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“Como Sócrates, o imigrante é atopos, sem lugar, deslocado,

inclassificável. Aproximação essa que não está aqui para enobrecer,


pela virtude da referência. Nem cidadão nem estrangeiro, nem
totalmente do lado do Mesmo, nem totalmente do lado do Outro, o
"imigrante" situa-se nesse lugar "bastardo" de que Platão também fala,
a fronteira entre o ser e o não-ser social. Deslocado, no sentido de
incongruente de inoportuno, ele suscita o embaraço; e a dificuldade que
se experimenta em pensá-Io - até na ciência, que muitas vezes adota,
sem sabê-lo, os pressupostos ou as omissões da visão oficial - apenas
reproduz o embaraço que sua inexistência incômoda cria. Incômodo em
todo lugar, e doravante tanto em sua sociedade de origem quanto em
sua sociedade receptora, ele obriga a repensar completamente a questão
dos fundamentos legítimos da cidadania e da relação entre o Estado e a
Nação ou a nacionalidade.” (Pierre Bourdieu)

Cidadania

Na história da humanidade, uma das suas preocupações mais antigas, concentra-


se junto ao tema da cidadania. Sua longa evolução é marcada tanto por avanços e
conquistas como por dificuldades e recuos. A concepção de cidadania toma as feições dos
diferentes contextos culturais. O entendimento de cidadania como direito a ter direitos
tem servido a diversas interpretações.
De acordo com T.H. Marshal, a cidadania é composta por três elementos: civil,
relativa aos direitos necessários à liberdade individual; política, referente ao direito de
participar no exercício do poder político; e a parte social: “tudo o que vai desde o direito
a um mínimo de bem-estar econômico segurança, ao direito de participar, por completo,
da herança social”.1 Conforme adverte Walter Costa Porto, essa divisão é ditada mais pela
história do que pela lógica, e o período de formação de cada um dos elementos é atribuído
a um século diferente, os direitos civis, ao século XVIII, os políticos. Ao XIX, e os
sociais, ao século XX.2
Nessa linha de pensamento, seria a cidadania composta dos direito civis,
conquistados no século XVIII, que correspondem ao direito de liberdade, igualdade,
propriedade, de ir e vir, à vida, etc. Estes direitos emergem como sustentáculo da
concepção liberal clássica. Os direitos políticos, alcançados no século XIX, se referem à
liberdade de reunião, associação, organização sindical, organização e participação

1 MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. p.
63/64.
2 PORTO, Walter Costa. Cidadania e classe social. Brasília: Senado Federal, 2002, p. 7.
política (e eleitoral), sufrágio universal, etc. Tais direitos incorporam-se à tradição liberal
e passam a ser chamados de direitos individuais exercidos coletivamente.

A partir das lutas do movimento operário e sindical do século XX, foram


conquistados os direitos sociais, econômicos ou de crédito, tais como, o direito ao
trabalho, saúde, educação, aposentadoria e seguro-desemprego. Em suma, a garantia de
acesso aos meios de vida e bem-estar social.

Aspectos da Cidadania-Um olhar sobre a história

A cidadania é notoriamente um termo associado à vida em sociedade. Os


primeiros que se preocuparam em entender cidadania, se inspiraram em algumas
realidades greco-romanas, ligada ao desenvolvimento das póleis gregas, entre os séculos
VIII e VII aC. Na Grécia antiga, a noção de cidadania estava ligada à comunidade de
cidadãos e ao corpo de leis que os regiam. O seu significado clássico associava-se à
participação política. O adjetivo ‘político’ nos remete a ideia da polis (Cidade-Estado
antiga). Nessa linha de pensamento poderíamos concluir que foi justamente sobre esse
tipo de organização urbana que se assentaram as bases do conceito tradicional de
cidadania e de uma considerável parte de seu significado atual.
Para Guarinello, no entanto, isso é idealizado e fictício. Não existe nada que se
compare a cidadania como a entendemos hoje.3 Nos velhos tempos, os três direitos que
perpassam a concepção de cidadania se confundiam, as instituições estavam fundidas. A
história das cidades-estados, geograficamente delimitadas em uma região específica – as
margens do mar Mediterrâneo, é restrita e não é parte essencial da história moderna4.
Na realidade grega era o regime aristocrático que imperava. Com esse modo de
fazer política, a cidadania confundia-se com o conceito de naturalidade. Assim
considerava-se cidadão aquele nascido em terras gregas, o qual poderia usufruir todos os
direitos políticos. Os estrangeiros, proibidos de ocuparem-se da política, dedicavam-se às
atividades mercantis.

3 GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-Estados na Antiguidade Clássica. In: PINSKY, Jaime &
PINSKY, Carla Passaneze. (org.) História da Cidadania, São Paulo: Ed Contexto, 2003. p.29.
4 PORTO, Walter Costa, em sentido diverso ao apresentado por Guarinello, na apresentação do

livro Leituras sobre a cidadania, nos fala: “naquele Império em que, como já se disse, a história
dos povos antigos confluiu, como num grande estuário, ponto de partida para toda a história
moderna”. A Cidadania na Grécia e em Roma. Volume II, Brasília: Senado Federal, 2002, p.
7.
Formadas por proprietários de terras, já que foi o desenvolvimento da
propriedade privada da terra que deu origem às cidades-estados. Nos primórdios,
cidadania se confundia com laços de sangue, passados de geração a geração. Com o passar
do tempo, operou-se uma redistribuição do poder político. Aceitou-se o ingresso de
estrangeiros na categoria de cidadão, abolindo-se a escravidão por dividas. Mais do que
indicar uma reformulação na concepção de cidadania, essa ideia revelava os reflexos de
transformação estruturais. Além da ampliação do quadro de cidadãos, as polis gregas
presenciaram o deslocamento do controle político jurídico. Nesse contexto, a aristocracia
cedeu espaço a favor das Assembleias e dos conselhos com participação popular. No
entanto, havia ainda critérios de distinção social, por meios dos quais se limitava o acesso
às Magistraturas mais altas, polarizando o poder político. Apesar dessas mudanças,
fatores de ordem social e política continuavam associando o termo cidadania ao exercício
da participação política.5
Mais isso não é tudo, as comunidades formavam-se de maneiras distintas e,
segundo Guarinello, “é difícil encontrar um princípio universal”.6 Muitas comunidades
estavam abertas para estrangeiros e eram compostas por colonos vindos de várias cidades-
estados.7 A participação política era direta e exercida por um corpo de cidadãos, mais ou
menos amplo, que representavam a si mesmos.8 Porém essa ‘democracia’ trazia consigo
uma cidadania tímida principalmente no que se refere ao efetivo das decisões. Muitos
cidadãos eram diferenciados (não-cidadãos: mulheres, escravos e os estrangeiros),
cercados por restrições econômicas e valores ligados à família, permaneciam alienados e
tolhidos na expansão de atos políticos9. Com a expansão do Império Romano, tornou-se

5 CARDOSO, Ciro Flamarion. A Cidade Estado Antiga. São Paulo: Ática, 1985, p. 29.
6 Guarinello, op. cit., p. 34.
7 “No norte da África, na Sicília, nas costas da Itália, surgiram cidades cujos habitantes provinham

de origens diversas, fundindo-se em comunidades sem unidade étnica. Mesmo na Grécia


continental clássica há casos de integração de comunidades inteiras ao corpo “originário” de
cidadãos. Em todas as épocas, a cidadania podia ser conferida individualmente, como
homenagem a um personagem importante ou retribuição a um favor prestado à coletividade.
No processo de constituição das identidades particulares, observa-se a tendência geral ao
fechamento do acesso à comunidade. O grau efetivo de permeabilidade sempre foi variado e
dependeu das situações locais, no entanto, Atenas, por exemplo, fechou-se quase
completamente no século V a C., época em que só admitia no corpo de cidadãos apenas os
filhos de pai e mãe atenienses. Já Roma, durante toda a sua história, permaneceu mais
aberta, tanto externamente – unindo cidades submetidas na Itália a um amplo sistema de
alianças e depois à plena cidadania, em 89 a C. – quanto internamente, integrando ao corpo
de cidadãos os escravos libertos por seus senhores”. Cardoso, op. cit., p. 35.
8 “Nunca se desenvolveu a noção de representação, nem partidos políticos doutrinários, nem uma clara divisão de poderes constitucionais ou
qualquer noção abstrata de soberania: esta podia residir na assembléia, ou num conselho mais restrito, ou mesmo na lei em geral, dependendo
das circunstâncias específicas e do jogo de interesses e forças em conflito”. Cardoso, op. cit., p. 41
9 ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 37-47.
inviável a manutenção das estruturas políticas existente. O crescimento e o
enriquecimento geraram tensões imensas dentro da comunidade romana. 10
Em Roma, a situação não era diferente. Sociedade escravagista, baseada nas
“gens” (famílias), era dominada pelos patrícios, os quais detinham a cidadania e os
direitos políticos. A cidadania significava, portanto, algo diferente do que a garantia de
plenos direitos. À plebe, constituída de romanos não nobres e de estrangeiros, não cabia
qualquer tipo de direito. Este quadro foi alterando-se aos poucos. Como nos narra
Guarinello, quando o exército romano tornou-se uma força mercenária e a cidadania
romana foi estendida a todos os cidadãos da Itália, sem que perdessem a cidadania de seus
locais de origem, a República romana passa a viver em guerra civil permanente. 11 Não
conseguindo mais administrar as pressões e interesses conflitantes, sucumbiu dando lugar
à constituição do Principado, com a vitória do general Augusto, nas décadas finais do
século I antes de Cristo.12
Os ensinamentos de Guarinello nos orientam com a afirmação de que só
podemos entender a história da cidadania antiga como “um longo processo histórico, cujo
desenlace é o Império Romano”.13 Com o passar do tempo, a cidadania deixa de ser
pertencimento a uma comunidade agrícola, para se transformar “fonte de reivindicações
e conflitos”,14 no momento que os interesses dentro das comunidades colidissem.15
Pensar a cidadania no mundo greco-romano se restringe à avaliação do direito
de propriedade e o poder de voto, com alguns fragmentos de proteção social (o princípio
do pater família considerado por alguns autores como célula embrionária do sistema
previdenciário e assistencial, bem como a existência em Roma de associação que
sobrevivia da contribuição de seus membros e que tinha como objetivo a prestação de

10 Segundo Guarinello, “um dos pontos centrais do conflito girou em torno da distribuição das terras conquistadas na Itália. As riquezas trazidas com
a expansão não beneficiaram por igual os cidadãos de Roma”. Guarinello, op. cit., p. 43
11 “Tratou-se de um processo crucial: a cidadania deixou de representar a comunidade dos habitantes de um território circunscrito, para englobar
os senhores de um império, fossem ricos ou pobres, habitassem em Roma, na Itália, ou nos territórios conquistados”. GUARINELLO, ibidem,
p. 43
12 “O Principado inaugurou uma nova era, na qual a cidadania mudou mais uma vez, de caráter. Com o desaparecimento da participação política,
o especo público restringiu-se. Os novos pólos do poder passaram a ser o imperador, símbolo da unidade do Império, e o exército, esteio de
sua dominação. Ser cidadão romano permaneceu ainda como um privilégio, mas as formas de obter tal distinção se diversificaram: podia ser
por hereditariedade, alforria ou concessão, individual ou coletiva, aos súditos do imperador. Ao mesmo tempo em que permanecia como fonte
de privilégios, a cidadania legava-se a vínculos pessoais e não mais públicos como os que uniam ex-senhores e seus libertos ou o próprio
imperador e seus súditos. Público e privado passaram a confundir-se no seio da própria definição de cidadão”. GUARINELLO, ibidem, p.
44
13 Guarinello,
op. cit., p. 45
14 ibidem, p. 45
15 “Para nós resta uma imagem que nos diz respeito: a cidadania implica sentimento comunitário, processos de inclusão de uma população, um
conjunto de direitos civis, políticos e econômicos(...).Todo o cidadão é membro de uma comunidade, como quer que esta se organize, e esse
pertencimento, que é fonte de obrigações, permite-lhe também reivindicar direitos, buscar alterar as relações no interior da comunidade, tentar
redefinir seus princípios, sua identidade simbólica, redistribuir os bens comunitários”. Ibidem, p. 46
ajuda aos membros mais necessitados)16. Mesmo assim seus movimentos eram
incipientes se comparados com hoje em dia.
A Grécia era mais fechada a participação, apesar de todo o cenário dos grandes
debates em praça pública que habitam nosso imaginário17. Em Roma, a maior
contribuição à cidadania se dava no sufrágio, onde a participação era mais abrangente.
Do processo eletivo participavam também os pobres e os libertos, com o preceito do voto
por grupo.18 Nesse universo a cidadania era um privilégio, pois trazia consigo “facilidades
legais e fiscais importantes”.19 O resultado desse arcabouço institucional era de uma
estrutura aristocrática, disfarçada em República, na qual vigoravam os interesses do grupo
de patrícios, em detrimento de outras camadas politicamente irrelevantes. Entre estas
foram crescendo as manifestações de descontentamento dos grupos enriquecidos com o
comércio. Assim, podemos concluir que a essência política da concepção de cidadania na
realidade greco-romana revestia-se de uma discrepância entre Democracia real e ideal. A
igualdade de direitos políticos, de fato, não era praticada.
Eduardo Hoornaert, no seu artigo “As Comunidades Cristãs dos Primeiros
Séculos”20, faz uma análise da importância do cristianismo para a concepção de
cidadania, afirmando, que não foi exatamente sua ligação com o Império Romano, mas
sim as ações da Igreja Católica no campo social e humanitário, fazendo, no início de sua
trajetória, uma opção pelos pobres, estrangeiros, enfim, os excluídos, assim considerada
as especificidades da época, que consolidou o apoio popular em curto espaço de tempo.21

16 COIMBRA, Feijó. Direito previdenciário brasileiro. Rio de Janeiro: Trabalhistas, 1991. p. 18.
17 Para Croizet, a “Constituição Ateniense é democrática até ao extremo, até ao paradoxo: em duas palavras, o povo exerce diretamente a soberania,
e os magistrados são, as mais das vezes, designados pelo sorteio. Por outro lado, comporta restrições à igualdade, mais teóricas do que
práticas, é certo, porém curiosas”. CROIZET, apud in FIGUEIREDO, Jesuíno Amazonas. A. Cidadania na Grécia
e em Roma In: Leituras sobre a Cidadania. Vol.
II. Brasília, Senado Federal, 2002, p.9.
18 FUNARI, Pedro Paulo: Cidadania entre os romanos. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Passaneze. (org.)

História da Cidadania., São Paulo: Ed Contexto, 2003. Op cit., p.63.


19 Nas palavras de Funari: A concessão de cidadania, em seus aspectos jurídicos e políticos, significava uma mobilidade social importante. Plínio,
o jovem, conta, em carta enviada ao imperador Trajano, o caso de um médico chamado Harpocras: “Fui aconselhado por pessoas mais
experientes do que eu que , já que ele é um egípcio, deveria, ter primeiro obtido para ele a cidadania de Alexandria, e apenas depois, a romana.
Não sabia que havia diferença entre egípcios e outros não romanos, contentei-me em escrever para você informando, somente, que era um
liberto de uma mulher estrangeira (sem cidadania romana) e que seu patrão havia morrido pouco antes”. Ibidem,
p. 66
20 HOORNAERT, Eduardo.
As Comunidades Cristãs dos Primeiros Séculos. In: PINSKY, Jaime &
PINSKY, Carla Passaneze. (org.) História da Cidadania. São Paulo: Ed Contexto, 2003. op. cit., p. 82.
21 Segundo Hoornaert, “Compreende-se que o cristianismo, com um rol tão impressionante de serviços no campo social e humanitário, tenha
recebido em relativamente pouco tempo um sólido apoio popular por onde se espalha. Esse apoio se traduz, posteriormente, em avanços
jurídicos, poder político e prestígio cultural. (...)é um engano pensar que o invejável status de respeito na sociedade romana que os historiadores
atribuem ao cristianismo do século II se deva a um movimento organizado de evangelização, liderado por bispos, sacerdotes ou diáconos”.

IbIdem, p. 94
Com o passar da história, a Igreja Católica, transforma esse apoio, em poder político22,
avanços jurídicos23, e prestígio cultural24.
No Renascimento, período segundo Carlos Zeron25 , compreendido entre os
séculos XIV e XVI, para entender a cidadania, temos de partir de uma compreensão ampla
do termo, por um lado, “concebendo-o nas suas dimensões sociais, políticas e culturais”
e, por outro lado, “considerar igualmente a concepção clássica de cidadania,26 baseada no
Direito Romano, que partia do pressuposto que “direito era algo como um patrimônio que
se possuía”.27 Assim, com essa compreensão do direito, constituiu-se com fontes dos
direitos do homem, as coisas, a liberdade, a cidade e a família.
Para Zeron, a ideia moderna de cidadania começou a ser esboçada no
Renascimento, fazendo uma alusão particular a Florença, no norte da Itália, pela “adoção
e manutenção de ‘formas republicanas’ de governo”, ou seja, alternância de poder em que
participavam milhares de cidadãos. Os chanceleres florentinos, em seus debates,
recuperaram “as distinções sociais romanas antigas entre os que tinham e não tinham
direitos políticos e, no elogio e defesa do governo de sua cidade, estendem o direito de
cidadania a uma parte expressiva da sua população” No entanto, segue o autor,
historiografia recente, mostra que o governo florentino foi dominado por uma elite restrita
a algumas famílias e centenas de indivíduos, operando uma seleção implacável daqueles
que tinham direitos políticos.
Na Idade Média, a unidade do ocidente, para alguns historiadores era religiosa e
cultural, não política. “O Sacro Império e o papado dão impressão de unidade durante
muito tempo, mas desde 1300 essa unidade se desfaz em diversidade política”. Porém, no
limiar do século XVI, segundo estudos de Zeron, a ideia de um império político universal,

22 Para Berman, a civilização chamada ocidental, durante muitos séculos, era identificada simplesmente como os povos da cristandade ocidental,
manifestando, entre os séculos XI e XV, lealdade comum à autoridade da Igreja de Roma. BERMAN, Harold.
La formación de la
tradición jurídica de occidente.México: Ed. Fondo de Cultura Economica,1996, p. 10.
23 Berman esclarece que a Reforma Gregoriana – “Querela da Investidura” (1075-1122), deu margem ao sistema jurídico ocidental moderno, o
“novo direito canônico” (ius novum) da Igreja Católica Romana e, com o tempos , também a novos sistemas jurídicos seculares. Idem. p. 11.
24 É de domínio público, inclusive amplamente mostrado em todas as artes, principalmente cinema, que todo o conhecimento científico/social, até
então alcançado, era monopólio da Igreja de Roma. E alguns “ungidos”.
25 ZERON, Carlos. História da Cidadania - A Cidadania em Florença e Salamanca. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla
Passaneze. (org.) História da Cidadania. São Paulo: Ed Contexto, 2003. op. cit., p. 97.
26 A noção clássica de cidadania foi, para Zeron, foi a recuperada e reivindicada pelos homens renascentistas. Ibidem, p. 97.
27 Zeron. Ibidem, p. 97-105
já era contestada.28 Ao se referir a Salamanca, o autor cita o dominicano Francisco de
Vitória29, como um dos mais veementes opositores desse império.30
A Idade Média foi, em termos sociais, econômicos e políticos, um período de
transformações e adaptações a uma nova ordem organizacional da sociedade. Assim,
durante o processo de formação do feudalismo. Num primeiro período, que se sucedeu à
queda do Império Romano (séc. V d.C.), houve uma perda no significado de cidadania,
tal como concebido e transmitido da Antiguidade. A sociedade passou a se organizar com
base nos ideais de fidelidade afastando-se da participação política. Na Idade Média as
questões políticas cederam espaço, principalmente, às questões religiosas, surgindo um
tipo peculiar de organização social (nobreza, clero e camponeses). Os Camponeses
subordinavam-se à nobreza, responsável pela redenção de todos. Nesse quadro de
dependência, não se pensava a possibilidade de consulta ao povo, nem diretamente, nem
por seus eleitos.31 Esse tipo de poder se juntou ao judiciário, fazendo distinção social e
de status, gerando uma justiça diferenciada, impedindo a julgamento entre “iguais”, pelo
menos às camadas menos favorecidas da sociedade.32
Visualizando o contexto medieval, podemos dizer que a noção de direitos
políticos e cidadania tornou-se frágil demais, se comparada às necessidades materiais e
espirituais impostas pela ruralizarão da economia e pela cristianização da sociedade. Por
outro lado, o final desse período registrou profundas alterações sociais, produto da
crescente urbanização.
Este quadro só começou a se reverter no Renascimento e com a formação dos
Estados-nação. Essa fase, conhecida como Baixa Idade Média, foi responsável por
ressurgir da idéia de um Estado centralizado e, por consequência, da noção clássica de
cidadania ligada à concessão de direitos políticos. Iniciava-se, assim, uma nova relação
entre política, economia e sociedade com o nascente capitalismo. A burguesia mercantil
se fortaleceu, e começou a almejar os mesmo direitos destinados aos estamentos
privilegiados.

28 O rei como senhor no seu reino, foi a máxima desse período. Ibidem, p. 105.
29 Um dos maiores opositores da “teoria do poder universal, tanto dos imperadores quanto dos papas, foi o dominicano Francisco de Vitória”. Fez
seus estudos e lecionou em Sorbone, França, sofrendo influências dos humanistas. Vitória, lecionou na Universidade de Salamanca (1526-
1546). “Nas suas aulas na Universidade de Salamanca, Vitória condenou as duas formas de poder universal, o imperialismo e a teocracia, a
partir da idéia do direito natural. Nem guelfo nem gibelino, ele advogou antes o direito das gentes”. Zeron, op. cit., p. 106.
30 Para Zeron, “a noção de direito natural desenvolvida pelos herdeiros quinhentistas do pensamento escolástico (a segunda escolástica) como
base de sua reflexão sobre o Estado supõe de certa forma a de individuo, pois a apropriação desse direito é indivisível na medida em que os
direitos do homem seriam anteriores a qualquer tipo de organização social e política”. Ibidem, p. 110.
31 BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1982. p. 450.
32 Ibidem, p. 405.
O Renascimento teria sido um período de transição “entre duas concepções
políticas diferentes, que convencionamos chamar medieval e moderna”. 33 Para Zeron,
mesmo não tendo sido Florença, o “berço da democracia moderna”, o foi do
mercantilismo. As únicas classes que progrediam nesse período são as ligadas “às
atividades comerciais e financeiras”.34
Numa época dominada pela religião, e pelo conflito religioso, quando negar a
crença em Deus era crime e punha em risco a vida da pessoa, Hobbes apareceu
ousadamente com uma filosofia de completo materialismo.35 A visão política
fundamental de Hobbes é que o que as populações mais temem – mais ainda que a
ditadura mais ferrenha – é o caos social, e que elas se submeterão a qualquer tirania em
preferência a isso36.
O processo de formação do Estados-nação conheceu às mudanças nos quadros
sócio-políticos e a consolidação da burguesia como classe atuante, tanto política quanto
econômica. Mesmo assim, a centralização promovida pelo absolutismo monárquico
manteve o caráter hierárquico do poder e as características da Idade Média. Esse período
foi transitório. Foi o período das revoluções sociais, das transformações políticas e
econômicas, das criações artísticas, do desenvolvimento das ciências, da disseminação do
conhecimento, da busca da liberdade de pensamento e da igualdade entre indivíduos e do
nascimento do ideal de liberdade. O aparecimento dessas novas ideias foi instigado pelo
desenvolvimento do Capitalismo e pelas reformas religiosas do século XV. Estas
plantaram novas visões sobre a espiritualidade, entre as quais a prática da redenção, a
qual valorizava o trabalho, em detrimento da caridade e da liberdade para interpretar as
escrituras.
Nessa nova realidade, a burguesia lutava para conseguir o poder. Apesar de sua
proeminência econômica e do apoio recebido do mercantilismo, essa camada não havia
se afirmado politicamente. Dessa forma, passou a contar com as formulações de um novo
grupo de intelectuais, disposto a contestar os valores e os atos do clero e da nobreza. Para

33 BLOCK, op. cit.,. p. 110.


34 “O comércio internacional, o desenvolvimento dos bancos e da indústria, toda essa eflorescência capitalista que caracteriza os séculos XV e XVI
beneficiam apenas a elas – exceção fita, talvez, à Inglaterra”. Ibidem, p. 110 .
35 Para Hobbes, segundo Magee Bryan: “O universo, que é a massa total de coisas que há, é corpóreo, isto é, um corpo; e tem
dimensões de magnitude; a saber, comprimento, largura e profundidade. Também cada parte do corpo pe igualmente corpo, e tem as mesmas
dimensões. E, por conseguinte, cada parte do universo é corpo, e o que não é corpo não é parte do universo. E, como o universo é tudo, o que
não faz parte dele não existe em lugar nenhum”. MAGEE, Bryan.História da Filosofia. op. cit., p.79
36 Não podemos perder de vista que Hobbes viveu e escreveu durante os anos de Guerra Civil inglesa, quando um rei que acreditava governar por
direito divino foi decapitado e o país caiu em violenta desordem. Ele mesmo estava em exílio político na França quando escreveu o Leviatã.
Quando foi publicado em 1651, Oliver Cromwelll estava no auge de seu poder como ditador da Inglaterra. Ibidem,p. 81.
isso, propagavam maior autonomia de pensamento aos homens comuns. Assim, surgiram
as ideias iluministas-liberais, por meio das quais procurava-se entender o mundo.
Essas ideias inovaram também a concepção de cidadania, aproximando-se
daquela experimentada por gregos e romanos, tendo na igualdade e na liberdade seus
princípios basilares. Foi com esse espírito que filósofos modernos, como Locke e
Rousseau, conceberam as ideias de uma democracia liberal, baseando-se na razão e
contrapondo-se ao direito divino. Esses pensamentos procuravam regular as relações de
poder, garantindo aos cidadãos livre atuação civil, econômica e política. Rousseau
contestava o uso da força como reguladora da sociedade. Esta, segundo seu pensamento,
devia reger-se pela consciência múltipla dos direitos e deveres dos cidadãos. Aos quais
atuariam diretamente sobre si mesmos, no sentido de proporcionar a liberdade plena.
Enquanto as ideias de Rousseau continham um caráter universalista37, as de Locke
forneciam o argumento que a burguesia necessitava para firmar-se politicamente, ao
associar o conceito de liberdade ao de propriedade material. 38 Essas inovações de
pensamento levantam a questão dos direitos políticos e de quem os deve possuir e exercer.
Essa problemática dos direitos foi um traço distintivo entre a burguesia e o povo. Quando
a luta por direitos, principalmente políticos, ambos, Rousseau e Locke, distanciavam-se.39

Para o sociólogo inglês Thomas Humprey Marshall, o desenvolvimento da


cidadania até o século XIX esteve intimamente submetido à questão das relações entre
classe sociais antagônicas. A cidadania aparece dividida em distintas categorias, com o
intuito de demonstrar o desenvolvimento desigual da cada uma delas e a quais setores

37 Rousseau introduziu na corrente filosófica ocidental três ideias revolucionarias. A primeira é que a civilização não é uma coisa boa. A segunda é
que devemos exigir que tudo em nossas vidas, quer privada ou pública, atenda às exigências, não da razão, mas do sentimento e dos instintos
naturais. A terceira é que uma sociedade humana é um ser coletivo com uma vontade própria que é diferente da soma das vontades de seus
membros individuais, e que o cidadão deve se subordinar inteiramente a essa “vontade geral”. A filosofia política de Rousseau teve enorme
influência. Forneceu grande volume de combustível emocional e intelectual aos movimentos que culminaram na Revolução Francesa. E oferecia
uma concepção de democracia fundamentalmente diferente da de Locke. O núcleo da ideia de democracia de Rousseau é a imposição
compulsória da vontade geral, enquanto o núcleo do modelo de Locke é a proteção e a preservação da liberdade individual. Ambos são muito
diferentes, alias, são potencialmente opostos. Ver obra de MAGEE, Bryan. História da Filosofia., São Paulo: Ed. Loyola, 1999. p. 129.
38 Ibidem, p. 102.
39 Locke tem sido descrito como a primeira mente moderna. Acreditava que todos os seres humanos têm potencial para desenvolver-se e que a
representação de seus direitos e liberdades é o único propósito legítimo do governo. Essa visão trazia uma hostilidade a todas as formas de
governo que falhassem em seguir tais critérios. Ele insistia no bom senso, em não levar as coisas ao extremo, em considerar plenamente todos
os fatos óbvios de uma questão. Sua mensagem básica pode ser expressa assim: “Não siga irrefletidamente as autoridades, sejam elas
intelectuais, políticas ou religiosas. Tampouco as tradições ou convenções sociais”. Todos esses aspectos da filosofia de Locke se entrelaçaram
e criaram a base de um modo reconhecidamente anglo-saxão de ver as coisas – base sobre a qual o pensamento filosófico se desenvolveu
nos países de língua inglesa. Além disso, tiveram enorme influência no mundo de língua francesa e alemã. Historia da Filosofia. op. cit., p. 109.
pertencia. A sociedade capitalista do século XIX tratou os direitos políticos como
subproduto dos direitos civis.40
Segundo Marshall, a cidadania moderna surgiu à medida que os privilégios
hereditários das sociedades tradicionais eram destituídos e crescia o ideal de igualdade e
liberdade. Este movimento, que se verificou primeiramente na Europa, acabou se
espalhando por outros continentes tornando-se um ideal quase mundial. Marshall dividiu
a concepção de cidadania em três elementos; a cidadania civil, a política e a social que se
desenvolveram de forma e em períodos distintos. A cidadania civil foi, segundo o autor,
a que primeiramente se desenvolveu e se refere aos direitos básicos à vida, ao ir e vir, ao
pensamento e à fé, à propriedade, etc. A cidadania política, assunto central desta
dissertação, desenvolveu-se posteriormente à civil, e refere-se aos direitos e deveres
frente ao voto, e ao exercício do poder político. A cidadania social desenvolveu-se, apesar
de algumas ações isoladas e restritas dentro do direito do trabalho e de previdência,
basicamente no século XX.41
Se, no tempo feudal não havia o acesso de todos às mesmas condições de vida,
aos mesmos direitos e deveres, havia, entretanto, uma responsabilidade mútua entre os
diferentes segmentos da sociedade e cada setor sabia seus limites, possibilidades e
responsabilidades frente aos outros. A sociedade moderna retirou, ao implementar a livre
escolha dos cidadãos e a igualdade de possibilidade de acesso aos direitos e deveres
sociais, civis e políticos, da estrutura a hierarquia e a proteção que esta implicava. No
entanto, Marshall, lembra que a igualdade ao direito de acesso, não significa o acesso em
si, ou seja, o direito à propriedade não significa a posse da propriedade. Deste modo,
apesar das leis igualitárias, ou por causa delas, a livre negociação e atuação dos indivíduos
acabaram despertando outras desigualdades na vida prática e que, não sendo mais
associadas a um destino herdado, remetia ao sucesso ou não da capacidade individual.42

40 MARSHALL, Thomas Humprey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 63-70.
41 Ibidem, p. 64.
42 Marshall, op. cit., p. 67.
Cidadania Política

Na narrativa de Coggiola43, o século XX foi norteado pelo direito a cidadania, e


para que esta seja vivenciada em seus plenos direitos são necessários Estados
independentes e a história nos mostra que durante a segunda metade do século XIX,
sentia-se necessidade de qualificação de mão-de-obra e aspirava-se a uma democracia
atuante.
A reação contra as guerras foi tomar medidas que interviram na economia
mundial fazendo surgir políticas que combatessem o desemprego e a recessão. Os acordos
de Bretton Woods44, firmado em julho de 1944, procuravam estabelecer uma nova ordem
econômica que evitasse a hiperinflação dos países centrais da Europa; a desvalorização
cambial, pois tantos os países do eixo, derrotados militarmente, e os países vitoriosos
estavam com suas economias arrasadas, precisando se reestabelecer economicamente.
Passada essa fase de reorganização a economia, em vários países, foi revigorada e passou
a ter uma situação privilegiada, principalmente nos EUA. Essa “explosão” econômica
com a crescente democracia, denominou-se neoliberalismo e teve como antagonista uma
América Latina envolvida com a ditadura e política econômica.45
A polarização e extorsão econômicas, típicas da economia mundial
contemporânea, puseram em questão, no final do século XX, o direito à autodeterminação
nacional universalmente admitido depois da Segunda Guerra Mundial, levando países e
subcontinentes inteiros ao limiar da dissolução nacional. Um quarto de século de
“neoliberalismo” destruiu conquistas sociais de grande escala, e subordinou, em quase
todos os países, os direitos sociais a uma suposta (e quase nunca verificada) “eficiência
econômica”. O século que concluiu acabou pondo a cidadania efetiva, e a
autodeterminação nacional diante de uma alternativa cada vez para mais clara: sua
destruição, ou sua vigência apenas formal, no quadro do regime social existente; ou sua
vigência e desenvolvimento efetivos num regime social existente, ou sua vigência e
desenvolvimento efetivos num regime social completamente diverso, baseado em uma
total reorganização econômica em favor dos e realizada pelos trabalhadores e as maiorias
populares do mundo inteiro.46

43 COGGIOLA, Osvaldo. Autodeterminação Nacional. In: PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla
Passaneze. (org.) História da Cidadania.São Paulo: Ed Contexto, 2003. op. cit., p. 314-18.
44 O acordo de Bretton Woods foi assinado por cerca de quarenta nações e procurava

estabelecer uma nova ordem econômica mundial.


45Caggiola, op. cit., p. 326-330.
46 Ibidem, p.339.

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