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PRÁTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS ESCOLAS MULTISSERIADAS: A

NARRATIVA COMO DISPOSITIVO FORMATIVO

PENA, Selma Costa-UFPA


selmacpena@gmail.com

FARIAS, Maria Celeste Gomes-UFPA/SEDUC


celechar@hotmail.com

CONCEIÇÃO, Darinêz de Lima-UFPA


darynez@yahoo.com.br Commented [S1]: PRIMEIRO NOME DEVE SER DA DARI PRA
SEGUIR A ORDEM ALFABÉTICA E POR ESTRATEGICA POLITICA POR
CONTA DE QUEM É O “DONO” DESSE EVENTO
EIXO TEMÁTICO: TRABALHO E FORMAÇÃO DOCENTE
Commented [SP2]: Meninas, vejam se concordam mas eu
achei mais próximo deste eixo

RESUMO: Como resultado do processo formativo do Programa Escola da Terra, este artigo discute uma
prática de formação docente, com professores das escolas do campo, de turmas multisseriadas, do
Município de Santarém, no oeste do estado do Pará, trazendo o professor para o centro dos debates
educacionais, conferindo importância e reconhecimento as suas histórias de formação e as influências
dessas sobre o modo de atuar dos docentes (CATANI et al, 1997). Analisa, assim, as relações do professor
com o saber, explicitando a importância de se “conceder um estatuto ao saber emergente da experiência
pedagógica dos professores” (NÓVOA, 1992). Com base na articulação entre as perspectivas dos estudos
que versam sobre História de vida, Narrativas (auto) biográficas e Formação docente, objetivamos
recuperar e reconstruir, por meio das narrativas de formação contadas por professores de diferentes turmas
multisseriadas, seus processos formativos, apreendidos ao longo de suas vidas e, por vezes, silenciados ou
pouco considerados nos processos de pesquisas e de formação docente, atentando às dificuldades e aos
avanços alcançados, assim como as influências desse processo em sua prática em sala de aula. Participaram
deste trabalho duzentos professores da educação básica vinculados profissionalmente ao ensino público
das escolas do campo na cidade de Santarém/ PA. Do corpus construído, destacamos os registros escritos
dos professores de uma turma sobre suas memórias de formação. Os registros memorialísticos analisados
mostram que os professores se constituem docentes ressignificando as práticas formativas acadêmicas e
outras práticas que permeiam seu cotidiano; que as interações experienciadas nos diferentes espaços
formativos e a qualidade das mediações neste processo são elementos essenciais para sua constituição
docente; que cada professor constrói maneiras próprias de ser e de ensinar, entrecruzando o pessoal e o
profissional e que, o processo de formação de professores precisa se efetivar a partir da articulação de
diferentes saberes - pré-profissionais, da formação, da experiência.

Palavras-Chave: Formação docente. História de vida. Narrativas. Turmas Multisseriadas.

INTRODUÇÃO
O Ministério da Educação (MEC) por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI), no ano de 2013, articulou-se com a Universidade Federal do Pará (UFPA), por
meio do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ), a fim de que tal
Instituição de Ensino Superior (IES), realizasse processos de formação permanente a educadores que atuam nos
anos iniciais, do ensino fundamental, nas turmas multisseriadas das escolas do campo em nove municípios do Estado
do Pará.
De acordo com a Portaria Ministerial Nº 579/02/07 de 2013 os objetivos do Programa Escola da Terra,
são: I - promover a formação continuada de professores para que atendam às necessidades específicas de
funcionamento das escolas do campo e daquelas localizadas em comunidades quilombolas; e II - oferecer
recursos didáticos e pedagógicos que atendam às especificidades formativas das populações do campo e
quilombolas (Art.2).
Nessa perspectiva dialógica na formação e na prática pedagógica do professor da escola multisseriada o
Programa Escola Terra teve como princípios formativos: a pesquisa como princípio educativo, o trabalho como
princípio educativo, articulação teoria e prática, dialogicidade entre saberes, conhecimentos, culturas e o
reconhecimento da organização social e política dos sujeitos do campo e quilombolas (PROGRAMA ESCOLA DA
TERRA, 2014).
Na Universidade Federal do Pará o Programa foi desenvolvido como Curso de Aperfeiçoamento, com um
total de 200h, sendo 140h de tempo acadêmico e 60h tempo comunidade , tendo como Eixo Central a Organização Commented [SP3]: Meninas, expiquem isso em nota de roda
Interdisciplinar do Trabalho Pedagógico nas Escolas do Campo e Quilombolas da Amazônia, e como Sub Eixos 1- pé

A identidade da Escola do Campo e Quilombola- transgressão do paradigma (multi)seriado de ensino e 2-


Interdisciplinaridade na organização do trabalho docente: Planejamento, Currículo, Metodologias e Avaliação nas
escolas do Campo e Quilombolas. O Programa aconteceu em doze municípios paraenses e atende cerca de 1.323 -
professores das turmas multisseriadas do Campo e Quilombola.
Destacam-se como objetivos do Programa: promover a formação de professores das escolas das
comunidades rurais e quilombolas, subsidiando-os para a organização do trabalho docente numa perspectiva
interdisciplinar e oportunizar a construção de metodologias e materiais pedagógicos que atendam às especificidades
formativas das populações do campo.
Para este artigo analisaremos o processo formativo desenvolvido pelo Programa Escola da Terra, das Águas
e da Floresta da Amazônia realizado no Município de Santarém, no oeste do estado do Pará, com professores de
uma turma. Com base na articulação entre as perspectivas dos estudos que versam sobre História de vida, Narrativas
(auto) biográficas e Formação docente, objetivamos recuperar e reconstruir, por meio das narrativas de formação
contadas por professores de diferentes turmas multisseriadas, seus processos formativos, apreendidos ao longo de
suas vidas e, por vezes, silenciados ou pouco considerados nos processos de pesquisas e de formação docente,
atentando às dificuldades e aos avanços alcançados, assim como as influências desse processo em sua prática em
sala de aula.
A investigação pautou-se na perspectiva da abordagem qualitativa, a qual se caracteriza por agrupar várias
estratégias de investigação, pois os dados recolhidos são ricos em pormenores descritivos e de complexo tratamento
analítico na intenção de investigar o fenômeno em toda a sua profundidade em contexto específico (CHIZZOTTI,
1991). Isso porque são claras as adesões dos pesquisadores às abordagens qualitativas (método biográfico, histórias
de vida, entre outras) que demonstram que, por meio de depoimentos orais ou escritos, cada professor traça seu
percurso único e diferente dos outros, que ao falar de seu processo particular de profissionalização, de interação com
o grupo social a que pertence ou de suas relações com outros grupos sociais, vai falando de si e das pessoas dos
grupos com os quais conviveu.
Tais metodologias reabilitam a dimensão histórica do sujeito, restituindo-lhe o direito de contar as histórias
de sua vida cotidiana e portanto “[...] tornam possíveis que o autor da formação seja também o autor de um discurso
sobre a sua formação, tendo acesso, pela sua palavra, ao sentido que dá a essa formação e, mais ainda, a si próprio”
(CHENÈ, 1988, p. 90).
Esses motivos justificam os estudos sobre pesquisas na abordagem autobiográfica como mais uma matriz
de pensamento deste trabalho, e, por conseguinte, a opção metodológica pela narrativa como procedimento de
construção dos dados. Neste trabalho a experiência autobiográfica dos professores em suas histórias de leitura
colocará em questão não apenas os processos formativos do passado, mas a tomada de consciência sobre o
protagonismo diante das escolhas formativas.
Ainda que já presente em diferentes contextos educacionais (norte-americano, por
exemplo) desde os anos setenta e oitenta, preocupando-se com as formas de representação do
sujeito e a maneira como ele constrói a realidade, a abordagem (auto) biográfica vem
crescendo no Brasil no campo de formação de professores a partir do fim da década de oitenta
e ao longo dos anos noventa. Na década de 1990, tal modelo intensificou-se, no âmbito da
formação docente, encontrando terreno fértil para a recuperação da dimensão histórica do
professor e das emergentes práticas de pesquisas em formação docente.
Nesta perspectiva utilizamos como instrumento de coleta de dados os registros memorialísticos -
denominado por nós, como Caderno de Memórias - construídos por quarenta educadores de turmas multisseriadas
das escolas do campo em Santarém vinculados ao Programa em análise.
1. Formação continuada e permanente do programa escola da terra, das águas e da
floresta da amazônia

As turmas multisseriadas são uma forma de organização de ensino na qual o professor trabalha na
mesma sala de aula, com vários com alunos de anos/séries do Ensino Fundamental simultaneamente, tendo
de atender a alunos com idades e níveis de conhecimento diferentes. Nesse sentido o referido Programa se
justifica pelo cenário das diversas realidades que a escola do campo multisseriada vivencia ainda hoje,
pois no Brasil 70,4% das Escolas do Campo são ou tem turmas multisseriadas (49.438). Elas atendem 1.264.626
estudantes - 21,4% da matrícula do campo. No Pará 42% das Escolas do Campo são Multisseriadas- 3.488
(INEP, 2015).
No Município de Santarém, objeto de análise deste artigo, dos duzentos educadores que atuam nas
quatro turmas multisseriadas, cerca de 71% a situação funcional é de contrato, ou seja, não são concursados
e somente 29 são efetivos. Essa situação retrata a realidade da maioria dos professores que atuam nas
escolas do campo nos municípios paraenses.
A escola multisseriada, enquanto território está marcada e reconhecida como espaço do conflito,
das contradições, da diversidade, das tradições e dos costumes que são apreendidos na convivência com
os sujeitos. Em relação a isso percebemos que o contexto das escolas multisseriadas se apresenta como um
paradoxo com o quadro dramático de precarização e abandono, reflexo do descaso com que tem sido
tratada da educação a ofertada às populações do campo; e ao mesmo tempo, as possibilidades construídas
por educadores, gestores e sujeitos do campo, no cotidiano das ações educativas, evidenciando situações
criativas e inovadoras que desafiam as condições adversas (a falta de infraestrutura, a carência de acesso
a material didático pedagógico, a precarização das condições de trabalho, a defasagem formativa dos
educadores) que configuram a realidade existencial dessas escolas (HAGE, 2014, p. 2).
Ao entender que as turmas multisseriadas são heterogêneas em termos dos níveis de aprendizagens
dos alunos, a perspectiva formativa do Programa Escola da Terra enfatizou a necessidade do trabalho
pedagógico do educador da multisserie se paute pelo diálogo e reflexão,envolvendo todos os segmentos
escolares e tenha como base estudos e pesquisas sobre as condições existenciais e as possibilidades de
intervenção que considerem as peculiaridades locais das escolas e suas comunidades.
Tal entendimento é para Hage (2014) transgredir a concepção seriada de construção do
conhecimento e que para isso é necessário que a escola incorpore em suas práticas pedagógicas o acúmulo
de experiências dos sujeitos que participam da mesma, sujeitos estes que resistem e que procuram fazer
diferente mesmo quando as condições materiais, objetivas e subjetivas são muito desfavoráveis e as
limitações e carências são muito profundas. Assim, articulação entre a vida, o trabalho e as culturas do
campo com os processos educativos e o diálogo entre os conteúdos acadêmicos e os saberes adquiridos
nas práticas produtivas e culturais dos sujeitos do campo são fundamentais para que as escolas
multisseriadas consigam transpor as barreiras estruturais que vivencia no cotidiano historicamente.
Daí a importância do trabalho com as narrativas autobiográficas, pois a emergência, no campo da
pesquisa educacional, de estudos centrados na abordagem experiencial e formação, tem revelado diferentes
possibilidades e entradas. A experiência formativa apresentada neste artigo ancora-se nas histórias de vida
dos professores das turmas mutisseriadas no que concerne às experiências formadoras / autoformadoras
das narrativas e suas implicações nas práticas docentes em sala de aula.
A discussão em pauta trata de temática relevante e pertinente à área de educação já que traz dados
e análises que colaboram para o debate sobre organização do trabalho e formação docente, com
contribuições tanto para a própria reflexão sobre pesquisa em educação quanto para a prática pedagógica
de professores.

2. Narrativas da experiência: dispositivo para formação de professores a experiência de


formação.

No ano de 2014, iniciamos a programação para o primeiro eixo do processo formativo dos
professores e, articulados ao principio central do programa, Organização Interdisciplinar do Trabalho
Pedagógico nas Escolas do Campo e Quilombolas da Amazônia, tomamos a decisão de construir o
programa formativo a partir das histórias de vida dos professores.
Nosso primeiro eixo formativo teve como tema “ todas as vozes escrevendo um presente/futuro melhor
para a educação do campo”. Iniciamos a discussão, apresentando alguns princípios formativos, quais sejam: i) A
formação docente precisa ser construída dentro da formação; ii) E isso significa que a prática de sala de aula, da
escola precisa estar no centro das discussões; iii) Pois é também a partir dessas discussões que os professores vão
aprendendo e inovando suas profissões: na partilha com os colegas, nas conversas com os formadores, com os
alunos, nos momentos de estudos e avaliações etc. Por conta disso, acreditávamos na importância e necessidade de
dar voz ao professor, envolvendo-o ativamente no processo de apropriação do conhecimento. Nossa intenção era a
de desenvolver com os professores um processo formativo apoiados em uma abordagem voltada ao sujeito
aprendente, que compreende a subjetividade como modo de produção de conhecimentos e também porque
acreditávamos ( e ainda acreditamos) que a articulação entre as histórias pessoais, de formação e profissionais
constroem a identidade do professor. Partimos, então, do pressuposto de que ao exercerem suas práticas em sala de
aula, os professores reavivam marcas de suas experiências, construídas ao longo de sua trajetória.
Essa não foi uma tarefa fácil de discutir com os professores, pois o processo de formação conhecido por eles
demonstrava que não foram priorizados momentos de análise e de crítica, caracterizando-se num processo mais
relacionado aos aspectos técnicos da ação docente. Foi preciso discutir e até disputar um processo formativo que
assume como pressuposto epistemológico que escutar as vozes dos professores é uma forma de conhecer, por meio
de suas Histórias de vida os processos formativos, apreendidos ao longo de suas vidas. Com essa ideia defendemos
também que a formação que vai além do processo de atualização do professor no campo de apreensão de técnicas
de ensino, mas que fundamentalmente o prepare para uma compreensão de si, de seu papel profissional, da situação
escolar como um todo, encontrando meios de interpretar melhor a realidade em que vive e ampliando seu
discernimento acerca dos pressupostos filosóficos, sociais e políticos que envolvem a educação.
Dessa forma, defendemos uma concepção de formação na perspectiva proposta por Nóvoa (1992), ao
destacar que a formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim
através de trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. Importante também
foi pensar nas formações dessas trajetórias – pessoal/biográfica e profissional - como uma via que se complementa
e se influencia, evitando a postura unilateral que aponta apenas como a vida pessoal afeta a vida profissional e não
vice-versa. É importante supor que “Os modos como trabalham os professores têm também um profundo impacto
em sua vida pessoal e profissional”, como aponta Bolívar (2002. p. 43).
A partir dessas indicações iniciamos a construção dos cadernos de memórias dos professores. AS narrativas
foram escritas e após concluídos os registros, os professores reuniram em pequenos grupos para socializar suas
histórias buscando ecos nas histórias do outro: O que nos une? O que nos separa? Eram as duas grandes questões
colocadas.
A partir dessas questões agrupamos para esta comunicação oral as narrativas referentes a: i) formação
docente ou como me tornei professor da educação do campo; ii) A cartografia das escolas multisseriadas, iii)
desenvolvimento profissional e trajetória biográfica.

2.1- Sobre como me tornei professor

Por certo, refletir sobre o papel social desempenhado pelo professor envolve
considerar todo o contexto em que ele foi formado, dentro e fora da escola e com isso os
conceitos dos quais se apropriou ao longo de sua trajetória de vida e das formas como se
reconhece professor, como demonstram os trechos abaixos:

Tornei-me educadora da minha comunidade devido a falta de professor na época. Mas


antes de me tornar professora sempre me convidavam para dar aulas, porém eu recusava
devido não ter concluído meus estudos [...] Me convidaram para dar aula de matemática
e aceitei. De repente alguns pais convidaram-me para dar aula na escola e me
apresentaram 40 alunos de multissérie e aceitei ( Marcia)1

Cursei magistério e ao terminar queria cursar a faculdade, então fui fazer uma prova na
SEMED e passei, fui chamado para trabalhar em duas comunidades com turmas

1
Utilizaremos nomes fictícios para os professores
multisseriadas. Tive a ajuda de muitas pessoas para poder dar aulas. Li livros e estudei
com colegas. Sei que aprendi a ser professora em muitos lugares, com muitas pessoas(
Maria)

Comecei a trabalhar como professora após um acidente que aconteceu com a minha mãe
no caminho do trabalho, foi quando fui ser sua substituta indicada pelo seu gestor. Nesse
tempo eu ainda não tinha formação. Meu ensino médio foi em ciências humanas, mas
como no momento não tinha quem ficasse o lugar dela eu fiquei assim mesmo. A turma
era bisseriada com 13 alunos na comunidade Santa Rosa, próxima a comunidade onde
moro. Com meu desempenho o gestor me incentivou a fazer faculdade e assim fiz. Então
eu me formei professora em vários lugares (João)

A partir das narrativas acima percebemos o quanto a formação passou a ser concebida como
um processo multifacetado, contínuo e inter-relacional, desencadeado no percurso das experiências
familiares, escolares,sociais e profissionais de cada professor. Dito de outra forma: significou considerar
que a formação não perpassa exclusivamente pelos cursos acadêmicos, mas em outros diversos contextos,
sofrendo influências de diversos sujeitos e diversas referências que vão dando sentidos, singulares às
dimensões pessoais e profissionais dos professores, o que de certa forma desloca o foco de análise de uma
formação marcada exclusivamente pelos saberes científicos, técnicos, operacionais ou aplicados para
(também) as discussões dos saberes e práticas docentes, explicitando os sentidos das experiências nas
aprendizagens dos sujeitos.
Acreditamos que tal tendência ou paradigma tenha melhores chances de dar conta de
questões mais complexas dos processos de aprendizagem que recobrem a formação dos profissionais da
educação porque os processos de formação são produzidos historicamente. Ao considerar a voz do
professor, seu ambiente sociocultural e as experiências de vida, são reiterados os aspectos mais importantes
da sua prática profissional.
Quando a professora diz “Comecei a trabalhar como professora após um acidente que
aconteceu com a minha mãe no caminho do trabalho”, evidencia-se caracteriítsicas da docência como
uma profissão que lida com sujeitos e situações inusitadas e imprevisíveis, que podem gerar incertezas,
tristezas, alegrias,conflitos de valores e dúvidas. Dicotomizar nos processos formativos o pessoal do
profissional (ainda que tal dicotomia pareça absurda) é condicionar alguém para apenas executar tarefas,
desenvolvendo, portanto, postura de indiferença perante os indivíduos com os quais se relacionam no
cotidiano escolar.
Desta forma, não podemos limitar a prática pedagógica dos docentes a um mero repasse de
informações e conteúdos que acumularam durante seus cursos de formação inicial. Na escola, como
mostrarão os fragmentos das narrativas aqui apresentadas, o professor assume responsabilidades bem
maiores, tendo em vista a complexidade que se estabelece em torno do ato de ensinar. Nesse sentido, o
trabalho com as narrativas revela que o saber dos professores vai além dos conhecimentos teorizados nas
universidades, destacando-se, assim, uma formação que envolva, entre outros saberes, aqueles
experienciados em diferentes ambientes formativos.

2.2- Sobre a cartografia das escolas multisseriadas

Ao discutir sobre as maiores dificuldades enfrentadas no decorrer de suas atuações em sala de aula,
os professores revelam de certa forma o “retrato” das escolas situadas no campo, em especial as que
possuem turmas multisseriadadas:

A escola de multissérie é para mim um local em que os governantes encontram para diminuir
gastos de diversas maneiras, mas para mim a multssérie é uma fonte de ricas informações e
aprendizados. Talvez por essa carência agente se desdobre por fazer surgir uma educação do
campo que articule a realidade dos alunos com os conteúdos escolares. São escolas precárias, mas
se os alunos não tiverem essas escolas onde irão estudar?
Os desafios são grandes, a falta de condições dignas de trabalho são enormes: escolas sem
condições de trabalho, sem luz, água....alunos que andam quilômetros para chegar à escola.... a
precariedade de recursos didáticos que encontramos, muitas das vezes nossos alunos em casa
tem ferramentas que na nossa escola não tem, são realidades diferentes. As famílias caminhando
para o mundo modernizado, o mundo da tecnologia e a escola com o velho quadro negro e o giz.
Livros didáticos que não falam de nossa realidade

Na escola eu sou professor, merendeira, secretária, diretora.....é uma penúria só e mesmo tendo
um livro didático fora da realidade do campo, tento construir cm os alunos outra forma de
trabalhar para que aprendam os conteúdos. Procuro organizar a turma da melhor forma possível
para o aprendizado e tem dado resultados.

Em suas narrativas, os professores mostram o quanto as escolas multisseriadas se constituem


geralmente na única alternativa para os sujeitos estudarem nas comunidades rurais em que vivem,
encontrando-se expostos a um conjunto de situações que não favorecem o sucesso e a continuidade dos
estudos dos sujeitos no campo, evidenciando inclusive, o descumprimento da legislação vigente que já
indica parâmetros de qualidade a ser alcançada na Educação Básica nas escolas do campo.
Ainda que de forma breve, os professores revelam uma verdade: em sua grande maioria, as escolas
multisseriadas encontram-se localizadas nas pequenas comunidades rurais, muito afastadas das sedes dos
municípios, onde a população a ser atendida na escola não atinge o contingente definido pelas secretarias de
educação para formar uma turma por série.
São escolas, como informa Hage (2005) que em muitas situações não possuem prédio próprio e funcionam
na casa de um morador local ou em salões de festas, barracões, igrejas etc. Possuem infra-estrutura precária e
funcionam em prédios muito pequenos, construídos de forma inadequada em termos de ventilação e iluminação;
que se encontram em péssimo estado de conservação.
Grande parte dessas escolas possui somente uma sala de aula, onde se realizam as atividades pedagógicas
e todas as demais atividades envolvendo os sujeitos da escola e da comunidade. Elas não possuem laboratório de
informática, internet e algumas não possuem, inclusive, energia e água potável, enfim, são muitos os fatores que
evidenciam as condições inadequadas dessas escolas, que não estimulam os professores e os estudantes a nelas
permanecerem ou sentir orgulho de estudar em sua própria comunidade, fortalecendo assim o estigma da
escolarização empobrecida e abandonada que tem sido ofertada no meio rural, e forçando as populações do campo
a deslocar-se para estudar na cidade, como solução para essa problemática
Nos estudos realizados, no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo na
Amazônia – GEPERUAZ, sobre as escolas públicas do campo constata-se que a maioria das escolas rurais
são multisseriadas, envolvendo uma complexidade de aspectos que implicam em sua existência e atuação,
enquanto forma predominante de atendimento à escolarização dos sujeitos do campo nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, e de forma menos expressiva, na educação infantil, atendendo os estudantes
“encostados” que acompanham seus irmãos mais velhos, nos anos finais do ensino fundamental e na
Educação de Jovens e Adultos.
Esses estudos oportunizam a identificação de um paradoxo que caracteriza a dinâmica das escolas
rurais multisseriadas e que se encontra nas narrativas docentes: o quadro dramático de precarização e
abandono em que as escolas se encontram, reflexo do descaso com que tem sido tratada a escolarização
obrigatória ofertada às populações do campo; e ao mesmo tempo, as possibilidades construídas por
educadores, gestores e sujeitos do campo, no cotidiano das ações educativas, evidenciando situações
criativas e inovadoras que desafiam as condições adversas que configuram a realidade existencial dessas
escolas (HAGE, 2005).
De fato, a realidade da maioria das escolas multisseriadas revela grandes desafios para que sejam
cumpridos os preceitos constitucionais e os marcos legais operacionais anunciados nas legislações
específicas, que definem os parâmetros de qualidade do ensino público conquistados com as lutas dos
movimentos sociais populares do campo evidenciando o quadro dramático em que se encontram essas
escolas, exigindo uma intervenção urgente e substancial nas condições objetivas e subjetivas de existência
dessas escolas.
Nas escolas multisseriadas um único professor atua em múltiplas séries concomitantemente,
reunindo em algumas situações, estudantes da pré-escola e dos anos iniciais do ensino fundamental em
uma mesma sala de aula. Esse isolamento acarreta uma sobrecarga de trabalho ao professor que se vê
obrigado nessas escolas ou turmas a assumir muitas outras funções: “Na escola eu sou professor, merendeira,
secretária, diretora”, além das atividades docentes, ficando responsável pela confecção e distribuição da
merenda, realização da matrícula e demais atividades de secretaria e de gestão, limpeza da escola e muitas
outras atividades na comunidade. Além disso, grande parte dos professores dessas escolas tem contrato
temporário e por esse motivo, para serem lotados no início do ano sofrem pressões de políticos e
empresários locais, que possuem forte influência sobre as secretarias de educação, encontrando-se
submetidos a uma grande rotatividade, ao mudar constantemente de escola e/ou de comunidade em função
de sua instabilidade no emprego (HAGE, 2005).

2.3- Sobre o desenvolvimento profissional e trajetória biográfica

As discussões advindas das narrativas dos professores implicou também em um


redimensionamento sobre os significados dos cursos de formação que, para os professores, devem
constituir-se em espaços que favoreçam a articulação entre desenvolvimento profissional e trajetória
biográfica:
Percebo o quanto minha história de vida tem relação com o que sou e faço na sala de aula, coisas
que passei como aluna, não quero que se repita com meus alunos. Algumas formas de ensinar e
de aprender apareceram nas minhas memórias ( Carlos)

Achei importante contar minha história de professor, pois descobri que esse contar é importante,
pois escutando os meus colegas e suas histórias pude ver partes de minha história nas deles
(Joana)

Muito diferente uma formação em que nós contamos a nossa história e isso se torna importante
para programar as outras etapas a partir daquilo que eu disse. E eu que achei que tudo só vinha
da universidade....(José)

Esse trabalho me fez ver que tem coisas que faço hoje porque aprendi a fazer com meu pai,
minha irmã, meus professores. Engraçado isso!Precisamos de mais espaços como estes em que
contamos nossa história e cruzamos com o que fazemos nas nossas aulas (Márcia)

Realmente, precisamos de espaços como este para dialogar...( Maria)

Ao que parece para esses professores a formação se daria no entrecruzamento entre abordagens
que preconizam práticas reflexivas e o uso de (auto) biografias, o que não significa afastá-los das
discussões mais amplas acerca da categoria docente (a categoria trabalho, por exemplo), da construção
do coletivo de classe. Fica perceptível nas narrativas que a prática docente não se constrói eminentemente
quando alunos e professores entram em contato com as teorias pedagógicas, “[...] mas encontra-se
enraizada em contextos e histórias individuais, que antecedem, até mesmo, a entrada deles na escola,
estendendo-se por todo o percurso da vida escolar e profissional” (CATANI, 1997p. 34).
Isso para dizer que os trabalhos de formação que consideram a experiência do professor, sua
história e suas representações não sobrepujam o sujeito em detrimento do coletivo, mas a exemplo do que
ocorreu nesse processo formativo com os professores das turmas multisseriadas, ao evidenciar o sujeito e
sua condição historicamente determinada, evocam a condição de seus pares e, consequentemente, de sua
classe. Quantas outras vozes vieram juntas às dos professores no decorrer dessa formação! Pai, mãe, avós,
vizinho, professor da escola básica, professor do ensino superior, autores de livros..., enfim, quantas vozes
disseram coisas e trouxeram suas representações de tantos outros lugares. São muitos os discursos que
“vestem” as palavras desses professores do campo, conforme a formulação de Linhares (2006).
Pensar sobre suas histórias de formação, por meio de um exercício narrativo, possibilitou aos
professores analisar as condições e os contextos em que desenvolveram essa experiência, o que
possivelmente favorecerá na compreensão de suas especificidades e na aproximação com as diferentes
histórias de outros professores.

Considerações finais

Tomando como princípio que “o sujeito constrói o seu saber ativamente ao longo de seu percurso
de vida” (DOMINICÉ, 1988, p. 25) e que o saber de referência que o adulto retém “está ligado à sua
experiência e à sua identidade” (NOVOA, 1992, p. 25), necessário se faz ampliar o campo de estudos para
que se busque compreender a prática dos professores, articulando, ouvindo suas vozes, buscando pontos
de encontros entre vida e trabalho, procurando encontrar nas narrativas dos professores “[...] ressonâncias
ou o eco de uma vida em outras vidas” (KRAMER, 1997, p. 24). Nesta perspectiva, a linguagem é
concebida não somente como mero meio de comunicar o pensamento, mas como expressão e produção de
sentidos.
Dessa forma, os trabalhos que já se voltam para a escuta e os processos de narrativa dos professores
podem oferecer contribuições significativas para os estudos sobre formação docente, quais sejam: a
capacidade de reflexão crítica dos professores, permitindo que identifiquem as formas pelas quais se
relacionam com os conhecimentos e pensam seus processos de formação e atuação na escola; a ideia de
que a profissão vai sendo construída à medida que o professor articula o conhecimento teórico-acadêmico,
conhecimento experiencial, a cultura escolar e a reflexão sobre a prática docente. Tais contribuições se
coadunam aos pressupostos metodológicos e epistemológicos que sustentam a abordagem (auto)
biográfica, pois o saber que se procura por meio desta abordagem é do tipo hermenêutico e compreensivo,
inscritos nos discursos dos narradores, buscando emergir o subjetivo, o qualitativo e valorizar as
experiências de vida e o ambiente sociocultural que são obviamente, como afirma Goodson (1995),
ingredientes-chave das pessoas que somos.

4. REFERÊNCIAS

CHIZZOTTI, 1991

MINAYO, 1994 Commented [SP4]: Tem que ver essas duas

CATANI, B. et al. História e autobiografia na pesquisa educacional e na formação. In:


CATANI, D. B. Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. São Paulo: Escrituras
Editora, 1997.

CATANI, D. B.; VICENTINI, Paula Perin. Minha vida daria um romance: lembranças e
esquecimentos, trabalho e profissão nas autobiografias de professores. In: MIGNOT, Ana
Christina Venancio; CUNHA, Maria Teresa Santos (Org.). Práticas de memória docente.
São Paulo: Cortez, 2003.

CHENÉ, Adele. Narrativa de formação e formação de professores. In: NÓVOA, A.; FINGER,
Mathias (Org.). O método auto (biográfico) e a formação. Lisboa: Ministério da saúde,
1988.

CHIZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.

DELORY-MOMBERGER, Chistine. Biografia e educação: figuras do indivíduo-projeto.


Tradução de Maria da Conceição Passeggi, João Gomes Silva Neto, Luis Passeggi. Natal:
EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.

DOMINICÈ, P. O que a vida lhes ensinou. In: NÓVOA, Antônio; FINGER, Mathias (Org.).
O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde, 1988.

GOODSON, Ivor. Currículo: teoria e história. Petrópolis: Vozes, 1995.


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