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C A R L O S DIAS
j^OMAlN.CE
RIO D E JANEIRO
livraria i l o P o v o - Q U A R E S M A &C.—livreiros editores
65 e 67 - R U A DE P. JOSÉ - 65 e 67
1898
j£is A COLHEITA DA TUA MA' SEMBNTB
PREFACIO
A MULATA
16
A MULATA
34 A MULATA
r
A MULATA
— Eu é que te pergunto . .
— Vermouth e fernet» *
— Então entras para o «Jornal dâ Manhã» ?
— Sim, convidaram-me, acceitei.
— Não ficas lá muito tempo ! Um artista
acaba sempre por largar desilludido o jornalis-
mo. . . Poetas a fázer n o t i c i a s . . .
— Se fossem elles a redigil-as sempre, não
se veriam mais adjectivos de faccinora a pesar
em cima de creanças que são presas por haverem
roubado um pão, e não se chamava bebedo com
as tres syllabas, a um desgraçado que um dia se
embriagou porque a mulher lhe tinha morrido
nos braços, com vinte annos apenas
O outro tinha gestos cynicos, encolhendo
os h o m b r o s . . .
— A arte é incompatível com esse trabalho
material de r e d a c ç ã o . . .
Edmundo olhou-o com um franzir de beiços.
— Não acredites n'isso. Se tu sentes a tua
arte como eu a minha, has de saber que ella vive
cá dentro na alma, no temperamento... E ' como
um amor.. O trabalho não mata as affeições
de coração, assim a alma... X
E depois, se queres que te diga, ser artista
é uma coisa bella e grande na vida, mas para
quem sente com segurança que o é a v a l e r . . .
Pela minha parte declino do titulo, pesa-me
muito...
— Mas os teus v e r s o s . . .
— Qual ! um rústico pensa como a poesia !
para nós outros, sophistas desdenhosos ou posi-
tivistas brutaes, um sentimento puro tem pro-
porções , logo de obra de arte, tampouco anost.n.^
M
\
A MULATA
Chamou o creado.
— Quem é aquella mulher ?
— E ' de cima, do h o t e l . . . *ima franeeza...
Edmundo levantou-se. Aquilio distrahia-o.
Deviam sentar-se áquella meza mulheres mais
bonitas do que essa. . . E assim, a surpreza ca-
nalha que o levara a um restaurante onde comiam
mulheres, dava-lhe um bom ar alegre que elle
ha muito não tinha.
Sentia-se bem alli, ante aquellas mesas, de
toalhas muito brancas, na sala clara, que o sol
invadia pelas taboinhas envernisadas das janel-
las, n'aquelle silencio adoravel de restaurante
pouco frequentado...
Estava um dia alegre, azul. Tomou um bond
para ir ao Mercado comprar um canario para a
senhora Maria
Ao saltar na rua Direita um companheiro de
redacção tomou-lhe o braço.
— Onde vaes ?
— Ao mercado, comprar um canario...
— Eu vou comtigo, comer tangerinas.
— Então vamos.
E cahiram os dois em contemplação ante os
viveiros de canarios, amarellos como ouro novo,
alegres, saltitantes sacudindo aspennas, abrindo
as azas louras, chilreantes todas as gaiolas como
palcos de Lyrico em noite do «Barbeiro de Sevi-
lha».
O dia aquecera, todo luminoso, e vôos
de gaivotas cruzavam os ares, precipitando-se
para o mar, aos guinchos. N'aquelle quarteirão
do mercado as fructas aromavam, abacaxis, man-
gas, maçãs, tangerinas, laranjas, fructa do
A MULATA
113
A MULATA
A MULATA
partam o jornal ! . . .
— Senhora Maria! gritou Edmundo, de
olhar corregado.
A velha, áquelle grito, comprehendeu que,
como creada e como pobre, não tinha o direito
de o estimar tanto.
Era a primeira vez que erguia a voz para a
pobre velha, talvez o único ente que o amava
deveras, alii, n'aquelle abandono em que vivia,
E um grande arrependimento fel-o levantar,
ir até ella que chorava, disposta a sahir.
— Ouça, senhora Maria, desculpe-me mas eu
quero muito bem a esse j o r n a l . . , E mentindo
disse-lhe ainda que lá não trabalhava até tão
tarde ; sahia ao anoitecer... Já ella v i a , . . Ma-
goara-o a injustiça da sua praga ..
— Mas então porque não entra cedo, até
que fique são ? . . .
Aqui nada lhe falta... Eu faço-lhe chá todas
as noites... Pelo amor que tem a sua mãe, senhor
Edmundo, trate de si, d'essa tosse . .
Elle disse que sim, com a cabeça. Pediu o
• café ; sentia-se bem... Eram mais de medo que
outra coisa, essas queixas de doente...
E quando ella subiu com o café e um botão
de rosa, acha-o já vestido, em frente ao toucador,
perfumando o l e n ç o . . . Ajeitou-lhe a gravata,
A MULATA
s*
geiro, que definitivamente é entre nós a virtude,
a constancia, o labôr e o exemplo... Não, não é
nada d'isso !. ..
Vae, Edmundo, e não esqueças que tens a
cumprir a penosa tarefa de arrancar ao mundo a
felicidade de duas creaturas.. .
Uma amante tem isso de bom, que leva aos
braços da n o i v a . . . Uma amante é a aprendiza-
gem do a m o r . . . Faz o possivel, irmão, por vol-
tar mais cheio d'esperança, de virtude e descren-
ç a . . . E ' ás mulheres que está confiada av sorte
e o futuro da p a t r i a . . . Sê f e l i z . . . S^si?
E Julião limpou á manga duas lagrimas que
lhe enchiam os o l h o s . . .
— E tu ? perguntou Edmundo.
— Eu fico a estudar em como é fútil a^vai-
dade dos homens, n'aquelle grande livro que^não
mente...
E apontava uma caveira pousada em eima
da m e s a .
Tudo se reduz a essa miséria, ao n a d a . . .
— Não ! disse Julião, tudo se reduz a
Deus ! . . .
Aquelle estudante de medicina acreditava
em Deus ! . . .
- ' i
A MULATA
»
O ha|ito de tocar orgão na cathedral dera-
lhe uma cürvatura ao peito magro e retrahido, e
todo o seu ar tinha um quê de organista de egre-
ja, uma abstracção de mystico, de quem tinha os
ouvidos sempre prenhes das harmonias pausadas,
profundas, da musica sacra.
Edmundo affeiçoara-se-lhe, comprehenden- •
do-o infeliz.
Tinha mãe e irmã em casa a sustentar...Tra-
balhava para ellas mais do que para si, compondo
walsas, romanzas, fantasias...
Em todos os seus trechos uma grande me- .
lancholia alinhavava as notas, e um lamento era
raro não chorar a meio de uma walsa, n'um su-
mido soluço que dava frios... Em todas as suas
melodias, um como fremir de reza, passava es-
voaçando. .. Havia sempre bem no fundo da sua
musica uma irredusivel e impalpavel essencia de
coro gregoriano, uma inseparavel recordação
theogonica, uma contemplação ante altares car-
regados de cirios e ennevoados d'incenso, com
um Christo ao topo, desfallecendo na cruz, todo
chaguento.
O organista parecia escrever a musica de
amor, a musica para dançar, na penumbra do
côro, á luz coada pelos vitraes, ante o templo
silencioso, onde apenas nas lampadas as luzes
velam os deuses.
Um prestigio doloroso escorria nos accordes,
como um choro de creança perdida no vorcirax
de uma multidão, e quando Edmando ouvia tocar
ao piano uma das suas walsas que eram d'essas
que não dão vontade de dançar, pensava sempre
e melancolicamente na alma orvalhada de so*
113
A MULATA
—I E o assumpto ?
— Nero, uma orgia de Roma com o impera-
dor tocando lyra e as bacchantes cantando, ba-
tendo cymbalis de o i r o . . .
Um extases diffundia-se na sua falia, e elle
ia cantando, talvez uraa leitura de mestre que
tentava reproduzir em a c c o r d e s . . . — H a v i a
de trazer para as cordas dos violinos o rugir das
tunicas e o frémito das purpuras... Queria ouvir
sistros e heptacordios na o r c h e s t r a . . .
— E tens alguma coisa feita ?
— A marcha e uma chorai de cymbalistras...
Mas parou a meio, batendo os nós dos dedos
no ntarmore da m e s a . . .
— Dão-me licença para ouvir, ja s e i . . .
«Um musico e um poeta descuidosos, cahe um
critico dos céus tempestuosos» . . .
Era o Salvador Machado. Em 1830 decre-
pito, que criticava os novos ao fim da vida.
Quando fôra da proclamação do Imperador rima-
ra uma ode celebre que correu provindas e não
galgou o Amazonas com medo de se afogar —
Nos bons tempos em que se faziam o d e s ! . . .
Edmundo gostava de o ouvir fallar nos seus
clássicos e verberar a descompostura dos novos
methodos de exprimir o que se sente. . .
— Que novidades ?
— O Coelho Netto, até que finalmente, aca-
bou o «Rei Fantasma».
— Um grande l i v r o . . . , dizia Edmundo;
olhando-se ao espelho, concertando o nó da gra-
vata .
Reis apoiava com a c a b e ç a . . .
— Q u a l ! . . . Parece-me obra escripta em
a MULATA 115
centesima v e z . . . . ^^ U n , e i „
Mulheres no jardim miravam os homens
offerecendo-se. Bebia-se debaixo das arvores, e
no botequim. A sala exhalava um grandeba o
môrno, toda enluarada de gaz e a voz da a c t m
celebre cantava por entre o a u n ^ voz b o r b o r m h o
^ ^ e - o V ^ O aos ap.
plansos. rumor de passos e
í u f d K o 'aquillo, r i n d o . e com a . u a
pronuncia
, » de alfacinha, desatando as fitas «40 *-
— Vem, 'morsinho, v e m . . .
Edmundo deixou-se envolver por aquelles
braços quentes, e emquanto lhe ouvia os sorvos
e os suspiros, parecia-lhe tudo ter morrido para
elle, e que um padre, no escuro, debruçado sobre
os dois, as mãos postas, os olhos no tecto ia dizendo:
Tu paradisum deducant te Angeli: in tuo adventu
suscipiant te Martyres, et perducant te in emit atem
saneiam Jerusalem, Chorus Angelorum ie suscipiats
e cum Lazero quondam paupere adernam habea,
requiem...
V
m
J64 A MULATA
VII
íl
A MULATA
— Sim senhor...
—- Sòsinha ?
— Não senhor, com um moço, esse que vem
ahi ás vezes... .
Edmundo não perguntou mais nada, i m i i a
ouvido rumor no quarto. Desceu de novo as es-
cadas, entrou no restaurante, sentou-se a uma
meza. . , „
Estava fraco, fez o possível por comer.De-
pois de duas colheres de sc^pa pediu o peixe e não
tocou sequer n'elle. Sentia as faces a escaldar e
tremiam-lhe as mãos.
Voltou-se na cadeira para apanhar o guar-
danapo cabido. Honorina estava sentada a uma
meza do fundo, jantando com Leão Absali.
Ferrando as mãos fechadas* Edmundo p@n- *
sou tm tirar a desforra de todo aquelle tempo de
vergonha, humilhado aos pés de uma mulher da
vida, de uma mulata, de uma mulher á tôa,# ar-
rastando por todo o hotel o descaro de se deixar
insultar dia a dia por essa cabra, que se sentava
á meza com um outro, na sua cara, á frente de
todos, rindo-se talvez d'elle com esse typo, «en-
tando-lhe as suas baixesas, toda a historia terpe
da sua amigação, em que a mulher fazia de ho-
mem e o homem de mulher,
Via agora em todas as caras um sorris® de
troça... Os creados olhavam-n'o, esses creados r
testemunhas das suas scenas humilhantes com
essa mulher, que agora lhe cuspia na cara, agra-
decida.
E entre essa nuvem vermelha, de tod® ®sse
entulho, a imagem da mãe, triste, compassiva,
austera,de cabellos brancos e toda de luto, surgiu
174 -a. M U L A T A
minha mesa
— Oh S agrade o, estou á espera do café,
levanto-me já . .
Edmundo viro a as costas, evitando os olha-
res
' Quando Honorina entrou percebeu de longe
o que se tinha passado e teve um sorriso mau,
uma ardência nos olhos. Esse sorriso e esse olhar
nunca mais a deixaram. .
Haviam-se terminado entre os dois as ve-
lhas confissões de amor e os longos abraços de
desejo. Muitas noites adormeciam sem dar pala-
vra de costas voltadas, cada um pensando em
si.
Tinham diálogos brutaes, grosseiros, em que
se ultrajavam mutuamente, quasi todos os dias.
Edmundo era o primeiro a perdoar e a pedir per-
dão... Tentavam voltar ao tempo antigo, de
adoração mas ambos desanimavam no primeiro
beijo. Tinham tripudiado demais em riba da illu-
são, tinham feito d'ella um trapo, não a apanha-
vam mais do soalho.
Honorina com o bico do sapato empurrara-a
para a roupa suja, entre as toalhas...
Não fallaram mais de tal coisa depois d'esse
enterro de cachorro t
Ella tomara uns ares de rua de S. Jorge de
cigarro sempre na bocca, fazendo olhos ternos
aos machos.
E emquanto Edmundo perdia o amor da
A MULATA 195
206 HEAm u l a t a
14
Edmundo chegou a casa ás dez horas, por
uma manhã de sol, alegre e luminosa.
Entrou o portão, cambaleando de fraqueza.
Foi até á porta da cosinha para chamar a crea-
ncontrou-a sentada perto do fogão, lendo
uma carta, chorando.
— Bom dia, senhora M a r i a . . .
A velha teve um sobresalto, levantou-se,
escondendo o que estava a lêr. Mas Edmundo re-
conhcera a letra da mãe...
— Bom dia, senhor Edmundo...
— Não tenho cartas ?
— Não senhor...»
A creada olhava-o espantada, as^im pallido,
os beiços brancos, os olhos sem luz, a golla do
casaco levantada, para esconder as manchas de
sangue.
— Ah! o senhor teve outro ataque ! . . .
— Senhora Maria, deixe-me vêr essa carta
de minha mãe...
Ella tremeu.
— E ' uma carta d e . . . . meu... filho....
A MULATA
liMXmmm*"**^—**^^—*" ' 1,1 1 wmmmmmm n • •• 11 •" 11 •• 1
II
A M U L A T A 229
&
A MULATA
T J 2 * e s t e n ? u n h a d e t a n t a felicidade
perdida e tanta dor ainda latente !
Deixal'a desesperada também, sosinha, sem
uma consolação, sem dinheiro, largada no mun-
do, pisando esse caminho que leva tantas vezes
a Santa Casa, ao Hospital, ás dissecações dos
estudantes de Medücina.... Ver que ella não
era bonita, pensar só em encontral-a de noite I
nos jardins dos theatros, com o seu triste sorriso
16
A MULATA
I BfSSWS»'
$^mism
A MUIIATA
A MULATA
I
•
F
TT
258 A MULATA
A MULATA
o . ~ B ' v L c e r t 0 - • • A s c h i n a s . . . Acompanham
as g U ern has, montadas, de bombachas, quasi
nuas até a c i n t a . . . Ha algumas que têm divi-
sas. . Essa que morreu era s a r g e n t o . . . Já vê
que tenho razão de fallar no instincto'de guerra
d esses homens... Está-lhes no sangiie. Nas-
ceram entre dois tiroteios, um pouco por toda a
lm n ' p m ^ + C y ' D a , L a g u n a > era Porto-Alegre,
em D. Pedrito., . Abriram os olhos na guerra
fecham-n'os para sempre, vinte, trinta, cincoen-
ta annos depois, em meio de uma batalha.,.
um grande poema a fazer, senhor Edmun-
d o ! . - So a marcha do Gumersindo basta para
tornar assombrosa essa revolta.
— E o suicídio do Saldanha da G a m a . . .
— E a traição do almirante M e l l o . . .
— E o enterro do F l o r i a n o . . .
— O que é o mundo !
t n ™ a r A h ! ° m . u n . d o ! ' •' E s e n ó s Assemos
tomar uma cerveja ?
Edmundo deixou-se arrastar aos theatros a
um restaurante, a casa de umas mulheres de nome
aiíHcil e vida muito fácil acabando as quatro
horas da manhã, fallando de Alexandre Dumas
e de Paulo Féval, querendo convencer-se que
A MU li A'i" A
d e ^ i l S f m Í U 0 V e i ° ® n ? o n t r a l - ° de novo triste,
amante. apo<luentado Pela ideia fixa da
E sentiu curiosidade em vel'a
se p a S t l ^ a T o í ? ™ 0 8 d e
Edmundo delegou-lhe todos os poderes
ISdeescedamd: em
Brocurarffnh^ c a r r a a g e m á porta do hotel e
Dortantp Í J ? ?m r e c e » « a o ' ) a r a negocio im-
ín™5« • >.'• A m e i ° 113 i n v e r s a o nome de Ed-
6 e!le Agindo se de
«latos, no Credo, teria occasião de observar <s»
Ed m mtd r o. a . CCedÍa de b °m ^ - S 2
—
— E ' isso,
Isto sim ! A h ! até
repugna-me tu éscerto
um bom amigo!..
ponto e nãn
Í S r a a r mais e Z d a er ^ de B e m "
S S I ' ; ; " . e n c a r r e g a v a do papel
r •§
A MULATA
A MULATA
BI
— «Capivaras ?»
— Sim, homem, é giria...
— E o mundo ?
— Respeita-os... Ella é uma mulher hones-
ta; não se lhe conhecem amantes... Elle
mesma forma; ninguém o vê em casas duvidosas..
— Vamos d'aqui, Emilio.. .
— Não queres esperar pelo resto ? Ainda
que isto esteja longe de ser o celebre 26 do
campo de Sant'Anna, é assim mesmo digno de
ver-se...
— Campo de Sant'Anna ?
— Isso leva muito tempo a c o n t a r . . . Sahiu
de lá muita prenhez... Tanto, que agora um ra-
paz casa-se e tem de receber abraços commovi-
dos de todos os v e l h o s . . . Cada um duvida ser a
noiva sua filha... Dizem-te ao ouvido: «faça-a
f e l i z » . . , e a todo o momento ouvirás a phrase:
«faça-a feliz»... Aconselho-te; se tencionares ca-
sar, guarda isso para quando passar esta camada
de meninas casamenteiras.. .Vir-te-hias obrigado
a ter vinte ou trinta sogros, afora o presu-
mido.
Mas nós estamos no Rio de Janeiro, Emi-
S i s r rP,otrr.peiavozd°
A MUIÍATA
XIII
A MULATA
'316 A MULATA
A MULATA 321
- -S-.
A MULATA
«Querida Honorina.
do ; S . . d e . m Í m t e d a S a 0 m e n o s 0 socego
ã
Edmundo teve que guardar a carta debai-
xo da travesseira Honorina approximou-se toda
perfumada a verbena, cheirando bem a sua car
ne quente como uma parasita de floresta virgem
Elle respirou-a toda, chegando-a muito a si'
mentirosa? 6 b e l , M o I h o s d e ? ^ r g o n h a d o s de
A MULATA
338 a iktlata
-WSg-...
A. mulata 351
A i ! compadre, chegadinho
faz, f a z . . .
A i ! comadre, devagarinho
faz, faz . . .
A MULATA
Eu tinha um filho,
Morreu...
Tinha também um amor.
Morreu...
A i ! quem me dera o meu filho,
Quem me dera o meu a m o r . . .
:: --«È&ÊÈÊSSÊÊÈÍ*
Passadosaquelles dois dias de febre, cra-
vou-lhe dentes no desalento uma ideia má, a per-
seguil'o como uma mosca vareja. Éra aquella
carta, lida a meio, esquecida durante horas e
relembrando-lhe agora a paixão dá mulata por
um rapaz sem vintém, um íypo dengue, de pas-
tinhas, a ver pelo estylo, de quem ella não qui-
zera um só real por urna dúzia de noites leva-
das a dar de alma por entre pernas. E a pensar
n'elle nascia-lhe uma raiva surda, um ciúme bai-
xo, de cocheiro, vendo-o apelintrado, com mulher
de graça e sentimentalidades no fallar, offere-
cendo a casa á femea, com phrases de romance
barato, dando vestidos de chita e sapatos de liga
áquella mulher, que parecia só estar bem dentro
de sedas e veludos, encharcada de perfumes,
sonhando com jóias.
Para elle, Honorina tinha um ar quebrado
de voluptuosa, esquisita e bizarra, e o seu cor-
po molle de cobra, todo calor, macieza e nervos,
pedia requintes, luxo, uma vida de harem, com
escravas aos pés.
A MULATA
\
A MULATA ** 383
386 A MULATA
c a m a t n ! ! 6 ! 0 d ° S e g U n d ° a c t o ' d e s c e » 0 0 m ella do
camaiote e empurrou a porta que vai á caixa.
llhas
h a scabidas,
? a h f Z M guardava
eiltíVmm0VeI'
a entrada >d'esse mundo
triste c o m os re-
m y j enoso dos bastidores, essa caverna de Ali
oana, em que se amontoam thezouro? em aue
mulhfre? " e , f e i t i « ° > em salas de ouro com .
de n? í l í r f ' d e S 6 d a ' d a n « a n d 0 entre jorros
M m l h n J M e S C U r o c o m o a m subterrâneo,
S C m ' d u a " Paredes e scenarios embru^
~ ' ™ =
a l c a s deslumbrantes rolando na terra
encantadas , e m .r'>reo s , c e u s abertos, grutas
encantadas, palacios de jaspe e bronze, que alli
A MULATA
t r r ' a d e c i m e n t 0 inegualavel. E s -
comua e s s e soffrer a quantos lhe fallavam o
i T J r e r toda a verdade da s u l
tranhava s i r a V r ' - Y ,1 ^ a a n d o alguém es
Ha,' inventanrtn
nventando ^
thesouros / tpaixão
de
â° triste' elle sor-
para enri-
A MULATA
s a b i a T m « l ° / Í n h a e n f r c e r ' P° r « 1 ^ 0 . Não
negavam IT™ Pedir dÍnheiro' W*
S n d ^ h m e D 0 ~ r q u e f 0 « s e a quantia, üm
respondera-lhe que não sustentava vicios
Antonio do Couto estava fora.
mas á T e m p e . n h , a r o u ^ « d e r os trastes,
no dia em J 1 "" l a f 1 C a r S e m t e r o n d e dormir
va-lhe frTo, amante ° a b a n d o n a s s e causa-
A MULATA
414 A MULATA
— Raça ignobii ! . , .
Q - Mas isfc0 tudo acaba em
S. João B a p t i s t a . . . Dura menos que as tuas
a m i g a ç õ e s . . E por fallar n ' i s s o , precisas deixai
essa caipira. Faliam de ti, pelas ruas
— Que nr importa ?
— Dizem que tu deves a todo mundo
— E então ? . . .
— Então é preciso acabar com isso Tu
não tens emprego, já não estudas, j á não escreves
nao has de viver de e m p r é s t i m o s . . . Qualquer dia
vais parar m pohcia por causa de alguma divi-
d a . . . Toma c u i d a d o . . . s v
i r d°S.péS á cabe*a>
Percebendo-se q só
no m u n d 0 sem ninguém que pensasse como elle
marTsnuaar **** alma Seme,hante M*e
Julião bebedo, levado por dois urbanos, a
420 A MUI,A T A
A MULATA
A MULATA
4 2 8 A MULATA
440 A MULATA
IP
444 A MULATA
— Para onde ?
— Para a ilha do G o v e r n a d o r . . . São oito
horas ; ás nove estamos l á . . .
Edmundo deixou-se levar n'um bond até ©
largo da I m p e r a t r i z . . .
Ouviu fretar um bote para o Z u m b y . Sen-
taram-n'o ; o remador pegou nos remos e o bar-
co afastou-se.
Emilio parecia dormitar, cabeceando a cada
movimento do bote lias v a g a s .
Edmundo pensava no futuro... Os seus olhos
gô alcançavam o c e m i t e r i o . . . Via um vulto de-
bruçado sobre uma sepultura, de joelhos, rezan-
do... Era a mãe...
Aquella v i a g e m pela noite dentro, sobre o
rumor das ondas, parecia-lhe o enterro da sua
vida, entre o murmurio do m u u d o . . .
A lua illuminava toda a bahia, como uma
lampada suspensa sobre um palco. Osnaviosesta-
cavam na claridade, estendendo a sombra dos
mastros nas a g o a s .
Toda a luz gera uma sombra. Assim a ale-
gria é seguida pela tristesa, o noivado da viu-
vez, a felicidade da desgraça, o bem pelo mal.
Inclemencia dos c é u s . . , mysterio da providen-
cia, esse da sombra consequência da luz.
Estava-se dando a mesma coisa com elle. A aima
conservando-se branca mergulhava-o em treva.
Os seus amores iam dar na policia.
A meio do caminho, Emilio, levantando^
cabeça, apontou na cidade um clarão e ms=>e ,
Um i n c ê n d i o . . . , nclM,
Edmundo repetiu machinalmente essa* pa
450 A. MULATA
A
456 A MÜÍ.ATA
FIM
EDIÇÕES MAIS RECENTES
DA
DE
aUAKESMA & C.
A C A B A D E S A H Í R A' L U Z
TROVADOR BRASILEIRO
ou
LIVRARIA D O P O V O — R U A DE S . JOSÉ, 6 5 e 67
*
QUARESMA & C.—Livreiros-editores
c
QUARESMA & C . - Livreiros-edítores
O F a b r i c a n t e M o d o r n o do sabões, perfu-
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e proveitosos de vários paizes, í>" edição enriquecida de
grande numero do gravuras.Um grosso volume encadernado,,
com deslumbrante capa impressa a côies e com uma gravura
representando a avósinha contando aos netinhos os C U S T O S
DÁ C A R O C H I N H A , 3£U00.