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“DOM CASMURRO” de MACHADO DE ASSIS

Livre Adaptação: Welington Moraes

Criar uma maquiagem para representar um tom caricatural, porém que carregue
um ser ar de clássico. O personagem DOM CASMURRO é o que leva a
maquiagem mais carregada [mais suja, borrada, num tom mais soturno]. Música
“Don Giovanni” de Mozart. Em cada ápice do começo da ópera, os atores
congelam em cena, formando fotos. Com olhar fixo à plateia, anunciam o
capítulo.

TODOS: Capítulo primeiro: Do Título.

DOM CASMURRO destaca-se deles e inicia a narração. Durante a narração,


BENTINHO e o RAPAZ representam a cena, enquanto os outros atores
representam estar num trem.

DOM CASMURRO: Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo,
encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de
chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e
acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não
fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os
olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e
metesse os versos no bolso.

BENTINHO: Continue.

RAPAZ: Já acabei.

BENTINHO: São muito bonitos.

O RAPAZ faz menção de tirar novamente os versos do bolso, porem se detém e


sai visivelmente aborrecido. Ao sair começa a passar pelos outros atores e
cochichar nos ouvidos deles palavrões e gesticular em direção ao BENTINHO.

DOM CASMURRO: Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não
passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios,
e acabou alcunhando-me Dom Casmurro.

Os atores começam a passar pelo DOM CASMURRO e falam a ele.

ATOR 1: Dom Casmurro, domingo vou jantar com você!

ATOR 2: Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renânia; vê se


deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo!

ATOR 1: Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã.

ATOR 2: Venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote...

ATOR 1: Dou-lhe chá...

ATOR 2: Dou-lhe cama...

ATOR 1 e 2: (juntos)Só não lhe dou moça.

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DOM CASMURRO: Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que
eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom
veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também
não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do
livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor.
E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros
que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto. Agora que expliquei o
título, passo a escrever o livro.

Música “No caminho do bem” de Tim Maia entra, enquanto os atores arrumam o
cenário. Ao fim congelam e falam à plateia.

TODOS: A denúncia.

JOSÉ DIAS: D. Glória, a senhora persiste na idéia de meter o nosso Bentinho no


seminário? É mais que tempo, e já agora pode haver uma dificuldade.

D. GLÓRIA: Que dificuldade?

JOSÉ DIAS: Uma grande dificuldade. A gente do Pádua.

D. GLÓRIA: A gente do pádua?

JOSÉ DIAS: Há algum tempo estou para lhe dizer isto, mas não me atrevia. Não me
parece bonito que o nosso Bentinho ande metido nos cantos com a filha do Tartaruga,
e esta é a dificuldade, porque se eles pegam de namoro, a senhora terá muito que
lutar para separá-los.

D. GLÓRIA: Não acho. Metidos nos cantos?

JOSÉ DIAS: É um modo de falar. Em segredinhos, sempre juntos. Bentinho quase


não sai de lá. A pequena é uma desmiolada; o pai faz que não vê; tomara ele que as
coisas corressem de maneira que... Compreendo o seu gesto; a senhora não crê em
tais cálculos, parece-lhe que todos têm a alma cândida...

D. GLÓRIA: Mas, Sr. José Dias, tenho visto os pequenos brincando, e nunca vi nada
que faça desconfiar. Basta a idade; Bentinho mal tem quinze anos. Capitu fez quatorze
à semana passada; são dois criançolas. Não se esqueça que foram criados juntos,
desde aquela grande enchente, há dez anos, em que a família Pádua perdeu tanta
coisa; daí vieram as nossas relações. Pois eu hei de crer? Sim, creio que o senhor
está enganado.

JOSÉ DIAS: Pode ser, minha senhora. Oxalá tenham razão; mas creia que não falei
senão depois de muito examinar...

D. GLÓRIA: Em todo caso, vai sendo tempo; vou tratar de metê-lo no seminário
quanto antes. É promessa, há de cumprir-se.

JOSÉ DIAS: Sei que você fez promessa... mas uma promessa assim... Não sei...
Creio que,bem pensado... Verdade é que cada um sabe melhor de si, Deus é que
sabe de todos. Contudo, uma promessa de tantos anos... (D. GLÓRIA começa a
chorar) Está chorando? Ora esta! Pois isto é coisa de lágrimas? (D. GLÓRIA chora
mais forte) Desculpe-me D. Glória, se soubesse, não teria falado, mas falei pela
veneração, pela estima, pelo afeto, para cumprir um dever amargo, um dever
amaríssimo...

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Entra a ópera “Faust” de Wagner, enquanto os atores retiram o cenário.

JUNTOS: A ópera.

DOM CASMURRO: A vida é uma ópera e uma grande ópera. Deus é o poeta. A
música é de Satanás, jovem maestro de muito futuro, que aprendeu no conservatório
do céu. Tramou uma rebelião que foi descoberta a tempo, e ele expulso do
conservatório. Tudo se teria passado sem mais nada, se Deus não houvesse escrito
um libreto de ópera, do qual abrira mão. Satanás levou o manuscrito consigo para o
inferno. Com o fim de mostrar que valia mais que os outros, compôs a partitura, e logo
que a acabou foi levá-la ao Padre Eterno.

SATANÁS: Senhor, não desaprendi as lições recebidas. Aqui tendes a partitura,


escutai-a, emendai-a, fazei-a executar, e se a achardes digna das alturas, admitime
com ela a vossos pés...

DEUS: Não, não quero ouvir nada.

SATANÁS: Mas, Senhor...

DEUS: Nada! nada!

SATANÁS: Por favor senhor, por misericórdia...

DEUS: Tudo bem, por misericórdia... Mas fora do céu.

DOM CASMURRO: Criou um teatro especial, este planeta.

SATANÁS: Ouvi agora alguns ensaios!

DEUS: Não, não quero saber de ensaios. Basta-me haver composto o libreto; estou
pronto a dividir contigo os direitos de autor.

DOM CASMURRO: Foi talvez um mal esta recusa; dela resultaram alguns
desconcertos que a audiência prévia e a colaboração amiga teriam evitado. Com
efeito, há lugares em que o verso vai para a direita e a música, para a esquerda. Não
falta quem diga que nisso mesmo está a beleza da composição, fugindo à monotonia.
Trago a vocês essa teoria, contada a mim por meu amigo, o tenor Marcolini, porque a
minha vida se casa bem a definição, como vocês poderão ver a partir de agora.

Entra a música “Elephant Gun” de Beirut. Entram os atores e formam um muro


dividindo CAPITU e BENTINHO. Eles estão deslumbrados, e encostam-se ao
muro, tentando ouvir o que se passa no outro lado. Nesse momento, os atores
que formam o muro saem, de modo que CAPITU e BENTINHO se encostem.
Bentinho fica envergonhado.

CAPITU: Que é que você tem?

BENTINHO: Eu? Nada.

CAPITU: Nada, não; você tem alguma coisa. Que é que você tem?

BENTINHO: Não é nada... Bem... É que... É uma notícia.

CAPITU: Notícia de quê? Então?

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BENTINHO: Você sabe...

Os atores que antes formavam um muro que dividia a cena, agora formam um
muro no fundo da cena, de modo que forme um paredão. Eles seguram cartazes
representando pichações, um com a inscrição: FORA TEMER!; e outro com a
inscrição: BENTO CAPITOLINA. BENTINHO vê a inscrição e fica surpreso e feliz
ao mesmo tempo, enquanto CAPITU tenta esconder o escrito, começando a
tentar apagá-lo. Entra Pádua.

PÁDUA: Capitu!

CAPITU: Papai!

PÁDUA: Não me estragues o reboco do muro. Vocês estão jogando o siso.

CAPITU: Estávamos, sim, senhor, mas Bentinho ri logo, não agüenta.

PÁDUA: Quando eu cheguei à porta, não ria.

CAPITU: Já tinha rido das outras vezes; não pode. Papai quer ver?

CAPITU fica de frente com BENTINHO, séria, como se estivesse jogando o siso
(jogo onde quem rir primeiro perde). BENTINHO fica sério.

CAPITU: Áh, papai. Não ri agora porque está na sua frente.

CAPITU sai rindo.

PÁDUA: Quem dirá que esta pequena tem catorze anos? Parece dezessete. Como
vão Tio Cosme, Prima Justina?

BENTINHO: Estão bem, senhor Pádua.

PÁDUA: Mamãe está boa?

BENTINHO: Está senhor Pádua.

PÁDUA: Há muito dias que não a vejo. Quero ir visitá-la um dia desses. Você já viu o
meu gaturamo? Está ali no fundo. Ia buscar a gaiola; ande ver.

Atores dão menção de sair e congelam. Entra a música “No caminho do bem”.
BENTINHO fica congelado enquanto os outros atores o vestem com uma batina.
Entra CAPITU.

CAPITU: Que negócio é esse de virar padre Bentinho?

BENTINHO: É minha mãe que quer... Mas eu não quero.

CAPITU: Sua mãe? Beata! Carola! Papa-missas!

BENTINHO: É uma promessa antiga. José Dias a lembrou outro dia...

CAPITU: E que interesse tem José Dias em lembrar isto?

BENTINHO: Acho que nenhum; foi só para fazer mal. É um sujeito muito ruim; mas,
deixe estar que me há de pagar. Parece até que chorou.

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CAPITU: José Dias?

BENTINHO: Não, mamãe.

CAPITU: Chorou por quê?

BENTINHO: Não sei; ouvi só dizer que ela não chorasse, que não era cousa de
choro... Ele chegou a mostrar-se arrependido... Mas, deixe estar, que ele me paga! Ele
disse que fazia isso para cumprir um dever amargo, um dever...

Entra DOM CASMURRO:

DOM CASMURRO: ...Amaríssimo! José Dias amava os superlativos. Era um modo de


dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia a prolongar as frases...

CAPITU: Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa.

BENTINHO: Capitu, deixe-me ver os seus olhos...

CAPITU e BENTINHO congelam.

DOM CASMURRO: Vocês podem estranhar o fato de eu querer ver os olhos de


Capitu, no meio de tão delicado momento. Mas ali, a vendo falar, lembrei-me das
palavras de José Dias...

JOSÉ DIAS: Capitu tinhas olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

DOM CASMURRO: Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia...

CAPITU e BENTINHO descongelam. E ficam a se olhar. Entra a música “Elephant


Gun” de Beirut. Vão se aproximando mais e mais, até que José Dias entra de um
lado e arrasta CAPITU para longe de BENTINHO, enquanto DOM CASMURRO faz
o mesmo movimento com BENTINHO, em direção contrária. Os atores fazem um
jogo de força e congelam em dado momento.

TODOS: Um seminarista.

Música sai. Entram BENTINHO e ESCOBAR, cada um de um lado, se olham e se


cumprimentam.

ESCOBAR: Você é novo aqui? Meu nome é Ezequiel de Sousa Escobar.

BENTINHO: (visivelmente abalado, triste) O meu é Bento de Albuquerque Santiago,


mas pode me chamar de Benti... Digo, Santiago.

ESCOBAR: Ah, então pode me chamar de...

DOM CASMURRO: Escobar. (à plateia) Guardem esse nome...

ESCOBAR: Você tá com algum problema?

BENTINHO: Eu... Eu não queria estar aqui... É que tem uma garo... Nada esquece.

ESCOBAR: Nossa... Bem, precisando de alguma coisa, estamos aí. Eu tô indo


mandar uma carta para a minha irmã, quer ir junto? Ela é um anjo... E...

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BENTINHO e ESCOBAR saem conversando.

DOM CASMURRO: Eu e Escobar nos tornamos amicíssimos. E tudo foi acontecendo


no seminário, enquanto a vida corria por fora daquelas paredes. E nessas reviravoltas
da vida, mamãe ficou doente.

BENTINHO e ESCOBAR entram.

ESCOBAR: Não fiques preocupado Santiago. Logo ela ficará boa...

BENTINHO: Mas isso não está certo Escobar... Minha mãe acredita tão em Deus, e
tem mais, eu estou no seminário apesar de não querer; Por que ele é tão injusto com a
gente?

ESCOBAR: Você tem que ser mais firme Santiago... Você tá cheio de incertezas...
Mas mudando de assunto, sabe que eu gostei muito da sua casa. É um espaço muito
bonito e parece que você fica em paz quando está aqui... Santiago, eu não pude
deixar de perceber que você tem um contato muito próximo com a família que mora
aqui atrás...

BENTINHO: A família Pádua? Eles são muito próximos nossos... Sabia que o senhor
Pádua é chamado de tartaruga pelo José Dias?

ESCOBAR: (rindo) Tartaruga?

BENTINHO: É porque ele é baixinho e parece uma tartaruguinha... (os dois riem)
Escobar você precisa ver a filha dele, Capitu, ela tem olhos lindos...

ESCOBAR: Ah! Meu amigo está com um leve brilho nos olhos, seria por causa dessa
tal...

CAPITU entra.

CAPITU: Que amigo é esse tamanho?

CAPITU e ESCOBAR se olham. Entra a música “Elephant Gun” do Beirut.

BENTINHO: Ei, essa música é minha e da Capitu!

Música para. CAPITU e ESCOBAR se cumprimentam.

CAPITU: Prazer o meu nome é Maria Capitolina. Mas pode me chamar de Capitu.

ESCOBAR: Prazer, meu nome é Ezequiel de Sousa Escobar. Mas pode me chamar
de...

DOM CASMURRO: (desdenhando) Escobar...

Ficam apertando a mão durante algum tempo. Bentinho vai ficando com ciúmes.

CAPITU: Então você é o famoso Escobar?

ESCOBAR: E você é a famosa Capitu? Os seus olhos são realmente maravilhosos...

CAPITU: Me conte mais sobre o seminário.

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ESCOBAR: Eu não gosto muito do seminário, para falar a verdade. Minha paixão é o
comércio...

CAPITU: Engraçado, até parece o Bentinho falando, ele também não gosta nada,
nada daquele lugar. Eu disse a ele que ele deveria ser mais firme, falar com a sua mãe
e tal... Mas o Bentinho é um tanto quanto frouxo com as coisas...

Bentinho pigarreia. CAPITU percebe Bentinho.

CAPITU: (abraçando-o) Bentinho!

Os três ficam a gesticular uma conversa, enquanto DOM CASMURRO vai ao


proscênio.

DOM CASMURRO: O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-


regra, isto é, designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros
objetos, e executa dentro os sinais correspondentes ao diálogo, uma trovoada, um
carro, um tiro.

TODOS: Segredo por segredo.

BENTINHO e ESCOBAR vão a cena, enquanto os outros saem.

BENTINHO: Escobar, você é capaz de guardar um segredo?

ESCOBAR: Você que pergunta é porque dúvida, e nesse caso...

BENTINHO: Desculpe, é um modo de falar. Eu sei que é moço sério, e faço de conta
que me confesso a um padre.

ESCOBAR: Se precisa de absolvição, está absolvido.

BENTINHO: Escobar, eu não posso ser padre. Estou aqui, os meus acreditam, e
esperam; mas eu não posso ser padre.

ESCOBAR: Nem eu, Santiago.

BENTINHO: Nem você?

ESCOBAR: Segredo por segredo; também eu tenho o propósito de não acabar o


curso; meu desejo é o comércio, mas não diga nada, absolutamente nada - fica só
entre nós. E não é que eu não seja religioso; sou religioso, mas o comércio é a minha
paixão.

BENTINHO: Só isso?

ESCOBAR: Que mais há de ser?

BENTINHO: Uma pessoa...

ESCOBAR: Uma pessoa? (entende) Há... Bem então é só ir falar com a sua mãe.

BENTINHO: Não dá... Ela fez uma promessa: (declamando) “Se tiver um filho, farei
um padre.”

ESCOBAR: Então, é mais simples que eu achava...

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ESCOBAR: Como assim?

BENTINHO: A promessa não é: (declamando) “Se tiver um filho, farei um padre”?


Então o padre pode ser qualquer um, “farei um padre” e não “farei de meu filho um
padre”. É só a sua mãe pegar um órfão e fazer dele um padre. Simples assim...

Música “Viva la vida!” do Coldplay, enquanto os atores tiram a batina de


BENTINHO. Ele sai pela plateia a procurar CAPITU.

BENTINHO: Capitu! Capitu! Eu saí do seminário Capitu!

Ao se afastar o máximo do palco, BENTINHO se vira e vê CAPITU no centro do


palco. Música muda para “Elephant Gun” do Beirut. BENTINHO e CAPITU se
encontram no corredor e se beijam. Um ator traz um véu de noiva e coloca nela,
DOM CASMURRO traz uma cartola e coloca nele. Se casam. Entram duas
cadeiras. Sentam CAPITU e BENTINHO. Entra DOM CASMURRO.

DOM CASMURRO: Logo depois de casarmos, fomos ao teatro ver uma peça que eu
nunca tinha visto e nem nuca lera antes, conhecia apenas o assunto. A peça chamava-
se: “Otelo, o mouro de Veneza”, de Wiliiam Shakespeare. Na peça, Otelo, general e
destemido guerreiro venesiano, prezava o seu amor a mui gentil Desdêmona. Porem
Otelo tinha um “amigo” chamado Iago, que destilava sua calúnia nos ouvidos do mui
ciumento Otelo, colocando na cabeça do mouro a dúvida sobre a fidelidade de
Desdêmona em relação ao seu tenente Cássio. Vi as grandes raivas do mouro por
causa de um lenço...

BENTINHO: (desdenhando) Um simples lenço!

DOM CASMURRO: Lhes explico... Iago, conseguiu surrupiar o lenço que Otelo
presenteou a mulher, lenço esse herdado de sua mãe, entregando o lenço a Cássio.
Otelo, tomado por total cólera e cego pelo ciúme, questiona a Desdêmona: “O lenço
que te dei, entregaste a Cássio?” “Não meu senhor... Eu perdi o lenço...” “Mentirosa!
Vil e cruel mulher... Em minhas mãos sepulto a tua infidelidade!” Otelo matou a mulher
em sua própria cama, e tudo por causa de um lenço...

BENTINHO: (desdenhando) Um simples lenço!

DOM CASMURRO: É mais uma dessas histórias que só acontecem no teatro...

BENTINHO: (desdenhando) É, só acontece no teatro...

DOM CASMURRO: Onde já se viu, matar a mulher por causa de ciúme...

BENTINHO olha fixamente para CAPITU.

BENTINHO: (olhar fixo, dando o subtexto de comprar a ideia de matar por ciúme)
É, onde já se viu, matar a mulher por causa de ciúme...

DOM CASMURRO sai.

CAPITU: (com uma bolsinha de dinheiro) Veja só Bentinho, o tanto de dinheiro que
a avarenta da sua mulher conseguiu juntar nesse mês.

BENTINHO: Nossa! Extraordinário...

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CAPITU: Mas tenho que confessar que não consegui isso sozinha. Escobar me
ajudou bastante com a contabilidade. Ele tem vindo aqui em casa, durante as tardes...
Quem iria acreditar: Escobar e Sancha – minha melhor amiga – casados, com filho,
uma menina; e ainda por cima chamada Capitu. Por isso decidi, Bentinho, se nascer
um menino, o nosso filho vai se chamar Ezequiel, o primeiro nome do Escobar...

Música “Dor de Cotovelo” de Elza Soares, enquanto CAPITU gesticula. Capitu


sai. Entra Escobar.

ESCOBAR: Santiago, meu amigo, como andas?

SANTIAGO: (ressabiado) Escobar... Como vai o amigo desse tamanho?

ESCOBAR: Vou bem, e a cunhadinha como está?

BENTINHO: Cunhadinha?

ESCOBAR: Há, Santiago... É um apelido carinhoso que dei a Capitu. Afinal, somos
quase irmãos não?

BENTINHO: (totalmente sarcástico) Há sim, muito, afinal você até já frequenta a


minha casa sem a minha presença.

ESCOBAR: Capitu lhe contou? Estou ajudando ela com a contabilidade. Você viu que
ela já conseguiu juntar dez libras? Quando contei isso a Sanchinha, ficou espantada:
“Como é que Capitu conseguiu economizar, agora que tudo está tão caro?” “Não sei,
meu bem; sei é que arranjou dez libras”.

BENTINHO: Vê se ela aprende também.

ESCOBAR: Não creio; Sanchinha não é gastadeira, mas também não é poupada; o
que lhe dou chega, mas só chega.

BENTINHO: (sarcástico) Capitu é um anjo.

ESCOBAR faz que sim com a cabeça. Volta a música “Dor de cotovelo” de Elza
Soares, enquanto ESCOBAR fica a gesticular como que se falasse de Capitu. Ao
fim, música sai.

ESCOBAR: Até mais Santiago, foi bom rever o amigo.

ESCOBAR abraça BENTINHO que não se move, estático. ESCOBAR sai. Entra
DOM CASMURRO.

DOM CASMURRO: Ezequiel nasceu... Um tanto semelhante com Escobar, para dizer
melhor... Tudo estava se esclarecendo para mim, tudo se encaixava. Como eu poderia
ter sido tão estupido. E tudo foi feito na minha cara. Eu ia tomar uma decisão naquela
manhã, até que...

ATOR: O Escobar, na praia... Uma tragédia.

Música “Brave Sea (Full-HD) Ocean Will Be” de Gabriel Yacoub et Bruno Coulais
[youtube]. Atores se dispõem nos lados do palco e esticam um pano azul,
começando a ondulá-lo, como o mar. ESCOBAR se põem atrás do pano e faz
uma partitura de nado [se possível, que fique sem camisa, aparecendo apenas
da cintura para a cima]. ESCOBAR morre. Enquanto DOM CASMURRO narra, o

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pano fica esticado, de modo que esconda ESCOBAR da plateia, para que ele
vista a camisa, deite no chão e se cubra por um pano branco.

DOM CASMURRO: Escobar meteu-se a nadar, como usava fazer, arriscou-se um


pouco mais fora que de costume, apesar do mar bravio, foi enrolado e morreu. As
canoas que acudiram mal puderam trazer-lhe o cadáver.

Sai o pano azul, revelando o corpo de ESCOBAR deitado. Entra CAPITU


chorando. BENTINHO entra e fica a ver o modo que CAPITU se porta.

DOM CASMURRO: Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão
apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e
caladas... os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem
palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse
tragar também o nadador da manhã.

CAPITU seca os olhos. BENTINHO sente ciúmes.

DOM CASMURRO: Assim, o tempo foi passando. E Ezequiel ficava cada vez mais
parecido com ESCOBAR. E não era apenas eu que achava isso...

Atores passam por BENTINHO, falando aos seus ouvidos, atormentando-o.

CAPITU: Você já reparou que Ezequiel tem nos olhos uma expressão esquisita? Só vi
duas pessoas assim, um amigo de papai e o defunto Escobar.

O defunto levanta.

ESCOBAR: Ele é a minha cara Bentinho. A minha cara.

JOSÉ DIAS: Como esse menino é a cara de Escobar...

Entra DOM CASMURRO e dá uma xicara de café com veneno a BENTINHO.


Enquanto narra BENTINHO faz a ação.

DOM CASMURRO: Tinha um plano. Tirei o veneno do bolso, fiquei em mangas de


camisa, e escrevi ainda uma carta, a última, dirigida a Capitu. Nenhuma das outras era
para ela; senti necessidade de lhe dizer uma palavra em que lhe ficasse o remorso da
minha morte. Quando ia a beber, ouvi a voz de Ezequiel no corredor, vi-o entrar e
correr a mim bradando: “Papai! papai!”

Nesse momento BENTINHO e DOM CASMURRO ficam lado a lado, pegando,


juntos, a xicara de café.

DOM CASMURRO e BENTINHO: (juntos) Quer café meu filho?

Fazem menção de entregar a xicara de café ao menino, porem se detém.

BENTINHO: Não, não, eu não sou o teu pai.

Entra CAPITU.

CAPITU: Saia Ezequiel. (brava) Como assim Bentinho, se explique...

BENTINHO: Não há que explicar, disse eu.

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CAPITU: Há tudo, não entendo as tuas lágrimas nem as de Ezequiel. Que houve entre
vocês?

BENTINHO: Não ouviu o que lhe disse?

CAPITU: O que?

BENTINHO: Que não é meu filho.

CAPITU: Que é que lhe deu tal ideia? (silêncio) Diga, diga tudo. Que é que lhe deu
agora tal convicção? Ande, Bentinho, fale! fale!

BENTINHO: Há cousas que se não dizem.

CAPITU: Que se não dizem só metade; mas já que disse metade, diga tudo. Não,
Bentinho, ou conte o resto, para que eu me defenda, se você acha que tenho defesa,
ou peço-lhe desde já a nossa separação: não posso mais!

BENTINHO: A separação é cousa decidida. Uma vez, porém, que a senhora insiste,
aqui vai o que lhe posso dizer, e é tudo. A senhora me traiu com... Com ... Não consigo
nem falar o nome dele.

CAPITU: Pois até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes! Sei a razão
disto; é a casualidade da semelhança... A vontade de Deus explicará tudo... Ri-se? É
natural- apesar do seminário não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto;
não nos fica bem dizer mais nada. Adeus!

Música “Sonhos” de Paulinho Moska, enquanto BENTINHO se transforma em


DOM CASMURRO. Atores trazem roupas iguais ao do ator que fazia DOM
CASMURRO, e carregam sua maquiagem para que ela fique parecida com a dele.
BENTINHO fala com a voz de DOM CASMURRO.

BENTINHO: Depois de várias discussões nos separamos na Europa, longe das vistas
da sociedade daqui. Entenda-se que, se nas viagens que fiz à Europa, José Dias não
foi comigo, não é que lhe faltasse vontade; ficava de companhia a tio Cosme, quase
inválido, e a minha mãe, que envelheceu depressa. Também ele estava velho, posto
que rijo. Ia a bordo despedir-se de mim, e as palavras que me dizia, os gestos de
lenço, os próprios olhos que enxugava eram tais que me comoviam também. A última
vez não foi a bordo.

Entra JOSÉ DIAS.

BENTINHO: Venha...

JOSÉ DIAS: Não posso.

BENTINHO: Está com medo?

JOSÉ DIAS: Não; não posso. Agora, adeus, Bentinho, não sei se me verá mais; creio
que vou para a outra Europa, a eterna...

BENTINHO: Não foi logo; minha mãe embarcou primeiro. Procura no cemitério de São
João Batista uma sepultura sem nome, com esta única indicação: Uma santa. É aí. Fiz
fazer essa inscrição com alguma dificuldade. O escultor achou-a esquisita; o
administrador do cemitério consultou o vigário da paróquia; este ponderou-me que as
santas estão no altar e no Céu.

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JOSÉ DIAS: É porque não a conheceram; se a conhecessem mandariam esculpir
santíssima.

BENTINHO: Não foi o último superlativo de José Dias. Outros teve que não vale a
pena escrever aqui, até que veio o último, o melhor deles, o mais doce, o que lhe fez
da morte um pedaço de vida...

Entra a música “Blowind in the Wind”, versão do canal do Youtube


JuliaHarrimanMusic. JOSÉ DIAS começa a tossir muito. Enquanto isso, um ator
coloca uma cadeira no proscênio, enquanto outro traz um cobertor para JOSÉ
DIAS se cobrir. Música fica de fundo.

JOSÉ DIAS: (morrendo) Ouvi dizer que o céu hoje está lindo. Abra a janela, por
favor...

BENTINHO: Não, o ar pode fazer-lhe mal.

JOSÉ DIAS: Que mal, ar é vida.

Música aumenta. Um ator entra com uma moldura de janela e se coloca no


centro do proscênio, à frente da cadeira de JOSÉ DIAS, que, com esforço, se
levanta com a ajuda de BENTINHO e se coloca olhando para a janela, de modo
que seu rosto fique enquadrado pela mesma. Foco fechado no rosto de JOSÉ
DIAS, que emocionado olha o céu. Outro ator começa, com um leque, a fazer
vento no rosto dele.

JOSÉ DIAS: Lindíssimo!

Luz cai em resistência. Blecaute. Ao acender, BENTINHO está sozinho.

BENTINHO: Foi a última palavra que proferiu neste mundo. Pobre José Dias! Por que
hei de negar que chorei por ele? Ezequiel, voltou com as feições cada vez mais
parecidas das de Escobar. Desejei que ele morresse de lepra. Erro meu: ele morreu
de febre tifoide durante uma viajem. Foi enterrado em Jerusalém. Mulheres tive
muitas, mas nenhuma com os olhos de Capitu. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada.
Capitu tinha olhos de ressaca.

Música “Elephant Gun” de Beirut entra durante a fala de BENTINHO. Criar uma
partitura para finalizar a peça, onde Capitu vai hora na mão de BENTINHO, hora
na de ESCOBAR, enquanto DOM CASMURRO fica tentando pegá-la.

FIM.

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