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Resumo
Está na essência do design o comprometimento com a resolução de problemas
humanos. No entanto observamos que no último século, muito desse esforço foi
canalizado na concepção de produtos e mercadorias para venda e consumo. Em
paralelo, o surgimento de uma cultura crítica da atividade do design a partir dos anos
1960, fez emergir uma consciência da prática da disciplina e de sua relação e impacto
para a sociedade. Nesse âmbito o Design Social emergiu como alternativa para a
resolução de questões e problemas relacionados com a condição de sobrevivência e
cidadania priorizando grupos de pessoas, comunidades e indivíduos em situação de
vulnerabilidade e pobreza.
Este artigo tem como objetivo apresentar as percepções relacionadas com uma
pesquisa bibliográfica sobre o Design Social, Codesign e Microplanejamento,
referentes ao primeiro ano da pesquisa de doutoramento. Além de compreender como
iniciativas de Design Social baseadas em ações de microplanejamento ajudam na
sustentabilidade de projetos participativos em comunidades em situação de
vulnerabilidade social.
Os resultados encontrados foram utilizados em dois workshops com os moradores do
bairro do Alto da Cova da Moura, na Amadora, distrito de Lisboa, Portugal. E no bairro
do Desterro no centro histórico da cidade de São Luís do Maranhão, Brasil.
Palavras-chave design social, codesign, microplanejamento.
Abstract
Part of designs’ essence is about being deeply committed to finding solutions for human
problems. However, we can observe that, on the last century, much of this effort has
been channeled to the design of products and goods for sale and consumption. At the
same time, the arising of a critical culture of design, from the 1960’s, made a practical
conscience of this field and its relation and impact on society emerge. Consequently,
Social Design has emerged as an alternative to solving problems and issues related to
survival and citizenship conditions, giving priority to certain groups of people,
communities and individuals in vulnerability and poverty situations.
This paper aims to present impressions of a bibliographical research about Social
Design, Codesign and Micro-Planning, related to the first year of doctoral research. It
also understands how social design initiatives based on microplanning actions help
participative projects sustainability in socially vulnerable communities.
The results were used in two workshops with residents of Alto da Cova da Moura
neighborhood, Amadora municipality, Lisbon district and Desterro neighborhood, in the
historic center of São Luis, state of Maranhão, Brazil.
Keywords social design, codesign, microplanning.
1. Introdução
A formação da sociedade industrial, na metade do século XVIII e sua continuidade até
meados do século XX foi caracterizada entre outras coisas pela concentração de
massas de trabalhadores assalariados nas fábricas e nas empresas; por uma
sistemática aplicação das descobertas científicas ao processo produtivo na indústria;
pelo crescimento da mobilidade geográfica e social que incentivou o surgimento de
grande parte das cidades; pela fé em um progresso irreversível e em um bem-estar
crescente e pela difusão da ideia de que o homem, em conflito com a natureza, deve
conhecê-la e dominá-la. (De Masi, 2003, p.19)
Foi nesse cenário que o design emergiu com o principal intuito de estabelecer uma
ordem a produção industrial. Esse período proporcionou um significativo aumento da
oferta de bens de consumo aliada à queda de seus custos que ocorreram devido à
mudanças de organização nos meios produtivos, surgimento de novas tecnologias e
diversificação dos sistemas de transporte. Esta era proporcionou a um grande número
de pessoas o acesso a compra de uma variada gama de produtos, o que se pode
caracterizar como a “infância da sociedade de consumo”. (Cardoso, 2014, p.15)
É certo afirmar que muitos dos produtos originários dessa produção industrial
proporcionaram conforto e bem-estar para uma numerosa quantidade de pessoas em
todo o mundo. No entanto, de forma paralela, essa atividade industrial gerou um sem
número de externalidades1 ambientais e sociais negativas. Exemplos como o aumento
da geração de lixo e seu impacto na saúde pública, a multiplicação de guerras
regionais para o controle de recursos naturais limitados e os consequentes problemas
raciais oriundos dos limites demográficos e sociais, o desemprego e a crescente
desigualdade social, entre outros, nos levam a questionar o real significado da
expressão “bem-estar”. (Manzini, 2008, pp 20.)
[1]
Para LONGO (1983, apud (Soares, 1999) 1999, p. 18) “Uma externalidade é uma imposição de um efeito causado a terceiros,
gerada em uma relação de produção, consumo ou troca”.
de Lisboa e o bairro do Desterro no centro histórico da cidade de São Luís do
Maranhão, Brasil.
Em 1971, o designer Victor Papanek publica o livro Design for the Real World [Design
para o mundo Real] onde destaca a responsabilidade moral do designer. Ele afirma de
forma contundente ainda no prefácio que “existem profissões mais prejudiciais que o
design, mas bem poucas”2. Mais a frente, ao tratar das responsabilidades sociais e
morais do design, ele convida todos que atuam na profissão a adotar uma nova postura
diante de sua produção.
“Preciso concordar que o designer tem uma responsabilidade com a maneira que os
produtos por ele projetado serão recebidos no mercado local. Mas esta é ainda uma
visão estreita e antiquada. A responsabilidade do designer deve ir muito além destas
considerações. Sua capacidade crítica social e moral deve ser posta em jogo muito
antes dele começar a projetar, uma vez que ele tem que fazer um julgamento, um
julgamento a priori, para saber se os produtos que lhe foram propostos a projetar ou
redesenhar merecem a sua total atenção. Em outras palavras, observar se o seu
3
projeto está ao lado do bem social ou não” . (Papanek, 1971,p.55)
[2]
“There are professions more harmful than industrial design, but only a very few of them”.
[3]
“I must agree that the designer bears a responsibility for the way the products he designs are received at the market-place.
But this is still a narrow and parochial view. The designer's responsibility must go far beyond these considerations. His social and
moral judgement must be brought into play long before he begins to design, since he has to make a judgement, an a priori
judgement at that, as to whether the products he is asked to design or redesign merit his attention at all. In other words, will his
3
design be on the side of the social good or not”
(especialmente aqueles em desenvolvimento), para melhor compreender e atender às
necessidades da humanidade e sua relação com o design.
O livro Design for the Real World pode ser considerado um marco histórico de uma
busca por uma postura socialmente responsável do design, pois desde então outros
designers têm respondido ao seu chamado procurando desenvolver programas de
design para demandas sociais, estendendo-se desde as necessidades de países em
desenvolvimento até aquelas direcionadas a idosos, pessoas em situação de pobreza e
portadores de necessidades especiais. (Margolin e Margolin, 2002).
Todavia o papel dos designers não se alterou muito nas últimas décadas e ele continua
fazendo “parte do problema”. No entanto, “estes podem e devem ter outro papel,
tornando-se, portanto, ‘parte da solução’. Isto é possível porque no código genético do
design está registrada a ideia de que sua razão de ser é melhorar a qualidade do
mundo”. (Manzini, 2008, pp. 16)
De certo que o objetivo primário do design é o foco no mercado, criando produtos para
venda. De modo contrário, o objetivo primordial do design social é a satisfação das
necessidades humanas. No entanto Margolin e Margolin (2002) propõem que o
“modelo de mercado” e o “modelo social” não sejam considerados como lados opostos,
mas sim como dois polos de uma constante. As diferenças seriam definidas pelas
prioridades do problema ao invés de um método de produção ou distribuição. Eles
também enfatizam que muitos produtos que são desenvolvidos para o mercado
também atendem às necessidades sociais, porém argumentam que o enfoque
mercadológico não consegue, e provavelmente não pode, cuidar de todas as
necessidades sociais, visto que algumas delas são relacionadas a populações que não
constituem uma classe de consumidores no sentido de mercado.
Na mesma conferência Ezio Manzini apontou dois enfoques para o design: onde um
deles é o design com uma obrigação explicitamente social: “Um novo campo de design
onde alguns designers especializam-se em colaborar com assistentes sociais para
resolver problemas sociais graves e específicos”5. O outro é mais geral e se refere à
comunidade de design como um todo. Nesse caso, todos os designers,
independentemente de sua especialização, deveriam redefinir seus objetivos e serem
reorientados para novas demandas sociais emergentes. Ele afirma ainda que embora
ambas ações sejam importantes, o maior desafio dos dias de hoje envolve a mais
recente definição de design: “desenvolver conhecimento necessário para melhorar o
bem estar da sociedade, em direção à sustentabilidade”.6
Embasado em outros autores Fuad-Luke (2009) discorre sobre o termo “Design Social”,
e diz que este possui diversos significados, no entanto o que melhor o define é aquele
que se refere ao desenvolvimento de um modelo social e um processo de design que
tenha como objetivo contribuir para a melhoria da qualidade de vida.
Neste âmbito Veiga e Almendra (2013) tratam que esta nova área desde a sua
concepção está relacionada com a busca em resolver problemas e responder a
necessidades. A palavra "social" aponta diretamente os problemas, necessidades ou
questões relacionadas com a sociedade, grupos de pessoas, comunidades, indivíduos,
cidadãos, seres humanos. E continuam afirmando que estes problemas de ordem
"social", muitas vezes não são apenas de carácter "social", são também "culturais",
"ambientais", "econômicos" e "políticos". No entanto, uma vez que estes são aspectos
inerentes à condição humana e todos são produzidos pela sociedade ou ao menos são
de sua responsabilidade - ambiental -, em uma última análise, todos eles podem ser
considerados uma questão "social".
Ao investir em soluções para comunidades vulneráveis se torna cada vez mais comum
buscar o caminho que alia a inovação social, o empreendedorismo e a colaboração
entre designers e usuários, como forma de promover melhores ideias e resultados para
novos produtos, sistemas produtos-serviços ou novos negócios (Franzato et al., 2013).
Para Marcos L. Rosa (2013, p. 14) o microplanejamento é uma abordagem que explora
a “experimentação como uma forma vital de abordar a complexidade crescente das
cidades, à procura de novos tipos de planejamento alternativo, capazes de absorver o
que emerge e é gerado pelos meios urbanos”. Ele completa explicitando que o
processo se dá pelo incentivo a formação de conexões e redes estratégicas de projetos
que se utilizam de “processos locais abertos a táticas bottom up (de baixo para cima),
experiências localizadas que carregam consigo a intenção de mudança dos locais”.
2. Workshops de design social
Trabalhando com a perspectiva de unir a abordagem criativa do codesign com o
método de atuação do microplanejamento, o autor está envolvido em duas ações de
Design Social que vem sendo realizadas em bairros em situação de vulnerabilidade
social, nas cidades de Lisboa, Portugal e São Luís, Maranhão, Brasil. Dentre os vários
enfoques dados ao termo “vulnerabilidade social” utiliza-se aqui aquele que possui um
razoável consenso em torno desta questão fundamental:
A primeira iniciativa vem sendo conduzida junto ao projeto Kowork E5G no bairro do
Alto da Cova da Moura, município de Amadora, distrito de Lisboa, Portugal. Se
configura como um projeto de inclusão social e profissional financiado pelo Programa
Escolhas Pontual do Alto Comissariado para as Migrações, criado pelo GIP / ACMJ –
Associação Cultural da Cova da Moura, para capacitar jovens que vivem no bairro a
expandir oportunidades individual e coletivas de emprego ou construir suas próprias
ideias de negócios. O projeto vem ocorrendo desde o mês de setembro de 2015,
através do trabalho conjunto com os colegas investigadores Inês Veiga, António Pinto e
Natália Plentz.
Esta ação se deu inicialmente através de pequenas oficinas que exploraram em termos
conceituais e práticos o que é (e pode ser) design e ser designer e, onde pretendeu-se
que o conjunto de jovens desenvolvessem capacidades criativas e uma visão
empreendedora e cidadã sobre o seu futuro e a sua vida.
A iniciativa trabalhou com a perspectiva do que Nigel Cross (2011) denomina como
“Design ability”. Ele enfatiza que o ato de projetar coisas é uma capacidade inerente
aos seres humanos, e que o 'design' nem sempre foi considerado como algo que
necessitava habilidades especiais, “pois esta costumava ser de alguma forma uma
capacidade coletiva ou compartilhada, e é apenas em tempos relativamente recentes
que a capacidade de design tornou-se considerada como um tipo de talento
excepcional”.7
É certo que cada área de atuação do design possui uma forma de buscar soluções e
ferramentas para alcançá-las. No entanto é possível visualizar que existe alguma
similaridades na forma de atuar dessas diversas especialidades.
Com o intuito de utilizar um método que pudesse gerar um fácil entendimento do que é
design, além de incentivar a capacidade de projetar dos moradores, utilizamos o
'Double Diamond design process', modelo desenvolvido pelo Design Council UK em
2005. Dividido em quatro etapas distintas, definidas como: Descobrir (Discover), Definir
(Define), Desenvolver (Develop) e Entregar (Deliver). O 'Double Diamond’ ilustra o
processo de design “a partir de pontos onde o pensamento e as possibilidades são tão
amplas quanto possíveis para situações deliberadamente reduzidas e focadas em
objetivos distintos”. 8
[7]
“To design things is normal for human beings, and ‘design’ has not always been regarded as something needing special
abilities. Design ability used to be somehow a collective or shared ability, and it is only in fairly recent times that the ability to
design has become regarded as a kind of exceptional talent”.(Cross, 2008, p.03)
[8]
“where thinking and possibilities are as broad as possible to situations where they are deliberately narrowed down and
focused on distinct objectives”. (Design Council, 2005, pp. 06)
Imagem 1 · Kowork E5G. Discussão sobre problemas e oportunidades no bairro da Cova da Moura.
degradado, que possibilitasse o incentivo a participação comunitária, proporcionando
um local de experiências e ponto de partida para outras transformações no bairro. O
espaço escolhido se encontra próximo a entrada do bairro, ao lado da creche familiar
que é gerida pela Associação Cultural Moinho da Juventude e com fácil acesso a rede
de transporte público (Imagem 2).
Imagem 2 · Área para intervenção. Espaço localizado ao lado da creche familiar da Cova da Moura.
A intervenção proposta no espaço, prevê a construção de uma estrutura para dar apoio
a eventos culturais, que incentivem o surgimento de pequenos negócios locais
(Imagem 3).
Imagem 3 · Solução de intervenção. Espaço localizado ao lado da creche familiar da Cova da Moura.
Isso se dará através de uma oficina de marcenaria que será oferecida ainda no ano de
2016 ao mesmo grupo de jovens, onde estes irão executar as peças de mobiliário que
farão parte do espaço.
A área escolhida pelos moradores está localizada em um espaço que no passado fez
parte de uma zona de prostituição, onde antes havia uma edificação que desabou há
cerca de 40 anos e atualmente sofre com o abandono e acúmulo de lixo (Imagem 5).
Imagem 5 · Área para intervenção. Espaço localizado a esquina das ruas Jacinto Maia e 28 de julho.
O grupo propôs a construção de uma área de convivência que pudesse ser utilizada
como espaço de descanso, mas também para o lazer e apresentação de eventos
culturais (Imagem 6).
Conclusões / Conclusions
É grande o potencial de transformação em áreas degradadas de bairros em situação
de vulnerabilidade social, através de ações de Design Social baseadas em processos
de microplanejamento. Usar este caminho como forma de incentivo a participação e
empoderamento de comunidades, analisando o quanto estas apreenderam suas
dinâmicas, além do seu impacto social e sustentabilidade ao longo do tempo, se torna
primordial para que esta investigação possa contribuir de forma significativa em futuras
ações do gênero.
No momento as ações iniciadas nos bairros começam a seguir caminhos distintos para
suas respectivas implementações. No bairro da Cova da Moura nos arredores de
Lisboa, a ação se encontra suspensa temporariamente devido a necessidade de
autorização do proprietário do terreno escolhido pelo grupo de moradores.
Já no bairro do Desterro, foi possível formar uma rede de projeto mais ampla que
envolve não só os moradores, mas também entidades localizadas no bairro e que
atuam junto ao centro-histórico de São Luís do Maranhão, fazendo com que estas
iniciassem ações como a limpeza e pintura, assim como a realização de duas
“ocupações” culturais no espaço escolhido, mesmo sem a prévia autorização do
proprietário. No entanto, a medida que essas ações se desenrolaram e ganharam
notoriedade, necessidades de protagonismo político por parte de grupos específicos se
evidenciaram, demonstrando a complexidade em torno da implementação e
sustentabilidade deste tipo de ação.