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NELSON RODRIGUES
INTRODUÇÃO
Acusado: Aprígio
Vítima: Arandir.
Testemunhas: Dália e Selminha.
Delegado: Cunha
Repórter: Amado Ribeiro
Vizinha: D. Matilde
Não restou provada de que maneira a honra da filha possa ter sido maculada,
já que não há provas cabais que atestem a má conduta por parte da vítima. Aliás, tal
alegação de que a honra de Selminha fora manchada não condiz com a versão dela
própria sobre sua condição de vida com Arandir. Ela é enfática ao afirmar que
conhecia Arandir desde a infância e tinha uma vida feliz junto com ele:
- Aprígio: “Vem cá. Você tem ta casada um ano. Um ano?”. (p. 19).
Os relatos demonstram que esse ódio de Aprígio por Arandir era velado,
porém, com tal força que até o impedia de falar o nome do genro, segundo relato de
Selminha.
- Selminha: “Uma coisa, papai. O senhor sabe que, desde o meu namoro, o senhor
nunca chamou Arandir pelo nome? Sério! Duvido! Papai! O senhor dizia ‘seu
namorado’. Depois: - ‘seu noivo’. Agora é ‘seu marido’, ou, então, ‘meu genro’.
Escuta papai!”. (p. 18).
Segundo consta nos autos, Arandir, em um último ato de amor pelo suposto
amante, o teria beijado quando este já falecera. Tal fato foi presenciado por Aprígio,
que, em nenhum momento confirmou que o genro pudesse realmente ter um
relacionamento com o atropelado. A cena toda foi interpretada por Aprígio como um
sinal da homossexualidade e traição de Arandir, porém, este, constantemente e
inutilmente explicou por diversas vezes que não pudera negar o último desejo de um
moribundo; o fez acreditando ser um gesto de amor fraternal.
- Selminha: “Toma! Toma! Não quero ler mais nada! Estou até com nojo! Nojo!”. (p.
35).
- Selminha: “(...) meu marido nem conhecia! Era um desconhecido, d. Matilde!”. (p.
35).
- Matilde: “(...) o morto não é um que veio aqui, uma vez?” (p. 36).
- Matilde: “O jornal diz: ‘não foi o primeiro beijo! Nem foi a primeira vez!” (p. 37).
Neste ponto é importante salientar que todas as informações deste caso são
oriundas, em sua maior parte, de reportagens jornalísticas que se mostraram bem
rápidas em acusar, sem antes levantar informações reais dos fatos. Tratou-se de
uma apuração unilateral, cuja intenção foi acusar e denegrir a imagem de Arandir,
com claro intento de fomentar a venda de jornais. Também está aparente certa
cumplicidade entre o delegado que investigou o caso e do repórter que o noticiou.
- Amado Ribeiro:“Sujeito burro. Escuta, escuta! Você não quer se limpar: Hein? Não
quer se limpar?” (p. 14).
- Amado Ribeiro: “(...) escuta rapaz! Esse caso pode ser a tua reabilitação e olha: -
eu vou vender jornal pra burro!”. (p. 15).
- Amado Ribeiro: “Crime! E eu provo. Quer dizer, sei lá se provo, nem me interessa.
Mas a manchete está lá, com todas as letras: CRIME!” (p. 70).
- Amado Ribeiro: “(...) Sei lá! Certeza, propriamente. A única coisa que sei é que
estou vendendo jornal como água. Pra chuchu”. (p. 71).
As razões e alegações apresentadas até aqui dão conta de que a vítima não
tinha nenhum antecedente que justificasse a ira de Aprígio, e consequentemente o
crime. Tampouco qualquer prova contundente de que Arandir tivera um amante, ou
fosse homossexual. Aliás, as declarações de Selminha sobre sua felicidade
conjugal, amparada pelo fato de que ela estava grávida de Arandir, justificam e
endossam a acusação de que o crime foi premeditado, ainda que se fale em defesa
da honra, pois não havia sinais de luta corporal ou qualquer outro fator que pudesse
demonstrar que a vítima tivesse agredido ou reagido a uma agressão por parte de
Aprígio.
§ 2º Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Os ilustres magistrados nos ensinam que um caso grave como homicídio não
pode ter como justificativa um motivo fútil. Levando tal entendimento em
consideração, é certo afirmar que o crime aqui discutido deve ser punido com o
máximo do rigor que a lei determinada, pois é certo que ele foi cometido com base
num motivo fútil, banal: ciúmes.
CONCLUSÃO
Caracterizado, portanto, que o ciúme que o acusado nutria por Arandir é um
motivo fútil para justificar o crime, fica evidente também que a condição desse
sentimento é por si um agravante, por não poder ser expressa, já que mediante à
sua posição como chefe de família, e pelas condições sociais da época do crime, é
compreensível que Aprígio não pudesse externar o amor que sentia pelo genro,
conforme suas palavras, ditas no calor da última discussão que tiveram:
- Aprígio: “Eu perdoaria tudo. Só não perdoo o beijo no asfalto. Só não perdoo o beijo que
você deu na boa de um homem” (p. 81).
- Aprígio: “Você era o único que não podia casar com minha filha! O único!”(p. 82).
- Arandir: “(...) Deseja a própria filha (...) tem ciúmes de Selminha”. (p. 82).
- Aprígio: “De você. Não de minha filha. Ciúmes de você, tenho! Sempre. Desde o teu
namoro que eu não digo o teu nome. Jurei a mim mesmo que só diria teu nome a teu cadáver.
Quero que você morra sabendo. O meu ódio é amor”. (p. 82).
REFERÊNCIAS
BÁRTOLI, Márcio; PANZIERI, André. Código Penal e sua Interpretação. 8ª ed. Coord.:
Alberto Silva Franco e Rui Stoco. São Paulo: Editora: RT, 2007.
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. [S.l.]: eBooks Brasil, 2013. Disponível
em: < http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2013.