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PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

DO MUSEU NACIONAL
PPGAS-MN/UFRJ

O Ser e o Meio:
Uma reflexão sobre Natureza, Vida e Ambiente a partir de uma experiência na Ilha de
Marajó1
Kauã Vasconcelos2

“Todos os caminhos levam à morte. Perca-se”


Jorge Luis Borges

Introdução
“O mundo não é como você pensa”. Essa frase me foi dita por um calafate 3 em
Soure, na Ilha de Marajó, em agosto de 2016. Seu Pombo, como ele me foi apresentado. Na
ocasião conversávamos, eu, ele e Felipe (meu professor na época que tinha ido comigo
conhecer Soure naquele mês)4 na varanda da sua casa, na vila de pescadores de Caju-una.
Estávamos registrando o círio de São Sebastião realizado pelos moradores de lá 5. Seu
Pombo, além de calafate, era chamado de “presidente de honra vitalício” da celebração. O
círio tem quase cem anos, mesma idade da imagem que fora trazida pelos antigos
fundadores de Caju-una, hoje na terceira localização desde sua fundação, tendo as outras
duas antigas vilas sido dragadas pelo mar. A história da imagem guarda consigo a história
das pessoas que junto a ela vieram de diversas partes do litoral norte do país até se
estabelecerem naquela região do Marajó. Bem ali onde as águas da Baía de Marajó
encontram o Atlântico e, com ele, transformam-se em água salgada. Ali onde o mague
agarra-se a terra e ela a ele, em um movimento que, com as marés, dão ritmo a ilha. A casa
de Seu Pombo, afastada do restante das outras casas na vila de Caju-una, fica mais próxima

1 Trabalho para a disciplina Natureza e Vida na cosmologia ocidental e na antropologia, ministrada pelo
professor Luiz Fernando Dias Duarte, no segundo semestre de 2018.
2 Mestrando em Antropologia Social pelo PPGAS do Museu Nacional/UFRJ.
3 Calafate é uma profissão de quem exerce a função de vedar embarcações com estopa de algodão entre as
tábuas, evitando a infiltração de água.
4 Felipe Sussekind, professor do departamento de ciências sociais da PUC-Rio.
5 O resgistro do círio fazia parte de uma oficina de antropologia visual oferecida por nós durante a nossa
passagem por Soure. A oficina resultou no filme “Seja Por Nós”, feito coletivamente com moradores do
município.

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do mar. Podíamos ouvir seu som, apesar de não poder vê-lo, enquanto ele nos contava sobre
os botos, a cobra grande e outros encantados que habitam a região. “O mundo não é como
você pensa”, ele me disse, “tem muito mais gente encantados do que nós em cima da terra.
Tem. Então nós para andar nesse mato tem o costume de pedir licença, ‘minha vó me de
lincença que eu vim dar uma pescada, que sou um homem pobre...’, e pede o
consentimento”. Esse tipo de comportamento, ou, poderíamos dizer, precaução explícita,
faz parte daquilo que os marajoaras chamam de “cosmologia cabocla”, como estampado na
placa do Museu do Marajó6. Esse ‘modo de ser’ marajoara, que Seu Pombo nos introduziu
naquela conversa em sua varanda, não existe sem aqueles outros ‘modos de ser’ que eles
vislumbram na figura dos encantados e conjecturam na localização cartográfica de suas
moradas. Seu ser está atrelado a estes outros que habitam o mesmo mundo, mas que, ao
mesmo tempo, são a prova viva de um outro mundo. Intercessores, interlocutores,
auxiliares, pregadores de peças, punitivos – os encantados são, para o bem e para o mal,
uma verdade incontornável. Assim, se por exemplo a ideia de propriedade, firmada entre
humanos através de acordos e contratos, tão bem fixada nos ideias iluministas nos quais
nossas leis e políticas se baseiam, passa pelo crivo dessa existência persistente dos
encantados, ela certamente não é mais aquela propriedade que nos é familiar. Como me
disse Seu Pombo, “Eu sou dono disso aqui” - apontando para sua casa-, “mas existem
outros (donos), aqui”.
Não foi somente essa conversa que me despertou o interesse por saber mais sobre os
encantados. Muitas foram as vezes em que sentamos, eu e Felipe7, para ouvir os moradores
levarem horas falando sobre os casos em que os encantados apareciam, seja para perder as
pessoas no mangue, afundar suas embarcações, espantá-los de uma região vigiada por eles,
para deixá-los doentes ou parar seus carros no meio de uma estrada. Eu não saberia como

6 O Museu do Marajó, fundado pelo padre italiano Giovanni Gallo, fica no município de Cachoeira do Arari e
possuí um acervo que vai desde peças da cerâmica marajoara, a fotos dos grupos indígenas da ilha e lendas
exibidas em placas de madeira giratórias, que o padre costumava chamar de “computador caboclo”. Giovanni
Gallo faleceu em 2003. No último ano, 2018, o museu foi fechado por falta de verba para manutenção.
7 E as vezes a Renata Emin, nossa anfitriã em Soure, que coordena um instituto de proteção aos mamíferos
marinhos no local, o Bicho D’água. Nas duas visitas que fiz a Soure, em agosto de 2016 e janeiro de 2018,
fiquei na sede do instituto.

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definir ao certo qual é o efeito, de uma forma geral, que os encantados tem na vida das
pessoas por essas narrativas. Para além das possibilidades e incertezas que eles abrem, não
caberia nenhum tipo de redução de sua capacidade de instabilidade de uma narrativa
apoiada exclusivamente em ações antrópicas. Se levarmos as últimas consequências para a
antropologia essa verdade do relativo, ao invés de insistirmos na relatividade da verdade
(Viveiros de Castro, 2002), o que as narrativas de seres que não passaram pela experiência
da morte, mas sim para um outro registro de existência, podem contribuir para nossa ideia
de vida?
Esse trabalho terá um caráter um tanto prospectivo e experimental. Prospectivo no
sentido geológico, de uma pesquisa, localização e estudo preliminar (aqui no caso não de
uma jazída mineral, mas de um campo de estudos que permeia as teorias dos sistemas vivos
e o campo antropológico das religiões de matriz africana e ameríndias) e experimental pelo
tipo de composição que ele tentará colocar em relação – poderíamos até dizer metamórfico,
para usar a imagem geomorfológica das rochas que passam por um processo de
transformação pela pressão e temperatura8. Algo da composição incial das ideias precisa ser
afetado pelas conexões postas em contato, ou o experimento se mostrará infrutífero.
Com isso, gostaria de passar primeiramente pelo debate proposto pelo físico Fritjof
Capra sobre a natureza da vida e como uma nova ideia sobre os sistemas vivos surge das
conexões feitas pelo autor, partindo do trabalho de Gregory Bateson e relacionando-o com
as pesquisas de Humberto Maturana e Francisco Varela e Ilya Prigogine. Que outras formas
de observar e descrever a vida estão em jogo em sua formulação?

Como a vida se move


Em seu livro “A Teia da Vida” (1996), Fritjof Capra pretende recolocar a questão “o
que é a vida?” a partir de diversas mudanças nos campos científicos e de uma nova
perspectiva filosófica sobre os sistemas vivos. Na quarta parte da obra, “A Natureza da
Vida”, o autor afirma que “uma teoria dos sistemas vivos consiste com o arcabouço
8 A prática antropológica, segundo Roy Wagner, opera uma “espécie de metamorfose”, em sua suposição da
cultura como controle das experiências, “um esforço de mudança contínua e progressiva das nossas formas e
possibilidades de cultura, suscitada pela preocupação em compreender outros povos” (Wagner, 2009:58).

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filosófico da ecologia profunda, incluindo uma linguagem matemática apropriada e
implicando uma compreensão não mecanicista e pós-cartesiana da vida” (1996:119) 9 e que
esta estaria em curso. Buscando organizar esse debate o autor apresenta três perspectivas
que diz serem diferentes porém inseparáveis do fenômeno da vida. Seu “padrão de
organização”, a forma da vida que vem de uma tradição intelectual desde Pitágoras,
Aristóteles, Goethe e os biólogos organicistas. Passando pela teoria sistemica e os
ciberneticistas até uma nova concepção do padrão pela ideia de auto-organização, que vê a
rede como um padrão geral da vida e que foi aprimorada por Humberto Maturana e
Francisco Varela em sua concepção da autopoiese Outra ideia que influencia a nova
concepção dos sistemas vivos está presente na matemática da complexidade, que dá conta
dos padrões visuais, atratores estranhos, retratos de fase, fractais, dentre outras concepções
do gênero, analisados pela topologia (1996:120-121).
Além do padrão outra perspectiva do fenômeno da vida é a da estrutura do sistema.
Para Capra, a sintese do padrão – que pode ser visto como o mapeamento abstrato de
relações – e da estrutura – a descrição dos componentes físicos específicos do sistema –
forma a concepção dos sistemas vivos. Porém, esses sistemas, por serem vivos, possuem
um fluxo de matéria, um movimento que sintetiza e dissolve as estruturas continuamente.
Essa terceira perspectiva o autor chamou de processo (que são vitais, processos da vida,
fluxos, etc.), que faz a ligação do padrão com a estrutura. Os três, como disse
anteriormente, são diferentes perspectivas que o autor aborda como inseparáveis.
Poderíamos pensar que a entrada por qualquer uma delas, quando subtraídas suas outras
variações, operam uma redução do fenômeno da vida, tal como proposto por Capra. Assim,
poderíamos conjugar o padrão da autopoiese de Maturana e Varela, com a estrutura
dissipativa (a estrutura dos sistemas vivos) de Prigogine, e a congnição (como processo da
vida) de Bateson. É preciso no entando distinguir esses componentes antes de conjugá-los
(1996:121-122).

9 A marcação das páginas do livro de Capra corresponde com a numeração do arquivo do livro em PDF, que
não está numerado. Não tive acesso ao livro físico e nem a outro arquivo com a numeração das páginas,
preferindo seguir o referencial do arquivo.

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A princípio, a ligação autopoiética com a cognição é mais visível – por que ambas
apontam para uma ordenação e reprodução dos sistemas vivos, já a estrutura dissipativa,
embora todos os sistemas vivos sejam compostos por estruturas desse tipo, nem toda
estrutura dissipativa é autopoiética, podendo corresponder tanto a um sistema vivo como a
um não-vivo. O padrão dos sistemas vivos é um padrão em rede, mas nem todas as redes
são sistemas vivos. Para uma rede ser viva ela deve produzir continuamente a si mesma,
segundo as concepções de Maturana e Varela. Assim, o ser e o fazer desses sistemas vivos
são inseparáveis. A autopoise é um padrão de rede que cria a si mesma. Um exemplo do
mais simples desse tipo de padrão é a célula, com o qual o autor irá apresentar como se
comporta os sistemas vivos nessa perspectiva. Esses sistemas, ele afirma, “são autônomos”,
o que “não significa que são isolados do seu meio ambiente. Pelo contrário, interagem com
o meio ambiente por intermédio de um intercâmbio contínuo de energia e de matéria”
(1996:126). Uma rede autopoiética, assim, é tudo menos estática, ou compostas de relações
entre componentes estáticos, mas um conjunto de relações entre processos (poderíamos
dizer relações entre relações) (1996:127).
A perspectiva proposta pelas estruturas dissipativas de Ilya Prigogine parece operar
de maneira oposta a autopoiese de Maturna e Varela. Se a autopoiese apresenta um
fechamento organizacional do padrão, a estrtura dissipativa enfatiza a abertura da estrutura
ao fluxo de energia e de matéria. No que Capra complementa observando que um sistema
vivo é aberto e fechado – sendo estruturalmente aberto e organizacionalmente fechado. A
matéria flui, mas a forma do sistema é estável. Para exeplificar essa imagem o autor
apresenta uma estrutura dissipativa mais simples, uma não-viva, um vórtice de água
fluente, desses que surgem ao abrir o ralo de uma pia ou de uma banheira. Ele apresenta as
características de uma estrutura dissipativa. Uma instabilidade no fluxo inicial uniforme, a
força da gravidade, a pressão da água e o raio do tubo de vórtice que diminui e
constantemente combinan-se, acelerando-se o movimento do redemoinho em velocidades
cada vez maiores. Se esse exemplo mais simples dão a impressão que os efeitos de tal
fenômeno são reduzidos, outros mais complexos colocam a dimensão das suas forças
destrutivas, como os furacões e os tornados. Essas forças, apesar de afetarem outros

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sistemas vivos, não altera as estruturas dos fenômenos, contudo, se nossa perspectiva não é
na coisa em si mas em como essa coisa se apresenta em suas relações, podemos
compreender o peso de tal perspectiva para o fenômeno da vida. Furacões e tornados,
dentre outros forças, são constantes no sistema biogeofísico da Terra. Essas forças indicam
um limiar de estabilidade, um “ponto de bifurcação”, como propõe o autor, um ponto de
instabilidade, onde novas formas de ordem podem emergir de forma espontânea, resultando
em desenvolvimento e evolução. Ao se bifurcar, a vida se ramifica em uma outra
direção(1996:127-129).
A terceira perspectiva que descreve o processo da vida na incorporação contínua do
padrão de organização autopoiético em uma estrutura dissipativa é identificado como o
processo do conhecer, a cognição. Congnição aqui, posta dessa forma, implica uma
concepção nova da ideia de mente. Uma ideia que supere a divisão cartesiana entre mente e
matéria. A mente vista como um processo, como o próprio processo da vida, as interações
entre seres vivos vistas como interações mentais, processos mentais. Longe de se
restringirem aos organismos individuais, a manifestação da mente se daria em sistemas
sociais e em ecossistemas (1996:130).
Essa percepção da mente enquanto processo da vida foi elaborada na década de
1960 por Gregory Bateson (e também por Maturana). Bateson colocou seu problema nos
termos dos padrões e das relações, se perguntando que padrão de organização seria comum
a todas as criaturas vivas. As relações, por outro lado, seriam, para o autor, a própria
linguagem da natureza. A essência do mundo vivo está nessa linguagem das relações, ela é
a forma biológica e a forma pela qual as pessoas pensam. Para descrever a natureza seria
necessário falar sua linguagem, a linguagem das relações. Maturana teria desenvolvido sua
concepção de mente paralelamente a Bateson, mas se colocando uma questão nunca posta
por ele: qual a natureza da vida? Para além do seu questionamento sobre a cognição. A
autopoiese surge enquanto resposta a primeira questão. Sobre a cognição, desenvolveu
junto a Varela uma teoria sistêmica da cognição (chamada de teoria de Santiago), que é bem
próxima da elaborada por Bateson, onde o processo de conhecer é visto como o próprio
processo da vida (1996:130-131).

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O que é posto por ambas as concepções é uma ideia mais ampla da cognição, uma
imagem ampliada da mente que não seria restrita a um órgão (o cérebro), englobando não
apenas a linguagem, o pensamento conceitual, dentre outros atributos da consciência
humana, mas também a percepção, a emoção e a ação. Não sendo o cérebro mais necessário
para que a mente exista, organismos mais simples, antes destituídos do atributo mental pelo
pensamento cartesiano, são vistos como capazes de percepção, e portanto de cognição. A
não separação entre mente e matéria enquanto categorias, mas como diferentes dimensões
do fenômeno da vida. O cérebro enquanto estrutura pela qual a mente enquanto processo
opera é somente uma estrutura dentre outras (1996:132).
A nova compreensão científica da vida proposta por Capra passa pela
interdependência entre padrão e estrutura e entre o processo e a estrutura – a imagem
autopoiética do padrão da vida frente a imagem das estruturas dissipativas, ambas
implicadas no processo cognitivo da mente. A ideia de uma nova síntese, que apresente um
mundo vivo e não compartimentado em partes, unidades discretas a disposição humana. Ela
procurar reconectar o pensamento humano e suas formas de vida (diríamos das experiências
modernas de vida humana, como o capitalismo mundial integrado) a teia da vida e com isso
proporcionar uma “alfabetização ecológica” (1996:218).

Lógica das intensidades


Em seu livro, “Mente e Natureza. A unidade necessária” (1986), Bateson busca o
que chama de padrão que liga enquanto um metapadrão de padrões de ligação, padrões
móveis, dançantes, em interação (padrões não estáveis). Esse metapadrão é a unidade
necessária do seu título. Essa unidade “sagrada da biosfera” teria um estatuto estético, ela
poderia ser visto na epigênese10 dos seres vivos, em sua formação espiralada, nas suas
anatomias repetitivas e rítmicas, moduladas, harmônicas. O mundo vivo do qual somos
parte e que se apresenta nesses fenômenos coloca, para Bateson, ideias sobre a ecologia que
passam pela sua concepção de mente. Um dos aspectos da perspectiva da mente está na
10 “Os processos de embriologia olhados como relacionados, em cada estágio, ao status quo ante” (Bateson,
1986:232).

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interação entre suas partes desencadeada pela diferença – como aponta Capra - “um
organismo vivo cria um mundo ao fazer distinções (…) as distinções são percepções de
diferenças” (1996:224). Para Bateson as diferenças são vistas como características objetivas
do mundo, mesmo que nem sempre sejam percebidas. A essas diferenças não perceptíveis o
autor deu o nome de “disferenças potenciais” - enquanto as diferenças objetivas são
“efetivas” e se tornam itens de informação, a informação consistiria nas diferenças que
fazem uma diferença (Capra, 1996).
Félix Guattari cunhou o termo heterogênese para o tipo de relação entre diferentes
enquanto diferentes. Um processo contínuo de re-singularização. Em seu livro de 1989, “As
Três Ecologias”, Guattari argumenta que é preciso, assim como postulou Bateson, uma
mudança significativa na forma de pensar e articular campos de conhecimento 11. Mostrou o
quanto era preciso aprender a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas,
mecanosfera e universos de referência sociais e individuais (1989:25). Essa mudança
fundamental das mentalidades invoca uma outra lógica, uma eco-lógica, que Guattari
chama de lógica de intensidades. Essa lógica leva em conta apenas o movimento, a
intensidade dos processos evolutivos (1989:27). “O processo”, oposto pelo autor ao sistema
ou à estrutura, “visa a existência em vias de, ao mesmo tempo, se constituir, se definir e se
desterritorializar” (1989:28). As intensidades constituem, justamente, as diferenças, na qual
os processos vivos estão engajados, como afirmava Gabriel Tarde, “existir é diferir”.

“Fazer emergir outros mundos diferentes daquele da pura informação


abstrata; engendrar Universos de referência e Territórios existenciais,
onde a singularidade e a finitude sejam levadas em conta pela lógica
multivalente das ecologias mentais e pelo princípio de Eros de grupo
da ecologia social e afrontar o face-a-face vertiginoso com o Cosmos
para submetê-lo a uma vida possível – tais são as vias embaralhadas
da tripla visão ecológica” (1989: 54).

11 Ao contrário de Bateson, Guattari parece elaborar suas ideias sobre as diferenças no campo das
potencialidades, buscando justamente fugir do primado da informação, ou seja, de reduzir a experiência a um
puro em si do acontecimento (ver Guattari, 1989:53-54, citando uma passagem de Walter Benjamin, 1983).

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Esse “Fazer emergir outros mundos” é o efeito que a lógica das intensidades parece
provocar nas narrativas dos mundos fechados, ou do mundo da ontologia naturalista, onde a
separação da natureza do mundo humano (social e cultural) se dá por um progressivo
apartamento e processo de desumanização de outros seres, como observado por Descola
(2006). A ideia de outros mundos enquanto descrição dos sistemas vivos pode também ser
encontrado na formulação do zoólogo Jackob Van Uexküll do unwelt. Uexküll distingue
esse tipo de conhecimento de um único mundo da sua concepção de mundo-ambiente.
Segundo Agamben, que apresenta Uexküll em “O Aberto” (2013),

“Onde a ciência via um único mundo, que compreendia dentro de si


todas as espécies viventes e hierarquicamente ordenadas, das formas
mais elementares aos organismos superiores, Uexküll, em vez disso,
estabeleceu uma infinita variedade de mundos perceptíveis, todos
igualmente ligados entre si como uma gigantesca partitura musical”
(2013: 66)
O unwelt (ou mundo-ambiente), diferente do espaço objetivo, é constituído por uma
série de elementos mais ampla que são “portadores de significado” ou “marcas” - aquilo
que chamamos de espaço objetivo é o nosso unwelt, que não possuí, para Uexküll,
nenhuma prevalêmcia sobre outros e que pode mesmo variar dependendo da perspectiva
pela qual o observamos (2013:67). Assim, espaços antes vistos de forma objetiva, como
uma floresta, não podem existir enquanto ambientes em si, mas sempre em relação. A
floresta é a floresta para alguém e não a mesma floresta12.
As ideias de Uexküll parecem se aproximar com o que ficou conhecido na
antropologia como “virada ontológica”, do qual o já citado Descola é um dos precursores, e
da qual a ideia, por exemplo, de perspectivismo ameríndio, como formulada por Lima
(1996) e Viveiros de Castro (1996), contribuíram para uma crítica ao multiculturalismo
antropológico, radicalizando a ideia de relativismo13. O efeito dessas formulações parece
12 Uexküll mostra, em exemplos como a descrição da relação entre a mosca e aranha, que as ligações entre
mundos perceptivos heterogêneos é possível, como se constituíssem elementos de uma mesma partitura
musical (Agamben, 2013:69).
13 Outros autores como Bruno Latour e Tim Ingold podem ser incluídos nessa lista.

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agir sobre as potencialidades da ação dos seres no mundo, restituindo a uma gama de
viventes uma actância que está presente em uma certa reformulação e recuperação de ideias
como o animismo.
Tim Ingold, em “Trazendo as coisas de volta a vida” (2012), se opõe a ideia de
agência dos seres por esta partir de um equívoco incial em dar o mundo como já morto e
inerte, uma forma de interrupção dos fluxos de vida nos quais os seres estão engajados. O
autor busca então restituir a vida, recolocar os fluxos materiais em atividade. A forma,
aponta Ingold citando o pintor Klee, é o fim, a morte, o movimento de dar forma, a ação, é
vida. Como fugir do modelo hilemórfico da criação proposto por Aristóteles, da forma e da
matéria, para uma percepção das forças e dos materiais (do cosmos), para colocar como
Deleuze e Gauttari? Ingold busca justamente solucionar essa passagem visando restituir de
vida a escrita antropológica e suas descrições do mundo – podendo assim acompanhar os
fluxos materiais, o emaranhado de linhas em que se tecem essas forças vitais do qual as
coisas (e não os objetos) são constituídas. Ao adotar a ideia de coisas, o autor procura
justamente vazar o conceito de objeto, transbordar a estaticidade das designações que
parecem congelar e limitar o pensamento, criando um desarranjo entre aquilo que é escrito
sobre a vida e a forma pela qual a própria opera.
Essa operação de ‘vazar’ as coisas conjuga-se aqui com o pensamento animista em
sua extensão de dar vida as coisas do mundo. Elas transformam de certa maneira a oposição
natureza/cultura por uma continuidade entre os domínios, borrando a fronteira do humano
por um compartilhamento de características antes distintas com outros seres. Algo que vai
em uma direção diferente das formulações que visam apresentar o exepcionalismo humano
e onde este estaria localizado.
O quadro de ideias exposto até aqui procurou apresentar uma imagem mais aberta
das concepções sobre a vida, natureza e ambiente, apontadando para uma perspectiva
processual e relacional dos fenômenos envolvidos. A nova teoria dos sistemas vivos de
Capra levando em conta os desenvolvimentos de Bateson, Maturana e Varela e Prigogini, a
lógica das intensidades e os três registros da ecologia de Guattari, o unwelt de Uexküll, as
implicações ontológicas das formulações de Descola, Viveiros de Castro e Stolze Lima, e a

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ideia de malha, linhas e fluxos vitais de Ingold, demonstram, a meu ver, um fôlego
renovado para formulações e novos trabalhos descritivos a serem feitos.
Passemos então ao campo da encantaria buscando apresentar sua contribuição para a
diferenciação na percepção da vida, da natureza e do ambiente. Esse desenvolvimento,
ainda preliminar, procurar traçar afinidades entre uma criativdade do campo das teorias dos
sistemas vivos com uma outra criatividade encontrada entre os praticantes de formas de
relação com o que chamam encantados. As teorias apresentadas até aqui formulam uma
imagem da vida onde o ser e o ambiente não se apresentam enquanto partes distintas fixas
de uma relação, mas como efeitos de diferentes configurações de uma relação. Acredito que
os encantados (aqui apresentados de forma um tanto generalizada, mas que caberá uma
diferenciação mais demorada) apresentam uma imagem dessa relação que exige um fator de
indiscernibilidade e que também coloca em evidência um fator da ordem do desconhecido
(daquilo que não podemos supor previamente). A afinidade entre criatividades que evoco
aqui está relacionada a proposição de uma antropologia que restitua essa dimensão
propriamente inventiva da vida aos coletivos com os quais trabalhamos, como forumulado
por Roy Wagner (2009)14. É desse tipo de afinidade, ou afinação, poderíamos dizer, que
pretendo tratar a seguir.

O caso dos encantados


“Os encantados não estão mortos, eles estão vivos!”15. Essa afirmação, constante em
diversos trabalhos, foi feita por uma praticante de religião de matriz africana em Belém, na
década de 60, e está registrada na etnografia feita pelo casal americano Seth e Ruth
Leacock (a variante religiosa de Belém recebeu o nome genérico de Batuque pelos autores).
Em “Spirits of the Deep” (1972), os encantados aparecem em um vasto “panteão” de
entidades, identificados como caboclos (espíritos indígenas), turcos (pessoas de origem

14 Sem reduzir a “coletivos” as falas de cada pessoa e suas singularidades, apenas dando um contorno mais
geral para uma rede de ideias e pensamentos que são encontrados, bem sabemos, não na prece ou no direito,
“mas no melanésio desta ou daquela ilha, Roma, Atenas” (como bem formulou Mauss).
15 No original “Asked to explain the difference between the souls of the dead and the encantados, Zuzu
appeared struck by the inanity of the question. ‘The encantados are not dead’, she exclaimed. ‘They are
living!’” (Leacock & Leacock, 1972).

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moura) e outros seres como botos e cobras grandes. Esse “panteão”, longe de ser fechado,
varia na discrição dos adeptos. O mesmo espírito pode ter diversos nomes e até mesmo
pode possuir as pessoas sob diferentes disfarces. Eles são agrupados em “famílias” ou em
“linhas”, uma maneira de organizar essas origens. O que não retira a possibilidade da
existência de encantados que não se enquadrem nas mesmas. Mesmo o número de espíritos
não sendo infinito, ele é constante. Novos espíritos surgem e são introduzidos de tempos
em tempos, assim como os antigos decaem e são esquecidos. Sua presença mais marcante é
nas cerimônias onde dançam, cantam, bebem, fumam, brincam e dão conselhos em estado
de posse de um corpo humano. Mas o contato com eles é inevitável para qualquer ser
humano, já que são esses espíritos sobrenaturais, imortais, os verdadeiros “donos” da terra,
da qual dividimos com eles esse mesmo ambiente do qual passamos transitoriamente
enquanto eles permanecem.
São esses seres “donos” que implicam certo comportamento. Pedir licença e o
consentimento (como vimos na fala de Seu Pombo). Justamente por não poder vê-los, mas
tendo ciência de sua existência, que tal prática de precaução é adotada. Nesses casos,
quando se apontam os “donos” se está dando um outro sentido de dono. Como coloca
Candace Slater, em seu livro “A Festa do Boto” (2001):
“Mas quando o narrador insiste em dizer que ‘tudo tem dono’ ou que
‘tudo tem mãe’ está se referindo menos à posse de bens materiais do
que a uma posição de responsabilidade numa cadeia cósmica de
comando. Assim, a palavra assume um significado moral, além
daquele da posse” (Slater, 2001:100).

O tema do “dono do lugar” ou da “mãe” é constante nas narrativas dos encantados.


Assim, observa Camila Corrêa Félix em seu trabalho sobre uma comunidade ribeirinha
amazônica, “Tudo que é vivo tem uma mãe. Uma pedra, um lugar, um igarapé são
notadamente vivos e contam com a proteção da mãe que os acolhe”, o que esse fato implica
é uma outra forma de encarar esses seres, antes despossuídos de vida e actância, implicando
em uma perspectiva do cosmos formado por “sujeitos possíveis que sofrem e exercem uma

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ameaça constante que quase sempre corresponde ao tornar-se outro” (Félix, 2011). Ou no
trabalho de Eduardo Galvão, onde aponta que “cada espécie possui sua mãe, a mãe do
bicho, entidade protetora que castiga àqueles que matam muitos animais. A mãe assombra o
ofensor, roubando-lhe a sombra, o que resulta em loucura (...) também os acidentes
geográficos tem mãe, os rios, os igarapés, as lagoas, os poços, e até os portos onde atracam
as canoas” (Galvão, 1955).
Os encantados, suas moradas e lugares de encante parecem balizar fronteiras; não
fronteiras físicas intransponíveis. Vimos que a transição é muito mais fluída, e por isso
perigosa, do que uma certa ideia de fronteira pode dar. A fronteira aqui funciona como um
sinal de alerta, uma postura comportamental e um preceito ético. Pedir licença – ato
cosmopolítico da ‘cosmologia cabocla’-, deve-se respeitar os entes que habitam esse
mundo, todos esses que são ‘muito mais em cima dessa terra’ do que nós. Assim, “as
histórias do Boto (por exemplo) estão mais relacionadas ao estabelecimento de limites que
à sua invalidação” (Slater, 2001). Esses limites estão dispostos de diferentes maneiras, a
depender da perspectiva que se adotada para lidar com tais forças. Dessa forma, como
aponta Florêncio Almeida Vaz Filho, “o universo amazônico tem uma realidade material e
outra espiritual bem conectadas e ordenadas em quatro níveis ou dimensões” Essas seriam a
das águas (1), dos espíritos, ou bichos da terra (2), do mundo físico (3) e, por fim, o céu e o
inferno cristãos (4). Os espíritos da mata e os das águas (do fundo, do encante) são os que
tem forte relação com a defesa do meio ambiente, pela natureza ser a sua casa” (Vaz Filho,
2013).
Dado esse cenário, os “espíritos e humanos têm, então, que “com-viver” nos
mesmos lugares. As histórias dos caçadores que conversam e fazem trocas (geralmente
tabaco e cachaça) com o Curupira – ou Caipora - são um exemplo de uma convivência
pacífica possível entre humanos e a natureza, cuja base será sempre o respeito”, sendo a
pajelança, praticada por indígenas e não indígenas, o sistema responsável por estabelecer
essas intensas comunicações entre animais, encantados e mortos (Vaz Filho, 2013).
Penso que toda a complexa forma de organizar o mundo da encantaria amazônica
caminha no sentido da construção de uma relação de respeito. Os moradores das beiras dos

13
rios e matas parecem inclinados a não avançar mais do que acreditam ser respeitoso para
com todos os outros habitantes do cosmos. Respeito é mais que um acerto entre partes (um
tipo de contrato), é uma forma de se portar, de andar e estar no mundo, do que falar e do
que não falar. Uma conduta que conduz suas vidas dentro dos mistérios da existência.
Assim, aponta Galvão, “a atitude fundamental é de respeito pelas forças que presidem a
natureza, ao mesmo tempo de insegurança ante esses poderes cuja ação escapa à
interferência protetora dos santos” (Galvão,1955).
Essa atitude de respeito e esse sentimento de insegurança, no entanto, não podem
ser vistas como forças incapacitadoras da atividade dessas pessoas, assim, coloca Galvão:

“O caboclo não é um indivíduo continuamente atormentado pelo


receio do sobrenatural, ou eternamente tolhido em suas empresas
pelo medo de ofender ao anhanga ou à mãe do bicho. Não, ele faz a
roça, corta seringa, caça ou pesca e muitas vezes comete o abuso. Há
muito de individual na maneira de agir, uns mais afoitos, outros
menos. É fácil, porém, sentir que existe uma norma ideal, um certo
limite na sua maneira de comportar-se a essa norma, esse padrão
cultural, é validado pelos “casos” e pelas interpretações de acidentes,
as quais definem a atitude apropriada e asseguram a aparência de
realidade do mundo sobrenatural”(Galvão, 1955:111).
Toda essa configuração de uma geografia dos espaços físicos e espirtuais em uma
coabitação cuidadosa e constantemente construída é o que podemos chamar de ‘viver com
as linhas’. Como apontou Camila Corrêa Félix,“o encante é outro mundo que o da
superfície, mas é de certa forma análogo a este, como se fossem duas linhas paralelas que
apontam para direções opostas, mas que se entrecruzam em pontos de convergência
possíveis” (Félix, 2011). Essa complexa convergência e entrecruzamento de linhas suscita
ideias para dar conta da presença dos encantados e de sua mecânica própria para lidar com
esses limites.

14
Estive em Soure, município da Ilha de Marajó, em duas oportunidades. Em agosto
de 2016 e janeiro de 2018. Na primeira oportunidade fui com meu professor na época,
Felipe Sussekind, a convite da bióloga Renata Emin. A ideia era iniciar uma colaboração
no campo do estudos socioambientais, focando nossa pesquisa na interseção entre os
saberes ditos tradicionais das comunidades locais e aqueles saberes das ciências modernas
na figura dos pesquisadores, ambientalistas e funcionários de órgãos de fiscalização, como
o IBAMA e o ICMBio, ali lotados. Uma das primeiras chaves de entrada para
compreender essa interseção foi a relação desses diferentes sujeitos com o boto. Falerei
mais especificamente desse ponto mais a frente. Gostaria apenas de pontuar o já
mencionado aqui interesse de minha parte em desenvolver a pesquisa seguindo a pista dos
encantados. Ao falar sobre os botos muitas histórias sobre encontros com encantados
foram sendo reveladas e de certa forma passamos a dar mais atenção a essa dimensão da
vida em Soure.
Uma figura importante nessa primeira passagem foi Tio Ila, o pajé Hilário. Natural
do Marajó, nascido em Soure no ano de 1939, Manuel Hilário da Silva já havia
‘trabalhado’, como ele mesmo disse, em diversos lugares do país. De Brasília, Rio de
Janeiro, ao Iapoque e Macapá, e até na Guiana Francesa, na cidade de São Jorge. Seu
‘trabalho’ começou desde criança, quando começou a “sofrer ataques”, e foi desses
ataques que se confirmou sua aptidão ao ‘trabalho’ de pajé. Hilário separa esse mesmo em
duas linhas, ou nações “A pena e maracá, que é o pajé que chama, é encantaria. A linha de
fundo, que se chama aqui no Marajó. Eles são encantados, é o pajé quem chama. É uma
linha de encantaria, e a umbanda é invisível, é outra nação. Invisível.”
Ele marca essa distinção e comenta que trabalha com ambas as linhas, mas em
espaços diferentes. No barracão da frente a umbanda e nos fundos a linha de pena e
maracá. Ele nos conta diversos casos de encantados, que são “guias de luz”,
‘trabalhadores’ junto aos pajés. Um desses ‘trabalhadores’ muito conhecido e comentado
nas histórias é o vaqueiro Boa Ventura – que se encantou por gostar muito do gado e de
viver no campo e que, ao passar por uma região de encante, atravessou para o outro
mundo. O boto é também um desses ‘trabalhadores’ e costuma incorporar durante os

15
trabalhos. Hilário, no entanto, nota que ele não surge mais com tanta freqüência como
antigamente – pessoalmente nas beiras dos rios. Os antigos, ele diz, contam que isso se dá
por conta do avanço das cidades sobre o mato, e que os encantados foram se retirando.
Fala da dificuldade resultante disso dos jovens ao serem iniciados nos ‘fundamentos’.
“Em vez de trabalhar com o caboclo eles trabalham com a influência do caboclo”, se
valendo de livros e de lendas. Ele lembra do tempo quando não haviam tantas casas, como
era diferente, “era tudo soturno”, quando não tinha luz na cidade a noite e que por conta
disso “tinha de tudo de outra nação”, carrocinha, mulher cheirosa, o “soca”, tudo visagem
da região de Soure. Fantasmas. “Agora acabou tudo”, conclui, “por causa do movimento e
a luz que permanece a noite inteira e não tem como aparecer esse mundo. Some”.
Essa ideia de que os encantados não apareceriam mais com tanta frequência é
reafirmada por diversas pessoas – por diferentes fatores (o trânsito, a luz, o barulho), a
maioria deles ligados ao desenvolvimento urbano. “Os encantados costumavam sair do rio
e andar por ai de noite. Eu mesmo costumava vê-los nas ruas. Mas, com a passagem do
tempo, as luzes e o tráfego estavam deixando-os malucos. Sim, pensando bem no assunto,
há pelo menos dez anos que não vejo um encantado em Belém” (Slater, 2001:213).
O desaparecimento dos encantados, nessas narrativas, não pode ser posto pela
lógica da crença, ou pelo argumento weberiano do desencantamento do mundo. Contra
uma lógica corrosiva de desencantamento, colocando a crença sempre como suspeita
diante dos ensejos predatórios de uma narrativa maior, de um objetivo superior próprio
daqueles que, com o progresso, pregam uma teologia da necessidade, os encantados
parecem pertencer a outro regime. No lugar do desencantamento, os interlocutores aqui
parecem frisar a desencantaria do mundo, ou seja, o desaparecimento dos encantados
desse mundo e não o desvelamento de um mundo em que eles nunca existiram. Mais que
um avanço, o recuo dos encantados acentua uma perda.

O boto como perspectiva


O segundo depoimento ao qual vou me referir é uma conversa com dois pescadores
em uma pequena vila de casas de pesca nos arredores de Soure. Andando pela vegetação no

16
entorno das casas, os pescadores me falaram de como o regime das marés no Marajó fazia
com que uma floresta alta de manguezal possa em pouco tempo se converter em praia e
vice e versa. Desta forma, a fixação das residências na região é sempre negociada com os
elementos da natureza. A conversa envolveu inicialmente os cuidados necessários para a
reprodução dos peixes e o modo como os recursos pesqueiros locais estavam ameaçados
por modalidades predatórias de pesca. Um exemplo citado foi a pescaria com redes de “2
alturas”, com as quais é possível pescar entre 5 e 6 toneladas de peixe de cada vez. Esta
prática, de acordo com os interlocutores, é adotada por “invasores” vindos de fora da
região. Estávamos na varanda da casa de um deles, chamado Chalopa. O segundo pescador,
Nilson, era membro do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Marinha de Soure, e
criticou também as armadilhas de laço utilizadas na coleta de caranguejo. Estas foram
caracterizadas por ele como parte de uma transformação regional que atribuiu a “ganância”
desses invasores, levando a uma diminuição na quantidade e a qualidade de caranguejos e
consequentemente à precarização do modo de vida dos pescadores artesanais 16. Logo o
tema da nossa conversa se voltou para os botos:

Chalopa: O boto tucuxi17 é um boto manso. É um boto mansinho.


Nilson: O boto tucuxi era o boto que sinalizava quando tinha peixe, pro pescador.
Era muito peixe... Tá difícil agora. O pessoal via ele pulando e arredava ali no
meio, porque era justamente onde estava a quantidade de peixe maior.

Ambos chamaram atenção também para o fato de que esses botos, de menor porte,
ficam muitas vezes presos nas redes de pesca – fato que é reconhecido por especialistas
como uma das mais sérias ameaça para a espécie. Mesmo não sendo pescados como

16 A criação da Reserva Extrativista Marinha de Soure, em 2001, está ligada às demandas das comunidades
extrativistas de pescadores locais, principalmente caranguejeiros, a partir da preocupação com os impactos da
pesca predatória. Ver:
http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/plano-de-manejo/plano_de_manejo_resex_marinha_de_soure
_v19.pdf. Consultado em 3/12/2018.

17 O termo tucuxi é usado aqui para designar o boto que frequenta a região, Sotalia guianensis, mais comum
em regiões costeiras. Boto-cinza e boto-preto são nomes mais comuns para a espécie, enquanto “tucuxi” é
usado com mais frequência para Sotalia fluviatus, a espécie que habita a maior parte dos grandes rios
amazônicos. No Marajó, aparentemente, o termo pode ser usado para ambas as espécies.

17
alimento (sua carne é considerada “reimosa”, inapropriada para o consumo), os botos neste
caso acabam morrendo como efeito colateral da pesca das espécies das quais se alimentam.
O contraste entre as espécies de boto é evidente:

C: Todo mundo tem receio de boto malhado. É uma coisa muito inteligente pra ser
um peixe. É muito inteligente. Você coloca uma rede ele despesca (sic) tudinho. (...)
O que mexe na rede é o malhado.
N: Ele mexe na rede, mexe com a mulher dos outros, mexe com as meninas novas.
Esse aí que é o cara. Ainda vai na festa pra tomar a mulher dos outros.
C: Ele gosta de mulher... Ainda mais quando ela tá nos dias dela. Meu pai do céu.
Só falta alagar a canoa quando a mulher vai dentro. Ele bufa do lado da canoa e
só falta embarcar na canoa.

Como podemos ver, para além da competição no plano ecológico, o boto-malhado,


em particular, é cercados de tabus e de conotações cosmológicas. Ao longo dos rios da
Amazônia, em diferentes regiões, a ideia de que ele é atraído por mulheres menstruadas é
recorrente. Em quase toda a parte podemos encontrar também relatos sobre sua
manifestação como um homem vestido de branco que conquista as mulheres nas festas.
Este tipo de narrativa, entretanto, pode suscitar diferentes abordagens.
Um exemplo disso pode ser visto em parte das discussões em torno da lenda do
boto, associadas à sedução de jovens mulheres por um homem branco, bem vestido. A
associação dessas imagens pode funcionar, nesse sentido, como “uma memória explícita da
colonização”, como afirma Deborah Lima, escrevendo sobre o homem branco e o boto no
encontro colonial (2014: 193). Situações de violência e abandono das mulheres na
Amazônia se conectam de diversas formas com relatos do encontro com os botos, como
fica evidente, por exemplo, na coluna publicada na Carta Capital pelas juízas Elinay Melo e
Nubia Guedes intitulada “Não foi boto sinhá: a violência contra a mulher ribeirinha” 18. As
autoras argumentam, neste caso, que as histórias do boto reforçam aspectos de uma

18http://justificando.cartacapital.com.br/2017/02/01/nao-foi-boto-sinha-violencia-contra-mulher-ribeirinha/ .
Consultado em 18/12/2018.

18
sociedade patriarcal, machista e misógina, “escondendo por trás de tudo isso anos e anos de
violência às mulheres, assim como altos índices de estupro, muitas vezes no seio familiar,
nos rincões da Amazônia”.
O boto encantado, o boto científico e o boto sociológico podem ser vistos, nesses
exemplos, como diferentes transformações. Ao adotar esse procedimento, me recuso a
tomar a perspectiva da ecologia científica, do boto como espécie ameaçada, como
fundamento ou contexto de efetuação sobre-determinante em relação aos outros contextos
possíveis. O mesmo vale para a perspectiva das relações de poder e da violência de gênero
na Amazônia. Minha proposta é que essas duas perspectivas sejam tomadas como
elementos em um conjunto de transformações possíveis, as quais não são redutíveis entre si
e que se somam a figura do boto encantado sem se apresentarem como explicações
verdadeiras para o seu fenômeno.
Buscando uma linha de fuga em relação às formas de reducionismo apontadas
acima, que nos são impostas muitas vezes por uma divisão disciplinar, adotei como
princípio metodológico a ideia de irreduções, formulada por Bruno Latour para abordar as
práticas científicas. Trata-se de um procedimento basal, no meu entender, para o que o
autor chama de uma antropologia simétrica (Latour,1991). Isso significa que pretendo levar
em conta, simultaneamente, os aspectos ambientais e os aspectos socioculturais do meu
tema, sem submetê-los a um reducionismo nem de um lado e nem de outro.
Voltando a conversa descrita no início desse trabalho, Seu Pombo também nos
ofereceu sua imagem dos botos:

Aqui no rio tem muito boto. Tem o tucuxi, tem o malhado... tem muito aí no rio. Até
onde tem os peixes, eles estão atrás pra comer. Eles andam atrás dos peixes no
fundo. Então tem uma (...) sardinha assim [mostra o tamanho de um palmo] - ela é
até beneficiada na região de Salina, São Caetano, pra aí tinha uma fábrica. Eles
beneficiam essa sardinha em sardinha em lata. Então, essa sardinha, os peixes se
apoderam dela pra comer. Junta muito peixe, aí o boto ataca pra comer. A sardinha

19
chama os peixes grandes pro boto pegar. Vem bagre, serra, sarda, tudo vem. É
assim que é a vida do boto.
Você vê ele, é um avião na água.

Os botos são descrito por ele, como podemos ver, em uma trama de relações que
inclui a ecologia dos rios e a indústria pesqueira. Nessa experiência multiespecífica
complexa, as interações ecológicas entre diversos peixes e os botos estão envolvidas em
uma rede, ou malha, de interações socioambientais, da qual faz parte também ao consumo
de sardinhas em lata19. O temor em relação do boto reside precisamente em sua
indeterminação, em seu caráter transformacional. O “avião” na água pode ser um animal
marinho de determinado ponto de vista, mas pode também ser outra coisa.

Ritmo
Roy Wagner mostrou os riscos de construir a cultura dos outros povos como
análogas de parte do nosso próprio sistema cultural. Ao produzir tal aproximação
estaríamos lidando com essas outras culturas como “outros modos” de relação com a nossa
prórpria realidade. Estendendo assim o que entendemos como real, dado, natural, a todos os
grupos em suas distintas “expressões culturais” - relegando a imagem das realidades
produzidas por esses outros ao campo do “sobrenatural” ou do “meramente simbólico”
(Wagner, 2009:328). Essa técnica que, ao falar da natureza, visa controlar a cultura, é um
traço presente no que Wagner chamou de “movimento ecológico” nos Estados Unidos
modernos. Assim,
“Para uma civilização que se inventa como relação do homem com a
natureza, é mais conveniente e ideologicamente coerente (bem como
muito mais “seguro”) lidar com essas inadequações [como abusos
sociais e excessos da indústria] como abusos contra o “meio
ambiente”, como “crise de energia” ou “poluição”. O movimento
ecológico é portanto um esforço para controlar a cultura por meio da

19 Para o motivo da rede, ver Latour (2012); para o motivo da malha, ver Ingold (2012).

20
natureza, para criticar e restringir a invenção maciça e impensada da
força natural como “produto” e “energia” em termos da exaustão e
espoliação de sua base de recursos” (Wagner, 2009:329).

Os ativistas ecológicos aparecem como reformistas da Cultura, buscando restaurar


um balanço entre as duas dimensões da vida – a relação do homem com a natureza. Com
isso Wagner demonstra o quanto eles são tão “conservadores” como “conservacionistas” -
mantendo a ideologia por trás dessa distinção. Algo que é corrente também entre os
antropólogos com abordagens ecológicas como Malinowski e Leslie Withe, que presumem
a cultura como uma “adaptação” a uma realidade natural. Ao utilizar a nossa ideia de
realidade como controle da invenção de outras culturas, o que chamamos de antropologia
ecológica reforça um etnocentrismo que converte em universal nossa criatividade ao passo
que desqualifica a dos outros.
É o tipo de prática que Isabelle Stengers chamou de modernista, ou seja, um tipo de
conhecimento que só se legitima pela desqualificação de outros conhecimentos. Estaria a
antropologia condenada a performar esse papel, essencialmente colonizador do
pensamento, ou haveriam linhas de fuga a serem seguidas?
Acredito que as formulações aqui reunidas apresentam alternativas possíveis. Se,
por exemplo, discursos como os dos ecologistas modernos, operando a distinção natureza e
cultura, procuram dominar uma agenda centralizada de ações contra danos ambientais, a
perspectiva das diferentes ecologias apresentada por Guattari coloca uma impossibilidade
de separação do tipo natureza/cultura, com um dos fatores sobrecodificando o outro, por
apontar para as continuidades entre os três domínios ecológicos. Colocando-nos a pensá-los
situadamente.
Assim também a ideia de irredução de Bruno Latour, apresentada aqui para o caso
dos botos, é igualmente eficiente em mobilizar diferentes regimes de realidade sem que seja
necessário reduzir um regime a outro, considerado mais verdadeiro. Penso na irredução de
Latour aliada ao que Stengers chamou de restrição (contrainte, no original) no primeiro

21
volume de suas Cosmopolíticas20([1997]2010). Longe das ideias de limitação ou de
condição, a restrição é vista como a própria condição criativa de uma prática, um corte em
um contínuo que deve considerar, por seu caráter parcial (como parte interessada), uma
ideia de ‘comum’ que não seja universal. Uma restrição coloca exigências e obrigações aos
seus praticantes, caracterizando suas práticas enquanto próprias de um meio, de um
comportamento, de certos riscos e desafios que dão valor a essas práticas. Isso configura o
que a autora chamou de “princípio de não equivalência”, uma forma de manter as
diferenças enquanto divergências, e não como oposições. Colocar problemas dessa
perspectiva vai na direção contrária a uma forma de estabilização do pensamento, que nega
o possível pela afirmação do provável.
Sua restrição é propriamente cosmopolítica, no sentido de que é preciso manter a
dimensão propriamente indefinida, aberta, do desconhecido, ou seja, do cosmos, como uma
insistência sobre as práticas que se pensam exclusivamente políticas, que desenham um
mundo sujeito a produção humana. Voltando a questão colocada anteriormente, de que
forma a antropologia poderia escapar de seu destino enquanto prática modernista? Seria
preciso, acredito, propor uma restrição como postulada por Stengers, que, aliada ao
princípio de irredução de Latour, levaria realmente a sério o postulado de “levar a sério” as
pessoas com quem se trabalha.
É cedo ainda para construir uma imagem da vida a partir dos encantados na
experiência que tenho no Marajó e em leituras preliminares. Estaria aqui traindo duas
criatividades ao mesmo tempo se eu o fizesse, em primeiro lugar a dos moradores de Soure
e demais povos que formulam sobre suas relações com esses seres, e em segundo com o
tipo de formulação antropológica com a qual me alinhei nesse texto. Aqui reuni algumas
pistas e afinidades descritivas e teóricas que possam colaborar para o desenvolvimento de
trabalhos de mais fôlego.
Para encerrar, seguindo uma dessas pistas, gostaria de colocar em evidência uma
elaboração sobre os encantados registrada por Candace Slater em sua pesquisa. Ao

20 O primeiro volume da série de sete livros recebeu o nome de “A Guerra das Ciências”, a versão aqui
consultada foi a da tradução para o inglês, de 2010 (a série original começou a ser publicada em 1997).

22
distinguir os santos católicos dos encantados, a autora destaca que seus interlocutores
separam os primeiros pela posse de “poder” e os segundos por estarem envoltos em
“mistério”. “Da mesma forma”, prossegue, “os narradores falam da “lei” ou “lógica moral”
dos santos; mas se referem ao “ritmo” dos encantados” (Slater, 2001:211). Se de um lado,
inscrita e hierarquizada, há uma lógica do poder na lei e na moral, do outro, acompanhando
as estações de cheia e vazante, o movimento das águas, os fluxos sanguíneos de renovação
da vida, a desova dos peixes, a música vinda do fundo de uma cidade submersa, e a dança
nas festas e nos ritos em que são convidados a participar, os encantados são como ritmos.
“Envoltos em mistério”, ou poderíamos dizer, imersos no caos, essa imagem sobre os
encantados lembra uma passagem dos Mil Platôs de Deleuze e Guattari, onde os autores
afirmam que “os meios são abertos no caos, que os ameaça de esgotamento ou de intrusão.
Mas o revide dos meios ao caos é o ritmo” (Deleuze & Guattari, 1997:125). Para eles o
caos não é o contrário do ritmo, mas sim o meio de todos os meios, é do caos que surgem
os Meios e os Ritmos (Deleuze & Guattari, 1997:124). Nessa difícil relação de dar ritmo e
construir um meio no caos, os autores singularizam três movimentos, um que constrói um
centro como um ponto frágil, como uma canção a ser cantarolada quando se adentra uma
mata fechada, pode-se, depois desse movimento, organizar uma “pose” em torno desse
ponto, mais calma e estável, como uma casa, e, em um terceiro momento, é possível fazer
escapar essa pose, germinando linhas de fuga, movimentos. Conjugar simultâneamente e
misturar esses movimentos é efetuar o que os autores chamaram de Ritornelo (Deleuze &
Guattari, 1997:123). A imagem dos encantados, tal qual a dos ritornelos, devém outros
seres, outros meios, outra natureza. “Cada meio é vibratório, um bloco de espaço-tempo
constituído pela repetição periódica do componente” (Deleuze & Guattari, 1997:125). Cada
vibração é um movimento ritmado das forças do mundo que por vezes ganham formas, mas
que nunca se encerram nelas. O mundo já é, em seguida, toda uma outra coisa.

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