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RECREAÇÃO E LAZER

Recreação e Lazer: Apontamentos Históricos e Conceituais no Campo


da Educação Física.
RECREAÇÃO E LAZER: VÍNCULOS HISTÓRICOS
Dessa forma, para responder à indagação formulada e estimular você a pensar sobre essa
relação tão usual em nossa área e no cotidiano de muitas pessoas, buscaremos referências na
história, no sentido de elucidar os vínculos que, ao longo dos tempos, foram construídos entre
a recreação e o lazer.

De antemão, já teríamos condições de apontar um elemento interessante, mas não suficiente,


que serve de indicativo para o entendimento dessa relação. De acordo com Werneck (2003, p.
17-18), "essa aproximação entre a recreação e o lazer é uma resposta histórica à forma como a
Educação Física vem lidando com esses saberes na formação profissional e no mercado de
trabalho em nosso país".

Diante dessa afirmação, devemos procurar entender como a Educação Física lidou com os
saberes que emanavam dos campos da recreação e do lazer, ao mesmo tempo que
incorporava esses conhecimentos à formação de seus agentes. Certamente, esse processo
possuía implicações diretas na sociedade da época, forjando indivíduos alinhados com o
projeto societário que se almejava, e contando, para isto, com o auxílio dos profissionais que
se formavam.

(Autores como Gomes (2008) e Melo (2003) apontam que o desenvolvimento de práticas
recreativas foi responsável pela criação dos cursos de formação profissional em Educação
Física em nosso país.).

Aspectos históricos da recreação


A história da recreação no Brasil está atrelada à instituição escolar e, poderíamos dizer, à
própria história da Educação, com destaque para o ensino público primário (educação infantil).

A sua ocorrência ao longo do século 19 aparece como instrumento educativo a serviço do


projeto médico-higienista que visava disseminar ideias e programas relacionados à saúde, à
aquisição de hábitos higiênicos, à atenção sobre a infância e ao bem-estar físico e moral por
meio do controle corporal da população brasileira. Tais ações deveriam culminar na
modificação de comportamentos e modos de vida herdados do período colonial (MARCASSA,
2004).

Esse modelo que se pretendia ver edificado procurava atuar na saúde biológica e social da
população, possuindo ingerência no cotidiano dos indivíduos. Buscava-se uma reformulação
das consciências e dos saberes sobre o corpo e seus cuidados, sobre as práticas corporais e sua
importância para a época. Nesse sentido, as atribuições da escola se modificam, e essa
instituição adquire uma nova responsabilidade em face do ideário de progresso social que
norteia as ações pedagógicas que ali se desenvolvem (MARCASSA, 2004).

Não obstante, o controle corporal que se impõe à população brasileira vê na recreação um


instrumento pedagógico de grande valor e cuja orientação era disciplinar as práticas corporais
desfrutadas no tempo livre, para que elas não se flexibilizassem com a preguiça. A recreação
torna-se, então, uma estratégia de controle dos tempos, espaços e práticas realizadas na
escola, sobretudo nos interstícios entre as atividades obrigatórias (MARCASSA, 2004).

A tão temida lassidão não combinava com os pensamentos e atitudes que os idealizadores
desse projeto societário tentavam propagar. A ociosidade poderia levar os indivíduos à
vagabundagem, à capoeiragem (também vista como algo negativo) e aos vícios que seriam
prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral das pessoas. Diante desse quadro, a recreação
atua decisivamente no sentido de propor atividades "sadias", capazes de distinguir
afirmativamente o corpo higienizado e o relapso corpo herdado da tradição colonial
(MARCASSA, 2004).

As reconhecidas atividades "sadias" seriam possibilitadas mediante um programa escolar


que incluísse a vivência de jogos, brincadeiras e exercícios ginásticos rigorosamente
planejados e capazes de desenvolver os comportamentos e atitudes esperados para a época,
sem desperdício de tempo.

É por meio das atividades recreativas que os limites entre tempo de trabalho e tempo livre são
constituídos e assimilados desde as etapas iniciais do processo de escolarização das crianças
(educação infantil), respondendo a interesses político-ideológicos. Dessa forma, forja-se, no
interior da sociedade, um sistema de recompensa ao esforço empreendido no trabalho (e aqui
incluímos o trabalho escolar), essencial às exigências do mundo do trabalho e da sociedade
liberal e capitalista que se desenvolvia (MARCASSA, 2002).

De forma sintética, Marcassa (2004, p. 198) se expressa para apontar o papel da recreação
nesse período histórico:
[...] sob os preceitos da ordem, da disciplina e do comportamento saudável incorporados à
escola, a recreação manifesta-se como coadjuvante do processo educativo para o alcance da
melhor forma de recuperação das forças para o retorno ao trabalho, incluso aí o trabalho
escolar, a diminuição da delinqüência e a ocupação adequada do tempo livre, fazendo-se
protagonista da construção da harmonia e do progresso. E tamanho era o "dever civilizador"
das atividades escolares que ele acaba justificando não só a efervescência de movimentos
políticos e sociais pela instrução da população brasileira, como também reforçando, cada vez
mais, a prática da recreação como estratégia de controle do tempo livre, tanto dentro, como
fora da escola (Grifos nossos).

Diante dessas primeiras palavras acerca da trajetória histórica da recreação em nosso país,
podemos perceber que ela participa da história da educação na condição de um vigoroso
recurso disciplinar, inicialmente destinado à educação infantil, mas à qual a ela não se
restringe, alcançando também o processo formativo, moral e cívico de jovens e adultos.

Com o passar do tempo, mais precisamente das três primeiras décadas do século 20,
assistimos, no cenário educacional brasileiro, à emergência de novas concepções político-
pedagógicas, sintetizadas no que podemos chamar de "escolanovismo" ou, simplesmente,
"Escola Nova".

Para uma análise crítica dessa nova concepção político-pedagógica, leia a obra Escola e
democracia, de Saviani (2002).

As mudanças advindas da difusão desse ideário pedagógico acenam para a edificação de


uma escola renovada, capaz de superar a pedagogia tradicional. Nos dizeres de Saviani
(2002, p. 7),
A pedagogia nova começa, pois, por efetuar a crítica da pedagogia tradicional, esboçando uma
nova maneira de interpretar a educação e ensaiando implantá-la, primeiro, através de
experiências restritas; depois, advogando sua generalização no âmbito dos sistemas escolares.

No interior dessas transformações, passam a ter centralidade alguns aspectos que não
figuravam como (tão) essenciais para a educação até então, tais como: qualidade de ensino,
ênfase nos métodos e processos pedagógicos e processo de ensino e de aprendizagem
centrado no aluno, para citar apenas alguns.

Muito embora possamos perceber que mudanças ocorreram no interior da escola


(principalmente no que se refere aos métodos de ensino e de aprendizagem), a importância
dos jogos, das brincadeiras e da ginástica "para a formação da personalidade, da civilidade, da
disciplina e da liberdade" (MARCASSA, 2004, p. 199).

Apesar do destaque conferido aos três conteúdos (jogos, brincadeiras e ginástica), no interior
do movimento escolanovista um embate se estabelece visando salientar à qual deles caberia
uma maior eficácia na consolidação da ordem burguesa e capitalista em curso. Enquanto
Fernando de Azevedo defendia a utilização da Ginástica Sueca como forma ideal para o
emprego do tempo livre e ocupação útil do corpo e da mente, Anísio Teixeira buscava destacar
o papel dos jogos e brincadeiras no amoldamento do caráter e da personalidade infantil,
afirmando que esses conteúdos responderiam melhor aos anseios das crianças (MARCASSA,
2004).

De acordo com Werneck (2003, p. 25), o fato é que estamos diante de um contexto em que,
por meio das atividades recreativas, "o controle é dissimulado em um suposto clima de
‘espontaneidade’ e ‘liberdade’ proporcionado pela vivência do jogo que, como uma ‘receita’,
colabora com o processo de reprodução cultural".

Dessa forma, os jogos (com regras, de recreio ou envolvendo outras atividades corporais)
realizados nos diferentes espaços contribuem para o amoldamento das personalidades e
condutas de toda a comunidade (seja escolar ou não escolar), no sentido de adaptar os
sujeitos às novas relações de trabalho que eram gestadas no processo de consolidação da
ordem burguesa e capitalista.

Vimos afirmando que a história da recreação não se circunscreve somente ao âmbito


escolar, sendo utilizada em outros tempos e espaços sociais.

A partir da década de 1920, em nosso país, encontramos os primeiros equipamentos


públicos de lazer, os chamados Centros de Recreio, que utilizam a prática da recreação com o
objetivo de proporcionar uma ocupação adequada do tempo de lazer e diversão. Esses
espaços foram criados paralelamente aos projetos de urbanização e modernização dos
grandes centros urbanos brasileiros (MARCASSA, 2004).

A experiência pioneira com a estruturação de programas de recreação surgiria em Porto


Alegre, por iniciativa de Frederico Gaelzer, em fins da década de 1920, logo se propagando
para outras cidades do Rio Grande do Sul (MELO, 2003).

Essa experiência na capital gaúcha se torna diferenciada para a época, pois os locais públicos
deveriam possibilitar a prática de atividades físicas e recreativas direcionadas, o que constitui
uma experiência educativa inovadora no referido período em nosso país. Para isso, era
imprescindível que houvesse equipamentos e serviços especializados a fim de orientar e
educar os frequentadores desses espaços, a exemplo do trabalho que vinha sendo
desenvolvido com êxito em vários países, especialmente os Estados Unidos (GOMES, 2008).

Outra iniciativa de destaque no cenário nacional ocorreu em 1935, em São Paulo, com a
criação do Serviço Municipal de Jogos e Recreio, coordenado por Nicanor Miranda. Para ele,
de acordo com Marcassa (2004, p. 200):

[...] os centros de recreio, além de equacionar o problema higiênico, recreativo e educacional,


eram necessários à ordem social e municipal, uma vez que a recreação era capaz de promover
a saúde física e mental do cidadão exausto nas metrópoles devido aos múltiplos contratempos
provocados pela vida moderna.

Durante a gestão de Miranda, são criados os Parques de Jogos, que abrigavam os programas
de Parques Infantis, e os Clubes de Menores Operários. As ações desenvolvidas em seu
contexto visavam contribuir para a preparação e a integração da força jovem de trabalho ao
mercado cada vez mais competitivo e industrializado (MARCASSA, 2004).

O SRO era um órgão incumbido de difundir e coordenar atividades nos setores cultural,
desportivo e de escotismo (RODRIGUES, 2006; WERNECK, 2003).

Muito embora a não ocupação ou a utilização inadequada das horas de lazer continuasse se
configurando como um problema social que poderia colocar em risco a lógica capitalista,
passamos a observar uma mudança no significado e na utilização da recreação no contexto
histórico em questão.

Diferentemente dos ideários médico-higienistas (como mero recurso disciplinador e gerador


de corpos e mentes saudáveis) e escolanovistas (como uma atividade útil para organização e
emprego apropriado do tempo livre do trabalho), o sentido atribuído à recreação incide
sobre os anseios da sociedade do capital, ou seja, do controle de todas as dimensões da vida
humana, seja dentro ou fora do trabalho. Sendo assim, conforme Marcassa (2004, p. 200), a
recreação responde ....

[...] como um conjunto de atividades operacionais, como conteúdo a ser desenvolvido no


tempo/espaço de lazer, à necessidade de reposição, manutenção e preparação da força de
trabalho, ou melhor, como fenômeno submetido à lógica da política e da economia do
trabalho.

Como se vê, a recreação passa a ser um instrumento organizador dos lazeres dos indivíduos.

Após percorrer as trilhas da história da recreação em nosso país, passaremos, agora, a realizar
uma incursão sobre a história do lazer.

Ocorrência histórica do lazer


Representantes dessa tendência consideram que o lazer surge em conformidade com o
sistema capitalista nos centros urbanos-industrializados, período no qual passamos a observar
uma clara cisão entre "tempo de trabalho" e de "não trabalho", fruto das transformações
decorrentes da Revolução Industrial.
Nesse momento histórico, a organização temporal das atividades cotidianas não está mais
submetida ao "tempo natural", expressando-se na forma de "tempo mecânico".

Seguidores da tese de que o lazer sempre existiu, que sempre fez parte do cotidiano das
pessoas, tais como De Grazia (1966), Medeiros (1975) e Munné (1980), situam a origem desse
fenômeno nas fases mais remotas da história humana. Para alguns, o ponto de partida da
gênese do lazer pode ser localizado nas sociedades arcaicas, para outros, remonta à
Antiguidade grega.

Esse tipo de manifestação (o lazer) poderia ser expresso por meio de uma série de atividades
recreativas, como: jogos, danças campestres, banquetes, músicas, pescarias, contos de poesia,
folguedos populares, bailes e festas, feiras e romarias.

Para De Grazia (1966), outro adepto dessa primeira corrente, os povos primitivos e as
civilizações do Oriente, do Egito ou da Pérsia, que antecederam a Antiguidade grega, não
tinham lazer.

Outro autor que pode ser citado é Frederic Munné (1980), também partidário da tendência
de que o lazer antecede à Modernidade e se situa na Antiguidade. De acordo com esse
estudioso, o "cio" é um modo típico de nos comportarmos no tempo, o qual se estrutura em
quatro áreas de atividade:

1) tempo psicobiológico: destinado a necessidades fisiológicas e psíquicas;

2) tempo socioeconômico: fundamentalmente relativo ao trabalho;

3) tempo sociocultural: em que nos dedicamos à vida em sociedade;

4) tempo de "ócio": ou seja, de lazer, destinado a atividades de desfrute pessoal e coletivo


(MUNNÉ; CODINA, 2002).

A partir desse pensamento, poderíamos concluir que o lazer sempre fez parte da vida dos
indivíduos.

Os Autores que são contra a existência do lazer na antiguidade ...

Dumazedier (1979) não acredita que a ociosidade dos filósofos da antiga Grécia ou da
aristocracia medieval possa ser chamada de lazer. Para ele, esses privilegiados, cultos ou não,
sustentavam sua ociosidade com o suor do trabalho alheio. Tal ociosidade não se define em
relação ao trabalho, não o complementa nem o compensa, apenas o substitui. Para o autor, o
lazer pressupõe o trabalho.

O autor reconhece que o tempo fora do trabalho é tão antigo quanto o próprio trabalho, mas
defende de forma enfática a ideia de que o lazer possui traços específicos, característicos da
civilização nascida da Revolução Industrial.

Recentemente, Melo e Alves Junior (2003, p. 2) apresentaram suas contribuições para a


defesa desse modo de compreender a ocorrência histórica do lazer, afirmando que:

A contínua busca de formas de diversão não significa ter sempre existido o que hoje
chamamos por lazer, na medida em que tais formas de diversão guardam especificidades
condizentes com cada época, que devem ser analisadas com cuidado. Por certo, existem
similaridades com o que foi vivido em momentos anteriores – e mesmo por isso devemos
conhecê-los –, mas o que hoje entendemos como lazer guarda peculiaridades que somente
podem ser compreendidas em sua existência concreta atual. O fato de haver equivalências não
significa que os fenômenos sejam os mesmos.

E, continuando com as reflexões acerca da emergência histórica sobre o lazer, Melo e Alves
Junior (2003, p. 2) apontam que...

[...] somente a partir de determinado momento da história que se começa a utilizar a palavra
lazer para definir um fenômeno social; antes, outras palavras denominavam outros
fenômenos, similares mas não iguais.

Esse momento pode ser apontado como a Revolução Industrial, conforme vimos
anteriormente.

Continuando nessa linha, também podemos situar as contribuições de Mascarenhas (2005,


p. 230), quando este afirma:

A ruptura com o ritmo "natural" de trabalho, uma imposição peculiar ao capitalismo


industrial, como não poderia ser diferente, implicou numa verdadeira revolução do tempo
social, opondo tempo livre e tempo de trabalho. A possibilidade de alternância contínua dos
momentos de trabalho e não-trabalho começa aí a ser suplantada. Nesta direção, a
produtividade expressa pela nova disciplina do relógio torna-se a grande inimiga do ócio,
invadindo a esfera do tempo livre e buscando conciliá-lo ao trabalho. É então neste
movimento de administração do tempo livre, de peleja contra os valores, hábitos e
comportamentos inerentes ao ócio, que podemos localizar o aparecimento do lazer,
fenômeno condizente com a ideologia da sociedade industrial.

Sintetizando o que discutimos até então, as questões podem ser colocadas nos seguintes
termos: de um lado, temos os estudiosos que conferem a existência do lazer, já desde os
primórdios da humanidade, não havendo a necessidade de reconhecer a Revolução Industrial
e as suas transformações como ponto de partida para o surgimento do lazer; do outro, um
grupo de autores que se baseia nesse período histórico para defender que, a partir das tensões
e transformações sociais promovidas por esse evento histórico, teríamos a gênese do lazer.

Os argumentos elaborados por Dumazedier, especialmente no que diz respeito à


consideração do lazer como típico da civilização industrial, revelam seu esforço por conferir à
chamada "sociologia do lazer" o estatuto de ciência (GOMES, 2004b).

Para a sociologia do lazer ser reconhecida como um ramo especializado da sociologia, os


pesquisadores do lazer deveriam, entre outros procedimentos:

1) fazer um recorte do objeto estudado;

2) elaborar hipóteses e verificá-las;

3) utilizar estratégias metodológicas tidas como confiáveis;

4) formular quadros de referência;

5) apontar categorias de análise.

Os encaminhamentos anteriores seriam imprescindíveis para se distinguir a sociologia do lazer


dos outros ramos já estabelecidos na área: sociologia do trabalho, sociologia da família,
sociologia da religião, dentre outros. Caso não houvesse essa diferenciação, os estudos sobre o
lazer acabariam penetrando em outros campos, pois as manifestações culturais vivenciadas
antes da Revolução Industrial se mesclavam com as outras dimensões da cultura.

Seguindo esse raciocínio, se as pessoas associassem o lazer com as ações religiosas, por
exemplo, as pesquisas sobre o tema poderiam se encaixar perfeitamente na sociologia da
religião, não sendo necessária uma sociologia do lazer.

Tomando a mesma linha de pensamento, para exemplificar, verifica-se que a integração entre
lazer e religião é muito comum em nosso meio, uma vez que é muito difícil separar o lazer de
determinados ritos e festejos religiosos.

Reconhecer a coerência e o mérito do arcabouço teórico formulado por Dumazedier não


significa que tenhamos de acatar todas as suas ideias. As evidências revelam que o lazer não é
um fenômeno observável apenas nas civilizações industriais avançadas.

Ao mesmo tempo que há diferenças marcantes entre o passado e o presente, também há


correlações importantes a serem avaliadas. Conhecer e considerar as peculiaridades de outras
realidades que compõem a nossa história pode fornecer contribuições significativas para
apreendermos o processo de constituição do lazer.

A vivência das manifestações e das tradições culturais da humanidade também pode nos
auxiliar a compreender os significados comumente atribuídos ao lazer. Mesmo que algumas
ideias devam ser repensadas e revistas, esse é um lado da questão que ressalta a importância
das pesquisas dos autores que afirmam não ser o lazer um fenômeno recente (GOMES,
2004b). Tal suposição convida-nos a recuar na nossa história com o intuito de investigar e
compreender alguns dos princípios que influenciaram a constituição do lazer.

Dessa forma, no próximo tópico, realizaremos um recuo ao passado, em uma tentativa de


conhecer algumas características que possam nos auxiliar na compreensão do processo de
constituição histórica do lazer em nosso meio.

Diversos caminhos poderiam ter sido seguidos, porém, pela riqueza de elementos, três
contextos devem ser privilegiados: a sociedade greco-romana da Antiguidade; a feudal, da
Idade Média; e a urbano-industrial, da Modernidade.

Sociedade greco-romana
Foi aproximadamente no século 5º a. C. que ocorreu o "florescimento cultural do mundo
grego", como o denominam os historiadores. Essa época é conhecida como a fase clássica da
Grécia, representada pelo apogeu de Atenas: capital das artes, da ciência, da filosofia e da
política, fervilhante de novas ideias.

Os atenienses demonstravam paixão pela perfeição. Suas construções eram imponentes, a


arquitetura e o artesanato primavam pela riqueza de detalhes; os jogos olímpicos eram
motivados pela busca da excelência.

Os jogos aconteciam no monte Olimpo e eram, antes de tudo, um evento de cunho religioso,
no qual deveriam ser oferecidos sacrifícios e orações a Zeus.

Além de Zeus, muitos outros deuses eram cultuados pelos gregos. Acredita-se que o teatro, a
tragédia, a comédia e a declamação da poesia tiveram origem nos rituais realizados pelas
seguidoras de Dionísio, o deus do vinho. A Grécia clássica abrigava uma centena de anfiteatros,
e neles se encenavam muitas peças sobre vários temas.

Em geral, quando as heranças gregas são consideradas nas discussões sobre o lazer, os autores
que debatem o assunto não se debruçam sobre os significados das práticas culturais, como as
citadas anteriormente. Na maioria das vezes, são estabelecidas reflexões sobre o ócio, o que
nos remete ao termo grego skholé, que também é de grande valor para a compreensão do
processo de constituição histórica do lazer (GOMES, 2008).

Significado das Palavras ...

Skholè (σχολή) é uma palavra grega que significa “ócio, tempo livre”, palavra
esta que é também a raiz da palavra “escola” (do latim schola).

Esse estado seria alcançado apenas por aqueles que conseguiam libertar-se da necessidade de
trabalhar, pois o trabalho produtivo era visto como indigno. O ideal clássico de lazer indicava,
portanto, distinção social, liberdade, qualidade ética, relação com as artes liberais e busca do
conhecimento.

Para Aristóteles (s.d), nem todos poderiam se entregar ao ócio (Tempo Livre), pois a maioria se
ocupava com a produção do que era necessário e útil e com o exercício da guerra – como os
artesãos, os lavradores e os guerreiros. Mas, para esse filósofo, valia muito mais gozar da paz e
do repouso proporcionados pelo ócio (Tempo Livre) , que era o inverso da vida ativa.

Para você, o que a expressão "vida ativa" representava naquela época?

A expressão vita activa designava três atividades humanas fundamentais. A primeira delas é
o labor, atividade que correspondia ao processo biológico do corpo humano, relacionada às
necessidades vitais, assegurando a sobrevivência do indivíduo e a perpetuação da espécie.

Aristóteles foi aluno de Platão. De acordo com a filosofia platônica, tal como expresso em suas
Leis, um verdadeiro cidadão não deveria trabalhar, e sim dedicar-se integralmente à vida
contemplativa. De fato, acreditava-se que um cidadão virtuoso não "trabalhava". Quando este
destinava um tempo às suas tarefas políticas (caso desempenhasse algum cargo público), ou a
seus afazeres econômicos (como administrar seus domínios, cultivados pelos escravos), não
estava "trabalhando", apenas zelando pela vida habitual do espaço público e do privado, como
pontua Veyne (2002).

Tamanho era o desprezo pelo trabalho que, de acordo com Platão, uma cidade bem feita
seria aquela na qual os cidadãos fossem alimentados pelo trabalho rural de seus escravos, e
os ofícios fossem relegados às pessoas "comuns". Uma vida virtuosa deveria ser ociosa. Para
Aristóteles, os escravos, os camponeses e os comerciantes não poderiam ter uma vida
virtuosa, próspera e cheia de nobreza: podem-no somente aqueles que dispõem dos meios
para organizar a própria existência, fixando para si mesmos um objetivo ideal (VEYNE, 2002).

Dessa maneira, apenas os ociosos (Ocioso significa em estado de ócio, aquele que não
tem nenhuma ocupação, que não faz nada da vida) correspondiam, moralmente, ao ideal
humano, merecendo ser reconhecidos como cidadãos.
Essas foram algumas das ideias que marcaram a sociedade clássica grega. No entanto, com as
conquistas de Alexandre da Macedônia, imortalizado como "o Grande", passou-se da idade
grega para a helenística. Alexandre estendeu o império da Grécia às fronteiras da Índia, mas
acabou sucumbindo diante da dificuldade de controlar o vasto território conquistado a partir
de um ponto situado na periferia.

Roma foi bastante influenciada pela cultura helênica. A civilização, a literatura, a arte e a
própria religião provieram quase inteiramente dos gregos. Para Veyne (2002), o Império
Romano foi a civilização helenística nas mãos brutais de um aparelho de Estado − constituído
por imperador e Senado ─ de origem latina. Por essa razão, diz-se que Roma foi um império
fundado na violência e protegido por ela.

Roma estabeleceu-se como núcleo militar e legislativo, localizado no centro do cruzamento


de fios que constituíam a enorme teia do Império. A supremacia de Roma assentava-se em
sua força militar, e os povos conquistados eram defendidos pelos soldados romanos.

Administrar a grande área conquistada pelos romanos não foi uma tarefa simples. Roma
determinou uma moeda única e pavimentou estradas, possibilitando ao seu exército agir
rapidamente diante de ataques inimigos.

Como esclarece Veyne (2002, p. 41), em Roma, "todo homem público fazia carreira pelo pão
e pelo circo". O pão era a base da alimentação de Roma, geralmente produzido em casa,
pelas mulheres.

O império cresceu à custa do pão: os romanos construíram com maestria aquedutos e


cisternas, com os quais aproveitavam a água das chuvas, transformando tudo em
produtividade e riqueza. Entretanto, a queda de Roma deveu-se igualmente ao pão, ou
melhor, à falta de pão para o povo.

O império cresceu à custa do pão: os romanos construíram com maestria aquedutos e


cisternas, com os quais aproveitavam a água das chuvas, transformando tudo em
produtividade e riqueza.

Da mesma maneira que em terra grega, os concursos atléticos e os jogos foram grandes
acontecimentos em Roma, e em todas as cidades do império foram os grandes espetáculos
públicos: tratava-se do circo, representado por algumas das práticas culturais que marcaram
esta civilização (GOMES, 2008).

Banhos públicos, banquetes e festas; representações teatrais, corridas de carros no circo e


combates de gladiadores na arena do Coliseu eram muito apreciados.

Os espetáculos típicos de Roma espalhavam-se pelos anfiteatros do império, e o povo era


fascinado pela morte e pela violência. Na luta de gladiadores, o interesse central da arena
repousava na morte de um dos combatentes. Para o vencedor, a glória, para o derrotado, a
morte – ou a piedade, caso sua vida fosse poupada. Veyne (2002) ressalta que a decisão de
vida ou morte era tomada pelo mecenas que proporcionava o espetáculo e pelo público.

As lutas de gladiadores eram paixões que despertavam o interesse de todos, inclusive de


senadores e pensadores, como Sêneca, que dizia ir ao anfiteatro para se alegrar. Roma vivia
do ímpeto conquistador, e os gladiadores tinham o mérito de fortalecer a coragem dos
espectadores (GOMES, 2008).
Os banquetes, as festas e as orgias romanas eram famosos, mas essas vivências também
encontraram censores, que as consideravam futilidades desprezíveis. Cícero, por exemplo,
aproveitava os dias de espetáculos para escrever seus livros (VEYNE, 2002).

Com isso, no contexto romano, o sentido que prevalece é o de diversão, e não o de


desocupação, como entre os gregos. Para as incursões sobre lazer e trabalho, a síntese que os
romanos fizeram entre o otium e o negotium é de grande valor.

De acordo com Veyne (2002), no que se refere a esse segundo ponto, o pensamento romano
era contraditório. Um notável que negociava não era classificado como negociante, era um
notável. Ele não era definido pelo que fazia, não importando o que fosse. Para ser apenas ele
mesmo, um romano deveria possuir patrimônio.

Profissionais liberais, escritores, filósofos, retóricos, gramáticos e músicos não


"trabalhavam". No máximo, dizia-se que exerciam uma profissão verdadeiramente digna de
um homem livre, ou que eram "amigos" do senhor que os solicitava, justificando, dessa
maneira, um pagamento pela dedicação.

Um pobre, em contrapartida, era sempre classificado conforme seu ofício, como sapateiro
ou operário diarista.

Ao lado do ideal de "ócio e política", que caracterizava a sociedade antiga, uma ideia mais
positiva do trabalho transparece em documentos de origem popular. Muitos se orgulhavam de
seus ofícios, e alguns deles chegavam a pertencer ao Senado municipal de sua cidade; várias
pessoas fizeram fortuna com seu trabalho. Ricos comerciantes, artesãos ou grandes
agricultores mencionavam sua profissão no seu epitáfio, informando que "trabalharam
laboriosamente" (VEYNE, 2002).

O destino de quase toda a população romana era uma luta ardorosa pela sobrevivência. Ou
seja, eles trabalhavam muito. Com a disseminação do cristianismo, muitos aderiram ao
princípio de que quem não trabalhava não teria o que comer. Era, simultaneamente, uma
lição dada a si mesmo e uma advertência ao preguiçoso que pretendia partilhar do pão
obtido pelo suor alheio.

À primeira vista, a convivência entre cristianismo e paganismo não foi pacífica no império.
"O paganismo era uma religião de festas: o culto não passava de uma festa, com a qual os
deuses se divertiam, pois nela encontravam o mesmo prazer que os homens" (VEYNE, 2002,
p. 189). O calendário religioso diferia de uma cidade para outra, mas periodicamente
restaurava festas religiosas, vistas como feriados. A religião determinava a distribuição
irregular dos dias de descanso ao longo do ano.

O império entrou em decadência ao final do século 3º, como consequência de vários fatores:
constantes corrupções das classes altas, revoltas populares, invasão das fronteiras imperiais
e frequentes derrotas nas batalhas. Os bárbaros foram recebidos com entusiasmo pelo
próprio povo romano, há muito assolado pela fome e pela miséria. Nem mesmo a adoção do
cristianismo como religião oficial de Roma foi capaz de refrear o inevitável declínio do
império, cuja degradação foi evidenciada nos primórdios do período medieval (GOMES,
2008).
Sociedade medieval............
A fase conhecida como Idade Média abrange um período muito extenso, com
características profundamente distintas ao longo dos séculos. Essa etapa revelou-se
heterogênea em termos de tempos, lugares, formas de agir e categorias sociais.
Como será evidenciado neste tópico, muitas dessas variáveis influenciaram a
constituição do lazer e do trabalho em nosso meio, especialmente considerando a vida
social das pessoas comuns.
No século 5º, começa a se formar um sistema social, político e econômico conhecido como
feudalismo, cuja origem está relacionada ao declínio do Império Romano do Ocidente,
conforme tratamos no tópico anterior.

Com a queda de Roma, muitos senhores abandonaram as cidades e foram morar no


campo, em suas propriedades. Em busca de trabalho e proteção, os cidadãos de poucas
posses acompanharam os grandes senhores, ocasionando o esvaziamento das cidades e
a completa fixação da população no campo. Surgem, então, os feudos medievais.

Com as invasões na Península Ibérica e na Europa Oriental, a navegação e o comércio


no mar Mediterrâneo foram bloqueados. Isolada dos outros continentes, restou à Europa
efetuar a simples troca de mercadorias, sendo a agricultura praticamente a única atividade
econômica desenvolvida. Essas condições foram decisivas para o estabelecimento dos
feudos.
O feudo era o domínio de um senhor feudal, a unidade de produção do feudalismo.
Compreendia uma ou mais aldeias, as terras cultivadas pelos camponeses, a terra da
Igreja, a casa do senhor (situada na parte mais fértil da propriedade), as pastagens, os
prados e os bosques comuns.

No feudalismo, as relações sociais podiam ser resumidas nas relações entre servos e
senhores. Enquanto os senhores tinham a posse legal das terras e exerciam o poder
político, militar, jurídico e religioso (quando também assumiam as funções eclesiásticas),
os servos estavam presos a obrigações devidas ao senhor e à Igreja. Essas obrigações
podiam ser pagas com bens, serviços, presentes ou dinheiro.

Os servos camponeses suportavam muitas injustiças e sofrimento, e essa exploração era


justificada pela própria Igreja, a grande "senhora feudal". Alguns mosteiros medievais
eram enormes feudos, com numerosos servos que executavam os trabalhos mais
pesados, enquanto os religiosos se entregavam às orações, aos cantos sacros, às
meditações e aos exercícios intelectuais.

A Igreja pregava o desapego aos bens materiais e a moralização do trabalho, cujo


sentido pode ser encontrado no Antigo Testamento, no qual o trabalho é associado ao
sacrifício, por representar um castigo de Deus em decorrência do pecado original.

Sendo um pecador, o ser humano deveria aceitar esse destino e dedicar-se inteiramente
ao árduo trabalho. E quando não estivesse trabalhando, deveria buscar a paz e a
purificação do espírito, evitando todo tipo de tentação causada pelos prazeres da carne.
Todos sabiam que Deus julgava e que as sentenças seriam pronunciadas no último dia.
Somente se afastando das armadilhas do pecado seria possível alcançar um lugar entre os
"eleitos de Deus".
Alguns membros do clero estudavam a filosofia clássica grega e romana com o intuito de
adaptar esse importante legado aos princípios cristãos. Essa orientação pode ser
identificada no pensamento de Santo Agostinho (que no século 6º retomou os estudos de
Platão) e de São Tomás de Aquino (que deu novo vigor à obra de Aristóteles no século 19,
enfatizando a noção de ócio como contemplação).

Desde o despertar da Idade Média, os líderes religiosos faziam valer a premissa de que
"conhecimento é poder", e a exerciam perante os outros membros da sociedade, pois
quase toda a população pobre era analfabeta. Essa era uma das razões pelas quais os
camponeses deveriam exercer o trabalho árduo, uma vez impossibilitados de
desempenhar outras atribuições mais ilustres (GOMES, 2008).

Fome, miséria e trabalhos forçados eram elementos constantes no cotidiano servil.


Tudo isso era aceito com resignação, pois a glorificação da pobreza significava uma condição
necessária à salvação da alma, reforçando a noção do trabalho como sacrifício, moralmente
necessário para o alcance desse propósito.
A época medieval foi marcada por muitos feriados religiosos, dias de descanso nos quais
se deveria reforçar a devoção a Deus. No entanto, nesses feriados eram realizados jogos,
cantos, festas e comemorações, colocando em evidência o contraste entre o sagrado
(sério e oficial) e o profano (cômico e risonho) (GOMES, 2008).

Desde o cristianismo primitivo, o riso foi condenado e afastado da cultura oficial, pois o
bom cristão deveria ser constantemente sério e temente a Deus, conservando o
arrependimento e a dor em expiação de seus pecados. Enquanto contenção e sofrimento
eram associados com a redenção, o riso denunciava sucumbência às tentações de
inspiração demoníaca. Mas nem por isso as formas cômicas deixaram de subsistir ao
lado das canônicas. Por ser jocoso e alegre, o riso continha um aspecto regenerador, fun-
damentado no folguedo, na alegria e no cômico (GOMES, 2008).

O riso gozava de poderoso encanto que, por vezes, alcançava todos os graus da jovem
hierarquia feudal, inclusive a eclesiástica. Bakhtin (1999) considera que esse alcance pode
ser explicado por vários fatores, tais como:
- as tradições romanas, como as saturnais e outras formas de riso popular legalizadas em
Roma, ainda estavam muito vivas no início da época medieval;
- a cultura popular era muito forte nesse período, de maneira que o sistema feudal em
constituição a considerava, aproveitando seus elementos com interesses sociais e
políticos específicos;
- a Igreja procurava coincidir as festas pagãs e cristãs locais a fim de cristianizar os cultos
cômicos (GOMES, 2008).

As formas e as manifestações do riso medieval eram compostas por ritos e cultos cômicos;
presença de bobos e bufões; atuação de gigantes, anões, monstros e palhaços; literatura
paródica, obras cômicas e teatro popular (especialmente de marionetes), representado
por artistas de feira nas praças públicas, bem como nas festas carnavalescas. Todas essas
manifestações do riso, chamadas "grotescas", contrapunham-se à cultura oficial, ao tom
sério, religioso e feudal da época. Nas cerimônias de entrega do direito de vassalagem ou
iniciação de novos cavaleiros, por exemplo, era comum a presença de bufões e bobos, que
parodiavam os atos formais das autoridades e do público presente (GOMES, 2008).
O carnaval era uma prática comum, vivida por todos, e, nas grandes cidades, chegava a
durar três meses por ano, no total. Os espectadores não assistiam ao carnaval, eles o
viviam intensamente. Essa festa representava uma fuga provisória dos moldes da vida
ordinária, e, enquanto durasse, não se conhecia outra vida.

Para Bakhtin (1999, p.7),"O carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do
riso. É a sua vida festiva. A festa é a propriedade fundamental de todas as formas de ritos
e espetáculos cômicos da Idade Média".

Inspirado nas saturnais romanas da Antiguidade, o carnaval acontecia nos espaços


coletivos e populares e propiciava uma liberação temporária da verdade dominante e do
regime vigente, abolindo provisoriamente todas as relações hierárquicas, privilégios,
regras e tabus.

Enquanto as festas oficiais consagravam a desigualdade, no carnaval todos eram


"iguais", reinando um contato livre e familiar entre indivíduos normalmente separados
na vida cotidiana pelas barreiras intransponíveis de sua condição social, posses, idade e
situação familiar.

Era comum o uso de máscaras, que traduziam a alegria das alternâncias, das
metamorfoses e das reencarnações que recobriam a natureza inesgotável da vida com
suas múltiplas faces. A máscara carregava o sentido da cultura popular e carnavalesca
medieval, não sendo utilizada para enganar, encobrir ou dissimular, mas para revelar a
alegre negação da identidade e do sentido único.

Até certo ponto, os rituais cômicos das festas, os folguedos das feiras, os carnavais, as
procissões e os ritos estavam legalizados. Evidentemente, essa permissão legal era
forçada e alternava-se com as interdições. A vitória efêmera do riso só durava o período
da festa, sendo logo seguida por dias ordinários de medo e opressão. Ao contrário do
riso, a seriedade medieval impregnava-se de elementos de temor, repressão, fraqueza,
docilidade, resignação, hipocrisia, proibições, violência e ameaças (GOMES, 2008).

Sob os imperativos do regime feudal, a relação da festa com os fins superiores da


existência humana (a ressurreição e a renovação) somente poderia alcançar plenitude
no carnaval e em outros festejos populares e públicos.

Paradoxalmente, as festas oficiais da Igreja e do Estado medieval contribuíam para


sancionar o regime em vigor com o intuito de fortalecê-lo. As festas oficiais consagravam a
desigualdade, a imutabilidade e a durabilidade das hierarquias, das normas e dos tabus
religiosos, políticos e morais. O tom da festa oficial era o da seriedade, e o princípio
cômico lhe era estranho. De acordo com Bakhtin, o homem da Idade Média era
perfeitamente capaz de conciliar a assistência piedosa à missa oficial e a paródia do culto
oficial na praça pública. A confiança de que gozava a verdade burlesca, a do "mundo às
avessas", era compatível com uma sincera lealdade (GOMES, 2008).

As festas celebradas nos feriados, como a "festa dos loucos", eram, no início da Idade
Média, comemoradas nas igrejas e consideradas perfeitamente legais, mas, em seguida,
tornaram-se controversas, até que, no final desse período, foram consideradas ilegais.
Mesmo proibidas, continuavam a ser celebradas nas ruas e nas tavernas, incorporando-se
aos folguedos populares (GOMES, 2008).

O controle por parte da Igreja tornou-se mais evidente durante o período da


Inquisição, no século 13. A Igreja procurou reforçar seu poder e sua unidade religiosa a
partir da repressão, condenando à fogueira os praticantes de heresias – como festas
profanas, carnavais, jogos, saraus e serões, entre outros divertimentos que poderiam
ocasionar o vício e as armadilhas do pecado. O historiador Roger Chartier salienta que
os serões camponeses atestados nas condenações eclesiásticas eram sempre
mencionados como lugar do trabalho em comum, do jogo e da dança, do riso e da
diversão, dos contos e das canções, da confidência e dos mexericos. Como essas
reuniões eram consideradas sórdidas e pecaminosas, deveriam ser evitadas (GOMES,
2008).

O período conhecido como "Renascimento" alcançou seu apogeu por volta do século
16 e representa uma fase de transição entre as idades Medieval e Moderna. Trata-se
de uma época conturbada, permeada por conflitos entre a Igreja e o Estado e
caracterizada por uma efervescência epistemológica, intelectual e artística,
acentuada pelo desejo de empreender novas descobertas quanto à natureza e ao
homem, demolindo tudo quanto viera do passado e redescobrindo o saber greco-
romano livre da tradição cristã (GOMES, 2008).

Conforme Guimarães, o Renascimento valorizou ainda mais a cultura erudita da


Antiguidade clássica, aliada às notáveis descobertas científicas da época, à
consolidação de códigos de conduta e ao refinamento do gosto – observados pelo
clero, pela nobreza e também pela burguesia emergente –, e provocou um
lamentável desprezo pela cultura popular medieval, tomada como ignorante,
provinciana, rústica e folclórica (GOMES, 2008).

Sociedades urbano-industriais

O projeto da Modernidade primou, entre outros aspectos, pela fragmentação dos


tempos e dos espaços sociais, aspecto determinante para o redimensionamento da
sociedade urbana e industrial. Essa nova orientação provocou um maior
distanciamento entre público e privado, entre ciência e religião, entre trabalho e lazer.

Por mais conceituadas que fossem as cidades, antes da era Moderna, as áreas rurais
eram as grandes produtoras de riqueza. À medida que o padrão social de riqueza se
alterou da posse de terra para o montante de dinheiro acumulado, a classe burguesa
viuse em situação privilegiada. Afinal, os substanciais valores gerados pelo comércio
garantiram à burguesia um progressivo acúmulo de capital.

A atuação da burguesia foi decisiva para o término do feudalismo e para a


consolidação dos Estados Nacionais. Ao defender o direito à propriedade privada, a
burguesia investiu maciçamente no desenvolvimento industrial, alterando os antigos
laços de subordinação à terra e ao senhor. Nesse contexto, os pequenos proprietários,
artesãos e "jornaleiros" (contratados para desenvolver determinada jornada de
trabalho) foram transformados em trabalhadores livres — "livres" para vender a força
produtiva às classes burguesas, detentoras do capital e dos meios de produção, seja no
campo ou nos grandes centros urbano-industriais (GOMES, 2004b).

É importante esclarecer que o processo de industrialização sempre existiu, desde as


épocas mais antigas, pois representa a transformação de matéria-prima,
preparando-a para o uso. A produção em pequena escala é conhecida como
artesanal, diferentemente da manufatureira, que apresenta maior complexidade,
amplitude e diversificação. A produção industrial requer utilização de utensílios e
máquinas capazes de substituir o trabalho pesado do homem e não começou
somente com o uso sistemático do vapor em meados do século 18, mas, sem dúvida,
o salto decisivo da indústria ocorreu nesse período, ganhando dinamismo nos
séculos seguintes, como consequência do avanço científico-tecnológico gerado com o
advento mundialmente conhecido como Revolução Industrial (GOMES, 2008).

Queiroz pontua que o progresso industrial possibilitou que as sociedades urbanas se


afirmassem como centros produtores no setor econômico, inaugurando, na Europa, uma
nova forma de vida social. A mecanização do trabalho, a especialização das tarefas e a
organização racional das atividades representam os primeiros indícios de transformação do
trabalho urbano, que, posteriormente, se estenderam também ao agrário (GOMES, 2008).

Como observa a autora recém-mencionada, a mecanização da lavoura dispensou um amplo


contingente de mão de obra, que se dirigiu às cidades em busca de novas oportunidades de
trabalho. A progressiva inovação tecnológica, associada à organização da produção em massa,
permitiu à cidade se estabelecer como polo produtor de riqueza. Por essa razão, do ponto de
vista numérico, a população urbana rapidamente superou a rural (GOMES, 2008).

As cidades desenvolveram-se ao redor das fábricas, e o acelerado e desordenado


crescimento dos centros urbanos gerou problemas diversos. Aqueles que não conseguiam
trabalho eram classificados como "desocupados", cuja ociosidade era vista como uma
ameaça constante para a ordem social. De acordo com Choay, foi a expressão de desordem
típica dos centros urbanos que evocou a necessidade de promover sua antítese, ou seja, a
ordem (GOMES, 2008).

Para promover a ordem, seria necessário desenvolver uma série de procedimentos:


racionalizar as vias de tráfego e criar estações para acelerar os transportes; preparar a
especialização dos setores urbanos, por meio do estabelecimento de áreas de negócios,
agrupados nas capitais em torno da "nova igreja" (bolsa de valores); criar bairros residenciais
destinados aos privilegiados, inaugurar grandes lojas, hotéis, cafés e prédios para alugar,
iniciativas que alteraram profundamente o aspecto da cidade. Com a implantação da fábrica
nas adjacências, o operariado deslocou-se para os subúrbios, e a cidade deixou de ser uma
entidade espacial tão delimitada como era na época medieval. Essa rigorosa segmentação do
espaço urbano instalou em locais distintos o hábitat, o trabalho e o lazer (GOMES, 2008).

A segmentação do espaço estabeleceu correlações com a fragmentação do tempo nas


sociedades urbano-industriais, que passaram a ser regidas pelo relógio. Trata-se da vigência
do tempo mecânico, artificial, não mais regulado pela natureza. Para Sant'anna (1994), a
divisão dos períodos em tempo de trabalho, tempo de estudo e tempo livre foi criada pelo
desenvolvimento técnico e industrial da Modernidade, pelo ritmo das metrópoles e pelos
preceitos do sistema capitalista.

Nesse âmbito, o tempo no espaço urbano e industrial da Modernidade passou a ser


compreendido e vivenciado conforme uma nova divisão historicamente concebida, na qual há
uma grande demarcação entre o tempo de trabalho e o tempo livre.

Para compreender a organização do tempo livre, é imprescindível entender a divisão social


do trabalho, as relações de produção e o desenvolvimento da racionalidade técnica, ou seja,
a lógica do capitalismo. É importante lembrar que o capitalismo não foi constituído como um
sistema rígido, apresentando grande capacidade de adaptação e flexibilidade, o que vem
propiciando sua permanência ao longo dos tempos (GOMES, 2008). Contudo, a situação de
desigualdade social decorrente da Revolução Industrial é um dos seus graves problemas,
repercutindo intensamente nas relações estabelecidas entre o tempo de trabalho e o tempo
livre.

Aparentemente, trabalho e tempo livre são esferas opostas, pois o primeiro é apresentado
como o reino da necessidade, enquanto o segundo é visto como a esfera da liberdade, da
gratuidade e da desobrigação, como sugere a própria expressão "livre".

No decorrer do século 19, difunde-se rapidamente a ideia de que o trabalho, categoria que
passa a ser a referência determinante da vida em sociedade, é o que permite aumentar a
riqueza das nações (GOMES, 2004b).

Esse novo pensamento desenvolveu-se a partir do avanço capitalista e da exploração de mão


de obra assalariada, comprometendo a noção elaborada por Marx, na qual o trabalho ─
concebido como possibilidade de transformação dos objetos e do mundo − é o que diferencia,
fundamentalmente, o homem do animal.

De acordo com Thompson (1991), a disciplina imposta pelo capitalismo industrial exigiu uma
nova postura da mão de obra assalariada, pautada no aproveitamento produtivo do tempo,
agora concebido como dinheiro. Nessa perspectiva, aos operários foi garantido apenas o
repouso necessário para sua reprodução como força de trabalho.

Aqueles que conseguiam emprego trabalhavam para garantir a sobrevivência enfrentando


jornadas exaustivas nos sete dias da semana, não sobrando tempo para o descanso e
tampouco para a diversão. Todo o tempo dos proletários era voltado para as atividades
laborais e para as atividades indispensáveis à manutenção de sua capacidade produtiva.

Além disso, era grande o medo de perder o posto de trabalho ocupado. O patrão poderia,
por exemplo, intensificar o período diário de trabalho nas fábricas e abolir o descanso
semanal, porque sabia que os operários acabariam aceitando essas condições. Os festejos,
que no decorrer da Idade Média duravam dias, semanas ou meses, foram completamente
banidos da vida do operariado. As exaustivas jornadas de trabalho, ao lado das necessidades
de higiene, alimentação e transporte, ocupavam todo o tempo em função do ritmo e das
relações estabelecidas no interior do processo produtivo (GOMES, 2004b).

Nesse contexto, são válidas as palavras de Paul Lafargue (1999), que combateu a economia
capitalista com o panfleto O direito à preguiça, publicado originalmente em 1880. Nessa
obra, o autor critica a moral cristã e a ética do trabalho, esboçando um painel da sociedade
burguesa e focalizando a questão da consciência de classe que faltava ao proletariado.
De acordo com Lafargue (1999), à medida que a máquina era aperfeiçoada, suprimindo o
trabalho humano, o operário parecia multiplicar seu empenho, como se quisesse concorrer
com o equipamento, o que para esse autor representava um contrassenso. O proletariado
precisava entender que a máquina deveria redimir a humanidade, resgatando o homem do
trabalho assalariado para conceder-lhe "os lazeres e a liberdade".

Sendo assim, Lafargue instigou a classe proletária a mobilizar-se para instaurar uma lei que
proibisse o trabalho além de três horas diárias. Conforme sua visão, a preguiça era mil vezes
mais nobre e mais sagrada que os "direitos do homem" proclamados pela burguesia. Tal
argumentação ecoou como um verdadeiro ultraje à lógica da produtividade. Entretanto, fiéis a
essa lógica, os proletários acreditavam que aqueles que não trabalhavam eram inúteis e não
tinham o direito de comer, muito menos de descansar e de se divertir (GOMES, 2008).

O discurso de Lafargue coincidiu com as históricas reivindicações operárias pelo


estabelecimento de leis referentes à limitação da jornada de trabalho, ao descanso semanal
e às férias remuneradas. A observância dessas leis garantiria ao operariado um aumento do
tempo livre. Surge, em alternância com o tempo do trabalho, o tempo de lazer, visto como
necessidade e reivindicado como direito (GOMES, 2008).

Era muito comum os desempregados e o proletariado se entregarem ao alcoolismo e à


prostituição, entre outros vícios e "desvios morais" encarregados de aliviar as duras
condições a que eram submetidos. Ademais, o ócio, antes concebido como exercício nobre e
elevado, foi tomado como "pai de todos os vícios", hábito degenerativo que afrontava os
preceitos morais da civilização moderna.

A racionalidade técnica em ascensão nas sociedades urbano- -industriais passou a repudiar o


ócio porque este não correspondeu à produtividade preconizada pelo capital. Quem não
exercia nenhuma atividade útil ou produtiva era classificado como vadio e criminoso,
devendo ser encarcerado (GOMES, 2004b).

O lazer institucionaliza-se em consonância com esses valores, sendo entendido como


tempo/espaço destinado à vivência de atividades lúdicas, consideradas pela burguesia
"lícitas, saudáveis e produtivas" ─ como praticar ginástica e esportes ao ar livre.

O lazer é, então, uma dimensão da cultura construída conforme as peculiaridades do


contexto histórico e social no qual é desenvolvido. Nas sociedades modernas, passa a ser
reconhecido como uma esfera própria, como um campo autônomo, distinto do trabalho,
mas a ele relacionado.

Além da complexidade que engendra essa trama social, cabe destacar que o lazer foi
constituído como um tempo/espaço subtraído do trabalho; como um campo propício para
fugir da rotina, compensar frustrações, proporcionar descanso ou divertimento no tempo
supostamente "livre" das mazelas do trabalho produtivo. Por essa razão, como uma prática
social dialeticamente vinculada ao trabalho, mesmo passível de direcionamento, o lazer
pode ser visto como um direito jurídico e legalmente reivindicado pelos trabalhadores no
final do século 19.

Em suma, à medida que a burguesia procurou exercer controle sobre o tempo livre,
revertendo-o em benefício do próprio tempo de trabalho, o ócio foi encarado como um
desvio, e o lazer − normativo, controlado, regulado − passou a ser a regra (SANT’ANNA,
1998).
O processo de institucionalização do lazer no contexto da sociedade moderna foi impulsionado
por vários fatores, tais como a urbanização, o avanço tecnológico e industrial, a difusão da
noção de tempo mecânico, o desenvolvimento do modo de produção capitalista e a
concretização de projetos sociais, políticos e pedagógicos condizentes com os valores
hegemônicos em cada momento histórico. O capitalismo não vem se constituindo como um
sistema rígido, perpetuando-se graças à sua grande capacidade de adaptação e flexibilidade.
Contudo, a história construída em nossa sociedade revela sua "fratura exposta": a exploração
proveniente da Revolução Industrial (GOMES, 2008; GOMES, 2004b).

Esses elementos foram essenciais não apenas para orientar os novos rumos seguidos pelo
trabalho, mas também para o lazer, com profundos impactos na sociedade contemporânea.

Sociedade contemporânea......
Geralmente, o trabalho é concebido como uma obrigação, e não como uma autêntica
possibilidade de realização humana.

É necessário lembrar que as sociedades humanas sempre se organizaram em "tempos sociais",


ou seja, em momentos determinados pelas atividades sociais neles desenvolvidas: o tempo
para o trabalho, para a educação, para a religiosidade, para a família, para o descanso etc. A
vida coletiva é regida pela articulação desses momentos. A compreensão do tempo livre, que
representa um tempo social, sempre esteve vinculada aos significados do trabalho e do tempo
de trabalho. Em decorrência, seu principal sentido prevalece como o de um tempo de não
trabalho (PADILHA, 2004).

Como explica a autora, a lógica do capital rege não apenas o tempo de trabalho, mas
também o tempo fora dele. No entanto, para Padilha (2004, p. 221), [

...] o tempo livre pode ser um tempo de alienação e consumismo, mas também pode ser um
tempo de reflexão e práxis. [...] Numa abordagem crítica da sociedade ela é apreendida como
contraditória, o que faz com que o tempo livre, como um fenômeno social, também seja cheio
de contradições.

Essa opinião é compartilhada por muitos estudiosos, como Souza Júnior (2000), para quem o
tempo livre deveria constituir o momento em que cada ser social poderia dispor de si mesmo
livremente, sem se submeter ao imperativo de ter de trabalhar para viver. Porém, no contexto
da sociedade regida pelo capital o tempo livre se encontra distanciado do ideal de estar
consigo mesmo de maneira liberta, se configurando em um momento para reprodução da
força de trabalho.

Além disso, o autor acredita que o desenvolvimento das forças produtivas deveria levar a
humanidade a despender cada vez menos tempo no trabalho, dispondo cada vez mais de
tempo livre no qual possa desenvolver sua potencialidade (SOUZA JÚNIOR, 2000).

De acordo com o pensamento desse sociólogo italiano, nossos antepassados viviam


aproximadamente 300 mil horas, das quais 120 mil eram dedicadas ao trabalho. Hoje, com o
aumento da expectativa de vida, podemos viver muito mais (cerca de 700 mil horas) e, mesmo
cumprindo jornadas diárias de oito horas dos vinte aos sessenta anos de idade, trabalharemos
no máximo 80 mil horas (DE MASI, 2000).
O autor argumenta que, enquanto nossos ancestrais trabalhavam quase a metade de suas
vidas, na sociedade "pós-industrial" de hoje trabalhamos apenas um décimo de nossa
existência. Dessa forma, uma pessoa de quarenta anos de idade deverá viver, ainda, 350 mil
horas. Desse total, prevê que 40 mil horas serão dedicadas ao trabalho e, aproximadamente,
180 mil ao tempo livre.

Santos (2000) observa que as contínuas evoluções tecnológicas prometeram não somente
uma liberação do esforço no trabalho, acenando também com mais tempo livre para todos,
mais informação, mais comunicação, mais política e mais desenvolvimento humano. Em
outras palavras, um mundo melhor. Contudo, lamentavelmente, a realidade vem mostrando
que o tempo livre não vem sendo ampliado, mas, sim, reduzido em larga escala,
especialmente por causa das condições sociais de existência da maioria das pessoas.

A explicação elaborada por De Masi (2000), embora dotada de uma lógica própria,
desconsidera questões sociais que são fundamentais a um entendimento mais amplo e
consistente do trabalho e do lazer. Em várias regiões do mundo continuam predominando as
jornadas de trabalho extremamente longas dos primórdios do capitalismo e, mesmo nas
metrópoles ocidentais, a jornada real de trabalho foi reduzida apenas em certa medida.
Consequentemente, cada vez mais as pessoas procuram, desesperadamente, o tal "tempo
livre", como pondera Kurz (2000).

O trabalhador contemporâneo, que desenvolve uma atividade altamente complexa e


cumpre uma jornada diária de sete/ oito horas, trabalha, na verdade, muito mais tempo real
do que alguém de outra época, mesmo que este estivesse sujeito a um turno de 14 h diárias
de trabalho com baixo grau de complexidade (ANTUNES, 2004).

Sendo assim, percebe-se, na contemporaneidade, que as exigências de desempenho


profissional crescem consideravelmente. Há um novo paradigma produtivo exigindo esforço
redobrado, que, quando não prolonga as jornadas, acaba provocando uma grande
intensificação durante o tempo de trabalho.

Muitas corporações aderiram à redução de pessoal, optando por estratégias que parecem
gerar melhores resultados para as empresas. Logo, aqueles que permaneceram empregados
passaram a trabalhar muito mais: tanto para dar conta de cumprir todas as tarefas como
para não correr o risco de demissão. Os trabalhadores informais também acabam
trabalhando muito, pois enfrentam jornadas extensas para tentar manter sua antiga
condição de renda (WERNECK; STOPPA; ISAYAMA, 2001).

Além de trabalhar muito, o trabalhador fica vulnerável aos imperativos do mercado, que
provocam uma gradativa deterioração das relações de trabalho.

Com isso, cresce em proporções impressionantes o número de trabalhadores informais


contratados em regime de tempo parcial ou por períodos temporários, especialmente no
setor de prestação de serviços. Além de ser o setor que mais cresce em todo o mundo, não
se esqueça de que é ele quem engloba o mercado de trabalho no campo do lazer.

O crescimento do setor de serviços vincula-se com os novos hábitos de vida apreciados


atualmente, com uma evidente valorização do lazer. Além disso, relaciona-se com a
substituição, em larga escala, de antigos empregos formais pela contratação de serviços
terceirizados.
No setor de prestação de serviços, desde a década de 1980, o número de empregados
informais ultrapassa os formais em vários países do mundo, sendo o quadro traduzido
simplesmente como redução geral do emprego.

Tal situação não está circunscrita ao chamado Primeiro Mundo, atingindo também os países
em desenvolvimento. Além disso, abrange tanto a exclusão de uma crescente massa de
trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação de um ponderável exército
de reserva e o agravamento de suas condições.

Diante dessa realidade, certamente o acesso da população brasileira ao lazer fica


comprometido. Enquanto muitos se veem obrigados a prolongar sua jornada de trabalho,
outros se encontram à margem dos meios e dos recursos para vivenciar os direitos sociais —
dentre os quais o lazer — com dignidade.

Existem infinitas possibilidades de desfrute pessoal e coletivo, e a mídia explora todo esse
potencial de lazer como se os bens e os serviços ofertados fossem acessíveis a todos.

Como trabalho e lazer estabelecem relações dialéticas, podem colaborar com a emancipação
social. Para isso, o lazer não pode ser visto como um remédio para a problemática social,
cujo objetivo seja simplesmente aliviar as tensões ou compensar os dilemas que marcam
profundamente o mundo do trabalho.

Como bem disse Riesman (1971), o lazer não é capaz de salvar o trabalho, fracassando
juntamente com ele, e só será significativo para as pessoas se o trabalho o for também.
Dessa forma, as qualidades por nós desejadas no lazer ─ como satisfação, realização,
reconhecimento, autonomia, liberdade, criatividade e criticidade − terão maiores chances de
se concretizar no trabalho a partir do momento em que travarmos a batalha em uma única
frente: a do "trabalho-e-lazer".

Avançando em nossos estudos, passaremos, agora, a nos ater à discussão conceitual em


relação ao lazer. Vamos lá!

LAZER: ASPECTOS CONCEITUAIS


Na opinião de Dumazedier (1973, p. 34), o lazer pode ser compreendido como:

[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação
desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se ou
desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais.

O entendimento do lazer como "um conjunto de ocupações", tem sido alvo de críticas por
parte de diversos autores. Além de restringir o lazer à prática de determinadas atividades,
supõe que o indivíduo deve estar sempre ocupado com algo, não havendo possibilidades
para o "nada fazer".

Na época em que Dumazedier elaborou essa definição, o lazer era colocado em oposição
ao conjunto das necessidades e das obrigações da vida cotidiana, especialmente do
trabalho profissional. Dessa forma, o lazer era definido em contraponto à liberação das
obrigações institucionais, e não apenas do trabalho.
As necessidades humanas (descanso, divertimento, recreação e desenvolvimento da
personalidade) apresentadas em sua definição são influenciadas pela dinâmica social, e o
sociólogo não considera essa questão em sua elaboração.

Faleiros, citada por Padilha (2002), ao criticar o conceito de lazer emitido por Dumazedier
(1973), parte do princípio marxista de que as necessidades humanas são geradas em uma
dada realidade social e estão vinculadas ao processo histórico e às transformações da
civilização.

A partir dos resultados das pesquisas empíricas desenvolvidas na França nas décadas de
1950 e 1960, Dumazedier (1979) indicou um sistema de características constituintes do
lazer:
- Caráter liberatório: o lazer é liberação de obrigações institucionais (profissionais,
familiares, socioespirituais e sociopolíticas) e resulta de uma livre escolha;

- Caráter desinteressado: o lazer não está, fundamentalmente, submetido a nenhum fim,


seja lucrativo, profissional, utilitário, ideológico, material, social, político, socioespiritual;

- Caráter hedonístico: o lazer é marcado pela busca de um estado de satisfação: "isso me


interessa". Essa busca pelo prazer, pela felicidade, pela alegria ou pela fruição é de
natureza hedonística e representa a condição primeira do lazer;

- Caráter pessoal: as funções do lazer (descanso, divertimento e desenvolvimento da


personalidade) respondem às necessidades do indivíduo em face das obrigações primárias
impostas pela sociedade.

Além destas características, Dumazedier (1973) contribui com este campo de estudos
apontando que o lazer atenderia, basicamente, a três funções: descanso, divertimento e
desenvolvimento.

A função descanso tem como função liberar-se da fadiga. Nesse sentido, o lazer "é um
reparador das deteriorações físicas e nervosas provocadas pela tensões resultantes das
obrigações cotidianas e, particularmente, do trabalho" (DUMAZEDIER, 1973, p. 32). Já o
divertimento está ligado à busca de atividades compensatórias que provoquem satisfação
e prazer. Por fim, a função desenvolvimento "cria novas formas de aprendizagem
voluntária [...] no indivíduo libertado de suas obrigações profissionais", visando "o
completo desenvolvimento da personalidade dentro de um estilo de vida pessoal e social"
(DUMAZEDIER, 1973, p. 34). De acordo com o autor, essas funções são solidárias entre si.

O pensamento de Dumazedier influenciou as concepções de lazer dos autores brasileiros,


dentre os quais Marcellino (2010). Melo e Alves Júnior (2003) e Gomes (2008), entre
outros estudiosos, reconhecem que Marcellino é um dos autores mais citados nos estudos
sobre o lazer em nosso país.

Em seu livro Lazer e humanização, Marcellino (1983) confere notável destaque às ideias
de Dumazedier. Nessa obra, também é possível identificar o pensamento de Antônio
Gramsci, pois Marcellino assume a perspectiva marxista como pano de fundo para
subsidiar suas análises. Contudo, a influência de Gramsci é mais expressiva na obra Lazer
e educação (1987), na qual não são feitas muitas menções a Dumazedier, embora suas
ideias continuem presentes no texto (GOMES, 2004a).

No livro Sociologia empírica do lazer, Dumazedier (1979) justifica sua opção por adotar a
expressão "tempo livre", como designação para o tempo liberado do trabalho, e não
necessariamente o tempo de lazer.

Para Camargo (1986, p. 97), que também fora influenciado pelo pensamento do
sociólogo francês, o lazer se configura em:
[...] um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas, voluntárias e liberatórias, centradas em
interesses culturais, físicos, manuais, intelectuais, artísticos e associativos, realizadas num tempo
roubado ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho profissional e doméstico e que
interferem no desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.

Para Marcassa (2003, n. p.8) o lazer se apresenta como:

[...] prática social historicamente situada que se funda a partir das relações que estabelece com o
trabalho, o tempo, a práxis, o espaço, a cultura e a educação. (...) Estou convencida de que o lazer se
configura como uma instituição que envolve um conjunto de práticas cujas normas e características
internas lhe conferem um estatuto próprio de funcionamento, atribuindo-lhe qualidades que
assumem um caráter indissociável da sua própria experiência e compreensão. Nessa perspectiva, o
lazer agrega, num mesmo tempo e espaço, a realização de inúmeras práticas corporais e lúdicas,
diferentes formas de divertimento e descontração consideradas lícitas, mas que têm um caráter
espontâneo, porque partem dos desejos, ainda que induzidos, dos indivíduos e grupos, e um arranjo
planejado frente à vida cotidiana moderna e racionalizada, abarcando inúmeras experiências de
contato e recriação do universo cultural que acontecem em locais determinados e que promovem
valores, saberes e significados articulados às possibilidades e condições postas às diferentes classes
sociais. Portanto, o lazer só pode ser entendido como um fenômeno social moderno, que cria códigos
e funções muito importantes para a sua realidade contextual, constituindo-a e revelando-a, tanto no
sentido da manutenção, como da transformação.

Marcellino (2010) enfatiza que o lazer pode ser compreendido a partir da combinação dos
aspectos "tempo" e "atitude". A atitude diz respeito à relação estabelecida entre o sujeito
e a experiência vivida, fruto de uma escolha pessoal e prazerosa. O tempo refere-se ao
tempo disponível, obtido pelo indivíduo após se desvencilhar não apenas das obrigações
profissionais, mas também das obrigações familiares, sociais e religiosas, ou seja, o tempo
da não obrigatoriedade. Nesse ponto, o autor também se aproxima de Dumazedier.

Um ponto marcante do pensamento de Marcellino (2010) relaciona-se com as chamadas


"abordagens funcionalistas" do lazer, conforme denomina o autor. Essas visões, no seu
entender, visam à manutenção do status quo, procurando ajustar o indivíduo de forma
acrítica ao contexto em que vive, incentivando o consumismo em relação ao lazer.

A sociedade, nesse tipo de abordagem, é vista de maneira equilibrada, harmônica, na


qual o lazer é divertimento para todos, sendo a função primordial deste manter uma
suposta "paz social". Dessa forma, se as obrigações diárias impostas aos indivíduos
cansam, fatigam, alienam, o lazer recupera, descansa, compensa. O lazer é algo sempre
bom, maravilhoso e divertido. Essa é a abordagem funcionalista do lazer.

Relacionadas a essa visão funcionalista do lazer, estão quatro abordagens elencadas


por Marcellino (1996):
1) compensatória: sob esta óptica, o lazer compensa a insatisfação e alienação produzidas
no trabalho e em outras esferas de atuação humana;

2) moralista: vê nas atividades de lazer um espaço propício para a efetivação de


comportamentos negativos, perigosos, destrutivos e de valores suspeitos gerados na
sociedade moderna, mas que podem ser substituídas por vivências de atividades
socialmente aceitas e moralmente corretas;

3) romântica: a ênfase é dada nos valores da sociedade tradicional e na nostalgia do


passado;

4) utilitarista: o lazer é entendido como recuperador da força de trabalho ou como


instrumento privilegiado para o desenvolvimento.

Para Marcellino (2010, p. 29), o lazer é entendido:


[...] como a cultura ─ compreendida em seu sentido mais amplo − vivenciada (praticada ou fruída) no
"tempo disponível". O importante, como traço definidor, é o caráter "desinteressado" dessa vivência.
Não se busca, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela
situação. A "disponibilidade de tempo" significa possibilidade de opção pela atividade prática ou
contemplativa.

Constituído conforme as peculiaridades do contexto histórico e sociocultural no qual se


desenvolve, o lazer implica "produção" de cultura — no sentido da reprodução, da
construção e da transformação de diversos conteúdos culturais usufruídos por pessoas,
grupos e instituições (GOMES, 2008). Essas ações são construídas em um tempo/espaço
de produção humana; dialogam e sofrem interferências das demais esferas da vida em
sociedade e permitem-nos ressignificar, continuamente, a cultura.

O diferencial do lazer perante outras práticas sociais e culturais de nossa sociedade é o


fato de os elementos que o caracterizam — tempo, espaço-lugar, ações/atitude e
manifestações culturais — serem enraizados no lúdico, e, mesmo passíveis de pressão e
interferência do contexto, não adquirirem caráter de obrigação, não sendo vistos como
um conjunto de tarefas a serem cumpridas.

Ainda conforme Gomes (2004a, p. 125), é possível compreender o lazer:


[...] como uma dimensão da cultura constituída por meio da vivência lúdica de manifestações culturais
em um tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou grupo social, estabelecendo relações dialéticas com
as necessidades, os deveres e as obrigações, especialmente com o trabalho produtivo.

Para a autora, o lazer é uma dimensão da cultura construída socialmente, em nosso


contexto, a partir de quatro elementos inter-relacionados:

1) tempo: corresponde ao usufruto presente e não se limita aos períodos


institucionalizados para o lazer (final de semana, férias, entre outros);

2) espaço-lugar: estende-se muito além de um espaço físico do qual os sujeitos se


apropriam para exercer o convívio social ou local do encontro do lazer;

3) manifestações culturais: conteúdos vivenciados como o fluir da cultura, seja como


possibilidade de diversão, descanso ou desenvolvimento;
4) ações (ou atitude): estabelecem suas bases no lúdico.

O lúdico pode ser destacado como a essência que integra a concepção de lazer de Leila
Pinto (2003). Entendendo o lazer como disponibilidade de tempos e lugares para vivências
da cultura lúdica, a autora ressalta a construção de interações prazerosas centradas no
sujeito, em determinado contexto, constituídas a partir de sua curiosidade, de seus
desejos, de suas descobertas críticas e criativas.

Para a autora, essas experiências são construídas, sobretudo, pela liberdade do sujeito
na ressignificação desses tempos e lugares, na recriação de objetos, materiais e
atividades. Na sua visão, lazer implica sonhos, gerenciamento de conflitos e anúncios;
implica relações humanizadas e transformação de tempos e espaços educativos (formais
e não formais) em experiências lúdicas.

Nesse sentido, a alegria é possível como fruto da conquista da liberdade ao lidar com
atitudes, espaços, tempos e atividades que busquem superar os muitos dilemas sociais
colocados como limites às conquistas desejadas.

Conforme o autor, o lazer é constituído por três elementos: tempo, espaço e atitude.

Para esse autor, a vivência do lazer relaciona-se com as oportunidades de acesso aos
bens culturais — determinadas, geralmente, por fatores sociopolíticos e econômicos e
influenciadas por fatores ambientais.

RECREAÇÃO: (BREVES) APONTAMENTOS CONCEITUAIS

De acordo com as ponderações de Bramante (1998), ao longo do tempo o lazer vem sendo
conceitualmente confundido com outros derivados, como "recreação" e "jogo". Para ele, o
lazer significa um amplo e interdisciplinar campo de estudos, pesquisas e aplicação. A
recreação, por sua vez, é atrelada ao conceito de "atividade" – por exemplo, a um
"programa de atividades recreativas para pré-escolares" (BRAMANTE, 1998, p. 11). Em
outro trabalho, o autor reforça esse entendimento: "Em última análise, recreação pode ser
considerada como produto, isto é, atividade/experiência, que ocorre dentro do lazer"
(BRAMANTE, 1997, p. 123).

concepção de recreação como conjunto das atividades desenvolvidas no lazer também é


defendida por Bruhns (1997). O lazer, por sua vez, pode ser entendido como expressão da
cultura, constituindo um elemento de conformismo ou de resistência à ordem social
estabelecida. A recreação (ou atividade de lazer) aproxima-se do lúdico e, "às vezes,
ocorre certa confusão de termos e objetivos, sendo o jogo visualizado como recreação"
(BRUHNS, 1997, p. 39). Dependendo do contexto, o jogo não pode ser considerado uma
atividade de lazer.

Para outro grupo de estudiosos, a exemplo de Pinto (1992, p. 291), "a recreação e/ou
lazer sendo considerados espaços privilegiados para a vivência do lúdico". Nesses
termos, ao compartilhar a essência lúdica, recreação e lazer poderiam ser concebidos
com o mesmo sentido conceitual.
Camargo (1998, n. p.33) corrobora a concepção anterior, trazendo outros dados para a
discussão. Conforme suas considerações, "os conceitos de lazer e recreação em nada se
diferenciam do ponto de vista da dinâmica sociocultural que produziu o divertir-se
moderno".

utilização dessas duas expressões surgiu em decorrência de um problema linguístico, pois


nem todas as línguas modernas dispõem de termos correspondentes às palavras recreação
e lazer. Muitos países, como Espanha, Itália e Alemanha, adotaram vocábulos cuja raiz
tem sentido igual ao de recreação, com a mesma finalidade e praticamente com o
mesmo sentido de lazer.

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