Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
por
Defesa de Tese
Rocha, Antonio Carlos Pereira Borba. Heidegger e o sagrado: uma leitura budista.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2007, 233 fl. Tese de Doutorado em
Ciência da Literatura – Poética.
BANCA EXAMINADORA
--------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor Manuel Antonio de Castro – Orientador
--------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor Antonio José Jardim e Castro
--------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor Werner Aguiar
--------------------------------------------------------------------------------------
Professora Doutora Maria Lúcia Guimarães Faria
--------------------------------------------------------------------------------------
Professora Doutora Mirian Terezinha Fonseca de Carvalho
--------------------------------------------------------------------------------------
Professor Doutor Ronaldes de Melo e Souza
--------------------------------------------------------------------------------------
Professora Doutora Martha Alkimin de Araújo Vieira
Conceito:
Em: 26 / 04 / 2007.
3
Sumário
Sumário i.
O Vazio 1.
Agradecimentos 2.
Epígrafes 4.
Sinopse 5.
Introdução 6.
Bibliografia 212.
Resumo 223.
Abstract 225.
O Vazio 227.
8
O Vazio
9
AGRADECIMENTOS
Gozaimassu !
CNPq – a bolsa veio em boa hora. Ajudou muito nas pesquisas, leituras e
amigas.
acadêmico. Valeu!
afins.
“orientação compassiva”.
anos.
- Martin Heidegger –
- Dogen -
- Martin Heidegger -
12
SINOPSE
Introdução
Com raras exceções, muitos leitores de Heidegger dizem que o seu texto é
difícil, denso, hermético, enigmático. Há até quem diga que o pensador fala uma
coisa e depois desdiz, fala outra, ao contrário, puxa o tapete e deixa o leitor na
Por que será que ele escrevia assim? Queria brincar com a posteridade? Será que
não sabia escrever de forma mais simples? Era proposital – proposiTAO – queria
reescrevendo muitas palavras, recriando-as. Claro que ele tinha todo direito
literário e filosófico, toda licença poética de inventar neologismos, mas será que o
fato de ter lido tanto não permitiu que ele fosse mais claro, preciso, objetivo, mais
simples no escrever?
professor, um eminente educador será que ele não pensou em trabalhar a sua
abordagem do Ser de modo a torná-la mais fácil para o grande público? Para as
massas? Será que, tal como Buda, Heidegger ficou em dúvida se o povão, o
dizem os textos canônicos que neste momento apareceu um “ser divino” e lhe
pediu para ensinar ao povo, para transmitir os conhecimentos que ele havia
descoberto, que toda a sabedoria que ele havia compreendido fosse transmitida
aos demais seres humanos. E assim ele atendeu o pedido da divindade. No caso
escrever?
Alguém pode afirmar que sendo um pensador ele não estava interessado na
cotidiana linguagem dos jornais, que ele não escreveu para as massas e até
abominava uma escritura mais moderna. Se bem que sendo uma pessoa atenta
aos detalhes Heidegger primava pelas coisas mais simples, que contém em si, as
complexidades da vida.
Com isto, estamos querendo dizer que o nosso fazer escri-turístico terá
budista como mais uma ferramenta, mais uma forma de conhecimento para
originária. Em seus textos vemos que ele refere-se ao ser da língua que se revela
15
da língua, a partir da natureza dessa vivência que o pensador constata quase que
sua qualidade de ser primeva no caminho que o homem estabelece até que a
dizendo, como a palavra vem à palavra. Como a palavra nasce como palavra?
16
p. 90.
CAPÍTULO 1
método zen. É tentativa, pois nada está pronto, nada está acabado, nada está
o Buda.
De certa maneira, pode ser uma ousadia, e assim queremos nos lançar
É uma tese sobre o vazio, mas, um texto sobre o vazio, por enquanto, não
pode ser vazio de sinais gráficos, não pode ser vazio de digitações. Falamos por
enquanto pois, quem sabe o dia de amanhã? É uma tese sobre o Sagrado.
Entretanto, mesmo que conseguíssemos escrever uma tese vazia de vazio, vazia
de si mesma, ainda assim teríamos um texto para ser lido ou meditado – o branco
da página.
branco1. Onde ele falava das letrinhas, dos sinais gráficos que preenchem a folha
de papel. Podem ser bons preenchimentos se o texto for bom e podem ser
que este vazio é repleto de presenças. É interessante esta palavra presença, pois
parece ausente, mas nunca está ausente, ainda que esteja sempre silente, em
está sem nada, pois se estivesse sem nada não existiria, pois o nada, neste
sentido, não existe, e se ela existe, logicamente tem algo. Mas que algo é esse?
Onde está esse algo da folha branca e vazia? Que silêncio é esse?
de uma árvore. Deste modo foi cortada por um lenhador, deduz-se então que este
lenhador tem uma família, tem antepassados, logo aí já há muitas pessoas para
reconhecer que todos estão interligados, que todos estão interagindo, não há
se que, talvez este lenhador não estivesse só, mas sim acompanhado e aí, são
então, este machado foi feito por alguém, é bem possível que mais de uma
essa única folha de papel em branco, aparentemente vazia, mas nada vazia.
de boi, ou uma carroça puxada por outro animal, cavalo ou jumento, talvez esse
20
rudimentar veículo tenha sido feito por estranhos. E aqui já entra o dado do
madeira.
animal, que prepara ou compra a ração. Logicamente, então, este animal ou estes
conforme o caso.
princípios ensinados pelo Buda, no caso acima, pode parecer absurdo agradecer
aos antepassados dos animais, mas queremos dizer que sendo um caminho
milenar, que tem suas origens lá no século VI aC. o elemento mítico está
presente, a visão mítica da vida faz-se presente, onde tudo está integrado, onde
uma espécie interage com a outra constituindo uma rede. Estamos todos inseridos
nesta rede, todo ser que respira se faz presente na presença ou na ausência,
Há um conto budista, que está presente nas escrituras e nos fala, justamente,
dessa interação, dessa rede entre o ser humano, o reino animal, o reino vegetal e
1.3 – Entre-Redes
entre reinos. E falamos em momentos porque o Budismo nos diz que a vida é
de água.
assim chamado reino dos deuses ou dos devas. O enredo nos diz que os
anteriores falamos da folha de papel, mas aqui vemos uma outra função para o
reino vegetal, servir de lenha. Aquecer nas noites de frio e durante o dia ajudar
comida.
palavra. Estas palavras chaves cada uma, por si só constituem uma rede,
terra, insetos, pássaros, ninhos, talvez animais de porte maior, talvez até feras,
solares, como o próprio nome diz, é plural, mais de um, ainda que
entanto, deduz-se que há uma estrada, por onde o carro de boi anda, por mais
rústica e poética que seja esta estrada ela está ali. A estrada pode ser larga ou
estreita, pode até ser um caminho, duas trilhas por onde passam as rodas da
plural, evidenciando que a vida é uma rede e que muitas vezes as redes
letra tem uma forma gráfica, visual diferente; tem fonemas, tem sons, tem
chamando para nos ajudar, para nos salvar de uma situação difícil como
ocorreu com o menino, para socorrê-lo. Por outro lado, é um nome tão forte,
aqui um dos fatores advindos da iluminação de Buda. Ele descobre que todos
Uma das coisas que o Budismo fala é que toda palavra, em si, constitui um
ainda que a situação seja difícil. A palavra boa, do bem transforma o ambiente,
por mais adverso que ele pareça. E aqui temos outra importante lição búdica.
Nada é adverso, ainda que aparente nos sugira algo ruim, não é, pois, mais
sua melhor parte, aquela que estava escondida, até dele mesmo, a face da
Vejamos outra palavra questão, o dia, por exemplo. O dia é um todo coeso,
o dia é tempo e é ser. O dia é composto da noite, pela noite, com a noite. O dia
é plural, é um conjunto. Hoje medimos esse tempo através das horas, minutos,
propriamente dita. Um tipo de ave canta pela manhã, outra canta à tarde e
ao longo do dia, cuidando de suas coisas, de suas vidas, tratando dos seus
Este carro de boi, esta parábola, o que foi comentado é uma visão mítica da
vida, onde tudo está integrado, onde uma espécie interage com a outra, em um
Estamos todos, todo ser que respira, inseridos nesta rede. E a vivência da
Este entre é o vazio, ao longo desta tese, vamos em diversas ocasiões nos
referir a este tema. Podemos tentar explicar o vazio como algo transparente,
aberto, mas observando que nesse entremear de rede, se tudo está em inter-
relação, entre-redes, tudo é vazio, tudo é transparente, por mais que se vele, por
mais que se tente ocultar, o vazio, a transparência sempre se faz presente, mais
cedo ou mais tarde. Tudo também é aberto, permite uma interpretação múltipla.
Então, como disse Umberto Eco4, a obra de arte é aberta e nós podemos
um utensílio, mas vejamos como ele trata a coisa chamada mesa. O mesmo que
falamos sobre a folha de papel em branco, podemos falar sobre a mesa, que o
pensador alemão aborda a seguir. É bom notar também que há uma unicidade
28
entre a folha de papel branco e a mesa. Ambas provém da árvore. Se for, claro,
uma árvore de madeira. Imaginamos que o mago da Floresta Negra devia estar
falando de uma mesa de madeira, pois ele sempre foi muito ligado às questões da
natureza.
questão nem a banaliza. Ao contrário. Quer significar que tudo o que existe são
quem é homem, onde está o homem, o que é o homem a assim ele vai
mesa”, Buda pergunta verdadeiramente, onde está o homem? Penso que, mais do
que uma simples resposta, o que os dois pensadores querem é uma reflexão, é o
relva, árvores, terra, tudo é Buda”6. Mais adiante, iremos discutir a questão da
palavra Buda, mas é evidente que na frase acima não está se falando só do
Ainda que pareça uma noção panteísta, a proposta é tentar afirmar que
tudo é vida, tudo é Buda, semelhante ao princípio que está na Bíblia: “Cristo é
vida”7, assim, todas as coisas que existem tornam-se relativas, tornam-se vazias,
Ele age através de mim, de você, de todos nós, de tudo o que existe, de tudo o
que há. Logicamente, nesse caso, não vemos panteísmo, mas sim, um sentido
nesta hora, Deus e Buda são sinônimos, e aqui, Oriente e Ocidente aproximam-se
budisticamente não se usa essa palavra “morte”, diz-se que Sidarta ao falecer,
e outras que fossem largas, as palavras que Buda ensinou. A arte de escrever,
cipó e eram organizados em temas que depois eram colocados em cestos, cujo
termo clássico Tripitaka, tanto na língua sânscrita quanto na língua páli. Sempre
sermões para se viver melhor nesta vida e após deixarmos esta vida física. Não é
como os monges e monjas devem proceder nas mais variadas situações e por fim
o terceiro cesto que alguns tradutores chamam de sutras metafísicos, mas que
são muitos sutras. Por exemplo: um ano tem 365 dias, não vamos contar os
muitos bissextos que ocorreram. Ele, normalmente ensinava três vezes por dia.
Multipliquemos por 45 anos e teremos 49.275 textos. Alguns são longos, outros
rimados para que os discípulos pudessem gravar, decorar melhor. Alguns sutras
outro aspecto é que em todas as ocasiões ele aproveitava para ministrar as aulas,
de Heidegger.
Caminhos e descaminhos das tentativas que fizemos até chegar a esta forma
´ultima de texto, que afirmamos, não é a definitiva, quem sabe, mais adiante, pós-
Floresta de fios, de sutras, das palavras de Buda. Floresta de cipós que se unem
às folhas, galhos, troncos, flores, raízes. É muito boa esta imagem do pensador
alemão, pois ele sempre esteve ligado à terra, ao solo, ao chão, à floresta.
Ele tentou nos dizer que, ainda que estejamos trilhando um outro caminho,
sabemos o que é estar envolvido com o pensamento dos dois. Sob um aspecto
Por outro lado, nós podemos ser os lenhadores que estão diuturnamente
tronco para colocar na lareira e nos aquecer nas noites de frio ou preparar o
alimento. Por outro lado eles também são os guardas-florestais que cuidam dos
os enigmas da vida.
galho, é sinal de vida. Um galho seco, sem folhas, corre o risco de, numa
Este é o nosso caminho, este é o nosso método zen integrado ao todo, mas
intacta, enigmática, por mais que tentemos decifrá-la, ainda que decifremos uma
parte, logo, ela se oculta novamente e retoma, retorna sob a forma de outro
pertinentes a ambos. Talvez uma das razões para o recente interesse tanto pela
obra de Heidegger quanto pelo pensamento de Buda é o fato de que os dois têm
reinante na atual sociedade. A crise que ora vivemos no Ocidente tem como base
hemisfério ocidental.
des-estado porque muitas vezes, parece massa amorfa, caos acomodado e pouco
ou nada adiante fazer, reclamar, pois não se tem com quem reclamar, com quem
binário, pensa, vive e tenta administrar-se no dualismo reinante, tal como mente e
Os que, por algum motivo cultural e/ou econômico têm privilégios sobre os
ideologias, quaisquer que sejam elas pretendem um domínio a todo preço e estão
o risco de desaparecer.
do filósofo alemão nos põem a par de que os seres devem deixar os seres serem.
Isto vai nos levar a re-pensar a questão do nada. Até onde esse nada, é nada
identificamos até uma posição mística. Esta é a nossa leitura, esta é a nossa
budisticamente falando isso é possível, pois dizia Buda que a nossa mente não
mundo. O olhar dualista das coisas. Afastando-se desta característica dual vamos
compreender que a Vida está muito além das categorias conceituais em que
vivemos.
37
falava em Vazio. Vemos os dois termos como sinônimos. O grande perigo é, numa
leitura apressada, confundirmos com niilismo. O niilismo que não deixa margem
abertura não condicionada, onde tudo aflora, onde a transparência nos mostra que
de criança, de esconde-esconde.
Originariamente nós somos esta abertura, nós somos esta fenda, nós
vivemos esta brecha, nós estamos nessa clareira. Mas, tomar consciência dela é
questão de dizer que ela não existe, mas, paradoxalmente, cada vez mais, a fenda
Nada vai nos levar a uma compreensão transcendente desta dor diária onde
pensamos que falta algo, quando não falta nada. Reside aí uma das diversas
budista.
pensamento, o seu viver e o seu fazer filosófico refletem sua formação cristã e
A mística nos diz que o Ser não é um ente em oposição a uma atitude
dualista a outros entes. Por outro lado, a clareira na qual os entes mais diversos
um todo com este Ser. Não estão separados, não estão isolados.
de que o homem não é um ente, mas uma fenda, uma abertura, por onde estes
entes percepções surgem na brecha, nas brechas da vida. Pensamos que este
antropocentrismo.
a entender que, quando o homem permite que uma coisa se manifeste de forma
Tempo, ainda que entremeada pelo vocabulário hermético que o autor criou. O
lembra, nos faz pensar nas sociedades secretas medievais em que era necessário
entender a capacidade humana e ver o ser dos entes, uma capacidade que foi
revelada na profícua linguagem que criou, uma tentativa de diálogo, bem sucedida
seu pensamento, sobre esse mundo que é a mente, sobre esse cosmo que é a
mente.
40
Buda chegou, sentou-se em sua postura predileta, que ficou conhecida em todo o
Sagrado. O Absoluto. Nesse instante único de pleno silêncio, o Buda ergueu uma
flor. Este foi o sermão, este foi o Sutra Silencioso. Simplesmente ergueu no ar
dos séculos este discípulo ficou conhecido como Maha Kasyapa, o Grande Maha
Kasyapa. Afirmam estes textos que nesse preciso momento, quando o Buda
presentes, nesse preciso momento, nesse ato nasceu o Zen. Deste modo, o Zen é
uma experienciação do real. É uma experiência direta, fora das escrituras. Dizem
também os tais textos que, nesse momento, o monge Kasyapa atingiu o estado de
oriunda da contração chinesa chan que, por sua vez, corresponde ao termo chinês
páli jhanna. Todos estes termos significam “meditação”. Assim, Zen quer dizer
meditação, mas a palavra ganhou tal força, em diversas partes do mundo, que
em páli, por isso, alguns especialistas dizem que o páli é uma língüa literária. Suas
um príncipe, logo falava a língua da elite, o páli, que depois foi absorvido pelo
védico e o sânscrito.
Podemos dizer que um leu o outro e vice-versa. E o que isto tem a ver com a
nossa tese? Muito! A forma como conhecemos hoje o zen-budismo deve-se aos
semelhanças.
plano das tentativas, do caminhar na floresta. Ainda que dois caminhos parecidos,
têm as suas diferenças, são duas trilhas que levam à sabedoria, à clareira e com
isso estamos querendo dizer que os dois somam-se, um pode ajudar o outro a
Com relação à anedota zen que Suzuki contou para Heidegger verificamos
que Heidegger comportou-se como o Mestre que geralmente faz uma pergunta
compreende que não pode definir o Ser e que o Zen também não define o Ser,
mas sugere que o Ser deve ser vivenciado, experienciado e a melhor forma é com
a historieta.
O diálogo entre o monge e o noviço quer dizer que, o monge deve ter
E com isto Octávio Paz nos faz entender que tanto o pensamento zen
tempo e o nada” nos remete ao vazio que iremos estudar mais adiante.
44
Notas do Capítulo 1
Record, 2005.
5 – HEIDEGGER, Martin. Que é uma coisa? p. 24, citado por Manuel Antonio
1998.
1255.
9 – PAZ, Octávio. Sendas de Oku. São Paulo, Roswiha Kenpf, 1983, p. 34.
45
CAPÍTULO 2
O silêncio de Buda
silêncio. Mas o silêncio não quer dizer inércia, inatividade; ao contrário, silêncio é
transforma em “um”. E esta experiência do “um” acontece com os outros, por isso,
podemos entendê-la como plural. Como bem diz José Carlos Michelazzo no título
dizer, bem Zen, pois é justamente essa a proposta do Zen. A pessoa vivenciar o
Budismo, por isso fizemos a citação acima, pois falar de silêncio é, neste caso,
Daisetz Teitaro Suzuki. Impossível falar de um sem citar o outro, com isso
silêncio de Buda.
mas manter-se em si mesma, ela não vai com a correnteza, ela compreende o
fluxo do rio, ou seja, a própria vida, mas não se deixa levar, mantém-se íntegra
De fato, uma coisa é solidão, outra é silêncio. Quem está em silêncio está
mesmo e dos outros e, portanto, do todo, construindo outro todo e este todo
a boa imagem oriental búdica é a rã que está à beira da lagoa e salta na água, a
Michelazzo conta em seu citado livro, ainda na página 218, que o editor
inglês das obras de Suzuki soube através de um amigo alemão, também amigo de
Heidegger, que este amigo, certa feita, ao visitar o pensador da Floresta Negra
todas as coisas. A criatividade no escrever da frase anterior é que Tao e Zen são
Meditação. Por vezes pode parecer repetitivo, mas a questão de o Budismo repetir
aos poucos, se acostume e grave o que se quer transmitir. Não a definição pela
tudo o que existe. Desse modo, convivendo com esse princípio, a pessoa vai
O que ao longo desta tese pode soar como repetição deve ser visto, lido e
afirma que “a repetição é a mãe do saber”. Por uma série de exemplos chegamos
descobrimos a nossa face primeira, aquela que ainda não cobrimos com as
Iluminação.
49
teremos como suporte as obras do pensador japonês Daisetz Teitaro Suzuki. Esse
radical, de buscar a raiz e aqui temos uma postura originária. O que o zen propõe
não é uma simples reforma aqui e acolá, eventual, não; no que se refere ao
zen pretende questionar, pretende ver o outro lado, olhar a fundo, se necessário
de provas ao longo dos séculos. O Extremo Oriente levou muito tempo para
poética. Imaginário este que tem muito a ver com o silêncio e, portanto, com o
demonstrar.
50
Frisamos o verbo “tentar” porque a nossa intenção não é fechada, não está
pronta, não é acabada. Aliás, tal visão determinista não se coaduna com os
estava em “moda”.
diálogo fica evidente que o pensador da Floresta Negra teve alunos japoneses,
Akira Kurosawa. É interessante neste filme que não aparece o juiz, os jurados,
se a chuva fala, onde é que entra o silêncio? Se não fala, já é silenciosa por
natureza? O silêncio é outra grande questão que estamos tratando, mas no filme
chuva pára.
grande koan do zen. O silêncio é soberano, tranqüilo, sereno; o mutismo pode ter
fechamento.
também é uma personagem, mais do que simples cenário ela fala em cada gota,
em cada barulhinho que faz caindo nos telhados. Anuncia que vai lavar, vai limpar,
Sobre essa arte de falar não falando, isto é, falar de forma silenciosa, por
mais paradoxal que possa parecer, nos diz Emmanuel Carneiro Leão:
52
isso Carneiro Leão nos fala desta universalidade, desta condição planetária do
silêncio. Muito bom que ele tenha citado o lendário fundador do Taoísmo, pois o
Nesse mesmo capítulo, mais adiante, Leão presenteia o leitor com uma
novo gato. Por fim, ele consegue o gato mais caro de um criador nas montanhas.
Um gato que dormia o dia todo, aparentemente não fazia nada, só ficava em
silêncio.
53
Os ratos então compreendem que este era um felino perigoso pois não
seu método? Era um gato meditante. Só vivia no enigma do silêncio e por isso era
maneira bela:
silêncio entre duas palavras, questionando e vivenciando: o que este silêncio quer
dizer?
No final deste mesmo segundo volume Carneiro Leão mais uma vez brinda
temas semelhantes:
não é tão rápida assim. Exige-se saber, mas se esquecem de que o não-saber é
comunhão de tudo com o todo. Mas para haver esta manifestação de maturidade
em silêncio, ocasião em que a outra pessoa que está do lado se sente tímida ou
então é tímida por natureza. Esse fato incomoda a outra pessoa com quem se
Isto é, não estão concretamente conversando, visto que, entre uma frase e outra,
ironia é que se estavam calados, mudos, não havia assunto para ser mudado.
nem sempre acaba como devia, ou seja, nem sempre se chegava ao final com um
deste dois exemplos, de tempos bem antigos, vemos a força que o silêncio tem.
Nós sabemos que o silêncio representa muito. Às vezes, um silêncio quer dizer
não, outras vezes quer dizer sim, em algumas ocasiões, nem sim nem não, ou sim
56
grande enigma.
íntimos.
É por isso que saber guardar segredos é algo tão difícil. E segredo é
Quando uma pessoa fala muito, quando popularmente se diz que “fala
pelos cotovelos” e, na verdade, estes não falam, ela está tentando ocultar,
adiante.
57
parado, mas pode estar falando. Quando uma pessoa é silenciada por outra ou
repressões etc.
ou evita-se ao máximo para dizer. Fato que nos remete ao adágio popular: “Para
bom entendedor meia palavra basta”. Às vezes, não é preciso nem falar porque o
provérbio árabe: “Não digas tudo o que sabes, porque quem diz tudo o que sabe,
que se realizam, isto é, compreendem-se pelo dito popular: “Fica o dito pelo não
dito”. Esse não-dito é o silêncio. Essa série de exemplos explicita o de que o vulgo
a língua.
A linguagem implica silêncio, implica no silêncio, este, por sua vez, é o não
Isso quer dizer que o silêncio é sempre maior do que aquilo que dizemos,
o vazio sem história, mas o vazio pleno, o vazio que o zen propõe. É o silêncio
explicitarmos o silêncio enquanto pausa ativa, que o Zen costuma chamar de não-
Isso nos faz compreender que estar no sentido com as palavras e estar no
sentido em silêncio são modos diferentes, distintos entre si, e essa dicotomia faz
satóri, bem cara ao Zen. Podemos inicialmente dizer, originariamente dizer que
que acham o silêncio uma tortura. Libertação para uns, maldição para outros.
compreensões, vivências com ela, para ela e através dela interagir com outro e
outros homens. Como seria a linguagem no tempo em que não havia homem na
face da Terra? Onde estava a linguagem no período em que a raça humana ainda
Pensamos que estava na physis. Como surgiu a espécie humana não vem
ao caso, foge à proposta desta tese, mas pensamos que a “physis” estava
básico para a humanidade. Mas nem todos têm consciência disso. A linguagem é
quando avistou o vazio da ausência de barulho, quando ouviu o silêncio como algo
homem entra em contato com Ele e, pela palavra, comunica a outros a razão de
ser da conversa entre esta pessoa e Deus. É pela fala que tornamos, neste
o não-dito, o silêncio.
Isso nos faz lembrar o pensador chinês Confúcio que, no século VI aC.
Afirmava: “Uma imagem vale mais do que mil palavras”. Essa assertiva tem sido
dizer que o eco não tem nada, não é nada e mesmo assim ele “fala”. E se ele fala
alguma coisa ele não pode ser nada, a menos que esse nada seja sinônimo de
que está o real do sentido. As ondas são apenas o seu ruído, suas bordas
Temos vários tipos de silêncio: o silêncio das emoções, o silêncio dos cinco
palavra. O único ruído é o da trilha sonora e mesmo assim nós vemos parte da
O silêncio é o outro lado da fala. Assim, como se fosse uma moeda que tem
textos de meditação budista nos falam que na voragem dos pensamentos que
assolam a nossa mente, na verdade, pensamos só um de cada vez, mas eles são
muito rápidos e pensamos que são muitos ao mesmo tempo. Com isto queremos
pensamento como uma forma de “fala”, o espaço entre essa “fala” inaudível,
Com isso queremos dizer que as questões estão o tempo todo conosco, elas são
Sendo um tema importante na vida budista, ele não se esgota por si só. E ao
longo da tese, vez por outra iremos abordá-lo quando o assunto for pertinente
outro. Ainda que estejamos falando o satori e o silêncio podem estar presentes.
sator que representa “despertar” e de “sato” que é atento, ser atento, estar atento,
essência, não como um agregado de partes, mas como algo indivisível, completo
ver, contemplar.
primeira parte do vocábulo, nos lembra que em sânscrito, uma língua falada no
tempo de Buda a palavra “mente” escrevia-se manas. Será que as duas primeiras
sílabas de manifestar têm algo a ver com manas? Manifestar é a festa da mente?
É interessante essa colocação de Suzuki, pois ele faz uma referência direta
citações:
primeiros segundos da idade da Terra. Segundos estes que podem ter demorado
conhecida como satori. Esse mergulho é uma atitude originária, pois todas as
questão talvez seja uma outra questão, quem sabe uma vivência, uma
experienciação. O que o zen tenta nos dizer é que recomenda-se tentar penetrar,
atravessar esse muro de conceitos que muitas vezes nos rodeia e nos embota.
Japão, mas não apenas só isto, foi também autor de várias obras em prosa e
vida.
muitas vezes andavam com cajados, por vários motivos. Primeiro, porque sendo
força, lembra o cetro real. Quinto, para atravessarem os rios, o cajado ajudava a
será acrescentada, pela própria vida. Enquanto que, não a tendo, não a
possuindo, corremos o risco de, cada vez mais, nos perdemos na ignorância
existência.
bem mitopoético. Ele nos sugere que o cajado, mais do que um objeto faz parte de
nossa vida, está interligado ao nosso dia-a-dia, ao nosso viver. Essa experiência
nos diz que devemos estar além das palavras, das definições, dos conceitos.
Notas do Capítulo 2
2 – Idem. p. 218.
2000, p. 27.
5 – Idem, p. 32.
6 – Idem, p. 204.
9 – Idem, p. 96.
1982, p.37.
11 – SUZUKI, Daisetz Teitaro. Viver através do Zen. Rio de Janeiro, Zahar, 1977,
p. 87.
1983, p. 3
Capítulo 3
Com isso, estamos querendo dizer, desde já, que a nossa tese é de
falar por si mesmo. Resta-nos ouvir. É o próprio Método quem vai falar por si
inanimados falam. Mas será que são inanimados mesmo? O carvalho é uma
árvore, é um ser vivo e assim tem a sua forma de falar; claro, diferente da nossa.
Qual será a linguagem das árvores? Ao que nos consta, Heidegger, com a sua
múltiplos? O Caminho do Campo fala e faz-se falar, faz-se ouvir, faz-se refletir ao
longo do texto. Da mesma forma, nossa tese, tentará falar e fazer-se ouvir tal e
qual o Caminho do Campo. O Caminho do Campo nos foi revelado pelo professor
Caminho de Vida. É isto o que o Zen tenta nos dizer, para evitarmos a separação,
antiqüíssima, mas com esta leitura vamos revelar mais uma proximidade sempre
principiante, por mais que estude, por mais que aprenda, por mais que pratique
não deve se esquecer deste fato importante, para que não se esmoreça no
Com esta atitude, com esta vivência, de mente originária a pessoa não vai
discriminar os fatos, não vai cair na dualidade, na divisão, visto que tais aspectos,
gente pensa que ser principiante é humilhação, não é. Ser principiante é uma
mente de principiante.
75
leva o ser humano a uma postura vaidosa. O zen nos diz que uma compreensão
Pensamos que foi isso o que Heidegger quis dizer com o filosofar
ânimo jovial. É interessante que, nesta mesma página citada, Suzuki declara: “O
real segredo das artes também é esse: ser sempre um principiante”. O artista, o
poeta está sempre com este propósito, imbuído com o sentido do aprender,
aprender a ser.
e vivenciar o mundo. É uma experiência radical, das origens. E nos lembra o mito
nos diz que com atenção a vida vai melhor, não que seja mais fácil ou os
problemas não venham; não é isso. Com atenção a pessoa tem melhores
com a natureza, com o ecossitema. Ela fica mais sensível, mais atenta às
76
como se as coisas fossem “seres vivos”, “seres animados”, “pessoas”. É algo que
está fora da lógica. Talvez uma lógica de outra dimensão. Respeito tem a ver com
amor, não o conceito de amor que estamos cansados de ver e ouvir, mas uma
amor.
Cuidado vista em Ser e Tempo. O mito de Higino a que ele se reporta mostra-nos
constituída por uma área entre relações cujas quatro direções são o céu, a terra,
os divinos e os mortais.
dos quatro pontos cardeais ele acrescenta o nadir e o zênite, ou seja, o centro da
bem pode ser o firmamento visível, o que o senso comum chama de o azul do
céu; mas aqui já tem outra dimensão embutida nesse tema é que também o céu
Floresta Negra também fala em região e fazemos uma leitura como sendo o
nirvana budista.
vivencial, teatral, uma espécie de reinterpretação. É por isso que o texto fala em
ficção do artista, visto que, todos nós, seres humanos, somos artistas da vida,
Pode parecer que este retorno mítico é uma fuga. Não é. O que o texto
divnino-humanas.
não são isoladas, unilaterais, mas, por estarem independentes, libertas da finitude,
que as mantém. Essa quaternidade, esse jogo nos permite ver e sentir com os
vai nos levar à reflexão, à meditação, às regiões nirvânicas desta vida física, desta
principiantemente se deixa orientar rumo à poesia nos lembra uma proposição por
demais búdica, por demais zen: é a poesia que revela ao ser humano o sentido
do real, fazendo parte também do real, sendo impossível sair dele não é de
natureza teórica, mas sim poética. Neste sentido podemos dizer que poesia é
utensílios conhecidos, mas sim criada pelo universo das coisas. A percepção e a
fato é, por isso está aqui o fingir. A imaginação precede a reflexão. É necessário
da imaginação simbólica.
é importante porque nos lembra o desapego que Buda nos ensinou, a renúncia do
zen, só assim teremos isenção e ver que o jogo do Ser reflete na coisa da
nutritiva e bela. Ela é o sinal da adesão vital ao solo que cresce, floresce e
homem não deveria ter tocado. E, tudo isso traduz que estes momentos nos
ameaça a si mesmo.
recomendável um certo recuo, uma “volta” no tempo para que nos lancemos
prospectivamente à frente.
Como vencer, superar ou ultrapassar a crise que nos abala, que vai
clara, simples, mas sugere, indica-nos algumas pistas. Alguns “retornos”, entornos
e contornos criativos. Ele coloca uma questão mais essencial que nos permite
contemporânea.
81
Para compreender este fato devemos começar por relativizar aquilo a que
idéias em que voluntariamente nos refugiamos tendem a impor-se com uma força
tal que as confundimos com a própria realidade das coisas em si. A nossa auto-
trilharam. Eram caminhos de floresta. Lenhadores que nos levavam, nos levam à
Faz parte desse todo e não cabe a pergunta: e se ele, o sagrado não
estiver lá, o que acontece. Esta é uma pergunta mal formulada, uma pergunta
quaternidade que descrevem o perfil das coisas, têm suas raízes na abertura ao
Nosso pensador nos diz que perder a visão poética do universo é a mesma
coisa que perder uma possibilidade interior que nos define profundamente, no
o acolhimento poético das coisas realizado para além da teoria, abre o caminho de
inexprimível, por isso operam a arte. E como é este operar a arte? Como é este
operar da arte? A arte “toma” o artista e revela-se através dos cinco sentidos, por
assim por diante, mas não devemos vê-los de forma isolada, mas ao contrário,
O Zen usa a imagem para dizer que explicar ou responder é como prender o vento
em uma caixa. No momento em que se feche a tampa, deixa de ser vento, torna-
se ar parado, estagnado, deixa de ser vida, deixa de ter vida. Vida é movimento,
não estamos separados, não estamos isolados e isto é Zen. E só se aprende com,
estando junto de, só se principia com, compartilhando com alguém, por isso, disse
muito bem Manuel Antonio de Castro em seu opúsculo Linguagem: nosso maior
bem:
reveladora pois atesta o que vimos dizendo sobre o Zen. O texto acima é
profundamente budista, ainda que não tenha sido proferido por Buda ou por um de
quem sabe, na antiguidade, estes pensadores, talvez com a época, talvez com o
tempo, talvez com experiências semelhantes tenham tido discursos que, em certo
“olhar” para o Buda e não para a pessoa, para o monge, para o homem que está
É por existir este Buda, que alguns textos chamam de Eterno, que existiram
pode se manifestar, novamente, em outro ser humano, desde que esse novo ser
costumava dizer que devemos “ver as coisas como elas são”, inclusive citava a
palavra “coisa”, tão cara a Heidegger. Isto é, devemos procurar ver sem os rótulos,
na antiguidade indiana não havia separação entre arte, vida, religião, filosofia e
é vida. É por este motivo que no Zen há um apelo tão forte à vivência da arte. A
iluminação, o esclarecimento, o satori que é tão difícil definir, tanto quanto o Ser,
Mas, e a arte, como é que ela aparece? A vida e a arte constituem um jogo,
mas o que queremos dizer é que, para o zen, a arte é um caminho excelente para
abertura prévia que torna possível a apreensão de todas as coisas. Não é algo
mundo e a terra. Este diálogo é, de fato, uma questão – o mundo desvela a terra e
a terra oculta o mundo. Por isso falamos em jogo, em dança, como se fosse, e,
“outra forma de dizer a verdade”, de ser a verdade, é uma das formas como o Ser
se dá. Contudo, temos que ter o cuidado para não cairmos na metafísica da forma
e matéria.
da revelação do Ser, a arte rompe e irrompe o longo curso do rio da vida. E então
nos revela o algo mais além da banalidade metafísica. Por outro lado, a nossa
originária da Terra e Mundo é sempre bela por si só, sem precisar de leituras de
estilos de época. O acontecimento criador é um ato sagrado e por isso nos confia
ao Ser.
artista não domina o ato de criar, da criação, ele está sempre sendo ultrapassado
pela força da obra, uma força “mística”, sagrada, misteriosa, que tem vida própria.
Como se fosse uma outra pessoa, diferente do artista, por isso se diz que às
arte é verdade acontecendo. É pura poesia no sentido amplo dos termos, não a
poesia versificada, tradicional que a metafísica conhece, mas a poesia que é vida,
logo, toda obra de arte originária e não qualquer obra de arte no sentido metafísico
isto é, no diálogo que ele nos propõe com as questões, a justificação ontológica da
arte. Entendendo-se por arte, no âmbito das artes plásticas, aquela que ao
podemos até dizer que arte é um sinônimo para a verdade. Para descobrir o de
que se constitui a essência desta obra de arte o pensador alemão nos faz lembrar
do salto para o ser da obra. Concretizar este salto equivale a colocar-se diante da
obra para deixa-la ser ela mesma. Deixar a obra operar, deixar a obra ser obra.
Esse modo de ser da obra manifestar-se com tanta mais originariedade enquanto
ela bastar-se, enquanto não se fizerem desvios explicativos, dedutivos, mas sim,
como diz o Buda ver a coisa como ela é, precisamos então ver a obra de arte
como ela realmente é, ver a obra operando em si mesma, agindo, vigindo em si.
Por sua vez, a arte budista, a arte zen assumiu formas que indicam a
longo dos séculos, foi falar do estado de iluminação das mais diferentes
substituição dos detalhes agitados pela quietude que representa a ação principal
superfície, deixando o espaço aberto para que a mente o preencha, tal como
expressa o pensamento zen. Isso faz com que a mente não seja induzida a
pensar, mas sim, justamente ao oposto, a mente aprende a meditar sobre o que
90
contempla o efeito da arte zen em sua própria mente. Não é o descobrimento que
si mesmo.
Ou seja, o verdadeiro poeta tem que renunciar a si mesmo para que a poesia
propriamente dita fale. O poeta tem que calar, tem que silenciar para que a
O Sagrado não é uma palavra que se opõe ao Profano. Esta é uma visão
princípio do principiar.
maravilhosamente presente.
91
que nos faz pensar. Não estamos querendo afirmar que Hölderlin leu Buda.
sua poesia.
simplicidade, a humildade. Esses textos falam de sua grande renúncia quando ele,
abdica do palácio e vai viver na floresta como um asceta, tema que iremos tratar
das coisas ele compreendeu que a infinitude da vida está intimamente coligada
com a finitude desta mesma vida. De um lado a vida primordial,a vida essência , a
sagrado fala ao indivíduo, dando conta de sua interação com as funções da vida.
Notas do Capítulo 3
mímeo., s/d.
UFRJ, 2004, p. 5
Capítulo 4
referido gesto da flor, que ficou conhecido como o “Sermão da Flor” ou o “Sermão
ele deve constar aqui porque, a partir dele, teve início esta sucessão “apostólica”,
importante para a nossa tese – pois foi a partir da China que o Zen chegou ao
Dogen era um monge budista japonês que, após estagiar na China, voltou
para o seu país e introduziu o pensamento Zen em sua terra natal. Dos três
nomes que acabei de citar, sem dúvida, Dogen é o mais importante, é o que nos
interessa, ele levou e elevou a experiência originária tão profundamente que até
unânimes que ele foi a mente mais brilhante do Zen em todos os tempos, um dos
prosa.
cultura japonesa influenciada pelo zen-budismo, que teve início com ele. O pai de
corte imperial. Sua mãe era filha do Motofusa Fujiwara, outro antigo regente da
corte. O pai de Dogen faleceu quando ele tinha 3 anos e a mãe faleceu quando
ele tinha 8 anos de idade. Tendo de encarar, desde muito cedo, a dura realidade
compreender a razão de ser das coisas e da vida. Faleceu em 1253. Viveu pouco,
mas a sua obra permanece até hoje e, cada vez, é motivo de estudo em diversas
partes do mundo.
4.1 – O ser-do-tempo
Tanabe, alunos de Kitaro Nishida (1870-1945), que foi aluno de Heidegger, são
Buda.
de Uji significa algum, ser, ter, existência. As duas últimas “ji” formam a palavra
tempo. É interessante notar que vazio em japonês é “ku” e esta mesma letra “u”
significando este som vazio representa o ser, a existência, donde se deduz que a
existência-vida é vazia e o ser, da mesma forma é vazio. Com Uji, Dogen nos
Os tópicos ou itens não têm título. Dogen entra direto no assunto, no texto.
infinitos budas, de certa maneira, as pessoas são budas, há dentro delas, como já
método de abordagem Zen usa muito. Isso quer dizer que tanto faz estarmos no
mais alto dos picos do planeta, ou nas maiores profundezas do oceano, ainda
é uma alusão a um discurso de Buda quando certa feita ele falou que não adianta
fugir, não adianta nos escondermos, onde quer que a gente esteja, a
Na mitologia budista se diz que estas regiões do planeta são administradas por
seres divinos. “Três cabeças e oito braços” é o nome de uma deidade que significa
justamente essa grande incógnita da vida. Para onde quer que nos movamos:
apresentaram Siddhartha Gautama como um homem alto. Deduz-se que este alto
estava acima de 1,80, alguns afirmam, informam que certamente ele teria algo em
torno de 2 metros. Verdade ou não, lenda ou não, com o passar dos séculos ficou
mais ou menos admitido pelo grande público que a altura do Buda estava mais ou
menos na casa dos 2m. O Zen sempre usou esta imagem extrema “dois metros e
meio ou 5 metros”. Em primeiro lugar isso quer dizer que é raro uma pessoa acima
mitologia, sempre nas descrições míticas, estes seres quase divinos, ou semi-
real com as respectivas insígnias da reino. Lembra também que Siddharta era um
uma ripa de madeira que alguns mestres Zen usam nas meditações para corrigir a
postura dos demais praticantes, dos discípulos, dos alunos. A referência do verso
simples, um mero e comum praticante, sujeito a uma leve pancada com o batedor,
uma espada de madeira que, segundo os textos serve para cortar a ignorância.
Bodhisatva é aquele ser, aquela pessoa que já está quase em um grau especial
para ajudar a prática. Quando a pessoa está sonolento a leve pancada que se dá
no ombro acorda aquele que está com o sono. Como é uma pancada seca, o
100
pois ali é o campo especial e preferencial da iluminação búdica. O pilar indica uma
A oitava linha, “os filhos de Zhang e Li” são nomes comuns na China. Isso
quer dizer que o ser-tempo está com e além, está como estas pessoas comuns,
A última linha desse primeiro parágrafo nos fala da terra e do céu. Dogen
quer nos dizer que o praticante está inserido neste amplo espectro, que não são
contraditórios, paradoxais, mas sim, fruto de sua união com o todo, que junta o
céu e a terra. Este é o espaço imenso onde circula o praticante Zen. Imenso para
medir, mas pequeno, tão pequeno que duas palavras o identificam, qualificam,
muito feliz ao dizer que “o próprio tempo é ser e todo ser é tempo”. É um binômio
contemporâneos.
101
melhoria, a transformação do homem, esta meditação tem duas vias, a via interior,
do homem consigo mesmo e a via exterior, a parte em que o homem interage com
o mundo circundante
mais e melhor, para nos relacionarmos mais e melhor, interagirmos com todas as
mesmo.
A segunda oração: “O ser deste ente é sempre e cada vez meu” nos lembra
a noção budista de que nós temos sempre um sentido de apego, pelo qual
Tanto assim o é que em seu mais profundo ser, em sua essência, em sua
originária, mais profunda para baixo enquanto as raízes de uma árvore e por outro
lado , cada vez mais conectadas com o alto , com o sagrado nós constatamos que
destaque temos o um e o dois. O Um é o ente, uno, indiviso, mas que não está só,
está junto, não é separado de nada nem de ninguém e aqui está um dos grandes
Mas este Ser que é dois, não é o segundo na escala, também é Um. E só
faz com que surja, com que apareça o presente, o tempo presente, o aqui e o
agora é o tempo presente, atual, não o atual momentâneo, mas o atual eterno. É
preciso que haja uma entrega, uma fé, uma fides, em latim e uma pitis em grego –
marciais. O nome é curioso, artes marciais, artes de guerra, mas aqui no sentido
de que a vida é uma guerra e, metaforicamente, é uma luta diária que precisamos
vencer a nós mesmos, da mesma forma que Heidegger falou em sua primeira
especificidade da arte marcial do arco e flecha. Este jogo ou esta luta que na
relação às 12 horas do dia. Os dias vêm e vão, chegam e passam e assim vai o
todo? Sim e não, mas é preciso não esquecer do Ser que faz o tempo, que vive o
tempo.
Este segundo item nos fala de dúvida, esta palavra nos remete à questão
niilista, metafísica, mas uma dúvida criativa, a dúvida de quem inquire, a dúvida
koans não nos perguntam soluções, nos perguntam sobre a vida e não estão
sempre nos leva a um outro pensar, a uma outra questão. Por isso intitulamos
este item de “Dúvida Saudável” para contrastar com a dúvida doentia, neurótica, a
dúvida repetitiva, sem criatividade. Buda, aliás, dizia que o excesso de dúvida
criatividade da dúvida saudável que falamos antes e que Dogen explicita bem. O
pensador alemão está nos falando da obra de arte, mas podemos entender e ver a
vida como uma obra de arte em construção, na medida em que vamos, a cada dia,
4. 5 – O caminho da travessia
Eihei Dogen, nesse terceiro momento de seu texto, nos coloca que se tudo
é tempo, se o todo é tempo, então tudo o que existe são faces, são partes, são
partículas, são átomos deste tempo. E estes átomos, estas partículas, estas faces
nos esclarece que as coisas não são excludentes, mas sim, complementares. Ou
seja, as coisas podem co-existir, cada uma em sua essência, cada uma em seu
todo, cada uma em sua plenitude. Vemos aí um bom indício para a democracia,
é o outro e que o outro tem, todos os outros têm, todos nós temos.
de nós, ligado a nós. O caminho idem, ele existe por si só, ele é uma coisa, um
ser, deste modo, tendo vida própria ele vai ao encontro da prática e vice-versa
para que haja este encontro, este apogeu do tempo, do momento e também das
fazemos o tempo, mas somos intrinsecamente o tempo e talvez por não sabermos
compreensão do que o pensador monge quer nos dizer. As coisas são plenas,
queremos dizer que é um único momento pleno e atuante em toda a sua pujança
caminho da vida, a prática do existir, o próprio do Zen. Ainda que seja único, o
ver que um já contém outro e vice-versa, daí não ser preciso que o nosso
pensamento conceitual e condicionante atue. Vamos deixar que o que tem que ser
mostrado ou evidenciado fale por si e não vamos interferir com o nosso apego à
Aos poucos Dogen vai cada vez mais adentrando-nos no mistério desse
grande tempo e vamos descobrindo que se ser é tempo, então viver é tempo,
existir é estar imerso nessa grande aventura do tempo que se transforma a cada
instante, a cada momento. Há infinitas formas de tudo quanto existe, aos milhares,
109
aos bilhares, entretanto, ao citar a folha de relva ele fala da união do todo. Essas
infinitas e infindas formas são cada uma de per si, todo um mundo, todo um
universo em si, por si, a parte, completo, único. E há uma frase reveladora do
Caminho zen, quando no final do primeiro parágrafo deste item 4 ele diz: “O
ser formas e pode ser apenas, uma e única forma, pois esta forma representa a
totalidade das outras formas. E é por isso que ele entra naquele necessário jogo
nas notas marginais do autor, página 542, temos o seguinte: “iluminado – aletéia
indicação que o texto para estes vocábulos encontram-se na página 191. São
Através da iluminação temos um outro ângulo para olhar o mundo. Se algo está
iluminação. Coincide com aspectos da iluminação que o Buda nos falava, que o
Zen nos propõe. É justamente esse o ponto chave de nossa tese. A iluminação
que Buda obteve, descobriu e investiu no século VI aC, coincide em muitos pontos
É por isso que um dos capítulos desta tese intitulamos com uma pergunta,
ôntico.
111
das pessoas que têm uma visão metafísica da vida. Quando elas se põem, se
implícitas.
112
encontramos ao longo da vida. Tanto é assim que ele diz “estáveis presente”.
Quando bate o sofrimento não temos como fugir, ainda que talvez queiramos ou
podemos nos ligar na ilusão de que o tempo vem e vai, vai e volta. Somos nós que
treinada, que é o palácio adornado somos e continuamos sendo o tempo que jaz
buda minúsculo, o que nos sugere uma pessoa qualquer que tem o potencial de
também com letra minúscula e afirma que é uma pessoa que não entende este
método, isso nos leva a ponderar com o item anterior quando Heidegger fala da
e os oito braços. Esse mistério que a vida nos propõe. Se considerarmos estes
três estágios como sendo nós mesmos veremos que nossos dois braços vezes
estes três momentos, formam seis braços e os dois braços seguintes que
completam oito são os braços de Buda que nos apóia, nos esclarece, nos orienta.
Quando ele diz, no primeiro parágrafo, na primeira linha, que pode ser o tempo de
ontem, significa também o fantasma do passado que nos espreita, pois “três
cabeças e oito braços” é também uma figura mítica, lendária que aterroriza as
pessoas. Justamente o passado que nos cobra “n” coisas a todo instante. Ou
Veja que na linha seguinte, o tempo de hoje quer dizer o Buda. O corpo de
cinco metros é o Buda em pé, o corpo de dois metros e meio é o Buda sentado,
hoje.
podemos separá-los, somos nós. Não podemos fugir, nem para a nostalgia do
passado, nem podemos fugir do presente, caso ele seja difícil, temos que
longevidade. Assim, por mais que vivamos estaremos sempre às voltas com esta
dicotomia passado e presente. Mas tudo é tempo, tudo é uma questão de tempo.
sua cidade de origem, mas entendendo-se esta terra natal como a interação com
circundante.
compreendem o ser e nos integramos ao Ser da physis, é por isso que a alusão à
tempo está fugindo, quando na verdade não está, o tempo é. Nós é que estamos
emocionais, culturais, econômicos, políticos etc. e este ser que somos está
que o tempo está fluindo. Mas não somos apenas Ser, somos Tempo também, por
isso, com propriedade, Heidegger nos fala em Ser e Tempo e Dogen em Ser-do-
Tempo. E é por isso que é difícil compreender este fluir. Nós somos radicalmente
esses diferentes aspectos externos, mas que têm suas componentes internas.
diferenças.
Dogen coloca uma parte interessante. Talvez, de imediato, podemos pensar que o
tempo apenas flui para a frente, podemos até pensar que o tempo avança e flui
para o futuro, para o amanhã. Mas aqui ele diz que “o hoje flui para o ontem” isto
quer dizer que hoje, pensamos, lembramos e fazemos coisas que têm a ver com
ontem, de onde se deduz, que o tempo é, realmente, uno, pois esta tripartição do
tempo em presente, passado e futuro, quem faz somos nós e, em essência, isso
não existe. Nossa mente vai se lembrar de coisas que fizemos ou deixamos de
fazer ontem e da mesma forma vai projetar coisas para se fazer amanhã e outra
continuum.
117
porque flui, porque passa, porque é impermanente, pois se não fluísse não seria
tempo, se não passasse não seria tempo, se não fosse impermanente não seria
tempo. Em seguida ele cita uma série de nomes próprios, são monges
ficar molhado de água” significa o ser humano em geral. É porque naquele tempo,
quando se chega em casa, ou no destino, o que se vê, o que sente, são as vestes
permeia todos nós seres humanos, por mais que nos limpemos, estamos sempre
“sujos” e por isso é importante tomar banho todos os dias, além disso tem o
de memória não estamos nos reportando a um passado distante, mas a uma face
Para bem esclarecer a questão da memória, vejamos o que nos diz Antonio
impossível acabar com ela, impossível tentar apagá-la. Pode-se até, por motivos
que fluir como bem recomenda o mestre Dogen no texto que destacamos no início
deste item.
119
“verdade” é só dessa pessoa, ela não pode, não deve, não é recomendável,
arbitrar como sendo norma para os demais. Dogen fala aqui também sobre a
acharmos separados das coisas, isolados e assim temos dificuldade de ver o uno,
a unidade na diversidade.
120
budista, o dia completo era dividido em 12 horas, 6 para o dia e 6 para a noite,
Conta a lenda que, belo dia, o Buda resolveu fazer uma festa e convidou
todos os animais da floresta, visto que, ele morou seis anos na floresta, antes da
passava longos períodos nas florestas. Mas, apesar de todos os animais terem
para iniciarem o dia de trabalho e as oito horas levavam as ovelhas para o campo,
para o pasto, daí a referência à hora da ovelha. Quanto à hora do rato, deduz-se
ratos saiam de seus esconderijos e faziam a festa nas sobras de alimento ou nos
depósitos.
através da meditação, pois uma das técnicas da prática zen consiste em observar
Ao escrever buda com letra minúscula, Dogen está dizendo que toda
e o seu meio ambiente. Nós, aqui no Ocidente, hoje, em 2007, temos, às vezes,
dificuldade em ouvir isto, que todos são budas, mesmo não sendo budistas. É que
Mas é preciso pensar que Dogen nasceu e se criou nos primeiros 53 anos
do século XIII. Assim, a palavra buda equivalia ao conceito que se tem hoje no
Ocidente de Deus. E foi neste contexto que Eihei Dogen viveu, trabalhou, meditou
e escreveu.
não somos separados dos animais. Estamos também interagindo com eles. Eles
somos hoje. Quer como animal de carga, quer como alimento, quer como veículo.
iluminação. Potencial esse que um belo dia pode despertar. Aqui estamos no
plano dos mitos: seres humanos, reino vegetal, reino mineral e reinos invisíveis.
122
O primeiro parágrafo quer nos dizer que a prática completa do zen é aquela
que está inserida no mundo. Seria mais ou menos o seguinte: a missão de cada
no tempo é ser ser-e-tempo, que somos nós no dia-a-dia com nossas buscas,
trilhando o Caminho zen queremos entrar no nirvana, mas este item nos diz que
O que Dogen tenta mostrar neste item 11 é que o ser-do-tempo não está
considerar um ser, uma pessoa, como um ser pela metade, pois ele contém em si,
plenitude do um múltiplo total. O texto acima nos revela o grande princípio do zen
que não há nada faltando, não há nada nos faltando. Mais do que uma
De fato, como entender isto a não ser originariamente? Não está nos
nós fazemos o tempo, nós fazemos parte do tempo. Ser do tempo, ser o tempo, o
tempo é ser.
ansiedade, querendo realizar coisas, as mais diversas, por vezes nos cobramos e
sempre temos a impressão de que ele está passando, estamos sempre ansiosos
pelo novo, para que este novo apareça logo ou se é o caso de termos medo de
condicionamentos.
O terceiro parágrafo fala nos aspectos do vir e ir. É uma referência sobre a
meditação andando, sobre o que estamos fazendo no dia a dia, sempre indo e
de interrogação no final porque o título também pode ser uma constatação, uma
como diriam os estudiosos Zen. Uma das grandes questões que envolvem o
engima, qual a saída? Muitas vezes, os estratagemas dos mestres zen apelam
isso:
momentos em nossa vida que o melhor que se tem a fazer é através do humor,
por exemplo, no caso de palhaços e humoristas que propõem saídas, que para
outros parecem situações ridículas. Tudo isso para falar, como bem diz Ronaldes,
de forma semelhante.
quando, por “n” motivos nos apegamos às coisas, pessoas e situações. Temos de
conviver com esta finitude. É impossível nos livrarmos dela; talvez só em duas
sagrado. Sendo a arte, Ronaldes cita o caso da poesia e o outro lado é o sagrado
tema da morte e da vida de que nos fala Ronaldes. Em um texto budista, Sidarta
afirma que ele deixou o Palácio, viveu seis anos na floresta para compreender,
justamente esse grande engima. Heidegger foi outro pensador que compreendeu
logo essa grande inquietude do homem e tratou de colocar como destaque em sua
vasta obra.
Mas o que o Zen tenta nos mostrar é que a experiência da morte pode ser
uma experiência libertadora, tanto para quem fica, como para quem vai. E com
estes termos, estamos vendo este momento supremo, dar morte, sagrado, como
fazendo esforço, mas este esforço é um não-fazer fazendo, é um esforço que flui
volta. Com isso, Dogen está nos propondo que o esforço do momento, aqui e
Este item 14 nos lembra o tema da rede, do fluir como um todo. O primeiro
Quando a primavera flui, flui tudo junto que está com ela, a estação da primavera
não está separada de nada. A primavera é um todo, assim, nada está fora dela. O
tempo todo e tudo o mais está integrado na primavera, quando ela está fluindo,
O terceiro parágrafo, muito bonito, nos faz compreender o que flui. É a vida,
psicológico e outros, mas, nem a morte nos separa, visto que, ao morrer, vamos
parágrafo: “o vosso estudo do fluir”, é que ele via a vida como uma forma de
estudar, como uma forma de aprender, como uma forma de vivenciar o Zen e,
portanto, o Budismo. Ele dizia que a vida era de estudo e viver é estudar o
como ela é.
algo semelhante, é que o Zen nos mostra a vida, a inevitável chegada do final da
Para este grande momento a arte nos ajuda muito, a poesia idem, o zen também.
E vamos então, ter a constatação de que vamos continuar fluindo. Como sempre,
contrário:
o contexto.
mas este chamado pequeno veículo não é depreciativo, mas sim, tem o sentido de
pequeno no que se refere ao interior, é uma escola muito introspectiva; depois tem
para averiguar, aferir até que ponto, aquele que estava ouvindo tinha, de fato,
conhecimento do zen.
132
A pergunta quer, mais ou menos dizer: “Para que serve o Zen?” É que
Bodidarma foi o monge nascido no Sri Lanka que introduziu o Zen na China, como
já vimos, tornando-se assim, o 28º Patriarca do Zen naquele país, vir do oeste é
porque, ele foi da Índia para a China e a Índia está a oeste da China.
Zen quando ele ergueu uma flor, no mais absoluto silêncio e ninguém entendeu,
Mas, observemos bem. Se no início dos itens, Dogen nos diz que nós
só que nem sempre, na verdade, raramente temos consciência disto o que ele
quer dizer com esta passagem é que se sobrancelhas e olhos são montanhas e
integração é total, somos, realmente, todos um. E um belo dia, quem sabe,
Esse trecho parece o mais enigmáticos dos itens até agora vistos, mas
através de palavras, mas nem sempre encontramos palavras para traduzir, falar o
que o açúcar é doce e o sal é salgado? O zen fala muito na limitação das
palavras.
burro, por não ter o pensamento intelectual, simboliza que a mente dessa pessoa
está livre desse pensamento aprisionante, pois o intelecto acaba sendo uma
134
existiu. Mas o homem no seu antropocentrismo esqueceu que existe o outro lado
do planeta e esse outro lado também pensa. E por isso, sabiamente, nesse
Mas, não devemos esquecer que este diálogo com a filosofia grega é a
“condição prévia” para que nos aproximemos do “diálogo inevitável”. Ou seja, não
tem jeito, mais cedo ou mais tarde, e é bom que seja agora, e é isto o que
Extremo Oriente”.
milênios, desde os tempos dos pensadores gregos que Heidegger nos orienta a
Mas como, neste mundo, nada está isolado e vivemos entre-redes, ao falarmos de
Heidegger. E verificar quais outras possível ciências estão abertas para estudar o
provocação acadêmica.
pode ser identificada como uma câmera que vai “filmando” um pensamento, um
sentimento, uma emoção sem interferir. Sendo silenciosa a câmera faz todo um
Por isso o texto de Dogen esclarece uma das funções de nossa mente que é ter
nesta trama da vida, nesta teia, nesta rede. Não podemos fugir de nossa vocação
coletiva.
neologismo é próprio dos pensadores originários porque eles estão falando do real
que, muitas vezes, é difícil de explicitá-lo. Esmagar para Dogen tem o sentido de
distante, fora dessa vivência. Está, portanto, como que esmagado pelo peso dos
condicionamentos, dos conceitos, não está livre, não está solto, por isso é que é
atrapalhando o ver.
138
compreender sua mensagem, vamos ver o que estes versos têm a nos dizer:
e é nesse instante que devemos ser um com as coisas, ora, se somos um com as
coisas, somos um com isto, com aquilo, com etc. E na medida em que, por sermos
do caminho.
transcendente, que não está longe, mas está no cotidiano. Isso é muito
porque sem ela não vivemos. Entretanto, não a mente dispersa, a mente
fundamental budista que é o tema do desapego. Mas observe que ter ou não ter
não é problema para o ensinamento do Buda. No verso três “chegar” nos fala
diretamente da renúncia, qualquer que seja ela, renúncia, aceitação da vida como
ela é. No quarto verso, esta renúncia continua de forma ontológica, mesmo que a
pessoa não consiga aquilo que ela quer, Dogen afirma que o momento de “ser
Por fim, vejamos o último item, o 19. Mas é o último mesmo? Nesta
seqüência, nesta série, no texto de Dogen, sim, mas o que queremos questionar é
ser para especificamente ser 19 itens? Por um lado podemos ver que ele foi
Intitulamos este último item do capítulo quatro com um adágio muito comum no
Zen. É que a vida não há começo nem fim, é um constante fluir. Por isso não há
O primeiro parágrafo pode nos dar a entender que o texto talvez não seja
de Dogen, se bem que estudiosos garantem que é dele. Note que ele diz que os
O próprio Dogen questiona “Não há nada mais para dizer?” E ele escreve
isso porque as palavras chegavam aos borbotões à sua mente. Nossa dedução é
em união, ou seja, de forma originária, ontológica e de forma que ele chama “em
separado”. Talvez de forma dual. Mas ele, com sabedoria sabe discernir e verificar
chegando. É isso, as coisas nos vêm à mente, nos vêm à superfície de nossa
questão do ser-do-tempo, que somos nós, está aqui e agora, nesse momento.
do inverno do primeiro ano de Ninji (1240) foi escrito este texto no Monastério
outro, visto que os monges são sempre peregrinos, andarilhos, estão sempre no
caminho e a caminho.
142
Notas do Capítulo 4
7 - Ibid, p. 91.
10 - Ibid, p. 92.
11 - Ibid, p. 92
12 - Ibid, p. 92.
15 – Ibid., p.93.
16 - Ibid, p. 93.
17 - Ibid, p. 93.
20 – Ibid, p. 94.
21 - Ibid, p. 94 e 95.
22 - Ibid. p. 95 e 96.
25 - Ibid. p. 96.
26 - Ibid p. 96 e 97.
144
CAPÍTULO 5
Cremos que sim, pensamos que sim. Achamos que sim. E é isso que
O verbo crer sugere crença, algo em que se acredita, uma coisa em que se
supõe-se, seja bom acreditar, por uma série de fatores. O verbo pensar nos
Inclusive, outro tópico que foge à finalidade desta tese, mas citemos de
Mas, quem foi Buda? Para uns personagem histórico, para outros um ser
mitológico, para outros ainda os dois ao mesmo tempo, uma espécie de semi-
145
deus, um ser humano protegido pelos seres divinos. Em sua biografia o real e o
maravilhoso misturam-se.
Nesta tese vamos não vamos nos ater ao profeta Jeremias, um dos
atenção de Martin Heidegger. É o que estamos querendo propor com esta tese.
nossas pesquisas nos levam a concluir que Chuang Tzu foi discípulo do lendário
Lao Tsé. Há discussão se, realmente, Lao Tsé existiu de fato ou é fictício,
Chuang Tzu apresenta-se como “discípulo” de Lao Tse, mas não se pode
garantir, não se pode afirmar, não há provas cabais de que o seu mestre foi uma
Nossa tese é sobre Heidegger e Buda, mas neste capítulo, queremos falar
logicamente pela China, deduzimos que o sábio chinês Chuang Tzu conhecia o
logo há uma afinidade entre Buda e Chuang Tzu, refletimos então que os dois,
coisas, tema sobre que ele se debruça em vários livros, ora a utilidade ou
Nossa tese também é uma meditação, uma reflexão. E é por isso que
conta e risco”. Por nossa conta sim, por nosso envolvimento com as questões que
o autor nos propõe, com as questões que a vida nos coloca e temos consciência
de que abordar tais assuntos é um risco. Vamos até dizer, é uma ousadia tentar
entender Heidegger, tentar compreender, apreender o que ele nos diz, pela via do
Oriente, não custa tentar. Mas sempre tentar, o exercício do tentar. Tenhamos ar e
É por isso que o pensador alemão nos leva a meditar sobre este
sentido do inútil. Para que serve o inútil em um mundo tão útil? Há espaço para o
inútil respirar nesse mundo aparentemente útil? Mas e do ponto de vista do inútil?
Será que em um mundo inútil, onde imperasse o inútil, o útil, como conhecemos
Será que não é essa uma das eternas lutas da arte? A luta entre o útil
inútil algo poético, obviamente ele deixaria que o útil convivesse no mesmo
Digamos que há um que de “utilidade” no inútil e é por isso que ele co-
“inutilidade” no útil. De nossa parte, vemos hoje, muita coisa inútil com ares de útil.
Pensamos que era isso o que Heidegger queria que refletíssemos. Há muita
inutilidade por aí, no que se diz, no que se divulga, ser útil. Há muita
essa uma das crises do nosso tempo. O nosso tempo está mostrando que, muito
do que é tachado como inútil, tem a sua utilidade, como é o caso do Sagrado, da
civilização sem poesia, uma sociedade sem arte, o silêncio sem meditação, a
fonte de todo o real, do tudo e do todo, ele é poiésis, é mistério. Daí que engendra
tanta reflexão, que nos faz contemplar. Vejamos a palavra con-templar. Lembra
Até que ponto é útil ou inútil esta leitura do Sagrado em Martin Heidegger?
algo completamente oco, como aquilo que não tem nada e, portanto, não é nada.
Chuang Tzu, na China, nos mostra que este vazio não é vazio. É um vazio cheio
concebe.
Por isso, é muito bom, muito importante, esse resgate do inútil que nos faz
Heidegger, pois vamos ver a dinâmica que reside em sua proposta. Ele nos
budista que veremos mais adiante), suas palavras proferidas em 1962 são
premonitório, profético.
tempo; além do horizonte, tais grandes poetas são seres-águias que enxergam
nos fala o Buda, aquela impermanência que a tudo permeia, aquela inquietude
que sabemos todos existe nas mais diversas coisas, pessoas e situações. Que as
pessoas são inquietas isso é fácil de constatar. Que as situações podem conter
que “dividimos” o que interfere e interagem em nossa vida como seres animados e
ontologia um ser inanimado pode muito bem espelhar uma certa inquietude do
experienciação nos diz que sim, é possível uma coisa ser ou estar inquieta.
152
texto. Como num intertexto, entretexto. Chamamos de pensar asiático não porque
haja muita discrepância entre um pensar asiático e outro grego, por exemplo, não
é isso. Queremos dizer que o pensar se manifesta na Ásia revestido com a cultura
local, logo, o pensar asiático tem muito do pensamento budista, do pensar que
Buda revelou. Vejamos o que nos diz o Mestre da Floreta Negra, quando começa
Chuang Tzu, não é apenas para ser lido, mas para ser ouvido, escutado,
meditado, re-pensado. Ele é atual, ele nos fala, o texto-ser, como se fosse um ser
é atemporal, além do tempo e ainda nos fala, nos diz como pensar sobre o que é
todas as coisas, para a vida, para os seres e fica a questão no ar. O útil em si é
Quem é Chuang Tzu? Quem foi Chuang Tzu? Rapidamente, vamos situá-lo
no tempo e no espaço.
chamada Meng e, ao que parece, era empregado em uma loja que fabricava
móveis de laca. Provavelmente ele viveu entre 370 e 319 ou mesmo 301 aC. Não
Honan, ao sul do Rio Amarelo, o grande, místico e mítico rio Yang Tse Yang. Após
estudar com o mitológico Lao Tse ou Lao Tzu, ele adotou o nome Chuang Tzu,
sobrenome do mestre, assim como hoje se diz que os seguidores de Cristo são
O tema central dos escritos de Chuang Tzu gira em torno da liberdade. Não
a liberdade especifica que conhecemos hoje, mas uma liberdade originária. Sua
dicotomias.
154
procurar viver neste “entre”, meio caminho para a libertação estará encaminhado.
“Cura” tem a ver com o Sagrado, com o Budismo e com a nossa tese, mas
queremos, de antemão refletir que Heidegger foi muito feliz nesta tradução, nesta
“entre”.
para a palavra fundamento, quer dizer, nosso equívoco desde a mais tenra
O pensamento budista diz que somos e não somos. Somos inteiros e não
originariamente, que nesta tese estamos vendo os três como sinônimos, que
visão metafísica. Se torna mais fácil superar este real através de uma outra
“meta”, mas desta vez, “metáforas”: o levar “entre”, “para o telos”, o fim, o sentido.
se nos aparece, se mostra, se nos dá, se nos revela, é uma doação que nos
Nesta tese iremos ver o real como o Sagrado e o Budismo como uma
que Chuang Tzu teve algum ponto de contato com o Budismo? Já que há
Até que ponto uma árvore é realmente inútil? Mesmo uma árvore retorcida,
contorcida, como diz o texto, deve ter a sua função no ecossitema. A palavra
Até que ponto uma árvore pode ser dispensada de sua presença no quadro
fosse como uma árvore. É uma árvore, simbolicamente falando, pois, a palavra é o
Chuang Tzu responde com a natureza, com a physis. Da árvore passa para
a marta, um mamífero bem violento, é que as palavras podem ser calmas como
um tranqüilo e silencioso tronco de uma árvore, mas também pode atacar como
um animal que espreita a presa, mas ainda assim, pode cair em uma armadilha;
boi das montanhas asiáticas, serve de montaria e de animal de carga. Por ser
pegar pequenos animais como um rato. O que nos sugere que, muitas vezes, ao
poder dialogar. Isso possibilita que a linguagem nos tenha, ou seja, para que
iluminação do Buda espalhou-se logo por todo aquele velho continente. Não
recomendou aos seus discípulos que saíssem pelos caminhos divulgando a boa
logo. O campo estava fértil. Por isso, em muitos textos o Zen, o Tao se confundem
Notas do Capítulo 5
2 – Ibid., p. 9
3 – Ibid., p. 9.
4 – Ib id., p. 9 e10.
5 – Ibid., p. 10.
6 – Ibid., p. 10 e 11.
160
Capítulo 6
Heidegger e o Zen-Budismo
o que é serenidade? Qual é a grande questão deste livro? Por que um filósofo, um
Sagrado?
ele também era um religioso, ele nunca abandonou a religião. Ele nunca se
experienciações do Sagrado.
Negra. Tal como um asceta budista, um eremita, um ermitão que vive nas
montanhas. Pensamos que ele tinha uma ligação muito forte com a terra, com a
encontramos nos jardins zen de que falaremos mais adiante, nas peças Nô. É
apenas por ser natal, mas, vemos aí a importância da ligação com a Mãe Terra,
texto canônico em que o Buda diz para o seu filho, que também tinha se ordenado
monge, que ele precisava ser como a terra, que aceita as coisas boas e ruins que
depois, tal como a terra, transformamos o que é negativo para melhor e o que
tocou o solo, a terra e ele diz, nesse momento, que a Terra é sua testemunha.
tipicamente zen. Afirma que a interação entre um mestre e sua obra deve ser tão
grande, tão única que a pessoa desaparece e só fica a obra. Esta experiência
profunda de unidade foi bem descrita por outro professor universitário alemão e
Heidegger se limitasse a repetir os princípios zen, não estaria sendo criativo, não
estaria sendo zen, pois ser zen é recriar, renascer, reescrever. No entanto, a
posição do mestre da Floresta Negra foi muito boa pois verificamos que ele
e não o escutar criativo. Com isso esquecemos de nós mesmos e dos outros e da
Por outro lado, alguém pode lembrar do aspecto pensar criativo que
Heidegger nos propõe. Antes de pensarmos em contradição vamos ver que tentar
pensar, este não-pensar é o silêncio e assim, para distrair a mente buscamos aqui
e ali experiências passageiras que, por vezes, nos trazem muita dor.
164
criativo, de metafísico para ontológico. É por isso que no parágrafo seguinte ele
conta que, mesmo os profissionais do pensar, estão cada vez mais pobres em
termos de pensar.
Vemos aqui que uma coisa é pensar criativo, revelador ontológico, bem
pensador.
mente tivesse essa capacidade de ver a si mesma, olhar a si mesma, refletir sobre
dispersa, que se torna desatento. Buda, a partir daí criou uma prática interiorizante
forma é a serenidade em si, serenidade esta que nos leva à uma visão interior, a
ver dentro de cada um, ver dentro de si, mas que também vê fora. É uma atitude
uma emoção para outra, não consegue parar pois a sua natureza é dispersa. Está
não consegue refletir, que não consegue ter serenidade. E o autor toca em um
ponto importante, quando fala do “sentido que reina em tudo o que existe”.
da questão.
166
algo, baixo, feio, bonito, rico, pobre etc. perdido nessa dicotomia, o pensamento
discursivo, o pensamento que calcula cada vez mais envereda-se pelos planos da
esforço correto de que falava Buda, o senso comum diz que é algo muito elevado,
pode ser bom, não pode ser sagrado, não pode ser espiritual, prefere o que está
distante, longe. O próprio autor diz que não é necessário (p. 14) nos elevarmos às
neste mesmo livro, muito se fala na “região” e nós detectamos que esta região
Caminho este que, mesmo tendo sido proclamado na Ásia, não difere do caminho
sobre o meditar.
Nesse texto da página 23 ele fala de forma que parece um mestre zen
citando os seus enigmas, propondo contradições aos alunos para que eles
evita as respostas fáceis, superficiais e, muitas vezes, propõe descobrir o que está
oculto, o que esta velado, chega-se a este ponto através do não-fazer, do não-agir
e para isso é necessário ver com outros olhos o que está próximo de nós, o que
nem aceitar, nem recusar um dado, um fato, uma coisa, pois optando por um ou
Nosso autor vai buscar, segundo ele mesmo, uma palavra antiga e esta
palavra é “serenidade”. Sabiamente ele nos diz que tendo serenidade, desvelando
não pelo pensamento que calcula, mas pela meditação, pela reflexão que nos
O tempo todo ele fala em budismo zen, ainda que não esteja citando o
realmente, porque está no plano real, a vermos as coisas sob outro prisma, a
termos uma outro olhar, uma outra relação com os objetos. Este outro olhar, esta
nova forma de ver uma coisa, um objeto nos leva ao segredo, ao mistério, ao
sagrado. E o próprio Heidegger diz que estas atitudes são inseparáveis, ou seja, à
Vejamos uma outra citação, nesta mesma página, onde ele complementa a
sua reflexão. Muito boa sua declaração de clarividência, um termo mais para o
campo do Sagrado. De onde deduzimos que o sagrado também pode ser uma
conversa sobre o pensamento, que teve lugar num caminho de campo” ele
se. Na página 25, no primeiro ensaio, o pensador declara: “O que, deste modo, se
distintivo, básico do ser humano, mas para isso ser melhor compreendido e
chama de pensar sem pensar, fazer sem fazer, ser sem ser. O budismo nos diz
mesma, como se fosse uma outra pessoa, uma outra situação. É isto o que
Heidegger está falando, tanto é que na página seguinte ele declara que quer o
não-querer.
vamos ver que essas aparentes contradições: querer não querendo evidencia um
devemos fazer nada a não ser aguardar”. Ora, eis aí outro princípio budista da
meditação. Nós estamos o tempo todo tentando fazer algo, tentando demonstrar,
seja, deixar vir as coisas, aguardar que elas se manifestem. Mas isso só se
171
então não será mais pensamento, mas sim pura meditação, pura reflexão, pura
serenidade.
adiante, nesta mesma página ele diz que estamos sempre nos enganando. Nós
discernimento heideggeriano.
ultrapassar e por fim chega ao horizonte, mas o bonito é quando ele afirma, ao
expor esta vivência de horizontalidade; ele diz tratar-se de “um aberto que nos
daqueles koans, daquelas questões zen, que nos põem a meditar, a refletir. E na
página seguinte ele começa a falar em região, que nós identificamos, pela
dinâmico que faz da serenidade o caminhar caminhante. É isso mesmo que diz
Buda quando afirma que a meditação deve ser as 24 horas do dia e não apenas
separada, não está isolada. Como normalmente meditar traz muita calma, muita
No trecho escolhido ele continua com sua aula de meditação nos dizendo
que a serenidade vem da Região, ora ele escreve com minúscula, ora com
tratamos em outro local desta tese, sofrem a influência de uma escola budista
chamada Terra Pura, ou seja, identificamos essa Região como sendo a Terra Pura
queria o não-querer, isto porque o Buda afirmava que para meditarmos bem não
podemos ter apego a nada, nem ao próprio ato de meditar, justamente é o querer
O que lemos nesse trecho é que ele está falando no agradecimento que
toda prática meditativa tem e, mais uma vez, a elaboração do que fala, do que
escreve é profundamente zen. Agradecer por tudo e até pelo ato de poder
tempo, quanto mais nos aproximamos, mais verificamos que estamos longe e ao
mesmo tempo não estamos. Permanecemos lá, nunca saímos de lá, do nirvana,
meditação budista. Quando ele diz que o homem por si nada pode, está sendo
Notas do Capítulo 6
2 – Ibid., p. 13.
3 – Ibid., p. 14.
4 – Ibid., p. 23.
5 – Ibid., p. 23
6 – Ibid., p. 24.
7 – Ibid., p. 31.
8 – Ibid., p. 38.
9 – Ibid., p. 45.
10 – Ibid. , p. 49 e 50.
11 – Ibid., p. 57.
12 – Ibid., p. 63.
13 – Ibid., p. 62.
176
Capítulo 7
filósofo budista cuja obra do pensador alemão teve muita influência em seu fazer
1937 a 1939, foi Keiji Nishitani (1900-1990). Eles formavam a chamada Escola de
e o desenrolar dos fatos. Até que ponto isto pode ser considerado uma questão,
península Noto em frente ao Mar do Japão. Com seis anos de idade, sua família
se mudou para Tókio e, poucos anos depois seu pai faleceu de tuberculose, o
177
mas curou-se logo depois. Estas experiências dolorosas tiveram influência em seu
pensamento.
professor Tezuka, que conversa com Heidegger neste capítulo. O jovem Nishitani
1939. Após voltar lecionou Filosofia e Religião até 1963. E a seguir, até 1971, na
Alemanha e foi eleito para a Academia do Japão. Em 1972 o Instituto Goethe lhe
Vazio, semelhante ao nada heideggeriano. Tanto o vazio não é de todo vazio, nem
possibilidades.
178
Heidegger.
Floresta Negra declara possuir algumas fotos, tanto do túmulo do falecido aluno,
com o aluno e sua família . Esse túmulo e esse jardim estão no templo da cidade
daquele país.
sugerir uma atmosfera simples e geral do binômio “montanha e água”. Tudo o que
organizado de tal modo que o plano do jardim mais pareça ter sido ajudado que
feito. É como se o jardim tivesse vida própria, o jardim pediu para ser organizado
O jardineiro budista não impõe a sua intenção, a sua vontade. Ele tem o
cuidado de seguir um fazer sem fazer, um realizar sem realizar. É uma intenção
sem intenção das formas jardinescas. O jardineiro zen procura saber, questionar
como o jardim quer se feito pelo próprio jardim. É como se o jardim lhe
ervas e encaminhar, orientar as suas plantas. Observemos que este podar, cortar,
embelezando-a.
de fora. Ele faz parte do próprio jardim. Ele também é árvore, planta, pedra e o
Ás vezes sugere uma praia virgem, ainda intacta, não explorada pelo homem, pela
E por que isso? Note que o Japão, onde esta arte é bem desenvolvida é um
forma como é feito o jardim e como ele se nos mostra que evoca uma serenidade
mundo interior, às montanhas, aos rios. Tais jardins, às vezes, são uma forma de
pelo vento, pela ação do tempo. Essas rochas são colocadas no jardim de modo a
meditar.
seu aluno. Esse tipo de jardim é um mundo, um universo em miniatura, cada grão
de areia pode simbolizar um planeta, uma estrela, um astro celeste que cintila na
181
uma interessante conexão entre as palavras cultivar, habitar e cultuar. Cultivar tem
a ver com jardim. Cultuar tem a ver com o Sagrado e habitar é o homem inserindo-
Continuando com a leitura da conversa vamos ver que o japonês nos fala
pai era um oficial e foi morto por bandoleiros. De acordo com o desejo de seu
progenitor, manifesto nos últimos momentos, Honen tornou-se monge. Aos quinze
viajou para outro mosteiro situado nas montanhas de Hiei para aperfeiçoar os
Esse termo é sinônimo do milenar princípio budista itinen sanzen cuja tradução é:
Itinen Sanzen é também conhecido como a Lei da Vida. Significa que cada
numérica, mas não vamos entrar em detalhes porque foge ao propósito de nossa
dizer que itinen sanzen equivale à compreensão da rede, pois esclarece a relação
Com esta explicação queremos dizer que, ao falecer, o conde Kuki voltou a
essa rede, voltou a essa energia. É preciso lembrar também que o termo “ki”
183
signfica esse fluído vital que dá vida ao universo, presente no oxigênio. Em chinês
nos levar ao estágio final de iluminação, pois é como se a união dos estágios
espiritual e também é material, pois essa energia vital do universo permeia todas
caminho óctuplo. Frescor – entendido aqui como algo novo, recém-nascido, como
o frescor da manhã, logo após que o dia clareou, nasceu, surgiu. Abandono – é o
“ki” é energia; logo, o conde Kuki estava se recolhendo, após sua morte, a este
mar, a este oceano onde acontece o Nirvana. A energia da mente o leva para
toda a sua vontade de vida, de crescer, de ver o dia aumentar, prosseguir, ir,
relegando com isso a tradicional leitura da arte japonesa, integrada à physis a uma
regem a tradicional arte japonesa inspirada no zen. Ele parecia antever que a
assistido uma única vez, pois é um filme para se ver muitas vezes e refletir sobre
suas questões.
conflitantes entre si. Uma testemunha enveredando pelo real e pela ficção ou pela
imaginação, ou ainda pelo silêncio. Por que agem assim? A película é também
7.5 – O filme
que levam a essa clareira são as variadas interpretações. E ainda há mais uma
sugerindo talvez que a chuva vai fecundar a terra e a verdade de fato vai
cada um. E como ela não se mostra, não é possível tocá-la, ela aparece sob o
diáfano manto do diálogo? Do velar e do desvelar? Será que nós mentimos para
os demais e para nós também? São questões cujas respostas cada um deve
pensar. Talvez as respostas não sejam totalmente lógicas, mas, o que é a lógica?
cristalina, no originário, na fonte, todavia, como um rio, vai ao longo de seu curso
homem que joga outros poluentes, logo, mesmo que a água nasça cristalina,
transparente pura e bela em sua fonte mais originária, ao longo de seu percurso,
sendo que, cada um sabe ou deve tentar saber, deve conhecer o seu caminho do
não é lugar, um local, mas um estado de mente, sendo assim, este estado de
mas a comida representada nos seus vários aspectos, por exemplo, assistir a um
bom filme, como Rashomon é uma “refeição”, esse tipo de comida alimenta não
três “animalidade” temos de cuidar para que este nosso aspecto, esta nossa
corremos o risco de praticar atos que levam ao estado seguinte, atos que
aqui, com este quarto elemento é que ao fazermos isso, estamos no plano da lei
da física, da natureza que nos diz: toda ação corresponde a uma reação. Em todo
ser e estar no mundo. Lembrando que cada aspecto do que estamos analisando
pode parar.
êxtase de estar integrado à physis; o êxtase que não faz distinção, que estando
vida, é uma escalada infinita não para crescer, para se tornar melhor do que outro,
mas para integrar-se, cada vez mais à natureza circundante, à chamada natureza
búdica.
compõem a vida em toda a sua pujança, a vida como um todo, podemos sintetizar,
Todos estes aspectos têm a ver com a questão da verdade. Vimos, páginas
estes que nem sempre esclarecem, podem até confundir ou indicar contradição.
190
pessoa tem consciência de que ela está interligada até aos aspectos inferiores da
mal e o bem, são ângulos, pelos quais escolhemos nossa trajetória, sabendo,
seja, seria uma espécie de Portal da Pureza, o título do filme, mas, onde está a
pureza? Onde está a verdade? Onde está o certo? Ao passarmos por um portal,
comprimento. Sua altura equivalia a uma casa de dois andares. Com os vários
Era uma travessia ritualística. Todo aquele que por ali passasse estava à
lado, quanto de outro, a vida era a mesma, a cidade era a mesma, mas ser e o
7.8 – O Teatro Nô
executadas por ocasião das colheitas, inspiradas nas escrituras budistas. Podem
Oficialmente as origens desse tipo de teatro são obscuras, se perdem na noite dos
tempos
Kiotsugu (1333-1384) que na idade média, século XIV compilou muitos textos
Autor, ator e dançarino, Zeami teve uma carreira brilhante até que, por
intrigas palacianas, caiu em desgraça com o governo, e para não ser morto, torna-
Tanto o teatro Nô quanto as outras artes zen são, em grande parte, como
o budismo nos propõe. Em uma peça teatral, ao se encenar uma planta ou uma
pedra ou qualquer outro aspecto da natureza, da physis, a tradição oral dizia que
192
mineral têm “alma”. E que fora da natureza o ser humano não é completo.
sobre o ser. Diz o japonês: ‘Para nós, o vazio é o nome mais elevado para se
designar o que o senhor quer dizer com a palavra ser...” E o alemão não o refuta,
Por fim, o que vemos nesta conversa entre um japonês e Heidegger é que
arte, pois é um princípio budista de que tudo está em movimento, nada está
parado. Em uma peça deste tipo, o ator não age com grande ênfase, a proposta é
de ânimo e emoções.
193
Essa forma teatral tem por base não a palavra, mas sim o silêncio. O
conteúdo é insinuado. Não é narrado. Há peças nas quais o ator, no mais absoluto
concentração maior. Diz a lenda que, ao nascer, o bebê Buda, por ser búdico, por
ser divino ensaiou passos para cada um dos pontos cardeais indicando que a
partir daquele momento ele iria ensinar, transmitir o seu caminho em todas as
direções do planeta.
É que a arte para o Zen é tão sagrada quanto a vida. A arte se manifesta de
dizer que são sinônimos: arte, vida, zen, caminho. A experiência originária,
Capítulo 8
O que é o Vazio?
dois termos nesta tese são sinônimos. Tao é uma palavra chinesa que significa
caminho. Zen é uma palavra japonesa que significa “meditação”, mas entendendo-
pensamento de Heidegger.
No Ocidente, vazio é algo oco, sem nada dentro, podemos até vê-lo como
sinônimos de nada. Vemos neste conceito ocidental uma atitude niilista. Mas não
justamente o contrário.
na questão do vazio, mas ele chama de “nada”. Aqui ele compreende muito bem o
todas as questões. Tem a ver com a nossa vida. Tem a ver com o nascer, com o
vir-a-ser, tem a ver com a morte. Notemos que ele escreveu Nada com “n”
situação terá esse desdobramento. Ela não tem o conhecimento da realidade. Ela
entre estes dois seres: eu e tu. Ocorre também muito sofrimento quando um
questão, pois há em nosso país, diversas interpretações para esta palavra. Mas o
que o Buda falava é que o tal conceito de um Ego permanente, indissolúvel faz
sem bom senso, equilíbrio ou, o que ele chamava, de Caminho do Meio, evitando
sempre os extremos.
Esta quase “cegueira” espiritual faz com que o homem viva em um mundo
origem.
formas (os cinco sentidos mais a mente) que, por sua vez, estão relacionadas com
Este dado é importante porque mais adiante vamos verificar que o Vazio se
Buda explicava que este nosso Ser é um composto com estes 18 itens que
informação. Conhe-ser aqui é algo originário, que remonta à essência dos povos.
futuro as mais diversas. Desde uma paisagem até qualquer outra coisa. É por isso
que se diz que tudo é vazio, é ilusório, é impermanente, pois temos dificuldade em
ver, de fato, pelo simples fato de ver, apreciar, contemplar. E Heidegger nos fala
condicionada. E vamos ver através dos rótulos e agir mediante nossas deduções
ditos mais a mente. No dizer de Buda, estas faculdades são janelas, através das
O item 7 fala das sensações. Estas são a resultante do que aconteceu com
os contatos gerados a partir dos seis sentidos. Podem ser sensações agradáveis,
nossos rótulos vão indicar qual é o nível em que vamos querer ou deixar de querer
uma coisa.
O item 8 trata dos famosos desejos, quaisquer que sejam eles. Ter desejos
deste modo, existem os desejos saudáveis, mas nesse caso, o que Buda fala são
problema de tradução, pois a palavra em língua páli, usada pelo Buda, naquele
tempo era tanha. Mas o termo “tanha” tem essa característica de excessividade,
falado aqui é aquele que junto com a ansiedade e com os transtornos gerados por
qualquer coisa que nos faça bem, ou que pensamos que, naquele momento,
frisar que algumas correntes budistas, como o Zen, por exemplo, não se
preocupam com este item. Se isso existe ou não, não é relevante. Neste sentido o
da morte. Dizem os textos que foi para superar esta decadência e morte, e
em sua casa, na Alemanha, em sua obra básica, em três volumes, ainda inédita
na língua portuguesa, Ensaios sobre Budismo Zen, afirma no terceiro tomo que,
201
4) Vazio do vazio
5) Grande vazio
9) Vazio último
13) Vazio do eu
O primeiro item “vazio das coisas interiores” significa o vazio das seis
consciências. Quando o Zen afirma que elas estão, são vazias isto quer dizer que
202
todas as nossas atividades não têm substância alguma, não tem perenidade, não
são as que vimos anteriormente, o ato consciente de se tomar ciência dos nossos
este primeiro vazio quer dizer que estas coisas ditas “interiores” são vazias,
carecem de um sentido.
O segundo item, “vazio das coisas exteriores” são os objetos das seis
consciências e novamente, a assertiva que por trás delas não há nada que as faça
sentido. Novamente tem a ver com a dicotomia interior e exterior que falamos
antes. Se não existe essa coisas chamada interior, logicamente não vai existir
essa coisa chamada exterior. Estes dois conceitos são da metafísica. De acordo
com este item, a bem da verdade, tudo o que a experiência nos evidencia a partir
da prática dos seis sentidos são coisas vazias, não existem por si só, para
conceito aí implícito, criado, naturalmente, por essa divisão. Por mais que se tente
visceralmente unidades. Se uma não existe sem a outra, há, portanto, uma nova
etapa que mostra as duas separadas e unidas ao mesmo tempo. Por mais que
pensar o vazio como algo metafísico, mas para não cairmos nessa armadilha o
Zen propõe o “Vazio do vazio”, para retirar o nosso apego, qualquer que seja ele,
uma casa e deixar um montículo de poeira em algum lugar, ora, esta casa não
considera o espaço como algo vazio. As coisas, quaisquer que sejam elas,
elas são governadas por leis que regem o universo. O item 5 nos lembra ainda
que o espaço infinito estando onde sempre esteve, ainda assim é vazio porque
forma da verdade última? Significa que o ser, a essência, o ponto fulcral, inaugural
de todas as coisas é o estado que existe além de toda subjetividade. Esse vazio é
algo não a destruição, é algo que não nasce, ele existe por si só. O vazio da
204
verdade última nos mostra que a “verdade última”, qualquer que seja ela, é vazia
coisa à Verdade Última, ela deixa de ser Verdade Última, pois o que é
coisas incriadas (não criadas). Podem ser estudados juntos. Como o nome bem
diz o “vazio das coisas criadas” evidencia que todas as coisas que são criadas são
vazias, são imperfeitas, são fugazes, são incompletas. São coisas que existem
ela é incriada e é por isso que se diz que ela é vazia. Ela existe e continua
significa praticamente a mesma coisa. Vazio do vazio e vazio último são similares.
está mais além de toda qualificação possível, mais além de uma cadeia infinita de
No item 10, quando se diz que a existência não tem princípio, as pessoas
esta idéia. Ficam então dois pólos: aqueles que acreditam em um princípio, em
uma origem e os que não acreditam em princípio, em origem. São duas posições
antagônicas, duas defesas intelectuais e não vivências. Por isso Suzuki fala em
Vazio é que ele está acima de todas esses antagonismos. O ser humano se perde
em dicotomias, em inícios e ausências de inícios, mas o que este item quer nos
dizer é que o Vazio está muito além de qualquer definição relativa. O Vazio está
acima dos opostos e, contudo, também está com estes opostos, também está
dentro destes opostos. E é por isso que Buda falava tanto em Caminho do Meio.
mundo ao mesmo tempo que as coisas são simples, de um ponto de vista, elas
dispersão em todas as coisas, mesmo assim, podemos ver que esta dispersão é
primária”. Nos antigos textos budistas se diz que esta característica é que indicava
a natureza das coisas. Por exemplo, é este tipo de vazio que faz com que o fogo
seja quente e a água seja fria. É a natureza primária de cada objeto individual, em
si. Quando o Buda afirma que estas formas primárias são vazias é que elas são
constituídas de coisas transitórias em suas essências. Por exemplo, por maior que
seja um fogaréu, um incêndio, mas ele passa, ele muda, ele acaba, ele se
transforma. Do mesmo modo a água. Por maior que seja um rio ou um oceano,
eles estão sempre em movimento, não param. Quer pela ação do homem que
modifica o curso dos rios ou faz aterros em partes do oceano, quer pela ação da
natureza, esta natureza primária é dinâmica, não é parada e não tendo substância
isolada, não é solitária, logo está inserida em um contexto, tem ligações com tudo
o mais na rede a que Manuel Antonio de Castro se refere, logo a natureza primária
então o “vazio do eu”. Vamos dizer que o eu é o lado inteligível de cada aspecto
207
individual, ou seja, cada pessoa. Com isso podemos pensar que em cada aspecto
um, às vezes outro, às vezes os dois concomitantemente. O Buda nos diz que os
aspectos externos e perceptíveis das coisas estão e são vazios, porque são meras
O item 14 “vazio das coisas” nos diz que a afirmação de que todas as
aceitar que tudo é, de fato, vazio, não tem substância perene e sofre “n”
natureza, vazias:
visível, existe. E, de certa forma, ainda que não possamos provar, totalmente, o
que é invisível “existe”, mas em outra dimensão, que não a dimensão física. Esta
existencialidade.
que ele serve para sentar. Já os seres vivos tem uma inteligência que se
coisa existe, depois ela tem a sua forma, a sua maneira de ser inteligente, a seguir
estes três fatores são perceptíveis. Claro, tudo o que existe, tudo o que é tem a
percebido.
sempre fluindo. Qual é a eficiência de uma cadeira? É que ela sirva para
sentarmos. Que ela esteja firme, não quebre, esteja inteira. Assim, as demais
coisas são ou devem ser. Inclusive, nós, seres humanos, somos cobrados, e nós
Estamos sempre procurando as origens, as causas para coisas que são finitas.
Tudo o que existe, tudo o que vem sendo colocado nesta listagem está no plano
perfeitamente nesta característica. A rede nos diz que um fio (consideremos uma
de interdependência.
há uma mutualidade, as coisas são mutuais, quer dizem, vem e vão, vão e voltam.
compreender que estes conceitos são finitos, são relativos e precisamos ir além.
múltiplos. Buda percebeu isso muito cedo. Ele entendeu que nós somos uma
etc e cada um pode ser desmembrado. Por exemplo, no aspecto físico temos pele,
ossos, órgãos, sangue, músculos etc e nos demais aspectos também. Somos uma
gêmeos univitelinos não são iguais. São muito parecidos, mas igualdade neste
sentido não existe. Igualdade talvez seja uma utopia e aplicada ao campo social e
política foi muito mal interpretada. Somos indivíduos e uma boa forma de talvez
210
microcosmo. Entretanto, pelo fato de ser conhecida não quer dizer que seja
repetitiva, pois se for deixa de ser vida, deixa de ser poesia, deixa de ser poética.
veremos que são vazias. O senso comum não consegue ver dentro da natureza
de todas as coisas, ver na origem, ver na essência, e por isso se apega à idéia de
uma realidade parada, inerte, eterna, mas o que caracteriza a Eternidade é o seu
como inalcançável. Não é que a mente seja incapaz de fazer, de realizar aquilo
que se quer ou se pretende, mas sim que, na realidade, não há nada que seja
objetivamente compreensível, entendível. Este tipo de vazio nos faz lembrar que,
o nada, mas quando o qualificamos como inexeqüível ele deixa de ser uma
realidade, é o real.
Os itens 16, 17 e 18, o pensador japonês Daisetz Teitaro Suzuki afirma que
podem ser vistos juntos. Todos os dezoito itens são complementares, um contém
211
o outro, mas estes três últimos representam uma unidade de vazios que se
dois critérios, já estão por si só, vazios. O vazio é o resultado de uma intuição, de
Toda esta teoria budista do vazio que nos leva a uma experiência da
intuição nos sugere que estamos inseridos em um círculo, como se fosse os elos
vazio.
Para encerrar este capítulo sobre o vazio queremos fazer uma citação de
Há sempre algo anterior que gerou o fato. Temos a ação e a reação, o agir e o re-
Realmente, algumas leis que o Buda sugeriu como o vazio são enigmáticas e
reais.
sem fundo. E mais uma vez nos lembramos do Zen. Há um treinamento budista
Notas do Capítulo 8
3 – Ibid., p. 53.
1999, p. 14.
213
Conclusão
Inevitável diálogo
filosofia.
obra de Heidegger também como um texto budista. Queremos deixar esta questão
cultura que se desenvolveu a partir daí. Fica evidente em nosso texto que o
reflexão se torna mais necessária do que nunca, é tempo então de olharmos com
pensares é notória.
pelo mundo japonês. Muito importante ele ter escrito isso. A formação do Japão
como a grande maioria dos monges budistas, depois o estilo de roupa, o corte do
tecido, do manto, nos faz pensar nas roupas que os clérigos budistas usam. A cor
preta é outro indicativo, se bem que essa cor não é prerrogativa só das roupas do
talvez o termo tenha sido colocado assim para alcançar o grande público.
com os demais personagens e isso pode indicar que os religiosos são pessoas
Ao longo desta tese, várias vezes falamos em koan. Vamos ver mais um:
mas é a grande questão da vida humana na Terra, de nossa travessia por esta
existência. A viagem pelo campo é o nosso dia-a-dia. O primeiro tigre bem pode
Como agir? Como seguir, como continuar vivendo, como continuar sendo?
segundo tigre é a morte, mas que fazer para sobreviver ou conviver com o
Tentamos ler a obra do pensador alemão como um koan. Não vimos respostas,
volumes. Cerca de dois terços são conhecidos, mas ainda há muito o que esperar.
Mais adiante, na página 39, Loparic é bem claro: “Heidegger era leitor de
Lao Tse. Em plena crise de 1945-46, ele tentou traduzir partes do Tao Te King”.
Chuang Tzu. Quanto ao Tao Te King, que tem várias traduções em português, é
obra atribuída a Lao Tse e sintetiza o Tao, o Caminho, a Vida. Como também já
budista.
muito bem, o pensamento de Buda. Quem sabe, nos mais de 30 volumes que
ainda faltam sair na Alemanha, não tenhamos nesta área, no inevitável diálogo
conversa.
Sagrado é falar do Vazio, por isso, iniciamos nossa tese com uma folha em
branco, e terminamos com uma folha em branco, não apenas sugerindo o vazio,
questão do ser.
“O vazio é então a mesma coisa que o nada, isto é, o vigor que procuramos como
É por isso que no Japão logo entendemos a conferência O que é metafísica? Que
nos chegou em 1930, numa tradução feita por um estudante japonês, seu ouvinte.
nome mais elevado para se designar o que o senhor quer dizer com a palavra
ser...”.
Eis6 tudo.
218
Notas da Conclusão
2 – Ibid, p. 93.
4 – Ibid. p. 33.
Este tempo designa a vinda do Sagrado (...) O Sagrado mais antigo do que os
tempos e acima dos deuses funda, com a sua vinda, um outro começo duma outra
História. O Sagrado decide decisivamente e previamente no que respeita aos
homens e aos deuses – se são, quem são, como são e quando são. (...) O
Sagrado faz dom da palavra (Wort) e vem ele próprio nessa palavra. A palavra é
advento do Sagrado (das Wort ist das Ereignis dês Heiligen). (...) A sobriedade é o
acordo fundamental, sempre pronto, da abertura ao Sagrado.
BIBLIOGRAFIA
ABADÍA, José Pedro Tosaus. A Bíblia como literatura. Petrópolis, Vozes, 2000.
BARTHES, Roland. Novos ensaios críticos. O grau zero da escritura. São Paulo,
Cultrix, 1974.
1997.
BOWKER, John & HOLM, Jean. Mito e história. Mira-Sintra, PEA, 1997.
CAMPOS, Haroldo de. Ideograma: lógica, poesia, linguagem. São Paulo, Cultrix,
1977.
CASTRO, Manuel Antonio de. O acontecer poético. Rio de Janeiro, Antares, 1982.
2000.
1976.
------. Nosso tempo – pequena reflexão. Artigo. Faculdade de Letras, UFRJ, 2001.
1997.
UFRJ, 2004.
de Letras-UFRJ, 2005.
2000.
2001.
1999.
1997.
DERRIDA, Jacques & VATTIMO, Gianni. A religião. Lisboa, Relógio D’Água, 1997.
1993.
------. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
1989.
GLEISER, Marcelo. A dança do universo. São Paulo. Cia das Letras, 2000.
------. A origem da obra de arte. Tradução de AZEVEDO, Idalina dos Santos &
CASTRO, Manuel Antonio de. Rio de Janeiro, Mimeo. Faculdade de Letras, UFRJ,
2006.
224
www.heideggeriana.com.ar
HÜHNE, Leda Miranda (org.). O poetar pensante. Rio de Janeiro, Uapê, 1994.
KERMODE, F. & ALTER, R. Guia literário da Bíblia. São Paulo, Unesp, 1997.
2001.
225
Forense, 1980.
Loyola, 1990.
Annablume, 1999.
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
------. Heidegger & ser e tempo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002.
226
1990.
PAZ, Octávio. Sendas de Oku – Matsuo Bashô. São Paulo, Roswitha Kempf,
1983.
1976.
1983.
PUCHEU. Alberto. Literatura, para que serve. In: CASTRO, Manuel Antonio de
1979.
2000.
Cultrix, 1994.
SILVA, Anazildo V. da. Formação épica da literatura brasileira. Rio de Janeiro, Elo,
1987.
1992.
Brasileiro, 1975.
Edipucrs,2002.
229
------. Ensayos sobre budismo zen. 3 vols. Buenos Aires, Kier, 1973.
------. The training of the zen buddhist monk. New York, University Books, 1959.
TADIÉ, Jean-Yves. A crítica literária no século XX. Rio de Janeiro, Bertrand, 1992.
TANAHASHI, Kazuaki. A lua numa gota de orvalho, São Paulo, Siciliano, 1993.
TORRANO, Jaa. Teogonia – a origem dos deuses. São Paulo, Iluminuras, 2003.
1999.
WHEELER, C.B. & GABEL, J.B. A Bíblia como literatura. São Paulo, Loyola, 1993.
YUAN, Chang Chung-, Tao: A new way of thinking. New York, Perennial, 1977.
230
RESUMO
século XX, e o pensamento de Sidarta Gautama, que, desde o século VI aC. ficou
desperto”.
Frisamos o verbo “tentar” porque a nossa intenção não é fechada, não está
pronta, não é acabada. Aliás, tal visão determinista não se coaduna com os
meditação, eivado com o jargão filosófico próprio de Heidegger, que criou toda
eleitos e afins. Os três textos que compõem este volume datam dos anos 1944/45,
diálogo fica evidente que o pensador da Floresta Negra teve alunos japoneses,
231
Akira Kurosawa.
certa maneira, reconhecemos, até uma audácia “ler” Heidegger sob a ótica do
Repetimos, não estamos fechados, prontos nem acabados, estamos com esta
ROCHA, Antonio Carlos P. B. Heidegger and the Holy. A buddhist reading. Rio de
Janeiro. Letters College - UFRJ, 2007, PhD thesis in Literature Science – Poetics.
ABSTRACT
Our thesis's proposition is to try to show the deep similarities between the
thoughts of the german philosopher Martin Heidegger, in the first half of the XXth
century, and Sidarta Gautama, who since the VIth century bC. and all along these
two milleniums and a half is known as “the Buddha”, “the illuminate”, “ the awaken”.
concluded intention. By the way, such a determinist point of view does not agree
with the principles neither of the german thinker's work nor of the Buddhism. We
Among the vast work of Heidegger we detach the book Memorial Adress,
the initiated, the chosen ones. The three texts that compose this volume date from
1944/45, 1954 and 1955, when the Zen-budhism was in “fashion” in Europe and in
Occidental world.
the book On the way to language. In the dialogue it remains evident that the thinker
from the Black Forest had japanese students, that he knew about the existence of
233
little bit of the nipponic culture through the film Rashomon, from the japonese
We tried also to make a parallel between the Heidegger's basic work, Being
and time, and the book The time being, from the japanese buddhist monk Dôgen
the japanese original title for this work, was written in 1240.
The originality of our thesis resides in the fact that, until a contrary proof, we
do not know “any buddhist reading of the Martin Heidegger's work” in the brazilian
academic field. We did not find anything similar in any mentioned and consulted
considered National Library and the Library of the Letters College of UFRJ, and
a certain way, we recognize that “to read” Heidegger under the Oriental optics is an
effrontery, however it was in this form that his texts appeared to us.
the contribution of the Oriental thinking, and particularly, of the buddhist thoughts,
moreover during this globalization times. Here is our position for the debate. We
repeat that we are not closed, neither ready nor finished, we are beginning, with
O Vazio
235