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Instituto Superior Bissaya Barreto

- 1º Semestre -

Elaborado por: Daniel W. Silva Cordeiro

Bibliografia:
● Cruz, Sebastião – Direito Romano (ius romanum); 1 Introdução. Fontes; 4ª
Edição; Coimbra, 1984.

● Justo, António Santos – Direito Privado Romano I; Parte geral: Introdução.


Relação Jurídica. Defesa dos direitos; 3ªEdição; Coimbra Editora, 2006.
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Introdução:
Título I: Conceito de Direito Romano (pp. 7, S.C.):
Por Direito Romano entende-se o conjunto de normas ou regras jurídicas que vigoraram
no mundo romano desde a fundação de Roma (753 a.C.) até 565 d.C. (ano da morte do
imperador do oriente, Justiniano).

a) Certos prolegómenos ao conceito de Direito Romano:


 O Homem é um ser livre e sociável, tendo necessidade de viver em comunidade, no
entanto, para viver pacifica e ordenadamente é preciso que haja regras que o auto-
limitem e que proíbam o abuso da liberdade (poder de projectar o ideal
transcendente de perfeição em nós próprios), para isso existem normas sociais -
regras existentes em todas as sociedades que regulam a convivência entre as pessoas.
Podem ser de vários tipos: normas religiosas, morais, éticas, de educação, de dever –
ser, de diplomacia, de etiqueta e a mais importante, normas jurídicas (são normas
que eficazmente determinam e protegem o que pertence a cada um, contribuindo
para a coexistência pacífica entre pessoas).
 As normas jurídicas são eficazes devido ao seu poder coactivo. Desobedecendo a
uma norma jurídica há meios coactivo próprios (geralmente do Estado) para forçar a
pessoa ao cumprimento dessa norma, e com todas as consequências por não ter
havido cumprimento voluntário. O ideal das normas é terem ordem, tranquilidade e
darem paz.
 O conjunto das normas jurídicas e de preceitos jurídicos formam o Direito (“Ius”).
 Características das normas jurídicas: I – externa; II – interna:
I – Externa: refere-se à regulamentação. Tem um carácter coactivo, com força
imperativa ditada e socialmente aceite. Se violarmos a norma, há a aplicação
coerciva (sanção)
II – Interna: refere-se ao conteúdo íntimo da norma ou a sua própria essência:
- Não abusar dos seus poderes – honeste vivere (a pessoa deve exercer
rectamente os seus poderes;
- Não prejudicar ninguém – alterum non laedere;
- Atribuir a cada um o que é seu – suum cuique tribuere (dar – transferência da
propriedade; entregar – transferência da posse; ou dar e entregar).

b) Análise da expressão: Direito Romano – Ius Romanum (pp.15 S.C.):


A expressão Direito Romano é composta por duas palavras: “Direito” e “Romano”; para
se poder definir e compreender o “Direito Romano” é necessário primeiro conhecer a
noção de “Ius” (Direito).

c) Ius (pp.17 S. Cruz):


1. Noção etimológica:
Ainda hoje é difícil saber concretamente a origem da palavra “ius”. Há quem defenda
que é uma palavra primitiva outros defendem que é uma palavra derivada:
 Alguns dizem que “ius” provém de “iussum” que significa ordem, preceito, algo
coordenado;
 Outros entendem que deriva do sânscrito: “yu, yug, yung” que significa ligação; ou
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seja, ius era o que estava estabelecido pelos juízes que determinavam o que é justo
ou não (quer isto dizer que ius estaria ligado à actividade judicial);
 Há também quem defenda que provinha de “yaus”, ou seja, algo puro, bom e santo;
assim sendo, ius seria algo proveniente da divindade, provavelmente derivada de
Iupiter (Júpiter);
 Actualmente, pode dizer-se que é uma palavra primitiva que pode provir de Iustitia e
de Iupiter e que tem uma relação com as divindades.

2. Noção real:
Ius (direito) é tudo aquilo que tem especiais atinências com o iustum (o justo, o exacto,
o devido). Ius pode ser tomado em vários sentidos. Muitos autores enumeram 26
acepções, a saber 6 delas:
 Sentido normativo: Ius é a norma jurídica, o conjunto de normas jurídicas ou o
ordenamento jurídico, que determina o modo de ser ou de funcionar duma
comunidade social, ou ainda de princípios jurídicos.

 Sentido subjectivo: Ius é a situação jurídica, o poder ou a faculdade moral que


alguém tem de exigir, de fazer, de possuir ou simplesmente reter uma coisa.

 Sentido objectivo: Ius significa o iustum, o devido, a própria causa justa, a


realidade justa. É o objecto, o conteúdo ou âmbito do direito normativo, sobretudo
do direito subjectivo.

 Sentido do ius enquanto local: tem o significado de lugar onde se administra a


justiça (tribunal).

 Sentido de ius enquanto saber jurídico: significa estudo do direito;


conhecimento jurídico. Exemplo: O Daniel estuda direito no ISBB (direito aqui é
entendido como curso, ciência jurídica…).

 Sentido do ius enquanto património: tem a ver com o património (activo ou


passivo) de uma pessoa.

d) Acepções da expressão “Direito Romano” (pp.33,S.Cruz):


1. Sentido rigoroso (stricto sensu):
Conjunto de normas jurídicas que vigoraram em Roma e nos seus territórios desde
753 a.C. até 565 d.C. data da morte de Justiniano. É o ius romanum propriamente
dito. Ocupa o período de cerca de 13 séculos (7 séculos a.C. e 6 séculos d.C.)
Esse conjunto de normas jurídicas, na sua formação mais desenvolvida, encontra-se
fundamentalmente no Corpus Iuris Civilis – compilação do ius romanum a mando do
imperador Justiniano no século VI.

2. Sentido Amplo (lato sensu):


É a tradição romanista. Abrange o período desde a recepção do direito romano até aos
nossos dias.

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3. Sentido muito amplo (sensu latíssimo):
Diz respeito a tudo que é direito romano. É a junção do direito romano stricto sensu
com o direito romano lato sensu (tradição romanista).

e) Ius romanum stricto sensu (pp.39 S. Cruz):


O Direito Romano stricto sensu, não é todo igual, nesses 13 séculos da sua vida (753
a.C. – 565 d.C.). Como é natural, nesse ciclo ininterrupto de vigência, o sistema jurídico
romano teve de sofrer alterações profundas, para corresponder às transformações sociais
dos tempos. No início, o direito romano apenas era aplicado aos quirites (cidadãos
romanos). Depois, o Ius Romanum apresenta uma evolução completa: nasce, cresce,
atinge o apogeu, decai; retoma uma fase de certo esplendor, para depois, se codificar.
Forma um ciclo evolutivo perfeito.
O Ius Romanum pode ser periodizado em relação aos critérios:
 Critério político;
 Critério normativo;
 Critério jurídico (externo e interno).

Segundo o critério político, as fases do Ius Romanum são tantos quantos os períodos da
história política de Roma. Teve 4 épocas:
• 1ª Época: Época Monárquica (753 a.C. a 510 a.C.);
• 2ª Época: Época Republicana (510 a.C. a 27 a.C.);
• 3ª Época: Época Imperial (27 a.C. a 284 d.C.);
• 4ª Época: Época Absolutista (284 d.C. a 565 d.C.).
Crítica: Este critério, não pode ser utilizado como critério - base, muito menos como
critério exclusivo, para fixar as várias épocas do Direito Romano, pois nem sempre e
nem só as transformações políticas de Roma influem na evolução do Ius Romanum.
Além disso, quando há influência, a evolução do Ius Romanum e a das instituições
políticas de Roma não são simultâneas; primeiro verifica-se a evolução das instituições
políticas e só mais tarde a do Ius Romanum. Todavia, este critério não deve ser
totalmente posto de parte, pois o Ius Romanum, sob certo aspecto, é uma manifestação
do poderio político de Roma. Por isso, deve ser utilizado, não só como critério
secundário para ajudar a estabelecer a periodização fundamental, mas até, por vezes,
como critério principal para se fazerem certas divisões ou subdivisões em determinada
época, período ou etapa.

Segundo o critério normativo, há tantas épocas do Ius Romanum quantos os modos de


formação das normas jurídicas (costume, lei, jurisprudência, constituições imperiais).
Assim, teríamos:
• Direito Romano Consuetudinário (753 a.C. a 450 a.C.);
• Direito Romano Legítimo ou legislativo (450 a.C. ao século I);
• Direito Romano Jurisprudencial ou doutrinário (século I ao século II);
• Direito Romano Constitucional ou absolutista (século II a 565).

Crítica: Embora este critério tenha a sua importância, não deve ser usado como
principal, pois não nos indica duma forma directa, a evolução do direito privado de
Roma, mas sobretudo a evolução do (chamado) direito público de Roma. Mas este

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critério pode ser utilizado para estabelecer ou caracterizar alguns períodos ou etapas de
certas épocas.

O critério jurídico atende à própria vida do Ius Romanum e às manifestações dessa


vida. Este, por sua vez, pode ser interno ou externo:

O critério jurídico é externo, quando nos dá uma visão jurídica do Ius Romanum.
Segundo este critério, o Direito Romano dividir-se-ia em 3 períodos históricos:
• Período do Direito Romano nacional ou quiritário (753 a.C. a 242 a.C.);
• Período do Direito Romano universal ou do ius gentium (242 a.C. a 395/476);
• Período do Direito Romano Oriental ou Helénico (395/476 a 565).

O critério jurídico interno atende ao próprio valor do Ius Romanum, à perfeição


jurídica das suas instituições, numa palavra, à sua vida, examinando atentamente como
esse Ius nasce, cresce, atinge o apogeu e se codifica. Não se preocupa com certas
características ou manifestações dessa vida ultramilenária do Ius Romanum.
Adaptaremos como fundamental, este critério, pois só ele nos pode dar uma visão
propriamente jurídica do Ius Romanum.
Segundo este critério, teremos então as seguintes épocas históricas do Ius Romanum:
• Época Arcaica (753 a.C. a 130 a.C.);
• Época Clássica (130 a.C. a 230);
• Época Pós-Clássica (230 a 530);
• Época Justinianeia (530 a 565).

● Época Arcaica (753 a.C., data da fundação da Urbs até 130 a.C., data da
promulgação da lex Aebutia de formulis)
É o período de formação e do estado rudimentar das instituições jurídicas romanas,
sobre as quais, muitas vezes, somente podem formular-se hipóteses, devido à escassez
de documentos.
A principal característica é a imprecisão: não se vê ainda bem o limite do jurídico, do
religioso e do moral; estes três mundos formam como que um todo, um só mundo; as
instituições jurídicas surgem sem contornos bem definidos, como que num estado
embrionário.

Podemos subdividir esta época em 2 etapas:


I etapa: vai desde 753a.C até 242 a.C. (data da criação do pretor peregrino), é o
período do ius civile exclusivo. O Ius Romanum é, pois, um direito fechado, privativo
dos cives. Só prevê a regulamentação das relações entre os cives. Os non-cives, os
estrangeiros, residentes em território romano, movem-se nas suas relações privadas, fora
da órbita do Ius Romanum que, portanto, era então exclusivamente Ius Civile.
II etapa: As novas necessidades comerciais e o desenvolvimento da vida social e civil
exigem do Ius Romanum a regulamentação das relações entre cives e peregrini e entre
os próprios peregrini. Com ele inicia-se a formação do ius gentium a par do ius civile.
Esta etapa vai de 242 a.C. até 130 a.C.

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● Época Clássica (130 a.C. A 230 – em 228, Ulpianus é assassinado):
É o período de verdadeiro apogeu e culminação do ordenamento jurídico romano. Por
isso, a época clássica muito justamente é considerada modelo e cânon comparativo para
as épocas posteriores e etapa final da evolução jurídica precedente.
As principais características são a exactidão e a precisão. A grandeza do Direito
Romano encontra-se nesta época. A casuística serve para estilizar o Direito Romano. Os
jurisconsultos romanos da época clássica tinham subtileza, mas não especulação;
sobretudo, eram dotados duma intuição jurídica penetrante. O Direito Romano clássico
é, pois, de artífices, mas não de especulativos. Sabiam, não apenas interpretar e aplicar
as normas aos casos concretos, mas sobretudo criar a norma adequada para um caso,
especial e não previsto nas normas já existentes. Daí que a ciência jurídica
(jurisprudência) da época clássica fosse permanentemente fecunda e criadora.

A época clássica não é toda igual. A divisão desta época assenta em 3 etapas:
I – Época Pré-Clássica: (130 a.C. a 30 a.C.) É um período de intenso desenvolvimento
ascensional em direcção ao estado de grandeza do Ius Romanum atingindo a época
seguinte;
II – Época Clássica Central: (30 a.C. a 130) É o período de esplendor e de maior
perfeição do Direito Romano, surgindo, como figura central e representativa, não só
desta etapa mas de toda a época clássica, Iulianus.
III – Época Clássica Tardia: (130 a 230) É um período em que já se nota, por vezes, o
início de certa decadência, manifestada sobretudo na falta de génio criador. Por isso, os
jurisconsultos deste final da época clássica dedicam-se não já a obras de comentário,
mas às de compilação – repetir e coordenar o que os grandes mestres disseram.

● Época Pós-Clássica (230 a 530)


Esta época não tem individualidade própria: ou é referida à época anterior e daí o
chamar-se pós-clássica, ou à seguinte e daí também ser denominada por pré-
justinianeia. É uma época de franca decadência do Ius Romanum. É um novo mundo
jurídico.
Aquele génio intuitivo, subtil e criador dos juristas anteriores, já não existe. Há apenas
uma reelaboração anónima dos textos anteriores, adaptando-os às novas realidades, mas
feita sem personalidade. As obras produzidas – trabalhos geralmente preparados pelas
escolas – são do tipo das compilações e do tipo dos resumos; e esses resumos de obras
clássicas, acompanhados por vezes de não pequenas alterações. Além disso, surgem,
como fenómeno original da época pós-clássica, as colecções, sobretudo de leges, as
codificações.
A característica geral desta época é a confusão. Confusão de terminologia, confusão de
conceitos, confusão de instituições; e, por vezes, até confusão de textos. Esta confusão
verifica-se desde 230 a 395, e tanto no Ocidente como no Oriente.
As características especiais desta época dão-se tanto no Oriente, como no Ocidente. No
Ocidente, a partir de 395 a confusão foi mais acentuada, verificando-se, geralmente,
uma verdadeira corrupção do Direito Romano Clássico sob a acção de vários factores,
salientando-se talvez com maior importância a influência dos direitos locais dos povos
dos territórios dominados pelos romanos, e dos direitos dos povos bárbaros que

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principiavam a invadir o Império. A esse Direito Romano pós-clássico ocidental
corrompido, chama-se Direito Romano Vulgar.
No Oriente, a partir de 395 essa confusão manifesta-se através de uma reacção contra
certas manifestações vulgaristas isoladas. Nisto consiste precisamente o classicismo –
uma tendência intelectual que pretende valorar e imitar o clássico e reagir contra as suas
deturpações. A par deste espírito classicista verifica-se um progresso do Ius Romanum
sob a influência da filosofia e direitos gregos. É a helenização do Ius Romanum, a
mecânica dos conceitos, aplicada no campo jurídico, faz realçar as contradições ou
ambiguidades textuais, apresenta as dúvidas surgidas na interpretação, cita as opiniões
contrárias, numa palavra, enfrenta a dificuldade para depois a superar, apresentando a
solutio do caso. É ainda devido à influência do helenismo que no Direito Romano pós-
clássico oriental se nota uma tendência para as Regulae Iuris, para as Definitiones, para
a generalização, etc.

● Época Justinianeia (530 a 565):


O Ius Romanum, nesta época, chega ao termo da sua evolução, e codifica-se para se
perpetuar. Logo que Justiniano subiu ao poder, em Agosto de 527, manifestou
imediatamente a sua grande aspiração de restaurar, através das armas, da política e da
legislação, a unidade do Império, dando à nova Roma (era assim que chamava a
Constantinopla) a glória da antiga, e, quanto possível, com todo o saber clássico.
Apenas no campo jurídico, como sabemos, conseguiu realizar o seu plano: elaborar uma
colecção de ius e de leges, que é, o tesouro mais precioso da romanidade.
Uma das características do direito justinianeu é a generalização, porém a característica
principal é a actualização e compilação do Ius Romanum na forma tendente a seguir o
clássico ou, até mesmo, apresentando esse direito, todo como clássico.

Ius e Auctoritas (pp.55 S. Cruz):


A razão de ser da conexão entre o Ius Romanum e Imperium radica na própria noção -
fundamento de ius. É uma vis. Uma força que necessita de uma auctoritas, não tanto
para subsistir, como para ser eficiente. E essa autoridade tem de se verificar, não só
quando o ius é criado por uma entidade pública, mas também quando é de criação dos
próprios juristas. Eles precisam de autoridade social para que as suas doutrinas se
imponham e triunfem; esta autoridade social tem de ser sustentada: aristocrática,
política, burocrática, academicamente, etc.
Ao princípio, os jurisconsultos romanos tinham autoridade social proveniente da sua
linhagem (autoridade aristocrática)
Depois, Augusto chamou a cargos importantes pessoas da classe média e lhes concedeu
o ius publice respondendi (autoridade social de carácter político).
Adriano concedeu aos jurisconsultos autoridade de carácter burocrático.
Por último, surge o imperador como fonte única das leis. Então já não há ius, mas
unicamente leges. O Direito identifica-se com a lei.

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Direito e Política em Roma (pp.56 S. Cruz):
A conexão de carácter privatístico, entre direito e política em Roma é, pois, bastante
clara a partir de Augusto, tornando-se evidente no Baixo-Império.
Mas também já existia antes de Augusto, quando os jurisconsultos tinham autoridade
social proveniente da sua linhagem. A jurisprudência, fonte principal do ius, não era
uma simples profissão, mas um ministério. Dar respostas, aconselhar, orientar a vida
das pessoas nas suas dificuldades sobretudo em casos de litígio, isso era próprio da
aristocracia. Portanto, certos nobres, criavam e exerciam influência profunda e segura
sobre os seus clientes. Estes, para recompensarem os grandes favores dos conselhos
recebidos, prestavam indefectivelmente o serviço de apoiar o seu jurisconsulto nas lutas
eleitorais.
A conexão de carácter publicístico, entre Direito e Política em Roma é reconhecida e
afirmada por todos os autores. Política e Direito trabalham em uníssono para cumprir
uma missão de dimensão universal. A política romana, na sua multiplicidade de atitudes
é orientada não por efémeras ideologias mas por um sentimento profundo e perene da
perpetuidade e supremacia do Populus Romanus, concebido como uma sólida e forte
organização jurídica. A grande finalidade da política romana é manter firme o
ordenamento jurídico.

As várias formas políticas em Roma (pp.58 S. Cruz):


● O estado – cidade e o estado – território:
Segundo os dados tradicionais acerca da sucessão das formas de governo na história de
Roma, verifica-se que houve uma monarquia, uma república, um principado e um
dominado (ou monarquia absoluta de tipo heleno - oriental).

As formas políticas originárias, em regra, são o estado – cidade ou o estado – território.


Estado – cidade: significa um agrupamento de homens livres, estabelecidos sobre um
pequeno território, todos dispostos a defendê-lo contra qualquer ingerência estranha e
sobretudo onde igualmente todos detêm uma parcela do poder.
Aqui, há 3 órgãos políticos fundamentais:
1. Um ou vários chefes, vitalícios ou não
2. Uma assembleia de nobres ou de homens experimentados na vida
3. Uma assembleia do povo

Estado – território: é onde só um homem exerce o poder duma forma absoluta e


exclusiva.

 Monarquia (753 a.C. a 510 a.C.)


Roma nasce politicamente, como um estado – cidade (civitas), e assim continua, até ao
século III d.C., ou seja, até ao dominado.
Antes da civitas, Roma era composta por grupos políticos: a família, a gens, a curia, e a
tribo.
No regime monárquico de Roma, o poder político (soberania) está repartido por 3
órgãos: rei, senado, povo (comícios).
O Rei é sumo-sacerdote, chefe do exército, juiz supremo, numa palavra, o director da
civitas. O seu cargo é vitalício, não hereditário mas cada rei podia, a princípio, designar
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o sucessor. Todavia, este sucessor só era considerado rei, depois de investido pelo povo
reunido no comício das cúrias. Esta investidura, era uma espécie de delegação do poder
(soberania), chamava-se lex curiata de imperium.

O Senado, primeiramente, foi constituído pelos paterfamilias fundadoras da civitas;


mais tarde, pelos homens experimentados na vida (senex = velho) – escolhidos só entre
os patrícios. Era uma assembleia aristocrática. Os plebeus, inicialmente, não podiam
fazer parte do senado. Depois, ainda na monarquia, foram admitidos excepcionalmente
alguns plebeus; em 312 a.C., pela Lex Ovinia, os plebeus alcançaram entrada definitiva;
eram designados por conscripti; daí, posteriormente, a fórmula patres conscripti para
designar o senado na sua totalidade.
O senado é uma das instituições políticas mais antigas de Roma. Foi criado para
aconselhar o rei (espécie de junta consultiva do rei). Também nomeava o intererex
(membro do senado com poder supremo entre a morte do rei e a proclamação do
sucessor); também podia conceder o auctoritas patrum nas leis votadas no comício, para
que estas se tornassem válidas. As respostas do senado, dada às consultas que lhe eram
feitas, chama-se senatusconsultum.

Quanto ao Povo, a sociedade romana, desde o início, era formada essencialmente pelos
patrícios (os aristocratas, a classe social elevada, que detinham todos os direitos) e pelos
plebeus (a classe humilde que não tinham regalias nem direitos). Daí que houvessem
lutas entre plebeus e patrícios: os plebeus desejavam a equiparação aos patrícios, eram
tão cidadãos como os patrícios; possuíam a condição de membros da civitas na
organização político-militar, que era feita por centuriae (organização militar) e tribus
(divisão territorial de carácter predominantemente militar).
O povo, detentor duma parcela do poder político, exercia os seus direitos manifestando
a sua vontade em assembleias, denominadas comícios (comitia). Estes celebravam-se,
dum modo obrigatório, em determinados dias, e também sempre que a entidade
competente os convocasse. Os comícios mais antigos e mais importantes foram os
comícios das cúrias (comitia curiata). De início, só os patrícios faziam parte das cúrias;
mas os plebeus também conseguiram acesso. Das várias atribuições que teriam os
comitia curiata da época monárquica deve destacar-se a investidura do rei no poder, por
meio da lex curiata de império. É bastante duvidoso que exercessem funções
legislativas; na República, as atribuições dos comitia curiata foram absorvidas pelos
comitia centuriata e pelos comitia tributa, conservando apenas as atribuições religiosas.

 República (510 a.C. a 27 a.C.)


Pode dizer-se que a monarquia terminou em 510 a.C. no entanto, com rigor, a república
só iniciou-se em 367 a.C.
A partir de 510 a.C., o poder supremo já não reside num único chefe (o rei), mas,
geralmente, em dois (os cônsules); estes exercem o cargo por um ano e não por toda a
vida; são eleitos pelo povo e não designados pelo antecessor ou pelo senado.
A república é constituída por 3 grandes elementos: as magistraturas, o senado e o povo.
Representam e substituem, respectivamente, os elementos: monárquico, aristocrático e
democrático.

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Magistratura (Magistrados): A palavra latina magistratus tanto significa o cargo
de governar (magistratura) como pessoa que governa (magistrado). Inicialmente, os
magistrados são os verdadeiros detentores do imperium (que anteriormente pertencia
aos reis). O imperium é um poder absoluto, um poder de soberania; os cidadãos não
podem opor-se ao imperium.
Limites ao imperium:
- Temporalidade: os magistrados normalmente têm um cargo anual;
- Pluralidade: o poder está repartido por várias magistraturas;
- Colegialidade: os magistrados reuniam se em colégios no entanto cada magistrado
estava encarregado de um determinado sector.
As magistraturas importantes eram: a dos cônsules, a dos censores, a dos pretores, a dos
questores e a dos edis curuis. Estas magistraturas designavam-se «magistraturas
ordinárias».
Poderes dos magistrados: «potestas», «imperium», e «iurisdictio»
A potestas era o poder de representar o Populus Romanus. Era comum a todos os
magistrados, mas cada um tinha esse poder, em maior ou menor grau, conforme a
Suas atribuições, dentro das quais podia vincular, com a sua vontade, a vontade do povo
romano, criando assim direitos e obrigações para a civitas.
O imperium era o poder de soberania. Continhas as seguintes faculdades:
1. Comandar os exércitos;
2. Convocar o senado;
3. Convocar as assembleias populares;
4. Administrar a justiça.
O imperium não é como a potestas comum a todos os magistrados, mas própria dos
cônsules, dos pretores e do ditador.
A iurisdictio é o poder específico de administrar a justiça duma forma normal ou
corrente. Era o poder principal dos pretores. Competia igualmente ao edís curúis, porém
só para organizar os processos litigiosos referentes às matérias em que eles deveriam
superintender, e também aos questores, mas só para administrar a justiça em causas
criminais. O pretor era um magistrado que tinha os 3 poderes: potestas, imperium
e iurisdictio.
No aspecto jurídico, a magistratura mais importante é a dos pretores, seguindo-se-lhe a
dos edis curuis e a dos questores.

Pretor: A palavra praetor, No início, era uma designação genérica para indicar o chefe
de qualquer organização. Por isso, os cônsules, que são os magistrados mais antigos,
considerados os imediatos continuadores dos reis como detentores do poder supremo, de
início intitularam-se praetores, isto é, «chefes militares».
Depois da criação da questura (cerca do ano 450 a.C.) e da censura (em 443 a.C.), a
palavra praetor ainda conservou um certo carácter genérico, pois era comum de
qualquer magistrado (cônsul, questor ou censor).
Em 367 a.C., além dos edis curuis, pelas Leges Liciniae Sextiae foi criada a
magistratura dos pretores. Então, pretor passa a significar apenas o magistrado
especificamente encarregado de administrar a justiça de uma forma normal ou corrente,
nas causas civis. Presidia à 1ª fase do processo, «fase in iure», onde era analisado o
aspecto jurídico da causa. Na 2ª fase, chamada «apud iudicem», é que se apreciava a
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questão de facto, sobretudo o problema da prova, e se dava a sentença; esta fase
desenrolava-se perante o iudex, que não era magistrado mas um particular, e portanto
distinto do pretor.
A «fase in iure» era importantíssima; decisiva para a vida do processo; verificava-se um
ius – dicere, uma afirmação solene da existência ou não existência de direito que
concretizava-se num iudicare iuber (ordem dada pelo pretor ao juiz para proferir a
sentença conforme se provasse ou não determinado facto).
Na 2ª fase do processo, não há ius – dicere, mas um simples iu-dicare, um aplicar o
direito, isto é, julgar, decidir conforme uma ordem jurídica já anteriormente fixada.
De início só havia um pretor. A partir do ano 242 a.C., a administração da justiça é
distribuída por 2 pretores: o pretor urbano (praetor urbanus), encarregado de
organizar, dentro das normas do ius civile, os processos civis em que só interviessem
cidadãos romanos; e o pretor peregrino (praetor peregrinus), incumbido de organizar,
dentro das normas do ius gentium, os processos em que pelo menos uma das partes era
um peregrino, quer dizer, um non-civis.
Sempre que se fala de pretor, entende-se o pretor urbano. Este é a figura genial dentro
do Ius Romanum, o homem preocupado e totalmente dominado pelo espírito de justiça,
com a ânsia de atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Ele é o elemento
de ponderação colocado entre o ius e a lex. O pretor era o intérprete da lex, mas
sobretudo o defensor do ius.

Senado: é o segundo elemento da constituição republicana. É o órgão político por


excelência da República. É constituído pelas pessoas mais influentes da civitas, e tinha
um verdadeiro carácter aristocrático. Ali se encontravam reunidas a autoridade, a
riqueza e o saber técnico. O senado não possuía o imperium mas tinha a auctoritas por
isso não era dotado de funções prepotentes mas gozava duma influência social
extraordinária.
As suas decisões jurídicas (senatusconsulta), tinham a forma de conselho, mas, na
prática, eram verdadeiras ordens. Porém, a atribuição mais importante era ainda a da
concessão da auctoritas patrum para que as leis, depois de votadas e aprovadas nos
comícios, tivessem validade. A partir da Lex Publilia Philonis, de 339 a.C., essa
aprovação do senado passa a ser concedida antes de ser votada pelos comícios a
proposta de lei.

Povo: é o terceiro elemento da constituição política republicana. Reúne-se em


assembleias ou comícios, cujos poderes são essencialmente o de eleger certos
magistrados e o de votar as leis propostas pelos magistrados; em certas circunstâncias,
os comícios funcionavam como tribunal de última instância, quando tinha lugar a
provocatio ad populum.
Na República, há 3 espécies de comícios:
• Comitia curiata, que estava em decadência;
• Comitia centuriata, que intervém na eleição dos cônsules, dos pretores, do
ditador e dos censores, e na votação das leis propostas por estes magistrados;
• Comitia tribuna, que elegiam alguns magistrados menores e que votavam certas
leis.
• Concilia plebis, cujas decisões a princípio não tinham carácter vinculativo nem
11
sequer em relação à plebe, depois da lex Valeria Horatia de 449 a.C., é lhe reconhecida
força obrigatória em relação à plebe; a partir da lex Hortensia, de 287 a.C., passam a
obrigar todo o povo romano (também os patrícios).

 Principado (27 a.C. a fins do século III [284])


A constituição republicana, a certa altura, torna-se insuficiente para as novas realidades;
entra em crises sucessivas e recorre frequentemente à magistratura. Essas novas
realidades são, principalmente:
1. O alargamento extraordinário do poder de Roma (estende-se por todo o
Mediterrâneo);
2. Uma grave e profunda desmoralização da gente de Roma;
3. O aparecimento de novas classes sociais;
4. O antagonismo entre a velha nobreza e a nova aristocracia;
5. Lutas de classes de vária ordem;
6. Revolta dos escravos que pretendem liberdade.

O povo romano, vira-se confiante para Octávio, vendo nele o princeps civitatis, o
primeiro entre os cives, o mais indicado para restaurar a paz e a justiça, vencendo o caos
moral, político e económico dos últimos tempos. Octávio César Augusto aproveita-se
inteligentemente de todas as circunstâncias e afirma-se um político muito hábil quando
finge não querer nada, nenhumas honras, para consegui-las todas e todos os poderes.
Instaura uma nova forma constitucional – o principado (ainda hoje não se sabe bem o
que é o principado; os autores continuam a discutir a natureza de vários problemas do
principado). Pode se dizer que o principado era uma monarquia sui generis, de
tendência absolutista, baseada no prestígio do seu fundador, mas sem desprezar as
estruturas republicanas existentes (era um império com aparências republicanas e
democráticas).

Princeps: A grande novidade trazida por esta reforma constitucional, instaurada no ano
27 a.C., é a criação do princeps. É a figura central da nova constituição política.
Acumula uma série de títulos (Augustus, Imperator, Pater Patriae) e de faculdades que
lhe são outorgadas pelos órgãos republicanos sobreviventes.
O princeps não é um magistratus. Encarna um novo órgão político, de carácter
permanente, investido de um imperium especial e da tribunicia potestas contrastando
com as características das magistraturas republicanas (temporalidade, pluralidade e
colegialidade). Augusto vai, pouco a pouco, concentrando na figura do princeps, o
imperium das magistraturas, a auctoritas do senado e, sob certo aspecto, a maiestas do
povo.
As antigas magistraturas republicanas, na aparência, mantêm-se, mas o seu poder é
quase irrelevante; estão subordinadas ao princeps e numa situação de colaboração
forçosa; transformam-se em funcionários executivos, nomeadamente os cônsules e os
pretores.
Com a morte de Augusto, ficava aberto o caminho para o despotismo e para o
absolutismo, para a monocracia, que vem a instaurar-se como forma constitucional em
284.
Senado: A princípio, ganha uma certa importância. As suas decisões (senatusconsulta)

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durante um século têm carácter legislativo.Com Augusto, perde grande parte da sua
autoridade política, que vai passando para o princeps. No final do principado, os
senatusconsulta são meros discursos do imperador.

Povo: Os comitia não foram abolidos; mas, pouco a pouco, deixam de funcionar. As
suas atribuições passam em parte para o senado, mas sobretudo para o exército.
Característico do principado é a criação dum corpo burocrático de funcionários –
oficiais da casa do princeps, que hão-de chegar a fiscalizar tudo. Estes funcionários
dependem unicamente do imperador, respondem exclusivamente perante ele e
administram o Império segundo uma directriz burocrática.

Governadores das Províncias: significa, «cargo confiado a um magistrado», e


especialmente «administração dum território conquistado sobre o qual um magistrado
exerce os seus poderes». Mas, de início e em rigor, só os territórios sob o domínio de
Roma situados fora da Península Itálica e conquistados por um general é que tinham o
nome de «províncias».
A princípio, o governo de todos esses territórios era confiado pelo senado a um
magistrado dotado de imperium, cônsul ou pretor. Mais tarde, Augusto havia de reservar
para si a nomeação directa dos governadores daquelas províncias que ainda requeriam
uma atenção especial de tipo militar, por não se encontrarem totalmente pacificadas.
Estabelecia-se a divisão entre províncias senatoriais (a sua fiscalização estava entregue
a um senador) e províncias imperiais (a sua fiscalização estava entregue ao imperador).
As normas administrativas fundamentais de cada província, de início, eram
estabelecidas por uma lei, lex provinciae.
Dentro de cada província há cidades com diferentes estatutos:
- Cidades federadas (eram formalmente independentes);
- Cidades livres (tinham autonomia administrativa);
- Cidades imunes (eram isentas do pagamento de impostos);
- Cidades estipendiárias (tinham que pagar um tributo fixo a um Questor);

Os governadores das províncias, além de imperium, tinham iurisdictio; publicavam


igualmente o seu edictum. Em ordem à administração da justiça, a província estava
dividida em distritos que o governador visitava periodicamente.
Os governadores, ao aplicarem o Ius Romanum, não podiam aplicar um Direito Romano
clássico puro, mas tinham de adaptá-lo às várias condições especiais da administração
da justiça na província, sobretudo à circunstância de o processo ter, praticamente, só
uma fase, em que, por conseguinte, o governador fazia de praetor e de iudex. Os
governadores tinham, pois, necessidade de «provincializar» o Ius Romanum. O «direito
provincial», em rigor, é pois o Direito Romano clássico adaptado às províncias. Em
sentido menos rigoroso, «direito provincial» é também a lex provinciae. Os
governadores obtinham grandes lucros das províncias; Roma autorizava que os
benefícios, indemnizações e os tributos fossem dados em géneros: cibaria (víveres),
congiarium (vinho), salarium (imposto pago em sal).

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 Dominado (284 a 476)
Os cinquenta anos antes da subida de Diocleciano ao poder, verificada em 284,
caracterizam-se por:
1. Lutas internas, por causa do problema da sucessão dos imperadores e ainda por
causa da exigência manifestada por várias províncias de quererem equiparar-se a
Roma;
2. Falta de prestígio da autoridade pública;
3. Conflitos entre o Império Romano e o Cristianismo;
4. Crise económica;
5. Infiltração dos bárbaros;
6. Demasiada extensão do Império.

Diocleciano, soldado severo, enérgico e autoritário, sobe ao poder em 284, aclamado


imperador pelos seus companheiros de armas. Inaugura um novo regime político, nos
moldes do absolutismo à maneira oriental. Proclama-se dominus, senhor único – daí
chamar-se a este período dominado ou império absoluto; ele intitula-se deus, com o
respectivo direito a uma adoratio. O seu poder não provém mais de uma lex curiata de
imperio, mas de uma investidura divina.
O Cristianismo tenta destruir o mito da divindade do imperador.
Diocleciano ordena uma perseguição violenta aos cristãos (esta época chama-se de “era
de Diocleciano ou dos mártires”); procede a várias reformas: administrativa, económica,
financeira e política. Reconhece a impossibilidade de manter todo o Império sob um
único comando. O absolutismo trouxe consigo o separatismo:
Em 286, estabelece-se a 1ª divisão do Império, ficando Diocleciano no Oriente e
Maximiano no Ocidente.
Constantino consegue outra vez a união do Império, mas por pouco tempo. As divisões
sucedem-se. Teodósio, em 394, reúne, pela última vez o império, mas antes de morrer,
divide-o pelos seus dois filhos.
Em síntese, podemos indicar como factos principais da época do dominado:
1º A reforma político-administrativa de Diocleciano;
2º O reconhecimento do Cristianismo, a partir do tempo de Constantino, como
religião oficial, excepto no período de Juliano;
3º A tendência para dividir o Império entre dois imperadores, por se considerar
demasiadamente extenso;
4º As invasões dos povos bárbaros, por um lento processo de infiltração.

Dá-se a queda do Império Romano do Ocidente, em 476. O Império do Oriente, mais


rico e sobretudo mais bem organizado, não sucumbiu às invasões bárbaras. Chegou
mesmo, no tempo de Justiniano (527 a 565), a restaurar parte do velho Império Romano
reconquistando várias regiões de Itália, África e Hispânia.
O Império Romano do Oriente veio a desaparecer em 1453, quando os turcos se
apoderaram de Constantinopla.

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f) Tradição Romanista: Direito Romano lato sensu (pp.91 S. Cruz):
Estudo do Ius Romanum (séculos VI a XX)
Primeiro Período (séculos VI a XI):
No Oriente, o estudo do Ius Romanum ainda é feito com esplendor.
Depois da queda do Império do Ocidente (476) e mesmo depois da compilação do Ius
Romanum e da morte de Justiniano (565), o estudo de Direito Romano no Oriente,
continua a ser feito ainda com bastante elevação.
A literatura jurídica é abundante e variada. De início, além de obras de tradução,
escrevem-se comentários breves ao CIC, os escólios; depois surgem os trabalhos de
síntese, reelaboração e de confronto de várias partes da compilação Justinianeia; e
finalmente, aparecem obras autónomas, entre as quais devem sublinhar-se, a Écloga
(séc. VIII), os Basílicos (direitos dos reis; séculos IX e X) e o Hexábilos (século XIV).

No Ocidente, dá-se a decadência quase total. Depois da queda do Império em 476 e


desde o século VI ao século XI, o estudo do Direito Romano no Ocidente segundo
parece, entrou em profunda crise.
A opinião mais comum sustenta que o Direito Romano era ensinado, principalmente,
nas escolas monásticas, catedráticas ou episcopais, pois a Igreja, nos seus primeiros
séculos, juridicamente, vivia do Ius Romanum. E, mesmo nestas escolas eclesiásticas,
não era estudado como uma disciplina autónoma, mas como um simples ramo da
gramática ou da retórica e sem uma direcção científica.
É provável que, nestes 5 séculos (sécs. VI a XI), houvesse também uma ou outra escola
civil que ensinasse Direito Romano.

Segundo Período (séculos XI a XX)


A razão fundamental da grande supervivência do Ius Romanum está no chamado
fenómeno da «recepção do Direito Romano».
A «recepção do Direito Romano» é a penetração das ideias, dos princípios e das
instituições, do espírito do Ius Romanum na vida jurídica da Europa.
Esse fenómeno verifica-se no Ocidente, e daí que só interesse este período nos séculos
XI a XX, da tradição romanista. Este fenómeno não é simultâneo: na Itália dá-se nos
fins do séc. XI e princípios do séc. XII, na França e Inglaterra dá-se no séc. XII, na
Espanha e Portugal dá-se no séc. XIII, na Holanda e na Polónia dá-se no séc. XIV e na
Alemanha, nos sécs. XVI e XVII; é esta a causa da existência de várias escolas.
O renascimento do Ius Romanum começa nos fins do século XI:

1) Escola dos Glosadores, de Bolonha (séculos XII a XIII)


O fundador desta escola foi Irnério, professor de gramática e dialéctica em Bolonha.
Aplicou ao estudo do CIC; sobretudo à análise do Digesto ou Pandectas, o método
exegético, com breves comentários ou glosas (marginais ou interlineares), o que deu
designação à escola. A interpretação dos textos Justinianeus é literal, minuciosa e subtil,
chegando a resultados ainda hoje apreciáveis e dignos de consulta. O principal valor da
Escola dos Glosadores está em ter descoberto e anunciado à Europa, sobretudo através
dos seus alunos, a importância do CIC.
Acúrsio é uma figura muito importante, por ter reunido os vários resultados desta escola
na chamada Glosa Ordinária ou «Magna Glosa de Acúrsio».

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2) Escola dos Pós-glosadores ou comentadores, de Perusa (sécs. XIII a XV)
Estes juristas empregam o método dialéctico ou escolástico e comentam já não
directamente o CIC, mas sim as glosas dos séculos XII e XIII, sobretudo a «Magna
Glosa de Acúrsio». Eles são os verdadeiros fundadores da ciência jurídica pois o
comentário penetra no sensus da norma enquanto a glosa preocupa-se unicamente com a
letra da norma. As figuras principais desta escola foram: Cino de Pistoia, Baldo e
Bártolo. As escolas dos glosadores e dos pós – glosadores formam o chamado sistema
do «mos italicus», em que a finalidade do estudo do Direito era essencialmente prática.

3) Escola Culta, de Bourges (séculos XVI a XVIII)


Esta escola, também denominada por jurisprudência humanista ou «mos gallicus», foi
fundada nos meados do século XVI, por Alciato e Víglio de Ayatta. Esta escola é
dominada pelo espírito do renascimento, e representa um oásis de historicismo nos
estudos de Direito Romano. Dedicam-se à descoberta de manuscritos do CIC, à sua
leitura, e portanto, a um estudo histórico-crítico do material das fontes jurídicas
romanas. Pela primeira vez se enfrenta o problema das interpolações. Os seus
representantes principais foram franceses (daí chamar-se “mos gallicus”).

4) Escola do Direito Natural (séculos XVIII a XIX)


Esta escola, influenciada e enquadrada no movimento cultural do Iluminismo, considera
o direito como um produto da razão humana, igual para todos os povos, comum para
todos os tempos. Fundada por Hugo Grócio, esta escola racionalista abalou os estudos
do Direito Romano em toda a Europa, e favoreceu o movimento codificador e as
legislações nacionais regiam contra a vigência do Direito Romano.

5) Escola Histórica Alemã (século XIX)


Embora tivesse precursores, o seu verdadeiro fundador é Savigny. Esta escola, caldeada
pelo romantismo, sustenta que o Direito não é um mero produto da razão, mas a
manifestação da consciência popular.
Em relação ao Direito Romano, a escola histórico-alemã tomou duas direcções
científicas distintas:

a) Histórico-Crítica: defendendo a necessidade absoluta de preparar boas edições de


textos; verifica-se uma continuação do humanismo jurídico do século XVII proveniente
do mos gallicus, e os representantes desta posição afirmam-se como historiógrafos
puros ou filólogos do DR.

b) Dogmático-Pandectística: adaptando cientificamente o ius privatum romano às


complexas relações privadas modernas. Daí a designação desta orientação científica, de
Pandectística. A pandectística entregou-se a um doutrinarismo jurídico, que ainda hoje
assombra pela sua agudeza e engenho. Da pandectística nasceu o BGB (Código Civil
Alemão de 1900, que é a maior consagração do DR).

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g) Direito Romano sensu latíssimo (pp. 101 S. Cruz):
O Direito Romano sensu latíssimo compreende o Ius Romanum vigente em Roma e no
seu Império durante 13 séculos, assim como a tradição romanista que já conta 14
séculos.
Essa tradição romanista, (quer do Ocidente, quer do Oriente, e quer dos países que
tiveram a «recepção» quer dos outros países do resto do mundo que sentiram
simplesmente qualquer espécie de influência do Direito Romano) é formada
estruturalmente pelo direito do CIC. Esse direito, porém, foi adaptado às necessidades
dos tempos, modificado principalmente por elementos jurídicos canónicos, cientificado
segundo as directrizes das várias escolas.

h) Concepçoes Jurídícas modernas aplicadas ao Direito Romano (pp. 45-58 Santos Justo):
Há uma série de conceitos fundamentais que estão na base da ciência do direito. A
formação desses conceitos resulta da evolução histórica, onde participaram os
glosadores, comentadores e pandectistas:

1. Direito objectivo:
É o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a conduta humana na sua vivência em
sociedade. Os romanos não tinham este conceito, apenas distinguiam ius civilis
romanum, ius honorarium e ius gentium.
O Direito Romano rege-se pelo princípio da personalidade que se aplica exclusivamente
aos cidadãos romanos. Há excepções: os estrangeiros que gozam do ius commercii,
podem transmitir a propriedade por mancipatio, contrair obrigações por stipulatio e se
tiverem o ius conubii, podem contrair núpcias. O pretor também lhe concedeu a
possibilidade de demandar e ser demandado em tribunal.
Quanto ao âmbito espacial, o Direito Romano respeitou a autonomia jurídica das
cidades aliadas ou conquistadas que, continuaram a viver segundo os seus direitos; no
entanto, este princípio sofreu, na prática desvirtuamentos: nas províncias, os edicta dos
governadores, redigidos segundo a lex provinciae, respeitavam o direito indígena mas
lentamente foram acolhendo normas do ius gentium e normas do edictum do pretor
urbano. Assim, existiam vários regimes jurídicos que se aplicavam simultaneamente:
direito indígena, Direito Romano especial (provincial) e o Direito Romano de Roma.
O Edictum Perpetuum de Iulianus, eliminou as diferenças entre os éditos dos pretores e
dos governadores das províncias e criou um único édito.
Em relação ao âmbito temporal das normas jurídicas, rege o princípio da não
retroactividade justificado pela necessidade de respeitar os direitos adquiridos e de
transmitir segurança ao trafico jurídico. Contudo, este princípio é derrogado quando,
por exigência da vida social, a lex manifesta expressamente o carácter retroactivo; e a
lex nova faz a interpretação da lei anterior ou limita-se a desenvolver os princípios
contidos na lex antiqua.

2. Subsunção:
A norma que a fonte do direito oferece apresenta-se frequentemente na forma duma
proposição condicional (ex. se A matar B, A vai preso). O facto constitui a previsão ou
hipótese; as consequências, a estatuição ou coacção. A norma é aplicada pelos
particulares que se abstêm de praticar actos proibidos, concertam as suas relações

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jurídicas segundo esse modelo ou cumprem espontaneamente as obrigações assumidas.
Na falta deste acatamento voluntário, o juiz aplica a norma auxiliado por jurisconsultos,
por isso o juiz constitui o órgão especialmente vocacionado para interpretar e aplicar o
direito.

3. Cessação da vigência:
É quando uma norma deixa de vigorar. O povo ou o legislador, que oferece a norma
jurídica, pode fazer cessar a sua vigência. O costume deixa de vigorar quando o povo
pratica actos contrários (costume contrário) ou deixa de o observar (desuso). Pode
também ser revogado por uma lex, embora os romanos tivessem um elevado respeito
pelo costume.
A lex pode deixar de vigorar por:
- Caducidade: a própria lex contém um determinado prazo de vigência, findo o qual
cessa.
- Revogação:
_Abrogatio: a lex posterior retirar a vigência total da lex anterior;
_Derrogatio: a lex posterior retira a vigência parcial da lex anterior;
_Expressa: decorre directamente da lei que se revogará;
_ Tácita
- O costume contra legem: tendo a lex e o costume o mesmo valor, o costume pode
cessar a vigência da lex se esta o contradizer. Em 319, a constituição de Constantino
reconhece a grande autoridade do costume mas determina que não pode afastar a razão
ou a lei, mas a lei pode cair em desuso ou ser simplesmente ignorada.

4. Direito Subjectivo:
A ordem jurídica reconhece aos particulares várias faculdades ou poderes de actuação
que constituem direitos subjectivos, que manifestam a autonomia individual; no entanto
dependem do reconhecimento de personalidade e de capacidade jurídica (de gozo ou de
exercício).
Noção: É o poder ou faculdade de exigir de outrem, um comportamento activo ou
negativo/ facere ou non-facere/ de per si ou integrado num acto de autoridade pública
que se impõe a outra pessoa/ adversário ou contra-parte.
Quando, nos limites reconhecidos pelo direito objectivo e no uso da sua autonomia
individual, um indivíduo dita normas que ordenam a sua conduta e mesmo a conduta
alheia, estas normas adquirem uma posição semelhante às definidas pelos órgãos do
Estado, ou seja, são designadas leges privatae (ex: lei das XII tábuas).
Os direitos subjectivos podem ser:

(1) Direitos subjectivos materiais:


a) Direitos do paterfamilias sobre a mulher, filhos e servus;
b) Direitos reais sobre coisas;
c) Direitos de crédito (direitos relativos);
d) Direitos sucessórios (incidem sobre o legado de alguém);
e) Direitos sobre direitos (ex: usufruto, penhor, enfiteuse, superfície e servidões
rústicas);
f)Direitos sobre a própria pessoa (ex: direito ao nome, ao status…)

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(2) Direitos subjectivos processuais:
Traduz-se no direito de pedir a concessão de uma:
a) Actio: para tutelar um direito subjectivo material.
b) Exceptio: para invocar factos susceptíveis de conduzirem à improcedência da
actio.

5. Uso e abuso de direito:


O uso de um direito subjectivo consiste na realização das faculdades que integram o seu
conteúdo. O seu titular goza da liberdade de usar ou não os seus direitos, sem prejuízo
de o direito objectivo poder atribuir determinados efeitos prejudiciais ao não uso:
caducidade e a prescrição.
Se um particular utilizar de modo normal o seu direito para satisfazer fins que o
ordenamento jurídico reconhece e protege, esse uso não será, em princípio limitado.
Não se trata dum princípio absoluto pois deste os tempos mais antigos não deixou de
sofrer limitações impostas por motivos religiosos, morais ou determinados interesses
públicos e privados.
Com base nas fontes romanas, os glosadores e comentadores elaboraram a doutrina dos
actos de emulação que a civilística e algumas legislações consagraram: é proibido o
exercício dos direitos subjectivos com o propósito principal de prejudicar outra pessoa e
sem resultar alguma utilidade para o seu titular. Actuando assim, este não usa, mas
abusa de um direito e cessam, portanto, as razões que levaram o ordenamento jurídico a
conceder a protecção jurídica.

6. Interpretação:
É um acto metodológico que procura determinar o sentido normativo de uma fonte
jurídica: obter uma norma (ou critério) jurídica que permita decidir um problema que
reclama uma solução jurídica.
A sua índole não é simplesmente hermenêutica ou exegética mas normativa: procura
assimilar o sentido jurídico normativo ao problema concreto, de modo a que possa ser
um critério juridicamente adequado de uma justa causa.
Para interpretar a norma, são necessários elementos:
(1) Elemento gramatical: é a letra, é a análise da letra da norma jurídica.
(2) Elementos lógicos:
a) Históricos: a norma normalmente aparece num determinado estado
jurídico e necessita do estudo histórico da época;
b) Sistemático: a norma não aparece isolada, está dentro de um sistema de
normas jurídicas;
c) Teleológico (objectivo): que objectivo se pretende com aquela norma.

Os romanos tinham regras de interpretação. Há a necessidade de:


- Interpretar, mesmo que o texto seja claro;
- Considerar integral e não parcialmente o texto (deve ler se todo o texto);
- Privilegiar a finalidade da lei em relação às palavras utilizadas;

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Havia provérbios entre os romanos que traduzem as práticas jurídicas não romanas:
- Onde quer que haja a mesma razão da lei, a disposição da lei deve ser a mesma;
- Cessando a razão da lei, cessa a própria lei;
- Onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir (com situações diversas);

A interpretação divide-se quanto ao resultado e quanto ao sujeito que a realiza:


I – Quanto ao resultado, a interpretação pode ser:
a) Declarativa: quando a letra e o espírito têm uma correspondência perfeita;
b) Extensiva: o significado literal é mais amplo que o espírito da lei;
c) Restritiva: o significado literal excede o espírito da lei então vai-se restringir o
sentido textual para fazer coincidir com o seu espírito.
d) Abrogante ou revogatória: tem a ver com uma conclusão do intérprete (o texto legal
não tem norma nenhuma);
e) Enunciativa: o intérprete retira uma norma de outra norma;
f) Correctiva: o intérprete sacrifica ou corrige o texto da lei
g) Analógica: aplicação da lei a um caso que lhe é análogo e que não esta consagrado.
Pode ser:
- Analogia legis: há um caso previsto na lei e há outro caso que tem grandes
coincidências com o primeiro então aplica-se a mesma lei;
- Analogia iuris: pode não haver um caso que não esteja consagrado na lei. Vai
descobrir-se nos princípios uma que possa solucionar.

II – Quanto ao sujeito que a realiza, a interpretação pode ser:


a) Autêntica: a interpretação é feita pelo mesmo sujeito que fez a norma;
b) Usual: a interpretação é feita pelo costume e tradição;
c) Doutrinal: a interpretação é levada a cabo pela jurisprudência, sentenças,
aplicação das leis (não tem carácter vinculativo excepto quanto há direito de
autoridade);
d) Judicial: realizada pelos órgãos judiciais da civitas.

A interpretação cumpriu uma função muito importante na dinamização do direito pois


havia um número escasso de leges (leis) e a linguagem lapidar e esquemática da Lei das
XII tábuas rapidamente revelou-se inadequada à resolução dos novos problemas.

i) Caracterização do Direito Romano privado (pp.19, Santos Justo):


O Direito Romano privado apresenta certas características que determinam que tenha
uma certa individualidade:
1) O desinteresse pela codificação: exemplo disso é o facto do Corpus Iuris Civilis só
ter sido elaborado no século VI, aquando o fim do Império/Direito Romano. Não tinham
necessidade de compilar leis pois elas não eram muitas e as que existiam, eram
sobretudo de direito público;
2) Prioridade da actio sobre o ius: a lex tinha um papel escasso e por isso facilmente
se criavam instituições jurídicas. Ao ius honorarium coube a resolução de problemas
práticos não previstos no direito romano.
3) A simplicidade das soluções e a ausência de sistema: Em Roma existia um instituto
jurídico que se aplicava em diversos casos. Os institutos jurídicos eram claros e precisos

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para não se criarem institutos híbridos. Também não existiam muitos conceitos (pessoa,
capacidade jurídica, negócio jurídico…) e quando existiam, muitas vezes eram
imperfeitos.
4) Diferenciação de conceitos: houve uma grande tendência para diferenciar os
conceitos, manifestando-se na separação do jurídico, dos usos sociais e das regras
morais.
5) A força da tradição: A evolução das instituições jurídicas foi lenta, prudente e
conservadora: raramente o direito anterior é derrogado, apesar de inadequado. No
âmbito das antigas instituições, o respeito pela tradição explica que o sistema do ius
civile tenha subsistido ao lado do ius honorarium, etc.
6) Ponderação e coordenação de liberdade e autoridade: para os romanos a liberdade
tinha um significado próprio, diferente da liberdade grega. Era a faculdade natural de
fazer o que se quer a não ser que seja proibido pela força ou pelo direito. O direito
privado reconhece à liberdade 2 aspectos diferentes:
- No reconhecimento, pelas instituições jurídicas privadas, de um carácter
predominantemente individualista que se manifesta numa acentuada hostilidade a todos
os limites impostos à autonomia particular;
- No reconhecimento de um largo âmbito de actuação à autonomia individual. No
Direito Romano privado a liberdade e a autoridade não se excluem, antes pressupõem-
se reciprocamente: liberdade sem autoridade é anarquia e autoridade sem liberdade é
tirania.
7) Os jurisconsultos consideraram diversos vínculos e meios coercivos sociais e
morais: Fides, Officium, Humanitas e a Amicitia:
- Fides: significa ter fé. Inicialmente corresponde ao compromisso que uma pessoa
assumia com outra e mais tarde corresponde ao procedimento fiel do que se
comprometera. Tinha força moral, nela se fundamentava a força do juramento. Tinha
sanções!
- Officium: implica um comportamento perante os outros: obriga-nos a ser úteis e a
prestar serviços desinteressadamente. Exemplos de situações disciplinadas pelo dever
moral que caracterizam o officium são: a tutela, o patronato, a potestas do paterfamilias
e a sucessão legítima contra o testamento. O officium é gratuito.
- Humanitas: é a obrigatoriedade de respeitar e valorizar a pessoa humana com vista a
obter um maior grau possível de perfeição. É um dever meramente moral.
- Amicitia: foi um valor importante na esfera moral e social e no campo jurídico. É a
garantia que o fiador dá ao credor.

 Utilidade do Direito Romano (pp.26, Santos Justo):


1) O seu grande contributo na formação do jurista, dando lhe quadros de valor jurídico
para o futuro;
2) O seu ensino evidencia a grande perfeição técnico-jurídico da jurisprudência romana
que criou, com bastante rigor, figuras jurídicas, formulou princípios doutrinais e regras
jurídicas e consagrou uma terminologia jurídica que os séculos não enfraqueceram.
3) O seu interesse histórico é indesmentível.
4) Há muitos institutos jurídicos actualmente que podem ser estudados com base no
direito romano, fundamentado pelo Direito Comparado, uma vez que este foi a raiz
comum dos vários direitos românicos.

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Título II: Fases características do dto romano (pp. 27, Santos Justo):
a) Ius e fas:
Primeiramente, a religião e o direito confundiam-se, distinguindo-se os actos em lícitos
ou ilícitos, segundo a vontade ou não dos deuses. Fas, começou por designar os actos
lícitos; depois de um processo de abstracção, começou a significar norma ou conjuntos
de normas que estabelecem o que é permitido aos homens pelos deuses e cuja
desrespeito é sancionada com penas religiosas (equivale a ius divinum).
Ius, inicialmente significava o que era lícito, ou seja, o que era permitido pela vontade
divina (faz = ius); contudo, ius veio a evoluir em dois sentidos: o de jus divinum
(constituído por normas que disciplinam as relações entre homens e deuses) e ius
humanum (formado por normas que regulamentam as relações entre os homens).
Assim, é possível dizer que ius confunde-se com faz na acepção de ius divinum, mas
afasta-se deste no sentido de ius humanum.

b) Iustitia e Aequitas (Justiça e igualdade):


Segundo Ulpianus, Iustitia é a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu
direito. A Justiça tem dois elementos lógicos:
- Proporcionalidade: para determinado facto há uma certa consequência. Tem que haver
correlatividade entre direitos e deveres.
- Igualdade: resulta da proporcionalidade que implica o tratamento igual dos casos
iguais e desigual do que é diferente.

A Aequitas determina que as normas jurídicas sejam gerais e abstractas; disciplinam


não um caso específico, mas um número determinado e situações subsumíveis à
categoria prevista.
Cícero afirmou que “a própria igualdade é iníqua”; por isso recorre-se à aequitas,
considerada tradicionalmente a justiça do caso concreto ou um correlativo de justiça
legal. Funções da aequitas:
- Suavizar o rigor da lei e humanizar o direito;
- Adequar a norma geral e abstracta ao caso sub iudice;
- Afastar soluções absurdas;
No mundo romano a aequitas nunca deixou de estar presente. Ela não foi somente a
justiça do caso concreto; ela positivou-se no ius, inspirando o legislador e a
jurisprudência na criação, interpretação e transformação do direito positivo.

c) Iuris praecepta:
São princípios jurídicos. Ulpianus aponta-nos três princípios fundamentais que
espelham a unidade entre a religião, moral e direito:
1) Viver honestamente (dependente das 4 virtudes cardeais: prudência, temperança,
fortaleza e justiça);
2) Não prejudicar os outros;
3) Atribuir a cada um o que é seu;
Trata-se de princípios fundamentais do direito e, por isso, são essenciais a qualquer
norma jurídica.

22
d) Ius publicum e ius privatum (direito público e direito privado):
Primitivamente, as relações do populus eram disciplinadas pela lex e as relações dos
cives eram reguladas pelo ius civile. Quando a lex tornou se fonte do direito, a
contraposição ius – lex foi substituída pela distinção entre ius publicum e ius privatum.
Ius publicum pode ser entendido em dois sentidos:
I) Direito criado pelos órgãos estatais: são normas que derivam da Lei das XII
tábuas e das outras leges publicae (lex rogata, plebiscitum, senatusconsultum,
contitutio imperial) ==> o ius publicum é criado pela lex (publica) enquanto o ius
privatum é constituído por normas e princípios conservados e elaborados pela
Jurisprudência.
II) Direito que disciplina a organização política e o funcionamento dos poderes
públicos nas relações internas e internacionais.
O Estado romano nas relações com os particulares não desprendia se do ius publicum;
os actos de administração do imperador deviam se submeter às normas de ius privatum.
O ius publicum e o ius privatum distinguem-se por vários critérios:
 Critério dos sujeitos: é de direito publico quando as normas fossem sobre a cidade
e que regulassem a organização da mesma; são de direito privado normas que regem
relações entre particulares. Crítica: há relações entre o estado e cidadãos que estão
sujeitos a ius privatum (ex: o Estado quando arrenda um prédio para instalar os seus
serviços age como um privado).
 Critério da utilidade: estava-se perante ius publicum quando as normas tenham
objectivos no interesse da comunidade social; pertence ao direito privado normas
que satisfaçam objectivos de necessidade dos particulares. Crítica: Nem sempre os
interesses da colectividade e dos particulares se contrapõem. Muitas vezes são
coincidentes, implica ver em cada momento se satisfaz interesses públicos.
 Critério do afastamento: estamos perante direito público quando as normas não
podem ser afastadas pela simples vontade dos particulares; e estamos perante direito
privado quando as normas que podiam ser afastadas pela vontade dos particulares.
Crítica: Há normas que proíbem os pactos que lhe apanham (ex: direito relativo aos
menores); Há normas de direito a que não se pode prescindir.
 Critério dos sujeitos: é de direito público a organização e a actividade do Estado e
de direito privado, as normas que regulam as relações entre particulares.

e)Ius scriptum e ius non scriptum (direito escrito e direito não escrito):
Ius scriptum é o direito escrito, de acordo com o Corpus Iuris Civilis. São normas de ius
scriptum a lex, plebiscito, senatusconsultum, éditos dos magistrados, constituições
imperiais, respostas dos jurisconsultos. Pertence ao ius non scriptum o costume
(designado inicialmente por mores maiorum e posteriormente denominado por tácito
consenso do povo), a interpretação e o ius gentium.

f)Ius civile, ius praetorium e ius honorarium (direito civil, pretório e honorário):
O ius civile é o direito próprio de uma civitas (cidade). Segundo Papinianus, as suas
fontes são: a lei, os plebiscitos, os senatusconsultos, as constituições imperiais e a
jurisprudência; e Iulianus juntou-lhe o costume. No início era chamado de quiritário
(Quirites eram os primitivos cidadãos romanos). O ius civile era um direito formalista e

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rígido; as suas normas regulavam as relações jurídicas onde intervinham os poderes
pessoais do paterfamilias.
Em 367 a.C., foi criado o pretor urbano (um magistrado especial para ministrar a
justiça); os seus poderes era o imperium, potestas e a iurisdictio; as suas funções eram:
 Conceder e denegar actiones;
 Coagir as partes a assumirem determinadas obrigações (stipulationes praetoriae);
 Dar a posse de bens em litígio (missio in possessionem);
 Ignorar os efeitos jurídicos de um acto (restitutiones in integrum);
 Concedia protecção processual a determinadas situações de facto (inderdicta);
Em 242 a.C., foi criado o pretor peregrino cuja função era a de administrar a justiça
entre cidadãos e peregrinos e entre peregrinos.
Em 67 a.C., a lex Cornelia de iurisdictione impôs obrigação jurídica de os pretores
respeitarem os seus éditos, para pôr termo aos abusos cometidos por alguns pretores.
Entretanto, o pretor começou a proteger casos não previstos pelo ius civile, criando um
novo sistema jurídico que constitui o ius praetorium.
Assim, surgiu um dualismo jurídico (o ius civile e o ius praetorium) que subsistiu até a
época Justinianeia.
O ius civile e o ius praetorium têm fontes diferentes: o ius civile tem como fonte a lei,
os plebiscitos, os senatusconsultos, as constituições imperiais e a jurisprudência
enquanto o ius praetorium tem como fonte o édito do pretor.
Diferente desta distinção é a noção de ius honorarium, constituído por todo o ius não
civile; resulta dos éditos dos magistrados e por isso, o ius praetorium é sinónimo do ius
honorarium.

g) Ius gentium e ius naturale (direito das gentes e direito natural):


As relações entre os povos das várias cidades exigiam uma disciplina jurídica e um
direito que se aplicasse entre eles. O ius gentium é formado por normas de direito civil,
normas de direito mercantil e formuladas sobre feição consuetudinária. O ius gentium
veio acabar com as lacunas existentes entre os romanos e os estrangeiros, permitindo os
negócios jurídicos e prevendo eventuais litígios entre eles.
A distinção entre ius civile e ius gentium não teve grande importância prática porque a
protecção que dispensavam, se concretizava através da jurisdição do pretor. E, quando,
em 212, Caracala estende a cidadania romana a todos os habitantes do império romano,
generalizou-se a aplicação do ius civile romanorum. O ius naturale não tem um
significado preciso: segundo Ulpianus é “o que a natureza ensinou a todos os homens”;
conforme Paulus é “o direito sempre bom e equitativo”. Os direitos naturais
estabelecidos permanecem sempre firmes e imutáveis; é um sistema ideal de normas;
transcende o direito positivo.

h) Ius commune e ius singulare (direito comum e direito singular):


Por direito comum entende-se um conjunto de normas jurídicas que tem um carácter
geral (aplicam-se a uma série ilimitada de casos genericamente pré-fixados).
Ius singulare, segundo Paulus é “o que foi introduzido contra o teor da razão pela
autoridade dos que o constituem por causa de alguma utilidade”, isto é, direito singular
é um conjunto de normas que se aplicam a determinados casos específicos.
Assim, é possível referir que é a utilidade que distingue ius commune de ius singulare:

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o direito comum tinha carácter geral e o direito singular, carácter específico/ particular.
O ius singulare pode traduzir-se de duas formas:

I) Benefício (beneficium): caso em que o ius singulare traduz uma vantagem especial
à pessoa a quem se aplica (beneficium competentiae e beneficium inventarii).

II) Privilégio (privilegium): era uma pena ou medida desfavorável imposta a uma
pessoa por uma lex ditada nos comícios (a Lei das XII tábuas era um exemplo disto).

i) Ius novum (direito novo):


É o direito constituído pelas constituições imperiais que se tornará, no fim do império,
fonte predominante e única do direito. Não se opunha ao ius civile e ao ius honorarium.

Título III: Actualidade dos estudos romanísticos (pp. 113, S. Cruz):


Tem havido um aumento do interesse pelo direito romano, verificando-se em diversos
países:
- Países onde nunca deixou de ser estudado: o ensino intensifica-se, aumenta-se os
programa universitários e o número de horas por semana dedicados ao Direito Romano,
desdobra-se o ensino em vários anos, repartindo-o por diversas disciplinas. Estes países
são, entre muitos, a Itália, Grécia, Espanha, Luxemburgo, Estados Unidos da América e
Brasil.

- Países onde tinha sido proibido o ensino: o ensino é retomado nas respectivas
universidades e com maior intensidade do que antes. Isto acontece, por exemplo com a
Alemanha e com a URSS.

- Países onde nunca tinha penetrado o ensino do Direito Romano: hoje também faz
parte dos respectivos programas universitários (na Pérsia, Israel, China e Japão).

Tem-se promovido também encontros, publicações, comunicações, e conferencias sobre


Direito Romano por alguns países como o Japão, Holanda, Polónia, Argentina, América
do Norte e Inglaterra e sobretudo Brasil.

Intensifica-se, a partir de 1950,outras manifestações de especial interesse pelos estudos


romanísticos nos seguintes factos:
- Incremento dado a certas revistas já existentes;
- Criação de novas revistas;
Além das revistas de especialidades, criaram-se, a partir de 1950, em várias revistas de
direito, secções consagradas ao Direito Romano.

1ª Parte: Fontes do direito romano:


Título I – Noções fundamentais (pp. 161, S Cruz; pp.76, Santos Justo):
O ius romanum é formado, em primeiro lugar, pelo ius civile, posteriormente, apareceu
o ius honorarium, que foi absorvido e concretizado pelo ius praetorium.
A expressão “fontes de direito” é uma metáfora e é “tudo aquilo que está aberto ou que

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se pode abrir para sair direito” (segundo Cícero).
Pode-se distinguir dois tipos de fontes de direito: fontes de ius civile (constituído por
leis, plebiscitos, senatusconsultos, constituições imperiais e jurisprudência) e fontes de
ius praetorium (resultava do direito elaborado e introduzido pelos pretores para
interpretar, corrigir e integrar o ius civile por motivo (razão) da utilidade pública).

Título II – Fontes do Ius Civile (pp.199, S. Cruz; pp. 77 Santos Justo):


a) Noções fundamentais:

b) Espécies de fontes (pp.163, S. Cruz; pp.77, Santos Justo):


Com fins didácticos, é possível falar-se de fontes de direito em vários sentidos; na
sequência de Gaius, refere-se as:
1) Fons exsistendi: são os órgãos que produzem as normas jurídicas. Assim, são fontes
exsistendi: o populus (povo), comitia (comício), concilia plebis (conselho da plebe),
senatus (senado), alguns magistrados, o imperador e os jurisprudentes.
2) Fons manifestandi: são os modos de formação das normas jurídicas; são elas: o
costume, lex rogata, plebiscitum, senatusconsultum, edictum, constitutio imperial e o
responsum.
3) Fons cognoscendi: são os textos que contêm as normas jurídicas.
As fontes cognoscendi são as mais importantes sob certo aspecto pois a história jurídica
dum povo é a história dos seus livros jurídicos. As fontes cognoscendi podem agrupar-
se em três grandes secções:
I) Fontes provenientes do mundo romano:
Podem ser:
Justinianeias – Corpus Iuris Civilis
Jurídicas
Fontes Extra – justinianeias: constituídas por restos de obras de
provenientes juristas (Institutiones de Gai; Epitome Gai; Gaio de Autun;
do direito Res Cottidianae; Liber singularis Regularum Ulpiani;
Romano Responsa Papiniani; Fragmenta Dositheana; Scholia
Sinaitica) e colectâneas pós-clássicas (Pauli Sententiae;
Fragmenta Vaticana; Collatio Legum Mosaicarum et
Romanarum; Livro Siro-romano; Código Gregoriano,
Extra-jurídicas Hermogeniano e Teodosiano.

- Historiadores (Políbio, César, Tito Lívio, Dio Cássio, Tácito, Suetónio, etc.)
- Gramáticos e etimologistas (Varrão, Valério, Probo, Festo, etc.)
- Escritores dramáticos (Plauto, Terêncio,etc.)
- Filósofos, retóricos e oradores (Cícero, Aulo Gélio, Quintiliano, etc.)
- Padres da igreja (Arnóbio, Minúcio Félix, Lactâncio, Sto Ambrósio, Sto Agostinho; Sto
Isidoro de Sevilha, etc.)

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Fontes do Ius Civile
II) Fontes elaboradas no Ocidente, depois da queda do Império (em 476):
Compreendem:
Codex Euricianus

- Edictum Theodorici
Leges Romanae Barbarorum - Lex Romana Burgundionum
- Lex Romana Wisigothorum

III) Fontes elaboradas no Oriente, depois do “Corpus Iuris Civilis”:


As principais são:
- Escólios de Anónimo;
- Paráfrase Grega de Teófilo;
- Écloga de Leão Isâurico;
- Obras de Basílio Macedónico: Os Basílicos;
- Várias sinopses dos Basílicos (sécs. XI-XIII);
- Vários manuais de direito (por exemplo: Hexabiblos)

c) Costume: mores maiorum, consuetudo e usus (pp.169, S. Cruz; pp.78, Santos Justo):
O costume, pela ordem do tempo e pela importância, é a primeira fonte manifestandi. A
sua fonte existendi é o populus. O Ius Romanum principiou por ser consuetudinário, ou
seja, um direito cuja fonte única, de início, era o costume. O conceito de costume para
os romanos, segundo muitos autores é divergente. Nas fontes jurídicas e nas fontes
extra-jurídicas romanas, aparecem três palavras para indicar, a ideia de costume: usus,
consuetudo e mores maiorum:

Usus: poucas vezes é empregada no sentido de verdadeira fonte de direito. O seu


emprego é frequentemente como «hábito de agir, sem que isso constitua propriamente
uma obrigação ou até um simples dever».

Consuetudo: é uma palavra que surge na terminologia jurídica muito depois da


expressão de «mores maiorum», para traduzir a ideia de costume. É destinada
exclusivamente a designar o costume no sentido moderno, isto é, «a observância
constante e uniforme duma regra de conduta pelos membros duma comunidade social,
com a convicção da sua obrigatoriedade, quer dizer, de que isso corresponde a uma
necessidade jurídica».

Mores maiorum: é uma expressão antiquíssima, a primeira usada para exprimir a ideia
de costume, e significa essencialmente «a tradição duma comprovada moralidade»;
uma tradição inveterada que se impunha aos cidadãos como norma e como fonte de
normas, nas suas relações recíprocas, limitando o exercício de cada um sobre a
superfície da terra romana, ou seja, uma regra distribuidora. Portanto, quando se fala de
mores maiorum, não se deve pensar num direito que nasce espontaneamente do tacitus
consensus populi (fundamenta a lei e o costume; tinham ambos o mesmo valor), visto
que para os romanos os princípios novos derivaram dos antigos (mores maiorum);
estavam ali contidos, bastava descobri-los. Competia aos juristas revelar os mores

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maiorum.

d) Lei (pp. 199, S. Cruz; pp.80, Santos Justo):


A lei (lex) é uma declaração solene com valor normativo, feita pelo populus romanus
que, reunido nos comícios, aprova a proposta que o magistrado apresenta e o Senado
confirma. Há um acordo entre os 3 órgãos constitucionais da res publica: o populus, que
vota; o magistratus, que propõe; e o Senado, que dá a sua auctoritas patrum.
A lex pode ser:
1. Rogata – é proposta pelo magistrado à assembleia comicial a que preside. Depois de
aprovada, deve ser referendada pelo Senado que lhe concede a auctoritas patrum;
2. Data – é dada por um magistrado, no uso de faculdades delegadas pelos comitia e
contém normas de carácter administrativo. Com as leges datae estabelece-se o regime
municipal.
Há lex pública e lex privada (convenção que acompanha e se propõe disciplinar um
acordo entre particulares). Das lex pública, a mais importante é a lex rogatae; que tem
um processo de formação específico:
- Promulgatio: afixação do projecto em local público para ser conhecido;
- Conciones: reuniões na praça pública para discussão desse projecto;
- rogatio: pedido que o magistrado dirige à assembleia comicial a que preside, para
aprovar o projecto da lei;
- Votação: inicialmente, oral, depois por voto escrito e secreto;
- Aprovação pelo senado: dá ou não a autorictas patrum;
- Afixação no Fórum: em tábuas de madeira ou de bronze.

Estruturalmente, uma lex rogata é constituída pelas seguintes partes:


1. Praescriptio: é o prefácio, onde figuram o nome do magistrado proponente, o lugar e
a data da votação, o nome da curia, centuria ou tribus que abriu a votação e do cidadão
que primeiro votou;
2. Rogatio: é o texto da lex;
3. Sanctio: fixa os termos precisos para assegurar a eficácia. Segundo uma classificação
muito discutida, as leges dividem-se em:
a) perfectae: declaram nulos os actos contrários;
b) minus quam perfectae: impõem penas aos transgressores, mas não invalidam os
actos contrários;
c) imperfectae: não estabelecem nenhuma sanção. Ignoram-se os motivos que terão
determinado estas leges e os meios que, antes da criação do pretor, as protegeram.

Esta distinção começou a decair, talvez por não haver uma diferença substancial entre as
leges que declaram nulos os actos contrários (perfectae) e as leges que o pretor protege
(imperfectae).
As leges rogatae são citadas pelo nome adjectivado do magistrado proponente; e, por
vezes, junta-se o cognome e o pré-nome. Se a proposta parte de um cônsul, figuram os
nomes dos dois colegas adjectivados e unidos. E não raro surge uma indicação sumária
do seu conteúdo.
A actividade legislativa é escassa e quase sempre incidiu sobre matérias de direito
público. Com a queda do regime republicano e a afirmação do principado, a lex rogata

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foi substituída pelos senatusconsulta.
Entretanto, a noção de lex estende-se passando a compreender não só as antigas leges
rogatae, mas também os senatusconsulta, o édito do pretor e as constituições imperiais.

d) Plebiscito (pp.83, Santos Justo):


O plebiscito (plebiscitum) é uma deliberação da plebe que, reunida em assembleia
(concilium), aprova uma proposta do tribunus plebis. Na definição de Gaius, «É o que a
plebe ordena e constitui».
Inicialmente não teve carácter vinculativo. Posteriormente, a lex Valeria Horatia de
plebiscitis (do ano 449 a.C.) atribuiu força vinculativa entre os plebeus; e no ano 287
a.C., a lex Hortensia de plebiscitis estendeu-a aos patrícios ficando, portanto,
equiparado às leis comiciais.
Em geral, o plebiscito distingue-se da lex rogata por somente conter um nome.

e) Senatusconsulto (pp. 84, Santos Justo; pp.217, S. Cruz):


Na definição de Gaius, o senatusconsulto «É o que o Senado ordena e constitui».
Durante muito tempo o Senado não exerceu a função legislativa, por isso, a sua decisão
constituía um mero parecer dado a quem o consultava: senatus consultum.
No principiado, o poder legislativo deslocou-se dos comitia para o Senado. Porém, nem
todos os senatusconsulta são fontes do direito: o Senado desempenha também funções
judiciais e financeiras; por isso, só devemos considerar os senatusconsulta que têm
conteúdo normativo. À medida que o poder do princeps se afirma, a aprovação das suas
propostas reduz-se a uma simples formalidade: o Senado aprova tudo o que o princeps
propõe.
A estrutura dos senatusconsulta é semelhante à da lex: no praefatio, figuram os nomes
do magistrado que convocou o Senado e dos senadores que intervieram na redacção, o
lugar e a data; na relatio encontram-se os motivos, a proposta e a resolução. Os
senatusconsultum podem ser designado com base em critérios diferentes: pelo conteúdo
e pelos nomes adjectivados do magistrado proponente, do princeps ou da pessoa que
deu motivo à decisão do Senado.

g) Constituição Imperial (pp.84, Santos Justo; pp. 268, S. Cruz):


A constituição (constitutio) imperial é uma lex em que se manifesta a vontade do
imperador. Segundo Gaius «é aquilo que o imperador constitui por decreto ou édito ou
epístola».
As constituições imperiais revestem as seguintes espécies:
1. Edicta: são disposições gerais do imperador no uso do seu ius edicendi;
2. Decreta: são as sentenças do imperador nos processos extra ordinem julgados em
primeira instância e em apelação. Vinculam no caso sub iudice, mas foram aplicados a
situações iguais e análogas;
3. Rescripta: são respostas a consultas jurídicas dirigidas por magistrados,
funcionários ou particulares;
4. Mandata: são instruções do imperador em matéria administrativa, sobretudo aos
governadores das províncias.
As constituições imperiais têm particular importância no desenvolvimento do Direito
Romano: contêm as bases de vários institutos e princípios que se afirmaram na época

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justinianeia e passaram ao direito moderno.

h) Jurisprudência (pp.86, Santos Justo; pp.280, S. Cruz):


A jurisprudência (iurisprudentia) é, em Roma, a ciência do Direito, cabendo-lhe a
função de revelar (interpretare), desenvolver e adaptar o direito às exigências de cada
momento; por isso, o ius civile e a interpretatio chegaram a confundir-se; e o
jurisprudente não é apenas o conhecedor, mas sobretudo o criador do direito.
Assinalaram-se à iurisprudentia as seguintes funções:
1. respondere: resolver casos práticos, através de pareceres (responsa) dados a
particulares ou a magistrados. É a função mais importante.
2. Cavere: aconselhar os particulares sobre como deviam realizar os seus negócios
jurídicos (as palavras a proferir, as cláusulas a introduzir, etc.);
3. Agere: aconselhar os particulares em matéria processual (a fórmula a utilizar, as
palavras a proferir, os prazos a respeitar, etc.).
A jurisprudência não procura a verdade absoluta nem a sua actividade tem carácter
abstracto: preocupa-se com a determinação do justo e do injusto, segundo a consciência
social que juridicamente representa; por isso, os jurisprudentes vivem a realidade
prática, compreendem as suas necessidades e procura a solução justa. A jurisprudência
clássica é denominada por duas escolas famosas: uma fundada por Labeo, denominada
de Proculeiana (Proculus, seu sucessor) e outra por Capito, denominada de Sabiniana
(Sabinus foi o seu sucessor).
A partir do século IV, a iurisprudentia está em plena decadência: acentua-se a confusão
(de terminologia, de conceitos, de instituições e até de textos) que deu origem ao Direito
Romano Vulgar, no Ocidente.

i) Lei das XII Tábuas (pp.175, S. Cruz):


A lei é, na ordem do tempo, a segunda fonte manifestandi. Em sensu stricto, são as leis
votadas no comício; em sensu lato, provinha da actividade do senado, imperador e de
certos magistrados.
A lei, no início de Roma, era uma lex rogata, isto é, uma norma aprovada pelo povo
(nos comícios populares), sob a proposta dum magistrado.
A Lei das XII Tábuas é já uma verdadeira lei pois foi votada e aprovada pelos comícios.
Antes da Lei das XII Tábuas existiam outras leis:
Leges regiae ou Lei de Papirianum – constituída por leis votadas nos comícios das
cúrias sob a proposta dos reis, e essa colectânea teria sido elaborada por um jurista
chamado de Papirius. Em virtude de todas estas circunstâncias, tais normas são
denominadas: «leges regiae», porque teriam sido votadas sob proposta dos reis; «Ius
Papirianum», porque se trata de uma colectânea elaborada por Papirius.
Segundo a tradição, foi elaborada em Roma do ano 451 a 459 a.C. por um organismo
especial constituído para esse fim (comissão de dez homens); depois aprovadas nos
comícios das centúrias, afixadas publicamente no fórum e finalmente publicadas em
doze tábuas de madeira. Daí a sua designação, lei das XII Tábuas. Em 451 a.C., redigiu-
se 10 tábuas ou capítulos de leis, que foram aprovadas pelos comícios das centúrias.
Como essas dez tábuas não eram suficientes, foi constituído no ano seguinte (450 a.C.)
uma nova comissão (formada por patrícios e plebeus) para que se terminasse o código.
Eles elaboraram as duas tábuas restantes, mas governaram com profundo desagrado do
povo que não aprovou nos comícios as duas últimas tábuas.
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No ano 449 a.C., foram eleitos pelo povo, os dois cônsules, Valério e Horácio. Estes
mandaram afixar no Fórum as XII Tábuas. Portanto, não só as 10 que tinham sido
aprovadas pelo povo mas também as 2, que não tinham sido aprovadas.
As doze tábuas foram destruídas num incêndio de Roma quando da invasão dos
Gauleses 390 a.C..
Razoes para se apontar a data de 450 a.C. como data da elaboração das XII
Tábuas:
 Linguagem utilizada (havia arcaísmos jurídicos que existiam em 450 a.C.;
 As soluções que a lei releva/preconiza são muito rudes/muito violentas;
 Algumas disposições revelam que foi publicada nesta data;
Da Lei das XII Tábuas só se conhece 1/3 do conteúdo da lei. O texto foi reconstruído
com base em outras obras extra-jurídicas posteriores e tem sido objecto de estudo pela
crítica.
A Lei das XII Tábuas encontra-se dividida em 12 tábuas e cada uma subdividida em
fragmentos ou leis. Foi redigida em forma lacónica imperativa de modo a ser mais
facilmente decorada.
As tábuas estão divididas do seguinte modo:
I – III: tratam do processo civil;
IV e V: família e sucessões;
VI: refere-se a negócios jurídicos mais importantes;
VII – XII: direito penal
A Lei das XII tábuas é a lei mais importante da antiguidade, foi com base nela que se
desenvolveu todas as normas jurídicas posteriores. Esteve em vigor até ao Corpus Iuris
Civilis.

Título III: Fontes do “Ius Praetorium” (pp. 297, S. Cruz):


O pretor é o intérprete da lex, mas sobretudo o defensor do ius e da justiça,
interpretando o ius civil e, integrando as suas lacunas e corrigindo as suas aplicações
injustas.
O ius honorarium é todo o Ius Romanum não civile, introduzido pelos éditos de certos
magistrados (pretor urbano e peregrino, edis curuis e governadores das províncias). É
um direito próprio dos magistrados, criado pelos magistrados, enquanto o ius civile,
deriva do populus, dos comícios, do senado, do princeps e dos jurisprudentes.
► Éditos dos magistrados – é um programa das actividades a realizar durante o tempo
da sua magistratura, afixado publicamente no seu início. O ius praetorium, é uma parte
do ius honorarium, tão grande que simboliza todo o ius honorarium, por isso fala-se
indistintamente de ius honorarium ou praetorium. O ius praetorium consubstancializa
todo o ius honorarium. O Ius praetorium ou o ius honorarium completa o ius civile, não
derrogando-o.

● Fases da actividade do pretor: A sua actividade comporta três fases:


- 1ª Fase (séc. IV – meados séc. III a.C.)
A função do pretor era administrar a justiça, fundada no ius civile, a sua actividade é
essencialmente interpretativa.
- 2ª Fase (desde fins séc. III a.C. a 130 a.C.)
O pretor, baseando-se no imperium (poder de soberania, a que os cidadãos não podiam

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se opor), usa expedientes próprios para criar direito (ius praetorium), mas de forma
indirecta
- 3ª Fase ( a partir de 130 a.C.)
A partir da lex Aebutia de formulis, o pretor, baseado na sua iurisdictio (poder
específico de administrar justiça dum modo normal), mediante expediente adequado,
cria também direito (ius praetorium) e agora duma forma directa (por via processual). E
assim que vários casos não previstos pelos ius civile, o pretor concede uma actio
própria, por isso denominada actio praetoria. E como em direito Romano ter actio é ter
ius, o pretor concedo actio, cria directamente ius.

a) Expedientes do pretor baseados no seu « Imperium » (pp. 302, S. Cruz):


Os expedientes do pretor baseados no seu imperium, para bem interpretar e corrigir o
ius civile são:
 Stipulationes praetoriae
 Restituitiones in integrum
 missiones in possessiones;
 interdicta

Stipulationes praetoriae – é uma stipulatio como outra qualquer, que tem de específico
o facto de ser imposta pelo pretor (daí praetoria), a fim de proteger uma situação social
não prevista pelo ius civile e que merecia protecção.
I – Noção de stipulatio
É um negócio jurídico tipicamente obrigacional, por isso, destinado essencialmente a
criar obrigações.
A stipulatio consiste estruturalmente numa pergunta:
spondes mihi dare centum (feita pelo credor - « o stipulator»),
e numa resposta – spondeo (dada pelo devedor («o promissor»).
Esta pergunta e esta resposta unem-se de tal maneira que não formam uma pergunta -
resposta, mas «geram» algo totalmente novo: a obrigação. Por isso os romanos
chamavam à stipulatio « conceptio verborum »

Características da « Stipulatio » :
● solene – feito com a invocação e a presença espiritual dos Deuses, empregando-se a
palavra “spondeo” (usada primitivamente nas promessas feitas a deuses).
● formal – tinha uma forma jurídica, era realizado entre presentes, porque tinha de ser
usada uma fórmula própria, «sacramental» - spondeo mihi dare certum ?
spondeo (bastava a substituição ou alteração de uma palavra para o negócio ficar nulo.
● verbal - oral - Devia empregar-se palavras, não escritas, mas orais; é um negócio
verbal (verbis contrahere). (Não pode efectuar-se uma stipulatio, a não ser que ambas as
partes falem e estejam presentes.
● Abstracto – É um negócio jurídico, em que se prescinde da sua causa jurídica.
O « Stipulator » diz - prometes dar-me cem ? - e o Promissor responde - «prometo».
Mas nem um nem outro se refere se é em virtude de um empréstimo ou duma compra e
venda ou dum aluguer ou duma doação. Não se fala da causa jurídica desse negócio, ao
efectuar-se esse negócio.

Restituiones in integrum – É um expediente do pretor para obter um efeito contrário


32
ao das stipulationes praetoriae.
Há um negócio jurídico, injusto mas válido, perante o ius civile, que origina uma
situação, protegida por conseguinte pelo ius civile e que não o merece. Imaginemos uma
stipulatio formalmente bem feita, mas realizada sob coação grave.

O Pretor, baseado no seu imperium (poder de soberania a que ninguém ousa opor-se) –
decretando uma missio in possessionem ou até uma manus iniectio consegue
desvincular as partes. Aqui, nas restitutiones in integrum, ele, de início, ordena que as
partes se desvinculem. Numa palavra, «desfaçam» a stipulatio efectuada.
Conceito de «restitutio in integrum»:
«Restitutio» - deriva de restituere que procede de re+stature (= repor no lugar ou estado
anterior). «In integrum» - Por inteiro, integralmente, de novo – como estava antes.
Portanto, segundo uma definição nominal, restitutio in integrum (também designada
«integri restitutio») consiste no resultado de colocar as coisas no seu lugar, como
consequência de se considerar inexistente o negócio jurídico que originou tal situação;
voltar tudo à situação anterior à celebração desse negócio jurídico.
Definição real (conceito) – Restitutio in integrum ou integri restitutio é um expediente
do pretor, baseado no seu «imperium», a considerar como inexistente um negócio
jurídico injusto mas válido perante o «ius civile», fundamentando-se (o pretor) em
circunstâncias de facto para tomar essa disposição.

Espécies de restutiones in integrum:


• Ob metum, que era concedida a favor daquele que celebrou o negócio jurídico
sob coacção grave;

• Ob dolum, concedida àquele que realizou um negócio jurídico em virtude de


dolo, quer dizer, porque foi enganado;

• Ob errorem, concedida ao que efectuou um negócio jurídico em virtude dum


erro desculpável, isto é, porque se equivocou, sem que esse equívoco deva
considerar-se indesculpável;

• Ob aetatem, era concedido aos menores de 25 anos relativamente aos negócios


jurídicos – realizados por eles próprios ou pelos seus representantes – que fossem
lesivos, em si mesmos, dos interesses desses menores;

• Ob fraudem creditorum («restitutio in integrum» por causa da fraude causada a


credores). Este expediente era concedido pelo pretor a favor dum credor contra o
devedor, mas sobretudo contra o directo adquirente dos bens do devedor, por este
os ter alienado para defraudar o credor. Além de fraude ao credor, e isto em
primeiro lugar, exigia também, mas em segundo lugar, má fé (quer dizer,
conhecimento da fraude que esse negócio originava para o credor), tanto da parte
do devedor alienante como do directo adquirente.

Para se compreender a restitutio in integrum ob fraudem creditorum, é preciso atender


bem a três coisas: Dolo, Fraude e Má fé:

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a) Dolo («Dolus») o termo não é unívoco. Tem vários significados, mesmo só em
Direito Romano, notemos apenas duas: 1 - Num sentido amplo, significa a intenção má
de prejudicar outrem, isto é, não só a vontade de realizar o acto mas também a
consciência de que esse acto é lesivo dos direitos ou interesses de outrem; O dolo como
vício de vontade, «Dolus bonus» e «dolus malus»; 2 - O dolo, como vício de vontade,
são os artifícios empregados para que outrem se mantenha num certo erro e manifeste a
sua vontade num determinado sentido, que, a saber a verdade, ou não manifestaria
qualquer vontade ou então manifestaria em sentido diferente.

b) Fraude («Fraus») É um prejuízo doloso. Portanto na fraude há dois elementos:


prejuízo (ou dano) e dolo (ou vontade e consciência de prejudicar).

c) Má fé («male fides» ) significa aqui «consciência da fraude», isto é, no caso concreto


da restitutio in integrum ob fraudem creditorum, conhecimento bem consciencializado
da fraude (prejuízo doloso) causada ao credor. Boa fé «bona fides», no caso sub iudice,
será, pois, a ignorância da fraude causada ao credor. Aponta-se duas observações:
1. A Boa fé não consiste na ignorância do empobrecimento do devedor. Em Direito
Romano pode haver empobrecimento do devedor e nem sequer existir fraude.
2. Para existir boa fé, basta a verificação da ignorância de um dos elementos da
fraude causada ao credor. Há boa fé:
a) – se há conhecimento do prejuízo ou dano causado ao credor, mas ignorância de
existência de dolo;
b) – se há ignorância do prejuízo ou dano causado ao credor, embora exista um
certo conhecimento de dolo.
Missiones in possessionem – (embargo de bens) é um meio de coação, justa, de que
dispõe o pretor. O pretor ordena fazer determinado acto ou desfazer determinado
negócio. Esse ordenar do pretor está sempre protegido pela ameaça duma «missio in
possessionem», dum embargo de bens.

► Conceito de «Missiones in possessionem»:


A missio in possessionem é uma ordem dada pelo pretor, baseada no seu imperium,
autorizando alguém a apoderar-se, durante certo tempo, de bens de outrem, com poderes
de administração e de fruição.
Espécies :
 Missio in rem, se recaía sobre uma coisa determinada ou sobre um conjunto
determinado de bens;
 Missio in bona, se incidia sobre o património duma pessoa ou sobre um conjunto
indeterminado de bens.

Modalidades de «missiones in possessionem» quanto à finalidade:


• «Missio in possessionem rei servandae gratia» se se trata de procurar unicamente
a conservação preventiva desse bem ou bens.

• «Missio in possessionem ex secundo decreto» se o pretor já tinha ordenado


alguma coisa e o destinatário dessa ordem dada pelo pretor não tinha cumprido;
então o pretor força-o a cumprir, decretando-lhe uma «missio in possessionem» -

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(apreensão de bens).

• Missio in possessionem executionis» é o modo ordinário de executar as


«confessiones in iure», e as sentenças – se os responsáveis não cumpriram
voluntariamente – ordenando uma «missio in Bona» sobre todo o património do
confessus ou do condemnatus.

Interdicta (interditos): Um interdictum (interdito) era uma ordem sumária, dada pelo
pretor baseada no seu «imperium», para resolver de momento uma situação que tem a
protegê-la pelo menos uma aparência jurídica, ficando porém essa ordem condicionada
a uma possível apreciação ulterior.
O interdictum era concedido ou a pedido dum interessado ou em caso de interesse
público, a pedido de qualquer cidadão, e denominavam-se «interdicta populares».
Os interdicta eram redigidos em termos imperativos.
Espécies de «interdicta»: Em virtude das expressões imperativas usadas nas fórmulas
dos vários interditos, estes podiam ser exibitórios, restituitórios e proibitórios:
▪ Exibitórios – se a ordem do pretor se destinava a que alguém apresentasse ou
mostrasse, exibisse uma coisa.
▪ Restituitórios – se a sua finalidade era ordenar a devolução, a restituição duma coisa.
▪ Proibitórios – se se destinam a impedir (proibir) que alguém fosse perturbado no gozo
dum direito que está desfrutando pacificamente.
► Entre as várias aplicações dos «interdicta», estão os relativos à posse - «interdictos
possessórios»: são expedientes do pretor destinados a proteger a posse, pois o «ius
civile» não lhe concedia protecção jurídica. Não formam uma espécie à parte de
interditos. Os interditos constituem uma das várias aplicações dos interditos.
» Classes de interditos possessórios:
1-retinendae possessórios (são proibitórios)
2-recuperandae possessionis (são restitutórios)

1- Interdicta retinendae possessionis (interditos para reter a posse) – Estes interditos têm
por objecto obter o reconhecimento da posse, no caso der perturbação ou incómodo por
parte de terceiros. Só se aplicam aos que estiverem a desfrutar uma posse pacífica, isto
é, obtida não por violência, nem clandestinidade, nem a título precário, quer dizer, por
favor. Os Interdicta retinendae possessórios podem ser «uti possidetis e utrubi»:
▪ Uti possidetis: eram interditos proibitórios concedidos para a defesa da posse de coisas
móveis. Podia ser concedido:
I – ao proprietário civil, isto é, aquele que tinha adquirido a (propriedade da) coisa por
um negócio jurídico, válido à face do ius civile; geralmente através da mancipatio.
II – ao proprietário natural – o que tinha adquirido uma coisa sem ser através de um
negócio jurídico, válido à face do ius civile; algo semelhante como hoje, comprar um
imóvel, pagar e não fazer escritura pública;
III – ao precarista – o que possui a título precário, mas só no caso de ser perturbado na
sua posse por alguém, diferente do dono da coisa, pois este tinha contra o precarista.
«interdicta recuperandae possessionis de precário»,
IV – ao credor de um penhor sobre coisa imóvel.
▪ Interdicta utrubi – eram interditos proibitórios concedidos para a defesa da posse de

35
coisas móveis. Podia ser concedido:
I – ao presumível possuidor.
II – ao sequester – pessoa imparcial, a quem se confiava em depósito uma coisa, sobre
que existia litigio, até se discutir em juízo e determinar a sua propriedade.
III – ao credor de um penhor sobre coisa móvel.
2- Interdicta recuperandae possessionis: (interditos para recuperar a posse) Estes
interditos possessórios são restitutórios. Destinam-se a recuperar a posse; de alguma
forma perdida, pelo menos momentaneamente pelos seguintes factos:
- ou porque alguém entregou, por favor, uma coisa a outrem, por certo tempo, e este
agora recusa-se a devolvê-la, e então para o obrigar a restituir há o «interdictum
recuperandae possessionis de precário»;
- ou porque alguém, que tinha obtido a posse de uma coisa, de uma forma normal, foi
privado dela pela violência, então contra quem se apoderou à força existe o interdictum
recuperandae possessionis unde vi»;
- ou, finalmente, porque alguém, embora tendo obtido a posse pela violência, foi, depois
esbulhado pela força armada, existe contra ele (que usou homens armados para expulsar
o outro que tinha conseguido a posse pela força simples) – o interdictum recuperandae
possessionis vi armata

b) Expedientes do Pretor, a partir de 130 a.C., baseados na sua iurisdictio (pp.


332, S. Cruz):
O sistema jurídico romano primitivo de processar, que durou até cerca do ano 130 a.C.
como forma única, denominava-se «sistema das leges actiones» (acções da lei). Quer
dizer que as actuações processuais tinham de se acomodar rigorosamente aos prescritos
nas leges. Caracterizavam-se as leges actiones sobretudo por serem orais.
O processo romano estava dividido em duas fases: in iure e apud iudicem; o pretor
presidia a fase in iure. A sua posição no processo, segundo o sistema das leges actiones
– que se caracterizava, pois, de um modo especial, por ser um processo todo oral – era
simples e apagada: Conceder ou não conceder a actio.
Por conseguinte, até a lex Aebutia de formulis só há actiones civilis, isto é, baseadas no
ius civile. Por isso, também são designadas «actiones in ius (civile) conceptae»
A lex Aebutia de formulis, aproximadamente do ano 130 a.C. - desconhece-se a data
precisa, mas não deve ser anterior a 149 a.C. nem posterior a 126 a.C. – introduziu uma
nova forma de processar (agere per formulas).
Característica: era um processo escrito. O sistema de agere per formulas, a princípio
existia a par do sistema das leges actiones. Mais tarde por força de uma lex Iulia, de
Augusto, acabou por ser praticamente o único. As leges actiones desapareceram,
excepto para algum tipo especial de processar que não se adaptou ao novo regime.
O agere per formulas é o sistema próprio da época clássica, e é o que dá carácter ao
direito romano dessa época. Tendo as formulas uma redacção especial adaptada para
cada tipo de reclamação, a tipicidade processual determina a tipicidade do próprio
direito, já que este consiste essencialmente, como temos dito tantas vezes, numa actio. E
Agora, segundo este novo sistema de processar, ter uma actio equivalente e concretiza-
se em ter uma fórmula.
Fórmula processual – é uma ordem por escrito, dada pelo pretor ao juiz, para
condenar ou absolver, conforme se demonstrasse ou não determinado facto.

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A fórmula tem várias partes:.
1- Intentio: indica o estado da questão, a pretensão do
Partes ordinárias demandante (quem reclama);
2- Condemnatio: cláusula que manda condenar ou absolver o
demandado.
1- Demonstratio: se a intentio é incerta;
Partes eventuais 2- Adjudicatio: se a actio é divisória, ou se se trata de uma coisa
comum, objecto de discussão.
1- Exceptio: cláusula concedida directamente a favor do
Partes demandante;
extraordinárias 2- Praescriptio: cláusula concedida directamente a favor do
demandante.
Posição do pretor, depois da lex Aebutia de formulis (nova forma de processar), ara
além de subtrair ou colocar sob acção do ius civile, como já procedia até 130 a.C.,
também – sempre que a justiça ou a equidade assim o exigissem:
1 – a de neutralizar a actio civilis (ou recusando a concessão de actio [«denegatio
actionis»] ou inutilizando a sua eficácia concedendo uma «exceptio».
2 – a de criar actiones próprias
Desta forma, o pretor passou a integrar e a corrigir directamente o ius civile por via
processual.

Os novos expedientes do pretor, criados por via processual (lex Aebutia de formulis),
não vieram substituir os expedientes baseados no «imperium».
1- Para neutralizar uma «actio civilis», cuja aplicação redundaria numa injustiça, o
pretor tem à sua disposição, além duma «restitutio in integrum»:
• Uma denegatio actionis, se ele nega a concessão da actio civilis, pois verifica
nitidamente que essa concessão, embora prevista pelo ius civile, em determinado
caso concreto, seria uma evidente injustiça;

• Uma exceptio, pela qual se frustra a actio civilis, que ele mesmo concedeu. É uma
cláusula concedida directamente a favor do demandado, que inutiliza a pretensão
do demandante.
Desta forma, o pretor passou a integrar e a corrigir directamente o «ius civile» por
via processual.

2- Actiones praetoriae: o pretor, depois da lex Aebutia de formulis, cria ius


directamente – aqui, é que se fala, com todo o rigor, de «ius praetorium», pois cria
actiones próprias; a actio e ius identificam-se.
As actiones praetoriae contrapõem-se a actiones civilis ou actiones in ius (civile)
conceptae, das quais se distinguem:
• Actiones in factum conceptae – o pretor, vendo que determinada situação social
(factum) merece protecção jurídica e não a tem do ius civile, concede uma actio
baseada nesse facto, para que se faça justiça.
• Actiones ficticiae – se o pretor para aplicar a justiça, finge como existente uma
coisa ou um facto que se sabe não existir, ou finge como não existente uma coisa ou

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um facto ou até um negócio que se sabe que existe.
• Actiones Utiles – se o pretor aplica, por analogia, actiones civilis a casos
diferentes, mas semelhantes, dos que o ius civile protege; aqui, há lógica, por
semelhança.
• Actiones adiecticiae qualitatis – são actiones que responsabilizam também o
«paterfamilias», total ou parcialmente, pelas dívidas de um seu filius ou servus,
provenientes de contratos celebrados por estes alieni iuris.

c) O “Edictum” do pretor (pp. 339, S. Cruz):


A missão do pretor era administrar a justiça nas causas civis. Exercia essa missão
através duma tríplice actividade: a de interpretar, de integrar, de corrigir.
Toda esta actividade era sempre orientada por aqueles grandes princípios jurídicos:
• o de não abusar dos seus poderes (honeste vivere)
• o de não prejudicar ninguém (alterum non laedere)
• o de atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere)
A sua tríplice actividade era motivada sempre pela razão suprema da utilidade pública.
No desempenho da sua actividade, procedia conscientemente com rectidão.
Não agia arbitrariamente; tanto que a sua actividade podia ser sempre controlada.
Além disso, se um pretor, na administração da justiça, cometesse voluntariamente uma
arbitrariamente prejudicando ou favorecendo injustamente alguém, comprometeria
fatalmente a sua promoção no cursus honorum
Para desempenhar a sua tríplice actividade, o pretor utilizava certos expedientes, que de
início, baseava-se no seu imperium, e mais tarde, baseando-se também na sua iurisdictio

Formas utilizadas pelo pretor, nas concessões dos seus expedientes: «decreta» e
«edicta»: O pretor podia utilizar duas formas:
• ou o decretum (decreto), quando resolvia imperativamente te um caso particular;
• ou o edictum (édicto), quando anunciava ao público, com a devida antecedência, a
concessão de certos expedientes integrada num programa geral das suas actividades. A
forma normal, era através de éditos (edicta), pois, deste modo, o público sabia,
antecipadamente e de certeza, todas as hipóteses previstas pelos ius civilis ou pelo
pretor, nas quais este prometia ou não protecção jurídica. O «ius praetorium» nem
sequer aparentemente podia ser considerado arbitrário ou incerto; pelo contrário, a todos
inspirava confiança.

Forma interna do «edictum» do pretor:


O pretor tinha o ius edicendi (faculdade de fazer comunicações ao povo), Inicialmente
essas comunicações eram orais, feitas perante as assembleias do populus, ou as reuniões
do vulgus na forma de in contione, em voz alta. Essas comunicações denominavam-se
«edicta».
O «edictum» do pretor era, pois, uma comunicação para anunciar ao público as atitudes
que tomaria e os actos que praticaria, no exercício das suas funções (era o seu programa
de acção). Desde muito cedo, os edicta do pretor eram comunicações escritas (e não
apenas orais) gravadas em letras negras sobre tábuas pintadas de branco em que os
vários assuntos eram encimados por epígrafes ou títulos escritos a vermelho, para
sobressaírem no conjunto do texto. Daqui a designação de títulos ou rubricas.

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Os edicta do pretor eram afixados publicamente no «fórum» para que, sem dificuldade,
pudessem ser lidos, rectamente, terminavam sempre com a sigla, q.s.s.s., que significa
quae supra sunt scripta (é uma forma de mostrar que o édito é escrito). A princípio, o
pretor, não estava vinculado às disposições contidas no seu «edictum», pois o respectivo
conteúdo, para ele, era matéria arbitrária; mas, na prática, respeitava sempre as
promessas feitas, porque era até o mais interessado nisso, para não comprometer o êxito
do «ius praetorium». O seu comportamento estava bem controlado. Todavia, no ano 67
a.C., a «lex Cornélia» de «edictis praetorum» impôs ao pretor a vinculação ao seu
próprio edicta.
♦ Os edicta podiam ser:
• perpétua ou anual, os que eram dados pelo pretor, no início da sua magistratura,
contendo os vários critérios que seguiria, no exercício das suas funções durante esse
ano. Eram afixados no fórum, nas calendas de Janeiro.
• Repentina surgem, como actos do imperium do pretor, proferidos em qualquer altura
do ano, para resolver situações novas, surgidas inesperadamente, e que nem o «ius
civile» e nem o «edictum perpetuum» (anual) solucionavam.
• Tralaticia, os que permanecem iguais de um ano para o outro, como que trespassando
do pretor anterior para o sucessor.
• Nova são as disposições que o pretor, de determinado ano, acrescenta por sua
iniciativa.
Codificação dos «edicta» do pretor: O chamado “Edictum Perpetuum”:
Até à época de Labeo, há bastantes edicta nova; o carácter «tralatício» dos edictos
converte-se em fenómeno geral: não há necessidade de grandes inovações a fazer pelo
pretor; por outro lado, também dificilmente as poderia fazer, pois ele, como todos os
magistrados, está muito subordinado ao imperador. Assim, a decisão de Adriano (117-
138) foi de mandar codificar todos os edictos para serem fixados ordenada e
definitivamente num só, não constituiu um facto verdadeiramente novo ou estranho. O
imperador encarregou esse trabalho ao jurista Salvius Iulianus que levou cerca de dois
anos a efectuá-lo. Concluído e confirmado pelo senado que lhe estabeleceu
imutabilidade; foi publicado à volta do ano 130 d.C.; desde o séc. IV, é designado por
«Edictum Perpetuum» (ordenação definitiva dos edictos). Agora a palavra perpetuum
tem o significado de definitivo, não já de anual, como primitivamente. A existência do
«Edictum Perpetuum» ou «Ordinatum», de Iulianus, é atestada por várias fontes
(jurídicas e não jurídicas) e é admitido pelos autores, excepto por António Guarino.
Após a sua fixação em 130, o pretor quase se limitava a publicar, todos os anos, o
Edictum Perpetuum ou Ordinatum. Deste modo, o edictum perdeu a sua importância
como fonte autónoma para se converter quase num texto legal. Embora continue a ser
«ius praetorium» a verdade é que as alterações são dadas, não já pelo pretor, mas pelos
jurisprudentes, que escreveram sobre ele largos comentários, e sobretudo pelo
imperador, que principiava a concentrar nas suas mãos todas as fontes do direito.

Título IV – Período Romano na Penín. Ibérica: (pp. 67-98, Hist. Dto Português):
O direito existente na Península antes da romanização, é chamado de Direito primitivo
ou Ibérico.
A característica mais importante a evindenciar é que a Península não oferecia uma
unidade étnica, linguística, cultural, religiosa, política, económica ou jurídica; constituía

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um conjunto muito diversificado.
Existe uma reconstituição muito fragmentária e insegura das instituições dessa época; as
fontes disponíveis também são muito escassas: restos epígraficos e arqueológicos e
também dados que se recolhem nas obras de escritores da Antiguidade. Muitas das
inscrições encontradas, além de redigidas em latim e grego, também estão escritas em
línguas desconhecidas. Além disso, muitas das obras abordam temas sem a mínima
conexão com o direito; outras, fornecem esclarecimentos importantes sobre as
instituições jurídicas dos primitivos povos peninsulares. Povos anteriores à conquista
romana: pode se mencionar os povos autóctones e as colonizações estrangeiras que
ocupavam a Península Ibérica no séc. III a. C., antes da dominação romana.
Os povos autóctones: As multiplicidades étnicas dos primitivos povos peninsulares
tiveram diferenças culturais e de desenvolvimento económico. Alguns deles limitavam-
se a uma reduzida produção agrícola, e outros, além de uma economia agrária próspera,
também tiveram actividades industriais e mineiras, assim como intercâmbios mercantis
(era do seu conhecimento já, o uso da moeda).
Não obstante da grande variedade de raças, torna-se possível reconduzir os povos que
habitavam a Península, no tempo da conquista romana, a cinco grupos fundamentais:
Tartéssios, Iberos, Celtas, Celtiberos e Franco-Pirenaicos. Deve salientar-se que
cada um destes grupos étnicos se subdividia em vários povos:
1) Tartéssios: eram considerados o povo mais culto e adiantado da Península.
Encontravam-se estabelecidos ao Sul, aproximadamente na região delimitada
pelo rio Guadiana. Destacam-se entre eles, os Turdetanos, que ocupavam a bacia
do baixo Guadalquivir.
2) Iberos: encontravam se na orla oriental, expandindo-se no interior, na região da
Catalunha e Aragão. Pertencia a esta raça os Cantabros e os Cantábricos, fixados
nas montanhas das Astúrias e Santander.
3) Celtas: ocupavam o Noroeste e sudoeste (Minho e Galiza actuais) e ao sul do rio
Tejo. A noroeste tomavam o nome de Galaicos que abarcava os Lucenses e os
Bracarenses.
4) Celtiberos: resultaram de uma fusão ou mescla dos Iberos e dos Celtas. Trata-se
de um dos grupos mais importantes da Península; neles incluía-se os Lusitanos,
situados entre os rios Douro e Tejo.
5) Franco-Pirenáicos: Localizavam-se no extremo norte da Península (regiões de
Navarra e Vascongadas). Este grupo teve uma considerável expansão cultural.
Destacam-se os Vasconsos, que se situavam na actual Pamplona.

Colonizações estrangeiras: Apontam-se correntemente viagens marítimas e contactos


remotos com povos europeus e norte-africanos. Os colonizadores que mais contribuíram
para o progresso cultural e económico dos povos indígenas foram os Fenícios, os
Gregos e os Cartagineses:
1) Fenícios: Caracterizam-se como um povo de comerciantes e navegadores da Ásia
Menor que, nos sécs. IX e VIII a. C., conseguiram alcançar a hegemonia
mercantil do Mediterrâneo. Estabeleceram várias colónias e feitorias ao longo da
costa africana, de entre as quais, Cartago. Ele vieram até a Península, fixando-se
na costa meridional, fundando Cádiz e outras cidades. A presença dos fenícios na
Península entrou em fase regressiva durante o séc. VII a.C..

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2) Gregos: Os seus primeiros contactos com a Península recuam ao séc. VII a.C..
Também vieram movidos por objectivos comerciais. Criaram algumas colónias
na Andaluzia oriental e expandiram-se, depois, para o norte, ao longo da costa,
com a ocupação das ilhas Baleares e a fundação de Marselha. Em meados do séc.
VII a.C., Marselha passou a constituir o centro de onde irradiou toda a
colonização dos gregos no Mediterrâneo.
3) Cartagineses: Cartágo, antiga colónia fenícia, tornou-se uma das mais fortes e
ricas cidades da época, que procurava disputar com os gregos a supremacia
política e económica no Mediterrâneo ocidental. As relações comerciais dos
cartagineses com a Península vinham de longe. Ja no séc. VI a.C., se
estabeleceram em Ibiza. Após a destruição de Tiro, foram os continuadores dos
fenícios, mostrando-se interessados em manter o domínio sobre as colónias que
estes tinham fundado na Hispânia. A cidade de Cartagena (Nova Cartágo) foi o
seu pólo de irradiação. É importante notar que os cartagineses têm uma diferença
relativamente aos Fenícios e aos gregos que sempre se centraram na costa
mediterrânica. Os cartagineses tiveram uma verdadeira conquista territorial e
penetraram nas zonas interiores, criando lutas com povos indígenas e colónias
gregas. Sabe-se que a II Guerra Púnica interrompeu o domínio dos Cartagineses.

Antes dos romanos: Existiam inúmeros Estados, inclusive dentro do mesmo grupo
étnico, com dimensões mais ou menos reduzidas. Neles adoptaram-se modelos diversos
de organização interna em que se reflectia o grau de evolução política e algumas
possíveis influências dos povos colonizadores. Discute-se sobre se a unidade estadual
seria constituída pela tribo ou pela cidade; mas pode dizer-se que não havia um modelo
uniforme: o estado-tribo (de natureza territorial, prevaleceu entre os Celtas e Celtiberos)
e o Estado-cidade (correspondendo à pólis típica da antiguidade mediterrânica). Estas
unidades políticas eram integradas por clãs ou gentilidades e por grupos locais ou
povoados.
Haviam dois tipos de regimes políticos: Monarquias (que podiam ser vitalícias ou
hereditárias) e as repúblicas (de feição aristocrática); e existiam duas assembleias: de
tipo aristocrático e assembleia popular (composta por todos os homens livres da
comunidade).
- Confederações de Tribos: A realidade era a coexistência de vários grupos mais ou
menos isolados e autónomos, tanto economicamente como também do aspecto
político e ético-jurídico. Assim, existiam confederações de tribos quando, por
exemplo, surgisse um invasor estrangeiro que pusesse em risco a segurança da tribo;
as confederações tinham carácter transitório e objectivos político-militares.
- Classes sociais: distiguiam-se os homens livres dos servus ou escravos. Os escravos
eram considerados coisas e, como tal, objectos de direitos; e podiam pertencer a
particulares ou a comunidades políticas. Os homens livres tinham personalidade
jurídica; entre eles, destacam-se os nobres (classe privilegiada que agrupava os mais
poderosos, cujo poder provinha da linhagem, riqueza, força militar ou do
desempenho de cargos públicos); nos homens livres, também avulta a maioria da
população livre que estava numa posição inferior, com uma condição social e
económica que variava muito de caso para caso. Com as dificuldades da vida, os
mais inferiores encontravam amparo nos poderosos com quem tinham uma relação

41
de clientela ( vínculo em que o patrono dava protecção económica e pessoal ao
cliente que se obrigava a ser fiel e submisso ao patrono). Os clientes tinham a sua
liberdade pessoal limitada resultante da relação de clientela. Havia também a devotio
(devoto), uma variante da clientela militar que tinha aspecto religioso, onde se fazia
um voto a uma divindade, a qual o cliente atribuía a sua vida ao patrono. Se o
patrono morresse, o cliente tinha que se suicidar; isto era explicado no facto da
divindade não ter aceite o voto e por isso, a vida dele era um acto ilícito.
- Direito penínsular pré-romano: além da falta de elementos que permitam a
reconstituição histórica, também se sabe que não existiu um único direito que
vigorasse uniformemente em todo o território, mas sim vários ordenamentos
jurídicos. Também é manifesto que os direitos primitivos prolongaram a sua
vigência para além da romanização, admitindo-se a persistência, durante séculos, de
instituições e princípios de raiz pré-romana, na época medieval.
- Direito dos povos autóctones:
a) fontes de direito: o direito primitivo tinha exclusiva e predominantemente natureza
consuetudinária no território peninsular. O costume eram as normas jurídicas que
surgiram pela prática reiterada das mesmas condutas, perante os vários problemas
e situações sociais, acompanhadas da convicção ou consciência da sua
obrigatoriedade. Sobressaem os pactos: de aliança ( pactos de hospitabilidade com
os romanos) e pactos de hospitabilidade (uma comunidade concedia a outra a
equiparação de direitos e, por vezes, estabelecia-se normas jurídicas para as
regular).
b) Instituições jurídicas: à falta de fontes históricas imediatas, junta-se a escassez das
fontes imediatas ou indirectas. Há dois tipos de métodos para suprir a falta de
elementos: comparativo e o das sobrevivências. O método comparativo serve a
reconstituição das instituições de uma determinada comunidade primitiva a partir
de dados conhecidos de outra que apresenta desenvolvimento análogo, mercê das
identidades étnicas, das condições de vida ou das ciscunstâncias culturais, sociais e
económicas; mas essas conclusões apenas se poderão aceitar em termos
aproximativos e prudentes,pois a analogia entre as sociedades comparadas nunca se
apresenta absoluta. O método das sobrevivências consiste em procurar o
conhecimento de uma certa época através da pesquisa dos vestígios que dela se
encontram nas épocas posteriores. Tem sido aplicado ao estudo do direito dos
primitivos povos peninsulares, a partir do sistema jurídico da Reconquista. É de
notar que este método é muito precário.

- Direito dos povos colonizadores: Os fenícios e os gregos fundaram importantes


colónias e o seu direito era consuetudinário; já os cartagineses levaram a ocupação até
as regiões interiores e neles existia uma dualidade: os povos colonizados mantinham o
seu direito primitivo e os cartagineses organizavam e regulavam-se pelo direito
cartaginês.

 A conquista da Península Ibérica pelos romanos fez-se por duas fases: uma primeira,
fase de conquista com a finalidade dupla de subjulgar os povos locais, expulsar os
cartagineses e extrair o máximo de riqueza das regiões anexadas; termina em 19 a.C.
com o domínio da Cantábria e Astúrias. A segunda, fase da romanização, consistiu no

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progressivo conhecimento e assimilação, pelos povos autóctones, das formas de vida,
cultura e do direito romanos; no entanto, nesta segunda fase, os romanos nao
abandonaram as preocupações económicas e militares.
A conquista da Península Ibérica durou dois séculos:
- 218 a.C., II Guerra Púnica, quando os romanos desembarcaram na Catalunha;
- 212 a.C., os romanos foram derrotados pelos cartagineses;
- 209 a.C., a reconquista inicia-se;
- 202 a.C., fim da II Guerra Púnica: os romanos expulsam definitivamente os
cartagineses;
- 137 a.C., os Lusitanos foram subjulgados (Morre Viriato e sucede-lhe Sertório, que é
assassinado em 72 a.C.;
- Entre 29 e 19 a.C., depois de quase toda a Península conquistada, faltava a Cantábria e
as Astúrias,que acabam por ser vencidas por Augusto.

Deve-se considerar a romanização da Península como um processo de dois elementos:


1) Assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos pelos povos autóctones
2) Romanização jurídica:
a)Concessão da Latinidade aos habitantes da Península (em 73/74 d.C.)
b)Concessão da cidadania romana (212 d.C.)

1) Assimilação lenta da cultura e da civilização dos Romanos pelos povos autóctones:


factores que permitiram a assimilação da cultura romana:
- Acção das legiões romanas: os militares romanos estabeleciam acampamentos perto
das cidades penínsulares, desenvolvendo relações mercantis e muitas vezes os
autóctones eram chamados a prestar serviços, assimilando, deste modo, a língua e
hábitos dos invasores;
- Acção dos funcionários administrativos e dos colonos: Vinham de Roma atraídos
pelas riquezas Penínsulares. A sua presença representou um veículo de
romanização dos dos povos locais;
- Abertura de estradas: o comércio entre Romanos e penínsulares aumentou e foi
necessário uma rede de estradas que facilitasse o transporte das mercadorias e a
livre circulação dos comerciantes. Na abertura de estradas além dos objectivos
militares, somou se vantagens económicas e políticas;
- Superioridade da técnica romana: pela abertura de estradas, construção de pontes e
viadutos, agricultura, indústria e exploração mineira, os povos autóctones foram
tendo contacto com a técnica romana;
- Desenvolvimento do regime municipal: os romanos desenvolveram sistemas de
organização municipal que, mais tarde foram extendidos às povoações indígenas;
- Culto religioso: os romanos e os povos indígenas eram unificados pelas divindades
greco-latinas; sucede lhe o culto ao imperador, iniciado por Augusto e, mais tarde
aparece o Cristianismo, proclamando relações fraternas para além da raça.

2) Romanização jurídica:
Operou mediante as duas providências: concessão da latinidade e da cidadania:
a) Concessão da latinidade:

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No ano de 73/74, o imperador Vespasiano outorgou o direito latino ou latinidade (ius
latii) aos habitantes da Hispânia. Em Roma, as pessoas livres classificavam-se pelo
Direito Romano em cidadãos, peregrinos e latinos: O cidadão tinha capacidade jurídica
plena no ius civile; podia contrair matrimónio (ius connubii); podia celebrar negócios
jurídicos de conteúdo patrimonial (ius commercii); podiam votar nos comícios (ius
sufragii); tinham o direito de aceder as magistraturas do Estado (ius honorum) e tinham
a faculdade de alistamento no exército (ius militae). Os peregrinos, antes de subjulgados
eram considerados “hostes”, estrangeiros ou inimigos; depois de submetidos, era lhe
reconhecido a liberdade pessoal e a faculdade de se regerem pelos seus direitos
nacionais; podiam-se também submeter às normas do ius gentium, quer nas relações
entre si, quer nas relações com os cidadãos romanos. Numa posição intermédia estavam
os latinos. Eles subdividiam-se em latinos antigos, latinos coloniais ou coloniários e
ainda latinos junianos. Os latinos antigos eram os primitivos habitantes do Lácio e
outras cidades equiparadas. Tinham o ius connubii, o ius commercii e ainda o ius
sufragii. Se estabelecessem residência definitiva em Roma, adquiriam automaticamente
a cidadania romana. Os latinos coloniais eram os habitantes das províncias a quem a
latinidade fora concedida como privilégio. Gozavam de ius sufragii e ius commercii.
Gaio faz uma distinção entre latinidade maior (em que um latino acede à categoria de
cidadão se fizesse parte do senado local ou cúria) e latinidade menor (era dada a
cidadania romana se exercesse alguma magistratura local). Os latinos junianos
provinham da Lex Iunia Norbana (19 d.C.) que integrava nesta categoria os escravos
que alcançassem a liberdade, mas sem cidadania.
Os povos penínsulares adquiriram a situação jurídica de latinos coloniais: tinham o ius
sufragii, o ius commercii em matéria de obrigações ou direitos de crédito, direitos reais
e direitos sucessórios, podendo litigar perantes os trinunais romanos; nao gozavam do
ius connubii, devendo, nesta matéria, regular se pelo seu direito tradicional.
b) Concessão da cidadania: A cidadania ia-se estendendo a um grande número de
penínsulares pela prestação de serviço no exército e pela ajuda na acção política e
administrativa de Roma. Em 212 d.C, Caracala estendeu a cidadania romana a todos
os habitantes do Império, de condição livre.

 Fontes de Direito romano relativas à península:


Estudos arqueológicos permitem concluir que a Península Hispânica se revela bastantes
rica em inscrições romanas, nomeadamente leis relativas à fundação de colónias e de
municípios. Com alguma importância, há as chamadas tábuas de Aljustrel (trata-se de 2
tábuas de bronze que diz respeito à organização administrativa da região mineira de
Vipasca, seguindo o modelo comum a todas as minas do fisco imperial, com normas
relativas à exploração do solo, sob aspectos jurídico e técnico; também se refere ao
sistema de concessão das ditas minas, que nao eram de emploradas directamente pelo
fisco).
Há também notícia de diversas fontes de direito romano sobre a península, como éditos
e decretos de magistrados, senatusconsultos e constituições imperiais.
 Direito vigente na Península ao tempo das invasões germânicas. O direito romano
vulgar:
Há uma grande falta de fontes históricas; o conhecimento do direito romano geral
aplicado à Península e do direito romano-hispânico é reduzido. Antes das invasões

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germânicas, o sistema jurídico hispânico estava longe da perfeição do direito romano
clássico, vigorando o chamado direito romano vulgar. Essa vulgarização do direito
romano levantava problemas: delimitação dos seus contornos; diferenciação entre o
direito pós-clássico e o direito vulgar; saber o que constituía o direito vulgar.
Muitos factores estão na base do direito romano vulgar, porém pode-se reconduzir a
dois parâmetros básicos: a descaracterização do sistema romano clássico e a persistência
ou revitalização de direitos locais ou regionais. Também a decadência do Império no
séc. III, as instituições romanas vigentes nas províncias foram deixadas, a falta de
cultura jurídica dos povos das províncias e a falta de jurisconsultos especializados, as
obras do direito clássico foram abandonadas e substituídas pelos seus comentários,
resumos ou antalogias, a simplificação verificada na redução dos princípios e dos
institutos foram mais alguns dos factores de emergência do direito romano vulgar.
O direito romano vulgar tornou possível contornar o direito romano às novas situações,
facilitando o encontro com o direito germânico e a continuidade de elementos do direito
romano nos séculos posteriores.

2ª Parte: Relação Jurídica


Título I: Noções fundamentais (pp.105, Santos Justo):
- Personalidade e Capacidade Jurídica:
A personalidade jurídica é a possibilidade ou a susceptibilidade de ser sujeito de
direitos e obrigações; pertence a todo o homem, pelo facto de o ser. É um conceito
qualitativo, pois nada nos diz se uma pessoa tem muitos ou poucos direitos: «sabemos
apenas que os pode ter».
À personalidade jurídica é inerente a capacidade jurídica que consiste na «aptidão para
ser titular de um círculo, com mais ou menos restrições, de relações jurídicas».
Esta capacidade jurídica (também denominada capacidade de gozo de direitos) não se
confunde com a capacidade de agir (ou capacidade de exercício de direito) que é a
«aptidão de um sujeito jurídico para produzir efeitos de direito por mera actuação
pessoal; para exercitar actividade jurídica própria; para praticar, por si próprio ou
através dum representante voluntário, actos jurídicos»; é um conceito quantitativo.
Em Roma, nem todos os homens gozavam de personalidade jurídica e de capacidade (de
gozo e de agir) e dependia de três condições: ser livre (status libertatis), cidadão (status
civitatis) e sui iuris (status familiae). Os romanos não possuíam definições técnicas para
estes conceitos, no entanto há vocábulos que ajudam a entendê-los:
- Capax: expressa a aptidão de um homem para participar em determinadas relações das
quais pode obter um benefício ou uma sanção;
- Caput: significa cabeça; indivíduo que pode ser livre ou escravo; num texto de
Justiniano aparece com o significado de capacidade jurídica;
- Capitis diminutio: refere a mudança jurídica dum indivíduo;
- persona: etimologicamente significa máscara; expressa a ideia de homem dotado ou
não de capacidade jurídica (pode ser um homem livre ou um escravo).

Título II – Pessoa física (pp. 107, Santos Justo):


1. Nascimento:
A personalidade jurídica começa com o nascimento, que deve obedecer aos seguintes
requisitos:

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a) Separação completa do corpo da mãe;
b) Vida própria: o ser humano deve nascer vivo;
c) Forma humana: quem nasceu deve ter forma e natureza humana. Os monstros, os
prodígios e quem sofre de simples deformidades não gozam de personalidade jurídica.

Não basta, porém, que o nascimento tenha as características assinaladas para que o
nascido goze de personalidade e de capacidade jurídicas. O Direito Romano exige ainda
outros requisitos.

2. Capacidade Jurídica:
2.1 Preliminares
Durante muito tempo, só o paterfamilias (por ser livre, cidadão e independente) teve
capacidade jurídica de gozo e de agir. Mais tarde, foi reconhecida a estrangeiros,
embora limitada aos seus direitos nacionais e no âmbito do ius gentium.
Em 212, a constitutio Antoniniana estendeu a cidadania a todos os homens livres do
Império Romano que, em consequência, adquiriram a capacidade de gozo de direitos.
A capacidade jurídica de gozo nem sempre coincide com a capacidade de agir. Assim, o
infans (criança) pode ter um património se for independente, mas não pode por si só,
adquirir direitos e contrair obrigações; para intervir no comércio jurídico precisa de uma
pessoa (tutor) que o proteja. Por outro lado, pode alguém ter capacidade de agir e não
possuir capacidade de gozo: o servus pode realizar negócios jurídicos, mas os seus
efeitos produzem-se na esfera patrimonial do dominus.

2.2 Status Libertatis:


2.2.1 Cidadãos Romanos:
2.2.1.1 Ingénuos:
Ingénuos são os cidadãos romanos que nascem e vivem livres, sem nunca terem sido
escravos. Nos primeiros tempos de Roma, era a pessoa que pertencia a uma gens.
Durante a República, passou a significar uma pessoa que nasceu livre e é filha de pais
que foram sempre livres. Nos finais de República, é a pessoa que nasceu livre e nunca
se tornou escrava, contrapondo-se ao liberto. E no Império, significa a pessoa que
nasceu e vive livre; e aquela que, tendo nascido escrava, adquiriu esse status por decisão
do imperador (restitutio natalium). O direito justinianeu considera ingénuo quem nasceu
livre, quer de matrimónio de dois ingénuos, de dois libertos ou de ingénuo e liberta (e
de ingénua e liberto). É também ingénuo o filho de mãe livre e de pai escravo ou
incerto. Não importa que a mãe tenha sido escrava na concepção e se adquiriu a
liberdade no momento do nascimento; e igualmente se considera ingénuo quem nasceu
de mãe escrava, mas livre no momento da concepção ou apenas durante algum tempo da
gestação. Os ingénuos encontram-se numa posição jurídica superior aos libertos: não
podem ocupar determinados cargos públicos; e o seu voto nos comitia tem um valor
reduzido. A estas limitações de direito público acrescem outras de direito privado.

2.2.1.2 Liberto (libertum):


Liberto é o escravo a quem foi concedida a liberdade e se encontra numa relação de
dependência ao seu antigo dominus, agora denominado patronus.
Embora tenha adquirido a liberdade (status libertatis), participe, em regra, da cidadania

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romana (status civitatis) e tenha uma situação familiar (status familiae), não fica
plenamente equiparado ao ingénuo. Além destas limitações, vive numa relação de
dependência (direito de patronato) que se traduz em vários deveres:
a) De reverentia (obsequium ou honor): deve respeitar o seu patrono, como se fosse
seu pater;
b) De operante: deve prestar determinados serviços ao patrono, como administrar bens,
cuidar dos filhos, realizar trabalhos manuais, etc.;
c) De bona: é a obrigação recíproca de prestar alimentos, no caso de necessidade.

A concessão da liberdade (manumissio) cria uma espécie de vínculo de filiação do


liberto ao patrono que se torna seu tutor. Se o liberto não deixar herdeiros agnados, o
patrono adquire um direito de sucessão legítima, mesmo contra o testamento.
Este direito sucessório é tutelado pela actio Fabiana e pela actio Calvisiana que revogam
qualquer acto realizado em fraude ao patrono. O direito de patronato é transmissível aos
descendentes do patrono (sejam ou não herdeiros), mas não atinge os filhos do liberto,
porque já se consideram ingénuos. Em contrapartida, o patrono deve proteger o liberto,
assistir e defendê-lo em juízo e não deve acusá-lo de delito capital (delito que resulta na
perda de cidadania) nem demandá-lo injustamente com a actio ingrati.
Justianiano reordenou o regime de patronato e reconheceu a validade da declaração de o
manumitente renunciar ao seu direito. O liberto adquire a ingenuidade através de
decreto do imperador (natalium restitutio) com o consentimento do patrono. E adquire-a
também quando o imperador concede o anel dos cavaleiros, embora não se extinga a
relação de patronato. Justiniano concedeu o anel de cavaleiros a todos os libertos em
consequência da virtude que é a liberdade.

2.2.2 Estrangeiros (peregrinus):


Estrangeiro é o homem que vive dentro do mundo romano, mas não é cidadão (civis),
nem latino (latinus).
Em sentido amplo, tanto pode ser um indivíduo de uma comunidade política que não
tem, com Roma, nenhuma relação internacional e não é protegido pelo Direito Romano,
como pode ser também um membro duma comunidade política com relações
internacionais com Roma. São considerados livres, conservam as suas leis e a sua
organização política e podem realizar determinados actos jurídicos com a população
romana; gozam do ius commercii e, limitadamente, do ius conubii. Não lhes é
reconhecida a capacidade testamentária passiva nem podem utilizar o processo das legis
actiones para demandarem judicialmente. No entanto, mais tarde foram protegidos pelo
pretor com actiones do ius civile, em que fingiam serem cidadãos romanos.
Em 242 a.C., foi criado um órgão jurisdicional denominado de pretor peregrino que
administrava a justiça entre peregrinos e entre romanos e peregrinos.
Os peregrini podem ser dediticii: são os indivíduos que se renderam incondicionalmente
(deditio) a Roma. Não podem viver em Roma nem num raio de cem milhas da civitas.
A sua situação jurídica não é uniforme: há quem conserve a sua liberdade, sendo em
regra tributado com um imposto especial; e quem seja vendido como escravo.
Muito próxima dos peregrini dediticii é a situação de libertos que sofreram, durante a
escravatura, penas infamantes. Trata-se dos dediticii Aeliani que não tem acesso à
cidadania romana. As suas relações são regidas por normas do ius gentium, como

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peregrini que não deixaram de ser. A constitutio Antoniniana não eliminou a categoria
dos dediticii.

2.2.3 Escravos:
2.2.3.1 Situação jurídica:
O Direito Romano distingue os homens em livres e escravos. Escravo é o homem que,
segundo o direito positivo, não goza de liberdade e tem como função servir um homem
livre. No início da República, as grandes explorações agrícolas e industriais converteram
os escravos em instrumentos de trabalho: o escravo entrou na categoria da res. O status
jurídico dos escravos não conheceu a homogeneidade no Direito Romano: consoante a
situação, assim eram considerados ora coisas (res) ora homens (homines) ora pessoas
(personae):
I – O escravo coisa (res):
A jurisprudência romana considera os escravos simples elementos patrimoniais,
classificando-os entre as coisas sujeitas ao regime dos direitos patrimoniais: a
propriedade, o usufruto, o penhor, a posse, etc.
São res mancipi como os fundi itálicos, as servidões rústicas e os animais de tiro e de
carga. Não gozam de personalidade jurídica e não se lhes reconhece a capacidade de
gozo de direitos que nela se apoia. Não são pessoas, mas coisas. Um dominus tem sobre
os seus escravos o mesmo poder que o direito reconhece ao proprietário duma coisa
vulgar. Privado de capacidade jurídica substancial, também não goza de capacidade
processual: enquanto coisa, um escravo não pode ser parte num processo judicial para
demandar e ser demandado.
II – O escravo homem (homo):
Se o escravo é juridicamente uma coisa, não deixa também de ser homem: um ser
dotado de inteligência, capaz de agir, de negociar, de constituir relações familiares.
O direito recusou à união sexual entre os escravos. A natureza humana cedo impôs
limites ao direito de vida e de morte que os dominos chegaram a ter sobre os seus
escravos.
A lex Petronia (de 191 d.C.) proibiu que o dominus a entregasse o escravo; a concessão
da liberdade ao escravo doente abandonado; a responsabilidade do dominus que, sem
razão, assassinou o seu escravo, punível como se este fosse alheio; a proibição do
comércio de escravos para fins imorais. É ainda por ser homem, portanto dotado de
inteligência e de capacidade para exprimir uma vontade, que os escravos podem praticar
determinados actos jurídicos de cujos efeitos, no entanto, só o dominus colhe vantagens,
tornando-se credor, proprietário ou titular de outros direitos. Os escravos têm
capacidade negocial.
Os escravos contraíam obrigações naturais que, se não podiam ser-lhes judicialmente
exigidas, impediam a repetitio (a faculdade de pedir a restituição do que
voluntariamente tivessem pago). A capacidade negocial, gerou o costume da concessão
de peculia: pequenos patrimónios autónomos que, sendo juridicamente propriedade do
dominus, pertencem de facto ao escravo. A sua protecção é confiada ao sentimento de
reprovação social contra o dominus que, invocando o seu dominium, prive o escravo
desses bens, a maioria das vezes adquiridos à custa do seu trabalho. E para demandar os
devedores do peculium se o dominus não quiser ou puder, o pretor concede ao escravo a
actio correspondente ao negócio realizado, com a ficção como se o escravo fosse um

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homem livre.
Só a circunstância de os escravos serem homens explica a tutela das suas vida e honra:
na época clássica, o dominus podia pedir a condenação do homicida na pena de morte
ou na reparação do dano aquiliano; o estupro duma escrava era punido com a actio
iniuriarum ou com a actio legis Aquiliae; e o acusador dum escravo absolvido era
condenado, a favor do dominus, no dobro do preço do escravo.
Na condenação destes delicta subjaz a dupla dimensão dos escravos: a jurídica, de res; e
a natural, de homo. Enquanto res, justifica-se o ressarcimento dos danos patrimoniais
sofridos pelo dominus; como homo, explicam-se o delito capital e a actio iniuriarum
que era infamante.

III – O escravo pessoa (persona):


A personalidade dos escravos revela-se claramente nas relações religiosas e funerárias;
participavam nos actos de culto (público e familiar) em igualdade com os homens
livres; podiam obrigar-se por voto, embora com autorização do dominus; vinculavam-se
religiosamente, através de juramento; participavam em associações de escopo funerário
ou de culto; o sepulcro era considerado um local religioso e, portanto, extra
commercium; tinham honras funerárias; etc. Chegavam a receber um tratamento
privilegiado, como no banquete preparado pela matrona depois de regressar das Nonae
Caprotinae: os homens livres só comiam depois de terem servido os seus escravos.
A partir do Cristianismo acentuou-se a consideração religiosa do escravo como persona.
Proclamava-se a plena igualdade dos homens, embora a escravatura não fosse
eliminada. A personalidade jurídica dos escravos surge inequivocamente reconhecida no
direito criminal: que por se entender que a inteligência e a consciência dos seus actos
exigiam que o servus prestasse contas à sociedade; quer porque a repressão penal terá
sido inspirada, nos primeiros tempos, em princípios religiosos; quer por o escravo gozar
de capacidade de sofrer, bem cedo foi reconhecida a capacidade de cometer direitos
públicos, puníveis com penas públicas, as mais das vezes sem carácter pecuniário.
Insustentável seria que, não revestindo natureza patrimonial, por essas sanções tivesse
que responder o corpus domini; por isso, mais se justificava que à capacidade de sofrer
dos escravos correspondesse a capacidade penal substancial e processual.
Os escravos não podiam recorrer das sentenças; o homem livre podia ser vergastado,
mas o escravo era chicoteado; à condenação daquele em trabalhos nas minas
correspondia a flagelação e a aplicação de correntes aos escravos; o homem livre podia
ser condenado à morte em combate, enquanto o escravo era executado por machado,
etc.

2.2.3.2 Causas da escravatura:


As principais causas da escravatura são as seguintes:
1. Nascimento: inicialmente considerava-se o status da mãe no momento do parto; por
isso, era escravo, o filho de mãe escrava, ainda que o pai fosse livre. Depois, já na época
clássica, reconhece-se a liberdade ao filho de mãe escrava que foi livre no momento da
concepção.

2. Cativeiro de guerra: é a causa mais importante. Segundo o ius gentium, são escravos
quer os romanos aprisionados pelos inimigos, quer estes por aqueles. Porém, o ius

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civile, só considera servi iustii os estrangeiros capturados; o cativo romano perde a
libertas, mas não se torna servus iustus. Os estrangeiros prisioneiros de Roma tornam-se
propriedade do Estado que pode destiná-los a serviços públicos, vendê-los a particulares
ou cedê-los a soldados. Mas o romano capturado pelo inimigo não é considerado
escravo, a sua personalidade jurídica cessaria e perderia todos os seus direitos. O
cativeiro só extingue as relações de facto como o matrimónio e a posse que não se
podem interromper. As relações jurídicas ficam suspensas; por isso, se o cativo
regressasse a Roma ou a uma cidade aliada, podia readquirir a liberdade e é integrado
em todos os seus direitos por efeito do postliminium. É necessário que o cativeiro seja
determinado por guerra pois a reintegração não se aplica a indivíduos capturados por
piratas ou ladrões, nem nos casos de guerra-civil ou de sublevação e aos desertores,
traidores e trânsfugas.
A consideração da morte durante a escravatura implica a perda da liberdade que
determina a negação da capacidade testamentária activa: os cativos não podem testar e o
testamento feito anteriormente é inválido. A lex Cornelia (81 a.C.) determinou que a
morte dever-se-ia considerar no momento em que caiu prisioneiro, isto é, quando ainda
era livre, salvando com esta ficção a validade dos testamentos.

3. Condenação penal: caíam na escravatura os condenados a certas penas graves.


Sucedia com os condenados à morte e a trabalhos forçados nas minas.

4. Disposição legal: inicialmente, incorria na escravatura quem não pagasse impostos,


eludisse o serviço militar e o censo, desertasse do exército, ofendesse o ius gentium,
cometesse furtum manifestum e não pagasse aos credores. Na época clássica, também o
homem livre maior de 25 anos que se fizesse vender como escravo; e a mulher livre que
mantivesse relações concubinárias com um escravo depois de três intimações do
dominus para as cessar.

2.2.3.3 Extinção da escravatura:


A escravatura extingue-se por:
I – Manumissio: é um acto voluntário do dominus, por virtude do qual o escravo sai da
sua dominica potestas e torna-se livre e cidadão romano. Reveste uma importância
significativa no âmbito do direito público, porque o liberto converte-se em civis
romanus. Segundo o ius civile, a manumissio podia revestir várias formas:
a) Manumissio vindicta: é um processo fingido que obedece ao ritual da in iure
cessio. Perante o magistrado, comparecem o dominus, o escravo e um terceiro. Este toca
o servus com uma varinha e afirma solenemente que é um homem livre. Pela não
contestação do dominus, o magistrado confirma a declaração. Mais tarde, a manumissio
tornou-se possível em qualquer lugar onde se encontrasse o magistrado sem qualquer
solenidade;

b) Manumissio censu: consiste na inscrição do escravo, com o consentimento do


dominus, na lista do recenseamento dos cidadãos;

c) Manumissio testamento: é uma declaração de libertação feita pelo dominus num


testamento ou num codicilo confirmado em testamento. Podia fazer-se de modo:

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1) Directo: com palavras imperativas, o testador concede a liberdade imediatamente
após a aceitação da herança e o escravo torna-se liberto do defunto;
2) Indirecto: o testador solicita ao herdeiro, legatário ou fideicomissário que conceda a
liberdade a um escravo determinado. O destinatário do pedido fica obrigado a
manumitir o escravo que pode pertencer ao testador, ao obrigado e mesmo a um
terceiro. Feita a manumissio, o escravo torna-se liberto do manumissor. Se o obrigado
não cumpre a sua obrigação de manumitir, o escravo torna-se livre se o testador assim
tiver disposto.
A manumissio testamentária pode ser feita a termo ou sob condição. Nestes casos, o
escravo manumitido pode adquirir a liberdade verificado o termo ou cumprindo a
condição a quem quer que o tenha adquirido ou recebido em penhor. A eficácia da
manumissio depende de duas condições: ser o manumissor titular do domínio; e ser
realizada numa das formas previstas pelo ius civile.
A manumissio feita pelo proprietário bonitário não produz efeitos. Porém, o pretor não
deixou de proteger o escravo, recusando ao dominus a actio para o reivindicar. Nas
manumissiones sem as formalidades impostas pelo ius civile, os escravos eram
protegidos pelo pretor; são as denominadas manumissiones menores ou irregulares,
compreendem várias modalidades:
a) Manumissio inter amicos: é a declaração de libertação feita na presença de
testemunhas;
b) Manumissio per epistilam: é a libertação por carta dirigida ao escravo;
c) Manumissio per mensam: ocorre, quando, a convite do dominus, o escravo se senta à
sua mesa.

Às formas clássicas de manumitir, juntaram-se outras na época pós-clássica:


- A dação em matrimónio duma escrava a um homem livre, funcionando a concessão da
liberdade como dote;
- A inscrição inter acta de um escravo como seu filho;
- A entrega ou destruição de documentos que mostrem a condição de escravo;
- A manumissio denominada in ecclesia: declaração de liberdade feita pelo dominus na
Igreja, na presença das autoridades eclesiásticas e do povo cristão.

II – Disposição legal: é a libertação concedida pelo Estado romano. Destaca-se:


- A declaração de liberdade feita por um magistrado a escravos, como retribuição de
condutas beneméritas;
- A concessão da liberdade ao escravo vendido com a condição de o comprador o
manumitir dentro de certo tempo e não cumpre;
- A liberdade dada a uma escrava vendida com a cláusula de não ser prostituída e o
comprador não respeita a condição;
- A concessão da liberdade ao escravo abandonado sobre grave enfermidade pelo seu
dono; e ao escravo que, de boa fé, tivesse vivido durante vinte anos na condição de
livre.

Desaparecido o dualismo existente entre o ius civile e o ius praetorium, no direito


justinianeu todas as formas de manumissio determinam a aquisição da liberdade e da
cidadania.

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2.2.3.4 Restrições à liberdade de manumitir:
Augusto limitou a liberdade de manumitir, implicando o exercício do poder de
disposição duma res.
O luxo, a ostentação e os ganhos arrecadados pelo trabalho dos libertos sem capacidade
testamentária fizeram engrossar o número de cidadãos romanos; as suas condutas nem
sempre cívicas; a diversificada origem étnica e o perigo do seu predomínio político
aconselhavam uma política protectora da romanidade:
- No ano 2, a lex Fufia Caninia ordenou que as manumissiones testamentárias se
fizessem nominatim e fixou limites: o dominus de 3 escravos só podia manumitir 2; o
de 3 a 10, podia manumitir metade; o que tivesse entre 11 e 30, uma terça parte; o
dominus de 31 a 100 escravos, um quarto; o que tivesse entre 101 e 500 só podia
manumitir um quinto.
- No ano 4, a lex Aelia Sentia determinou que o manumissor devia ter, pelo menos, 20
anos e o escravo não menos de 30, excepto se houvesse uma causa justa reconhecida por
um consilium e a manumissio revestisse a forma de vindicta; são nulas as
manumissiones em fraude aos credores; e os escravos delinquentes manumitidos não
adquirem a cidadania nem a latinidade, mas a condição de peregrini dediticii.
O direito justinianeu introduziu algumas alterações:
 Conservou o requisito da iusta causa nas manumissiones não testamentárias feitas
por menores de 20 anos;
 Concedeu a faculdade de os maiores de 17 anos manumitirem por testamento;
 Dispensou a idade mínima de 30 anos dos escravos; manteve a nulidade das
manumissiones in fraudem creditorum;
 Suprimiu a condição de peregrini dediticii;
 Aboliu a lex Fufia Caninia.

2.2.4 Situações afins à escravatura:


2.2.4.1 Persona in mancipio:
É a situação em que se encontra um filius vendido ou cedido pelo pater para reparar um
delito de que foi autor (noxae deditio). O mancipio datus conserva a liberdade e a
cidadania, mas considera-se loco servi nas suas relações patrimoniais. O poder do pater
fica suspenso e renasce no momento em que o adquirente fizer cessar a sua potestas.
Esta situação pode terminar por manumissio (vindicta, censu ou testamento) e não sofre
as limitações impostas pelas leges Aelia Sentia e Fufia Caninia.
Nem sempre a venda tens fins lucrativos: também pode ser utilizada para emancipar,
adoptar ou libertar a mulher da manus marital.
Justiniano só permitiu a venda de filii no caso de extrema pobreza e sempre com a
possibilidade de o pater ou o fillius vendido recuperar o seu anterior status através do
pagamento do preço ou da entrega de outro escravo; e a noxae deditio dos filii foi
abolida.

2.2.4.2 Colonos (colonus):


O colono é um indivíduo que, embora tenha personalidade jurídica, está vinculado
permanentemente, com os seus familiares, ao fundus que trabalha e de que é
considerado membro. A origem do colonato é mal conhecida.

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O auge do colonato coincide com a decadência da escravatura, mas não deixa de ser
uma situação igualmente detestável.
O colonato é uma instituição do Baixo-Império que pretendia fixar os lavradores às
terras (sobretudo mais vastas: latifundi) para as tornar mais produtivas. O colonus é um
arrendatário hereditário e perpétuo: está incorporado ao solo com o direito de o cultivar
e a obrigação de pagar ao proprietário uma renda ordinariamente em espécie ou
dinheiro, que não deve ser alterada. Não pode alterar o cultivo do fundus nem separar-se
da terra e, se procurar fugir, incorre em prisão e na redução a escravo. Como garantia, o
colonus responde com os seus bens próprios.
Os colonos são homens livres; têm personalidade e capacidade jurídicas que lhes
permitem adquirir direitos reais, de crédito, sucessórios e contrair matrimónio com uma
pessoa livre non colona; não podem vender os seus bens sem o consentimento do
proprietário do fundus a que estão adstritos nem demandá-lo, excepto em causas
determinadas. Estão sujeitos ao poder de correcção do dominus fundi que os pode
reivindicar com uma actio in rem no caso de se afastarem.
A situação de colono podia ser determinada por:
1. Entrega voluntária ou submissão feita num contrato registado nos gesta
municipalia;
2. Nascimento de pai colono;
3. Prescrição de 30 anos: permanência durante esse tempo, vivendo como colonus;
4. Atribuição, pelo imperador, de prisioneiros bárbaros a terras públicas ou privadas;
5. Mendicidade que converte o mendigo em colonus de quem a denuncia.

O colonato extinguia-se de vários modos entre os quais:


a) Aquisição, pelo colonus, da totalidade ou de parte do fundus a que está adstrito;
b) A prescrição: vivência como não colono durante 30 ou 20 anos, respectivamente se
homem ou mulher;
c) A oferta, pelo patrono, do colonus ao exército, ao decuriato ou ao sacerdócio. Quem
atingisse a dignidade de bispo libertar-se-ia do colonato sem necessidade de obter o
consentimento do patrono;
d) A expulsão do colonus pelo proprietário do fundus a que estava adstrito.

2.2.4.3 Auctoratus:
É o homem livre que faz uma locação dos seus serviços de gladiador com um
empresário, obrigando-se, sob juramento, a lutar no circo e, sujeitando-se a morrer pelo
fogo e ferro. Conserva a liberdade e a cidadania, mas a submissão ao empresário produz
uma situação de quase escravidão que explica o delito de furtum cometido por quem se
apoderasse do auctoratus.
Esta figura desapareceu quando Constantino suprimiu as lutas dos gladidadores.

2.2.4.4 Redemptus ab hostibus:


É o cidadão que um terceiro resgatou do cativeiro através do pagamento duma quantia
pecuniária. Por efeito do ius postliminii recupera a liberdade e a cidadania, mas fica
vinculado ao resgatante por uma espécie de penhor até satisfazer o preço do resgate. No
ano 409, uma constitutio de Arcádio e Honório limitou o vinculum pignoris a cinco
anos: entendeu-se que os serviços prestados durante esse tempo compensavam o

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dinheiro pago pelo redemptor.

2.2.4.5 Addictus e nexus:


No antigo Direito Romano, é o indivíduo que, por não ter cumprido a prestação devida
ao credor, sofreu uma execução pessoal que o reduziu a um estado de quase escravidão:
o credor era autorizado a encarcerar o addictus durante 60 dias, dentro dos quais podia
ser resgatado (em 3 feiras seguidas); reduzido a escravo, sujeitava-se a ser vendido e até
morto e esquartejado. A Lei das XII Tábuas facultava aos addicti a possibilidade de
pactuarem com os credores, obtendo a libertação (ou desobrigação). Semelhante é a
situação dos nexi: devedores ou outros responsáveis que garantem, com as suas pessoas,
o pagamento de dívidas contraídas por um acto solene denominado nexum. O addictus e
o nexus não são escravos, mas a sua liberdade está limitada pela prisão no cárcere do
credor, onde se encontram ligados (obligati) à volta de um cepo ou coluna.

2.2.4.6 Homo liber bona fide serviens:


É o homem que, embora seja livre, serve, de boa fé, como escravo. Os seus actos são
regidos pelas normas da servitus; e o que adquire com o seu trabalho ou com o
património do suposto dominus reverte para este último.

Em suma:

 Status Libertatis:
a) Ingénuos
1. Cidadãos romanos b) Libertos

2. Estrangeiros (peregrinus)

3. Escravos (servus)

a) Persona in mancipio
b) Colonus
4. Situações afins à
c) Auctoratus
escravatura
d) Redemptus ab hostibus
e) Addictus e nexus
f) Homo liber bona fide serviens

2
.3 Status Civitatis:
2.3.1 Cidadãos romanos:
A cidadania é um estado (status civitatis) que interessa igualmente ao direito público e
privado: só o civis romanus pode participar nas relações que disciplinam.
Inicialmente vigorou o princípio da personalidade, por virtude do qual cada indivíduo
está sujeito ao direito da sua nacionalidade e no ano 212, Caracala concedeu a cidadania
a todos os habitantes do Império. O cidadão romano dotado de cidadania plena participa
nos direitos público e privado romanos: no direito público:
 Goza do ius suffragii (direito de voto nas assembleias);

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 Goza do ius honorum (direito de acesso a magistraturas);
 Goza do direito de servir nas legiões.

Quanto ao direito privado:


 Goza do ius commercii (direito de adquirir e transmitir a propriedade civil e de ser
sujeito, activo e passivo, de relações contratuais);
 Goza do ius conubii (direito de contrair matrimónio e de construir família com os
poderes inerentes da pátria potestas, da manus, da tutela, etc.);
 Goza a testamenti factio activa e passiva (capacidade de intervir na sucessão
hereditária como disponente, beneficiário ou testemunha);
 Goza do ius actionis (direito de demandar e ser demandado em juízo civil).

O cidadão romano tem um nome que assinala a sua privilegiada situação jurídica.
São cidadãos romanos os ingénuos e os libertos, embora os primeiros gozem duma
situação jurídica privilegiada quer no direito público quer no direito privado.

Além da manumissio, a cidadania romana adquire-se por:


1. Nascimento: é civis romanus o filho de cidadão romano casado, segundo o ius
civile, com cidadã romana, latina ou peregrina com o ius conubii. Atende-se à condição
do pai no momento da concepção. O filho de pessoas não unidas tem a condição da mãe
no momento do parto. Este regime sofreu duas alterações: primeiro, uma lex Minicia
atribuiu ao filho de um peregrino ou de um latino a condição do pai; depois, um
senatusconsulto de Adriano considerou cidadão romano o filho de latino e de cidadã
romana.
2. Disposição legal: em determinados casos, adquire-se a cidadania romana por efeito
de uma lex.
3. Poder público: a cidadania romana podia ser outorgada pelo povo ou seus
representantes (durante a República); e, depois, pelos imperadores. No séc. I a.C., a
cidadania romana foi outorgada a toda a Itália e, em 212, Caracala concedeu-a a todos
os habitantes do Império Romano.

2.3.2 Latinos:
2.3.2.1 Latini veteres (ou prisci):
São os habitantes da antiga Liga e também podem ser os membros das colónias que
fundaram. A sua condição de confederados e a pertença à mesma comunidade nacional
justificam que os latinos não sejam considerados estrangeiros embora não tenham o
status de cidadão romano.
Juridicamente é-lhes permitido o gozo do ius commercii, do ius conubii, da testamenti
factio, da possibilidade recíproca de serem tutores e pupilos e da faculdade de
demandarem nos tribunais romanos com as actiones do Direito Romano.
Quanto ao direito público, gozam do direito de voto (ius suffragii).

2.3.2.2 Latini coloniarii:


São os habitantes de colónias a que Roma atribuiu a condição de latinas e de territórios
a que foi concedido o Ius Latii. Estes latinos gozam do ius suffragii e do ius commercii;
mas não lhes é reconhecido o ius conubii com cidadãos romanos, a menos que tenha

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sido expressamente concedido.

2.3.2.3 Latini iuniani:


São os indivíduos manumitidos numa forma não prevista pelo ius civile, mas
reconhecida e protegida pelo ius praetorium. A lex Iunia Norbana (do ano 19) atribuiu-
lhes a condição de latini iuniani. Também os manumitidos sem a observância da lex
Aelia Sentia pertencem a esta condição. Esses latinos gozam do ius commercii, mas só
inter vivos. Morrem como escravos e não têm capacidade testamentária (activa e
passiva) e tão-pouco os seus bens constituem uma herança.

2.3.2.4 Acesso à cidadania romana:


Os latinos podem adquirir a cidadania romana, se transferirem o seu domicílio para
Roma e se inscreverem nas listas de recenseamento (ius migrandi). A lex Licinia Mucia
de civibus regundis (do ano 95 a.C.) substituiu o ius migrandi por um tribunal para
evitar as usurpações de cidadania.
Pode igualmente adquirir a cidadania romana quem, numa cidade latina, tenha exercido
uma magistratura (latinidade menor) ou sido decurião (membro do Senado local ou
curia) e aqui fala-se de latinidade maior.

2.4 Status familiae:


2.4.1 Preliminares:
O status familiae é a situação em que um homem livre e cidadão, se encontra em relação
a uma determinada família.

2.4.2 Persona sui iuris:


É sui iuris a pessoa que não se encontra sujeita à potestas familiar de outra. Tratando-se
de homem, denomina-se também paterfamilias, sendo indiferente que tenha ou não
descendentes, seja solteiro ou casado, criança ou adulto, porque paterfamilias não
significa progenitor, mas chefe de família. Mesmo que seja sui iuris, a mulher não pode
ser paterfamilias. Só o homem sui iuris goza de plena capacidade jurídica.

2.4.3 Persona alieni iuris:


É alieni iuris a pessoa sujeita à patria potestas ou à manus dum paterfamilias: os filhos e
filhas (próprios ou adoptados) não emancipados; os netos e netas, filhos ou filhas de
pessoas in potestate do paterfamilias; a esposa sujeita à manus do marido ou do
paterfamilias a quem o marido se encontra sujeito; e as pessoas in mancipio.
Os filiifamilias gozam de plena capacidade jurídica na esfera do direito público: gozam
de ius suffragii e ius honorum.
No âmbito do direito privado, estão sujeitos à patria potestas do paterfamilias que lhes
retira a capacidade patrimonial activa; têm ius commercii, mas tudo o que adquirirem
reverte para o património do seu paterfamilias, único titular de direitos patrimoniais no
seio da família. Também não gozam de capacidade processual activa: não podem
instaurar nenhuma actio.
Têm, no entanto, capacidade patrimonial passiva: podem obrigar-se, embora as
obrigações contraídas não lhes possam ser exigidas enquanto permanecerem alieni iuris.
Todavia, em determinadas condições o pretor concedeu aos credores a possibilidade de

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demandarem os patrerfamilias através de actiones adiecticiae qualitatis. E pelos direitos
dum filiusfamilias respondia igualmente, agora numa actio noxalis.
Os filiifamilias gozam ainda do ius conubii, segundo o ius civile. Porém, a uxor in manu
e os filii ficam sujeitos à manus e à patria potestas do seu paterfamilias.
Com o tempo, foi-lhes reconhecida a capacidade patrimonial activa. Na época imperial,
os bens adquiridos no serviço militar, tornaram-se propriedade do filiusfamilias; depois,
foi permitido que adquirissem a propriedade dos bens obtidos no desempenho dum
cargo público, no exercício da advocacia ou por concessão imperial; e finalmente foi-
lhes reconhecida a propriedade de todos os bens adquiridos, desde que não provenientes
do seu paterfamilias. No direito justinianeu só não pertencem a um filiusfamilias os
bens adquiridos no âmbito da administração dum peculium profecticium (património
que um paterfamilias confia à gestão de um filius). Justiniano aboliu também a noxae
deditio de pessoas livres e permitiu que fossem demandadas com a actio poenalis
comum.

2.5 Capitis deminutio:


2.5.1 Conceito:
A capitis deminutio é a modificação de um status que pode reflectir-se no aumento, na
diminuição e na extinção da capacidade jurídica.
É provável que a expressão capitis deminutio significasse a saída de um caput (‘cabeça
de família’) de uma dessas comunidades que ficava diminuída. Mas sustenta-se também
que traduz a morte de um indivíduo capturado ou que se rendeu ao inimigo.
Compreende três espécies: a capitis deminutio maxima, a capitis deminutio media e a
capitis deminutio minima.

2.5.2 Espécies e efeitos:


2.5.2.1 Capitis deminutio máxima:
Resulta da perda da liberdade (também da cidadania e da situação familiar), aplicável a
quem sofre uma pena servitutis; é reduzido a escravo pelo credor.
A personalidade jurídica é destruída e os direitos patrimoniais são adquiridos pelo
Estado, pelos credores ou por quem se torne dominus. Extinguem-se os direitos de
usufruto e análogos e as obrigações contratuais, mas o pretor concede ao credor uma
actio fictícia e uma missio in possessionem. Quanto ao civis romanus capturado pelo
inimigo, goza do ius postliminii: os seus direitos ficam numa situação de pendência ao
cuidado de um curador enquanto não regressar ou morrer no cativeiro. Apenas se
extinguem as relações ininterrompíveis, como a posse e o matrimónio.
2.5.2.2 Capitis deminutio media:
Deriva da perda da cidadania (e, em consequência, do status familiae), mantendo-se a
liberdade. Permanecendo livre, o capite deminutus não perde os seus direitos
patrimoniais que passam a ser disciplinados pelo direito vigente na nova cidade ou pelas
normas do ius gentium. E porque tão-pouco se extinguem as suas dívidas, o pretor
concede aos credores a posse dos bens (missio in possessionem) com a faculdade de os
alienarem para pagamento dos seus créditos. No caso de os bens serem confiscados, o
pretor concede aos credores actiones contra o Estado; e se o confisco só atingir uma
parte dos bens, o pretor dá actiones ficticiae aos credores em relação à outra parte.
A partir do ano 212 (com a concessão da cidadania romana a todos os habitantes do

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Império Romano), esta capitis deminutio perdeu o seu alcance.
No direito justinianeu só ocorre no caso de desterro.

2.5.2.3 Capitis deminutio mínima:


Tem lugar quando se verifica uma mudança no status familiae. Não envolve a perda da
liberdade nem da cidadania.
Na época clássica, produzia-se quando um paterfamilias vendia um filius; uma mulher
casava e ficava sujeita ao poder marital; um paterfamilias libertava um filius da sua
patria potestas; uma pessoa alieni iuris era adoptada como filius e um sui iuris era
adoptado por outro sui iuris. Exceptuando certos direitos patrimoniais de carácter
pessoal (como o usufruto e o direito de patronato) que se extinguem definitivamente, o
património do adrogatus e da axur in manu é adquirido pelo paterfamilias sob cuja
potestas se colocam. Todavia, porque as dívidas se extinguem iure civilis, o pretor finge
que a capitis deminutio não se produziu, concedendo aos credores actiones ficticiae
contra o adrogatus e a mulher sui iuris conventa in manum. Cumpre ao paterfamilias
defender o capite deminutus sob pena de perder o património adquirido: a sua
passividade perante a actio ficticia permite que os credores se apoderem dos bens
(missio in possessionem) com a faculdade de os venderem. No caso de emancipatio, o
filiusfamilias adquire, por efeito desta capitis deminutio, a sua plena capacidade
jurídica: torna-se sui iuris ou paterfamilias.
A capitis deminutio minima está ligada à antiga concepção romana de família: conjunto
de pessoas sujeitas ao poder de um chefe (paterfamilias). Por isso, quando a família se
transformou em consanguínea, os seus efeitos deixaram de produzir-se.

2.6 Limitações. Causas:


2.6.1 Preliminares:
Além das situações referidas como afins à escravatura, dos libertos e dos latinos, várias
causas podem modificar e mesmo extinguir a capacidade jurídica de gozo e de agir.
Referimo-nos à idade, ao sexo, à enfermidade mental, à prodigalidade, à degradação da
honra civil, à religião, à condição social e profissional e ao exercício de cargos públicos
e sacerdotais.

2.6.2 Idade:
A capacidade de agir adquire-se quando a inteligência está de tal modo desenvolvida
que temos consciência dos actos que praticamos. Os jurisconsultos romanos entendiam
que o desenvolvimento sexual e intelectual corriam paralelamente
e, por isso, para determinarem a capacidade de agir procuravam averiguar o acesso à
puberdade: este implicava o reconhecimento daquela. Os Sabinianos defendiam uma
inspectio corporis. Porém, este rigor produzia a variabilidade e, por isso, os
Proculeianos fixaram-na no momento em que o homem completava 14 anos e a mulher,
12. Esta solução foi acolhida no direito justinianeu por causa de decoro.
Entre os impuberes distinguem-se:
1. Os infantes: é infans aquele que não pode falar. Justiniano fixou a idade máxima
aos sete anos. O infans não goza de capacidade de agir e, por isso, os actos que se
referem à sua esfera patrimonial devem ser realizados pelos seus escravos ou tutor;
2. O infantia maior: é aquele que já ultrapassou a fase da infantia, mas ainda não

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atingiu a puberdade. Já tem capacidade de agir, embora limitada: o acto que pratique
é eficaz, se for proveitoso; é nulo, se lhe causar dano, a menos que intervenha a
auctoritas do tutor. Sob certos aspectos, as fontes distinguem ainda os:
a) proximi infanti: não são responsáveis em matéria delitual;
b) proximi pubertati: são responsáveis por delitos, desde que os não ignorem.

Atingida a puberdade, adquire-se a plena capacidade de agir. Porém, a lex Laetoria (ou
Plaetoria) do ano 191 a.C. estabeleceu uma série de sanções a quem, aproveitando-se da
inexperiência dos menores de 25 anos, os enganasse em negócios que, todavia, se
consideram válidos.
Excepcionalmente, os imperadores concederem aos maiores de 20 ou 18 anos, se
homens ou mulheres, a faculdade de administrarem os seus bens se fossem considerados
dignos e capazes.

2.6.3 Sexo:
No ordenamento patriarcal romano, que tem por base a potestas do paterfamilias, a
posição jurídica da mulher romana é muito inferior à do homem.
Na esfera do direito público, a mulher não participa na res publica, desempenhando
funções de carácter público: não pode exercer uma magistratura nem postulare pro aliis
perante o magistrado.
No direito privado, está sempre sujeita à potesta alheia: à patria potestas, se
filiafamilias; normalmente à manus do marido, se esposa; e à tutela perpétua, se sui
iuris. Não pode ser tutora de impúberes e adoptar filhos; testemunhar um testamento;
garantir obrigações de homens. Por efeito duma lex Voconia (do ano 169 a.C.), é
incapaz de herdar por testamento de quem tenha mais de cem mil asses; e a
iurisprudentia estendeu o antifeminismo desta lex à sucessão ab intestata, excluindo as
mulheres colocadas num grau posterior ao de irmão.
Os jurisconsultos não se preocuparam em justificar esta situação que, face à família
romana, parecia natural. Por vezes, invocaram o pudor, a pudícia e a leviandade, mas
trata-se duma razão que «Parece mais aparente do que verdadeira».
A situação evoluiu com a transformação por que passou a concepção familiar romana. A
tutela decaiu: na época clássica, as mulheres ingénuas e libertas, respectivamente mães
de três e de quatro filhos, são desobrigadas; e desapareceu provavelmente depois de
Diocleciano. Entretanto, a sua capacidade testamentária (activa e passiva) fora
reconhecida.
Na legislação cristã acentua-se a protecção da mulher: justifica a reafirmação de que os
maridos não devem satisfazer os seus credores com os bens dotais; goza duma hipoteca
tácita sobre os bens do marido, que a coloca numa situação privilegiada em relação aos
restantes credores; há a faculdade de os maridos lhes fazerem doações; de as mulheres
de má condição contraírem legítimo matrimónio, se a abandonarem.

2.6.4 Enfermidade física e mental:


Há enfermidades físicas que, por serem permanentes, determinam uma incapacidade no
caso de a natureza do acto a realizar exigir uma particular idoneidade física. É o caso da
impotência e da castração que impedem o matrimónio; e do surdo-mudo e do mudo que
não podem fazer testamento oral.

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Exceptuam-se os intervalos lúcidos: quando temporariamente o demente recupera a
saúde mental.
Diferente do demente é o mente captus: àquele falta completamente a razão, embora
possa ter intervalos lúcidos; este apenas sofre de enfraquecimento ou de pouco
desenvolvimento intelectual. O mente captus é equiparado ao demente.
A lei das XII Tábuas e o pretor concederam-lhes um curador, a quem cabe a função de
cuidar da pessoa e do património do enfermo mental.

2.6.5 Prodigalidade:
Pródigo é o indivíduo que dissipa os seus bens. O magistrado (pretor ou governador de
província) pronuncia a interdictio que retira o ius commercii e coloca o seu património
sob curatela (cura).
Inicialmente, este instituto protegeu o património no interesse da família; por isso, a
interdictio só atinge a disponibilidade do património herdado em relação ao qual o
pródigo é equiparado ao enfermo mental.
Posteriormente, a equiparação ao demente é plena e, por isso, a interdictio atinge todo o
património do pródigo. Porém, a incapacidade de agir é limitada às alienações e não às
aquisições, pelo que o pródigo é, neste aspecto, equiparado ao infans maior. A
administração dos seus bens continua a ser atribuída a um curador.
Numa situação análoga encontram-se os debiles: aqueles que, por qualquer razão, não
podem cuidar dos seus bens. São também incapazes de agir e o seu património está
sujeito a curatela.

2.6.6 Degradação da honra: infamia e turpitudo:


A honra civil (honor civilis) é o estado de íntegra dignidade que um indivíduo goza na
sociedade.
O seu desrespeito pode determinar a perda ou a limitação da capacidade jurídica:
aquela, quando o honor civilis é destruído; esta, quando há uma degradação (infamia).
No direito público, a defesa da honra civil (cura morum) foi confiada aos censores que
podiam eliminar o nome de um civis romanus na lista dos senadores; transferi-lo para
uma classe inferior ou para outra tribo; e afastar a sua candidatura ao desempenho de
cargos públicos.
No direito privado, algumas leges estabeleceram várias sanções: a lex Laetoria do ano
191 a.C. aplicou sanções a quem enganasse os indivíduos com idades compreendidas
entre os 14 e os 25 anos, aproveitando-se da sua inexperiência negocial; a lex Iulia de
maritandis ordinibus (do ano 18 a.C.) e a lex Papia Poppaea (do ano 9) estabeleceram a
incapacidade sucessória dos solteiros e limitaram a capacidade sucessória dos casados
sem filhos a metade da herança; a lex Iulia de adulteriis (do ano 18 a.C.) reprimiu o
adultério e o estupro, dificultou o divórcio e determinou que a
mulher surpreendida em adultério não pode unir-se matrimonialmente com um homem
ingenuus.
A infamia pode ser:
1. Imediata: é a consequência directa de um acto punível, como por exemplo, o
exercício duma actividade desonesta;
2. Mediata: resulta duma pena corpórea, de morte ou de prisão; e de certas
condenações civis, principalmente por furto, roubo, injúrias, fraude e violação

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desonrosa de certos deveres. O iudex gozava ainda de grande liberdade para apreciar
se outros casos não previstos na lex nem no Edictum eram desonrosos. Por isso,
podemos distinguir duas situações:
a) a infamia: os seus requisitos encontram-se fixados na lex ou no Edictum do
pretor;
b) a turpido: o iudex aprecia-a e fixa-a livremente, inspirando-se na opinião pública
e nas ideias sociais dominantes.

A infamia é perpétua, a menos que o Senado ou o Imperador concedam a restitutio in


integrum ao infamis.
O direito justinianeu consagrou legalmente como infamantes os casos enunciados no
Edictum do pretor e, em consequência, a infamia passou a ter base legal.
É infamis:
1. quem pratica uma arte desonrosa, como o teatro, a gladiatura e o lenocício;
2. quem ofende a moralidade, como: o bígamo; a mulher que celebra segundas
núpcias antes de decorrer um ano de luto; o que contrai duplos esponsais; a mulher
surpreendida em adultério; e os soldados licenciados como missio inhoesta;
3. o condenado pelo crime de calúnia; por certos delitos privados (furto, roubo,
injúria, dolo); ou pela violação de deveres inerentes a relações de confiança
(depósito, sociedade, mandato, tutela).
Ainda no direito justinianeu, a infamia produz a capacidade de nomear e ser nomeado
procurador judicial; de desempenhar cargos públicos; de testemunhar; e de instaurar
uma actio popular.

2.6.7 Religião:
Na época pagã, a religião não teve influência na capacidade jurídica: todos os cultos
eram tolerados, a menos que repugnassem à consciência pública. As sanções criminais
ou administrativas que, na época republicana e nos primeiros séculos do Império,
puniam quem participasse em determinados actos religiosos, são justificadas por
motivos de ordem pública ou para reprimir a magia, a astrologia e actos particularmente
imorais. As perseguições dos cristão ter-se-ão fundado em motivos de segurança
pública, limitando-se os magistrados dotados do poder de imperium a exercer pelo seu
ius coercitionis. A recusa de os cristãos participarem nos sacrifícios aos deuses pagãos
ou aos imperadores constituía crimen sacrilegii.
A situação alterou-se a partir de Constantino e sobretudo com a lei cunctos populos do
ano 380 que atribuiu ao Estado romano carácter confessional. Em consequência,
estabeleceram-se várias limitações que afectaram a vida de quem vive fora do credo
cristão ortodoxo. Os hereges não podem exercer cargos públicos, ter escravos cristãos,
testemunhar em actos jurídicos, fazer testamentos e doações. Os judeus não podem
contrair matrimónio com mulher cristã. A apostasia de um cônjugue constitui uma iusta
causa de divórcio. E os maniqueus carecem totalmente do ius commercii quer inter
vivos quer mortis causa.

2.6.8 Condição Social:


A sociedade romana conhece vários estratos sociais: cives e clientes; patrícios e
plebeus; equites, humiliores e honestiores. E a pertença a determinada classe social tem

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influência na capacidade jurídica.
Superada a arcaica antítese entre cives e clientes, os plebeus viveram, nos primeiros
séculos de Roma, uma situação jurídica muito inferior à dos patrícios nas esferas dos
direitos público e privado, onde a Lei das XII Tábuas ainda consagra a proibição de
casamentos mistos. Não tardaria, no entanto, esta disposição a ser revogada pela lex
Canuleia no ano 445 a.C.. Seguiram-se o progressivo acesso da plebe às magistraturas e
a equiparação dos plebiscita às lex rogatae que marca, nos finais da
República, o fim daquela antítese. Os equites constituíram também uma classe a se com
influência no direito público, mas desapareceu na época clássica.
No âmbito do direito penal distinguem-se os honestiores e os humiliores: aqueles
pertencem a classes socialmente altas, sobretudo em atenção aos cargos que
desempenham e ao nascimento. Esta distinção justifica a diversidade das penas
aplicáveis. No Baixo – Império distinguem-se os honorati, os principales, os curiales e
os possessores. Esta classificação é relevante no acesso aos cargos públicos e, na esfera
do direito privado, interfere no matrimónio.

2.6.9 Exercício de cargos públicos e sacerdotais:


A capacidade jurídica varia igualmente em consequência do exercício de cargos
públicos e de funções sacerdotais. Referimos:
1. Os senadores não podem contrair matrimónio com libertas; não podem possuir
barcos com capacidade superior a 300 ânforas;
2. Os militares não podem, em regra, pertencer a um collegium enquanto estiverem in
castris; não podem actuar como procuradores ou cognitores nem ser representados. É
provável que, durante o serviço militar, não gozassem do ius conubii. Podem fazer
testamento sem o cumprimento de normas formais ou substanciais.
3. Os governadores e funcionários das províncias não podem contrair matrimónio
com mulheres residentes nas províncias onde desempenham as suas funções. Também
não podem receber doações nem exercer o comércio;
4. Os decuriões (membros de uma curia ou senado de cidade incorporada ou fundada
por Romanos ou Latinos) eram, até ao século IV, eleitos. Porém, as pesadas tarefas e as
responsabilidades fiscais que os oneravam determinaram o desinteresse dos candidatos.
Para resolver a crise, Constantino e os seus sucessores estabeleceram que o cargo de
decurião é obrigatório e hereditário: os decuriões e os seus descendentes não podem
subtrair-se ao desempenho das suas tarefas municipais e os seus patrimónios garantem o
cumprimento das obrigações. No âmbito do direito público, não podem desempenhar
outro cargo público, servir o exército e pertencer ao Senado de Roma.
No direito privado, não podem contrair núpcias com escravas.

3. Morte (pp. 150, Santos Justo):


A pessoa física extingue-se por morte que, constituindo um facto, deve ser provado por
quem o invoque para fundamentar a sua pretensão.
Porque não havia um registo do estado civil, vigorava o sistema da prova livre que
podia suscitar dificuldades, sobretudo quando no mesmo acidente falecessem várias
pessoas. Tratando-se de elementos familiares, importava saber quem faleceu primeiro
para determinar a titularidade dos direitos sucessórios. É provável que a época clássica
não tenha conhecido nenhuma presunção de pré-moriência. Não sendo possível provar

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quem faleceu primeiro, os jurisconsultos afirmavam que morreram ao mesmo tempo.
O direito justinianeu afastou o critério da simultaneidade e estabeleceu uma presunção
de pré-moriência fundada na diferente resistência física: se, no mesmo acidente,
morreram pai e filho, presume-se que o filho morreu primeiro, se for impubes; sendo
pubes, considera-se que o pai morreu primeiro. Se em causa estiver a sucessão do
patrono, considera-se que o filho faleceu antes de pai liberto.
O Direito Romano não conheceu a instituição da ausência. As suas bases devem-se à
prática medieval que, considerando como termo ordinário da vida a idade de setenta
anos, presumiu falecido o ausente, cuja vida se ignora, quando tiver completado essa
idade. Se, quando se ausentou, já tinha os setenta anos, presumia-se falecido cinco anos
depois.

Título III – Pessoa Colectiva (pp. 151, Santos Justo):


a) Personalidade Jurídica:
O reconhecimento das pessoas colectivas corresponde à satisfação de necessidades que
transcendem a vida e os interesses dos homens individualmente considerados. Há
interesses que reclamam a constituição de organizações mais ou menos vastas, a que o
direito reconhece esferas jurídicas próprias que não se identificam com a soma das
relações jurídicas e dos interesses individuais das pessoas que as integram; e, por isso,
permanecem idênticas, apesar de estas variarem.
Para realizarem eficazmente a sua função, o direito reconhece-lhes personalidade e
capacidade (de gozo e de agir) jurídicas, embora limitadas às relações compatíveis com
a sua natureza e teleologia.
A doutrina classifica as pessoas colectivas em dois tipos:
1. Corporações: são organizações de vários indivíduos que se agrupam para
prosseguirem um interesse comum;
2. Fundações: são complexos patrimoniais afectados por um indivíduo (fundador) a
um certo fim, tipicamente altruístico.

b) Corporações (pp. 154, Santos Justo):


Corporação é uma organização de várias pessoas que cooperam na prossecução de um
fim comum lícito e que a lex reconhece como sujeito de direito.
Os Romanos designavam-na com diferentes nomes: societas, ordo, sodalitas, collegium,
corpus, universitas. Os dois primeiros são mais frequentes, mas nem sempre referem
uma corporação. Sodalitas é uma corporação que se destina a assegurar a perpetuidade
de certos sacrifícios ou a conservar novos cultos. Em rigor, collegium é uma corporação
constituída com fim religioso (a prática do culto) por mandato do Estado, mas o
vocábulo generalizou-se, vindo a compreender também as anteriormente denominadas
sodalitates. Corpus e universitas indicam uma corporação em que transparece mais
claramente a personalidade jurídica.
Para que uma corporação se constitua como pessoa jurídica são necessários os seguintes
requisitos:
1. Participação de um mínimo de 3 pessoas no acto constitutivo porque só assim é
possível deliberar por maioria. Depois de constituída, a corporação subsiste, embora os
seus elementos se renovem e mesmo que venha a ficar apenas um.
2. Estatuto ou lei que disciplina a organização e o funcionamento. Pode ser

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substituído ou completado pela perpetua consuetudo.
3. A actividade lícita.

Verificados estes requisitos, a corporação existe como sujeito dotado de personalidade


jurídica sem nencessidade de expressamente ser reconhecida pelo Estado.
O regime jurídico das corporações mostra inequivocamente que são entidades próprias
que não se confundem com os seus associados. Testemunham essa individualidade
vários princípios:
1. Os créditos e débitos duma corporação não pertencem aos indivíduos que a
integram nem estes são obrigados pelas dívidas daquela;
2. Os bens da corporação constituem sua propriedade exclusivas; por isso, não
pertencem em compropriedade aos associados: «Pertencem à corporação, não aos
seus membros»;
3. O actor nomeado para a representar em juízo não representa os seus associados;
4. A corporação subsiste com a sua individualidade, embora os seus membros possam
ser renovados e mesmo reduzir-se a um só.

Nada falta, para que possamos reconhecer a personalidade e a capacidade (de gozo e de
agir) jurídicas às corporações, embora com as limitações inerentes às suas natureza e
teleologia. Obviamente àquelas reconhecidas por lei ou por acto individual e
discricionário da Administração.
Quanto à sua organização, em regras, as corporações privadas seguem também, como
modelo, o municipium: têm um estatuto, uma assembleia geral, um cofre comum, um
conselho de administração e um ou vários representantes especiais (actores) ou
permanentes que se ocupam dos negócios e dos litígios.
Diferente da corporação é a sociedade modernamente denominada civil: aquela actua no
mundo jurídico como sujeito individual e autónomo; esta é uma simples relação
contratual entre os sócios. Os bens da corporação pertencem ao seu património; os da
sociedade constituem património comum dos sócios. Os credores da corporação só a
podem demandar; os da sociedade só podem accionar os sócios. A renovação dos
associados não afecta a subsistência da corporação; a morte ou a saída de um sócio
provoca, em regra, a extinção da sociedade. Na corporação, delibera a maioria; na
sociedade, tem-se em atenção a vontade individual dos sócios.

c) Fundações (pp. 157, Santos Justo):


Modernamente considera-se fundação um património destinado a um certo fim por acto
inter vivos ou mortis causa, com carácter perpétuo ou de duração indeterminada e que a
lei reconhece como sujeito de direito.
Somente na época pós-clássica surgem os primeiros esboços destas instituições
destinadas a beneficiência, mais tarde denominadas piae causae. Antes, não deixaram os
Romanos de sentir a necessidade de afectar bens ou patrimónios à satisfação de fins
duradoiros de utilidade pública. Porém, nunca foram considerados sujeitos de direito.
Na época clássica, para realizar a vontade benéfica do disponente recorria-se a meios
indirectos: para afectar um património à distribuição de alimentos entre pessoas
carecidas ou ao tratamento de enfermos, doava-se ou transmitia-se mortis causa a uma
civitas ou a uma corporação e impunha-se-lhe a obrigação (modus) de destinar os

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rendimentos ao fim previsto. Trata-se duma fundação fiduciária que não constitui uma
pessoa jurídica, mas tão-só um acto de disposição sub modo: o património é adquirido
pelo donatário, herdeiro ou legatário que assume a obrigação de cumprir o modus,
podendo ser constrangido a respeitar a vontade do fundador quer através de multa
(stipulatio poenae) quer sujeitando-o a transferir os bens para outra pessoa.
Por influência da caridade cristã, a partir do século V muitas pessoas afectaram grandes
patrimónios à criação e à manutenção de hospitais, asilos de órfãos, hospícios de
crianças abandonadas, de peregrinos, indigentes e velhos. O fundador transfere os bens
para a Igreja que se obriga a afectá-los in perpetuo aos fins piedosos ou benéficos
previstos. Duvida-se que tais patrimónios tenham constituído verdadeiras fundações.
O direito justinianeu concede vários privilégios às disposições patrimoniais para fins
religiosos ou de beneficência; e acentua o respeito pela vontade do fundador. Porém,
não chegou a afirmar-se decididamente a personalidade dos patrimónios fundacionais,
embora não se afastem vários aspectos que manifestam alguma autonomia: quando se
diz que o hospital (xenon) tem a faculdade de herdar, devendo o seu administrador
distribuir o património ou as rendas pelos enfermos, instaurar actiones, exigir créditos e
pagar aos credores.
São as bases sobre que assenta a concepção moderna das fundações.

Título IV – Objecto: As Coisas (pp. 159, Santos Justo):


O significado lexicológico de res (coisa) é muito amplo, pois, na linguagem corrente,
compreende qualquer entidade objectiva, material ou concreta e incorpórea, ideal ou
abstracta. Na linguagem jurídica, o conceito de res evoluiu com as épocas e as
civilizações, por isso, o homem moderno concebe como res entes outrora não pensáveis
e, portanto, juridicamente inexistentes.
No Direito Romano o conceito de res evoluiu, pois, de início é um objecto material ou
corpóreo susceptível de comércio jurídico, mas mais tarde, por influência filosófica,
desmaterializou-se e passou a compreender também algumas coisas incorpóreas.
Deste modo, atendendo à evolução, porque passou, não será ousado definir res como
um ente dotado de valor económico, que a consciência económica - social isola e
concebe como susceptível de constituir objecto de direitos.
As coisas podem ser classificadas, como:

1. Res corporales e Res incorporales


As res corporales, são distinguidas por Gaius, que nos diz, que as coisas são corpóreas,
se poderem ser tocadas, isto é, têm consistência física e, portanto são apreensíveis pelos
nossos sentidos.
As res incorporales, segundo Gaius, são coisas que não podem ser tocadas, isto é, não
têm existência física, sendo apenas concebidas pelo espírito.
Esta distinção suscitou a crítica da doutrina romanística moderna que entende que não
se trata duma distinção técnica entre res, mas duma classificação de elementos que
constituem um património.
A importância prática desta distinção revela-se no facto de alguns institutos se
aplicarem só às res corporales: a posse não se aplica às res incorporales por falta de
entidade material.

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2. Res in commercio e Res extra commercium
As res in commercio podem ser objecto de relações jurídicas patrimoniais, enquanto que
as res extra commercio, que quer, seja pela sua natureza física, seja pelo seu destino
jurídico, não podem constituir objecto de negócios jurídicos patrimoniais.
Nas res extra commercium, o seu ordenamento não é unitário, pois cada res tem um
regime próprio segundo a sua natureza e destino. Os jurisconsultos romanos distinguem
duas grandes categorias, determinadas por exigências estritamente humanas ou
religiosas que são:
a) as res humani iuris ( que se divide em 3 categorias)
i) res communes omnium – são as coisas susceptíveis de apropriação individual
porque pertencem a todos os homens. (ex: sucede com o ar, a água corrente, etc...).
Estas podem ser livremente utilizadas por cada indíviduo, sempre que não seja
prejudicado o direito dos outros.
ii) res publicae – são coisas que pertencem ao Estado (populus romanus). Porém,
nem todas são res extra commercium.
iii) res universitatis – são as coisas que pertencem às cidades (municipia e
coloniae) sujeitas à soberania de Roma. Umas satisfazem as necessidades colectivas e,
por isso, estão destinadas ao uso público, enquanto outras pertencem ao património dos
municipia e das coloniae, e portanto podem ser alienadas: estão in commercium.
b) as res divini iuris – não podem ser objecto de propriedade privada, por se
considerarem propriedades dos deuses. Entre estas, temos:
i) res sacrae – são as coisas afectadas ao culto dos deuses superiores, como os
templos, as aras e os bosques sagrados.
ii) res religiosae – são as coisas dedicadas aos deuses inferiores ou Manes.
iii) res sanctae – são as coisas colocadas sob a protecção dos deuses, mediante
uma cerimónia especial (sanctio).

3. Res mancipi e Res nec mancipi:


As Res mancipi, pertencem aos fundi itálicos, as casas (aedes) situadas em solo itálico,
os servi, os animais de tiro e de carga e as quatro servidões rústicas mais antigas: iter,
via, actus e aquaeductus. Sendo res mancipi, as coisas mais importantes, a propriedade
transmitia-se, ainda na época clássica, por mancipatio e in iure cessio. O seu âmbito
manteve-se fechado. Nas Res nec mancipi, a sua propriedade transmitia-se na época
clássica por traditio e in iure cessio. O âmbito destas, dilatou-se, ou seja, acolheu bens
que adquiriram uma importância significativa na vida romana, sobretudo nas províncias,
onde constituíram a principal riqueza.
Em consequência, os efeitos práticos desta distinção foram-se progressivamente
atenuando e tornou-se insusceptível quando o pretor concedeu ao adquirente duma res
mancipi através de traditio uma actio dita Publiciana, que é análoga à rei vindicatio.

4. Res mobiles e Res immobiles:


Res mobiles, são as coisas que podemos transladar de um local para outro.
Res immobiles, são as coisas que não se podem deslocar, estão aderentes ao solo.

5. Coisas consumíveis e Coisas não consumíveis:

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Coisas consumíveis, são aquelas coisas cujo uso normal, provoca a sua destruição
(física, económica ou transformação).
Coisas não consumíveis, são as coisas cuja essência não é destruída, nem alterada pelo
seu uso normal, por isso, são susceptíveis de usufruto.

6. Coisas fungíveis e Coisas não fungíveis:


Coisas fungíveis, são aquelas coisas que não têm individualidade própria e são
determinadas através de certas notas genéricas e da indicação duma quantidade (peso,
número ou medida). Por exemplo, os géneros alimentícios, o dinheiro, etc.
Coisas não fungíveis, são as coisas que têm individualidade própria, e, por isso, não
podem ser substituídas por outras. Por exemplo, é o que sucede com uma casa, um
fundus, etc. A fungibilidade é uma qualidade objectivas das coisas e, portanto, subtraída
ao arbítrio das pessoas.
A distinção entre res fungíveis e res não fungíveis tem especial relevo no Direito das
Obrigações.

7. Coisas divisíveis e Coisas indivisíveis:


A divisão entre coisas divisíveis e coisas indivisíveis, corresponde a um critério
jurídico, porque de um ponto de vista físico, todas as coisas são divisíveis.
As coisas divisíveis, podem ser seccionadas em partes distintas sem alteração da sua
substância ou diminuição do seu valor: entre a res inteira e as partes (em que se divide)
há uma diferença de quantidade e não de qualidade.
As coisas indivisíveis, são as coisas que não se podem fraccionar sem dano, ou nas
palavras dos jurisconsultos romanos “que não podem ser divididas sem destruição”. Por
exemplo, pode suceder com um animal, uma pintura, etc.
Esta questão da divisibilidade é considerada sobretudo quando se pretende dividir uma
coisa comum e nas obrigações indivisíveis.

8. Coisas simples, Coisas compostas e Universitates:


A distinção entre coisas simples, compostas e universitates, tem na sua base concepções
da filosofia estóica sobre a essência física do mundo, corresponde a exigências precisas
que justificam a sua aplicação no campo do Direito.
Coisa simples é aquela que, segundo Pomponius “consiste numa unidade singular”, isto
é, constitui uma unidade natural independente. Juridicamente é considerada um corpo
dotado de individualidade unitária independente dos elementos que o integram. Ex: um
animal, uma planta.
Coisa composta, é formada pela união física e coerente de várias coisas simples que
conservam a sua individualidade física. A res composta é objecto, no seu conjunto, de
direitos e de negócios jurídicos; pode ser reivindicada na sua totalidade; não perde a sua
individualidade com a renovação das partes constitutivas e pode ser-se proprietário de
todo sem ter a propriedade dos materiais que o compõem.
Universitates rerum é um agrupamento de res simples e homogéneas unidas não
materialmente, mas por um vínculo ideal, que satisfazem, em conjunto, uma finalidade
económico – social e o Direito considera como única res. Por exemplo, os rebanhos, um
armazém de mercadorias, constituem objectos unitários de direitos e de negócios
jurídicos.

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9. Coisas principais, acessórias e partes:
Coisa principal, é a coisa que, embora ligada a outra para satisfazer a mesma finalidade,
determina a função do todo: não está sujeita a um vínculo de subordinação física,
económica ou jurídica.
Coisa acessória, é uma coisa que, não sendo absorvida por outra e, portanto,
conservando a sua autonomia, contribui para facilitar o desempenho da função
económico – social atribuída à res principal. São res acessórias de um fundus, os
animais domésticos, os escravos, etc.
Parte, é uma res subordinada a outra (dita principal) segundo um critério não físico, mas
económico. Trata-se de uma coisa que completa outra, permitindo-lhe que desempenhe
plenamente a sua função. Os negócios jurídicos sobre a res inteira envolvem
necessariamente as suas partes e a reivindicatio daquela, compreende estas.

10. Coisas frutíferas e Coisas não frutíferas:


Res frutífera, é a coisa que gera orgânica e periodicamente, uma res (fructus) que,
desligando-se dela sem alterar a sua essência e capacidade produtiva, adquire autonomia
e cumpre uma finalidade económico – social diferente.
Res não frutífera, são as restantes coisas.
Em relação ao estado em que podem encontrar-se, os frutos podem considerar-se:
a) Pendentes – ainda se encontram unidos à res que os produziu e, portanto,
constituem partes rei;
b) Separados – desligaram-se da res produtiva por alguma causa;
c) Percepti – já foram recolhidos;
d) Percipiendi – não foram produzidos ou recolhidos por negligência;
e) Exstantes – foram recolhidos e encontram-se ainda no património de quem os
recolheu;
f) Consumpti – foram recolhidos e já consumidos, alienados ou transformados.

Título V – Dinâmica (pp. 175, Santos Justo):


a) Factos Jurídicos:
Os jurisconsultos romanos não nos ofereceram uma teoria geral do facto jurídico nem
do negócio jurídico. Aos Pandectísticas do séc. XIX e aos civilistas contemporâneos,
devemos o processo de abstracção. Não significa que os jurisconsultos romanos não
tenham elaborado alguns conceitos e instituições que estão na base das teorias
modernas.
A exposição dos factos jurídicos (e do negócio jurídico) permite um estudo ordenado
que facilita a sua compreensão.

 Conceito. Classificação:
A dogmática actual considera facto jurídico todo o facto da vida real que produz efeitos
jurídicos: a aquisição, modificação ou a extinção de direitos.
Os factos jurídicos podem ser:
1- Voluntários: constituem manifestações da vontade. Denominam-se actos jurídicos e
compreendem duas categorias;
a) Actos lícitos: estão de acordo com a ordem jurídica que os reconhece. Pode se
distinguir:
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Negócios Jurídicos: são actos voluntários a que o ordenamento jurídico reconhece os
efeitos jurídicos que foram ou aparentam ter sido queridos pelos seus autores;
Simples actos jurídicos: São actos voluntários cujos efeitos jurídicos não são
determinados pela vontade, mas directa e imperativamente pela lei, embora
normalmente estejam de acordo com a vontade dos seus autores. São produzidos ex
lege e não ex voluntate;

Actos ilícitos: são comportamentos que perseguem um fim que o ordenamentos


jurídico proíbe. Os seus efeitos jurídicos representam uma sanção para os seus
autores. Um acto ilícito é constituído pelos seguintes elementos:

Damnum: é a lesão de interesses jurídicos alheios de carácter patrimonial ou pessoal. O


dano patrimonial pode ser: emergente (diminuição patrimonial) ou lucro cessante
(não obtenção duma melhoria patrimonial);
Iniuria: é a violação dum preceito jurídico;
Culpa: é a voluntariedade do comportamento (positivo ou negativo) que pratica a iniura.
Pode se falar de culpa:
- in faciendo: quando o comportamento é positivo;
- in non faciendo: quando se trata da omissão de actos jurídicamente devidos;
- Aquiliana: se o comportamento viola a lex aquilia que protege interesses alheios.
Destaca-se um modelo ideal denominado homem médio baseado na:
- Culpa lata: é a negligência excessiva (inobservância da mais elementar
prudência a que todos estamos sujeitos);
- Culpa levis (ou in abstracto): é a inobservância da diligência que o homem
médio teria observado naquelas circunstâncias;
- Culpa in concreto: é a inobservância da diligência que o mesmo indivíduo
costuma observar e, portanto, lhe é própria.

A culpa pode ter diferentes graduações:


Dolus (dolo): e o propósito deliberado de o agente praticar o acto ilícito com o perfeito
conhecimento e a previsão das suas consequências lesivas;
A Culpa (stricto sensu): é a simples inobservância de normas de prudência a que todos
estamos obrigados.

A diferença entre dolo e culpa é indicada pelas expressões: conhece-se as consequências


do acto, agindo com dolo; e não observando as normas de prudência e de cuidado,
lesaria interesses alheios, agindo com culpa.

2- Involuntários: São os factos que se produzem independentemente da vontade. São


exemplos o nascimento, a morte de alguém, o decurso do tempo, a queda dum edificio,
etc...

Efeitos:
Os efeitos de um facto jurídico pode consistir na aquisição, na modificação e na
extinção de direito:
 Aquisição de direitos: pode ser:

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a) originária: surge um direito novo com base numa relação imediata com o seu
objecto, independentemente de qualquer relação jurídica que exista com outra pessoa.
Pode suceder que não exista antes a aquisição de qualquer direito dum anterior titular
mas pode também preexistir o direito dum titular anterior que se extinguiu ou ficou
limitado.
b) derivada: adquire-se um direito com base numa relação com uma pessoa que detinha
a sua titularidade. Trata-se duma aquisição que pressupõe um direito do anterior titular,
que se extingue ou limita, havendo entre os dois fenómenos um nexo causal e não
meramente cronológico. Pode-se distiguir na aquisição derivada:
 Aquisição derivada translativa: o direito adquirido é o mesmo que já pertencia ao
anterior titular;
 Aquisição derivada constitutiva: o direito adquirido filia-se num direito mais amplo
do anterior titular que se limita ou comprime;
 Aquisição derivada restitutiva: sucede quando o titular de um direito real limitado se
demite dele. O proprietário recupera a plena propriedade por força da elasticidade ou
força expansiva do direito de propriedade.

Na aquisição derivada, a existência do direito adquirido e a validade da aquisição


depende do direito do transmitente e o mesmo se passa com a sua extensão. Na
aquisição derivada, ha uma aquisição e a correspondente perda ou limitação de um
direito levou a doutrina a falar de sucessão em dois sentidos: de substituição na
titularidade do conjunto de relações jurídicas duma pessoa que faleceu ou perdeu a sua
capacidade jurídica; e substituição de uma pessoa por outra na posição de sujeito activo
ou passivo duma relação jurídica.

2) Modificação de direitos:
Consiste na alteração ou mudança dos elementos de um direito que conserva a sua
identidade; portanto nao atinge a sua essência. Pode ser:
a) Modificação subjectiva: refere-se aos sujeitos que se substituem. Ex: a substituição
do sujeito falecido pelos seus herdeiros;
b) Modificação objectiva: refere-se a conteúdo do direito. Ex: fixação de um novo lugar
ou tempo para o cumprimento duma obrigação; aumento ou diminuição da renda num
contrato de arrendamento; etc...

 Extinção de direitos: é a desligação de um direito do seu titular, que pode revestir


as seguintes modalidades:
a) extinção subjectiva: o direito extingue-se do seu titular e passa para uma nova pessoa.
Coincide com a aquisição derivada translativa;
b) extinção objectiva: o direito cessa por destruição do seu objecto; por abandono da
coisa; pelo seu exercício ou não exercício. Esta extinção pode seguir para um novo
titular (aquisição originária) ou pode determinar uma aquisição derivada restitutiva.

 Tempo:
O tempo constitui um facto jurídico involuntário quando o ordenamento jurídico lhe
atribui efeitos jurídicos. Exemplos:
6) Caducidade: tem lugar quando o ordenamento jurídico ou as partes fixam um

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determinado período de tempo dentro da qual deve ser exercida certa faculdade
(direito ou acção). Passado esse tempo, a faculdade caduca. A caducidade é
oficiosa e o prazo não se suspende nem interrompe.
7) Prescrição: o ordenamento jurídico dá importância ao exercício continuado de
direitos ou à permanência numa situação de facto durante um certo período de
tempo. A prescrição deve ser invocada pelas partes e pode ser interrompida. Deve
se distinguir:
- prescrição aquisitiva (ou usucapião): ocorre quando a continuação de uma
situação de facto faz surgir um direito;
- prescrição extintiva: verifica-se quando o não exercício de um direito determina
a sua extinção.
8) Vetustas: consiste na permanência numa situação jurídica ou de facto durante um
período de tempo tão extenso que se perde a memória da sua origem.
9) Só decorrido um prazo estipulado é que é possível o exercício de um direito (ex:
obrigação a prazo: decorrido o tempo, o credor pode exigir o seu cumprimento).

A contagem do tempo pode ser feita segundo diferentes sistemas:


a) Natural: conta-se de momento a momento. Ex: os jurisconsultos romanos
consideravam uma pessoa maior de 25 anos exactamente depois de passar a hora exacta
do seu nascimento.
b) Civil: conta-se dia-a-dia. No caso de uma aquisição ou de uma situação favorável,
bastava que o último dia tivesse ao menos começado. No caso de perda, era necessário
que o último dia decorresse totalmente.
c) Contínuo: consideram-se todos os dias decorridos efectivamente (constituiu a regra
geral no Direito Romano).
d) Útil: só se contam os dias em que é possível realizar uma determinada actividade.
Assim, se há um prazo para proceder judicialmente, não se contam os dias festivos e os
outros em que não se podem realizar actos judiciais.

b)Negócio Jurídico (pp.183, Santos Justo):


4) conceito:
o conceito de negócio jurídico foi elaborado pela dogmática moderna (Pandectística) a
partir das fontes romanas que reconhecem a vontade como factor determinante da
produção de efeitos jurídicos. Os jurisconsultos romanos não chegaram a definir o
negócio jurídico porque a sua mentalidade jurídica, orientada para o concreto, é estranha
a abstracções que se afastam sempre mais da realidade concreta da vida. Não tem
terminologia própria, falando-se de legis vinditiones, de lex contractus, de lex
testamenti e de actus e de actio que referem uma actividade dirigida à obtenção de um
efeito jurídico lícito, mas não expressam um conceito nem um regime jurídico unitário:
actus tanto é uma mancipatio como uma actividade processual.
A noção de negócio jurídico é vaga e, por isso, permite compreender figuras jurídicas
tão diversas e heterogéneas, a sua utilização tem a vantagem de facilitar o estudo de
princípios e de institutos que revestem o carácter geral, como o caso de vários actos que
criam obrigações e se reagrupam sob os conceitos de contractus, de pactum ou de
conventio unificados por uma dimensão comum: um acordo de vontades (consensus).
São actos voluntários lícitos que se praticam para a prossecução de certos efeitos

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práticos a que o ordenamento jurídico reconhece determinadas consequências jurídicas.
Nem todos os efeitos jurídicos têm sido previstos expressamente pelas partes, ou seja,
por força da lex derivem outras consequências nao contempladas pelos sujeitos. Esta
posição do ordenamento jurídicoe explica-se pela tendência de tipificar os negócios
jurídicos com efeitos jurídicos próprios, que é uma das características do Direito
Romano. Não nos afastaremos deste direito, referindo o Negócio jurídico como acto
voluntário lícito essencialmente constituído por uma ou várias declarações de vontade
privada que se dirigem à produção de certos efeitos práticos ou empíricos de natureza
patrimonial, tutelados pelo ordenamento jurídico em conformidade com a intenção do(s)
declarante(s).

c) Elementos essenciais (pp. 184, Santos Justo):


Os elementos essenciais do negócio jurídico sao: as condições (são exigidos em
qualquer negócio ou determinadas categorias de negócios) e os requisitos necessários à
sua existência (que apenas se exigem em negócios singulares).
Os elementos essenciais gerais são: capacidade de agir (ou de exercício), vontade e
declaração, causa e objecto.
1) Capacidade de agir (ou de exercício):
É a idoneidade de uma pessoa para realizar negócios jurídicos por mera actividade
própria (por si só ou através de um representante voluntário). A sua falta traduz uma
incapacidade que pode ser:
a) absoluta: são pessoas que, pela sua condição pessoal, não podem realizar certos
negócios juridicos nem por si só, nem com assistência ou consentimento de outra
pessoa. Por exemplo, os infantes, os dementes (furiosi) e os mente capti.

b) limitada: não têm capacidade para alienar ou contrair obrigações, mas podem
adquirir. Sucede com os impubes infantia maior, com o pródigo e com as mulheres no
antigo ius civile).

Assim, têm capacidade plena, ou seja, podem realizar qualquer negócio jurídico todas
as pessoas que não estao acima referidas como incapazes. Porém os menores de 25 anos
e maiores de 14 anos (se homens) e 12 anos (se mulheres) tiveram especial protecção
pela lex Laetoria ou Plaetoria do ano de 191 a.C.

2)Vontade e declaração (forma):


O ordenamento jurídico reconhece à vontade dos particulares o poder de criar efeitos
jurídicos (no âmbito da autonomia privada). Se a vontade é o elemento fundamental dos
negócios jurídicos é importante afirmar que esta teve sucessivas fases que não estão
claramente definidas. No início, a vontade não mereceu a consideração do ordenamento
jurídico que apenas atendeu aos actos realizados nas formas legalmente fixadas. Depois
impôs-se o entendimento de que um negócio jurídico não é um puro acto material nem
inconsciente, mas fruto de uma actividade dirigida à obtenção de determinados fins: a
volutas emerge e torna-se fundamento dos efeitos jurídicos. Os seu relevo é sentido nos
negócios do ius gentium, mas também do ius civile e do ius praetorium, onde foi
protegidos pelos expedientes do pretor. Na época clássica fala-se de animus não no
sentido de intenção ou vontade inexpressa, mas de volutas que se manifesta em actos e

72
comportamentos que dão vida aos negócios jurídicos e permitem determinar a sua
natureza. Mas não basta a vontade: é essencial que esta seja declarada porque senão não
se pode falar em negócio jurídico.
Nos negócios formais, a vontade tem de estar manifesta nas formas estabelecidas pela
lex; nos negócios não solenes, pode expressar-se de qualquer modo (escrito, oralmente
ou por qualquer sinal). Podem também deduzir-se por interpretação de comportamentos
, situações modernamente consideradas manifestações tácitas de vontade. Mantêm-se as
antigas formalidades prescritas pelo ius civile, por virtude da mantalidade romana
pouco ousada à criação de novas formas, formas essas que já tinham perdido o seu
significado.
As formas de manifestação da vontade distinguem-se em:
a) Ad probationem: servem para provar a volutas. Podem documentar negócios não
solenes (ou não formais);
b) Ad substantiam: transmitem existência a um negócio jurídico. São prescritas
taxativamente pelo ordenamento jurídico e constituem a característica dos negócios
jurídicos solenes (ou formais). Servem também como elementos de prova.

3) Causa:
A causa constitui um elemento essencial e especial dos negócios jurídicos causais. A
sua definição está longe de ser pacífica, certo é que o DR ordenou e reagrupou as
diferentes relações económico-sociais em negócios jurídicos tipícos com efeitos
determinados; reconhecendo-lhe, por isso, que determinados fins são socialemente
úteis, ou seja, dignos de protecção.
Se a função económico-social ou a finalidade intrínseca faltar, o negócio jurídico causal
não existe (Ex: não haverá compra e venda se faltar o propósito de trocar a coisa pelo
preço, querendo as partes transmitir gratuitamente a propriedade duma res, ou seja,
simular uma doação.
Nos negócios abstractos, a forma substitui ou identifica-se com a causa. É com base na
causa, entendida como elemento essencial, que se distinguem os negócios jurídicos
causais (aqui, a causa é a condição da sua existência e, para isso é preciso averiguar se
corresponde à vontade das partes) e abstractos (onde basta o cumprimento da forma
prescrita).

4) Objecto:
A dogmática distingue o objecto imediato ou conteúdo (são os efeitos jurídicos a que o
negócio jurídico tende: a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas)
ou objecto mediato ou objecto stricto sensu (é constituído por uma ou mais coisas
corpóreas ou incorpóreas, uma ou várias prestações ou mesmo uma pessoa).
Assim, no contrato de compra e venda, o objecto imediato é a obrigação de o vendedor
tranferir a posse da res, assegurar o seu gozo pacífico e responder por evicção; o
comprador contrai a obrigação de tranferir a propriedade de uma soma de dinheiro
(preço). O objecto mediato será a res vendida e o preço.
O objecto (nas duas acepções) não pode ser física ou legalmente imposível nem ilícito e
imoral.

- Elementos acidentais (pp. 191, Santos Justo):

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Os elementos acidentais são as cláusulas acessórias que as partes podem introduzir
para modificar o conteúdo, os efeitos ou a eficácia dum negócio jurídico sem o
sacrifício dos elementos essenciais.
Os elementos acidentais mais importantes são a condição (conditio), o termo (dies) e o
modo (modus):
1) Condição:
A condição é uma cláusula por virtude da qual a eficácia de um negócio jurídico é posta
na dependência dum acontecimentos futuro e incerto. Embora seja um elemento
acidental torna-se intrínseco e inseparável do negócio jurídico que condiciona
(denominam-se de negócios jurídicos condicionais).
A condição pode revestir-se de várias espécies:
a) Quanto ao efeito jurídico:
 Suspensiva: O negócio jurídico só produzirá os seus efeitos se o acontecimento
futuro e incerto (condição) se verificar;
 Resolutiva: O negócio jurídico deixará de produzir efeitos se o evento que o
condiciona se verificar.
O DR ignorou a condição resolutiva: aos seus jurisconsultos repugnava que uma
relação jurídica pudesse cessar com a simples verificação de um acontecimento futuro e
incerto.

b) Quanto à natureza do facto, a conditio pode ser:


 Positiva: Os sujeitos fazem depender a produção dos efeitos jurídicos dum
negócio jurídico da verificação de um determinado acontecimento futuro e
incerto;
 Negativa: os sujeitos fazem depender a produção dos efeitos dum negócio
jurídico da não verificação de um determinado acontecimento futuro e incerto
(fixa-se um limite temporal o qual, não se verificando o acontecimento, a
conditio considera-se realizada);

c) Quanto à causa do evento, podemos ter uma conditio:


Casual: a sua verificação não depende da vontade dos sujeitos, mas de um terceiro
ou do acaso;
Potestativa: a sua realização depende da vontade de uma das partes, em regra do
sujeito que o negócio condicional beneficia. Nos casos onde não há uma vontade
séria de se obrigar e, por isso, o negócio é nulo;
Mista: a sua verificação depende, em parte, da vontade de uma dos sujeitos e, em
parte, do acaso.

A doutrina chama “condições impróprias” a acontecimentos cuja verificação


condiciona a produção dos efeitos de negócios jurídicos, mas que, não sendo incertos e
futuros, não se podem considerar verdadeiras condições:
I) Impossíveis: incidem sobre factos cuja realização sabemos antecipadamente ser
impossível física e jurídicamente;
II) Ilícitas: ofendem a lei. Pelo menos no direito justinianeu regem-se pelos mesmos
princípios das condições impossíveis;
III) Iuris ou tacitae: identificam-se com os requisitos indispensáveis à natureza

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e à eficácia dum negócio jurídico; por isso, consideram-se desnecessáriamente
repetidas (inútil);
IV) In praesens vel in praeteritum collatae: referem-se a um facto presente ou
passado. Não se trata dum acontecimento futuro nem a sua verificação é incerta;
não pode considerar-se incerto um acontecimento passado ou presente, mesmo
que no momento da celebração do negócio os sujeitos ignorem a sua existência;
V) Quae omni modo extiturae sunt: incidem sobre acontecimentos que, embora
sejam futuros, têm inevitavelmente de ocorrer.

d)Quanto à condição suspensiva, importa distinguir três fases:


I) O acontecimento ainda não se verificou: o negócio jurídico não produz efeitos;
II) O acontecimento verifica-se: o negócio jurídico considera-se puro, como se não
tivesse estado sujeito a condição;
III) O acontecimento deixou de poder verificar-se: se a condição é suspensiva,
considera-se o negócio condicionado como se nunca tivesse existido; se é
resolutiva, mantêm-se firmes os seus efeitos jurídicos;

2) Termo:
O termo é um facto futuro e objectivamente certo, a partir do qual começam ou cessam
ou efeitos de um negócio jurídico. Pode ser inicial (ou suspensivo) e final (ou
resolutivo).
O termo e a condição apresentam grande analogia e a sua analogia e a sua evolução
histórica ocorreu paralelamente: ambos se aplicaram inicialmente em negócios mortis
causa; e foram recusados nos negócios solenes do antigo ius civile. O termo distingue-
se da condição não só porque pressupõe um facto certo, mas também porque apenas
difere os efeitos ou a resolução de um negócio jurídico que já existe.
Os jurisconsultos começaram por não conceber o termo resolutivo e recorreram a dois
negócios jurídicos diferentes: um, puro e o outro, um pacto sujeito a termo suspensivo
que fazia cessar os efeitos daquele. Com o tempo acabaram por admitir o termo
resolutivo em negócios não formais e o pretor reconheceu a sua possibilidade nos
negócios jurídicos honorários. No Corpus Iuris Civilis, admitem-se os termos
resolutivos, mas persistem certas relações jurídicas que se consideram permanentes e,
por isso, é inconcebível que se possam constituir a tempo e revogar-se uma vez
cumprido o termo. O jurisconsultos romanos distinguem 2 momentos:
 A celebração do negócio sujeito a termo;
 O vencimento do termo;

No intervalo, o negócio jurídico considera-se inerte, mas não deixa de produzir alguns
efeitos. Os romanistas distinguem ainda quatro tipos de termos:
 Dia certo e ano certo: “vendo um bem no dia 7 de Julho de 2010, até lá está
suspenso”;
 Dia certo e momento incerto: “depois da morte, doou a alguém...”
 Dia incerto e momento certo: “Alguém propõe que venderá a alguém no dia que
fizer 80 anos”;
 Dia e momento incertos: “eu prometo que lhe vendo um bem, quando a minha filha
se casar” (depende de um terceiro elemento);

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Estes dois últimos são condições embora com aparência de termos!

3) Modos:
É uma cláusula acessória através do qual o autor de uma liberalidade (doação, herança,
legado, manumissão) impõe ao beneficiário a obrigação de adoptar um certo
comportamento.
O modo difere da condição suspensiva: esta suspende os efeitos do negócio, enquanto a
obrigação onerada com o modo produz os seus efeitos. Nem deve confundir-se um
negócio jurídico onerado com um modo com um negócio jurídico sujeito a condição
potestativa. Devemos distinguir também o modo duma simples recomendação que não
produz efeitos jurídicos e é frequentemente feita no interesse do accipiens. O modo
desempenhou, em Roma, uma função particularmente importante: permitir obter
finalidades que o sistema romano da tipicidade dos actos jurídicos excluía. O
cumprimento do modo é um dever jurídico subsequente à recepção de liberalidade. O
direito clássico não ofereceu uma tutela directa dirigida a obrigar o beneficiário a
cumprir a sua obrigação, houve que recorrer a meios indirectos. O direito justinianeu
outorgava ao doador e aos herdeiros; havia uma condição para recuperar a res doada
quando o donatário não cumprisse o modo e também uma actio destinada à execução do
modo.
Se a actividade imposta como modo fosse impossível ou ilícita, o negócio jurídico
produzia, na época clássica, todos os seus efeitos, considerando-se o modo
acrescentado. Diferente é a solução justinianeia: o negócio jurídico somente se
considera válido se o modo impossível ou ilícito não foi o motivo determinante da
liberalidade.

● Substituição e representação (pp. 201, Santos Justo):


A substituição reveste duas formas/figuras: nuntius ou fillius e servus.
1) Nuntius é alguém que comunica a vontade alheia; a pessoa limita-se a transmitir a
vontade de uma pessoa (ex: é um mensageiro/correio fidedigno que leva uma carta que
contém a vontade para um negócio jurídico). O nuntius não intervém, a sua vontade não
tem qualquer efeito, só o do credor e do devedor. Os efeitos jurídicos repercurtem-se na
esfera jurídica de quem manifestou a sua vontade através do nuntius (agente de
comunicação). Pode ser uma pessoa incapaz jurídicamente; o que se lhe pede é que
transmita uma manifestação de vontade do dono do negócio. Há negócios na qual não
pode haver representação, pode haver nuntius.

2) Fillius e servus (escravos):


Os negócios realizados ao fillius (submetido à potesta do pai) e do servus (submetido ao
domínio do dominus) repercurtem-se necessáriamente na esfera jurídica do dominus
pois estão ambos sujeitos ao domínio.
Beneficiam o paterfamilias ou o dominus; eles não podem contrair obrigações para o
paterfamilias ou para o dominus. O pretor para garantia das pessoas que negoceiam
com o fillius e servus estabelecem uma série de actios para garantir a justiça:
1) Actio quod iussu;
2) Actio institoria (diz respeito a dívidas comerciais terrestres);

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3) Actio exercitória (refere-se a dívidas comerciais por via marítima);
4) Actio de peculio;
5) Actio de in rem verso;
6) Actio tributoria;

A responsabilidade do paterfamilias ou do dominus não afastava a responsabilidade do


filius e do servus.

Representação: pode ser imediata ou directa e mediata ou indirecta:


- Imediata ou directa:
É a representação propriamente. Nos negócios jurídicos vamos ter um comprador e um
vendedor e um representante e um representado, isto é, o negócio jurídico é realizado
pelo representantr que tem poder para representar e os efeitos jurídicos são incluídos na
esfera jurídica do representado (é o que acontece à compra de uma determinada coisa
através de uma procuração).
O DR não utilizou a representação imediata, desconhecendo-a mesmo; no entanto, as
exigências do comércio acabaram por impor algumas formas de representação directa.
O representante podia ser um curador, tutor ou procurador, que agia em nome e
interesse do representado.

- Mediata ou indirecta:
Acontece quando uma pessoa actua por conta e no interesse de outra, celebra um
negócio jurídico cujos efeitos se produzem na sua esfera jurídica e depois, por força
duma relação jurídica pré-existente, é obrigada a transmitir esses efeitos à pessoa por
conta de quem e em cujo interesse actuou.
Esta relação jurídica entre representado e representante indirecto pode ser:
a)Legal: sucede com a tutela, curatela e algumas vezes na representação de pessoas
jurídicas;
b)Voluntária: Acontece com a nomeação de uma pessoa sui iuris como encarregado
de administrar todo o património ou encarregado de gerir um assunto determinado; com
o cognitor; ou quando, num contrato de mandato, alguém encarrega outra pessoa de
realizar uma determinada actividade.

No caso de alguém realizar negócio jurídicos por conta de outra pessoa sem estar
autorizado e sem pré-existir um vínculo jurídico, se esta confirmar o negócio jurídico,
assume retroactivamente perante quem realizou a mesma posição que teria se tivesse
autorizado previamente o representante. Trata-se do princípio ratihibitio mandato
comparatur, na qual, o negócio jurídico realizado pelo representante sem mandato é
considerado como se tivesse sido celebrado por um mandatário. Porém, não prejudica
os direitos eventualmente adquiridos por um terceiro entre a conclusão do negócio e a
ratificação.

● Anormalidades (pp. 206, Santos Justo):


Num negócio jurídico, são elementos essenciais a vontade e a sua declaração ou
manifestação. Todavia pode suceder que haja uma discordância entre o que se quer e o
declarado (toma o nome de vícios da declaração) ou embora haja concordância, a

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vontade não se tenha formado de normal e são, por isso, motivações irregulares
(denomina-se vícios de vontade).
 Divergência vontade-declaração:
1) Consciente ou intencional:
a) Simulação: divergência intencional entre a vontade e a declaração que procede de um
acordo entre o declarante e o declaratário e é determinada com o intuito de enganar
terceiros. Ditinguem-se a simulação absoluta (onde os simuladores fingem realizar um
negócio jurídico, mas, na verdade, não querem negócio jurídico nenhum) e simulação
relativa (na qual os simuladores fingem um negócio jurídico diferente do que na
verdade pretendem realizar).
Os efeitos da simulação variaram nas diferentes épocas do DR: na época arcaica, a
simulação era irrelevante, so se considerava a verba (declaração); Na época clássica, há
uma vasta casuística com soluções fundadas em argumentos por vezes estranhos à
simulação. Nas épocas pós-clássica e justinianeia parece ter-se imposto um conceito de
simulação que permitiu reagrupar os casos práticos.
A simulação distingue-se dos negócios:
- Imaginários: são aqueles que se tornaram formalidades utilizadas em diversos
negócios efectivamente queridos e não simulados;
- Fiduciários: São aqueles que são queridos, produzem os seus efeitos normais mas
tão limitados por pactos fidunciários.

b) Reserva mental: É uma declaração consciente e divergente entre a vontade real e a


declarada com o objectivo de enganar o declaratário. O DR considerava o negócio
jurídico válido como resultante da declaração.

c) Declarações não-sérias: São manifestações de vontade negocial com uma finalidade


jocosa, cénica ou didáctica. O declarante não tem qualquer vontade negocial efectiva,
por isso, não produzem efeitos jurídicos. Não se afasta a hipótese de o destinatário
considerar, nas declarações jocosas, a declaração séria, situação que suscita a
responsabilidade do declarante por danos causados.

2) Inconsciente ou não intencional:


a) Coacção absoluta: O declarante é reduzido à condição de simples autómato; é um
instrumento na mão do coactor (que deve ter mais força que o coagido), que domina
pela força (a pessoa é forçada a praticar o acto).

b) Erro na declaração: o declarante declara algo de boa-fé mas na realidade diz outra.
Na época classica é visível uma orientação segundo a qual são ineficazes os negócios
jurídicos quando o erro apresente as seguintes características:
 Desculpabilidade: o erro não deve tratar-se duma ignorância, cometido pelo homem
médio.
 Essencialidade: se o erro não se tivesse cometido, o négocio não tinha acontecido.

Em DR há 2 tipos de negócios:
 Mortis-causa: considera-se que o pensamento do disponente seja compatível com a
declaração;

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 Inter vivos: há a preocupação em coincidir a vontade com a segurança das relações
jurídicas. Importa distiguir:
1) Erro no negócio: tem a ver com a redacção do contrato. É nulo, não era a vontade;
2) Erro na pessoa: Há por exemplo, 2 gémeos, e um faz o negócio na vez do outro - É
nulo!
3) Erro no objecto: Ex: alguém diz que quer vender uma quinta mas enganou-se no
nome da quinta - o negócio é nulo.
4) Erro na quantidade: incide sobre a quantidade ou dimensões Há uma divergência e
entende-se no direito justinianeu que o negócio seria válido porque falta o consenso.

 Vícios da vontade:
Pode tomar a forma de erro-vício; dolo e coacção:
1) Erro-vício: consiste na ignorância ou numa falsa ideia do declarante sobre alguma
circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade
porque, se tivesse conhecido o verdadeiro estado das coisas, não teria querido o
negócio, ou pelo menos, não nos termos em que o comcluiu. Trata-se dum erro que
recai nos motivos que determinam a vontade.
O erro-vício pode recair sobre:
 Os pressupostos do negócio;
 A identidade duma pessoa;
 o objecto;
 Os motivos dum negócio;

2) Dolo: é uma astúcia, falácia ou maquinação utilizada para iludir, seduzir ou enganar
alguém. Trata-se de artifícios de que uma pessoa se serve para enganar outra de forma a
que manifeste a sua vontade num determinado sentido que não manifestaria ou
declararia em sentido diferente. O dolo compreende 2 momentos:
a) o conhecimento da actividade fraudulenta;
b) a decisão ou propósito de realizar essa actividade

3) Coacção: é a violência moral que consiste na ameaça dum mal grave a uma pessoa,
património ou familiar, para que faça um determinado negócio jurídico.

● Ineficácia (pp.219, Santos Justo):


Na ciência moderna elaboraram-se várias teorias a propósito da ineficácia dos negócios
jurídicos. Os jurisconsultos romanos não construíram uma doutrina sobre as
anormalidades dos negócios jurídicos nem ofereceram uma teoria sobre a ineficácia.
Fala-se de ineficácia quando um negócio jurídico não produz todos ou parte dos efeitos
que tende a produzir. Trata-se duma noção ampla que engloba várias modalidades: a
inexistência, a invalidade e a ineficácia em sentido estrito:
1) Inexistência: é a modalidade mais grave de ineficácia e verifica-se quando nem
sequer na aparência existe uma qualquer materialidade de certo negócio jurídico ou
quando, embora exista uma aparência, a realidade não corresponde a esse negócio. A
inexistência distingue-se da invalidade pois considera que o negócio jurídico chegou a
ser concluído.
2) Invalidade: fala-se de invalidade quando a ineficácia do negócio jurídico procede de

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vícios que afectam os elementos internos (essenciais) desse negócio. Compreende a
nulidade (que é produzida por um vício mais grave que afecta o interesse público; e não
produz efeitos jurídicos. Pode ser total ou parcial e inicial ou sucessiva) e a
anulabilidade (é um vício menos grave e tutela fundamentalmente interesses privados.
O seu regime é diferente do que caracteriza a nulidade).
3) Ineficácia em sentido estrito: existe quando o negócio jurídico se considera válido
mas não produz todos os seus efeitos jurídicos.

- Sanação: A teoria da sanação da invalidade dos negócios jurídicos foi elaborada pelos
Pnadectístas no estudo de situações em que é possível corrigir os seus vícios e
tranformá-los em negócios plenamente válidos.
- Conversão: segundo a moderna dogmática, fala-se de conversão quando um negócio
jurídico, inválido por não satisfazer os requisitos exigidos a uma determinado tipo,
produz os efeitos jurídicos que são próprios de outro negócio. É possível se:
a) O ordenamento jurídico autorizar;
b) O primeiro negócio jurídico contiver os requisitos essenciais necessários à validade
do novo tipo;
c) A vontade hipotética das partes for nesse sentido;
d) O novo negócio proporcionar a consecução dos mesmos fins que as partes
perseguiam no primeiro.

● Interpretação (pp. 226, Santos Justo):


Como o negócio jurídico é um instrumento através do qual as partes manifestam a sua
vontade de obter um resultado jurídico, urge determinar o seu sentido e apreciar se
expressaram as suas vontade, ou seja, fazer a sua interpretação.
Fala-se de interpretação em vários sentidos:
1)Literal (típica ou objectiva): valoriza a declaração de vontade tal como a entenderia
um homem médio;
2) Espiritual (subjectiva ou individual): preocupa-se unicamente com o sentido que o
agente quis atribuir;
3) Declarativa: procura determinar apenas a vontade que a declaração manifesta;
4) Integrativa: tende a completar a vontade declarada, sanando a sua formulação
imperfeita ou integrando as lacunas que dificultam a sua valorização.

A interpretação apresenta orientações diferentes consoante o negócio jurídico a


interpretar. Por isso, distinguem-se os negócios:
a) Mortis-causa: a interpretação visa determinar a verdadeira vontade do testador;
b) Inter vivos: a pessoa que celebra um negócio jurídico deve manifestar claramente a
sua vontade para que a outra parte possa entender, casa contrário, deve suportar as
consequências da sua falta de clareza.

● Classificação (pp.228, Santos Justo):


1) Negócios Jurídicos unilaterais e bilaterais:
São unilaterais os negócios jurídicos em que há só uma declaração de vontade ou
várias declarações de um só grupo, um só lado, de uma única parte. (ex.: testamento,
aceitação de herança, revogação ou renúncia a um mandato, a emancipação, etc.).

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Bilaterais são os negócios ou contratos em que há duas ou mais declarações de
vontade. (ex.: compra e venda, adopção, matrimónio, etc.). Dentro dos negócios
jurídicos bilaterais ou contratos, distinguem-se os contractos:
a) unilaterais: só produzem obrigações para uma das partes (ex: mútuo, doacção,etc.);
b) bilaterais: produzem obrigações para ambas as partes. (ex.: compra e venda,
arrendamento, etc.).
c) bilaterais imperfeitos: produzem inicialmente obrigação só para uma das partes,
mas há a possibilidade de, mais tarde, surgirem obrigações para a outra parte. (ex.:
comodato, depósito, penhor).

2) Negócios jurídicos formais (ou solenes) e não formais (ou não solenes):
São formais (ou solenes) os negócios jurídicos cuja existência depende da observância
duma forma precisa e taxativamente prescrita pelo ordenamento jurídico. (ex.:
macipatio, in iure cessio, stipulatio e a acceptilatio).
Não formais ou não solenes são os negócios jurídicos cuja vontade pode manifestar-se
de qualquer modo. Estes negócios pertencem aos ius civile e ao ius praetorium.
As formas através do qual a vontade se manifesta podem ser por: ad probationem ou ad
substantiam.

3) Negócios jurídicos onerosos e gratuitos:


São onerosos os negócios jurídicos que pressupõem prestações de ambas as partes que
se equivalem ou equilibram. São gratuitos os negócios jurídicos em que há uma
aquisição sem a correspondente perda. (ex.: doação, depósito e comodato).

4) Negócios jurídicos causais e abstractos:


É causal o negócio jurídico cuja função económico-social é inserida na sua estrutura,
dotando-a duma fisionomia própria e permitindo-o caracterizar como um tipo bem
definido. (ex.: numa compra e venda, a causa é a troca da coisa pelo preço a pagar).
É abstracto o negócio jurídico cuja causa não pertence à sua estrutura e, por isso, pode
ser utilizado para vários fins.

5) Negócios jurídicos mortis causa e inter vivos:


São mortis causa os negócios que produzem efeitos depois da morte do disponente. É
exemplo disso os testamentos. As características dos negócios mortis causa são:
a) O disponente manifesta a vontade de que os efeitos jurídicos se produzam só
depois da sua morte;
b) O objecto da manifestação de vontade são relações jurídicas de que o disponente é
titular;
c) embora sejam negócios causais, a vontade deve manifestar-se numa forma prescrita
que assegura a sua efectiva existência.

São inter vivos os negócios jurídicos que produzem efeitos jurídicos em vida das partes
sem ter que esperar-se pela morte do declarante. Sucede com a maioria dos negócios
jurídicos.

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6) Negócios jurídicos iuris civilis, iuris honorarii (ou praetorium) e iuris gentium:
São negócios jurídicos do ius civile aqueles cujos efeitos jurídicos operam no campo
do ius civile. São solenes e só acessíveis aos cives romani assim como a sponsio, a
stipulatio, a mancipatio, etc.). São negócios jurídicos iuris honorarii (ou praetorium)
aqueles que, embora reconhecidos pelo ius civile, são protegidos pelo pretor no
exercício da sua função jurisdicional. São iuris gentium os negócios jurídicos que
também podem ser realizados por peregrinos como por exemplo a compra e venda.

FIM...

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