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O ESPIRITISMO

A LUZ DA
BIBLIA SAGRADA
OBRA SEM FINS LUCRATIVOS

Direitos autorais cedidos pelo Autor à Instituições de Caridade.


MELCÍADES JOSÉ DE BRITO

O ESPIRITISMO
À Luz DA

BIBLIA SAGRADA
O ESPIRITISMO Á LUZ DA BÍBLIA SAGRADA
COPYRIGHT © 2000 BY MELCÍADES JOSÉ DE BRITO

Direção Editorial
José Carlos de Carvalho
Coordenação Editorial
José Renato de Carvalho

Capa
Depto. de Arte DPL
Revisão Geral
José de Sousa e Almeida

Editoração Eletrônica
Depto. editorial DPL

I S B N : 85-7501-015-8
ANO DE EDIÇÃO: 2000

Todos os direitos reservados pela:


D P L - E D I T O R A E D I S T R I B U I D O R A D E LIVROS L T D A
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Internet: www.dpl.com.br • E-mail: dpl@dpl.com.br
AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao colega auditor do Banco do Brasil


Boaventura José de Souza Neto, que fez a revisão deste livro e
nos auxiliou com ponderações valiosas.

DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho à jovem Dulciléia Alves de Oliveira


7

PREFÁCIO

Fomos agraciados com a honrosa incumbência de prefaciarmos


" O Espiritismo a Luz da Bíblia Sagrada', do preclaro confrade Melcíades
José de Brito. E o fazemos com muita alegria e boa vontade, pois se
trata de um livro muito bom.
E desde já manifestamos nossa gratidão a esse abnegado seareiro,
o Autor, que leva a valiosa e necessária orientação kardequiana aos
que estão em busca da verdade. Nós o saudamos como um desses
abnegados semeadores da palavra de orientação, de fé e de esperança.
Nossa gratidão vem da certeza que este livro contribuíra de
forma decisiva para o despertamento de mentes e de corações,
tornando-os receptivos à Doutrina tal qual verdadeiramente a ensinou
Jesus, Nosso Mestre e Senhor, e não tal como a divulgam os que
pretensiosamente se intitulam os continuadores de Jesus.
Em momento oportuno surge, assim, um livro que e valioso
repositório dos benéficos ensinamentos da Doutrina Espírita, sem
dúvida o Cristianismo Redivivo, o Cristianismo tal como o praticavam
os Apóstolos e seus seguidores, os heróicos primeiros cristãos.
Os leitores verão que não e um livro qualquer; que não e
simplesmente o rebate a um opúsculo (de mesmo nome do livro) de
falsas acusações, desleal caluniador do Espiritismo; mas um verdadeiro
Curso de Doutrina Espírita, e da melhor qualidade, clareza, profundo
em sua simplicidade.
Nele estão expostos com isenção de ânimo, sem fanatismo e
teimosia, assuntos atualíssimos e importantes, tais como: a) Afinal, o
que é Lei de Deus e o que é Lei de Moisés no Antigo Testamento? b)
A quem devemos seguir: à orientação de Jesus ou às censuras,
condenações e punições do Antigo Testamento? c) Alguém já viu Deus?
d) Deus já veio lá do Alto para conversar de viva voz com os homens?
e) Como entender a afirmação do Apóstolo Paulo "a letra mata, o
8
espírito vivifica"? f) Qual o caminho verdadeiro para ir a Deus? g)
Que concepção sobre Deus nos passou Jesus? h) Qual a opinião de
Jesus sobre consultar os "mortos"? i) Afinal, obtemos a salvação pelas
obras ou pela fé? j) Ou pela prática de rituais? I) A Bíblia apresenta
casos de mediunidade? Os Apóstolos e os primitivos cristãos praticavam
a mediunidade? m) É verdade que Deus se irrita e se zanga com os
homens, Seus filhos, e manda-os para o inferno? n) E o pecador que
está no inferno sofrerá eternamente? Estará perdido definitivam
E assim tantos outros temas
Em linguagem clara, amena, agradável e correta, o Autor vai
conversando conosco e nos esclarecendo sobre os grandes temas
existenciais que preocupam o Homem, referentes ao "Donde vim,
Por que vim, Para onde vou.
E ele e corajoso, destemido, porque enfrenta a cólera, a
deslealdade e o fanatismo anti-cristão dos perseguidores do Espiritism.
Aqui no Brasil, o Espiritismo, em seus começos, foi muito
perseguido pelos que se sentiam prejudicados em suas mordomias e
ganhos fáceis, pela mensagem libertadora que ele .
O meio religioso dominante tentava por meios ilícitos e cruéis
amordaçar os apóstolos da Doutrina que desfanatizava, que
desmistificava e outorgava ao homem o status de cidadão livre, amigo
e fraterno, e que finalmente podia encarar, com a luz da razão, a fé
obscurecida. Os espíritas eram ameaçados, excomungados, agredidos
fisicamente e também por palavras, discriminados, excluídos do
convívio social e prejudicados em seu ganha-pão. Filhos de espíritas
eram proibidos de freqüentar escolas junto com crianças que
professavam a Religião oficial.
Os seareiros de primeira hora enfrentaram com fé robusta,
renúncia e sacrifícios sem conta, a situação adversa. Eram cristãos
verdadeiramente. Com a ajuda de Jesus e dos abnegados Mentores
conseguiram aplainar muitas arestas, transformar muitos espinhos em
flores.
Mas, não pensem que a perseguição anti-cristã terminou.
Apenas mudou de mãos...
9
O Autor, intemerato e intimorato, não se omite em
corajosamente declarar sua condição de espírita, nesses dias em que
muitos ainda se escondem atrás da qualificação genérica de "cristão"
(quando não de "católico") para ficarem a salvos da discriminação
que põe obstáculos ao bem-estar e subsistência de sua família.
A presente obra proporcionará a todos o esclarecimento correto
e seguro do que é a libertadora Doutrina Espírita e em que e por que
ela se distingue das demais Doutrinas religiosas.
Parabéns, pois, ao culto e denodado Autor, e também à esforçada
"Editora DPL", pelo lançamento de tão necessário livro.

José de Sousa e Almeida *

* Autor de: "As Parábolas", "0 Apocalipse", "Apontamentos Sobre a Biblia


11

EXPLICAÇÕES INICIAIS

Preparamos este trabalho em consideração à senhorita Dulciléia,


que recebeu o opúsculo aqui abordado, em meados de junho de 1997,
e nos repassou pedindo nosso pronunciamento acerca do que ali se
continha.
Não tivemos, no princípio, nenhum propósito de escrever um
livro. Nossa intenção era examinar as colocações feitas pelo autor
daqueles escritos, para avaliarmos a sua pertinência e validade e
expormos para aquela jovem a nossa opinião.
Fizemos isso no mês seguinte, julho/97, aproveitando as noites
e os dias de domingo, de um período de 28 dias que passamos em São
Paulo (SP), a serviço do Banco onde trabalhamos. Optamos pela forma
escrita por dois motivos: primeiro, para guardar a memória das nossas
perquirições e entregar para a jovem um trabalho que pudesse ser lido
e relido, se do seu interesse; e segundo, porque foi uma forma de
preencher os momentos vagos que aquele período de trabalho bancário
nos trouxe, longe do lar.
Fomos escrevendo aquilo que nos vinha à mente, buscando
aqui e ali remissões bíblicas e, em determinado momento, decidimos
dividir os assuntos em capítulos distintos, para facilitar sua leitura.
Seguimos nesse rumo, e ao final daquele período estávamos com o
trabalho concluído.
Passamos cópia do mesmo para a jovem que nos concitara ao
exame e, posteriormente, para outros irmãos, que examinaram nossos
escritos e, ao final, nos incentivaram a dar publicidade aos mesmos,
sob a forma final de livro. Revisamos todo o trabalho, adequando-o a
esse objetivo.
12
Assim, o amigo leitor tem em mãos um trabalho simples, escrito
em linguagem até certo ponto coloquial, visto ter sido destinado,
inicialmente, a uma jovem simpatizante da Doutrina Espírita e que,
em seu ambiente de trabalho, vinha sendo fortemente assediada por
irmãos protestantes. Estes, no afã de cativá-la, passaram a condenar o
Espiritismo, fornecendo-lhe farto material contrário a nossa Doutrina,
entre eles, o opúsculo que me foi repassado.
Esperamos que o trabalho possa contribuir, de alguma maneira,
para o melhor entendimento de algumas passagens da Bíblia, tanto
do Antigo como do Novo Testamento, e pedimos, desde já, que sejam
vistos como resultantes de nossas limitações particulares quaisquer
apontamentos ou colocações mais fortes de que as usualmente
empregadas no trato desse assunto. Aqui está expresso nosso
entendimento, suscetível de enganos, os quais, se existirem, não podem
ser lançados à Doutrina Espírita, da qual sou um simples aprendiz e
servidor.

O Autor
SUMÁRIO

O ESPIRITISMO À LUZ DA BÍBLIA SAGRADA 15

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES 19

I. A PALAVRA DE DEUS 21

I I . CONSULTAR os MORTOS 35

I I I . ANTIGOS RITUAIS 56

IV. NOVA ORDEM DE COISAS 76

V. A PESSOA DE CRISTO 94

V I . AINDA A PESSOA DE CRISTO 114

V I I . A MORTE DE CRISTO 126

V I I I . O MEIO DA SALVAÇÃO 143

I X . AINDA O MEIO DA SALVAÇÃO 163

X. O INFERNO 187

X I . EPÍLOGO 200
15

O ESPIRITISMO À LUZ DA BÍBLIA SAGRADA

Opúsculo divulgado por W O R L D W I D E C H R I S T I A N


LITERATURE, I N C . J O H N F E R G U S O N MEMORIAL — P. O.
Box 584 C A N O G A PARK, CA 91305 — Printed in U.S.A*'

Os Espíritas dizem que crêem em Deus e no livro de Deus


— a Bíblia Sagrada. Mas se a doutrina e a prática do espiritismo
são contrárias ao ensino da Bíblia, é claro que o espiritismo não
pode ser a verdadeira luz de Deus nem agradável a Ele; o facto
fica que os espíritas desobedecem e contradizem os
mandamentos e ensino da Bíblia Sagrada, — o livro que eles
mesmos dizem aceitar como a palavra de Deus. Vou dar-vos
alguns exemplos.

(1). CONSULTAR OS MORTOS. Donde recebem os


espíritas a sua doutrina? Eles dizem que nas suas "sessões"
consultam os mortos, cujos espíritos dão mensagens acerca do
mundo do além-túmulo; e a doutrina do espiritismo é edificada
sobre estas mensagens. Mas na Bíblia, Deus diz: "Não se ache
entre vós quem consulte adivinhos, nem que seja feiticeiro, ou
encantador, nem quem consulte os mortos; porque a todas estas
coisas abomina o Senhor, e por semelhantes maldades
exterminará Ele estes povos". (Deuteronômio, cap. 18). Também
Deus diz: "O homem ou mulher em que houver espírito pitônico
ou de adivinho, morram de morte; apedrejá-los-ão; o seu sangue
caia sobre eles" (Levítico, cap. 20). E na profecia de Isaías temos:
"Quando vos disserem, Consultai os pitões e os adivinhos, que
murmuram em segredo nos seus encantamentos; — acaso não

NOTA DO AUTOR DESTE LIVRO: Os erros gramaticais, de redação e/ou


impressão, presentes no opúsculo a seguir transcrito, constam do documento
original.
16
consultará o povo ao seu Deus? há de ir falar com os mortos
acerca dos vivos? antes à lei e ao testemunho é que se deve
recorrer." (Isaías cap. 8:19-20.)

Neste trecho e em muitos outros da Bíblia é evidente que a


invocação aos mortos é claramente proibida por Deus. Deus diz
que é "abominação" a Ele, — então, como pode ser um meio de
acharmos a luz? A desobediência nunca pode trazer-nos a bênção
de Deus, mas sim o seu castigo; e o espírito ao consultar os
mortos está inegavelmente desobedecendo ao mandamento de
Deus. Nos dias antigos o rei Saul perdeu o seu reino e a sua vida
por causa deste mesmo pecado, e os espíritas de hoje vão perder
as suas almas, se não deixarem esta prática abominável.

(2). A PESSOA DE CRISTO. A Bíblia diz que em Cristo


"Deus se manifestou em carne" (I Timóteo, cap. 3); que Cristo "foi
ferido pelas nossas transgressões e quebrantado pelas nossas
iniquidades"; e que Ele, depois da sua resurreição, disse aos Seus
discípulos: "Olhai para as minhas mãos e pés, porque sou Eu
mesmo; apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos
COMO VÓS VEDES QUE EU TENHO." (luc. Cap. 24). Os espíritas
contudo, dizem que Cristo não veio em carne, nem ressuscitou
em carne, mas só em espírito, ou em "espírito materializado".
Então a quem devo crer? O apóstolo João na sua primeira carta
diz: "Não creais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são
de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo;
nisto conhecereis o Espírito de Deus:Todo o espírito que confessa
que Jesus Cristo veio em carne é de Deus, mas todo o espírito
que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus,
mas sim o do Anticristo, que agora já está no mundo". Baseando-
me na autoridade desta palavra da Bíblia, eu creio que o
espiritismo não é de Deus, mas do Anticristo.

(3). A MORTE DE CRISTO. Por que morreu Ele? A resposta


que a Bíblia dá é que Cristo morreu para que pudéssemos ter o
perdão dos nossos pecados. Pedro diz: "Cristo padeceu uma vez
pelos pecados, o justo pelos injustos para levar-nos a Deus". João
diz: "O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado".
17
Paulo diz: "Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores." Que
dizem os espíritas quanto à morte de Cristo? Dizem: "Cristo
morreu para dar-nos um exemplo de sofrimento, pois é por meio
dos nossos sofrimentos neste mundo, e nos outros mundos depois
deste, que podemos ser purificados." Que erro fundamental se
acha em tal declaração! Que perversão do verdade anunciada
pelos Apóstolos, homens inspirados por Deus!

(4). O MEIO DA SALVAÇÃO. Muita gente, achando pouca


satisfação para a alma nas doutrinas da Igreja Romana, (entre
as quais há muitas doutrinas que não estão de acordo com os
ensinamentos dos Apóstolos) passaram para o espiritismo,
esperando achar ali o meio de salvação. O espiritismo ensina
que "fora da caridade não há salvação" e que chegaremos à
perfeição e à perfeita comunhão com Deus por meio dos nossos
sofrimentos aqui, por praticarmos a caridade, e por meio de muitas
"reencarnações" em outros mundos, ou outras existências depois
desta.
Mas a Bíblia nos ensina de modo bem diferente. Naquele
livro de Deus eu leio: "Os ímpios serão lançados no inferno"...
"sem derramamento de sangue não há remissão de pecados"...
"pela graça sois salvos por meio da fé, e isto não vem de vós,
nem das obras, mas é dom de Deus"... "pelas obras ninguém
será justificado diante de Deus"... "aquele que crê no Filho de
Deus tem a vida eterna, mas aquele que não crê no Filho de
Deus não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus".
Eu vejo que a Bíblia não ensina a reencarnação, mas sim a
ressurreição para a vida eterna no Paraíso, ou para o castigo
eterno no lago de fogo, depois do homem ser julgado diante do
tribunal de Deus. A nossa salvação depende, não das nossas
obras religiosas nem da nossa caridade, mas sim das nossa
sincera fé em Cristo como o nosso único salvador. A morte d'Ele
sobre a cruz foi o sacrifício perfeito e completo que pagou o preço
do nosso pecado, e agora nestes dias Deus perdoa e salva
eternamente cada pecador que, crendo que Cristo é o Filho de
Deus que se manifestou em carne, O recebe como o seu único
Salvador e Senhor. E este é o verdadeiro "novo nascimento" de
que Jesus Cristo fala, e sem o qual ninguém pode salvar-se.
18
(5). O INFERNO. Dizem os espíritas que tal lugar não existe,
pois Deus não podia ser justo se castigasse uma pessoa no inferno
para todo o sempre. Ao dizerem isso, os espíritas claramente
mostram quão desviados estão das verdades da Bíblia Sagrada
— a única fonte de informações quanto a este assunto. Negando
o que Deus tem revelado na Bíblia, os espíritas tornam Deus
mentiroso, pois a Bíblia fala do INFERNO e fala duma maneira
certa. Cristo mesmo falava deste lugar. Em São Lucas, cap. 12,
Cristo disse aos seus ouvintes: "Não temais os que matam o corpo,
e depois não têm mais que fazer; mas eu vos mostrarei a quem
deveis temer: temei a Deus — aquele que depois de matar TEM
PODER PARA LANÇAR NO INFERNO; — sim a Esse temei." Se
não houvesse o inferno então até Cristo seria enganador, mas
não o é, pois o inferno existe e foi preparado para o Diabo e os
seus anjos, e nele ficarão eternamente os pecadores e os ímpios,
não porque Deus assim o queira, mas porque eles têm rejeitado,
COMO OS ESPÍRITAS ESTÃO FAZENDO, o ÚNICO SALVADOR
e a ÚNICA SALVACÃO e meio de escapar ao INFERNO, único
meio que lhes é oferecido por Deus, por meio da morte e sacrifício
expiatório do Senhor Jesus Cristo. Por assim terem feito, será
justo que Deus os mande para esse lugar.
Tudo o que eu acabei de dizer, se reduz a isto: o espiritismo,
embora pretenda aceitar a Bíblia como a palavra de Deus, contudo
desobedece aos mandamentos e nega o ensino de Deus, de
Jesus cristo e dos santos apóstolos: a própria base do espiritismo
— o consultar os mortos — é uma plena desobediência a Deus;
o ensino espírita acerca de Cristo é o verdadeiro anti-cristianismo;
e oferece ao povo um meio de salvação absolutamente falso. Por
estas razões os espíritas não querem que o povo leia a Bíblia,
mas põem nas mãos da gente um outro livro, — "O Evangelho
segundo o Espiritismo"- livro que contém alguns trechos copiados
da Bíblia, às vezes erradamente, mas não inclui os mandamentos
e ensinos da Bíblia que CONDENAM A PRÁTICA E AS
DOUTRINAS DO ESPIRITISMO.
A verdade é esta: aquele que quer seguir a Bíblia não pode
seguir o espiritismo; — e por isso eu não sou espírita.
FIM
19

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O articulista que elaborou o opúsculo que serviu de base a este


nosso trabalho fez — como é comum acontecer com os protestantes
que combatem o Espiritismo — um pinçamento na Bíblia de citações
isoladas, para fundamentar o seu ponto de vista. Neste livro, iremos
analisar, uma a uma, as 16 citações por ele utilizadas e, para sua melhor
compreensão, reunimo-las abaixo. Destacamos, por oportuno, que
boa parte das citações foi transcrita sem referência à fonte.
1. "Não se ache entre vós quem consulte adivinhos, nem que
seja feiticeiro, ou encantador, nem quem consulte os mortos; porque
a todas estas coisas abomina o Senhor, e por semelhantes maldades
exterminará Ele estes povos". (Deuteronômio, cap. 18).
2 . " 0 homem ou mulher em que houver espírito pitônico ou
de adivinho, morram de morte; apedrejá-los-ão; o seu sangue caia
sobre eles" (Levítico, cap. 20).
3."Quando vos disserem, Consultai os pitões e os adivinhos,
que murmuram em segredo nos seus encantamentos; — acaso não
consultará o povo ao seu Deus? há de ir falar com os mortos acerca
dos vivos? antes à lei e ao testemunho é que se deve recorrer." (Isaías
cap. 8:19-20.)
4. "Deus se manifestou em carne" (I Timóteo, cap. 3);
5. "foi ferido pelas nossas transgressões e quebrantado pelas
nossas iniquidades"
6."01hai para as minhas mãos e pés, porque sou Eu mesmo;
apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos C O M O
VÓS VEDES Q U E EU T E N H O . " (Lucas Cap. 24).
7."Não creais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são
de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo; nisto
conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que confessa que Jesus
Cristo veio em carne é de Deus, mas todo o espírito que não confessa
20

que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus, mas sim o do Anticristo,
que agora já está no mundo" (João lª. carta).
8. "Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos
para levar-nos a Deus" (Pedro)
9. "O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado"
(João)
10. "Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores." (Paulo)
1 l."Os ímpios serão lançados no inferno"
12. "sem derramamento de sangue não há remissão de pecados"
13."pela graça sois salvos por meio da fé, e isto não vem de vós,
nem das obras, mas é dom de Deus"...
I4."pelas obras ninguém será justificado diante de Deus"
15."aquele que crê no Filho de Deus tem a vida eterna, mas
aquele que não crê no Filho de Deus não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus".
16. "Não temais os que matam o corpo, e depois não têm mais
que fazer; mas eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei a Deus —
aquele que depois de matar T E M P O D E R PARA LANÇAR NO
I N F E R N O ; — sim a Esse temei." (Lucas, cap. 12).
21

I. A PALAVRA DE DEUS

A Bíblia é, para nós, um Livro histórico, profético e revelador


por excelência. Nela estão os mais belos ensinos e revelações acerca da
vida e do destino espiritual do Homem.
Moisés com os Dez Mandamentos, e Jesus com o Evangelho,
trouxeram para o nosso mundo verdades que, por serem aplicáveis a
todos os povos e por toda a eternidade, têm o caráter de revelações
divinas. Em suma, aqueles ensinos traduzem as Leis Morais de Deus.
A fim de atender interesses diversos, quase sempre de caráter
pessoal, muitos religiosos tiram proveito do pouco conhecimento que
as pessoas têm da Bíblia e disseminam o falso ensino de que tudo que
ali está escrito provém diretamente de Deus. Outros, por ingenuidade
ou falta de reflexão, fazem o mesmo, e espalham a idéia de que a
Bíblia não pode ser questionada, por ser a Palavra de Deus.
A Bíblia é dividida em duas partes: Antigo e Novo Testamento.
No Antigo estão registrados os ensinamentos provenientes da Lei de
Moisés. No Novo estão os ensinos oriundos do Cristo.
Os livros que compõem a Bíblia foram escritos por homens,
sob inspiração do Plano Maior. Só o fato de terem sido escritos por
homens já é suficiente para se perceber a possibilidade de introdução,
nos escritos, de erros e opiniões próprias de quem os escreveu. Como
o homem é imperfeito, essa característica naturalmente migrou para
os livros.
Admite-se, apesar de algumas discordâncias, que Moisés tenha
escrito os cinco primeiros livros da Bíblia (GÊNESIS, Ê X O D O ,
LEVÍTICO, NÚMEROS e D E U T E R O N Ô M I O ) cerca de 1400 anos
antes de Cristo. Para escrever o Gênesis, que em grego significa "origem,
fonte, criação", é possível que Moisés tenha-se utilizado de registros
históricos, orais e escritos, que faziam parte da cultura do povo hebreu,
aí incluída a versão do primeiro casal humano, simbolizado em Adão
e Eva.
22

Excetuada a revelação divina simbolizada nos D E Z


M A N D A M E N T O S , os livros de Moisés limitam-se a narrar a história
do povo hebreu (posteriormente chamado de judeu), com seus hábitos
e costumes. Destacam-se claramente em referidos livros:
a) a lei de Deus, contida nos Dez Mandamentos (Êxodo cap.20,
Deuteronômio 5);
b) as leis civis estabelecidas pelo próprio Moisés para disciplinar
0 povo hebreu após a saída do Egito (Exemplos: Êxodo cap. 21 a 23;
Levítico cap. 17, 18, 20; Deuteronômio cap. 19 a 26);
c) o cerimonial de adoração, também definido por Moisés,
que prevaleceu para aquela época, incluindo rituais de purificação e
até os festejos religiosos. (Exemplos: Êxodo cap. 25 a 31; Levítico cap.
1 a 7; 11 a 15; 19 a 27; 23 a 25).
O estudo da Bíblia tem que ser feito de forma criteriosa. Bom
senso e reflexão não se constituem em transgressão às leis de Deus.
Assim é que, relativamente ao Antigo Testamento, o estudioso da Bíblia
precisa ter discernimento suficiente para distinguir o que é Lei de
Deus, e o que é Lei civil e cerimonial religioso instituídos por Moisés.
Para que as Leis civis e o cerimonial estabelecidos lograssem
aceitação, respeito e cumprimento, Moisés alegou procederem de
Deus. A atitude daquele legislador é inteiramente compreensível, pois
lidava com um povo bastante rude e indisciplinado, que em diversas
ocasiões se rebelou contra seu líder, no curso dos 40 anos que durou a
travessia do deserto (saída do Egito até a chegada na terra prometida
— Canaã).
Desde já, um raciocínio se impõe: tudo que é produto do
homem é mutável, é imperfeito, e tem aplicação restrita a determinada
época e povo. Tudo que é de Deus é eterno, ou seja, se aplica a todos
os povos e em todas épocas, no passado, no presente e no futuro.
Um exemplo notório de que Moisés se valeu do nome de Deus,
está em Êxodo cap. 32, vers. 27 e 28. Vejam vocês que preciosidade
ele atribuiu ao Criador:
"E disse-lhes: Assim diz o S E N H O R , o Deus de Israel: Cada
um ponha a sua espada sobre a sua coxa; e passe pelo arraial de porta
23

em porta, c mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e


cada um a seu próximo. E os filhos de Levi fizeram conforme a palavra
de Moisés: e caíram do povo, naquele dia, uns três mil homens".
Isto se deu logo após a descida do Monte Sinai, onde ele havia
recebido as Tábuas da Lei. Voltando para o arraial encontrou a adoração
um bezerro de ouro feito pelo seu povo, e tomado de furor mandou
matar os idólatras. Temos aí, duas situações nitidamente distintas: A
Lei de Deus, recém-recebida, que dizia N Ã O MATARÁS, e a reação
de Moisés, como homem, ferido em seus sentimentos, determinando
aquela extravagante sentença de morte e conseguinte matança.
E você o que acha? De quem teria sido a autoria da sentença
ordenando a morte daquelas pessoas apanhadas em fraqueza? De Deus
ou de Moisés?
Seria admissível que Deus, o Criador de todas as coisas, o Pai
de todos os homens, que acabara de entregar as Tábuas da Lei a Moisés
ordenando N Ã O MATARAS (sexto Mandamento), tivesse mudado
de pensamento tão rapidamente, diante de um simples ato de fraqueza
de seus filhos? Para que então os Mandamentos, se seu próprio autor
autorizava sua desobediência?
A Bíblia relata, com bem poucas palavras, que 3.000 homens
ali tombaram. Espere aí, vamos pensar direitinho! Foram 3.000 vidas
humanas sacrificadas. Ali existiam pais de família, filhos, irmãos etc.
E que foram friamente assassinados, deixando órfãos e viúvas. Não
pense você que num ato de mágica eles caíram mortos ao chão. Não,
nada disso. Houve uma verdadeira carnificina humana. Os homens
liderados por Moisés mataram a golpe de espada aquela singela
multidão de supostos pecadores. O texto bíblico diz que:
"E aconteceu que, chegando ele ao arraial e vendo o bezerro e
as danças, acendeu-se o furor de Moisés, e arremessou as Tábuas das
suas mãos, e quebrou-as ao pé do monte." (Êxodo 20:19).
Nós perguntamos a você: Quem se enfureceu com a situação,
foi Deus ou Moisés? Não preciso responder, o texto fala por si mesmo.
Seria Deus acometido de furor? Claro que não. Esses sentimentos
24

negativos estão presentes apenas nos homens, porque ainda são


imperfeitos. Deus é infinitamente perfeito, do contrário não seria Deus.
No entanto, para efetivar aquela trágica medida, Moisés se valeu
do nome divino para conferir credibilidade e lograr o seu cumprimento.
Disse que aquela determinação provinha de Deus. Fez o mesmo ao
estabelecer a Lei Civil e o cerimonial de adoração. Declarou que tudo
era recomendação de Deus. Ponderada a conjuntura da época, é
compreensível que tivesse que agir assim para ser obedecido.
Existem, nos livros do legislador hebreu, diversas recomendações
que guardam inteira coerência com o código moral contido nos D E Z
M A N D A M E N T O S e, obviamente, com os ensinos de Jesus. São
lances que reforçam nossa afirmação de que a matança das 3.000
pessoas desobedientes foi decisão de Moisés, jamais de Deus. Veja
esse exemplo:
"Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu
povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o
S E N H O R " (Levítico 19-18);
Você há de concordar conosco que Deus, fonte inspiradora do
ensino acima, não iria agir de forma contrária, mandando matar. Seria
exigir do homem aquilo que nem Ele próprio seria capaz de fazer.
A menos que você admita que Deus, tal qual os homens, atue
de conformidade com o momento. Ora quer uma coisa, ora outra. A
imutabilidade é um dos atributos divinos e sem ela toda a Criação
estaria comprometida.
O verdadeiro sentido do amor ao próximo, constante da citação
acima, não foi assimilado pelo povo hebreu, nem mesmo por Moisés.
Coube a Jesus, muito posteriormente, aprofundar esse ensino,
exemplificando-o. Cabe, agora, ao Espiritismo, recordar esse mesmo
ensino, ampliando-o.
Faço aqui uma ressalva: não estamos julgando ou censurando
Moisés. Estamos abordando um fato verídico, para embasar nossa
conclusão de que Moisés se utilizava do nome de Deus, para atingir
seus propósitos.
25

Aliás, é bom que se diga, não foi apenas Moisés que fez uso do
nome do Senhor Deus, para alicerçar seus ensinamentos e sua
legislação, mesmo aquela que era de natureza puramente civil. Vários
outros profetas do Antigo Testamento também assim agiram.
Isaías, Jeremias, Ezequiel, por exemplo, ao interpretar e repassar
ensinamentos freqüentemente diziam "Assim diz o S E N H O R . . . " . E
isso fez com que a Bíblia, como um todo (Antigo e Novo Testamento),
passasse a ser rotulada como A PALAVRA DE D E U S .
Só como exemplo, vamos citar alguns desses momentos,
destacando que até para trato de assuntos triviais, o nome do Senhor
foi utilizado:
"Assim diz o Senhor Jeová dos Exércitos: Anda, vai ter com
este tesoureiro, com Sebna, o mordomo e dize-lhe: que é que tens
aqui? Ou a quem tens tu aqui, para que cavasses aqui uma sepultura..."
(Isaías 22:15);
"Assim diz o Senhor Jeová, que ajunta os dispersos de Israel:
Ainda ajuntarei outros aos que já se ajuntaram. Vós todos os animais
do campo, todas as feras dos bosques, vinde comer" (Isaías 56, vers. 8
e 9);
"Diz ainda mais o Senhor: Porquanto as filhas de Sião se
exaltam, e andam de pescoço erguido, e têm olhares impudentes, e,
quando andam, como que vão dançando, e cascavelando com os pés"
(Isaías 3:16);
"Assim diz o Senhor: Que injustiça acharam vossos pais em
mim, para se afastarem de mim, indo após a vaidade e tornando-se
levianos? (Jeremias 2:5);
"Assim diz o Senhor: Do mesmo modo farei apodrecer a soberba
de Judá e a soberba de Jerusalém. Este povo maligno, que se recusa a
ouvir as minhas palavras, que caminha segundo o propósito do seu
coração e anda após deuses alheios, para servi-los e inclinar-se diante
deles, será tal como este cinto, que para nada presta (Jeremias 13,
vers. 9 e 10);
26

"Assim diz o Senhor: Eis que levantarei um vento destruidor


contra a Babilónia e contra os que habitam no coração dos que se
levantam contra mim" (Jeremias 51:1)
"Assim diz o Senhor Jeová: não será mais retardada nenhuma
das minhas palavras, e a palavra que falei se cumprirá" (Ezequiel 12:28);
"Assim diz o Senhor Jeová: Eis aí vou eu contra as vossas
almofadas, com que vós ali caçais as almas como aves, e as arrancarei
de vossos braços; e soltarei as almas que vós caçais como aves" (Ezequiel
13:20);
"Assim diz o Senhor Jeová: Como a videira entre as árvores do
bosque, que tenho entregado ao fogo para que seja consumida, assim
entregarei os habitantes de Jerusalém" (Ezequiel 15:6).
Todos os grifos, negritos e palavras sublinhadas, que aparecem
neste livro, são de nossa autoria e se destinam a focar sua atenção
naquilo que está realçado.
Falávamos de que, no Antigo Testamento, muitos se valeram
do nome do Senhor para alicerçar seus ensinamentos. É importante
que tenhamos isso em mente porque, como veremos adiante, a
condenação ao Espiritismo, por parte de Deus, N Ã O EXISTE NA
BÍBLIA.
O articulista para apontar o Espiritismo como prática
abominável ao Senhor, evoca citações isoladas de Moisés, ou derivadas
de seus ensinos, desvirtuando-as propositadamente de seu verdadeiro
sentido.
Ao tecer considerações iniciadas com a frase "Na Bíblia, Deus
diz... isso e aquilo", está visivelmente tentando impressionar as pessoas
ingénuas e desconhecedoras do assunto, utilizando-se
improcedentemente do nome sagrado de Deus.
Já de início ele usa essa apelação escrevendo: "Mas na Bíblia,
Deus diz: "não se ache entre vós quem consulte adivinhos...". Logo
depois: T a m b é m Deus diz: "O hombem ou mulher em que houver
espírito pitónico ou de adivinho...". E adiante: "Deus diz que é
abominação a Ele...".
27
A verdade é esta: Deus não disse nada disso. Quem disse foram
os profetas que escreveram ditas recomendações e, ao fazê-lo, não
objetivaram condenar o Espiritismo. Por sinal, disseram muitas outras
coisas que os irmãos "evangélicos" sequer imaginam obedecer, como
teremos oportunidade de abordar no corpo deste livro.
O atento estudioso da Bíblia verá que o Antigo Testamento —
que muitos não lêem porque é volumoso demais — contém repetições
que tornam sua leitura cansativa. Por exemplo, o Deuteronômio, o
último livro de Moisés, é praticamente uma repetição de todos os
ensinos já constantes dos quatro livros anteriores (Os Dez
Mandamentos, a Lei civil, os rituais e cerimoniais religiosos).
O Antigo Testamento contém coisas totalmente dispensáveis e
outras impróprias para os tempos atuais, repetidamente mencionadas.
Grande parte dos registros ali existentes se destinou a preservar a
história do povo hebreu: seus costumes, suas guerras e conquistas,
seus descendentes e seus conflitos internos.
Entre esses costumes, cito um bem excêntrico para os dias de
hoje e que também teria sido recomendado por Deus: a matança de
bodes e carneiros, entre outros animais, cujo sangue era ofertado ao
Senhor como meio de reparação de pecados.
Cada época tem sua história. Cada coisa tem sua razão de ser.
Dentre aquele povo, Moisés era o Espírito encarnado que detinha
melhores condições de cumprir aquela missão. E fez o que estava ao
seu alcance: combateu a idolatria; instituiu o culto ao Deus Único;
estabeleceu leis civis para reger as relações sociais e legou-nos a Primeira
Revelação de Deus, simbolizada nos D E Z M A N D A M E N T O S ,
contribuindo para o melhoramento espiritual dos homens.
O grande destaque da vida de Moisés foi sua dedicação a Deus.
Embora assim, a revelação que lhe foi confiada ficou limitada aos Dez
Mandamentos, em virtude da pequena capacidade de assimilação que
o povo hebreu demonstrava a época, acerca de Deus e da Sua criação.
Com o advento do Cristianismo, os ensinos de Moisés e de
outros profetas que o sucederam, passaram a constituir o Antigo
Testamento. Uma nova e mais ampla revelação foi oferecida ao homem
28

por Jesus, contrapondo-se, em muitos pontos, aos rituais, cerimoniais


e costumes daquele povo. Nessa nova revelação, intitulada de Novo
Testamento, seu inspirador, o Mestre e Senhor Jesus, em nenhum
momento condenou a consulta aos mortos.
Entre o Antigo Testamento e o Novo há uma diferença
considerável de linguagem e de ensinamentos. Naquele, a enfadonha
história do povo judeu, práticas e preocupações que não fazem mais
sentido agora. Neste a essência da Lei Moral de Deus. Os evangelistas,
Mateus, Marcos, Lucas e João, tiveram a missão de escrever para a
posteridade o ensinamento espiritual do Cristo, que contém tudo o
que necessitamos saber e praticar para nos tornarmos limpos de
coração.
Com o advento do Novo Testamento encerrou-se o ciclo da
Revelação mosaica. Os ensinos de Jesus contêm tudo aquilo que, de
divino, existia no Antigo Testamento. Por esta razão, aquelas antigas
recomendações e preocupações se tornaram frágeis e inadequadas
diante da nova sabedoria ensinada pelo Cristo.
Costumamos, quando vemos alguém recorrer ao Antigo
Testamento, perguntar: E Jesus, o que disse a respeito? É isto que
interessa. A opinião de Jesus é a que vale. Pouco nos importa a opinião
dos antigos profetas, se Jesus sobre o assunto ensinou de forma
contrária.
No Novo Testamento temos lições que educam para a Vida
Superior; testemunhos do Cristo; exemplos de fé. A Revelação legítima
e verdadeira de Deus, imutável e perfeita, aplicável ontem, hoje e
sempre.
Vamos imaginar que se perdessem todos os registros do Antigo
Testamento. Que aconteceria com a Palavra de Deus? Como ficariam
os homens? Faria alguma falta? O Evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo, seria ou não suficiente para conduzir o homem a Deus? Quem
representa A PALAVRA DE D E U S melhor de que Jesus? Será que os
ensinos de Jesus ficariam inválidos se fossem perdidos os Antigos
Testamentos?
Pense nisso!
29

N ã o estamos condenando ao esquecimento os Antigos


Testamentos. Estamos comparando a revelação antiga com aquela
trazida por Jesus, para mostrar que NO C R I S T I A N I S M O SE
E N C O N T R A M T O D A S AS VERDADES, como nos afirmam os
Espíritos.
O Espiritismo é o Cristianismo de volta.
Ampara-se basicamente nos ensinos de Jesus. Renova
firmemente as suas lições e seus exemplos, voltados para a caridade e
o amor ao próximo. Traz de volta os esquecidos ensinos do Mestre,
inclusive aqueles que se contrapõem aos rituais e conceitos do Antigo
Testamento. Dá-lhes amplitude e desdobramento, porque o próprio
Jesus estabeleceu que assim seria. Damos apenas alguns exemplos,
porque seria impossível retratar aqui todas as oposições de Jesus a
muitos dos conceitos do AT (Antigo Testamento):
"Ouviste o que foi dito: olho por olho, dente por dente. E u ,
porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na
face direita, oferece-lhe também a outra" (Mateus 5:38); opõe-se a
Deuteronômio 19:21.
"Ouviste o que foi dito: "Amarás o teu próximo e aborrecerás o
teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei
os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que
vos maltratam e vos perseguem" (Mateus 5:43); opõe-se a
Deuteronômio 23:6.
"Também foi dito: Qualquer que deixar sua mulher, que lhe dê
carta de desquite. Eu, porém, vos digo que qualquer que repudiar sua
mulher, a não ser por causa de prostituição, faz que ela cometa
adultério; e, qualquer que casar com a repudiada comete adultério"
(Mateus 5:31); opõe-se a Deuteronômio 24:1.
"Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando,
e, na Lei, nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois,
que dizes?... E como insistissem perguntando-lhe, endireitou-se e disse-
lhes: Atire a primeira pedra aquele que estiver sem pecados" (João 8:1
a 7); opõe-se a Deuteronômio 22:22-24
30

"E era sábado quando Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos"
(João 9:14). "Então, alguns dos fariseus diziam: Este homem não é de
Deus, pois não guarda o sábado" (Êxodo 16:29; João 9:16) (Êxodo
35:2; Levítico 16:31).
"Mas se vós soubésseis o que significa: misericórdia quero e
não sacrifício, não condenaríeis os inocentes" (Oséias 6:6; Mateus 12:7)
"E eis que está aqui quem é maior do que Salomão" (Mateus
12:42); no Antigo Testamento Salomão é considerado o maior de
todos os reis da Terra.
"Outrossim, ouviste que foi dito aos antigos: Não perjurarás,
mas cumprirás teus juramentos ao Senhor. E u , porém, vos digo que,
de maneira nenhuma jureis..." (Levítico 19:12; Mateus 5:33)
Entre Moisés e Jesus decorreram 1.400 anos (ou 1.250 anos,
segundo outros estudiosos). Coube ao Cristo revelar ao Homem a
verdadeira imagem e o mais puro conceito de Deus, traduzido numa
só palavra: Pai. Coube ao Cristo revelar-nos a Vida Espiritual, e o
caminho a seguir para alcançá-la. Coube ao Mestre desfazer antigos
conceitos e contradições, sem, contudo, desmerecer o trabalho dos
antigos profetas, que teve, a seu tempo, sua razão de ser.
É lamentável que após 2.000 anos de Evangelho ainda existam
irmãos que abandonem o Cristo com suas lições e exemplos —
inclusive exemplos de contatos com os mortos, conforme veremos -, e
recorram a conceitos e ilações deturpadas do Antigo Testamento, para
combater uma Doutrina que, prometida por Jesus, vem sob sua
direção, promover a reforma moral dos homens. São de Jesus os
seguintes ensinamentos:
"Muita coisa tinha para vos dizer, mas vós não o podeis suportar
ainda" (João 16:12).
"Conhece-se a árvore pelo fruto. Assim toda árvore boa produz
bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus" (Mateus 7:16).
"Porque quem não é contra nós é por nós (Marcos 9:40).
"Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo
quanto vos tenho dito" (João 14:26).
31
Ao dizer que o Consolador viria para "lembrar" tudo o que nos
havia dito, Jesus previa que seus ensinos seriam esquecidos ou
preteridos por outros. Claro, só se lembra alguma coisa quando ela
está esquecida. Infelizmente, é forçoso admitir isto, muitos dos que se
dizem seguidores do Senhor Jesus trocam os conceitos e exemplos do
Mestre pelos do Antigo Testamento. Esquecem, lamentavelmente, de
Jesus.
Atualmente, 2.000 anos após a vinda do Messias — e ainda
desconhecendo todos os atributos divinos, devido à nossa ignorância
espiritual —, já temos condições de entender que Deus, o Criador de
todas as coisas, foi ontem, é hoje, e será amanhã, o Mesmo. Dentre
seus infinitos atributos estão a onisciência, a onipresença, a
imutabilidade, o amor, a perfeição, a justiça, a bondade etc, qualidades
estas transmitidas a tudo que é obra Sua, de natureza física, moral e
espiritual.
Alguns dos atributos divinos nos foram revelados por Jesus:
A onipotência: "Aos homens isso é impossível, mas a Deus tudo
é possível" (Mateus 19:26);
A bondade: "Se vós, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus" (Mateus 7:11);
"Não há bom senão um só que é Deus" (Mateus 19:17);
A perfeição: "Sede perfeitos, como perfeito é o Pai que está nos
céus" (Mateus 5:48).
Note que o mundo mudou. De Moisés até os nossos dias são
passados 3.400 anos. O homem progrediu extraordinariamente, nas
artes, na ciência, na filosofia, no seu aprendizado rumo à perfeição.
Agora, proponho a você uma reflexão: o conceito que hoje temos
acerca de Deus, será o mesmo da época dos antigos profetas? Terá
havido algum progresso nesse entendimento?
Moisés pregou a imagem de um Deus dos Exércitos, que tinha
adversários e patrocinava a defesa de uns contra os outros, enquanto
Jesus revelou ser Deus um Pai misericordioso, justo e bom. Qual dos
dois conceitos está mais coerente com a grandiosidade e beleza da
Criação? O de Moisés ou o de Jesus?
32

O que você acha, Deus mudou? Deixou de ser Deus dos


Exércitos para ser o Pai Misericordioso? Não, jamais. Ele continua o
mesmo. Mudaram, no entanto, nossa condição de compreendê-Lo e
nosso modo de amá-Lo.
O Deus dos Exércitos teve seu momento histórico e sua razão
de ser. O Deus irado e abominado não existe, foi fruto da nossa
concepção passada, quando desconhecíamos sua sabedoria, seu poder
e seu amor. Julgávamo-Lo igual aos homens, capaz de abrigar
sentimentos inferiores de vingança e ira.
De Jesus até nossos dias são 20 séculos de avanço. Entendemos
melhor as lições do Mestre, transmitidas, em grande parte, por meio
de parábolas e alegorias. Ele não nos ensinou tudo, posto que, conforme
nos disse, "não podíamos suportar ainda" João cap. 16, vers. 12).
Mas deixou-nos esclarecido o suficiente para que, nos dias atuais,
tivéssemos uma visão mais ampla de Deus, liberando-0 de ser aquele
perseguidor implacável.
Que são os erros do homem diante do poder de Deus? Nada,
absolutamente nada. Deus está muito acima disso, mas muito acima
mesmo. N ã o seriam nossas infrações, fruto de nossa ainda
inferioridade, que iriam tirar-Lhe a beatitude e infinita felicidade.
Deus nos criou para a vida, e para que a tenhamos em
abundância João 10:10). Ou seja, vida para sempre. Eterna, como
tudo que é obra Sua. Para reger nossos destinos, corrigir nossas
imperfeições e premiar nossos méritos, criou Leis. Erros e acertos,
virtudes e defeitos, ações e reações dos homens, acionam Leis perfeitas
e justas, que cobram do infrator a devida reparação, ou premiam-lhe
de conformidade com seus méritos.
A magnanimidade da sabedoria divina e sua excelsa grandeza
estão expressas nas suas obras perfeitas e justas. Dentre estas obras
estão suas Leis, imutáveis e eternas. Tudo o que o homem inventa ou
faz, decorre pura e simplesmente da descoberta de leis que já existem
e que foram criadas por Deus. O homem, por si só, nada cria. Ele
descobre recursos que Deus pôs ao seu alcance através da ciência, do
33

trabalho e do progresso. O homem descobre cada vez mais que ele é


apenas uma pequenina parte neste grandioso concerto que é a Vida.
Vamos pensar grande, gente! Deus é extraordinariamente sábio
e infinitamente poderoso. Essas questiúnculas pequenas acerca do que
Lhe agrada ou desagrada vem consumindo séculos e mais séculos, em
vão. Não leva a absolutamente nada. É fruto do nosso atraso espiritual.
Deixemos de lado esse apego à letra, à tradução literal do que
está escrito na Bíblia, até porque ninguém garante a autenticidade do
que chegou até nossos dias, por razões várias, entre elas as sucessivas
traduções do original, e os erros de origem humana que foram
sorrateiramente enraizados.
Vamos pensar grande, sim. Deus existe, e é infinitamente justo,
sábio e bom. A concepção de "demônios" e "inferno", já não guarda
mais relação com o estágio atual de evolução em que nos encontramos.
Deus é Pai, somos seus filhos. Fazemos parte da família divina, e dia
virá em que nos reuniremos com Deus, puros e perfeitos.
Ninguém se perderá. Todos redimirão seus erros e se
aperfeiçoarão.
Certa feita Jesus abordou uma mulher samaritana. Após algumas
instruções que ouviu, a mulher percebeu que tinha diante de si um
profeta. Naquela época se discutia qual o melhor lugar para se adorar
Deus. Os judeus, orgulhosos, consideravam-se superiores aos
samaritanos, a ponto de não lhes dirigir a palavra. Faziam suas
adorações no Templo, em Jerusalém. Os samaritanos, mais humildes,
sem acesso ao Templo, faziam suas adorações nos montes. A grande
questão do momento era saber qual o melhor local para adorar Deus:
no Templo ou no Monte? Quem procedia melhor, os judeus ou os
samaritanos? A mulher aproveitou o ensejo para perguntar ao Mestre,
sobre o assunto. Sabe qual foi a resposta do Cristo:
"Mulher, crê-me que vem a hora em que nem neste monte nem
em Jerusalém adorareis o Pai". "Deus é espírito e importa que os que o
adoram o adorem em espírito e em verdade" (João cap. 4, vers.l a 30).
A preocupação da samaritana hoje não se justifica. Mas naquele
tempo tinha sua razão de ser. Parece uma tolice: onde adorar Deus,
34

no monte ou no Templo? Mas era uma preocupação procedente para


aquela humilde mulher.
Sabe o que isso nos lembra? Essa coisa tola de hoje em que
muitos fiéis ficam disputando qual a melhor igreja, qual o caminho
verdadeiro para Deus. Todas as igrejas são boas e todas encaminham o
homem para Deus. Cada uma exerce um papel relevante, atendendo
às necessidades evolutivas de cada ser. Cada um de nós se ajusta à
corrente religiosa compatível com sua percepção espiritual. E essa
percepção espiritual decorre do grau evolutivo em que nos situamos
na vida.
O cuidado que se deve ter é que, infiltrados em alguns
movimentos religiosos, existem os lobos, vestidos de cordeiro. São os
que exploram a ingenuidade e a boa fé alheia. Para reconhecê-los,
basta que ouçamos Jesus: "Conhece-se a árvore pelo fruto".
"Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore
que dê bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio
fruto; pois não se colhem figos dos espinheiros, nem se vindimam
uvas dos abrolhos" (Lucas 6, vers. 43 e 44).
A verdade é uma só: somos todos, sem exceção, Espíritos
caminhando para Deus. Kardec diz que "quem estiver satisfeito na
sua religião, permaneça. O Espiritismo é para os que querem saber
mais".
Parodiando o Cristo, poderemos dizer: o dia vem em que não
precisaremos sequer recorrer à BÍBLIA para adorá-Lo. Seremos
Espíritos puros, e todos os seus ensinos estarão eternamente gravados
em nosso coração e automatizados em nossos pensamentos e atos.
Nos dias atuais, é absolutamente ingênua ou maldosa a pregação
bíblica que compara Deus aos homens, atribuindo-Lhe sentimentos
inferiores, tal qual a "ira".
Depois do Cristo, e do que Ele nos revelou acerca do Pai, é
inaceitável que ainda se faça tal imagem de Deus.
35

II. CONSULTAR OS MORTOS

Diz o articulista que criticou e condenou o Espiritismo:

"Não se ache entre vós quem consulte adivinhos, nem que


seja feiticeiro, ou encantador, nem quem consulte os mortos;
porque a todas estas coisas abomina o Senhor, e por semelhantes
maldades exterminará Ele estes povos."
(Deuteronômio, cap. 18).

Esse trecho, como se vê, foi pinçado lá do Antigo Testamento.


Deuteronômio foi o quinto livro escrito por Moisés e consiste nas
mensagens de despedidas, nas quais ele renovou tudo o que havia
recomendado anteriormente, ao longo dos 40 anos em que
peregrinaram no deserto. Estavam prontos para entrar em Canaã, a
terra prometida. A maior parte do seu povo era constituída por gente
nova, nascida no deserto. Segundo estudiosos bíblicos, o capítulo final
do livro, de número 34, foi provavelmente escrito por Josué, o
substituto de Moisés, visto que nele está narrada a morte do seu líder.
Deuteronômio é um dos livros mais importantes do Pentateuco.
Nele são recapitulados: a história do povo hebreu a partir do Monte
Sinai; a Revelação divina simbolizada nos Dez Mandamentos; a lei
civil compreendendo os direito de herança, de propriedade, dos
primogênitos, do divórcio, a administração; as leis da guerra; os
cerimoniais religiosos: as festas sagradas anuais (páscoa, pentecostes e
tabernáculos), a observância do sábado, o culto etc., e por fim bênçãos
e maldições que recairiam sobre o povo caso obedecesse ou
desobedecesse à Lei.
Temos informações de que, atualmente, o percurso realizado
por Moisés durante quatro décadas é possível ser efetuado em, no
máximo, 12 horas, de automóvel ou ônibus. Só este dado demonstra
quanta coisa mudou de lá para cá. E você pode até perguntar: Por que
36

Moisés levou 40 anos para efetuar esta transição? Por várias razões,
nós diremos. E uma delas seria o propósito do líder de fazer com que
a geração antiga fosse substituída pela nova, antes da entrada em Canaã,
de forma que, chegando no local previsto, não introduzissem as práticas
e os costumes antigos, aprendidos no Egito e no contato com outros
povos.
A geração nova não havia presenciado os fenômenos que
antecederam à saída do Egito, nem vivido as dificuldades iniciais da
travessia no deserto. Mostrava-se menos rebelde e menos desobediente.
Havia sido instruída à luz da Revelação mosaica e estava, portanto,
em melhor condição de garantir fidelidade aos preceitos religiosos
instituídos por seu líder.
Embora o Deuteronômio tenha sido escrito já no final da missão
terrena de Moisés, o legislador hebreu revelou grande interesse pela
sua perpetuação. Passou a ser seu livro preferido. Houve tamanha
preocupação do legislador para com a conservação, o conhecimento e
o cumprimento daqueles escritos que ele determinou sua leitura
pública e integral, a cada sete anos:
"E deu-lhes ordem Moisés, dizendo: Ao fim de cada sete anos,
no tempo determinado do ano da remição, na Festa dos Tabernáculos,
quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus,
no lugar que ele escolher, lerás esta Lei diante de todo o Israel aos seus
ouvidos" (Deuteronômio 31:10 e 11).
Por força disto, o Deuteronômio passou a ser o livro mosaico
mais difundido, a ponto de ter trechos seus citados inclusive por Jesus.
Veja esse momento:
"E um doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo:
Mestre, qual é o grande mandamento da Lei? E Jesus disse-lhe: Amarás
o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de
todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento"
(Mateus 22:35 a 38).
A resposta dada por Jesus foi em cima do que se contém em
Deuteronômio 6:5, com um detalhe extraordinariamente interessante:
Jesus fez ver ao doutor da lei que era conhecedor da Lei Antiga,
37

respondendo literalmente o assunto, mas não se limitou ao que estava


escrito no Antigo Testamento.
Numa demonstração clara de que estava ali para reformular
conceitos e dar a eles amplitude, Jesus complementou a resposta,
dizendo: "E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os
profetas." (Mateus 22:39 a 40).
O amor ao próximo já era mencionado em partes do Antigo
Testamento. Mas não era o Segundo Maior Mandamento. Jesus foi
quem o disse e calou a boca dos doutores da Lei. Dentre os Dez
Mandamentos, o segundo é o que proíbe imagens de escultura, a
adoração a outros deuses, o politeísmo.
Diz o articulista que "...a doutrina e a prática do espiritismo
são contrárias ao ensino da Bíblia" e cita de início o que se contém em
Deuteronômio 18. "Não se ache entre vós quem consulte adivinhos,
nem que seja feiticeiro, ou encantador..". Opomo-nos ao seu raciocínio,
pelas seguintes razões:
l. Como vimos, Moisés teve como missão maior combater o
Politeísmo. Revelar a existência do D E U S Ú N I C O . Cumpria-lhe,
evidentemente, combater todo e qualquer ritual e costume que pudesse
ressuscitar, no seio do seu povo, as práticas politeístas aprendidas no
Egito. E entre estas práticas estavam a adivinhação, a feitiçaria, o
encantamento, a interpretação de sonhos, amparados em rituais de
adoração a vários deuses.
Os egípcios eram pródigos nisso. O povo judeu, que havia saído
do Egito, também. Estavam tão afeiçoados a essas práticas que bastou
Moisés desaparecer da presença deles por alguns dias, para receber as
Tábuas da Lei, que eles produziram o famoso Bezerro de Ouro, e
passaram a adorá-lo.
Fica muito evidente que esse era o objetivo de Moisés ao traçar
aquela recomendação: combater o Politeísmo. Tamanha era a
determinação de Moisés de implantar o culto do D E U S Ú N I C O ,
que em nome desse ideal ele determinou a matança de 3.000 irmãos.
Lembra?
38

O capítulo 13 de Deuteronômio inicia com esta recomendação:


"Quando profeta ou sonhador de sonhos se levantar no meio de ti e te
der um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio de que te
houver falado, dizendo: Vamos após o u t r o s deuses, que não
conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras daquele profeta ou
sonhador de sonhos, porquanto o S E N H O R , vosso Deus, vos prova,
para saber se amais o S E N H O R , com todo o vosso coração e com
toda a vossa alma".
Grifamos "outros deuses" e "não ouvirás", para chamar bem a
sua atenção. Analisando detidamente a recomendação é fácil perceber
que a preocupação de Moisés, ao proibir que se buscassem profetas,
sonhadores, quem faça prodígios etc, era evitar o retorno às práticas
que induzissem ao politeísmo.
Hoje essa preocupação já não faz o menor sentido. Não se cogita
mais de práticas politeístas.
Outro dado importante é que o povo judeu era, àquela época,
constituído por Espíritos de pequeno grau de evolução moral. Na
situação, a mediunidade — que sempre esteve presente entre as
criaturas desde os mais remotos tempos — era utilizada para satisfação
de curiosidades, para adivinhações, e outros fins não recomendáveis.
A Doutrina Espírita também não recomenda, não endossa, nem
é responsável, pelo mau emprego que eventuais portadores do dom
mediúnico façam de sua faculdade. No movimento espírita, a
mediunidade é tratada como o canal de comunicação entre os dois
mundos, com o fim precípuo de contribuir para a evangelização dos
homens. De forma secundária, tem seu emprego no tratamento de
males cuja causa decorra da ação de Espíritos inferiores, como a
obsessão.
2. O Espiritismo não tem nada a ver com adivinhação, feitiçaria
ou encantamento. Quem prega essas coisas, atribuindo-as ao
Espiritismo, o faz por ingenuidade, ignorância ou por absoluta má-
fé. A Doutrina Espírita tem por base a moral cristã e, como tal, está
voltada para a reforma moral dos homens.
39

Quando falo em moral cristã, estou afirmando que o Espiritismo


acolhe tudo aquilo que guarda harmonia com o código moral de vida
recomendado por J E S U S : amor a Deus, amor ao próximo, caridade,
fé, perdão etc. Tudo aquilo que consta do Antigo Testamento e que
foi referendado pelo Cristo, nós aceitamos e observamos. Temos Jesus
por Mestre e Senhor, por Guia de toda a humanidade, e vemo-Lo
realmente, como Caminho, Verdade e Vida para Deus.
O Espiritismo trata do estudo das Leis de Deus, como a do
"Livre-Arbítrio", através da qual o Pai consentiu que os homens
tivessem liberdade para agir, conforme lhes aprouvesse, e a "de Causa
e Efeito", em que aprendemos acerca das "conseqüências" dos atos
que praticamos. Nós somos senhores de nossa felicidade ou de nossa
desgraça, na Terra ou no mundo espiritual, conforme nossos atos.
Essas leis foram evidenciadas pelo Cristo. Alguns exemplos:
Depois de curar um paralítico em Betesda, disse-lhe Jesus: "Eis
que já estás curado, não peques mais, para que não te suceda coisa
pior" (João 5:14). Essa sentença declarada por Jesus nos permite tirar
várias conclusões. Vejamos:
a) o homem foi curado;
b) a doença era consequência de uma infração às Leis de Deus;
c) cada um paga por si; o erro alcança unicamente o infrator;
d) pecados podem ser reparados através da doença, da dor;
e) a reincidência no erro, torna-o de reparação mais dolorosa.
a) O homem foi curado. Ao dizer "eis que já estás curado", a
conclusão que se tem é de que o homem se libertou da enfermidade,
naquele instante. Houve o fenômeno de cura, promovido por Jesus.
Esta cura, por sinal, foi marcada por um momento bem especial: não
foi o doente que pediu para ser curado. Jesus, ao vê-lo, foi quem tomou
a iniciativa e disse-lhe: Queres ser curado? (João 5:6).
b) A doença era conseqüência de uma infração às Leis de Deus:
ao afirmar "Não peques mais", fica implícito que aquela enfermidade
era decorrente de um pecado. Inclusive a expressão "mais", reforça
isto. Tem, significado de dizer não peques "de novo". Se não fosse
assim, se a paralisia não tivesse relação com o passado do enfermo,
qual o sentido de Jesus dizer "não peques mais"?
40

c) Cada um paga por si; o erro alcança unicamente o infrator:


Atente agora para a palavra "te". Jesus diz claramente "para que não te
suceda". A teoria do pecado que se transfere para as gerações seguintes,
tal como o de Adão e Eva, cai por terra. Jesus destruiu este mito. Esse
"te" é muito forte e bastante conclusivo. Se Jesus dissesse: "para que
não suceda aos teus descendentes coisa pior", estaria consagrando o
entendimento do Antigo Testamento da extensão dos erros às gerações
seguintes. Não o fez. O Espiritismo ratifica isto. Cada um de nós é
autor de sua própria desgraça ou de sua felicidade. A consequência de
meus erros se reflete unicamente na minha pessoa. Ao criar leis assim,
Deus expressa a mais pura justiça.
d) Pecados podem ser reparados através da doença, da dor:
chamo sua atenção agora para a palavra "suceda". Suceder é vir depois.
Em seu enunciado Jesus diz: "para que não te suceda coisa pior". O
que seria pior de que aquela paralisia? Uma doença de maior gravidade
ainda. Tendo dito: "não peques mais para que não te suceda..." fica
implícito que a conseqüência de um pecado pode ser uma enfermidade.
Era o caso daquela paralisia.
Se a enfermidade não tivesse o fim de redimir o infrator do
pecado, qual a sua utilidade? Atribuiria Deus ao homem um sofrimento
em vão? Apenas para vê-lo ali sofrendo? Como vimos, a doença não
era fruto do acaso. Ela decorria de um pecado cometido pelo paralítico
outrora. Pouco importa, se o pecado tenha sido praticado no curso
daquela existência ou em existência anterior.
Vamos mais longe: segundo os irmãos evangélicos, todos os
homens comparecerão ao Tribunal Divino, no dia do Juízo Final, para
serem julgados. Ao atribuir uma paralisia daquele porte, condenando
o pecador a um longo sofrimento, estaria Deus julgando-o
antecipadamente? Se a enfermidade não servisse para um fim útil,
como o da remição do pecado, estaríamos diante de um caso de dupla
punição. Aquele pecador teria sido condenado uma primeira vez à
paralisia; e seria uma segunda vez, se lançado ao inferno, no dia do
Juízo. Sendo isto verdadeiro, a lei do homem, que é um ser imperfeito,
é melhor que a de Deus. Entre nós, ninguém pode ser punido duas
vezes pelo mesmo erro.
41

e) A reincidência no erro, torna-o de reparação mais dolorosa:


concentre sua atenção nas duas palavras "coisa pior". Ao declarar "para
que não te suceda coisa pior", fica evidenciado que aquele pecado
havia sido resgatado através de uma coisa ruim: a paralisia, que durou
38 anos. Se ele voltasse a incidir no erro, o novo resgate viria com um
sofrimento ainda maior. É a lei da vida. O sofrimento objetiva à
reabilitação do Espírito. Se a lição não é assimilada no primeiro
instante, será no seguinte, mediante uma expiação mais dolorosa.
Outro caso: no Getsêmani, no instante em que Jesus foi preso,
um de seus discípulos puxou da espada e feriu o servo do sumo
sacerdote, cortando-lhe uma orelha. Então Jesus disse: "Mete no seu
lugar a tua espada, porque quem pela espada fere, pela espada será
ferido" (Mateus 26:52). Conclusões:
a) revelação da Lei de causa e efeito;
b) cada um paga na exata proporção do que deve;
c) todo delito desencadeia a necessidade de uma reparação;
d) o sofrimento é uma das formas de resgate;
e) a dor representa um ato de justiça de Deus;
f) explicação para os sofrimentos trazidos do berço, sem causa
nesta existência.
a) Revelação da Lei de causa e efeito: todo padecimento que
causamos a outrem, traz, como conseqüência, para nós, uma dor
semelhante àquela que levamos ao próximo. Não há exceção. Ao dizer
"quem" pela espada fere, Jesus está claramente revelando que todos
nós estamos sujeitos a essa lei.
Vê-se, assim, que todo sofredor de hoje, cuja causa do
sofrimento (pecado) não se encontra nesta vida, tem sua dor causada
por erros cometidos em vidas anteriores. Em outras palavras: só perece
pela espada, quem pela espada feriu. O pecado é a causa e o sofrimento
o efeito.
b) Cada um paga na exata proporção do que deve: agora vamos
nos deter na palavra "espada". Jesus a utilizou porque foi através deste
instrumento que houve a ação do seu discípulo, cortando a orelha do
soldado. No entanto, ao relacionar o mal praticado pela espada, com
42
a reparação advinda também pela espada, Jesus deixou claro o
entendimento de que cada um paga na exata proporção do que deve.
Cada um é punido naquilo que pecou. Não é o instrumento
material em si que proporciona o resgate. A espada simboliza o tipo
de dor causada ao próximo. Por exemplo: o pai que abandona seus
fdhos, numa outra existência poderá nascer num lar onde se veja
privado da presença do seu genitor.
Queremos dizer outra coisa para você: é com relação à extensão
da dor, o tamanho do sofrimento. Segundo a conceituação evangélica,
os homens que não forem salvos irão para o inferno. Lá todos sofrerão
"igualmente" as mesmas dores, pouco importando que tipo de dor
tenham causado ao próximo. Medite sobre isso. O ensino de Jesus,
aqui evidenciado na figura da "espada", é contrário a essa interpretação
evangélica.
c) Todo delito desencadeia a necessidade de uma reparação:
agora é a vez de irmos buscar a palavra "será". Quem pela espada fere,
pela espada será ferido. Jesus empregou o verbo no futuro, numa
confirmação de que erro algum passa em vão. A dor advinda do erro
praticado agora, somente surgirá amanhã. O infrator, cedo ou tarde,
será chamado ao resgate. Dizemos resgate porque, conforme
explicamos atrás, o sofrimento não pode ser em vão.
d) O sofrimento é uma das formas de resgate: conforme já vimos,
o sofrimento tem um fim útil. O enfermo está reparando, através da
dor, os erros cometidos no passado. Estar ferido hoje, significa que
ferimos alguém outrora.
e) A dor representa um ato de justiça de Deus: se eu feri pela
espada, é justo que eu repare meu erro, sendo por ela ferido. Injusto,
inglório, desmerecido e inaceitável, seria eu ferir pela espada e ter
meus pecados esquecidos, sem resgate, como pregam os irmãos
evangélicos.
Segundo a Doutrina que professam, nossos pecados são
resgatados ao aceitarmos Jesus como Salvador. Quanta ilusão!
Perceberiam o engano em que se encontram. Se refletissem naquilo
que nos diz a Bíblia, nas palavras de Jesus: "Quem pela espada fere,
pela espada perecerá". Ou seja, errou... paga!
43

f) Explicação para os sofrimentos trazidos do berço, sem causa


nesta existência: ao ditar o ensinamento, Jesus está expondo, também,
a razão dos sofrimentos trazidos do berço. Se alguém já nasce com o
estigma do sofrimento é que, necessariamente, feriu outrem. Como
este erro não pode ter sido praticado estando o Espírito no ventre da
mãe, fica claro que errou antes do nascimento. Logo, numa existência
anterior. Daí dizermos que só perece pela espada, quem pela espada
feriu.
Mais um caso: em Cesaréia de Filipe, após interrogar seus
discípulos acerca do que diziam os homens a seu respeito, Jesus declara:
"Porque o Filho do Homem virá na glória de seu Pai, com os seus
anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras" (Mateus
16:27). Conclusões:
a) Jesus é o Guia Espiritual de todos os homens;
b) Aplicação da Lei de Causa e Efeito;
c) Revelação da Lei de Merecimento;
d) O que define a sorte futura são as obras e não a fé;
e) Mais importante do que pensar e crer, é o fazer.
a) Jesus é o Guia Espiritual de todos os homens: ao se referir a
si mesmo Jesus se autodenominava "Filho do Homem". Ao fazer aquela
citação, Ele declarou, mais uma vez, sua missão junto aos homens,
outorgada por Deus: ser o Guia Espiritual de todos nós, contando
com a colaboração dos Espíritos Superiores ("com os seus anjos"),
para aplicação da Lei de Deus.
b) Aplicação da Lei de Causa e Efeito: a cada um será dado
segundo as suas obras, ou seja, segundo o seu merecimento. A felicidade
ou a desgraça que acompanha o Espírito, nesta vida ou no Plano
Espiritual, decorre unicamente de suas obras, daquilo que ele fez. Se
agiu para o bem, será agraciado; se agiu para o mal, sofrerá as
conseqüências infelizes de seus atos.
c) Revelação da Lei de Merecimento: ao dizer "...segundo as
suas obras", fica evidenciado que existe uma lei aplicável a todos nós,
que é a Lei do Merecimento. É o princípio bíblico de que "tudo o que
o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6-7);
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d) O que define a sorte futura são as obras e não a fé: Jesus disse
"segundo as suas obras". Ele não disse "segundo a sua fé". Se as obras
não tivessem influência sobre a sorte futura do Espírito, jamais o Cristo
teria deixado aquela lição. Tanto aqui, como em muitos outros
momentos, Jesus não colocou a fé, sem as obras, como balizadora da
salvação, como pregam os irmãos protestantes;
e) Mais importante do que crer, é o fazer: se a cada um é dado
segundo as suas obras, conclui-se que é naquilo que você faz que está
o seu mérito. Jesus enalteceu o poder da fé para mostrar a capacidade
que nós temos de fazer o bem. E fazê-lo em proveito dos outros. A fé
que nada faz, não possui mérito algum. O louvor que nada produz,
em favor do próximo, não traz benefício para ninguém.
A propósito da fé, cabe recordar citações feitas por Jesus, que
têm gerado entendimento ao pé da letra. Vejamos o que relataram os
apóstolos Marcos e João:
"E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda
criatura. Q u e m crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será
condenado" (Marcos 16:15 e 16).
"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigénito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna" (João 3:16).
Aparentemente, numa análise superficial, ao pé da letra, parece
que Jesus condicionou a salvação ao simples ato de crer. É nisso que se
agarram os diletos irmãos protestantes.
O Evangelho tem que ser apreciado em seu conjunto. Apegar-
se a citações isoladas, sem atentar para o todo, é procedimento que
tem levado a conclusões errôneas, distanciadas da essência daquilo
que o Cristo nos legou.
A essência dos ensinamentos de Jesus é "fazer aos outros aquilo
que queremos seja feito a nós", várias vezes enaltecida pelo Mestre no
curso de sua missão terrena: "Portanto, tudo o que vós quereis que os
homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a Lei e os
profetas" (Mateus 7:12; Lucas 6:31)
"Fazer aos outros" é fazer mesmo. São as obras! Delas decorrem
todo merecimento. Esta é a Lei, disse Jesus.
45
Imagine você a seguinte situação: alguém crê em Jesus como
seu salvador, freqüenta as reuniões de louvores com absoluta
assiduidade, mas no mundo dos negócios é um explorador dos outros.
Não cumpre leis trabalhistas, menospreza seus humildes empregados
e busca ganhos fáceis em prejuízo de outrem. Merece a salvação?
Segundo a crença protestante sim, porque ele crê. Segundo Jesus não,
porque seus atos são lesivos ao próximo.
No final do sermão do monte, ensinou o Mestre:
"Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que
vos está preparado desde a fundação do mundo;
"porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me
de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; estava nu, e vestistes-me;
adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
"Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te
vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de
beber?
"E, quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? Ou nu e te
vestimos?
"E, quando te vimos enfermo ou na prisão e fomos ver-te?
"E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que,
quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o
fizestes" (Mateus 25:34 a 40).
A essência do Evangelho é essa aí. A caridade, o amor ao
próximo, o fazer aos outros aquilo que queremos seja feito a nós. A
crença em Jesus como o salvador, sem atos que testifiquem esta crença,
nenhum proveito trará.
Porfiam na ilusão nossos irmãos protestantes, ao acreditarem
que "aquele que crê será salvo", esquecendo a prática da caridade e da
reforma moral.
Retornando ao exame das afirmações do articulista, acerca da
consulta aos mortos, gostaríamos de concluir dizendo que: se ainda
existe quem pratique ou recorra à adivinhação, feitiçaria ou
encantamento, uma coisa é certa: está fazendo uso de seu livre-arbítrio,
e isto não tem nenhuma vinculação com o Espiritismo. O livre-arbítrio
46

é permitido por Deus. Quem somos nós para condená-lo? Temos


outras imperfeições, talvez mais abomináveis. O articulista será
porventura perfeito, imaculado?
Faz parte do aprendizado evolutivo o erro, o engano, o tropeço.
É caindo e se levantando, várias vezes, que a criança aprende a andar.
É errando e reparando que o Espírito, criado simples e ignorante, vai
acumulando experiências, méritos e virtudes, que o alçam à perfeição.
Veja bem: não estamos defendendo a adivinhação, a feitiçaria
ou o encantamento. De forma alguma. Se há quem pratique esses
rituais, temos que entender que são Espíritos inferiores e, junto a estes,
nosso dever é orientar e esclarecer o erro em que se encontram.
Aprendemos com a Doutrina Espírita que ao homem não é dado o
poder de saber o futuro. Logo os espíritas não têm motivo algum para
recorrer a tais práticas.
Dizem-nos os Espíritos que "se o homem conhecesse o futuro,
negligenciaria do presente e não obraria com a liberdade com que o
faz, porque o dominaria a idéia de que, se uma coisa tem que acontecer,
inútil será ocupar-se com ela, ou então procuraria obstar a que
acontecesse. Não quis Deus que assim fosse, a fim de que cada um
concorra para a realização das coisas, até daquelas a que desejaria opor-
se. Assim é que tu mesmo preparas muitas vezes os acontecimentos
que hão de sobrevir no curso da tua existência" {O Livro dos Espíritos,
pergunta 869).
Dissemos que o Espírito foi criado simples e ignorante e nos
apressamos em explicar, posto que é conhecido o dito de que "fomos
criados à imagem e semelhança de Deus".
Isso significa que trazemos, cm potencial, qualidades que
desabrocharão à medida que formos evoluindo, de tal modo que
chegaremos uma dia à perfeição espiritual. Para fins de entendimento,
podemos lembrar a semente, que traz em si toda a beleza da árvore,
mas que, para externar esse esplendor, necessita ser lançada ao solo,
germinar e crescer. Fases que ela alcança ao longo do tempo.
3.Além de advertir que não se consultem os adivinhos, feiticeiros
ou encantadores, o trecho citado complementa: "...nem quem consulte
47

os mortos". De início dizemos que na Doutrina e na prática espírita


não existe a consulta aos mortos, com a conotação que Moisés deu:
adivinhação, conhecimento do futuro, sortilegios. Era com esses fins
que o povo egípcio e hebreu recorria aos adivinhos, pitões e profetisas.
É bom que se tenha em mente que Moisés não estava proibindo
o Espiritismo, até por uma razão bem simples: N ã o existia o
Espiritismo! Você não proíbe ou condena o que não existe. A Doutrina
Espírita é recentíssima, foi codificada em meados do século XIX. O
que Moisés tinha em mente era evitar o ressurgimento das práticas
politeístas. Como Espírito superior àquele povo que dirigia, sabia
Moisés que o culto das adivinhações é nocivo, induz ao erro e serve de
proveito aos espertalhões. Isso ele coibiu, acertadamente.
De qualquer forma, o fato serve para comprovar que a
mediunidade vem desde as épocas mais remotas. Está presente em
todas as etapas evolutivas do homem. Faz parte da história de todos
os povos. Se é assim, não será merecedora de um exame mais profundo?
Basta condená-la? Tirar dois ou três trechinhos perdidos lá no Antigo
Testamento e detonar o fenômeno, como coisa abominável a Deus?
Se a mediunidade existe, Deus a criou. Ele é, na definição
espírita, a Inteligência Suprema, causa primária de todas as coisas. Do
contrário não seria Deus. Se uma só coisa tivesse sido criada por um
outro, a obra divina não estaria completa.
Dizem, pregadores das doutrinas protestantes, que a
mediunidade é obra do satanás. Simples, não é? Tudo que eles não
aceitam, dizem que é obra de satanás. E acabou! Com isso, logram
confundir os simples, os humildes, os de boa-fé. E Deus, onde estaria
a ponto de permitir que, dentro do mundo que Ele criou, um outro
ser criasse coisa diferente? Onde ficaria sua onipotência? E seu amor
de Pai?
O Apóstolo João diz que: "Todas as coisas foram feitas por
Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez" (João 1:3).
Dê um tempinho. Releia a citação de João, acima transcrita.
Sinta a força da verdade que está ali expressa. Às vezes, não parando
para refletir deixamos escapar coisas importantíssimas.
48
A mediunidade existe desde que o homem surgiu no mundo.
Quem a criou? Se todas as coisas foram feitas por Deus, não há como
negar que a mediunidade é também obra divina. O Espiritismo não é
responsável pela má aplicação desse dom no passado, nem no presente,
nem o será no futuro, se ocorrerem desvios.
Ao longo da história, vê-se que muitos dos portadores da
mediunidade a empregaram em seu benefício ou com desvios de suas
reais finalidades. Como a cada um é dado segundo as suas obras, os
que fazem mau uso do dom recebem a recompensa que merecem.
Espiritismo e mediunidade são duas coisas inteiramente
distintas. Nem todo médium é espírita. Nem todo espírita é médium.
O Espiritismo é o conjunto de ensinamentos e revelações acerca
das leis que regem a vida material e espiritual e as relações entre ambas.
É uma doutrina ditada por Espíritos Superiores, em cumprimento a
uma promessa do Cristo:
"Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei
ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para
sempre" (João 14, vers. 15 e 16).
O anúncio da vinda do Consolador é muito parecido com a
profecia da vinda de um Messias, que os profetas antigos anunciaram
e que se concretizou com o nascimento de Jesus. Por força dos ensinos
da Lei mosaica — onde Deus era visto como o Deus dos Exércitos —
os judeus acreditavam que o Messias seria um bravo guerreiro, capaz
de levá-los a vitórias em guerras e conquistas. Veio Jesus, pregando o
perdão, a caridade e o amor ao próximo e, com isto, frustrou o povo
judeu. Eles queriam um herói de guerra.
O anúncio da vinda de outro Consolador pode também dar a
idéia de que este seria algum novo profeta, que nasceria entre os
homens. O Consolador, no entanto, está corporificado numa
Doutrina, de caráter evolutivo. Ou seja: acompanhará o progresso
dos homens, trazendo-nos novas revelações, de conformidade com
nosso crescimento espiritual, daí porque estará conosco para sempre.
Seu nome: Espiritismo. Pouco importa! Poderia até ter outro nome.
O importante é que consola, orienta, renova a fé e conduz a Deus.
49
A Mediunidade é a faculdade trazida por algumas pessoas que
lhes permite a comunicação com os Espíritos desencarnados. Referido
intercâmbio se opera através de diversos meios, como a fala, a visão, a
escrita, o desdobramento etc. É um dom. Ser médium faz parte do
programa de vida de muitos irmãos, estabelecido no Plano Espiritual,
antes de suas reencarnações.
O Espiritismo surgiu a partir do estudo de fenômenos
mediúnicos. A prática mediúnica despertou, a partir da metade do
século XIX, a curiosidade sadia de homens de ciência, entre eles
Hyppolite Leon Denizard Rivail (Allan Karcec) que, como missionário,
estudou o fenômeno, alcançando-lhe as causas e fins. Tudo veio na
época certa. Era necessário que a humanidade avançasse um pouco
para que pudesse, então, suportar aquelas "muitas coisas" que o Cristo
tinha para nos dizer:
"Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de
tudo quanto vos tenho dito" (João 14:26).
"Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos
hei de enviar, aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará
de mim" (João 15:26).
"Todavia, digo-vos a verdade: que vos convém que eu vá, porque
se eu não for, o Consolador não virá a vós, mas se eu for, enviar-vo-lo-
ei. E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça,
e do juízo" (João 16, vers. 7 e 8).
"Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar
agora. Mas, quando vier aquele Espírito da verdade, ele vos guiará em
todas as verdades, porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que
tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir" (João 16, vers. 12 e 13).
Jesus, como Espírito puro, é conhecedor da Verdade. Daí por
que afirmava que muito tinha para nos dizer. Mas não disse porque
respeitou a nossa pequena capacidade de assimilação à época. Se o
Consolador viria nos ensinar todas as coisas, era porque,
evidentemente, Ele não pudera nos ensinar tudo. E lembrar tudo
50

quanto nos disse, porque, de antemão, Jesus previa que o homem


esqueceria seus ensinos, ou os deturparia, como aconteceu.
A Bíblia está repleta de fenômenos mediúnicos (de comunicação
com os mortos). Poderíamos citar mais de uma centena. Para ilustrar
este nosso trabalho vamos buscar apenas dois deles, um do Antigo
Testamento, pelo inusitado da situação, e outro do Novo Testamento,
porque foi promovido pelo próprio Jesus.
No livro Números, escrito por Moisés, é narrada a forma de
intercessão de um Espírito, que se valeu de uma jumenta, para
modificar o intento de Balaão (servo do Senhor) que se dirigia ao
encontro de Balaque (filho de Zipor, rei dos moabitas). Vendo o
Espírito, a jumenta recuava e não atendia aos desejos de continuar a
viagem, de Balaão. Este passou a açoitá-la, até que na terceira vez,
surge o inesperado. Está escrito na Bíblia, assim:
"Então, o S E N H O R abriu a boca da jumenta, a qual disse a
Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes? E Balaão
disse à jumenta: Porque zombaste de mim; tomara que tivera eu uma
espada na mão, porque agora te mataria. E a jumenta disse a Balaão:
Porventura, não sou tua jumenta, em que cavalgaste desde o tempo
que eu já fui tua até hoje? Costumei eu alguma vez fazer assim contigo?
E ele respondeu: Não. Então, o S E N H O R abriu os olhos a Balaão e
ele viu o Anjo do S E N H O R que estava no caminho" (Números
cap.22, vers. 28 a 31).
Lendo o trecho a gente até sente pena da jumenta. A humildade
com que ela fala, mesmo após a afirmação de Balaão de que, se tivesse
uma espada, a mataria.
O apóstolo Pedro se reportou a este episódio, afirmando que
"...o mudo jumento, falando com voz humana, impediu a loucura
do profeta" (2 Pedro, cap. 2, vers. 16). E você, o que acha?
Uma jumenta, falando com voz humana! Seria possível? Isso
nós conceituamos como fenômeno mediúnico. Comunicação dos
Espíritos com os homens. Balaão recebeu uma mensagem espiritual,
impedindo-o de prosseguir na caminhada. A bem da verdade, que
fique claro que a jumenta não falou. O fenômeno foi de audiência:
51
Balaão ouviu a voz direta do Espírito, e julgou que provinha da
jumenta, em face da argumentação expendida. Em seguida, veio o
fenômeno de vidência e Balaão viu o Espírito comunicante.
O texto se refere a um "anjo do Senhor". Se os "anjos"
confabulavam com os homens na antiguidade, o que os impede de
fazer o mesmo hoje? Chamar de anjo ou de Espírito é só uma questão
de palavras. O fenômeno não se altera por conta disso. Nada impede
que os "Espíritos" que se comunicam agora sejam chamados de "anjos",
se isso atende à necessidade dos nossos opositores.
Jesus realiza uma sessão mediúnica e possibilita que seus
discípulos se comuniquem com os mortos.
Três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, narram o episódio
de que nos ocuparemos, conhecido como A Transfiguração. Eis o relato
bíblico de Mateus:
"Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a
João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte. E
transfigurou-se diante deles; e o seu rosto resplandeceu como o sol, e
as suas vestes se tornaram brancas como a luz. E eis que lhes apareceram
Moisés e Elias, falando com ele. E Pedro, tomando a palavra, disse a
Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, façamos aqui três
tabernáculos, um para ti, um para Moisés e um para Elias. E, estando
ele ainda a falar, eis que uma nuvem luminosa os cobriu. E da nuvem
saiu uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo; escutai-o.
E os discípulos, ouvindo isso, caíram sobre seu rosto e tiveram
grande medo. E Jesus, aproximando-se, tocou-lhes e disse: Levantai-
vos e não tenhais medo. E, erguendo eles os olhos, ninguém viram,
senão a Jesus" (Mateus cap. 17, vers. 1 a 8).
O texto, bastante claro, permite-nos as seguintes conclusões:
a) apenas três discípulos foram escolhidos para presenciar este
momento: os que demonstravam preparo espiritual para o mister;
b) a reunião seu deu em particular, como é comum acontecer
com as reuniões mediúnicas espíritas;
52
c) Espírito puro, Jesus possuía luz espiritual própria, que se
tornou ostensiva, no momento próprio;
d) Moisés e Elias, dois mortos, se comunicaram com Jesus e
seus discípulos;
e) Jesus estava envolto em grande luz, mas nem por isso seus
discípulos perderam o contato com Ele, tanto assim que Pedro dirigiu-
lhe a palavra, logo que viu e ouviu Moisés e Elias;
f) Pedro, falando pelos demais, expressou sua satisfação em
participar daquele momento, dizendo: "bom é estarmos aqui";
g) Ao sugerir a edificação dos tabernáculos (tendas), Pedro
demonstrava sua emoção e propósito de perpetuar a lembrança daquele
encontro entre vivos e mortos;
h) Espíritos Superiores que, sob as ordens de Jesus ali se achavam,
manifestaram-se sob a forma de nuvem luminosa;
i) A confirmação de ser Jesus o Filho amado de Deus, destinava-
se a reforçar a fé que aqueles discípulos necessitavam cultivar, para
enfrentar as dores e dificuldades futuras, para a disseminação do
Evangelho;
j) prostrar-se, foi atitude de reverência e respeito, que os três
discípulos adotaram, diante da magnitude do fenômeno espiritual de
que participavam;
k) o grande medo que experimentaram traduz a extraordinária
emoção que os envolveu, fruto das vibrações espirituais transmitidas
pelos comunicantes;
1) finda a sessão mediúnica, Jesus, retornou a seu estado normal.
E você, o que acha? Estamos ou não diante de uma autêntica
sessão mediúnica, de comunicação com os mortos? Moisés e Elias
eram dois mortos. Moisés há 1.400 anos e Elias há mais de 500 anos.
Teria Jesus cometido abominação?
A recomendação do Antigo Testamento, dizendo entre outras
coisas "Não se ache entre vós... quem consulte os mortos" seria
desconhecida do Cristo? Se era desconhecida, Ele não merecia o
galardão de Messias; se era conhecida, Ele desobedeceu.
53

A verdade é que Jesus dispensou, para esta recomendação do


Antigo Testamento, o mesmo tratamento que deu para o sábado
sagrado dos hebreus; para a ordem de apedrejamento da adúltera;
para a observância do olho por olho, dente por dente; para a extensão
de pecados às gerações futuras. Ou seja: reformulou todos aqueles
antigos conceitos, sem desmerecer sua validade para a época em que
foram instituídos.
Este ato praticado por Jesus é denominado de "sessão
mediúnica". O articulista prefere tratar como "consulta aos mortos".
Pouco importa a denominação utilizada. O que interessa é o fato em
si. Houve comunicação entre vivos e mortos.
No livro de Lucas, o apóstolo relata que o assunto conversado
entre Jesus, Moisés e Elias, naquele momento, foi a respeito da morte
de Cristo, a qual havia de se cumprir em Jerusalém:
"E eis que estavam falando com ele dois varões, que eram Moisés
e Elias, os quais apareceram com glória e falavam da sua morte, a
qual havia de cumprir-se em Jerusalém" (Lucas cap. 9, vers. 30 e 31).
Cumpriu-se o que eles conversaram: Jesus foi morto em
Jerusalém.
É esta uma das razões que nos levam a continuar com Jesus. E
a entender que no Espiritismo não há nenhuma abominação ao Senhor.
Se estivermos errados, teremos a graça e o atenuante de estarmos
errando com o Cristo, seguindo suas palavras e exemplos:
"Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais
vós também" (João 13:15);
"Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, este é o
que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o
amarei e me manifestarei a ele" (João 14:21).
O articulista diz que: "...a própria base do espiritismo — o
consultar os mortos — é uma plena desobediência a Deus". Chegou
nossa vez de dizer que: se existe desobediência, não é apenas nossa. É
também de Jesus! O mesmo Jesus de quem eles dizem seguir os
mandamentos, mas que, na prática, esquecem, tão afeiçoados ainda
estão a conceitos isolados do Antigo Testamento, que já não fazem
nenhum sentido para os novos tempos.
54
No Espiritismo, as sessões mediúnicas se dão com fim elevado,
em ambiente de prece e devoção a Deus. As mensagens recebidas têm
por objetivos aprendizado e esclarecimento, em sintonia, como sempre,
com as orientações de Jesus: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará" (João 8:32).
No mesmo passo, nas sessões mediúnicas espíritas são buscados,
também, o amparo, a proteção e a libertação para milhares de irmãos
assediados por espíritos obsessores, num trabalho idêntico ao
promovido por Jesus diante da multidão de endemoninhados que O
procuravam.
Um esclarecimento aqui se impõe. Desencarnados, nos
apresentamos no mundo espiritual com o perispírito. Este corpo
espiritual conserva normalmente a aparência da última encarnação.
Aos Espíritos superiores, no entanto, é facultado adotar a forma
espiritual de qualquer existência precedente, desde que assim queiram.
Elias havia reencarnado como João Batista. Em seu retorno ao Plano
Maior, reassumiu a vestimenta espiritual da existência em que fora
Elias e assim compareceu ao encontro com Jesus, Pedro, Tiago e João.
4. O trecho do Antigo Testamento que o articulista usou e que
estamos comentando neste capítulo, diz em seu final que "por
semelhantes maldades exterminará Ele estes povos". Se você pensar
direitinho, ao pé da letra como fazem os nossos detratores, já se
passaram 3.400 anos daquela profecia. Não vimos a exterminação
dos povos que cultivam essas ditas "maldades". Gerações e mais
gerações se sucederam e essas práticas, ao que se comenta, ainda
ocorrem. Digamos que houvesse uma exterminação agora. Sabe o que
resultaria? apenas a geração atingida pagaria pelo erro. E as gerações
passadas, que usaram e abusaram?
Uma coisa não se pode negar: pregações desse tipo acabam
conquistando através do temor e do medo. Grande contingente de
pessoas simples e humildes, ouvindo sentenças dessa natureza, tremem
nas bases, como se diz. E se mantêm submissas ao atraso, impedidas
de raciocinar por si mesmas.
55

Pontos a Recordar:
1. O propósito de Moisés ao traçar a recomendação era evitar o
ressurgimento de práticas que induzissem ao politeísmo e à idolatria;
2. O Espiritismo não tem nada a ver com adivinhação, feitiçaria
ou encantamento. Quem prega essas coisas, atribuindo-as ao
Espiritismo, age por ingenuidade, ignorância ou por absoluta má-fé;
3. No Espiritismo não existe a evocação aos mortos, com fins
de se obter adivinhação, feitiçaria ou encantamento. Pode ser que o
façam outras doutrinas que também praticam a mediunidade, mas
não o Espiritismo;
4. A proibição de consulta aos mortos foi atitude prudente e
correta de Moisés, tendo em vista o grau de inferioridade moral do
povo que conduzia, que se valia do recurso para fins ignóbeis;
5. A mediunidade é um fenômeno que acompanha o homem
desde a antigüidade e o Espiritismo não é responsável pelos eventuais
desvios de seus portadores;
6. O Espiritismo desaconselha o recurso à mediunidade para
uso fora das finalidades evangélicas;
7. Jesus desconsiderou a recomendação do Deuteronômio,
consultando os mortos no Monte Tabor, na presença de três apóstolos,
para nos servir de exemplo. Só isto já bastaria para mostrar a
desqualificação e inoportunidade da ultrapassada recomendação do
Antigo Testamento;
8 . 0 articulista diz que: "...a própria base do espiritismo — o
consultar os mortos — é uma plena desobediência a Deus". Chegou
nossa vez de dizer que: se existe desobediência, não é apenas nossa. É
também de Jesus! Ele consultou os mortos.
56

I I I . ANTIGOS RITUAIS

Diz o articulista:

"O homem ou mulher em que houver espírito pitônico ou


de adivinho, morram de morte; apedrejá-los-ão; o seu sangue
caia sobre eles" (Levítico, cap. 20).

O trecho acima consta do livro LEVÍTICO. Foi o terceiro livro


escrito por Moisés e a sua parte mais significativa compreende os
capítulos 1 a 7, que trata dos "sacrifícios" — ou seja, dos meios de
reparação das faltas cometidas pelo homem, mediante o sangue
expiador de animais sacrificiais.
Esses sacrifícios eram representados por dois tipos de dádivas
que o fiel trazia a Deus. A "oferta" e o "holocausto". Os adoradores
traziam as ofertas com a finalidade de manifestarem gratidão, fé e
dedicação ao Senhor. Consistiam em manjares (cereais, grão, flor de
farinha, azeite de oliveira) e até animais sem defeito, entregues para
imolação.
Os holocaustos, que tinham por finalidade alcançar o perdão
dos pecados, redundavam em morte de animais (bode, carneiro, cabra,
boi, pombinhos), espargimento de seu sangue pelo Altar e a queimação
total das partes do corpo imolado.
Os holocaustos são descritos em várias partes do livro, inclusive
com todos os detalhes que deveriam ser observados. Vejamos um
pequeno trecho: "...Depois, degolará o bezerro perante o S E N H O R ;
e os sacerdotes oferecerão o sangue e espargirão o sangue à roda sobre
o altar que está diante da porta da tenda da congregação. Então esfolará
o holocausto e o partirá nos seus pedaços" (Levítico cap. 1, vers. 5 e 6).
Acreditava-se que tirar a vida do animal era o preço
correspondente aos pecados. Num dos trechos do Levítico está escrito
que o S E N H O R falou mais a Moisés, dizendo:
57

"Por que a alma da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho
dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o
sangue que fará expiação pela alma" (Levitico cap. 17, vers. 11).
Essa simbologia do sangue perdurou por muitos séculos. O
homem sempre esteve muito fascinado pelo sangue e a história registra
o seu uso em muitos rituais religiosos, de diversos povos. Essa é, por
sinal, uma das razões para que muitos apregoem que o mérito maior
da vida do Cristo foi derramar seu sangue na cruz e que este
derramamento foi para expiação dos nossos pecados. Dão ao ato
sacrificial de Jesus uma importância muito maior da que deveriam
dar aos seus ensinamentos morais.
Na Santa Ceia, Jesus recorreu à simbologia do sangue e,
tomando um cálice, disse para os seus discípulos: "Tomai e bebei,
porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é
derramado por muitos, para remissão dos pecados" (Mateus cap. 26,
vers. 27 e 28). Fez o mesmo com o pão, que partiu e deu ao discípulos
dizendo "isto é o meu corpo". Ainda hoje muitos não alcançam o
sentido figurado deste ato.
Muitas das lições de Jesus nos foram transmitidas por meio de
parábolas e alegorias. O Cristo se valia de imagens materiais para
divulgar seus ensinamentos, por dois motivos. Primeiro, por serem
facilmente impressionáveis, facilitando a sua memorização e
conseqüente divulgação. Segundo porque sabia, de antemão, que com
o passar dos tempos o homem alcançaria maior progresso espiritual e
tudo aquilo que Ele ensinou, de forma figurada, seria entendido em
sua acepção espiritual.
Ao citar o sangue do Novo Testamento, que é derramado para
remição dos pecados, Jesus estava anunciando sua própria crucificação
e profetizando os fatos que se sucederiam após o encerramento de sua
missão terrena, como a perseguição e morte dos primeiros cristãos e
de muitos outros missionários que vieram ao mundo para dar
continuidade à obra redentora de evangelização dos homens.
O sangue derramado, em nome do Evangelho de Jesus, está
patente, ao longo desses vinte séculos, nos atos de perseguição e morte
58

de muitos abnegados cristãos, que com seus sacrifícios pessoais


possibilitaram que o Evangelho chegasse até os nossos dias. Está
patente, também, nos crimes que se praticaram em nome de Deus,
no período nefasto da Inquisição Religiosa.
Quando os princípios morais deste Código Divino de Amor
ao Próximo forem inteiramente assimilados e praticados pelo homem,
dar-se-á, como previu Jesus, a remição de todos os nossos pecados.
Por esse tempo viveremos a essência de seus ensinamentos que se
traduzem no "fazer aos outros aquilo que queremos seja feito a nós".
O livro Levitico, de Moisés, é um relicário de formas de expiação
através do sangue. Foram práticas utilizadas largamente por seus
seguidores, que acreditavam ressarcir seus delitos por estes meios. E
acreditavam porque essas recomendações traziam o cunho de ser a
PALAVRA DE DEUS.
Hoje, quase ninguém fala mais em ofertas e holocaustos de
animais. E nós novamente perguntamos: Deus mudou? Não lhe
agradam mais os holocaustos? Que Deus é esse que muda de palavra
e de gosto?
Claro que essas perguntas não fazem sentido. Deus é imutável.
Mas servem para registrar que aqueles rituais religiosos, ensinados na
Bíblia (Antigo Testamento), não eram expressão da palavra e da vontade
de Deus.
A explicação mais sensata é a que nos traz o Espiritismo. Deus
não mudou. Mudaram os conceitos do homem e a sua maneira de
compreende-Lo e amá-Lo. E vai mudar mais ainda, para melhor, pois
caminhamos para a perfeição. É o resultado da Lei de Evolução, que
traz em seu conjunto uma outra Lei, a da Reencarnação, da qual
ninguém escapa. É através dos renascimentos sucessivos na carne, que
o Espírito retoma sua marcha para Deus, reparando erros do passado
e adquirindo novos conhecimentos.
Com o advento do Cristianismo, os conceitos antigos acerca
dos "sacrifícios de animais" passaram a ser frontalmente combatidos.
Na Espístola H E B R E U S , de autoria atribuída a Paulo, escrita setenta
anos depois de Cristo, encontramos forte contestação a esses rituais.
59
Reportando-se ao assunto, seu autor diz: "porque é impossível que o
sangue dos touros e dos bodes tire pecados" (Hebreus 10:4). Claro,
isso nunca existiu. Foram em vão todos os sacrifícios de animais
praticados com esse fim.
A rebuscada que demos no livro Levítico, tem o propósito de
comentar o trecho utilizado pelo articulista para contestar o
Espiritismo. Aquele que diz "O homem ou mulher em que houver
espírito pitônico ou de adivinho, morram de morte; apedrejá-los-
ão; o seu sangue caia sobre eles".
Como já vimos, é preciso muita desinformação ou maldade
para querer misturar Espiritismo com adivinhação, com magia ou
algo semelhante. Logo, o recado do Levítico, apresentado pelo
articulista para censurar a Doutrina Espírita, caí no vazio da
impropriedade. Piton significa adivinho, mago, nigromante, figuras
que não se encontram no Espiritismo.
A Doutrina Espírita não guarda nenhum vínculo com crenças
ou rituais que se valham do contato com os mortos, para a realização
de intentos que ferem os princípios morais do Evangelho.
A desinformação e a maldade têm levado muitos a propagar,
como práticas espíritas, quaisquer atos que envolvam o contato com
os mortos, com o fim primordial de confundir as pessoas de boa-fé.
Em meio a distorções propositadamente lançadas em torno da
Doutrina Espírita, há muito interesse oculto e escuso, daqueles que
temem o crescimento do movimento espírita.
Dizer-se alguém "espírita" não significa que tenha conhecimento
da Doutrina ou que atue segundo a sua orientação.
No Espiritismo não se encontram leitura de cartas, bolas de
cristal, jogo de búzios, incenso, velas, batuques, imagens, ou outros
apetrechos semelhantes; e os que se valem desses meios e se declaram
"'espíritas" agem por conta própria, com interesses pessoais, facilmente
percebidos.
Como vimos, o fim colimado por Moisés ao decretar aquela
sentença do Levítico, e outras semelhantes, era evitar que seu povo
retomasse o culto da idolatria e do politeísmo. Para a época era uma
60

preocupação procedente, tanto assim que, ao longo do tempo, esse


receio se confirmou e, volta e meia, ressurgia a infidelidade do povo
judeu ao culto do D E U S Ú N I C O .
Essa situação se repetiu durante vários séculos. Um exemplo:
oitocentos anos após Moisés, portanto 600 anos antes de Cristo, o
Profeta Ezequiel narra o flagrante de 70 anciãos da Casa de Israel que
adoravam pinturas e utilizavam incenso; e de outros 25 que com o
rosto para o oriente adoravam o sol, de costas para o Templo do Senhor
(Ezequiel cap. 8, vers. l1e 16).
Mais adiante, Ezequiel se manifesta dizendo: "Assim diz o
Senhor Jeová: Convertei-vos, e deixai os vossos ídolos, e desviai o
vosso rosto de todas as vossas abominações" (Ezequiel 14:6). Que
abominação seria essa? A idolatria.
Muitas outras proibições estão no livro Levítico. Leiam estes
exemplos: "Não comereis coisa alguma com sangue; não agourareis,
nem adivinhareis. Não cortareis o cabelo arredondando nos cantos
da vossa cabeça, nem danificarás a ponta da tua barba" (Levítico 19:26).
"Também o porco não comereis, porque tem unhas fendidas, e a fenda
das unhas se divide em duas, mas não rumina, este vos será imundo"
(Levítico 11:7).
Recordados esses pontos, perguntamos que lançam contra os
espíritas as pregações do LEVÍTICO: Se é para cumprir recomendações
do Levítico, por que vocês não cumprem todas elas? Por que só escolher
umas e outras não? Se tudo que está ali é PALAVRA DE DEUS, por
que vocês não retomam as "oferendas" e os "holocaustos"? Por que
não observam o corte de cabelo, a manutenção da ponta da barba e
outras orientações daquele livro? Uma coisa é boa, ou não é. Ou serve,
ou não serve.
Eu já conheço a resposta que me dariam. Nos meus tempos de
juventude freqüentei igrejas protestantes e me familiarizei com o estudo
da Bíblia. A justificativa para não se praticar os rituais antigos é que o
crente agora está desobrigado dessas práticas, porque houve um NOVO
C O N C E R T O com Cristo. O sangue dEle, derramado
voluntariamente, teria sido mais agradável a Deus que o sangue
61
derramado pelo sacrifício involuntário de um animal.
O pacto de Deus com Abraão, traduzido por Moisés, através
do qual a salvação era obtida mediante a obediência à Lei e ao seu
sistema de sacrifícios, teria sido substituído pelo pacto da fé.
Admitindo isso como uma verdade, seria o caso de
perguntarmos: E só mudou isso? E a censura de consultar os mortos,
não teria porventura sido revogada nesse novo pacto? Se houve
mudança na forma de "salvação", por que não mudaria a forma de
"aprendizagem" das Leis divinas?
Jesus consultou os mortos no Monte Tabor. Esse seu ato não
teria sido uma consagração dessa mudança? Se não foi, ficou ruim a
coisa para o lado de Jesus. Ele deixou para nós um exemplo que não
pode ser seguido. Mas, ele mesmo nos disse que também fizéssemos o
que Ele fazia (João 13:15).
Esta pregação de novo concerto em Cristo é, na verdade, um
recheio de palavras bonitas, arranjado para tentar justificar o
injustificável. Deus não precisa fazer pacto algum, para conseguir a
salvação do homem. Ele é onipotente, ou não é Deus. Pacto se faz
quando dois interesses se chocam. É um recurso conciliador. A mais
medíocre razão nos diz que esse não é o caso de Deus.
Vamos falar um pouquinho a respeito desses C O N C E R T O S ,
segundo a crença dos irmãos protestantes. O primeiro, já abolido,
teria sido iniciado entre Deus e Abraão e estaria codificado na Lei de
Moisés. O segundo teria sido promulgado por Jesus.
No primeiro, constam coisas absurdas como a "circuncisão"
(obrigação de retirada da carne que envolve o prepúcio do pênis).
Jesus, por sinal, foi circuncidado, pois seus genitores seguiam a Lei
mosaica. Está no livro Gênesis o seguinte:
"Disse mais Deus a Abraão: Tu, porém, guardarás o meu
concerto, tu e a tua semente depois de ti, nas suas gerações. Este é o
meu concerto, que guardareis entre mim e vós e a tua semente depois
de ti: Q u e todo macho será circundado. E circundareis a carne do
62

vosso prepúcio; e isto será por sinal do concerto entre mim e vós"
(Gênesis cap. 17, vers. 9 e 10).
Para os crentes, o ritual mosaico está obsoleto e eles não o
observam. Por isto não praticam a circuncisão, as oferendas, os
holocaustos etc. No entanto, na hora de buscar enxertos bíblicos para
censurar o Espiritismo, correm ao Antigo Testamento, como fez o
articulista ao citar Deuteronômio, Levítico e Isaías. Sabe por quê?
Porque nos ensinos de Jesus não encontram respaldo para esse
propósito. O jeito é se valer daquilo que eles mesmos consideram
obsoleto.
O segundo concerto teria sido consumado no Gólgota, no
instante em que Jesus teria expiado nossos pecados através de sua
crucificação. Esse ato teria levado Deus a mudar a ordem das coisas e,
a partir daí, a salvação das almas estaria condicionada "à fé".
O sangue de Jesus Cristo é o ponto principal e o seu
derramamento na cruz teria propiciado o perdão dos pecados de todos
aqueles que viessem a se arrepender e crer. Apegam-se ao que está
escrito em Mateus 26:28 "Porque isto é o meu sangue, o sangue do
Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remição dos
pecados", já por nós comentado acima.
Segundo alguns evangélicos (crentes; protestantes) os mortos
estão "dormindo", aguardando o dia de Juízo, quando todos
recuperaremos os corpos materiais que tivemos e iremos para o tribunal
divino para julgamento.
Segundo outros, no momento da morte o crente seria conduzido
à presença de Cristo, permanecendo em plena consciência e
desfrutando da alegria diante da bondade e do amor de Deus, num
lugar de repouso e segurança chamado céu. Viver no céu inclui a
adoração e o louvor. Com a ressurreição, a alma deixaria o céu e
retornaria ao corpo carnal. Seria até de se perguntar: se a vida no céu
já é tão completa, para que a ressurreição?
Na Lei de Moisés, a remição dos pecados decorria da observância
à Lei e do sacrifício de animais. No concerto com Jesus, referida
remição seria obtida mediante a fé, ou seja, a aceitação de Cristo como
63

o Filho de Deus. Estarão imediatamente livre da culpa e da condenação


todos, que declararem acreditar em Jesus.
Pensando assim, ficou até mais fácil com Jesus de que com
Moisés. Com o Cristo basta a fé. Com Moisés o pretendente à remição
de pecados estava sujeito a doar um bode ou um bezerro, para ser
morto, o que acabava representando um custo.
Crimes hediondos, mortes, tragédias, estupros, destruições,
assassinatos, roubos, prostituições, calúnias, toda sorte de torpeza e
iniqüidade praticada pelo homem, seria remido por um simples ato
de aceitação de Jesus como o Salvador. Fácil, não?
Só que esqueceram de um pequeno detalhe: a vítima. Ou,
melhor, as vítimas. Como ficaria a multidão de almas esbulhadas,
ofendidas, maltratadas, destruídas, vilipendiadas pelos ofensores?
Muitas até assassinadas, sem que tivessem tido tempo de também
aceitar Jesus? Onde ficariam os clamores dos que esperam pela Justiça
Divina? O algoz, ao aceitar Jesus, é "perdoado" gratuitamente de seus
pecados. Onde ficaria a justiça?
Rejeitamos esta crença do "perdão" pela fé, por uma razão
elementar: ela é contrária aos princípios de Justiça aclamados por Jesus.
Em nenhum momento Jesus pregou o perdão gracioso das dívidas.
Muito pelo contrário, Ele deu ênfase à necessidade do pagamento das
dívidas, chegando a dizer que daqui não sairemos enquanto não
tivermos pagos o último centavo (Mt 5:26). São muitas as citações a
respeito da Justiça, e do vínculo entre pecador e pecado. Cito alguns
exemplos que são bastante claros:
"Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça, porque
serão saciados" (Mateus 5:6).
"Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete
pecado é escravo do pecado" (João 8:34).
"Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo
nenhum entrareis no Reino de Deus. Ouviste o que foi dito aos antigos:
Não matarás; mas qualquer que matar será réu de Juízo" (Mateus
5:20 e 21).
64

"Em verdade te digo, que de maneira nenhuma, sairás dali,


enquanto não pagares o último ceitil" (Mateus 5:26).
"Porque o Filho do Homem virá na glória de seu Pai, com os
seus anjos; e, então, dará a cada um segundo as suas obras" (Mateus
16:27).
"Quem pela espada fere, pela espada será ferido" (Mateus
26:52).
Não precisa ser estudioso do Evangelho para saber que a moral
cristã está amparada na Justiça Divina. O homem que perdoa confia
na Justiça de Deus. Os que não acreditam nessa justiça recorrem à
vingança. Seria justo isentar de pecados irmãos cujo único mérito seja
aceitar Jesus como Salvador? E que nada fizeram em prol de suas
vítimas?
Imagine que você esteja naquela situação de ter sede e fome de
Justiça, diante de sofrimentos que lhe foram impostos por algum mal.
Imagine você ter sua esposa ou filha estuprada e morta. Você perdoa,
não se vinga, por acreditar que a Justiça de Deus saberá punir o
criminoso. A sua dor só Deus conhece. Sua vida, seus sonhos, seus
ideais, seus esforços, tudo destruído por um ato criminoso.
O autor da desgraça da sua vida, confessa aceitar Jesus como
seu salvador e por conta desta conversão está livre daquele pecado.
Nada deve às vítimas, muito menos a você. Está salvo e quando morrer
será recebido por Jesus, no Reino do céu. O mesmo Jesus que afirmou
que "quem matar é réu de Juízo", virá receber aquele criminoso e
cobri-lo de glórias celestes, unicamente porque ele confessou crer. E
você, que esperou em Deus, estará "saciado" com essa justiça divina?
Duvido muito.
Uma outra situação: roubam-lhe todos os seus bens, deixando
você, sua esposa e filhos pequenos na penúria. O ladrão, declara aceitar
Jesus como seu Salvador e aquele roubo é perdoado. Você e seu lar
continuam ali, na pior. E o bandido "salvo", usufruindo daquilo que
era seu. Esse tipo de perdão tem cabimento? Isso é justiça? Só na
cabeça de quem não pensa.
65

O apóstolo Paulo, numa de suas cartas, deixa extravasar esse


sentimento de crença na justiça divina. Dirigindo-se a Timóteo, diz:
"Alexandre, o latoeiro, causou-me muitos males; o Senhor lhe pague
segundo as suas obras" (2 Timóteo 4:14).
Merece reflexão esse fato. Nada mais, nada menos de que o
apóstolo Paulo, manifestando sentimentos seus. Releia, com mais
carinho, o que está por trás daquele depoimento. Duas coisas estão ali
patentes: primeiro, que Paulo foi ofendido por Alexandre, que lhe
causou muitos males. Segundo, qual a expectativa do apóstolo
ofendido, com relação ao agressor. Ao dizer "o Senhor lhe pague
segundo as suas obras" ficam evidentes quatro coisas:

• Paulo quer a reparação dos males que sofreu;


• quer que Alexandre sofra para pagar o que fez;
• ele aguarda ser esta cobrança divina proporcional à falta
cometida;
• ele não revidou a ofensa por confiar na justiça de Deus.

Outro detalhe que chama bem nossa atenção é a respeito do


entendimento de Paulo acerca das obras, ou seja dos atos praticados.
Se nós raciocinarmos com base nas alegações do articulista de que o
perdão das ofensas (e a conseqüente salvação) se obtém pela fé, somos
forçados a admitir que a punição também se dá em função dela.
Logo, não teria sentido Paulo manifestar sua esperança de que
Deus puna o agressor "segundo as suas obras". Se fosse a fé o parâmetro
para a reparação dos delitos, Paulo teria dito assim: "o Senhor lhe
pague segundo a sua fé".
De outra feita, o sumo sacerdote Ananias mandou aos que
estavam junto dele que ferissem Paulo na boca. E isso foi feito. Então,
Paulo disse: "Deus te ferirá, parede branqueada! Tu estás aqui assentado
para julgar-me conforme a lei e, contra a lei, me mandas ferir?" (Atos
23:3).
66

Outra vez Paulo demonstra querer que o infrator repare o mal


causado, sofrendo dor semelhante a que lhe foi imposta. "Deus te
ferirá". E se Ananias aceitasse Jesus como o Salvador? Estaria perdoado
daquele mal e de muitos outros que vinha causando?
Por outro lado, se admitirmos, também, que Jesus Cristo remiu
nossos pecados ao derramar seu sangue na cruz, não faz sentido o
"perdão". Todo erro já está pago com antecedência! Aliás, isto até
seria um pretexto para se errar, afinal o erro já estaria remido por
antecipação. O perdão não teria significação alguma. A Salvação seria
obtida, você tenha pecado ou não, posto que ela depende da "aceitação
de Jesus como seu salvador". Como você vê, é um argumento apenas
de fé, não tem lógica, não guarda coerência com o princípio de justiça.
Estes exemplos de Paulo são muito bons, porque revelam que a
essência do ensino de Jesus não é aquela difundida pelos irmãos
protestantes. Está aí o apóstolo Paulo apelando para que a Justiça de
Deus fira Ananias, e puna Alexandre, indiferentemente deles serem
ou não portadores da fé.
A verdade é que a fé não isenta ninguém de reparar seus erros.
Aceitar Jesus como seu salvador é um ato meritório, que deve levar o
transgressor a refletir acerca da necessidade de se reposicionar na vida,
substituindo erros por virtudes. E isto só se obtém com a prática das
boas obras.
Se você está inclinado a crer nessa salvação fácil, desista. Ela
não existe. Nem poderia ser dessa maneira, porque entre agressor e
vítima se estabelece um laço espiritual, que somente será rompido
com a devida reparação. Daí porque Jesus dizia que daqui (do planeta
Terra) não sairemos, enquanto não pagarmos o último ceitil.
E se morrermos antes de pagar, como e quando se cumprirá a
afirmação do Mestre? Você só encontra resposta na Lei da
Reencarnação. É no retorno à carne que se cumpre o pagamento,
quando não é possível ressarcir a dívida na existência em que se a
comete.
Jesus pregou a fé, é verdade. Ele fez afirmações diversas
conclamando a crermos em Deus, em sua pessoa e em seus
67

ensinamentos. E tudo que Ele disse é verdadeiro. O sentido de suas


palavras, no entanto, é desvirtuado por interpretações equivocadas.
Cristo disse, por exemplo "...importa que o Filho do Homem
seja levantado, para que todo aquele que Nele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna" (João 3:15). É absolutamente certo isso aí.
Resta saber o que ele pretendeu dizer com a expressão "nele
crer". Legítimo crente em Cristo é aquele que adota o padrão de vida
por Ele exemplificado, que se resume na prática da caridade e do amor
ao próximo. Quem assim vive acumula méritos espirituais, e como a
Lei é "a cada um segundo as suas obras", o legítimo crente em Cristo
está habilitado para a felicidade futura (a vida eterna).
O mero ato de crer não isenta o devedor da obrigação de
"reparar" seus erros.
Para muitos, crer é você chegar em praça pública e fazer confissão
oral dessa fé. Erram por se apegarem à letra, sem buscar entender o
sentido espiritual do ensinamento dado. Eu gostaria de ver os que
alardeiam "crer" em Jesus, dar as demonstrações dessa crença,
praticando, ao pé da letra, em praça pública, os seguintes atos
anunciados no Evangelho:
"E estes sinais seguirão aos que crerem: pegarão em serpentes, e
se beberem alguma coisa mortífera não lhes fará dano algum" (Marcos
16:18).
O homem é conclamado a perdoar, para que o mal não se
perpetue e para que ele desenvolva virtudes. Deus, porém, não perdoa,
no sentido literal da palavra. Perdoa, sim, no sentido de não fechar as
portas ao devedor, concedendo-lhe oportunidades para reparação dos
erros, através do retorno à carne.
Nascer de novo, voltar ao mundo da carne, sofrer na pele os
males que haja impingido a outrem, aí sim, o saciamento da Justiça
de Deus se patenteia, e o enunciado evangélico do "aí não saireis
enquanto não pagares o último ceitil" se confirma. E o devedor, por
sua vez, ao resgatar sua dívida, retornará à pátria espiritual aliviado
dos seus erros e feliz por ter sido merecedor da glória que o espera.
68

Está aí a causa lógica, justa, merecida, útil e redentora, dos


grandes sofrimentos que afligem o Homem. Expiação e reparação dos
erros do passado. Resgate. Reajustamento do infrator com as Leis de
Deus. Muitos já trazem do berço a marca da dor, o estigma do
sofrimento. Qual a causa, perguntamos? Se tivéssemos uma só
existência corporal, onde estaria a Justiça e o amor de Deus, ao permitir
o nascimento de um em berço de ouro, e o nascimento do outro em
berço de barro?
Aos que não admitem que os grandes sofrimentos sejam resgate
de dívidas, desta ou de outras existências, pedimos que nos dêem
explicação mais racional, coerentemente com a bondade e a justiça de
Deus.
A Lei da Reencarnação veio nos mostrar a verdadeira justiça de
Deus. É inútil o desejo do infrator querer se libertar dos seus erros,
sem o resgate. A Lei de Deus não permite exceção.
Façamos um exercício de aprendizagem. Imagine dois grandes
inimigos, um deles tirando a vida do outro através do homicídio,
jamais descoberto. A lembrança do crime não se apaga da consciência
do infrator que, após a morte, no mundo espiritual, pede a Deus a
oportunidade de reparar seu erro. Volta ao mundo da carne e, mais
adiante, recebe em seus braços, como filho, aquele a quem tirou a
vida na existência anterior.
Imagine você vendo-os agora. Pai e filho, juntos, unidos, um
devolvendo ao outro aquilo que lhe roubara na existência anterior: a
vida. O devedor dando, ao seu desafeto do passado, carinho, proteção,
meios para sobreviver e crescer. Aquela inimizade de outrora, sendo
trabalhada pela Lei da Reencarnação para transformar em amor o que
antes era ódio. É assim que se dá a reparação dos erros. Mudam os
corpos, mas os Espíritos envolvidos na trama são os mesmos.
Aproveitemos o exemplo acima para destacar uma coisa
importantíssima, que acompanha o Homem em seu retorno à matéria.
Imagine que ambos os Espíritos reencarnados lembrassem da vida
anterior, do ódio, do assassinato. Que lhes sucederia? Ambos estariam
atormentados pelos estigmas do passado e suas vidas seriam um suplício
insuportável.
69

Quis Deus, em sua bondade infinita, poupar-nos de mais esse


sofrimento e, para tanto, estabeleceu a Lei do Esquecimento. Percebeu,
agora, por que não lembramos do nosso passado? É isto mesmo, somos
todos infratores. É preferível que somente recordemos nossos delitos
quando retornarmos ao Mundo Espiritual, redimidos dos mesmos. E
é assim que acontece.
Entendemos que a aceitação do Evangelho é o primeiro passo
para a remição dos pecados, porque seu conhecimento faz com que o
pecador se arrependa dos erros e reúna, na prática da caridade e do
amor ao próximo, a força espiritual de que carece para a reparação
dos erros cometidos. Quer esta reparação se dê nesta encarnação, quer
nas vindouras.
Está aqui uma das diferenças de entendimento entre nós espíritas
e os irmãos protestantes: a forma da salvação. Para eles, a salvação dos
homens será parcial, porque nem todos merecerão o Reino de Deus.
Grande leva de nossos irmãos padecerão eternamente no Inferno,
inclusive os espíritas. Multiplicam as casas de oração e louvor,
prometendo aos fiéis a salvação pela "fé". Para assim ensinar, se apegam
a trechos isolados da Bíblia, interpretando-os ao pé da letra, ou dando-
lhe uma conotação diferente do seu verdadeiro sentido.
A fé, sozinha, não salva ninguém. Jesus não ensinou isto! Nós
empregamos a palavra "salvação" porque ela já ficou consagrada pelo
uso, mas é bom que se tenha em mente que, a rigor, o Espírito não se
salva. Ele evolui, ele progride, ele atinge a "perfeição". Vou buscar um
exemplo no Evangelho, para reforçar este ponto. Por favor, leia com
bem atenção este acontecimento narrado no livro de Mateus (capítulo
19, vers. 16 a 24). Intitula-se "O Jovem Rico":
"E eis que aproximando-se dele um jovem, disse-lhe:
— Bom Mestre, que farei para conseguir a vida eterna?
E Ele disse-lhe: Por que me chamas de bom? Não há bom,
senão um só que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os
Mandamentos.
70

— Quais? perguntou o jovem.


Disse-lhe Jesus: Não matarás, não cometerás adultério, não
furtarás, não dirás falso testemunho; honra teu pai e tua mãe, e amarás
o teu próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha
mocidade; que me falta ainda?
Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que
tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-
me.
E o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste, porque possuía
muitas propriedades.
Disse, então, Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo
que é mais fácil passar um camelo no fundo de uma agulha do que
um rico entrar no Reino do Céu".
É muito conhecida esta passagem bíblica, por conta da
comparação final do rico com o camelo.
Você há de concordar comigo que Jesus estava diante de um
jovem correto, cumpridor da Lei. Este moço procurou Jesus certo de
que ouviria elogios do Mestre, já que tinha consciência de sua retidão,
pois em toda sua vida agira com fiel obediência aos estatutos de Moisés.
Ao dizer a Jesus que guardava aqueles Mandamentos desde a
sua mocidade, ele estava falando a verdade. Tanto assim, que Jesus
não fez comentários a respeito disso. Aceitou a confissão do moço
pacificamente. Se o jovem, em toda aquela sua existência, tivesse
descumprido um só dos Mandamentos da Lei, pode ter a certeza que
Jesus o desmascararia naquele instante. Como fez em outras ocasiões
com outros pecadores.
Se Jesus não retrucou acerca do cumprimento da Lei pelo jovem,
é que estava diante de um crente fiel, obediente, virtuoso. Concorda?
Vamos adiante. Veja que a pergunta do moço foi: Que farei
para conseguir a vida eterna?
Observe que após o diálogo acerca do cumprimento da Lei,
Jesus respondeu à pergunta que foi feita. Só que Jesus, no momento
da resposta, deu à pergunta a sua verdadeira conotação. A resposta
71

foi: "se queres ser perfeito, vai, vende....". O moço não perguntou o
que fazer para ser perfeito. Ele perguntou o que fazer para conseguir a
vida eterna. Percebeu?
A resposta do Mestre deixa claro que para Ele a expressão "vida
eterna", é sinônimo de "perfeição". Daí porque respondeu daquela
maneira. O Cristo poderia ter respondido assim: Se queres a vida
eterna, vai, vende Mas não fez isso. Respondeu dizendo: Se queres
ser perfeito, vai, vende...
Em outras palavras, Jesus estava dizendo que só alcança a vida
eterna aqueles que atingem a perfeição. Logo, pregou a Lei de Evolução
dos Espíritos, cujo estudo somente agora é aprofundado pela Revelação
espírita.
Vamos adiante. Quando Jesus disse ao jovem, "vai, vende o
que tens, dá aos pobres...", ele estava recomendando o desprendimento
dos bens terrenos, através da caridade. O moço, apesar de possuir
muitas virtudes, tinha apego aos bens terrenos, por conseguinte não
era caridoso. Jesus notou esta fraqueza.
Antes, porém, de Jesus anunciar a recomendação final, o moço
fez sua confissão de fé e renovou a pergunta inicial. Disse assim: "tudo
isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda?
Lembremo-nos que estamos diante de um jovem correto,
cumpridor da Lei de Moisés. Atente para a expressão "ainda". Que
me falta ainda?
Na descrição feita por Marcos (cap. 10, vers. 17 a 25), Jesus
teria dito: "falta-te uma coisa: vai, vende o que tens...". Preste atenção
no termo "uma coisa". Jesus não disse que faltavam duas, três, ou
quatro coisas. Disse que faltava apenas uma, e essa uma coisa era
exatamente a caridade. Viu agora a importância que Jesus atribuiu à
caridade?
O sujeito pode ter todas as virtudes, mas se não tiver a caridade
terá que exercitá-la. Se não o fez nesta existência, fará na próxima.
Ainda bem que existe a reencarnação. Já pensou se não existisse? O
que seria dos que desenvolvem a fé e a capacidade de louvar a Deus e
esquecem da caridade? Não teriam a vida eterna, conforme disse Jesus.
72

Ao mostrar ao moço o que lhe faltava para a perfeição, Jesus


não lhe recomenda a fé. Recomenda a caridade, como fazem agora os
Espíritos Superiores, através da Revelação espírita. A fé ele já tinha,
tanto assim que era fiel cumpridor dos Mandamentos.
Disse Jesus com toda a franqueza "...dá aos pobres". Se o
propósito fosse apenas o desprendimento dos bens materiais, bastaria
apenas que o moço doasse seus bens, a quem quer que fosse. E sendo
para receber, de graça, nunca faltou pretendente. Ao designar a quem
a doação deveria ser dada — "aos pobres" —, está identificado o fim
caritativo da ação.
Ao moço faltava ainda "uma coisa", que era a caridade. Em
outras palavras, Jesus estava ensinando o que hoje os Espíritos nos
dizem: "Fora da caridade não há salvação". A caridade é universal, é a
mais pura expressão de amor ao próximo, daí seu valor. Quando todos
os homens praticarem a caridade, independentemente da religião que
sigam, o mundo terá atingido um grau maior de evolução, e estará
entre os mundos superiores.
Fosse a fé a condição exclusiva para a salvação, Jesus não deixaria
de mencioná-la naquele instante. Sabe por que não o fez? Porque entre
a fé e a caridade, a caridade é a maior virtude.
O apóstolo Paulo definiu muito claramente esta posição do
Evangelho de Jesus ao dizer: "ainda que eu falasse as línguas dos homens
e dos anjos e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou
como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e
conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse
toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse
caridade, nada seria" (I Coríntios 13:1).
Mais adiante afirma que, dentre inúmeras qualidades da
caridade, ela "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta" (I
Coríntios 13:7). Não preciso dizer mais nada.
No fecho final da resposta ao moço rico, Jesus disse: "depois
vem e segue-me". O "depois" é o nó da questão. Jesus colocou a
renúncia aos bens materiais como condição para aquele jovem O seguir.
Pretendeu dizer que os seus seguidores teriam que abrir mão dos bens
73

que possuem? Não, absolutamente. A resposta, muito firme e em cima


da maior carência espiritual do moço, teve o propósito de impressioná-
lo fortemente, para que refletisse acerca do apego que devotava às
posses materiais.
Conhecemos irmãos assim. Devotam-se à fé de todo o coração
e reúnem outras virtudes como a devoção a Deus, a prece, a fuga dos
vícios, o cuidado para viver de forma moralizada etc. Agora... tirar do
que é seu para doar aos outros, nem pensar! Dói-lhes a idéia de
caridade. Por razões óbvias, de foro íntimo, se sentem muito mais à
vontade seguindo uma religião que exige apenas a fé.
Jesus é o exemplo de perfeição, no qual devemos nos inspirar.
Segui-Lo, significa viver segundo as regras de seu Evangelho, resumidas
no "fazer aos outros aquilo que queremos seja feito a nós". E, para
tanto, não se exige voto de pobreza. Apenas voto de desprendimento.
Ser cristão é viver simplesmente, ter amor no que faz, no que
diz. É viver também fraternalmente, com o bom, o errado e o infeliz.
Ser cristão é ser bom camarada, não mentir, não matar, não ferir. E se
no seu merecer vier a dor, suportar sem temor, que a prova tem fim.
Um detalhe que carece comentário é o fato de Jesus ter, de
início, recomendado ao moço que cumprisse os Mandamentos, ao
invés de dizer logo: vai, vende o que tens.... Alguém poderá indagar se
Jesus não percebera ser o moço cumpridor da Lei. É claro que Jesus
sabia.
Ao recomendar que guardasse os Mandamentos, deu,
propositadamente, ensejo para que o moço declinasse suas virtudes,
para então mostrar-lhe que elas não bastavam. Que faltava uma: a
caridade. Se o diálogo tivesse sido: Bom Mestre, que farei para
conseguir a vida eterna? E a resposta imediata: "vai, vende tudo o que
tens, dá aos pobres...", o moço ficaria na dúvida. Sairia dali pensando
qualquer coisa como: "Ele disse isso porque não sabe que sou fiel
cumpridor da Lei".
A propósito da Lei de Evolução dos Espíritos, lembro que em
outras ocasiões, Jesus pregou a respeito da "perfeição". Disse-nos, por
exemplo: "Sede perfeitos, como perfeito é o Pai que está nos céus"
74

(Mateus 5:48). "Eu neles e tu em mim, para que eles sejam perfeitos
em unidade e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim e
que tens amado a eles como me tens amado a mim" (João 17:23).
A respeito da afirmação de que "É mais fácil passar um camelo
no fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino do Céu",
cabe uma explicação: Jerusalém, como outras cidades existentes na
época do Cristo, eram protegidas por muralhas. Estas muralhas
possuíam portões, para entrada na cidade, e que, ao final do dia, eram
fechados, para proteger seus habitantes. Afora os portões, existiam
outras entradas, bem pequenas, chamadas de "agulhas", destinadas à
entrada de pessoas quando o portão principal já estivesse trancado.
O camelo era um dos animais muito utilizado para o transporte
de pessoas e mercadorias. Seus condutores, ao chegarem fora de hora,
se quisessem entrar na cidade, tinham que passar pelas "agulhas".
Alguns conseguiam, com esforço e habilidade, fazer com que seus
camelos se arrastassem pelo solo e atravessassem por aquelas pequenas
entradas. Outros não, e estes eram a maioria. Pernoitavam do lado de
fora, junto com seus animais e pertences. Esta situação levou a que se
popularizasse, entre aquele povo, o ditado: "É mais fácil um camelo
passar no fundo de uma agulha de que... isto ou aquilo".
Ao fazer aquela comparação, Jesus, estava empregando um
ditado da época, para se tornar compreendido pelo povo. É bom
destacar que Ele não estava, com aquelas palavras, condenando o rico
ao inferno, como muitos pensam. Suas palavras foram: "é mais facil...".
E isto não significa que seja impossível. Apenas, é mais fácil. Por
exemplo: diante de um edifício de 50 andares, posso dizer que é mais
fácil chegar ao último andar pelo elevador do que pela escada. Mas se
eu for pela escada também chego.

Pontos a Recordar:

1. O propósito de Moisés ao traçar a recomendação era evitar o


ressurgimento de práticas que induzissem ao politeísmo e à idolatria;
2. O homem sempre esteve muito fascinado pelo sangue e a
75

história registra o seu uso em muitos rituais religiosos, de diversos


povos.
3. O sangue derramado, em nome do Evangelho, está patente,
ao longo desses 20 séculos, nos atos de perseguição e morte de muitos
abnegados cristãos, que com seus sacrifícios pessoais possibilitaram
que o Evangelho chegasse até os nossos dias.
4. É preciso muita desinformação ou maldade para misturar
Espiritismo com adivinhação, com magia ou algo semelhante. O
recado do Levítico, condenando à morte os adivinhos, caí no vazio da
impropriedade, quando dirigido à Doutrina Espirita. Piton significa
adivinho, mago, nigromante, figuras que não se encontram no
Espiritismo.
5. Se tudo que está no Levítico é PALAVRA DE DEUS, porque
os irmãos protestantes não voltam a praticar "circuncisão", as
"oferendas" e os "holocaustos"? Por que não observam o corte de cabelo,
a manutenção da ponta da barba e outras orientações daquele livro?
6. A fé não isenta ninguém de reparar seus erros. Aceitar Jesus
como seu salvador só é um ato meritório se levar o transgressor a
refletir acerca da necessidade de se reposicionar na vida, substituindo
erros por virtudes. E isto só se obtém com a prática das boas obras.
7. Em Doutrina Espírita não utilizamos a palavra "salvação",
porque o Espírito não se salva. Ele evolui, ele progride, ele atinge a
"perfeição".
8. Diante de um moço rico, que tinha a virtude de cumprir os
Mandamentos, Jesus recomendou a prática da caridade para que o
mesmo atingisse a perfeição.
76

IV. NOVA ORDEM DE COISAS

Diz o articulista no opúsculo que estamos comentando:


"Quando vos disserem, Consultai os pitões e os adivinhos, que
murmuram em segredo nos seus encantamentos; — acaso não
consultará o povo ao seu Deus? há de ir falar com os mortos acerca
dos vivos? antes à lei e ao testemunho é que se deve recorrer." (Isaías
cap. 8:19-20.)
Segundo a tradição cristã, Isaías, o autor da sentença acima,
teria escrito o livro bíblico que leva seu nome cerca de 700 anos antes
de Cristo. Era um homem de cultura e provinha de uma família
importante de Jerusalém. Era casado com uma profetisa e tinha dois
filhos.
Por seus dons proféticos, era consultado por reis e se destacou
pelas inúmeras profecias que fez, muitas delas relacionadas com
problemas políticos da época (predição da queda da Babilónia, ruína
da Assíria, ruína de exércitos etc). Fazia exortações a reis e pessoas
influentes a confiarem somente no Senhor. Consta que sua morte foi
muito trágica, tendo sido serrado ao meio.
Entre suas profecias de caráter evangélico inclui-se a da vinda
de João Batista: "Voz do que clama no deserto: preparai o caminho
do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus" (Isaías 40-3) e a
da vinda de Jesus: "Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: eis
que uma virgem conceberá e dará a luz um filho e será o seu nome
Emanuel" (Isaías 7:14). O livro escrito por Isaías é cheio de profecias
a respeito de Jesus, incluindo seus sofrimentos, humilhação e morte.
Suas mensagens eram fruto de visões, daí ser chamado de Profeta
(termo que vem de uma palavra hebraica, traduzida no português
como "vidente" — dom mediúnico, através do qual o médium vê na
dimensão espiritual. Outros religiosos admitem que profeta seja aquele
que fala em nome de outrem).
77

Os sacerdotes do Antigo Testamento não gostavam de todos os


profetas, porque alguns os repreendiam e desmascaravam, obtendo a
admiração popular.
O foco da pregação de Isaías era manter a imagem do Deus
Único, do qual o povo judeu não devia se distanciar. Sendo assim,
repetia as mesmas exortações dos livros de Moisés, com ênfase para o
combate à idolatria e ao politeísmo. Só como exemplo, veja esta
passagem:
"Gastam o ouro da bolsa e pesam a prata nas balanças; assalariam
ourives, e ele faz um deus, e diante dele se prostram e se inclinam.
Sobre os ombros o tomam, o levam e o põem no seu lugar; ali está, do
seu lugar não se move; e, se recorrem a ele, resposta nenhuma dá, nem
livra ninguém da sua tribulação. Lembrai-vos disso e tende ânimo;
reconduzi-o ao coração, ó prevaricadores. Lembrai-vos das coisas
passadas desde a antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro deus,
não há outro semelhante a mim"(Isaías 46:6 a 9).
Notou a preocupação com a adoração a "outros deuses"? Os
que gastavam dinheiro assalariando ourives para fazer imagens eram
tidos por prevaricadores.
Em seus escritos, Isaías, traça um paralelo entre práticas
consagradas por Moisés, rejeitando algumas delas, e anuncia os
procedimentos de fraternidade que seriam, mais tarde, ensinados e
exemplificados pelo Cristo. A respeito das práticas vigentes à época,
relata:
"Diz o Senhor: De que me serve a multidão de vossos sacrifícios?
Já estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais
nédios; e não folgo com o sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem
de bodes" (Isaías 1:11). Adiante, acrescenta:
"Não tragais mais ofertas debalde; o incenso é para mim
abominação, e também as festas da Lua Nova, e os sábados, e a
convocação das Congregações; não posso suportar iniquidades, nem
mesmo o ajuntamento solene" (Isaías 1:13).
E prenunciando ensinos que foram desenvolvidos pelo Cristo,
em torno da fraternidade e da caridade, afirma:
78

"Aprendei a fazer o bem; praticai o que é reto; ajudai o oprimido;


fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas. Vinde, então, e argüi-
me, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata,
eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos
como o carmesim, se tornarão branco como a branca lã" (Isaías 1:17
e 18).
É bom destacar que segundo os protestantes, o crente de agora
está dispensado dos rituais do Antigo Testamento por conta do novo
concerto feito com Jesus. No entanto, você vê que 700 anos antes da
vinda de Jesus, aqueles rituais de sangue (oferendas e holocaustos,
para remição de pecados) já eram censurados. O Senhor já os
abominava.
E aí? Como é que ficou a salvação neste período de tempo entre
Isaías e Jesus? Como se dava a remição dos pecados? Moisés impôs
para a remição dos pecados o "sacrifício dos animais". Se o Senhor se
enfadou dos holocaustos, 700 anos antes do novo concerto, o povo
teria ficado um longo período sem ter meios para a salvação. Pense
nisto!
Hoje é fácil dizer: Ah, não precisamos dos holocaustos, da
circuncisão e de observar regras do Antigo Testamento, porque o
sangue de Jesus nos livrou disso. Mas há de considerar a história como
um todo. Teria o Senhor deixado seu rebanho um longo período sem
meios para a salvação? Ele que recomendou os holocaustos, vir dizer
que já se aborreceu, que está farto, e isso e aquilo.
Das duas uma: ou não foi Ele quem recomendou aqueles rituais
antigos; ou então Ele mudou de gosto (e aí já não seria Deus, porque
teria demonstrado não possuir o atributo da imutabilidade). Isto põe
em cheque a Bíblia, como sendo, EM SUA TOTALIDADE, a palavra
de Deus. Ali está, também, muita palavra do homem, e, como tal,
suscetível de mudança, de erro, de engano. Não há como negar. E é
preciso separar o joio do trigo, como advertiu Jesus.
A prática dos holocaustos e dos sacrifícios dos animais foi
invenção pura e unicamente dos homens. E ponto final!
79
É aí onde os diletos irmãos protestantes se perdem. Falta-lhes,
com todo respeito, bom-senso para separar uma coisa da outra, ou
têm interesses outros para deixarem as coisas como estão, confundindo
as gerações.
Sabem que todos nós, por formação religiosa, temos receio de
pôr resistência às coisas ditas SAGRADAS e usam exatamente este
rótulo para definir a bíblia: "BIBLIA SAGRADA". Ai de quem se
intrometer a dizer que uma só vírgula do que está ali não seja sagrado.
Quem se opõe ou mostra suas contradições tem parte com o demônio
e será condenado ao inferno! Ou seja, obtêm a adesão de fiéis
espalhando o M E D O e a C O N D E N A Ç Ã O . Será esse o bom
caminho?
A Bíblia está aí ao alcance de todos. Eles dizem: leia a Bíblia.
Nós retrucamos: estudem a Bíblia. Sabe qual a diferença? Não basta
ler, é preciso raciocinar, refletir. E quem estuda raciocina. Deus não
tem medo da inteligência do homem. Essa inteligência é um dom
que Ele nos concedeu, para ser usado. É infantilidade esse negócio de
dizer que o homem quer ser mais inteligente de que Deus. Mesmo
que o homem quisesse, não o conseguiria, posto que Deus é a
Inteligência "Suprema".
Algumas pessoas cultas e com bom nível de conhecimento
conservam ainda, em matéria de religião, conceitos que não resistem
ao uso da razão, da lógica e do bom senso. Neste particular, não se
deram ao trabalho de raciocinar. Mantêm-se na crença em decorrência
de laços afetivos, ou por tradição familiar. É comum se dizer sou de
tal ou tal religião, porque fui educado nela, meus pais eram seus
seguidores etc. etc.
São pessoas que não tiveram contato com o Espiritismo, nem
o desejam, porque foram educadas pelo medo. Tenho condição para
dizer isso, porque freqüentei igrejas protestantes. Isso é coisa muito
séria. O medo é uma coisa terrível. Depois daquilo estar na sua cabeça
é muito difícil remover. E em matéria religiosa o medo toma proporções
assombrosas. O protestante faz uma idéia preconcebida do Espiritismo,
como sendo coisa do diabo. Seus pastores transmitem isso aos fiéis —
80

sempre amparados em trechos isolados do Antigo Testamento —, de


forma constante e ameaçadora.
O opúsculo que estamos analisando é um exemplo disto. Veja
que após citar o trecho de Isaías, o articulista diz: "Nos dias antigos o
rei Saul perdeu o seu reino e a sua vida por causa deste mesmo pecado,
e os espíritas de hoje vão perder as suas almas, se não deixarem esta
prática abominável". O crente que ouve isso treme nas bases!
A desinformação acerca do que seja Doutrina Espírita tem
chegado bem antes da informação. Daí, muitos fazem idéia errônea
do que seja Espiritismo, com base no "ouvi dizer"; num segundo
momento já repassam aquele falso conceito como "lá é assim", e resulta
na confusão que aí está, com os detratores da Doutrina tirando proveito
da situação.
O apóstolo Paulo diz: "Examinai tudo. Retende o bem"
(I Tessalonicenses 5:21). Com relação à Doutrina Espírita, esta
orientação eles, os irmãos evangélicos, não aplicam. Seria prudente
examinar, conhecer o Espiritismo, antes de combatê-lo.
Eu faço até uma reflexão: vamos imaginar que a Doutrina
Espírita ainda não tivesse sido revelada ao homem. Qual seria a melhor
corrente religiosa para nós seguirmos? Qual nos ensinaria mais? É
possível que a crença fosse nossa melhor opção. Os fiéis protestantes
estão nesta condição. Não sabem que existe uma Doutrina que amplia
os ensinamentos do Evangelho, que aprofunda os conceitos morais
transmitidos pelo Cristo e que confirma todas as predições de Jesus
acerca do Consolador.
O Espiritismo é para aqueles que querem saber mais, nos diz
Kardec.
Mas, voltemos ao livro do profeta Isaías. Os ensinos ali expostos
seguem nesse rumo, ora profetizando uma nova ordem de coisas, com
a vinda do Messias, ora combatendo práticas antigas, tanto as ensinadas
por Moisés, como as aprendidas no Egito. E mantendo o mesmo foco
de adoração ao Deus Único, o Deus dos Exércitos.
A exortação de Isaías para que não se busquem os adivinhos, é
a mesma feita por Moisés, e tinha o mesmo objetivo: combater as
81
práticas de idolatria e politeísmo, que haviam retornado, apesar de
toda a pregação de Moisés.
O articulista recorre a ela como recurso para impressionar ainda
mais o seu leitor. A censura que está em Isaías é a mesma que está em
Levítico e em Deuteronômio. O Antigo Testamento é muito repetitivo.
As mesmas coisas são ditas várias vezes, com uma ou outra palavra
diferente, e isso concorre para tornar o livro extraordinariamente
volumoso, cansando o leitor.
No Antigo Testamento, eram aceitos dois tipos de profetas: os
sinceros e os falsos. Os sinceros eram os que obedeciam à Lei de Moisés;
suas profecias não contrariavam as escrituras; pregavam a mensagem
do Deus Único, e exortavam o povo a fugir do pecado e da iniqüidade.
Isaías era um deles.
Os falsos eram os que não observavam aquela Lei; suas profecias
contrariavam as escrituras, e se dedicavam à adivinhação, astrologia,
feitiçaria, bruxaria e coisas parecidas. Note que tanto os profetas sinceros
como os falsos faziam uso do contato com a espiritualidade. Tinham
visões e praticavam o recolhimento. A distinção se dava em função da
crença que possuíam e da finalidade com que aquele contato era feito.
O termo profeta era muito difundido entre os judeus. É aquele
negócio de corporativismo. O dom da profecia era reconhecido, só
que, quem fosse do lado deles, seguidor de Moisés, era profeta sincero.
Os demais eram falsos!
Parece com a situação de hoje, na visão dos irmãos protestantes.
Eles admitem que quem é do lado deles, tem a salvação. Quem não
é... paciência!... terá o inferno como prêmio. São coisas próprias do
estágio evolutivo em que nos encontramos, ainda de atraso espiritual.
Mas vai melhorar e mudar, porque estamos todos progredindo,
inclusive os nossos irmãos protestantes.
O fim a que se destinava a orientação de Isaías, que o articulista
evocou para censurar as práticas e a Doutrina Espírita, não era
combater o Espiritismo, pelas mesmas razões que já expusemos nos
capítulos anteriores (veja P O N T O S A RECORDAR, dos capítulos II
e III).
82
Como vimos, Isaías tinha, neste particular, a mesma linha de
raciocínio de Moisés, opondo-se às práticas idólatras e politeístas, que
eram comuns nos adivinhos. Opunha-se, também, ao uso indevido
do dom de profetizar. Se existiam os profetas de Deus (os sinceros),
para que recorrer aos outros?
Os profetas de Deus profetizavam de conformidade com a Lei
religiosa vigente. Os que faziam uso indevido desse dom profetizavam
para atender aos interesses mundanos das pessoas que os procuravam.
Profecia, nos dias atuais, é o que chamamos de Mediunidade.
O que antes se chamava profeta, hoje chamamos de médiuns.
Conquanto esse dom configure a possibilidade que têm algumas
pessoas de se comunicarem com o Mundo Espiritual, no passado era
visco unicamente como a capacidade de prever ocorrências futuras.
Os povos pagãos acreditavam que a adoração a vários deuses
era superior a de um Deus Único. Prevalecia o entendimento de que
"quanto mais deuses melhor". O povo judeu sofria essa influência e se
deixava contaminar, eclodindo, entres eles, esta prática. Esta a razão
para os profetas fiéis ao Deus Único, combatê-la com rigor.
O culto à idolatria envolvia, também, práticas sexuais, existindo
para isto prostitutas escolhidas para os atos. Este ritual atraía os judeus
e, a despeito de todas as advertências dos seus profetas e dos seus
sacerdotes, esta prática perdurou até mesmo depois da vinda de Jesus.
A sexualidade ali presente e os fins a que se destinavam os cultos, de
nítida inferioridade, atemorizavam os fiéis seguidores de Deus, que
exortavam, acertadamente, seu povo a não lhes dar ouvido.
A prática da idolatria entre os judeus se dava "às ocultas" e
abrangia rituais de evocação de forças espirituais. Esse "ocultismo" é
maldosamente relacionado por detratores do Espiritismo, que se valem
do fato de as sessões mediúnicas serem realizado em ambiente privado,
para forçar uma correlação entre a Doutrina Espírita e os cultos antigos,
aqueles sim, nitidamente abomináveis, pelo interesse mundano que
os envolvia, e alvo das admoestações de Isaías.
Repetimos que só a maldade, a ingenuidade ou a desinformação
podem servir de pretexto para que se vincule o Espiritismo ao
ocultismo, presente nas práticas idólatras do passado.
83

Era comum, no tempo do Cristianismo primitivo, encontrar


pessoas que se davam à prática da adivinhação, por meio da influência de
Espíritos. Mas isso não é Espiritismo. No Espiritismo não existe prática
adivinhatória. Os Espíritos que se prestavam àquele fim eram de ordem
inferior, ou seja, moralmente atrasados. É possível que entre eles existissem
Espíritos galhofeiros e brincalhões, muito mais ingênuos de que
propriamente maus. Ocupavam-se com essas coisas as pessoas que tinham
afinidade com eles, tanto para recebê-los como para ouvi-los.
Então, indiferentemente de usar a mediunidade para fazer
adivinhações ou não, a comunicação dos Espíritos era fato trivial.
Em ATOS, livro bíblico escrito provavelmente por Lucas, 60 anos
depois de Cristo, é relatado o encontro, na rua, do grupo de discípulos,
liderados por Paulo, com uma jovem médium, que fazia adivinhações.
Essa jovem não era espírita, de vez que o Espiritismo não existia àquela
época. Era apenas médium. Vamos examinar o que ali se passou e que
está narrado na Bíblia:
"E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma
jovem que tinha espírito de adivinhação, a qual, adivinhando, dava
grande lucro aos seus senhores. Esta, seguindo a Paulo e a nós, clamava,
dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são
servos do Deus Altíssimo. E isto ela fez por muitos dias. Mas Paulo,
perturbado, voltou-se e disse ao espírito: Em nome de Jesus Cristo te
mando que saias dela. E, na mesma hora, saiu" (Atos 16:16 a 18).
Chamo a atenção para a expressão "por muitos dias". E
pergunto: Por que Paulo não afastou aquele Espírito logo no primeiro
dia? Por uma razão: o anúncio que o Espírito fazia, quanto aos servos
do Altíssimo, era verdadeiro. Ela não estava fazendo adivinhação, estava
prestando uma informação. Está evidente que Paulo e os outros
discípulos aceitaram aquela pregação por muitos dias. Só se
aborreceram em face da persistência da coisa. Tornou-se abusiva.
Foi um fenômeno de comunicação mediúnica. É muito
estranho que Paulo e os demais apóstolos não tenham expulsado o
espírito logo no primeiro instante. Quando uma coisa não presta, o
certo é cortá-la no nascedouro. Para evitar que se propague. Deixaram.
84

Só após "muitos" dias é que decidiram suspender a comunicação. Você


sabe quantos dias foram? Eu não sei.
Tem outra coisa interessante na narrativa que vale comentar.
Está escrito que: "Mas Paulo, perturbado, voltou-se e disse ao Espírito:
Em nome de Jesus Cristo...". O fenômeno de comunicação com os
mortos, patenteado naquele ato, foi recebido com naturalidade pelos
cristãos. Fixe sua atenção nas palavras que sublinhamos: "ao Espírito".
O sentido seria outro se escrito assim: "Mas Paulo, perturbado, voltou-
se e disse ao demônio". Notou a diferença?
Querem os irmãos protestantes que as comunicações espirituais
sejam produzidas pelos demônios. No entanto, está aí um momento
em que Lucas descreve naturalmente uma comunicação com um
Espírito e não o trata como "demônio".
Outro detalhe: Paulo não condenou o Espírito comunicante;
não censurou a médium; não detratou ninguém. Tão somente pediu
ao Espírito que ele saísse, que deixasse aquela médium. E foi atendido.
Com seu ato protegeu, inclusive, a médium, que certamente estava
extenuada face à presença daquele Espírito por muitos dias seguidos.
O Espiritismo surgiu para o mundo em 1857, no dia 18 de
abril, na cidade de Lion, na França, com a publicação de O Livro dos
Espíritos. Até aí, não existia. Ninguém proíbe hoje o que ainda não
existe. Não se sabe o que está por vir. Na época dos antigos profetas
eles não podiam ser contra o Espiritismo, porque esta Doutrina não
existia.
Conquanto a mediunidade esteja presente no movimento
espírita, não se pode, também, confundir a Doutrina revelada por
meio desse canal de comunicação com o Mundo Espiritual, com os
eventuais desatinos praticados por portadores da referida faculdade,
em qualquer época da humanidade.
Ontem e hoje, os que se valeram ou se valem da mediunidade
para práticas espúrias, fizeram-no ou fazem-no por conta própria. Os
que agiram ou agem desta forma, jamais foram, nem são, espíritas.
85

Agora, vamos à história do Rei Saul. Disse o articulista que


"Nos dias antigos o Rei Saul perdeu o seu reino e a sua vida por
causa deste mesmo pecado" (contato com os mortos). Este episódio
foi tirado do livro bíblico de SAMUEL, escrito 1.000 anos antes de
Cristo. O povo de Israel era então governado por um Juiz, sendo
Samuel o último deles. Houve uma mudança e o povo conclamou
Saul seu primeiro rei.
Havia muita expectativa do povo quanto ao reinado de um
soberano, já que todas as demais nações possuíam essa forma de
governo. No entanto, Saul decepcionou os israelitas, porque não era
fiel à lei de Moisés.
Saul teve uma morte trágica, durante uma batalha que travou
contra os filisteus. Primeiramente assistiu à morte de três filhos e,
posteriormente, temendo ser alcançado pelos flecheiros filisteus, pediu
a seu pajem que o matasse. Não sendo obedecido, suicidou-se,
lançando-se sobre uma espada (I Samuel, cap. 31). O mesmo ato foi
praticado, em seguida, pelo pajem. Todos os componentes do exército
comandado por Saul morreram naquele dia. O povo de Israel
abandonou sua cidade, fugindo para os campos, e os filisteus dela se
apossaram.
A guerra entre israelitas e filisteus já vinha de longo tempo e o
povo israelita vinha sempre levando a pior. Numa das batalhas, ocorrida
quando Samuel ainda era jovem, foram mortos quatro mil israelitas.
Noutra ocasião, os filisteus mataram trinta mil israelitas e se
apoderaram da Arca de Deus, um legado que remontava à época de
Moisés.
Essa Arca depois foi devolvida pelos filisteus aos israelitas, em
face de um fenômeno misterioso que aconteceu. Foi o seguinte: após
trazerem a Arca, o povo filisteu passou a ser vítima de uma doença
incurável à época (hemorróidas) e muitos morreram. Acreditando que
a doença provinha do fato de estarem de posse da arca, decidiram
devolvê-la aos seus donos, após sete meses. Tempos depois, eclodiu
novo conflito entre filisteus e israelitas, porém, desta vez, os judeus
foram vencedores, sob o comando de Samuel.
86

A partir desta vitória de Samuel, o povo teve um período de


sossego, até que, a pedido do povo, Samuel conclamou Saul como rei.
A guerra contra os filisteus continuou durante o reinado de Saul,
culminando com sua morte.
As desobediências de Saul foram várias, porém de gravidade
duvidosa. Numa delas — absurdamente a mais relevante — Samuel,
que era uma espécie de porta-voz espiritual de Saul, transmitiu a
seguinte ordem para ele:
"Assim diz o S E N H O R dos Exércitos: Eu me recordei do que
fez Amaleque a Israel; como se lhe opôs no caminho, quando subia
do Egito. Vai, pois, agora, e fere a Amaleque, e destrói totalmente
tudo o que tiver, e não lhe perdoe; porém matarás desde o homem
até à mulher, desde os meninos até aos de peito, desde os bois até as
ovelhas e desde os camelos até os jumentos" (1 Samuel 15:3).
Saul foi lá, combateu o povo, destruiu o que pôde, porém,
poupou a vida de Agague, rei de Amaleque. Por este ato de perdão,
foi tido por desobediente. Na seqüência, Samuel repreendeu Saul e
matou Agague friamente. A Bíblia relata assim:
"Então veio a palavra de Deus a Samuel, dizendo: "Arrependo-
me de haver posto a Saul como rei; porquanto deixou de me seguir e
não executou as minhas palavras" (1 Samuel 15:10 e 11).
E disse Samuel a Saul: "Por que, pois, não deste ouvidos à voz
do Senhor...? Então, disse Saul a Samuel: antes dei ouvidos à voz do
Senhor e caminhei no caminho pelo qual o Senhor me enviou; e trouxe
a Agague, rei de Amaleque, e os amalequitas destruí totalmente" (1
Samuel 15:19);
"Porém Samuel disse a Saul: Não tornarei contigo; porquanto
rejeitaste a palavra do Senhor. Já te rejeitou o Senhor, para que não
sejas rei sobre Israel" (1 Samuel 15:26).
Após a repreensão a Saul, Samuel mandou que trouxessem à
sua presença o prisioneiro, o rei Agague, e praticou o homicídio,
dizendo:
"Assim como a tua espada desfilhou as mulheres, assim ficará
desfilhada a tua mãe entre as mulheres. Então, Samuel despedaçou
87

Agague perante o S E N H O R , em Gilgal" (1 Samuel, 15-33).


"E o Espírito do Senhor se retirou de Saul e o assombrava um
Espírito mau, da parte do Senhor. Então, os criados de Saul disseram:
eis que agora um espírito mau, da parte do Senhor, te assombra" (1
Samuel 16-14 e 15).
"E sucedia que, quando o espírito mau, da parte de Deus,
vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa e a tocava; então Saul sentia
alívio e se achava melhor e o espírito mau se retirava dele" (1 Samuel
16-23).
Primeiro chamo sua atenção para o "arrependimento" de Deus.
Dá para acreditar numa coisa dessa? Deus se arrependendo de uma
escolha dEle, mal feita? Onde fica sua onisciência? Sua infalibilidade?
Quem erra e se arrepende do que faz, não pode ser Deus. Daí você já
deduz que a palavra que veio a Samuel não foi de Deus. Logo, tudo
que está relacionado com esse deus de Samuel é, no mínimo, discutível.
Segundo, peço que você veja que Samuel alertou Saul de que,
diante da sua desobediência, o Senhor já o havia rejeitado como Rei
de Israel. Ou seja, Deus não o queria mais como Rei. Logo, foi com
aquele ato (o perdão a Agague) que Saul perdeu o Reino.
Você prestou atenção nos dois últimos parágrafos acima. São
transcrições da Bíblia, onde está patente o fenômeno da obsessão.
Com um detalhe: o "Espírito mau" foi enviado da parte do Senhor.
Ao pé da letra, isto significa que Deus, o Senhor, tem lá sua legião de
Espíritos maus. Seria isso? Se Deus possui legião de Espíritos maus,
então, ele não é tão diferente do suposto Satanás.
Está vendo como os ensinos do Antigo Testamento são
conflitantes com os ensinos de Jesus, a respeito de Deus? Neste pequeno
exemplo você vê que Deus:
* recordou de um revés sofrido pelo povo de Israel e quis vingar-se;
* mandou destruir os amalequitas;
* não se conformou com o perdão de Saul para com Agague;
* arrependeu-se de haver posto a Saul como rei;
* rejeitou Saul como Rei de Israel, porque não cumpriu
totalmente a ordem de vingança que determinara;
88

* mandou um Espírito mau atormentar Saul.


Respeito os que pensam de forma contrária, mas, para mim,
esse não é Deus. É mais fácil ser o capeta. Deus, a infinita misericórdia,
jamais abrigaria sentimentos tão mesquinhos e inferiores. No
Evangelho, Jesus revela outra imagem de Deus, a quem Ele chama de
Pai, amoroso, justo e bom.
Antes de detalharmos a qual desobediência de Saul o articulista
se refere, já podemos perguntar: Quem teria condenado Saul por
desobediência? O deus de Samuel ou o Deus de Jesus?
Não quero, também, deixar despercebido um detalhe muito
importante e que, às vezes, numa leitura rápida, não nos damos conta.
Você viu o que Samuel fez com Agague? Recorde: "Assim como a tua
espada desfilhou as mulheres, assim ficará desfilhada a tua mãe entre
as mulheres. Então, Samuel despedaçou Agague perante o SENHOR,
em Gilgal" (1 Samuel, 15-33).
Temos aí Samuel, um homem que dizia receber a Palavra de
Deus, cometendo friamente um homicídio, com requintes de ironia e
crueldade.
É verdade que, em favor de Samuel, devemos trazer os
atenuantes daquele trágico ato, que consistem na sua lealdade às suas
crenças e na sua pouca condição espiritual de compreender Deus.
Samuel, como médium, se comunicava com um Espírito a quem
ele atribuía ser o próprio Deus. É um fenômeno obsessivo chamado
fascinação.
Basta esta realidade, para colocar por terra toda a argumentação
do articulista acerca da condenação de Saul. Já que Deus não se
comunicou com Samuel, nada do que ali se contém, relativamente à
morte do Rei Saul, partiu de Deus. Basta avaliar as qualidades morais
do Espírito que se comunicou com Samuel, para se concluir que não
era Deus. Poderíamos até parar por aqui nossa apreciação sobre o caso.
De qualquer forma, continuemos, tendo em vista que o exemplo
que Samuel deixou não merece ser seguido, apesar de estar escrito na
Bíblia Sagrada. É preferível que fiquemos com os exemplos deixados
por Jesus. Num destes exemplos, o Rabi da Galileia curou a orelha de
89

um soldado, que havia sido decepada por um de seus seguidores no


instante de sua prisão, exortando aquele discípulo a não cometer
violência contra os ofensores.
Após a morte de Samuel, viu-se Saul destituído do seu porta-
voz espiritual. E sucedeu, naqueles dias, que os filisteus, em grande
número, marcharam contra Saul. O relato bíblico diz o seguinte:
"E vendo Saul o arraial dos filisteus, temeu, e estremeceu muito
o seu coração. E perguntou Saul ao Senhor, porém o Senhor não
respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas. Então
disse Saul aos seus criados: Buscai-me uma mulher que tenha o espírito
de feiticeira, para que vá a ela e a consulte. E os seus criados lhe
disseram: Eis que em En-Dor há uma mulher que tem o espírito de
adivinhar. E Saul se disfarçou e vestiu outras vestes e foi ele, e com ele
dois homens, e de noite vieram à mulher" (1 Samuel 28:5 a 8).
Na seqüência, Saul consulta a mulher e obtém por meio dela
uma comunicação do espírito Samuel (que já havia morrido), que
transcrevo da Bíblia:
"Como tu não deste ouvidos à voz do Senhor e não executaste
o fervor da sua ira contra Amaleque, por isso o S E N H O R te fez
hoje isso. E o S E N H O R entregará também a Israel contigo na mão
dos filisteus, e amanhã tu e teus filhos estareis comigo; e o arraial de
Israel o S E N H O R entregará na mão dos filisteus" (1 Samuel 28:18 e
19).
Tal como previsto pelo espírito Samuel, aconteceu. E Saul
encerrou seus dias e suas "desobediências".
O articulista diz que "...e o espírita ao consultar os mortos está
inegavelmente desobedecendo o mandamento de Deus. Nos dias
antigos o Rei Saul perdeu o seu reino e a sua vida por causa deste
mesmo pecado, e os espíritas de hoje vão perder as suas almas, se não
deixarem esta prática abominável".
Está aí a história de Saul, para sua apreciação. Transcrevemos o
que de essencial está escrito na Bíblia sobre o assunto. Teria sido mesmo
por causa deste pecado — consultar os mortos — que Saul perdeu o
reino e a vida?
90

Em nenhum momento da Bíblia existe a conclusão passada


pelo articulista. Saul já procurou a mulher de En-Dor porque não era
ouvido por Deus ("porém o Senhor não respondeu, nem por sonhos,
nem por Urim, nem por profetas"). Foi o desespero de quem já está
condenado.
Tem sentido, dizer que Saul perdeu o seu reino e a sua vida
porque ele consultou os mortos? De onde o irmão articulista tirou
isso? Lamentavelmente, sua informação é absolutamente equivocada.
O reino, Saul havia perdido logo após o incidente com Agague, rei de
Amaleque, e isto lhe foi comunicado por Samuel:
"Porém Samuel disse a Saul: não tornarei contigo; porquanto
rejeitaste a palavra do Senhor. Já te rejeitou o Senhor, para que não
sejas rei sobre Israel" (1 Samuel 15:26).
Se é flagrantemente errônea a informação do articulista de que
o reino foi perdido por causa da consulta aos mortos, igualmente o é
no tocante a perder a vida.
Bem antes deste incidente da mulher, Saul já fora apontado
como desobediente e deserdado. Lembra que Deus, de tão revoltado
com Saul, mandou um Espírito mau para atormentá-lo? Recorda que
a ira de Deus foi porque Saul perdoou Agague? Recorda que Saul já
havia caído em desgraça, muito antes da consulta à mulher de En-
Dor?
Com relação à consulta feita aos mortos, não existe, no livro de
Samuel, nenhuma referência de que, por haver praticado aquele ato,
Saul teria sido condenado a perder a vida.
Pelo contrário, no instante da consulta foi que ele ouviu, do
Espírito Samuel, que iria padecer, no dia seguinte, em campo de
batalha. E ainda assim, o Espírito lhe disse que o abandono de Deus
era por causa do incidente com Agague e não por causa daquela
consulta.
"Como tu não deste ouvidos à voz do Senhor e não executaste
o fervor da sua ira contra Amaleque, por isso o S E N H O R te fez hoje
isso" (1 Samuel 28:18).
91

Está claro isso aí: a morre de Saul, naquelas circunstâncias —


segundo o entendimento do Espírito Samuel —, decorria do fato de
ele não haver executado o fervor da ira de Deus contra Amaleque.
Não tem nada a ver com a consulta aos mortos.
Outra coisa: diz a escritura que vendo o arraial dos Filisteus,
Saul temeu e estremeceu muito o seu coração. Ou seja, ele viu que o
adversário estava bem mais preparado para o embate. Ele temeu por
sua própria vida. Tanto assim que procurou o socorro divino, não
sendo atendido. Depois dessa recusa divina é que ele decidiu recorrer
à pitonisa de En-Dor.
Pergunto: Se Saul não tivesse procurado a pitonisa de En-Dor,
teria mudado a seqüência das coisas? Duvido muito. Seu temor diante
do exército filisteu já diz tudo.
Diante do exército adversário, Saul temeu e estremeceu muito
o seu coração. Isto chama-se pressentimento negativo, a sensação de
que algo grave está para acontecer. Saul percebeu que estava derrotado,
que não teria como enfrentar o inimigo. Pressentiu que seria o seu
fim. Um dia depois ele foi morto. Com pitonisa ou sem pitonisa esse
desfecho ocorreria.
O articulista partiu de um fato verdadeiro (a consulta feita aos
mortos), para uma conclusão falsa (a perda do reino e a morte em
decorrência desta consulta).
"Apelação"? Desinformação? Desconhecimento? Ingenuidade?
Propósito de confundir? Maldade? Não sei. Nosso pedido é para que
você, raciocinando, julgue.
Agora, uma coisa eu consigo enxergar: a pitonisa acertou na
mosca! Revelou detalhes que só Saul sabia, como a inconformação de
deus (?) porque ele perdoou o rei de Amaleque; previu a sua morte
para o dia seguinte e a tomada do arraial de Israel pelos filisteus.
Considerando a fidedignidade das informações transmitidas
pelo Espírito Samuel, através da pitonisa (médium), concluo que
aquela comunicação espiritual foi de boa qualidade e, portanto,
procedente.
92
Pontos a Recordar:
1. O foco da pregação de Isaías era manter a imagem do Deus
Único, do qual o povo judeu não devia se distanciar e, sendo assim,
repetia as mesmas exortações dos livros de Moisés, com ênfase para o
combate à idolatria e ao politeísmo.
2. O sacrifício de animais, para remição dos pecados, tornou-
se abominável a Deus, segundo Isaías. O novo concerto, firmado com
Jesus, estabeleceu nova regra para aquela finalidade. Considerando
que entre Isaías e Jesus decorreram 700 anos, o povo teria ficado longo
tempo sem ter meios para a salvação.
3. A Bíblia não contém, em sua totalidade, a palavra de Deus.
Ali está, também, muita palavra do homem, e, como tal, suscetível
de mudança, de erro, de engano. E é preciso separar o joio do trigo,
como advertiu Jesus.
4. Não basta ler a Bíblia, é preciso estudar. E quem a estuda,
raciocina.
5. Muitas pessoas que não conhecem o Espiritismo, nem o
desejam, são induzidas a isto pelo medo, fruto de idéias preconcebidas
e/ou maldosas.
6. Entre os antigos a profecia (mediunidade) era um dom
reconhecido. Os que seguiam à Lei eram aceitos como profetas sinceros.
Os demais eram falsos profetas.
7. Os adivinhos recorriam às práticas idólatras e politeístas, razão
da censura de Isaías, que recomendava apenas a consulta a Deus através
dos profetas que obedeciam à Lei.
8. Só a maldade ou a desinformação podem servir de pretexto
para que se vincule o Espiritismo às práticas de adivinhação e de
feitiçarias do passado.
9. Não procede a afirmação de que o Rei Saul perdeu seu reino
e sua vida porque consultou os mortos. A perda do reino e sua morte
decorreram do fato de haver perdoado o rei Agague, contrariando o
desejo de deus (?), que queria vingança.
93

10. O Deus que teria condenado Saul, desejou vingança,


mandou destruir os amalequitas; não se conformou com o perdão de
Saul para com Agague; mandou um espírito mau atormentar Saul.
Esse não é o Deus de Jesus.
11. Samuel, como médium, se comunicava com um Espírito a
quem ele atribuía ser o próprio Deus. Basta esta realidade, para colocar
por terra toda a argumentação do articulista acerca da condenação de
Saul, como se tivesse partido de Deus.
12. Sendo falsa a informação a respeito do Rei Saul, todas as
conclusões nela baseadas são infundadas.
94

V. A PESSOA DE CRISTO

O opúsculo protestante que estamos comentando, diz:

"Deus se manifestou em carne" (I Timóteo, cap. 3);


"Ferido pelas nossas transgressões e quebrantado pelas
nossas iniquidades" (fonte não citada);
"Olhai para as minhas mãos e pés, porque sou Eu mesmo;
apalpai e vede que um espírito não tem carne nem ossos como
vedes que eu tenho"
(Lucas, cap. 24).

A primeira das citações acima consta de uma epístola que Paulo


dirigiu a Timóteo, 65 anos depois de Cristo; A época, Paulo já estava
em idade avançada e Timóteo era ainda jovem. Na carta, o apóstolo
faz comentários acerca da doutrina nascente, das qualidades morais
do verdadeiro missionário, e outros assuntos assemelhados, buscando
estimular o moço a manter-se fiel ao Cristo, combatendo os falsos
conceitos que já estavam sendo misturados aos ensinos de Jesus. O
articulista retirou uma frase do meio do versículo e ainda, por cima,
distorceu o que está escrito. Para entendimento, veja o versículo
completo como está na Bíblia:
"E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Aquele
que se manifestou em carne foi justificado em espírito, visto dos anjos,
pregado aos gentios, crido no mundo e recebido acima, na glória" (1
Timóteo, 3:16).
Segundo o relato bíblico acima transcrito, quem se manifestou
em carne: Deus ou Jesus? Foi Jesus. Quem é que foi recebido acima,
na glória? Também Jesus. E quem recebeu? Deus.
O articulista, no entanto, escreveu da seguinte maneira: A Bíblia
diz que em Cristo "Deus se manifestou em carne". Veja que,
engenhosamente, ele trocou Jesus por Deus. Essa confusão é proposital.
95

Eles fazem isso com freqüência, para conferir um caráter de maior


santidade a Jesus, quando o Cristo não precisa disso, pois Ele já é
grande e santo por Si mesmo.
Jesus não é Deus. Logo, Deus não veio em carne. Jesus é filho
de Deus, como nós também o somos. A diferença entre nós e Ele está
no grau de evolução. Jesus é um espírito perfeito! Nós somos Espíritos
caminhando em busca da perfeição.
Deus é Deus. Jesus é Jesus. Uma coisa é uma coisa, outra coisa
é outra coisa, como se diz no jargão popular. E o Mestre, prevendo
essa confusão, fez questão de dizer, mostrar, ensinar e repetir que Ele
não era Deus. Vejam alguns depoimentos do Cristo. As partes em
negrito ou grifadas são para você raciocinar em cima delas:
"Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos
Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus"
(Mateus 7:21);
"Vou para o Pai, porque o Pai é maior do que eu" (João 14:28);
"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem (Lucas 23:34);
"Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (Lucas 23:46);
"Pai nosso que estás nos céus...venha a nós o vosso reino"
(Mateus 6: 9 e 10).
Jesus, a maior essência espiritual após Deus, por suas palavras e
atos, revelou-nos toda a expressão da bondade, da justiça e do amor
de Deus.
Mas Jesus sempre foi e é Jesus, com individualidade própria,
criado por Deus e detentor da sublime missão de ser o Guia Espiritual
da humanidade terrena. Esta missão do Cristo foi por ele revelada em
sua passagem terrena, em várias ocasiões, com clara menção ao fato
de ter sido a mesma atribuída a Ele por Deus.
Como condutor das almas, assumiu o corpo de homem,
nascendo no mundo físico, numa época de maior barbárie que a atual,
com o fim essencial de deixar junto a nós o Evangelho, que é o código
moral da vida, de valor universal, que haverá de nos conduzir a Deus.
O sofrimento da cruz decorreu da fraqueza dos homens da
época, cuja evolução espiritual ainda era pequena para compreender
96

o alcance de conceitos como perdão, paz, bem, união, fraternidade,


renúncia, abnegação, adoração a Deus e tudo aquilo que decorre do
amor.
N ã o foi o ato de sua morte na cruz que gerou como
conseqüência o perdão de nossos pecados. O Evangelho que Ele deixou,
este sim, é que gerará, como conseqüência de sua aplicabilidade na
nossa vida, a superação de todas as imperfeições que ainda conduzimos.
Após a crucificação do Cristo, seus apóstolos tiveram um papel
extremamente relevante, qual seja o de perpetuar o Evangelho. E, para
isto, precisavam, antes de tudo, fazer com que o nome de Jesus fosse
considerado, respeitado e venerado. Sem essa exaltação do nome do
Cristo, teria sido muito difícil divulgar seus ensinos. A obra era
importante, mas o seu autor ainda mais. Ou seja, Jesus tinha que ser
exaltado mais de que o Evangelho.
Daí porque os apóstolos pregavam dizendo: "Crê no Senhor
Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa" (Atos 16:31). Imagine se eles
dissessem: "Crê no Evangelho...". O povo não sabia o que era o
"Evangelho". Sabiam quem tinha sido Jesus. O nome Jesus trazia à
lembrança do povo as curas e todos os atos extraordinariamente
milagrosos que o Cristo praticara. O nome "Evangelho" não trazia
nada à lembrança.
Imagine, agora, se eles pregassem dizendo: "Cumpra o que está
no Evangelho e serás salvo, tu e a tua casa". Alguém aceitaria esta
pregação? Hoje já se pode falar assim, porque o Evangelho está aí, já
sabemos o que significa. Na época do Cristianismo primitivo não era
desse jeito.
O povo para crer na Boa Nova precisava de uma referência.
Um ponto de apoio concreto, tangível. O nome Jesus era o único
referencial passível de ser evocado, para amparar a pregação inicial.
Para mostrar que a Boa Nova era redentora, impunha-se o nome de
Jesus, porque este nome despertava a lembrança do seu poder,
externado nos seus atos e na sua morte na cruz.
Os Evangelhos somente foram escritos a partir do ano 60 depois
de Cristo. As mensagens do Mestre eram transmitidas boca a boca.
97
Somente os convertidos usavam, entre si, a expressão "Evangelho",
porque compreendiam seu alcance.
Hoje é fácil falar no nome de Jesus com respeito e veneração.
Nos tempos do Cristianismo primitivo a coisa era diferente. Ele não
tinha credibilidade, tanto assim que o condenaram à cruz. A multidão
que muitas vezes o seguia e se beneficiava, não captava a mensagem
espiritual que estava por trás daqueles atos. Suas curas eram tidas por
muitos como prodígio, e mais nada. Era uma época de muito
misticismo, e de muita ignorância espiritual.
E já que hoje os tempos são outros, não se pode tomar "ao pé
da letra" o que os apóstolos diziam. Há que se entender o sentido do
ensinamento. Aquilo tinha sua razão de ser para aquela época. Não
existia outra maneira de pregar o Cristianismo, a não ser através da
exaltação do nome de Jesus. Hoje, sabemos que "crer no Senhor Jesus
como nosso salvador" é fazer aquilo que ele exemplificou e que pode
ser resumido numa palavra: a caridade.
Todos os fatos produzidos por Jesus, que ganharam maior
notoriedade após sua morte; a lembrança da sua pessoa humilde, porém
enérgica e sábia; as curas que realizou e os fenômenos espirituais que
marcaram a sua morte na cruz, deixaram para as pessoas o
entendimento de que Jesus era um Deus, e os apóstolos ao evocar o
nome do Mestre, vinculavam-No necessariamente a Deus. Porém,
com isto, não pretenderam dizer que Jesus fosse o próprio Deus. Assim,
é fácil entender que quem veio ao mundo foi Jesus e não Deus.
Podemos concluir afirmando que é falsa a alegação do articulista
de que: A Bíblia diz que em Cristo "Deus se manifestou em carne",
considerando que:
• A Bíblia não diz isso;
• ele adulterou o ensino bíblico mencionado (1 Timóteo,
3:16), retirando um fragmento do que contém o versículo e dándo-
t e outro sentido;
• quem se manifestou em carne, ou seja, quem veio ao
mundo, foi Jesus;
• Deus se manifesta aos homens através de toda a sua obra.
98

Não precisa vestir uma forma humana para isto. Basta olhar o céu
estrelado! Ou a semente que brota. Ou o fruto saboroso. Ou o encanto
de uma linda flor.
O segundo ensino bíblico mencionado no início deste capítulo,
a respeito da P E S S O A DE C R I S T O , foi retirado do Antigo
Testamento. O articulista, em seu trabalho, não citou a fonte e,
novamente, citou apenas um trecho do versículo. Fazer citação bíblica
e não citar a fonte é perdoável, porém, deixá-la pela metade, não faz
parte da boa prática evangélica. Para seu exame, informo que é Isaías
capítulo 53, versículo 5 e está assim redigido:
"Mas ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas
nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e,
pelas suas pisaduras, fomos sarados" (Isaías 53:5).
No início do capítulo IV já tivemos oportunidade de falar a
respeito do livro de Isaías, escrito há 700 anos do nascimento de Cristo.
Isaías foi quem mais profetizou a respeito de Jesus.
O trecho utilizado pelo articulista diz respeito à previsão bíblica
do sofrimento e morte de Jesus na Cruz. Foi uma profecia, feita sete
séculos antes e que se confirmou. O fato em si dá validade ao fenômeno
mediúnico. A visão de Isaías decorreu de seu contato com o Plano
Espiritual. Foram seus superiores espirituais que lhe proporcionaram
a visão, com a finalidade de preparar o povo judeu para a vinda de
Jesus.
É importante observar que Isaías não determinou a data em
que o Messias viria. A Espiritualidade Superior, ao anunciar fatos
premonitórios, raramente estabelece a data em que ocorrerão. E esse
ponto serve até como recurso para diferenciar se uma comunicação é
de boa qualidade ou não, visto que os Espíritos inferiores fixam datas
e se divertem com a confiança que atribuímos às suas leviandades.
Raciocinando em cima do tempo decorrido de Isaías até Jesus,
podemos concluir que muitas gerações se sucederam, sem que a visão
profética se confirmasse. E havia grande expectativa em torno da vinda
desse Salvador. Vem aí o Messias.... e nada! Setecentos anos não são
brincadeira.
99

A grande antecipação com que a vinda de Cristo foi anunciada


demonstra para nós que a missão de Jesus foi precedida de um extenso
e demorado planejamento. Aguardou-se, na Espiritualidade, o
momento propício para a efetivação do evento, que dependia de
avanços morais daquele povo.
Se Jesus tivesse sido contemporâneo de Isaías, por exemplo, o
seu fim teria sido mais perverso que a cruz, e a perpetuação do
Evangelho estaria comprometida. Faltava ao povo amadurecimento
espiritual que possibilitasse, ao menos, a preservação dos ensinos.
A tradução da Bíblia apresenta algumas variações, dependendo
do tradutor e dos editores. Na que estou examinando nesse instante
(Bíblia de Estudo Pentecostal) não existe a palavra quebrantado, mas
sim moído. Não há mudança de sentido, porque são palavras
sinônimas. Quebrantado significa debilitado, abatido, extenuado.
O articulista deixou de citar o final do versículo, porque lá,
como veremos, existe um ensinamento espiritual de grande valor,
somente entendido à luz da Doutrina Espírita. Ele trouxe à luz apenas
a frase inicial do versículo e deu-lhe um arranjo verbal que a deixou
bonita de ser pronunciada. Veja como ficou pomposa a frase:
"Ferido pelas nossas transgressões e quebrantado pelas nossas
iniquidades". Ficou chique, não ficou?
Imagine você dizendo isso num palco de auditório, com
impostação de voz, como fazem os "pregadores profissionais". O termo
"quebrantado" dá uma força e beleza ao texto, que é de arrepiar. Mas,
sabe o que é isso? frase de efeito! O arranjo verbal é só para maquiar,
embelezar, seduzir.
Na verdade, na verdade, se você trocar em miúdos, verá que
"ferido pelas nossas transgressões" é o mesmo que "quebrantado pelas
nossas iniquidades". É a mesma coisa dita duas vezes, numa mesma
frase, só para impressionar.
Mas isso não tem valia para o que estamos estudando aqui.
Importa ver a validade do texto. A pretensão do articulista é de, por
meio dessas frases de efeito, levar o incauto leitor a concluir junto
com ele que o Espiritismo não é de Deus, mas do Anticristo.
100

O Espiritismo não tem nada contra aquela profecia de Isaías.


Afirmamos que ela se referia aos fatos que haveriam de vir, setecentos
anos depois, e que desencadeariam a morte de Jesus. Tudo se
confirmou. Corroboramos o entendimento de que Jesus foi ferido
por nossas transgressões.
Vê-se claramente que faltou ao irmão articulista algo mais lógico
e racional para embasar seu ponto de vista e, na falta desse instrumento,
ele se valeu de uma frase de efeito que, como o próprio nome diz, se
destina apenas a produzir "efeito" psicológico, notadamente quando
dirigida a mentes despreparadas e preconceituosas.
Como reforço, assumimos como "nossas transgressões", porque
sabemos, graças à Revelação Espírita, que muitos de nós — hoje
reencarnados e já exibindo maior bagagem moral -, estivemos ali, juntos
com a multidão que gritou Barrabás, e condenamos o Mestre à cruz.
Não tem novidade esse texto.
Agora, valer-se dessa declaração de Isaías, para concluir que o
Espiritismo seja do Anticristo é, no mínimo, subestimar nossa
capacidade de raciocínio.
Dizer que Jesus foi ferido por nossas transgressões é, no fundo,
pregar a reencarnação. Senão, vejamos: quando eu me refiro a nossas
transgressões, estou incluindo a minha transgressão, a sua, a de nossos
amigos, a de todas as pessoas que compõem a humanidade.
Se Jesus foi ferido pela minha transgressão, das duas uma: ou
eu havia transgredido antes dEle nascer, ou já estava determinado na
Lei que quando um dia eu nascesse fatalmente transgrediria.
No primeiro caso, Jesus pagou por uma transgressão já
acontecida. Aí, se transgredi no passado e hoje estou aqui é porque
nasci de novo (reencarnei). No segundo, pagou por uma transgressão
ainda por acontecer.
É inaceitável que Jesus tenha pago antecipadamente. Se isto
tivesse acontecido, ao nascer eu estaria obrigado a transgredir, até
para justificar o sofrimento já suportado por Ele. Já pensou se eu
nascesse e não cometesse nenhuma transgressão? O pedacinho de dor
que ele suportou em meu benefício teria sido em vão.
101

Há a possibilidade de eu vir e não transgredir? Não, porque


sou um Espírito imperfeito. Numa nova existência posso vir melhor,
errar menos, mas o erro só será banido de meu ser quando eu me
tornar Espírito puro. Agora, o fato de eu errar, não tem correlação
com o sofrimento dEle na cruz, porque meu erro decorre da minha
inferioridade espiritual.
Olha, vou dizer aqui uma verdade, revelada pelos Espíritos:
antes de Jesus vir ao mundo, nós, hoje reencarnados, já tínhamos
vivido na Terra, noutros corpos e em condições de muito maior
inferioridade do que hoje, cometendo toda sorte de erros e maldades.
Antes da vinda de Jesus, já acumulávamos transgressões às leis de Deus.
Foi para nos libertar do ciclo do erro e da maldade que Jesus
esteve aqui e nos legou o seu Evangelho redentor. É nesse sentido que
devemos entender o "ferido por nossas transgressões e moído por nossas
iniquidades", citado pelo profeta.
O versículo de Isaías tem duas partes bem distintas. A primeira
foi essa que se transformou em bombástica frase de efeito. A segunda
parte é diferente, ela tem um alcance espiritual muito profundo. Veja:
...o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e, pelas suas pisaduras,
fomos sarados". Essa foi a frase que o articulista omitiu. O versículo
se completa com ela.
E aí? o que pretendeu revelar Isaías ao dizer que o castigo que
nos traz a paz estava sobre ele? As palavras salientes da frase são "castigo"
e "paz". O castigo trazendo a paz. Que castigo seria esse que traria a
paz?
Jesus, num de seus sermões disse: "Não cuideis que vim trazer
a paz. à terra; não vim trazer a paz, mas a espada" (Mateus 10:34).
Interpretando ao pé da letra, parece um contra-senso. Ele, o mensageiro
da paz, dizendo que não veio trazê-la. Essa declaração de Jesus guarda
inteira harmonia com a profecia de Isaías e ambas têm o mesmo
sentido, senão vejamos:
Aquele ensino do Mestre expressa a Justiça de Deus. Todos que
aqui nos encontramos somos Espíritos endividados perante a Lei de
Deus, em decorrência de delitos praticados em existências anteriores,
102

ou Espíritos necessitados de novas experiências na carne, para conquista


de novas virtudes e saber.
Ao nascer, recebemos um corpo material, que é apropriado às
nossas necessidades evolutivas. Somos trazidos para o ambiente sócio-
familiar com o qual temos vínculos do passado, com uma missão pre-
definida, tal como: resgate de dívida do passado; auxílio aos seres que
amamos; realização de um ideal nobre; aquisição de determinada
virtude, por meio de provação voluntariamente solicitada; etc.
Para a formação do corpo carnal impulsionamos,
psiquicamente, o gameta masculino que haverá de fecundar o óvulo
materno, escolhendo, entre milhões deles, aquele que contêm as
informações genéticas condizentes com nossas carências evolutivas.
Desse modo, ao final da gestação materna, resulta formado o corpo
do qual precisamos para aquela nova etapa, produzido de conformidade
com nosso merecimento e nossa necessidade evolutiva (sadio ou
doente, forte ou fraco, de homem ou de mulher, feio ou bonito, perfeito
ou defeituoso etc).
De modo mais simplificado, costumamos dizer que nascemos
para: expiação, provação ou missão, sendo:
• expiação: resgate, por meio da dor, de erros cometidos
noutras existências (grandes sofrimentos, enfermidades congênitas não
desejadas pelo Espírito, tragédias que nos afligem, desencarnes
dolorosos, perdas de bens ou de pessoas muito amadas, desafetos no
lar etc).
• provação: provas voluntariamente solicitadas pelo
Espírito que, se bem suportadas, resultarão em seu progresso espiritual.
Sofrimentos, dificuldades, transtornos, contrariedades, problemas,
aflições, enfermidades (inclusive congênitas), ofensas, etc, que nos
trazem a conquista de virtudes tais como a paciência, a resignação, a
perseverança, a fé, a humildade, o perdão etc.
• missão: realização de qualquer tarefa, de pequena ou
grande relevância, inserida no nosso programa de aprendizado e
capacitação espiritual. Trabalho profissional, família, filhos, estudo,
lideranças e t c , que objetivam o bem pessoal, familiar e/ou da
coletividade.
103

A Terra, no dizer dos Espíritos, é um mundo de provas e


expiações. O que caracteriza um planeta desta categoria é a
predominancia do mal. Os Espíritos que o habitam são, em sua
maioria, dotados de inferioridade espiritual, situação que os conduz à
prática de crimes, vícios, furtos, roubos, sexo indisciplinado, apego
aos bens materiais, e tudo aquilo que for contrário à lei de amor ao
próximo, tal como injúria, abandono, vingança, ganância, traição etc.
Viver num mundo de expiações e provas implica conviver com
toda sorte de maldade e de vicissitudes, exposto a agressões e ofensas
de toda parte. Em meio a todo esse quadro, é nosso dever exercitar as
virtudes, dentre elas o perdão, a caridade, a tolerância, a compreensão,
o bem como revide ao mal etc. Dizem os Espíritos que, somente agindo
assim, estaremos ressarcindo nossos erros do passado e habilitándo-
nos à conquista do Reino de Deus.
A salvação se obtém por meio da reparação das dívidas e da
conquista de novos conhecimentos e virtudes. Nessa ordem: resgatar,
aprender e amar.
É fácil perdoar? Revidar o mal com o bem? Tolerar? Resignar-
se com a dor e o sofrimento? Aguardar pela justiça divina, não
exercendo a justiça pelas próprias mãos? Não, é a resposta para todas
as questões acima.
No entanto, todo o Evangelho de Jesus está baseado nisso aí.
Seus ensinamentos são no sentido de que perdoemos o próximo; demos
as mãos uns aos outros; e suportemos com fé as provas e expiações de
nossas vidas, adquirindo virtudes, sem as quais não nos libertaremos
dessa faixa de inferioridade em que vivemos.
Ser cristão, crer em Jesus, aceitá-lo como Salvador, implica
assimilarmos esses conhecimentos e trazê-los para a nossa vida. Mesmo
sofrendo diante da maldade do mundo, cumpre-nos perseverar em
Cristo, fazendo todo o bem que esteja ao nosso alcance, posto que as
provas e expiações superadas com resignação, constituem o castigo
que nos trará a paz.
104

Vou repetir, para sua reflexão: as provas e expiações superadas


com resignação, constituem o castigo que nos trará a paz.
"Pelas suas pisaduras fomos sarados", tem o mesmo sentido de
"o castigo que nos traz a paz estava sobre ele". Pisadura é a mesma
coisa que castigo; e sarados tem o mesmo sentido de paz. É a mesma
coisa, dita duas vezes, numa mesma frase.
Jesus, como Espírito Puro que é, foi escolhido por Deus para
ser o Guia Espiritual de toda a humanidade. Daí a razão dEle afirmar
que é o Caminho, Verdade e Vida para Deus. A Ele compete zelar
pelos nossos destinos e pela aplicação da Lei de Deus, concedendo-
nos, aqui e no Mundo Espiritual, de conformidade com os nossos
merecimentos, as nossas obras.
Todo o planejamento espiritual relacionado com o Planeta Terra,
e tudo o que aqui acontece, seja de ordem material ou espiritual, passa
necessariamente pelo julgamento do Cristo. É nesse sentido que somos
ovelhas de seu rebanho. Sendo esta a missão de Jesus, sendo Sua a
responsabilidade pelo crescimento espiritual do homem, é fácil
entender porque Isaías, em sua profecia, declarou: "o castigo que nos
traz a paz estava sobre ele".
A fé e a aceitação de Jesus como Salvador é, na visão dos irmãos
protestantes, o suficiente para você quitar seus pecados e ganhar o
Reino de Deus. Para nós, isso não basta. É parte do processo, mas não
basta.
Há que existir, na seqüência, a reparação dos males que
impusemos aos outros. Há que se aplicar a Justiça Divina. Eu não
posso ser salvo, se carrego em minha bagagem espiritual pecados que
não resgatei. Em outras palavras, eu não posso ser salvo, cheio de
pecados. A salvação pressupõe que eu esteja quite com a Lei.
Quem pensa na vida, pergunta: Deus, qual a saída para os
pecados que levamos ao morrer? A resposta: Nascer de novo. A
reencarnação é lei de Deus, é caminho que eu, você, todos nós
partilhamos, porque somos Espíritos em evolução para Deus, e só
chegaremos lá quando estivermos isentos de pecados e perfeitos nas
virtudes.
105

Examinemos, agora, o terceiro dos trechos bíblicos utilizado


pelo articulista, ao comentar sobre A PESSOA DE CRISTO. Ei-lo:
"Olhai para as minhas mãos e pés, porque sou Eu mesmo;
apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos como vós
vedes que eu tenho" (Lucas 24-39).
Isto se passou após a crucificação. Foi numa das aparições de
Jesus aos seus apóstolos, em Jerusalém. Vou transcrever todo o texto
para que possamos examiná-lo em sua integridade:
"E falando eles dessas coisas, o mesmo Jesus se apresentou no
meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco.
E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum
espírito.
E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem
tais pensamentos ao vosso coração?
Olhai para as minhas mãos e os meus pés, porque sou eu
mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos,
como vedes que eu tenho.
E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés.
E, não o crendo eles ainda por causa da alegria e estando
maravilhados, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que comer?
Então, eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado e um
favo de mel, o que ele tomou e comeu diante deles.
E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda
convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito
na Lei de Moisés, e nos Profetas e nos Salmos.
Então, abriu-lhes o entendimento para compreenderem as
Escrituras.
E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo
padecesse e, ao terceiro dia, ressuscitasse dos mortos;
E, em seu nome, se pregasse o arrependimento e a remição dos
pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém.
E dessas coisas sois vós testemunhas.
E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém,
na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder".
106

(Lucas cap. 24, versículos 36 a 49).


O trecho que foi transcrito pelo articulista aparece aí no meio
da narrativa. Serviu de pretexto para que ele afirmasse que "Os espíritas
contudo, dizem que Cristo não veio em carne, nem ressuscitou em
carne, mas só em espírito, ou em "espírito materializado".
Estranho que o articulista tenha utilizado o argumento contra
nós, quando, na verdade, eles mesmos pregam que Jesus não veio em
carne.
A pregação bíblica dos irmãos protestantes está apegada à letra
e não ao espírito (essência) das coisas. Assim sendo, eles defendem
que a concepção do corpo de Jesus decorreu de meios sobrenaturais
(fecundação por obra do Espírito Santo), o que, se verdadeiro, resultaria
num corpo de qualquer coisa, menos de carne e osso. Para que Jesus
tivesse um corpo legitimamente de carne, teria que ser concebido
como resultado da união de José com Maria. Isso eles não admitem.
Absurdo é admitir que o Espírito Santo possua espermatozóide,
capaz de fecundar um óvulo e gerar um corpo de carne e osso. Com
um detalhe nada recomendável para um Espírito Santo: Maria já era
casada. O erro de nossos irmãos é, também neste ponto, interpretarem
tudo ao pé da letra, sem se aperceberem do elevado sentido espiritual
que levou os apóstolos a recorrerem àquela simbologia, que teve o fim
único de expressar o grau de santidade e pureza do Cristo.
Se o escrito contido no versículo de Lucas, acima citado —
"Olhai para as minhas mãos e pés..." — tivesse que ser aplicado contra
alguma Doutrina, seria a dos protestantes a primeira a ser atingida.
São eles que conferem para o Cristo um corpo de "outra natureza"
que não a humana. Para ser de carne e osso, repito, teria que ser
formado pelos processos naturais de fecundação (espermatozóide +
óvulo).
Disse que a pregação protestante está apegada à letra e não ao
espírito (essência) e explico: eles relutam em ver, por exemplo, que o
nascimento de Cristo, na forma em que descrita pelos evangelistas
(concebido por obra do Espírito Santo), tem um sentido alegórico,
que simboliza todo o planejamento que foi feito no Mundo Espiritual
107

para o nascimento do Mestre entre os homens, e que envolveu a


participação da plêiade de Espíritos Superiores (Espirito Santo),
diretamente subordinada ao Cristo.
Deixam de aplicar, para o entendimento daquela simbologia, a
advertencia do apóstolo Paulo, que assim se expressou:
"Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa,
como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus, o qual
nos fez também capazes de ser ministros dum Novo Testamento, não
da letra, mas do Espirito; porque a letra mata, e o Espirito vivifica" (2
Corintios cap.3, vers. 5 e 6).
Os espíritas estão robustamente amparados na Bíblia ao dizer
que: "...Cristo não ressuscitou em carne, mas só em Espírito". É naquele
Livro de Deus que lemos o escrito abaixo, de autoria de Paulo, na
epístola que escreveu à Igreja de Corinto (1 Coríntios, cap. 15 vers.
35, 36, 40, 44 e 50).
"Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que
corpo virão?"
"Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não
morrer."
"E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos
celestes, e outra, a dos terrestres."
"Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual. Se há
corpo animal, há também corpo espiritual."
"E, agora, digo isto, irmãos: que carne e sangue não podem
herdar o Reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção."
É tão clara a afirmação do apóstolo sobre a ressurreição em
Espírito, que corpo de carne não pode entrar no Reino de Deus, que
não faremos comentários sobre o assunto.
É oportuno relembrar que 700 anos antes do nascimento do
Cristo, Isaías profetizou a vinda desse Messias; outros profetas fizeram
o mesmo. As profecias acerca do Mestre aconteceram na época em
que o Plano Maior já "concebia" este evento. Foi lá, no Mundo
Espiritual, que se deu a ação do Espírito Santo (conjunto de Espíritos
Superiores), sob a direção do próprio Cristo, na elaboração desse plano.
108

Conceber é planejar, idealizar, programar. Uma encarnação


como a de Jesus não poderia acontecer sem que antes se estabelecesse
um amplo e completo Plano de Ação, onde tudo estivesse previsto e
determinado.
A existência desse planejamento está provada pelas profecias,
que nada mais foram de que a anunciação antecipada aos homens de
parte do programa que seria cumprido pelo Cristo, inclusive a sua
morte na cruz. Tudo estava devidamente acertado e planejado, e esse
plano não foi elaborado da noite para o dia.
Hoje sabemos, por exemplo, que uma multidão de Espíritos se
candidatou para auxiliar o Cristo em sua estadia terrena, assumindo
papéis diferenciados, muitos deles se oferecendo para sacrifícios que
fatalmente ocorreriam.
Dentre os escolhidos para serem contemporâneos do Mestre,
estavam aqueles que, não tendo dívidas para resgatar (expiação),
pediram para ser experimentados pelas enfermidades, a título de
provação, sabedores de que, no momento certo, ao contato com Jesus,
suas doenças cessariam. E estes eram a extraordinária maioria. Seus
méritos consistiriam na conquista de virtudes como a humildade e a
resignação, que se converteriam em glórias espirituais ao final de suas
existências terrenas.
Alguns Espíritos, em minoria, sujeitos à expiação de faltas menos
grave, também foram acolhidos para aqui nascerem enfermos e serem
curados por Jesus. A cura destes sofredores se daria quando o tempo
de sofrimento justificasse o final da reparação.
No Plano de Ação que foi montado para permitir a semeadura
do Evangelho entre os homens, constava a necessária realização das
curas e dos milagres, sem os quais os encarnados da época não
valorizariam as palavras do Mestre. Teria sido em vão toda a pregação
evangélica, se ela não viesse precedida por "fatos" materialmente
comprovados, que atestassem, para os judeus, o poder dAquele que
os produzia.
As curas e os milagres de Jesus foram tão necessários para
despertar o povo e mostrar-lhes que Ele era o Condutor dos Homens
109

para Deus, que, em certa ocasião, o Mestre apelou para suas obras,
para que n'Ele acreditássemos: Disse Jesus:
"Se não faço as obras de meu Pai não me acreditais. Mas, se as
faço, e não credes em mim, crede nas obras, para que conheçais e
acrediteis que o Pai está em mim, e eu, nEle" (João 10:37 e 38).
Perceba que Jesus chegou a lançar mão desse argumento. Crede
nas obras...! Ou seja, Ele antes de vir sabia que apenas sua "palavra"
não seria bastante. Houve necessidade de se programarem as curas,
para que houvesse um mínimo de atenção ao que Ele fazia e pregava.
Para que as obras ocorressem, o Plano Espiritual escolheu, dentre
a multidão de candidatos, aqueles que melhor se prestavam para
contribuir com o Mestre no cumprimento de sua missão. Foi assim
que muitos aqui nasceram portando enfermidades diversas ou as
adquiriram em certo período da vida, para serem curados pelo Cristo.
Muitos em provação, outros em expiação. Tudo devidamente planejado
e acertado, sem nenhuma possibilidade de erro.
As curas que Jesus realizou traziam, portanto, o carimbo do
"merecimento" dos espíritos beneficiados. Merecimento porque eram
enfermidades decorrentes de provações voluntárias ou fim de reparação
de erros.
O Mestre não curou a todos que O procuraram, mas somente
aqueles que reencarnaram com esse objetivo, e que não foram poucos.
Eis aí a razão pela qual ao realizar grande parte de suas curas, Jesus
declarava "Tua fé te salvou" (Lucas 8:48, por exemplo).
Atendeu-se, assim, à necessidade da época de "ver para crer" e
não houve derrogação das Leis de Deus. Nenhum devedor, não remido
do erro, pôde ser curado, posto que, no próprio dizer de Jesus: "todo
aquele que comete pecado, é escravo do pecado" (João 8:34).
Da narrativa de Lucas, inteiramente transcrita acima, você
percebe uma coisa: ninguém tocou Jesus, apesar dEle ter dito que
"...tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como
vedes que eu tenho". O respeito tributado ao Mestre era tão grande,
como Ele de fato merecia, que bastaram suas palavras para que os
discípulos se envergonhassem de estar desacreditando do seu
"ressurgimento".
110

Não tocaram. Ninguém foi lá afagar-lhe o corpo, testar se aquele


aparecimento ali era no corpo de antes. Ao convidá-los para tocar em
seu corpo Jesus sabia, de antemão, que nenhum deles se atreveria a
fazer isto. Era necessário que eles tivessem a impressão de que o retorno
se dava no mesmo corpo.
Notem que Jesus diz: "... um espírito não tem carne e ossos,
como vedes que eu tenho". "Vedes" é do verbo ver. Ficou nisso: os
apóstolos apenas viram.
Que fique bem claro uma coisa: o propósito de Jesus, com a
reaparição, era dar testemunho de que "estava vivo", que o Espírito
sobrevive à morte do corpo.
Antes de Jesus não se falava em vida espiritual, em vida após a
morte. Apenas alguns iniciados (egípcios e gregos) sabiam disso, porém
tratavam o assunto de forma muito reservada. Fez parte da missão de
Jesus revelar esta verdade a todos os homens. Ele ensinou e
exemplificou. Para dar provas disso, é que reapareceu, ressurgiu, com
sua indumentária espiritual que, naquele instante e por ato de sua
vontade, conservava a aparência da sua encarnação entre os homens.
O aparecimento de Jesus comporta duas possibilidades: a
simples aparição ou a materialização momentânea.
Na aparição, o Espírito sensibiliza os órgãos visuais da pessoa,
que o vê nitidamente, tal qual era quando aqui vivia, porém não é
tangível. Ou seja, se tocar vai encontrar o vazio.
Na materialização existe a tangibilidade. Embora raríssimo,
trata-se de "fenômeno" que pode ser obtido por pessoas que possuam
esse tipo de medi unidade. A materialização se dá em ambiente próprio,
sob condições especialíssimas, com a presença de médium dotado dessa
faculdade.
Admitindo-se que Jesus apareceu materializado, se os apóstolos
O tivessem tocado, teriam a "sensação" de estarem tocando num corpo
material. De qualquer forma, que fique bem claro que o propósito
maior de Jesus era dar o testemunho da "sobrevivência" da alma após
a morte.
111

Lembre que antes de Jesus não se cogitava disso. A Lei antiga


ensinava a proteção de Deus aqui na terra. Não se falava em "vida
futura". Jesus foi o primeiro a pregar a vida e a felicidade em outro
mundo, que não a Terra. Dizia: "O meu Reino não é deste mundo"
(João 18:36). Era isso que Ele queria testemunhar. Provar que
continuava "vivo", apesar da morte de seu corpo.
Outra prova suficiente a se entender que os apóstolos apenas
"viram" o Cristo é que, na seqüência da narrativa, é dito:
"E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés.
E, não o crendo eles ainda por causa da alegria e estando
maravilhados, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que comer?"
Se eles tivessem tocado, para conferir se era "carne e osso", teriam
acreditado. Jesus lhes mostra mãos e pés e eles continuaram sem crer.
Foi a tal ponto que para convencê-los de que estava "vivo", Jesus pediu
o que comer. Novamente um fenômeno mediúnico aqui se apresenta:
a desmaterialização do peixe assado e do favo de mel. Jesus não comeu
coisa alguma.
Hoje, com o conhecimento que já se tem acerca de matéria e
energia — estágios diferentes de um mesmo elemento universal — é
fácil entender que, por ação da poderosa vontade de Jesus, aquela
massa material foi devolvida ao espaço em forma de energia.
Você pode estar-se lembrando do caso de Tomé. Este apóstolo
chegou a dizer que só acreditaria no retorno de Jesus se pudesse tocar-
lhe as feridas. E Jesus, em outra aparição, convidou-o a realizar seu
intento. Tomé, porém, não teve coragem. Também não tocou em Jesus.
Apenas "viu e acreditou". E o Mestre, valendo-se do ensejo, deixou o
conhecido ensinamento: Porque me viste, creste; bem-aventurados
os que não viram e creram" (João 20:29). Seria diferente se Jesus
dissesse: Por que me tocaste creste...
Diante de Maria Madalena, o retorno do Cristo, através da
aparição, é muito mais convincente. Jesus não permite que ela se
aproxime. Diz-lhe assim: "Não me toques, porque ainda não subi
para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para
meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus" (João 20:17).
112

Pela forma como o articulista tratou a materialização dos


Espíritos — recurso que poderia ter sido utilizado pelo Cristo para
mostrar-se tangível aos seus discípulos — é fácil perceber que ele
desconhece o assunto, fato que tira dele a capacidade para falar sobre
o mesmo. Não se pode condenar uma coisa que não se conhece bem.
Quando Galileu disse que a Terra girava ao redor do sol, esse
ato foi tido como "abominação" a Deus e ele foi preso e ameaçado de
morte. Teve que se retratar para escapar da condenação. A ciência
comprovou, adiante, que o abominado tinha razão. Os que o
condenaram agiram assim porque não tinham conhecimento do
assunto, e se arvoravam em defensores de Deus.
Joanna D'Arc, ouvindo "vozes" dos Espíritos, levou o povo
francês à libertação. Por negar-se a desmentir que "ouvia vozes" foi
"abominada" e condenada à fogueira. Seus algozes agiram sem conhecer
o fenômeno espiritual que estava por trás daquelas vozes, e, como
sempre, justificaram-se como agindo em defesa dos interesses de Deus.
A Doutrina Espírita mostrou que ela tinha razão.

Pontos a Recordar:

1. Ao dizer que "Deus se manifestou em carne", o articulista


retirou uma frase do meio de um versículo bíblico e distorceu o que
está escrito, trocando Jesus por Deus.
2. Jesus nos revelou, por palavras e atos, toda a expressão da
bondade, da justiça e do amor de Deus. Isto é diferente de dizer que
Jesus seja Deus.
3. "Crer no Senhor Jesus como nosso salvador" é fazer aquilo
que Ele exemplificou e que pode ser resumido numa palavra: a caridade.
4. O articulista citou um versículo bíblico de Isaías, omitindo
o nome do autor e parte do seu conteúdo, procedimento que não faz
parte da boa prática evangélica.
5. A frase "ferido pelas nossas transgressões e quebrantado pelas
nossas iniquidades" é frase de efeito e, como o próprio nome diz produz
"efeito", notadamente junto a mentes preconceituosas e despreparadas.
113

6. Jesus foi "ferido pelas nossas transgressões e quebrantado


pelas nossas iniquidades", conforme previu Isaías. Valer-se dessa
profecia para concluir que o Espiritismo seja do Anticristo é, no
mínimo, subestimar nossa capacidade de raciocínio.
7. A salvação se obtém por meio da reparação das dívidas e da
conquista de novos conhecimentos e virtudes. Resgatar, aprender e
amar.
8. O nascimento de Cristo, como concebido pelo Espírito Santo,
tem um sentido alegórico, simbolizando todo o planejamento que foi
feito no Mundo Espiritual para o nascimento do Mestre entre os
homens.
9. No Plano de Ação, que foi montado para permitir a
semeadura do Evangelho entre os homens, constava a necessária
realização das curas e dos milagres, sem os quais os encarnados da
época não valorizariam as palavras do Mestre.
10. As curas que Jesus realizou decorriam do "merecimento"
dos Espíritos beneficiados, escolhidos para auxiliarem o Mestre em
sua missão terrena. Em sua maior parte, as enfermidades eram resultado
de provações voluntárias.
11. Ao convidar os apóstolos para tocarem em seu corpo Jesus
sabia, de antemão, que nenhum deles se atreveria a fazer isto. Era
necessário que eles tivessem a impressão de que o retorno se dava no
mesmo corpo carnal. O propósito de Jesus, no entanto, era dar
testemunho de que "estava vivo", que o Espírito sobrevive à morte do
corpo.
114

V I . AINDA A PESSOA DE CRISTO

Diz o articulista protestante autor do opúsculo:

"Não creais a todo o espírito, mas provai se os espíritos


são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no
mundo; nisto conhecereis o Espírito de Deus: Todo o espírito que
confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus, mas todo o
espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é
de Deus, mas sim o do Anticristo, que agora já está no mundo"
(João 1ª. carta).

Disse o articulista primeiramente que — Os espíritas contudo,


dizem que Cristo não veio em carne, nem ressuscitou em carne, mas
só cm espírito, ou em "espírito materializado".
Trocando em miúdos, ele afirmou que nós aceitamos que o
Cristo tenha vindo ao mundo, só que não teria nascido em corpo de
"carne" (os grifos, negritos e palavras sublinhadas, são sempre de nossa
iniciativa e têm o propósito de focar sua atenção naquilo que grifamos).
Em seguida, cita o versículo acima, com o propósito de
convencer seu leitor de que pregamos contra a Bíblia, porque João
teria afirmado que o Cristo veio "em carne".
De início, perceba que a discussão que ele coloca é com relação
à natureza do corpo de Jesus. Se de carne, ou se "espírito materializado".
Já que ele trouxe o versículo à luz, vamos saber qual é o
verdadeiro sentido das palavras de João. Estaria mesmo o apóstolo
falando a respeito da natureza do corpo de Jesus?
João era o discípulo que Jesus mais amava. Como apóstolo,
escreveu o livro bíblico que leva seu nome (O Evangelho de João);
escreveu 3 cartas (chamadas 1 João 2 João e 3 João) e o último livro da
Bíblia, intitulado Apocalipse. Ao escrever a primeira carta, entre os
anos 85/95 depois do Cristo, João teve por objetivo reforçar que Jesus
115

era o Messias de que falavam as escrituras. Não se sabe a quem a carta


foi dirigida, mas, pelo seu conteúdo, aliás pequeno, percebe-se que se
destinava a todos os que já se confessavam cristãos.
Uma carta é diferente de um livro. Ao escrever o livro, o apóstolo
procurou legar à posteridade todos os ensinos que aprendeu do Mestre.
Ou seja, aquele material se destinava a produzir efeito junto a todas as
novas gerações que surgissem no mundo. Nas cartas, a finalidade era
produzir um efeito imediato, circunscrito àquele momento histórico.
Para examinar o conteúdo da lª. carta — de onde foi tirada a
declaração que estamos comentando — e entender sua finalidade,
necessário se torna reconstituir o cenário da época, fixando toda nossa
atenção naquele momento. O que vinha acontecendo com o
Evangelho? quais as dificuldades que as igrejas enfrentavam? como os
judeus vinha reagindo ao crescimento da Nova Doutrina? são assuntos
que importa considerar, para alcançarmos o fim visado pelo missivista.
É sabido que Jesus e sua doutrina foram rejeitados pelo povo
judeu. Após a morte do Messias a coisa não mudou da noite para o
dia, como alguns podem pensar. Pelo contrário, os apóstolos do Mestre
enfrentaram as mais adversas situações para manter o trabalho
evangélico, e só conseguiram porque fizeram da prática da "caridade"
o seu ponto de apoio e sustentação.
A primeira "igreja" de que se tem notícia, sob o comando de
Pedro, apresentava-se para o povo judeu e romano como sendo apenas
uma casa de caridade, chamada "Casa do Caminho". Ali eram
acolhidos os pobres e os enfermos, junto aos quais se punha em prática
o "fazer aos outros" tão recomendado pelo Mestre.
Durante o dia, a Casa era um abençoado lugar de auxílio e
proteção aos doentes, abandonados, esfomeados e obsedados (vítimas
da influência de Espíritos inferiores). E, à noite, se fazia o culto do
Evangelho, espalhando-se a bênção do conhecimento dessa nova
Doutrina.
A existência daquela casa somente era tolerada pelo povo judeu
e romano por causa da caridade que ali se praticava. Os ensinamentos
do crucificado eram repudiados com veemência pelos judeus, em suas
116

sinagogas. Basta recordar que quem mandou prender Jesus foram os


sacerdotes judeus, os defensores da Lei de Moisés. Foram eles que
corromperam Judas com o pagamento das trinta moedas.
Com a morte de Jesus, pretendiam acabar com a pregação
evangélica e manter a doutrina tradicional. Entre estes sacerdotes
achava-se Saulo, que liderou feroz movimento de perseguição aos
cristãos, sendo, por fim, alçado por Jesus na estrada de Damasco,
convertendo-se, após aquele encontro, no apóstolo Paulo. E, a partir
daí, perseguido, por sua vez, por seus compatriotas.
Nas sinagogas o que se ensinava era que o carpinteiro crucificado
era um impostor. Que o Messias anunciado nas profecias não era aquele
Homem que tinha por seguidores pobres, doentes, obsedados e
prostitutas, e que tinha por discípulos simples e humildes pescadores.
Os defensores da Lei do Antigo Testamento excluíam do rol de judeus
todos os que se convertiam ao cristianismo, retirando-lhes todos os
direitos de cidadão que aquela casta usufruía.
Os primeiros cristãos, reunidos em torno da Casa do Caminho,
e de outras "igrejas" que foram surgindo sob a liderança dos apóstolos,
se viam constantemente ameaçados pelos judeus, e essas ameaças não
se limitavam à perseguição física. Incomodava muito mais a difamação,
a pregação contrária, o combate ao nome de Jesus, o pouco caso que
se fazia de seus ensinamentos, a atribuição de força diabólica às curas
e milagres que realizou. Era esse o cenário da época. Eram essas as
afirmações que se faziam a respeito do Cristo. Era esta a preocupação
que tomava conta de João no instante de escrever a carta.
Lembremo-nos que a la. carta foi escrita 85 a 95 anos após a
morte do Cristo e, devido ao tempo já decorrido desde a crucificação,
era fácil incutir a confusão e a mentira na mente da geração que havia
nascido após o Cristo, negando-se suas curas e sua presença entre nós.
De tudo tentaram os perseguidores de Jesus, para desvalorizar seus
ensinamentos e impedir o crescimento da Doutrina Cristã. Nada
conseguiram, porque os tempos eram chegados.
117

Qualquer semelhança com o que ocorre com a Doutrina Espírita


não é mera coincidência.
A simples leitura da carta permite claramente perceber que João
a escreveu para aquela época, deixando bem evidente sua preocupação
de combater os que diziam que Jesus, o crucificado, não era o Messias
de que falavam as escrituras antigas. Em outras palavras: ele queria
afirmar que o Messias esperado já tinha nascido no mundo, na pessoa
de Jesus. Daí porque João disse enfaticamente: "Todo o Espírito que
confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus...". Essa preocupação
de João destaca-se em algumas passagens da carta. Vejamos:
"Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o
Cristo? É o Anticristo esse mesmo que nega o Pai e o Filho" (1 João
2:22);
"Estas coisas vos escrevi acerca dos que vos enganam" (1 João
2:26).
O propósito de João era afirmar que Jesus já havia nascido no
mundo. O apóstolo combatia os que "negavam" esse nascimento,
anunciado nas escrituras. E o apóstolo tinha motivos para trazer esse
assunto à baila, naquele instante, porque a negação da vinda do
Salvador, na pessoa de Jesus, era o alvo dos comentários dos judeus.
Para combater o Cristianismo nascente, se espalhava a mentira
e o engano. Para se combater o Cristianismo redivivo (a Doutrina
Espírita), também.
Ao se valer da expressão "veio em carne" João não estava se
referindo à natureza do corpo de Jesus. O articulista dá esse último
sentido, num claro desvirtuamento do objetivo da frase contida na
carta.
A discussão que ele colocou com relação à natureza do corpo
de Jesus é vazia. A preocupação de João, como vimos, não era com
que tipo de corpo Jesus tinha vindo.
Logo, ao dizer "Baseando-me na autoridade desta palavra da
Bíblia, eu creio que o espiritismo não é de Deus, mas do Anticristo" o
articulista fez mau uso da autoridade da Bíblia, usando-a irrefletida e
erroneamente:
118

* ele falseou o sentido da expressão "veio em carne" utilizada


por João;
* quis deixar o entendimento de que João estava se referindo à
natureza do corpo de Jesus.
"Os espíritas contudo, dizem que Cristo não veio em carne,
nem ressuscitou em carne, mas só em espírito, ou em "espírito
materializado." A propósito dessa afirmação do articulista, tecemos as
seguintes considerações:
* Com relação à vinda de Jesus, os espíritas não dizem isso. A
materialização é um fenômeno passageiro, de tangibilidade dos
Espíritos. Jesus viveu 33 anos. Seria inadmissível que ao longo de
toda sua existência Ele estivesse materializado.
* Com relação ao seu aparecimento momentâneo, após a sua
morte, é possível que o Cristo tenha se mostrado materializado. Como
também é possível que Ele tenha se apresentado através de outros
recursos espirituais, como a simples "aparição" ou "vidência".
* Entre os espíritas, existem aqueles que erroneamente admitem
que Jesus veio num corpo fluídico. É uma tese parecida com a
defendida pelos protestantes, através da qual a concepção do corpo
de Jesus teria sido efetivada por meios espirituais. A gravidez de Maria
teria sido apenas aparente. Talvez seja isso que o articulista queira
dizer.
* Sendo assim, ele errou porque generalizou o entendimento,
ao dizer que "os espíritas contudo dizem...". Não são os espíritas que
dizem isso. Alguns pensam assim e essa tese do "corpo fluídico" vem
perdendo espaço. Nós respeitamos os que pensam desse modo. Em
Doutrina Espírita não existe o dogma. E uma Doutrina científica,
progressista, de livre exame.
* A natureza do corpo de Jesus é um assunto muito delicado e
não cabe, neste trabalho, ilações a respeito. Diz-nos o Espírito
Emmanuel que, no momento evolutivo em que nos encontramos,
bem mais importante é que nos preocupemos com o corpo de Sua
Doutrina.
119

Uma coisa, ainda, importa ser observada no versículo trazido à


luz pelo articulista. É o fato de que aquela recomendação se refere a
confissões de "Espíritos" e não de homens. Senão veja: "Não creais a
todo Espírito, mas provai se os espíritos são de Deus..." e, no final,
arremata "...mas todo Espírito que não confessa que Jesus Cristo veio
em carne não é de Deus, mas do Anticristo...".
Está mais do que claro que João se referia ao teor de
comunicações dos Espíritos. A mediunidade, a comunicação com os
mortos, era prática comum entre os cristãos primitivos. E sabe por
quê? Porque Jesus consagrou esta prática no Monte Tabor, em presença
de três discípulos, dos quais João era um, lembra?
João conhecia a mediunidade e sabia da prudência com que se
devia receber as comunicações dos Espíritos, para que as pessoas não
viessem a ser enganadas. Ensina-nos hoje o Espiritismo que a morte
não modifica ninguém e cada um de nós chega ao Mundo Espiritual
do jeito que era quando estava aqui na Terra. Ou seja, o mentiroso, o
enganador, o descrente, o cristão, todos chegam à Espiritualidade com
os mesmos defeitos e virtudes, carregando os mesmos sentimentos e
as mesmas noções que tinha enquanto estava encarnado.
O processo de aprendizado lá, também acontece. Porém, nada
se dá às pressas, e muitos dos que aportam ao Mundo Maior levam
dezenas e até centenas de anos para refazerem suas idéias,
conhecimentos e gostos.
Então, era preciso saber se os Espíritos eram de Deus, realmente,
ou seja: se as comunicações guardavam sintonia com os ensinos da
Doutrina de Jesus, posto que, muitos judeus desencarnados que em
vida terrena combatiam o Cristianismo, do outro lado da vida
continuavam agindo do mesmo modo, pregando que o Cristo, não
teria vindo em carne, (ou seja, ainda não havia vindo ao mundo).
Comunicando-se, precisavam ser testados, a fim de que se pudesse
avaliar se eram merecedores de atenção ou não.
A recomendação do apóstolo, neste sentido, tinha inteira
procedência e é nisto que consiste a sua autoridade. Faz sentido também
quando ele diz "...mas provai se os espíritos são de Deus, porque muitos
120

falsos profetas se levantaram no mundo; nisto conhecereis o espírito


de Deus: Todo espírito que confessa...".
Atente para o fato de que a carta foi escrita 85 a 95 anos depois
de Jesus. Note que esses muitos "profetas" que se levantaram no mundo
eram os que, já desencarnados, poderiam estar por trás das
comunicações; e como a morte não modifica ninguém, eles, como
Espíritos, também agiriam na mesma linha de atuação que tinham
quando encarnados, negando o Cristo. Essa é a preocupação nítida
de João ao ditar aquela carta.
Grifei as duas palavras "se levantaram" acima, para focar bem o
assunto. João empregou o verbo no passado, referindo-se aos falsos
profetas que já tinham morrido. Porque se esses profetas ainda
estivessem lá, o verbo seria empregado no tempo presente — se
levantam —, não é mesmo?
Essa é mais uma prova de que João não estava se referindo aos
"homens", mas sim aos "espíritos" mesmo. Se o propósito do apóstolo
fosse se referir aos homens ele teria dito assim: "Não creáis a todos os
homens, mas provai se os homens são de Deus... e etc".
E se ele estava se referindo aos Espíritos, é porque a comunicação
destes, com os homens, era fato de conhecimento dos apóstolos.
Dizer que o Espiritismo é do Anticristo faz parte do verbo dos
irmãos protestantes. Nenhum outro recurso tem dado mais resultado,
para eles, de que se valer dessa frase, forte e atemorizadora, para manter
seus adeptos fiéis ao que eles pregam. Eles temem que a Doutrina
Espírita seja conhecida por seus seguidores. Neste particular, atropelam
uma das recomendações do apóstolo Paulo que assim se expressou:
"Examinai de tudo. Retende o bem" (1 Tessalonicenses 5:21).
Por que o medo de que os livros espíritas sejam estudados? Como
posso conhecer de tudo, se me é vedado alguma coisa? As doutrinas
da proibição ou mudam, ou caminharão para o seu próprio extermínio,
considerando-se que estamos vivendo num período de grandes
transformações, onde o conhecimento e a informação estão chegando
mais rápidos e por meios dantes inimagináveis.
121

Há bem pouco tempo, se você quisesse ler um livro de uma


biblioteca, ia lá, retirava o livro, levava para casa, alguns dias após o
devolvia e, no intervalo de tempo em que o livro permanecia em suas
mãos, nenhuma outra pessoa tinha acesso à informação ali existente.
Hoje, com as vias de comunicação que a informática nos possibilita,
aquele mesmo livro, via Internet, pode ser acessado por milhões de
leitores no mesmo instante, sem que o espaço por ele ocupado seja
esvaziado. Essa é a grande mudança da virada do século.
E note uma coisa: essa nova geração que está surgindo adora a
informática; as crianças de hoje estão trocando os brinquedos
tradicionais pela máquina de vídeo game, pelos jogos de computador.
No futuro, já nem tão distante, teremos novos adultos buscando
informações pelos meios modernos de comunicação. É a ciência a
serviço do homem. E o Espiritismo, por ser a única religião de base
científica, com certeza estará na ponta das atenções e nas pesquisas
das novas gerações.
A proibição tem dias contados. O Espiritismo está aí e conhecê-
lo é questão até mesmo de cultura. Mais dias, menos dias, seus conceitos
ganharão plenitude, porque não há como ocultar que as revelações
espíritas vieram na época certa, para promover a reforma moral dos
homens, provando-lhes que a vida continua após a morte e que, do
outro lado da vida, seremos felizes ou desgraçados, conforme tenhamos
semeado neste mundo a felicidade ou a desgraça do próximo.
Anote o que vou lhe dizer agora: uma outra grande mudança
está para acontecer. A Reencarnação, que é a base do ensino dos
Espíritos, está em vias de consagração pelo mundo científico
contemporâneo. Em todas as partes do mundo, médicos, psiquiatras,
psicoterapeutas, psicólogos e outros profissionais do ramo da mente,
estão pesquisando e comprovando a verdade da reencarnação, através
do moderno e eficaz processo de Terapia de Vidas Passadas — TVP.
As pessoas, através de sensibilização de regiões da memória,
estão recordando de suas vidas anteriores e nelas identificando as causas
de muitas das doenças e fobias que as atormentam hoje.
122

Os livros sobre o assunto estão surgindo aos montões, chocando


(no bom sentido) as pessoas com as revelações ali transmitidas. Ê a
ciência acompanhando o Espiritismo, comprovando por processos
científicos aquilo que os Espíritos vieram nos ensinar.
Que futuro espera as doutrinas não-reencarnacionistas?
Desaparecerão? Não, de forma alguma. A história tem mostrado que
os conceitos das religiões tradicionais mudam com o tempo. Já foi
assim no passado, será assim no futuro. Quando a Reencarnação for
aceita como verdade universal, as demais simplesmente vão adotá-la
como regra, numa boa.
Sabe como? Num primeiro momento um pastor vai lá no
púlpito e declara que o assunto está sendo pesquisado pelos
missionários de Deus; o tema passa a ser objeto de debate entre eles
pelo tempo necessário à familiarização dos fiéis com o assunto e, por
fim, eles se nomeiam como os autores da revelação, utilizando
argumentos bíblicos e apocalípticos. Novas gerações vão surgindo e
nem se preocupam que, no passado, eles tenham pregado outra coisa.
Isto será nocivo ao Espiritismo? Não, de forma alguma. A
Doutrina Espírita não pretende substituir nenhuma outra. O bom é
que nós homens aprendamos a verdade, porque somente ela nos
libertará, como disse Jesus. Quanto mais avançarmos no conhecimento
das coisas que dizem respeito à vida espiritual, mais nos aproximaremos
de Deus. Não importa a nós qual a religião que estamos seguindo,
mas sim que tipo de ensinamento estamos recebendo.
Nem mesmo quando a reencarnação estiver universalmente aceita,
o Espiritismo estará livre dos ataques de seus detratores. Noutros pontos
eles assentarão a base de suas dissidências e manterão consigo os seus
fiéis seguidores. Entre estudar reencarnação num Centro Espírita ou
fazê-lo na igreja, o crente tenderá a permanecer onde já está.
Dizer que o Espiritismo é do Anticristo é a mesma coisa de
dizer que ele pertence ao demônio. Esse ditado é ofensivo, mas até
nos conforta, se levarmos em consideração que são ofensas idênticas
as que eram lançadas contra Jesus e sua Doutrina. Vou citar só um
exemplo tirado da Bíblia:
123

"Responderam-lhe, pois, os judeus e disseram-lhe: Não dizemos


nós bem que és samaritano e que tens demônio?
Jesus respondeu: Eu não tenho demônio; antes, honro a meu
Pai, e vós me desonrais" (João cap. 8, vers. 48 e 49).
Se até o Mestre levou seguidas vezes a pecha de ter demônio,
porque seus ensinamentos iam de encontro aos conceitos antigos, é
compreensível que com a Doutrina Espírita ocorra o mesmo. Ela vem
separar o joio do trigo, tirar o erro que está misturado à verdade e,
sendo assim, fere conceitos ultrapassados, mas que ainda é defendido
por muitos, por vários motivos.
Agora, quem dizia que Jesus tinha demônio? Eram exatamente
os ignorantes da verdade espiritual. Alguns agiam até de boa-fé,
defendendo os conceitos que haviam aprendido em vida, certos de
que suas atitudes correspondiam aos anseios de Deus. Nesta situação
mantinham-se em cegueira espiritual que os impedia de ver a luz.
Saulo é um bom exemplo disto. Era sincero, perseverante,
valoroso, e defendia com todo o coração e brio a Lei do Antigo
Testamento. Era inocente em relação à verdade espiritual. Jesus viu as
virtudes que ele possuía e trouxe-o para seu rebanho, e Saulo,
assumindo o nome de Paulo, defendeu o Cristianismo com a mesma
sinceridade, perseverança, valor, coração e brio que empregava na defesa
da Lei Antiga.
Foi por mostrar coisas que os outros se negavam a ver, que
Jesus foi crucificado, que Galileu foi ameaçado de morte; que Joanna
D'Arc foi queimada; e que muitos outros heróis foram condenados.
Os Espíritos vêm para nos ensinar as relações existentes entre os
mundos material e espiritual. Por mostrar coisas que alguns se negam
a ver, são por estes detratados e abominados.
A ressurreição da carne é também lembrada pelo articulista.
Na tradição protestante, no dia do "Juízo Final" a terra e o mar
devolverão os corpos de todos os que aqui viveram e morreram. Os
salvos serão apartados, e os condenados serão lançados ao inferno.
Trata-se de questão de fé, que não guarda nenhuma base lógica ou
racional.
124

Ora, a decomposição e transformação dos corpos, após a morte,


é uma das leis de Deus, e todos os corpos animados estão sujeitos a
esta lei. Partículas, átomos, moléculas que fazem parte hoje de um
corpo, após decompostos, ressurgem noutros corpos, num processo
contínuo de renovação. A vida está aí, comprovando isto.
A ressurreição ocorre, entretanto, no sentido próprio da palavra,
que significa: ressurgimento. Ressurreição é o ato de ressurgir, voltar à
vida. O que importa é o corpo ou a vida? É a vida, não é mesmo? É
através da reencarnação que o Espírito ressurge para a vida material.
A volta do Espírito num corpo de carne é, também, um ato de
ressurreição, de ressurgimento. Isto é lógico, racional e guarda inteira
compatibilidade com as imutáveis e irrevogáveis Leis de Deus.
Mas Jesus ressuscitou, dizem os irmãos evangélicos. A propósito
desse assunto, lembro, de passagem, que o apóstolo Pedro esclarece
bem como teria sido o retorno de Jesus à vida. Num dos versículos
utilizados pelo articulista, que será objeto de detalhada consideração
no próximo capítulo, houve a omissão de um trecho, que, por si só,
nos revela o que o apóstolo ensinou a respeito. Veja:
"Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas
vivificado pelo espírito" (1 Pedro 3:18),
Vivificado como? Pelo espírito? Então o Cristo não ressuscitou
em carne? O ensino de Pedro está a nos dizer que não. Vivificar é
voltar à vida, ressurgir, reviver, ressuscitar. E ainda querem condenar
o Espiritismo por admitir esta verdade. Parodiando o articulista, eu
posso dizer que: baseando-me na autoridade desta palavra da Bíblia,
eu vejo que o Espiritismo é de Deus.

Pontos a Recordar

1. Ao se valer da expressão "veio em carne" João estava afirmando


que Jesus havia nascido entre nós. Ele não estava se referindo à natureza
do corpo de Jesus. O articulista dá esse último sentido, num claro
desvirtuamento do objetivo da frase contida na carta.
125

2. Ao dizer "Baseando-me na autoridade desta palavra da Bíblia,


eu creio que o espiritismo não é de Deus, mas do Anticristo" o
articulista fez mau uso da autoridade da Bíblia, usando-a irrefletida e
erroneamente.
3. A recomendação de João "Não creais a todo espírito..." se
refere a confissões de "espíritos" mesmo e não de homens.
4. Se o propósito do apóstolo fosse se referir aos homens, ele
teria dito assim: "Não creais a todos os homens, mas provai se os
homens são de Deus... etc".
5- Os falsos profetas que se levantaram no mundo eram os que,
já desencarnados, estavam por trás das comunicações mediúnicas que
já ocorriam desde aquela época, e como a morte não modifica ninguém,
eles, como Espíritos, continuavam negando que o Cristo veio em carne.
6. Se até Jesus levou, seguidas vezes, a pecha de ter demônio,
porque seus ensinamentos iam de encontro aos conceitos antigos, é
compreensível que com a Doutrina Espírita ocorra o mesmo.
7. A Reencarnação, que é a base do ensino dos Espíritos, está
em vias de consagração pelo mundo científico contemporâneo.
8. Ressurreição é o ato de ressurgir, voltar à vida. É através da
reencarnação que o Espírito ressurge para a vida.
9. Consoante o ensino de Pedro: Jesus foi morto na carne, porém
vivificado pelo Espírito.
126

V I I . A MORTE DE CRISTO

Diz o articulista no opúsculo que estamos comentando:

"Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos


injustos para levar-nos a Deus" (Pedro)
"O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado"
(João)
"Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores" (Paulo)

Por que morreu Jesus? Segundo nosso irmão articulista, "a


resposta que a Bíblia dá é que Cristo morreu para que pudéssemos ter
o perdão dos nossos pecados" (o grifo é sempre nosso, para centralizar
sua atenção no foco da questão).
Ele está se referindo à morte na cruz. Porque quanto a morrer,
fatalmente Ele morreria, posto que a vida aqui na Terra tem seu ciclo
determinado por uma Lei de Deus, da qual ninguém escapa, que
compreende o nascer, o viver, e o morrer.
A conclusão do articulista, se bem examinada, retira a
importância dos ensinos deixados pelo Mestre, visto que apenas a
morte dEle é que foi útil. Se Jesus não tivesse revelado nada aos homens,
o meio da salvação teria se cumprido com sua morte na cruz. É uma
conclusão lamentável.
E se Ele tivesse morrido de outro modo? Se não tivesse ocorrido
o padecimento da cruz? Se Ele tivesse levado uma vida normal e
morrido naturalmente? Se a sua morte tivesse ocorrido sem o
derramamento de sangue, seu Evangelho seria destituído de valor?
De outro modo: o que foi mais importante, a morte do Cristo
ou a sua vida, com seus exemplos, suas curas e sua Doutrina?
É, parece-nos que para muita gente a morte de Jesus foi bem
mais importante de que toda a sua vida. Para estes, todo o valor de
127

sua missão ficou resumido no sangue derramado na cruz, sem o que


tudo o mais que Ele fez e ensinou não teria valor algum.
O padecimento de Jesus na cruz é apontado como o ato maior
de sua vida, a ponto de que, ainda hoje, a figura do Cristo crucificado
é bem mais difundida de que a imagem do Jesus vitorioso, daquele
que venceu a morte, o mundo e os homens.
Não é que nós queiramos diminuir a dor daquele momento
extremo e o exemplo de fé e perdão que Ele testemunhou naquele
instante. Confirmando tudo que havia pregado, Jesus se despediu de
nós orando a Deus, como um autêntico vencedor:
"Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lucas
23:34);
"Pai, tudo está cumprido, nas tuas mãos entrego o meu espírito"
(junção do que está em Lucas 23:46 e João 19:30).
É o Jesus vencedor que nós reverenciamos. Vencedor em vida,
quando soube enfrentar todas as injúrias, difamações, perseguições e
atraso espiritual dos homens, para lançar em bases eternas a semente
do seu Evangelho.
A missão de Jesus foi coroada de êxito por ter Ele deixado entre
nós esse legado divino, chamado de Evangelho, que é a tradução mais
legítima do Amor de Deus para com toda a humanidade. O que é o
sangue derramado na cruz, diante da excelsa luz emanada dos ensinos
morais de Jesus?
Quantos outros profetas e mártires também não derramaram
seus sangues, para que o Evangelho chegasse até nossos dias?
A pregação do Evangelho se deu, no início, às caladas da noite,
nas catacumbas, para não despertar a atenção dos perseguidores.
Muitos dos primeiros cristãos foram presos, humilhados e lançados à
arena romana para serem devorados por leões famintos. Para o Cristo,
o valor desses companheiros está no trabalho que fizeram em prol do
Evangelho, e não na porção de sangue retirada de seus corpos.
Não, o valor de Jesus não está no sangue derramado. Está no
ensino que ele deixou. Inclusive no ensino deixado no instante da
morte. Seus apóstolos ao fazerem referência ao sangue derramado no
128

madeiro, jamais pretenderam substituir o valor dos ensinamentos pelo


do sangue. A dor do calvário é bendita, porque foi suportada com
resignação e fé. Mas o sangue que ali se derramou foi consumido pela
terra, e materialmente dele nada restou.
Jesus, em muitas ocasiões, nos falou por parábolas e alegorias.
Parte considerável de seus ensinos foram transmitidos numa linguagem
simbólica, e o estudante do Evangelho precisa ter o cuidado de buscar
a essência de cada lição. Por conta desta linguagem figurada, erram os
que interpretam tudo "ao pé da letra".
Por vezes os próprios apóstolos não penetravam na essência da
coisa e, a sós com o Mestre, Este lhes explicava o sentido dos
ensinamentos. Ocorreu assim com a parábola do semeador, que Jesus
interpretou para eles, após o seguinte diálogo:
"Por que lhes falas por parábolas?
Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os
mistérios do Reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; porque àquele
que tem se dará e terá em abundância; mas àquele que não tem, até
aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas, para
que eles, vendo, não vejam e ouvindo, não ouçam, nem compreendam"
(Mateus 13:10 a 13).
Deduz-se daí que a linguagem empregada por Jesus era de
conformidade com o mérito dos ouvintes, ou seja, segundo o que
estes podiam entender. Um exemplo disto temos no diálogo que
manteve com Nicodemos, príncipe dos judeus, que detinha vastos
conhecimentos e para quem Jesus falou diretamente acerca da
reencarnação, mencionando que "Ninguém pode ver o reino de Deus
se não nascer de novo" (João 3:3), e até cobrando do seu ouvinte os
conhecimentos adquiridos: És Mestre em Israel e não sabes disto?
(João 3:10).
Em outras ocasiões, a metáfora, ou o sentido figurado, se
destinava a produzir um entendimento futuro. Um exemplo: durante
a Santa Ceia, quando Ele se valeu do vinho e do pão, ali presentes,
para anunciar sua morte:
129

"Enquanto comiam, Jesus tomou o pão e abençoando-o, o


partiu, e o deu aos discípulos e disse: Tomai, comei, isto é o meu
corpo;
E, tomando o cálice e dando graças, deu-lho dizendo: Bebei
dele, todos. Porque isto é o meu sangue, o sangue do N o v o
Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pecados"
(Mateus cap. 26, vers. 26 a 28).
Está aí um momento que exige bastante reflexão, para que se
alcance aquilo que pretendeu Jesus transmitir. Com certeza, Ele não
estava se referindo ao seu corpo de carne, como pretendem alguns.
Mas, sim, ao corpo de sua Doutrina. Comparou-o ao pão, porque
assim como o pão nutre a vida física, o Evangelho é o alimento que
sustenta a alma.
O "sangue do Novo Testamento, derramado por muitos",
prenunciava suor e lágrimas que seriam vertidos por muitos de seus
missionários para a divulgação do Evangelho, o qual aponta o caminho
para a remição dos pecados. Note que Jesus se utilizou das figuras de
"pão" e "sangue". Muitos confundem o sangue, aqui empregado em
sentido figurado, com o sangue material derramado pelo Mestre na
cruz.
Ao pé da letra, o sangue do Novo Testamento não teria sentido.
Este, sendo o conjunto de ensinos que constituem o Evangelho, não
possui veias nem sangue. Hoje está conservado nos escritos de papel,
mais propriamente a Bíblia. Qual seria o sangue aí? Materialmente
falando, nenhum. Ao se referir ao sangue, quis Jesus falar de
movimento, de ação, de trabalho. Daquele ato da Santa Ceia, portanto,
emergem duas coisas: a Doutrina (o pão) e o movimento operado
pelos missionários para divulgá-la (o sangue).
"Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos
para levar-nos a Deus"
Os três versículos utilizados pelo articulista ao falar da M O R T E
DE C R I S T O também não trazem a citação completa da fonte. Ele
apenas menciona o nome de seus autores. No primeiro deles, Pedro
diz que "Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos
130

para levar-nos a Deus". A citação está incompleta, por isto vamos


reproduzi-la, abaixo, na íntegra, e complementar com os versículos
que se seguem, de tamanha importância que não devem ser esquecidos:
"Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas
vivificado pelo espírito", no qual também foi e pregou aos espíritos
em prisão, os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a
longanimidade de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se
preparava a arca; na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela
água" (1 Pedro, cap. 3:18 a 20).
"porque, por isto, foi pregado o evangelho também aos mortos,
para que, na verdade, fossem julgados segundos os homens, na carne,
mas vivessem segundo Deus, em espírito" (1 Pedro 4:6).
Não há dúvida de que o padecimento de Cristo teve o fim de
nos levar à Deus. Como? Resgatou nossos erros por aquele ato? Não,
porque como Ele mesmo disse: "Em verdade, em verdade vos digo
que todo aquele que comete pecado é escravo do pecado" João 8:34);
"digo-te que dali não saireis enquanto não pagardes o último ceitil"
(Lucas 12:59); "...a cada um será dado segundo as suas obras" (Mateus
16:27). Individualmente cada um é responsável pelo erros que pratica.
Se a morte dEle tivesse esta finalidade, sua pregação teria sido outra e
Ele jamais teria dito algo semelhante ao que acima lembramos.
"Cristo padeceu uma vez pelos p e c a d o s . . . " Pelo seu
padecimento, entenda-se o seguinte: sem que Ele tivesse vindo ao
mundo e enfrentado a dureza de nossos corações, o Evangelho não
teria sido pregado. Sem aquele ato de renúncia, abnegação e amor,
não teríamos recebido, naquele oportuno momento, a revelação que
nos trouxe o entendimento correto acerca de Deus e do que devemos
fazer para chegar ao Pai.
Dizer que "Cristo morreu para que pudéssemos ter o perdão
dos nossos pecados", como fez o articulista, é dar à morte um valor
maior do que à vida.
Prefiro dizer que "Cristo viveu para que pudéssemos conhecer
o Evangelho, que é o caminho a ser seguido para a remição dos nossos
131

pecados". Isto guarda inteira consonância com o ensino de Paulo,


também lembrado pelo articulista: "Cristo veio ao mundo para salvar
os pecadores" (1 Timóteo 1:15).
Com efeito, Jesus se sacrificou para vir até nós e sua morte na
cruz, prevista desde o Plano Espiritual, objetivou um fim útil, qual
seja o de causar forte impacto e mexer com a consciência dos homens,
posto que todos os atos de bondade por Ele praticados em vida estavam
a anunciar ali a presença de um Espírito Puro, condenado
imerecidamente. Cedo ou tarde, seus algozes refletiriam acerca do mal
causado.
Do mesmo modo, as gerações futuras, ao lembrarem o infeliz
episódio, poderiam melhor avaliar o nível de inferioridade do povo
da época e o grau de renúncia, de abnegação e de amor, que a missão
exigiu.
E que dizer do restante do versículo? O importante trecho que
o articulista omitiu: "mortificado, na verdade, na carne, mas vivificado
pelo espírito". Como já dissemos, está aí o entendimento de Pedro
acerca da forma como teria ocorrido o retorno de Jesus à vida: pelo
Espírito, diz Pedro. A ressurreição anunciada por Jesus foi comprovada
mediante seu reaparecimento, vivificado em Espírito.
Na seqüência daquele trecho, Pedro diz que Jesus, foi vivificado
pelo Espírito, "no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão,
os quais em outro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de
Deus esperava nos dias de Noé...." e logo adiante reforça dizendo:
"porque, por isto, foi pregado o evangelho também aos mortos..."
Jesus pregou aos espíritos em prisão e também aos mortos.
Todos são na verdade "mortos", contudo, há uma particularidade que
merece ser explicada. Os Espíritos em prisão constituíam um grupo à
parte, formado por Espíritos inferiores e obstinados no erro, rebeldes
à época de Noé. Na Espiritualidade os Espíritos se agrupam por
afinidade. Os semelhantes se atraem.
Assim, existem regiões diferenciadas, que são caracterizadas pelo
grau de evolução dos Espíritos que ali habitam. Em função do teor
vibratório de suas mentes, eles atraem para o seu meio o elemento
132

espiritual que lhes é próprio: treva, sombra, luz, amargura, dor.


sofrimento, paz, alegria, bem-aventurança etc. Os Espíritos
endurecidos no erro, refratários, apresentam o corpo espiritual
impregnado de vibrações materiais, situação que os mantém presos à
região de sombra para a qual são atraídos.
Aquele grupo mantinha-se junto já fazia muitos anos.
partilhando das mesmas desventuras. Na condição de inferioridade
em que se achavam, era-lhes interditado o acesso a outras regiões, daí
serem tidos como "em prisão".
O relato de Pedro, em sua inteireza, é aqui trazido para sua
reflexão. Diz-nos o apóstolo que Jesus pregou seu Evangelho aos
Espíritos. Vamos tirar algumas conclusões acerca do que está descrito
pelo apóstolo. Você, com certeza, em suas reflexões, observará outros
aspectos que não alcançamos:
• Pedro, de alguma forma, tomou conhecimento de
atividades desempenhadas por Jesus Cristo no Mundo Espiritual.
Estamos aqui diante de uma informação e não de um ponto de vista
do apóstolo.
• Q u a n d o Jesus pregou? não está claro se a pregação aos
Espíritos ocorreu após a crucificação. No entanto, quando isto se deu
pouco importa. O que está bem definido é a forma como a pregação
se deu: em Espírito. Jesus, ele pessoalmente, em Espírito, fez pregações
para os Espíritos em prisão.
• O n d e foi a pregação? No Mundo Espiritual. Tanto assim
que a pregação foi feita em espírito e dirigida aos mortos. Na terra, na
carne, é que não foi. Para o grupo de Espíritos rebeldes, a pregação
ocorreu no ambiente de trevas (prisão) onde eles se achavam.
• Em vida, Jesus procurou os sofredores e oprimidos para
consolá-los e ampará-los. É compreensível que no Mundo Espiritual
tenha feito o mesmo e continue a fazê-lo. "Vinde a mim todos vós
que estais aflitos e agoniados, e Eu vos aliviarei" (Mateus 11:28); "Os
são não necessitam de médico, mas sim os doentes" (Mateus 9:12).
• Supondo, como dizem alguns protestantes, que Pedro
ao falar de mortos, estivesse se referindo aos homens que morreram,
133

no curso da missão terrena de Jesus e que em vida tiveram contato


com as palavras do Mestre, não faria sentido então a pregação ter sido
feita por Jesus, em espírito. Aos homens Cristo pregou estando na
carne.
• A pregação teve um fim útil, do contrário o Cristo teria
pregado em vão. Qual este fim? Se os tais Espíritos em prisão,
estivessem com seus destinos sacramentados — digamos, condenados
ao inferno —, que propósitos teve Jesus de pregar-lhes o Evangelho?
• Ele que disse: "Não deis aos cães as coisas santas, nem
deiteis aos porcos as vossas pérolas..." (Mateus 7:6), agiria desfazendo
os seus ensinos? Não, sem dúvidas. Então, se houve a pregação, é
porque aqueles Espíritos, mesmo em prisão, poderiam se beneficiar
ao contato com aquela Revelação.
• Se Deus só perdoasse os culpados que se arrependem
dos seus erros no curso da vida terrena, Jesus seria sabedor disto. Para
que, então, evangelizar Espíritos irremediavelmente perdidos?
• Se Jesus pregou o Evangelho aos Espíritos, é que aos
mortos também é possível o arrependimento. Se há chance para o
arrependimento, haverá também para a reparação, o que desfaz o
dogma da condenação eterna.
Dizer que os Espíritos em prisão "foram" rebeldes nos tempos
de Noé, pode significar que esta imperfeição eles não a teriam mais
no momento da pregação. No entanto, por se acharem ainda em região
inferior, detinham outras inferioridades que, mesmo sendo a causa
do estado de "prisão" em que se achavam, não os impedia de ouvir o
Mestre.
"O sangue de Jesus Cristo nos purifica de todos os pecados"
(João)
Antes de entrarmos no mérito do que foi dito por João, importa
destacar um aspecto até certo ponto delicado. No Novo Testamento,
destacam-se os quatro livros evangélicos: de Mateus, Marcos, Lucas e
João. Neles estão registrados os ensinos de Jesus, sua vida, seus
exemplos, seu padecimento na cruz, e sua reaparição. A base
doutrinária do Cristianismo está nesses Quatro Evangelhos.
134

Depois destes livros, excetuando-se o Apocalipse, todos os


demais têm uma conotação diferente e retratam fatos ocorridos no
curso dos trabalhos apostólicos de pregação do Evangelho. ATOS,
por exemplo, provavelmente escrito por Lucas, é um relato dos 30
primeiros anos do Cristianismo. Seguem-se as cartas escritas pelos
apóstolos Paulo, Tiago, Pedro, João e Judas (irmão de Tiago).
Tais cartas contêm muitos ensinos valiosos como
desdobramento dos ensinos de Jesus. Porém, é preciso frisar que foram
escritas por homens que, apesar da elevada missão que lhes foi confiada,
expressaram sobre alguns assuntos seus próprios pontos de vista,
compreensíveis para o momento, porém, nem todos perfeitamente
ajustados à fidelidade do ensino de Jesus, alguns até já destituídos de
interesse para os tempos atuais.
Os apóstolos, como homens, tinham suas limitações. Querer
que tudo que eles escreveram, de moto próprio, seja "a expressão da
verdade", é considerá-los infalíveis. E, sensatamente, infalíveis eles não
foram. Não fica aqui nenhum demérito a eles, porém o registro de
uma situação verdadeira. É importante que tenhamos isto em mente,
para não tomarmos opiniões pessoais, por ensinos doutrinários. Os
ensinos de Jesus estão resumidos nos Quatro Evangelhos, escritos sob
inspiração, algumas dezenas de anos após a morte do Cristo.
Vamos analisar, então, a afirmação de João, que o articulista
nos traz. Você não vai se surpreender se eu lhe lembrar que ele citou
apenas o nome do autor da frase, sem fazer a necessária referência
bíblica. Do mesmo modo, não vai estranhar se eu lhe disser que ele,
novamente, retirou do meio de um versículo apenas a frase que atendia
aos seus interesses e, com isso, adulterou todo o ensinamento. Veja,
abaixo, o que João realmente disse.
"Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos
comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho,
nos purifica de todo pecado" (1 João 1:7).
João começa o versículo com uma condicionante: "mas, se
andarmos na luz...". E se não andarmos na luz? Será que o sangue de
Cristo é suficiente para nos purificar de todo pecado? É bastante clara
135

essa referência: o Cristo nos purifica de todo o pecado, desde que


andemos na luz.
E o que será "andar na luz"? Como identificar os que andam na
luz? Se analisarmos detidamente a afirmação de João veremos que,
nela mesmo, está a resposta para o que seja andar na luz. Ele diz que:
"...se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns
com os outros". Para melhor entendimento: os que vivem em
comunhão com os outros são os que andam na luz.
"Viver em comunhão com os outros" é praticar a Lei de Amor
e Caridade que Jesus nos ensinou, fazendo aos outros tudo aquilo que
queremos seja feito a nós. Pronto, voltamos ao mesmo ponto de
sempre. A reparação de nossos pecados não depende do sangue de
Jesus. Mas sim, de praticarmos, junto aos homens, a Lei de Amor. Só
isso.
Como você vê, no versículo de que se valeu o articulista, de
autoria de João, não existe o princípio, simplório, de que: "o sangue
de Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado". O nosso irmão deixou
de observar o texto como um todo e, lamentavelmente, mais uma
vez, caiu em falta, atribuindo ao apóstolo um ensino que João,
efetivamente, não deixou.
Só conseguiremos viver em comunhão uns com os outros
quando estivermos assimilado toda a essência do Evangelho. Por esse
tempo, já estaremos livre da teia do pecado. O Cristo terá nos
purificado, porque, será seguindo seus ensinamentos e seus exemplos
que nos livraremos do mal.
Na dita carta, João destaca a importância de se seguir os
exemplos de Jesus. Não basta ter fé, ou acreditar que o sangue de
Jesus salva. Diz o apóstolo: "Aquele que diz que está nele também
deve andar como ele andou" (1 João 2:6).
Será necessário mais clareza de que esta: andar como Ele andou?
Jesus é o modelo de perfeição a que devemos seguir, dizem os Espíritos.
A referência ao "sangue de Jesus Cristo" tem explicação. Quem
mais deu azo a que se introduzisse no Cristianismo essa noção de que
o sangue de Jesus, faz isso e aquilo, foi o apóstolo Paulo. Isso não
136

consta da Doutrina ensinada por Jesus. Logo, era ponto de vista dele
ou até mesmo um recurso utilizado para convencimento de novos
fiéis. Útil para aquela época, porém, sem sustentação doutrinária.
Alguns exemplos da pregação de Paulo, acerca do sangue de
Cristo:
"Logo, muito mais agora, sendo justificados pelo seu sangue,
seremos por ele salvos da ira" (Romanos 5:19);
"Em quem temos a redenção pelo sangue, a remição das ofensas,
segundo as riquezas da sua graça" (Efésios 1:7);
"Mas, agora, em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto" (Efésios 2:13).
É preciso ver, primeiramente, quem era Paulo, para podermos
entender o porquê de determinadas posições que Ele adotou. Homem
rigoroso no cumprimento de Leis, extremista em suas convicções,
fortemente determinado a defender as causas que abraçava, trazia ainda
dentro de si o resultado da educação recebida no farisaísmo, e algumas
das idéias ali aprendidas acabaram refletindo-se no Cristianismo
nascente.
Dentre estas idéias estava a da remição do pecado pelo sangue.
A Lei Antiga recomendava o derramamento de sangue de animais
para se alcançar a purificação. Essa idéia estava incutida na mente de
Paulo. Trocar sangue de animais pelo sangue de Jesus foi um recurso
que se lhe pareceu extremamente válido, para fortalecer suas pregações
evangélicas, porque:
• a idéia de salvação pelo sangue estava sacramentada entre
os judeus e era conhecida pelos gentios;
• seria mais fácil as pessoas aceitarem o Evangelho,
associando a salvação cristã também ao sangue. Não mais o sangue de
animais, mas sim o sangue de Jesus;
• Jesus havia feito referência ao sangue, no ato da Santa
Ceia, citando o Sangue do Novo Testamento;
A crucificação do Mestre foi um fato de grande impacto, e ao
citar o seu sangue, estar-se-ia trazendo à lembrança aquele padecimento
suportado com resignação e fé.
137

Noutras ocasiões, Paulo assumiu uma posição de autoritarismo


muito forte. Vejam como ele via, por exemplo, a atuação da mulher.
Reflita palavra por palavra do que ele recomendava acerca das nossas
irmãs e diga-me se isto serve para os dias de hoje:
"A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. N ã o
permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o
marido, mas que esteja em silêncio" (1 Timóteo, cap 2, vers. 11 e 12).
Como você pode ver, era ponto de vista dele. Não se pode
admitir que esta seja uma das lições de Jesus. O Mestre, muito pelo
contrário, deu muito valor ao trabalho, ao papel e à participação das
mulheres. Em sua missão, a mulher esteve presente em várias
oportunidades.
Por outro lado, Paulo foi, em alguns momentos, o mais firme
defensor da prática da caridade, como condição para se atingir a
perfeição. São conhecidas as posições que adotou com relação à
caridade, chegando a defini-la como superior à fé:
"Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas
três; mas a maior destas é a caridade" (1 Coríntios 13:13);
"E, sobre tudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da
perfeição" (Colossenses 3:14).
As alusões à caridade têm sustentação doutrinária, considerando
que ela foi ensinada e exaustivamente exemplificada pelo Cristo. É
possível, assim, diferenciar o que era ponto de vista dele, de Paulo,
daquilo que era fruto das lições do Mestre.
Temos ouvido, com freqüência, pregadores evangélicos
alardearem que "o sangue de Cristo tem poder". Nós respeitamos os
que fazem isto de boa fé, entendendo o alcance limitado de seus
conhecimentos e de suas interpretações. Apesar de passados dois mil
anos, a idéia do sangue ainda continua fazendo prosélitos. Seria o
caso até de perguntarmos: afinal, quem tem poder, o sangue de Jesus,
ou o próprio Jesus?
Da forma como é dita a frase, dá-se tamanha ênfase ao "sangue",
que o fiel até esquece que o Mestre é que deve ser lembrado. Falta
uma pausa para reflexão. Isso eles não fazem por uma razão muito
138

simples: o protestante é doutrinado para não raciocinar. Basta-lhe a


certeza da salvação, que provém, conforme seus pastores dizem, da fé.
O dogma religioso impede-lhes de interpretar as escrituras com o uso
da razão. Limitam-se a decorar versículos, sem sequer ter o cuidado
de refletir em cima do que estão dizendo.
No caso em questão, vimos como o autor se agarrou a uma
frase dentro de um versículo e a que conclusões equivocadas chegou.
Do mesmo modo são os que apregoam esse poder do sangue de Jesus,
sem pensar nas distorções que a frase contém.
Sem receios de estar cometendo sacrilégios, digo que o sangue
de Jesus não tem poder nenhum. O poder está n'Ele, no Cristo e, para
vermos este poder se refletindo em nós e dentro de nós, basta que
sigamos os seus ensinamentos, amando, perdoando e fazendo todo o
bem que esteja ao nosso alcance.
"Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso
Pai Celestial perdoará as vossas" (Mateus 6:14);
"Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas essas
coisas vos serão acrescentadas" (Mateus 6:33).
Que dizem os espíritas quanto à morte de Cristo? Responde o
articulista: Dizem: "Cristo morreu para dar-nos um exemplo de
sofrimento, pois é por meio dos nossos sofrimentos neste mundo, e
nos outros mundos depois deste, que poderemos ser purificados".
Diz Allan Kardec que "as objeções nascem, quase sempre, das
idéias feitas a priori daquilo que não se conhece bem". É o caso do
nosso irmão evangélico que se atirou a falar pelo Espiritismo, sem
dele ter pleno conhecimento. Em nenhum livro espírita existe a
resposta que ele apresentou acima. Logo, aquele raciocínio é de autoria
única e exclusivamente dele e não condiz com o ensino espírita.
A forma como Jesus encarou a morte não deixa de ser um
exemplo de fé, resignação, renúncia e coragem. Não é verdade, porém,
que Cristo tenha morrido com esta finalidade: dar um exemplo de
sofrimento.
139

Jesus foi crucificado por força do atraso moral dos homens e


porque, naquela época e local, era a cruz o meio utilizado para punir
os considerados infratores.
E quero dizer mais uma coisa: Jesus morreu, aos 33 anos de
idade, por uma razão bem mais lógica e sensata: Estava concluída
aquela sua missão!
Jesus se deixou ser preso. Não foi a contragosto seu que os
soldados puseram a mão nEle e O levaram para julgamento. Se Ele
quisesse, teria se libertado da fúria dos homens, como fez outras vezes,
conforme nos atestam os evangelistas. Naquele momento, Ele não
pôs resistência. Era porque sua missão havia-se encerrado. A semente
do Evangelho estava plantada. As próprias palavras de Jesus, no
madeiro, nos permitem entender isso:
"Pai, tudo está cumprido. Nas tuas mãos entrego o meu
Espírito" (junção do que está em Lucas 23:46 e João 19:30).
Ele veio para nos dar outros exemplos de bem maior significação
de que o exemplo do sofrimento suportado no instante da morte.
Exemplos inesquecíveis e belos Ele nos deu durante a vida. São eles os
atos de bondade, de amor, de tolerância, de perdão, de caridade, de
amparo, de disciplina, de solidariedade, de fé, de poder etc. São estes
os exemplos que os Espíritos nos pedem para que observemos, para
que possamos construir um mundo melhor.
A forma como os Espíritos nos instruem para encarar o
sofrimento é outra questão. Todo efeito tem uma causa. Os sofrimentos
dos homens também têm sua razão de ser, e devem estar plenamente
enquadrados dentro da Lei de Justiça e de Amor de Deus. O sofrimento
— sem causa nesta vida — pode ser uma expiação, em decorrência de
atos praticados em outras existências, ou uma provação, por nós
solicitada antes da reencarnação. Esse entendimento faz com que nos
resignemos diante das dores, reconhecendo, em todos os tormentos
que nos atingem, a correta aplicação das Leis de Deus.
O sofrimento pode ser de natureza expiatória ou provatória.
Somente quando é expiatório é que objetiva a reparação de erros
praticados, nesta ou em outras existências. No rol das provações estão
140

os padecimentos pedidos pelo Espírito, antes de reencarnar, e que se


destinam à conquista ou aperfeiçoamento de virtudes; e os
padecimentos ocasionais, resultantes do fato de estarmos num mundo
ainda inferior, onde o mal prevalece sobre o bem.
A evolução do Espírito, até sua purificação, não está a depender
do sofrimento. Muito pelo contrário, está a depender das alegrias que
proporcione ao próximo. Superada a faixa de dor e de sofrimento,
decorrente do erro e da ignorancia, o Espirito continua a progredir
até à perfeição.
O progresso se dá em duas vertentes: Intelectual e Moral. A
evolução intelectual decorre do trabalho e dos esforços de
aprendizagem, que o Espírito desenvolve aqui e no Mundo Espiritual.
A evolução moral decorre da mudança de atitude comportamental,
substituindo vícios e imperfeições por virtudes e méritos.
Como se vê, o sofrimento é transitório. Acompanha o Espírito
durante uma fase de sua existência, sendo próprio do seu estágio de
atraso moral e intelectual. A purificação da alma se efetiva com sua
evolução, e tem no binômio Trabalho e Amor o seu verdadeiro
caminho.
"Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores" (Paulo)
Não tem novidade essa citação de Paulo. Cristo veio ao mundo
para "salvar" sim, os pecadores. Ele nos legou o Evangelho que contêm
o que devemos fazer para alcançar o Reino de Deus. A rigor, não
existe salvação. Os Espíritos não se "salvam", como pregam os
protestantes. Eles progridem. E progridem por seus próprios esforços
e méritos. A salvação à moda protestante seria uma beatitude imerecida,
posto que decorreria dos esforços e méritos do Cristo.

Pontos a Recordar:

1. O articulista omitiu a forma como teria ocorrida a ressurreição


de Jesus, na versão de Pedro: "mortificado, na verdade, na carne, mas
vivificado pelo espírito". Ou seja, não houve a ressurreição na carne,
mas sim, em Espírito.
141

2. Não é verdadeira a versão de que: "o sangue de Jesus Cristo


nos purifica de todo o pecado". O articulista deixou de observar o
texto como um todo; utilizou-se apenas do pedaço acima e,
lamentavelmente, caiu em falta, atribuindo ao apóstolo João um
conceito que ele não deixou.
3. Ao pé da letra, o sangue do Novo Testamento não teria
sentido. O Evangelho não possui veias nem sangue. Do ato da Santa
Ceia emergem duas coisas: a Doutrina (o pão) e o movimento operado
pelos missionários para divulgá-la (o sangue).
4. Cristo viveu para que pudéssemos conhecer o Evangelho,
que é o caminho a ser seguido para a remição dos nossos pecados".
Isto guarda inteira consonância com o ensino de Paulo: "Cristo veio
ao mundo para salvar os pecadores" (1 Timóteo 1:15).
5. Segundo Pedro, Jesus pregou aos Espíritos em prisão e
também aos mortos. Se Ele pregou o Evangelho aos mortos é que a
estes também é possível o arrependimento. Se há chance para o
arrependimento, haverá também para a reparação, o que desfaz o
dogma da condenação eterna;
6. Quem mais deu azo a que se introduzisse no Cristianismo a
noção de que o sangue de Jesus faz isso e aquilo, foi o apóstolo Paulo.
Era seu ponto de vista, ou até mesmo um recurso utilizado para
convencimento de novos fiéis;
7. O protestante é doutrinado para não raciocinar. Basta-lhe a
certeza da salvação, que provém, conforme seus pastores dizem, da fé.
O dogma religioso impede-lhes de interpretar as escrituras com o uso
da razão.
8. O sangue de Jesus não tem poder nenhum. O poder está
n'Ele, no Cristo e, para vermos este poder se refletindo em nós e dentro
de nós, basta que sigamos os seus ensinamentos, amando, perdoando
e fazendo todo o bem que esteja ao nosso alcance.
9. Não é verdadeira a afirmação do articulista de que, para os
Espíritas, Jesus morreu para dar um exemplo de sofrimento. Exemplos
inesquecíveis e belos Ele nos deu durante a vida. São seus atos de
amor, perdão, caridade, fé, tolerância etc.
142

10. Jesus morreu aos 33 anos por uma razão muito sensata:
estava concluída aquela sua missão! Não foi a contragosto seu que os
soldados romanos O prenderam. O estilo de morte, crucificado,
decorreu do fato de ser a cruz, naquela época e local, o meio utilizado
para punir os considerados infratores.
1 1 . 0 sofrimento é transitório. A purificação da alma se efetiva
com sua evolução, e tem no binômio Trabalho e Amor seu verdadeiro
caminho.
12. Os Espíritos não se "salvam", eles progridem. E progridem
por seus próprios esforços e méritos. A salvação à moda protestante
seria uma beatitude imerecida, posto que decorreria dos esforços e
méritos do Cristo.
143

V I I I . O MEIO DA SALVAÇÃO

Diz o articulista que em seu opúsculo escrevia inverdades a


respeito do Espiritismo:

"Os ímpios serão lançados no inferno"

"Sem derramamento de sangue não há remissão de


pecados"

Os dois trechos acima são citações bíblicas utilizadas pelo


articulista, que não fez, como recomenda a boa praxe evangélica, a
citação dos livros/versículos, onde os mesmos se encontram. E tal
como passagens anteriores, os versículos não foram copiados
corretamente. Essa falta de fidelidade ao texto depõe contra a
honestidade de propósitos de quem assim age, e tem o fim de
possibilitar distorções, confundindo o leitor. Uma frase tirada do meio
de um texto, nem sempre traduz a fidelidade do texto. Para seu melhor
entendimento, vamos buscar da Bíblia os textos integrais, para poder
analisá-los:
"Os ímpios serão lançados no inferno e todas as nações que se
esquecem de Deus" (Salmos 9:17);
"E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue;
e sem derramamento de sangue não há remição de pecados" (Hebreus
9:22).
A primeira das citações acima consta do livro dos Salmos, escrito
entre 500 a 1.000 anos antes de Cristo. É o maior livro da Bíblia (em
termos de volume de páginas) e contém 150 salmos, a maioria deles
escritos por Davi. Salmos significa "louvores". Eram os hinos do povo
de Israel, que faziam parte do culto antigo.
Já entre aquele povo a música desempenhava importante papel
e Jesus e seus discípulos também a adotaram. Um exemplo disto: após
144

a narrativa da Santa Ceia lê-se em Mateus 26:30: "E tendo cantado


um hino, saíram para o Monte das Oliveiras".
O pensamento dos Salmos está baseado na Lei Antiga, de
Moisés. Há uma particularidade do povo hebreu que convém ser
considerada: tratava-se de um povo orgulhoso, conservador, que
valorizava em excesso os laços familiares, a tal ponto de preservarem a
genealogia das pessoas até um número elevado de gerações. Com esta
cultura, consideravam-se eleitos do Senhor. Os demais povos, de outras
origens, eram por eles tratados com desdém, porque entendiam que a
proteção de Deus estava circunscrita aos seus pares.
Esse sentimento que já existia desde os tempos que antecederam
a Moisés, teve maior expansão com a fuga do Egito, sob o patrocínio
do Senhor dos Exércitos, chamado Jeová, e com os profetas que vieram
após aquele legislador hebreu, que anunciavam a vinda do Messias,
nascido dentre os descendentes de Davi. Vê-se por aí que todo o resto
da humanidade estaria entregue à sorte, porque filhos de Deus somente
eram considerados os judeus.
Isso até justifica as guerras que foram travadas por aquele povo,
em nome de Deus. Matar povos de outras raças, vencer batalhas,
dominar pela força, usurpar-lhes seus bens, era para eles uma
demonstração da proteção de Deus, e aumentava-lhes a crença em ser
um povo abençoado. A própria Canaã, a terra prometida por Moisés,
foi conquistada com muito derramamento de sangue, em batalhas
sangrentas que duraram anos, pois ela era de outros povos que
antecederam os israelitas
É notório, no entanto, que tudo isto está na Bíblia e os que
admitem, sem reflexão, esta exclusividade da proteção de Deus,
esquecem de um pequeno detalhe: quem escreveu a Bíblia foram os
descendentes daquele povo. E puxaram a brasa para a sua sardinha,
como se diz no popular. Esta visão limitada de Deus, decorria do
orgulho, da inferioridade moral do povo daquela época, que via nos
filhos de outras raças seres estranhos à Criação, logo proscritos dos
céus.
145

Foi com base nesse errôneo pensamento que se firmou a


Doutrina Antiga, que Jesus veio corrigir, reformulando todos aqueles
conceitos que não guardavam conformidade com a verdadeira pessoa
de Deus, a quem Ele definiu como sendo "Pai", misericordioso, justo
e bom.
Verdade se diga, a índole bárbara daquele povo levou-os a rejeitar
a imagem de Deus pregada por Jesus e, a despeito de todas as profecias
que anunciavam a vinda do Salvador, optaram por manter seus rituais
de sangue, condenando o Cristo à morte. Ainda hoje, no seio daquele
povo, existe a divisão, e muitos são os que mantêm em suas sinagogas
as mesmas crenças e obediências aos postulados antigos, de Moisés.
É mister se reconheça, no entanto, que Jeová, tomado por um
Deus, era um Espírito que tinha a incumbência de proteger o povo
hebreu. Era seu guia espiritual. Isto justifica os contatos diretos que
Moisés manteve com esse Espírito, que se tomou como sendo o próprio
Deus.
Seria de se perguntar por que Deus escolheu aquele povo para
ser portador de sua primeira grande Revelação aos homens, se eles
eram tão bárbaros? É bom lembrar que todos os povos da época eram
bárbaros e praticavam o culto da idolatria e do politeísmo. E, com
efeito, o povo hebreu, apesar da inferioridade que ostentava, se
apresentava como o de melhor condição para abrigar a revelação do
Deus Único. Aquela Revelação, no entanto, se destinava a todos os
homens.
Inaceitável é admitir-se que Deus, o Criador de todas as coisas,
tenha privilegiado unicamente um povo, em prejuízo de toda a
humanidade.
Aquele ranço de cultura do povo judeu, que defendia para si o
exclusivismo e o privilégio divino, foi tão forte que ainda hoje produz
adeptos. Vemos resquícios desse sentimento nos que se auto-
proclamam "salvos", e que abominam todos os que não comungam
de seus estilos de adoração. Só entre eles existe a sabedoria de interpretar
as escrituras e cultivar a fé — e o que pensam.
146

Eles, que tendenciosamente nos acusam de não querermos que


o povo leia a Bíblia, parecem desconhecer uma das advertências de
Jesus: "E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si
mesmo se humilhar será exaltado" (Mateus 23:12).
Vê-se assim o porquê da citação dos Salmos que diz: "os ímpios
serão lançados no inferno e todas as nações que se esquecem de Deus".
Ao citar todas as nações, fica notório o desejo que tomou conta do
salmista de ver no inferno o povo de todas as outras raças, que não
compartilhavam do pensamento do povo hebreu.
Na condição de espírita convicto, não vemos nada de tão
extraordinário em se dizer: "os ímpios serão lançados ao inferno....",
por quatro razões:
• Primeiro, porque ímpios são os incrédulos, os ateus, os
perversos, o que não é o caso dos espíritas. Estes pautam suas vidas no
Evangelho de Jesus, buscando a prática do bem e da caridade, num
esforço contínuo de reforma íntima. Aliás, pregam o Evangelho por
amor a Jesus e não são assalariados para isso.
• Segundo, porque o inferno da concepção protestante não
existe, por uma razão que o mais infantil raciocínio impõe: se ele
existisse teria sido obra de Deus — já que tudo que existe foi por Ele
criado. Sendo Deus onisciente e a mais pura expressão do Amor, não
criaria almas, que previamente sabia que seriam condenadas a esse
eterno suplício. A menos que você admita ser Deus um sádico.
• Terceiro, porque a palavra inferno tem concepções
variadas. É tão comum vermos pessoas afirmando "minha vida é um
inferno", o que caracteriza ser o inferno um "estágio" de sofrimento
transitório. Aqui ou no Mundo Espiritual. Onde quer que se encontre
uma mente culpada, aí está alguém mergulhado num inferno.
• Quarto, porque Inferno e Céu distinguem tão somente
estado de infelicidade ou de felicidade. Desfazendo todo esse mito
que se fez em torno de inferno e céu, como lugar circunscrito no
espaço, o próprio Cristo nos disse, acerca do céu que: "O Reino de
Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão Ei-lo aqui! Ou Ei-
lo ali! Porque eis que o Reino de Deus está dentro de vós" (Lucas
147

cap. 17, vers. 20 e 21). Por analogia, podemos afirmar que: o inferno
também está dentro de nós.
Quero lhe mostrar, também, um tremendo contra-senso, com
essa estória de que "os ímpios serão lançados no inferno". Compare
essa citação bíblica evocada pelo articulista com uma outra que ele
mesmo fez: "A nossa salvação depende... da nossa sincera fé em Cristo
como o nosso único Salvador...".
Você tem, na primeira citação, aquilo que seria o motivo da
condenação: o fato de ser ímpio. Foi ímpio, tchau, vai pro inferno!
Na segunda, você tem o motivo da salvação: a sincera fé em Cristo
como o nosso único Salvador. Teve fé, parabéns, seja bem-vindo ao
céu.
Aí eu pergunto: E se o sujeito deixar de ser ímpio? Serve para
alguma coisa? É aí que está o contra-senso. Se a salvação depende da
fé, ser ímpio ou deixar de sê-lo não faz diferença alguma. Deixar de
ser ímpio não implica, necessariamente, aceitar Jesus. Significa
regenerar-se moralmente.
E se o sujeito for ímpio e tiver fé? Como é que fica? É lançado
ao inferno, ou encontra a salvação?
É de se comentar, ainda, que para censurar o Espiritismo o
articulista voltou a usar frases soltas do Antigo Testamento. É notório
o afã com que eles buscam na Lei Antiga um meio de contestar o
Espiritismo. Nisto também há uma diferença entre nós: eles preferem
os antigos profetas, nós preferimos Jesus.
E o Mestre nos disse: "Nem todo que diz Senhor, Senhor, entrará
no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está
nos céus" (Mateus 7:21).
Ao dizer tal coisa, Jesus deixou claro uma diferença entre falar
e fazer. Para isto nós chamamos muito a sua atenção. Falar, pregar,
cantar, louvar ao Senhor, tem sua importância, no entanto, é preciso
fazer. O que define o verdadeiro cristão são os atos que ele pratica. A
propósito da salvação, veja o que dizem Paulo, Lucas e João:
"Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao
conhecimento da verdade" (Paulo — 1 Timóteo 2:4).
148

"Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo a salvação


a todos os homens" (Paulo — Tito 2:11).
"e toda carne verá a salvação de Deus" (Lucas 3:6).
"E a vontade do Pai, que me enviou, é esta: que nenhum de
todos aqueles que me deu se perca, mas que o ressuscite no último
dia" (João 6:39).
Já que os irmãos protestantes dizem seguir a Bíblia, por que
não observam essas declarações dos apóstolos de Jesus? Por que insistem
com pregações do Antigo Testamento? Por que desejam tanto que a
maior parte dos homens vá para o inferno, quando o próprio Deus
quer que toda carne veja a salvação?
A vontade de Deus está aí expressa. Será que a vontade de Deus
não é soberana? Se Ele quer, conseqüentemente Ele conseguirá. Deus
fez o mundo e todo o universo por ato de sua vontade. Bastou Ele
querer e tudo se fez. Então, se Ele quer que todos os homens se salvem,
não é uma frase solta do Antigo Testamento que vai mudar essa
soberana vontade.
Como você pode notar, na Bíblia você encontra coisas que são
ditas ali de uma maneira, e mais além, de outra forma. É até bobagem
ficarmos trocando figurinhas, do tipo Ezequias disse isso, Malaquias
disse aquilo. Estamos fazendo isso aqui unicamente para mostrar aos
irmãos que não têm procedência os enunciados do articulista contra
o Espiritismo, pois para toda afirmação que ele fez nós poderemos
levantar, dentro da Bíblia, outras inteiramente contrárias.
No próprio livro de SALMOS, de onde o articulista tirou a
frase "os ímpios serão lançados no inferno", nós encontramos
ensinamentos que se opõem frontalmente à idéia de que alguém vá
para o inferno. Veja esse exemplo:
"Toda a terra se converterá ao Senhor e todas as nações adorarão
a sua face" (Salmos 22:27).
Pense nisso! Não abdique de sua capacidade de raciocinar. A
inteligência nos foi dada por Deus para ser usada. Observe que o
verbo está no futuro "se converterá", "adorarão". Coisas somente
alcançáveis mediante a evolução do Espírito. E para que o Espírito
149

evolua, a ponto de todas as nações virem a adorar a Deus, só por meio


da reencarnação isto é possível. Ao dizer todas as nações está claro que
são todos os homens que as compõem.
Responda, sensatamente: entre as duas afirmações dos Salmos,
qual a que você considera mais coerente com o Amor de Deus: a que
manda os ímpios para o inferno, ou a outra, que revela que toda a
terra se converterá ao Senhor? Como você acabou de ver, os pastores
protestantes fazem opção pela primeira. Não seria um pouquinho de
egoísmo? O céu só para eles?
O que prevalece, para nós espíritas, são os ensinos de Jesus. E
Jesus não proibiu a evocação aos mortos; Jesus não negou a
reencarnação e não excluiu ninguém do seu Reino de Amor. No
entanto, se opôs a práticas do Antigo Testamento; exemplificou a
caridade e prometeu que mandaria o Consolador.
Diante do apego que os pastores protestantes demonstram às
pregações antigas seria o caso de perguntar: Por que não cumprem todas
as recomendações do Antigo Testamento? Se a Lei Antiga deve ser
observada num ponto, forçoso é que seja observada em todos os demais.
Por que os irmãos evangélicos não observam recomendações como:
"o incircunciso, que não for circuncidado, será eliminado"
(Gênesis 17:14);
"quem fizer alguma coisa no sábado, morrerá" (Êxodo 31:15);
"gordura nem sangue, jamais comereis" (Levítico 3:17);
"quem se chegar a uma mulher no período, ambos serão mortos"
(Levítico 20:18);
"um filho desobediente deve ser apedrejado até que morra"
(Deut. 21:18 a 21);
"a proibição de mulher vestir traje masculino ou vice-versa
(Deut. 22:5);
"a obrigação do cunhado casar com a viúva de seu irmão" (Deut.
25:5);
"a proibição de comer carne de porco" (Levítico 11);
"a proibição de cobrança de juros nos empréstimos aos pobres"
(Êxodo 22:25);
150

"o cancelamento das dívidas dos pobres a cada sete anos" (Deut.
15:1-6).
Vejam quantos absurdos aparecem lá em cima. Um deles, diz
que um filho desobediente deve ser apedrejado até que morra. Nem
os antigos cumpriram isso. Eles apedrejavam os filhos dos outros. Mas
os seus próprios... duvido muito.
Por aí você vê a qualidade dos ensinos que faziam parte do
Antigo Testamento. Jesus reformulou tudo isso. Quem quiser ficar
com os profetas antigos, que fique. Agora, por um questão de honra,
deviam ser fiéis a eles. No nosso entendimento, tem tanta coisa boa
para se ler, que não devemos perder tempo lendo coisas já ultrapassadas.
A Doutrina dos Espíritos é o Consolador prometido. Com ela,
desaparece a figura do Inferno Eterno. A Lei da Reencarnação
possibilita a todos os Espíritos o resgate das dívidas e a caminhada
para a perfeição. Com isto, não sobra ninguém para o inferno, como
desejam os evangélicos. Em compensação, se cumpre a vontade de
Deus, que quer que todos os homens se salvem!
A esse respeito, lembremos Jesus: "Ainda tenho muitas coisas
para vos dizer, mas vós não podeis suportar ainda" (João 16:12). Atente
para a expressão muitas coisas. Não é uma coisa, ou duas, ou três. São
muitas. Muitas coisas! Logo, a revelação que Ele nos trouxe ficou
incompleta. Ele não pôde dizer tudo porque os homens não podiam
suportar (compreender). Por isto Ele prometeu o Consolador, que
viria nos conduzir a toda a verdade (João 16:13).
Jesus não fez pregações ostensivas da reencarnação. Esta é uma
daquelas muitas coisas que Ele não aprofundou, porque os homens
não podiam suportar ainda. No entanto, em várias ocasiões Ele deixou
a reencarnação bem evidenciada. Vamos lembrar algumas:
* na entrevista reservada que manteve com Nicodemos Ele disse
categoricamente que "Na verdade, na verdade te digo que ninguém
pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo" (João 3:3). Sendo
Nicodemos Mestre de Israel, pôde Jesus falar abertamente da
reencarnação. E olhe a ênfase com que Ele iniciou: na verdade, na
verdade...
151

* Na cura de um cego de nascença os discípulos perguntaram:


"Quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus
respondeu: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi assim para que se
manifestem nele as obras de Deus" (João 9:2 e 3). Atente para a palavra
"este". Ficou óbvio que ao perguntar daquele modo os apóstolos
admitiam a possibilidade de o pecador voltar a nascer. Jesus não os
corrigiu. Se a reencarnação fosse impossível, Jesus não perderia a
oportunidade de admoestá-los a respeito de suas crenças.
A resposta de Jesus — nem ele nem seus pais pecaram — permite
entender que a cegueira decorria de provação (sofrimento voluntário).
O cego era um daqueles que se candidataram para auxiliar o Cristo
em sua missão terrena, sendo por Ele curado. Foi por esta razão que
Jesus concluiu dizendo que "...foi assim para que se manifestem nele
as obras de Deus".
* Ao se referir a João Batista Jesus declara: "e se quereis dar
crédito, é este o Elias que há de vir" (Mateus 11:14). "Mas digo-vos
que Elias já veio, e não o conheceram..." (Mateus 17:12). Numa clara
confissão de que João Batista era a reencarnação de Elias.
* Ao consultar os discípulos acerca do que o povo dizia a seu
respeito, Jesus ouviu: "uns dizem que és João Batista; outros Elias, e
outros Jeremias ou um dos profetas" (Mateus 16:14). Outra vez os
discípulos manifestando a crença na possibilidade de um morto nascer
de novo. E outra vez Jesus não retrucou. Como se constata, Jesus não
se opôs, em momento algum, à reencarnação.
* Em alguns dos seus enunciados, Ele deixou implícita a Lei de
Causa e Efeito, que é observada durante a reencarnação. "Quem pela
espada fere, pela espada será ferido" (Mateus 26:52); "Quem comete
pecado é escravo do pecado" (João 8:34); "dali não saireis enquanto
não pagares o último ceitil" (Mateus 5:26). O ciclo reencarnatório
está bem expresso nestes ensinamentos. O "último ceitil" significa a
última dívida espiritual. Estamos pagando, através dos renascimentos
sucessivos. Ruim era se não pudéssemos pagar.
* Na presença do moço rico, que consultou o Mestre acerca do
que devia fazer para alcançar a vida eterna, Jesus respondeu, ao final,
152

dizendo: "Se queres ser perfeito..." (Mateus cap. 19, vers. 16 a 24).
Numa só existência ninguém atinge a perfeição. Entre nós, ninguém
é perfeito.
* Ao curar um paralítico em Betesda, disse Jesus: "Eis que já
estás curado, não peques mais, para que não te suceda coisa pior"
(João 5:14). Se para aquele paralítico a doença era conseqüência dos
pecados, porque não será para os que já nascem doentes? E os que
nascem doentes, quando pecaram? Resposta: Noutra existência.
Veja que falta aos detratores do Espiritismo argumentos
racionais e verdadeiros. Na ausência destes, eles apelam para frases de
efeito do tipo "os ímpios serão lançados no inferno..." "o sangue de
Jesus nos purifica dos pecados....", "ferido por nossas transgressões..."
"os espíritas também serão condenados" ou coisas parecidas. Tais
expressões recheiam o discurso de palavras bonitas, com uma aparência
de seriedade. Adornam seus autores de um ar de entendimento e
preocupação que, em verdade, não possuem.
São palavras bonitas e vazias, mais nada.
Falta-lhes lógica e coerência com a sabedoria, a bondade e a
justiça de Deus. Nada explicam.
Faça uma retrospectiva do que dissemos até aqui. Sublinhe
aquilo que mais lhe chamou a atenção ou que, ao menos, tenha
despertado dúvidas em você. Risque e rabisque. Este trabalho foi feito
para isto mesmo.
Reúna suas observações pessoais e veja quanta coisa, que aqui
comentamos, você já ouviu em pregações evangélicas, que até aceitou,
sem se dar ao cuidado de refletir. Existem pregadores profissionais,
não esqueça disso. São treinados na arte de falar e convencer. Sobem
nas tribunas, pregam em praças públicas, falam emocionados e
aparentam conhecer a Bíblia. Ensinam-lhe coisas (às vezes vendem)
como "boas", mas que se você parar para pensar vai ver que não têm
sustentação racional.
Existe coisa mais insensata de que pregar o Amor de Deus, o
amor que o Pai tem por todos os seus filhos, e ao mesmo tempo ensinar
que marchamos para o inferno eterno?
153

A mola da pregação protestante é o Satanás. Tudo que eles


ensinam gira em função desse ser diabólico. Há quem acredite nisso
sinceramente. Também há quem acredite em Papai Noel, em cegonha,
que o homem não foi à Lua, e coisa parecida. São crenças semelhantes,
marcadas pela ingenuidade, ou irreflexão, ou má fé.
Dê uma pausa. Pense por você mesmo. Decida sozinho no que
acreditar. Não deixe se levar por mim, nem por ninguém. Você é capaz
de fazer seu próprio exame. Diz-se que quem anda na cabeça dos
outros é piolho. E você certamente não está nesta condição, até porque,
se chegou até aqui, é porque age com liberdade de escolha.
Essa sopa de frases bonitas e decoradas já é nossa velha
conhecida. É assim que há vários anos eles atuam, sem nada esclarecer
ou justificar. É o caldo da fé. Aos que dele fazem uso, são prometidas
as glórias celestiais gratuitas, isto é, sem reparação dos erros.
Ao contestar tudo quanto o articulista escreveu sobre o
Espiritismo, não nos move o propósito de condenar os que se abrigam
debaixo da fé protestante. Longe disso. Entendemos que existem
pessoas cujo grau de assimilação só vai até ali, e para estas aquela
crença ainda é necessária e benéfica. Estão na condição apontada por
Jesus há 2.000 anos, "de não poder suportar ainda" " as muitas coisas
que Ele tinha para nos dizer. Isso, no entanto, não significa que
devamos ficar de braços cruzados, esperando acontecer.
A família terrena é uma só e a evolução também ocorre no
sentido coletivo. Todos somos responsáveis por todos. Existem coisas
que precisam ser ditas, mesmo aos que as rejeitam agora. A verdade é
uma luz, mostra onde o erro se esconde.
A tolerância excessiva à desinformação, também contribui para
que permaneçamos no atraso moral em que o planeta se situa. Jesus,
cujos exemplos buscamos seguir, não teve receios em despojar da
máscara os hipócritas, nem em afrontar os que faziam do templo um
local de ganhos financeiros:
"Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que fechais
aos homens o Reino dos céus; nem entrais, nem deixais entrar aos que
estão entrando" (Mateus 23:13);
154

"Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, cuidarás


em tirar o argueiro do olho do teu irmão" (Mateus 7:5);
"E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que
vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas
e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A
minha casa será chamada casa de oração, mas vós a tendes convertido
em covil de ladrões" (Mateus 21, vers. 12. e 13).
O articulista não teve o menor ressentimento em dizer, quase
no final do opúsculo, que "...o ensino espírita acerca de Cristo é o
verdadeiro anti-cristianismo...". Tratou o espírita como sendo um
anti-cristo.
Ele também afirmou que "Por assim terem feito, será justo que
Deus os mande para esse lugar" (o inferno). Perante equívocos como
esses, ficar calado, significa, em meu modo de ver, contribuir com a
desinformação. Devemos pedir que parem com isso! O Espiritismo é
coisa séria.
Repito que o crente é doutrinado para não raciocinar e seu
engano está em considerar tudo ao pé da letra. Tudo, bem entendido,
aquilo que lhes agrada. Tomadas ao pé da letra, existem coisas ditas
até por Jesus que não se confirmaram. Quer ver:
"Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que
não provarão a morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu
Reino" (Mateus 16:28).
Todos morreram e, ao pé da letra, isto não se confirmou. Jesus
errou? Absolutamente não. Ele não estava falando de morte física.
Está aí um dos enunciados acerca da eternidade da alma (não provarão
a morte) e o seu progresso espiritual, que é alcançado por uns mais
rapidamente de que por outros (estar com Jesus no seu Reino).
"Sem derramamento de sangue não há remissão de pecados"
Passemos, agora, ao argumento acima. Por gentileza, dê-se ao
trabalho de pensar friamente no que está escrito, "sem derramamento
de sangue...". Você deve estar lembrado que esta não é a primeira vez
que a palavra "sangue" aparece neste trabalho, por força do que foi
mencionado pelo articulista.
155

Temos de novo, uma citação oriunda do Antigo Testamento.


Aquele onde são recomendados princípios como a circuncisão, o
apedrejamento aos filhos desobedientes, o apedrejamento à mulher
adúltera, a proibição para trabalhos em dias de sábado, o dente por
dente olho por olho, e uma série de outros absurdos para os dias de
hoje, que os próprios crentes, tão fiéis àquele livro, não cumprem.
O articulista, novamente, omitiu do versículo a frase anterior e
apresentou aos seus fiéis apenas a parte que lhe interessava, sem citar
a fonte. O versículo completo, é assim:
"E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue;
e sem derramamento de sangue não há remição" (Hebreus 9:22).
O livro Hebreus (epístola) consta do Novo Testamento. Seu
autor é desconhecido, embora alguns estudiosos admitam que tenha
sido escrito por Paulo.
Ao mencionar "segundo a lei", o escritor do livro Hebreus deixa
claro que está se referindo à Lei Antiga. Ele estava se referindo a Moisés
e ao sangue de bodes e bezerros, quando fez a citação do versículo
utilizado pelo articulista. Vou transcrever os dois versículos que
antecedem aquele usado pelo articulista, para você também perceber
que a referência era à lei do Antigo Testamento:
"Porque havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os
mandamentos segundo a lei, tomou o sangue dos bezerros e dos bodes,
com água, lã purpúrea e hissopo, e aspergiu tanto o mesmo livro como
todo o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos
tem mandado.
E semelhantemente aspergiu com sangue o tabernáculo e todos
os vasos do Ministério.
E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue;
e sem derramamento de sangue não há remição" (Hebreus 9:19a 22).
O irmão articulista, com seu apreço ao sangue, foi buscar na
Bíblia uma frase que contivesse esta palavra e deu nisso aí. Sequer
refletiu que aquilo lá não é ensino de Jesus.
156

Para nós espíritas, que seguimos o Mestre, a remição de pecados


pelo sangue não tem razão de ser. É lamentável que os irmãos
protestantes continuem insistindo com recomendações provindas da
Lei de Moisés, em detrimento dos sublimes ensinos de Jesus.
Será que eles ainda não se aperceberam de que o Cristo
substituiu a errônea pregação acerca do derramamento de sangue,
dos antigos, pela prática do Amor?
Que coisa horrível, veja você, pregar que "sem derramamento
de sangue não há remição de pecados". E lembre que nosso opositor
utilizou esta sentença para condenar a Doutrina Espírita. Imagine se
fôssemos nós, pregando o derramamento de sangue, o que ele não
diria.
Mesmo que o articulista tenha pretendido se referir ao sangue
de Jesus, foi infeliz em apoiar seu pensamento em uma sentença
oriunda do Antigo Testamento, onde o sangue citado é sangue mesmo,
de animais e de pessoas (os antigos holocaustos dos hebreus). Já
comentamos que o povo hebreu acreditava que a remição dos pecados
era alcançada mediante a obediência à Lei e ao derramamento de
sangue.
A morte e o sangue de Jesus foram encarados, no princípio,
pelos seus seguidores, como um fato de poder redentor. Isto se deve
ao fato de que em suas mentes estava arraigada aquela idéia do resgate
das faltas pelo derramamento de sangue de bode, bezerro e carneiro,
que era prática consagrada há 14 séculos entre os judeus.
A propósito disto, e numa prova de que a idéia de sangue de
bode e carneiro era uma coisa forte, incrustada na mente do povo,
vale lembrar que o próprio Jesus foi intitulado, posteriormente, de "o
cordeiro" de Deus. Sabe o que é um cordeiro? Filhote do carneiro e da
ovelha.
A Lei do Senhor é toda ela baseada no Amor. Pretender que o
sangue de Cristo nos purifique do pecado é apelar para a lei do
comodismo. O fácil perdão das ofensas, em face de um sofrimento
ocorrido há 2.000 anos. Cristo teria pago, por antecipação, nossos
erros de hoje. Os protestantes acreditam nisso. Veja que o articulista
157

diz em seus comentários que "A morte d'Ele sobre a cruz foi o sacrifício
perfeito e completo que pagou o preço do nosso pecado...".
É querer moleza, Não acha? Você pode errar à vontade, porque
Jesus já pagou o preço. Visto por outros olhos, já que tudo está quitado,
vamos pecar? Um absurdo isto.
Então alguém dirá: não, porque ninguém sabe quando a morte
vem. É uma contradição muito grande. Cristo pagou ou não por nossos
pecados? Se ele pagou, eu nada mais devo! Pouco importa quando a
morte venha. Todos os meus pecados, os que eu cometi até hoje e os
que ainda vou cometer, Ele pagou antecipadamente. É isso o que se
deduz da afirmação do articulista. "A morte d'Ele foi o sacrifício
perfeito e completo, que pagou o preço do nosso pecado...".
Uma pessoa sensata jamais poderá aceitar uma coisa desta. Os
antigos também acreditavam que "A morte de bodes e bezerros era o
sacrifício perfeito e completo que pagava o preço dos pecados deles...".
Era ingenuidade.
É hora de voltarmos a nos concentrar em Jesus e no seu
Evangelho. E seus exemplos, não servem? Serve somente a morte d'Ele
na cruz? Ele não ficou apenas orando ao Pai, louvando a Deus, e
esperando a hora de retornar à glória celestial. Ele foi à luta. Procurou
os sofredores, os oprimidos, os desesperados, as vítimas do infortúnio.
Ele levou alegria onde havia tristeza; saúde onde havia doença; luz
onde havia trevas; amor onde havia ódio. Ensinou o que fazer (João
15,vers. 12 a 14):
"O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros,
assim como eu vos amei";
"Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua
vida pelos seus irmãos";
"Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando".
O verdadeiro caminho que Jesus apontou para a iluminação da
alma é o amor ao próximo. Os Espíritos nos dizem que "toda a verdade
se encontra no Cristianismo. São de origem humana os erros que nele
se enraizaram". Muitos desses erros nascem de interpretações
158

equivocadas, como essa de que "A morte d'Ele foi o sacrifício perfeito
e completo, que pagou o preço do nosso pecado...".
Há um fato histórico que é importante rever. A Doutrina
original de Jesus sofreu, logo nos seus primeiros anos de divulgação,
forte influência do culto antigo dos hebreus. Os apóstolos tiveram
que ceder e adotar costumes, rituais e práticas exteriores, da Lei
mosaica, sob pena de serem simplesmente banidos pelos sacerdotes
hebreus. Somente com essas "concessões" foi possível ganhar espaço
para a manutenção da Casa do Caminho e das primeiras "igrejas"
cristãs.
A propósito, você sabe por que estão reunidos, na Bíblia, o
Antigo e o Novo Testamento? Por imposição dos poderosos sacerdotes
da Lei antiga. O Cristianismo foi tolerado sob condições. Uma delas
foi manter o vínculo com a Doutrina Antiga.
Com a vinculação da Igreja ao Poder a partir da célebre
conversão de Constantino (300 anos d . C ) , e depois com Justiniano,
o Cristianismo sofreu sérias mudanças, desfigurando-se ao longo do
tempo.
A Doutrina original, que se baseava na simplicidade, na prática
da caridade, na fraternidade e na comunicação com o Plano Espiritual
— consagrada no Pentecostes, quando os Espíritos comunicantes
falaram diversas línguas e profetizaram, conforme ATOS cap. 2,
versículos 1 a 13 —, pois bem, a Doutrina original o período infeliz
da Idade Média, o longo período da Inquisição, tudo concorrendo
para desnaturar o Cristianismo Primitivo.
Havia necessidade de restauração da Doutrina Original e de
ser revelada aos homens parte daquelas muitas coisas que Jesus tinha
para nos dizer, mas não disse. Esta missão foi confiada aos Espíritos
Superiores, que desde meados do século XIX vêm trabalhando junto
aos homens de boa vontade e sem preconceitos, para implantar em
definitivo neste mundo a Lei do Amor, que Jesus e outros missionários
seus ensinaram.
O Cristianismo é fácil de ser compreendido e praticado. Tudo
se resume na Lei do Amor ao Próximo. Fazer aos outros tudo aquilo
159

que queremos seja feito a nós. Não há necessidade de derramar sangue


de ninguém, nem muito menos apelar para o sangue de Cristo. Para a
salvação não há necessidade de atos exteriores, nem conversões de fé.
É muito mais uma questão de reforma íntima.
O Espiritismo, como Cristianismo redivivo, pauta-se pela
simplicidade. Não temos sacerdócio, não impomos obrigações e
deveres, não cobramos dízimos, não remuneramos palestrantes, nem
dirigentes de Centros. Não nos mantemos às custas da Doutrina.
Quando muito, mantemos um quadro de associados e contribuintes,
necessariamente de adesão espontânea, cuja arrecadação se destina
unicamente a custear as despesas de manutenção da Casa e do trabalho
caritativo agregado.
A doutrinação espírita consiste em despertar consciências, com
o foco de promover a reforma moral dos homens, único caminho que
conduz a Deus. Material e espiritualmente, doamos um pouco do
que temos para aliviar o sofrimento de quem tem menos de que nós,
numa corrente de amor, que espalha o bem por todos os cantos, onde
haja um Centro Espírita.
Diz o irmão articulista que "O espiritismo ensina que "fora da
caridade não há salvação" e que chegaremos à perfeição e à perfeita
comunhão com Deus por meio dos nossos sofrimentos...". É verdade
a primeira parte do que ele diz, acima sublinhado, e engano a segunda.
Buscamos pautar nossas vidas dentro do lema "Fora da caridade
não há salvação", mas não dizemos que é por meio dos sofrimentos
que chegaremos à perfeição. Para chegar lá o caminho é o Trabalho e
o Amor (evolução intelectual e moral). O sofrimento é estágio
transitório, já o dissemos.
Contrariamente a nós, eles apregoam que "Fora da Igreja (deles)
não há salvação". E Jesus, o que pensará? Quem estará agindo de
conformidade com seus ensinos? Os que adotam a caridade e enxugam
as lágrimas do sofredor, ou os que se entregam aos louvores em praça
pública para serem vistos e ouvidos — às vezes em grandes brados —
, mas se mantêm indiferentes à dor alheia? Ouçamo-Lo (Lucas cap.
10,vers. 25 a 37):
160

"E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o e


dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
E Ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?
E, respondendo, ele disse: Amarás ao Senhor teu Deus, de todo
o teu coração e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo
o teu entendimento e ao teu próximo como a ti mesmo.
Disse-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso e viverás.
Ele, porém, querendo justificar-se disse: E quem é o meu
próximo?
E respondendo Jesus disse:
Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos
dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o se retiraram,
deixando-o meio morto. E, ocasionalmente, descia pelo mesmo
caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E, de igual modo,
também um levita, chegando àquele lugar e vendo-o passou de largo.
Mas um samaritano que ia de viagem chegou ao pé dele e,
vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-
lhe as feridas, aplicando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua
cavalgadura, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. E, partindo
ao outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe:
Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu to pagarei, quando voltar.
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu
nas mãos dos salteadores?
E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele.
Disse pois Jesus: Vai e faze da mesma maneira".
Resumindo tudo isso acima, teremos: Mestre que farei para
herdar a vida eterna? E Jesus, exemplificando com um caso, expõe
clara e inquestionavelmente que: Fora da caridade não há salvação!
Na Bíblia que estudamos é isto o que lemos. Se a Bíblia do
articulista ensina de modo diferente, é de se perguntar: C o m o lês? Na
nossa, estudamos os ensinos de Jesus. Ele, como continua a aprender
com a Bíblia dos antigos profetas, tem razão em dizer que: "os ímpios
serão lançados no inferno"... "sem derramamento de sangue não há
remição de pecados". É uma pena, mas ele está 2.000 anos atrasado!
161

Pontos a Recordar:
1. A falta de fidelidade ao texto bíblico depõe contra a
honestidade de propósitos de quem assim age, e tem o fim de
possibilitar distorções, confundindo o leitor.
2. A visão limitada a respeito de Deus, decorria do orgulho e da
inferioridade moral do povo hebreu, daquela época, que via nos filhos
de outras raças seres estranhos à Criação.
3. Foi com base nesse errôneo pensamento que se firmou a
Doutrina Antiga, que Jesus corrigiu, reformulando conceitos que não
guardavam conformidade com a verdadeira pessoa de Deus, a quem
Ele definiu como sendo "Pai".
4. Aquele ranço de cultura do povo judeu, que defendia para si
o exclusivismo e o privilégio divino, foi tão forte que ainda hoje produz
adeptos. Vemos resquícios desse sentimento nos que se auto-
proclamam "salvos".
5. Não vemos nada de tão extraordinário em se dizer: "os ímpios
serão lançados ao inferno....". ímpios são os incrédulos, os ateus, os
perversos, o que não é o caso dos espíritas.
6. "Deus quer que todos os homens se salvem e venham ao
conhecimento da verdade". A vontade de Deus é soberana. Se Ele
quer que todos os homens se salvem, não será uma frase solta do
Antigo Testamento que vai mudar essa sua soberana vontade.
7. Jesus não fez pregações ostensivas sobre a reencarnação. Esta
é uma daquelas muitas coisas que Ele não aprofundou, porque os
homens não podiam suportar ainda. No entanto, em várias ocasiões
Ele a deixou bem evidenciada.
8. Os que pregam que "sem derramamento de sangue não há
remição" ainda não se aperceberam de que o Cristo substituiu o
derramamento de sangue, dos antigos, pela prática do Amor.
162

9. O Espiritismo pauta-se pela simplicidade. Não temos


sacerdócio, não impomos obrigações e deveres, não cobramos dízimos,
não remuneramos pregadores, nem dirigentes, nem trabalhadores da
Causa Espírita.
10. O irmão articulista continua a falar a linguagem dos antigos
profetas, daí dizer que: "os ímpios serão lançados no inferno"... "sem
derramamento de sangue não há remição de pecados". Ele está 2.000
anos atrasado!
163

I X . AINDA O MEIO DA SALVAÇÃO

Diz o opúsculo que estamos comentando:

"Pela graça sois salvos por meio da fé, e isto não vem de
vós, nem das obras, mas é dom de Deus"
"Pelas obras ninguém será justificado diante de Deus"
"Aquele que crê no filho de Deus tem a vida eterna, mas
aquele que não crê no Filho de Deus não verá a vida, mas sobre
ele permanece a ira de Deus"

Os trechos acima são citações bíblicas utilizadas pelo articulista,


que não fez, como recomenda a boa praxe evangélica, a citação dos
livros/versículos, onde os mesmos se encontram. Para seu melhor
entendimento, vamos buscar da Bíblia os textos integrais, para poder
analisá-los:
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem
de vós; é dom de Deus" (Efésios 2:8);
"Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei,
mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo,
para sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei,
porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada" (Gálatas
2:16);
"Aquele que crê no Filho de Deus tem a vida eterna, mas aquele
que não crê no Filho de Deus não verá a vida, mas sobre ele permanece
a ira de Deus" (João 3:36).
Vamos comentar, de início, somente os dois primeiros versículos.
Quem os escreveu foi o apóstolo Paulo, em cartas que dirigiu às igrejas
de Éfeso e da Galácia. Na verdade, Paulo fez pregações em torno da
fé, apontando-a como meio de salvação. Fez o mesmo em relação à
caridade, conforme já comentamos em capítulo anterior. Era seu
ponto-de-vista.
164

O brioso apóstolo, a quem muito se deve pela divulgação do


Cristianismo entre os gentios, era pessoa rigorosa e destemida. Como
homem, estava passível de se enganar em alguns pontos. Há de se ver,
também, que como ex-doutor da lei, é natural que tenha se deixado
influenciar por alguns dos conceitos antigos.
Nos versículos apontados pelo articulista, fica evidenciada a
idéia de que a fé é bastante à salvação. Esse era o pensamento de Paulo,
mas não era o de Jesus. Lembre que, em dois momentos, já
mencionados neste livro, ficou claro que o Cristo apontou "a caridade"
como caminho da salvação. Foi no encontro com o Moço Rico (Só te
falta uma coisa: vai, vende tudo que tens e dá aos pobres....) e na
parábola do Bom Samaritano (vai e faze da mesma maneira).
Entre Paulo e Jesus há uma considerável distância. Paulo disse,
a respeito de si mesmo, o seguinte: "Esta é uma palavra fiel e digna de
toda aceitação: que Jesus Cristo veio ao mundo, para salvar os
pecadores, dos quais eu sou o principal" (1 Timóteo 1:15). E Jesus, a
respeito dos seus discípulos disse: "Não é o discípulo mais do que o
Mestre, nem é o servo mais do que o Senhor" (Mateus 10:24).
Jesus dava à fé uma outra função: a capacidade alcançar ou
fazer o bem.
"...Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte
passa-te daqui para acolá e há de passar; e nada vos será impossível"
(Mateus 17:20).
"Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê" (Marcos 9:23);
"E tudo que pedirdes na oração, crendo, recebereis" (Mateus
21:22).
Diante das curas que realizou, costumava dizer "tua fé te salvou"
(Lucas 17:19). Note que salvação era empregado como libertação de
um mal.
Jesus fez citações quanto aos que n'Ele cressem. "Eu sou a
ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá. Crês tu nisto?
(João 11:25 e 26).
165

Crer, envolve o componente fé. No entanto, tem outro


significado muito mais transcendental do que imaginam nossos irmãos
protestantes. O que é crer em Jesus? Será simplesmente aceitar que
Ele é o Salvador? Bastará isso? É neste ponto onde nós divergimos e
muito dos crentes.
Crer em Jesus é seguir os seus preceitos morais.
Chamo você mais uma vez à reflexão. Neste mundo, dois terços
da humanidade não conhece o Evangelho de Jesus. Irmãos nossos de
outros continentes têm vida religiosa pautada em ensinamentos de
outros missionários, que vieram ao mundo para guiá-los para Deus.
Temos a felicidade de estar com Jesus, que foi o Espírito mais puro
que já veio ao mundo e que é o Guia Espiritual do planeta. Os outros,
foram todos enviados seus, com missão específica junto àqueles povos,
num atestado de que ninguém está desamparado.
O que eu questiono é o seguinte: e esses outros povos, como
ficam? Se, como diz Paulo, o homem só é justificado "pela fé em Jesus
Cristo", como ficam os que não admitem Jesus? Estarão mesmo todos
fatalmente condenados?
É aí que quero chamar sua atenção para o que é crer em Jesus.
Eu disse, logo acima, que era seguir os seus preceitos morais. Trocando
em miúdos, é viver dentro da Lei: amar a Deus, e ao próximo como a
si mesmo; fazer aos outros tudo aquilo que queremos seja feito a nós.
Não importa o nome J E S U S , MAOMÉ, BUDA, ou quem quer
que seja. Importa a conduta moral. É isso o que eu aprendo no
Evangelho. No Sermão do Monte, que é considerado como o
coroamento da pregação evangélica de Jesus, o Senhor deixou muito
clara essa condição, ao dizer: "Bem aventurados os limpos de coração,
porque eles verão a Deus" (Mateus 5:8).
Jesus não fez acepção de povos, nem de raças, nem de religião.
Os limpos de coração, não importa em que continente estejam, nem
a qual profeta adorem. Estes, onde quer que estejam, verão a Deus.
Limitar a salvação aos que declaram aceitar Jesus como seu Salvador,
é ignorar a grandiosidade da obra de Deus e a magnanimidade de seu
amor e sabedoria. Mais uma vez, é demonstração de desconhecimento.
166

Disse Jesus: "Tenho ainda outras ovelhas que não são deste
aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha
voz, e haverá um rebanho e um Pastor" (João 10:16). Não seria uma
alusão aos povos de outros continentes?
Entre os apóstolos de Jesus havia divergência. Entre nós, seus
seguidores, também há. Seguimos o mesmo Evangelho, e o
interpretamos, em alguns pontos, de forma diferente. Estamos aqui
num bate-bola com o irmão articulista, porque divergimos da maneira
de pensar dele, embora respeitemos seu livre-arbítrio para continuar
pensando da forma que quer.
Exemplo dessa divergência está no tocante à fé. Paulo ora
pregava a salvação pela fé, ora pela caridade. Tiago, se opunha a Paulo,
neste particular, e ensinava a salvação unicamente pelas obras. Um e
outro tiveram papel importante na divulgação do Evangelho e foram
escolhidos por Jesus, embora o Cristo de antemão soubesse que iriam
divergir. Ouçamos Tiago:
"Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não
tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo?" (Tiago 2:14);
"Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma"
(Tiago 2:17);
"Vedes, então, que o homem é justificado pelas obras e não
somente pela fé" (Tiago 2:24).
Agora relembremos algumas citações de Paulo, a respeito da fé
e da caridade. Perceba a dubiedade de pensamento do apóstolo:
"Pela graça sois salvos por meio da fé, e isso não vem de vós; é
dom de Deus" (Efésios 2:8);
"Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as
obras da lei" (Romanos 3:28);
"Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas
três; mas a maior destas é a caridade" (1 Coríntios 13:13);
"E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os
mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé. de maneira tal
que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria" (1
Coríntios 13:2).
167

Estão aí, bem evidenciados dois pontos de vista divergentes.


Paulo e Tiago se expressando de forma oposta com relação a fé e as
obras. Paulo estava certo? Tiago estava errado? O assunto foi trazido
para sua reflexão.
Apesar de ter dito que entre Paulo e Tiago houve divergência
com relação àquele ponto, eu gostaria de apontar um detalhe, no
mínimo questionável. Teria Paulo defendido mesmo que as obras não
justificam? Tenho lá minhas dúvidas.
Observe com bastante carinho o que Paulo disse: "Sabendo
que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus
Cristo..." e "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé,
sem as obras da lei".
Volte lá, no início do capítulo e releia todo o versículo. Você
verá que Paulo fez várias vezes a citação de "obras da lei". Ele especificou
a que tipo de obras estava se referindo. Quem não justifica o homem
perante Deus, são as obras da lei.
A essa altura você já percebeu o que seriam as "obras da lei".
Trata-se de uma alusão à lei antiga, de Moisés. As obras da lei a que
Paulo se refere são: a circuncisão, os holocaustos, os rituais do povo
hebreu, as festas sagradas, os apedrejamentos. Realmente, Paulo está
com a razão. Estas obras da lei não justificam, nem salvam ninguém.
O irmão articulista omitiu (intencionalmente?), do seu texto o
versículo completo, e, ao dizer somente: "Pelas obras ninguém será
justificado diante de Deus" cometeu o pecado da meia-verdade. Em
GÁLATAS 2:16 está escrito "obras da lei". Em R O M A N O S está
escrito também "obras da lei". Ele que diz seguir a Palavra de Deus,
que é a Bíblia, devia, ao menos, ser fiel ao que lá se contém.
Há quem diga que você pode enganar poucos por muito tempo;
enganar muitos por algum tempo; jamais conseguirá enganar a todos,
todo o tempo.
Para desempatar, como se costuma dizer, vamos ouvir a opinião
de outro apóstolo. Vamos ouvir o que Pedro disse a respeito:
"E, se invocais por Pai aquele que, sem acepção de pessoas,
julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante o tempo
da vossa peregrinação" (1 Pedro 1:17).
168

Não precisamos dizer mais nada, basta você prestar atenção ao


que sublinhamos.
Chama nossa atenção, ainda, a afirmação de Paulo de que a fé
é dom de Deus. "Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso
não vem de vós; é dom de Deus...".
O problema é o seguinte: se a fé é obra de Deus, não há méritos
naquele que a tem. Se a fé não vem de nós, é um dom, só os que
possuem esse dom terão fé. Existiria, então, a fatalidade. Somente os
"predestinados" por Deus possuem a fé. O que se coloca aqui é a
questão dos privilégios. Por que uns teriam esse privilégio e outros
não? Qual o critério de Deus para dar a uns esse dom e a outros não?
E você? Possui ou não o dom da fé? Se possui, acha justo? Se
não possui, sente-se confortável ao saber que a uns Deus outorgou
esse dom?
Conforme comentamos, Paulo se deixou contagiar por alguns
dos princípios que ele aprendeu no farisaísmo de onde veio. O povo
judeu se considerava privilegiado. Era o povo eleito por Deus. Essa
idéia de privilégio p o d e ter influenciado Paulo no momento em que
ele expressou aquele ponto de vista.
Eu prefiro ir mais dentro e analisar a questão por outro ângulo.
Pelo prisma da evolução do Espírito. Nada impede de a fé ser vista
como um dom de Deus. Neste caso, não só a fé, como todas as virtudes.
O Espírito, criado simples e ignorante, traz em potencial todas as
qualidades que o habilitarão à perfeição. Dependerá de seus esforços,
o desabrochar dessas qualidades. As virtudes são aquisições do Espírito,
adquiridas ao longo de suas experiências na carne. A fé legítima nada
mais é do que o atingimento de determinado grau de compreensão
das coisas de Deus, na escalada evolutiva do Espírito.
O problema é de interpretação. Os crentes, por falta de reflexão,
julgam que somente eles têm o poder da fé. Eles seriam os predestinados
à fé. Somente a eles Deus teria dado esse dom. Estão interpretando
errado o que Paulo quis dizer a respeito da fé. Agindo assim, nem
percebem que se apresentam como exclusivistas, e impõem: ou a fé
agora, ou o inferno para sempre.
169

Em respaldo aos ensinamentos dos Espíritos, de que as obras, e


não a fé, é que definem a sorte futura dos homens, credenciando-os à
felicidade eterna, leio no Livro de Deus, o seguinte:
"Porque o Filho do Homem virá na glória de seu Pai, com os
seus anjos: e, então, dará a cada um segundo as suas obras" (Mateus
16:27);
"E eis que cedo venho e o meu galardão está comigo, para dar
a cada um segundo a sua obra" (Apocalipse 22:12);
"O qual recompensará cada um segundo as suas obras"
(Romanos 2:6);
"E os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas
nos livros, segundo as suas obras" (Apocalipse 20:12).
Até aqui temos feito uso, tal qual o articulista, de versículos tirados
daqui e dali da Bíblia, para justificar nosso entendimento. Apesar disto,
gostaríamos de fazer você entender que essas citações isoladas, conquanto
valiosas, não devem servir para uma tomada de posição.
O Evangelho tem que ser apreciado em sua Visão Global. Qual
a essência do ensinamento de Jesus? É isso que nós devemos assimilar.
Qual a mensagem que Ele trouxe aos homens?
Qual a importância de Jesus para nossa sociedade?
Qual a utilidade desses ensinos para a nossa vida particular?
Em que seus ensinos podem contribuir para que edifiquemos
um mundo mais fraterno e bom?
Já é hora de deixarmos de lado as querelas e objeções e olharmos
todos numa só direção. O que se impõe, para formação de uma
sociedade mais justa e fraterna, é a reforma moral dos homens. O
Evangelho de Jesus encerra tudo aquilo que precisamos fazer para
atingir esse fim. Essa reforma moral dos homens não pode excluir
ninguém. Não há privilégios, não há vencidos. Somos parte de um
mundo que é um singelo grão de areia diante da imensidão do Cosmo.
Temos um Senhor a nos guiar: Jesus.
• O caminho que Ele aponta: O amor ao próximo.
• A Senha que Ele indica: Fazer aos outros aquilo que
queremos seja feito a nós.
170

• O meio que Ele exemplifica: A caridade.


• A direção que Ele apresenta: A paz.
• O consolo que Ele traça: A prece
• O gesto que Ele dignifica: A humildade.
• O alimento que Ele traz: A fé.
• O tempo que Ele nos concede: O dia de hoje.
• O fim que Ele mostra: A felicidade futura.

É essa a proposta do Espiritismo: promover a reforma moral


dos homens. É nisto que consiste o trabalho que os Espíritos, os
enviados de Jesus, estão promovendo. Se não agrada aos irmãos
protestantes o que fazemos, ao menos, ouçam o Senhor a dizer: Deixai-
os, "quem não é contra nós, é por nós" (Marcos 9:40).
"Aquele que crê no Filho de Deus tem a vida eterna, mas
aquele que não crê no Filho de Deus não verá a vida, mas sobre ele
permanece a ira de Deus" (João 3:36).
Passemos ao exame do enunciado acima, também utilizado pelo
articulista para contrapor-se aos ensinamentos espíritas. Devo dizer,
desde já, que, embora aquela afirmação seja extraída do livro de João
Evangelista, a mesma não é de autoria daquele apóstolo. Não foi João,
o apóstolo de Jesus, quem disse isso.
Foi o outro João. J O Ã O BATISTA, o precursor de Jesus. E
quem era João Batista? Jesus o disse: Elias reencarnado. Ao anunciar
aquelas coisas, João Batista estava tão somente cumprindo sua missão
terrena de preparar o caminho para o Senhor.
Era, como se vê, um chamamento, um convite, para que seus
seguidores acreditassem na mensagem evangélica que, logo em breve,
Jesus começaria a lançar. Antecipava-se ao Mestre. Em tom enérgico e
profético, buscava comover seus ouvintes, mostrando-lhe que estava
próxima a anunciação do Reino de Deus.
Considerando-se a ignorância do povo da época, soube João
Batista empregar as palavras corretas, para lograr o impacto que o
momento exigia. Como entre o povo judeu era comum se falar da ira
de Deus, soube o profeta valer-se do linguajar corrente, para dar
171

credibilidade às suas palavras e chamar a atenção para aquilo que


anunciava.
Como você pode concluir, o enunciado de João Batista teve
um fim circunscrito. Teve uma finalidade temporária. Serviu
principalmente para aquele momento e para aquele objetivo. Visou a
preparar o caminho, predispor as pessoas. João não veio ensinar. Veio
preparar. O Ensino ficou por conta de Jesus. E, dos ensinos do Cristo,
não consta que Deus cultive esse sentimento inferior chamado ira.
Diz o articulista em seus arrazoados: "Eu vejo que a Bíblia não
ensina a reencarnação, mas sim a ressurreição para a vida eterna no
Paraíso, ou para o castigo eterno no lago de fogo, depois do homem
ser julgado diante do tribunal de Deus", (os grifos são meus).
Sobressai disso aí que o irmão articulista deseja que a ira de
Deus caia sobre os espíritas. Ele não consegue esconder esse desejo. É
um desejo compreensível, porque é fruto daquilo em que ele acredita,
e Deus, em sua infinita bondade, o ama mesmo assim. Reconhece o
seu valor, tanto quanto o meu, apesar de nossas imperfeições. Paulo,
no passado, combateu a Jesus por fidelidade ao que aprendera até ali.
Ao contato com a Verdade, reposicionou-se. A hora do irmão articulista
também chegará, não importando se esteja aqui ou no Além.
O nosso opositor faz um jogo de palavras arrumadas para
confundir e seduzir. Pois bem, contrariando o que ele diz, eu afirmo o
seguinte: "Eu vejo que a Bíblia não ensina a ressurreição, mas sim a
reencarnação, para possibilitar à alma a conquista do Paraíso, ou da
felicidade eterna, depois que o homem reparar seus erros e se mostrar
perfeito diante de Deus". E justifico:
Conforme veremos, ressurreição é a mesma coisa de
reencarnação. Os antigos, aqueles que ainda não podiam suportar
muitas das verdades que Jesus tinha para nos dizer, traduziram
erroneamente o que seria a ressurreição anunciada por Jesus.
No mesmo erro de interpretação perseveram os protestantes
que idealizam a ressurreição como sendo a devolução pela terra dos
corpos de todos os homens que aqui já viveram. Os mortos retomariam
seus antigos corpos e se apresentariam ao Tribunal de Deus, para o
172

julgamento individual, num determinado dia, chamado Dia do Juízo


Final. Entre outras impropriedades, a ressurreição por aquele laborioso
processo, é:
• cientificamente impossível: em face da decomposição dos
corpos;
• contrária à lei de Deus: a decomposição é um dos
princípios da natureza, a que todos os corpos orgânicos estão sujeitos;
• esteticamente horrorosa: corpos mutilados e deformados,
sendo restituídos aos seus donos; raças primitivas, já extintas,
misturadas às novas;
• humanamente injusta: feios e deformados, condenados
a ingressar na eternidade do céu ou do inferno, com corpos que
prefeririam não ter, ao lado de outros fisicamente belos;
• filosoficamente inaceitável: crianças, idiotas, loucos, que
nada fizeram, que não tiveram oportunidade de expressar sua fé ou
aceitação de Jesus como seu Salvador, sendo julgados por critério
diferente do utilizado para os demais mortais;
• socialmente perigosa: vítimas e algozes se reencontrando,
antes de propalada a sentença divina, com previsibilidade de ocorrerem
acertos de contas. Inclusive os pastores crentes "salvos", mas cujos
pecados não foram perdoados por aqueles a quem ofenderam, expostos
à fúria vingativa de suas vítimas;
• divinamente injusta: muitos dos erros cometidos
decorrem do meio social onde nascem as pessoas; da educação que
recebem; das agruras da vida; dos sofrimentos trazidos desde o berço;
da pouca inteligência; da falta de contato com o Evangelho de Jesus
etc.
Pense nisso! Não renuncie ao direito que você possui de
raciocinar. Se Deus temesse o uso da inteligência pelo homem, não
nos teria dotado desta faculdade. A ressurreição, tal qual pretendem
os pastores crentes, não existe. É contrária à Lei natural, à sabedoria e
à justiça de Deus. Eles, apesar de se dedicarem à leitura da Bíblia, não
são donos da verdade.
173

Desafio qualquer protestante a me mostrar que na Bíblia Jesus


definiu a ressurreição como sendo a devolução pela terra dos corpos
dos mortos e a retomada destes pelos seus ex-donos. Jesus empregou
o termo ressurreição, mas não explicou como esta se daria. O erro, a
respeito deste assunto, é de origem humana. É bom lembrar a evolução
lingüística e as dificuldades de tradução. Se Jesus empregou o termo
ressurreição, importa saber qual o verdadeiro sentido dessa palavra.
Como a essência é o que vale, é admissível entender que Ele se referia
à reencarnação (palavra que usamos na nossa língua para definir o
retorno à carne).
Estudo a Bíblia e nela o apóstolo Pedro me diz que o
ressurgimento de Jesus, após a crucificação, não foi na carne, mas em
espírito.
"Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus; mortificado, na verdade, na carne, mas
vivificado pelo espírito" (1 Pedro 3:18),
Vivificar é ressurgir, ressuscitar, reviver.
Veja bem: "mortificado, na verdade, na carne". Ou seja, o
sofrimento foi físico, na matéria. Porém "vivificado no espírito", ou
seja, retornou não mais com o corpo material, mas como Espírito.
O retorno à carne nada mais é do que a Reencarnação. Esta
sim, inteiramente coerente com a sabedoria e a bondade de Deus.
Vejamos o que a Reencarnação proporciona e é:
• cientificamente possível: a geração de um novo corpo se dá
no ventre materno, ao qual o Espírito reencarnante se liga, para dotar
de inteligência e vida aquela massa física em formação;
• coerente com a Lei de Deus: a formação dos corpos materiais
no útero materno obedece às leis naturais de fecundação e reprodução;
• filosoficamente aceitável: as dores, os sofrimentos
congênitos, as provações dolorosas, tudo tem uma "causa" justa e em
perfeita harmonia com a grandeza, a justiça e a bondade de Deus;
174

• racionalmente lógica: aptidões, inteligência, moralidade,


dons que trazemos desde o berço, definem o estado de evolução do
Espírito; são conquistas da alma que acompanham o ser em nova
existência;
• socialmente benéfica: a Lei do esquecimento que acompanha
o processo reencarnatório, possibilita que vítimas e verdugos, em
processo de reparação e ajuste, retornem ao palco da vida, sem o
tormento das lembranças de um passado infeliz;
• o processo evolutivo da alma: criada simples e ignorante, a
cada existência ela dá um passo adiante na senda do progresso;
• a imparcialidade de Deus: todos estão sujeitos às mesmas
leis e para ninguém há privilégios;
• a justiça divina: toda violação às leis de amor, aciona a
necessidade da reparação pelo mal cometido. Erro algum passa em
vão; cada um é punido naquilo em que pecou e na exata proporção da
dor que levou ao próximo;
• igualdade de destino: para crianças, adolescentes, jovens,
loucos, idiotas, suicidas, que, em nova existência, encontram os meios
de que necessitam para dar prosseguimento à marcha evolutiva,
adquirindo méritos e virtudes que lhes proporcione a conquista da
felicidade eterna;
• reparação dos erros: o bom Pai sempre deixa aberta uma
porta aos filhos. Deus não perdoa, no sentido literal da palavra.
Também não condena. Dá a todos a oportunidade necessária para a
reparação dos pecados;
• a salvação para todos: todos somos Espíritos caminhando
para Deus, uns mais atrasados, outros mais adiantados, mas todos,
sem exceção, seguindo rumo à felicidade eterna.
O que é que existe de errado com a reencarnação? O que impede
Deus de tê-la adotado? Em que ela fere os princípios morais do
Evangelho de Jesus? Onde ela contraria a Lei de Amor a Deus e ao
próximo? Qual o erro de o Espírito progredir, na sucessividade das
existências terrenas, até atingir a perfeição?
175

O que é mais coerente com a Justiça e o Amor de Deus: o


castigo eterno no lago de fogo, ou a reparação dos erros e a conquista
da felicidade eterna?
Se nós homens somos capazes de imaginar saída tão digna e
honrosa para a alma, por que Deus não o seria? Será que nossa
inteligência, bondade e justiça são maiores de que as de Deus? Será
que nosso amor, por nossos filhos, amigos e irmãos pecadores, é maior
de que o amor de Deus?
Em defesa da teoria da ressurreição alega-se o fato de: Jesus ter
aparecido ressuscitado a três pessoas; Lázaro, o filho da viúva de Naim;
e a filha de Jairo. E Pedro haver ressuscitado Tabita, mulher conhecida
pela caridade que praticava.
Diante de Lázaro e da filha de Jairo, Jesus disse claramente que
ambos não estavam mortos, apenas dormiam João 11:11 e Lucas
8:52).
Os outros dois casos, conquanto a narrativa não cite que
também dormiam, é evidente que isto acontecia. Ressurreição legítima
seria se os corpos já tivessem sido decompostos e a terra os restituísse.
Isso não se deu. Todos eram recém-adormecidos, num estado de
catalepsia. O mais demorado foi Lázaro (quatro dias na sepultura).
Preste atenção a este ponto, que ele é muito importante. Na
concepção protestante, a ressurreição se dará em um dia fatal, chamado
"dia de juízo". A terra e o mar devolverão os corpos de todos os que
aqui viveram. Os Espíritos retornarão a seus antigos corpos e se
apresentarão para o julgamento final.
Foi isto o que aconteceu com aqueles quatro casos? Não. Todos
os "ressuscitados" por Jesus, e também Tabita, "ressuscitada" por Pedro,
ainda não tinham seus corpos decompostos pela natureza. Os corpos
estavam ali, intactos. As pessoas "dormiam", conforme afirmação de
Jesus. Não tinha ocorrido a morte, nem o desfazimento do corpo pela
ação dos micróbios.
É aí que está a diferença. Devolver a vida a um corpo que está
ali na frente, que apenas "dorme" é muito diferente de a terra e o mar
restituir um corpo já destruído. Concluímos, assim, que diante
176

daqueles quatro casos não existiu o tipo de ressurreição que é anunciada


para os demais mortais.
Agora, se Lázaro, o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo e
Tabita estivessem morrido há, digamos, 40 anos e a sepultura se abrisse
e os corpos deles fossem reconstituídos, aí sim, eles teriam realmente
ressuscitado. O que existiu foi o despertar deles em corpos que estavam
apenas adormecidos.
A decomposição se inicia imediatamente à morte física. Isso
acontece porque o Espírito reencarnado se desliga do corpo, deixando
de agir sobre ele. Nos quatro casos de que estamos tratando, não existiu
a morte (eles dormiam). Logo, sequer tinha se iniciado o processo de
decomposição.
Tratemos agora, do caso particular de Jesus. Os pastores
protestantes advogam o fato de que o Mestre ressuscitou após o terceiro
dia. A primeira questão que lançamos é esta: em três dias, teria o
corpo de Jesus sido destruído, decomposto? É evidente que não.
Retornamos, então ao mesmo ponto. A ressurreição do corpo de Jesus
não seria a mesma anunciada para nós.
Estou insistindo muito neste ponto para que os irmãos reflitam
acerca dessa particularidade. A ressurreição, que os pregadores
evangélicos anunciam para nós, pressupõe a devolução de um corpo
inexistente, já decomposto. Imagine os casos de cremação. Os corpos
foram queimados, reduzidos a cinza, e o pó espalhado pelo mar ou
pela terra. Segundo eles, esses corpos serão reconstituídos pela terra
ou pelo mar e o Espírito retornará a nele habitar.
O corpo de Jesus ainda estava intacto ao terceiro dia. Seria
diferente se Jesus tivesse ressuscitado, digamos, dez anos depois de
morto. Já pensaram, dez anos depois a sepultura se abrir e o corpo de
Jesus ser reconstituído e Ele retomar a vida no mesmo corpo. Logo, o
fenômeno que se sucedeu ao terceiro dia, e que foi chamado como a
"ressurreição de Jesus", não se aplica para os que já morreram e cujos
corpos não mais existem.
Se quiserem chamar de ressurreição o retorno à vida de Lázaro,
Tabita, e os outros dois casos, tudo bem. É uma questão de palavras.
177

Agora, não podem é tomar aqueles exemplos para dizer que o mesmo
acontecerá conosco, porque são situações absolutamente diferentes.
Naqueles casos os corpos estavam intactos. O mesmo não acontece
com quem já morreu há muitos anos, milênios até, cujos corpos foram
decompostos pelas leis naturais criadas por Deus, das quais corpo
nenhum escapa.
Lázaro, Tabita e os outros dois casos retomaram a vida e
passaram a conviver com seus familiares normalmente. Eram doentes,
que foram curados de suas enfermidades. Viveram, com certeza, longo
tempo, depois morreram. Se ressuscitassem, de novo, no tal "dia de
juízo", seriam entre os viventes os exemplares únicos de d u p l a
ressurreição.
Outra coisa: depois que se ressuscita, o Espírito não experimenta
mais a morte. O tal corpo ressurrecto, estaria livre de enfermidades e
de envelhecimento e serviria eternamente ao Espírito. Alguém sabe
me dizer onde estão Lázaro, Tabita e os outros dois ressuscitados? Será
que, por haverem ressuscitado, já ganharam o céu ou o inferno, antes
de nós?
Também não posso admitir aquela última possibilidade. Seria
um tratamento parcial de Deus. Por que somente eles quatro já teriam
sido julgados?
Jesus reapareceu, em alguns momentos, depois se despediu e
retornou ao Mundo Espiritual, não sendo mais visto. Há alguma coisa
diferente na ressurreição de Jesus e na daqueles quatro casos
comentados. Aqueles permaneceram neste mundo, Jesus não. Basta
isso para começarmos a entender que o corpo em que Jesus se mostrou
após a crucificação era diferente do corpo que ele usara nesta vida.
Era um corpo espiritual, que se mostrou tangível, como
acontece com os casos de materialização de Espíritos. Ou suas aparições
foram resultantes do fenômeno de vidência (faculdade de se ver os
Espíritos).
A grande questão que se levanta é acerca do desaparecimento
do corpo de Jesus. Para onde ele teria ido? Ninguém sabe. Aliás, há
uma pessoa que sabe. Chama-se José de Arimatéia, que recebeu
178

autorização de Pilatos para retirá-lo da cruz e sepultá-lo. O que fez


José de Arimatéia? Alguém sabe? Há quem cite Nicodemos como outro
que teria agido junto com José de Arimatéia. Teriam realmente
depositado o corpo de Jesus na sepultura determinada? Teriam
sepultado em outro local, mais protegido, temendo alguma ação
perversa dos ferrenhos adversários do Cristo? Teriam retirado o corpo
da sepultura original antes do terceiro dia? Eu não sei.
A guarda de soldados ao redor do túmulo somente aconteceu
no segundo dia após a morte de Jesus, quando alguém soprou para
Pilatos que Jesus, antes de morrer, havia prometido retornar ao terceiro
dia. E temendo que os cristãos utilizassem esse argumento
posteriormente, é que se determinou a proteção de soldados ao redor
do túmulo onde deveria estar o corpo do Mestre. Temeram os assessores
de Pilatos que o corpo de Jesus fosse roubado pelos cristãos, para assim
mostrarem o túmulo vazio e pregar a sua ressurreição. É mais um
assunto para reflexão!
Um dia saberemos o que foi feito do corpo do Mestre. Mas esse
assunto não é, por ora, relevante. Como diz o Espírito Emmanuel o
corpo mais importante, é o Corpo da Doutrina de Jesus. É esse que
precisamos assimilar e praticar.
Uma consideração bíblica a respeito da ressurreição está na
primeira epístola de Paulo aos Coríntios, que já comentamos no
capítulo V — A PESSOA DE CRISTO. Apenas para recordar, vamos
citar rapidamente (1 Coríntios 15, vers. 35, 36, 40, 44 e 50):
"Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que
corpo virão?
"Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não
morrer.
"E há corpos celestes e corpos terrestres, mas uma é a glória dos
celestes, e outra, a dos terrestres"
"Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual. Se há
corpo animal, há também corpo espiritual."
"E, agora, digo isto, irmãos: que carne e sangue não podem
herdar o Reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção."
179

Temos aí afirmativas como "há corpos celestes e corpos


terrestres", "ressuscitará corpo espiritual" e "carne e sangue não podem
herdar o Reino de Deus". O pensamento de Paulo acerca da
ressurreição não tem nada a ver com a idéia pregada pelos pastores
evangélicos de que a terra e o mar devolverão os corpos dos que aqui
viveram.
Ao dizer que carne e sangue não podem herdar o Reino de
Deus, o apóstolo está abertamente contrariando a teoria de que a
alma do homem entrará na vida eterna de posse do mesmo corpo
material que possuiu na existência terrena.
Os pregadores evangélicos recomendam aos outros a leitura da
Bíblia, mas parece que não tomam para si essa recomendação. Nunca
leram, com certeza, essa parte. É inadmissível querer ocultar o que
está ali exposto, numa linguagem acessível a todos. Ao falar de carne
e sangue, está evidente que o apóstolo fez alusão ao corpo material.
Ressuscitará corpo espiritual: "semeia-se corpo animal, ressuscitará
corpo espiritual".
Assim como Paulo, os Espíritos nos falam acerca da existência
do corpo espiritual. É chamado de perispírito. É o corpo com o qual
nos apresentaremos no Mundo Espiritual, após a morte. Este
perispírito conserva, em princípio, a aparência da última encarnação.
No primeiro momento, você se apresenta no Mundo Maior
com os mesmos traços físicos que possuía no instante de sua morte.
O perispírito é suscetível de mudança, de conformidade com a vontade
do Espírito e seu merecimento. Pode, inclusive, retomar a aparência
de outras existências.
Outra curiosidade bíblica acerca da ressurreição nos é contada
por Mateus. Foi um fato ocorrido no momento da crucificação de
Jesus, mais propriamente no instante em que o Senhor entregou o
Espírito (morreu). Vejamos o relato:
"E eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo;
e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras.
"E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que
dormiam foram ressuscitados";
180

"E, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram


na Cidade Santa e apareceram a muitos" (Mateus cap. 27, vers. 51 a 53).
Preste atenção no fato de que "muitos foram ressuscitados".
Mais atenção ainda à palavra "muitos". Não foi um ou dois que
ressuscitaram, foram muitos. Para mim, muitos teriam sido assim,
uns quinhentos, pelo menos. Que tipo de ressurreição teria sido esta?
Os ressurrectos daquele instante saíram dos sepulcros, ou seja, saíram
de suas covas no cemitério, e entraram em Jesuralém (a cidade santa)
e apareceram a muitos.
Um fato extraordinário, não acha? Fantástico! impressionante!
Agora, onde estão esses ressuscitados? Ninguém dá notícias deles.
Experimentaram uma segunda morte física? Segundo a crença
protestante o corpo ressurrecto não está sujeito a morte. Se fosse
procedente essa crença, aqueles ressuscitados não poderiam experimentar
novamente a morte. Tem alguma coisa aí mal contada ou mal
interpretada. No céu eles não podem estar, pelas seguintes razões:
• se eles já tivessem ressuscitado e subido para o céu, Deus
estaria agindo com parcialidade. Por que só eles? E a grande multidão
de mortos, que ainda permanecem dormindo? Por que aqueles tiveram
a primazia de ressuscitar antes do Dia do Juízo? Se até entre os pais
humanos encontramos os que agem com absoluta imparcialidade com
relação aos filhos, o que esperar de Deus?
• Jesus, em suas bem-aventuranças falou o seguinte: "Bem-
aventurados os mansos, porque herdarão a terra" (Mateus 5:5). Se
aquele grupo de ressurrectos era de "santos", como diz a tradução
bíblica, o lugar deles era aqui, na terra. Santos, mansos, misericordiosos,
pacificadores, limpos de coração, é a mesma coisa.
E então, o que de fato aconteceu naquele instante? É simples
de explicar: no momento do suspiro final do Senhor, na cruz, e como
ponto final da missão divinamente cumprida por Ele, o mundo foi
envolto por um fenômeno espiritual de elevada magnitude, a tal ponto
que, na descrição de Mateus "o véu do templo se rasgou em dois, de
alto a baixo, e tremeu a terra e fenderam-se as pedras". Assim, aconteceu
que:
181

• as pessoas ali presentes foram tomadas de um sentimento


muito forte de angústia e temor;
• em meio a esse sentimento e atemorizadas diante do que
ali ocorria, houve forte alarido, gritos de arrependimento e de pânico,
testemunhos de lamentação, de tal modo que, naquela mistura de
vozes, um dos ladrões crucificado ao lado de Jesus bradou "meu Deus,
meu Deus, por que me abandonaste?". Declaração, por sinal, atribuída
erroneamente a Jesus;
• todos tiveram a percepção nítida e clara de haverem
crucificado o Messias anunciado nas escrituras antigas, a ponto de os
próprios soldados romanos afirmarem, diante dos fenômenos que ali
presenciavam, que "verdadeiramente, este era o Filho de Deus" (Mateus
27:54);
• o fenômeno espiritual daquele instante envolveu os
Espíritos desencarnados, e estes puderam mostrar-se visíveis aos
homens. Um fenômeno de vidência coletiva. Muitos puderam ver os
mortos. Esta a razão de Mateus afirmar que "...entraram na cidade
santa e apareceram a muitos".
O fenômeno, portanto, foi de vidência. Os Espíritos não
ressuscitaram. Eles tão somente foram vistos pelas pessoas. Como as
pessoas não compreenderam o fenômeno, nem tinham conhecimento
para isso, difundiram a idéia de que os mortos haviam "ressuscitado".
E para encerrar esse trato acerca da ressurreição, nada melhor
de que lembrarmos as lições de Jesus:
"O Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita, as
palavras que eu vos disse são espírito e vida" (João 6:63).
"Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em
espírito e em verdade" (João 4:24).
A carne para nada aproveita. Foi Jesus quem disse isto. A palavra
do Mestre não vale? A vida eterna nós a teremos em Espírito. Na
condição de Espíritos puros. A ressurreição, como divulgam os pastores
bíblicos, é pura questão de fé. Vão continuar acreditando nisso, até se
cansar. Ou melhor, progredir.
182

O nosso opositor confessa acreditar que: "A nossa salvação


depende, não das nossas obras religiosas nem da nossa caridade, mas
sim da nossa sincera fé em Cristo, como o nosso único Salvador".
Não sei que obras religiosas são essas. Ele não comentou a respeito.
Os espíritas divulgam o Evangelho sem fazerem disto uma profissão.
Seria essa uma obra religiosa?
A caridade eu sei o que é. Essa Jesus ensinou e exemplificou e
os Espíritos nos exortam a praticá-la. E adianto ao irmão: é difícil
fazer caridade. Ela somente se patenteia quando há renúncia. Caridade
legítima vem precedida da privação de alguma coisa em favor do
próximo. Nem todo bem é uma caridade. Agora, toda caridade é um
bem.
Observe, também, como ele despreza a caridade. Para a salvação
basta a sincera fé em Cristo. A caridade, na sua concepção, é
desnecessária. Há, naquela afirmação, um grande distanciamento
daquilo que Jesus recomendou com tanto empenho e ênfase.
Vamos pensar noutro detalhe: de um lado ele lembra a citação
bíblica de que "pelas obras ninguém será justificado". Depois arremata
dizendo que a salvação não depende das obras. O nosso raciocínio é o
seguinte: se as obras (meus atos) não têm valor para a salvação, os
pecados (que também são meus atos), para nada servem.
Se o bem que pratico não serve para minha salvação, o mal
(pecado) que cometo não pode servir para minha condenação. É uma
questão de coerência.
Sendo assim, se meus pecados não podem servir para minha
condenação, por que o Cristo veio pagá-los? Certamente porque sem
a remição deles eu seria condenado.
Voltamos à mesma conclusão: Se meus pecados servem para
minha condenação, então meus acertos devem forçosamente servir
para minha salvação. Logo "pelas obras somos justificados".
Ele incorre na clamorosa falha de não se aperceber disso. É essa
a razão pela qual ele num momento diz que "pelas obras ninguém
será justificado" e, depois, admite que a morte de Jesus "... foi o
sacrifício perfeito e completo que pagou o preço do nosso pecado...".
183

É bom não esquecer que pecados são infrações à Lei de Amor


ao Próximo. Existem os que são considerados leves, mas também
existem aqueles cometidos com todos os requintes de malignidade,
crueldade, perversão e ódio. Bastaria nossa fé em Cristo para nos remir
pecados cruéis, sanguinários, dos cometidos com depravação?
Da forma como ele coloca, as boas obras, ou a sua falta, não
têm importância para a salvação da alma. Seriam coisa banal,
secundária. Tão sem valor que, relativamente ao pecado, Jesus foi lá e
de uma só vez pagou por todo mundo; e até pagou antecipado.
Afinal, para que serve o bem? Por que Jesus nos conclamou
tanto a praticá-lo? Existe diferença entre o bem praticado pelo que
tem fé e o praticado pelo que não a tem? Quem recebe uma caridade
deixa de se beneficiar porque o doador não crê em Jesus como seu
Salvador?
A tese da salvação unicamente pela fé é perigosa e nociva:
analisada friamente, ela libera o homem de praticar o bem e o isenta
da responsabilidade dos pecados. Se todos acreditassem nisso, o mundo
seria bem pior do que é atualmente.
Ainda a propósito do comentário de que "a nossa salvação
depende... da nossa sincera fé em Cristo, como o nosso único
Salvador", relembro o comentário que já fiz acerca dos irmãos de outros
continentes, que sequer têm conhecimento da vida e obra de Jesus. Já
pensou, Deus os desprezou! Todos condenados ao Inferno, se depender
da visão dos pastores protestantes.
No mais, o articulista faz sua pregação já nossa conhecida acerca
da morte de Jesus na cruz, taxando-a de "sacrifício perfeito e completo
e que pagou o preço do nosso pecado...", e mais adiante conclui que
"é este o verdadeiro novo nascimento de que Jesus Cristo fala, e sem
o qual ninguém pode salvar-se". Um montão de palavras meramente
apelativas. Exortação à fé "não raciocinada".
Diz ainda o articulista: "...e agora, nestes dias Deus perdoa e
salva eternamente cada pecador que, crendo que Cristo é o Filho de
Deus que se manifestou em carne, O recebe como o seu único
Salvador e Senhor."
184

O que é mais importante: a pessoa do Cristo, ou os princípios


morais que Ele ensinou? É isso que os crentes não conseguem
distinguir. Eles se apegam à pessoa de Jesus. Tem que acreditar é na
pessoa. O único salvador é a pessoa de Jesus. Se Jesus tivesse ensinado
a praticar todo tipo de desgraça, isso pouco importaria. O que vale é
a pessoa de Jesus.
É por isto que eu questiono a respeito dos povos que sequer
têm como crer na pessoa de Jesus. Vamos pensar grande. Afaste sua
visão do limitado país onde vivemos. Aqui nós falamos em Jesus,
conhecemos a Bíblia. Em outras partes não existe isso.
Os muçulmanos, seguidores do Islamismo, têm como Livro
Sagrado o Alcorão. Você conhece o Alcorão? Eu ainda não o conheço.
Agora, vá lá e diga que Maomé não é profeta, ou que Jesus é maior que
Maomé. Eles vão dizer que isso é abominação. Podem até matá-lo.
E, no entanto, Deus é Pai do mundo todo. Lá, noutros
continentes, existem seres humanos iguais a nós, que pensam, que
agem, que amam, que esperam, que acreditam em Deus. Seguem
outros profetas, mas é tudo de Deus.
O Espiritismo não faz discriminação de ninguém. Deus também
não. O protestantismo ainda faz.
O Espiritismo nos aponta a salvação de todos, por meio do
aperfeiçoamento dos Espíritos, obtido através das vidas sucessivas; o
Protestantismo nos aponta um céu limitado, onde a felicidade
consistirá em vivermos maravilhados com os anjos, porém indiferentes
para com nossos amados pais, irmãos e amigos que porventura sejam
condenados a sofrer nas torturas do Inferno. Seguir uma ou outra
crença é questão de livre-arbítrio. A escolha é sua. Pense nisso!
A pessoa do Cristo, de Maomé, de Buda, de Confúcio, de quem
quer que seja, pouco importa. Os princípios morais ensinados é o que
vale. Jesus é grande pelos ensinos que trouxe. O que salva não é a
pessoa de Jesus. São os seus ensinamentos. Não pode ser de outra
forma.
185

Eu sei de tudo isto; agradeço a Deus pela oportunidade de já


poder suportar as revelações espíritas; reconheço minha imperfeição;
empenho-me no sentido de seguir a Jesus, dando de mim tudo que
posso para auxiliar o próximo por meio da caridade e, sinceramente,
tenho pena daqueles que tendo olhos para ver não vêem; tendo ouvidos
para ouvir não ouvem e, por inocência ou maldade, ainda estão
apelando para a ira de Deus.

Pontos a Recordar:

1. Nos versículos apontados pelo articulista, fica evidenciada a


idéia de que a fé é bastante à salvação. Esse era um dos entendimentos
de Paulo, mas não era o de Jesus;
2. Cristo apontou "a caridade" como caminho da salvação: no
encontro com o Moço Rico (Só te falta uma coisa: vai, vende tudo
que tens e dá aos pobres....) e na parábola do Bom Samaritano (vai e
faze da mesma maneira);
3. Crer em Jesus é seguir os seus preceitos morais;
4. Para alcançar a salvação Jesus não fez acepção de povos, raças,
nem religião. Disse: "Bem-aventurados os limpos de coração, porque
eles verão a Deus" (Mateus 5:8). Limpos de corações nós os temos
em todos os povos, e em todos os tempos, indiferentemente de religião.
5. Paulo pregava a salvação ora pela fé, ora pela caridade. Tiago,
se opunha a ele, neste particular, e ensinava a salvação apenas pelas
obras;
6. Se a fé, conforme dizia Paulo "não vem de nós, é um dom de
Deus", só os que possuem esse dom a terão. Estaríamos diante de
privilégios. Qual o critério de Deus para dar a uns esse dom e a outros
não?;
7. Eu vejo que a Bíblia não ensina a "ressurreição", mas sim a
reencarnação, para possibilitar à alma a conquista do Paraíso, ou da
felicidade eterna, depois que o homem reparar seus erros e se mostrar
perfeito diante de Deus;
186

8. A ressurreição, na forma pretendida pelos protestantes


apresenta várias impropriedades, de ordem científica, social e moral;
9. Os exemplos bíblicos da "ressurreição" de Lázaro, de Tabita,
da filha de Jairo e do filho da viúva de Naim, não se aplicam a nós,
porque, naqueles casos, eles não estavam mortos, apenas "dormiam",
e seus corpos não haviam sido decompostos;
10. Ressuscitar é: ressurgir na carne, reviver, vivificar. Esse
retorno na carne, nada mais é do que a Reencarnação, inteiramente
coerente com a sabedoria e a bondade de Deus;
11. Se nós homens somos capazes de imaginar a Reencarnação
— saída digna e honrosa para a alma por permitir que ela alcance,
passo a passo, a perfeição — por que Deus não o seria?
12. Se meus pecados servem para minha condenação, então
meus acertos devem forçosamente servir para minha salvação. É uma
questão de coerência. Logo "pelas obras somos justificados";
13. A tese da salvação unicamente pela fé é perigosa e nociva.
Se todos acreditassem nisso, o mundo seria bem pior do que é
atualmente.
187

X. O INFERNO

Disse ainda o articulista crente (protestante):


"Não temais os que matam o corpo, e depois não tem mais que
fazer; mas eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei a Deus —
aquele que depois de matar T E M P O D E R PARA LANÇAR NO
I N F E R N O ; sim a Esse temei" (Lucas, cap. 12).
A pregação acerca do inferno se constitui no ponto de maior
relevância da Doutrina Protestante. Aliás, eles falam mais no inferno
e no Satanás do que em Deus. Eles têm um objetivo ao fazerem isso:
conquistar pelo medo. Encher a cabeça das humildes pessoas acerca
do que chamam de "artimanhas do Satanás" e, mediante o assombro,
mantê-las distante de tudo aquilo que se oponha ao que eles ensinam.
Vê como no versículo acima ele fez questão de colocar em caixa
alta a expressão T E M P O D E R PARA LANÇAR NO INFERNO? É
assim que os pastores evangélicos fazem. Aí está a melhor munição de
que dispõem para impedir você de raciocinar. Meter medo! Assombrar!
Ameaçar! E é por não raciocinarem que muitos, vinculados a
determinadas facções evangélicas, estão se desfazendo de suas
economias, ofertado-as às igrejas, em atendimento a dramáticos e
provocativos apelos, sem pedirem conta do uso do dinheiro ofertado.
Se o quisesse, Deus teria o poder de matar e lançar no inferno,
admito. Não o quer, no entanto, porque não possui o mesquinho
sentimento de desamor, próprio dos homens egoístas.
A sentença acima, usada pelo irmão articulista, consta do livro
de Lucas. Nada obstante, vamos enfocar o assunto sob a ótica de
Mateus, que fez um relato mais completo daquele momento, para
que possamos entender qual o objetivo do Cristo ao fazer aquele
enunciado.
Jesus reuniu os Doze discípulos e deu-lhes algumas instruções
acerca de como deviam agir diante das dificuldades que eles
188

encontrariam pela frente. São várias as recomendações do Cristo, sendo


aqui as mais significativas para o exame as seguintes:
"Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto,
sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas.
Acautelai-vos, porém, dos homens, porque eles vos entregarão
aos sinédrios e vos açoitarão nas suas sinagogas;
E odiados de todos sereis por causa do meu nome; mas aquele
que perseverar até o fim será salvo.
Quando, pois, vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra;
porque em verdade vos digo que não acabareis de percorrer as cidades
de Israel sem que venha o Filho do Homem.
E não temais os que matam o corpo e não podem matar a
alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma
e o corpo.
Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles
cairá em terra sem a vontade de vosso Pai.
Não temais, pois; mais valeis vós do que muitos passarinhos".
(Os trechos acima constam de Mateus 10, versículos 16, 17,
22, 23, 28, 29 e 31.)
A leitura dos versículos acima é suficiente para você perceber
que Jesus estava falando, reservadamente, para seus Doze discípulos,
preparando-os para que, quando aquelas dificuldades surgissem, eles
estivessem prontos para enfrentá-las.
Logo, ao dizer "Não temais os que matam o corpo e não podem
matar a alma", estava se referindo aos homens que seriam perseguidores
dos apóstolos. Quando muito, esses homens poderiam tirar-lhes o
corpo, mas não matariam a alma. Não há muita novidade nisso. O
foco da pregação era não temer os homens, não se intimidar diante
das perseguições.
C a d a povo, cada época, têm sua própria história e
peculiaridades. É preciso não esquecer que esse discurso foi feito há
2.000 anos e Jesus preparava os discípulos para se dirigir a um povo
que, à época, possuía índole rebelde, perversa e indisciplinada. Não
era à-toa que para exortá-los e sensibilizá-los João Batista os chamava
189

de "raça de víboras", o mesmo tendo sido feito pelo Cristo, que


também chegou a tratá-los do mesmo modo, ou mais freqüentemente
de "hipócritas".
De antemão, Jesus previa que seus discípulos seriam perseguidos
e maltratados, sendo essa a razão daquela advertência inicial.
Na seqüência, Jesus faz a exortação do temor a Deus. Aversão
de Lucas foi a utilizada pelo articulista e diz: "temei a Deus — aquele
que depois de matar tem poder para lançar no inferno". O trecho foi
trazido para corroborar a pregação do Protestantismo acerca da
existência do inferno.
Em nosso entendimento, Jesus estava enaltecendo, tão somente,
o poder soberano de Deus. O Criador estabeleceu Leis que fazem
com que o pecador experimente o fenômeno da morte física, e se
sinta atormentado pelo inferno de sua própria consciência culpada.
O inferno não é um lugar circunscrito do espaço. Já dissemos
parodiando Jesus que: "assim como o céu, o inferno está dentro de
nos .
Vejamos as argumentações do articulista: "Negando o que Deus
tem revelado na Bíblia, os espíritas tornam Deus mentiroso, pois a
Bíblia fala do I N F E R N O e fala duma maneira certa". "Se não houvesse
o inferno então até Cristo seria enganador, mas não o é, pois inferno
existe e foi preparado para o Diabo e seus anjos". A palavra inferno ele
usou em letras maiúsculas, para chamar bem atenção. Eles adoram o
inferno!
Ora, a Bíblia também fala da circuncisão; dos holocaustos; dos
apedrejamentos; e fala tudo isso duma maneira certa. Por que os
protestantes não obedecem? Negando tais coisas, ou não as adotando,
tornam Deus mentiroso ou desobedecido.
Ao se referir ao lugar preparado para o Diabo e os seus anjos, o
articulista está se valendo de outra citação bíblica, que ele ocultou,
mas que se encontra no livro de Mateus:
"Então, dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-
vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e
os seus Anjos. Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede,
190

e não me destes de beber; sendo estrangeiro, não me recolhestes;


estando nu, não me vestistes; e estando enfermo e na prisão, não me
visitastes" (Mateus 25:41 a 43).
É de se notar que no texto acima Jesus faz nova pregação acerca
da caridade. Mais uma vez Ele nem sequer toca na questão da fé, mas
sim nas obras. Os que não praticam a caridade é que serão apartados
dEle.
Outro detalhe importante: ao dizer "preparado para o Diabo e
os seus anjos" esse "para" quer dizer muita coisa. Se o "inferno" foi
preparado "para" o diabo, significa que alguém o preparou. Diferente
era dizer que o inferno "foi preparado pelo diabo para si e os seus
anjos". Será que Deus preparou o inferno? O Deus que Jesus nos
revelou não foi. Ele é um Deus de amor.
Que deus seria esse, capaz de preparar o inferno? Ah, lembrei
agora, deve ser aquele deus de Samuel. Lembra dele? O que mandou
um "Espírito mau" assombrar Saul (veja o capítulo IV deste trabalho).
Sendo esse deus aí, não há motivos para preocupação.
Jesus fez pregações públicas, utilizando o termo inferno e fogo
eterno. A razão desse discurso forte, era por ser esta a única linguagem
capaz de ser ouvida pela maioria do povo da época. Falasse-lhes Jesus,
o tempo todo, com palavras meigas e carinhosas, não alcançaria tão
imediatamente seu objetivo. Para que a mensagem atingisse seu
objetivo, foi necessário empregar, figuradamente, em alguns instantes,
termos compatíveis com a idéia que eles tinham de Deus — Senhor
dos Exércitos, que matava e condenava.
A essência da Doutrina Cristã é o Amor de Deus. Deus não
deve ser temido, mas sim amado. Como já dissemos, o Evangelho
somente pode ser entendido se você examiná-lo numa visão global.
Temos que ter em mente o conjunto de princípios que Jesus ensinou.
Nesse conjunto de princípios despontam o amor de Deus, a caridade,
a humildade, o perdão, a fé, a paz, a reabilitação dos pecadores, o
amor ao próximo etc.
Quem quer que observe aqueles princípios, seja religioso ou
não, seja deste continente ou de outros, está crendo e seguindo Jesus.
191

É com esta visão de conjunto que você percebe ser inaceitável


que exista um inferno, onde se sofra eternamente. O inferno seria
contrário a tudo quanto Jesus pregou a respeito do amor de Deus.
Deus que nos manda perdoar, não sete vezes, mas setenta vezes sete
não sendo capaz de perdoar uma vez sequer! Cabe na cabeça de alguém?
Só na de quem não pensa.
Quando o articulista diz que iremos para o inferno "...não
porque Deus assim o queira, mas porque eles têm rejeitado, C O M O
OS ESPÍRITAS ESTÃO FAZENDO, o Ú N I C O SALVADOR e a
Ú N I C A SALVAÇÃO e meio de escapar do I N F E R N O , único meio
que lhes é oferecido por Deus, por meio da morte e sacrifício expiatório
do Senhor Jesus Cristo" — ele está subestimando nossa inteligência.
Pelas seguintes razões:
* Ao dizer "...não porque Deus assim o queira....", ele está
admitindo que a vontade de Deus é outra. Deus quer que todos se
salvem. E que Deus é esse cuja vontade não é soberana? A vontade de
Deus se cumpre sempre, você não acha? Já pensou Deus contrariado?
Sua vontade não se concretizando? Ele quer uma coisa e acontece
outra. Que Deus é esse? Onde fica a onipotência?
* Ao dizer que o único Salvador é Jesus, também se contradiz.
Eles que fazem apologia dos antigos profetas — Moisés, Isaías,
Malaquias, Jeremias e outros mais -, querendo passar essa idéia de
Único. Já que Jesus é o único Salvador, por que não observam
unicamente os ensinos dEle? Por que não praticam a caridade? Por
que na hora de condenar o Espiritismo pela comunicação com os
mortos, se valem de Moisés? Por que não usam Jesus, nesta hora?
Claro, por falta de argumentos. Afinal, o único Salvador se comunicou
com os mortos no Monte Tabor.
Do mesmo modo, ao alegar que os pecadores e os ímpios ficarão
no inferno eternamente, assim como os espíritas, porque rejeitam a
única salvação, ele detona esta pérola de sabedoria e amor ao próximo:
"Por assim terem feito, será justo que Deus os mande para esse lugar".
Caramba!!
192

Lembremos o segundo grande Mandamento ensinado por Jesus:


"Amar ao próximo como a ti mesmo". Se amo meu próximo como a
mim mesmo, será que vou ficar feliz vendo-o ir para o inferno? Você
gostaria de ir para o inferno (dos crentes)? Se você não quer isso para
si, não queira para os outros.
Ao dizer que aquela atitude de Deus, condenando ao inferno é
justa, o articulista e os seus seguidores, que pensam do mesmo modo,
estão dando uma patente demonstração de falta de amor ao próximo
e revelando o quanto desejariam que seus sentimentos íntimos, ainda
imperfeitos, fossem também os do Pai Criador.
São absolutamente frágeis as argumentações usadas no opúsculo,
porque não resistem ao exame racional, da lógica e do bom-senso. A
Doutrina Espírita iniciou a era da fé raciocinada. É a mesma fé que
todos buscamos, capaz de remover montanhas, só que apoiada na
razão.
Vamos tomar um exemplo: a vontade de Deus. Uns dizem assim
"Deus não quer que a gente sofra". Ora, se Ele não quer que a gente
sofra, é porque Ele quer que a gente viva sem sofrimentos. Aí uma
questão se coloca: o sofrimento existe, está aí, todo mundo vê, todos
sentem. E aí, como é que fica? Deus quer ou não que a gente sofra?
Nada acontece sem a permissão divina. Não cai uma folha de
uma árvore sem que Deus o queira. Logo, se o homem sofre, Deus
quer, dirão uns. Admitir que Deus quer o sofrimento é inaceitável,
dirão outros. Deus é amor. Se Ele não quer, como explicar que o
sofrimento exista? A vontade dEle não é soberana?
Também existem os que pensam que Deus é neutro, nem quer,
nem deixa de querer que o homem sofra. A escolha é do freguês: sofrer
ou deixar de sofrer. Admitir que Deus não tenha vontade é um contra-
senso terrível. Afinal, o Pai criou o mundo por ato de sua vontade.
E a enrolada vai por aí. Deus quer, Deus não quer, Deus é
indiferente. E por esse caminho não se chega a lugar algum. É uma
discussão inócua. Mas há uma questão bem mais transcendental que
revela o que realmente Deus quer.
193

Deus tem vontade sim, e sua vontade é soberana. Eu convido


você a pensar comigo acerca daquilo que realmente Deus quer. Onde
está a vontade de Deus? Qual será esta vontade? Como mostrar que
mesmo havendo sofrimento entre os homens, aí está expressa a vontade
de Deus, sem que isto fira os seus atributos de amor?
Olha, o foco da vontade de Deus, o cerne da coisa está nas leis.
Deus criou Leis. Pense nisto. Qual o centro da vontade do Pai? Qual
a sua vontade? É claro, sua vontade é que Suas leis sejam cumpridas.
Olha como a coisa, raciocinada, toma outro rumo. Deus criou
Leis, sábias e justas. Físicas e Morais. Sua vontade é que estas leis
sejam cumpridas. E eu pergunto: existe alguma lei de Deus que não
seja cumprida, que não se concretize? Sua vontade soberana faz com
que todas as leis, que são imutáveis, sejam cumpridas sem exceção,
ontem, hoje e sempre. É nisto que está o equilíbrio de sua gigantesca
obra.
Você dirá: como fica o problema do sofrimento? Vamos pensar
nas leis. Uma das leis de Deus é a Lei do Merecimento. Aquela que
Jesus ensinou ao revelar que "a cada um será dado segundo as suas
obras" (Mateus 16:27). Outra é a Lei de Causa e Efeito, também
ensinada por Jesus quando disse: "aquele que comete pecado é escravo
do pecado" (João 8:34); todos os que lançarem mão da espada, à espada
perecerão" (Mateus 26:52).
No caso do sofrimento, a vontade de Deus é que Suas leis sejam
cumpridas. Se a cada um é dado segundo as suas obras (Lei do
Merecimento), o sofrimento é uma decorrência daquilo que o Espírito
fez. Se agiu conforme a Lei de Amor, tem um padrão de retorno, se
agiu diferentemente, tem outro (Lei de Causa e Efeito).
O que nos falta? Conhecer as leis de Deus. Conhecemos todas?
Claro que não! À proporção que vamos evoluindo, vamos
descortinando novas leis e reconhecendo a magnitude da sabedoria divina.
Deus não desce a essa pequenez de querer ou deixar de querer
que o homem sofra. Querer que o homem vá ou deixe de ir para o
inferno. Está muito, muito, muito além disso aí. Ele criou Leis. Sua
vontade está centrada na cumprimento dessas leis, repito.
194

Os pastores "bíblicos" (os pastores protestantes) se perdem,


porque que se apegam a "trechos isolados", e "frases soltas" da Biblia.
Agravam ainda mais seus enganos porque, além dessa limitação a
trechos isolados, analisam tudo ao pé da letra. Não raciocinam. Não
sabem, não querem, ou não têm interesse em apreciar o conjunto de
princípios que resulta dos ensinos de Jesus.
Essa questão do inferno é bem simples. Jesus empregou o termo
para se referir aos sofrimentos, às expiações das falhas cometidas. Só
isso. Ir para o inferno, significa colher o mal que se plantou. Sofrer,
resgatar. Até mesmo nas alusões que fez ao fogo eterno, o Mestre não
disse que o pecador devesse permanecer ali eternamente. O fogo é
que era eterno. O sofrimento não. Percebeu a diferença?
Jesus falava figuradamente: o fogo significa "a dor" da reparação.
Para quem está sofrendo, o momento do sofrimento parece-lhe uma
eternidade.
Outro aspecto: a Doutrina Protestante apresenta em sua teoria
da Salvação dois extremos: céu ou inferno. Sequer tem meio termo. E
no inferno todos vão queimar do mesmo jeito.
Se você pensar, vai concluir que até a justiça dos homem é
melhor. Porque na Lei Penal existem várias formas de o infrator reparar
um delito, indo desde as penas mais brandas até aquelas de maior
gravidade. E o prazo também. Na Lei dos homens, as reparações têm
prazo para cessar. Na Lei de Deus, segundo os pregadores protestantes,
a condenação seria a mesma para todos e de durabilidade eterna.
Considerando a teoria protestante de céu e inferno, como ficam
os pecados de pequeníssima gravidade; os de gravidade um pouquinho
maior; os de gravidade média; os graves, os gravíssimos? Qual o ponto
de corte? Qual o critério para definir até que ponto o pecado é de
condenação? T o d o pecador será condenado ao inferno, diz o
articulista. Mesmo os que pecarem bem pouquinho, um pecadinho
bem de leve! Uma coisinha de nada. Pronto: inferno. Não é dureza?
Se fosse desse jeito, a Justiça do homem seria melhor que a de Deus.
195

Para eles, só sai da condição de pecador quem demonstra possuir


fé sincera em Jesus Cristo, ou seja, quem se converte à Doutrina que
eles professam.
Para alguém ser espírita, vemos que uma qualidade é necessária:
ter senso moral desenvolvido. Quem não tem essa qualidade, não
tem como ser espírita. É por isto que muitos ouvem, vêem, até lêem,
mas não assimilam o Espiritismo. Mas vale a pena tentar conhecê-lo e
questioná-lo. Isso já contribui para a evolução.
Ao dizer que o inferno protestante não existe, nós não estamos
tratando Deus por mentiroso. Por uma razão simples: Deus jamais
falou com o homem. O próprio Moisés, que alegou isso, recebia
instruções de um Espírito chamado Jeová. Estou amparado na Bíblia
e nas palavras de Jesus para afirmar isso:
• "Deus nunca foi visto por alguém (João 1:18);
• "Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece
quem é o Filho, senão o Pai, nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele
a quem o Filho o quiser revelar" (Lucas 10:22).
Mesmo que negássemos o que Deus tem revelado na Bíblia,
não estaríamos mentindo. Estaríamos mal informados. Mentira é uma
apelação. Como aquela que o irmão articulista fez ao se referir ao Rei
Saul.
A inexistência do inferno só torna Jesus enganador na visão do
articulista. Ele é que vive enganado com a idéia de que exista este
lugar. É uma questão de interpretação. Repito que Jesus empregou o
termo inferno para se referir aos sofrimentos, às expiações. Só isso.
Igualmente o termo demônio ele usava para designar Espírito atrasado.
Ao dizer "temei a Deus", não pretendeu Jesus implantar a
Doutrina do Medo, como se Deus fosse um ser perigoso, do qual
devêssemos fugir, recear. Nada disso! Sabe o que é temer? É tributar
grande reverência ou respeito. Foi neste sentido que Jesus disse: temei
a Deus.
196

Por último, mais alguma coisa a respeito do poder de Deus de


lançar no inferno. O homem possui o livre-arbítrio. A liberdade de
agir de conformidade com sua própria vontade. Nada nos é proibido.
Tudo que pensamos ou fazemos, no entanto, tem conseqüências. É a
liberdade com responsabilidade. Você é responsável pela desgraça ou
pela ventura em que vive.
A vida no corpo é concessão divina destinada ao
aperfeiçoamento do Espírito. O estágio na matéria pode ser comparado
com o aprendizado escolar, que se desenrola ano a ano, no qual o
aluno vai obtendo promoção de conformidade com seus próprios
méritos.
Aos que atuam no sentido de atingir aquele objetivo
(melhoramento moral e intelectual da alma) são tributados os louros
do seu esforço, aqui e no Além, trazendo como consequência:
• Para cada nova existência, oportunidades melhores de
aprender e crescer;
• para cada reingresso no Mundo Espiritual, maior alegria
ao lado dos que o amam e vibram com a sua ascensão espiritual.
• Aos que atuam no sentido contrário, tornando suas vidas
aqui inócuas, egoístas, improdutivas, e enlameadas pelos erros e
maldades, são tributadas as conseqüências infelizes de seu proceder, e
que resultam:
• no reingresso no Mundo Espiritual com a consciência
culpada e sofredora, cuja lembrança constante dos males praticados
se constitui em castigo moral que leva a alma ao remorso e ao
arrependimento;
• no retorno à carne, como oportunidade de reajuste,
através do trabalho árduo ou da dor. Lá ou aqui, o sofrimento moral
e o físico, representam o inferno a que Jesus se referia.
Ao submeter a alma a este ciclo reparatório, Deus demonstra
seu amor aos pecadores, não os condenando eternamente. Daí porque
Jesus, mesmo tendo mencionado aquela forte sentença, amenizou o
drama da situação, ao dizer que: "...Não temais, pois mais valeis vós
do que muitos passarinhos" (Mateus 10:31).
197

Se você juntar agora as duas sentenças terá: de um lado "...temei


a Deus que tem o poder de matar e lançar no inferno" e do outro "não
temais, pois mais valeis...". Afinal, é para temer ou não? Fica aí para
sua reflexão.
Entendo que ambas as colocações são procedentes. Na primeira,
temer no sentido de tributar grande reverência ou respeito, e na
segunda, não temer, no sentido de acreditar na bondade, na justiça e
no amor de Deus.
O articulista valeu-se do enunciado "Não temais os que matam
o corpo " para condenar o Espiritismo. É bom que se diga que
entre os que matam o corpo, não estão os espíritas. Muito pelo
contrário, é por ainda não serem espíritas que muitos matam o corpo,
desconhecendo que têm uma alma e que a vida neste mundo encerra
um objetivo de ordem espiritual.
Entendo também que matam o corpo aqueles que, mesmo
tendo contato com o Evangelho de Jesus, cuja essência está no "fazer
aos outros aquilo que queremos seja feito a nós", deixam passar a
oportunidade que a vida oferece de praticar a caridade, limitando-se a
demonstrações exteriores de fé e louvor.
"Porque o Reino de Deus não consiste em palavras, mas em
virtudes" (1 Coríntios 4:20).
Por fim, diz o articulista que "os espíritas não querem que o
povo leia a Bíblia, mas põem nas mãos da gente um outro livro — O
Evangelho Segundo o Espiritismo — livro que contém alguns trechos
copiados da Bíblia, às vezes erradamente, mas não inclui os
mandamentos e ensinos da Bíblia que C O N D E N A M A PRÁTICA
E AS D O U T R I N A S DO ESPIRITISMO".
O que ele disse acima é mais uma inverdade. O Espiritismo,
como Doutrina de livre exame, que respeita o livre-arbítrio das pessoas,
não proíbe coisa alguma. Não só lemos a Bíblia, como a estudamos.
A diferença é que raciocinamos e, por conta disso, entendemos que o
Antigo Testamento traz pouca contribuição para as necessidades de
hoje. Optamos por concentrar nossos estudos no Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo (Novo Testamento).
198

"O Evangelho Segundo o Espiritismo" é um livro de autoria de


Allan Kardec, que trata dos ensinos morais do Cristianismo,
possibilitando-nos uma visão conjunta e sensata da essência do
Evangelho de Jesus. Não é verdade que contenha trechos copiados
erradamente da Bíblia. Errados e distorcidos são os trechos que o
articulista utilizou no seu opúsculo, aqui examinado.
O opúsculo é encerrado com a seguinte conclusão: "A verdade
é esta: aquele que quer seguir a Bíblia não pode seguir o Espiritismo;
— e por isso eu não sou espírita."
C o m o fizemos ver, na Bíblia não existe condenação ao
Espiritismo. No Antigo Testamento existe uma recomendação de
Moisés, proibindo a consulta aos mortos, por razões plenamente
justificáveis, não correlatas com o fim buscado na Doutrina Espírita
(Espiritismo não é simplesmente consultar os mortos).
Como Jesus afrontou vários dos ensinos daqueles profetas
antigos, inclusive C O N S U L T A N D O OS M O R T O S NO M O N T E
TABOR, manifestamos nossa opção de continuar seguindo os ensinos
dEle, Jesus, razão pela qual, neste particular, dispensamos os antigos
profetas.
Assim, posso encerrar esse meu trabalho, afirmando que: "A
verdade é esta: aquele que quer seguir Jesus não pode seguir, sem
reflexão, tudo o que diziam os antigos profetas — e por isso eu não
sou protestante".

Pontos a Recordar:

1. A pregação acerca do inferno se constitui no ponto de maior


relevância da Doutrina Protestante. Aliás, eles falam mais no inferno
e no Satanás do que em Deus;
2. Se o quisesse, Deus teria o poder de matar e lançar no inferno.
Não o quer, no entanto, porque não possui o mesquinho sentimento
de desamor, próprio dos homens egoístas;
3. Ao dizer "Não temais os que matam o corpo e não podem
matar a alma", Jesus estava preparando seus discípulos para não se
intimidarem diante das perseguições que os homens lhes moveriam;
199

4. A Bíblia que fala do Inferno, também fala da circuncisão;


dos holocaustos; do apedrejamento; e tudo isso também de uma
maneira certa. Negando tais coisas, ou não as adotando, os protestantes
tornam Deus mentiroso ou desobedecido;
5. O Evangelho somente pode ser entendido se você examiná-
lo numa visão global. Temos que ter em mente o conjunto de
princípios que Jesus ensinou;
6. Jesus empregou o termo inferno para se referir aos
sofrimentos, às expiações. Só isso. O termo demônio ele usava para
designar Espírito atrasado;
7. O Espiritismo, como Doutrina de livre exame, que respeita
o livre-arbítrio das pessoas, não proíbe coisa alguma. Por que iria proibir
a leitura da Bíblia?
8. Não é verdade que "O Evangelho Segundo o Espiritismo"
contenha trechos copiados erradamente da Bíblia. Errados e distorcidos
foram os trechos que o articulista utilizou no seu opúsculo, aqui
examinado.
200

X I . EPÍLOGO

Está aí, minha amiga, a abordagem que nos foi possível fazer a
respeito do opúsculo que lhe foi entregue. É até possível que em alguns
instantes tenhamos sido bastante enérgicos. Se foi assim, a falha é
nossa, não é da Doutrina Espírita. Não era este o nosso propósito.
Afinal, nós temos recebido instruções dos Espíritos que nos aconselham
a tolerar todos esses assaques lançados contra o Espiritismo.
Dizem os irmãos espirituais que com Jesus não foi diferente.
Foi até pior. A mensagem do Mestre somente se instalou no mundo
graças à ação incansável de valorosos missionários que souberam,
mesmo com o sacrifício da própria vida, dar testemunhos fortes de fé,
determinação, iluminação e coragem.
Registramos, neste instante, que fomos contundentes ao tratar
de ensinos tirados do Antigo Testamento, podendo ter passado a
impressão de desprezo pelos livros que o compõem. Que fique claro,
no entanto, que assim agimos unicamente para dar total força à
Revelação transmitida por Jesus, que em muitos pontos alterou o
entendimento dos antigos profetas.
Temos todo o respeito pelos livros do Antigo Testamento e
reconhecemos que ali estão também verdades e revelações divinas
recebidas por inspiração, por profetas sinceros e devotados. Temos
especial apreço pelo livro Eclesiastes e pelos Salmos, onde muitas vezes
vamos buscar inspiração e consolo para nossos problemas e ansiedades.
A Doutrina Espírita, como restauradora do Evangelho, está
exposta às trevas, advindas da desinformação e da inferioridade moral
dos homens. Tanto aqui, como no lado espiritual da vida, estão aqueles
que, entorpecidos pelo veneno da ira, do ódio, do rancor, da maldade,
da inveja, e alguns até da ignorância e da ingenuidade, tudo fazem
para que a mensagem do Divino Mestre seja confundida e mal
interpretada.
201

Apraz a muitos que estão na faixa do erro, da maldade e do


interesse pessoal, que continuemos como eles, distantes da verdadeira luz.
O Espiritismo assombra, também, os que tiram da religião seus
salários, seus meios de sobrevivência. Eles sentem-se ameaçados, na
medida em que damos demonstrações de que é possível servir a Jesus
desinteressadamente, sem qualquer recompensa de ordem material,
como fizeram os pescadores Apóstolos.
Decididamente devemos adotar cautelas e examinar com bem
cuidado todos os convites que nos fazem para que participemos de
cultos, movimentos, congregações, associações, ou o que for, de
natureza religiosa ou não, quando os seus líderes e propagadores se
beneficiam de nossa contribuição financeira.
Se alguma coisa tivesse que ser chamada de abominável, talvez
esta fosse uma. Não a Deus, que em sua infinita misericórdia tem
para conosco o mais puro sentimento de piedade, compreensão e
paciência; mas abominável ao bom-senso, à ética, à vida de renúncia,
de solidariedade, de devoção desinteressada a Deus, que o Cristo espera
de nós.
Não estamos ofendendo, se lembrarmos que os pastores
protestantes são assalariados pelas igrejas que servem. Atuam por
profissão, com registro em carteira. A maioria recebe salários modestos,
mas é sempre pagamento por serviço prestado à igreja. Alguns ganham
bons salários diretos e indiretos e são ardorosos defensores da crença.
Fariam o mesmo, se não fossem seus salários pagos ao final do mês?
No Espiritismo não existe esse tipo de profissional. Somos todos
obreiros do Senhor, agindo por amor à causa do Evangelho. Para nos
mantermos, temos nossos trabalhos, como o comum dos homens.
Lamentavelmente, ainda é o dinheiro a mola dos interesses dos
homens. Não temos a capacidade de penetrar o coração de ninguém,
para saber quais os reais sentimentos e desejos daqueles que nos
seduzem com palavras bonitas. A prudência nos recomenda, porém,
que observemos com melhor atenção aqueles que, no campo religioso,
nos cativam com palavras, mas que, no tocante aos exemplos, se
apresentam com as mãos vazias e os corações enegrecidos.
202

A Doutrina de Jesus, representada nos Evangelhos, é


extraordinariamente bela e sedutora. Nela está a Verdade que todos
nós buscamos. A Historia nos mostra, entretanto, que apesar de todo
esse seu valor, ao longo dos séculos, os homens, movidos por interesses
pessoais e egoístas, lograram desvirtuá-la, patrocinando crimes como
homicídios, extorsões, perseguições, guerras, difamações. Tudo em
nome do Amor de Jesus.
Os que patrocinaram tais loucuras se diziam guardiães da fé.
Encontramo-nos vinte séculos adiante. A humanidade, como
um todo, melhorou, é verdade. Mas os avanços foram poucos. A luz
do Mestre foi abafada pela ausência de moralidade dos homens. E
entre nós ainda permeiam os que, se auto-proclamando donos da
Verdade, lançam sobre nós a confusão, para nos manterem cativos de
seus propósitos.
A Doutrina Espírita abre uma Nova Era para a humanidade. A
fé cega, imposta sob o clima do medo, da ameaça, das pregações
inconsistentes do inferno e do Satanás, encontra uma forte combatente,
na fé raciocinada, que os Espíritos nos ensinam.
Crer em Jesus, sim. Tê-lo como nosso Salvador, é verdade.
Reconhecê-lo como nosso Mestre e Senhor, isto mesmo. Mas, acima
de tudo buscar a Verdade, porque somente ela nos libertará. E não se
busca a verdade sob o regime da ameaça, do medo, do temor, da
mentira. A Verdade se expressa na lógica, na razão, no sentido das
coisas, na pureza. A faculdade de pensar, de usar a inteligência, nos
foi concedida pelo Pai, para ser usada.
Não pode existir verdade onde se quer tornar Deus um ser
pequeno, fustigado por um tal Satanás, que Ele próprio teria criado,
apesar de sua Onisciência e do Seu Amor.
Não pode existir verdade onde se deseja, desapiedadamente,
que bilhões de irmãos sejam arremessados à tortura eterna, em nome
da ira de Deus.
203

Não pode existir verdade onde não se permite o livre exame


das coisas.
Libertemo-nos desses grilhões de fé que, ao longo dos vinte
séculos, somente contribuíram para espalhar a confusão e disseminar
a discórdia.
Pense grande. Pense, não só nos seus amigos e familiares. Estenda
sua capacidade de pensar para mais longe. O mundo não é apenas o
bairro onde você mora, a cidade ou o País onde você nasceu. Veja a
humanidade inteira do planeta Terra. Lembre que bilhões de outras
almas, igualmente filhas de Deus, jamais ouviram falar em Jesus.
Seguem outras religiões e desconhecem o Cristianismo. São seres
humanos que têm pai, mãe, filhos, irmãos, trabalham, sonham, amam
a vida, como você. Estariam mesmo condenadas ao inferno, porque
não aceitam Jesus como o Único Salvador? Que culpa têm do
Evangelho de Jesus não ter chegado lá?
Jesus não quer adoração à sua pessoa. Quem gosta de adoração
pessoal são os homens egoístas, que buscam os primeiros lugares. Jesus
quer que "amemos uns aos outros, como eles nos amou".
Qual a sorte daquelas bilhões de almas, se não têm como aceitar
Jesus como seu Salvador? Estariam mesmo predestinadas ao inferno?
Lembre: gerações e mais gerações já se passaram, o que, se somadas,
nos dariam uma extensão grandiosa do número de almas perdidas.
Estaria mesmo a salvação condicionada à aceitação, formal, de Jesus"
como o Salvador? E onde ficariam suas palavras de que "Bem-
aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus"? (Mateus 518).
Homens de corações limpos, temos em toda parte. Estariam
estes condenados, unicamente porque adoram Buda ou Maomé ou
algum outro missionário do Alto?
Pense, pense grande. Veja o caso das crianças, dos adolescentes
e dos jovens que, por motivos diversos, partem desta vida sem formar
noção completa das coisas. Qual a sorte futura destes? Não fizeram
profissão de fé! Irão para o inferno?
204

Lembre os idiotas, loucos, atormentados, psiquicamente


desequilibrados. Também não têm como fazer profissão de fé. Muitos
já nasceram assim. Qual o destino deles? Porventura Deus também
não os vê como filhos?
E os silvícolas? Já pensou neles? Os nossos irmãos índios e índias,
que ainda nos tempos de hoje vivem em contato com a natureza, na
maior simplicidade, adorando os fenômenos naturais, e pecando por
serem imperfeitos. Fico pensando... coitados... não têm como aceitar
Jesus como o Salvador... não sabem nem o que é religião Protestante...
e o que os aguarda? Seria mesmo o inferno?
E o articulista ainda diz: "Por assim terem feito, será justo que
Deus os mande para esse lugar".
Uma Teoria para ser boa tem que apresentar solução boa para
todos os problemas. A teoria extremista do céu e inferno não resolve o
problema. Só a Lei de Evolução dos Espíritos (lei esta que é a mais
substancial revelação transmitida pelos Espíritos aos homens) é capaz
de trazer ao homem uma noção perfeita da justiça de Deus. Com ela,
Deus abre para o homem a oportunidade de crescer e amar.
Reencarnando, o silvícola de hoje será o homem civilizado de amanhã,
e o homem civilizado de hoje será o anjo do futuro. Tudo e todos
caminhando para a perfeição e para Deus.
Sim, nenhum outro ensino religioso havia cogitado da Evolução
dos Espíritos. A reencarnação até que não foi muita novidade: já fazia
parte de ensinos de filósofos e pensadores antigos. Mas, sem o
conhecimento da Lei de Progresso, o fim objetivado com as
reencarnações, suas causas e conseqüências, não eram conhecidos. Foi
necessária a Revelação Espírita para elucidar este ponto, alargando
nossa compreensão acerca da soberana Bondade e Justiça de Deus.
A Lei de Evolução está acessível a todos através das reencarnações
sucessivas e possibilita: a "ressurreição na carne", o resgate de erros, o
progresso e a ascensão de todos para Deus! Isto é mau?
205
A Doutrina Espírita é universal. Ela estende nossa irmandade
terrena a todos os povos, em todas as épocas. Somos todos Espíritos
caminhando para Deus. Não mais o medo, não mais o inferno, não
mais o Satanás, não mais a condenação eterna. A reparação dos erros,
sim, por uma questão de Justiça. Mas, acima de tudo, temos uma lei,
a reger nossos destinos: a Lei do Progresso.

Pense e reflita. Você tem direito ao livre exame das coisas.

Melcíades,

Julho de 1997.
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