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FERNANDA COUTO
PSICÓLOGA CRP 02/20564
www.instagra.com/fernandac_psi www.instagram.com/mutuar_gt
SUMÁRIO
ARTIGO
RESUMO
O presente artigo apresenta o diagnóstico na visão fenomenológica-existencial
partindo da exposição de pressupostos filosóficos tais como: fenomenologia,
existencialismo e filosofia dialógica de Martin Buber. Através de autores como
Yontef, Buber, Moreira, dentre outros, procurou-se demonstrar que se fazer um
diagnóstico não é enquadrar um sujeito dentro de uma categorização já
estabelecida, mas, ao contrário, o diagnóstico vai sendo construído a partir do
discurso do sujeito, da forma como ele se percebe e percebe o mundo.
Palavras-chave: Fenomenologia; Existencialismo; Filosofia dialógica;
Diagnóstico.
ABSTRACT
This article presents the diagnostics on the vision phenomenological-existential
exposure of philosophical assumptions such as: Phenomenology,
Existentialism, and philosophy dialógica Martin Buber. By authors such as
Yontef, Buber, Moreira, among others, have tried to demonstrate that making a
diagnostics is not tallied a subject within a categorization already established,
but instead, the diagnostics will being constructed from the speech of the
subject, as it realizes and sees the world.
Keywords: Phenomenology; Existentialism; Philosophy dialógica; Diagnostics.
INTRODUÇÃO
Alguns questionamentos ainda surgem quando se fala sobre o diagnóstico na
abordagem fenomenológica-existencial. Podemos trabalhar com o diagnóstico?
A resposta a esta pergunta é sim, porém, o trabalho é feito de uma forma
diferente. Não rotulamos o nosso cliente e a partir daí tratamos a patologia.
Mas ao contrário, reconhecemos o cliente com tal patologia e trataremos do
cliente, da forma como ele se percebe enquanto “doente”, de como ele lida com
a sua patologia.
Segundo Yontef (1998a), para a psicanálise clássica, o diagnóstico se tornava
o ponto focal da atenção do terapeuta e a principal fonte de suas
interpretações. O contato com o cliente parecia não ter muita importância. O
terapeuta era visto como a autoridade que detinha o poder e sendo assim, era
ele quem dizia qual o problema, as causas e o tratamento a ser seguido pelo
cliente. Assim, depois de categorizado em uma determinada patologia, tratava-
se da doença e não do cliente.
Yontef (1998b) afirma que “o diagnóstico fazia parte do sistema hierárquico
vertical, no qual o diálogo e a experiência imediata factual do paciente se
subordinavam à teoria, ao diagnóstico e à autoridade” (p. 273).
O movimento humanístico e existencial veio se contrapor a essa abordagem
enfatizando a importância da singularidade do indivíduo, o relacionamento do
terapeuta com o cliente, o aqui e agora, a criatividade, dentre outros. No
movimento humanístico-existencial, o cliente e o terapeuta trabalham em
conjunto, como iguais, pois o conhecimento emerge do contato dialógico.
Há uma relação de horizontalidade onde os dois, tanto o terapeuta quanto o
cliente têm importância ao longo do processo psicoterápico, embora o foco da
terapia esteja no cliente.
O objetivo do presente artigo é discutir como se dá o diagnóstico dentro da
visão fenomenológico-existencial partindo de uma breve apresentação de
alguns fundamentos filosóficos como a fenomenologia, existencialismo e
filosofia dialógica de Martin Buber até o ponto de interesse deste trabalho que é
a discussão do diagnóstico na visão fenomenológico-existencial.
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
Iniciamos nossa fundamentação filosófica com a fenomenologia. A
fenomenologia é a ciência que procura abordar o fenômeno, aquilo que se
manifesta por si mesmo. Ela tem a intenção de abordá-lo, interrogá-lo,
procurando descrevê-lo e tentando captar sua essência. Ela estuda o
fenômeno tal qual ele se apresenta a consciência. O método fenomenológico
consiste numa descrição sistemática dos fenômenos até chegar a sua
essência, ao ponto final e irredutível da percepção.
por uma mesma experiência e esta ser traumática para um e para o outro ser
simples. O que vai dar este significado é a consciência.
Ao se utilizar do método fenomenológico, o psicólogo busca compreender o
homem, não esquecendo, no entanto, sua essência, tentando captar o sujeito
em seu original.
Faz-se necessário abordarmos aqui a filosofia existencial para que fique clara a
visão de homem. A forma como o cliente é percebido pelo terapeuta dentro de
uma abordagem humanista.
Para o existencialismo a existência precede a essência, ou seja, primeiro se
existe para só depois ser alguma coisa. O homem é que se constitui, é que se
faz a partir do que vive e da sua relação com o mundo. Ele nasce “nada” e vai
se acrescentando.
O existencialismo também fala sobre a liberdade. Para ele o homem é livre
para fazer suas escolhas. O homem está sempre escolhendo e até mesmo no
momento em que ele não escolhe nada, ele já está fazendo uma escolha.
É a partir destas escolhas que ele vai se constituindo, que vai escrevendo a
sua história. Sendo o homem livre para escolher, ele acaba se tornando
responsável pela sua existência.
Para os existencialistas o homem é responsável por tudo o que faz. Sendo
assim, não existe uma natureza determinada e imutável, mas pelo contrário, é
a partir da liberdade que ele tem para fazer escolhas que ele está sempre
mudando, se constituindo. O homem, portanto, cria o próprio mundo na razão
em que lhe dá significados.
O homem aqui é visto como um ser particular com vontade e liberdade
pessoais, consciente e responsável.
Heidegger afirma que “só o homem existe, enquanto modo característico de
estar no mundo, ao passo que as coisas simplesmente são”. Acredito que esta
sua afirmação diz respeito ao fato de que as coisas têm uma essência
imutável, por isso que elas são. Já o homem é mutável. Ele faz escolhas a
partir de seus sentimentos, entendimentos, ele reflete sobre si, por isso que ele
não só é, mas existe. E essa existência faz parte de um projeto.
Projeto é um conceito fundamental do existencialismo. O homem é um projeto
de si próprio porque ele está sempre se refazendo e é por conta desse
constante movimento de mudança, de se construir a cada dia que podemos
afirmar que o homem é uma existência. Ele é aquilo que ele projeta ser, aquilo
que ele decide ser.
Como terapeutas, não podemos dizer ao cliente o que é bom ou mau, pois o
valor das coisas varia de sujeito para sujeito. Isso tudo por conta da
individualidade. Essa individualidade é básica para o existencialismo.
O homem não é como uma semente que já vem determinada. De uma semente
de jasmim não poderá nascer uma roseira, somente um pé de jasmim. Já o
Revista IGT na Rede, V.7, Nº 13, 2010, Página 319 de 323.
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526
ARAÚJO, Ariana Maria Leite - O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial
homem pode se fazer bom ou mau, feliz ou triste... Ele é um ser individual,
único. Por mais que existam outros parecidos, jamais serão idênticos. Seus
pensamentos, suas emoções, suas vivências são únicas.
É tarefa do terapeuta levar o cliente a tomar consciência do seu projeto, do que
ele está fazendo e do como se está fazendo. Que ele encontre o seu potencial
transformador. É colocar o cliente a todo o instante diante de si mesmo, se
observando como sujeito responsável pelas suas escolhas.
Antes de chegarmos ao ponto central deste trabalho, que é o diagnóstico
dentro de uma visão fenomenológica-existencial, discutiremos um pouco a
respeito da relação tendo como embasamento teórico a filosofia dialógica de
Martin Buber.
Estabelecer o diagnóstico para a fenomenologia-existencial é identificar em que
ponto de sua existência o sujeito se encontra e que significados ele atribui a si
e ao mundo.
O homem é um ser em relação e é por conta dessa relação com outros seres
que ele existe, que ele se constitui. Para Buber (2001a) existem duas formas
do homem se relacionar, ou seja, duas atitudes frente ao mundo que são as
atitudes EU-TU e EU-ISSO. Buber (2001b) diz que “a atitude é um ato
essencial ou ontológico em virtude da palavra proferida. Cada atitude é
atualizada por uma das palavras-princípio, EU-TU ou EU-ISSO. A palavra-
princípio, uma vez proferida, fundamenta um modo de existir” (p. 32).
A palavra-princípio EU dessas duas atitudes são diferentes. A palavra-princípio
EU-TU fundamenta o mundo da relação. Na relação EU-TU a pessoa é um fim
em si mesma. No processo psicoterápico a relação EU-TU acontece quando o
terapeuta reconhece o seu cliente como ser único e compartilha junto com ele
da sua experiência. E o cliente se sente ouvido e compreendido pelo terapeuta.
Nesta atitude há um grande interesse na pessoa com quem estamos,
interagindo verdadeiramente como pessoa.
Não existe um EU independente de um TU. Estas duas palavras só existem na
relação. O EU só se torna EU em virtude do TU assim como também o TU só
se torna TU em virtude do EU. Buber (2001c) afirma que “nem meu TU é
idêntico ao EU do outro nem seu TU é idêntico ao meu EU” (p. 34).
Para Buber (2001d), a realidade humana é compreendida através do prisma do
“dialógico”. É através do diálogo que se pode estabelecer um vínculo entre a
experiência vivida e a reflexão, entre o pensamento e a ação. Na relação EU-
TU, o EU é determinado pela presença do outro que está em sua presença
como TU. Esta relação é essencialmente recíproca.
Buber (2001e) distingue quatro aspectos essenciais e indispensáveis a
qualquer relação EU-TU. São eles: reciprocidade, presença, imediatez e a
responsabilidade.
A responsabilidade indica a existência de uma dupla ação mútua entre os
parceiros da relação e é nessa reciprocidade que o EU e o TU se
presentificam. A presença é justamente o momento, o instante, a reciprocidade.
Revista IGT na Rede, V.7, Nº 13, 2010, Página 320 de 323.
Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/ ISSN 1807-2526
ARAÚJO, Ariana Maria Leite - O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial
O cliente deve ser olhado de forma única, singular, sendo respeitada a sua
totalidade. Não se pode, portanto, ser avaliado já dentro de padrões
estabelecidos, pois ele é antes de tudo uma pessoa que sofre, que precisa ser
ouvida e compreendida a partir dos seus próprios sentimentos, emoções, do
que ela fala, do que vivencia.
Angerami (1984, apud TENÓRIO, 2003) afirma que “o existencialismo, em sua
exuberância, mostra que a existência é um contínuo vir a ser, um sempre ainda
não, com a possibilidade de um poder ser. Desse modo, é totalmente
inaceitável a rotulação do ser humano, aprisionando-o dentro de determinadas
categorias diagnósticas” (p. 41).
O cliente deve ser tratado como um todo, um inteiro para que sua integridade
emerja no encontro pessoa-a-pessoa, dando um relacionamento horizontal ao
invés de vertical, num trabalho em conjunto entre o paciente e o terapeuta,
onde a autoridade não esteja depositada no terapeuta e nem na teoria e sim na
experiência vivida que emergiria do diálogo entre terapeuta e cliente.
Sendo assim, segundo Moreira (1987) “o diagnóstico não trata, portanto, da
rotulação do indivíduo inserindo-o em uma determinada categoria de doença
mental, mas de tentar identificar em que ponto de sua existência a pessoa se
encontra e que significado ela atribui a si e ao mundo”. (p. 263).
Encontramos também em Tenório (2003):
“A pessoa, no processo diagnóstico, deve ser apreendida como
sendo um fenômeno único e, como tal, respeitada em sua
totalidade: não deve portanto ser avaliada segundo normas e
padrões de comportamentos preestabelecidos, numa total revelia
a sua própria existência. Seu nível de crescimento ou de
maturidade deve ser dimensionado por meio dos projetos de vida
por ela própria idealizados e de acordo com seu próprio mundo e
contexto existencial” (p. 41).
Na relação terapêutica os sintomas presentes no cliente não devem ser o foco
da psicoterapia. O terapeuta deve, numa atitude fenomenológico-existencial,
colocar entre parênteses todo seu conhecimento teórico acerca de uma tal
patologia e olhar para o cliente da forma em que ele se apresenta, pois é
através da intersubjetividade que será alcançada uma compreensão objetiva da
realidade do cliente.
Assim, podemos afirmar que o diagnóstico deve ser feito com reconhecimento
da estrutura do todo e como qualquer forma de significado ele é construído do
que emerge do contato entre terapeuta e cliente. Um processo de respeito
onde categorização e avaliação são partes indispensáveis do processo desde
que realizado de forma respeitosa bem-ponderada e com awareness completa.
Uma boa descrição diagnóstica não é apenas uma categorização, mas traz
informação facilitando a compreensão da estrutura psicológica do cliente,
fazendo com que o terapeuta não fique apenas no diagnóstico em si e na
melhor teoria para aplicá-lo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
E-mail: arianaleitee@bol.com.br
VOLTA REDONDA
2016
PATRÍCIA REBECA DA SILVA MORATO
VOLTA REDONDA
2016
PATRÍCIA REBECA DA SILVA MORATO
BANCA EXAMINADORA
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VOLTA REDONDA
2016
AGRADECIMENTOS
À Deus em primeiro lugar pelo privilégio de ter cursado minha graduação nesta
Universidade. Gratidão por ter me dado forças para superar todos os momentos de dificuldade
e também por todas as bênçãos que me concedeu ao longo desta caminhada.
Em especial, agradeço a professora Priscila Pires Alves, que foi mais que uma
orientadora. É quem trouxe inspiração, ânimo e encorajamento. Muito obrigada por sua
dedicação, apoio e carinho! Obrigada por ter feito parte deste momento tão importante em
minha vida!
Agradeço aos meus pais que desde o começo sempre me apoiaram, tiveram paciência
e me motivaram durante o curso. Obrigada por estarem tão presentes em minha vida.
Aos meus amigos que me acompanharam desde a entrada na faculdade, que vibraram
junto comigo este momento de alegria e que também compreenderam meus momentos de
ausência por estar me dedicando aos meus estudos. Obrigada por estarem ao meu lado e por
orarem por mim.
Agradeço aos meus colegas de faculdade que juntos superamos dificuldades, trocamos
experiências e compartilhamos aprendizagem e conhecimento. O resultado disso foi ter sido
possível chegar até aqui!
“Todo autista tem potencialidades para
transcender dentro de sua especificidade, por
isso, ensine um autista de várias maneiras,
pois assim, ele conseguirá aprender. ”
Simone Helen Drumond Ischkanian
RESUMO
This study seeks to understand the Autism Spectrum Disorder characteristics from a
historical, with the presentation of DSM-I, DSM-II, DSM-III, DSM-IV and DMS-V and also
the hypotheses about the causes of autism. From this, we try to present as the therapeutic
management with basis in gestalt approach can help both people with autism - that this work
focuses more children - and how they can be an instrument to parents. For this, a device is
presented - ADACA project (Digital Learning Environment for Children with Autism) that
develops assistive technology and introduced itself as an effective tool in helping the autistic
children through learning and independence of these. In that context, it emphasizes how
psychology can contribute as an important agent in the interaction process in ADACA
environment. Through this study, we will understand how we can turn our attention to autism
without discrimination and degrade, always in search of a unique look.
TA - Tecnologia Assistiva
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
Capítulo 1: CONHECENDO O AUTISMO: HISTÓRICO, DEFINIÇÃO, CAUSAS E
DIAGNÓSTICO .................................................................................................................... 12
1.1 Breve resgate histórico ................................................................................................. 12
1.2 Hipóteses sobre as causas do autismo .......................................................................... 13
1.3 Diagnosticando o autismo: a entrada no DSM ............................................................. 15
Capítulo 2: ENTRE PAIS E FILHOS AUTISTAS ............................................................ 20
Capítulo 3: LINGUAGEM: UMA NOVA FORMA DE SE COMUNICAR ................... 23
3.1 Ecolalia ......................................................................................................................... 24
Capítulo 4: O AUTISMO E A GESTALT-TERAPIA....................................................... 26
Capítulo 5: ADACA: UM MÉTODO FACILITADOR .................................................... 30
6. METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................................. 34
6.1 Estudo de caso .............................................................................................................. 35
6.1.1 Histórico .................................................................................................................... 35
6.1.2 Entrada no ADACA .................................................................................................. 37
6.2 Papel da psicologia ....................................................................................................... 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................ 41
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA..................................................................................... 43
ANEXO I ................................................................................................................................ 46
ANEXO II .............................................................................................................................. 55
ANEXO III ............................................................................................................................. 58
ANEXO IV ............................................................................................................................. 62
10
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho busca-se discutir o Autismo por meio de sua caracterização e o enfoque
terapêutico a partir da abordagem gestáltica. A palavra autismo vem do grego “autos” e
significa “si mesmo”. Tal distúrbio foi descoberto na década de 40 pelo psiquiatra americano
Leo Kanner e o pediatra austríaco Hasn Asperger, distúrbio este que afeta milhares de
crianças.
Este nome foi dado devido as caracterizações específicas do autista, sendo este traço
marcante o isolamento do mundo exterior, comprometendo assim consequentemente, uma
interação social. Hoje em dia, é usado o termo Transtorno do Espectro do Autismo (TEA.)
Há tempos atrás, o autismo era pouco falado em nossa sociedade, porém, em nossos
dias, as pesquisas indicam que uma em cada cem crianças é portadora do TEA, sendo mais
manifestado em meninos que em meninas. (Revista Autismo. Agosto/2010)
Por volta dos primeiros anos de vida já se pode notar alguns sinais que indicam o
transtorno. Os sinais mais típicos são o comprometimento da fala, estereotipias,
comportamento restritivo e repetitivo.
Ao ser dado o diagnóstico, toda a família também se envolve e se alaga num turbilhão
de emoções, de descrença, medo e tristeza. A incerteza e a insegurança surgem e muitos pais
não sabem o que fazer diante de tal diagnóstico. Apesar de não ter um manual do que fazer,
há muitos recursos que tem auxiliado muitas crianças autistas, favorecendo que estas sejam
mais independentes.
Ainda se discute muito a respeito da causa. Por isso, posteriormente serão trazidas
algumas hipóteses, como teorias psicogenéticas e biológicas, que nos ajudarão a entender
como o TEA era compreendido anteriormente, e como tem sido a compreensão desse
fenômeno nos dias de hoje.
11
Sendo um assunto que tem ganhado mais espaço na sociedade, é importante termos
um maior conhecimento acerca do transtorno e também compreendermos os meios
terapêuticos que podem ser usados como dispositivo tanto para a criança autista, como
também para a família, possibilitando uma efetiva receptividade ao autista em nosso mundo.
A primeira vez que o termo autismo foi usado, se remete a uma monografia
intitulada “Dementiapraecoxoder Gruppe der Schizophrenien”, por Eugen Bleuler,
publicado em Viena, 1911.
Mais tarde, o psiquiatra polonês Eugène Minkowski, traz uma definição acerca do
autismo baseado na perspectiva trazida por Henri Bergson de Elã Vital, referenciando então
autismo como a perda de contato com a realidade elã vital. Por elã vital, podemos entender
como “um impulso original de criação de onde provém a vida e que, no desenrolar do
processo evolutivo, inventa formas de complexidade crescente até chegar, no animal, ao
instinto e, no homem, à intuição, que é o próprio instinto tomando consciência de si mesmo.”
(Silva 2006 e Rochamonte 2011)
Como o passar dos anos, em torno do final da Segunda Guerra Mundial, duas
contribuições marcam fortemente a época dos estudos sobre psicopatologia infantil: Leo
Kanner e Hans Asperger.
13
A discussão acerca das causas do autismo é muito ampla e gira em torno de várias
controvérsias. As explicações são inconsistentes e especialistas voltam-se praticamente a
descrições de sintomas, percepções, comportamentos, porém, não há ainda uma clareza e nem
mesmo um consenso sobre a causa do autismo de forma completa.
Vamos expor aqui dois blocos de teorias que se opõe: teorias psicogenéticas e teorias
biológicas. De acordo com a teoria psicogenética defendida por Klin - um estudioso psicólogo
americano - a criança se tornava autista devido a fatores familiares adversos que
desencadeavam o transtorno. Portanto, tratava-se de uma criança sadia, normal que sofreria as
consequências do meio em que vivia.
A partir desta teoria, várias pesquisas se iniciaram e surgem alguns eixos importantes
sendo eles o stress precoce, as patologias psiquiátricas parentais, o quociente de inteligência e
classe social dos pais e a inteiração entre pais e filhos. Por meio de diversas pesquisas,
Leboyer (obstetra francês) observa que a teoria da psicogenética não trazia explicações a
respeito da patologia do autismo e trazia a discordância que os pais fossem os causadores por
gerar o transtorno em seus filhos.
14
Segundo Laboyer:
[...] A lista de situações patológicas é muito extensa e inclui fatores pré, peri e
neonatais, infecções virais neonatais, doenças metabólicas, doenças neurológicas e
doenças hereditárias. Apesar da ausência aparente de ligação entre elas, um ponto
comum às reúne: todas as patologias são suscetíveis de induzir uma disfunção
cerebral que interfere no desenvolvimento do sistema nervoso central. (LEBOYER,
2005, p.60).
Pesquisas mais recentes (2008), por Tamanaha, Perissinoto e Chiari, apontam que a
causa do autismo pode estar ligada a alterações neuroanatômicas, mais especificamente
masculino. Isso se justifica pelo fato de que os autistas estariam expostos no período pré-natal
a taxas de testosterona alta e como consequência, o seu processo de socialização se dá de
forma sintética e metódica.
Ainda que não se tenha um consenso acerca das causas do autismo, é fundamental que
se busque uma compreensão de sua manifestação enquanto um fenômeno que se revela em
pessoas que demandam interação e vínculo. Esses são grandes desafios no trabalho com o
autismo na contemporaneidade.
15
Durante muito tempo, houve muita confusão sobre a natureza e etimologia do autismo.
Em 1952, quando foi publicada a primeira edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais,) manual este composto por nomenclaturas e critérios padrões para
diagnosticar determinado transtorno mental, os sintomas de autismo não eram considerados
como um diagnóstico separado, ou seja, eram classificados como um subgrupo da
esquizofrenia infantil.
Para a publicação do DSM-III, este tem uma grande influência de Michael Rutter
(1978), trazendo uma importante influência para a compreensão desse transtorno mental.
Rutter compreende o autismo a partir de quatro critérios: 1) atraso e desvio sociais não só
como deficiência intelectual; 2) problemas de comunicação e novamente, não só em função
de deficiência intelectual associada; 3) comportamentos incomuns, tais como movimentos
estereotipados e maneirismos; e 4) início antes dos 30 meses de idade.
Invasivos do Desenvolvimento (TIDs). Dessa forma, havia o entendimento que diversas áreas
do funcionamento do cérebro era afetado no autismo.
A. Somar um total de seis (ou mais) itens dos marcadores (1), (2), e (3), com pelo
menosdois do (1), e um do (2) e um do (3).
1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois dos
seguintes itens:
a. Destacada diminuição no uso de comportamentos não-verbais múltiplos, tais
como contato ocular, expressão facial, postura corporal e gestos para lidar com a
interação social.
b. Dificuldade em desenvolver relações de companheirismo apropriadas para o nível
de comportamento.
c. Falta de procura espontânea em dividir satisfações, interesses ou realizações com
outras pessoas, por exemplo: dificuldades em mostrar, trazer ou apontar objetos de
interesse.
d. Ausência de reciprocidade social ou emocional.
2. Marcante lesão na comunicação, manifestada por pelo menos um dos seguintes
itens:
a. Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral, sem ocorrência
de tentativas de compensação através de modos alternativos de comunicação, tais
como gestos ou mímicas.
b. Em indivíduos com fala normal, destacada diminuição da habilidade de iniciar ou
manter uma conversa com outras pessoas.
c. Ausência de ações variadas, espontâneas e imaginárias ou ações de imitação
social apropriadas para o nível de desenvolvimento.
3. Padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, interesses e
atividades, manifestados por pelo menos um dos seguintes itens:
a. Obsessão por um ou mais padrões estereotipados e restritos de interesse que seja
anormal tanto em intensidade quanto em foco.
b. Fidelidade aparentemente inflexível a rotinas ou rituais não funcionais
específicos.
c. Hábitos motores estereotipados e repetitivos, por exemplo: agitação ou torção das
mãos ou dedos, ou movimentos corporais complexos.
d. Obsessão por partes de objetos.
4. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com
início antes dos 3 anos de idade:
a. Linguagem social.
b. Linguagem usada na comunicação social.
c. Ação simbólica ou imaginária.
A partir disso, surge então algumas mudanças para o diagnóstico, de acordo com o
DSM-V (2013):
Diagnosticar uma criança com autismo não é algo tão simples pela falta de exames
para identificá-lo. Para chegar ao diagnóstico, a criança deve passar por uma observação por
meio de uma equipe especializada, no qual a observação terá relevância no comportamento da
criança e também a forma que ela se desenvolve diante de suas relações sociais. É importante
destacar a necessidade da equipe estar preparada para fazer o diagnóstico diferencial.
Na fase de zero a seis meses, o bebê demora a responder sorrisos ou simplesmente não
o responde. Demonstra pouco ou quase nenhum interesse por objetos, como o chocalho,
porém, tem uma reação exagerada quando se trata de sons como o de uma buzina.
Na fase dos seis aos doze meses é marcado pela recusa em reter, mastigar ou engolir
alimentos sólidos. Como o bebê autista não é afetuoso, as etapas de engatinhar, sentar e dar os
primeiros passos se atrasam.
Nessa idade, a criança tem pouco interesse em brinquedos (função usual). Apresentam
um desenvolvimento pequeno no que diz respeito a imaginação. Se mostram indiferentes e
sem interesse em manter relações interpessoais.
De acordo com as pesquisas realizadas pelo governo dos Estados Unidos no ano de
2010, divulgados em março de 2014 pelo CDC, o número de casos de autismo subiu para 1
19
em cada 68 crianças com 8 anos de idade, sendo 1 em cada 42 meninos, e 1 em cada 189
meninas.
Esse número revela um aumento de quase 30% em relação aos dados obtidos no ano
de 2008, nos quais apontavam 1 caso de autismo a cada 88 crianças. Já em 2006, dados
apontam que para cada 110 crianças, 1 era diagnostica com autismo. No Brasil, embora não
haja estudos completos de prevalência, cerca de 2 milhões de pessoas são atingidas pelo
autismo.
Podemos perceber com base nos dados apresentados acima que, conforme se ampliou
os critérios de diagnóstico de autismo, aumentou-se consequentemente um maior número de
casos. Com os diversos estudos e trabalhos produzidos, aumentou-se a eficiência para
diagnosticar o autismo.
Há algumas razões para o aumento desta prevalência, tais como: o uso de um conceito
mais amplo, sendo o autismo compreendido como espectro de condições no qual ocorrem
modificações nos níveis de severidade e de manifestações, o que fez com que mais pessoas se
encaixassem nesse diagnóstico; maior conscientização entre os profissionais e educacionais,
como o pensamento voltado a ideia que se aceite o autismo e que o mesmo possa conviver
com outras condições; melhoras nos serviços de atendimento aos autistas, com
aprimoramento nos serviços de educação e terapêuticos, possibilitando uma melhor avaliação
clínica; e o aumento de estudos epidemiológicos, no qual tem sido possível identificar casos
que anteriormente não eram apontados em amostras clínicas.
A família constitui uma das instituições mais sólidas da sociedade. É o lugar onde
nascem e se desenvolvem os serem humanos, conferindo a eles um suporte
emocional, econômico e geográfico que possibilite seu desenvolvimento e sua
inserção sociais. À medida que vão constituindo sua própria identidade, tingida pela
identidade familiar vão se desprendendo da família original para vir a estabelecer,
um dia, sua família nuclear. (2000, p. 88)
Por meio das relações familiares podemos dar significado aos diversos acontecimentos
da vida, e por meio dele são entregues a experiência individual. É por meio destas relações
familiares que se dá o desenvolvimento das experiências das realizações e também dos
fracassos humanos.
A chegada do primeiro filho faz um casal tonar-se família. Agora quem era esposa
torna-se mãe e quem era marido, pai. Toda expectativa é gerada em torno desce filho que está
chegando na família.
Quando falamos de uma família que apresenta um membro autista, esta trata-se de
uma instituição social significativa, pois a síndrome revela uma interrupção no
posicionamento social tanto de relacionamentos internos, quanto nos vínculos externos. Esta
família é marcada por desequilíbrio emocional, insegurança e instabilidade.
Em 1979, DeMyer publicou seu trabalho que retratava acerca do estresse gerado em
pais de autistas, nos quais os resultados apontaram que as mães são as que sofrem maior
21
tensão física e psicológica, enquanto que os pais, embora também se mostrassem afetados,
apresentava-se de modo indireto.
Um outro estudo apresentado por Milgram e Atzil, em 1988, apontam que as mães têm
a maior probabilidade de passarem por uma crise e estresse parental que os pais. Isso pode ser
explicado pelo fato dos cuidados que se deve ter com as crianças, que de acordo com a
expectativa social, acredita-se que as mães tomam esse cuidado para si.
Este é o conceito estabelecido para o mundo àqueles que se encontram nesta situação.
É lamentável pensar que as pessoas veem isso como algo negativo e que desestrutura a
família, não buscando soluções que possam dar suporte e orientação.
Frente a essas premissas, a teoria que prevalece é a de rejeição, e os pais são colocados
como agentes causadores da deficiência. Muitos estudos refutam que a doença está ligada a
culpabilidade dos pais e os coloca como essenciais para o tratamento e desenvolvimento das
crianças.
subjetivos singulares das dinâmicas situadas na relação com a criança autista, consistirá em
um resultado positivo para uma dinâmica familiar funcional.
Não havendo um manual de como lidar com a criança autista, cabe aos pais estarem
atentos aos gestos, olhares e meios de comunicação que a criança estabelece a fim de
encontrarem uma melhor maneira de enfrentar o transtorno.
Tire todas as suas dúvidas quanto ao diagnóstico do seu filho: não tenha medo
ou vergonha de perguntar;
Permita-se sofrer: este é realmente um momento muito doloroso, com o tempo
você vai criar novos sonhos e outros objetivos vão surgir, mas no início é
importante viver a sua dor;
Reaprenda a administrar o seu tempo: você precisará reorganizar a sua vida para
investir no seu filho. Procure centros de tratamento especializado;
Saiba quais são os objetivos a curto prazo para o seu filho: é através disso que
você poderá avaliar se o tratamento está sendo eficaz.
Evite: todos que lhe acenarem com curas milagrosas; todos que atribuírem a
culpa do autismo aos pais e todos os profissionais desinformados ou
desatualizados.
Uma das coisas mais almejadas pelos pais ao longo do desenvolvimento de seu filho é
o aprender a falar. Porém, as crianças diagnosticadas como autistas apresentam dificuldades
de linguagem e consequentemente um atraso na capacidade de falar.
Muitos pais insistem na questão da fala, como algo obrigatório a acontecer, porém,
nem todo autista quer falar e sim, se expressar de uma outra maneira. Eles podem assumir um
comportamento pré-linguístico, no qual guia outra pessoa para executar determinada função.
Podem se utilizar também de gestos, movimento corporal, sons vocais. Nenhum destes
comportamentos expressos por essas crianças devem ser descartados, pois é a maneira que
elas encontram para se comunicarem.
Porém, podemos nos questionar a respeito desta discussão de a criança autista “ter que
falar”. O que seria mais importante: a criança autista falar ou investir no ensinamento de
outros tipos de comunicação? Existe outras formas de se trabalhar com a criança autista. Uma
delas é a Terapia da Fala, a fim de eliminar formas pré-simbólicas não convencionais, como o
grito, e substituí-las por instrumentos convencionais de comunicação, pré-simbólicas,
expandindo-se as intenções comunicativas às categorias pragmáticas não utilizadas.
3.1 Ecolalia
Embora haja controvérsias de que a ecolalia não tenha função comunicativa alguma,
há estudos que a apontam como uma importante ferramenta em se tratando de comunicação e
que pode até mesmo ser utilizado como terapia fonoaudiológica.
Mas afinal, o que é ecolalia? A ecolalia trata-se da repetição em eco da fala do outro.
Esta ecolalia pode ocorrer em três categorias: imediata, tardia ou mitigada. A ecolalia
imediata acontece em pouco tempo ou logo em seguida da fala modelo. Já a tardia, ocorre
após um tempo maior de sua fala modelo, e a mitigada acontece em casos em que podem
acontecer modificações da emissão ecoada, seja ela imediata ou tardia.
Com a aceitação da fala ecolálica da criança, esta se torna mais motivada e permite-se
assim a busca por falas mais criativas. Pode-se evidenciar que a ecolalia é sim, de fato, uma
etapa relevante na obtenção de linguagem de pessoas autistas.
26
Segundo Perls:
Gestalt-Terapia, embora formalmente apresentada como um tipo de psicoterapia, é
baseada em princípios que são considerados como uma forma saudável de vida. Em
outras palavras, é primeiro uma filosofia de vida, uma forma de ser, e com base
nisto, há maneiras de aplicar este conhecimento de forma que outras pessoas possam
beneficiar-se dele. Gestalt-Terapia é a organização prática da filosofia da Gestalt.
Felizmente o gestalt-terapeuta é antes identificado por quem ele é como pessoa, do
que pelo que é ou faz. (Perls. Isto é Gestalt, p. 14).
A palavra “Gestalt” é de origem alemã e embora não haja uma tradução certa do que
vem a ser, seu significado se aproxima de “Forma total” ou “Boa forma”. Seus principais
precursores foram Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Wertheimer.
Esta teoria baseia-se em estudar o modo pelo o qual os seres humanos compreendem
as coisas, enfocando as leis mentais, ou seja, os princípios que determinam a maneira como
percebermos as coisas.
A partir deste princípio, a Gestalt parte da ideia de que as nossas percepções não se
dão por partes isoladas e sim, por um todo. Desta forma, funda-se na ideia de que o todo é
mais do que a soma de suas partes.
Outro ponto importante a ser considerado na teoria da Gestalt diz respeito ao contato.
Acredita-se que a todo instante estamos em contato com o meio e, para se pensar num
funcionamento humano que poderá se tornar saudável ou disfuncional, leva-se em conta então
este contato com o meio. O contato nos proporciona, além disso, meios para sermos criativos
na maneira de se ver o mundo e também no processo de fazer escolhas na vida.
Com esse desdobramento da Gestalt, podemos pensar num trabalho clínico que
envolva um buscar pela ampliação da consciência do indivíduo acerca de seu próprio
funcionamento. Somente o outro, e não o terapeuta, poderá ter certeza acerca do sentido de
seus próprios atos, mesmo que ainda não os tenha percebido. A isso chamamos de awareness,
a maneira como o indivíduo funciona, quais suas tentativas em busca de seu equilíbrio e suas
decisões e escolhas que lhe proporciona o atendimento de suas reais demandas.
Esta psicologia possibilita novas formas de se olhar para a vida, sem nada a ser
definitivo e onde sempre há possibilidades a serem descobertas. O homem é colocado como
ser potencial capaz de gerar transformação e de se constituir e reconstituir na sua relação com
o mundo.
Para discutirmos sobre o autismo, em Gestalt-terapia, não pode haver uma divisão
entre pessoa e autista. Essa separação deve ser eliminada. O ponto inicial para lidarmos com
este tipo de transtorno deve nos fazer ir para além do comportamento autístico e refletir a
respeito de quem a pessoa é, além de ser rotulada como “a autista. ”
Segundo Oliver Sacks (1995), “Autismo, embora possa ser visto como uma condição
médica, e patologizado como uma síndrome, também deve ser encarado como um modo de
ser completo, uma forma de identidade profundamente diferente. ”
Do ponto de vista da sociedade, seria mais fácil se o autista pudesse ser curado.
Amenizaria o sofrimento do mesmo e também da família. Mas por que não pensar na
possibilidade de que somos nós os incapazes de lidar com o diferente? Por que há esse
incessante desejo de querer eliminar o comportamento do autista? A sociedade projeta no ser
humano uma construção de vida baseada em valores, no qual refletirá em uma vida feliz e
também constrói o que se estabelece como saúde e doença.
homem, e também pelas transformações do meio, a fim de que possa se ajustar da melhor
maneira de acordo com as situações. A esse desenvolvimento podemos chamar de inter-ação.
Mas não somente o autista tem que desenvolver esse ajustamento criativo. É
importante que o terapeuta também trabalhe o seu próprio ajustamento criativo e desta forma
o amplie para melhor compreender o comportamento autístico. Diante de uma criança autista
é de extrema importância estar em constante contato com ela e poder perceber quais são as
dificuldades que as rodeiam.
criança autista. É preciso estar sempre atento ao discurso trazido pela família e estar sempre
atualizado para que possa orientar a família de maneira coerente.
Além disso, conta com o apoio de fonoaudiólogo e também de alunos que contribuem
para a ampliação do projeto, seja na parte do desenvolvimento de ferramentas digitais com
jogos direcionados ao aprendizado e comunicação, seja na parte de acompanhamento destas
crianças com possíveis intervenções em âmbito familiar.
O projeto ADACA foi elaborado por meio de vários métodos que auxiliam num bom
resultado no tratamento de crianças autistas. Tendo-se uma intervenção adequada é possível
favorecer que a criança se torne o mais independente possível. Os métodos usados no projeto
incluem: ABA,PECs, TEACCH, Son-rise e Floortime. Veremos cada um a seguir, ressaltando
que a intenção deste capítulo não é de ter um estudo aprofundado acerca de tais métodos, mais
compreender como cada método pensado pode auxiliar as crianças autistas, baseando na
proposta do ADACA.
A intervenção do método ABA se dá por meio da análise funcional. Isso significa que
o objetivo da análise funcional é suprimir comportamentos socialmente indesejáveis. Para
melhor compreender e auxiliar a criança, em seu comportamento, é fundamental identificar a
sua função. Assim, conhecendo o comportamento problema facilita encaminhar a criança a
um comportamento adequado.
Para que isso ocorra, é importante conhecer o tipo de comunicação que a criança faz,
ou seja, se há ou não linguagem funcional, se é verbal ou não, como estabelece ou não o
contato visual, entre outras.
Também é válido conhecer como é o ambiente agradável para esta criança, pensando
nos brinquedos que gosta, suas birras mais frequentes, sua reação frente a desconhecidos, a
fim de proporcionar um ambiente adequado e de não irritabilidade àquela criança.
Neste sistema, o PECS ensina a pessoa a dar uma figura de um item desejado a uma
pessoa de comunicação, aceitando a troca como um pedido. O sistema passa a ensinar a
discernimento de figuras e como juntá-las compondo sentenças. Em fases posteriores, as
pessoas são capazes de aprenderem a responder perguntas e a fazer comentários.
Tal método foi pensado a partir de três médicos que, na década de 60, em trabalho
realizado com crianças autistas, viram que havia uma necessidade de que se tivesse meios de
controle do ambiente de aprendizado e de forma que também as encorajassem para que
fossem independentes.
Por fim, o método Floortime, foi criado a fim de se ter uma maior socialização,
melhorar a linguagem, diminuir comportamentos repetitivos e consequentemente, facilitar a
33
compreensão das crianças e permitir que se vejam como um ser intencional capaz de
estabelecer contatos sociais.
Todos os métodos utilizados para a elaboração do ADACA não têm o intuito de curar
ou de fazer aquele sujeito falar - ansiedade esta muito grande por parte dos pais - mas tem o
propósito de reconhecer as diferenças e singularidades de cada um, sem que isto seja uma
ferramenta de impedimento, e sim, um meio que possa ser usado para a construção de algo
positivo.
34
6. METODOLOGIA DA PESQUISA
Este trabalho foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas, ou seja, por meio de
materiais já elaborados tais como publicações de artigos, livros, teses e dissertações com a
finalidade de se ter maior compreensão e conhecimento do tema abordado. Um fator positivo
a cerca deste método é a possibilidade dada ao investigar em se ter uma gama de fenômenos
bem amplos.
Segundo Minayo:
Toda investigação inicia com um problema, com uma questão, como uma dúvida ou
com uma pergunta, articuladas a conhecimentos anteriores, mas que também pode
demandar a criação de novos referenciais. Estes conhecimentos anteriores,
construídos por outros estudiosos e que lançasm luz sobre a questão da pesquisa, é
chamado teoria (...). A teoria é construída para explicar ou compreender um
fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos (...). Teorias,
portanto são explicações parciais da realidade. (1996, p.18)
Por esta metodologia, podemos caracterizar como uma pesquisa que busca a
35
objetivação do fenômeno, classificação das diferentes ações que envolvem a pesquisa tais
como descrever, compreender, explicar, além de buscar resultados legítimos.
O estudo de caso que se segue foi autorizado pelos responsáveis da criança com TEA
participante do projeto ADACA. Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade dos
mesmos (em anexo, encontra-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Parecer
do Comitê de Ética da Plataforma Brasil).
Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista estruturada aos pais, com duração
média de 45 minutos. Na entrevista as perguntas voltavam-se para a chegada do filho autista,
impacto do diagnóstico, dinâmica familiar e manejos utilizados pela família como meios de
favorecer o desenvolvimento da criança.
6.1.1 Histórico
A história de Bruno pode ser a história vivenciada por muitos pais que tem um filho
autista. Mais uma família que aguardava ansiosamente pela chegada de um filho, até que no
decorrer dos anos, um diagnóstico modifica toda a estrutura familiar.
Otávio e Beatriz são os seus pais. Além de Bruno (5 anos), eles têm uma filha,
Manuela de 14 anos. Durante a entrevista preliminar com os pais, eles trazem o relato de uma
gestação inesperada, porém, bem tranquila.
Bruno nasce sadio e superando todas as expectativas desta família. Foi amamentado
até os dois anos e, pouco tempo depois, começou a manifestar os primeiros sinais de autismo.
Por meio de diversos vídeos gravados nos primeiros meses de Bruno, Beatriz conta como
36
tinha um bom desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento normal da fala (para sua idade) e
contato visual (não modificou no decorrer dos anos).
Porém, ao aparecer os primeiros sinais, Bruno para de falar, não se reconhece mais
como Bruno, grita muito e começa a ter toques. Foi uma mudança radical na vida daquela
família. Segundo a mãe, “era como se algo tivesse vindo e roubado a alma dele”.
Ao notar essas mudanças em Bruno, sem os pais saberem do que poderia se tratar, o
levaram ao pediatra. Ao longo do atendimento, o médico os atentou para o autismo. A mãe,
não esperando receber um diagnóstico como este, se espanta.
Depois de passar por alguns exames e diferentes médicos, em seus três anos de idade,
o diagnóstico de autismo é confirmado e dado como de leve a moderado. A partir disso, os
pais foram investindo para que Bruno pudesse se recuperar. Segundo eles, não recuperou
totalmente a fala. Ele é verbal ecolálico, fala muito bem as frases funcionais e consegue
manter um diálogo.
Bruno estuda em uma escola regular. Conhece todas as letras e sabe contar até vinte.
Embora a escola seja muito boa, não tem suporte para receber crianças autistas e não também
mediadores. Os pais relatam que na escola Bruno é tratado como uma criança normal, porém,
por diversas vezes ele não é incluído nas atividades.
O diagnóstico do TEA foi para Bruno, mas a família também compartilha deste. Na
época do diagnóstico, a família já estava passando por momentos difíceis e a mãe entra num
forte quadro de depressão com duas tentativas de suicídio. Hoje, relata estar bem melhor
fazendo tratamento com psiquiatra e psicólogo. A mãe ainda faz um trabalho de aceitação
diante do transtorno do filho.
Os pais questionam que não tem vida social. Bruno pede por eles o tempo todo.
Qualquer alteração que se faça em sua rotina gera um desgaste emocional muito grande. Tem
sido uma luta, mas eles se doam o tempo inteiro para favorecer a Bruno que ele se
desenvolva.
Ao questioná-los sobre o que entende por autismo, o pai afirma ser um defeito de
comportamento. “É uma situação difícil, mas há condições de ajudá-lo”, diz Otávio. Afirma
também que ele e sua esposa precisam estar bem, pois quando não estão, Bruno acaba sendo
atingido.
37
Para a mãe, o autismo tem dois conceitos: um que está na sua mente e outro no
coração. Segundo ela, o autismo foi a pior coisa que aconteceu na sua vida. “É um limão que
eu tento fazer uma limonada”. Afirma que faz de tudo para que o mundo deles seja o mais
agradável possível para que Bruno venha para este mundo. Ela encerra dizendo: “A mente
entende uma coisa e às vezes o coração não aceita. ”
O ADACA é mais uma ferramenta que os pais utilizam para ajudar Bruno. Além do
ADACA, ele faz tratamento com fonoaudióloga, terapia ocupacional, equoterapia e também
aula de música na igreja. Todos os recursos que tem favorecido seu progresso, cada um com
sua função e todos contribuindo para o seu desenvolvimento.
Nos encontros posteriores, Bruno chega e logo se direciona à sala lúdica com
empolgação. Atento, observa tudo o que está na sala, sejam os jogos ou outros brinquedos.
Em seguida, se direciona ao que mais lhe chama atenção e começa a brincar.
Além disso, eram oferecidas propostas de jogos que tivessem a ver com ambientes da
casa, higiene pessoal, partes do corpo, voltando-se a proposta de trabalhar coisas do seu
cotidiano.
Em todos os jogos, Bruno sempre se saía muito bem e conseguia concluir todas as
tarefas, praticamente sem auxílio. A cada vez que concluía o jogo, ele era parabenizado e
estimulado com elogios positivos. Após algumas vezes fazendo isso, antes mesmo de ser
parabenizado, já direcionava o olhar esperando um elogio.
38
Após algumas semanas na sala lúdica, Bruno foi levado à sala computacional, onde
teria acesso aos jogos desenvolvidos por alunos integrantes do projeto. Diversas são as opções
de jogos, os quais seguem uma lógica parecida dos jogos usados no ambiente lúdico.
Nesses jogos, é possível configurá-lo com opções de dicas com seta ou pisca-dica,
bem como estipular o tempo para que a dica seja ativada. Além disso, tem a opção de
comemoração de conclusão de jogo, podendo ser com ou sem palmas, com ou sem animação,
com letreiro de parabéns, fogos ou estrelas. Todas as vezes que Bruno conclui um jogo, ele
vibra com o parabéns animado.
Os jogos variam entre: associação visual, noção espacial, resolução visual, fechamento
visual, reconhecimento visual do alfabeto, reconhecimento visual dos números, ordem
numérica, leitura e quantidade e labirintos de diversos níveis.
A primeira vez que Bruno jogou, inicialmente teve dificuldades em manusear, porém,
ao ensiná-lo como proceder, teve sucesso nos demais jogos sem precisar de orientá-lo.
A proposta do brincar não pode ser de forma isolada, ou seja, é um momento de criar
vínculos, de aproximação e, portanto, trata-se de um brincar em conjunto. Este brincar em
conjunto permite o jogo colaborativo, simbólico e social.
Cada brincadeira e seu nível de dificuldade será dada de acordo com as limitações da
criança com TEA. As conquistas diante das brincadeiras acontecem de forma gradual. É
preciso também estar preparado para as dificuldades e frustações que as crianças enfrentarão a
fim de ajudá-las.
Bruno também aprendeu a noção de esperar. Ele entende melhor quando é a sua vez e
quando é a vez do outro. Além disso, consegue compreender melhor a sua noção de espaço,
está muito mais observador e calmo.
Com os jogos, melhorou também sua noção de formas geométricas. Ele identifica
algumas figuras e as nomeia, como quadrado, losango, triângulo. Essa identificação está não
apenas nas figuras, mas também em desenhos como de sorvete, de bola.
Os pais também relatam que Bruno fica muito motivado porque os jogos do ADACA,
sejam eles virtuais ou não, sempre o incentiva com parabéns, com música e palmas quando
ele acerta. Isso o motiva muito e ele sente lisonjeado, algo que não é percebido muito em
autistas, mas ele consegue expressar esse sentimento específico de satisfação ao atingir a meta
do jogo.
Vimos insumos que podem ser oferecidos por meio do projeto ADACA às crianças
autistas, visando o aprendido em matemática e em português. Mas o que afinal essas
disciplinas significam em nossa vida?
Tanto a matemática como o português são disciplinas que ajudam a desenvolver nossa
capacidade de representação. O raciocínio lógico, por exemplo, decorre da aprendizagem da
matemática. Para melhor compreendermos vamos pensar no número. O número 1 (um) não é
apenas um número. Ele é um número que se abstrai a partir da representação de um signo que
é criado a partir de uma convenção social.
Esse número possibilita que nós façamos a mediação entre uma ideia, ou seja, aquilo
que nós pensamos, e o mundo. Por meio desta mediação nos é possibilitado a comunicação e
nos permite compartilhar. O que falta a pessoa autista é exatamente essa ponte. Essa
dificuldade de comunicação e expressão se revela como uma característica que marca
efetivamente o transtorno.
40
Além disso, este espaço para as famílias também proporcionará a elas que em grupo
possam trocar e falar da experiência de ser mãe e pai de autista, da experiência de observação
de seu filho a fim que possamos ter esse cuidado em se construir uma proposta de trabalho
que atenda a singularidade daquele sujeito. Desta maneira, favorecemos que cada criança
possa se desenvolver com a sua história, com a sua subjetividade e singularidade.
41
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio das reflexões trazidas, podemos compreender que o autista não deve ser
posto numa rotulação de “o doente”. Mas, podemos tratá-lo com uma forma diferenciada de
ser, e ao mesmo tempo, não tratá-lo com indiferença e sim pautar numa ideia de formas de
lidar com o diferente sem que gire em torno da exclusão e segregação.
Podemos compreender também que o trabalho realizado pelo psicólogo visa uma
melhor qualidade de vida ao autista e dispõe de recursos que facilitam este processo. Todo
nosso trabalho, enquanto psicólogos, volta-se para viabilizar a expressão que cada
subjetividade pode revelar, inclusive a da pessoa com TEA. Compreendemos a comunicação
para além da expressão verbal, e valorizamos a interação como recurso que viabiliza a
comunicação e torna-se um potente recurso para se pensar outras formas de comunicação e
expressão.
É válido ressaltar que este estudo não tem o intuito de extenuar as diferentes
perspectivas e teorias sobre o autismo e sim, propor reflexões e contribuir para o
desenvolvimento de futuros trabalhos, mas apontar para algumas possibilidades no manejo e
valorizar o lugar da pessoa com TEA em sua relação com o mundo a partir de uma
perspectiva dialógica.
42
Nesse contexto, interação, dialogia e a assunção de que a pessoa com autismo está no
mundo com suas possibilidades e limitações é fundamental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2002.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 1999.
GROISMAN, M.; LOBO, M. V. Terapia familiar na infância: crise do ciclo vital e autismo.
In: CASTILHO, T. Temas em terapia familiar. São Paulo: Summus, 2000.
KLIN, A. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28
suppl.1 São Paulo May 2006.
ANEXO I
47
ANEXO II
56
ANEXO III
59
ANEXO IV
63
Belo Horizonte – MG
GISELLA MOUTA FADDA
Orientador:
Belo Horizonte – MG
2013
Dedico a todas as pessoas que
convivem e se dedicam a compreender
esse mundo autista tão particular.
AGRADECIMENTOS
INTRODUÇÃO.............................................................................. 10
E UMA NOVA CRIANÇA CHEGA À FAMÍLIA............................................... 10
1 AUTISMOS.................................................................................................... 12
1.1 AUTISMO INFANTIL...................................................................................... 12
1.2 SÍNDROME DE ASPERGER......................................................................... 15
1.3 O AUTISMO SEGUNDO O DSM-IV-TR E A CID-10..................................... 16
1.4 AUTISMOS....................................................................................................... 17
2 O OLHAR CENTRADO NA PESSOA........................................................... 19
2.1 O HOMEM, UMA VISÃO HUMANISTA......................................................... 19
2.2 UM JEITO DE SER AUTISTA........................................................................ 25
2.3 O ENCONTRO NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA............................................ 36
2.4 A COMPREENSÃO EMPÁTICA NO ATENDIMENTO.................................. 40
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 44
REFERÊNCIAS............................................................................ 50
APÊNDICE A – A HISTÓRIA POR TRÁS DO ESTUDO............. 54
10
INTRODUÇÃO
Imagine uma mesa com algumas cadeiras dispostas ao seu redor. Imaginou?
Provavelmente você imaginou que as cadeiras são todas iguais e uniformemente
distribuídas ao redor da mesa. Desista desta ideia.
Comecemos novamente.
Imagine uma mesa com algumas cadeiras dispostas ao seu redor. O mais
belo desta cena é que cada cadeira é de um jeito; uma delas é exuberante, com
linhas que variam entre o estilo barroco e o estilo minimalista; outra cadeira já é
maior e mais rústica, com linhas firmes e ao mesmo tempo biomorfista; há também
uma cadeira que se pressente que é aconchegante por si só, macia na medida
certa, nem mais nem menos; há também aquela cadeia orgânica, em que suas
linhas procuram uma integração com o meio ambiente através da forma, material e
função; e tem aquela cadeira que acabou de ser colocada na mesa.
Assim é uma família, cuja diversidade de cada membro é o que a faz mais
forte e bela, com suas especificidades, suas características, seus gostos e
experiências que tornam enfim, cada cadeira única. O problema começa a aparecer
quando se tenta homogeneizar essas cadeiras, corta um pedaço aqui, lixa outro ali,
remodela acolá, acrescenta um “tico” noutro lugar, para que todos os membros
fiquem iguais, porque afinal de contas é difícil mesmo lidar com o diferente, não
fomos acostumados com o diferente, muito menos com a diversidade de
aprendizado, de inteligência e de experiências.
Mas por ora, deixemos este assunto de diversidade de lado e coloquemos a
atenção naquela cadeira novinha que acabou de ser colocada na mesa. É a
metáfora de uma criança que acabou de chegar nesse mundo e ainda está se
acostumando com tudo a sua volta. Experiencia tudo, descobre sabores, texturas,
cheiros e aconchegos.
Entretanto, parece que essa criança não se envolve tanto com o mundo a sua
volta, deixou de explorá-lo preferindo o isolamento, fica horas sozinha ou olhando
um objeto que gira, chora muito, tem acessos de raiva com sons muito alto e quase
não dorme. É uma diversidade maior ainda do que aquela que os pais estavam
esperando.
11
1 AUTISMOS
O autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo psiquiatra austríaco
Leo Kanner (1894 – 1981) no artigo “Autistic Disturbances of Affective Contact”
(Distúrbios Autista do Contato Afetivo) em que relatou 11 (onze) casos de crianças
diferentes entre si, nascidas em lugares distintos, mas que apontavam para certa
coerência de comportamentos.
Kanner começa seu relato assim:
Desde 1938, têm chegado até nossa atenção, um número de
crianças cujas condições diferem de forma marcante e tão única de
qualquer relato até então registrado, que cada caso merece – e, eu
espero que eventualmente receba – uma consideração detalhada de
suas fascinantes peculiaridades1. (Kanner, 1943, [tradução nossa]).
No primeiro caso, Donald, um garoto de 5 (cinco) anos tinha uma rara
memória para rostos e nomes, porém não conversava e não fazia perguntas exceto
usando palavras simples. Os pais de Donald relataram que desde cedo ele se sentia
mais feliz quando sozinho, quase nunca chorava para ir com a sua mãe ou notava
quando seu pai chegava a casa, a presença dos parentes era-lhe indiferente. Aos 2
(dois) anos desenvolveu a mania de girar objetos; aos 4, balançava sua cabeça para
os lados; e, aos 5, quando foi examinado, foram identificadas os seguintes pontos:
limitação para as atividades espontâneas, movimentos estereotipados com seus
dedos, balançava sua cabeça de um lado para o outro, sussurrava ou cantarolava,
girava com prazer qualquer objeto e organizava-os, separando por cores. Quando
finalizava qualquer uma dessas atividades, Donald gritava e pulava até que sua
mãe introduzisse outra atividade que ele gostasse. Nas palavras do pai: “ele parece
quase fechado dentro da sua concha e vive dentro de si mesmo”. (KANNER, 1943,
[tradução nossa]).
Frederick, a criança citada no segundo caso, tinha 6 (seis) anos e a sua mãe
o descreveu como autossuficiente desde a tenra idade, poderia deixá-lo sozinho que
ele se entretinha com prazer. Seu comportamento diferenciava-se frente a pessoas
1
Since 1938, there have come to our attention a number of children whose condition differs
so markedly and uniquely from anything report so far, that each case merits – and, I hope,
will eventually receive – a detailed consideration of its fascinating peculiarities.
13
(KANNER, 1943).
Alfred, com 3 (três) anos e meio, integrou o estudo de Kanner como sendo o
oitavo caso, com a seguinte reclamação dos pais: ele tinha uma tendência a
desenvolver um especial interesse pelo mundo dos objetos, falhava no
desenvolvimento social, preferindo brincar só e falava pouco – apenas quando tinha
interesse em algo, confundindo os pronomes. (KANNER, 1943).
O nono caso, foi Charles, com 4 (quatro) anos e meio na época. Sua mãe
reclamava que seu maior incômodo com relação ao filho, era o fato de que “não
conseguia fazer contato com seu bebê” e o que mais a impressionava era seu
distanciamento e inacessibilidade. Relatou ainda que desde bebê era inativo, e que
ele poderia ficar deitado no berço por horas apenas olhando para o nada, quase
como se estivesse hipnotizado. Com um ano e meio começou a girar seus
brinquedos, tampas de garrafas e jarras; e quando ele estava interessado em uma
coisa, nada poderia desviar-lhe a atenção. (KANNER, 1943, [tradução nossa]).
John tinha 2 (dois) anos quando foi descrito no décimo caso. A preocupação
dos pais era primeiramente com a alimentação (nunca conseguiu se alimentar
apropriadamente) e depois com seu lento desenvolvimento. Jogava os objetos no
chão e não respondia a simples comandos com exceção quando seus pais, com
muita dificuldade, conseguiam chamar sua atenção para dar um tchau.
Posteriormente, seu vocabulário melhorou, porém com uma articulação defeituosa.
Aos 4 anos, era muito limitado nos contatos afetivos e esses eram reservados
apenas a poucas pessoas. (KANNER, 1943).
O último caso, foi Elaine de 7 (sete) anos, que entrou no estudo também por
seu atípico desenvolvimento: não entendia o jogo que outras crianças jogavam, não
se entretinha com histórias que eram lidas para ela, não conseguia fazer abstrações,
afastava-se e andava sozinha, tinha um carinho especial por todos os tipos de
animais e ocasionalmente, imitava-os caminhando ou fazendo estranhos barulhos.
(KANNER, 1943).
Os pais dessas crianças costumavam se referir a elas como
“autossuficientes”, “como uma concha”, “felizes quando estavam sós”, “agiam como
se as pessoas não existissem” e assim por diante, levando Leo Kanner a observar
um fio condutor que ligava essas onze crianças (oito meninos e três meninas) entre
si. (KANNER, 1943, [tradução nossa]).
Todas compartilhavam dificuldades em se relacionar socialmente – o que
15
1.4 AUTISMOS
Não existem duas pessoas diagnosticadas com autismo que sejam iguais.
Não existe UM tipo de autismo. Há vários autismos visto que não há dois cérebros
iguais no mundo. O autismo representa centenas de configurações da expressão,
forma e intensidade das manifestações para cada caso. Dessa maneira, a palavra
espectro é a mais utilizada atualmente para designar esses tipos distintos de
autismo. (EM BUSCA DE UM NOVO CAMINHO, 2012; PELPHREY; SHULTZ;
HUDAC et al., 2011; SACKS, 1995; TEDx Fortaleza, 2012).
Quando o autismo foi descrito na década de 1940, pensou-se inicialmente
que estivesse ligado a questões psicológicas como um problema de relacionamento
entre as mães e as crianças ditas autistas que as levava a não se relacionarem
depois com outras pessoas. (EM BUSCA DE UM NOVO CAMINHO, 2012;
GRINKER, 2010; TEMPLE GRANDIN, 2010).
Nos últimos anos, a hipótese mais aceita é que há uma base genética2, e
também componentes ambientais, que associados podem fazer algumas
modificações neuronais. No estudo de 2012, coordenado pelo biólogo molecular e
doutor em genética, Alysson Muotri – Modelando Autismo com Neurônios Humanos
(Stem Cells and Modeling of Autism Spectrum Disorders) na Universidade da
Califórnia (San Diego), conseguiu-se pela primeira vez simular neurônios autistas e
compará-los com neurônios normais, sendo identificadas então diferenças nos
tamanho e nas ramificações necessárias para as sinapses, ou comunicação
cerebral. (TEDx Fortaleza, 2012).
Também no estudo apresentado por Chaste e Leboyer (2012), o autismo é
relatado como uma combinação de fatores genéticos e ambientais, entretanto não
se consegue ainda identificar quais interações entre os genes e os fatores
ambientais afetam o desenvolvimento do cérebro das crianças.
Por isso, atualmente se considera que existam pessoas com diferentes tipos
de “projeto de cérebro” em que cada criança diagnosticada com autismo ou com a
síndrome de Asperger possui suas características próprias, apesar de sofrerem com
alterações precoces na interação social impactando em seu desenvolvimento global,
seja na comunicação, sejam nos padrões limitados ou estereotipados de
2
A base genética não significa necessariamente que seja hereditária.
18
3
Dedicatória escrita por Maria Cândida no livro consultado “Uma menina estranha:
autobiografia de uma autista” de Temple Grandin.
20
homem? Será que o conhecemos mesmo quando é feita apenas uma descrição?
Questionamentos como esses fizeram despontar a questão do Humanismo.
De acordo com Holanda (1998, p.19), o humanismo é uma ideia, centrada no
humano, que surge como uma procura pelo sentido de ser do homem. É um esforço
contínuo pela compreensão de sua totalidade, pela sua integralidade.
Dessa forma, o movimento humanista acabou por entrar na psicologia, que
ainda estava centrada no modelo das ciências exatas e tentava estabelecer leis e
regras do psiquismo. A compreensão do homem era parcial, viam-se apenas alguns
aspectos, tentando-se tomar as partes pelo todo. (HOLANDA, 1998, p. 38).
Como cada teoria diz respeito a determinados fenômenos em um período de
tempo sobre os fatos que estão acontecendo, faz-se um paralelo entre as teorias e
os mapas para uma melhor compreensão. É como se cada teoria sobre a natureza
humana fosse um mapa a nos orientar de como circular no campo (nos fenômenos).
Cada mapa por sua vez, mostra um aspecto do campo, como acontece com o mapa
político que mostra as fronteiras; o mapa geológico que indica o solo de uma dada
região; o mapa hidrográfico menciona os rios, e assim por diante. Da mesma forma,
para cada teoria, há uma concepção de ser humano diferente, uma vez que se
trabalha sobre um pressuposto do que seja a natureza humana. Uma possui mais
ênfase na história da pessoa do que na biologia; outra possui mais ênfase no
passado, em oposição à outra que dá mais ênfase no presente e no futuro. Uma é
mais negativa, outra mais otimista.
A partir da necessidade de se estender essa visão limitada de homem, que o
restringia a alguns elementos, nasce a Psicologia Humanista com a intenção de
abordar o gênero humano dentro de sua inteira complexidade. (HOLANDA, 1998).
Compreendem-se então as características e orientações fundamentais da
Psicologia Humanista como: o “homem é mais do que a soma das partes”, o
“homem tem seu ser em um contexto humano”, o “homem é consciente” (seja qual
for o grau de consciência), “o homem tem a capacidade de escolha” e por fim, o
“homem é intencional” (busca situações de homeostáticas e de variedades).
(HOLANDA, 1998, p.41).
De tal forma que se pode classificar a abordagem humanista em Psicologia
como fenomenológica com direcionamentos existenciais cuja base é a experiência
consciente e concreta da pessoa, a totalidade e integridade do ser humano,
conferindo importância a sua liberdade e a sua autonomia. O homem não “é”, mas
21
“está”, pois se forma a cada momento de sua vivência, em uma visão dinâmica e
dialética. (HOLANDA, 1998, p.42).
A Psicologia Humanista não constituiu assim, uma teoria única de
personalidade, de psicoterapia e de psicopatologia. Seu comprometimento estava
voltado ao processo do ser humano e com o futuro desse homem, futuro definido
pelo próprio homem que o permite crescer e se desenvolver continuamente.
(HOLANDA, 1998, p. 46;47).
No final da década de 1950, um psicólogo americano chamado Abraham
Maslow (1908 – 1970), começou a se questionar sobre a Psicologia após o
nascimento da sua filha e suas crescentes insatisfações com o método experimental
(Behaviorismo); e com a teoria construída a partir de pessoas neuróticas (não
saudáveis) como a Psicanálise. (SCHULTZ; SCHULTZ, 2004).
Para Maslow (1968), o rigor do método deixava escapar o principal, em
detrimento da pessoa, não era necessário ver apenas a “metade doente”, uma vez
que não se poderia construir uma teoria da personalidade a partir de pessoas que
não atingiram o seu auge – ou tudo o que posso ser como pessoa. O essencial seria
conseguir observar as partes boas de cada um.
Assim, nesse contexto, nasceu em 1961, a Rede Eupsiquiana com a ênfase
no lado saudável do ser humano, e era formada por um grupo de pessoas –
Abraham Maslow, Rollo May, Gordon Allport, entre outros, cuja maioria era
dissidente de Sigmund Freud, devido à insatisfação com a teoria psicanalítica e
também, à afinidade com algumas ideias. Em seguida, decidiram criar uma revista e
batizaram-na de Revista de Psicologia Humanista e em 1963, fundaram a
Associação Americana de Psicologia Humanista. Sendo assim, Maslow transportou
essa filosofia humanista para uma nova forma de se fazer psicologia, chamada por
ele de Psicologia Humanista. (BOAINAIN JR., 1998).
Nesse grupo, havia também um psicólogo chamado Carl Rogers (1902 –
1987), que com sua experiência clínica, aplica a Psicologia Humanista à
Psicoterapia e Relações Humanas. (HIPÓLITO, 1999).
Em simpósio sobre o enfoque existencial em Psicologia, realizado em 1959,
por ocasião da convenção anual da Associação Americana de Psicologia, Rogers
fez intervenção comentando os trabalhos apresentados. Analisa duas fortes
correntes no pensamento americano de então, que representam dois modos
distintos de conhecer, de fazer ciência. (MAY, 1974).
22
Rogers (1974) discutiu sobre esses dois modos de fazer ciência no texto
“Duas Tendências Divergentes”: uma Objetiva e outra Existencial. De um lado um
método reducionista, descritivo, em que a objetividade e neutralidade do observador
são obrigatórias; do outro, um método fenomenológico, compreensivo, onde se inclui
também a subjetividade do observador. Para uma melhor comparação entre esses
dois métodos de ser fazer ciência, montou-se o Quadro 1.
Definições operacionais e
Percepção das condições da pessoa
Procedimentos experimentais
Ênfase na mudança do
Ênfase nos fenômenos humanos
comportamento
4
Fase não-diretiva, compreendida entre os anos de 1940-1950. (MOREIRA, 2010).
5
Fase reflexiva, entre os anos de 1950-1957. (MOREIRA, 2010).
6
As condições facilitadoras: congruência, aceitação e compreensão empática serão
revisitadas posteriormente nesse trabalho.
24
7
Fase experiencial, de 1957 a 1970. (MOREIRA, 2010).
8
Experienciação é a tradução mais utilizada no Brasil para o termo Experiencing de Gendlin
indicando a ideia de processo. (MESSIAS, 2001, p.59).
25
9
We had diagnoses, but little insight into what could be done to help Carly escape the
whirlpool.
10
Carly começou com a terapia ABA aos 4 anos.
11
Nesse período, Tammy, sua mãe teve linfoma e precisou fazer quimioterapia, dificultando
ainda mais a vida da família Fleishmann.
28
filme de mesmo nome que ajudou uma família com suas crianças rebeldes e
incompreendidas), foi Howard, que chegou a família dia 6 de agosto de 2001 – Carly
tinha então seis anos. (FLEISCHMANN, 2012).
Howard teve acesso aos terapeutas ABA de Carly para treinamento,
entretanto sua intuição, iniciativa e tenacidade provou ser mais forte que qualquer
livro texto sobre educação que poderiam dar a ele. Howard tornou-se o eixo principal
na vida de Carly. (FLEISCHMANN, 2012).
Sobre os dois terapeutas, Fleischmann (2012, p. 57, [tradução e grifo nosso])
relata:
Embora ele [Howard] fosse respeitoso com o líder da equipe ABA e
outros terapeutas, em poucas semanas ficou claro que seu vínculo
era mais forte com Barb do que com qualquer outro especialista.
Onde ABA seguia as regras e protocolos, Barb e Howard seguiam
Carly. Eles pareciam perceber detalhes sobre ela que os outros
perdiam.
Barb e Howard tinham apenas uma direção. A direção dada por Carly.
Em outra parte do livro, Fleischmann (2012, p. 90, [tradução nossa])
complementa:
Barb e Howard nunca pareceram questionar se Carly era capaz –
apenas como tornar possível, o impossível. (...) Ao contrário de
alguns terapeutas ABA falarem com Carly artificialmente em tons
exuberantes e infantis, Barb conversava com ela como se fosse uma
igual – algo que Howard imitou imediatamente.
Barb tinha suspendido o julgamento interno do que um autista era ou não
capaz de fazer, simplesmente permitiu-se conhecer e ser conhecida por Carly. Nas
palavras do pai (FLEISCHMANN, 2012, 91;92), parecia que Barb “nunca tinha
duvidado da determinação e habilidade de Carly ao crescimento”. E paralelamente,
Carly sentiu em Howard alguém que “nunca iria desistir dela e ele exigia dela mais
que qualquer outro terapeuta”.
Ambos os terapeutas empregavam todos os meios de comunicar a Carly que
ela tinha a atenção total deles, física e psicológica, que ela os interessava como a
pessoa que já era. Eles valorizam Carly, permaneciam ao seu lado mesmo nas
piores crises, birras e até quando ela se sujava com suas fezes e eles ajudavam a
limpar. Isso lhe dava segurança. As necessidades de segurança são primordiais,
são básicas nas pessoas.
O antropólogo Renato Queiroz (EM BUSCA DE UM NOVO CAMINHO, 2012)
esclarece que “o ser humano precisa de outro ser humano, para ser um ser
29
Estado do Colorado nos Estados Unidos. Assim como Carly, é famosa, escreve e dá
palestras sobre o autismo a partir de suas vivências. Diferente de Carly, não teve
uma “legião de especialistas” e nem terapeutas intensivos. Afinal seu diagnóstico
aconteceu poucos anos após o estudo de Kanner.
Temple nasceu em 29 de agosto de 1947 e alguns anos depois, foi
diagnosticada como autista. Com apenas seis meses de idade, sua mãe, que tinha
apenas 19 anos quando Temple nasceu, percebeu que ela não queria mais se
aninhar em seus braços, ficando rígida quando isso acontecia. Mas em poucos
meses, ao invés de ficar rígida, reagia tentando arranhá-la. Apesar de se sentir
ressentida, achava – por falta de experiência – que era normal uma vez que sua filha
era “atenta, inteligente e bem coordenada”. (GRANDIN, 1999, p.25).
Posteriormente outros comportamentos foram aparecendo, como a
fascinação por objetos que giravam, isolamento por horas a fio, comportamento
destrutivo, acessos de raiva, sensibilidade a sons e cheiros, falta da fala,
possivelmente surda e olhos esquivos. Levada a um neurologista e após um
eletroencefalograma e exame de audição normal, foi declarada sem nenhum
problema físico, sugerindo uma “terapia da fala” para o problema da comunicação.
(GRANDIN, 1999).
Uma das primeiras lembranças de Temple, com pouco mais de 3 (três) anos
de idade, relatada em seu livro autobiográfico “Uma Menina Estranha” (GRANDIN,
1999, p.23) esclarece o que para ela representava dor e desconforto e para as
outras pessoas poderia representar birra: Temple, sua irmã e a mãe estavam no
carro e sua mãe a obrigou a colocar um chapéu de veludo azul:
a sensação era de que meus dois ouvidos estavam sendo
esmagados e transformados num único ouvido gigante. O elástico do
chapéu apertava minha cabeça. Arranquei o chapéu da cabeça e
berrei. Berrar era o único meio que eu tinha de dizer à minha mãe
que não queria usar aquele chapéu. E eu não ia usá-lo na minha ida
à ‘escola de falar’.
Temple (GRANDIN, 1999) explica que até essa época, no seu modo de ver o
mundo, a comunicação era uma via de mão única, entendia tudo o que as pessoas
diziam, mas não conseguia responder, assim berrar e bater os braços tornou-se
suas formas de comunicação com o exterior. A criança percebe a realidade segundo
a sua experiência. A experiência da criança é a realidade para ela.
Aos 5 (cinco) anos, foi para uma pequena escola particular para crianças,
após a mãe ter explicado aos professores – e depois estes aos alunos – suas
33
dificuldades. Local esse que lhe deixava constantemente frustrada por não se sentir
compreendida pela professora. Seus comportamentos tinham uma lógica para si
própria, como por exemplo, o detalhe era mais importante que o todo; porém para os
outros, pareciam bizarros: “era como se uma porta de vidro me separasse do mundo
do amor e da compreensão humana”. (GRANDIN, 1999, p.38).
No processo de desenvolvimento da criança, acontece o que Rogers e Kinget
(1975) chamaram de necessidade de consideração positiva. A criança sente o afeto
e descobre que o afeto é uma fonte de satisfação para ela. Este aprendizado: “é
bom ter afeto e que isso me satisfaz” a leva a experienciar uma necessidade de
afeição. E a criança observa. Observa aqueles pequenos sinais expressos pelos
seus cuidadores e conduz seus próprios comportamentos futuros a partir dos
resultados obtidos. E isso acontece mesmo se a criança tiver autismo, como Carly já
nos mostrou.
Clareando melhor, imagine que a criança faça algo que a professora, no caso
se revele insatisfeita, desaprovando seu comportamento, ou melhor, sua
experiência; a criança entende esta desaprovação como uma desaprovação à sua
pessoa, e não apenas aquele comportamento em particular.
Assim, a aprovação de um cuidador que envolva uma promessa de afeto
conduz o comportamento da criança. Um exemplo disso pode ser visto quando
Temple relata que sua a mãe a ajudava com a leitura (sua matéria preferida), todos
os dias quando voltava da escola. Ela diz que além de tê-la ajudado a ler
corretamente, pronunciando bem as palavras com inflexão na voz, a fazia se sentir
adulta (e importante), uma vez que a mãe lhe servia chá13, coisa só permitida aos
adultos. Temple relembra que esse simples ato de sua mãe a ajudou a melhorar sua
autoestima, dado que nas típicas disciplinas escolares conhecia sempre o fracasso.
Porém, tudo o que precisasse usar a imaginação e criatividade, era insuperável.
(GRANDIN, 1999).
A partir da segunda série, Temple começou a sonhar com um aparelho
mágico que lhe pudesse apertar e com isso ter uma sensação prazerosa no corpo.
Com esse aparelho, ela controlaria a intensidade de pressão que poderia suportar.
“Nossos corpos pedem contatos humano, mas quando esse contato se estabelece,
13
A mãe não lhe servia chá puro, e sim uma mistura de água quente com limão e um
pouquinho de chá.
34
nós nos retraímos, porque nos provoca dor e confusão.” (GRANDIN, 1999, p. 38).
As mudanças também provocam confusões como quando a mãe de Temple
perguntou se ela queria ir a uma colônia de férias, ao que não obteve resposta. Uma
parte queria ir, outra hesitava, afinal iria se defrontar com “pessoas diferentes.
Lugares diferentes. Experiências diferentes. Mudanças nunca foram fáceis para
mim”. (GRANDIN, 1999, p. 50).
Mas a sua mãe sempre foi uma grande incentivadora, conseguia
compreendê-la, observava seus comportamentos excêntricos e repetitivos e
conseguia obter o melhor que a filha podia dar. Certa feita escreveu a um psiquiatra
infantil para ajudá-lo no processo de compreensão da filha: “Quando Temple se
encontra em um ambiente seguro, onde acima de tudo se sente amada e apreciada,
seu comportamento compulsivo se atenua. Sua voz perde aquela inflexão curiosa e
ela consegue se controlar”. (GRANDIN, 1999, p. 53)
Temple não tinha problemas em casa, nem na escola e nem na vizinhança.
Mas se estivesse cansada ou ainda na volta às aulas quando deveria se ajustar
novamente, os comportamentos estranhos apareciam mais. E completa: “quer ter
sempre por perto alguém em quem confie. Seus progressos estão muito ligados,
tenho certeza, à valorização e ao amor”. Para a mãe estava claro que sua filha
precisava se sentir segura, aceita e querida para poder desenvolver-se como
pessoa: “Em qualquer terapia com Temple [...] o ponto mais importante me parece
ser o amor.” (GRANDIN, 1999, p. 54).
Depois dessa carta ao psiquiatra, Temple passou a ser atendida uma vez por
semana, (entre dez 1958 e jun de 1959), pelo Dr. Stein, alemão e formado na teoria
freudiana, que aquela altura ainda acreditava que a “mãe geladeira” houvesse
causado algum dano na criança para torná-la autista. Sobre esses atendimentos,
Temple diz: “minha mãe me ensinara a ler; ela me defendia quando eu tinha
problemas na escola; seus instintos funcionavam melhor do que horas de terapia
dispendiosa.” (GRANDIN, 1999, p. 58).
E um alerta sobre o sigilo em qualquer atendimento, incluindo crianças e
adolescentes: “como eu sabia que aquele médico trocava ideias com minha mãe em
particular, havia certas coisas que eu não lhe contava”. Não se sentindo segura do
ambiente terapêutico, Temple escondia seus sentimentos e desejos como a sua
vontade de construir o aparelho que lhe desse conforto por contato. Ela acreditava
que com essa espécie de máquina pudesse aprender a suportar o afeto de outras
35
mente desde a infância. No discurso, falou que estava atravessando uma porta e
que sabia que tinha chegado lá com a ajuda de todos, lembrando então da letra da
música “You will never walk alone” (Você nunca andará sozinho). E compreendeu o
que sua mãe vinha tentando lhe dizer há anos: “cada pessoa precisa encontrar a
sua porta e abri-la. Ninguém mais pode fazer isso por ela.” (GRANDIN, 1999, p. 85).
Uma porta. Uma voz. Encontrar uma saída para a vida. Elas encontraram.
14
O título em inglês “On Becoming a Person”, com o verbo no gerúndio, dá o correto
sentindo de processo, de dinamismo no desenvolvimento humano; sentido esse, um pouco
perdido na tradução para o português.
37
pensamento segundo seus valores: “isso está certo”, “que besteira”, “não tem
sentido”. Não há espaço para a compreensão do real significado daquilo que o outro
está dizendo. Compreender outra pessoa implica em penetrar empaticamente nas
suas referências. (ROGERS, 1997).
Vale ressaltar que foram essas características presentes nos terapeutas:
autenticidade, acolhimento, empatia; relatados pelos pais, que mais conseguiam
alcançar suas filhas, Carly e Temple. Ao que Rogers concorda quando escreveu
ainda em 1961 que as atitudes e os sentimentos do psicólogo são mais importantes
que qualquer referencial teórico. (ROGERS, 1997, p.51).
Agora acrescente essa visão ao trabalho do psicólogo. O que ele tem que
fazer?
No contato com autistas, abre-se o olhar a fim de perceber de uma maneira
diferente a experiência que eles estão experienciando. Todavia, normalmente se vê
apenas o comportamento e com isso, distanciamo-nos da experiência. Para Rogers
(1997), se uma relação autêntica pode ser construída pelo psicoterapeuta, o outro
poderá utilizar esta relação para crescer e obter um desenvolvimento pessoal.
Quanto mais uma pessoa é compreendida e aceita, mais se distancia de suas
defesas. Defesas essas que podem ser vistas nas atitudes destrutivas, agressivas e
no mutismo. E o mesmo acontece no autismo conforme mostra Cristo (2009):
“crianças autistas, quando aceitas em um clima de facilitação, buscam alternativas
de comunicação, sentem-se menos pressionadas, seu nível de tensão diminui e
junto com o outro, o psicoterapeuta, procura formas novas de linguagem”.
Uma experiência narrada por John Elder Robison em seu livro
autobiográfico “Olhe nos meus olhos: minha vida com Síndrome de Asperger”
(ROBISON, 2008, p. 25) demonstra bem o que ocorre com essas crianças quando
não há um clima apropriado:
Por ter observado meus pais conversando com outros adultos, achei
que poderia conversar com ela [uma criança do jardim de infância
que frequentava]. Mas eu tinha esquecido de uma coisa fundamental:
uma conversa bem sucedida depende do dar-e-receber. Tendo a
Síndrome de Asperger, deixei escapar isso. Totalmente.
Eu nunca interagi com Chuckie novamente.
E desisti de tentar me relacionar com as outras crianças. Quanto
mais me rejeitavam, mais me sentia machucado por dentro e mais
me afastava.
Em outro momento, John fala mais sobre seu isolamento e o significado que
39
15
A autora optou por não traduzir o termo felt sense.
16
A autora deste trabalho se baseou na metáfora da “casa” citada por Antônio Santos em
“Empathy – Beyond Images of the Mind – A Deeper understanding of Empathy’s role in
Psycotherapy”.
42
respeito pela porta que me foi aberta, não vou entrando porta adentro, não vou
entrando pela porta do quintal, nem da cozinha, mesmo que eu sinta um cheiro de
brigadeiro recém-feito. Eu vou de acordo com o quê você me possibilita, com o que
me autoriza; e normalmente vamos primeiro para a sala de visita enquanto eu lhe
espero, como dono da sua casa, a me convidar para sentar e ficar a vontade.
Só depois, se você sentir confiança, vamos circular pelos cômodos, pelo
interior da casa, na medida em que me permitir, essa experiência empática tem que
ser muito respeitosa, pois eu vou entrar na casa do outro.
A experiência empática é a ressonância daquela experiência do cliente, eu
estou vivendo com ele de uma forma empática, mas eu sei que é dele, a dor é dele,
a alegria é dele, eu compreendo, vivencio, mas é dele.
Em um segundo momento, eu já começo a compreender essa experiência e
então a nomeio, mas nomeio ainda para mim (a compreensão empática) e
dependendo da minha sensibilidade também posso transformar essa compreensão
em uma formulação verbal e comunicar para você (a simbolização), esse é o terceiro
momento.
Outras vezes, fico apenas na experiência empática, ou com a compreensão
empática, não chegando a comunicar, não é necessário. Você sente que estou
compreendendo-o.
Em clientes que tem muita dificuldade em entrar em contato com a sua
própria experiência e em geral, tem uma evolução também mais difícil, pode-se
desenvolver uma maneira de fazer com que o cliente entre em contato com a sua
própria experiência, ao sentir o corpo, por exemplo. Nesse mundo vivido, o meu
corpo tem uma “bagagem” e está constantemente neste “fluxo de experiências”.
Mas hoje, não me deixaste entrar. Fiquei no jardim, a esperar, quando você
quiser.
Um dia de cada vez.
Um psicólogo deve ter a paciência de esperar o momento do encontro com
seu cliente, principalmente no “ensimesmamento” do autismo.
Um encontro nada empático foi narrado por John (ROBISON, 2008, p. 37): ao
presenciar uma conversar entre a sua mãe e uma amiga, em que essa contava
sobre o atropelamento do filho de outra pessoa, John esboçou um sorriso ao que
levou a amiga perguntar a sua mãe: “qual o problema desse rapaz?”
Fui encaminhado à terapia, e isso só me fez sentir pior. Eles focavam
43
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sempre conectada nas mídias socias da rede de comunicação mundial (World Wide
Web) e envolvida com amigos, paqueras e novos desafios. Seu mais novo projeto,
lançado em janeiro de 2013 chama-se The Six Degree Project
(http://www.thesixdegreeproject.com/) e pretende aumentar a conscientização das
pessoas que convivem com autismo baseado-se na premissa de que todos estão
conectados a apenas 6º de separação. Sua página na rede é
http://www.carlysvoice.com/.
Temple Gradin se graduou em 1970 na Franklin Pierce College no curso de
Bacharelado em Psicologia, depois em 1975, tornou-se mestre em Ciência Animal
na Arizona State University e em 1989, PhD, também em Ciência Animal, na
University of Illinois17. É uma das mais renomadas especialistas em instalações
pecuárias sendo considerada pioneira nos estudos do comportamento e manejo de
gado, atua como professora de Ciência Animal na Universidade Estadual do
Colorado, possui uma empresa própria de equipamento para pecuária e é
conferencista. Sua palestra registrada em 2010, é um alerta sobre a necessidade da
diversidade: “O mundo necessita de todos os tipos de mentes” (TED, 2010). A
página pessoal na rede é http://www.grandin.com/.
John Elder Robison é um homem de negócios, um executivo bem sucedido
e um contador de histórias. Na década de 1970, fez sucesso projetando guitarras de
efeitos especiais para a banda Kiss; na década de 1980 se tornou gerente de uma
empresa de eletrônicos e de brinquedos, mas encontrava-se infeliz, achando-se uma
fraude. Em seguida, foi atrás do que sempre quis fazer desde criança e montou seu
próprio negócio – J E Robison Service – que se tornou uma das melhores empresas
especializadas em reparação de automóveis. Ao escrever o livro “Olhe nos meus
olhos”, John pretendia demonstrar que por mais robótico que possa parecer o
comportamento de um Asperger, era capaz de sentir “emoções profundas”. Sua
página na rede é http://www.johnrobison.com/.
Ser ousado no pensar e no agir é uma das coisas mais belas no ser humano.
Assim como a coragem de se ter liberdade, de ser responsável, de ser guiado pela
autonomia, de ir em busca de um sentido, de se autorrealizar. O mais belo ainda é a
tentativa do homem de se construir, de se conhecer segundo a sua própria
17
B.A. (Psychology), Franklin Pierce College, 1970; M.S. (Animal Science), Arizona State
University, 1975 e Ph.D. (Animal Science), University of Illinois, 1989.
49
REFERÊNCIAS
ABC NEWS: 20/20 Interview. História de Carly Autismo Severo. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=M5MuuG-WQRk> Acesso em: fev 2011.
CHASTE, P.; LEBOYER, M. Autism Risk Factors: genes, environment, and gene-
environment interactions. Dialogues Clin Neurosci, v. 3, n. 14, p. 281-292, Set
2012.
KLIN, Ami. Autismo e síndrome de Asperger: uma visão geral. Rev. Bras.
Psiquiatr., v.28, n. 1, p. 3-11, mai 2006.
OLIVEIRA, Fabíola I. de. Entrevista: Carl Rogers, por um homem melhor. Revista
Veja, São Paulo, ed. 441, p. 3-6, 16 fev. 1977.
PELPHREY, Kevin A.; SHULTZ, Sarah; HUDAC, Caitlin M. et al. Research Review:
Constraining heterogeneity: the social brain and its development in autism spectrum
disorder. Journal of Child Psychology and Psychiatry. USA, v. 52, n. 6, p. 631–
644, Jun 2011.
ROBISON, J.E. Olhe nos meus olhos: minha vida com síndrome de Asperger. Ed.
Larousse: São Paulo, 2008.
TAMANAHA, Ana Carina; PERISSINOTO, Jacy; CHIARI, Brasilia Maria. Uma breve
revisão histórica sobre a construção dos conceitos do Autismo Infantil e da síndrome
de Asperger. Rev. soc. bras. fonoaudiol., São Paulo, v. 13, n. 3, 2008.
TED. Temple Grandin. O mundo precisa de todos os tipos de mentes. Fev 2010.
Disponível em: <http://www.ted.com/talks/lang/pt-
br/temple_grandin_the_world_needs_all_kinds_of_minds.html>. Acesso em: jul
2012.
– Você tem alguém na sua família com autismo? É a pergunta recorrente que
ouço todas as vezes que comento do meu interesse no assunto.
– Não. Respondo sorrindo, balançando a cabeça negativamente.
E tento vasculhar na memória como tudo começou, procurando um motivo.
Recordo poucas coisas dessa época, como acontece quando não percebo que
estou vivendo algo importante. Lembro que no final de 2011 assisti ao vídeo da
Carly no youtube e fiquei paralisada. Assisti mais uma vez. Depois outra. E mais
tantas outras vezes seguidas.
Estava simplesmente encantada com aquela menina que conseguia se
expressar, que conseguia colocar em palavras seus sentimentos, vontades, medos e
frustrações. Comoveu-me a escritora que estivera contida naquele corpo indomável.
Lembro que pensei surpresa: “Existe uma pessoa ali querendo se expressar”.
Sei que isso parece horrível especialmente vindo de uma estudante de
psicologia que se presta a estudar (e saber) sobre o ‘sendo humano’. Mas eu não
sabia nada além do autismo do que o senso comum dizia ser18.
De frente para o computador e completamente apaixonada pela sua história
de vida e de como ela havia transposto sua porta, disse:
– Prazer em conhecê-la Carly!
Se existe uma coisa que me engrandece é conhecer e conversar com
pessoas. Ouvir pontos de vista diferentes do meu, experiências variadas e ver jeitos
de ser de cada um, expande quem eu sou, alargando meus horizontes. A
diversidade me alimenta em vários aspectos da vida, é um “pensar fora da caixa”.
Acredito que a compreensão da diversidade nos torna pessoas mais flexíveis
gerando um mundo melhor para todos viverem.
E naqueles idos de 2011, uma pessoa encantadora se revelava, uma
18
Autismo é visto no último período do curso de Psicologia no currículo atual da
Universidade Fumec.
55
escritora que sabia me tocar e que eu queria conhecer cada vez mais.
Foi quando algo realmente interessante começou a ocorrer... pois ao
comentar com amigos próximos e também aqueles que estavam longe sobre meu
novo interesse, comecei a receber muitos materiais. Foi assim que conheci o método
Son Rise e a família Kaufman, foi assim que me enviaram as pesquisas mais
recentes na medicina e biologia, foi assim que me emprestaram o livro da Temple
Grandin sem data de entrega para devolvê-lo, foi assim que recebi vários recortes
de reportagens em jornais e revistas, foi assim que ganhei de presente da minha
turma de psicologia um kit com vários livros e CD’s sobre autismo no meu
aniversário... e de repente, tudo o que eu precisava começou a chegar aos
borbotões em minhas mãos.
Um novo mundo se descortinava à minha frente. Um mundo muito diferente
do que estava habituada, um mundo que não olhava diretamente como eu gostava
de olhar, um mundo que não queria ser tocado como eu gostava de tocar, um
mundo inquieto e estranho, um mundo que estaria fora do que é considerado
normal.
Após assistir o filme Meu Filho, Meu Mundo (Título original: Son-Rise: A
Miracle of Love) sobre a família Kaufman contando a história de Raun, um menino
diagnosticado com autismo severo e um QI abaixo de 40, fiquei inquieta, algo se
revolvia dentro de mim e perguntas martelavam na minha cabeça sem parar: O que
poderia levar algumas pessoas a saírem do quadro autístico considerado irreversível
até então? O que elas tinham de diferentes? Ou ainda que elas receberam a mais
que outros não receberam?
Com base na Psicoterapia Centrada na Pessoa ficou claro que ele, Raun,
teve uma aceitação incondicional por parte dos pais, que a forma como eles
cuidaram do filho, entrando no mundo dele, repetindo seus gestos, facilitaram o
menino sentir-se acolhido; e o respeito foi mostrado quando Raun, após uma
significativa melhora, retornou ao estado original dos comportamentos
estereotipados, e os pais conversando, decidiram que não havia problema, eles
começariam tudo novamente e seguiriam o seu ritmo.
Intuitivamente os pais aplicaram os conceitos da Abordagem Centrada da
Pessoa de Carl Rogers aliada com a Pré-Terapia de Eugene Gendlin, o que motivou
a conhecer mais sobre esses casos que de alguma forma obtiveram melhoras
significativas dando valor as suas vidas, como autonomia, responsabilidade e um
56
sentido de vida.
O caso de Raun me fez levantar algumas hipóteses. Seriam as condições
facilitadoras? Seria a relação proporcionada a essa criança que o fez sair do
autismo? Em minha busca, não achei nenhum estudo de caso que envolvesse o
autismo e a ACP. Foi quando tive a ideia de usar as autobiografias e comecei a
devorar tudo o que me caísse nas mãos. Nesse período conheci mais
profundamente: Carly, Temple, John, Raun, Isabel, Noah, entre outros. E com tanto
material disponível, a triagem para a monografia teve que começar.
Primeiro, dei prioridade aquelas autobiografias que eram realmente escritas
pelas pessoas diagnosticadas com autismo e não por seus familiares, para assim
poder entrar na minha categoria de “autonomia, responsabilidade e um sentido de
vida”. Em segundo, escolhi aquelas que mais me tocaram, preferindo quando
possível, publicações recentes: Carly em 2012, John em 2008 e Temple em 1999. E
por fim, essas histórias deveriam estar dispostas em pontos diferentes dentro do
espectro autista, o que daria uma visão mais abrangente e consistente para a
hipótese. E surpreendente, esse requisito 3 (três) coincidiu com as já escolhidas no
requisito 2 (dois): Carly, no extremo inferior com seu diagnóstico de “autismo severo
e moderado retardo mental”, Temple no meio, com “autismo” e John no extremo
superior, considerado como um tipo de autismo de alto funcionamento, com a
“síndrome de Asperger”.
E Carly, Temple e John me deram uma aula. Várias aulas. De fato, “deram-
me um baile” como se costuma dizer na minha terra quando alguém lhe mostra algo
que sabe fazer muito bem e você não. Eles me ensinaram a olhar realmente as
pessoas, qualquer uma; mostraram-me como ver fenomenologicamente,
perguntando antes de julgar e emitir opiniões; ajudaram-me em meus próprios
processos e dificuldades; indicaram-me o caminho de como chegar até eles e
consequentemente chegar a qualquer pessoa na psicoterapia. Eles fizeram uma
exposição do que é o amor e o casamento, assim como o desamor e o divórcio.
É impressionante como mesmo nos casos extremos, como acontece com o
autismo que é talvez a forma de fechamento mais grave, pude ver a unidade da
pessoa, desse núcleo que, de alguma forma, luta para se mostrar. Mais interessante
ainda é como nos casos em que ocorre uma sintonia com outra pessoa, há uma
elaboração real, vê-se um sinal de presença em que se deseja uma interação.
Tudo o que tinha lido nas bases teóricas estavam sendo confirmadas nas
57
vidas reais daquelas pessoas. Mais além, elas me ensinaram a viver com mais
aceitação, mais compreensão e mais respeito pela diversidade que tanto me atrai.
Uma das partes do livro da Carly (Capítulo 4: Sleeplessness) que mais me
angustiou foi narrado pelo seu pai. Ele conta como ele e a esposa se revezavam no
cuidado com os filhos e a casa. Ela cuidava deles durante o dia e da Carly, de modo
mais particular. E ele, à noite, após o trabalho. Ele chegava em casa, fazia os
afazeres domésticos, brincava com os filhos e ia dormir. Aproximadamente apenas
umas duas horas de sono depois, Carly acordava aos gritos, completamente sem
controle corporal, pulando de um cômodo para outro da casa, quebrando muitos
objetos, bagunçando tudo, com o pai atrás, tentando evitar que ela se machucasse
ao mesmo tempo em que tentava acalmá-la, para fazê-la voltar a dormir e ele ter
mais algumas horas de sono. Isso podia durar horas e quando, finalmente, ela
conseguia se acalmar já era hora do pai voltar ao trabalho. Imagine noites e noites
seguidas assim!
Ele narrou apenas uma noite e eu fiquei desesperada com a angústia dele
(nem tenho condições de imaginar a dela) e tive que parar de ler esse capítulo
várias vezes, respirar fundo, tomar um copo de água e voltar. Em muitos momentos,
tive a vontade de entrar naquelas páginas, voltar àquela situação e tentar ajudá-los
de alguma forma. Queria poder dizer-lhe: “vá dormir, eu fico com ela”. Como ele
aguentou tudo aquilo? Não sei dizer. Eu acredito que uma das piores atitudes que
podemos ter com outro ser humano seja: “eu desisto de você”. Algo que pode
parecer tão fácil de acontecer com todas as dificuldades financeiras, emocionais,
físicas que o autismo acarreta para aqueles que convivem com isso. “Mas como
alguém pode desistir de um filho?” pergunta o pai de Carly no vídeo do youtube.
A parte mais emocionante, que transcendeu qualquer experiência, que me
cativou inteiramente foi narrada por Temple quando encontrou A Porta, a porta que
ela escolheu transpor. Prefiro mostrar pequenos trechos transcritos literalmente
porque, para mim, é impossível descrevê-lo sem profaná-lo de alguma forma:
Havia uma pequena plataforma que se projetava do prédio, e subi
nela. E encontrei A Porta! Era uma pequena portinhola de madeira
que dava para o telhado. Entrei num pequeno observatório. Havia
três janelas panorâmicas que abriam para as montanhas. Aproximei-
me de uma delas e fiquei vendo a lua nascer por trás das
montanhas, subindo ao encontro das estrelas. Fui tomada por um
sentimento de alívio. Pela primeira vez em meses sentia-me segura
no presente e confiante no futuro. Uma sensação de amor e alegria
me invadiu. Eu tinha encontrado! A porta para o meu céu.
58
ARTIGO
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RESUMO
ABSTRACT
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1. INTRODUÇÃO
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Em 1951, foi publicada a grande obra, Gestalt Therapy, uma reunião que
cercou um grupo de intelectuais, entre os quais estão Paul Goodman, Isadore
From, Paul Weisz, Shapiro Elliott e Eastman Sylvester (Perls, Goodmann e
Hefferline), ganhando grande impulso no início dos anos 60 por ser uma
corrente de pensamento e prática terapêutica afinada (em alguns dos seus
pressupostos) com os movimentos de contracultura, fenômeno histórico
efervescente nos EUA e na Europa nessa época.
Este autor traz também que em 1978, Walter Ribeiro, junto com outros
profissionais, de diferentes lugares do Brasil, criou em Brasília o primeiro grupo
de formação em Gestalt-Terapia, auxiliado pela terapeuta residente na
Califórnia, Maureen Miller.
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Outro ponto ressaltado pelos autores é que o humanismo tem uma visão
sistêmica, é contra qualquer categorização nosográfica, não trabalha com a
ideia de normal/patológico e causa/efeito. Logo, ao procurar enxergar o
indivíduo em seu desenvolvimento máximo, o humanismo se equipara com a
prática gestáltica, quando, por exemplo, Perls apud Ginger (1995, p.99) fala
que “A Gestalt-terapia é um método muito operante para ser reservado
unicamente aos doentes”. Ou seja, o humanismo e a Gestalt-terapia são visões
de mundo que consideram o homem como um sistema global inserido em
subsistemas com uma interdependência circular.
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Sendo assim, a prática gestáltica pode ser considerada existencial, pois está
sempre buscando enfatizar o processo de escolhas e renúncias do indivíduo,
em que o mesmo vai tomando consciência de sua autoria e responsabilidade
em seus feitos (CARDELLA, 2002). É também existencial a relação terapêutica,
embasada no existencialismo “‘Dialógico Eu-Tu’ ou ‘Encontro existencial’1: esta
concepção ou atitude de relação articula-se a uma metodologia de trabalho que
forma, com ela, um todo coerente e indissociável” (YONTEF, 1986, p.6 apud
CARDELLA, 2002).
1
Mais informações sobre o Existencialismo Dialógico de Martin Buber na p.17
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Husserl teve como seu discípulo sucessor Martin Heidegger, o qual afirmava
que o fenômeno é o que se mostra em si mesmo. Logo, para acessá-lo é
preciso “estar atento para o ente2 por si mesmo de diversas maneiras,
seguindo sua via e modo de acesso”. Para Heidegger não há algo por detrás
do fenômeno. O que acontece é que o próprio tende a velar-se e para desvelá-
lo é necessário que nos guiemos de acordo como as coisas se apresentam de
forma natural e espontânea (STOCKINGER, 2007).
Segundo Müller-Granzotto & Müller-Granzotto, 2007 apud D’Acri, Lima, Orgler, 2007:
Para melhor compreensão do que foi referido acima, cabe aqui dois dos
conceitos-chave da Gestalt-terapia: awareness e aqui-agora.
2
- tudo aquilo que falamos; tudo em que pensamos; tudo que entendemos; tudo em
relação ao que nos comportamos, mas também o que nós próprios somos e a maneira
como somos. É tudo aquilo que é; o que tem manifestação (STOCKINGER, 2007)
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Ginger & Ginger (1995) ratificam que a Gestalt-terapia se utiliza dos conceitos
da fenomenologia também quando afirmam que o essencial é como a vivência
imediata é percebida e sentida corporalmente (aqui-agora); que a nossa
percepção de mundo e o meio em que estamos inseridos é “dominada por
fatores subjetivos irracionais”, que se torna diferente a cada olhar sobre o que é
olhado, tornando a experiência de cada um única e singular, não podendo ser
teorizada antecipadamente.
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3
Frase enfatizada por Christian von Ehrenfels (1859-1932), que continuou os estudos
dos fundadores da escola de Psicologia da Gestalt, Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfang
Köhler (1887-1967) (GINGER&GINGER,1995)
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Fukumitsu (2011) afirma que é através do contato que a pessoa pode separar-
se e unir-se, lidar com o que é saudável ou tóxico nas suas singulares
experiências. Cardella (2002) acrescenta que o indivíduo vive na fronteira de
contato superando obstáculos, defendendo-se dos perigos, assimilando, ou
não, o novo, e assim, através deste movimento de aproximação e retração, o
indivíduo satisfaz suas necessidades.
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Ciornai (1995) apud Cardella (2002) ressalta que nem sempre o ajustamento
criativo leva a processos saudáveis e de crescimento. O indivíduo se ajusta
criativamente da melhor maneira que consegue no dado momento, mesmo
quando este ajustamento tem forma de sintoma e traz sofrimento para o
mesmo. A psicoterapia é de grande serventia para estes momentos.
Ou seja, não há como pensar no self como uma unidade fixa e sem considerar
o meio em que o indivíduo está inserido. O self é o todo que a pessoa
representa num dado momento, com alternância de figuras e fundos e
ajustamentos criativos que estão se transformando a todo instante.
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Ginger & Ginger (1995) destacam que a cada etapa do sistema self, o mesmo
funciona de acordo com as figuras que emergem do fundo:
4
MULLER-GRANZOTTO (2007)
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O fazer clínico neste momento não fica no lugar de assistência social, mas
como uma facilitação para que o indivíduo treine e amplie sua autonomia da
função de ego. Müller-Granzotto & Müller-Granzotto (2012) reafirmam que o
clínico é co-participante em uma nova forma de ajustamento criador da pessoa
que está em sofrimento, afinal, mais do que sofrer as consequências de uma
fatalidade ou da exclusão social, é genuinamente pedir ajuda ao semelhante.
“Ademais, a intervenção gestáltica nunca é normativa. Ela não visa “defender”
ou “criticar” uma ideologia especificamente. Trata-se de ajudar alguém a
compreender e fazer sua opção.” (MÜLLER-GRANZOTTO & MÜLLER-
GRANZOTTO, 2009).
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Os autores explicam que esta “rigidez (fixação)” citada por Perls et al (1997) da
função id ocorre quando o indivíduo sente-se demandado de alguma forma
(quando nós, como clínicos, por exemplo, dirigimos questões a ele a serem
respondidas); quando muitos excitamentos se doam; ou quando nada se doa.
O cliente precisa fixar-se em algum dado de realidade para poder suportar a
angústia que esta doação/não-doação de excitamentos (“presença ambígua de
excitamentos” ou awareness sensorial) acarreta a ele. É possível perceber esta
rigidez diante dos comportamentos genericamente descritos pela psiquiatria
clássica.
Lavratti (2012) diz que Sérgio Buarque, em seu verbete no livro “Gestaltês”
afirma que a Gestalt-terapia se utiliza dos conceitos da psiquiatria clássica para
nomear os “sinais e sintomas” apresentados pelo cliente, porém estes “sinais e
sintomas” são vistos de forma autêntica e genuína, do campo da
intersubjetividade, mesmo que de forma ilógica e irracional. Acredita-se que
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cada “psicose” é vivida de forma singular pelo indivíduo - até mesmo os surtos
psicóticos não acontecem da mesma forma com a mesma pessoa - que está
imerso em um contexto que deve ser levado em consideração. Evitar ou
ignorar estas criações é o mesmo que anular uma relação terapêutica criativa.
Mesmo com este comprometimento da função id, o self não pára de funcionar.
Ou seja, quando isto acontece, o sistema self cria algo diante do dado na
fronteira de contato correlacionado com aquilo que ele não pôde reter ou
espontaneamente responder à demanda. Essa criação vem para substituir os
excitamentos que diante da demanda, ou não havia retenção no fundo de
vividos, ou foi retido de maneira falha ou desarticulada. É neste momento que o
indivíduo delira, alucina ou se ausenta totalmente diante da demanda na
fronteira de contato. Müller-Granzotto & Müller-Granzotto (2012) ratificam que
“a psicose é uma resposta social às demandas por excitamento em ocasiões
em que eles não vêm ou vêm em excesso”.
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“O que não está retido aqui; o não disponível tem relação com
os hábitos de linguagem, com as formas retidas a partir das
vivências de contato instituídas pela linguagem,
especificamente pelas vivências culturais em que se busca
levar, para o campo simbólico, os excitamentos primitivos
originalmente vividos de maneira intuitiva. A maneira como
simbolizamos e nomeamos nossas vivências de
intercorporalidade primária. Parece não haver uma
possibilidade de estabelecer códigos consensuais de
linguagem acerca daquilo que é vivenciado com o semelhante”
(p.64)
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Identificação positiva: a função de ato (ego) intenciona, nos atos sociais, uma
sorte de ampliação ao infinito do sistema, o que lhe permite sustentar todos os
excitamentos, como por exemplo, os casos de mania.
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5
Mais informações sobre os tipos e características do Autismo no capítulo 4.
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Cabe ao terapeuta entender que a partir disto, a pessoa tem mais chances de
“responder” às demandas, porém não necessariamente de um fundo de vividos
(afeto), mas adquirir uma linguagem pedagogicamente aprendida e adaptada à
determinada situação, mas sem valor emocional. Os sujeitos autistas poderão
adquirir informações, aprender expedientes sociais e exprimir valores e
sentimentos.
Até mesmo nos casos de autismo mais severo, como os de Kanner, observa-se
uma boa aceitação no processo de inclusão pedagógica. Com estas
intervenções, o terapeuta colabora para a ampliação da função de ato nos
ajustamentos autistas, sendo assim, o autista responde a partir de algo que foi
aprendido e produzido pedagogicamente na forma de linguagem, ao invés de
responder às demandas com excitamentos que não se apresentam do fundo
de vividos.
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Entretanto, esta crença foi abandonada pela maioria dos países, inclusive pelo
próprio Kanner, e outra teoria veio à tona: o autismo seria um transtorno
cerebral, com início na infância, podendo atingir quaisquer pessoas de classes
e níveis sociais, étnico-raciais. As pesquisas neurocientíficas e genéticas
atestam que o autismo possui causa biológica.
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A partir desta visão, os estudos caminharam nesta direção e pela primeira vez
o autismo entrou no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM-III), em 1980b (KLIN, 2006, p.1)
Silva (2012) acrescenta que até 1980 o autismo ainda era considerado uma
categoria da esquizofrenia, ou psicose infantil. A partir deste ano, o autismo
passou a ser considerado um distúrbio do desenvolvimento, o que
proporcionou grandes avanços na ciência com denominações corretas e
critérios específicos.
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A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2), e (3), com pelo menos dois de
(1), e um de cada de (2) e (3).
1. Marcante lesão na interação social, manifestada por pelo menos dois dos
seguintes itens:
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Silva (2012) destaca que este padrão é notado desde muito cedo. As crianças
podem apresentar movimentos repetitivos com as mãos, cabeça, tronco ou
girar objetos (rodinhas, peões, pratos) e ficar olhando fixamente. Um
comportamento comum entre os autistas é abanar as mãos e o antebraço na
altura dos ombros como se tivessem imitando um pássaro voando é, este
comportamento é denominado flapping.
1. Interação social.
2. Linguagem usada na comunicação social.
3. Ação simbólica ou imaginária.
Nesta avaliação o profissional tem que saber como a mãe descobriu que
estava grávida, se fez o pré-natal, como foram as condições da gravidez e as
do feto durante este período. A autora explica que as condições da formação
da criança no ventre da mãe dependem de vários fatores, tais como
fecundação, formação do zigoto, desenvolvimento do feto, características que
podem levar a consequências como desenvolvimento do autismo, más-
formações e problemas genéticos.
Após estas fases, o profissional passa a investigar como foi o primeiro ano de
vida da criança: amamentação (houve dificuldades de sucção?), sono (dormia
por muitas ou poucas horas?), apresentava hábitos alimentares restritos,
quando sentou, engatinhou, andou, falou as primeiras palavras. A partir do
segundo ano de vida, o profissional investiga as habilidades sociais (a criança
consegue compartilhar os momentos vividos, interage com outras pessoas ao
seu redor?) e motoras. Em seguida, entre os 3 e 4 anos de idade, observa-se
como foi o ingresso à escola, como a criança brinca e lida com os demais
colegas e com seu mundo. E assim, em cada fase do desenvolvimento, é
preciso ter uma riqueza de detalhes, pois cada um deles é muito importante
para que o profissional dê o diagnóstico preciso.
Revista IGT na Rede, v. 11, nº 20, 2014, p.193 – 241. Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs
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Dentre estas necessidades especiais, a que mais capturou foi o trabalho com o
autismo. Até então, nunca havia tido contato mais próximo com pessoas
autistas e o que mais causava impacto era o fato destas pessoas parecerem
viver em um mundo paralelo, de se posicionarem diante do mundo a sua volta
de uma forma tão peculiar e imprevisível. Porém surge o questionamento: que
pessoa é previsível ou, se vista de perto, não é, no mínimo, extremamente
peculiar e misteriosa? Quais dos comportamentos humanos são algo realmente
encaixado dentro dos ditos “padrões da normalidade”? A resposta mais fácil de
ser dada é: claro que todo ser humano é único e um eterno vir-a-ser, logo pode
esperar-se tudo dele.
Juntamente com isto, algo que chama bastante atenção era a falta de
pesquisas publicadas em Gestalt-terapia sobre o tema. Logo, trabalhar com
pessoas diagnosticadas com autismo a partir da visão da Gestalt-terapia
tornou-se uma dificuldade e um desafio ainda maior, pois não havia
embasamento teórico diverso e necessário para tal.
Mesmo com estas dificuldades, algo que hoje é possível identificar e que
funcionou como norte nos atendimentos foi o que Perls (1997) apud Ribeiro
(2010) em seu texto ‘Da dificuldade de “conversão” à mentalidade gestáltica’
ressalta quando explica que a Gestalt-terapia é “a abordagem original, não
deturpada e natural da vida”. Ou seja, por mais que não houvesse um vasto
aporte teórico ou manual de como se dá a prática gestáltica com autismos,
ainda assim era possível fazer Gestalt-terapia. Pois a mesma é natural a todos.
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As estereotipias e o diagnóstico antes dos três anos de idade são algumas das
características que as pessoas começam a apresentar e que fazem os
profissionais darem o famigerado diagnóstico de Autismo.
Trabalhar com estas mães, era também de grande aprendizado pessoal, pois
era inevitável encontrar os atravessamentos de ser mãe de uma criança
totalmente diferente do que um dia foi idealizado, ver mães cansadas,
sobrecarregadas, muitas vezes sem muitas condições financeiras e que não
tinham ajuda de outras pessoas para criarem seus filhos. E assim, via-se de
tudo: mães impacientes, mães amorosas, mães permissivas, mães agressivas
– tudo misturado em uma mãe só.
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Tudo isto se torna fundo diante daquilo que emerge da relação e do campo
estabelecidos entre terapeuta e cliente.
Por ter esta visão de ser humano, é que falar-se-á de Autistas e sim de
pessoas que fazem ajustamentos autistas, pois a pessoa é dotada de limites e
possibilidades que vão muito além de um diagnóstico. Os ajustamentos são
apenas parte de um indivíduo.
Ratifica-se esta visão com o que Ginger & Ginger (1995) explicam, acima
citado: Para a Gestalt-terapia um bom fluxo dos ciclos de figura-fundo são
considerados estados de “boa saúde”, ou seja, a psicoterapia incentiva que a
pessoa faça a formação de formas flexíveis, adaptadas ao meio em que estão
inseridas, fazendo ajustamentos criativos permanentes. Sendo assim, a
Gestalt-terapia é considerada uma “arte da formação de boas formas”
(GINGER & GINGER, 1995).
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sala, não falava, não se interessava por nada, balançava-se de um lado para o
outro e algumas vezes gemia. Naquele atendimento não havia interação
alguma de forma direta. O trabalho com ela era puramente sensorial, onde ela
poderia experimentar contato com o mundo através de seus sentidos, porém,
ainda assim as respostas eram poucas. Sem dúvida, este era um caso
cansativo, desafiador e frustrante.
Por mais frustrante que sejam estes relatos, não há algo que tenha gerado
mais aprendizado de que o tempo no atendimento gestáltico é sempre
composto pelo que o cliente consegue fazer no momento e o que o campo
pode influenciar também. A Gestalt-terapia adota o pensamento dialógico de
Martin Buber que ratifica o que foi relatado, pois este pensamento traz a teoria
de que na situação terapêutica são importantes tanto o cliente, quanto o
terapeuta, acreditando que a relação estabelecida também faz parte do
fenômeno que ocorre no campo e é de serventia para o processo.
Esta é a primeira lição básica diante de uma pessoa que faz ajustamentos
autistas. Müller-Granzotto e Müller-Granzotto (2012) exemplificam: O clínico
não deve demandar de forma alguma,
Ela vai se defender de toda e qualquer demanda que venha em sua direção e
que não possa ser respondida. Gritos, autoagressões, agressões contra o
psicoterapeuta, fala descontrolada, ausência de fala e outras inúmeras reações
contra a demanda era o que mais provocava a vontade de desistir dos
atendimentos. Difícil mais uma vez entender que qualquer demanda, por mais
simples que fosse, teria que ser eliminada. Mas o que seria essa demanda?
Como um psicoterapeuta consegue não demandar?
Esse foi e continua sendo o maior exercício. O que fazer então diante de uma
pessoa “autista”? Estudar, pesquisar e principalmente fazer a psicoterapia
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pessoal, pois se atender uma pessoa que faça interrupções de contato através
de ajustamentos de evitação é um desafio, atender pessoas que não tem
dados retidos no fundo de vividos e reagem diante de suas demandas é mais
desafiador ainda.
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Foi possível perceber que uma defesa contra a demanda poderia ser quando L.
experimentava colocar os pés no chão totalmente. Quando isto era proposto, L.
mostrava-se inquieto e voltava a andar na ponta dos pés. Como ele não
apresentava dificuldades com o contato físico de outras formas, as
intervenções eram bastante sensoriais, onde era proposto a L. o contato com
diferentes texturas e sons diversos.
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Certo dia a intervenção foi de deixá-lo livre e não demandar nada. Ele correu
por toda a instituição, gerando insegurança, pois estava-se responsável por
sua integridade física e pelo que os outros iam pensar, porém ao mesmo tempo
entendia-se que aquilo era importante para a relação cliente-terapeuta. Depois
disso, ele vinha aos atendimentos mais disposto próximo fisicamente.
6. CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Recebido em 17/04/2014
Aprovado em 03/09/2014
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NOTAS
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