apenas os humanos quando decidimos incluí-las no nosso bem-estar.
são capazes de conceber estruturas na imaginação antes de as erigirem. Os seres humanos e os animais têm uma relação diferente com o mundo
Os animais existem e são bem sucedidos sem o fogo e sem os mais simples natural. A natureza sustenta a vida animal de forma simples e directa. Para os
utensílios de pedra. Na medida em que, no plano zoológico da existência, o humanos, a natureza serve como uma fonte de materiais e forças que pode ser
ser humano também é um animal, é lógico que também poderia viver sem o utilizada na procura daquilo a que decidem chamar, num determinado
fogo e sem os utensílios de pedra. É óbvio que, sem tecnologia, não poderí.a- moxp.ento, o seu bem-estar.
mos ocupar nem .visitar muitas das regiões do planeta, nem realizar a maior Dado que os recu.rsos naturais são variados e os valores e gostos humanos
parte das coisas que fazemos no nosso quotidiano. Mas podíamos sobreviver, diferem de cultura para cultura, de época para época e de pessoa para pessoa,
e é a sobrevivência que temos em mente ao perguntarmos qual é o nível ele- não deveríamos ficar surpreendidos com a tremenda diversidade dos produ-
mentar de tecnologia requerido para satisfazer as nossas necessidades básicas. tos da tecnologia. Os artefactos que constituem o mundo construído não são
Como a tecnologia não é necessária para satisfazer as necessidades animais um conjunto limitado de soluções para problemas gerados na satisfação das
do homem, José Ortega y Gasset define-a como a produção do supérfluo. Este necessidades básicaS, mas sim manifestações materiais das várias formas que,
filósofo salienta que a tecnologia era tão supérflua na remota Idade da Pedra através do tempo, homens e mulheres escolheram para definir e pôr em prá-
como é hoje em dia. Como o resto do reino animal, também p.ós podíamos tica a sua existência. Neste sentido, a história da tecnologia é parte de uma
ter vivido sem fogo e sem utensilios. Por razões obscuras, começámos a história mais alargada das aspirações humanas, e a abundância de coisas fei-
desenvolver a tecnologia e o processo originou aquilo que passou a ser conhe- tas é o produto das mentes humanas repletas de fantasias, anseios e desejos.
cido por vida humana, vida boa, ou bem-estar. A luta pelo bem-estar implica O mundo dos artefactos teria uma diversidade muito menor se fosse movido
obrigatoriamente o conceito de necessidade, mas esta está em constante prioritariamente pelos condicionalismos 'impostos pelas necessidades funda-
mudança. Numa dada época, a necessidade determinou a construção de pirâ- mentais.
mides e templos, noutra época inspirou a deslocação à superficie da terra em
veículos automotores, viagens à Lua e a incineração e destruição de cidades
Analogias orgânico-mecânicas
inteiras.
Desenvolvemos a tecnologia para satisfazer aquilo que cOnsideramos ser
Explicar a diversidade dos artefactos através de uma teoria da evolução
as nossas necessidades, não um conjunto de necessidades universais deter-
tecnológica exige que comparemos os organismos vivos com os instrumentos
minado pela natureza. Segundo o filósofo francês Gaston Bachelard, a con-
I quista do supérfluo fornece um maior· estímulo intelectual do que a con-
mecânicos. Esse tipo de pensamento analógico é um fenómeno moderno com
poucos precedentes na Antiguidade. Aristóteles, que escreveu muito sobre
! quista do necessário porque os seres humanos são criações do desejo, não questões biológicas, fez pouco uso de analogias mecânicas na sua explicação
ii da necessidade. do mundo orgânico. Só com o Renascimento é que os pensadores europeus
1.
161 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA DlVERSIDADE,NECESSIDADEEEVOLUÇAO ll7

começaram a estabelecer paralelos entre o orgânico e o mecânico. Esta asso- Identificar as máquinas como novas formas de vida permitiria aos vitoria-
ciação do que se julgara, até à data, serem dois elementos dispares, foi resul- nos agrupá-las em gêneros, espécies e variedades, sugeriu Butler, e partir deste
tado do aparecimento de um conjunto de novas contribuições tecnológicas e exercício de classificação para a construção de uma árvore evolutiva, ilustrando
da emergência da ciência moderna. as conexões entre as várias formas de vida mecânica. Deste modo, a teoria de
Inicialmente, o fluxo de analogias orgânico-mecânicas ocorria no sentido Darwin é totalmente compatível com o reino mecânico. A história da tecnolo-
da tecnologia para a biologia. As estruturas e os processos dos organismos gia está repleta de exemplos de máquinas que vão mudando lentamente ao
vivos eram descritos em termos mecânicos. Em meados do século XIX sur- longo do tempo e substituindo modelos mais antigos, de estruturas vestigiais
giu um movimento de metáforas no sentido inverso. O contrafluxo da metá- que permaneceram como parte de mecanismos, mesmo muito depois de terem
fora teve uma importância notável, pela primeira vez interpretava-se o desen- perdido as suas funções originais, e de máquinas envolvidas numa luta pela
volviment€1 da tecnologia através de analogias orgânicas. sobrevivência, se bem que com a ajuda humana. Ao escolher certos espécimes
': O crescimento industrial generalizado, a possibilidade de os geólogos esta- para reprodução, o criador de animais ou plantas pratica uma selecção artificial
belecerem a idade do planeta e o aparecimento da teo~ia da evolução de Dar- exactamente igual àquela que o construtor de máquinas e o industrial fazem
win facilitaram a aplicação de analogias orgânicas ao mnndo tecnológico. O com a vida mecânica ao planearem um novo projecto tecnológico.
novo método de produzir metáforas teve os efeitos mais notáveis e duradou- Aos cépticos que afirmaram que não se pode dizer que as máquinas vivem
ros na literatura e na antropologia. Os usos literários da metáfora orgànico- porque são incapazes de se reproduzirem, Butler respondeu que, no reino
-mecânica podem ser mais bem estudados nos escritos de Samuel Butler, e no mecânico, a reprodução realiza-se de um modo diferente. A propagação da
que respeita à antropologia no trabalho do general Augustus Henry Pitt-Rivers vida mecânica depende de um grupo de invenções férteis, a que se chamam
(o apelido original era Lane-Fox). Estes dois homem viveram na Inglaterra ferramentas de máquinas, que são capazes de produzir uma vasta gama de
Vitoriana e ambos foram profundamente influenciados pela Origem das Espé-
máquinas estéreis.
cies de Darwin.
Um assunto mais premente do que a reprodução, afirmou Butler, é a
No seu romance utópico Erewhon (1872) e em ensaios como "Darwin
natureza da futura relação entre o homem e a máquina. Dado que as máqui-
entre as Máquinas" (1863), Samuel Butler explorou de uma forma humorís-
nas são mais poderosas, rigorosas, fiáveis e versáteis do que os seres humanos,
tica a ideia de que as máquinas se desenvolveram de um modo notavelmente
e visto que as máquinas estão a mudar rapidamente, os seres humanos não
semelhante à evolução dos seres vivos. As suas ideias ~nspiraram os populares
poderão evitar passar para segundo lugar num mundo dominado pela tecno-
romances de fantasia evolutiva da ficção científica dos séculos XIX e XX, em
logia. É claro que poderiamos tentar pôr cobro à evolução mecânica, mas tal
que máquinas com uma evolução rápida ultrapassam e suplantam os huma-
significaria destruir todas as máquinas e ferramentas, todas as alavancas e
nos, cujo desenvolvimento evolutivo estagnou. A influência de Butler tam-
parafusos, todas as peças de material com forma. Uma vez que não podemos
bém é óbvia nos modernos ensaios especulativos que prevêem ou uma relação
parar o progresso mecânico, constatava Butler, devemos resignar-nos a
simbiótica entre humanos e máquinas ou uma s~bstituição da raça humana
por nOvas formas de tecnologia capazes de se auto-replicarem, como robôs e desempenhar o papel de escravos dos nossos superiores.
computadores. AJi especulações evolucionistas de Butler, expostas num tour de force literá-

Os vitorianos, orgulhosos das suas realizações industriais, foram avisados rio, permitiram-lhe mostrar a sua sagacidade e engenho, dar a sua resposta
por Butler de que seria benéfico pararem e contemplarem as consequências ambígua aos avanços da tecnologia e da ciência e mostrar a sua opinião crítiCa
mais amplas da mudança tecnológica. As máquinas, afirmou, sofreram uma às propostas teológicas e filosóficas. Pitt-Rivers, um oficial de carreira que
série de transformações muito rápidas, do simples pau empunhado pelos nos- dedicou parte da sua vida à tec11:ologia e à arqueologia, abordou a evolução
sos antepassados à máquina a vapor de hoje. Este desenvolvimento que tem tecnológica de um modo completamente diferente. A sua aceitação das teo-
tendência para uma maior complexidade levanta a possibilidade de se acres- rias evolucionistas de Darwin e de Herbert Spencer nasceu da sua e~periência
centar um novo reino aos reinos da natureza já existentes- um reino mecâ- militar e de um desejo de catalogar, classificar e exibir a sua colecção pessoal
nico constituído por todas as formas de vida mecânica. de armas e utensílios primitivos.
,,
181 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA DIVERSIDADE,NECESSIDADEEEVOLUÇAO 119

Ao ser encarregue, em 1852, de testar novas espingardas do exército britâ- australianos actuais tenham qualquer semelhança com a cultura paleolítica.
nico, Pitt-Rivers interessou-se pela história das armas de fogo. Durante a sua Pitt-Rivers e outros antropólogos evolucionistas do século XJX responderiam
pesquisa, ganhou consciência de que a gradual e progressiva modificação na que, em qualquer altura da história, as diversas sociedades espalhadas pelo
configuração das armas de fogo resultava na criação de espingardas cada planeta reflectem os diferentes estádios evolutivos pelos quais passou toda a
vez mais poderosas e precisas. Mais ou menos por volta da mesma altura, cultura humana. Eles acreditavam que cada cultura seguia um único e vasto
Pitt-Rivers começou a reunir uma colecção de artefactos pré-históricos e a caminho de mudança evolutiva, apenas com pequenos desvios. Se os aboríge-
investigar relíquias desenterradas nas Ilhas Britânicas e no Norte da nes australianos usarem instrumentos de pedra, então, encontram-se precisa-
Europa. O contacto com _estes diversos artefactos, levou-o a avaliar a melhor mente no mesmo estádio de desenvolvimento cultural alcançado pelo homem
maneira de os organizar para estudo e eventual exibição. Deveriam ser orga- do Paleolítico, centenas de milhar de anos antes.
nizados geograficamente, de acordo com o seu lugar de origem, ou haveria Com estes pressupostos acerca da evolução da cultura e dos artefactos,
outra estratégia de classificação mais produtiva? Pitt-Rivers não estava particularmente interessado em' juntar à sua colecção
A história natural ofereceu um sistema de classificação - a separação de espécimes raros ou exóticos. Não estava preocupado nem com uma datação
Lineu dos reinos vegetal e animal em gêneros, espécies e variedades. Neste sis- precisa nem com a inserção dos seus artefactos num contexto cultural especí-
tema, a forma era mais importante do que a geografia. Visto que Darwin fico. Em vez disso, procurava modelos que preenchessem as falhas das sequên-
tinha mostrado que os estudos taxonómicos podiam revelar verdades funda- cias existentes, ou que pudessem ser utilizados para iniciar novas sequências
mentais acerca da natureza das coisas vivas, Pitt-Rivers decidiu ignorar as (figuras 1.3. e 1.4.). Em cada caso, o critério d~ selecção era determinado pela
dimensões geográficas, temporais e culturais dos artefactos, seguir a pista da possibilidade que cada espécime tinha de se encaixar entre dois outros espéci-
história natural e organizar a sua colecção numa série de sequências compos- mes na sequêncià ou seja, de que forma contribuía para estabelecer uma transi-
tas de formas intimamente relacionadas. ção contínua. No domínio orgânico, bem corno no tecnológico, as falhas numa
A afirmação de Spencer de que toda a história da vida estava marcada por sequência representavam elos ausentes que poderiam vir a ser preenchidos. Se
um desenvolvimento do simples para o complexo, do homogêneo para o parecia faltarem mais elos nos artefactos do que no mundo orgânico, tal devia-
heterogêneo inspirou Pitt-Rivers a aplicar estes princípios de orientação na se ao facto de a classificação de animais e plantas ter sido iniciada há séculos, ao
organização dos seus artefactos. Colocou-os em sequências que começavam passo que a análise das coisas feitas mal tinha começado.
com uma ferramenta, uma arma ou um utensílio simples e progrediam pau- Pitt-Rivers teve o cuidado de não exagerar o seu caso a favor da evolução
latinamente para um objecto mais complexo. Este método constituía mais do tecnológica e de não desenvolver analogias forçadas entre os organismos vivos
que um modo conveniente de ordenar os diversos produtos da cultura mate- e os objectos materiais. Por exemplo, considerou licito justificar o seu inte-
rial. Dado que, em princípio, cada artefacto tem origem numa ideia conce- resse por armamento e pelas origens da guerra ligando-os à luta pela sobrevi-
bida na mente do seu criador original, as sequências ligam os aspectos mate- vência darwiniana. Mas são os seres humanos que usam armas na sua luta; as
riais e intelectuais da vida. As séries contínuas e progressivas de artefactos armas, por si só, não lutam pela sobrevivência. As armas, ou outros artefactos,
relacionados servem como prova da evolução da cultura humana das suas também não são capazes de se reproduzirem. Antecipando estas objecções,
condições primitivas aos mais elevados estádios civilizacionais. Pitt-Rivers introduziu a ideia de selecção inconsciente. Através dos tempos,
Pitt-Rivers limitou a sua colecção e os seus trabalhos de classificação a sem premeditação ou desígnio, os homens tinham seleccionado os artefactqs
artefactos pré-industriais e evitou, deliberadamente, a dificuldade de lidar mais adequados a certas tarefas, rejeitado os menos adequados e gradual-
com os complexos e sofisticados produtos da tecnologia vitoriana. A sua esco- mente modificado os artefactos sobreviventes, de forma a realizarem melhor
lha do primitivo resultou da crença de que o estudo dos artefactos mais simples as funções que lhes estavam destinadas. Em resultado disto, a mudança dos
revelaria os processos de pensamento dos homens e das mulheres pré-históricos artefactos seguiu um caminho progressivo, apesar de os artesãos não terem
e demonstraria com clareza a natureza progressiva da cultura material. Mas, consciência das implicações a longo prazo dos ligeiros melhoramentos que
os críticos modernos objectariam que o primitivo não pode ser identificado tinham introduzido. Ao satisfazerem uma necessidade imediata, tinham inad-
com o pré-histórico: não temos qualquer razão para julgar que os aborígenes vertidamente ajudado a promover o progresso tecnológico.
20 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO [21

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Figw-a I. 4. A história evolutiva do martelo, da primeira pedra de triturar, grosseiramente talliada


( l)ao gigante martelo a vapor de James Nasmyth, em 1842 {14). Esta sequência evolutiva de uma
feuamenta de mão vulgar foi preparada pelo pessoal do National Museum dos EUA para "demons-
truo orno a mente humana chegou a certos dados que marcam épocas de progresso". Seguindo o
exsnplo de Pitt-Rivers (Figura I. 3), "os espécimes estão arranjados pela ordem do seu grau de
""'=
~~ desenvolvimento, independentemente da raça, local ou páiodo". Fonte: Walter Hough, "Synoptic
Series o f Objects in the United States National Museum Illustrating the History o f Inventions",
., ...
~ ~ Pro=dings ofthe United States National Museum 60 (Washington D.C., 1922) art. 9, p. 2, fig.16.
1',
v L-.._
É demasiado fácil para um observador moderno rejeitar as ideias de
~~L\
~/? vn- \ Pitt-Rivers como sendo uma aplicação acrítica e demasiado entusiástica das
ideiês de Darwin à cultura material. Devemos recordar que ele testemunhou o
~
bumerangue ~11 ~~L:" enorme êxito da teoria de Darwin na biologia e que conhecia pessoalmente
clava curva b==o. alguns dos amigos do mestre. É compreensível que desejasse contribuir para
picareta de guerra ou malca
divulgar a doutrina evolucionista. Por outro lado, os historiadores e antropólo-
Figura 1.3. A evolução das armas dos aborigenes australianos. Clavas de guerra, bumerangues, lan- gos do séculO XX rejeitaram a ideia de o progresso tecnológico unilinear ser uma
~s, paus d~ arremess_o e es~udos foram dispostos por Pitt-Rivers de modo a surgirem como sequên- das caracteristicas da cultura humana, e demonstraram que é um erro acreditar
ctas evolunvas a parttr do sunples pau, ao centro. Isto não são sequências históricas, todas as armas
apresentadas são utilizadas nos tempos modernos. Pitt-Rivers pressupôs que os artefactos mais sim- que as culturas pré-histórica e dos povos primitivos sejam praticamente idênti-
ples, os mais próximos do centro, eram "sobreviventes" de formas primitivas. Fonte: A. Lane-Fox c,::s. Estas críticas modernas, que questionam seriamente pontos-chave das teo-
Pitt-Rivers, The evolution of culture (Oxford, 1906) fig. III; reimpressa por AMS Press, Inc, Nova
Iorque. rias de Pitt-:Rivers, têm sido muito publicitadas. Menos conhecidos são os aspec-
tos originais e duradourqs da abordagem de Pitt-Rivers.
Numa época em que os estudos da cultura material eram maioritariil-
mente descritivos, Pitt-Rivers forneceu uma base teórica. para a integração das
realizações intelectuais e tecnológicas. Um artefacto era mais do que um
objecto inerte fabricado para responder a uma necessidade. Era a parte sobre-
vivente da mente humana que o concebera. Ao contrário de muitos dos seus
contemporâneos, Pitt-Rivers pensava que a mudança tecnológica não era o
! resultado de uma série de actos isolados levados a cabo por alguns inventores

I
I
221 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO 123

heróicos. Pelo contrário, a forma de um artefacto modificado baseava-se na inovação, porque aumenta o número de elementos combináveis dispolÚvel. As
forma de outro que já existia anteriormente. Deste pressuposto surgiu a ideia inovações acumuladas depressa atingem um ponto crítico, dando lugar a uma
de que todas as coisas feitas podem ser colocadas numa sequência que, por reacção em cadeia que acelera acentuadamente a taxa de actividade inventiva.
seu turno, está interligada com outras sequências. Se, recuando no tempo, Ogburn não fez qualquer tentativa de testar a sua teoria altamente abs-
pudéssemos seguir essas sequências éramos conduzidos aos vestígios dos mais tracta, determinando se estava em concordância com um corpo significativo
antigos artefactos humanos. de evidência empírica. O sociólogo S. C. Gilfillan, pelo contrário, escreveu,
entre 1930 e 1940, dois volumes sobre a invenção - o primeiro propunha uma
Mudança cumulativa sociologia da invenção, o segundo, um estudo pormenorizado que incidia na
evolução das embarcações, desde a sua origem como tronco flutuante, ao
Buder e Pitt-Rivers não representam de modo algum a perspectiva domi-
moderno navio de motor a dieseL
nante relativamente à natureza da mudança tecnológica. A explicação evolutiva,
Gilfillan opunha-se totalmente a qualquer teoria de mudança tecnológica
ou de continuidade, que adaptaram era muito menos aceite do que a explicação
que atribuísse as invenções aos que ele designava por "inventores titulares",
revolucionária, ou de descontinuidade. Segundo esta última perspectiva, as
aqueles cujos nomes estavam inscritos na mitologia popular da invenção. Ade-
invenções surgem num estado totalmente desenvolvido da mente de inventores
rindo ao modelo darwiniano, Gilfillan escreveu acerca do "contínuo indivisível
talentosos. Nesta teoria heróica da invenção, os pequenos melhoramentos tecno-
da realidade inventiva"4 e culpou a linguagem, o hábito e as convenções sociais
lógicos são ignorados ou relativizados e toda a ênfase é colocada na identificação
de dividirem o contínuo numa série de invenções discretas e identificáveis.
dos principais avanços realizados por indivíduos específicos - por exemplo, a
O teste da teoria de Gilfillan encontra-se no segundo volume. Segundo este
máquina a vapor de }ames Watt, ou a máquina de algodão de Eli Whitney.
sociólogo, o navio começou por ser um tronco escavado movido manualmente.
Pouco depois de Darwin ter publicado a Origem das Espécies, Karl Marx, um
., No momento em que os primeiros marinheiros se ergueram nas suas canoas e
';i' grande admirador do naturalista inglês, reclamava uma história crítica da tec-
descobriram que o vento a soprar contra o seu vestuário fazia aumentar a velo-
nologia que seguisse as linhas evolucionistas. Karl Marx acreditava que essa his-
cidade da embarcação, foi inventada a vela. A partir deste ponto foi relativa-
tória revelaria que a Revolução Industrial devia muito pouco ao trabalho de
mente fácil, utilizando uma perspectiva evolutiva, reconstruir toda a história
inventores individuais. Defendia que a invenção é um processo social que se
dos barcos à vela. Somente os navios a vapor pareciam queb~ar este fluxo contí-
baseia na acumulação de muitos melhoramentos pequenos e não no esforço
heróico de uns quantos génios. nuo. Gilfillan ultrapassou este obstáculo atribuindo a origem do navio a vapor
ao Império Bizantino. Numa ilustração dos princípios do século VI d. C. apa-
Na primeira metade do século XX, a perspectiva heróica da invenção foi
rece uma embarcação de guerra impelida por rodas de pás movidas por três
posta em causa por três estudiosos americanos - William F. Ogburn, S. C.
parelhas de bois. Os barcos de rodas de pás movidos por bois ou cavalos evoluí-
Gilfillan e Abbott Payson Usher- que propuseram teorias de mudança tecno-
ram de uma forma regular. No século XVHI, os Europeus e os Americanos
lógica baseadas no darwinismo. Ogburn, sociólogo e o mais influente dos três,
começou por definir invenção como uma combinação de elementos existen- substituíram a força dos animais pelo vapor. A questão não era motor a vapor
tes e conhecidos da cultura para criar um novo elemento. O resultado deste versus vela, mas a utilização do motor a vapor versus a força dos bois ou cavalos
processo é uma série de pequenas mudanças, a maior parte delas óbvia, mas para fazer deSlocar um navio de rodas de pás.
nenhuma delas constituindo um corte radical com a cultura material passada. Gilfillan admite que existe cerca de uma dúzia de invenções marítimas que
Ogburn afirmou que, entre todos os povos, é possível encontrar uma percen- poderiam ser consideradas abruptas, por não terem um antecessor conhecidà
tagem fixa de indivíduos com uma capacidade inventiva superior. Em qualquer ou evidente. O antigo barco de rodas de pás movido por bois é uma dessas ano-
país, à medida que a população cresce, o número de potenciais inventores malias. Gilfillan não está pre.ocupado com as poucas inovações que contrariam
aumenta proporcionahnente. Se estes inventores nascerem numa cultura que for- a sua posição evolucionista, porque o desenvolvimento do navio requereu cen-
nece treino técnico e recompensa a inovação, então é forçoso que um número tenas de milhares de pequenas invenções. Defende que as anom~as podem ser
elevado de invenções surja. De início, o ritmo da inovação é lento, e há wn arma-
zenamento de invenções. A subsequente acumulação de novidades estimula a 'S. C. Gilfillan, The sociology ofinvention (1935; reimpr. Cambridge, Mass., 1970), p. 24.
24j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOG[A
DIVERSIDADE, NECESSIDADE E EVOLUÇÃO j25

explicadas se considerarmos que, na construção de embarcaç•J.es em tamanho


Os actos de entendimento podem ser investigados por psicólogos, mas
real, o processo cumulativo nem sempre foi público. As oelhorias graduais
são, na maioria dos casos, inexplicáveis. Introduzem o papel das faculdades
podem ter sido feitas numa séria de esboços grosseiros, em desenhos formais, mentais no processo de invenção e pela sua presença indicam exactamente em
ou em modelos, antes de os resultados serem testados :num navio real. Deste que ponto é que as forças económicas têm um peso relevante. Quando se está
modo, é possível eliminar as invenções abruptas na evolução do navio e reins- a reunir dados (passo 2) e a rever criticamente uma solução (passo 4), é pro-
taurar a curva de mudança contínua de Gilfillan. vável que haja uma intervenção económica. Pelo contrário, os actos de enten-
O historiador económico Abbott P. Usher considerou que as teorias da dimento (passo 3) não respondem a influências económicas. Fazem parte do
invenção propostas por Ogburn e Gilfillan eram demasiado mecanicistas. Os domínio psicológico, não do eConómico.
inventores eram apresentados como meros instrumentos m:m processo his- Apesar de Usher ter estudado o processo inventiva como historiador eco-
tórico rigidamente predefinido. Ao darem relevo ao carácter social da inven- nómico, a sua teoria transcendeu as explicações meramente. económicas e
ção e ao chamarem a atenção para os efeitos cumulativos dos p.equenos sociais. Ao dar relevo aos aspectos psicológicos da invenção, Usher defendeu
melhoramentos, Ogburn e Gilfillan tinham ignorado a importância dos que o aparecimento da inovação deve ser encarado num contexto mais
esforços e ideias do in:ventor individual. Estes soció:ogc-s defendem que, amplo. Os economistas e os historiadores da economia que hoje em dia estu-
quando se atinge um número crítico de novos elementos, a invenção surgirá dam a invenção não seguem as indicações de Usher em relação à importância
de forma automática, somente com uma pequena ajuda de um inventor. dos aCtos de entendimento. Muitos, contudo, aceitam a ideia inspirada pelo
Usher sugeriu, então, uma abordagem de síntese cumulativa da invenção, darwinismo de que o progresso técnico resulta de uma mudança cumulativa.
uma abordagem que modificava a explicação contínua e a enriquecia com des-
~bertas da psicologia de Gestalt. A teoria de Usher tinha quatro premissas: Uma teoria moderna da evolução tecnológica

l. Percepção do pro.blema - identifica-se um padrêo incompleto ou A breve exposição que fiz das tentativas levadas a cabo no passado para
insatisfatório que necessita de resolução. explicar a mudança tecnológica através de um modelo evolucionista lançou os
alicerces para considerarmos a teoria que desenvolverei neste livro. Os estudos
2. Reunião de dados- reúnem-se dados relacionados com o p::-oblema. de Butler e de Pitt-Rivers revelaram que os artefactos, como as plantas e os ani-
3. Acto de entendimento- é encontrada uma solução para o problema, mais, podem ser organizados em sequências cronológicas contínuas. Porém,
por meio de um acto mental não predeterminado. Este acto vai além uma teoria moderna da evolução tecnológica não pode basear-se numa evo-
do acto de perícia que normalmente se espera de um profissional cação do darwinismo com fins de sátira literária e social (Butler), ou em
treinado. cadeias hipotéticas de armas primitivas interligadas (Pitt-Rivers). É também
insatisfatório limitar a escolha de exemplos ilustrativos a um único campo da
4. Revisão critica - a solução é totalmente explorada e revista (com tecnologia (Gilfillan), ou seguir uma abordagem altamell:te teórica ignorando
possíveis refinamentos causados por novos actos de entodimento). os pormenores técnicos da mudança dos artefactos (Ogburn). Assim sendo, a
Os actos de entendimento que resolvem essencialmente o problema são minha teoria apoiar-se-á sempre no estudo de casos de artefactos escolhidos
cruciais à tese de Usher. Estes actos são tão importantes paZ"a as invenções de diversas tecnologias, culturas e épocas históricas.
principais, ou estratégicas, como para as secundárias. A síntese cumulativa de Butler, Pitt-Rivers, Gilfillan, Ogburn e Usher deram relevo à acumulação
ao longo do tempo de pequenas variações que, no final, resultam em artefac-
invenções individuais menores poderá resultar nas invenções estratégicas
tos novos. Ao introduzir os «actos de entendimento" no processo inventiva,
mais conhecidas da história. E, no entanto, o processo não é nem automático
Usher chamou a atenção pâra o papel da criatividade individual, mas conti-
nem predeterminado. Não é o número de invenções que garante a ocorrência
nuou convencido de que as invenções principais são o produto de uma sín-
de uma importante mudança tecnológica. O elemento-dJ.ave é sempre o acto
tese cumulativa de uma série de invenções secundárias. Na teoria cumulativa
de entendimento do inventor, pelo qual são escolhidos certos elementos,
da invenção, a mudança é lenta e inevitável, e há pouco espaço para as radi-
combinados de forma inovadora e feitos convergir muna solução.
cais inovações de indivíduos talentosos. A minha teoria da evolução tecnoló-
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r·;._l:.

26j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 127

gica reconhece as mudanças principais, muitas vezes associadas aos nomes 2. Continuidade e descontinuidade
dos inventores, bem como as mudanças secundárias que têm lugar durante
um período mais longo. Assim, aceito períodos de mudança tecnológica
rápida e períodos de relativa estabilidade.
Qualquer pessoa que defenda a natureza contínua da mudança tecnoló-
gica tem de reconhecer, e explicar, a popularidade da perspectiva de desconti-
nuidade que se lhe opõe. Um grande número de pessoas acredita que a tecno- Introdução
logia avança por saltos, de uma grande invenção para outra, à medida que o
génio inventor cria um conjunto de maravilhosas invenções através do mero Uma grande percentagem do público moderno acredita que a mudança
esforço mental. Revelarei as fontes desta crença examinando as instituições e tecnológica é descontínua e depende do trabalho heróico de gênios indivi-
ideias relevantes da civilização ocidental que a fizeram nascer e crescer. duais, como Eli Whitney, Thomas A. Edison, Henry Ford, e Wilbur e Orville
A minha teoria da evolução tecnológica, ao contrário de muitas das suas
Wright, que sozinhos inventam as máquinas e instrumentos únicos que cons-
antecessoras, assenta em quatro conceitos amplos: diversidade, continuidade,
tituem a tecnologia moderna. Segundo este ponto de vista, as invenções são o
inovação e selecção. Como já mostrei, o mundo construído contém uma
resultado de pessoas superiores que pouco ou nada devem ao passado.
variedade de coisas muito superior às necessárias para a satisfação das necessi-
A pequena comunidade acadêmica que se dedica ao estudo da história da
dades humanas fundamentais. Esta diversidade pode ser explicada como
resultado da evolução tecnológica, porque existe uma continuidade nos arte- tecnologia e da ciência r.ejeita esta explicação como sendo simplista porque
factos; a inovação é parte integrante do mundo construido; e o processo de reduz desenvolvimentos tecnológicos complexos a uma série de grandes
selecção escolhe os novos artefactos para copiar e adicionar ao conjunto das invenções que surge abruptamente do nada. Porém, alguns historiadores têm
coisas feitas. Outra parte deste livro será dedicado a uma análise cuidada das apresentado formulações mais sofisticadas da tese da descontinuidade, não
ramificações teóricas e artefactuais destes quatro conceitos. dependentes da contribuição de inventores heróicos. Esses teóricos
baseiam-se na suposta natureza revolucionária da mudança científica.

Ciência, tecnologia e revolução


i:
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I,, Os últimos estudos acadêmicos da história e filosofia da ciência têm
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I
apoiado uma teoria que defende o carácter descontínuo da mudança cientí-
fica. Esta perspectiva tem origem no estudo do aparecimento da ciência
moderna, nos séculos XVI e XVII. Desde a Revolução Francesa que as obras
de Copérnico, Galileu, Kepler e Newton têm sido designadas pelo termo revo-
lução, uma metáfora política que implica um corte radical com o passado e a
instauração de uma nova ordem.
A metáfora política foi aplicada não apenas a um novo modo de estudar a
natureza, mas também a qualquer alteração substancial no seio de uma ciên-
cia. Deste modo, faz-se referência às revoluções astronómicas, químicas e bio-
i lógicas do passado; às revoluções iniciadas por Harvey, Bacon, Darwin, Men-
del ou Einstein; ou às revoluções do século XX na física quàntica, astrofisica e
biologia molecular.
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' 28j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 129

Quando colocamos a tecnologia numa posição subordinada à ciência, as As invenções de John Kay, Richard Arkwright, James Hargreaves e Samuel
revoluções científicas ganham um relevo particular no estudo da mudança tec- Crompton, essenciais ao crescimento da produção têxtil, devem mais a práti-
nológica. Gerahnente, esta situação ocorre quando a tecnologia é, erroneamente, cas artesanais anteriores do que à ciência.
!/ definida como a aplicação de uma teoria científica à resolução de problemas de A ciência só começou a ter uma influência substancial na indústria a partir
'
ordem prática. Se a tecnologia não é mais do que um sinônimo de ciência apli- dos finais da segunda metade do século XIX. O desenvolvimento da química
cada, e se a mudança científica tem lugar por métodos revolucionários, então, orgânica tomou possível criar uma produção tintureira em grande escala, e o
também a mudança tecnológica tem de ser descontínua. estudo da natureza da electricidade e do magnetismo criou as bases para as
É óbvio que a ciência e a tecnologia têm muitos pontos de interacção, e os
i:J.dústrias de luz, energia e transportes eléctricos. O século XX testemunhou 0
é'.eser:volvimento progressivo das tecnologias de base científica. Apesar do
mais importantes artefactos modernos nunca poderiam ter sido produzidos
i::lfluxo de teorias e dados científicos novos, a tecnologia moderna implica
sem o conhecimento teórico dos materiais e das forças naturais que a ciência
emito mais do que uma mera aplicação rotineira das descobertas feitas pelos
oferece. No entanto, a tecnologia não está dependente da ciência.
cientistas. Na indústria moderna, a ciência e a tecnologia são parceiros iguais,
A tecnologia é tão antiga como a humanidade. Já existia muito antes de os
cada qual com o seu contributo específico para o êxito da tarefa em que estão
cientistas terem começado a compilar o conhecimento necessário para mol- envolvidos. Contudo, mesmo hoje, não é de todo excepcional um engenheiro
dar e controlar a natureza. A rnanufactura dos utensílios de pedra, uma das pôr em prática uma solução tecnológica que desafia o conhecimento cientí-
mais antigas tecnologias conhecidas, prosperou durante mais de dois milhões f.co, ou a engenharia abrir novas vias para a pesquisa científica.
de anos, antes do aparecimento da mineralogia ou da geologia. Os fabricantes A -questão da mudança descontínua em tecnologia foi reavivada por Edward
de facas e machados de pedra tiveram êxito porque a experiência lhes ensi- W. Constant em The Origins of the Turbojet Revolution (As Origens da Revolu-
nara que certos materiais e técnicas tinham resultados aceitáveis, ao passo que ç.:lo da Turbina de facto) (1980). Baseando-se em A Estrutura das Revoluções
outros não. Quando a transição da pedra para o metal ocorreu (a mais antiga Cientificas (1962) de Thomas S. Kuhn, Constant afirma que houve uma des-
prova de trabalho em metal tem sido datada de cerca de 6000 a. C.), os pri- continuidade entre os motores a turbina de jacto, a principal fonte de energia
meiros artífices do metal seguiram, de igual modo, ensinamentos derivados aeronáutica desde a Segunda Guerra Mundial, e os velhos motores de pistão e
da experiência que lhes facultavam o modo de descobrir e de trabalhar o hélice (figura 2.1.). A turbina de jacto, que não tem pistão, cilindro, ou hélice,
não foi o resultado evolutivo de um melhoramento progressivo do motor de
cobre e o bronze. Somente nos finais do século XVIII se tornou possível expli-
pistão e hélice.
car, em termos químicos, processos metalúrgicos simples, mas ainda hoje há
Constant defende que a revolução da turbina de jacto merece esse nome
processos da moderna produção de metal cuja base química exacta perma-
porque a turbina de jacto é um sistema completo que tem antecedentes tec-
nece desconhecida.
nológicos, mas difere radicalmente deles: o design da turbina de jacto e a sua
A tecnologia, para além de ser anterior à ciência, é capaz de, sem o seu incorporação na aeronave exigiram a aplicação de avançadas teorias científi-
auxílio, criar estruturas e utensílios elaborados. De que outro modo seria pos- :::as de aerodinâmica; a turbina de jacto foi criada por um pequeno grupo de
sível explicar a monumental arquitectura da Antiguidade, ou as catedrais e a individuas que não fazia parte da comunidade de engenharia aeronáutica
tecnologia mecânica (moinhos de· vento, moinhos de água, relógios) da Idade ::.:onvencional. De todos estes factores, Constant acentua a importância do
Média? De que outro modo se poderiam explicar os brilhantes feitos da antiga :t?arecimento de uma nova comunidade de técnicos associada à turbina de
tecnologia chinesa? .iacto. Esta nova comunidade era diferente, tanto da comunidade de engenha-
O aparecimento da ciência moderna não pôs cobro a esforços fundamen- ria aeronáutica convencional, como da antiga comunidade de técnieos de tur-
talmente tecnológicos; os homens continuaram a obter triunfos tecnológicos 3inas d~ água e vapor. Segundo Co.p.stant, a revolução tecnológica torna-se "a
sem se basearem em conhecimento teórico. Muitas das máquinas inventadas ~igaçã-:> profissional a uma nova tradição tecnológica, por parte de uma nova
na Grã-Bretanha durante a Revolução Industrial tinham pouco a ver com a comunidade emergente ou de uma comunidade redefinida". 1
ciência da época. A indústria têxtil, que esteve no centro do crescimento eco-
i
nómico do século XVIII, não resultou da aplicação de uma teoria científica. 'Edward W. Constant, The origins ofthe turbojetrevolurion (Baltimore, 1980), p. 19.
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE j31
30 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

A explicaÇão de Constant depende de dois pressupostos cruciais: primeiro,


Hidráulica e a tecnologia é, acima de tudo, conhecimento e, segundo, a comunidade dos
hidrostática praticantes de tecnologia é a unidade fundamental do estudo da mudança tec-
Máquina
a vapor r Moinhos
nológica. Estes pressupostos merecem ser aprofundados.
de Newco_mE;!n hidráulicos Apesar do seu carácter aparentemente revolucionário, a turbina de jacto
e engenhos
anteriores não é uma máquina sem antecedentes. A turbina de jacto pertence a uma tra-
dição bicentenária de desenvolvimento da turbina que inclui turbinas de
Estudo água, bombas de turbinas de água, turbinas de vapor, turbinas de gás de com-
científico
do bustão interna, compressores de motores de pistão e compressores de jacto.
calor Máguina
de Nenhum destes e~genhos tem pistões ou cilindros, mas todos têm uma roda
watt de turbina com lemes de inclinação ou pás que, ao sofrerem a acção da água,
Turbina do vapor ou dos gases quentes, fazem a roda girar rapidamente. Assim, ao
de nível do artefacto, na classe das turbinas prevaleceram dois séculos de conti-
água
nuidade, independentemente das suas variadas utilizações e fontes de energia.
i Aquilo que é crucial à tecnologia e à mudança tecnológica é o artefacto-
não é o conhecimento científico, nem a comunidade técnica, nem os factores
Turbir:ta económicos e sociais. Embora tanto a ciência como a tecnologia envolvam
a
vapor processos cognitivos, os seus resultados finais não são os mesmos. O produto
final da actividade científica inovadora é, na maioria dos casos, uma declara-
Bombas ção escrita, um artigo científico, informando de uma nova descoberta experi-
Propulsão de
de turbina mental ou teórica. O produto final da actividade tecnológica inovadora é,
reacção
pelo contrário, uma nova adição ao mundo construido: um martelo de pedra,
um relógio, um motor eléc:trico.
O historiador Brooke Hindle afirmou que, na tecnologia, o artefacto
ocupa uma posição superior à ocupada pelos artefactos na ciência, na reli-
gião, na política, ou em quaisquer outras actividades intelectuais ou sociais.
Aerodinâinica A tecnologia encontra-se, a cada momento, intimamente relacionada com o
físico, com o material; os artefactos são ao mesmo tempo os fins e os meios
da tecnologia. O objecto físico tridimensional é uma expressão da tecnolo-
gia, tanto como um quadro ou uma escultura são expressões das artes
visuais. O artefacto é produto do intelecto e da imaginação do homem e;,
como qualquer obra de arte, nunca pode ser adequadamente substituido
Figura2,]. O diagrama de E. W. Constant ilustra a relação entre o artefacto e a teoria na linhagem
do motor a jacto. O arte facto que constitui o elo principal da corrente, aprese~ta~o ao centro, passa por uma descrição verbal.
de máquinas a vapor para turbinas a vapor e de turbinas de ~sde :_o~bustao mterna para a t~r­ Neste capítulo, bem como em ..todo o livro, o artefacto é a principal uni-
bina a jacto. À direita, as turbinas de água e as bombas de turbma estao hgadas a_esta corr~nte p~tn­
cipal, e nas colunas imediatamente adjacentes ao centro é indicada a influência de teonas fist:as dade de estudo, uma vez que é também o elemento-chave para a compreen-
relevantes. Recorde-se que estas contribuições teóricas se manifestam sob a forma de alguma COisa são da teoria da evolução tecnológica. Os artefactos são tão importantes para
nova e tang!ve!, cujo antecedente é anterior à teoria. Apesar da existência desta r~ e _d~ art~ctos,
Constant contmuou convencido de que o motor a jacto era um avanço revolucm1_1ano e n~o um a evolução tecnológica, como as plantas e os animais o são para a evolução
avanço evolutivo. Fome: Edward W. Constant 11, The Origins of the turbojet revolutJOII (Balttmore,
orgânica.
!980). p. 4.
321 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E D~ONTINUIDADE 133

Casos de continuidade Independentemente da técnica utilizada, a forma dos utensílios de pedra


sofreu uma modificação muito lenta no decorrer do seu longo período de uti-
Dada a primazia do artefacto no estudo da tecnologia, a natureza contínua lização. Desde meados do séc1.1Io XIX, alguns arqueólogos identificaram e
da mudança tecnológica pode ser mais bem compreendida utilizando casos dataram, com paciência e engenho, utensílios que, aos olhos de um leigo,
que demonstram como artefactos fundamentais - como o motor a vapor, a pareciam semelhantes enrforma, dimensão e material. Uma vez reunidas por
máquina de algodão ou o transistor- surgiram de uma forma evolutiva a par- ordem cronológica, a característica mais marcante destas evidências arqueoló-
tir de outros já existentes. Os exemplos que se seguem ilustram a hipótese gicas era a perfeita continuidade mantida ao longo de centenas de milhares de
evolucionista, apesar de, à primeira vista, parecerem apoiar a tese da desconti- anos, à medida que, vag~ após vaga, diferentes culturas humanas se dedica-
nuidade que se lhe opõe. vam ao fabrico de utensílios de pedra.
No estudo dos utensílios de pedra, é inútil procurarmos saltos descontí-
nuos para formas totalmente novas. As formas destes artefactos persistiram,
Utensílios de pedra mesmo quando teve lugar a mudança radical da pedra para o cobre e o
bronze. Tradicionalmente, associa-s~ pedra a primitivismo e metal a civiliza-
Os mais antigos artefactos de que há vestígio são os utensílios de pedra. ção. Como matéria-prima para o fabrico de utensílios, a pedra apresenta
Estão na base da série interligada, ramificada e contínua de artefactos molda- algumas desvantagens. Apesar de ser facilmente obtida e trabalhada, a pedra
dos pelo deliberado esforço humano. Alguns ramos individuais desta série não dura tanto como o metal e é mais difícil de moldar. O formato de um
podem ter acabado em becos sem saída, mas o ramo mais amplo, o das coisas utensílio de pedra é mais fortemente determinado pela natureza do material
construídas, jamais foi quebrado. O moderno mundo tecnológico, em toda a do que a forma de um utensílio de metal. Este último pode ser transformado
sua complexidade, é a mais recente manifestação de um contínuo que se em praticamente qualquer forma exigida pela tarefa que se pretende realizar.
estende à aurora da humanidade e aos primeiros artefactos produzidos. Os O utensílio de metal é mais resistente, portanto, é menos provável que se
utensílios de pedra podem não constituir uma prova crucial para a tese da danifique. Se se quebrar ou ficar gasto, pode ser fundido e reconstruído.
evolução, mas ilustram da melhor maneira a continuidade a funcionar num Alguém pouco familiarizado com a história subsequente dos utensílios
extenso periodo de tempo. poderia concluir que o aparecimento do metal introduziu uma nova era no
Por todo o mundo, durante pelo menos dois milhões de anos, homens e fabrico de utensílios. Pelo contrário, foi a continuidade a prevalecer. Os pri-
mulheres fabricaram centenas de milhões de utensílios de pedra. Estes utensí- meiros utensílios de metal tiveram como antecedentes mais próximos os pro-
lios constituem os artefactos mais antigos, disseminados e numerosos que tótipos de pedra. Surgiram novos utensílios de metal, mas o peso da tradição
da tecnologia da pedra exerceu uma influência de longa duração no formato
hoje existem. Durante a maior parte do tempo, os utensílios eram fabricados
destes utensílios. A influência é evidente na forma de alguns utensílios
utilizando técnicas de cinzelar e lascar que, quando levadas a çabo por traba-
modernos comuns, como o machado, o martelo e a serra. E é também apa-
lhadores talentosos, resultavam num instrumento útil, num curto espaço de
rente em ferramentas eléctricas e pneumáticas, que preservam os princípios e
tempo- uma questão de minutos ou horas. Por estes meios, foram produzi-
os movimentos dos antigos utensílios de pedra.
dos machados, enxós, martelos, facas e raspadores de todos os tipos. O
Embora dramático,.este exemplo de continuidade é passível de crítiq..
período neolítico, que teve o seu início há cerca de oito mil anos, testemu-
Poder-se-ia alegar que estes utensílios de pedra devem a sua notável estabili-
nhou o aparecimento da agricultura, da domesticação de animais e da olaria,
dade ao facto de, num estádio inicial da sua evolução, terem adquirido a
bem como o começo do fabrico dos utensílios de pedra polida, resultado do
forma ideal para a tarefa a que se. destinavam e, por isso, não precisaram de
laborioso processo de picar e de polir a pedra até obter a forma e o acaba- mudar. Mesmo que isto não fosse verdade, era possível argumentar que os
mento desejados. Polir, principalmente, exigia dias ou semanas de trabalho, utensílios de pedra deveriam ser excluídos da lista dos casos de estudo porque
contudo, tinha como produto final ferramentas apropriadas para martelar, ou rep.resentam uma excepção, por serem tão antigos e simples. Aos críticos que
cortar durante bastante tempo. julgam que os utensílios de pedra são um caso anómalo, apresentarei provas
341 A EVOLUÇÃO DA TECNOlOGIA
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 135

mais persuasivas da continuidade na tecnologia, com exemplos de máquinas Esta máquina primitiva era utilizada onde quer que se cultivasse e processasse
relativamente complexas criadas nos tempos modernos por inventores famo-
algodão de fibra longa. No início do século XII, a máquina era designada manga-
sos, em lugar dos artefactos criados anonimamente no período pré-histórico.
nello pelos artesãos italianos; apareceu numa ilustração chinesa do século XN; e,
no século XVIII, foi descrita na Enciclopédia de Diderot. Em 1725, a máquina de
A máquina de algodão
algodão foi introduzida, vinda do Levante, na região da Louisiana e, em 1793,
A investigação do desenvolvimento contínuo no caso das máquinas com- passou a ser utilizada no Sul onde Eli Whitney a encontrou.
plexas pode começar, de forma vantajosa, pela máquina de algodão de Eli O desafio de Whitney era fazer uma máquina que limpasse algodão de
Whitney. Apesar de muitos escritores se terem debruçado sobre a vida de fibra curta. O seu invento consistia num cilindro rotativo de madeira, ao qual
Whitney e a sua invenção revolucionária, poucos foram os que integraram a estavam adaptadas, a intervalos regulares, filas de dentes de arame dobrado,
sua máquina numa corrente contínua de artefactos. de forma semelhante aos dentes de arame utilizados em vários instrumentos
Segundo a história popular das invenções, Whitney, um jovem da Nova para cardar a lã. Os dentes da máquina de Whitney passavam por uma estru-
'' Inglaterra com grande talento para mecânica, deparou-se pela primeira vez tura de Inetal perfurada, com aberturas_ suficientemente largas para lhes per-
i
com o algodão e os problemas do seu processamento em 1793, durante uma mitir a passagem e a das fibras, mas demasiado estreitas para que por elas pas-
visita a uma plantação na Geórgia. Witney constatou que o algodão de fibra sasse a semente do algodão. Deste modo, as sementes ficavam abaixo do nível
curta, ou algodão Inland, podia ser plantado na maior parte da zona Sul, mas da estrutura metálica, ao passo que as fibras eram puxadas para cima e liber-
as suas fibras estavam tão agarradas à semente que dificultavam a limpeza do
tadas. O algodão limpo era, então, escovado dos dentes por um segundo cilin-
algodão. Um escravo demorava, pelo menos, três horas a limpar uma libra de
dro rotativo que possuía filas de cerdas. Tal como a antiga máquina de algo-
algodão, num cansativo trabalho manual. Pouco depois da sua chegada à
dão, a máquina de Whitney era constituída por um conjunto de cilindros
Geórgia, Whitney começou a trabalhar num meio de acelerar o processo.
rotativos. Ao contrário da antiga máquina, a de Whitney tinha uma placa per-
Tendo observado os escravos a separarem manualmente a fibra da semente,
furada que permitia isolar as sementes enquanto eram separadas da fibra.
Whitney visualizou uma máquina capaz de reproduzir o movimento das
mãos deles. Em poucos dias, tinha construído um modelo da máquina que Esta excursão à antiga tecnologia de processamento do algodão não tem a
iria mudar para sempre a plantação de algodão no Sul. intenção de provar que as invenções são inevitáveis, ou que a moderna
Só os estudos mais eruditos mencionam que as máquinas de algodão máquina de algodão foi construída primeiro por uns artesãos indianos, ou
mecânicas eram já bastante utilizadas no Sul, aquando da visita de Whitney. que Eli Whitney era menos inteligente do que o que nos quiseram fazer crer.
Essas máquinas tinham capacidade para limpar o algodão de fibra longa, ou A máquina _de Whitney limpava algodão de fibra curta, algo que as antigas
algodão Sea lsland, uma planta de crescimento limitado, mas com uma fibra máquinas de rolos eram incapazes de fazer. Contudo, reconhecer a existência
facilmente removível da sua semente preta. Dada a existência destas máqui- da charka mostra que a invenção de Eli Whi.tney tinha outros artefactos como
nas, não foi necessário ao jovem inventor transpor o enorme abismo entre o antecessores, cuja estrutura global e el~mentos mecânicos foram adaptados
orgânico -dedos a puxarem para libertar as fibras teimosas da semente- e o pelo inventor americano para outros fins (figura 2.2.).
mecânico. Esse salto tinha sido dado muitos anos antes na índia, onde a pri- Nem todas as pessoas que vissem uma antiga máquina de rolos seriam
meira peça de vestuário de algodão fora produzida, 'séculos antes da era cristã. capazes de visualizar como transformá-la numa máquina capaz de processar
A máquina indiana, charka, baseava-se no princípio do cilindro de madeira, algodão de fibra curta - antes da visita de Whitney ao Sul, todas as tentati-
e era já uma variante de uma prensa de açúcar de cana ainda mais antiga. A vas de adaptar a charka ao processamento de algodão Inland fracassaram. O
charka é composta de dois longos cilindros de madeira, colocados numa estru- invento de Whitney não só teve êxito onde os outros falharam, mas também
tura e comprimidos um contra o outro. Os cilindros são postos a rodar no eixo serviu de ponto de partida para um conjunto de artefactos totalmente novo
longitudinal por meio de wna manivela. Os cilindros rotativos, que são estriados - uma série de modernas máquinas de algodão. Esta nova série evolutiva
por uma série de finas ranhuras no sentido do comprimento, separam as semen-
começou quase logo após o primeiro modelo de Whitney ter sido posto em
i tes da fibra espremendo as cápsulas de algodão que passam entre eles.
funcionamento. O vasto uso de máquinas inspiradas em Whitney deveu-se

I
36] A EVOLUÇÃO DA TECNOWGlA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE ]37

tanto ao seu gênio inventivo como a condições ambientais, sociais, econô-


micas e políticas que favoreciam a cultura do algodão na América e noutros
pontos do mundo.
Várias lições se podem retirar da história de Whitney. A mais óbvia é
que a invenção da máquina de algodão por parte de Whitney se integrou no
desenvolvimento evolutivo da tecnologia. Menos óbvia, é a constatação de
que nem todas as variantes de um artefacto têm uma igual importância.
Muitas são pura e simplesmente inoperáveis, algumas são ineficazes, e
outras são eficazes mas têm pouca influência tecnológica e social. Só um
número limitado de variantes possui o potencial para iniciar uma nova série
que enriquecerá a torrente de coisas feitas, terá impacto na vida humana e
se tornará conhecida como "grande invenção" ou "ponto de viragem na his-
tória da tecnologia".
O reconhecimento da importância da máquina de algodão de Whitney
dependeu da crescente procura, nacional e internacional, de algodão a baixo
preço e da escassez de mão-de-obra, escrav~/e assalariada, para processar a
matéria-prima. Numa sociedade que fosse dominada pelo vestuário de lã e de
linho, ou numa em que o trabalho manual barato fosse abundante, a máquina
de Whitney não teria servido de protótipo para uma proliferação de máqui-
nas mais poderosas e eficazes. Em qualquer uma destas sociedades alternatiN
vas, a máquina de algodão teria sido uma curiosidade mecânica sem relevân-
cia social, económica e tecnológica.
Assim sendo, a importância de uma invenção não pode ser determinada
exclusivamente pelos seus parâmetros tecnológicos - um invento não pode
ser ·avaliado por si só. Uma invenção só é classificada corno "excelente" se
uma cultura decidir atribuir-lhe um valor elevado. A reputação do inventor
está, de igual modo, dependente de valores culturai,s. Em qualquer dos mun-
dos alternativos acima descritos, Whitney não teria recebido as honras de
inventor heróico, teria sido ignorado óu, na melhor das hipóteses, encarado
-::orno o excêntrico construtor de um instrumento trivial.

B
Figura2. Z.A Uma charka indiana, ou máquina de rOlos. A máquina consiste em dois rolos de madeira ~impo às fendas do peitoril que são demasiado estreitas para deixar passar as sementes. Assim, as
de teca que são postos a rodar através de uma manivela situada na parte $Uperioresquerdada máquina sementes são separadas das fibras e estas acumulam-se no cilindro dentado. Um outro cilindro rota-
Quando se coloca algodão não limpo entre os rolos em movimento, as fibras passam para o outro :ivo, que não aparece na gravura, está coberto de cerdas que escovam a fibra limpado cilindro grande.
lado, ao passo que as sementes ficam para trás e caem num recipiente, na base. B. Máquina de algo- Tanto a charka como a máquina de Whitney baseiam-se em dois cilindros rotativos postos a funcio-
dão de Eli Whitney aberta para observação. Durante o funcionamento, a parte superior da máquina .:lar através de uma manivela manual. Fontes: t\. Edward Baines, History of the cotton manufacture in
encontra-se fechada, alinhando o peitoril perfurado da parte superiOr com os dentes de arame ·"SreatBritain (Londres, 1835} p. 66. B. Mitchell Wllson, Americanscienceand inventüm (Nova Iorque,
salientes fixados no grande cilindro rotativo. A rotação do cilindro transporta o algodão não 1954., copyright renewed © 1982 por Stella Adler, Victoria Wilson e EricaSpellman), p. 80.

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381 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 139

Motores a vapor e de combustão interna

Entre 1790 e 1860, a máquina de algodão foi a contribuição tecnológica


mais importante para o crescimento da economia do Sul dos Estados Uni-
dos da América. Num período mais ou menos semelhante, o motor a vapor
desempenhou um papel idêntico na economia britânica. Tal como a
I máquina de algodão, também o motor a vapor parecia ser uma invenção
I,,· praticamente sem antecedentes. Em 1842, W. Cooke-Taylor, um comenta-
dor da situação industrial britânica, afirmou: "A máquina a vapor não tem
qualquer precedente ... nasceu subitamente, como Minerva do cérebro de
Júpiter." 2 Terá sido assim, ou terá nascido do cérebro de James Watt?
A versão popular da história conta-nos que o jovem James Watt inspirou-se
para inventar a máquina a vapor na observação da subida do vapor pelo bico da
chaleira (figura 2.3.). Esta lenda curiosa é desmentida pelo facto de na Ingla-
terra existirem em funcionamento motores Newcomen a vapor, na precisa
altura em que Watt contemplava os vapores da água do chá a ferver. Cerca de
sessenta anos separam o aparecimento, em 1712, da máquina a vapor atmosfé-
rica, de Thomas N ewcomen, e a finalização de um eficaz motor a vapor de
grandes dimensões, por Watt, em 1775. Para complicar mais as coisas, a versão
de Watt da máquina a vapor nasceu da sua insatisfação com um modelo de
pequena escala de Newcomen, em cuja reparação estava a trabalhar.
O motor de Newcomen utiliza a condensação do vapor para criar um
vácuo parcial sob o pistão, que é, então, empurrado para baixo pela maior
pressão atmosférica existente na superfície exterior. Dado que fora criado
para bombear água de minas, o motor tinha a forma de um longo cilindro
giratório com uma vara da bomba ajustada a uma das extremidades e uma
vara do pistão adaptada à outra. Fixava-se um grande pistão (cinco a seis pés
de diâmetro) num cilindro com entradas para o vapor e a água fria, usada
para condensar o vapor, e com uma saída para a água de despejos. Após a
pressão atmosférica empurrar o pistão para a sua posição mais baixa e elevar a
vara da bomba até ao seu nível mais alto, o peso do mecanismo da bomba
fazia com que a extremidade da bomba do cilindro descesse, erguendo o pis-
Figura 2. 3, Alegoria ao significado da energia a vapor, c. 1850. O vapor que se liberta da chaleira, tão e tornando possível que o cilindro se enchesse de novo de vapor, de modo
~nspira !ames Watt para inventar a máquina a vapor e prever o seu papel na criação da civilização
mdustnal. Este desenho é uma excelente representação da visão popular de que as grandes inven- a repetir-se o ciclo (figura 2.4.). Há dois aspectos deste motor que merecem.
ções resultam de inspirados saltos intuitivos feitos por figuras heróicas. Fonte: Wolfgang especial atenção: primeiro, era a pressão atmosférica, e não o poder de expan-
Schivelbusch, The railway journey (Oxford, 1980), p. 5: Picture Collection, The Branch Libraries,
Biblioteca Pública de Nova Iorque. são do vapor, que desenvolvia o trabalho mais importante; segundo, o cilin-
dro era alternadamente aquecido e arrefecido, à medida que lhe era introdu-
zido vapor e água fria.

zcooke"Taylor, citado em E.P. Thomson, The making oftlle English working c/ass {Nova Iorque,
1960). p. 190.
40 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE [41

·.
'-!
.i.·l.!
No Inverno de 1763/64, quando Watt iniciou a reparação e o estudo do
modelo do motor de Newcomen, as versões de maiores dimensões eram uma
indisputável fonte de energia em metade do mundo. Apesar da sua utilização
r'l,.. '. geral, o motor de Newcomen possuía certas características que preocuparam
l,,' Watt, e foi ao tentar remediá-las que Watt produziu wna máquina que suplan-
tou a de Newcomen e abriu caminho para a moderna máquina a vapor.
I
I ' Watt notou que a eficácia do motor de Newcomen podia ser aumentada
I se os cilindros fossem mantidos quentes, em lugar de passarem pelas fases de
aquecimento e arrefecimento durante cada ciclo. Conseguiu-o isolando o
cilindro e condensando o vapor num contentar adjacente mantido frio exclu-
sivamente para esse fim. Além disso, abandonou a utilização da pressão
atmosférica e fez deslocar o pistão, primeiro num sentido e depois no outro,
através da aplicação-de vapor, primeiro a um dos lados do pistão e depois ao
outro. O que funcionava no motor de Watt era o vapor em expansão a
empurrar o pistão. Assim, nasceu o motor a vapor de dupla acção com um
condensador separado. Este motor surgiu pela primeira vez em 1784, e domi-
nou a concepção de motores a vapor nos cinquenta anos seguintes.
Ao substituirmos Watt por Newcomen como inventor da máquina a
vapor, não resolvemos o problema da continuidade: mudou-se apenas o foco
temporal da pesquisa. Agora, a pergunta passa a ser: Terá o motor de Newco-
men surgido sem quaisquer antecedentes? Uma vez mais, a resposta é nega-
tiva. Alguns dos elementos mecânicos que constituíam o motor de Newco-
men tiveram antecedentes na Europa do início do século XVII, outros na
China do século XIII, e outros ainda surgiram wn ou dois séculos antes do
nascimento de Cristo.
Dado que o motor de Newcomen é mecanicamente mais complexo do
que uma máquina de algodão, é mais difícil identifiCar os seus antecedentes
Figura 2. 4. Diagrama de uma tlpica máquina Newcomen a vapor, c. 1715. O dindro cheio de de forma sucinta. Na pré-história da máquina a vapor estão presentes câma-
vapor está prestes a ser arrefecido pela injecção de um jacto de água fria no seu interior~ Em resul~ ras de evacuação, bombas de pistão, instrumentos de deslocação do vapor e
ta do desta acção, o vapor que está no cilindro condensa e cria um vácuo parciaL A pressão atmos-
férica faz peso na superfície exterior do pistão e empurra-o para baixo. Quando o pistão atinge o ligações mecânicas. Este engenhos formam a "longa cadeia de ligação genética
ponto mais baixo do seu percurso, injecta-se vapor no cilindro para equilibrar a pressão de ambos directa" que o historiador Joseph Needham traçou num artigo intitulado
os lados do pistão. O peso do mecanismo da bomba da mina faz, então, girar o braço ria balança,
elevando o pistão até ao topo do cilindro. Note-se que, nesta máquina, as válvulas e as torneiras 'The Pre-Natal History of the Steam Engine" ("História Pré-Natal do Motor
que controlam a entrada do vapor e da água fria no cilindro, e a saída da água mada, através do a Vapor"). Após avaliar o contributo dos antigos artesãos chineses, dos mecâlli-
tubo de escoamento, são todas movidas manualmente. Fonte: D. B. Barton, The Cornish beam
engine (Bath, 1969}, p.l7. cos helénicos, dos filósofos, dos fabricantes de instrumentos e dos mecânicos
naturais europeus, Needham concluiu que: "Não houve um homem ou uma
civilização que sozinhos tivessem sido os pais do motor a vapor."3 Quando
investigaram os antecedentes do motor a vapor, os estudiosos Maurice Daumas

3
Joseph Needham, Clerks and cwftsmen in China and the West (Cambridge, 1970), p. 202.
~~ii!'/:.''!
.. i.: I CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 143
42j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

e Paul Gille concluíram que o motor atmosférico teria sido inventado na A afirmação de Oersted, em 1820, de que um condutor pelo qual passa cor-
primeira metade do século XVIII, mesmo que Newcomen nunca tivesse rente produz um efeito magnético na sua vizinhança, suscitou vivo interesse na
existido. comunidade científica. Embora a descoberta de Oersted tenha sido surpreen-
Tal como a máquina de algodão de Whitney, a máquina a vapor de Watt dente para o mundo científico, a sua aplicação tecnológica seguiu um rumo
foi uma invenção seminal que desabrochou numa série multifacetada e diver- previsível. Os primeiros motores eléctricos foram construídos com base em
gente de máquinas. O ar quente e o motor de combustão interna são duas das dois instrumentos bem conhecidos: a agulha magnética e a máquina a vapor.
mais importantes fontes de energia que evoluíram a partir da máquina a O cientista dinamarquês mostrara que um pedaço de arame transpor-
vapor. Já em 1759, foi proposto substituir o vapor por ar quente no motor, tando uma corrente eléctrica exercia uma força sobre a agulha de uma bússola
mas o primeiro modelo funcional dessa máquina só foi construído em 1807. que a obrigava a desviar-se. Michael Faraday, um físico inglês, ao ter conheci-
No século XIX, Robert Stirling, na Inglaterra, e John Ericsson, nos Estados mento deste facto, procurou transformar o desvio da agulha numa rotação
unidos da América, conceberam motores de ar quente que foram vendidos ao contínua. O resultado foi o primeiro motor eléctrico. Apesar de só ter conse-
público. Por volta de 1900, o motor de ar quente foi suplantado por uma guido o movimento de rotação num simples instrumento de laboratório e
outra variante do motor a vapor, variante essa que substituía a combustão não num utensílio capaz de levar a cabo qualquer trabalho útil, o princípio do
externa dos motores a vapor ou de ar quente, por uma combustão interna motor eléctrico moderno tinha sido descoberto e demonstrado por Faraday.
que tinha lugar dentro do próprio cilindro. Em 1791, tinha sido atribuída A agulha da bússola modificada de Faraday rodava constantemente, em vez
patente, na Inglaterra, a um motor de bomba de combustão interna que fun- de se alinhar com o campo magnético terrestre.
cionava a terebintina ·vaporizada. No entanto, a primeira produção mundial Em 1831, menos de uma década depois das experiências de Faraday, o
de um modelo de um motor de combustão interna ocorreu em 1860, e foi físico americano Joseph Henry construiu um motor eléctrico baseado nos
concebido pelo inventor belga Jean Joseph Etienne Lenoir. O motor de mecanismos da máquina a vapor. Uma característica central dos motores de
Lenoir, funcionando a gás de iluminação, tinha um padrão próximo do Newcomen e de Watt era um longo cilindro com um pistão ligado a uma
motor a vapor horizontal de acção dupla. Tal como o motor de acção dupla extremidade e uma vara de bomba adaptada à outra. De igual modo, o novo
de Watt, recebia vapor dos dois lados do pistão e, por isso, funcionava em motor eléctrico de cilindro oscilante de Henry tinha um electromagneto alon-
ambos os sentidos. O motor de Lenoir fazia explodir uma mistura gás e ar nas gado que balouçava para cima e para baixo estabelecendo e interrompendo o
duas extremidades do cilindro, fazendo o pistão mover-se para a frente e para
f, contacto eléctrico.
trás. Melhoramentos posteriores do motor a gás incluíram, em 1876, o No motor de Henry não havia análogos eléctricos para o cilindro e para o
modelo de acção única a quatro tempos, da autoria de Nikolaus Otto, que pistão, mas vários outros inventores incorporaram os mecanismos do cilindro e
serviu de protótipo ao actual motor de automóvel. Apesar das mudanças do do pistão nos seus motores eléctricos (figura 2.5.). Charle~ G. Page (1838), ao
meio gasoso, de vapor para ar quente, e deste para misturas explosivas de
melhorar a concepção de Henry, utilizou o cilindro como elemento mecânico e
gasolina e ar, as configurações básicas do cilindro e do pistão permaneceram.
converteu os electromagnetos em "cilindros", fazendo-os ter a forma de espirais
de arame, onde os "pistões" de ferro mergulhavam quando os "cilindros" eram
O motor eléctrico estimulados. Um inventor europeu concebeu um motor com "cilindros e pis-
Nem a máquina de algodão, nem os motores que temos estado a discutir tão" electromagnéticos, manivela de cilindro, volante, vareta de ligação, engJ;e-
foram o resultado imediato de um grande avanço científico. Portanto, é legi- nagem de válvula descentrada, contra-haste e válvulas. Com a inclusão no
timo perguntar se a mudança tecnológica ocorre de forma diferente quando motor de todos estes mecanismos tradicionais do motor a vapor, só faltou
se baseia numa recente descoberta científica. Será que um desenvolvimento acrescentar uma caldeira e úma fornalha para completar a analogia.
revolucionário na ciência, ao ser aplicado na prática, evoca uma descontinui- As forças naturais manobradas para produzir o motor a vapor e o motor
dade semelhante na tecnologia? A fim de testar tal possibilidade, discutiremos eléctrico eram totalmente diferentes. As teorias científicas subjacentes ao fim-
a descoberta do electromagnetismo, por Hans Christian Oersted, e a sua apli- cionamento destas fontes de energia- a termodinâmica e a teoria electromag-
cação nos primeiros motores eléctricos. nética - constituíam dois mundos distintos. As comunidades técnicas - dos

CHFC·E.T·04
~~~~~-~~~~-----------------------------------------------~~-~~---

44j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 145

;i
ii
inventores aos empresários - interessadas no desenvolvimento e na manufac-
'i! tura da máquina a vapor e do motor eléctrico eram também distintas: os pro-
dutores de máquinas a vapor não converteram as suas fábricas em locais de
produção de motores eléctricos. As utilizações práticas dos motores a vapor e
eléctrico eram muitas vezes, mas não sempre, distintas. O motor a vapor não
podia competir com o carácter portátil do motor eléctrico, mas em compen-
sação era muito mais potente. Por fim, também os efeitos sociais e económi-
cos dos motores a vapor e eléctrico foram diferentes. Apesar de admitir tudo
isto, é extremamente evidente que, ao nível do artefacto, foi a continuidade a
prevalecer: a concepção dos primeiros motores eléctricos deveu mais a arte-
B factos já existentes do que à teoria científica. A teoria electromagnética pode
,-;;==,A i!l'I\Çj'~ t!=B==:--.., ter condicionado a concepção do motor, mas não decretou que o primeiro
motor eléctrico devia funcionar como um motor a vapor.

O transístor
A primeira vista, o transístor, utensílio que se afirma resumir a nova era
electrónica, pode parecer a escolha ideal para o partidário da visão revolucio-
nária da mudança tecnológica, O transístor foi produzido pela primeira vez
nos prestigiados laboratórios de pesquisa de Bell. Esta invenção requereu tra-
balho teórico e trabalho experimental originais em fisica do estado sólido, e
os seus criadores (John Bardeen, Walter H. Brattain e William Shockley) rece-
beram o Prêmio Nobel da Física (1956). Estes factos levariam a crer que o
transístor surgiu de uma pesquisa científica totalmente inovadora, que não
fazia parte da corrente de coisas feitas.
r1 ;··!;.!.
·.!' O argumento a favor da continuidade parece ainda mais enfraquecido pela
I constatação que o parente mais próximo do transístor, em termos de utilização,
Jl• é a válvula. Para além das funções semelhantes que desempenham, os transísto-
•I
j.il res e as válvulas são demasiado diferentes para se defender que o primeiro é
< 1: Figura 2.5. A. Máquina de balança rotativa de James Watt (l788). B. Motor de balança electra-
.. 1· magnética de foseph Henry (1831). C. Motor eléctrico de balança rotativa do início de século XIX. uma variante do segundo. O transístor não tem vácuo, invólucro de vidro, gre-
;:ti Estes três engenhos ilustram bem a continuidade que existe entre os motores a vapor e os primei-
lha nem cátodo aquecido. Apesar disso há uma história extremamente concei-
ros motores eléctricos. O elemento mecânico fundamental em todos os casos é uma balança gira-
tória. Newcomen introduziu a balança no seu motor atmosférico de movimento alternativo para tuada dos instrumentos semicondutores que afirma que o transístor é um e~o
fazer funcionar uma bomba de mina {figura 2.4.); Watt modificou o mecanismo da balança para
produzir movimento rotativo no seu motor de balança rotativa. O motor de Joseph Henry, quando numa "cadeia contínua de instrumentos electrónicos"ol que data do século XIX.
os electrornagnetos A e B são alternadamente atraídos para C e D. faz: lembrar o movimento aliei- A busca da continuidade no desenvolvimento do transístor tem início por
nado do motor de Newcornen, ao passo que o motor eléctrico de balança rotativa, como o motor
de Watt, de 1788, transforma o movimento alternado da balança em movimento rotativo. O motor volta de 1870 com o trabalho de Ferdinand Braun, um físico alemão quedes-
eléctrico de balança rotativa incorpora outros elementos do motor a vapor- pistões, cilindros, vara cobriu que certas substâncias cristalinas conduziam corrente eléctrica num
de ligação, volante- tornando-o praticamente num artefacto eléctrio análogo do motor de W3.tt.
Fontes: A. H. W. Diclcinson, Matthew Boulton (Cambridge, 1937), grav. VII; B. W. James King, único sentido. No virar do século, estas substâncias foram utilizadas como
The developmen.t of electrical technology in the 19th century: the ekctrochemical cell and the elecuo-
magnet (Washington, D.C., 1962), p. 260; e C. Harold I. Sharlin, The mGkingofthe electrical :::~ge
(Nova Iorque, 1963), p. 174. • Emest Braun & Stuart Macdonald, Revolution in miniature (Cambridge, 1982), p. l.
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,. 461 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE [47
[;

rectificadores de cristal para detectar radiação electromagnética. Os rectifica- foram descritos numa comunicação: "No transístor são feitos dois pontos de
dores de cristal substituíram os antigos detectores de ondas de rádio e torna- contacto entre o "bigode de gato" ou detector tipo, conhecido dos radioama-
ram possível a moderna recepção de rádio. dores, e o semicondutor." 5
O conjunto de rádio de cristal, com os auscultadores que o acompanha- A concepção geral do transistor de ponto de contacto remontava sem
vam, tornou-se o primeiro receptor de rádio fiável e acessível. Os seus princi- dúvida aos primeiros detectores de cristal de Braun usados na recepção de
pais componentes eram um recipiente contendo um semicondutor (carbo- rádio. É claro que a compreensão teórica do funcionamento do detector tinha
neto de silício, sulfureto de chumbo, ou sulfureto de molibdeno) e um
aumentado muito em 1947, assim como a pesquisa de material dos tipos de
pedaço de arame fino e flexível 'a que se chamava "bigode de gato". Estes dois
substância cristalina que se calculava produzirem um efeito de transístor.
elementos foram introduzidos por Braun nas suas experiências. Movendo
Além disso, os antigos detectores funcionavam como rectificadores, ao passo
com cuidado o bigode de gato sobre o cristal de um aparelho de rádio, o utili-
que os transístores funcionavam como amplificadores. Porém, depois de se
zador podia localizar pontos sensíveis que emitiam um sinal claro. Este sis-
admitirem todas estas diferenças, a continuidade relativa à concepção do arte-
tema tinha, todavia, alguns inconvenientes. O ajustamento do bigode de gato
facto mantém-se intacta.
era feito por tentativas e o conjunto de cristal não tinha capacidade de
Um transistor eficaz podia ter sido concebido de forma diferente, não tinha
ampliar o sinal recebido. Em todo o caso, o receptor de cristal utilizava um
de ser do tipo de ponto de contacto. Na realidade, Shockley inventou mais
semicondutor para fins de comunicação.
tarde o transístor de junção que rapidamente substituiu o modelo original de
A invenção do díodo de vácuo e do tríodo de vácuo, por John A. Fleming
Bell e abriu caminho à electrónica moderna. Mas o primeiro transístor foi do
(1904) e Lee De Forest (1906), fez com que a partir de 1920, o cristal pare-
tipo de ponto de contacto, o que sublinha a nossa regra básica- qualquer coisa
cesse obsoleto. O novo tubo e1éctrico, ele próprio um produto secundário do
nova que surja no mundo construido baseia-se em algum objecto já existente.
fabrico de filamento incandescente para lâmpadas eléctricas, ampliava o sinal
Apesar de os detectores de cristal terem sido o principal elemento inspira-
de rádio recebido, tornando possível a utilização de altifalantes. Enquanto os
detectores de cristal eram relegados para radioamadores e para jovens experi- dor na concepção inicial do transistor, houve outras forças, especificamente a
mentalistas interessados em aprender os elementos básicos da recepção de válvula, que ajudaram a dar-lhe forma (figura 2.6.). As características peculia-
rádio, a tecnologia das válvulas desenvolvia-se rapidamente. res dos tubos termiónicos foram transferidas para o transístor porque este foi
Apesar de os conjuntos de cristal terem desaparecido do mercado após a entendido como um substituto para o tríodo num circuito e porque os pro-
Segunda Guerra Mundial, os desenvolvimentos da electrónica nos anos que dutores de válvulas se dedicaram à produção de transístores. Consequente-
precederam a guerra tinham reavivado o interesse pelos detectores de cristal mente, a ideia de um circuito integrado teve wn desenvolvimento lento. A
para fins militares. Por volta de 1930, descobriu-se que as ondas curtas de prática electrónica tradicional tinha dado preferência à ligação conjunta de
rádio escapavam às válvulas, mas não aos detectores de cristal. o advento do vários componentes num painel, em vez da incorporação de vários compo-
i
radar estimulou o interesse e fomentou novas pesquisas em cristais que nentes numa única unidade manufacturada, que é aquilo que o circuito inte-
ii pudessem detectar essas microondas. Dessas pesquisas resultaram os rectifica- grado requer. De igual modo, o exemplo da tecnologia das válvulas conven-
ceu os produtores de transistores a tratar os semicondutores como se fossem
dores de ponto de contacto, bastante mais sofisticados do que os utilizados
I[, nos antigos receptores de rádio. O material cristalino era germânia ou silicio e mini-válvulas de estado sólido. Usando a nomenclatura e o modo de fundo-:
a sonda do bigode de gato era feita de volfrâmio. namento das válvulas, os dois pontos de contacto do transístor e as suas liga-
:) A distância que vai dos detectores de microondas de germânia para os pri- ções eléctricas contíguas foram, respectivamente, designadas por emissor e
' meiros transistores de germânia não foi nem óbvia nem fácil. Envolveu o tra- colector, apesar de não haver nem ~missão nem recolecção. Um pensamento
balho científico e tecnológico de equipas de investigadores em laboratórios analógico, semelhante, levou os fabricantes de transístores a fecharem herme-
académicos e de industriais por todos os Estados Unidos da América. Em ticamente o seu produto numa cápsula de vidro ou numa caixa de metal
1947, nos laboratórios Bell, o esforço conjunto de todos estes investigadores
resultou finalmente numa telefonia funcional. No ano seguinte, os resultados
·1i
. '
5
"The transistor», Bdl Laborarories Record 26 {1948), 322 .

li
u
i.
481 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE j49

iluminação de controlo individual que ficavam nos quartos, nas salas, etc. O
perna
emissor
perna outro sistema utilizava um arco eléctrico para a luz, no qual a iluminação
colector
ocorria quando se aproximavam duas varas de carbono ligadas num circuito
eléctrico. O resultado, uma intensa luz branca de mil velas, era útil para a ilu-
tampão minação de locais públicos, como ruas, fábricas, salões de baile, teatros e
isolador .__ ~
auditórios. A central geradora que produzia a electricidade para as lâmpadas
invólucro ~~: de arco estava situada no próprio local, era pertença do consumidor da luz e
metâlico ---> :::
por ele posta em funcionamento. As lâmpadas··de arco individuais estavam
fios de
contacto--- ligadas em série, o que significava que tinham de ser todas ligadas e desligadas

disco de
germânio
~~ =:Jf: ao mesmo tempo. Isto não era necessariamente um inconveniente porque
este tipo de iluminação tinha uma utilidade pública.
Tanto o sistema a gás como o de lâmpadas de arco tinham os seus incon-
B
venientes. A iluminação a gás queimava dentro de casa um combustível peri-
goso, poluindo o ambiente circundante com o produto da sua combustão, e
~i~a 2. 6. A. ~etector de c~tal do início do século XX para utilizar num receptor de rádio. o
b1gode de gato de me~! esta ~ontado ~e forma a poder ser facilmente deslocado para tocar qual- tínha como resultado uma fraca luz amarelada de dezasseis velas (mais ou
quer parte da superft~1e do cnstal; o cnstal é mantido firmemente no lugar por três parafusos.
menos o equivalente a uma moderna lâinpada de doze watts). As lâmpadas de
B. Dese!'ho es9-uemát1:;o de um transíst,?r de ponto de contacto ( 1959). No transistor, o "bigcde
:I
.'
de g~to evol?w para fios.de contacto que tocam em dois pontos a superficie do disco de ger- atto tremeluzi~m à medida que as suas varas de carbono eram consumidas no
mâmo,? equ1~alente do cn~taL As r~ferências do diagrama a "emissor" e "colector" são herança
da termmolog1a de válvulas, mapropnada para transístores. Fontes: A. Vivian J_ Phillips, Early radio
calor intenso, e também libertavam fumos nocivos. Enquanto que a ilumina-
wave detectors_ (Londres, 1980}, p. 207; B. John N. Shive, The properties, physics, and designof semi- ção a gás era demasiado fraca para muitos fins, a luz da lâmpada de arco era
conductor devtces (Nova Iorque, 1959), p. 177.
demasiado forte para usar em habitações e estabelecimentos comerciais.
Edison decidiu então criar um sistema baseado numa lâmpada eléctrica
incandescente, com um filamento incandescente, que iluminasse os interiores
domésticos e comerciais. A sua tarefa, co~o ele próprio a descreveu, era sub-
O sistema de iluminação de Edison dividir o sistema de luz eléctrica de modo a servir fins privados e semipriva-
dos, e não apenas os públicos. Dado o seu objectivo, poder-se-ia pensar que
Edison se concentraria em modificações da tecnologia do arco eléctrico, em
Os grandes sistemas tecnológicos, tal como os vários artefactos apresen-
vez disso,. decidiu produzir um sistema eléctrico análogo ao sistema de ilumi-
tados anteriormente, denotam continuidade na mudança. Na opinião de
nação a gás.
Thomas Edison, todos os componentes de um sistema têm· de ser compatí-
Edison tinha consciência de que a utilidade das lâmpadas de arco para a
veis entre si, um sistema é como uma grande máquina. Se um motor a
iluminação de interiores era limitada. Por isso, quando procurou um modelo
vapor, com os seus muitos mecanismos distintos, sofrer uma mudança evo-
para o seu novo empreendimento eléctrico, escolheu a indústria de gás que
lutiva, não deverá o mesmo ocorrer num sistema constituído por compo-
obtinha 90% dos seus lucros da iluminação de espaços interiores. Esta escolb.a
nentes integrados?
conduziu à fundação da primeira estação de iluminação eléctrica comercial,
Em 1878, quando Edison começou a trabalhar num projecto de criação
inaugurada por Edison em 1882, na Pearl Street, Nova Iorque, e à imposição
de um sistema de iluminação, já existiam em funcionamento dois sistemas
do modelo do sistema de iluminação a gás aos sistemas de iluminação eléc-
de iluminação nas cidades europeias e americanas. Um dos sistemas utili- trica de todo o mundo.
zava gás de iluminação produzido numa central de gás. O gás era transpor- No meio dos apontamentos de Edison é possível encontrar as suas pri-
tado em tubos, por debaixo do solo, para casas, lojas e hotéis. Em cada um meiras reflexões sobre o assunto: "Objectivo: realizar uma imitação exacta
destes locais, existiam outros tubos que levavam __o gás até aos utensílios de de tudo o que é feito com o gás de forma a substituir a iluminação a gás por
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE jSl
50 j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

os custos envolvidos na construção, no funcionamento e na manutenção do


iluminação eléctrica ... não fazer uma luz demasiado intensa ou encandeante, sistema, de modo a poder competir com a iluminação a gás, o que constitui
mas uma luz suave que tenha a subtileza da do gás." 6 Para Edison, a luz eléc-
um dado relevante.
trica não era simplesmente um novo tipo de lâmpada, mas um sistema em
Durante os anos em que Edison esteve a trabalhar no seu sistema, foram
que a lâmpada era um componente a ser integrado com outros componentes:
propostos esquemas alternativos de iluminação eléctrica que, no entanto,
geradores, redes condutoras, contadores, pontos de iluminação, interrupto-
nunca passaram da fase teórica. Em 1882, por exemplo, um conhecido enge-
res, fusíveis e acessórios de iluminação. No bem sucedido sistema de ilumina-
nheiro inglês apresentou um plano de iluminação doméstica baseado no
ção a gás para uso doméstico era possível encontrar objectos análogos de
modelo do arco eléctrico. Cada casa produziria a sua própria electricidade
muitos destes componentes.
com um gerador que funcionava com um motor a gás. Um outro esquema
O eixo do sistema de Edison era uma estação central afastada dos consu-
mais elaborado exigia a instalação de baterias de armazenamento em cada
midores da luz e que fornecia energia às habitações e aos estabelecimentos
comerciais de uma secção da cidade. Do mesmo modo que o gás era trans- casa. Durante o dia, uma central geradora carregaria a alta voltagem das bate-
portado por meio de grandes tubos ou canos a partir de uma estação geradora rias. A noite, a estação forneceria energia para a iluminação das ruas, ao passo
central, Edison considerava que a electricidade também deveria ser transpor- que as baterias das casas forneceriam energia de baixa voltagem para a ilumi-
.I. tada a partir de uma estação geradora central por meio de fios de cobre. Os nação doméstica. Edison rejeitou o projecto das baterias de armazenamento
de energia de alta voltagem. Comparando este projecto com o sistema de gás
6os do telefone, do telégrafo, da lâmpada de arco e dos alarmes de incêndio

I' estavam todos presos a poStes acima do nível do chão, mas Edison queria insta-
lar os seus tubos eléctricos por debaixo do solo, e explicou: "Por que razão não
se colocam os tubos de água e de gás em estacas."7 Contudo, para adquirir o
proposto algum tempo antes, no qual o gás era bombeado a alta pressão atra-
vés de tubos baratos e de pequeno diâmetro e armazenado num reservatório
nas casas, onde era utilizado a baixa pressão, Edison concluiu que a alta volta-
direito legal de fazer passar os seus tubos por debaiXo do solo, Edison viu-se gem apresentava tantos perigos para os domicílios privados como o armaze-
forçado a integrar a sua Edison Electric Illuminating Company nas estruturas namento de gás com alta pressão.
que regulamentavam a indústria de gás do Estado de Nova Iorque. Só as com- Edison considerou os constragimentos da possibilidade física enquanto
panhias de gás é que tinham autorização para escavar as ruas da cidade. trabalhava nos pormenores do seu projecto, contudo, não foram as leis cienti-
! No sistema eléctrico de Edison, como no sistema de iluminação a gás, as ficas, por si só, que ditaram a concepção global do seu sistema. Ao seleccionar
luzes tinham fios de modo a fazer com que as luzes individuais pudessem ser e reunir os componentes do seu sistema, Edison teve sempre presentes aspec-
ligadas e desligadas independentemente umas das outras. Tal como existiam tos tecnológicos e económicos da iluminação a gás.
contadores de gás, Edison exigiu a instalação de contadores eléctricos em cada Para o observador moderno, o sistema de Edison parece a forma mais
residência. Esta exigência foi feita numa época em que não havia métodos óbvia de resolver o problema da iluminação. O historiador sabe que a reali-
econômicos e fiáveis de medir a quantidade de electricidade consumida dade nem sempre se processa da forma mais evidente. A solução de Edison
durante um longo período de tempo. Os sistemas de lâmpada de arco, postos não foi, seguramente, óbvia para os seus contemporâneos familiarizados com
em funcionamento pelo proprietário, não tinham contadores. Anteriormente, os aspectos científico e técnico da iluminação eléctrica. Na melhor das hipóte-
só o gás e, em alguns sftios, a água tinham contadores. Para explicar a resistên- ses, supunham que Edison estava envolvido num esforço mal direccionad~,
cia encontrada nos fios e nos tubos, Edison comparou a pressão do gás e a pres- na pior, consideravam-no um tolo em busca do impossível ou uma fraude.
são da electricidade. A sua lâmpada eléctrica foi inicialmente chamada queima- O génio de Edison revelou-se quando, ao desenvolver o seu esquema de
dor porque foi concebida para produzir uma intensidade luminosa de dezasseis electrificação, teve a coragem e a j_maginação para estabelecer analogias entre
velas, tal como os queimadores de gás. Edison calculou cuidadosamente todos duas tecnologias tão díspares, como a iluminação a gás e a iluminação eléc-
trica. Além do mais, o facto de ter sentido necessidade de estabelecer essas
6
Thomas A. Edison, citado por Harold C. Passer, «The dectric light and gas light: innovation andconti- analogias é uma prova adicional em favor do modelo de uma mudança tecno-
nuity in economic history", Expioratious in Entrepreneurial History l (194'J), 2. lógica continua. O exemplo do sistema de iluminação de Edison mostrou que
7
lbid., p. 3.
521 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE j53

cada sistema tecnológico novo emerge de um sistema antecedente, tal como A facilidade com que o arame farpado pode ser fabricado levou o histo-
cada novo artefacto emerge de artefactos anteriores. riador da tecnologia D. S. L. Cardwell a sugerir que podia ter sido inventado
nuito antes do terceiro quartel do século XIX, talvez na Grécia Antiga.
Podemos questionar a ideia de o arame farpado ter sido uma invenção da
O arame farpado Antiguidade Clássica e apontarmos uma data do Renascimento, altura em
que pela primeira vez se realizou desenho de arame em grande escala. Mas
Dando por certo que cada novo artefacto se baseia, a>:é cetto ponto, num mesmo essa mudança não invalida a afirmação de Cardwell de que um arte-
artefacto já existente, devemos agora responder à pergunta sobre a origem da facto tão simples, feito a partir de pedaços de arame torcidos, poderia ter
primeira coisa feita. Em que é que esta se baseou? Apesar de na altura não sido feito muito antes. É quase certo que a invenção do arame farpado não
existirem artefactos preexistentes, havia um conjunto de natuifactos que pode dependeu do avanço do conhecimento científico ou do aperfeiçoamento de
ter servido de modelo para iniciar o processo de evolução teaológica. Havia um qualquer processo tecnológico preciso e complexo. Então, por que razão
rochas, pedras, seixos, paus, galhos, ramos, folhas, conchas, cornos, e uma apareceu na América no século XIX? Ou, mais-especificamente, quais foram
miríade de outros objectos naturais cujo peso, estrutura, tf"xtura, forma e as condições que levaram três homens a inventar o arame farpado em
material os tornavam instrumentos adequados para um trabalho a realizar. É DeKalb, Illinois, em 1873?
óbvio que esta reconstrução histórica é especulativa, mas é apoiada por acha- Os primeiros colonos americanos levaram com eles ideias inglesas e euro-
dos arqueo~ógicos e estudos de especialistas da pré-história que se dedicam à peias tradicionais de como construir uma vedação para cercar as suas culturas
cultura material dos nossos mais remotos antepassados. Foro=.m encontradas agrícolas. Na maioria dos casos, estas vedações eram construídas em pedra ou
pedras que exibem sinais de desgaste, demonstrando que foram utilizadas em madeira, dois materiais de fácil obtenção nas primeiras colónias. Enquanto
as colónias e a agricultura se mantiveram confinadas à costa atlântica, as veda-
como ferramentas pelos primeiros hominídeos. A cominui.dade da forma
ções não constituíram um problema, mas, no século XIX, a nação estendeu-se
entre o utensílio encontrado e o utensílio talhado deliberadamente é tão forte
às planícies e pradarias do Oeste. Os agricultores migrantes descobriram que ai
que, em muitos casos, é difícil separar artefactos de natllrfact·::>S. O que deve-
a madeira era escassa e cara, e que as suas plantações necessitavam de ser pro-
mos ter se;mpre presente é que os utensílios de pedra não surgiram de uma
tegidas das manadas de gado que vagueavam livremente em busca de ali-
forma abrupta, mas emergiram lentamente.
mento. Assim, as vedações tornaram-se a maior preocupação dos agricultores.
A transição dos primeiros naturfactos para os primeiros artefactos per-
E:ltre 1870 e 1880, os assuntos relacionados com vedações ocuparam mais
deu-se nas brumas dos tempos pré-históricos. É possível especularmos acerca
e.sp(!.ÇO nos jornais da região do que qualquer assunto político, militar ou
do processo, mas não é possível documentá-lo em pormenor. Contudo, exis- económico.
tem artefactos mais recentes que permitem identificar uma e•mlução a partir
Os custos proibitivos das vedações de madeira atrasaram consideravel-
de um naturfacto. Um deles é uma invenção arquetípica americana d'o mente a expansão para oeste. Em 1871, o Departamento de Agricultura dos
século XIX: o arame farpado. Estados Unidos calculou que o custo total combinado das vedações no país
Se exceptuarmos os utensílios de pedra, o arame farpado é o artefacto ern igual à dívida nacional, e que o custo de reparação e manutenção anual
mais simples que é discutido neste capitulo. Consiste em várias longas filas de excedia a soma de todos os impostos federais, locais e estatais._ Em resposta à
arame entrelaçado, à volta do qual são enrolados pedaços mais pequenos a necessidade desesperada de vedações alternativas a um preço razoável experi"'
intervalos regulares. As extremidades expostas destes pedaços mais pequenos mentaram-se vários tipos novos.
são cortadas em ângulo para as transformar em pontas aguçadas ou farpas. Uma das alternativas mais bem sucedidas, conhecida na Europa mas não
i Quando o arame é colocado em postes, as farpas projectam-se para ambos os
'i muito usada na América, foi a sebe. Numa região em que o gado em liber-
I lados da vedação, agindo como agente dissuasor para o gado t=reso que pode- dade ameaçava as colheitas, a eficácia da sébe foi aumentada com plantas
.r
ria tentar sair dos limites da propriedade, ou para o gado em liberdade que que possuíam espinhos. Foram plantados roseira-brava, algarobo, cactos,
tentasse alimentar-se das culturas protegidas pela vedação. É uma barreira roseiras e vários locustas, mas a Osage laranja parece ter sido a melhor
simples, barata e extremamente eficaz. opção para vedações.
541 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE /55

A Osage laranja, ou bois d'arc como lhe chamavam os primeiros mercado-


res franceses, é uma árvore bastante baixa cujos ramos possuem espinhos bas-
tante pronunciados. Pode ser plantada como um arbusto alto, e se as árvores
forem plantadas próximas urnas das outras e em filas duplas e podadas para
encorajar o crescimento das partes inferiores, em três ou quatro anos, tor-
nam-se numa "vedação viva" que resiste à incursão de vacas, cavalos e porcos.
Como a Osage laranja era nativa do Texas Oriental e de zonas do Sul do
Arkansas e Oklahoma, mas podia ser plantada em climas mais frios, as suas
estacas foram propagadas no Texas e no Arkansas e as sementes processadas
para serem enviadas para o Norte, para os _estados das pradarias. Entre 1860
'' e 1870, a produção de Osage laranja tornou-se uma indústria florescente. Só
em 1860, foram enviados para o Norte 10 000 bushels* de sementes. Isto era
suficiente para produzir 300 milhões de plantas, ou seja, cerca de 60 000
milhas de vedação.
Durante algum tempo, pensou-se que a sebe impenetrável de espinhos da
Osage laranja era a solução para o problema da vedação. Mas as sebes, mesmo
as duras e resistentes como a Osage laranja, originavam problemas. Tinham aos postes. Parecia que a vedação ideal seria aquela que combinasse as melho-
um crescimento lento, não eram fáceis de remover, faziam sombra às planta- res características do arame e das vedações "vivas".
ções adjacentes, ocupavam espaço de plantação valioso e davam abrigo a ervas Uma combinação semelhante deveria ter Michael Kelly em mente quando
daninhas, bicharada e insectos. em 1868, patenteou um tipo melhorado de vedação (patente n.o 74 379). Kell'
Fossem quais fossem as suas desvantagens, as sebes feitas com plantas com afi~~ou: "A minha invenção [atribui] às vedações de arame característica~
espinhos, e especialmente a sebe de bois d'arc, foram o naturfacto que serviu pro~as das de uma sebe de espinhos. Prefiro designar a vedação assim pro-
de inspiração ao arame farpado que vedaria mais tarde o Oeste (figura 2.7.). ~uzt~a po~ vedação espinhosa."8 Kelly utilizou uma fiada única de arame com
Mais do qUe uma "vedação viva", a Osage laranja é um "arame farpado vivo". espmhos de metal com intervalos de seis polegadas. Quando em 1876
A verdade desta afirmação pode ser mais bem constatada se se observar, de
Th W ' ,a
orn Ire Hedge Company foi fundada para manufacturar a invenção de
perto um ramo de Osage laranja. Os espinhos pontiagudos alongados, todos Kelly, o arame farpado inventado em DeKalb, Illinois, já tinha dominado 0
de igual comprimento, estão presos ao tronco, na perpendicular, a intervalos sector das vedações.
regulares e a toda a volta, num padrão de espiral. Assim, o design e a regulari- A vedação de Kelly era um das várias dezenas de exemplos de vedações
. dade mecânica do arame farpado fabricado foram baseados na forma natural acrescidas de picos ou farpas que tinham sido inventadas e, em alguns casos
de um ramo de Osage laranja. patenteadas entre 1840 e 1870. Antes de 1873, nenhum dos primeiros esforço~
Para além das sebes, também se utilizaram vedações de arame não far- res~tou num produto comercial utilizado em quintas. Assim sendo, a honra
pado em áreas do Oeste onde a madeira era escassa. A vedação de arame da mvenção do arame farpado está reservada a três cidadãos de DeKalb que
tinha várias vantagens. O custo de aquisição, transporte e instalação era conceberam, produziram e venderam as primeiras quantidades substanciais
baixo e o arame não produzia sombra, nem dava abrigo a pragas e podia ser de vedação de arame farpado.
facilmente retirado. Infelizmente, não oferecia grande protecção contra o s·ttuad a Junto
· · DeKalb, no lllinois, era o local mais indicado para
à pradana,
gado, que frequentemente o partia, mesmo quando se fixavam várias fiadas encontrar homens interessados em conceber novas vedações. Os agricultores e

"I esse S. James, Early United States barbed wire pa~ents (Maywood, 111., 1966), P· 3.
·Medida de capacidade= 36,348litros.
56j A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE j57

os mecânicos de DeKalb tinham consciência da necessidade de vedações


baratas e eficazes nas vastas regiões não arborizadas do Oeste, e estavam dis-
J. F. GLIDDEN.
postos a tirar dividendos de qualquer invenção .que prometesse satisfazer
Wlre·fe•cn.
essa necessidade.
Ma.157,124. P111er11td lfow. 74. ISH.
Em 1873, durante a feira do Condado de DeKalb, Hem1' M. Rose apresen-
tou um utensílio que podia ser adaptado às vedações de arame liso, que ser-
viam para dissuadir o gado de as atravessar. O acrescento era um pedaço de
madeira, com uma polegada quadrada e dezasseis pés de comprimento, no ,.
qual eram enfiados pregos compridos, de forma que as suas pontas aguçadas
sobressaíssem {patente n. 0 138 763). O utensílio de Rose chamou a atenção de .B
três homens que visitavam a feira: Jacob Haish, um lenhador de origem
alemã, Isaac L. Ellwood, um negociante de ferragens, e Joseph F. Glidden, um
·. i agricultor. Cada um deles abandonou a feira convencido de que era capaz de
l ""! construir uma vedação melhor, tornando as farpas parte integrante do arame
da vedação. Tiveram êxito e deram origem ao fabrico de arame farpado em
ír I
I
1
grande escala, Glidden e Ellwood juntaram-se para construir uma fábrica, e
Haish fundou uma empresa rival (figura 2.8.).·
Em 1874, a jove~ indústria de arame farpado produziu 10 000 libras da
,,H nova vedação. A res~osta foi tão favorável que, em poucos anos, o arame
,.ijj farpado estava a ser ~ransportado em vagões de comboio a partir das fábri-
l cas: 600 000 libras e~ 1875, 12 863 000 libras em 1877, e 80 500 000 libras
I em 1880. !
i
Os inventores de J:?eKalb conheciam todos as vedações com sebes, e Haish
tinha um interesse es~ecial na reutilização do bois d'are. Em 1881, recordou o

I seu primeiro contactolcom a planta:

"Nos finais dos a~os


..

60, inícios dos anos 70, a plantação de salguei-


Figura2.8. Desenhos de patente do arame farpado de Joseph F. Glidd_en (~874) e_ da vedação e~pi­
ros e de Osage la~anja tornara-se febril. Tinha recebido uma enco- :J.hosade Michael Kelly (1868). A vedação de Kelly, ilustrada na p<~,rte wfenor da tmag_em, consiste
menda de sement~s de Osage laranja vindas do Texas, que vendia aos ~m duas fiadas entrelaçadas de arame para formar um cabo em que são enfiados espmhos cha_tos
~e metal ífigura 6). O arame de Glidden, um dos tipos mais populares de arame f:rpado, consiste
meus clientes a 5 ~:lólares por meio quilo. Tive em mente [em dada :J.Um cal:~ de duas fiadas de arame entrelaçadas, que incorpora farpas de arame a mtervalos re_gu·
altura] plantar árvbres de Osage laranja e quando estas tivessem atin- _.ares (fi~ra 111). A figura I mostra o arame ligado a uma chave que pode ser rodada para .esttcar
~vedação quando esta descai. Fonte; Henry D. McCallum e Frances T. McCallum, The w1re that
gido a dimensão adequada, cortá-las e entrançá-las no arame liso e _..-enced the.#est (Nonnan, Okla., 1965} p. 81.
nas vedações, utilizando os espinhos co ino defesa contra o gado. "9
O arame farpado foi uma invenção extraordinária que revolucionou as Iecimentos prisionais. Apesar da sua simples concepçíio, o arame farpado sur-
vedações na América e noutras partes do mundo, facilitou a expansão para o o:Jiu nu.-na fase tardia da história das coisas feitas. É um exemplo moderno do

Oeste, levou às quintas os beneficios da Revolução Industrial, e teve um pro- processo pelo qual um naturfado se transforma num artefacto e mostra que
fundo efeito na agricultura e na pecuária, assim como na guerra e nos estabe- mesmo o mais simples dos artefactos tem um antecedente. O arame farpado
não foi criado por homens que, por acaso, cortaram arame e o torceram de
9 modo peculiar. Teve origem numa tentativa deliberada de copiar uma forma
Henry D. e Frances T. McCallum, The wire thatfenced the West(Norman, Okla, 1965), p. 23.
.3 rgânica que funcionava de forma eficaz como agente dissuasor.
581 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE j59

Uma máquina de escrever livros A partir destas, o autor escreveria um livro. O inventor deste aparelho,
seguro de que a mecanização da escrita de livros enriqueceria a humanidade,
Se os artefactos da cultura material surgem a partir de outros artefactos, de
procurava obter fundos públicos para construir quinhentas máquinas para
onde vêm as máquinas fantásticas que encontramos nos mundos imaginários
serem utilizadas por todo o país.
inventados por escritores e artistas? São produtos da imaginação artística, ou
A descrição que Swift fez da máquina de Lagado tinha claramente um objec-
podem ser integrados na torrente de coisas feitas que temos vindo a explorar?
tivo satírico. Ridicularizava a ideia de a sorte, ou o acidente governarem a criati-
O teste final da tese da continuidade será uma tentativa de responder a
vidade intelectual e criticava a noção de que as máquinas pudessem duplicar a
estas questões, observando de perto a máquina fantástica que não foi e, pro-
actividade da mente humana. No entanto, permanece por resolver a questão da
vavelmente, nunca poderia ter sido fabricada no mundo real.
origem da humorística invenção de Swift.
A personagem principal do romance 1984, de George Orwell, é uma
.·i: Alguns historiadores da literatura relacionaram a máquina da escrita às cal-
jovem que trabalha no Departamento de Ficção do Ministério da Verdade.
culadoras matemáticas mecânicas construídas no século XVII. Contudo, essas
Com uma chave-inglesa nas mãos sujas de óleo, a jovem faz a manutenção
calculadoras, com as suas engrenagens, discos calibrados, e mecanismos de
das máquinas de escrever romances que batem histórias populares para o
registo, estão próximas do mecanismo do relógio e longe dos cubos rotativos de
povo. Orwell não descreve em pormenor esta maravilhosa máquina, mas
Swift. Mas é verdade que algumas das primeiras calculadoras eram activadas por
Jonathan Swift, de cujas Viagens de Gulliver ( 1726) Orwell tirou a ideia, forne-
ceu uma descrição verbal, delineou o funcionamento e ofereceu aos leitores meio de manivelas de metal. Outros estudiosos sugeriram que Swift, para satiri-
uma imagem do mecanismo. zar as tentativas contemporâneas de criar uma linguagem universal, apenas
As viagens do ~apitão Lemuel Gulliver levaram-no ao país do Lagado, onde
acrescentara um conjunto de manivelas aos quadros de palavras impressas que
visitou a academia de artes e ciências. Ai, na secção de aprendizagem especula- costumavam aparecer nos livros escritos pelos promotores de um meio de dis-
tiva, foi-lhe mostrada uma grande máquina capaz de escrever livros sobre qual- curso universal. Esta segunda explicação da origem da máquina de Swift não é .
quer tema. Com pouca inteligência, perícia ou conhecimento, o utilizador convincente por diversas razões. Os quadros eram apresentados a duas dimen-
podia escrever livros de filosofia, literatura, política, direito, matemática e teolo- sões, não a três, e não existe qualquer indicação de que as palavras impressas nos
gia. A máquina, com uma forma de um quadrado de vinte pés, era composta de quadros de linguagem universal devessem ser separadas umas das outras, afixa-
cubos de madeira (ou "dados", como Swift lhes chamou) em cuja superfície das noutras superfícies e reordenadas. Contudo, há antecedentes artefactuais
estavam coladas tiras de papeL Estas tiras continham o vocabulário completo da óbvios da máquina de Swift que não foram tidos em consideração, nomeada-
língua de Lagado, uma palavra por cada lado do cubo. Os cubos estavam uni- mente os blocos de letras das ~rianças que podem ser manipulados para formar.
formemente ligados uns aos outros por arames ou varas, de modo que, ao palavras simples (figura 2.9.).
serem rodados, exibiam uma combinação de palavras ao acaso. A rotação era Durante o periodo isabelino, foram utilizados na Inglaterra blocos cúbicos
obtida através de pegas de ferro, ou manivelas, que saíam das arestas da de madeira Ou de marfim, com diferentes letras do alfabeto gravadas nas suas
máquina. A ilustração que acompanha o texto de Swift mostra um aparelho faces, para ensinar o ABC às crianças. No século XVII, estes brinquedos educati-
que, embora inoperacional sob o ponto de vista mecânico, se aproxima muito vos ganharam nova proeminência quando o filósofo John Locke recomendou
(com menos cubos e pegas) do que foi descrito pelo autor. que esses "Dados e coisas de brincar ... com letras" 10 fossem postos à disposição
Para escrever um livro, o "autor" colocava um assistente em cada uma das das crianças, de modo que pudessem aprender o alfabeto enquanto brinca~.
manivelas. A um sinal do "autor", os quarenta assistentes rodavam simultanea- No século XVIII, eram utilizadas palavras completas escritas em pedaços de
mente os cubos até pelo menos noventa graus, expondo desse modo um novo papel, ou coladas a tiras de madeira ou aos "dados", para ensinar a soletrar. Estes
conjunto de palavras na superfície da máquina. Trinta e seis dos assistentes pro- artefactos educativos formam o pano de fundo para a invenção da máquina de
curavam, então, qualquer frase com significado que pudesse ter, por acaso, sur- escrever de Swift.
gido. Essas frases eram copiadas pelos assistentes restantes, as manivelas eram
I
de novo giradas e o processo repetia-se até se encherem várias folhas.

j
10
John Locke, Some thoughts conceming education (Londres, 1699), pp. 272-3.

CHF<>ET-05
60 I A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADEEDESCONTINUIDADE 161

Na sua imaginação, Swift pegou nos blocos de letras, colou-lhes palavras nas
superfícies e juntou-os mecanicamente, de forma que pudessem dar origem a
frases ao acaso. Do mesmo modo que a criança compunha os cubos de letras
para formar palavras, a máquina compunha cubos de palavras para formar frag-
mentos de frases. Os blocos de letras não só forneceram um adequado elemento
mecânico para o aparelho de Swift, como também contribuíram para a sátira,
mostrando a infantilidade da invenção de Lagado.
Mesmo neste exercício de imaginação literária, Jonathan Swift foi influen-
ciado por coisas já existentes no mundo material. E o que aconteceu com a
máquina de escrever livros, também acontece com todas as invenções imaginá-
rias, quer sejam criações de autores de ficção científica quer sonhos tecnológicos
de engenheiros e inventores. Como as suas equivalentes no mundo real, as
máquinas fantásticas seguem a regra do desenvolvimento contínuo.

As origens do argumento da descontinuidade

Apesar de todas as evidências apontarem em sentido contrário, há uma


noção bastante arreigada de que as invenções são resultado de sublevações revo-
lucionárias na tecnologia levadas a cabo por alguns génios solitários. Há três
mctivos para isto: a perda ou ocultação de antecedentes cruciais, o aparecimento
do inventor como um herói, e a confusão entre mudança tecnológica e mudança
sorioeconómica.
Dada a natureza da tecnologia e da mudança tecnológica, tanto o público
como o próprio inventor estão prontos a esquecer ou, por vezes, a suprimir, a
dívida existente relativamente a um antecedente fundamental. A primeira
máquina de Whitney apresentava uma forte semelhança com a charka indiana,
mas essa semelhança dissipou-se quando a máquina evoluiu para a sua forma
moderna. Poucos têm noção de que muitas das características da forma, estru-
tura e modo de produção do automóvel moderno derivam da bicicleta, porém,
os ?cimeiros automóveis pouco mais eram do que bicicletas de quatro rodas
(Heruy Ford chamou à sua invenção wn quadriciclo) movidas a motores a gaso~
lim:. Do mesmo modo, poucos sabem que os modernos relógios digitais electró-
Figura 2, 9. A. A máquina de escrever livros de Lagado. Cada quadrado, na ilustração, representa nicos partilham com os velhos relógios mecânicos um modo peculiar de medi-
um cubo, cujas superfícies estão cobertas de palavras. Rodando a manivela fica-exposto um novo
conjunto de palavras que podem conter uma ou duas frases com significado. Ncte-se que é supost~ ção do tempo - a divisão de um intervalo temporal em unidades iguais e distin-
os cubos rodarem em dois eixos perpendiculares um ao outro! Swift não apresentou qualquer expli- tas, ou batidas. Um escape realiza esta tarefa num relógio mecânico, um quartzo
cação de como seria possível resolver este problema mecânico. B. Blocos de Ietras para criança.
Muito usados na Inglaterra durante a época isabelina, os blocos de letras são antecedentes prová- de ·:ristal vibratório fá.-lo no relógio digital. Apesar de esta divisão em batidas
veis dos cubos da máquina de I.agado. Fontes; A. Lemuel Gulliver, [Jonathan Swift] Travels into
several remo te nations of the world (Londres, I726), p. 74. B. Hugh Plat, The jewel house of art and nãc ser a única maneira de medir o tempo, foi a primeira forma bem sucedida
nature (Londres, 1653), p. 42. de o fazer e, por isso, permaneceu.

ij
621 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 163

Ao longo da história tem havido casos de perda ou ocultação dos anteceden- Esta combinação da tecnologia com o prestigio e interesse nacional fez com
tes que estão por detrás dos artefactos, mas a criação do mito do inventor que o orgulho patriótico ditasse a escrita de histórias chauvinistas de invenções.
heróico confina-se aos últimos trezentos anos. Antes do século XVIII, os inven- Os autores desses relatos facciosos atribuíam as invenções mais importantes aos
tores não obtinham nenhuma notoriedade especial pelos seus contributos. A seus concidadãos e ignoravam o trabalho de indivíduos noutros países, indepen-
história mais antiga da tecnologia é quase anónima, sendo apenas recordados dentemente do talento e da influência desses inveritores. Deste modo, criou-se
alguns nomes mais proeminentes. uma situação bizarra em que os inventores heróicos de um país eram pratica-
O período de grandes mudanças sociais e económicas conhecido por mente desconhecidos noutras terras. Só para mencionar um exemplo pitoresco,
Revolução Industrial fez com que muitos inventores fossem notados e acla- lembremos que o "inventor" da lâmpada eléctrica incandescente é Sir Joseph
mados pelo público. Foi-lhes concedida notoriedade por terem inventado as W. Swan na Grã-Bretariha, Thomas A. Edison na América, e A. N. Lodygin na
máquinas engenhosas que conduziram ao progresso nos domínios econó- Rússia De forma semelhante, a invenção da radiotelegrafia que a Rússia reclama
mico, social e cultural. Elevado ao estatuto de líder militar ou político, o ser de A. S. Popov é disputada pelo Ocidente que atribui a invenção a Guglielmo
inventor do século XIX foi apresentado como um herói romântico que com- Marconi. Em suma, o chauvinismo limita o reconhecimento do trabalho previa-
batia a inércia social e enfrentava poderosas forças naturais de modo a entre- mente efectuado por técnicos noutros países, centra a sua atenção na emergência
1: gar à humanidade a dádiva da tecnologia. de invenções saídas do trabalho solitário de heróis nacionais, e favorece uma
Durante esta época, Samuel Smiles escreveu livros celebrando a vida e os abordagem revolucionária da mudança tecnológica.
feitos dos engenheiros britânicos, instituindo assim um novo género literá- O sistema de patentes é outro desenvolvimento moderno que contribuiu
rio muito imitado- a biografia popular do inventor. As primeiras exposi- para apoiar e divulgar a teoria da descontinuidade. As patentes são meios legais
ções industriais internacionais, começando pela exposição de Crystal Palace pelos quais as sociedades industriais premeiam e protegem os inovadores tecno-
em 1851, colocaram a máquina e os seus produtos em exibição, para ins- lógicos. Ao patentear uma invenção ela é identificada única e exclusivamente
truir e divertir o público em geral. Um escritor contemporâneo afirmou no com o seu inventor e a sua associação com artefactos efistentes é esquecida.
Christian Examiner (1869) que, enquanto todos os poetas, filósofos e teólo- Todas as leis de patentes se baseiam no pressuposto de que a invenção é algo iso-
gos tinham uma forte tendência para serem "insignificantes e pequenos", os lado e original que pode ser atribuído ao indivíduo que o tribunal determinar ser
inventores eram todos "heróico& e grandes". 11 b evidente que durante este o seu legítimo criador. Assim, o sistema de patentes converte a corrente continua
período da história não era nada oportuno depreciar a singularidade do de coisas feitas num conjunto de objectos distintos.
feito do inventor. Como os feitos heróicos estão com frequência ligados a Numa sociedade capitalista, o detentor de uma patente está em posição de a
revoluções, as explicações evolutivas da mudança tecnológica não eram utilizar para benefício financeiro próprio. Como estão em causa dinheiro, esta-
muito apelativas. tuto .social e satisfação do ego, os concorrentes numa disputa de patente utilizam
Durante o século XIX, o nacionalismo também desempenhou um papel muitas vezes formas pouco legais para conseguir o atestado de originalidade.
relevante na defesa da teoria de que o desenvolvimento tecnológico era des- Samuel F. B. Morse, por exemplo, afirmou categórica e falsamente que nunca
contínuo. As mesmas exposições que glorificavam o progresso industrial, e os tinh~ aprendido nada crucial para o desenvolvimento do telégrafo eléctrico com
homens que o tornaram possível, foram também utilizadas para medir o cres- o físico Joseph Henry. Para garantir uma patente para a sua máquina de algodão_,
cimento industrial relativo das nações. A atribuição de prémios durante as Eli Whitney afirmou que nunca vira as máquinas de rolos que tinham sido cria-
exposições honrava os países com maiores realizações industriais. Pela pri- das e aperfeiçoadas para limpar o algodão de fibra curta. (Também não declarou
meira vez na história, as realizações tecnológicas eram utilizadas para deter- que tinha encontrado a velha charka e que, sem dúvida, esta o influenciou).
minar o estatuto de uma nação no mundo. A tecnologia tornou-se um factor Mesmo Thomas A. Edison acabou por fazer declarações duvidosas ao procurar
a considerar nos negócios e nas rivalidades internacionais. reconhecimento para o instrumento da imagem em movimento. Tais dissimula-
ções são resultado de um sistema que tenta impor a descontinuidade a um fenó-
11
John C. Kimball, citado por John F. Kasson, Civilizing the machine (Nova Iorque, 1976), p. 153. meno essencialmente contínuo.
641 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE 165

Ao atribuir uma patente, o governo faz mais do que dar ao seu criador um A confusão entre a tecnologia e as suas consequências juntou-se aos mitos
direito legal e exclusivo de a explorar. Uma patente concede reconhecimento do inventor heróico, às ideias de progresso material, ao nacionalismo, e ao
social a um inventor e apaga a dívida para com o passado, encorajando a sistema de patentes e ampliou a importância da perspectiva que defende a
ocultação da rede de laços provenientes de artefactos anteriores. descontinuidade da mudança tecnológica. Apenas um estudo cuidadoso dos
O recurso final da explicação revolucionária da mudança tecnológica é a a:tefactOs pode demonstrar as imprecisões dessa perspectiva e a relevância de
confusão entre a tecnologia e as suas ramificações sociais e econômicas, mais uma teoria que defenda a continuidade.
bem exemplificada pela designação de Revolução IndustriaL No início do
século XIX, Revolução Industrial significava uma série de invenções funda- Conclusão
mentais que transformaram a indústria. Presumia-se que a revolução tinha
ocorrido primeiro na tecnologia, tendo-se depois alargado à indústria. Este Ao avaliar as implicações mais vastas da teoria da continuidade devemos ter
significado mantém-se na actualidade em frases como "Segunda Revolução o cuidado de evitar implicar que as invenções são inevitáveis, ou que a corrente
Industrial" e "Terceira Revolução Industrial", para fazer referência a mudan- d:= coisas fritas é inteiramente autogeradora ou automotivadora. Dada a existên-
ças fundamentais na indústria, causadas pela introdução da electrónica e dos cia da cha:rka, não estava programado que a máquina de algodão de Whitney
computadores. Um segundo significado, que está mais divulgado, define aparecesse em 1793. As forças culturais, econômicas e técnicas que criaram
Revolução Industrial como uma grande alteração social levada a cabo pela a necessidade de uma melhor forma de limpar o algodão de fibra curta reu-
tecnologia. Foi nesse sentido que Friedrich Engels utilizou o termo (1845) ao niram-se no Sul da América durante a última década do século XVIII. Um
escrever que, na In~laterra, uma revolução tinha "mudado toda a estrutura da ambiente alternativo, no qual o algodão não fosse um têxtil desejável ou em que
sociedade da classe média". 12 Segundo a primeira definição, a mudança tecno- abundasse a mão-de-obra barata, não teria encorajado a procura de novas técni-
lógica industrial é revolucionária; de acordo com a segunda, as mudanças cas. Um inventor talentoso e um antecedente provável são condições necessárias,
econômicas e sociais são revolucionárias. Na prática corrente estas duas defi- mas não suficientes, para a criação de uma inovação tecnológica com vastas
nições misturaram-se, por isso, nem sempre é possível identificar o que é que repercussões sociais e tecnológicas. A nova máquina de algodão não tinha neces-
sofreu uma revolução. sciamente de se basear na charka. Poder-se-ia ter criado uma máquina que tra-
As mudanças industriais dos finais do século XVIII e princípios do balhasse com princípios mecânicos diferentes da de Whitney. A continuidade
século XIX foram verdadeiramente revolucionárias no modo como afectaram requer um artefacto antecedente, mas não decreta que é só um artefacto que
a vida e o destino do povo da Grã-Bretanha. No entanto, as máquinas e os desempenha o papel de antecedente quando os indivíduos buscam uma solução.
motores a vapor que lhes deram origem foram o resultado de mudanças evo- O artefacto antecedente é, na maior parte dos casos, alguma coisa que já
lutivas da tecnologia. Nenhuma delas assinalou uma brusca quebra com o existe na área geral da tecnologia em que se procura a inovação. Whitney
passado. Por outro lado, as consequências econômicas e sociais destes desen- bE.Seou-se na charka, e os criadores do arame farpado nas vedações de sebes espi-
volvimentos tiveram um tal alcance que transformaram a ordem social. nhosas; contudo, os inventores do motor eléctrico guiaram-se pela tecnologia do
As mudanças radicais nas esferas social e econômica têm sido muitas vezes vapor, e Edison procurou no campo da iluminação a gás o seu modelo de um
mal interpretadas como mudanças revolucionárias na tecnologia. A emergên- sistema de iluminação eléctrica.
cia da primeira sociedade industrial na Grã-Bretanha foi u~a mudança de tal As exigências funcionais sempre tiveram uma forte influência na escolha do.
magnitude que submergiu a continuidade tecnológica em que a sociedade se aEtecedente apropriado, mas porque a funcionalidade pode muito bem atraves-
baseava e ajudou a perpetuar a perspectiva de que a tecnologia avança por sal- sar fronteiras tecnológicas estabelecidas, o antecedente pode nem sempre ser o
tos, de uma grande invenção para outra. qne inicialmente parece mais óbvio. Foi o que aconteceu com a invenção da cei-
feira mecânica (1780-1850).
"Friedrich Engels, The condition of the workingclass in England, trad. W. O. Henderson e W. H. Chaloner Todas as tentativas que se fizeram nas primeiras ceifeiras mecânicas de dupli-
{Oxford, 1971), p. 9.
car o movimento oscilante da gadanha ao cortar o grão ou de imitar a acção de
661 A EVQLUÇAO DA TECNOLOGIA JNOVAÇAO (i); FACTORES PS!COLOGICOS E INTELECTUAIS 167

tosquia das tesouras ou da cisalha saíram frustadas. A ceifeira de McCorrnick, 3. Inovação (1): factores psicológicos
que levou a ceifa mecânica em grande escala às quintas americanas, utilizava
uma lâmina oscilante dentada para serrar os caules do cereal. A máquina de e intelectuais
McCormick copiou a acção da muito antiga foice manual, cuja lâmina dentada
utilizava um movimento de serrar para cortar os caules. Em cada um destes
casos, um artefacto serviu de modelo para o mecanismo de corte: gadanha, Introdução
tesoura, foice. Aconteceu que a mais óbvia das escolhas, a gadanha, provou ser a
menos útil na satisfação dos requisitos funcionais de uma ceifeira mecânica, e a A diversidade que caracteriza os objectos materiais. de ·qualquer cultura é a
mais primitiva, a foice, abriu caminho à mecanização da colheita. prova de que, onde quer que haja seres humanos, há inovação. Se tal não fosse
As pr'ovas em favor da continuidade tecnológica apresentadas neste capítulo o caso, a regra seria pura e simplesmente a imitação, e cada nova coisa feita seria
não negam o facto de um Whitney, de um Watt ou de um McCormick estarem uma réplica exacta de um qualquer artefacto já existente. Num mundo assim, a
insatisfeitos com as soluções tecnológicas existentes e de procurarem novas res- tecnologia não evoluiria e a gama de bens materiais ficaria limitada aos primei-
postas para os problemas. Aqui demos relevo à natureza contínua dessa procura; ros naturfactos utilizados pelos primeiros homens e mulheres.
i nos dois capítulos que se seguem serão explorados os aspectos psicológicos, inte- ! Se aceitarmos a proposição da diversidade universal de artefactos, ternos
i lectuais, sociais, económicos e culturais da procura da inovação. Se ocorre de reconhecer que em algumas culturas há uma maior variedade de artefactos
mudança evolutiva, então a inovação deve encontrar uma forma de se impor no do que noutras. Num dos extremos encontram-se os Estados Unidos que
1: seio da continuidade. concedem anualmente cerca de setenta mil patentes e no outro extremo estão
os aborígenes australianos, ou os habitantes nativos da bacia do Amazonas,
cujos escassos recursos em ferramentas e utensílios mudaram muito lenta-
mente ao longo de muitos séculos.
Como podemos explicar a diferença no ritmo de produção de novos tipos
de coisas? E, como é que, em qualquer cultura, é possível identificarmos as fon-
tes de inovação? Responder a estas perguntas não é tarefa simples. O estudo da
inovação está cheio de dados, teorias e especulações confusos e contraditórios.
Uma vez que não existe consenso relativamente à forma como a inovação surge
no mundo ocidental moderno, não podemos esperar encontrar linhas de orien-
tação fiáveis para a compreensão da actividade inovadora no nosso própio pas-
sado, e muito menos na história de culturas radicalmente diferen.tes da nossa.
O proces,so inovativo envolve a inter-relação de factores psicológicos e
socioeconómicos. Todavia, sobrevalorizar os factores psicológicos conduz a
uma teoria da invenção do génio, em que só se consideram os contributos de
uns quantos indivíduos dotados. Uma excessiva concentração nos elementos
sociais e econórnicos origina uma explicação rigidamente determinista, que
apresenta a invenção como um inevitável produto da sua época. Como é
muito mais fácil identificar influências socioeconómicas do que investigar o
trabalho de mentes inovadoras, e porque ainda nos falta criar uma teoria que
integre os factores psicológico, social e económico, uma explicação unificada
e satisfatória da inovação continua a ser mais um ideal do que uma realidade.
681 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA JNOVAÇAO (I): FACfORFS PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 169

Na discussão que se segue, tentaremos manter um equilíbrio entre o roupas e colares europeus e importavam plantas. Também não eram incapa-
aspecto interno, psicológico, e o aspecto externo, social e económico. As des- zes de utilizar a tecnologia estrangeira para servir os seus interesses. Coloca-
cobertas feitas pela pesquisa psicológica sobre as fontes da criatividade não vam as lâminas de aço das plainas de carpinteiro ocidentais nas suas enxós
serão incluídas, porque o material não é directamente relevante para a teoria nativas, pediam emprestado um berbequim e uma broca para facilitar a cons-
da evolução tecnológica. trução de canoas e transformavam em brincos os cabos de escovas de dentes
Juntamente com a discussão dos factores psicológicos que influenciam o usadas. Em suma, embora dessem provas de potencial inventivo, os Tikopia
emergir da inovação, este capítulo terá também em conta o papel desempe- careciam de ambição ou interesse em- procurar a inovação tecnológica.
nhado pelo conhecimento na inovação tecnológica. O próximo capítulo cen- Vivendo numa cultura bem integrada que premiava a conformidade com as
trar-se-á nas forças sociais, econômicas e culturais que estimulam a procura regras e os costumes estabelecidos, os Tikopia não tinham qualquer incentivo

I. de novas soluções para problemas tecnológicos. Esta divisão por tópicos, feita
apenas por razões de análise, não pode ser mantida de forma rígida. Em
para procurar avanços tecnológicos. De acordo com os padrões ocidentais, os
Tikopia estavam tecnologicamente estagnados; segundo o seu próprio sistema

I, determinadas circunstâncias, há vários factores que se conjugam parahfluen-


ciar o aparecimento da inovação.
de valores, a tecnologia encontrava-se no ponto correcto e em harmonia com
o resto da sua cultura.

I: Um pressuposto importante deste e do próximo capítulo é que na raça


humana existe um potencial de invenção. Alguns indivíduos têm maiores Fantasia, jogo e tecnologia
dotes inventivos do que outros, algumas culturas são mais capazes de explorar
A perspectiva convencional do desenvolvimento tecnológico defende que
o potencial inovador no seu seio, e em algumas. culturas a capacidade inven-
a procura da inovação começa com uma invocação do homo faber (o homem
tiva manifesta-se fortemente em outros domínios que não o de novos objec-
construtor) e que as tentativas de satisfazer as necessidades fundam~ntais da
tos materiais. Mas não há provas que apoiem a afirmação que uma nação ou
vida conduzem inevitavelmente à diversidade de artefacto. Em vez de seguir-
uma raça particulares possuem um extenso monopólio da criatividade.
mos esta perspectiva, vamos ver como o homo ludens (o homem que joga)
Quando os ocidentais modernos encontram um povo cuja cultura mate-
introduz a questão da inovação e como o papel do jogo serve como fonte de
rial possui uma diversidade muito menor do que a sua, sentem-se tentados a
inovação tecnológica.
fazer comparações desagradáveis entre lança e espingarda, abrigo de erva-.-e
Alguns escritores que se debruçaram sobre a questão da inovação tecnoló-
arranha-céus, ou canoa e avião, e a atribuir a falta de progresso material à
gica reconheceram o significado do jogo e comentaram os prazeres que de ri-
inferioridade da mente primitiva. Uma explicação mais razoáve!. é q-ce algu-
vam do jogo da invenção, para além de alguns benefícios econômicos e sociais
mas sociedades criaram um modo de vida que pura e simplesmente não dá
que este possa trazer. Os inventores obtêm uma enorme satisfação na resolu-
grande valor à mudança tecnológica e à diversidade de artefactOs que c. acom-
ção dos quebra-cabeças que encontram e na transposição dos obstáculos que
panha. Um desses grupos é o povo Tik.opia, das ilhas Polinésias, estudado
se lhes atravessam no caminho, testando os seus intelectos num jogo contra a
pelo antropólogo Raymond Firth, nos finais da segunda déc~da de 1900.
natureza e contra adversários humanos.
A ilha natal dos Tikopia não tem minerais nem barro e a pedr.a é escassa.
Há um elemento de faz-de-conta que domina o jogo, por isso, daremos
Para fazer vestuário e utensílios são utilizados fibras de plantas, madei:.-a e um
relevo ao papel da fantasia; contudo, a fantasia é um assunto tão vasto que
pouco de ferro obtido comercialmente. Os Tikopia mostravam uma total falta
dividiremos a nossa discussão em três partes: sonhos tecnológicos, máquinaS
de interesse pela mudança tecnológica. Firth descobriu que não estavam par- impossíveis e fantasias populares.
ticular·mente interessados em construir coisas novas ou em melhorar as técni-
cas tradicionais de fazer as antigas. Apesar de reconhecerem a superioridade
Sonhos tecnológicos
dos artefactos do homem branco, os Tikopia não tinham inveja do êxito tec-
nológico dos estrangeiros nem procuravam imitá-lo. Os sonhos tecnológicos são as máquinas, as propostas e as visões geradas
Os Tikopia não estavam proibidos por qualquer religião ou magia de acei- pela comunidade técnica, quer no Renascimento .quer na actualidade. Eles
tar a tecnologia ocidental. Negociavam abertamente ferramentas de metal, resumem a propensão dos técnicos para irem além do tecnicamente viável.
70 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 171

As criações fantasistas deste tipo dão acesso à riqueza da imaginação e às fon-


tes da inovação que estão no âmago da tecnologia ocidental. Desafiam tam-
bém a descrição convencional do técnico como uma pessoa racional, pragmá-
tica e não emotiva dominada por uma visão utilitária.
As extrapolações tecnológicas são os primeiros exemplos das criações lúdi-
cas das mentes técnicas. Estas criações são, na sua .grande maioria, empreen-
dimentos relativamente conservadores que estão dentro dos limites da possi-
bilidade, talvez um ou dois passos à frente da tecnologia corrente, mas por
regra, não desafiam seriamente o status quo. Porém, é provável que a maioria
destas extrapolações nunca seja construída (figura 3.1.)- Por esta razão,
r:. podem ser consideradas exercícios de imaginação, ou variações elegantes,
I'
com base em temas tecnológicos bem conhecidos. Dado que estes instrumen-
tos e dispositivos de trabalho existem, na sua maio.ria, como ilustrações de
lívros, não são apenas o sonho dos técnicos que os criaram primeiro, mas são
também o sonho daqueles que subsequentemente gostaram de os contemplar
e aprenderam com as engenhosas soluções que propõem.
O conteúdo dos livros de máquinas do Renascimento fornece uma exce-
lente oportunidade para observar os sonhos dos primeiros técnicos moder-
nos. Entre 1400 e 1600, foram publicados vários livros deste género, ilustra-
dos de forma elaborada, na Alemanha, França e Itália. Alguns deles eram de
natureza descritiva, apresentando com rigor as práticas e os artefactos tecno-
lógicos da época, em campos comq exploração mineira e metalurgia. Mas um
outro grupo, muito influente, continha centenas de ilustrações de máquinas
que extrapolavam a tecnologia existente_ Estes volumes eram repositórios de
inovações que ainda não tinham sido construídas, mas que eram representa-
das com tanto cuidado e autenticidade que era possível que fossem construí-
Figu!'a3. I. Roda de fiar bid~áulica. A roda de ~~r é movid~ pela água proveniente do canal M para das no futuro. O titulo dado a estes livros foi theatrum machinarum (teatro de
e pelo tubo enrola~o em espaal em torno do c1bndro K. G10vanni Branca, em cujo livro, de 1629,
aparece esta ~áqum~, garante que a roda de fiar hidráulica pode ser utilizada para torcer, fiar ou máquinas), porque apresentavam a tecnologia como um espectáculo para o
enrolar fio. Nao exphca por que razão é necessária tanta energia e um dispositivo !ào sofisticado
pa~a fazer mover um~ roda de fiar que é normalmente activada por um único pedal. Fonte: divertimento e aprendizagem dos leitores.
Reimpresso com autonzação da Macmillan Publishing Company. de A theatre 0J machines de A.! ex Um dos mais populares theatrum machinarum foi Le diverse et artificiose
G. Keller, pp. 32-33. Copyright © 1964 por Alexander G. Keller.
machine (As Diversas e Engenhosas Máquinas) de Agostino Ramelli, um enge-
nheiro militar francês. Publicado pela primeira vez em 1588, o livro de
RarneUi foi reimpresso, traduzido e partes recopiadas durante os quatro sécu-
los seguintes. Os instrumentos descritos por Ramelli eram bastante vulgares,
mas eram apresentados numa tal variedade e os seus mecanismos retratados
com um tal génio que o seu trabalho era muito mais do que um livro de texto,
ou um manual, para aspirantes a engenheiros. Era uma celebração da possibi-
lidade tecnológica_ Ramelli apresentou 110 bombas de água (figura 3.2-),
72 f A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I); FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS f 73

. 20 moinhos de grão, 14 aríetes de guerra utilizados para rebentar portas e


forçar portões de ferro e 10 gruas- todos diferentes. Como escreveu Eugene
S. Ferguson, o editor de Ramelli: ''Ramelli respondia a perguntas que nunca
tinham sido colocadas, resolvia problemas que ninguém, excepto ele ou talvez
outro técnico, teria levantado." 1
A necessidade económica não era seguramente a força motriz da varie-
dade de inovações tecnológicas. Estas inovações eram o produto de uma ima-
ginação fértil que se deliciava Consigo própria e com a capacidade de funcio-
nar dentro das limitações do possível. Alguns dos :riovos mecanismos repre-
sentados nos livros de máquinas foram mais tarde incorporados em instru-
mentos práticos; outros permanecem sem ser utilizados como prova da ferti-
lidade da mente inventiva.
O segundo grupo de sonhos tecnológicos é constituído pelas patentes. A
sua inclusão exige explicação porque as patentes são geralmente concedidas a
inovações que passaram pelo rigoroso escrutínio dos examinadores do Depar-
tamento de Patentes, e não são esquemas fantasistas. Contudo, se tomadas
como um todo, as patentes representam melhor a potencialidade tecnológica
Co que a realidade tecnológica.
Os aparelhos patenteados existem sob a forma de protótipos que funcio-
nam como se afirma, mas isto não implica necessariamente que venham a ser
;.:,
comercializados. Em 1869, o Comissário de Patentes dos Estados Unidos da
; i América, Samuel S. Sparks, calculou que apenas 10% do total dos aparelhos
patenteados, tinham valor comercial. Apesar de, quase um século depois, o
e-:onomista Jacob Schmookler calcular que o número seria 50%, muitos ana-
Estas modernos concordam com Sparks. A maiOria das patentes nunca é
OJmercializada, continua a figurar nos ficheiros do Departamento de Patentes.
O potencial tecnológico das sociedades ocidentais é ainda maior do que
esta dis:::ussão sugere, porque existe um número igual de inovadores que não
está para ter o trabalho e a despesa de obter patentes para as suas invenções,
como fazem ·os portadores de patentes reconhecidos. Na pior das hipóteses,
só nos Estados Unidos da América, são produzidas anualmente várias cente:
nas de milhares de invenções patenteadas e não patenteadas.
A menção do potencial inovador não registado dá origem a imagens de
Figura 3. 2. Uma ?omba de água de Ramelli. O principal mecanismo de extracção cor:siste em g:::andes invenções- ao nível do m~tor a vapor, do telefone, ou do transístor-
~uas grandes pás. Situadas no canto inferior direito do poço. O movimento rotativo da manivela
z co_m que aspas, encerradas na câmara G, empurrem a água para os canos F e A, e a canduzam que perznanecem, impotentes no Departamento de Patentes ou na oficina dos
atraves ~e um~ válvula •. no cano K, que impede o refluxo de água para 0 poço. 0 resultado é que inventores. Infelizmente, não é esse o caso. A maioria das invenções é de
a água ~ lmpehd~ a sub1r ~elo ~ano K at~ sair pela da boca do cão para a ba.cia N. Fonte; Agostino
Ramelü, The vanous and mgemous machmes ofAgostirw Ri:lmelli (Baltimore, 1976), grav. 68.

' .Eugene S_ Ferguson, «The mind's eye: nonverbal thought in te<:hnology», Sdence 197 ( 1977), 829.
INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLOGICOS E INTELECTUAIS 175
741 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGfA

natureza modesta, ou mesmo vulgar, não sendo do tipo de transformar o


nosso mundo tecnológico. Ao pesquisarmos a lista de invenções patenteadas
nos Estados Unidos da América, é necessário procurar diligentemente as
poucas máquinas familiares importantes que conhecemos da história. Na
maioria dos casos, encontram-se _completamente abafadas por inovações
patenteadas bastante vulga.res.
Não é convincente afirmar que os incentivos económicos foram a força
'
i .. que motivou a invenção e o patenteamento da maioria dos novos artefactos.
Embora muitos inventores tivessem sido persuadidos pela crença irrealista de
que o seu invento os faria ganhar uma fortuna, outros procuraram a inovação
pela realização pessoal daí resultante. Porém, em nenhum dos casos vemos
inventores a trabalhar para satisfazerem urgentes necessidades humanas ou a
avaliar cuidadosamente as condições económicas para calcularem com preci-
Figura3.3. Veículo automotor do Renascimento. Uma de_dez fantásti.c~ carruagens,_ movidas ~ela
são quais as inovações que traziam mais benefícios econômicos. Por esta força do homem e dotadas de elaboradas engrenagens diferentes ~Xlbtda ~um conJunto _de_ ~o­
gravuras dedicados a Maximiliano I (1526). Fonte: Hans Burgkmau, The tnumph of Maxtmfltan I
razão, muitos portadores de patentes pertencem ao grupo dos sonhadores
(Nova Iorque, 1964), p. 93.
tecnológicos que de forma repetida, entusiástica e engenhosa fornecem solu-
ções para problemas que são, sobretudo, preocupaÇões !?ara eles próprios. • fantasistas. Entre eles, encontram-se esboços de máquinas voadoras (tanto
As visões tecnológicas, a categoria final dos sonhos tecnológicos, são esque- movidas a energia, como de voo livre), pára-quedas, tanques blindados, cata-
mas ousados e fantásticos que variam do improvável aos limites do impossí- pultas e bestas gigantescas, um pequeno navio de guerra, espingardas de
vel. São o meio que os técnicos, nos últimos quinhentos anos, têm utilizado vários canos, um motor a vapor e um canhão a vapor. Também fez planos
para expressar o aspecto mais extravagantemente fantasista da sua actividade para barcos com pás, fatos de mergulho, várias dragas, e um vagão automo-
inovadora. E, no entanto, estas visões não devem ser confundidas com ficção tor. Muitos destes planos não são exequíveis do modo como foram apresenta-
científica. Como criações da imaginação tecnológica, não da imaginação lite- dos, e poucos influenciaram o subsequente crescimento da tecnologia; con-
rária ou popular, as visões tecnológicas são essencialmente uma forma exage- tudo, permitem uma pequena visão da mente de um grande génio técnico e
rada do elemento de jogo já encontrado nas extrapolações e nas patentes do tipo de exuberância tecnológica que se tornaria uma das marcas da civili-
(figura 3.3.). zação ocidental. Tanto quanto sabemos, as fantásticas criações de Leonardo
As mais antigas visões tecnológicas datam do século XV, altura em que da Vinci foram as primeiras com um tão elevado grau de imaginação a surgir
começaram a aparecer tratados com máquinas que estavam tão para além do em todo o mundo. Os seus feitos técnicos, que são frequentemente mal inter-
alcance da tecnologia contemporânea que não podiam ser apresentados com pretados, merecem ser reconhecidos pelo seu verdadeiro valor - não como
todos os pormenores técnicos. Um dos primeiros livros deste géne"ro foi Belli- um conjunto de projectos para novas máquinas, nem como profecias acerta-
fortis (1405) de Conrad Kyeser, que se distinguia pelas inúmeras máquinas de das da forma de tecnologias futuras, mas como explorações maravilhos_a-
guerra fantásticas que apresentava. No Bellifortis, como noutras obras do mente imaginativas e originais do potencial inerente à tarefa.
mesmo género, não se esperava que os instrumentos representados viessem Leonardo da Vinci pode ter sido único na grandeza do seu génio, mas não
de facto a ser construídos. no gosto por esquemas teCnológicos visionários. Ao longo dos séculos, estes
A mais famosa colecção de máquinas visionárias do Renascimento só foi esquemas continuaram a proliferar à medida que a tecnologia progredia em
revelada ao público no século XIX. Estava escondida nos cadernos não publi- complexidade e influência e se desenvolviam novas fontes de energia. Não há
cados de Le"onardo da Vinci (1452-1519). Os desenhos de da Vinci contêm nenhuma evidência de que o vigor e a popularidade das visões tecnológicas
alguns dos melhores exemplos alguma vez produzidos de instrumentos tenham decrescido. Apesar de a tecnologia ter fracassado na realização da

CHFC-ET-06
761 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLÚGICOS E INTELECTUAIS 177

sociedade utópica prometida pelos seus promotores dos séculos XVIII e XIX, água seria utilizada para mover a bomba que levava a água até ao moinho, e
e dos graves problemas relacionados com a tecnologia do século XX, da polui-
assim sucessivamente, infinitamente. Em conjunto com o movimento sem
ção ambiental até à guerra nuclear, a copiosa produção de visões tecnológicas
fim, alguns inventores prometiam também a produção de energia em excesso,
continua a fascinar o público.
que podia ser utilizada para fazer funcionar a maquinaria de um moinho ou
A imprensa é frequentemente invadida por engenheiros, cientistas e técni-
ter outro propósito útil. A promessa do benefício para a humanidade de ener-
cos que prometem que os computadores, os robôs, as naves espaciais, etc. tor-
gia gratuita e infinita, combinada com o enorme desafio de conseguir fazer
narão possíveis enormes avanços tecnológicos que excederão em muito as
expectativas dos leigos. Embora ~ssas afirmações sejam muitas vezes utilizadas funcionar a máquina, fez do movimento perpétuo um empreendimento exci-
para fins de auto promoção e auto-engrand~cimento, também reflectem o tante para muitos técnicos (figura 3.4.).
O interesse pelo movimento perpétuo aumentou durante o século XVIII
,, grande prazer em jogar com a própria possibilidade tecnológica.
e atingiu o seu apogeu no século XIX, quando as novas máquinas, junta-
1:'I Máquinas impossíveis mente com as então recém-descobertas forças da electricidade e do magne-
tismo, receberam uma particular atenção e se tornou evidente o papel funda-
Existe sempre a possibilidade de que um futuro avanço tecnológico trans-
mental do vapor na indústria e nos transportes. Na Inglaterra, entre 1855 e
forme os mais loucos sonhos tecnológicos em realidade. Contudo, a existên-
1903, foram concedidas mais de quinhentas patentes a máquinas de movi-
cia e o funcionamento de máquinas impossíveis nunca poderá ser alterada
mento perpétuo. Nesses mesmos anos, a América também foi atravessada
por futuros desenvolvimentos da tecnologia porque violam leis científicas
fundamentais. por uma loucura semelhante. A industrialização tinha trazido uma nova base
racional aos objectivos dos que buscavam o movimento perpétuo: as máqui-
Os instrumentos de mOvimento perpétuo são provavelmente as máquinas
nas libertariam as nações da necessidade de recursos naturais escassos, como
impossíveis mais bem conhecidas. Durante mais de mil e quinhentos a..J.OS os
o carvão e o petróleo.
mecânicos fizeram planos e chegaram a construir máquinas que, com cons-
É irónico que fosse exactamente na altura em que muitos inventores
trução, material e lubrificação adequados, deveriam trabalhar para sempre.
Muitas vezes, esperava-se que esses engenhos fizessem um trabalho útil,. e que acreditavam estar na eminência de oferecer à sociedade energia inesgotável,
gerassem mais energia do que a necessária exclusivamente para as manter em que os físicos estavam a formular as leis da conservação da energia. Se os
funcionamento. entusiastas do movimento perpétuo tivessem compreendido estas leis, teriam
A versão clássica de um instrumento de movimento perpétuo é uma roda sabido que é impossível para· qualquer aparelho produzir mais energia do
que gira continuamente no seu eixo sem auxílio de fontes externas de energia. que aquela que lhe é fornecida. Mas o facto de a primeira e segunda leis da
O antigo tratado em sânscrito Siddhanta Ciromani (400-450 d. C.) descreve termodinâmica implicarem a impossibilidade de máquinas de movimento
uma roda automotora e, no século XIII, há uma ilustração de uma dessas perpétuo não dissuadiu os inventores de tentarem realizar o seu sonho.
rodas no livro de esboços de Villard d'Honnecourt. No engenho de Villard, Finalmente, em 1911, o Departamento de Patentes dos Estados Unidos da
maços, em número ímpar, estão pendurados no aro de uma roda montada América declarou que, dai por diante, todos os pedidos de patente para
verticalmente. São espaçados de forma que a roda esteja permanentemente máquinas de moviment? perpétuo deviam ser acompanhadas de modelo_s
desequilibrada e, portanto, sempre em movimento. que funcionassem. E, no entanto, ainda hoje prossegue a longa e fútil pro-
O Renascimento, que testemunhou tantas outras manifestações de fanta- cura do movimento perpétuo. Para o entusiasta existe sempre a esperança de
sia tecnológica, foi uma época popular para a invenção de engenhos de movi- que seja possível descortinar um mecanismo ou circuito cruciais, e que possa
mento perpétuo. Muitas vezes de concepção bastante elaborada, os ir::stru- ser fabricada uma máquina impossível que funcione. O facto de esta espe-
mentos de movimento perpétuo podiam utilizar água, ar ou a força da gravi- rança contrariar as leis da física e a experiência da tecnologia não desencora-
dade, e eram todos concebidos como operações de ciclo fechado: por exem-
jou os inventores que há muito encaram o movimento perpétuo como o
plo, a energia produzida por uma corrente contínua de água num moinho de
maior desafio às suas capacidades.
781 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃO ( 1): FACI'ORES PSICOLÚGICOS E INTELECTUAIS 179

Fantasias populares

As máquinas fantasistas criadas pela imaginação literária ou popular não


têm origem na mente de inventores e engenheiros e, por isso, dão a entender
que a tendência para vislumbrar uma vasta gama de possibilidades não se
confina exclusivamente aos cidadãos da comunidade técnica.
As fantasias tecnológicas populares remontam, pelo menos, ao século XIII,
altura em que o filósofo Roger Bacon profetizou que grandes navios sem
remos ou velas navegariam rios e mares; veículos sem tracção animal haveriam
de se deslocar sobre a terra; máquinas voadoras com asas que como as das aves
deslizariam pelo céu; e os seres humanos, utilizando cintos de mergulho,
explorariam o fundo do oceano. Há muito que profecias semelhantes gozam
de popularidade no mundo ocidental. A industrialização dos séculos XIX e XX
alimentava a predilecção por previsões tecnológicas fantasistas e institucionali-
zou·as nas artes populares. Destas artes, a ficção científica tornou-se a fonte
mais importante de máquinas fantásticas. Os exemplos incluem os submarinos
e as naves espaciais de Júlio Verne, a máquina do tempo de H. G. Wells, os
robôs de Karel Capek, e as naves espaciais e armas de laser que deslumbram o
moderno espectador de cinema de ficção científica.
Os cartoons com máquinas fantásticas parecem ser um tópico menor
quando comparados com a ficção científica, mas merecem atenção devido ao
seu duplo objectivo. Rube Goldberg (Estados Unidos), W. Hearth Robinson
(Inglaterra) e Jacques Carelman {França) são três cartoonistas do século XX
que expandiram o repertório da fantasia tecnológica por meio de desenhos
cómicos (figura 3.5.). No entanto, um estudo mais atento dos seus trabalhos
revela que a comédia e a fantasia são utilizadas para ocultar uma acérrima crí-
tica social. Escondidas nos seus desenhos há afirmações sérias sobre o absurdo
Figtll"~ 3.4. Máquina de movimento perpétuo do século XVII. A água contida no reservatório é de uma civilização industrial que cria máquinas complexas para alcançar fins
despejada sobre a grande roda de água fazendo·a girar. O funcionamento da roda de água faz com vulgares e· que ingenuamente acredita que todos os problemas humanos
que a bomba de água em parafuso de Arquimedes (Q) eleve perpetuamente a água para 0 topo. A
roda de á~ua também faz mover duas pedras de amolar, à direita, onde se podem afiar facas. Fonte: podem ser resolvidos pela tecnologia. A tecnologia fantasista está tão difun.
Henry Ducks, Perpetuum mobile, 2.a S~rie (Londres, 1861), fig. 151, p. 40.
dida na nossa cultura que pode ser utilizada para satirizar a exuberância t~c­
nológica que lhe deu origem.
As revistas científico/técnicas, como Popular Science, Science and Mecha-
nics, Mechanix lllustrated e Popular Mechanics, completam o gênero. Dirigi-
das a homens e rapazes da classe trabalhadora, estas revistas apresentam
uma estranha mistura de sugestões para melhoramentos da casa, planos

i para projectos de oficina, visões tecnológicas e a promessa da utopia através


da tecnologia. Nos últimos anos, as visões utópicas foram reformuladas por

I
i 1;:./
'I'
80 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO(!); FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 181

mento: secularidade, ideia de progresso e domínio da Natureza. O Capítulo 4


desenvolverá mais este tema.
Terceiro, a tecnologia fantasista exige uma reavaliação do papel social, da
posição profissional, da educação e da personalidade do técnico. Em lugar de
um criado desprovido de imaginação a responder na altura conveniente às
necessidades da sociedade, encontramos um visionário capaz de oferecer
mui:o mais do que aquilo que a sociedade precisa, ou muitas vezes deseja.
,, Quando a sociedade se agarra à primeira imagem, mas é a segunda que está
;I mais próxima da realidade, podem ocorrer graves equívocos. Um exemplo
recente: se acreditarmos que certos defensores da energia nuclear nos dão
'' uma avaliação realista e objectiva dos custos, benefícios e inconvenientes
i'
dessa energia - quando na realidade estão a mostrar o seu entusiasmo por
i Figura 3. S. Uma bicicleta adaptada a escadas. Um dos muitos object015 vulgares que foi "melho-
rado" pa~a o consumidor ~oder_no por Jacques Carelman e ilustrado no seu Catalogue of unfin-
uma forma de energia tecnicamente atractiv~ - é provável que encontremos
! dable Objects. O catálogo mclu1 "melhoramentos" de diversos itens, incluindo objectos de graves problemas se seguirmos os seus conselhos.
canalização, mobiliário, bens domésticos e equipamento desportivo. Fonte: [acques Carelman,
A catalogue of unfindable objects (Londres, 1984) p. 56. Quarto, a tecnologia fantasista é uma faca de dois gumes. Apesar de con-
rribuir para a diversidade de artefactos, também promove a aceitação acrítica
da mudança tecnológica, perpetuando, assim, a noção errónea-de que a solu-
revistas de popularização científica mais habilidosas e mais caras, como ção para a maioria dos problemas sociais se encontra num novo conjunto de
Omni, que combinam facto e ficção científicos, e se dirigem a leitores com um tecnologias.
nível mais elevado de sofisticação e educação. Contudo~ independentemente Compreender que a fantasia é um elemento significativo da actividade
do público-alvo, o jornalismo de ciência popular tem continuado a ser um
inventiva permite-nos concentrar a nossa atenção numa das mais tradicionais
dos divulgadores das fantasias tecnológicas a um público mais alargado.
fontes de inovação na tecnologia - o conhecimento. O conhecimento pode
A abordagem anterior à fantasia, ao jogo e à tecnologia origina quatro
assumir a forma de um artefacto ou de uma representação, ou ideia, de um
conclusões gerais que contribuem para uma compreensão mais vasta da tec-
artefacto. Esse conhecimento pode ser transferido de uma região ou cultura
nologia e da mudança tecnológica.
para outra, ou incorporado em avanços científicos que expandam as possibili-
Primeiro, a imaginação tecnológica é muito rica. Dificilmente limitada
dades de fazer novos tipos de coisas.
por necessidades biológicas ou económicas, a imaginação tecn-:Jlógica excede
muitas vezes as fronteiras da racionalidade ao contemplar o improvável e 0
impossível. As férteis imaginações tecnológicas criam um número supérfluo Conhecimento: transferêncià da tecnologia
de novos artefactos, dos quais a sociedade faz uma selecção.
Segundo, a tecnologia fantasista é um fenómeno tipic<Unente ocidentaL Os :_\fenhuma sociedade é tão isolada ou tão auto-suficiente que não tenha
exemplos citados não são o resultado de uma análise deliberada de fontes recebido, pelo menos em alguns aspectos, influências de uma fonte exterior.
europeias e americanas. Teria sido impossível reunir um conjunto compará- Dado que os seres humanos comunicam e trocam informações acerca de téc-
vel a partir dos registos de qualquer das outras grandes civilizações. As razões nicas e artefactos novos, os contactos gerais entre culturas são o mais antigo
para esta hegemonia ocidental, não são, de modo algum, claras, mas os pro- meio de transferência de conhecimento tecnológico de uma cultura para
cessos e os resultados são facilmente documentados. Talvez a ocorrência de outra. Estes contactos podem ser resultado de exploração, viagem, comércio,
fantasias tecnológicas em todos os níveis das sociedades ocidentais possa ser guerra ou migração. Todas estas trocas de conhecimento garantem que as
atribuída a certos valores que ganharam importância durante o Renasci- partes envolvidas estarão expostas a novas oportunidades tecnológicas. O que

--
82/ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃO (I): FACfORES PSICOLOGICOS E INTELECTUAIS 183

constitui prática comum para uma cultura d . - .


para outra. po e ser uma movaçao Importante exemplos de como um poder imperial pode levar as mais recentes invenções
para a sua colónia, se tiver capacidade e vontade para o fazer.
. Em alguns casos é possível situar cronologicamente uma inova ão e iden- Durante os duzentos anos em que governaram a Índia (1740-1947), os
tificar as pessoas responsáveis pela sua introduça-o A 25 d A ç d
três t · · e $0Sto e 1543 britânicos introduziram praticamente toda a sua cultura material no subcon-
- aven urelros portugueses tornaram-se os primeiros europeus a visitar ~ tinente. A grande maioria dos artefactos foi levada por civis, pessoal militar e
Japao. Levaram com eles duas espingardas de mecha d
bo fab · d • armas e carregar pela suas famílias, mas três inovações cruciais tiveram um impacto grande e dura-
ca, nca as na Europa no início do sécul 0 XVI d .
J - 0 . , mas esconhec1dos no douro na vida indiana: o barco a vapor, o caminho-de-ferro e o telégrafo eléc-
apao. s Japoneses ficaram tão impressionados com estas - ..
de fo pnmlttvas armas trico. Nenhuma destas inovações teria chegado à Índia no momento em que
d go q_~elas compraram de imediato e puseram os seus fabricantes de espa- chegou, e com a intensidade com que chegou, se tivessem sido transmitidos
as a cop_I - as. Em menos de uma década, armeiros por todo o Japão estavam por outros meios.
:!roduzir arm~s de fogo em grande quantidade. No Japão, as facções feudais O período da propulsão marítima a vapor começou na Inglaterra em 1801,
gu~rra, ansiOsas por obter armas superiores às suas espadas e chu os quando o rebocador a vapor, Charlotte Dundas, navegou com êxito no canal
encoraJaram este desenvolvimento Em 1560 . ç '
· • as espmgardas de mecha japo Forth and Clyde. Dezoito anos mais tarde, o primeiro navio a vapor, uma
nesas eram vulgares no campo de batalha e em 1575 &. d . . -
d s · fr ' • ~.oram ectstvas num pequena embarcação de recreio construída pelos britânicos para um príncipe
~ maror~s con ontos militares da história japonesa (a batalha de Na as- local, atravessava águas indianas. Depressa tiveram início experiências com um
hmo). Os Japoneses podem ter feito um uso tardio das arm d f, g
rebocador a vapor no porto de Calcutá e, em 1824, os barcos a vapor fluviais
foram pioneiros no seu fabrico em grande escala . as e ogo, mas
e Incorporaram rapidament desempenharam um papel decisivo na derrota dos birmaneses durante a
as armas na sua estratégia militar. · e
guerra Anglo-Birmânica. Enquanto alguns anglo-indianos ansiavam pelo
Existem outras transferências tecnológicas que n- d
co t · ao po em ser datadas advento de navios a vapor que navegassem no oceano e que reduzissem o
- m anta ngor nem os seus agentes difusores identificados com tant -
tempo de viagem para a Grã-Bretanha, outros desejavam uma frota de navios
sa~. N~ Europa medieva~, os moinhos de vento foram um acrescento :t~~~~ a vapor no Ganges, transportando passageiros e mercadorias através da espi-
:ativo bas fontes de en_erg~a existentes e, no entanto, as suas origens pen!ane- nha dorsal do país. Os vapores para o Ganges foram construídos, mas os pro-
em o ~curas. Os momhos de vento de eixo vertic;al podem ter sido utilizado blemas de navegação do rio revelaram-se formidáveis: Os preços de carga e de
5
na Pérsta, desde cerca do século VII d C é . . .
· ·• por m, os pnmeiCos moinhos d passageiros nunca foram razoavelmente baixos para atrair clientes suficientes
:F ::~:s:~r:~~:d~~c~:: ~-) ~ram variedad~
d. da de eixo horizontal. Ter: e o serviço acabou por ser cortado. Entretanto, alguns milhares de indianos
tal<> Ou co , . ça o etxo do plano vertrcal para o plano horizon- arranjaram emprego nos barcos do rio, embora, em lugares inferiores. Mas,
. . ' mo e mais provável, foram os moinhos de eixo h . 1
Invenção · . onzonta uma apesar destes problemas, milhões de indianos contemplaram temerosos os
europeia Independente? Poderiam os . h d
ter-se baseado . mom os e vento europeus barcos a vapor a subirem o rio, sem o auxilio de remos ou velas. O barco a
fáceis para estas :::::~~hos de água de eixo horizontal? Não há respostas vapor, símbolo da superioridade britânica, seria em pouco tempo suplantado
pelo caminho-de-ferro, uma prova ainda mais poderosa do engenho e dos
I mperia/ismo recursos técnicos do Rajá britânico.
A construção do sistema de camin~o-de-ferro indiano é um dos maiores
O imperialismo e o colonialismo assumem projectos tecnológicos alguma vez levado a cabo por uma potência colonial.
tipos específicos de contacto social que condu~:!ai~-~ ~esdtaque entre _os Envolveu enormes investimentos de tempo, talento e dinheiro - noventa e
1
Sob estas form . d d , . sao a tecnologia. cinco milhões de libras, só entre 1845 e 1875 - e teve como resultado a
não . . as e _o~tmo, a cultura receptora tinha poucas hipóteses de
quarta maior rede de caminhos-de-ferro do mundo. Durante a primeira fase
se acettar a _tecnol~gia Imposta pelos senhores imperiais. Este facto não foi
da construção, que terminou em 1863, foram assentes duas mil e quinhentas
mpre negativo. A India, sob o domínio britânico .&.
• ~.ornece um dos melhores milhas de carriS. A construção continuou até 1936, altura em que o sistema
841 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACfORE5 PSICOLóGICOS E INTELECTUAIS j85

totalizou quarenta e três mil milhas. Ao contrário do barco a vapor, o com- permitido desempenhar trabalhos menores que, pelo menos, os colocavam
boio satisfez os objectivos de fornecer aos indianos transporte rápido a na órbita exterior da tecnologia ocidental. Esta experiência estimulou o seu
baixo custo. Ainda hoje, continua a ser um elo crucial no sistema de via- interesse por máquinas modernas e introduziu as ideias ocidentais de inova-
gens e transportes. ção, mudança e progresso. Quando os indianos finalmente se libertaram do
Uma grande rede de caminhos-de-ferro não pode funcionar de modo domínio britânico, em 1947, fizeram todos os esforços para se juntar ao
seguro e eficaz sem um sistema telegráfico que a acompanhe. Por isso, a cons- grupo das nações industrializadas.
trução da primeira linha telegráfica, cobrindo as oitocentas milhas de Calcutá
a Agra ( 1854), coincidiu com a construção do caminho-de-ferro. Os traba-
lhos para um sistema telegráfico indiano começaram apenas dez anos depois .Migração
de Samuel F. B. Morse ter aberto a sua linha de Wa.:;hington a Baltimore
(1844). Em 1857, havia quatro mil e quinhentas milhas de linhas telegráficas Os povos migrantes constituem outro importante agente difusor de téc-
na Índia e, oito anos mais tarde, uma série de cabos terrestres e submarinos nicas e artefactos. O exemplo clássico disto é a migração forçada de duzen-
ligava o subcontinente às Ilhas Britânicas. Apesar de inicialmente concebido
tcs mil Huguenotes (protestantes franceses) após Luís XIV ter revogado o
como auxiliar das viagens de comboio, o telégrafo provou rapidamente ser
Édito de Nantes, em 1685, e acabado com quase um século de limitada tole-
ainda mais útil como meio de transmissão de informação.
rância religiosa. Os Huguenotes, muitos dos quais eram artífices extrema-
Não foi o altruísmo que levou os britânicos a introduzir na Índia o barco a
vapor, o caminho-de-ferro e o telégrafo pouco depois de surgirem na Europa mente hábeis, levaram os seus talentos e conhecimentos técnicos para Ingla-
e na América._O transporte a vapor, em terra e na água, facilitava o movi- terra, Irlanda, Holanda, Alemanha e Suíça. Nestes países, as suas inovações
mento das tropas e acelerava a transferência de matéria-prima para as fábri- contribuíram para mudanças na indústria têxtil, em especial na produção
cas, e dos artigos manufacturados britânicos para os mercados indianos. O de sedas, veludos e rendas, bem como mudanças nos ornamentos, especifi-
telégrafo ajudou a consolidar o domínio do governo Anglo-Indiano e a ~mente chapéus, meias, luvas e fitas. A manufactura de papéis finos e de
:i mantê-lo em contacto directo com Londres. Contudo, mesmo reconhecendo vidro soprado e fundido também sofreu melhoramentos.
I,, ',,i a verdade destas afirmações, devemos reconhecer que a transferência de tec-
,, As migrações não precisam de ser tão grandes, tão dramáticas e de con-
I f nologia ocidental fez mais do que servir fins imperialistas.
Alguns dos britânicos responsáveis pela introdução de novas tecnologias
sequências tão vastas como no caso dos Huguenotes. O agente de difusão
pode ser um pequeno grupo de pessoas. Isto era especialmente verdade
' na índia previram que a paz, a boa vontade e a abundância seriam segura- a!ltes de meados do século XIX, porque os textos e desenhos técnicos publi-
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mente o destino de um povo exposto aos efeitos civilizadores da maquinaria cados não eram facilmente acessíveis. Nestas condições, a melhor maneira
I
moderna. Por outro lado, Karl Marx profetizou um futuro diferente. Assim de um indivíduo conhecer uma nova máquina era lidar directamente com
que o caminho-de-ferro foi construído, Marx previu que seria utilizado pelos
aqueles que a tinham construído e que com ela trabalhavam.
indianos para explorarem os seus recursos naturais (carvão e· ferro), para se
Em 1748 não havia máquinas a vapor na América, apesar de começarem
tornarem numa nação moderna e ganharem a força necessária para expulsa-
rem os opressores britânicos. a ser comuns na Inglaterra. Quando o coronel John Schuyler, de Nova Jer-
Nenhuma destas visões acabou por acontecer na realidade: a vida e a sey, quis obter uma m;íquina Newcomen para drenar água das _suas 11_1inas
economia indianas não foram afectadas radicalmente por estas inovações. O de cobre contactou os Hornblowers, uma famosa familia de engenheiroS
que aconteceu foi que o povo da índia conviveu com a tecnologia ocidental britânicos com experiência na construção de máquinas a vapor. As peças do
antes das outras sociedades asiáticas. Por exemplo, o caminho-de-ferro rr.otor foram reunidas na Inglaterra e enviadas para a América, juntamente
indiano entrou em funcionamento vinte e cinco anos antes do japonês e trinta com o jovem Josiah Hornblower que, entre 1753 e 1755, supervisionou a
anos antes do chinês. E a india inaugurou a sua primeira fiação em 1851, quinZe sua montagem nas minas. Esta máquina inglesa inaugurou a época do vapor
anos antes de o Japão o ter feito. na América.
r· Embora os indianos não controlassem estas novas tecnologias, era-lhes Os americanos não foram os únicos a solicitar a assistência de ajuda téc-
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INOVAÇÃO (i): FACTORES PSiCOLÚGiCOS E INTELECTUAIS 187
861 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

zar. Os americanos aprenderam essa lição em 1783, quando várias máquinas


nica britânica para montar e pôr em funcionamento a sua primeira máquina
a vapor. Tanto o motor atmosférico Newcomen como os motores a vapor têxteis foram transportadas desmontadas de forma clandestina da Inglaterra
Boulton e Watt foram introduzidos noutros países por experientes construto- para Filadélfia. Após quatro anos frustrantes, em que não se consegui~ encon-
res de motores enviados da Inglaterra para Alemanha, França, Holanda, Espa- trar ninguém competente para as montar, as máquinas foram enVIadas de
nha, Áustria, Suécia, Bélgica, Suíça, Hungria, Itália, Dinamarca, Portugal e volta para Inglaterra.
Rússia. Em alguns dos países mais remotos e menos industrializados, estes David J. Jeremy, que estudou a transmissão de maquinaria têxtil britâni~a
homens encontraram uma população local carente da perícia mecânica que, ara os Estados Unidos, afirmou que as primeiras tentativas de transferêncta
na Inglaterra, era um dado adquirido. Em 1805, um empregado da Boulton e ~ram dificultadas porque, antes de 1812, as máquinas têxteis não eram des-
Watt, na Rússia, avisou que era provável que a máquina que acabara de mon- critas em textos escritos e nem sequer eram tema de ilustrações. Passaram
tar fosse danificada pela incompetência russa. Em 1789, outro funcionário mais de duas décadas até haver informação impressa completa sobre máqui-
afirmou que os italianos eram "as pessoas mais ignorantes que alguma vez vi nas têxteis. Nestas circunstâncias, o único recurso dos americanos era atrair
-não sabem nada de maquinaria". 2 Nas décadas que se seguiram, os europeus artesãos britânicos que trouxessem com eles máquinas, componentes, planos,
ficaram a saber bastante mais sobre «maquinaria" através do contacto directo ou modelos. Em alguns casos, bastava a memorização do plano, se o indiví-
'!' com mecânicos ingleses que os visitavam para montar máquinas a vapor, duo tivesse um bom conhecimento do funcionamento da máquina. A transfe-
durante o século XVIII e início do século XIX. rência com êxito da tecnologia têxtil só foi conseguida quando experientes
"'i, Mais ou menos na mesma altura em que mecânicos ingleses montavam artesãos britânicos emigrantes conseguiram pôr em prática o seu conheci-
motores Boulton e Watt na Europa, um outro grupo de ingleses, na sua maioria mento não verbal e construir as máquinas para os produtores americanos.
agindo clandestinamente, estava a transferir para a América a tecnologia têxtil
britânica. Nos finais do século XVIII, o governo britânico estava consciente do Conhecimento prático
contributo que as inovações tecnológicas na indústria têxtil tinha tido para a
prosperidade nacional. Em 1781, entrou em vigor uma lei que proibia expressa- A tecnologia nunca pode ser toda traduzida em palavras, imagens ou
mente a exportação de qualquer "máquina, motor, ferramenta, prensa, papel, equações matemáticas, por esse motivo, o trabalhador com um conhecimento
utensílio ou implemento" bem como de qualquer "modelo, ou plano ... parte de utilização, seja de maquinaria têxtil do século XVIII seja de computadores
ou partes"3 utilizados na manufactura de têxteis. Entretanto, do outro lado do do século XX, terá sempre um papel a desempenhar na disseminação das ino-
Atlântico, os americanos, tendo quebrado os laços políticos com a pátria mãe, vações técnicas. Embora muita da tecnologia moderna possa ser recolhida de
estavam inclinados a obter independência económica criando uma indústria páginas de livros, artigos, monografias e patentes, os artefactos tê~ de ser
têxtil, e não eram avessos a utilizar a tecnologia britânica proibida. estudados em primeira mão, a informação oral tem de ser transputlda por
Os americanos tinham muitos recursos naturais de madeiras e minérios, pessoas conhecedoras da nova tecnologia, e as inovações têm d~ ser adaptadas
bem como artífices e mecânicos competentes para transformar esses recursos à economia e à cultura receptoras.
em componentes de máquinas. Só lhes faltava desenhadores de maquinaria É possível averiguar até que ponto a transferência de tecnologia depende de
têxtil e trabalhadores que soubessem ajustar, controlar e manter essaS máqui- informação que transcende a página impressa, através da descrição da introdu~
nas, de forma que fosse possível produzir em quantidade, a partir da lã e do ção, no século XVIII, de máquinas de torcedura de seda italianas.:n~ lnglater:ra e
algodão locais, fios e tecidos de uma qualidade aceitável. Ter as máquinas não através da história, no século XX, da viagem do transistor dos Estados Umdos
seria suficiente, se não houvesse alguém com experiência de as montar e utili- da América para 0 Japão. O prime~o é um exemplo de espionagem industrial,
0
segundo é uma compra legítima de uma licença de patente.
2
Jennifer Tann e M. J. Breckin, «The international diffusion o f the Watt engine~, The Economic History
A produção de seda na Inglaterra coincide com a chegada dos Huguenotes
Review31 (1978), 557. Franceses, no século XVII, entre os quais vinham tecelões de seda. Tecer a
3
David J. /eremy, «British texti!e technology transmission to the United States: the Philadelphia region seda não apresentava problemas para os fundadores; de origem francesa, da
CJqJCriencc, 1770-1820~,Business History Review 47 ( 1973), 26.
INOVAÇÃO (1): FACTORES PSICOLÓGICOS E !NTELEcrUAIS /89
88/ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

nova indústria, contudo, o mesmo não pode ser dito de encontrar fio de
seda torcido. A seda em bruto, torcida à mão na Inglaterra, resultava num fi LATO! O
fio inferior, e o fio de seda de melhor qualidade importado da Itália era
muito caro. Para a jovem indústria da seda inglesa florescer tinha de ter
acesso às máquinas de torcedura, movidas a água, utilizadas pelos italianos
para produzir de forma econômica fios de seda de qualidade superior. Para
os italüinos o funcionamento destas máquinas era segredo de Estado e, de
acordo com as leis do Reino da Sardenha, revelar informações sobre o fun-
cionamento dos moinhos de seda era um acto punido com a morte. Apesar
de os italianos guardarem zelosamente o segredo das suas máquinas de tor-
cedura, permitiram a publicação de desenhos pormenorizados de uma delas
(figura 3.6.) no livro de Vittorio Zonca Teatro nuovo di machine et edificii
i,.
(Novo Teatro de Máquinas e Edifícios) (1607). Este volume, com segunda
(1621) e terceira (1656) edições, estava acessível aos leitores ingleses na
Bodleian Library da Universidade de Oxford. Mesmo assim, os proprietá-
rios dos moinhos de seda ingleses não conseguiram copiar a máquina tão
claramente apresentada por Zonca. Uma·das razões é que toda a informação
relevante necessária para construir uma máquina complexa não podia, e na
realidade continua a não poder, ser transmitida de forma pictórica. Isto é
verdade acerca das gravuras do século XVII e dos melhores desenhos de
engenharia moderna. A interpretação completa de uma máquina retratada
só pode ser feita por pessoas que possuam um conhecimento prático,
íntimo, da construção e do funcionamento da máquina real. Por isso, a ilus-
tração de Zonca não constituía uma ameaça ao segredo dos produtores i ta-
lianos de fios de seda.
Após uma tentativa fracassada de o inglês Thomas Crochett mecanizar a
torcedura da seda em 1702, um comerciante têxtil de Londres decidiu que
se devia roubar aos italianos informações acerca da máquina, John Lombe,
descendente de uma família inglesa de tecelões e mecânico capaz, foi
enviado para a Itália em 1715 para desempenhar a missão. Durante uma
estada de dois anos, Lambe "arranjou meios de ver este engenho com tanta
frequência, que se tornou conhecedor de todo o invento, das suas diferentes
partes e movimentos" .'1 Quando regressou, o meio irmão de }ohn, Sir Tho- M•~ 3 6 Gravura de Vittorio Zonca da máquina italiana de torcedura de ~eda mov:id~ a água.
FI
,.-- • • · b · -o o funciOnamento mterno.
mas Lom.be, construiu wn grande moinho para torcedura mecânica da seda, A legenda confirmava algumas das operaç~es. maiS 6 v~as, mas nad inar a indústria de torce~
Mesmo após a publicação desta gravura, os Italianos c~nunuaram a om . ão da Macmillan
utilizando os conhecimentos que }ohn tinha da maquinaria e das técnicas. dura de seda, durante mais de cem anos. Fonte: Retmpressa, clom au~or~zaç . ht © 1964 de
Publishing Company, de A theatre of inachines de Ai ex G. Kel e r • P· 3 · opyng
Alexander G. Kdler.
t Carlo M. Cipolla, «The diffusion of innovations in early modern Europe», Compm-ath-e Studies in
Societyand History 14 (1972), 47.
90 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLOGJCOS E INTELECTUAIS !91

A transferência deste elemento-chave da tecnologia do processamento da cientistas, engenheiros e técnicos que trabalhavam em todos os aspectos da
seda não poderia ter sido alcançada sem a ajuda de um espião industrial produção do transístor. A equipa japonesa assimilou toda a informação
que observou cuidadosamente a máquina durante um longo período de escrita e oral sobre semicondutores e decidiu, então, fabricar os seus próprios
tempo e se familiarizou com todos os aspectos do seu funcionamento. transistores e utilizá-los para fazer um receptor de rádio de tamanho de bolso.
A espionagem industrial não está, de modo algum, confinada aos pri- Na altura em que o seu rádio miniatura estava pronto para ser comerciali-
meiros tempos, quando a indústria estava organizada de forma menos zado, mudaram o seu nome empresarial para Sony, que era mais curto e tinha
racional e a ciência ainda não se tinha estabelecido firmemente como uma uma sonoridade mais suave do que Tokyo Telecommunications.
fonte de inovação tecnológica. Nas modernas indústrias químicas e electró- O rádio Sony não foi o primeiro rádio transistor de pequena dimensão do
nicas é exigido aos funcionários que assinem cláusulas restritivas que limi- mundo, o Regency, de fabrico americano, detém essa honra mas a Sony mos-
tam os tipos de actividades tecnológicas e negociais a que se podem dedicar trou aos gigantes da electrónica, de todos os países o que podia ser feito com
quando abandonarem os seus empregos. Para além de alguns segredos o transistor. Depois de ganharem o primeiro lugar na exploração comercial
comerciais que estes empregados possam saber, estão em condições de leva- da tecnologia de semicondutores, a Sony e outras firmas electrónicas japone-
sas foram, de êxito em êxito, alcançando a liderança na produção e na inven-
rem com eles a perícia especial, o saber adquirido por trabalharem com uma
tecnologia específica. ção de produtos electrónicos de consumo.
Enquanto os japoneses tornavam o transistor popular e lucrativo, os cien-
Um segundo exemplo de difusão tecnológica e das limitações da infor-
tistas americanos levavam a cabo a pesquisa que conduziu ao desenvolvi-
mação contida no papel impresso é o transistor. O transístor, inventado
mento de novos tipos de transistores. A indústria americana de semiconduto-
pelos cientistas e t_écnicos americanos e europeus em 1947, foi espectacular-
res forneceu os mercados de alta tecnologia abertos pelo crescimento do com-
mente explorado para fins comerciais pelos japoneses.
putador e pelas necessidades dos programas espaciais e militares. Pelo contrá-
Pouco depois da Segunda Guerra Mundial, .vários jovens engenheiros rio, a indústria americana de electrónica de produtos de consumo, relutante
japoneses reuniram-se para formar a Tokyo Telecommunications Enginee- em manufacturar aparelhos de transistor que competissem com os seus
ring Company, uma pequena firma de produtos eléctrícos. Começaram modelos de tubo de vácuo, adoptaram lentamente a nova tecnologia. Assim,
com uma panela eléctrica para cozer ar,roz e um voltímetro de válvulas, este numa fase crucial da história dos semicondutores, os japoneses tiveram liber-
último bastante mais vendido. Procurando outros produtos eléctricos dade para entrar, definir e dominar o mercado de consumo.
comercializáveis, a companhia ci-iou finalmente (1949-51) um gravador de O Japão, destruído pela guerra, era um local improvável para o desenvol-
fita magnética para ser utilizado nas escolas japonesas. vimento comercial de uma invenção que resultara dos esforços concentrados
Durante uma viagem aos. Estados Unidos, em 1953, Masaru Ibuka, um de algumas das melhores mentes da ciência e da tecnologia ocidentais. Os
dos fundadores da Tokyo Telecommunications, ouviu um amigo, que vivia cientistas japoneses estavam afastados geográfica e intelectualmente dos mais
em Nova Iorque, falar no transistor e soube que a Western Electric estava recentes trabalhos em física do estado sólido que tinham estado na base do
prestes a pôr à venda os direitos de patente do transistor. Ibuka sabia muito transistor. Contudo, os engenheiros-empresários da Tokyo Telecommunica-
pouco acerca do transístor, mas decidiu que poderia ser a invenção que a tions viram nos semicondutores uma oportunidade que não fora notada por
sua companhia necessitava para expandir as suas linhas de produtos e man- outros. Porém, antes de tomarem a iniciativa, tiveram de compreender tudo 9
ter o pessoal ocupado. que dizia respeito ao transistor. A sua compreensão foi obtida lendo a infor-
mação técnica impressa, mas também observando o fabrico do transistor
Quando a Tokyo Telecommunications comprou a licença do transístor
americano e interrogando os especialistas envolvidos na tecnologia de semi-
em 1954, nenhuma das mais antigas, e muito maiores, firmas electrónicas
condutores. Em suma, estes engenheiros não poderiam ter lançado a indús-
japonesas mostrou o mínimo interesse. Ibuka enviou técnicos à América
tria do transistor no Japão se tivessem ficado em casa e confiado exclusiva-
para reunir todas as publicações técnicas disponíveis sobre semicondutores. mente na informação impressa para obter conhecimentos sobre a tecnologia
Visitaram laboratórios para verem o fabrico dos transistores e falaram com do transístor.

CHFC-ET-07
!NOVAÇAO (i): FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECfUA!S j93
92j A EVOLUÇÃO DA TECNOWGIA

·O caso do transístor é interessante para aqueles que se dedicam ao estudo da sem cabeça
transferência tecnológica pelos motivos que a seguir são expostos. Os semicon-
dutores servem como exemplo, de modo algum isolado. de uma inovação que
foi desenvolvida e utilizada por um receptor de modos que não tinham sido
totalmente previst~s pelo inovador. Também provam que o -desenvolvimento e
a comercialização de um produto da tecnologia científica moderna podem ser
levados a cabo com êxito por uma sociedade cuja base científica é mais restrita
do que a daquela que criou o produto. Entre 1946 e 1950. os japoneses não
tinham condições para inventar o transístor e, no entanto, estavam obviamente
preparados para fazer um melhor uso comercial dele.
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Influências ambientais

Falta explorar um aspecto final da difusão tecnológica - o modo como o


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ambiente natural pode provocar alterações num artefacto transferido. Uma
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Figura3. 7. Machados utilizados na América durante a época coloni_al. A c~b~ do machad.o .angl?·
·' ferramenta ou uma invenção concebidas para funcionar num determinado
ambiente natural têm, muitas vezes, de ser modificadas para funcionarem em
americano distinguia-se dos ·seus equivalentes europeus e fornecia equilíbrio e peso_ adicionais,
necessários para abrir clareiras num Novo Mundo densamente florestado. Fonte: Enc Sloane, A
condições num novo ambiente. Três conhecidos artefactos americanos - o museum ofearly American tools (Nova Iorque, I964), p. 11.

machado, o barco a vapor e a locomotiva - ilustram a relação próxima que


·pode existir entre mudanças no ambiente físico e variações na concep_ção da
O machado americano não foi construído num único padrão ou desenho,
coisa feita.
estava disponível em diversos modelos, cada qual adaptado ao ambiente flo-
Os primeiros colonos da América levaram com eles os machados de estilo
restal específico em que era suposto ser utilizado. Em 1863, um fabricante
europeu que lhes tinham sido úteis no Velho Mundo (figura 3.7.). Estes ins-
enumerou as seguintes variedades de machados de abate: Kentucky, Ohio,
trumentos eram úteis para cortar ou desbastar cepos, mas não eram adequa-
Yank.ee, Maine, Michigan, Jersey, Geórgia, Carolina do Norte, Turpentine,
dos para derrubar os enormes troncos de madeira virgem da América. O Espanhol, Duplo Gume, Fire Engine e de Rapaz. Trinta e cinco anos mais
machado europeu era uma fe~ramenta leve, sem cabeça- a cabeça do
tarde, a lista excedia a centena.
machado é a porção extra de metal, do lado oposto ao gu~e, que dá ao O machado foi levado do Velho para o Novo Mundo, onde sofreu uma
machado peso e equilíbrio. transformação. O barco a vapor americano, por outro lado, transformou-se
À medida que avançaram para oeste e para sul, limpando florestas para na curta viagem da Costa Este para os rios da bacia do Mississipi. O barco a
arranjar espaço para a agricultura e para viver, os colonos criaram um vapor, usado nos finais do século XVIII nos rios junto à costa atlântica, reflec-
machado americano distinto destinado ao derrube de árvores grandes. O tia as suas origens geográficas em dois aspectos. Primeiro, a sua forma era
machado americano possuía uma cabeça pesada, que dava um melhor equilí- derivada da dos navios de mar;_ segundo, foi originalmente concebido para
brio ao instrumento, e mais peso para cortar grossos troncos de árvores. No navegar nas águas do rio Hudson e Long Island Sound. A decisão de o utilizar
início do século XVIII surgiram as primeiras cabeças rudimentares e por volta nos rios do médio ocidente exigiu que os fabricantes do barco a vapor levas-
de 1780 a ferramenta tinha evoluído para o machado americano de abate. sem a cabo uma série de alterações fundamentais no seu desenho.
Estes machados, originalmente fabricados pelos ferreiros locais, passaram, no Os cascos dos barcos à vela eram fundos, arredondados e equipados com
século XIX, a ser produzidos em fábricas. uma quilha que se projectava do seu fundo. Eram fortemente escorados e

L
941 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I); FACI"ORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 195

armados com grandes troncos para resistir à força da tempestade no mar. Os que moviam a locomotiva e suportavam o seu peso, funcionavam melhor nas rec-
porões de carga e as cabinas dos passageiros localizavam-se abaixo do convés tas ou nas secções com curvas largas. Como era.m incapazes de rodar sobre um só
principal e funcionavam como lastro e contrapeso para os pesados mastros, eixo tomavam-se ineficazes em cwvas apertadas. Contudo, os caminhos-de-ferro
velas e cordame. O centro de gravidade baixo e a construção robusta permi- relativamente direitos e nivelados eram comuns na Inglaterra, devido à natureza
tiam aos barcos à vela resistir ao mau tempo e a mares revoltos. Os constru~o­ do terreno e à disposição dos construtores dos caminhos-de-ferro britânicos em
res dos primeiros barcos a vapor utilizaram elementos estruturais básicos dos investirem dinheiro em túneis, atallios e pontes, de forma a ser possível os carris
barcos movidos pelo vento. passarem através, ou por cima, de um obstáculo em lugar de o contornarem. A
i As características estruturais, que eram uma necessidade numa embarca- locomotiva inglesa estava adequada à geografia do seu sistema de carris.
! Na América, onde as condições do terreno eram mais variadas, prevaleceu
ção de mar, eram inúteis ou contraproducentes nos barcos que percorriam os
rios do Oeste. Estes cursos de água eram relativamente pouco profundos e uma diferente teoria de planeamento do caminho-de-ferro. No que ficou
raramente tinham ondas de grande dimensão. Em caso de tempestade, o conhecido como o "Método Americano" de construção de caminhos-de-
I
J: barco a vapor nunca estava longe da margem. As velas não eram necessárias ferro, as vias eram construídas rápida e economicamente, com curvas aperta-
numa embarcação movida a vapor, nem poderiam ter sido utilizadas com efi- das, declives íngremes e alicerces de má qualidade. Evitavam-se os túneis, e as
cácia no espaço confinado de um rio. pontes só eram construídas em último recurso, e em madeira.
Devido às diferentes condições das águas do interior, em menos de cin- A locomotiva inglesa não funcionou bem nos caminhos-de-ferro america-
quenta anos, o barco a vapor oriental, de modelo marítimo, foi transformado nos. Por volta de 1830, John B. Jervis, do Estado de Nova Iorque, propôs a
no vapor de rio. Cerca de 1850, surgiu o clássico barco a vapor de rio. Era adição de quatro pequenas rodas, montadas independentemente na parte da
uma embarcação relativamente leve sem a bordagem e membros estruturais frente da locomotiva, para ajudarem a suportar o peso da locomotiva e para a
adicionais necessários aos barcos à vela e incorporados nos primeiros barcos a guiarem ao longo dos carris. Estas rodas não estavam conectadas à vara de
vapor. O casco, radicalmente diferente, porque a quilha era desnecessária, era condução do motor, mas ligadas a um vagão que rodava livremente quando a
largo e chato, e aumentou-se o seu comprimento totaL O comprimento e lar- locomotiva contornava uma curva apertada.
gura adicionais do barco significavam que a área do casco que assentava na A proposta de Jervis, conduziu à primeira revisão fundamental do dese-
superfície era maior e, consequentemente, a embarcação era mais flutuante. nho da locomotiva feita na América. Permitiu às locomotivas atravessarem
! i
mais facilmente os carris serpenteados que estavam a ser assentes na paisa-
Assim, os barcos deslocavam menos água e podiam navegar em rios pouco
profundos, a uina velocidade maior, transportando passageiros e carga. A gem americana.
menor profundidade do casco exigiu que a máquina, os passageiros e a carga Esta discussão sobre a difusão do machado, do barco a vapor e da locomo-
fossem colocados acima do convés principal. Estavam todos numa superes- tiva deu ênfase às modificações de artefactos causadas pelo ambiente natural:
trutura que deu aos vapores de rio o seu característico aspecto de caixa. florestas, rios e terreno. Pouco aqui foi dito sobre os mais vastos ambientes
Os barcos a vapor no vale do Mississipi atingiram o seu apogeu na sociais, políticos, económicos e culturais, e a sua influência nestes artefactos.
,, década de 50 do século XIX, sendo postos em causa, e derrotados, pelo
caminho-de-ferro. A primeira locomotiva a vapor a funcionar em carris
Os historiadores James E. Brittain e Thomas P. Hughes têm demonstrado
preocupação com a modificação de artefactos numa noção de ambiente mais
americanos foi importada da Inglaterra em 1829. Pouco depois, os america- abrangente. Estudaram as variações produzidas no gerador de energia eléC-
nos redesenharam a locomotiva inglesa para a adaptarem às peculiares neces- trica, enquanto se dispersava pela América e Europa Ocidental, entre 1870 e
sidades americanas. Os desenhos divergentes das locomotivas inglesa e ameri- 1920. Provou-se ser impossivel desenhar, fabricar e distribuir geradores exac-
cana não podem ser explicados apenas pelas diferenças do ambiente físico dos tamente iguais, porque cada país· tinha um conjunto de exigências ligeira-
dois países; contudo, uma das características da locomotiva americana, o mente diferentes. Como consequência, as máquinas foram alteradas para
vagão-condutor, foi resultado directo das diferentes condições ambientais. satisfazer desejos e necessidades expressas pelas nações, tendo como resultado
As primeiras locomotivas inglesas utilizavam grandes rodas ligadas directa- a construção de um número de variantes do gerador, cada modelo especifica-
mente à máquina e presas a um quadro rígido, por debaixo da caldeira. As rodas, mente adequado à utilização num determinado país.

I,
961 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇAO (I): FACTORES PSICOLOGICOS E INTELECTUAIS 197

Um breve olhar sobre o mundo dos artefactos de hoje revela que os auto- os elementos tecnológicos, não os científicos, excepção feita à ideia de vácuo.
móveis, os telefones, os acessórios domésticos e os aparelhos de televisão, só O estudo do vácuo não fazia parte da tradição artesanal associada à constru-
para mencionar alguns exemplos, sofreram modificações semelhantes às do ção de maquinaria, mas surgiu da preocupação dos cientistas que estudavam
gerador. Cada um destes artefactos foi modificado para se adaptar a circuns- a física e a metafísica do espaço desprovido de matéria.
tâncias e padrões de uso variados, ao serem introduzidos em países diferentes. A afirmação de Aristóteles de que o vácuo não podia existir na natureza
O automóvel, para escolher um exemplo óbvio, foi adaptado aos hábitos de foi posta em causa por Galileo Galilei, Evangelista Torricelli, Blaise Pascal,
condução, às condições das estradas, aos custos do combustível, aos regula- Otto von Guericke e outros estudiosos que contribuíram para o desenvolvi-
mentos de segurança e ao relevo. Ainda não se encontra disponível uma mento da pneumática. Estes investigadores provaram que a atmosfera terres-
teoria abrangente que seja útil na explicação da variação dos artefactos atra- tre exerce uma pressão, construíram bombas capazes de extrair. o ar de peque-
vés da adaptação. nos recipientes, e estudaram o vácuo que produziram no seu laboratório.
Enquanto uns procuraram saber se poderia haver vida no vácuo, ou transmis-
são de luz e som, outros estavam mais interessados nas suas possíveis aplica-
Conhecimento: ciência ções utilitárias. Um destes últimos foi Denis Papin ( 1647- c. 1712), um cien-
tista francês, que levou a cabo algumas das primeiras experiências com vapor,
Se exceptuarmos o transístor, os artefactos já discutidos neste capítulo não cilindros evacuados e pistões.
foram muito afectados pelos avanços da ciência. Porém, no século XX, a ciência As primeiras tentativas de Papin, feitas por recomendação pelo cientista
passou a desempenhar um papel muito mais vasto na criação de inovações tec- holandês Christiaan Huygens, utilizaram a explosão de um pequena carga de
nológicas, merecendo assim um tratamento em separado. Os proponentes da pólvora para expelir o ar de um cilindro vertical equipado com pistão e válvu-
pesquisa científica têm exagerado a importância da ciência, afirmando que ela é las. A explosão de pólvora não pretendia mover o pistão, mas foi concebida
a raiz de praticamente todas as principais mudanças tecnológicas. Uma avaliação para retirar o ar do cilindro, de forma que o peso atmosférico, fazendo pres-
mais realista, e historicamente mais rigorosa, da influência da ciência na são na superfície superior do pistão, o fizesse mover para baixo, para o espaço
mudança tecnológica revelará que a ciência é uma das várias fontes de inovação. parcialmente evacuado. Os produtos gasosos, produzidos pela explosão da
A invenção da máquina a vapor atmosférica e a invenção das comunicações pólvora, tornavam impossível criar no cilindro de Papin algo próximo de um
via rádio são dois acontecimentos tecnológicos distintos que merecem um vácuo perfeito. Por isso, testou o seu aparelho com vapor.
estudo pormenorizado pelo que revelam acerca da natureza da interacção da Uma pequena quantidade de água era depositada no fundo do cilindro,
e o pistão era forçado manualmente para baixo até tocar a superfície do
ciência com a tecnologia. Várias conclusões gerais desse estudo podem ser apli-
fluido. Quando Papin aplicou calor directamente ao cilindro de paredes
cadas a outros exemplos de actividade inventiva em que a ciência desempenha
finas, a água aqueceu e transformou-se em vapor. A força expansível do
um papeL Primeiro, a ligação entre ciência e tecnologia é complexa, e nunca
\•apor moveu lentamente o pistão para cima. Este fraco movimento do pis-
simplesmente hierárquica. Segundo, o conhecimento científico que estimula a
tão para cima provou ser o movimento menos importante. Quando atingiu
inovação não é necessariamente o mais recente, nem tem de surgir na sua
o limite superior do seu percurso, o pistão imobilizou-se, retirou-se o calor,
forma mais pura; concepções em segunda ou terceira mão dos avanços científi-
o cilindro arrefeceu e o vapor condensou. Assim, por debaixo do pistão
cos podem igualmente servir à tecnologia. Terceiro, a ciência dita os limites da
havia vácuo, e por cima o peso atmosférico. Em seguida, libertou-se o pis-
possibilidade física de um artefacto, mas não prescreve a forma final do arte- tão. Este moveu-se para baixo com muita força, força essa que Papin mediu
facto: a lei de Ohm não ditou a forma e os pormenores do sistema de ilumina- (figura 3.8.). Papin tinha descoberto o princípio fundamental do motor
ção de Edison, nem as equações de Maxwell determinaram a forma precisa de atmosférico e demonstrou que, com cilindro e pistões de tamanho ade-
um circuito num moderno receptor de rádio. c_uado, seria possível desenvolver um trabalho útil com ele. No artigo que
Uma pesquisa às origens da máquina a vapor levanta a questão de saber se publicou a descrever estas experiências, Papin sugeriu que o poder da
'I
Thomas Newcomen poderia ter inventado o seu motor atmosférico sem o atmosfera fosse utilizado para elevar água e minérios de minas profundas,
auxílio da ciência. Na pré-história da máquina a vapor, o que predomina. são i:npelir balas e mover navios sem velas.
981 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 199

cobre e chumbo para os seus clientes. O seu oficio, altamente especializado,


foi o antecessor da moderna engenharia mecânica.
Newcomen foi bem sucedido num negócio que o punha em contacto com
os homens que construíam e utilizavam máquinas de todo o tipo, especial-
mente com os das indústrias de exploração mineira e de pedreiras da Cornua-
lha e de Devon. Por isso, estava na posição ideal para pegar na ideia, ainda
que vaga, de Papin de um motor atmosférico, e transformá-la num instru-
mento físico que funcionasse e que pudesse ser utilizado para bombear água
das minas.
Uma das funções do historiador é descobrir exactamente como é que o
ferrageiro inglês teve conhecimento das experiências com vapor levadas a
cabo pelo cientista francês. Alguns académicos afirmaram que não houve
i' qualquer ligação entre os dois, que Newcomen e Papin inventaram indepen-
dentemente instrumentos semelhantes. As descobertas simultâneas não são,
I!.· de modo algum, uma raridade, mas ocorrem geralmente quando dois ou mais
i, investigadores estão a trabalhar próximo das fronteiras de uma especialidade
que partilham. Não existe nenhum registo histórico que indique que Newco-
men partilhasse o intenso interesse científico em pneumática que levou Papin
Figura 3. 8. Dispositivo a vapor de Denis Papin, 1690. O pistão (BB) é mantido imóvel por uma a fazer experiências com pólvora e vapor.
vareta (EE) inserida no entalhe H. O espaço abaixo do pistão é preenchido com o vapor produ- Neste momento, é bem-vinda uma cronologia dos acontecimentos. O
zido pelo aquecimento da água no cilindro. O passo seguinte é arrefecer o cilindro e condensar o
I vapor, criando assim um vácuo parcial. Quando se remove a vareta (EE), a pressão atmosférica faz primeiro motor bem sucedido de Newcomen foi construído nas Middlands
! com que o pistão, liberto, mergulhe com força para baixo. Papin estava consciênte de que este em 1712, e os seus contemporâneos afirmavam que ele tinha passado os dez
movimento poderia ser utilizado com fins práticos. Fonte: James P. Muirhead, The life of /ames
i Wart (Nova Iorque, 1859), p. 107. anos anteriores a aperfeiçoá-lo. Em 1690, Papin publicou, em latim, um
artigo relacionado com as experiências com o vapor - seguiu-se uma ver.são
Denis Papin licenciou-se em medicina, ensinou matemática numa univer- francesa em 1695. Inicialmente não houve qualquer tradução para a língua
sidade alemã, publicou artigos nos mais importantes periódicos científicos e inglesa do artigo de Papin, mas, em Março de 1697, foi publicada uma recen-
mantinha contactos com as mentes mais brilhantes da ciência da Inglaterra, são da versão francesa, num número da principal revista científica inglesa,
'i França, Alemanha e Itália. Apesar de terem implicações tecnológicas, as suas The Philosophical Transactions of the Royal Sodety of London.
experiências com o vapor foram levadas a cabo num âmbito científico, resul- A recensão inglesa resumiu o artigo de Papin num pequeno parágrafo que
taram do questionamento dos cientistas sobre a natureza do vácuo e foram começava: "O quarto [artigo} mostra um Método de Drenar Minas" 5 e pros-
publicadas num artigo científico. Embora Papin fosse um mecânico dotado, seguia descrevendo, de forma sucinta as experiências que Papin tinha fei~o
construindo a sua própria máquina e mostrando interesse por problemas prá- com o vapor e a pressão atmosférica, e dava ênfase à sua importância prática.
ticos, como o processamento e a preservação de alimentos, estava afastado do Não há provas concretas de que Newcomen tenha tido acesso a esta recensão,
tipo de meio artesanal e industrial que moldou o seu contemporâneo Thomas mas o mais provável é que isso _não tenha acontecido. Talvez um amigo,
Newcomen (1663-1729). conhecendo o seu interesse por minas e máquinas, lhe tenha falado sobre ele.
·' Newcomen, um homem com pouca -instrução acadéinica, estabeleceu-se
como ferrageiro, em Dartmouth, Inglaterra, em 1685. Como ferrageiro tanto
~«Recuei! de diverses pieces touchant quelques nouvelles machines, par M. D. Papin», Philosophical
vendia ferragem industrial como trabalhava objectos de ferro, latão, lata, Transactiom ofthe Royal Society ofLondon 19 ( 1697), 482.

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INOVAÇÃO ( 1): FACTORES PSICOLOGICOS E INTELECI1JAIS
A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

Ao contrário de Papin, que era um membro da Royal Societj' e colaborador Newcomen injectou a água para o interior do cilindro, obtendo, assim, um
da sua revista, Newcomen não tinha qualquer ligação formal com essa famosa arrefecimento mais rápido. Papin aqueceu a água no cilindro, Newcomen
organização científica, no entanto, conhecia pessoas que eram membros, ou acrescentou uma caldeira separada, que podia ser mantida permanentemente
que estavam de algum modo relacionadas com a sociedade. quente enquanto o cilindro era aquecido e arrefecido. No que diz respeito à
Newcomen não tinha nem a educação nem a inclinação para levar por escala, o cilindro de Papin tinha 2,5 polegadas de diâmetro, ao passo que o
diante um estudo desinteressado do vácuo, e Papin não tinha nem o interesse, primeiro cilindro de N ewcomen media 21 polegadas de um lado ao outro - a
nem o conhecimento técnico e nem a imaginação para transformar a sua maior dimensão exigia um cuidado especial na produção e no ajustamento do
demonstração de laboratório num motor prático. O trabalho dcs dois homens cilindro e do pistão. Finalmente, Papin dera-se por satisfeito com a
complementou-se de uma forma admirável. De um lado temos um homem de abertura/fecho manual das válvulas, Newcomen teve de criar engrenagens de
ciência preocupado com as aplicações utilitárias da teoria cient:fica, do outro '"--álvulas que abrissem automaticamente de forma que o motor pudesse com-
lado temos um homem prático, que tendo conhecimento de uma experiência pletar doze a catorze batidas por minuto sem intervenção humana.
científiça, fez dela uma máquina para bombear água das minas. O pistão levantou alguns problemas. A balança móvel ou oscilante de
Seria um erro concluir que" Papin, ao descobrir o princí?io do motor Newcomen, com um dos extremos ligado à vara do pistão e o outro ligado à
atmosférico, deu mostras de maior originalidade e gênio do quz Newcomen, bomba, não tinha um componente equivalente no dispositivo experimental
que o utilizou num motor totalmente funcionaL Nem é çorredo pressupor de Papin. O vapor fazia subir o pistão de Papin, no motor de Newcomen era
que Newcomen se limitou a pôr em prática a teoria, <Íue fez o óbvio ao seguir o peso da bomba que fazia a balança. erguer o pistão até ao topo do cilindro.
o trabalho de Papin. A importância do trabalho de Newcomen é revelada Alguns dos elementos da balança oscilante podem ser relacionados com
quando se compara a máquina que construiu com o dispositil'u simples de maquinaria contemporânea, mas a invenção de Newcomen constitui uma
cilindro e pistão de -Papin. É necessário um passo gigantesco para passar de sintese, não uma mera combinação desses elementos.
um aparelho de laboratório para a grande e complexa máquir~ construída Aquilo que _é verdadeiro da balança oscilante, também o_ é do motor de
por Newcomen. Há muito pouco no instrumento de Papin qUJe tivesse ser- Newcomen, como um todo. Foi uma síntese que ligou a tecnologia mecânica
vido de gu_ia ao inventor inglês, enquanto este planeava a construção do à nova ciência da pneumática. O motor que resultou desta nova aliança deu
motor atmosférico a vapor. irúcio a uma série importantíssima de motores de calor, uma série que conti-
Após um inventor escollier os mecanismos e decidir como derem. inter~gir nua a produzir novos artefactos quase três séculos mais tarde.
na máquina, o historiador é capaz de reconstruir os caminhos que conduziram Os últimos estudos acadêmicos têm chamado a atenção para um modo
à invenção. Porém, o inevitável desenvolvimento da máquina não pode ser de pensar dominante entre os que trabalham em tecnologia. Num artigo
recontado, porque a configuraçãO p~_rticular dos mecanismos que ·:onhecemos
muito considerado, Eugene S. Ferguson defendeu que o pensamento visual,
como máquina de Newcomen só se tornou inevitável após New=omen a ter
não verbal, domina a actividade criativa dos técnicos- uma espécie de pensa-
produzido. Antes disso, não havia um caminho evidente para ele seguir: não
mento por imagens. A visualização e a junção dos componentes da máquina
havia uma maneira correcta, auto-evidente, lógica ou científica de desenhar o
tem lugar prÍmeiro na mente do técnico. Mais tarde, estas operações são refi-
motor atmosférico. Newcomen criou uma solução-excelente e duradoma para
nadas através de numerosos esboços e modelos. Só então é que o técnico está
um problema bem real. O seu motor teve êxito a retirar água das minas da Grã-
preparado para descrever, escrever sobre, ou construir um aparelho no
-Bretanha, da Europa e da América, e sobreviveu à introdução d:> motor de
mundo real. O processo de pensamento não verbal é fundamental para o tra-
Watt, continuan~o a ser utilizado até ao início do século XX.
balho dos engenheiros e dos técnicos, mas não é tão essencial para o trabalho
Apesar de desconhecermos a sequência exacta dos acontecioentos que
conduziram Newcomen à sua invenção, é possível identificarmo5 as altera- dos cientistas que estão mais aptos a manipular conceitos, expressões mate-
ções que fez e as inovações que introduziu ao iflcorporar o cilindro e o pistão máticas, ou entidades hipotéticas. A pré-história da máquina a vapor inclui a
de Papin na sua concepção do motor. Para começar, veja-se o arrefecimento compreensão conceptual do vácuo, uma actividade intelectual a que Papin
do cilindro quente cheio de vapor: Papin lançou água fria para o seu exterior, estava habituado. A criação do motor atmosférico exigiu um tipo diferente de

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1021 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLÓGICOS E INTELECTUAIS 1103

conhecimento e um modo diferente de pensar com que Newcomen estava «decepção causada pela aparência humilde só tinha sido parcialmente apagada
muito mais familiarizado. Sem o estudo científico do vácuo, não teria exis- pela constatação de que realmente falava". Para Maxwell, o instrumento de Bell
tido um motor atmosférico. Sem a capacidade do técnico de visualizar consistia em elementos conhecidos que podiam "ter sido reunidos por um
como funcionam as máquinas, como podem ser modificadas, e como runador". 6
máquinas novas podem ser desenhadas para fazer novas coisas, não teria A teoria das ondas electromagnéticas de Maxwell pode ter sido uma
havido motor atmosférico. grande realização intelectual, mas segundo alguns cientistas europeus não era
Um outro exemplo que esclarece a interacção entre tecnologia e ciência é totalmente convincente. Em 1887, vinte e três anos após o artigo de Maxwell
a comunicação via rádio. As comunicações via rádio dependeram, em última sobre o assunto ter sido publicado pela primeira vez, o físico alemão Heinrich
instância, da teoria do electromagnetismo desenvolvida por }ames Clerk Max- Hertz (1857-94) verificou experimentalmente a existência de ondas electra-
well (1831-79). Nos vinte e cinco anos entre 1854 e 1879, este físico escocês magnéticas. Para o fazer, concebeu um radiador (transmissor) de ondas e um
i
.,_,
reformulou em termos matemáticos a maior parte do que se sabia até à data detector (receptor), de forma a provar que as ondas viajavam, como fora afir-
sobre electricidade e magnetismo, incluindo as teorias de Michael Faraday mado. Utilizou equipamento eléctrico simples que se poderia encontrar nos
(1839-55), postulando a existência de campos magnéticos e eléctricos. Maxwell, mais bem apetrechados laboratórios da época, incluindo no de Maxwell. O
ao desenvolver as leis matemáticas do electromagnetismo, descobriu que as transmissor de Hertz era um indutor movido por uma bateria, ou anel de
suas equações precisavam de um termo novo para manter a consistência. Este faísca, semelhante ao anel da ignição de um automóvel moderno, com um
termo, exigido pela matemática, e não baseado numa evidência experimental, hiato de faisca ajustável e com duas placas planas de metal que funcionavam
foi por ele interpretado como uma corrente ou onda que fluía pelo espaço. como antena dipolar. O seu detector era uma espiral de arame interrompido
Essa corrente ou onda foi designada «corrente de deslocamento" e deu ori- por uma pequena fenda. A carga oscilante na fenda do transmissor criava
gem a uma mudança no campo magnético que, por seu turno, criava um ondas electromagnéticas que radiavam pelo espaço. Ao atingirem o detector
novo campo eléctrico. Deste modo, havia uma sequência de campos magnéti- faziam com que os electrões estacionários no arame se deslocassem e surgisse
cos e eléctricos em mudança, sucedendo um ao outro, e induzindo o outro. uma faísca na fenda da espiral.
Como tudo isto ocorria no espaço, os campos em movimento podiam ser A radiotelegrafia de centelha nasceu no laboratório de Hertz. Com ligeiras
interpretados como ondas electromagnéticas propagadas pelo espaço à veloci- modificações, o seu aparelho podia ser adaptado para enviar mensagens codi-
dade da luz. ficadas. Mas Hertz não estava interessado na tecnologia da comunicação, era
Até este ponto, Maxwell não tinha levado a cabo quaisquer experiências, um cientista a verificar uma parte crucial do trabalho teórico de Maxwell. As
embora a sua matemática assentasse e estivesse em concordância com fenó- descrições populares contemporâneas das experiências de Hertz menciona-
menos eléctricos e magnéticos conhecidos. Maxwell também não parecia vam as suas possíveis utilizações práticas, mas o cientista alemão não fez qual-
interessado em fazer qualquer esforço para verificar a existência e determinar quer alusão a esse aspecto da sua pesquisa.
a velocidade das suas ondas hipotéticas. O rigor com que tinha conduzido o Mais ou menos ao mesmo tempo que Hertz levava a cabo as suas experiên-
seu raciocínio matemático e a consonância entre as suas equações e o con- cias com ondas electromagnéticas, o físico inglês Sir Oliver Lodge (1851-1940)
junto de conhecimentos existente sobre o magnetismo e a electricidade con- dedicava-se a um trabalho semelhante. O trabalho subsequente de Lodge co~
venceram-no de que tal verificação não seria necessária. ondas hertzianas é importante porque representa os primeiros passos, ainda
Um homem com ousadia suficiente para prever a existência de uma enti- que indecisos, na direcção do desenvolvimento do telégrafo sem fios.
dade radicalmente nova, mas que não via necessidade de a confirmar, segura- Tanto Hertz como Lodge con.struiram aparelhos de transmissão e recep-
mente também não se preocuparia muito com as suas possibilidades tecnológi- ção para demonstrar certos princípios científicos, no entanto, Lodge sentia-se
cas e comerciais. Maxwell, o teórico, não dava importância à aplicação dos
princípios físicos. Em 1878, quando viu pela primeira vez o novo telefone de
.:r Alexander Graham Bell, Maxwell comentou desdenhosamente que a sua
6
James Clerk MaxweU, The sdemijic papers of /ames Clerk Maxwell, ed. W. O. Niven, vol. 2 (CambTidge,
1890), p. 742.
INOVAÇÃO(!): FACfORESPSICOLOGICOSEINTELECfUAIS j105
1041 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

mais intrigado por problemas tecnológicos do que o se:1 congénere alemão, e uma educação formal limitada, mas estudou informalmente com Augusto
estava disposto a tentar solucioná-los. O seu estudo das ondas eléctricas, por Righi, l.l."TI fisico da Universidade de Bolonha que fazia experiências com radia-
exemplo, surgiu da sua pesquisa para tentar melhorar os postes de iluminação ção hertziana de onda curta. Em 1894, aos vinte anos, Marconi, com a ajuda de
que, durante as trovoadas, ofereciam uma protecção inadequada. Mas, apesar Righi, construiu um aparelho para transmissão de ondas electromagnéticas e,
dos seus interesses práticos e do seu conhecimento superior da radiação elec- em 189=, tinha atingido uma distância de sinalização de 1,5 milhas. Estas tenta-
tromagnética, Lodge não se converteu cedo à ideia da telegrafia sem fios. tivas iniciais são características dos esforços mais tardios de Marconi. Em pri-
Em 1892, um outro físico inglês, Sir William Crookes, escreveu um artigo meiro bgar, a sua abordagem era altamente empírica. Dificilmente poderia ter
numa revista de popularização louvando os encantos das ondas recentemente sido de outro modo, porque o seu conhecimento de física era de longe inferior
descobertas por Hertz. Profetizou que, no futuro, as ondas hertzianas pode- ao de lEl1 Hertz, de um Lodge ou de um Righi. Segundo, estava obcecado em
riam controlar o tempo, produzir melhores colheitas e iluminar as casas sem alargar o alcance físico do seu aparelho. Centrou-se em enviar o sinal a distân-
a necessidade de fios de transmissão, e que, no presente~ poderiam ser utiliza- cias cada vez maiores, e ficou convencido de que era possível criar um sistema
das para criar um sistema telegráfico que não necessitasse de fios, postes, cabos de comunicação por rádio que fosse comercialmente viável.
e outros componentes de custo elevado. O historiador Hugh G. J. Aitken acre- Em 1896, Marconi mudou-se para Inglaterra com intenção de explorar
dita que 1892 marcou uma linha divisória no desenvolvimento da comunica- comercialmente as ondas hertzianas. Fê-lo imediatamente e de forma dramá-
ção via rádio. Anteriormente, as experiências com ondas electromagnéticas tica, pedindo e recebendo uma patente para um "método de transmitir sinais
tinham sido realizadas para validar a teoria de MaxwelL Contudo, depois de por meio de impulsos eléctricos".7 Esta patente, a primeira emitida em qual-
1892, os experimentalistas mudaram para sistemas de sbalização, aperfeiçoa- quer parte do mundo para a radiotelegrafia, incluía praticamente toda a apli-
mento e invenção de instrumentos e desenvolvimentos comerciais que exi- cação tecnológica dos trabalhos de Max:wdl e Hertz. Marconi incluiu na
giam pedidos de patente, não artigos científicos. patente pouco que fosse novo, ou original, mas foi o primeiro a reclamar os
Em 1894, Lodge fez uma demonstração dos seus instrumentos de trans- métodos, o equipamento e os circuitos existentes como propriedade. Segundo
.:: missão no encontro anual da British Association for :the Advancement of a lei britânica isto era tudo o que era necessário para justificar o seu direito a
Science. Enviou sinais, em código Morse, a uma distância de 180 pés, e discu- uma patente abrangente que cobria a sinalização electromagnética. Só depois
tiu a possibilidade da radiotelegrafia. Nesse momento, Lodge possuía a lide- de Man:oni ter tomado esta iniciativa é que Lodge, já demasiado tarde, procu-
rança do conhecimento científico e tecnológico da época sobre transmissão rou a protecção de uma patente para o seu trabalho ( 1897).
sem fios. Além do mais, estava a trabalhar num aspecto que teria uma enorme A concepção da antena era a única área da patente em que Marconi podia
influência no futuro - a sintonização selectiva. Esta inovação confinaria os legitimamente afirmar ter feito uma contribuição original. O seu interesse ini-
remetentes de comunicações de rádio a estreitas frequências de operação, que cial peh sinalização à distância, levara-o a fazer experiências com diferentes
limitariam ou eliminariam os sinais de interferência. Em 1897, Lodge, de antenas. especialmente com as da variedade de chão planas ou verticais. Mar-
forma algo relutante, solicitou patentes que protegessem o seU trabalho mais corri não inventou este tipo de antenas, embora tivesse sido o primeiro a
antigo, e assinou um acordo com uma firma para a construção do equipa- incorporá-lo num sistema de transmissão. As suas experiências com antenas
mento de rádio que tinha desenhado. Contudo, depois de tudo isto, manteve- foram :ealizadas por um método de tentativa e erro. Hoje em dia, o desenho
~i ! se o físico que realmente era. Preocupado com a restrição do conhecimento das antfnas continua a ser um pouco wna arte, mas na viragem do século XIX
r
pelas patentes, e intrigado pelas novas áreas da física que se abriam no final para o século XX tinha um fundamento científico mínimo, e Marconi estava a
do século, Lodge nUnca se tornou o promotor por detrás de uma operação ir para além das fronteiras científicas contemporâneas, apressando-se em
sem fios comercialmente viável. Tinha bases científicas e tecnológicas mais do direcção ao seu objectivo de criar 'um sistema de comunicação por rádio que
que suficientes para o fazer, mas faltava-lhe a ambição, o gosto pelos negócios fosse comercial e rentável. Não se podia dar ao luxo de esperar por justificações
e a presença pública que tal empresa exigida. teóricas de uma configuração particular de antena.
Nenhuma das qualidades acima mencionadas faltava a Guglielmo Marconi
(1874-1937). Filho de pai italiano abastado e de mãe irlandesa, Marconi tinha 7 Hugh G. 1. Aitken, Syntony and spark- the origins of radio (Nova Iorque, 1976), pp. 204-5.
106] A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (I): FACTORES PSICOLóGICOS E INTELECTUAIS 1107

Com a ajuda de familiares britânicos abastados, Marconi criou a Wireless Faraday, Maxwell e Hertz, mas concluiu que apenas Marconi mostrara a
Telegraph and Signal Company em 1897, uma acção que, mais uma vez, 0 "capacidade de transformar tudo isso num sistema prático e utilizável".8
distinguiu dos cientistas que realizavam pesquisa sobre as ondas electromag- Os casos do motor atmosférico a vapor e do sistema de comunicação por
néticas. O pessoal e os fundos da companhia eram bons, mas como era um rádio são, por si sós, insuficientes para criar um conjunto de regras gerais
negócio pioneiro, havia alguma confusão sobre quais os mercados que servi- sobre as relações entre ciência e tecnologia. Devem, contudo, servir de aviso
I,, ria. Este assunto foi resolvido por Marconi, o empresário, o homem que que- contra a aceitação de explicações demasiado simplificadas que atribuem ao
I
' ria definir, procurar e criar novos mercados. Inicialmente, a firma de Marconi cientista toda a criatividade e deixam ao técnico o papel de implementar o
fabricou equipamento de rádio para venda a outras empresas que deviam conhecimento que lhe é passado de cima. As realizações intelectuais de New-
montar, fazer funcionar e manter o seu próprio sistema. Os seus primeiros comen e Marconi foram tão impressionantes como as de Papin e Hertz.
clientes foram o exército e a marinha britânicos, que tinham meios para trei- Os dois casos também revelam o importante papel desempenhado pelos
'' nar pessoal para este fim. Mas em 1900, porque se tornou óbvio que a grande intermediários na transmissão de informação. Papin estava próximo dos cien-
indústria marítima podia utilizar o rádio para fazer comunicações entre 0 tistas que faziam pesquisa em pneumática, apesar disso os seus interesses mais
navio e a terra, a companhia estabeleceu uma sucursal para servir este novo vastos incluíam, pelo menos, a possibilidade da aplicação tecnológica dessa
mercado. Treinava operadores de rádio que trabalhavam em instalações da pesquisa. Por isso, Papin era mais acessível a Newcomen do que seria Torri-
Marconi a bordo de navios e em estações costeiras. Assim, a Wireless Tele- celli. No caso do rádio, um papel semelhante foi assumido por Hertz, que
graph and Signal Company passou a uma empresa de prestação de serviços de transformou a teoria de Maxwell numa demonstração de laboratório, e
transmissão de rádio, e não de equipamento. Lodge, que pegou na demonstração de laboratório e a aproximou da tecnolo-
Os movimentos comerciais levantaram novos desafios tecnológicos a gia e do negócio da telegrafia sem fios. Foi deixado a Marconi completar o
Marconi e ao pessoal técnico que contratara para aumentar o alcance e efi- processo, incorporando todo o conhecimento passado com a sua compreen-
cácia dos sinais de rádio. Em 1900, a distância de sinalização estava limitada são considerável de ciência e tecnologia de sinalização de rádio. Em cada está-
dio da troca, houve um fluxo de informação bidireccional entre as comunida-
a 150 milhas, mas em menos de um ano, Marconi estava a tentar enviar men-
des científica e tecnológica, cada uma tinha algo de importante a aprender
sagens para o outro lado do Oceano Atlântico. Conseguiu-o, utilizando ante-
com a outra. Como resultado, tanto a tecnologia como a ciência sofreram
nas muito grandes e uma energia muito elevada, com o seu transmissor de
alterações com a invenção.
fagulha de fenda. Ao enviar sinais através de distâncias em que a curvatura da
O motor a vapor e o sistema de comunicação por rádio são invenções
Terra assuf!lia um papel crítico,.Marconi estava, de novo, a trabalhar à frente
pós-renascentistas. Isso é compreensível uma vez que a ciência moderna,
da ciência. À medida que a rede sem fios cresceu em tamanho, e passara~ a
que ajudou a tornar possíveis estas inovações, foi um produto da cultura
ser utilizados mais transmissores e receptores, surgiu a necessidade de sinto-
europeia dos séculos XVI e XVII. Antes do Renascimento, e durante vários
nização selectiva, e Marconi foi, finalmente, forçado a lida/ com o problema
séculos depois, os avanços tecnológicos foram alcançados sem a ajuda do
que Lodge tinha estudado durante a década de 90 do século XIX.
conhecimen~o científico. A situação mudou no final do século XIX com a
Durante os primeiros tempos da companhia Marconi, a tecnologia andou criação das indústrias química e eléctrica de base científica. Contudo, isto
à frente da ciência, e muitas vezes sem a sua ajuda. Marconi não estava a apli- não significa que o crescimento tecnológico e industrial do século XX est~ja
car conhecimento científico à solução de problemas técnicos, estava a forne- totalmente dependente da investigação científica. Há características funda-
cer soluções técnicas para problemas ainda não compreendidos pela comuni- mentais do moderno mundo material que são, em primeiro lugar, moldadas
dade científica. É simultaneamente irónico e justo que, em 1909, Marconi pela tecnologia.
tenha recebido o Prémio Nobel da Física. Partilhou-o com o físico alemão
Ferdinand Braun, que desenhara um circuito de antena sem faísca que
aumentou substancialmente o alcance da transmissão. Ao explicar as bases
da atribuição, o comité Nobel reconheceu o brilhante trabalho teórico de 1 Friedrich Kurylo e Charles Susskind, Ferdinand Braun (Cambridge, Mass .. 1981), p. 226.
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INOVAÇAO (2): FACTORES SOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS 1109

4. Inovação (2): factores socioeconómicos


e culturais

Neste capítulo, um conjunto completamente diferente de explicações para


a inovação tecnológica será ilustrado com exemplos da economia, da antro-
pologia e da história. Deste conjunto destacam-se as explicações baseadas na
socioeoonomia por serem as mais conhecidas e desenvolvidas. A sua popula-
ridade e avanço deriva da sua ligação com a teoria económica e com a inter-
pretação marxista da mudança histórica. Apesar das sofisticadas teorias e dos
dados empíricos que podem ser reunidos para apoiar as explicações socioeco-
nómicas, as suas desvantagens tomam-se óbvias quando são analisadas de
uma forma critica. Assim sendo, no fmal do capítulo voltamo-nos para uma
interpretação da inovação tecnológica com bases amplas e que dá relevo às
atitudes e valores culturais.

Fazer coisas à mão

«Toda a imitação implica um certo grau de discrepância", afirma o antro-


pólogo social, H. G. Barnett. 1 Independentemente da dedicação de o copista
duplicar fielmente o original, a cópia difere sempre do seu modelo. Isto
aplica-se mesmo quando o copista e o produtor original são uma só pessoa: o
eytado de espírito, as ferramentas e as condições de trabalho são ligeiramente
diferentes, o que torna impossível uma reprodução exacta. Quando há mais
pessoas envolvidas no processo de cópia, os desvios relativamente ao original
são ainda mais acentuados.
A impossibilidade da imitação sem discrepância também se aplica no caso
de artefactos produzidos em massa. As variações fortuitas são muito peque-
nas, mas existem, apesar do controlo rígido da indústria moderna. Num
exame mais cuidado, as latas de bebidas, supostamente idênticas, são distin-
guíveis pelas marcas arbitrárias que resultam do processo de fabrico: um aca-
bamento mais ou menos grosseiro das anilhas de abertura, variações das letras
gravadas ou em relevo na parte superior das latas, uma cabeça deformada do
rebite que liga a anilha de abertura à parte superior da lata, diferenças de

1H. G. Ear;Jett, Imwvation: rhe basis of cultural change (Nova Iorque, 1953), p. 49.
110 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA !NOVAÇÁO (2); FACTORES SOCIOECONÔMICOS E CULTURAIS j111

espessura da tinta do rótulo litografado, especialmente na zona de sobreposi- O estudo dos oleiros de Pueblo, levado a cabo por Ruth L. Bunzel (ila
ção das extremidades, e desvios na cor e letras do rótulo. As variações aleató- década de_ 20), e o estudo dos oleiros mexicanos da vila de Tonalá, conduzido
rias nos objectos produzidos em massa reforçam a ideia de que a variabilidade por May N. Diaz (na década de 60), dão ênfase à visão conservadora que
é a regra absoluta do mundo construído. domina a forma e a decoração. Diaz descobriu que ao premiar a cópia e a imita-
Não é provável que as variações menores que se encontram tanto nos objec- ção, os oleiros resistiam aos esforços de um museu de cerâmica local no sentido
tos manufacturados como nos produzidos industrialmente se acumulem a de encorajar a invenção de novo desenhos. No entanto, havia um número res-
ponto de conduzirem a uma inovação importante; contudo, a intervenção trito de oleiros de Tonalá que eram altamente conceituados como inovadores.
humana pode levar a que as variações resultem num novo artefacto. É possível De modo semelhante, Bunzel menciona os oleiros Julian e Maria Martinez de
que algo deste gênero tenha ocorrido na longa e lenta evolução da tecnologia San Ildefonso, Novo México, que introduzii-am processos técnicos, formas e
lítica. A variação aleatória que houve na produção de utensllios de pedra pode desenhos novos. O estilo inovador do casal tomou-se tão popular que substi-
ter estimulado ideias de novas formas e funções que foram mais tarde explora- tuiu os antigos artigos manufacturados e a sua ornamentação.
das. Este processo pode explicar, parcialmente, a mudança de instrumentos mul- O sociólogo George C. Homans formulou uma teoria socioeconómica que
tifuncionais para ferramentas manuais especializadas. prevê o tipo de artesãos com mais probabilidades de se tornarem inovadores.
Algumas das variações que surgem durante o fabrico de rotina de objectos Homans pressupôs que a arte é um modo de vida e que, em consequência
são controladas pelo fabricante. Ocasionalmente, um indivíduo faz uma tenta- disso, há uma combinação de factores sociais e económicos para retardar ou
tiva deliberada de ser diferente, de quebrar o padrão, de inovar. Estas inovações acelerar uma tendência de criatividade existente. Para facilitar a análise, o
na rotina estudam-se melhor nas artes manuais do que na produção industrial sociólogo dividiu os artesãos em três escalões: elevado, médio e l;>aixo. O esca-
porque a inovação e a implementação são em geral levadas a cabo por um único lão médio é o que tem menos probabilidades de introduzir inovações. Os
indivíduo ou, na melhor das hipóteses, por um pequeno grupo de pessoas. artesãos que se encontram na base da hierarquia não têm muito a perder com
Os antropólogos que estudaram o fabrico de cestos e cerâmica por homens o fabrico de artefactos novos, podem apenas esperar que ajudem nas ven~as e
e mulheres especializados ajudaram a clarificar a natureza da inovação na rotina os tornem notados. Se não forem bem sucedidos não podem descer de esca-
e a sua aceitação nas sociedades tradicionais. Por exemplo, a arte da cestaria lão. Os trabalhadores que estão no· escalão mais elevado inovam para
atingiu um grau muito elevado de perfeição entre os índios Yurok-Karok do demorlstrar os seus dotes superiores e manter a posição d~Jiderança. Têm
Noroeste da Califórnia. Lila M. O'Neale, que a partir de 1930, observou as tempo, autoridade, experiência e liberdade para fazer experiências. Entre estas
mulheres Yurok-Karok a entrançar cestos descobriu que quase todas elas duas classes inovadoras, os elementos que pertencem ao escalão intermédio
sabiam avaliar o que era um bom ou um mau cesto. Não se limitavam a fabri- assumem uma posição conservadora. Têm mais a perder do que os que se
car cestos, mas pensavam também neles como objectos com carácter utilitário e encontram abaixo de si e não sentem a pressão dos seus superiores para apre-
estético. Dado que o material se encontrava condicionado pela matéria-prima sentar resultados. Temendo que a inovação ponha em causa a sua posição,
tradicionalmente utilizada (galhos, raízes e ervas) e a forma condicionada pela defendem o status quo das práticas artesanais.
natureza utilitária dos recipientes, os entrelaçados que produzissem efeitos Esta teoria foi corroborada por estudos levados a cabo na África e na
decorativos ofereciam a mais clara oportunidade para a inovação. O'Neale não América Latina. Entre os Ashanti, no que é actualmente o Gana, na África
teve dificuldades em encontrar mulheres inovadoras que criavam novos estilos Ocidental, os gravadores de madeira situados no escalão médio não inovam.
e temas de ornamentação. Estas mulheres eram admiradas pela sua faculdade Em lugar de perder tempo e recursos com novos empreendimentos, o grava-
de invenção e os seus desenhos eram incorporados nos cestos fabricados pelas dor médio dedica-se a fazer réplicas de peças tradicionais conhecidas, para as
outras trabalhadoras, mas todos tinham consciência de que esta inovação cons- quais existe já um mercado. A inovação a cargo dos escalões elevado e baixo
tituía somente uma moda passageira. A longo prazo, as inovações seriam esque- assume duas formas radicalmente diferentes. Os gravadores do escalão baixo,
cidas, prevaleceriam os padrões mais antigos e a cestaria Yurok-Karok seguiria com pouca técnica e uma posição marginal no mercado, tomam novos cami-
as linhas tradicionais. nhos através da imitação dos estilos de outras tribos africanas ou da produção
1121 A EVOLUÇÃO DA TECNOWGIA
INOVAÇÃO (2): FACTORES SOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS jll3

de objectos de enfeite que alimentam a noção ocidental de «primitivismo"


práticas de trabalho em madeira. As suas juntas de ferro fundido_ foram
africano e que não se baseiam, de todo, na arte indígena. Os mestres gravado-
malhetaCas cuidadosamente como se tivessem sido buriladas em madeira, ~ as
res, no topo da sua arte, inovam dentro dos limites da arte tribal Ashanti. Ao
suas secções foram unidas por chaves de ferro e parafusos: em vez ~e rebttes
fazê-lo, ganham o respeito dos conhecedores e são considerados fundadores
de novos caminhos estéticos. ou porcas e parafusos. Menos de um década depois, fm constrmda outra
ponte de ferro, próximo de Sunderland, Inglaterra. Nesta estrutura, fora~
Os estudos na América Latina exemplificam o que acontece quando se
reun~das caixas de ferro fundido, mais ou menos da forma e tamanho de blo
remove os riscos económiccis da inovação. Em alguns contextos, os investiga-
dores encontraram olarias em que os gerentes pagam salários aos oleiros e cos de alvenaria, como se fossem peças de pedra talhad_a.
assumem todos os riscos financeiros. Nestas condições, os oleiros tradicionais A fra::mência com que novos materiais são mampulados e t~abalhados
"mit~ndo -os antigos que vêm substituir levou os arqueólogos a cnarem uma
~ala:"Ta skeno~orfo
do Iucatão, no México, produzem com regularidade peças inovadoras a
pedido dos donos de lojas de recordações que os empregam. De modo seme- para designar este fenómeno: skenomorfismo. Um é um
lhante, os oleiros peruanos foram libertos de todas as consequências econó- elemento de des"énho ou de estrutura com pouca ou nenhuma.utihdade.para
micas da inovação numa escola de artesanato patrocinada pelo governo. A o artefacto fabricado no novo material, mas que era essenCial no obJect_o
sua resposta foi a criação de novas técnicas 4-e trabalhar o barro. Caso estives- . d com o material original. A arquitectura apresenta alguns dos mats
fab n:::a o . . . s
sem entregues aos rigores do mercado, nenhum destes grupos de oleiros se conheciêos exemplos de skenomorfismo. Quando os Gregos mtctaram a_ con -
teria atrevido a tão ousadas experiê~cias de inovação, excepto se pertences- trução em pedra repetiram muitas das características da construçao em
sem aos escalões elevado ou baixo. madeira. As colunas de suporte de madeira foram transformadas em col~nas
A teoria de Homans trata das condicionantes socioeconómicas da inova- de pedra, as juntas de respiga e mecha foram reproduzidas em alvenan_a, a
ção mas não das sua origens, e não cobre o comportamento inovador nos amentação em madeira gravada foi continuada na pedra, e as extremtda-
casos em que não funcionam as forças de mercado, tal como a produção para ~:: das vigas de madeira do telhado tornaram-se no comum dentículo orna-
consumo doméstico imediato ~u para satisfação pessoal. Nas sociedades tra- mental grego - filas de cubos de pedra colocados a intervalos regulares na
dicionais é bastante provável que a educação artesanal e os valores culturais se cornija de um edifício de pedra. .
conjuguem contra a mudança, independentemente do objectivo do produtor. A olaria é uma arte onde o skenomorfismo se nota partlcularmen~e
Vamos supor que se dava aos oleiros, cestéiros e gravadores de madeira .
(fitgura 4 . I . ). Os desenhos pmtados ou gravad os à volta dos potes de barro sao
tradicionais um material completamente novo para trabalharem. Será que
. u· d d
muitas vezes os últimos vestígios das estruturas de cestana ut J.Za as a~~an o
estes artesãos respondiam com a criação de novos artefactos? Provavelmente do desenvolvimento inicial da olaria para sustentar as paredes, ~o rectptente~
não. Tem-se exagerado muito a introdução de novas matérias como factor antes de este ir ao forno. Noutros casos, as decorações são vestlgws de cord~
promotor de inovação. Pelo contrário, com a mudança de material, é prová- ou amarras que eram atadas em redor dos recipientes para estes serem mats
vel que os trabalhadores dedicassem mais tempo a adaptar o novo material à
facilmente transportados. . .
antiga forma. Foi isso que ocorreu quando pela primeira vez o metal se
O skenomorfismo não é um fenómen.o do passado nem se encontr_a limi-
encontrou disponível para o fabrico de ferramentas manuais. As formas e os
tado às artes tradicionais. Está hoje presente em vários artigos qu~ sao ~ela
tipos de ferramenta que tinham evoluído na pedra foram transferidos para o
. eira vez fabricados em.-plástico. Ao plástico, que pode assumir pratlc~­
cobre e o bronze. Durante muito tempo, as novas ferramentas de metal tra-
ziam a marca dos seus protótipos de pedra. :::e qualquer forma ou-cor, é geralmente atribuída uma _forma ditada pelo
feitio convencional do artefacto. Os primeiros baldes de pla~tlc~ obtiveram o
Cada nova utilização do metal recapitulou o processo acabado de descre-
seu padrão dos seus antecessores de aço galvaruza · d 0 · Os pnmerros cestos de
ver. A primeira ponte totalmente coilstruida em ferro foi erigida sobre o rio
Plástico surgiram com formas originalmente determinadas pelas canas e las-
Severn em Coalbrookdale, Inglaterra, nos finais da década de setenta do
cas de madeira de que os cestos mais antigos eram t· ei~os. S'
o a lgum tempo
. -
século XVIII. Apesar de ser um símbolo das novas utilizações do ferro, esta
mais tarde é que os baldes e os cestos de plástico assumtram formas relativa
ponte famosa foi construída tendo como modelo, e em consonância com, as
mente bdependentes da influência dos materiais de folha de metal e plantas.
1141 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃO (2); FACTORES SOCIOECONOMICOS E CULTURAIS 1115

em que o aprendiz se depara com uma grande quantidade de conhecimento


teórico, está rodeado de artefactos extremamente complexos e é encorajado a
ver-se como um inovador. Alexander conclui que o resultado é um mundo
repleto de uma espantosa diversidade de artefactos, muitos deles pouco ade-
quados à tarefa que é suposto cumprirem.
A tese de Alexander, que deve muito às ideias do antropólogo e general
Augustus Henry Pitt-Rivers acerca da tecnologia primitiva, é muito apelativa
mas não se encontra muito bem fundamentada por provas históricas. Os
exemplos geralmente invocados- para provar que nas sociedades tradicionais
a mudança é lenta e pequena, que a inovação é suprimida e que os seus arte-
factos são superiores do ponto de vista funcional- foram reunidos por obser-
vadores num curto período de tempo. Carecemos de uma história extensa da
tecnologia nas sociedades primitivas. Talvez se a tivéssemos, encontrássemos
Figul'a 4 -1. Skenomarfismo nas estruturas e nos de .
República do Congo) Os potes a e c têm t d' . sc~hos da cerâmtca do Congo Belga (hoje contra-exemplos que documentassem inovações em grande escala nas artes
b e d foram fabricado.s com pegas de cer;~i~: ~~~~~ats pegas de transporte em corda. Os potes
de corda. As pegas de cerâmica são ske das na forma e no desenho dos protótipos
dos povos primitivos.
(Cambridge, 1933), p. 90. · nomorfos. Fonte; R. U. Sayce, Prirnitive arts rmd crafts Foi exactamente isto que se descobriu no desenvolvimento da tecnologia
no Próximo Oriente durante os últimos cinco mil anos da era Pré-Histórica
Os skenomorfos, as inovações na rotina e as va.riações ao acaso ilustram o (c. 8000 a 3000 a. C.). Em~ora não se possam comparar às culturas pré-histó-
aspecto conservador das artes manuais. Segundo o teórico de design Christo ricas com as culturas primitivas actuais, as suas tecnologias partilham algu-
pher Alexander, a resistência à mudança é a essência das artes t d' . . - mas características comuns: uso extensivo de ferramentas manuais, utilização
f< d ra Ictonats e a
onte a sua força. Alexander identifica duas principais abordagens no pro- limitada de máquinas, circunscrito às mais simples, dependência da energia
cessodecon - fb· d
. d ~e~ç~o e a nco e novos artefactos. A primeira, associada às humana e animal e ausência de base científica. Tendo em conta estas limita-
socte ades pnmtttvas e aos objectos feitos à mão - - ções, que se pode alcançar em termos de inovação tecnológica? Parece que se
· , . • e um processo nao autocons-
aendte. A pencta das artes é transmitida por trabalhadores experientes através pode fazer muito. É possível defender que durante a parte final da Pré-Histó-
d a emonstração e por d' .
t . apren lZes que captam por tentativa e erro os artefac- ria se alcançou pelo menos tanto como nos últimos cinco mil anos de história
os eXIste~tes. Dado que o conhecimento dessas artes não está resumido num documentada.
texto esc~to nem existe numa forma oral extensa, não existem teorias gerais O período final da Pré-História testemunhou o alargamento do repertório
~ara es_tu ar. Aprende-se pela prática e o que se aprende a fazer é o ue tem de materiais à disposição dos artesãos. Aos materiais mais antigos, como a
tdo fetto n_as ~r~es desde há muitos anos, talvez séculos. Nestas artesqnão há pedra, a madeira e o osso, foram adicionados cobre, bronze. ouro, prata, lata,
. u~~r.dpar~ ldndtVIdu~s qu~ pretendam destacar-se através de demonstrações tijolo e olaria. Estas adiç.ões exigiram uma modificação extensa das substân-
In lVl uats e capacidade mventiva.
cias naturais (minérios e barros) antes de estarem prontas a utilizar. Também
Os artefactos tradicionais fabricados deste modo têm sofrido mui
foi necessário criar novas técnicas para as trabalhar, como a fundição do
pequenos melhoramentos a 1 · d tos
- o ongo os anos e são, por isso, admiravelmente metal e a moldagem e cozedura do barro. Por seu turno, estas inovações
adequad os à sua fimçao Os · ..
D • povos pnmthvos podem ter menos variedade de desencadearam a invenção de toda uma parafernália de ferramentas necessá-
erramentas - uma canoa um m h d
. . - . , ac a o, um pote de barro- mas as que estã rias à transformação dos materiais em bens para a comunidade.
dtspon~vets sao mmto boas, dado o nível de cultura material. o
A energia e o transporte também sofreram um avanço considerável du.rante
A situação nas sociedades modernas é diferent A'
d b e. 1 encontramos a este.período. A domesticação de animais e a invenção de vários tipos de arreios
segun a a ordagem ao processo de concepção - um processo autoconsdente
tornaram possível utilizar com eficácia a energia animal na agricultura, no
116 I A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA INOVAÇAO (2}: FACTORES SOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS 1117

transporte e no processamento de alimentos. As inovações no transporte por .


uxilio de máquinas a vapor, caminhos- d e-Lerro,
c t elegrafia eléctrica. e
com o a .a! . h . é ulo consegmdo
terra começaram com a invenção de trenós para arrastar pesadas c«rgas e tive- máquinas de todos os tipos, a classe industrr tm a num s c . .d
ram o seu apogeu com a criação de veículos com rodas e de estradas para eles ultrapassar as realizações de todas as civilizações do p~ssado. ~s puâmt es
. , . - se eqw.paravam aos
circularem. Entretanto, nos rios e ribeiros surgiram as primeiras jangadas, eo<pcias os aquedutos romanos e as cated rats gotlcas na0 .
t>· ' • • • um êXIto
depois canoas e, finalmente, barcos. monumentos da industrialização moderna. Os capttahstas tiveram . , .
O número de inovações relacionadas ccim a agricultura e a vida don:éstica espectacular porque eram membros da primeira classe dirigente dad hisd tod~taâa
.
rejeitar uma sociedade estática e a tdentl "ficar-se com um a. sacie a e Marx m -
é esmagador. A introdução da agricultura aumentou e estabilizou a produção
de alimentos, ajudou a criação de maiores povoações, encorajou o desenYolvi- mica conduzida por uma infindável mudança tecnológrca. Como -
mento de si~temas de irrigação e levou à invenção do arado e de utensílios ' M mifiesto Comunista: "Um constante revolucionar da produçao,
escreveu no a . . · findável
relacionados com o cultivo, ceifa e armazenamento das colheitas. A forma da uma ininterrupta perturbação de todas as condições socmrs. e uu-:: m
vida quotidiana do século XX deve muito a estes agricultores primitivos, que incerteza e agitação distinguiram a época burguesa das antenores.
foram os primeiros a viver em habitações fixas equipadas com utensílios de A frenética procura capitalista da mudança constituiu um esforço para
cozinha, têxteis, cestos, colchões e mobiliário, e os primeiros a fazer m2qui- aumentar os lucros, alargar os mercados para os pro d u t os m anufacturados &: b .
e
lhagem, perfumes, sabões e tintas. manter um controlo sobre homens e mulheres que tra a avam b Ih nas úi ncas.
fi
Esta última razão foi de especial importância. . No Capzta. l (1867)
. , Marx a830 r-
A última coisa no catálogo das realizações do final da Pré-Históric: é· a
escrita. Esta invenção, que combinou perícia manual com o intelecto de um . ·
mou: "Seria possível escrever uma h 1st6 na as mv d · enções fertas desde 1 d
· 1 de armas contra as revoltas a
modo único na história humana, também exigiu a criação de novo~ instru- Co m o único oh). ectivo de fornecer um captta . d
»3 Marx tinha em mente inovações tecno16giCas
· delibera a-
mentos: tábuas de b~rro e estiletes. A escrita marca o encerramento de um cIasse operana.
i •

· alcitrantes
período produtivo e fértil. As invenções deste período são significativas por mente concebidas para frustrar os intentos dos trabalhadores rec. . d
ve O apelo de Marx a uma história do impacto do conflito m us-
duas razões: primeiro, prepararam o terreno para o subsequente crescimento ou em gre · d leto do
rápido das culturas e civilizações materiais do Ocidente; e segundo, são uma t "a] na mudança tecnológica ainda não resultou num estu o comp .
n
o entanto um primeiro passo foi dado por ·
Tme Br u1 an d qu e relaciO-
prova de que podem ocorrer inovações em grande escala em quadros tecnoló- tema n
'
nou três '
invenções-chave da indústria têxtil britâmca "d"IX!Xcom
o secu o
gicos que, pelos padrões modernos, consideraríamos inferiores ou primitivos.
Problemas laborais crónicos. . mec â m·ca, automa
't"
tca
A primeira destas invenções-chave é a fiadetra -
Incentivos econômicos -
(1824). Esta máquina fiava fio de algo d ao sem o a uxí.l"o1
de operanos, excepto
.d ara olear e .manter fi a
dos poucos necessários para reparar os fi os parti os e P .
O aparecimento da inovação tecnológica nas economias relativamente sin- . . , . -
Anteriormente as fiadeiras mecamcas nao-automa tcas 't" exJ.gtam - a-
pJes das sociedades tradicionais tem muito menos interesse para os economis- maquma. ' . d Os fiadetros
deiros trabalhadores especializados e mmto bem remunera os. -
tas e historiadores económicos do que as suas manifestações no mundo indus- const;tuíam 10% da força de trabalho de uma fábrica de algodao e, no
trial moderno. Existe um conjunto crescente de literatura económica, tant-o . . ao seu fu nctonam
entanto, eram absolutamente essenctats · ento . Usavam
. - a sua·
teórica como empírica, que trata da invenção desde os finais do século XVIII. . d" .
. _ ru . a1 para exigir poderes quast- trecttvos, I d"tar as condtçoes .
de tra-
Os pontos de vista em confronto nesta literatma ajudaram a promover uma postçao c Cl d ai d- ressentmdo-se
balho e obter awnentos de salário. Os produtores e go ao, . d d
compreensão mais ampla das climensões económicas do processo inventivo. .
do controlo que os .fiadeuos . h am na prod Uy•ão , procuraram a aJU a e
tm
Apesar de K_arl Marx não ter sido 9 primeiro a propor uma explicação
econômica da.rpudança tecnológica, a sua obra contém uma das mais conhe- ed Saul K. Padover, vol. 1 (Nova
>. Karl Marx, «Manifesto ofthe Communist Party», in On revolution, .
cidas discussões do tema. Marx reconheceu prontamente os grandes feitos
[orque, 1972), P· 83. 967) 436
tecnológicos do capitalismo industrial. Afirmou que ao subjugar a natureza l Kar!Marx, Capital, vol.l. trad. Samue!Moore e Edward Aveling(Nova Iorque, I • P· .
118j A EVOLUÇAO DA TECNOLOGfA
INOVAÇi\0 (2); FACfORES SOCIOECONÔM!COS E CULTURAIS jll9

inventores para a criação da fiadeira mecânica automática. Richard Roberts invenção. Foi afirmado que os períodos de actividade económica acrescida são
foi o primeiro que com êxito criou uma máquina e fê-lo a seguir a uma greve invariavelmente tempos de actividade inventiva ac.tescida. Nesses períodos
de três meses que encerrou as fábricas em Hyde, Inglaterra. Apesar de a fia- estão disponíveis lucros excedentários que podem ser gastos em inovações tec-
deira mecânica não ter resultado no despedimento imediato dos fiadeiros em nológicas até à data consideradas um risco financeiro. Uma escola de pensa-
toda a indústria, a sua existência diminuiu a independência destes trabalha- mento antagónica afirma que durante os períodos mais fracos, quando a eco-
dores, reduziu os seus salários e limitou a sua propensão para a greve. nomia se encontra em crise, os inventores procuram os melhoramentos tecno-
A segunda invenção têxtil que Tine Bruland relacionou com problemas lógicos que possam alterar de forma positiva a situação. Se não conseguimos
laborais, a máquina de estampagem de cilindro, revolucionou a estampagem encontrar provas de actividade inventiva acrescida durante os períodos de
de tecidos de algodão. Tradicionalmente, os estampadores utilizavam blocos depressão económica é porque as inovações então concebidas não são explora-
de madeira gravada com cinco por dez polegadas para estampar desenhos nos das enquanto não há um melhoramento das condições económicas. Há várias
tec~dos de al~odão. O ritmo de produção era lento. Estampar uma peça de tentativas de relacionar a actividade inventiva acrescida com mudanças de
teCido com vmte e oito jardas de comprimento exigia aplicar manualmente 0 longa duração nos ciclos comerciais ou com a história dos preços em geral.
bloco com tinta quatrocentas e quarenta e oito vezes. Estes estampadores Um economista defendeu que qualquer alteração nos preços funciona como
especializados eram membros de um sindicato antigo e bem organizado. um duplo estímulo à invenção, criando dificuldades de custo num campo e
Após uma série de greves de estampadorcs, nos finais do século XVIII, foi oportunidades de lucro noutro. O inventor, ciente desta situação, modela a
introduzida a estampagem têxtil mecânica. O bloco manual foi substituído sua inovação para tirar partido das limitações e benefícios existentes.
por um rolo de metal cilíndrico em que es~ava gravado o desenho. O tecido A recente tomada de consciência da escassez iminente de matéria-prima
introduzido no rolo coberto de tinta era estampado de forma rápida e rigo- crucial para a indústria chamou a atenção para os modos como se tinha
rosa: Os estampadores do bloco manual perderam depressa 0 seu poder à lidado com essa escassez no passado. Uma das respostas das sociedades
medida que cada vez mais industriais adaptaram a máquina.
modernas, tecnologicamente versáteis, à escassez é a inovação tecnológica. O
A mecanização da cardação da lã é a terceira das invenções têxteis associa- historiador econômico Nathan Rosenberg enumerou várias das opções dispo-
das ao conflito laboral. Antes de a lã poder ser fiada, as suas fibras emaranha- níveis para uma sociedade industrial que enfrente a perspectiva de uma dimi-
das tinham de ser alinhadas em cordões paralelos. Esta tarefa era levada a nuição de um recurso natural. Uma das possibilidades é aumentar, através de
cabo por cardadores de lã que utilizavam escovas manuais aquecidas, um tra- melhoramentos tecnológicos, a produção por unidade da substância crítica.
balho árduo que exigia uma pericia especiaL .Os cardadores de lã, tal como os Por exemplo, o carvão serviu durante muito tempo de combustível para a
estampadores de algodão, pertenciam a um sindicato forte e eram conhecidos
geração da máquina a vapor. No século XX, quando o carvão, que era cada
pela sua independência e militância. Na realidade, eram tão poderosos que, vez mais utilizado na produção de electricidade, se tornou mais caro, a efi-
no início do século XVIII, foram aprovados actos parlamentares para reduzir
cácia das centrais geradoras de electricidade melhorou ao ponto de um
a sua influência na indústria. Devido a dificuldades técnicas, 0 aperfeiçoa- kilowatt-hora de electricidade requerer apenas 0,9 libras de carvão, compa-
mento das máquinas de cardar lã foi lento. As primeiras máquinas surgiram radas com as 7 libras em 1900.
em 1790 e o seu desenvolvimento adicional foi acelerado por greves dos car-
Uma outra solução tecnológica inovadora para a escassez de·matéria-prima?
dadores nas décadas de 20 e 30 do século XIX. Nos meádos do século XIX
a pura e simples substituição, pode ter como resultado a invenção de materiais
foram construídas máquinas eficazes de cardar lã e os cardadores iniciaram completamente novos, como as fibras sintéticas ou os plásticos, ou a alteração
um combate de resistência que estava condenado ao fracasso.
das tecnologias existentes para acOI;nodar uma matéria-prima substituída. Um
Apesar da força e da autonomia dos cardadores de lã, dos estampadores exemplo notável desta última possibilidade, é a substituição tia madeira por
de algodão e dos fiadeiros terem levado os produtores têxteis e os inventores a carvão na Inglaterra. Já no século XVI. foram criadas leis paia proteger a
conceb~rem máquinas que os substituíssem, o conflito industrial é apenas um madeira inglesa como um recurso escasso. No período pré-iridustrial, a
dos mmtos factores económicos que têm sido apresentados como estúnulo da madeira era utilizada como material de construção, como combustível e, sob a
120 j A EVOLUÇAO DA TECNOWGIA
INOVAÇÃO (2}: FACfORES SOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS 1121

forma de carvão de Ie h · .
. n a, como mgredtente essencial na produça-o de fi
Durante mrus de um - ul d . erro. Se o conhecimento não é o agente causal, então pode ser que a cadeia de
d"d sec o, a ma etra foi lentamente substituída por carvã ,
me ll a que as indústrias iam efectuando as necessárias alterações tecnológi~sa
invenções se auto-sustente, com as invenções antigas a estimularem novas
em a guns casos drásticas, que lhes permitiam ~tilizar fi d . .' invenções. William F. Ogburn, assim como outros sociólogos, afirmou que a
abundante. Muitas das · . _ a ante e energia ma1s tecnologia cresce de forma exponencial, que o acumular de invenções serve
. rmportantes mvençoes da Revolução Industr'al
Cialmente na produção do ferro, foram resultado desta substituiç- I ' espe- para estimular mais inventos que, por sua vez, conduzem a um maior arma-
Dtd · · ~ zenamento de invenções e, por isso, a uma maior actividade inventiva.
e o os os mcenttvos económicos à inovaça-o houve do,·s
ram · 1 - ' que merece- Schroookler procurou nos registos de patentes dados que confirmassem esta

.
espd~Cla a_tençao dos economistas e dos historiadores e deram azo a
I
amp as Iscussoes· o pap I da
- . . e
d
procura o mercado na inovação e o estímulo à
teoria, mas não foi bem sucedido.
mvençao suscitado pela escassez de mão-de-obra. Após expor os erros das teorias da invenção dominantes, Schmookler levan-
tou i hipótese de a actividade inventiva ser governada pelo valor esperado da
Procura do mercado solução de problemas técnicos. Os inventores são levados a procurar novas solu-
ções para problemas técnicos quando é possível obter uma recompensa finan-
No seu conceituado livro 1 - C .
' nvençao e resczmento Econômico Jacob ceira: quanto maior for a probabilidade de recompensa, maior o número de
Sch moa kl er afi rma que os i til. '
. nven1ores u tzam conhecimento cientffi soluções ou invenções criadas. Para testar a validade desta hipótese, Schmookler
nológJ~o preexistente nas invenções que levam a cabo a . faz ~ co e tec-
necesstdade ou desejo humano As . - - p ra satts er qualquer
utilizou a estatística das patentes e dados económicos relevantes.
d . · mvençoes sao, portanto, a fusão de um Schmook.ler seleccionou um grupo restrito de invenções para estudo
p.assa, o mtelectual com um futuro socioeconómico funcional A ue tã intensivo, as produzidas no sector de bens de capital da economia. Os bens de
Clal é : de saber se as invenções são estimuladas pelo conheci~en;o ~e:c::~~ capital, ou bens utilizados na produção de outros bens, incluem maquinaria,
ou pe. o aumento da procura do mercado. Schmook.ler reúne uma
!:anasttda~e _de provas a favor da sua afirmação de que as forças do
mats Importantes.
m:::::: equipamento de fábrica, edifícios, locomotivas e camiões. Estabelecendo uma
ligação entre a invenção_ e o investimento em bens de capital, Schmook.ler
-confirmou a sua teoria da procura da invenção. O seu raciocínio seguiu o
Um hist~:niad~r pode ficar satisfeito com o número relativame
seguinte curso. Quando uma indústria investe muito em bens de capital, ins-
pequeno de tnvençoes mencionado nas histórias da tecnol . n te
nomista que procure info _ ogia, mas um eco- talando novas linhas de montagem ou substituindo equipamento de produ-
du t I , rmaçao sobre as numerosas invenções produzidas ção antigo, os inventores são motivados a produzir invenções para essa indús-
ran e um ongo penodo de te t d
t , . mpo em e procurar noutro sitio. As paten _ tria por saberem que serão recompensados pelos seus esforços. Por isso, a
es servem como mdtces do núme d .
privada em difi t ro _e Invenções produzidas pela indústria pressão do mercado particular de bens de capital induz Os inventores a cria-
i eren es campos e em dtferentes perfodos de tem .
Schmookler escolheu as estatísticas d t . po, por Isso, rem novas máquinas e instrumentos.
l fo t d - e pa entes amencanas como principal Um exame cuidado dos princípios defendidos por Schmookler revelará
I kl n ~ _e provas. _Apesar de estes dados serem difíceis de interpretar, Schmoo-
i . er OI convenctdo por estudos recentes de que uma ro -
que existe uma relàção causal entre o investimento em bens de capital e a
! mvenções patenteadas (cerca de 50%) te .li - p po~çao elevada das invenção. Em geral, as invenções atingem o seu auge quando os investimentos
h . ve ap caçao oomerctal e de - atingem o seu ponto máximo e entram em declínio quando os investimentos
avta qualquer outra fonte Comparável de dados sob . - que nao
sclunookler abordou primei t . d . re mvençoes
· decaem, mas esta correlação nem sempre se obtém. Existe um hiato de tempo
Esta teoria considera o crescime::oad;on:m a ~venção que defende a oferta. entre a depressão de ambos, com as invenções, na maior parte dos casos, a
como a força condutora da activid d ~o ec.tmento científico e tecnológico diminuírem em segundo lugar . .O tempo de abrandamento da invenção é
levou-o a concluir ue o co . a e mve~tiva. O seu estudo das patentes importante para a- teoria de Schmookler porque tende a apoiar a sua afirma-
o curso global da ~vidadnJ~to d.e conheclDlentos científicos pode moldar ção de que os inventores respondem a variações de investimento. Se os inves-
e Inventiva, mas não é responsáv; I I .
mento de invenções individuais. e pe o aparect- timentos respondessem a uma enchente de invenções, a explicação que
defende a oferta da invenção teria triunfado.
:j
'I
122/ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃ0(2): FACfORESSOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS 1123

Apes~r _de ser um estudo pioneiro baseado num uso novo e imaginativo
"A Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações,
d~s :statistlcas_da.s patentes,_ o livro·de Schmookler apresenta algumas imper-
1851" celebrou a posição da Inglaterra como oficina do mundo. Contudo, no
~etçoes. Uma hm1tação óbvia é a restrição da teoria da pressão da procura à
m;enção de bens de capital. Nem Schmookler nem qualquer outro econo- meio dos muitos produtos superiores fabricados na Grã-Bretanha, havia
mt~ta forneceu uma teoria da procura de mercado de invenções totalmente alguns produtos de origem americana que chamaram a atenção do público.
articulada para bens de consumo como automóveis, utensílios domésticos, ou Estes artigos representavam um afastamento das práticas britânica e europeia
refeições pré-preparadas. de produção e indicavam uma nova maneira, a maneira americana, de fazer
Na abord~gern metodológi~a de Schmookler existe uma outra falha possi- as coisas. Este modo distinto de produção, conhecido como o "sistema de
velmente ma1s grave. Ao equiparar as patentes com as invenções, 0 autor produção americano", fazia um uso extensivo de máquinas com finalidades
parte do pressuposto que as patentes são uma medida fiável da actividade específicas e economizadoras de mão-de-obra que funcionavam em sequência
in,ventiva. A~ considera~ que um determinado número de patentes tem um na produção dos componentes constitutivos do produto acabado.
numero equtvalente de Invenções, Schmookler obscurece as verdadeiras dife- Um século depois da Grande Exposição, o historiador econórnico H. ].
renças que as separam. Algumas invenções são a base de indústrias totalmente Habakkuk publicou um estudo comparativo das invenções economizadoras de
novas ou modificam de forma radical a tecnologia existente, outras são mão-de-obra utilizadas na América e na Grã-Bretanha no início do século XIX.
pequenos mel~o~a~entos de instrumentos de menor importância, e 0 grupo A produção agrícola era elevada e os lucros revertiam directamente para os
restante, e mamntáno, têm pouco ou nenhum impacto económico.
agricultores que possuíam e trabalhavam as terras. Por isso, a indústria ame-
_ ~ insistência de Schmookler nas explicações que defendem a procura e
ricana foi obrigada a pagar salários que fossem competitivos com os da acti-
reJeitam a oferta, invenções induzidas pelo conhecimento, enfraquece a estru-
vidade agrícola. A abundância de terra e a escassez de mão-de-obra levou os
tura geral do seu argumento. Ao destacar o nível de investimento e 0 número
americanos a produzir invenções economizadoras de mão-de-obra tanto
de ~atentes (invenções), foi levado a afirmar que a oferta podia resolver
quatsquer problemas técnicos desde que fosse rentável fazê-lo. Esta afirmação para a agricultura como para·a indústria. A segadeira de McCormick é o
pode ser refutada com os problemas que hoje continuam por resolver. A falta exemplo mais famoso, mas de modo algum o único, de uma máquina que
de fontes de energia baratas e não poluentes, de sementes e árvores resistentes tornou possível ao agricultor americano trabalhar mais terra contratando
às pragas, ou de uma cura para o cancro são óbvias. As invenções que satisfi- menos pessoal. A mecanização era uma alternativa muito menos atractiva
z:ssem estas ~ecessidades seriam altamente desejáveis e rentáveis. No entanto, para os agricultores na Grã-Bretanha, onde a terra era pouca e a mão-de-
nao têm surgtdo numa sucessão regular. -obra abundante e barata.
A mão-de-obra industrial na América não era apenas mais cara do que na
Escassez de rnão~de-obra
Grã-Bretanha, a oferta era também menos flexível- isto é, a indústria ameri-
_ Na ciência da economia, a proposta de que a escassez de mão-de-obra cana, como um todo, tinha dificuldades em arranjar mão-de-obra adicional
mduz uma procura de in!_~nções que dispensem o trabalho manual foi for- quando esta era necessária. Para esta falta de mão-de-obra adicional contri-
~ulad: pela primeira vez_ por John R. Hicks, em 1932. Hicks defendeu que as buíam a abundância de terra, a dispersão relativa ·Ja população e os custos
mvençoes de bens de c:p1tal t~m uma tendência "natural" para reduzir qual- elevados dos-transportes. Na Grã-Bretanha do ,século XVIII, quando a
quer factor de produçao, capttal ou mão-de-obra que der sinais de rarear. mão-de-obra era mais cara e mais escassa do que no século XIX, a indústria
D_ado que, durante os_ últimos sécul~s na Europa, tinha havido mais capital tinha respondido com a adopção de técnicas economizadoras de mão-de- .
disponível do que mao-de-obra, H1eks concluiu que existia um estímulo -obra. E~ta resposta conduziu às mudanças tecnológicas que associamos à
natural à criação d~ inve~ções. economizadoras de mão-de-obra. É possível Revolução Industrial. A procura americana, no século XIX, de invenções eco-
encontra~ uma versao mais anttga da ideia de Hicks nos escritos de viajantes,
nomizadoras de mão-de-obra repetiu este padrão.
engenhet~os ~ pr~dutor~s de meados do século XIX, que compararam 0 Antes de analisar os incentivos à mecanização que existiam na América,
desenv_olv~mepto mdustrial na Grã-Bretanha e na América. Estes observado-
Habakkuk debruçou-se sobre a questão da proporção relativa de mão-de-obra
res atnbmram_ a preponderância de invenções economizadoras de mão-de-
especializada e indiferenciada. Esta questão é de importância crítica porque os
~obra nos Estados Unidos à escassez de mão-de-obra aí existente.
trabalhadores especializados são os que fazem as máquinas e os indiferendados

CHFC-ET-09
1241 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (2): FACTORES SOCIOECONÓMICOS E CULTURAIS \125

são os que com elas trabalham. Sem mão-de-obra especializada não haveria A corrente de invenções economizadoras de mão-de-obra americanas con-
máquinas economizadoras de mão-de-obra. Embora os trabalhadores espe- tinuou até às primeiras décadas do século XIX. Em 1841, uma test:munha que
cializados fossem caros, tanto na Grã-Bretanha como na América, Habakkuk compareceu perante uma Comissão Parlamentar Britânic~ a inve~tJ.gar a expor-
demonstrou que, nos Estados Unidos, a crescente procura de mão-de-obra tação de maquinaria foi severa: "A maior parte das mvençoes realmente
levou a uma maior subida dos salários dos trabalhadores indiferenciados do ·
novas ... teve origem no estrangeiro, espeoalmente · " 4 Os m
na Am'enca. · ventares
f que dos especializados. Na América, a oferta de mão-de-obra especializada americanos estavam a ultrapassar os seus rivais britânicos no me~o~amento
r era, em termos relativos, mais abundante do que a de mão-de-obra indiferen-
das máqtLnas têxteis que tinham iniciado a industrialização. Em pnmerrod -
lugar

!l ciada. Assim, quando cresceu a procura de mão-de-obra industrial na Amé-


rica, havia trabalhadores especializados disponíveis por salários que possibili-
me tr as inovações industriais encontrava-se o novo "sistema de pro
ricano", um método de fabrico que se apoiava extensivamente em maqumas
uçao
..
ame-

tavam utilizá-los para criar e inventar as máquinas que substituiriam a escassa ara 0 trabalho em metal e madeira. AB ferramentas de máquinas - a verruma
~ :.
força de trabalho indiferenciada. p . tilizad
f· para todas as finalidades, os tornos mecânicos, e as plain~s- ~ecâmcas u ~s
A maior parte dos estudiosos do século XIX concordou que foi o custo
elevado e a falta de flexibilidade da mão-de-obra americana que levou os :Jaraa tr balhar O m etal - tinham sido inventadas pelos bntamcos, mas os amen- .
~nos adaptaram-nas a um objectivo específico ou único nas suas fábncas
empresários a substituírem a mão-de-obra por máquinas. Na linguagem da
ec.onomia, a escassez de mão-de-obra levou a América a utilizar técnicas que (figura 4.2.). Em seguida alargaram 0 âmbito .e a versatilidade destas ferramen-
eram de capital intensivo. Em tempos de expansão económica, quando a tas. ao in"\-entarem o torno-revólver e a máquina de fresar.
oferta de mão-de-obra indiferenciada era especialmente baixa e a oferta de
capital. ele:vada, a abundância relativa de mão-de-obra especializada tornava
razoável a procura de métodos de produção de capital intensivo, economiza-·
dores de mão-de-obra.
A decisão empresarial de mecanizar não constituía uma ameaça aos traba-
lhadores comuns americanos que eram em pouca quantidade. Contudo, na
Grã-Bretanha, a introduÇão de novas máquinas economizadoras de mão-de-
-obra significava que os trabalhadores indiferenciados ~mpregados podiam
ser despedidos ou que os desempregados podiam ter mais dificuldades em
arranjar um emprego. Enquanto os trabalhadores americanos aceitaram as
invenções economizadoras de mão-de-obra, os seus congêneres britânicos
resistiram-lhes por meio de greves e da dest~ição das máquinas que ameaça-
vam a sua subsistência.
Habakkuk menciona que a tradição americana das invenções economizado-
Ias de mão-de-obra teve um início impressionante nos finais do século XVIII.
Nessa época, foram patenteadas máquinas para o fabrico de pregos e al6netes
e Oliver Evans inventou· o moinho de farinha automático. Evans não alterou • de Blanchard (1820), uma máquina com a finalidade específica de trabalhar
os métodos pelos quais o grão era transformado em farinha, mas revolucio- F~4:1· O todamo Am' "ca Este tomo era capaz de reproduzir coronhas, formas de sapatos,
madeira mventa na en · . u1 N ilustração uma forma
nou o movimento do grão no moinho. Em lugar de utilizar energia manual cabos de machado e outros objectos de madeira de forma ~~eg ~ . esta U Fonte: Edward W
d a ato (T) está a ser reproduzida num grosseiro pedaço e ma erra em · · ·
para elevar, carregar e mover o grão, Evans concebeu transmissões mecânicas B~n;Theprogress ofinvention in the nineteenth century (Nova Iorque, 1900), P· 369.
movidas a água que transportavam automaticamente o grão para a máquina
ou estação de trabalho apropriada, sem intervenção humana. Isto reduziu em
50% a mão-de-obra necessária para fazer funcionar o moinho. •H. J. Hahakkuk. American and Brirish rechnology in the nineteenth century (Cambridge, 1967), P· 99.
1261 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGlA
INOVAÇÃO (2): FACTORES SOCIOECONÚMICOS E CULTURAIS 1127

O elevado grau de mecanização que marcou o sistema americano conduziu sistemático do engenho tecnológico e raramente fornecem protecção legal ao
à produção de componentes padronizados e substituíveis que os departamentos
criador das inovações. Para que o inventor seja reconhecido legalmente apela-se
de fabrico de armas do governo dos Estados Unidos da América utilizaram. O
à intervenção do Estado no sentido de este criar instituições, como gabinetes
resultado foi o aparecimento de uma tecnologia de fabrico completamente
de patentes, e delinear uma legislação sobre patentes.
nova na indústria americana no final do século XLX. Seguindo o êxito inicial no
O monopólio de patentes da Coroa tinha sido pela primeira vez conce-
fabrico de armas de fogo, o sist~ma de produção americano estendeu-se ao
dido no final da Idade Média e inicio d~ Renascimento. As patentes garantem
fabrico de máquinas de coser, máquinas de escrever, e bicicletas, antes de, no
ao seu· possuidor o direito de obter vantagens económicas por meio do con-
século XX, ser transformado em produção em massa de automóveis e utensílios
trolo de um produto de consumo, da exploração de um novo território ou do
domésticos. As origens deste novo método de produção remontam à escassez
desenvolvimento de uma invenção. As patentes outorgadas em função dos
de mão-de-obra, no século XIX, que motivou os produtores americanos a
desejos e caprichos de um monarca deram lugar, nos séculos XVIII e XIX, a
desenvolver e a utilizar maquinaria economizadora de mão-de-obra.
patentes delineadas pelas forças democráticas e industriais. Estas patentes
A interessante explicação de Habakkuk sobre as diferenças industriais
modernas, encaradas com frequência como um estímulo ao progresso tecno,.
anglo-americanas tem apoiantes, assim como um número considerável de
opositores. Os seus críticos perguntam por que razão os homens de negócios lógico, concediam monopólios limitados aos inventores, permitindo-lhes,
americanos, face a custos elevados, se dedicaram exclusivamente a invenções deste modo, explorar financeiramente as suas invenções.
;. '

economizadoras de mão-de-obra quando poderiam ter procurado outras Em 1790, foi criado o sistema americano de patentes, fortemente inspi-
soluções, inclusive a utilização de recursos naturais baratos e abundantes. rado nos precedentes ingleses. Alguns dos autores da Constituição julgavam
O trabalho de Habakkuk continua a ser uma tentativa provocadora e con- que seriam suficientes troféus ou prémios, mas foi criado uma comissão de
troversa de interpretar os primórdios da história industrial americana através patentes autorizada «a conceder patentes a qualquer arte útil, manufactura,
da aplicação da teoria económica a acontecimentos e dados históricos. Sejam motor, máquina ou instrumento que fosse considerado suficientemente útil e
quais forem as suas limitações, Habakkuk partilha com Schmookler a virtude importante". 5 Em 1793, os ministros de estado e da guerra e o procurador
de ter chamado a atenção para um dos muitos modos em que, nos tempos geral dos Estados Unidos da América, elementos constituintes da comissão,
modernos, as forças económicas podem dar origem a inovações tecnológicas. tinham avaliado cerca de cinquenta patentes. Nesse ano a lei foi alterada de
Habakkuk e Schmookler podem ser criticados. por darem demasiada impor- modo a passarem a ser os tribunais a determinar a atribuição de patentes.
tância à base económica da inovação. No entanto, em vez de refutarmos o seu As mudanças na lei e na prática relativamente a patentes prosseguiram nos
trabalho, talvez possamos incorporar as suas ideias e conclusões numa teoria séculos XIX e XX, à medida que os americanos interessados procuravam res-
mais abrangente da mudança tecnológica. ponder a uma série de questões melindrosas: Quem deve julgar se uma inven-
ção é realmente nova, útil ou importante? Quais são as bases que fundamen-
Patentes tam estes juízos? Ao avaliarmos uma invenção deve-se aceitar a palavra do
inventor relativamente à sua originalidade? Serão as patentes inerentemente
Durante os últimos quatrocentos anos, as sociedades ocidentais criaram
elitistas, monopolistas e, em consequência, antidemocráticas? Haverá algumas
incentivos económicos para encorajar a mudança tecnológica. Utilizaram
descobertas - leis científicas, teoremas matemáticos - que não possam ser
prémios monetários para estimular a inovação, aprovaram leis para proteger
patenteadas?
os direitos dos inventores na exploração das invenções e criaram instituições
Estas questões foram formuladas pela comissão de patentes com os seus
especiais em que os inovadores eram empregados para trabalhar nos seus pro-
jectos sem serem incomodados. ficheiros, examinadores e burocracia; pel.a extensa legislação de patentes. e
advogados que forneciam aconselhamento jurídico aos inventores; e pelos
Os prémios monetários atribuídos às invenções têm a vantagem de pode-
rem direccionar a capacidade inventiva para um problema especial, dramati-
zando a urgência da sua solução. São muito menos úteis para um estímulo s Morgan Sherwood, «The origins M.d development of the American patent system», American Sdentist
71 (1983), 501.

I
128[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (2): FACTORES SOCIOECONOMICOS E CULTURAIS 1129

litígios que aumentaram de intensidade à medida que as empresas lutavam monopólio que os fundadores do sistema de patentes outorgavam a um indi-
umas contra as outras pelo controlo das patentes que lhes permitissem obter viduo particular passOu para empresas grandes, ricas e poderosas capazes de
' um direito exclusivo em mercados lucrativos. controlar a totalidade de sectores industriais através da compra e da manipu-
l
i
O sistema de patentes nos Estados Unidos, asSim como o de outros países lação de patentes. Ao concordar em trocar o título de inventor por segurança
I ocidentais, inspira noções populares que raramente foram examinadas de profissional, o inventor que trabalha numa empresa cedeu à entidade patro-
!. forma cuidadosa. A opinião geral admite que as patentes promovem o enge- nal direitos monopolistas sem precedentes.
nho tecnológico, enriquecem a economia das nações, fornecem uma noção Originalmente o monopólio de dezassete anos tinha por objectivo prote-
exacta do estado tecnológico e económico de uma sociedaêe e recompensam ger: os inventores enquanto estes preparavam as suas invenções para o mer-
indivíduos merecedores e criativos pelo seu trabalho árduo. No entanto, são cado. A partir do momento em que a empresa obteve o controlo das patentes,
'· escassos os exames analíticos e históricos das patentes e do seu significado em este monopólio passou a ser utilizado para suprimir quaisquer invenções que
termos de crescimento tecnológico e económico. Até se terem realizado tais pu::lessem prejudicar os seus próprios produtos ou melhorar os de uma
estudos, devemos ser prudentes na aceitação dos truísmos presentes em mui- empresa rivaL Além do mais, .as empresas usam os seus inventores cativos
tas das avaliações elogiosas de qualquer sistema de patentes. para conceber máquinas e processos que protejam e perpetuem os seus pró-
A análise económica não sustenta a afirmação de que o crescimento eco- prios produtos patenteados e prejudiquem os dos concorrentes. Os benefícios
nómico e as patentes se encontram óbvia e intimamente relacionados. Se, por sociais raramente constituem uma preocupação para os que estão envolvidos
exemplo, a actividade de patentes for medida tendo em conta o crescimento nestas manobras.
do produto nacional bruto (PNB), no século XX encontra-se uma grande dis- A crítica do sistema de patentes implica a ~stência de formas melhores
crepância entre os dois. Desde 1930 que o PNB se mantém, em termos de de encorajar a actividade inventiva e garantir o bem-estar dos inventores e da
crescimento, muito à frente das invenções patenteadas. Provas deste género sociedade. Porém, dado que o sistema de patentes e o industrialismo
apeiam a conclusão que o distinto economista Fritz Machlup regista no final mcderno apareceram simultaneamente durante a Revolução Industrial, não
do seu estudo sobre o impacto económico do sistema de patentes: "Nenhum há muita experiência com sistemas alternativos às patentes.
economista, com base no conhecimento actual, pode afirmar com certeza que Os economistas britânicos C. T. Taylor e Z. A. Silberston tentaram explicar
o sistema de patentes, nos termos em que funciona na actualidade, confere a a falta de sistemas alternativos através da comparação do sistema de patentes
uma sociedade um ganho líquido ou uma perda líquida."' 6 Esta afirmação, britânico, na década de 70 do século XX, com uma alternativa hipotética. Qual
feita em 1958, mantém-se verdadeira nos nossos dias. seria o impacto na economia britânica, se se retirasse à patente o elemento de
Uma das dificuldades que se encontra ao avaliar o moderno sistema de monopólio? Em lugar do monopólio de dezasseis anos concedido aos invento-
patentes é essa pessoa ambígua, "o inventor". O nome evoca a imagem de res britânicos, seria outorgada uma patente com a.exigência de que o seu porta-
uma figura solitária e lutadora que merece ser recompensada pelo esforço e dor 2.ceitasse qualquer pedido legitimo de licença para utilizar a invenção. O
pelos riscos corridos para oferecer à humanidade uma coisa nova e útil Con- valor da licença não poderia ser tão elevado que criasse uma situação de mono-
tudo, desde os finais do século XIX, um .número crescente de inventores tra- pólio e se necessário seria chamado um árbitro oficial para determinar o valor
balha em empresas e não no espaço confinado da sua oficina caseira. Embora da licença e o pagamento de direitos, em termos aceites por todas as partes.
só se possam conceder patentes a indivíduos, não a empresas ou a institui- Com o sistema de licença obrigatória assim definido, Taylor e Silberston
ções, os inventores que trabalham em empresas são, por condições contra- seleccionaram e contactaram várias empresas britânicas, pedindo-lhes que
tuais, obrigados a ceder as patentes aos seus empregadores. avaliassem a alternativa proposta à luz da lei e da prática de patentes em vigor.
A mudança radical das patentes para a posse empresarial ~eve um grande Os resultados do seu inquérito podem constituir uma surpresa para os
impacto no bem-estar social e na vida económica do povo americano. O apoiantes entusiásticos do sistema de patentes, porque as empresas considera-
ram que existia apenas uma ligeira vantagem económica na manutenção do
G Fritz Machlup, citado por Gerhard Rosegger, The economics of production and ir.ncvation (Oxford, sistema de patentes existente e afirmaram que as patentes na sua generalidade
1980), p. 190. ofe:-edam um incentivo muito limitado à invenção industriaL A actividade de
130 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (2): FACfORES SOCIOECONÚMICOS E CULTURAIS !131
···r

investigação nas indústrias de medicamentos e pesticidas seria afectada nega- juntado na União Internacional para a Protecção da Prosperidade Industrial,
I tivamente pela abolição do sistema de patentes porque essas indústrias depen- uma organização dedicada à protecção reciproca dos direitos dos possuidores
I dem do monopólio das invenções. Outros segmentos da indústria química de patentes e marcas registadas.
{plásticos, fil;>ras artificiais). bem como a engenharia mecânica e as indústrias A eficácia das patentes poderia ser medida d_~ uma forma mais persuasiva
de electrónica e electricidade, viram poucos ou nenhuns problemas com a se o conhecimento acerca da situação nos países comunistas fosse mais alar-
licença obrigatória. Por outro lado, as firmas pequenas e os inventores indivi- gado. Nesses países, a exploração de invenções com fins lucrativos foi rejei-
duais, ambos dependentes do monopólio limitado para protecção contra as tada por ser capitalista e o Estado apropriou-se do direito de monopólio das
grandes empresas, seriam prejudicados pelo fim das patentes. invenções. Alguns economistas sugeriram que a ausência dos incentivos
A maioria dos países ocidentais industrializados instituiu legislação de financeiros fornecidos pelas patentes explica o desempenho pouco brilhante
patentes durante o século XIX e manteve-a em vigor. A Holanda e a Suíça das indústrias farmacêuticas controladas pelo Estado do outro lado da Cor-
constituem excepções a esta regra. Durante um longo periodo de tempo, estes tina de Ferro. Por exemplo, a União Soviética não contribuiu com medica-
países não tiveram patentes, embora os seus cidadãos pudessem patentear as mentos importantes para a farmacopeia mundial. No entanto, liá outros fac-
suas invenções no estrangeiro. Os Holandeses aboliram o seu sistema desade- teres, pa:ra além da ausência do tradicional.sistema de patentes, que podem
quado de patentes em 1869 e não o substituíram até 1912. Os Suíços não tive- explicar o fracasso da inovação na Rússia.
ram nenhum sistema de patentes até 1907. Na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas é possível encontrar
Como é que a Holanda e a Suíça conseguiram acompanhar a industrializa- uma patente de qualidade. O certificado de autoria foi introduzido imediata-
I i ção europeia sem um sistema de patentes para estimular a actividade inventiva mente após a Revolução (1919) e, nas palavras da Grande Enciclopédia Sovié-
e garantir o progresso industrial? O economista Eric Schiff demonstrou através tica, "con~rma o título de autoria do criador e o seu direito a recompensa e a
de um estudo das economias holandesa (1869-1912) e suíça (1850-1907) outros direitos e benefícios, e o direito exclusivo de o governo utilizar a
durante os anos sem patentes que nenhum destes países foi economicamente inVenção". 7 A recompensa, os direitos e os beneficios não são especificados.
prejudicado pela ausência de um sistema nacional de patentes. O progresso Press~põe-se que o titular do certificado negocie com o. governo, ou aceite a

industrial na Holanda foi equivalente ao das outras nações europeias e no sua avaliação do valor de uma invenção. Os países do Bloco de Leste seguiram
caso de duas indústrias holandesas, produção de margarina e de lâmpadas o exemplo russo e também abandonaram o sistema de patentes, conside-
incandescentes, a ausência de patentes constituiu um estímulo positivo. rando-o um anacronismo capitalista. Todavia, substituíram as patentes por
Durante o período sem patentes, a economia holandesa encontrava-se mais outra forma de documento legal que reconhecia a contribuição do inventor.
dependente do comércio do que da indústria, mas tal era resultado de pecu- Parece que, independentemente da ideologia política dominante, a ideia de
liaridades do desenvolvimento económico holandês, anteriores aos meados recompensar o criador de inovações tecnológicas tem um lugar seguro nas
do século XIX. O exemplo suíço é mais marcante. A Suíça sofreu um forte nações modernas.
crescimento económico entre 1850 e 1907. A indústria teve um êxito tão A impor~ância das patentes não reside no facto de fornecerem fortes e
indisputá~eis incentivos à invenção. O máximo que se pode dizer é que em
grande que atraiu capitalistas estrangeiros dispostos a investir em novos
empreendimentos, apesar da ausência da protecção das patentes. Na globali- certos períodos, e em certas circunstâncias, as patentes podem ter sido benéfi-
d.ade, os Suíços foram mais inventivas do que os Holandeses durante os anos cas para a promoção do crescimento económico e da actividade inventiva. N~
sem patentes que partilharam. Após 1912, a taxa de invenções nacionais realidade, a eficácia do sistema de patentes é menos importante do que o facto
holandesas cresceu um pouco. de todos os países ociden~is illdustrializados terem feito das patentes uma
instituição nacional, complementada por apoio burocrático, legislação e fun-
Se a Suiça e a Holanda foram capazes de crescer economicamente sem o
dos estatais. Quando_se combina a diligente procura de patentes por parte das
il
'li
encargo de administrar e financiar um sistema nacional de patentes, que é que
'I os levou a adaptarem um? Em primeiro lugar, encontravam-se sob pressão
''i moral e política da comunidade das nações industrializadas que se tinham ' Great Soviet encyclopedia, 3.• ed., s.v. «Author's certificate», por I. A. GringoL

,,
1321 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
INOVAÇÃO (2): FACTORES SOCIOECONOMICOS E CULTURAIS 1133

empresas com a existência de carreiras profissionais na prática de direito de Nos Estados Unidos, a indústria de electricidade foi a pioneira na investi-
patentes, a transformação das patentes nos países comunistas, o entusiasmo
gação industrial. O laboratório privado de Thomas A. Edison, em Menlo
popular com a ideia da patente, e o interesse dos economistas e historiadores
Park, New Jersey, criado em 1876, serviu como um exemplo inicial do que
em perceber o significado das patentes, o resultado é t:ma obsessão sempre-
seria possível alcançar ao colocar a investigação organizada ao serviço da solu-
cedentes pela inovação tecnológica. Nenhuma outra cultura se preocupou
ção de problemas técnicos. O inventor exagerou quando se vangloriou que
tanto com o aperfeiçoamento, a produção, a difusão e o controlo legal de
podia criar ''uma pequena invenção de dez em dez dias e algo grande, aproxi-
novas máquinas, ferramentas, instrumentos e proceasos como a cultura oci-
madamente~ de seis em seis meses" 3 , no entanto, a sua criação de uma lâm-
dental desde o século XVIII.
pada eléctrica incandescente eficaz fez vingar a ideia de que uma equipa de
investigadores, cada um com talentos e especialidades diferentes, podia con-
Laboratórios de pesquisa industrial centrar os seus esforços nu~ único problema, enquanto estivesse isolada das
'i distracções do trabalho de produção de rotina.
•· .. !
A procura de patentes está associada ao aparecimento de laboratórios de A General Electric Company (GE) criou o primeiro espaço industrial de
pesquisa industrial, o primeiro dos quais foi fundado nos finais do século XIX. investigação na América. A empresa nasceu dos interesses técnicos e comer-
Antes, os cientistas trabalhavam nas empresas como consultores ou eram ciais de Edison, mas, em 1889, o fundador desempenhava um papel menor
simultaneamente cientistas e empresários que criavam as suas próprias fir- nos negócios da companhia, e aGE estava a caminho de se tornar um grande
mas. A abertura de laboratórios de pesquisa levou à contratação de cientistas produtor de produtos eléctricos, de lâmpadas a dínamos. Uma década mais
I como trabalhadores de investigação assalariados e à industrialização da inven- tarde, a GE não estava segura do seu lugar na indústria eléctrica em desenvol-

! ção. Uma das principais razões para as empresas é.poiarem a investigação


científica foi a constatação de que a ciência podia ser usada na criação de ino-
vimento. As patentes-chave que tinham sustentado o seu crescimento inicial,
tinham expirado e os inventores independentes que tinham estado associados
vações patenteáveis resultantes de produtos novos e melhorados. à GE tinham morrido ou abandonado a empresa. Determinada a manter a
Os primeiros laboratórios de pesquisa iridustrial foram organizados na sua posição de líder nacional e internacional da indústria de iluminação eléc-
Alemanha, entre 1870 e 1880, pe~os produtores de tinta sintética. A indústria trica a companhia decidiu, em 1901, criar o seu próprio laboratório de pes-
de tintas, que dependia bastante dos avanços da pesquisa em qu~ica.orgâ­ quisa. Um e.xecutivo da GE justificou deste modo a dec~ão:
nica, obtinha inicialrnente,..(1860-69) "novas tintas comprando oS"'direitos de
Apesar de sempre terem sido liberalmente fornecidas aos nossos enge-
patente aos químicos independentes que os possuíam. Nos finais da década
nheiros todas as condições para o desenvolvimento de projectos novos
de setenta do século XIX, os produtores de matéria corante compreenderam a
e originais e para a melhoria dos níveis existentes, durante o último
vantagem de criar laboratórios próprios e de contratar, a te~po inteiro, qui-
ano foi considerada sensata a criação de um laboratório exclusiva-
micos para neles trabalharem. Os quúriico~ podiam ajudar·~-resolver os pro-
mente dedicado à investigação original. Espera-se que, por este meio,
blemas que surgissem no processo de fabrico, e podiam ainda criar novas tin-
se possam descobrir muitos campos lucrativos.9
tas, matizes e intensidades diferentes que fossem adequadas para tingir dife-
rentes tipos de têxteis. Pouco depois de a GE ter aberto o-seu laboratório de pesquisa, -outra~
Estes desenvolvimentos ganham novo significado ac sabermos que a química empresas americanas conceituadas seguiram o seu exemplo. Em 1902, a Du
de tinta sintética não é originária da Alemanha. A primeira tinta sintética, a ani- Pont Company e a companhia farmacêutica Parke-Davis fundaram laborató-
lina púrpura, foi descoberta pelo jovem qtúmico inglês William H. Perkin, em rios de investigação; a Bell System çriou, formalmente, o seu ramo de investi-
1856. Algumas décadas depois da descoberta da anilina púrpura, os alemães gação em 1911; e a Eastman Kodak construiu um laboratório de investigação
tinham desenvolvido e monopolizado a produção de tiiitas sintéticas e revo-
lucionado a relação entre ciência e tecnologia ao contratarem investigadores
"Matthew Josephson, Edison (Nova Iorque, 1959), pp. l33-4.
científicos com o intuito de realizarem avanços industriais.
~E. W. Rice, citado por Kendall Birr, Pioneering in industrial re:search (Washington, D.C., 1957), p. 31.
1341 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (2): FACfORES SOC!OECONÓMICOS E CULTURAIS 1135

fotográfica em 1913. As primeiras empresas que se envolveram na investiga- Um exemplo esclarecedor é a relação entre as patentes e a investigação nos
ção organizada foram aquelas cujas tecnologias se encontravam intimamente laboratórios Bell durante as suas primeiras décadas de existência. A ideia da
relacionadas com as duas áreas da ciência que mais se desenvolveram nos investigação como produtora de conhecimentos novos e úteis foi modificada
finais do século XIX, a química e a electricidade. quando os executivos e os adm~nistradores de investigação da Bell tomaram
O número de laboratórios americanos que empregou cientistas e enge- conhecimento de que era do interesse da companhia patentear todas as possí-
nheiros na pesquisa industrial cresceu rapidamente. Vinte anos após a criação veis variações menores de um aparelho, de modo a evitar uma futura usurpa-
do laboratório da GE, havia 526 empresas americanas com instalações para ção por parte da concorrência. Investigar novas fronteiras do conhecimento
investigação. Em 1983, esse número tinha atingido as 11 000. tecnológico pode ser muito menos produtivo do que, nas palavras do presi-
Qual é o uso exacto que uma empresa dá ao seu laboratório de investiga- dente da Bell, ocupar um campo técnico com "mil e uma pequenas patentes e
ção? Que espera a indústria ganhar como contrapartida pelo seu investimento invenções". 10
em investigação original? No caso dos primeiros laboratórios industriais, estas Evitar a concorrência foi 'apenas um dos novos usos que a Bell, e outras
questões têm uma resposta menos ambígua. Inicialmente a investigação pre- empresas, deram às patentes. As patentes também podiam ser adquiridas para
tendia lidar com um problema técnico premente. A firma alemã de tintas da frustar a tentativa de um concorrente garantir uma posição forte através do
Bayer AG abriu o seu laboratório de investigação na espefança de explorar as seu próprio esforço de investigação. Ao obter determinadas patentes, muitas
tintas azo recém-descobertas, que prometiam dominar a tecnologia no futuro. vezes uma empresa não tem qualquer intenção de competir no mercado. O
A General Electric, cujas lâmpadas de filamento incandescente de carbono de único objectivo é dificultar o domínio de uma rival num campo técnico cru-
alta resistência estavam a ser ameaçadas pelas lâmpadas "incandescentes" de cial para o seu êxito económico. As patentes são, também, muitas vezes utili-
W. Nernst e pelas lâmpadas de vapor de mercúrio de P. Cooper-Hewitt, deci- zadas como uma forte arma de negociação que, no momento certo, pode ser
diu proteger-se através do patrocínio formal da investigação da luz eléctrica. trocada por outras patentes ou concessões.
O laboratório da Bell System surgiu da necessidade de se desenvolver uma As patentes obtidas com fins defensivos ficam muitas vezes por desenvolver.
telefonia a longa distância eficaz e de se responder ao desafio colocado pelas Existem para criar um escudo, para trás do qual a empresa pode retirar-se, pro-
experiências em curso cOm comunicação sem fios (rádio). tegendo-se da potencial ameaça de concorrentes inovadores. Esta estratégia
Para explicar publicamente o facto de se financiar a investigação tem sido defensiva faz um uso extremamente conservador da investigação industrial.
usado o argumento de que é quase certo que o novo conhecimento conduza a Em lugar de servir como fonte de inovação, a investigação torna-se uma
produtos novos, melhores e mais baratos. Num certo sentido, o dinheiro manobra comercial destinada a preservar o status quo ou, pelo menos, a asse-
gasto na investigação pode ser encarado como um investimento no potencial gurar que as inovações surgirão a um ritmo lento.
lucro a longo prazo da firma. Este raciocínio que representa a estratégia Em suma, há uma discrepância entre o ideal de investigação industrial -
comercial agressiva, ou ofensiva, associada à investigação industrial é apoiado mudança tecnológica estimulante da ciência- e a sua verdadeira utilização no
por exemplos modernos de valiosos produtos comerciais que surgiram de mundo comercial. Um laborat~rio de investigação pode ser mantido para dar
empreendimentos de investigação empresarial: o nylon e outras fibras sintéti- a uma empresa uma aura de ciência e prestígio, para manter o jovem talento
cas, os detergentes, a gasolina antidetonante, os motores de automóveis científico disponível na estrutura empresarial, ou para erguer um baluarte
melhorados, os novos plásticos, muitos medicamentos modernos, a televisão contra a mudança. Criar inovações tecnológicas é uma das várias funções do
e os transistores. laboratório de investigação empresarial? mas não é, de modo algum, a única
Para a investigação industrial, uma estratégia defensiva é tão importante razão da sua existência.
quanto uma estratégia ofensiva, mas muito menos conhecida. Um laboratório A indústria moderna utiliza as·patentes para vários propósitos não produ-
de pesquisa industrial bem sucedido é um gerador de patentes, das quais tivos (não produtivos no sentido de ausência de avanço considerável do
nem todas serão transformadas em produtos comerciáveis ou em melhorias
! 'I internas da produção. As patentes podem ser bastante lucrativas quando utili- 10 l.eona{d S. Reich, «Research, patents, and the struggle to control radio», Business History Review 51
i zadas como medida na luta entre empresas rivais. 11977), 231.
1361 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
!NOVAÇÃO (2}: FACTORES SOCIOECONOMICOS E CULTURAIS 1137

conhecimento) e, assim sendo, torna-se pertinente discutir a eficácia dos na primeira metade do século XX demonstrou que mais de metade destas
laboratórios de pesquisa industrial no estímulo da inovação. Apanhada entre foram resultado do trabalho de inventores independentes. A lista das suas
os objectivos divergentes da ciência e do comércio, a investigação organizada contribuições é impressionante e inclui a transmissão automática, a Bakelite,
não é tão responsável pela criação de produtos e processos novos como a a esferográfica, o celofane, o ciclotrão, a bússola giroscópica, a insulina, o
autopropa·ganda empresarial nos quer, por vezes, fazer crer. motor a jacto, o filme Kodachrome, a gravação magnética, a direcção assis-
tida, a lâmina de segurança, a xerografia, o motor rotativo Wankel e o fecho
I
l
O tamanho de uma empresa e a natureza da sua base tecnológica influen-
ciam o seu papel como agente inovador. Só as grandes empresas têm capaci-
dade económica para desenvolver projectos de investigação próprios. Toda-
de correr.
Os laboratórios de pesquisa industrial não são, de modo algum, as "fábri-
i cas de invenções" que os seus promotores afirmam. No entanto, têm propor-
) via, estas empresas têm maior relutância em enveredar por novos caminhos
I do que as empresas mais pequenas e empreendedoras. Independentemente cionado uma carreira alternativa para os cientistas e engenheiros orientados
para a investigação, e têm conduzido ao avanço do conhecimento científico e
l das dimensões, as empresas obrigadas a explorâr novas áreas tecnológicas-
tecnológico em campos relacionados com os fins corporativos dos seus patro-
por exemplo, farmacêuticas e empresas de semicondutores- estão mais inte-
ressadas nos últimos resultados da investigação científica do que as empresas cinadores financeiros. Quaisquer que sejam os seus usos e finalidades, os
associadas a tecnologias mais antigas como automóveis, utensílios domésticos laboratórios de pesquisa industrial continuam a gozar do apoio do comércio
ou caminhos-de-ferro. moderno. Como o sistema de patentes a que estão intimamente ligados, os
A existência de um grande laboratório com bom pessoal téCnico não signi- laboratórios de pesquisa industrial provam qu,e as so_ciedades industriais
fica necessariamente que a empresa seja auto-suficiente em termos dos seus modernas pretendem investir grande quantidade de tempo, esforço, dinheiro
requisitos de investigação. A Du Pont Company, um líder reconhecido da e material para institucionalizar e facilitar a produção de inovações.
investigação industrial, possui grandes laboratórios que são tidos em exce-
lente conta pelos seus dirigentes mais importantes. Em 1950, o presidente da Inovação e cultura
Du Pont, Crawford H. Greenwalt anunciou: "Posso afirmar categoricamente
É muito mais fácil discutir incentivos económicos e institucionais à inova-
que a nossa actual dimensão e êxito foram obtidos através de novos produtos
ção do que estudar as ligações entre atitudes e valores culturais e a mudança
e processos que foram desenvolvidos pelos nossos Iaboratórios." 11 O econo-
dos artefactos. Apesar de poderem parecer vagas e témies quando comparadas
mista W. F. Mueller, que estudou as fontes de inovação da Du Pont durante
com os argumentos apresentados pelo campo económico, essas ligações são
um período de trinta anos, de 1920 a 1950, chegou a uma conclusão oposta.
bastante úteis para explicar a razão de as sociedades se empenharem na activi-
Descobriu que de vinte cinco novos produtos e processos importantes lança-
dade tecnológica inovadora durante longos períodos de tempo. A abordagem
dos pela empresa durante esse período, apenas dez se baseavam em invenções
cultural é especialmente relevante para Compreender o domínio ocidental na
do pessoal de investigação da Du Pont. Estas incluíam cinco de dezoito novos
produção de inovações tecnológicas nos últimos quinhentos anos.
produtos e cinco de sete novos processos. Os direitos das quinze inovações
Tal como ~m muitos outros aspectos da vida moderna, ·a cultura do
produzidas fora da empresa foram obtidos de várias firmas e de inventores
Renascimento parece assinalar uma mudança no conceito de inovador tecno-
independentes.
lógico. Como grupo, os tecnólogos, fossem inventores ou praticantes dotados,
Os números apresentados por Mueller relativos à Du Pont Company indi-
ganharam no Renascimento um reconhecimento superior ao que tinham tido
cam um facto importante. O inventor independente não foi substituído pelas
nos períodos antigo e medieval. Encontraram patronos que apoiavam os seus
equipas de investigação organizada que invadiram a indústria no início do
projectos, escreveram e publicaram livros elaboradamente ilustrados sobre as
século XX. Um estudo de setenta das ·mais importantes invenções produzidas
suas especialidades técnicas, e foram louvados por escritores e pensadores
influentes pelo seu contributo para o bem-estar humano.
"Willard F. Mueller, «The origins o f the basic inventions underlying Ou Pont's major product and Foi durante o Renascimento que surgiram os primeiros livros que enume-
process innovations, 1920~1950», in National Bureau ofEconamic Research, The rate and direction oi
inventive activity: economic and social factors (Princeton, 1962), p. 323. ravam as grandes invenções e os seus criadores. O De Inventoribus Rerum
INOVAÇÃO (1}: FACTORES SOCIOECONÚMICOS E CULTURAIS 1139
1381 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

(Acerca dos Inventores de Coisas) (1499), de Polydore Vergil. foi uma das pri-
meiras destas compilações populares que procuravam identificar e honrar os
inventores de coisas como a pólvora, o vidro, o metal, o arame, a seda, a
imprensa e os navios. Sir Francis Bacon conduziu o processo um passo à
frente na sua história utópica Nova Atlântida (1627). A Nova Atlântida era
um paraíso tecnológico com um laboratório de investigação financiado pelo
Estado (a Casa de Salomão) e dedicado ao avanço de todas as artes técnicas.
Nele havia duas grandes paredes dedicadas a honrar os criadores de inovações
tecnológicas: uma continha desenhos e amostras das grandes invenções e a
outra estátuas dos seus inventores esculpidas em madeira, mármore, prata ou
ouro, consoante a importância do seu trabalho.
O reconhecimento concedido aos inventores no Renascimento cresceu
tanto que nos séculos seguintes, com o advento da industrialização, estes
homens tornaram-se heróis culturais. No século XIX, publicou-se uma
grande quantidade de livros de divulgação da vida e obra dos inventores. O
paraíso tecnológico de Bacon acabou por se realizar nas exposições industriais
internacionais e nos museus da ciência e da indústria. Foram erigidas estátuas
de inventores em locais públicos, juntamente com as de outras personagens
famosas, e o governo criou o sistema de patentes para alimentar, proteger e
premiar o gênio inventiva. A sociedade do século XX acrescentou o seu pró-
prio conjunto de honras, incluindo medalhas de mérito entregues pelo
governo ou indústrias, e lugares bem remunerados em universidades, empre-
sas e instituições governamentais.
Hoje em dia, o reconhecimento e os prémios atribuídos aos inventorés são
considerados profícuos para os que vivem na Europa ou na América, mas há
outras culturas que condenam a-inovação tanto quanto estes confutentes pro-
curam promovê-la. Na tradição muçulmana, a inovação qu a novidade é
automaticamente considerada um mal até··p~va em contE~rio, e isto aplica-se
tanto às inovações criadas por crentes no IslãO-·cemo àS Importadas de outras
culturas. A palavra árabe bid'a tem o duplo significado de inovaçáo e heresia.
O pior tipo de bid'a é a imitação dos caminhos do infiel porque como o Pro- Figura~- Estagravur~ (c. 1580.), de Johannes Stradanus, celebra novegran:::n~~~~es67v~~:~
cobertas da Europa do Renascimento: (I) o Novo Mundo, (li) a agulhadm.gnifil. (VI(!) a d!tilaça·o'
feta avisou: «quem quer que imite um povo torna-se um deles." 12 --'6 • (VI) ·aco usado no tratamento a s IS, •
(IV)aimprensa,(V) Ora 81°• . oguat ' f guerraacavalo.Fonte:The"newdis-
Apesar de o Ocidente nunca ter condenado a inovação, a sua procura (Vlll) 0 bicho-da-seda, e (IX) o estnbo,que tomou poss ve1a
coveries" ofStradanus (Norw.tlk, Conn., 1953).
consciente é recente. Os historiadores fazem coincidir a origem da ânsia oci-
dental pela inovação com uma série de desenVolvimentos que tiveram lugar
na Europa do Renascimento (figura 4.3.).

u Bernard Lewis, TheMuslimdiscoveryofEurope (Nova Iorque, 1982), p. 224.

CHFC-ET-10
r
}' 140 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA INOVAÇÃO (2): FACTORESSOCIOECONOMICOS E CULTURAIS 1141

A exploração geográfica descobriu literalmente mundos novos; a obser- Aristóteles, com as artes mecânicas, que tinham sofrido um avanço contínuo
vação astronómica confirmou a existência de novas estrelas (novae) nos ao longo dos séculos. Enquanto os escolásticos discutiam acerca de questões
céus até à data considerados imutáveis; a escolástica medieval foi substituída filosóficas menores, os homens práticos desenvolviam novas formas de mover
por novos sistemas filosÇ>ficos; e a ciência moderna, ou "Nova Filosofia" máquinas, lutar nas guerras, fazer livros, navegar e construir edifícios. Estas
como então se dizia; apresentou uma concepção revoluCionária do Uni- mudanças técnicas eram provas inequívocas de progresso.
verso. No século XVII, o fascínio pela inovação era tal que as listas de livros Neste contexto, não se tratava de inovar por inovar. Uma inovação era
dos editores estavam cheias de títulos prometendo uma nova alquimia, mais uma contribuição para melhorar a humanidade. As invenções eram a
astronomia, botânica, química, geometria, medicina, farmacopeia, retórica prcva de que a humanidade estava a caminho de uma sociedade melhor, tal-
e tecnologia. Destes, os mais conhecidoS são o Discorso ... intorno a due vez mesmo perfeita. Esta visão optimista e maravilhosa do futuro foi severa-
nuove scienze (Duas Novas .Ciê~cias) (1638) de Galileu, a Astronomia Nova mente abalada pelos argumentos críticos dos .fllósofos do séculO XIX, pela
(1609) de Johannes Kepler, e o Novum Organon (Nova Lógica) (1620) de realidade das condições de vida nas fábricas e nas cidades industriais, e pelos
Francis Bacon. Lynn Thorndike conclui que "o novo se encontrava forte- horrores da guerra mecanizada nos conflitos por todo o mundo. No entanto,
mente presente na consciência dos homens do século XVII". 13 essa visão persiste ainda hoje. Reside na esperança daqueles que estão conven-
A ideia do progresso, uma das maiores e mais influentes ideias do mundo cid•::>S de que a energia nuclear ou solar, as colónias espaciais, os computado-
ocidental, está intimamente relacionada com a busca da inovação. Segundo os res, os robôs, ou a biotecnologia, conduzirão a humanidade à beira de uma
defensores desta tese, o percurso da história humana não é cíclico nem de idade sublimemente feliz.
declínio, mas direito e ascendente, para um futuro melhor. Portanto, a idade O domínio da natureza juntou-se à inovação e ao progresso para formar a
de· ouro não é wn par~so pe"rdido em tempos remotos, mas um lugar que será tríade de ideias que emergiram na Europa durante o Renascimento e se torna-
alcançado no futuro. Aqueles que buscam a sabedoria nos antigos deveriam ram instrumentos para estimular a mudança tecnológica. A ideia de que a
saber que os homens e as mulheres do presente e do futuro são os verdadeiros natureza existe exclusivamente para ser utilizada pelo homem pode ser
sábios. Os Gregos e os Romanos viveram na infância da cultura ocidental. encontrada pela primeira vez na descrição bíblica da Criação, no Génesis.
A ideia de progresso fortaleceu-se com as realizações científicas do Deus, tendo dado a Adão e a Eva o domínio sobre todas as plantas e animais,
século XVII que chamaram a atenção para a natureza cumulativa do conheci- ordenou-lhes que dominassem a Terra e a enchessem com os seus descenden-
mento científico. Os seus proponentes acreditavam que, à medida ·que a ciên- tes.Ao contrário das religiões orientais, em que a natureza e os seres humanos
cia moderna re~mia as suas reservas de factos e teorias, descobrindo os segre- coexistiam em igualdade de circunstâncias, o Judaísmo e o Cristianismo esta-
dos da natureza e ganhando controlo sobre os seus recui-sos, a humanidade ia belçceram uma hierarquia. As criaturas feitas à imagem de Deus tinham o
subindo a escada do progresso. Todas as actividades humanas seriam trans- controlo do resto da Sua criação.
formadas pelo espírito progressivo condutor da ciência. O historiador medieval Lynn White, Jr., afirma que o êxito espectacular do
Para fundamentarem as suas ideias, os defensores do progresso usavam OCidente no desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem as suas raízes na
exemplOs da tecnologia, pois c_onsideravam que as implicações tecnológicas crença judaico-cristã de que o dominio da natureza era sancionado pela reli-
eram óbvias para todos~ Todos concordariam que os Gregos e os Romanos gião. O esforço persistente e agressivo feito para explorar todas as forças e
nada sabiam da pólvora e da bússola. Estas inovações recentes dos modernos recursos naturais possíveis conduziu o Ocidente à liderança mundial da tecno:-
eram um sinal da superioridade da época presente e uma indicação de que logia. Os povos que professavam religiões com uma atitude mais c.ompl~~ente
estavam para vir ainda maiores maravilhas tecnológicas. face à natureza não desenvolveram a tecnologia até ao seu potenClal maxrmo.
~rancis Bacon tinha·.uma aptidão especial para contrastar a esterilidade A perspectiva judaico-cristã foi ampliada e elaborada no século XVII por ~ósó­
da filosofia especulativa, que se mantivera praticamente inalterada desde fos e ensaístas que, nas palavras de Bacon, defendiam que a natureza deVIa ser
14
feita "para servir os assuntos e as conveniências do homem". Assim, a ciência
u Lynn Thomdike, «Newness and craving for novelty in seventeenth-cenrury sdence and medicine»
Journal ofthe History ofIdeas 12 (1951 ), 598. '
14 Fr.mcis Bacou,Novum organum, livro 2,aforismo 31.
SELECÇAO (I); FACTORESECONÚMICOSEMILITARES 1143
1421 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA

moderna, que forneceu meios superiores para a compreensão do mundo S. Selecção (1): factores económicos
natural, garantiria que a natureza seria dominada de modo mais completo. e militares
A questão de forçar a natureza a ser subserviente relativamente às neces-
sidades humanas foi um tópico merecedor de comentário e discussão nos
séculos XVII e XVIII. No século XDC, o conceito era tão unanimemente aceite
que podia ser reduzido a uma fórmula expressa pela frase: a conquista da natu- Introdução
reza. A ·ideia de que a tecnologia devia ser utilizada em todo o seu potencial no
controlo da natureza não foi praticamente questionada até à segunda metade Existe inovação tecnológica em excesso e, por isso não há uma relação
do século XX. A sua verdade foi, então, posta em causa pelos líderes dos movi- ajustada entre invenção e necessidades. Para que haja um equilíbrio ~ínim~ é
mentos ambientalistas que, começando por volta de 1960, defenderam que ao fundamental que ocorra um processo de selecção, no qual algumas mov~ç:es
subjugar brutalmente a natureza, o ser humano estava não apenas a envenenar são desenvolvidas e incorporadas na cultura, ao passo que outras são reJelt~­
o ambiente circundante e a esgotar recursos naturais não renováveis, mas tam- das. As que são escolhidas serão copiadas, juntar~se-ão à cadeia de ~oisas ~el­
bém a praticar um acto imoral. Qual é o nosso direito de despojar um reino que tas e servirão de antecedentes a uma nova geração de artefactos. As movaçoes
antecede a vida humana na Terra e possui uma integridade e fins próprios? rejeitadas têm poucas hipóteses de influenciar a forma futura do mundo
Continua a ser incerto se os ambientalistas terão uma influência duradoura construído, excepto se for feito um esforço deliberado para as trazer de volta à
no modo como pensamos e agimos relativamente ao ambiente natural. Con- cadeia (figura 5.1.).
tudo, do ponto de vista privilegiado dos finais do século XX, o seu impacto Se isto faz recordar a noção de evolução por selecção natural, é esse
parece limitado. A maioria das pessoas que vive nas nações ocidentais, e muitas mesmo 0 objectivo. Existem, porém, diferenças fundamentais entre as evol~­
das que habitam outros locais continua,.m a acreditar que devemos encorajar ções orgânica e material que devem ser mencionadas antes de voltarmos a Uti-
todas as inovações tecnológicas porque contribuem para o progresso da huma- lizar a analogia da selecção.
A variabilidade, resultante da mutação e da recombinação dos genes dos
nidade e permitem-nos continuar a luta pelo domínio da natureza.
progenitores na reprodução sexual, é crucial para a evolução orgânica. ~ma
nova geração de elementos está sujeita à selecção natural, o que p~rmtte a
Conclusão ·
alguns elementos sobreviverem, reproduzrrem-se e transmt'tirem a suam forma-
Do material apresentado neste e no capítulo anterior podem ser inferidas ção genética. Os elementos dessa nova geração, que têm pote~cial para se
duas conclusões gerais. Primeiro, não há uma teoria abrangente da inovação moverem em muitas direcções evolutivas diferentes, são selecctonados pelo
tecnológica que inclua a maioria dos factores que influencia o aparecimento conjunto de condições- ambientais, biológicas, sociais - que dominava 0
da inovação. Há boas razões para a inexistência de uma tal teoria. Caso tal momento do seu aparecimento. Aqueles que subsistem têm um valor de sobre-
concepção fosse possível teria de incluir a irracionalidade da brincadeira e do vivência determinado p~las circunstâncias que encontram e não por qualquer
fantástico, a racionalidade do científico, o materialismo do económico e a critério absoluto de superioridade. Portanto, a evolução por selecção natural
diversidade do social e do cultural. não tem metas, designios ou direcções predeterminadas. Não é esse o caso !fa
selecção artificial levada a cabo por criadores de animais e plantas. Neste ~ •
0
A segunda conclusão é que a ausência de uma abordagem teórica satisfa-
tória da inovação não afecta a teoria da evolução tecnológica apresentada os critérios são estabelecidos pelos humanos que seleccionam caracterísncas
neste livro. Esta teoria requer um fornecimento adequado de novos artefac- que cons1"deram d"gnas·de
1
preservar• velocidade nos cavalos . de corrida, elevada

tos, ou de ideias de novos artefactos, a partir dos quais é possível ser feita uma produção de leite no gado leiteiro, resistência à d~e~ça _no t.ngo. ea
Mesmo esta explicação resumida revela dtstmçoes tmportantes entr
selecção. Os Capítulos 3 e 4 forneceram provas da existência de ricas e varia-
evolução dos artefactos e a evolução orgânica. Muitos dos aspectos da evol~­
das fontes de inovação. Foi demonstrado que a inovação está presente quando
ção tecnológica são comuns à selecção artificial. Os artefactos variantes nao
e onde os seres humanos decidem fazer coisas.
1441 A EYOLUÇAO DA TECNOLOGIA
SELEcçAO (I): FACTORES ECONÚMICOS E MILITARES jl45

capacidade de sobrevivência da espécie que conta - o facto de o organismo, e


especialmente o seu tipo, ser capaz de crescer e de se reproduzir no mundo
em que se encontra. Também se pode dizer que o artefacto. sobrevive e passa a
sua forma às gerações subsequentes de coisas feitas. Este processo requer a
intervenção de intermediários humanos que seleccionam um artefacto para
ser reproduzido numa oficina ou fábrica. Dada a complexidade e incerteza do
processo de selecção, o valor de sobrevivência é um conceito amorfo quando
aplicado à tecnologia.
Na evolução orgânica, os factores responsáveis pela criação de variantes-
mutação e recombinação- não são os mesmos que determinam a sobrevivên-
cia e a perpetuação da espécie. Também aqui, há uma divergência entre a evo-
lução dos artefactos e a evolução orgânica, porque muitas das forças que
encorajam a criação de artefactos variantes são também influentes durante o
processo de selecção. O capítulo anterior demonstrou que a crença na ideia de
piogresso estimula a invenção de novos artefactos. Essa crença também
influencia a subsequente selecção da inovação a desenvolver, através da cria-
ção de um meio social em que as coisas novas são recebidas como um sinal de
melhoramento.
Finalmente, o elemento descendente pode, com o tempo, transformar-se
Figura 5.]. Excesso de inovação: Eliminadores de fa 'Ih · · numa variedade identificável de uma espécie existente ou numa espécie total-
americana (1831-57) Estão aqui representad . u as para chammés tndustriais de odgem
foram patenteados n~ século XIX. Mecânicos ~~~nquenta ~ set: dos mais de mil desenho-i que
0
mente nova e distinta. Uma espécie biológica pode ser definida como um
ram-se na fútil procura de uma chaminé ue 'r . ntores, cldadaos comuns e excêntricos junta-
tes das fornalhas de madeira das locomoiivae ';ma~se a fuga de f~úlhas e carvões incandescen-
grupo de indivíduos morfologicamente semelhantes que em circunstâncias
(Baltimore, 1968), p. 115. s. onte. John H. Wh1te, Jr., American locom~tives no.rmais se reproduzem entre si. O conceito de semelhança morfológica pode
ser facilmente transfei-ido para o conjunto das coisas feitas. A classificação dos
artefactos em diferentes tipos, com base na sua forma e estrutura e organiza-
dos segundo o seu grau de semelhança, não apresenta dificuldades insuperá-
surgem da recornbinação aleatória de certas partes constituint fu d
tais - . es n amen- veis. No capítulo inicial ficámos a saber que este tipo de trabalho taxonómico
. , ' sao antes o resultado de um processo consciente em que são exercidos o teve início no século XIX com Pitt-Rivers e outros estudiosos. No entanto,
JUIZO e o gosto humanos na procura de urna finalidade bioló!Yica t ló .
· ló · - o- , ecno g:.ca, encontraremos problemas se tentarmos aplicar as noções de cruzamento e
pstco gtca, social, económica ou cultural Claro que e . t
· xts em casos em que fertilidade ao· mundo das coisas feitas. Em geral, as espécies biológicas distin-
um artefacto _m~da lentamente ao longo do tempo, através do acrescento de
tas não se reproduzem entre si, e nas raras ocasiões em que o fazem os seu~
pequenas vanaçoes, quase impossíveis de identificar É prova'••el q d
1· · v· ue o esen- descendentes são estéreis. Pelo contrário, diferentes tipos de artefactos são
vo vnnento dos utensílios de pedra constitua um desses casos C t d
s - . oou~= frequentemente combinados para produzirem entidades novas e fecundas.
ua ~mor parte, as mudanças nos artefactos são levadas a cabo h
m Ih til" por omens e O antropólogo Alfred L. Kroeber ilustrou esta diferença critica entre os
u eres que u tzam a inteligência, a imaginação e o poder d .
tipos de coisas. e cnar novos seres vivos e as coisas feitas, desenhando duas "árvores genealógicas": uma das
espécies .orgânicas, a outra dos artefactos culturais (figura 5.2.). A árvore da
Da imensa variedade de artefactos concebidos pelo Homem há a! -
- e! - d - ' guns que vida orgânica de Kroeber copsiste em ramos separados que se dividem para
sao s ecctona os para mtegrarem a vida material da sociedade. Na natureza é a
formar novas espécies. Os ramos permanecem totalmente isolados uns dos
146/ A EVOLUçAO DA TECNOLOGIA
SELECÇ).O {l): FACTORES ECONÓM!COS E MILITARES jl47

momento, permitiu-nos analisar de perto os mundos paralelos dos organis-


mos e dos artefactos. Ao fazê-lo, descobrimos que estes dois domínios apre-
sentam uma rica diversidade de tipos e uma continuidade baseada em formas
relacionadas antecedentes. Também descobrimos que os organismos e os
artefactos partilham uma tendência para produzir inovações em excesso, para
se reproduzir através de cópia com variações e para espalhar as suas inovações
por uma vasta área geográfica.
Neste capítulo e no seguinte, a analogia evolutiva será utilizada para
explorar os factores económicos, militares, sociais e culturais envolvidos na
selecção de novos artefactos. Durante o processo de selecção, a humanidade
está constantemente a definir-se ~ a redefinir-se a si própria e à sua situação
cultural. Ao estabelecer os seus objectivos variáveis, são feitas escolhas tecno-
Figuns 5.2. Árvores genealógicas desenhadas elo antr ól
árvore da vida orgânica· à direita a árvore cf t [; op ogo A1fred L. Kroeber. A esquerda, a lógicas que podem afectar o bem-estar das gerações vindouras. Este processo
Anthropolo~ (Nova Jor~ue, 1948 ): p. 260 ; cop~i=~te ~~~t;s ~~~l:u~ai~ Fonte:. A1fred L. Kroe?er,
Inc.,actuahzadoemi95I por A L Kroebo R. ' ' e arcourtBraceJovanovKh, de selecção tem uma importância crucial para a história humana presente e
, . . r. elmpresso com pennissão do editor.
futura e, no entanto, não funciona de modo racional, sistemático ou demo-
crático. Neste método predomina a tentativa e erro, e o pequeno número de
homens e mulheres que nele participam está sujeito a, entre outras coisas,
outros:_nunca se cuz.-vam e nunca se misturam com outro ramo (espécie) para
coacções económicas, exigências militares, pressões ideológicas, manipulações
produzu novas formas de vida. Em suma esta árvo .
u , ' re parece-se muito com políticas e ao poder dos valores culturais, modas e caprichos. Um processo
ma arvore vulgar. Pelo contrário, a árvore dos artefactos culturais é um
aberto a influências de forças tão diversas e incompatíveis não pode ser facil-
~spécime arbóreo bizarro. Ramos separados fundem-se para produzir novos
mente resumido ou claramente reduzido a um modelo teórico. É mais bem
tipos, que, por sua vez, se misturam com outros ramos Por ex I
d _ . _· . · emp o, o ramo examinado utilizando exemplos representativos que ilustrem como é que foi
o motor de combustao m~ema')Utitou-se com ·o da bicideta e o da carrua-
de facto feita a escolha dos diferentes artefactos variantes no passado.
gem . puxada por cavalos para criar o ramo do automóvel
. , que, p or seu t urno,
se JUntou.com a da zorra para criar a camioneta a motor.
Considerações gerais
As diferenças fundamentais e~tr~ as duas "árvor s" d -
d . - e emonstram que nao
evemo~ ~phcar todo~ os elementos da teoria da evolução da espécie biológica Antes de revermos os principais factores que afectam a selecção, apresen-
ao ~o~umo tecnológico. Podemos afirmar c_om justiça que as inovações tec- taremos algumas observações acerca das invenções e do processo por meio do
nologtcas são seleccionadas paras~ multiplicarem e na- . d d qual são escolhidas e transformadas em produtos económicos e culturais.
. . • o precisamos e eter-
::nmar .q~azs ~e-ste~, n~v~s tipos de coisas devem ser considerados como uma Estas observações aplicar-se-ão à maioria dos casos que estudaremos porme-
espécte ou ttpo distinto. Assim, utilizo a 3nalogia evolutiva devido aos norizadamente neste e no capítulo seguinte.
poder ~etafórico e heurístico e reJ?rovo qualquer aplicação literal e roces:: Primeiro, o uso potencial e imediato de uma invenção não é, de forma
de especificação. p alguma, auto-evidente. Muitas vezes é difícil determinar com rigor o que
. Apesar de termos dado ênfase-a estas diferenças, não devemos perder de fazer com um novo instrumento. Foi este ~ problema que Thomas Edison
VIsta ~s beneficios que se podem Obter com a utilização da abordagem com- teve de enfrentar após ter inventado o fonógrafo (1877). Em 1878, Edison
parativa. No seu nível mais geral a analoaia evol ti publicou um artigo especificando dez maneiras em que a invenção poderia
• • • o..o u va serve como um princf-
PlO. de organrzação útil para o estudo da mudança tecnológica. Até este ser útil ao público. Sugeriu que o fonógrafo podia ser utilizado para registar
informações sem o auxílio de uma estenógrafa; providenciar "livros falantes"
1481 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO {l): FACI"ORES ECONÚMICOS E MILlTARES 1149

para os cegos; ensinar oração pública; reproduzir música; preservar ditos baixas até a Sony ter convencido as escolas, os colégios e as universidades
familiares, memórias e as últimas palavras dos moribundos; criar novos sons j<=.ponesas a adquiri-los para o ensino de línguas. Mesmo então, o mercado era
para as caixas de música e os brinq~edos musicais; produzir relógios capazes modesto. Só por volta de 1960 é que o gravador foi publicitado e vendido
de anunciar as horas e uma mensagem; preservar a pronúncia correcta de Ifn- como wn aparelho para gravar e reproduzir música, altura em que as vendas
guas estrangeiras; ensinar ortografia e outro material escrito; e gravar conver- começaram a subir muito.
sas telefónicas. A lista é importante porque representa a ordem de prioridades As histórias do fonógrafo e do gravador não foram aqui apresentadas para
do próprio Edison para as potenciais utilizações da sua máquina falante. mostrar, retrospectivamente, a falta de visão de Edison e da direcção da Sony
A reprodução de música surge em quarto lugar porque Edison considerava relativamente ao verdadeiro potencial das suas máquinas. Há aspectos mais
que se tratava de um uso trivial da sua invenção. Uma década mais tarde, legítimos e relevantes a notar. :É claro que o fonógrafo e o gravador não foram
quando o inventor se dedicou à comercialização do fonógrafo, continuou a desenvolvidos para satisfazer uma necessidade ou desejo identificável, pene-
resistir aos esforços para comercializar o fonógrafo como um instrumento de trante e premente. Quando estas máquinas foram inventadas, nem os tecnó-
r~produção de música e concentrou-se em vendê-lo como uma máquina para logos nem o público sabiam que uso lhes dar. Claro que tanto o fonógrafo
ditar. No entanto, houve quem reparasse no potencial recreativo da invenção como o gravador reproduziam sons, mas chegar a essa conclusão não equivale
de Edison e niodificasse os fonógrafos para tocarem autoinaticamente selec- a ter chegado muito longe. Que sons se deviam gravar? Em que contextos
ções musicais populares, em resposta à introdução de uma moeda. Estas s:>ciais ou culturais? Há muitas utilizações possíveis para uma nova máquina,
,,
j'' máquinas de moe~, colocadas em locais públicos, tornaram-se rapidamente :o.esmo para lima tão simples como um gravad.er. Na realidade, enquanto se
populares. Em 1891_, Edison não tinha qualquer desejo de aceitar est~sjukebo­ C.eparavam com dificuldades para vender os seus primeiros modelos, os direc-
xes primitivas, por acreditar que elas depreciavam a legitima utilização do t·:Jres da Sony obtiveram e traduziram um panfleto americano intitulado "999
fonógrafo nos escritórios. Usos do Gravador". Esta publicitação da versatilidade da máquina era um
~i· O êxito comercial e a utilização em larga escala do fonógrafo só ocorreram sinal de fraqueza, não de força, que retlectia a incerteza dos produtores ameri-
após o instrumento ter sido publicamente apresentado como um objecto de ca.t"J.os relativamente ao lugar do produto no mercado.
reprodução de música. Em meados da década de 90 do século XIX, até Edison Quando se selecciona uma invenção para ser desenvolvida, não se pode
concordou que a utilização fundamental da sua máquina falante se situava na partir do princípio que a escolha inicial é única e óbvia sendo ditada pela
área do entretenimento. Isto conduziu ao aparecimento de um lucrativo natureza do artefacto. Cada invenção oferece um leque de oportunidades, das
negócio de gravação fonográfica que fornecia uma enorme audiência por quais apenas umas poucas serão desenvolvidas durante o seu tempo de exis-
todo o mundo com música gravada e equipamento de reprodução. tência. As primeiras utilizações nem sempre são aquelas pelas quais a inven-
Poder-se-ia pensar que o exemplo do fonógrafo serviu como modelo à ção se torna conhecida. As primeiras.máquinas a vapor bombeavam água das
comercialização do gravador quando este foi pela primeira: vez· oferecido ao minas, a primeira utilização comercial do rádio foi no envio mensagens em
público, pouco-depois do final da Segunda Guerra Mundial. No entanto, tal código, sem a utilização de fios, entre navios no mar e entre os navios e as
não ocorreu. O gravador, desenvolvido na Alemanha durante a guerra, chamou estações em terra, e o _primeiro computador digital electrónicp foi concebido
pela primeira vez a atenção dos engenheiros japoneses no final dos anos 40 do para calcular tabelas de disparo das armas do exército americano.
século XX. Eml950, a Tokyo Telecommunications, a empresa que mais tarde A segunda observação a fazer é que mesmo quando h~ um consensO
se viria a tornar conhecida conio Sony, estava em condições de comercializar quanto ao uso a dar a uma invenção, não podemos pressupor _que ela fun-
a sua própria versão da máquina -: um modelo pesado, volumoso e caro. cionará como prometido.· De ig.icio, as invenções são frequentemente
O principal problema era encontrar-lhe uma utilização que fosse apelativa modelos grosseiros que dão corpo a ideias novas e que requerem refinamen-
para os consumidores japoneses. lnici<_~.lmente foram vendidos alguns conjun- tos adicionais. Os fabricantes baseiam a sua decisão de selecção não numa
tos ao Ministério da Justiça para gravar sessões de tribunal e a cientistas que locomotiva a vapor ou num transistor, mas nos primeiros protótipos que
os utilizavam para gravar dados, mas as vendas permaneceram extremamente realmente funcionam.
150 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (I): FACfORESECONOMICOS E MILITARES I ISI

I A máquina falante de Edison (1877), com a sua superfície de gravação em


papel de estanho e manivela manual, mal conseguia reproduzir a rima infantil
que o inventor gritou para o seu bocal (figura 5.3.). Nem o escritório comer-
1840 exigiam tempos de exposição de dez a noventa segundos; as pesadas e
lentas máquinas de escrever de meados do século XIX praticamente não cons-
tituíam uma vantagem relativamente a escrever com uma caneta; o primeiro
cial nem o ·centro de entretenimento poderiam ter utilizado uma máquina motor de combustão interna comercial, o motor vertical Otto e Langen
que gravava menos de dois minutos de" material e o fazia de forma deficiente. de 1866, tinha sete pés de altura e produzia uma energia de três cavalos; o pri-
Em 1880, Edison disse ao seu ajudante Samuel Insull que o fonógrafo não meiro aeroplano automotor dos irmãos Wright permaneceu no ar apenas cin-
tinha "qualquer valor comercial". 1 quenta e sete segundos; os receptores de televisão de 1920 ~inham pequenas
imagens (1,5 polegadas a 2 polegadas) desfocadas e bastante trêmulas; e o pri-
Entretanto, Alexander Graham Bell e Charles S. Taintner estavam a traba-
meiro computador electrónico ocupava mil e oitocentos pés quadrados de
lhar no melhoramento do fonógrafo. Foram introduzidos cilindros de grava-
espaço e pesava trinta toneladas. À primeira vista nenhum destes inventos
ção em cera, bem como um suporte melhor para o estilete de gravação e um parecia ter grande futuro e, no entanto, todos constituíram a base de uma
motor elêctrico de velocidade constante. Em 1890, estava finalmente à dispo- nova indústria.
sição do público uma máquina falante eficiente. A selecção de inovações envolve riscos e incertezas. Assenta num acto de
A história do estado inacabado do fonógrafo de Edison poderia ser repetida fé e na avaliação de que uma determinada invençãO será úti.l para um certo
no caso de muitas inOvações tecnológicas famosas. As máquinas fotográficas de segmento do público e que pode ser transformada num instrumento eficiente.
Há uma tendência generalizada para recordar alturas em que tal ocorreu,
quando, por exemplo, Edison ou Ford inventaram a lâmpada eléctrica ou o
Modelo T, dissipando dúvidas e críticas. COntudo, existe um certo número de
ocasiões em que o público rejeitou um produto novo ou e~ que não se con-
seguiram ultrapassar os obstáculos tecnológicos ao desenvolvimento de um
produto. Limitando a amostra ao século XX e ao transporte automóvel,
encontramos o combinado avião I automóvel (fim dos anos 30); o carro, o
camião e o autocarro movidos a turbina de gás (anos 50); o motor rotativo de
combustão interna (Wankel) (anos 70); e os motores de automóvel alternati-
vos - vapor modificado e eléctrico - propostas para solucionar a crise de
:: energia (anos 70). Todas estas inovações foram seriamente consideradas por
~(
T
pelo menos um dos grandes produtores, mas nenhuma delas conseguiu um
!
"
1 lugar no automóvel de hoje.
Pondo de parte as questões da eficiência e da utilidade, continua a haver
muitas barreiras a ultrapassar antes de uma invenção se tornar parte da vida
econômica e cultural de um povo. Nas sociedades modernas, tem de se reunir
o capital, a mão-de-obra e os recursos naturais, converter o modelo de traba-
lho num produto de consumo aceitável e fabricar o objecto de modo a poder.
Fi~ 5:3· O mais antigo mod~lo de fonógrafo de Edison (1877) era constituído por três partes ser vendido com lucro. Qualquer uma destas barreir~s pode implicar proble-
pnnapats: um bocal (A) para gravar o som; um cilindro de manivela (B) coberto com papel de mas imensos.
estanho onde que era gravado o som; u~ sistema deplayback (D) para voltar a reproduzir 0 som
gravado no estanho. Este fonógrafo contmha os elementos essenciais do sistema de reprodução do Não é necessário determo-nos na explicação pormenorizada da transforma-
som. Fonte: Edward W. Byrn, The progress of invention in the nineteenth century (Nova Iorque ção da invenção num produto tecnológico e comercial acabado, dado que,
1900), p. 274. Por cortesia de Russell & Russell. · '
como sempre, as nossas preocupações são mais teóricas. Assim, voltamo-nos
para um exame geral de alguns dos principais factores que influenciam a
1
Robert Conot, A strook ofluck (Nova Iorque, 1979), p. 245 selecção e para a discussão do significado das escolhas alternativas.
1521 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (l): FACTORES ECONÓMICOSEMILITARES 1153

Condicionalismos econômicos a é.istinguiria das tecnologias islâmica, bizantina, indiana ou chinesa. Na


Segundo o determinismo económico, a mudança tecnológica é acima de Europa do século XIII, a tecnologia caracterizava-se pela extrema dependên-
tudo uma questão de procura: o mercado exerce uma pressão suficientemente cia da energia hidráulica. A roda de água vertical, que então dominava a tec-
poderosa para estimular o inventor a seguir certas linhas de pesquisa e, em no:ogia medieval europeia, tinha tido origem na região mediterrânica oriental
seguida, transformar a invenção num produto comercial acabado. Esta expli- entre 150 e 100 a. C., e tinha sido inicialmente utilizada para fornecer energia
cação parece plausível, especialmente quando aplicada à mudança tecnológica
a moinhos onde eram moídos grãos para fazer farinha (figura 5.4.).
na moderna economia capitalista. Se houver lucro a obter com um determi-
Produzir farinha com técnicas manuais é uma tarefa árdua e demorada.
nado melhoramento ou invenção, é forçoso que algum investidor veja o seu
potencial e o coloque no mercado. Nesta visão determinista, o processo de Na índia> para preparar farinha suficiente para uma só refeição, uma mulher
selecção é largame.nte governado por forças económicas. demora duas horas a moer o grão num moinho manual semelhante aos utili-
Assim que nos perguntamos por que razão certas inovações surgem em zados na lL,tiguidade. Os moinhos com pedras de mó maiores e mais pesadas
determinado momento, levantam-se dúvidas sobre a força da explicação da podem prc-cessar o grão de forma mais eficiente mas requerem muito mais
pressão do mercado. Deveremos pressupor que antes não existia um potencial ,.:·, energia, geralmente de burros ou cavalos. Ambos os métodos exigem uma
mercado para elas? O historiador económico Nathan Rosenberg salientou que atenção permanente: os burros e os cavalos tinham que ser alimentados e
em qualquer altura há um conjunto de necessidades profundas que criam supervisionados, o mesmo acontecendo com as mulheres e com os escravos.
mercados potenciais e, no entanto, apenas uma pequena porção dessas neces-
sidades recorrentes é satisfeita. Poderemos afirmar honestamente, questiona
Rosenberg, que nunca houve um mercado potencial para os modernos cereais
de alto rendimento, contraceptivos orais, ou pacemakers cardíacos antes da
altura em que pela primeira vez apareceram?
A pressão do mercado era seguramente uma força misteriosa se pudesse
existir em potência durante décadas, ou mesmo séculos, e depois fazer apare-
cer subitamente um novo produto ou aparelho que "toda a gente sempre
desejou". O poder do mercado não pode explicar por si só o funcionamento
do processo de selecção, do mesmo modo que não podia explicar o apareci-
mento da inovação. Desempenha em ambos os casos um papel, mas não é, de
forma alguma, o principal actor da peça.
À medida que explorarmos a selecção de várias inovações importantes
mas diversificadas- o moinho de água, a máquina a vapor, a segadeira mecâ-
nica e o transporte supersónko - descobriremos que as forças económicas
interagiram com factores tecnológicos, sociais e culturais para determinar a
sua selecção. Nenhuma destas inovações teve uma selecção exclusivamente
controlada por exigências económicas, nem foi exactamente o mesmo con-
junto de factores que funcionou em cada uma quando o artefacto variante foi
escolhido e colocado num mais vasto contexto cultural.

A roda de água e a máquina a vapor


Figura 5.4. Moinho de água romano do século V d. C. (mostrado ?um corte parcial). A direcção
e a velocidade da energia rotativa produzida pela roda de água vertical era alterada po~ mudanças
Se fosse feito um estudo comparativo das tecnologias das grandes civiliza- e utilizada pra fazer girar a mó horizontal, localizada por cima da plata~orma de ~a~e1ra. O cereal
ções mundiais c. 1200 d. C, apenas uma característica da tecnologia ocidental ser moído era deitado no funil por cima da mó e a farinha era recolhida na penfena das pedras.
~onre:Tercy S. Reynolds, Strongerthan a hundred men (Baltimore, 1983), p. 39
1541 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (I): FACfORES ECONÚMICOS E MILITARES I ISS

O moinho hidráulico pode parecer uma alternativa atractiva aos moinhos Na altura da queda do Império Romano, as rodas de água eram utilizadas
manuais ou movidos por animais. Apesar de a construção de um moinho em alguns pontos da Itália e do Sul de França. Durante a Idade Média, a tec-
hidráulico exigir um investimento inicial mais elevado, uma vez pronto nologia espalhou-se de forma espectacular destes locais para o resto da
requeria poucas despesas adicionais. A água corria livremente, excepto Europa. Tinha demorado bastante mais do que quinhentos anos para que a
durante as secas, e o mOinho hidráulico não exigia uma atenção regular. energia hidráulica fosse aceite no mundo clássico, contudo nos sete séculos
Apesar destas vantagens, a energia hidráulica foi pouco utilizada após o que se seguiram até ao fim do Império Romano, em 476 d. C., foi utilizada
seu aparecimento. Só no século V ou VI d. C. foi feita justiça à roda de água. em rios da Espanha à Suécia, da Inglaterra à Rússia. O que é mais impressio-
Passaram-se mais de quinhentos anos entre a sua invenção e o uso generali- nante é que estas rodas de água não estavam confinadas a locais isolados espa-
zado nos finais do período romano. Por que motivo uma tão útil evolução lhados pelo mapa. Podem ser contados milhares, mesmo dezenas de milhares.
tecnológica ficou desaproveitada durante tanto tempo?
Durante a Idade Média foi dado uso à energia disponível na maioria dos
Terry S. Reynolds, que estudou o desenvolvimento das primeiras tecnolo-
grandes cursos de água europeus.
gias hidráulicas, apresenta várias razões para a lenta difusão da energia
Os construtores de moinhos e engenheiros hidráulicos medievais melho-
hidráulica. Primeiro, na Antiguidade o estado do conhecimento técnico não
raram a concepção dos moinhos hidráulicos, dos açudes e dos canais necessá-
permitia a construção de rodas eficazes. Muitas vezes, as rodas construídas
riOs para transportar a água até aos :rpoinhos. Apesar de isto ser por si só um
por engenheiros romanos não eram concebidas tendo em vista uma boa utili-
desenvolvimento impressionante, as novas utilizações dadas à energia hidráu-
zação da energia da água em movimento.
lica na indústria medieval tiveram um significado ainda maior. Os romanos
Segundo, os Gregos e os Romanos estavam condicionados pelas suas atitudes
utilizaram os moinhos hidráulicos para moer farinha e para elevar a água para
relativamente à natureza, ao trabalho e à tecnologia. Eram pessoas que acredita-
fins de irrigação. Pelo contrário, houve poucos aspectos da vida medieval que
vam que a natureza, governada por wn conjunto de deuses, era sagrada e não
não tivessem sido afectados pela tecnologia de energia hidráulica. A madeira
um domínio aberto à intervenção e exploração aleatórias dos homens; o desvio
era serrada, furada e torneada por instrumentos que funcionavam a energia
de rios e ribeiros para obter energia hidráulica podia ser interpretado como uma
interferência na ordem natural. Além disso, os membros das classes abastadas e hidráulica; os grãos eram moídos e as azeitonas esmagadas em moinhos
educadas desprezavam o trabalho manual e tinham relutância em aceitar inova- hidráulicos; a curtição do couro, o fabrico do papel e os acabamentos do ves-
ções tecnológicas como uma soluc?o para os seus problemas. tuário usavam equipamento movido a energia hidráulica; e a exploração
Terceiro, na opinião de Reynolds, as razões económicas podem ter tido mineira e a metalurgia dependiam de martelos, elevadores, bombas e foles
um papel preponderante. Na Antiguidade não havia tradição de investimento movidos a energia hidráulica.
em melhoramentos tecnológicOs. Era mais provável os proprietários das ter- O impacto da tecnologia de energia hidráulica na sociedade e na economia
ras guardarem o seu dinheiro do que gastá-:lo num empreendimento especu- medievais foi tão profundo que alguns historiadores modernos afirmam que
lativo que envolvia tecnologia não testada. Em lugar de arriscarem a sua foi uma das principais características da época. Diz-se que o moinho hidráu-
riqueza ·acumulada num tal investimento, as pessoas utilizavam a mão-de-obra lico, o moinho de vento e os mais eficientes arreios para os cavalos constituí-
disponível, que era abundante e barata. Os moinhos manuais e os moinhos ram uma revolução energética que distinguiu a civilização medieval de todas as
movidos por animais ficavam menos dispendiosos do que os moinhos anteriores. Pela primeira vez na história humana, construiu-se uma grande
hidráulicos em termos de construção e tinham ainda outra vantagem - em civilização com base em energia não humana. Os escravos não tiveram de car- .
tempos de menor actividade, os cavalos, os burros ou os escravos podiam ser regar o fardo da vida cultural e econômica medieyais porque foram desenvol-
imediàtamente-vendidos, recuperando-se assim o dinheiro neles investido. O vidas novas fontes de energia para ocupar o lugar da mão-de-obra escrava.
argumento de que a abundância d_e mão-de-obra funcionou como um O uso vulgarizado, diversificado e intensivo de novas tecnologias ener-
entrave à difusão da energia hidráulica é reforçado por documentos que géticas na Idade Média levou alguns historiadores a afirmar que na Europa
atestam que, no século IV d. C., os moinhos hidráulicos foram recomenda- Medieval ocorreu uma revolução industrial a vários níveis. Apesar de esta
dos pelos proprietários romanos como substitutos dos que dependiam da ener- afirmação poder ser rejeitada como um exagero, é possível, ainda assim,
gia humana, porque, na altura, a mão-de-obra se estava a tornar escassa e cara. concordar que na Idade Média se deram os primeiros passos decisivos. Em

CHI'C·BT·LL
''' 1561 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (1): FACTORES ECONÓMICOS E MILITARES 1157

... !

grande parte, a tecnologia medieval da energia hidráulica criou os alicerces na substituição de uma força de trabalho mais reduzida e mais cara. Por essa
para a industrialização.dos finais do século XVIII. razão, deve-se dar um peso idêntíco aos factores económicos e aos factores
A questão com que nos deparamos não é a de descobrir a relação exacta religiosos na explicação do crescimento da tecnologia de energia hidráulica.
entre as tecnologias e economias medievais e as modernas. Pretendemos saber Os moinhos hidráulicos medievais, especialmente em algumas das suas
por que razão a energia hidráulica foi incorporada tão profundamente na cul- manifestações mais elaboradas, exigiam o investimento de wna quantia con-
tura medieval quando no período greco-romano houve tanta oposição à sua siderável de dinheiro. A aristocracia feudal estava preparada para fazer o
selecção. A resposta não se encontra na evolução da tecnologia de energia investimento porque a energia hidráulica reduzia as despesas em mão-de-
hidráulica. Os melhoramentos introduzidos pelos tecnólogos medievais não obra e porque os moinhos podiam ser transformados numa fonte de rendi-
foram fulcrais para a sua aceitação generalizada. A antiga roda de água sem mentos adicional. Exercendo os seus direitos sobre os servos que trabalhavam
melhoramentos podia ter sido utilizada para transformar :a vida e a economia a terra, obrigaram-nos a utilizar os moinhos de grão senhoriais e a pagar em
da Grécia e de Roma. géneros pela sua utilização.
Se a Idade Média foi a época da energia hidráulica, também foi a da fé. No final da Idade Média, outro grupo social abastado, os mercadores que
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Qualquer tentativa de explicar a rápida difusão do moinho hidráulico pela viviam nos centros urbanos de comércio, também estava em posição de inves-
Europa durante a Idade Média tem de ter em linha de conta a influência das tir na energia hidráulica. Dado que não se podia valer de um monopólio
doutrinas e das instituições cristãs. De particular importância foi a fundação do senhorial para obter lucros, este novo grupo utilizou a roda de água para
monasticismo ocidental. De acordo com as regras beneditinas do século VI d. C., satisfazer os seus interesses comerciais, dando-lhe novos usos na indústria e
pelas quais se regiam os mosteiros, as casas religiosas deviam ser lugares iso- na manufactura.
lados onde os monges pudessem rezar e trabalhar sem serem perturbados. A A difusão e utilizações da roda de água não podem ser explicadas exclusi-
crença cristã na dignidade do trabalho manual, uma crença que não era vamente com base em fundamentos económicos. Os factores económico e
comum na Antiguidade, era um aspecto central da vida monástica. Espe- cultural devem ser considerados conjuntamente ao tentarmos compreender
rava-se que os irmãos fizessem a maior parte do trabalho, se não todo~ como é que uma inovação, ignorada pela Antiguidade, se tornou o foco de
necessário para abastecer o mosteiro de comida, abrigo e modestos confor- urna revolução energética que alterou drasticamente a vida na Europa da
tos materiais. Dadas estas circunstâncias, os moinhos hidráulicos tinham Idade Média e no princípio da Idade Moderna.
uma admirável utilidade. A utilização da roda de água garan:ia a auto-sufi- O reinado da roda de água terminou com a selecção do motor a vapor
ciência do mosteiro como comunidade, sem necessidade de comércio com o fixo •. mas o aparecimento desta nova fonte de energia não foi tão abrupto
mundo exterior, e deixava aos monges mais tempo para as suas devoções. como algumas vezes somos levados a crer. Durante muitas décadas ambas
Os mosteiros da Europa Ocidental adaptaram cedo a energia hidráulica, coexistiram nas indústrias europeias e americanas. O triunfo do vapor ocor-
não apenas para moer farinha, mas também para fazer cerveja, ferro, couro reu mais de um século depois do aparecimento do motor de Newcomen.
e vestuário, entre outras c~isas. A construção de mosteiros em regiões que O período de duzentos e cinquenta anos, entre 1500 e 1750, marca o ponto
não conheciam ou utilizavam pouco a tecnologia de energia hi-::lráulica ace- alto da utilização industrial da roda de água. Com base nas realizações da Idade
lerou a sua difusão. Média, a economia industrial dos séculos XVI, XVII e XVIII avançou rapida-
Os moinhos hidráulicos monásticos também serviram de exemplo para os mente com a evolução da energia hidráulica. Na Europa Ocidental e na Grã..
proprietários de terra laicos que enfrentavam a escassez rle mão-de-obra e -Bretanha multiplicou-se o número de moinhos hidráulicos, conceberam-se
necessitavam de novos proventos. A água que fornecia energia aos moinhos rodas de água que forneciam mais energia e cresceram as aplicações industriais
monásticos para os piedosos também podia servir para a aristocracia feudal. A da energia hidráulica. Tudo isto foi·conseguido com rodas de água wnstruídas
oferta de mão-de-obra, tão abundante na Antiguidade, começou a diminuir em madeira por construtores de moinhos que se baseavam no conhecimento
no turbulento período final da Era Romana. No início da Idade Média, a acumulado ao longo de séculos de construção de rodas e açudes.
escassez de mão-de-obra tinha-se tomado um grave problema. Como muita Depois de 1750, sob o duplo impacto do crescimento industrial e da com-
da procura era no sector agrícola, os moinhos hidráulicos pro\"aram ser úteis petição por parte da máquina a vapor, a roda de água foi transformada numa
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1581 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELEcÇÃO (I): FACTORES ECONÚMICOS E MILITARES 1159

fonte de energia muito mais moderna e eficaz. A experimentação sistemática produzida energia. Os melhoramentos na concepção tinham maximizado a
com vários planos de roda, a análise teórica da roda de água em termos dos produç.ão, porém, as novas máquinas consumiam mais energia. A potência
princípios hidráulicos em que funcionava, e a substituição da madeira por produzida pelas rodas de água era mais ou menos equivalente à potência dos
ferro na construção das rodas proporcionaram uma tecnologia de energia motores a vapor da primeira metade do século XIX. À medida que o tamanho
hidráulica muito mais sofisticada. As rodas de água melhoradas podiam com- dos moinhos aumentou e se tornou necessária mais energia para fazer mover
petir facilmente com o típico motor a vapor do início do século XIX. a nova maquinaria, o motor a vapor mostrou-se à altura do desafio, ao passo
O primeiro motor Newcomen funcional foi construído em 1712 e utili- que a roda de água ficou para trás.
zado com uma finalidade muito específica -.bombear água de poços de Estes inconvenientes eram de importância crucial, contudo, em circuns-
minas. A exploração mineira era uma indústria que não se podia adaptar às tâncias especiais, podiam tornar-se irrelevantes. Na França e nos Estados Uni-
limitações da energia hidráulica. As fábricas de têxteis podiam ser construídas dos, onde existiam muitos locais recentes de utilização de energia hidráulica
próximo de boas fontes de energia hidráulica, mas o mesmo não acontecia que podiam ser facilmente desenvolvidos, o mqtor a vapor foi adaptado mais
com as minas de carvão e de estanho. Na melhor das hipóteses podiam-se tarde do que na Grã-Bretanha, um país com poucos desses locais. De um
escavar canais para transportar água para a roda de água da mina ou a energia modo geral, as rodas de água eram mais baratas do que os motores a vapor
gerada por um curso de água próximo podia ser transmitida por um sistema em termos de construção, necessitavam de muito pouca manutenção, não se
de varões ligados (chamados Stagenkunst) para fazer funcionar as bombas da avariavam tanto como os primeiros motores a vapor e eram uma fonte de
mina. Nenhum destes métodos era totalmente satisfatório, por isso, o motor energia conhecida e comprovada. Por essas razões, durante mais de um
de Newcomen, que muitas vezes utilizava a energia recolhida na própria século, a roda de água conseguiu sobreviver e oferecer uma dura competição
mina, começou a enGontrar um lugar nas regiões mineiras. aos motores de Newcomen e de Watt.
Muitas das aplicações industriais da energia hidráulica dependiam do
Depois de 1850, a roda de água, que tinha fornecido muita da energia
movimento rotativo, suave e constante da roda de água. O movimento gerado
necessária à industrialização da Europa e da América, não conseguiu satisfa-
por um motor Newcomen era alternado, para trás e para diante, bem adap-
zer as exigências de energia da indústria pesada. Ironicamente, foi o próprio
tado ao funcionamento de bombas mas não ao da maquinaria das fábricas.
êxito da Revolução Industrial que gerou exigências que só podiam ser satisfei-
Fazer com que uma máquina a vapor produzisse um movimento rotativo
tas pelo motor a vapor.
constituía um problema. A solução imediata e engenhosa foi utilizar uma
A resistência encontrada pelo motor a vapor quando procurou substituir a
máquina a vapor para elevar água para o funcionamento contínuo da roda de
roda de água encerra uma importante lição. Um observador moderno, que
água. Deste modo, juntaram-se duas fontes distintas de energia para criar o
subscreva a ideologia do progresso tecnológico, pode muito bem pressupor
movimento rotativo necessário para rodar a maquinaria nas fábricas ou as
que o motor a vapor d~via ter rapidamente substituido a roda de água. Con-
mós nos moinhos de farinha. As combinações do motor a vapor com a roda
tudo, como acabamos de ver, o fim da: roda de água não foi adiado por donos
de água foram muito populares na Grã-Bretanha dos finais do século XVIII,
de fábricas conservadores que decidiram mantê-la viva, apesar de já ultra-
especialmente na indústria têxtil.
passada. PelO contrário, a roda de água foi mantida durante décadas no
Como resultado do trabalho inventiva de ]ames Watt, entre 1780 e 1800,
século XIX, porque fazia sentido económica e tecnologicamente continuar a
foi possível obter um movimento rotativo suave de um motor a vapor. Estes
utilizar esta fonte de energia, que tinha surgido antes do nascimento de Cristó
desenvolvimentos acabaram por fazer com que a roda de água vertical fosse
e era bastante utilizada desde a Idade Média.
afastada do seu papel dominante como fornecedora de energia industrial.
No entanto, os séculos de melhor~ento não tinham solucionado os prin-
A segadeira mecânica
cipais problemas da energia hidráulica. As secas, as inundações e o gelo inter-
feriam no funcionamento da roda de água. A localização geográfica também Na América, durante o século XIX, a criação, a selecção e o desenvolvimento
podia constituir um problema, porque a energia hidráulica estava limitada a da inovação tecnológica eram, muitas vezes, levados a cabo por uma única figura
cursos de água caudalosos e rápidos. Um problema final relacionava-se com a -o inventor-empresário. Indivíduos como Robert Fulton, Samuel F. B. Morse,
160 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (1): FACTORES ECONÓMICOS E MILITARES 1161

Cyrus H. McCormick e Thomas A. Edison eram tão activos nas suas oficinas
como nos círculos comerciais onde obtinham o capital :1ecessário para a pro-
dução das suas invenções. Não satisfeitos por ficare:n parados enquanto
outros ponderavam os méritos dos seus trabalhos inventivas, estes homens
usaram os seus talentos e energias para apressar a sociedade a adaptar as suas
inovações. Um bom exemplo para ilustrar esse esforço é o caso de Cyrus H ...
McCormick (1809-84), o inventor da primeira segadeira mecânica bem suce-
dida e largamente utilizada, e também um dos fundadores da indústria da
ceifa mecânica.
Até meados do século XIX. a maior parte das colheitas era levada a cabo
por pessoas que andavam pelo meio dos campos brandindo as suas foices de
cabo comprido e cortando os cereais que tinham diante de si. Cada golpe da
foice cortava uma porção semicircular de cereais. Os ingleses foram os pri-
meiros a tentar a mecanização da ceifa, construindo máquinas equipadas com
lâminas de foice rotativas (na década de 90 do século XVIII) que imitavam o Figura 5.5. A segadeira de McCormick, em 1840. A segadeira era conduzida através do campo a
ser ceifado, com os cavalos na parte não semeada do campo. O movimento da máquina para diante
movimento oscilante dos ceifeiros. Quando estas máquinas falharam, cons- activava a rota~ do cilindro grande que empurrava os cereais para o meio dos dentes salientes
do met:anismo de corte (não mostrado na figura). Fonte: Michael Partidge, Fann tools through the
truíram segadeiras mecânicas com lâminas cortantes que copiavam o movi- ages (Reading, B73), p. 129, com permissão da Universidade de Reading, Instituto de História
mento de tesoura. Estas últimas, tiveram um sucesso limitado, e na década Agrícola e Museu da Vida Rural Inglesa.
de 30 do século XIX, foram suplantadas pela máquina de McCormick cujo cor-
tador utilizava uma lâmina serrada ou dentada com um movimentO de serrar.
Tendo concebido em 1831 um esquema básico para uma· segadeira funcio- com a Deerir,g Harvester Company para formar o gigante industrial Internatio-
nal, McCormick começou a melhorar a sua máquina e a Eazer planos para a sua nal Harvester, que desde então mudou de nome para Navistar Intemational.
produção (figura 5.5.). Reconhecendo que-o mercado para a segadeira, na parte A história frequentemente repetida de Cyrus McCormick, uma história de
oriental dos Estados Unidos era limitado pelo número de quintas de pequenas sucesso que salienta correctamente o impacto da sua segadeira na produção de
dimensões ai localizadas, trocou a sua nativa Virginia pelo Midwest e os gran- cereais, oculta alguns dos problemas que o empresário teve de enfrentar
des campos de trigo dos estados das pradarias. Toda a operação de fabrico de durante os primeiros anos de produção e comercialização da segadeira. Dado
McCormick, que tinha tido um inicio lento no Leste, fo:i transferida para Chi- que a ceifeir2. mecânica substituiu a foice manual ineficaz e consumidora de
cago em 1847, assim que o inventor arranjou o apoio fin211ceiro de que necessi- mão-de-obra, é legítimo perguntarmos por que razão as máquinas de McCor-
tava para abrir uma loja em que as segadeiras pudessem ser produzidas em mick não foram compradas em grande número pelos agricultores antes de 1850.
quantidade. À medida que o seu negócio prosperou, McCormick passou a dedi- Afinal de contas, a segadeira mecânica podia cortar dez a quinze acres de trigo
car menos atenção à vertente técnica, deixando essa questão para os mecânicos num dia, comparados com o um a dois acres da foice manual. A segadeira de
e engenheiros que contratou, e concentrou-se nas batalhas jurídicas por causa McCormick foi patenteada em 1834 e a sua produção teve início sete anos mai~
de patentes e na promoção das vendas das segadeiras. tarde. No entanto, poucas segadeiras se venderam entre 1841 e 1855.
McCormick foi um pioneiro na criação de novas técnicas de comércio. Grande parte deste hiato de tempo pode ser explicado pelos problemas
Utilizou bem os testes de campo q~e comparavam as suas segadeiras com as encontrados pelo inventor ao traosformar o seu protótipo numa verdadeira
produzidas pelos rivais, procurou novas maneiras de publicitar o seu pro- máquina agrícola que funcionasse em diferentes tipos de terreno e pudesse ser
duto, e ofereceu incentivos financeiros especiais aos compradores das suas manipulada poi qualquer agricultor. O historiador económico Paul A. David
máquinas. A McCormick Harvesting Company tornou-se rapidamente numa sugeriu que não foi esta a única razão para a lenta difusão da segadeira. Este
força dominante na indústria de equipamento agrícola. Em 1902, fundiu-se historiador defende que, no início da década de 50 do século XIX, era mais
162[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (I}; FACfORES ECONóMICOS E MrLITARFS [163

lucrativo para os agricultores com pequenas propriedades utilizarem foices para representativos. Os principais intervenientes no debate do TSS incluíram o
colher os cereais do que comprar uma segadeira mecânica. Segundo os seus cál- governo, a indústria e o público. Os seus desacordos relativamente a questões
culos, uma quinta de 46,5 acres marcava o limite a partir do qual a utilização da económicas e tecnológicas foram agravados pelas suas diferentes concepções
segadeira se justificava. Apenas os que trabalhavam uma área de terreno superior da importância do prestígio nacional, crescimento económico a longo prazo,
consideravam valer a pena investir em segadeiras mecânicas; os restantes conti- conservação ambiental e qualidade de vida. O resultado final deste longo
nuavam a confiar no trabalho manual. Depois de 1855, a mão-de-obra encareceu, debate (1959-71) foi a decisão de não construir o TSS.
o tamanho dos campos de cereais aumentou e o preço da segadeira manteve-se, Para compreender melhor a natureza da mudança tecnológica é necessá-
altura em que se tomou económico utilizar os aparelhos mecânicos de ceifa. rio ter em conta que o processo de selecção inclui não só a aceitação das ino-
A história da segadeira de McCormick mostra as actividades e os .êxitos do vações, mas também a sua rejeição. A rejeição deliberada da inovação serve
inventor-empresário típico da América do século XIX, mas também evidencia as como correctivo para aqueles que pensam que a tecnologia se move de
suas limitações. Independentemente da eficiência e dedicação que McCormick sucesso em sucesso sem quaisquer obstáculos. Fazer uma selecção entre as
empenhou na pronioção da sua invenção, a aceitação final da máquina depen- possibilidades tecnológicas em competição implica que algumas dessas possi-
deu da sua viabilidade tecnológica e económica. bilidades têm de ser excluídas da corrente principal de coisas feitas.
A segadeira apareceu num momento em que o cultivo do trigo estava a ter Nos finais da década de 50 do século XX, a maioria das pessoas acreditava
um imenso sucesso no Oeste, estimulado pelas vastas extensões de terra fértil que o TSS de construção americana não demoraria a transportar passageiros
e barata. Estas quintas eram grandes, relativamente planas e sem rochas, o que por todo o mundo. Desde os tempos dos primeiros voos em Kitty Hawk, em
as tornava ideais para as técnicas mecânicas de ceifa. 1903, a velocidade dos aviões tinha vindo a aumentar a um ritmo regular.
A introdução da segadeira mecânica também coincidiu com outros melhora- Assim, quando pela primeira vez se considerou seriamente a hipótese do
mentos técnicos na agricultura e com a extensão dos caminhos-de-ferro. As desenvolvimento do TSS, as pessoas não puseram em causa a ideia de que até
linhas do caminho-de-ferro foram essenciais para o crescimento agrícola do 1970 os aviões de transporte estariam a voar a velocidades de Mach 2 ou
Oeste e do MidWest. Os cereais em excesso eram transportados por comboio Mach 3 (Mach 1 equivale a 760 milhas por hora ao nível do mar).
para os populosos centros urbanos, e os produtos manufacturados e as A indústria aeronáutica americana tinha crescido durante a Segunda
madeiras eram transportados para as zonas rur~s. Desta perspectiva, a sega- Guerra Mundial através do desenvolvimento e produção de aviões militares
deira de McCormick pode ser compreendida como um factor importante na por contrato com o governo. O confronto Russo-Americano durante os anos
expansão da nação para oeste e na industrialização e urbanização da socie- do pós-guerra ajudou a perpetuar a íntima colaboração entre os produtores
dade americana do século XIX. aeronáuticos e os militares. Esta colaboração tinha aberto o precedente do
subsidio governamental de aviões radicalmente novos e mais rápidos. Apesar
O transporte supersónico de o transPorte supersónico ser um avião civil, a indústria aeronáutica pressu-
pôs desde o início que os fundos para o seu desenvolvimento seriam prove-
No século XX, a selecção de inovações tecnológicas tornou-se muito mais nientes do tesouro federal; porque os novos planos de aviões tinham, no pas-
complexa do que fora no século XIX, como é mostrado pela controvérsia em sado, recebido fundos governamentais.
torno da proposta de os Estados Unidos construírem aviões comerciais capazes Nos finais da década de 50 do século XX, as companhias aeronáuticas·
de voarem a uma velocidade superior à do som. Nenhum inventor-empresário Boeing, Douglas e Lockheed iniciaram estudos da viabilidade do TSS. A sua
cheio de força de vontade poderia ter controlado o conjunto ingovernável expectativa relativamente ao financiamento governamental do projecto foi
de instituições antagónicas que se ~efrontararn por causa do transporte reforçada por rumores que a Grã-Bretanha e a União Soviética já tinham ini-
supersónico (TSS). ciado programas com o TSS apoiados pelo Estado. De entre os potenciais
O TSS não é um exemplo típico do modo como a selecção funciona no patrocinadores governamentais do projecto TSS, a Federal Aviation Agency
caso do desenvolvimento tecnológico moderno, mas inclui a maior parte dos (FAA) (Agência Federal de Aviação) surgiu como a organização que teria a
elementos que se encontra espalhada por um número de exemplos mais responsabilidade de desenvolver o TSS.
164[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO(l); FACTORESECONÓMICOSEMIUTARES [165

Nos últimos meses da administração Eisenhower, ninguém constestava de imediato questões sobre o êxito comercial do empreendimento. Pagariam
que a FAA supervisionaria o trabalho num avião de aço inoxidável-titânio os clientes as tarifas mais elevadas do TSS quando podiam viajar de forma
com capacidade de Mach 3, que suplantaria tudo o que estivesse a ser pla- mais econômica nos aviões a jacto jumbo que estariam em breve disponíveis?
neado pelas nações rivais. Esperava-se que esta maravilha tecnológica, ainda Os economistas não estavam seguroS de que o fizessem.
sem fundos, começasse a transportar passageiros dentro de oito a nove anos. A explosão sónica, um som explosivo criado pelo avião voando a velocida-
Na nova administração de John F. Kennedy, a FAA continuou a promover des supersónicas, também se tornou, por esta altura, num grave problema de
o TSS americano. Esta tarefa foi facilitada pelo anúncio de Novembro de 1962 relações públicas. A FAA patrocinou vários testes de ruído sobre a cidade de
que os governos francês e britânico tinham concordado no desenvolvimento Oklahoma e 23o/o das pessoas que os realizaram, afirmaram que nunca seriam
conjunto do Concorde de alumínio Mach 2.2. Alguns funcionários da FAA capazes de se habituar a viver com esse barulho. Só o trabalho em Washing-
previram que se o governo não agisse rapidamente, o país perderia o poten- ton de entusiásticos defensores do TSS e a ameaça do TSS estrangeiro nos
cial mercado internacional para 210 a 250 aviões comerciais, cinquenta mil céus americanos mantiveram o programa vivo. A ameaça externa ganhou cre-
postos de trabalho relacionados com a aviação seriam ameaçados e o seu dibilidade em Dezembro de 1968 quando o TU -144 supersónico da antiga
papel de líder no mundo da aviação civil seria posto em causa. Apesar destas União Soviética fez o seu voo de estreia e, em Março de 1969, quando o
previsões terríveis, havia cépticos que se opunham ao gasto de enormes quan- mesmo aconteceu com o Concorde.
tias de dinheiro federal naquilo que viam como um empreendimento exclusi- Mel Horwitch, historiador do conflito do TSS americano, designou o
vamente comercial e de carácter duvidoso. período seguinte do debate (1968-71) simplesmente como "Explosão". Nesse
Então, em Julho de 1963, a Pan American Airlines fez uma encomenda de momento, o TSS tornou-se uma questão de forte preocupação pública. O
cinco aviões de transporte Concorde. Esta foi uma acção calculada com o debate aceso terminou finalmente com o Congresso a votar o corte de todos
objectivo de forçar o governo dos Estados Unidos a dar apoio financeiro ao os fundos para o desenvolvimento adicional do avião. A fonte da explosão foi
programa do TSS. Pouco depois, o presidente Kennedy declarou que 0 a entrada na questão do desenvolvimento do TSS de grupos bem organizados
governo, caso o Congresso assim o desejasse, suportaria a maior parte dos de interesse público. A crítica informada destes grupos centrava-se em dois
custos de desenvolvimento de um TSS de construção americana. Dos mil elementos: os efeitos nocivos das explosões sônicas para a saúde e para as pro-
milhões de dólares necessários, 75o/o seriam provenientes do tesouro federal e priedades dos que viviam nas rotas de viagem do TSS, e os danos causados à
o restante da indústria privada. A FAA a:O.unciou imediatamente o regula- camada superior da atmosfera pelos voas supersônicos nessa região. O ímpeto
mento para os concursos do motor e da estrutura do TSS, anunciandO com já de si desacelerado do TSS foi suspenso pela introdução deste novo ele-
optimismo que os voos comerciais teriam início antes de Junho de 1970. '·· mento no debate.
Durante os cinco' a~o·s que.'se seguiram, entre 1963 e 1968, o programa O presidente Nixon tomou posse em 1968, tornando-se o quarto presidente
do TSS sofreu um período de fragmentação. Surgiram dúvidas e animosida- a estar envolvido na questão do TSS. A sua resposta inicial foi o pedido de
des até éntão ocultas, os burocratas, defendendo os seus partidos, entraram noventa e seis milhões de dólares para dois protótipos do TSS. A acção do pre-
em conflito uns com os outros, a confiança pública deSvaÍleceu-se e persisti- sidente só serviu para aumentar a crítica pública generalizada do TSS. Em Abril
ram os problemas técnicos. Perdeu-se a vontade de construir o TSS e de 0 de 1970, foi criada, na capital do pais, uma coligação com bases amplas contra
fazer rapidamente. o TSS. O sentimento público antitransporte supersônico foi reanimado quando.
Os problemas começaram com os produtores que não estavam satisfeitos cientistas conceituados e membros do governo falaram Jio Congresso contra a
com a fórmula de distribuição das despesas, de 75% a 25%. Desejavam, e atribuição de quaisquer fundos federais ao que parecia ser um desastre econô-
finalmente acabaram por conseguir, um acordo de financiamento de 90% mico e ambiental. Sob esta intensa pressão, os defensores do TSS no Congresso
a lO o/o. Após o assassinato de Kennedy, a nova administração Johnson decidiu vacilaram e nas votações seguintes, a última em Maio de 1971, foi cancelado o
fazer uma nova e mais rigorosa ânálise a todo o projecto do TSS. Durante o programa de construção de um transporte sUpersônico.
processo, a FAA perdeu o controlo absoluto sobre o TSS para uma comissão de Os defensores do TSS ficaram surpreendidos com a intensidade e eficácia
aconselhamento do presidente. Na comissão de aconselhamento levantaram-se da força da opinião pública sobre o seu programa de estimação. Não deviam
1661 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (1): FACTORES ECONóMICOS E MILITARES 1167

ter ficado. O final da década de 60 e o início da década de 70 do século XX, O TSS é também um excelente exemplo para ilustrar como os factores eco-
tinham sido marcados por protestos públicos, organizados e espontâneos, por nómicos se podem misturar, e até·ser ultrapassados, por outras forças no pro-
causa da guerra no Vietname, de questões de direitos cívicos e da destruição cesso de selecção. Muito antes de existir uma oposição organizada ao TSS, o
do ambiente. O TSS simbolizava uma grande acção governamental em favor governo e as companhias aéreas expressaram dúvidas quanto à rentabilidade
das grandes empresas e da tecnologia desenfreada, sem qualquer consideração deste transporte. Os defensores do TSS ripostaram apresentando projecções
pelos direitos e bem-estar dos cidadãos comuns. Na sua decepção, os apoian- económicas optimistas, desviando a discussão para os progressos feitos pelos
tes do TSS acusaram os seus opositores de serem Luddites empenhados na programas de TSS nos países rivais e utilizando manobras políticas e burocráti-
destruição de uma das maiores esperanças de tecnologia ocidental. Isto não cas para avançarem com o seu projecto. Quando os produtores de aeronaves
correspondia à verdade. No entanto, nunca tinha havido, nos tempos moder- subsidiadas não mostraram entusiasmo suficiente pelo transporte supersónico,
nos, um desafio público tão claro e concreto à crença de que a mudança tec- a FAA pressionou-os para emitirem avaliações positivas a seu respeito. Durante
nológica era progressiva e inevitável. a fase final do debate, um grupo distinto de economistas americanos divulgou
Horwitch enumera várias razões pelas quais o transporte supersónico um influente conjunto de afirmações críticas sobre o projecto do TSS. Con-
americano foi recusado. O TSS, que não era económico em termos de con- tudo, a decisão inicial de desenvolver o TSS não se baseou num estudo objec-
sumo de combustível, enfrentou o aumento do preço dos combustíveis e uma
tivo do seu valor económico, e a derrota final não resultou da preponderância
economia em declínio. Quando confrontados com estes problemas, os seus
dos argumentos económicos contra ele apresentados.
defensores nunca conseguiram arranjar boas e fortes razões económicas a
O TSS não ia aterrar na Lua nem era um novo míssil para o arsenal de
favor do TSS. A FAA, que tinha um carácter essencialmente regulador, não
defesa americano; era suposto ser parte integrante da indústria de trans-
estava preparada para esta tarefa, e os seus dirigentes eram insensíveis às ques-
porte comercial de passageiros. Que um tão óbvio empreendimento lucra-
tões que, na altura, motivavam os grupos de protesto. Os militares não se
tivo pudesse ter avançado tanto com uma tão magra base de promessa eco-
manifestaram a favor da construção do TSS, e as companhias aéreas, com
nómica levanta a questão de quantos projectos tecnológicos menos vantajo-
dúvidas acerca da rentabilidade comercial do TSS, mostraram-se relutantes
em manifestar um apoio incondicional. Se estas razões não fossem suficientes sos terão sido selecdonados para desenvolvimento com bases económicas
para acabar com o programa, havia também falhas técnicas na concepção do ainda mais dúbias.
avião e a perspectiva politicamente sinistra de as explosões sónicas irritarem a
populaçao quando o TSS lhe voasse por cima.
Necessidade militar
Ao rever as principais razões para o fracasso do TSS, podemos perguntar
por que razão os apoiantes do TSS lhes prestavam tão pouca atenção. A res-
A viabilidade comercial tem muito menos importância no caso da tecno-
posta tem duas vertentes. Primeiro, possuíam uma crença entusiástica no
logia militar. A preocupação com os custos e o reembolso adequado do inves-
progresso tecnológico. Sempre tinham construído aviões rápidos no passado,
timento sobrepõe-se a necessidade militar urgente, em tempo de guerra, ou a
e se tivessem oportunidade voltariam a fazê-lo, especialmente se fosse o
necessidade de preservar a segurança nacional, em tempo de paz.
governo a pagar a conta. Segundo, não tinham levado em linha de conta que
o público, através de activistas preocupados e organizados, entraria num Na era moderna, os imperativos militares afectaram a selecção de inova-
debate que eles supunham que iria ser restrito. De acordo com as regras ções tecnológicas fundamentais que acabaram por encontrar um lugar no .
dominantes, estas questões deviam ser resolvidas pelas elites empresariais, mundo civil. Por isso, há uma ligação intima entre os aspectos militares e civis
pelos militares e pelo governo. O processo de selecção de inovações para da indústria moderna. Em geral, os historiadores concordam que a tecnologia
desenvolvimento adicional não era, em geral, aberto a discussão pública, militar evoluiu rapidamente nas últimas décadas, mas discordam quanto ao
mesmo quando estava envolvido o dinheiro e o bem-estar dos contribuintes. seu impacto a longo prazo no crescimento económico, na industrialização e
Se o debate do TSS não' alterou radicalmente esse processo racional de selec- no desenvolvimento de outras tecnologias. Para alguns historiadores a guerra
ção, pelo menos expôs a sua injustiça e abriu um precedente para uma futura é uma força que reprime o crescimento da indústria civil Para outros é um
intervenção pública em casos semelliantes. elemento essencial na instauração do capitalismo industrial. Estes últimos
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168j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

defendem que a indústria do século XIX seguiu o modelo militar, utilizando de Cornell realizou um estudo comparativo e concluiu que os custos de fun-
fábricas em lugar de casernas, operários em lugar de soldados, e planea- cionamento do camião eram 25 a 40% inferiores aos custos de funciona-
mento e estratégia empresarial em lugar de planeamento e estratégia militar. mento do carro puxado por cavalos. Em 1904, a American Express Company
Uma prova antiga da associação dos militares com a tecnologia avançada publicou os resultados de testes conduzidos em privado que demonstravam
encontra-se nos livros de máquinas do Renascimento que retratam fantásticos que a distribuição do camião a motor era superior à do transporte por vagão
engenhos de guerra. Um pouco mais tarde, a procura militar de grandes puxado por cavalos e, em 1909, um artigo do Scientific American anunciava
quantidades de uniformes, géneros alimentícios e armamento anteciparam, que 0 camião se tinha tornado uma necessidade económica para o comer-
em certo sentido, a criação de mercados em massa financiados por uma pro- ciante. Embora as vendas de camiões a motor aumentassem a um ritmo regu-
dução em série. A indústria metalúrgica esteve muitas vezes relacionada com lar, em termos globais continuavam a ser relativamente baixas; o comércio e a
o fabrico de armamento, bem como com a indústria de explosivos. E os indústria continuavam a confiar no tradicional vagão puxado por cavalos de
lucros dos tempos de guerra serviram para o lançamento de muitas empresas eficácia comprovada. Esta situação persistiu até o camião entrar na guerra,
industriais novas. Porém, não se pode provar que a necessidade militar tenha primeiro contra Pancho Villa e o seu exército rebelde mexicano (1916) e
sido por si só responsável pela origem da indústria moderna. depois contra as Potências do Eixo Central (Alemanha, Aústria-Hungria e
No meu estudo das pressões exercidas pelos militares no processo de Turquia) durante a Primeira Guerra Mundial.
selecção, optei por evitar as controvérsias associadas com o assunto mais Os militares ainda não tinham abandonado o cavalo ou a mula, nem o
vasto da guerra e do industrialismo, e decidi concentrar-me no modo como vagão quando começou a Primeira Guerra Mundial. No entanto, a Inglaterra
duas inovações específicas foram primeiro adaptadas pelos militares e, mais e a França pediram imediatamente o envio de carros, camiões e ambulâncias,
tarde, pela sociedade civil- o camião a motor e a energia nuclear. uma encomenda que estimulou a produção americana de camiões. Entre-
tanto, 0 presidente Wilson mandou o brigadeiro-general John ]. Pershing
para o México para capturar Pancho Villa, após o seu ataque a território ame-
O camião a motor
ricano. Para a perséguição e para as suas linhas de abastecimento, Pershing
pediu 70 comboios de camiões motorizados, cada comboio com 27 camiões.
Os primeiros anos do século XX assistiram ao início da era do automóvel
A sua encomenda de 1890 camiões foi feita numa altura em que apenas exis-
nos Estados Unidos. O historiador de automóveis James J. Flink destacou três
tiam 1000 veículos motorizados em todos os sectores do exército. No final da
datas importantes nesse período: 1905, quando o New York Automobile
campanha infrutífera de Pershing, o exército tinha 2700 camiões e os Estados
Show, realizado anualmente, se tornou na maior exposição induStrial do país;
Unidos preparavam-se para entrar na guerra na Europa. Os produtores ame-
1907, quando os americanos começaram a considerar o carro como uma
ricanos já tinham enviado 40 000 camiões e ambulâncias aos Aliados, quando
necessidade; e 1910, quando na América foram registados 485 377 automó-
veis, o que fez do país o líder mundial em proprietários de automóveis. Pershing, tendo assumido o comando da Força Expedidonária Americana
Na América e no resto do mundo, os camiões a motor atrasaram-se relati- em 1917, pediu pelo menos mais 50 000 camiões adicionais para transportar
vamente aos automóveis. Em 1910, quando o registo de automóveis se apro- as tropas e os mantimentos do final da via-férrea até à frente de combate.
ximava do meio milhão, o registo de camiões era de 10 123. Na primeira Os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial serviram de campos
década da era da gasolina, os carros ganhavam de longe aos veículos motori- de teste para o motor, a transmissão e o design dos camiões; as exigências
zados expressamente concebidos para o transporte de mercadorias. militares ajudaram a uniformizar a produção de camiões; a utilização bélica
As experiências com camiões motorizados para transporte de mercadorias do camião demonstrou a sua fiabilidade e capacidade de adaptação; e os con-
foram levadas a cabo simultaneamente Com o trabalho nos primeiros automó- tratos governamentais financiaram a expansão das instalações de produção de
veis. Pouco antes de 1900, foram construídos e utilizados comercialmente camiões. O editorial de um número de 1918 do Horseless Age, a principal
camiôes de variados tamanhos e feitios, com motores a gasolina, a vapor e a revista do automobilismo americano, afirmava: "Esta guerra publicitou ao
electricidade. Já em 1900, um famoso professor de engenharia da Universidade mundo 0 camião a motor, mais do que qualquer outra coisa alguma vez
170 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (1): FACfORES ECONOMICOS E MILITARES 1171

poderia fazer." 2 Mais tarde, um historiador escrevendo sobre o início da não tivesse sido desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial. Na reali-
indústria dos camiões concluiu: "A Primeira Guerra Mundial foi o berço em dade, durante quase cinquenta anos, a necessidade militar tem tido uma
que o camião a motor foi criado. "3 enorme influência na produção internacional de energia nuclear.
Em 1914 os fabricantes americanos de camiões produziram 24 900 unidades, Com a subida ao poder de Hitler na Alemanha, durante a década de 30 do
quatro anos mais tarde, o número da sua produção awnentou para 227 250 uni- século XX, alguns cientistas europeus e americanos imaginaram que o ditador
dades. O armistício encontrou os produtores de camiões preparados para alemão poderia ser o primeiro a fabricar uma bomba atómica para fins mili-
uma capacidade de produção de tempo de guerra. A paz significava o fim dos tares. Assim, e·stes homens alertaram os seus governos para iniciarem progra-
contratos governamentais lucrativos e a possibilidade de o mercado nacional mas cujos objectivos seriam passar a energia atómica de uma fase experimen-
e internacional ficar saturado de veículos motorizados não necessários no tal para a sua aplicação prática numa arma.
exército em tempo de paz. Uma das figuras-chave na promoção da energia nuclear para fins militares
Apesar dos enormes problemas nos anos que se seguiram à guerra, a foi o físico húngaro Leo Szilard, que fugira da Alemanha Nazi em 1933. Szi-
produção americana de camiões nunca desceu abaixo do recorde estabele- lard constatou que uma cadeia de reacção nuclear auto-sustentada era capaz
cido em 1918, excepto na altura da depressão económica de 1921. Nos anos de libertar uma vasta quantidade de energia para usos militares e industriais
imediatamente a seguir à guerra invocou-se a defesa nacional para obter de grande escala. Por isso, em Outubro de 1939, escreveu o rascunho de uma
carta ao presidente Franklin D. Roosevelt, para ser assinada por Albert Eins-
dinheiro federal para programas de construção de auto-estradas por·todo o
tein, informando o líder americano de que os recentes desenvolvimentos na
país. Testemunhando perante o Congresso (1921), o general Pershing afir-
física nuclear tornavam possível a construção de um novo tipo de bomba
mou que a defesa de um país estava dependente de uma boa rede de estradas
extremamente poderoso.
e, um ano mais tarde, o exército elaborou o "mapa Pershing, mostrando as
Três anos depois da carta de Szilard-Einstein, foi entregue ao Exército dós
principais artérias que seriam vitais para a segurança americana em tempo de
Estados Unidos da América a responsabilidade de dirigir o Projecto Manhat-
guerra. Estas estradas de defesa nacional, como foram chamadas, tinham a
tan para criar uma bomba atómica. O projecto, que empregava mais de cem
particularidade de coincidirem com as principais artérias já apresentadas
mil homens e mulheres, gastou mais de dois mil milhões de dólares e acabou
pelos estados para integrarem o sistema de auto-estradas com apoio federal. por desenvolver as bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki (em Agosto
O Ministério da Defesa pressupôs que as estradas que satisfaziam a.s riúessi- de 1945). Qualquer esperança de energia nuclear abundante e barata para
dades industrias e comerciais do país também serviriam as suas necessidades usos civis esfumou-se quando os cientistas e engenheiros, sob a direcção do
militares. O apoio militar ao plano federal.de auto-estradas, no'Pós-guerra, general Leslie R. Graves, dirigiram todos os esforços para o fabrico da pri-
ajudou a jovem indústria de cami~es a motor a tornar-se no principal meio meira bomba atómica.
de transporte de mercadorias a .longa distância, em competição directa com o O conhecimento científico e a perícia técnica que permitiram ao Projecto
caminho-de-ferro. ,. ·. Manhattan realizar a sua missão militar podiam, até certo ponto, ser transfe-
ridos para a- produção de energia nuclear em tempo de paz. O isolamento do
Energia nuclear isótopo de urânio U-235, o mais adequado à cisão, constituía uma enorme
barreira técnica que foi uittapassada construindo enormes e dispendios~
Ao contrário do camião a motor que já existia antes de o Exército o ter
centrais industriais para separação do isótopo. O urânio-235, empregue ini-
tornado popular durante a Primeira Guerra Mundial, o reactor de energia cialmente como um explosivo na bomba de Hiroshima, também serviu como
nuclear foi um produto directo das utilizações militares da energia nuclear. A combustível reactor nas centrais de energia do pós-guerra.
América não teria hoje uma indústria de energia nuclear se a bomba atómica O primeiro reactor nuclear do mundo, a coluna de grafite e urânio cons-
truída por Enrico Fermi na Universidade de Chicago, em 1942, foi construído
2
Robert F. Karolevitz, This was truddng (Seattle, 1966), p. 65. com o patrocínio do Projecto Manhattan. Mais tarde foram construídos reac-
3
Ibid.
tores maiores e mais sofisticados para fins experimentais e para produzir

CHfC-ET·l2
172/ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇAO (!): FACTORES ECONÓMICOS E MILITARES [173

outro material da bomba, o plutónio. Mesmo não sendo a produção de ener- atómica. Uma vez declarada a paz, a Marinha, determinada a não ser suplan- -
gia a única razão para a existência destes reactores, o conhecimento adquirido tada pelo seu rival Exército, centrou a sua atenção na energia nuclear como
no momento de os conceber, construir e pôr em funcionamento foi útil para meio propulsor de embarcações à superfície e abaixo da superfície da água.
a indústria de energia nuclear. Isto exigia um controlo cuidadoso das reacções nucleares de forma que o
Nos anos que se seguiram ao lançamento da bomba em Hiroohima, os calor libertado pudesse ser utilizado para converter a água em vapor, que
escritores de popularização científica escreveram copiosamente sobre um podia, então, alimentar as turbinas convencionais de propulsão do navio.
paraíso atómico livre de doenças, pobreza e preocupações. Os jornalistas e os Dado os seus objectivos, a Marinha estava compreensivelmente mais interes-
porta-vozes governamentais prometeram que tudo isto podia ser alcançado se sada na tecnologia do reactor do que na concepção de armas nucleares.
a humanidade abandonasse os usos militares da energia nuclear e se dedicasse Nos primeiros anos do pós-guerra, o almirante Hyman G. Riékover não
ao átomo pacífico. era o único oficial naval intrigado pela ideia de uma marinha nuclear, mas
Ao contrário do sonho popular, a situação política do pós-guerra ditou que ele, mais do que qualquer outro, deve ter o c~édito de ter tornado a ideia
o átomo militar continuaria a reinar, uma situação a par do início da Guerra uma realidade. Além do mais, as decisões de engenharia tomadas por Ricko-
Fria. Porém não são ·só as tensões Leste-Oeste que devem ser responsabilizadas ver ao desenvolver os seus sistemas de propulsão nuclear e as condições sob
pelo adiamento do paraíso atómico. Os reactores ainda não tinham evoluído 0 as quais trabalhou iriam ter um impacto na comunidade internacional de
bastante para produzirem energia eléctrica de forma segura e eficaz. Além do energia nuclear.
mais, havia algumas dúvidas sobre se haveria urânio em quantidade suficiente Rickover, um oficial engenheiro que, em 1947, ascendeu a chefe do pro-
para alimentar um número razoável de grahdes reactores. grama de submarinos nucleares da Marinha, foi chamado para tomar uma deci-
Enquanto ?s reactores esmoreciam no seu estado experimentai, a tecnolo- são crítica em 1950. Foi obrigado a seleccionar o tipo de reactor a ser utilizado
gia das armas nucleares avançava velozmente nos Estados Unidos da América no primeiro submarino nuclear do mundo, o USS Nautilus. Esta decisão reve-
e na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Deparando-se com a lou-se de extrema importância para a história posterior da produção de energia
escalada da corrida ao armamento, o presidente Eisenhower sugeriu que as nuclear.
duas superpotências, no interesse da paz, partilhassem a sua tecnologia e os Num reactor nuclear, para além das questões de segurança, os principais
materiais nucleares com o resto do mundo. O plano nunca foi adaptado, mas problemas técnicos são o controlo e a moderação da reacção nuclear, a manu-
o programa dos Átomos para a Paz, do final de 1953, que dele nasceu, foi um tenção de uma temperatura aceitável no núcleo do reactor e a transferência da
triunfo da propaganda americana. energia para fora do núcleo, de forma a desempenhar um papel útil noutros
lados. Em 1950, podia-se retirar o calor do núcleo do reactor utilizando água
Uma parte importante dos Átomos para a Paz era a promessa americana
vulgar (ou leve), água pesada (óxido de deutério), um metal líquido, ou um gás,
de auxiliar outras nações, especialmente países subdesenvolvidos, a construir numa diversidade de sistemas de troca de calor. Cada um dos sistemas tinha as
reactores para produção de energia. A verdade é que, em 1953, os Estados suas vantagens e desvantagens e nenhum deles tinha sido convenientemente
Unidos não tinham eles próprios reactores, portanto, não possuíam modelos testado. Afinal de contas, a tecnologia do reactor só existia há oito anos.
para exportar. Entretanto, dizia-se que tanto os russos como os britânicos Rickover, que prometera colocar na água um submarino nuclear em
estavam na iminência de produzir electricidade com os reactores que tinham Janeiro de 1955, não podia dar-se ao luxo de cometer um erro na escolha do
concebido. ~ara o programa Átomos para a Paz continuar viável, e para os seu reactor. Após examinar cuidadosamente as opções disponíveis, seleccio-
Estados Vmdos manterem a liderança na tecnologia nuclear, era necessário nou um reactor que utilizava água leve como refrigerante e moderador. A
de~envolver rapidamente um reactor adequado. A solução para 0 problema responsabilidade da sua construção coube à Westinghouse Corporation de
veiO, como não podia deixar de ser, de um projecto militar em curso. Neste Pittsburgh, PensiJvânia. A escolha do chamado reactor de água leve foi uma
caso, do projecto patrocinado pela Marinha norte-americana. escolha conservadora, feita por um engenheiro que sabia que havia mais
Enquanto o Exército gastava vários milhões de dólares na produção de dados técnicos disponíveis sobre a água do que sobre outros refrigerantes e
armas nucleares, a Marinha não tinha tido oportunidade de entrar na idade que a tecnologia para a transferência de água já existia para caldeiras a vapor,
174j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (I): FACTORES ECONÚMICOS E MILITARES ]175

turbinas e similares. A decisão de Rickover conduziu a um êxito estrondoso.


Conseguiu pôr o seu submarino nuclear a funcionar a 17 de Janeiro de 1955.
Ao navegar à volta do mundo, o USS Nautilus bateu todos os anteriores
recordes de viagem subaquática. gerador
da turbina
Os submarinos eram apenas uma parte de urna Marinha totalmente
nuclear. A propulsão nuclear de grandes navios, especialmente de porta-
aviões, também se tornou uma das prioridades da Marinha. Impressionada
pelos progressos de Rickover no seu submarino nuclear, a Marinha escolheu
um reactor de água leve para o seu projecto de porta-aviões nuclear (figura 5.6.).
O reactor do porta-aviões devia ser um protótipo construído e testado numa
base na costa antes de ser preparado para instalação a bordo.
DI vapor ~água do
~reactor
Antes de ter progredido substancialmente, o projecto do porta-aviões foi água de refri- água na
• geração do • espiral
cancelado por razões económicas pela administração Eisenhower. Contudo, condensador secundária
Rickover, através de uma série de manobras hábeis, fez renascer o reactor do
porta-aviões sob uma nova forma. Agora seria um empreendimento civil, o pri- Figura 5.6. Diagrama esquemático de um reactor de água leve. Neste modelo, a água sob pressão
meiro reactor americano a fornecer energia à rede eléctrica nacional. Com o é bombeada por uma espiral fechada (primária), transportapdo o calor gerado pelo núcleo para o
perrnutador de calor. No permutador de calor, a água _na espiral secuf.ldária é convertida e~ vapor
apoio da Comissão de Energia Atómica, a agência criada em 1946 e que tinha a que é utilizado para fazer funcionar o gerador da turbma. O vapor delXa o gerador da turbma para
seu cargo todas as actividades de energia atómica americanas, e com a benção ser condensado e bombeado de volta para o permutador de calor. No caso aqui representado, o
vapor é utilizado para produzir electricidade, num submarino o vapor é utilizado para propul-
do presidente que precisava desse reactor para o seu programa dos Átomos para sionar a embarcação. Fonte: Stephen Hilgartner, Richard C. Bell e Rory O'Connor, Nukespeak
a Paz, Rickover iniciou outro importante projecto bem sucedido. Este novo (São Francisco, 1982), p. 114.

projecto criou os alicerces para a indústria de energia nuclear americana.


Trabalhando com a Westinghouse, como fabricante do reactor, e com a
Duquesne Light Company de Pittsburgh, Rickover concebeu os planos para o
primeiro reactor de energia nuclear comercial da América. Foi construído no leve ser do tipo melhor para fornecer energia às companhias eléctricas. Na reali-
rio Ohio em Shippingport, Pensilvânia. As cerimónias de inauguração tive- dade, os reactores de água leve são uns dos menos eficazes consumidores de
ram lugar em Setembro de 1954 e no Natal de 1957 o reactor estava a produ- combustível de urânio. A escolha do reactor para Shippingport foi bastante
zir sessenta megawatts de electricidade utilizando uma versão modificada do influenciada pela determinação que os Estados Unidos tinham em obter o mais
reactor do porta-aviões nuclear. depressa possível uma central nuclear modelo. Acontecia que a Marinha tinha
A estação de produção de Shippingport teve uma importância decisiva na um reactor que funcionava para a propulsão dos seus navios e esse foi apressa-
indústria de energia nuclear nas décadas que se seguiram. O seu reactor serviu damente convertido para um uso bastante diferente.
de protótipo para os que foram posteriormente construídos e utilizados nos Para compreender a extensão da diferença do uso dado ao reactor é necessá:-
Estados Unidos e para os que foram enviados para o estrangeiro por compa- rio questionar a economia do reactor de água leve. Essa questão tem, claro está, -
nhias americanas. Shippingport utilizou um reactor de água leve e o mesmo pouco significado num contexto militar. Os construtores de bombas atómicas e
sucedeu com a maior parte das centrais que surgiu a partir de então. Dos de unidades de propulsão naval não precisavam de se preocupar demasiado
quase 350 reactores a funcionarem em todo o mundo, cerca de 70% são do com questões económicas, embora se esperasse que não ultrapassassem os seus
tipo de água leve. volumosos orçamentos. A necessidade militar e a segurança nacional tinham
Rickover escolheu a água como refrigerante-moderador porque satisfazia as a máxima prioridade. Pelo contrário, Shippingport fazia parte da indústria
suas necessidades imediatas para os submarinos e não por o reactor de água competitiva de produção de energia para o mercado.
'

176j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA


SELECÇÀO (I); FACTORESECONÓMlCOS E MILITARES 1177

Quais eram os custos da primeira central nuclear americana quando com- não nasceu de uma necessidade desesperada de os produtores de electricidade
parados com os custos das centrais concorrentes? Nos finais da década de 50 do
encontrarem uma alternativa às fontes de energia tradicionais.
século XX, quando uma central de vapor alimentada a carvão produzia electri-
Apesar de termos contado aqui a experiência americana, as interacções
cidade a um custo de seis mills (milésima parte de um dólar) por kilowatt de
entre as aplicações civis e militares da energia nuclear não estão confinadas
capacidade de produção, em Shippingport o custo era de sessenta e quatro mills
c:.os Estados Unidos. Já em 1940, um relatório britânico sobre a energia atá-
por kilowatt. Como a tecnologia era nova, esperava-se que os custos baixassem
mica declarava que existia uma relação próxima entre a exploração da energia
à medida que se ia aperfeiçoando, e assim aconteceu. No entanto, trinta anos
nuclear para fins militares e para produção de energia em tempo de paz. O
depois, as centrais de catVão continuavam a produzir energia a um custo ligei- mesmo relatório concluía que: O desenvolvimento de uma terá um efeito
ramente inferior à das nucleares. A discrepância já não está na ordem dos dez,
considerável no desenvolvimento da outra."4
mas também não estamos à beira de produzir energia a um custo demasiada- Na altura em que estava a ser planeada a central de Shippingport, a antiga
mente baixo para ser medido, como tinham prometido os primeiros defensores União Soviética, a Grã-Bretanha, a França e o Canadá estavam a desenvolver
da energia nuclear. Alguns críticos alegam que o exemplo de Shippingport reactores para a produção de energia eléctrica. Estas nações tinham diferentes
sobrecarregou a indústria com um reactor de água leve, um modelo que está instituições sociais e tradições políticas e, n9 entanto, os seus reactores de
para sempre condenado a não ser económico. Pode ser, ou não, o caso. O certo energia também estavam intimamente ligados a programas militares. O reac-
é que quando foi tomada a decisão inicial, a economia do funcionamento do mr soviético foi adaptado a partir de uma unidade de propulsão naval, os
reactor foi um dos últimos aspectos a ter em conta.
modelos biitânico e francês basearam-se em reactores que tinham sido origi-
A longa associação do sector militar com a energia nuclear exerceu nalmente construídos para produzir plutónio para bombas, e o reactor cana-
outras influências à medida que a energia nuclear era transferida para o sec- d:ano tinha sido, indirecta e fortemente, subsidiado pelo governo americano
tor civil da economia. A pesquisa e o desenvolvimento da energia nuclear através da compra de plutónio canad.iano para o fabrico de armamento.
desde o Projecto Manhattan tinham sido generosamente subsidiados pelo Sem a pressão da necessidade militar, e a generosidade que a acompanha,
governo federaL As grandes empresas americanas tinham-se habituado à não existiria hoje indústria de energia nuclear. É difícil imaginar um conjunto
situação em que o governo corria os riscos financeiros quando estava em
causa a energia nuclear.
de circunstâncias, excepto a guerra ou uma desastrosa escassez de energia, que
obrigasse 0 governo americano, em 1941, a investir os seus recursos m<;tteriais,
O reactor de Shippingport, ostensivamente parte de um complexo comer- mão-de-obra, talento e dinheiro para transformar as experiências de reacção
cial, era propriedade da Comissão de Energia Atómica. As instalações de pro- em cadeia de um físico numa bomba ou reactor funcionais. Nós, que vivemos
dução de electricidade foram construídas às expensas da Duquesne. A compa- do outro lado da revolução nuclear, esquecemo-nos de que antes de ter
nhia investiu o seu próprio capital, esperando beneficiar com a publicidade adquirido o seu encanto, no pós-guerra, a física nuclear era um campo de
que envolvia este esforço pioneiro e confiando que a comissão subscrevesse os estudO bastante esotérico. Tinha os seus divulgadores e promotores, mas
custos de funcionamento se o empreendimento provasse não ser lucrativo. A nunca teria conseguido convencer as empresas privadas ou o governo federal
Duquesne investiu na tecnologia convencional de Shippingport, a parte mais a gastarem dois mil milhões de dólares na investigação da energia nuclear
barata e segura do projecto.
durante um período de quatro anos. .
A pesquisa e o desenvolvimento dos reactores eram muito dispendiosos, Mesmo com a guerra e o dinheiro do governo para os estimular, os que tra-
e a indústria privada recusou subsequentes tentativas governamentais de a balhavam no Projecto Manhattan nem sempre estiveram certos de que conse-
estimular a financiar novos reactores para grandes centrais produtoras. A guiriam alcançar os seus objectivos. Num cenário de paz, com fundos e pesso~
indústria de electricidade não pode ser acusada pela sua relutância em inves- limitado, os problemas técnicos que desencorajaram temporariamente os partl-
tir na tecnologia nuclear. As centrais de carvão existentes baseavam-se numa cipantes no projecto teriam constituído uma barreira inultrapassável.
tecnologia bem conhecida e bastante fiável, e não havia nenhuma ameaça de
escassez de combustível num futuro próximo. A indústria de energia nuclear
• Gerard H. Clarfield e William M. Wiecek. Nuclear America (Nova Iorque, 1984), P· 22.
178] A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2); FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS ]179

Na segunda metade do século XX, esbateu-se a distinção entre os factores


econ~micos e militares que afectam a selecção de inovações tecnológicas.
6. Selecção (2): factores sociais e
Antenormente, os militares só tinham relevância como agentes seleccionado- culturais
r:s durante períodos de guerra. Noutras alturas faziam poucas exigências rela-
tivamente à tecnologia, como vimos no exemplo do camião a motor.
Após a Segunda Guerra Mundial veio a Guerra Fria, a corrida ao arma-
~ento, a corri~a ao espaço, e a crença de que a segurança nacional exigia um Para ser reproduzido e inserido na vida de um povo, o processo de selec-
mvel tecnológico cada vez mais elevado de preparação militar. No estado ção de um novo artefacto envolve diversos factores, uns mais influentes do
bélico que hoje existe nas nações mais industrializadas, as inovações são cons- que outros. O capitulo anterior centrou-se nos factores económicos e milita-
~an:em:nte examinadas para avaliar o seu potencial militar e há grandes res como agentes seleccionadores, mas nos casos da roda de água, do reactor
mdustnas que se dedicam exclusivamente a servir Os mercados miJi"ta res. nuclear e do transporte supersónico intervieram de forma óbvia outras forças
Muitas das mais entusiasmantes novas tecnologias dos finais do século XX no processo, nomeadamente sociais e culturais. As crenças religiosas antigas e
t~a~em a marca das suas origens militares. Incluem aviões a jacto, naves espa- medievais, a predisposição para aceitar a tecnologia avançada e os mitos utó-
Ciats, radares, computadores, máquinas-ferramentas com comando numérico picos acerca da energia desempenharam um papel auxiliar na selecção destas
computorizado e instrumentos de electrónica em miniatura. inovações. Neste capítulo, os factores sociais e culturais que governam a selec-
O papel extraordinário desempenhado pelos militares na determinação ção serão elevados a um estatuto de preocupação principal e examinados com
das escolhas t~cnológicas .torna a nossa era única na história da tecnologia. o auxilio de comparações interculturais.
Nunca antes tinham surgtdo e sido desenvolvidas tantas inovações impor-
tantes, em grande parte devido à sua potencial utilização no subsídio da A tecnologia e a cultura chinesas
guerra. Alguns críticos afirmam que a tecnologia dominada pelos mHitares
deforma a economia, distorce os valores sociais, degrada 0 ambiente e A influência dos valores e atitudes culturais nas escolhas tecnológicas é
ameaça. a vida na Terra. Da perspectiva dos finais do século XX, parece que mais óbvia nos exemplos retirados de culturas longínquas do que naqueles
a assoctação dos militares com a tecnologia inovadora pode bem ser uma que partilham a nossa visão ocidental. A tecnologia está tão intimamente
~as ~arcas de contraste da nossa era e o principal determinante do futuro identificada com a vida cultural de um povo que é difícil para um observador
Imediato da raça humana. indígena conseguir a objectividade necessária a uma avaliação crítica. Feliz-
mente, a história chinesa contém uma grande riqueza de material relacionado
com a tecnologia e a cultura, muito do qual foi estudado pelos historiadores
ocidentais modernos. Por isso, é acerca da civilização chinesa que primeira-
mente colocamos a questão: Como é que a cultura pode afectar a selecção e a
reprodução de inovações tecnológicas~
As três invenções que Sir Francis Bacon identificou como fonte de grandes
mudanças na Europa do Renascimento -a imprensa, a pólvora e a bússola-·
eram produtos da civilização chinesa, não da europeia. Segundo o filósofo
inglês, este triunvirato foi responsável por revolucionar a literatura, a guerra e
·a navegação. Se estas descobertas foram de importância monumental na
construção do mundo moderno ocidental, por que razão não exerceram uma
influência semelhante na China? Não há uma resposta totalmente satisfatória
para esta questão, e a procura de uma explicação vai-nos levar a explorar os
valores culturais da elite chinesa.
l!

180 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA


SELECÇÃO (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS j181

Imprensa
canos, primeiro feitos de bambu reforçado e depois de ferro. Em menos de
A mais antiga técnica de impressão chinesa foi a xilografia, inventada no um século, ãs armas de fogo espalharam-se do seu local de origem na China
século VIII d. C. Esta técnica utilizava blocos sólidos de madeira, na superfície para o Japão, Coreia e Próximo Oriente e, finalmente, para a Europa.
dos quais era gravado o texto de uma página inteira. Cada bloco gravado era, O mais antigo desenho de um canhão, na Europa, data de cerca de 1325.
então, molhado com tinta de forma a poderem ser feitas repetidas impressões Poucc. depois, a artilharia foi utilizada na guerra e, durante a segunda metade
em folhas de papel. Foi a xilografia, e não a invenção chinesa dos tipos móveis do século XIV, os fundidores de canhões europeus esforçaram~se por produ-
(tipografia) três séculos mais tarde, que transformou a produção de livros e a zir grandes canhões capazes de lançar pesados projécteis a grandes distâncias.
aprendizagem durante o renascimento intelectual da dinastia Sung (960-1279). Os grandes canhões europeus, inicialmente fundidos em bronze e depois
Através do uso difundido da xilografia, os textos filosóficos e os textos literá- em ferro, eram tão eficazes na destruição das muralhas dos castelos e das cida-
rios clássicos foram reimpressos, os autores foram estimulados a escrever des que provocaram grandes mudanças na teoria e na construção de fortifica-
novas obras, as colecções das bibliotecas aumentaram de dimensão e, em ter- ções. Assim, a condução da guerra de cerco foi alterada radicalmente pela
mos gerais, o grau de instrução subiu. Excluindo o seu conteúdo, os livros de introdução da pólvora. No campo de batalha, pelo menos antes do século XVII,
blocos Sung incorporam um nível de arte e acabamento que permanece insu- o canhão não provou ser tão útil. Os canhões eram demasiado lentos a dispa-
perado na história da imprensa chinesa. rar e demasiado pesados para serem deslocados com facilidade durante a
O papel foi produzido pela primeira vez na Europa no século XII, mil anos batalha. Estes inconvenientes não impediram a colocação de canhões a bordo
depois da sua invenção na China, e a tipografia só surgiu por volta de 1440. Ao dos navios. Filas de canhões podiam ser montacJa.s no convés e o navio fazia
contrário do papel, cuja difusão pode ser rigorosamente traçada do Oriente manobras na água para tirar melhor partido do seu poder.
para o Ocidente, ainda não foi possível determinar com certeza a linha de Quando, no início do século XVI, os navios portugueses, armados com
difusão dos tipos móveis. Contudo, existem provas que apeiam a afirmação canhões fabricados na Europa, navegaram para portos asiáticos, os Orientais
de que o conhecimento da tipografia chinesa influenciou <:. experimentação descojriram que as suas armas antiquadas eram muito inferiores às dos beli-
europeia com tipos móveis. gerantes estrangeiros. Os Orientais foram forçados a concordar com as exi-
A revolução tipográfica do século XV, associada a Johann Gutenberg, gências comerciais e territoriais dos Europeus e a pesar os beneficios e incon-
baseou-se no tipo de metal fundido e na familiar prensa de parafuso em que 0 venientes de fabricar canhões de estilo ocidental para defenderem a sua sobe-
papel era uniformemente pressionado contra a superfície das peças reunidas e rania. Os chineses foram colocados numa posição particularmente humi-
cobertas de tinta. O impacto destas inovações na cultura ocidental tem sido lhante quando tiveram de procurar auxílio técnico junto dos seus invasores,
celebrado e discutido desde o Renascimento. Os historiadores contemporâ- um povo que os chineses julgavam ser culturalmente inferior. O conheci-
neos têm associado a imprensa com o aparecimento da consciência moderna, mento da tecnologia militar ocidental tinha um preço- o Oriente devia adop-
a secularização e comercialização da matéria impressa, a revolta protestante tar os valores que tinham permitido aos europeus fabricar armas superiores.
contra a autoridade da Igreja Católica Romana, o aparecimento- da ciência lvfas poderiam as sociedades orientais tradicionais ser preservadas se seguis-
moderna e com o crescimento da instrução e da educação. sem o exemplo ocidental de promover agressivamente a mudança tecnológica
e cultivar a ciência moderna? Esta questão atoimentou os chineses durante o
Pólvora período de 450 anos de domínio ocidental no Oriente, e ainda continua a
preocupar o governo chinês.
A pólvora, o segundo dos arautos baconianos da modernidade, foi utilizada
pela primeira vez para fins militares na China, no início do século X d. C. As
mais antigas experiências chinesas com a pólvora incluíram utilizá-la como Bússala
agente incendiário e como propulsor de foguetes para projécteis ligeiros. Em A bússola, a última invenção-chave mencionada por Bacon, foi aplicada à
1231, foram produzidas granadas explosivas cheias com pólvora, e no final do
navegação pelos chineses no século XI d. C. Na sua aplicação original, a bús-
século XIII os chineses estavam a disparar projécteis com espingardas com
sola era um instrumento de adivinhação, oU previsão do futuro, feito de
182j AEVOLUçAO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1183

pedra-íman que é po t , .
' r na ureza magnetlca. Esta protobússola data pelo
Primeiro, é errado pressupor que a selecção de um determinado artefacto
menos, do primeiro século da nossa era. Quando a pedra-íman foi subst~tuída
novo terá o mesmo significado e influência em todos os países, sobretudo
por uma agulha magnetizada, por volta do século VII ou VIII b, l
com . , a ussoa quando as suas culturas são tão radicalmente diferentes, como no caso da
eçou a assumir a forma que hoje conhecemos.
China e da Europa. Imaginar que a introdução da imprensa, por exemplo,
Apesar de a bússola se ter tornado provavehnente um aux.ir d
ção marítima um o . zar a navega- deveria dar origem a um conjunto precisamente idêntico de acontecimentos
h d p uco mais cedo, sabemos que em 1080 era utilizada a
no Oriente e no Ocidente é uma perspectiva ingénua.
~r o de e~barcações de mar e que os chineses tinham descoberto a declina . .
Segundo, a afirmação de que os Chineses possuíam o conhecimento tec-
çao magnética - a incapacidade de a bússola indicar o norte verdadeiro Os
nológico essencial mas que o suprimiram ou o desviaram para usos triviais
~ercadores chineses começaram rapidamente a utilizar a bússola para a.bri-
não é convincente. Os Chineses deram uso prático à imprensa, à pólvora e à
em novos empreendimentos comerciais. No início do século XII os .
mT h' • J~ru bússola com o mesmo entusiasmo, e de uma forma de certo modo seme-
an Imos c ~~ses, navegando com o awcílio da bússola, transportavam ro-
lhante à que os Europeus empregaram ao desenvolver estas invenções.
dutos c~merczais para as fndias Orientais, fndia e Costa Oriental da Afri p O
Terceiro, a tentativa de avaliar o impacto comparativo de inovações idên-
c~mMércto marítimo chinês continuou a prosperar e a expandir-se sob o d:~í­ ticas baseia-se nas preocupações e valores da civilização ocidental. Na reali-
nro ongol, nos séculos XIII e XIV.
A .d dade, estamos a perguntar por que razão os Chineses não são como os Euro-
il propne ade pedra-:Íman de procurar os pólos era conhecida na China
peus, por que razão não iniciaram as revoluções gémeas, na ciência e na tec-
m anos antes de se tornar a base da agulha de marear No O 'd
· d d · CI ente, esta pro- nologia, que produziram o mundo moderno da Europa. Ou, por que razão os
~ne a e era desc~nhecida antes do aparecimento da bússola no século XII. Chineses não utilizaram a pólvora e a navegação para dominar os mares do
~esar_de os navzos comerciais chineses utilizarem de forma regular a bús- mundo como fizeram os Europeus? As questões deste tipo revelam mais
so a, nao podemos estar certos d h .
tenha difu d'd d . e que o con eczmento do instrumento se acerca das atitudes das pessoas que as colocam do que acerca dos Chineses.
. -- . n 1 o o Onente para o Ocidente. A bússola pode ter sido uma Após reco~hecer os problemas que se colocam nesta linha de raciocínio,
mvençao mdependente da área mediterrânica.
permanece· a sensação de que, num sentido mais restrito, a preocupação mais
.c • Sejamlhquais forem as suas origens, o efeito que a bússola teve no Ocidente
ampla é legítima. Mesmo os mais fortes defensores dos Chineses, enquanto
101 seme ante ao qu t Ch ·
. e eve na ma. Tornou praticáveis longas viagens por inovadores tecnológicos, admitem que há uma grande disparidade entre a
mar, ~em terra à VIsta, e facilitou a navegação à noite e em dias nebulosos em tecnologia na China e no Ocidente 1_10s séculos XIX e XX. No século XV, a
que nao era possível avistar os astros. A bússola foi um d . . .
t ló · os prmcrpazs avanços China e a Europa estavam tecnologicamente equiparadas, tendo em conta
ecno gtcos que, juntamente com os mapas marítimos os elh
c - d • m oramentos na que as invenções orientais viajavam com mais &equência para o Ocidente do
oncepçao . os grandes navios, e os canhões montados nos navios, acabou por que em sentido oposto. Surgiu, então, nos séculos XVI. e XVII, a ciência
d ar aos naviOs europeus 0 t d . .
d . con ro 10 as pnncrpais rotas marítimas do planeta moderna e apareceram as sociedades industriais nos séculos XVIII e XIX.
urante quase cmco séculos.
Estes fenómenos foram exclusivamente ocidentais - no Oriente não aconte-
ceu nada comparável. Além do mais, a civilização oriental teve grande dificul-
A estagnação cultural chinesa
dade em compree~der, quanto mais em adaptar, os resultados variados destas
Tendo resumido as or· enormes mudanças. O Ocidente tornou-se rapidamente o lider mundial da
como cru . . Igens e os usos das invenções que Bacon apontou
C1a1s na construção d 0 d ciência e da tecnologia, e o Oriente ficou para trás.
I . mun o moderno, reiteramos a questã
evantada no mício deste capítulo· Por qu - d o Alguns acadêmicos têm proposto várias explicações diferentes para o
c 'nfl · e razao estas escobertas não foram imenso fosso científico e tecnológico que separa o Oriente do Ocidente. Um
~:i~entue~nStes na mudança da cultura e tecnologia chinesas corno foram no
· e pensarmos um pouc argumento económico engenhoso, se bem que nem sempre convincente, foi
.
t ad a e etnocêntnca.
o, veremos como esta pergunta é desaJ·us-
sugerido pelo historiador Mark Elvin. Segundo Elvin, no século XVIII a eco-
nomia chinesa atingiu um estado que a tornava incapaz de gerar e suportar
1841 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (2): FACTOR.ES SOCWS E CULTURAIS 1185

mudanças tecnológicas internas. Na China, a tecnologia tradicional tinha sido oc:klentais que continuaram a ser convulsionadas por revoluções sociais, polí-
explorada até ao seu nível mais elevado para servir os gigantese>s mercados ticas e intelectuais recorrentes. Dada a sua sociedade de "estado-estável", os
internos. Quando havia uma escassez local de produtos, os versáteis mercado- chineses não estavam, de forma alguma, tecnologicamente estagnados. Fize-
res chineses entravam em acção para aliviar a situação utilizando os meios ram um progresso lento e contínuo em todas as frentes científicas e tecnológi-
disponíveis, como transportes baratos, em lugar de procurarem ou adapta- cas durante um longo período de tempo, até serem submergidos pelos súbitas
rem soluções tecnológicas inovadoras para os seus probleoas. Além disso, a modificações no Ocidente. Se existe algum assunto que necessite de ser escla-
economia chinesa era de tal forma maior do que a de qualquer outro país recido, conclui Needham, é a razão de a cultura e a sociedade ocidentais
europeu que teria sido impossível aumentá-la duas ou três vezes, como foi serem tão dadas à instabilidade. Seja qual for a explicação que aceitemos, após
feito nas muito mais pequenas economias ocidentais. As economias de peque- serem estudados os componentes sociais e econômicos da resposta chinesa à
nas dimensões, que respondem melhor à mudança e têm uma maior capaci- ciência e à tecnologia ocidentais, temos de enfrentar questões que exigem
dade para um grande crescimento, constituíram uma vantagem para os países uma análise das atitudes e dos valores culturais dominantes. Mesmo Need-
europeus, especialmente para Inglaterra. Portanto, a estagnaçãc• tecnológica ham, que oferece uma forte defesa da abordagem socioeconómica, admite
chinesa deveu-se a uma armadilha resultante do elevado nível de equilíbrio que factores ideológicos ainda não observados podem ser cruciais na explica-
que existia na sua economia. ção do fracasso da China em igualar as realizações científicas e tecnológicas
O sinólogo Joseph Needham identifica a estrutura da sociedade e do das nações ocidentais, nos tempos modernos, e da sua relutância em aceitar
governo chineses, e não a economia estática, como a fonte das profundas dife- -os resultados dessas realizações.
renças entre as tecn'?logias chinesa e ocidental nos tempos modernos. No A sociedade de estado-estável que Needham louvou pode ser encarada de
século III a. C., os estados beligerantes da China foram pela primeira vez uni- uma outra perspectiva, como uma sociedade tradicional presa a princípios
dos numa monarquia centralizada e a forma de governo estabelecida persis- confucionistas tradicionais, convencida da sua superioridade em relação ao
tiu, nos seus aspectos essenciais, até ao século XX- um governo imperial que resto do mundo e desconfiada relativamente a inovações tecnológicas, em
exigia um grande número de funcionários administrativos leais e ·:ompetentes particular as provenientes do Ocidente. Na opinião de alguns historiadores
para recolher impostos e impor as regras imperiais às regiões mais remotas do contemporâneos, os funcionários-académicos chineses eram homens de letras
vasto país. Deste modo, nasceu o que tem sido apelidado de burocracia asiá- com pouco interesse, ou simpatia, por ciência, comércio e serviços públicos.
tica ou feudalismo burocrático. A entrada para a burocracia estava depen- Além do mais, a concentração nos antigos autores chineses como campo de
dente de um vasto conhecimento dos clássicos literários e filosóficos, especial- estudo não conduzia à aceitação das ideias de inovação e progresso que
mente os de Confúcio, e a competência era determinada por wna série de tinham um primeiro plano na Europa do Renascimento. Nos finais do
exames patrocinados pelo Estado. sé<:ulo XVII, um viajante jesuíta notou que os chineses cultos se sentiam
Segundo Needham, a existência de um sistema feudal burocrático mitigou muito mais atraídos por antiguidades do que por coisas modernas. Observou
o crescimento de uma classe mercantil chinesa suficientemente pcderosa para que a predilecção chinesa pelo passado se opunha directamente ao amor
afectar as políticas e as acções governamentais. Pelo contrário, os comercian- europeu pela inovação. A pesquisa de Needham demonstrou que os chineses
tes europeus estavam em posição de moldar as decisões e as :::nstituições tinham uma concepção de progresso técnico - contudo, a sua definição e
sociais e políticas para servirem as suas necessidades e, assim, estimularam o aplicação do conceito era claramente diferente da dos europeus ocidentais.
progresso científico e tecnológico. Para além de ser conservadora, a sociedade chinesa era xenófoba. Tinha
Se considerarmos tudo o que foi dito até aqui, a ausência de- uma classe relutância em adaptar tecnologias estrangeiras não fossem elas substituir o
mercantil forte é um argumento negativo para ser apresentado por um sinó- modo de vida nativo superior. Nesta fase, precisamos de ter cuidado na ava-
logo sobre a sociedade chinesa. Por isso, Needham complementa-o com um liação das atitudes e do comportamento chineses. Uma explicação simplista
argumento mais positivo, afirmando que o duradouro governo burocrático e precipitada levar-nos-ia a concluir que os Chineses, cegos pelo seu senti-
da China introduziu uma estabilidade que não foi igualada pelas sociedades mento de superioridade cultural, se recusavam teimosamente a reconhecer
SELECÇ}.O (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS j187
J86j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

os méritos dos novos artefactos e técnicas das culturas estrangeiras. Uma aná- Dado que valores culturais e caprichos e modas se situam em extremos
lise mais profunda revelaria que os funcionários altamente instruídos da opostos do contínuo de agentes seleccionadores, os primeiros têm sido fre-
China Confucionista reconheciam a superioridade da tecnologia ocidental, quentemente ignorados ou mal-interpretados. No entanto, os caprichos e as
em especial do armamento. Estavam preparados para arriscar uma derrota modas também merecem especial atenção porque também são indicadores de
militar, ao rejeitarem armas e canhões ocidentais. Se aceitassem a tecnologia valores e ideologias que contribuem para o desenvolvimento da tecnologia.
Além do mais, não devemos confundir os estranhos artefactos que resultam
bélica ocidental, estes funcionários estariam a pôr em causa a cultura huma-
de um capricho que desaparece rapidamente da cena tecnológica com as cria-
nista em que tinham sido treinados e que tinha servido como fundação da
ções únicas, muitas vezes bizarras, de inventores ou mecânicos excêntricos.
ética e do governo chineses durante dois milénios.
Pelo contrário, a maioria dos caprichos é produzida por indústrias e tecnólo-
Alguns pensadores chineses do século XIX acreditavam que era possível
gos prestigiados, financiada por fontes privadas ou governamentais, e mos-
chegar a um compromisso entre os modos oriental e ocidental. Sugeriam que
trada ao público em geral. Examinaremos apenas dois destes casos: o cami-
os Chineses lidassem de forma selectiva com a tecnologia ocidental, sepa-
nho-de-ferro atmosférico e os veículos de propulsão nuclear.
rando cuidadosamente o artefacto em si mesmo dos valores e costumes que
consideravam repugnantes. Os homens mais sensatos faziam notar que o
O caminho-de-ferro atmosférico
artefacto e o sistema de valores eram inseparáveis. Se, por exemplo, a China
adaptasse o canhão e os relógios europeus teria necessariamente de adquirir A primeira linha do comboio a vapor de passageiros e mercadorias come-
os métodos tecnológicos ocidentais que os tinham tornado possíveis, bem çou a funcionar a 15 de Setembro de 1830, dando/início à era do comboio na
como as ideias ocidentais de guerra e tempo que incorporavam. Grã-Bretanha. Durante a primeira década, a construção das linhas prosseguiu
Em jeito de conclusão, regressemos à lista de Bacon das invenções que a um ritmo lento e regular enquanto eram planeados caminhos funcionais,
fizeram uma época, perguntando agora por que razão a imprensa, a pólvora e angariados fundos para assentar carris e projectadas novas linhas. Em meados
a bússola foram tão prontamente adaptadas pelos ocidentais apesar de serem da década de 40 do século XIX, chegou a obsessão pelo caminho-de-ferro
produtos de uma terra distante e remota. A resposta é simples. A cultura oci- durante a qual foram autorizadas 2800 milhas de carris- mais do que tinham
dental não era monolítica: os europeus eram edécticos, abertos a novas ideias sido assentes nos quinze anos anteriores. Os especuladores promoveram car-
e coisas. Dado que os novos artefactos não am~açavam o seu modo de vida, os ris de valor duvidoso e os investidores crédulos convenceram-se de que a
europeus incorporaram o triunvirato de Bacon na sua cultura, esquecendo· explosão do caminho-de-ferro os enriqueceria. O engenheiro Isambard K.
rapidamente as origens estrangeiras das inovações. No século XVII, Bacon já Brunel, ele próprio um construtor de caminhos-de-ferro, comentou o estado
de coisas em 1845: "Toda a gente parece louca- furiosamente louca com um
escrevia sobre este conjunto de invenções como sendo resultado do engenho
olhar sobressaltado- a única atitude para um homem são é sair do caminho e
europeu, não do oriental.
ficar calado." 1
Embora a tecnologia do caminho-de-ferro atmosférico seja anterior aos
Caprichos e modas anos de obsessão pelo caminho-de-ferro, foi durante o período de grande
éntusiasmo por novos esquemas de carris que se criaram as primeiras compa-
Em certas alturas do desenvolvimento da tecnologia, a selecção da inova- nhias de carris atmosféricos. Entre 1844 e 1847, foram planeadas ou construí-
ção é motivada, não por valores culturais largamente partilhados, mas por das linhas atmosféricas em Inglaterra, Irlanda, Escócia, País de Gales, França,
caprichos de curta duração que invadem uma região durante uma década e Bélgica, Aústria-Hungria, Itália e índias Ocidentais.
A tecnologia do caminho-de-ferro atmosférico é tão diferente da tecno-
depois desaparecem. Aqui também funcionam alguns dos impulsos de selec-
logia do caminho-de-ferro convencional que exige uma explicação porme-
ção que mencionámos anteriormente- entusiasmo por uma solução tecnoló-
norizada (figura 6.1.). A principal diferença entre os dois sistemas é que o
gica ou crença no progresso através da tecnologia - mas quando os impulsos
estão associados a ingenuidade, fantasia ou extravagância, podemos concluir
que a escolha foi feita com base num capricho ou moda passageira. 1 Charles Hadfi.eld,Atmospheric railways (Nova Iorque, 1968), p. 73.

CHFC-ET-13
1881 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÂO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS I 189

caminho-de-ferro atmosférico não utilizava locomotivas para puxar o com-


boio. Em vez disso, era colocado um tubo cilíndrico de ferro fundido entre
os carris, com um diâmetro de 15 polegadas, ou superior, e que se estendia
por.- toda a linha. Era afixado um pistão, concebido para caber comodamente
r:o tubo, à parte de baixo da primeira carruagem do comboio. Isto exigia que
fosse cortada um fenda longitudinal contínua na parte superior do tubo, de
modo que o suporte que ligava o pistão à carruagem se pudesse mover livre-
nente. Pan:. selar o tubo, era acrescentada uma válvula de couro que manti-
nha a fenda firmemente fechada, excepto quando passava um comboio.
Assim, enquanto no caminho-de-ferro a vapor a energia era fornecida por um
cilindro e um pistão situados na locomotiva, o caminho-de-ferro atmosférico
tinha o seu cilindro ao nível dos carris fixado a um pistão na primeira carrua-
gero e dispensava a necessidade de um motor de tracção.
Outra característica distintiva do caminho-de-ferro atmosférico era a uti-
lização da pressão atmosférica, e não a energia expansiva do vapor, para fazer
deslocar o pistão no tubo cilíndrico. Bombas de ar movidas a vapor eram
colocadas a intervalos de duas ou três milhas ao loúgo dos carris para evacuar
o ar dos tubos antes da chegada do comboio, fazendo, deste modo, que o pis-
tão, juntamente com o comboio a que estava ligado, se deslocasse na direcção
da pressão mais baixa.
Dado que as desvantagens deste caminho-de-ferro inovador são tão
óbvias, vejamos algumas das suas vantagens. Primeiro, o caminho-de-ferro
atmosférico proporcionava uma viagem limpa, silenciosa e rápida aos pas-
sageiros que tinham experimentado o ruído e a sujidade dos primeiros com-
boios a vapor. Segundo, colocava o motor a vapor, juntamente com o seu
fornecimento de combustível, bem assente no chão. A tracção a vapor des-
perdiçava energia porque a sua pesada locomotiva, mais o carvão e a água
tinham de ser constantemente arrastados ao longo dos carris. Terceiro, exi-
gia apenas ~..:m funcionamento intermitente das bombas de ar a vapor. Eram
necessárias durante cerca de cinco minutos antes da chegada do comboio, e
outras veze5 não era preciso retirar o ar do cilindro, o que economizava
combustível.
Das cerca de cem linhas a~osféricas propostas ou construídas na Europa,
só quatro foram realmente acabadas: uma na Irlanda, duas na Inglaterra e
uma na França. Ao todo, foram ass~ntes um total de 30 milhas de carris
atmosféricos: a linha mais curta tinha 1,75 milhas, a mais longa 20 milhas. O
Figura 6.1. O caminho-de-ferro atmosférico. Aqui estão representadas as principais característi-
01minho-de-ferro atmosférico irlandês, que começou a funcionar em 1844,
cas técnicas do sistema de caminho-de-ferro atmosférico. Não são mostradas as estações de bom- foi o primeiro a ser inaugurado. A linha de Paris foi a mais duradoura,
bagem que retiravam o ar do cilindro, ou tubo cilindrico. Fonte: Peter Hay, Brune!: his achievements
in the transport revolution (Reading, 1973), p. 86. abrindo em 1847 e sendo encerrada em 1860.
190 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1191

Vários inventores tinham apresentado esquemas de carris atmosféricos hora, faziam com que a válvula tivesse de abrir e fechar muito rapidamente, o
antes de 1840, mas a tecnologia básica só foi criada em 1844, após Isam- que provocava o seu desgaste ou deteriorização frequentes. Quando estava
bard K. Brunel, um dos mais conhecidos engenheiros da Inglaterra Vito- frio, a válvula gelava e não fechava, quando estava calor, a mistura gordurosa
riana, se ter envolvido no projecto. Apesar de ter prometido manter-se são utilizada para selar a válvula derretia. Quando chovia a água entrava pela vál-
no meio da obsessão pelo caminho-de-ferro, e apesar dos relatórios negati- vula aberta e era necessário retirá-la do cilindro antes de ser possível os com-
vos sobre o transporte em carris atmosféricos feitos por outro grande enge- boios circularem.
nheiro da época, Robert Stephenson, Brunel tomou a si a responsabilidade A tudo isto devem-se juntar três grandes falhas na concepção geral do sis-
de construir a linha atmosférica de South Devon, e assim teve início o
tema atmosférico, falhas que deviam ter sido identificadas logo no início. Pri-
"Atmospheric Caper".
meiro, a linha atmosférica dependia de uma cadeia de estações de bombagem.
A linha de South Devon atravessava alguns montes e Brunel tinha calcu-
Se uma delas falhasse era necessário fechar toda a linha: era impossível saltar a
lado que o comboio atmosférico, sem ~ carga extra da locomotiva, funciona-
bomba avariada. A linha estava limitada a viagens numa única direcção. O
ria melhor neste tipo de terreno. Além do mais,· pensou que a construção da
sistema de bombagem não tinha capacidade para acomodar tráfego fias duas
linha teria um custo inferior porque os carris e o leito em que assentavam não
direcções simultaneamente, e teria sido demasiado caro construir um sistema
teriam de ser reforçados para suportar o peso adicional das locomotivas. A 13
paralelo para o tráfego que se deslocava na direcção oposta. Terceiro, não
de Setembro de 1847, após três anos de trabalho, a companhia de South
Devon abriu o seu serviço ao público. Um ano mais tarde a companhia aban- existia nenhuma maneira fácil de expandir a linha se o tráfego aumentasse.
donou o seu funcionamento. O encerramento da linha atmosférica de South Num caminho-de-ferro a vapor era possível colocar uma locomotiva maior
Devon foi o mais caro fracasso de engenharia do seu tempo e manchou a para puxar mais carruagens. Num caminho-de~ferro atmosférico só se podia
reputação de Brunel. aumentar a potência instalando um cilindro de maior diâmetro, motores a
Os problemas encontrados na linha de South Devon e noutras linhas vapor mais potentes e acrescentando bombas de ar de maior capacidade.
atmosféricas eram numerosos e em alguns casos tão óbvios que é difícil com- Como é que tantos engenheiros, homens de negócios e investidores deixa-
preender como é que mentes tão engenhosas não foram capazes de os prever. ram passar estes inconvenientes, insistindo nos seus ambiciosos planos de
A ausência de uma locomotiva significava que o condutor de um comboio novas linhas atmosféricas? Claro que a resposta é que estamos perante um
atmosférico tinha menos controlo sobre ele do que o operador de uma esta- capricho e que aqueles que nele foram apanhados foram incapazes de ver as
ção de bombagem situada a 3 milhas de distância. Uma vez evacuado o cilin- suas múltiplas desvantagens. Brunel e os outros promotores do caminho-de-
dro, o pistão disparava para diarite e o condutor era obrigado a confiar num -ferro atmosférico acreditavam que os seus graves problemas técnicos acaba-
sistema de travagem, não totalmente seguro, para controlar a velocidade de riam por ser resolvidos, mas nunca chegaram a sê-lo.
um comboio sem mudanças. O arranque e a paragem do comboio atmosfé-
rico, bem como a sua mudança de uma linha para outra, também levantavam
grandes dificuldades. As passagens de nível, em que o tráfego de uma estrada Veículos de propulsão nuclear
pública atravessava a linha atmosférica com um cilindro saliente, criavam
ainda problemas adicionais. O transporte é um campo rico para procurar caprichos tecnológicos.
Em teoria, poupava-se combustível limitando o funcionamento das bom- Do mesmo modo que o interesse no caminho-de-ferro deu origem a~
bas de evacuação a três ou cinco minutos antes da chegada do comboio. A caminho-de-ferro atmosférico, também os primeiros aviões estimularam o
telegrafia do caminho-de-ferro ainda não tinha sido aperfeiçoada, portanto, interesse em aeronaves concebidas para transporte pessoal. Na América,
as estações de bombagem eram obrigadas a funcionar segundo um horário durante os anos de maior entusiasmo pela aviação (1900-50), houve muita
predefinido. Quando um comboio se atrasava, as bombas funcionavam muito especulação sobre uma máquina voadora familiar semelhante ao carro fami-
mais do que cinco minutos e desperdiçava-se combustível. O problema mecâ- liar no preço, na segurança e na fiabilidade. Para os habitantes dos subúrbios
nico mais grave e persistente resultou da manutenção da válvula longitudinal isto significava uma avioncta em cada garagem, para os da cidade, wn heli-
do cilindro. Os comboios em aceleração, deslocando-se a 50 ou 60 milhas por cóptero no telhado de cada apartamento.
192j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS jl93

O sonho parecia próximo de se realizar em 1926, quando Henry Ford


Os foguetões nucleares .produziriam um impulso maior do que o de um
começou a fabricar um avião a que alguns chamaram a "o económico carro
fog-uetão químico de iguais dimensões e poderiam viajar a maiores distâncias.
voador de Ford". Nos anos 30, o Gabinete Federal de Comércio ltéreo deu o
O lançamento do satélite espacial russo, Sputnik, em 1958, levou os defenso-
seu contributo para o capricho financiando a concepção do pr·::>tótipo da
res dos foguetões nucleares a afirmarem que os Estados Unidos poderiam
aeronave que se esperava que viesse a ser produzida em massa, como os auto-
readquirir o prestigio perdido se fossem os primeiros a entrar na Era Nuclear
móveis. Uma destas aeronaves, o Plyrnacoupe, era movida por um motor de
&pacial. Só os foguetões nucleares, defendiam, permitiriam à América ultra-
automóvel Plymouth. A Segunda Guerra Mundial pôs fim :=. essas experiên-
pé.ssar a superioridade russa em termos de foguetões químicos. Sob os nomes
cias, mas não ao sonho de o carro voador vir a ser uma característica da Amé-
de código Projecto Pluto, Rover e Poodle, foram feitas tentativas para desen-
rica do pós-guerra. Os fabricantes prometeram que os céus estariam em breve
volver foguetões de propulsão nuclear. Finalmente, em 1972, a Comissão de
repletos de Skycar, Airphibian, Convaircar, ou Aerocar, todos capues de via- ·
Energia Atómica decidiu suspender os fundos para estes projectos porque não
jar na auto-estrada e no ar.
havia maneira de neutralizar a radioactividade dos gases dos escapes.
Nenhum destes aviões veio a ser fabricado. O avião pessoal continua a ser
Não é necessário ter formação em engenharia para avaliar os graves proble-
um meio de transporte caro, inseguro e pouco conveniente :=JUando compa-
mas criados por um reactor de extremidade aberta a vomitar materiais radioac-
rado com o automóvel. Os americanos do pós-guerra subiram ao.; céus mas
tivos para o solo durante o lançamento e para a atmosfera durante o voo.
não nos seus aviões privados. Voaram como passageiros de grandes aeronaves
Ob"\.iamente, esta avaliação pressupõe que o foguetão permanece no ar após o
pilotadas e mantidas por tripulações profissionais de grandes empresas.
lançamento. Se se despenhasse durante o lança}llento ou mais tarde, o reactor
Independentemen.te de quão fútil tenha sido a sua busca, o avião dos
danificado libertaria niveis de radioactividade catastroficamente elevados.
pobres não foi de forma alguma tão dispendioso como o capricho dos veícu-
Uma abordagem bastante diferente, mas igualmente perigosa, à propulsão
los de propulsão nuclear que floresceu nos Estados Unidos, nos anos que se
espacial foi proposta pelo designer de armas atómicas Theodore Taylor e pelo
seguiram à Segunda Guerra Mundial. Antes de o sonho ter terminado, o fisico Freeman J. Dyson. Estes homens conceberam um plano para um veí-
Governo Federal tinha gasto mais de mil milhões de dólares em foguetões e
-culo capaz de se deslocar pelo espaço a uma velocidade de cem mil milhas por
aviões nucleares e mais de cem milhões num navio mercante nuclear.
hora. A velocidade seria alcançada e mantida pela explosão cronometrad~ de
Era há muito um lugar comum da mitologia da energia atômica que um uma série de bombas nucleares, a uma curta distância atrás da nave espacial,
pedaço de urânio do tamanho de uma ervilha continha en~rgia suficiente cuia energia seria dirigida contra uma enorme placa propulsora ligada à parte
para fazer subir um comboio de carga até à Lua. Se isso soava como uma tr~seira do veículo. Assim, a explosão das bombas lançaria a nave espacial
hipótese remota e impraticável, havia sempre a suposição de que c-s veiculos para os mais remotos planetas do nosso sistema solar.
movidos a energia atómica proporcionariam viagens ilimitadas por um Este esquema louco, designado Projecto Orion (figura 6.2.), custou ao
minuto de gasto de combustível. Os desenvolvimentos tecnológicos durante a governo cerca de dez milhões de dólares durante um período de sete anos
Segunda Guerra Mundial pareciam vir a tomar reais estas previsões. Se se (1958-65). A equipa que concebeu o Orion não prestou qualquer atenção às
pudesse fundir a tecnologia do motor a jacto com a tecnologia das armas atô- implicações biológicas e morai_s de lançar armas nucleares para o espaço exte-
micas, através de um projecto semelhante ao Projecto Manhattan, seria possí- rior e de poluir a atmosfera da Terra com poeiras radioactivas venenosas.
vel revolucionar o transporte por terra, ar e água. Pelo menos. isso era o que Vinte anos mais tarde, nas suas memórias (1979), Dyson admitiu que a nave
acreditavam os caprichosos da propulsão nuclear. Orion teria sido uma "criatura suja" que deixaria um rasto de "confusão
Nas décadas de 50 e 60, os entusiastas que estavam converrcidos: de que a ;::adioactiva"2 ao viajar pelo cosmos.
alternativa nuclear era sempre superior à tecnologia convencional obtiveram Outro brinquedo nuclear qu-e fascinou os caprichosos da propulsão
mais de dois mil milhões de dólares de fundos federais para pla:1earem e nudear foi o avião nuclear. Pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial,
construírem foguetões a energia nuclear. Na realidade, estes foguet5es deve- foi iniciado o trabalho numa unidade de reactor de propulsão que permitiria
riam ser reactores voadores nos quais o impulso era produzido pelo ar aque-
cido no reactor e depois expelido através de um tubo de descarga do foguetão.
2
Freeman Dyson, Disturbing the universe (Nova Iorque, 1979), p. I 15
1941 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (2}: FACfORES SOCfAIS E CULTURAIS 1195

Mesmo que o problema dos materiais utilizados para construir o reactor


tivesse sido resolvido, permanecia a questão da protecção adequada. Os
foguetões nucleares não tinham piloto, de forma que não havia necessidade
de proteger o reactor. No avião nuclear é necessário proteger a tripulação da
intensa radiação do seu motor. Grandes quantidades de água ou chumbo for-
neceriam uma protecção adequada, mas aumentariam astronomicamente o
peso do avião. Que fazer? Os patrocinadores sugeriram que a aeronave fosse
tripulada por indivíduos mais velhos, porque era menos provável transmiti-
rem aos filhos os danos genéticos provocados pela- radiação. De qualquer
forma, nem a protecção nem os problemas dos materiais do reactor foram
alguma vez resolvidos pelos investigadores e, consequentemente, o avião
nuclear nunca descolou.
A última forma de transporte nuclear subsidiada pelo governo dos Estados
Unidos da América, o navio mercante, não constituiu um completo fiasco tec-
nológico. Este esforço pioneiro na propulsão nuclear marítima foi concebido
como parte do programa Átomos para a Paz criado pelo presidente Eisenhower.
Os conselheiros do projecto concordaram que não havia melhor forma de
sublinhar o tema do programa do que adaptar a tecnologia nuclear do subma-
rino a um navio mercante. A 30 de Julho de 1956, tendo isto em conta, o presi-
Figum 6.2. Desenho conceptual para o veiculo espacial do Projecto Orion. Pequenas bombas
nucleares, com uma força de explosão igual a dez toneladas métricas de TNT, explodem a inter- dente autorizou a construção do N. S. Savannah. Este navio devia servir como
valos regulares de um a dez segundos por detrás da plataforma impulsionadora. O impulso pro- símbolo dos usos pacíficos da energia atómica e como protótipo de uma frota
duzido pelas explosões é transmitido à nave por meio de molas arrefecidas com água. Fonte: Joint
Committee on Atomic Energy, Nuclear energy for spQCe propulsion and auxiliary power de navios mercantes movidos a energia nuclear. Após uma série de atrasos na
(Washington, D.C., 1961) p. 277. construção e de subidas dos custos, o Savannah estava finalmente pronto para
iniciar a sua viagem inaugural a 31 de Janeiro de 1963.
aos bombardeiros alcançarem qualquer alvo na terra e voltarem à base sem Durante a década seguinte, o Savannah navegou por todo o mundo trans-
serem reabastecidos. Quando este projecto foi finalmente suspenso em 1961, portando mercadorias e passageiros. O reactor do navio funcionava bem mas
tinha-se gasto mais de mil milhões de dólares e o avião nuclear não estava havia problemas económicos. Com um orçamento original de 34,9 milhões
mais próximo de ser uma realidade do que em 1948. Uma vez mais, os pro- de dólares, os custos totais do Savannah excederam os 100 milhões de dólares.
blemas eram insuperáveis e óbvios desde início. Adicionalmente eram necessários 3 milhões de dólares para cobrir as suas
perdas como transporte de mercadorias. Do lado do crédito, registam-se os
A central de energia de um jacto nuclear pode ser projectada de duas
ll milhões de dólares ganhos pelo navio durante os seus oito anos no mar.
maneiras. A primeira é através de um motor de ddo directo, como o utili-
Como no caso da central geradora de Shippingport, a alternativa nuclear pro-
zado nos foguetões nucleares, em que o ar é aquecido por contacto directo
vou ser extremamente cara. Na realidade, tão cara que a prometida frota de
com os elementos do combustível do reactor. Uma abordagem alternativa navios mercantes nucleares nunca chegou a ser construída.
poderá ser feita através do ciclo indirecto, no qual um material intermediário Os navios de guerra que podem permanecer no mar durante longos perío-
(sódio líquido) transmite o calor dos elementos do combustível para o ar. dos de tempo sem serem reabastecidos têm vantagens relativamente aos
Este último tipo reduz substancialmente a poluição, mas ambos os reactores navios convencionais. O mesmo não se aplica, porém, aos navios mercantes.
exigem ligas metálicas radicalmente novas que possam suportar as forças f: suposto que os navios de mercadorias se desloquem de porto em porto.
combinadas do calor e da radiação e resistir à corrosão. Enquanto a carga é carregada e descarregada, o navio pode ser abastecido.
196j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS j197

Não faz sentido construir um navio mercante capaz de navegar à volta do


mundo sem nunca atracar num porto. O desaparecimento destes artefactos da Oceânia não pode ser explicado
O Savannah chegou ao seu ancoradouro final, Galveston, Texas, em p:Jr uma súbita cat~trofe natural que destruiu a matéria-prima necessária ou
Setembro de 1971. Aí foi desactivado e passou permanentemente à reserya. matou os artífices. No caso da canoa, a madeira existia em abundância nas
Construído como símbolo do átomo pacífico, o Savannah serve agora para ilhas, mas há provas de que os construtores de canoas especializados pura e
recordar o capricho da propulsão nuclear que floriu de forma tão exótica e s:rrtplesmente morreram sem deixarem ninguém que continuasse a sua arte.
dispendiosa nos meados do século XX, na América :::)ado que esta arte era associada à magia e a ritos religiosos, Rivers sugeriu
Seria errado concluir que outras facetas da tecnologia actual são, de certa que poderia ter sido a percepção de perda de poder espiritual, ou mana como
forma, imunes à influência de caprichos. Desde, pelo menos, o Renascimento era chamado, e não a diminuição da competência técnica que pôs fim à cons-
que os caprichos e as modas têm servido para realizar a selecção entre novas trução de canoas.
possibilidades tecnológicas concorrentes. Claro que é muito mais fácil identi- O desaparecimento da cerâmica é um caso mais difíciL Nem todas as ilhas
ficar os caprichos do passado do que aqueles que tolamente abraçámos há tém quantidade suficiente de matéria-prima, mas há muito barro de oleiro
pouco tempo. disponível nessa área e foram encontradas peças de olaria nas sepulturas anti-
Em meados dos anos 80, a explosão do computador pessoal parecia não gas, no entanto, os habitantes contemporâneos não se dedicam à cerâmica. Os
ser mais do que um capricho dispendioso e efémero para alguns fabricantes fo:.ctores sociais são os que aparentemente constituem a melhor explicação
de computadores. Os consumidores, de quem se esperava que usassem estas para esta situação. Se a cerâmica estivesse restrita a umas quantas tribos e os
artigos fossem vendidos para o exterior, e?tão a erradicação destas tribos, na
máquinas para manter os seus registos financeiros, educar os seus filhos e pla-
guerra ou devido a epidemias, teria acabado com a produção e distribuição da
near o futuro familiar, acabaram por utilizar os co~putadores para se diverti-
cerâmica. Tal como no caso da canoa, não se pode excluir a hipótese da perda
rem com jogos electrónicos, uma actividade que rapidamente perdeu a sua
d:a técnica como explicação para a extinção da cerâmica numa vasta área.
novidade, prazer e entusiasmo. Em consequência disso, um aparelho que foi
O ar::o e a flecha nunca desapareceram totalmente da Oceânia, no
inicialmente apresentado como precursor de uma nova era tecnológica trans-
entanto, foram-lhe dados usos aviltantes, como atirar ao alvo, ou matar rata-
formou-se num fracasso espectacular que ameaçou levar à falência as empre-
~anas e pássaros, em vez da sua função de arma militar. Na guerra, a maça
sas que tinham investido vários milhões de dólares no seu desenvolvimento.
substituiu o arco e a flecha, o que indica que a morte destes artefactos pode
e3 tar relacionada com novas tácticas de batalha, urna visão diferente dos
Abandono e extinção
objectivos da guerra, ou uma mudança de atitude relativamente à morte em
Os historiadores tendem a conduzir os seus estudos para a análise das ori- combate.
gens da inovação e relegam para segundo plano a sua eventual extinção ou De uma perspectiva ocidental moderna, o arco e a flecha, a cerâmica e a
abandono. Consequentemente, sabemos muito mais acerca das fóntes de ino- canoa são objectos utilitários absolutamente indispensáveis à vida e ao bem-estar
vação tecnológica, e do modo como são seleccionados novos artefactos, do dos povos pré-industriais. No entanto, houve habitantes das ilhas do Pacífico
que acerca do processo pelo qual uma cultura se despoja de artefactos que até Sul que não partilharam desta avaliação. Deixaram que estes três artefactos se
à data a tinham servido bem. e~tinguissem, não por terem à mão uma alternativa melhor, mas aparente-

As complexidades do processo de despojamento de uma cultura são bem mente .porque os artefactos entravam em conflito com valores sociais e cultu:.
ilustradas pelo estudo do antroPólogo britânico W. -H. R Rivers acerca do r.c.is mais poderosos.
desaparecimento de objectos utilitários em várias ilhas da Oceânia. Os arte- A extinção não pode ser estudada sem ter em conta o aparecimento da
factos extintos - a canoa, a cerâmica, o arco e a flecha - não ocupavam nichos ir: ovação e da sua subsequente selecção e reprodução. Invenção, reprodução e
marginais das culturas destas ilhas do Mar do Sul, nem foram substituídos a3andono são, de acordo com George Kubler, teórico de cultura material, de
por equivalentes ocidentais "superiores", como barcos a motor,louça produ- i_gual importância para uma melhor compreensão do mundo construído e das
zida em fábricas e espingardas. was mudanças. A invenção quebra a velha rotina, a reprodução torna a
ü.:venção disponível e o abandono garante que haverá espaço, no futuro, para
1981 A EVOLUÇÃO DA TECNOWGIA SELECÇÃO (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS 1199

coisas acabadas de inventar. Este ciclo interligado, cuja existência está mais empresas compram imediatamente o último modelo de computador, e se o
bem documentada nas sociedades industriais, também funciona nas socied~­ fizerem os modelos antigos não são destruídos mas sim passados para outros
des pré-industriais. utilizadores.
A inexistência de uma grande diversidade de artefactos e a ausência da A evolução tecnológica não tem nada de semelhante com as extinções em
noção de progresso técnico nas sociedades pré-industriais levaram a pressu- massa que tanto interessam os biólogos evolucionistas. A história não regista
por que nessas sociedades existe um elevado nível de retenção dos artefactos e nenhuma extinção generalizada e cataclísmica de uma classe inteira de arte-
que, por conseguinte, estes têm um longo período de vida. Numa cultura em factos, embora algo semelhante possa ocorrer a um nível local, em comunida-
que se dedica bastante esforço ao fabrico de uma quantidade relativamente des remotas ou em ilhas isoladas. Só na visão apocalíptica da ficção científica
pequena de objectos, há um incentivo para manter e reparar coisas estragadas, se encontra a destruição global de uma civilização tecnológica e a sua retirada
construir a partir do que se tem disponível e, em geral, preservar o status quo. A forçada para um estádio anterior de desenvolvimento, geralmente paleolítico
busca do novo e do não experimentado é menos atractiva neste quadro em ou medieval.
que uma grande quantidade de tempo tem de ser dedicada à produção dessas Uma característica final do abandono de artefactos que merece atenção é
novas coisas. Dado que é bastante mais fácil aceitar artefactos existentes do aquilo a que Kubler chama duração intermitente. Um artefacto que foi aban-
que inovar, a relativa ausência de inovações nas sociedades tradicionais pode donado poderá ser reavivado e reintroduzido numa dada altura. Pondo de
dever-se a uma compreensível relutância em abandonar o antigo, e não a uma lado o reavivar deliberado de tecnologias antigas por parte dos museus por
incapacidade de criar o novo. razões educativas e nostálgicas, há casos de artefactos abandonados que
Se os artefactos das sociedades tradicionais se caracterizam pela sua longa encontram uma nova vida em diferentes condições sociais, económicas e cul-
duração, seria de esperar que encontrássemos uma tendência para uma dura- turais. As locomotivas a vapor, suplantadas no Ocidente pelos motores eléc-
ção mais curta nas culturas modernas que promovem a novidade, apoiam tricos e a gasolina, prosperaram na China, onde são utilizadas diariamente e
uma doutrina de progresso e cultivam e aplicam a ciência. A estes três pode- onde são construídas sete mil e trezentas novas locomotivas a vapor todos os
rosos factores devem juntar-se as técnicas de produção em massa, aperfeiçoa- anos. O reavivar dos métodos de aquecimento solar e a lenha, durante a crise
das na primeira metade do século XX. A produção em massa encoraja o aban- energética dos anos 70, é outro exemplo do conjunto de artefactos abandona-
dono de artefactos individuais (criando uma cultura do desperdício) e a subs- dos a que foi dada nova vida num momento posterior.
tituição de classes inteiras de coisas. Isto é perpetuado pela capacidade de as Um exemplo mais marcante de duração intermitente é o da espingarda no
pessoas envolvidas na produção em massa produzirem rapidamente uma ino- Japão. As armas de fogo europeias foram introduzidas no Japão pelos portu-
vação e de inundarem o mercado com as suas cópias. Estes actos satisfazem gueses, em 1543. As armas foram rapidamente seleccionadas para serem utili-
simultaneamente uma ânsia de novidade, criam uma sensação de saciedade e zadas na guerra e foram produzidas em grandes quántidades por artífices
preparam o caminho para a inovação seguinte. Em muitos casos,_ o processo japoneses altamente especializados. No final do século XVI, havia mais espin-
funciona ao nível da moda, como no caso das mudanças anuais dos modelos gardas no Japão, em números absolutos, do que em qualquer outra parte do
de automóvel, mas há outros casos em que a sua influência não é, de modo mundo. Contudo, no que parecia ser o apogeu da popularidade da espin-
algum, supedicial. Por exemplo, a capacidade de a indústria de semiconduto- garda, os Japoneses voltaram às suas armas tradicionais: a espada, a lança, e o
res criar com regularidade microchips novos e mais potentes é extremamente arco e a flecha.
facilitada pela utilização de técnicas de produção em massa. Existem várias razões pelas quais os Japoneses podiam ter abandonado as
Quando uma classe de artefactos substitui outra, os artefactos substituídos espingardas. Os samurais, a elite japonesa e a classe guerreira mais influente,
não desaparecem. Durante algum tempo, coexistem diferentes gerações de preferiam combater com espadas.-.A espada japonesa possuía valores simbóli-
artefactos capazes de, em certa medida realizarem a mesma função. Assim cos, artísticos e culturais que transcendiam o seu papel como arma. Dava corpo
aconteceu, nos anos 20 e 30, com os dirigíveis quando estavam a ser ultrapas- às ideias guerreiras de heroísmo, honra e estatuto e estava ligada a teorias estéti-
sados pelos aviões, e com as gerações de computadores que se têm sucedido cas que especificavam os movimentos correctos do corpo humano. Por outro
umas às outras de forma muito rápida no final do século XX. Nem todas as lado, a espingarda era um instrumento estrangeiro desprovido destas ricas

il
SELECÇAO (2): F~CTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1201
200 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

E o estudo da selecção de artefactos tornou clara a natureza arbitrária das


associações. Finalment.e, a posição insular do Japão e a sua reputação como
decisões tomadas. Em muitas instâncias, nem a necessidade biológica nem a
nação de guerreiros tornaram possível a confiança na espada, numa altura em
necessidade económica determinaram o que foi seleccionado. Em vez disso,
que o país estava cercado de vizinhos que utilizavam a espingarda.
as decisões foram tomadas com base nestes dois elementos combinados com
Os Japoneses nunca aboliram formalmente as armas de fogo. No século XVII,
uma grande dose de ideologia, militarismo, capricho e com a concepção cor-
os governantes limitaram-se a restringir o seu uso e produção, forçando os
rente de uma vida boa.
armeiros a voltarem ao fabrico de espadas e armaduras ou a trabalhos de
Nos exemplos que se seguem, daremos realce ao carácter ramificado da
metal mais mundanos. No século XVIII, as armas de fogo que ainda existiam
evolução tecnológica. Apesar da crença generalizada de que o mundo cons-
no Japão eram antiquadas e, na sua maioria, não eram utilizadas. A tecnologia
e estratégia militares japonesas tinham voltado à espada como arma básica. truído não podia ser diferente do que é, no caso da imprensa, do caminho-de-
-ferro e do motor a gasolina podiam ter sido feitas escolhas diferentes. Estas
E assim ficaram as coisas. Depois, em 1853, a visita do Comodoro Mat-
thew C. Perry levou à abertura do Japão ao Ocidente e à sua tecnologia. A escolhas não teriam necessariamente resultado num mundo melhor, mas
seguir à exoneração do último dirigente Tokugawa, em 1876, desmoronou-se teriam criado um mundo em que seria possível viver e que seria, em certa
a resistência às intromissões ocidentais. Os Japoneses reavivararn o fabrico medida, diferente do nosso. Estas três invenções datam do período pós-renas-
das espingardas e dos canhões, e a nação estava a caminho de se tornar uma centista, e a sua modernidade, poderia levar alguém a dizer que a escolha só é
moderna potência militar e industrial. possível com artefactos de curta ou de moderada duração, que há poucas, ou
Ao abandonarem a espingarda, depois de a terem recebido tão entusiasti- nenhumas, alternativas no mundo dos objectos de longa duração. Assim, tra-
camente e de terem dominado tão bem a sua tecnologia, os Japoneses prova- taremos primeiro dessa questão.
ram que os valores culturais profundos podem sobrepor-se a considerações
de ordem prática. O subsequente reavivar das armas de fogo, sob pressão oci- Ferramentas manuais
dental, ·mostrou que era possível trazer de volta um conjunto de artefactos
As ferramentas manuais têm uma duração muito longa e entre elas existe
que tinha sido abandonado vários séculos antes. Este é um caso extraordiná-
um caso notável de caminho alternativo na concepção e no uso de um arte-
rio na história da tecnologia. Serve como lição na renúncia a uma importante
facto fundamental. Dado que a serra manual se baseia em protótipos de
arma militar e ilustra dramaticamente os processos de duração e extinção
pedra, é razoável pressupor que as formas familiares da serra ocidental são
intermitentes, difusão tecnológica e selecção de artefactos.
universais e que em todo o lado as pessoas serram madeira do mesmo modo
Caminhos alternativos que na Europa Ocidental e na América do Norte. As serras ocidentais têm
uma pega em forma de coronha de pistola em que se segura com uma das
Quando os Japoneses abandonaram a espada e regressaram à espingarda
mãos e a ferramenta é empurrada, afastando-a do corpo, para fazer o corte.
estavam, na realidade, a seguir um caminho tecnológico alternativo. E, um
Acontece que este método de serrar é bastante recente, datando do período
século mais tarde, quando os Estados Unidos decidiram não subsidiar o
romano. Além disso, longe de ser a forma dominante de serrar madeira, é
transporte supersónico estavam, também, a escolher uma possibilidade alter-
apenas utilizada no Ocidente. No Oriente, a serra manual tem uma pega
nativa - oS jactos jumbo. Pressupõe-se com demasiada frequência que o
direita, de madeira, que pode ser agarrada com uma das mãos ou com as
desenvolvimento da tecnologia é rigidamente unilinear, que em nenhuma
duas. Durante a sua utilização, a ferramenta é puxada em direcção ao corpo.
altura se podiam ter feito outras escolhas. Este ponto de vista reflecte-se nas
Os dentes das serras orientais são inclinados na direcção da pega, de forma
respostas populares a qualquer tentativa de limitar ou de criticar as práticas
que o corte seja feito ao puxar-se. .
tecnológicas correntes. Nessas ocasiões é-nos dito que é impossível parar ou
A questão é mais profunda do "que os hábitos de movimento opostos. As
alterar o curso predeterminado do progresso tecnológico.
próprias ferramentas são diferentes. A pega da serra oriental toma possível
A perspectiva evolucionista da mudança tecnológica revela que há uma
utilizar ambos os gumes da lâmina para cortar. Os dentes para rasgar e cortar
diversidade de caminhos abertos à investigação e exploração tecnológicas.
podem concentrar-se num único instrumento. Dado que o aço sob tensão
A nossa investigação das fontes de inovação tecnológica demonstrou que exis-
(puxar) é mais forte do que sob compressão (empurrar), a lâmina da serra
tem muitas alternativas disponíveis, especialmente nas sociedades industriais.
2021 A EVOf..UÇAO DA TECNOLOGIA
SELECÇAO (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS 1203

oriental pode ser bastante fina. As lâminas das serras ocidentais têm de ser rela- Impressão com blocos: Oriente e Ocidente
tivamente grossas de forma que não deformem, curvem ou partam quando se
utiliza a ferramenta na madeira resistente. Uma lâmina mais fina produz um De Francis Bacon, no século XVII, a Marshall McLuham, um teórico dos
corte mais estreito, reduzindo assim a madeira desperdiçada como serradura. meios de comunicação, no século XX, a impressão com tipo móvel tem sido
Finalmente, as duas serras são tão distintas que um trabalhador habituado a elogiada como uma das grandes forças que moldaram o pensamento e a vida
utilizar uma delas teria de ser treinado para usar a outra.
ocidentais. David S. Landes, um historiador económico, hesitou em colocar a
Uma análise às ferramentas manuais por todo o mundo revela que é utili- invenção de Gutenberg ao mesmo nível que o fogo e a roda, mas ficou satisfeito
zado um grande número de ferramentas de puxar. Por exemplo, na China e com a atribuição de uma segunda categoria, a par do relógio mecânico. Subja-
no Japão, a plaina de madeira é puxada em direcção ao corpo em vez de ser cente a esta elevada estima pela imprensa encontra-se a premissa de que a difu-
empurrada em sentido contrário (figura 6.3.). Os dados da análise também são do conhecimento no Ocidente, ou em qualquer outro sítio, está dependente
sugerem que num passado recente, os europeus e os americanos faziam um da tipografia e que não existe uma tecnologia de impressão alternativa.
uso muito maior de ferramentas de puxar- por exemplo, cortechés, raso iras, A história dos acontecimentos que conduziram à invenção de Gutenberg é
raspadeiras, enxós e buris para esculpir assentos de cadeiras- do que hoje.
geralmente apresentada e interpretada da seguinte forma. Antes do apareci-
A conclusão é óbvia. Se as ferramentas antigas e simples, concebidas para
mento do tipo de metal fundido, que podia ser rapidamente combinado para
produzir trabalhos de madeira, podem ser concebidas e utilizadas de forma
formar qualquer texto, havia dois métodos de reproduzir a palavra escrita,
tão diferente, devemos esperar encontrar alternativas para os artefactos mais
mas ambos eram inadequados. Os textos podiam ser copiados à mão por
complexos e adaptáveis das culturas industriais.
escrivães, um esforço demorado, aborrecido e susceptível de erros, ou a
página inteira podia ser gravada na face de um bloco único de madeira e fei-
tas, a partir dele, impressões com tinta. A xilografia, ou impressão com blocos
corte
de tinta, reproduzia fielmente múltiplas cópias, mas a sua principal desvanta-
ponta •...•.•....../ ............-... ba pega gem era que cada página tinha que ser penosamente gravada. Por esta razão,

----~~;:::~~::~. . 3 l!lljil(::\:~~:.~
os dentes tornam-se · se
os livros xilogravados eram caros, demoravam muito tempo a ser feitos e, por
[
isso, não eram adequados à difusão do conhecimento a uma vasta audiência.
\serrilha A tipografia utilizou letras móveis e produzidas em massa, que eram combi-
A nadas para um texto específico e descombinadas quando findava o trabalho
de impressão. A relação entre a xilografia e a tipografia era tão próxima, que
os primeiros tipos móveis podem ter consistido em letras cortadas de um
bloco xilográfico. Para concluir este resumo convencional da história da
imprensa: a xilografia era tecnologicamente inferior, mas preparou o cami-
nho para o tipo móvel que viria a ter amplas repercussões sociais.
De facto, não fosse um conjunto de factos muito diferente que emerge da
experiência chinesa, a xilografia pareceria uma fraca alternativa à tipografia.
No Oriente, foi a xilografia que desencadeou uma revolução no modo de
impressão e uma revolução intelectual, enquanto que a tipografia foi experi-
mentada e, logo depois, abandonada devido às suas limitações. A impressão
B com blocos, uma invenção chinesa do século VIII d. C., ganhou proeminência
Figuca6.3. A. Ryoba-No~ogiri, ser_r~ vulgar de carpintaria japonesa utilirada na construção de duzentos anos mais tarde, com a publicação, em 953, dos Clássicos de Confúcio.
casas e trabalhos de madeua. B: Unhução da Ryoba-Nokogiri. ~feito um corte através do veio
segurando na pega da serra com as duas mãos. Fonte; Kip Mesirow e Ron Herman, The care and Esta obra, constituída por 130 volumes, estabeleceu o corpo do Confucionismo
use of]apanese woodworkmg tools (Woburn, Mass., 1975), pp. 6, 12. e devolveu-lhe o seu lugar central na literatura e no pensamento chineses. A

CHFCET·14
204[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS [205

divulgação do Confucionismo através da página impressa parece ter despertado


um interesse renovado pelo conhecimento dos clássicos, comparável ao reavi- Permanece 0 problema complicado do· tempo e do esforço despendidos
var dos clássicos gregos e romanos na Europa durante o Renascimento. para gravar blocos xilográficos. Recentemente, um .estudante de técnicas de
O renascimento da impressão chinesa foi xilográfico, com livros de blocos impressão contratou um gravador de madeira para gravar um bloco para uma
ú~:ica página, de pequenas dimensões, medindo cinco por sete polegadas.
a serem publicados em grande escala e com grande variedade de títulos,
cobrindo tanto assuntos seculares como oficiais. Foram impressos histórias o gravador demorou entre 30 a 35 h?ras para .completar o trabalho. No
dinásticas, comentários dos clá~sicos, dicionários, enciclopédias, e histórias entanto, no século XVI, Matteo Ricci, um missionário italiano na China que
locais, para além de colecções de ensaios e poesia e tratados técnicos de medi- c011 hecia bem as técnicas de impressão ocidentais, afirrhou que um artesão chi-
cina, botânica e agricultura. Em alguns casos foram iniciados projectos de nês conseguia gravar uma página inteira aproximadamente no mesmo tempo
publicação gigantescos. O cânone do Budismo, conhecido por Tripitaka, foi qt<.e wn tipógrafo europeu demorava a organizar uma página com tipos de
impresso entre 972 e 983 num conjunto de 5048 volumes cobrindo 130 000 metal. A apoiar as afirmações de Ricci, há os milhões de. livros xilogravados que
páginas. Cada página era gravada num bloco de madeira separado. foram distribuídos por todo o vasto império chinês durante séculos.
A história convencional da imprensa, apresentada no início desta secção,
Os livros xilograv~dos, impressos nos quatro séculos entre 960 e 1368, são
sugeria que um dos incentivos para a invenção do tipo móvel foi a dificuldade
exemplos não ultrapassados da perícia chinesa na arte de fazer livros. A quali-
na preparação dos blocos xilográficos. Daí é possível inferirmos duas coisas:
dade artística do livro chinês tinha decaído um pouco no século XV, no
qUe a xilografia exístia no Ocidente antes de Gutenberg, e que nos museus
entanto, o número de livros publicados continuou a aumentar. Os estudiosos
europeus estão expostas cópias de livros impressos com blocos pré-tipográfi-
contemporâneos que se dedicam à imprensa chinesa afirmam que até ao
cos. Contudo, de acordo com a informação disponível, não existe nenhum
ano 1500 existiam mais -páginas impressas na China do que no resto do mundo.
livro europeu impresso com blocos xilográficos anterior a Gutenberg. Os
Outros, afirmando que isto é uma estimativa demasiado conservadora, sugerem
mais antigos livros xilogravados datam de 1460, pelo menos duas décadas
que a imprensa chinesa foi superior à do resto do mundo até 1700 ou 1800.
depois da data em que se diz ter sido inventado o tipo móvel. E durante um
As experiências tipográficas tiveram início na China durante o século XI.
século continuaram a imprimir-se livros com blocos xilográficos na Europa.
Inicialmente, os caracteres eram gravados em pedaços de barro macio, que No Ocidente, a xilografia manteve-se como uma tecnologia muito pouco
era depois endurecido através de cozedura. O tipo de madeira foi experimen- desenvolvida. Em lugar de agir como um disseminador de ideias, a xilografia
tado na China durante o século XIII, e, em 1403, os coreanos fundiram tipos foi utilizada para popularizar histórias bíblicas, relatar contos morais simples,
de metal destinados à impressão. Apesar destas tentativas, a tipografia não foi reimprimir orações vulgares e resumir os rudimentos da gramática. Em lugar
muito adaptada no Oriente. Quando os europeus chegaram, no século XVI, de servir como o mais elevado modelo artístico da arte de fazer livros, no Oci-
verificaram que a reprodução xilográfica era o meio de impressão dominante. dente os livros xilogravados eram baratos, gr~sseiramente impressos e ilustra-
No século XIX, a tipografia foi reintroduzida na sua terra de origem, pelos dos e, geralmente, tinham muito poucas páginas. O maior livro europeu
ocidentais. conhecido impresso com blocos xilográficos tem noventa e duas folhas
Como podemos explicar a total rejeição da tipografia no Oriente? A res- imp.ressas doS dois lados.
posta a esta questão tem duas vertentes que combinam os aspectos estético e A grande discrepância entre a xilografia oriental e a xilografia ocidental
prático. Como forma de art,e, os livros tipográficos nunca atingiram a exce- não pode ser explicada em termos das línguas escritas das duas regiões. Se os
lência dos seus concorrentes xilogr:áficos. Esta diferença tinha muito signifi- artesãos chineses conseguiam gravar cinco mil ideogramas complexos para
cado para um povo que cultivava a caligrafia como wna arte e que era sensível fiyros de grande qualidade, por que razão os artesãos europeus não podiam
a cambiantes do desenho do livro. Como assunto de ordem prática, os que se aprender a gravar as vinte seis letras simples do seu alfabeto com proficiência
tornassem tipógrafos teriam de manusear pelo menos cinco mil diferentes e arte? É mais fácil compreender por que motivo os chineses abandonaram a
caracteres chineses na impressão, uma fonte de vários problemas que contri- tipografia do que determinar as causas do insucesso da xilografia na Europa.
buiu para a falta de popularidade da tipografia no Oriente. A xilografia no Ocidente é um assunto estudado por um pequeno número
de especialistas. A compreensão geral do tema tem sido dificultada pelos
2061 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇAO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1207

mitos em torno da tipografia e pelo desconhecimento europeu das realizações realidade económica da época. O seu único critério para julgar os efeitos do
xilográficas dos chineses. De um ponto de vista tecnológico, pelo menos há caminho-de-ferro foi o seu impacto no c::rescimento económico. Para testar o
algo que é claro: o livro impresso com blocos xilográficos podia ter satisfeito conhecimento comum de que o caminho~de-ferro tinha sido um elemento
as necessidades da Europa durante o Renascimento, da mesma forma que indispensável no desenvolvimento da economia, Fogel tentou determinar se
satisfez as da Dinastia Sung na China. Com isto não se pretende afirmar que o meios de transporte alternativos poderiam ter substituído o sistema de carris.
Ocidente não necessitava de ter adaptado a tipografia, mas apenas defender Uma das principais afirmações dos proponentes da revolução do cami-
que a xilografia era uma alternativa viável que podia, seguramente, ter servido nho-de~ ferro é que a distribuição inter-regional de produtos só poderia ter
o Ocidente durante vários séculos. sido conseguida por meio de transporte por carris a longa distância. Afirmaram
que o transporte de bens alimentícios das terras agrícolas para os centros urba-
Caminhos-de-ferro versus canais nos não só ajudou a industrialização como também encorajou a instalação no
Midwest. Em suma, o caminho.~de-ferro tornou economicamente acessíveis
Entre 1840 e 1960, jornalistas, economistas e historiadores profissionais con- vastas áreas do país e contribuiu para um crescimento económico global.
cordaram que o caminho-de~ferro tinha sido o factor mais influente do cresci- Fogel afirmou que o movimento da população para oeste, pelo menos na
mento económico na América do século XIX. À revolução do caminho~de-ferro sua fase inicial, não estava dependente do caminho-de-ferro. Em 1840,
foi atribuído o avanço da agricultura para oeste, o aparecimento e a formação cerca de 40% da população americana viviam a oeste de Nova Iorque, Pensil-
da empresa moderna, o desenvolvimento da indústria, o estabelecimento de vânia, e nos estados costeiros do Sul, no entanto não havia nenhum caminho-
padrões de urbanização e a estrutura do comércio entre as várias regiões do de-ferro do oriente para estas novas regiões povoadas. Os colonos que fizeram o
país. Em 1891, o presidente do caminho-de-ferro Union Pacific, Sydney Dil~ caminho para oeste utilizaram sobretudo cursos de água naturais e canais. Além
lon, podia afirmar que o bem~estar do povo americano dependia do sistema disso, iniciaram uma actividade agrícola em grande escala, apesar da inexistên-
de caminho~de-ferro da nação: "Nenhuma imaginação pode descrever o cia de caminhos-de-ferro para transportar os seus produtos para os mercados
sofrimento infmito que resultaria imediatamente para todos os homens, do Leste. O Michigan, Ohio, Kentucky, Tennessee, Indiana, Illinois e Missouri
mulheres e crianças de todo o país" 3 se os caminhos-de-ferro fossem destruí- produziam em conjunto 50% da produção nacional de milho em 1840, uma
dos. Setenta anos mais tarde, Robert W. Fogel, historiador económico, atre- altura em que esses estados tinham em funcionamento umas meras 228 m~as
veu-se a fazer o impensável: retirou os caminhos-de-ferro da América do de caminho-de-ferro, não interligadas. O milho era transportado por água,
século XIX e avaliou as consequências. A ausência do caminho~de-ferro, con- como o algodão dos estados interiores para o Sul. Em 1860, 90% de todo o algo-
cluiu Fogel, não teria afectado muito o crescimento económico entre 1840 e dão que chegou a Nova Orleães foram transportados por lancha ou por barco.
1890 porque os barcos de canal e de rio, com o auxílio de vagões puxados por Os cursos de água navegáveis e os vagões forneciam um transporte ade-
cavalos, poderiam ter transportado os produtos normalmente transportados quado para pessoas e mercadorias no início do século, mas poderiam ter supor-
por carris e porque o caminho-de-ferro não tinha uma importância vital para tado o tráfego crescente em períodos mais tardios? Afinal de contas, a popula-
o mercado de produtos manufacturados ou como estímu~o para a inovação ção continuou a crescer e foi cultivada terra mais remota. Certamente que algo
tecnológica. como o caminho-de-ferro se teria tomado uma necessidade por essa altura.
Antes de recapitularmos o argumento de Foge!, devemos compreender A resposta de Fogel a estas dúvidas foi um cuidadoso estudo geográfico de
bem os seus pressupostos e objectivos. Como historiador da economia quan- toda a terra de quintas comerciais com o objectivo de determinar o seu acesso
titativa, Fogel acreditava que um historiador não se devia preocupar apenas a cursos de água úteis. Descobriu que uma grande percentagem da terra
com os acontecimentos passados mas também com as suas possíveis alterna- estava localizada a uma média de 40 milhas, em linha recta, de um rio ou de
tivas. Com esta finalidade, criou um modelo da economia americana do um canai e que se tivessem sido construídas cinco mil milhas adicionais de
século XIX sem caminho-de~ ferro e comparou este modelo hipotético com a canais no Illinois, Iowa e Kansas, então 93o/o da terra agrícola servida pelo
caminho-de-ferro estariam ao alcance de um rio ou canal. Se tivessem sido
1
Robert Foge!, Railroads and Ameriwn economic growriJ (Baltimore, 1964), p. 8. feitos melhoramentos nas estradas públicas existentes, as terras acessíveis
SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1209
208 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA

os veículos de motor de combustão interna terem surgido mais cedo do que na


subiriam para uma percentagem mais elevada. Os programas de extensão dos
realidade surgiram. Considerava que uma parte dos milhões de dólares investi-
canais e de melhoramento das estradas, que Fogel invoca, estavam dentro das
dos nos caminhos-de-ferro poderiam ter sido desviados para a criação de um
capacidades tecnológicas e económicas da América do século XIX.
meio de transporte alternativo. O tempo que decorreu entre a compreensão
Mesmo que toda a análise de Foge! seja correcta, o percurso tecnológico
dos princípios do motor de combust~o interna, no início do século XIX, e a
alternativo que ele sugere poderia ter tido custos elevados. Ao calcular os cus-
sua aplicação num modelo funcional, por volta de 1860, poderia ter sido
tos relativos do transporte por carris e por água, tendo em consideração que
encurtado se não houvesse caminhos-de-ferro.
os canais do norte gelam no Inverno, que a deslocação é mais lenta nos barcos
Durante o século XIX, foram feitas tentativas de produzir um suplemento,
de canal, e que é necessário frequentes transbordos da carga, Fogel determi-
ou mesmo uma alternativa, ao caminho-de-ferro, incluindo um veículo de
nou que o caminho-de-ferro oferecia uma ligeira vantagem relativamente ao
estrada movido a vapor. Separadamente, inventores em Inglaterra, França e
transporte por canais no transporte inter-regional de produtos agrícolas.
Estados Unidos conceberam carros a vapor automotores que eram grandes,
Contudo, a diferença- menos de 1% (0,6%) do produto nacional bruto-
pesados, difíceis de manobrar e mecanicamente não fiáveis. Estas carruagens a
não é suficiente para apoiar uma teoria da importância revolucionária do
caminho-de-ferro americano na segunda metade do século XIX. vapor, construídas para viajar nas estradas públicas mal conservadas da época,
A terra agrícola da América estava espalhada por todos os estados da não podiam competir com o comboio, cujas rodas rolavam em carris de
união e, no entanto, a maior parte dela era, com o auxílio de vagões, acessível metal lisos e sólidos. No final do século, aqueles que experimentavam com
a transporte fluvial. Dado que os depósitos de minério de ferro e de carvão veículos a vapor tinham produzido motores leves e potentes que, juntamente
não estavam tão diss.eminados, é bem possível que fosse necessário cami- com os motores eléctricos e a gasolina, foram utilizados para fazer mover a
nho-de-ferro nas regiões das suas minas. Mas, uma vez mais, a análise de primeira geração de automóveis.
Fogel das principais áreas mineiras convenceu-o de que o caminho-de-ferro No virar do século, não era de modo algum óbvio que o moderno motor
não era indispensável para o transporte de carvão e minério porque as minas cie automóvel - o motor Otto de combustão interna de ciclo de quatro tem-
estavam localizadas próximo de cursos de água. pos- venceria os seus concorrentes (figura 6.4.). Em 1900, for~m fabricados
Este resumo do trabalho de Foge! não faz justiça ao engenho e ao rigor do 4192 carros nos Estados Unidos. Destes, 1681 eram a vapor, 1575 eram eléc-
seu argumento, ou à vasta quantidade de dados que reuniu para apoiar a sua tricos, e só 936 funcionavam a gasolina. Contudo, pouco depois, o motor de
posição. Também ausentes estão as fortes respostas negativas por parte dos combustão interna começou a ganhar proeminência. Na exposição automó-
seus críticos. Apesar de muitos aspectos continuarem abertos a debate, Fogel vel de Nova Iorque, em 1901, foram exibidos 58 modelos a vapor, 23 eléctri-
desafiou seriamente os que defendem que a invenção do caminho-de-ferro cos e 58 a gasolina. Em 1903, o número de modelos eléctricos e a vapor
era inevitável e um grande contributo para o progresso no século XIX. Dá um expostos tinha descido para 34 e 51, respectivamente, ao passo que os carros a
relevo correcto aos canais, que forneceram o primeiro meio de transporte gasolina contavam 168 modelos. Na exposição de 1905 a derrocada foi com-
barato e eficaz. As lanchas de canal ofereciam um desconto de 90% relativa- pleta: os 219 modelos de carros a gasolina expostos excediam o total conjunto
mente às tarifas de transporte em vagão e até cobravam preços ligeiramente de carros a vapor e eléctricos, à razão de 7 para 1. Infelizmente, é muito mais
mais baixos do que os comboios. Embora os canais não tivessem permane- fácil documentar o triunfo do motor de combustão interna do que explicar o.
cido competitivos com os caminhos-de-ferro, em todas as áreas e para sem- seu êxito. Em 1905, cada uma das formas de energia tinha vantagens e des-
pre, constituíam claramente, no século XIX, um modo alternativo de trans- vantagens, nenhuma apresentava uma clara superioridade tecnológica.
portar produtos agrícolas e matéria-prima. O carro eléctrico parecia ter todas as vantagens do cavalo e do buggy sem
nenhuma das suas desvantagens. Era silencioso, não libertava odores e era
V efculos a vapor, a elect_ricidade e a gasolina muito fácil de fazer arrancar e de conduzir. Nenhum outro veículo a motor
podia competir com o seu conforto e limpeza, ou com a sua simplicidade de
Enquanto especulava acerca do estado da tecnologia dos transportes,
construção e facilidade de manutenção. Os seus elementos essenciais eram
Fogel também levantou a hipótese de, numa América sem caminhos-de-ferro,
210 I AEVOLUÇAO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACfORES SOCIAIS E CULTURAIS 1211

um motor eléctrico, baterias, um reóstato de controlo para regular a veloci-


dade, e uma simples embraiagem. Não tinha transmissão e, portanto, não
havia mudanças para alternar.
Os primeiros veículos eléctricos comerciais foram produzidos em 1894.
Cinco anos depois do seu aparecimento nas ruas da cidade, o patrão de Henry
Ford na Edison Illuminating Company, em Detroit, aconselhou Ford a deixar
de perder tempo com os motores a gasolina. A electricidade, afirmou, forne-
ceria energia para o carro do futuro. Os inventores Elmer Sperry e Thomas
Edison, que concordavam com esta previsão, trabalharam na sua própria ver-
são de um automóvel eléctrico. Se, como muitos acreditavam, o século XX
A estava destinado a ser a era eléctrica, então não havia nele lugar para o baru-
lhento motor de combustão interna.
O carro eléctrico tinha defeitos graves. Era lento, incapaz de subir montes
íngremes, e caro em termos de aquisição e manutenção. Acima de tudo, tinha
uma autonomia limitada. As suas pesadas baterias de armazenamento de
chumbo e ácido tinham de ser carregadas de 30 em 30 milhas, aproximada-
mente. O carro eléctrico não era um veículo para passear no campo ou viajar
para uma cidade distante. A instalação de estações de carregamento de bate-
rias em Boston, Filadélfia e Nova Iorque foi concebida para facilitar as deslo-
cações urbanas, mas não resolvia o problema das longas distâncias. A solução
requeria baterias mais leves e mais potentes, um objectivo que continua a
B escapar aos promotores dos carros eléctricos de hoje.
Como o campo de acção restrito do veículo eléctrico satisfazia os requisi-
tos dos serviços de distribuição urbana, foram construidos camiões eléctricos
para o transporte de produtos dentro da cidade. Estes camiões foram com-
prados por casas comerciais, padarias e lavandarias, bem como pela Ameri-
can Railway Express Company. Inicialmente, os camiões eléctricos mostra-
ram ser econômicos, mas pouco depois de 1920, foram substituídos por veí-
culos de entrega com motores a gasolina, cujo pfeço de compra era menos
elevado.
Os automóveis a vapor gozaram de grande popularidade no início do
século XX. Para compreender este "fenómeno, é necessário distingui-los das
c pesadas carruagens a vapor do século anterior. O motor num Stanley ou num
White a vapor do início do século XX era uma unidade em bom estado de vinte
F.iSU:~:a 6-":. Três automóveis americanos do final d'o século XIX. Estes automóveis têm uma apa·
renc1a mu1to. semelhante, no _entanto os st!us motores diferem radicalmente: A. eléctrico Baker; B. a trinta cavalos de potência, aproximadamente do tamanho de um motor a
Stanley Mobde a vapor, mov1do por um motora vapor de dois cilindros; C. Autocar, movido por gasolina, constituída por componentes de aço feitas com máquinas de precisão,
um motor de combustão interna de dois dlindros. Fonte: Albert L Lewis e Walter A Musciano
Auto_mo~iles of the world (Nova Iorque. 1977), pp. 82, 83, 78. Cortesia de The Conde Nas~ e abastecidas com um produto petrolífero. A aparência geral do carro a vapor
Pubhcattons, Inc. .
era igual à de um carro com motor a gasolina do mesmo período.
2121 A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1213

O carro a vapor não era tão silencioso como o eléctrico, mas os seus re::ente apelo para fazer renascer a energia a vapor ouviu-se por volta de
valores de aquisição e manutenção eram significativamente inferiores e o 1970, um tempo de preocupação com a poluição causada pelos automóVeis e
seu poderoso motor permitia-lhe lidar com todas as condições da estrada a escassez de petróleo. Estes apelos para fazer renascer o carro a vapor serão
sem esforço. O primeiro veículo automotor a atingir o topo do Monte Was- fundamentados? Poderia o motor a vapor ter fornecido energia à grande
hington, New Hampshire, foi um vapor Stanley (1899), tendo sidc também re~..-oh:ção automóvel americana do século XX? Por que razão o motor a vapor
0 primeiro carro a viajar a mais de 2 milhas por minuto (1906). Os carros a não conseguiu competir com o motor de combustão interna?
vapor da primeira década do século XX podiam vencer os carros eléctricos, Estas questões tornam-se mais, não menos, difíceis de avaliar quando se
mas tinham de enfrentar a competição dos melhores automóveis com a·.'3.lia o motor de combustão interna da primeira década do século XX. Os
motores a gasolina. primeiros carros a gasolina eram máquinas complexas e toscas. Para pôr os
A observação _dos motores do carro a vapor e do carro a gasolina mostra seus motores a trabalhar era necessária uma manivela manual e energia mus-
diferenças significativas. A capacidade de o motor a vapor prod'-1-zir uma cular: o seu funcionamento com êxito dependia de uma série de sistemas
potência máxima ao rodar a um ritmo lento e constante foi um factor impor- niecânicos recentemente fabricados para ignição, refrigeração, lubrificação e
tante no seu êxito. Enquanto o motor de combustão interna alternativo nos transmissão de energia, eram barulhentos e emitiam gases de escape desagra-
carros a gasolina andava a 900 rotações por -minuto (rpm) em marcha lenta dáveis. Por outro lado, o carro a gasolina tinha uma autonomia de viagem
e a 2700 rpm na sua máxima eficácia, o motor do carro a vapor, a uma veloci- de 70 milhas, proporcionava transporte fiável, se não livre de problemas, e
dade de 60 milhas por hora rodava a umas lentas 900 rpm. Nos motores de podia subir a maior parte dos montes e viajar. a uma boa velocidade na
combustão interna era necessário um conjunto elaborado de mudanças estrada. Além disso, os técnicos estavam a aperfeiçoar o motor a gasolina
(transmissão) para transmitir e transformar esta potência rotativa de forma a melhorando a relação entre cavalo-vapor e peso. rudo somado, os automó-
poder mover as rodas a uma velocidade aceitável, mas o carro a vapor não veis a vapor e a gasolina não eram assim tão diferentes no transporte que
necessitava de transmissão, embraiagem ou mudanças. No motor de combus- proporcionavam.
tão interna, a afmação, o arrefecimento, as válvulas e a carburação r-equeriam A selecção do motor a gasolina não foi resultado de uma avaliação racio-
todos atenção especial na sua concepção e eram uma adição ao nUmero de na] dos méritos dos motores concorrentes. No virar do século XIX para o
partes móveis; o motor a vapor tinha muito menos partes móveis do que o século XX não havia peritos automóveis, apenas inventores e empresários que
motor a gasolina, o que significava menos desgaste do motor e manutenção seguiam as suas intuições e entusiasmos e tentavam convencer os potenciais
mais fácil. Finalmente, para o motor a gasolina era crucial a utilização de compradores a adquirirem o seu produto. Dada esta situação, assim que o
combustível adequado, mas destilados de petróleo de má qualidade podiam mctor a gasolina ganhou ascendente, os motores a vapor e eléctricos foram
ser queimados para aquecer a água do carro a vapor. esquecidos ou encarados como erros na estrada para o progresso automóvel.
O carro a vapor tinha alguns inconvenientes importantes. A autonomia A partir daí, o dinheiro, o talento e as ideias foram investidos no melhora-
limitada que atormentava o carro eléctrico também se mostrou um problema mento do motor de combustão interna. Poucos estavam dispostos a defender
para o carro a vapor. Dado que o vapor era lançado para a atmosfera e não o motor a vapor e, menos ainda, a financiar o seu melhoramento.
condensado para ser reutilizado, o carro a vapor necessitava de uma recarga Os automóveis a vapor e a gasolina eram os verdadeiros concorrentes: os
de água a cada 30 milhas. Outro problema era o tempo que levava a criar-se carros eléctricos tinham a reputação de serem carros para os que viviam bem,
vapor para a primeira viagem do dia, embora a espera típica de meia hora mas tinham um grave problema de bateria. O motor a vapor sofreu devido à
tenha sido reduzida para alguns minutos com a introdução de chamas-piloto sua identificação com a tecnologia do século anterior. Energia a vapor fazia
e caldeiras de baixa pressão. Os construtores de motores a vapor procuravam pensar em gigantescas locomotivas ou motores estacionários largando fumo
maneiras de ultrapassar estes problemas. negro, queimando toneladas de carvão e com explosões periódicas das suas
O fabrico de automóveis a vapor durou até à segunda década do século XX, caldeiras. O vapor não parecia adequado como energia motora para .um novo
e tem desde então havido rumores periódicos de que será reavivada. O mais século. Em termos de modernidade, a escolha ideal seria a electricidade, mas
2141 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS 1215

já que não podia ser, então o motor de combustão interna parecia preferível a a vapor. Aqui está, finalmente, uma prova de que os promotores do motor a
uma versão actualizada do motor a vapor. gasolina estavam no caminho certo. Consciente ou intuitivamente tinham
Os cento e tal fabricantes de carros a vapor fizeram pouco para ultrapassar apoiado o motor mais eficiente.
as imagens negativas do motor a vapor e assim tornarem o seu veículo popu- Para além do facto de a eficiência térmica dos motores rivais se ter perdido
lar. Os irmãos Stanley, os mais bem sucedidos construtores de carros a vapor, na grande quantidade de factores técnicos e culturais que favoreceram o motor
não tinham a ambição nem as capacidades de gestão necessárias para produ- a gasolina, existe outro problema. As mesmas fontes de engenharia que relatam
zir carros em grande quantidade e distribui-los pelo país. Nem foram rápidos a eficiência térmica superior do motor de ciclo de Otto revelam também que o
na incorporação de melhoramentos técnicos disponíveis que tornariam os motor a gasóleo é bastante mais eficiente do que o motor a gasolina. Nas condi-
seus carros mais atractivos para os clientes. ções de condução actuais, a eficiência térmica média do motor de ciclo de Otto
Em 1914, Henry Ford visitou a fábrica Stanley que produzia então 650 é de cerca de lOo/o e a do motor a gasóleo 18o/o. Portanto, se os empreendedores
carros por ano - Ford fabricava o mesmo número do seu Modelo T num só de Detroit previram a ineficiência do motor a vapor, por que razão mais tarde,
dia. Enquanto artífices especializados lentamente construíam e acabavam à e com engenheiros de automóveis mais bem informados, não conduziram o
mão uns quantos vapores Stanley, trabalhadores indiferenciados nas inovado- país no sentido da mais eficiente energia do gasóleo? A resposta, claro está, é
ras linhas de montagem de Ford estavam a produzir em massa milhares de que a selecção de motores de automóveis, quer no principio quer no fim do
automóveis a gasolina. A Stanley Company resistiu às restrições colocadas século XX, é feita com bases que não são puramente técnicas e económicas.
pelo governo à indústria automóvel durante à Primeira Guerra Mundial, mas Um mundo hipotético em que os automóveis e os camiões tivessem
emergiu numa posição enfraquecida. Pouco depois da guerra, a comparihia motores a vapor é tão razoável como um em que os barcos de canal transpor-
encerrou; não tinha conseguido competir com o barato carro de Detroit. tassem produtos pesados através do país, ou um em que a xilografia servisse
Alguns historiadores citaram factores geográficos como causa do triunfo de base para uma revolução da imprensa. A competição entre os motores a
do automóvel a gasolina. Os carros a vapor e eléctricos eram construídos e vapor e os motores a gasolina foi muito mais disputada do que nos é feito
vendidos, principalmente, no Leste dos Estados Unidos. Pelo contrário, o crer, tão disputada que em condições diferentes o motor a vapor poderia ter
carro a gasolina estava especialmente bem adaptado às áreas rurais do Mid- ganhado. Na América, onde o petróleo era barato e abundante, o transporte
west. A predilecção do Midwest por carros a gasolina coincidia com os recur- podia ter sido movido por motores de combustão externa em lugar de moto-
sos naturais e industriais da região. O seu amplo fornecimento de madeiras res de combustão interna.
duras tinha anteriormente feito do Midwest um centro de produção de car- Não foi por acaso que dois dos três exemplos de tecnologias alternativas
ruagens e vagões e as necessidades de energia para as suas quintas tinham aqui observados foram retirados de sociedades industriais modernas.
atraído motores a gasolina estacionários. Portanto, o Midwest podia fornecer Nathan Rosenberg afirmou que tais sociedades não dependem fortemente
facilmente os principais elementos - carroçaria e motor - do novo automóvel de uma inovação única porque, se necessário, são capazes de criar substitu-
a gasolina, quando este se tomasse uma forma popular de transporte. tos para ela. Caso Rosenberg tenha razão, e há boas razões para pensar que
Não haverá mais nada a dizer sobre a competição entre o motor a vapor e tem, os exemPlos aqui discutidos não são únicOs. :É possível encontrar alter-
o motor a gasolina, excepto que alguns homens de negócios perspicazes do nativas, não só para os caminhos-de-ferro e motores a gasolina como para
Midwest optaram pelo último e utilizaram a sua pericia de empreendedores quase todas as principais invenções modernas. A produção de inovação é·
para o tornarem a base do sistema de transporte pessoal da nação. Até este tão grande que existem imensas inovações relacionadas à espera de se_rem
ponto não mencionámos a eficácia relativa dos dois motores porque isso não seleccionadas para preencher qua:s~ todos os nossos desejos, necessidades e
era considerado uma questão isolada na época. Contudo, o estudo de motores caprichos. A história da tecnologia seria escrita de modo bastante diferente
teóricos e reais indica que um motor de ciclo de Otto é superior em termos de se, em vez de nos concentrarmos nas invenções "vencedoras" perpetuadas
eficiência térmica a um motor a vapor. Assim, tudo o resto sendo igual, um pela selecção e pela reprodução, fizéssemos uma busca diligente das alterna-
motor a gasolina faz mais milhas por galão de combustível do que um motor tivas viáveis a essas inovações.
216j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
SELECÇÃO (2): FACTORES SOCIAIS E CULTURAIS j217

Conclusão
humanc. Só é possível mudança no sistema se não entrar em conflito com valo-
Implícito na discussã9 do processo de selecção nos Capítulos 5 e 6 está 0 res técnicos primários como eficiência ou integração em grande escala. Assim, o
pressuposto de que os agentes de selecção são indivíduos activos e produtivos, modo como vivemos, trabalhamos e nos divertimos é estruturado por uma
capazes de fazerem as escolhas e as mudanças necessárias para moldar o· o::-rlem tecnológica monolítica que governa a sociedade industrial moderna.
mundo material como acham mais adequado. Os seleccionadores não repre- Um exemplo especifico pode ajudar a clarificar a afirmação de Winner de
sentam todos os segmentos da Sociedade nem estão, necessariamente, preocu- qce os sistemas megatécnicos que criámos nos dominam neste momento. O
pados com o bem-estar público. Contudo, têm a liberdade de decidir quais sistema déctrico que fornece energia para luz, calor, energia e comunicações,
das inovações concorrentes .serão reproduzidas e inseridas na vida cultural. serve as necessidades de dezenas de milhões de pessoas. Contudo, o sistema
Há algumas restrições a esta actividade de decisão, mas as oportunidades de qu.e produz e distribui a electricidade é tão grande e complexo, e nós estamos
mudança são abundantes. tão deper;_dentes dele, que a nossa primeira prioridade deve ser a sua manu-
Esta abordagem voluntarista da mudança tecnológica, assim designada tenção corno entidade em funcionamento. Um corte de energia de apenas
porque pressupõe que os seres humanos têm a liberdade e a vontade de agir algumas horas de duração paralisa secções inteiras do país, um corte prolon-
eficientemente, é criticada por um grupo de filósofos e críticos sociais que gado cria o caos social. Por isso, não podemos levar a cabo quaisquer mudan-
favorece uma explicação determinista da mudança. Nas palavras de Langdon ça~ radicais no nosso sistema eléctrico por medo de quebrar a sua integridade.
Winner, um proeminente porta-voz desse grupo: "a ideia de que a vida civili- Pedem ser homens e mulheres que se sentam nos painéis de controlo das cen-
zada consiste numa população totalmente consciente, inteligente e autodeter- tr::is geBdoras de electricidade e nas comissões de direcção das companhias
minada que faz escolhas informadas sobre fins e meios e age nessa base revela de energia eléctrica, mas a sua liberdade de acção está limitada pelo senhor
ser uma falácia patética. " 4 A impossibilidade de autodeterminação não é tecnológico que servem. Os controladores e os directores podem manter o
resultado das maquinações de uma poderosa elite governante, mas deve-se à estado <ias coisas, prevenir a deterioração e. destruição do sistema, e fazer
natureza da tecnologia do século XX. A questão principal não é quem mas o mudanças para aumentarem a eficiência operacional do sistema, mas são
que é que governa a sociedade? A resposta de Winner é "a tecnologia autó- incapazes de o reorganizar ou de o substituir por um sistema diferente.
noma", a tecnologia que muda Consoante as suas necessidades e não con- Será que a ideia de tecnologia autónoma, como foi desenvolvida por
forme as necessidades, desejos, ou anseios dos seres humanos. V\>-inner e outros, está em conflito com o processo de selecção aqui discutido?
Segundo Winner, a perspectiva voluntarista_ desenvolveu-se antes do final Há três razões para que a resposta seja negativa. Primeiro, a ideia de tecnolo.-
do século XX, numa ~tura em que as ferramentas manuais e um pequeno gi.:. fora de controlo tem sido criticada por não reflectir correctamente o
número de máquinas eram os instrumentos tecnológicos dominantes e quando estado da tecnologia de larga escala. Os hoinens e as mulheres modernos não
ainda era possível alterar o cursO da tecnologia. Um conjunto de ferramentas sãc vítimas indefesas da ordem tecnológica. Segundo, mesmo que aceitemos a
podia ser trocado por outro, ou uma classe completa podia ser substituída por forma rr:ais extrema do determinismo tecnológico, continua a haver espaço
outra classe mais adequada aos objectivos da·. sociedade. A selecção da roda de para a mudança, embora uma mudança que esteja em completa harmonia
âgua, da máquina a vapor e da segadeira pertence a esta categoria. · com as eJdgências técnicas do sistema, e não com as necessidades sociais. Ter-
A liberdade de desenvolver a tecnologia para servir em primeiro lugar as ceiro, uma formulação menos rigida da tecnologia autónoma reconhece a
ne~essidades humanas perdeu-se C?m a disseminação da industrialização e o e:xEtência de condicionalismos megatécni~os extremamente poderosos, mas
cniscimento dos modernos sistemas megatécnicos de comunicação, transporte, confere ao seleccionador alguma liberdade de escolha. Este determinismo
produção de energia e indústria Estes sistemas tecnológicos gigantescos, com- mcdificado, ou atenuado, é semelhante ao que ~e encontrou no caso do
plexos e interligados sobrepõem-se aos valores humanos e desafiam o controlo tra:.'1sporte supersónico. A procura de meio século da indústria aeronáutica
de aumentar a velocidade foi interrompida por forças sociais, económicas e
• Langdon Winner. AutanamaÜs technalogy (Cambridge, Mass., I977), p. 296 políticas; no último momento, tomou-se uma decisão que se sobrepôs às suas
exigênci2S puramente técnicas. Em suma, pata os objectivos de uma teoria da
218[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONCLUSÃO: EVOLUÇÃO E PROGRESSO [219

evolução tecnológica, os agentes seleccionadores não necessitam de gozar de


7. Conclusão: evolução e progresso
uma total liberdade de acção, com todas as escolhas possíveis disponíveis em
pé de igualdade. É suficiente ter uma gama mais limitada de escolhas de entre
as inovações concorrentes e um campo restrito de funcionamento para o
seleccionador.

I Evolução

Nada mais adequado do que um livro baseado no modelo evolucionista

I
terminar como começou, com uma referência à obra de Charles Darwin.
Embora Darwin nunca tenha colocado a hipótese de aplicar a sua teoria da
evolução à tecnologia, alguns contemporâneos de Darwin fizeram analogias
entre o desenvolvimento dos seres vivos e o dos artefactos. A primeira, e pro-

I
vavelmente a mais famosa, figura do século XIX a fazê-lo foi Karl Marx, que
publicou o Capital em 1867, oito anos após o aparecimento da Origem das
Espécies de Darwin. A analogia evolutiva de Marx inclui duas fases. Na pri-
meira fase a tecnologia faz com que o homem tenha uma relação directa e
activa com a natureza. Os homens e as mulheres usam o seu trabalho para
moldar a realidade física, criando assim o reino dos artefactos. Uma vez o
mundo natural transformado através do trabalho, a natureza torna-se pratica-
mente uma extensão do corpo humano. Assim, os homens e as mulheres que
trabalham com objectos e forças naturais trazem a natureza para a esfera da
vida humana.
Tendo reduzido as diferenças entre mundo construído e mundo vivo,
Marx passa à segunda fase do seu argumento e sugere que a abordagem dar-
winiana à "história da Tecnologia da Natureza" seja transferida para a "his-
tória dos órgãos produtivos do homem". 1 Defende que a explicação evolutiva
deve ser aplicada aos órgãos de que as plantas e animais dependem para a sua
sobrevivência e aos meios tecnológicos utilizados pelos humanos para vive-
rem. Dado o pressuposto de que características importantes do corpo
humano se podem explicar em termos evolutivos, então a tecnologia, a
extensão do corpo para a natureza, também o pode. Há, porém, diferenças.
significativas entre a evolução marxista e a darwiniana. Na teoria de Darwin,
a evolução biológica tem um carácter de autogeração, no esquema marxista a
evolução da tecnologia não tem um carácter autogerador, é um processo
dirigido por pessoas conscientes, activas e com vontade, e moldado por for-
ças históricas.

' Karl Marx, Capíml, vol. l, trad. Samuel Moore e Edward Aveling (Nova Iorque, 1967), p. 372.

CHFC·ET·l5
220 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONCLUSÃO; EVOLUÇÃO E PROGRESSO j221

Nem Marx nem qualquer dos outros estudiosos que tentaram, nos séculos complexas como as máquinas do algodão ou os motores a vapor. Aplica-se a
XIX e XX, explicar o desenvolvimento da tecnologia segundo linhas darwinia- invenções dependentes da investigação e teoria científicas, como o motor eléc-
nas utilizaram os dados e os trabalhos académicos disponíveis para desenvol- trico e o transístor, a sistemas tecnológicos de grande escala assim como a
ver as implicações totais da analogia. Essa empresa, durante tanto tempo máquinas fantásticas nas obras de ficção científica. Sempre que encontramos
negligenciada, é fulcral para este livro. wn artefacto, independentemente da sua idade e proveniência, podemos ter a

O conceito de diversidade que está na origem do pensamento evolucionista certeza de que teve como modelo um ou mais artefactos anteriores.
é fundamental para a compreensão da evolução tecnológica. A apreciação da No início do século XIX, Pierre-Simon Laplace, um astrónomo francês,
enorme variedade existente no mundo construído tem sido diminuída pela postulou a existência de uma Inteligência Divina que, sabendo a velocidade e
nossa familiaridade com os produtos da tecnologia e contrariada pela nossa as posições exactas de todos os átomos no Universo num dado momento,
aceitação, sem questionar, de que esses produtos são absolutamente essenciais seria capaz de determinar a história do Universo físico e prever correctamente
para a nossa sobrevivência. Os artefactos identificam-se única e exclusiva- o seu futuro. Modificando um pouco a sua proposta, eu poderia defender que
mente com o ser humano- na realidade são uma característica distintiva da uma inteligência igualmente omnisciente, uma inteligência capaz de conhecer
vida humana- no entanto, podemos sobreviver sem eles. É por isso que José todos os antecedentes de todos os artefactos existentes e desaparecidos, pode-
Ortega y Gasset afirmou, em 1933, que a tecnologia era a produção do supér- ria reconstruir a grande e vasta rede de artefactos interligados que constituem
fluo. O fogo, o machado de pedra ou a roda não são mais artigos de necessi- a história da cultura material. Essa reconstrução revelaria inúmeras linhas de
dade absoluta do que os artigos triviais que são populares durante um curto artefactos relacionados que convergem nesse ponto, remoto no tempo, em
espaço de tempo e depois desaparecem. A razão para tanto dispêndio de pen- que foi fabricado o primeiro objecto por mãos prato-humanas. Ao tentarmos
samento e energia no fabrico de novos objectos não é a necessidade biológica. reconstruir estas linhas de artefactos no passado, só surgem problemas quando
As pessoas fazem novos tipos de coisas porque decidem definir e procurar um tentamos determinar as fontes de inovação e explicar a taxa diferencial de apare-
tipo particular de vida humana. A história da tecnologia não é um registo dos cimento de inovação entre os habitantes passados e presentes da Terra.
objectos fabricados para garantir a nossa sobrevivência. Em vez disso, é o teste- A história e as ciências sociais ou psicológicas fornecem explicações inade-
munho da fertilidade da mente inventiva e do imenso número de formas que quadas para o aparecimento de novos artefactos no mundo construído. Por
os povos da terra escolheram para viver. Sob esta ·perspectiva, a diversidade de isso, neste livro explorei um certo ilúmero de fontes principais de inovação
artefactos é uma das expressões mais elevadas da existência humana. sem formular uma teoria inclusiva que explique o seu aparecimento. Dei
Se a diversidade de artefactos é explicável por uma teoria da evolução tec- realce à importância do jogo e da fantasia na criação da inovação tecnológica
nológica, então temos de conseguir demonstrar a existência de uma continui- porque a sua relevância tem sido descurada por estudiosos que acreditam que
dade entre os artefactos, que cada tipo de coisa feita não é· único, mas está a necessidade é o único estímulo à invenção. O conhecimento, quer como
relacionado com o que foi feito antes. A diversidade de artefactos inspirou a investigação científica quer sob a forma de artefactos, e a compreensão téc-
nossa procura de explicações evolutivas e a continuidade é o primeiro pré-requi- nica trans~itida de uma cultura para outra são há muito reconhecidos como
sito para uma explicação deste tipo. Não pode existir uma teoria da evolução a fontes de inovação. Apesar da importância do conhecimento tecnológico, só
sem conexões demonstradas entre as unidades básicas que constituem o seu agora os historiadores começaram a estudar o seu papel exacto na difusão t~c­
universo de discurso. Na tecnologia essas unidades são os artefactos. nológica e a sua relação com a teoria científica.
A prevalência da continuidade de artefactos tem sido obscurecida pelo mito Os factores culturais e socioeconómicos que estimulam a inovação mere-
do génio inventiva heróico, pelo orgulho nacional, pelo sistema de patentes e cem seguramente a nossa atenção. O conhecimento de apoio à interpretação
pela tendência para equiparar a mudança tecnológica às revoluções sociais, económica da inovação é notável pela quantidade de dados reunidos e pelas
científicas e económicas. COntudo, se procurarmos activamentea continuidade, engenhosas propostas adiantadas. No entanto, numa análise final, os argumen-
torna-se evidente que cada novo artefacto tem um antecedente. Esta afirmação tos utilizados para defender a int~rpretação económica não são convincentes, e
é verdadeira para os mais simples instrumentos de pedra e para máquinas tão somos obrigados a procurar os factores culturais que dão estímulo à inovação.
2221 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONCLUSÃO: EVOLUÇÃO E PROGRESSO 1223

Mesmo sendo estes conceitos insatisfatórios, é importante recordarmos pressupostos. Primeiro, a inovação tecnológica traz invariavelmente uma
que, porque a inovação é um facto da cultura material, a teoria evolutiva aqui melhoria acentuada do artefacto que sofre a mudança. Segundo, os avanços
desenvolvida permanece intacta, apesar da nossa incapacidade de explicar na tecnologia contribuem directamente para melhorias nas nossas vidas
totalmente o aparecimento de novos artefactos. Na realidade, os teóricos material, social, cultural e espiritual, acelerando, desse modo, o crescimento
modernos da evolução tecnológica enfrentam o mesmo dilema com que se da civilização. Terceiro, o progresso feito na tecnologia e, logo, na civilização,
confrontaram os darwinianos em 1859. Estes podiam indicar a variabilidade pode ser medido de forma não ambígua através de referência a velocidade,
reprodutiva como um fenômeno natural mas eram incapazes de explicar com eficácia, potência, ou outra medida quantitativa. Quarto, as origens, a direc-
exactidão porquê e como surgiam variantes, uma vez que não possuíam ção e a influência da mudança tecnológica são completamente controladas
conhecimento da genética moderna. Nós que postulamos teorias da evolução pelo Homem. Quinto, a tecnologia conquistou a natureza e forçou-a a servir
tecnológica também temos os nossos Darwins mas não os nossos Mendels. finalidades humanas. E sexto, a tecnologia e a civilização atingiram as suas
O processo pelo qual são seleccionados novos artefactos, de entre os con- formas mais elevadas nas nações industrializadas ocidentais. Estes pressupos-
correntes, para serem incorporados na cultura de um povo é um aspecto da tos estão condensados no exemplo bem conhecido do advento da energia a
evolução tecnológica que interessa tanto aos historiadores como aos críticos vapor. No século XIX, os comentadores culturais afirmavam que os invento-
sociais. As alternativas tecnológicas têm sido avaliadas e seleccionadas ao res do motor a vapor tinham conquistado o controlo de poderosas forças
longo da história por um processo que continua a funcionar, apesar das pres- naturais, tinham aumentado o número de energia disponível per capita e per-
sões crescentes para restringir a liberdade de escolha tecnológica. A necessi- mitido aos seus concidadãos atingirem um novo estádio civilizacional
dade econômica e militar, as atitudes sociais e culturais e a cedência aos capri- baseado num consumo acrescido de energia.
chos tecnológicos têm influenciado a selecção de novos artefactos. A com- No século XVII surgiu a primeira oposição à ideia de progresso, mas só
preensão da natureza dessas influências pode-nos ajudar a tomar decisões em meados do século XX é que os seis pressupostos foram fortemente critica-
mais bem informadas no futuro. Em algumas alturas, as restrições socioeco- dos em vários aspectos. A guerra moderna provou que a morte e a destruição
nórnicas e culturais limitaram a busca de alternativas tecnológicas e, por isso, eram indiscutivelmente resultado do avanço tecnológico e que o aumento de
devemos identificar claramente a fonte dessas restrições. Tem sido afirmado
energia disponível, tornado possível pela cisão do núcleo do átomo, criava
com muita frequência que os condicionalismos técnicos impõem restrições à
uma forma avançada de civilização, mas também ameaçava os conhecimentos
nossa liberdade de selecção, quando a responsabilidade fica a dever-se a atitu-
culturais e sociais existentes, se não toda a vida na Terra. A consciência cres-
des poderosas ou instituições socioculturais.
cente dos efeitos secundários, ecologicamente nocivos, da expansão tecnoló-
f:- nos muito difícil imaginar um mundo tecnológico alternativo, especial-·
gica revelou que o domínio humano da natureza estava longe de ser seguro e
mente um que seja bastante diferente do nosso e que, no entanto, não lhe seja
que tinha sido obtido à custa de uma grave poluição do ambiente. Final-
inferior. Os defensores do progresso, europeus e americanos, há muito que
mente, a crença, de longa data, na inerente superioridade da tecnologia oci-
afirmam que a tecnologia existente no Ocidente é superior a todas as outras e
dental foi questionada por aqueles que argumentaram convincentemente que
só poderá ser melhorada por avanços tecnológicos feitos no Ocidente no
algumas tecnologias não ocidentais serviam melhor as necessidades humanas
futuro. Contudo, a análise histórica da imprensa, dos canais, dos caminhos-
sem destruírem o mundo natural.
de-ferro e dos motores para automóveis concorrentes levanta sérias dúvidas
A medida que os proponentes do progressO notaram que era cada vez m~is
sobre a validade desta perspectiva. Devemos, em lugar disso, olhar melhor
dificil apresentar o controlo da natureza ou o melhoramento da vida humana
para a relação entre o progresso tecnológico e o progresso humano.
como o objectivo do avanço tecnológico, redobraram os seus esforços para uti-
lizar quantidades físicas como indicadores de progresso tecnológico. Mesmo
Progresso tecnológico
não podendo provar que os homens e as mulheres modernos têm sido mais
O conceito de progresso tecnológico, que moldou o pensamento acerca da bem sucedidos do que os seus antepassados no controlo da natureza ou na
natureza e a influência da tecnologia desde o Renascimento, baseia-se em seis criação de uma vida melhor, os defensores do progresso acreditam que se
224[ A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONCLUSÃO; EVOLUÇÃO E PROGRESSO 1225

podem encontrar provas de progresso no facto de os veículos terrestres tempo e de cultura para cultura, ao passo que a necessidade de alimentos se
modernos se deslocarem mais rapidamente do que os modelos antigos ou no mantém relativamente estável. Por isso, seleccionemos duas culturas que pro-
facto de os métodos agrícolas modernos produzirem maiores colheitas do que àuzem e consomem cereais - uma utilizando métodos agrícolas primitivos e a
os antigos. À primeira vista, estas afirmações parecem auto-evidentes, mas, outra modernos -e continuemos a procura de sinais de progresso. A produ-
quando analisadas cuidadosamente, essas medidas "objectivas" de progresso ção de cereal por acre parece um modo significativo de avaliar a eficácia rela-
são tão vulneráveis à crítica como as subjectivas. tiva dos dois métodos de produção de alimentos. Como seria de esperar, o
Por exemplo, o aumento de velocidade dos veículos terrestres ao longo da agricultor moderno é o claro vencedor desta competição. Se compararmos a
história tem sido repetidamente apresentado como prova incontroversa do pro- agricultura mexicana de abate/queimada (também conhecida por
gresso da tecnologia dos transportes. Num extremo está o trenó (c. 500 a C.), retalho/queimada), em que são utilizados o machado e a enxada para limpar e
movendo-se pelo chão sobre patins de madeira a velocidades de 1 a 2 milhas trabalhar a terra, com a agricultura americana contemporânea, em que são
por hora, no outro o carro de corrida Rolls-Royce de rriotor a jacto de 1983, utilizados químicos e máquinas para limpar e trabalhar a terra, a produção
capaz de viajar a mais de 630 milhas por hora. Entre esses dois extremos, há em peso de cereal é 2,8 vezes superior na quinta americana. Mas isto não
carroças puxadas por animais, vários tipos de carruagem e veículos movidos a :reflecte a energia gasta em cada um dos métodos e introduz um desequilibrio:
vapor, a electricidade e por um motor de combustão interna. Estes transpor- . as grandes produções da quinta americana estão dependentes de grandes
tes podem ser organizados hierarquicamente de acordo com as suas velocida- quantidades de energia gasta sob a forma de qtúmicos agrícolas, combustível
des máximas e dos dados reunidos podemos desenhar uma curva ascendente e maquinaria. Pelo contrário, a produção mexicana cresce com pouco mais
traçando a velocidade do veículo e o tempo histórico. Uma tal curva, que tem do que a energia de homens e mulheres que trabalham a terra. Quando a
sido utilizada para demoflstrar a realidade do progresso tecnológico, pressupõe energia da produção é comparada com a energia da prática agrícola, o resul-
que o transporte terrestre é uma necessidade humana fixa existen~e fora de tado é completamente diferente. Na quinta mexicana a razão de energia pro-
qualquer contexto cultural. V. Gordon Childe, um historiador da pré-história, duzida/gasta é, no caso do milho, de 11:1 e na quinta americana de 3:1. A
respondeu a esta demonstração com uma pergunta crítica: "Será que um caça- lição a tirar daqui não é que o método de corte/queimada é superior e devia
dor de renas de 30 000 a. C, um antigo egípcio de 3000 [a. C.}, ou um antigo ser adaptado pelos agricultores americanos, mas que a produção do cereal é
bretão de 30 a. C. precisavam ou desejavam viajar 200 milhas a 60 milhas por uma medida enganadora e que as práticas agrícolas devem ser avaliadas em
hora?" 2 A questão de Childe está bem colocada: as necessidades humanas termos de atitudes e necessidades culturais específicas, e não por um teste
estão em constante mudança, e as velocidades dos transportes terrestres ade-
quantitativo supostamente neutro.
quadas a uma época e cultura não são necessariamente adequadas a outra. Tendo em conta os problemas levantados pelas medições subjectiva e
Para o historiador do século XX, não serve como prova de progresso tecno- objectiva do progresso tecnológico, será ainda possível pensar que a tecnolo-
lógico colocar um carro de bois e um camião a motor lado a la(j.o numa
gia avança em direcção a um objectivo determinado? V. Gordon Childe acre-
auto-estrada e medir as suas respectivas velocidades máximas. As formas .de
ditava que .sim. Numa série de livros escritos no meio da depressão econó-
transporte terrestre, como qualquer outra tecnologia, têm <ie ser aValiadas mica e da guerra ( 1936-1944), Childe procurou justificar a ideia de progresso
em termos das culturas em que foram concebidas e utilizadas. As compara-
humano através de avanços tecnológicos. Admitindo que a crise naciona~ e
ções interculturais, ou as analogias feitas numa mesma cultura em periodos
internacional da época forçava as pessoas a serem pessimistas relativamente
muito diferentes de tempo são fontes de dados muito pobres para estabelecer
ao progresso da humanidade, defendeu que o historiador que olhe para mais
o avanço da tecnologia.
longe terá boas razões para ser optimista.
Alguns críticos podem argumentar que o nosso exemplo é demasiado
A perspectiva de Childe baseava-se nos dados da arqueologia pré-histórica e
drástico e que as necessidades de transportes terrestres mudam ao longo do
nas teoriaS da biologia evolucionista. Este historiador acreditava que a história
convencional, limitada em termos de dados, âmbito e tempo, devia ser substi-
1
V. Gordon Childe, Social evolution (Nova Iorque, I951), p. 9 tuída por uma compreensão histórica que juntasse a pré-história à história
2261 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA CONCLUSAO; EVOLUÇÃO E PROGRESSO 1227

registada e reconhecesse a importância da cultura material nos povos pré-lite- relacionados com a Revolução Industrial na Inglaterra. Entre 1750 e 1800, a
rados. Na sua perspectiva, os periodos de estagnação e decadência que carac- curva de crescimento <la população inglesa subiu acentuadamente, um desen-
terizavam a história recente eram anomalias menores no impulso para diante volvimento que Childe explicou através das mudanças tecnológicas, económi-
da humanidade. Os efeitos retardadores da guerra, da pobreza, da fome e cas e sociais arrebatadoras a que os historiadores chamaram Revolução Indus-
afins são mais do que compensados pelas realizações positivas da humani- trial. Segundo Childe, o debate histórico acerca dos benefícios e horrores da
dade: o fabrico de instrumentos de pedra, a criação da agricultura, a constru- industrialização podia finalmente ser resolvido recorrendo a este critério
ção dos primeiros centros urbanos, o trabalho em metal e a invenção da objectivo. Concluiu que a Revolução Industrial foi um acontecimento histó-
escrita. Para Childe, as provas arqueológicas destas realizações constituíam rico que conduziu ao progresso porque facilitou a sobrevivência e a multipli-
uma prova tangível do progresso humano. cação da espécie a que mais dizia respeito - o homo sapiens.
Childe, ao expandir a visão histórica moderna de modo a incluir a pré-histó- Tendo resolvido a seu favor os argumentos sobre o impacto da Revolução
ria, aproximou o estudo da história da arqueologia e da zoologia, da paleon- Industrial, Childe virou-se para a sua principal preocupação, a pré-história.
tologia e da geologia. O seu estudo das realizações técnicas dos primeiros Uma vez que tinha demonstrado que a Revolução Industrial acelerara o pro-
seres humanos levantou questões sobre o caminho evolutivo humano e a r'ela- gresso humano, também seria capaz de demonstrar que um certo número de
ção entre biologia e cultura. Segundo Childe, o registo biológico fornecia pro- grandes revoluções pré-históricas tinha conduzido a um aumento populacio-
vas do desenvolvimento da humanidade desde o seu aparecimento inicial na nal. As revoluções que deram à humanidade a agricultura, o metal, a cidade e
Terra. Utilizando uma analogia evolucionista explícita, considerou semelhan- a escrita tinham todas resultado na proliferação da espécie humana. Portanto,
tes as mudanças na cultura humana e as modificações e mutações que deram a Revolução Industrial não era um acontecimento único: era meramente a
origem a novas espécies animais: sugeriu que aquilo a que o historiador mais recente de uma série de revoluções tecnológicas que tinha acelerado o
chama progresso é conhecido pelo zoólogo como evolução. progresso humano ao longo dos tempos.
A biologia forneceu a Childe o que ele chamou "o teste final do progresso'? Childe acreditava que o teste populacional libertava a ideia de progresso de
um teste numérico que era científico e destituído da perspectiva metafísica "sentimentalismos e misticismos" 4 colocando-a claramente no campo do cien-
carregada de valores que durante séculos tinha dominado as discussões sobre tista. No entanto, a sua medição do progresso não está isenta de críticas. O
progresso humano. O princípio evolutivo de sobrevivência e propagação de alargamento do âmbito de discussão do progresso humano, de forma a englo-
espécies botânicas e zoológicas implicava que a resistência, ou o êxito, de uma bar a pré-história, foi um golpe brilhante. As perturbações locais que parecem
espécie podia ser medida rigorosamente contando o número total de mem- grandes nas narrativas históricas convencionais diminuem quando os historía-
bros da espécie que sobreviviam de geração em geração. Se esse número fosse dores estudam o registo total da humanidade. Porém, a pré-história tem os
crescente, Childe considerava a espécie resistente ou bem sucedida, caso con- seus próprios problemas. Os dados históricos sobre a pré-história estão limita-
trário, considerava-a um fracasso. Nesta abordagem, o animal humano era dos aos vestígios materiais que sobreviveram às contigências do tempo. Por
uma parte integrante do processo evolutivo, e a sua resistência, ou capacidade isso, pouco ~e sabe acerca das tecnologias pré-históricas para além da pedra e
de progredir, podia ser determinada pelo mesmo teste de crescimento popu- da cerâmica, e praticamente nada sobre as vidas e pensamentos dos povos
lacional que tinha sido aplicado a todos os outros organismos. Quando as pré-históricos. Deste registo enviesado e deficiente, têm de se reconstruir cu'-
mudanças culturais e tecnológicas levavam a um crescimento da população turas humanas completas, um projecto condenado a resultar numa imagen1
humana, Childe afirmava que as mudanças eram um progresso e que a huma- bastante vaga e conjecturai do passado. Como pode alguém afirmar que as
nidade tinha avançado. :-~ociedades pré-históricas progrediram quando se sabe tão pouco acerca delas?
Childe acreditava ter encontrado uma prova irrefutável da correlação Conforme respondeu Childe, o facto de saber que as populações aumentaram
entre mudança tecnológica e crescimento populacional nos acontecimentos ()U diminuíram é informação suficiente para determinar o progresso.

3
V. Gordon Chllde, Man makes hirruelf(Nova Iorque, 1951), p. 186. 'Ibid., p.l9.
228j A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
CONCLUSÃO: EVOLUÇÃO E PROGRESSO 1229

As ligações que Childe estabeleceu entre progresso nos tempos pré-histó- Uma modificação da ideia de progresso tecnológico requer duas alterações
rico e moderno dependiam da sua afirmação que a população inglesa cresce:.1
fundamentais à perspectiva tradicional. Prirheiro, o progresso na tecnologia
dramaticamente entre 1750 e 1800 e que o crescimento devia ser explicado
deve ser identificado em limites tecnológicos, temporais e culturais muito res-
por avanços tecnológicos. Esta afirmação já não é aceitável para os demógra-
tritos e de acordo com um objectivo muito específico. Segundo, o avanço da
fos modernos. Alguns defendem que o aumento da população ocorreu antes
tecnologia deve ser desligado do progresso social, económico e cultural.
de 1750 e devia ser incluído como uma das causas da Revolução Industrial.
Para ilustrar esta abordagem, regressemos ao caso da transmissão de ondas
Outros aceitam um crescimento posterior que atribuem caprichos do clima e
de rádio discutido no Capítulo 3. Entre 1887 e os primeiros anos do século XX,
da doença, e não à industrialização. Dado que os historiadores discordao
vários investigadores trabalharam para aumentar a distância de transmissão
acerca da compilação e interpretação dos dados demográficos do final do
da radiação electromagnética. O fisico alemão Heinrich Hertz, que estava
século XVIII e início do século XIX, não é surpreendente que também discor-
principalmente preocupadO em estabelecer a existência da radiação hipotética
dem acerca dos efeitos de uma série de acontecimentos que supostamente
de James Clerk Maxwell, sentiu-se satisfeito em conseguir uma transmissão
ocorreram num tempo remoto, em que não eram mantidos registos escritos.
Mesmo que tivéssemos informações fiáveis sobre as mudanças popUlacionais, numa distância de quinze metros no seu laboratório. Em 1894, Oliver Lodge
era ainda necessário provar que qualquer aumento populacional era o resul- fez uma demonstração de transmissão a 54 m, no encontro de Oxford da Bri-
tado de um avanço tecnológico. tish Association for the Advancement o f Science. Depois, Guglielmo Marconi
Há outros erros no teste populacional de Childe que merecem ser mencio- chegou a Inglaterra determinado a fazer da radiotelegrafia uma realidade emi-
nados, mesmo que de passagem. Dois são de importância crítica. Primeiro, se tindo sinais a distâncias muito maiores. Em 1'894-95 começou com transmis-
a proliferação é um sin"al de progresso, então os seres humanos, com uma sões a poucas centenas de metros, em 1899 foi capaz de comunicar via rádio
população mundial de 5 x 109, ficam atrás de outros organismos Ínais prolífi- através do Canal da Mancha, e, em 1901, conseguiu a primeira transmissão de
cos. Por exemplo, diz-se que algumas espécies de insectos têm um número rádio transatlântica.
superior a 1016 indivíduos, e o Euphausia superba, o minúsculo krill comido Esta série de constantes aumentos na distância de transmissão da radiação
pelas baleias, tem uma população superior a 10 20 • Segundo, nos anos 30, electromagnética constitui um progresso tecnológico. Uns acontecimentos
Childe associou o crescimento da população ao êxito, no entanto, menos de tiveram lugar num período de tempo limitado, menos de vinte anos, e num
meio século depois, a proliferação humana levanta receios de que o excesso contexto cultural relativamente homogéneo, Inglaterra e Alemanha. O objec-
populacional destrua o espaço vital, o ambiente, os recursos alimentares e as tivo era simplesmente a transmissão de_um sinal de rádio a uma distância
recursos naturais. O crescimento populacional não conta como um bem não cada vez maior. De Hertz a Marconi, a tecnologia básica de transmissão man-
qualificado num mundo em que os habitantes de regiões sobrepovoadas teve-se constante- a criação de sinais de rádio por meio de sinais intermiten-
vivem em péssimas condições. tes produzidos por uma bobina de indução ou um banco de condensadores.
O facto de rejeitarmos o teste populacional de Childe impõe un1 regresso Dado que a transmissão do sinal intermitente de código Morse foi substituída
ao debate extremamente polarizado sobre o impacto da tecnologia na socie- pela transmissão de onda contínua da voz humana a partir de 1920, a minha
dade. Num pólo, estão entusiastas que louvam as maravilhas da tecnologia· e definição de progresso confinou-se a um período bastante anterior a 1920.
da ciência e incitam ao aumento do ritmo da mudança tecnológica de forma Finalmente, não se fez qualquer referência à transmissão de rádio e ao avanço
que a civilização avance mais rapidamente. No pólo oposto, estão ambienta- da civilização. O pressuposto. condutor tem sido que se um grupo de pessoas
listas e críticos sociais que dão ênfase aos efeitos nocivos do crescimento tec- deseja transmitir sinais de rádio em código, então, um aumento na distância
nológico e apelam à contenção. Estes pontos de vista antagónicos, que são de transmissão pode ser visto como um sinal de progresso desse projecto tec-
vigorosamente defendidos pelos seus respectivos apoiantes, não são de fácil nológico particular.
resolução. No entanto, podemos formular um conceito modificado de pr<r Podem encontrar-se facilmente exemplos semelhantes de progresso tecno-
gresso tecnológico compatível com as posições antagónicas e com uma teo-
lógico na história da tecnologia: aumentar a potência do motor a vapor
ria evolucionista de mudança tecnológica.
atmosférico antes de ser reformulado por Watt; reduzir o tempo de exposição
230 I A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA ENSAJO BIBLIOGRÁFICO 1231

das placas fotográficas utilizadas nas primeiras câmaras de daguerreótipo; Ensaio bibliográfico*
manter o avião dos irmãos Wright no ar mais tempo do que os 54 segundos
do voo inicial em Kitty Hawk; ou manter o filamento de carbono da lâmpada
incandescente de Thomas Edison a brilhar durante mais tempo. A estes exem- Os livros aqui enunciados referem-se às secções específicas de cada capí-
pios, todos retirados da fase inicial das invenções, podem ser acrescentadas as tulo para que o leitor possa rapidamente perceber que obras e artigos são rele-
provas fornecidas por tecnologias ponderadas e modernas, tais como melho- vantes para o assunto em questão. Existem, contudo; histórias da tecnologia de
rar a imagem transmitida pela televisão, nos anos 30; ou diminuir as dimen- carácter geral que merecem menção especial. Estas obras poderão fornecer ao
sões de um transistor específico, nos finais dos anos 50. o leitor uma visão tradicional do desenvolvimento da tecnologia. De entre as
A reformulação do progresso tecnológico deve ser aceitável para antagonis- histórias da tecnologia em vários volumes aconselham-se: Charles Singer, et
. tas do debate tecnologia versus sociedade e continuar a satisfazer a condição de al., eds., A history of technology, 7 vols. (Oxford, 1954-78); Maurice Daumas,
as provas de progresso não serem recolhidas ultrapassando barreiras tecnológi- ed. A history of technology and invention, 3 vols., trad. E. B. Hennessy (Nova
cas e culturais e durante períodos longos de tempo. Mas, mais importante, Iorque, 1969-79); Melvin Kranzberg e Carroll W. Pursell, Jr., eds., Technology
todos estes exemplos estão em consonância com a analogia evolutiva que é in Western civilization, 2 vols. (Nova Iorque, 1967). Em um só volume, suge-
central neste livro. Os evolucionistas orgânicos desde Datwin têm tido relutân- rem-se: T. K. Derry e Trevor I. Williams, A short history of technology from the
cia em aceitar a ideia de evolução da vida para um objectivo predeterminado. earliest times to A. D. 1900 (Nova Iorque, 1961); Trevor L Williams, A short
Evita-se mencionar direcção, finalidade ou progresso em relação à evolução history of nventieth-century technology c. 1900-c. 1950 (Nova Iorque, 1982); D.
orgânica porque se pensa introduzir especulação metafisica no discurso cien- S. L. Cardwell, Turning points in Western technology (Nova Iorque, 1972);
tífico. Resisti à tendência de fazer do avanço da humanidade ou da necessi- Arnold Pacey, The maze of ingenuity (Nova Iorque, 1975); Abbott Payson
dade biológica o fim para o qual está direccionada toda a mudança tecnoló- Usher, A history ofmechanical invention (Cambridge, Mass., 1954).
gica. Em lugar disso, explico a diversidade dos artefactos como uma manifes-
tação material dos vários modos que os homens e as mulheres, através da his-
1. Diversidade, necessidade e evolução
tória, escolheram para definir e viver a sua existência. Embora as escolhas
sejam feitas conscientemente para satisfazer objectivos imediatos, como voar Diversidade
num aparelho mais pesado do que o ar ou aumentar a eficiência do combustí-
Ernst Mayr, Evolution and the diversity oflife (Cambridge, 1976); Thomas J. Sch!ereth, Material
vel para um m.otor de automóvel, a soma total dessas escolhas não constitui
culture studies in America (Nashville, 1982); Karl Marx, Capital, ed. F. Engels, trad. S. Moore e E.
progresso humano. Aveling, vol. I (Nova Iorque, 1972); e. e. cummings, «pity this busy monster, manunkind», in
Uma teoria funcional da evolução tecnológica impõe que não haja pro- Poems. 1923-1954 (Nova Iorque, 1954); David S. Miall, ed., Metaphor, problems and perspectives
gresso tecnológico no sentido tradicional do termo, mas aceita a possibili- (Susscx, 1982); Bar\ R. MacConnac, A cognitive theoryofmetaphor(Cambridge, 1985).

dade de progresso limitado em direcção a um objectivo cuidadosamente


seleccionado num contexto restrito. Nem o registo histórico nem a nossa Necessidade
compreensão do papel actual da tecnologia na sociedade justificam um Aesop, Aesop's fables: a new edition with proverbs and applicntions (Londres, 1908); James J. Flink,
regresso à ideia de que existe uma conexão causal entre avanços na tecnolo- The car culture (Cambridge, Mass., 1975); Robert F. Karolevitz, This was trucking(Seattle, 1966).
gia e um melhoramento global da raça humana. Por isso, o conceito popu-
lar mas ilusório de progresso tecnológico deve ser abandonado. Em seu A roda
lugar, devíamos cultivar um gosto pela diversidade do mundo construído, David S. Landes, Revolution in time: clocks and the making of the modem world (Cambridge,
pela fertilidade da imaginação tecnológica e pela grandeza e antiguidade da Mass.. 1983); Wilfred Owen, Ezra Bowen, e os redactores da Life, Wheels (Nova Iorque, 1967);
rede de artefactos relacionados.
• O le•tor deve ter em conta que este ensaio bibliognifico foi redigido há quase vinte anos, não contendo,
por •sso, referências bibliográficas surgidas desde então.
232-j A EVOLUÇAO DA TECNOLOGIA ENSAIO BIBLIOGRAFICO j233

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•··7'!

2461 A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA


INDICE REMISSIVO 1247

Índice remissivo Coalbrookdale, Inglaterra, 112 FederaiAviation Agency (FAA), 163, 164, 165, 163; escassez de matéria-prima, 119-120; facto-
computador, 149, 151, 196 166, 167 res socioeconómicos, 67, 109, 137
abandono, 196-200 conhecimento: ciência, 96-107; transferência da Ferguson, Eugene S., 73, 101 inovacão, rotina, 110, 114
aborígenes australianos, 18, 67 tecnologia, 81-96 Fermi, Enrico,l71 Insull: Samuel, ISO
agricultura, 15, 123; métodos agrícolas modernos Constant, Edward W., 29 ferramentas de máquinas, 17,225 invenção: abordagem de slntese cumulativa da,
e primitivos, 224-25 continuidade (casos de): arame farpado, 52-57; ferramentas: manuais, 201-202; de metal, 33; de 24; teoria heróica da; 22, 27, 62-63; potencial
Aitken, Hugh G. ]., 104 máquina de escrever livros, 58-61; máquina de pedra, 14, 28,32-34, 52, 110, 144 de, 68, 142; aspectos psicológicos da, 25,
Alexander, Christopher, 114 algodão, 34-35; sistema de iluminação de Edi- fiadeira mecânica automática, 117 67-69; como processo social, 22, 109
analogias orgânicas-mecânicas, 14-22 son, 48-52; motor eléctrico, 42-45; motores a ficção científica, 16,61 invenÇôes: de bens de capital, 121, 122; economi-
animais, uso de ferramentas, 13 vapor e de combustão interna, 39-42; utensí- Firh, Raymond, 68-69 zadoras de mão-de-obra, 122, 126; e jogo, 69,
arco e flecha, 197 lios de pedra, 32, 34; transistor, 45-48 Fleming, John A., 45 71; selecção de, 147-151
Aristóteles, 15 continuidade, conceito de, 23, 27,220-221 Flink, James j., 168 inventor: como funcionário, 121. 128; como
Arkwright, Richard, 28 Cooke-Taylor, W., 39 Foge!, Robert W., 206-208 empresário, 159: heróico, 27, 37, 62-63; inde-
armas de fogo: Japão, 81-82, 199-200 Crochett, Thomas, 88 fogo, 7, 12, l4 pendente, 136; herói cultural, 138; no Renasci-
artefacto, 31; fazer coisas à miio, 109-116; produ- Crompton, $amuei, 29 foguetões nucleares,l92-193 mento,l37; na U.R.S.S.,I31
ção em massa, 109-110 Crookes, Sir William, 104 foice manual, 66, 160, 161
AtomosparaaPaz, 172,174,195 culinária, 15 fonógrafo, 147-150 Jeremy, David J.,87
automóvel, 6, 7, 96, 146, 151, 168, 223; eléctríco, cultura paleolítica, 19 Ford, Henry,61, 151. 192, 2ll Jervis, John B., 95
209-211, 212, 213; gasolina, 209, 211, 212-214; cummings, e. e.. 2 Fulton, Robert, 159 jogo e tecnologia, 69-81
vapor, 208, 209, 211-212, 213 Johnson, Lyndon B., 165
avião nuclear, 193-195 Darwin, Charles, I, 21,219-220,230 Galilei, Galileo, 97
avião, 151, 192, 230 Daumas, Maurice, 42 General Electric Company, 133-134 Kay, John, 29
David, Paul A., 161 Gilfillan, S. C., 23-24, 25 Kelly, Michael, 55
Bachelard, Gaston, 14 De Forest, Lee, 45 Gille, Paul, 42 Kennedy,John F., 164
Bacon, Francis, 138,140,141, 179,181,186,203 descontinuidade, 22, 27,61-65 Glidden, Joseph F., 56 Kepler, Johannes, 140
Bacon, Roger, 79 detectores de cristal, 47 Goldberg, Rube, 79 Kroeber, Alfred L., 145-146
barco a vapor: América, 93-95; lndia, 83-85 Diaz, May N ., lll Grande Exposição de 1851,62, 123 Kubler,George, 197,199
Bardeen, John, 45 Diderot, Denis, 35 gravador de fita magnética, 148-149 Kuhn, Thomas S., 29
Barnett, H. G., 109 Dillon, Sidney, 206 Greenwalt, Crawford H., 136 Kyeser, Conrad, 74
Bell, Alexander Graham, 102 diriglveis, 198 Graves, general Les\ie R., 171 laboratórios de pesquisa industrial, 132-137
Bell, laboratórios, 45, 46, 135 diversidade, l, 2, 67, 114,198,220 Guericke, Otto von, 97
bicicleta, 61 lâmpadas incandescentes, 49, 230
Ou Pont Company, 133, 136 Gutenberg, Johann, 203, 205
Landes, David S., 8, 203
blocos com letras, 59 duração, 198, 200; intermitente, 199,200 Habakkuk, H. J., 123-126 Laplace, Pierre-Simon de, 221
Boulton, Matthew, 86 Dyson, Freeman J., 193 Haish, Jacob, 56 latas de bebidas, 109-110
Brattain, Walter H., 45
Hargreaves, !ames, 29 Lenoir, Jean Joseph Etienne, 42
Braun, Ferdinand, 45, 106 Eastman Kodak, 133
Brittain, James E., 95 Henry, Joseph, 43, 63 Leonardo da Vinci. 74-75
Edison, Thomas A., 42-45, 63, 133, 147-148,
Hertz, Heinrich,lOJ-104, 105,107,229,230 linguagem, 13
Bruland, Tine, 117 149-150,151,230
Hicks, John R., 122 Locke, John, 59
Brune!, lsambard K., 187,190-191 Einstein, Albert, 171
Hindle, Brooke, 31 locomotiva a vapor, 94-95, 199
Bunzel, Ruth L., 111 Eisenhower, Dwight D., 172, 174
Homans, George C., 111 Lodge, Sir Oliver, \03, 104, 105, 106,229
bússola,43, 179,182,183,186 elcctricidade, 29, 133
Butler, Samuel, 16, 17, 25 homo faber, 69 Lodygin, A. N ., 63
electromagnetismo, descoberta do, 43
homo ludens. 69 Lambe, John, 88
Ellwood, Isaac L., 56
calculadoras matemáticas mednicas, 59 Hornblower, Josiah, 85 Lambe, SirThomas, 88
energia nuclear, 170-178, Projecto Manhattan,
camelo, I! Horwitch, Mel, 165
171, 177; reactores, 170, 171,172,173,174, machado, 92-93, 114
camião a motor, 7, 168-170 Hughes, Thomas P., 95
175, 176, 177; estação de produção de energia máquina de algodão: Whitney, 34-37, 39, 65;
caminho-de-ferro, 94-96, 162, 201, 206-208, 215; Huguenotes, 85, 87
nuclear de Shippingport, 174-177 charka, 35-37, 65
atmosférico, 187-191; fndia, 83-85 Huygens, Christiaan, 97
Engels, Friedrich, 64 máquina de escrever, 151
caminhos alternativos, 200-215
Ericsson, John, 42 imprensa, 179, 180, 183, 186, 203; tipografia, 180, máquina de escrever livros, 58-60
canais, 206, 207, 208,215
Esopo, 3, 13 203-206; xilografia (impressão com blocos) maquinaria têlCtil, 29,86-87, 116-119
canoa, 114, 196
espécies: orgânicas, 1, 145; tecnológicas, 2, 180, 203-206,215 máquinas fotográficas, 150; placas fotográficas,
Capek, Karel, 79
145-146 indios Yurok-Karok, 110 230
cardação de lã, 118
espingardas, 18 indústria da seda, 87-88 máquinas: imaginárias, 61; in1possíveis, 76-78;
Cardwell, D. S. L., 53
espionagem industrial, 90 inovação, 26, 66, 142., 22.1-222; diversidade de arte- fantásticas, 58; de movimento perpétuo, 76-78
Carelman, Jacques, 79
Evans, Olivere, 124 factos, 67, 68; cultura, 67, 68, 137-142; incenti- Marconi, Guglielmo, 63, lOS- 107, 229
ceifeiras mecânicas ver segadeiras mecânicas
evolução: orgânica, I, 2, 3, 16, 17, 21, 143-147, vos económicos, 116-126; excesso de, 143; fan- martelos, 2
centrais geradoras de electricidade, 95, 119, 174,
219,225-227, 229-230; teçnológica, 1, 2, 3, 16, tasia, 69-81; fazer coisas à mão, 109-116; con- Martinez, Julian e Maria, 111
175,176,177
17, 31, 64, 143-147' 219-222, 225-230 ffito industrial, I 16-119; laboratórios de pes- Marx, Karl, 2, 14, 22, 84,117, 219-220
cerâmica,ll0-111, 112,113,197
e:ctinção, 196-200 quisa industrial. 132-137; Islão, 138; conheci- MaxweU, James Clerk, 102-103, 104, 105, 107,
cestos, 110,112
ex;trapolac;ões tecnológicas, 71-74 mento, 68, 81-107; escassez de mão-de-obra, 229
Childe, V. Gordon, 224, 225-226 McConnick, Cyrus H., 66, 123, 160-162
122-126; procura de mercado, 120·122; paten-
circuito integrado, 47 fantasias tecnológicas populares, 79-81
classificação, 17, 18,145
tes. 73-74,120,112, 126-l32;jogo,69-8l; McLuhan, Marshall, 203
Faraday, Michael , 43, 102, 107 factores psicológicos, 67-68; rejeição d.l, 138, Mesopotâmia, 8, 9
248] A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA
fNDICE REMISSIVO 1249

mestres gravadores, África, 111, 112 radiotelegrafia, 103-106, 149,229


metáfora, 2, 3 Thorndike, Lynn, 140
Ramelli, Agostino, 71-73 vedação: arame farpado, 52-57; sebe, 53-57;
moinho, 82 reino animal, l3, 14 Tikopia, 68-69 arame não farpado, 54; pedra ou madeira, 53
moinho de farinha automático, 124 relógio digital, 61 Torricelli, Evangelista, 97, 107 Vergil; Polydore, 138
moinhos,153-155, 156,157 relógio mecânico, 8, 59,61 transferência de tecnologia, 81-96; influências Veme, Júlio, 79
Morse, Samuel F. B., 63, 84, 159 ambientais, 92-96; imperialismo, 82-85; Villa, Pancho, 169
revistas de popularização científica, 80
motor a vapor, 39-42,43,45, 149, 229; difusão, [ndia, 82-81; migração, 85-87; tecnologia têx- Villard, d'Honnecourt, 76
Revolução Industrial, 28-29,62,64-65, 120, 129,
88; Newcomen (atmosférico), 39, 41, 42, 227, 228 til,86-87 visões tecnológicas, 74-76
96-102, 158-159; Watt, 39, 41, 42, 43, 100, 158 transistor, 45-47,90-92, 229; Japão, 90-91; tipo
revolução: ciência, 27-28; tecnologia, 27-29,64
motor de combustão intema, 42, 151, 209,211, Reynolds, Terry S., 154 de junção, 46; ponto de contacto, 46; rádio, 91 Watt, James, 39, 41, 43, 66, 86, 158,229
213-215,230 transportesupersónico, 162-167 Wells,H.G.,79
Ricci, Matteo, 205
motor eléctrioo, 42-45 trenós, 8, 224 W estern Electric, 90
Rickover, almirante Hyrnan G., 173-176
motores de ar quente, 42 turbina de jacto, 29-31 White, }r., Lynn, 141
Righi, Augusto, 105
mudança cumulativa, 22-25 Whitney, Eli, 34-37, 61, 63,65, 66
Rivers, W. H. R., 196
Mueller, W. F., l36 Usher, Abbott P., 22, 24-25 Winner, Langdon, 216-217
Robinson, W. Heath, 79 utilidade, 2 Wright, Orville e Wilbur, 151, 230
natureza, domínio da, 141-142 roda de água, 152-l59;Antiguidade, 153-154;
naturfacto, 52, 57 Idade Média, 156-157; Pó5-Renascimento, válvula de vácuo, 45, 46, 47 Zonca, Vittorio, 88
navio, 23-24 157-158 variações fortuitas, 109-110
navios mercantes nucleares, 195-196 roda, 7-12
necessidade, 2, 3-7,220,230 Roosevelt, Franklin D., 171
necessidades: fundamentais, 12-15, 69, 230; Rose, Henry M., 56
supérfluas, 14,230 Rosenberg, Nathan, ll9, 152.215 ·
Needham, Joseph, 41, 184-185
Schiff, Eric, 130
Neolítico, 32
Schmookler, Jaco)l, 73,120-122,126
Newcomen, Thomas, 39, 40, 41,98-102, 107
Schuyler, coronel John, 85
Nixon, Richard M., 56
novos materiais, 112 segadeira mecânica, 65, 66, 159-162
Segunda Guerra Mundial, 171, 178
O'Neale,LilaM., 110 selecção, 143, 216-218, 222; artificial e selecção
Oersted, Hans Christian, 42 natural, 143-147; na cultura chinesa, 179-186;
Ogburn, William F., 22-23, 24, 25, 121 condicionalismos económ:cos, 152-167; capri-
ondas electromagnéticas, 102-107, 229-230 chos e modas, 186-196; ne.:::essidade militar,
Ortega y Gasset, José, 14,220 167-178; inconsciente, 19
Orwell, George, 58 semicondutor, 47
Osage orange (bois d'arc), 54-56 serra manual, 201-202
Otto, NikolausA., 6, 42, 209, 214,215 Shockley, William, 45
Silberston, Z. A., 129
Page, Charles G., 43 sistema de iluminação, 48-52
papel, 180
sistema de patentes, 63-64, 73. 74, 126-132
Papin, Denis, 97-102
sistema de produção americano,l23, 125-126
Parke-Davis, 133 skenomorfo, 113-ll4
Pascal, Blaise, 97 Smiles, Samuel, 62
patentes, 67, 73, 74, 120, 121, 122; diversidade, 2, sonhos tecnológicos, 69-76
67, 126-128; Grã-Bretanha, 127, 129; inventor, Sony, 91, 148-149
63-64, 74, 129; Holanda, 130; Suiça, 130; Sparks, Samuel S., 73
E.U.A., 73, 77, 128-129; U.RS.S.,I3l-132 Spencer, Herbert, 18
Perkin, William H., 132 Stagenkunst, 158
Perry, Comodoro Matthew C., 200 Stanley, carros a vapor, 214
Pershing, general John J., 169-170 Stiding, Roger, 42
Pitt-Rivers, general Augustus Henry, 16, 17-22, submarinos nucleares, 173-175
25, 115
Swan, Sir Joseph W., 63
plástico, 113
Swift, Jonathan, 58-61
pneumática, 97, 99, 101, 107 Szilard, Leo, 171
pólvora, 179, 180-181, 183, 186
Popov, A. S., 63 Taintner, Charles S., 150
pré-história, 225, 227 Taylor, C. T., 129
Primeira Guerra Mundial, 7, 169, 170 Taylor, Theodore, 193
processo de concepção, 114 tecnologia: autónoma, 216-217; chinesa, 179·186;
progresso: evolução orgânica, 230; tecnológico, militar, 167-168; Pré-História, 115-116
21, 137, 222-230 telegrafia, lndia, 84
Prometeu, 12 telégrafo sem fios, 103-107, 229
televisão, 151
química orgânica, 29, 132-133
Theatrum machit~arum, 71

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