Sei sulla pagina 1di 35

CENTRO PRESBITERIANO DE PÓS-GRADUAÇÃO ANDREW JUMPER

STM EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Teologia do Pacto: Um breve estudo sobre o que é novo,


continuo ou descontínuo e as implicações para o
dispensacionalismo e os sacramentos.

Trabalho apresentado ao Centro de Pós-Graduação


Andrew Jumper, como parte dos requisitos da
disciplina Teologia do Pacto, sob responsabilidade do
Professor Dr.Héber Júnior, em cumprimento das
exigências para a obtenção do Grau de Mestre em
Teologia Sistemática - STM

Antonio Rodrigues Siqueira


Teologia Sistemática
Teologia do Pacto: Um breve estudo sobre o que é novo,
continuo ou descontínuo e as implicações para o
dispensacionalismo e os sacramentos.

Introdução

O alicerce de nossa relação com Deus é estabelecido na realidade de que Deus

decidiu-se relacionar conosco, e quando o fez, fez por meio de aliança.

Embora a relação de Deus conosco se dê por aliança, esse assunto não é tão

claro e nem unânime entre o povo de Deus. Existem dúvidas e desvios da verdade.

Exclui-se o Antigo Testamento, especialmente no que diz respeito à lei, criando uma

dicotomia lei versus graça, sendo esta manifesta para o tempo da igreja e aquela para

o tempo de Israel. Outro exemplo de tensão nesse assunto relaciona-se à relação de

Deus com o seu povo, terá Deus dois povos, com duas maneiras distintas de se

relacionar?

O presente texto tem como finalidade analisar dois aspectos interligados

dentro da teologia do pacto: o que foi introduzido como novo na nova aliança em

relação à antiga aliança, e num segundo momento expor, nessa perspectiva os

elementos de continuidade e descontinuidade entre as duas alianças. Finalmente se

buscará compreender quais as implicações desses elementos na perspectiva a

teologia dispensacionalista e no entendimento dos sacramentos.


1- O que é novo na Nova Aliança em relação à Antiga Aliança?

a- O sentido de novo aplicado à aliança

1- Uma nova dimensão da obra redentiva de Deus

O adjetivo καινός usado pela LXX para traduzir o hebraico hadasa, se refere à

aquilo que é novo, sem precedentes, novo em caráter ou modo (MOULTON, 1978).

Isso não quer dizer que “ cada aspecto específico é novo no sentido de não ter estado

presente antes”. (GRONINGEM, 2000, p. 653). É dentro desta perspectiva que

Jeremias, Isaias e Ezequiel percebem o conceito de novo como sendo uma

caracterização do tratamento futuro de Deus com o seu povo.

Para Robertson (1997) o propósito redentor de Deus encontra sua

consumação na nova aliança. As alianças anteriores encontram sua plena realização

na nova aliança. Este também é o entendimento de Michael Horton que assegura que

“a nova aliança inaugurada por Cristo olha para trás através de Jeremias 31 até Davi

e Abraão”. (HORTON, 2010, p. 47). Van Groningen (2000) também compreende essa

relação por entender que Jeremias fala do novo pacto em conexão com os pactos

anteriores.

O que de fato é novo então nessa nova aliança se ela está cumprindo pactos

anteriores? A análise do texto de Jeremias 31. 31-34 em conjunto com Hebreus 8.7-13

pode nos trazer esta compreensão. Como afirma Robertson “quando as passagens

paralelas de Jeremias 31 falam dessa nova aliança como ‘perpétua’ em sua essência,
o conceito pode ser melhor entendido como referindo-se ao aspecto ‘irrevogável’ ou

definitivo dessa aliança”.(ROBERTSON, 1997, p. 255)

Há um aspecto que pode resumir a novidade da nova aliança. Se há algo que

a antiga aliança não podia oferecer era estabilidade, pois tudo nela era provisório.

1- Estabilidade

Saí a perenidade do velho pacto e entra o aspecto eterno do novo pacto.

Como disse Calvino, ao comentar o verso 7 de Hebreus 8,

O autor (de Hebreus) adiciona uma confirmação do que já


havia dito sobre a excelência do pacto que Deus fizera conosco, pelas
mãos de Cristo, e procede assim com base no fato de que o pacto sob
o regime da lei não era estável nem permanente. (CALVINO, 2012, p.
201)

É nesse mesmo sentido que Horton afirma que “uma vez que surge o Messias,

a antiga aliança (do Sinai) não é mais necessária, pois a realidade toma o lugar dos

tipos e sombras”. (HORTON, 2010, p. 44)

A nova aliança é composta de promessas absolutas da parte de Deus, e não é

colocada em risco por causa da ação do homem. Ela é certa. A antiga aliança tem

elementos de condicionalidade que a torna frágil.

A fraqueza do antigo pacto não se justifica apenas na pecaminosidade do

povo da aliança. Calvino classifica como absurdo a ideia de que o pacto pudesse ser

destruído por “causa da infidelidade humana”. (CALVINO, 2001). O povo é culpado


por que foi infiel, não cumpriu a lei que recebeu. Jeremias aponta essa infidelidade

como sendo a principal queixa de Deus, e ao mesmo tempo, que essa infidelidade é

a base para o anuncio de uma nova aliança com a casa de Israel e Judá. Mas a

“fragilidade do pacto é simultaneamente revelada, porquanto não fora escrito em seus

corações” (CALVINO, 2012, p. 202).

O fato de o antigo pacto ser instrumentalizado por sinais externos é também

um fator que o torna vulnerável. A condenação não é ao velho pacto, mas a Israel que

quebra a aliança. Como afirma Robertson (1997), a incapacidade do homem caído em

observar os preceitos da aliança com Deus nenhum elemento permanente pode ser

oferecido.

A nova aliança estabelecida com a casa de Israel e Judá não tem esse aspecto

de transitoriedade. Ela está centrada em Cristo e não no Sinai. (HORTON, 2010). O

texto de Hebreus que toma por base a profecia de Jeremias aponta para alguns

elementos da nova aliança que não mais demostram sinais de temporidade.

1.1 – É uma aliança de natureza interna

10"Esta é a aliança que farei com a casa de Israel, passados


aqueles dias", garante o Senhor. "Gravarei as minhas leis na sua
mente e as escreverei em seu coração. Eu lhes serei Deus, e eles
serão o meu povo

Essa é uma aliança feita para dentro. Ela será escrita no coração e na mente e

não mais em pedra. “A inscrição interiorizada da lei de Deus constituirá a única

ministração da nova aliança”. (ROBERTSON, 1997, p. 247). As pedras serão


substituídas pelo coração. Nesse tempo diz Jeremias “já não andarão segundo a

dureza do seu coração maligno”. (Jr 3.17).

Nosso coração empedernido jamais encontrará disposição para a verdadeira

obediência a Deus a não ser que sua disposição seja mudada. Como diz Calvino

“aceitamos o mandamento de Deus com um espírito de obediência quando Ele muda

e corrige, pela ação do Espírito, a depravação inerente de nossos corações”.

(CALVINO, 2012, p. 204).

Esse caráter interior da nova aliança é completamente novo nos

relacionamentos de Deus com o seu povo. Como aponta Robertson;

A nova aliança ostenta característica única em seu poder de


transformar seus participantes, a partir do íntimo do seu coração.
Este caráter único distingue a nova aliança de todos os tratamentos
prévios de Deus com o seu povo com base em alianças.
(ROBERTSON, 1997, p. 247)

Para Paulo o seu ministério está pautado nessa nova aliança, afirmando que

Deus nos habilitou para sermos ministros de uma nova aliança. (2 Co 3.6). Para Paulo

esse ministério da nova aliança não é da letra, mas do Espírito. Claramente como

afirma kruse (1994) Paulo está fazendo um contraste entre a velha aliança, escrita em

pedras e a nova, escrita no coração. Na interpretação deste verso de Corinto, Calvino

(2008) entende que o ensinamento que não atinge o coração é gerador de morte.

Se Deus não gravar em nosso coração a sua lei não temos condições de

obedecer. Nosso coração completamente dominado pelo mal e desesperadamente

enganoso não pode produzir nenhum impulso rumo a justiça.


Isto justifica a iniciativa de Deus em fazer uma nova aliança com o seu povo.

Na perspectiva de Calvino “é preciso estabelecer um novo pacto, pelo qual Deus

escreverá suas leis em nossos corações, por que doutra forma ele seria ineficaz”.

(CALVINO, 2012, p. 204). Seguindo esse mesmo raciocínio Horton indica que

Mesmo que os israelitas tivessem quebrado a aliança feita no


Sinai, Yahweh, no entanto, promete uma nova aliança em que as
bênçãos da aliança com Abraão serão finalmente cumpridas. O Povo
de Deus será circuncidado não só externamente, mas interiormente:
eles receberão novos corações. A lei não será imposta exteriormente
sobre eles, mas será escrita em seus corações. (HORTON, 2010, p. 42)

A nova aliança trabalha em uma base totalmente nova, trabalha na

interioridade do ser. No novo pacto a ação de Deus é de dentro para fora. O coração

do povo de Deus será transformado por que a sua lei será colocada, inscrita em seus

corações.

1.2 – É uma aliança que aponta para o perdão definitivo

12 Pois Eu lhes perdoarei a malignidade e não me permitirei


lembrar mais dos seus pecados".

Nesta nova aliança com o seu povo Deus garante que perdoará os pecados do

seu povo. Essa promessa de perdão é a garantia de estabilidade da nova aliança.

Assim afirma Calvino: “Não haveria nenhuma estabilidade no pacto, a não ser que

Deus graciosamente nos perdoasse os pecados”. (CALVINO, 2012, p. 205).

A obstinação de Judá e Israel sempre foram empecilhos para a plena

comunhão com Deus na velha aliança. A lei exige que se cumpra todos os seus
requisitos como forma de alcançar a vida. Mas ainda que haja em nós o desejo de

cumprir os mandamentos, “ainda seremos culpados de morte eterna diante de Deus,

porquanto nossa vida se acha longe da perfeição requerida pela lei”. (CALVINO, 2012,

p. 205)

A esta altura fica a pergunta: não havia previsão e nem provisão de perdão no

antigo pacto? Por ocasião da dedicação do templo Salomão orou pedindo a Deus que

perdoasse os pecados do seu povo, Moisés suplicou a Deus que perdoasse o povo

que adorava a ídolos (Ex.34.9). Em que sentido Jeremias está vendo o perdão como

elemento central na nova aliança? A posição de Horton serve como orientação inicial

para a nossa compreensão, para ele;

O sistema sacrificial da antiga aliança nunca tirou os pecados,


mas apenas lembrava os adoradores de suas transgressões,
enquanto o sacrifício de Cristo é perfeito e tira o pecado para
sempre, conduzindo os adoradores para além do véu que separava a
glória de Deus do povo no Santo dos Santos. (HORTON, 2010, p. 47)

Seguindo esse mesmo raciocínio Robertson afirma:

A renovação constante dos sacrifícios pelos pecados sob a


velha aliança ofereceu indicação clara de que o pecado não era
realmente removido, mas apenas não levado em conta. Se o sacrifício
do dia da expiação realmente tornasse a pessoa justa de uma vez
para sempre aos olhos de Deus, por que a cerimônia era repetida
anualmente? O sangue de bois e bodes não tinha o poder inerente de
remover pecados na estrutura da justa ministração de Deus ao
mundo. As cláusulas da velha aliança, fundadas em tais sacrifícios de
animais não podiam efetuar a remoção real das transgressões.
(ROBERTSON, 1997, pp. 253–4)
A nova aliança trará um tempo em que o provisório será substituído pelo

permanente, o simbólico pelo real. O perdão na nova aliança é definitivo, ao contrário

do que ocorria no velho pacto, que necessitava de contínuos sacrifícios para alcançar

a satisfação da justiça de Deus.

O sangue que efetivamente pode limpar o pecado é o do cordeiro de Deus.

João Batista testemunha acerca de Jesus como sendo o Cordeiro de Deus que tira o

pecado do mundo (João 1.29). O Senhor Jesus no dia de sua última páscoa com os

discípulos anuncia que o seu sangue é o sangue da nova aliança, derramado em favor

de muitos, para a remissão de pecados. (Mt 26.28).

O perdão na nova aliança é de uma vez por todas. Não haverá mais a

necessidade de replicação do sacrifício pelo pecado. Jeremias está antevendo um

tempo em que haverá uma substituição vicária que realmente produzirá o perdão dos

pecados. A provisão do perdão na nova aliança revela que os sacrifícios do antigo

pacto representavam o sacrifício substitutivo da nova aliança, sendo assim quando a

realidade de manifestou anulou o sistema antigo de sacrifícios na velha aliança.

1.3 – É uma aliança onde todos conhecerão a Deus

11 ninguém jamais precisará ensinar o seu próximo, nem o seu


irmão, dizendo: 'Conhece o Senhor', porque todos me conhecerão,
desde o menor deles até o maior.

Esse conhecimento de Deus como afirma Horton (2010, p. 42) “não pode ser

reduzido a um empreendimento místico ou intelectual. Envolve uma parceria de


aliança”. O conhecimento de Deus na nova aliança é resultado direto e imediato da

inscrição da lei no coração do seu povo. Calvino disse que “o genuíno conhecimento

de Deus é uma sabedoria que muito excede ao que se pode compreender pelo

intelecto humano, e por isso ninguém pode obtê-lo exceto pela revelação secreta do

Espírito”(CALVINO, 2012, p. 207).

Na antiga aliança toda a relação com Deus se dava com base em um mediador

e Jeremias aponta para o fato de que na nova aliança o conhecimento de Deus se dá

de forma direta, ninguém jamais precisará ensinar o seu próximo, nem o seu irmão

ensinará. Robertson (1997) lista algumas explicações para essa possível ausência de

mestres na nova aliança. Primeiro tem-se tentado explicar isso alegando que na

antiga aliança os mestres ensinavam daquilo que sabiam e que na nova aliança os

homens ensinarão somente o que Deus lhes comunicaria. Uma segunda explicação

seria que Jeremias aponta para a realidade final no céu, quando não haverá

necessidade de mestres. Para Robertson o texto aponta para a não necessidade de

alguém mediar a aliança.

A argumentação de Robertson (1997) caminha para o entendimento de que o

oficio de mestre na antiga aliança era o de mediador, como é o caso de Moisés,

conhecido como mestre de Israel (Dt 4.1, 14) e os levitas, sacerdotes e profetas que

são apresentados como mestres do povo de Deus (2 Cr 17.7-9; Ed 7.10; Jr 32.33).

Calvino sugere que se entenda uma hiperbolização. Ao comentar Hebreus 8:11

e 12 ele condena aqueles, a que chama de fanáticos, que usam este texto para

suprimir a pregação pública, alegando que na nova aliança essa pregação é supérflua.

No seu entendimento “é obra do Espírito de Deus iluminar nossas mentes a fim de


conhecermos a vontade de Deus e convertermos nosso coração a fim de

obedecermos”(CALVINO, 2012, pp. 206–7).

O texto de Jeremias não está ensinando a “inspiração interior”. A igreja não é

privada da oportunidade de ser ensinada, especialmente à luz de Efésios 4.11 em que

Paulo demonstra que a igreja é abençoada com pessoas que tem o dom de ensinar.

Certamente o que está na mente do profeta é que Deus se revelará ao grande e ao

pequeno, e que todos os eleitos terão acesso ao conhecimento de Deus.

2- Elementos de continuidade e descontinuidade entre as alianças.

Devido a delimitação de nosso tema abordaremos neste trabalho os

elementos de continuidade e descontinuidade defendidos por Calvino.

2.1 – Continuidade e descontinuidade entre as alianças em Calvino

2.1.1 – A unidade entre as alianças

A teologia reformada sempre asseverou que Deus tem um pacto, uma aliança

com o seu povo. Para os reformadores “a única aliança eterna de Deus percorre toda

a história da humanidade, de Adão até os dias atuais; embora possa ter havido

variações em detalhes administrativos ou ‘acidentes’, em sua essência a aliança é

imutável e inviolável. ” (WOOLSEY, 2015, p. 211)

O conceito de aliança foi ao longo do tempo tornando-se um fator de grande

importância para dar unidade à teologia reformada. É a partir de Calvino que se


desenvolve uma importante noção acerca da unidade entre os testamentos. O

reformador desenvolveu amplamente o tema da aliança nas Instituas no livro II: IX-

XI. Combatendo especialmente aos anabatistas que ensinavam a diferença ou

descontinuidade entre os testamentos. (CALVINO, 2006a).

Desde de Calvino que já desenvolveu um conceito de unidade das alianças de

Deus, com administrações diferentes antes e depois da manifestação do Messias, até

scholars atuais é comum esse entendimento.

Como afirma VanGemeren (2013) essas administrações da aliança de Deus

estão interconectadas com continuidades e descontinuidades.

Na mesma direção Robertson(1997) compreende a aliança de Deus com o seu

povo como cumulativa. Ao invés de a cada administração Deus recomeçar do nada a

sua aliança Ele avança seus propósitos para um nível superior de realização. Assim

“as alianças com Abraão, Moisés e Davi são realmente estágios sucessivos de uma

aliança única”. (ROBERTSON, 1997, p. 39)

A continuidade das alianças de Deus é defendida por Robertson (1997), tendo

como base o argumento de que elas se suplementam e não se suplantam. Para que a

aliança de Deus com seu povo possa ser sucessiva é preciso seguir algum critério, que

para Robertson é o critério genealógico.

Em algumas passagens da Escritura esse critério parece ser bem claro. Em

Deuteronômio 5.22 Moisés diz que Deus fez aliança com aqueles que estavam na

planície de Moabe, quarenta anos depois do Sinai. Grande parte dos envolvidos nessa

renovação da aliança não estiveram presentes no Sinai, mas mesmo assim Moisés
atesta que eles estavam presentes naquele dia. Em Deuteronômio 29.14 – 145 Moisés

inclui aqueles que sequer haviam nascidos, como participantes da aliança.

A partir desses textos Robertson (1997) argumenta que a antiga aliança com

suas estipulações chega até a nova aliança. Segundo ele, “de acordo com Paulo, o

dom do Espírito Santo aos crentes da nova aliança vem em cumprimento das

promessas da aliança com Abraão (Gl 3.13ss) ”. (ROBERTSON, 1997, p. 37).

Veremos a seguir algumas argumentações do reformador acerca das

continuidades entre as alianças.

a- Continuidades em Calvino

a.1 – Tanto na Antiga como na nova aliança está presente a figura do

mediador

Calvino trata da teologia da aliança depois de desenvolver as doutrinas da

criação, providência e redenção (HOLWERDA, 2005). Ao tratar da providência e

redenção o reformador argumenta acerca da situação de miserabilidade do homem

enquanto caído e de que sua única alternativa é crer em Jesus como o seu mediador,

por que “ Deus nunca se mostrou propício ao povo antigo, nem jamais lhe conferiu a

esperança da graça, sem o Mediador” (Institutas II.VI.2). Nunca houve e nem haverá

possibilidade de salvação a não ser por meio da mediação de Jesus.

A promessa de Deus a Abraão de abençoar todas as famílias da terra por meio

de sua descendência é interpretada por Paulo em Gálatas 3.14 como sendo Cristo “ a

semente na qual deveriam ser abençoados todos os povos”. (Institutas II.VI.2), então

conclui Calvino “que uma vez que Deus não pode ser propício ao gênero humano à

parte do Mediador, disto já se faz bastante claro que, sob a lei, aos santos Pais, Cristo
sempre lhes fora posto diante dos olhos, em quem pudessem polarizar a fé.

(Institutas II.VI.2). A lei apontava para o judeu a pessoa do Messias e que ela fora dada

para estimular a esperança da Salvação em Jesus. Então ele continua: “Das

considerações precedentes, podemos agora ver claramente que todos os homens

adotados por Deus para formar seu povo desde o início do mundo estavam em

aliança com ele pela mesma lei e pelo mesmo vínculo da mesma doutrina que está

entre nós. ” (Institutas II.X, 1).

Os nossos pais são participantes da mesma aliança que hoje participamos,

forma beneficiários das mesmas promessas e esperaram pela mesma salvação pela

graça mediante o mesmo mediador. (Institutas II.X,2). Por meio de Cristo como

Mediador, os crentes da antiga aliança eram partícipes não só da comunhão com

Deus, mas também podiam participar das promessas.

a.2 – Tanto na antiga quanto na nova aliança temos a fé como resposta

exterior à graça de Deus

Não houve alteração no modelo de operação da salvação entre o novo e o

antigo pacto. “O dom da salvação gratuita era recebido na época do Antigo

Testamento da maneira que na época do Novo”. (WOOLSEY, 2015, p. 213). Calvino diz

que como pecadores, aos pais foi “ministrada a justiça da fé”.

Paulo apresenta tanto Abraão como Davi sendo justificados pela fé. (Rm 4.1-

25). Paulo apresenta Abraão como o pai de todos os fiéis. Como alega Calvino no

comentário deste capítulo que, Abraão é tratado como espelho ou padrão de justiça.

Sendo Abraão, padrão de justiça os judeus não podem alegar maior santidade do que
o patriarca que fora justificado por fé e não por obras da lei. Na argumentação de

Calvino, “portanto, havendo ele sido justificado gratuitamente, então sua

posteridade, que reivindica uma justiça sua por direito, procedente da lei, deve-se

cobrir de vergonha e ficar em silencio”. (CALVINO, 2001, p. 146).

Assim Paulo está demonstrando que a fé sempre foi o meio para a aquisição

da justiça de Deus, tanto no velho como no novo pacto. Abraão não foi justificado

por obras, mas por que creu. Segundo Calvino “ o verbo crer não deve ser restringido

por alguma expressão particular, mas se refere ao pacto da salvação e à graça da

adoção como um todo, os quais diz-se ter Abraão apreendido pela fé”. (CALVINO,

2001, p. 147).

A fé dos piedosos sempre dependeu de Cristo, (WOOLSEY, 2015), todos

participam da mesma aliança que fora anunciada no Antigo Testamento e será plena

no dia de Cristo. Como afirma Woosley,

...aqueles que estavam sob a lei nos tempos antigos tinha fé


em Cristo. Moisés e os profetas atestam da doutrina da fé. E apenas
por que a clareza da fé não tinha se manifestado tão completamente
que o apostolo fala sobre o tempo da nova aliança como o tempo de
fé. (WOOLSEY, 2015, p. 214)

É importante essa ressalva de Woosley por que os dispensacionalistas tentam

criar uma dicotomia entre tempo da graça, onde a fé é ministrada, e o tempo da lei.

Obviamente essa dicotomia não existe. Calvino esclarece essa aparente dicotomia,

em seu comentário do capítulo 3 de Gálatas. A lei, na concepção de Calvino, jamais

privou os pais de viverem pela fé, mas que eles foram “encerrados para a fé que se

manifestaria mais tarde”. (CALVINO, 1998, p. 110)


A lei não os afastou da fé, mas “a prisão da lei fora na verdade benéfica

espiritualmente”. (CALVINO, 1998, p. 111)

a.3 – Tanto na antiga como na nova aliança as promessas e bênçãos são

concessões misericórdia do Senhor

Como diz Calvino “o Antigo Testamento não só fora estabelecido na

misericórdia gratuita de Deus, mas ainda fora firmado na intercessão de Cristo”.

(Institutas, II.X,4). A aliança, as bênçãos e as promessas dadas sob o regime da antiga

aliança são ministradas pela misericórdia de Deus. O Senhor é sempre bom para com

o seu povo e sempre dá ao seu povo aquilo que não lhe é merecido.

Tanto os crentes da antiga aliança como os da nova aliança são salvos por

meio da graciosa misericórdia do Senhor. Nem os crentes de ontem nem o de hoje

podem apresentar algum mérito que lhes dignifiquem ou qualifiquem à salvação.

Segundo Woolsey (2015, p. 213) “a graciosa misericórdia de Deus à parte de méritos

humanos é uma plataforma essencial à apresentação de Calvino sobre a unidade da

aliança”.

Como diz Paulo aos Romanos, todos os homens são pecadores e não há

nenhum justo entre nós. Nesta condição não há nada que se possa fazer para alterar

a nossa posição diante de Deus, a não ser nos humilharmos e dependermos de sua

graciosidade. A não ser que Deus faça um tipo de aliança misericordiosa conosco, não

haverá base para a nossa justificação.


a.4 – Tanto na antiga como na nova aliança existe uma expectação pela

concretização eterna das promessas de Deus, um propósito escatológico

O pacto de Deus na velha aliança tem uma polarização nas promessas da vida

futura. Calvino assim descreve seu pensamento: “O antigo testamento, ou pacto, que

Deus firmou com o povo de Israel, não se limita as coisas terrenas; ao contrário,

continha a promessa da vida espiritual e eterna”. (Institutas II.X,23).

Como afirma Woolsey (WOOLSEY, 2015) a aliança de Deus sempre apontou e

se relacionou com o reino prometido a Davi. É exatamente por esse aspecto perpétuo

que a aliança não poderia ser invalidada.

O reino prometido aos gentios em Mateus 8.11 não é outro reino, mas que

terão lugar à mesa com Abraão, Isaque e Jacó. É nesse mesmo sentido que Pedro no

sermão de Atos 3.25 declara que os judeus convertidos do seu tempo eram herdeiros

dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com Abraão. Mais adiante em Atos

15.7ss, Pedro fala do penhor do Espírito como fruto da obra redentora de Cristo, que

pertence da mesma maneira a nós e aos santos do Antigo Testamento. Falar do

penhor do Espírito é o mesmo que falar do penhor da nossa herança (Ef 1.14).

Calvino discorre amplamente sobre esse ponto, basicamente ele dedica o

capítulo X do livro II para isso. Ele demonstra que mesmo no antigo testamento a

relação com Deus é espiritual e tinha como resultado a vida eterna. As bênçãos

temporais eram sinal do que viria na eternidade. Calvino acredita que os crentes do

Antigo Testamento eram instruídos por Deus a esperarem por algo superior às

bênçãos terreais. (Institutas, II.X,10).


O sofrimento que viveram, as dificuldades a eles impostas eram na verdade

um exercício para que se lembrassem de que a plena realização da vida não está neste

mundo, mas no vindouro. O livro de Hebreus expõe que os patriarcas tinham toda a

sua bem-aventurança na vida eterna. Segundo ao autor de Hebreus pela fé Abraão,

quando convocado, obedeceu e dirigiu-se a um lugar que no futuro receberia como

herança, embora não soubesse para onde estava sendo dirigido. Mediante a fé,

peregrinou na terra prometida como se fosse terra estrangeira, habitando em tendas,

assim como Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa. Porquanto,

aguardava alcançar a cidade que tem alicerces magníficos, da qual Deus é o arquiteto e

edificador. (Hebreus 11.8-10).

Assim a mesma expectativa que encontramos na nova aliança perpassa por

toda a antiga aliança. Pela ressureição do Cordeiro de Deus obtivemos a vitória

necessária para aguardarmos o bendito dia em que todas as bênçãos do pacto serão

finalmente realidade para todos os que foram chamados para delas participarem.

a.5 – Tanto na antiga como na nova aliança temos sinais pactuais que

representam a graça de Deus ao seu povo

Calvino também afirma a continuidade da aliança a partir do caráter pactual

dos sacramentos. A mesma graça que fora manifesta a judeus e a cristãos é selada

com sinais que também são um em essência. (WOOLSEY, 2015).

Devido a nossa dureza de coração, Deus faz uso de “subsídios externos”. Na

linguagem de Calvino (2006b) os sacramentos são uma forma de “acomodação de


Deus à nossa capacidade”, por isso instituiu “auxilio para fomentar e fortalecer a

nossa fé”. (Institutas IV.I,1).

Segundo Calvino o sacramento deve ser um testemunho da boa vontade de

Deus para conosco (Institutas, IV.XIX,2), mais adiante ele diz que o sacramento é um

selo com o qual se sela um testamento ou promessa de Deus.

Muito bem afirma Woolsey quando diz:

A ideia central do argumento de Calvino quanto a unidade da


aliança e dos sacramentos é que, visto que a eficácia da graça e da
salvação não está contida no sinal o no símbolo, mas na própria
aliança, e que essa graça da salvação e a mesma para todo o povo de
Deus em ambos os testamentos, então os sinais ou selos significam a
mesma coisa. Os símbolos externos podem ser diferentes, mas a
essência permanece a mesma.(WOOLSEY, 2015, pp. 216–7)

Embora os sacramentos não sejam equiparados com a graça, eles confirmam

aquilo que recebemos pela misericórdia de Deus.

a.6 – Tanto na antiga como na nova aliança há apenas um povo de Deus

– a continuidade entre Israel e Igreja

Este é um dos pontos mais controversos quando se trata da teologia da

aliança. Foram os israelitas colocados à parte da aliança com Deus por causa da

rejeição ao Messias? Quando se trata da posição dos judeus em relação a nova aliança,

Lutero e Calvino mantinham posições distintas quanto ao tema.


Lutero no início da reforma considerava os judeus inconversos por que eles

não conheciam o verdadeiro evangelho de Jesus Cristo, e que com a redescoberta do

evangelho na reforma os judeus poderiam finalmente se renderem ao Salvador.

(HOLWERDA, 2005). Ao perceber que os judeus não se aliaram ao evangelho, Lutero

passa a trata-los como abandonados por Deus.

Calvino concordava com Lutero em sua posição original. Segundo Holwera

(2005) a posição mais tolerante de Calvino em relação aos judeus se dava em muito

pela maneira positiva como o reformador lidava com o Antigo Testamento. Sustentar

essas posições redeu a Calvino a acusação de ser judaizante.

Obviamente isso é um exagero. A ênfase de Calvino não estava na futura

salvação de Israel nação, mas à “igreja como o novo Israel”. (HOLWERDA, 2005, p.

11). Isso é bem claro no comentário de Romanos 11.26,

Todavia, entendo a palavra ‘Israel’ para incluir e abranger


todo o povo de Deus da seguinte maneira: Quando os gentios
tiverem entrado, os judeus ao mesmo tempo, se converterão de sua
apostasia à obediência da fé. A salvação de todo Israel de Deus, o
qual deve ser composto de ambos [judeus e gentios], será então
completada. (CALVINO, 2001, p. 419)

Os cristãos pré milenistas creem em um reino milenar de Jesus para o povo

judaico que tenha se convertido. Influenciados pelo conceito dispensacionalista, esse

grupo diferencia Israel da igreja. Entendem estes dois grupos como sendo distintos,

separados. A Igreja e Israel são vistos como dois povos de Deus.

Essa separação ocorre por que Israel não recebe o Messias. Ao rejeitar a

mensagem de Jesus, Deus então se volta para os gentios e estabelece a igreja. Ao


terminar o tempo dos gentios, fato que acontecerá com o arrebatamento da igreja,

Deus se voltará para o povo judeu, conhecido como povo da promessa para cumprir

todas as promessas terrenas da antiga aliança.

A definição se há ou não continuidade entre Israel e a igreja passa certamente

pela definição do que seja “Israel”. A Escritura “emprega o termo ‘Israel’ como o

designativo mais comum do verdadeiro povo de Deus, sua comunidade eleita, o povo

da sua aliança”. (HOLWERDA, 2005, p. 29). Como já mencionamos anteriormente

para Calvino o Israel de Deus é a junção de judeus e gentios salvos mediante o ato

eletivo de Deus.

De fato, numa análise do Antigo Testamento encontraremos, fartos sinais de

que Israel era o modelo, ou protótipo da comunidade de crentes do Novo

Testamento. Mas o inverso também é verdade. Como afirma Woudstra (2013, p. 284)

muitas imagens da “igreja” são transferida do Antigo para o Novo Testamento,

colocando o Israel do Antigo Testamento como um legítimo precursor da igreja do

Novo.

O Israel do Antigo Testamento é descrito como “rebanho” (Sl 77.20; Is 40.11;

Jr 13.17; 23.2,3). Essa mesma figura é usada por Jesus ao se referir à aqueles que ele

está reunindo como pequeno rebanho (Lc12.32). Além desta figura, o Novo

Testamento trabalha com “povo de Deus”, “Forasteiros”, “noiva” e “templo”. Todas

figuras retiradas do Antigo Testamento. “Outro ponto de continuidade entre o povo

de Deus no Antigo Testamento e a igreja é a extensa tipologia do êxodo que se

encontra aplicada às experiências da igreja no Novo Testamento (1 Co 10)”.

(WOUDSTRA, 2013, p. 286).


a.7 – Tanto na antiga como na nova aliança existe continuidade no

aspecto redentivo

Existe um único caminho de salvação sob a antiga e a nova aliança. Calvino é

claro em enfatizar que o evangelho não sucede a lei, como se apresentasse um outro

tipo de salvação (Institutas II.IX.4).

No entendimento de Calvino uma das aplicações do conceito de lei é

normativo, ou seja, a lei normatiza o nosso modo de viver de forma que podemos

agradar a Deus, e nesse sentido a lei não nos oferece nenhuma esperança de vida, a

não ser que a obedeçamos em todos os seus preceitos. Enquanto regra normativa

não encontramos recompensa de vida em guardar a lei. Como diz Horton (2010, p. 31)

o máximo que alguém pode alcançar ao tentar alcançar justificação pela lei é

maldição, uma vez que essa lei “não recompensa pela média, antes exige obediência

absoluta, perfeita e pessoal a tudo o que ela contém”.

O evangelho não exclui a lei, mas antes revela e confirma o que na lei estava

prometido. O que ocorria na antiga aliança é que ela demonstrava os rudimentos, por

isso quem quer por ela achar justiça permanece abaixo da sublimidade do evangelho.

(Institutas II.IX.4).

A diferença entre o evangelho e a lei está na clara manifestação do evangelho.

Como atesta Robertson “enquanto a nova aliança estará em radical divergência com

a antiga com respeito à sua eficácia em cumprir seu objetivo, é idêntica a substância

das duas alianças em termos de intenção redentiva”. (ROBERTSON, 1997, p. 253).

Aqui se pode perceber uma clara linha de continuidade entre as alianças.


b- Descontinuidades em Calvino

Antes de mais nada é preciso pontuar que as diferenças ou descontinuidades

na aliança de Deus diz respeito à forma de administração da aliança e não de sua

essência. Como diz Calvino as promessas continuam as mesmas e Cristo continua

sendo o fundamento dessas promessas. (Institutas II.XI.1)

b.1 – A antiga aliança focava na realização terrena das bênçãos de Deus.

A base da argumentação de Calvino nesse ponto para enfatizar a

descontinuidade é que as bênçãos temporais do Antigo Testamento eram ao mesmo

tempo pré-figuração das bênçãos eternas a serem reveladas eram também um auxílio

para a manutenção da esperança. Na linguagem de Calvino “para que a igreja cristã

pudesse ter uma representação em cuja forma exterior contemplasse expressões de

coisas espirituais” (Institutas II.XI,1)

Segundo Woosley (2015) as bênçãos e maldiçoes, castigos sempre foram uma

proteção necessária para a igreja veterotestamentária. Igreja esta que estava em sua

infância e, portanto, ainda inabilitada de participar da plenitude da herança real.

Daí, o Senhor os manteve sob esta tutela, de sorte que não


lhes desse as promessas espirituais, aliás, desnudas e manifestas,
mas debuxadas, em certa medida, sob prefigurações terrenas.
Portanto, quando à esperança da imortalidade associava Abraão,
Isaque e Jacó, e a posteridade deles, prometeu-lhes em herança a
terra de Canaã, na qual não fundamentassem suas esperanças, mas
de cuja visão se exercitassem e se firmassem na esperança daquela
herança real que ainda não se fazia patente. E para que não viessem a
desvairar no engano, era-lhes dada uma promessa superior, que lhes
atestasse não ser a terra o supremo benefício de Deus. Assim, não se
permite que Abraão ficasse estático na promessa prometida da
terra; pelo contrário, mediante uma promessa maior, sua mente é
elevada ao Senhor (Institutas II.XI,2)

O galardão fora prometido a Abraão e a sua descendência para que não

firmassem sua esperança nas bênçãos terrenas, mas se mantivessem fixados em

olhar para Cristo, a realização da promessa.

b.2 – A antiga aliança fazia uso de símbolos, imagens e cerimônias que

apontavam para Cristo

A descontinuidade da aliança nesse ponto é perceptível uma vez que com a

chegada daquilo que permanente o provisório cede o seu lugar. Como no antigo

pacto o que estava presente era o símbolo, a sombra, na nova aliança a realidade se

faz presente, não havendo mais necessidade da representação uma vez que temos a

coisa representada.

Esse é o teor das comparações do livro de Hebreus. A lei foi tão somente uma

sombra de bens futuros, e não a expressão viva das coisas (Institutas II.XI,4). As

imagens do Antigo Testamento foram usadas para tornar conhecida a verdade em

Cristo. (WOOLSEY, 2015).

Como o que descontinua não é a essência da aliança, mas sua administração,

a pratica religiosa do Antigo Testamento não era dependente das figuras. Elas eram

o que Calvino chama de acessórios ou acidentes do pacto. Assim,

Uma vez que, porém, nestas cerimônias e sacrifícios nada


subsiste substancial, a não ser que se vá além deles, contende o
Apóstolo ter sido necessário que se fizessem obsoletos e fossem
abolidos, para que se desse lugar a Cristo, fiador e mediador de um
Testamento superior [Hb 7.22], através de quem foi uma vez
adquirida eterna santificação para os eleitos e obliteradas as
transgressões que permaneciam sob a lei. (Institutas II.XI,4)

Uma vez então que se manifestou aquele que é perfeito o que é em parte deve

ser abolido.

b.3 – Na antiga a aliança a lei era uma mera letra que separa o homem

de Cristo, enquanto que na nova aliança a lei tem um uso espiritual.

Neste argumento de descontinuidade está a tensão entre lei e evangelho. A

lei, embora contenha traços da promessa de misericórdia de Deus, ela não pode

efetuar mudanças no coração do homem. Essas promessas foram realizadas de outra

maneira.

Na interpretação de Calvino, o Antigo Testamento é literal, ou seja,

promulgado sem a eficácia do Espírito, enquanto que o Novo Testamento é espiritual

por que foi gravado no coração (Institutas II.XI,8). Dessa perspectiva, o Antigo

Testamento é letra puramente externa e veículo de morte e maldição, enquanto o

Novo é instrumento para a vida. O Antigo é um ministério de condenação, realça a

injustiça do homem e o Novo é o ministério da justiça, que promove a justificação de

todo aquele que crê.

A novidade da aliança é que a lei é unida na operação regeneradora do

Espírito. (WOOLSEY, 2015). Na compreensão de Calvino a lei como usada no Antigo é

frágil e deve desaparecer, enquanto que o evangelho exibe corpo deve ser firme e
mantido perpetuamente. (Institutas II.XI,8). Como os judeus perderam essa

objetividade da lei, era necessário que Deus estabelecesse uma nova. (2 Co 3.10-11).

b.4 – Na antiga aliança a graça estava restrita a um povo, enquanto que

na nova aliança ela é extensiva a todas as nações.

O sinal de descontinuidade nesse ponto é relativo ao alcance da aliança. No

antigo pacto a graça de Deus se restringia ao povo por Ele escolhido. Não há no velho

pacto nenhuma ordem para que se anuncie o nome do Senhor em terras

estrangeiras. Não era impossível que um estrangeiro participasse do povo da aliança,

mesmo no tempo antigo Deus por vezes enxertava alguns gentios em seu povo. O

povo de Deus no antigo pacto não foi comissionado a pregar fora de suas fronteiras.

No antigo pacto o havia um povo que continha a graça de Deus (Dt 10.14-15;

32.8-9). Só esse povo teve o privilégio de conhece-lo, só a eles manifestou sua

majestade, só eles tinham os seus oráculos (Rm 3.2). Os demais povos foram

mantidos como estrangeiros, alijados da comunhão com Deus, entregues as suas

impiedades (At 14.16). Com a chegada do novo, como diz Calvino;

Quando, porém, veio a plenitude dos tempos [Gl 4.4]


destinada à restauração de todas as coisas [Mt 17.11], e foi revelado
esse reconciliador de Deus e dos homens, derruída a muralha que,
por tão longo tempo, mantivera a misericórdia de Deus confinada
nos limites de Israel, foi anunciada a paz aos que estavam longe, não
menos aos que se achavam perto, para que, juntamente
reconciliados com Deus, se amalgamassem em um só povo [Ef 2.14-
17]. (Institutas II.XI,11)
Por isso agora não há mais distinção entre judeu e grego, pois a muralha da

separação foi derrubada e a barreira da inimizade foi levada a baixo. Em Cristo agora,

judeus e gentios tornam um só povo.

3- Como isso afeta a perspectiva dispensacionalista e o entendimento

dos sacramentos.

3.1 – Os fundamentos dos dispensacionalismo

Dispensacionalismo é o conceito que divide a Escritura em períodos distintos

ou dispensações nas quais Deus opera de certa forma. Em sua forma tradicional o

dispensacionalismo é divido em sete períodos ou dispensações: Inocência (Adão

antes da queda), consciência (Adão a Noé), governo humano (Noé a Abraão),

promessa (Abraão a Moisés), lei (Moisés a Cristo), graça (pentecoste ao

arrebatamento), e milênio. Esse conceito surgiu com John N. Darby e teve sua maior

propagação com a Scofield Reference Bible, publicada em 1909.

De acordo com Anstey (2013) o dispensacionalismo se assenta sobre quatro

fundamentos. Primeiro, as profecias do Antigo Testamento indicam que ocorreria

uma interrupção nas tratativas de Deus com Israel em razão da rejeição dos judeus

de seu Messias, e que mais tarde Deus voltaria a tratar com eles em um tempo futuro,

entenda-se num reino milenar.

O segundo fundamento é a intepretação de Romanos 9-11 enfatizando que o

endurecimento dado por Deus a Israel seria em parte e não uma decisão definitiva.

Neste ínterim Deus iria estender o favor e o privilégio aos gentios. Neste aspecto
estabelece-se uma clara divisão entre Israel e Igreja, sendo os dois, povos distintos

com aos quais Deus se relaciona.

O terceiro fundamento em que se assenta o dispensacionalismo é a

compreensão do Mistério revelado em Efésios que apresenta o caráter singular desta

iniciativa de Deus para com os Gentios no chamamento de uma companhia celestial

de crentes para viverem em união com Cristo como Seu corpo e Sua noiva – a Igreja.

A igreja do Novo Testamento estava escondida e só fora revelada na plenitude do

tempo em virtude da rebeldia de Israel quando rejeitou o Messias.

Finalmente, o quarto fundamento do dispensacionalismo estabelece que

Deus irá manter as promessas que fez a Israel literalmente, e um remanescente de

todas as doze tribos será abençoado em sua terra no reino milenar de Cristo, de

acordo com os profetas do Antigo Testamento (Rm 11:25-29).

Estas afirmativas do sistema dispensacionalista o colocam frontalmente em

oposição com a teologia do pacto. Robertson (1997, p. 181) diz que o

dispensacionalismo se opõe a teologia do pacto na maneira como compreendem a

estrutura da revelação bíblica. Para Robertson (1997, p. 43)

A estrutura da aliança da Escritura manifesta maravilhosa


unidade, Deus ao unir um povo a si mesmo, jamais muda. Por esta
razão as alianças de Deus se relacionam organicamente uma com as
outras. De Adão a Cristo, uma unidade de ministração da aliança
caracteriza a história do tratamento de Deus com o seu povo.

O termo dispensacional não é estranho à teologia da aliança. Calvino mesmo

o utiliza, o que não significa que haja concordância de pensamento, por que “o

conceito de dispensações sustentado pelos ‘dispensacionalistas’ coloca sua


perspectiva da história da Bíblia em oposição ao ponto de vista mantido pela teologia

da aliança”. (ROBERTSON, 1997, p. 182).

Algumas implicações podem ser destacadas em virtude da compreensão

dispensacional da história redentiva em contraste com a teologia da aliança:

a. O dispensacionalismo cria uma dicotomia de propósito de Deus

Nesse sistema Deus tem que ser entendido como tendo um propósito terreno

e outro celestial. Isto é fruto do primeiro fundamento do dispensacionalismo que crê

na literalidade das promessas do Antigo Testamento, então cada promessa feita ao

Israel físico terá que encontrar seu cumprimento histórico.

Grande debate se tem estabelecido sobre a participação do Israel físico nas

promessas da aliança. Feinberg, (2013) estabelece um bom diálogo com Robertson e

VanGemeren sobre as promessas da aliança a Israel. Nesse debate ele aponta a

questão da necessidade de se distinguir um futuro diferente para o Israel étnico como

um ponto essencial ao sistema dispensacionalista.

Segundo Feinberg “quanto mais orientado para a descontinuidade

(dispensacionalista) for o sistema de alguém, maior será a ênfase sobre os elementos

da benção da aliança”. (FEINBERG, 2013b, p. 90). Para o sistema dispensacionalista o

Israel étnico pode esperar participar de todas as bênçãos da aliança em cada geração.

Em contraste, a teologia da aliança que enxerga os propósitos de Deus como

um. Como afirma Robertson (1997) Deus tem um único proposito que é a redenção

do corpo e do espírito do homem que fora unido a Cristo. Entendendo assim, a


teologia da aliança compreende que o reino de Deus já começou pela manifestação

do rei Jesus. Ao adiar o reino de Cristo até o milênio, o sistema dispensacional impede

os cristãos de compreenderem o seu papel de levar adiante a justiça do reino e o

domínio de Deus sobre todas as coisas. “Se o reino de justiça de Deus foi proposto

até uma data futura, então a obrigação dos cristãos de manifestar a justiça do reino

no tempo presente ficou consideravelmente enfraquecida”. (ROBERTSON, 1997, p.

204)

b. O dispensacionalismo cria um parêntese histórico

No sistema dispensacionalista vivemos um parêntese histórico em que Deus,

temporariamente está voltado para os gentios. Isso significa que o reinado presente

de Cristo não era previsto na promessa do Antigo Testamento, referente ao reinado

permanente de Davi.

Quando Paulo fala do Senhor como sendo descendente de Davi e que pelo

poder da ressureição fora também reconhecido, entre os homens, como Filho de

Deus (Rm 1.3-4), aponta para a verdade de que a ressureição de Jesus e sua

consequente ascensão à direita de Deus é o cumprimento de toda a profecia do

Antigo Testamento, que tem sua consumação no sofrimento e exaltação do Rei.

Os profetas não previram um “parêntesis”. Se este parêntesis existisse não

poderíamos desfrutar na atualidade dos benefícios do reino eterno de Cristo. Só

podemos desfrutar antecipadamente das realidades do reino de Cristo por que o Rei

se manifestou e instalou seu reino.


3.2 – O papel dos sacramentos na teologia da Aliança

a- Sacramentos devem ser entendidos como linguagem de ratificação

de alianças

Os sacramentos selam a graça manifesta tanto a judeus quanto a gentios. Eles

confirmam aquilo que nos foi dado pela boa mão do Senhor. Calvino definia o

sacramento como o selo pelo qual a aliança ou promessa de Deus é selada. (Institutas

IV.XIX,2).

Calvino insiste que sempre devemos distinguir entre a graça da aliança e o sinal

da aliança. Nesse caso o sinal é a confirmação ou a ratificação do que foi prometido

na aliança. (Institutas IV.XVI,21). O Novo Testamento, assim como o Antigo atestam

para a identidade dos sacramentos como sinais e selos. (HORTON, 2010).

a.1 – Circuncisão e Batismo

Robertson (1997) define aliança como sendo um laço de sangue. Na Escritura

sempre existe uma relação entre aliança e derramamento de sangue. A narrativa de

Gênesis 17, especialmente verso 10, a aliança de Deus com Abraão será confirmada

pelo rito da circuncisão, (cortar em pedaços). Em outras palavras, a circuncisão é o

sinal que sela a aliança.

Ao chamar Abraão para observar o rito da circuncisão, Deus anuncia que será

o Deus dele e de toda a sua descendência. Nessa promessa a Abraão está implícito a

promessa de vida eterna. Quando escreve aos irmãos de Éfeso, Paulo fala que

estávamos alheios às promessas da aliança, que não havíamos sido admitidos no

pacto da circuncisão (Institutas IV.XVI,2). Daí se conclui, segundo Calvino, que a

promessa da circuncisão corresponde à promessa do batismo quanto a nossa


purificação. (Dt 10.15-16). Horton (2010) entende que o batismo assume uma

importância ainda maior do que a circuncisão por que é o sinal de uma realidade ainda

maior, justificação e vida para aqueles que os que se unem a Cristo pela fé.

O batismo é então nesta dispensação, o sinal do pacto de Deus com Abraão

como a circuncisão foi na antiga dispensação.

a.2 – Pascoa e Ceia

No oriente antigo é comum o uso de refeições como forma de ratificar um

pacto. Como diz Horton (2010, p. 120), “quando os israelitas tomavam o cálice da

Pascoa, estavam invocando o nome de Deus para a salvação; entretanto, sua

invocação não era o que tornava a refeição uma ocasião de aliança, mas, sim, era a

refeição que ratificava a aliança”.

Da mesma maneira os crentes da nova aliança ao participarem da mesa do

Senhor ratificam a aliança. A ceia do Senhor é uma refeição de aliança.(HORTON,

2010) e como tal confirma nossa aliança com Deus e com o nossos irmãos. Na antiga

aliança a pascoa era comida na presença da irmandade. Não se come a refeição pascal

solitariamente, mas solidariamente.

Nas palavras de Michael Horton a ceia tem implicações horizontais e verticais.

Horizontalmente somos lembrados de somos uma irmandade, unidos como corpo

cuja cabeça é Cristo. Verticalmente falando participamos do corpo de Cristo, o que

exige de nós o autoexame.


Considerações Finais

Deus sendo um Deus ordeiro desenvolveu seus propósitos em sucessivas

renovações e revelações de sua aliança, até que brilhou a luz do meio dia.

Pois o Senhor susteve esta economia e esta ordem na


administração do pacto de sua misericórdia, de sorte que, quanto
mais com o correr do tempo se aproximava o dia da plena revelação,
com tanto maior clareza o quis anunciar. Assim, no início, quando a
Adão foi dada a primeira promessa de salvação [Gn 3.15], como que
brilharam tênues centelhas; depois, feito suplemento, maior
amplitude de luz começou a difundir-se, luz que, a seguir, despontou
mais e mais e projetou seu fulgor mais largamente, até que, enfim,
dissipadas todas as nuvens, o Sol da Justiça, Cristo, iluminou, em
toda a plenitude, todo a terra. (Institutas II.X,20)

É de gratidão entender como Deus cumpre o seu propósito, sua aliança com

seus eleitos. Desde o Conselho Eterno até a consumação de todas as coisas, a

fidelidade de Deus é perceptível, em nenhum momento há um único indício de não

cumprimento de sua aliança com o seu povo.

A fidelidade do Senhor em cumprir sua aliança é o grande alento para a alma

daqueles que pela graça fazem parte de seu plano.


Referências Bibliográficas

ANSTEY, B. A Dispensacional or a Covenantal Interpretation of Scripture.

Disponível em: <www.http://dispensacao.blogspot.com.br/2013/08/os-quatro-

pilares-da-verdade.html>. Acesso em: 27/8/2016.

CALVINO, J. Gálatas. 1a ed. São Paulo - SP: Edições Parakletos, 1998.

CALVINO, J. Romanos. 2a ed. São Paulo - SP: Edições Parakletos, 2001.

CALVINO, J. As Institutas. vol.2. São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2006a.

CALVINO, J. As Institutas. vol.4. 1a ed. São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã,

2006b.

CALVINO, J. 2 Corínitos: Série Comentários Bíblicos. 1a ed. São José dos

Campos - SP: Editora Fiel, 2008.

CALVINO, J. Hebreus: Série Comentários Bíblicos. 1a ed. São José dos Campos

- SP: Editora Fiel, 2012.

FEINBERG, J. S. Sistema de Descontinuidade. In: J. S. Feinberg (Ed.);

Continuidade e Descontinuidade: Perspectivas sobre o relacionamento entre o

Antigo e o Novo Testamentos. 1a ed., 2013a. São Paulo - SP: Hagnos.

FEINBERG, J. S. Sistema de Descontinuidade. In: John S. Feinberg (Ed.);

Continuidade e Descontinuidade: Perspectivas sobre o relacionamento entre o

Antigo e o Novo Testamentos. 1a ed., 2013b. São Paulo - SP: Hagnos.

GRONINGEM, V. Revelação Messiânica no Velho Testamento. 1a ed. São Paulo


- SP: LPC, 2000.

HOLWERDA, D. E. Jesus e Israel: Uma ou duas alianças. 1a ed. São Paulo - SP:

Editora Cultura Cristã, 2005.

HORTON, M. O Deus da Promessas: Uma Introdução à Teologia da Aliança. 1a

ed. São Paulo - SP: Editora Cultura Cristã, 2010.

KRUSE, C. II Coríntios: Introdução e Comentário. 1a ed. São Paulo - SP: Vida

Nova & Mundo Cristão, 1994.

MOULTON, H. K. The Analytical Greek Lexicon Revised. Gran Rapids,

Michigan: Zondervan publishing house, 1978.

ROBERTSON, O. P. Cristo dos Pactos. 1a ed. Campinas - SP: LPC, 1997.

VANGEMEREN, W. Sistemas de Continuidade. In: J. S. Feinberg (Ed.);

Continuidade e Descontinuidade: Perspectivas sobre o relacionamento entre o

Antigo e o Novo Testamentos. 1a ed., 2013. São Paulo - SP: Hagnos.

WOOLSEY, A. A. Unidade e Continuidade na Teologia da Aliança - Um estudo

da tradição reformada até a assembléia de Westminster. 1a ed. São Paulo - SP: Editora

Cultura Cristã, 2015.

WOUDSTRA, M. H. Israel e a Igreja: Um caso de continuidade. In: J. S. Feinberg

(Ed.); Continuidade e Descontinuidade: Perspectivas sobre o relacionamento entre

o Antigo e o Novo Testamentos. 1a ed., 2013. São Paulo - SP: Hagnos.

Potrebbero piacerti anche