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A vegetação é constituída pela caatinga, a mais xe- Quando da chegada dos europeus à América Tropi-
rófila, apresentando-se geralmente com fisionomia de cal, o território era dominado pelos índios Cariris, povos
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Os dados arqueológicos sobre o Cariri paraibano baseiam-se nos
trabalhos de Almeida (1978); Cabral (1997); Martin (1999) e Rietveld
(1999).
Durante as décadas de 1970 e 1980, enquanto min- Segundo pudemos verificar na pesquisa que ora
guava o cultivo do algodão, o empreendimento patronal relatamos5, a criação dos assentamentos da reforma agrá-
mantinha-se economicamente viável em função, funda-
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mentalmente, dos “financiamentos a fundo perdido” da A pesquisa foi coordenada pelos autores e realizada por uma equipe
composta por oito alunos do Projeto UniCampo (ver nota 1) monitorados
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Su- por alunos extensionistas dos cursos de graduação e pós-graduação
dene) – como, por exemplo, a introdução da algaroba em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande
(UFCG). Em linhas gerais, a pesquisa tinha um objetivo pedagógico,
(Prosopis sp) para produção de forragem, um dos mais pois se destinava a sensibilizar os estudantes do Projeto (lideranças
desastrosos projetos produtivos desenvolvidos no semi- camponesas do Cariri paraibano) para a importância da pesquisa social
como instrumento para o equacionamento dos principais “problemas”
árido brasileiro – enquanto os camponeses pobres que dos assentamentos da Reforma Agrária na região. Desenvolvida entre
insistiam em permanecer na região sobreviviam à min- julho e outubro de 2004, teve como metodologia: a construção coletiva
do projeto e a visita in loco aos assentamentos selecionados (Boa
gua sob o domínio inconteste dos “coronéis” e sob a le- Vista I, Mandacaru, Serrote Agudo e Novo Mundo), onde foi desenvolvida
gislação draconiana do regime de exceção. a “observação participante” com aplicação de entrevistas semi-
vamente, nos disse que um dos fatores determinantes não puderam fazer as ligações – é importante ressaltar
para a decisão a favor da implantação das agrovilas era que todas as casas dessa agrovila permaneciam deso-
o acesso à energia elétrica e água encanada, bem como cupadas em função da falta de infra-estrutura básica.
aos serviços essenciais, como postos de saúde e esco-
las. Três entrevistados foram bem claros a respeito disso: Quanto a postos de saúde, não havia nenhum cons-
truído; no que se refere a escolas, apenas um assenta-
Eu tô achando que tinha sido melhor na parcela do que na mento dispunha de um pequeno grupo escolar, já exis-
agrovila, mas já tinha a questão da energia, da água [...]
tente antes da desapropriação. Também não havia ne-
No caso atual que é a casa em forma de conjunto, de vilas, nhum equipamento de lazer nos quatro assentamentos
assim facilita o saneamento de água, energia elétrica faci- pesquisados.
lita mais, e no caso de parcelamento, as casas dentro das
parcelas, o gasto seria maior, mas com certeza não tinha O que torna a indução pela implantação de agrovilas
esse, essa discussão toda, o pessoal morando.
mais dramática é que, tal como relatado na ata citada e nos
Eu gostei de agrovila, nuns pontos eu gostei, porque depoimentos arrolados, nenhum dos assentados entrevis-
fica melhor para se conseguir as coisas, né? Água, tados individualmente afirmou preferir as casas construí-
energia, você se comunica com alguém, com escola,
com posto médico. Por outro lado fica difícil porque vai
das no sistema de agrovila: cinco afirmaram que preferiam
ter que morar todo mundo perto um do outro, aí para sua casa construída na parcela e três apresentaram posi-
criar fica mais difícil [...] ção dúbia. Como já fica explícito nos depoimentos acima,
um dos principais problemas apontados em relação à mo-
Ora, das doze agrovilas visitadas em 2004, apenas radia na agrovila é a questão do relacionamento:
duas tinham água encanada – aliás, estrutura herdada
das antigas fazendas que foram desapropriadas – e três Eu tô achando que tinha sido melhor na parcela do
dispunham de energia elétrica, duas delas também com que na agrovila, mas já tinha a questão da energia,
da água [...]
a estrutura já instalada antes da desapropriação das ter-
ras e outra fora beneficiária do Programa “Luz para To- Você achava melhor por quê?
dos”, do governo federal. Num dos assentamentos, inclu-
sive, a adutora da Companhia Estadual de Águas e Es- Porque tinha mais condição, livrava de conversinha, o
que desgraça mais uma pessoa dentro da agrovila é a
gotos passa a 20 metros da agrovila, mas os assentados
Eu achei bom, né? Sendo a minha vivência mesmo, que eu Aí você vai dormir lá à noite?
convivo com todo mundo. Pra mim, tá bom demais aí. Se
fosse mais longinha uma da outra era melhor, né? Mas não É, se precisar e se tiver chovendo, lá mesmo fica, né? [...]
quiseram fazer, né? Quiseram fazer tudo pertinho.
Agrovila não foi muito apoiada pelo grupo, ela veio, tudo
Por que a Sra. acha melhor se fosse um pouco mais longe? bem, aqui está e nela nós estamos, mas as dificuldades
ficaram muito grandes pra quem tem o seu trabalho
Porque a gente colocava meio distante uma da outra. Nem mais distante de casa. Se tivesse havido uma concor-
a gente aperreia muito os vizinhos, nem os vizinhos aperrei- dância que essa moradia tivesse se expandido individu-
am a gente. al em cada lugar de cada um, eu acho que tinha sido
melhor de que agrovila [...]
Mas não são apenas os dilemas do relacionamento
interpessoal num espaço restrito, ou “apertado”, como Portanto, parece evidente que o modelo da moradia
dizem alguns informantes, que trazem transtornos à vida em agrovilas traz grandes inconvenientes para os campo-
social nos assentamentos organizados em agrovilas. Além neses do Cariri paraibano, seja em função de transtornos
da “picuinha”, da “fofoca”, do “aperreio” e da “conversi- para a sociabilidade, seja em função de questões produti-
nha” provocados pela falta de privacidade, a própria or- vas, seja em função mesmo de questões culturais. Obvia-
ganização produtiva é afetada, seja em função dessa pró- mente, esses “conjuntos habitacionais”, como um dos nos-
pria causa, seja em razão da distância da “morada” em sos informantes classificou a agrovila, são altamente in-
relação ao “trabalho”: compatíveis com um modo de vida baseado na autonomia
e cuja rusticidade, evidentemente privativa no cotidiano,
Não dá certo porque o pessoal sempre cria alguma se vê ameaçada pelo contato “obrigatório” com um vizinho
coisa, entendeu, e pronto, o bicho ali tá solto, aí vai
cuja casa está a menos de 5 metros de distância. Como
entra na casa de fulano a comeu o milho de fulano, aí
vem àquela confusão, aí se torna aquela rixa um vizinho disse uma das alunas da UniCampo quando debatíamos
com outro. Acho que é por isso que o pessoal tá assim essa questão, “Quando eu estou no sítio trabalhando, pos-
meio [...] Até pra reunião não vem. so andar esfarrapada, não tem problema, mas na agrovila
- Se você acha que esse modelo de lote seria melhor,
tenho que botar uma roupinha melhor”. Um depoimento
porque a maioria votou pra ser agrovila? sintetiza muito bem este estado de coisas:
Não, eu acho que não foi votado isto aí, foi uma decisão É, a agrovila, ela foi aprovada por a maioria porque você
mesmo do Incra né, fazer estas casas assim, né?. sabe que tem muitas pessoas que dá uma resposta até
sem pensar, e quando as respostas são dadas por mai-
No momento da implantação, gostou do modelo de im- oria, aí mantém a força de quem está querendo levar pra
plantar a agrovila? o lugar mais certo, né? Você sabe, a maioria em todo
lugar domina, ou certo ou errado, a maioria domina, por
Gostei, só que eu pretendia de outro jeito, era lá no lote. isso que hoje está a agrovila e hoje está também, o
sacrifício do povo, se deslocar da morada. Fica a mora-
Queria assentar a casa lá no lote? da muitas vezes até fechada, porque o trabalho é dis-
tante e lá no trabalho também hoje sem condição de
É, porque é longe pra se trabalhar, é mais separado pra preparar uma minimoradia pra pôr os animais pequenos,
criar os bichos, uma galinha, né? É mais fácil [...] os objetos. Quem trabalha sempre tem objeto no cam-
po, foi o que eu achei difícil na agrovila, por isso teve
Então, vocês queriam no lote, né? saneamento de energia, saneamento de água, teve muita
coisa a favor, mais se tivesse conseguido tudo isso pelo
É, porque é o local de trabalhar mesmo. menos não fosse água, energia ou mesmo sem energia,
se ela fosse expandida pelo setor de cada um eu achava
É longe daqui? que tinha sido mais vantagem.
É bem longe, eu saio às 4 horas da madrugada e só Um conjunto semelhante de razões contrárias à “op-
venho à noite, quando findar tudo. ção” pelas agrovilas foi levantado por Leite et al. (2004, p.
BRASIL. Instrução Normativa n° 15, de 30 de março JOFFILY, I. Notas sobre a Paraíba. Brasília, DF:
de 2004. Diário Oficial [da] República Federativa Thesaurus Editora, 1977. Fac-símile da primeira edição
do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 abr. 2004. publicada no Rio de Janeiro, em 1892.
Seção 1, p. 148.
LEITE, S. et al. Impactos dos assentamentos: um
CABRAL, E. M. (Org.). Os Cariris Velhos da Paraíba. estudo sobre o meio rural brasileiro. Brasília, DF:
João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 1997. NEAD, 2004.