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“Descanse em Paz”

Peço licença para fazer um só texto, tal que, pelo meu entendimento, foi justamente pelo
ato da transposição que as escolhas narrativas ganharam semelhanças e diferenças, num
processo implícito ao transposicionamento onde a narrativa ganha outros personagens
independentes – o que na leitura se limita aos personagens narrados pela autora da espécie de
diário que é a forma da história. Mas para tirar as coisas do óbvio, a escolha das pessoas que
fizeram o filme foi de dar lugar a esses personagens autonomamente – com falas e gestos e atos
seus, o que, em si, transfigurou toda a narrativa fundamentalmente. O filme poderia ter sido feito
de uma forma que a história planasse com total centralidade de voz na voz descrita nos diários,
tal qual no livro, ainda assim, no momento em que a narradora aparecesse ou que se criasse uma
voz para ela – isso, dar a ela um corpo – já seria uma diferença. Ter dado corpo, voz e ato também
para outros personagens (como Jane, John, James) e criado outros (a mãe de John, o médico, a
servente) reconfigura toda a narrativa, pois suas próprias perspectivas são adicionadas à pessoa
leitora que virou espectadora.
Quando lendo o livro de Charlotte Perkins Gilman (escrito em 1892 e traduzido por Diogo
Henriques e publicado em 2018 no exemplar ao qual tive acesso), as impressões da realidade
(externa e interna) da pessoa que a narra, a partir da furtiva escrita que permite o registro, são,
por provirem de sua escrita, completamente referenciadas às suas percepções e forma de produzir
sobre elas nesse espécie de diário, dos tempos em que passou com o marido, a cunhada e –
nitidamente – com a casa e o quarto. A dimensão do espaço e ambiente, em ambas as formas,
aparece como um recurso não acidental para trazer o tom (de reclusão ou repetição) na história.
No livro, os registros do diário parecem sempre vir do quarto. No filme, ainda que se mostre a
circulação na casa e alguns espaços exteriores (a vista da janela, o jardim), os exteriores (em que
Charlotte nunca está/aparece, mas vê – aqui exclusa a cena do discurso de John) são sempre
mostrados de uma câmera que também não está, parecendo ser uma tentativa de marcar um
privilégio às visões de Charlotte (e isso parece uma aproximação com o conto).
O fato de a personagem central ser chamada no filme de Charlotte (como a autora do
conto) acaba ressaltando a interpretação autobiográfica sobre o conto em que é baseado. Essa é
uma escolha perigosa, pois, ao facilitar a associação as duas figuras e ousar criar corpo e voz a
essas, acredito que possa ter pessoalizado – em Charlotte – uma questão que, no texto, extrapola
(a narradora do texto não tem nome) a autoreferência. Digo isso num sentido que, apesar de o
texto ter sido lido como um conto de horror/gótico em sua época, é conhecido que hoje – e
possivelmente na época em que foi transposto ao cinema, em 2011 – o conto tem um valor literário
próprio e importante por apresentar uma narradora mulher reflexiva de sua época – tanto que se
tornou significante leitura no movimento de emancipação feminina, ao que excede a pessoalidade
da autora – que, ainda que críticas como Elaine Hedges, afirmem ser de fato correlato a
experiências reais da autora, me parece que, ao colocar seu nome como o nome da personagem,
limitam a obra enquanto potência literária ao dar meios para que se cole a narradora à autora –
induzindo a versão do entendimento autobiográfico. Essa estratégia pode vir a reduzir os méritos
literários do conto, ainda que firmar sobre a autora uma responsabilidade e autoria social-histórica
em tê-lo produzido.
A primeira cena do filme é emblemática ao mostrar, no transporte a caminho da casa em
que se instalarão, a imagem de Charlotte e a narração em off de um diálogo do médico com o
marido sobre sua condição.- que termina com um brinde à saúde.
Se John, no conto, é um marido, médico, pai, irmão que provoca na narradora sentimentos
ambíguos de amabilidade e gratidão ao mesmo tempo que de alguém que suscita contradições
nela em relação a suas afirmações sobre sua vida e saúde, no filme, ao John se personificar, o
personagem é complexificado e reescrito. Vemos sua voz, seus gestos, seus olhos, sua forma de
silenciar com o argumento da saúde, da ordem, das pré-determinações. Podemos acessar sua
história de vida de forma privilegiada também (e criada para o filme, extrapolando a leitura) e
perceber como este se relaciona com as pessoas que o filme faz ver-ser. Com o filme, a impressão
que tive é que ele está menos ausente do que no conto. A criação de diálogos entre as
personagens no filme possibilita uma ampliação na percepção das relações. É escolhido, por
exemplo, tanto mostrar John como um marido apegado a verdade médica (“your doctor first your
husband second” – tradução minha: seu médico em primeiro lugar e seu marido em segundo) que
atua fortemente na relação com a mulher – afirmando a sua necessidade de descansar
completamente.
Algo interessante no filme é a forma como são criados diálogos que não aparecem no
conto, como por exemplo a cena onde o casal conversa um pouco mais docemente sobre a vida
e John traz a cena da beleza que ele, menino, viu na polinização e logo foi contraposto a uma
explicação ao fenômeno, que, de beleza, se transformou, assim, em fenômeno. “The mistery
vanished”. Parece nítido à pessoa espectadora, então, as consequências da vivência narrada na
construção de um John que, como ele diz, gosta das coisas sólidas. Já Charllote expressa suas
ideias ante a escrita no seu caderno com uma postura determinada, idealista e sonhadora.
Acompanhamos. no filme, a escrita no diário feita com Charlotte, onde seus pensamentos ganham
lugar enquanto pensamentos. Podemos ver então sua reflexão sobre o seu próprio movimento de
escrita, a incidência de John em sua vida que fez com que seus pensamentos parecessem triviais
e risíveis, a ideia a qual acredita em que “expressar um medo é meio caminho andado para superá-
lo”.
Na escrita do caderno, quando aparece no filme, também se vê uma semelhança na forma
em que a trama é construída no conto: existe uma intercalação entre seus sentimentos e
pensamentos próprios (e que não podem ser expressados a outrem) e os sentimentos de dever
em relação ao carinho que John e a irmã supostamente então tendo com ela. Essa contradição
de desejos de vida só é possível ser vista, no filme, em conversas com o caderno e com a cunhada
(a quem conta que desejava escrever numa revista até que conheceu John), não existe espaço
para um diálogo verdadeiro (onde Charlotte possa realmente se expressar de acordo com o que
pensa – e sabemos pelos seu diário). Quando ela demonstra querer mudar algo, seu marido logo
a silencia, dizendo contra a sua vontade, como se o próprio ato de desejar lhe fosse,
“caridosamente”, não recomendado por prescrições médico-maritais, na ordem desses papéis
confessadamente confusos. É no caderno, então, que decanta sua profícuas (com muitos trechos
pra além do conto) imaginação e reflexão, com ensaios sobre essas (como quando registra que
acha que a sua imaginação é uma das suas faculdades, que a ajuda a encontrar a ordem e
aprender com as suas experiências), muitas vezes em comparação com – indagação a - o marido.

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