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Cláudia Mara Padilha Mainieri

DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
DE ALUNOS SURDOS:
COGNITIVO, AFETIVO E SOCIAL

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2011
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© 2010 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e
do detentor dos direitos autorais.

M278d Mainieri, Cláudia Mara Padilha / Desenvolvimento e aprendizagem de alu-


nos surdos: cognitivo, afetivo e social. / Cláudia Mara Padilha Mainieri.
— Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2011.
168 p.

ISBN: 978-85-387-1732-4

1. Surdez. 2. Historicidade. 3. Escolarização. 4. Sujeito. 5. Sociedade. I. Título.

CDD 376.33

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Jupiter Images

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
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Cláudia Mara Padilha Mainieri

Graduada em Pedagogia com ênfase em Educação Infantil, Séries Iniciais e


Orientação Escolar, pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Especialista em Edu-
cação Especial no Contexto da Educação Inclusiva e em Psicopedagogia, ambos
pela UTP.

É professora pelo governo do estado do Paraná, onde atua com intervenção


precoce, avaliação e atendimento psicopedagógico, nos níveis de Educação In-
fantil e Ensino Fundamental.

Atua na capacitação e complementação de estudos de professores de Edu-


cação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Especial nas instituições: Faculdades
Integradas do Brasil (UniBrasil), Sistema Educacional Base Editora, Associação
Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus e Faculdade São Judas Tadeu, no curso
de Pedagogia.

Tem experiência na educação de sujeitos surdos no Ensino Superior, como in-


térprete de Libras, na UniBrasil.

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Sumário
Conhecendo a surdez.............................................................. 11
O que é surdez............................................................................................................................. 11
Para refletir.................................................................................................................................... 19
Curiosidades................................................................................................................................. 19

Percurso histórico da surdez


e de outras necessidades especiais.................................... 27
No período primitivo................................................................................................................ 27

Paradigmas de atendimento educacional....................... 47


Paradigma da institucionalização: princípio da cura..................................................... 47
Paradigma de serviços: princípio da normalização e (re)habilitação...................... 48
Paradigma de suportes: princípio da inclusão................................................................ 50

Concepção de sujeito.............................................................. 61
Excepcional................................................................................................................................... 61
Deficiente auditivo.................................................................................................................... 62
Surdo............................................................................................................................................... 62
Portador de necessidade educativa especial................................................................... 63

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O surdo e suas relações sociais............................................. 77
Identidade surda........................................................................................................................ 77
O surdo na família...................................................................................................................... 78
O surdo na sociedade............................................................................................................... 81
O surdo na escola....................................................................................................................... 84

Filosofias educacionais............................................................ 95
Oralismo........................................................................................................................................ 95
Comunicação total..................................................................................................................... 97
Português sinalizado (ou bimodalismo)............................................................................ 98
Bilinguismo................................................................................................................................... 99

Conhecimentos jurídicos......................................................109
Leis, resoluções e portarias...................................................................................................110
Diretrizes Nacionais.................................................................................................................114

Escola e sociedade inclusiva................................................127


Ações sociais..............................................................................................................................127
Ações políticas...........................................................................................................................127
Ações escolares.........................................................................................................................128
Ações trabalhistas....................................................................................................................129

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Adaptações curriculares.......................................................139
Adaptação curricular de pequeno e grande porte......................................................141
Avaliação.....................................................................................................................................143

Libras............................................................................................151
Estrutura da língua..................................................................................................................151
Código de ética.........................................................................................................................152
Profissional intérprete............................................................................................................154

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Apresentação

Prezado aluno,

O livro Desenvolvimento e Aprendizagem de Alunos Surdos: cognitivo, afetivo e


social traz temas fundamentais a respeito da surdez, os quais têm por objetivo
compreender as diferentes faces do universo surdo, desde a compreensão da es-
trutura e funcionamento do ouvido, passando por abordagens como: percurso e
trajetória sócio-histórica da surdez dentro e fora do Brasil, estruturas de trabalho
oferecidas ao surdo, diferentes definições de surdez e as concepções de sujeito la-
tentes a esses termos, relações do surdo em diferentes segmentos da sociedade,
linhas de trabalho pedagógico, legislações aos portadores de necessidades edu-
cacionais especiais, escola e sociedade inclusiva, prática pedagógica do professor
em sala de aula e estrutura linguística da Língua Brasileira de Sinais.

Bons estudos!

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Conhecendo a surdez

De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (2000),


existem no mundo mais de 120 milhões de pessoas com perda auditiva,
seis em cada mil crianças apresentam essa dificuldade ao nascer e uma em cada mil
fica surda antes da idade adulta. No Brasil, existem 5,7 milhões de pessoas com surdez,
segundo o censo de 2000 do IBGE.

O que é surdez
A palavra surdez tem sido empregada para designar qualquer tipo de
perda de audição, parcial ou total, que pode ser temporária ou definitiva.
Segundo Davis e Silverman (1970),
[...] surdez significa audição socialmente incapacitante.
O surdo é incapaz de desenvolver a linguagem oral,
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evidentemente porque não ouve. Os limiares auditivos


desses pacientes são de tal forma elevados que não
conseguem escutar o som de modo adequado. Escutam
ruídos, mas não são sons. As perdas de audição são
maiores que 93dB nas frequências de 500, 1 000 e
2 000Hz.

Estruturas do ouvido
Os termos ouvido (pavilhão auricular/pa-
vilhão auditivo) e orelha (do latim: auricula),
podem ser encontrados na literatura para
conceituar estudos referentes à audição. No
Brasil, com a publicação de Terminologia Ana-
tômica, apresentada pela Sociedade Brasileira
de Anatomia em 2001, usa-se o termo orelha
para designar tanto o órgão da audição em
sua totalidade, como a parte visível e externa
que corresponde ao pavilhão auricular.

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Conhecendo a surdez

Embriologia da orelha humana


O desenvolvimento embriológico da orelha ocorre de dentro para fora, nos
primeiros dias de vida intrauterina quando o embrião apresenta o tubo nervoso
que irá gerar o feto.

Na terceira semana começam a aparecer as primeiras demarcações do nervo


auditivo e por volta do 23.º dia se formam os buracos auditivos que, aos 30 dias,
darão origem às estruturas da orelha interna.

Entre a 3.ª e 4.ª semanas, inicia-se o desenvolvimento da orelha média e do


pavilhão auricular. Na 5.ª semana, inicia-se a formação do conduto auditivo ex-
terno. No final da 6.ª semana aparecerão ranhuras que irão dar forma ao pavi-
lhão, definindo-o como o de um adulto.

O feto reage a sons produzidos pelo organismo da mãe e a sons externos


superiores a 90dB (intensidade do som – forte e fraco). Após o nascimento é pos-
sível perceber que o bebê demonstra ter memória auditiva para fatos ocorridos
durante a gestação.

A membrana timpânica (ou tímpano) muda de posição até os dois anos de


idade, o pavilhão auricular (ou orelha) continua a crescer até os 9 anos e a tuba
auditiva amadurece e se verticaliza até os 7 anos.

Decibels ou decibéis?
Em homenagem a Alexander Graham Bell, inventor do telefone, foi usada
para medições de perdas nas linhas telefônicas, nos EUA, uma unidade de-
nominada Bel, como medida relativa de intensidade, a qual comprimia uma
ampla variação da escala linear de intensidades pela transformação desta
em uma escala logarítmica (RUSSO, 1999).

No plural, utiliza-se, respectivamente, Bels e decibels, e não decibéis,


como é erroneamente empregado.

Alexander Graham Bell (1847-1922) abriu em 1872 uma escola oralista


para professores de surdos, em Boston. No ano seguinte registrou a patente
do telefone.

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Conhecendo a surdez

Tornou-se presidente da associação americana para impulsionar o ensino


da fala aos surdos. O seu eugenismo parecia não ter limites: propôs a eli-
minação das escolas residenciais, a proibição do magistério aos professores
surdos e mesmo o casamento entre surdos.

Divisões da orelha
A orelha divide-se em externa, média e interna.

Conduto

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Externo Bigorna
Auditivo Estribo Labirinto

Martelo

Cartilagem Nervo Facial

Nervo
Auditivo

Utrículo
Vestíbulo
Pelos
Sáculo
Cera
Cóclea

Trompa de Eustáquio
Tímpano
Janela
Oval
OUVIDO OUVIDO OUVIDO
EXTERNO MÉDIO INTERNO

 Orelha externa: funciona como uma concha que capta os sons e os dire-
ciona até o tímpano.

 Orelha média: é a porção interna do tímpano, e externa da cóclea, e con-


tém três ossículos (bigorna, martelo e estribo) que amplificam a vibração
do tímpano. O espaço oco do ouvido médio é também chamado de caixa
timpânica. A orelha média comunica-se com a faringe através da tuba au-
ditiva, que tem como função equilibrar as pressões de ar da orelha e do
meio externo.

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 Orelha interna: é a última porção interna do ouvido, localiza-se do estribo


até o nervo auditivo. A orelha interna, através das células nervosas, é res-
ponsável por receber os estímulos sonoros e enviar essas informações ao
cérebro que irá decodificar e compreender o que estamos ouvindo.

Fisiologia da audição
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BIGORNA Na cóclea os sons
serão decifrados e
transmitidos para o
MARTELO cérebro pelo NERVO
AUDITIVO.

1
Os sons entram
no organismo
pela ORELHA. ESTRIBO

3
2 O som causa uma pressão 4
Passam pelo CONDUTO AUDITIVO, do TÍMPANO, que vibra e Esses ossos estimulam
um canal que amortece as ondas atinge três pequenos ossos: a CÓCLEA, um órgão
sonoras e as conduzem até o tímpano. martelo, bigorna e estribo. cheio de líquido que
recebe o som através
de ondas.

Causas da surdez
Alguns dos dados citados a seguir referem-se a achados científicos que
não são determinantes de ocorrer a todos os sujeitos que pertencem a esses
grupos.

 Surdez congênita: é a surdez adquirida na fase gestacional. O sujeito pode


apresentar dificuldade na assimilação da fala, por ser pré-lingual e pode
ocorrer nos períodos:

 pré-gestacional – são casos em que os sujeitos (pai e mãe) podem


apresentar suscetibilidade em gerar um filho surdo:

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fatores genéticos: são as variações do organismo durante a sua


constituição na gestação;

fatores hereditários: são as informações genéticas que passam de


pais para filhos;

mães com idade acima de 35 anos têm mais possibilidade de gerar


filhos com algum tipo de deficiência em relação a gestantes entre
20 e 35 anos;

multiparidade de 5 ou mais fetos pode gerar bebês de baixo peso e


maiores complicações na gravidez;

intervalo gestacional de menos de dois anos entre uma gravidez e


outra;

incompatibilidade sanguínea da mãe e do bebê;

doenças preexistentes.

 pré-natal – ocorre no útero materno, da fecundação ao nascimento,


quando a criança está suscetível a adquirir a surdez através da mãe,
devido à presença de fatores, como:

idade da gestante: acima ou abaixo do período mais fértil da mulher;

fatores genéticos e hereditários;

consanguinidade;

carências alimentares da mãe;

exposição à radiação;

eclampsia: mulheres que sofrem de pressão alta durante a gravidez,


além de prejudicar o feto, é a maior causa de morte materna no Brasil;

diabetes;

drogas em geral: fumo, álcool e ilícitas;

doenças infectocontagiosas: rubéola (se caracteriza por defeitos


nervosos, mentais, oculares, auditivos e cardiovasculares), toxoplas-
mose, sífilis, herpes, entre outras;

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ingestão de remédios ototóxicos;

incompatibilidade sanguínea da mãe e do bebê.

 perinatal – ocorre no momento do parto ou nas primeiras horas após.


Os principais fatores são:

prematuridade: mais de 4% das crianças consideradas de alto ris-


co são diagnosticadas como portadoras de deficiência auditiva de
graus moderado a profundo, conforme ASHA (American Speech
Hearing Association);

pós-maturidade;

anóxia;

fórceps;

traumas no parto;

baixo peso (1 000g);

infecção hospitalar (atingem o bebê durante ou após o parto).

 Surdez adquirida: a pessoa fica surda em decorrência de problemas após o seu


nascimento e, dependendo da época da lesão, poderá desenvolver a oralida-
de com maior facilidade (pós-lingual). A surdez adquirida ocorre no período:

 pós-natal – ocorre após o nascimento, por:

convulsões;

permanência em incubadora (ventilação mecânica);

medicamentos ototóxicos em excesso ou sem orientação médica;

otite média persistente por mais de três meses;

caxumba, diabetes;

sífilis;

meningite: causa inflamação da membrana que envolve o cérebro.


Além dessa infecção atingir a garganta, o nariz e os ouvidos, pode
destruir o órgão de Corti e o nervo auditivo;

sarampo: o vírus do sarampo pode levar a uma infecção no ouvido


médio ou danificar a cóclea. Essas complicações podem surgir como

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resultado direto da infecção do sarampo, mas a vacinação preventiva


pode afastar essas graves consequências;

traumatismos cranianos;

tumores benignos e malignos: neurinoma, colesteatoma, hemangio-


ma, glomus, carcinoma;

Pair: perda auditiva induzida por ruídos;

exposição a sons impactantes (explosão).

Tipos e graus de surdez


Os tipos de perda auditiva classificam-se:

 Segundo a topografia, em:

 surdez condutiva (OE para o OI ): interferência na transmissão do som


desde o conduto auditivo externo até a orelha interna (cóclea). A maio-
ria das surdezes auditivas condutivas podem ser corrigidas através de
tratamento clínico ou cirúrgico.

 surdez sensório-neural (OI para o nervo auditivo): ocorre quando há


uma impossibilidade de recepção do som por lesão das células ciliadas,
da cóclea ou do nervo auditivo. Esse tipo de surdez é irreversível. Há
uma conservação de audição para os sons graves com perda de audi-
ção mais acentuada em agudos, porém, podem ainda apresentar perdas
de audição localizadas, como nos traumas acústicos ou nas deficiências
auditivas induzidas pelo ruído. A discriminação auditiva costuma estar
comprometida de maneira variável. Na maioria das vezes, sua alteração
é proporcional, sendo mais acentuada quando a lesão é neural.

 surdez mista: é a junção entre a perda auditiva condutiva juntamente


com a sensório-neural.

 surdez central: esse tipo de deficiência auditiva não é, necessaria-


mente, acompanhado de diminuição da sensitividade auditiva, mas
se manifesta por diferentes graus de dificuldade na compreensão
das informações sonoras. Decorre de alterações nos mecanismos
de processamento da informação sonora no tronco cerebral (Siste-
ma Nervoso Central). É relativamente rara, alguns pacientes, embora

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tenham audição normal, não conseguem entender o que lhes é


dito. Quanto mais complexa a mensagem sonora, maior dificuldade
haverá. Há quase sempre outros distúrbios neurológicos mais sérios
que terminam por predominar no quadro clínico geral.

 Surdez funcional: o paciente não apresenta lesões orgânicas no apare-


lho auditivo, seja ele periférico ou central. A dificuldade de entender a
audição pode ser de fundo emocional ou psíquico. Torna-se difícil de-
terminar, em certas situações, se é uma simulação ou se é realmente
uma disfunção orgânica.

 Segundo as expressões clínicas:


 hipoacusia: é a diminuição da sensitividade da audição. Há uma dimi-
nuição dos limiares auditivos sem, no entanto, expressar qualquer alte-
ração da qualidade da audição. Na hipoacusia o paciente escuta pouco
os sons menos intensos, mas com o aumento da intensidade da fonte
sonora, ele poderá escutar de modo adequado.

 disacusia: expressa um defeito na audição, que não pode ser expresso


em decibels. Esses pacientes, mesmo que se aumente a intensidade da
fonte sonora, não vão conseguir entender perfeitamente o significado
das palavras, embora possam ouvi-las. Os pacientes costumam dizer
que escutam, mas não entendem. As disacusias, portanto, represen-
tam deficiências de audição do tipo sensório-neural.

 anacusia: literalmente significa falta, ausência de audição. É diferente de


surdez, em que há resíduos auditivos. Na anacusia, o comprometimento
do aparelho auditivo é de tal ordem que não há nenhuma audição.

 presbiacusia: envelhecimento da audição.

Graus da surdez
São cinco categorias, de acordo com a tabela proposta por Davis e Silverman
(1970):
 >10 a 20dB – padrão de normalidade;
 >20 a 40dB – perda leve;
 >40 a 70dB – perda moderada;
 >70 a 90dB – perda severa;
 >90dB – perda profunda.

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Para refletir
Surdez congênita: como vimos, na surdez congênita a pessoa já nasce surda.
Nesse caso, a criança apresenta maior dificuldade em desenvolver e assimilar a
fala uma vez que nunca teve uma exposi-

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ção auditiva/oral da língua, é o que cha-
mamos de surdez pré-lingual.

Surdez adquirida: quando a pessoa fica


surda depois de ter nascido; poderá ter
maior facilidade em retomar a sua lingua-
gem oral, uma vez que já estão armazena-
dos em seu cérebro dados linguísticos an-
teriormente registrados. Denominamos,
assim, de surdez pós-lingual.

Curiosidades
Em novembro de 1997 foi realizada a primeira Semana Nacional de Pre-
venção à Surdez. O objetivo da campanha era educar e conscientizar a popu-
lação para os problemas de deficiência auditiva.

Aproximadamente 90% das crianças portadoras de deficiência auditiva de


graus severo e profundo são filhos de pais ouvintes.

Mais de 4% das crianças consideradas de alto risco são diagnosticadas como


portadoras de deficiência auditiva de graus moderado a profundo (ASHA).

Você sabia que existe uma série de bonecas Barbie (americanas) que sina-
lizam “I Love You” ?

Em 1940, surgiram as primeiras próteses auditivas portáteis de caixa. Em


seguida, vieram as retroauriculares.

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O aumento da poluição sonora nas últimas décadas também tem sido


muito prejudicial. Estatísticas levantadas entre 1971 e 1990, época que
marcou o auge do heavy metal e do punk, mostraram que o número de pes-
soas entre 18 e 44 anos com problemas relacionados à audição aumentou
17%. Entre 46 e 64 anos, o aumento foi de 26%. Os dados são da National
Health Interview Survey.

Texto complementar
Movimento propõe
que deficiente auditivo se assuma
Desconhecimento a respeito da deficiência auditiva
reside, em boa parte, no fato de a surdez ser uma deficiência invisível,
como é chamada por portadores. A invisibilidade leva o surdo a ser ignorado
pela sociedade ouvinte e pelas políticas públicas
(DURAN, 2003)

Falar gritando. Ou, ao contrário: bem devagarinho, de forma bastante


pronunciada, abrindo e fechando a boca exageradamente e até repetindo a
frase várias vezes. Essas são algumas das formas bizarras adotadas por ouvin-
tes para facilitar a comunicação com uma pessoa surda. Além de estranhas,
elas são completamente inúteis, não surtem o efeito desejado.

Reina na sociedade um amplo desconhecimento a respeito da deficiência


auditiva, dizem especialistas e portadores de surdez. E a causa dessa igno-
rância reside, em boa parte, no fato de a surdez ser uma deficiência invisí-
vel, como é chamada por portadores. Ao contrário de quem usa cadeira de
rodas ou é cego, o surdo pode passar despercebido num lugar e, com isso,
ser ignorado pela sociedade ouvinte, em especial pelas políticas públicas de
inclusão de deficientes.

Para despertar a consciência dos surdos, estimulá-los a assumir, sem


vergonha, sua condição e sua cultura e para combater as discriminações,
surgiu nos Estados Unidos, no começo dos anos 1990, o Deaf Pride (Orgulho
Surdo), que até conta com paradas realizadas em várias cidades dos EUA e
do Canadá.

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A versão brasileira começa a tomar forma, mas sem o extremismo da


matriz. Nos EUA, casais surdos chegam a procurar médicos para conce-
ber filhos surdos. Uma das estratégias cogitadas é não evitar que a mulher
contraia rubéola durante a gestação, uma das várias causas de surdez em
crianças.

Por aqui, uma das principais bandeiras do grupo é “sair do armário”. Para o
surdo, a expressão significa assumir a língua de sinais como idioma preferen-
cial e deixar de se dedicar anos a fio no consultório do fonoaudiólogo para
desenvolver a fala e treinar a leitura labial, só para “falar direitinho e agradar
à maioria ouvinte”, como alegam os defensores do Orgulho Surdo.

Segundo Fernando Capovilla, 42, professor do Instituto de Psicologia da


Universidade de São Paulo, a comunicação por sinais é a mais natural para os
surdos. “Como se sabe há muito tempo, nos ouvintes a área da linguagem lo-
caliza-se no perisilviano temporal do cérebro. Nos surdos, ela fica no parietal,
responsável também pela articulação das mãos. Por isso há a predisposição
para os sinais”, diz Capovilla.

A professora de Ensino Fundamental, Silvia Sabanovaite, 46, foi treina-


da para ler lábios e falar fluentemente, mas, na comunicação com os filhos,
também surdos, optou pelos sinais. Ela conta que, quando procurava traba-
lho, costumava revelar que era surda só na fase final das entrevistas. Porém,
depois da revelação, nunca era contratada.

“Como sou filha de lituanos, as pessoas pensavam que meu jeito diferen-
te de falar era sotaque”, conta. Certa vez, ela decidiu simplesmente esconder
a surdez e conseguiu o trabalho. Como professora, era difícil receber uma
ligação telefônica, o que poderia denunciar a sua condição. Quatro meses
depois de contratada, porém, recebeu um chamado. “Disse que não podia
atender, e as pessoas ficaram pasmas: ‘O quê? Surda?’, diziam elas.”

Mãe e avó de surdos, a professora mudou de opinião durante a criação


dos filhos, que, ao contrário dela, nunca cogitaram esconder a sua condição,
apesar de serem oralizados.

“O surdo oralizado é mais confortável só para os ouvintes”, diz Patrick Ro-


berto Gaspar, 28, estudante de Pedagogia e filho de Sabanovaite. “Por que
o ouvinte convida intérpretes quando não entende o idioma de um pales-
trante, e nós, surdos, não podemos fazer o mesmo?”, questiona ele, que é
simpatizante do Orgulho Surdo.

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O tradutor para a linguagem dos sinais é apenas uma das inúmeras neces-
sidades às quais o surdo brasileiro não consegue ver atendidas. Na televisão,
por exemplo, o closed caption, recurso de legendas ocultas dos programas
acionado pela tecla SAP, é adotado apenas por duas emissoras do país e,
mesmo assim, em 30% da programação.

Fora do armário, para os surdos, é mais fácil também lidar com o pre-
conceito. “A discriminação ocorre porque as pessoas não sabem o que é a
surdez”, diz Sabanovaite.

Outra demonstração da invisibilidade da deficiência: a Língua Brasileira


de Sinais (Libras) só foi reconhecida oficialmente no ano passado, quando
também foi publicado o seu primeiro dicionário (Dicionário Enciclopédico
Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira, editora Edusp, R$120), de au-
toria de Fernando Capovilla. Nos EUA, a American Sign Language (Lingua-
gem Americana de Sinais) foi oficializada há quatro décadas.

“O mundo foi feito para os ouvintes. Nós precisamos saber que a surdez
implica a formação de uma outra cultura, de uma identidade que precisa
ser respeitada. Como eles têm menos acesso à informação, desenvolveram
valores que são só deles. A língua é um de tantos outros”, diz a professora
Ana Lúcia Soares, 28, do Centro de Educação, Audição e Linguagem (Ceal),
do Distrito Federal.

Soares aprendeu Libras com uma amiga de infância que era surda e é
autora de um programa de educação especial de músicos que começa a
chamar a atenção fora do país. Trata-se do Surdodum, grupo de percussão
formado por 25 surdos, que aprendem noções de ritmo e melodia pela vi-
bração que o som provoca no corpo. “O objetivo é mostrar que o chamado
deficiente auditivo pode tudo, inclusive fazer música, uma das habilidades
humanas mais ligadas à audição”, diz.

Surdo não apenas produz música como também pode falar. Outro grande
engano disseminado na sociedade é o de que a mudez sempre acompanha
a surdez. O deficiente auditivo tem voz, apenas precisa ser treinado e bem
cedo, ainda na infância, para aprender a falar.

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Dica de estudo
 Leia Surdez e Linguagem: aspectos e implicações neurolinguísticas, de Ana
Paula Santana, editora Plexus. O livro faz um estudo sobre como ocorre a
construção da linguagem em sujeitos surdos e a relação dessa construção
com a neurolinguística.

Atividades
1. Qual a diferença entre surdez congênita e surdez adquirida? Entre esses dois
casos, qual deles compromete o desenvolvimento da fala? Justifique.

2. Qual a origem do termo decibel e o que ele significa?

3. Cite os tipos de surdez segundo as expressões clínicas. Qual delas tem como
definição a ausência total de percepção de som?

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Gabarito
1. Surdez congênita: é a surdez adquirida na fase gestacional. O sujeito pode
apresentar dificuldade na assimilação da fala, por ser pré-lingual. Na surdez
congênita a pessoa já nasce surda. Nesse caso, a criança apresenta maior
dificuldade em desenvolver e assimilar a fala uma vez que nunca teve uma
exposição auditiva/oral da língua, é o que chamamos de surdez pré-lingual.

Surdez adquirida: a pessoa fica surda em decorrência de problemas após o


seu nascimento e dependendo da época da lesão, poderá desenvolver a ora-
lidade com maior facilidade (pós-lingual). Quando a pessoa fica surda depois
de ter nascido, poderá ter maior facilidade em retomar a sua linguagem oral,
uma vez que já estão armazenados em seu cérebro dados linguísticos ante-
riormente registrados. Denominamos assim de surdez pós-lingual.

2. Significa intensidade do som – forte e fraco – e, “em homenagem a Alexan-


der Graham Bell, inventor do telefone, foi usada para medições de perdas
nas linhas telefônicas, nos EUA, uma unidade denominada Bel, como medi-
da relativa de intensidade, a qual comprimia uma ampla variação da escala
linear de intensidades pela transformação desta em uma escala logarítmica”
(RUSSO, 1999).

3. Hipoacusia, disacusia, anacusia e presbiacusia.

Anacusia: literalmente significa falta, ausência de audição. É diferente de sur-


dez, onde há resíduos auditivos. Na anacusia, o comprometimento do apa-
relho auditivo é de tal ordem que não há nenhuma audição (BRASIL, 1999).

Referências
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humana e seus distúrbios. São Paulo: Lovise, 1996.

BRASIL. Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei 7.853,


de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras
providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.
htm>. Acesso em: 10 ago. 2010.

24 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,


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Conhecendo a surdez

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RUSSO, Ieda Pacheco. Acústica e Psicoacústica Aplicadas à Fonoaudiologia.


São Paulo: Lovise, 1999.

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Percurso histórico da surdez
e de outras necessidades especiais
Ao analisarmos historicamente como as diferenças se constituíram no mundo,
é possível compreender os estigmas, preconceitos e o desconhecimento também
historicamente escritos pela sociedade. A visão antagônica que qualifica os portadores
de necessidades especiais como uma estrutura infra ou supra-humana teve sua gênese
no reconhecimento de mundo das diferentes épocas e povos e, sob esse enfoque,
constituíram-se também os paradigmas de atendimentos no campo da educação.

No período primitivo

Domínio público.

Nada há de permanente, exceto a mudança.


Heráclito (450 a.C.)

As pessoas que apresentam algum grau de comprometimento, seja


motor, físico, intelectual, visual ou auditivo, estão presentes na Terra desde
as primeiras habitações.

Os primeiros habitantes não tinham por hábito o plantio e a organi-


zação em tribos, o que exigia deles uma vida nômade, na qual, para se
manterem vivos, precisavam caçar, derrotar inimigos e explorar com agi-
lidade o ambiente e, após essa exploração, buscar novos espaços a serem
novamente usufruídos.
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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Com o passar dos anos, as tribos foram surgindo, e com elas o plantio e a
organização em sociedade.
Não se plantava para o sustento. A caça para a obtenção de alimentos e pele de animais para
se aquecer e a colheita de frutos, folhas e raízes garantia o sustento das pessoas. Há mais ou
menos dez mil anos, quando as condições físicas e de clima na Terra ficaram mais amenas, os
grupos começaram a se organizar para ir à caça e garantir o sustento de todos. Na Pré-História
a inteligência do homem começou a se manifestar e os integrantes do grupo passaram
a perceber melhor o ambiente onde viviam, começando a adorar o sol, a lua e os animais.
(GUGEL, 2010)

Possivelmente pessoas com deficiência não sobreviveriam ao ambiente hostil


da Terra nesses tempos. Sobretudo os surdos, como se sabe, ouvir representou e
ainda representa não só uma habilidade para desenvolver a oralidade, mas uma
percepção de defesa, altamente importante nesse período, pois com ela era pos-
sível ouvir sons que pudessem oferecer algum perigo, como sons da natureza,
de animais.

Se no início da habitação dos homens na Terra o ambiente por si só já elimi-


nava as pessoas com e sem deficiência, a organização em tribos também não
contribuiu para a sua sobrevivência. Para essa nova dinâmica, segundo especia-
listas, as pessoas com deficiência passaram a ser um “fardo” para os seus pares,
em razão de sua dependência, sendo por consequência eliminados.

Antiguidade
Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
José Saramago

Egito Antigo
Registros arqueológicos, em
Jupiter Images.

afrescos, túmulos, na arte egípcia,


nas múmias e em papiros, revelam
uma gama de informações sobre
onde as pessoas com deficiência,
há mais de 5 mil anos, transitaram
e fizeram parte de escalas sociais
de todos os níveis (faraós, nobres,
altos funcionários, artesãos, agri-
cultores, sacerdotes e escravos).

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Os surdos eram considerados seres superiores que deveriam ser respeitados


e temidos pela população, que os considerava como mediadores entre os faraós
e os deuses.

Ao mesmo tempo eram considerados pessoas doentes. Pesquisas indicam


que no século XVI a.C. sacerdotes tratavam a surdez como uma doença e para
esse “mal” usavam urina de cabra, cinzas de asa de morcego e ovos de formiga
ou lagarto (CABRAL, 2001).

Papiros antigos revelam ainda a necessidade em se respeitar pessoas com de-


ficiência, assim como apontam esses sujeitos praticando os mais diferentes ofí-
cios em sociedade sem nenhum tipo de restrição em razão da sua dificuldade.
[...] estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou menos 4 500 a.C., ressaltam
que as pessoas com nanismo não tinham qualquer impedimento físico para as suas ocupações
e ofícios, principalmente de dançarinos e músicos [...] especialistas revelam que os anões eram
empregados em casas de altos funcionários, situação que lhes permitia honrarias e funerais
dignos. (GUGEL, 2007)

Por fim, Gugel coloca que o Egito foi conhecido como a terra dos cegos;
muitos dos seus habitantes perdiam a visão em decorrência de infecções. Papi-
ros encontrados revelam receitas para curar diversas doenças, entre elas as que
acometiam os olhos.

Grécia
Na Antiguidade, a imagem do homem
Jupiter Images.

era adorada “narcisicamente”, sendo comum


nessa cultura clássica adorar a perfeição física,
num culto incondicional à beleza corporal. As
crianças que nasciam com alguma “deformi-
dade física” eram consideradas sub-humanas
e não podiam “ofuscar” essa sociedade fisica-
mente “perfeita”, cabendo a elas serem aban-
donadas por seus pais, em locais desconheci-
dos, para aí morrerem à míngua.
[...] os gregos se dedicavam predominantemente à
guerra, valorizando a ginástica, a dança, a estética, a
perfeição do corpo, a beleza e a força [que] acabaram
se transformando num grande objetivo. Se, ao nascer,
a criança apresentasse qualquer manifestação que
pudesse atentar contra o ideal prevalecente, era
eliminada. Praticava-se, assim, uma eugenia radical, na
fonte. (BIANCHETTI, 1998, p. 29)

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Figuras importantes da época como Platão,

Jupiter Images.
no livro A República, e Aristóteles, no livro A
Política, indicavam entre várias situações que
contribuíam para a organização das cidades
gregas a eliminação das pessoas nascidas
com deficiência, sendo uma das práticas o
descarte de crianças especiais em aprisco de
uma cadeia de montanhas chamada Tayge-
tos, na Grécia.

Platão
A República, Livro IV, 460 c – Pegarão então os filhos
dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco,
para junto de amas que moram à parte num bairro da
cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos
outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar
interdito e oculto, como convém. (GUGEL, 2007, p. 63)
Domínio público.

Aristóteles
A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b –
Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos,
terá de haver uma lei segundo a qual
nenhuma criança disforme será criada; com
vistas a evitar o excesso de crianças, se os
costumes das cidades impedem o abandono
de recém-nascidos deve haver um dispositivo
legal limitando a procriação, se alguém tiver
um filho contrariamente a tal dispositivo,
deverá ser provocado o aborto antes que
comecem as sensações e a vida (a legalidade
ou ilegalidade do aborto será definida pelo
critério de haver ou não sensação e vida).
(GUGEL, 2007, p. 63)

Aristóteles acreditava que os


surdos, por não desenvolverem na-
turalmente a oralidade, não eram
capazes de raciocinar e, por essa
condição, não recebiam orientação
educacional, e não tinham direitos. Sócrates, 360 a.C., declarou que era permiti-
do que os surdos comunicassem com as mãos e o corpo.

A psicóloga Ligia Assumpção do Amaral aproxima a ideia de eliminação


da “imperfeição”, adotada pela civilização na Antiguidade, como uma prática

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comum entre os animais, em que o filhote que apresenta no nascimento alguma


imperfeição é rapidamente eliminado pela mãe, ficando na cria somente aque-
les que não apresentaram nenhum tipo de deformidade.

Para a autora, diferente dos animais, que têm essa prática com o intuito de
manter a sobrevivência do restante da prole, a leitura dos humanos em relação
à eliminação da deficiência representa atacar o diferente, o inconveniente que
destoa da sociedade “perfeita”:
[...] em culturas chamadas primitivas, onde, como em algumas tribos, o deficiente é sacrificado;
ou mesmo em civilizações chamadas mais adiantadas, como Esparta. Comportamentos que
podemos também encontrar no mundo animal, onde filhotes imperfeitos são, na maioria das
vezes, mortos. Ataca-se o diferente, o inconveniente, e com isso liquida-se a ameaça por eles
representada. (AMARAL, 1994)

Roma
Da mesma forma que a prática
Thinkstock.

grega, as leis romanas permitiam


que os pais afogassem seus filhos
deficientes. Muitos não usavam
essa prática, porém não criavam as
crianças nascidas “disformes”. Para
se livrarem dos filhos sem a práti-
ca do afogamento, muitas famílias
abandonavam os bebês em cestos
no rio Tibre. Se essa criança conseguisse sobreviver, era explorada por mendi-
gos, ou por donos de circo, servindo de motivo de gozação e entretenimento
para as classes mais abastadas.

O mesmo ocorria com os surdos, assim como na Grécia, que eram destituídos
dos seus direitos (exceto os surdos oralizados), serviam como bobos entretendo
membros abastados da sociedade, ou eram mortos como os demais portadores
de necessidades especiais.

A pesquisadora Rosita Edler de Carvalho (1997, p. 14-20) apresenta parte de


sua pesquisa relativa ao período romano:

Nós matamos os cães danados, porcos? Ferozes e indomáveis degolamos as ovelhas doentes,
com medo que infectem o rebanho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmo as
crianças se forem débeis mentais ou anormais, nós as afogamos: não se trata de ódio, mas de
razão que nos convida a separar das partes sãs, aquelas que podem corrompê-las.

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Não existia piedade, aceitação, inserção das pessoas com alguma necessi-
dade nesse período. De uma forma muito natural e pertinente aos padrões da
época, todo e qualquer sujeito, independente do contexto social, era sumaria-
mente eliminado.

No entanto, com a guerra muitos soldados voltaram para Roma com ampu-
tações e outras dificuldades decorrentes dessa batalha. A deficiência passou a
ser vista como impossível de ser erradicada, por se tratar de um adulto e não de
um recém-nascido que pudesse ser eliminado. Esses combatentes, por terem
conquistado o Império Romano, eram vistos como heróis e por essas circunstân-
cias deveriam ser cuidados, porém o sistema médico não dava conta de realizar
todos os atendimentos necessários.

Regida pelo cristianismo, nascia a era do assistencialismo, doutrina que pre-


gava o amor e a caridade e que deu origem às instituições que abrigavam pes-
soas com deficiências e indigentes.

Idade Média

Domínio público.

O período da Idade Média é marcado pelo fim do Império Romano (século V,


ano 476) até a Queda de Constantinopla (século XV, em 1453).

A Idade Média puncionou novas práticas da posição do deficiente dentro da


dinâmica social. Abandonou-se o contexto físico da Antiguidade e assumiu-se
o contexto metafísico, reconhecendo os portadores de necessidades especiais
como seres diferentes. A Igreja, que nesse momento possuía uma grande influ-
ência sobre a sociedade, passou a questionar se era viável exterminar um ser que
possuía alma, pois um ser com alma era uma obra divina. E que direito tinha o
homem de exterminar um feito de Deus?

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O deficiente recebeu o status de humano e como consequência tinha o “di-


reito” de sobreviver. Sua custódia ficava a cargo da família ou da Igreja. Porém, o
místico conceito de que esse sujeito poderia ser também uma obra demoníaca
ou um castigo para seus familiares, também era uma visão até então presente,
sendo comum nessa época rituais de exorcismo a fim de eliminar essa entida-
de demoníaca que residia no corpo deforme. Diferente dos ouvintes, os surdos
eram considerados seres sem uma alma imortal, por não conseguirem proferir
os sacramentos.

Considerados pela sociedade como corpos doentes, os deficientes deveriam


ser acolhidos em lugares diferenciados para tratamento. Os conventos, asilos e
hospitais psiquiátricos, exerciam a função de “abrigar” os portadores de necessi-
dades especiais, com vistas a curar as suas deficiências.

Para Amaral (1994), esse modelo de atendimento aos portadores de necessi-


dades especiais inspirou anos mais tarde no Brasil, os “locais de confinamento”,
conhecidos na atualidade, de acordo com a autora, como escolas especiais.

Divulgação.
A obra medieval de Victor Hugo, O Corcunda
de Notre Dame, relata o tratamento que o defi-
ciente recebia na Idade Média. Fonseca (1995)
descreve um pouco como se deu o olhar da so-
ciedade em relação ao indivíduo especial:

Em plena Idade Média, os deficientes ora são encarados


como “crianças de Deus” ou como “bobos da Corte”, ora
são perseguidos, esconjurados ou apedrejados por
serem portadores de possessões demoníacas. A arte
dessa época foi pródiga em representar e ilustrar tais
atitudes.

Os Referenciais para a Construção de Sistemas Educacionais Inclusivos, ela-


borados pelo MEC em 2001, colocam que:

[...] a deficiência foi, inicialmente, considerada um fenômeno metafísico, determinado pela


possessão demoníaca, ou pela escolha divina da pessoa para purgação dos pecados de
seus semelhantes. Séculos da Inquisição Católica e, posteriormente, de rigidez moral e ética
da Reforma Protestante, contribuíram para que as pessoas com deficiência fossem tratadas
como a personificação do mal e, portanto, passíveis de castigos, torturas e mesmo de morte.
(REFERENCIAIS..., 2001, p. 10)

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Revolução Industrial

Domínio público.
A Revolução Industrial nasceu por volta do século XVI, juntamente com
outros marcos na história como a Revolução Francesa, seguida pelos burgueses
e com o período do Renascimento, movimento de novas ideias sobre a ciência,
sociedade e especialmente sobre as artes, com grande riqueza na produção de
músicas, pinturas, teatros e festivais de dança.

A produção em série passou a ser uma meta; o capitalismo viu nos membros
da sociedade vasta mão de obra, incluindo nessa dinâmica não só os homens,
como também mulheres e crianças. Nesse contexto, os portadores de deficiên-
cia carregavam um novo estigma: “autores de um ônus” financeiro para os ideais
de consumo e de liberalismo.

O corpo não era mais um organismo e sim uma máquina, e aqueles que pos-
suíam algum grau de deficiência representavam uma máquina com peças defei-
tuosas, mas que podiam ser reaproveitadas com ofícios que não exigissem dessa
máquina o uso de tais peças.

Na área da surdez, a expressão surdo-mudo não representava mais o surdo


em si, pois havia uma compreensão de que ambas as definições eram distintas.

Agregada ao desenvolvimento industrial, tecnológico e científico, a deficiên-


cia passou a ser reconhecida como um “malefício incurável”, e nesse caminhar
histórico a sociedade lançou mão de ideias cujo

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[...] objetivo, em termos de tipo ideal de trabalhador, passou a ser a busca do homo sapiens
para o escritório, para o planejamento, e do homo faber para a oficina, sendo o protótipo desse
o homem-boi, o homem-gorila, uma vez que a preocupação estava voltada à busca de força
física. (BIANCHETTI, 1998)

A mesma autora apresenta a ideia de Henry Ford sobre essa temática:


Pela época que Henry Ford começou a fabricar o Modelo T, em 1908, não eram necessárias
18 operações diferentes para completar uma unidade, mas 7 882. Em sua autobiografia, Ford
registrou que, dessas 7 882 tarefas especializadas, 949 exigiam “homens fortes, fisicamente
hábeis e praticamente homens perfeitos”; 3 338 tarefas precisavam de homens de força física
apenas “comum”, a maioria do resto podia ser realizada por “mulheres ou crianças crescidas” e,
continuava friamente, “verificamos que 670 tarefas podiam ser preenchidas por homens sem
pernas, 2 637 por homens com uma perna só, duas por homens sem braços, 715 por homens
com um braço só e 10 por homens cegos. (TOFFLER, 1980, p. 62 apud BIANCHETTI, 1998, p. 38)

Desse período, temos alguns reflexos em nossa dinâmica social que estão
presentes até hoje:

 a diferença salarial entre homens e mulheres, sendo que muitas vezes am-
bos exercem a mesma função;

 a diferença salarial e as funções de subordinação dos portadores de ne-


cessidades especiais, mesmo que tenham qualificação para cargos mais
eletivos;

 a visão da escola de Educação Infantil voltada para o cuidar da criança pe-


quena e não para o educar, uma vez que na era industrial, as mães ocupa-
ram funções nas fábricas, deixando os seus filhos com cuidadores, num
sistema de depósito de crianças sem uma visão pedagógica;

 a exploração do trabalho infantil, pois nesse contexto não se tem um olhar


sobre a criança e sua infância. Vistos como adultos em miniatura, as crian-
ças, na qualidade de “adultos”, deveriam exercer diferentes ofícios como os
seus pais, no entanto quando se aplicava o pagamento salarial, a diferença
aparecia novamente, criança deveria receber menos, por ser frágil e ainda
estar em formação.

Atualidade
Todo o movimento histórico que vimos até agora nos deu base para reali-
zarmos novos estudos nas áreas das ciências humanas, jurídicas, da saúde e
tecnológica.

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

A partir do século XX, começa-

Thinkstock.
mos a perceber o homem como
um ser único e que na sua origem
tem o direito essencial de ser dife-
rente dos demais.

Os traços dessas diferenças


podem ser percebidos nos subsí-
dios afetivos, estéticos, físicos, se-
xuais, linguísticos, culturais e cog-
nitivos, que cada sujeito constrói
em si e no outro através da lingua-
gem, seja ele portador ou não de
alguma deficiência. “É importante
refletir sobre a comunidade surda,
não em sua totalidade, como se
fosse um grupo homogêneo e uni-
forme. Dentro dessa configuração
‘surda’ também se encontram as
diferenças (SKLIAR, 1998)”.

Na comunidade surda, assim


como em outros grupos, também podemos encontrar a diversidade, pois sa-
bemos que existem surdos pobres, ricos, homens, mulheres, homossexuais,
negros, brancos, jovens, velhos e demais características pertinentes à condição
humana.

Por toda essa ótica, compreende-se que apenas destinar um local que abri-
gue os portadores de necessidades especiais não é o suficiente.
Nesse contexto, mais do que nunca se evidenciou a diversidade como característica constituinte
das diferentes sociedades e da população, em uma mesma sociedade. Na década de 1990,
ainda à luz da defesa dos direitos humanos, pode-se constatar que a diversidade enriquece
e humaniza a sociedade, quando reconhecida, respeitada e atendida em suas peculiaridades.
(REFERENCIAIS..., 2001)

A sociedade aos poucos assimila que a pessoa com necessidades especiais


apresenta dificuldades inerentes aos seres humanos e não somente em razão
da sua deficiência orgânica. A tendência é que essa sociedade se prepare cada
vez mais para receber, oportunizar e respeitar a diversidade. Os sujeitos com ne-
cessidades especiais devem ter todos os seus direitos assegurados, uma vez que
transitam por diferentes setores da sociedade, inclusive aos bens de consumo.

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Uma sociedade que consegue reconhecer e viver harmoniosamente com as


várias experiências humanas, configura-se como uma sociedade inclusiva. A li-
mitação do sujeito especial em alguns aspectos, não representa a limitação dos
seus direitos.

Texto complementar
Sou humano
(WERNECK, 2006)1

De que modo se sente uma pessoa quando o mundo não reconhece


como humano o seu modo de falar, de se expressar, de andar, de se locomo-
ver, de ver, de não ver...?

Que tipo de olhar somos capazes de enviar a alguém quando notamos,


em qual­quer parte de seu corpo, algo que imediatamente desencadeia em
nossas mentes um processo para ressignificá-lo, para rever seu valor humano
e, na sequência, atribuir-lhe um valor de “menos humano”?

Pode ser uma prótese no lugar do olho, um braço que não existe mais,
a mancha grande e cabeluda na face. O quanto revela de nós esse olhar, ao
outro, que ao mesmo tempo é analítico, julgador e envergonhado? Enver-
gonhado porque tenta apagar vestígios do obscuro ritual que se passa em
nosso íntimo. Não que esse processo de avaliar quem é mais humano ou
menos humano, mais normal ou menos normal, seja consciente, mas o cons-
trangimento que ele naturalmente gera, sim. O constrangimento reflete uma
verdade pouco nobre e bem escondida: somos educados para acreditar que
existe uma hierarquia entre condições humanas.

Seríamos então um composto de percentuais variados de humanidade e


devemos lidar com essa informação sem traumas?

Bebês nascidos com síndromes genéticas são menos humanos do que


outros cujos cromossomos estão em número e tamanho “corretos”?

Alguém sem pernas é apenas 60% humano?


1
Claudia Werneck é jornalista, escritora, especialista em Comunicação e Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz e fundadora da Orga­nização
da Sociedade Civil Escola de Gente.

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Idosos com doenças neurológicas degenerativas perdem a cada dia sua


humanida­de a ponto de se tornarem girafas, moscas, plantas carnívoras?

Uma pessoa cega seria menos gente se analisada sob um hipotético


“quadro clas­sificatório de condições humanas”?

Jovens surdos, principalmente aqueles que se expressam unicamente


pela Libras, a Língua Brasileira de Sinais, têm menos valor humano do que os
demais, jovens ouvintes que falam apenas o português?

Embora a tendência seja a de responder um NÃO categórico e ofendido a


essas per­guntas, nossas práticas diárias denunciam o contrário. Refiro-me a
formas sutis de discrimina­ção que, mesmo com o propósito de valorizar pes-
soas com deficiência, acabam segregando-as cada vez mais. O simples fato
de considerá-las especiais já as distancia do gozo incondicional dos Direitos
Humanos, gozo que antecede qualquer norma nacional ou internacional.

É aflitivo constatar a naturalidade com que nos exercitamos em atribuir


um sinal “positivo” ou “negativo” para diferentes condições e características
humanas. Isso até em pronunciamentos públicos considerados meritórios e
consequentes pela população.

Por exemplo: como nos posicionamos diante de relatos como o que vem
a seguir?

No começo da guerra dos Estados Unidos e da Inglaterra contra o Iraque,


em mar­ço de 2003, a televisão brasileira veiculou uma campanha a favor dos
Direitos Humanos. Vários artistas se expressavam contra a guerra contun-
dentemente. Um deles dizia algo mais ou menos assim:

“Eu sou contra a guerra, nós não precisamos da guerra, nós devemos re-
solver nossos conflitos atra­vés da palavra, da inteligência. Não é a fala que
diferencia um ser humano de um animal irracional? Não é a inteligência que
nos distingue dos animais?”.

Em que medida esse discurso atenta contra a própria concepção de Di-


reitos Humanos?

Atenta ao considerar a fala e a palavra como pré-requisitos para pertencer


ao con­junto humanidade. Atenta ao considerar que pessoas com deficiência
mental, por não terem todos os recursos do que se convencionou chamar de
inteligência, não são seres humanos.

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Como denunciar que uma campanha tão apropriada, se analisada sob a


ótica do conceito de inclusão, foi discriminatória em relação a pessoas que
não têm seu intelecto preservado ou a pessoas que não se utilizam do código
do português para se expressar, como pode acontecer com pessoas surdas?

Caberá, então, a quem não fala, lutar desesperadamente para falar, como
a única saída para pertencer ao conjunto humanidade e, assim, ao conjunto
sociedade?

Deverão as pessoas com comprometimento intelectual manter uma


eterna sensa­ção de débito, de falha, de menos valia em relação a quem não
tem deficiência mental?

É justamente tudo isso o que o senso comum pressupõe, mas o mesmo


não pode ser dito do conceito de inclusão.

Essa conversa está longe de ser uma abstração.

Conteúdo
Muito além da ética, é possível para a sociedade, hoje, respaldada por
garan­tias constitucionais, abordar problemas como esses. Uma fala tão “ade-
quada” como a utilizada na campanha pode, sim, ser entendida como um
atentado ao direito que toda pessoa tem de não ser submetida a uma ofensa
em função de sua deficiência. É o que garante a Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Dis­criminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência, conhecida como Convenção da Guatemala.

Importante saber que o Brasil é signatário da Convenção da Guatemala,


documento aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legis-
lativo 198, de 13 de junho de 2001, que deu origem ao Decreto 3.956, de 8
de outubro de 2001, assinado pela Presidência da República. Pela primeira
vez, então, foi explicitado em lei o que é discriminar com base na deficiência.
E, segundo diversos membros do Ministério Público, o Decreto 3.956 tem
tanto valor quanto uma norma da Constituição Federal, pois se refere a direi-
tos e garantias funda­mentais da pessoa, estando acima de leis, resoluções e
decretos.

Não que essa convenção seja o máximo, o ápice dos Direitos Humanos.
Ela é apenas uma plataforma mínima de princípios a serem defendidos por

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cada cidadão na busca de um novo tempo no qual nós possamos ter lucidez
suficiente para refletir sobre as nossas absurdas formas de pensar a espécie
à qual pertencemos.

Quem nasce de um ser humano é um ser humano com o mesmo valor.


Nascemos, portanto, incluídos no conjunto Homo sapiens. Algo pode ser
mais simples de ser entendido?

Diariamente, por termos uma concepção de ser humano minimizada,


tomamos de­cisões inadequadas, das mais corriqueiras às mais estruturais.
Mesmo o terceiro setor tem avançado pouco quando o assunto é gente.

Incluindo-me como uma trabalhadora dele, pergunto:

1 – Quem de nós costuma avaliar se o tamanho das portas dos banheiros


das orga­nizações que dirigimos permite a entrada de uma pessoa em cadei-
ra de rodas?

2 – Que organizações do terceiro setor têm a preocupação de garantir


que seus sites sejam construídos com acessibilidade para programas de voz
utilizados por pessoas cegas? E eu não estou aconselhando, aqui, que cada
organização tenha dois sites: um comum e um só para pessoas cegas, pois
isso também não é o que pressupõe a inclusão.

3 – Que agências financiadoras, nacionais e internacionais, pelo menos


hesitam em apoiar projetos de educação que não incluam, explicitamente,
todos os jovens-se­res-humanos, incluindo aqueles com deficiência? Não
estou me referindo apenas a alunos e alunas com deficiência física e, sim, a
qualquer aluno com qualquer tipo de deficiência. Minha experiência prova
que a maioria dos coordenadores de progra­mas, se questionados, respon-
dem que sim, estão aptos a receber quaisquer jovens, jamais praticariam
uma segregação. Entretanto, não são orientados (e isso raramen­te foi orçado)
para tomar as mais singelas providências nesse sentido, como contra­tar uma
intérprete de Libras para as reuniões nas quais se fará uma pré-seleção dos
adolescentes que participarão do projeto ou disseminar o material de mobi-
lização do projeto em Braile. A pergunta é: está prevista ou não a presença de
qualquer jovem no projeto? Por favor, eu não estou querendo dizer que todo
projeto para a juventude deva ter, necessariamente, um percentual obrigató-
rio de jovens com deficiência. Mas eles com certeza estarão nesses projetos
naturalmente, se nós pararmos de fazer tudo para bloquear esse acesso.

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Adolescentes brasileiros continuam sendo educados para ter desfigura-


do o seu conceito natural de humanidade. A maioria cresce acreditando, a
exemplo de seus pais e educadores, que pessoas com deficiência são um
deslize da natureza. Foi o que o proje­to Quem Cabe no seu TODOS? consta-
tou ao realizar as Oficinas Inclusivas pelo Brasil.

Comprovamos que a maioria dos jovens com os quais atuávamos nunca


havia visto de perto alguém de idade similar com deficiência. Mesmo entre
adolescentes com diferen­tes deficiências – física, mental, múltipla e senso-
rial – havia o estranhamento e a cerimônia de quem não se reconhece como
parte de uma mesma geração.

Para esses jovens será difícil, mais tarde, empregar espontaneamente


uma pessoa com deficiência, isto é, sem a força de medidas legais. Ou, sim-
plesmente, atendê-la em um consultório dentário sem se sentirem cons-
trangidos por sua cegueira, seu deficit intelectu­al. Ou, ainda, cumprirem sem
achar “caras e desnecessárias” as normas de acessibilidade arquitetônica e de
comunicação que garantem a todos os cidadãos entrar em prédios pú­blicos
e se proteger de incêndios.

O momento é delicado porque muitas das próprias pessoas com defici-


ência não se consideram sujeitos de direitos e sim de, no máximo, alguns
direitos especiais como, por exemplo, ingressar na universidade ou estar
empregado. Tenhamos cuidado com os “direitos especiais”, pois eles jamais
combinam com inclusão.

Muitos são os manuais recém-lançados disseminando leis municipais, es-


taduais e nacionais sobre os direitos de pessoas com deficiência. Mas nem
mesmo o conhecimento das legislações nacional e internacional disponíveis
garante a alguém a percepção correta de seu valor humano, pois as pessoas
com deficiência, por exemplo, são tão mal prepa­radas para lidar com sua hu-
manidade como aquelas sem deficiência. É essa a questão central que vem
me mobilizando há anos e gerou o projeto Quem Cabe no seu TODOS?.

Expandir a consciência social dos adolescentes e jovens brasileiros para


que nela cai­bam todos os humanos. Essa tem sido a minha busca e a dos
projetos da Escola de Gente.

Ao nosso lado estão muito mais registros de violação de direitos de pes-


soas com deficiência do que podemos imaginar.

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

No ano de 2002, recebi um grupo de universitários de medicina para uma


entre­vista sobre inclusão a ser inserida em um trabalho acadêmico que de-
veriam apresentar. Depois de aproximadamente duas horas conversando,
um dos universitários me contou o seguinte: havia, na ala de queimados do
hospital público em que ele atuava, um homem bastante machucado que
praticamente não se queixava de dor, o que chamava a atenção de médi-
cos, enfermeiros e atendentes. Ele não recebia visitas de familiares, amigos,
era muito solitário. As anotações em seu prontuário no que se referia a anal-
gésicos eram rarís­simas, fato não compatível com seu estado. Até que um
médico resolveu esclarecer esse mistério e descobriu que esse paciente era
surdo, não oralizado, e sentia muita dor, sim, só não conseguia expressar isso,
porque, imobilizado por causa das queimaduras, não mexia as mãos nem
outras partes de seu corpo.

De que modo se sente uma pessoa quando o mundo não reconhece


como humano o seu modo de falar, de se expressar, de andar, de se locomo-
ver, de ver, de não ver...?

Dica de estudo
Acesse <www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midiateca_artigos> e clique
nos textos 29 (“Um pouco da história da educação dos surdos”) e 59 (“Para uma
cronologia na educação de surdos”). Os textos fazem um apanhado de como
ocorreu a educação de surdos no Brasil e nos outros países, e como essa prática
reflete na educação até hoje.

Atividade
1. Descreva como a deficiência era/é vista e tratada nos períodos:

a) Antiguidade:

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b) Idade Média:

c) Atualidade:

Gabarito
1.

a) O aluno deverá citar a preocupação com a estética física e com a preo-


cupação de “não contaminação” da deficiência em relação aos demais
ditos normais. Nesse contexto a deficiência não aparecia, uma vez que
era erradicada com a morte tenra do bebê.

b) Aqui o contexto é religioso e metafísico, não se extermina a criança es-


pecial, porém não há um acolhimento das suas necessidades e respeito
pela sua diferença. A mesma é vista como um ser excepcional, dotado de
pecado e possessões demoníacas. Sua custódia fica a cargo das famílias
e da Igreja.

c) O sujeito é visto dentro de suas especificidades e necessidades, compre-


endendo-o como um ser humano único, com construções pessoais tam-
bém singulares. Há maior respeito pela individualidade do sujeito, suas
carências e potencialidades.

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Percurso histórico da surdez e de outras necessidades especiais

Referências
AMARAL, L. A. Pensar a Diferença/Deficiência: Coordenadoria Nacional Para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Brasília, 1994.

BIANCHETTI, L.; FREIRE, I. M. Um Olhar sobre a Diferença: interação, trabalho e


cidadania. 5. ed. Campinas: São Paulo; Papirus, 1998. (Série Educação Especial).

CABRAL, Eduardo. Para uma Cronologia na Educação de Surdos. Publicado


em: mar./abr. 2001. Disponível em: <www.sj.cefetsc.edu.br/~nepes/docs/midia-
teca_artigos/historia_educacao_surdos/texto59.pdf >. Acesso em: 5 ago. 2010.

CARVALHO, R. E. Temas em Educação Especial. 2. ed. Rio de Janeiro: WVA,


2000.

FONSECA, V. da. Educação Especial – Programa de Estimulação Precoce: uma


introdução às ideias de Feurstein. 2. ed. ver. aum. Porto Alegre: Artes Médicas,
1995.

REFERENCIAIS PARA A CONSTRUÇÃO DE SISTEMAS EDUCACIONAIS INCLUSIVOS.


A Fundamentação Filosófica: a história – a formalização. MEC. SEESP, Brasília,
2001.

GUGEL, Maria Aparecida. Pessoas com Deficiência e o Direito ao Trabalho. Flo-


rianópolis: Obra Jurídica, 2007.

_____. A Pessoa com Deficiência e sua Relação com a História da Humani-


dade. Publicado em: 24 fev. 2010. Disponível em: <http://saisconsultoria.wor-
dpress.com/2010/02/24/a-historia-e-a-pessoa-com-deficiencia>. Acesso em: 5
ago. 2010.

SILVA, Otto Marques da. A Epopeia Ignorada: a pessoa deficiente na história do


mundo de ontem e de hoje. São Paulo: CEDAS, 1986.

SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças.
In: _____ (Org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
1998.

WERNECK, Claudia. Sou humano. In: Ensaios Pedagógicos. III Seminário Nacio-
nal de Formação de Gestores e Educadores. Brasília: Ministério da Educação, Se-
cretaria de Educação Especial, 2006.

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Paradigmas de atendimento educacional

Paradigma da institucionalização:
princípio da cura
Paradigma é um conceito que abrange um conjunto de ideias, valores
e crenças que o sujeito põe em prática seja no âmbito social ou individual.
Dessa forma, depois de compreendermos os paradigmas e as significações
do sujeito portador de necessidades especiais em diferentes épocas da his-
tória, remetemo-nos agora à prática desse olhar no contexto da escola.

A literatura coloca que, com o apoio da Igreja Católica surgem, no século


XVII, associações religiosas destinada a atender sujeitos com necessidades
especiais, tendo como princípio a busca pela “cura”, através de cuidados e
tratamentos médicos, mesmo que de forma segregatória. Asilos, hospitais
psiquiátricos, conventos e escolas especiais, eram a representação desses
espaços, com uma característica próxima de um sistema prisional, uma vez
que não se tinha o objetivo de inserção social e de valorização dos po-
tenciais dessa clientela, sendo que muitas vezes até a sua localização era
distante dos grandes centros e do convívio familiar.

Esse modelo de atendimento caracterizou-se como paradigma da insti-


tucionalização, o qual vigorou por aproximadamente oito séculos.
No Brasil, as primeiras informações sobre a atenção às pessoas com deficiência
remontam à época do Império. Seguindo o ideário e o modelo ainda vigente na Europa,
de institucionalização, foram criadas as primeiras instituições totais1, para a educação
de pessoas cegas e de pessoas surdas”. (BRASIL, 2001b, p. 11)

Na área da surdez, esse modelo educacional foi apoiado com publica-


ções e apresentações em Congresso de Medicina que visavam debater a
sua “cura”. Apesar de ser um modelo clínico terapêutico, houve e ainda há
uma grande influência desse paradigma nas escolas, as quais deveriam ter
espaço diferenciado, com materiais e profissionais especializados, numa
relação direta da educação e da área médica.

1
Instituição total: “um lugar de residência e de trabalho, onde um grande número de pessoas, excluídas da sociedade mais ampla por um
longo período de tempo, leva uma vida enclausurada e formalmente administrada (BRASIL, 2001b, p. 11 apud GOFFMAN, 1962)”.

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Paradigmas de atendimento educacional

No ano de 1857, D. Pedro II inaugurou no Rio de Janeiro o Imperial Instituto


dos Surdos-Mudos. Tendo como precursor desse projeto o francês Eduard Huet,
D. Pedro II ordenou que lhe fossem dados todos os tipos de assistência neces-
sária para a implantação desse projeto. Huet iniciou os seus trabalhos no então
Colégio Vassimon, e no ano de 1856 ocupou todo o espaço físico da escola, inau-
gurando assim, no ano seguinte, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Cem
anos mais tarde, em 1957, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos passou a de-
nominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES (MAZZOTTA, 1997;
GUARINELLO, 2004).

O avanço da economia, a intensificação do capitalismo e a liberdade de ex-


pressão contribuíram para uma crítica incisiva da comunidade científica, do
poder público e do sistema educacional em relação ao paradigma da institu-
cionalização. Com o passar dos anos, percebeu-se que a resposta desse tipo de
atendimento não correspondia com o seu discurso, ou seja, não se preparava o
portador de necessidades especiais para conviver e produzir em sociedade.

No entanto, havia um interesse latente de produção e consumo capitalista


que tinha por meta tornar produtiva todo e qualquer tipo de mão de obra. O
poder público começou a perceber que o sistema institucional exigia um grande
investimento financeiro, o qual retornava muito pouco para a sociedade. Interes-
ses ideológicos de valorização humana não eram o foco dessa crítica.

Sendo assim, a partir da década de 1960, a opinião pública e educacional co-


meçou a debater e a compartilhar novos rumos pedagógicos para os portadores
de necessidades educacionais, começando pela sua desinstitucionalização. O
portador de necessidades especiais passou a ser visto como um sujeito diferen-
te, que deveria, pelo princípio da normalidade, igualar-se aos demais.

Paradigma de serviços:
princípio da normalização e (re)habilitação
O paradigma de serviços é um novo modelo educacional, iniciado na década
de 1960, baseado nos princípios de normalização e (re)habilitação. Ao contrário
do institucional, os portadores de necessidades especiais passaram a ser vistos
como sujeitos diferentes, os quais deveriam receber metodologias de trabalho
que visavam (re)habilitá-los cada vez mais, a fim de aproximá-los e integrá-los
à maioria “normal”. Sem a (re)habilitação não receberiam o aval para conviver e
integrar-se com o restante da sociedade “normal”.
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Paradigmas de atendimento educacional

Com essa leitura, a sociedade coloca que tudo aquilo que não está dentro
dessa norma reflete-se como um aspecto desviante, que deve ser alvo de assis-
tencialismo, repulsa ou, se possível (e desejável), de “normalização”. O critério
de normalidade não diz respeito somente aos dados estatísticos daquilo que a
maioria representa, mas também ao ideológico, daquilo que é ideal para essa
maioria. Os objetivos dos tratamentos destinados às pessoas com necessida-
des especiais partem do preceito de que o portador de necessidades especiais
deverá modificar-se, e não a sociedade mudar para recebê-lo, uma vez que ele
é a minoria em muitos. Nessa tendência, integrar está localizado no sujeito en-
quanto alvo de mudança.

Com o objetivo de aproximar o sujeito surdo das características de uma


pessoa ouvinte, o paradigma de serviços teve a sua representação pela visão da
ortopedagogia. O sujeito surdo deveria ser reabilitado para ouvir e falar e assim
poder transitar na sociedade ouvinte. Nesse contexto, a língua de sinais não era
reconhecida nos meios educacionais.

O não reconhecimento dos potenciais do sujeito com necessidades especiais


e das suas limitações fizeram com que o paradigma de serviços, no início de sua
estruturação, logo recebesse críticas, principalmente da comunidade científica,
que percebia a dicotomia entre o anormal e o normal de forma tendenciosa,
abrigando a segregação e exclusão. Nessa ideologia, “sujeito diferente” é um atri-
buto dado ao portador de necessidades especiais como se todos os “normais”
fossem iguais entre si.

Outra crítica foi manifestada pelos próprios portadores de necessidades es-


peciais, que sentiam dificuldades reais de se modificarem. O conceito de nor-
malidade é um dado fortemente atrelado na sociedade brasileira. Quando esse
dado está determinado pelo referencial orgânico, a sociedade assume a sua he-
gemonia diante de um fato concretamente incapacitante.

Para validar o paradigma de serviços, faz-se necessário o cumprimento de


três etapas:
1) avaliação: formada por uma equipe multiprofissional responsável por identificar tudo o
que, segundo ela, o portador de necessidades especiais deverá modificar em si e em sua vida,
para aproximar-se dos “normais”; 2) intervenção: a mesma equipe se responsabilizaria em
oferecer os atendimentos “formal e sistematizado, norteado pelos resultados obtidos na fase
anterior”; 3) encaminhamento (ou reencaminhamento) da pessoa com deficiência para a vida
na comunidade.” (BRASIL, 2000)

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Paradigmas de atendimento educacional

Paradigma de suportes:
princípio da inclusão
Os paradigmas de institucionalização e de serviços não asseguraram o res-
peito às diferenças e a participação plena da diversidade nos âmbitos sociais his-
toricamente construídos para gozo de todos os seus integrantes, sem qualquer
tipo de restrição.

Pesquisas nas mais variadas áreas apontam que a diversidade é a regra. Na


natureza não existe homogeneidade. Os discursos dos iguais entre seus pares
não é mais legítimo. Todos os seres são singulares em suas necessidades e, para
melhor atendê-las, faz-se necessário mudanças estruturais, que envolvem aspec-
tos sociais, econômicos, físicos, políticos, instrumentais e, sobretudo, mudança
atitudinal que mexe com valores internos de cada membro da sociedade e desta
como um todo. Esse processo passou a denominar-se como inclusão social.

Sustentar a manutenção educacional e/ou terapêutica aos grupos segregados


ou investir na ideologia da normalidade impedia que a sociedade dos “normais”
pudesse aprender a conviver com a diversidade que a constituem. “Começou,
então, a ser delineada a ideia da necessidade de construção de espaços sociais
inclusivos, organizados para atender ao conjunto de características e necessida-
des de todos os cidadãos, inclusive aqueles que apresentam necessidades edu-
cacionais especiais” (BRASIL, 2001b).

O século XXI marcou o início dessas discussões: “debates e compartilhamen-


tos de reflexões nunca são demais, até porque sem eles as ações descontextua-
lizam-se, ficam suspensas no ar” (AMARAL, 1994).

A busca de uma nova modalidade de atendimento que respeitasse as pe-


culiaridades inerentes aos seres humanos delineou a implementação de ações
que davam à sociedade a responsabilidade de se ajustar à diversidade humana,
em todas as atenções de ordem pública ou privada, de forma que se tornasse
acolhedora para todos.

Com base em uma nova ideologia de atendimento inclusivo, surgiu o para-


digma de suportes. O pressuposto desse atendimento levou a uma tendência de
que todos têm direito de acesso e convívio comum de forma não discriminató-
ria, de maneira imediata e contínua como os demais cidadãos.

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Paradigmas de atendimento educacional

Respeitar as singularidades dos componentes da sociedade passou a ser uma


condição sine qua non, a começar pelos espaços que devem garantir o acesso,
permanência e o trânsito de todos, independentemente das necessidades espe-
ciais, tipos e graus de comprometimentos que possui.

A escola é o primeiro espaço de inclusão, por ser um ambiente tão tradicional


e antigo se confunde com o próprio histórico das sociedades como um todo.
Nessa concepção começam a ser pensadas as primeiras escolas inclusivas, en-
tendendo que o direito à educação é uma das maneiras de garantir os direitos
dos portadores de necessidades especiais. “As escolas comuns com essa orienta-
ção integradora representam o meio mais eficaz de combater atitudes discrimi-
natórias de criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integrado-
ra e dar educação para todos” (BRASIL,1994).

É de competência de todos os segmentos de ensino a responsabilidade de


matricular os alunos com e sem uma necessidade orgânica, adequando os es-
paços físicos, como também capacitando a equipe pedagógica para melhor re-
ceber aos educandos com necessidades educacionais especiais, dando-lhes as
condições necessárias para uma educação de qualidade (BRASIL, 2001a).

Além de infringir a Constituição Federal, não aceitar o aluno com necessida-


des especiais na rede regular de ensino fere a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Pessoa Portadora de
Deficiência, promulgada no Brasil pelo Decreto 3.956, de 8 de outubro de 2001.

Tendo em vista que a escola deve adequar-se ao aluno, e não o oposto, a


sua singularidade passou a ser revista, entendendo-se que as suas necessidades
educacionais devem ser respeitadas, e no caso da surdez, entre outras coisas,
destacam-se as de ordem linguística.

A concepção atual considera o surdo como pertencente a uma “comunidade


linguística minoritária, que usa a língua de sinais” para relacionar-se, tendo como
alicerce o paradigma de suportes, com vistas à inclusão dos surdos na rede regu-
lar de ensino (MAZZOTTA, 1997; GUARINELLO, 2004).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica de 2001


determinam “a importância da língua de sinais como meio de comunicação para
os surdos, e ser assegurado a todos os surdos acesso ao ensino da língua de seu
país”. Para melhorar os conhecimentos linguísticos dos seus alunos, as Diretri-
zes recomendam, ainda, que os professores de surdos tenham “o conhecimen-

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Paradigmas de atendimento educacional

to sobre Língua Portuguesa e de Sinais, Letras e Linguística, compreendendo


que tais conhecimentos são fundamentais para a qualidade do atendimento”
(p. 51).

É importante pensar também no trabalho de um intérprete em Libras em sala


de aula, por entender que o professor do ensino regular não deverá usar simul-
taneamente duas línguas distintas, como meio de interagir com os seus alunos
surdos e ouvintes (BRASIL, 2001b, p.14).

Com essa prática, a escola passou a oferecer uma pedagogia centrada no


aluno, em parceria com instituições especializadas e seus profissionais, realizan-
do adaptações curriculares quando necessário e oportunizando formação de
professores e orientação às famílias.

Não basta a escola valorizar o ser humano e respeitar as suas necessidades


especiais se a sociedade e o poder do Estado continuarem a rejeitar a existência
desse panorama em nosso país.

Texto complementar

Os novos paradigmas da inclusão


(MASIERO, 2009)

Resumo
Neste artigo, pretende-se refletir sobre os novos paradigmas da educação
inclusiva, avaliando a situação histórico-social e as mudanças educacionais
para alavancar novos rumos frente à educação.

Palavras-chave: educação, inclusão, avaliação e sociedade.

Atualmente a educação vem rompendo barreiras, derrubando antigos


paradigmas e formulando novos conceitos sobre o que é educar e qual sua
finalidade.

Em meio a esse contexto social, definimos o que é a inclusão de alunos


especiais e qual o seu objetivo. A prática de inclusão de crianças e adolescen-
tes com necessidades especiais nas escolas regulares é recente e gera muitas
dúvidas, o que torna o tema polêmico e questionador.

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A primeira pergunta que nos fazemos é a seguinte: quem são os incluídos?


Para se obter uma resposta coerente, temos que analisar algumas partes da
história da educação especial.

Para isso, citamos Beyer (2005, p. 17):


[...] para encurtar, na história da educação formal ou escolar, nunca houve uma escola que
recebesse todas as crianças, sem exceção alguma. As escolas sempre se serviram de algum
tipo de seleção. Todas elas foram, cada uma à sua maneira, escolas especiais, isto é, escolas
para crianças selecionadas. As escolas de filosofia da Antiguidade, os mosteiros da Idade
Média, as escolas burguesas da Renascença – todas foram escolas especiais para crianças
especiais, selecionadas. Nesse sentido, também hoje as melhores escolas particulares
em nosso país são escolas especiais, que acolhem não todas as crianças, porém apenas
algumas delas.

As escolas ditas “especiais” acolhem crianças com necessidades espe-


ciais proporcionando uma forma de terapia, uma vez que possibilitam a elas
acompanhamento médico e pedagógico. Assim, associou-se a medicina à
educação, tendo esta um papel diferenciado, muito mais terapêutico que
educativo.

Com a obrigatoriedade, gratuidade, igualdade e permanência do aluno


na escola regular, é inadmissível que a instituição escolar feche suas portas
aos alunos com necessidades especiais. A escola inclusiva tem se preparado
para atender a uma diversidade maior de alunos, tendo que se adaptar a
metodologias diferenciadas.

Essa mudança tem acontecido em função de ideias voltadas para a valo-


rização do ser humano enquanto pessoa, com direitos iguais, sem distinção
ou preconceito. Nesse sentido, a escola inclusiva deve estar aberta a todos,
independente de suas condições sociais, intelectuais ou físicas.

Ao que parece, toda nova mudança apresenta muitos questionamentos,


inseguranças, tentativas de acertos e falhas. Essas dificuldades necessitam
ser eliminadas para dar lugar a uma educação de qualidade.

As instituições escolares ainda estão se adaptando para o recebimento


dos alunos com necessidades especiais. Há dúvidas e incertezas gerando an-
gústia em muitos professores, os quais se sentem incapacitados para aten-
der a esses alunos. A realidade é que existem poucos profissionais capacita-
dos para a demanda de alunos com necessidades especiais. Ainda existem
muitas contradições e ambiguidades que permeiam essa modalidade de
educação.

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Paradigmas de atendimento educacional

Outra dúvida que gera questionamentos entre os profissionais da edu-


cação e das áreas da saúde: quem seriam os portadores de necessidades
especiais? A Lei de Diretrizes e Bases não especifica quem seriam esses edu-
candos. Mas buscando em outras fontes, observa-se que grande parte dos
teóricos educacionais acredita que não se enquadram na modalidade de
educação especial os alunos que apresentam distúrbios de aprendizagem
(dislalia, dislexia, discalculia, transtorno de deficit de atenção, hiperatividade
e outros relacionados à cognição e afetividade). Os professores alegam que
esses problemas são passageiros, em alguns casos, e que não há necessida-
de de mudanças mais acentuadas no currículo escolar e no Plano Político
Pedagógico da instituição educadora.

A LDB prevê que, quando necessário, haverá serviço de apoio especiali-


zado para atender ao educando com necessidades especiais. Diante disso,
perguntamo-nos: quando é necessário haver um apoio especializado?

Ainda são recentes as mudanças educacionais no Brasil, e, em especial, a


busca pela qualidade da educação e a implantação de novas modalidades
de ensino. Por isso, não podemos exceder-nos nas críticas contra os sistemas
federal, estadual e municipal de ensino. Acreditamos que a educação inclu-
siva vai além da transferência dos alunos de escolas especiais para escolas
regulares, como um depósito, ou uma forma de o poder público livrar-se de
gastos extras, aglutinando funções e levantando a bandeira de liberdade e
democracia.

Sabemos que estamos apenas no início de uma longa caminhada pela


busca da excelência da educação no Brasil. A educação especial representa
um novo rumo para a sociedade, trazendo um novo paradigma de educação,
derrubando barreiras do preconceito e ascendendo uma cultura democráti-
ca de valorização humana.

Segundo Carvalho (2003, p. 149):


A proposta da educação inclusiva não representa um fim em si mesma, como se,
estabelecidas certas diretrizes organizacionais, a escola melhorasse, num passe de mágica.
Muito mais do que isso, pretende-se, a partir da análise de como tem funcionado o nosso
sistema educacional, identificar as barreiras existentes para a aprendizagem dos alunos,
com vista às providências políticas, técnicas e administrativas que permitam enfrentá-
las e removê-las. Pretende-se identificar processos que aumentem a participação de
todos os alunos, reduzindo-lhes a exclusão na escola e garantindo-lhes sucesso em sua
aprendizagem, além do desenvolvimento da autoestima.

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O objetivo principal da educação inclusiva é reduzir ao mínimo a exclusão


social através da escola. Mas ao mesmo tempo em que a escola é apazigua-
dora das diferenças e de preconceitos sociais, ela também é, de certa forma,
disseminadora desses preconceitos. A avaliação escolar é uma forma de ro-
tular e diferenciar os capazes e os incapazes. Isso numa turma de alunos mais
ou menos homogênea. Imaginemos, agora, uma turma de alunos com dois
educandos portadores de necessidades especiais, que, possivelmente, terão
resultados diferenciados no seu crescimento cognitivo. Como agir diante
dessa situação, já que a avaliação escolar formativa ou somativa ainda é a
única forma de verificar o rendimento da aprendizagem do aluno durante
um certo período letivo?

Reconhece-se que há muito a ser discutido, analisado, testado e implan-


tado, para que a educação especial e a melhoria da qualidade da educação
no Brasil sejam alcançadas. Como educadores conscientes da nossa impor-
tância na melhoria da qualidade do ensino, precisamos acreditar na longa
caminhada. Se olharmos para trás, veremos as melhoras e as conquistas que
o nosso país tem alcançado nas últimas décadas. Isso não significa confor-
mismo, e sim esperança para continuar.

Dica de estudo
Acesse <www.mec.gov.br> e baixe em seu computador na versão PDF o do-
cumento Experiências Educacionais Inclusivas – Programa Educação Inclusiva: di-
reito à diversidade, de 2006. Esse material aborda casos de inclusão de alunos
especiais na rede regular de ensino em diferentes realidades do Brasil. Vale a
pena conferir! Bons estudos!

Atividade
1. Defina:

a) paradigma de suportes:

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b) paradigma de serviços:

c) paradigma da institucionalização:

Gabarito
1.

a) O pressuposto desse atendimento levou a uma tendência de que todos


têm direito de acesso e convívio comum de forma não discriminatória,
de maneira imediata e contínua como os demais cidadãos.

b) Modelo educacional, iniciado na década de 1960, baseado nos prin-


cípios de normalização e (re)habilitação. Diferente do institucional, os
portadores de necessidades especiais passaram a ser vistos como su-
jeitos diferentes, que deveriam receber metodologias de trabalho que
visavam (re)habilitá-los cada vez mais, a fim de aproximá-los e integrá-
-los à maioria “normal”. Sem a (re)habilitação não receberiam o aval para
conviver e integrar-se com o restante da sociedade “normal”.

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c) A literatura coloca que, com o apoio da Igreja Católica, surgiram no sé-


culo XVII associações religiosas destinadas a atender sujeitos com ne-
cessidades especiais, tendo como princípio a busca pela “cura”, através
de cuidados e tratamentos médicos, mesmo que de forma segregató-
ria. Asilos, hospitais psiquiátricos, conventos e escolas especiais eram a
representação desses espaços, com uma característica próxima de um
sistema prisional, uma vez que não se tinha o objetivo de inserção social
e de valorização dos potenciais dessa clientela e muitas vezes até a sua
localização era distante dos grandes centros e do convívio familiar.

Referências
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Concepção de sujeito

Excepcional
Um credo de fé
Ray Aham

Creio...

Que toda criança é basicamente uma pessoa normal, e mesmo a chamada criança
excepcional é, mais exatamente, uma criança normal com uma excepcionalidade.

Que a educação pública pode e deve oferecer serviços a todas as crianças, inclusive as
excepcionais.

Que a consideração básica não deve ser a inferioridade da criança, mas a superiorida-
de de nossa capacidade em ajudá-la.

Que nenhuma recompensa na vida ultrapassa a recompensa espiritual de ajudar a


criança a superar sua excepcionalidade, ajustando-se a ela.

Esses trechos do poema de Ray Aham nos fazem analisar a concep-


ção de sujeito que se tem por trás da expressão excepcional. De fácil com-
preensão, porém com duplo sentido, a depender do contexto em que se
insere, a definição excepcional refere-se a algo fora do usual, extraordiná-
rio, anormal, sensacional, fenomenal, fabuloso, que envolve exceção.

No contexto do sujeito com necessidades especiais, excepcionalidade


sempre esteve atrelada a um dado negativo, daquilo que falta e/ou que
não desenvolveu dentro do esperado.

Como a história nos colocou, o sujeito excepcional teve a sua represen-


tação acima ou abaixo da normalidade, visto que acima da norma repre-
sentaria uma dádiva divina ou abaixo desta, um castigo de Deus, concep-
ção que conjugou com o olhar da Igreja Católica e do período da Idade
Média, porém que está presente até os dias atuais.

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Concepção de sujeito

Deficiente auditivo
A etimologia do termo define que deficiência é uma qualidade de incapaz,
insuficiente, incompleto, de algo que falta ou está falho. Na raiz da palavra, defi-
ciência representa falta de eficiência.

Essa falta de eficiência tomava o sujeito como um todo, distanciando os


outros potenciais que poderia ter e/ou desenvolver em razão da sua falta de au-
dição, visão, atividade motora, intelectual, entre outras. Por essa razão, salários e
cargos inferiores e pouco investimento em seus estudos, uma vez que “não tinha
potencial” para o aprendizado comum, sendo o currículo especializado resumi-
do e muitas vezes reduzido em relação àqueles alunos que usufruíam o currícu-
lo pertencente ao ensino regular, eram algumas das alterações da sociedade e
da escola para atender aos alunos com necessidades especiais. Dessa forma, o
termo deficiência remetia ao sujeito como um todo e não ao deficit orgânico que
apresentava.

Surdo
Vários eventos científicos ocorridos no Brasil apontaram o descontentamen-
to e o repúdio da comunidade surda em relação à expressão deficiente auditivo
pela conotação de incapaz velada no termo.

A partir da década de 1970, adotaram-se os termos surdo e surdez, em refe-


rência ao sujeito e à sua patologia, limitando a incapacidade ao órgão e não ao
sujeito. Para Carvalho (1997):
[...] surdo é o indivíduo que tem a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade
de compreender a fala através do ouvido. De acordo com o grau de perda auditiva, avaliada
em decibéis (dB), a surdez manifesta-se como leve (perda entre 20 e 40dB), moderada (entre 40
e 70dB), severa (entre 70 e 90dB) e profunda (acima de 90dB de perda) – impede o indivíduo de
ouvir a voz humana e de adquirir, espontaneamente, o código da modalidade oral da língua,
mesmo com o uso de prótese auditiva.

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Concepção de sujeito

Portador de necessidade educativa especial


Ai, palavras, ai palavras, que estranha potência, a vossa!

Cecília Meireles (Romanceiro da Inconfidência)

Tradicionalmente, o olhar que se tem em relação às necessidades educati-


vas especiais refere-se às “crianças portadoras de necessidades especiais [como]
aquelas que apresentam claros distúrbios no desenvolvimento originados por
acidentes ocorridos durante a gestação, nascimento ou nos primeiros anos de
vida” (BRASIL, 1994).

Na busca pela quebra desse paradigma, a pesquisadora Mary Warnock reali-


zou no ano de 1978, após quatro anos de pesquisa, um relatório de investigação
das condições da educação especial inglesa e apresentou esse material ao par-
lamento do Reino Unido, pela Secretaria de Estado para a Educação e Ciência,
Secretaria do Estado para a Escócia e a Secretaria do Estado para o País de Gales.
Warnock (1978) concluiu o que vem a ser o conceito de necessidades educativas
especiais (NEE). Para ela, a presença da deficiência não significa necessariamen-
te incapacidade de aprendizagem, pois muitos alunos apresentavam distúrbios
de aprendizagem sem terem nenhuma dificuldade física, sensorial, mental ou
comportamental. Ou seja, cerca de 20% das crianças apresentam NEE em algum
período da sua vida escolar. A partir desses dados, o relatório propôs o conceito
de NEE.

O conceito de NEE só foi adotado e redefinido a partir da Declaração de Sa-


lamanca (UNESCO, 1994), passando a abranger todas as crianças e jovens cujas
necessidades envolvam deficiências ou dificuldades de aprendizagem.

A contribuição de Warnock ampliou o olhar a respeito das necessidades edu-


cacionais especiais também no âmbito escolar, ao incluir nesse conceito todas as
crianças que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola seja por qual
motivo for.

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Concepção de sujeito

[...] em educação, fomos caminhando da ideia do geral, do homogêneo, para a heterogeneidade


da clientela, a partir da classe social à qual cada um pertence, dos distintos momentos históricos,
dos locais, enfim, estabelece-se a necessidade de pensar as especificidades. (BIANCHETTI,
1998, p. 41)

Nesse sentido, o conceito de necessidades educacionais especiais passou a


incluir, além das crianças com deficiência, aquelas que estão experimentando
dificuldades temporárias ou permanentes na escola, como: repetência e evasão
escolar, vítimas do trabalho infantil, portadoras de doenças crônicas, moradoras
de rua, as que vivem em condições de extrema pobreza, desnutridas, as que
moram distante de qualquer escola, as que são vítimas de guerras e conflitos
armados, as que sofrem de abusos contínuos físicos, emocionais ou sexuais, ou
as que estão fora da escola, por qualquer motivo que seja.

Destaca-se que as necessidades temporárias e permanentes transitam por


um território muito tênue, pois a dificuldade colocada como temporária para
uma pessoa pode ser vista por outra como uma dificuldade permanente. O que
irá definir cada um desses parâmetros é a resposta dada pelo sujeito no enfren-
tamento dessas vivências.

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Concepção de sujeito

O MEC (Ministério da Educação) compreende que a expressão portador de


necessidades educativas especiais não se restringe somente ao âmbito educacio-
nal; ter necessidades especiais diz respeito às condições socioculturais para uma
efetiva participação das potencialidades do cidadão na sociedade (MEC, 1994).

Rosita Edler de Carvalho entende que o termo necessidades no dicionário de


português é um termo polissêmico e, por incluir várias significações, também
inclui várias ideias de necessidades: o aluno em si, o poder público, a escola (pro-
fissionais qualificados, materiais didáticos, recursos financeiros, Projeto Político
Pedagógico, a fim de atender melhor a sua clientela) e a família, uma vez que o
processo educacional não se contempla somente na escola. Existem as necessi-
dades que são do próprio sujeito, como também aquelas referentes ao ambiente
em que esse sujeito transita.

O quadro a seguir aponta cada uma das concepções de sujeito em diferentes


épocas.

Quadro 1 – Concepções de sujeito

Necessidade Necessidade
Excepcional Deficiente
Especial Especial
Período da Idade Média Própria do sujeito e
Transição da década Própria do sujeito
até meados da década de onde ele transita
de 1980 para 1990 (década de 1990)
de 1980 (ano 2000)
Temporária:
moradores de rua;
trabalho infantil;
privação cultural;
fome;
pobreza; Escola (profissionais
Acima ou abaixo da nor- qualificados, recursos
ma; Incapaz; violência física;
didáticos e financei-
idiota (do grego idiótes, doente; violência emocional; ros, PPP);
do latim idiote) significa falta de algum atribu- violência sexual; Poder Público;
homem privado de inte- to. distância da escola. Família;
ligência.
Permanente: Sociedade.
distância da escola;
vítimas de guerra;
condições de saúde;
condições de moradia;
deficiência em si.

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Concepção de sujeito

Texto complementar

O conceito de excepcionalidade:
uma abordagem histórica
(MATOS1, 2010)

1 – Introdução
Este ensaio tem como objetivo fazer uma análise do conceito de excep-
cionalidade, por meio de uma revisão teórica que evidencie as proposições
conceituais dos pesquisadores, na literatura sobre o tema.

A conceituação de um determinado objeto de estudo pode ser entendida


como um recurso acadêmico para delimitar suas características, fornecendo
um quadro que possibilite o seu trato nas diversas instâncias da sociedade.
Essa delimitação, em algumas situações, ocorre como exigência de um para-
digma de ciência que leva à distinção de certos fenômenos ou fatos sociais,
apontando claramente como será abordado o tema central no trabalho cien-
tífico. No campo político-econômico, conceituar atribuindo características
peculiares ao objeto de estudo define os critérios de distribuição ou loca-
ção de recursos, principalmente, financeiros, por parte do Estado. Para além
do campo científico e político-econômico, há que se considerar os valores
morais e éticos humanos, segundo os quais conceituar pode conduzir à in-
culcação de determinados atributos que ferem a dignidade do homem.

Assim, o termo excepcionalidade, enquanto símbolo que expressa uma


condição ou fenômeno humano, pode ser compreendido à luz desses aspec-
tos, resultado da dinâmica social.

2 – Aspectos evolutivos
Para se fazer uma análise do termo excepcionalidade, acredito ser im-
portante considerar as implicações sociais que são reveladas na construção
desse conceito. Diversos autores, entre os quais podem ser citados Bueno

1
Nelson Dagoberto de Matos é professor-adjunto do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, mestre em
Ciência do Movimento pelo Centro de Educação Física e Desporto da Universidade Federal de Santa Maria (RS) e doutorando do Programa
de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (SP).

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(1993), Ferreira (1994), Amiralian (1986) e Carmo (1994), fazem uma discus-
são bastante rica acerca dessa terminologia, sobretudo por adotarem uma
abordagem que privilegia os condicionantes sócio-históricos.

Um ponto inicial que pode ser colocado seria quanto à natureza do


homem que, de acordo com Bigge (1977), pode ser boa, má ou neutra; tal
concepção orienta uma determinada postura pedagógica. Conquanto esse
autor não assuma qualquer das concepções, a proposição de que o homem
possa ser naturalmente bom, mau ou neutro já revela uma compreensão de
predeterminação da ação humana. Essa poderia ser, portanto, uma das inter-
pretações sobre a atuação que o homem revela no seu mundo, como inata
ou predefinida. De outro lado, está a outra interpretação, na qual a ação do
homem é constituída por meio das relações que estabelece com seus pares
ou com a própria natureza. Aqui pode ser citada a proposição de Berger e
Luckmann (1985), na qual a realidade onde se insere o ser humano é cons-
truída socialmente e todas as variáveis que surgem no mundo do homem
são produtos da sua própria ação. Assim, pode ser dito que o homem é, ao
mesmo tempo, criador de determinados fatos sociais e destes sofre as con-
sequências. Para Bueno (1993), conhecer o homem implica discutir os fenô-
menos nos quais esse mesmo homem situa-se como produtor.

Ao discutir a formação da sociedade civil, Bobbio (1991) observa que o


caráter social do homem se manifesta a partir do momento em que ele reco-
nhece a sua impotência para realizar suas carências de forma isolada e por
esse motivo se relaciona com seu par, formando os grupos sociais.

Dessa forma, quando duas pessoas somam seus conhecimentos ou com-


petências para satisfazer suas carências, isso se caracteriza como a forma-
ção social da realidade, numa junção perfeita e cooperativa (BERGER; LUCK-
MANN, 1985). No entanto, essa pretensa cooperação acaba não se efetivando
em função dos interesses individuais que provocaram tensões nas relações
interpessoais, cuja mediação exige a formação da sociedade política ou a
figura do Estado.

Portanto, parece que na opção de desenvolvimento das civilizações hu-


manas foi imprescindível a subjugação do homem pelo homem. Para Aquino
(1988), a expansão de algumas civilizações deu-se por meio das guerras, cujo
resultado classificava as nações em vitoriosas e derrotadas. Esse quadro torna
possível, inicialmente, a estratificação das pessoas em senhores e escravos,

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Concepção de sujeito

que se aperfeiçoa e se aprofunda à medida que se desenvolvem as civiliza-


ções. Dessa forma, pode-se perceber que a distinção entre as pessoas tem
um passado bastante remoto, definindo aqueles que podem participar do
processo social e os que dele são marginalizados, dicotomia adequada para
o aparecimento de toda sorte de desigualdades sociais. Esse processo, in-
tencionalmente forjado pelo homem e não natural, repercute no tratamento
destinado às pessoas deficientes, já nas sociedades antigas.

Amiralian (1988) relata atitudes distintas para essas pessoas, desde a eli-
minação à reverência, mas quase sempre de marginalização.

Na Idade Média, surgem as primeiras tentativas de atendimentos à pessoa


deficiente, possivelmente, como forma da sociedade, ou mais precisamente,
da classe dominante solucionar o problema que ela própria produziu, mas
não reconhece. Como esse atendimento se volta, apenas, para um extre-
mo da questão, ou seja, para as consequências, sem a preocupação com as
causas determinantes, ele se caracteriza como assistencialismo.

Parece ser dessa forma que surge o embrião do atendimento especial,


cuja população-alvo é definida a partir dos padrões de normalidade. Mais
uma vez, caracteriza-se a diferenciação entre as pessoas, agora não mais pela
supremacia física, religiosa ou econômica que gerou dominantes e domina-
dos, reis e vassalos, proprietários e serviçais; mas por parâmetros científicos
que definem os comportamentos medianos e os desviantes. Evolui-se, desse
modo, do estágio em que os fenômenos eram explicados pelos conheci-
mentos do senso comum para o estágio das explicações dadas pelos conhe-
cimentos da ciência.

Essa alteração do panorama, no qual se explica a deficiência, é definida


por Amiralian (1986) como uma passagem do período pré-científico para o
período científico.

É nesse contexto que surge uma nova concepção de ciência, onde o tra-
balho científico só é reconhecido como tal quando o objeto de estudo pode
ser objetivado. Assim, o que é ciência deve se orientar por paradigmas aco-
lhidos sob o manto dos princípios epistemológicos positivos.

Assim, alguns campos de conhecimento que reivindicam para si o status


de ciência oferecem instrumentos objetivos para estudar determinados
fenômenos.

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Como observa Bueno (1993), o pensamento positivista influencia sobre-


maneira o conhecimento da relação saúde-doença que serve de referência
para as concepções sobre normalidade e patologia.

Os instrumentos para definir aquilo que pode ser considerado “normal” são
fornecidos pela estatística. Tomam-se como referência as características ou
comportamentos mais frequentes para a espécie humana, matematizando-
-os por meio de cálculos que definam uma média. Desta até o estabelecimen-
to de comportamentos desviantes não foi tão difícil. Adotou-se o uso de mais
um recurso matemático, que é a fórmula do desvio-padrão. Está dado, por-
tanto, um passo fundamental para o conceito de deficiente, que não se limita
mais a uma constatação aparente, mas se estende à comprovação científica.

O termo considerado mais adequado, por alguns autores, para designar as


pessoas que ficavam abaixo da média em limitações variadas era o conceito
deficiente, que poderia assumir, ainda, outros significados, como retardados,
diminuídos ou incapacitados (BUENO, 1993).

Os estudos de Bueno (1993) indicam que muitos autores não conseguem


deixar de usar denominações como diminuídos, deficientes, retardados ou
incapacitados, quando se referem às pessoas que se situam abaixo da média.

A categorização das pessoas ou sua tipificação não deve ser entendida


como um fenômeno predeterminado, mas sim como decorrente das relações
sociais estabelecidas, construídas pelo próprio homem e carregadas de senti-
do ideológico (BUENO, 1993).

Assim, a configuração de um novo modelo de sociedade, que se caracteri-


za como urbano-industrial, exerce uma pressão sobre a estrutura escolar, em
termos de qualificação para o trabalho, conduzindo aos testes de medida de
inteligência e de interesses, que são patrocinados pela psicologia diferencial
(FERREIRA, 1995).

Se a escola sofre pressão para atender às exigências da qualificação para


o trabalho, é no espaço educacional que o termo excepcionalidade encontra
possibilidade de se expandir, enquanto conceito menos estigmatizante e
menos pejorativo.

A excepcionalidade se situaria, para Amiralian (1986), como um conceito


socioeducacional, pois os critérios que a definem se baseiam nas necessi-

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dades educacionais especiais das pessoas, cujas exigências educativas são


muito diferentes da maioria.

O conceito de excepcionalidade, considerado um termo contemporâneo,


passa a englobar, além das pessoas historicamente denominadas deficien-
tes, por apresentarem limitações mais evidentes, também aquelas pessoas
classificadas como superdotadas, para as quais as exigências educativas di-
ferem da maioria.

Para Ferreira (1995, p. 14), referindo-se ao conceito de excepcionalida-


de, “é deste século a noção de agrupar sob o mesmo rótulo pessoas com
habilidades intelectuais destacadas e com atrasos intelectuais, cegos e até
idosos”.

Para esse autor, a definição de excepcionalidade, em termos de classifi-


cação e atendimento, tem a ver com os processos de autonomia e indepen-
dência pessoal e produtividade, o que nos dá a entender que nem toda dife-
rença pode ser caracterizada como excepcional.

No caso brasileiro, de acordo com as definições vigentes, a excepcionali-


dade incluiria os deficientes visuais, auditivos, físicos, mentais; os portadores
de deficiências múltiplas; os portadores de problemas de conduta e os su-
perdotados (FERREIRA, 1995).

Parece-nos que o conceito de excepcionalidade deve sua utilização à


inclusão de pessoas com problemas de conduta e àqueles com coeficien-
te intelectual acima da média. Nesse caso, o problema permanece, pois os
critérios de definição do que é um problema de conduta ou um coeficiente
intelectual privilegiado são arbitrários, subjetivos e podem atender diversos
interesses, entre os quais a demanda de recursos.

Sobre esse aspecto, Bueno (1993) observa que a inclusão do superdo-


tado na excepcionalidade serve para concretizar a oferta de escolaridade
para crianças oriundas das classes sociais altas, encobrir a baixa qualidade
da escola regular e reforçar a visão de que o baixo rendimento escolar das
crianças se sustenta nas potencialidades individuais.

3 – Conclusão
Em consequência da orientação teórica dada a este ensaio, algumas ob-
servações serão pontuadas.

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Uma delas é o fato de que os caminhos do desenvolvimento percorridos


pelas civilizações humanas estão recheados de exemplos de discriminação,
alicerce para balizamentos conceituais, cuja função mais genérica é a de di-
vidir os mundos dos que têm e não têm acesso ao conjunto de bens produ-
zidos pela sociedade. Para que as camadas inferiores se acomodassem a essa
situação, as elites cuidaram da construção de um discurso, cuja finalidade
era a inculcação ideológica da aceitação do seu destino. A superioridade das
camadas dirigentes era justificada e explicada sob a óptica da divindade, em
que a tarefa de conduzir os destinos da humanidade lhe fora reservada pelos
deuses.

Como essas diferenças se aprofundam, o agente econômico determina


os que são donos dos meios de produção e aqueles que os servem. A elite
adota o discurso da igualdade entre os seres humanos, cuja realização de-
pende das iniciativas ou potencialidades individuais, sem considerar, mini-
mamente, as condições materiais para tal.

Nesse caso, a conceituação atribuída às pessoas, entre as quais os defi-


cientes, se prestou ao papel de caracterizá-las como aptas ou não aptas à
participação no processo social, exclusivamente pelas medidas de suas po-
tencialidades individuais.

Intencionalmente, portanto, desde os seus primórdios, a sociedade, por


meio de suas elites, decidiu excluir as diferenças ao invés de buscar compre-
endê-las como resultantes do processo social e definir outras alternativas de
organização social.

Outro ponto é a busca de termos que contenham menor carga de es-


tigmatização, como se isso fosse resolver a questão. O estigma resultante
da terminologia utilizada é um extremo do processo ou sua consequên-
cia. No nosso entendimento, o problema está na base do processo ou na
origem, quando as causas que provocam o fenômeno são omitidas. Ainda
que a caracterização dos diversos tipos de excepcionalidade, conseguidas
por critérios variados, tenham a finalidade de diagnosticar e oferecer dados
para as formas de atendimento, cabe aqui a apresentação de dois registros:
o primeiro é o fato de que os critérios utilizados são matemáticos e, conse-
quentemente, desconsideram as condições socioeconômicas; o segundo é
que eles são arbitrários e variam de acordo com os interesses sociopolítico-
econômicos dominantes.

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Assim, a despeito de se compreender que o debate acerca das pessoas


excepcionais, em termos do atendimento, é algo concreto e necessário, na
atualidade, é urgente uma discussão paralela sobre o processo de desenvolvi-
mento socioeconômico vigente, cuja virtude maior é produzir mais exclusão
sob o falso e sedutor discurso da igualdade de oportunidades individuais.

Dica de estudo
Assista Meu Pé Esquerdo. O filme mostra a vida de um irlandês que nasceu
com paralisia cerebral, e que tinha graves comprometimentos motores. A única
parte do corpo que conseguia movimentar era o seu pé esquerdo, que o revelou
como um ótimo escritor e pintor. Além dessas características, o filme nos leva a
perceber qual a concepção de sujeito latente nessa trama.

Atividade
1. Comente cada uma das concepções de sujeito:

a) excepcional:

b) deficiente:

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c) necessidades especiais:

Gabarito
1.

a) Como a história nos colocou, o sujeito excepcional teve a sua represen-


tação acima ou abaixo da normalidade, visto que acima da norma repre-
sentaria uma dádiva divina, ou abaixo dessa um castigo de Deus, con-
cepção essa que conjugou com o olhar da Igreja Católica e do período da
Idade Média, e que, no entanto, está presente até os dias atuais.

b) É uma qualidade de incapaz, insuficiente, incompleto, de algo que falta


ou está falho. Na raiz da palavra, deficiência representa falta de eficiência.
Essa falta de eficiência tomava o sujeito como um todo, distanciando os
outros potenciais que poderia ter e/ou desenvolver em detrimento da
sua falta de audição, visão, atividade motora, intelectual, entre outras.

c) O conceito de necessidades educacionais especiais passou a incluir, além


das crianças com deficiência, aquelas que estão experimentando dificul-
dades temporárias ou permanentes na escola, como: repetência e eva-
são escolar, vítimas do trabalho infantil, portadoras de doenças crônicas,
moradoras de rua, as que vivem em condições de extrema pobreza, des-
nutridas, as que moram distantes de qualquer escola; as que são vítimas
de guerras e conflitos armados, as que sofrem de abusos contínuos físi-
cos, emocionais ou sexuais, ou as que estão fora da escola, por qualquer
motivo que seja.

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cial: mitos e fatos. Revista Integração, v. 2, n. 18, 1997, p. 23.

FERREIRA, J. R. A Exclusão da Diferença. Piracicaba: UNIMEP, 1995.

LACERDA, C. B. F.; NAKAMURA, H.; LIMA, M, C. (Org.). Fonoaudiologia: surdez e


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WARNOCK, Mary. Relatório sobre educação especial. In: Special Educational


Needs. London: HMSO (report by the Committee of Enquiry into the Education
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Concepção de sujeito

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O surdo e suas relações sociais

Identidade surda
Pesquisas contemporâneas apon-

IESDE Brasil S.A.


tam para a identidade como um
movimento humano não inato, em
constante construção, reconstrução
e transformação tanto social como
individual, em que um sujeito in-
fluencia o outro e ambos são influen-
ciados pela mídia, cultura, política e
relações econômicas.

Autores como Carlos Skliar (1997;


1998; 1999) e Gladis Perlin (1998) co-
locam o quanto a influência de me-
todologias oralistas aplicada nas escolas e a massificação do ouvir (movi-
mento que nomearam como ouvintista) influenciaram a identidade surda
no Brasil e em outros países por mais de 100 anos.

Não se concebia ao surdo o seu desenvolvimento social, emocional, in-


telectual, linguístico e laboral sem a aquisição da fala e da audição. Impos-
to de uma maneira rígida, pelos princípios de medicalização, reabilitação e
normalização, o falar e o ouvir marcaram a identidade dos surdos de uma
maneira negativa, pois num grupo de pessoas ouvintes os surdos não eram
envolvidos de forma plena, principalmente nos episódios de convívio lin-
guístico. Ao mesmo tempo, num núcleo surdo, a degradação da língua de
sinais gerou a falta de imersão na mesma, o que não permitia identificação
e convívio entre seus pares. Nesse contexto, o sujeito surdo não tinha uma
colocação: nem num meio ouvinte e nem num meio surdo.

Congressos, palestras, pesquisas e movimentos direcionados às causas


da surdez impulsionaram os sujeitos surdos a se apresentarem na socieda-
de simplesmente como surdos, sem que, para existir essa colocação, preci-
sassem falar e ouvir como os ouvintes. Dessa dinâmica nasceu a identidade
surda.
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O surdo e suas relações sociais

Surdos no mundo inteiro organizaram-se em associações a fim de garantir os


seus direitos em relação à sua surdez, principalmente na liberdade de expres-
sarem-se pela língua de sinais e através dela serem compreendidos como uma
comunidade linguística diferente. Para Perlin (1998, p. 56) ser surdo é pertencer
a um mundo de experiência visual e não auditiva.

A identidade e a cultura surda são mais uma parcela da sociedade que com-
põem o multiculturalismo. O multiculturalismo, também conhecido como plura-
lismo cultural, é uma expressão que representa a presença de muitas culturas vi-
vendo num mesmo espaço geográfico, sem que uma predomine sobre a outra.

A exigência do movimento surdo é como a de outras culturas. Negros, surdos,


índios, homossexuais, mulheres querem ter o direito de manifestar a sua cultu-
ra, fazendo valer os seus direitos civis, humanos, de ser pertencente a minorias
linguísticas, étnicas, sexuais e religiosas em oposição aos movimentos dominan-
tes, homogêneos, de uma cultura majoritária, guiada por uma ideologia social
dominante.

Não é um movimento simples, pois envolve interesses financeiros, políticos


e sociais. Porém, a maior dificuldade que os surdos enfrentam é a barreira atitu-
dinal, pois atrelados a ela estão os estigmas, o preconceito, o entendimento da
deficiência auditiva e não da surdez.

O surdo na família
A vida educa. Mas a vida que educa
não é uma questão de palavras, e sim de ação. É atividade.

Johann Heinrich Pestalozzi


IESDE Brasil S.A.

Historicamente, os pais têm sido


uma importante força para as mudan-
ças no atendimento aos filhos com
necessidades especiais. Os grupos de
pressão por eles organizados têm seu
poder político concretizado na obten-
ção de serviços e de apoios especiais,
em todos os âmbitos e bens constru-
ídos em sociedade, como legislações,
atendimento especializado em esco-
las e locais de trabalho, a disponibili-

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O surdo e suas relações sociais

dade de recursos financeiros e culturais, a fim de que com essas ações possam ser
contempladas as reais necessidades de seus filhos.

O grande exemplo dessa luta é a Associação de Pais e Amigos dos Excepcio-


nais (Apae), ideia que nasceu em 1954, no Rio de Janeiro, como uma organização
social que objetivava promover a atenção integral à pessoa com necessidades
especiais. Atualmente podemos encontrar mais de duas mil Apaes distribuídas
em todo o Brasil, proporcionando atenção integral a cerca de 250 000 pessoas,
sendo assim o maior movimento social do país e do mundo, nesse segmento de
trabalho.

A necessidade de construir espaços sociais para inserção e integração dos


filhos com necessidades especiais, é uma das buscas dos familiares. A primeira
dificuldade que as famílias encontram começa na forma pouco clara e explícita
com que são informados acerca da deficiência. Informações inadequadas, confu-
sas e pessimistas de médicos, psicólogos, professores, fonoaudiólogos e outros
profissionais levam, através da inquietude dessas famílias, à união e à busca de
respostas às dúvidas e às dificuldades que encontram no atendimento as neces-
sidades de seus filhos.
As famílias reconhecem que é difícil recolher informações de especialistas. Por outro
lado, muitos profissionais ligados à educação especial (médicos, enfermeiros, psicólogos,
educadores, professores etc.) carecem de um conhecimento mais aprofundado no domínio
da deficiência, quer no que respeita ao diagnóstico e prevenção, quer à sua orientação e
intervenção. (FONSECA, 1995)

Ao receber o diagnóstico da deficiência do filho, os familiares transitam por


sentimentos confusos: negação, aceitação, rejeição ao “produto”1, protecionis-
mo, abandono, são algumas das experiências que os pais enfrentam. Algumas
famílias passam por esses sentimentos e após vivenciarem essa fase comprome-
tem-se em atender da melhor maneira possível as necessidades do filho.
[...] a ação dos pais, tão importante e significativa desde os primeiros momentos de vida,
merece o seguimento psicoterapêutico preventivo. A depressão, o isolamento, a culpabilização
e a autocrítica desesperada arrefecem (perde a energia) e inibem as atitudes de abertura e
aceitação de que a criança deficiente precisa para o seu desenvolvimento. O protecionismo
deve dar lugar às funções de independência. A desorganização da rotina familiar tem de dar
lugar a um sentido de vida mais significativo e realizador. A insatisfação com os serviços tem
de dar lugar à confiança nos serviços médicos, sociais e escolares. Daí o apoio indispensável
dos centros de saúde neste domínio. (FONSECA, 1995)

No entanto, outros não conseguem romper essa dificuldade e buscam in-


cessantemente um diagnóstico com a resposta para a deficiência. Essa tomada

1
Rejeição ao produto é um sentimento de menos-valia em que o casal percebe que na concepção do filho uma das partes falhou (ou ambos falha-
ram) e trouxe para a sociedade uma criança imperfeita, alvo de críticas e piedade alheia.

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O surdo e suas relações sociais

de decisão do casal faz com que procurem diversos especialistas como meio de
confirmação e ao mesmo tempo de negação da deficiência. Há casos em que o
casal vê no outro a culpa do acontecimento, gerando muitas divergências e não
raramente a separação.

É importante que as famílias recebam apoio do setor de Psicologia a fim de


que possam, no campo emocional, “matar o filho ideal” gestado e desejado du-
rante os nove meses e assim consigam assumir o “filho real”. Quando se consegue
romper com essa dificuldade, as famílias sentem maior facilidade em prover as
necessidades do filho. “O adulto fixa as normas e facilita ou não o acesso a elas.
Quando a criança tem dificuldades em satisfazer as normas desejadas, o adulto
elabora um julgamento sobre ela e nunca sobre si próprio, adotando uma relação
de poder, um certo tipo de colonização e um certo esquema de conformidade
(FONSECA, 1995)”.

Especialistas apontam que o grau de instrução dos pais, os baixos salários e


condições de vida, saúde, moradia, habitação e acesso a informações pesam signi-
ficativamente na etiologia (causa) da deficiência em geral. É como se o nível de in-
teligência elevasse o status socioeconômico, “recrutando” os deficientes nos meios
sociais menos favorecidos. Estaríamos vivenciando um “darwinismo social”?

Nesse contexto a escola é uma grande aliada. É através dela que as famílias
muitas vezes conseguem visualizar os potenciais dos filhos, ao perceberem os
ganhos que outras crianças tiveram e têm nesse contexto, as quais enfrentam as
mesmas dificuldades de seus filhos. Ao mesmo tempo é preciso que a escola per-
ceba que nem todos os familiares desejam ou têm condições de passar por tera-
pias. Programas de estimulação precoce, ofertados em escolas ou em centros de
atendimento são a porta de entrada desse processo.

A linguagem permite ao homem estruturar-se como ser humano, organizar e


traduzir o seu pensamento, as suas emoções, registrar o que conhece no mundo
e interagir com o outro. É por meio da linguagem que o sujeito marca o seu in-
gresso na cultura e na historicidade. Por toda essa complexidade, pais ouvintes
traduzem a sua dificuldade em relacionar-se com filhos surdos.

Em média, 95% dos surdos nascem em famílias ouvintes. Experiências têm mos-
trado que a maioria dos pais ouvintes tem dificuldade em adquirir e comunicar-se
com seus filhos surdos através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Muitos rea-
lizam essa comunicação através de pidgin2, que favorece a comunicação, porém
2
Pidgin: forma linguística resultante do contato entre duas línguas, que utiliza geralmente a estrutura de uma língua e o vocabulário de outra. No
caso do contato entre a língua portuguesa e a Libras, são formulações frasais em língua portuguesa utilizando simultaneamente os sinais como apoio
à comunicação (BRASIL, 2003).

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O surdo e suas relações sociais

dificulta a aquisição da Libras. O desejável é que o mais precocemente possível


os pais possam ter contato com a língua de sinais através do convívio e significa-
ção desta com surdos adultos.
Torna-se difícil para um ouvinte aceitar que os mecanismos mentais que levam à estruturação
do domínio da língua encontram outras bases para desenvolverem-se que não estão pautadas
na exposição sonora. É óbvio que os ouvintes aprendem a falar a língua pelo contato sonoro.
Negar essa premissa é negar uma evidência científica. Afirmar, no entanto, que esse é o único
caminho, é anticientífico. (FERNANDES, 2003)

O surdo na sociedade

IESDE Brasil S.A.


A discussão e reivindicação pela identidade e cultura surda fizeram com que
os surdos reunissem algumas demandas de acessibilidade nos espaços sociais.
A seguir, o recorte de algumas delas.

 Instalação de aparelhos de telefone para surdos (TDD) nos centros das ci-
dades, em escolas, clube de surdos, bancos 24 horas, empresas onde te-
nham profissionais surdos, rodoviária, aeroporto, metrô, shoppings.

 Instalar sistema de incêndio com sinalização luminosa obrigatória, tanto


nos prédios residenciais quanto nos prédios públicos. O sistema de alerta/
alarme luminoso deve estar tanto nos banheiros como em todas as de-
pendências dos prédios.

 Incentivar todas as famílias que têm filho surdo a instalarem em suas resi-
dências sistema luminoso na campainha e no telefone.

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O surdo e suas relações sociais

 Solicitar informação visual ou legendada nos aeroportos, rodoviária, me-


trôs e paradas de ônibus.

 Solicitar placas de sinalização, em ruas próximas às escolas, associações e


entidades de surdos, a fim de que os motoristas respeitem os pedestres
surdos.

 Incentivar a formação de centrais para a realização de cursos de habilita-


ção de condutores surdos.

 Formular políticas públicas para levantamento e atendimento educacio-


nal de crianças de rua surdas, conselho tutelar, Febem, respeitando sua
cultura.

 Em concursos públicos, em que o surdo concorre com outros deficientes,


sua prova de português também precisa ser analisada com critérios espe-
cíficos e inclusive com presença de intérpretes.

 Em ambiente de júri há obrigação de oferecer para os surdos, sem ônus,


intérpretes, credenciados pela Feneis.

 O surdo preso tem direito a intérprete em todos os momentos do interro-


gatório.

 Garantir a presença de intérprete em todos os eventos públicos culturais


bem como na TV.

 Incentivar a construção/implementação de Educação Infantil (de 0 a 6


anos de idade) e escolas de 1.º e 2.º graus para surdos.

 Necessidade de criar cursos de Pedagogia Infantil para as séries iniciais e


finais do Ensino Fundamental para surdos, e cursos de Libras/Português
(Letras) para os surdos, em várias universidades.

 Criar e ampliar o atendimento educacional a surdos adultos.

 Criar cursos noturnos, para jovens e adultos surdos, particularmente o En-


sino Médio, supletivos e cursos profissionalizantes, nos quais os professo-
res usem Libras ou que tenha intérpretes da mesma.

 Iniciar estudos a fim de levantar a real situação educacional dos surdos: es-
colaridade, número de surdos não atendidos, evadidos, analfabetos etc.

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 Utilizar a língua de sinais dentro do currículo como meio de comuni-


cação.

 Fazer da língua de sinais uma disciplina no currículo, envolvendo o en-


sino de sua morfologia, sintaxe e semântica. Haverá o ensino de língua
de sinais nas escolas de surdos como disciplina que inclui gramática, sin-
taxe; nas escolas de ouvintes é recomendada sua aprendizagem como
segunda língua de uso.

 Propor o reconhecimento da língua de sinais como língua da educação


do surdo.

 Usar a língua de sinais como língua de aprendizagem e instrução e o por-


tuguês como 2.ª língua.

 Propor que administradores, professores de surdos e funcionários apren-


dam a língua de sinais.

 Em educação, o surdo tem o direito de receber os mesmos conteúdos que


os ouvintes, mas em comunicação visual.

 Fazer com que a escola de surdos insira no currículo as manifestações das


culturas surdas: pintura, escultura, poesia, narrativas de história, teatro,
piadas, humor, cinema, história em quadrinhos, dança e artes visuais, em
sinais.

 Garantir a equiparação salarial do professor surdo e plano de carreira em


vigor.

 Assegurar nas reuniões de escola onde tem professor surdo a presença de


intérpretes a fim de que o professor surdo tenha suas opiniões respeita-
das.

 Assegurar o direito da presença do intérprete de língua de sinais no decor-


rer do concurso de vestibular.

 Discutir a estrutura das provas do vestibular, levando em conta as especi-


ficidades da comunidade surda.

 Garantir a existência de intérpretes contratados pela universidade, asse-


gurando ao surdo condições semelhantes às de seus colegas ouvintes.

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O surdo e suas relações sociais

 Respeitar o uso da escrita pelo surdo com sua estrutura gramatical dife-
renciada.

 A cultura surda merece ser registrada e traduzida para outra língua.

 Assegurar às crianças, adolescentes e adultos surdos educação em todos


os níveis, como pressuposto a uma capacitação profissional.

 Que o adicional do professor com formação especial seja extensivo tam-


bém aos professores surdos.

(FENEIS, 2005. Adaptado.)

O surdo na escola
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.

Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas)

Segundo Paulo Freire (2003), o


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espaço pedagógico é um texto para


ser constantemente “lido”, interpre-
tado, “escrito” e “reescrito”. Essa leitu-
ra do espaço pedagógico pressupõe
também uma releitura das dificulda-
des de aprendizagem. Com isso, as
dificuldades e deficiências de apren-
dizagem não contemplam uma in-
vestigação somente do aluno em si,
mas a todas as esferas por onde ele
transita, como a família, a escola e a
sociedade.

Dados do Censo Escolar de 2005, realizado pelo Instituto Nacional de Estu-


dos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC), indicam que na educação básica estão
matriculados mais de 66 mil alunos com surdez: no Ensino Médio são mais de
três mil alunos, e na Educação Superior, cerca de 900.

O ingresso do aluno no processo de escolarização deverá ocorrer juntamente


com a família, uma vez que o progresso da criança se contempla na parceria
entre escola e família. Para a criança surda, além dessa atenção, a escola deverá
orientar a família sobre as melhores possibilidades de atendimento ofertadas,

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O surdo e suas relações sociais

apresentando as diferentes metodologias de trabalho para que os pais possam


ter ciência do processo e com esse conhecimento fazer as melhores escolhas.

Além da importância de aprender a língua de sinais para interagir com o filho,


a escola deverá orientar as famílias a acompanharem o processo educacional de
seus filhos surdos como o de qualquer outro, pois na dinâmica familiar o filho
surdo deverá ser parte da família, e não o centro dela.

A equipe escolar deverá orientar os pais sobre as implicações da surdez na


escola, na sociedade, no contexto familiar, proporcionar encontros de pais, en-
contros com surdos adultos, ofertar cursos de Libras, esclarecer dúvidas em rela-
ção ao processo de aquisição da escrita, avaliação escolar de seus filhos, e outras
necessidades que forem surgindo, quer seja no ensino comum ou no ensino
especial.

Texto complementar
Os surdos e sua relação com a família:
fator de inclusão/exclusão e aprendizagem
(CRUZ, 2010. Adaptado.)

O surdo não é mudo, não é deficiente,


não é alienado mental e também não é uma cópia mal feita do ouvinte.
Ele é surdo, humano, autor e ator de inúmeros personagens...
Maria Cecília de Moura

A criança surda que nasce em uma família de ouvintes, segundo Sacks


(1998) e outros autores, perfazem 95% dos surdos. Depara-se com conflitos
pelas expectativas de seus pais, pelo desejo quase predominante de que seus
filhos sejam ouvintes. Diversos estudos apontam que, para que o processo
de socialização da criança surda com sua família ouvinte ocorra de maneira
satisfatória, faz-se necessário que essa família reconheça sua especificidade.
Para que isso ocorra, seus pais precisam estar informados a fim de buscarem
soluções e recursos para essa adaptação.

A reação de uma família ouvinte em relação ao diagnóstico de uma


criança surda é complexa e variável. Em geral, todo ser que almeja ser mãe
e pai, espera que seu filho nasça semelhante a eles. Para os pais, olhar para

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seu filho sem um dos sentidos sensoriais (audição) não é simples e aceitá-
vel de maneira natural. Não é fácil que estes aceitem a diferença em seu lar,
adaptando-se aos novos costumes e necessidades. Podemos compreender
essas tendências sob o conceito de ideologia, que conforme a concepção de
Aranha, consiste em um:
Conjunto de representações e ideias, bem como normas de conduta por meio das quais o
homem é levado a pensar, sentir, e agir de uma determinada maneira [...]. Essa consciência
da realidade é na verdade uma falsa consciência, na medida em que camufla a divisão
existente dentro da sociedade, apresentando-a como uma e harmônica, como se todos
partilhassem dos mesmos objetivos e ideais. (ARANHA, 1998, p. 26)

Os pais, ao estarem diante de tal situação, são fortemente influenciados


por informações médicas recebidas no diagnóstico da perda da audição.
O percurso subsequente será gerenciador de ideias em busca de soluções
para a deficiência do filho surdo, fazendo com que, na maioria das vezes, os
pais, por mecanismos que visem “resgatar” seu filho da deficiência, acredi-
tando que estudos científicos, médicos e especialistas, que veem a surdez
como doença a ser curada ou, ao menos, abrandada, facilitarão a comunica-
ção com seus filhos, e possibilitarão recursos comunicativos mais eficazes.
Muitos recorrem a implantes cocleares ou aparelhos auditivos, confiantes
que seus filhos poderão escutar, cometendo um equívoco nas escolhas para
o futuro destes.

Segundo Gesser (2009) e outros autores, há diferentes graus de surdez:


1) deficiência auditiva leve; 2) deficiência auditiva moderada; 3) deficiência
auditiva severa; e, por fim, 4) deficiência auditiva profunda. Mas quando se
fala em aparelhos auditivos, deve ficar claro que estes não possibilitam ao
surdo restabelecer som, pois o aparelho contribui para amplificar o som que
já ouvem ou ouvem mal, o que, em alguns casos, pode ao invés de ajudar o
surdo, atrapalhá-lo e causar desconforto. A autora ainda nos traz informações
sobre o implante coclear, ao qual alguns pais recorrem, acreditando que seus
filhos poderiam ouvir com exatidão os sons. Nem sempre isso ocorre, e as
contraindicações dessa intervenção cirúrgica, na maioria dos casos, não são
de fato explicadas. É necessário que os pais, ao escolherem determinados
meios na tentativa para que seus filhos ouçam, pesquisem e se informem a
respeito das vantagens e desvantagens desse tipo de procedimento. Confor-
me a autora Gesser (2006, p. 82), “há um desejo de tornar os surdos ouvintes,
e esse desejo passa pelo discurso da cura, que prega a recuperação da audi-
ção e o desenvolvimento de uma língua (nesse caso, a língua oral)”.

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Em algumas famílias, no início da aceitação da surdez de seus filhos, há re-


sistências, não querendo enfrentar e utilizar recursos que são oferecidos para
a inserção do surdo na sociedade. Por outro lado, pela falta de conhecimento
da surdez, famílias recorrem ao primeiro método que lhes apresentam, pois
acreditam que seus filhos surdos poderão ouvir e ser como ouvintes.

Diversos pesquisadores como Sacks (1998), Skliar (1998), De Paula (2009),


Gesser (2009), entre outros, que estudam a surdez, apontam de forma pre-
dominante que é necessário que os surdos tenham acesso a instituições que
lhes possibilitem contato com outros surdos e com sua língua materna, nesse
caso a Língua Brasileira de Sinais (Libras), para que estes se desenvolvam e
conheçam a si mesmos. As comunidades surdas precisam compartilhar in-
formações, na mesma língua, hábitos similares, costumes, modos e valores
culturais, pautados na percepção visual, mantendo processo de comunica-
ção efetiva e eficiente, para que estejam de fato incluídas na sociedade. Isso
permitirá a construção de uma identidade positiva, o que possibilita partici-
par na sociedade como cidadãos autônomos. Afirmamos, desse modo, que
vivemos em uma sociedade intolerante, que não aceita diferenças.
Os amigos do surdo não o aceitam, porque ele é diferente. A sociedade não o aceita,
porque ele é incompleto. Os familiares não o aceitam, porque ele é defeituoso. A escola
não o aceita porque ele é deficiente. O surdo não se aceita, porque os outros não o aceitam.
(BERNARDINO, 2001, p. 40)

Vários surdos acabam isolando-se em suas casas por sentirem vergonha,


ou optam por passar maior tempo na escola, por terem com quem conversar
(amigos surdos), pois, em muitos casos, familiares não dominam o uso da
língua de sinais e acabam muitas vezes esquecendo-se de conversar e se
comunicar com seus filhos. A família, ao escolher colocar seu filho em insti-
tuições que possuem metodologia de ensino específico, onde a Língua Bra-
sileira de Sinais é trabalhada como primeira língua e a língua portuguesa
como segunda língua, numa perspectiva de bilinguismo, muitas vezes sen-
te-se preocupada, demonstrando, em grande parte, receio em relação a esse
processo. Essa resistência pode ser rompida por meio de conversas, debates,
reuniões e trocas de experiências entre familiares e até consultando surdos
adultos. Assim, em muitos casos, essas famílias acabam posteriormente acei-
tando e utilizando essa língua em seu cotidiano. Muitos passam a utilizá-
-la por acreditarem de fato que a Libras deve ser a primeira língua de seus
filhos, outros pelo simples fato de obterem resultados ao se comunicarem
com seus filhos e não porque acreditem na Libras. Ainda assim, observa-se
que a aceitação do outro e suas diferenças como uma singularidade humana
é uma necessidade às famílias e na própria sociedade.

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O surdo e suas relações sociais

[...] a alteridade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade que
a reforça ainda mais; torna-a, se possível mais arrogante, mais segura e satisfeita de si
mesmo. A partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão; a criança a nossa
maturidade; o selvagem a nossa civilização; o marginal a nossa integridade; o estrangeiro
o nosso país; o deficiente a nossa normalidade e vice-versa. (SKLIAR, 2000, p. 5)

Atualmente vemos um grande número de crianças surdas, filhas de


pais ouvintes, chegando à idade escolar desconhecendo sua língua mater-
na (Libras), pois a língua utilizada pelas famílias, português oralizado, lhes
foi apresentada de primeiro momento, não atribuindo significado algum.
Mesmo assim, segundo a autora Bernardino (2001), a criança surda, não
tendo a mesma língua que seus pais, desenvolve língua visual-gestual.

Cabe aos pais com auxílio de profissionais especializados, escolher a


melhor maneira de inserir seu filho na sociedade, pois é preciso que seja co-
nhecedor do processo de ensino do seu filho e o processo de integração
deste na sociedade. Enfatizamos que não existe “conserto” para a surdez, ela
deve ser aceita e liberta de preconceitos, ela não impossibilita o sujeito de
ser absolutamente capaz de desenvolver habilidades, ser produtivo e com-
petente. Como afirma Bakhtin (1979, p. 378): “tudo o que me diz respeito, a
começar pelo meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do
mundo exterior, da boca dos outros (da mãe etc.), e me é dado com a ento-
nação, com o tom emotivo dos valores dele.”

Autores e pesquisadores como Sacks (1990), Sanchez (1996) e Skliar


(1997a) pensam que os familiares precisam fazer uso da língua de sinais, mas
não devem interromper a comunicação oral, principalmente nos anos ini-
ciais da criança, pois mesmo que a criança não escute, ela está aprendendo
sobre a linguagem. Os pais de uma criança surda precisam participar da vida
dela, trocar experiência e aceitar sua diferença.

De acordo com Bernardino (2001), há certos comportamentos questioná-


veis e até vistos como falta de educação dos surdos, o que se deve, muitas
vezes, à incompreensão das regras da sociedade. Por esse motivo, as regras
lhes devem ser transmitidas com clareza, mostrando objetos, trabalhan-
do com gêneros, portadores de leitura e escrita, meios visuais, para que
eles as compreendam e se incluam socialmente, participando e obtendo
entendimento.

A surdez em si não influencia o desenvolvimento socioemocional da


criança; tudo dependerá das pessoas que participam do seu dia a dia e o que
fazem para que essa criança progrida em linguagem, sociabilidade e comu-
nicação. Stumpf (2005, p. 106), em sua recente defesa de tese, enfatiza essa
afirmação:

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Para a criança surda, aprender a escrever seu nome em escrita de língua de sinais tem um
significado importante para sua autoestima e possibilita sentir-se um sujeito surdo com
identidade surda. Ele sente que não está só. Ele pertence a um grupo e tem um nome
próprio dentro desse grupo que é uma marca de pertencimento. Uma criança surda
que vive em uma família de ouvintes sente felicidade por estar adequada e incluída no
grupo surdo. Aprender a escrever seu nome surdo garante motivação e interesse, pois o
significado dessa aprendizagem é carregado de emoção que ativa a mente.

As crianças surdas apresentam cultura própria e, muitas vezes, semelhan-


te entre si. Porém, não podemos nos esquecer que cada pessoa é uma, e
mesmo compartilhando uma cultura em comum, possuem diferenças.

[...]

Dica de estudo
Divilugação.

Assista E seu Nome é Jonas. Essa trama conta a


história de uma criança surda diagnosticada com
retardo mental. Seus pais lutam para aprender a
se comunicar com o filho, e após essa conquista
abrem seu mundo intelectual e emocional.

Atividades
1. Qual a importância do setor de Psicologia no atendimento às famílias que
tenham filhos com necessidades especiais?

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O surdo e suas relações sociais

2. De que maneira a escola poderá orientar as famílias que tenham filhos sur-
dos em seu processo educacional?

3. O que impulsionou os surdos a se organizarem em associações e defende-


rem a cultura e a identidade surda?

Gabarito
1. É importante que as famílias recebam apoio do setor de Psicologia a fim de
que possam, no campo emocional, “matar o filho ideal” gestado e desejado
durante os nove meses e assim consigam assumir o “filho real”. Quando se
consegue romper com essa dificuldade, as famílias sentem maior facilidade
em prover as necessidades do filho.

2. A equipe escolar deverá orientar os pais sobre as implicações da surdez na


escola, na sociedade, no contexto familiar, proporcionar encontros de pais,
encontros com surdos adultos, ofertar cursos de Libras, esclarecer dúvidas
em relação ao processo de aquisição da escrita, avaliação escolar de seus fi-
lhos e outras necessidades que forem surgindo, quer seja no ensino comum
ou no ensino especial.

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O surdo e suas relações sociais

3. Não se concebia ao surdo o seu desenvolvimento social, emocional, intelec-


tual, linguístico e laboral sem a aquisição da fala e da audição. Impostos de
uma maneira rígida, pelos princípios de medicalização, reabilitação e norma-
lização, o falar e o ouvir marcaram a identidade dos surdos de uma maneira
negativa, pois num grupo de pessoas ouvintes os surdos não eram envolvi-
dos de forma plena, principalmente nos episódios de convívio linguístico. Ao
mesmo tempo, num núcleo surdo, a degradação da língua de sinais gerou a
falta de imersão na mesma, o que não permitia identificação e convívio entre
seus pares. Nesse contexto, o sujeito surdo não tinha uma colocação: nem
num meio ouvinte e nem num meio surdo.

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Filosofias educacionais

Assuntos da educação de surdos, como metodologia de ensino, língua


a ser utilizada, forma de comunicação e avaliação sempre estiveram (e
estão) presentes em congressos, pesquisas e estudos nessa área.

Os primeiros educadores surgiram na Europa, no século XVI, momento


em que se acreditava que o surdo poderia ser “educado”. O acesso ao tra-
balho pedagógico era restrito aos filhos surdos de famílias nobres e abas-
tadas que viam na possibilidade da oralização o gozo dos direitos civis
previstos na época, negados para aqueles que não falavam.

Historiadores relatam que o monge beneditino espanhol Pedro Ponce


de Leon (1520-1584) desenvolveu uma metodologia de educação para
surdos que incluía datilologia (alfabeto manual), escrita e fala, sendo assim
considerado o primeiro professor de surdos.

Esse caminho que a educação percorreu (e ainda percorre) reflete as


experiências políticas, ideológicas, culturais e econômicas vivenciadas
num dado momento histórico. Registram-se nesses meandros três mo-
delos educacionais partilhados pela pedagogia e vivenciados até hoje na
educação de surdos. São eles: oralismo, comunicação total e bilinguismo.

Oralismo
Na Alemanha, com Samuel Heinick, surgiu a filosofia educacional ora-
lista, que defendia o ensino da língua oral e rejeitava a língua de sinais.
Heinick fundou a primeira escola pública para crianças surdas baseada no
oralismo.

Avanços tecnológicos que facilitavam o aprendizado da fala pelo surdo


impulsionaram a prática dessa filosofia na segunda metade do século XIX,
em detrimento da língua de sinais, que acabou sendo proibida desde o
Congresso de Milão, de 1880.

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Filosofias educacionais

O oralismo é uma abordagem pedagógica que ganhou força em 11 de setem-


bro de 1880 no Congresso Internacional de Professores Surdos, em Milão. Dos
votos a favor do oralismo, 56 eram de professores franceses e 66 de professores
italianos, ambos oralistas, que derrotaram os quatros votos a favor do uso da
língua de sinais. Após esse congresso, várias escolas adotaram a filosofia oralista,
dispensando professores surdos e proibindo oficialmente o uso de sinais, sob a
alegação de que destruiriam a aquisição da linguagem na modalidade oral. O
professor oralista Alexander Graham Bell foi um dos destaques do Congresso de
Milão. Na tentativa de criar um aparelho auditivo para facilitar a comunicação
com os surdos e realizar treinos de audição, Bell inventou o telefone, e por essa
obra foi premiado.

Essa filosofia utiliza-se de resíduos e treinamento de audição como parâme-


tros para a aquisição da fala e da linguagem, associados à leitura da expressão
facial, sem a utilização da língua de sinais.

Para os oralistas, a linguagem delimita-se apenas à fala. A meta dessa corren-


te é aproximar cada vez mais a criança surda em direção à normalidade e não
à surdez (GOLDFELD, 1997; GUARINELLO, 2004). “Todo o entendimento sobre o
processo de aquisição de linguagem e o papel do outro em relação ao desenvol-
vimento linguístico da criança ficam reduzidos à aquisição sistemática da fala”
(GUARINELLO, 2004).

A instalação do método oralista envolveu por cerca de 100 anos a aplicação


de verba pública e privada em setores da saúde e educação, para a aquisição de
equipamentos para a ampliação de resíduos auditivos e a capacitação de profes-
sores reabilitadores. Nesse perfil, a visão terapêutica na prática escolar deixou a
construção eminentemente pedagógica em segundo lugar.

No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o segundo império, com
a chegada do educador francês Eduard Huet. Em 1857, foi fundado o Institu-
to Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos
(INES), que inicialmente utilizava a língua de sinais, mas que em 1911 passou a
adotar o oralismo.

Segundo Dorziat (2006), as técnicas mais utilizadas no modelo oral são:

 treinamento auditivo1 – estimulação auditiva para reconhecimento e dis-


criminação de ruídos, sons ambientais e sons da fala;

1
O treinamento auditivo é apoiado pelo uso do AASI (Aparelho de Amplificação Sonora Individual), que aumenta os resíduos auditivos.

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Filosofias educacionais

 desenvolvimento da fala – exercícios para a mobilidade e tonicidade dos


órgãos envolvidos na fonação (lábios, mandíbula, língua etc.) e exercícios
de respiração e relaxamento (chamados também de mecânica de fala);

 leitura labial2 – treino para a identificação da palavra falada através da de-


codificação dos movimentos orais do emissor.

A aplicação do método oral é um trabalho que não envolve somente a escola


e terapeutas. Para a sua efetividade, faz-se necessária a dedicação dos familia-
res, utilizando integralmente a sua relação com os filhos de forma a reabilitá-
-lo a todo o momento nessa trilogia: leitura labial, percepção auditiva e fala. A
família deverá ter ainda ciência de que não poderá utilizar-se de gestos para
comunicar-se. Por fim, profissionais envolvidos orientam os familiares sobre a
importância de iniciar esse trabalho o mais precocemente possível, a fim de ga-
rantir na estimulação o melhor desempenho da criança ainda no início do seu
desenvolvimento.

Comunicação total
Na década de 1970, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos
da Universidade Gallaudet nos Estados Unidos, chegou ao Brasil a filosofia edu-
cacional denominada comunicação total.

A comunicação total defende a utilização simultânea de todos os recursos


linguísticos, orais ou visuais, sem preocupação hierárquica, privilegiando a co-
municação, e não apenas a língua. O objetivo principal era garantir a comunica-
ção dos surdos entre si e entre surdos e ouvintes.

Freeman, Carbin e Boese (1999, p.171), citando Denton, colocam que a comu-
nicação total inclui todo o espectro dos modos linguísticos: gestos criados pelas
crianças, língua de sinais, fala, leitura orofacial, alfabeto manual, leitura e escrita.
A comunicação total incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audi-
ção para a melhoria das habilidades de fala ou de leitura orofacial, através de uso
constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais.

Os defensores da comunicação total compreendem o surdo além do deficit


da audição; a leitura que se tem por trás da surdez é que existe um sujeito com-
2
Strobel (2006, p.10) comenta que “Essa técnica de leitura labial: ‘ler’ a posição dos lábios e captar os movimentos dos lábios de alguém que
está falando só é útil quando o interlocutor formula as palavras de frente com clareza e devagar [...] a maioria dos surdos só consegue ler 20% da
mensagem através da leitura labial, perdendo a maioria das informações. Geralmente os surdos ‘deduzem’ as mensagens de leitura labial através
do contexto dito”.

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Filosofias educacionais

preendendo o mundo e as relações sociais de forma diferente de um ouvinte, e


por essa percepção deverá ser contextualizado também de modo diferente, de
acordo com as suas especificidades.

A motivação de pesquisas acerca da comunicação total foi a descrença cres-


cente da resposta do oralismo em relação ao desenvolvimento das crianças que
fizeram parte da aplicação dessa metodologia.

Ciccone (1990) não nega a aprendizagem da oralidade em crianças surdas


menores de três anos que foram expostas sistematicamente ao método oral,
como também levanta a dificuldade que as mesmas tiveram em seu desenvolvi-
mento cognitivo, social e emocional uma vez que estes não foram realizados de
uma maneira natural, e sim num sistema terapêutico.

Porém, assim como o oralismo, a comunicação total também teve as suas


limitações. Por ser uma modalidade mista de comunicação entre a língua por-
tuguesa e a de sinais, a sua aplicação é através de recortes gramaticais de uma
e outra língua, gerando uma terceira modalidade de comunicação, conhecida
como português sinalizado e/ou bimodalismo.

Português sinalizado (ou bimodalismo)


O bimodalismo ou português sinalizado é o uso simultâneo de fala e de sinais,
em que ocorre a introdução de elementos gramaticais de uma língua na outra.
Por essa introdução, como a gramática de uma língua é diferente da outra, in-
viabiliza-se o uso adequado da língua de sinais, não permitindo o entendimento
do surdo, sobre a informação ou, se há essa compreensão, a mesma ocorre em
grau mínimo.

Nesse contexto seria a mesma coisa acreditar que poderíamos simultanea-


mente conversar com alguém fazendo uso do português e do inglês. Tal hipó-
tese não poderia ser reunida em um mesmo discurso em razão da natureza lin-
guística dessas duas línguas.

O bimodalismo, ou português sinalizado, não é considerado uma língua por


não atender às especificidades interativas de um sistema de comunicação.

Novamente o sistema educacional para surdos entrou em crise. Novas pes-


quisas foram alavancadas e, a partir da década de 1980, surgiu uma nova moda-
lidade de ensino direcionada ao público com surdez: o bilinguismo.

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Bilinguismo
Nos anos 1980, a partir das pesquisas da professora linguista Lucinda Ferreira
Brito sobre a Língua Brasileira de Sinais e da professora Eulália Fernandes, sobre
a educação dos surdos, o bilinguismo passou a ser difundido.

O bilinguismo acredita que o surdo deve adquirir a língua de sinais como


língua materna (L1), com a qual poderá desenvolver-se e comunicar-se com a
comunidade surda, e a língua oficial de seu país como segunda língua (L2), da
qual fará uso para comunicar-se com a comunidade ouvinte. Essa abordagem
defende a ideia de que ambas as línguas – a de sinais (LSB – Língua de Sinais
Brasileira3) e a oral/escrita (língua portuguesa) – sejam ensinadas e usadas (isola-
damente) sem que uma interfira e/ou prejudique a outra.

No contexto escolar, o objetivo é que o surdo possa acessar as duas línguas,


sendo a língua de sinais (natural para ele) o instrumento de contato com a língua
oficial do país, seja ela na modalidade oral e/ou escrita. O que definirá a inserção
na L2, seja na forma oral e/ou escrita, são as condições do próprio aluno e o con-
texto familiar e social em que se insere.

Alguns pesquisadores sugerem duas formas de inserção do aluno no


bilinguismo.

 Modelo sucessivo: em que a criança primeiro domina a Libras e após essa


apropriação é imersa numa segunda língua.

 Modelo simultâneo: dinâmica em que a criança é inserida nas duas lín-


guas, de forma simultânea, porém em momentos distintos para que uma
não entre em conflito com a outra.

É importante que as famílias recebam orientações seguras sobre a inserção


nessas duas línguas para que possam decidir de qual maneira será feita a edu-
cação de seu filho.

Diferentemente das correntes oralista e da comunicação total, os pesquisa-


dores do bilinguismo percebem o surdo como um sujeito com potenciais, que
assume a sua surdez e a sua identidade cultural, distante das práticas clínicas e
da identidade ouvinte até então praticada.

A aplicação do bilinguismo convida as crianças surdas a serem postas primei-


ro com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam surdos mais experientes, seus
3
Podemos encontrar na literatura tanto a expressão Libras (Língua Brasileira de Sinais) e LSB (Língua de Sinais Brasileira). Ambas as expressões
estão corretas.

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pais e professores, para que possam receber desses sujeitos significações sociais
e linguísticas que lhe darão suporte emocional e cognitivo para se inserirem em
outra língua.

Para discutir essa questão, Skliar (1998b) apresenta quatro modelos diferen-
tes de educação bilíngue para surdos.

 Bilinguismo com aspecto tradicional: tem como princípio a prática clíni-


ca de medicalização da surdez, gerando o desenvolvimento da identidade
surda de uma maneira mínima ou quase inexistente.

 Bilinguismo com aspecto humanista e liberal: revela a existência de


uma igualdade natural entre ouvintes e surdos, o que não corresponde
com a verdade, uma vez que há diferença no tratamento social de am-
bos.

 Bilinguismo progressista: aproxima e enfatiza a noção de diferença cul-


tural que caracteriza a surdez, sem uma preocupação histórica, social e
política de alguns membros da comunidade surda.

 Bilinguismo crítico na educação de surdos: é o exemplo de escolas que


usam língua de sinais como mediação com o oral e não como a produção
cultural linguística.

O que fica claro na proposta bilíngue e de seus defensores é que a principal


preocupação é respeitar a autonomia das línguas de sinais e oral.

Para Brito (1993), no bilinguismo a língua de sinais é considerada uma im-


portante via para o desenvolvimento do surdo, em todas as esferas de conheci-
mento e, como tal, propicia “a comunicação surdo-surdo, além de desempenhar
a importante função de suporte do pensamento e de estimulador do desenvol-
vimento cognitivo e social”.

Na prática, todas as correntes vistas demonstram a preocupação de seus pre-


cursores em procurar compreender e minimizar as necessidades específicas dos
surdos. Porém, o que se presencia hoje nas escolas de surdos, apesar de todos
os esforços, é que ainda não são oferecidas as condições necessárias para que
os alunos surdos construam o seu conhecimento, pois na quase totalidade das
instituições os professores não são proficientes e usuários da língua de sinais,
recorrendo muitas vezes à prática bimodal para ensinar.

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Filosofias educacionais

Outra dificuldade do nosso sistema educacional refere-se aos casos de


alunos surdos inseridos no ensino comum e que não têm intérprete de língua
de sinais nas salas de aulas para propiciar a comunicação entre o aluno e seus
professores.

Texto complementar
Linguagem e sociedade
(SALLES, 2004)

A diversidade linguística
Um aspecto fundamental a respeito das línguas naturais é sua imensa
diversidade. De acordo com a Enciclopédia da Linguagem de Cambridge,
existem cerca de 20 000 termos para designar línguas, dialetos e tribos. Cal-
cula-se que haja entre 5 000 e 6 000 línguas vivas. Muitas permanecem des-
conhecidas para os estudiosos, estando seu destino, especialmente nesses
casos, intimamente ligado à sobrevivência dos povos que as falam. Neste
ponto, é preciso elaborar o conceito de língua, em oposição ao de variedade
ou dialeto, por um lado, e ao de registro ou estilo, por outro – o conceito de
língua usado para referir-se ao fenômeno do ponto de vista biológico e cog-
nitivo foi examinado no capítulo anterior.

No contexto social, o termo língua tem sido usado para designar uma
língua nacional, expressão do conjunto de manifestações culturais e artísti-
cas de um povo e de uma geopolítica, a que se pode associar o papel de
língua oficial e quadro de referência. Como língua nacional, é fator de união e
identificação cultural. Como língua oficial, tem funções institucionais e políti-
cas. No papel de quadro de referência, corresponde a um conjunto de formas
linguísticas prestigiadas no contexto social, também referido como norma
padrão. A norma padrão pode favorecer a manutenção de valores que pro-
movem a situação de prestígio de certas formas linguísticas em detrimento
de outras, como práticas de exclusão social1.

Naturalmente, existe a possibilidade de que duas ou mais línguas sejam


oficiais, o que se explica por fatores históricos que levam à convivência (pa-
1
O debate sobre o papel social da norma padrão como veiculadora de valores da classe dominante é amplo e aponta para a necessidade de
promover políticas públicas que combatam o preconceito, sendo a educação fundamental nesse processo (BAGNO, 2001; PRETI, 1994).

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cífica ou não) de povos e etnias em um mesmo território, submetidos a um


mesmo sistema político. Também é relevante o conceito de língua majoritá-
ria e língua minoritária. Como na situação de duas ou mais línguas oficiais,
nessa oposição, emergem aspectos psicossociais específicos, havendo para
ambas as situações uma forte tendência à manifestação do bilinguismo (ou
multilinguismo). De acordo com Cristal (1996), o bilinguismo é um fenômeno
complexo, que envolve questões como o grau de proficiência, a regularidade
e a frequência de uso, além de aspectos funcionais associados às condições
de uso, como pressões sociais ou interesse pessoal. A situação de bilinguis-
mo (ou multilinguismo) pode surgir por diferentes fatores:

 anexação política, ocupação militar e formação de campos de refu-


giados;

 migrações por razões religiosas;

 desejo de identificação cultural com um grupo étnico ou social;

 exigências do sistema educacional;

 exigências na interação comercial;

 desastres naturais levando ao movimento de populações.

A esses fatores deve-se acrescentar a situação das comunidades surdas


em relação às comunidades ouvintes. No caso da situação linguística do
surdo, a ser retomada e detalhada nas partes subsequentes deste livro, po-
de-se dizer que sua língua é minoritária, sendo desejável a educação bilín-
gue, com a língua de sinais adquirida como L1, e a língua oral, por exemplo,
o português, como L2.

Com relação ao termo dialeto ou variedade linguística, pode-se dizer que


se refere à realidade linguística de uma comunidade, considerada em função
de um conjunto de variáveis inerentes ao fenômeno sociocultural. Seguin-
do a tradição de estudos da linguagem no contexto social inaugurada por
William Labov e recorrendo a uma formulação didática, as variáveis podem
ser apresentadas como a seguir:

 a variável geográfica – refere-se a variações linguísticas no nível fono-


lógico (do sotaque), da seleção vocabular e no nível gramatical iden-

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tificados nas diferentes regiões geográficas. Não é difícil reconhecer


diferenças desse tipo comparando-se variedades do português de
Portugal, de Moçambique, do Brasil e, dentro do Brasil, variedades re-
gionais, como a nordestina, a gaúcha, a mineira, a carioca etc.

 a variável social – refere-se a variações linguísticas associadas a fatores


como classe social, idade, escolarização, profissão.

 a variável grau de formalidade – refere-se a variações linguísticas asso-


ciadas ao contexto em que se encontra o falante: registro mais formal
ou menos formal, familiar; refere-se ainda aos diferentes gêneros tex-
tuais.

Conforme ressaltado em Salles (2001), a articulação dessas variáveis está


associada às especificidades da organização social, que pode ser complexa,
como a sociedade brasileira, ou não complexa, como inúmeras comunidades
indígenas brasileiras. Na dinâmica social, tem-se ainda o fenômeno das lín-
guas e variedades em contato, sendo particularmente interessante a situa-
ção das comunidades minoritárias. O caso da interação entre comunidades
de ouvintes e surdos tem significado especial pelo fato de que os surdos
apresentam referenciais culturais e linguísticos próprios e, ao mesmo tempo,
comungam com os ouvintes os referenciais da cultura nacional e da cida-
dania. Nesse sentido, as comunidades minoritárias apresentam característi-
cas muito interessantes. O caso particular das comunidades de surdos tem
significado especial, pelo fato de seus membros apresentarem referenciais
culturais e linguísticos próprios e, ao mesmo tempo, compartilharem com
os ouvintes os referenciais da cultura nacional, na condição de cidadãos
brasileiros.

Dica de estudo
Leia O Surdo em Si Maior, de Cilmara Cristina Alves da Costa Levy e Patrícia
Simonetti, editora Rocco, 1999.
Nessa obra as autoras abordam temas das áreas de Serviço Social, Psicologia,
Pedagogia e os problemas relacionados à surdez, na tentativa de lutar pelo bem-
-estar do paciente surdo, enfatizando os papéis desses profissionais e a ajuda
que poderão oferecer aos surdos em sua integração social.

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Atividades
1. Explique como é a filosofia educacional oralista.

2. Descreva o modelo educacional bilíngue.

3. Comente as diferentes modalidades do bilinguismo.

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Gabarito
1. Essa filosofia utiliza-se de resíduos e treinamento de audição como parâme-
tro para a aquisição da fala e da linguagem, associados à leitura da expressão
facial, sem a utilização da língua de sinais, que nesse contexto passa a ser
proibida.

2. O bilinguismo acredita que o surdo deve adquirir a língua de sinais como


língua materna (L1), com a qual poderá desenvolver-se e comunicar-se com
a comunidade surda, e a língua oficial de seu país como segunda língua (L2),
a qual fará uso para comunicar-se com a comunidade ouvinte. Essa abor-
dagem defende a ideia de que ambas as línguas – a de sinais (LSB) e a oral/
escrita (português) – sejam ensinadas e usadas (isoladamente) sem que uma
interfira e/ou prejudique a outra.

3.

Bilinguismo com aspecto tradicional: tem como princípio a prática clínica de


medicalização da surdez, gerando o desenvolvimento da identidade surda
de uma maneira mínima ou quase inexistente.

Bilinguismo com aspecto humanista e liberal: revela a existência de uma


igualdade natural entre ouvintes e surdos, o que não corresponde com a
verdade, uma vez que há diferença no tratamento social de ambos.

Bilinguismo progressista: aproxima e enfatiza a noção de diferença cultural


que caracteriza a surdez, sem uma preocupação histórica, social e política de
alguns membros da comunidade surda.

Bilinguismo crítico na educação de surdos: é o exemplo de escolas que usam


língua de sinais como mediação com o oral, e não como a produção cultural
linguística.

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Conhecimentos jurídicos

Pode ser então que voltar atrás seja uma maneira de seguir adiante.

Marshal Berman

IESDE Brasil S.A.


Leis, resoluções e portarias para assegurar os direitos dos portadores
de necessidades especiais sempre existiram. Ao mesmo tempo em que
procuram garantir o cumprimento de normas que facilitem o acesso e
trânsito desses sujeitos aos benefícios da sociedade, também refletem a
descontinuidade histórica e o desinteresse do Poder Público e da socieda-
de em garantir esses direitos.

Os documentos a seguir relacionados abordaram tanto as necessida-


des especiais como um todo, como aquelas específicas do público surdo.
Nesse movimento, temos as leis a seguir.

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Conhecimentos jurídicos

Leis, resoluções e portarias

Declaração Universal dos Direitos Humanos


Para iniciarmos essa reflexão, um dos primeiros registros que
IESDE Brasil S.A.
se tem em relação aos direitos refere-se à Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, em Assem-
bleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a qual
trata em seu artigo primeiro:
Art. 1.º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão
e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Constituição Federal
Quarenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Hu-
IESDE Brasil S.A.

manos, surge a Carta Magna, a Constituição Federal do Brasil


(1988): “A Constituição é a lei fundamental, um conjunto de
normas básicas que compõem a estrutura jurídica, política,
social e econômica de um país. Por isso, ela é chamada de Carta Magna, pois a
ela nada se sobrepõe” (REDE..., 2010).

Em linhas gerais, a Constituição coloca que


Art. 205 [...] como fundamentos de nossa República a cidadania e a dignidade da pessoa
humana (art. 1.º, incisos II e III), como um dos objetivos fundamentais a promoção do bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3.º inciso IV), após garantir o direito à igualdade (art. 5.º), trata, nos artigos
205 e seguintes, do direito de todos à educação, que deve visar ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Diz ainda que cabe ao Estado “atendimento educacional especializado aos


portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (art.
208, inciso III).

O artigo 2.º da Lei Federal 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas com
deficiência, também explicita que “ao poder público e seus órgãos cabe assegu-
rar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos bá-
sicos, inclusive dos direitos a educação”, além da “oferta, obrigatória e gratuita,

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Conhecimentos jurídicos

da Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino”, bem como a


“matrícula compulsória (obrigatória), em cursos regulares de estabelecimentos
públicos e particulares, de pessoas portadoras de deficiência capazes de se inte-
grarem no sistema regular de ensino”.

Preceitos semelhantes aparecem nas leis orgânicas de quase todos os muni-


cípios. Sabe-se que esses direitos já contemplados por vários documentos legais
ainda precisam ser assegurados na prática, por meio de medidas sustentáveis
que fomentem a política da Educação Especial em nosso país.

Convenção das Nações Unidas


sobre os Direitos da Criança
Adotada pela Assembleia Geral das Nações unidas em 20 de
IESDE Brasil S.A.

novembro de 1989, coloca:


§2.º Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber
cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a
criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e
assegurarão a prestação da assistência solicitada que seja adequada ao estado da criança e as
circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados.

§3.º Atendendo às necessidades especiais da criança deficiente, a assistência prestada,


conforme disposto no parágrafo 2.º do presente artigo, será gratuita sempre que possível,
levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidam da
criança, e visará assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, a capacitação, aos
serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e as oportunidades
de lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa integração social possível, e o maior
desenvolvimento individual factível, inclusive em seu desenvolvimento cultural e espiritual.

§4.º Os Estados promoverão, com espírito de cooperação internacional, um intercâmbio


adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento
médico, psicológico e funcional das crianças deficientes, inclusive a divulgação de informações
a respeito dos métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional, bem
como o acesso a essa informação a fim de que os Estados Partes possam aprimorar a sua
capacidade e seus conhecimentos e ampliar suas experiências nesses campos. Nesse sentido,
serão levadas especialmente em conta as necessidades dos países em desenvolvimento.

Em resumo, o direcionamento dessa lei é que as crianças especiais possam


ter o direito de serem cuidadas, de receberem uma educação de qualidade e
tratamentos especiais para promovê-las a uma vida independente, plena e ativa
na sociedade.

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Conhecimentos jurídicos

Estatuto da Criança e do Adolescente


Após alguns debates a respeito da infância e da adolescência

IESDE Brasil S.A.


brasileira, em 13 de julho de 1990, o Congresso Nacional decre-
ta, pelo então presidente da República Fernando Collor de Melo,
o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual coloca em
seu art. 54, inciso III, que é “dever do estado assegurar à criança e ao adolescente
[...] atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, prefe-
rencialmente na rede regular de ensino” (grifo nosso).

Deixar de garantir esse princípio é um descumprimento grave por parte das


escolas, que fere o ECA e a Constituição Federal, e infringe a Convenção Inte-
ramericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Pessoa Portadora de Deficiência, promulgada no Brasil pelo Decreto 3.956, de 8
de outubro de 2001.

Quando se garante a educação para todos, isso quer dizer para todos sem dis-
tinção, num mesmo espaço o mais diversificado possível, como forma de opor-
tunizar o pleno desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania.

Já para a advogada Margarida Araújo Seabra de Moura, que é presidente da


Comissão de Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RN e membro-funda-
dora da Associação Síndrome de Down/RN, há que se repensar o termo preferen-
cialmente utilizado na lei.

Para Moura (2000), a Constituição Federal de 1988 lutou pela cidadania e


igualdade da pessoa humana, preservando a não discriminação, e o termo pre-
ferencialmente fere os princípios constitucionais. Segundo ela, “a rede regular de
ensino haverá que receber toda e qualquer criança e adolescente independen-
te de sua diferença ou dificuldade, de forma coativa e não optativa” (MOURA,
2000).

Declaração de Jomtien
Em março de 1990, o Brasil participou da Conferência Mundial sobre Educa-
ção para Todos, em Jomtien, na Tailândia, a qual proclama no item “Universalizar
o acesso à educação e promover a equidade” que:

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Conhecimentos jurídicos

Art. 3º. [...]

V - As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem


atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação
aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema
educativo.

Declaração de Salamanca
A Declaração de Salamanca (1994) adota o princípio de inte-
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gração e de igualdade de oportunidades através da inserção do


aluno especial no ensino comum com vistas a atender as suas
necessidades específicas.
Reuniram-se em Salamanca, Espanha, no período de 7 a 10 de junho de 1994, mais de trezentos
representantes de noventa e dois governos e de vinte e cinco organizações internacionais,
com o objetivo de promover a Educação para Todos, analisando as mudanças fundamentais
de política necessárias para favorecer o enfoque da educação integradora, capacitando
realmente as escolas para atender a todas as crianças sobretudo às que tem necessidades
educativas especiais.

Convenção da Guatemala
“[...] as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que outras pessoas e esses direitos, inclusive o direito de
não serem submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da digni-
dade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano” (CONVENÇÃO, 2001).

Em decorrência da Convenção da Guatemala, o Brasil cria uma linha de ação


para a integração dos portadores de necessidades educativas especiais, conhe-
cida como Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiên-
cia, de 1999.

Política Nacional
O Plano Nacional de Educação (2001) amplia as determinações da Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência de 1999, e inclui
em seu documento as parcerias entre as áreas de saúde, educação e assistência
social, como também divide as modalidades de atendimento necessárias para a
Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

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Conhecimentos jurídicos

Convenção Interamericana
Fruto das discussões dirigidas na Convenção da Guatemala, em 8 de outubro
de 2001, o Brasil, através do Decreto 3.956, promulgou a Convenção Interameri-
cana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência.

Diretrizes Nacionais
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica de 2001
representam “o desafio de construir coletivamente as condições para atender
bem à diversidade de seus alunos”.

Um ano depois da Convenção e das Diretrizes, em 23 de março de 2002, no


Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência, comemorando a proclamação
de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, reuniram-se em
Madri, Espanha, mais de 600 participantes com o objetivo de conscientizar a po-
pulação europeia dos direitos dos seus mais de 50 milhões de habitantes porta-
dores de deficiência. Entre outros debates, discutiu-se a deficiência como direito
humano, oportunidades iguais, discriminação e exclusão social, cidadania, inclu-
são social, medidas legais e outros temas.

Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação – LDB


A atual Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, Lei 9.394, de
IESDE Brasil S.A.

20/12/1996, trata, especificamente no capítulo V, da Educação Especial.


Define-a por modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino, para pessoas com necessidades educacionais
especiais. Assim, ela perpassa transversalmente todos os níveis de ensino,
desde a educação infantil ao ensino superior. Essa modalidade de educação é considerada
como um conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que estejam à disposição
de todos os alunos, oferecendo diferentes alternativas de atendimento. (BRASIL, 1996)

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – 1997


Dentro do item que trabalha a diversidade: as adaptações
IESDE Brasil S.A.

curriculares previstas nos níveis de concretização apontam a


necessidade de adequar objetivos, conteúdos e critérios de ava-
liação, de forma a atender a diversidade existente no país. Essas

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Conhecimentos jurídicos

adaptações, porém, não dão conta da diversidade no plano dos indivíduos em


uma sala de aula.

Atender necessidades singulares de determinados alunos é estar atento à di-


versidade: é atribuição do professor considerar a especificidade do indivíduo,
analisar suas possibilidades de aprendizagem e avaliar a eficácia das medidas
adotadas.

A atenção à diversidade deve se concretizar em medidas que levem em conta


não só as capacidades intelectuais e os conhecimentos de que o aluno dispõe,
mas também seus interesses e motivações. Esse conjunto constitui a capacidade
geral do aluno para aprendizagem em um determinado momento.

Dessa forma, a atuação do professor em sala de aula deve levar em conta


fatores sociais, culturais e a história educativa de cada aluno, como também ca-
racterísticas pessoais de deficit sensorial, motor ou psíquico, ou de superdotação
intelectual. Deve-se dar especial atenção ao aluno que demonstrar a necessida-
de de resgatar a autoestima. Trata-se de garantir condições de aprendizagem a
todos os alunos, seja por meio de incrementos na intervenção pedagógica ou de
medidas extras que atendam às necessidades individuais.

A escola, ao considerar a diversidade, tem como valor máximo o respeito


às diferenças – não o elogio à desigualdade. As diferenças não são obstáculos
para o cumprimento da ação educativa; podem e devem, portanto, ser fator de
enriquecimento.

Concluindo, a atenção à diversidade é um princípio comprometido com a


equidade, ou seja, com o direito de todos os alunos realizarem as aprendizagens
fundamentais para seu desenvolvimento e socialização.

Referencial Curricular Nacional


para a Educação Infantil (RCNEI) – 1998
As pessoas portadoras de necessidades especiais represen-
tam 10% da população brasileira e menos de 3% têm acesso a
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algum tipo de atendimento.

Em busca da cidadania e da formação de uma sociedade


igualitária, a ação educativa deve promover o convívio com a

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diversidade, que é marca da política democrática do Brasil. Essa diversidade não


se estreita somente às diversas culturas, os hábitos e os costumes, mas também
diz respeito às competências, às particularidades de cada um.

Aprender a conviver e relacionar-se com pessoas que possuem habilidades


e competências diferentes, que possuem expressões culturais e marcas sociais
próprias, é condição necessária para o desenvolvimento de valores éticos, como
a dignidade do ser humano, o respeito ao outro, a igualdade, a solidariedade e a
equidade (sentimento de justiça; imparcialidade). A criança que conviver com a
diversidade nas instituições educativas poderá aprender muito com ela. As crian-
ças que apresentam necessidades especiais, no convívio com outras crianças,
representam uma inserção de fato no universo social e favorecem o desenvolvi-
mento e a aprendizagem, permitindo a formação de vínculos estimuladores, o
confronto com a diferença e o trabalho com a própria dificuldade.

Os avanços no pensamento sociológico, filosófico e legal vêm exigindo, por


parte do sistema educacional brasileiro, o abandono de práticas segregacionis-
tas que, ao longo da história, marginalizaram e estigmatizaram pessoas com di-
ferenças individuais acentuadas.

A realidade brasileira, de uma forma geral, exige que se busquem alternati-


vas para a integração do portador de deficiência, de maneira a garantir-lhe uma
convivência participativa.

A escola inclusiva é uma tendência internacional deste “final” de século. É


considerada escola inclusiva aquela que abre espaço para todas as crianças,
abrangendo aquelas com necessidades especiais. O principal desafio da escola
inclusiva é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a
todas, sem discriminação, respeitando suas diferenças; uma escola que dê conta
da diversidade das crianças e ofereça respostas adequadas às suas característi-
cas e necessidades, solicitando apoio de instituições e especialistas quando isso
se fizer necessário. É uma meta a ser perseguida por todos aqueles comprometi-
dos com o fortalecimento de uma sociedade democrática, justa e solidária.

As alternativas de atendimento educacional às crianças que apresentam


necessidades educativas especiais, no Brasil, vão desde o atendimento em ins-
tituições especializadas até a completa integração nas várias instituições de
educação.

A qualidade do processo de integração depende da estrutura organizacional


da instituição, pressupondo propostas que considerem:
 grau de deficiência e as potencialidades de cada criança;

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 idade cronológica;
 disponibilidade socioeconômica de recursos humanos e materiais exis-
tentes na comunidade;
 condições culturais da região;
 estágio de desenvolvimento dos serviços de educação especial já implan-
tado nas unidades federadas.

Para que o processo de integração dessas crianças possa acontecer de fato,


há que se envolver toda a comunidade, de forma que o trabalho desenvolvido
tenha sustentação. É preciso considerar esse trabalho como parte do projeto
educativo da instituição.

Língua de Sinais Brasileira (LSB)


ou Língua Brasileira de Sinais (Libras)
Os documentos supracitados são alguns frutos da organiza-
ção da sociedade civil, em busca dos direitos dos seus compo-
IESDE Brasil S.A.

nentes com necessidades especiais. Entre as legislações especi-


ficamente voltadas para a demanda da clientela surda, temos o
direito ao uso da língua de sinais, refletido na Lei 10.436, de 24
de abril de 2002, que:
Art. 1.º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de
Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação
e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical
própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Art. 2.º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de
serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de
Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades
surdas do Brasil.

Art 3.º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência


à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência
auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.

Art. 4.º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do


Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial,
de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua
Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs, conforme legislação vigente.

Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais – Libras não poderá substituir a modalidade
escrita da língua portuguesa. (BRASIL, 2002)
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Texto complementar

Boas perguntas
(GODOY, 2000)

1. A lei garante os direitos das pessoas portadoras de deficiência?

Sim. A Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, estabelece os direitos


básicos das pessoas portadoras de deficiência.

2. Quais são os crimes previstos na Lei Federal 7.853/89 contra as pes-


soas portadoras de deficiência?

Segundo seu artigo 8.º, constitui crime punível com reclusão (prisão) de
1 a 4 anos e multa:

a) Recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a ins-


crição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou
grau, público ou privado, porque é portador de deficiência.

b) Impedir o acesso a qualquer cargo público, porque é portador de de-


ficiência.

c) Negar trabalho ou emprego, porque é portador de deficiência.

d) Recusar, retardar ou dificultar a internação hospitalar ou deixar de


prestar assistência médico-hospitalar ou ambulatorial, quando pos-
sível, à pessoa portadora de deficiência.

3. Como a pessoa portadora de deficiência pode agir contra tais crimes?

Ela pode apresentar representação diretamente junto a uma delegacia


de polícia ou ao Ministério Público Federal, ao Ministério Público Estadual e
à Comissão de Direitos Humanos da OAB.

4. O que é acessibilidade?

É a possibilidade e a condição de alcance para utilização, com segurança


e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edifi-
cações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa
portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

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5. Então a acessibilidade não se refere somente ao meio físico?

Não, hoje o moderno conceito de acessibilidade envolve o ambiente


físico, como as edificações e os transportes, e também o acesso aos meios de
comunicação (rádio, televisão...).

6. A acessibilidade ao meio físico vem garantida em lei?

Sim, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, parágrafo 2.º,


estabelece que a lei disporá sobre normas de construção de logradouros
e de edifícios de uso público e sobre normas de fabricação de veículos de
transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas porta-
doras de deficiência.

7. E que lei é essa que, segundo a Constituição Federal, irá normatizar


a acessibilidade?

Aí depende. As Leis 7.853/89 e 10.098/2000 são federais. A primeira esta-


belece o apoio às pessoas portadoras de deficiência e a segunda estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pes-
soas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida às vias públicas,
parques, espaços públicos, edifícios públicos ou de uso coletivo, edifícios
privados, veículos de transporte coletivo e sistemas de comunicação e sinali-
zação. Há também o Decreto Federal 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que
regulamentou a Lei 7.853/89.

A garantia da acessibilidade também está presente na Constituição Esta-


dual de 1989, art. 224, parágrafo 1.º, e na própria Lei Estadual 11.666, de 9 de
dezembro de 1994, que estabelece normas para acesso das pessoas porta-
doras de deficiência aos edifícios de uso público. Com relação à acessibilida-
de à comunicação, a Lei Estadual 13.623/2000 determina que as mensagens
de publicidade de atos, programas, serviços e campanhas da administração
direta e indireta do Estado veiculadas na televisão terão tradução simultânea
para a linguagem de sinais e serão apresentadas em legendas, com o objeti-
vo de se tornarem acessíveis aos portadores de deficiência auditiva.

No município de Belo Horizonte, a Lei Orgânica Municipal, de 21 de


março de 1990, no seu art. 186, VII, diz que a lei garantirá tal acessibilidade,
mas essa lei municipal ainda não existe. Há a Lei 8.007/2000 que, nos artigos
33 a 35, cria o Programa Municipal de Eliminação de Barreiras Arquitetôni-

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cas, Urbanísticas, de Transportes e de Comunicação, ainda não regulamen-


tada. Já a Lei 7.653/99 estabelece a obrigatoriedade de instalação de sanitá-
rios adaptados para pessoa portadora de deficiência nos prédios públicos a
serem construídos no município e a Lei 7.190/96 condiciona a liberação da
certidão de baixa e habite-se à instalação, nos prédios a serem construídos,
de dispositivos apropriados aos portadores de deficiência.

8. E por que a maioria dos locais e prédios públicos não é acessível?

O que muitas vezes dificulta o exercício do direito é que a lei ou não existe
ou ainda não foi regulamentada. Isso constitui obstáculo à sua implementa-
ção. Mas o cidadão deve procurar o Promotor de Justiça de sua cidade ou um
advogado e denunciar a falta de acessibilidade, pois a Lei 10.098/2000 de-
termina que tanto os edifícios públicos ou de uso coletivo como os edifícios
de uso privado devem ser acessíveis, conforme os artigos 11 a 15. Também
a Lei 10.048/2000 determina, em seu art. 4.º, que os logradouros e sanitários
públicos, bem como os edifícios de uso público, terão normas de construção,
para efeito de licenciamento da respectiva edificação, baixadas pela autori-
dade competente, destinadas a facilitar o acesso e o uso desses locais pelas
pessoas portadoras de deficiência.

9. O portador de deficiência tem direito a passe livre no transporte co-


letivo interestadual?

Caso seja comprovadamente carente, o portador de deficiência tem direi-


to ao passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual, nos termos
da Lei Federal 8.899, de 29 de junho de 1994. Essa lei foi regulamentada pelo
Decreto 3.691/2000 e determina que as empresas permissionárias e autori-
zatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois assen-
tos de cada veículo destinado a serviço convencional, como cota do passe
livre, para ocupação das pessoas beneficiadas pelo art. 1.º da Lei 8.899/94.
O Decreto 3.691/2000 foi disciplinado pela Portaria 01/2001 do Ministério
dos Transportes, que considera, para seus efeitos, que o transporte coletivo
interestadual compreende o transporte rodoviário e o ferroviário de passa-
geiros. Determina, ainda, que esse benefício deverá ser requerido junto ao
Ministério dos Transportes no seguinte endereço: Quadra 3, bloco N, edifício
Núcleo dos Transportes, primeiro andar, sala 11.100, Cep: 70048-900, Brasília,
Distrito Federal.

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O Governo Federal regulamentou, no dia 8 de maio de 2001 a Lei Fede-


ral 8.899 que concede o passe livre. Havendo qualquer tipo de dificuldade no
exercício do seu direito, a pessoa deve procurar o Ministério Público Federal.

No que se refere ao transporte coletivo, a Lei Federal 10.048/2000 deter-


mina, em seu art. 3.º, que as empresas públicas de transporte e as conces-
sionárias de transporte coletivo reservarão assentos, devidamente identifi-
cados, aos idosos, gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficiência e
pessoas acompanhadas por crianças de colo. Além disso, o art. 5.º determina
que os veículos de transporte coletivo a serem produzidos após doze meses
da publicação dessa Lei serão planejados de forma a facilitar o acesso a seu
interior das pessoas portadoras de deficiência.

10. E no transporte coletivo intermunicipal? A pessoa portadora de de-


ficiência tem direito ao passe livre?

Apesar de a Lei Estadual 10.419, de 17 de janeiro de 1991, regulamentada


pelo Decreto 32.649/91, garantir esse direito, o Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, em decisão de março de 2000, entendeu que as pessoas
portadoras de deficiência têm direito à gratuidade do transporte somente
na área urbana, negando tal direito no âmbito intermunicipal.

11. E quanto ao transporte coletivo municipal?

A Lei Municipal 7.649/99 dispensa a parada de veículo coletivo urbano nos


pontos estabelecidos quando houver solicitação de embarque e desembarque
de pessoas portadoras de deficiência física. Mas, na área central e nos corredo-
res de grande movimento de veículos, a parada fora dos pontos é proibida.

Há também a Lei Municipal 5.636/89, regulamentada pelo Decreto


6.536/90, que garante o acesso de pessoas portadoras de deficiências físicas
aos ônibus urbanos através da instalação de elevadores hidráulicos, portas
largas e eliminação de obstáculos internos dos veículos. Essa lei determina
que a prefeitura só permitirá que veículos novos entrem em circulação se
vierem de fábrica com os equipamentos de que trata essa lei.

12. É assegurado à pessoa portadora de deficiência física o acesso às ca-


sas de espetáculo?

Além da Lei Federal 10.098/2000, que trata da acessibilidade de forma


ampla, o art. 3.º, inciso IX, da Lei Estadual 11.666/94, assegura o direito a local

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para cadeira de rodas, e, quando for o caso, a equipamentos de tradução si-


multânea nos edifícios de uso público, como auditórios, anfiteatros e salas de
reunião e espetáculos, para não haver prejuízo da visibilidade e locomoção.

No município, há a Lei 7.556/98, que dispõe sobre instalações especiais


para a pessoa portadora de deficiência física em estabelecimentos de lazer e
determina que a casa de espetáculo, o cinema, o teatro e o estabelecimento
similar reservarão 2% (dois por cento) de sua capacidade de lotação para a
pessoa portadora de deficiência física, em espaço com piso rebaixado para
encaixe de cadeira de rodas, distribuído em vários pontos.

13. O portador de deficiência física permanente tem preferência na


aquisição da casa própria?

Sim. Segundo o art. 2.º da Lei Estadual 11.048, de 18 de janeiro de 1993,


serão reservadas preferencialmente às pessoas portadoras de deficiência
física permanente 10% (dez por cento) das unidades habitacionais cons-
truídas pelos programas de habitações populares financiados pelo poder
público.

14. A pessoa portadora de deficiência física pode frequentar museus


sem o constrangimento de não conseguir ter acesso?

Sim, a Lei 10.098/2000 estabelece a acessibilidade de forma ampla. Além


disso, o art. 53 do Decreto 3.298/99 determina que as bibliotecas, museus,
locais de reunião, conferências, aulas e outros ambientes de natureza similar,
pertencentes à administração pública federal, disporão de espaços reserva-
dos para a pessoa que utilize cadeira de rodas e de lugares específicos para a
pessoa portadora de deficiência auditiva e visual, e seu acompanhante.

15. Quando não forem cumpridos os direitos de acessibilidade, o que a


pessoa portadora de deficiência ou os familiares podem fazer?

Devem procurar um advogado, a OAB e, ainda, representar junto ao Mi-


nistério Público Estadual ou ao Ministério Público Federal.

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Conhecimentos jurídicos

Dicas de estudo
Acesse o site <www.prsp.mpf.gov.br/prdc/area-de-atuacao/direito-das-pes-
soas-com-deficiencia>. Nele você encontrará leis, convenções, cartilhas e outros
materiais que falam sobre os direitos e deveres em relação aos portadores de
necessidades especiais.

Acesse os sites <www.uel.br/prorh/index.php?content=legislacao/ldb.html>,


<http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume 1, 2 e 3 pdf> e <http:// portal.
mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>, como fonte de
pesquisa para o tema desta aula.

Atividades
1. Escreva o que Margarida Araújo Seabra de Moura, comenta sobre o termo
preferencialmente descrito em algumas leis, no que diz respeito à matrícula
do aluno com necessidades especiais na rede regular de ensino.

2. O que é Libras?

3. O que é escola inclusiva?

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Conhecimentos jurídicos

Gabarito
1. Para a advogada há que se repensar o termo utilizado na lei (preferencial-
mente). Para ela a Constituição Federal de 1988 lutou pela cidadania e igual-
dade da pessoa humana, preservando a não discriminação e o termo prefe-
rencialmente fere os princípios constitucionais: “... a rede regular de ensino
haverá que receber toda e qualquer criança e adolescente independente
de sua diferença ou dificuldade, de forma coativa e não optativa” (MOURA,
2000).

2. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais (Libras) a forma de comunicação


e expressão em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com es-
trutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão
de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

3. É considerada escola inclusiva aquela que abre espaço para todas as crian-
ças, abrangendo aquelas com necessidades especiais. O principal desafio da
escola inclusiva é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de
educar a todas, sem discriminação, respeitando suas diferenças; uma escola
que dê conta da diversidade das crianças e ofereça respostas adequadas às
suas características e necessidades, solicitando apoio de instituições e es-
pecialistas quando isso se fizer necessário. É uma meta a ser perseguida por
todos aqueles comprometidos com o fortalecimento de uma sociedade de-
mocrática, justa e solidária.

Referências
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96. Esta-
belece as bases da educação nacional. Disponível em: <www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/L9394.htm> . Acesso em: 19 out. 2010.

_____. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdução


aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em:
<www.ibc.gov.br/media/common/Downloads_PCN.PDF>. Acesso em: 2 out.
2010.

_____. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educa-


ção Infantil. Brasília. Secretaria de Educação Fundamental. 3. ed. il. v. 1: introdu-
ção. MEC: Brasília: MEC/SEF, 1998.

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Conhecimentos jurídicos

_____. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial


na Educação Básica. Brasília. Secretaria de Educação Especial. MEC: SEESP, 2001.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf>.
Acesso em: 2 out. 2010.

_____. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de


Sinais – Libras e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 26 out. 2010.

CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE SÍNDROME DE DOWN, 3., 2000, Curitiba.

CONVENÇÃO DA GUATEMALA. Publicado em: 2001. Disponível em: <http://


portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/guatemala.pdf>. Acesso em: 2 out. 2010.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-


tituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 2 out. 2010.

DECLARAÇÃO DE JOMTIEN. Publicado em: 1990. Disponível em: <www.pitangui.


uepg.br/nep/documentos/Declaracao%20-%20jomtien%20-%20tailandia.pdf>.
Acesso em: 2 out. 2010.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Publicado em: 1994. Disponível em: <http://


portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em: 2 out. 2010.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Disponível em: <www.promenino.


org.br/Ferramentas/DireitosdasCriancaseAdolescentes/tabid/77/ConteudoId/
f21219e5-5dfe-4e5b-b99a-56f91288bae1/Default.aspx>. Acesso em: 2 out.
2010.

GODY, Andreia et al. Cartilha da Inclusão dos Direitos das Pessoas com Defi-
ciência/Autores. Belo Horizonte: PUC Minas, 2000.

REDE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Estado e Direitos


Humanos. Disponível em: <www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/estaddh.
htm>. Acesso em: 3 out. 2010.

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Escola e sociedade inclusiva

Ações sociais
As desigualdades entre as pessoas representam a fragilidade da socie-
dade mundial presente em diferentes momentos da história. Conhecemos
de perto a má distribuição de renda, a oferta de oportunidades postas de
forma diferente aos moradores de regiões rurais e urbanas, entre escolas
públicas e privadas, entre minorias sociais como os portadores de necessi-
dades especiais, população indígena e quilombolas.

De acordo com o Censo IBGE 2000, o Brasil tem 24,5 milhões de pesso-
as com deficiência, o que corresponde ao índice de 14,5% da população
do país. Dessas, 48,1% foram declaradas deficientes visuais, 22,9% com
deficiência motora, 16,7% com deficiência auditiva, 8,3% com deficiência
mental e 4,1% com deficiência física.

Diante desses números o estado procura cada vez mais aprimorar as


suas ações a fim de atender mais e melhor a essa demanda. Um estado
democrático só configura-se como tal quando propicia aos seus integran-
tes acesso e permanência aos bens culturais, econômicos e educacionais
comuns a todos, sem restrição de qualquer ordem. É o que chamamos de
sociedade inclusiva.

Ações políticas
A formação continuada de professores, o provimento de recursos ma-
teriais, técnicos, estruturais e financeiros, a garantia de vaga, a elaboração
e cumprimento de leis, a criação de redes de apoio para o processo de
inclusão, a descentralização de poder nos âmbitos municipais, estaduais
e federais, são algumas das ações políticas que o poder público como um
todo deverá assumir como garantia no processo de inclusão social dos
sujeitos com necessidades especiais.

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Escola e sociedade inclusiva

Muitas das orientações que o governo coloca são de ordem federal, no entan-
to, é importante que haja a descentralização do poder, uma vez que cada estado
e município deverá ser capaz de organizar as suas demandas de acordo com
a realidade local. Com essas ações, direcionadas para as necessidades de cada
região, teremos a resposta positiva no processo de inclusão em todo o território
nacional.

No que diz respeito ao provimento de recursos tanto do poder público como


do privado, destacam-se:

 materiais: significa a disponibilização de equipamentos, próteses, órteses


e outros materiais que se fizerem necessários para melhorar o acesso e a
qualidade de vida das pessoas com necessidades especiais.

 técnicos: a capacitação e a formação continuada de pessoas que lidam


direta ou indiretamente com as necessidades especiais dessa clientela.

 estruturais: diz respeito à adaptação física em prédios públicos e particu-


lares que garantam a acessibilidade em todas as instâncias, quer seja de
rampas, corrimãos, sistemas de escritas em Braille, recursos luminosos,
legendas e intérpretes de Libras para garantir a mobilidade e a comunica-
ção de pessoas surdas, cegas e com dificuldades motoras.

 financeiros: essa ação representa o direcionamento de parte da arrecada-


ção da receita para o investimento e manutenção das ações supracitadas,
como também através do abatimento de impostos e a minimização de
custos para esses fins.

Ações escolares
O acesso à educação de qualidade é a maior representação de cidadania.
Através dela nos preparamos para a vida social, cultural e nos instrumentaliza-
mos para o trabalho, ao mesmo tempo essa oferta representa um dos maiores
desafios para a política brasileira, sobretudo aquela ofertada aos alunos com ne-
cessidades especiais.

A pedagogia da exclusão é uma característica das escolas do Brasil e de outros


países adotada por anos. Com base na incapacidade intelectual, sensorial, emo-
cional e física, o imaginário social leva a crer que os alunos com alguma dificul-
dade equivalem à incapacidade como um todo.

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A saída para essa constatação foi a criação de espaços de atendimento segre-


gados, materializados na forma de asilos, orfanatos, hospitais e anos mais tarde
em escolas especiais. Com essa medida a sociedade “resolveu” o seu “problema”
e retirou do seu convívio as pessoas que de alguma forma não contribuíam para
o bom funcionamento da mesma.

A entidade que permaneceu desse período são as escolas especiais, as quais


também aperfeiçoaram o seu atendimento, deixando de ser apenas um espaço
de segregação e assistencialismo, para um espaço de promoção ao atendimen-
to especializado, informação à sociedade acerca das necessidades dos alunos,
acolhimento e orientação às famílias e às escolas regulares e de processo de in-
clusão de alunos, uma vez que a escola especial é integrante da regular e não a
parte desta.

O documento “Educar na diversidade” coloca que, além do movimento mun-


dial para desenvolver e aplicar espaços educacionais inclusivos, países do Mer-
cosul também estão realizando projetos que garantam acesso e permanência de
alunos no sistema de educação básica.

Dessa maneira, os sistemas educacionais deverão adaptar-se às necessidades


especiais de cada aluno, respeitando o seu ritmo de aprendizagem, asseguran-
do a matrícula e permanência desse aluno com qualidade, não exigindo dele
modificar-se para se incluir na escola, e sim o oposto.

Ações trabalhistas
A Lei 8.213, de 25 de julho de 1991, dispõe no artigo 93, sobre a contrata-
ção de portadores de necessidades especiais, que toda empresa com 100 ou
mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus
cargos com beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na
seguinte proporção.

Tabela 1 – Relação entre quantidade de funcionários e porcentagem de


pessoas com deficiência

Quantidade de funcionários na empresa Porcentagem de pessoas com deficiência


até 200 funcionários 2%
de 201 a 500 funcionários 3%
de 501 a 1 000 funcionários 4%
de 1 001 funcionários em diante 5%

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Dessa maneira, temos de um lado empresas à procura de pessoas com


alguma limitação interessadas em compor a sua equipe, seja por uma iniciativa
em cumprir a lei, seja por uma tomada de decisão destas sem necessariamente
estarem presas à lei, e de outro, sujeitos com necessidades especiais à procura
de uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho.

Especialistas colocam que a dificuldade em promover esse encontro tem


muitos dados desfavoráveis, entre eles:

 o despreparo das empresas em conhecer as necessidades e os potenciais


do trabalhador com alguma limitação;

 a falta de investimento das empresas em adaptações materiais e na con-


tratação de especialistas que possam assessorar o trabalhador com algu-
ma necessidade;

 o despreparo com que muitos candidatos à vaga chegam ao mercado de


trabalho, no que diz respeito à capacidade técnica que o cargo exige.

Nesse panorama vemos muitos profissionais com necessidades especiais


ocupando cargos mais simples nas empresas, que exigem menor qualificação e
que consequentemente pagam menores salários.

Texto complementar
Educação inclusiva ou integração escolar?
Implicações pedagógicas dos conceitos
como rupturas paradigmáticas
(BEYER1, 2006)

Este texto serve como espaço de reflexão sobre o que hoje conhecemos
no Brasil como educação inclusiva. A finalidade principal das minhas consi-
1
PhD em Educação pela Universidade de Hamburgo-Alemanha. Professor da Faculdade de Educação do Depar­tamento de Estudos
Especiais/UFRGS.

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derações a respeito é am­pliar a compreensão em torno das diferenças mais


sensíveis entre os projetos de inclusão e de integração escolar. Unanimidade
sem dúvida não há em torno do emprego dos dois conceitos, tanto do ponto
de vista das expressões empregadas como do seu significado para os siste-
mas escolares.

A análise que passo a fazer terá como ponto-chave, ou aspecto polari-


zador, o con­ceito da educação inclusiva. A educação inclusiva surgiu, ou,
melhor posto, evoluiu como conceito e proposta institucional, ao longo dos
anos 1990, particularmente com os avanços provocados pelos dois encon-
tros internacionais, que marcaram as discussões correspon­dentes. Esses en-
contros foram a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em
Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial de Educação Espe-
cial, reali­zada em 1994, em Salamanca, na Espanha, de onde se originou o
importante documento, a Declaração de Salamanca.

A educação inclusiva caracteriza-se como um novo princípio educacio-


nal, cujo con­ceito fundamental defende a heterogeneidade na classe esco-
lar, não apenas como situa­ção provocadora de interações entre crianças com
situações pessoais as mais diversas. Além dessa interação, muito importante
para o fomento das aprendizagens recíprocas, é fundamental uma pedago-
gia que se dilate ante as diferenças do alunado.

Historicamente, não há como traçar linhas descontínuas entre o projeto


da inte­gração escolar (ou educação integradora, como preferem alguns) e o
projeto da educação inclusiva. Entendo haver, antes, uma evolução concei-
tual derivada das múltiplas experiên­cias, desenvolvidas em vários países do
mundo, resultando no amadurecimento do que deveria ser um processo pe-
dagógico que contemplasse coerentemente as demandas da educação dos
alunos com necessidades especiais nas escolas do ensino regular. Pode-se
pensar, antes, numa linha histórica contínua em que encontramos faixas de
transição entre uma educação que, de integradora, passa a ser inclusiva.

Do ponto de vista semântico, talvez sejam levantadas restrições para o


uso da palavra inclusão. Confesso que meu primeiro contato com essa pala-
vra deixou-me com várias dúvidas e com restrições ao termo. Incluir, afinal,
não é colocar algo (quase meca­nicamente) para dentro? O Novo Dicionário

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Aurélio da Língua Portuguesa (1986, p. 931) define da seguinte maneira tal


termo:

Ato ou efeito de incluir (antônimo: exclusão). Relação existente entre a classe que é
espécie e a classe que é gênero. Relação entre dois termos, um dos quais faz parte ou da
compreensão ou da extensão do outro. (cf. inerência). Ato pelo qual um conjunto contém
ou inclui outro.

Analisando tais definições, fica evidente – novamente, sob o prisma se-


mântico – que todo membro “incluído” está em relação de qualidade com
o conjunto que o acolhe. Usando um exemplo muito simples, um abacate
não pode ser considerado como parte do conjunto de frutas bananas, pois
seus atributos não são compatíveis com tal conjunto. A pergunta que surge,
então, é como devem ocorrer as relações entre um membro “incluído”, no
caso um aluno com necessidades educacionais especiais, e o conjunto que o
acolhe, no caso a escola do ensino comum.

Nesse sentido, estar incluído é aprender como as demais crianças apren-


dem? Numa relação de pertencimento, em gênero e número, uma criança
surda ou uma crian­ça com deficiência mental precisa abdicar de suas formas
próprias de pensar ou apren­der? Nessa linha de pensamento, penso que de-
vemos discordar da definição de inclusão que provoca a desconsideração
das diferenças entre as crianças, obrigando-as, por meio de um currículo
inflexível ou hegemônico, a comportarem-se e a aprenderem conforme a
maioria o faz.

Retornando à relação feita acima, no sentido da evolução dos conceitos,


perce­bemos muito mais a aproximação do conceito de integração – como
este tem sido inter­pretado à luz das experiências escolares de inserção no
ensino comum dos alunos com necessidades especiais – ao significado da
palavra inclusão (conforme explicitado nos parágrafos anteriores).

O que as experiências de integração escolar têm nos evidenciado, desde


os anos 1960, até o período atual (penso que o fato da formalização da edu-
cação inclusiva ao longo dos anos 1990 não tem garantido, nos sistemas
escolares, ações pedagógicas à altura do paradigma inclusivo), é que em
muitas situações propomos a educação inclusiva e temos uma prática de
integração escolar.

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Como tem sido definida a integração escolar teoricamente e na prática


escolar? Po­demos invocar, aqui, o conceito de mainstreaming, estabeleci-
do através do Individuals with Disabilities Education Act (IDEA)2, nos Estados
Unidos, entre os anos de 1977 e 1978, em que se propõe a educação con-
junta de crianças com e sem deficiência. A proposta é boa, e, já por essa
data, outros países (Dinamarca, Noruega, Itália, Alemanha) tentavam colo-
car em prática tal ideia no meio escolar, entretanto, apenas com relativo
sucesso.

O grande equívoco ou inadequação da proposta e prática da integração


escolar (voltando à questão semântica, nada contra a palavra integração,
que me parece mais harmônica com a ideia de um processo de adequação
horizontal do meio escolar às de­mandas pedagógicas decorrentes das ne-
cessidades especiais do que o – aparentemente – mecânico ou vertical con-
ceito de inclusão) ou da educação integradora consiste na de­masiada sobre-
carga do sucesso da proposta sobre os esforços de alguns: o/a heroico/a e
sacrificado/a professor/a, a criança e suas condições pessoais de adaptação,
a capacida­de da família em dar o suporte necessário, e assim por diante.

Assim, quais são os principais aspectos diferenciadores entre os concei-


tos peda­gógicos, não semânticos, da educação inclusiva e da integração
escolar? Esse último con­ceito partiria da premissa de que haveria dois tipos
principais de crianças, as crianças “com necessidades educacionais espe-
ciais” e as “sem necessidades educacionais especiais”. No anseio dos defen-
sores do movimento de integração escolar de inserir no ensino comum as
primeiras, tais educadores acabaram por provocar indiretamente o surgi-
mento de dois grupos de alunos: os que se encontram acolhidos no siste-
ma escolar, e devidamente con­templados nele, e outros que permanecem
ou permaneciam fora do sistema e que consti­tuem alvo do movimento de
integração.

O quadro a seguir ilustra os diferentes momentos históricos que mar-


caram as ações do sistema escolar, no sentido de aproximar gradualmen-
te as crianças com ne­cessidades especiais da escola comum (<http://
de.wikipedia.org/wiki/Inklusive>), geran­do-se, por meio de diferentes situ-
ações, graus diferenciados de aproximação das crian­ças ditas especiais das
“normais”.

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Quadro 1 – Ato educacional das pessoas com deficiência

Exclusão

Separação

Integração

Inclusão

Legenda: pontos redondos = pessoas com necessidades especiais;


pontos quadrados = pessoas ditas normais;
círculo grande = sistema escolar regular;
círculo pequeno = sistema escolar especial.

O projeto pedagógico inclusivo busca escapar dessa dicotomia, ou seja,


objetiva não produzir uma categorização “alunos com e sem deficiência,
com e sem distúrbios, com e sem necessidades especiais” (a adjetivação é
ampla e flutuante, conforme os vários diagnósticos possíveis). Para tal abor-

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dagem educacional, não há dois grupos de alunos, porém apenas crianças


e adolescentes que compõem a comunidade escolar e que apre­sentam as
necessidades mais variadas.

Muitas dessas necessidades são compartilhadas por vários alunos e com-


põem as necessidades gerais do alunado da escola. Porém, há um grupo de
alunos que apresen­tam algumas necessidades diferenciadas dos demais,
singulares, que demandam meto­dologias e procedimentos pedagógicos
apropriados, para que seu processo de aprendiza­gem não seja prejudicado.

Chegamos, assim, ao aspecto que, em minha opinião, também embasa-


do no apor­te de Wocken (2003), constitui a centralidade tanto da definição
da educação inclusiva como dos princípios que podem ou devem garantir
o sucesso da prática pedagógica inclu­siva: (a) a promoção da convivência
construtiva dos alunos (aprendizagem comum); e (b) a consideração das es-
pecificidades pedagógicas dos alunos com necessidades especiais (BEYER,
2006).

A escola que se pretende inclusiva, em cujo espaço não existem campos


demarca­dos, do tipo aqui estão os alunos “normais” e ali os “especiais” ou os
“incluídos”, como se escuta com frequência, põe em construção uma peda-
gogia que não é nem diluída, ante as necessidades educacionais especiais
de alguns alunos, nem extremamente demarcada ou terapêutica, em que se
acaba por acentuar as distinções pessoais.

O desafio é construir e pôr em prática no ambiente escolar uma pedago-


gia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da classe escolar,
porém capaz de atender aos alunos cujas situações pessoais e características
de aprendizagem correspon­dentes requeiram uma pedagogia diferenciada.
Tudo isso sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indese-
jados estigmas. Ao contrário, pondo em andamento, na comunidade escolar,
uma conscientização crescente dos direitos de cada um.

Dica de estudo
Acesse o site <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf>.
Nele você encontrará as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educa-
ção Básica, documento que apresenta essas ações na íntegra.

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Escola e sociedade inclusiva

Atividades
1. O que significa um estado democrático quando nos referimos aos portado-
res de necessidades especiais?

2. Quais são os benefícios do atendimento das escolas especiais?

3. Quais são as maiores dificuldades que as empresas enfrentam na contrata-


ção de sujeitos com necessidades especiais?

Gabarito
1. Um estado democrático só se configura como tal quando propicia aos seus
integrantes acesso e permanência aos bens culturais, econômicos e educa-
cionais comuns a todos, sem restrição de qualquer ordem. É o que chama-
mos de sociedade inclusiva.

2. Espaço de promoção ao atendimento especializado, informação a sociedade


acerca das necessidades dos alunos, acolhimento e orientação das famílias e
as escolas regulares e de processo de inclusão de alunos.

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Escola e sociedade inclusiva

3.

 o despreparo das empresas em conhecer as necessidades e os potenciais


do trabalhador com alguma limitação;

 a falta de investimento das empresas em adaptações materiais e na con-


tratação de especialistas que possam assessorar o trabalhador com algu-
ma necessidade;

 o despreparo que muitos candidatos à vaga chegam ao mercado de tra-


balho, no que diz respeito à capacidade técnica que o cargo exige.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Espe-
cial na Educação Básica. MEC/SEESP, 2001.

____. Ministério da Educação. Educação Inclusiva: direito à diversidade. In: En-


saios pedagógicos do III Seminário Nacional de Formação de Gestores e Educa-
dores. MEC/SEESP, 2006.

BEYER, Hugo. O. Inclusão e Avaliação na Escola de Alunos com Necessidades


Educacio­nais Especiais. 2. ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2006.

DEFICIENTE ONLINE. Lei 8.213 de 25 de julho de 1991. Disponível em:<www.


deficienteonline.com.br/lei-n-8-213-leis-e-normas-conheca-as-leis-e-normas-
para-o-trabalhador-deficiente___37.html>. Acesso em: 28 out. 2010.

DUK, Cynthia. Educar na Diversidade: material de formação docente. Brasília:


Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, 2005.

IBGE. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 28 out. 2010.

WOCHEN, H. O Futuro da Educação Especial. Texto completo no CD do III Con-


gresso Internacional Lassalista. Canoas: UNILASALLE, 5 a 07/11/2003.

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Adaptações curriculares

As ações que orientam um país, sobretudo aquelas que envolvem de-


terminações sociais, muitas vezes não conseguem uma projeção significa-
tiva sem o apoio da escola.

Como o mais antigo espaço democrático, a escola tem em sua histori-


cidade a inclusão de todas as realidades sociais. Pobres, pretos, brancos,
homens, mulheres e crianças, com o passar dos anos foram compondo
esse espaço pedagógico e a partir dele conheceram e vivenciaram dife-
rentes realidades: “as escolas comuns com essa orientação integradora
representam o meio mais eficaz de combater atitudes discriminatórias de
criar comunidades acolhedoras, construir uma sociedade integradora e
dar educação para todos” (CONFERÊNCIA...,1994).

O que a escola e a sociedade precisam assimilar e que se faz cada vez


mais imprescindível é a necessidade de reinventar não só a educação es-
pecial, mas também a educação regular, uma vez que ambas, em seus
princípios de ensinar e incluir, não estão conseguindo atender a sua clien-
tela de forma específica, de acordo com a singularidade de seus sujeitos.
Clientela esta que em ambos os casos possuem necessidades educativas
especiais. Ofertar uma educação de acordo com o perfil subjetivo de cada
aluno representa o que vem a ser uma educação inclusiva, sem bastar-se
apenas no aluno dito deficiente.

Por essa razão, o reflexo de uma escola inclusiva recai sobre a socieda-
de, a qual aos poucos vem assimilando que a pessoa com necessidades
especiais apresenta dificuldades inerentes aos seres humanos e não so-
mente em razão da sua limitação física.

A sociedade contemporânea deve estar se preparando para receber,


oportunizar e respeitar a diversidade, para através dessa ação reconhecer
e viver harmoniosamente com as várias experiências humanas.

O processo de inclusão não deve ser visto como uma mudança do su-
jeito com necessidades especiais em relação à sociedade, e sim, da so-

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Adaptações curriculares

ciedade em relação a esse sujeito, uma vez que é cada vez maior o número de
pessoas com necessidades especiais em nossa sociedade, o que inclui, além da-
queles com limitação física, o miserável, o analfabeto, o negro, o índio, o idoso, a
criança, entre outros.

Por esses dados, a limitação do sujeito especial não representa a limitação


dos seus direitos. O que se deseja é a oferta de um ambiente rico em possibili-
dades sociais e materiais para que todas as pessoas portadoras de necessidades
especiais possam participar dos bens sociais e culturais que historicamente lhes
foram negados.

A qualidade do processo de inclusão exige uma estrutura organizacional da


instituição, que envolve reconhecer:

 grau de deficiência;

 potencialidades de cada criança;

 idade cronológica;

 idade corrigida (confrontar se a idade que o aluno tem corrobora com o


nível de desenvolvimento da mesma, ou se está aquém ou além desta);

 disponibilidade de recursos humanos e materiais;

 condições socioeconômicas, culturais e estruturais da região.

Além desse levantamento, é importante que haja o envolvimento da comu-


nidade onde a escola se insere, como também uma estruturação do Projeto Po-
lítico Pedagógico da escola para atender a essa demanda.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) ar-


gumenta sobre o tema:
Em busca da cidadania e da formação de uma sociedade igualitária, a ação educativa deve
promover o convívio com a diversidade, que é marca da política democrática do Brasil. Essa
diversidade não estreita somente as diversas culturas, os hábitos, e os costumes, mas também
diz respeito às competências, as particularidades de cada um.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), dentro do item que tra-


balha a diversidade, ressalta que:

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Adaptações curriculares

As adaptações curriculares previstas nos níveis de concretização apontam a necessidade


de adequar objetivos, conteúdos e critérios de avaliação, de forma a atender a diversidade
existente no País. Desta forma, a atuação do professor em sala de aula deve levar em conta
fatores sociais, culturais e a história educativa de cada aluno [...]. Trata-se de garantir condições
de aprendizagem a todos os alunos, seja por meio de incrementos na intervenção pedagógica
ou de medidas extras que atendam às necessidades individuais.

A inclusão na escola regular implica a adaptação curricular e a revisão da me-


todologia de ensino, o que se trata de um benefício não apenas para a criança
“deficiente” e sim para os alunos como um todo, uma vez que o sistema de aulas
eminentemente expositoras não contempla as necessidades dos alunos do
ensino regular (o sistema de aulas no formato de palestras, que envolve apenas
a atenção visual e auditiva, não contribui para o desenvolvimento de outras ha-
bilidades e acaba tornando as aulas apenas como rituais).

Adaptação curricular
de pequeno e grande porte
Para a concretização das adaptações curriculares que se fizerem necessárias
no sistema educacional, o Projeto Escola Viva, de 2000, elaborado pelo Ministé-
rio da Educação, divide as adaptações curriculares em dois níveis:
1) Adaptação de Grande Porte: ações que são da competência e atribuição das instâncias
político-administrativas superiores, já que exigem modificações que envolvem ações de
natureza política, administrativa, financeira, burocrática.

2) Adaptação curricular de Pequeno Porte: ações que cabem aos professores, para realizar
e favorecer a aprendizagem de todos os alunos presentes em sala de aula [...] não exigindo
autorização, nem dependendo de ação de qualquer outra instância superior, nas áreas política,
administrativa e/ou técnica [...] podem ser implementadas em várias áreas e momentos da
atuação do professor: na promoção do acesso ao currículo, nos objetivos de ensino, no
conteúdo ensinado, no método de ensino, no processo de avaliação, na temporalidade.

Nesses termos, tudo aquilo que estiver ao alcance do professor para melhorar
a qualidade de atendimento do seu aluno em sala de aula configura-se como
Adaptação de Pequeno Porte, por sua vez, o que não couber ao professor rea-
lizar, este tem o dever de comunicar às instâncias escolares superiores as adap-
tações de Grande Porte que se fizerem necessárias. Ressalta-se que o processo
de inclusão não é responsabilidade exclusiva do professor, mas como posto, da
sociedade e do Poder Público como um todo.

O documento Projeto Escola Viva sugere ainda algumas adaptações curricu-


lares que poderão ser aplicadas nas escolas:

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Adaptações curriculares

Fornecer uma cópia dos textos com antecedência, assim como uma lista da terminologia
técnica utilizada na disciplina, para o aluno tomar conhecimento das palavras e do conteúdo
da aula a ser lecionada;

A disponibilidade de Intérprete;

Este estudante poderá necessitar de tempo extra para responder aos testes;

O professor deve falar com naturalidade e clareza, não exagerando no tom de voz (não
bloquear a área à volta da boca);

O professor deve evitar estar em frente à janela ou outras fontes de luz, pois o reflexo pode
obstruir a visão;

Supressão de atividades que não possam ser alcançadas pelo aluno surdo (ditado),
substituindo-as por outras mais acessíveis e significativas;

Cada criança deve receber atendimento de acordo com sua realidade, para poder vivenciar
e explorar ao máximo suas potencialidades. (BRASIL, 2000)

Tendo em vista que a escola deve adequar-se ao aluno, e não o oposto, a sin-
gularidade do aluno é revista, entendendo-se que as suas necessidades educa-
cionais especiais devam ser respeitadas, e no caso da surdez, entre outras coisas,
destacam-se as de ordem linguística. As Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) orientam sobre “a importância da
língua de sinais como meio de comunicação para os surdos, e ser assegurado a
todos os surdos acesso ao ensino da língua de seu país”.

O mesmo documento ressalta a importância dos conteúdos escolares serem


passados aos alunos por meio da língua de sinais. A passagem dos conteúdos
escolares devem ser realizados através de um intérprete, por entender que o
professor do ensino regular não deverá usar simultaneamente duas línguas dis-
tintas, como meio de interagir com os seus alunos surdos e ouvintes. (BRASIL,
2004, p. 14 – o município).

Nesse caso, temos o exemplo de uma adaptação curricular de grande porte,


uma vez que para a contratação de um intérprete, faz-se necessário o envolvi-
mento de instâncias superiores, como a solicitação da gestão escolar e a libe-
ração desse profissional por Secretaria de Educação, quer seja ela, municipal,
estadual, federal, ou por contrato particular.

Para melhorar os conhecimentos linguísticos dos seus alunos, as Diretrizes


(BRASIL, 2001, p. 51) recomendam, ainda, que os professores de surdos tenham
“o conhecimento sobre Língua Portuguesa e de sinais, Letras e Linguística, com-
preendendo que tais conhecimentos são fundamentais para a qualidade do
atendimento”.

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Adaptações curriculares

Diferente do que comumente se aplica, os conteúdos curriculares a serem


desenvolvidos para o aluno surdo deverão ser os mesmos trabalhados com os
alunos ouvintes. Para melhor atender as especificidades dessa clientela, faz-se
necessária a utilização de materiais visualmente ricos, como: jornais, revistas,
propagandas, noticiários de TV, computadores e outros. O formato da apresen-
tação diversifica a dinâmica da aula e a forma de apresentação dos conteúdos,
amplia os conhecimentos, contribuindo com a prática tanto da escola comum
quanto da especial, propiciando maior motivação para a aprendizagem, tanto
para o aluno surdo, como para o ouvinte.

As Diretrizes Curriculares para a Educação Especial de Curitiba (2006) orien-


tam o professor nos seguintes itens:
posicionar o aluno na parte da frente da sala, sem obstáculos visuais entre ele e o
professor;

dar instruções curtas, claras, bem pronunciadas;

solicitar ao aluno que relate o que entendeu antes de iniciar qualquer atividade;

não falar com a classe enquanto escreve na lousa;

escrever, desenhar, dramatizar e usar outros meios visuais ao usar conceitos curriculares
novos;

atender individualmente o aluno no caso de uma necessidade peculiar;

pedir para que os alunos falem, gesticulem e usem sinais sempre de frente do aluno;

tocar levemente o braço do aluno quando quiser se comunicar;

pedir o apoio de uma intérprete;

o professor deverá ter consciência que não deverá ocorrer a obrigatoriedade de todos os
estudantes atingirem o mesmo grau de abstração ou de conhecimento num determinado
tempo.

Avaliação
As necessidades do aluno surdo deverão ser pensadas também no momento
da avaliação. Os objetivos, procedimentos, métodos e instrumentos de avaliação
deverão ser compatíveis com as necessidades do aluno surdo, sobretudo no que
diz respeito à forma com que esse aluno escreve. É fundamental para o profes-
sor maior atenção ao conteúdo que o aluno escreve e não à forma com que
ocorre essa expressão, pois como se sabe, a língua natural do surdo é a Libras,
sendo a Língua Portuguesa uma segunda língua e estando esta no processo de
aquisição.

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Adaptações curriculares

Algumas crianças surdas têm possibilidade de adquirir e desenvolver a linguagem oral,


utilizando a fala para se comunicar. Outras, por características pessoais e também em
decorrência do ambiente familiar que crescem, apresentam linguagem oral mínima, que deve
ser complementada com outras formas de comunicação (escrita e por sinais). (BRASIL, 2000)

A observação dos alunos dentro e fora de sala de aula também é uma forma
de avaliação. Assim podemos analisar se o aluno:

 apresenta trocas, omissões ou inserções de fonemas tanto na escrita quan-


to na fala;

 em debates, atividades em grupo ou em palestras o aluno parece estar


“perdido”, “desorientado”;

 responde a um chamado em voz normal, ou se procura a fonte sonora


quando alguém lhe dirige a palavra;

 movimenta a cabeça usando mais um dos ouvidos, o que pode represen-


tar uma perda de audição maior no outro ouvido;

 num diálogo o aluno sempre pede para que repita a mensagem, fixa-se
aos seus lábios e demonstra maior compreensão quando estes são acom-
panhados por gestos e outros apoios visuais.

Nesses casos, é importante que a escola oriente a família a procurar profis-


sionais como fonoaudiólogo e otorrinolaringologista, na tentativa de receber
orientações sobre a surdez e como deverá manipular o AASI (Aparelho de Am-
plificação Sonora Individual) do aluno.

Texto complementar
Adaptações curriculares: no ajuste do sistema
educacional para o acolhimento de todos
(BRASIL, 2000)

O processo de construção de um sistema educacional inclusivo é, como


já o dissemos anteriormente, responsabilidade de todos os que fazem parte
da sociedade.

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Adaptações curriculares

Cabe à população, de maneira geral, a conscientização de que as pessoas


com deficiência fazem parte da sociedade e, portanto, têm o direito de serem
atendidas em suas necessidades especiais, no corre-corre de nosso cotidiano.

Da mesma forma, cabe à população interagir dignamente com as pesso-


as que apresentam necessidades especiais. À administração municipal cabe
mapear as pessoas com deficiência existentes na comunidade, identificar
suas necessidades especiais, planejar a implementação dos ajustes necessá-
rios para que se possa acolhê-las e a elas responder efetivamente, garantin-
do orçamento para a implementação desses ajustes. Cabe às áreas de aten-
ção pública (Educação, Saúde, Assistência Social, Trabalho, Cultura, Esporte
e Lazer, Planejamento e Orçamento etc.) se ajustarem, de forma a garantir
o acesso e a possibilidade de participação das pessoas com deficiência em
todos os recursos e serviços disponíveis à população.

Aos profissionais cabem as ações técnicas, em cooperação transdiscipli-


nar; aos órgãos de representação, o diagnóstico das necessidades, o plane-
jamento de ações que promovam a inclusão e a fiscalização da ação pública
no ajuste da sociedade; às famílias, a cooperação com os órgãos públicos,
profissionais e população em geral, no sentido de acessar o espaço comum e
dele participar; às pessoas com deficiência, conviver digna e respeitosamen-
te na diversidade, explicitando quais são suas necessidades e solicitando os
recursos e serviços de que necessitam para que possam acessar, frequentar
e participar dos espaços comuns da vida em sociedade.

Especificamente no que se refere ao campo da Educação, entretanto, pre-


tendemos aqui nos aprofundar, detalhando com maior objetividade as com-
petências e atribuições, bem como as ações que se encontram envolvidas na
busca da construção de um sistema educacional inclusivo.

Dica de estudo
Acesse: <wwwp.fc.unesp.br/~lizanata/tcc/adapatacoescurriculares.html>. Nesse
endereço você encontrará dicas sobre adaptações curriculares no ambiente de
sala de aula, numa linguagem clara e objetiva as necessidades do professor e do
aluno. Bom estudo!

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Adaptações curriculares

Atividades
1. O que é adaptação curricular de pequeno porte?

2. O que é adaptação curricular de grande porte?

3. Como deve ser feito o processo de inclusão?

Gabarito
1. Adaptação curricular de pequeno porte: “... ações que cabem aos professo-
res, para realizar e favorecer a aprendizagem de todos os alunos presentes
em sala de aula [...] não exigindo autorização, nem dependendo de ação de
qualquer outra instância superior, nas áreas política, administrativa e/ou téc-
nica [...] podem ser implementadas em várias áreas e momentos da atuação
do professor: na promoção do acesso ao currículo, nos objetivos de ensino,
no conteúdo ensinado, no método de ensino, no processo de avaliação, na
temporalidade”.

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Adaptações curriculares

2. Adaptação de grande porte: “... ações que são da competência e atribuição


das instâncias político-administrativas superiores, já que exigem modifica-
ções que envolvem ações de natureza política, administrativa, financeira,
burocrática...”

3. O processo de inclusão não deve ser visto como uma mudança do sujeito
com necessidades especiais em relação à sociedade, e sim, da sociedade em
relação a este sujeito, uma vez que é cada vez maior o número de pessoas
com necessidades especiais em nossa sociedade.

A qualidade do processo de inclusão exige uma estrutura organizacional da


instituição, que envolve reconhecer:

 grau de deficiência;

 potencialidades de cada criança;

 idade cronológica;

 idade corrigida (confrontar se a idade que o aluno tem corrobora com o


nível de desenvolvimento da mesma, ou se está aquém ou além dessa);

 disponibilidade de recursos humanos e materiais;

 condições socioeconômicas, culturais e estruturais da região.

Além desse levantamento, é importante que haja o envolvimento da comu-


nidade onde a escola se insere, como também uma estruturação do Projeto Po-
lítico Pedagógico da escola para atender a essa demanda.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: introdu-
ção aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. 126 p.

_____. Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educa-


ção Infantil. Brasília, MEC/SEF, 1998. 3. v.: il.

_____. Projeto Escola Viva. Garantindo o acesso e permanência de todos os


alunos na escola: alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília:
MEC/SEESP, 2000.

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Adaptações curriculares

_____. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica.


Brasília: MEC/SEESP, 2001.

CONFERÊNCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Declaração de Sala-


manca. Salamanca, Espanha, 1994.

ARANHA, Maria Salete Fábio (Org.) Educação Inclusiva: o município. Brasília:


MEC/SEESP, 2004.

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Adaptações curriculares

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Libras

A apropriação da linguagem é condição sine qua non para o desenvol-


vimento global de um sujeito; através dela, o homem estrutura seu pensa-
mento, emite seus sentimentos, registra e apropria-se do conhecimento,
comunica-se com os seus pares, mergulha na cultura. Vygotsky e Bakhtin
(apud BRAIT, 1997, p. 320) concordam sobre a importância desse processo
registrando o papel do outro nessa construção:
O outro é, portanto, imprescindível tanto para Bakhtin como para Vygotsky. Sem ele o
homem não mergulha no mundo sígnico, não penetra na corrente da linguagem, não
se desenvolve, não realiza aprendizagens, não ascende às funções psíquicas superiores,
não forma a sua consciência, enfim, não se constitui como sujeito.

As relações sociais farão o papel constitutivo do sujeito, as quais serão


permeadas pela linguagem. Souza (2000, p. 24) coloca que “é por meio da
linguagem que a criança constrói a representação da realidade na qual
está inserida”. Ao mesmo tempo, nessa relação com o outro, a criança
transforma e é transformada por essa realidade.

Estrutura da língua
Ao nascer, a criança está
Creative Commons/Luisfi.

imersa na língua materna


de seu país, especialmente
na rotina que ela estabelece
com a mãe, nos momentos
de troca, banho, alimenta-
ção, sono e carinho. Nessas
ações, a mãe apresenta o
mundo linguístico natu-
ralmente ao bebê, de uma
forma acolhedora, lúdica e
afetuosa.

Salles (2004) coloca que a criança, ao ter contato com a língua materna,
produz um resultado surpreendente, “pois não só aprende a língua, com

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Libras

todas as sutilezas de sua articulação gramatical, semântica e pragmática, como o


faz de forma completa (isto é, não existe conhecimento de língua materna pela
metade ou parcial): qualquer pessoa normal sabe a língua de sua comunidade e
a utiliza de forma natural.

A naturalidade desse processo não ocorre com o bebê surdo através da orali-
dade. A aquisição oral de uma língua para uma criança surda envolve dinâmicas
complexas de conhecimento cognitivo, cultural, social, psíquico e linguístico.

A Língua Brasileira de Sinais (Libras), por sua característica visuo-espacial, ex-


pressa pelas mãos, face e corpo, constitui-se a modalidade de aprendizagem de
uma língua ideal para o sujeito surdo; por meio dela, a comunidade surda realiza
as suas relações sociais, emocionais, culturais e científicas, sobretudo porque a
Libras possui todos os segmentos das línguas orais. “De fato, as características e
os estágios da aquisição da língua de sinais por surdos podem ser comparados
aos da aquisição da língua oral por ouvintes, o que aponta para resultados seme-
lhantes na representação mental do conhecimento linguístico” (SALLES, 2004).

Código de ética1
O profissional intérprete é responsável por intermediar processos interativos,
conversacionais e discursivos de duas partes. Sob esse ofício, tem (baseado num
princípio ético) a responsabilidade com a veracidade e fidelização das informa-
ções. Dessa forma, em 2001, criou-se o Código de Ética, caracterizando-o como
um instrumento que orienta o profissional intérprete na sua atuação e dispõe:
CAPÍTULO 1: Princípios fundamentais

Art. 1.º São deveres fundamentais do intérprete: 1.º O intérprete deve ser uma pessoa de
alto caráter moral, honesto, consciente, confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará
informações confidenciais e não poderá trair confidências, as quais foram confiadas a ele;

Art. 2.º O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o transcurso da interpretação,
evitando interferências e opiniões próprias, a menos que seja requerido pelo grupo a fazê-lo;

Art. 3.º O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua habilidade, sempre
transmitindo o pensamento, a intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar os limites
de sua função e não ir além da responsabilidade;

Art. 4.° O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de competência e ser prudente em
aceitar tarefas, procurando assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando
necessário, especialmente em palestras técnicas;

1
Com base no documento O Tradutor e Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL, 2004).

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Libras

Art. 5.° O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem adereços, mantendo
a dignidade da profissão e não chamando atenção indevida sobre si mesmo, durante o
exercício da função.

CAPÍTULO 2: Relações com o contratante do serviço

Art. 6.° O intérprete deve ser remunerado por serviços prestados e se dispor a providenciar
serviços de interpretação, em situações onde fundos não são possíveis;

Art. 7.° Acordos em níveis profissionais devem ter remuneração de acordo com a tabela de
cada estado, aprovada pela Feneis.

CAPÍTULO 3: Responsabilidade profissional

Art. 8.° O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a buscarem decisões legais ou outras
em seu favor;

Art. 9.o O intérprete deve considerar os diversos níveis da Língua Brasileira de Sinais bem como
da Língua Portuguesa;

Art. 10 Em casos legais, o intérprete deve informar à autoridade qual o nível de comunicação
da pessoa envolvida, informando quando a interpretação literal não é possível e o intérprete,
então terá que parafrasear de modo claro o que está sendo dito à pessoa surda e o que ela está
dizendo à autoridade;

Art. 11 O intérprete deve procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza das línguas
envolvidas. Ele também deve estar pronto para aprender e aceitar novos sinais, se isso for
necessário para o entendimento;

Art. 12 O intérprete deve esforçar-se para reconhecer os vários tipos de assistência ao surdo e
fazer o melhor para atender as suas necessidades particulares.

CAPÍTULO 4: Relações com os colegas

Art. 13 Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissional, o intérprete


deve agrupar-se com colegas profissionais com o propósito de dividir novos conhecimentos
de vida e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em interpretação e tradução.

Parágrafo único. O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao surdo sempre
que possível, reconhecendo que muitos equívocos (má informação) têm surgido devido à falta
de conhecimento do público sobre a área da surdez e a comunicação com o surdo.

Diante desse código de ética, serão apresentadas a seguir diferentes situa-


ções que podem ser exemplos do dia a dia do profissional intérprete. Tais si-
tuações exigem um posicionamento ético desse profissional. Sugere-se que, a
partir desses contextos, cada intérprete reflita, converse com outros intérpre-
tes e tome decisões em relação a seu posicionamento com base nos princípios
éticos destacados no código de ética.

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Profissional intérprete

Thinkstock.

De acordo com a Deliberação 2/2003 (BRASIL, 2003), da Secretaria de Estado


da Educação do Paraná, o intérprete de Libras/Língua Portuguesa é o profissional
com competência linguística que atua no contexto do ensino regular no qual há
alunos surdos matriculados. Sua atuação é de mediador na comunicação entre
surdos e ouvintes, nas diferentes situações de aprendizagem, como também nas
interações sociais dentro do espaço escolar. O intérprete não substitui a figura
do professor no processo de aprendizagem.

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A história dos intérpretes começou a partir de atividades voluntárias de inter-


mediação entre surdos e ouvintes. Com essa prática, nascia um novo ciclo, em
que os surdos passaram a ter voz e atuação nas decisões sociais, necessitando
para isso, de um maior número de intérpretes. Ao mesmo tempo, com o aumen-
to de surdos no exercício da cidadania, cresceu também a demanda de intérpre-
tes e tradutores de língua de sinais. Com essa prática, a língua de sinais passou
a ser reconhecida e aceita como língua em muitos países, sendo de direito do
surdo o acesso linguístico, o que seria contemplado por meio de um profissional
intérprete de língua de sinais.

No Brasil, a presença de intérpretes de língua de sinais começou na década


de 1980 em espaços religiosos. Nos anos de 1988 e 1992, consecutivamente,
realizou-se o I e o II Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais orga-
nizado pela Feneis. A partir desses e de outros eventos estaduais e nacionais, a
profissão de intérprete e tradutor em língua de sinais passou a ser cada vez mais
difundida dentro e fora do Brasil.

O ápice desse processo foi a determinação da Lei 10.436, de 24 de abril de


2002, a qual coloca em seu artigo 1.º que é “reconhecida como meio legal de
comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e outros recursos
de expressão a ela associados”.

Um pouco antes do reconhecimento da lei supracitada, no ano de 2001, com


o apoio da Federação Mundial de Surdos, foi realizado um Encontro Internacio-
nal sobre a Formação de Intérpretes de Língua de Sinais na América Latina. Nesse
evento, ficou recomendado que os quatro países que até o momento dispõem
de cursos de língua de sinais e de formação de intérpretes (Argentina, Brasil,
Colômbia e Uruguai) apoiem os países que ainda não contam com esses cursos
(Bolívia, Paraguai, Chile, Equador, Peru e Venezuela), além disso, ficou exposto
que, respeitando a realidade e as necessidades de cada país, algumas questões
sejam pensadas e na medida do possível colocadas em prática:

 que a comunidade surda seja consciente da importância de sua própria


língua e da atuação dos intérpretes;

 que as organizações de pessoas surdas como associações e federações se


fortaleçam por iniciativas próprias e por apoio de entidades governamen-
tais, nacionais e internacionais;

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Libras

 que todos os países reconheçam a língua de sinais e a língua oficial do país


com um estudo sistemático de ambas as línguas;

 que todos os países reconheçam a profissão de intérprete, bem como a


formação e titulação desta;

 que seja utilizada a língua de sinais como primeira língua (L1) e a língua
oficial do país como segunda língua (L2);

 que a comunidade de pessoas surdas assuma um papel protagônico nos


processos de investigação, junto com os especialistas;

 que exista um trabalho conjunto entre intérpretes e pessoas surdas na for-


mação de futuros intérpretes e de futuros formadores de intérpretes.

Texto complementar

Como estas 26 letras


se aproximaram da comunidade surda?
(STROBEL1, 2007. Adaptado.)

Ainda não sabemos com certeza absoluta a origem do primeiro alfabeto


manual, também chamado de dactilológico, embora tenha sido praticado
durante muitos séculos antes da Idade Média.

Há fragmentos de registros de que os antigos egípcios, judeus, gregos e


romanos usavam os sinais com os dedos para simbolizar sons e que na Idade
Média os monges beneditinos, na Itália, utilizavam essa prática para comu-
nicar-se a fim de não violar o rígido voto de silêncio, porém não há nenhum
documento que ilustre esses sinais.
1
Doutoranda em Educação pela Universidade ederal de Santa Catarina (UFSC).

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Segundo Carmel (1982), o alfabeto manual foi inserido no meio surdo


através do primeiro professor de surdos, o abade Pedro de Ponce Leon (1520-
1584). No entanto, ele não publicou nada a respeito e o monge Franciscano
Fray de Melchor Yebra (1526-1586) foi o primeiro a escrever um livro que
descreve e ilustra um alfabeto manual da época, que foi publicado sete anos
após a morte dele.

O Yebra usava alfabeto manual para finalidades religiosas ao promover


entre o povo surdo a compreensão de matérias espirituais. É um dos docu-
mentos raros com ilustração de alfabeto manual da época.

[...]

Anos mais tarde, em Madrid, Espanha, o Juan Pablo Bonnet (1579-1629)


publicou o primeiro livro dedicado aos professores de surdos, que fala sobre
o ensino precoce de alfabeto manual no ano de 1620.

O nome dactilologia foi inventado por Saboureaux de Fontenay, surdo,


aluno de Rodrigues Pereire, um professor espanhol pioneiro no ensino de
surdos na França em 1741.

A partir daí o alfabeto manual foi introduzido em vários países com mo-
dificações, de acordo com a ortografia linguística e cultura de cada país. Nin-
guém sabe exatamente quando foi introduzido o alfabeto manual na comu-
nidade surda brasileira, mas se acredita que foi no ano de 1857, na época
em que o professor surdo francês, Eduard Hüet veio ao Rio de Janeiro para
ajudar o imperador Dom Pedro II a fundar a primeira escola de surdos.

O alfabeto usado no Brasil é originado do alfabeto manual francês, se ob-


servarmos bem na figura a seguir, poderemos perceber muitas semelhanças
entre eles.

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Alfabeto Manual Francês

A figura a seguir mostra o alfabeto manual brasileiro que foi publicado


em 1875 por um ex-aluno surdo, Flausino José de Gama, no Rio de Janeiro.
Hoje existem vários tipos de alfabetos manuais. São divulgados de forma
colorida e bonita.

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São usados em obras de arte, ilustram cartazes, agendas, calendários, ca-
misetas, sacolas, pinturas de quadros, fontes de computadores, esculturas,
chaveiros, sites de internet, e outros.

Como podemos perceber, com o passar do tempo os surdos tiveram a


necessidade de registrar suas atuações do cotidiano, como as conquistas, a
língua de sinais, rituais etc. Então, o alfabeto manual foi inserido e aceito e,
assim, o surdo tem uma relação intercultural com o ouvinte, isto é, uma troca
e uma aproximação harmoniosa entre ambas as culturas, respeitando e valo-
rizando as diferenças de cada um.

Dicas de estudo
Acesse os endereços a seguir e conheça as leis que respaldam direta ou indi-
retamente a atuação do intérprete de língua de sinais. Bom estudo!

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Lei 10.098/2000 (Lei da acessibilidade): <www.jurisway.org.br/v2/bancolegis1.as


p?pagina=1&idarea=17&idmodelo=2539>.

Lei 10.172/2001 (Lei do Plano Nacional de Educação): <http://legis.senado.gov.


br/mate-pdf/6308.pdf>.

Resolução MEC/CNE 2/2001 (Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na


Educação Básica): <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf>.

Portaria 3.284/2003, que substituiu a Portaria 1.679/99 (acessibilidade à Educação


Superior): <www.agils.org.br/telas.php?modulo=textos/textos.php&flag=5>.

Atividades
1. Como se dá o desenvolvimento da oralidade na criança surda?

2. O que significa ser intérprete de Libras?

3. Qual o papel da linguagem para o ser humano?

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Gabarito
1. A aquisição oral de uma língua para uma criança surda envolve dinâmicas com-
plexas de conhecimento cognitivo, cultural, social, psíquico e linguístico.

2. O profissional intérprete é responsável por intermediar processos interativos,


conversacionais e discursivos de duas partes. Sob esse ofício, tem (baseado
num princípio ético) a responsabilidade com a veracidade e fidelização das
informações.

3. A apropriação da linguagem é condição sine qua non para o desenvolvimento


global de um sujeito, através dela, o homem estrutura seu pensamento, emite
seus sentimentos, registra e apropria-se do conhecimento, comunica-se com
os seus pares, mergulha na cultura.

Referências
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guesa. (Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos). Publicado em: 2004.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.
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Paraná, a linguagem gestual codificada na Língua Brasileira de Sinais – Libras e
outros recursos de expressão a ela associados, como meio de comunicação obje-
tiva e de uso corrente. Disponível em: <www.cascavel.pr.gov.br/appis/legislacao/
le12095lei.htm>. Acesso em: 10 nov. 2010.

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na prática fonoaudiológica junto a sujeitos surdos. In: Surdez e Abordagem Bi-
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