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UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS DOUTURAMENTO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO – 2013 HISTÓRIA SOCIAL DAS

IMAGENS TÉCNICAS.

SOBRE A “VERDADEIRA IMAGEM” E A FOTOGRAFIA DO SANTO SUDÁRIO


um trabalho de Rodrigo Peixoto a partir dos textos de Hans Belting e Marie-Jose Mondzain

INTRODUÇÃO

Qualquer um dos textos sobre os quais este trabalho é edificado configura uma
riqueza conceptual impossível de fazer justiça nas poucas páginas que se
seguem. Nelas apenas se procura organizar algumas dessas ideias, evocando
outros contributos que se julgaram necessários para um melhor entendimento
das mesmas.

1 - A “VERDADEIRA IMAGEM”

Como início importa tentar compreender o que é que está em causa quando
empregamos a expressão “verdadeira imagem”, ou seja, em que sentido
podemos afirmar que uma imagem é verdadeira (ou falsa)?

Na Antiguidade Grega, e para Platão, imagem seria uma representação visual,


correspondendo ao étimo eidon, derivado de eidos-ver, cuja raiz é partilhada com
eidea ou ideia. Assim, imagem e ideia seriam correspondentes. A ideia (eidea) –
enquanto forma intelígivel - geraria a imagem (eidon) – enquanto forma sensível.
Esta seria a sua projecção, ficando estabelecida uma fronteira entre mundo
sensível e mundo inteligível, bem como um sentido para as migrações entre os
dois (do inteligível para o sensível)1. Também aqui se estabelece a definição de
semelhança na relação entre os dois mundos (tal como de cópia). A presença da
semelhança na imagem enforma a criação do eikon (ícone), “uma cópia que
reproduz o original nas suas proporções e nas suas cores” 2. A ausência de
1 Fundamento do idealismo platónico, Aristóteles estabelecerá o movimento oposto, dando origem ao realismo.
2 MAIA, Tomás; Assombra, ensaio sobre a origem da imagem; 2009; Assírio e Alvim editores; pág 29
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semelhança dará origem ao simulacro ou perversão da eidea, que em grego


corresponderá a eidolon (ídolo), “o duplo fantasmático de qualquer coisa, aquilo
que se fazia passar pelo que não é” 3 . A imagem/cópia/ícone (eikon) estará
sempre hierarquicamente abaixo da eidea, embora estabelecendo com ela uma
relação seminal.
O problema que se apresenta ao enunciar a hipótese de existência de uma
“verdadeira imagem” reside aqui. Uma “verdadeira imagem” seria uma imagem
equivalente a uma ideia, mais até, uma imagem que seja uma ideia. Pretende-se
então que uma “verdadeira imagem” se apresente. Ela não pode ser
representação, o que implicaria uma subalternização à ideia, ou uma declinação
do sentido original.
(Num outro sentido a imagem poderia ser interpretada como o corpo da
alma/ideia, e uma “verdadeira imagem” seria um “verdadeiro corpo”. Outra
hipótese seria encarar a imagem como seminalmente falsa, ao decretar uma
distância intransponível em relação à alma/ideia, assim a “verdadeira imagem”
seria então a inversão da falsidade do corpo, logo - a alma).
Será dentro deste labirinto retórico que se estabelece o culto da “verdadeira
imagem”, aquela que não é sinónimo de distanciamento do original (da ideia),
mas de presença e coincidência, da ideia com o seu observador. A detentora da
pureza, da qual toda a influência humana estará apartada. Porque do que se trata
é da “verdadeira imagem” de Deus, e sendo Deus uma ideia primordial, a sua
imagem deverá ser primordial.
Entre imagem e ideia estará sempre um homem que faz. A imagem fabricada
nunca pode ser separada da mão que a fabricou. Em qualquer imagem, a ideia
permanece oculta na semelhança construída pelo artífice.
A questão da mão humana geradora das imagens torna-se essencial para o

3 Ibid,pág 29
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reconhecimento da “verdadeira imagem”. Uma imagem em que a influência da


mão, que transcreve a ideia, se mistura com a ideia de uma forma inseparável,
não pode ser “verdadeira”. Nela não podemos discernir o que é da ordem do
original e o que é da ordem da mão que construiu a imagem, uma vez que a
imagem é “um objecto fictício que abdica de substituir com eficácia mágico-
religiosa o original”4.
Uma das características da “verdadeira imagem” será então a ausência de toda e
qualquer influência do seu produtor (não confundir com o seu original),
persistindo nela a essência para ser admirada. Qualquer imagem realizada por
mão humana será necessariamente falsa, uma vez que é impossível obliterar toda
a expressão que o seu fabricante possa ter inscrito nela.

O culto da “verdadeira imagem” nasce e adquire uma importância extraordinária


no cristianismo. Quando Deus se apresenta numa forma humana – Cristo - a
imagem deste homem-deus, não pode mais ser da mesma ordem que as imagens
anteriores, uma vez que ele próprio não é da mesma ordem. Cristo será o
primeiro deus que possuí um corpo e, ao contrário dos deuses pagãos que “por
não possuírem nenhum corpo, eram remetidos para as imagens que lhes
facultavam um corpo”5, necessitava de imagens que garantissem a sua existência
corpórea. A sua natureza dupla apresentava um problema de representação, uma
vez que “parecia uma blasfémia querer representar a enigmática “pessoa” do
Homem-Deus, cuja identidade se reduzia à fórmula segundo a qual o Filho era a
imagem do Pai, ou seja de Deus, e enquanto tal viera ao mundo.” 6. Esta sensação
de blasfémia (ou manipulação, no sentido de conduzido/gerado pela mão)
justificou a necessidade de “verdadeiras imagens” de Cristo. Imagens não do

4 MAIA, Tomás; Assombra, ensaio sobre a origem da imagem; 2009; Assírio e Alvim editores; pág 30
5 BELTING, Hans; A verdadeira imagem (2011) ; Lisboa, Dafne editora, tradução de Artur Mourão, pag 57
6 Ibid, pag 54
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homem, mas nas quais pudéssemos contactar com a natureza divina deste ente.
As “verdadeiras imagens” da natureza divina de Cristo teriam que ser imagens
formadas pela excepção, na forma como a impressão se processa, uma impressão
que apenas um Deus poderia deixar. Não basta uma pegada na areia, ou uma
sombra, a “verdadeira imagem” de Cristo deve aliar “a característica de index, tal
como possui uma impressão... à semelhança estabelecida por uma imagem” 7 -
esta poderia ser uma definição de fotografia.

2 - O SUDÁRIO

A “lenda” do sudário de Cristo substitui a do véu de Verónica como o último


modelo da marca “verdadeira imagem”.
No século XIV, após as lutas iconoclastas terem separado a tradição Oriental da
Ocidental, ele aparece em Lirey, (centro-norte de França, região de Champanha-
Ardenas) para onde teria sido trazido por Geoffroy I de Charny. A sua viúva resolve
devolver o sudário á igreja de Lirey onde é exibido. Pierre d'Arcis, bispo de Troyes,
manifesta o seu profundo desagrado, afirmando que se trata de uma falsificação e
pedindo ao papa Clemente VII que a exibição desta falsa relíquia seja proibida.
Apesar disso o papa autoriza a sua mostra pública, mas ressalvando que o objecto
em causa deve ser exibido como uma pintura (pictura seu tabla) e não como o
sudário de Cristo. Trinta anos depois, o filho de Geoffroy de Charny volta a
requerer a ostentação publica do sudário ao papa, novamente com a oposição do
bispo de Troyes, que desta vez chega a afirmar conhecer o autor do sudário. O
vaticano decreta um voto de perpetum silentium ao bispo e permite a sua
exibição e adoração.
Nos séculos seguintes o sudário fica trancado e murado na Saint-Chapelle de

7 Ibid, pag 67
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Chambery (Alpes Franceses) , longe de olhos e mãos humanas. Em 1532 um


incêndio deflagra na igreja, mas o sudário é miraculosamente salvo, apesar de o
relicário que o continha ter derretido. Já no século XVII, durante a epidemia de
Milão, o Duque Philibert de Savoy leva o sudário para Itália, de onde não volta a
sair, encontrando-se até hoje em Turim.

Em 1898, a propósito da dupla comemoração dos 400º anos da catedral de Turim


e do 50º aniversário da constituição Statuto Albertino a favor da Casa de Savoy,
foi organizada uma exposição pública de arte sagrada e, embora o sudário não
pudesse ser exibido, (uma vez que era propriedade do rei Humberto I de Itália,
que se opunha à sua mostra pública) foi decidida a sua documentação fotográfica
como forma de promover a exposição. Para realizar esta tarefa foi escolhido
Secondo Pia, um advogado e fotógrafo amador.
Em 28 de Maio, e após uma primeira sessão fotográfica falhada, Pia realizou as
fotografias ainda hoje conhecidas do sudário. Imediatamente procedeu à sua
revelação e quase terá deixado cair a chapa fotográfica ao ser surpreendido pela
face de Cristo que aparecia no negativo de vidro como se fosse um positivo. Diz-
nos Pia:
" Expus duas placas de 50 x 60 centímetros, uma com uma exposição de 14
minutos e a outra com uma exposição de 20 minutos utilizando uma lente
Voigtlander com um diafragma de dois milímetros. Pus à frente da lente um filtro
amarelo muito leve usando placas ortocromáticas da firma Edward, reveladas
com uma solucão normal de oxalato ferroso sem nenhuma preparação química
especial que pudesse alterar de alguma maneira o resultado normal da revelação.
Fechado no quarto escuro, concentrado no meu trabalho, senti uma grande
emoção quando, durante a revelação, vi aparecer primeiro o Santo Rosto na placa
com tal resolução que me surpreendi e alegrei pois a partir desse momento pude
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ter a certeza do bom resultado da minha obra de arte"8.

Esta aparição da Face Sagrada no negativo de Pia é saudada pelo Vaticano no


L'Osservatore Romano de 14 de Junho de 1898 com a mesma terminologia
utilizada para relatar aparições miraculosas. Desta forma uma aparição provocada
por um dispositivo técnico, (que aparentemente estaria mais votada a ser
apreciada como uma curiosidade), é anunciada dentro do mesmo território
retórico de uma aparição miraculosa. O seu estatuto é então equivalente a outras
aparições, como se Nossa Senhora de Fátima tivesse aparecido aos pastorinhos
numa fotografia da oliveira. Aparentemente a imagem nunca esteve no tecido do
sudário, aparecendo apenas na placa fotossensível.

A fotografia de Pia parece estar dotada de um poder mágico de ligação ao divino


invisível, tornando-se simultaneamente veículo e testemunho da aparição da Face
Sagrada, palco e evidência de um milagre. Pela primeira vez, este milagre pode
ser reproduzido e testemunhado por todos, aparentemente sem interferência da
mão do homem, conferindo-lhe a fotografia um carácter de autenticidade técnica
e prova material. Cristo pode agora, comprovadamente, estar em todos os
lugares, uma vez que uma fotografia “já não era uma visão, como as que os
santos afirmaram ter tido, mas uma prova material que todos os outros também
poderiam ver”9. A sua declarada objectividade inumana (ou divina), é esgrimida
contra o falso conhecimento, gerado pela construção, sempre subjectiva, das
imagens realizadas pelas mãos dos homens.10

A partir desta data são iniciados diversos estudos do sudário. Em 1931 é formada

8 Secondo Pia citado a partir de http://www.aciprensa.com/sudario/fotos.htm em 12 de Março de 2013


9 BELTING, Hans; A verdadeira imagem (2011) ; Lisboa, Dafne editora, tradução de Artur Mourão, pp-75
10 “...fazendo desta (a fotografia) o termo privilegiado de comparação que nega ao conhecimento humano os prestígios de
uma objectividade que, porque demasiado passiva, só pode ser inumana.”, FRADE, Pedro Miguel; Figuras de espanto,
a fotografia antes da sua cultura;1992; Edições ASA; pag - 90
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uma comissão internacional de 110 especialistas para a investigação do sudário.


Na tentativa de reproduzir os resultados encontrados no sudário, são organizados
os mais variados esforços por homens da ciência e religião. Experiências com
cadáveres, crucificações, testes com coroas de espinhos importados da Palestina,
comparações com vítimas dos campos de concentração (Dachau) que teriam
igualmente sido crucificados. Voluntários são suspensos de patibulum e
exaustivamente tenta-se reproduzir o episódio da crucificação e sepultura de
Cristo. Torna-se penosa a confusão entre religião e ciência, e homens da ciência
tentam a todo o custo provar a fé. Em 1939 é realizado o primeiro Congresso
Sindonológico em Turim. Agora o sudário tinha direito a um inteiro ramo da
ciência só para ele. Tal como a Biologia estuda os seres vivos, a Sindonologia
encontrou um território imenso para objecto de estudo. Um pedaço de linho
rectangular com 4,4 metros de comprimento por 1,1 metros de largura.

Como pôde uma fotografia ter originado um tão grande e delirante movimento?

3 - FOTOGRAFIA, MAGIA E ENCARNAÇÃO

O vocabulário e características técnicas da fotografia demonstram uma


adequação total aos propósitos religiosos, ou não fosse ela o mistério “de um
contacto à distância, pela luz”.” 11 No interior da sua linguagem técnica,
organizada em torno de um meio de reprodução mecânica, a Igreja vai descobrir o
seu programa retórico. Este fenómeno não ocorre no positivo, uma vez que este é
(o sudário físico) um negativo do real; mas no negativo, que assim exibe um
positivo do real negativo. A fotografia/negativo inverte o seu modo de
apresentação/representação, para se tornar manifestação da vida – ressurreição –

11 FRADE, Pedro Miguel; Figuras de espanto; A fotografia antes da sua cultura;1992; Edições ASA; pag - 86
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e dar a ver a “verdadeira imagem” do Salvador. É através da negação daquilo que


é da ordem do humano que se dá a apresentação do divino. Assistimos a uma
transferência lexical entre o técnico e o espiritual. A sombra (do sudário)
transforma-se em fonte de luz (no negativo) , o cadáver (original e representado
no sudário) transforma-se num sinal de vida (no negativo). As imagens técnicas
adquirem um novo poder de filiação e “o gesto tecnológico (mergulhar a chapa
fotográfica no banho revelador) transforma-se no seu equivalente retórico” 12. . Ao
revelar a fotografia estamos a revelar o Salvador, “... revela-se a verdade no
negativo.”13.A vontade divina parece estar presente não só na imagem, mas
também num jogo de constantes analogias e coincidências. Nesta
correspondência, ou equivalência, entre imagem e palavra, a técnica torna-se
magia.

O negativo da invisibilidade (de Deus) é a visibilidade (de Deus) no negativo.


Revelação; Imagem latente; Impressão pela luz (invisível); Fixação.
Inclusivamente a matéria que constitui a fotografia parece ser apropriada ao
sagrado. A imagem de Deus fica impressa na prata - mais desagradável seria se
fosse no século XXI, um deus que se revela nos bits do cartão de memória carece
da dignidade que um metal pesado lhe pode dar. Esta vertigem da beleza da
adequação perfeita entre o vocabulário técnico, as palavras utilizadas como forma
de convocação de um Deus, e uma imagem, transforma a fotografia (negativo) do
sudário, num acontecimento mágico, uma vez que “o pensamento mágico
sempre funcionou equivalendo a imagem à palavra, um fazer consubstancial a
um dizer”14. O desaparecimento da mão enquanto expressão interna na imagem

12 MONDZAIN, Marie-Jose; Image, Icon, Economy, the Byzantine Origins of the Contemporary
Imaginary; Stanford 2005; Stanford University Press; Tradução de Rico Franses; Tradução para
português minha; pag 203
13 Ibid, pag 201
14 MONDZAIN, Marie-Jose; Image, Icon, Economy, the Byzantine Origins of the Contemporary
Imaginary; Stanford 2005; Stanford University Press; Tradução de Rico Franses; Tradução para
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final permite a perfeita equivalência imagem-palavra, e a invisibilidade inerente à


obtenção de uma imagem fotográfica é confundida com a “mão” de Deus. Todo o
dispositivo técnico é esquecido ou transformado num sistema de comunicação
divina. No esquecimento da característica essencial da fotografia - ser realizada
através de uma máquina - ocorre o milagre da “verdadeira imagem”. Assim, é
Cristo que se imprime a ele próprio e o dispositivo fotográfico, enquanto produtor
da imagem, desaparece, “...o milagre químico é assim transformado num milagre
espiritual, a ciência, que poderia ter levado a humanidade a uma corrente de
luciferianismo ou orgulho ateísta, torna-se o palco da própria revelação.” 15.
Consequentemente o objecto técnico torna-se uma matriz doutrinal. Ele configura
um conjunto simbólico, organizado na representação de um corpo (o negativo do
Sudário), e através de operações mais ou menos complexas, transforma e resolve
o mistério.

A presença dos vestígios do sangue e do corpo de Cristo no sudário tornam o


negativo de Pia capaz de convocar a essência de Deus. Como o sacerdote que
consagra o pão ázimo e o vinho tinto convocando a encarnação ritual de Cristo, a
fotografia torna-se“ a ferramenta moderna da transubstanciação...” 16 do corpo de
Deus no mundo do homem. A operação abstracta de transferência de um tempo e
de um espaço, que a fotografia realiza naturalmente, é agora encarnação. Através
da fotografia do sudário, o sangue e o corpo de cristo encarnam na prata metálica
da placa fotográfica. Ela parece ser capaz de executar uma operação eucarística
apenas pela acção da luz. Palavras e gestos mágicos são substituídos pela acção
divina da luz sobre a chapa - a revelação da presença do corpo e sangue de

português minha; pag. 204


15 ibid; pag. 199.
16 MONDZAIN, Marie-Jose; Image, Icon, Economy, the Byzantine Origins of the Contemporary
Imaginary; Stanford 2005; Stanford University Press; Tradução de Rico Franses; Tradução para
português minha; pag. 203
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Cristo. O canal de Deus já não é o sacerdote. Deus agora escolheu para seu
operador uma máquina, é através dela que Ele passou a manifestar-se.
Encarnação na imagem, “é assim que a mensagem de libertação cristã pôde e
pode ser sempre convertida numa doutrina de dominação instrumentalizando a
imagem num corpo de identificação...o operador central desta doutrina é a
transubstanciação – mas precisamente se há alguma coisa que a imagem não faz
– não pode fazer – é transubstanciar.”17.

4 – CONCLUSÃO

Um objecto que o bom senso tinha decretado como falso durante séculos, vê-se
agora restituído de poder mágico-religioso, num mundo onde a ciência e a
tecnologia pareciam estar a reduzir o território do sagrado. Este ressurgimento do
irracional e supersticioso dá-se precisamente através da crença na ciência e
tecnologia como formadores de uma ideia de mundo. Será na recusa do gesto
interpretativo das imagens técnicas como sendo o seu único sentido, que reside a
armadilha. Uma fotografia (ou qualquer imagem técnica) não traz consigo o
código necessário para a sua leitura. Conferimos à fotografia o lugar que antes
era divino, mas não foi ultrapassada a necessidade antropológica ancestral de
adoração de imagens. Olhando para o lugar onde antes estaria Deus, facilmente
O voltamos a reconhecer. Desta forma homens manifestamente “modernos”
podem praticar a adoração religiosa, agora contingente do universo científico.
Não há novo homem sem ascendência.

17 MAIA, Tomás; Assombra, ensaio sobre a origem da imagem; 2009; Assírio e Alvim editores; pág 18
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BIBLIOGRAFIA

BELTING, Hans; A verdadeira imagem (2011) ; Lisboa, Dafne editora; tradução de


Artur Mourão

FRADE, Pedro Miguel; Figuras de espanto; A fotografia antes da sua cultura


(1992); Lisboa, Edições ASA

MAIA, Tomás; Assombra, ensaio sobre a origem da imagem (2009); Lisboa, Assírio
e Alvim

MONDZAIN, Marie-Jose; Image, Icon, Economy, the Byzantine Origins of the


Contemporary Imaginary (2005); Stanford, Stanford University Press; Tradução de
Rico Franses

MULVEY, Laura, Death 24x a Second. Stillness and the Moving Image, (2006)
Londres, Reaktion Books

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