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CONSTITUCIONAL
temas atuais
Eid Badr
Organizador
Autores
Camila Jatahy Araújo
Deicy Yurley Parra Flórez
Eid Badr
Francisco Péricles R. M. de Lima
Guilherme Wellington Pessoa de Farias
Higor Luís de Carvalho Silva
Jaíse Marien Fraxe Tavares
Jamilly Izabela de Brito Silva
José Alexandre Serrão Rodrigues
Kaleen Sousa Leite
Larissa Campos Rubim
Marcela Pacífico Michiles
Nilcinara Huerb de Azevedo
Rayanny Silva Siqueira Monteiro
Timóteo Ágabo Pacheco de Almeida
Copyrigth @ Eid Badr, 2018
286 p.
ISBN 978-85-7512-881-7
CDD 340.1
22. ed.
2018
Editora Valer
Av. Rio Mar, 63, Conj. Vieiralves – Nossa Senhora das Graças
69.053-180, Manaus – AM
Telefone: (92) 3184–4568 | Whatsapp: (92) 99613–1113
www.editoravaler.com.br
AUTOR ES
Apresentação .................................................................. 13
CAPÍTULO II – MUTAÇÃO
CONSTITUCIONAL
Camila Jatahy Araújo ......................................................... 25
CAPÍTULO IV – A POLITIZAÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO É UMA REALIDADE?
Francisco Péricles Rodrigues Marques de Lima ................ 59
CAPÍTULO V – OS OBEJTIVOS
FUNDAMENTAIS DO ESTADO
BRASILEIRO (ART. 3.° DA CF) COMO
NORTE INTERPRETATIVO PARA A
APLICAÇÃO DO DIREITO
Guilherme Wellington Pessoa de Farias ............................. 75
CAPÍTULO VI – ANTINOMIAS DE NORMAS
JURÍDICAS: MÉTODOS DE SOLUÇÃO
Higor Luís de Carvalho Silva .............................................. 89
1 Endereço para acessar aos dados do Grupo de Pesquisa no CNPq este espe-
lho: dgp.cnpq.br/dgp/espelhorh/7746861653198261
13
Agradecemos aos alunos da disciplina Hermenêutica Cons-
titucional, do Grupo de Pesquisa DEA, à Coordenação do PPG-
DA/UEA e à editora Valer, que realizou uma primorosa edição.
14
C AP ÍTULO I
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
15
abstratos – tais como os referentes às regras do processo –, resta
ainda mais acentuado em temas fortemente interligados com a
realidade política vigente.
Maria de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2017, p.
69), ao diferenciarem os tipos de conhecimento aplicados na
metodologia científica, expõem que:
16
Sobre esse ponto, são claras as lições de Roberto da Matta
(1981, p. 18), ao diferenciar o objeto de estudo das Ciências Na-
turais daqueles abordados pelas Ciências Sociais, aduzindo que
nestas últimas, ao contrário das primeiras, a matéria-prima de
análise consiste em “eventos com determinações complicadas e
que podem ocorrer em ambientes diferenciados”, tendo, por cau-
sa disso, a possibilidade de mudar seu significado de acordo com
o ator, as relações existentes em um dado momento ou, ainda, a
posição desses elementos em uma cadeia de eventos anteriores
ou posteriores aos mesmos. A tudo isso, soma-se a complexidade
da interação entre investigador e sujeito investigado, comparti-
lhando “de um mesmo universo de experiências humanas”.
De certa forma, os temas eleitos produzem acentuadas in-
dagações como: Quais os limites de atuação dos agentes proces-
suais, diante de um cenário de crise representativa? Institutos,
direitos e prerrogativas devem ser alargados ou restringidos?
E até quanto? Qual o limite exato entre o ativismo judicial e
a jurisdicionalização da política, na realidade contemporânea?
Quais os limites da interpretação jurídica?
É nessa seara que o debate hermenêutico ganha vida – em
especial, o referente à hermenêutica constitucional, de modo a
visualizar e permitir a aplicação de normas jurídicas, para tam-
bém buscar respostas aos questionamentos fáticos expostos.
Assim o faz, por um lado, renovando a interpretação do
corpo normativo para atender ao dinamismo da realidade so-
cial, e, de outra banda, impedindo que excessos sejam cometi-
dos em detrimento de garantias e direitos constitucionalmente
assegurados.
Nesse ponto, consoante apresentado pela doutrina pátria,
a interpretação da norma constitucional deve ser guiada por
parâmetros hermenêuticos bem estabelecidos, obedecendo ao
mesotes aristotélico, sob pena de se perder, seja na total incom-
patibilidade com a realidade fática, seja no campo dos abusos
e excessos.
Nessa esteira, Sarmento e Souza Neto lembram que a her-
menêutica utilizada para interpretar a norma, de forma alheia
17
às capacidades institucionais reais dos agentes aos quais se
aplicam – que muitas vezes se confundem com os próprios in-
térpretes da norma –, mostra-se miópica e ineficaz. A norma
perderia, desse modo, qualquer eficácia social, ante a nítida dis-
paridade com a realidade fática, tornando-se letra morta ou, na
famosa colocação de Ferdinand Lasalle quanto a constituições
feitas desta forma, uma “mera folha de papel”.
Os mesmos autores acentuam que:
2. A INTERDISCIPLINARIDADE NECESSÁRIA
18
conceito, relacionando-o à constante incerteza da era contem-
porânea, distinta dos tempos clássicos em que estruturas, insti-
tuições, conceitos e valores eram mais sólidos.
Para o autor, naquela era, “o mundo tinha mais certezas”.
Assim, a passagem ocasionou inúmeros impactos sociais no
seio popular, gerando uma sociedade repleta de sinais confu-
sos, inclusive nos campos da moral e a ética. Sobre este último
ponto, faz-se mister transcrever o raciocínio de Bauman:
19
responsabilidades, da relativização de sua imprescindibilidade
ou, apenas, do total descaso para com estas. Em suma, sofre-se
de uma “impotência social”.
Por outro lado, a inconstância de valores bem definidos e da
defesa de ideais éticos voltados à própria população gera o men-
cionado déficit representativo, o qual, no Brasil e em vários locais
do globo terrestre, somente se agravou com o passar dos anos.
Esse preocupante cenário finda por repercutir na forma-
ção de perfis diversos no meio social fluido, em sua maioria
igualmente nocivos, como: os cidadãos totalmente desacredi-
tados no poder político e com clara apatia social ao debate e
à superação da realidade política atual; aqueles que assumem
ideologias extremistas opostas, muitas vezes defendendo até
mesmo o retrocesso de direitos fundamentais estabelecidos –
esempli gratia, a utilização da pena de morte –, como solução
para a referida realidade; os que negam a existência do proble-
ma ou que dele se beneficiam.
Nesse prisma, é possível rememorar os ensinamentos de
Roque Laraia (2001, p. 67 e 68), ao afirmar que “homens de cul-
turas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões de-
sencontradas das coisas”. O autor ainda explana o problema da
herança cultural distorcida, ao definir em sucintas palavras que:
20
explica de modo único como certas nocivas práticas são, muitas
vezes, vistas como normais e rotineiras no seio social pátrio.
O fenômeno chega ao ponto de agentes políticos reconhe-
cidamente condenados pelo Poder Judiciário retornarem ao
cenário político, por meio do voto democrático, dado por um
povo que culturalmente nunca imputou à corrupção a real cul-
pa pelas mazelas que provoca.
Sarmento e Souza Neto (p. 190 e 191) abordam as ideias
supracitadas, traçando um paralelo com a já citada crise de re-
presentatividade. Os autores explanam que:
21
3. NOVAS PERSPECTIVAS: O QUE ESPERAR DO FUTURO?
22
pelos seus atos ilícitos. O engajamento cívico da cidadania no
combate a essas mazelas ainda não é a regra, mas a exceção.
Nesse quadro, uma dose de republicanismo na teoria consti-
tucional se faz necessária, como remédio para certas disfun-
ções da vida pública do país.
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
23
FISHER, Douglas. Garantismo penal integral: questões penais
e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo
garantista no Brasil. Salvador: JusPODIVM, 2010.
24
C AP ÍTULO II
MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL
Camila Jatahy Araújo4
1. INTRODUÇÃO
25
que haja um sistema mais rápido, prático, eficaz – não deixando
de ser seguro – para que se altere a intepretação de uma norma
constitucional sem implicar na alteração do seu texto.
A Mutação Constitucional existe exatamente para isso –
fazer com que a Constituição não pereça no tempo, não perca
o seu sentido e deixe de atender a sociedade em virtude de es-
tar sempre em constante evolução, mudando seus paradigmas,
suas crenças, seus ideais.
Contudo, o tema traz alguns questionamentos como, por
exemplo, se a Mutação Constitucional poderia ofender prin-
cípios constitucionais ou extinguir direitos, ou então se o ins-
tituto ofende a própria democracia ou interesse da sociedade.
Questiona-se quais preceitos devem ser encarados para que a
Mutação Constitucional tenha legitimidade e quais limites de-
verá obedecer.
Nos próximos tópicos pretende-se explanar acerca de al-
gumas formas e exemplos de Mutação Constitucional e tam-
bém os limites que precisam ser obedecidos, com clareza e bus-
cando expandir horizontes sobre o tema.
26
A alteração informal dá-se por meio de uma nova inter-
pretação à determinada normal. Essa nova interpretação não
ocasiona mudança material, ou seja, o texto constitucional con-
tinua intacto.
A essa alteração informal dá-se o nome de Mutação Cons-
titucional, a qual é entendida como uma forma de se alterar a
interpretação dada a uma determinada norma, no entanto, sem
que haja uma alteração em seu texto.
Como bem leciona Luís Roberto Barroso:5
27
Nesse mesmo sentido, complementa o professor Blanco
de Morais,7 ao dizer:
28
mudança de sentido de algumas normais provocado o impac-
to da evolução da realidade constitucional, não contrariam os
princípios estruturais (políticos e jurídicos) da Constituição.
O reconhecimento destas mutações silenciosas (stille Ver-
fassungswandlungen) é ainda acto legítimo de interpretação
constitucional.
29
Outro caso foi o da jurisprudência adotada a partir do
New Deal. Anteriormente, a constituição entendia que as legis-
lações trabalhista e social afrontavam a liberdade de contrato
assegurada constitucionalmente. No entanto, a partir do New
Deal – proposta por Roosevelt e aprovada pelo Congresso – o
novo entendimento era de que tais legislações eram considera-
das constitucionalmente válidas.
Ambos os casos mudaram o sentido da Constituição ame-
ricana, no entanto em nada se alterou o seu texto. Percebe-se
a utilização de Mutação Constitucional para se dar um novo
entendimento constitucional sem que haja alteração formal.
Como dito acima, o tema Mutação Constitucional não
pode ser encarado como um procedimento novo. Há mais de
um século vem sendo debatido em alguns locais do mundo.
Como explanou o ministro Gilmar Mendes10 acerca do tema:
30
Percebe-se, então, a importância dada ao instituto no âm-
bito internacional e como a sua utilização é tida por democracias
expressivas, como a dos Estados Unidos. Demonstra-se, assim,
a necessidade de fazer com que os demais países busquem utili-
zar cada vez mais a Mutação Constitucional afim de atender as
demandas sociais sem as demoras de uma alteração via formal.
31
ou por mudança na composição do tribunal.11 Um exemplo que
pode ser dado dessa mutação por via judicial foi o que ocorreu
com o foro por prerrogativa de função – o qual consiste em, de
maneira sucinta, um critério de competência da jurisdição.
Anteriormente entendia-se que o popularmente chamado
de foro privilegiado era direito do agente público mesmo quan-
do se encontrava fora de suas funções ou cargo, tendo sido esse
conhecimento consolidado na súmula 394 do próprio Supre-
mo, a qual dispunha que cometido o crime durante o exercício
funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de
função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados
após a cessação daquele exercício.
No entanto, por meio da QO, no Inquérito 687/DF, o Su-
premo passou a ter um novo entendimento sobre do tema. O
que se vigora é que o critério de competência da jurisdição, o
foro por prerrogativa de função, somente será utilizado en-
quanto o agente estiver no cargo ou no exercício da função.
Com isso, a súmula 394 foi cancelada, contudo, a norma
da qual trata o assunto – Art. 102, I, b, da Constituição – em
nada sofreu alteração material, como abaixo se transcreve:
32
O poder regulamentar pode se dar pela edição de instru-
ções normativas, resoluções, portarias, decretos, entre outros.
Um exemplo de Mutação Constitucional que ocorreu na via ad-
ministrativa é pela Resolução n.º 7, disciplinada pelo Conselho
Nacional de Justiça e publicada em 2005.
A Resolução trazia o entendimento de que a investidura
de por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral
ou por afinidade, até o terceiro grau, para o exercício de cargo de
provimento em comissão ou função gratificada, estava vedada.
O caput do referido artigo trazia em seu texto é vedada a prática
de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário,
sendo nulos os atos assim caracterizados.12
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal posicionou-
-se, declarando que a referida Resolução era constitucional, por
meio do ADC-MC 12.
Sobre o tema de Mutação Constitucional pela interpreta-
ção judicial e/ou administrativa, definiu Luís Roberto Barroso:13
33
Assim sendo, resta claro que, para que haja uma Mutação
Constitucional por via da interpretação, necessário se faz que
exista uma interpretação preexistente para que a nova dê lugar
a antiga.
34
Constitucional a última palavra para saber de sua validade será
sempre do Supremo Tribunal Federal.
35
No tocante às mudanças informais, estas podem apenas de-
senvolver, complementar, ou – use-se a palavra mágica – in-
terpretar a Constituição. Assim, por não entrarem em choque
com a Lei Magna, são aceitas, vendo-se sua validade como
decorrência da validade da Constituição e da sua legitimidade.
A situação é outra, se colidem com a Constituição. O que
pode ocorrer quando estabelecidas em desobediência frontal
ao procedimento prescrito, ou contrariando seus princípios e
regras. Nesses casos, são inválidas e o controle de constitucio-
nalidade deve anulá-las.
36
A ideia que se defende é a de que em uma nova interpre-
tação seja dado o entendimento para que a exigência de filiação
partidária ocorra apenas nos casos em que o próprio cidadão que
deseje concorrer por meio de partido político a ele possa se filiar.
Assim, exclui-se a ideia de rejeitar-se a possibilidade de um cida-
dão poder concorrer às eleições por candidatura independente.
Assim, percebe-se que por meio da utilização da Mutação
Constitucional busca-se dar um novo entendimento a determi-
nado texto constitucional sem que haja a necessidade de se fa-
zer uma emenda para alteração do seu sentido, posto que a via
formal consiste em procedimento demorado.
Ao dispor sobre os limites da Mutação Constitucional, para
que a mesma tenha a devida legitimidade, Luís Barroso15 ilustrou:
37
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
38
REFERÊNCIAS
39
C AP ÍTULO III
1. INTRODUÇÃO
41
térios lógicos, razoáveis e legítimos que garantissem o cumpri-
mento dos direitos fundamentais e ao tempo acatem os linea-
mentos normativos e de ética.
Por causa disso, o curso desta investigação avançará pro-
gressivamente, mencionando inicialmente a historia do ativis-
mo judicial; continuando, abordaremos as teorias do ativismo
judicial com alguns riscos e vantagens deste fenômeno, para
finalmente concluir citando os limites do Poder Judiciário.
42
Com o novo paradigma desenvolvido se possibilitou, se-
gundo o manifestado por Luigi Ferrajoli, a sujeição da lei e a
Constituição tornando ao:
43
É assim, como na conformação dos Estados Constitucio-
nais democráticos, a divisão do Direito e da Política persiste,
na medida em que no primeiro vigora a Supremacia da lei e
respeito aos direitos fundamentais, representando o domínio
da razão pública, enquanto na Política subsiste a soberania po-
pular e o principio majoritário. O domínio da vontade.21
Não obstante, apresentam-se dois momentos que fazem
uma clara distinção a esta divisão: num primeiro momento, a
criação do Direito, produto de um processo constituinte e do
processo legislativo (vontades das maiorias), e um segundo
momento, o Direito de aplicação, pretendendo-se neste último
a separação com a politica a fim de evitar a influência do poder
político sobre o judiciário.22
Medidas que se concretizaram como proteção para o Po-
der Judiciário ante as vinculações e imposições da politica na
tomada de decisões, mas que pela multiplicidade de conflitos e
a dificuldade de produzir respostas antecipadas e concretas, o
Judiciário interfere no domínio da política para resolver ques-
tões em disputa.
Nesta ordem, Lênio Streck agrega que as decisões das
Cortes estão julgando por politicas em grandes causas e não por
princípios, ou seja, que a interferência do Direito nas Cortes está
criando a formulação de política públicas, procurando adquirir
sua legitimação no Supremo, ao trabalhar temas controvertidos
como a “descriminalização do aborto”, “o uso de células-tronco
embrionárias”, “a união homoafectiva”, e enfim, muitas outras
causas sociais que precisam de soluções rápidas.
Barroso menciona por outro lado que as decisões estão
influenciadas em três grandes grupos ou modelos que facili-
tam a compressão na tomada de decisões pelo Poder Judiciário.
O modelo legalista, influenciado pela Constituição, as leis, os
44
precedentes, as doutrinas aplicáveis, os próprios princípios e os
conceitos fundamentais naturalmente. O segundo, e o modelo
ideológico, influenciado pelas ideias ou visão do mundo pes-
soal, seu ponto de observação da vida e do que considera ser
bom e justo. E por último o modelo institucional, guiado pelo
Direito e à própria subjetividade do juiz, influenciados pela so-
ciedade, viabilidade no cumprimento da decisão e a relação en-
tre julgadores nos órgãos colegiados.23
Além disso, como se mencionou, com a ampliação do
papel político no Judiciário e o relacionamento entre Direito
e Política, o agir dos juízes e tribunais mudou de forma tal que
permitiu propagar o ativismo judicial. Transformações que
provocaram uma fragmentação na compreensão da locução,
gerando diversidade de posturas e perspectivas.
25 SCHLESINGER. Arthur M., Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947,
at 202, 208, apud KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judicial
Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1445. Disponivel em: <http://scholarship.
law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em: 10 out, 2018.
45
Sem embargo, o termo apareceu pela primeira vez na
revista de alcance geral chamada Fortune, escrito por Arthur
Schlesinger Jr. em inícios do ano de 1947, mostrando uma aná-
lise dos juízes da Suprema Corte e as diversas alianças e divi-
sões. Por um lado, os juízes Black, Douglas, Murphy y Rutlege
como os Ativistas Judiciais, e os juízes Frankfurter, Jackson y
Burton como os Campeões do Ser, e o juiz Reed e o Presidente
do Tribunal Supremo Vinson, que formaram um meio.26 Por
causa desta divisão feita por Schlesinger na época é ainda digna
de ser analisada na atualidade, já que:
26 SCHLESINGER Arthur M, Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947,
at 202, 208, apud: KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judi-
cial Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1446. Disponivel em: <http://scholar-
ship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em 10 out. 2018.
27 SCHLESINGER Arthur M, Jr., The Supreme Court: 1947, FORTUNE, Jan. 1947,
at 202, 208, apud KEENAN D. Kmiec, The Origin and Current Meanings of Judicial
Activism, 92 Cal. L. Rev. 1441 (2004), p. 1446, 1447.. Disponivel em: <http://scholar-
ship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol92/iss5/4> Acesso em 10 out. 2018.
46
Desde então, a locução de ativismo foi reconhecida uti-
lizando-se tempo depois, nos anos cinquenta, pela Suprema
Corte dos Estados Unidos, direcionada pelo Juiz Earl Warren
(1953-1969), pois com anterioridade vinham-se produzindo fa-
lhas de natureza conservadora: segregação racional (Dred Sctt
x Sanford, 1857), a não validação dos direitos sociais (Lochner,
1905-1937),28 apresentando-se, pelo contrário, casos especiais de
direitos fundamentais como o caso de Browm v, Board of Edu-
cation de 1954, que ilegitimou a segregação racial nas escolas, o
caso de Miranda v, Arizona, em 1966, que narrou o direito de
não auto-incriminação, Baker v. Carr, em 1962, sobre liberdade
de direitos políticos, entre outros exemplos representativos que
no seu momento adquiriram uma conotação negativa, deprecia-
tiva, equiparada ao exercício improprio do poder judicial.29
47
Nessa ordem de ideias, Dam Shubhankar destaca que o ati-
vismo judicial é consequência da globalização, pelo qual destaca:
48
Segundo o modelo de Luís Alberto Barroso,33 convergente
com os anteriores, ele expõe o ativismo judicial como: a escolha
de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição,
expandindo o seu sentido e alcance, que procura extrair o máxi-
mo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo in-
vadir o campo da criação livre do Direito34. Em outras palavras,
quer isto dizer que a participação do Judiciário tem maior inter-
venção no espaço de atuação que os outros dois órgãos.
De igual modo, Canotilho abarca o ativismo judicial sob
três visões: 1) com relação a comparação jurídica; 2) em perspec-
tiva com o nacionalismo e a globalização; 3) relacionado ao di-
reito dos pobres.35 Posicionamento que de fato integra formas de
observação frente à centralidade ético-jurídica e de democracia.
Sem diferenciar do esquema proposto por Mauro Cappelleti e
a integração de um judiciário razoavelmente que independente
dos caprichos [...], dar uma grande contribuição a democracia;
[...] um judiciário suficientemente ativo, dinâmico e criativo.36
Enfim, muitos são os conceitos, classificações e divergên-
cias relacionadas ao ativismo judicial sem critério algum, en-
tretanto o grupo de pesquisa Novas Perspectivas da Jurisdição
Constitucional de Brasília o define como processo politico-ins-
titucional pelo qual se assume um modelo de jurisdição constitu-
49
cional com forte apelo de supremacia,37 ou seja, a designação de
acionar o judiciário com maior participação e maior interferên-
cia no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
Essas interpretações que procuram compreender a estru-
tura organizacional do Estado, com o objetivo de determinar os
limites do Poder Judiciário e os demais poderes como reflexão
da constante mudança social que está obrigando aparelhos do
Estado a agir de forma diferente.
Neste sentido, deve se finalizar, mencionando que o ativis-
mo se pode observar de duas formas, um como um papel amplo
do juiz, que conta com a discricionariedade e capacidade de es-
colha para interpretar a Constituição na tomada de decisões, em
que o juiz se torna um participante da criação do Direito, isto é,
uma concepção não positivista. Enquanto se é observado como
com uma concepção positivista, o juiz não tem opção de esco-
lher, portanto não vai ter a discricionariedade senão respostas
meramente políticas já estabelecidas à disposição do juiz.
Antes de continuar, é preciso fazer a distinção entre ativis-
mo judicial e Judicialização em razão de que não representam
a mesma situação. Contrário ao ativismo judicial, o Judicializa-
ção (igualmente debatida, mas que para melhor distinção) se
apresenta, segundo Clarisa Tassinati como: uma “questão so-
cial”, que está acontecendo na sociedade por:
50
Em outras palavras, a Judicialização é a relação entre os
Poderes, em que o judiciário decide questões de repercussão
politica, social e moral articuladas sobre uma base de discurso
legal que gera transformações sociais de caráter final.
Nessa ordem, resulta importante mencionar que só para
alguns autores o ativismo traz certas vantagens, que podem fa-
vorecer em longo prazo problemas sociais, assim como favore-
cem a democracia, a proteção de minorias, mas que, por outro
lado, ainda estão em questão as vantagens.
Dan Shubhankar vê a expansão do ativismo como fenô-
meno da globalização que permite a adaptação legal às mudan-
ças sociais, envolvendo princípios desenhados do texto constitu-
cional e precedentes.38
Além disso, consagrar princípios implícitos, ou seja, reco-
nhecer a existência de direitos ou princípios não estabelecidos
na Constituição; “defensa das minorias” que foram afetadas pelo
processo democrático majoritário;39 medidas judiciais corretivas
e direito internacional que convoca ao direito comparado para
referenciar e adequar decisões.40
5. (DES)VANTAGENS DO ATIVISMO NO
PODER JUDICIÁRIO
51
Ao contrário do que foi mencionado, os riscos constituem
uma contrapartida ao ativismo judicial, pois eles dão a conhe-
cer os pontos fracos que alguns autores, como Barroso assevera,
tornaram-se desiguais com o apresentado nos parágrafos ante-
riores, em que :
52
tituição, portanto chamada a estabelecer os limites do poder
como foi concretizado num Estado Constitucional de Direito.
Clarisa Tassinati agrega, conforme o dito que, a sujeição
do juiz à lei passa a ser sujeição à lei que seja válida, ou seja, que
seja materialmente coerente com a Constituição, que dizer que
as decisões que o funcionário elabore devem ter como base os
textos constitucionais.
Conforme aponta Cappelletti, se o juiz for inevitavelmen-
te um criador de Direito, ele também deve atender a uns limites
processuais e substanciais, pois não é um sujeito livre de víncu-
los. Quanto aos primeiros, são os relacionados à natureza mes-
mo do processo; Quanto aos segundos, os limites substanciais,
será o contexto, tempo e espaço que determine o campo de
ação. Detalhando que, mesmo assim, existindo as normas, leis
ou precedentes, o juiz irá acudir a um grau de criatividade e res-
ponsabilidade, assim que o juiz, vinculado a precedentes ou à lei
(ou a ambos) tem como dever mínimo apoiar sua própria argu-
mentação em tal direito judiciário ou legislativo, e não (apenas)
na “equidade” ou em análogos e vagos critérios de valoração.44
O juiz atua em dois momentos, quando existem bases
precisas ou estabelecidas, e quando não tem respostas e deve
gerá-las. Para Streck,45 no primeiro momento não há problema
algum, só num segundo momento é que surge o inconvenien-
te, pois o juiz deve escolher e emitir uma resposta pertinente,
orgânica e com fundamentação jurídica, mas que o juiz não
conta com essa discricionariedade para fazê-lo, pois fazendo-o
geraria desequilíbrio.
53
Contrário ao definido por Cappelletti,46 que acentua que
discricionariedade de escolher não necessariamente significa
arbitrariedade:
54
Ronald Dworkin, por outro lado, apresentou a tese da exis-
tência de uma única resposta correta. Portanto a questão deixa de
ser acerca da efetiva existência de uma verdade ou de uma única
resposta correta, e passa a ser a de quem tem autoridade para pro-
clamá-la. E mais que isso, o juiz não deve ignorar os deveres de
integridade e coerência,49 já que decisões sem fundamentação
são consideradas nulas, desenvolvendo garantias com objetivi-
dade e imparcialidade com integração de valores éticos justos.
Expressando na mesma linha, Luigi Ferrajoli50 afirma:
55
ativismo não atuou em detrimento dos direitos fundamentais
e para o benefício do poder estatal, não excede os limites de
suas funções.52
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
56
com o poder de discricionariedade ou não, a decisão deve fun-
damentar-se em princípios constitucionais, limites processuais e
substanciais (de acordo com o processo, contexto e tempo) e ele-
mentos com critérios que proporcionem a decisão mais correta.
Em conclusão, porquanto não se possam estabelecer os
limites de ação de maneira tácita nos diferentes processos e si-
tuações, os juízes terão como atribuições relativas à guarda da
Constituição e do regímen democrático, com a finalidade de
conceder direitos legalmente constituídos nela.
REFERÊNCIAS
57
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Tradução de Carlos
Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fa-
bris Editor, 1999.
58
C AP ÍTULO IV
1. INTRODUÇÃO
59
Nesse contexto, a politização, ao lado de outras formas
de atuação heterodoxa do Poder Judiciário, representaria um
desvirtuamento dessa estruturação do poder político e uma
ofensa aos ditames constitucionais, uma vez que tem como
consequência a influência das decisões judiciais sobre temas da
alçada de outros poderes.
A politização do Poder Judiciário pode ser analisada sob
um enfoque histórico e sociológico, ensejando questionamen-
tos a respeito de uma permeabilidade desse poder em relação
às forças sociais que restaria por minar a estabilidade da sepa-
ração tal como preconizada pelo constituinte.
Todavia, tal análise pecaria pela falta de critérios para de-
finição do que sejam os julgamentos e as atuações ditas politi-
zadas, mesmo porque quase todos os julgados emanados das
cortes superiores podem ter reflexos políticos consideráveis,
os quais, todavia, não devem necessariamente ser confundidos
com o fenômeno que se propõe a analisar este estudo.
Afigura-se, portanto, primordial uma análise da politiza-
ção do Poder Judiciário a partir de um ponto de vista jurídi-
co-constitucional. Com efeito, embora muito se fale a respeito
do tema nos periódicos jornalísticos, pouco se tem elaborado a
respeito em termos técnico-jurídicos.
Sendo assim, faz-se necessária a construção de uma de-
finição desse fenômeno, como pressuposto para sua correta
identificação e, consequentemente, desenvolvimento de estu-
dos mais acurados a respeito da matéria.
É fundamental observar que o debate acerca da politiza-
ção do Poder Judiciário não é uma exclusividade do cenário
institucional brasileiro, sendo bastante frequente em outros Es-
tados também considerados Democráticos de Direito. Exem-
plificativamente, nos Estados Unidos da América, muito se fala
em partidarismo dos julgadores da Supreme Court.
Este artigo destina-se a explorar a questão da politização
do Poder Judiciário com foco não só no desvirtuamento da se-
paração de poderes, mas sobretudo no caráter violador de prer-
60
rogativas e garantias constitucionais que tal sorte de atuação
por parte de magistrados pode representar.
Nesse sentido, buscar-se-á estabelecer um corte episte-
mológico em função da distinção entre a politização e outros
fenômenos também decorrentes de uma atuação heterodoxa do
Poder Judiciário, quais sejam, a judicialização da política e o
ativismo judicial. Isso porque, embora sejam todos corolários
do fortalecimento do Judiciário, não são fenômenos idênticos,
merecendo cada qual um estudo específico.
Para a boa qualidade deste estudo, proceder-se-á também
a uma análise, ainda que breve, de determinadas atuações de
magistrados reputadas politizadas. Furtar-se de tal verificação
seria excesso de cautela, bem como poderia levar o interlocutor
a um exercício de abstração desnecessário e pouco didático.
Assim, as bases teóricas aqui estabelecidas serão confron-
tadas com breves estudos de caso, sempre com o fito de contri-
buir com o engrandecimento desta obra.
2. SEPARAÇÃO DE PODERES
54 MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 168.
61
monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para execu-
tá-las tiranicamente.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for sepa-
rado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido
ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos
cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se esti-
vesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de
um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo
dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três
poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas
e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.
55 É preciso citar também as chamadas funções atípicas de cada um dos po-
deres, que são aquelas não atreladas ao seu mister fundamental. Assim é que
o Poder Judiciário, exemplificativamente, além de sua função típica de dizer o
direito, exerce funções administrativas em relação a sua estrutura interna, além
de produzir internamente regulamentos de tribunais.
56 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p. 107.
62
órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecidas no
título da organização dos poderes”.57
Sendo assim, em termos didáticos, o Estado divide sua
atuação em três funções principais: a legislativa, consistente na
elaboração das regras gerais e abstratas; a executiva, consistente
na atuação administrativa em si, compreendida como a prática
de atos gerais e abstratos; e a judiciária, a qual consiste na apli-
cação do direito aos casos concretos, com o fito de promover a
paz social.
Ressalta-se que o artigo 2.º estabelece que os poderes se-
jam independentes entre si. Tal determinação demanda, no di-
zer de Luís Roberto Barroso, o atendimento a três requisitos:
57 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 106.
63
Silva exemplifica o funcionamento do sistema de freios e con-
trapesos, em nosso sistema constitucional, da seguinte forma:58
58 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São
Paulo: Malheiros, 2005, p. 110.
64
3. O PODER JUDICIÁRIO E OS MAGISTRADOS
65
As garantias do Poder Judiciário, em geral, e a do magistra-
do, em particular, destinam-se a emprestar a conformação de
independência que a ordem constitucional pretende outorgar
à atividade judicial. Ao Poder Judiciário incumbe exercer o
último controle da atividade estatal, manifeste-se ela por ato
da Administração ou do próprio Poder Legislativo (contro-
le de constitucionalidade). Daí a necessidade de que, na sua
organização, materialize-se a clara relação de independência
do Poder Judiciário e do próprio juiz em relação aos demais
Poderes ou influências externas.
66
de 1988 caracteriza-se por ser analítica, dispondo expressa-
mente sobre uma gama de direitos fundamentais. Tal arquite-
tura constitucional acaba por ensejar aos cidadãos, diante da
não efetivação desses direitos pelo Legislativo e pelo Executivo,
o encaminhamento da demanda ao Judiciário, que acaba por
ocupar o espaço reservado aos outros poderes para implemen-
tar as medidas necessárias à efetivação de direitos.
Cabe notar que tal fenômeno é parte da agenda de atua-
ção do Poder Judiciário no ordenamento tal como concebido,
não devendo, portanto, ser visto com nenhum estranhamento.
A respeito, dispõe Luís Roberto Barroso:60
67
ticos e morais pelos seus, a partir de sua subjetividade (chamo
a isso de decisões solipsistas).
68
5. POLITIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E ANÁLISE
DE CASO
69
praticada em sede processual, dirigida por intenções políticas
do magistrado.
Notoriamente, a atuação politizada de magistrados deve ser
objeto de controle, uma vez que, além de adentrar a esfera políti-
ca de maneira totalmente ilegítima, já que não são eleitos, e sim
investidos no cargo, ofendem princípios constitucionais como o
da imparcialidade do juiz, o da legalidade (Art. 5.º, inciso II) e o
da fundamentação das decisões judiciais (Art. 93, inciso IX).
Este estudo pecaria por excesso de cautela se deixasse de
analisar um caso concreto em que restasse manifesta a ocorrên-
cia de politização do Poder Judiciário. Como caso paradigmá-
tico, elege-se uma das várias situações envolvendo os processos
em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado do
crime de corrupção passiva, no contexto da “Operação Lava-Ja-
to”, qual seja, o episódio do habeas corpus impetrado no plantão
do TRF-4. Assim foi noticiado o acontecimento:63
70
Favreto que, por sua vez, acolheu o pedido dos impetrantes
concedendo a ordem e, por conseguinte, determinando a
imediata soltura do ex-presidente Lula.
Após a concessão da ordem no referido HC, a qual continha
ordem para o magistrado de primeira instância (o juiz Sérgio
Moro) determinar a elaboração do alvará de soltura, este se
negou ao cumprimento da ordem do desembargador Favreto
sob o fundamento de que ele era incompetente para proferir
decisão no pedido a ele formulado, após, o desembargador
Favreto solicitou que fosse aberta investigação da conduta do
juiz Sérgio Moro pela suposta desobediência ao cumprimen-
to da ordem. Após, o relator da “Lava Jato” na segunda instân-
cia, o desembargador também do TRF-4, João Pedro Gebran
Neto proferiu nova decisão revogando a liberdade concedida
pelo desembargador plantonista (Favreto); inconformado,
Favreto reiterou a ordem de soltura impondo agora prazo
para seu cumprimento, bem como que as autoridades res-
ponsáveis se abstivessem de qualquer formalidade tais como
a realização de exame de corpo de delito, após, ainda no mes-
mo dia, para finalizar o imbróglio, foi necessária a intercessão
do presidente do TRF-4, o desembargador Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz, que manteve a prisão do ex-presiden-
te Lula, bem como que os autos do processo (HC impetrado
no plantão) fosse remetido ao relator Gebran Neto.
71
primento de ordem emanada de outro de hierarquia superior,
mormente em se considerando todas as pechas atribuídas a sua
atuação no processo, dando conta de vazamentos indevidos de
gravações em contextos comprometedores, realização de con-
duções coercitivas de maneira abusiva64 e condenação sem pro-
vas concretas de delito.
Certo é que a atuação do Poder Judiciário, violou expli-
citamente o princípio da imparcialidade do juiz. Com efeito,
tanto ao desembargador quanto ao juiz federal referidos no re-
lato são atribuídas inclinações políticas com clara influência no
processo.
Questiona-se, assim, acerca das possibilidades de controle
da politização do Poder Judiciário.
Ora, não é dificultoso conceber a resposta: em se tratando
de atuações claramente ofensivas ao ordenamento jurídico, seu
controle deve ser exercido da maneira convencional, isto é, em
caso de decisão de instâncias inferiores, por meio do provimento
dos tribunais que a sucedem nos ritos recursais e, em se tratando
de decisões emanadas da Corte Suprema, pelo do controle dos
outros poderes. Em última instância, portanto, pode-se cogitar
do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal.
6. CONCLUSÃO
72
Nesse diapasão, a politização do Poder Judiciário denigre
a separação de poderes e a própria função jurisdicional.
É sabido que a doutrina não tem logrado apresentar defi-
nições satisfatórias do que seja esse fenômeno, por vezes con-
fundindo-o com a judicialização da política ou com o ativismo
judicial. Define-se, todavia, como a atuação processual de ma-
gistrados dirigida por ideologias ou partidarismos e com fina-
lidades políticas.
Lamentavelmente, o cenário político brasileiro sempre
foi profícuo em apresentar exemplos desse fenômeno, cabendo
aos pesquisadores não só observar as ocorrências, mas também
abominar tais práticas. Para isso, todavia, cabe frisar, é necessá-
ria a correta definição do que se deva entender por politização
do Poder Judiciário.
Tais exemplos representam clara violação do princípio
constitucional implícito da imparcialidade do juiz, assim como
de outros, conforme o caso concreto, merecendo, por isso se-
rem controlados pelas instâncias competentes para tal, quais
sejam, os tribunais superiores e, em caso de politização do Su-
premo Tribunal Federal, os demais poderes.
REFERÊNCIAS
73
MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2000.
74
C AP ÍTULO V
1. INTRODUÇÃO
75
todo ordenamento jurídico baseado em valores humanos e so-
ciais que passaram a ser tidos como de Direitos fundamentais,
servindo de pilares para toda a organização política, econômica
e social do Estado democrático brasileiro.
No entanto se deve destacar que o texto constitucional de
1988 tem em seu corpo normativo enunciados de caráter de
cláusulas gerais, que possibilitam, por exemplo, a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária, entre outros valores, não
tendo por finalidade apresentar soluções para situações espe-
cíficas, no entanto se apresentam como vetores interpretativos
para a aplicação do Direito, utilizando para isso os objetivos
fundamentais do Estado brasileiro.
A interpretação jurídica tem por finalidade relevar o sen-
tido do que está contido no texto normativo, no entanto, pela
construção interpretativa, esse sentido se dá por meio de uma
conjuntura que muitas vezes supera os limites estritos do texto
positivado. Isso ocorre por causa do amplo alcance da norma
que supera as reflexões superficiais, uma vez que a constitui-
ção disciplina uma grande diversidade de relações socais, en-
tre as quais podemos destacar as relações políticas que devem
ser orientadas em conformidade com os objetivos previstos na
Constituição.
A Constituição Federal tem o surgimento do seu texto
normativo por meio do poder originário, este legítimo, uma
vez que foi resultado da soberania popular, com a sua promul-
gação o texto constitucional passa a contar com a supremacia
constitucional, servindo como limitador do governo da maio-
ria, garantindo ainda a proteção dos direitos fundamentais de
cada cidadão.
As normas constitucionais têm características específicas
que as diferenciam das demais, como, por exemplo, o seu status
jurídico em que por causa do princípio da supremacia consti-
tucional acabam por possuir superioridade jurídica, ficando a
Constituição responsável pelo controle de todas as demais nor-
mas pertencentes ao ordenamento jurídico; segundo é possível
observa a natureza da linguagem do texto normativo constitu-
76
cional em que pese ter um sentido amplo de conceitos que vi-
sam abarcar diversas situações em tempos diferentes; ainda por
terceiro, e não menos importante, o texto constitucional tem por
objetivos indicar os direitos fundamentais e organizar os poderes
de forma harmônica, em que todos os poderes devam atuar em
prol de garantir a proteção dos objetivos constitucionais.
O Estado tem por função social o dever de prover os di-
reitos fundamentais de sua população, e para isso é organizado
dentro do regime jurídico em poderes independentes entre si,
com papéis bem definidos, dividido em Legislativo, Executivo
e Judiciário, que têm por finalidade as respectivas funções de
legislar, executar e julgar. É importante mencionar que os po-
deres são e devem permanecer independentes entre si para que
se possa manter a base de sustentação do Estado Democrático
Brasileiro de Direito, mas mesmo sendo independentes estão
intimamente ligados entre si, com o objetivo do Estado em
prover sua função social fim: a de garantir que os direitos fun-
damentais previsto dentro do ordenamento jurídico brasileiro
sejam efetivados.
Todas essas características demostradas anteriormente
fazem com que a tarefa interpretativa constitucional seja tida
como complexa, devendo ser exercida pelo hermeneuta com
o auxílio da doutrina e jurisprudência; dos elementos de in-
terpretação e ainda dos princípios específicos de interpretação
constitucional, devendo sempre estabelecer a conexão entre to-
das essas categorias para uma melhor interpretação da norma
constitucional.
A ideia inicial de que o intérprete, em via de regra, somen-
te recorre ao auxílio de regras e princípios doutrinários tem ex-
ceção no Direito brasileiro, uma vez que se dá muito valor ao
que está escrito. Com esse intuito foi promulgado o decreto lei
n.° 4.657, de 4 de setembro de 1942.
A Lei de Introdução às normas de Direito brasileiro (LIN-
DB) apresenta os vetores que auxiliam os hermeneutas na tarefa
de interpretação das normas. É importante destacar que a LINDB
tem caráter instrumental e não tem por finalidade dar respostas
77
diretas para os casos concretos levados a apreciação do Poder
Judiciário, mas apenas apresentar um caminho interpretativo.
A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LIN-
DB), trata objetivamente sobre a obrigatoriedade de lei (Art.
3.°); sobre as lacunas (Art. 4.°); ainda sobre a função social da
lei (Art. 5.°):66
78
a ligação com a legislação (elemento sistêmico); sua função so-
cial (elemento teleológico); e ainda o processo histórico em que
se deu a edição do texto normativo (elemento histórico).
A interpretação jurídica se dá pelo elemento gramatical
sempre que utilizar do significado livre e literal das palavras
inseridas na letra da norma, por meio desse método o herme-
neuta não encontra muitas dificuldades para expressar a totali-
dade do significado normativo, ainda se faz oportuno relatar o
posicionamento da jurisprudência que considera insuficiente a
utilização desse elemento de interpretação do Direito, ponde-
rando que o intérprete deverá sempre realizar a conexão com
outros elementos. Como exemplos do elemento gramatical, te-
mos a indicação quantitativa de onze ministros para a compo-
sição da corte do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme
redação do Art. 101 da Constituição Federal/88, e ainda a idade
mínima de 35 anos para o exercício do cargo de Presidente da
República contida no Art. 153, I da CF/88.
O elemento de interpretação histórico é tido de maneira
equivocada como de menor importância, já que não temos a
mesma cultura de precedentes que os países do common law,
não se pode deixar de lado sua importância para vários jul-
gados da corte suprema brasileira, por meio desse elemento é
possível entender os motivos que culminaram na edição nor-
mativa por parte do legislador ou até mesmo a compreensão de
algum julgado, por meio do conhecimento histórico vivido na
época da edição de determinada lei é possível ter uma maior
aproximação com a vontade do legislador. Podemos ter como
claro exemplo a ADPF 130/DF, em que por maioria dos votos
não foi recepcionada a Lei de Impressa (lei n.° 5.260/1967).
Embora alguns dos seus dispositivos sejam compatíveis com
a Constituição Federal/88, os ministros do Supremo Tribunal
entenderam que a legislação carrega em seu cerne as marcas
do regime militar e que a impressão não as deve conter, mesmo
que seja de normas isoladas do período da censura e da políti-
ca velada da ditadura.
79
O elemento de interpretação sistemática considera a inter-
pretação do ponto de vista de um sistema composto de harmo-
nia e unidade, remetendo o hermeneuta para a ideia de um or-
denamento jurídico, em que a constituição está no controle do
sistema normativo, devendo dar unidade para todo o sistema, o
interprete deve buscar os objetivos e os fins sociais que o texto
constitucional busca atingir, somente por meio desse método
será possível alcançar harmonia perante todo o ordenamento,
seja nos subsistemas da economia ou da política.
A interpretação sistêmica é considerada como umas das
principais formas interpretativas na aplicação do Direito, em que
podemos destacar os ensinamentos do professor Eros Roberto
Grau:67
80
tiva do Brasil, devendo sempre o intérprete obedecer os vetores
elencados no artigo 3.° da CF/88:68
81
das regras jurídicas. Desempenham pelo do seu valor amplo e
genérico o norte interpretativo capaz de dar coesão a todas as
normas pertencentes ao ordenamento jurídico do Estado brasi-
leiro, na seara constitucional ainda tem por finalidade justificar
a existência do próprio Estado Democrático de Direito.
Sampaio, Wold e Nardy considera que:69
69 SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris e NARDY, Afrânio José Fonseca.
Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
82
Alexy, ao diferenciar princípios e regras, aponta:70
71 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Mar-
tins Fontes, São Paulo: LTr, 2009, p. 57.
83
de uma matéria que gera direitos, e ao mesmo tempo, deveres
ao Estado e a toda a coletividade com a finalidade de justificar a
própria existência do Estado Democrático de Direito.
A tarefa interpretativa da norma jurídica é construída
com a combinação dos elementos interpretativos que foram
demostrado acima, se mostrando ainda como sendo uma ati-
vidade que exige muita técnica, uma vez que não deve ser feito
de forma isolada, mas sempre considerando a norma dentro do
ordenamento.
Diante das características que diferenciam o texto consti-
tucional das demais normas, como a supremacia: a carga valo-
rativa ampla do seu conteúdo, dedicada a disciplinar desde a fa-
mília até as questões políticas, deve necessariamente contar com
uma rica base de princípios que visem sobretudo manter sempre
o norte interpretativo na busca da concretização dos objetivos
fundamentais do Estado, contidos no texto constitucional.
Devemos passar agora a expor sem maiores aprofunda-
mentos os princípios de interpretação constitucional, iniciando
pelo princípio da supremacia, em que por meio da Constitui-
ção, a soberania popular se transforma em supremacia, desta
feita acaba por colocar a Constituição no topo da cadeia hierár-
quica das normas jurídicas, prevalecendo, assim, em posição
de destaque perante as outras normas que compõem o orde-
namento jurídico. Com essa colocação didática acima fica fácil
compreender que o sistema não suporta que exista nenhuma
outra norma jurídica dentro do ordenamento jurídico, que não
esteja em harmonia com o regramento constitucional, devida-
mente fundamentado no princípio da supremacia constitucio-
nal, derivando ainda desse princípio o mecanismo de proteção
da Carta Magna, que são conhecidos como controle de consti-
tucionalidade, controle esse desempenhado pelo Poder Judiciá-
rio, seja pela via incidental ou pela via principal.
O Princípio da Unidade da Constituição é responsável por
orientar o hermeneuta na tarefa de levar harmonia na busca
pelo significado da norma, já sabemos que o texto constitu-
cional é o responsável pela unidade do ordenamento jurídico.
84
Quando se fala em unidade é em sentido de evitar conflitos en-
tre a carga valorativa dos preceitos constitucionais, mas ocorre
muitas vezes choque entre algumas normas do ordenamento e
outras vezes conflitos dentro do próprio texto constitucional,
isso tudo em decorrência da amplitude da Constituição, que
contempla numerosas situações que envolvem interesses opos-
tos. A grande dificuldade em resolver os conflitos constitucio-
nais está na ausência de hierarquia entre normas pertencentes
à Constituição e, ainda diferentemente das demais normas do
ordenamento jurídico, as normas constitucionais não podem
ser taxadas como inconstitucionais em face de outra.
Como forma de solução para casos de difícil interpreta-
ção, como os apresentados onde existe conflito entre normas
constitucional, o intérprete deve-se valer do princípio da uni-
dade constitucional, no sentido de sempre que possível manter
ao máximo o núcleo dos objetivos fundamentais da Constitui-
ção se valendo da teoria dos limites imanentes, explicitada nas
palavras de Jane Pereira:72
85
Por fim, e não menos importante, temos o Princípio da
Máxima Efetividade da Norma Constitucional, pelo qual o her-
meneuta busca identificar a vontade da Constituição, de modo
que possa sempre que possível fazer opção por aquele caminho
interpretativo que esteja mais próximo dos objetivos expostos
no artigo 3.° da Constituição Federal, mesmo para os casos em
que o legislador se omitiu.
4. CONCLUSÃO
86
a erradicação da pobreza. Em ambiente, no qual sejam veda-
das práticas que representem discriminações de raça, sexo, cor,
ideologia ou mesmo de qualquer outra forma de segregação.
Em suma, concluímos que o intérprete tem um papel de
grande importância para o Direito, visto que seu papel deve ir
além dos elementos tradicionais na tarefa de interpretação da
norma, buscando sempre o confronto da norma com a realida-
de social em que está inserida, devendo diante desse constante
conflito prevalecer sempre os objetivos primários do Estado
brasileiro, como verdadeiros vetores interpretativos de todo o
ordenamento jurídico.
REFERÊNCIAS
87
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e Interpreta-
ção Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2010.
88
C AP ÍTULO V I
1. INTRODUÇÃO
89
direito numa situação de insegurança. A coerência do ordena-
mento jurídico não é condição de validade, mas de efetividade.75
Por fim, a completude do ordenamento jurídico diz res-
peito pela ausência de vazios jurídicos (lacunas normativas),
em que o Direito prevê todas as possibilidades da vida em so-
ciedade. Conclui-se que o Direito é um sistema hierárquico,
coerente e completo de normas jurídicas.
Quem primeiro idealizou esses comandos no estudo do
ordenamento jurídico foi o jurista Hans Kelsen, em seu livro
Teoria pura do Direito. Ele buscou transformar o Direito numa
ciência jurídica, defendendo uma absoluta neutralidade em
face do conteúdo político, ético, sociológico ou religioso no
plano de criação das normas.
A teoria Kelseniana aspirava à neutralidade, a autonomia
e objetividade da ciência do direito, excluindo do conceito de
seu objeto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas,
especialmente aquelas de cunho axiológico ou sociológico, que
seriam objeto de estudo de outras disciplinas, tais como a So-
ciologia, Filosofia, Religião, Ciências da Natureza e etc.
A norma jurídica vinha despida de quaisquer valores,
não importando o conteúdo do direito, mas sim a sua natureza
como ciência jurídica (cientificidade do Direito).
No mesmo sentido, Carlos Francisco Büttenbender, em
sua obra Da Norma ao Ordenamento: uma visita a Kelsen e
Bobbio, comenta:
90
Ao estudar a questão da validade da norma jurídica, Kelsen
procurou afastar as alternativas postas pelo jusnaturalismo,
rechaçando as fundamentações metafísicas que colocavam o
fundamento de validade do direito na Religião (Deus) ou na
Natureza. Igualmente procurou afastar-se da fundamentação
fática, porque procurou fazer nítida distinção entre o mundo
do ser (fatos) e o do dever-ser (direito).76
2. ANTINOMIAS JURÍDICAS
91
A título de exemplo, normas seriam contraditórias quan-
do uma delas permite um comportamento e a outra norma
conflitante proíbe esse mesmo comportamento, estando elas
válidas e vigentes no mesmo ordenamento jurídico. Tal fenô-
meno é chamado pela doutrina de Antinomia Jurídica, que
afeta diretamente a segurança jurídica, devendo ser evitado no
ordenamento: o Direito não tolera antinomias.77
Segundo Bobbio, definimos a antinomia como aquela si-
tuação na qual são colocadas em existência duas normas, das
quais uma obriga e a outra proíbe (contrariedade), ou uma
obriga e a outra permite (contraditoriedade), ou uma proíbe e a
outra permite o mesmo comportamento (contraditoriedade).78
Os verbos seriam proibir, obrigar e permitir, cada um coexis-
tindo com uma norma conflitante, gerando assim as antinomias.
Além das situações acima descritas, para que haja anti-
nomia, ainda é necessário que as duas normas coexistam no
mesmo espaço; devem ter o mesmo âmbito de validade; seus
comandos ser incompatíveis e persistir a insustentabilidade da
posição do destinatário da norma, ou seja, o sujeito deve ficar
numa posição insustentável, sem nenhuma regra jurídica que
aponte uma solução positivamente válida para a solução do
conflito.
92
2.1. Espécies de antinomias jurídicas.
93
doutrina, a princípios gerais do direito, entre outros. O fato,
porém, de que estas antinomias ditas reais sejam solúveis desta
forma não exclui a antinomia, mesmo porque qualquer das
soluções, ao nível da decisão judiciária, pode suprimi-la no
caso concreto, mas não suprime a sua possibilidade no todo
do ordenamento, inclusive no caso de edição de nova norma,
que pode por pressuposição, eliminar uma antinomia e, ao
mesmo tempo dar origem a outras. O reconhecimento de que
há antinomias reais indica, por fim, que o direito não tem o
caráter de sistema lógico-matemático, pois sistema pressupõe
consistência, o que a presença da antinomia real exclui.80
94
mais importante a Constituição, servindo de fundamento de
validade para as demais normas jurídicas.
Este autor, para dar sentido a sua teoria, criou uma pirâ-
mide abstrata hierarquizada de normas, onde no topo estaria a
Constituição, cujo fundamento de validade é retirado de uma
Norma Hipotética,81 pressuposta ao próprio jurista. A Norma
Hipotética Fundamental é a norma última superior, a mais ele-
vada, não posta no ordenamento jurídico, mas sim pressuposta,
servindo para fundamentar todo o resto.
Em outras palavras, o Direito se conceituaria em um sis-
tema escalonado e gradativo de normas jurídicas, de todas as
espécies normativas, em que cada qual retira sua validade da
camada que lhe é imediatamente superior, e assim sucessiva-
mente, até alcançar a norma hipotética fundamental que lhes
dá o fundamento de validade.
Portanto, uma norma hierarquicamente superior preva-
lece sobre norma hierarquicamente inferior, da mesma forma
que uma norma hierarquicamente inferior nunca poderá se so-
brepor a uma norma hierarquicamente superior, uma vez que
extrai seu fundamento de validade dessa norma. A estrutura
lógica da ordem jurídica é piramidal, estabelecendo uma hie-
rarquia, uma relação de subordinação.
Como exemplo prático pode citar uma antinomia de uma
norma constitucional versus uma norma infraconstitucional
(leis complementares, ordinárias, resoluções etc). Pelo critério
hierárquico, fica claro que a norma constitucional prevalece so-
bre qualquer outra norma que esteja abaixo da Constituição. A
norma infraconstitucional retira seu fundamento de validade
da norma superior.
81 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6 ed. Martins Fontes. São Paulo:1999,
p. 141.
95
2.2.2. Critério Cronológico
83 Art. 2.°, §1° do Decreto Lei n.° 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB.
96
2.2.3. Critério da Especialidade
85 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 40.
97
que o primeiro diploma trata de pessoas de forma geral e o se-
gundo de uma situação mais específica, pessoas que são crian-
ças e adolescentes.
Num eventual conflito entre essas normas, o conflito será
solucionado pelo critério da especialidade, prevalecendo o di-
ploma normativo do Estatuto da Criança e do Adolescente em
detrimento do Código Civil. Bom salientar que o ECA jamais
iria revogar o Código Civilista, mas sim torná-lo inaplicável na-
quilo que disciplinou com mais especificidade. Estende-se esse
exemplo também a outros diplomas normativos, tais como o Es-
tatuto do Idoso, dos Índios, dos Portadores de Deficiência etc.
98
sancionada no ano de 1988 e de ordem constitucional entra em
conflito com uma norma “B”, sancionada em 2018 e de ordem
infraconstitucional (de lei complementar), ambas tratando da
mesma matéria. Qual dessas normas, “A” ou “B”, seria aplicada
no caso concreto?
Se fosse aplicado apenas um critério de solução para o caso,
por exemplo, o critério temporal ou cronológico, a norma “B”
teria revogado a norma “A”, uma vez que a norma mais recente
revoga a norma mais antiga quando ambas tratarem da mesma
matéria. Todavia, essa não foi apenas a problemática do caso,
uma vez que questão de hierarquia também veio à tona. Apesar
da norma “B” ser mais recente, jamais poderia se sobrepor a
norma “A”, já que esta é de ordem constitucional, em detrimento
daquela de ordem infraconstitucional (lei complementar).
Nesse contexto, quando existir um conflito de antinomias
sobre os critérios de solução, entre o critério hierárquico versus
o critério temporal ou cronológico, prevalecerá o critério hie-
rárquico, para todos os efeitos. Norma superior prevalece sobre
norma inferior (pirâmide de Kelsen).
99
de especialidade que a norma “B” estaria disciplinando no caso
concreto. A norma “B” só teria prevalência sobre a norma “A”
se fosse uma norma de mesma hierarquia normativa, ou seja,
estivesse no mesmo patamar hierárquico. Isto posto, quando
existir um conflito de antinomias sobre os Critérios de Solução,
entre o Critério Hierárquico versus o Critério da Especialidade,
prevalecerá o Critério Hierárquico.
100
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
para todos os impasses, especialmente entre normas, nele se
encontram presentes.
REFERÊNCIAS
102
https://jus.com.br/artigos/6953/sintese-comentada-a-teoria-
-do-ordenamento-juridico-de- noberto-bobbio/2. Acesso em
25 de outubro de 2018.
https://erosmarella.jusbrasil.com.br/artigos/322773143/a-
-completude-do-ordenamento- juridico. Acesso em 25 de ou-
tubro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2016-nov-26/diario-classe-nao-fa-
ca-bobbio-importancia- ordenamento-juridico. Acesso em 26
de outubro de 2018.
https://www.meuadvogado.com.br/entenda/hans-kelsen-x-
-noberto-bobbio.html. Acesso em 26 de outubro de 2018.
https://jus.com.br/artigos/7207/das-antinomias-juridicas.
Acesso em 26 de outubro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2016-nov-26/diario-classe-nao-fa-
ca-bobbio-importancia- ordenamento-juridico#_edn12. Aces-
so em 26 de outubro de 2018.
Legislação:
Decreto Lei n.° 4.657/1942. Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB. Acesso em 25 de outubro de 2018.
103
C AP ÍTULO V II
1. INTRODUÇÃO
105
A Constituição Federal de 1998 representou um novo pa-
radigma na proteção de direitos fundamentais entre o indivíduo
e o Estado, entretanto, no atual contexto social, grande parte de
violações às prerrogativas essenciais do cidadão comum não
partem apenas do poder público, mas também de particulares.
Desta forma, o questionamento trazido neste trabalho é:
Os direitos fundamentais possuem aplicabilidade direta na so-
lução de conflitos entre particulares no ordenamento jurídico
brasileiro? Como compatibilizar os direitos fundamentais de
cunho negativo em relação ao Estado com a autonomia privada
nas relações entre particulares?
Esta pesquisa se realizou por meio do método dedutivo,
tendo em vista que esse método possibilita levar o investigador
do conhecido para o desconhecido com uma margem pequena
de erro.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos adotados
a pesquisa foi bibliográfica e jurisprudencial, baseando-se em
dados extraídos de livros, artigos, pesquisas realizadas sobre o
tema, sites e textos, além da análise de decisões do Supremo
Tribunal Federal, que mostrem, comprovem e forneçam infor-
mações válidas nos alcances dos objetivos do trabalho.
A forma de abordagem do problema foi realizada por
meio da pesquisa qualitativa, uma vez que não se vão medir
dados, mas sim identificar suas naturezas.
106
aquela defendida por Ingo Sarlet, qual seja, a de que os direitos
fundamentais são os direitos inerentes à própria condição da
dignidade da pessoa humana (direitos humanos) positivados
em um Estado Constitucional:
Os direitos humanos (como direitos inerentes à própria
condição e dignidade humana) acabam sendo transformados
em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporan-
do-os ao sistema de Direito Positivo como elementos essen-
ciais, visto que apenas mediante um processo de “fundamen-
talização” (precisamente pela incorporação às constituições) os
direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia
jurídica e seu caráter vinculante em relação a todos os poderes
constituídos no âmbito e um Estado Constitucional.87
Os direitos fundamentais encontram-se relacionados com
a evolução da história política, de onde destaco que o seu surgi-
mento se deu de forma lenta e gradual, em diferentes contextos
sociais e históricos, com o fim de alcançar uma vida digna a
todos os indivíduos.
Nesse entoar, Norberto Bobbio afirma que:
88 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12ª tir., Rio de Janeiro: Campus, 1992,
p. 5.
107
de resguardar o indivíduo dos abusos de poder praticados pelo
Estado:
Os direitos fundamentais surgiram como resultado de
uma evolução histórica ocorrida por meio de batalhas, revolu-
ções e rupturas sociais que miravam a exaltação da dignidade
do homem e a construção de garantias desses direitos, visando
resguardá-los dos abusos de poder praticados pelo Estado.89
Nesta esteira, os direitos humanos de primeira dimensão
objetivam uma prestação negativa por parte do Estado, garan-
tindo, deste modo, liberdade aos indivíduos. Dizem respeito às
liberdades políticas e aos direitos civis e políticos, que traduzem
o valor de liberdade e representam um grande marco para o
constitucionalismo liberal.
Foram os primeiros a serem conquistados pela humanida-
de e relacionam-se à luta pela liberdade, segurança e proteção
do indivíduo perante o Estado. Como ensina Daniel Sarmen-
to, os direitos fundamentais “no ideário liberal, não eram nada
mais do que deveres de abstenção do Estado, que deveria man-
ter-se inerte para não violá-los. O essencial era salvaguardar as
liberdades privadas do exercício do poder político”.90
Com isso, temos que sob o esteio do liberalismo, veio à
tona a “primeira dimensão” dos direitos fundamentais, de ín-
dole defensivista, cujo objetivo era garantir uma esfera de li-
berdade individual para cada ser humano. A sociedade, livre
da opressão estatal, passaria a se autorreger na esfera privada,
ponto essencial para a análise da problemática envolvida no
presente trabalho.
Já os direitos fundamentais de segunda dimensão têm
como marca os direitos sociais, culturais e econômicos, cor-
respondendo aos direitos de igualdade e a um Estado Social,
108
representando uma prestação positiva por parte do Estado no
sentido de concretizar os direitos sociais.
Com a evolução dos direitos fundamentais de primeira
dimensão para a segunda dimensão, a busca pela dignidade da
pessoa humana anunciou a chegada de um novo paradigma ju-
rídico, um novo constitucionalismo, que vai além da proteção
do indivíduo perante o Estado.
Com isso, temos que os direitos fundamentais foram con-
cebidos para defender a dignidade da pessoa humana contra
quaisquer manifestações de poder, inclusive as não-estatais.
À clássica “função protetiva” dos direitos fundamentais
são acrescidas as obrigações devidas por um Estado de índole
“promocional”, fazendo com que houvesse a incorporação dos
direitos sociais aos textos constitucionais de diversos países,
marca do constitucionalismo social. Na lição oportuna de Cris-
tina Queiroz:
109
Neste sentido, ensina Thiago Sombra que a passagem para
o constitucionalismo social não corresponde à minimização da
liberdade, muito pelo contrário, trata-se de uma ressignificação
do princípio da igualdade:
92 SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas re-
lações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto de encontro
dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 57-58.
110
ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos
de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações so-
ciais, consagram o princípio da solidariedade e constituem
um momento importante no processo de desenvolvimento,
expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracte-
rizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela
nota de uma essencial inexauribilidade.94
95 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41.
111
ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pes-
soal e no qual, em virtude de uma preconizada separação en-
tre Estado e sociedade, entre o público e o privado, os direitos
fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre
os indivíduos e o Estado, no Estado Social de Direito não ape-
nas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também
a sociedade participa cada vez mais ativamente do exercício
do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas
carece de proteção contra os poderes públicos, mas também
contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os deten-
tores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as
liberdades se encontram particularmente ameaçadas.96
112
2. Teorias sobre a eficácia dos direitos fundamentais
nas relações privadas
98 A Constituição de Portugal (1976) determina, no Art. 18, 1, que “os preceitos
constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente
aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Já a Constituição da Suí-
ça (2000) estabelece, no Art. 35,5, que “as autoridades públicas devem cuidar
para que os direitos fundamentais, na medida em que sejam aptos para tanto,
tenham eficácia também nas relações entre privados”.
113
o Estado, que ao exercer a atividade administrativa ou legisla-
tiva, deve observar o cumprimento dos direitos fundamentais.
Sobre o tema, George Marmelstein assevera:
114
4. Finalmente, esta doutrina é acusada de remover importan-
tes áreas de configuração social das mãos do legislador de-
mocrático, cuja liberdade de configuração é restrita devido à
extensa interpretação da Constituição, transferindo-os para
os tribunais, onde Eles removeriam tanto o debate liberal
quanto a correção democrática. Desta forma, acabaria em um
Estado Judicial.100
115
Acontece que, sentindo-se prejudicado pelo boicote, o diretor
anti-semita promoveu, supedaneado no Art. 826 do Código
Civil Alemão (BGB), ação cominatória, na qual exigia a ces-
sação do boicote e o pagamento de indenização.
O Tribunal Estadual de Hamburgo decidiu pela procedência
do pedido, o que motivou Lüth a impetrar recursos peran-
te o Tribunal Superior de Hamburgo e, concomitantemente,
perante o Tribunal Constitucional Federal Alemão. Seu ar-
gumento era que o julgado violara seu direito fundamental à
liberdade de expressão do pensamento, garantido pelo Art. 5
I 1 da Lei Fundamental.
O Bundesverfassungsgericht, debruçando-se especificamente
sobre o problema dos efeitos das normas jusfundamentais no
direito civil, proveu o recurso de Lüth. Mais do que isso, es-
tabeleceu postulados que mesmo hoje – quase 60 (sessenta)
anos depois – seguem na vanguarda do direito constitucional.
Daí porque a doutrina é unânime em reconhecer na decisão o
verdadeiro leading case no tema da eficácia inter privados dos
direitos fundamentais. De fato, raras são as obras a respeito
do tema, no Brasil e no exterior, que não reproduzem trechos
do decisum.101
116
res. Isso apareceu expressamente na construção do Tribunal
Constitucional alemão na decisão do Caso Lüth.102
117
Postula-se por uma eficácia não condicionada à mediação
concretizadora dos poderes públicos, isto é, o conteúdo, a
forma e o alcance da eficácia jurídica não dependem de re-
gulações legislativas específicas nem de interpretação e de
aplicações judiciais, conforme aos direitos fundamentais, de
textos e normas imperativas de direito privado, de modo es-
pecial, daqueles portadores de cláusulas gerais104.
118
Nesta esteira, Paulo Lôbo ensina que os direitos funda-
mentais devem ser aplicados diretamente às relações privadas.
No caso de ausência de norma infraconstitucional, o Estado-
-juiz deverá extrair da norma constitucional todo o conteúdo
necessário para solucionar o conflito. Quando houver norma
infraconstitucional, a interpretação deverá ser feita em confor-
midade com as normas constitucionais. Nas palavras do autor:
119
aplicação desta teoria não implica violação à proteção constitu-
cional da autonomia privada:
120
invocar, direta e imediatamente, a aplicação destes direitos nas
relações privadas.
Com isso, passa-se à análise do entendimento do Supremo
Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, a respeito
da temática.
121
garantido pela Constituição às associações não está imune à
incidência dos princípios constitucionais que asseguram o
respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A au-
tonomia privada, que encontra claras limitações de ordem
jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com des-
respeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente
aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia
da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua
incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar
as restrições postas e definidas pela própria Constituição,
cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos
particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema
de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM
FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO
PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE
CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GA-
RANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO
DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA
DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas
que exercem função predominante em determinado âmbito
econômico e/ou social, mantendo seus associados em rela-
ções de dependência econômica e/ou social, integram o que
se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal.
A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil
sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portan-
to, assume posição privilegiada para determinar a extensão
do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A
exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer
garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido pro-
cesso constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o
qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais rela-
tivos à execução de suas obras. A vedação das garantias cons-
titucionais do devido processo legal acaba por restringir a
própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter
público da atividade exercida pela sociedade e a dependência
do vínculo associativo para o exercício profissional de seus
122
sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos di-
reitos fundamentais concernentes ao devido processo legal,
ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LIV e LV, CF/88).
IV. Recurso extraordinário desprovido (STF – RE 201819 /
RJ – 2.ª Turma – Rel.ª Min.ª Ellen Gracie – DJ 27/10/2006).
123
das regras do estatuto social e da legislação civil em vigor. Não
tem, portanto, o aporte constitucional atribuído pela instância
de origem, sendo totalmente descabida a invocação do disposto
no Art. 5.º, LV da Constituição para agasalhar a pretensão do
recorrido de reingressar nos quadros da UBC. Obedecido o
procedimento fixado no estatuto da recorrente para a exclusão
do recorrido, não há ofensa ao princípio da ampla defesa, cuja
aplicação à hipótese dos autos revelou-se equivocada, o que
justifica o provimento do recurso”.
124
já possui histórico identificável de uma jurisdição constitucional
voltada para a aplicação desses direitos às relações privadas”.
O Ministro Joaquim Barbosa acompanhou a divergência
do Ministro Gilmar Mendes e reconheceu o fenômeno da cons-
titucionalização do Direito Privado no Direito brasileiro de for-
ma que “as relações privadas não mais se acham inteiramente
fora do alcance das limitações impostas pelos direitos funda-
mentais”.
No mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello ensinou que
“a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domí-
nio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ig-
norar as restrições postas e definidas pela própria Constituição”.
Com isso, conclui-se, nos termos do voto do Ministro Gil-
mar Ferreira Mendes, que não mais se discute que o Supremo
Tribunal Federal é firme ao admitir a teoria da eficácia horizon-
tal dos direitos fundamentais.
4. CONCLUSÃO
125
superior às demais, aplicando-se os direitos fundamentais às
relações privadas sem a necessidade da atuação do Estado em
sua função judicante e legislativa para a efetivação de direitos,
conforme o posicionamento da doutrina majoritária.
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, guardião da
Constituição, constatou o min. Gilmar Ferreira Mendes, em jul-
gado de 2005, que o Supremo Tribunal Federal já possui históri-
co identificável de uma jurisdição constitucional voltada para a
aplicação dos direitos fundamentais às relações intersubjetivas.
REFERÊNCIAS
126
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fun-
damentais. São Paulo: Saraiva, 1995
127
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos
fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
1. INTRODUÇÃO
129
No mais, será analisado o que significa, para os fins propostos,
a expressão mudanças de parâmetros a partir do estudo de três ca-
sos concretos, a saber, o leading case sobre o status dos tratados de
direitos humanos (RE 466.343/STF), o entendimento sobre a (im)
possibilidade de execução da pena privativa de liberdade antes do
trânsito em julgado do processo condenatório (ADCs 43 e 44 MC,
ARE 964.246/SP e HC 152.752/PR) e, ainda, o recente entendimen-
to do Supremo Tribunal Federal acerca do que dita o Art. 52, X, da
Constituição Federal, ocasião em que foi verificada, para além dos
limites objetivos da demanda (ADIs 3406 e 3470).
130
e dos atos do Poder Público em geral e na interpretação do ordena-
mento infraconstitucional conforme a Constituição”.115
Dito isto, segundo Luís Roberto Barroso,116 o Supremo Tri-
bunal Federal, na qualidade de Corte Constitucional e diante da
crescente judicialização da vida,117 desempenha dois papéis fun-
damentais, aparentemente contraditórios.
O primeiro é o papel contramajoritário, quando, para de-
fender as regras do jogo democrático e os direitos fundamen-
tais, invalida e/ou anula atos praticados pelos outros poderes
constituídos (Legislativo e Executivo). O segundo, por sua vez,
é o papel representativo, o qual, em determinadas circunstân-
cias, permite que o tribunal atenda demandas sociais que, por
diversos motivos, não tiveram andamento nos demais poderes
constituídos (Legislativo e Executivo).
Em outras palavras, agentes públicos não eleitos – daí o ca-
ráter contramajoritário – substituem as decisões adotadas por
aqueles que detêm legitimidade democrática porquanto eleitos
pelo povo ou, de outro modo, proativamente asseguram – daí o
caráter representativo – que demandas que não passaram pelo
crivo do Congresso Nacional?
Tais papéis, por óbvio, devem ser exercidos com parcimô-
nia e responsabilidade, sendo certo, ainda, que “quem tem o
poder sobre o maior ou menor grau de judicialização é o Con-
gresso: quando ele atua, ela diminui; e vice-versa”.118
131
3. O CONCEITO DE SEGURANÇA JURÍDICA: QUAL O
ENTENDIMENTO APLICÁVEL PARA FINS DE CONTRO-
LE DE CONSTITUCIONALIDADE?
121 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2014,
p. 140-141.
132
Igualmente, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/2004,
a Constituição passou a exigir o requisito da repercussão geral
para admissibilidade do Recurso Extraordinário (Art. 102, §3.º) e
criou o instituto da súmula vinculante (Art. 103-A), o que denota,
mais uma vez, a preocupação com a segurança jurídica, agora a
título de obrigação positiva (demonstrar a existência de repercus-
são geral e realizar o devido distinguishing para que um caso seja
admitido, a despeito da existência de uma súmula vinculante).
No mesmo diapasão, o CPC além de prever que os tribunais
devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente (Art. 926, caput), alinha-se à sistemática de precedentes
originária do sistema common law ao determinar que uma série de
decisões já proferidas, seja por seu caráter erga omnes, seja por re-
presentar o entendimento dominante do tribunal, possuam cará-
ter vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário. Vejamos:
[1] as decisões do Supremo Tribunal Fe- [1] súmula do Supremo Tri- [1] súmula do Supremo Tribu-
deral em controle concentrado de consti- bunal Federal, do Superior nal Federal, do Superior Tri-
tucionalidade; Tribunal de Justiça ou do bunal de Justiça ou do próprio
próprio tribunal; tribunal;
[2] os enunciados de súmula vinculante;
[2] acórdão proferido pelo [2] acórdão proferido pelo
[3] os acórdãos em incidente de assun- Supremo Tribunal Federal Supremo Tribunal Federal
ção de competência ou de resolução de ou pelo Superior Tribunal ou pelo Superior Tribunal de
demandas repetitivas e em julgamento de Justiça em julgamento de Justiça em julgamento de re-
de recursos extraordinário e especial re- recursos repetitivos; cursos repetitivos;
petitivos;
[3] entendimento firmado [3] entendimento firmado em
[4] os enunciados das súmulas do Supre- em incidente de resolução de incidente de resolução de de-
mo Tribunal Federal em matéria consti- demandas repetitivas ou de mandas repetitivas ou de assun-
tucional e do Superior Tribunal de Justiça assunção de ção de competência;
em matéria infraconstitucional; competência;
133
Logo, a partir da doutrina e da legislação constitucional e
infraconstitucional, tem-se que o conceito de segurança jurídica
envolve diversas situações jurídicas e possui um caráter nitida-
mente multifacetado.
Mas, afinal, o que é segurança jurídica para os fins pro-
postos no presente estudo (especificamente quando se trata de
controle de constitucionalidade e mudanças de parâmetros)?
Em suma, é garantir que haja critérios (parâmetros) objetivos
que norteiem a atuação do Supremo Tribunal Federal (e demais
tribunais, quando aplicável) nos casos de controle de constitu-
cionalidade, seja pela via difusa, seja pela via concentrada.
134
mativa constitucional brasileira, que permite a prisão civil do
depositário infiel (Art. 5.º, LXXVII), e o Art. 7.7 da Convenção
Americana que permite tão somente a prisão civil do alimen-
tante inadimplente por razões inescusáveis”.123
Por ocasião do referido julgamento, realizado no dia 3 de
dezembro de 2008, o STF, além de ter superado o entendimento
então vigente,124 de um lado, reconheceu a insubsistência da pre-
visão constitucional e das normas infraconstitucionais que pos-
sibilitavam a prisão civil do depositário infiel à luz do que dita
a Convenção Americana de Direitos Humanos e, doutro modo,
entendeu que o referido tratado internacional possui status me-
ramente supralegal no ordenamento jurídico brasileiro.
Ora, o raciocínio desenvolvido pela Corte Suprema – além
de violar diretamente o que dita o § 2.º do Art. 5.º da Constitu-
cional Federal125 (norma constitucional originária) para exaltar
o que dispõe o § 3.º do mesmo Art. 5.º126 (norma constitucional
125 Constituição Federal: Art. 5º., § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Cons-
tituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
135
derivada inserida pela EC n.º 45/2004), privilegiando aspectos
formais em detrimento do conteúdo material da norma – parece
padecer de uma contradição intrínseca.
Isso porque, da forma como foi afastada a possibilidade da
prisão civil do depositário infiel, pode-se defender que foi utilizada
a técnica de decisão típica de controle de constitucionalidade – seja
a interpretação conforme, seja a declaração de inconstitucionali-
dade parcial sem redução de texto – para tratado internacional que
somente possui caráter supralegal (e não constitucional).
No mesmo sentido, é a opinião de Ingo Sarlet ao se mani-
festar sobre o referido julgamento:
Uma reflexão possível é a de que o STF acabou, de certo
modo, caindo em contradição. Com efeito, ao refutar a tese
da paridade entre a CF e os tratados, hipótese na qual pode-
ria, mediante um juízo de ponderação e na esteira da lógica
do in favor persona (já comentada na coluna de 10.04.15), ter
afastado, pelo menos como regra, a prisão civil do depositá-
rio, o STF afirmou a hierarquia supralegal (mas infraconstitu-
cional) dos tratados. Com isso, em que pese o artifício argu-
mentativo de que a CF não teria sido revogada, o que houve
foi sim uma derrogação informal do permissivo constitucio-
nal expresso. Ora, se os tratados situam-se abaixo da CF e
o STF afirmou a competência para declarar sua inconstitu-
cionalidade, não parece que a tese da supralegalidade possa,
aplicada coerentemente, afastar por completo e mesmo para
toda e qualquer hipótese futura, possibilidade expressamente
afirmada pela CF que lhe seque superior.
136
previsão constitucional expressa nesse sentido, fundamentasse
sua ratio decidendi no controle de convencionalidade.127
A contradição aqui é intrínseca ao julgado e ofende a se-
gurança jurídica, na medida que não oferece razões coerentes
para preservação, de um lado, da autorização constitucional da
prisão civil do depositário infiel e, de outro, sua neutralização
pela Convenção Americana.
137
por ocasião do julgamento do HC 152.752/PR129, realizado em 5
de abril de 2018. O referido habeas corpus buscava debater se o
ex-presidente Lula poderia (ou não) ter iniciado o cumprimento
da pena em razão do acórdão condenatória prolatado pelo Tri-
bunal Regional Federal da 4.ª Região, o qual, como sabido, até
então, não havia transitado em julgado.
Diz-se surpreendente a retomada do debate jurídico porque,
no ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal, tanto em sede de
medida cautelar em controle concentrado de constitucionalidade
(ADCs 43 e 44 MC) quanto no âmbito de repercussão geral (ARE
964.246/SP) já havia fixado a tese no sentido de que “a execução
provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau re-
cursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocên-
cia afirmado pelo artigo 5.º, inciso LVII, da Constituição Federal”.
Afastado qualquer juízo de valor quanto ao acerto ou desa-
certo da tese fixada pelo STF, certo é que, por força da segurança
jurídica e da estabilidade das relações resguardadas pelo orde-
namento jurídico, não poderia ocorrer sua rediscussão sem que
novel circunstância – de fato ou de direito – fosse apresentada.
138
novembro de 2011.130 Em suma, a norma questionada (Lei esta-
dual n.º 3.579/2001, oriunda do Rio de Janeiro) proíbe a extra-
ção do asbesto/amianto em todo território do Rio de Janeiro e
prevê a substituição progressiva da produção e da comercializa-
ção de produtos que o contenham.
As ações foram julgadas improcedentes, no entanto, de
forma incidental, o STF declarou a inconstitucionalidade do
Art. 2.º da Lei Federal 9.055/95,131 o qual, inclusive, não era ob-
jeto das ações. Mais que isso, o STF concedeu efeito vinculante
a esta declaração de inconstitucionalidade incidental, o que, a
princípio, fere o Art. 52, X, da Constituição Federal.132
A título exemplificativo, segundo o voto de Gilmar Mendes, é
necessário, a fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, equa-
139
lizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto
em sede de controle incidental”. Por sua vez, para Celso de Mello,
há verdadeira mutação constitucional do art. 52, X, da CF, a qual
expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional.
Já para Carmem Lúcia, a Corte está caminhando para uma
inovação da jurisprudência no sentido de não ser mais declara-
do inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria
que nele se contém. Por fim, no entendimento de Edson Fachin,
declarar inconstitucional, ainda que [de forma] incidental, opera
uma preclusão consumativa da matéria.
Ainda na sessão de julgamento, foi requerida, da tribuna,
a modulação dos efeitos dessa declaração de inconstituciona-
lidade, tendo a Corte Suprema indeferido o exame da questão
sob o frágil entendimento de que a matéria deveria ser veicula-
da mediante a oposição de embargos de declaração.
A par das justificativas apresentadas pelos ministros, fato
é que, no âmbito da via direta ou concentrada do controle de
constitucionalidade, ao tempo em que a ação foi julgada im-
procedente, reputando-se constitucional o dispositivo questio-
nado, houve a declaração de inconstitucionalidade incidental
com efeito erga omnes de outro dispositivo, contido em outra
lei e que não era objeto dos autos.
Assim sendo, a um só tempo, o STF analisou dispositivo
legal não questionado nos autos das ações diretas de incons-
titucionalidade, ampliando os já elásticos limites objetivos da
demanda, bem como rechaçou o entendimento até então do-
minante para conceder – motu proprio e à revelia do Senado
Federal – efeito vinculante para uma declaração de inconstitu-
cionalidade incidental.
Nesses termos, a Corte Suprema trouxe à lume considerá-
vel risco à segurança jurídica, até em virtude das repercussões
fáticas da decisão. Tanto é assim que, ao analisar, no bojo das
ADIs já citadas, petição que pugnou pela suspensão da eficácia
da declaração de inconstitucionalidade até o julgamento dos
140
embargos de declaração,133 a Ministra Relatora Rosa Weber, em
19 de dezembro de 2017, assim se manifestou:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
133 Até o momento, não houve publicação do acórdão proferido nas ADIs 3406
e 3470, o que, por si só, inviabiliza a oposição de Aclaratórios.
141
última palavra por sermos infalíveis; somos infalíveis por ter-
mos a última palavra”.
O entendimento externado, se não demonstra por si só as
constantes mudanças de parâmetros e/ou a ausência de critérios
objetivos para análise dos casos submetidos à Corte Maior bra-
sileira, indica como seus titulares enfrentam, com certa tranqui-
lidade, a ausência de jurisprudência estável, íntegra e coerente.
Tal postura deve ser criticamente questionada, especial-
mente quando se trata de julgamentos realizados em sede de
controle de constitucionalidade. Dito de outro modo: ao STF,
até em razão de seus papéis contramajoritário e representativo,
incumbe primar pela segurança jurídica, evitando, tanto quan-
to possível, as “viragens jurisprudenciais”, especialmente quan-
do desprovidas de qualquer justificativa superveniente fática ou
jurídica.
É certo, todavia, que, diante dos casos concretos ora ana-
lisados, é indubitável que a Suprema Corte tem dificultado a
fixação de parâmetros objetivos que norteiem sua atuação (e a
atuação dos demais tribunais, quando aplicável) inclusive, de
forma preocupante, nos casos de controle de constitucionalida-
de, seja pela via difusa, seja pela via concentrada.
Exemplo mais recente desta constatação é o entendimento
firmado nas ADIs 3406 e 3470. Do ponto de vista processual
e a bem da segurança jurídica, no bojo de ações diretas de in-
constitucionalidade que questionam leis estaduais, não pode a
Corte Maior dar efeito vinculante e erga omnes para a declaração
incidental de inconstitucionalidade de dispositivo de lei federal.
Registre-se, por oportuno, que a proibição de comercia-
lização de amianto, do ponto de vista do direito material, deve
ser comemorada, mormente à luz do consenso médico atual so-
bre o tema, conforme explicitou o próprio STF no julgamento
da ADI 4066 (já citada alhures).
Ainda assim, a segurança jurídica, enquanto um dos princí-
pios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, deve permear
a teoria e a aplicação do direito, sobretudo quando se tratar de
controle de constitucionalidade, considerando a complexidade
142
atual da sociedade e o fato de que “inúmeras questões de grande
repercussão moral, econômica e social passaram a ter sua ins-
tância final decisória no Poder Judiciário e, com frequência, no
Supremo Tribunal Federal”.135
REFERÊNCIAS
143
__________. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Cor-
pus 152.752/PR, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Edson Fachin.
Data do Julgamento: 5/4/2018. Data de Publicação: 27/6/2018.
144
abril de 2015, 8h2. Disponível em: <https://www.conjur.com.
br/2015-abr-24/direitos-fundamentais-prisao-civil-deposita-
rio-infiel -controle-convencionalidade>. Acesso em 26 de ou-
tubro de 2018.
145
C AP ÍTULO IX
1. INTRODUÇÃO
147
Para analisar a questão apresentada, elaborou-se este estu-
do chamado O controle judicial sobre a atividade política: medi-
das provisórias, que está dividido da seguinte forma.
Em seu ponto de partida, traz o princípio constitucional
da separação de poderes, em que as funções estatais distintas
são distribuídas a cada Poder legalmente constituído (Executi-
vo, Legislativo e Judiciário), caracterizando-se o referido prin-
cípio por não ser de caráter absoluto. A seguir, o estudo analisa
a possibilidade legal de o Judiciário controlar a atividade polí-
tica do Executivo e do Legislativo. E, por fim, foca a edição de
medidas provisórias como atividade legal e atípica do Executi-
vo e o entendimento do STF sobre essa atuação, que a sujeita ao
controle judicial quando se desvia das diretrizes traçadas pela
Constituição da República de 1988.
148
A tripartição de poderes já fora vislumbrada por Aristóte-
les, em sua obra Política, na qual o autor considera a existência
de três funções estatais distintas entre si (legislativa, executiva e
judiciária) exercidas pelo Poder soberano.139 Nesse mesmo cami-
nho, destaca-se John Locke, pois, no seu livro Segundo tratado
do governo civil, também concebeu o Estado com três funções
distintas, dentre elas, a executiva, consistente em aplicar a força
pública no interno, para assegurar a ordem e o direito [...]140
A teoria foi aperfeiçoada por Montesquieu, na obra O Espí-
rito das leis. Nesta, o autor afirma que as funções legislativa, exe-
cutiva e judiciária deveriam ser exercidas por três órgãos estatais
distintos e independentes entre si. Surge, assim, a tripartição dos
Poderes entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.141
Outro ponto de relevância em relação a tal princípio é o fato
de a Constituição da República, em seu Art. 60, parágrafo 4.º,
inciso III, determinar não ser objeto de emenda propostas que
visem a abolir a separação dos poderes,142 inserindo o princípio
nas chamadas cláusulas pétreas, que formam o núcleo intangível
da Constituição Federal.143 A cláusula pétrea citada será violada
se a modificação sugerida pela emenda provocar a concentração
de funções em um único Poder ou esvaziar determinados pode-
res de sua independência e competências típicas.144
140 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 424.
143 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 690-691.
149
Dessa maneira, atribui-se cada uma das funções estatais,
quais sejam, legislativa, executiva e jurisdicional, a órgãos di-
ferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o
Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo
e órgão ou poder Judiciário).145 E, para que possam exercer essas
funções de forma adequada, a Constituição lhes prevê uma sé-
rie de prerrogativas e imunidades, que devem ser evocadas para
a manutenção do Estado Democrático de Direito.146
Essa tripartição do Poder apresenta dois fundamentos. O
primeiro deles diz respeito à especialização funcional, em que
cada órgão se torna especializado no exercício de sua função,
e a independência orgânica, segundo a qual cada órgão é inde-
pendente dos demais ou não subordinado um ao outro.147
A separação de poderes, como se disse, evita a concentra-
ção de poderes nas mãos de uma única autoridade.148 Por isso
a separação de Poderes é um dos conceitos seminais do constitu-
cionalismo moderno, estando na origem da liberdade individual
e dos demais direitos fundamentais,149 afinal, busca evitar a dita-
dura de um Poder.
Ao trazer a disposição do Art. 2.º, a Constituição da Repú-
blica também delineia os critérios de como o chefe do Executi-
vo e os membros do Legislativo e do Judiciário são escolhidos
para o exercício do Poder.
O seu Art. 44 diz que o Poder Legislativo é exercido por
meio do Congresso Nacional, composto por Câmara dos Depu-
145 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 108.
146 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 424.
147 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 109.
150
tados e Senado Federal. Já o Art. 45 determina que A Câmara
dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo
sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no
Distrito Federal.150 Enquanto o Art. 46 traz a seguinte redação:
O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do
Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário,151 sendo
que tais representantes também são eleitos pelo povo.
O Art. 76 da Constituição da República diz respeito ao Po-
der Executivo, que é exercido pelo Presidente da República, au-
xiliado por Ministros. O Art. 77, por sua vez, traz informações
sobre a eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República
que será realizada, ao mesmo tempo, “no primeiro domingo de
outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro,
em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do
mandato presidencial vigente.”, considerado eleito, nos termos
do parágrafo 2.º do mesmo artigo, “o candidato que, registra-
do por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não
computados os em branco e os nulos.
Nota-se, portanto, que a legitimação para o exercício de
tais poderes se dá por meio da escolha popular (eleição). De for-
ma mais técnica, diz-se que, de acordo com o Art. 14 da Consti-
tuição, A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos [...],152 daí
ser possível dizer que os candidatos, uma vez eleitos ao cargo,
tornam-se representantes do povo.
Já em relação ao Judiciário, a escolha de seus membros se
dá de forma diferente, na qual há uma atuação conjunta entre
Executivo e Legislativo, conforme se nota quando a Constitui-
ção da República, em seu Art. 52, traz as competências privati-
151
vas do Senado Federal, dentre as quais se destaca a do inciso III,
alínea a. Nestes dispositivos, o Senado aprova, pelo voto e após
arguição pública, a escolha de Magistrados.153 Da mesma for-
ma, há atuação conjunta no Art. 84, que delineia competências
privativas do Presidente da República, como a traçada no inciso
XIV: “nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros
do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores [...]154
Tais colocações quanto à forma de legitimação de sujeitos
que exercitam as funções estatais conduzem à reflexão sobre as
expressões independentes e harmônicos do Art. 2.º
A independência de poderes significa:
155 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 110.
156 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 110.
152
missão é fornecer o bem-estar a seu povo,157 o que seria difícil de
ser alcançado diante da incomunicabilidade entre poderes.
A interdependência entre poderes pode ser notada, por
exemplo, quando a Constituição estabelece:
157 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 428.
153
Ainda nessa perspectiva, não se pode relegar, no campo
dos direitos e garantias fundamentais, o inciso XXXV, do Art.
5.º da Constituição da República, que traz a determinação a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
a direito,160 o que já permite vislumbrar a possibilidade legal de
o Executivo e o Legislativo serem levados a juízo quando vio-
lem direitos, constitucionalmente, protegidos.
Destaca-se, no entanto, que tal controle do Judiciário so-
bre tais poderes deve ser sempre uma exceção, sob o risco de
intervir, de modo indevido, no campo de atuação que não lhe é
próprio, como, por exemplo, a atividade política.
154
mente e a determinação de pressupostos de relevância e urgên-
cia na edição de medidas provisórias pelo chefe do Executivo163
– sendo esta última atividade foco deste estudo.
O Executivo e o Legislativo exercem, portanto, atribui-
ções políticas, com base nos limites traçados na Constituição
da República. Se não transpuserem os limites, o Judiciário não
exerce qualquer competência sobre as atividades de tais pode-
res.164 Por isso as questões políticas ficam fora da competência
dos tribunais, exclusão esta que cessa com a violação dos limites
normativos de atuação do poder público. A violação da Consti-
tuição sempre abriria as portas da tutela jurisdicional a qualquer
questão, por mais política que fosse.165
O controle do Judiciário sobre as atividades políticas (se
em desacordo com a Constituição), nos moldes como hoje é
conhecido, surge com o julgamento pela Suprema Corte dos
Estados Unidos do caso Marbury vs. Madison, cuja decisão do
chief of justice Marshall mostra-se importante para a caracteri-
zação das atribuições do Poder Judiciário e para o reconhecimen-
to de sua vital importância no arranjo das funções do Estado de
direito.166 Além disso, o caso é considerado o início do controle
de constitucionalidade, em que são identificados os fundamen-
tos lógicos e conceituais para uma atuação judicial destinada a
155
garantir a integridade da Constituição, protegendo-a de ações
indevidas dos outros poderes estatais.167
Marshall, em sua doutrina, parte do pressuposto de que a
Constituição confere ao:
156
Assim, o fato de os membros do Executivo e Legislativo
serem representantes do povo ou concretizarem a soberania
popular, sua atividade não possui caráter absoluto, o que é de-
preendido da própria Constituição da República. Tais ativida-
des estão sujeitas ao efeito expansivo das normas constitucio-
nais, que embasam com a sua força normativa todo o sistema
jurídico; dessa forma, valores, fins públicos e comportamentos
delineados como princípios e regras constitucionais condi-
cionam a validade das normas infraconstitucionais, gerando
a constitucionalização do Direito,171 em um contexto de neo-
constitucionalismo.
O neoconstitucionalismo, em seu aspecto metodológico,
destaca, dentre outros pontos, o entendimento de a Constitui-
ção ser uma norma que irradia efeitos por todo o ordenamento
jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos
poderes do Estado [...]172 Outra aspecto relevante do neoconsti-
tucionalismo é o fato de trazer maior protagonismo dos julga-
dores na atividade interpretativa da Constituição.173
Assim, a constitucionalização do Direito, em relação ao
Poder Legislativo,
157
da Constituição, independentemente da interposição do le-
gislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de
parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele de-
sempenhado [...] (ii) condiciona a interpretação de todas as
normas do sistema.174
176 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-
menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999,
p. 73.
158
pretações atuais de seus comandos, que condicionam a atuação
do legislador infraconstitucional.177
Haveria, porém, uma fetichização do discurso jurídico:
a lei passa a ser vista como sendo uma-lei-em-si, abstraída das
condições (de produção) que a engendraram, como se a sua con-
dição-de-lei fosse uma propriedade ‘natural’.178 Essa fetichização
não considera o fato de a lei ter por base a Constituição e se
referir a um contexto social em que o ator de maior destaque é
o sujeito (ou coletividade) ao qual a lei se dirige – não a lei em si
ou um pequeno grupo de privilegiados. Por isso certas decisões
não promovem modificações relevantes na realidade exterior à
lei, indiferentes à ideia de que o Direito deve ser utilizado não
como instrumento de redução de complexidades ou reprodução
de uma certa realidade, e sim, como um mecanismo de transfor-
mação da sociedade.179
Nessa perspectiva, o controle judicial sobre a atividade
política precisa se valer de uma interpretação que, além de se
legitimar na Constituição, volte-se à resolução de problemas
evocados por casos concretos, não veja o ordenamento jurídico
como um sistema fechado à realidade que o cerca e, principal-
mente, não se prenda a posturas ideológicas de seus intérpretes.
Nesse último ponto, haveria a possibilidade de o Judiciário in-
terpretar visando à satisfação de grupos minoritários do Poder
e não ao interesse da coletividade. E, como escolha do magis-
trado, tal controle e interpretação poderiam, inclusive, miti-
gar ou deixar de aplicar normas legalmente constituídas sob a
justificativa de uma postura neoconstitucional em oposição ao
positivismo.
178 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-
menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999,
p. 73.
179 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração her-
menêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999,
p. 41.
159
O controle da atividade política pelo Judiciário é legítimo
e, para não se reverter em arbitrariedade ou ideologia (revelan-
do-se abusivo), deve se manifestar, somente, quando o Executi-
vo e Legislativo violam o texto constitucional.
Nessa ótica, há de ser considerado, inclusive, o controle
de constitucionalidade sobre tais poderes, que poderá ser maior
ou menor, mas sempre existirá, devendo ser afastada, de plano,
a solução simplista de que o Poder Judiciário não pode controlar
outro Poder por causa do princípio da separação dos Poderes.180
Assim, Compete ao Judiciário, no conflito de interesses, fa-
zer valer a vontade concreta da lei [...] Para isso, há de inter-
pretar a lei ou a Constituição, sem que isso implique ofensa ao
princípio da independência e harmonia dos Poderes.181
E, dentre as diretrizes constitucionais, destaca-se, por
exemplo, a trazida pelo Art. 62 da Constituição da República,
que determina a possibilidade de o chefe do Executivo editar
medidas provisórias com força de lei.
160
cia, o Presidente da República poderá adotar medidas provisó-
rias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Con-
gresso Nacional.182
Com a medida provisória, abre-se espaço para uma bre-
ve exposição a respeito de como o Executivo, de modo legal
e atípico, pode invadir o campo de atuação do Legislativo (ou
colocar este Poder em segundo plano em uma atividade que
lhe é típica). Também será exposta a atuação do Judiciário, da
mesma forma atípica, que já firmou um entendimento sobre
a atividade legiferante do Executivo no tocante à matéria em
destaque.
A medida provisória possui força de lei e apresenta um
procedimento especial para sua conversão ou não em lei deli-
neado ao longo dos 12 parágrafos do Art. 62. Trata-se de um
ato normativo, discricionário e de natureza política próprio do
Presidente da República. Este apresenta e justifica os pressupos-
tos formais de relevância e urgência das medidas provisórias,183
determinando a importância e premência da edição desse tipo de
ato normativo, razão porque, em princípio, não compete ao juiz a
análise da matéria.184
A participação do Poder Legislativo, de âmbito também
político, ocorre em um segundo momento, e, ao analisar a me-
dida provisória, o Congresso Nacional pode não a converter em
lei se não identificar os requisitos formais (e materiais), alegan-
do ausência de pressupostos constitucionais.185
183 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 532.
185 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 707.
161
Destaca-se que o STF só admite o exame judicial dos pres-
supostos de relevância e urgência em situações excepcionais,
como no caso de não ocorrência ou fragilidade argumentativa
relacionada a tais elementos, ainda que pertençam à esfera dis-
cricionária do Presidente da República e sejam conceitos inde-
terminados e fluidos.186
Esse entendimento se reflete no sistema jurídico nacio-
nal, observando-o, por exemplo, no Agravo de Instrumento n.º
1402875-89.2016.8.12.0000, que teve por relator o Desembar-
gador Alexandre Bastos, do Tribunal de Justiça do Estado do
Mato Grosso do Sul.
O Agravo, em uma de suas alegações, questiona a constitu-
cionalidade da Medida Provisória n.º 2.172-32/2001, do referi-
do Estado, quanto aos pressupostos de relevância e urgência.187
Mas, de acordo com o relator, essa alegação não se mostrou
coerente, pois a análise da relevância e urgência da medida pro-
visória esbarra na discricionariedade administrativa, não com-
petindo ao Poder Judiciário apreciar esse conteúdo afeto ao chefe
do Poder Executivo, salvo se ocorrer abuso, o que não é o caso.188
O relator, dentre os julgados de sua argumentação, traz a
ADI 1.397-MC/DF, cujo relator foi o ministro Carlos Velloso,
para quem os requisitos de urgência e relevância têm caráter
político e, em princípio, a sua análise cabe aos Poderes Execu-
162
tivo e Legislativo, salvo se a relevância e a urgência evidencia-
rem-se improcedentes.189
Destaca-se que os pressupostos formais devem ser sempre
analisados em conjunto,190 não sendo possível julgar válida uma
medida provisória quando se fizer presente apenas um daque-
les elementos.
Nessa perspectiva, adequa-se o Recurso Extraordinário
n.º 592.377, de relatoria do ministro Marco Aurélio, com relator
para acórdão o ministro Teori Zavascki, em 2015, que analisou
a constitucionalidade, material e formal, do Art. 5.º da medida
provisória n.º 2.170-36/2001, que previu em seu texto a capita-
lização de juros com periodicidade inferior a um ano. De acor-
do com a decisão,
190 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 533.
163
Tal posicionamento reforça a ideia de que o próprio Art.
62, quando insere a conjunção aditiva e entre os dois termos,
já sugere a incoerência legal de haver medida provisória que
identifique e justifique a relevância sem trazer a urgência em
seu bojo e vice-versa, pois não se trata de um comando que
considera a exclusão de um ou outro pressuposto formal.
Também merece destaque o fato de que a conversão da
medida provisória em lei não afasta a possibilidade de controle
judicial sobre os requisitos formais necessários à sua edição.192
192 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 708.
164
n.º 746/2016, posteriormente convertida na lei n.º 13.415/2017,
cuja matéria reformula a estrutura do Ensino Médio.
Em seu parecer, o PGR informa que a medida se propõe
a fazer reformas profundas no complexo sistema de educação,
proposta cuja abrangência da matéria obrigaria, para sua apro-
vação, a realização de longos e detalhados debates com a socie-
dade, o que por si já afasta o pressuposto de urgência, uma vez
tais debates abarcarem um tempo não coerente ao rito abrevia-
do das medidas provisórias.195
A seguir, em 20 de abril de 2017, o relator ministro Edson
Fachin julgou extinta a ADI por perda de seu objeto, alegando
que houvera alterações significativas na matéria durante a ela-
boração do Projeto de Lei de Conversão n.º 34/2016, transfor-
mado na Lei nº 13.415/2017, deixando de refletir o texto origi-
nal da medida provisória.196 Mas é o próprio Fachin, em 1.º de
agosto de 2017, a trazer de volta a análise da ADI, pois a perda
de objeto não se estende à inconstitucionalidade formal alega-
da, decorrente do não atendimento do requisito de urgência da
medida provisória impugnada, de modo que cumpre ao Plenário
desta Corte a análise do mérito da ADI quanto a este ponto.197 –
análise em trâmite, sendo a última movimentação processual
em 5 de setembro de 2018.198
198 Disponível em <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?inciden-
te=5061012>. Acesso em 24/out./2018.
165
Reforça-se que o Poder Judiciário não interfere nos atos
de natureza discricionária e política dos demais poderes. Mas
não é um juízo político e discricionário absoluto, pois, uma vez
identificado o desvio de finalidade ou abuso de poder de legislar,
por flagrante inocorrência da urgência e relevância, poderá o Po-
der Judiciário adentrar a esfera discricionária do Presidente da
República, garantindo-se a supremacia constitucional.199
O controle judicial sobre os requisitos urgência e a relevân-
cia explica-se porque são requisitos legitimadores e juridicamen-
te condicionantes do exercício, pelo chefe do Poder Executivo, da
competência normativa primária que lhe foi outorgada, extraor-
dinariamente, pela Constituição da República [...].200
Esse controle busca impedir que a edição de medidas pro-
visórias seja maculada pelo excesso de poder por parte do pre-
sidente,201 sendo que este, ao utilizá-las de modo reiterado, não
excepcional e sem critérios justificáveis, apropria-se da função
legislativa.
Cabe ao Judiciário controlar o exercício compulsivo da
competência extraordinária de edição de medidas provisórias,
caso contrário, há possibilidade de distorções no modelo polí-
tico, gerando sérias disfunções comprometedoras da integridade
do princípio constitucional da separação de poderes.202
199 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011,
p. 707.
166
4. CONCLUSÃO
167
O controle judicial sobre a atividade política – no caso,
os pressupostos formais das medidas provisórias – faz-se ne-
cessário para manter a integridade do texto constitucional, na
perspectiva em que suas determinações embasam todo o or-
denamento jurídico brasileiro e devem ser observadas pelo le-
gislador infraconstitucional, justamente, para não se perder o
equilíbrio do sistema jurídico e as conquistas do Estado Demo-
crático de Direito, como a determinação de que certas ativida-
des primordiais à manutenção do Estado não sejam exercidas
de forma isolada ou arbitrária por um único Poder, evitando-se
a concentração de poderes nas mãos de uma única pessoa.
REFERÊNCIAS
168
stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312323786&ext=.
pdf> Acesso em 24/out./2018.
169
medida-cautelar-na-acao-direta-de-inconstitucionalidade-a-
di-3090-df?ref=juris-tabs> Acesso em 21/out./2018.
170
LIXA, Ivone Fernandes Morcilo. Hermenêutica jurídica e tradi-
ção moderna: Limites, impossibilidades e crítica latino-ameri-
cana. Disponível em: <www.publicadireito.com.br/artigos/?co-
d=aa0f9de3c3f38177> Acesso em 25/out./2018.
171
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Di-
reito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho.
Belo Horizonte: Fórum, 2012.
172
C AP ÍTULO X
1. Introdução
173
Por outro lado, também se busca discutir outras normas
igualmente fundamentais que estão relacionadas à implemen-
tação do direito à saúde – os princípios da separação de poderes
e da reserva do possível – cuja observância também deve ser
observada na construção da decisão judicial.
Assim, busca-se analisar os desafios que tem o Poder
Judiciário em analisar as demandas de ineficiência da saúde,
discutindo os fenômenos jurídicos da judicialização da saúde
e do ativismo judicial, tendo por escopo a construção de uma
decisão jurídica que seja compatível com as exigências demo-
cráticas e constitucionais.
O método de abordagem utilizado foi o dedutivo e quali-
tativo, o qual consiste em pesquisas documentais e bibliográ-
ficas por meio de revisão bibliográfica, pesquisas legislativas e
jurisprudenciais, teses, revistas científicas, sites e dissertações.
174
dos espaços públicos e domiciliares e outras ações de medica-
lização do espaço urbano, que atingiram, em sua maioria, as
camadas menos favorecidas da população.
175
princípios a universalidade. Destacam-se ainda os princípios da
integralidade e equidade. Cipriano Vasconcelos e Dário Pasche
apontam que a integralidade “orientou a expansão e qualifica-
ção das ações e serviços do SUS que ofertam desde imunização
até os serviços de reabilitação física e mental, além das ações de
promoção da saúde de caráter nacional intersetorial”.206
A equidade trata-se de princípio complementar ao da igual-
dade que significa que os serviços de saúde oferecidos devem ob-
servar as diferenças sociais existentes de modo a ajustar as ações
às necessidades de cada parcela da população a ser coberta.
Antes da Constituição de 1988, o direito à saúde só fora
constitucionalmente previsto na Carta de 1934 que inaugura-
va o constitucionalismo social no Brasil. Desde dessa época, o
constituinte já se preocupou em repartir as competências legis-
lativas e administrativas entre os Entes Federados.
No modelo atual, a Constituição institui obrigações para
todos os entes. No âmbito da legislação atribuiu competência
concorrente a todos para legislar sobre a proteção e defesa da
saúde (Art. 24, XII, e 30, II, da CF/88), cabendo à União dispor
sobre as normas gerais (Art. 24, § 1.º); aos Estados suplementar
as normas federais (Art. 24, § 2.º); e aos Municípios legislar so-
bre aspectos locais, suplementando, no que couber, as normas
federais e estaduais (Art. 30, I e II).207
Administrativamente atribuiu competência comum aos
entes para formular e implementar políticas de saúde (Art. 23,
II), dispondo que entre eles haja cooperação em prol do equilíbrio
e do bem-estar em âmbito nacional (Art. 23, Parágrafo Único).
176
Diante de tais repartições, as leis orgânicas do SUS propõem
uma estrutura descentralizada cabendo a cada ente direcionar a
saúde nos limites definidos em lei e em seus orçamentos.
A Lei n.º 8.080/90 dispõe a descentralização dos serviços
de saúde para as Unidades Federadas e para os municípios (Art.
16, XV). Contudo, disciplina que aos Estados cabem prestar
apoio financeiro e técnico e executar supletivamente os serviços
de saúde (Art. 17), ficando para os municípios, prioritariamen-
te, a responsabilidade de planejar, organizar, controlar, gerir e
executar os serviços públicos de saúde (Art. 18).
Quanto aos limites orçamentários, a Constituição fixa
percentuais mínimos que devem ser despendidos em saúde.
No caso da União não pode ser inferior a 15% da receita cor-
rente líquida do respectivo exercício financeiro (Art. 198, §
2.º, I). Os Estados devem aplicar, no mínimo, 12% e os muni-
cípios 15% da arrecadação dos impostos, conforme Arts. 6.º e
7.º da LC 141/2012.
Com efeito, toda essa fragmentação de competência e
financiamento tem contribuído para a má gestão do Sistema
Único de Saúde que, nas palavras de Têmis Limberger, desta-
ca que, embora nenhum dos entes esteja isento de atribuições,
“isto apresenta dupla crítica no sentido de que a todos incum-
bem tarefas, mas por outro lado, quando a responsabilidade é
tão partilhada entre todos, fica mais difícil cobrar a atribuição
de cada um”.208
Essa organização tríplice de forma autônoma das esferas
de governo, torna complexa a construção do SUS, pois entre
os Entes Federados não há hierarquia entre si.209 Além disso,
a subsidiariedade do sistema impondo a responsabilidade aos
177
munícipios dificulta a oferta, resolutiva e em tempo oportuno,
de ações e de serviços de saúde, pois é o que menos detém ca-
pacidade financeira.
Em que pese tal complexidade, resta induvidoso pela
Constituição que cabe ao Estado o dever de fornecer todos os
produtos e serviços incorporados nas políticas públicas, embo-
ra não se mostre tão claro como isso será realizado na prática
pelos Entes Federados.
178
um passo em falso na firmeza da teoria liberal. E isto foi uma
das primeiras transformações por que passou o liberalismo.
Mostrava-se, aí, com raro poder de evidência, a face dialética
em que se movia historicamente a sociedade humana.210
179
mento jurídico-acadêmico conhecido como doutrina brasileira
da efetividade, a qual busca tornar “as normas constitucionais
aplicáveis direta e imediatamente, na extensão máxima de sua
densidade normativa”.212
O mesmo autor destaca que o movimento da efetividade pro-
moveu três mudanças de paradigma. A primeira, no plano jurí-
dico, atribuindo à Constituição plena normatividade passando a
ser reconhecida como fonte de direitos e obrigações. A segunda,
do ponto vista dogmático e político, reconhecendo a autonomia
do direito constitucional e afastando-o do patamar de instrumento
meramente político e sociológico. Por último, no âmbito institu-
cional, elevando a importância do poder do judiciário no Brasil
como garantidor dos valores e direitos constitucionais.213
Tal interpretação fundamenta-se no Art. 5.º, §1.º da CF/88
que diz que as normas de definidoras de direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata. Assim, segundo Wálber
Carneiro, “a norma programática passou a ser vista não ape-
nas como uma norma que direciona a produção legislativa ou a
administração estatal, mas como uma norma que interfere nas
relações jurídicas individualizadas”.214
No que tange ao direito à saúde, aponta-se como marco
para mudança da interpretação constitucional no Direito brasi-
leiro o julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraor-
dinário n.º 271.286 (2000) pelo Supremo Tribunal Federal, que
tratou de demanda individual formulada contra o munícipio de
Porto Alegre (RS) na qual se postulava a prestação de medica-
mento imediato e gratuito para o combate HIV/AIDS.
180
O relator do caso, Ministro Celso de Melo, destacou que:
181
Em que pese o Art. 197 da Constituição Federal tenha de-
legado a regulação da saúde para a lei, não se mostra coerente
com o sistema normativo limitar a eficácia da norma, sob o ris-
co de fraudar as expectativas introduzidas no texto constitu-
cional, como bem acentuou o julgado do STF, sob o prisma da
efetividade da Constituição.
Reconhecida a plena eficácia e o efeito concreto do di-
reito à saúde, sob o comando de acesso universal e gratuito e
com atendimento integral (Art. 196, CF), a deficiência estatal
na prestação do serviço de saúde torna-se agora uma violação
constitucional que exige reparação.
Luís Barroso leciona que “o Judiciário representa um fator
importante para pressionar a realização das políticas públicas,
visando a assegurar a dignidade da pessoa humana, composto
pelo mínimo existencial”.217
A Carta Magna de 1988 apresenta meios de tutelar o Di-
reito por meio da ação (Art. 5.º, XXXIV) e jurisdição (Art. 5.º,
LXXIV). O titular do Direito detém legitimidade ativa para
postular em juízo a reparação, ora por mecanismos individuais,
ora coletivos. Cita-se, por exemplo, o mandado de segurança
(lei n.º12.016/2009) em nível individual e a ação civil pública
(lei n.º 7.347/1985) em sede coletiva.
182
pre apresentar os contrapontos jurídicos-políticos-econômicos
à efetividade do direito à saúde.
A doutrina apresenta com maior destaque as teses da se-
paração de poderes e a reserva do possível quando o direito à
saúde é discutido em sede jurisdicional.
Tais teorias decorrem do texto constitucional que dispõe
que o direito à saúde é assegurado a partir de políticas públi-
cas sociais e econômicas realizadas pelos poderes Legislativo
e Executivo, mediante o planejamento orçamentário e a gestão
administrativa, conforme disciplina o Art. 197 da CF:
183
te incluídos no orçamento público, não haveria comprometi-
mento da gestão pública, malogrando o princípio da reserva
do possível?
Alexandre de Moraes destaca a relevância do princípio da
separação de poderes, quando leciona que:
184
petência de gerir esses recursos mediante ações públicas que
implemente as diretrizes já traçadas na legislação infracons-
titucional. Essas diretrizes estão em sua maioria dispostas na
Constituição (Arts. 23 e 24; 196 a 200) e nas leis orgânicas do
SUS (leis n.º 8.080/90 e 8.142/90), conforme explanado no item
2 deste artigo.
Em caso de descumprimento do quanto pactuado no or-
çamento e/ou no desatendimento dos direitos fundamentais,
caberia ao Poder Judiciário intervir para concretizar os direitos
fundamentais consagrados na Constituição, cuja atuação não
pode dela se esquivar, conforme o mandamento da inafastabili-
dade da jurisdição, Art. 5.º, XXXV, da CF/88.
Estabelecido que o direito à saúde se concretiza mediante
políticas públicas, destaca-se a definição de Ana Paula Bucci,
citando Têmis Limberger:
185
tem o dever constitucional de ponderar as decisões legislativas e
administrativas já traçadas pelos Poderes Legislativos e Executivo,
em observância ao princípio da separação dos poderes.
O Ministro do STF, Gilmar Mendes na STA 175 AgR (2010)
esclarece que um dos principais problemas relacionados à eficá-
cia social do direito à saúde está associado à implementação e à
manutenção das políticas públicas de saúde já existentes, ou seja,
o problema não é de inexistência das aludidas políticas públicas.
Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário, como ponto de
partida, avaliar se existe ou não políticas públicas prevista no
SUS, que abranja a prestação de serviço requerida no caso sub
judice, sob pena de, decidindo contra às ações públicas já traça-
das, assumir papel de administrador público, competência que
não lhe é conferida pela Constituição, em sede de saúde pública.
Além do estabelecimento das diretrizes administrativas e
legislativa, a prestação dos serviços da saúde está condicionada
à significativa alocação de recursos materiais e humanos, assim
denominada “reserva do possível”, cuja disponibilidade não é
de ordem exclusiva ao direito da saúde, mas aplicada a todos os
direitos fundamentais que demandem custos.
De origem alemã, a construção teórica da “reserva do pos-
sível” pauta-se na noção de que a efetividade dos direitos so-
ciais está condicionada a reservas das capacidades financeiras
do Estado, diante da multiplicidade das necessidades humanas
e sociais, coletivas e/ou individuais.
É cediço que o Estado não dispõe de plena capacidade para
dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas
definidoras de direitos fundamentais sociais, de tal sorte que a
limitação dos recursos constitui, segundo Ingo Sarlet e Mariana
Figueiredo, em limite fático à efetivação desses direitos.222
A própria Constituição traz como pressuposto essencial à
compreensão do Estado de Direito a realização de um Estado
186
Orçamentário. Ela normatiza o equilíbrio entre receitas e despe-
sas. Nesse sentido, mostra-se interessante e importante a lição de
Ricardo Torres, ao citar Anderson Vaz, transcrita abaixo:
187
absoluto a bloquear qualquer intervenção no plano das políticas
pública de saúde. Afinal, tanto o direito à saúde quanto as referi-
das teorias detêm proteção constitucional e merecem igual apreço
quando a saúde é judicializada, face a relação indissociável entre si.
Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo esclarecem quem de fato
“governa” no Estado Democrática de Direito é a Constituição,
de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-se o dever de
fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com
seus elementos essenciais, que sempre serão limites da liberdade
de conformação do legislador e da discricionariedade (sempre
vinculada) do administrador e dos órgãos jurisdicionais.224
Assim sendo, o papel do Judiciário assume caráter emer-
gencial no sentido de zelar pela efetivação dos direitos funda-
mentais sociais quanto para o equilíbrio e manutenção da orga-
nização do Estado Democrático de Direito, aplicando máxima
cautela e responsabilidade, seja ao conceder (seja quando negar)
um direito subjetivo a determinada prestação social, ou mesmo
quando declarar a inconstitucionalidade de alguma medida es-
tatal com base na alegação de uma violação de direitos sociais,
sem que tal postura, venha a implicar violação do Princípio De-
mocrático e do Princípio da Separação dos Poderes.225
188
democracia estável, pois estabelece condições mínimas para o
funcionamento do sistema político. Por outro lado, diante do
reconhecimento de novos direitos pelo Constitucionalismo So-
cial, o Poder Judiciário é cada vez mais acionado, situação que
pode fomentar, muitas vezes, decisões sem critério de raciona-
lidade, baseadas mas na discricionariedade do Juízo de que nos
limites impostos pelo ordenamento jurídico.
Quando se trata da inoperância do sistema de saúde, a
doutrina brasileira tem conceituado a intervenção do Judiciário
como judicialização da saúde que, nas palavras de Lênio Streck,
decorre “de (in)competência – por motivo de inconstituciona-
lidades – de poderes ou instituições”.227 Segue o autor esclare-
cendo que quanto maior for a abertura constitucional para se
discutir a adequação ou não da atuação do Poder Público maior
será o grau de judicialização.
Como já visto, a Constituição Brasileira está “recheada” de
dispositivos, autorizando o cidadão discutir em juízo a inope-
rância do Poder Público, bem como impõe ao Poder Judiciário
a inafastabilidade jurisdicional. Tal prerrogativa não é de graça,
tem por escopo garantir que os ditames constitucionais sejam
respeitados pelos demais Poderes em defesa da maior efetivi-
dade da constituição, especialmente, no que tange aos direitos
fundamentais os quais estão diretamente vinculados com o pri-
mado da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, entende-se que o fenômeno da judiciali-
zação da saúde detém amparo constitucional, sendo medida
necessária quando malferido o acesso à saúde. O perigo à orga-
nização constitucional não está na judicialização dos serviços
inoperantes da saúde, pelo contrário, é instrumento de valori-
zação da jurisdição constitucional. O “cisma normativo” está no
conteúdo da decisão que o Judiciário oferece à judicialização.
189
Em regra, a análise do direito à saúde está diretamente
ligado ao direito à vida, havendo muitas situações em que o
cidadão está entre a vida e a morte, o que, muitas vezes, leva
o jurista a avaliar o caso apenas pelo viés imediatista. Ocorre
que, embora se reconheça que “esse espaço de atuação é difícil,
tormentoso e complexo (...), os juízes devem atuar nesse campo
com redobrado cuidado e maior equilíbrio, inclusive para que
suas decisões não caiam no vazio”.228
Afinal, o resultado do caso não pode ficar restrito à “cons-
ciência do juiz”, sob pena de ferimento do Princípio Democrá-
tico do Direito. A resposta jurisdicional até pode ser construída
pelo livre convencimento do juiz, porém, dentro dos limites já
traçados pela comunidade política, demonstrando coerência e
integralidade com direito, mas jamais pelos critérios particulares
do magistrado.
Entrando na seara das convicções pessoais, o magistrado
estaria manifestando o ativismo judicial, entendido por Lênio
Streck como um fenômeno “sempre ruim para a democracia,
porque decorre de comportamentos e visões pessoais de juízes
e tribunais, como se fosse possível uma linguagem privada”.229
Então, como construir uma decisão fundamentalmente
válida? No âmbito do direito à saúde, observou-se ao longo des-
te trabalho que o direito subjetivo constitui o direito a políticas
públicas que realizem o direito à saúde (Art. 196, CF/88), que
detém natureza fundamental e é autoaplicável (Art. 5, §1.º da
CF/88). Contudo, a sua materialização decorre de ações políti-
cas-administrativas que foram repartidas entre os Poderes Le-
gislativo e Executivo cuja reserva financeira é limitada.
Como defensor da ordem democrática, cabe ao Poder
Judiciário, ao emitir a decisão, enfrentar todos esses aspectos,
228 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.
190
porquanto são normas que detém o mesmo nível hierárquico
dentro da Constituição.
É evidente que o conteúdo das normas constitucionais, es-
pecialmente as de direitos fundamentais é mais valor do que um
comando objetivo, o que dificulta a aplicação ao caso concreto
pela simples regra da subsunção. Konrad Hesse esclarece que:
231 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011a,
p. 241
191
moral-prática, por outro lado, elas contribuem muito para as
possíveis soluções concretas para o problema com os princípios,
pois possuem o condão de evitar a arbitrariedade judicial232
No caso da saúde, há muitos princípios constitucionais re-
lacionados (dignidade da pessoa humana, direito à vida, direito
à saúde, separação de poderes, limites orçamentários, reserva
do possível, entre outros) que apontam em sentido diverso
quando a saúde é judicializada. Há, também, uma vasta legisla-
ção infraconstitucional disciplinando os serviços de relevância
pública, assim como a regulamentação, fiscalização e controle,
que podem ser executados diretamente ou através de terceiros.
Assim, para haja uma decisão constitucionalmente vá-
lida, o Poder Judiciário detém a responsabilidade política de
apresentar uma estruturação no plano argumentativo dos fatos
e das normas, sopesando tanto os princípios quanto as regras
aplicáveis a saúde de modo a evitar que o direito a saúde se
torne mera casuística,233 impossível de ser antecipada pelos ór-
gãos da administração responsáveis pela política de saúde, o
que torna inequivocamente arbitrária a decisão, dada a falta de
regras prévias.234
Exige-se, pois, do jurista uma hermenêutica lógica, porém
flexível, balanceando os valores envolvidos na situação concre-
ta, mediante um juízo de razoabilidade no sentido de extrair o
conteúdo dos direitos fundamentais conflitantes para harmo-
nizá-los, sem que haja o sacrifício total de um em relação ao
outro, sob pena de fragilizar a unidade constitucional.
192
6. Conclusão
193
teúdo não enfrenta todos os aspectos constitucionais envolvi-
dos de modo a respeitar a unidade constitucional, ou quando
imprime posturas subjetivistas e discricionárias, desprezando a
imperatividade das normas constitucionais.
Por fim, apurou-se que cabe ao jurista uma hermenêutica
lógica, porém, flexível, balanceando os valores envolvidos na si-
tuação concreta, mediante um juízo de razoabilidade no senti-
do de extrair o conteúdo dos direitos fundamentais conflitantes
para harmonizá-los, sem que haja o sacrifício total de um em re-
lação ao outro, sob pena de fragilizar a jurisdição constitucional.
Referências
194
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 15/1/2015>. Aces-
so em 24/out./2018.
195
MULLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução
à teoria e metódica estruturantes. 2. ed. São Paulo: Revista do
Tribunais, 2009.
196
C AP ÍTULO XI
1. INTRODUÇÃO
197
2. A CONSTRUÇÃO DE UMA TEORIA DA DECISÃO
Não se sabe se será a melhor solução para uma determi-
nada situação posta à análise, mas sabe-se que haverá várias
formas de decidir, seja no campo filosófico-moral, seja no cam-
po jurídico. O julgamento parte de uma individualidade do su-
jeito, um discurso do que este entende por certo e errado, sua
subjetividade.
Inicialmente, faz-se necessário retratar que o processo de-
cisório é enfrentado todos os dias, nas diversas situações coti-
dianas, desde uma escolha simples, por exemplo, de uma roupa,
de um sapato, de uma comida, até o processo de tomada de
decisão mais complexo, como, por exemplo, ao se sentenciar
um processo judicial.
Do latim decidere, decidir está relacionado ao ato de cortar
fora (de = fora + caedere = cortar), ou seja, renúncia ou perda, ou
ainda, optar por uma dentre duas ou mais possibilidades.236
Conforme preleciona Tercio Ferraz, a decisão faz parte de
um processo deliberativo, considerando possíveis variáveis:
198
a partir de processos racionais, os quais, formalmente, são go-
vernados pela lógica e, materialmente, pelos diversos métodos de
racionalização [...]238.
Para que se adote uma determinada decisão, há a necessi-
dade da verificação da existência de um elemento que permita
a comparação entre os referidos juízos, o qual se denomina de
critério, cujo objetivo é a vinculação do objeto decisão a um
referencial cultural ou a um sistema de referência.239
A diferenciação entre os referidos conceitos é que o re-
ferencial cultural, nada mais é que a experiência do indivíduo
em sociedade, sua carga valorativa. Já o sistema de referência é
aquele que permite o processo de tomada de decisão, nas de-
mais áreas do conhecimento, levando-se em consideração os
estudos daquela área.
No campo do Direito, o processo de escolha deve se pau-
tar no critério jurídico, no entanto, adotando-se teorias pró-
prias, com base no sistema de referência a que se escolhe como,
por exemplo, positivista ou não positivista.
Há de se afirmar que o indivíduo deve se policiar para não
embasar-se, neste processo de tomada de decisão, apenas no
senso comum, ou no seu referencial cultural, sem adoção de
um critério ou sistema de referência capaz de atingir a finalida-
de da decisão, que é a sua efetividade e estabilidade.
Para o Direito, a decisão adotada seria suscetível à insta-
bilidade, que, por sua vez, geraria a insegurança jurídica a todo
um ordenamento, como se verá mais a frente. Visto isso, passa-
remos a estudar no próximo tópico quais são os critérios adota-
dos no novo modelo constitucional do processo civil brasileiro
para a tomada de uma decisão judicial.
199
3. MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL:
A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Importa destacar que com a aprovação do Novo Código
de Processo Civil, pela lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015,
houve uma reformulação do modelo processual civil brasileiro,
o qual, atualmente, tem por objetivo garantir maior segurança
jurídica e estabilidade ao sistema jurídico, em consonância com
os princípios e regras constitucionais.
O Poder Judiciário, através dos órgãos que o compõem,
desempenha no Estado, a função jurisdicional, que do latim ju-
risdictio (juris = direito + dictio = dizer), significa em tradução
literal “dizer o direito”. No entanto, não é no sentido do juiz
“boca da lei”, num positivismo exacerbado, mas sim, daquele
que busca na lei o sentido de suas decisões, a motivação, utili-
zando-se de um exercício hermenêutico.
Em uma visão contemporânea de processo civil, não se
tende mais a adotar a visão de que a jurisdição é o monopólio
do Estado, visto que as partes podem buscar outras formas de
solução aos seus conflitos de interesse, conforme dispõe o pró-
prio diploma processual de 2015, nos parágrafos do Art. 3º, ao
valorizar os meios adequados de solução de conflitos: conci-
liação, mediação e arbitragem, devendo, inclusive, sempre que
possível, sua promoção pelo Estado e estimulada pelos opera-
dores do Direito.
200
Além do mais, nem sempre a atividade judicante estatal
irá substituir a vontade das partes, ante a previsão de procedi-
mentos de jurisdição voluntária, disposto nos Arts. 719 ao 770,
todos do novo digesto processual.
Dessa forma, a doutrina tem caminhado no sentido de in-
terpretar a jurisdição sob três óticas, as quais, conforme ensina
Daniel Assumpção, são poder, função e atividade:
201
de Alexandre Câmara, o qual retrata a jurisdição como a função
estatal de solucionar as causas que são submetidas ao Estado,
através do processo, aplicando a solução juridicamente correta.241
A Constituição da República de 1988 trouxe em seu bojo o
Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional expres-
so no Art. 5.º, inciso XXXV, o qual dispõe que a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Ocorre, todavia, que o Estado-juiz não pode exercer esta
função sem que haja uma provocação inicial da parte ou dos
interessados na tutela, considerando o Princípio da Inércia da
Jurisdição, também conhecido como Princípio da Demanda
ou, ainda, Princípio do Impulso Oficial, cujo sentido se traz no
brocardo ne procedat iudex ex officio, ou seja, não se procede a
justiça de ofício.242
O referido princípio está disposto precisamente no Art. 2.º
do atual Código de Processo Civil, que assim preleciona: O pro-
cesso começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso
oficial, salvo as exceções previstas em lei.
Desta forma, o processo deve ser entendido conforme
afirma Alexandre Câmara como um mecanismo de exercício do
poder democrático estatal, e é através do qual são construídos os
atos jurisdicionais.243
Assim, protocolada a petição inicial e impulsionado o fei-
to, o processo segue seu curso natural, devendo a parte deman-
dada ser citada para exercitar o contraditório e a ampla defesa,
garantias previstas no Art. 5.º, LV da Constituição da República
de 1988, bem como nos Arts. 9.º, caput e 10 do CPC/15.
Se tanto no curso do processo, ou, ao final, após a instrução
por meio de todos meios de provas existentes no ordenamento
jurídico pátrio, o juízo tiver a necessidade de prolatar uma deci-
202
são, deverá embasar seu convencimento, sob pena de violar a ga-
rantia constitucional da fundamentação das decisões judiciais.
Antes de adentrar nesta temática, é importante destacar
que tanto a sentença quanto a decisão interlocutória fazem par-
te do gênero decisão judicial, que nada mais são do que pro-
nunciamentos judiciais, por meio do qual o juiz realizará uma
atividade cognitiva.
Desta forma, o Art. 203 do CPC/2015 estabelece que:
203
Art. 11 do CPC/15. Todos os julgamentos dos órgãos do Po-
der Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as deci-
sões, sob pena de nulidade (grifado).
204
tivo que visa direcionar o que se considera para o ordenamento
jurídico pátrio uma decisão não fundamentada:
205
sob seu ponto, sem a adoção de critérios jurídicos, embasando
tão somente na moral?
206
Neste diapasão, Miguel Reale preleciona que a moral re-
presenta o mundo da conduta espontânea, do comportamento
que encontra em si mesmo a razão de existir. O ato moral implica
na adesão do espírito ao conteúdo da regra.248 Por sua vez, Bia-
nor Bezerra Neto afirma que o Direito se apresenta como ciên-
cia, ou seja, como um conjunto sistematizado e axiomatizado de
conhecimento construído em torno do ordenamento jurídico.249
Assim, é possível entender que o Direito e a Moral, embo-
ra atuem sob óticas diversas, não estão totalmente dissociados.
No entanto, não se pode afirmar que tudo que se passa pelo
mundo jurídico deva ser ditado por motivos de ordem moral.
Ocorre que não deveria o magistrado, portanto, tratar de-
cisões em situações concretas, em que envolvem uma respon-
sabilidade político-jurídica dentro de um Estado Democrático
de Direito, como se fossem dilemas morais. Afirma-se que não
pode o magistrado embasar-se tão somente em seu referencial
de certo ou errado, ou em subjetivismos.
Para embasar este entendimento, Lenio Streck dispõe que:
207
norma jurídica válida, em sentido amplo, sendo esta a sua prin-
cipal característica.251
Urge informar que no ordenamento jurídico pátrio não
é possível a existência de lacunas, no entanto, no caso de lacu-
nas na lei, o magistrado deve utilizar dos meios de integração,
quais sejam, aqueles previstos no Art. 4.º da Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro: Art. 4.º, LINDB. Quando a lei
for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os
costumes e os princípios gerais de direito.
Ainda há a possibilidade da utilização da equidade, por
parte do julgador, ou seja, dos seus “ideais de justiça” a serem
aplicados ao caso concreto. Ocorre que a equidade não pode ser
vista como uma autorização para que o juiz decida como quer.
Assim, sobre a equidade, Maria Helena Diniz expõe que:
252 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1: Teoria do Direito
Civil. 35 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 99;
253 STRECK, Lenio Luiz. Juiz não é deus: juge n’ est pas dieu. Curitiba: Juruá,
2016, p. 123.
208
Destarte, o que se busca alertar na obediência de todo or-
denamento jurídico, o qual tem na lei e na Constituição, a segu-
rança e o limite da atuação do magistrado no exercício da sua
atividade cognitiva. Assim, conclui-se que o Estado Democrá-
tico de Direito não combina com subjetivismos, arbitrariedades
ou caprichos de seus julgadores, devendo as decisões estarem
pautadas no Direito.
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
209
Ambiental da UEA: Mestrado em Direito Ambiental. Manaus:
Editora Valer, 2016.
STRECK, Lenio Luiz. Juiz não é deus: juge n’ est pas dieu. Curi-
tiba: Juruá, 2016.
210
WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4 ed revista e
atualizada. São Paulo: Saraiva, 2012.
211
C AP ÍTULO XII
1. INTRODUÇÃO
213
investigativa, que tomou por base fundamentos constitucio-
nais, bem como textos jurídicos sobre a atuação hodierna do
Supremo Tribunal Federal.
As premissas aventadas neste estudo são: breve histórico
do Supremo Tribunal Federal e Conceitos transversais aos limi-
tes jurídicos do Supremo Tribunal Federal – limites jurídicos,
separação de poderes, o Neoconstitucionalismo e o protagonis-
mo do Supremo Tribunal Federal, para, enfim, chegar-se à ideia
geral de quais são os limites jurídicos à atuação do Supremo
Tribunal Federal.
Para a produção deste estudo utilizou-se do método de
abordagem indutivo, que conforme dispõe Lamy,255 é o que se
utiliza de raciocínio ascendente, que se propõe à observação de
fenômenos particulares e conclui com uma proposição de uma
conclusão, qual seja, os limites jurídicos à atuação do Supremo
Tribunal Federal.
214
Suplicação do Brasil”, o mais elevado Tribunal do Império,
criado pelo Príncipe Regente D. João e com sede no Rio de
Janeiro. Em 1828, passou a ser denominado “Supremo Tribu-
nal de Justiça”, só recebendo a intitulação de “Supremo Tri-
bunal Federal” durante o Governo Provisório da República,
sendo que esta nomenclatura foi substituída na Constituição
de 1934 por “Corte Suprema” e foi restaurada na Constituição
de 1937. Além de ser o órgão judicial brasileiro mais antigo,
o Supremo Tribunal Federal encontra-se no topo da organi-
zação judiciária, caracterizando-se como órgão superior (de
cúpula) do poder257 (grifo do autor).
215
mínima superior a trinta e cinco anos e idade máxima inferior
a 65 anos, podendo permanecer no STF até 75 anos; notável
saber jurídico e reputação ilibada.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados
pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado Federal. Em função desta forma de
ingresso na mais alta corte judiciária do país, este cargo é con-
siderado por alguns como político.
Nathalia Masson259 discorre acerca da função básica do
Supremo Tribunal Federal, que conforme o texto constitucional
é a guarda da Constituição. Dentre as funções específicas do
STF aponta-se a apreciação de recursos como última instância
do judiciário:
216
3. CONCEITOS TRANSVERSAIS AOS LIMITES
JURÍDICOS DA ATUAÇÃO DO STF
217
Direito não é moral. Direito não é sociologia. Direito é um
conceito interpretativo e é aquilo que é emanado pelas ins-
tituições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas en-
contram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios
constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes que
tenham DNA constitucional, e não na vontade individual
do aplicador. Ou seja, ele possui, sim, elementos (fortes) de-
correntes de análises sociológicas, morais etc. Só que estas,
depois que o direito está posto — nesta nova perspectiva (pa-
radigma do EDD)262 – não podem vir a corrigi-lo.
218
quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que devem
ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exer-
cerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por
Aristóteles, na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por
John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também
reconheceu três funções distintas, entre elas a executiva, con-
sistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a
ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter rela-
ções com outros Estados, especialmente por meio de alianças.
E, finalmente, consagrada na obra de Montesquieu O espírito
das leis, a quem devemos a divisão e distribuição clássicas,
tornando-se princípio fundamental da organização política li-
beral e transformando-a em dogma pelo art. 16 da Declaração
Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,264 e é
prevista no art. 2.º da Nossa Constituição Federal.265
219
de autoridades estatais na tomada de decisões, e estabelecendo
mecanismos de fiscalização e responsabilização recíproca dos
poderes estatais:
220
que também entre nós este «príncipe d’art politique» tem sub-
jacente a ideia de «constituição mista», a máxima política do
«divide e impera» e a exigência de freios e contrapesos («cheks
and balances», «le pouvoir arrêt le pouvoir») (grifo nosso).
221
conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e pro-
fundo de constitucionalização do Direito.
222
representa a ordem máxima brasileira, e disto decorre, ainda, a
ideia de supremacia da Constituição.
Por conseguinte, o Supremo Tribunal Federal, guardião da
Constituição, passou a exercer seu papel de Tribunal Constitu-
cional de forma mais robusta, isso se dá em decorrência da am-
pliação das ações constitucionais com a Constituição de 1988 e
do acesso mais fácil ao Judiciário.
Para Barroso,270 o neoconstitucionalismo floresceu no
ambiente filosófico de pós-positivismo, e no plano teórico as
mudanças paradigmáticas do reconhecimento da força norma-
tiva da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional
e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação
constitucional potencializou-se a importância do debate na
teoria constitucional acerca do equilíbrio que deve haver entre
supremacia constitucional, interpretação judicial da Constitui-
ção e processo político majoritário:
223
conjuntural, mas como uma crônica disfunção institucional
(grifo nosso).
224
das essas questões apontam para um acentuado protagonismo
do Poder Judiciário no contexto político atual (grifo nosso).
225
ção integral entre texto e norma e como se estes tivessem exis-
tências autônomas) e deixar de lado o texto constitucional.272
226
Da breve análise destas duas proposições, do papel repre-
sentativo e iluminista que devem desempenhar as cortes cons-
titucionais, identifica-se que o liame entre as decisões pautadas
unicamente no Direito e análises que se confundem com deci-
sões metajurídicas é muito frágil.
Não se pode olvidar que o STF é o órgão máximo, de cú-
pula do Judiciário, e deve manter suas decisões pautadas na
Constituição, por ser seu guardião, em consonância com o tex-
to Constitucional.
Assim, o protagonismo judicial que se instituiu na atua-
lidade confunde-se com uma atuação além das funções do Ju-
diciário. Trata-se de uma atuação pautada em critérios morais,
filosóficos e de clamor social, ou seja, não são decisões pauta-
das em critérios estritamente de Direito. Daí surge o questio-
namento principal deste trabalho: Quais os limites jurídicos à
atuação do Supremo Tribunal Federal?
227
dimento ao clamor social, ou como coloca o ministro Barroso,
demonstra um papel representativo e iluminista do STF.
Ora, em críticas tecidas ao STF, Lênio Streck traz a lume
diversos questionamentos acerca da legitimidade das decisões
prolatadas, apontando, inclusive, que o Supremo não seria o
guardião da Constituição, como tão comumente difundido.
Afinal, a interpretação que tem se dado a algumas questões
constitucionais, perpassam as questões de Direito para encon-
trar fundamentações unicamente em critérios morais.
Ademais, acentua-se que o Supremo Tribunal Federal, ao
suplantar a atuação dos demais poderes, incorre em usurpação
de poderes, pois ao decidir em seu papel representativo e ilu-
minista, atendendo à clamores sociais, não se atendo à letra da
Constituição e utilizando-se de argumentos metajurídicos, ou
unicamente sociais ou morais, acaba muitas vezes por decidir
ao contrário do texto Constitucional.
Deste modo, o Supremo Tribunal Federal deve decidir
com base em argumentos unicamente jurídicos, ou seja, os li-
mites jurídicos ou as restrições de direito à atuação do Supremo
Tribunal Federal devem ser a Constituição, e, ainda, outras fon-
tes jurídicas de direito posto.
Assim sendo, deve-se retomar a ideia de Streck do Direito
como sendo um conceito interpretativo “emanado pelas insti-
tuições jurídicas, sendo que as questões e ele relativas encon-
tram, necessariamente, respostas nas leis, nos princípios cons-
titucionais, nos regulamentos e nos precedentes que tenham
DNA constitucional, e não na vontade individual do aplicador”.
Portanto, não se pode conceber que o Supremo Tribunal
Federal decida com base em argumentos metajurídicos, de-
vendo ater-se a decisões fulcradas em argumentos jurídicos.
Streck275 defende as razões pelas quais o Judiciário (e desta feita
principalmente o STF) deve decidir somente com base em ar-
gumentos jurídicos:
228
Mas por que decidir somente com base em argumentos ju-
rídicos? Porque a sociedade tem uma garantia: o respeito à
Constituição. Ninguém está acima dela. Ela é o norte do regi-
me democrático porque condiciona todos a um regramento
único. Assim, sem o respeito a argumentos jurídicos na deci-
são judicial, o aplauso de hoje pode se tornar o seu grito de
horror do amanhã.
229
5. CONCLUSÃO
230
Portanto, os limites jurídicos à atuação do Supremo Tribu-
nal Federal devem ser decisões pautadas em critérios exclusivos
de Direito, ou seja, no próprio texto constitucional, nas leis, nos
princípios constitucionais, nos regulamentos e nos precedentes
que tenham DNA constitucional.
REFERÊNCIAS
231
LAMY, Marcelo. Metodologia da Pesquisa Jurídca: técnicas de
investigação, argumentação e redação. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
232
STRECK, Lênio Luiz. O Supremo, o contramajoritarismo e o
“Pomo de ouro”. Revista Consultor Jurídico. 2012. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2012-jul-12/senso-incomum-stf-
-contramajoritarismo-pomo-ouro>. Acesso em 1/dez./2018.
233
C AP ÍTULO XIII
1. INTRODUÇÃO
O Neoconsitucionalismo marcou uma importante etapa
para a história da democracia brasileira, ao conferir primazia à
Constituição Federal de 1988, cujos valores material e axiológi-
co reverberam por todo o ordenamento jurídico.
As normas constitucionais, sejam elas regras ou princípios,
devem estar compatibilizadas e integradas, de modo a garantir
a sistematização e unidade constitucional. No entanto, em que
pese a existência de uma sociedade pluralista como a que esta-
mos inseridos, cujos valores por vezes caminham em sentido
contrapostos, não torna impossível a colisão entre determina-
dos direitos fundamentais. Do mesmo modo, que não obsta a
conflituosidade aparente entre regras, quer sejam derivadas no
âmbito do poder constituinte originário ou reformador. Assim,
ao se deparar com tais hipóteses de conflitos, caberá ao intér-
prete, utilizando-se de determinados mecanismos, direcionar a
sua atividade no sentido de harmonizar o corpo normativo; e,
por conseguinte garantir a resultado mais justo para o processo.
A problemática que envolve essa pesquisa reside em ve-
rificar: De que maneira o juiz pode conferir a melhor solução
no caso concreto, de modo a albergar a máxima efetividade do
texto constitucional?
235
2. NEOCONSTITUCIONALISMO E A FORÇA
NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO
236
das as bases do neoconstitucionalimo, que, segundo Padilha,281
apresenta como principais atributos:
237
Logo, pautada num viés democrático, os dispositivos ju-
rídicos encontram-se alicerçados aos valores emanados pelo
Estado frente às forças sociais que sobre ele atuam, por meio de
um sistema aberto de princípios e regras.
284 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 19.
238
Limitando o cerne desta pesquisa à questão dos conflitos
entre normas constitucionais, tem-se que a Constituição Fede-
ral por assumir o mais alto degrau de todo o arcabouço jurídi-
co, porquanto dotada de supremacia formal e material, garante
unidade e coerência a todo o sistema.287 Assim, ao passo que
sob a ótica interna a Carta Magna preserva a harmonia dos
preceitos que a integram, no que concerne ao prisma externo,
ela visa assegurar o processo de criação e validade das demais
espécies normativas.288
A unidade constitucional, à vista disso, compreendida
como um dos princípios instrumentais de interpretação cons-
titucional, funciona como um importante vetor de combate às
antinomias, posto que possibilita “a integridade do sistema e
contribui para a solução das contradições nele existentes”,289
obstando, dessa forma, possíveis incongruências.
Conquanto despontem na doutrina teorias negando a
existência de conflitos entre normas constitucionais,290 estas
constituem posições minoritárias. uma vez que ajustado a um
modelo de sociedade pluralista, como a que vigora atualmen-
te, donde vigoram valores e ideologias de mesma relevância e
que por vezes se contrapõe quando da resolução de um caso
concreto, aludidas divergências mostram-se inevitáveis, motivo
por qual, não se faz consistente negá-las.
Quanto aos motivos ensejadores dos conflitos, Garcia
elenca três principais causas,291 a saber:
239
a) edição de constituições compromissárias, nas quais ideo-
logias distintas se mantêm abrigadas sob uma única e mesma
unidade sistêmica;
b) má técnica legislativa, manifestando-se especificamente
no exercício do poder reformador;
c) necessidade de coexistência de normas potencialmente
conflitantes, como ocorre com aquelas que consagram os di-
reitos fundamentais.
240
ná-las forem normas integrantes de ordenamento jurídico”,292
não sendo, pois, necessário recorrer à edição de uma nova nor-
ma ou mesmo aos métodos de integração normativa, como
aqueles conferidos no Art. 4.º da LICC.
Não havendo a pretensão de esgotar o tema, haja vista a
vastidão de detalhes que da problemática exsurgem, o cerne da
pesquisa restará centrado na análise do conflito de antinomias
entre normas constitucionais no plano intrasistêmico, bem
como na apreciação de casos que envolvam o conflito entre
princípios e entre regras constitucionais, para o fim de identifi-
car-se, consequentemente, os métodos de solução empregados
nas lides postas à apreciação judicial.
292 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 25.
241
b) a natureza da linguagem; c) o conteúdo específico, d) o caráter
político”, bem como pela abertura, uma vez que se valem com
frequência de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indetermi-
nados. Dessa forma, para que seja conferida efetividade aos
preceitos constitucionais, a norma de decisão do jurista deve
pautar-se em valores tais como a igualdade, moralidade e se-
gurança, a fim de que possa conferir o melhor deslinde à de-
manda. Nesses termos, acentua o mesmo autor, evidenciam-se
como importantes princípios instrumentais de interpretação
constitucional: o Princípio da Supremacia Constitucional, o
Princípio da Unidade da Constituição, o Princípio da Interpre-
tação conforme à Constituição, o Princípio da Harmonização
(ou Concordância Prática); o Princípio da Máxima Efetividade
e, por fim, o Princípio da Razoabilidade ou Proporcionalidade.
De acordo com o princípio da supremacia constitucio-
nal, do qual se dispõe que nenhum ato jurídico deve remanes-
cer validamente conquanto não esteja em consonância com a
Constituição, são viabilizados dois mecanismos de controle ju-
dicial dos atos normativos, quer pela via incidental, “pela qual
a inconstitucionalidade de uma norma pode ser suscitada em
qualquer processo judicial, perante qualquer juízo ou tribunal,
cabendo ao órgão judicial deixar de aplicar as norma indigitada
ao caso concreto, se considerar fundada a arguição”294 ou pela
via principal, por meio da qual os legitimados ativos do Art.
103 da CRFB/88 podem dar ensejo a uma ação no STF, da qual
findará pela declaração de constitucionalidade ou inconstitu-
cionalidade da lei ou ato em questão.
O Princípio da Unidade Constitucional, concebido como
pressuposto crucial ao processo de criação normativa e à pró-
pria atividade interpretativa, mostra-se vinculado diretamente
ao Princípio da Harmonização. Para tanto, nutre a ideia de que
as normas constitucionais, isto é, os princípios e as regras, “não
242
podem, nunca, ser tomadas como elementos isolados, mas sim,
como preceitos integrados que formam um sistema interno
unitário”.295
Pelo Princípio da Interpretação conforme à Constitui-
ção,296 por sua vez, tem-se que, ao se defrontar o intérprete com
atos normativos primários que possibilitem mais de uma forma
de interpretação, o mesmo deve empregar aquela que melhor se
coadune com os preceitos constitucionais.
No que tange ao Princípio da Harmonização,297 também
denominado de Concordância Prática, considerando a inexis-
tência de hierarquia entre os bens jurídicos tutelados, busca-se
harmonizá-los, de forma que não haja a supressão de um di-
reito em prol do outro. A aludida concordância é auferida por
meio do critério da ponderação.
Por outro lado, pelo Princípio da Máxima Efetividade,298
também reconhecido como Princípio da Eficiência, determina-
-se que a interpretação conferida à norma constitucional deve
ser aquela dotada de maior eficácia. Muito embora sua acepção
inicial esteja relacionada à ideia de norma programática, a mo-
dalidade em questão assume grande destaque frente a toda es-
pécie de norma constitucional, tendo em vista o valor prestado
aos direitos fundamentais. Nesse diapasão, é de competência
do intérprete assegurar, dentre as diversas formas de interpreta-
ções, a que se mostre mais condizente com “a atuação da vonta-
de constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que
243
se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma
ou na ocorrência de omissão do legislador”.299
Por fim, no que se refere ao Princípio da Razoabilidade
ou Proporcionalidade, concebidos nessa acepção como sinô-
nimos, devem ser assegurados os mecanismos necessários, de
maneira a se obter os fins estabelecidos na Constituição. Assim,
valendo-se do entendimento que o princípio ora analisado é de
crucial importância para a resolução de lides que envolvam a
colisão de direitos fundamentais,300 o Judiciário pode invalidar
atos administrativos ou legislativos, quando verificadas as se-
guintes hipótese: quando não houver compatibilidade entre o
fim desejado e o meio empregado para tanto; quando a medida
empregada não for adequada ao fim ou quando sopesados as
vantagens e desvantagens de uma determinada situação, as pri-
meiras não forem capazes de superar as segundas.
Nessa perspectiva, devendo o intérprete constitucional,
quando da condução de sua atividade, pautar-se rigorosamente
pela concretização dos aspectos axiológicos assegurados pelo
Estado Democrático de Direito, em se deparando com even-
tuais conflitos normativos, seja referente à natureza de princí-
pios ou de regras, conduzirá a questão da seguinte forma: na
hipótese de antagonismos da primeira espécie, isto é, entre
princípios, por estar vinculado ao plano de aplicação, o método
a ser empregado será o da ponderação, por meio do qual, ali-
nhavados às especificidades do caso, será empregue uma deci-
são de preferência entre os bens envolvidos.301
Por outro lado, sendo verificadas antinomias entre regras,
pelas quais estão inseridas dentro do plano de validade, são
244
aventadas duas possíveis soluções,302 conforme enfatizado por
Garcia. Na primeira, “deve ser identificada a regra que será con-
siderada válida, operação que exige a aferição da inter-relação
entre as regras contraditórias, sendo direcionada pelos clássi-
cos critérios cronológico, hierárquico e de especialidade” e na
segunda compreenderá a “técnica da interpretação ab-rogante,
derrogante ou corretiva”.
245
Nessa senda, os princípios abandonam sua função meramen-
te subsidiária na aplicação do Direito – quando serviriam tão
somente de meio de integração da ordem jurídica (na hipóte-
se de eventual lacuna) e vetor interpretativo – e passam a ser
dotados de elevada e reconhecida normatividade.306
246
denota, estes não apresentam um suporte fático, mas são deter-
minados quando da hipótese do caso concreto.308
Ademais, enquanto as regras309 correspondem a manda-
mentos, das quais são predeterminados os efeitos almejados,
sem haver, portanto, ingerência significativa do intérprete
quando no processo de concessão de seu sentido ou em caso
de sua aplicação; os princípios,310 por outro lado, estabelecem
comandos de otimização ou estados ideais, vez que não dispõe
exatamente a forma como pretendem ser praticados, há, no en-
tanto, uma quantidade ímpar de condutas que podem a vir con-
cretizá-los, nesse sentido, “princípios são normas predominan-
temente finalísticas, e regras são normas predominantemente
descritivas”.311
Por derradeiro, outra característica que os distingue está
pautado no modo de aplicação. Por serem as regras dotadas de
pretensão de exclusividade, caso seja verificada sua hipótese de
incidência, deverá ser aplicada em detrimento da outra, não ha-
vendo, assim que se falar em harmonização de duas regras contra-
ditórias. Nesse diapasão, uma regra só pode deixar de ser aplicado
em determinado caso seja invalidada ou outra lhe excepcione.
Nessa conjuntura, deverão ser aplicados os critérios clássicos de
resolução de antinomias jurídicas: hierárquico (lei superior der-
roga a inferior); cronológico (lei posterior derroga a anterior) e o
de especialidade (lei especial prevalece sobre a geral).
247
Em caso de colisões principiológicas312, de outra forma,
dependerá da análise do caso concreto, uma vez que diferen-
temente das regras, estes não estão remetidos ao plano de vali-
dade. Nesse sentido, por apontarem em sentidos opostos, mas
de mesmo valor jurídico, deverão ser sopesados, por meio do
Critério da Ponderação.
Em suma, as diferenças entre as aludidas espécies norma-
tivas são pormenorizadas em três principais aspectos313, quais
sejam: quanto ao conteúdo, à estrutura normativa e ao modo
de aplicação:
248
dico, caberá ao intérprete dotado de sua função criativa, valer-se
dos mecanismos que garantam justiça no deslinde da causa.
6. ANÁLISE DE CASOS
249
animais, a lei n.° 9.605/98, em seu Art. 32, previu sanções penais
e administrativas que devem incidir a quem cometer tais crimes.
Por meio da interpretação deste último dispositivo, veri-
fica-se que as atividades que incorram em desrespeito ao bem-
-estar e dignidade animal devem ser reprimidas, sob pena de
afronta ao comando constitucional.
Por outro lado, o meio ambiente cultural (direito à mani-
festação cultural) também foi tutelado pelo constituinte origi-
nário nos Arts. 215 e 216 da CRFB/88, por meio do qual assegu-
ra que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e in-
centivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
A prática da vaquejada, atividade recreativa, “praticada por
dois vaqueiros, montados em seus cavalos, os quais perseguem o
boi desde a saída da sangra até o julgamento”, de modo que “de-
vem tombar o boi até o chão, arrastando-o brutalmente , até que
mostre as quatro patas”315 constitui modalidade de prática cul-
tural (Art. 225, §7.°, CRFB/88)316, em vários Estados da Região
Nordeste, dentre os quais, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Dada a proteção constitucional de ambos os direitos, ca-
berá ao intérprete, consideradas as peculiaridades do caso e
verificada a importância de cada uma delas, determinar o que
deve prevalecer.
Pautado numa visão protecionista, a qual entende que os
animais não devem servir como meros instrumentos de satis-
fação humana, tendo em vista que determinadas práticas cau-
sam-lhe sofrimento físico e mental, alguns tribunais já vêm en-
tendendo que no sopesamento entre ambos os princípios, deve
315 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11 ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2013, p. 2780-2781.
316 Art. 225, §7º, CRFB/88. Para fins do disposto na parte final do inciso VII do §
1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem ani-
mais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do Art. 215 desta
Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do
patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que
assegure o bem-estar dos animais envolvidos.”
250
prevalecer aquele que garante a proteção animal. Nessa perspec-
tiva já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado e São Paulo,
por meio do qual assentou entendimento “pela proibição da rea-
lização de provas de laço e de vaquejadas no município de Barre-
tos, onde é realizada a maior festa de Peão da América Latina”317
e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por meio do qual de-
cidiu pela proibição daquela prática em todo a Capital Federal.
317 LEITE, José Rubens Morato; MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de; AL-
BUQUERQUE, Letícia. Vaquejadas: uma ofensa à Constituição Federal? Animais
e Cultura entre avanços e retrocessos. In: Direito Ambiental e Proteção dos Ani-
mais. São Paulo: Letras Jurídicas, 2017, p. 336.
251
rito a ser instaurado será realizado pelo Diretor da Polícia Le-
gislativa (Art. 6.º, XI, Resolução 18/03).
Denota-se pela leitura dos aludidos dispositivos, que o
Departamento de Polícia Legislativa da Câmara dos Deputa-
dos acabou assumindo uma incumbência reservada à Polícia
Federal, posto que conforme a redação do Art. 144, § 1.°, IV da
CRFB/88, cabe àquela “exercer, com exclusividade, as funções
de polícia judiciária da União”.
Considerando que os dispositivos em questão correspon-
dem a normas constitucionais originárias, portanto, de mesma
esfera espaço-temporal, e que o sistema jurídico não admite hi-
pótese de normas constitucionais inconstitucionais, a solução
do caso em questão se mostraria mais satisfatória caso adotasse
o método de interpretação corretiva, entendida como aquela
que “conserva ambas as normas incompatíveis por meio de in-
terpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a in-
compatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de
parcial modificação no texto da lei”.319
Isto é, ao interpretar o disposto no Art. 51, IV da CRFB/88,
do qual elenca como uma das atividades da CD “dispor sobre
sua polícia”, poder-se-ia interpretar no sentido de polícia pre-
ventiva ou ostensiva, de forma que assim, não comprometesse
o pressuposto da unidade constitucional, por meio do qual evi-
dencia que os dispositivos normativos devem se manter har-
mônicos e compatíveis entre si.
7. CONCLUSÃO
A concordância prática e harmônica é o pressuposto pelo
do qual as normas constitucionais, regras e princípios, devem
estar submetidos, tendo em vista a ideia de unidade constitu-
252
cional. No entanto, quando isto não restar verificado, seja por
decorrência do exercício do poder reformador ou pela própria
existência de direitos fundamentais potencialmente conflitantes,
advindos de valores que marcam a nossa sociedade pluralista,
estar-se-á diante do denominado conflito aparente de normas
constitucionais, haja vista que o próprio ordenamento jurídico é
capaz de oferecer alternativas e métodos que o solucionem.
Seja no caso de colisão entre princípios, entre regras ou
ainda entre regras e princípios constitucionais, caberá ao intér-
prete solucionar a questão com vistas a atingir o resultado mais
satisfatório à lide, orientando-se sempre pelo ideal de dignida-
de da pessoa humana, moralidade e segurança.
Para tanto, a atividade hermenêutica do jurista evidencia-
da por meio do emprego dos princípios instrumentais de inter-
pretação constitucional é erigida como um importante fator de
resolução, porquanto possui como prerrogativa geral conferir a
máxima efetividade ao texto constitucional.
REFERÊNCIAS
253
_______. Lei n.° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe so-
bre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas
e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
L9605.htm>. Acesso em 28/out./2018.
254
LEITE, José Rubens Morato; MEDEIROS, Fernanda Luíza Fon-
toura de; ALBUQUERQUE, Letícia. Vaquejadas: uma ofensa à
Constituição Federal? Animais e Cultura entre avanços e retro-
cessos.. In: Direito Ambiental e Proteção dos Animais. São Paulo:
Letras Jurídicas, 2017, p. 336.
255
C AP ÍTULO XIV
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E AS
ATENUAÇÕES À TEORIA DE NULIDADE DA
NORMA INCONSTITUCIONAL
Rayanny Silva Siqueira Monteiro 320
1. INTRODUÇÃO
257
cácia da declaração de inconstitucionalidade é ex tunc, devendo
todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao
status quo ante.
Contudo, em algumas situações o Princípio da Nulida-
de Absoluta da Norma pode trazer consequências indesejadas
pelo próprio texto constitucional, colidindo com outros prin-
cípios de igual força normativa, tais como a segurança jurídica
e a boa-fé, sendo necessário construir, de forma equilibrada,
exceções a esta teoria.
É neste contexto que se pretende abordar as atenuantes à
teoria da nulidade da norma inconstitucional adotadas no sis-
tema jurídico brasileiro, abordando, para tanto, a supremacia
da constituição e o controle das normas constitucionais, o sis-
tema brasileiro de controle de constitucionalidade e o estado
de inconstitucionalidade da norma e os efeitos das decisões no
controle de constitucionalidade: tese da nulidade absoluta.
258
omissão, de cuja realização são abrigadas todas as pessoas e ór-
gãos às quais se dirigem.321
A atribuição do status de norma jurídica à norma consti-
tucional é um avanço relativamente recente, ocorrida ao longo
do século XX com a superação do modelo que vigorava na Eu-
ropa até então, no qual a Constituição era vista com um docu-
mento essencialmente político, com natureza recomendatória,
meros “convites” para a atuação do Estado.
A Constituição Jurídica era aquela “escrita na folha de pa-
pel”, na qual deveriam estar previstos os fatores reais do po-
der (Constituição Real), conforme defendido por Ferdinand
Lassalle, na obra A essência da Constituição.322 Posteriormente,
Konrad Hesse, na obra A força normativa da Constituição323,
defendeu a força normativa da Constituição Jurídica, conferin-
do-lhe força necessária para existir fora do alcance da Consti-
tuição Real, em contraponto à concepção defendida por Las-
salle, pela qual as questões constitucionais não são questões
jurídicas, mas políticas.
Reconhecendo a natureza normativa das normas de uma
Constituição Jurídica, temos que toda ela tem eficácia, isto é,
todas as normas constitucionais, independente de sua catego-
ria, material ou formal, princípio ou regra, tem idêntica hierar-
quia normativa, não se tratando, portanto, de meros programas
ou planos diretores para o Poder Público.
É certo, também, que as normas constitucionais gozam
de mais um atributo próprio, o da supremacia. A ideia de su-
premacia da Constituição tem origem na teoria do escalona-
mento normativo de Hans Kelsen, que na sua obra Teoria Pura
do Direito concluiu que a ordem jurídica não é um sistema de
259
normas jurídicas dispostas no mesmo plano. O fundamento de
validade de uma norma se dá por outra norma, que representa
o fundamento de validade daquela, sendo uma norma supe-
rior à primeira. Assim, normas inferiores devem se submeter
às normas superiores. Como ápice deste escalonamento, Kelsen
estabelece a norma hipotética fundamental como aquela última
e mais elevada, fundamento de validade para todas as outras.324
Por meio da teoria de Kelsen sobre a construção lógico-sis-
temática escalonada da ordem normativa, é possível compreen-
der a posição hierárquica mais elevada da Constituição no or-
denamento jurídico de um Estado, bem como a sua supremacia
frente às demais normas jurídicas, configurando-se como um
alicerce fundamental para Estado Democrático de Direito.
Para Dirley Cunha, a noção de supremacia é inerente à no-
ção de Constituição, desde que essa superioridade normativa im-
plique a ideia de uma norma fundamental, de uma Fundamental
Law, cujo incontrastável valor jurídico atua como um pressupos-
to de validade de toda a ordem positiva estabelecida no Estado.325
Em obediência à supremacia da Constituição, as demais
normas devem guardar compatibilidade vertical com ela para
serem válidas, devendo as possíveis incompatibilidades serem
solucionadas em favor da Constituição Federal, a mais alta ex-
pressão jurídica da soberania popular e nacional.
Sendo assim, todas as normas jurídicas devem se adequar
aos parâmetros constitucionais. Visto como um sistema, o or-
denamento jurídico, apesar de composto por uma pluralidade
de normas jurídicas, pressupõe ordem e unicidade entre seus
elementos para que possa funcionar de maneira harmônica e
eficiente. Mas, como todo sistema, não está isento de distorções
pela entrada de inputs326 que desequilibram esta harmonia. O
324 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: Wmf Martins Fon-
tes, 2011.
260
controle de constitucionalidade figura, neste contexto, como
um dos mecanismos mais importantes para a restauração desta
unicidade ameaçada, conferindo caráter sistemático ao ordena-
mento jurídico por meio da verificação de compatibilidade en-
tre a lei ou ato normativo infraconstitucional e a Constituição
Federal pelo órgão constitucionalmente designado.
Esta verificação da compatibilidade vertical das leis e de-
mais atos normativos infraconstitucionais e a Constituição visa
impedir a validade das normas antagonistas ao texto consti-
tucional, denominadas normas inconstitucionais. Isto é, para
defender a supremacia constitucional contra as inconstitucio-
nalidades, a própria constituição estabelece técnica especial,
que a teoria do Direito Constitucional denomina de controle
de constitucionalidade das leis, que, na verdade, hoje, é apenas
um aspecto relevante da Jurisdição Constitucional.327
O controle de constitucionalidade, ao proteger a supre-
macia da Constituição, também possui um papel de destaque
na guarda do Estado Democrático de Direito atual, conforme
destacado por José Joaquim Gomes Canotilho:
327 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 49.
261
pura e simplesmente a defesa do Estado e sim da forma de Es-
tado tal como ela é constitucionalmente formada328 (grifado).
262
de Washington no Distrito de Columbia e diversos juízes fede-
rais. James Madison, secretário de Jefferson agora eleito Presi-
dente, nega-se a empossar Marbury. Marbury, nomeado e não
empossado, propôs ação judicial (writ of mandamus) com base
em uma Lei de 1789 que havia atribuído à Suprema Corte a
competência originaria para processar e julgar ações daquela
natureza.
Em sua decisão, Marshall entendeu que Marbury tinha
direito de investidura e se tinha esse direito, necessariamente
haveria um remédio jurídico para assegurá-lo. O Writ of man-
damus era a via própria de se emitir uma ordem para a prática
de determinado ato a uma gente do poder Executivo, uma vez
que somente em duas hipóteses os atos do executivo não seriam
passíveis de revisão judicial: atos de natureza politica e aqueles
que a Constituição ou a Lei houvessem atribuído a sua exclusi-
va discricionariedade.
Contudo, o § 13.º da Lei Judiciária de 1789, ao criar uma
hipótese de competência originária da Suprema Corte fora das
que estavam previstas no Art. 3.° da Constituição, incorria em
uma inconstitucionalidade. Diante disso, a questão central do
julgamento, que o tornou mundialmente famoso, se concentrou
em responder se poderia a Suprema Corte deixar de aplicar, por
ser inválida, uma lei inconstitucional.
Ao enfrentar esta questão, Marshall entendeu que sim, a
Suprema Corte poderia deixar de aplicar, por ser inválida, uma
lei inconstitucional, firmando o entendimento de que na exis-
tência de confronto, num caso concreto, entre uma lei infra-
constitucional e a Constituição, deve prevalecer a norma cons-
titucional. Firmou suas razões em três grandes fundamentos
que justificam o controle de constitucionalidade pelo Judiciá-
rio: a Supremacia da Constituição, a nulidade da Lei que con-
trarie a Constituição e o Poder Judiciário como intérprete final
da Constituição.
A decisão de Marshall representou a consagração não só da
supremacia da Constituição em face de todas as demais normas
263
jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar a
aplicação de leis contrárias à Constituição.331
Por outro lado, recebeu severas críticas como, por exem-
plo, o fato de que o Juiz Marshall deveria ter se declarado im-
pedido para julgar o caso e que o reconhecimento da incompe-
tência da Corte deveria integrar a parte inicial da Decisão, além
disso, acusaram a Suprema Corte de usurpadora de poder, sob o
argumento de que não havia nenhum dispositivo da Constitui-
ção conferindo expressamente ao Poder Judiciário a faculdade
de controlar a constitucionalidade dos atos dos outros Poderes,
para declará-los nulos em face da Constituição.
No entanto, na medida em que se distanciou no tempo da
conjuntura turbulenta em que foi proferida e das circunstâncias
específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão, passan-
do a ser celebrada universalmente como o precedente que as-
sentou a prevalência dos valores permanentes da Constituição
sobre a vontade circunstancial das maiorias legislativas.332
Este sistema americano de judicial review, também deno-
minado sistema difuso de controle de constitucionalidade, ex-
pandiu-se por quase todo o mundo, encontrando-se incorpo-
rado atualmente em países como Canadá, Austrália, Argentina
e Brasil. Contudo, ao longo do século XX cedeu espaço a outro
modelo de jurisdição constitucional: o sistema de controle con-
centrado de constitucionalidade, “onde o controle de constitu-
cionalidade estava confiado, exclusivamente, a um órgão juris-
dicional especial (o chamado Tribunal Constitucional).333 Esse
sistema é também conhecido como “sistema austríaco”, devido
ao fato de sua origem estar vinculada à Constituição austríaca,
promulgada em 1.º de outubro de 1920 e elaborada a partir de
264
projeto apresentado por HANS KELSEN, a pedido do governo da
Áustria.334
335 Constituição Federal de 1891. “Art. 59, § 1º. Das sentenças das justiças dos
Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade ou a interpretação de tratados e leis
federais, e a decisão do tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar
a validade de leis ou de atos dos governos dos Estados em face da Constituição,
ou das leis federais e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses
atos, ou essas leis impugnadas.”
265
vista no Art. 101, I, k, da sobredita Constituição. Tem-se, aí,
o marco do controle de constitucionalidade misto exercido no
Brasil: o difuso (norte-americano) e o concentrado (austríaco).
Nas lições de Luís Roberto Barroso, com a Emenda Constitu-
cional n.° 16/1965:
266
Sobre estes conjunto de inovações, Luiz Roberto Barroso
elenca algumas consequências práticas:
267
dor-Geral da República, o Conselho Federal da OAB e confede-
ração sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Com efeito, o controle incidental difuso continuou a ser
previsto de forma expressa da Constituição de 1988, porém de
forma oblíqua, na disciplina do Art. 102, III, do qual decorre
a possibilidade dos juízes e Tribunais julgarem, mediante re-
curso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo
desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tra-
tado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local
contestada em face de lei federal” (alínea incluída pela EC n.º
45/2004). Por sua vez, o controle concentrado (por ação direta)
pode ser exercido perante o Supremo Tribunal Federal quan-
do se tratar de ação direta de inconstitucionalidade (ou ação
direta de constitucionalidade) de lei ou ato normativo federal
ou estadual em face da Constituição Federal (Art. 102, I, a); e
perante o Tribunal de Justiça do Estado, quando se tratar de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos norma-
tivos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual
(Art. 125, § 2.º).
No Brasil existem diferentes modalidades de controle de
constitucionalidade, que podem, dentre outras classificações,
variar quanto à natureza e ao momento de exercício do con-
trole, podendo ser político (preventivo) ou judicial (repressi-
vo). Embora no Brasil o controle de constitucionalidade seja
eminentemente de natureza judicial, competindo ao Poder
Judiciário a decisão final acerca da inconstitucionalidade de
uma norma jurídica, existem, no entanto, diversas instâncias
de controle político da constitucionalidade, tanto no âmbito do
Poder Executivo, como, por exemplo, o veto de uma lei por in-
constitucionalidade, como no do Poder Legislativo quando da
rejeição de um projeto de lei pela Comissão de Constituição e
Justiça da casa legislativa, por inconstitucionalidade.
268
Luís Roberto Barroso salienta que existe, ainda, uma hipó-
tese de controle prévio de constitucionalidade, em sede judicial,
que tem sido admitida no Direito brasileiro:
269
Federal e somente os Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal podem exercer, também diante de uma ação
direta, o controle da constitucionalidade dos atos normativos
estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.341
4. O ESTADO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA
NORMA E OS EFEITOS DAS DECISÕES NO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:
TESE DA NULIDADE ABSOLUTA
270
inconstitucionalidade de uma norma deve ser evidente, devendo
o julgador decretá-la com base em “uma clara e forte convicção
– ‘a clear and strong conviction’ – da incompatibilidade” entre a
norma e a Constituição343. De igual modo, na existência de duas
interpretações possíveis, deve-se adotar aquela compatível com a
Constituição, pois há presunção de que o legislador elaborou a nor-
ma jurídica no sentido compatível com a norma fundamental.344
Corriqueiro questionamento se faz sobre em qual a fase da
produção normativa a inconstitucionalidade faz morada den-
tro desses três planos distintos: o de sua existência, o de sua
validade e o de sua eficácia.
Um ato é existente quando se constitui por todos os ele-
mentos definidos pela lei: objeto, forma e agente, bem como os
requisitos específicos a determinada categoria de atos. A ausên-
cia desses elementos impede seu ingresso no universo jurídico,
sendo, portanto, inexistente. Existindo o ato, passa-se a veri-
ficação do segundo plano, o da validade. Acerca do plano de
validade, Luís Roberto Barroso esclarece, em termos práticos:
271
Por fim, no plano da eficácia dos atos jurídicos esta com-
preendida a sua aptidão para a produção de efeitos. Eficácia diz
respeito, assim, à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade
da norma.346
O controle sobre as normas inconstitucionais se dá no
plano da sua validade. Dentro da ordem de ideias aqui expos-
tas, uma lei que contrarie a Constituição, por vício formal ou
material, não é inexistente. Ela ingressou no mundo jurídico e,
em muitos casos, terá tido aplicação efetiva, gerando situações
que terão de ser recompostas. Norma inconstitucional é norma
inválida, por desconformidade com o regramento superior, por
desatender os requisitos impostos pela norma maior.347
Com influência da doutrina Marshall, prevalece no siste-
ma brasileiro, a teoria da nulidade da norma inconstitucional,
pela qual uma lei declarada inconstitucional é tida como nula
ipso jure. A eficácia da declaração de inconstitucionalidade é ex
tunc, retroagindo para eliminar a lei do ordenamento jurídico.
A doutrina se posicionou em equiparar inconstitucionalidade e
nulidade, sob o fundamento de que o reconhecimento de qual-
quer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão
provisória ou parcial da Constituição.348
Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos
válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurí-
dicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante.349
Sobre a eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade
e a natureza declaratória da decisão de inconstitucionalidade,
Ronaldo Poletti descreve:
272
A doutrina afirma que a lei inconstitucional não tem nenhu-
ma eficácia, nem jamais teve, nem terá. A doutrina da incons-
titucionalidade repousa na oposição entre a lei e a Consti-
tuição, antinomia meramente aparente, pois a supremacia da
Constituição a resolve. Não se poderá, por isso, atribuir à “lei
inconstitucional” uma eficácia transitória, enquanto não ful-
minada pela presença judicial. Isso seria como negar, durante
o tempo que não houve a declaração de inconstitucionalida-
de, a autoridade da Constituição.
Em consequência, não se poderia falar em decisão constituti-
va, senão em declaratória, com efeito ex tunc. Vale a assertiva
de que “lei inconstitucional” resume um expressão contradi-
tória em termos: ou é lei, portanto compatível como a Cons-
tituição, ou, se contrária à Lei Maior, não pode ser lei. Neste
caso, ela não se torna inválida, porque o Judiciário assim a
declarou, mas assim é declarada porque radicalmente nula.
Cumpre-se fazer com que os feitos eventualmente produzi-
dos sejam apagados. É preciso apagar o passado e disso não
deixar vestígios, restaurando o sem máculas.350
273
Por essa linha de entendimento, a lei inconstitucional não
seria nula, mas meramente anulável. Vale dizer: a inconsti-
tucionalidade não geraria uma nulidade, mas tão somente a
anulabilidade do ato. Como consequência, a decisão que a re-
conhecesse teria natureza constitutiva negativa e produziria
apenas efeitos ex nunc, sem retroagir ao momento de nasci-
mento da lei.352
274
jurídica de uma declaração de nulidade, como demonstram
múltiplos exemplos do direito comparado e do nosso direito.
Em outras palavras, a aceitação do princípio da nulidade da
lei inconstitucional não impede que se reconheça a possibi-
lidade de adoção, entre nós, de uma declaração de inconsti-
tucionalidade alternativa. Ao revés, a adoção de uma decisão
alternativa é inerente ao modelo de controle de constitucio-
nalidade amplo, que exige, ao lado da tradicional decisão de
perfil cassatório com eficácia retroativa, também decisões de
conteúdo outro, que não importem, necessariamente, na eli-
minação direta ou imediata da lei no ordenamento jurídico.
275
se admitisse o temperamento da regra geral, suprimindo ou ate-
nuando o caráter retroativo do pronunciamento de inconstitucio-
nalidade, em nome de valores como boa-fé, justiça e segurança
jurídica.354
Um clássico exemplo do confronto entre os Princípios
da Nulidade da Lei Inconstitucional e o da Segurança Jurídica
enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça, é retratado pelo
Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto no RE 364.304-
AgR, quando sustenta que razões de segurança jurídica podem
revelar-se aptas a não aplicação do Princípio da Nulidade da
Lei Inconstitucional, lançando a seguinte indagação: Em outros
termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstituciona-
lidade com efeitos limitados ou restritos estão intimamente liga-
dos. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter
Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos
retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos
eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nu-
lidade e declara-se inconstitucional e ipso jure a lei, com todas
as consequências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia
do Estado?
Embora o Supremo já viesse tratando da questão de cons-
trutiva, acompanhando esta flexibilização da tese da nulida-
de absoluta de leis inconstitucionais, as leis n.º 9868/99 e n.º
9882/99, artigos 27 e 11,355 respectivamente, positivaram a téc-
nica de modulação dos efeitos da decisão, a qual permite ao STF,
tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, forjar os efeitos da declaração de inconstitucio-
nalidade, nos seguintes termos:
276
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato nor-
mativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Fe-
deral, por maioria de dois terços de seus membros, restringir
os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi-
cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momen-
to que venha a ser fixado.
356 TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2009. p.
439.
277
Estrela), em que se discutiu o pedido de inconstitucionalidade
da lei editada pelo município de Mira Estrela, que fixou o nú-
mero de vereadores além do limite determinado pela Constitui-
ção Federal vigente, declarou a Suprema Corte a inconstitucio-
nalidade da referida norma, porém, aplicando-se os efeitos pro
futuro, tendo em vista prevalência do interesse público. Outra
manifestação importante do STF acerca do tema foi exarado
no HC 82.959-7/SP, em que afastou a proibição de progressão
de regime nos crimes hediondos, reconhecendo a inconstitu-
cionalidade do parágrafo 1.º, do artigo 2.º da lei 8.072/90, que
proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos
crimes hediondos, mas decidiu que a declaração de inconstitu-
cionalidade não geraria consequências jurídicas com relação a
penas já extintas.
Outras técnicas que visam atenuar a teoria da inconstitu-
cionalidade como nulidade, também vêm sendo adotadas no
Direito brasileiro, tais como a interpretação conforme a Cons-
tituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução
de texto, que se compatibilizam com o controle abstrato de
constitucionalidade.
Por meio da interpretação conforme à Constituição, é pos-
sível mais de uma interpretação do ato impugnado (por tratar-
-se de norma polissêmica ou plurissignificativa), deve-se adotar
aquela que possibilita ajustá-lo à Constituição.357 Noutras pala-
vras, exclui-se um ou mais sentidos inconstitucionais da nor-
ma, para lhe emprestar aquela interpretação que a compatibili-
ze com o texto constitucional.
Essa técnica foi empregada, por exemplo, no julgamento
da ADI 4.277, na qual o STF reconheceu as uniões homoafe-
tivas como entidades familiares, quando atribuiu ao Art. 1.723
do Código Civil interpretação conforme a Constituição para
dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento
278
da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mes-
mo sexo como entidade familiar.
Por sua vez, a técnica de declaração de inconstitucionali-
dade sem redução do texto tem sido utilizada para considerar
inconstitucional determinada hipóteses de aplicação da lei, sem
proceder a qualquer alteração no seu texto normativo.358 Sub-
trai-se da norma determinada situação, à qual ela em tese se
aplicaria, com o objetivo de afastar determinadas “hipóteses de
aplicação ou incidência” da norma, que aparentemente seriam
factíveis, mas que a levaria a uma inconstitucionalidade, porém
sem proceder a qualquer alteração do seu texto normativo.
A Suprema Core empregou esta técnica na ADI 1.946, na
qual o STF declarou a inconstitucionalidade parcial sem redu-
ção de texto do Art. 14 da EC 20/98 (que instituiu o teto para os
benefícios previdenciários do RGPS), para excluir sua aplica-
ção ao benefício do salário maternidade (licença gestante), que
deve ser pago sem sujeição a teto e sem prejuízo do emprego e
do salário, conforme o Art. 7.º, XVIII, da CF. Embora bastante
semelhantes, estas duas ultimam técnicas não se confundem,
conforme esclarecido por Gilmar Mendes:
279
O Supremo Tribunal também se utiliza da técnica da de-
claração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade,
a qual ganhou espaço na medida em que a Constituição de 1988
atribuiu particular significado ao controle de constitucionalida-
de da chamada “omissão do legislador”, adotando esta técnica
de decidir quando a situação que ensejou a propositura da ação
direta se mostra absolutamente inalterada em razão do estado de
fato consolidado ou possibilitar um agravamento seu estado de
inconstitucionalidade caso pronunciado os seus efeitos.360
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
280
de das normas inconstitucionais, conferindo uma flexibilização
maior dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalida-
de da norma.
As leis n.º 9868/99 e n.º 9882/99, artigos 27 e 11, respecti-
vamente, positivaram a técnica de modulação dos efeitos da de-
cisão, permitindo ao STF, tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, forjar os efeitos da
declaração de inconstitucionalidade, desde que presentes ra-
zões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social e
o quorum de dois terços de seus membros.
Outras técnicas que visam atenuar à teoria da inconsti-
tucionalidade como nulidade, também vêm comumente sen-
do utilizadas no Brasil, tais como a interpretação conforme a
Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem re-
dução de texto.
Não se busca com isso enfraquecimento da supremacia
da Constituição pela convalidação de leis inconstitucionais. O
Princípio da Nulidade não se opõe às normas insertas nos Arts.
27 e 11 das leis n.º 9.868/99 e 9.882/99, pois o efeito retroativo,
anulando ab initio o ato inconstitucional, continua sendo a me-
dida a ser aplicada.
As atenuantes aqui tratadas, de caráter excepcional, ape-
nas possibilitam a dosagem desse efeito diante de situações jurí-
dicas irreversíveis ou de difícil reversibilidade, em que a adoção
irrestrita do efeito ex tunc importaria em colisão com outros
ideais do Direito, causando danos mais lesivos do que a manu-
tenção provisória do status quo.
REFERÊNCIAS
281
BRASIL. Lei n.º 9.868 de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre
o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalida-
de e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Su-
premo Tribunal Federal Disponível em: [http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm]. Acesso em 28 de outubro de
2018.
282
MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o contro-
le abstrato no Brasil e na Alemanha. 5 ed. São Paulo: Saraiva,
2005.
283
Este livro foi impresso em Manaus, em 2019.
O projeto gráfico – miolo e capa – foi feito
pela Editora Valer.