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Currículos e Programas

Maria de Lourdes Mazza de Farias

Currículos e

Maria de Lourdes Mazza de Farias


Programas
Currículos e Programas

Maria de Lourdes Mazza de Farias

Curitiba
2010
a
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB9/1022

Farias, Maria de Lourdes Mazza de


F224c Currículos e programas / Maria de Lourdes Mazza de Farias. –
Curitiba: Editora Fael, 2010.
96 p.
ISBN 978-85-64224-02-5
Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
1. Currículos. I. Título.
CDD 375

Direitos desta edição reservados à Faculdade Educacional da Lapa – Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

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EDITORA FAEL
Coordenador Editorial William Marlos da Costa
Edição Lisiane Marcele dos Santos
Revisão Jaqueline Nascimento
Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin
Diagramação Kátia Cristina Oliveira dos Santos
apresentação
apresentação

A autora desta obra apresentou, em 2000, um projeto de pesquisa para


realizar seu Doutorado em Educação na PUC-SP. Acolhi-o como orientador e
acompanhei sua realização até a defesa da tese, em junho de 2004.
Em sua trajetória de pesquisa ela revelou qualidades surpreendentes
como pessoa, educadora e pesquisadora. Destaco, ao lado de sua respon-
sabilidade acadêmica e científica para com a pesquisa, a sua sensibilidade
e inteligência social e cultural. Estudando, em sua tese, os intrincados per-
cursos pelos quais os adolescentes constroem sua identidade afetivo-sexual
na escola pública, ela se deparou com um lamentável obstáculo: a enorme
dificuldade dos próprios educadores (gestores e professores) em lidar com
esse delicado processo de construção da identidade dos adolescentes, difi-
culdade que termina custando a eles muito sofrimento psíquico e uma corro-
siva atitude de desconfiança para com a escola. Tal achado permitiu a ela lan-
çar uma nova luz, ainda que a partir do “avesso”, sobre aquilo que realmente
interessa na ação escolar: como fazer com que a escola seja uma instituição
positivamente contributiva na formação dos alunos e alunas como pessoas
íntegras, além de profissionais competentes e cidadãos responsáveis.
A autora volta a público trazendo oportuna e importante contribuição
para a construção do currículo escolar para a Educação Infantil e o Ensi-
no Fundamental: a obra Currículos e programas. A marcação histórica é
referência primeira de todo o livro e a ela é dedicado o primeiro capítulo:
apresentação s
apresentação

“História do currículo no Brasil”. O segundo movimento fecha o arco das


referências fundamentais ao inserir os estudos sobre currículo no cam-
po do conhecimento e da cultura, sob a dinâmica do “poder do saber”.
A partir daí, o texto dirige-se aos dois objetos de sua atenção: a infân-
cia e a puberdade na escola. São oferecidas aos professores preciosas
indicações para a seleção de conteúdos e para suas práticas didático-
pedagógicas pertinentes.
O texto encerra sua trajetória crítica focando o que não poderia
efetivamente faltar em tal projeto: a questão do planejamento e da ava-
liação, dois temas que geram as práticas talvez mais vulneráveis em
nossas escolas, devido à sua incontornável complexidade. A autora os
enfrenta com clareza e praticidade, sem comprometer a percepção do
pesado desafio que eles representam.
Torço para que esta obra chegue a muitas mãos docentes, de pro-
fessores e futuros educadores, como forma de subsidiar suas práticas
escolares. Com isso, estou certo, muito valor pedagógico se agregará às
nossas escolas, o que será uma força a mais para manter as instituições
e os professores em um movimento em direção ao ponto de chegada
complementar ao da tese de doutorado da autora: que a escola seja
uma instituição positivamente contributiva para a formação dos alunos
e alunas como profissionais competentes e cidadãos responsáveis, além
de pessoas íntegras.
Alípio Marcio Dias Casali*

* É pós-doutor em Educação pela Universidade de Paris e professor titular do curso de pós‑gra-


duação em Educação/Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua
na área de Educação, com ênfase em Epistemologia, Currículo, Cultura e Ética.
sumário
sumário

Prefácio.......................................................................................7
1 História do currículo no Brasil..................................................11

2 Considerações sobre conhecimento, cultura


e poder no currículo..................................................................21

3 Currículo e infância...................................................................31

4 Seleção e organização dos conteúdos


curriculares na Educação Infantil.............................................37

5 Abordagem pedagógica dos conteúdos nas


creches e nas pré-escolas........................................................53

6 Seleção e organização dos conteúdos nos


anos iniciais do Ensino Fundamental........................................69

7 Planejamento e avaliação do currículo no


Ensino Fundamental..................................................................81
Referências...............................................................................93
prefácio Capítulo

prefácio
O presente trabalho apresenta um panorama da história do
Currículo no Brasil, do período que vai desde o descobrimento até
os nossos dias. Nesse espaço de tempo, o ensino brasileiro sofreu de­
cisiva influência no modo de ver o processo educacional, que, na
verdade, é um modo de ver o mundo com uma resposta educacional
7
relacionada a essa visão.
A questão central da discussão sobre Currículo perpassa o pro­
cesso de organização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas.
Ao debater as escolhas feitas pelos professores e professoras, não se
discute apenas as opções, mas as concepções acerca de uma determi­
nada sociedade e de como se percebe seu desenvolvimento.
O Currículo é uma construção social que está diretamente ligada
a um momento histórico, a uma determinada sociedade e às relações
que ela estabelece com o conhecimento. Assim, teremos, nas diversas
realidades, uma pluralidade de objetivos acerca do que ensinarmos,
no sentido de que os conteúdos propostos compõem um quadro bas­
tante diversificado e ao mesmo tempo peculiar.
Dessa maneira, o Currículo é um processo histórico e estrutura­
do por meio do social, não sendo possível, de uma hora para outra,
deixar para trás todas as experiências passadas. Ao percorrer o proces­
so histórico do ensino no Brasil, não se pode ignorar como os conteú­
dos eram trabalhados nos diversos momentos nem como eram sua
organização e seleção, compreendendo, assim, como eles interferem
na atual realidade.
prefácio
prefácio
No contexto específico das escolhas e referenciais que compõem o
Currículo, a identidade do fazer pedagógico é tratada como algo que está
em diversos lugares, mas com características diferentes entre si.
A imagem inicial que uma criança apresenta de si mesma, na maio­
ria das vezes, é dada por meio da escola, das relações com os colegas,
professores e professoras e nas relações intergrupais e interpessoais que
8 se produzem no espaço-escola. Portanto, é nesse ambiente que, repeti­
damente, a representação do fracasso ou do sucesso é introjetada pela
criança desde o maternal.
Pensar sobre os diferentes espaços da infância permite redimensio­
nar nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que esta­
belecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendo-nos,
muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros, de­
sencontros, descobertas e trocas. Nesse sentido, refletiremos se, de fato,
os espaços construídos e planejados pelos adultos têm assegurado que as
relações humanas sejam baseadas em sentimentos de respeito e solidarie­
dade pela diversidade e pluralidade da infância.
Assim, os estudos curriculares se tornam um poderoso componente
de observação, reflexão e intervenção no espaço e no tempo escolar. É dessa
forma que a escola pode compreender e assimilar os vínculos entre o que se
vive no ambiente escolar e a comunidade na qual ela está inserida. Então, a
escola pode criar condições para romper os limites entre o que lhe é atribu­
ído como “próprio” e o que “pertence” ao conhecimento da sociedade.
Em suma, quando analisamos a Educação Infantil e o Currículo,
devemos tomar a criança como ponto de partida da proposta pedagógica,
prefácio
prefácio
compreendendo que, para conhecer o mundo, ela envolve o afeto, o
prazer, o desprazer, a fantasia, o brincar, o movimento, a poesia, as
ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e a ma­
temática de forma integrada, pois a vida é algo que se experimenta
por inteiro.
Para finalizar, gostaria de ressaltar que, na redação do texto, pro­ 9
curei refletir sobre as questões referentes às relações de gênero, com
o objetivo de aumentar o debate sobre o papel secundário do gêne­
ro feminino na nossa língua. Trata-se, na verdade, de um convite às
alunas e aos alunos a experimentarem aquilo que Peter McLaren se
refere como o “atravessar de fronteiras simbólicas”. Portanto, vocês
encontrarão sempre o masculino e o feminino.
Espero que essa experiência nos ajude a colocar em discussão o
quanto as mulheres têm sido silenciadas, evadidas e não referenciadas
nos modos de representação verbal dominantes, construídos na nossa
língua. Não seria diferente com o Currículo. Bom proveito!
A autora.*

* É doutora em Educação, na área de Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo (PUC-SP). Atua como assessora técnica da Secretaria de Estado da Educação
do Paraná e como coordenadora dos cursos de pós-graduação em Educação da Faculda-
de Educacional da Lapa (FAEL).
História do
currículo no
Brasil
1
O currículo, na sua versão mais tradicional, sempre significou
um elenco de disciplinas a serem ministradas aos alunos e às alunas.
Assim constituído, sua postura era claramente voltada para a distin­
ção entre as pessoas das classes altas e das classes baixas. Enquanto o
povo tinha suas próprias formas de transmitir habilidades técnicas e
artesanais necessárias para o trabalho, a nobreza dedicava-se ao estudo
das “artes liberais”, que era mais voltado para a transmissão do status
hereditário do que para o exercício de profissões. 11

História e teoria do currículo


No período que vai desde o descobrimento até o início do século XX,
o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no modo de ver o processo
educacional, que, na verdade, é um modo de ver o mundo com uma res­
posta educacional, relacionada a essa nova visão. Nossa educação colonial,
herdeira do espírito da contra-reforma, importado da metrópole, tinha
uma postura marcada pelo obscurantismo místico, pela repulsa às ciências
e às tecnologias e por qualquer ocupação que envolvesse habilidades ma­
nuais ou artesanais, ou seja, tarefas que lembrassem o trabalho escravo.
Com o advento da Independência e da República, novas ativida­
des econômicas começaram a surgir, o que deu origem principalmente
ao aparecimento de uma crescente classe média. Alguns grupos sociais
passaram a pleitear uma estrutura educacional mais voltada à ciência, à
tecnologia e às habilitações profissionalizantes.
Após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a crise oriunda do
debate de pensamentos entre as elites rurais e as classes intermediárias,
Currículos e Programas

traduziu-se em um acirrado conflito de ideias educacionais. De um


lado, os defensores do ensino voltado à erudição, à importação de va­
lores europeus e à cristalização das tradições. De outro, os defensores
do ensino voltado à ciência e à tecnologia, favorecendo o desenvolvi­
mento industrial e a urbanização do país. O tipo de ser humano que a
educação se propunha a formar a partir do modelo colonial estava em
conflito com as aspirações dos novos grupos sociais em ascensão.
O exemplo histórico nos leva a consolidar a convicção de que o
subsistema educacional se insere, de maneira intensamente comprome­
tida, no sistema mais amplo que configura a sociedade de dado lugar e
tempo, nos seus aspectos econômicos, na sua estrutura de poder e nos
movimentos de mudança.
A educação, portanto, é uma resposta das instituições escolares às
exigências da sociedade; à expectativa de alunos e alunas, também de­
correntes das expectativas que seu meio social e familiar alimenta em
relação a eles e elas; às disputas de posições dirigentes almejadas por di­
versos agrupamentos sociais; ao estágio do desenvolvimento produtivo
12 de um povo, bem como ao tipo de sua organização econômica. Dessa
forma, concluímos que qualquer postura educacional tem subjacente
uma “visão de mundo”.
O currículo é entendido como programa de ensino, conteúdos ou
matriz curricular por muitos professores e professoras. Na realidade,
existe uma pluralidade de definições e cada uma pressupõe valores e
concepções implícitas.
A palavra curriculum, de origem latina, significa o curso, a rota, o ca­
minho da vida ou das atividades de uma ou um grupo de pessoas. O cur­
rículo educacional representa a síntese dos conhecimentos e valores que
caracterizam um processo social expresso pelo trabalho pedagógico desen­
volvido nas escolas. Para Goodson (1996), o currículo é definido como
um percurso a ser seguido e como conteúdo apresentado para estudo.
Os primeiros estudos, de origem norte-americana, no campo do
currículo, foram influenciados pelo modelo tecnicista de natureza pres­
critiva, baseados nas categorias de controle e eficiência social.
Nesse sentido, destaca-se Ralph Tyler (1949), o qual mostra preo­
cupação com o estabelecimento de objetivos educacionais e com a ava­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 1

liação. O currículo era visto como uma atividade neutra, instrumento


de racionalização da atividade educativa e controle do planejamento.
Segundo Tyler, para o desenvolvimento de um currículo existem quatro
tarefas fundamentais:
a definição e seleção dos objetivos;
a seleção e criação das experiências de aprendizagem;
a organização das experiências para alcançar o máximo efeito
cumulativo;
a avaliação do currículo com vistas ao seu contínuo aproveita­
mento (TYLER apud TABA, 1984).

O pensamento de Tyler influenciou os estudos sobre currículo no


Brasil e foi adotado como fundamento teórico na organização curricu­
lar do ensino na década de 1970.
A nova sociologia da educação busca discutir os aspectos internos da
escola e a relação entre a educação e as desigualdades sociais. O desvela­
mento das implicações do currículo com a estrutura de poder político e
econômico na sociedade inseriu a problemática curricular no interior da
discussão político-sociológica. Michael Apple, em Ideologia e Currículo 13
(1982), colocou em destaque a relação entre a dominação econômica e
cultural e o currículo escolar. Baseado na abordagem neomarxista, o autor
trabalhou a noção de currículo oculto, buscando demonstrar como as
escolas produzem e reproduzem a desigualdade social. A discussão socio­
lógica do currículo, a crítica ao reducionismo e estruturalismo tem sido
feita por autores como Young (1989), Apple (1989) e Silva (1988).
Além da teoria crítica do currículo de natureza sociológica, os es­
tudos nesse campo tiveram outros desdobramentos. Kemis (1996) tem
assinalado a necessidade de uma reformulação da teoria do currículo
com base na articulação teórico-prática. Stenhouse (1991) e Schwab
(1983) sugerem o estudo do currículo em uma perspectiva processual e
prática. Sacristán (1998) defende o modelo de interpretação que con­
cebe o currículo como algo construído no cruzamento de influências
e campos de atividades diferenciadas e inter-relacionadas, permitindo
analisar o curso de objetivação e concretização do currículo em vários
níveis, assinalando suas múltiplas transformações.
Apple, (1982) utiliza o termo tradição seletiva “(...) a questão é
a seletividade, a forma que, de todo um campo possível de passado

Currículos e Programas
Currículos e Programas

e presente, escolhem-se como


Saiba mais importantes (...) significados e
Entende-se por tradição seletiva um processo práticas, (...) outros são negli­
no qual “nos termos de uma cultura domi-
genciados e excluídos”.
nante efetiva, é sempre dissimulado com a
tradição, o passado significativo”. Efetivamente, como assi­
nala Forquim (1992, p. 35),
“aquilo que as escolas transmitem da cultura é sempre uma escolha de
elementos considerados socialmente válidos e legítimos”.
Estudos críticos do currículo apontam que a seleção cultural so­
fre determinações políticas, econômicas, sociais e culturais. Nesse sen­
tido, a seleção do conhecimento escolar não é um ato desinteressado
e neutro, e sim resultado de lutas, conflitos e negociações. Assim,
entende-se que o currículo é culturalmente determinado, historica­
mente situado e não pode ser desvinculado da totalidade do social.
Para Silva e Moreira (2000, p. 42) “... nas escolas não se aprendem
apenas conteúdos sobre o mundo natural e social, adquire-se também
consciência, (...) que comanda relações e comportamentos sociais”.
14
Os estudos que analisam os efeitos do currículo para além da
aquisição de conhecimentos formais se voltam para a concepção de
currículo oculto e apontam que, por meio dele, são transmitidas ideo-
logias, concepções de mundo pertencentes a determinados grupos he­
gemônicos na sociedade e que serve para reproduzir as desigualdades
sociais. Para Silva (1995, p. 21), currículo oculto são
(...) todos os efeitos de aprendizagem não intencionais que
se dão como resultado de certos elementos presentes no am­
biente escolar. A relevância desse conceito está na explicação
que ele oferece para a compreensão de muitos aspectos que
ocorrem no universo escolar.

Silva (2000, p. 27) também acrescenta currículo oculto como


“conjunto de atitudes, valores e comportamentos que não fazem par­
te explícita do currículo, mas que são implicitamente ‘ensinados’ por
meio das relações sociais, dos rituais, das práticas e da configuração
espacial e temporal da escola”.
No campo do currículo, a literatura crítica tem argumentado a favor
de uma teoria que leve em consideração a sua dimensão prática. Trata‑se
de uma perspectiva que busca compreender o currículo em ação, ou

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Capítulo 1

seja, os seus contextos de concre­


tização, desde a prescrição até a
Saiba mais
efetivação nas salas de aulas. O livro Documentos de identidade, de Tomaz
Tadeu da Silva, apresenta uma síntese relevan-
Sacristán (1998) aponta te das discussões sobre as teorias do currículo
para essa perspectiva quando decorridas no século XX. O autor utiliza-se da
foca a atenção para os condi­ classificação das teorias tradicionais, críticas
cionantes administrativos, ins­ e pós-críticas, centrando-se, na maior parte
titucionais e pedagógicos que da obra, na análise das teorias pós-críticas. O
afetam o desenvolvimento do estudo registra as preocupações das teorias
críticas e pós-críticas com as conexões entre
currículo nas escolas.
saber, identidade e poder. Essa é uma obra
A perspectiva teórico-prática que traz a discussão de qual conhecimento
ressalta as circunstâncias do traba­ da sociedade (e relações de poder) o currículo
lho docente com o conhecimento desenvolve por meio da educação, no contexto
da pós-modernidade.
e com o processo de ensino‑apren­
dizagem, contexto curricular com­
plexo e problemático. Nesse sentido, afirma Sacristán (1998, p. 63): “aos
microespaços sociais de ação, às responsabilidades de deliberação dos pro­
15
fessores sobre seu próprio trabalho e a compreensão de como o currículo se
converte em cultura real para professores e alunos”.

A seleção e organização dos conteúdos curriculares


A questão central da discussão sobre currículo perpassa o pro­
cesso de organização e seleção dos conteúdos trabalhados nas escolas.
Ao se discutir as escolhas feitas pelos professores e professoras, dis­
cute-se não só as opções, mas as concepções acerca de uma determi­
nada sociedade e de como se percebe seu desenvolvimento. Segundo
Santos e Moreira (1996, p. 33), “em parte, por meio do currículo,
diferentes sociedades procuram desenvolver os processos de conser­
vação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente
acumulados”. Pensando na função do currículo, percebemos porque
esse foco de discussão é tão significativo. A palavra currículo apre­
senta e aparece com dois sentidos claros no meio pedagógico: conhe­
cimento escolar ou experiência de aprendizagem. Mesmo com enfo­
ques diferentes, os dois sentidos estão presentes no currículo escolar,
dessa forma, um completa o outro, visto que “todo currículo envolve

Currículos e Programas
Currículos e Programas

apresentação de conhecimentos e inclui um conjunto de experiências


que visam a favorecer a assimilação e reconstrução desses conheci­
mentos” (SANTOS; MOREIRA, 1996, p. 35).
Percebe-se que o currículo é uma construção social que está dire­
tamente ligada a um momento histórico, a uma determinada socieda­
de e às relações que ela estabelece com o conhecimento. Assim, tere­
mos, nas diversas realidades, uma pluralidade de objetivos acerca do
que ensinarmos no sentido de que os conteúdos propostos compõem
um quadro bastante diversificado e ao mesmo tempo peculiar.
Dessa maneira, o currículo é um processo histórico e estruturado
por meio do social, não sendo possível, de uma hora para outra, deixar
para trás todas as experiências passadas. Ao percorrer o processo histórico
do ensino no Brasil, não se pode ignorar que os conteúdos eram trabalha­
dos nos diversos momentos nem como eram sua organização e seleção,
compreendendo, assim, como eles interferem na atual realidade.
Para pensar na questão do conteúdo, aponta-se uma frase de
Sacristán (1998, p. 52): “sem conteúdo não há ensino, qualquer proje­
16 to educativo acaba se concretizando na aspiração de conseguir alguns
efeitos nos sujeitos que se educam”. Falar de conteúdo, um tempo atrás,
parecia algo proibido. De certa maneira, até saiu do espaço escolar,
devido aos movimentos progressistas das últimas décadas, que via nisso
uma maneira de reproduzir a cultura dominante.
Porém, é importante pensar nesse conteúdo para que se possa falar
de sua seleção, organização e como a cultura pode ou não ser reproduzi­
da no cotidiano escolar. Para tanto, o conteúdo nos faz percorrer diver­
sos momentos da história, principalmente aquele tradicional, o qual era
visto como algo estático, nunca como um elemento que pode ser ques­
tionado e transformado. Nesse sentido, as ideias de Popkewitz (1995,
p. 39) são fundamentais para entender o conceito de conteúdo do en­
sino como uma construção social e não lhe dar um significado estático
nem universal: “A escolaridade e o ensino não tiveram sempre os mes­
mos conteúdos, nem qualquer um deles – a linguagem, a ciência ou o
conhecimento – foi entendido da mesma forma através dos tempos.”
Assim, é possível compreender que os conteúdos não são sempre
os mesmos e, historicamente, eles são transformados mediante a rea-
lidade em que se está vivendo. Em cada época e sociedade, a escola

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Capítulo 1

assume funções sociais diferentes, refletindo, dessa maneira, um olhar


acerca do conhecimento e de cultura diferenciada. O processo de sele­
ção e organização dos conteúdos é por si só um elemento de escolha e
decisão, nenhuma dessas ações são neutras, pois elas regulam e distri­
buem o que se ensina. Para Sacristán (1998) é uma decisão política.
No processo de seleção do que ensinar, podemos, segundo Santos
e Moreira (1996), encontrar diversos estudos que discutem esse foco.
De certa forma, todos apontam para a questão dos conflitos que per­
meiam esse processo, que se apresenta por meio de lutas e negociações.
Esse processo de seleção envolve um comprometimento político que
visa a garantir a hegemonia de determinados saberes, perpetuando-se
visões de mundo por meio de sua cultura.
Sobre a organização, numa abordagem tradicional, está em questão
o tipo de conhecimento, a sequência que pode ser ensinado e para quem
pode. Para tal, leva-se em conta a estrutura lógica da disciplina e o nível
de desenvolvimento cognitivo do aprendiz. Nesse sentido, todo conhe­
cimento possui uma lógica, que só traduzindo em uma linguagem mais
simples pode ser acessível a alunos e alunas. 17
Em função disso, discute-se como o conhecimento se torna um con­
teúdo escolar, pensando nos mecanismos pelos quais a escola não ape­
nas transmite saberes, mas também os produz (SANTOS; MOREIRA,
1996). Parece que o conhecimento discutido na escola é diferente ou tem
função diferenciada daquele utilizado, estruturado e aplicado no nosso
cotidiano. É presente na escola a ideia de que é preciso um conteúdo an­
tes do outro, de maneira crescente. Assim, o saber da sociedade é diferen­
te do saber escolar, no qual eles são recontextualizados. Segundo Santos
e Moreira (1996, p. 33), “pode-se dizer que a organização do conteúdo
curricular está relacionada com a produção dos saberes escolares”.
Todo esse processo é delicado para ser pensado de maneira tão am­
pla, visto que cada realidade tem suas características particulares, po­
rém nenhuma está isenta das relações que engendram nossa sociedade
referente às lutas sociais nos mais diversos níveis. Nesse sentido, falar
das escolhas dos professores e professoras, por meio dos processos de
seleção e organização curricular, é buscar compreender um pouco
desses caminhos pelos quais passam suas experiências e como elas se
manifestam na realidade em que estão inseridas.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Pensando nas escolhas como elementos de


identidade
As escolhas dos profissionais da educação, ao desempenhar sua
função, baseiam-se nas experiências como alunos e profissionais e no
universo em que historica e socialmente esse profissional está inserido.
Pensando assim,
o currículo constitui significativo instrumento utilizado por
diferentes sociedades, tanto para desenvolver os processos de
conservação, transformação e renovação dos conhecimentos
historicamente acumulados como para socializar as crianças
e os jovens segundo valores tidos como desejáveis (SANTOS;
MOREIRA, 1996, p. 38).

Ao pensarmos nesses valores, os profissionais trabalham a par­


tir do que acreditam ser importante para seus alunos aprenderem
e experimentarem. Baseados em suas próprias experiências, o pro­
fissional da educação envolve seus alunos no que ele acredita ser o
melhor para compor as aprendizagens na escola. Olhar para esses
18 elementos tidos como pessoais pode até, de certa maneira, represen­
tar para o leitor como se eles dependessem unicamente do professor
ou da professora. Alguns até dependem, porém esse profissional não
está inserido em um espaço neutro, isento de lutas e disputas. Afinal,
o currículo é uma prática social, é um elemento produzido e pro­
dutor de identidades. Segundo Silva (2001, p. 47), “um dos efeitos
mais importantes das práticas culturais é o de produção das identi-
dades culturais”.
Assim, buscamos compreender identidade como um fenômeno
produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vistas
como comuns em um determinado grupo social. Para pensar na pos­
sibilidade de uma identidade no espaço escolar, parte-se do princípio
de que as pessoas, na escola, constroem ideias e representações acerca
das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo. Uma definição
de identidade: “relação de semelhança absoluta e completa entre duas
coisas, possuindo as mesmas características essenciais”.
Como afirma Silva (1999), se o currículo é documento de iden­
tidade, como pensar nas escolhas dos profissionais da escola deixando
de lado essa questão? Pensar em identidade é pensar em dinamicida­

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Capítulo 1

de e, no contexto escolar, é perceber que ela pode ser um elemen­


to construído e estruturado em um grupo social com representa­
ções utilizadas para forjar sua identidade e identidades dos outros
grupos sociais.
No contexto específico das escolhas e referenciais que compõem
o currículo, a identidade do fazer pedagógico é tratada como algo
que está em diversos lugares, mas com características diferentes em
cada lugar e, mesmo assim, diferentes entre si. Segundo Silva (2001,
p. 48), “a identidade só faz sentido em uma cadeia discursiva de di­
ferenças: aquilo que ‘é’ é inteiramente dependente daquilo que não
‘é’. Em outras palavras, a identidade e a diferença são construídas
na e pela representação, pois não existem fora dela”. Partindo dessa
afirmação, a identidade é construída pelo próprio grupo, e não por
um elemento que existe naturalmente.
Para pensar na identidade em nossa realidade escolar, precisamos
nos remeter às diversas realidades curriculares presentes nas escolas.
Portanto, esse é um elemento inserido em um currículo escolar que
está em constante transformação e dentro de uma guerra de forças 19
na qual os sujeitos nem sempre percebem esse movimento ligado às
relações estabelecidas de poder.

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Vimos que, no período que vai desde o descobrimento do Brasil
até início do século XX, o ensino brasileiro sofreu decisiva influência no
modo de ver o processo educacional, que, na verdade, é um modo de
ver o mundo com uma resposta educacional relacionada a essa visão.
Neste estudo, compreendemos que a educação, portanto, é uma
resposta das instituições escolares: às exigências da sociedade; à expec­
tativa de alunos e alunas, também decorrentes das expectativas que
seu meio social e familiar alimenta, em relação a eles e elas; às disputas
de posições dirigentes almejadas por diversos agrupamentos sociais;
ao estágio do desenvolvimento produtivo de um povo, bem como ao
tipo de sua organização econômica.

Currículos e Programas
Considerações
sobre conhecimento,
cultura e poder
no currículo
2
N este capítulo, estudaremos a ideia de que a diferença cultural
nos currículos só pode ser compreendida numa perspectiva relacional
que problematize os sistemas de representação em que a diferença é
construída, de modo a promover uma reflexão sobre como, ideologi­
camente, são representados grupos dominantes e subordinados em di­
versos espaços culturais formais e informais, entre eles o currículo. A
produção sobre currículo tem frequentemente mantido a centralidade
da categoria conhecimento o que dificulta a percepção do currículo 21
como espaço-tempo de produção cultural.

Currículo e cultura
Os estudos acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam
para discussões que nos proporcionam vislumbrar a compreensão das
relações entre a cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar.
Os estudos culturais se compõem em um campo que compreende
a cultura como uma prática de significação, centrado na linguagem e
no discurso da constituição social. Assim, “cultura é um campo de luta
em torno da construção e da imposição de significados sobre o mundo
social” (SILVA, 2001, p. 42). São significados que estão no interior das
práticas sociais estruturadas e que na escola se constituem em cam­
pos de saber. Neles, os elementos ativos no processo escolar, isto é, os
professores, professoras, alunos, alunas e estruturas educacionais, são
importantes para compor os tempos e espaços escolares. Nesse sentido,
alguns conhecimentos são tidos como o mais legítimos, como conhe­
cimento oficial.
Currículos e Programas

Saiba mais Desse modo, para determi­


O poder na teorização neomarxista está
nado grupo, esse conhecimen­
centralizado nas instituições do Estado, tendo to é tido como o ideal para ser
um status derivado relativamente das relações trabalhado no espaço escolar,
sociais de produção. Para Pierre Bourdieu, o pois o conhecimento de outros
poder está relacionado à luta pelas diversas grupos dificilmente chegará na
modalidades de capital nos vários campos escola. O currículo é visto como
sociais (SILVA, 2000). uma tradição seletiva (APPEL,
2000) de significações que en­
volvem a cultura e a identidade dos grupos sociais. Assim, podemos
inserir na discussão o poder, que, a partir das análises pós-estruturalistas
inspiradas em Foucault, é concebido como descentralizado, horizontal
e difuso. Utiliza-se essa definição, porque é a mais próxima das teorias
que dão suporte à compreensão do currículo como um elemento no
espaço escolar que não está isento das lutas que envolvem o poder nos
mais diversos tempos e espaços.
O currículo não é simplesmente uma montagem neutra de co­
22 nhecimentos. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e compromis­
sos culturais, políticos e econômicos que organizam e desorganizam
um povo. A partir disso, podemos iniciar nossa relação com o poder e
as definições curriculares presentes na escola, partindo dos elementos
que culturalmente estruturam e identificam um grupo social. O poder
como um elemento descentralizado e horizontal aponta para que as
escolhas nem sempre sejam elementos de domínio único de professores
e professoras, pois formas e conteúdos culturais funcionam como ele­
mentos distintivos de classe (APPEL, 2000).
Ao ponderarmos sobre as questões educacionais, uma pergunta é
inevitável; será que a escola é uma transmissora de conhecimentos ou
de ideologias? A escola faz as duas coisas: tanto difunde os valores ideo-
lógicos da classe dominante como também tem a função de transmis­
são e socialização dos conhecimentos historicamente acumulados.
Outras questões importantes são colocadas. Muitos pais pergun­
tam para nós, professoras e professores “por que o meu filho não con­
segue aprender nada na escola?” É comum os alunos estudarem muito
para uma prova e acharem que internalizaram tudo, porém, se avaliar­
mos eles sobre o mesmo conteúdo algum tempo depois, provavelmen­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 2

te, eles já terão esquecido tudo. Por exemplo, depois das férias, é sempre
a mesma coisa, esquecem tudo o que “aprenderam no ano anterior”.
Por que será que essas coisas acontecem?
Essas perguntas poderão ser respondidas a partir do momento que
analisamos a verdadeira função da escola. Afirmamos, no início, que a
escola é ao mesmo tempo transmissora de conhecimentos e difusora de
valores ideológicos. Vamos considerar que em uma sociedade dividida
em classes há duas classes: a dos que trabalham, que é a maioria, e a dos
que se apropriam do trabalho produzido por aqueles que trabalham.
Assim, na sociedade capitalista, o trabalho está destinado às classes pro­
dutoras, às classes trabalhadoras. Quem se apropria desse trabalho é a
burguesia. Da mesma forma, o conhecimento se produziu nas relações
entre os seres humanos, nas relações sociais (de trabalho, familiar, cul­
tural etc.). Acontece que, nas sociedades típicas de exploração, como é
o caso da sociedade capitalista, o produto do trabalho gerado pelos seres
humanos nas suas relações mútuas é expropriado pela classe detentora
do poder. Assim, o conhecimento é um meio de produção, visto que é
apropriado pela classe dominante que o reelabora para transmiti-lo por 23
meio de uma instituição adequada: a escola.
Para as relações de exploração serem capazes de se perpetuar na
sociedade, é indispensável que, ao transmitir o conhecimento elabo­
rado para a classe trabalhadora, a burguesia o faça de modo seletivo.
Isso quer dizer que nem todos aqueles que frequentam a escola têm a
possibilidade de se apropriar do conhecimento da mesma maneira e na
mesma proporção.
Na apresentação que se segue sobre o problema do ensino oficial,
das relações da escola com a sociedade que se estende aos problemas
da democracia e às liberdades escolares, há, também, um ensaio de
resposta às questões colocadas inicialmente.
A escola, por conseguinte, tem um norte ideológico e, por isso,
a questão do conteúdo escolar é importantíssima: questões como a
da metodologia, da sua orientação em relação às correntes pedagó­
gicas, entre outras. Se esses conteúdos são conservadores, irão inten­
sificar, naturalmente, as discriminações sociais, sexuais e raciais, a
divisão do trabalho, a importância da autoridade do professor ou da
professora. Se são inovadores, irão ampliar o respeito à identidade

Currículos e Programas
Currículos e Programas

de cada indivíduo, e a escola, seguramente, estará voltada para as


necessidades dos alunos e alunas.
Em uma sociedade dividida em classes como a nossa, ou seja, em
que o trabalho é dividido fundamentalmente em manual e intelec­
tual, ou entre o campo e a cidade, o ensino também aparece dividido
como dois termos oposto. A escola, enquanto destinada aos interesses
das classes dominantes, deixa de existir para as demais classes. Apenas
as classes detentoras têm o direito a essa instituição específica. Somen­
te há pouco tempo, no início da Revolução Industrial, começou a se
converter em perspectiva, ou seja, em algo para toda a sociedade.
As instituições para a formação do trabalhador só surgem com o
aparecimento da Revolução Industrial. A particularidade desse proces­
so é que a estrutura educativa das classes privilegiadas, consolidada du­
rante muitos anos, estendeu-se às classes subordinadas, levando-lhes o
seu tipo de organização, a sua tradição e os seus métodos.
É, portanto, no interior da sociedade histórica que podemos iden­
tificar a emergência da ideologia. A ideologia se constitui em represen­
24
tações por meio das quais os agentes sociais e políticos pensam em si
próprios, nas instituições, nas relações de poder e nas relações de do­
minação. Essas representações explicam as formas da desigualdade, dos
conflitos, da exploração e da dominação como sendo “naturais”, isto é,
gerais e inevitáveis.
Distingui-se o discurso ideológico exatamente pelo ocultamento
da divisão, da diferença e da incoerência, na medida em que oferece
a homens e mulheres a representação de uma sociedade homogênea,
sem divisões e sem antagonismos, ainda que, de fato, encontre-se to­
talmente dividida.
As ideias e discursos dominantes de uma época, surgem no meio das
classes privilegiadas desse período. A ideologia é a tentativa de conceber
o universo do ponto de vista particular dessa classe. Essa forma de pensar
tem por objetivo escamotear as divisões sociais, isto é, a divisão do traba­
lho, a divisão entre as raças, a divisão entre os sexos, a divisão política, a
divisão do conhecimento, etc.
Quando falamos da nossa escola, isto é, da escola brasileira, ela se
modificou muito nas últimas décadas devido a vários elementos, entre

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Capítulo 2

eles as misturas sociais. Hoje em dia podemos notar que nas escolas
encontramos o filho ou a filha do operário, a classe média e o burguês.
Isso pode até nos dar a ilusão de que todo mundo tem as mesmas
chances e as mesmas oportunidades educacionais. No entanto, o que
podemos verificar é que isso não é verdadeiramente real, e se deve,
sobretudo, a mecanismos ideológicos que são produzidos no interior
da escola, cujo objetivo é eternizar as desigualdades e as diferenças de
classes existentes na sociedade. Um desses mecanismos é aquilo que
chamamos de currículo oculto.
A imagem inicial que uma criança apresenta de si mesma, na maio­
ria das vezes, lhe é dada por meio da escola, das relações com os colegas,
professores e professoras e nas relações intergrupais e interpessoais que
se produzem no espaço-escola. Portanto, é nesse ambiente que, repeti­
damente, a representação do fracasso ou do sucesso é introjetada pela
criança desde o maternal. A maioria dos filhos dos trabalhadores não
está preparada para ingressar e se desenvolver nessa escola tal qual ela
é concebida. Entretanto, os filhos das elites, porque estão desde cedo,
ainda no contexto familiar, já entraram, por exemplo, em relação com
25
o conhecimento abstrato desvinculado da prática, e já aprenderam a
privilegiar a linguagem verbal nas suas comunicações. As crianças de
poder aquisitivo mais elevado já se habituaram a ser elogiadas toda vez
que fazem um desenho bonito, cantam uma música ou dizem um ver­
sinho de maneira original, enquanto as crianças filhas de trabalhadores
e trabalhadoras vivem em outra realidade e aprendem outras coisas.
Assim sendo, quando essas crianças de procedência de classes diferentes
entram no mundo da escola, encontram uma realidade que privilegia
determinados valores como, por exemplo, a competição.
A principal forma de trabalho na escola é a expressão da palavra
na sua variante culta; em outras palavras, a forma de se expressar das
elites. Essa forma trabalha os conteúdos de raciocínio abstrato total­
mente desligados da prática, da realidade de alunos e alunas etc. A
criança da classe popular encontra nessa escola um professor ou pro­
fessora que valoriza apenas um determinado código de comunicação,
de comportamento e de valores. Percebe-se logo que essa escola, que
de início parecia tão democrática, na verdade, não é. Vamos verificar
que muitas professoras e professores, logo de saída, já formam uma
opinião dos seus alunos e alunas. Ou ele(a) é “bom” ou é “mau”. O que

Currículos e Programas
Currículos e Programas

nos preocupa é que raramente essa opinião muda ao longo do tempo.


Sendo assim, as crianças que são mais valorizadas pela escola tendem a
melhor se adequar e conseguir relativo sucesso, ao passo que as outras,
que, aliás, são a maioria, acabam sendo eliminadas brutalmente e nada
obtendo dessa escola. É desse modo que a marca do fracasso se mani­
festa de tal forma na maioria dessas crianças, fazendo elas passarem a
se comportar de acordo com a expectativa que a instituição tem em
relação a elas, ou seja, a de crianças “fracas”, mal resolvidas, com pro­
blemas, de péssimo rendimento e até mesmo incapazes. A escola, por
conta disso, acaba reforçando para essas pessoas o mito de que são cul­
padas pelo seu próprio fracasso e, à medida que esses futuros trabalha­
dores ingressam no exército de mão de obra disponível na exploração
capitalista, serão cada vez mais acomodados, achando que receberam
da escola o que deveriam receber, pois são “inferiores” e “incapazes”.
Professores e professoras, muitas vezes, formam um juízo nega­
tivo de seus alunos e alunas baseados nessas premissas que se ma­
nifestam de duas maneiras: objetiva e subjetivamente. De um lado,
por meio das notas, conceitos e classificações e, de outro, por meio
26 de comentários, mímicas de desagrado, impaciência, intransigência,
desprezo e desrespeito que demonstram aos alunos e alunas. Não as­
piramos martirizar professores e professoras, mas tirar a culpa do sis­
tema educacional, como um todo, pelo fracasso da maioria das nossas
crianças é um equívoco.
O que estamos querendo demonstrar com essas argumentações é
que o currículo oculto usa como critério ideológico o “esforço pessoal”,
ajudando, portanto, a preparar os alunos e alunas para serem domi­
nados ou para serem dominantes no meio social em que vivemos. Por
isso que, em uma sociedade cheia de competições como a nossa, a es­
cola também tem esse perfil, pois nela só se dão bem os considerados
“melhores”, e é nesse tipo de escola que os filhos das classes privilegia­
das desvendaram muito cedo a sua “superioridade”, enquanto as outras
classes descobriram sua “inferioridade”.
Ao experimentar um método permanente de crítica e autocríti­
ca das práticas escolares (currículo real e oculto), poderemos viver os
conflitos e as diferenças como forma de desenvolvimento individual e
social, além de construir um espaço constante de participação na ela­
boração do currículo.

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Capítulo 2

Os professores devem ficar atentos aos valores e conceitos que eles


próprios incorporaram, pois eles determinam a seleção dos conteúdos,
estratégias, a metodologia, as habilidades e as avaliações escolhidas. Às
vezes, o próprio questionamento está impregnado de ideologia.
Ainda sobre os currículos escolares, cabe enfatizar vários aspectos
importantes na transmissão do currículo oculto:
●● os professores e professoras não têm assegurado o pleno co­
nhecimento do novo currículo antes de sua implementação;
●● muitos professores e professoras não têm uma posição crítica
em relação ao currículo oculto;
●● inúmeros professores e professoras não têm consciência dos
direitos dos grupos oprimidos na sociedade;
●● os currículos não são voltados para a transformação social, tendo
em vista formar um cidadão consciente, crítico e participante;
●● os currículos não são representantes dos grupos desprivilegia­
dos, pessoas de raças diferentes, mulheres, etc.; 27
●● os currículos excluem os valores culturais e históricos presen­
tes no cotidiano;
●● os currículos não ensinam os alunos e alunas a superar a situa-
ção de marginalidade, nem os conscientizam cultural e politi­
camente acerca desse assunto;
●● a própria concepção dos currículos é ideológica, pois é frag­
mentária e desarticulada, não avançando, na prática, para
uma verdadeira interdisciplinaridade e transdisciplinaridade;
●● os currículos valorizam o supérfluo, contribuindo para am­
pliar a marginalidade do conhecimento das mulheres, dos
trabalhadores e das pessoas de raças não brancas;
●● os currículos são montados de forma a perpetuar e legitimar
as desigualdades econômicas, as divisões de classe, gênero e
raça, tanto nos empregos como nas riquezas;
●● os textos didáticos falam sobre ideologia e não são, via de re­
gra, trabalhados criticamente por professores e especialistas.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Dessa maneira, a escola está fundamentalmente implicada no fra­


casso escolar, na conservação da classe baixa no mesmo nível social e na
fabricação de trabalhadores submissos e conformistas. A educação serve
para reforçar e reproduzir as divisões e injustiças sociais, não se revelan­
do, portanto, democrática, apesar de enfatizar (só em nível de discur­
so) a permanência e o êxito no sistema escolar. Posto isso, chegamos à
conclusão de que a seleção do conhecimento escolar é arbitrária, por­
que exclui as tradições culturais de classes e grupos subordinados para
priorizar as memórias culturais dos grupos e classes dominantes. Tanto
o currículo real, oficial (explícito) e o oculto (implícito) têm competên­
cias socializadoras, pois certos aprendizados e rituais escolares moldam
e fabricam consciências. A escola corrobora para a divisão social, racial e
sexual do trabalho, uma vez que o conhecimento escolar é distribuído de
forma desigual entre os diferentes grupos e classes sociais. A distribuição
dos currículos ocultos também é diferenciada de acordo com a classe so­
cial, sexo, raça ou etnia. Assim, dependendo dos grupos e classes sociais,
demonstram-se diferentes atitudes e características de personalidade.

28
O que queremos deixar evidente é que a escola efetivamente não
tem desempenhado a sua função social, que é transmitir os conheci­
mentos historicamente construídos, habilidades e valores como os de
solidariedade, tolerância e respeito às diferenças. A escola tem sido,
nesse sentido, muito mais reprodutora da ideologia das elites do que
produtora e difusora do conhecimento.
Urge, portanto, uma mudança de atitude, primeiramente de caráter
ideológico e, depois, de caráter pedagógico. Essa alteração implica uma
modificação de postura que possa, efetivamente, encarar os filhos e as fi­
lhas de trabalhadores e trabalhadoras como um componente fundamen­
tal para o nosso desenvolvimento.
É necessário que se reconheça o direito de adquirir conhecimentos
e que o professor e a professora não tenham preconceito em relação a
esses alunos e alunas e percebam que é fundamental para o processo
de transformação da nossa sociedade que os filhos e as filhas de tra­
balhadores e trabalhadoras tenham acesso, de forma crítica, ao saber
elaborado da escola.
É imperativo que haja uma alteração quanto à forma de se transmitir
os conteúdos tanto pedagógico quanto ideológico. O próprio conteúdo

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Capítulo 2

deve mudar para atender às reais necessidades dos alunos e da sociedade


na qual estão inseridos. O conteúdo transmitido não pode ser desligado
da prática, mas sim partir da realidade, da vivência, da experiência dos
educandos e das educandas. A escola deve ensinar, sobretudo, a pensar, ra­
ciocinar, desenvolver o juízo crítico, conhecer a realidade em que se vive e
suas contradições. Aceitando que diferença não é inferioridade, uma nova
pedagogia terá de ser formulada. Ela não sairá de gabinetes nem de cabe­
ças iluminadas, mas da diversidade de ideias, saberes e experiências.
O professor e a professora são induzidos continuamente a optarem:
contra ou a favor dos alunos e alunas. Essa opção não implica somente
uma visão pedagógica, mas, sobretudo, uma visão ideológica diferente.
A ideologia do currículo oculto é uma faca de dois gumes, pois tanto
pode levar à passividade como também à revolta. A revolta individu­
al nós, professores e professoras, conhecemos bem: é aquele aluno ou
aluna que depreda a escola, é anti-social, agressivo; frequentemente, a
raiz desses comportamentos está na maneira como a escola trata esse
indivíduo. Sabemos que essa revolta pode ser canalizada de uma forma
positiva, desde que o aluno tenha uma consciência crítica dos seus pro­ 29
blemas: por que a escola funciona assim? A que interesses serve? Qual
o papel dos trabalhadores e trabalhadoras no contexto da escola e da
sociedade? Que sociedade temos? Que sociedade queremos?

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, tivemos a oportunidade de perceber que os estudos
acerca do currículo, na perspectiva cultural, apontam para discussões
que nos proporcionam vislumbrar a compreensão das relações entre a
cultura, o conhecimento e o poder no espaço escolar.
Sendo assim, buscamos compreender a identidade como um fenô­
meno produzido e não acabado dentro das práticas sociais, que são vis­
tas como comuns em um determinado grupo social. Para pensarmos na
possibilidade de uma identidade no espaço escolar, partimos do prin­
cípio de que, na escola, as pessoas constroem ideias e representações
acerca das disciplinas e dos rituais que compõe esse universo.

Currículos e Programas
Currículo
e infância 3
N este capítulo, entenderemos por que as propostas curriculares
precisam considerar a criança e sua heterogeneidade, de modo a criar
espaços das crianças e não apenas para as crianças. Elas são sujeitos de
direito e cultura. Essa ideia de direito à educação está vinculada à visão
de que o desenvolvimento humano acontece a partir da interação com
os outros e com o ambiente onde se vive.

31
As crianças não são mais como antigamente
Nas conversas sobre infância sempre surge o assunto: as crianças
não são mais como antigamente. E não são mesmo! O papel que desem­
penham, as expectativas em relação a elas, sua maneira de brincar e de se
relacionar com o mundo; tudo isso está em constante transformação.
Na Idade Média, período demarcador e regulador dos valores e da
moral, a organização da escola era multietária, pois a escola medieval
era indiferente à distinção e separação das idades, uma vez que não se
destinava a educar a infância. A Igreja Católica que ocupava um impor­
tante espaço nas relações de poder e estabeleceu o término da infância
aos sete anos, pois se entendia que a partir desse período se iniciava a
idade da razão. Na época, não existia uma preocupação com o tempo
da infância, assim como não havia o conceito de adolescência nem o
respeito às diferenças. A escola, no decorrer da história, legitima tal
condição, uma vez que coloca a idade de sete anos como própria para
a alfabetização. Ariès (1981) sugere que essas classificações das fases da
vida têm certa correspondência com os fenômenos naturais e cósmicos:
o número de planetas, os signos do zodíaco, as estações do ano, etc.
Currículos e Programas

Atualmente, vários organismos delimitam as idades da infância. A


Convenção dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, considera como criança
“todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”. Já o Estatuto
da Criança e do Adolescente, no seu Artigo 2º, considera criança “a
pessoa com até doze anos incompletos”. Ainda que seja fundamental
reconhecermos a autoridade das convenções internacionais e nacionais,
sem dúvida, é o mundo do trabalho e da escola que acaba, em última
instância, dando legitimidade para as diferentes idades.
Nos seus modos de representação, as crianças manifestam e se apro­
priam de expressões que referenciam o mundo dos adultos, por exemplo,
“quando eu crescer”, “gente grande”, como se isso fosse referência para
demarcar os tempos e os espaços escolares. No entanto, é bom lembrar
que a organização dos diferentes tempos e espaços da infância não se
restringem somente à forma pela qual os adultos constituem o mundo. A
creche, a pré-escola, o jardim de infância, as escolas infantis, os espaços de
lazer, todos são lugares destinados à trajetória de socialização da criança,
32
considerando sua idade e o nível econômico e cultural dos pais.
Pensar sobre os diferentes espaços da infância permite redimensio­
nar nosso modo de ver as possibilidades físicas e ambientais que esta­
belecemos como as mais apropriadas para as crianças, esquecendo-nos,
muitas vezes, que em outros espaços também acontecem encontros,
desencontros, descobertas e trocas. Nesse sentido, refletiremos se, de
fato, os espaços construídos e planejados por nós adultos têm assegura­
do que as relações humanas sejam baseadas em sentimentos de respeito
e solidariedade pela diversidade e pelas pluralidades da infância.
Sabemos que sozinha a escola não pode mudar o mundo, mas ela se
movimenta com o mundo e pode ajudar a mudá-lo. Não é preciso ir lon­
ge para saber que as experiências escolares transformam as pessoas e, por
isso, é importante entender que o currículo escolar deve se constituir em
um campo fundamental de debates que incorpora os diversos “fazeres” e
as diferentes formas de “pensar” que ressoam no interior da escola.
Nesse sentido, os estudos curriculares se tornam um poderoso
componente de observação, reflexão e intervenção no espaço e no tem­
po escolar. É dessa forma que a escola pode compreender e assimilar
os vínculos entre o que se vive no ambiente escolar e a comunidade na

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 3

qual ela está inserida. Assim, a escola pode criar condições para romper
os limites entre o que lhe é atribuído como “próprio” e aquilo que “per­
tence” ao conhecimento da sociedade.
De um modo geral, o currículo tem sido pensado e constituído
com os seguintes pontos:
●● pressupostos e princípios da proposta educacional;
●● objetivos;
●● conteúdos;
●● atividades e procedimentos de avaliação;
●● espaço físico e recursos materiais.
De forma didática, um currículo e seus elementos devem respon­
der às seguintes questões:
●● o quê?
●● para quê?
●● com quem ?
●● onde? 33

●● como educar?
●● a favor de quem se educa?
Os educadores e as educadoras que trabalham nesses níveis de en­
sino têm a responsabilidade de orientar as propostas curriculares para
uma educação inclusiva, que reconheça e valorize as diferenças de gêne­
ro, raça, etnia, competências físicas, mentais e as diferenças etárias, em
permanente debate.
A diferença etária na relação de professores e professoras com
seus alunos e alunas se traduz na relação de adulto-criança. É preciso
lembrar que a escola acolhe crianças – que têm uma história pessoal,
familiar, social, cultural –, e que são histórias diversas, assim como a
sociedade brasileira.
As propostas curriculares precisam considerar a criança e sua hete­
rogeneidade de modo a criar espaços das crianças e não apenas para as
crianças. As crianças são sujeitos de direito e cultura. Essa ideia de direi­
to à educação está vinculada à visão de que o desenvolvimento humano
acontece a partir da interação com os outros e o ambiente onde se vive.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Crescimento, desenvolvimento e afetividade


Nessa fase da vida a dimensão corporal, se desenvolve intensamen­
te. O crescimento e o desenvolvimento ósseo, muscular, neurológico,
acontecem por meio de uma escala crescente, e quanto mais oportu­
nidades a criança tiver de se movimentar e explorar suas muitas possi­
bilidades de ação, de preferência em contato com a natureza, melhor
será seu desenvolvimento. No entanto, essa dimensão do corpo e da
evolução da criança não se limita apenas a aspectos físicos e orgânicos.
A afetividade também se entrelaça às experiências corporais das crianças
e com quem elas se relacionam no seu universo social.
Nas situações e nas relações cotidianas, aprendemos a reconhe­
cer nossos afetos e como expressá-los. O modo como nossas mani­
festações de satisfação e frustração são acolhidas, nos ensinam sobre
o lugar das emoções e dos afetos na sociedade em que vivemos,
como também nos mostram nossa importância no mundo.
As representações se estruturam na criança por meio de uma rela­
ção mediada pelo outro. A linguagem permite a comunicação, mas é
34 também uma ferramenta de organização do pensamento e um impor­
tante canal de trocas afetivas, possibilitando a sua constituição enquan­
to sujeito. A dimensão cognitiva se estrutura via linguagem, sendo um
processo sociocultural. A capacidade de pensar e operar com conceitos
é um processo, no qual, em um primeiro momento, a criança pensa por
meio dos chamados conceitos cotidianos.
O desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por in­
termédio das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças
e com os adultos, em situações de interação com os objetos do mundo
físico, social e cultural.
As linguagens verbais (oral e escrita) e não verbais (gesto, desenho,
brincadeiras de construção e de faz de conta) têm grande importância
no desenvolvimento do pensamento e na formação da própria subjeti­
vidade da pessoa. As linguagens integram um sistema de representação
do real, do qual a criança se apropria e passa a elaborá-lo por meio de
diversas atividades simbólicas, nas quais tudo está interligado, como o
gesto, o desenho, a brincadeira e a escrita.
Hoje, podemos dizer que existe um corpo de saberes e fazeres que
possibilita tanto a construção social do conceito de infância como a cons­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 3

tituição de instituições de educação infantil e de pedagogias para educar


e cuidar das crianças.
É possível afirmar que os grandes temas em torno dos discursos
políticos e técnicos sobre as pedagogias da Educação Infantil podem ser
resumidamente definidos como:
●● a existência de um discurso que institui um estatuto para a
infância;
●● a constituição e a organização de espaços sociais adequados
para a educação e cuidado das crianças;
●● a formação e o reconhecimento da necessidade de um profis­
sional para atuar na Educação Infantil;
●● a definição de valores para a socialização das crianças resultan­
tes de algum tipo de compreensão sobre a educação;
●● a criação de instrumentos de trabalho e alternativas de inter­
venções;
●● a seleção de metodologias e de conteúdos; 35
●● a produção de materiais didáticos e equipamentos educacionais;
●● as decisões sobre a organização espacial;
●● as discussões sobre os usos do tempo;
●● a organização da vida cotidiana das instituições e das pessoas
sob a forma de rotina.
Ao longo dos séculos, vários discursos sobre vida, educação e
infância vêm, pleiteando, na sociedade, o seu lugar como verdade
absoluta, com a intenção de definir a natureza das crianças e a forma
como elas devem ser cuidadas e educadas. Esta contradição pesa so­
bre a cabeça dos educadores e educadoras: por um lado, eles defen­
dem a concepção de que é preciso assumir o papel de exercer sobre
as crianças a transmissão das ideias, dos usos e dos costumes que lhes
permitam melhor se adaptarem à sociedade; por outro lado, tem-se
a ideia de que é melhor desenvolver as potencialidades e as suas apti­
dões para que elas tenham sucesso no futuro, desenvolvendo-se pes­
soalmente e criativamente. Dessas concepções, irão surgir diferentes
projetos pedagógicos.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, aprendemos que os educadores e as educadoras que
trabalham nesses níveis de ensino têm a responsabilidade de orientar as
propostas curriculares para uma educação inclusiva, que reconheça e
valorize as diferenças de gênero, raça, etnia, competências físicas, men­
tais e diferenças etárias, em permanente debate. Vimos também que o
desenvolvimento das capacidades cognitivas acontece por intermédio
das relações estabelecidas pelas crianças com outras crianças e com os
adultos, em situações de interação com os objetos do mundo físico,
social e cultural.

36

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Seleção e organização
dos conteúdos
curriculares na
Educação Infantil
4
N este capítulo, estudaremos a Lei de Diretrizes e Bases da Edu­
cação Nacional (LDB n. 9.394/96), que trata da função da Educação
Infantil e seu funcionamento; o Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu­
cação Infantil (Resolução CEB 1/99), que orientam a organização das
instituições que se dedicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes esta­
belecem exigências quanto às orientações curriculares e à elaboração
dos projetos político-pedagógicos institucionais. 37

As Diretrizes Curriculares e o Referencial Curricular


Nacional para a Educação Infantil
Vimos que a organização curricular expressa uma concepção de
ser humano, de mundo, de ensino, de aprendizagem, de sociedade,
de poder, de cultura, enfim, de vida e, em última instância, do pa­
pel da educação na sociedade. Nas propostas destinadas à Educação
Infantil e aos primeiros anos do Ensino Fundamental, a organização
curricular expressa, também, uma determinada visão de infância e o
seu lugar no mundo.
A Educação Infantil é dever e obrigação do Estado e respon­
sabilidade política e social da sociedade e não apenas daqueles que
vivenciam a realidade escolar, utilizando-se dos préstimos da escola
ou exercendo nela suas funções profissionais. Cabe, portanto, ao Es­
tado, à família e à sociedade responderem pela Educação Infantil,
resguardando suas especificidades manifestadas na indissociabilidade
das ações de educar, cuidar e brincar.
Currículos e Programas

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/96)


firma a função da Educação Infantil e o seu funcionamento.
Posteriormente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI, p. 27) define o brincar ao lado do educar e do cuidar,
considerando que “nas brincadeiras, as crianças transformam os conheci­
mentos que já possuem anteriormente em conceitos gerais com os quais
brincam”. Em função dessas premissas, o Conselho Nacional de Educa­
ção (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), definiu, em
1999, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Re­
solução CEB 1/99), orientando a organização das instituições que se de­
dicam a essa etapa de ensino. Tais diretrizes estabelecem exigências quanto
às orientações curriculares e elaboração dos projetos político-pedagógicos
institucionais. Esse documento contempla os seguintes princípios:
●● éticos: autonomia, responsabilidade, solidariedade e respeito
ao bem comum;
●● políticos: direitos e deveres do cidadão, exercício da critici­
dade e respeito à ordem democrática;
38
●● estéticos: sensibilidade, criatividade, ludicidade e diversida­
de de manifestações artísticas e culturais.
Ressaltam-se também aspectos organizacionais, como a adoção de
metodologia do planejamento participativo e a afirmação da autono­
mia das escolas na definição da abordagem curricular a ser adotada.
Para garantir o direito à Educação Infantil, são explicitadas as cor­
responsabilidades entre as três esferas governamentais (federal, estadual,
municipal) e a família, consonantes com a legislação atual:
●● Constituição Federal de 1988, inciso IV do Art. 208;
●● Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069/90;
●● Lei sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), n. 8.080/90;
●● Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), n. 8.742/93;
●● Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
n. 9.394/96;
●● Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI/99);

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

●● Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 10.172/01;


●● Constituições Estaduais e Municipais;
●● Planos Estaduais e Municipais de Educação;
●● Política Nacional de Educação Infantil (2005).
A legislação existente representa as conquistas da sociedade no
sentido de assegurar os direitos da população infantil. No entanto, ga­
rantir os direitos das crianças é responsabilidade social. Sendo assim,
a educação das crianças, além de direito social, constitui-se em direito
humano, em condição de existência.
Antes da LDB n. 9.394/96, a Constituição Federal havia defini­
do a Educação Infantil como sendo responsabilidade dos municípios,
assim como a obrigatoriedade de aplicar 25% dos orçamentos em
educação. Entretanto, não houve definições claras entre dependência
administrativa e o financiamento dos níveis de ensino entre União,
estados e municípios, gerando o que ficou conhecido como compe­
tências concorrentes.
39

Educação Infantil na LDB


Com um capítulo próprio, a Educação Infantil recebe tratamento
igual ao do Ensino Fundamental e Médio e é definida como primeira
etapa da Educação Básica. Sua finalidade é desenvolver integralmente
a criança, nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social. Além
disso, deve complementar a ação da família e da comunidade no desen­
volvimento da criança, sendo, portanto, necessária a integração escola-
família-comunidade. A avaliação da criança deve ser realizada sem o
objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental.
A Educação Infantil é oferecida em:
●● creches ou entidades equivalentes para crianças de zero a 3
anos;
●● pré-escolas para crianças de 4 a 5 anos.
A abertura para o atendimento em entidades equivalentes a creches
se justifica pela necessidade de reconhecer a realidade preexistente da
nova legislação, na qual esse atendimento tem sido oferecido de maneira

Currículos e Programas
Currículos e Programas

diversificada em entidades comunitárias, empresas públicas ou privadas,


entidades filantrópicas ou confessionais e, ainda, em casas de família,
como no caso das “mães crecheiras”.
Os referenciais para a Educação Infantil foram feitos para orientar
os projetos político-pedagógicos, subsidiando os diversos saberes e fazeres
que circulam no dia a dia escolar. O documento instrui as ações educati­
vas dos profissionais da Educação Infantil e define que, para desenvolver
essas atividades, é preciso intencionalidade, sistematização e comprome­
timento com a integridade e o desenvolvimento das crianças.
Para a implementação do projeto político-pedagógico, os referen­
ciais indicam que os educadores e educadoras devem desenvolver uma
intenção educativa, organizando o ambiente onde atuam e planejando
as situações de aprendizagem, seja sozinho, com seus pares ou envol­
vendo a participação das crianças. Mais importante do que a definição
de áreas de conhecimento está a compreensão acerca do mundo in­
fantil. Isso quer dizer que a criança deve ser o foco de todo o trabalho
pedagógico para a tomada de decisões, planejamento, execução e ava­
40 liação das ações educativas desenvolvidas na escola.
Os referenciais destacam, ainda, que a função das professoras e dos
professores de Educação Infantil é mediar o processo de ensino-apren-
dizagem, propondo atividades e lançando desafios ajustados às carac­
terísticas, potencialidades, expectativas, desejos e necessidades infan­
tis. O referencial avaliativo adotado deve ser o da criança em relação
a ela mesma, de modo que os professores e as professoras observem,
registrem e reflitam continuamente, em caráter diagnóstico e proces­
sual, tudo o que ocorre com cada criança. Essa avaliação orientará as
decisões pedagógicas, especialmente acerca de quais atividades pode­
rão favorecer uma aprendizagem mais prazerosa e significativa para o
desenvolvimento infantil, em seus aspectos individuais e sociais, assim,
reforçando as especificidades biológicas, afetivas, emocionais, sociais,
culturais, linguísticas, lúdicas e cognitivas das crianças.
Ainda segundo os Referenciais Curriculares para a Educação In­
fantil, o currículo abrange um âmbito de interações, nas quais se en­
trecruzam processos e agentes diversos que compõem um verdadeiro
e complexo tecido social. São as relações estabelecidas nesse contexto
que moldam o que se pode chamar de currículo real, ainda que um

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

currículo para a Educação Infantil necessite ter explícito em sua elabo­


ração e desenvolvimento a concepção de crianças reais e diversas, que
interagem com o meio em que vivem e aprendem a resolver problemas,
especialmente em contato com outras crianças ou pelas informações que
os adultos lhes oferecem.
Os parâmetros de qualidade para a Educação Infantil especificam
que as crianças, desde que nascem, são:
●● cidadãos de direitos;
●● indivíduos únicos, singulares;
●● seres sociais e históricos;
●● seres competentes e produtores de cultura;
●● indivíduos humanos, parte da natureza animal, vegetal e
mineral.
E que, por sua vez, precisam ser cuidadas e educadas, o que implica:
●● serem auxiliadas nas atividades que não puderem realizar
sozinhas; 41

●● serem atendidas em suas necessidades básicas físicas e psico­


lógicas;
●● terem atenção especial do adulto em momentos peculiares de
sua vida.
Além disso, para que a sobrevivência das crianças estejam garanti­
das, seu crescimento e desenvolvimento sejam favorecidos e para que o
cuidar/educar sejam efetivados, é necessário oferecer às crianças dessa
faixa etária condições de usufruírem plenamente as possibilidades de
apropriação e de produção dos significados no mundo, da natureza e
da cultura. As crianças precisam ser apoiadas em suas iniciativas espon­
tâneas e incentivadas a:
●● brincar;
●● movimentar-se em espaços amplos e ao ar livre;
●● expressar sentimentos e pensamentos;
●● desenvolver a imaginação, a curiosidade e a capacidade de
expressão;

Currículos e Programas
Currículos e Programas

●● ampliar permanentemente os conhecimentos a respeito do


mundo da natureza e da cultura, apoiadas por estratégias pe­
dagógicas apropriadas;
●● diversificar atividades, escolhas e companheiros de interação
em creches, pré-escolas e centros de Educação Infantil.
Os parâmetros apontam ainda que a criança tem direito a:
●● dignidade e respeito;
●● autonomia e participação;
●● felicidade, prazer e alegria;
●● individualidade, tempo livre e convívio social;
●● diferença e semelhança;
●● igualdade de oportunidades;
●● conhecimento e educação;
●● profissionais com formação específica;
42 ●● espaços, tempos e materiais específicos.
Diferentemente do referencial, que se constitui apenas em um do­
cumento orientador do trabalho pedagógico, as diretrizes têm caráter
mandatório para todos os sistemas municipais e/ou estaduais de edu­
cação. A resolução que instituiu essas diretrizes foi precedida por um
parecer que trata de várias questões relativas à qualidade (Parecer CNE/
CEB n. 22/98, de 17 de dezembro de 1998). Na relação adulto-criança,
por exemplo, o parecer indica a proporção apresentada a seguir:
●● 1 professor para 6 a 8 bebês de 0 a 2 anos;
●● 1 professor para 15 crianças de 3 anos;
●● 1 professor para 20 crianças de 4 a 5 anos.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) também se ocupou da
questão da formação dos professores que atuam com crianças de 0 até 6
anos. Em 1999, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação de docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Re­
solução CNE/CEB n. 2, de 19 de abril de 1999a), as quais se aplicam
aos professores da Educação Infantil, das quatro primeiras séries do En­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

sino Fundamental, da Educação de Jovens e Adultos, da Educação nas


Comunidades Indígenas e da Educação Especial. Considerando a di­
ficuldade de contemplar, no mesmo documento, uma orientação para
os cursos de formação de professores e professoras que trabalham com
alunos e alunas tão diferentes quanto à faixa etária, contextos sociais e
modalidades de ensino que frequentam, o relatório que introduz esse
documento traz uma concepção de formação atualizada, no que diz
respeito aos fundamentos teóricos, abrangente quanto à visão de educa­
ção, e coerente com os princípios de cidadania definidos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
No ano seguinte, foram aprovadas as Diretrizes Operacionais para
a Educação Infantil (Parecer CNE/CEB n. 04/00, de 16 de fevereiro de
2000), as quais deliberaram sobre a vinculação das instituições de Edu­
cação Infantil aos sistemas de ensino e sobre vários aspectos que afetam
a qualidade do atendimento: proposta pedagógica, regimento escolar,
formação de professores e outros profissionais, espaços físicos e recur­
sos materiais. Essas diretrizes definem, também, a responsabilidade de
avaliar, supervisionar e autorizar com validade limitada as instituições
de Educação Infantil. 43

Para definir parâmetros de qualidade à Educação Infantil, não é


suficiente consultar a legislação específica para essa etapa de ensino,
especialmente quando se trata de contemplar temas referentes à diver­
sidade étnica, racial, de gênero ou as disparidades entre cidade e campo.
As resoluções e os pareceres do CNE adquirem importância relevante
ao tocarem em matérias ainda não suficientemente esclarecidas pela
legislação anterior aplicáveis à educação das crianças de 0 até 5 anos.
Em nível federal, cabe ao Ministério da Educação (MEC), vi­
sando definir e implementar a Política Nacional de Educação Infantil
(BRASIL, 2005a):
●● articular-se com secretarias estaduais e municipais, órgãos, or­
ganismos, organizações, áreas, programas, poderes Legislativo
e Judiciário para propiciar uma gestão integrada e colabora­
tiva entre os três níveis de governo e entre os diversos setores
das políticas sociais;
●● participar com o Conselho Nacional de Educação (CNE) da
elaboração de pareceres, normas e regulamentações que vise

Currículos e Programas
Currículos e Programas

ao cumprimento da legislação e considerem as necessidades


identificadas na área;
●● estabelecer diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a área;
●● divulgá-la por meio de distribuição de documento impresso e
disponibilizá-la na internet;
●● responsabilizar-se, juntamente com os sistemas de ensino,
pela qualidade da Educação Infantil;
●● garantir o cuidado e a educação das crianças de 0 até 6 anos de
idade e a promoção da qualidade nas instituições de Educação
Infantil em âmbito nacional.
Cabe ao Conselho Nacional de Educação, visando a garantir o
cumprimento da legislação vigente no que diz respeito ao desenvol­
vimento da Educação Infantil em âmbito nacional e de acordo com a
Lei n. 9.131/95:
●● assessorar o Ministério da Educação no diagnóstico dos pro­
44 blemas relativos à Educação Infantil;
●● deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de en­
sino, especialmente no que diz respeito à integração dos
seus diferentes níveis e modalidades;
●● emitir pareceres sobre assuntos relativos à Educação Infantil
por iniciativa de seus conselheiros ou quando solicitado pelo
ministro de Estado da Educação;
●● manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos estados e
do Distrito Federal;
●● analisar e emitir pareceres sobre questões relativas à aplicação
da legislação educacional no que diz respeito à Educação In­
fantil e à formação do professor para a área;
●● examinar os problemas da Educação Infantil e da formação do
professor que atua na área e oferecer sugestões para sua solução;
●● analisar e emitir pareceres sobre os resultados dos processos de
avaliação da Educação Infantil e dos cursos de formação do
professor que atua na área;

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

●● deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Mi­


nistério da Educação;
●● colaborar na preparação do Plano Nacional de Educação e
acompanhar sua execução no âmbito de sua atuação;
●● manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos estados e
do Distrito Federal, acompanhando a execução dos respectivos
Planos de Educação.
Cabe às secretarias de educação dos estados e do Distrito Federal,
visando a definir e a implementar a política estadual para a área, em
consonância com a legislação vigente e com os princípios expressos na
Política Nacional de Educação Infantil:
●● articular-se com o Ministério da Educação, secretarias mu­
nicipais, órgãos, organismos, organizações, áreas, programas,
poderes Legislativo e Judiciário para propiciar uma gestão in­
tegrada e colaborativa entre os três níveis de governo e entre
os diversos setores das políticas sociais em assuntos que dizem
respeito à criança de 0 até 5 anos de idade (mudança conforme 45
Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006);
●● estabelecer diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a área;
●● divulgá-la por meio de distribuição de documento impresso e
disponibilizá-la na internet;
●● ampliar progressivamente, em colaboração com os siste­
mas municipais, o atendimento às crianças de 0 até 5 anos
de idade, com objetivo de atingir toda a demanda em âm­
bito estadual;
●● responsabilizar-se, juntamente com os sistemas municipais
de ensino, pela qualidade da Educação Infantil, principal­
mente no que diz respeito à formação dos profissionais;
●● garantir o cuidado e a educação das crianças de 0 até 5 anos de
idade e a promoção da qualidade nas instituições de Educação
Infantil em âmbito estadual;
●● articular-se aos outros níveis (fundamental, médio e superior)
e às modalidades de ensino (jovens e adultos, educação espe­
cial, educação indígena) do sistema educacional;

Currículos e Programas
Currículos e Programas

●● articular-se com organizações representativas da sociedade


civil: sindicatos, movimentos sociais, ONGs, visando ao de­
senvolvimento e à progressiva consistência do campo da Edu­
cação Infantil.
Para o desenvolvimento de uma Política de Educação Infantil é ne­
cessário que as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal:
●● incluam a Educação Infantil no Plano Estadual de Educação
em consonância com a política local definida para a área;
●● disponibilizem profissionais e recursos para exercer o apoio
técnico e financeiro aos municípios;
●● mantenham uma sistemática de coleta, análise, armazenagem
e divulgação de dados do seu sistema educacional, disponibi­
lizando-os ao público em geral;
●● desenvolvam metodologias para localizar e incorporar dados
sobre instituições e/ou redes que funcionam à margem do sis­
tema educacional, visando à sua inclusão nas estatísticas nacio­
46 nais, estaduais e municipais;
●● colaborem com a realização de estudos sobre o custo/criança
atendida;
●● acompanhem e avaliem de que forma a legislação e a política
estadual vigentes estão sendo incorporadas pelo sistema e pe­
las instituições de Educação Infantil estaduais;
●● credenciem e autorizem o funcionamento das instituições de
Educação Infantil nos municípios que integram o Sistema Es­
tadual de Ensino;
●● credenciem, autorizem, supervisionem e avaliem o funciona­
mento das instituições de ensino para a formação dos pro­
fissionais de Educação Infantil vinculadas ao seu sistema, a
fim de garantir que os conteúdos necessários a essa formação
contemplem a faixa etária de 0 até 5 anos na íntegra, com
especial atenção ao trabalho com bebês;
●● realizem um programa de acompanhamento das instituições
de Educação Infantil, auxiliando-as a estabelecer os planos e
as metas para a melhoria permanente da qualidade do cuida­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

do e da educação oferecida nos sistemas educacionais esta-


duais e municipais;
●● adotem medidas, em articulação com os municípios, para as­
segurar que todas as instituições de Educação Infantil formu­
lem e avaliem suas propostas pedagógicas com a participação
da comunidade escolar, orientando-as nesse processo.
Para garantir o cumprimento da legislação vigente no que diz res­
peito ao desenvolvimento da Educação Infantil em âmbito estadual,
cabe aos conselhos estaduais de educação e do Distrito Federal:
●● estabelecer normas e regulamentações para o credenciamento
e o funcionamento das instituições de Educação Infantil;
●● subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Es­
tadual de Educação no que diz respeito à Educação Infantil e
à formação dos profissionais que atuarem na área;
●● manifestar-se sobre questões relativas à Educação Infantil e à
formação dos profissionais da área;
●● assessorar a Secretaria de Educação no diagnóstico dos proble­ 47
mas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar a melhoria do
cuidado e da educação da criança de 0 até 5 anos de idade;
●● emitir pareceres sobre assuntos da área educacional por iniciati­
va de seus conselheiros ou quando solicitado pela Secretaria de
Educação ou pelos sistemas municipais no âmbito do estado;
●● articular-se com o CNE e os conselhos municipais de edu­
cação;
●● analisar e emitir pareceres sobre questões relativas à aplicação
da legislação educacional no que diz respeito à Educação In­
fantil e sua articulação com os outros níveis.
Em consonância com a legislação vigente e com os princípios ex­
pressos na Política Nacional e Estadual de Educação Infantil, cabe às
secretarias municipais de educação, visando a definir e a implementar a
política municipal para a área:
●● articular-se com o Ministério da Educação, secretarias esta­
duais, órgãos, organismos, organizações, áreas, programas,
poderes Legislativo e Judiciário para propiciar uma gestão

Currículos e Programas
Currículos e Programas

integrada e colaborativa entre os três níveis de governo e


entre os diversos setores das políticas sociais;
●● estabelecer diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a área
no que se refere à organização, ao financiamento e à gestão
do sistema educacional como um todo, à garantia das vagas
demandadas pela população, à formação dos profissionais, ao
credenciamento das instituições de Educação Infantil única e
exclusivamente para o cuidado e a educação das crianças de 0
até 5 anos de idade;
●● divulgá-la por meio de distribuição de documento impresso e
disponibilizá-la na internet;
●● articular-se com organizações representativas da sociedade
civil: sindicatos, movi­mentos sociais, organizações não go­
vernamentais, visando ao desenvolvi­mento e à progressiva
consistência do campo da Educação Infantil;
●● ampliar progressivamente o atendimento às crianças de 0
48
até 6 anos de idade para atingir toda a demanda em âmbito
municipal;
●● responsabilizar-se pela qualidade do atendimento nas institui­
ções de Educação Infantil em âmbito municipal;
●● articular-se aos outros níveis (Fundamental, Médio e Supe­
rior) e às modalidades de ensino (Jovens e Adultos, Educação
Especial, Educação Indígena) do sistema educacional.
Para o desenvolvimento de uma Política de Educação Infantil, em
conformidade com a legislação nacional, é necessário que as secretarias
municipais de educação:
●● incluam a Educação Infantil no Plano Municipal de Educa­
ção em consonância com a política local definida para a área;
●● criem um setor de Educação Infantil, disponibilizando uma
equipe de profissionais e recursos para exercer suas funções
no município;
●● mantenham uma sistemática de coleta, análise, armazenagem
e divulgação de dados do seu sistema educacional, disponibi­
lizando-os ao público em geral;

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 4

●● desenvolvam metodologias para localizar e incorporar dados


sobre instituições e/ou redes de Educação Infantil que funcio­
nam à margem do sistema educacional, visando a sua inclusão
nas estatísticas nacionais, estaduais e municipais;
●● adotem medidas visando a garantir vagas no sistema educa­
cional a todas as crianças até os 6 anos de idade residentes no
município, de acordo com a demanda de suas famílias;
●● apoiem financeira e/ou tecnicamente as instituições de Educação
Infantil conveniadas, filantrópicas, confessionais e comunitárias
para que atinjam padrões compatíveis com as exigências legais;
●● realizem estudos sobre o custo/criança atendida;
●● adotem medidas para suprir vagas em locais de alta vulnerabi­
lidade e para populações em situação de risco social iminente;
●● adotem medidas para garantir que o acesso às vagas respeite
o critério de equidade social sempre que a demanda superar
a oferta de matrículas nas instituições municipais de Educa­
ção Infantil; 49

●● garantam a inclusão de crianças com necessidades educacio­


nais especiais;
●● não autorizem a matrícula de crianças com idade superior a 6
anos na Educação Infantil;
●● não autorizem a matrícula de crianças com idade inferior a 5
anos (completos no início do respectivo ano letivo) no Ensino
Fundamental;
●● adotem medidas para garantir uma transição pedagógica ade­
quada na passagem das crianças da Educação Infantil para o
Ensino Fundamental;
●● adotem medidas para não permitir que se realizem avaliações
que levem à retenção de crianças na Educação Infantil;
●● realizem programas municipais de formação de todos os profis­
sionais de Educação Infantil de modo contínuo e articulado;
●● articulem-se com as instituições formadoras a fim de garantir
que os conteúdos necessários à formação dos profissionais de

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Educação Infantil contemplem a faixa etária de 0 até 5 anos,


com especial atenção ao trabalho com bebês;
●● autorizem apenas a contratação, nas instituições de Educação
Infantil, de professores, diretores e coordenadores com a for­
mação exigida;
●● promovam a admissão de professores na rede pública somente
por meio de concurso;
●● implementem plano de cargos e salários para os profissionais
da Educação Infantil;
●● promovam a habilitação exigida pela legislação para os profis­
sionais que ainda não a possuem;
●● promovam a formação continuada dos professores e de outros
profissionais que atuam nas instituições de Educação Infantil;
●● promovam o credenciamento das instituições de Educação
Infantil de acordo com as normas e as regulamentações defi­
50 nidas pelos conselhos municipais de educação;
●● realizem um programa de acompanhamento e avaliação do
credenciamento e do funcionamento de todas as instituições
de Educação Infantil, auxiliando-as a estabelecer os planos e
as metas para a melhoria permanente da qualidade do cuidado
e da educação oferecida no sistema educacional municipal;
●● garantam a supervisão de todas as instituições de Educação
Infantil;
●● adotem medidas para assegurar que todas as instituições de
Educação Infantil formulem e avaliem suas propostas peda­
gógicas com a participação da comunidade escolar;
●● elaborem padrões de infra-estrutura para as instituições de
Educação Infantil, de acordo com os parâmetros nacionais e
com a Lei de Acessibilidade;
●● adotem medidas para garantir que os imóveis onde funcionam
as instituições de Educação Infantil estejam em conformidade
com os padrões municipais de infra-estrutura estabelecidos e
de acordo com a Lei de Acessibilidade;

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Capítulo 4

●● garantam a gestão democrática com a implantação de conse­


lhos nas instituições públicas de Educação Infantil, aprimo­
rando as formas de participação da comunidade;
●● garantam a alimentação escolar para as crianças atendidas nas
instituições de Educação Infantil, públicas e conveniadas,
complementando os recursos recebidos do governo federal,
em caráter permanente;
●● garantam o fornecimento anual e a reposição de materiais pe­
dagógicos, livros, CDs e brinquedos para as instituições de
Educação Infantil.
Cabe aos Conselhos Municipais de Educação, visando a desen­
volver ações específicas para garantir a normatização da legislação em
âmbito municipal:
●● estabelecer normas e regulamentações para o credenciamen­
to e o funcionamento das instituições de Educação Infantil
no âmbito do município, em consonância com a legislação e
as diretrizes nacionais e estaduais;
51
●● subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano
Municipal de Educação no que diz respeito à Educação In­
fantil e à formação dos profissionais que vão atuar na área;
●● manifestar-se sobre questões relativas à Educação Infantil e à
formação dos profissionais da área;
●● assessorar a Secretaria de Educação no diagnóstico dos proble­
mas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar a melhoria do
cuidado e da educação da criança de 0 até 5 anos de idade;
●● emitir pareceres sobre assuntos da área educacional por inicia­
tiva de seus conselheiros ou quando solicitado pela Secretaria
Municipal de Educação;
●● analisar e emitir pareceres sobre questões relativas à aplicação
da legislação educacional no que diz respeito à Educação In­
fantil e sua articulação com os outros níveis;
●● articular-se com o CEE e o CNE.
Resumindo as últimas três gerações de políticas educacionais, a Edu­
cação Infantil oferece conquistas enormes no sentido de ampliar a oferta

Currículos e Programas
Currículos e Programas

de matrículas. Com a aprovação do FUNDEB, a Educação Infantil passa


a contar com uma política de financiamento, o que até então não exis­
tia. Pesquisas nacionais indicam que o acesso a esse nível de educação
tem efeito positivo no desempenho dos alunos em testes de proficiência.
Araújo (2006) mostra que, no Brasil, as crianças que iniciam seus estudos
já na pré-escola têm, em média, um desempenho escolar melhor. Além
disso, o autor destaca que a grande maioria dos alunos que iniciam os
estudos após a primeira série do Ensino Fundamental não chegam ao
terceiro ano do Ensino Médio, devido ao alto índice de repetência para
esse grupo. Klein (2006), a partir dos dados do SAEB de 2003, mostra
uma associação positiva entre o desempenho em matemática e a entrada
do aluno da 4ª série na pré-escola ou creche, mesmo após considerar as
características relacionadas ao nível socioeconômico médio dos alunos
que frequentam as diferentes redes de ensino.

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, aprendemos que a legislação existente representa as
52
conquistas da sociedade no sentido de assegurar os direitos da população
infantil. No entanto, garantir os direitos das crianças é responsabilidade
social. Sendo assim, a educação das crianças, além de direito social,
constitui-se um direito humano em condição de existência. Além disso,
para que a sobrevivência das crianças esteja garantida, seu crescimento
e desenvolvimento sejam favorecidos e o cuidar/educar seja efetivado,
é necessário oferecer às crianças dessa faixa etária condições de usufruí-
rem plenamente das possibilidades de apropriação e de produção dos
significados no mundo, da natureza e da cultura.

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


5
Abordagem
pedagógica dos
conteúdos nas creches
e nas pré-escolas

N este capítulo, estudaremos as abordagens pedagógicas para os


conteúdos nas creches e nas pré-escolas priorizando a formação pessoal
e social (identidade, autonomia, brincar, movimento e conhecimento
de si e do outro) e o conhecimento do mundo (diferentes formas de
linguagem e expressão, artes, música, linguagem oral e escrita, mate­
mática, conhecimento da natureza e sociedade). Destacaremos a im­
portância de observar as brincadeiras das crianças como elementos de
conhecimento delas quanto às suas maneiras próprias de pensar e agir 53
sobre o mundo. Observar é um momento de ação. O fundamental
é que os educadores e educadoras compartilhem das brincadeiras das
crianças, propiciando-lhes espaço, tempo e artefatos adequados e con­
vidativos para o brincar, e ajudando-as quando forem solicitados.

Direito de ser criança


A construção de uma pedagogia para a Educação Infantil enfatiza
o direito de ser criança, poder brincar, viver experiências significativas
de forma lúdica e informal e o direito de ir à escola e aprender de for­
ma mais sistematizada. Esse caminho busca a superação da dicotomia
entre tratamento-assistência que ainda vigora em muitas instituições de
ensino especializado.
Assim, educar significa: propiciar contextos de cuidados, brin­
cadeiras e aprendizagens dirigidas de forma integrada e que possam
contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação
interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de acei­
tação, respeito, confiança e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos
Currículos e Programas

mais amplos da realidade social e cultural. Cuidar significa: ajudar o


outro a se desenvolver como ser humano, valorizar e ajudar a desenvol­
ver capacidades (RCEI, 1998, p. 23-24).
Quando analisamos a Educação Infantil e o Currículo, devemos
tomar a criança como ponto de partida da proposta pedagógica, com­
preendendo que para conhecer o mundo ela envolve o afeto, o prazer,
o desprazer, a fantasia, o brincar, o movimento, a poesia, as ciências,
as artes plásticas e dramáticas, a linguagem, a música e a matemática
de forma integrada, pois a vida é algo que se experimenta por inteiro
(FARIA ,1999).
A organização e estruturação do Currículo na Educação Infantil
compreende dois eixos de experiências:
●● formação pessoal e social (identidade, autonomia, brincar,
movimento e conhecimento de si e do outro);
●● conhecimento do mundo (diferentes formas de linguagem e
expressão, artes, música, linguagem oral, escrita e matemática,
conhecimento da natureza e sociedade).
54
Atualmente, como podemos refletir sobre uma proposta para a
Educação Infantil que esteja apta a encarar as questões que afetam as
relações entre a criança e a sociedade? Não devemos imaginar que seja
possível a existência de um modelo único, adequado a todas as crianças
e realidades, pois isso será contrário a tudo o que sabemos sobre as dife­
renças que constituem as crianças, famílias e educadores, fruto de suas
diferentes inserções históricas e culturais na sociedade. Podemos e deve­
mos, contudo, ponderar sobre alguns eixos orientadores da organização
das práticas pedagógicas que necessitam ser priorizados, no sentido de
garantir às crianças a possibilidade de construírem seus conhecimentos
de forma crítica, criativa e consistente.
Diante das questões colocadas até aqui, apontamos dois grandes
eixos a serem considerados: a brincadeira como atividade cultural que
deve ser incorporada ao currículo da Educação Infantil; o papel media­
dor do professor e da professora na ideia da construção do conhecimen­
to em rede como orientadora do planejamento pedagógico e da seleção
e tratamento dos conteúdos curriculares.
Segundo Vygotsky (1987b), no princípio da vida da criança, suas
ações sobre o mundo são motivadas pelo contexto perceptual e pelos

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Capítulo 5

objetos nele contidos. Contudo, quando se iniciam os jogos de faz de


conta, há um novo e importante processo psicológico para a criança –
o processo de imaginação – que lhe deixa se desprender das restrições
impostas pelo ambiente imediato. A criança é agora capaz de modificar
o significado dos objetos, transformando uma coisa em outra. Assim, o
campo de significado se impõe sobre o campo perceptual.
Esse processo tem implicações importantes no desenvolvimento da
criança, particularmente naquilo que se refere à construção de significa­
dos sobre o mundo que a cerca. Existe uma ampliação da flexibilidade
em usar os objetos, a partir da possibilidade de atribuir-lhes novos signi­
ficados pelo processo de imaginação. Essa nova forma de operação com
significados abre um novo campo de apreensão e invenção da realidade.
Podemos afirmar que, para as crianças, um pedaço de madeira se
torna um cavalo e, com ele, ela pode galopar para outros universos;
pedrinhas viram comidinhas e com elas deliciosos e saborosos pratos
são feitos; um pedaço de tecido consegue transformá-las em príncipes
e princesas ou heróis e heroínas, conduzindo-as aos castelos, campos e
outros tempos e lugares. Quando a criança cria sua narrativa de faz de
55
conta, extrai os elementos de sua criação das experiências reais vividas
anteriormente, combinando esses elementos ela produz algo novo. Essa
capacidade de compor e combinar o antigo com o novo é a base da
atividade criadora do ser humano (VYGOTSKY, 1987).
O brincar é, portanto, uma das atividades fundamentais para o
desenvolvimento das crianças, pois, por meio das brincadeiras, elas po­
dem ampliar algumas competências importantes, tais como: a atenção,
a imitação, a memória, a imaginação etc. Brincando as crianças desco­
brem e refletem sobre a realidade da cultura na qual vivem, incorporan­
do e, ao mesmo tempo, questionando regras e papéis sociais. Isso quer
dizer que nas brincadeiras as crianças podem extrapolar a realidade e
transformá-la por meio da imaginação. Ainda que o jogo de faz de con­
ta seja marcado pela dimensão fantasiosa, é preciso, segundo Vygotsky,
argumentar que, ao lado do desprendimento possibilitado pela imagi­
nação, encontra-se a subordinação às regras impostas pela realidade.
A origem do processo do brincar se localiza naquilo que a
criança conhece e vivencia; é apoiada nesse conhecimento que ela
elabora e reelabora situações de sua vida cotidiana; ajusta e cria
novas realidades; exerce papéis que vivencia no cotidiano (filha) e

Currículos e Programas
Currículos e Programas

também papéis que ainda não pode ser (mãe, pai, motorista de ôni­
bus, professora etc.); papéis que aspira ser (cantora, bombeiro etc.)
e papéis que a sociedade censura (ladrão, bêbado etc.). Refletindo
sobre suas relações com essas situações e papéis e os vivenciando, a
criança toma consciência de si e do mundo, construindo significa­
dos sobre a realidade.
Rocha (2000) aponta uma contradição vivenciada no processo
de brincar. Essa contradição está na relação dialética entre o já dado
e o novo, entre o vivido/conhecido e o imaginado. Para exemplificar
essas relações contraditórias, podemos notar o uso dos artefatos pela
criança: objetos usados de acordo com suas funções reais (panelinha
para fazer comidinha) e objetos usados com novos significados (pane­
linha usada como tambor); ações concretas e literais (mexer com uma
colher a comidinha imaginada) e ações substitutivas (vira a panelinha
para baixo e bate com a colher, imitando o som do tambor). Essa
flexibilidade se apoia no conhecimento, na vivência que a criança
tem do objeto e na habilidade que ela possui para ignorar certas ca­
racterísticas, ao mesmo tempo em que deve considerá-las para que a
56 ação substitutiva seja possível (um pedaço de pano não serviria como
tambor, uma vez que não produziria som). Do mesmo modo, pode­
mos identificar essas relações dialéticas entre o imaginado e o real: o
convívio do “eu” real da criança com o “eu” dos papéis imaginados;
papéis e relações já vividos e papéis e relações não vivenciados; ações
repetidas e ações antecipadas/criadas; o uso da linguagem nas nar­
rativas das circunstâncias imaginadas, como falas dos papéis e sua
utilização como instrumento de planejamento, de negociações, de ex­
plicitações, instruções; as formulações em tempo passado daquilo que
se vai fazer no amanhã (“agora eu era cavaleiro”); o desenvolvimento
do jogo em dois planos simultâneos: o tempo e o espaço físico real e
o tempo e o espaço físico figurado.
O processo de imaginação, estritamente pertinente ao brincar, é o
alicerce de qualquer atividade criadora, sendo condição para a criação
artística, científica e técnica. O universo da cultura é produzido pela
atividade fecunda do ser humano que, por sua vez, não é uma capaci­
dade inata, mas sim construída historicamente nas relações sociais. São
essas construções que tornam vivas e constituem as relações do sujeito
com o mundo e que permeiam a produção humana no campo das ar­
tes, das ciências e das técnicas.

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Capítulo 5

O processo de criação ocorre quando o sujeito imagina, combina


e modifica a realidade. Assim sendo, não se reduz às grandes obra da
humanidade ou às obras de arte etc., mas se refere à capacidade do ser
humano de imaginar, descobrir, combinar e ultrapassar a experiência
imediata. Em se tratando da atividade criativa, imaginação e realidade
constituem uma unidade dialética, relacionando-se reciprocamente e
possibilitando a expansão e a transformação da experiência sensível do
ser humano na sua relação com o mundo (VYGOTSKY, 1987a). Quan­
to mais plenas forem as experiências que as crianças vivenciam, mais
probabilidade elas terão de desenvolver a imaginação e a criatividade em
suas atividades, especialmente por meio de suas brincadeiras e, quanto
mais possibilidades lhe forem apresentadas para ampliar sua imaginação,
mais fecundas serão nas suas ações/interações com o mundo.
O brincar é um processo histórico e socialmente construído, ou
seja, as crianças aprendem a brincar com os diferentes membros de sua
cultura, e suas brincadeiras são carregadas dos hábitos, valores e conhe­
cimentos de seu grupo social. Os familiares ou indivíduos responsáveis
pelos cuidados com os bebês lhes auxiliam a brincar desde cedo, quan­
do, por meio dos vínculos afetivos constituídos, interagem com eles, 57
criando diferentes situações que poderíamos identificar como o início
desse processo. As conhecidas brincadeiras que os adultos costumam
fazer, por exemplo, esconder e achar os próprios bebês ou objetos atrás
de panos ou cobertas. Essas brincadeiras ajudam a estreitar as conexões
afetivas adultos-bebês, além de auxiliar as crianças na elaboração da
imagem mental do objeto ou pessoa distante, o que servirá de apoio
para suas construções de sistemas de representação.
Por meio da interação com os artefatos e brinquedos apresentados
pelos adultos, a criança, desde pequena, entra em relação com as ca­
racterísticas e os usos sociais dos objetos, o que a ajuda a compreender
as formas culturais de atividades do seu grupo social. Desse modo,
as brincadeiras não devem ser vistas como algo biológico, que brota
naturalmente, mas sim como uma aprendizagem social, produto das
relações entre os indivíduos de um mesmo grupo social. Esse modo
de abordar a atividade infantil se baseia no ponto de vista da con­
cepção histórico-cultural do desenvolvimento, que atribui à Educação
Infantil uma função fundamental na organização e no planejamento
de condições favoráveis ao desenvolvimento e à aprendizagem do pro­
cesso do brincar.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Temos visto, na Educação Infantil, diferentes formas de se conce­


ber a brincadeira. Uma delas é a concepção estruturalista e organicista
do brincar, baseada em uma visão de natureza infantil biologicamente
determinada, segundo a qual a brincadeira é vista como uma atividade
natural e espontânea, originada na própria essência da criança. As prá­
ticas de Educação Infantil, baseadas nessa visão, encaram a brincadeira
apenas como atividade recreativa, que permite que as crianças relaxem
e liberem energias contidas.
Nos métodos mais tradicionais, notamos a restrição ou o impedi­
mento de seu acontecimento no ambiente escolar, pois é considerado
um obstáculo para a aprendizagem; as oportunidades de brincar se li­
mitam à hora do recreio e, quando possível, nos momentos de chegada
e saída da instituição. Uma outra tendência, talvez a mais comum, é a
utilização da brincadeira como instrumento didático. O brincar, nessa
perspectiva, é concebido como preparação para a escolaridade futura,
por meio da sua transformação em exercícios e treinamentos. O educa­
dor ou a educadora usa a brincadeira para ensinar noções e habilidades,
como cores, formas, partes do corpo, numerais, entre outras. Além dis­
58 so, serve como forma de sedução e treinamento para a aprendizagem.
Acreditamos que, por meio das atividades recreativas ou de brinca­
deiras instrucionais, as crianças podem ser favorecidas, tanto no aspecto
lúdico, de diversão e prazer como no aspecto da aprendizagem, uma vez
que se podem aprender muitas noções e habilidades por intermédio de
brincadeiras, como “seu mestre mandou”, brincadeiras cantadas, brin­
cadeiras de faz de conta de compra e venda etc. Porém, é importante
que o educador e/ou a educadora saibam que as maiores contribuições
do brincar ficam em segundo plano, sobretudo, naquelas brincadeiras
que evidenciam apenas os objetivos instrucionais.
Pensamos que a brincadeira deve se constituir em um dos eixos da
organização do trabalho pedagógico, especialmente nos dias de hoje,
quando as crianças se acostumaram a se isolar em suas casas e viven­
ciam tão pouco as brincadeiras coletivas; seja pelas agendas cheias de
atividades de formação (inglês, música, natação etc.), seja pelo trabalho
precoce ou simplesmente pelo medo da violência nas ruas. Sob o ponto
de vista histórico-cultural, a inclusão da brincadeira nas práticas peda­
gógicas tem como objetivo desenvolver distintas formas de jogos e brin­
cadeiras que cooperam para múltiplas aprendizagens e para o aumento
da rede de significados construídos pelas crianças.

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Capítulo 5

Em meio a essas diversas modalidades de brincadeiras que podem


acontecer nas creches e pré-escolas, fazemos referência: às brincadeiras
de faz de conta organizadas pelas próprias crianças; à difusão e à recria­
ção das brincadeiras tradicionais da nossa história e cultura; aos jogos de
construção e aos jogos educativos propiciadores de aprendizagens em di­
ferentes áreas do saber. A brincadeira de faz de conta, corriqueira na faixa
etária que envolve a Educação Infantil, mostra-se como atividade essen­
cial, pois nela as crianças reconstroem suas experiências socioculturais e
refletem criticamente sobre a realidade em que vivem, desenvolvendo
seus conhecimentos sobre si e sobre o mundo ao seu redor.
Ao constituir suas brincadeiras as crianças fazem opções, negociam
suas ações, organizam as situações, criam regras e se submetem a elas ou
as negociam e as reconstroem, simulam e representam diferentes papéis,
ocupam posições distintas nas relações de poder (ora mãe/pai, ora filho/
filha, ora professor/professora, ora aluno/aluna, ora herói/heroína, ora
vilão/vilã etc.), modificam os significados dos objetos, atribuindo-lhes
novos nomes e funções. Por meio do faz de conta, as crianças aprendem
a manusear os objetos e lidar com as situações no plano mental, intro­
59
duzindo-se no espaço das ideias e representações. Cabe aos educadores
e às educadoras prepararem atividades de brincar de forma diversifica­
da, proporcionando às crianças a possibilidade de elegerem diferentes
opções e ordenar de forma pessoal suas ações e conhecimentos.
O ambiente físico da creche ou da pré-escola precisa ser um
convite à imaginação das crianças, devendo existir em todas as salas,
por exemplo, um lugar arrumado para a brincadeira de faz de conta,
contendo pinturas, pirucas, bonecas, roupas e acessórios, fantasias,
utensílios domésticos de cozinha e lazer, objetos do mundo do traba­
lho, miniaturas de animais e tudo que as crianças e seus professores
e professoras acharem importante. Uma ideia interessante, sobretu­
do para pequenos espaços, é organizar kits temáticos de brincadeiras,
que podem ser caixa de teatro, baú ou cesto que tenham artefatos
relacionados a um tema específico: escritório, médico, cabeleireiro,
escola, parque etc. Esses materiais precisarão ficar em um lugar aces­
sível às crianças, para que elas possam escolher livremente os temas e
as situações imaginárias que optaram desenvolver. Em se tratando do
lugar onde os bebês ficam, é imprescindível que eles tenham acesso
a artefatos e brinquedos variados, que possibilitem a exploração de

Currículos e Programas
Currículos e Programas

características e propriedades distintas (sons, cores, formas, texturas,


odores) e suas possibilidades associativas (empilhar, rolar, encaixar...).
Além disso, é fundamental a presença de brinquedos, como bonecas,
paninhos, mamadeiras, pratinhos e móveis para incentivar as primei­
ras ações de imitação de papéis sociais.
Uma outra esfera do brincar que, em geral, se articula às brinca­
deiras de faz de conta, são os jogos de construção. Brincar com elemen­
tos da natureza, de construção, de sucata (areia, massa, argila, pedras,
papel, folhas, flores, objetos com estruturas de encaixe próprios para a
construção etc.) possibilita a exploração dos predicados e características
associativas dos objetos, assim como seus usos sociais e simbólicos.
A brincadeira com regras também tem importante valor no desen­
volvimento da criança, pois esse tipo de brincadeira tem início com os
primeiros experimentos do brincar dos bebês e penetram no faz de conta,
nos jogos e construções. As normas demarcam um campo de ação a ser
adotado, com base no qual as crianças regulam seu comportamento. Além
das regras subentendidas nos jogos de faz de conta, é fundamental que
60 a criança aprenda a brincar com regras explícitas. Os jogos que podem
ajudar nesse sentido são: amarelinha, jogos com peteca ou bola, jogos de
linguagem (adivinhas, trava-línguas, parlendas), jogos tradicionais como
rodar pião, bola de gude, pular corda, soltar pipa e outros como dama, xa­
drez, dominó, quebra-cabeça, trilha e muitos outros jogos construídos nas
diferentes culturas ou transformados/criados a partir dos já conhecidos.
O que os educadores e educadoras devem fazer na hora das brin­
cadeiras? Qual é a sua função? Primeiramente, é imperativo salientar a
importância de observar as brincadeiras das crianças como elementos
de conhecimento delas quanto às suas maneiras próprias de pensar e
agir sobre o mundo. Observar é um momento de ação. O fundamen­
tal é que os educadores e educadoras compartilhem das brincadeiras
das crianças, propiciando-lhes espaço, tempo e artefatos adequados e
convidativos para o brincar, e ajudando-as quando forem solicitados.
Muitas vezes, o educador ou a educadora é convidado a participar da
brincadeira e a desempenhar um papel. A forma de participação do
professora ou da professora deve ser pautada na observação e na escuta
cuidadosa das crianças e de como decidem o desenrolar da situação de
faz de conta. É preciso que o educador ou a educadora não imponha
seus desejos e vontades, pois ele ou ela poderá destruir a brincadeira.

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Capítulo 5

Por meio do respeito às decisões e escolhas das crianças, a educadora


poderá ser uma participante (não uma orientadora) que busca enri­
quecer a brincadeira, trazendo novas indicações e relações que poderão
ser estabelecidas. A chave para uma boa intervenção de educadores nas
brincadeiras é a observação e o respeito pelas escolhas das crianças, o
que só é possível pelo conhecimento do jogo da criança, do que e como
brincam de sua cultura e de sua lógica própria.
Dessa forma, se ambicionamos formar indivíduos criativos e cons­
trutores de sua própria história, torna-se indispensável compartilhar as
brincadeiras com as crianças. Devemos colocar à sua disposição nossas
vivências, as brincadeiras que conhecemos desde pequenos, combinan­
do, assim, o novo e o velho, construindo um presente mais rico.

O planejamento de projetos e a importância da


mediação das professoras e dos professores
Sob o ponto de vista histórico-cultural, o sujeito e o objeto de conhe­
cimento se relacionam de forma dialética, não sendo, portanto, uma rela­ 61
ção direta, linear, não há predominância de um sobre o outro, e sim uma
relação entre eles, mediada por um outro sujeito (VYGOTSKY, 1991).
Dessa maneira, o entendimento da relação epistemológica tem
muito a acrescentar na organização curricular, especialmente, no que
concerne à construção do conhecimento, ao papel do professor e da
professora e da criança na relação pedagógica.
A compreensão de que a aprendizagem acontece desde que o indiví­
duo nasce, a partir de um processo em que o desenvolvimento e a apren­
dizagem se constituem mutuamente em uma unidade dialética, à medida
que o sujeito interage com o mundo, confere à educação papel funda­
mental. Não se pode entender, então, segundo essa visão, que a Educação
Infantil seria apenas um lugar de recreação, de cuidados ou de preparação
para a aprendizagem futura, mas sim um espaço de construção de conhe­
cimentos e de ampliação do universo simbólico das crianças.
As formas mais tradicionais de educação apregoam a aquisição
dos conteúdos de maneira regular e homeopática, com pequenas doses
do mais simples para o mais complexo, sem excessos que alterariam
todo o sistema. Percursos novos e diferentes precisam ser evitados. Os

Currículos e Programas
Currículos e Programas

professores ou as professoras são sempre aqueles que sabem, o aluno e


a aluna aprendem. O conteúdo é eterno e inquestionável.
Atualmente, os ambientes de acesso à informação estão cada vez
mais disponíveis (internet, TV, livros, jornais, revistas etc.). Pade­
cemos, desde a mais tenra idade, com o excesso de informações que
nos invadem pela rede a todo momento. O complicado é escolher e
incorporá-las de forma crítica. Como ponderar acerca da apreensão do
conhecimento escolar em rede de maneira diferenciada, interdisciplinar
e contextualizada? De que maneira o educador e a educadora infantil
podem auxiliar nesse processo?
Sob o ponto de vista histórico-cultural, o professor e a professora
passam a atuar como mediadores ou mediadoras entre a criança e os
conteúdos elaborados. Não é nem “observador(a) do amadurecimento
da criança” nem aquele(a) cuja responsabilidade principal é apenas re­
passar informações a serem absorvidas. Como mediador ou mediadora,
precisa colocar a criança em contato com os diferentes conhecimentos
ou as muitas formas de encontrá-los, e deve auxiliar a processar esse co­
62 nhecimentos criticamente. O professor ou a professora precisa, então,
atuar como aquele(a) que possibilita a relação entre a criança e o conhe­
cimento, indicando, a cada momento, suas possibilidades de interagir
com outros campos do saber. Essa é uma das formas de se construir o
conhecimento em rede. O que implica, fundamentalmente, considerar
o indivíduo que aprende como um ser envolvido em permanente trans­
formação e que se modifica a cada nova interação. Essa concepção de
construção do conhecimento em rede e do papel mediador do profes­
sor e da professora implica compreender que as crianças desenvolvem
diversas estratégias de apreensão e de ação sobre o real, resultado das
suas diferentes condições sociais e culturais, o que interfere na sua ma­
neira de se desenvolver. Pela riqueza de pontos de vista e de experiên­
cias que podem ser trocadas, essas diversidades devem ser ponderadas e
utilizadas como geradoras de novos conteúdos. É, principalmente, no
espaço das diferenças entre as crianças e entre as crianças e os adultos
que se pode almejar que elas se capacitem para criticar, argumentar,
transformar, criar e inventar.
Vamos criar, portanto, condições para que as crianças construam
linguagens e conhecimentos, digam suas próprias palavras, sintonizan­
do sua voz como tantas outras presentes no espaço escolar.

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Capítulo 5

A organização de projetos interdisciplinares com as crianças pode


ser considerada uma estratégia pedagógica importante para integrar os
diversos conhecimentos curriculares, propiciando a criação do conheci­
mento em rede. As interações da criança com os conteúdos trabalhados
acontecerá na busca coletiva de informações em torno de um tema ge­
rador de interesse do grupo.
Sob essa perspectiva, a construção dos projetos precisa estar vin­
culada a conhecimentos que incorporem os fatos sociais que as crian­
ças por ora vivenciam, ainda que sejam definidos e planejados pelas
crianças e/ou pelos professores e professoras. Essa forma de organizar os
projetos de trabalho permite, ao contrário das atividades fragmentadas
e em etapas, que a criança estabeleça relações entre as diferentes áreas de
conhecimento e as realidades vividas na escola e na sua vida.
Numa perspectiva interdisciplinar, os projetos de trabalho têm
como finalidade relacionar conhecimentos de diferentes áreas, de manei­
ra a propiciar às crianças a possibilidade de fazer múltiplas relações, esten­
dendo sua ideia sobre um determinado tema e até mesmo a formação de
conceitos, costumes e valores culturais básicos para a vida em sociedade. 63
Os projetos precisam partir das questões consideradas importantes
para as crianças, questões que deverão ser respondidas a partir do tra­
balho coletivo e mediado sempre pela professora. Por isso, é essencial
que a escola esteja conectada com o que as crianças já sabem, com suas
formas de apropriação dos conhecimentos e suas teorias diante dos te­
mas a serem abordados.
É bom lembrar que a memória, os relatos escritos e os trabalhos ela­
borados pelas crianças, como desenhos, murais, cartazes, fotos das ativida­
des etc., são registros fundamentais para o acompanhamento e a avaliação
pelos professores. Essa é uma forma de avaliação que pode prever novas
trajetórias e é fundamental para o sucesso de um projeto de trabalho.
Nos projetos de trabalho é essencial que as crianças, os professores
e as professoras saibam pesquisar, interpretar e busquem o entendimen­
to dos diversos problemas que os cercam. O que queremos dizer é que
os professores e as professoras devem criar um clima de curiosidade e
de prazer com o conhecimento, de modo que as crianças se envolvam
de forma apaixonada com as experiências, com os objetos e materiais
pedagógicos utilizados.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Segundo Hernandez (1998, p. 13), os projetos devem ser um


convite a soltar a imaginação, a paixão e o risco por explorar
novos caminhos que permitam que as escolas deixem de ser
formadas por compartimentos fechados, faixas horárias frag­
mentadas, arquipélagos de docentes e passem a se converter
em uma comunidade de aprendizagem, na qual a paixão pelo
conhecimento seja a divisa, e a educação de melhores cidadãos
o horizonte ao qual se dirige.

Para um melhor entendimento desse tema, vale reforçar algumas


características gerais dos projetos de trabalho, tais como:
●● percurso por um tema problema que facilita a análise, a inter­
pretação e a crítica;
●● predominância da atitude de cooperação; o professor é um
aprendiz e não um especialista;
●● percurso que busca estabelecer conexões entre os fenômenos e
que questiona a ideia de uma visão única da realidade;
●● cada percurso é singular e é trabalhado com diferentes tipos
64 de informações;
●● o professor ensina a escutar e a aprender por meio da vivência
com os outros;
●● há diferentes formas de aprender o que o professor quer ensi­
nar; há várias fontes de informação que não apenas professor;
●● aproximação atualizada aos problemas das disciplinas e dos
saberes;
●● forma de aprendizagem em que se leva em conta que todas
as crianças podem aprender e encontram um papel para de­
sempenhar;
●● não se esquecer de que a aprendizagem é vinculada ao fazer,
à atividade manual, à intelectual e a outras modalidades de
atividades.
Existem outras questões importantes para as práticas pedagógicas
na Educação Infantil, como, por exemplo, o que é ser criança hoje. Por
isso a importância do diálogo e do trabalho constante com a lingua­
gem. A linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, ela

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 5

constrói nossa forma de pensar no mundo e, portanto, constitui nossa


identidade histórica e cultural.
Ao concluir esse tópico, é importante reafirmar a convicção de
que o conhecimento deve ser vivenciado no espaço escolar de forma
prazerosa e que precisa ser vivido de forma apaixonada. Para que os
conteúdos tenham significados na vida das pessoas, é essencial que a
aprendizagem aconteça no experimento do encontro entre as crianças e
entre elas e os adultos (educadores, famílias).
Aprendemos com os livros, com a música, com a arte, com a lin­
guagem, com as histórias e com as brincadeiras, mas são as crianças que
podem nos ensinar a inverter a velha lógica, a transgredir as ordens, a
não temer o novo, a refazer a história. Podemos também aprender com
os poetas:
Tenho um livro sobre águas e meninos
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele
para mostrar aos irmãos. 65
A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que
do cheio.
Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
Porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que car­
regar água na peneira.
No escrever o menino viu que era capaz de ser noviço, monge
ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando ponto
no final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

O menino fazia prodígios.


Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o filho com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.
Manoel de Barros

Planejamento e avaliação do currículo na


Educação Infantil
O planejamento é a atividade intencional pela qual se projetam
fins e se estabelecem meios para atingi-los. Por isso, o planejamento
não é neutro, mas ideologicamente comprometido. Por esse motivo é
importante a discussão a respeito do real significado social e político
da ação que se está planejando. Deve-se perguntar sobre as determi­
66 nações sociais que estão na base do problema a ser enfrentado, assim
como deve-se discutir as suas possíveis consequências e seus compro­
metimentos. Segundo Cipriano Carlos Luckesi (1992, p. 115),
[...] planejar, nas escolas em geral, tem sido um modo de opera­
cionalizar o uso de recursos – materiais, financeiros, humanos,
didáticos. [...] usualmente (com exceções no cotidiano escolar, é
claro) essa semana de planejamento redunda no preenchimento
de um formulário em colunas, no qual o professor deve fazer du­
rante o ano letivo na disciplina ou área de estudos que trabalha.
[...] Essa é uma forma de fazer do ato de planejar um ato neutro,
como desejavam nossos ex-ministros e como desejam todos os
que defendem uma perspectiva conservadora para a sociedade.

Na contemporaneidade, os novos pressupostos da administração


escolar trazem com a autonomia a indicação da gestão colegiada, com
responsabilidades compartilhadas entre escola e comunidade. Essa
forma de gestão requer que se propicie espaços para a iniciativa e par­
ticipação de todos os envolvidos no processo educativo. Essa parti­
cipação, compromissos e responsabilidades, devem estar visivelmente
enunciadas no plano da escola, que deve estabelecer a sua filosofia, sua
finalidade, assim como seus principais objetivos devem ser reavaliados
constantemente para adequá-los à realidade.

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Capítulo 5

A avaliação deveria ser compreendida como uma crítica do percur­


so de uma ação, seja ela curta ou prolongada. Enquanto o planejamen­
to dimensiona o que vai ser feito na escola, a avaliação fundamenta essa
caminhada, visto que fornece elementos para a tomada de decisões. A
avaliação funciona como um sistema de crítica do projeto que elabora­
mos na escola.
Uma proposta de organização do trabalho pedagógico só estará com­
pleta ao anunciar sua compreensão sobre avaliação. Portanto, a maneira
como os educadores e educadoras exercem suas avaliações sobre alunas e
alunos indica, em último grau, a sua concepção de educação. Seja como
uma educação repressora e bancária, em que o alunado é depositário do
conhecimento e deve reproduzi-lo, ou como uma educação progressista
e democratizadora, voltada para o integral desenvolvimento do ser hu­
mano, de sua consciência crítica, de sua capacidade de ação e reação em
sua criatividade. Nessa concepção, a avaliação não tem a função de aferir,
conferir, classificar e aprovar/reprovar, eliminando aqueles que não che­
garam aos padrões preestabelecidos. A avaliação tem a função de pro­
porcionar ao professor e à professora uma melhor compreensão sobre a
67
aprendizagem de alunos e alunas, verificando constantemente o trabalho
pedagógico que oferece aos alunos(as), a fim de poder superar as dificul­
dades encontradas. Essa é a concepção considerada mais apropriada.
Quando falamos da Educação Infantil, essa atitude avaliativa ex­
pressa a adoção de uma conduta que não apenas examine e registre os
resultados obtidos pela criança a partir de ações conduzidas, mas que
procura, fundamentalmente, ser coerente à dinâmica do seu proces­
so de desenvolvimento, a partir do acompanhamento permanente da
ação da criança e da confiança na evolução do seu pensamento. Tal
postura avaliativa e mediadora parte do princípio de que cada mo­
mento de sua vida representa uma etapa altamente significativa e ante­
cede as próximas conquistas, devendo ser analisada no seu significado
próprio e individual em termos de estágio evolutivo de pensamento e
de suas relações interpessoais. A partir daí, poderemos abandonar lista­
gens de comportamentos uniformes, padronizados e buscar estratégias
de acompanhamento da história que cada criança vai constituindo ao
longo de sua descoberta do mundo. Esse acompanhamento deve ser
no sentido de mediar a sua ação, favorecendo-lhe desafios, tempo, es­
paço e segurança em suas experiências (HOFFMANN, 1996).

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Essa proposta de avaliação reconhece o professor/adulto como um


mediador. Isso quer dizer que a criança não deve apenas reproduzir os con­
teúdos que o professor ou a professora transmitiu, pois essa não é a única
possibilidade de conhecimento. A relação com o conhecimento depende
da relação que a criança constitui com as outras crianças (de diferentes ida­
des), com os pais, professores, com o meio ambiente e com a cultura. Isso
quer dizer que não há como avaliar uma criança apenas a partir das nossas
experiências e expectativas como adultos. Não basta, rechear listas, relató­
rios ou boletins, uma vez que isso tudo expressa a comparação à medição
e à classificação das crianças. O registro da avaliação deve ser a memória
da história vivida pela criança em um determinado período. Dessa forma,
podem ser utilizados relatórios descritivos e portfólios, por exemplo. Os
relatórios descritivos devem ser elaborados de maneira que
ao mesmo tempo que refaz e registra a história do seu proces­
so dinâmico de construção do conhecimento, sugere, encami­
nha, aponta possibilidades da ação educativa para pais, educa­
dores e para a própria criança. Diria até mesmo que apontar
caminhos possíveis e necessários para trabalhar com ela é o
essencial em um relatório de avaliação, não como lições de
68 atitudes à criança ou sugestões de procedimentos aos pais, mas
sob a forma de atividades a oportunizar, materiais a lhe serem
oferecidos, jogos, posturas pedagógicas alternativas na relação
com ela (HOFFMANN, 1996, p. 53, grifo nosso).

Nessa proposta, todo o trabalho pedagógico será avaliado, repensado


e alterado sempre que necessário. Não se trata de uma avaliação pronta,
precisa e acabada, mas sim de uma avaliação em processo, que está preo­
cupada com o avanço constante da criança em relação ao conhecimento.

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, aprendemos que, quando analisamos a Educação
Infantil e o Currículo, devemos tomar a criança como ponto de partida
da proposta pedagógica, compreendendo que, para conhecer o mundo,
ela envolve o afeto, o prazer, o desprazer, a fantasia, o brincar, o movi­
mento, a poesia, as ciências, as artes plásticas e dramáticas, a linguagem,
a música e a matemática de forma integrada, pois a vida é algo que se
experimenta por inteiro.

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


6
Seleção e organização
dos conteúdos
nos anos iniciais do
Ensino Fundamental

N este capítulo, poderemos perceber que o exercício da cida­


dania exige o acesso de todos aos recursos culturais relevantes para a
intervenção e a participação responsável na vida social: o domínio da
língua falada e escrita; os princípios da reflexão matemática; as coorde­
nadas espaciais e temporais que organizam a percepção do mundo; os
princípios da explicação científica; as condições de fruição da arte e das
mensagens estéticas; os domínios do saber tradicionalmente presentes
nas diferentes concepções do papel da educação no mundo democráti­ 69
co, até outras exigências que se impõem no mundo contemporâneo.

Formação dos educadores e sua atuação no


processo curricular
Atualmente, ao debatermos as políticas públicas para o Ensino
Fundamental, o que parece mais surpreendente não é o empenho do
governo federal em implementá-las, mas o seu baixo impacto na reali­
dade escolar. Seria lícito arrazoar que, depois de definido um currículo
nacional, selecionados os livros didáticos a serem adotados pelas escolas,
treinados professores e professoras de forma mais funcional, com vistas à
ampliação das competências consideradas fundamentais para o exercício
da docência, acontecesse uma evolução na performance do sistema pú­
blico do ensino básico, considerando que esse também é avaliado com
base em preceitos definidos pelo próprio sistema. Assim, consideramos,
nesse momento, que o que merece uma análise mais aprofundada é a
própria consistência interna dessas políticas, uma vez que sua compati­
bilidade com os objetivos mais amplos de uma educação genuinamente
Currículos e Programas

democrática tem sido elemento de estudo e de reflexões em grande parte


dos trabalhos acadêmicos no campo das políticas públicas.
Ivor Goodson (1995), um dos estudiosos da história do currícu­
lo, enfatiza em seu livro Currículo: teoria e história a necessidade de
se discutir as propostas curriculares ou o que é chamado de Currículo
Prescrito, lembrando que aquilo “que está prescrito não é necessaria­
mente o que é aprendido, e o que se planeja não é necessariamente o
que acontece” (p. 78). Ponderando sobre a aceitação de certas ideias
em um determinado contexto, o referido autor quer evidenciar a se­
riedade dos fatores e das relações de poder que permitiram a cons­
trução de uma determinada proposta. O que podemos perceber é
que as propostas pedagógicas são resultado de debates e de disputas
de diferentes naturezas também no campo do currículo. Logo, ainda
que organizado por um grupo que compartilha dos mesmos ideais,
um currículo representa sempre um consenso precário em torno de
algumas ideias.
Examinando com cuidado as novas propostas curriculares, pode­
70 mos perceber que grande parte das ideias que elas contêm já vem sendo
discutidas no campo do currículo há várias décadas. Por que, em um de­
terminado momento histórico, uma determinada proposta ganha pres­
tígio e se torna hegemônica? Isso acontece em função de vários fatores,
por exemplo: se pessoas que pensam da mesma forma obtêm alguma
posição na hierarquia de poder constituída, como um cargo público re­
levante no campo da educação, isso, com certeza, reforça a concepção de
currículo que elas defendem, tornando-a uma proposta aceitável.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram organizados por um
grupo, com a colaboração de intelectuais dos diferentes campos do saber.
Os PCN inevitavelmente irão apresentar inconsistências ou divergências
implícitas, mesmo que seus redatores tenham procurado atenuá-las ou
suprimi-las. Os indivíduos que não concordaram, que se rebelaram contra
sua orientação ou contra a forma como foram elaborados, estão atuan­
do em outros lugares, sejam eles estaduais ou municipais, e articulando
propostas mais compatíveis com suas ideias. Dessa forma, a pretensão a
um projeto nacional, além de depender de todas as questões discutidas,
configura-se quase como inviável, não porque vivemos em um país de di­
mensões continentais, mas porque o próprio processo de elaboração cur­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 6

ricular só pode ser pensado em uma dinâmica constante de construção e


reconstrução que se inviabiliza quando se cristaliza.
Ao analisarmos os Parâmetros Curriculares, torna-se necessário
fazer referência a um artigo de Michael Apple (1994) intitulado A po-
lítica do conhecimento oficial: faz sentido a ideia de um currículo nacio-
nal?. Temos que reconhecer que suas análises subsidiaram grande parte
das publicações sobre essa temática. Em meio a várias considerações
discutidas pelo autor, é essencial a referência que ele faz a um texto de
Richard Johnson (1991) sobre um aspecto central na discussão dos
currículos nacionais. Johnson aponta que essa ideia de coesão nacio­
nal em que se baseiam os currículos nacionais é completamente equi­
vocada, pois parte do pressuposto que alunos e alunas de diferentes
posições sociais e pertencentes a diferentes grupos sociais vivenciam o
currículo da mesma maneira.
Para Correia (1991, p. 2) “nem sempre [os PCN] produzem mu­
danças nas práticas pedagógicas e nas relações sociais estabelecidas en­
tre os agentes implicados na ação educativa”. O autor ressalta, ainda,
que as alterações como metodologias inovadoras exigiriam uma ruptura 71
com práticas instaladas, tornando-se, portanto, indispensável analisar o
grau e o poder de decisão dos agentes nela envolvidos. Nos processos de
mudanças, suscitados nos e pelos órgãos centrais do sistema educativo,
os professores e as professoras são tomados como consumidores(as) das
mudanças e como agentes potenciais de resistência.
Nos Parâmetros Curriculares para o Ensino Fundamental esse re­
curso de convencimento aparece no documento oficial, principalmente,
no Documento Introdutório (1997). Primeiramente, são apresentados
dados sobre a performance do sistema. Com base em dados estatísticos
sobre taxa de promoção, repetência e evasão, são enfatizados os pro­
blemas das distorções idade/série e o baixo desempenho dos alunos,
em relação às habilidades de leitura e de matemática. O documento
procura, ainda, apresentar-se como um meio de superar as contradi­
ções dos currículos estaduais e municipais. Podemos destacar alguns
progressos na parte que trata dos Princípios e fundamentos dos Parâ­
metros Curriculares Nacionais, no qual é afirmado o caráter inovador
dos parâmetros por se fundamentar em recentes tendências no campo
da educação. Vejamos.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

O exercício da cidadania exige o acesso de todos aos recursos cul­


turais relevantes para a intervenção e a participação responsável na vida
social: o domínio da língua falada e escrita; os princípios da reflexão
matemática; as coordenadas espaciais e temporais que organizam a
percepção do mundo; os princípios da explicação científica; as con­
dições de fruição da arte e das mensagens estéticas; os domínios do
saber tradicionalmente presentes nas diferentes concepções do papel
da educação no mundo democrático, até outras tantas exigências que
se impõem no mundo contemporâneo. Tais exigências apontam a rele­
vância de discussões sobre a dignidade do ser humano, a igualdade de
direitos, a recusa categórica de formas de discriminação e a importância
da solidariedade e do respeito. Cabe ao campo educacional propiciar
aos alunos as capacidades de vivenciar as diferentes formas de inserção
sociopolítica e cultural. Hoje, mais do que nunca, apresenta-se para a
escola a necessidade de se assumir como espaço social de construção
dos significados éticos necessários e constituídos de toda e qualquer
ação de cidadania (PCN, 1997).
As deliberações tomadas pelo núcleo do sistema são reinterpre­
72
tadas pelos fatores que se colocam nos diversos níveis intermediários,
que no caso dos parâmetros seriam representados pelos técnicos das
secretarias estaduais e municipais de educação e de seus diversos ór­
gãos regionais, chegando até as supervisoras ou coordenadoras peda­
gógicas das escolas, apesar de os parâmetros considerarem que elas não
se apresentam como tabulas rasas, prontas para assimilar o que lhes é
apresentado. Sendo elaborados de forma centralizada, os parâmetros se
confrontam com inovações singulares, gerando, muitas vezes, conflitos
com as práticas em desenvolvimento nas escolas. Por um lado, os pro­
fessores e professoras, mesmo quando concordam com suas propostas,
buscam interpretá-las e adequá-las conforme o contexto institucional
do local em que trabalham, o que faz, em determinadas situações, a
adotarem formas diferenciadas entre si. Por outro lado, as inovações
trazem indecisão e inquietação porque se propõem a romper com as
práticas já cristalizadas.
Portanto, é fundamental que os professores entendam os padrões e
critérios que definem o discurso pedagógico, bem como os processos de
transformações por meio dos quais os discursos ou os conhecimentos
das várias áreas vão sendo reorganizados e transformados, até se torna­

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 6

rem conhecimento escolar. Assim, as propostas curriculares, como par­


te do processo de deslocamento de um discurso de uma área, se consti­
tuem no primeiro elo de uma cadeia de recontextualizações sucessivas
no processo de produção do conhecimento escolar, na qual interferem
desde interesses editoriais até critérios pedagógicos.
É importante destacar, também, que as experiências sociais são
elementos definidores das práticas escolares e que uma proposta cur­
ricular, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, será transformada
de tal maneira no seu processo de implantação que pouca similaridade
haverá entre suas propostas e o que é, de fato, feito nas escolas.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), ela­
borado nos anos 1980 e respaldado posteriormente pela Lei de Diretri­
zes e Bases da Educação Nacional, estabelece como responsabilidade da
União a avaliação do rendimento escolar em nível nacional.
Para Franco e Bonamino (2001, p. 15), o objetivo do SAEB “é
gerir e organizar informações sobre a qualidade, a equidade e a eficiên-
cia da educação nacional”. No Ensino Fundamental, por meio de uma 73
pesquisa por amostragem, o SAEB vem avaliando a performance esco­
lar dos alunos e alunas matriculados no 5º e 9º anos (4ª e 8ª séries) das
redes públicas e privadas.
Popkewitz e Lindblad (2001), em um artigo sobre as estatísticas
educacionais, demonstram que elas podem ser manipuladas, portanto
podem ser boas ou ruins. Para os autores, o problema é que as estatís­
ticas oferecem dados que são aceitos como espelhos da realidade. Para
eles, na educação, a estatística tem função descritiva, mostrando núme­
ro de alunos e alunas matriculados em cada nível e modalidade de ensi­
no, taxas de repetência, índices de analfabetismo etc. Eles afirmam que
as estatísticas buscam expressar aspectos da população que precisam ser
administrados, estabelecendo relações entre tipos de família, condições
econômicas, formação de profissionais e situação de fracasso escolar.
Para os autores, o agrupamento das pessoas por meio de agregados
estatísticos é uma forma de normalização. Os indivíduos são espalhados
em grupos, a partir dos quais são monitorados e supervisionados. Dessa
forma, “as estatísticas constroem classes de pessoas, inventários ou per­
fis de pessoas que podem ser geridas” (POPKEWITZ; LINDBLAD,

Currículos e Programas
Currículos e Programas

2001, p. 126). As estatísticas relacionam fracasso escolar com arranjos


familiares, com poder econômico e com as possibilidades de acesso a
bens culturais. E ainda, relacionam a educação com o número de alunos
e alunas em sala, com a qualificação docente e com material disponível
nas escolas.
Para Bourdie (1998), as novas formas de inclusão propostas pelas
reformas educacionais terminam por incluir excluindo. O autor aponta
que a expansão do ensino e a permanência na escola de crianças e ado­
lescentes que antes não tinham acesso à educação criam um novo fenô­
meno. A entrada dessa população na escola e a possibilidade de conquis­
tarem um diploma não oferecem nenhum tipo de garantia de melhoria
na sua qualidade de vida. O autor demonstra que na atual sociedade,
em uma cultura exacerbada de consumo, sejam de bens materiais ou
simbólicos, há uma intenção constante em se dar tudo a todos, “mas sob
as espécies fictícias de aparência, do simulacro ou da imitação, como se
fosse esse o único meio de reservar para uns a posse real e legítima desses
bens exclusivos” (BOURDIE, 1998, p. 49).
74 Então, podemos considerar que precisamos avaliar o sistema de
ensino e construir políticas públicas para a educação, a partir das re­
lações sociais com o conhecimento produzido historicamente e por
quem vive o cotidiano escolar.

A formação dos educadores e educadoras e sua


atuação no processo curricular
Quando nos questionamos sobre a aquisição/construção dos sa­
beres profissionais dos professores e das professoras, devemos ter em
mente que tais saberes não se desenvolvem e solidificam no seu período
de formação inicial, mas durante e, principalmente, no desempenho
das suas atividades como docente.
Ao desenvolver sua função, ao longo dos anos, o professor e a pro­
fessora elaboram determinados saberes que só podem ser construídos a
partir da própria experiência profissional. O constante trabalho com os
conteúdos curriculares e disciplinares permitem aos professores e às pro­
fessoras terem um conhecimento mais elaborado desses assuntos traba­
lhados. Um maior domínio torna os professores mais competentes para

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Capítulo 6

lidarem com os conhecimentos. Desse modo, eles estarão mais preocupa­


dos em procurar maneiras de incentivar seus alunos e alunas, inovar suas
metodologias, propor novos questionamentos, relacionar conteúdos, ou
seja, possibilitar um processo de ensino-aprendizagem mais eficaz.
Geralmente, os professores e professoras iniciantes encontram
maiores dificuldades em relação aos saberes disciplinares e sua adequa­
ção, mas, com o tempo irão adquirir maior segurança para elaborar suas
aulas, organizando os conteúdos em consonância com as reais deman­
das dos seus alunos e alunas.
De acordo com Tardif (2005), no trabalho docente, professores e
professoras incorporam diversos conhecimentos, como:
●● saberes da formação profissional;
●● saberes curriculares;
●● saberes disciplinares;
●● saberes experienciais.
Para ele, esses saberes de ordem profissional são os transmitidos pe­ 75
las instituições de formação e se refletem na prática docente. Os saberes
disciplinares têm especificidades, pois estão relacionados aos diversos
“campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade,
tais como se encontram nas universidades sob a forma de disciplinas,
no interior de faculdades e de cursos distintos” (TARDIF, 2005, p. 38).
Já os saberes curriculares dizem respeito aos
discursos, objetivos, conteúdos e métodos, a partir dos quais a
instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais de­
finidos e selecionados por ela como modelo da cultura erudita
e de formação para essa cultura, sob a forma de programas es­
colares que os professores devem aprender e aplicar (TARDIF,
2005, p. 38).

O autor ainda observa que “o corpo docente não é responsável pela


definição nem pela seleção dos saberes que a escola e a universidade
transmitem”. Isso ocorre porque esses
[...] já se encontram consideravelmente determinados em sua
forma e conteúdo, produtos oriundos da tradição cultural e dos
grupos produtores de saberes sociais e incorporados à prática
docente através das disciplinas, programas escolares, matérias e
conteúdos a serem transmitidos (TARDIF, 2005, p. 40).

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Entretanto, à medida que os professores constroem os saberes da


sua prática, vão incorporando os demais saberes em uma forma pessoal
de ensino, validados pela experiência.
Segundo Tardif (2005, p. 19), os conhecimentos da experiência são
resultantes da experiência do professor e da professora e se incluem ao
conjunto de saberes acumulados e adquiridos na prática do trabalho do­
cente, servindo de referencial para sua orientação profissional. Eles e elas
estão “[...] na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da
história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros
fatores educativos, das universidades, etc.”
Os saberes de professores e professoras abordados por Tardif, são
retomados por Gauthier (1998) ao oferecer um resumo de suas análises
que apontam um elenco de conteúdos próprios para o ensino. O autor
acredita que é indispensável um conhecimento teórico sobre o ensino e
que uma parte desse conhecimento deve ser extraída da prática na sala
de aula e comprovada pela pesquisa. Podemos entender, então, que a
pesquisa tem a intenção de identificar os saberes utilizados pelos pro­
76 fessores e professoras no seu trabalho pedagógico, permitindo a criação
de um elenco de conhecimentos acerca da atividade docente, capaz de
colaborar para a formação inicial e continuada de outros profissionais.
Gauthier (1998, p. 29) concebe o ensino como a “mobilização de
vários saberes que formam uma espécie de reservatório, no qual o pro­
fessor se abastece para responder às exigências específicas de sua situação
concreta de ensino”. O autor entende esse reservatório como: os saberes
disciplinares; os saberes curriculares; os saberes da ciência da educação;
os saberes da tradição pedagógica; os saberes experienciais e os saberes da
ação pedagógica.
Tardif (2005, p. 255) denomina esse modo de abordar a formação
de professores e professoras que privilegia os conhecimentos originários
da experiência como “epistemologia da prática”, a qual ele especifica
como “estudo do conjunto de saberes utilizados realmente pelos pro­
fissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas
as suas tarefas”. Aqui, podemos nos reportar a outro autor que coloca a
questão de forma similar quando afirma que
a formação de professores não se constrói por acumulação (de
cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas, sim, através

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Capítulo 6

de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas de


re(construção) permanente de uma identidade pessoal. Por
isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao
saber da experiência (NÓVOA, 1997, p. 25).

Com a intenção de concluir o pensamento dos autores quanto à


educação desses profissionais, seria indispensável que tanto a formação
inicial como a continuada apresentassem, como prioridade, o desen­
volvimento de uma atitude reflexiva. Tomando como possibilidade essa
perspectiva, os professores e as professoras teriam construído a capaci­
dade de conduzir seu próprio desenvolvimento profissional, buscando
“[...] competências e saberes novos ou mais profundos a partir de suas
aquisições e de sua experiência” (PERRENOUD, 2002, p. 24).
Para Gauthier (1998), de outro modo, os professores e professoras
que são avaliados como eficientes, cuidam de forma particular do plane­
jamento das atividades, buscando “atender às necessidades imediatas dos
alunos” para chegar aos objetivos propostos. Consequentemente, esses
profissionais procuram “alcançar outros fins e objetivos que não aqueles
relativos aos resultados escolares”, o que poderia envolver o amparo de to­
77
das as diferenças entre alunos(as), em classe, que têm chegado na escola nos
últimos anos, proporcionando-lhes um aprendizado efetivo e significativo.
Nesse sentido, para esse autor, os professores e as professoras considerados
eficientes, “conhecem a matéria de um modo que lhes permite planejar a
criação de aulas que ajudarão os alunos a relacionar os conhecimentos no­
vos com os que já possuem e que integram conteúdos de diferentes campos
do conhecimento” (GAUTHIER, 1998, p. 202). Para tanto, realça que as
atividades da aula devem ser preparadas com antecedência e escrita nítida,
a fim de que possam ser entendidas pelos alunos e alunas de forma mais
clara, aplicando estratégias que possam provocá-los, de forma positiva, por
meio das motivações chamadas pelo autor de “intrínsecas”.
Gauthier (1998, p. 204) aponta dez meios pelos quais podemos es­
timular nossos alunos e alunas de maneira positiva, visando a um desem­
penho aceitável:
adaptar a tarefa aos interesse dos alunos;
incluir um pouco de variedade e de novidade;
permitir que os alunos escolham ou tomem decisões de modo
autônomo;
fornecer aos alunos ocasiões para responder ativamente;

Currículos e Programas
Currículos e Programas

proporcionar retroação imediata às respostas dos alunos;


permitir que os alunos criem um produto acabado;
incluir um pouco de fantasia e elementos de estimulação;
incorporar às aulas situações lúdicas;
prever objetivos de alto nível e questões divergentes;
fornecer aos alunos ocasiões para interagir com outros.

Para Gauthier (1998, p. 208), os profissionais eficientes, são


aqueles que
procuram fazer com que seus alunos se envolvam de forma
ativa para recorrer a um conjunto de atividades de aprendi­
zagem, tais como círculos de leitura, o trabalho individual, a
aula expositiva sozinha ou com suporte audiovisual, a leitura
silenciosa, o jogo, a conversa informal etc.

Outra questão colocada pelo autor faz referência à nitidez na expo­


sição do conteúdo por parte de professores e professoras. Quando eles e
elas “dão instruções claras, explícitas, redundantes e compreendidas por
todos os alunos, eles se aplicam mais às suas tarefas durante o trabalho in­
dividual”. Por isso, o professor ou professora deve apresentar um conteú­
78 do claramente definido, o que implica “enfatizar os aspectos importantes
do conteúdo, utilizar exemplos para explicar e avaliar a compreensão
paulatinamente” (GAUTHIER, 1998, p. 216). Entretanto, o que se ob­
serva na prática é que os professores e professoras, em particular os mais
novos na profissão, não conseguem trabalhar os conteúdos de maneira
adequada, enfatizando os seus elementos mais importantes, pois ainda
não dominam as capacidades indispensáveis à gestão da turma e não
possuem a desenvoltura necessária para trabalhar com os conhecimentos
empregados em sala de aula.
É fundamental que o professor ou a professora mantenha uma certa
familiaridade com os conhecimentos pedagógicos de sua disciplina, evi­
denciando mais eficiência em utilizar-se de perguntas com vistas a motivar
os alunos e alunas, com a intenção de manter a sua atenção e, também,
verificar se compreenderam as explicações.
Outro fator que colabora para o professor saber se o método pe­
dagógico utilizado na explicação dos conteúdos está sendo positivo é
a avaliação da fase de gestão da matéria. Para tanto, Gauthier (1998,
p. 234) aponta que “as avaliações curtas e rápidas são superiores aos
exames finais”. Nesse momento, os professores podem refletir a fim

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Capítulo 6

de perceber se a forma como trabalham o conteúdo em sala de aula


está alcançando os resultados esperados.
Embora que faça parte de um ambiente coletivo e que tenha pos­
sibilidade de refletir coletivamente sobre sua prática, compreende-se
pelo exposto que, para atingir a eficiência profissional assinalada por
Gauthier, o professor ou a professora precisa estar em um processo con­
tínuo de reflexão sobre sua própria prática pedagógica. Esse processo
colabora para que o professor ou a professora compreenda melhor seu
trabalho, entendendo os resultados de suas decisões e ações em sala de
aula, visando a aperfeiçoar o processo de ensino e aprendizagem, bem
como seu desenvolvimento profissional.
Quando nos reportamos à eficiência do professor e da professora em
classe, ainda precisamos conside­
rar qual é o conhecimento que Saiba mais
o profissional tem do conteúdo Assista ao filme A língua das mariposas, de
pedagógico, ou seja, deve haver José Luis Corda, que nos remete a duas outras
uma combinação entre o conhe­ grandes obras da filmografia europeia, as
cimento da disciplina e a manei­ produções italianas A Vida é Bela, de Roberto
79
ra de ensiná-la. Estamos falando Begnini e Cinema Paradiso, de Giuseppe Tor-
do conhecimento que abarcar o natore. Além disso, o filme mostra a intensa
relação que se define entre Moncho e seu ve-
entendimento sobre o que signi­
lho professor Don Gregório (Fernando Fernán-
fica lecionar um tema particular,
Gomes) e nos fazem lembrar das parcerias
bem como o conhecimento sobre estabelecidas entre Giosué e Guido (A Vida é
as metodologias necessárias para Bela) e entre Totó e Alfredo (Cinema Paradiso).
refazê-lo, quer dizer, a maneira
de conceber e ordenar o conte­ O Filme A Língua das Mariposas
údo para torná-lo acessível para Moncho (Manuel Lozano) tem apenas sete
alunos e alunas. anos e se prepara para o maior desafio de
sua vida. Ele está a apenas algumas horas de
No andamento das aulas, seu primeiro dia de aula. Alertado por alguns
os professores e as professoras meninos, ele acredita que o professor poderá
observam de forma continuada, castigá-lo ao menor erro. O menino pensa,
como componente do ensino, o inclusive, em fugir para a América, como alter-
entendimento ou não de seus nativa para não ir à escola.
alunos, avaliando também seu Você poderá encontrar dicas e comentários de
próprio desempenho por meio filmes no sítio: <http://www.planetaeducação.
do processo de aprendizagem. com.br>.
Essa reflexão se faz a partir da

Currículos e Programas
Currículos e Programas

experiência, analisando o processo de ensino e a aprendizagem que


aconteceu e a partir desse entendimento, refaz a caminhada.
Cada profissional concebe os conteúdos de ensino de uma ma­
neira pessoal, implicando a forma como são escolhidos, configurados
didaticamente e problematizados em sala de aula. Com o intuito de
aperfeiçoar sua atuação em sala de aula, o professor ou a professo­
ra precisa considerar tanto o domínio do conteúdo quanto a reflexão
epistemológica. Nesse sentido, torna-se indispensável que o professor
ou a professora tenha um profundo conhecimento dos conteúdos que
ministra, bem como dos métodos capazes de favorecer uma melhor
compreensão por parte dos alunos.

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, aprendemos que a aquisição/construção dos sa­
beres dos professores e das professoras não se desenvolvem nem se
80
solidificam no seu período de formação inicial, mas durante e, princi­
palmente, no desempenho das suas atividades como docentes. Ainda
que faça parte de um ambiente coletivo e que tenha possibilidade de
refletir coletivamente sobre sua prática, compreende-se pelo texto que,
para atingir a eficiência profissional assinalada, o professor ou a pro­
fessora precisa estar em um processo contínuo de reflexão sobre sua
própria prática pedagógica.

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Planejamento e
avaliação do
currículo no Ensino
Fundamental
7
N este capítulo, veremos que o processo de ensino-aprendi­
zagem ocorre em situações concretas, internas e externas à escola. A
aprendizagem não ocorre apenas na sala de aula, mas nela a metodo­
logia de ensino-aprendizagem precisa ser intencional, ter finalidades,
objetivos e atividades que possibilitem a construção/desconstrução do
conhecimento e da busca de novas formas de utilizá-lo.

81
Abordagem pedagógica dos conteúdos nos anos
iniciais do Ensino Fundamental
O grande número de propostas curriculares que norteiam o tra­
balho pedagógico dos professores e das professoras de educação básica
tem nos conteúdos acadêmicos tradicionais sua fonte central de orga­
nização dos conhecimentos disciplinares.
Já nos primeiros anos do Ensino Fundamental, as crianças têm au­
las de Matemática, Ciências, História, Artes e assim por diante. Ainda
que todas essas aulas sejam dadas pela mesma professora, cada uma tem
seus tempos e maneiras particulares. Essas vivências escolares ensinam
aos alunos e às alunas, desde a mais tenra idade, que os conteúdos en­
contram-se sistematizados em compartimentos que, geralmente, não se
relacionam. Na aula de Matemática fazemos contas; na aula de Língua
Portuguesa lemos e escrevemos; na aula de História aprendemos a data
dos principais fatos históricos e assim sucessivamente.
Por isso, os(as) professores(as) necessitam ter a preocupação de,
já no princípio do Ensino Fundamental, impulsionar os alunos e as
alunas a construírem relações entre os distintos conteúdos presentes
Currículos e Programas

nas diversas disciplinas do currículo, ou seja, os professores têm que


conversar com alunos e alunas de forma que eles e elas entendam que
a ciência também tem uma história, assim como o país, o estado ou a
comunidade; apontar que as questões ambientais são, ao mesmo tem­
po, problemas de saúde, de química e de física; além de abarcarem a
ecologia e a biologia como um todo.
Atualmente, a forma de ensino mais utilizada para a ampliação e
efetivação de um trabalho pedagógico interdisciplinar são os projetos
de trabalho, por meio dos quais os professores e as professoras podem
inserir o estudo de temas que não dizem respeito a uma disciplina espe­
cífica, mas que envolvem duas ou mais delas. Os projetos de trabalho
são feitos com a finalidade de estabelecer boas situações de aprendiza­
gem, nas quais se evita colocar em compartimentos o conhecimento.
Os projetos de trabalho podem abarcar várias disciplinas, porém,
isso não deve ser obrigatório. Eles são importantes porque abrem novas
possibilidades de aprendizagem aos alunos e alunas, tais como:
●● viver situações em que é necessário tomar uma decisão sobre
82 que caminho seguir;
●● aprender a fazer um cronograma, considerando uma meta e as
condições para realizar o projeto;
●● decidir que estudos realizar para resolver um problema;
●● compreender um processo e analisar uma situação mais
complexa.
É importante destacar que a avaliação de um projeto de trabalho
precisa levar em consideração, principalmente, as aprendizagens ob­
tidas pelos alunos e alunas durante sua concretização. Um projeto é
significativo na medida em que proporciona aprendizagens, não pela
qualidade pontual de seu produto final. São as realizações das aprendi­
zagens que justificam o projeto, seja ele de um professor ou professora
que usa sua matéria ou faz uma interdisciplinaridade.
Em um projeto de trabalho interdisciplinar, cada professor(a) que
participa precisa determinar os objetivos específicos, isto é, aqueles
próprios da disciplina, núcleo ou área com a qual trabalha. No caso
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, uma forma de abordar esses
projetos é utilizarmos os temas transversais, que são determinados pelas

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Capítulo 7

questões de relevância social e não podem ser elaborados e trabalhados


somente por uma única disciplina ou por um único profissional de
forma particular.
É importante destacar que a avaliação de um projeto de trabalho
precisa levar em consideração, principalmente, as aprendizagens obti­
das pelos alunos e alunas durante sua concretização. Quer dizer, para
entender e buscar saídas para os problemas trazidos pelos temas trans­
versais é preciso fazer uma abordagem interdisciplinar.
Uma educação comprometida com o entendimento da realidade
social, com os direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e
coletiva e a afirmação do princípio da participação política deve ter,
por princípio, a construção da cidadania. Nesse aspecto é que foram
elencadas como temas transversais as questões da ética, da plurali­
dade cultural, do meio ambiente, da saúde, da orientação sexual, do
trabalho e consumo. A seguir temos os quatro pontos apresentados
como definidores da proposta de transversalidade nos PCNEF:
●● os temas não constituem novas áreas, pressupondo um trata­
mento integrado nas diferentes áreas; 83
●● a proposta de transversalidade traz a necessidade de a esco­
la refletir e atuar conscientemente na educação de valores e
atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva polí­
tico‑social se expresse no direcionamento do trabalho pedagó­
gico, influencie a definição de objetivos educacionais e oriente
eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas,
seus conteúdos e mesmo as orientações didáticas;
●● a perspectiva transversal aponta uma transformação na prática
pedagógica, pois rompe a limitação da atuação dos professores
às atividades formais e amplia a sua responsabilidade quanto a
formação dos alunos. Os temas transversais permeiam neces­
sariamente toda a prática educativa que abarca relações entre
os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes mem­
bros da comunidade escolar;
●● a inclusão dos temas indica a necessidade de um trabalho sis­
temático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que
possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das
questões eleitas (BRASIL, 1997, p. 38-39).

Currículos e Programas
Currículos e Programas

O processo ensino-aprendizagem ocorre em situações concretas,


internas e externas à escola. A aprendizagem não ocorre apenas na sala
de aula, mas nela a metodologia de ensino-aprendizagem precisa ser
intencional, ter finalidades, objetivos e atividades que possibilitem a
construção/desconstrução do conhecimento e da busca de novas for­
mas de utilizá-lo.
Os profissionais da educação, independente do nível de ensino
em que atuam, devem entender que a sala de aula está ligada à co­
munidade, à sociedade, ao mundo e à cultura. Nessa perspectiva, o
trabalho com projetos e temas geradores permite a concretização dessas
possibilidades, pois facilitam as abordagens dos assuntos de forma mais
abrangente. As atividades desenvolvidas pelos alunos e mediadas pelo
professor são priorizadas, no entendimento de que suas observações e
problematizações são fundamentais na construção da sua autonomia.
É necessário, portanto, trabalhar com o conhecimento de forma
processual e aberta. Aprender significa que podemos elaborar esquemas e
projetos cada vez mais complexos. O ensino deve fundar-se na pesquisa,
84 na investigação, nas problematizações, na cooperação e na participação.
Para Vygotsky (1991), o ser humano é único e se edifica enquanto
tal por meio de seus processos internos, no qual o pensamento e a lin­
guagem se desenvolvem mutuamente a partir de inclinações, interesses,
impulsos, afetos e emoções. A linguagem estabelece os conceitos e as
diversas maneiras de organização do real, que servem de mediações en­
tre o sujeito e o objeto de conhecimento e entre o sujeito que conhece
e o mundo real. O aprendizado, para Vygotsky (1991), inicia com o
nascimento da criança, que vai construindo sua história pessoal em uma
história social já em desenvolvimento. No entanto, o autor adverte que
o aprendizado escolar produz algo essencialmente novo ao desenvolvi­
mento: a zona de desenvolvimento proximal, a qual define as funções
que ainda não estão maduras e se encontram em processo de amadure­
cimento e devem ser potencializadas. Portanto, o bom aprendizado e
o bom ensino são aqueles que se antecipam ao desenvolvimento, que
deixam interligar reciprocamente; desenvolvimento e aprendizagem.
Durante a aprendizagem, vários processos internos são despertados e
desenvolvidos e tornam-se parte das aquisições de desenvolvimento
independente, responsável pela construção da subjetividade dos indi­
víduos. Trabalhar com o conhecimento também pressupõe superar o

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Capítulo 7

senso comum, embora partindo dele, o que não é uma tarefa fácil. É
necessário incorporar o ensino e a pesquisa de forma sistematizada, rea­
lizando, assim, as atividades sugeridas, problematizando e questionando
a realidade, procurando conteúdos históricos que proporcionem o co­
nhecimento das experiências humanas.
Ao trabalhar com os conteúdos devemos percebê-los como histo­
ricamente construídos, e não cópias fiéis do real; compreendê-los como
registros de relações coletivas, que descrevem o modo de viver, as visões
de mundo, as dimensões materiais e simbólicas de determinadas conjun­
turas. Sendo assim, os conteúdos devem ser explicados e compreendidos
enquanto visões construídas da realidade.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais recomendam questionar
os textos e conversar com eles: em que contexto histórico o texto foi
produzido? Quem fala, como fala e para quem fala? Outros sujeitos
e outros contextos poderiam ter sido escolhidos? Como o tempo está
organizado, por quem, pra quem? Quais são os argumentos escolhidos
pelo autor ou autora? Como se organiza o seu ponto de vista? Existem
outras pessoas que defendem as mesmas ideias? Existem pessoas que 85
pensam de outras formas? O que você pensa sobre o que o autor de­
fende? Ao trabalhar com a história da comunidade, pode-se conferir os
dados coletados verificá-los com os textos históricos e indagar por que
determinados fatos acontecem.
Os PCN também indicam que uma sala de aula com carteiras fixas
dificulta o trabalho em grupo, o diálogo e a cooperação; que armários
trancados não ajudam a desenvolver a autonomia de alunos e alunas,
como também não favorecem o aprendizado da preservação do bem
coletivo. A disposição do espaço reflete o entendimento metodológico
adotado pela escola e pelos profissionais que nela trabalham. Em um
espaço que expresse o trabalho proposto nos Parâmetros Curriculares
Nacionais é preciso que as carteiras sejam móveis, que as crianças te­
nham acesso aos materiais de uso frequente, as paredes sejam utilizadas
para exposição de trabalhos individuais ou coletivos, desenhos, murais
etc. Nessa organização, é preciso considerar a possibilidade de alunos e
alunas assumirem a responsabilidade pela decoração, ordem e limpeza
da classe. Quando o espaço é tratado dessa maneira passa a ser objeto
de aprendizagem e respeito, o que somente ocorrerá por meio de inves­
timentos sistemáticos ao longo da escolaridade.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

Gostaríamos de observar, também, que o espaço de aprendizagem


não se restringe à escola, sendo indispensável propor atividades que
aconteçam fora dela. O programa deve contar com passeios, viagens,
teatros, cinemas, visitas a fábricas, marcenarias, padarias, enfim, com as
possibilidades existentes em cada local e as necessidades de realização
do trabalho escolar.
Devemos aproveitar os espaços externos para desempenhar ativi­
dades cotidianas, como ler, contar histórias, fazer desenho de observa­
ção, buscar materiais para coleções etc. Devido à pouca infra-estrutura
de algumas escolas, é necessário contar com espaços alternativos para
desenvolver atividades específicas de teatro, laboratório, artes, música,
esportes etc. A utilização e a organização do espaço e do tempo refle­
tem no nosso entendimento pedagógico e interferem inteiramente na
construção da autonomia.
A decorrência mais expressiva dessas proposições é aspirar ao con­
texto da sala de aula enquanto interação entre professores(as), alunos(as)
e o conhecimento, oportunizando o desenvolvimento de aprendizagens
significativas de indivíduos que vão se construindo nesse processo.
86

Planejamento e avaliação do currículo no


Ensino Fundamental
O ato de avaliar é uma constante na vida do ser humano, pois de
forma consciente ou inconsciente estamos sempre nos avaliando e quei­
ramos ou não, somos avaliados pelos outros a partir de nossas atitudes.
A avaliação é um processo de descrever, conseguir e fornecer dados úteis
para um procedimento de tomada de decisão. No campo da educação
escolar, a prática avaliativa só tem sentido se estiver a serviço da apren­
dizagem de alunos e alunas.
Existe um considerável número de textos que acentuam os aspec­
tos políticos e histórico-sociais da avaliação, levando-se em conta que
os aspectos políticos da educação têm a ver com o exercício da cidada­
nia. Esses textos propõem uma estratégia de formação de sujeitos so­
ciais, dotados de competências para se autodefinirem, para construírem
o seu destino histórico, de tal modo que logrem conceber e determinar
sua emancipação política e econômica, bem como o seu projeto de
desenvolvimento como povo.

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Capítulo 7

Demo (1995), após afirmar que a quantidade e a qualidade com­


põem aspectos complementares e indissociáveis da educação, na tenta­
tiva de definir conceitos e critérios de avaliação da qualidade, distingue a
qualidade formal (ligada ao domínio tecnológico) da qualidade política
(voltada para a cidadania), entendendo que uma não pode ser entendi­
da sem a outra, tampouco pode ser substituída pela outra. Referindo‑se
a conhecimentos históricos, a qualidade política é de teor prático e
decisivamente ideológico e, desse modo, de organização metodológica
distinta daquela que a ciência clássica abrange, habitualmente, em seus
cânones. Ela toca a face social dos valores e compromissos, da consciên-
cia social crítica que é capaz de revelar sujeitos autônomos, que não
são facilmente manipulados e que estão aptos a fazerem opções sobre
o uso alternativo das instrumentações tecnológicas. O autor julga ne­
cessário recolocar a pesquisa como princípio educativo, que inicia com
a tomada de consciência crítica e a capacidade de dizer não. Demo
(1995) caracteriza, ainda, o compromisso educativo da avaliação esco­
lar e a define como um processo permanente de acompanhamento do
ensino-aprendizagem.
87
Saul (1992) propõe como paradigma alternativo a avaliação
emancipatória, que se realiza a partir de três eixos: avaliação demo­
crática, crítica institucional, construção coletiva. Sugere, ainda, uma
categorização política dos estudos avaliativos, propondo a construção
de uma avaliação democrática, cujos elementos constitutivos são sigi­
lo, negociação e acessibilidade, que toca o direito das pessoas à infor­
mação e à utilização dos resultados da avaliação para aperfeiçoar ou
redirecionar as próprias atividades. A crítica institucional e a criação
coletiva realizam-se por meio de três momentos: expressão e descrição
da realidade, isto é, elaboração de um diagnóstico institucional e des­
crição dos dados obtidos; crítica do material expressa pela análise do
projeto pedagógico da escola; criação coletiva, isto é, esboço das novas
ações do grupo de trabalho. Essa abordagem abarca a pesquisa parti­
cipante, a qual implica o compromisso do pesquisador(a) com a causa
em questão, contribuindo para uma ruptura metodológica profunda.
O novo paradigma permitiria ao avaliador assumir o papel de coor­
denador dos trabalhos de avaliação e/ou de orientador dessas ações,
favorecendo o diálogo, a discussão, a busca e a análise crítica sobre o
funcionamento de um programa.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

André (1990) recomenda que se implante nas escolas uma sistemá­


tica de trabalho mais socializadora, com espaços coletivos de reflexão,
em que professores(as) e orientadores(as) possam analisar conjuntamen­
te o fazer pedagógico, espaços que sejam utilizados para acompanha­
mento, avaliação e reelaboração do processo de ensino-aprendizagem
visando ao seu aperfeiçoamento. Só assim as práticas se tornarão mais
democráticas. Nesse sentido, uma avaliação mais democrática implica
trabalhar nos campos da didática, das relações interpessoais da organi­
zação pedagógica da escola de forma integrada.
Os PCN orientam os professores e as professoras a realizarem a
avaliação por meio de:
●● observação sistemática – consiste no acompanhamento do
processo de aprendizagem dos alunos, utilizando alguns ins­
trumentos, como registro em tabelas, listas de controle, diário
de classe e outros;
●● análise das produções dos alunos – considera a variedade de
produções realizadas pelos alunos, para que se possa ter um
88 quadro real das aprendizagens conquistadas. Por exemplo: se
a avaliação se dá sobre a competência dos alunos na produção
de textos, deve-se considerar a totalidade dessa produção, que
envolve desde os primeiros registros escritos no caderno, até
os registros das atividades de outras áreas, além das atividades
realizadas para o aprendizado escolhido e o texto produzido
pelos alunos para fins específicos dessa avaliação;
●● atividades específicas para a avaliação – os alunos devem ter
objetividade ao expor sobre um tema e ao responder um ques­
tionário. Para isso é importante, em primeiro lugar, garantir
que sejam semelhantes às situações de aprendizagem comu­
mente estruturadas em sala de aula, isto é, que não se dife­
renciam, em sua estrutura, das atividades que já foram reali­
zadas; em segundo lugar, deixar claro para os alunos o que se
pretende avaliar, pois, inevitavelmente, os alunos estarão mais
atentos a esses aspectos.
Os conhecimentos disciplinares e curriculares devem ser domi­
nados e mediados por professores e professoras, visando a propiciar
uma aprendizagem mais segura para alunos e alunas. Muitos profis­

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Capítulo 7

sionais, além de não compartilharem da discussão, elaboração e es­


colha desses conteúdos, são incapazes de reelaborá-los conforme as
suas próprias necessidades e as de seus alunos e alunas, tornando a
prática pedagógica acrítica, ahistórica e estática, carente de significa­
dos para educandos e educadores, representando, assim, o que Paulo
Freire denominou de “educação bancária”, que só reproduz um saber
cristalizado. Sua elaboração é vista como um retalho de conteúdos
considerados próprios a cada ciclo ou série, especialmente por meio
do livro didático, que traz ao professor o melhor modo de repassá-lo,
valorizando a memorização e a soma de conhecimentos. Outros fato­
res a considerar são as diferenças de gênero, étnicas, culturais, sociais
e cognitivas, de modo a possibilitar a construção da identidade de
cada aluno e aluna para a efetivação de sua autonomia. Essas diferen­
ças que determinam a individualidade e a identidade necessitam ser
consideradas e trabalhadas no currículo.

Extensão do Ensino Fundamental no contexto


nacional 89

O Brasil aprovou recentemente a Lei Federal n. 11.274, de 6 de fevereiro


de 2006, que instituiu o Ensino Fundamental de nove anos para todos os
sistemas, alterando artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDBEN). A matrícula nesse nível de ensino passa a incluir a criança
de 6 anos de idade e foi definido um período de transição de quatro anos,
até 2010, quando todas as escolas públicas e privadas deverão se adequar
à legislação. Meses antes, em maio de 2005, o mesmo Congresso Nacional
havia aprovado a Lei n. 11.114, que instituía a obrigatoriedade escolar para
crianças de 6 anos de idade, sem, no entanto, alterar a duração do Ensino
Fundamental, mantendo-a, no mínimo, de oito anos.
Essa medida concretiza uma das propostas educacionais do governo
Lula, que desde 2003 estabeleceu a ampliação da obrigatoriedade esco-
lar para a criança de 6 anos como uma de suas metas (Programa “Toda
Criança Aprendendo”, 2003). Nesse intuito, o Ministério da Educação
promoveu, ao longo de 2004, uma série de encontros regionais sobre o
assunto, culminando em um encontro nacional, além de divulgar orien-
tações quanto à organização das escolas e às propostas pedagógicas
(MEC, 2004 e 2006).

Currículos e Programas
Currículos e Programas

No âmbito do Conselho Nacional de Educação (CNE), o debate sobre o tema


foi retomado em março de 2004, sendo o ponto de partida a aprovação
da Indicação CNE/CEB n. 1/2004, resultando na aprovação dos Parece-
res CNE/CEB n. 6/2005 e n. 18/2005, bem como da Resolução CNE/CEB
n. 3/2005, respectivamente em junho, setembro e agosto do ano passado.
O primeiro parecer reexamina, por solicitação do MEC, o Parecer CNE/CEB
n. 24/2004 e estabelece normas para a ampliação do Ensino Fundamental
de nove anos a partir dos 6 anos de idade. O segundo parecer tratou das
orientações para a matrícula das crianças de 6 anos no Ensino Fundamen-
tal obrigatório, em atendimento à Lei n. 11.114/2005. A Resolução redefi-
niu as faixas etárias para a Educação Infantil, crianças até 5 anos, e para o
Ensino Fundamental, crianças de 6 a 14 anos.
É importante destacar que nos últimos dez anos, mesmo antes da promul-
gação da LDBEN/1996, a discussão de propostas de ingresso de crianças
de 6 anos no ensino obrigatório tem ganhado cada vez mais evidência. Tal
questão levou o CNE a se pronunciar no Parecer CEB n. 20/1998, que res-
pondia a consulta feita pela INEP sobre a duração do Ensino Fundamental.
90 Ao se posicionar favoravelmente à possibilidade de acolher matrículas de
crianças de 6 anos no Ensino Fundamental com duração de nove anos, o
Parecer ressalvava que essa medida não deveria resultar em uma “dispo-
nibilidade média de recursos por aluno da educação básica, na respectiva
rede, abaixo da atualmente praticada, de modo a preservar ou mesmo au-
mentar a qualidade do ensino” e que “nas redes municipais a oferta e a
qualidade da Educação Infantil não sejam sacrificadas, preservando-se a
identidade pedagógica”.
Fonte: SANTOS, Lucíola Licínio de Castro Paixão; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Agora seu filho
entra mais cedo na escola: a criança de seis anos no Ensino Fundamental de nove anos em
Minas Gerais. Educ. Soc., Campinas, v. 27, n. 96. Especial, p. 775-796, out. 2006.

Para saber mais sobre o Ensino Fundamental com duração de 9 anos, você
pode pesquisar os seguintes documentos:
BRASIL. Lei n. 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23
dez. 1996.

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Capítulo 7

BRASIL. Lei n. 9.424, 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o fundo de


manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério, na forma prevista no Art. 60, § 7º, do ato das disposições
constitucionais transitórias, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, 26 dez. 1996.

______. Lei n. 10.172, 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional


de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
10 jan. 2001. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>.

______. Lei n. 11.114, 16 de maio de 2005. Altera os Arts. 6, 30, 32 e


87 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar
obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade.
Diário Oficial da União, Brasília, 17 maio 2005. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br>.

______. Lei n. 11.274, 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos Arts.


29, 30, 32 e 87 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece 91
as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9
(nove) anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir
dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, 7 fev. 2006.
Disponível em: <http://www.senado.gov.br>.

______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB n. 020/1998. Con-


sulta relativa ao ensino fundamental de nove anos. Disponível em: <http://
www.mec.gov.br>.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Pare-


cer CNE/CEBn. 18/2005. Orientações para a matrícula das crianças de 6
(seis) anos de idade no Ensino Fundamental obrigatório, em atendimento
à Lei n. 11.114, de 16 de maio de 2005, que altera os Arts. 6, 32 e 87 da Lei
n. 9.394/1996. Disponível em: <http://www.mec.gov.br>.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolu-


ção CNE/CEB n. 3/2005. Define normas nacionais para ampliação do
Ensino Fundamental para 9 anos de duração. Disponível em: <http://www.
mec.gov.br>.

Currículos e Programas
Currículos e Programas

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Fundamental de nove anos. Orientações gerais. Brasília, 2004.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino
Fundamental de nove anos. Orientações para inclusão da criança
de 6 anos de idade. Brasília, 2006.

ResumoResumo
Resumo ResumoResumo
ResumoResumo
Resumo
Neste capítulo, pudemos perceber que o trabalho com projetos e
temas geradores permitem que a sala de aula fique ligada à comunidade,
à sociedade, ao mundo e à cultura. A concretização dessas possibilidades
facilita as abordagens dos assuntos de forma mais abrangente. As ativi­
92 dades desenvolvidas por alunos e alunas e mediadas pelo professor ou
professora são priorizadas, no entendimento de que suas observações e
problematizações são fundamentais na construção da sua autonomia.

FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


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FAEL – Faculdade Educacional da Lapa


Currículos e

Programas
A questão central da discussão sobre Currículo perpassa o
processo de organização e seleção dos conteúdos trabalha-
dos nas escolas. Ao debater as escolhas feitas pelos pro-
fessores e professoras, não se discute apenas as opções,
mas as concepções acerca de uma determinada sociedade
e de como perceber seu desenvolvimento. Assim, é possível
compreender que os conteúdos não são sempre os mesmos
e que, historicamente, eles são transformados mediante a
realidade em que se está vivendo. A EaD pode desenhar em
seus cursos uma nova organização curricular, em que pode-
remos esboçar uma arquitetura curricular que rompa com a
disciplinarização dos saberes e suas relações de poder, para
comprometer-se com a transversalidade entre os conheci-
mentos que compõem o currículo.

ISBN 978-85-64224-02-5

9 788564 224025

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