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Hal Foster
Tradução: Alexandre Sá
Revisão : Angela Prada
FOSTER, Hal. The return of the real: the avant-garde at the end of the century. The MIT
Press. London; 1996.
Resumo: Neste ensaio, que se tornou referência no debate artístico, Hal Foster propõe,
de modo seminal, uma cartografia específica à arte contemporânea. Calcando-se em
"O autor como produtor" de Walter Benjamin, Foster discute e revisa a posição do
artista como sujeito da obra em sua relação com o outro.
Abstract: In this essay, which has become a reference in the artistic debate, Hal Foster
proposes, seminally, a new cartography specific to contemporary art. Basing his assumptions
on Walter Benjamin's "Author as Producer", Foster discusses and revises the artist's position
as subject of the work of art in his relationship with the other.
Palavras-chave :
Arte contemporânea, crítica, etnografia
Uma das mais importantes intervenções na relação entre autoria artística e política cultural é
“O autor como produtor” de Walter Benjamin, apresentado pela primeira vez em abril de
1934 sob forma de conferência no Instituto para Estudos do Fascismo em Paris. Lá, sob
influência do teatro épico de Bertold Brecht e dos experimentos factográficos de escritores
soviéticos como Sergei Tretiakov, Benjamin chamou o artista de esquerda “a aliar-se ao
proletariado”. Na Paris de 1934 este tipo de apelo não era radical, sua abordagem, entretanto,
era. Pois Benjamin instiga o artista “avançado” a intervir, como um trabalhador
revolucionário, nos meios de produção artística - para alterar a “técnica” dos meios
tradicionais, e transformar o “aparato” da cultura burguesa. Uma “tendência” correta não era
suficiente, isto seria assumir um lugar “ao lado do proletariado”i. E “que lugar era esse?”.
Benjamin perguntava em sua escrita mordaz. “Aquele do benfeitor, de um patrono ideológico
– um lugar impossível”.
Muitas oposições estruturam este famoso argumento. Por detrás do privilégio da
“técnica” sobre o “tema” e da “tomada de posição” sobre a “tendência”, encontra-se um certo
privilegiar do produtivismo sobre o proletkult, dois movimentos rivais no início da União
Soviética. O produtivismo trabalhou para desenvolver uma nova cultura proletária através de
uma extensão dos experimentos formais construtivistas na produção industrial propriamente
dita; neste sentido procurou solapar a arte e a cultura burguesas. Já o proletkult, também
politicamente comprometido, procurou desenvolver uma cultura proletária no sentido mais
tradicional da palavra, procurando superar a arte e cultura burguesas. Para Benjamin, isto não
era suficiente: mais uma vez, implicitamente, ele imputou à movimentos como o proletkult
um patronato ideológico, que posicionou o trabalhador como um outro passivoii. Apesar de
difícil, a solidariedade com os produtores, que tinha importância para Benjamin, era uma
solidariedade da prática material e não em temas artísticos ou em forma de atitude política
apenas.
Um rápido olhar sobre este texto revela que duas oposições continuam a atormentar a
recepção da arte – qualidade estética versus relevância política, forma versus conteúdo;
questões “familiares e infrutíferas” já em 1934. Benjamin procurou superar estas oposições na
representação através de um terceiro termo, produção; mas as oposições não desapareceram.
No início de 1980, alguns artistas e críticos retornaram ao “Autor enquanto produtor” para
trabalhar questões contemporâneas sobre estas antíteses (por exemplo: teoria versus
ativismo).iii No entanto, esta leitura de Benjamin se diferenciava de sua recepção no final da
década de 70; em uma reconstituição de sua própria trajetória, rupturas alegóricas entre
imagem e texto foram forçadas a tornar-se intervenções culturais e políticas. Do mesmo modo
que Benjamin havia reagido à estetização da política sob o fascismo, também estes artistas e
críticos responderam à capitalização da cultura e à privatização da sociedade sob o governo de
Reagan, Tatcher e Kohl entre outros – ainda que essas transformações tenham dificultado
ainda mais tal intervenção. De fato, quando esta intervenção não se restringia ao aparato
artístico apenas, suas estratégias eram mais situacionais do que produtivistas – ou seja, mais
interessadas em re-inscrições de representaçõesiv dadas.
Isto não quer dizer que as ações simbólicas não causassem efeito; muitas foram,
especialmente aquelas que ocorreram da metade para o final da década de 80, em torno da
crise da AIDS, direito ao aborto e o Apartheid (Eu penso nos projetos do grupo de artistas
ACT-UP, os pôsteres de Bárbara Kruger, as projeções de Krzysztof Wodiczko). Mas estes
não são o meu assunto aqui. Antes, quero sugerir que um novo paradigma estruturalmente
similar ao antigo modelo “Autor enquanto produtor” emergiu na arte avançada de esquerda: o
artista enquanto etnógrafo.
O que aconteceu aqui? Que desvios de reconhecimento ocorreram entre a antropologia, a arte
e outros discursos? Pode-se apontar para um teatro virtual de projeções e reflexos nas duas
últimas décadas, pelo menos. Primeiramente, alguns críticos da antropologia desenvolveram
um tipo de inveja do artista (o entusiasmo de James Clifford pelas colagens interculturais do
“surrealismo etnográfico” é uma influência insistente).xxiv E neste processo, o artista tornou-se
uma paradigma da reflexividade formal, um leitor auto-consciente da cultura compreendida
como texto. Mas o artista é o exemplo aqui, ou seria uma projeção de um ego ideal do
xxv
antropólogo: o antropólogo enquanto um artista da colagem, semiologista, vanguardista?
Em outras palavras, esta inveja do artista não seria uma auto-idealização onde o antropólogo é
reconstruído como um intérprete artístico do texto cultural? Essa projeção raramente para aí
na nova antropologia ou, neste contexto, nos estudos culturais ou em no novo historicismo.
Muitas vezes, esta interpretação se estende sobre o objeto desses estudos, o outro cultural, que
é também reconfigurado para refletir uma imagem ideal do antropólogo, crítico ou
historiador. Esta projeção não é novidade para a antropologia: alguns autores clássicos desta
disciplina apresentam culturas inteiras como coletivos de artistas ou as lê enquanto padrões
estéticos de práticas simbólicas (Patterns of Culture de Ruth Benedict [1934] é apenas um
exemplo). Mas pelo menos, a velha antropologia projetava abertamente; a nova antropologia
persiste nestas projeções, mas as considera fundamentais/críticas e até desconstrutivas.
Obviamente, a nova antropologia entende a cultura de forma diferente, enquanto texto,
o que significa dizer que esta projeção sobre outras culturas é tão textual quanto estética. O
modelo textual supostamente desafia a “autoridade etnográfica” através de “paradigmas
discursivos do diálogo e da polifonia”xxvi. Contudo, há muito tempo atrás, em Outline of a
Theory of Practice (1972), Pierre Bourdieu questionou a versão estruturalista deste modelo
textual porque este reduzia “relações sociais em relações comunicativas e mais precisamente
em operações decodificadoras” e portanto, tornava o leitor etnográfico mais e não menos
autoritário.xxvii De fato, esta “ideologia do texto”, esta recodificação da prática enquanto
discurso, persiste na nova antropologia assim como na arte “quasi-antropológica”, da mesma
forma que nos estudos culturais e no novo historicismo, apesar das ambições contextualistas
que também direcionam estes métodos.xxviii
Recentemente a antiga inveja do artista entre os antropólogos inverteu-se: uma nova
inveja do etnógrafo assola muitos artistas e críticos. Se os antropólogos desejavam utilizar o
modelo textual na interpretação da cultura, estes artistas e críticos aspiravam a um trabalho de
campo onde teoria e prática pareçam se reconciliar. Muitas vezes, eles esboçam indiretamente
os princípios básicos da tradição do observador/participante, na qual Clifford aponta um foco
crítico sobre uma instituição particular e um tempo narrativo que privilegia “o presente
etnográfico.”xxix Contudo, estas apropriações são somente sinais do direcionamento
etnográfico em arte contemporânea e crítica. O que impulsiona este desvio?
Existem muitas instâncias de endereçamento do outro na arte do século XX, muitas
das quais primitivistas, com estreitas ligações com a política da alteridade: no surrealismo,
onde o outro é representado principalmente em termos do inconsciente; na art brut de Jean
Dubuffet, onde o outro representa um recurso redentor anti-civilizacional; no expressionismo
abstrato, onde o outro se coloca como exemplar primário de todos os artistas; e de forma
variável na arte das décadas de 60 e 70 (a alusão à arte pré-histórica em alguns trabalhos de
site-specific/earthworks, em alguns tipos de arte conceitual e arte crítica institucional o
mundo da arte visto como um sítio antropológico, a invenção de sítios arqueológicos e
civilizações antropológicas por Anne e Patrick Poirier, Charles Simonds e muitos outros.)xxx
Assim, o que caracteriza este direcionamento atual, além de sua relativa auto-consciência
sobre o método etnográfico? Primeiro, como havíamos visto, a antropologia é pensada como
a ciência da alteridade; e neste sentido é, conjuntamente com a psicanálise, a língua franca da
prática artística e do discurso crítico. Segundo, a antropologia é a disciplina que considera a
cultura como seu objeto e este campo expandido de referências é o domínio da teoria e da
prática pós-moderna (portanto também a atração por estudos culturais e em um grau menor, o
novo historicismo). Terceiro, a etnografia é considerada contextual, uma demanda muitas
vezes automática que artistas e críticos atuais dividem com outros praticantes, muitos dos
quais almejam desenvolver um trabalho de campo no dia-a-dia. Quarto, a antropologia é
pensada como reguladora da interdisciplinaridade, outro caminho habitual na arte
contemporânea e na crítica. Quinto, a recente auto-crítica da antropologia a torna atrativa,
pois promete uma reflexividade do etnógrafo no centro, preservando um romantismo do outro
nas margens. Por todas estas razões, investigações marginais da antropologia, como críticas
queer da psicanálise, possuem um status de vanguarda: é como se, ao longo dessas linhas que
o arrojo crítico corta de modo mais incisivo.
Mas, a virada etnográfica foi confirmada por outro fator, que inclui a dupla herança da
antropologia. Em Culture and Practical Reason (1976), Marshall Sahlins argumenta que duas
epistemologias têm por muito tempo dividido a disciplina: uma enfatiza a lógica simbólica,
onde o social é entendido principalmente em termos de um sistema de trocas; a outra
privilegia a razão prática, onde o social é entendido principalmente em termos de cultura
material.xxxi Neste aspecto, a antropologia já participa de dois modelos contraditórios que
dominam a arte contemporânea e a crítica: por um lado, na antiga ideologia do texto, o
direcionamento lingüístico na década de 1960 que reconfigurou o social enquanto ordem
simbólica e/ou sistema cultural e antecipou “a desintegração do homem”, “ a morte do autor”
e etc... E por outro lado, no desejo recente pelo referente, o direcionamento para o contexto e
para a identidade que se opõe aos velhos paradigmas textuais e às criticas do sujeito. Com o
direcionamento para este discurso dividido da antropologia, artistas e críticos podem
solucionar esses modelos contraditórios magicamente: eles podem assumir os disfarces de
um semiólogo da cultura e de um pesquisador de campo contextual, eles podem perpetuar e
condenar a teoria crítica, eles podem relativizar e recentralizar o sujeito, tudo ao mesmo
tempo. No nosso estado corrente de ambivalências artístico-teóricas e de impasses político-
culturais, a antropologia é o discurso comprometido de escolha.xxxii
Novamente, esta inveja do etnógrafo é compartilhada por muitos críticos,
especialmente em estudos culturais e no novo historicismo, que assumem o papel do
etnógrafo geralmente de uma forma mascarada: o etnógrafo dos estudos culturais vestido
pobremente como um colega aficionado (por razões de solidariedade política, mas com
grande ansiedade social); o novo etnógrafo historicista vestido como um mestre arquivista
(por razões de respeitabilidade acadêmica, mas com muita arrogância profissional).
Primeiramente, alguns antropólogos adaptaram métodos textuais da crítica literária de modo a
reformular a cultura enquanto texto; então alguns críticos literários adaptaram métodos
etnográficos de modo a de reformular textos como cultura forçada a apequenar-se. E estas
trocas foram responsáveis por grande parte dos trabalhos interdisciplinares em um passado
recente.xxxiii Mas existem dois problemas neste teatro de projeções e reflexos, o primeiro
metodológico; o segundo, ético. Se tanto os direcionamentos textuais quanto os etnográficos
dependiam de um único discurso, quão realmente interdisciplinares poderão ser os resultados?
Se os estudos culturais e o novo historicismo freqüentemente trapaceiam um modelo
etnográfico (quando não um modelo sociológico), poderia haver “uma ideologia teórica
comum que silenciosamente habita a ‘consciência’ de todos estes especialistas.... oscilando
entre um vago espiritualismo e um positivismo tecnocrático?”xxxiv O segundo problema,
mencionado acima é mais sério. Quando o outro é admirado enquanto divertido na
representação, subversivo no gênero e assim por diante, poderia ele ser uma projeção do
antropólogo, artista, crítico ou historiador? Neste caso, uma prática ideal pode ser projetada
no campo do outro, que então é solicitado a refleti-la como se fosse não somente
autenticamente nativa mas, politicamente inovadora.
Em parte esta é uma projeção minha, que a aplicação de métodos etnográficos antigos
e atuais, em muito esclareceu. Mas também obliterou muito do campo do outro, e em seu
nome. Isso é o oposto de uma crítica da autoridade etnográfica, de fato, o oposto do método
etnográfico pelo menos como eu os compreendo. E este “lugar impossível”, como Benjamin o
chamou há muito tempo atrás, é uma ocupação habitual de muitos antropólogos, artistas,
críticos e historiadores.
i
Walter Benjamin, Reflections, ed. Peter Demetz, trad. Edmunt Jephcott (New York: Harcourt
Brace Jovanovich, 1978), 220-38. Exceto quando indicado, todas as referências subsequentes
a Benjamin são deste texto.
ii
Benjamin critica de maneira explícita somente dois movimentos, o ativismo e o Neue
Sachlichkeit (nova objetividade): o primeiro associado a escritores como Heinrich Mann e
Alexander Döblin, que abastece o aparato burguês com temas revolucionários, enquanto o
segundo, associado com o fotógrafo Albert Renger-Patzsch, serve “para renovar de dentro -
isto é, conforme a moda - o mundo como ele é”. De fato, Benjamin continua relevante ainda
hoje, este fotógrafo transforma “mesmo a pobreza mais abjeta....num objeto de prazer.”
iii
Ver por exemplo, Benjamin Buchloch, “Since Realism there was….(on the current
conditions of factographic art),” em Marcia Tucker, ed. Art & Ideology (New York: New
Museum of Contemporary Art, 1984). Buchloch discute o trabalho de Allan Sekula e Fred
Lonidier em particular.
iv
“Autor como produtor” aponta para a conjuntura única do alto modernismo - inovação
artística, revolução social e transformação tecnológica, mas mesmo aí Benjamin estava
atrasado; Stalin condenou a cultura de vanguarda (sobretudo o produtivismo) em 1932, um
evento que deve transformar qualquer leitura deste texto. Hoje, faz muito tempo que a
triangulação do alto modernismo já acabou: não há mais nenhuma revolução socialista no
sentido tradicional do termo, e a transformação tecnológica apenas deslocou artistas e críticos
para longe do modo dominante de produção. Resumindo, as estratégias produtivistas são
dificilmente pertinentes quando sozinhas.
Vestígios do produtivismo sobrevivem na arte e na teoria do pós-guerra, primeiro no disfarce
proletário adotado por escultores como David Smith e Richard Serra, e na produção retórica
da arte pós-studio e na teoria textual (por exemplo, Tel Quel na França). No começo da
década de 70, as críticas ao produtivismo emergiram; Jean Baudrillard perguntava se os meios
de representação haviam se tornado tão importantes quanto os meios de produção (ver For a
critique of the political economy of the sign, 115-16). Isto provocou uma virada situacionista
nos modos de intervenção cultural (da mídia, local, endereço, e assim por diante), agora
seguido, como sugiro, de uma virada etnográfica. (Eu delineio o legado produtivista em
“Somes uses and abuses of Russian Constructivism,” em Richard Andrews, ed.: Ar tinto Life
[New York: Rizzoli, 1990].)
v
Chamar de mito não é dizer que nunca é verdade, mas questionar se é sempre verdade – e
questionar se ele pode obscurecer outras articulações do político e do artístico. Num sentido, a
substituição da política pela arte agora desloca a substituição da teoria pela política.
vi
Este perigo deve ser distinguido de “a indignidade de falar pelos outros”. Numa “entrevista
imaginária” de 1983 com este mesmo título, Craig Owens chamou os artistas a ir além da
problemática produtivista para “desafiar a atividade mesma da representação” (em William
Olander, ed. Art and Social Change [Oberlin: Oberlin College, 1983]). Apesar da linguagem
pós-estruturalista, “a indignidade de falar pelos outros” apresenta a representação como um
deslocamento literal. Este tabu permeou a esquerda cultural norte-americana nos anos 80,
onde provocou um silêncio censurador tanto quanto um discurso alternativo.
vii
Roland Barthes, Mythologies, trad. Annette Lavers (New York: Hill and Wang, 1972), 146.
Não só a linguagem revolucionária é mítica (aqui é também machista), mas esta noção de
linguagem, que se encontra entre o produtivismo e o performativo, é praticamente mágica: a
linguagem aqui confere realidade, conjurando-a.
viii
Esta fantasia primitivista também pode operar em modernismos produtivistas, na medida
em que o proletariado é freqüentemente percebido como primitivo também nesse sentido,
negativamente (a massa como uma horda primordial) e positivamente (o proletariado como
um coletivo tribal).
ix
Por exemplo, ver Bataille, “The notion of Expendidure” (1933) em Visions of Excess, ed. e
trad. Allan Stoekl (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1985), e Senghor, Anthologie
de la Nouvelle Poésie et Malagache d’Expression Française (Paris : Presses Universitaires de
France, 1948)
x
James Clifford descreve o texto de Leiris como “auto-etnografia” em The predicamant of
Culture (Cambridge: Harvard University Press, 1988), 170.
xi
Ver Fanon, “The Fact of Blackness,” em Black Skin, White Masks (1952), trad. Charles Lam
Markmann (New York: Grove Press, 1967), e Soyinka, Myth, Literature, and the African
world (Cambridge: Cambridge University Press, 1976).
xii
Johannes Fabian, Time and the Other: How Antropologhy makes its object (New York:
Columbia University Press, 1983), 11-12. Para um discussão de mapeamentos correlatos na
história da arte ver “The writing on the wall”, em Michael Govan, ed. Lothar Baumgarten,
America: Invention (New York: Guggenheim Museum, 1993).
xiii
Sigmund Freud, Totem and Taboo, trad. James Strachey (New York: W.W. Norton, 1950),
1. Esta estranha associação do selvagem e do neurótico – de fato do primitivo, do insano e da
criança – foi tão fundamental para o alto modernismo que parecia natural. Sua desarticulação
exporia muitos mitos.
xiv
Entretanto um novo perigo surgiu aqui: uma estetização, de fato, uma fetichização de
signos do híbrido e espaços do "entre". Ambos não apenas privilegiaram a mistura, mas de
maneira mais problemática, pressupunham uma distinção prévia ou até mesmo pureza.
xv
Ver Franco Rella, The Myth of the Other, trad. Nelson Moe (Washington: Maisonneuve
Press, 1994), especialmente 27-28. Alguém pode objetar que esta ‘re-valoração’ (por
exemplo, do “black” ou do “queer”) é parte de qualquer política de representação. Ver Stuart
Hall, “New Etnicities”, em Kobena Mercer, ed. Black Film, Black Cinema (London: Institute
of Contemporary Art, 1988).
xvi
Por exemplo, o movimento négritude associou o colonizado e o proletário como objetos de
opressão e reificação (ver Césaire, Discourse of Colonialism [Paris, 1955]), uma afiliação
política que preparou uma apropriação política. Em “Black Orpheus”, seu prefácio para a
antologia de Senghor (citado na nota 9), Sartre escreveu: “Rapidamente a idéia subjetiva,
existencial, étnica de negritude ‘passa’, como Hegel coloca, para uma idéia objetiva, positiva
e exata do proletariado... De fato, a negritude aparece como um termo menor de uma
progressão dialética” (xl). A que Fanon respondeu: “Fui privado de minha última chance... E
então não sou eu quem constrói um significado para mim mesmo, mas é o significado que já
estava lá, preexistindo, esperando por mim, esperando por esta virada da história” (Black
Skin, 133-34).
xvii
Michel Foucault, The Order of Things (New York: Vintage Books, 1970), 364.
xviii
Paradoxalmente, esta preservação da identidade pode ter sido provocada por um
masoquismo moral na política da alteridade, que Nietzsche atacou em The Genealogy of
Morals (1887) como o ressentimento funcionando na dialética entre senhor-escravo. Como
Anson Rabinbach me sugeriu, Sartre exibe este masoquismo em seu famoso prefácio para The
Wretched of Earth onde, como numa resposta à imputação de uma apropriação dialética (ver
nota 16), ele então propõe que a descolonização é o “fim da dialética” (1961; trad. Constance
Farrington [New York: Groove Press, 1968], 31). Sartre então ultrapassa o argumento
Fanoniano de que a colonização também desumanizou o colonizador via um clamor
masoquista para reduplicar a vingança redentora do colonizado. Seria este masoquismo moral
uma versão disfarçada de um “patronato ideológico”? É um ressentimento de segunda ordem,
uma posição de poder na falsidade de sua rendição? É uma outra maneira de manter a
centralidade do sujeito no outro?
xix
Sobre esta questão na psicanálise ver Mikkel Borch-Jabobsen, The Freudian Subject. trad.
Catherine Porter (Palo Alto: Stanford University Press, 1988). Sou também grato a Mark
Seltzer, “Serial Killers, I and II”, em Differences (1993) e Critical Inquiry (Autumn 1995).
xx
Claude Lévi-Strauss, The Sauvage Mind (Chicago: University Press, 1966), 247. Esta é sua
reivindicação contra a dialética Sartreana.
xxi
Ver Foucault, The Order of Things, 340-43. “’Antropologização’ é a grande ameaça interna
do conhecimento nos nossos dias” (348). Mas esta restauração pode ser o que a arte quase-
antropológica deseja, e que certamente é efetuada em alguns estudos culturais. The Order of
Things termina com a imagem apagada do homem; Crusoe’s Footprints, a visão geral de
Patrick Bantlinger sobre os estudos culturais, termina com suas marcas na areia (New York:
Routledge, 1990). Esta multiplicidade de homens não pode perturbar a categoria do homem.
xxii
Clifford desenvolve a noção de um “auto-remodelamento etnográfico” em The
Predicament of Culture, em grande parte de Stephen Greenblat em Renaissance Self-
Fashioning (Chicago: University of Chicago Press, 1980). Este sugere uma existência de
atributos comuns entre a nova antropologia e o novo historicismo. Mais sobre isto, abaixo.
xxiii
Em “World Tour”, uma série de instalações em lugares diferentes, Renée Green
performatiza este nomadismo do artista reflexivamente. Por um lado, ela trabalha sobre traços
da diáspora africana; por outro, ela faz um circuito de arte (sua camiseta “World Tour” brinca
com o modelo dos concertos de rock)
xxiv
Em The Predicament of Culture Clifford estende esta noção para a etnografia em geral:
“Não é todo etnógrafo algo de surrealista, um reinventor e um embaralhador de realidades?”
(147). Alguns questionaram a reciprocidade da arte e da antropologia no ambiente surrealista.
Ver Jean Jamin, “L’etnografie mode d’inemploi. De qualques rapports de l’ethnologie avec le
malaise dans la civilisation,” em J. Hainard e R. Kaehr, eds., Le mal et la douleur (Neuchâtel :
Musée d’etnographie, 1986) ; e Denis Hollier, « The Use-Value of the Impossible », October
60 (Spring 1992)
xxv
Não exclusiva para a nova antropologia, esta cobiça do artista é evidente na análise
retórica do discurso histórico iniciado na década de 60. “Não houveram empreendimentos
significantes”, escreve Hayden White em “The Burden of History” (1966), “na historiografia
surrealista, expressionista ou existencialista deste século (exceto por novelistas e poetas),
mesmo com toda a vangloriadas ‘artisticidade’ dos historiadores dos tempos modernos”
(Tropics of Discourse [Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978], 43). Clifford Geetz
coloca a antropologia “textual” no mapa em The Interpretration of Culture (New York: Basic
Books, 1973).
xxvi
Clifford : “A antropologia interpretativa, por visualizar culturas como assemblage de
textos... contribui de maneira significativa para a desfamiliarização da autoridade etnográfica”
(The premedicament of Culture, 41).
xxvii
Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice, trad. Richard Nice (Cambridge:
Cambridge University Press, 1977). 1. Os “paradigmas discursivos” da nova antropologia são
diferentes – pós-estruturalistas mais do que estruturalistas, dialógicos mais do que
decodificadores. Mas uma orquestração Bahktniana de vozes de informante não esvazia a
autoridade etnográfica. Em “Banality in Cultural Studies”, Meaghan Morris comenta: “Uma
vez que ‘as pessoas’ são ao mesmo ao mesmo tempo fonte de autoridade para um texto e uma
figura de sua própria atividade crítica, a empresa populista não é unicamente circular mas
(como a maioria das sociologias empíricas) narcisista na estrutura” (em Patrícia Mellencamp,
ed., The Logics of Television [Bloomington: Indiana University Press, 1990], 23).
xxviii
Ver Fredric Jameson, Ideologies of Theory (Minneapolis: University of Minnesota Press,
1989). Como percebe Jameson, o primeiro movimento textualista foi necessário para que a
antropologia afrouxasse suas tradições positivistas. Em “New Historicism: A comment”,
Hayden White aponta para uma “falácia referencial” (relacionada à minha “hipótese realista”)
e uma falácia textual (relacionada a minha “projeção textual”): “Daí a crítica de que o Novo
Historicismo é reducionista num duplo sentido: ele reduz o social ao status de uma função do
cultural, e então mais além, reduz o cultural ao status de um texto” (em H. Aram Veeser, ed.
The New Historicism [ New York: Routledge, 1989], 294).
xxix
Ver Clifford, The Predicament of Culture, 30-32. “O presente etnográfico” é antiquado
em antropologia.
xxx
Sobre este aspecto da arte conceitual ver Joseph Kosuth, “The Artist as an Anthropologist”
The Fox 1 (1975).
xxxi
Marshall Sahlins, Culture and Practical Reason (Chicago: University of Chicago Press,
1976). Esta crítica foi escrita no ápice do pós- estruturalismo, e Sahlins, então próximo a Jean
Baudrillard, favorecia a lógica simbólica (lingüística) sobre a razão prática (marxista). “Não
há lógica material separada do interesse prático”, escreveu Sahlins, “ e o interesse prático do
homem na produção é constituído simbolicamente” (207). “Na cultura Ocidental”, continua,
“a economia é o lugar principal da produção simbólica. Para nós, a produção de mercadorias é
ao mesmo tempo o modo privilegiado da produção simbólica, e da transmissão simbólica. A
peculiaridade da sociedade burguesa não consiste no fato de que o sistema econômico escapa
da determinação simbólica, mas que o simbolismo econômico é estruturalmente
determinante.”
xxxii
O papel do etnógrafo também permite que o crítico recupere um posição ambivalente
entre o acadêmico e outras subculturas como crítica, especialmente quando as alternativas
parecem limitadas à irrelevância acadêmica ou à afirmação subcultural.
xxxiii
Estas trocas não são triviais no momento em que tais posições são consideradas de modo
estrito – e quando alguns administradores defendem um retorno à antigas disciplinas,
enquanto outros procuram reter tentativas interdisciplinares sob programas de custo efetivo.
Incidentalmente, tais trocas parecem ser governadas por princípios do discurso de vendedor
de carro usado: quando uma disciplina exaure um paradigma (“texto” na crítica literária,
“cultura” na antropologia), ela o troca, passando-o adiante.
xxxiv
Louis Althusser, Philosophy and spontaneous Ideology of the Scientists & Other Essays
(London: Verso, 1990), 97. A virada etnográfica em estudos culturais e no novo historicismo
é raramente questionada. Em Renaissance Self-Fashioning (1980), um texto fundamental do
novo historicismo, Stephen Greenblatt é explícito: “Eu tenho tentado ao contrário [de uma
crítica literária] praticar uma crítica mais cultural ou antropológica – se consideramos aqui por
“antropológico”, os estudos interpretativos da cultura feitos por Geertz, James Boon, Mary
Douglas, Jean Duvignaud, Paul Rabinow, Victor Turner e outros”. Tal crítica percebe “a
literatura como uma parte do sistema de signos que constituem uma dada cultura” (4). Isto
então, parece um círculo metodológico: a crítica textual aborda a interpretação antropológica,
mas somente porque seu novo objeto, a cultura, é reformulada como texto.
Para Stuart Hall os estudos culturais realizados no Centro Brimingham desenvolveram
uma crítica que ia do literário para o cultural e posteriormente para a crítica ideológica, com
uma “definição muito mais ampla, ‘antropológica’” da cultura como resultado (citado em
Brantlinger, Crusoe’s Fotprints, 64). Esta mudança foi também básica para os estudos
culturais norte-americanos. Para Janice Radway o Centro Birmingham junto aos estudos
americanos, que também foram decisivos para um deslocamento de uma “definição literária-
moral da cultura para uma outra, antropológica”. Também importante foram as críticas
envolvendo as respostas de leitores, o que preparou as “etnografias da leitura” dos estudos
culturais apropriadamente (Reading the romance [Chapel Hill: University of North Carolina
Press, 1991] 3-4). Aqui também, as bases etnográficas são admitidas, mas não questionadas.
A nova antropologia questiona a premissa etnográfica, claro, mas suas premissas são
raramente questionadas, pelo menos quando consideradas nos estudos culturais e no novo
historicismo.
xxxv
Então por exemplo, John Lindell, um membro do coletivo Gran Fury, disse: “Em termos
do meu próprio trabalho, o desejo homossexual é um sítio, e o mundo gay em sua abrangência
também é um sítio. Novamente estou tentando diluir a noção de um sítio físico: um sítio pode
ser um grupo de pessoas, uma comunidade” (“Roundtable On Site-Specificity”, Documents
4/5 [ Spring 1994]: 18).
xxxvi
Para Martha Rosler, ver especificamente 3 Works (Halifax: the Press of Nova Scotia
School of Art and Design, 1981); e para Allan Sekula ver Photography Against the Grain:
Essays and Photo Works 1973-1983 (Halifax: The Press of Nova Scotia School of Art and
Design, 1984) e Fish Story (Düsseldorf: Richter Verlag, 1995). Para Fredric Jameson, sobre o
mapeamento cognitivo, ver Postmodernism (Durham: Duke University Press, 1990).
xxxvii
Para Mary Kelly ver Interim (New York: New Museum of Contemporary Art, 1990); e
para Silvia Kolowski ver XI Projects (New York: Border Editions, 1993). Muitos outros
artistas também questionam as representações documentais e/ou trabalham por sobre os
mapeamentos etnográficos (Susan Hiller, Leandro Katz, Elaine Reichek...). Para um resumo,
ver Arnd Schneider, “The Art Diviners”, Anthropology Today 9, nº2 (April 1993).
xxxviii
Ver Bordieu, Outline for a Theory Practice, 2.
xxxix
Sobre tais oposições ver Fabian, Time and the Other, e sobre Baumgarten ver meu “The
Writing on the Wall” em Govan, ed.., Lothar Baumgarten, America: Invention.
xl
Ver as pontuações de Miwon Kwon em “Roundtable on Site-Specificitity”. Novamente,
uma lógica redentora governa muito dos trabalhos de site-specific, dos projetos de retomada
de Smithson em diante.
xli
Uma instância recente foi “The 42nd Street Art Project”, uma tentativa conjunta de uma
organização de arte, de uma empresa de design, e do Projeto de desenvolvimento da 42ª rua.
Aqui, novamente, haviam trabalhos individuais de estética e/ou invenção crítica. Apesar
disso, artes, artes gráficas e moda foram organizados de modo a melhorar a imagem de uma
série de imóveis notórios adequados para remodelamento.
xlii
Panfleto “Culture in Action” (Chicago: Sculpture Chicago, 1993), ver também Mary Jane
Jacob et al., Culture in Action (Seattle: Bay Press, 1995).
xliii
Guy Debord, “Detournement as Negation and Prelude”, Internationale Situationniste, nº3
[December 1959], reimpresso em Situationist International Anthology, ed. e trans. Ken Knabb
(Berkeley: Bureau of Public Secrets, 1981), 55.
xliv
Se a década de 70 foi a década do teórico e a década de 80 a do negociante, a década de 90
pode ser a década do curador itinerante que reúne artistas nômades em diferentes espaços.
Com a crise do mercado de arte em 1987 e as posteriores controvérsias políticas (Robert
Mapplethorpe, arte performática “obscena”, Andrés Serrano...), o apoio para a arte
contemporânea diminuiu nos Estados Unidos. Os fundos também foram redirecionados para
instituições regionais, que apesar disso, ainda importavam artistas metropolitanos, como
fizeram as instituições européias em que as verbas mantiveram-se relativamente altas. Assim,
surge o artista migrante etnográfico.
xlv
Ver as falas de Miwon Kwon e Renée Green em “Roundtable on Site-Specificity.”
xlvi
Sobre ciladas e armadilhas ver Jean Fisher, Jimmie Durham (New York: Exit Art, 1989);
sobre fingir-se de morta ver Miwon Kwon, “Postmortem Strategies”, Documents 3 (Summer
1993). Novamente, o discurso pós-colonial tende a feitichizar personas como o trapaceiro, e
lugares como o "entre". Eu foquei artistas americanos nativos, mas outros também usam tais
estratégias. Em 1993, numa performance em Art in General (New York) Riktrit Tiravanija
convidou a platéia para dançar ao som da trilha de The King and I, numa paródia dos
estereótipos populares (neste caso, da cultura asiática do sudeste) como uma reversão das
regras etnográficas. Em Import/Export Funk Office (1992), Renée Green Também reverteu as
regras etnográficas quando ela questionou o crítico alemão Dietrich Dietrichsen sobre a
cultura hip-hop.
xlvii
Ver também Leo Steinberg, Other Criteria (New York: Oxford University Press, 1972), 82
-91; editado em português em "Clement Greenberg e o debate crítico", Ferreira, Glória e
Cotrim, Cecília org., Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1997.
xlviii
Lawrence Alloway, “The Long Front of Culture” (1959), em Brian Wallis ed., This is
Tomorrow Today: The Independent Group and British Pop (New York: P.S. 1, 1987), 31.
xlix
Esta reivindicação é feita por críticos como Fredric Jameson e desenvolvida por geógrafos
urbanos como David Harvey e Edward Soja.
l
Uma reação similar contra arte deflagrada por políticos aconteceu no final da década de 30
com o surgimento do formalismo americano. Somente, hoje esta reação não requer o tempo
de uma geração; pode ocorrer ao longo da Whitney Biennal, como sugerido por sua troca, de
engajamento político em 1993 para a irrelevância estilística em 1995. Então, o velho
formalismo também buscou sublimar a renovação política como inovação artística; a versão
contemporânea nem ao menos tenta isto.
li
Por exemplo, “raça” é um construto histórico, mas este conhecimento não remove seus
efeitos materiais. Como um objeto fetichizado, o conhecimento de “raça” não aniquila a
crença (o prazer, de fato) que dela deriva; eles existem lado a lado, mesmo ou especialmente
entre pessoas 'cultas'.
lii
É este impasse que provocou uma cultura da abjeção. Por um lado, este culto é desgastado
com a política esquerdista da diferença e com a dubiedade sobre seus sentimentos
comunitários. Por outro lado, ele rejeita as políticas direitistas da desidentificação e se aliam
aos excluídos contra os reacionários.