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Secretaria Municipal de Educação do Estado de São Paulo

SME-SP
Coordenador Pedagógico

JH006-19
Todos os direitos autorais desta obra são protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/12/1998.
Proibida a reprodução, total ou parcialmente, sem autorização prévia expressa por escrito da editora e do autor. Se você
conhece algum caso de “pirataria” de nossos materiais, denuncie pelo sac@novaconcursos.com.br.

OBRA

Secretaria Municipal de Educação do Estado de São Paulo

Coordenador Pedagógico

Edital Nº 04/2019 de Abertura de Inscrições

AUTORES
Publicações Institucionais - Profª Ana Maria B. Quiqueto
Legislação Federal - Profº Ricardo Razaboni
Legislação Municipal - Profª Bruna Pinotti
Conhecimentos Específicos - Profª Ana Maria B. Quiqueto

PRODUÇÃO EDITORIAL/REVISÃO
Elaine Cristina
Leandro Filho

DIAGRAMAÇÃO
Elaine Cristina
Thais Regis

CAPA
Joel Ferreira dos Santos

www.novaconcursos.com.br

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SUMÁRIO
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.............................................................................................................................. 01
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Indicadores de
qualidade da Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2016................................................................................... 84
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Arte. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p.10-71................................................................................. 108
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Ciências da Natureza. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 63-86............................................ 132
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Educação Física. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-75........................................................ 143
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Geografia. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-88................................................................... 150
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: História. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-72....................................................................... 162
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Língua Inglesa. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-71.......................................................... 167
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 64-94................................................. 171
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Matemática. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-81............................................................... 184
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Tecnologias para Aprendizagem. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-85....................... 193
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações didáticas
do Currículo da Cidade: Coordenação Pedagógica. 2. ed. São Paulo: SME/COPED,2019................................................. 205
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação Especial: Língua Portuguesa para surdos. São Paulo: SME/COPED, 2019........................................................... 239
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação Especial: Língua Brasileira de Sinais. São Paulo: SME/COPED, 2019...................................................................... 256
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Arte. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 11-91....................................................................... 260
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Ciências Naturais. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-91............................................. 276
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Educação Física. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-78................................................ 287
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Geografia. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-99........................................................... 291
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: História. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-92................................................................. 306
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Língua Inglesa. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-81................................................. 317
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Língua Portuguesa. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-89......................................... 323
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Matemática. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-83....................................................... 332
SUMÁRIO
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Tecnologias para a Aprendizagem. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-92........... 339
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações ao projeto
de apoio pedagógico: recuperação paralela. São Paulo: SME/COPED, 2018.......................................................................... 352
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orientador
para sondagem de Matemática: Ciclo de Alfabetização e Interdisciplinar: Ensino Fundamental. São Paulo: SME/
COPED, 2018..................................................................................................................................................................................................... 359
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orientador
para sondagem de Língua Portuguesa: Ensino Fundamental. São Paulo: SME/COPED, 2018......................................... 363
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. IDEB: definições e sugestões para estudos nos ho-
rários coletivos de formação. São Paulo: SME, 2018........................................................................................................................ 370
MAGISTÉRIO: Gestão: articulando esforços para uma educação de qualidade. São Paulo: SME/COPED, n. 5, 2018. 377

LEGISLAÇÃO FEDERAL

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Artigos 5°, 37 ao
41, 205 ao 214, 227 ao 229............................................................................................................................................................................... 01
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília, DF, 1990. Artigos 53 a 59 e 136 a 137.............................................................................................................. 18
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília,
DF, 1996.................................................................................................................................................................................................................... 20
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.
Brasília, DF, 2014................................................................................................................................................................................................... 39
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Institui e orienta
a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e
respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica. Brasília, DF, 2017.................................................................................. 56
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 2018......................................................................................................... 59
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP nº 1/02, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura,
de graduação plena. Brasília, DF, 2002.......................................................................................................................................................... 60
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI, 2013......................................................................................................................................................... 63
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga Convenção Internacional sobre os direitos das
pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo. Brasília, DF, 2009.......................................................................................... 66
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto
da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, 2015. Cap. I e Cap. IV............................................................................................................ 69
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada
pela Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e
Indígena”. Brasília, DF, 2008...................................................................................................................................................................... 72
BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5
de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de
2003. Brasília, DF, 2010.................................................................................................................................................................................... 73
SUMÁRIO
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

SÃO PAULO (Município). Lei Orgânica do Município de São Paulo. Título VI, Capítulo 1, artigos 200 a 211. São
Paulo, 1990.............................................................................................................................................................................................. 01
SÃO PAULO (Município). Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979. Estatuto dos Funcionários Públicos do
Município de São Paulo. São Paulo, 1979........................................................................................................................................ 04
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 2, de 06 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre os registros
na Educação Infantil. São Paulo, 2019.............................................................................................................................................. 10
SÃO PAULO (Município). Retificação - Instrução Normativa SME nº 26, de 11 de dezembro de 2018. Altera a
Instrução Normativa SME nº 26/2018, que dispõe sobre a organização dos Projetos de salas de leitura, espaços
de leitura, núcleos de leitura, de laboratórios de informática educativa. São Paulo, 2018............................................. 40
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 22, de 11 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a
organização das unidades de educação infantil, de ensino fundamental, de ensino fundamental e médio e dos
centros educacionais unificados da rede municipal de ensino para o ano de 2019. São Paulo, 2018........................ 26
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 25, de 11 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a organização
do Projeto de Apoio Pedagógico Complementar – Recuperação bem como sobre a indicação de docentes para
exercerem as funções de professor de apoio pedagógico – PAP e Professor Orientador. São Paulo, 2018................ 28
SÃO PAULO (Município). Orientação Normativa SME nº 01, 06 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre os registros
na Educação Infantil. São Paulo, 2019............................................................................................................................................. 34
SÃO PAULO (Município). Republicação - Instrução Normativa SME nº 13, de 11 de setembro de 2018. Reorienta
o Programa “São Paulo Integral” nas EMEIs, EMEFs, EMEFMs, EMEBS e nos CEUs da RME. São Paulo, 2018.......... 34
SÃO PAULO (Município). Retificação - Instrução Normativa SME nº 13, de 11 de setembro de 2018. Reorienta
o Programa “São Paulo Integral” nas EMEIs, EMEFs, EMEFMs, EMEBS e nos CEUs da RME. São Paulo, 2018.......... 34
SÃO PAULO (Município). Decreto nº 57.379, de 13 de outubro de 2016. Institui no âmbito da Secretaria Municipal
de Educação, a Política Paulistana de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva. São Paulo, 2016.. 36
SÃO PAULO (Município). Portaria nº 8.764, de 23 de dezembro de 2016. Regulamenta o Decreto nº 57.379/2016
que Institui no Sistema Municipal de Ensino a Política Paulistana de Educação Especial, na Perspectiva da
Educação Inclusiva. São Paulo, 2016................................................................................................................................................ 36
SÃO PAULO (Município). Decreto nº 58.526, de 23 de novembro de 2018. Institui o Plano Municipal de Promoção
da Igualdade Racial – PLAMPIR. São Paulo, 2018........................................................................................................................ 38

CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS

Livros e artigos

ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. S. (Org.). O coordenador pedagógico e o atendimento à diversidade. São


Paulo: Loyola, 2015........................................................................................................................................................................................ 01
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto
Alegre: Artmed, 2008........................................................................................................................................................................... 01
BENTO, Maria Aparecida (org) Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos,
conceituais. Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. CEERT, 2011................................................. 07
DIETRICH, Ana Maria; HASHIZUME, Cristina Miyuki. Direitos Humanos no chão da escola. Santo André: UFABC, 2017. 08
DOMINGUES, I. O coordenador pedagógico e a formação do docente na escola. São Paulo: Cortez, 2015............. 08
FALK, J. Educar os três primeiros anos: a experiência de Loczy. Araraquara: Junqueira e Marin Editora, 2004......... 08
SUMÁRIO

FERNANDES, Domingos. Para uma teoria da avaliação no domínio das aprendizagens. Estudos em Avaliação
Educacional, São Paulo, v. 19, n. 41, set./dez. 2008........................................................................................................................... 11
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 12
FOCHI, Paulo. Afinal, o que os bebês fazem no bercário?: comunicação, autonomia e saber-fazer de bebês em
um contexto de vida coletiva. Porto Alegre: Penso, 2015.............................................................................................................. 31
FUJIKAWA, Mônica Matie. A coordenação pedagógico e a questão do registro. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho;
SOUZA, Vera Maria Nigro de. (Org.) O coordenador pedagógico e as questões da contemporaneidade. São Paulo:
Loyola, 2012. p. 127-142 ............................................................................................................................................................................ 42
GATTI, Bernardete A. O professor e a avaliação em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n.
27, jan./jun. 2003............................................................................................................................................................................................ 57
LACERDA, C. B. ; ALBRES, N. A. ; DRAGO, S. L. Política para uma educação bilíngue e inclusiva a alunos surdos
no município de São Paulo. Educação e Pesquisa: revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, n. 39,
p. 65-80, 2013.......................................................................................................................................................................................... 57
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Heccus, 2015. Cap. 6, 7 e 14..... 58
MELLO, S. A.; BARBOSA, M. C.; FARIA, A. L. G. de (Org.). Documentação pedagógica: teoria e prática. São Carlos:
Pedro & João Editores, 2017...................................................................................................................................................................... 63
MOREIRA, A.; SILVA JUNIOR, P. M. da. Conhecimento escolar nos currículos das escolas públicas: reflexões e
apostas. Currículo sem Fronteiras, v. 17, n. 3, p. 489-500, set./dez. 2017.................................................................................. 69
OLIVEIRA, A. A. S.; FONSECA, K. A.; REIS, M. R. Formação de professores e práticas educacionais inclusivas.
Curitiba: CRV, 2018. Cap. 1 e 4.................................................................................................................................................................. 69
OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.). Registros na Educação Infantil: pesquisa e prática pedagógica. Campinas,
SP: Papirus, 2017............................................................................................................................................................................................. 69
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Tradução: Ernani F. da Fonseca Rosa.
Porto Alegre: Artmed, 2000........................................................................................................................................................................ 71
SILVA, J. L. ; Pereira, P. C. (Org.) Educação de jovens e adultos: reflexões a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak, 2015. 72
STACCIOLI, Gianfranco. Diário do acolhimento na escola da infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.... 73
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002................................................ 73
UNESCO. Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: objetivos de aprendizagem. Brasília:
UNESCO, 2017.................................................................................................................................................................................................. 73
ÍNDICE

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019....................................................................................................................................................... 01
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Indicadores de qualidade
da Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2016..................................................................................................................... 84
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Arte. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p.10-71.......................................................................................................... 108
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Ciências da Natureza. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 63-86....................................................................... 132
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Educação Física. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-75.................................................................................. 143
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Geografia. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-88.............................................................................................. 150
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: História. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-72.................................................................................................. 162
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Língua Inglesa. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-71..................................................................................... 167
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 64-94............................................................................ 171
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Matemática. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-81.......................................................................................... 184
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Tecnologias para Aprendizagem. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-85................................................. 193
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações didáticas do
Currículo da Cidade: Coordenação Pedagógica. 2. ed. São Paulo: SME/COPED,2019..................................................................... 205
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção Especial: Língua Portuguesa para surdos. São Paulo: SME/COPED, 2019.................................................................................... 239
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção Especial: Língua Brasileira de Sinais. São Paulo: SME/COPED, 2019................................................................................................ 256
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Arte. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 11-91................................................................................................. 260
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Ciências Naturais. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-91.................................................................... 276
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Educação Física. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-78........................................................................ 287
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Geografia. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-99................................................................................... 291
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Edu-
cação de Jovens e Adultos: História. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-92.................................................................................. 306
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Edu-
cação de Jovens e Adultos: Língua Inglesa. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-81..................................................................... 317
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Língua Portuguesa. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-89................................................................. 323
ÍNDICE

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Edu-
cação de Jovens e Adultos: Matemática. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-83.......................................................................... 332
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educa-
ção de Jovens e Adultos: Tecnologias para a Aprendizagem. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-92.................................. 339
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações ao projeto de
apoio pedagógico: recuperação paralela. São Paulo: SME/COPED, 2018............................................................................................. 352
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orientador para
sondagem de Matemática: Ciclo de Alfabetização e Interdisciplinar: Ensino Fundamental. São Paulo: SME/COPED, 2018. 359
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orientador para
sondagem de Língua Portuguesa: Ensino Fundamental. São Paulo: SME/COPED, 2018............................................................... 363
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. IDEB: definições e sugestões para estudos nos horários
coletivos de formação. São Paulo: SME, 2018................................................................................................................................................. 370
MAGISTÉRIO: Gestão: articulando esforços para uma educação de qualidade. São Paulo: SME/COPED, n. 5, 2018......... 377
de vista diferentes, tinham um objetivo comum: a busca
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA da melhoria da qualidade da Educação Infantil pública
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. paulistana aos bebês e às crianças. Concomitantemen-
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. te, o GEPP de Avaliação da/na Educação Infantil, com 60
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO participantes, deu continuidade aos estudos e debates
INFANTIL. SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. iniciados em 2017. Consultamos as UEs e equipes da su-
pervisão escolar ao longo de 2018, com a participação
de 85% das unidades diretas e parceiras que compõem a
APRESENTAÇÃO RME-SP na primeira e 74% na segunda consulta pública.
As consultas se constituíram em momentos formativos,
pois ao se debruçar cuidadosamente na leitura do ma-
#FicaDica terial, sinalizando ponderações, comparações, inconsis-
tências e elogios, geraram-se coletivamente processos
A Secretaria Municipal de Educação (SME) reflexivos.
/ Coordenadoria Pedagógica – Divisão da No mesmo ano, promovemos o II, III e IV Seminário:
Educação Infantil (COPED-DIEI), com o Gru- “Percursos do Currículo e da Avaliação na/da Educação
po de Trabalho constituído em agosto de Infantil na Cidade de São Paulo”, e trinta e nove seminá-
2017, por todos os segmentos presentes nas rios regionais, nos quais foram narradas experiências de
Unidades Educacionais (UEs) das 13 Direto- professoras(es) e gestoras(es) acerca dos seus saberes-
rias Regionais de Educação (DREs), apresen- -fazeres que materializavam as concepções e princípios
ta as Orientações Curriculares da Cidade – que estão presentes neste documento. Ao advogarmos
Educação Infantil, resultado de um trabalho que as práticas cotidianas na Educação Infantil são per-
coletivo de concepção, escrita e publicação. meadas de significado e devem romper com divisões ar-
bitrárias de tempo, espaço e material, não poderíamos
ser contraditórios e lidar de forma distinta com a for-
Durante a construção, optamos por fazer os movi-
mação dos profissionais que estão nas UEs diariamente.
mentos de reorganização curricular conforme segue:
Assim, entendemos que a formação da RME-SP, para im-
materializar as concepções e princípios do Currículo Inte-
plementação deste documento, iniciou-se desde o lan-
grador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), reco- çamento do Currículo Integrador da Infância Paulistana
nhecendo a sua relevância, bem como a importância da (SÃO PAULO, 2015a) e continuou ao longo dos anos até
continuidade nos processos educativos, que se iniciam na os debates que originaram este material.
Educação Infantil (EI) e seguem pelo Ensino Fundamental As concepções presentes no Currículo Integrador da
(EF); dar prosseguimento às formações que consolidam Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015) geram uma forma
a escuta, o protagonismo e a autoria infantil; valorizar o de pensar, estruturar e fazer o cotidiano que o atual do-
papel das(os) educadoras(es) da primeira infância, com- cumento vem expressar em forma de orientações curri-
preendendo que o protagonismo infantil ocorre simul- culares. Compreendemos que as orientações curriculares
taneamente ao protagonismo docente, numa relação de expressas por um documento só se efetivam nas práticas
interdependência e sem subordinações; dar visibilidade cotidianas, na relação entre gestoras(es), professoras(es),
aos bebês, que por muitos anos não foram entendidos funcionários, familiares/responsáveis, bebês e crianças.
como sujeitos de suas aprendizagens, anunciando-os Segundo Sacristán: “o valor de qualquer currículo, de
e considerando-os em suas especificidades; respeitar o toda proposta de mudança para a prática educativa, se
percurso de mais de 80 anos da Rede Municipal de Edu- comprova na realidade na qual se realiza, na forma como
cação de São Paulo (RME-SP), considerando suas histó- se concretiza em situações reais.
rias, conquistas e até mesmo dissonâncias. O currículo na ação é a última expressão de seu va-
Ao tomarmos estas decisões coletivas, surgiram lor, pois, enfim, é na prática que todo projeto, toda ideia,
grandes desafios: como materializar os princípios e con- toda intenção, se faz realidade de uma forma ou outra;
cepções sem apresentar um receituário? como ajudar se manifesta, adquire significado e valor, independen-
na reflexão docente sem ser prescritivo? como contem- temente de declarações e propósitos de partida.” (SA-
plar realidades tão diversas da RME-SP? como envolver CRISTÁN, 1998, p. 201). Imbuídos dessa compreensão,
a RME-SP na construção deste material? Em dezembro reconhecemos e apresentamos como imprescindíveis os
de 2017, realizamos o I Seminário: “Percursos do Currí- momentos formativos nas UEs, nas DREs e na SME.
culo e da Avaliação na/da Educação Infantil na Cidade Este documento estruturou-se buscando estabelecer
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

de São Paulo”, quando tomamos a decisão de ampliar um diálogo entre os pressupostos teóricos que o emba-
os interlocutores, assim constituindo o Grupo de Estu- sam e as práticas vivenciadas nas UEs da RME-SP. Entre
dos e Práticas Pedagógicas (GEPP – Currículo), composto idas e vindas, acertos e equívocos, fomos consolidando
de 200 membros de todos os segmentos da RME-SP das a ideia de utilizarmos cenas ao longo do material. Não
13 Diretorias Regionais de Educação. O GEPP – Currículo usamos este termo na perspectiva de parecer compreen-
tornou-se uma instância deliberativa, organizativa e exe- der o que retratam como uma encenação, ao contrário,
cutiva para a construção deste material. embasamos a escolha na perspectiva de contemplarmos
No decorrer de 2018, realizou-se um trabalho cola- o protagonismo de todos os atores das UEs.
borativo no qual profissionais com percursos distintos Esclarecemos: Este material está constituído em sua
dialogaram, debateram, compartilharam experiências, integralidade por relatos desenvolvidos em nossa RME-
refletiram, aprenderam e ensinaram. E, apesar de pontos -SP. Fizemos questão de mencionar todas as UEs que se

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dedicaram à escrita das cenas no final do documento, e da Educação Infantil Paulistana, que estão sinalizados em
desejamos que todos possam se ver representados neste caixas na cor lilás no corpo do texto. Por fim, as metas
material. Para aquelas UEs que já avançaram em todas as (apresentadas neste documento de forma simplificada,
proposições, vale resgatar como foi o caminho para che- a maneira completa está disponível na versão on-line
garem a esse momento. Naquelas que estão no processo do Currículo da Cidade – Educação Infantil) e ações para
de modificar as suas práticas, as cenas e suas análises alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentá-
serão instrumentos muito importantes para esse movi- vel (ODS/ONU) estão sinalizadas na lateral do texto em
mento. Por fim, as UEs que hoje veem as proposições caixas na cor cinza. O Currículo Integrador da Infância
aqui descritas como impossíveis de serem efetivadas te- Paulistana (SÃO PAULO, 2015), bem como a Orientação
rão a singular oportunidade de refletirem coletivamente Normativa 01 (SÃO PAULO, 2013a) e os Indicadores de
por quais trilhas poderão revisitar seus fazeres. Qualidade da Educação Infantil Paulistana já sinaliza-
As cenas possibilitam materializarmos os princípios e ram e apresentaram a importância de registro docente
os conceitos presentes no Currículo Integrador da Infân- na constituição de uma escola da infância de qualidade.
cia Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), sem cairmos em um Imbuídos dessa certeza, constituímos um Grupo de Tra-
receituário e, ao mesmo tempo, permitem às UEs anali- balho de Registro com especialistas da RME-SP da área
sarem suas práticas em relação ao que é narrado. Isso é a e produzimos a Orientação Normativa de Registro que
maior riqueza deste material. Não há uma análise única, complementa as discussões contidas nesse documento
uma forma modelar de proceder, nem uma prática que para apresentar e fornecer condições teórico-práticas
não possa melhorar, e todas as UEs podem e devem su- para efetivarmos um currículo no qual o protagonismo
perar tudo que é indicado nas cenas. A premissa para infantil e docente vá além do discurso.
tanto é que se tenha um trabalho coletivo para alcançar Esperamos que a leitura deste documento, aliada ao
tais objetivos. processo reflexivo (partilhado e colaborativo) das ações
Ao utilizarmos as cenas como possibilidade de refle- cotidianas, possa apoiar a contínua construção de um
xão, problematização e transformação de concepções e trabalho de qualidade com os bebês e as crianças. Es-
tas são proposições que desejamos com um documento
práticas, explicitamos nossa crença na narrativa como
curricular que legitime as experiências vividas nas UEs,
procedimento de formação e de constituição do currí-
um currículo verdadeiramente inclusivo, equitativo e in-
culo vivido. A narrativa inventa outra lógica de formação.
tegrador, que contribua para a materialização de uma
Quando narramos sobre nossas experiências, nos trans-
Educação Infantil de Qualidade na qual os bebês e as
formamos. Ao narrarmos uma história, acabamos por
crianças possam viver plenamente suas infâncias.
fazer a escuta da nossa própria experiência. Do mesmo
modo, quando escutamos a narrativa do outro, somos
A ESCOLA COMO ESPAÇO SOCIAL DA ESFERA PÚ-
tocados por ela, podemos dialogar e refletir, incorpo-
BLICA
rando-a ou não em nossa experiência. Neste documento
de orientação curricular, é preciso pensar as cenas como A educação é um processo social. As pessoas se edu-
“narrativas-mestres”, porque são promotoras de signifi- cam e são educadas cotidianamente nas suas relações
cados que abrem para a criação de outras narrativas. interpessoais, nas ações de convivência, no trabalho, no
Quem narra fábula, vai ao encontro do outro e ao en- lazer, nos diálogos produzidos nos espaços públicos e
contro de si mesmo. Quem escuta uma narrativa pode, privados e também nas interações com as informações
inspirado nela, imaginar outras possibilidades, criar e vi- a partir de diferentes tecnologias. A educação é um bem
ver novas experiências. Nossa aposta é que as narrativas público e um valor comum a ser compartilhado por to-
contidas nas cenas possam ampliar o diálogo permitindo dos. Ela possibilita constituir uma vida comum nos ter-
a partilha de crenças, significados e sentidos, e inspirar ritórios. É um direito de todos, tendo importante papel
a construção de um currículo que promova alargamen- na constituição subjetiva de cada sujeito e possibilitando
to das experiências vividas com os bebês e as crianças. a participação nos grupos sociais. É pela educação que
Ao término de algumas cenas há caixas denominadas uma sociedade assegura a coesão e a equidade social, a
Reflexões Pedagógicas. Nelas estão contidas possibili- solidariedade e, num movimento complementar, o de-
dades de reflexão e aprofundamento ao que é narrado senvolvimento pessoal de todos e de cada um.
na cena. Novamente, não foi intenção criar uma forma Os bebês e as crianças nascem em seus grupos fami-
modelar, tanto que as reflexões assumem estruturas tex- liares, e essa é a primeira instituição a lhes oferecer um
tuais diversas. Optamos por não fazer esse movimento modo de viver e de realizar tarefas do cotidiano como
em todas as cenas para evitar cansar as(os) leitoras(es) comer, brincar, vestir-se, isto é, aprender ao estar ativa-
e para oportunizar que cada UE produza suas próprias
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

mente se socializando. Vindos de diferentes experiências


Reflexões Pedagógicas coletivamente. Afinal, quando um em espaços privados, os bebês e as crianças encontram-
coletivo produz reflexões, somam-se pontos de vistas di- -se na escola (o termo “escola” neste documento será
versos que sempre acrescentam aspectos não pensados tomado como instituição de vivências de infâncias, de
individualmente ou em outros coletivos. interações sociais e culturais, de aprendizagens e de-
Considerando a possibilidade de aprofundar as temá- senvolvimento) e iniciam as suas jornadas na Educação
ticas abordadas neste documento, optamos por incluir Infantil ampliando e pluralizando as suas experiências
caixas de texto na cor amarela denominadas “Para Saber humanas.
Mais...”, que indicam leituras, fontes e a interlocução com Os bebês e as crianças aprendem especialmente ao
outros documentos de autoria da SME. Há também des- estabelecer interações e ao realizar brincadeiras. Estas
taque para o diálogo com os Indicadores de Qualidade são situações de vida autênticas, pois não prescindem

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das relações e dos vínculos entre as pessoas, de contex- nero, regional, linguística, religiosa. A Educação Infantil
tos e de repertórios de práticas. A aprendizagem está em seu cuidar e educar assume o compromisso com a
presente na realização de todas as práticas da vida coti- humanização dos bebês e das crianças e não apenas com
diana (LAVE, 2015; ULMANN, BROUGÈRE, 2013). a instrução.
Por esse motivo, os documentos curriculares apon- O Currículo Integrador da Infância Paulistana assume
tam apenas as possibilidades educativas, mas os proces- esse papel: Nesse sentido, é desafio e propósito do Cur-
sos de educação e as aprendizagens são decididos no rículo Integrador comprometido com a qualidade social
dia a dia pelos sujeitos. Educar no Centro de Educação da educação considerar a diversidade que compõe as in-
Infantil (CEI), na Escola Municipal de Educação Infantil fâncias que habitam a cidade e se contrapor às desigual-
(EMEI), nos Centros Municipais de Educação Infantil (CE- dades (étnicas, raciais, etárias, de gênero, econômicas,
MEI), nas Escolas Municipais de Educação Bilíngue para geográficas, religiosas) que condicionam a vida de bebês
Surdos (EMEBS), nos Centros de Educação Infantil Indíge- e crianças. (SÃO PAULO, 2015a, p. 13) O compromisso
na (CEII), nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental com essas diferentes funções encaminha para o desafio
(EMEF) é oferecer situações e constituir propostas que de materializar essas concepções nas práticas educativas
estejam vinculadas às necessidades autênticas dos bebês realizadas nas instituições designadas para a educação
e das crianças, às suas perguntas, aos seus gestos, às suas dos bebês e das crianças. No Brasil são consideradas
experiências, realizando articulações e tecendo configu- crianças as pessoas de 0 a 12 anos de acordo com o Es-
rações entre as culturas da vida e as culturas da escola. tatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990).
Para um bebê ou uma criança, ingressar numa esco- Do ponto de vista conceitual, os bebês estão incluí-
la de Educação Infantil significa aprender a conviver na dos no grupo das crianças. Porém, é muito importante
esfera pública, reunir-se com outras crianças e adultos, fazer a distinção para visibilizá-los e atender as suas es-
participar de distintos universos materiais e simbólicos, pecificidades. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
compartilhar diversidades e constituir perspectivas co- Nacional (LDB) constitui a etapa da Educação Infantil
muns a partir de pontos de vista singulares. Como vimos, composta por creche e pré-escola como aquela ofere-
a educação é um processo social que ocorre na partilha cida para crianças de 0 até 5 anos e 11 meses. É preciso
da vida comum. A cultura, a ciência e a tecnologia nasce- considerar que muitas completarão os 6 anos no último
ram nos processos de qualificação da vida dos diferentes ano da Educação Infantil. As legislações e os documentos
grupos sociais, pois esses grupos queriam garantir a sua educacionais que definem a Educação Infantil, entre eles
sobrevivência. Pensamentos e convicções, ferramentas e a Declaração dos Direitos das Crianças, a Constituição
instrumentos foram produzidos ao longo de milênios de Federal (BRASIL, 1988), a LDB (BRASIL, 1996), as DCNEI
existência humana para possibilitar — ou facilitar — o (BRASIL, 2010a), o Currículo Integrador da Infância Pau-
bem-estar, a constituição de valores comuns que tecem listana (SÃO PAULO, 2015a), e os Indicadores de Qualida-
a solidariedade e a coesão social, para alimentar a ima- de da Educação Infantil Paulistana (SÃO PAULO, 2016a),
ginação e conferir sentido à vida. Portanto, a educação é provocaram o redimensionamento do papel da escola,
um bem público, e ter acesso à escola pública e laica é dos bebês, das crianças e dos adultos.
um direito de todos os bebês e crianças brasileiras e um Eles indicam a necessária recriação da Educação In-
dever do Estado. fantil e reinvenção de seus procedimentos pedagógi-
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação cos, isto é, outra concepção de crianças de zero a seis
Infantil – DCNEI (BRASIL, 2010a), em seu artigo sétimo, anos comprometida com a vida atual delas em relação
afirmam que este nível educacional exerce uma tripla aos princípios apresentados. Para isso, é preciso muita
função na sociedade brasileira. A primeira é a função so- atenção na definição dos caminhos educativos para essa
cial do acolhimento dos bebês e das crianças no sentido escola, pois há muitos percursos possíveis. Recriar a es-
de assumir a responsabilidade de cuidá-las e educá-las cola de Educação Infantil é superar compreensões assis-
em sua integralidade no período em que estão na ins- tenciais, compensatórias e antecipatórias, que priorizam
tituição, complementando e compartilhando a ação da a guarda, a proteção e a moralização dos bebês e das
família/responsáveis. A segunda é a função política de crianças, assim como limitar-se à compreensão de que a
promover a igualdade de oportunidades educacionais Educação Infantil é um importante recurso para garantir
entre as crianças de diferentes classes sociais no que se as aprendizagens necessárias para o sucesso da criança
refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de na escola.
vivências das infâncias. Em essência, isso significa con- A escola pública tem como objetivo principal oferecer
tribuir para que bebês e crianças usufruam de seus di- às novas gerações oportunidades para encontrar pessoas
reitos civis, humanos e sociais, exercendo o seu direito e conhecimentos que lhes possibilitem experiências, que
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à participação. A terceira é a função pedagógica, pois a provoquem e gerem acontecimentos, intercâmbios, con-
escola é um lugar privilegiado tanto para a ampliação seguindo constituir modos de ser e de participar da vida
e diversificação de repertórios, saberes e conhecimentos social. Ao interagir nas brincadeiras, explorações e inves-
de diferentes ordens como para estabelecer o encontro tigações, os bebês e crianças vivenciam experiências e
e a convivência entre bebês, crianças e adultos, a fim de aprendem as estratégias de convivência que foram cons-
construir outras formas de sensibilidade e sociabilida- tituídas historicamente nas diferentes culturas, interagin-
de que constituam subjetividades comprometidas com do com os distintos saberes e os conhecimentos.
a ludicidade, a educação inclusiva, a democracia, a sus- As Unidades de Educação Infantil (EI), de acordo com
tentabilidade do planeta, o rompimento de relações de Moss (2009), são lugares de encontro, espaços da esfe-
dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gê- ra pública onde as pessoas (bebês, crianças e adultos)

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constroem suas histórias pessoais e coletivas. Trata-se de tos do mundo. Os lugares são configurados pelo mun-
um lugar para estar, viver, aprender, (re)conhecer, (re)ver do, mas é neles que está situada uma possibilidade de
e (re)pensar o mundo e a vida a partir das experiências resistência. A comunidade é a vida vivida no território.
estabelecidas. A escola é um lugar onde se aprende a De acordo com Milton Santos, o território usado é um
conduzir a existência, tendo em vista o interesse comum, espaço geográfico e social que contém a vida humana
e não apenas os desejos e interesses individuais. Na em suas peculiaridades, diversidades e similaridades.
Educação Infantil, os espaços possibilitam o exercício da O espaço local, a comunidade, o bairro são elementos
ação coletiva e da autonomia dos bebês e das crianças iniciais de vínculo dos seres humanos ou das comuni-
nas suas investigações, isto é, na sua descoberta de si dades com a sociedade maior; é nela que acontece ou
e dos outros e no conhecimento do mundo. Estar nes- não a possibilidade da mobilidade. Cidades de grandes
se espaço educativo possibilita aos bebês e às crianças dimensões, como São Paulo, abrigam vários territórios
criar uma voz própria, com autoria e protagonismo. É um horizontais — contíguos, das relações de vizinhança, ou
tempo para identificar os seus sentimentos e desejos, territórios em rede de verticalidade, globalizados e vivi-
construir um estilo pessoal frente ao mundo, aprender a dos por conexões virtuais. Os bebês e as crianças devem
compreender as pessoas e a diversidade de seus modos ter direito aos territórios da sua cidade. De acordo com F.
de ser e estar, fazer escolhas desenvolvendo significados Tonucci, os adultos adaptaram as cidades às suas neces-
pessoais e significações sociais. Por isso, o acolhimento sidades — especialmente as dos seus carros (seus brin-
dos bebês e das crianças, essencial na construção de sua quedos preferidos).
identidade, é um compromisso. Com isso, excluíram os idosos, as pessoas com defi-
Cabe aos profissionais ter atenção aos espaços orga- ciência, os bebês e as crianças. As cidades estão perigo-
nizados para as vivências oferecidas, os tempos para as sas, os bebês e as crianças cada vez mais ficam em casa
elaborações, as críticas, as releituras e as materialidades em frente a telas. Vivem o paradoxo de serem “bombar-
para as criações e os questionamentos que os bebês e deados” de informação pelas redes sociais, pelos games,
as crianças evidenciam, sejam eles verbais ou gestuais. pelo telefone celular, pela televisão, mas não têm auto-
É preciso sustentar a possibilidade de que cada bebê e nomia para realizar movimentos e deslocamentos. Para
criança que esteja nas Unidades Educacionais (UEs) seja o autor, é preciso escutar a “imaginação criadora” das
convidado a reinventar e transformar o mundo. crianças e, com a ajuda delas, salvar as nossas cidades.
A seguir, vamos acompanhar parte de um longo projeto
OS TERRITÓRIOS COMO ELEMENTOS DA VIDA CO- que escutou as crianças e ampliou os territórios da esco-
MUM la, ocupando os espaços possíveis para a brincadeira no
território e na cidade, como sugere F. Tonucci.
Os termos “território” e “cultura” estão muito imbri-
cados e configuram significação de grande importância Cena 1
quando se reflete sobre a educação de bebês e crianças
pequenas. Um território não é um lugar com uma forma Conseguimos junto às crianças e suas famílias/res-
definitiva; ele é um cenário constantemente renovado, ponsáveis tornar a viela atrás da escola — uma passa-
onde as atividades — desde as mais cotidianas até aque- gem escura, com entulhos e, por isso, perigosa — um
las mais especializadas — são criadas a partir da herança lugar revitalizado. É claro que nenhum trabalho de qua-
cultural do povo que nele vive, em suas relações com os lidade social se faz sem constantes acompanhamentos;
processos globais. Durante muito tempo, a ideia de ter-
não é apenas uma ação que, depois de realizada, possa
ritório foi definida pelo seu recorte, natural ou político,
ser esquecida. É por isso que o projeto teve continuidade
e recebia o nome de Nação (cultural) ou Estado (polí-
com as brincadeiras que podem acontecer além da esco-
tico). Porém, no presente momento, podemos observar
la; nesse sentido, visitamos com as crianças os espaços
a passagem do território Nação-Estado para um territó-
comerciais do bairro, suas casas e, por fim, uma praça
rio transnacional: no qual a interdependência global cria
pública, que é um ótimo lugar para brincar.
uma nova realidade.
As crianças vão até lá fazendo muitas observações
Os territórios tornam-se cada vez mais globalizados,
e as configurações sociais são constantemente renova- que nós, enquanto adultos, por vezes não percebemos
das por fluxos que ultrapassam fronteiras e se tornam nem paramos para notar. Elas comentam o quanto as
presentes na vida cotidiana. No entanto, um território, pinturas das casas são interessantes e revelam sobre as
mesmo quando globalizado, não possui o domínio sobre pessoas que ali moram, as próprias construções, a quan-
a vida de todos. Um território é sempre um espaço de tidade de lixo nas ruas, etc. O passeio deixa de ser so-
mente um momento de lazer e diversão com os colegas:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

disputa de poder, para colonizar ou para superar subor-


dinações e contestar processos de colonização. Portanto, torna-se também um momento de estudo do meio, uma
todo território é um espaço social em que forças econô- oportunidade de aprendizagem. Percebemos que era
micas, políticas, culturais estão em permanente tensão, preciso cuidar da praça — esse importante espaço de
disputando a hegemonia. Os territórios estão localizados brincadeira — e torná-la nossa. Iniciou-se então o pro-
em um espaço geográfico, um território em movimento cesso de revitalização da praça.
— de coisas e de pessoas. Milton Santos (2001) consti- Preparamos com as crianças um evento para limpeza,
tuiu o par conceitual “mundo” e “lugar”. de forma que as famílias/responsáveis compreendessem
O mundo é o campo das possibilidades, e o lugar é que ali é um espaço possível de vivência e experiências
o espaço do acontecer solidário (categoria concreta), da do brincar. Tivemos, por fim, a reinauguração da praça e
existência e da coexistência, onde se recebem os impac- seguimos todas as semanas indo até lá, levando mate-

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riais de largo alcance, como papelão, e brinquedos tra- de uma cultura ou de múltiplas culturas. Cabe à escola,
dicionais, como corda, pipa, bolinha de gude, etc. Lá as por um lado, propiciar práticas pedagógicas que deem
crianças e os adultos resgatam e vivem as suas infâncias, sentido ao território como espaço de pertencimento para
aprendem uns com os outros e ressignificam o que é vi- relações com a cultura local, com o modo de vida das
ver na periferia, quais as possibilidades do território e o pessoas, com as suas manifestações culturais, artísticas e
que podemos fazer ou a quem devemos cobrar para que nacionalidades diversas e, por outro lado, analisar o ter-
ele se torne nosso. Esse projeto foi desenvolvido por uma ritório para que os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs)
escola ao longo de três anos e indica o quanto o tempo também tenham a identidade dos territórios.
cronológico não é o tempo da experiência. Dessa forma, os bebês e as crianças que estão che-
A brincadeira é um elemento presente na infância, gando podem ser inseridos indiretamente de forma que
que permanece e continuamente vai sendo reinventa- sejam apresentados em seus pertencimentos sociais, cul-
do na convivência e nas interações com as pessoas e turais, valorizados em suas diferenças. A educação como
os territórios. Nesse projeto, podemos observar os três um processo social se efetiva a partir das relações es-
protagonistas de uma escola da infância em ação: as tabelecidas em um território, sejam elas educativas for-
crianças, as famílias/responsáveis e as(os) profissionais. mais ou informais. Os bebês e as crianças nascem em
Apropriar-se da cidade, como sugere F. Tonucci, é um um território e nele produzem, reproduzem ou inventam
ato criativo que pode alterar a vida das crianças e dos modos de viver. Cada território propicia uma experiência
adultos. Apropriar-se dos territórios potencializando-os de infância para as crianças, pois as relações sociais se
como espaço de brincar e de convivência com as crianças modificam no tempo e no espaço. [...] desconstruir con-
ajuda a desenvolver a noção de pertencimento e de que cepções de infância cristalizadas em imagens que retra-
“o público é de todos”. Nessa cena, além de revitalizar a tam as crianças como se elas fossem todas iguais, como
praça, a professora ampliou as possibilidades do brincar, se todas tivessem a mesma história, o que justifica tra-
que é um dos elementos principais do vínculo humano, tá-las de forma massificada, uniforme e anônima. Estas
expandindo o repertório das crianças com brinquedos concepções contribuem para a invisibilidade das crianças
e materiais de largo alcance (ORTIZ; CARVALHO, 2012), e das infâncias reais, pois não revelam suas identidades,
em um movimento junto com as famílias/responsáveis. singularidades, histórias, culturas, pertencimentos, diver-
Brincar é um direito dos bebês e crianças, seja dentro e sidades e contextos de vida.
fora da UE. Assim, a ideia presente no imaginário social de que
Brincadeiras tradicionais como pega-pega, esconde- “criança é criança, só muda de endereço” é equivocada
-esconde, mãe da rua, rodas cantadas também devem e precisa ser questionada, pois o endereço e o cenário
ser apresentadas nas UEs para que as crianças ampliem sócio-histórico-cultural das crianças influenciam de for-
seu repertório ao brincar com seus pares quando estive- ma direta e permanente as formas de viver as infâncias e
rem nos diferentes espaços dos territórios, independen- produzir sua identidade. (SÃO PAULO, 2015a, p. 9).
temente de terem às mãos algum tipo de material ou Esse é um dos muitos motivos pelos quais as UEs não
brinquedo. É possível pensar em desdobramentos deste apenas precisam conhecer temas relativos às infâncias,
projeto por meio da escuta atenta às crianças e suas ela- mas perceber cada grupo de bebês e crianças em seus
borações de hipóteses durante o estudo do meio. contextos e na sua singularidade, para compreender os
Quais foram as indagações e comentários? Sobre o seus modos de viver, aprender, conviver, brincar, divertir-
que elas demonstraram interesse durante o passeio? Em -se. Nos territórios, os bebês e as crianças convivem com
que aspectos as crianças se identificaram? Se os territó- outras de diferentes idades, gêneros, interesses, desejos.
rios oferecem traços identitários para as crianças, elas e as Nos territórios, as crianças brincam com crianças da sua
suas famílias/responsáveis também podem, em sua ação idade, mas também com as maiores e menores. A idade
social e coletiva (como na experiência da praça), ofertar não é uma variável importante para a realização de jogos
traços de identidade para a comunidade. A escola como e brincadeiras; o que interessa é o desejo e a sintonia
agente de desenvolvimento social comprometida com os que configuram os territórios de brincadeira das crian-
bebês e as crianças pode interceder nos territórios a par- ças. Precisamos escutar as vozes dos bebês e das crianças
tir do diálogo com outras instituições e secretarias para nos diferentes territórios, pois elas não são iguais. Milton
benefício da infância. Nem sempre os territórios são aco- Santos (1998) afirma que a nossa função é “fazer falar”
lhedores com os bebês e as crianças; portanto, articular os territórios.
mudanças nos territórios com as famílias/responsáveis Os territórios precisam ter voz, pois é ela que reor-
para construir espaços mais gentis e de brincadeira para ganiza o todo, que possibilita integrar os diversos gru-
as crianças no território é também função da escola. Nos pos sociais e constituir o laço social de solidariedade e
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Centros Educacionais Unificados (CEUs), por exemplo, é confiança. Um território pode ser marcado por relações
possível atender às necessidades dos bebês e das crian- sociais de produção, de reprodução ou de resistência,
ças por meio do desenvolvimento de projetos culturais, dependendo do uso que os atores sociais fazem dele.
esportivos e de lazer. As UEs fazem parte de um território material e simbólico,
Nas escolas que não possuem essa situação tão favo- de uma cultura ou de múltiplas. A proposição de práticas
rável, é fundamental ofertar outras oportunidades na co- pedagógicas que deem sentido ao território como es-
munidade do entorno. Apropriar-se da cidade, assumin- paço de pertencimento deve se relacionar com a cultura
do-a como sendo seu território contribui para reafirmar o local, com os modos de vida das pessoas, com as suas
sentido de pertencimento da construção da identidade. manifestações culturais e artísticas. É nas relações com os
As UEs fazem parte de um território material e simbólico, territórios que os bebês e as crianças constituem as suas

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identidades pessoais e sociais. A seguir, trazemos uma As possibilidades de ampliação didáticas aparecem
cena na qual uma EMEI apresenta uma experiência vivida também nesses imprevistos, desde a escrita de um me-
com as suas 35 crianças de um grupo ao expandir a ação morando à subprefeitura, a confecção de um cartaz cha-
pedagógica para além dos muros da Unidade. mando a atenção para ausência da faixa de pedestre,
manipulação de notas e moedas do nosso dinheiro, en-
Cena 2 tre outras tantas. O ponto central é ter clareza de que
essas proposições não estão descoladas do contexto,
Iniciamos com a ida à feira e ao mercado que ficam e os instrumentos culturais (neste caso, o memorando
localizados na rua acima da UE. Levamos as crianças com e a moeda) não são apartados de suas funções sociais.
a proposta de comprar uma fruta da época e fazer um Só há justificativa em mediar instrumentos culturais às
suco. No caminho, eles perceberam, junto com as pro- crianças se estes estiverem concretamente significados.
fessoras, ATEs e Agentes Escolares, os cuidados para Cabe à UE constituir a sua voz e a sua autoria na rela-
atravessar a rua na faixa de pedestre e para não encos- ção com os territórios, apoiar a propagação das inúme-
tar no portão devido aos animais, e observaram as lojas ras vozes infantis que ainda não são escutadas, promo-
existentes no bairro. Quando foram atravessar a última ver a visibilidade das infâncias paulistanas e compartilhar
rua até o mercado, perceberam que não tinha faixa de o cuidado da cidade, ao fazê-la escutar os seus próprios
pedestre (isso nos trouxe a ideia de a turma solicitar à territórios. As(os) educadoras(es) precisam conhecer a
subprefeitura uma faixa de pedestre, e que as próprias comunidade na qual a UE se situa. Participar de vivências
crianças levassem o memorando). Na feira, observaram e experiências que deem valor aos elementos extraídos
frutas, legumes, verduras e compraram couve e mara- dos territórios confere aos bebês e às crianças um olhar
cujá. Levantaram hipóteses: “qual a diferença do tomate de compreensão sobre as suas vidas e cria cumplicida-
e do caqui?” “São parecidos!” Já no mercado, ao comprar de e inclusão social. As escolas públicas, especialmente
o açúcar, uma das crianças ficou responsável por pagar, e aquelas situadas em territórios de vulnerabilidade e po-
a funcionária do caixa informou que “tem troco”. breza, têm um compromisso muito grande com os be-
Em seguida, a criança perguntou “o que é troco”, e a
bês e as crianças de valorizar seus territórios do entorno,
funcionária disse que “sobrou dinheiro”. Na sequência, a
sua família/responsáveis e suas vidas constantemente
criança disse, com um sorriso: “nós vamos à feira que dá
desqualificadas pela mídia, pela política, pela sociedade.
para comprar mais frutas”. Ao retornarem, fizeram suco
Promover festas com significados para e com os be-
de maracujá com couve e todos experimentaram. Alguns
bês e as crianças, sem natureza religiosa ou comercial,
levaram a ideia para casa e pediram às mães para faze-
respeitar os territórios onde os bebês e as crianças vi-
rem o suco; na mesma semana, alguns familiares já co-
vem, conhecer a localidade onde a escola se situa, ter
mentaram a alegria das crianças.
maior relação com as famílias/responsáveis para criar
Na cena percebemos muitos elementos do planeja-
mento intencional das(os) educadoras(es) da UE e, ao vínculos pode ser o início de uma educação que escu-
mesmo tempo, a possibilidade de estarem abertas(os) ta bebês e crianças em sua integralidade e condições
ao imprevisto, que em hipótese nenhuma significa um sociais, respeita-os e os trata com justiça e equidade.
apagamento de suas intencionalidades. Acompanhemos Respeitar as diferentes composições familiares, as cultu-
algumas situações intencionais narradas: a escolha da ida ras populares, as tradições locais, jogos e brincadeiras,
à feira livre e ao mercado, a fruta e a verdura que seriam as manifestações culturais como patrimônio imaterial e
compradas e o trajeto a ser percorrido. Essas intenções propor brincadeiras com bebês e crianças com os ma-
poderiam ser divididas em estratégias didáticas, a pon- teriais que tem à disposição é criar caminhos para uma
to de permitirem novos desdobramentos na UE, como vida participativa, cidadã e digna. Oferecer dignidade
realizar o mapa do percurso realizado, registrar por de- para a vida dos bebês e crianças no marco de uma al-
senhos, imagens fotográficas e/ou em um texto a expe- ternativa àquela proposta pelo consumo é função da es-
riência (a professora como escriba), continuar a análise cola ao apresentar a cultura como um bem comum que
indicando a realização da receita, que permitirá novos não pode ser comprado, mas alcançado nas relações
desdobramentos. sociais, desde a apreciação dos materiais naturais como
É importante frisar que é no diálogo entre o que as na atenção com os demais presentes nas brincadeiras
crianças estão sinalizando e o que as(os) educadoras(es) mais simples.
têm como intenção que se materializam as proposições
a serem realizadas. Contudo, não podemos minimizar e PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
nem categorizar como mais ou menos importante que
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

o viés didático a intenção de contribuir com a visibiliza- A construção de currículos no cotidiano das Uni-
ção das crianças no bairro. Isso é muito central, afinal, dades de EI exige a compreensão de alguns princípios
sabemos que quando saímos com os bebês e crianças teóricos específicos. O Currículo Integrador da Infância
pelas ruas, causamos frisson no entorno da UE, o que Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) apresenta concepções
nos sinaliza o quanto estão invisibilizadas em nossa ci- que orientam os conceitos de bebês, crianças, infâncias,
dade. A abertura ao imprevisto se apresenta na cena em brincadeiras, linguagens, integralidade, cuidar e educar,
dois momentos, na percepção da ausência da faixa de protagonismo e autoria, diferença, igualdade, cultura,
pedestre, o que permitiu desdobramentos significativos documentação pedagógica, espaços, tempos e mate-
de mobilização de diversos conhecimentos; e no diálogo riais. No processo de aprofundamento, continuidade e
entre a caixa do supermercado e a criança sobre o troco. atualização para a implementação curricular e desenvol-

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vimento dessa proposição curricular, dois caminhos foram trilhados. Por um lado, a Secretaria Municipal de Educação
(SME) desenvolveu alguns princípios para o Currículo da Cidade que podem sugerir reflexões nesse momento de
aproximação com as práticas educativas.
Por outro, as UEs vêm realizando experimentações que foram constituindo um repertório de práticas refletidas e
disponibilizam para o coletivo essas vivências. Neste tópico, serão retomados os conceitos de equidade, inclusão e
integralidade tendo em vista a especificidade da Educação Infantil.

A Educação para a Equidade

Durante muito tempo, o acesso ao conhecimento foi ofertado para uma parcela muito pequena da sociedade. A
educação como direito defende o pressuposto de que igualdade de oportunidades entre as pessoas é fundamental
para a construção de uma sociedade justa e democrática e que ela, por ser um dever do Estado, pode ser partilhada
por todos. A escola pública é a possibilidade de não apenas oferecer para todos igual oportunidade de ingresso, in-
dependentemente de suas origens, diferenças e diversidades, mas garantir que todos possam ter o seu lugar como
sujeito, cidadão e aprendente igualmente assegurado. A hipótese de que todos os que estão presentes na UE podem
aprender é fundamental para que ela possa cumprir com a promessa da igualdade. Porém, para além da igualdade de
oportunidades, é preciso que os sistemas educacionais, com justiça, trabalhem também com o conceito de equidade.

Na ilustração, vemos duas cenas. A primeira mostra três meninos atrás de uma cerca de madeira tentando assistir a
um jogo. Os meninos têm tamanhos diferentes. Todos eles sobem em um caixote de madeira para olhar sobre a cerca.
Como possuem caixas de tamanho igual, à primeira vista, poderia significar que todos foram tratados com igualdade.
No entanto, independentemente de subir ou não na caixa, o menino maior consegue ver muito bem o jogo, pois a
cerca nunca foi um empecilho para ele, o menino médio, ao subir na caixa, passar a ver o jogo também, e o menino
pequeno, mesmo em cima da caixa, não consegue olhar por cima da cerca.
Na segunda cena, o menino maior não tem caixa, pois não necessita dela para assistir ao jogo, o menino de ta-
manho médio permanece em pé sobre uma caixa, que é suficiente para que veja o jogo. Já o menino menor sobe em
duas caixas para finalmente ver sobre a cerca. Assim, todos passam a conseguir enxergar. Agora não se tem apenas a
igualdade, mas a equidade, isto é, a justiça sendo exercida de modo a garantir o direito de todos a assistirem ao jogo,
ainda que um sem caixa e outro com duas caixas. O enfoque da equidade procura centrar a atenção nas populações
mais vulneráveis. É uma estratégia para atingir a igualdade, a partir do reconhecimento da diversidade.
O enfoque da equidade procura reduzir as brechas que impedem direitos fundamentais para conseguir um desen-
volvimento integral. Milhões de pessoas têm seus direitos negados por questões socioeconômicas, físicas, intelectuais,
de gênero, etnicorraciais, de idade, religiosas, ou por terem nascido em um território específico. Considerando a edu-
cação como um bem público e dever do Estado, deve ser direito assegurado e compartilhado por todos. Devemos
nos atentar a uma prática pedagógica de qualidade, garantindo a igualdade na diversidade e respeitando o direito
de aprendizagem na individualidade. Um sistema de educação e formação é equitativo quando seus resultados são
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independentes das condições socioeconômicas e de outros fatores que levam a desvantagens educativas, e quando a
sua frequência responde a necessidades individuais de aprendizagem. Dentro desse contexto, o conceito de equidade,
voltado para políticas públicas de educação, tem sido de fundamental importância no sistema de avaliação compara-
tiva internacional de países participantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Cada país participante tem uma coordenação nacional. No Brasil, a responsabilidade desse sistema está a cargo do
Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), uma autarquia federal vinculada ao Ministério da
Educação (MEC). No Brasil, em relação à equidade na Educação Infantil, também temos alguns sucessos e insucessos.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2017, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE), divulgados em 18 de maio de 2018, revelaram que 33,9% de crianças de 0 a 3 anos, dos 20% das famílias
de renda familiar mais baixa do país estavam fora da escola por falta de vagas nas creches.

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Por outro lado, entre os 20% das famílias de renda do espaço público aqueles que apresentam característi-
mais elevada, somente 6,9% encontravam-se na mesma cas diferenciadas e que não são desejadas pelos grupos
situação. Todavia, há de se considerar outras variáveis, majoritários. As deficiências físicas, intelectuais, mentais,
como a preferência de muitos pais em deixar crianças sensoriais foram tratadas muitas vezes com segregação
muito pequenas com familiares, em vez de matriculá-las na educação. O primeiro passo — mas não suficiente —
em creches. Contudo, 91,7% de crianças na faixa etária para superar a exclusão educacional é reconhecer que
de 4 e 5 anos, segundo a PNAD de 2017, estavam matri- existem grupos e populações que foram (e ainda são)
culadas na pré-escola, muito embora haja variações re- desconsiderados como sujeitos de direitos. As desigual-
gionais. As regiões Centro-Oeste e Norte apresentavam dades não podem ser consideradas como algo natural; é
índices de 86,9% e 85% de crianças matriculadas na pré- preciso lutar contra elas, pois são injustas com as crian-
-escola, nas mesmas faixas etárias. Segundo Rosemberg ças. Porém, frente às diversidades e diferenças, é neces-
(2014), a creche é uma das etapas com menor oferta e sário reconhecê-las, compreendê-las e incorporá-las.
maior desigualdade na Educação brasileira. A injustiça e Essa é uma ação complexa, pois envolve reflexão pro-
a desigualdade não podem iniciar na Primeira Infância; funda dos educadores sobre si mesmo, sobre os seus
ao contrário, é nesse momento da vida das crianças que modos de pensar, os seus limites emocionais e morais,
precisam ser feitos os maiores investimentos. Segundo o os seus próprios preconceitos. A UE pode propiciar, em
Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2014), o Bra- momentos de formação e de escrita de PPP, alguns estu-
sil precisa garantir que, até 2024, 50% de crianças da fai- dos temáticos sobre as populações excluídas e reafirmar
xa etária de 0 a 3 estejam na escola — e mesmo quando o compromisso das instituições e dos servidores públicos
alcançarmos essa meta, ainda exibiremos desigualdades com a construção de uma escola de qualidade que se
imensas em relação a outros países. Já na faixa etária de 6 quer para todos. Nesse sentido, a escola inclusiva implica
a 10 anos, em termos de Brasil, estamos perto da univer- na reconstrução de conceitos e práticas e no reconhe-
salização: em torno de 95%. Ao pensarmos na realidade cimento da diferença como uma riqueza humana que
paulistana, em 2018, exibimos a universalização no aten- poderá nos levar a novos rumos educacionais e peda-
dimento das crianças de 6 a 10 anos, e atendemos 53% gógicos, com propostas mais situadas nas necessidades
da demanda manifesta por matricula de bebê e crianças de todos.
de 0 a 3 anos. A existência de múltiplas infâncias e das várias formas
de ser criança consolida um trabalho em que todos pos-
A Educação Inclusiva A inclusão é um conceito sam ter experiências de aprendizagem de acordo com
muito utilizado no campo educacional. suas potencialidades, sem discriminação e com base na
igualdade de oportunidades e na equidade. Possibili-
Acredita-se que a escola, ao ser inclusiva, pode de- tam-se assim novas formas de impulsionar, por meio da
sempenhar um importante papel na luta contra a exclu- aprendizagem, o desenvolvimento de todos os bebês e
são social e racial. Uma sociedade desigual produz exclu- crianças presentes no espaço da Educação Infantil, sem
sões. Nesse sentido, a UE como instituição social, apesar distinção — o que é um dos pilares do Currículo da Ci-
de seus limites, possui certa autonomia e pode contribuir dade.
para reduzir as discriminações e os preconceitos relacio- O conceito de inclusão, apesar de estar profunda-
nados às diferenças biopsicossociais, culturais, etárias, mente vinculado às deficiências das crianças, ampliou-se
econômicas, étnico-raciais, de gênero, linguísticas, reli- nos debates e nas políticas educacionais. A concepção
giosas, entre outros. Nas UEs, as desigualdades, as di- de diversidade e singularidade das pessoas mostra que
ferenças e as diversidades estão presentes, mas muitas cada bebê e cada criança devem ser vistos como uma
vezes são invisibilizadas. pessoa diferente das demais, com interesses e necessida-
Os modos como elas se manifestam são complexos, des próprias e que precisa de uma intervenção pedagó-
devido à especificidade dessa etapa educacional: a idade gica construída a partir das suas características e de seu
das crianças, os territórios onde as escolas estão inseri- grupo de colegas. Se uma UE consegue incorporar em
das, a pluralidade das famílias, a ausência de formação suas práticas o respeito à alteridade humana, certamente
específica das(os) professoras(es) e demais profissionais conseguirá atender às necessidades de todos os bebês
nessas temáticas, as práticas educativas homogeneiza- e crianças.
doras e os Projetos Políticos Pedagógicos que muitas
vezes desconhecem a profunda relação entre as apren- A Educação Integral
dizagens e as condições de vida concretas dos bebês e
das crianças. As UEs comprometidas com a educação no A Educação Integral como princípio compreende o
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sentido da igualdade e da equidade vivem o desafio de compromisso com as práticas integradas de formação e
enfrentar essa situação procurando modos de abordar e o desenvolvimento humano global, em suas dimensões
construir respostas. intelectual, física, afetiva, social, ética, moral e simbólica,
Durante muitos anos, a abordagem mais usual aos conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
temas relativos à diferença e à diversidade foi a de não (BRASIL, 1990), as Diretrizes Curriculares Nacionais para
reconhecer os processos de exclusão social. Assim, as a Educação Infantil – DCNEI (BRASIL, 2010a) e a Base Na-
pessoas que viviam essas situações acreditavam que cional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017). Nessa
isso deveria ser um “problema” pessoal. O modo mais perspectiva, a Educação Integral considera os bebês e as
violento de fazer a invisibilização das desigualdades, di- crianças na centralidade dos processos educativos, pro-
versidades e diferenças é pela segregação, isto é, retirar blematizando o currículo e contemplando a ampliação e

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a qualificação de tempos, espaços, interações, intencio- condições de existência, dos territórios que ha-
nalidade docente e materialidades. O termo “materiali- bitam e dos desafios para oferecer uma infância
dade” procura expandir o significado de materiais, que plena na escola. As práticas educativas precisam
podem ser compreendidos por alguns como aqueles de ser integradas. Desse modo, os princípios das pe-
uso escolar. No campo das materialidades, podemos ter dagogias participativas e o trabalho pedagógico
um balão e também um filme, galhos ou areias e um va- com projetos propiciam um currículo vivo, que se
ral de poesia, fitas e tambores. Elementos naturais, cultu- estabelece a partir de linhas definidas por concep-
rais, tecnológicos: todos são materialidades. ção de infância, aprendizagem e conhecimentos e
A UE — e não somente ela, mas também os espaços se consolida no dia a dia educacional, nas relações
do entorno escolar, a comunidade e a cidade, isto é, os de afeto e de aprendizagem. Para concretizar estes
Territórios Educativos — é compreendida como espaço apontamentos, a defesa é que as aprendizagens
primoroso de apoio e efetivação da formação integral. aconteçam por meio da participação conjunta dos
Pensar a Educação Integral é estar comprometido com bebês e das crianças, alicerçada na diversificação
algumas variáveis: metodológica de acesso ao conhecimento, no qual
• Integralidade e inteireza dos sujeitos: compre- a escolha e o estudo da pedagogia orientadora in-
ender os sujeitos como seres humanos, seres in- fluem e revelam o modo como a infância é vista
tegrais, desde o nascimento, significa romper com pelo adulto, atuando no planejamento, na propos-
concepções que não valorizam a complexidade ta e na avaliação do processo educativo. A esco-
desses sujeitos, que constituem em suas relações lha pela pedagogia participativa exige, portanto, a
sociais diferentes dimensões corpóreas e de lin- desconstrução do modo tradicional e transmissivo
guagens, ou seja, que se expressam em múltiplas de fazer pedagogia. Esses aspectos são fundamen-
linguagens. A inteireza que bebês e crianças pos- tais para a proposição e concepção de projetos
suem é tensionada nas experiências de vida que como metodologia de investigação da realidade
fazem as separações do corpo e da mente, do e de aprendizagem. Segundo o Currículo Integra-
brincar e do aprender. É necessário assegurar uma dor da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), Ao
considerar bebês e crianças em sua inteireza hu-
educação que valorize a multidimensionalidade
mana, o Currículo Integrador da Infância Paulista-
humana e contribua para manter a integralidade
na propõe a integração dos espaços coletivos na
dos sujeitos, valorizando sentimentos, pensamen-
Educação Infantil e no Ensino Fundamental com a
tos, palavras, ações em suas relações e conexões
vida que pulsa para além dos muros das Unidades
entre esses sujeitos e o meio.
Educacionais e com o conhecimento humano que
• Articulação de diferentes saberes, linguagens e
deve ser compartilhado e usufruído por toda a so-
conhecimentos: a articulação dos saberes é outra
ciedade, incluindo bebês e crianças. (SÃO PAULO,
característica de uma educação integral. Ao ade- 2015a, p. 13).
rir a um projeto de educação integral, é preciso • Oferta educativa em tempo integral: a educação
comprometer- -se com uma formação humana em tempo integral nas Escolas Municipais de
completa. Nesse projeto de formação, estarão en- Educação Infantil de São Paulo tem como pre-
volvidas as vivências das diferentes práticas sociais, missa que o tempo a mais na escola só tem sig-
como conversar, brincar, cantar, desenhar, inves- nificado se propiciar experiências significativas,
tigar, pesquisar e outras que configuram o que é contribuindo para as aprendizagens das crian-
ser humano. Também estarão presentes todas as ças. A Educação Infantil no Brasil tem uma longa
linguagens culturais possíveis e serão acolhidas história de atendimento em turno integral para be-
as múltiplas linguagens expressivas dos bebês e bês e crianças. Essa experiência começa a ser cada
crianças. Os conhecimentos técnicos, científicos, vez mais estudada, para que a qualidade do aten-
sociais serão ofertados no sentido de aprimorar e dimento assegure aos bebês e crianças bem-estar
construir modos de pensar que não são cotidianos, e enriquecimento de experiências de vida.
mas que produzem efeitos nas formas de interpre-
tar e agir no mundo. Na Rede Municipal de Ensino de São Paulo (RME-
• Práticas pedagógicas integradoras: a caracterís- -SP), as EMEIs que fazem parte do Programa São Paulo
tica das práticas educativas no sentido da inte- Integral têm como condição de adesão o atendimento
gralidade é manter a coerência entre o dito e à demanda. Cumprida essa condição, têm a possibili-
o feito, a teoria e a prática. Nesse sentido, uma dade de ampliação de experiências pedagógicas inspi-
prática pedagógica integradora parte da escu-
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radas nos Territórios do Saber, por meio de estudos e


ta, da observação, da conversa numa atitude de práticas que visibilizem a concepção das infâncias, uti-
respeito, dignidade e acolhimento. Na Educação lizando a pedagogia de projetos como concretização
Infantil, DCNEI (BRASIL, 2010a), temos as práticas do processo investigativo da realidade. Os Territórios
pedagógicas permeadas pelo cuidar e o educar, do Saber articulam-se e ganham vida nas experiências
numa perspectiva de uma educação ética, estética pedagógicas elencadas na Instrução Normativa SME, nº
e política. 13 de 11/09/2018, que reorienta o “Programa São Pau-
• Currículo Integrador: pensar um currículo que lo Integral“ nas Unidades Educacionais da RME-SP. Além
integre os bebês e as crianças numa UE com- disso, apresentam muitas possibilidades de abordagens,
prometida pela integralidade exige estudo e assegurando as questões da acessibilidade arquitetônica,
compreensão da vida das crianças, das suas comunicacional, metodológica, instrumental e atitudinal.

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UM CURRÍCULO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO: 2. Saberes historicamente acumulados que fazem
MATRIZ DOS SABERES sentido para a vida dos bebês, crianças, adolescen-
tes, jovens e adultos no século XXI e ajudam a lidar
O direito à educação implica a garantia das condi- com as rápidas mudanças e incertezas em relação
ções e oportunidades necessárias para que bebês, crian- ao futuro da sociedade.
ças, adolescentes, jovens e adultos tenham acesso a uma 3. Abordagens pedagógicas que priorizam as vozes
formação indispensável para a sua realização pessoal, de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos,
formação para a vida produtiva e pleno exercício da ci- reconhecem e valorizam suas ideias, opiniões e
dadania. Assim, a Secretaria Municipal de Educação de- experiências de vida, além de garantir que façam
fine uma Matriz de Saberes que se compromete com o escolhas e participem ativamente das decisões to-
processo de escolarização. madas na escola e na sala de aula.
A Matriz orienta o papel da SME, das equipes de for- 4. Valores fundamentais da contemporaneidade ba-
mação dos órgãos regionais, das(os) supervisoras(es) seados em “solidariedade, singularidade, coleti-
escolares, das(os) diretoras(es) e coordenadoras(es) vidade, igualdade e liberdade”, os quais buscam
pedagógicas(os) das Unidades Educacionais e das(os) eliminar todas as formas de preconceito e discri-
professoras(es) da Rede Municipal de Ensino na garan- minação, como orientação sexual, gênero, raça, et-
tia de saberes, sobretudo ao selecionar e organizar as nia, deficiência e todas as formas de opressão que
aprendizagens a serem asseguradas ao longo de todas coíbem o acesso de bebês, crianças, adolescentes,
as etapas e modalidades da Educação Básica e fomentar jovens e adultos à participação política e comuni-
a revitalização das práticas pedagógicas, a fim de darem tária e a bens materiais e simbólicos.
conta desse desafio. Ressalta-se que os documentos cur- 5. Concepções de Educação Integral e Educação In-
riculares, orientações didáticas e normativas, materiais clusiva voltadas a promover o desenvolvimento
humano integral e a equidade, de forma a garantir
de apoio e demais publicações produzidas pela SME re-
a igualdade de oportunidades para que os sujei-
conhecem a importância de se estabelecer uma relação
tos de direitos sejam considerados a partir de suas
direta entre a vida e o conhecimento sobre ela e de se
diversidades, possam vivenciar a Unidade Educa-
promover a pluralidade e a diversidade de experiências
cional de forma plena e expandir suas capacidades
no universo escolar.
intelectuais, físicas, sociais, emocionais e culturais.
Essas concepções estão explicitadas nos princípios
A Matriz de Saberes estabelecida pela SME funda-
que norteiam os Currículos da Cidade.
menta-se em:
A Matriz de Saberes fundamenta-se em marcos legais
1. Princípios éticos, políticos e estéticos definidos e documentos oficiais socialmente relevantes, os quais
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, indicam elementos imprescindíveis de serem inseridos
2013, p. 107-108), orientados para o exercício da em propostas curriculares alinhadas com conquistas re-
cidadania responsável, que levem à construção de lacionadas aos direitos humanos, em geral, e ao direito à
uma sociedade mais igualitária, justa, democrática educação em específico.
e solidária. São eles:
• Princípios Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade • Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos,
e autonomia; de respeito à dignidade da pessoa Direitos da Infância e da Adolescência e Direitos
humana e de compromisso com a promoção do das Pessoas com Deficiências;
bem de todos, contribuindo para combater e eli- • Artigos 205, 207 e 208 da Constituição Federal
minar quaisquer manifestações de preconceito e (1988);
discriminação; • Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (1996);
• Princípios Políticos: de reconhecimento dos direi- • Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990);
tos e deveres de cidadania, de respeito ao bem • Lei nº 10.639 (2003) e Lei nº 11.645 (2008), que es-
comum e à preservação do regime democrático e tabelecem a obrigatoriedade do ensino da história
dos recursos ambientais; de busca da equidade no e das culturas africanas, afro-brasileira e dos povos
acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens indígenas/originários;
culturais e outros benefícios de exigência de diver- • Lei nº 16.478 (2016), que institui a Política Munici-
sidade de tratamento para assegurar a igualdade pal para a População Imigrante, dispõe sobre seus
de direitos entre bebês, crianças, adolescentes, jo- objetivos, princípios, diretrizes e ações prioritárias,
vens e adultos que apresentam diferentes necessi-
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bem como sobre o Conselho Municipal de Imi-


dades de redução da pobreza e das desigualdades grantes;
sociais e regionais; • Lei nº 11.340 (2006), que coíbe a violência contra a
• Princípios Estéticos: de cultivo da sensibilidade mulher;
juntamente com o da racionalidade; de enrique- • Plano Nacional de Educação (2014-2024);
cimento das formas de expressão e do exercício • Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015);
da criatividade; de valorização das diferentes ma- • Lei nº 16.493 (2016), que dispõe sobre a inclusão
nifestações culturais, especialmente as da cultura do tema direitos humanos nas escolas para univer-
brasileira; de construção de identidades plurais e salizar os marcos legais internacionais das Nações
solidárias. Unidas, que versam sobre os direitos civis, sociais,
políticos, econômicos, culturais e ambientais;

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• Documentos legais que mencionam o direito à educação ou destacam a relação entre direito, educação, formação
e desenvolvimento humano integral;
• Atas das Conferências Nacionais de Educação (CONAEs). A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, para a
elaboração da Matriz de Saberes, considerou a opinião de 43.655 estudantes do Ensino Fundamental que parti-
ciparam, em 2017, de uma pesquisa sobre o que gostariam de vivenciar no currículo escolar.

A Matriz de Saberes norteia a organização do trabalho nas Unidades Educacionais e está disponível no Currículo da
Cidade – Ensino Fundamental (SÃO PAULO, 2017). Em 2018, a Matriz de Saberes do Currículo da Cidade – Ensino Fun-
damental foi revisada, concomitante aos processos de atualização curricular da Educação Infantil, da Educação Especial
com os Currículos de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de Língua Portuguesa para Surdos e da Educação de Jovens e
Adultos, incluindo assim todas as etapas da Educação Básica, contemplando dessa maneira as especificidades de bebês,
crianças, adolescentes, jovens e adultos.
A Matriz de Saberes tem como propósito formar cidadãos éticos, responsáveis e solidários que fortaleçam uma
sociedade mais inclusiva, democrática, próspera e sustentável, e indica o que bebês, crianças, adolescentes, jovens e
adultos devem aprender e desenvolver ao longo do seu processo de escolarização. Ela pode ser sintetizada no seguinte
esquema:

Descreveremos a seguir cada um dos princípios explicitados no esquema da Matriz de Saberes:

1. Pensamento Científico, Crítico e Criativo


Saber: Acessar, selecionar e organizar o conhecimento com curiosidade, ludicidade,pensamento científico, crítico e
criativo;
Para: Explorar, descobrir, experienciar, observar, brincar, questionar, investigar causas, elaborar e testar hipóteses,
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refletir, interpretar e analisar ideias e fatos em profundidade, produzir e utilizar evidências.

2. Resolução de Problemas Saber:


Descobrir possibilidades diferentes, brincar, avaliar e gerenciar experiências vividas, ter ideias originais e criar solu-
ções, problemas e perguntas, sendo sujeitos de sua aprendizagem e de seu desenvolvimento; interagindo com adultos/
pares/meio;
Para: Inventar, reinventar-se, resolver problemas individuais e coletivos e agir de forma propositiva em relação aos
desafios contemporâneos.

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3. Comunicação Saber: Para: Agir com empatia, trabalhar em grupo, criar,
Utilizar as múltiplas linguagens, como verbal, verbo- pactuar e respeitar princípios de convivência, solucionar
-visual, corporal, multimodal, brincadeira, artística, ma- conflitos, desenvolver a tolerância à frustração e promo-
temática, científica, Libras, tecnológica e digital para ex- ver a cultura da paz.
pressar-se, partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos 9. Repertório Cultural Saber:
que levem ao entendimento mútuo; Desenvolver repertório cultural e senso estético para
Para: Exercitar-se como sujeito dialógico, criativo, reconhecer, valorizar e fruir as diversas identidades e ma-
sensível e imaginativo, aprender corporalmente, com- nifestações artísticas e culturais, brincar e participar de
partilhar saberes, reorganizando o que já sabe e criando práticas diversificadas de produção sociocultural;
novos significados, e compreender o mundo, situando- Para: Ampliar e diversificar suas possibilidades de
-se e vivenciando práticas em diferentes contextos so- acesso a produções culturais e suas experiências emocio-
cioculturais. nais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
e relacionais, a partir de práticas culturais locais e regio-
4. Autoconhecimento e Autocuidado Saber: nais, desenvolvendo seus conhecimentos, sua imagina-
Conhecer e cuidar de seu corpo, sua mente, suas ção, criatividade, percepção, intuição e emoção.
emoções, suas aspirações, seu bem-estar e ter autocrí- A Matriz de Saberes foi referência para a construção
tica; dos Currículos da Cidade da Educação Básica, reforçando
Para: Reconhecer limites, potências e interesses pes- os princípios norteadores — Educação Integral, Equidade
soais, apreciar suas próprias qualidades, a fim de estabe- e Educação Inclusiva — que embasam as Diretrizes da
lecer objetivos de vida, evitar situações de risco, adotar SME, e articulando-se com os compromissos assumidos
hábitos saudáveis, gerir suas emoções e comportamen- nas Orientações Curriculares da Educação Infantil Pau-
tos, dosar impulsos e saber lidar com a influência de gru- listana.
pos, desenvolvendo sua autonomia no cuidado de si, nas
brincadeiras, nas interações/relações com os outros, com COMPROMISSO COM A EDUCAÇÃO PARA A
os espaços e com os materiais.
EQUIDADE, A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A EDUCA-
ÇÃO INTEGRAL
5. Autonomia e Determinação Saber:
Criar, escolher e recriar estratégias, organizar-se, brin-
Os compromissos assumidos com a equidade, com a
car, definir metas e perseverar para alcançar seus objeti-
inclusão e com a integralidade dos sujeitos exigem que
vos;
a SME indique políticas curriculares específicas para as
Para: Agir com autonomia e responsabilidade, fazer
populações que têm tido os seus direitos historicamente
escolhas, vencer obstáculos e ter confiança para planejar
e realizar projetos pessoais, profissionais e de interesse não atendidos. Estar atento e comprometido com esses
coletivo. sujeitos e os grupos sociais é atitude fundamental, que
deve ser complementada com a elaboração e implemen-
6. Abertura à Diversidade Saber: tação de práticas pedagógicas nas UEs, visando romper
Abrir-se ao novo, respeitar e valorizar diferenças e com as discriminações, os racismos, os preconceitos e
acolher a diversidade; propiciar para todos variados modos de convivência.
Para: Agir com flexibilidade e sem preconceito de
qualquer natureza, conviver harmonicamente com os di- 1Educação para as Relações Étnico-Raciais
ferentes, apreciar, fruir e produzir bens culturais diversos,
valorizar as identidades e culturas locais, maximizando A educação para as relações étnico-raciais da SME
ações promotoras da igualdade de gênero, de etnia e é parte integrante das Políticas Públicas de Currículo e
de cultura, brincar e interagir/relacionar-se com a diver- de Formação Continuada, por meio do seu Núcleo de
sidade. Educação Étnico-Racial. Esse núcleo é constituído de três
áreas de trabalho:
7. Responsabilidade e Participação Saber: a) História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
Reconhecer e exercer direitos e deveres, tomar de- b) História e Cultura Indígena e Educação Escolar In-
cisões éticas e responsáveis para consigo, o outro e o dígena; e
planeta, desenvolvendo o protagonismo, a brincadeira e c) Educação para Imigrantes e Educação Escolar para
o direito de fazer escolhas, expressando seus interesses, Populações em Situação de Itinerância. Essas três
áreas objetivam o desenvolvimento e a aplica-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

hipóteses, preferências, etc.;


Para: Agir de forma solidária, engajada e sustentável, ção contínua e permanente das Leis Federais nº
respeitar e promover os direitos humanos e ambientais, 10.639/03 e nº 11.645/08 e da Lei Municipal nº
participar da vida cidadã e perceber-se como agente de 16.478/16.
transformação.
Além das legislações educacionais citadas, um impor-
8. Empatia e Colaboração Saber: tante documento oficial é o Estatuto da Igualdade Racial
Considerar a perspectiva e os sentimentos do outro, (BRASIL, 2010d). Os marcos legais referenciados resultam
colaborar com os demais e tomar decisões coletivas; va- da trajetória histórica de lutas e mobilizações sociais que,
lorizando e respeitando as diferenças que constituem os ao longo de décadas, buscou a representação de identi-
sujeitos, brincar e interagir/relacionar-se com o outro; dades sócio-raciais, historicamente marginalizadas.

12
Marcos legais podem ser utilizados como ferramentas Reflexões Pedagógicas
conceituais e teóricas que ajudam na desconstrução de
percepções falsas sobre o outro e ajudam na construção • Será que tem bailarina negra? E bailarinos negros?
de uma cultura de igualdade, evitando assim a folcloriza- Por que não vemos muitos bailarinos negros?
ção das histórias e culturas. Esse movimento culminou na • O que os bailarinos fazem? Onde eles trabalham?
alteração do Artigo 26-A da Lei nº 9.394/96, que define Quem pode ser bailarina(o)? Crianças, jovens,
as Diretrizes e Bases da Educação (1996), a qual, em 2003, adultos, idosos, deficientes? Homens e mulheres?
estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História e • Bailarinos de companhias de balé clássico? De onde
Cultura Afro-Brasileira e Africana, sendo alterada nova- será que o balé clássico vem? Ex. Balé Bolshoi de
mente em 2008 para incluir a mesma obrigatoriedade Joinville, ligado ao balé clássico russo que selecio-
em relação à História e Cultura Indígena. Esse grupo de na bailarinos de todo o Brasil.
legislações procura garantir aos cidadãos brasileiros em • Bailarinos de companhias de balé moderno? Ex.
geral o acesso à Educação Básica, devidamente assisti- Grupo Corpo, Deborah Colker, Balé da Cidade de
dos por profissionais qualificados e capacitados para: [...] São Paulo, etc.
identificar e superar as manifestações do racismo como o • Quais são os tipos de danças que envolvem grupos
preconceito racial e a discriminação racial. Dessa manei- de pessoas para além do balé? Danças indígenas,
ra haverá, na escola, uma nova relação entre os diferen- danças típicas de tribos africanas, danças afro-bra-
tes grupos étnico-raciais, que propicie efetiva mudança sileiras, escolas de samba, shows de música pop,
comportamental na busca de uma sociedade democráti- brasileira, etc.
ca e plural. (BRASIL, 2013, p.11). • A escola de samba tem bailarinos? O samba é uma
Quando consideramos a EI, com que olhar pensamos dança de grupo ou de pares? De onde ele vem?
e refletimos as histórias dos bebês e das crianças em ge- • Quais são os tipos de dança que são geralmente
ral, e as histórias de crianças negras, indígenas ou imi- feitas em pares? Tango, valsa, capoeira, dança livre,
grantes em particular? É preciso atentar para a formação forró, funk, quem acompanha os diferentes tipos
identitária na EI, uma vez que se trata de crianças de zero de música etc.
a seis anos anos de idade. É no contexto das diversas • Qual é a diferença entre bailarinos e dançarinos? As
formas de socialização que as diferenças negativadas ou hipóteses das crianças podem nos guiar de várias
positivadas se estabelecem e despertam os sentimentos formas, e os adultos podem selecionar informa-
de rejeição ou empatia em relação aos pares. É preciso ções que vão para além do tema racismo, explo-
ter atenção sobretudo ao racismo implícito, contido no rando a origem das danças, as contribuições das
tom da voz, no toque, no olhar, na brincadeira, nas brigas várias etnias e raças para as danças na atualidade
e nos xingamentos. O reconhecimento e a atenção a essa e a evolução étnica e racial no Brasil, os tipos de
questão identitária — ligada à variável raça e etnia — le- música e as danças que as acompanham, os tipos
vou uma UE a uma importante decisão na organização de bailarinos e dançarinos, as coreografias e seus
de um projeto pedagógico. figurinos, a comparação entre os movimentos, os
tipos de companhias e escolas de dança em nosso
Cena 3 contexto, etc.

Será que tem bailarina negra? E bailarinos negros? Por Espera-se que as crianças aprendam sobre o tema em
que não vemos muitos negros dançando balé? A partir si, sobre suas implicações para a sociedade e oportuni-
desses questionamentos, o grupo se propôs a pesquisar dades de expressão corporal, musical e cultural. Dessa
sobre o assunto. A professora buscou então desconstruir maneira, a organização da informação e o debate sobre
alguns estereótipos, por exemplo, que não existem bai- cada tema surgido das várias perguntas sugeridas po-
larinas negras, que apenas meninas podem dançar balé, dem ampliar consideravelmente o vocabulário das crian-
entre outros. Foi a partir desse contexto que realizamos ças, suas formas de expressão e registro de suas esco-
com as crianças um conjunto de vivências: “Do balé à lhas e preferências, a possibilidade de criar movimentos
capoeira: espaços de todos”. Conforme o interesse ia observados nos diversos tipos de danças estudados, os
aumentando e novos questionamentos surgiam, fomos diferentes ritmos e compassos (que podem trazer boas
propondo novas experiências. reflexões matemáticas), tipos de músicas e expressões
Foi assim que tiveram contato com várias personali- (que trazem boas comparações), argumentações sobre
dades negras que se destacaram no balé ou na capoeira. raça e etnia, desenvolvendo raciocínio e opiniões sobre
Conheceram a história de Mercedes Baptista, conside- a aceitação das diferenças (expressão de lógicas sobre o
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

rada a maior precursora do balé e dança afro-brasilei- tema) e, possivelmente, a busca de novos temas oriun-
ra, e também mestre Bimba e mestre Pastinha, grandes dos dessa exploração, que ampliem a capacidade de re-
capoeiristas brasileiros. As imagens dessas personalida- fletir e dar opiniões.
des e outras foram alimentando o repertório visual das Dança e corpo, consciência corporal e expressão ar-
crianças, que passaram a utilizá-las nos seus desenhos, tística também seriam parte deste projeto. Dada a rique-
nas brincadeiras e nos desafios corporais. Com essas za do tema (danças, diferentes raças e etnias, gênero,
vivências, também foi possível o contato com a música músicas, expressão artística), seria muito importante o
clássica, a música da capoeira, os instrumentos musicais registro das informações trazidas da internet, de revis-
utilizados em cada uma das danças e muitas outras des- tas, de livros, de folhetos, de casa, expostos em murais e
cobertas. em quadros que comparam os diferentes tipos de dança/

13
música feitos em conjunto com as crianças, registros das cial, de alimentação e religião. Até a década de 1980, o
falas e contribuições infantis, ilustrações que refletem o grande objetivo da educação indígena era a realização
seu conhecimento, suas criações e produções. de uma escolarização com “um modelo curricular/meto-
Perguntas para as(os) educadoras(es) e professo- dológico de caráter homogeneizador e integracionista
ras(es): Como este tema contribuiu para a aprendizagem tradicional da escola colonialista” (NASCIMENTO; UR-
das crianças? Quais tipos de aprendizagens ocorreram? QUIZA; VIEIRA, 2011).
Como o tema influenciou nas brincadeiras? Sobre o que Desde essa década, com a Constituição Federal, e na
conversam durante as brincadeiras? Como este tema década seguinte, com a LDB (BRASIL, 1996), fica definida
contribuiu para o desenvolvimento do pensamento e da a especificidade da educação indígena. As DCNEI (BRA-
linguagem das crianças? SIL, 2010a) indicam, no artigo oitavo, dois importantes
aspectos relacionados à Educação Infantil com a Educa-
O reconhecimento positivo das culturas negras e a ção Indígena. Num primeiro momento, no parágrafo 1º,
possibilidade da escuta respeitosa de todos permite vi- inciso VIII, o texto assume o compromisso de que todas
venciar a interculturalidade necessária à formação da as Unidades de EI possibilitem às crianças brasileiras
cidadania e da vida em comum, hoje e no futuro. A vi- apreciarem, reconhecerem, valorizarem e respeitarem,
sibilização de histórias de vida de pessoas negras pode isto é, apropriarem-se das contribuições histórico-cultu-
propiciar para as crianças, sejam elas negras ou não, o rais dos povos indígenas. Nesse sentido, apresentamos o
resgate da riquíssima história e cultura dos povos afri- relato de uma professora sobre o estudo do povo Mun-
canos e afro-brasileiros, repletas de inovações científico- duruku.
-tecnológicas, sociais, políticas, intelectuais, e a ajuda na
reconstrução da imagem da participação digna e ativa Cena 4
dos negros em todas as dimensões da experiência hu-
mana. Como vimos anteriormente, a escola não é um Continuando nossas vivências sobre as culturas indí-
espaço neutro. genas, conhecemos um pouco sobre o povo Munduruku,
Ela pode operar em direção ao aprofundamento da por meio de rodas de conversa e a leitura do livro “Kabá
discriminação, mantendo desvantagens e perpetuando Darebu”, de Daniel Munduruku, que narra um pouco
preconceitos, ou impedir atitudes racistas, propondo es- sobre a sua cultura, as brincadeiras, etc. Descobrimos, a
tudos, discussões e práticas relativas a essa temática. Um partir de algumas vivências, que o povo Munduruku pinta
modo muito efetivo de enfrentar esse desafio na Educa- usando urucum (tinta vermelha) e jenipapo (tinta preta).
ção Infantil é ofertar às crianças representações gráficas, Quando trouxemos as sementes de urucum para a sala,
literárias, científicas e artísticas que contemplem essa as crianças ficaram encantadas. Como uma semente tão
diversidade, para que encontrem nos textos lidos per- pequena conseguia “juntar” tanta cor? Elas não se cansa-
sonagens que protagonizem diferentes histórias. Dessa vam de “testar” o poder riscante das sementes. Foi assim
forma, bebês e crianças se reconhecem em suas iden- que pintamos em vários tipos de papéis, no chão, no cor-
tidades e podem compreender a diversidade étnica e po e na parede de azulejo. [...] Nessa cena, podemos veri-
racial do mundo como uma grandeza de experiências e ficar a intencionalidade e o protagonismo da professora,
possibilidades. que propõe o tema sobre as culturas indígenas, não de
A escola é espaço de formação e de construção das forma genérica, e sim escolhendo um povo em específi-
identidades sociais dos bebês e das crianças, que se co. Propõe leituras, traz as sementes e as organiza junto
compromete com a transformação social. a outros materiais. As crianças, a partir daí, exploran-
Em detrimento da conjuntura recente, salientamos a do estes materiais, expressando-se de diversas formas,
necessidade de chamar a atenção dos educadores para pintando os papéis, o chão, o corpo, sem que haja um
a urgência de se desenvolver uma educação antirracista modelo a ser seguido, são estimuladas à investigação,
no cotidiano escolar, para evitar que as injúrias psicológi- à curiosidade e ao respeito e valorização da diferença.
cas e emocionais do racismo continuem a vitimar bebês, Apesar da ausência na formação das(dos) professoras(es)
crianças e jovens oriundos de todos os grupos étnico- para a discussão dessa temática e do pouco acesso às
-raciais e segmentos sociais. Se, por um lado, o racismo informações sobre os povos indígenas, podemos ver que
implícito está atrelado à subjetividade manifesta nas re- atualmente as(os) professoras(es) já possuem mais co-
lações interpessoais cotidianas, o lado objetivo ou explí- nhecimento sobre esses povos e as suas culturas. Isso
cito do racismo está relacionado às bases estruturais de pode ter efeito na construção de uma relação respeitosa
vivências que privam milhões de crianças negras, indíge- por esses modos de vida e na participação na luta contra
nas e imigrantes, entre outros, do acesso a saneamento a discriminação social dos povos originários do território
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

básico, saúde e moradia digna. Com relação aos povos brasileiro.


indígenas, assistimos nos últimos anos à expansão da
escolarização desses grupos. Seja nas aldeias mais dis- Nas DCNEI (BRASIL, 2010a) fica definida a autonomia
tantes, seja naquelas situadas nas bordas das cidades, as dos povos indígenas na escolha dos modos de educa-
crianças indígenas — e dos povos minoritários de todo o ção de seus bebês e crianças de 0 a 5 anos de idade. As
mundo — cada vez mais frequentam escolas. propostas pedagógicas para os povos que optarem pela
O importante tem sido a defesa de que a educação Educação Infantil devem proporcionar uma relação viva
escolar das populações indígenas brasileiras precisa ser com os conhecimentos, crenças, valores, concepções de
feita a partir dos territórios onde está situada a aldeia, mundo e as memórias de seu povo; reafirmar a identida-
sua história, sua cultura, suas formas de organização so- de étnica e racial e a língua materna como elementos de

14
constituição das crianças; dar continuidade à educação No ano de 2017, foi promulgada a nova Lei de Migra-
tradicional oferecida pela família/responsáveis e articu- ção nº 13.445 (BRASIL, 2017), com o objetivo de acolher
lar-se às práticas socioculturais de educação e cuidado e sustentar esses novos grupos que passam a fazer parte
coletivos da comunidade; adequar calendário, agru- da sociedade brasileira e das instituições educacionais do
pamentos etários e organização de tempos, atividades país. Nos princípios e diretrizes dessa lei, especificamente
e ambientes de modo a atender as demandas de cada no artigo terceiro, fica claro, no parágrafo XVII, o direito
povo indígena. É nesse contexto de garantia de direi- “à proteção integral e atenção ao superior interesse da
tos que se inserem os três Centros de Educação Infantil criança e do adolescente migrante”. Zygmund Bauman,
Indígena (CEIIs), vinculados aos Centros de Educação e em seu último livro “Estranhos a nossa porta”, afirma que
Cultura Indígena (CECIs). Os CECIs são Unidades Educa- não há uma solução fácil para a questão das migrações,
cionais da RME-SP que atendem à população guarani re- uma vez que ela deixou de ser circunstancial para se tor-
sidente em duas Terras Indígenas: Jaraguá (aldeias Pyau, nar estrutural, isto é, uma condição de um mundo globa-
Ytu e Itakupe) e Tenondé Porã (aldeias Tenondé Porã, lizado que vive uma crise humanitária.
Krukutu, Guyrapaju, Kalipety, Kuarany Rexakã, Karumbe`y Para ele, a superação desse conflito somente acon-
e Yyrexalã). Eles são vistos como espaços que contribuem tecerá quando as pessoas reconhecerem a interdepen-
para complementar e reforçar as práticas educacionais dência entre os humanos (e também não humanos) no
e culturais indígenas, nas quais há ações indicadas pela planeta, e constituírem novas formas de convivência e
premissa de que as(os) educadoras(es) devem respeitar solidariedade. Segundo o autor, essa não é uma situação
os conhecimentos que as próprias crianças possuem e fácil nem para o refugiado ou migrante, nem para aque-
seus modos específicos de aprender e interagir com o les que o recebem. O eixo demarcador das relações entre
mundo. As brincadeiras indígenas, vídeos sobre o dia os dois grupos pode ou deve ser o direito à hospitalidade
a dia das crianças pequenas e visitas aos territórios in- e o direito a ser reconhecido como um sujeito de direitos
dígenas podem ser elementos de apoio para construir pertencente a uma sociedade de iguais. É preciso reto-
saberes sobre as diferentes nações. Para discutir a vida mar o caminho da ética e da solidariedade, desviando
dos povos indígenas, é preciso lidar com os paradoxos do medo. A RME-SP exibe uma característica comum a
da temporalidade, da espacialidade, dos modos de vida. outras grandes cidades globais: o aumento dos fluxos
Aprender que não há um estereótipo, que são dis- migratórios, que tem contribuído para internacionalizar
tintos os modos de viver, que há grupos originários in- as UEs. Desde 31 de março de 2018, 5.312 estudantes
dígenas em São Paulo e que eles também frequentam imigrantes oriundos de 81 países se faziam representar.
escolas da RME-SP aproxima e desmistifica algumas Essas crianças estão matriculadas em todas as etapas da
ideias vigentes no senso comum. Em relação à Educação Educação Básica.
para as novas migrações, consideramos que a América é Os bebês e as crianças têm sido grandes vítimas dessa
um continente formado pelos habitantes originários que situação migratória e não podem ser tratados com des-
aqui residiam, pelos migrantes vindos da Europa e da Ásia consideração. As UEs que recebem essas crianças devem
e pelos negros que chegaram escravizados do continen- traçar planos de acolhimento para elas e as suas famílias/
te africano. Nas migrações da modernidade, o imigrante responsáveis, com apoio de instituições com outras ex-
chegava ao novo país e pouco a pouco ia se constituindo periências com migrações. Não há um modo único de
como cidadão, juntamente com os demais recém-chega- lidar com essa situação, e os caminhos mais adequados
dos. As escolas cumpriam importante função socializadora, serão revelados nos processos de cada grupo. Será ne-
especialmente pela ênfase na unicidade da língua. cessário aprender a conviver com as diversidades cultu-
A história do Brasil evidencia essa marca, pois, apesar rais dos bebês, das crianças e suas famílias/responsáveis,
da imensa área geográfica, a língua portuguesa tornou- e principalmente cuidar da homogeneização pela língua.
-se um importante fator de homogeneização. As diferen- Aprender uma língua estrangeira na situação de migran-
ças de origem, sociais, culturais, religiosas, linguísticas te ou refugiado não é o mesmo que aprender uma se-
foram pouco toleradas, e o grupo hegemônico garantia gunda língua por desejo de ampliar horizontes.
a formação do Estado nacional pelo uso da coerção e da A língua materna é acolhedora, oferece o sentimen-
força sobre as populações. Se até o início do século XX to de estar em casa, uma sensação na qual a música e
o fluxo migratório foi constituído pelos movimentos de as letras compõem um todo harmônico, ligado ao sen-
colonização dos países europeus em direção à América, timento de existência de cada indivíduo. O bilinguismo
África, Oriente Médio e Ásia, hoje as migrações são ca- não é apenas escrever, ler e falar em outro idioma, mas
racterizadas por novos percursos, que cruzam o planeta a capacidade de aprender a viver em duas línguas e de
em todas as direções. A diáspora, os refugiados, os novos dois modos diferentes (VANDENBROECK, 2010, p. 147)
As UEs precisam propiciar espaço para a escuta dos ges-
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migrantes percorrem terras e mares em busca de terri-


tórios onde possam encontrar melhores condições de tos, olhares e das palavras de cada bebê, criança e fa-
vida para si e para as suas famílias/responsáveis. O Brasil, mília/responsáveis, procurando superar as barreiras da
depois de um longo tempo sem movimentos migrató- comunicação. As UEs podem promover momentos co-
rios, vem recebendo novos fluxos, com a presença, nos letivos de convivência e tempos individualizados com os
últimos 20 anos, de bolivianos, peruanos, venezuelanos, familiares, para conversar sobre a adaptação ao país e as
haitianos, senegaleses, congoleses, sírios, entre outros. dúvidas ou para ler histórias sobre crianças migrantes ou
Apesar de uma formação multicultural, a resistência aos sobre os países de origem. Dessa forma, as crianças que
migrantes, refugiados e apátridas e a disputa por vagas estão chegando podem ser indiretamente apresentadas
no mercado de trabalho têm gerado eventos de precon- em seus pertencimentos sociais e culturais e valorizadas
ceito, hostilidade e racismo. em suas diferenças.

15
É preciso ainda realizar adaptações nas práticas pe- Educação para as Relações de Gênero
dagógicas e problematização dos conhecimentos e das
abordagens trabalhadas nas escolas. Vamos conhecer Desde meados do século XX, novas discussões estão
um relato de uma UE sobre o modo como vem acolhen- presentes na Educação Infantil. Nos anos 1980 e 1990,
do as crianças e suas famílias/responsáveis. De uns anos novas abordagens passaram a ser conversadas nas UEs,
para cá, as UEs têm recebido muitos imigrantes provin- entre as(os) professoras(es) e educadoras(es), familiares e
dos de países latino-americanos e africanos. As crianças as próprias crianças. O conhecimento do próprio corpo,
são matriculadas e passam a frequentar as UEs, pois o di- as diferenças entre corpos de meninos e meninas dei-
reito da matrícula nas escolas brasileiras lhes é garantido. xaram de ser tabus, e os questionamentos das crianças
sobre a sua origem começaram a ser tratados com maior
Cena 5 naturalidade. Livros, filmes, brinquedos foram produzi-
dos para apoiar a construção de perguntas, a compreen-
Em nossa Unidade, as crianças e suas famílias nos en- são e as respostas sobre esses temas, que por muitas
sinaram como acolhê- -las, compreendê-las e propor um gerações ficaram do lado de fora da escola.
intercâmbio entre culturas. Mas foi um processo comple- Questões relativas ao tema gênero trazem novos
xo e que exigiu empenho de todos. Após o recesso de ju- questionamentos para as UEs de Educação Infantil. Mui-
lho, foram matriculadas duas crianças que vieram de paí- tas são as abordagens sociais, culturais, políticas sobre
ses diferentes da África e, portanto, de culturas e modos esse tema. A igualdade social entre as pessoas de dife-
de ser e estar no mundo distintos, seja nas constituições rentes gêneros e a liberdade de expressão sobre os senti-
familiares, nas situações econômicas, nas expectativas ou mentos e pensamentos são direitos que todos defendem
nas necessidades. Apesar de falarem o mesmo idioma na Educação Infantil. Conforme a DCNEI, “o combate ao
(francês), possuíam outras e diferentes línguas maternas. racismo e às discriminações de gênero, socioeconômi-
Só nessas informações, o grupo já rompeu alguns cas, étnico-raciais e religiosas deve ser objeto de cons-
paradigmas e ideias equivocadas sobre imigrantes afri- tante reflexão e intervenção no cotidiano da Educação
canos. Conversamos com cada família para nos apro- Infantil” (BRASIL, 2010a). Assim, romper o silêncio sobre
priarmos de suas histórias e contextos. Apresentaram a normatividade daquilo que podem ou não podem fazer
histórias bem diferentes, situações econômicas compli- meninos e meninas é um modo de romper com precon-
cadas, lutas de sobrevivência, religiões e expectativas em ceitos como aqueles que afirmam que meninos são mais
relação ao Brasil. Apresentaram um pouco da diversidade barulhentos e meninas mais silenciosas, que as meninas
africana. É urgente um olhar sensível para acolher todas preferem brincar paradas e meninos gostam de correr,
as crianças, não só no início das atividades anuais, com etc. É preciso reconhecer que há muitos modos de ser
propostas planejadas, mas no decorrer do ano, atenden- menino e menina, e que essas regras não devem definir
do às especificidades e peculiaridades destas que vão os modos como as pessoas se constituem.
sendo matriculadas durante esse período. É preciso am- Uma Unidade fez um trabalho de escuta e participa-
pliar a concepção de acolhimento no sentido de abraçar ção das crianças em busca de melhorias na UE. Desta-
a criança na condição que está, acolher não só a criança, camos uma parte do relato que diz respeito ao tema de
mas sua história de vida, seu contexto, seu modo de ser gênero.
e estar no mundo.
Parece algo simples e sistemático, mas às vezes fica- Cena 6
mos no campo discursivo, ou mesmo confundimos aco-
lhimento com a adaptação da criança ao meio em que As crianças se reuniram para conversar sobre os espa-
está inserida. Muitas vezes, essa adaptação não passa ços da Unidade. Falaram sobre os lugares que gostavam
de expectativas de visões adultocêntricas. Acolher exige ou não e sinalizavam seus motivos. Foram desafiadas
se colocar no lugar do outro. Em outras palavras, é uma pela professora a registrar seus apontamentos e propos-
questão humanitária e de muita sensibilidade. A cena de tas em forma de desenhos. Estes serviram como eixos
recepção e acolhimento das famílias/responsáveis imi- para a reelaboração dos espaços e início do processo
grantes exige uma análise que destaca especialmente a de reflexão sobre a importância do olhar da criança no
postura de acolhimento do novo e do enfrentamento das pensar sobre o espaço da UE. Em outro momento, elas
realidades educacionais que nos surgem: a diversidade, saíram pela escola para fotografar esses espaços pontua-
a diferença, a fugacidade e a profundidade das relações dos anteriormente e ficaram ansiosas aguardando a re-
humanas, as separações e a hospitalidade como princí- velação das fotos. Montaram um gráfico fotográfico, que
pio ético e humano. foi explorado pelo grupo mapeando o ponto de vista de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Nem sempre saberemos ou teremos todas as infor- todas elas. Concluíram, então, os espaços que gostariam
mações, é tarefa da UE transformar a busca por essas de modificar ou ampliar na escola: a casinha e a caixa de
informações em um processo coletivo e respeitoso de areia. Fizeram uma maquete com as novas propostas e
investigação. Quanto mais a UE estiver envolvida com encaminharam aos gestores.
essa temática, mais recursos ela poderá dispor para o Durante esse percurso, os meninos votaram que não
acolhimento e atendimento dos direitos humanos. Tra- gostavam da casinha e das panelinhas, porque eram
duzir determinados documentos de uso da UE, ter alguns coisas de menina. Foi observado, então, que era preciso
pequenos vídeos explicativos com imagens ou ainda le- uma ressignificação do espaço e das brincadeiras consi-
gendados nas línguas mais demandadas, para que a UE deradas de meninas, trabalhar sobre a igualdade de gê-
possa explicar seu funcionamento, pode ser um caminho. nero e abolir na escola o estereótipo de rosa e roxo para

16
objetos e brinquedos considerados de meninas. Devido a as crianças, mesmo para aqueles que possuem uma de-
isso, construímos um espaço de casinha feito de madeira ficiência, altas habilidades/precocidade e TGD em uma
e repleto com objetos de cozinha reais. ou mais áreas do desenvolvimento humano. Isso nada
Educar as crianças numa perspectiva compreensiva mais evidencia que há uma particularidade em seu pro-
sobre sexualidade e gênero é construir questionamentos cesso de aprender e se desenvolver. Assim, cabe à UE,
sobre situações do dia a dia e tomar decisões apoiadas de forma institucionalizada, por meio de um “desenho
em informações, discussões e posicionamentos. Os In- universal para a aprendizagem”, abrir as portas para que
dicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana esses bebês e crianças possam aprender como os outros,
– Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016) já nos ajudaram mesmo que por caminhos diferentes. É necessário pensar
a superar algumas práticas. Hoje as organizações não em métodos, materiais, recursos, tecnologias e suporte
são baseadas em separação de meninos e meninas, da pedagógico diferenciados, por meio de ações que res-
mesma forma como não há separação de brincadeiras pondam às necessidades e ampliem as capacidades de
e brinquedos. É possível ter um canto de fantasias e as todos e de cada um, numa compreensão de que estamos
crianças escolherem qualquer vestimenta ou acessório frente a uma nova realidade educativa.
para usar? Reconhecemos que, na sociedade plural em O conceito de desenho universal para a aprendi-
que vivemos, há respostas ainda não consensuadas para zagem desde a infância se alinha à ideia de educação
algumas perguntas: num dia de verão, as crianças podem inclusiva no sentido das deficiências, por ser capaz de
ficar de calcinha e cueca no pátio para tomar banho de criar coletivamente oportunidades equitativas de apren-
chuva ou mangueira? Meninos podem ou não pintar as dizagem e ambientes educacionais interativos, os quais,
unhas e maquiar-se? A UE de Educação Infantil precisa sendo diferentes, igualam as oportunidades. Interpõe-se
ter banheiros diferenciados para meninos e meninas? O então um fundamento básico de que o desenvolvimento
tema é novo, e a sua abordagem é delicada, mas o com- humano está relacionado com funções aprendidas nas
promisso com as crianças e com a sociedade exige que relações sociais: dependemos do outro para compreen-
nós, gestoras(es), professoras(es), educadoras(es), pos- der os seus significados.
samos definir respostas. Tendo em vista que os CEIs e
A seguir, contamos uma pequena história de como
EMEIs devem educar as crianças de forma compartilhada
uma criança com uma deficiência física constitui um am-
com as famílias/responsáveis, é fundamental que sejam
biente inclusivo com seus colegas.
organizados espaços para a formação entre as(os) profis-
sionais e debates com as famílias/responsáveis sobre as
Cena 7
suas perspectivas.
Analisar livros de histórias, discutir elementos sexistas
Ana, de quatro anos, vinha sempre de cadeira de ro-
da mídia, refletir sobre situações reais ou imaginadas são
das para a UE, dessa vez estava no colo da sua mãe. Ela
estratégias para apoiar a reflexão sobre o tema.
nunca teve a oportunidade de estar com seus colegas de
Educação Especial na Perspectiva da Educação In- turma de outra forma. Enquanto a coordenadora peda-
clusiva gógica, uma das professoras, a mãe e a criança conversa-
vam sobre o grave quadro de infecção que a acometeu
A educação de todos os bebês e crianças é direito nos últimos dias e a necessidade de afastamento, através
fundamental reforçado, quando se trata das pessoas com da janela, Ana avista seus amigos no pátio e começa a
deficiências, nos tratados internacionais, como a Con- chorar.
venção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com A coordenadora e professora conversam com a crian-
Deficiência e o seu Protocolo Facultativo, assinados em ça tentando acalmá-la. A mãe prontamente coloca a filha
2007, bem como o Decreto nº 6.949/09 (BRASIL, 2009b). no chão da sala e para a surpresa de todos, Ana, ao seu
Esses documentos reafirmam o compromisso de promo- modo, engatinha até seus amigos, que, encantados, sem
ver a total participação de todos com a garantia do apoio que ninguém faça qualquer intervenção, olham para Ana
necessário para exercitar os seus direitos e as liberdades e falam: — Olha, a Ana sabe engatinhar! E saem engati-
fundamentais. A SME reconhece desde 2013 a existência nhando junto dela pelos corredores, até que uma criança
de múltiplas infâncias e das várias formas de ser criança, volta até ela, segura suas mãozinhas e diz: — Agora é a
trabalhando assim pela consolidação de um sistema edu- sua vez de tentar fazer assim... — e faz menção de impul-
cacional inclusivo, em que todos possam ter experiências so de levantar, dando a Ana uma nova possibilidade de
de aprendizagem de acordo com as suas possibilidades, desenvolvimento. Nessa cena podemos ver a importân-
sem discriminação e com base na igualdade de oportu- cia da articulação com as famílias/responsáveis no aco-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

nidades, assegurando a todos os bebês e as crianças o lhimento dos bebês e crianças. Cabe (às)aos educado-
pleno exercício dos direitos e das liberdades fundamen- ras(es) da UE acolher também as famílias/responsáveis,
tais (BRASIL, 2015). escutando-as e buscando entender suas especificidades,
Nenhum dos nossos atos, dos mais simples aos mais culturas, modos de cuidar e educar suas crianças. Dessa
complexos — como pentear o cabelo ou resolver um forma, o acolhimento das crianças se faz de forma mais
problema — está determinado biologicamente, mas são integral e efetiva. No caso das crianças com deficiência,
apropriados pelos processos de mediação, com os ou- também vemos a importância da interlocução com as
tros ou com objetos de nossa cultura, de caráter instru- famílias/ responsáveis, compartilhando os saberes, para
mental (como os objetos) e/ou simbólico (como a lingua- que juntos — família/responsáveis e escola — busquem
gem). Isso é válido para todos os bebês ou para todas os melhores caminhos para a inclusão e aprendizagem.

17
A amizade das crianças proporciona interações que impulsionam o desenvolvimento. Percebemos que a socializa-
ção contribuiu de maneira significativa para o desenvolvimento por meio de interações, tornando a escola um ambien-
te de extrema importância para a criança com deficiência. A potência criativa e o protagonismo são possíveis quando
transformamos nossas crenças, quando damos vez e escutamos a voz das crianças nos territórios, acreditando que
novas culturas infantis produzirão novas culturas adultas — culturas essas mais justas e humanas para uma sociedade
que ainda não existe Além das situações imprevisíveis como a relatada, que mostra o protagonismo infantil e a escuta
dos adultos, a Educação Infantil apresenta um espaço educativo primoroso para novas abordagens pedagógicas e
novas experiências educativas, pautadas na riqueza da diferença, nas intermináveis possibilidades de se criar formas de
impulsionar o desenvolvimento infantil. Agora vamos relatar uma cena sobre estratégias para o acolhimento de uma
criança que demonstrava dificuldade de interação.

Cena 8

Em uma dessas tardes de outono, decidimos brincar no parque. Carregamos nossas sucatas e panelinhas, escolhe-
mos um bom lugar na caixa de areia, e as crianças foram se dividindo em pequenos grupos como sempre fazem. Eu
costumo respeitar essa divisão, depois vou me juntando com quem não se agrupou; aos poucos muitos se aproximam,
vão se achegando e brincamos juntos. O grande desafio era incluir a pequena na brincadeira, de maneira que ela se
interessasse por estar com o grupo e parasse de correr ou ficar sozinha e, ao mesmo tempo, que as crianças aceitassem
a participação dela. Pedi para ela fazer um bolo para mim, ela ficou intrigada com o pedido, não conseguia entender
como fazer um bolo no parque. Logo, um colega se ofereceu para mostrar do que eu estava falando, foi fazendo todo
o procedimento que ele julgava necessário para fazer um bolo de areia. Juntou um pouco de areia numa tigelinha,
colocou um pouco de água, fez de conta que quebrava os ovos, mexeu, mexeu... colocou na forma, apertou a areia na
forminha e virou o bolo na mão.
Outro colega falou: — É o bolo do aniversário da Prô. Cada criança foi organizando uma coisa para o meu aniver-
sário: teve bolo, brigadeiro, salgados e, nessa brincadeira, foram ensinando a pequena a brincar na areia (até então
ela não havia sentado na areia e brincado com os colegas). Deram várias coisas para ela fazer, quiseram saber a sua
opinião, deram as comidinhas para ela experimentar... Ficamos uma hora nesta atividade, organizando meu aniversário.
Foi uma experiência muito interessante para todas as partes, e foi a partir dessas vivências que as crianças perceberam
que era muito legal ensinar a colega a brincar.
Enfrentar o desafio da convivência e da aprendizagem na diversidade exige da(o) professora(or) e da instituição
construir uma cultura equitativa, que possa oferecer recursos, materiais ou tecnologias diferenciadas, rompendo pre-
conceitos. Porém, não é somente em agrupamentos de crianças com deficiências ou altas habilidades/precocidade que
o tema da inclusão deve ser abordado. Utilizar literatura, filmes, desenhos animados, brinquedos e imagens, sair em
visitas a certos espaços sociais ou ainda convidar pessoas com deficiências para comparecerem às UEs pode ser uma
boa alternativa para conversar sobre esses temas, que são importantes na formação de todos. É preciso abrir caminhos
para sermos capazes de incorporar as diferenças biopsicossociais em nossas vidas como uma das múltiplas marcas ou
manifestações do humano, e isso começa na Educação Infantil. Mas a discussão sobre a deficiência, seu conhecimento,
a reflexão sobre a relação da sociedade e dos sujeitos não pode acontecer apenas quando há, efetivamente, a presença
de alguém com deficiência. Este é um tema de direitos humanos que deve ter presença em todas as escolas.

Educação para o Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030/ONU

Desde o primeiro momento, a PMSP e a SME adotaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS como
compromisso a ser cumprido pela Cidade de São Paulo até 2030. Trata-se de um ambicioso conjunto de 17 objetivos
com metas e ações específicas adotadas por 193 países-membros das Nações Unidas. Esses objetivos buscam “garantir
uma vida sustentável, pacífica, próspera e equitativa na Terra, para todos, agora e no futuro” (UNESCO, 2017, p. 6), para
assim conquistar o bem-estar de todos os cidadãos e a garantia da vida no planeta. É importante lembrar que essa
Agenda dá continuidade aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM, estabelecidos no ano de 2000 com
foco na garantia de dignidade de vida. A partir da Rio+20, Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável
realizada aqui no Brasil em junho de 2012, a Agenda 2030 foi construída sob a liderança dos Estados-membros da ONU
com a participação das principais partes interessadas e de grupos organizados da sociedade civil (ONU, 2015). Diferen-
te dos ODM, cujo cumprimento de objetivos era responsabilidade dos Estados, os ODS trazem a responsabilidade para
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

os Estados-membros, empresas e sociedade civil. O ex-secretário Geral da ONU Ban Ki-Moon afirmou que constituem
um apelo global, pois demandam as “ações de todos, em todos os lugares”.

18
O conceito de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 não se refere apenas à dimensão ambiental, mas
também às dimensões social e econômica. Seu propósito “é garantir uma vida sustentável, pacífica, próspera e equi-
tativa na terra para todos, agora e no futuro” (UNESCO, 2017, p. 6). Os 17 ODS compõem um conjunto integrado e
indivisível, equilibrando as três dimensões do desenvolvimento sustentável, que se efetivam também a cada escolha e
ação individual.

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

19
Os ODS abrangem ações voltadas a cinco grandes áreas: Pessoas, Planeta, Paz, Prosperidade e Parcerias. Essa
abrangência reflete uma visão holística do ser humano e dos desafios globais visando assegurar a sustentabilidade
das diversas formas de vida no planeta. Cada um dos 17 ODS é detalhado em metas e ações específicas que tratam
de aspirações globais acordadas, a serem alcançadas até 2030. Foram estabelecidas 169 metas a serem incorporadas
nos processos, políticas e estratégias de planejamento em diferentes níveis (internacional, nacional e local) de maneira
coerente entre si.
Esta Agenda compõe assim uma declaração do reconhecimento da urgência em se tomar medidas transformadoras
na direção do desenvolvimento sustentável, compreendendo o contexto atual de interdependência global das ações.
Esse ambicioso conjunto de objetivos que compõem a Agenda 2030, diferentemente dos ODM, não está destinado uni-
camente aos países em desenvolvimento. Os ODS possuem uma natureza universalmente aplicável, levando em conta
diferentes realidades, prioridades nacionais, capacidades e estágios de desenvolvimento. Os ODS visam à promoção de
vida digna para todos, sem deixar ninguém para trás. Destaca-se o foco na educação, pois há a compreensão de que
toda construção de novos paradigmas depende do processo educacional para se efetivar. Por essa razão, a educação
perpassa todos os ODS. O ODS 4 pretende “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”, sendo que a meta 4.2 aborda especificamente a pri-
meira infância, visando garantir a todos os bebês e às crianças um desenvolvimento de qualidade nesta fase da vida,
cuidados e educação pré-escolar.
Ainda, a meta 4.7 reafirma o papel central da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) na implemen-
tação da Agenda 2030, ambicionando uma educação voltada para os direitos humanos, a igualdade de gênero, e a
valorização da diversidade cultural, a cultura de paz e não violência, a cidadania global e a promoção de estilos de vida
sustentáveis.

A Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) é um instrumento fundamental para atingir os ODS. Ela deve
ser entendida como parte integrante da educação de qualidade desde a EI, em espaços formais e não formais da edu-
cação. Seu foco está na aprendizagem interativa, na ação do educando, na participação, na colaboração, na solução de
problemas, na visão integral do conhecimento. Os ODS e a EDS transformam não apenas os Objetivos de Aprendiza-
gem e as práticas pedagógicas escolares, mas também o espaço físico escolar e as relações humanas que nele se dão.
Esses elementos compõem as quatro dimensões da EDS na escola. Para que as escolas se tornem “lugares de apren-
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dizagem e experiência para o desenvolvimento sustentável”, os ODS devem ser integrados em seus múltiplos proces-
sos, de modo que a própria instituição, como um todo, seja um modelo para as crianças (UNESCO, 2017, p. 53). Nesse
sentido, os ODS na EI devem ganhar espaço, sobretudo nos momentos de formação continuada da Rede, a fim de
ampliarem a compreensão dos processos e subsidiarem escolhas pedagógicas. Uma reflexão aprofundada pode atuar
desde a forma de se fazer o acolhimento das famílias na escola, o aleitamento materno na UE, escolhas por utilização
pedagógica diária de áreas externas, existência de diferentes contentores para lixos distintos em sala de aula, presença
de hortas pedagógicas, composteiras, até ferramentas participativas de tomadas de decisões coletivas.
Na infância, as crianças estão construindo seus hábitos de ação, de linguagem, de estrutura de pensamentos. Eles
se constroem pela repetição cotidiana de pequenas ações que observam, por exemplo, apaga-se ou não a luz ao sair
da sala? Conserta-se um brinquedo que quebra ou joga-se fora? Há cuidado cotidiano de vasos de flores para en-

20
feitar os espaços ou há flores de plástico e/ou de EVA? globais para o Desenvolvimento Sustentável e a ação lo-
De posse desse contexto, a SME escolheu destacar a EDS cal da Rede Municipal para a garantia da Educação de
como uma direção necessária para a Educação Infantil Qualidade na primeira infância. Ao longo de todo o Cur-
do Município de São Paulo. A EDS propõe que as abor- rículo da Cidade Educação Infantil, há menção aos Indi-
dagens pedagógicas na Educação Infantil sejam sempre que EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016a) e, embora não haja
centradas na observação dos bebês e das crianças. Uma referência explícita estabelecida entre os Indicadores e
aprendizagem voltada para a ação pessoal, mas também os ODS, essa associação pode ser feita, demonstrando
social e ambiental. Para os processos educativos realiza- alinhamento entre o acúmulo de discussão da Rede e a
dos na Educação Infantil, é importante destacar saúde e EDS. A título de ilustração, seguem alguns exemplos. A
bem-estar (ODS 3) como um indicador para se olhar para continuidade deste exercício pode ser feita em momen-
o ambiente escolar, para avaliar e replanejar a dinâmica tos de formação das UEs.
cotidiana das crianças, a relação de chegada e de saída
da criança da escola. Fome zero e agricultura sustentá- Nas tabelas do Capítulo 5, também foi inserida uma
vel (ODS 2) trazem à tona os esforços que a SME tem última coluna à direita orientando associação entre os
feito na direção de priorizar a compra de orgânicos e de Objetivos de Aprendizagem da BNCC (BRASIL, 2017) e as
produção familiar para compor a merenda escolar. Igual- metas e ações dos ODS, a fim de alinhar essas duas refe-
dade de Gênero (ODS 5) e Redução das Desigualdades rências que orientam a construção deste documento. Ao
(ODS 10) foram destacados em seções anteriores deste final do capítulo, como anexo, estão descritas, em ordem
documento. e na íntegra, todas as metas e ações utilizadas ao longo
A educação assume centralidade na proposição de de todo Currículo da Cidade – Educação Infantil.
um presente com maior igualdade e assume responsa- Os ODS vêm ao pleno encontro dos compromissos
bilidade em relação às decisões sobre o futuro. É a partir assumidos pela Rede Municipal no Currículo da Educa-
do direito à Educação, e especificamente à EDS, que as ção Infantil com a equidade, a inclusão e a integralidade
sociedades contemporâneas podem avançar em direção dos sujeitos, com a educação para as relações de gênero
à Paz (ODS 16) e às Parcerias para o Desenvolvimento e étnico- -raciais e com a democracia. Os ODS reforçam a
Sustentável (ODS 17). As dimensões dos ODS voltadas importância desses compromissos, ampliam seu escopo
ao planeta fazem alusão à importância do cultivo de uma a partir de uma perspectiva global e contemplam outras
relação de afeto e respeito com a natureza desde a pri- dimensões imprescindíveis para caminhar, a partir do ní-
meira infância. Para tanto, é essencial que bebês e crian- vel local, em direção ao Desenvolvimento Sustentável.
ças possam conviver o mais intimamente possível com a
natureza e os elementos que a constituem: terra, água, A DEMOCRACIA NA VIDA E NOS PROCESSOS EDU-
ar, luz, calor, além dos reinos que a compõem em sua CATIVOS
diversidade mineral, vegetal e animal.
Os Objetivos de Proteção da Vida sobre a Terra (ODS A construção do currículo numa perspectiva demo-
15) e da Vida debaixo d’Água (ODS 14) e de Combate às crática exige que situemos a concepção de democracia
Alterações Climáticas (ODS 13) incitam ao cuidado com num contexto histórico mais amplo. É preciso considerar
o planeta como casa do ser humano e de uma grande que, historicamente, a retomada do rumo da democra-
diversidade de formas de vida. Os cuidados na primeira cia é bastante recente em nosso país. Sob o ponto de
infância são indissociáveis dos processos educativos e, vista legal, a gestão democrática aparece como princí-
portanto, educar com cuidado e para o cuidado é o cer- pio fundamental da educação na Constituição de 1988, e
ne da EDS na primeira infância, garantindo acolhimento, LDB 9.394/96. Tendo como ponto de partida esse com-
escuta, criação de vínculo e desenvolvimento saudável. promisso democrático assumido institucionalmente em
Nesse sentido, é preciso saber cuidar de si, das plantas, nível nacional, vale revisitar alguns conceitos basilares
dos bichos do jardim, do mundo, com respeito, admira- que autorizam reconhecer, nos pensamentos e nas ações
ção, encantamento, bem-estar e inteireza. educacionais, a democracia exercida em uma condição
O Objetivo de Consumo e Produção Sustentáveis amplamente partilhada de gestão das questões da edu-
(ODS 12) chama atenção para os ciclos e tempos da na- cação e, particularmente, da Educação Infantil.
tureza, mas também para hábitos de descarte e escolha Uma importante contribuição à compreensão do sig-
dos materiais para compra pela SME e em cada uma das nificado de democracia na educação pode vir dos pre-
UEs: são privilegiados brinquedos de materiais plásticos ceitos de John Dewey, que esteve convencido de que a
ou naturais? Industriais ou manufaturados? Estruturados democracia, considerada como sistema de vida moral e
ou de largo alcance? Visando manter o diálogo entre a humana, deveria servir de guia à educação. Isso o levou
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

EDS e o Currículo da Cidade Educação Infantil, escolhe- a conceber uma filosofia de democracia na qual a edu-
mos destacar na lateral das páginas deste documento cação ocupa o lugar central. O autor alia a discussão de
as metas e ações dos ODS associadas às ideias expostas sociedade e de educação democrática ao conceito de li-
ao longo de todo o texto. Para isso, foram utilizados os berdade de pensar e agir numa condição comunitária.
ícones dos ODS e as referências alfanuméricas corres- Para Dewey (1940b; 1959), a educação confunde-se com
pondentes às metas e ações acompanhadas de resumo o processo de vida em sociedade e, portanto, “é um mé-
textual com finalidade didática. O exercício de inserção todo fundamental de progresso e reformas sociais” (p.
das metas e ações não esgotou as conexões possíveis, 15). A educação, para ele, é um processo de vida, e não
mas indicou algumas relações que nos permitem nos uma preparação para uma vida futura. Define a institui-
aproximar da EDS e criar pontes entre os compromissos ção educacional como instituição social, devendo repre-

21
sentar a vida presente — uma vida tão real e vital para a ses princípios, torna-se necessário garantir políticas cur-
criança como aquela que vive em casa, na vizinhança ou riculares específicas para as populações que têm tido os
no parque. Em outras palavras, trata-se de uma forma seus direitos historicamente não atendidos.
embrionária da vida em sociedade. Ainda, ele identifica A educação para as relações étnico-raciais visa que
a democracia e a liberdade com o processo individual de bebês e crianças se reconheçam em suas identidades e
pensar de maneira inteligente, que só pode ser efetivado possam compreender a diversidade étnica e racial do
mediante uma educação que valorize o indivíduo e as mundo como uma grandeza de experiências e possibi-
suas experiências pessoais (DEWEY, 1940a; 1959). lidades, tornando obrigatório nos currículos o ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena e
Em uma educação progressiva e construtiva, e na sua desenvolvendo uma educação antirracista no cotidiano
defesa veemente da escola pública, encontram-se argu- escolar. A educação para as relações de gênero visa pro-
mentos para se pensar, na contemporaneidade, a edu- mover a igualdade social entre as pessoas de diferentes
cação que se deseja transformadora e emancipadora. gêneros e a liberdade de expressão sobre os sentimentos
Dewey ajuda nas ponderações atuais em favor de uma e pensamentos, rompendo com preconceitos, reconhe-
educação progressiva, que restaura a possibilidade dos cendo que há muitos modos de ser menino e menina, e
indivíduos contribuírem com as suas experiências pes- que essas regras não devem definir os modos como as
soais no grupo. Entretanto, como bem adverte, essa pessoas se constituem. A educação especial, por meio
condição de participação não nasce e não se mantém de um desenho universal para a aprendizagem, abre as
espontaneamente. É preciso pensar e planejar situações portas para que bebês e crianças com deficiência, altas
que propiciem a colaboração mútua e a corresponsabi- habilidades/precocidade e TGD possam aprender, mes-
lidade, o que remete à importância de se ter clareza dos mo que por caminhos diferentes, por meio de ações que
propósitos educativos e da intencionalidade das ações respondam às necessidades e ampliem as capacidades
por parte de todos os sujeitos implicados com o ato edu- de todos e de cada um.
cativo, direta ou indiretamente. A educação para o desenvolvimento sustentável, tra-
zido pela Agenda 2030/ONU, contempla estes e outros
Em síntese...
princípios e conceitos, organizados em dezessete Ob-
As palavras que sintetizam as ideias chave deste capí-
jetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), que se
tulo são educação, territórios, equidade, educação inclu-
referem às dimensões ambiental, social e econômica. To-
siva, educação integral, relações étnico-raciais, relações
dos esses princípios, compromissos, conceitos e políticas
de gênero, educação especial, agenda 2030/ONU e de-
educacionais unem-se ao compromisso de uma educa-
mocracia. A educação é entendida como um processo
ção que traz a democracia como pressuposto de uma
social, um bem público e um valor comum a ser compar-
escola pública que se deseja comprometida com a qua-
tilhado por todos. Ter acesso à educação pública, laica e
de qualidade é um direito de todos os bebês e crianças lidade da formação humana, transformadora e emanci-
e um dever do Estado. A educação possibilita constituir padora.
uma vida comum nos territórios, cenário constantemen-
te renovado, onde as atividades são criadas a partir da BEBÊS E CRIANÇAS NA CIDADE DE SÃO PAULO: AS
herança cultural do povo que nele vive. Um território é INTERAÇÕES E BRINCADEIRAS COMO PRINCÍPIOS
sempre um espaço de disputa de poder, um espaço so- PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA NAS UNIDADES EDU-
cial em que forças econômicas, políticas, culturais estão CACIONAIS
em permanente tensão, disputando a hegemonia. Par-
ticipar de vivências e experiências que deem valor aos AS INTERAÇÕES COMO MODOS DE SER E ESTAR
elementos extraídos dos territórios confere aos bebês e NO MUNDO
às crianças um olhar de compreensão sobre as suas vidas
e cria pertencimento e cumplicidade. As concepções que orientam a proposição do Cur-
Ao pensarmos em um projeto educativo público, rículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO,
devemos partir de três princípios: equidade, inclusão e 2015a) afirmam que o processo de aprendizagem acon-
integralidade. A equidade é uma estratégia para atingir tece como resultado de uma construção pessoal dos
a igualdade a partir do reconhecimento da diversidade, bebês e das crianças, em interação ativa com as outras
procurando reduzir as desigualdades de oportunidade e crianças de mesma idade e de idades diferentes, com
acesso que impedem direitos fundamentais. A educação os adultos e com os elementos da cultura com os quais
inclusiva pressupõe que todos possam ter experiências entram em contato. As concepções que orientam a pro-
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de aprendizagem de acordo com suas potencialidades, posição deste currículo integrador afirmam o processo
sem discriminação e com base na igualdade de oportuni- de aprendizagem como uma construção pessoal inter-
dades e na equidade, independentemente de suas con- mediada pela relação com o meio sócio-histórico-cultu-
dições socioeconômicas, físicas, intelectuais, de gênero, ral e em interação entre pares, com os adultos e com os
étnico- -raciais, de idade, religiosas, ou por haver nascido elementos da cultura com os quais interage, processo em
em um território diferenciado dos demais. A educação que reconstrói para si as capacidades presentes nessas
integral compreende o compromisso com as práticas interações. (SÃO PAULO, 2015a, p. 35)
integradas de formação e a integralidade do desenvol- Pesquisas têm mostrado que é nessa interação com
vimento humano em suas dimensões intelectual, física, os outros e com a cultura que cada bebê e criança re-
afetiva, social, ética, moral e simbólica. Para viabilizar es- constrói para si as qualidades humanas presentes nessas

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interações — como a percepção, a memória, a fala, o pensamento, a imaginação, os valores, os sentimentos, a autodis-
ciplina e a sua própria identidade — à medida que se relaciona com as pessoas e os hábitos e costumes, com a língua
e as outras linguagens, com o conhecimento acumulado; à medida que se relaciona com os objetos. O currículo na
Educação Infantil se baseia nas interações e na brincadeira (MUKHINA, 1996; PRESTES; TUNES, 2018), na cultura hu-
mana, nas práticas sociais dos territórios, e se fortalece na relação de todos os adultos da Unidade Educacional com as
famílias/responsáveis e com as crianças.
As interações e as brincadeiras devem compor o currículo e possibilitar a realização de projetos pedagógicos que
envolvam as diversas linguagens presentes nas experiências, sem separá-las, pois não é de modo fragmentado que os
bebês e as crianças aprendem, mas enquanto vivenciam uma situação de forma integral. Enquanto contamos ou lemos
uma história, as crianças ouvem, mas também imaginam, pensam, comparam, observam o nosso tom de voz, a maneira
como nos relacionamos, como tratamos as outras crianças, como cuidamos dos livros.
Também percebem o nosso interesse e entusiasmo. Com isso, aprendem modos de ser, aprendem a gostar das
coisas, percebem os outros e a si mesmas, vão aprendendo modos de se relacionar com o ambiente e com os outros, e
vão criando uma imagem de si e constituindo a sua autoestima. Em outras palavras, as crianças aprendem enquanto vi-
vem e convivem. Aprendem e percebem o mundo por inteiro: quando observam, ouvem e pensam, e quando brincam,
experimentam, descobrem, comparam e expressam, por meio de diferentes linguagens, aquilo que vão aprendendo
e percebendo do mundo ao redor — ou seja, os bebês e as crianças aprendem nas interações por meio de seu agir.
Os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana – Indique EI/ RME-SP (SÃO PAULO, 2016a) reafirmam
o papel das interações e das vivências por bebês e crianças como eixo que deve ser contemplado em todas as propos-
tas pedagógicas. Promover interações de crianças e bebês com o seu grupo e com outros grupos da UE e de outras
Unidades é a maneira como acolhemos crianças e bebês e suas histórias, suas emoções, seus desejos e interesses,
cuidando e educando-os como sujeitos ativos e potentes, que se constituem nas experiências vividas e, ao mesmo
tempo, constituem tais experiências. Alguns indicadores contemplam de forma explícita e clara as atitudes e condições
que promovem as melhores interações entre bebês e crianças da mesma idade e de idades diferentes, e entre crianças,
bebês e adultos. Por isso, vale a pena retomar os Indique EI/ RME-SP para ampliar e integrar essa discussão.
Os bebês e as crianças, desde o seu nascimento, fazem parte ativa do próprio processo de crescimento. Nas suas
interações, colocam-se em relação com outras pessoas, objetos, linguagens, isto é, com os modos de funcionamento
da sua cultura, e vão se constituindo subjetivamente como seres humanos pertencentes a um território. As UEs, sejam
elas de Educação Infantil ou Ensino Fundamental, precisam garantir a oferta de tempo para as crianças viverem, realiza-
rem as suas brincadeiras, construírem os seus gestos e as suas expressões, desenvolvendo as suas múltiplas linguagens.
Essas são tarefas fundamentais das(os) professoras(es), muitas vezes previstas no Projeto Político Pedagógico (PPP),
sendo também tarefa conjunta de toda a comunidade educativa. Assim: O exercício constante de se colocar no lugar
da criança, compreendendo o seu ponto de vista de forma ética, respeitosa, acolhedora e sem julgamentos é cuidado.
Educam-se pela força do exemplo das atitudes respeitosas, éticas, democráticas exercidas pelos adultos na relação com
bebês e crianças, e isso é cuidado. Cuida-se acolhendo, ouvindo, encorajando, apoiando no sentido de desenvolver
o aprendizado de pensar e agir, de cuidar de si, do outro, da escola, da natureza, da água, do Planeta. (SÃO PAULO,
2015a, p. 25).

As interações de bebês, crianças e grupos

Enquanto convivem com crianças da mesma idade e de idades diferentes, sob a atenção e orientação da(do) edu-
cadora(or), os bebês e as crianças ampliam as suas experiências. Ao conviver com crianças, elas vão aprendendo a
dividir, a esperar a vez e a brincar juntos. Quando interagem com crianças mais velhas, bebês e crianças ampliam o
seu vocabulário, vivenciam brincadeiras novas, observam e aprendem coisas que ainda não conseguem fazer sozinhas,
mas podem fazer com ajuda dos mais velhos. Como percebeu Vygotsky (1988), o bom ensino se organiza por meio
de situações que possibilitam que a criança faça aquilo que ela ainda não consegue fazer sozinha, mas faz a partir da
observação e com a ajuda dos outros.
Por isso, a realização de atividades em grupos de crianças de idades diferentes é essencial para os menores, que se
espelham nos maiores, e igualmente essencial para os maiores. Lilian Katz (2000), discutindo o benefício de misturar
crianças de diferentes idades, afirma que existem benefícios sociais tanto para os maiores como para menores.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

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Os grandes aprendem a ajudar os menores em certas situações, e os pequenos imitam comportamentos que es-
tão para além das suas possibilidades ou brincadeiras mais complexas: ambos aprendem. Ao trabalhar com grupos
heterogêneos, as(os) professoras(es) diminuem as suas expectativas por resultados padronizados, observam melhor
as diferenças entre as crianças e as regras de convivência; as rotinas também se tornam distintas e as demandas se
diferenciam. Segundo a autora, estar entre crianças de diferentes idades significa aprender “habilidades básicas” que
não estão presentes em nenhuma prova avaliativa.
Por exemplo, aprende-se como consolar, contar histórias para aquele que ainda não sabe folhear os livros, pedir
ajuda ao companheiro mais qualificado, enfrentar limites e possibilidades, isto é, as suas diferenças pessoais e sociais
— aprende-se a viver na diversidade.
Bebês e crianças convivendo com os seus grupos e com grupos de crianças maiores aprendem a se respeitar, a aco-
lher quem precisa de ajuda, a acolher cada um com as suas histórias, a ter amigos com um sotaque diferente ou uma
dificuldade de fala ou de movimento. Isso acontece especialmente quando as(os) educadoras(es) também adotam uma
atitude permanente de acolhimento e valorização de todas as crianças e de suas histórias e culturas. Para as crianças
maiores, a convivência com bebês e crianças menores é igualmente uma oportunidade de aprendizado: fortalece a sua
autoestima, pois se sentem responsáveis pelos menores.
Aprendem, percebem que ensinam e, assim, aprendem juntamente com o grupo. Por isso, promover encontros
entre turmas — de idades iguais e diferentes — amplia as possibilidades das crianças. São muitas as possibilidades
de iniciar esse processo, que pode, aos poucos, tornar-se uma prática cotidiana que congregue crianças de diferentes
idades nos grupos: a leitura de um livro com elementos que atraiam a atenção das crianças (a contadora que faz vozes,
que usa uma fantasia, um chapéu, uma echarpe ou um xale nos ombros, uma música de fundo, uma pintura no rosto);
uma história contada com objetos; a representação de uma história; uma brincadeira no pátio; uma refeição conjunta;
uma gincana reunindo turmas diferentes; um projeto de investigação de um tema que interessa aos grupos; um passeio
pela Unidade ou pela comunidade.
Educadoras(es) da UE podem se revezar na proposição de atividades: fazer bonecos de meia, ensinar um jogo tra-
dicional ou uma cantiga popular, etc. E quanto mais diversa for a composição dos grupos (gênero, raça, etnia, religião,
tipos de famílias), mais variadas são as questões que elas se colocam.
Quando nos deparamos com crianças que, em lugar de uma atitude solidária nos grupos, adotam uma postura dife-
rente, é necessário fazer a escuta de suas atitudes e descobrir com elas a razão que as leva a agir assim. Pode ser apenas
uma forma de dizer que precisam de uma atenção especial, seja por uma tristeza, por um sentimento de abandono ou
por uma dificuldade de outra ordem. Bebês e crianças são o foco da nossa atenção na UE.
Por isso, estamos sempre atentos às suas linguagens e àquilo que estão nos dizendo por meio do gesto, do mo-
vimento, do choro, da fala, do que fazem — a forma como se expressam. Enquanto desenham, falam, pensam, plane-
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jam, imaginam, recorrem à memória. Enquanto brincam com objetos, percebem texturas, cores e formas, comparam,
medem, avaliam o peso e as suas possibilidades de uso. Por isso, não dividimos o tempo das crianças na UE em hora
de desenhar, hora de fazer registros escritos, hora de aprender matemática, hora de exercitar a linguagem oral. As
linguagens acontecem num mesmo processo, enquanto as crianças expressam o que percebem do mundo ao redor,
enquanto brincam e exploram o ambiente ao redor. Isso nos apresenta o desafio de organizar um ambiente que pos-
sibilite à criança vivenciar essas diferentes experiências.
A ausência de atividades específicas de desenho, escrita, matemática ou outras de forma descontextualizada não
significa privar as crianças dessas linguagens. Ao contrário, traz o desafio de propor coletivamente situações desafiado-
ras (trabalhos com projetos, por exemplo), que colocam bebês e crianças em contato com essas linguagens. Uma das
formas de a escola contribuir para o enfrentamento das desigualdades sociais e econômicas que marcam a nossa so-

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ciedade é a oferta de acesso equitativo ao conhecimento alguns bebês preferem ficar de barriga para baixo, a edu-
para todos os bebês e crianças, independentemente da cadora já sabe disso e assim os posiciona — e aproxima
sua origem social, étnica e econômica. As interações que alguns objetos para que eles peguem. Para os bebês que
propomos para bebês e crianças na UE devem permitir já engatinham e se sentam sozinhos, ela prepara um can-
que sejam sempre protagonistas, o que significa dizer to da mesma forma, sobre um tapete recoberto com um
que bebês e crianças devem estar sempre ativos, sem- lençol, e espalha algumas cestas de tesouros. À medida
pre em atividade. Por atividade entende-se um fazer que que os bebês vão chegando, ela os acolhe conversando
envolve a criança como um todo: seu corpo, sua mente com eles e os encaminha para uma das cestas — no prin-
e suas emoções. Por isso, atividade não indica qualquer cípio, ela oferece uma cesta para cada dois, pois ela sabe
fazer, mas o fazer que a criança realiza com satisfação, que os bebês estão aprendendo a dividir, a estar juntos e
desejo, envolvimento, participação. a brincar juntos, então compartilhar algo entre muitos é
Assim, para que a atividade se constitua, não im- mais difícil. Um espaço organizado para as crianças, pen-
pomos o que fazer, mas oferecemos possibilidades de sado a partir das suas experiências e preferências (consi-
escolha às crianças. Nesse sentido, os espaços coletivos derando a segurança de bebês e crianças) é fundamental
de educação constituem contextos privilegiados que para que elas possam ter autonomia. Sentir-se livre e in-
possibilitam aos bebês experiências de convivência com dependente para poder escolher é essencial na constru-
outros adultos e com outros bebês e crianças. Ouvir his- ção da autonomia das crianças.
tórias, narrativas, poesias, apreciar e criar desenhos, pin-
turas, modelagens, brincadeiras, danças, sons, músicas, A interação de adultos, bebês e crianças: construir
explorar espaços amplos como os parques e outras ações a escuta
que envolvem um corpo que, na sua integralidade, sente,
percebe, pensa, imagina, cria, planeja, investiga, age e se Aprender a observar e a escutar os bebês e as crian-
encanta com o mundo e seus diferentes contextos. (SÃO ças é o desafio da(o) professora(or) que compreende a
PAULO, 2015, p. 13). educação como um processo no qual as demandas de
Como discute o Currículo Integrador da Infância Pau- bebês e crianças, seus interesses e suas necessidades ge-
listana (SÃO PAULO, 2015), o espaço é também educador ram processos coletivos de ampliação e aprofundamento
dos bebês e das crianças. Um exemplo de como o espaço das experiências corporais, sociais, culturais e científicas.
colabora para que as crianças possam sempre satisfazer Viver coletivamente na UE propicia para as infâncias a ex-
os seus desejos de descoberta e não tenham tempo de pansão de seus territórios, possibilitando a percepção de
espera ocioso é ilustrado na cena a seguir. Cena 9 A edu- outros modos de viver, pensar, agir, relacionar-se, isto é,
cadora prepara a sala para receber os bebês. Para os que ensina a ver do ponto de vista do outro. A função de uma
ainda não se sentam sozinhos, ela espalha alguns objetos cidade educadora é possibilitar que os bebês e as crian-
sobre um tapete coberto com um lençol (lenços de pano, ças possam ultrapassar os muros das UEs e ampliar os
bacias plásticas pequenas, brinquedos de borracha pe- seus repertórios de vida social, de espaços culturais, de
quenos, frascos de xampu coloridos e sem rótulos com relações com a cidade. É direito dos bebês e das crianças
algumas pedrinhas e grãos dentro, pequenas garrafas poder se deslocar e aprender com a vida comunitária, am-
plásticas transparentes com pequenos objetos dentro, li- pliando seu território. A dimensão 2 dos Indique EI/RME-
vros de pano). À medida que os bebês vão chegando, ela -SP (participação, escuta e autoria de bebês e crianças)
os acolhe conversando com eles e os leva até o tapete, é fundamental para dar suporte às(aos) educadoras(es)
coloca-os deitados de barriga para cima — alguns bebês para compreender o que é escutar as crianças nas suas
preferem ficar de barriga para baixo, a educadora já sabe distintas formas de se expressar. Ao escutá-las, é possível
disso e assim os posiciona — e aproxima alguns objetos dialogar com a proposta curricular e propiciar interações
para que eles peguem. Para os bebês que já engatinham que fortaleçam a autoria das crianças e a sua participa-
e se sentam sozinhos, ela prepara um canto da mesma ção. Manter no Ensino Fundamental a prática da escuta
forma, sobre um tapete recoberto com um lençol, e es- às crianças é essencial para as mudanças nos modos de
palha algumas cestas de tesouros. À medida que os be- operar dessa etapa. Nesse sentido, a atitude primeira das
bês vão chegando, ela os acolhe conversando com eles (os) professoras (es), além dos demais profissionais que
e os encaminha para uma das cestas — no princípio, ela atuam na UE, deve ser a escuta: escutamos os bebês e
oferece as crianças quando os observamos, quando registramos
o que vamos aprendendo com eles e sobre eles, isto é,
Cena 9 escutamos os bebês e as crianças quando buscamos en-
tender as suas particularidades, conversando com eles e
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A educadora prepara a sala para receber os bebês. com suas famílias/ responsáveis. Escutamos os pequenos
Para os que ainda não se sentam sozinhos, ela espalha quando consideramos as suas iniciativas, quando os aco-
alguns objetos sobre um tapete coberto com um lençol lhemos e respeitamos os seus sentimentos (os bebês e as
(lenços de pano, bacias plásticas pequenas, brinquedos crianças que chegam tristes, os que chegam chorando e
de borracha pequenos, frascos de xampu coloridos e sem também os que chegam alegres, curiosos, os mais cala-
rótulos com algumas pedrinhas e grãos dentro, peque- dos e os “perguntadeiros”). Também “damos colo” para
nas garrafas plásticas transparentes com pequenos obje- quem precisa e espaço para crescer para quem chega
tos dentro, livros de pano). À medida que os bebês vão sem nenhuma aparente demanda. A escuta também se
chegando, ela os acolhe conversando com eles e os leva concretiza quando chamamos bebês e crianças a parti-
até o tapete, coloca-os deitados de barriga para cima — cipar de seus cuidados e da vida diária na UE. A escuta

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acontece sempre que as(os) professoras(es) fazem boas Ao mesmo tempo, no momento de trocar a fralda das
perguntas para os bebês e as crianças e esperam algu- crianças, comenta sem repreender a criança “ah, você fez
ma manifestação deles. Sabemos que a UE se empenha xixi/cocô”. Aos poucos, a criança começa a se comunicar
para adotar uma atitude permanente de escuta quando no momento do xixi e cocô e consegue avisar que sua
as produções infantis realizadas sem a mão da(o) pro- fralda está molhada, a se sentir incomodada com a fralda
fessora(or) para “melhorá-las” são valorizadas e têm um suja e pede para ser trocada. Nesse processo, a criança
espaço de destaque nas paredes na altura das crianças, vai percebendo o estímulo, vai antecipando o processo
e quando as suas iniciativas são acolhidas na organiza- e avisa o adulto de sua vontade de ir ao banheiro. Esse
ção das salas, de festividades ou eventos realizados na procedimento é chamado de controle ativo de esfíncter:
escola. Essa atitude permanente de escuta é também o deixamos que a criança vá percebendo seu corpo e cada
elemento fundamental para a criação de vínculos entre vez mais assuma seu controle.
educadoras(es), bebês e crianças, dentro do próprio gru- Já com as crianças maiores, um dos exemplos de escu-
po e entre diferentes grupos, pois a atitude de escuta cria ta possível é a assembleia de crianças, quando a UE se or-
um sentimento de segurança e de pertencimento que fa- ganiza para ouvir e colocar em andamento as propostas,
vorece o seu bem-estar na UE. Sentir-se seguro e confiar considerações, críticas e iniciativas infantis. Com a ajuda
nos adultos da UE é essencial para o crescimento cultural da(o) professora(or), as crianças vão aprendendo que os
e emocional de bebês e crianças. A cena a seguir trata problemas, as dificuldades e mesmo as boas experiências
da atitude que ajuda a criar a segurança dos pequenos. vividas no grupo podem ser discutidas num encontro se-
manal, em que todos se sentam numa roda para comen-
Cena 10 tar. Para que isso aconteça, ao longo da semana, as crian-
ças podem registrar, com a ajuda da(o) professora(or) ou
Os bebês já se acostumaram a estar no CEI. Têm con- por meio de desenho, problemas e destaques que que-
fiança nos adultos que os acolhem, cuidam e educam. Já rem discutir no grupo: as coisas de que não gostaram e
se despedem dos familiares e ficam bem na UE. Enquan- as coisas de que gostaram. A(o) professora(or) também
to estão explorando os objetos em atividade autônoma pode anotar num pequeno painel fixado na parede (uma
e descobrindo o que a professora colocou ao seu redor, folha de papel sulfite, por exemplo) as dificuldades de
é hora de começar a alimentação. Ela se aproxima de um relacionamentos, os desentendimentos, as coisas que
bebê e o avisa que vai tirá-lo de sua atividade e levá-lo aconteceram ao longo da semana e que merecem ser
dali por um tempo curto. O bebê percebe o tom de voz refletidas pelo grupo e as que merecem ser elogiadas.
e está se acostumando ao fato de que, quando a profes- A assembleia é um momento de aprendizado coletivo,
sora interrompe a sua atividade, é o momento da troca, de aprendizado de relações colaborativas, de desenvolvi-
da alimentação ou do sono. Enquanto prepara o bebê mento de uma atitude respeitosa: as crianças aprendem
para a alimentação, a professora fala com ele e o convida a manter um olhar crítico sobre as situações, aprendem
a participar. Um bebê que já engatinha se aproxima de- que podem ter um momento organizado para falar sobre
les e observa. Ela entende essa atitude do segundo bebê as coisas de que gostam e de que não gostam, aprendem
como uma iniciativa de comunicação e conversa com ele a expor seus pontos de vista, a ouvir a crítica do outro,
também: “Você também está com fome, João? Em segui- a refletir coletivamente, a pensar, a esperar a vez para
da vou alimentar você. Agora estou alimentando o seu falar, a perceber o ponto de vista do outro. Por isso, a
amigo, mas logo chegará a sua vez”. assembleia é um momento importante na promoção do
Na cena anterior, vimos uma possibilidade de escuta respeito às crianças como sujeitos de direitos. O papel
para além do oral. Isso também deve ser considerado em da(o) professora(or) no momento da assembleia não é
relação ao desfralde, pois tradicionalmente o adulto co- ditar regras ou dizer o que é certo ou errado, mas con-
meça a levar as crianças ao banheiro e deixá-las um tem- duzir a reflexão e o posicionamento do grupo, fazendo
po no vaso sanitário esperando que façam xixi ou cocô, boas perguntas, que levem o grupo a refletir e a tomar
e então elogia ou demonstra sua insatisfação com cada decisões. Como defendia Paulo Freire no conjunto de sua
criança. Assim, equivocadamente, vai condicionando a obra, a escola é o lugar onde fazemos boas perguntas,
criança a controlar seus esfíncteres antes mesmo que ela que provoquem as crianças a pensar e a refletir sobre os
tenha músculos para exercer esse controle ou mesmo a seus gostos e preferências: “O que vocês gostaram de
linguagem para avisar ou pedir ajuda. fazer hoje?”, “E gostaram por quê?”, “Do que vocês não
Em geral, as escolas fazem isso como desfralde coleti- gostaram?”, “E por quê?”, “O que vocês mais gostam de
vo. Diferentemente disso, a preocupação da abordagem fazer aqui?”. Perguntar permite também a reflexão sobre
Pikler-Lóczy é possibilitar que a própria criança tome a o que está sendo proposto, pois, quando fazemos boas
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iniciativa do desfralde a partir de seu amadurecimento perguntas, criamos condições para as crianças projeta-
físico e emocional, da maturidade de seus músculos e do rem o futuro da ação: “Vamos brincar lá fora?”, “Do que
sistema nervoso capaz de intencionalmente promover vocês gostariam de brincar?”, “O que podemos levar para
esse controle. E com essa visão respeitosa do tempo da brincar?”, “Como vamos levar tudo isso?”. Ainda: “Vamos
criança para alcançar esse controle, o processo de des- ler um livro lá fora?”, “Onde podemos nos sentar para
fralde acontece de modo tranquilo. Nessa abordagem, ler?”, “Precisamos levar alguma coisa para nossa ativida-
o adulto procura tornar a criança mais autônoma e par- de?”. Ainda de acordo com Paulo Freire, não podemos,
ticipativa nos cuidados de seu próprio corpo. Assim, a na relação com as crianças, ficar respondendo perguntas
retirada da fralda inicia- -se com o adulto falando em que ninguém fez. Por isso, em lugar de decidir, planejar
voz alta que vai ao banheiro fazer xixi e sempre faz isso. e organizar sozinha, a(o) professora(or) pode convidar

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sempre as crianças para participarem do planejamento Infantil deve acontecer assim como a convivência com
de uma atividade ou de um dia inteiro — e, inclusive, todas as outras 99 linguagens (Malaguzzi); todavia, não
avaliar o que fazem juntos. A escuta e o acolhimento sob a forma de treino mecanizado e descontextualizado.
como atitude permanente das(os) professoras(es) é a Ao contrário, a(o) professora(or) deve fazer uso diário
forma privilegiada de afeto com bebês e crianças, e tam- da leitura e escrita na presença de bebês e crianças possi-
bém com as suas famílias/responsáveis. A cena a seguir bilitando a sua convivência com o uso significativo da es-
fala da importância da interação e da participação diária crita — e, com isso, a percepção de sua função social. No
das crianças como fator de qualidade do trabalho na UE. caso específico da leitura de livros, é preciso considerar
as diferenças na abordagem quando se trata de bebês
Cena 11 e crianças maiores. Quando a(o) professora(or) intencio-
nalmente realiza o uso da escrita anotando falas e atos
Terminou o horário previsto para a chegada das crian- das crianças, planejando o dia com elas, escrevendo os
ças pela manhã; os familiares (que trazem as crianças até bilhetes na frente delas, fazendo anotações na agenda,
a sala de referência da turma) já trocaram informações anotando para não esquecer combinados, listando obras
com o professor e já se foram. As crianças da turma de lidas ou organizando o roteiro de uma excursão e lendo
quatro anos estão brincando em grupos ou individual- histórias e assuntos de interesse do grupo, possibilita aos
mente, explorando o material que está acessível na altura bebês e às crianças esse contato. Cabe, portanto, à UE
delas. O professor propõe guardar os materiais e fazer propiciar contextos de uso social da escrita e da leitu-
uma roda de conversa para combinar o dia de atividades. ra, que em hipótese nenhuma estão associados a colar
As crianças começam a guardar os materiais e o profes- letrinhas, recortar letrinhas, colorir letrinhas, recitar o al-
sor observa, incentiva e ajuda as crianças que ainda não fabeto, copiar diversas vezes a mesma letra/ palavra ou
aprenderam a fazer isso. qualquer proposição que não seja o uso social da língua.
O grupo se senta em roda, e ele abre a conversa: “O À medida que reconhecemos bebês e crianças como
que podemos fazer hoje? Tem alguma coisa que combi- sujeitos de direitos e que o papel da educação é pos-
namos ontem?” As crianças começam a se lembrar do sibilitar que desenvolvam e mantenham a sua inteli-
que ficou combinado no dia anterior e passam, em con- gência curiosa e a sua personalidade solidária, ou seja,
junto (professor e crianças), a planejar o dia. O educa- constituam-se cidadãos e criadores, passamos a buscar
dor vai escrevendo o que vai sendo negociado no grupo novas formas de nos relacionar com eles, e cabe à UE
(considerando o tempo que passam na UE, o clima, o propor novas experiências em ambientes organizados, a
material disponível). “O que vamos fazer primeiro? E de- fim de provocar sua vontade de saber, sua curiosidade,
pois?” Ao final, o grupo tem um plano que é escrito pelo seu interesse na exploração e na descoberta do mundo.
professor: área externa, fazer os personagens da história Na interação entre adultos e bebês e crianças, e entre
de ontem para montar um teatro na semana que vem, as próprias crianças — inclusive na relação das famílias/
tempo livre na sala, roda final e almoço. Nesse sentido, responsáveis que se observa na UE —, é preciso um olhar
não apenas as crianças e os bebês são protagonistas: os atento aos estereótipos de gênero na divisão entre brin-
adultos também o são. Eles organizam as condições ade- quedos e cores, e nas brincadeiras para bebês e crianças.
quadas para promover o protagonismo dos bebês e das Num mundo em que as mulheres assumem trabalhos na
crianças: intencionalmente organizam os espaços — des- construção civil, dirigem táxis e caminhões, são médicas,
de o banheiro até o refeitório — para promover a ativi- astronautas e chefes de família, enquanto os homens são
dade interessada de bebês e crianças, orientam o uso do cozinheiros, ajudantes de limpeza, cabelereiros, profes-
tempo e estabelecem relações com bebês e crianças e sores em CEIs, pais e mães de crianças, não podemos
entre eles, de modo a favorecer a exploração, a curiosi- dividir as atividades humanas e os objetos entre coisas
dade e a descoberta das pessoas e do mundo ao redor. de meninas e coisas de meninos. O cuidado da(o) profes-
Como afirma o Currículo Integrador da Infância Pau- sora(or) com os estereótipos de gênero que as crianças
listana (SÃO PAULO, 2015a), educadoras(es) são “respon- expressam é o tema da cena que segue.
sáveis pela organização da vida de bebês e crianças nas
UEs de modo a provocar sua formação como cidadãos Cena 12
de direitos”, por isso são responsáveis por repensar os
espaços, os materiais e os seus usos tradicionalmente A professora das crianças de cinco anos percebeu
presentes na escola. Quando descobrimos que bebês e que Henri estava sendo barrado na brincadeira de casi-
crianças são potentes e capazes de aprender como sujei- nha pelas duas meninas que brincavam. Ele pediu ajuda à
tos ativos e criadores, passamos a questionar as formas e professora, e ela foi conversar com as meninas. Elas argu-
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atitudes que orientaram a organização do trabalho esco- mentaram que brincar de casinha era coisa de meninas. A
lar ao longo da história. Por que as crianças precisam fa- professora perguntou se na casa delas não tinha pai, avô
zer ou andar em filas? Por que precisam executar as mes- ou irmão, e a resposta foi sim. Ela perguntou, então, por
mas tarefas ao mesmo tempo? Porque precisam fazer que Henri não poderia assumir um desses papéis na brin-
desenhos iguais? Por que precisam dançar todos iguais? cadeira. As meninas se entreolharam e decidiram aceitar
Por que, numa música que propõe expressões corporais, Henri na brincadeira no papel de pai. Poucos minutos
todos precisam fazer os mesmos gestos? Se o desenho, depois, no entanto, as meninas vieram reclamar que não
a dança, os gestos e a fala são formas de expressão, o queriam mais brincar com Henri, pois ele tinha lavado a
que as crianças expressam quando repetem o que pro- louça, e isso era coisa de menina, e não de menino. (Na
pomos? A convivência com a cultura escrita na Educação brincadeira, havia uma bacia com água, sabão, pano de

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prato e objetos para serem lavados, e essa era a ativida- PAULO, 2015, p. 18). Deve estar organizado para evitar
de mais interessante da brincadeira! Por isso, as meninas as esperas e promover a atividade autônoma de bebês e
buscaram um argumento que consideraram forte para crianças. Além do espaço organizado na altura das crian-
afastar Henri). ças, o tempo também pode ser organizado para facilitar
Na hora da roda, a professora trouxe essa questão a ação das crianças quando adotamos, além da atividade
para ser discutida no grupo e pediu a opinião da turma. centralizada na(o) professora(or), também a atividade di-
Uma das crianças argumentou que o seu pai lavava louça versificada e um tempo para a atividade de livre escolha
em casa e que, portanto, isso não era coisa de menina. das crianças.
Todos concordaram. Na semana seguinte, em tom de
brincadeira, um pai veio “reclamar”, pois a notícia que Cena 13
havia chegado pela filha era de que ele era o “único pai
que não lavava louça em casa” e, com essa “bronca” da Na roda inicial da turma de cinco anos, a professora
filha, tinha passado a fazer isso. É papel das(os) educa- sugere que o tempo da turma na UE contemple nesse dia
doras(es) discutir as relações de gênero na UE, buscando uma atividade centralizada (que será dirigida e planejada
desconstruir imagens estereotipadas sobre o papel de pela professora), uma atividade diversificada (que será
cada um na sociedade: demonstrar que existem diferen- planejada tanto pelo grupo como por cada participante
ças biológicas entre os sexos, valorizando-as e mostran- da atividade) e uma atividade livre (em que cada criança
do que a diferença não deve gerar desigualdade. planeja o que vai fazer, escolhe os materiais e convida
A discussão sobre atitudes racistas, xenófobas, ma- quem ela quiser para fazer junto).
chistas, misóginas, homofóbicas entre outras formas de A professora avisa que a atividade dirigida por ela será
preconceito e desrespeito ao outro é parte importante um passeio no entorno da UE para coletar folhas e flores
do currículo da EI e deve ser considerada no planeja- secas, sementes, vagens, pedras pequenas e pequenos
mento das atividades, rodas de conversa, organização galhos que encontrarem pelo chão, de forma a ampliar
dos espaços e materiais, reuniões de responsáveis, for- o material natural da sala. Em seguida, passa a planejar
mação continuada das(os) educadoras(es) etc. Para isso, com o grupo a atividade diversificada. Em geral, essa ati-
prestamos muita atenção ao que dizemos e como nos vidade acontece em grupos menores, por livre adesão
comportamos frente às crianças. O modo como as(os) das crianças; por isso, a professora colhe do grupo as
professoras(es) e educadoras(es) se relacionam com be- propostas para garantir que todos participem em algum
bês e crianças também é fundamental, uma vez que se a dos cinco grupos que ela está propondo. “Que ativida-
criança se sente acolhida, se tem voz e vez na UE, vai for- des podemos propor hoje para fazermos em grupos?” As
mando uma autoestima positiva, torna-se curiosa frente crianças propõem uma mesa com material de desenho e
ao que ainda não conhece, sente-se à vontade para errar, pintura, uma mesa com jogos e uma mesa com argila. A
fazer perguntas, tentar descobrir por si mesma e pensar. professora propõe uma mesa com os materiais colhidos
Essa atitude favorece o seu desenvolvimento cultural. no passeio, para serem classificados e guardados, e uma
O modo de organização do espaço contribui tam- mesa com peças de montar. Combinam também que, ao
bém para o desenvolvimento da autoestima positiva, da final da atividade diversificada, os grupos vão comentar
curiosidade, da autonomia, da convivência, assim como para a turma toda o que fizeram e como foi. A professora
para o uso responsável do material e a sua organização também avisa que terão tempo para a atividade livre, que
pelas crianças (que, depois de usar livremente os mate- poderá ser feita dentro ou fora da sala. As crianças esco-
riais, aprendem, com nossa ajuda, a guardá-los de vol- lhem começar pela atividade livre fora da sala. Planejam,
ta). Essa é uma discussão que deve ser feita em conjunto então, o que vão levar para essa atividade: corda, bola,
com as famílias/responsáveis. Da mesma forma, é preciso giz e coisas para brincar de faz de conta.
organizar o tempo vivido na UE para proporcionar aos Esta cena mostra a estratégia utilizada por uma pro-
bebês e às crianças tempo necessário para viver as suas fessora na organização dos tempos e no planejamento
experiências cotidianas, valorizando as oportunidades de das atividades na UE. Ela cria estratégias para que ocor-
expressão, interações e brincadeiras. A atitude de com- ram diversas formas de interações das crianças, fator vital
partilhar com as crianças a gestão do tempo é funda- para a aprendizagem. As crianças se envolvem no pla-
mental para fazer da UE uma comunidade educativa. O nejamento do dia, sugerindo materiais a serem explora-
cérebro, em processo de expansão, precisa que a criança dos, local para a atividade livre e o tempo em que estas
esteja em atividade, com corpo, mente e desejo atuando atividades serão desenvolvidas. Ora a professora sugere
juntos. Por isso, impor tempos iguais à realização de ati- e dirige a atividade, ora as crianças decidem o que prefe-
vidades, gerando tempos de espera sem nada para fazer rem fazer e com quem desejam brincar.
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para algumas crianças, poderá causar desinteresse e per- É importante ressaltar que nas três situações a inten-
da da curiosidade que caracteriza a infância. cionalidade docente está presente: ao propor a atividade
Assim, evitar os tempos de espera em que bebês e dirigida para toda a turma, ao dividir com as crianças a
crianças ficam sem ter nada que explorar/experimentar/ organização da atividade diversificada e mesmo ao esti-
brincar é uma urgência na escola, conforme Padrões Bá- mular a autonomia e iniciativa das crianças na atividade
sicos de Qualidade na Educação Infantil Paulistana: “O livre. As experiências vividas nos espaços de EI devem
tempo não pode ser fragmentado. Deve ser fundamen- possibilitar aos bebês e às crianças a interação e reflexão
tado nos princípios de uma pedagogia que coloca os be- sobre o mundo que os cerca, sobre os elementos da na-
bês e crianças no centro do PPP, contemplando neces- tureza, sobre as relações com outras crianças e adultos,
sidades, desejos e participação no planejamento” (SÃO para que possam criar e testar suas hipóteses, construin-

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do, assim, suas aprendizagens. As experiências, vivências, derais e municipais de que a EI complementa a educação
saberes e interesses infantis são pontos de partida para familiar e em desacordo com os princípios que regem a
novos conhecimentos. A oferta de materiais e a organi- elaboração deste currículo. Compartilhar e complemen-
zação dos espaços traduzem a intencionalidade docente, tar o cuidado e a educação das crianças com as famílias/
enquanto o estímulo ao planejamento e à autonomia fa- responsáveis exige uma gestão participativa. A cena a se-
vorecem o protagonismo infantil. guir relata uma atitude de acolhimento.
A interação dos adultos com bebês e crianças en-
volve também os objetos, o conhecimento, a língua, as Cena 14
linguagens, os hábitos e os costumes. Algumas décadas
atrás, olhávamos apenas para o que faltava na criança, Quando recebi a ligação do CEI com a notícia de que
em comparação com os adultos, e não víamos as suas a vaga do meu filho de nove meses estava disponível,
positividades e o seu desenvolvimento. No entanto, pes- preocupei-me em como manter sua amamentação. Para
quisas mostram que elas são capazes, desde que nascem, mim, era fundamental que eu pudesse deixá-lo meio
de se relacionar com o mundo de pessoas, objetos, natu- período na Unidade e que eu pudesse amamentá-lo
reza e situações ao seu redor, atribuindo um valor a tudo no horário da oferta do leite. No momento da matrícu-
o que vivem — isto é, aprendendo. Hoje, quando pas- la, conversei com a coordenadora pedagógica, que me
samos a perceber bebês e crianças como seres poten- tranquilizou. Eu poderia ir à escola nos horários da ali-
tes, precisamos também repensar o que da cultura lhes mentação para amamentar. Houve até uma preocupação
apresentamos. Como afirma Vygotsky (2010), na escola sobre a minha preferência por local para a mamada. Foi
apresentamos para as crianças a cultura mais elaborada, oferecida a sala da coordenação, mas preferi usar o espa-
pois, assim, elas constituem para si um sentido estético ço da entrada da escola. Na sala do meu filho, há outras
apurado e podem usufruir de tudo o que foi criado ao mães que seguem amamentando seus filhos de mais de
longo da história humana. Precisamos avançar em rela- um ano, e acredito que a naturalidade com que a ama-
ção ao que os bebês e as crianças veem na TV (dados mentação é tratada por lá ajuda na manutenção desse
do IBGE indicam que 99% dos lares brasileiros possuem vínculo tão importante entre mãe e bebê.
aparelhos de TV). O relato da mãe nos mostra um modo refletido de
Se o nosso objetivo como espaço educacional, diver- fazer a acolhida das crianças e das famílias/responsáveis
so do ambiente domiciliar, é apresentar aquilo que be- na UE. A equipe gestora compreende que acolher uma
bês e crianças não conhecem, a fim de ampliar as suas criança significa também acolher a sua família/respon-
experiências estéticas, não há sentido em reproduzir a sáveis. Acolher responde a uma importante característi-
programação de seus lares. Logo, não é adequado existir ca dessa etapa educativa: aprender a construir relações
um aparelho de TV para cada turma e, quando houver interpessoais e vínculos. Acolher pressupõe aprender a
um aparelho de TV na UE, este não deve ser usado como conhecer cada criança em seu mundo pessoal e suas ex-
recurso para preencher tempos de espera. As UEs que periências prévias. A partir dessa diversidade de vidas,
possuem mais de um aparelho devem planejar a mudan- pode-se constituir um grupo que aprenda a conviver em
ça dessa realidade. Afinal, é má utilização do dinheiro pú- um espaço social em que o acolhimento seja realizado
blico destinar as verbas endereçadas à UE para aquisição pelos adultos e se estabeleça entre as crianças. Conside-
de um aparelho para cada sala. rando a linguagem de relação com o mundo dos bebês
A TV pode ser usada, preferencialmente, para apre- — o bebê é corpo, sensações e emoções — toda ação de
sentar as produções culturais do território (a que, muitas cuidado é em sua essência uma ação educativa. Assim, o
vezes, por serem pequenas, as crianças não têm acesso), ato de cuidar transcende as ações relacionadas à higiene,
as produções culturais de qualidade (isto é, as não co- à alimentação, à saúde, e está presente na brincadeira e
merciais) feitas para bebês e crianças e a produção cultu- nas investigações realizadas com as crianças. Da mesma
ral em geral que não aparece nos canais de TV populares, forma, todo ato educativo exige atenção, cuidado e gen-
que não pensam em seu público como cidadãos de di- tileza.
reitos. É importante lembrar que equipamentos e recur- Os adultos, para bem acolherem bebês, crianças e fa-
sos digitais se incluem no conjunto de objetos que hoje miliares, devem também se sentir acolhidos em suas ins-
apresentamos às crianças. Estes proporcionam situações tituições. O acolhimento é um princípio, mas é também
e contextos nos quais elas possam exercitar a criatividade um método de trabalho que dará outro valor às ações
e o senso de curiosidade e investigação, promovendo a pedagógicas da UE; está vinculado a um modo de ser
sua autoria e o seu protagonismo. Outra fonte primordial adulto com as crianças e à construção de uma perspec-
de interação de bebês e crianças é com suas famílias/ tiva intencional de trabalho. O acolhimento como modo
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responsáveis. Por isso, a interação com as famílias/res- de ser do adulto se expressa na capacidade de confiar e
ponsáveis deve ocupar um lugar de destaque no projeto de respeitar as crianças, educando-as nas diferentes si-
pedagógico da UE: conversar com família/responsáveis tuações vividas na UE e com proposições desafiadoras a
sobre o trabalho realizado ajuda a dar continuidade ao partir das produções das crianças — e não transferindo
acolhimento que se faz na UE, à medida que as (os) pro- conteúdos e dando ordens. Segundo Stacciolli, o acolhi-
fessoras (es) compartilham os princípios e as concepções mento como método apoia o adulto na construção de
que regem o PPP. Para isso, os familiares não param no uma escuta acolhedora das expressões infantis “escutan-
portão, mas entram no espaço interno da UE para deixar do” e “lendo” os sinais que as crianças dão e indicando
bebês e crianças. Quando barramos os responsáveis no para elas formas de enriquecer as experiências.
portão, estamos em desacordo com as proposições fe-

29
Essa “leitura” se faz observando e interpretando o seu própria vontade (ou seja, aprendendo a se comportar
choro, a rigidez ou o relaxamento de seu tônus muscular, dentro de certas regras), aprendendo a projetar ações no
seus medos, suas alegrias, suas angústias, suas emoções, futuro e aprendendo a função simbólica (esse fazer de
seus afetos, seus movimentos, seus interesses, suas ini- conta que é outra pessoa, ou que um objeto representa
ciativas e seu pensamento. outra coisa que não o próprio objeto) —, é um processo
Chokler fala da importância da atitude segura do provocador da formação e do desenvolvimento dessas
adulto na relação com o bebê: Um Eu consistente e orga- capacidades sofisticadas. Em primeiro lugar, a criança
nizado do adulto, sua força, sua segurança, sua inteireza, precisa se lembrar de como a princesa se caracteriza
sua capacidade de pensar, de fantasiar, de imaginar, de (como fala, o que fala, como se comporta...), e isso requer
criar, de sustentar e respeitar o corpo-pessoa do outro dela o exercício da atenção, da observação, da memória.
pequeno, é ele que pode acolher sua fragilidade, desor- Em seguida, ela precisa de objetos para representar a
ganização, ansiedade e a fragmentação. É o adulto que princesa. Se tiver a imagem de uma princesa de um filme
dialoga com o bebê como a um interlocutor, aquele que comercial, os objetos serão um vestido rodado, uma co-
pode transmitir- -lhe a linguagem. É o adulto consciente roa, um trono; se a imagem for de uma princesa africana,
de sua história o que pode transmitir-lhe a cultura. Um os objetos serão colares, pulseiras, um turbante com pe-
adulto capaz de instaurar o espaço intersubjetivo, pessoa dras brilhantes e roupas coloridas, por exemplo. Na falta
a pessoa, no qual pode germinar a maravilha do diálogo de uma coroa, um vestido rodado, colares, pulseiras, um
— a princípio essencialmente corporal — do brincar à turbante com pedras preciosas, a criança lançará mão de
aprendizagem. (CHOKLER, 2017, p. 32) objetos substitutos, “fazendo de conta” que são os itens
necessários: uma tiara vira uma coroa, uma camiseta
A BRINCADEIRA COMO EXPERIÊNCIA DE CULTURA grande vira um vestido, um cinto enrolado no braço vira
pulseiras, uma tira de pano vira colares.
Falamos de brincadeira para nos referirmos a diferen- Para uma criança menor, essa substituição é difícil,
tes ações das crianças que envolvem o lúdico e, por isso, pois ela não separa o objeto da sua função, mas uma
privilegiam o processo, e não um resultado visível. Um criança um pouco maior começa a atribuir um significado
bebê brincando com suas mãos ou seus pés, exploran- de “faz de conta” ao objeto, ou seja, ela temporariamente
do objetos que colocamos ao seu redor; uma criança um suspende a sua função e lhe atribui outra. Nesse caso,
pouco maior transportando água com uma latinha para a ação da criança não se estrutura sobre o objeto (um
molhar a terra e fazer uma estradinha para passar com pano ou uma tiara), mas sobre uma ideia (isto é, sobre o
um carrinho; uma criança maior fazendo circular um pe- que esse objeto passa a significar). A relação da criança
queno caminhão e se colocando no lugar do motorista com a realidade muda: o significado (a ideia) predomina
que entrega produtos de casa em casa; crianças em tor- sobre o objeto e o pensamento passa a ser totalmente
no de um jogo de mesa ou correndo pelo pátio: seja qual livre da situação real. Com isso, a criança vai criando as
for a brincadeira, as crianças estão sempre aprendendo bases para o pensamento abstrato exigido pelos proces-
quem elas são, como as coisas funcionam, estão perce- sos de aprendizagem da linguagem escrita e da mate-
bendo o mundo ao redor e formando uma memória do mática, que vão acontecer mais tarde. Ao se colocar no
que fazem e aprendem. lugar do outro, deve fazer como o outro. Esse outro é,
Podemos falar, por exemplo, de brincadeiras de mo- de modo geral, um adulto, e para fazer de conta que é o
vimento (os jogos como esconde-esconde, pular corda), personagem adulto, a criança abre mão de sua vontade
de brincadeiras tradicionais (roda, passa anel), as que en- imediata para fazer como o personagem faz, de acordo
volvem a fala (parlendas, trava-línguas), as brincadeiras com seu estereótipo. Desse modo, exercita a separação
de faz de conta (quando as crianças exploram objetos entre o “eu quero” e o “eu devo”: enquanto está fazendo
imitando ações dos adultos — um carrinho ou mesmo de conta que é a princesa, não deve brigar, nem correr
um toco de madeira que as crianças manipulam como atrás de ninguém ou gritar.
se estivessem se deslocando numa estrada e buzinando), De um modo geral, as regras dos jogos são impostas
as brincadeiras de papéis sociais (em que as crianças, ao às crianças: antes de iniciar-se o jogo, as regras são avi-
fazerem de conta, transformam toquinhos de madeira sadas. No caso da brincadeira de papéis, esse movimento
em carrinhos e também se colocam no lugar de outros: é diferente: a criança precisa seguir as regras que o papel
princesa, bombeiro, cabeleireiro etc.). adotado impõe e há um acordo — mesmo que não dito
Brincar possibilita às crianças diversas e variadas pos- em voz alta — no grupo que brinca junto sobre como
sibilidades de ação, compreensão, interpretação e cria- os personagens se comportam: “professora faz assim”,
ção. No brincar, as coisas podem se tornar outras coisas, “cinderela faz assim”, “mãe com bebê age assim” e as
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o mundo pode virar de ponta-cabeça. Isso permite às regras precisam ser respeitadas como condição para que
crianças se descolar da realidade imediata e viajar por a brincadeira aconteça.
outros tempos e lugares, criar ações e interações, ser Assim, as crianças aprendem a seguir regras e com-
muitos e outros: cachorro, leão, cavalo, fada, princesa, binados por prazer. Também aprendem a conviver com
guerreira, bruxo, super-herói, mãe, pai, bebê, médica, as outras crianças: aprendem que as outras também têm
professor. ideias e propostas, e vão aprendendo a respeitá-las. A
Esse processo de colocar-se no lugar do outro pode brincadeira de papéis também cria uma zona de desen-
parecer simples para os adultos, mas para as crianças — volvimento próximo para as crianças, pois como diz Vy-
que estão formando funções como a memória, a fala, o gotsky (2008), na brincadeira a criança sempre age como
pensamento, a imaginação, aprendendo a controlar a se fosse mais velha, tem atitudes que estão para além da

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sua média de idade. Este é um aprendizado importante Nessa situação, o argumento da brincadeira pode ser
para a autodisciplina, que se aprende naturalmente ao ampliado com uma ação da(o) professora(or) que cria
brincar — e não pela imposição do adulto. O planeja- um problema: não encontra o produto que busca e vai ao
mento da brincadeira vai exigir a imaginação (“Vamos caixa comunicar a falta do produto e pergunta se alguém
fazer de conta que aqui tem um rio”), vai exigir a solução pode ir ao depósito para ver se lá tem o produto faltante
de problemas que surgirão (“não tem um vestido de prin- na prateleira. Com isso, a(o) professora(or) amplia o ar-
cesa, como vamos fazer?”), requer planejamento (“quem gumento da brincadeira e pode fazer isso de forma mais
vai ser o pai?”, “quem vai ser a mãe?”, “onde vai ser o estendida: considerar o produto caro, pedir desconto,
palácio?”), enfim, requer a combinação de linguagem, negociar a compra de mais de um por um preço me-
pensamento, imaginação, memória. O brincar é uma ati- nor, querer levar apenas metade do produto, enfim, fazer
vidade plena que envolve corpo, mente e emoções. Por com que as crianças tenham novos elementos na trama
isso, na brincadeira de papéis sociais, a(o) professora(or) para resolver e envolvam mais crianças na brincadeira.
tem uma atuação essencial: além de garantir um tempo Isso torna a brincadeira mais complexa: mais combina-
livre para que as crianças realizem seu faz de conta, a(o) dos, mais planejamento, mais ações para articular, mais
professora(or) é responsável por promover a ampliação papéis na brincadeira. Como afirma o Currículo Integra-
dos temas da brincadeira. O que isso significa? Os temas dor da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), “brin-
da brincadeira com papéis sociais são as relações sociais. car é uma linguagem de expressão por meio da qual as
A criança brinca de faz de conta a partir das relações crianças aprendem e expressam o que aprendem sobre o
sociais que ela conhece: brinca de casinha tematizando mundo das coisas e das relações humanas, constroem e
as relações e os papéis sociais na família/responsáveis, transformam sua personalidade e sua inteligência” (SÃO
brinca de escola, de cabeleireira. Quando a(o) professo- PAULO, 2015, p. 60). No brincar, as crianças expressam
ra(or) amplia o conhecimento das atividades humanas e comunicam suas experiências, reelaboram-nas, reco-
pelas crianças, amplia os temas das brincadeiras: depois nhecendo-se como sujeitos pertencentes a determinado
de conhecer uma oficina mecânica, as pessoas e suas grupo social e a um contexto cultural. Por meio das brin-
atividades, as crianças terão um tema novo para suas cadeiras, aprendem sobre si mesmas, sobre os homens
brincadeiras; depois de observar as atividades numa loja, e as mulheres e as suas relações com o mundo, sobre
num supermercado, numa frutaria (o que fazem os fun- os objetos e os significados culturais do meio em que
cionários, os clientes, o dono), as crianças podem temati- vivem.
zar essas atividades. Da mesma forma, a(o) professora(or) Nesse sentido, brincar é uma experiência por meio
provoca a brincadeira de papéis sociais quando amplia o da qual os valores, os conhecimentos, as habilidades e
material disponível na UE para uso das crianças. as formas de participação social são constituídos com a
Um exemplo disso aconteceu quando a professora da ação coletiva das crianças. As UEs dirigidas aos bebês e
turma de três anos (Mini Grupo I) organizou o espaço e às crianças têm responsabilidade com a defesa da infân-
os materiais como uma espreguiçadeira (fazendo as ve-
cia. Como espaços culturais são ambientes de preserva-
zes de uma cadeira de dentista), caixinhas e mangueiras
ção das culturas de brinquedos e brincadeiras.
que remetem a instrumentos dentários. Uma das me-
Em “Os brinquedos e as brincadeiras na creche”,
ninas, utilizando termos e atitudes próprias aos profis-
Kishimoto (2010) lista as condições para acontecer o
sionais da área da saúde bucal, diz para outra criança:
brincar: aceitação do brincar como um direito da criança;
“Abre bem a boca. Vou te examinar. Você está com dente
compreensão da importância do brincar para a criança,
doendo?”. Coloca um “objeto” na boca do amigo como
vista como um ser que precisa de atenção e carinho, que
se fosse para fazer a obturação. O paciente atende aos
comandos enquanto outras crianças observam e espe- tem iniciativas, saberes, interesses e necessidades; cria-
ram para ser atendidas. ção de ambientes educativos especialmente planejados,
É atribuição da(o) professora(or), ainda, acompanhar que ofereçam oportunidades de qualidade para brinca-
as brincadeiras de papéis para observar as relações, valo- deiras e interações, e o desenvolvimento da dimensão
res e sentimentos expressos pelas crianças na brincadeira brincalhona da professora. Como geração adulta, temos
de papéis. Muitas vezes, as crianças expressam precon- o compromisso com a manutenção, propagação e difu-
ceitos que vão aprendendo nas situações vividas dentro são das brincadeiras. Se, por muito tempo, as brincadei-
e fora da UE, e cabe à (ao) professora(or) conversar sobre ras eram transmitidas pelas gerações de crianças mais
isso com o grupo, ouvir o que as crianças pensam e trazer velhas aos bebês e às crianças mais jovens, atualmente a
argumentos sob a forma de boas perguntas que levem segregação etária das escolas diminui os espaços de tro-
as crianças a refletir sobre isso. O adulto pode aceitar cas. Esse é um importante alerta para incentivarmos os
espaços multietários e para propostas que estabeleçam
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um convite das crianças para entrar na brincadeira, quan-


do as crianças oferecem uma “comidinha”, por exemplo. encontros entre crianças da Educação Infantil e do Ensino
Mas pode também, como fazem as crianças, observar a Fundamental, entre crianças e seus avós, entre crianças e
cena que está acontecendo e encontrar um lugar para se os grupos culturais dos territórios. A brincadeira também
inserir na brincadeira assumindo um personagem. é um lugar da diversidade: todos podem brincar, cada um
Nesse caso, a(o) professora(or) pode entrar na ativi- com suas possibilidades, pois não há um produto único
dade para ampliar o argumento da brincadeira de papéis. ou correto na brincadeira. Diferentes tradições culturais
Um exemplo disso acontece quando as crianças repetem têm modos de brincar que desenvolvem conhecimento
sempre as mesmas ações e elas terminam rapidamente: de si, do mundo e de narrativas.
as crianças brincam de supermercado e a única ação que
acontece é escolher um produto e passar no caixa.

31
A brincadeira e as culturas infantis cebendo e cobrando a passagem e anunciando: “Metrô
Itaquera”! As crianças aprendem a brincar e a interpretar
Os bebês e as crianças não são sujeitos passivos, que a partir de um conjunto de vivências e referências e, por
apenas incorporam a cultura adulta e vivem em um mun- meio das brincadeiras que fazem parte do seu cotidiano,
do à parte. Ao contrário, crescem e se constituem como criam seus valores e costumes.
sujeitos nas relações sociais, ou seja, constituem as suas Assim, as gerações transformam as brincadeiras
identidades como crianças e como membros desses gru- transmitidas ao longo do tempo, simultaneamente crian-
pos sociais, criando as suas culturas infantis, que são to- do as suas próprias e modificando as regras e as formas
das as manifestações que bebês e crianças da Educação de jogar. Dessa forma, a criança constrói sua própria cul-
Infantil e do Ensino Fundamental expressam com as dife- tura lúdica (BROUGÈRE, 2008; 1998). Assim, a criança se
rentes linguagens. Assim, entende-se que é fundamental utiliza do brinquedo, de objetos e da brincadeira para co-
considerar bebês, crianças e suas culturas infantis como nhecer o mundo que a cerca, constituindo a imaginação
fonte de conhecimento, transformação e qualificação da e o pensamento abstrato. A falta de recursos para utilizar
ação educativa para professoras(es). na brincadeira (brinquedos e materiais de largo alcan-
Dessa forma: As potencialidades de bebês e crianças ce) empobrece a experiência da criança. Por isso, quanto
se manifestam diariamente nas formas de expressão [as mais materiais e recursos disponibilizarmos para as crian-
culturas infantis] construídas por bebês e crianças nos ças empregarem no universo da brincadeira, maior será
diferentes cenários da cidade. Nesse sentido, bebês e a possibilidade para criar a partir desses objetos. Quando
crianças não são apenas reprodutores da cultura cons- observamos as crianças brincando livremente com ma-
truída pelos adultos, mas também autores de formas terial disponível e, muitas vezes, mesmo sem material,
próprias de expressão que manifestam de forma autoral percebemos que as crianças pequenas são atores sociais
e criativa sua forma de ver, estar e entender o mundo. capazes de agir, participar, argumentar, criar, significar,
(SÃO PAULO, 2015a, p. 11). escolher e aprender a partir das interações com as pes-
William Corsaro (2009a, 2009b) estuda as relações soas e com os mundos sociais que as rodeiam, produzin-
entre crianças que passam algum tempo juntas con- do a cultura infantil.
versando, compartilhando objetos, movimentos, ritmos,
brincadeiras. Nesse tempo, compreendem as formas de A brincadeira nas práticas cotidianas
ser do mundo adulto, as relações de poder, as diferenças
entre gênero e classe, os papéis sociais, etc. Para esse Também para as Diretrizes Curriculares Nacionais
autor, as crianças não são aprendizes passivos da cultura para a Educação Infantil (BRASIL, 2010a), as crianças são
à sua volta, mas sujeitos ativos que se apropriam das ro- sujeitos históricos e de direitos, que interagem, brincam,
tinas culturais oferecidas, reinterpretando-as. São capa- imaginam, fantasiam, desejam, aprendem, observam, ex-
zes de produzir as suas próprias culturas, recebendo-as perimentam, narram, questionam e constroem sentidos
dos adultos, apropriando-se delas e modificando-as, ou sobre a natureza e a sociedade. E fazem isso a partir de
seja, elas não criam uma imitação do mundo adulto, mas suas ações com os objetos, na relação com os outros,
fazem uma apreensão criativa. Manoel Sarmento destaca quando se relacionam com a natureza ao ar livre, nos
a agência das crianças na elaboração de suas culturas in- momentos de cuidado, quando convivem com o patri-
fantis. O autor (2004, 2005) aponta a dificuldade que os mônio cultural — com os hábitos e costumes, com as lin-
adultos têm para escutar as vozes individuais e coletivas guagens, com a língua materna, com os conhecimentos
das crianças, e, também, a importância de compreender- acumulados, enfim, com a ciência e a arte.
mos os significados e os conhecimentos que se cons- À medida que as crianças ampliam o seu repertório
troem por meio da ação autônoma das crianças quando de experiências, conseguem criar novas formas de repre-
atribuem significado às ações e aos objetos e produzem sentar a realidade em suas brincadeiras. Quando, pouco
um conjunto de ideias, valores, rotinas e artefatos. Consi- a pouco, as crianças passam a dividir um mesmo espaço
dera as crianças, portanto, sujeitos competentes e capa- de brincadeiras, começam a estabelecer parcerias. Isso
zes de formular interpretações da sociedade, dos outros nem sempre se dá de modo tranquilo. Muitas vezes apa-
e de si próprias, da natureza, dos pensamentos e dos recem os conflitos e as disputas pelos brinquedos. O pro-
sentimentos. A cena a seguir ilustra como o espaço da cesso de negociação e interação que daí nasce reforça
brincadeira é fértil para que as crianças expressem o que a brincadeira como espaço de aprendizado, e a(o) pro-
percebem do cotidiano. fessora(or) precisa considerar se e como deve intervir de
modo a possibilitar que as crianças percebam a situação
Cena 15 e proponham alguma alternativa de convivência.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

A comunicação é papel fundamental para as brinca-


A professora do Mini Grupo II estava com a turma no deiras: a designação de papéis, a definição dos espaços
parque, quando Davi, de três anos de idade, dirigiu-se a da brincadeira, o estabelecimento das regras e combi-
um brinquedo e em seguida voltou e lhe disse: “Profes- nados, até os diálogos que se desenvolvem na ação do
sora, ali é a perua e eu vou dirigir”. Chamou-a para entrar brincar. Partindo da compreensão de que são múltiplas
e em seguida entregou-lhe umas sementes que serviriam as linguagens, a criança tem um amplo campo de formas
de dinheiro e falou: “Agora você paga, professora”. A de expressão possíveis, e o fato de não ter ainda adqui-
brincadeira continuou por um bom tempo. Davi seguia o rido a linguagem oral não quer dizer que ela não tenha
trajeto com direito a paradas, atendendo aos sinais para linguagem.
entrada e saída dos passageiros (as outras crianças) re-

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O documento Subsídios para Diretrizes Curriculares Qual é o papel da professora(or) em relação a en-
Nacionais Específicas da Educação Básica (2010b) aponta volver as crianças na brincadeira, incluindo aquelas que
a linguagem e a brincadeira como elementos articulado- apresentem alguma deficiência, TGD e precocidade/ altas
res entre os saberes que as crianças trazem e constroem habilidades? É preciso oportunizar que todas as crianças
e os conhecimentos social e historicamente acumulados. participem da experiência lúdica e, se preciso for, mudar
Compete às(aos) professoras(es) proporcionar às crian- a rotina, de modo a propiciar a participação e inclusão
ças experiências com a linguagem considerando que a de todos. As(os) professoras(es) têm ainda a tarefa de fa-
brincadeira como experiência de cultura e forma privile- zer tentativas e gradativamente ir oferecendo experiên-
giada de expressão da criança deve ser oportunizada em cias que as crianças gostem; possibilitar que as crianças
situações espontâneas e planejadas, com e sem a inter- possam escolher vivências (oferecendo possibilidades de
venção dos adultos (BRASIL, 2010b, p. 24). Qual o papel escolha); encorajar, sempre que possível, que as próprias
das(os) professoras(es) em relação ao brincar nas UEs? crianças convidem as que não se sentem incluídas a par-
Valorizar o brincar não é apenas garantir que a brinca- ticipar das brincadeiras.
deira aconteça durante a rotina. A(o) professora(or) pre- O olhar atento da(o) professora(or) é fundamental no
cisa ter o olhar atento, buscando motivar brincadeiras, acompanhamento da brincadeira, ainda que sem interfe-
planejando e organizando de modo que sejam convida- rir, a não ser quando solicitada ou para ampliar e desafiar
tivas, atendendo às necessidades dos bebês e crianças. seu desenvolvimento. Na cena que segue, a presença da
O lugar da(o) professora(or) varia frente aos diferentes professora foi essencial.
tipos de brincadeira, e em todos eles é protagonista.
No caso das brincadeiras de movimento, das brin- Cena 16
cadeiras tradicionais e das que envolvem a fala, por
exemplo, a(o) professora(or) atua de forma mais direta, Durante a brincadeira livre, Felipe (de 4 anos) pede a
apresentando as brincadeiras, convidando as famílias/ seu colega Caio que lhe empreste o baldinho vermelho.
responsáveis e pessoas da comunidade para ensinar Caio diz que não está com o vermelho. Felipe insiste até
na UE brincadeiras tradicionais, promovendo a troca de que solicita ajuda da professora. Esta diz a Felipe que o
brincadeiras conhecidas entre as crianças da turma e en- baldinho de Caio é verde. Felipe olha confuso e reforça: “É
tre crianças de diferentes idades da UE. É dessa forma vermelho”! Ana Clara aproxima-se e entrega a Felipe um
que as crianças passam a conhecer brincadeiras de ou- baldinho vermelho, mas Felipe responde: “Esse é preto,
tros tempos e de outros lugares. E, ao conhecer essas não vermelho”! A professora ouve com estranhamento e
brincadeiras, vão também conhecendo sobre outras cul- diz que não é preto, e sim vermelho, ao mesmo tempo
turas, outros lugares e outros tempos. em que recorda de outros momentos em que Felipe con-
Saber que as crianças brincavam na rua à noite num fundiu-se no uso das cores. No final do período, recorre
tempo em que não havia televisão ou que as crianças aos registros realizados sobre as atividades desenvolvi-
na África têm brincadeiras parecidas com as de crianças das pela turma e nota que não havia sido a primeira vez
brasileiras ensina algo mais que a própria brincadeira. É em que Felipe havia se confundido. Em conversa com os
importante lembrar que, ao promover oportunidades de pais, a professora tenta compreender quais outras cores
interações e brincadeiras, a(o) professora(or) realiza um Felipe não reconhece. Surpreende-se ao saber que essa
trabalho pedagógico que é fundamental para o desen- é uma preocupação recorrente dos pais. Encaminhado
volvimento integral das crianças. Com as brincadeiras, as ao oftalmologista, confirma-se a suspeita da professora:
crianças exercitam e formam uma percepção cada vez Felipe é daltônico, com dificuldade em distinguir verde/
mais aguçada das coisas (formas, cores, tamanhos, tex- vermelho.
turas, volume, peso, etc.), vão formando uma memória, Os espaços de Educação Infantil são em sua gran-
descobrem possibilidades de exploração dos objetos, de maioria muito coloridos, assim como os mobiliários
encontram soluções para problemas que aparecem na e brinquedos. Para uma criança que confunde as cores,
brincadeira, vão formando uma imagem de si. algumas brincadeiras ou o uso de materiais coloridos po-
Ao brincar com outras crianças nos jogos, nas brin- dem causar desconfortos. O olhar atento da professora,
cadeiras de movimento, nas brincadeiras tradicionais, aliado aos registros das atividades propostas, é determi-
as crianças ampliam seu vocabulário, trocam experiên- nante para o encaminhamento ao profissional compe-
cias com seus pares, aprendem regras de convivência e tente para o diagnóstico. Assim como o daltonismo, a
também as dos jogos, aprendem a esperar sua vez para baixa visão ou perda auditiva necessitam de atenção dos
jogar e a respeitar a vez dos colegas. Todas essas novas profissionais. Identificar as especificidades de cada crian-
experiências despertam a curiosidade das crianças: um ça proporciona maior possibilidade de planejar ativida-
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jogo africano, uma brincadeira indígena, uma cantiga da des significativas, favorecendo a exploração de mundo
infância dos seus pais ou avós, um brinquedo feito por de maneira compatível com suas possibilidades e per-
uma pessoa mais velha da comunidade, um jeito de brin- cepções, em interação com as pessoas ao seu redor e
car proveniente de outro país. Com tudo isso, as crian- com os objetos existentes.
ças vão descobrindo a história, percebendo a passagem Brincar é um meio privilegiado de inclusão das crian-
do tempo, descobrindo a existência de outros lugares e ças com ou sem deficiência, de diferentes classes sociais,
outras culturas. Pesquisar juntos sobre brincadeiras de etnias e gênero. Ao brincar, aprende-se a incluir, a não
crianças de outros lugares ou sobre a origem das coisas discriminar, a não excluir, desde que na própria brinca-
ajuda a colocá-las em contato com mapas e com a noção deira seja respeitado o tempo de cada um, bem como o
de tempo e de espaço. conhecimento de cada criança participante. Além disso,

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é importante que seja combinada entre os participantes as crianças e uma observação mais atenta das ações, in-
a melhor forma de tornar a brincadeira inclusiva, ou seja, terações e reações, para realizar os registros. Ao registrar
uma brincadeira em que todos possam participar. por escrito, filmar e gravar, a(o) professora(or) poderá
Conhecendo a criança com deficiência ou transtornos — sozinha, mas também junto com as crianças, com ou-
de desenvolvimento, a(o) professora(or) pode favorecer tras(os) educadoras(es) e com a equipe gestora — pro-
acesso adequado aos materiais e espaços, com o apoio blematizar as escolhas feitas e as soluções encontradas.
de instâncias e órgãos competentes da Diretoria Regio- Nas situações de disputas por brinquedos e brincadeiras,
nal de Educação (DRE). O papel da(o) professora(o) é eli- pode refletir sobre como lidar com as expectativas e frus-
minar as barreiras que possam impedir a participação de trações das crianças, e inclusive sobre o seu papel como
todas as crianças no grupo, além de buscar apoio para parceira(o) da brincadeira, participando, respeitando as
encontrar formas para que elas consigam participar e regras e contribuindo com elementos que possam enri-
brincar com as outras crianças. Para que isso aconteça, quecê-la.
é necessário que a(o) professora(or) procure entender É fundamental que a atuação da(o) professora(or) vá
o brincar como expressão legítima e única da infância, além da observação e da oferta de tempo, de brinquedos
como um modo de ser, viver e estar no mundo. A cena a e objetos, de experiências de conhecimento das ativida-
seguir ajuda a pensar a esse respeito. des humanas. As(os) professoras(es) devem participar do
brincar, não para decidir quem brinca com quem, nem
Cena 17 com o que, nem para apartar brigas e conflitos, mas sim
para incentivar a atividade mental, social e psicomotora
A professora trabalha com um grupo de trinta crian- das crianças, com questionamentos, problematizações e
ças de quatro anos. Quando chegam, as crianças pen- sugestões de encaminhamentos.
duram a mochila nos ganchos do corredor e entram na No caso da brincadeira de papéis, podem ser ações
sala. Ela organiza, a cada semana, diferentes materiais em que promovam o enriquecimento da trama da brinca-
cantos da sala para que as crianças possam explorar, nes- deira. De acordo com Moyles (2006), compete às(aos)
professoras(es) identificar situações potencialmente lú-
se momento, livros, materiais de largo alcance, diferentes
dicas, apoiando as crianças em sua aprendizagem e no
papéis, pincéis, canetinhas, tesouras, cola e brinquedos
seu desenvolvimento. De acordo com o Currículo Inte-
para construção. Também no corredor (para aproveitar o
grador da Infância Paulistana: [...] oferecer estrutura ma-
espaço que é pequeno na sala), ela coloca uma prateleira
terial para a brincadeira (tempo, objetos, experiências de
com alguns jogos de percursos e de regras, que podem
contato com atividades humanas variadas). Ser partici-
ser usados nesses momentos. As crianças se distribuem
pante, observador sensível, problematizador, provocador
livremente nesses cantos até que todas cheguem. Em
de situações que façam com que as narrativas durante
roda, ela lembra com as crianças o que tinham combina- a brincadeira sejam cada vez mais elaboradas impulsio-
do para terminar naquele dia: a confecção de brinquedos na e potencializa a brincadeira de meninos e meninas na
com sucata, fruto de uma pesquisa que fizeram juntos educação infantil e no ensino fundamental. (SÃO PAULO,
sobre construção de brinquedos. Assim, estão há vários 2015a, p. 59) É importante distinguir, finalmente, o brin-
dias pesquisando, separando materiais, construindo e car proposto pela(o) professora(or) e o brincar livre, em
brincando. que o adulto observa, acompanha e oferece ajuda quan-
A professora brinca junto com as crianças, mas sem do solicitado. Ao propor jogos e apresentar brincadeiras
definir as brincadeiras, sem impor regras: brinca jun- de sua infância, de outras culturas e de outros tempos,
to. Procura sempre anotar o que considera importan- a(o) professora(or) conduz inicialmente a brincadeira,
te, como as escolhas feitas pelas crianças, as hipóteses convida as famílias/responsáveis para compartilhar jogos
elaboradas, as soluções encontradas para os conflitos, e brincadeiras de suas infâncias e de seus territórios de
as preferências, as dificuldades. Algumas vezes, grava e origem. Já o brincar de faz de conta pode ser fomentado
filma as crianças; depois, juntas, professora e crianças as- pela(o) professora(or) com objetos, tempo livre e expe-
sistem às gravações, comentam as situações e ponderam riências de conhecimento das atividades humanas, mas
sobre alguns aspectos. este deve ser conduzido pelas próprias crianças e acom-
Esta cena nos remete a refletir sobre a importância panhado pela(o) professora(or).
do registro das brincadeiras. Possibilita perceber que o
brincar precisa ser tomado como uma das prioridades Cena 18
de estudo nos debates pedagógicos, nas formações, no
planejamento e na formação continuada. Ao planejar e A professora da turma do Mini Grupo I organiza o
oportunizar condições (tempo, espaço e experiências de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

espaço e os materiais com instrumentos hospitalares. A


conhecimento das atividades humanas — “vamos brincar criança “doutora” fala para a outra: “Deite aqui, meu pa-
de quê?”) para que a brincadeira aconteça, a(o) professo- ciente, vou te examinar. Você está com febre.” Pega o
ra(or) respeita as crianças e valoriza a iniciativa, a imagi- termômetro e o coloca na axila do amigo. Este, o pacien-
nação e a expressão, assim como o conjunto de funções te, atende aos seus comandos enquanto outras crianças
como a memória, a atenção, a autodisciplina, a solução observam e esperam para serem atendidas.
de problemas, a convivência no grupo. É importante in- Nessa brincadeira de faz de conta, as crianças têm a
centivar e registrar as participações, as falas, perguntas e oportunidade de imitar o adulto utilizando termos e ati-
inquietações. Organizar os cantos ou as atividades diver- tudes próprias dos profissionais de saúde, proporcionan-
sificadas favorece que a professora transite pelos grupos, do a representação das profissões e dos comportamen-
podendo assim estabelecer uma maior proximidade com tos da vida cotidiana.

34
Mas afinal, o que observar na brincadeira? É possí- É importante assegurar a possibilidade de as crianças
vel observar tudo: a turma, para enxergar crianças que entrarem e saírem autonomamente do prédio, porque
estejam isoladas; uma experiência em particular, para isso potencializa as conexões, relações e interações que
acompanhar o interesse, a motivação e a interação entre elas estabelecem entre os diferentes espaços e cená-
as crianças; um grupo de crianças ou determinada crian- rios. As brincadeiras requerem espaço e tempo para que
ça, para conhecer mais sobre ela e sobre sua brincadeira, aconteçam.
suas interações, linguagens utilizadas, tempo e materiais O funcionamento da UE certamente exige organi-
de interesse, grupos de amizade, conflitos e soluções en- zação e definição de horários, mas estes não podem se
contradas. A observação do adulto é fundamental para sobrepor às necessidades de aprendizagem das crian-
conhecer as crianças e compreender melhor suas formas ças. Por isso, precisamos refletir, decidir e experimentar
de pensar, de se comunicar, de interpretar o que vivem e possibilidades. Brincar requer tempo: tempo para pensar
de agir sobre o mundo. a brincadeira, tempo para estabelecer parcerias, tempo
Nesse sentido, seu olhar pode focar algumas ques- para desenrolar a brincadeira, tempo para reorganizar os
tões envolvidas no brincar: do que as crianças brincam; acordos, tempo para levar e guardar os materiais usados
com que temas, objetos ou brinquedos; quais brinca- na brincadeira.
deiras se repetem; que regras organizam as brincadei- Na cena que segue, a professora potencializa o brin-
ras; em que espaços e durante quanto tempo brincam; car por meio de objetos, mas também por meio de uma
como se escolhem e se distribuem os participantes; que relação acolhedora.
papéis são assumidos mais frequentemente; como se or-
ganizam em grupos; que critérios envolvem as escolhas Cena 19
de parceiros; que conhecimentos e habilidades revelam
nas brincadeiras. Essas observações subsidiarão os regis- O cesto do tesouro do Berçário I (forma essencial e
tros, que com o passar do tempo se tornarão cada vez potente do brincar do bebê) cria um ambiente em que
mais reflexivos acerca das ações e relações das crianças, os bebês se sintam confiantes e possam observar, ma-
com destaque para a socialização entre elas e as relações nusear, explorar, experimentar. A professora seleciona
estabelecidas com os materiais, com o ambiente e com objetos que interessam e desafiam as crianças e, com
as(os) educadoras(es). olhar sensível e escuta atenta, interage e reorganiza no-
vas oportunidades com objetos naturais (cabaças, folhas,
Como, onde e com o que brincar Qual é, então, o pinhas, sementes grandes, pedras, conchas); objetos de
lugar que a brincadeira ocupa na Educação Infantil? uso doméstico (escumadeiras, peneiras, escovas, espon-
jas, colheres de pau, espremedor de frutas); objetos de
Pelo que viemos discutindo, nem abandonada que metal, couro, madeira e borracha, possibilitando uma
dispense a figura da(o) professora(or), nem tão dirigida variedade de modos de exploração. Permanecemos ao
que deixe de ser brincadeira para tornar-se obrigação. lado dos bebês, observando sem intervir, respeitando o
Apropriar-se da ideia contida no Currículo Integrador da tempo e ritmo de cada um.
Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) como um currí- Quando somos solicitados, procuramos ajudar sem
interromper o envolvimento do bebê, recolocar no cesto
culo que atribui centralidade ao brincar e às interações
os objetos que estão espalhados valorizando cada vez
joga luz no cotidiano e nas suas variadas e ricas opor-
mais suas investigações e descobertas. Além dos bebês,
tunidades. Em quais espaços e durante quanto tempo
a professora está presente. Foi ela quem propôs a ex-
os bebês e as crianças brincam? Em todos os espaços e
periência do cesto dos tesouros. Planejou atentamente,
com o que eles contêm. Por isso, é importante oferecer
procurou ofertar materiais da natureza, do convívio fa-
às crianças ocasiões para explorar e experimentar dife-
miliar, e outros que possibilitassem explorações diversas.
rentes possibilidades e modos de interpretar os espaços,
Esteve próxima aos bebês, sem, no entanto, ser invasiva.
os mobiliários e os materiais. Na UE, os bebês e as crian- A professora conhece as crianças, brinca junto, interage;
ças devem brincar sempre e muito em todos os espaços mas também sabe sair do centro da cena e permitir que
possíveis, resguardada a sua segurança, com materiais passem para o primeiro plano as iniciativas dos bebês.
acessíveis dentro e fora da sala de referência. Os materiais são diversos para que bebês e crianças
Além dos espaços internos, também o espaço exter- explorem e se expressem por meio de diferentes lingua-
no deve ser preparado para a criação de brincadeiras gens e a gestão do tempo aconteça de forma variada
com recursos naturais, como folhas, árvores, areia, pedri- para que bebês e crianças interajam entre si e exercitem
nhas, pinhas. É parte da vida saudável de bebês e crian- a autonomia intelectual no planejamento, nas escolhas e
ças o contato com a natureza: ouvir histórias e brincar na
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

na gestão do tempo. (SÃO PAULO, 2015a, p. 47)


sombra das árvores, fazer cidades e estradas no tanque Todos esses elementos que destacam o lugar da brin-
de areia, escalar uma escada de corda amarrada a um cadeira no desenvolvimento humano na infância e o pa-
galho de árvore, balançar numa rede ou num balanço pel da(o) professora(or) nesse processo vão constituindo
amarrado a um galho de árvore, brincar com barro, terra uma pedagogia do brincar.
e água, produzir e brincar com objetos ao vento (pipa,
biruta, cata-vento), lavar os brinquedos, participar de jo- LINGUAGENS E PRÁTICAS CULTURAIS
gos de movimento ou simplesmente observar a nature-
za, ouvir um canto de pássaro, visitar as flores do jardim, O Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO
acompanhar o crescimento das verduras na horta ou de PAULO, 2015a), que afirma a necessidade de escutar e
uma planta. promover a participação de bebês e crianças na escola,

35
trata também de valorizar a sua expressão, mas não ape- envolve o sensorial. Isso acontece por meio de objetos
nas isso: afirma a necessidade de possibilitar a formação de diferentes texturas, formas, dimensões, cores e carac-
de uma identidade confiante, aberta, interessada, curio- terísticas, uma vez que, antes mesmo da aquisição da lín-
sa. Esta atitude cidadã é proporcionada pela possibilida- gua de sinais ou da fala, o pensamento se dará por meio
de de bebês e crianças se expressarem por meio de múl- de imagens e ações.
tiplas linguagens. Os Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO,
2016a) igualmente reconhecem a necessidade de acolhi- Independentemente das características específicas de
mento de bebês e crianças em suas múltiplas linguagens. cada bebê, é fundamental que sejam acolhidos em suas
Destaca, por isso, a importância das vivências culturais, possibilidades e especificidades, e que percebamos as
com a participação das famílias/responsáveis, vinculadas suas transgressões como possiblidades de ação, e não
a tradições em que as crianças encontram ritmos, melo- como provocação ou abuso em relação à “autoridade”
dias, formas de brincar e de dançar que ampliam suas do adulto. As crianças sempre comunicam o que viram
linguagens. Todos os indicadores relativos à Dimensão ou viveram: comunicam o que viram num passeio por
3 (SÃO PAULO, 2016, p. 37) orientam professoras(es) e meio de um desenho, de um relato, de uma construção
outras(os) educadoras(es) da UE a incentivar e favorecer com toquinhos de madeira ou com peças de montar, de
esse encontro com as práticas culturais do território e uma brincadeira de faz de conta. Cada grupo de crianças
com novas possibilidades de linguagem. dentro da turma pode escolher uma forma para expres-
Desde bebês, as crianças se comunicam: pelo gesto, sar o que viu e as coisas de que gostou ou não: pelo
pelo olhar, pelo choro, pela expressão do rosto, pelo que desenho, pela pintura, pela modelagem, pela construção,
fazem. Essas formas de expressão vão se tornando mais por uma colagem. Todas essas linguagens podem fazer
sofisticadas e cada vez mais amplas: primeiro são formas parte das formas de expressão das crianças. As crianças
de expressão do bebê a que os adultos atribuem signifi- podem comunicar o que ouviram numa história por meio
cado, depois bebês e crianças vão se apropriando de for- de gestos, movimentos, sons. Na cena a seguir, a profes-
mas de comunicação já presentes na sociedade. Então, sora observa o desejo da turma e desafia suas formas de
as múltiplas linguagens correspondem aos modos como expressão.
bebês e crianças comunicam uma ideia, uma informação,
um sentimento, uma necessidade: desde o choro até a Cena 20
maneira como brincam e se movimentam, correm e dan-
çam, seus desenhos, suas pinturas, suas atitudes, o que No final da tarde, caiu uma chuva forte com vento, o
dizem, enfim, como expressam o que vão aprendendo, que chamou a atenção das crianças. Elas se aproximaram
o que estão sentindo, o que querem e do que precisam. das janelas e ficaram observando e comentando o que
A primeira forma de comunicação que se estabelece viam lá fora.
entre o bebê e os adultos que cuidam dele e o educam A professora se juntou ao grupo. Quando acabou,
é emocional — gestos, vocalizações, choro, olhares. Nós, continuaram falando da chuva, e a professora aproveitou
adultos, que cuidamos e educamos os bebês, vamos a oportunidade para provocar a expressão das crianças
percebendo o que eles querem dizer com as diferentes para além da fala. “Será que podemos desenhar o ven-
linguagens: fome, mal-estar da fralda molhada, pedido to?” Estimulou as crianças a usarem diferentes materiais,
de ajuda, necessidade de atenção. Os adultos se comu- que foram disponibilizados nas mesinhas, enriquecendo
nicam com o bebê pelo tom de voz, pelo toque, pelo e ampliando os materiais que elas já haviam rapidamen-
olhar e pela maneira como se aproximam e avisam que te selecionado para desenhar. Aos poucos, a parede da
vão interromper o que ele está fazendo para levá-lo para sala dedicada às produções da turma foi se enchendo de
outro lugar, ou quando interpretam os gestos, o olhar, desenhos, todos diferentes entre si.
a atitude corporal do bebê. Ainda que se comuniquem A professora ia conversando com os que já haviam
por meio de outras linguagens, a fala é, para os bebês terminado e que ficaram contemplando os desenhos dos
ouvintes, uma conquista importante, que se dá ao longo colegas, cada um comentando o que tinha chamado a
dos dois primeiros anos. sua atenção no vento e na chuva. Enquanto iam termi-
A fala do adulto dirigida ao bebê quando estão de nando, um novo desafio: “e se fôssemos dançar para ex-
frente um para o outro é fundamental para que ele pressar essa chuva forte com vento que vimos pela jane-
aprenda a falar. Por isso, conversamos com os bebês en- la, como seria?” Um novo show de movimentos criados
quanto os alimentamos, banhamos e trocamos, quando pelo grupo. À medida que viam os movimentos dos co-
nos aproximamos para anunciar qualquer nova situação, legas, algumas crianças incorporavam aos seus, amplian-
para responder a uma iniciativa deles, quando apresen- do a sua criação. A professora registrou todo o processo
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tamos um objeto para a sua exploração: uma fala mansa, por meio de um vídeo e, em seguida, mostrou para as
num tom de voz baixo, com linguagem clara e sem di- crianças, que comentaram ativamente a atividade. No dia
minutivos, que seja sentida por ele como acolhimento e seguinte, quiseram ver de novo o vídeo feito pela profes-
como desejo de manter com ele uma comunicação. sora. Para incentivar a expressão das crianças, as práticas
Para os bebês surdos, aprofundamos a atenção para pedagógicas na UE devem envolvê-las em atividades que
a comunicação visual. O contato olho no olho, as expres- valorizam as culturas, o lúdico, os objetos e as formas de
sões faciais e as expressões corporais são essenciais para fazer. O espaço deve facilitar essas vivências, estando os
que o bebê perceba o que se pretende comunicar. Além materiais disponíveis ao acesso dos olhos e das mãos in-
disso, é importante ampliar as experiências sensoriais fantis. Desse ponto de vista, é igualmente importante re-
dos bebês, pois nesse período da vida, o cérebro ativo fletir sobre o uso de recursos audiovisuais nas UEs. Estes

36
constituem uma possibilidade para ampliar a experiência e criem o seu gesto ou o seu movimento. Apresentamos
das crianças no acesso a informações e conhecimentos para elas diferentes tipos de dança (o balé clássico, a
sobre os seus temas de interesse. dança de rua, o sapateado, a catira, o jongo, o samba, o
Os projetos desenvolvidos sobre temas que encantam hip-hop...), mas na hora de dançar, cada uma pode criar
as crianças — tendo-as como protagonistas ativas na de- a sua própria coreografia como forma de expressar o que
finição do tema, na coleta de material, na exploração do ouve da canção e de como a sente.
material, na busca e expressão do que vão conhecendo/ Da mesma forma, não ensinamos a criança a brin-
interpretando acerca do tema de seu interesse — têm no car de faz de conta: a partir do que vive e percebe do
vídeo um recurso fundamental, por meio de documentá- mundo, das relações humanas e da atividade humana,
rios e produções fílmicas de alta qualidade que ampliam ela organiza as suas brincadeiras. As formas de expressão
o conhecimento e respondem às vontades de saber das de bebês e crianças e o que expressam quando brincam,
crianças. Da mesma forma, é recurso importante de re- desenham, pintam, dançam, contam histórias ou fazem
gistro das vivências das crianças, que depois podem ser relatos explicam a sua visão de como as coisas funcio-
compartilhadas com elas. No entanto, a TV não deve ser nam. Tudo isso são as culturas infantis, ou seja, as formas
utilizada nem para bebês, nem para crianças com o obje- como as crianças veem, expressam e interpretam o mun-
tivo de entreter ou como forma de espera no momento do que vão conhecendo.
da chegada ou de saída. Como uma linguagem que expressa e promove o
Nessa idade, o entretenimento acontece com a ati- desenvolvimento cultural e psíquico das crianças, a brin-
vidade lúdica de exploração do mundo e expressão do cadeira de faz de conta com papéis sociais deve ser es-
vivido por meio das diferentes linguagens, e essencial- timulada. Fazemos isso quando possibilitamos, todos os
mente com a atividade do corpo e da mente, articula- dias, um tempo livre para as crianças brincarem, quando
das com a vontade. Não é saudável que a criança fique levamos para a sala ferramentas e instrumentos rela-
sentada por longos períodos e nem apenas observando. tivos ao mundo do trabalho e quando fazemos visitas
O corpo ativo que anda, corre, pula, sobe e desce, escor- para conhecer diferentes atividades humanas, a fim de
rega, pega e solta, puxa e empurra, experimenta texturas, enriquecer o conteúdo das brincadeiras (visitar um mer-
pesos, tamanhos, cores, formas e funções dos objetos e cado, uma agência de correio, uma gráfica, um salão de
se conhece nesse processo de exploração do mundo é beleza ou uma oficina mecânica, sempre conhecendo as
garantia de saúde para bebês e crianças. Além disso, as atividades das pessoas que ali trabalham). Fazemos isso
famílias/responsáveis já fazem bastante uso da televisão também ao oferecer objetos diversificados, que possibi-
em casa: o papel da escola de oferecer diversidade de litem as imitações e as criações — o que também se cha-
experiências cresce em responsabilidade frente a isso. ma exercer a função simbólica da consciência, ou seja,
O processo de aprender, como defende Paulo Frei- exercitar o uso de um objeto para representar outro. A
re (2008), é um processo dialógico e dialético. Dialógico expressão do bebê e da criança, portanto, é essencial à
porque acontece num processo de comunicação entre sua constituição como pessoa.
quem aprende, quem ensina e o que se aprende. Dialé- Quando se expressa, seja fazendo um gesto, seja
tico porque envolve um movimento entre assimilar e ex- brincando, seja desenhando, seja construindo alguma
pressar o que se aprende. Em outras palavras, aprender coisa, fotografando ou gravando uma situação, a criança
exige a expressão da criança e só acontece quando quem afirma para si o seu aprendizado e a sua relação com as
aprende comunica o que aprendeu. Assim, a expressão coisas do mundo que vai conhecendo. É assim também
da criança por meio de alguma linguagem é condição que ela nos comunica sobre o que percebe do mundo ao
necessária de seu aprendizado. Como formas de expres- redor, sua própria história, seus sentimentos. Por essa ra-
são do desejo de comunicação da criança ou do bebê, a zão, o Currículo Integrador da Infância Paulistana afirma
linguagem é autoral: cada um se expressa com as suas que a escuta pela(o) professora(or) é “fonte importante
particularidades. Por isso, os desenhos mimeografados de conhecimento, transformação e qualificação da ação
ou xerocados não são formas de expressão, não consti- educativa” (SÃO PAULO, 2015a, p. 14).
tuem uma linguagem e não expressam um aprendizado. As linguagens não são disciplinas que trabalhamos
Para expressar um sentimento ou uma ideia, é preciso em separado, nem que treinamos. Enquanto uma criança
que a criança seja autora de seu desenho. E isso aconte- de quatro anos brinca com água e algumas latinhas, ela
ce de forma simples quando incentivamos as crianças a pode estar fazendo de conta que é bombeiro, mas tam-
gostar de se expressar, desenhar o que viram no caminho bém está se expressando oralmente e desenvolvendo o
da EMEI ou do CEI, observar e desenhar a árvore florida pensamento matemático (percebendo volume, quanti-
da rua ou do pátio, desenhar um acontecimento, uma dade). Quando envolvemos as crianças no planejamento
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história que ela ou um amigo contam para a turma. Da diário, elas vão aprender a planejar e a projetar a sua ação
mesma forma, quando as crianças dançam, todas repe- no futuro; com isso, exercitam e desenvolvem o pensa-
tindo os mesmos gestos, não estão comunicando como mento, a memória, a própria fala, a imaginação. Quando
sentem ou percebem a música, não estão expressando planejamos em conjunto um jogo e todos participam da
algo. Isso não significa que não apresentamos os gestos contagem dos pontos, as crianças vão se apropriando da
e movimentos das canções populares que mostramos contagem como um instrumento cultural autêntico —
aos bebês: a imitação é uma forma inicial que as crian- isto é, como algo que serve na vida diária, e não como
ças bem pequenas utilizam. No entanto, é uma estratégia algo que se faz na escola porque a(o) professora(or)
das crianças, e não uma forma de ensino dos adultos. Por mandou. Isso é se aproximar da linguagem matemática,
isso, é importante deixar que as crianças experimentem uma vez vivenciada e significada. Conhecer seu código

37
será quase uma decorrência das experiências reais vivi- Cena 21
das envolvendo a contagem e as experiências com pesos
e medidas. Iniciar a apresentação da matemática pela es- Uma criança com deficiência visual sempre fazia ativi-
crita e memorização dos números, por meio de uma reta dades diferentes da turma. Enquanto os outros assistiam
numérica colocada na parede, é um equívoco. a um documentário, ela brincava de massinha; na hora de
O papel da(o) professora(or) é possibilitar o acesso brincar de corda, ela fazia outra atividade e perdia parte
ao conhecimento acumulado pela humanidade e apre- do que acontecia em sala porque não se descrevia de
sentar as diferentes linguagens: desenho, pintura, teatro, forma constante e detalhada, o que acontecia à sua volta,
fotografia, vídeo, música, dança, escultura, colagem, etc. ou seja, os elementos e aspectos visuais do ambiente.
Apresentar a fotografia e as possibilidades de fotografar, Isso prejudicava a sua participação e compreensão do
o movimento e os modos diferentes de dançar, a mode- contexto. Para criar estratégias de participação em que
lagem e os materiais diferentes para modelar, a constru- todos fossem incluídos, foram propostas várias práticas
ção com materiais diversos, a fala com a poesia e o canto, pedagógicas, entre elas a leitura de livros juntamente
os modos de desenhar e pintar. com a descrição das imagens. Todas as crianças ficaram
No entanto, não define o que as crianças vão dese- atentas, surpresas com a possibilidade de ler imagens e
nhar, pintar ou fotografar, o que vão montar ou modelar, com o fato de que a colega cega pudesse, dessa forma,
como vão dançar; isso será decisão das crianças e, por- vê- -las. Descrevê-las para a menina cega fez com que
tanto, expressão. Para propor tudo isso, levamos em con- as crianças sem deficiência observassem melhor o que
ta a diversidade étnico-racial e de gênero, as diferentes estavam vendo, aguçassem os seus olhares, ampliassem
nacionalidades, as diferentes culturas e as necessidades o seu vocabulário, encontrassem formas de narrar e de
específicas das crianças com deficiência. Consideramos transformar imagens em palavras. Tornaram-se descrito-
como riqueza a diversidade de vivências possíveis e de ras do mundo, em colaboração com a professora, o que
histórias presentes. Tratamos como vantagem a diversi- contribuiu para o desenvolvimento de todos. Objetos
dade presente e, quando necessário, reorganizamos o tridimensionais contribuíram para que a criança crias-
se imagens mentais dos temas, objetos e das situações
planejado para contemplar todas as crianças igualmente.
apresentadas na história. Nas histórias, as crianças que
Vale lembrar que a educação é um direito de todos os
enxergam têm a referência das ilustrações e buscam a
bebês e crianças. Assim, como afirma o Currículo Integra-
imagem mental dos objetos. Para uma criança cega, é
dor da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), quanto
importante ter outras referências para associar o nome
mais linguagens usarem, mais potentes serão as crianças,
ao objeto. O Currículo Integrador da Infância Paulistana
mais criativas e capazes de se expressar por diferentes
(SÃO PAULO, 2015a) também afirma a necessidade de
linguagens e mais capazes de interpretar o que veem e
superar a hierarquização das linguagens, cenário no qual
vivem. a leitura e a escrita silenciam as demais linguagens. As
A exemplo da LIBRAS, se todas as crianças e todos linguagens como o desenho, a conversa, o teatro, a mú-
os adultos da UE aprenderem a Língua Brasileira de Si- sica apoiam o desenvolvimento da lecto-escrita.
nais como segunda língua, todos ganham em desenvol- O documento afirma ainda que é necessário supe-
vimento humano. Não somente as crianças surdas, mas rar o caráter instrucional, que acaba privilegiando a fala
todos têm benefícios com a convivência do grupo e com das(os) professoras(es) e não deixa tempo para a inicia-
a constituição de formas de pensar e de se expressar, que tiva, a exploração, a experimentação e a descoberta dos
criam novas redes neurais, possibilitando formas cada bebês e das crianças, nem privilegia o trabalho conjunto
vez mais elaboradas de pensamento. Portanto, as múlti- de adultos e crianças. Sempre que há participação dos
plas linguagens são possibilidades de expressão que be- bebês e crianças, há expressão. As crianças e os bebês
bês e crianças podem escolher e experimentar. E sendo precisam se expressar para se tornarem cidadãos de di-
a linguagem instrumento de expressão de sentimentos reito, pois é no movimento de expressar o que vão ven-
e de experiências vividas, não se exercitam as múltiplas do e vivendo que elas se constituem como pessoas que
linguagens nem as culturas infantis sob a forma de aula, pensam, falam, tomam iniciativa, decidem, escolhem, ob-
mas como expressão autêntica das crianças, como troca servam, percebem, relacionam fatos. Novamente, é por
entre adultos e crianças, entre crianças de mesma e de isso que o Currículo Integrador da Infância Paulistana
diferentes idades. (SÃO PAULO, 2015a) afirma a necessidade de superarmos
Esses princípios são complexos porque não apren- na escola a divisão de trabalho existente na fábrica, em
demos a lidar com eles em nossa formação. Como afir- que os chefes pensam e os trabalhadores executam. Na
ma o Currículo Integrador da Infância Paulistana: Bebês ação pedagógica, imitamos essa divisão quando as(os)
e crianças precisam de tempo e vivências para ampliar
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

professoras(es) pensam, decidem, planejam, avaliam e


suas formas de ver, conceber e expressar o mundo atra- controlam sozinhas(os) o vivido na UE, sem buscar a par-
vés das diferentes linguagens que integram arte e ciên- ticipação de bebês e crianças (MESZÁROS, 2002). Com
cia no complexo processo de apropriação e construção isso, formamos pessoas que não sabem planejar, decidir,
de conhecimento que envolve curiosidade, observação, fazer escolhas, avaliar, pensar. Para superar essa realida-
atenção, percepção, pensamento, investigação, interpre- de na escola, precisamos convocar os sujeitos já desde
tação, criação de hipóteses, imaginação e elaboração de bebês a participarem colaborando no momento dos seus
teorias explicativas daquilo que vivem e observam. (SÃO cuidados.
PAULO, 2015a, p. 17) Na cena seguinte, é possível refletir A abordagem Pikler da educação orienta esse proces-
sobre a possibilidade de integrar bebês e crianças consi- so de comunicação e acolhimento das crianças de 0 a 3
derando suas diferentes linguagens. anos, e vale também para as crianças maiores. Às crian-

38
ças maiores convidamos a participar do planejamento do Conhecer as suas tradições e os seus modos de vida, a
dia, conversando no grupo: “O que vamos fazer hoje?”, sua culinária, a sua música e as suas histórias não apenas
“O que vamos levar para brincar no pátio ou no parque?”, contribui para a inserção de bebês e crianças e de suas
“Quem ajuda a levar o material?”, “Do que podemos famílias/responsáveis no território, como também amplia
brincar no parque?”. Na biblioteca, “Que cuidados pre- para todas as crianças as possibilidades de expressão por
cisamos ter com os livros?”. Se vamos andar pela rua, “O meio das diferentes linguagens. Na cena abaixo, obser-
que vamos combinar antes de sair?”. Se vamos a algum va-se uma situação de envolvimento das famílias/res-
lugar, “Como será adequado nos comportarmos nesse ponsáveis na ampliação das experiências vividas na UE.
lugar?”. Nessa nova configuração da escola para ensinar
as crianças a pensar, o papel essencial das(os) professo- Cena 22
ras(es) é organizar situações em que bebês e crianças
são igualmente protagonistas — que tenham um papel O professor da turma de cinco anos fez um convite às
importante como brincantes, artistas e cientistas, que famílias/responsáveis para visitarem a turma no horário
pensam, planejam, exploram, testam, agem, descobrem e na data que pudessem. Sugeriu que viessem mostrar
o mundo. para as crianças tradições de sua terra: uma vestimenta,
Assim, expressam tudo isso de forma rica e autoral, uma comida, uma dança, um instrumento, uma lenda,
por meio do faz de conta, do desenho, da dança, da fala, uma música. Várias famílias/responsáveis se apresenta-
da produção de colagem, da construção na areia, com ram. Organizou-se uma agenda de visitas: um irmão mais
pedras pequenas, com caixas, retalhos de madeira. O velho que tocava um instrumento feito com um serrote,
direito à cultura escrita não significa ações focadas no uma mãe que veio ensinar a fazer pão, outra mãe que
treino da linguagem escrita. Ao contrário, ao longo da trouxe roupas típicas de sua terra, um pai que trouxe fo-
Educação Infantil, a criança deve conviver com a cultura tografias de seu país de origem, um avô que veio en-
escrita, testemunhando a leitura e a escrita das(os) pro- sinar a construir geringonças. As crianças foram se en-
fessoras(es) que utilizam a escrita e a leitura para regis- cantando. O professor trouxe um mapa do Brasil e um
trar o que observam, as presenças e ausências, as histó- mapa-múndi para localizarem juntos os locais de origem
rias que as crianças contam, para fazer com as crianças os das famílias/responsáveis. Muitas conversas se desenro-
bilhetes que vão para casa, para ler histórias e matérias laram a partir daí, assim como muitos novos interesses
de jornal de seu interesse, para fazer pesquisas em livros das crianças pela culinária, pelas viagens, pelos meios de
sobre temas de interesse. locomoção, pelos mapas, pelos povos de outros lugares,
É importante, nesse aspecto de constituição de uma pelo tempo. Passaram a colecionar fotografias de outros
atitude leitora e da necessidade da escrita pelas crian- lugares e iam marcando no mapa- -múndi os lugares que
ças, a leitura de histórias bem planejada e preparada que já “conheciam”. A autoestima de todas as crianças cres-
a(o) professora(or) faz para as crianças, com as crianças e, ceu, assim como seus interesses. Ao final do projeto, de-
muitas vezes, a partir das escolhas delas. Enfim, a cultura cidiram fazer uma festa com todas as famílias/responsá-
escrita deve entrar na UE como um instrumento cultural veis, para que conhecessem as culturas umas das outras.
autêntico — quando escrevemos um bilhete que seja de Também aqui a intencionalidade docente possibilita
fato enviado para os responsáveis, uma notícia para o uma relação para além dos muros da escola. Na cena aci-
mural da sala ou para o jornal da turma. Não é preciso ma, o mundo externo vem compor a experiência vivida
escrever por escrever, e muito menos decorar e treinar o na escola. Enfim, com o novo conceito de criança capaz
nome e a escrita de letras e sílabas (MELLO, 2010). Mui- e potente que passamos a compartilhar, começamos a
tas vezes, a pressão pela alfabetização vem da família/ pensar os bebês e as crianças não mais como consu-
responsáveis, por isso é fundamental que essa discussão midores das múltiplas linguagens, mas também como
seja feita com eles. produtores delas. Para isso, na UE, possibilitamos que se
A ciência tem feito descobertas importantes sobre os expressem, sem a preocupação com o certo e o errado,
processos de constituição de crianças leitoras e autoras sem foco no produto, mas valorizando o processo e o
de texto que indicam que esse processo não se apres- exercício de expressão que faz com que bebês e crianças
sa — ao contrário, sua antecipação pode atrapalhar a se tornem autores, sujeitos de sua expressão.
apropriação da escrita pelas crianças. Assim, planejamos
práticas culturais e sociais em conjunto com as crian- As práticas com as linguagens Bebês e crianças
ças e suas famílias/responsáveis, buscando estabelecer precisam de espaço e materiais diversificados para
relações com as culturas e as histórias dos bebês e das experimentar, explorar e expressar aquilo que vão
crianças: um PPP que prevê autoria e voz dos bebês e aprendendo nas vivências dentro e fora da UE.
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das crianças, e sua expressão por meio das diferentes lin-


guagens. Para isso, a UE deve ter dados sobre as práticas Quanto mais diversificados, ricos em possibilidades
culturais do território: artistas e artesãos; grupos de dan- de tateio, bonitos, organizados e acessíveis forem o es-
ça de rua e danças tradicionais como maracatu, jongo, paço e os materiais presentes na UE, tanto na área inter-
hip-hop; grupos de músicos e cantores (grupos de choro, na quanto na área externa, mais possibilidades de expe-
de samba, de rap, um avô que toca um instrumento mu- rimentação e de expressão os bebês e as crianças terão
sical); contadores de história; tradições de origem africa- em sua experiência, pois quanto mais exploram o mundo
na e nordestina, presentes há muito no território, assim ao seu redor, mais têm o que expressar por meio da fala,
como as mais recentes, fruto das migrações que trazem do corpo, do desenho, do faz de conta, da experimen-
bolivianos, peruanos, sírios e haitianos. tação. O espaço bem organizado promove a atividade

39
autônoma, já que não precisam esperar as orientações teriais) ou externo, como vimos na cena anterior, elas se
dos adultos para iniciar uma atividade, podendo escolher sentem mais seguras e acolhidas para tomar iniciativas
com autonomia o que fazer. Os materiais são diversos e para cuidar desse espaço, como guardar e cuidar dos
para que bebês e crianças explorem e se expressem em materiais, regar e cuidar das plantas. Assim, reorganizar
diferentes linguagens. Conforme afirma o Currículo Inte- de vez em quando o espaço da sala de referência da tur-
grador da Infância Paulistana: ma com o grupo de crianças é uma atividade divertida,
[...] para os bebês, [...] os materiais despertam o inte- além de integradora do grupo e sempre uma oportuni-
resse pela experimentação através dos sentidos: o tato dade para o exercício do pensamento, da fala, da inicia-
(textura, forma, peso), o olfato (diversos cheiros), a au- tiva e da tomada de decisões, bem como para o uso de
dição (guizos, sinos, chocalhos, objetos maleáveis que diferentes linguagens.
produzam sons ou barulhos), a visão (cor, forma, brilho, Na cena a seguir, a professora apresenta um material
movimento), e mesmo o paladar (cuja exploração no es- novo, e as crianças participam da sua inserção na sala.
paço é mais limitada, mas possível), assim como mate- Depois dessa apresentação, o material fica disponível
riais que permitam o estabelecimento de relações (coisas para o uso livre e autônomo da turma que, tendo parti-
para abrir e fechar, coisas para empilhar, colocar dentro, cipado de sua organização, sabe onde e como guardá-lo
emparelhar). (SÃO PAULO, 2015a, p. 51) Vale questionar, depois de seu uso.
então, quais materiais podem compor e como pode se
apresentar o ambiente para promover a experimentação Cena 24
de múltiplas linguagens. Permitir o acesso autônomo de
bebês e crianças aos materiais é a primeira condição que A professora da turma de cinco anos traz para a sala
os espaços na Educação Infantil devem garantir. Junto a uma sacola com muitos botões: grandes e pequenos, co-
isso, a atitude acolhedora das(os) educadoras(es) em re- loridos e transparentes, com dois e quatro furos, planos
lação às suas iniciativas incentiva a exploração autônoma. e esféricos, redondos e quadrados, lisos e estampados,
É importante que possam experimentar giz e carvão para de cerâmica, de vidro, de plástico, de tecido e de me-
desenhar no chão da escola, fazer tinta colorida aprovei- tal. Apresenta o material para a turma e conta que pediu
tando a casca de beterraba, modelar com barro, papel para uma amiga costureira juntar os botões que estavam
machê e massa de farinha feita com o grupo. Aprender sem uso na oficina de costura em que ela trabalha. As
sobre os processos de produção das coisas desperta a crianças se encantam com o material. Observam a varie-
imaginação, o pensamento e a vontade de experimentar dade, nomeiam as suas cores, comentam as suas quali-
e criar. dades (“Olha que lindo esse amarelo grandão, devia ser
Como podemos dinamizar o uso dos espaços in- de uma camisa de gente bem grande”).
ternos e externos da UE? Na próxima cena, observa-se A professora aproveita o comentário da criança e per-
como foi mais bem aproveitado um espaço ocioso da UE, gunta se só usamos botões em camisa, e a turma passa a
com a ajuda das famílias/responsáveis. enumerar todos os usos de botões. Depois, ela comenta
onde poderiam guardar os botões, se deveriam guardar
Cena 23 todos juntos ou separados. A turma decide classificar em
pequenos, médios e grandes, e colocam os botões em
Na área externa da escola, bate muito sol, o que di- três potes de vidro transparente. Para saber como guar-
ficulta o seu uso no período da tarde. O professor da dá-los, decidem que a professora vai escrever “botões
turma de cinco anos se juntou às professoras de duas pequenos”, “botões médios” e “botões grandes” num
outras turmas para construir uma área de sombra para rótulo que será colado nos vidros, e as crianças vão sim-
atividades externas. Com a ajuda de alguns pais e mães, bolizar o escrito por meio de desenho para que todos
planejaram o sombreamento de uma área, aproveitando possam lê-lo. Os botões são reunidos nos vidros, a es-
um canto da área externa em que o muro forma um ân- crita da professora e o desenho das crianças são colados
gulo reto. Fixaram parafusos e prenderam neles um pano como se fossem etiquetas.
grosso como se fosse um toldo. Decidem que eles ficarão na prateleira próximos das
Com ajuda e sugestão das crianças e das famílias/ sementes, porque são parecidos. Instigando as crianças a
responsáveis, ocuparam o canto com algumas plantas planejar, a professora pergunta o que poderão fazer com
e banquinhos feitos de troncos de árvore. A partir daí, a coleção. Várias ideias são enumeradas pelas crianças:
foram tendo novas ideias para ocupar outros cantos da desenhar na areia com os botões, desenhar na mesa, fa-
área externa: um espaço para brincar com água e terra, zer uma pista de carrinhos, carregar nos caminhões, en-
uma pista de corrida, uma casinha de boneca. Plantaram feitar os castelos na areia.
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árvores e fizeram planos para o futuro: uma casinha na A professora provoca as crianças a observar e cate-
árvore, uma escada de corda para subir até a casinha. No gorizar cores, forma, tamanho, material de que são feitos
dia a dia, além de espaço para brincar e ouvir histórias, os botões. Com isso, promove o exercício da atenção,
as crianças passaram a se responsabilizar também pelo percepção, comunicação, a convivência em grupo, a par-
cuidado (água, adubação) das árvores. A necessidade de ticipação das crianças na organização dos materiais e
adubação trouxe à discussão a compostagem, e o pro- sua autonomia no uso destes, a convivência com a lin-
jeto se ampliou para envolver a cozinha, passando a ser guagem escrita, a memória sobre os usos do objeto. No
registrado e divulgado para a comunidade por meio de mesmo processo, as crianças se exercitam no ouvir umas
desenhos das crianças. Sempre que as crianças partici- às outras. A(o) professora(or) pode observar e fazer ano-
pam da arrumação do espaço interno (prateleiras e ma- tações sobre outras maneiras sugeridas de classificar os

40
botões; as argumentações das crianças ao longo da ati- zer para contar o que aprenderam, um desenho de um
vidade; quais crianças mais se envolveram na atividade; dinossauro em tamanho real para assustar todo mundo,
suas comparações ao classificar os botões, contá-los por um teatro de palitos com personagens de dinossauros
categoria, enumerar suas utilidades. (em papel, tecido, massinha) para contar uma história.
Do ponto de vista do planejamento pedagógico e Os grupos se juntam e começam a coletar o material
das interações, como essas observações podem influen- necessário para realizar a atividade, e o professor ajuda
ciar próximas ações e propostas da(o) professora(or)? O os grupos em sua organização. Duas crianças resolvem
que desafiaria as crianças no sentido de mantê-las in- fazer uma reportagem sobre a atividade para contar para
teressadas e participativas? Da mesma forma que o es- as famílias/responsáveis. Planejam trazer um celular para
paço, também o tempo e as suas formas de gestão são a gravação. Nos dias que seguem, a atividade continua,
essenciais para ampliar as maneiras de ver, conceber e e a turma utiliza a gravação feita pelos colegas para a
expressar o mundo por meio das diferentes linguagens retomada da atividade a cada dia. Essa cena revela os
que integram Arte e Ciência no complexo processo de passos da atividade desenvolvida a partir da contribuição
apropriação e construção do conhecimento. A relação de uma mãe que percebe o interesse das crianças sobre
de bebês e crianças com os objetos e as situações que um tema.
proporcionamos e que eles descobrem no espaço da UE A atividade foi estendida para outras crianças e es-
exercita a curiosidade, observação, atenção, percepção, paços da escola, e várias possibilidades foram criadas.
pensamento, investigação, interpretação, criação de hi- A(o) professora(or) poderá registrar os argumentos das
póteses, imaginação e elaboração de teorias explicativas crianças, seus raciocínios, as formas como abordaram o
daquilo que vivem e observam. tema, como se organizaram os grupos para atividade,
Porém, para tudo isso bebês e crianças precisam de como compartilharam com os outros. O tema dessa cena
tempo. O tempo dos bebês e das crianças é diferente envolve assuntos como a linguagem oral e a convivência
do tempo dos adultos. É igualmente importante consi- com a escrita como instrumento cultural em sua função
derar que a criança aprende quando está envolvida com social, conhecimentos matemáticos e científicos, ações
o corpo, a mente e a emoção numa atividade, e esta não artísticas e criativas, interações com os pares, espaços,
precisa ser dirigida de forma direta pela(o) professora(or) tempos, noções de quantidades e transformações.
o tempo todo. A gestão do tempo pode acontecer de A(o) professora(or), para facilitar as anotações e ob-
forma variada, para que bebês e crianças interajam entre servações, pode construir um roteiro indicando como
si e exercitem a autonomia intelectual, participando do surgiu a ideia do projeto, como as crianças reagiram, o
planejamento, fazendo escolhas, aprendendo a compar- que elas já sabiam sobre o tema, como foi se estrutu-
tilhar objetos e ideias em grupo. Então, para os bebês, rando o projeto, que atividades foram sugeridas a partir
o tempo pode ser dividido entre momentos de cuidado da leitura do livro, quais crianças se engajaram em cada
e momentos de atividade livre com objetos intencional- atividade, que registros foram feitos, quais os produtos
mente organizados pela(o) professora(or). desse projeto, o que decidiram fazer com esses produtos
Os momentos de cuidados como a higiene, alimen- e se houve desdobramentos, ou seja, se surgiram pro-
tação e descanso, são momentos essenciais de educa- postas de continuar com esse ou outro tema.
ção e, por isso, devem ser realizados com tempo. Isso é A(o) professora(or) pode ir preenchendo o roteiro
possível enquanto os outros bebês brincam livremente junto com as crianças para que conheçam e visualizem
com os objetos espalhados propositalmente ao seu re- as etapas e estratégias para o desenvolvimento do co-
dor. Para além dos momentos de cuidado, o tempo dos nhecimento. Pode também registrar as interações envol-
bebês pode ser livre. Ao apresentar um novo material vidas nesse grande projeto, assim como quem trabalha
aos bebês, a(o) professora(or) o faz em pequenos gru- em cada etapa. Esse roteiro pode servir de inspiração
pos, enquanto o restante da turma explora livremente para a organização de outros projetos da turma ou de
outros objetos e brinquedos (FALK, 2004; MAJEM; ODE- grupos de crianças, demonstrando visualmente os cami-
NA, 2010). Novamente, não é necessário que todos os nhos possíveis que cada criança pode seguir e se orientar
bebês e crianças façam as mesmas atividades ao mesmo para o desenvolvimento da investigação de um tema de
tempo. O importante é que estejam encantados pelo que interesse do grupo.
estiverem fazendo, pois assim estarão em atividade com
o corpo, a mente e a emoção. Na cena a seguir, as crian- A socialização em múltiplos contextos e tecnologias
ças se encantam em atividades que se desdobram para
pequenos grupos. Atualmente, os bebês e as crianças são educados em
contextos cada vez mais complexos e interligados. Pou-
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Cena 25 cas décadas atrás, as crianças conviviam apenas com os


seus familiares e vizinhos até o ingresso na escola funda-
As crianças de cinco anos viram um livro sobre dinos- mental. Nesse tempo, a socialização das crianças aconte-
sauros, trazido por uma mãe que soube do interesse da cia primeiro na família e depois na escola. Desde que as
turma pelo tema. Depois do livro, continuam a conversar creches e os jardins da infância começaram a ter maior
animadamente sobre o que leram. O professor sugere aceitação e oferta, os bebês começaram a chegar às UEs
então que as crianças encontrem formas de contar para aos quatro meses, o que significa que as duas formas de
as outras da UE aquilo que aprenderam sobre o tema. socialização passaram a acontecer juntas. Assim, os be-
Planejam juntos como podem fazer isso: um cartaz com bês, as crianças e as famílias/responsáveis vivem muitas
figuras que ilustrem e ajudem no relato que podem fa- e intensas mudanças de configurações.

41
Várias são as formas de conceber e estruturar famílias ambos são tratados de forma superficial. Por isso, quan-
atualmente: monoparentais, naturais, biológicas ou de do passamos a ouvir as crianças em seus interesses, não
adoção, com responsáveis heterossexuais ou homosse- precisamos e nem podemos organizar o currículo por
xuais, grandes ou pequenas, extensas ou nucleares, ricas datas comemorativas.
ou pobres, escolarizadas ou não escolarizadas, recom- Há temas que merecem ser discutidos porque am-
postas, entre outras. Cabe à escola, além de acolher essas pliam as discussões sobre diferenças, diversidades e re-
novas configurações, comprometer- -se com o respeito conhecimento dos sujeitos, como a igualdade de gênero,
e a incorporação pelas crianças e demais familiares dessa a superação de preconceitos, a relação da criança com
diversidade social e cultural. A escola precisa ser funda- a família/responsáveis, os direitos das crianças, o reco-
mentalmente um espaço de acolhimento da diversidade nhecimento das etnias que constituem o povo brasileiro,
humana, na sua beleza e potência, e buscar o banimento entre outros. Tais temas, no entanto, não devem ser tra-
de toda e qualquer manifestação de discriminação, racis- tados como uma data específica, nem devem ser objeto
mo, machismo, homofobia, xenofobia. de uma tarefa ou um conjunto de pequenas tarefas que
Bebês e crianças crescem mediados pelas suas rela- as crianças realizam, sem compreender o seu sentido.
ções familiares, pelos vizinhos e parentes, pelos amigos, Devem estar presentes no cotidiano da UE para cum-
pela escola, pelos brinquedos, pelas brincadeiras, pelas prir o seu importante papel de tornar-se uma atitude. Por
canções, pelas histórias, pelas religiões, pelas praças, outro lado, temas que não fazem sentido para as crianças
pelos centros culturais, cinemas, museus, teatros, entre e não provocam o seu envolvimento e desenvolvimento
outros. As experiências culturais são muito relevantes na devem ser repensados. Como exemplo, em 2015, cerca
formação das crianças, mas realizar essa experiência es- de 40% das famílias brasileiras eram chefiadas por mu-
tética juntamente com a família/responsáveis é algo que lheres (IPEA). Dentro desse universo, é alto o número de
constrói o maravilhamento. lares compostos apenas por mãe e filhos. Um percentual
pequeno — mas ainda assim significativo — de família/
Cena 26 responsáveis é composto por pai e filhos. Isso tem leva-
do as escolas a abolir as comemorações de datas como
No mês de junho, realizamos na escola um sarau cul- Dia das Mães e Dia dos Pais, realizando em vez disso a
tural. As crianças de 4 e 5 anos apresentaram para as Festa das Famílias/responsáveis. Contudo, mesmo essa
famílias/responsáveis várias músicas, poemas e poesias. saudável mudança precisa de constante reflexão: será
Para maior interação, colocamos um varal de poesias para que a melhor data para festejar as famílias/responsáveis
que a comunidade escolar pudesse escolher um poema é próximo às datas comerciais de Dia das Mães e Dia dos
e declamar com a opção de apresentarem poesias que Pais. Festas para a comunidade escolar — incluindo as
soubessem de cor. Assim, as pessoas que não dominam famílias/ responsáveis — devem se realizar com a comu-
a leitura, mas tivessem o texto de memória poderiam se nidade escolar, isto é, com a participação intensa das fa-
apresentar e presentear as crianças e os adultos. Grata mílias/responsáveis e das crianças, desde a sua decisão e
foi nossa surpresa! Muitos dos presentes declamaram o seu planejamento até a sua realização e avaliação, sem-
e compartilharam textos que tinham de memória, e as pre questionando o caráter comercial de tais eventos.
poesias do varal também foram lidas e recitadas pelas
famílias/responsáveis. Cena 27
A experiência relatada mostra a sensibilidade da
equipe em realizar um encontro com as famílias/respon- Iniciamos o debate com o grupo sobre datas come-
sáveis; sugerir, com a construção do varal, a possibilidade morativas e quais eram as justificativas pedagógicas para
de que essa participação não fosse apenas passiva, mas que elas existissem. Combinamos que primeiramente
que as famílias/ responsáveis também tivessem direito não haveria comemoração de Dia das Mães ou Dia dos
de contribuir ativamente no evento; em considerar e va- Pais, pois existem diversas configurações familiares, e to-
lorizar as características da cultura oral brasileira. Um dos das devem ser respeitadas. Também definimos, após de-
pontos mais sensíveis — e visíveis — da relação entre a bate, que datas com estímulo ao consumismo também
escola e as famílias/responsáveis são as festividades. Há não deveriam ser realizadas na escola. Por outro lado,
uma longa tradição escolar que foi apropriada, de modo datas que resgatam tradições culturais, lendas, folclore
pouco crítico, por creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 e deveriam fazer parte de projetos trabalhados em médio
5 anos), conforme a Lei de Diretrizes e Bases. e longo prazo, e não ser limitados a ações pontuais em
Quando escutamos os bebês e as crianças e conside- dias ou semanas próximas às datas determinadas no ca-
ramos as suas vontades de saber, não precisamos mais lendário.
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lançar mão de temas que preencham o seu tempo na Diante dessas definições básicas, que foram estabele-
escola sem promover o seu desenvolvimento cultural. É cidas no início do ano para nortear o trabalho e o plane-
isso que acontece quando pautamos o currículo por um jamento, em março/abril, debatemos sobre os projetos
conjunto de situações planejadas e propostas sem levar realizados por toda a Unidade Escolar e quais trabalhos,
em conta os desejos de saber daquele grupo. já definidos e em processo, seriam o tema norteador do
O trabalho com datas comemorativas na escola surgiu primeiro Dia da Família (definido para o final do primeiro
e se intensificou como uma forma de organizar, ao longo semestre).
do ano letivo, os conteúdos escolares. Em seu conjunto, Foi quando percebemos que existia um conflito, pois
misturam-se temas que de fato merecem ser discutidos esse dia estava planejado para um mês tradicionalmen-
com outros que têm caráter meramente comercial — e te de festas juninas. Assim, houve questionamentos das

42
famílias e da comunidade, que “esperariam a festa tra- A escola, por muito tempo, acreditou que fosse im-
dicional”. Como o trabalho da UE não se fundamentava portante comemorar todas essas datas dentro de seus
em cultura e regionalidade, mas sim em literatura, poe- portões. Acreditávamos que, ao dar um desenho para
sia, contos e livros que tratam as relações étnico-raciais e pintar com uma imagem sobre um desses temas, ao
de gênero, propusemos que o Dia da Família fosse uma copiar um pequeno texto, ao fazer uma lembrancinha,
festa literária, da cultura afro- -brasileira, com o tema do pintar o rosto, fazer um trabalho artístico, uma brincadei-
livro “As panquecas de Mama Panya”, que traz concei- ra, uma festa ou ritual religioso ou patriótico, estaríamos
tos de partilha e força comunitária. Por ser um processo inserindo os alunos na sociedade da melhor maneira. Po-
de mudança e formação da comunidade, realizamos três rém, aos poucos, fomos percebendo que na verdade o
meses de conversa e construção da festa abertamente nosso papel não era simplesmente reproduzir os discur-
com as famílias, na reunião de conselho e em reuniões sos sociais, e sim ter sobre eles uma visão crítica… modi-
de responsáveis. ficá-los. E muita coisa mudou.
Também utilizamos a agenda, para que, em capítu- Mudou nossa visão sobre sociedade, sobre história,
los, contássemos a história do livro, o objetivo do tra- sobre a escola e sobre o jeito de ensinar. Mudou nossa
balho e a síntese da festa. Convidamos também família/ visão sobre consumo, sobre manipulação, sobre crítica.
responsáveis a compartilharem um prato de alimento no Mudou nossa visão sobre direitos do homem, da mulher
dia e conseguimos apoio da comunidade, que se dispo- e da criança. Mudou nossa visão sobre arte, sobre cul-
nibilizou a participar da festa, com grupos de capoeira, tura, sobre o mundo. Mudaram as famílias/responsáveis
grupos de dança, contadores de história, integrantes do e religiões. Mudou nossa visão sobre o que realmente é
movimento negro e mães que realizaram oficinas. Nesse significativo ou não comemorar dentro da escola, sobre
processo, além de repensarmos a importância de festas o papel do professor e da professora e sobre como as
que ampliem o repertório cultural e de formação de to- pessoas aprendem. E diante disso tudo… como não mu-
dos, também repensamos o próprio processo de cons- daria nossa visão sobre as datas comemorativas?
trução da festa, que pôde ser feito com a participação da
Como afirma o PPP acima, “Quando se escuta as
comunidade escolar.
crianças e se considera sua vontade de saber, não é pre-
Problematizar a relação da escola com as famílias/
ciso lançar mão de temas que preencham o seu tempo
responsáveis e comunidades nos territórios é uma de-
na escola, sem promover o seu desenvolvimento cultural,
manda importante quando se está discutindo questões
como acontece com as datas comemorativas”. Pode-se
curriculares. A experiência com os Indique EI/RME-SP
pensar que há outros modos de enfrentar e superar a
(SÃO PAULO, 2016a) mostrou o quanto a presença das
ideia consagrada na tradição escolar de que as datas co-
famílias/responsáveis para discutir educação na escola é
memorativas são o núcleo de um currículo na Educação
interessante. O trecho do Projeto Político Pedagógico de
Infantil? Pode-se construir propostas alternativas para o
uma UE, a seguir, reflete sobre as festividades e as datas enfrentamento dessa questão?
comemorativas. A autonomia e a multiplicidade são importantes
para as UEs encontrarem caminhos diferenciados para
É uma característica dos seres humanos marcar a pas- orientar escolhas de como lidar com a substituição da
sagem do tempo de alguma forma, assim como fazer ri- organização do currículo com base em datas comemo-
tuais de passagem e comemoração. Precisamos registrar rativas, por um currículo comprometido com a formação
o tempo. E precisamos também de memória. Precisamos humana de bebês e crianças. As decisões serão distintas
marcar datas — lembrar um luto, uma luta, um momento e provisórias, até encontrar algo que deixe todos com a
especial, um aniversário, um fato histórico. Precisamos sensação de escolha acertada — mesmo que não total-
homenagear pessoas e lembrar periodicamente situa- mente consensuada.
ções que marcaram a vida de toda uma sociedade. As comunidades são distintas, assim como as forma-
E toda sociedade estabelece um calendário de datas ções das(os) educadoras(es), as histórias e os contextos
comuns que são importantes, sejam feriados ou não. São das escolas. Porém, há algumas questões que não po-
datas que vão pautando as nossas vidas e nos fazendo dem ser esquecidas: qual o papel dessa festa na vida das
crer que esses são os dias legais para se comemorar. crianças, das suas famílias/responsáveis e dos territórios?
Essas datas são aceitas por todas as instituições como Quais os argumentos que justificam e sustentam a sua
“oficiais”, e logo acabam fazendo parte da rotina das pes- realização? Será uma festa em que todos poderão par-
soas. É assim com datas históricas e patrióticas (Dia da ticipar, do planejamento à finalização, com liberdade e
Independência, Dia da Proclamação da República, Dia da igualdade?
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Bandeira), datas afetivas e comerciais (Dia das Mães, Dia As festividades fazem parte de um contexto cultural,
dos Pais, Dia dos Namorados, Dia das Crianças), datas por isso devem se relacionar diretamente com as especi-
festivas, religiosas e comerciais (Carnaval, Festa Junina, ficidades de cada território. Dessa forma, as festas só fa-
Páscoa, Natal), datas simbólicas (Dia da Mulher, Dia do zem sentido para determinado território quando expres-
Índio, Dia da Consciência Negra, Dia da Declaração dos sam suas manifestações culturais, quando são planejadas
Direitos Humanos, Dia da Paz ), datas culturais (Dia do Li- por todos os membros, quando refletem seus desejos e
vro, Dia do Folclore), datas que marcam eventos naturais necessidades e quando fazem parte da identidade des-
(início das estações do ano, Ano Novo, aniversários) e se território. É um equívoco pensar em uma festa para
datas de homenagem (Dia do Médico, Dia do Professor, os bebês e crianças: é essencial que eles façam parte do
Dia dos Animais). processo, e não somente das festividades. É preciso que

43
a UE assuma sua responsabilidade ética de auxiliar os adulto que fica diante de uma tela durante oito horas
bebês, crianças e suas famílias/responsáveis na reflexão seguidas, ou um bebê que é exposto a isso. Este últi-
de produtos “ditos para o consumo infantil” que, ao se mo ainda está consolidando o seu corpo, aprendendo
apropriar de estratégias lúdicas para o consumo, anulam movimentos e adquirindo posturas. Por isso, as crianças
suas identidades e ganham um verniz de que são coisas precisam de tempo longe das telas para se desenvolver,
de que eles gostam. movimentar-se, fazer amigos e investigar o mundo. Nas
Na cena a seguir, observamos uma turma de crianças UEs não é apropriado que as crianças fiquem expostas às
que se relacionam com grande admiração ao universo telas diariamente.
imaginário dos super-heróis: adultos fortes, com rou- As imagens em movimento são muito encantadoras,
pas especiais... As crianças desejam se parecer com eles, mas as crianças precisam se movimentar, fazer coisas,
usando capas, armas, adereços diversos que mostrem a explorar fisicamente o mundo ao redor. Em casa, os pe-
sua identificação. Porém, o herói está sempre longe, al- quenos terão menos oportunidades de conviver e brincar
guém que a criança ainda não pode ser. Assim, uma UE, com outras crianças.
preocupada com as referências de identidade, propôs às Nesse sentido, vídeos e canções precisam ser progra-
crianças os seguintes questionamentos: será que só exis- mados e selecionados, assim como as histórias, as brin-
tem esses heróis? Que outros heróis conhecemos? Que cadeiras e outras experiências que apresentamos. Faz
tipo de poderes encontramos em outros heróis? muita diferença convidar as crianças a irem até uma sala
especial, onde está a televisão, para assistir com os cole-
Cena 28 gas a um filme, desenho ou documentário, especialmen-
te escolhido pela(o) professora(or) depois de observar as
Kiriku é um herói pequeno e valente, que nos ajudou crianças, como um convite para conversar.
a pensar os poderes que temos de verdade! Organiza- Por isso, não deixamos um filme ou show musical li-
mo-nos para uma sessão de cinema, a fim de assistirmos gado durante toda a manhã, para entreter as crianças e
ao filme “Kiriku e os animais selvagens”. Durante a ses- passar o tempo. Na escola, as crianças precisam receber
convites para brincar e pesquisar, ter ambientes para
são, reconhecer-se no Kiriku, que corria, brincava, subia
construir, dançar, pintar, conversar, montar e remontar
em árvores e era muito rápido, ajudou a turma a ampliar
e, ainda, ter tempo para estreitar os laços de amizade,
o conceito de herói! Então, as rodas de conversa eram
uma vez que a escola deve ser um ambiente diferente
nutridas com muito interesse pelas habilidades do Kiriku,
do doméstico, como afirmam as DCNEI (BRASIL, 2010a).
que eram reproduzidas nos espaços dos parques e nas
Os recursos midiáticos permitem potencializar des-
brincadeiras. As crianças também tiveram a ideia de fa-
cobertas e experiências, incentivando a ampliação dos
zer a loja do Kiriku “pra gente fazer animais e tigelas e
mundos das crianças, assim como outras formas de olhar
vender igual ao Kiriku!”. Na experiência relatada, vemos o mundo à sua volta. Por isso, não se trata de escolher a
a importância de uma história com um personagem “não tecnologia e planejar a partir dela; trata-se de usar uma
convencional” que possibilita uma série de perguntas e tecnologia para potencializar uma aprendizagem, aju-
referências identitárias para as crianças. dando a alcançar os objetivos propostos. Equipamentos
Os heróis são geralmente homens, brancos e adul- e recursos digitais proporcionam situações e contextos
tos. Kiriku desafia o imaginário infantil, pois é um herói com em que bebês e crianças podem exercitar a criatividade
“cara” de criança. Para as crianças do Infantil I, Kiriku é al- e o senso de curiosidade e investigação, promovendo a
guém como elas. Há distintos traços identitários nesse per- autoria e o protagonismo.
sonagem, e essa é uma de suas riquezas. Para alguns, a sua Os equipamentos para registro de imagens, vozes,
negritude será um valor importante, afinal, quantos super- movimentos são fundamentais para que as crianças
-heróis negros existem? Para um menino, poderá mostrar aprendam a usá-los. Para contribuir para um diálogo
que mesmo as crianças possuem força, habilidade e esper- com as tecnologias, a Secretaria Municipal de Educação
teza. Uma menina, por sua vez, também se questionará se (SME) vem produzindo documentos que apoiam as prá-
esse menino pequeno pode ser tão forte, ela também pode ticas educativas e enfatizam a importância das lingua-
desenvolver força e habilidade. Por fim, todos poderão pen- gens artísticas e das oportunidades de aprendizagem
sar sobre a relação entre adultos e crianças. possíveis no encontro entre Arte, Ciência e Tecnologia.
A seleção de uma boa história, com personagens in- O texto sugere uma série de situações que podem ser
teressantes, pode levar a questionamentos importantes desencadeadas com crianças da RME-SP que hoje nas-
para a vida. Em relação ao uso de tecnologias, há ainda cem em contextos digitais. Precisamos propiciar a elas
poucas pesquisas sobre a relação entre as crianças da a possibilidade de viver e usufruir de momentos da vida
Educação Infantil e aparelhos como tablets, telefones,
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em conexão com a máquina e momentos da vida em co-


computadores, etc. São os profissionais da saúde que nexão com a natureza — viver em dois contextos, em
têm se ocupado de pesquisar e sugerir intervenções duas culturas. O avanço tecnológico criou oportunidades
frente a essa nova situação. As Tecnologias da Informa- diferenciadas para as crianças pequenas.
ção e Comunicação (TICs) fazem parte da vida das crian- O mundo do audiovisual (filmes, animações, games)
ças; portanto, é necessário refletir sobre o seu uso. ficou acessível. Isso exige dos professores novas reflexões:
Que relação a escola da infância (0 a 12 anos) deve como pensar seu uso com crianças? É preciso criticidade
ter com a tecnologia digital, e quanto tempo uma criança nas escolhas, e ampliar repertórios construindo referên-
deve ficar em frente a uma tela? Que tipo de conteúdo cias de escolha é papel da educação. Outra estratégia é
e que atitude deve ter em relação a essa visualização? É tornar as crianças não apenas consumidoras de produtos
importante considerar que há muita diferença entre um culturais, mas também produtoras de conteúdo.

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Para dar apoio a esse percurso de aprofundamento no campo das novas tecnologias, as(os) professoras(es) preci-
sam aprender a utilizar as tecnologias nas suas práticas pedagógicas, nos seus registros e comunicações, e também
como espaço de aprendizagem para as crianças. Não é somente uma técnica que está em jogo, mas uma estética, uma
ética e uma política. As tecnologias não são meios de informação e comunicação apenas, mas são também discursos
de formação da identidade.

Em síntese...

As palavras que sintetizam as ideias chave deste capítulo são interações, brincadeira, expressão, escuta, acolhimen-
to, participação, atividade. Interações porque bebês e crianças aprendem vivendo relações com os outros (adultos,
crianças de mesma e de diferentes idades) e com a cultura de seu território, da cidade, do mundo que passam a conhe-
cer. Brincadeira porque é a linguagem por meio da qual bebês e crianças aprendem e expressam o que aprendem nas
relações que vivem, porque é a forma como melhor aprendem nessa etapa da vida.
Expressão porque o processo de aprender e desenvolver as qualidades humanas é dialógico e requer necessaria-
mente a expressão de quem aprende e, por isso, a importância da convivência com as múltiplas linguagens. Escuta
porque aprender é resultado de um processo de comunicação entre adultos, bebês e crianças e a cultura e, por isso, a
escuta docente do que bebês e crianças estão nos dizendo (não apenas por meio da fala) é fundamental.
Acolhimento porque ninguém aprende quando se sente humilhado ou constrangido, quando sua história e sua vida
não são acolhidas pelo outro; por isso, acolhimento e escuta devem ser o coração do método no trabalho docente.
Participação porque, para aprender, bebês e crianças, juntamente com a(o) professora(or), são sujeitos das relações e,
como sujeitos, são agentes de seu processo de viver, aprender e constituir para si as melhores qualidades humanas.
Atividade como sinônimo de participação, num movimento em que bebês e crianças agem e aprendem quando são
envolvidos com o corpo, a mente e as emoções na vida que acontece na UE.

A REINVENÇÃO DA AÇÃO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A partir da Constituição Federal de 1988 e das demais legislações atualmente em vigor, muitas mudanças ocorre-
ram em relação à concepção de criança e de Educação Infantil. A criança, antes vista como objeto de tutela, passa a
ser considerada como sujeito de direitos. É preciso que esse direito não se limite apenas ao acesso à EI, mas garanta
a oferta de condições e recursos para que as crianças usufruam de seus direitos civis, humanos e sociais a partir de
experiências significativas nas Unidades Educacionais. Portanto, o cuidado e a educação das crianças, além de serem
responsabilidade da família/responsáveis, tornam-se também tarefa do Estado e da sociedade.
Compartilhar e complementar o cuidado e a educação das crianças com as famílias/responsáveis exige uma ges-
tão participativa que acolhe e dá voz aos diferentes segmentos da UE. O trabalho pedagógico da(o) professora(or) da
Educação Infantil se efetiva no conhecimento sobre o contexto onde ele está situado, na participação na elaboração do
Projeto Político Pedagógico, na definição de estratégias de organização da UE e nas discussões curriculares. Logo, sua
ação docente não está restrita à ação direta com bebês e crianças.
Para que a organização curricular seja significativa para as crianças, é preciso que ela também seja desafiadora
para as(os) professoras(es) e encantadora para as famílias. A ênfase no protagonismo infantil transforma a(o) profes-
sora(or) em articuladora(or) do currículo vivido na escola. Cabe a ela(e) colocar em interligação os quatro elementos
que compõem a relação pedagógica: as crianças, as(os) educadoras(es), os contextos e a cultura (saberes, linguagens
e conhecimentos).

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A cena a seguir aponta a possibilidade da interpre- dem a importância do objeto de apego ou transicional
tação da figura acima apresentada, da continuidade do (WINNICOTT, 1975) nessa fase de desenvolvimento. A
cuidado e da educação das crianças em diálogo com partir de Winnicott, Chokler discute o conceito de ob-
a família/responsáveis e a comunidade, na perspectiva jeto transicional, que possibilita a criação de uma rela-
proposta neste documento. ção ilusória entre a mãe e a criança: Um objeto familiar
que o adulto colocou bem próximo à criança. Este objeto
Cena 29 é investido com as características do apego e utilizado
pela criança como refúgio de si mesmo, precário ainda,
As famílias/responsáveis das crianças do Infantil I em defesa contra a ansiedade e a separação da mãe.
mostravam-se descontentes com a acolhida das crianças (CHOKLER, 2017, p. 54)
na entrada da EMEI, uma vez que não lhes era permitido A autora ainda afirma que, quanto mais marcado ou
o acesso à escola, diferentemente do que acontecia nos impregnado por algum dos signos sensoriais que tran-
CEIs. Os questionamentos realizados durante as reuniões quilizam (o cheiro, a temperatura, a textura), mais a crian-
com as famílias/responsáveis e a escuta atenta da equi- ça se sentirá acolhida. A especificidade da ação docente
pe escolar fizeram com que se buscassem alternativas, com bebês e crianças exige da(o) professora(or) e dos
dando origem ao Projeto “Manhã Brincante”. Este pro- adultos responsáveis um olhar e uma escuta atenta para
jeto foi incorporado à rotina pedagógica, como tempo organizar adequadamente um ambiente ao mesmo tem-
de acolhimento e de integração entre a escola e as fa- po seguro, acolhedor e desafiador, assegurando as con-
mílias/responsáveis, por meio de ações lúdicas. No pátio dições necessárias para um desenvolvimento pleno em
interno, quando as crianças e suas famílias/responsáveis termos cognitivos, afetivos e motores. Em nossa cultura,
chegam à escola, escolhem livremente os materiais com a lógica do desenvolvimento pleno da criança está ligada
os quais desejam brincar, assim como podem conversar a uma pedagogia intervencionista.
com a professora. Por exemplo, no desenvolvimento postural das crian-
A escuta atenta às famílias/responsáveis e a sensibi- ças, por vezes a(o) professora(or), com medo de que as
lidade do grupo possibilitou reflexões e a decisão cole- crianças se machuquem, impossibilita-as de explorar por
tiva na elaboração do projeto que permitiu uma reor- si ambientes externos e internos, exercitando movimen-
ganização do acolhimento às famílias/responsáveis e às tos de subida e descida de escadas, engatinhando, raste-
crianças na EMEI. Em todos esses momentos, o cuidar e o jando, apoiando-se em grades ou móveis para prosseguir
educar estão presentes. [...] a necessidade de conhecer os a expansão de suas capacidades motoras. No entanto, é
bebês e as crianças reais, vivas e concretas que compõem assim que elas constroem uma consciência e um tônus
as Unidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental. corporal que lhes dê segurança e conhecimento de suas
Assume-se como princípio os seus direitos à brinca- possibilidades até atingir a marcha.
deira, à expressão, à participação, à aprendizagem e ao A capacidade dos adultos de aceitar a ideia de que as
acolhimento, viabilizando a construção da autoria, da crianças são sujeitos de desejos, sentimentos e intenções
imaginação, da fantasia, do pensamento, da autonomia, próprias favorece a apropriação do conhecimento de
por meio da investigação, das descobertas, da alegria e mundo por meio de sua experiência. A função do adul-
das escolhas, que podem envolver ações coletivas, in- to é oferecer uma base segura para essas descobertas.
dividuais ou mesmo o recolhimento, isto é, a opção de Segundo Emmi Pikler (apud GRUSS; ROSEMBERG, 2016):
contemplar, observar e, em certos momentos, não se en- Ao facilitar a liberdade de movimentos assegurando as
volver. (SÃO PAULO, 2015a, p. 26). condições necessárias de um entorno material e de cui-
O relato que segue aponta a importância desse co- dado, brindamos ao bebê a possibilidade de mover-se
nhecimento para o reconhecimento e a solução de uma a seu gosto. Isto permite descobrir, unicamente por si
situação muito comum no momento de inserção de uma mesmo, por sua própria iniciativa e a seu próprio ritmo,
criança no cotidiano das UEs. os sucessivos estágios de desenvolvimento de suas pos-
turas e movimentos: experimentá-los, exercitá-los, aper-
Cena 30 feiçoá-los e logo utilizá-los segundo sua conveniência,
e, chegado o momento, abandonar alguns deles. (p. 19)
Desde o seu primeiro dia na Unidade, o menino cho- As crianças de um grupo, apesar de viverem em um
rava muito. Nada do que eu fazia despertava sua aten- mesmo território sócio-histórico-cultural, não podem
ção, mesmo a sala tendo vários cantinhos com brinque- ser vistas de forma massificada, como se todas fossem
dos e livros diversos. Percebi que o ursinho que ele havia iguais, como se tivessem a mesma história e as mesmas
trazido de casa o aconchegava. Nas refeições, sempre características. As crianças, com suas experiências e suas
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levava consigo e o colocava “sentado” ao seu lado na possibilidades de viver a infância, produzem um proces-
cadeira. Aos poucos, foi se sentindo seguro e começou a so de ressignificação pessoal e constroem continuamen-
se interessar pelas atividades, pelos cantinhos da sala e te as suas identidades pessoais e sociais.
pelos amigos. Reconhecer os bebês e as crianças reais e concretas
Mesmo se sentindo mais tranquilo, nunca se separou que frequentam as instituições de Educação Infantil como
do seu bicho de pelúcia nesses momentos. Esse relato produtoras de cultura é propiciar as condições essenciais
evidencia uma atenção e um respeito da professora e do para o acesso a processos de apropriação, renovação e
CEI à singularidade dessa criança, que necessita do seu articulação de conhecimentos e aprendizagens nas dife-
tempo para o processo de acolhimento e inserção na ins- rentes linguagens, assim como o direito à brincadeira, à
tituição. Eles respeitam o desejo da criança e compreen- convivência e à interação com outras crianças.

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Durante muitos anos, os bebês foram descritos e de- Como apontam as Diretrizes Curriculares Nacionais
finidos principalmente por suas fragilidades, suas inca- para a Educação Infantil (BRASIL, 2010a), o currículo da
pacidades e sua imaturidade. Porém, nos últimos vinte Educação Infantil deve ser compreendido como um con-
anos, as pesquisas vêm demonstrando as inúmeras ca- junto de práticas que buscam articular as experiências e
pacidades dos bebês. Temos um conhecimento cada vez os saberes das crianças com os conhecimentos que fa-
maior acerca da complexidade das suas competências zem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental,
sensoriais, sociais e cognitivas (BARBOSA, 2010). científico e tecnológico, de modo a promover o desen-
É a relação acolhedora e atenta entre bebês, crianças, volvimento integral de crianças de zero a seis anos de
educadoras(es) e suas famílias/responsáveis que possi- idade. Isso vem ao encontro do proposto no Currículo In-
bilita que atuem como protagonistas do processo edu- tegrador da Infância Paulistana, quando afirma: [...] nesse
cativo, ou seja, atores produtores de conhecimento. As sentido, a organização dos tempos, espaços e materiais e
crianças pequenas aprendem em situações da vida coti- a proposição de vivências precisam contemplar a impor-
diana (LAVE, 2015; BROUGERE, 2012; ULLMAN, 2013). E tância do brincar, a integração dos saberes de diferentes
aprendem o tempo todo, não apenas quando estão em componentes curriculares, as culturas infantis e culturas
ambientes ou situações formais. da infância em permanente diálogo. (SÃO PAULO, 2015,
Desde a chegada à UE, observam se são ou não re- p. 8)
conhecidas como pessoas que merecem um acolhimen- A(O) professora(or) tem um papel fundamental na EI:
to generoso; percebem se os adultos confiam que são atender as singularidades de cada bebê e criança e, ao
capazes de ter vivências interessantes com autonomia mesmo tempo, possibilitar as interações entre eles e a
de escolha, se observam e sustentam suas investigações construção do grupo. Esses aspectos são essenciais no
no ambiente ou se lhe respondem uma pergunta com processo de constituição do sujeito na primeira infância,
respeito, se as deixam ou não resolver um conflito. Os que implica também a apropriação dos conhecimentos
bebês e as crianças aprendem os ditos e também os não sociais e culturais. É importante a intencionalidade peda-
ditos; por esse motivo, as relações estabelecidas com as gógica, que se expressa na organização dos tempos, es-
crianças têm um papel fundamental. Bebês e crianças paços, materiais, dos artefatos culturais e das interações
aprendem quando participam nos processos vividos com que favoreçam e ampliem as aprendizagens e o desen-
o corpo, a mente e as emoções. volvimento de bebês e crianças.
Daí a necessidade de um planejamento pedagógico Para isso, é imprescindível planejar a prática pedagó-
flexível, elaborado com e para os bebês e as crianças. A gica, as experiências e vivências, em sintonia com as de-
seguir vemos a atitude da professora em acolher e res- mandas dos bebês e as crianças de sua turma. Também
ponder à curiosidade das crianças, ampliando as expe-
é fundamental selecionar e disponibilizar materialidades,
riências e os conhecimentos tanto seus como das pró-
assim como organizar formas de gestão dos tempos e
prias crianças.
espaços que permitam o estabelecimento de relações
democráticas com os grupos. Essa organização deve ofe-
Cena 31
recer diferentes possibilidades de escolhas para bebês e
crianças — possibilidades de estarem sozinhas, em du-
Quando minha turma de quatro anos brincava no
plas ou grupos. Em sua ação intencional, a(o) professo-
parque, um figo caiu na cabeça de uma criança. Curiosas,
logo pegaram o fruto e correram em minha direção, fa- ra(or) organiza espaços desafiadores, bonitos, instigan-
zendo várias perguntas sobre “aquela nova descoberta”. tes, que são um convite para a ação das crianças.
A minha primeira atitude foi reunir a turma e recolher É preciso propor vivências com e para as crianças
do chão alguns figos caídos. Abrimos alguns, a maioria e acompanhar esse percurso a partir da interação, da
verde e outros comidos pelos passarinhos. Nesse dia, o observação, do registro e do diálogo com as mesmas.
parque passou a ser a segunda opção da turma, que que- Cabe destacar aqui a importância do trabalho integra-
ria saber tudo sobre aquele fruto. do das equipes Gestora, Docente, de Apoio e Auxiliares
A partir das perguntas da turma, fomos em busca de Técnicos, na garantia de um trabalho de qualidade. Uma
informações e pesquisamos junto com as crianças no ce- proposta de intervenção pedagógica adequada para as
lular e no computador da escola. A descoberta mais sur- crianças de zero até seis anos caracteriza-se por uma ati-
preendente para nós foi o fato de o figo ser uma flor, e não tude que exige da(o) professora(or) reflexões e ações em
o fruto da planta. Durante a pesquisa, assistimos a vídeos, várias direções:
degustamos o figo, usamos a folha da árvore para fazer chá. • Considerar que sua ação docente não acontece ape-
Todas as vezes que voltávamos ao parque, notava as crian- nas na sala com seu grupo, mas nas discussões pe-
dagógicas de toda a escola;
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ças observando, recolhendo e dando explicações a respeito


dessa nova descoberta. Depois de termos acolhido a curio- • Saber que esta é uma docência compartilhada com
sidade das crianças sobre o figo, as crianças começaram a vários profissionais e, portanto, as ações exigem
falar mais sobre assuntos que as interessavam, ficaram mais trabalho em equipe;
atentas, observadoras e questionadoras. • Conhecer profundamente os bebês e as crianças
As ações docentes de observar, propor, conversar, com os quais convive: seus territórios, suas famí-
pesquisar, surpreender-se, reconfigurar, ressignificar, lias/responsáveis, suas singularidades, preferên-
comunicar estão presentes não definindo um caminho cias;
predeterminado, mas acompanhando e dando suporte • Ter a capacidade de relacionar a prática — a reali-
a partir das iniciativas individuais e coletivas dos bebês dade vivida — com os conhecimentos sobre a in-
e crianças. fância (psicologia, antropologia, sociologia, saúde,

47
entre outros), para poder organizar ambientes e a brincadeira e com projetos é experimentar a aprendi-
propostas cada vez mais desafiadoras no sentido zagem como uma ação coletiva, criando uma cultura de
de garantir as necessidades cognitivas, afetivas e aprendizagem colaborativa.
motoras das crianças no curso de seu crescimento. Ao acompanhar o processo de desenvolvimento dos
O saber acadêmico não é capaz de dar respostas projetos, bebês e crianças vão construindo formas pes-
prontas às questões da realidade, mas pode apoiar soais e grupais de aprender, de registrar e documentar
o pensamento, a interpretação e a compreensão suas aprendizagens — instrumentos importantes para
das situações vividas. Além dessa postura relati- dar visibilidade às suas produções e ao trabalho (BARBO-
va às crianças, uma(um) professora(or) da EI tem SA; HORN, 2008).
como compromisso realizar intervenções pedagó-
gicas que ampliem as experiências e descobertas O COTIDIANO VIVIDO E REFLETIDO
das crianças a respeito da compreensão do mundo
que as rodeia. Em muitas UEs, ainda encontramos organizações diá-
rias em que se sucedem a mesma sequência de ativida-
Essa atitude exige curiosidade (e estudo) do docente des e as mesmas canções que introduzem seus diferen-
pela arte, ciência, tecnologia, manifestações culturais, natu- tes momentos. Por que isso ocorre? Em primeiro lugar,
reza, meio ambiente, para poder oferecer para as crianças é importante considerar que, para muitos, a concepção
situações em que elas tenham contato com esses saberes de bebê e criança e a compreensão do modo como eles
que nem sempre são visíveis no cotidiano das UEs. A inten- aprendem ainda estão alicerçadas numa prática centrada
cionalidade pedagógica da(o) professora(or) de EI se cons- no adulto, do qual emanam todas as diretrizes e orien-
trói no diálogo com bebês e crianças, nas propostas que tações para os trabalhos a serem realizados, com uma
podem ser apresentadas a eles, como convites: uma boa expectativa de resultados semelhantes. Uma rotina assim
história, uma coleção de materiais de largo alcance, uma definida não permite que o inusitado e a curiosidade le-
dança, uma canção, ou qualquer outro elemento da cultura. gítima dos bebês e das crianças tenham espaço, como
Em essência, o planejamento não está completamente fina- frutos dos acontecimentos que cotidianamente estão
lizado com propostas de atividades e produtos finais pre- presentes, mas que não estavam previstos.
viamente decididos antes do encontro com as crianças. É na Essas ações funcionam como um catalisador das ex-
relação com a turma que o adulto se coloca como alguém periências vividas diariamente pelos bebês e pelas crian-
que apresenta um convite e que observa, aproveitando as ças, revelando como elas reinventam seus modos de
ações das crianças, suas conversas ou brincadeiras. Ao ob- viver a infância. A estruturação do dia dos bebês e das
servar as crianças e procurar escutá-las, poderá avaliar a ne- crianças vale-se de cinco variáveis que organizam o pro-
cessidade de intervenção, apresentando algo ou chamando cesso educativo: os espaços, os tempos, as interações, as
para uma brincadeira. materialidades e as narrativas (nas múltiplas linguagens).
Dependendo do modo como o encontro acontece, a
continuidade vai se estruturando. É preciso interesse e sen-
sibilidade para escutar o outro e configurar um grupo que
construirá um percurso de vida coletivo. A intervenção do
adulto se dá de forma indireta quando planeja experiências
significativas que as crianças precisam vivenciar para que
sua infância seja memorável. É uma docência relacional não
centrada na transferência de lições e em conteúdos escola-
res previamente definidos (BARBOSA, 2016), mas uma ação
docente e uma profissão que está a ser inventada (MANTO-
VANI; PERANI, 1999).
É pela necessidade dessa formação que a LDB
9.394/96 indica que, para ser responsável e estar pre-
sente como professora(or) das crianças na UE, faz-se
necessária minimamente uma formação em Pedagogia
e/ou Magistério do Ensino Médio. Ser professora(or) de
bebês e crianças é uma profissão exigente que demanda
formação inicial qualificada e formação permanente em
cursos, eventos e, especialmente, na própria escola com
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seus pares.
Os projetos abrem para a possibilidade de construir
uma docência em relação com as crianças, em que todos Nos capítulos anteriores, discutimos a importância
aprendem diferentes conhecimentos de modo situado de dar atenção à organização dos espaços, sejam eles
e não linear. Mais do que transferir informações pron-
internos ou externos, considerando como espaço desde
tas para as crianças, o papel da docência na EI é abrir
a cidade e os territórios, o parque, o refeitório, as salas
portas em direção aos saberes, às linguagens e aos co-
de referência, até os corredores da UE. É participando
nhecimentos humanos em sua diversidade, aguçando
desses espaços que os bebês e as crianças se socializam,
principalmente a curiosidade e o gosto pela pesquisa.
criam suas identidades pessoais e sociais e aprendem o
Para bebês e crianças, aprender pela reorganização dos
mundo de modo contextualizado.
espaços, pela disponibilidade de materiais e tempo para

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Nessa perspectiva, é fundamental entender a orga- continuamente, os espaços têm cores, o leite tem chei-
nização do espaço como um parceiro pedagógico da(o) ro, os objetos apresentam diferentes texturas, os sons se
educadora(or), no qual diferentes materialidades serão propagam e, desde muito cedo, eles escutam muitos ruí-
disponibilizadas para as interações infantis. Assim, a prá- dos. Em outras palavras, o mundo se oferece aos bebês e
tica pedagógica se alia à ação descentralizadora do adul- às crianças, e elas, a partir da experiência acumulada e da
to. sua capacidade de dar início a uma nova ação, começam
A riqueza desses espaços está vinculada aos objetos, a estabelecer relações e fazer transformações.
às imagens, aos materiais presentes e às elaborações que Todas as crianças procuram modos de contatar esse
os bebês e as crianças fazem em seu uso que permitem ambiente, ainda que tenham alguma deficiência. Certas
múltiplas e imprevisíveis respostas às ações das crian- deficiências podem, inclusive, levar à criação de meca-
ças sobre eles. Quando consideramos os tempos vividos nismos complexos para se situar e comunicar com os
pelos bebês e pelas crianças, é fundamental respeitar os outros; algumas podem levar anos para serem descober-
seus ritmos, o seu bem-estar e as suas possibilidades de tas, pois mantêm canais abertos de expressão. No que se
aprendizagem. É importante não submetê-los ao tempo refere às experiências e sua relação com as narrativas, é
do relógio, em que todos os momentos da rotina são importante considerar que as crianças vivenciam conti-
cronometrados, obedecendo a uma rotina sempre igual, nuamente diversas situações.
alheia ao inusitado, ao acaso que tantas vezes povoa o Algumas dessas vivências, pela intensidade, pelas in-
dia a dia das crianças. Como afirma Winnicott (1982), tra- vestigações, pela reorganização e conexões que proces-
ta-se de um tempo em que as crianças tenham uma ex- sam, são transformadoras dos sujeitos, mas cada criança
periência completa, e não vivências interrompidas a cada viverá essa experiência em situações diferentes, não há
momento. Uma experiência pode se iniciar de forma diri- como a(o) professora(or) decidir. Ter experiências é fun-
gida ou livre, mas quando ela é aberta, permite o acaso, damental para aprender, mas de modo complementar,
a intensidade, a criação e a construção de significados. O é preciso narrar a experiência. Ao narrá-la nas diferentes
tempo é um articulador da vida, é ele que corta, amarra linguagens, e um aprofundamento da experiência, uma
ou tece a vida individual e social. possibilidade de ressignificá-la e de compreendê-la de
É por meio das relações sociais que os bebês e as modo mais efetivo.
crianças vivem seus afetos, estabelecem suas relações e Ao brincar explorando objetos, ao desenhar, ao rea-
aprendem, constituindo-se as interações como o motor lizar o jogo simbólico, os bebês e crianças estão conti-
da vida, como já foi amplamente discutido no Capítulo nuamente narrando as suas preocupações, dúvidas e
2. Bebês e crianças interagem em momentos diferencia- indagações. A narrativa oral é uma das experiências de
dos do seu cotidiano. Por exemplo, quando as crianças aprendizagem mais complexas. Os percursos de narra-
chegam à escola, é uma tarefa importante da(o) profes- tivas exigem da(o) professora(or) um olhar atento para
sora(or) planejar como vai acolher as crianças e as fa- promover as expressões e os registros das crianças, e
mílias/responsáveis nesse momento inicial. Como ela(e) também para garantir seus próprios registros. Ao narrar,
estrutura o ambiente para esse acolhimento? Como cria complementamos a experiência com a escolha das pala-
nas crianças o desejo de estar na escola? Como organiza vras, dos gestos, das cores, das imagens e reconstruímos
a chegada de modo a atender um familiar com alguma o modo como os acontecimentos se deram. As emoções
notícia importante? Planejar a chegada dos bebês, das são revividas e ressignificadas, e a experiência inicial se
crianças e das famílias/responsáveis exige refletir sobre a modifica pelo modo como o sujeito se expressa. Todo
importância do acolhimento e traçar alguns rumos para grupo, organização ou instituição possui uma cultura de
esse trabalho que se transforma ao longo do ano. funcionamento.
As materialidades agrupam uma imensa gama de Qual é a cultura cotidiana da UE? Quais situações
objetos, ferramentas, instrumentos que possibilitam in- de aprendizagem estão preparadas para que os bebês
vestigar, pensar, inventar, raciocinar. Materialidades sig- e as crianças possam vivenciar no dia a dia? Quais mo-
nificativas são os jogos e os brinquedos, os objetos do co- dos de ser com os amigos e os adultos defendemos para
tidiano, os materiais artísticos, científicos e tecnológicos, as nossas crianças? Quais conhecimentos valorizamos e
os materiais de largo alcance como pedaços de madeira, possibilitamos que as crianças acessem? Que vivências
pedaços de cano, cordas, rolhas, entre outros. Quando inusitadas podemos possibilitar a elas?
planejamos as materialidades que vamos disponibilizar De que modo planejamos a vida cotidiana para que
aos bebês e crianças, é importante considerar quais ex- se sintam seguras do que vai acontecer na escola, mas
periências projetamos para eles, bem como a diversidade ao mesmo tempo felizes com a possibilidade de algo
e a quantidade de materiais, garantindo que possam fa- inusitado estar esperando por elas? Responder a essas
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zer suas escolhas individuais, sem que necessariamente perguntas nos remete a pensar que organizar uma jor-
façam as mesmas atividades ao mesmo tempo. nada diária para os bebês e as crianças é uma atividade
Complementando o ciclo, temos as narrativas. Na complexa. É preciso articular os tempos e espaços da UE,
história da humanidade, os seres humanos sempre con- refletir sobre as necessidades de bebês e crianças, com-
taram histórias. Os griots, os pajés, os cordelistas, os binar com os colegas, sem esquecer os compromissos
contadores de causos sempre estiveram presentes, e a educativos que assumimos quando temos um grupo sob
sua função era conservar a memória e tecer a história. nossa responsabilidade. Para organizar um cotidiano que
As linguagens participam da vida das crianças desde o atenda a essas variáveis, é preciso considerar as situações
seu nascimento. Nas vivências diárias dos bebês e das que provocam aprendizagens e que estão presentes no
crianças, os outros seres humanos conversam com elas dia a dia da escola:

49
• Modos de organização da vida na EI: essa organiza- ferentes experiências, envolvendo tanto a produção de
ção contempla os elementos fixos do dia a dia, que têm linguagens quanto a fruição das artes em todas as suas
profunda relação com toda a dinâmica da instituição, manifestações. Também aqui o direito de conhecer se faz
como os momentos de chegada e saída, as refeições, os presente, pois ao criar e inventar, as crianças constituem-
momentos de higiene, os usos do pátio, a organização -se como sujeitos. A cena a seguir demonstra como a
da sala de referência (antes e após o uso), o cuidado com EMEI organizou a jornada diária articulando os tempos e
as plantas. A organização da UE vai possibilitar, ou não, espaços do período intermediário.
o direito infantil à convivência, à participação e à brinca-
deira. Construir espaços para as crianças participarem da Cena 32
gestão da escola efetiva seus direitos.
• Modos de organização do grupo: são as rodas de Havia uma inquietação das professoras em relação ao
conversa, a distribuição das tarefas, o planejamento, as horário intermediário em nossa EMEI. Embasadas em ou-
reflexões coletivas, os jogos, a escuta das histórias, a or- tras experiências, criamos a proposta “Brincar e Reencan-
ganização dos registros coletivos, as conversas e os com- tar”. Às segundas-feiras, fazemos uma assembleia com
binados. Nesses diferentes momentos, são contempla- todas as crianças, para socializar as vivências, escolher os
dos os direitos dos bebês e das crianças à convivência, responsáveis e definir as atividades de autogestão (aque-
à participação e à expressão. Partilhar amplia o conheci- las que se realizam independentemente da interferência
mento de si e do outro e incentiva o respeito em relação do educador). Em geral são ofertadas cinco vivências às
às diferenças entre as pessoas. crianças, incluindo o almoço (espaço do refeitório com
• Cenários de investigações e brincadeiras: quando autosserviço).
queremos propiciar às crianças e aos bebês cenários As professoras se responsabilizam pelos diferentes
adequados às investigações e brincadeiras, garantimos a ambientes, e três adultos (inclusive a equipe de apoio)
eles o direito de explorar e de brincar cotidianamente de acompanham o almoço. Para auxiliar e zelar pelo bem-es-
diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com tar de todos, duas educadoras transitam pelos espaços e
diferentes parceiros adultos e crianças, ampliando e di- auxiliam as crianças que necessitam de alguma ajuda. As
versificando as culturas infantis, seus conhecimentos, sua vivências do “Brincar e Reencantar” acontecem simulta-
imaginação, sua criatividade, suas experiências emocio- neamente nos diferentes espaços da EMEI, das 11h10 às
nais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais 12h15 e das 13h40 às 14h45, possibilitando a livre cir-
e relacionais. Para isso, é importante considerarmos que culação das crianças e a rica oportunidade de fazerem
todos os espaços das UEs — parques ou salas referência escolhas e experienciarem múltiplas interações (crianças
ou mesmo corredores — favorecem a realização de brin- de diferentes turmas, idades e educadores), numa pers-
cadeiras e de investigações individuais ou em pequenos pectiva autoral e autônoma. Nesta semana, ofertamos
grupos. Quando colocamos à disposição dos bebês e das as seguintes vivências: massa de modelar, percurso com
crianças diferentes espaços e materiais que os desafiam obstáculos, parque, restaurante (almoço), alinhavo.
a interagir entre si e com o ambiente, proporcionamos Na autogestão, havia pistas com carrinhos e desenho
aprendizagens significativas. coletivo com canetinha, tendo a criança a oportunidade
• Projetos: organizar o planejamento em projetos diária de conhecer e participar de cada vivência, retornar
contempla, entre outros, o direto de crianças e bebês ex- quantas vezes desejar e apropriar-se significativamente
plorarem e interagirem nos diferentes grupos, ampliando dos desafios ora propostos. Ao término, é tocada uma
seus saberes, linguagens e conhecimentos. Assim, esta- música instrumental convidando as crianças a retorna-
mos sempre considerando e ampliando a curiosidade rem ao ponto de encontro com sua turma e professora.
e o desejo de saber deles, promovendo a participação Essa proposta demonstra como o coletivo da UE criou
na elaboração e no acompanhamento do projeto, assim alternativas de superação para os desafios apresentados
como escolhendo materiais, ambientes e outros recursos. no horário intermediário, a partir das inquietações do-
A metodologia dos projetos pode ser trabalhada como centes e da escuta das crianças. Reorganizando os espa-
sendo da escola, da turma ou de pequenos grupos. Vá- ços, tempos, interações e materialidades citados na cena,
rios projetos podem estar em desenvolvimento de modo a Unidade desconstruiu os modos de organização, que
concomitante na mesma turma de bebês e crianças. partiam da fragmentação do tempo e da divisão por faixa
• Oficinas ou ateliês: as diferentes linguagens podem etária, possibilitando às crianças autonomia na escolha
ser exploradas por bebês e crianças em espaços que con- das atividades, inclusive em relação à alimentação, de
templem o desenvolvimento de capacidades específicas modo a respeitar o tempo e os diferentes ritmos de cada
no desenho, teatro, circo, pintura, música, modelagem, um. Além da flexibilização dos tempos, a proposta da
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

literatura, etc. Um dos aspectos que determinam a qua- cena possibilita interações entre crianças de diferentes
lidade desses espaços é o tipo de material, sua diversi- idades, permitindo aprendizagens mútuas, como citadas
dade e quantidade suficiente para o número de crianças no capítulo das interações deste documento. Na descri-
da turma. Nesses espaços, contemplamos o direito de se ção dos momentos que compõem a estrutura básica de
expressar, proposto também na Base Nacional Comum um dia a dia em uma UE, foram explicitados os seis direi-
Curricular - BNCC (BRASIL, 2017), quando afirma que as tos de aprendizagem da BNCC (2017) para mostrar que
crianças e os bebês são criativos e sensíveis, expressam- eles não são apenas discursos de direitos: são princípios
-se com diferentes linguagens, sensações corporais, ne- de uma pedagogia democrática e também referência
cessidades, opiniões, sentimentos e desejos, narrativas, para a consolidação de uma metodologia de trabalho
registros de conhecimentos elaborados a partir de di- com os bebês e as crianças.

50
tura. Desse ponto de vista, bebês e crianças em atividade
são o foco central do trabalho pedagógico, tendo a nar-
rativa como fio articulador da vida em grupo. Para isso, a
escuta, a observação, o compartilhamento e o registro de
narrativas por parte da(o) professora(or) e das crianças
são imprescindíveis. A cena a seguir evidencia essa ideia.

Cena 33

As crianças de nossa EMEI foram convidadas a par-


ticipar da proposta de investigação dos espaços exter-
nos. De tudo o que observaram, o que mais aguçou a
curiosidade foi o trabalho das abelhas ao retirar o néctar
das flores. As crianças continuaram com o olhar atento
e curioso durante todo o ano. Um dia, notaram que uma
abelha estava construindo uma colmeia no parque. Foram
tantos questionamentos, pesquisas e descobertas que as
crianças decidiram apresentar todos os conhecimentos
construídos para as outras turmas, que, por sua vez, com-
partilharam as descobertas de sua turma com outras, crian-
do uma grande “teia de saberes e conhecimentos”.
A definição de algumas marcas que se repetem é im- As crianças e os bebês, em suas brincadeiras, investi-
portante para a organização dos grupos. A escola como gações e conversas, fornecem pistas que, se forem ouvi-
uma instituição social que envolve muitas pessoas ne- das, poderão ser o prenúncio de projetos interessantes.
cessita de uma organização da vida no coletivo. A orga- Porém, em muitas realidades, isso ainda passa desper-
nização do grupo, as investigações, as brincadeiras, os cebido pelas(os) professoras(es). Como já dito anterior-
projetos, as oficinas ou ateliês e as diferentes propostas mente, a atenção das(os) professoras(es), as observações
que cada um desses itens contempla podem ser vistas e a escuta sensível são instrumentos teórico-metodoló-
como peças de um tangram que, organizadas de dife- gicos fundamentais para iniciar a prática de projetos com
rentes maneiras, originam desenhos diferentes e retra- os bebês e as crianças. Quando estes estão envolvidos
tam diferentes culturas de escola. As diferentes formas nas decisões, quando se escuta a voz e se garante a eles
de organização dessas variáveis impactam a vida de cada a participação, mostram que são capazes de argumentar
bebê e criança e a vida do grupo — e, por isso, é fun- e ajudar a definir o que será realizado e como.
damental refletir sobre essas escolhas. Cada figura é um Cabe destacar que um projeto sempre começa e se
modo de organização que pode ser mudado e reconsti- desenvolve por caminhos próprios, em função das temá-
tuído conforme as reflexões e os processos dos grupos. ticas e suas problematizações, as ações da(o) professo-
Essas práticas acontecem num cotidiano que oportu- ra(or) e de seu grupo de trabalho. Esse é um processo
niza e favorece as experiências infantis sob a forma de ex- criativo, na medida em que permite ricas relações entre
plorações, investigações, hipóteses acerca do mundo que o que já se sabe e o que é novidade. Isso se justifica plena-
as rodeia. Nessa perspectiva, em vez de a UE ser lugar para mente nos tempos atuais, pois é importante que as crianças
aplicação de técnicas e atividades que visam ao treino, conti- possam compreender o mundo em que vivem, analisando,
das muitas vezes em folhas fotocopiadas, será um ambiente interpretando e estabelecendo relações entre as informa-
onde adultos, crianças e bebês partilham a vida e definem ções disponíveis. Esse processo não resulta de um soma-
projetos futuros. Essa vida poderá ser vivida em plenitude tório de informações; ao contrário, constrói-se mediante
com o uso de estratégias metodológicas que contemplem diferentes formas — desde o modo como se responde às
um currículo narrativo, em que as crianças e os bebês cons- perguntas das crianças e o conteúdo das informações até a
truam saberes, numa perspectiva relacional e usando múl- ideia chave que se relaciona com outros temas, nos quais
tiplas linguagens. Nesse contexto, uma metodologia perti- essa mesma ideia está incluída. Quando ouvimos e respei-
nente é a organização do trabalho em projetos. tamos as hipóteses dos bebês e das crianças, estamos con-
siderando o que eles sabem sobre o tema e, consequente-
PROJETOS: EXPLORAÇÕES E PESQUISAS NA VIDA mente, oportunizamos a elaboração de novas perguntas. A
COTIDIANA cena transcrita a seguir é um exemplo dessa afirmação.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Os documentos legais orientadores da ação pedagó- Cena 34


gica e curricular dessa etapa educativa — em nível nacio-
nal, as DCNEI (BRASIL, 2010a) e a BNCC (BRASIL, 2017) Durante a brincadeira no parque, as crianças encon-
para EI; em nível municipal, as Orientações Curriculares tram uma raiz de árvore que está exposta no chão. Os
para a Educação Infantil (SÃO PAULO, 2007) e o Currículo questionamentos entre elas as levam a uma hipótese de
Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) — que a raiz seja um osso de dinossauro. A curiosidade e
têm como um de seus pilares o entendimento de que a a euforia sobre o achado atraem muitas crianças, que se
criança é ativa e protagonista, que aprende ao brincar e colocam a procurar mais vestígios dos animais pré-his-
interagir com os seus pares, com os adultos e com a cul- tóricos. Elas começam a cavar com as mãos na tentativa

51
de conseguir retirar o osso encontrado. Um nó na raiz as leva a acreditar que aquele é mesmo um osso de dinossauro. A
professora pergunta: “Mas se é um dinossauro, o que é isso?” e aponta para o nó na raiz. “É a parte que fica dobrada da
perna”, responde uma das crianças, e todas concordam com ela. Os desdobramentos a partir da descoberta levam as crian-
ças a pesquisarem com as famílias/responsáveis sobre a alimentação dos dinossauros, os comportamentos, entre outros.
Como explicitado na cena acima, o projeto teve origem na observação atenta da professora à exploração das
crianças, vivenciada em uma atividade rotineira como a ida ao parque. A partir desse interesse e da intervenção da
professora, o projeto começa a se desenvolver. Isso mostra que a constante busca de respostas às várias questões que
vão surgindo alimenta o projeto, por meio de coletas de materiais: fotografias, livros informativos, pessoas que saibam
sobre o tema (professores, crianças mais velhas, família/responsáveis, especialistas), vídeos, jornais, revistas, objetos. À
medida que os materiais chegam, constituindo o acervo do projeto, combinamos com o grupo como vamos explorá-
-los. Essa etapa é muito importante, pois a partir desses materiais e subsídios é que o projeto vai se tornando potente.
Quanto mais informações forem obtidas sobre o tema, mais oportunidades emergem de criarmos junto com as
crianças estratégias interessantes que nos permitirão responder às perguntas. Portanto, a(o) professora(or) atua como
um guia que aponta vários caminhos que poderão ser seguidos. Isso na verdade se constitui no planejamento coope-
rativo do projeto que, de antemão, não estará pronto e definido desde seu início.
Tem um esboço que pode ser apresentado e validado com as crianças. Como podemos constatar, o papel da(o)
professora(or) nessa concepção metodológica se reveste de fundamental importância, pois cabe a ela(e) identificar o
tema a partir dos interesses infantis e organizar as estratégias e materiais, colocando as crianças e os bebês em contato
com diferentes objetos da cultura, que muitas vezes só estarão disponíveis na escola. Enquanto esse processo avança,
outras possibilidades vão surgindo e novas ações vão acontecendo, o que deverá ser registrado e organizado. Esse
registro poderá ser em forma de fotografias, de vídeos, de painéis com desenhos das crianças, de textos escritos pela(o)
professora(or) juntamente com as crianças, entre outras formas. É importante que esses materiais estejam disponíveis
ao olhar e às ações das crianças, pois vão se constituindo nas respostas construídas com elas às suas perguntas iniciais.
Um projeto que surge pelo interesse das crianças e que é planejado com elas e suas famílias/responsáveis não fica
restrito à UE: ele se desdobra nos lares e reverbera em todo o território. Portanto, a participação das famílias/respon-
sáveis se constitui numa parceria importante, não somente para terem ciência do que as crianças e os bebês fazem na
UE, mas também na contribuição com materiais que vão enriquecer o projeto, na interlocução das falas e ações das
crianças nos lares e na comunidade, contribuindo assim no planejamento dos caminhos que o projeto poderá trilhar.
No esquema posto a seguir, buscamos de um modo sintético e objetivo apresentar a estrutura de um projeto.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

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Reafirmamos que essa estrutura não é linear e nem Nesse caso, o projeto foi constituído a partir da escuta
tem uma sequência rígida, podendo ou não se repetir da professora das ações dos bebês e suas reivindicações
a cada movimento do projeto. Um projeto com bebês de manter seus familiares/responsáveis mais próximos.
pode não manter a mesma estrutura que projetos desen- Ela observou e procurou modos ativos e simbólicos para
volvidos com as crianças maiores. Mesmo quando não que as crianças ressignificassem seus sentimentos. A pre-
verbalizam, é certo que, se observados, os bebês dão sença dos familiares/responsáveis não era concreta, mas
pistas que poderão ser seguidas na construção de um as fotos e objetos cumpriam o papel de simbolização.
projeto. É importante considerar que, com bebês e crianças,
não se trabalha o tempo todo em torno de projetos, e é
PROJETOS COM BEBÊS possível coordenar com eles a existência de alguns pro-
jetos. Mesmo com crianças maiores, a realização das ati-
A característica narrativa dos projetos advém da ideia vidades do dia a dia, como as refeições, as brincadeiras,
de que todo esse processo vai sendo registrado nas dife- a roda de conversa, os momentos de higiene, ocupam
rentes linguagens: imagens, desenhos, textos de conver- grande parte da jornada e também são momentos de
sas, pequenos filmes que geram narrativas e produzem aprendizagem.
documentação pedagógica. Nesse sentido, poderíamos A metáfora de “portas que vão se abrindo” se ajusta à
perguntar: é possível trabalhar na perspectiva dos proje- metodologia de projetos. À medida que avançamos nas
tos com bebês? Afinal, eles não falam, não pesquisam em investigações das crianças — e das(os) professoras(es) —
livros, não fazem rodas de conversa. Se acreditarmos que e na realização de propostas que vão sendo projetadas
um dos pilares dessa metodologia é o estabelecimento e construídas com os bebês, é possível percorrer dife-
de interações e relações, a nossa resposta será afirmativa. rentes linguagens. Quando organizamos projetos, damos
Há peculiaridades significativas no trabalho com projetos aos bebês a oportunidade de viver uma vida em grupo,
envolvendo os bebês. Com bebês, é preciso considerar de compartilhar com os demais suas descobertas e dúvi-
que a aprendizagem está voltada às investigações sen- das. As crianças e os bebês começam a compartilhar um
soriais, às ações corporais, a construção das interações e mundo comum, formado especificamente no grupo, que
ao desenvolvimento das linguagens, com o jogo simbó- cria a possibilidade de uma constituição narrativa das
lico já se evidenciando. A(o) professora(or) precisa estar identidades pessoais e sociais.
atenta(o) às pistas que vão se delineando. Na cena a se-
guir, exemplificamos o início de um projeto com bebês. DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

Cena 35 A ideia e a prática da documentação pedagógica


têm uma longa história, que envolve um processo refle-
Um grupo de bebês na faixa etária de 1 a 2 anos ini- xivo e democrático de registro da prática pedagógica.
ciava o ano letivo e ainda mostrava algumas dificuldades A documentação nos diz algo sobre como construímos
de se separar de seus responsáveis, chorando, pedindo a imagem de criança, assim como de nós mesmas(os)
colo da professora, chamando pelo pai, pela mãe ou res- como professoras(es). Isso nos permite enxergar com
ponsável. Atenta ao que se passava, a professora pensou maior clareza o que estamos fazendo na prática. Nessa
em um projeto intitulado “Onde está minha família/res- perspectiva, a documentação pedagógica supõe e pro-
ponsáveis quando estou no CEI?”. A ideia era apoiar os põe outra forma de planejamento e registro do trabalho
bebês em seus processos de transição família–CEI para pedagógico, não linear e mais interativo, envolvendo a
superarem a separação. participação não só das(os) professoras(es), como das
Iniciando esse trabalho, ela solicitou às famílias/res- crianças, famílias/responsáveis e comunidades. Os regis-
ponsáveis fotos que retratassem o que faziam nos mo- tros do que fazem bebês, crianças e adultos em interação
mentos em que o bebê estava na UE. Com essas fotos e são fundamentais para a concretização de um currículo
materiais, montou um mural, no qual seguidamente os integrador em ação, construído a partir das ações e das
bebês apontavam seus pais ou responsáveis. Isso se re- práticas vivenciadas cotidianamente.
petia ao longo do dia, ora incentivado pela professora, A documentação pedagógica foi uma prática de re-
ora de forma espontânea. Paralelamente, a professora gistro aprofundada por Loris Malaguzzi (apud EDWARDS,
convidou os familiares a contarem ao grupo com o que 1996), que inicialmente consistia apenas em pequenos
trabalhavam ou o que faziam. registros de tudo o que acontecia com as crianças e que
Os familiares/responsáveis foram contar sobre os “recolhesse a essência da vida infantil”. O objetivo era
seus trabalhos e atividades domésticas, mostrando fotos conversar e discutir sobre esses escritos com outros co-
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e algumas ferramentas, inclusive explanando sobre como legas e a coordenação pedagógica no momento de for-
as usavam, e deixaram alguns objetos que se referiam à mação. Esses pequenos registros constituíram a gênese
sua ocupação. Nos dias seguintes à visita, esses materiais da documentação pedagógica, que pouco a pouco foi se
e objetos faziam parte das explorações dos bebês. Os expandindo em três funções:
bebês passaram a estabelecer relações com os objetos • A primeira é a função política de criar um diálogo
deixados pelos familiares/responsáveis e conseguiam entre a escola, as(os) professoras(es), as famílias/
identificá-los. Esses objetos serviam como objetos tran- responsáveis e a comunidade;
sicionais, uma vez que traziam a presença das famílias/ • A segunda função diz respeito ao modo como a
responsáveis para a UE. documentação apoia e sistematiza o acompanha-
mento da vida das crianças na escola (suas pro-

53
duções, imagens de suas ações, interações sociais Cena 36
e investigações científicas), criando memórias da
vida individual e coletiva do grupo; As crianças de uma turma do Infantil II estavam ob-
• A terceira é a função de constituir material peda- servando o céu. A professora questionou o motivo da
gógico para a reflexão sobre o processo educativo observação, e as crianças responderam que estavam
(MELLO; BARBOSA; FARIA, 2017, p. 9–10). Somente “vendo o sol ir embora”. A partir dessa escuta, a profes-
a partir desse processo reflexivo é que podemos sora iniciou um projeto sobre o pôr do sol, que se des-
pensar numa documentação. A documentação pe- dobrou no conhecimento sobre o sistema solar no qual
dagógica nos permite assumir a responsabilidade vivemos. Como coordenadora pedagógica, acompanhei
pela construção dos significados e chegar às nos- o processo de registro da professora desde o primeiro
sas próprias decisões sobre o que está acontecen- questionamento da criança até a escrita de um texto co-
do no processo educacional. letivo, tendo-a como escriba de todo o processo viven-
ciado.
Dessa forma, contribui para o acompanhamento, a Esse relato mostra a atuação da coordenadora peda-
reflexão, o planejamento e a avaliação do cotidiano na gógica no acompanhamento do trabalho desenvolvido
UE, proporcionando os meios para as(os) professoras(es) pela professora. É importante ressaltar o papel da equipe
e outros profissionais se envolverem no diálogo e na ne- gestora nesse processo, pois o modo como o registro
gociação sobre a prática pedagógica. Essa negociação apoia, organiza e sistematiza histórias, desenhos, ima-
se pauta na escuta atenta dos interesses infantis e no gens, palavras, ideias e produções das crianças e dos
acompanhamento de suas hipóteses. O registro diário e adultos permite divulgar e dar visibilidade às capacida-
sistemático perde o sentido quando restrito a descrição des e potencialidades das crianças, assim como ao traba-
daquilo que a(o) professora(or) determinou previamente lho desenvolvido por toda a equipe de professoras(es),
a partir de alguma medida de qualidade padronizada. O às famílias/responsáveis, aos visitantes e demais interes-
seu sentido e a sua potência estão no poder de desvelar sados em conhecer o trabalho da UE.
a realidade. Portanto, nesse contexto, a documentação Há uma homologia de processos quando professo-
pedagógica pressupõe uma observação atenta das po- ras(es) observam as crianças e suas produções para cons-
tencialidades, singularidades e competências das crian- truir a ação pedagógica; e coordenadoras(es) e gesto-
ças. ras(es) que acompanham o desenvolvimento profissional
Segundo Chokler (2017), “as competências são cons- das(os) professoras(es) pela observação e registros do-
truídas desde que o bebê nasce, nas relações que ele es- centes. É preciso dizer que a documentação pedagógica
tabelece com os adultos e com o mundo que o cerca. inexiste sem o registro e as intervenções permanentes,
Do prazer de sentir e fazer, a criança constrói sua com- com devolutivas escritas da coordenação pedagógica e
petência para pensar” (p. 26). A observação é um dos debatendo com outros profissionais da UE.
instrumentos utilizados para se conhecer os bebês e as A cena em questão revela a capacidade da professora
crianças. Por isso, é importante que a(o) professora(or) em escutar e observar as crianças, mas o acompanha-
considere o desenvolvimento de cada bebê e criança e mento da coordenadora por meio da leitura e proble-
que tenha a convicção de que compreenderá seus si- matização dos registros da professora durante o Projeto
nais e seus conhecimentos, se confiar neles e lhes der o “Pôr do Sol” é fundamental para qualificar a documenta-
tempo necessário. Essa atitude observadora e atenta é ção de todo o processo. Nesse caso, a professora fez a
que permite perceber as diversas expressões dos bebês escuta da curiosidade das crianças sobre o sol indo em-
e crianças. A(O) professora(or) deve ter uma intenção no bora, desenvolvendo um projeto de pesquisa com elas
momento da observação de um bebê, uma criança ou sobre o sistema solar.
um grupo de crianças em interações. Contudo, muitas vezes, as(os) professoras(es) chegam
As observações regulares e permanentes, as ano- a observar e registrar essas falas e manifestações das
tações, os registros e a comunicação entre as(os) pro- crianças, mas elas acabam sendo vistas como algo pito-
fessoras(es) dos diferentes turnos é que possibilitam a resco, sem a devida importância, e não reverberam no
coerência dos cuidados e do processo educativo, e um planejamento, ou seja, não configuram uma verdadeira
acompanhamento adequado do desenvolvimento e da escuta. Por esse motivo, a coordenação pedagógica exer-
aprendizagem de cada criança. Portanto, as informações, ce papel fundamental, pois, por meio de devolutivas es-
os acordos e as decisões comuns entre as(os) professo- critas qualificadas nos semanários e/ou diários de bordo,
ras(es) do mesmo grupo é que garantem um ambiente pode ajudar as(os) professoras(es) a pensarem sobre as
coerente para a vida de cada criança e do grupo, sendo manifestações das crianças, garantindo escuta, protago-
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importantes para construir uma relação de confiança en- nismo e intencionalidade no planejamento. Documentar
tre a UE e famílias/responsáveis/comunidade. A cena que é tornar algo público, coletivo, compartilhável.
segue apresenta o registro da coordenadora pedagógi- A cena revela a intencionalidade da coordenadora em
ca sobre a escuta, a observação e os registros de uma fazer com que a professora avançasse nos registros para
professora sobre um projeto que teve início a partir da promover a documentação de um projeto. A documen-
curiosidade e do interesse das crianças sobre a observa- tação feita a partir dos registros em múltiplas linguagens
ção do céu. nos possibilita oferecer aos bebês e às crianças elemen-
tos das suas histórias e memórias de sua vida na EI e
com seus amigos. Esses registros oferecem sentido para
a construção de uma narrativa de vida.

54
Assim, a documentação pedagógica mostra as expe- e criança é prática desejável e necessária. As observações
riências vividas, a intenção das propostas e o percurso das e anotações devem ser parte da rotina de trabalho da(o)
aprendizagens e do desenvolvimento de bebês e crianças professora(or), bem como a identificação de elementos
na EI e no EF. As(Os) professoras(es) criam e repensam os para composição da documentação pedagógica que re-
instrumentos de coleta e registro das informações que vele a trajetória infantil. É recomendável que a(o) profes-
são mais adequados nos diferentes contextos. A escolha sora(or) tenha sempre um caderno à mão para fazer suas
dos instrumentos e dos suportes vai depender de quem anotações, registrando os comentários sobre bebês e
serão os leitores e interlocutores; portanto, podem ser crianças separadamente (uma em cada folha, por exem-
úteis lápis e papel, gravador, câmera fotográfica, murais, plo) e anotando aquilo que chama a atenção, no sentido
portfólios, entre outros. de esclarecer sobre o processo de cada um deles a res-
A tomada de decisão deve ser sempre colegiada e peito da aprendizagem e do desenvolvimento em suas
participativa, pois dessas reflexões e análises surgem in- experiências e vivências.
terpretações, teorias e hipóteses sobre os significados, As cenas abaixo retratam trechos de dois relatórios
manifestações e produções infantis. Nesse sentido, é individuais produzidos pela professora do grupo citado
imprescindível, nas UEs, ter tempo e espaço para as re- na Cena 36 que vivenciou o Projeto “Pôr do Sol”.
uniões coletivas. Conforme a Orientação Normativa nº
01/13 – Avaliação na Educação Infantil: aprimoramento Cena 37
dos olhares, a sistematização dos registros sobre cada
bebê e cada criança permite uma reflexão permanente Quando conversávamos sobre o eclipse lunar que
sobre as ações e os pensamentos das crianças. Esses re- aconteceria no dia seguinte, perguntei ao grupo se eles
gistros assumem diferentes formas: relatórios descritivos sabiam o que era eclipse. [...] Então o Gabriel disse: “eu vi
individuais e do grupo, portfólios individuais e do grupo, no jornal que o eclipse é quando fica de noite e a lua vai
fotos, filmagens, as próprias produções das crianças (de- mudar de cor”. Como o horário da turma sair é às 19h,
senhos, esculturas, maquetes, entre outras) (SÃO PAULO, combinamos que no dia seguinte estaríamos observando
2013, p. 23). o fenômeno do eclipse, mas não deu certo. Então sugeri
A sistematização reflexiva dos registros é considerada que eles observassem quando chegassem em casa. No
documentação pedagógica, e a Orientação Normativa dia seguinte, Gabriel contou: “quando eu cheguei, eu e
acima citada ressalta que, para Dahlberg, Moss e Pence minha mãe vimos a Lua da laje da minha casa.
(2003), essa documentação revela o que os bebês e as A Lua estava toda vermelha”. [...] com a chegada da
crianças estão fazendo e dizendo ao desenvolverem seus primavera, expliquei que estaria enviando uma proposta
trabalhos e a maneira que a(o) professora(or) se relacio- para eles pesquisarem sobre a influência do sol nas es-
na com as crianças, assim como reúne o trabalho delas. A tações do ano. Gabriel me trouxe a sua agenda com a
maneira que a(o) professora(or) organiza essa documen- pesquisa escrita, e disse: “mas eu pedi pro meu irmão me
tação demonstra suas prioridades e revela seus posicio- ajudar a pesquisar e aí ele escreveu pra mim e eu já fiz”.
namentos em relação à forma que observa os bebês e Elogiei a sua iniciativa e sugeri que ele relatasse ao grupo
as crianças e entende essa observação como importante a sua descoberta, então o Gabriel explicou: “o planeta
e pertinente para registro. Assim, a seleção dos temas e Terra fica inclinado (mostrou a inclinação com as mãos)
trabalhos para compor a documentação é decisão da(o) aí ele vai rodando do lado do sol e aí fica verão”. Assim,
professora(or) e deve estar baseada naquilo que seja re- o Gabriel demonstrou que já identifica fenômenos mais
levante para o registro da aprendizagem e do desenvol- simples da natureza, destacando suas causas e efeitos,
vimento infantis. Essa Orientação e contou também com o apoio da família/responsáveis.
Normativa (SÃO PAULO, 2013) ainda ressalta que a
documentação pedagógica deve acompanhar os bebês Cena 38 [...]
e as crianças em seus percursos educativos, pressupon-
do que observar e registrar os desafios, as conquistas e Piettro também deu o seu relato dizendo o que tinha
planejar/projetar as intervenções é imprescindível para visto: “eu vi a lua de dentro do carro quando estava indo
a continuidade do trabalho intencional com eles. Para pra uma festa e meus irmãos falaram: “Olha a Lua e o
elaborar o registro de acompanhamento individual do planeta Marte!” Após os relatos, eles fizeram o registro.
bebê e da criança, a(o) professora(or) deve estar cons- Dessa forma, o Piettro estabeleceu relação com o que
tantemente atenta(o) àquilo que eles fazem, dizem e foi discutido em sala por meio da experiência que rea-
atuam ao longo do tempo. A observação de suas ações lizamos com a luminária para melhor compreensão do
é base do planejamento do cotidiano e das interações grupo. Passados uns dias, o Piettro, assim que chegou,
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pedagógicas, pois estes consideram interesses, deman- foi à minha mesa e disse: “Prô, eu pesquisei no celular da
das, frustrações, dificuldades e possibilidades dos bebês minha avó que os planetas estão em fila”. Então pergun-
e das crianças, assim como nos mostram como as hipó- tei se ele tinha pesquisado sozinho e fiquei surpresa com
teses evoluem, como se desenvolvem e quais são seus a resposta do Piettro, que disse: “Eu apertei o negocinho
interesses de aprendizagem. que fala (microfone) e disse ‘planetas’. Aí apareceu, eu
O objetivo principal do acompanhamento individual cliquei e fui assistir ao vídeo e vi que os planetas ficam
dos bebês e das crianças é registrar a trajetória de suas em fila”. Então percebi que sua iniciativa e curiosidade
aprendizagens e de seu desenvolvimento, revelando em buscar informações, demonstrando autonomia para
suas conquistas. Para isso, fazer anotações ao longo da usar o celular, fez com que o Piettro buscasse a tecnolo-
semana sobre as contribuições e evoluções de cada bebê gia para responder às suas indagações.

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Os relatórios permitem observar que, mesmo em um Acompanhe a criança e registre as intenções e res-
único grupo e projeto, cada criança percorreu caminhos pectivas ações); ideias para serem implementadas que
individuais e precisou ser acompanhada em suas especi- possam ajudar especificamente as crianças (vou trazer
ficidades. Além disso, cada criança, ao realizar diferentes mais livros que abordem o tema natureza e que falem
tipos de pesquisas e investigações, apropriou-se de sabe- sobre árvores e arbustos para ajudar na construção do
res distintos. No entanto, o mais importante foi conquis- jardim, mesmo que seja um jardim imaginário, em torno
tado: a curiosidade levou Gabriel e Piettro a elaborarem da casinha na área externa; vou disponibilizar vários for-
questionamentos, a buscarem formas de solucioná-los matos geométricos cortados em papéis de cores variadas
(seja perguntando para os irmãos, seja pela utilização da para que elas possam incrementar suas produções artís-
tecnologia) e por fim narrarem suas descobertas. Esses ticas, construir histórias, brincar de faz de conta).
relatórios são potentes, pois houve a observação atenta, A meta é revelar o que as crianças planejam, fazem,
o registro e a reflexão sobre os percursos de cada criança pensam e compartilham, e o que os adultos observam,
pela professora. As crianças, ao longo da EI, passam por pensam, planejam e como agem, além de suas dúvidas.
expressivas mudanças e aprendizagens. Por isso, na UE, Dessa forma, a escrita deve revelar explicitamente o con-
acompanhamos intencionalmente esse intenso processo, teúdo das ações, atividades, produções e conversas com
de modo a alargar suas experiências e vivências, cabendo as crianças de maneira que o leitor (o próprio adulto, os
à(ao) professora(or) registrar cuidadosamente seus mo- familiares/responsáveis, coordenadora(or), diretora(or)
dos de viver suas infâncias. Ter registros e compartilhar entre outros) possa reconhecer a criança e entender o
com os próprios bebês e crianças, com os profissionais caminho do desenvolvimento e aprendizagem que dese-
envolvidos e com suas famílias/responsáveis significa va- nham individualmente, com seus pares e com os adultos,
lioso recurso para expandir, com sentido e significado, ao longo do ano. Essas anotações alimentam o registro
a participação ativa em sua vida e na de seus colegas. A semestral de cada criança e ainda o planejamento peda-
observação individual e cuidadosa de cada criança é es- gógico diário.
sencial para uma prática pedagógica significativa e deve Nesse caderno, é interessante reservar algumas pá-
ser baseada nas concepções curriculares paulistanas. É a ginas para que o adulto anote também suas dúvidas,
partir dessa observação que todas as movimentações e ideias, pensamentos, estudos, observações e projetos
os planejamentos são elaborados. que possam enriquecer tanto o planejamento para e com
A voz da criança e a escuta ativa dos adultos são ele- as crianças, quanto o seu próprio preparo metodológi-
mentos chave para o acompanhamento das conquistas e co (leituras que fez para subsidiar suas ações, discussões
contribuições regulares das crianças. Regulares significa que teve com a coordenação pedagógica e seus pares,
que todos os fatos, sejam eles singelos, rápidos, enca- conversas com os familiares/responsáveis, observações
deados ou explícitos, devem ser valorizados. Anotar a feitas em outros espaços para além da Unidade e turma,
sequência das contribuições e expressões das crianças etc.), a fim de lidar com cada uma das crianças, suas in-
ajuda a revelar a trajetória de cada uma delas, e esse é o tenções e desafios.
objetivo central da educação. Essas anotações profissionais potencializam as opor-
É importante que os adultos fiquem atentos e intera- tunidades sociais, culturais e pedagógicas no dia a dia
jam com as crianças de maneira a entendê-las para po- da UE. É o início da construção da documentação peda-
der acompanhá-las, de forma rica e significativa, visuali- gógica, pois, ao anotar sobre as crianças, descrever suas
zando os caminhos infantis escolhidos, as preferências, ações e rever planejamentos, a dinâmica da sala enrique-
interesses e perguntas, ainda que às vezes a jornada de ce, assim como as produções.
algumas das crianças seja mais silenciosa (nesses casos, É fundamental que a coordenação pedagógica e os
devemos ser capazes de descobrir gentilmente o que es- colegas professores de outras turmas colaborem e aju-
sas crianças estão aprendendo, vivenciando e pensando). dem as(os) professoras(es) na qualificação desses regis-
É nossa tarefa registrar a trajetória de todas as crian- tros e apoie na escolha do melhor instrumento para o
ças. É importante preparar um caderno com páginas registro das situações e experiências de aprendizagens
dedicadas a cada uma das crianças, em que os adultos das crianças. É preciso refletir coletivamente sobre a or-
anotam sobre cada uma delas comentários (o que sur- ganização e a apresentação da documentação para os
preendeu na ação da criança?), colagens e fotografias diferentes segmentos: bebês, crianças, família/responsá-
de suas produções (como essas produções mostram a veis, comunidade, agentes externos, entre outros. Nesse
criação e aprendizagem delas?); perguntas que pode- sentido, é fundamental garantir horários coletivos para
riam fazer a elas enquanto brincam e criam, no sentido todas as UEs de EI, bem como assegurar que essas re-
de conhecer seu raciocínio e necessidades (o que você flexões auxiliem os profissionais da Unidade a elaborar
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

está construindo? Quais são os materiais que você está a análise coletiva dos registros e, portanto, das práti-
utilizando? Quem te ajuda?); descrição das observações cas. Assim, a documentação pedagógica não é apenas
sobre as ações e atitudes dos adultos em relação ao que um processo central para a aprendizagem das crianças
as crianças apresentam (a criança X tentou se comunicar e dos profissionais, é também um processo central para
comigo comentando sobre seu projeto que envolve os a aprendizagem dos formadores desses profissionais
tipos de folhas que tem no pátio da escola... pretende or- (AZEVEDO, 2009; OLIVEIRA-FORMOSINHO; KISHIMOTO,
ganizá-las para uma exposição); a compreensão do adul- 2002 apud OLIVEIRAFORMOSINHO; GAMBÔA, 2013).
to sobre os propósitos das crianças (você percebeu quais O registro da(o) professora(or) sobre o interesse de-
eram as intenções da criança ao juntar alguns livros, ca- monstrado pelos bebês e pelas crianças pode e deve in-
netas e bonecos no cantinho da linguagem? tervir no planejamento das atividades. Nesse sentido, a

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interlocução da(o) coordenadora(or) pedagógica com o vo, devem ser “recheados” de artefatos, materiais, brin-
registro da(o) professora(or) pode e deve ajudá-la(o) a quedos para as crianças interagirem. Ambas as escolas
potencializar o registro sobre as preferências e caracte- precisam se organizar como espaços acolhedores para
rísticas das crianças, a fim de qualificar a documentação as crianças e procurar materializar os direitos da infância.
pedagógica e educacional, contando sobre o percurso Para isso, é interessante que os espaços sejam pensados
coletivo e individual das crianças. Ao considerar a pre- para as crianças e permanentemente reconstruídos a
ferência de um grupo de crianças por jogos simbólicos, partir dos interesses delas. Nas salas, o chão, as mesas e
as(os) educadoras(es) podem reorganizar os espaços e as paredes devem ser propícios aos trabalhos coletivos e
propor materiais que potencializem a brincadeira simbó- aos registros das histórias vividas pelos grupos, deixando
lica. as marcas das crianças. Esses espaços precisam ser insti-
É muito importante envolver as crianças na organiza- gantes ao brincar, ao investigar, ao aprender.
ção desses espaços e materiais e documentar como se Os espaços, os tempos e as materialidades são me-
manifestam e se desenvolvem nesse processo. A organi- diadores das aprendizagens das crianças. Quando essas
zação do cotidiano deve ser foco central da observação, variáveis têm a atenção das(os) educadoras(es), as rela-
registro e documentação. Quando se elege o tempo, é ções entre as crianças são potencializadas. O cuidado em
necessário pensar que a brincadeira simbólica requer um todas as suas dimensões é outra característica de presen-
tempo diferenciado para a fruição, que deve ser observa- ça imprescindível quando estamos comprometidos com
do e acompanhado por meio do registro permanente e a educação de bebês e crianças em todas as etapas.
da documentação de todo o processo, de forma a tornar O cuidado de que estamos falando diz respeito às
públicas e coletivas as conquistas e intervenções realiza- muitas ações, previamente planejadas pelas(os) profes-
das com cada criança. soras(es), que levam em conta os sujeitos das aprendi-
zagens, em consonância com a Educação Integral. Isso
Em síntese... pode ser evidenciado, por exemplo, no cuidado do cor-
As palavras que sintetizam as ideias chave deste ca- po, da alimentação e também na escolha que se faz em
pítulo são protagonismos, intencionalidade pedagógica, relação às leituras a serem feitas às crianças, uma vez que
metodologia de projetos, registros e documentação pe- alimentam o imaginário e são importantes na formação
dagógica. Protagonismos porque a(o) professora(or) e as do leitor (SÃO PAULO, 2017). Adequar tais leituras ao
crianças compartilham e se alternam nos protagonismos grupo e oferecer aos bebês e às crianças a possibilidade
de uma organização curricular significativa. Intenciona- de entrar em contato com literaturas diversas perpassa
lidade pedagógica no planejamento e na organização o cuidado necessário a uma educação que se pretenda
dos espaços, tempos, interações (abordagem relacional), menos centrada no adulto.
materialidades e narrativas, favorecendo e ampliando as O modo de introduzir situações organizadas pedago-
aprendizagens e o desenvolvimento infantil. Metodo- gicamente propicia a construção da autonomia por parte
logia de projetos se dá a partir da observação e escuta das crianças e também evidencia o cuidado por parte do
atenta, aliadas à garantia de participação das crianças adulto. Por exemplo, o modo de se alimentar, que vai da
nas proposições pedagógicas e tomadas de decisões e mamadeira do bebê ao uso dos talheres e autosserviço,
ainda à intencionalidade da ação docente. Registros, tan- demonstra uma evolução necessária ao desenvolvimen-
to infantis quanto docentes, que materializam a observa- to social e a autonomia que se deseja. A infância é um
ção e escuta atenta das interações das crianças com seus tempo fundamental para bebês e crianças observarem,
pares e com as culturas. Documentação pedagógica se pesquisarem e experimentarem modos de participar e
constitui a partir do registro refletido e problematizado, pertencer a grupos, de investigar o mundo social e na-
dando subsídios à mudança na prática pedagógica. tural e de aprender a “dizer” a sua palavra, constituindo
assim autoria e protagonismo infantil.
ARTICULANDO A EDUCAÇÃO INFANTIL E OS ANOS Há imensas e intensas transformações nas crianças e
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL nas suas possibilidades nesse momento da vida, mas a
permanência dos quatro eixos estruturadores das cultu-
Historicamente, as Unidades de Educação Infantil (EI) ras infantis propostos por Sarmento (2003) indica pontos
não são semelhantes àquelas do Ensino Fundamental comuns do bebê até a criança de doze anos:
(EF), pois surgiram em momentos distintos, tendo obje- • a ludicidade, ou a capacidade de brincar;
tivos diferenciados. As creches e os jardins de infância ti- • a fantasia do real, ou a possibilidade de imaginar
nham como objetivo central proteger as crianças e socia- ativamente;
lizá-las; já a escola primária tinha como meta a iniciação • a interatividade, ou a interação contínua com os pa-
res ou com os adultos;
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das crianças nas letras e nos números. Ambas, porém,


possuem um ponto em comum: o compromisso de ser • a reiteração, ou o fazer de novo e, ao fazer de novo,
um espaço social para a educação das crianças. Pensan- reinventar o mundo. A compreensão dos bebês e
do nisso, este Currículo retoma o objetivo de efetivar o das crianças como sujeitos brincantes e que apren-
direito de bebês e crianças de zero a doze anos a serem dem em suas interações e experiências é pressu-
respeitadas em sua inteireza e sua integralidade, ressal- posto para que se estabeleçam as linhas de conti-
tando em ambos os níveis a sua condição de criança e de nuidade educativa entre ambos os níveis.
sujeito brincante.
Na educação de bebês e crianças, a sala e o parque, Desse modo, a escola e a família/responsáveis preci-
assim como os demais espaços e o território, são consi- sam apoiar esse processo de desenvolvimento acompa-
derados como espaços ricos de pesquisa. Por esse moti- nhando e possibilitando que as mudanças sejam positi-

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vas para os bebês e as crianças. As transformações físicas, formativo, contínuo e progressivo, constituindo-se em
emocionais, cognitivas e sociais pressupõem abandonar diferentes e insubstituíveis momentos da vida do edu-
algumas características, práticas e modos de ser, man- cando. A dimensão orgânica é compreendida pela obser-
tendo outros que garantam uma estrutura subjetiva e vação das especificidades e das diferenças de cada etapa,
identidade social. As propostas pedagógicas, por consi- sem perder o que lhes é comum.
derarem a escuta das demandas infantis, também preci- A ação de articulação é indicada como a de coorde-
sam ser alteradas, tendo como referência o interesse su- nação e integração do conjunto. A dimensão sequencial
perior das crianças e a imagem de infância que a escola da Educação Básica é muito importante na relação entre
precisa construir para poder consolidar a continuidade a EI e o EF, pois ela determina que os níveis educativos
educativa. possuam objetivos, práticas e exigências de aprendiza-
Atualmente, a legislação brasileira, com a perspectiva gens diferenciadas e complementares, de acordo com as
da Educação Básica — Educação Infantil, Ensino Funda- suas características.
mental, Ensino Médio —, convoca à reflexão no sentido Ao frequentar a Educação Básica, a criança vai cons-
de evidenciar continuidades e procurar estabelecer ar- tituindo um percurso formativo contínuo e progressivo.
ticulações entre a Educação Infantil e o Ensino Funda- Essa compreensão da dimensão sequencial reforça a
mental: ideia de que a EI tem seus próprios objetivos e métodos,
Superando as formas como se têm tratado as crian- não devendo ser subordinada às demandas de outros
ças de acordo com etapas do desenvolvimento (a criança níveis. Não cabe a ela antecipar processos de aprendi-
é uma até 3 anos, torna-se outra dos 3 aos 6 anos, e zagem, nem preparar as crianças para o próximo nível
outra, ainda, dos 6 aos 12 anos), o Currículo Integrador educacional, mas envolvê-las em processos educativos
defende que as potencialidades dos bebês e das crianças que enriqueçam suas experiências e ampliem seus re-
se ampliam à medida que vivem experiências que sejam pertórios culturais e humanos. Essa formação integrada
organizadas e apoiadas por educadoras e educadores e em diferentes linguagens será uma bagagem de grande
desafiadoras das ações das possibilidades das crianças. valor para as crianças ao chegarem ao EF.
Com educadoras e educadores intencionalmente or- A dimensão orgânica indica que a EI e o EF possuem
ganizando experiências envolventes com e para bebês especificidades, e isso determina que haja diferenças en-
e crianças, criam-se percursos de aprendizagens signifi- tre eles. É essencial resguardar as peculiaridades de cada
cativos e socialmente relevantes que se somam desde a um dos níveis, sem perder o que lhes é comum. A iden-
educação infantil até o ensino fundamental. Desse modo, tidade pedagógica de cada nível tem suas ênfases em
cuidam-se e educam-se bebês e crianças que pensam e conhecimentos distintos, pois eles atendem crianças com
agem de forma cada vez mais curiosa e autônoma no faixa etária diferenciada e suas práticas advindas de cul-
mundo. (SÃO PAULO, 2015a, p. 16) turas escolares e pré-escolares com origens diferentes.
O desafio que se coloca é o de superar e reconstruir A diferença entre os dois níveis — o Currículo Inte-
essa relação de integração. Nos documentos legais das grador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) de-
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação fende que as potencialidades dos bebês e das crianças
Básica – DCNEB (BRASIL, 2010f), das Diretrizes Curricula- vão sendo ampliadas à medida que eles vivem as suas
res Nacionais do Ensino Fundamental de 9 anos – DCNEF experiências, apoiadas por educadoras(es) comprometi-
(BRASIL, 2010c) e das Diretrizes Curriculares Nacionais da das(os) com ações desafiadoras das possibilidades infan-
Educação Infantil - DCNEI (BRASIL, 2010a), encontramos tis — pode ser enriquecedora quando há abertura para
a exigência da integração curricular entre as três etapas linhas de continuidade e o acompanhamento institucio-
com o objetivo de constituir o fluxo do Sistema Nacional nal das crianças.
de Educação. Mais recentemente, a Base Nacional Co- O grande compromisso das(os) gestoras(es), educa-
mum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017) ressalta a impor- doras(es) e das famílias/responsáveis com as crianças é
tância de se garantir integração e continuidade dos pro- construir processos claros de articulação, por meio de
cessos de aprendizagens das crianças, respeitando suas reuniões, entrevistas, ações de acolhimento, escola de
singularidades e as diferentes relações que elas estabele- pais, conselhos mirins, jornal mural, imprensa jovem,
cem com os conhecimentos, assim como a natureza das conselhos de escola, etc. Porém, ainda hoje se observa
mediações de cada etapa. Refletir sobre tais premissas que acontecem descontinuidades entre as orientações
é fundamental para que a continuidade dos processos político-pedagógicas da EI e do EF. O objetivo de reafir-
de aprendizagem das crianças seja respeitada e não haja mar a integração já explicitada no Currículo Integrador
rupturas bruscas, uma vez que a Educação Básica preza da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) é conseguir
pela educação integral dos sujeitos. superar os desafios da realidade. Esse documento pre-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tende definir, em conjunto com os responsáveis pelo EF,


QUAIS DIMENSÕES INTEGRAM A EDUCAÇÃO IN- princípios e estratégias que garantam uma integração
FANTIL E O ENSINO FUNDAMENTAL? curricular e a constituição de processos apropriados de
transição que estejam adequados às crianças.
As dimensões que definem essa integração são se- A falta de articulação entre as diferentes etapas da
quencialidade, organicidade e articulação entre eles. A Educação Básica tem criado barreiras que dificultam o
compreensão dessas características fica explicitada no percurso escolar dos alunos. Para a sua superação é pre-
Art. 18 das DCNEB (BRASIL, 2010f). Nele a dimensão ciso que o Ensino Fundamental passe a incorporar tanto
sequencial compreende os processos educativos, com algumas práticas que integram historicamente a Educa-
exigências de aprendizagens que formam um percurso ção Infantil.

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A entrada de crianças de 6 (seis) anos no Ensino Fun- Dentro de cada Unidade Educacional, de cada agru-
damental implica assegurar-lhes garantia de aprendiza- pamento, de cada pequeno grupo de bebês e crianças
gem e desenvolvimento pleno, atentando para a grande interagindo com seus pares, com os adultos, com os
diversidade social, cultural e individual dos alunos, o que brinquedos e objetos, com o mundo, seja na Educação
demanda espaços e tempos diversos de aprendizagem. Infantil, seja no Ensino Fundamental, há uma multiplici-
Na perspectiva da continuidade do processo educati- dade de pequenos mundos, constituídos pelos contextos
vo proporcionada pelo alargamento da Educação Básica, familiar, social, histórico, étnico-racial, de gênero, reli-
o Ensino Fundamental terá muito a ganhar se absorver gioso dentro dos quais bebês e crianças se constituem
da Educação Infantil a necessidade de recuperar o ca- como parte desses coletivos que carregam suas histórias,
ráter lúdico da aprendizagem, particularmente entre as alicerçam seus percursos e dão suporte para a constru-
crianças de 6 (seis) a 10 (dez) anos que frequentam as ção de suas identidades. Sendo assim, cada bebê e cada
suas classes, tornando as aulas menos repetitivas, mais criança são únicos, constituem histórias singulares.
prazerosas e desafiadoras e levando à participação ativa Esse reconhecimento supõe, por parte das educa-
dos alunos. doras e dos educadores, a organização de rotinas flexí-
veis, planejadas cuidadosamente e abertas à imprevisi-
A escola deve adotar formas de trabalho que pro- bilidade, à participação de bebês e crianças, fazendo-as
porcionem maior mobilidade às crianças na sala de aula, significativas. (SÃO PAULO, 2015, p. 27). Constituir um
explorar com elas mais intensamente as diversas lingua- currículo não transmissivo, mas constituído pela e na ex-
gens artísticas, a começar pela literatura, utilizar mais periência em espaços e territórios, com materialidades e
materiais que proporcionem aos alunos oportunidade de em tempos significativos ofertados para que haja movi-
raciocinar manuseando-os, explorando as suas caracte- mento, brincadeira, pesquisa, conversa, discussão e re-
rísticas e propriedades, ao mesmo tempo em que passa flexão, é um compromisso pedagógico que possibilita a
a sistematizar mais os conhecimentos escolares. integração dos currículos e dos sujeitos. A cena a seguir
Além disso, é preciso garantir que a passagem da Pré- demonstra o quanto a constituição de um currículo inte-
-Escola para o Ensino Fundamental não leve a ignorar os grador desencadeou um movimento no território.
conhecimentos que a criança já adquiriu. Igualmente, o
processo de alfabetização e letramento, com o qual ela Cena 39
passa a estar mais sistematicamente envolvida, não pode
sofrer interrupção ao final do primeiro ano dessa nova Na rua temos uma EMEF, um CEI e uma EMEI. Não é
etapa da escolaridade. (BRASIL, 2010d, p. 120) somente o muro que as separa: para além da barreira fí-
A dimensão de articulação precisa ser feita na pers- sica, cada uma delas desenvolve um trabalho organizado
pectiva das linhas de continuidade (território, grupo de e que contempla suas especificidades de aprendizagens
amigos, práticas pedagógicas, Projeto PolíticoPedagógi- individualmente. A proposta do Currículo Integrador de
co (PPP) com princípios comuns, currículos dialogados, consideração às infâncias é potente em um território
professoras(es) com formação adequada ao nível, entre como esse e foi desenvolvida por meio da ação super-
outros), propondo e reforçando a perspectiva de con- visora em reuniões setoriais. Assim, as UEs se articula-
tinuidade da Educação Infantil no Ensino Fundamental, ram propondo reuniões pedagógicas, JEIFs, visitações e
ao reconhecer que os objetivos da formação básica das participação de projetos coletivos. Por exemplo, sema-
crianças, definidos para a EI, devem prolongar-se durante nalmente a turma do projeto de Academia Estudantil de
os anos iniciais do EF, ampliando e intensificando grada- Letras da EMEF realiza contação de histórias na EMEI e
tivamente o processo educativo (BRASIL, 2010). As ações no CEI; as crianças do Ciclo de Alfabetização brincam no
de articulação se referem a aprofundar, do ponto de vista parque com as do CEI; entre outras ricas atividades. Nes-
de ações programadas, a integração curricular. Por outro se projeto de território, vemos a riqueza de ações que
lado, outra importante ação de articulação entre os dois puderam ser estruturadas a partir da discussão e da ten-
níveis educacionais precisa ser estabelecida pela constru- tativa de constituir um currículo integrado e práticas de
ção de alternativas para os processos de transição. transição entre as Unidades Educacionais.
A continuidade educativa está presente e certamente
A INTEGRAÇÃO CURRICULAR possibilitou para os bebês e as crianças e suas famílias/
responsáveis uma maior fluicidade nos futuros momen-
É preciso construir um currículo que possibilite re- tos de transição. Um currículo integrado deve aconte-
lacionar a educação de bebês com aquela das crianças cer de modo a encaminhar os processos pedagógicos a
maiores de forma integrada, a partir do compartilhamen- partir dos princípios de uma pedagogia da infância. Essa
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to de ideias e do debate de concepções e práticas que pedagogia se caracteriza pela escuta e pelo diálogo, pelo
permitam traçar as linhas de continuidade para pensar envolvimento entre docentes, famílias/responsáveis e
os PPPs. Isso exige que os profissionais discutam sobre crianças nos territórios, pelo respeito às culturas infantis,
concepções de infância e princípios educativos; sobre as entre outros, e também garante continuidade. O traba-
crianças, os seus direitos, os saberes, as linguagens e os lho pedagógico realizado na EI privilegia a curiosidade
conhecimentos — seus pontos comuns e suas diferenças, dos bebês e das crianças, mostrando caminhos que tam-
a função da Unidade de EI e a do EF — e os modos de bém estão presentes na vida e nas aprendizagens das
fazer uma escola que realize as práticas cotidianas. Dessa crianças de 6 até 12 anos, como recomenda o Currículo
forma: da Cidade – Ensino Fundamental (SÃO PAULO, 2017) para
o Ciclo de Alfabetização:

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1. As infâncias são diversas. ção vividos pelo bebê e pela criança, isto é, as transições
2. Crianças são detentoras de direitos e deveres. casa–CEI, CEI– EMEI e EMEI–EMEF, somando-se as tran-
3. Crianças têm direito a acessar múltiplas linguagens, sições casa–Unidade de EI e transições internas de cada
inclusive a escrita. UE. Identificar essa importante experiência de vida das
4. A brincadeira é um direito fundamental da criança. crianças como um fato educativo foi um grande avan-
5. A sala de aula, o pátio, o parque e a brinquedoteca ço legal, mas agora cabe a nós, educadoras(es), assumir
têm grande significado para as crianças e podem a necessidade de estudar o tema e propor alternativas
auxiliar na aprendizagem. pedagógicas. Algumas questões devem ser colocadas:
6. O Ciclo de Alfabetização demanda um trabalho do- como se propõe e como se acompanha efetivamente
cente coletivo, sistemático e coordenado. esse processo de transição? O que se deve romper e o
que é necessário manter? Para quem serve a continuida-
Compreender como as experiências dos bebês e de? Continuidade de quem? De quê? A seguir, as diferen-
crianças vão se reinventando e oferecem caminhos para tes transições serão abordadas.
as aprendizagens mais complexas é fundamental para
poder pensar as continuidades ou progressões, não por Transições na Educação Infantil
conteúdos advindos da estrutura das disciplinas, mas pe-
las aprendizagens constitutivas dos sujeitos nos grupos. A primeira transição vivida pelos bebês e crianças é
Além das iniciativas individuais, regionais ou de gru- especialmente complexa, pois deverão ficar menos tem-
pos de professoras(es), é imprescindível que cada vez po no território conhecido da vida familiar, com seus
mais as políticas públicas propiciem a integração cur- modos de vida, sua “língua” familiar, seus cheiros, seus
ricular, fazendo formações integradas e coletivas com gostos, e ingressar em outro território.
professoras(es) de crianças de 0 a 12 anos, abordando o A construção de um vínculo pessoal com os respon-
tema da transição entre os níveis. Essas linhas de conti- sáveis, a elaboração de uma proposta de inserção ade-
nuidade não estão prontas: elas precisam ser imaginadas, quada às crianças, o acompanhamento individualizado
discutidas, refletidas, tecidas, transformadas em proposi- de cada criança e sua família/responsáveis são base do
ções que se estabeleçam como marcos dessa necessária acolhimento na escola. Mas se as crianças perdem algo
integração. Os Relatórios Individuais de Aprendizagem ao deixarem seus lares para virem à escola, é preciso lem-
das crianças da EI, elaborados pelas(os) professoras(es) brar que na escola elas ganham amigos que são diferen-
de EMEI, chegam às mãos das(os) professoras(es) do pri- tes, aprendem canções, histórias, jogos, aprendem a se
meiro ano, pois isso já consta em calendário na prática expressar, desenvolvem suas curiosidades e conhecem
das EMEFs. Os relatórios qualificados colaboram com a adultos que os conectam com outras culturas, adultos
continuidade do desenvolvimento da criança, especial- comprometidos com a ampliação dos seus repertórios e
mente quando descrevem as vivências e os percursos com a escuta de seus gestos e palavras.
delas, complementados com imagens, desenhos, regis- As transições vividas nas UEs são momentos institu-
tros de falas, e não apenas caracterizando ou definindo a cionais que acompanham os processos de crescimento
sua personalidade. Conhecer a vida das crianças na ante- na vida das crianças. Cada momento de transição pre-
rioridade da escola de EF possibilita à(ao) professora(or) cisa ser compreendido em sua especificidade e deve ser
conhecer a singularidade da vida de cada criança e sua orientado no sentido de oferecer apoio para as crianças,
trajetória, e subsidia o seu planejamento para encontrar suas famílias/responsáveis e suas(eus) educadoras(es).
seu novo grupo, compreendendo cada criança. Quais questões envolvem o momento em que uma
criança passa a ter a sua educação compartilhada por
AS DIFERENTES TRANSIÇÕES dois grupos sociais (família/responsáveis e escola)?
Como o CEI pode acolher e apoiar os bebês e seus res-
As(Os) supervisoras(es), as(os) formadoras(es) das ponsáveis? Como organizar processos de inserção? Na
Divisões Pedagógicas (DIPEDs) e as(os) gestoras(es), por transição entre o CEI e a EMEI, qual o papel de um cur-
sua competência nas regiões, são essenciais na constitui- rículo integrado? Qual é a importância das reuniões in-
ção das transições. Elas(es) podem construir espaços de terinstitucionais, planejamento conjunto, etc.? Como in-
interlocução entre a UEs, pois conhecem as realidades e cluir as crianças, maiores interessadas, nessa temática?
são presença ativa no acompanhamento das transições. É importante considerar que as mudanças institucionais
Algumas atividades para apoiar as transições são realizar possibilitam também, para algumas crianças, reconfigu-
encontros setoriais para traçar ações de implantação do rações identitárias, a emergência de novas possibilidades
Currículo da Cidade, analisar a continuidade dos PPPs, de ser e de se constituir em outros grupos, rompendo
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organizar projetos de transição nos territórios, fazer a ar- com situações que podem estar estereotipadas.
ticulação com as UEs Municipais e Estaduais a partir da Em essência, não há apenas perdas ao sair de uma
perspectiva do pertencimento das crianças ao território. instituição; algumas crianças também terão ganhos pes-
Sabe-se que é um desafio romper com práticas que histo- soais com as mudanças. A passagem de uma instituição
ricamente estão constituídas, mas é preciso começar in- para outra oferece a oportunidade de se reconfigurar so-
tegrando gestoras(es), professoras(es) e educadoras(es) cialmente e de ter novos encontros com novas pessoas,
e elaborar um plano de transições para o território. além de uma multiplicidade de experiências novas. Po-
A legislação nacional estabelece a continuidade dos deríamos pensar, como afirma Rinaldi (2012), em “uma
processos de aprendizagens, por meio da criação de es- continuidade de pensamentos e ações”. Do ponto de
tratégias adequadas aos diferentes momentos de transi- vista legal, as transições entre as etapas do sistema edu-

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cacional parecem ser uma passagem tranquila. Porém, permanente entre escola e família/responsáveis e o res-
algumas crianças, famílias/responsáveis e educadoras(es) peito aos direitos dos bebês e das crianças são um pilar
enfrentam dificuldades nesse caminho. fundamental para que o ingresso das crianças nas UEs
O melhor é procurar conhecer quais são esses im- se desenvolva sem rupturas. Um relato recebido conta
passes e como fazer para remanejar esse percurso. Es- uma experiência em que um grupo de mães contribui
cutar os adultos, escutar as crianças, valorizar o diálogo para a finalização de um período no CEI e a abertura das
e a participação, criar estratégias e uma organização que expectativas para a ida à EMEI. Segundo a autora, poder
possa articulá-los. Segundo Myers (1994), é preciso pre- realizar uma despedida e uma transição tranquila e sau-
parar a escola para as crianças, e não as crianças para a dável, tanto das crianças como dos familiares que vão
escola. A transição exige dar tempo para as crianças e para a EMEI, é essencial.
estabelecer um diálogo sensato das UEs entre si, e entre
as UEs e as famílias/responsáveis. Cena 40
No ingresso das crianças ao CEI, a família/responsá-
veis tem grande relevância, e as estratégias de inserção Planejamos encontros com as famílias/responsáveis
dos bebês e crianças devem ser aprimoradas: entrevistas, para decidirmos, a partir da escuta e da participação co-
reuniões, conversas com as(os) professoras(es), tempos letiva, como será o processo de transição e encerramento
diferenciados para a inserção, tempo de brincadeira com do ano. Escolhemos a data, o cardápio, a organização e
as(os) profissionais para a criação da confiança, seguran- decoração do espaço, assim como a apresentação cultu-
ça e intimidade. ral. Nesta, resolvemos fazer uma experiência inovadora:
Para apoiar os bebês e as crianças e suas famílias/res- em vez de as crianças se apresentarem, os familiares dan-
ponsáveis, é fundamental que as instituições educativas çariam para elas. Surgiu um dilema: o que dançar e como
e suas(seus) profissionais possam estar genuinamente dançar? Por meio do diálogo, os educadores mostraram
— e não burocraticamente — em relação nos encontros, um leque de ritmos da cultura popular, prevalecendo
que serão previamente organizados, para conversar so- a dança do carimbó, ritmo alegre e envolvente. No iní-
bre as linhas de continuidade e sobre os bebês e as crian- cio, havíamos planejado uma única apresentação, mas a
ças. As reuniões conjuntas e os cursos de formação para emoção foi maior e o ritmo contagiou e tomou conta dos
professoras(es) de ambos os níveis podem ser contextos corpos das famílias/responsáveis. Descobriram que dan-
de qualificação do trabalho com as crianças. çar aprimora o corpo e a mente, trazendo ao cotidiano
Ver o ponto de vista do outro colega, estabelecer uma grande alegria e paz de espírito. Quando efetuada
princípios, discutir sobre as possibilidades e desejos são em grupo, a dança proporciona sensação de bem-estar,
atos dos adultos para prever e preparar crianças e fa- favorecendo a interação, criatividade, sensibilidade e so-
mílias/responsáveis para o novo contexto, estruturando cialização das famílias/responsáveis na comunidade es-
continuidades para todos. Porém, seja na saída do CEI colar.
ou da EMEI, as crianças assumem maior protagonismo: O momento descrito foi o de conclusão de percurso
é fundamental encorajá-las a enfrentar as mudanças e a em uma Unidade Educativa. Não houve uma tradicional
crescer. As instituições podem favorecer a integração a formatura, que é uma proposta inadequada de ser reali-
partir da realização de encontros, nos quais as crianças zada na EI, mas uma comemoração de finalização de ciclo
possam visitar a nova escola para fazer um piquenique, que, com alegria e solidariedade, autorizou as crianças
sejam convidadas a brincar na praça com demais crianças a seguirem adiante e a se despedirem sorrindo. A ação
da nova escola, visitem a biblioteca para escutar um con- permitiu aos pais um encontro, pois esse relacionamento
to ou até mesmo passem um dia na escola nova. familiar é que vai dar continuidade à manutenção das
Vale também realizar jogos dramáticos nos quais as amizades entre as crianças. Foi uma comemoração à al-
crianças representem situações futuras como de ingres- tura das crianças. Qual seria o significado de uma forma-
so, ir ao refeitório, ao banheiro, às salas; imaginar que tura com toga para crianças de cinco anos? Por que uma
coisas vão levar na mochila, como será o lanche, o que atividade que é formal, e não um momento de despedida
farão no recreio; escutar histórias nas quais essa temática em que todos possam se relacionar, aproveitar para con-
esteja presente, para poder externar os medos; pergun- versar e brincar, isto é, fazer coisas de criança? Na Orien-
tar o que sabem de sua nova escola e debater as opiniões tação Normativa nº 01/13, consta o seguinte: Assim, a
que têm sobre as instituições. Esses são alguns modos de transição efetiva-se como um momento positivo que res-
apoiar as crianças nas suas transições escolares. peita o desejo de conhecer e considera a continuidade
Observar as diferenças entre as instituições e con- do processo de aprendizagem. Pode ser articulada com
versar sobre elas é muito importante para as crianças, ritos de passagem significativos (ações conjuntas entre
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pois ajuda no planejamento dessa transição. Aqui vimos as duas etapas da educação básica), a partir de contextos
alguns exemplos que mostram possibilidades, e muitas próximos do universo significativo dos meninos e meni-
outras existem. Portanto, explorar alternativas e assu- nas. Nessa linha, são consideradas descontextualizadas
mir a responsabilidade com as famílias/ responsáveis é as formaturas, pois não fazem parte do universo infantil.
necessário, pois as transições atingem as crianças cada (SÃO PAULO, 2013, p. 27)
vez em uma idade mais precoce. Conforme afirmam os Serão vários os momentos de transições que cada
Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulista- criança (ou grupo de crianças) viverá em seu processo de
na – Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016a), as famí- vida escolar: as grandes transições do CEI para a EMEI e
lias/responsáveis têm um importante papel na acolhida da EMEI para a EMEF. Todavia, também estão presentes
das crianças nas UEs (Dimensão 7, p. 54). A comunicação as pequenas transições, como a mudança de professo-

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ras(es), a aprendizagem do uso do banheiro para a hi- g) outras informações julgadas pertinentes. O com-
giene pessoal (desfralde), a saída de um colega da turma, promisso das famílias/responsáveis e das escolas é
entre outras. Cada transição merece ser vista como um ter atenção a essas situações de transição e apoiar
compromisso da instituição, e deve ser acompanhada as crianças para que não se sintam sós ou pouco
na perspectiva das crianças, das famílias/responsáveis, reconhecidas em seus saberes.
das(os) educadoras(es), com o intuito de tornar esses
momentos de transformação marcos do crescimento. Na articulação entre esses dois níveis (EI e EF), cabe
aos adultos propiciar às crianças confiança, segurança,
A transição da Educação Infantil para o Ensino boas expectativas para enfrentar os desafios que são co-
Fundamental locados pelo crescimento e pelas mudanças educacio-
nais que esse desenvolvimento propicia. Estabelecer um
Apesar de a articulação entre a EI e o EF ser um pro- plano de trabalho no território e com as famílias/respon-
blema antigo, a abordagem das transições é um tema sáveis é imprescindível, e utilizar as referências das(os)
novo no campo. Nos documentos específicos das DCNEI profissionais da EI, por meio de relatórios das crianças,
(BRASIL, 2010a) e DCNEF (BRASIL, 2010d), estão presen- também é uma prática que deve ser estimulada. O re-
tes tópicos relativos à articulação da Educação Infantil latório, parte da documentação pedagógica, é um do-
com o Ensino Fundamental. Nas DCNEI (BRASIL, 2010a), cumento que subsidia a(o) professora(or) a conhecer as
a abordagem das transições se coloca no Art. 10, que crianças e iniciar seu planejamento pedagógico, e não
trata do acompanhamento e da avaliação, sugerindo que deve ser encarado como um boletim escolar, apenas
as instituições devem criar procedimentos para o acom- para o registro de frequência, que fica arquivado na se-
panhamento do trabalho pedagógico, com a utilização cretaria da escola. A cena a seguir demonstra como o
de múltiplos registros realizados por adultos e crianças relatório individual pode ser encaminhado da EMEI para
(relatórios, fotografias, desenhos, álbuns, etc.), os quais a EMEF de modo a subsidiar a continuidade dos proces-
permitam às famílias/responsáveis conhecer o traba- sos educativos.
lho da instituição e os processos de desenvolvimento e
aprendizagem infantil. Já no Art. 11, é dado um importante
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alerta para que, na transição para o EF, a proposta peda-
gógica preveja formas de garantir a continuidade no pro-
A EMEF recebe as crianças da EMEI de um mesmo
cesso de aprendizagem e no desenvolvimento das crianças,
bairro. Os relatórios de atividades elaboradas pelas pro-
respeitando as especificidades etárias. Ao transitar de uma
fessoras da EMEI são documentos ricos e cheios de infor-
escola de EI para uma de EF, em relação às(aos) professo-
mações importantes sobre o desenvolvimento das crian-
ras(es), é muito importante que eles conversem sobre o que
ças. No entanto, seu bom uso é um desafio que esbarra
as crianças já conhecem, ou não, sobre o funcionamento da
escola de Ensino Fundamental, pois as crianças que estão em questões burocráticas, de centralização ou até mes-
chegando têm muitas dúvidas e fantasias sobre o tema. mo de desconhecimento. A coordenadora pedagógica
Qual a bagagem que as crianças da EI levam para o da EMEI se dispõe a não apenas entregar os relatórios à
EF? A bagagem das crianças nem sempre é a tradicional. EMEF, mas a realizar reuniões de planejamento, no início
São as suas aventuras, os seus questionamentos, os seus do ano, com a coordenação da EMEF e as professoras
conhecimentos, as experiências que viveram ao longo de com aulas atribuídas nos primeiros anos da escola.
suas vidas dentro ou fora da escola, as amizades, os in- A identificação dos relatórios das crianças como do-
teresses e os seus “tesouros”: desenhos, documentações, cumentos de grande valor pedagógico e a disponibili-
fotos, entre outros constituídos ao longo da EI. Qual é o dade das(os) professoras(es) e/ou coordenadoras(es)
valor atribuído a essa história de vida vivida no CEI ou na pedagógicas(os) de participar de reuniões para tecer co-
EMEI pela EMEF? Como organizar o cotidiano nessa nova mentários e esclarecer dúvidas sobre o grupo são uma
etapa a partir desses indicadores das crianças? Segundo importante mudança institucional, que certamente terá
a Orientação Normativa nº 01 (SÃO PAULO, 2013), um efeitos na inserção da criança na escola. A(O) professo-
relatório que reflita a trajetória percorrida pela criança e ra(or) do primeiro ano terá maior conhecimento sobre as
que forneça elementos para a continuidade do trabalho crianças e certamente poderá acolhê-las de modo mais
pedagógico deverá conter: personalizado e efetivo. Também é muito importante es-
a) o percurso realizado pelo grupo decorrente dos re- tar alerta para que as informações não possuam juízos de
gistros semestrais; valor, pois podem estigmatizar as crianças.
b) o percurso realizado pela criança individualmente A(O) professora(or) do EF, ao ler o documento, tam-
bém precisa ter a consciência de que este é um ponto
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nesse processo;
c) anotações contendo falas ou formas de expressão de vista sobre a criança num tempo e espaço, e que as
da criança que reflitam sua autoanálise; crianças mudam muito, transformam-se e têm atuações
d) parecer do(a) educador(a) fundamentado nas ob- distintas em situações diferenciadas. Consagrar no EF um
servações registradas no decorrer do processo; período de acolhimento para que as crianças possam ter
e) parecer da família/responsáveis quanto às suas ex- tempo para conhecer a nova realidade e fazer amizades
pectativas e os processos vividos; é tão importante aos seis anos quanto na Educação In-
f) observações sobre a frequência da criança na Uni- fantil. Realizar atividades diversificadas, que integrem
dade, como indicador de sua interferência no pro- o grupo e o localize no espaço da nova escola é ação
cesso de desenvolvimento e aprendizagens da fundamental das(os) professoras(es) do 1º ano do EF. Na
criança; perspectiva da continuidade educativa, vamos tratar de

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duas cenas de modo contíguo: uma sobre a brincadeira atividades que envolvem o registro escrito, etc. É muito
no primeiro ano do EF e outra sobre a escrita na EI. Esses importante que a(o) professora(or), ao planejar o traba-
temas precisam ser repensados, pois, por muitas vezes, lho com a linguagem escrita, tenha como foco a inten-
há preconceito e ausência de diálogo entre a EI e o EF cionalidade pedagógica do que propõe, ou seja, o seu
sobre eles. A partir da compreensão do ponto de vista uso social.
das crianças, poderemos enfim superar esse problema Deve considerar que, ainda não sendo leitoras, as
histórico. crianças precisam ter o contato com pistas para que, par-
tindo daquilo que já conhecem ou lhes é familiar, uti-
Cena 42 lizem estratégias para desvendar aquilo que ainda não
dominam. Para tanto, deve-se escrever com as crianças
O brincar no 1º ano tem início logo na primeira se- listas significativas, lendo-as para elas, modificando-as
mana de aula, estendendo-se ao longo de todo o ano quando já as conhecem de memória, promovendo de-
letivo com cantinhos de brincadeiras que, além de inte- safios e auxiliando nas possibilidades de construções de
ressantes, são simples de se criar e enriquecedores para escrita: o que será que está escrito aqui? Que nome será
favorecer descobertas. Durante uma roda de conversa, que é este? As crianças são investigativas, estão sempre
o professor faz alguns combinados referentes à organi- pesquisando, fazendo boas perguntas, mas é preciso a
zação e aos horários dos cantinhos, sugerindo, sem im- escuta atenta da(o) professora(or) para responder com
por, algumas brincadeiras. Os materiais são organizados possibilidades que as levem a pensar sobre a leitura, não
com antecedência e, assim, os diversificados cantinhos oferecendo respostas prontas, mas mediando as intera-
vão surgindo e ocupando toda a sala: cabana, casinha, ções com a cultura escrita. As experiências com a leitura
mercado, escritório, farmácia, sorveteria, mecânico e sa- e a escrita têm importância social, mas devem ser princi-
lão de beleza são espaços onde todos brincam e trocam palmente prazerosas, lúdicas, criativas, inteligentes, mos-
de lugar conforme seu interesse, satisfazendo assim suas trando para as crianças que nos diferentes escritos algo
necessidades. se comunica e se revela. Nessa perspectiva, a cena a se-
A cena apresenta uma proposta pedagógica que con- guir tem o objetivo de que a criança perceba os diversos
sidera a infância e avalia o brincar como atividade es- motivos pelos quais escrevemos.
sencialmente humana, ferramenta por excelência para a
criança aprender a viver. Brincar, para a criança, é uma Cena 43
atividade imaginativa e interpretativa que compreende
corpo e mente. O(a) professora(or) se faz presente quan- Como o grupo já era habituado e ávido por novas his-
do planeja e organiza os espaços, os tempos e os mate- tórias, a professora, após todo o ritual de abertura de his-
riais que favorecem o brincar. Nessa organização parti- tórias (música cantada especialmente nesses momentos),
cipam as crianças e as(os) educadores(as), pois é nessas retira um livro já lido... Imediatamente as crianças dizem:
ações que as crianças aprendem a ter autonomia e a — Prô, essa você já contou! A professora, então, pega
compartilhar decisões que foram combinadas em grupo. outro livro e a mesma fala se repete, e ainda mais uma
O brincar presente em todo o EF (e não somente no vez. Então diz às crianças:
1º ano) é um grande articulador e instigante instrumen- — E agora, o que podemos fazer para não pegar li-
to de desenvolvimento do pensamento para as crianças. vros que já foram lidos?
Aprender ao brincar e brincar com o que aprendeu for- — Já sei, prô! Deixa eles aqui na mesa! A professora
talece e dá sentido àquilo que é realizado na escola. A responde, problematizando as respostas:
presença do brincar no EF pode ser marcada por brin- — Boa ideia, mas muitos livros na mesa atrapalham
cadeiras de faz de conta, de construções, brincadeiras o nosso espaço, e também tem a outra professora que
tradicionais e de diferentes culturas, parlendas, cantigas, precisará usar a mesa...
brincadeiras no recreio, diversão com as poesias e dra- — Pode então escrever no seu caderno. Essa ideia é
matizações. também muito boa, mas e se a Prô for à reunião e outra
A organização da sala, o mobiliário adequado às professora vir ler histórias? Meu caderno estará comigo,
crianças pequenas, a existência de brinquedos em cantos porque preciso dele para escrever as minhas coisas...
apoia as crianças que, ao chegarem ao EF, não perdem a — Prô, essa eu acho que dá certo. Que tal se você
familiaridade com um tipo conhecido de organização do escrever o nome das histórias em um papel bem grande
espaço. O brincar acompanha as crianças de acordo com e colocar aqui?
a cultura e com as possibilidades que a escola e a família/ — mostrando um lugar na parede atrás da porta. Um
responsáveis oferecem. amigo ainda aprimora a ideia dizendo:
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Numa sociedade na qual a erotização precoce, o tra- — Não, que tal se a gente colocar desse lado, assim
balho infantil e outros movimentos roubam a infância as mamães vão ver também o nome das histórias! A pro-
das crianças, cabe à escola de EF resguardar a presença fessora pergunta:
da brincadeira e da experiência de infância. Embora não — Mas pra que nós vamos escrever os nomes das
seja um objetivo da EI alfabetizar as crianças, os ambien- histórias em um papel grande?
tes e propostas dos CEIs e das EMEIs proporcionam a — Pra ninguém esquecer qual livro que já foi!
necessária imersão delas no mundo letrado. A criança
percebe isso na observação das histórias que são lidas, A lista com os nomes das histórias já lidas, atualizada
nos nomes que estão nas capas das agendas, nos bilhe- a cada nova história, transformou-se em uma nova refe-
tes que são enviados para as famílias/responsáveis, nas rência além do nome (principal modelo estável). As crian-

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ças leem sem saber ler, fazendo a leitura de memória. Em são duas importantes linhas de continuidade que devem
outro momento em que as crianças brincam, Bruna se ser tratadas com respeito e com o desejo de que, haven-
aproxima da lista, observa as letras e diz baixinho: do maior diálogo entre professoras(es) e instituições, as
— Bruxa, bruxa, venha a minha festa... bruxa, bru, bru, crianças sintam menos a ausência da brincadeira no EF e
bru... Arregala os olhos e dá um grito: tenham uma relação planejada com a leitura e a escrita
— Prô, as letras do meu nome estão aqui também! na EI, para que a transição entre essas etapas seja uma
continuidade das suas perguntas e investigações sobre a
A discussão sobre o lugar da leitura e da escrita na EI língua, a linguagem e o pensamento. É importante lem-
é tema de grandes debates e muitas vezes de posicio- brar que, nas transições, temos alguns compromissos:
namentos opostos. A tarefa da EI é provocar as crianças • O acolhimento integral dos bebês, das crianças e de
pequenas a conhecer o mundo da cultura escrita e es- suas famílias/ responsáveis;
pecialmente ter a experiência com a leitura por meio do • A organização de processos pedagógicos que in-
contínuo acesso às histórias, poesias, dramaturgia, entre cluam as transições como parte dos PPPs e das ativida-
outros gêneros literários. A construção social da função des docentes;
da escrita será propiciada pela observação e participação • As conversas e os convites para que os familiares
em situações cotidianas em que a leitura e a escrita são deem suporte às crianças ao se sentirem apoiados pelas
realizadas com sentido, como uma prática social que tem escolas;
função como apoio à memória, comunicação de infor- • A organização de atividades entre as instituições e a
mações, organização da vida, expressão de sentimentos valorização e o uso dos relatórios. Essas proposições são
e sensações, entre outros. Outras situações pedagógicas pontos de partida para consolidarmos políticas públicas
relacionadas à escrita como prática social vivida na EI são que deem ênfase à definição das linhas de continuidade
listadas a seguir: e a inserção no calendário de momentos para a organi-
• Momentos da rotina, como selecionar e colocar as zação e efetivação das transições.
fichas do nome no quadro;
• Brincadeiras de “caçar a agenda”; Em síntese...
• Construção coletiva da rotina (escrita diariamente); As palavras que sintetizam as ideias chave deste ca-
• Leitura dos bilhetes que são enviados para casa; pítulo são infância, transições, integração. A infância é
• Avisos deixados para as crianças que frequentam o um tempo fundamental para bebês e crianças de zero a
outro turno; doze anos observarem, pesquisarem e experimentarem
• Leitura diária de Literatura; modos de participar e pertencer a grupos, de investiga-
• Convites para compartilhar conhecimentos sobre rem o mundo social e natural e de aprenderem a “dizer”
descobertas; a sua palavra, constituindo assim autoria e protagonismo
• Convite para uma contação de história ou um teatro; infantil. São pontos comuns desta etapa de vida a ludi-
• Levantamento de ideias sobre como receber os ami- cidade, ou a capacidade de brincar; a fantasia do real,
gos de outra sala; ou a possibilidade de imaginar ativamente; a interativi-
• Registro de uma experiência. Essas e muitas outras dade, ou a interação contínua com os pares ou com os
situações letradas estão no dia a dia das UEs e são adultos; a reiteração, ou o fazer de novo e, ao fazer de
utilizadas não em uma perspectiva de reprodução, novo, reinventar o mundo. A integração da educação de
mas de aproximação e reflexão, que subsidiarão as bebês e crianças maiores se faz necessária para articular
futuras hipóteses de escrita. concepções e práticas que permitam traçar as linhas de
continuidade de forma que haja movimento, brincadeira,
Os processos de inserção das crianças na leitura e na pesquisa, conversa, discussão e reflexão, num compro-
escrita, isto é, no mundo letrado, iniciam na Educação misso pedagógico que possibilita a integração dos cur-
Infantil. Como em todas as aprendizagens, a(o) profes- rículos e dos sujeitos. Assim, pensar as transições exige
sora(or), bem como a família/ responsáveis, apoiam as refletir sobre tais premissas (integração e infância) para
crianças quando evidenciam seu encanto com a palavra que a continuidade dos processos de aprendizagem das
oral, com os jogos de linguagem e a leitura ou conta- crianças seja respeitada e não haja rupturas bruscas, uma
ção de histórias, e com a palavra escrita. O deleite com vez que a Educação Básica preza pela educação integral
a leitura, a alegria da surpresa do final de uma história, a dos sujeitos.
identificação com um personagem são distintos modos
de valorizar e aprender a gostar da leitura. As cenas do A GESTÃO DEMOCRÁTICA E A IMPLEMENTAÇÃO
EF brincante e de uma EI que considera a leitura e a escri- DO CURRÍCULO
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ta como linguagens importantes na vida de uma criança


trazem encontro e articulação. GESTÃO DEMOCRÁTICA: CURRÍCULO E PROJETO
É preciso que professoras(es) e gestoras(es) da EI e POLÍTICO PEDAGÓGICO
do EF conversem mais sobre esse tema, teçam seus argu-
mentos e conversem com seu grupo de colegas. Como Os anseios democráticos da sociedade brasileira re-
constituir continuidade vertical em sentido duplo? A res- metem à assunção de uma ideologia educacional demo-
posta é pensar, experimentar, avaliar, (re)propor. Como crática, ou seja, de uma gramática pedagógica alinhada,
vimos no início, a educação é um processo social, que antes de tudo, aos princípios da democracia. Compreen-
sempre está em movimento em relação ao seu contexto de-se por gramática pedagógica: [...] a expressão de uma
e exige contínua reflexão. A brincadeira e a cultura escrita ideologia educacional (KOHLBERG; MAYER, 1972) ou

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de um modelo pedagógico que se constitui a partir de soais ou materiais, nem tampouco se reduz a especifica-
determinados pressupostos filosóficos e científicos tra- ções estatutariamente estabelecidas a cargos e funções,
duzidos em um conjunto de concepções a compor um que são legitimadas em forma de atribuições legais de
quadro de referência interpretativo (NUTHALL; SNOOK, um dado exercício profissional. Compreende-se aqui a
1973) norteador de uma determinada forma de pensar, possibilidade de acolher um significado alargado ao ter-
organizar e conduzir a ação educativa. (PINAZZA, 2014, mo, em que todos estão implicados com a prática educa-
p. 53) tiva como prática social. Esse currículo incorpora a pers-
Adotar uma ideologia educacional democrática, pectiva do Currículo Integrador da Infância Paulistana
como pretendemos na Rede Municipal de Ensino de São (SÃO PAULO, 2015a) de uma educação democrática, ao
Paulo, implica compormos uma gramática pedagógica anunciar princípios e concepções educacionais assenta-
do currículo progressista e construtiva, como postulada dos no pressuposto de que “todo o trabalho pedagógico
nas pedagogias reformadoras do final do século XIX e do deve acolher, respeitar e se constituir a partir da escuta
século XX, de Fredrich Froebel, John Dewey, Célestin Frei- de crianças e bebês”.
net, Maria Montessori e Loris Malaguzzi; na psicologia No Capítulo IV do mesmo documento, explicitam-
construtivista de Jean Piaget, que remete à compreensão -se as ações para concretizar tal ideologia educacional.
do potencial intelectual do ser humano; e na psicologia Pensar numa educação democrática é pensar numa
socioconstrutivista, de Lev S. Vygotsky e Jerome Bru- educação feita para todos e com todos, que promova
ner, sobre a construção sociocultural do conhecimento. igualdade de condições, observando as diferenças, as
Podem auxiliar nessa caminhada o diálogo com os di- desigualdades, as diversidades culturais, étnicas, sociais,
ferentes modelos curriculares (High Scope; Movimento políticas e econômicas. Nesse sentido, partir da demo-
da Escola Moderna – MEM; Reggio Emilia; Trabalho de cracia como valor maior da gestão pedagógica de uma
Projetos; Associação Criança, Pen Green Centre, entre instituição educacional implica compreender o currículo
outros). como conjunto de ações que, para além de planos, ob-
Tomando particularmente a Pedagogia em Partici- jetivos, procedimentos e aspectos organizacionais, com-
pação, abordagem pedagógica da Associação Criança, preendam como se configura o cotidiano, como são as
de Portugal, em que as postulações teóricas de Dewey, práticas educacionais de cada instituição, quais são as
Piaget, Vygotsky e Bruner estão presentes e reunidas na crenças e os valores que habitam os lugares e como se
concepção de uma criança competente, possuidora de dão as interações entre os diferentes sujeitos da comu-
um potencial para a realização, devendo ser respeitada nidade educativa — bebês, crianças, famílias/ responsá-
em suas necessidades, suas motivações e seus interesses. veis, educadoras(es).
As experiências que trazem consigo, fruto de suas vivên- A construção coletiva, participativa e genuinamente
cias em outros contextos de vida (família/responsáveis, democrática do Projeto Político Pedagógico (PPP) como
comunidade), devem ser valorizadas no nível das intera- expressão das intenções e como vivência de propostas
ções com os adultos e com seus pares, em práticas co- pedagógicas que traduzam a marca identitária de cada
laborativas apoiadas por adultos sensíveis, que invistam Unidade é de suma importância para a concretização da
na ampliação e sofisticação crescente das experiências tão sonhada gestão democrática. Nas palavras de Aza-
de aprendizagens, mediante a composição de ambientes nha (2006, p. 104), “elaborar o projeto pedagógico é um
educativos enriquecidos e propícios à experimentação exercício de autonomia”.
(OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007; OLIVEIRA-FORMOSI- O PPP, anunciador da gramática pedagógica orien-
NHO; FORMOSINHO, 2011). tadora do currículo da Unidade Educacional - UE, encer-
Esse modo de pensar e fazer a educação de bebês ra um ato político refletido coletiva e colaborativamen-
e crianças se revela em uma gramática pedagógica do
te, implicado com um duplo movimento de tomada de
currículo que corresponde a um pensar e fazer a educa-
consciência da realidade educacional da instituição e de
ção que não se encerra no campo dos preceitos filosófi-
tomada de decisão em favor de mudanças que se façam
cos e teóricos, mas sua concretização e sua evolução são
necessárias.
garantidas pelas práticas. Para que uma gramática pe-
Como assevera Azanha: A melhoria do ensino é sem-
dagógica do currículo se torne vigorosa, é preciso com-
pre uma questão institucional e uma instituição social,
preendê-la em sua potencialidade evolutiva, explorada
como é a escola, é mais do que a simples reunião de
no plano da prática por profissionais capazes de refle-
tir sobre ela e de (re)construí-la permanentemente com professores, diretor e outros profissionais. A escola, ou
criatividade. melhor, o mundo escolar é uma entidade coletiva, situa-
Quando o modelo expande a visão sobre as questões da num certo contexto, com práticas, convicções, saberes
que se entrelaçam numa história própria em permanente
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práticas, torna-se: [...] uma gramática que cria linguagem,


significados, uma estrutura conceitual e prática, um con- mudança. Esse mundo é um conjunto de vínculos sociais
texto de experiência e comunicação com a experiência; frutos da aceitação ou da rejeição a uma multiplicidade
um contexto de ação e reflexão- -sobre-a-ação. Esse mo- de valores pessoais e sociais. (AZANHA, 2006, p. 103)
delo implica uma gramática curricular aberta à recons- Decorre dessa compreensão a advertência de que “a
trução individual e coletiva, com uma didática flexível ideia de um projeto pedagógico, visando à melhoria des-
em permanente construção. (OLIVEIRA-FORMOSINHO, se mundo com relação às suas práticas específicas, será
2007, p. 31–32) uma ficção burocrática se não for fruto da consciência e
Nessa perspectiva, pode-se arriscar uma definição do esforço da coletividade escolar” (AZANHA, 2006, p.
ampliada do termo gestão. A gestão não se confunde 104). Isso posto, não cabem situações em que os PPPs
com a ideia de mero gerenciamento de condições pes- não revelem pertinência estreita com as circunstâncias

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contextuais das realidades educacionais a que em tese de escolar. Ele foi confeccionado no próprio CEI e expli-
se referem. Tampouco faz sentido haver Planos de Ação citou o que é um PPP, suas justificativas, seus objetivos,
descolados das inquietações mais prementes da prática etc. Além disso, para deixar “um gostinho de querer sa-
educativa e dos profissionais que a vivem no turbulento ber mais”, o folder convidava as famílias/responsáveis a
cotidiano das Unidades. Os Planos de Ação não podem conhecerem o documento na íntegra. Para tanto, uma
se assemelhar a meros “apêndices” de um projeto igual- cópia do PPP da Unidade passou a ser disponibilizada
mente descolado daquilo que pensam e fazem todos para consulta e empréstimo a todos (familiares, profes-
aqueles implicados com o ato educativo. sora(es), funcionárias(os)).
Desconfiguram-se ambos os conceitos: de PPP e de A experiência relatada nessa cena fala da importân-
Planos de Ação. Diante da necessidade de se corrigir essa cia do acesso e da visibilidade do PPP. Para se consti-
natureza de distorção e com o propósito de orientar a tuir como documento vivo e autêntico, o PPP das UEs
construção do PPP das Unidades de Educação Infantil na deve ser conhecido por todos. Muito interessante e re-
Cidade de São Paulo, concebeu-se o documento Padrões comendável à gestão democrática é a experiência de os
Básicos de Qualidade da Educação Infantil Paulistana diversos sujeitos escreverem o PPP coletivamente, com a
(SÃO PAULO, 2015). Em acordo com os documentos da participação efetiva de funcionárias(os), professoras(es)
esfera federal, ele estabelece orientações específicas ao e familiares/responsáveis para além da equipe gestora.
município: O Projeto Político-Pedagógico deve ser um Entretanto, mesmo quando isso ainda não se constituiu
documento vivo e dinâmico, que se constrói e reconstrói como uma prática na Unidade, é de suma importância
no coletivo em constante processo de reflexão, sendo, que todos conheçam o texto do PPP, para acompanhar
portanto, a história do percurso dos sujeitos que com- as propostas, fazer sugestões, problematizar e explicitar
partilham um mesmo território revelando princípios e contradições entre o que está escrito e anunciado no PPP
práticas estabelecidas pela Unidade Educacional. e o que de fato se vive no cotidiano da Unidade.
Contudo, não se trata de qualquer percurso, mas o Nesse contexto, o PPP deixa de ser um documento
da trajetória de bebês e crianças, educadoras e educa- ”de gaveta” e passa a dialogar verdadeiramente com
dores que se dá em espaço coletivo, público, de caráter todos os sujeitos envolvidos, pode ser problematizado,
educacional, no qual a organização do trabalho cotidiano revisitado, questionado, aprofundado, porque pode ser
implica em atender as necessidades e os interesses das conhecido. Cabe salientar que a ideia de fazer o folder é
crianças [...] A gestão da Unidade de Educação Infantil bastante interessante para aproximar as pessoas do PPP,
deve orientar-se por princípios da democracia, presentes o qual, por ser mais complexo e denso, nem sempre con-
no cuidar e educar, no acolhimento e nas relações coti- vida para a leitura. O folder funcionou como uma apre-
dianas, em que todos, independentemente de qualquer sentação e um convite à leitura e à apropriação do PPP.
condição, inclusive cargos ou funções que ocupem, da A autoavaliação institucional participativa apontou a ne-
idade que tenham, sejam respeitados em seu direito à cessidade da elaboração de estratégias para aproximar
participação, à voz, à escolha e à tomada de decisões. pais e comunidade do referido documento.
(p. 12) Consonante aos princípios anunciados nas Diretrizes
Diante de tudo isso, perguntamos: como o PPP ex- Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI
pressa e vai dando corpo para que as crianças e os bebês (BRASIL, 2010a), a gestão democrática do currículo da
sejam efetivamente o centro das propostas pedagógicas EI se fortalece mediante a prática da autoavaliação ins-
projetadas e vividas no interior das UEs? Como tornar titucional participativa, legitimada pelos Indicadores de
o PPP um documento vivo e dinâmico, de maneira que Qualidade da Educação Infantil Paulistana - Indique EI /
ele não se reduza a documento burocrático, no qual as RME-SP (SÃO PAULO, 2016a). A autoavaliação institucio-
intenções e as concepções escritas são vivenciadas de nal participativa prevê a elaboração de Plano de Ação
fato? Como fazer com que todos os sujeitos se corres- que sinalize caminhos para a superação dos problemas
ponsabilizem pela escrita do documento? Como dar vi- evidenciados, assumindo caráter formador e transforma-
sibilidade a ele — tirá-lo da gaveta — para explicitar as dor.
contradições e incoerências entre os discursos e as práti- O referido plano pode e deve provocar mudanças e
cas? Como construir um currículo num diálogo autêntico redimensionamentos no PPP, apontando demandas de
com as crianças e as famílias/responsáveis? Como todos formação permanente das(os) educadoras(es) e outras
os sujeitos, independentemente dos papéis que desem- necessidades de mudança. Nessa perspectiva, a equipe
penham, participam da construção e gestão do currículo? gestora não é responsável exclusiva pelo currículo. Toda-
Como explicitar e garantir que a criança seja o centro do via, exerce papel importante no trabalho colaborativo da
PPP? A cena a seguir aponta um processo de autoavalia- escola, como articuladora da avaliação institucional, da
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ção que indica a necessidade de ampliar o conhecimento formação permanente das(os) professoras(es), e destes
do PPP para toda a comunidade educativa. com a construção, o redimensionamento e os registros
coletivos e participativos do PPP.
Cena 44 Além disso, o Plano de Ação da UE deve embasar os
Planos de cada um dos componentes da equipe gestora:
Após o processo de autoavaliação dos Indicadores diretora(or) de escola, coordenadora(or) pedagógica(o) e
em sua dimensão 1, foi levantada a questão de dar maior assistente de diretora(or). Estes, por sua vez, articulam-se
visibilidade ao PPP. No momento de traçarmos o Plano com o planejamento e o plano das(os) professoras(es) e
de Ação, foi sugerida a confecção de um folder, para ser com o registro e a documentação pedagógica dos per-
enviado a todas as famílias/ responsáveis e à comunida- cursos vividos com as crianças. Para tanto, é preciso que

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a equipe tenha clareza de que o centro é a criança e que Ressaltamos a importância da parceria entre escola e fa-
a proposta pedagógica deve ser construída com e para mílias/responsáveis e refletimos, de forma compartilha-
ela. Assim, toda essa articulação deve se efetivar pela da, sobre nossas responsabilidades e o trabalho desen-
escuta ativa e atenta das crianças, dos bebês e de suas volvido na UE.
famílias/responsáveis. A reunião com família/responsável assume caráter
A supervisão escolar — instância que está com a es- formativo quando abre a possibilidade para uma boa
cola, mas não necessariamente na escola — pode e deve conversa. Para isso, é necessário pensar nos objetivos e
ajudar, problematizando e intervindo na gestão da orga- no propósito do trabalho na EI, não realizando uma reu-
nização interna de cada UE e acompanhando a realização nião apenas prescritiva, na qual as famílias/responsáveis
do PPP. Sabemos que, se esse documento for construído apenas são informadas sobre as escolhas metodológicas
de forma participativa, ele não se altera na íntegra a cada e sobre normas institucionais a serem seguidas.
ano. A(o) supervisora(or) tem o compromisso de ajudar A UE assume genuinamente a experiência da “con-
a eleger os aspectos que merecem maior atenção da UE, versa”. Para tanto, é preciso pensar em estratégias que
subsidiando o Plano de Ação da UE para cada ano, bem permitam relatar às famílias/responsáveis sobre o per-
como problematizando os Planos dos sujeitos da equipe curso vivido com as crianças no processo de acolhimento
gestora. A apreciação de um PPP pela(o) supervisora(or) inicial, e sobre a necessidade de respeitar as histórias e os
escolar, para fins de homologação pela(o) diretora(or) ritmos individuais, sem romper com o princípio da igual-
regional de cada DRE, deve apoiar-se nas contribuições dade de direitos que deve nortear a educação pública.
decorrentes do diálogo que ela(ele) estabelece com a UE Quando organizamos a reunião com as famílias/res-
por meio das visitas; das reuniões setoriais, que fortale- ponsáveis de outra maneira, quando a tomamos como
cem os vínculos e os colegiados entre as UEs; da análise momento precioso de formação e conversa, aprimora-
de documentos; da observação de como a Unidade or- mos estratégias de escuta, de observação, de convívio.
ganiza as rotinas, os tempos, os espaços e os materiais; Assim, as famílias/responsáveis entendem a importância
da forma como observa as interações das crianças entre do diálogo e não tomam a reunião como um momento
em que receberão “elogios” sobre o comportamento das
si, das crianças com os adultos, das(os) educadoras(es)
crianças ou “queixas e pedidos de ajuda e intervenções
com as famílias/responsáveis.
da família/responsáveis” (o que historicamente tem sido
A supervisão escolar, ao avaliar e acompanhar o PPP,
o caráter da reunião).
deve ajudar a equipe gestora a fazer a articulação entre
Uma boa reunião com as famílias/responsáveis, na
currículo, avaliação, formação, registro e documentação,
perspectiva da gestão democrática, precisa ser bem pla-
contribuindo com as DIPEDs das DREs por meio de apon-
nejada e preparada, a fim de garantir o diálogo com as
tamentos e sugestões para a elaboração de propostas
famílias/responsáveis e a sua participação no PPP. Assu-
formativas que auxiliem as(os) educadoras(es) e as equi- mir a gestão democrática do processo pedagógico im-
pes gestoras, e fazendo encaminhamentos à Secretaria plica assumir que tanto bebês e crianças como famílias/
Municipal de Educação (SME) para o atendimento das responsáveis podem e devem fazer escolhas e são coau-
demandas. O PPP deve se orientar para a escuta e o pro- toras do planejamento da escola. Crianças, bebês, famí-
tagonismo da criança, efetivando uma proposta curri- lias/responsáveis e comunidade são agentes tão poten-
cular que se concretize pela participação e pelo diálogo tes na construção da proposta curricular da instituição
permanente com os bebês, as crianças e as suas famílias/ quanto as(os) educadoras(es).
responsáveis, no sentido de problematizar, explicitar prá- Cabe salientar que isso não diminui e nem retira o
ticas e projetar novas possibilidades de viver a infância. lugar das(os) professoras(es) no planejamento e na pro-
Nesse contexto, precisamos perguntar como as(os) pro- posta curricular. Ao contrário, configura novos cenários
fessoras(es), as crianças e os bebês, as famílias/respon- e possibilidades de viver o currículo, nos quais as(os)
sáveis e a comunidade participam da construção desse professoras(es) exercem a importante tarefa de mediar
documento. Na cena a seguir, vemos isso materializado. experiências e saberes dos bebês, das crianças e das fa-
mílias/responsáveis (em sua pluralidade e diversidade)
Cena 45 com os conhecimentos do patrimônio artístico, cultural,
ambiental, científico e tecnológico. A participação das
Realizamos nossa segunda reunião com os responsá- famílias/responsáveis também é um dos aspectos impor-
veis pelas crianças e optamos por um caráter mais for- tantes da cena a seguir.
mativo, com intuito de discutirmos sobre os projetos de-
senvolvidos e a importância da participação das famílias/ Cena 46
responsáveis nesse processo. Inicialmente, agradecemos
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

pela compreensão e parceria com a escola. Falamos do Durante o semestre, as crianças realizaram um projeto
projeto de leitura realizado quinzenalmente, no qual as sobre castelos e palácios. O projeto nasceu da observa-
crianças levam para casa um livro de sua escolha, para ção das crianças em brincadeiras no tanque de areia e de
fazerem a leitura em família, e enfatizamos a importân- falas e demandas sobre livros. As crianças investigaram
cia de todos se envolverem nesse projeto. Propusemos sobre as casas dos bichos e as diferenças e semelhanças
uma dinâmica com intenção das famílias/responsáveis entre suas próprias moradias. Os familiares foram envol-
manifestarem suas ideias e dúvidas acerca do cotidiano vidos na pesquisa, participando ativamente do desenvol-
vivenciado pelas crianças na UE. Com base nas respostas vimento do projeto, fazendo relatos e entrevistas, e con-
e nos comentários dos familiares, destacamos as ideias e tando histórias para as crianças. Um pai esteve na escola
concepções contidas, abordando a realidade da escola. para contar às crianças como constrói casas.

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Durante o projeto, as crianças viveram experiências sobre elas, investigam os seus fazeres, expõem crenças,
significativas nas mais diversas linguagens: construíram contradições e ambiguidades, para então problematizá-
maquetes, modelaram, realizaram experiências com -las e transformá-las, como mostra a cena a seguir.
quantidades e tamanhos. As funcionárias da UE se envol-
veram na construção de maquetes e nos momentos de Cena 47
exploração da areia no parque, contribuindo na sugestão
de materiais, ajudando a organizar sucatas a serem usa- Uma das grandes preocupações da comunidade es-
das no tanque de areia e a molhar e garantir a limpeza colar ao longo dos anos era em relação à inexistência
da areia. No entanto, ao receberem o relatório semestral de espaços alternativos aos das salas de referência das
descritivo das crianças, as famílias/responsáveis consta- turmas, as quais eram pequenas em espaço para brincar,
tam que o seu percurso no projeto apareceu de forma desenhar, ler, imaginar, criar e escolher brincadeiras e ati-
muito superficial. vidades. Não tínhamos salas disponíveis para uma Brin-
Embora a UE trabalhe de forma bastante potente com quedoteca, Sala de Leitura ou Ateliê. A partir dos estudos
projetos, e as crianças e as famílias/responsáveis partici- e das reflexões realizados no PEA, conseguimos realizar
pem com autoria e protagonismo, ainda há fragilidades algumas intervenções nos espaços criando ambientes.
no registro. Os registros não contam sobre o percurso Assim, criamos três novos ambientes: a Brinquedoteca, a
vivido. Isso se evidencia no momento da autoavaliação Gibiteca e o Ateliê.
participativa. Tal constatação reverbera na construção do Por Brinquedoteca passamos a identificar o momento
Plano de Ação, que tem como objetivo aprimorar o regis- e o tempo em que as professoras e as crianças muda-
tro e a documentação pedagógica, dando mais visibilida- vam a disposição das mesas e cadeiras para a organiza-
de à historicização dos percursos vividos. A coordenação ção de cantos que favoreceriam a brincadeira simbólica,
pedagógica elegeu o registro e a documentação peda- com carros, pistas, brinquedos de casinha, bonecos, fan-
gógica como temáticas centrais da formação das(os) tasias e outros materiais. Nesse processo, outros cantos
professoras(es). Nos grupos e momentos de formação, foram surgindo e sendo criados pelas próprias crianças,
elas(eles) estudaram como podiam dar mais visibilidade de acordo com os interesses de cada turma, como o can-
e registrar as diferentes etapas do projeto, experimen- to do cabeleireiro. A equipe de apoio colaborou funda-
tando por meio de oficinas diversas possibilidades de mentalmente nesse processo, auxiliando no transporte
qualificar e aprimorar o registro do percurso individual e de caixas pela escola e fazendo pequenos reparos nos
coletivo das crianças nos projetos. brinquedos que eram intensamente utilizados.
A(O) supervisora(or) escolar acompanha por meio das Um tempo depois, uma professora visualizou num
visitas todo o processo vivido pela Unidade e promove o pequeno espaço do refeitório a possibilidade de orga-
seu encontro com outra UE, que também trabalha com nizarmos uma Gibiteca. Conseguimos algumas doações
projetos e registros. Decorrido o processo, ao analisar o de gibis e revistas, reformamos um revisteiro e fizemos
PPP, a supervisão constata que os avanços e as modifica- a inauguração. Na avaliação final do PEA, após diversas
ções no tocante à forma de ampliar e fazer o registro não tentativas e experimentações para a criação de um Ateliê,
aparecem nesse documento, e problematiza a questão o grupo de docentes vislumbrou a possibilidade de sua
com a equipe, redimensionando-a. implementação no refeitório. Esse espaço era bem mais
Agora o capítulo referente à organização curricu- amplo e favorecia juntar e separar mesas, desenhar nos
lar incorpora o portfólio dos projetos e o mural como painéis do próprio refeitório ou mesmo no chão, fazer
formas de registros a serem adotadas e compartilhadas. melecas e lavá-las. O ambiente se formava nos momen-
A pedagogia organiza-se em torno dos saberes que se tos em que as refeições não estavam sendo servidas. A
constroem na ação situada, em articulação com as con- equipe de limpeza também atuou colaborativamente,
cepções teóricas (teorias e saberes) e com as crenças organizando a rotina em função dos horários do Ateliê.
Assim, foi possível disponibilizar, num armário pró-
(crenças, valores e princípios). A pedagogia é um espaço
prio, sobras de papéis, materiais de largo alcance, tintas,
“ambíguo”, não de um-entre-dois — a teoria e a prática
brochas, pincéis, canetinhas, canetões, carvão e tudo o
— como alguns disseram, mas de um-entre-três — as
que podia favorecer a criação e a experimentação das
ações, as teorias e as crenças —, em uma triangulação
crianças. O apoio da Direção foi fundamental para o
interativa e constantemente renovada. Convocar cren-
alcance dos objetivos. Dessa forma, ao articularmos os
ças, valores e princípios, analisar práticas e usar saberes
espaços, os materiais e os tempos disponíveis, criamos
e teorias constitui o movimento triangular de criação da
ambientes oportunizando às crianças vivências mais sig-
pedagogia.
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nificativas.
A pedagogia sustenta-se, assim, em uma práxis, isto A experiência narra a importância da gestão pedagó-
é, em uma ação fecundada na teoria e sustentada em gica dos espaços e como a comunidade escolar, a partir
um sistema de crenças. (OLIVEIRA-FORMOSINHO; FOR- de uma dificuldade real de falta de espaço para criar a
MOSINHO, 2013) A gestão democrática, que requer e re- Brinquedoteca, o Ateliê e a Gibiteca, transformou o refei-
mete às práticas participativas construídas no encontro tório da Unidade num espaço de múltiplas possibilidades
e no diálogo entre os diferentes sujeitos e os diferentes e experiências. Trata-se de experiência de uma ação co-
saberes, alarga-se na partilha de significados, processos letiva sobre o espaço institucional, uma vez que nasce de
e ações do fazer pedagógico. Organiza-se numa ação si- uma problemática e da escuta atenta da necessidade das
tuada, por meio da qual os sujeitos envolvidos pensam crianças, que careciam de um espaço que potencializasse
sobre as suas próprias ações e realizações, perguntam movimento, exploração, descoberta e criação.

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Cabe destacar aqui a importância da formação con- garantir a efetiva participação das famílias/responsáveis
tínua e em serviço e da intervenção da coordenação e de membros da comunidade escolar na gestão peda-
pedagógica nos encontros formativos do PEA, em que, gógica. Esses momentos têm a finalidade de fiscalizar e
juntamente com as(os) professoras(es), decidiu-se fazer deliberar sobre assuntos importantes, como a aprovação
no refeitório diversos ambientes. Revela-se assim tam- do calendário anual de atividades, o PPP, o PEA, Planos
bém a importância do PEA ser circunscrito à realidade de Ação, bem como a definição de prioridades para o
da instituição e decorrente de demandas formativas uso de verbas públicas e o estabelecimento de medidas
autênticas, com desdobramentos, e gerando resultados de prevenção à saúde, à vida e à segurança dos usuários.
em transformações dos tempos, espaços, materiais e das É importante dizer que o Conselho, a APM, o CRECE e os
concepções. Indique EI/RMESP (SÃO PAULO, 2016a) são regulamenta-
Além disso, identifica como a instituição ganhou com dos por legislação específica, e a sua constituição baseia-
a participação e o envolvimento de toda a comunidade -se no princípio da proporcionalidade da representação,
escolar. Na perspectiva das pedagogias participativas, com a garantia da representação de todos os segmentos
as(os) professoras(es) pensam e organizam intencional- (membros da equipe gestora, membros do quadro de
mente o espaço, a fim de qualificar as experiências de apoio, professoras(es), familiares e/ou responsáveis).
exploração e aprendizagens vividas por bebês e crian- Todavia, na Educação Infantil (CEMEIs, CEIs e EMEIs,
ças. A organização dos espaços diz muito a respeito da EMEBS, CCI/CIP), as crianças e bebês são representados
Pedagogia e do Currículo que se pretende e se vive na pelos responsáveis e pela(o) educadora(or) e, ainda, não
instituição. Para promover rupturas e transformações nos constituem legalmente segmento específico de repre-
espaços, nos tempos, nos materiais, nas interações e nas sentação. Isso não significa que as crianças não devam
narrativas, é necessária uma gramática pedagógica. ter seus anseios, suas expectativas e opiniões respeita-
Ao assumirmos a gestão democrática do currículo, das e ouvidas. Ao contrário, a escuta atenta e ativa das
não podemos considerar responsáveis pelas decisões e demandas das crianças deve nortear todas as decisões
pelas transformações das práticas educativas somente a tomadas nessas instâncias, uma vez que os bebês e as
supervisão, a coordenação pedagógica e a direção. Uma crianças são o centro do currículo na EI.
Pedagogia em Participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO,
Algumas UEs têm investido no trabalho com Assem-
2007; OLIVEIRA-FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2011)
bleias e Conselhos Mirins. A experiência da constituição
pautada nos princípios da gestão democrática sabe que
do Conselho Mirim relata e revela o quanto as crianças
todos os sujeitos, independentemente de cargos ou fun-
são potentes na indicação de propostas e de tomada de
ções que exerçam, devem atuar de forma democrática,
decisões. Além disso, o momento de autoavaliação insti-
colaborativa e participativa, expondo opiniões, ouvin-
tucional apontou para a necessidade de escutar e incluir
do e acolhendo propostas de outrem. Sabemos que a
as crianças nos processos de tomada de decisões sobre
formação, numa perspectiva de educação permanente,
o currículo da EI. A cena a seguir exemplifica essa prática.
é necessária e é uma responsabilidade de todos, e que
as atribuições dos cargos e funções dos profissionais da
Rede estão estabelecidas em legislação específica. Cena 48
Todavia, a cena 47 traz a “força” da coordenadora em
assumir a formação permanente das professoras como a Durante todo o nosso percurso como Unidade Edu-
essência do seu fazer no âmbito da Unidade, bem como cacional, sempre buscamos ampliar os espaços de par-
a sua importância para a construção do currículo e do ticipação e de diálogo entre os diferentes sujeitos que
PPP. Ela explicita e problematiza as concepções de cur- a compõem. Contudo, percebíamos que algumas ações
rículo subjacentes às práticas pedagógicas para intervir, com as crianças não as contemplavam da maneira como
organizando, em parceria com a direção e a supervisão gostaríamos, pois a sua participação acontecia esporadi-
escolar, os momentos de avaliação institucional para camente, em situações em que fazíamos votações, seja
construir o seu Plano de Ação, bem como colaborar no para a aquisição de materiais, a organização das festivi-
Plano de Ação e nas metas da UE. A experiência demons- dades ou simulações de pleitos eleitorais. Isso nos provo-
tra a importância da elaboração e do planejamento de cou a pensar sobre como escutar as crianças, considerar
pautas formativas com base na escuta atenta de deman- as suas vozes e propiciar o exercício da democracia e da
das por parte da coordenação pedagógica, assim como participação. Foi assim que, em 2016, demos início ao
a utilização de estratégias que, para além de estudos e Conselho de Crianças, inspirado nas práticas democráti-
aprofundamentos conceituais, tematizem práticas para cas de outras Unidades.
aprimorá-las e qualificá-las. Cada turma elegia três representantes, sendo um
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Para ampliar e garantir a participação, a colaboração escolhido pela professora e outros dois pelas crianças,
mútua e a corresponsabilidade, as UEs de Educação In- respeitando a representatividade de gênero. A primeira
fantil da Rede Municipal de Ensino (RMESP) contam com proposta era de que fosse quinzenal; porém, depois de
colegiados importantes para o exercício da gestão de- avaliarmos a nossa rotina, essa regularidade passou a ser
mocrática, como Conselhos de Escola, Associações de mensal. O objetivo do Conselho é ser um espaço em que
Pais e Mestres (APMs), Conselho Regional de Conselhos as crianças possam participar efetivamente das decisões
de Escolas (CRECE). e do planejamento das ações que acontecem na Unidade
Além dessas instâncias, contamos com a aplicação e, para além disso, exercitar o seu papel de cidadania,
dos Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016a), reuniões percebendo-se como pertencentes e responsáveis pelas
de pais e outros fóruns de discussão, primordiais para decisões tomadas coletivamente.

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A partir daí, o Conselho de Crianças passou a ser o dados atualizados da população infantil, por região da
nosso projeto permanente. Hoje, antes das reuniões, as cidade, que podem apoiar as decisões sobre vagas, ne-
crianças se reúnem com as suas turmas e discutem a cessidades futuras e prioridades. Articulada com as legis-
pauta que será abordada. Juntamente com a professora, lações e com a Lei do Marco Legal da Primeira Infância
anotam as decisões em forma de desenho ou em forma (BRASIL, 2016), a Prefeitura instituiu o Plano Municipal
de lista de tópicos, para levarem à assembleia com os ou- pela Primeira Infância (PMPI) por meio de Decreto nº
tros representantes. Na reunião de Conselho, os conse- 58.514/2018.
lheiros discutem e decidem quais as melhores propostas, O Plano estabelece as bases que nortearão as ações
além de quais as estratégias para alcançá-las, comuni- necessárias para proporcionar uma primeira infância ple-
cando a decisão tomada às suas respectivas turmas. na, estimulante e saudável para as crianças no Municí-
Como vimos nos relatos apresentados, o trabalho pio, principalmente para as mais vulneráveis, por meio
com as Assembleias e com o Conselho Mirim possibili- da definição de eixos estratégicos e metas. O PMPI/São
ta às crianças viverem a vida democrática aqui e agora, Paulo é permeado por dois importantes princípios para o
rompendo com a ideia de uma cidadania futura, que se atendimento na primeira infância: a prioridade absoluta
dá a posteriori e é, portanto, alheia e externa à vida na da criança e a corresponsabilidade entre Estado, socieda-
infância. Ao contrário, as crianças aprendem a participar de e família/responsáveis na promoção e proteção dos
efetivamente da gestão democrática da escola, pois pre- direitos da criança. Esse novo Plano tem como objetivo
cisam aprender a negociar opiniões e a lidar com con- ampliar o compromisso do município com o atendimen-
flitos e pontos de vista diversos. Elas aprendem ainda to integral aos bebês e às crianças de zero a seis anos de
a trabalhar colaborativamente e a se corresponsabilizar idade.
por suas escolhas. Propostas como essa estão alicerçadas Convivência familiar, alimentação saudável, aleita-
no princípio da autonomia, da participação e da ética ne- mento materno, eliminação dos castigos físicos, acesso
cessárias à gestão democrática e materializadas no PPP. à cultura e ao lazer em ambientes naturais e Educação
Infantil são temas presentes na lei federal e que devem
POLÍTICAS PÚBLICAS EM DEFESA DA EDUCAÇÃO E ser redimensionados no atendimento das necessidades
DA INFÂNCIA NO PPP da Cidade de São Paulo. Quanto à EI, a legislação indica
a expansão da oferta, que deverá ser feita de maneira a
Se, do ponto de vista das concepções, é importante assegurar a qualidade do atendimento, com instalações
compreender com profundidade e discernimento o sig- e equipamentos que obedeçam aos padrões de infraes-
nificado dos conceitos; do ponto de vista da sociedade, trutura do MEC, com profissionais qualificados de acordo
é fundamental que essas compreensões teóricas possam com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
ser transformadas em uma agenda de ações possíveis, –LDB- (BRASIL, 1996) e com currículos e materiais peda-
isto é, em políticas públicas. A seguir, serão apresentadas gógicos adequados à proposta pedagógica. O Marco Le-
três políticas públicas significativas para a educação de gal da Primeira Infância (BRASIL, 2016) também reafirma
bebês e crianças na Cidade de São Paulo. Serão apresen- a importância da participação das famílias/responsáveis
tadas ainda três legislações, sendo duas municipais — o nas redes de proteção social e o cuidado dos bebês e
Plano Municipal de Educação da Cidade de São Paulo e o
das crianças pequenas em seus contextos sociofamiliares
Plano Municipal pela Primeira Infância — e uma nacional:
e comunitários.
a Base Nacional Comum Curricular.
Compromisso com a Rede de Proteção Social
Compromisso com o Plano Municipal de Educação
e com o Plano Municipal pela Primeira Infância
A Rede de Proteção Social da Cidade de São Paulo
atende bebês, crianças e jovens em situação de vulnera-
O Plano Municipal de Educação – PME (SÃO PAULO,
2015e) é um documento derivado do Plano Nacional de bilidade. São equipes multiprofissionais que congregam
Educação – PNE (BRASIL, 2014), que procura definir as fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos, psicope-
prioridades educacionais de cada município. Em 2015, a dagogos, os quais acompanham as trajetórias de apren-
Cidade de São Paulo, depois de debates com diferen- dizagem de bebês e crianças. Essa equipe trata de propor
tes segmentos representativos da educação, constituiu modos de atendimento que efetivem a ideia de que os
um documento com o intuito de melhorar a qualidade territórios cuidam das suas crianças. Um dos desafios do
da educação no município. O PME (SÃO PAULO, 2015d) trabalho é constituir uma rede, da qual a escola é o ponto
estabeleceu dez metas que deverão ser efetivadas. Algu- nodal, com organizações formais e não formais que es-
tão no território da escola. Este é o desafio: produzir um
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mas metas dizem respeito a demandas gerais, como o


aumento do percentual de investimento na educação, a território que cuida.
gestão democrática da escola, a redução de número de Porém, como constituir a rede? Trata-se de um traba-
crianças por sala e a valorização dos profissionais, prin- lho incessante, incansável e de pouca abrangência, em
cipalmente pelo apoio à formação. Na especificidade da muitos casos. Há parceiros que podem auxiliar em uma
Educação Infantil, vamos encontrar o posicionamento de determinada questão, outros em outras, alguns apenas
ampliação da oferta de atendimento em creche como um pouco, outros mais. Todas as variáveis são possíveis.
uma prioridade do PME (SÃO PAULO, 2015d). Cabe mencionar que essa rede nunca é sólida. Sempre
Para conhecer a realidade da primeira infância na Ci- é preciso atar os nós que foram desatando. (SCHILLING;
dade de São Paulo, sugerimos conhecer o Observatório ANGELUCCI, 2016) A seguir, vemos um relato sobre a
da Primeira Infância da Cidade de São Paulo. O site traz rede de proteção social, no qual o exercício do territó-

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rio de cuidar das crianças é redimensionado pelo exercí- Aprender a colaborar é tão importante quanto apren-
cio das crianças de cuidarem do seu território. Partindo der a divergir num âmbito de respeito à pluralidade. Ten-
do princípio de que pensar numa gestão democrática é do em vista o compromisso de atender bebês, crianças,
pensar numa gestão feita por todos, faz-se necessário adolescentes e jovens que se encontram em situações
pensar e agir em direção à qualidade da educação além vulneráveis ou de risco social, partimos da compreensão
dos muros da escola, constituindo parceria entre escola de que a vida contemporânea se expressa por meio de
e família/responsáveis, comunidade e cidade: uma rede uma realidade complexa e multifacetada. Esse fato exige
de proteção sociocultural, conforme os Indique EI/RME- um olhar amplo e global para os problemas, de maneira
-SP (SÃO PAULO, 2016a), Dimensão 9. Assim nasceu o que estruturas de atendimento verticalizadas ou com-
projeto de mãos dadas na EMEI, que tem por objetivo partimentalizadas não atendem à demanda cidadã des-
unir forças e agir em conjunto para a melhoria do espaço sa população. Assim, o atendimento em rede pressupõe
educacional como um patrimônio cultural, viabilizando a participação de diferentes políticas públicas setoriais,
a produção de culturas infantis e o atendimento integral tem base territorial (o atendimento acontece onde os in-
das crianças. divíduos residem), rompe com a lógica de ações isoladas
e estigmatizantes e inclui a participação da sociedade,
Cena 49 comunidade e das famílias/responsáveis.

Durante muito tempo, o muro da escola virou depó- Compromisso com a Base Nacional Comum Cur-
sito de lixo e entulho. Essa imagem entristecia todos que ricular
passavam pelo local, além de gerar preocupação com os
insetos e outros pequenos animais que poderiam pre- A publicação, em dezembro de 2017, da versão final
judicar o bem-estar e a saúde das crianças. A EMEI as- da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL,
sumiu a responsabilidade social no sentido de articular 2017), documento normativo homologado pelo Conse-
e garantir a Rede de Proteção Social. Esse assunto foi lho Nacional de Educação e aprovado pelo Ministério
discutido no Conselho de Escola e, com a parceria com da Educação, exige uma releitura dos documentos cur-
o PAVS-UBS, foi proposta a criação de um jardim suspen- riculares até então produzidos pelos municípios e pelas
so. A ação foi realizada no Dia da Família na Escola, com escolas. Na introdução ao documento da BNCC (BRASIL,
materiais doados e a participação efetiva de membros da 2017), é explicitado o tipo de relação entre a Base e os
comunidade escolar, do PAVS-UBS, das famílias/respon- documentos curriculares existentes: Com ela, redes de
sáveis e do grafiteiro da comunidade. Seguindo o que ensino e instituições escolares públicas e particulares
propõe a Dimensão 9 dos Indique EI/ RME-SP , esses são passam a ter uma referência nacional obrigatória para a
momentos em que as famílias/responsáveis se sentem elaboração ou adequação de seus currículos e propostas
valorizados e corresponsáveis pelo processo educativo, pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer
com ações integradas com os serviços da Rede de Pro- chegar em cada etapa da Educação Básica, enquanto os
teção Social, como a Unidade Básica de Saúde (UBS), em currículos traçam o caminho até lá. (BRASIL, 2017, p. 5)
defesa dos direitos das crianças. Essa parceria vem cres- Em nosso processo de trabalho, o termo adequação
cendo desde o ano passado. deve possuir centralidade. O Município de São Paulo não
Na cena percebe-se a preocupação das(es) educado- pode nem deve deixar de considerar toda a experiência
ras(es) e das famílias/responsáveis com a responsabilida- pregressa de constituição de um currículo com a parti-
de social de todos pela situação em que se encontrava o cipação das vozes ativas da escola. O posicionamento
entorno da UE, entendendo que pertencer a um território nesse processo passou pelo cotejamento entre os do-
é olhar para ele e assumir que as ações educacionais es- cumentos curriculares locais e nacionais, a possibilidade
tão para além do interior da escola. É desenvolver ações de encontrar afinidades, especialmente derivadas do fato
integradas com serviços da Rede de Proteção Social na de ambos terem como pano de fundo as DCNEI (BRASIL,
defesa de direitos dos bebês e das crianças, atentando- 2010a), mas também as diferenças no sentido de priori-
-se para as demandas que precisam ser resolvidas. Resol- dades e perspectivas, para que estas possam ser discu-
ver situações ou desafios se torna possível quando existe tidas e refletidas. Assim como as DCNEI (BRASIL, 2010a)
a parceria com as famílias/responsáveis e as instituições deram suporte para a escrita do Currículo Integrador da
sociais, visando o acesso aos bens e serviços na garantia Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), elaborado com
de uma educação de qualidade, saúde e proteção social. a participação dos diferentes segmentos da comunidade
A gestão da UE, ao convocar o colegiado (Conselho escolar, a BNCC (BRASIL, 2017), como documento man-
de Escola) para deliberar acerca de uma intervenção pe- datório, exige uma releitura dos documentos municipais.
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dagógica, promove um PPP que articula as vozes infantis, A leitura e análise dos documentos nacionais e muni-
a necessidade do território, a participação dos segmen- cipais são o início do trabalho pedagógico da instituição
tos, o trabalho pedagógico e a parceria com a Rede de em relação à redefinição do PPP, ação que oferece con-
Proteção. As parcerias, o compartilhamento das triste- dições para uma proposição curricular efetivamente local
zas e das alegrias, a constituição de laços e apoios são e contextual. Cada Unidade, a partir de uma metodologia
fundamentais nas vidas das pessoas nos territórios. As participativa com a comunidade escolar — profissionais,
diversidades e as diferenças estão presentes e lembram famílias/responsáveis, bebês e crianças —, estudará os
que, numa gestão democrática, mais que constituir con- documentos para tomar decisões relativas ao seu próprio
sensos, o importante é ter dissensos que possam ser re- currículo, respeitando as singularidades dos territórios e
solvidos sem violência. dos bebês e crianças. É necessário fazer algumas distin-

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ções (e aqui sem juízo de valores): a primeira diz respeito a como tratam a relação pedagógica. O Currículo Integrador
da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) e os Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016a), bem como os demais docu-
mentos da RME-SP, procuram constituir concepções de escola, currículo e avaliação com base em princípios democrá-
ticos, compreensões claras sobre bebês, crianças, docência e aprendizagem, discutindo estratégias de ação pedagógica
dos adultos, isto é, indicando como os adultos podem concretizar e avaliar essas concepções e princípios. Essa tem
sido a posição de grande parte dos documentos curriculares propostos nos diferentes municípios e escolas do Brasil.
É a nossa tradição brasileira de escrita curricular dizer o que a(o) professora(or) deve fazer e muitas vezes até como
deve proceder. Elegemos para esta análise inicial o Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a), que
apresenta importante ênfase nos seguintes aspectos:
• a integração entre a EI e o EF;
• os bebês e as crianças pequenas como sujeitos concretos, integrais, autores e atores, de relações de aprendizagem
e de direitos;
• o papel da cultura na formação humana;
• as bases sociais de aprendizagem;
• as interações;
• as brincadeiras / o brincar;
• as diversidades, as diferenças e a igualdade;
• o lugar/papel da(o) professora(or);
• ação pedagógica – organização de espaços, materiais e tempos;
• experiências, vivências e expressões; • diferentes linguagens;
• cultura escrita;
• a documentação pedagógica, avaliações participativas e negociadas. Os Indique EI/RME-SP (SÃO PAULO, 2016a)
apresentam as grandes dimensões do fazer educativo das UEs que garantem a qualidade do processo educacio-
nal em uma UE:

1. Planejamento e Gestão Educacional;


2. Participação, escuta e autoria de bebês e crianças;
3. Multiplicidade de experiências e linguagens em contextos lúdicos para as infâncias;
4. Interações;
5. Relações étnico-raciais e de gênero;
6. Ambientes educativos – tempos, espaços e materiais;
7. Promoção da saúde e bem-estar – experiências de ser cuidado, cuidar de si, do outro e do mundo;
8. Formação e condições de trabalho das educadoras e educadores;
9. Rede de proteção sociocultural – Unidade Educacional, família/responsáveis, comunidade e cidade. Reconhece-
mos que não são apenas esses documentos que expressam todas as concepções, princípios e normatizações da
RME-SP para a EI, mas como um exercício inicial de aproximação, consideramos estratégico promover o diálogo
entre a BNCC (BRASIL, 2017) e esses dois documentos da nossa Rede. Vale lembrar que nossos documentos en-
fatizam a ação dos adultos para propiciar que as crianças tenham garantidos os seus direitos, suas aprendizagens
e o seu desenvolvimento humano de forma contextualizada.

A BNCC (BRASIL, 2017), por sua vez, foi escrita com o foco naquilo que se considera serem as aprendizagens es-
senciais que todas as crianças brasileiras têm o direito de constituir ao frequentar uma Unidade de EI. Há na BNCC
(BRASIL, 2017) a defesa da ideia de que estar na escola é diferente de estar em outros espaços sociais, que a escola é
um espaço privilegiado de constituição da identidade das crianças, de vivência de relações sociais e de realização de
múltiplas experiências de aprendizagens.
O texto, portanto, está centrado nas aprendizagens das crianças, e não nos princípios pedagógicos, na metodologia,
nas proposições das ações docentes, pois estas são as decisões e contribuições que cada rede, escola ou professora(or)
deverá fazer ao currículo. Por esse motivo, o texto da BNCC (BRASIL, 2017) afirma continuamente que é apenas parte
de uma construção curricular. Os dois textos municipais anteriormente discutidos indicam as condições de oferta de
qualidade, e a BNCC (BRASIL, 2017) coloca a sua intencionalidade no direito da criança e do bebê de aprenderem ao
estarem em uma instituição de educação pública.
Do ponto de vista pedagógico, é possível observar que temos aqui dois importantes elementos da relação peda-
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gógica: os adultos — que criam contextos e possibilitam experiências — e as crianças — que, ao participarem dos
contextos e das experiências, aprendem. Ao longo do ano de 2018, foram realizadas nos Grupos de Estudo e Práticas
Pedagógicas (GEPP) discussões sobre o Currículo da Educação Infantil da RMESP, procurando estabelecer pontos de
conexão entre ambos os documentos. Nos debates realizados, algumas posições foram reiteradas:

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1. Os seis Direitos de Aprendizagens e Desenvolvimento na Educação Infantil contidos na BNCC (BRASIL, 2017) —
conviver, brincar, explorar, expressar, participar e conhecer-se — convergem com as concepções explicitadas no
Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) e com os direitos elaborados a partir dos Indique
EI/ RME-SP (SÃO PAULO, 2016).
Apesar de reconhecermos que poderíamos apresentar mais direitos para os bebês e para as crianças apontados nos
documentos locais, a diversidade que neles subjaz ficam explícitas no gráfico anterior. Essa convergência foi anunciada
no Item 3.1 – O cotidiano vivido e refletido.
2. As situações e experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes anunciadas nos Campos de
Experiências da BNCC (BRASIL, 2017) — O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores
e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações —
estão presentes em várias das cenas ao longo deste material, pois se referem a questões fundamentais da vida
de um bebê e de uma criança.
As relações com os demais (corpos em movimento, linguagens, imaginação, investigações) já estão presentes na
vida das crianças, e o papel da escola é ampliar o repertório para que elas possam viver a vida com maior intensidade.
Os campos de experiências são definições de atenção que os adultos devem ter para que as crianças tenham uma
educação integral, isto é, uma educação que atenda à diversidade de interesses, curiosidades e necessidades de bebês
e crianças, a sua integralidade.
A ideia de campo é exatamente a ruptura com as disciplinas e as áreas de conhecimentos, podendo ser compreen-
didas de modo contextualizado e interdisciplinar, por meio de ações curriculares que considerem todos os campos.
Compreendemos que a materialização dos Campos de Experiências ocorrem nos usos sociais das múltiplas linguagens
que estão contidos no Currículo Integrador na Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015a) e reforçadas no Item 2.3 – Lin-
guagens e práticas culturais deste documento, cabendo às(aos) educadoras(es) a responsabilidade de escutar, observar
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e estabelecer comunicação com bebês e crianças.


A seguir vemos uma representação de três documentos com intencionalidades curriculares diversas, mas que, ao
serem comparadas, abordam temas semelhantes. Quais diferenças e semelhanças? Por que uma é mais genérica e ou-
tra específica? É importante lembrar que todos eles se referem à relação entre as crianças e o mundo.

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Todos os documentos curriculares apontam um modo de operar com os conhecimentos construídos ao longo da
história humana. São modos distintos de tratar do repertório que a escola de EI oferece às crianças para que elas am-
pliem seus modos de perceber o entorno e sejam capazes de viver e agir no mundo com maior lucidez e entusiasmo.
3. Por fim, a BNCC (BRASIL, 2017) apresenta um rol de Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento para a Edu-
cação Infantil (a partir da p. 42) segundo os campos de experiências e a faixa etária das crianças. Compreende-
mos que muitos deles já estão materializados na apresentação de conceitos, princípios e cenas desta orientação
curricular, assim como de outros documentos municipais. Desde o início, a intenção não era a de produzir uma
complementação ou nova listagem de Objetivos de Aprendizagem e desenvolvimento, pois elas encaminham
as(os) professoras(es) a olharem muito para os objetivos e menos para as crianças. Nossa proposta é que a(o)
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professora(or), ao contrário, deve olhar primeiro para os bebês e as crianças (em seus territórios) e depois anali-
sar como o universo da cultura, da ciência, da arte e da tecnologia pode ampliar as experiências e vivências das
crianças, organizando isso em seu planejamento.
As DCNEI (BRASIL, 2010a) afirmam que um currículo se estabelece na relação entre o contexto, a história de vida e as
experiências das crianças, e a possibilidade da escola de ampliar, ressignificar e estabelecer pontes com os patrimônios
constituídos na história da humanidade. A denominação desse conjunto de práticas, informações, habilidades modifi-
ca-se de acordo com as concepções pedagógicas, mas sempre uma escola deve ter fidelidade ao patrimônio cultural,
artístico, científico e tecnológico acumulado pela humanidade, senão não será uma escola, nem precisará de professo-
ras(es). Como vimos no Capítulo 3, uma relação pedagógica, diferentemente de uma relação social, exige a presença
de quatro elementos: os bebês e as crianças; as(os) professoras(es); as metodologias; os conteúdos (práticas, saberes

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linguagens e conhecimentos). Todos esses elementos devem estar sustentados em um contexto ou território. Ao longo
de 2018, vimos objeções às tentativas de discussão com a BNCC (BRASIL, 2017). Precisamos superar essas objeções,
tanto porque a Base tem um caráter mandatório como porque as crianças têm o direito de acessar as aprendizagens
apresentadas por ela (os Objetivos de Aprendizagem contidos na BNCC foram reconhecidos pelo GEPP, uma vez que
estão todos implícitos ou explícitos nos diversos documentos municipais, com destaque aos Indicadores de Qualidade
da Educação Infantil Paulistana).
Esse posicionamento significa que assumimos, na condição de SME, a definição de um grupo de objetivos de longo
prazo para os diferentes grupos de crianças, centrado no conhecimento universal, complementado por objetivos locais,
constituídos a partir da vida no cotidiano da escola. Isso se dá primeiro para garantir que todas as crianças matriculadas
na RME-SP terão a possibilidade de acesso a experiências e vivências de vários saberes, linguagens e conhecimentos,
independentemente do contexto da escola ou de quem é a(o) professora(or), a(o) educadora(or) e a(o) gestora(or). Em
outras palavras, todos os bebês e crianças têm direitos inalienáveis de aprendizagem para se tornarem cidadãos, e a
escola deve promover essa igualdade.
Em segundo lugar, as famílias/responsáveis têm o direito de acompanhar o processo pedagógico e, para tanto,
necessitam estar informados sobre os grandes Objetivos de Aprendizagem delineados pela escola para os seus filhos.
Desta forma, também que se constrói parceria entre as famílias/responsáveis, as(os) professoras(es) e demais educa-
doras(es).
Com a proposição de avançarmos nas construções simbólicas apresentadas nestes encaminhamentos curriculares
e garantir que todas as crianças tenham direito a um percurso rico e significativo de aprendizagens, apresentamos a
tabela a seguir, a partir de várias discussões com os profissionais da RME-SP. Uma versão desta tabela foi apresentada
na 2ª consulta pública deste documento, com uma coluna denominada “Direitos de Aprendizagem” pelos Indique EI/
RMESP (SÃO PAULO, 2016a) e outra com “Objetivos de Aprendizagem” pela BNCC (BRASIL, 2017); porém, foi um equí-
voco compararmos coisas tão distintas.
Assim, vemos nesta versão final, na coluna da esquerda, um exercício de aproximação de leitura dos Indique EI/
RME-SP (SÃO PAULO, 2016a) realizado pela professora Maria Carmen Barbosa em transformar alguns indicadores na
linguagem de Objetivos de Aprendizagem. A professora e nós da SME sabemos que os Indicadores foram escritos pen-
sando na materialização de direitos às crianças e que, para tal, são necessárias ações de diferentes atores situados em
diversas instâncias para que a qualidade do atendimento seja garantida para todas as crianças. A relação pedagógica
entre o que se possibilita e aquilo que o outro aprende não é direta, mas a intencionalidade da(o) professora(or) na
organização espacial, temporal e de materialidades pode facilitar ou não essas condições de aprendizagens e desen-
volvimentos.
Por exemplo, o Indicador 6.1 – Ambientes, espaços, materiais e mobiliários fala das condições de trabalho e da
garantia de uma situação de vida para as crianças nas UEs. Ao definirmos esse indicador avaliativo de qualidade, apon-
tamos, reciprocamente, o direito das crianças de explorarem os espaços internos e externos da Unidade, a beleza da
natureza, as brincadeiras com os amigos. Assim, ele se transforma, neste exercício, no seguinte Objetivo de Aprendi-
zagem: utilizar materiais, objetos e brinquedos acessíveis para expressar a diversidade humana e cultural, a autoria e o
protagonismo. Reafirmamos o nosso compromisso com a preocupação de que exista a garantia dos direitos e de que
o planejamento docente e a organização das UEs não devam se guiar unicamente na busca por atingir determinadas
aprendizagens de forma descontextualizada. Porém, assumimos que não pode ser um tabu falarmos em aprendizagem
e desenvolvimento na EI. Na coluna da direita, estão listados os Objetivos de Aprendizagem e desenvolvimento da
BNCC (BRASIL, 2017).
Eles não estão organizados por Campos de Experiência, e sim em diálogo com oito Indicadores (com exceção do
oitavo item, por se tratar de questões específicas da formação docente e condições de trabalho), a partir dos quais
conseguimos realizar o exercício de extrair Objetivos de Aprendizagem. É certo que os Objetivos de Aprendizagem que
apresentamos na tabela diferem em sua natureza, como evidenciamos acima, mas ambos procuram garantir que os
bebês e as crianças na escola possam ter muitas experiências e vivências, aprender e se desenvolver.
Analisar pontos de encontro, divergências e complementaridades pode enriquecer as discussões dos momentos
formativos de cada UE e dos seus PPPs. Como um exercício final nesta versão da tabela, dado o reconhecimento da
urgência em se tomar medidas transformadoras na direção do desenvolvimento sustentável e compreendendo o con-
texto atual de interdependência global das ações, foi feito o exercício de aproximação entre os Objetivos de Aprendi-
zagem da BNCC (BRASIL, 2017) e as metas e ações dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), referenciadas
na coluna mais à direita.
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Os 17 ODS compõem um conjunto de teor universal e indivisível: a Agenda 2030, que abrange o Desenvolvimen-
to Sustentável em suas dimensões ambiental, social e econômica. As metas e ações específicas que se desdobram
deles tratam de aspirações globais acordadas, a serem alcançadas até 2030. Para tanto, eles devem ser incorporados
a processos, políticas e estratégias de planejamento em diferentes níveis (internacional, nacional e local), de maneira
coerente entre si. Assim, foi estabelecida uma leitura contextual das metas, nesse caso, circunscritas à RME-SP. A tabela
a seguir é um primeiro exercício de aproximação entre os documentos, mas reafirmamos que os objetivos listados não
esgotam a complexidade das experiências que os bebês e as crianças precisam acessar cotidianamente na Educação
Infantil, e que nós, educadoras(es), precisamos garantir de forma intencional.

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Ao término da leitura da tabela, podemos verificar em defesa da educação e da infância no PPP, apresentan-
que há diferentes ênfases entre os dois documentos. Os do três políticas públicas significativas para a Educação
objetivos da BNCC (BRASIL, 2017), escritos principalmen- Infantil na Cidade de São Paulo. 1)
te no contexto dos campos de experiência — O eu, o O Compromisso com Plano Municipal de Educação
outro e o nós; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, da Cidade de São Paulo e com o Plano Municipal pela
pensamento e imaginação —, estão contemplados, ainda Primeira Infância: o PME (SÃO PAULO, 2015e), com o
que não integralmente, nos Objetivos de Aprendizagem intuito de melhorar a qualidade da educação no muni-
que retiramos do exercício que propusemos. Todavia, cípio, na especificidade da Educação Infantil, estabelece
os objetivos mais relacionados aos campos do corpo — como prioridade a ampliação da oferta de atendimento
Corpo, gestos e movimentos; Espaços, tempos, quantida- em creche. O Plano Municipal pela Primeira Infância esta-
des, relações e transformações — parecem menos consi- belece as bases que nortearão as ações necessárias para
derados. Por que esse desequilíbrio? proporcionar uma primeira infância plena, estimulante e
A Arte está no dia a dia, mas a matemática não é vis- saudável para as crianças no município, principalmente
ta como algo cotidiano. Muitas vezes deseja-se que os para as mais vulneráveis, por meio da definição de eixos
corpos infantis fiquem parados. As relações químicas, as estratégicos e metas. 2)
construções, as métricas, a eletricidade, as quantidades O compromisso com a Rede de Proteção Social que
interessam às crianças e precisam ser apresentadas a atende bebês, crianças e jovens em situação de vulne-
elas. Quando pensamos que, do ponto de vista da histó- rabilidade por meio de equipes multiprofissionais que
ria, a Educação Infantil teve por muitos anos como obje- propõem modos de atendimento e cuidados nos terri-
tivo a construção de um corpo silenciado, e a tecnologia, tórios: os documentos municipais acima citados preten-
as ciências naturais, a matemática eram compreendidas dem assegurar uma boa experiência de infância para as
por muitos como temas que não interessam aos bebês e crianças. Os direitos das crianças não são postergáveis;
às crianças, isso não foi desenvolvido em sua complexi- eles precisam ser defendidos e realizados neste momen-
dade nas UEs. Nossa sociedade desigual ainda permite to, pois não poderão ser restituídos posteriormente. 3) O
acesso a esses conhecimentos apenas para alguns. Compromisso com a Base Nacional Comum Curricular:
Para concebermos bebês e crianças com a perspecti- foi iniciado com o estabelecimento do diálogo entre o
va da inclusão de todos, em uma educação integral e in- Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO,
tegradora, é preciso superar caminhos que gerem exclu- 2015a) e os Direitos de Aprendizagens e Desenvolvimen-
sões. Um currículo que considere todas as proposições to na Educação Infantil contidos na BNCC (BRASIL, 2017).
apresentadas ao longo deste documento, que dialogue Descobrir pontos comuns foi um primeiro passo deste
com as proposições apresentadas na BNCC (BRASIL, documento, feito em âmbito da representação de pro-
2017) e com outros documentos municipais, nacionais e fissionais da RME.
internacionais, possibilitando que as UEs adquiram um O segundo passo nessa relação, presente no final
repertório variado, é um belo caminho para uma educa- deste documento de Orientação Curricular, foi o exercí-
ção equitativa e para a humanização de todos. cio de estabelecer relações entre os Objetivos de Apren-
dizagem da BNCC (BRASIL, 2017) e Objetivos de Apren-
Em síntese... dizagem que foram elaborados a partir dos Indicadores
As palavras que sintetizam as ideias chave deste ca- de Qualidade da Educação Infantil Paulistana.
pítulo são democracia, gramática pedagógica, Projeto
Político Pedagógico, Plano Municipal de Educação e Pla- Fonte
no Municipal pela Primeira Infância, Rede de Proteção SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
Social, Base Nacional Comum Curricular. Este capítulo cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
expressa o compromisso do Currículo com a democra- Educação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019. Disponí-
cia. Pensar numa educação democrática é pensar numa vel em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/
educação feita para todos e com todos, que promova Files/51031.pdf.
igualdade de condições, observando as diferenças, as
desigualdades, as diversidades culturais, étnicas, sociais,
políticas e econômicas. O compromisso com a democra-
cia revela uma gramática pedagógica do currículo que EXERCÍCIO COMENTADO
corresponde a um pensar e fazer a educação que não
se encerra no campo dos preceitos filosóficos e teóri- 1. (Pref. Campinas/SP - Vice-Diretor - Superior -
cos, mas sua concretização e sua evolução são garanti- FCC/2016) Na Educação Infantil a valorização da auto-
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das pela organização e gestão pedagógica participativa nomia, da responsabilidade, da solidariedade e do res-
dos tempos, espaços, materialidades, das interações, dos peito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes
projetos, das brincadeiras e das experiências com múlti- culturas, identidades e singularidades são princípios:
plas linguagens.
O Projeto Político Pedagógico constitui-se em do- a) ideais, mas que exigem formação específica das pro-
cumento vivo, dinâmico e reflexivo, contextualizado, fessoras para concretizá-los.
construído coletivamente e articulado à autoavaliação b) estéticos.
institucional, à documentação pedagógica, à formação c) jurídicos.
permanente das(os) educadoras(es) e aos planos de d) desejáveis, entretanto inviáveis nesta faixa etária.
ação. Para tanto, este capítulo traz os Marcos Políticos e) éticos.

83
Resposta: Letra E. Em “e” – Certo – São os princípios Enquanto 43.655 estudantes enviaram suas percep-
éticos. ções por meio de um questionário individual disponibili-
Desse modo, para auxiliar as instituições de educação zado via aplicativo, 16.030 educadores deram indícios de
infantil a planejar seu cotidiano, as DCNEI (BRASIL, como organizam suas práticas curriculares, compartilha-
2009) apontam um conjunto de princípios que devem das por meio do site da SME. Essas percepções e indica-
orientar o trabalho pedagógico. São eles: dores também serviram como referência para a produção
a) princípios éticos – valorização da autonomia, res- desse currículo. O Currículo da Cidade foi construído de
ponsabilidade, solidariedade e do respeito ao bem forma coletiva, tanto para espelhar a identidade da Rede
comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, Municipal de Ensino de São Paulo, quanto para assegurar
identidades e singularidades; que seja incorporado por todos os seus integrantes.
b) princípios políticos – garantia dos direitos de cida- O processo foi realizado sob a orientação da Coorde-
dania, do exercício da criticidade e do respeito à or- nadoria Pedagógica (COPED) da Secretaria Municipal de
dem democrática; Educação de São Paulo, tendo como base as seguintes
c) princípios estéticos – valorização da sensibilidade, premissas para sua construção:
criatividade, ludicidade e diversidade de manifesta- Continuidade: O processo de construção curricular
ções artísticas e culturais (art. 6º). procurou romper com a lógica da descontinuidade a
cada nova administração municipal, respeitando a me-
mória, os encaminhamentos e as discussões realizadas
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA em gestões anteriores e integrando as experiências, prá-
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. DIRETORIA ticas e culturas escolares já existentes na Rede Municipal
de Ensino.
DE ORIENTAÇÃO TÉCNICA. INDICADORES
Relevância: O Currículo da Cidade foi construído para
DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL
ser um documento dinâmico, a ser utilizado cotidiana-
PAULISTANA. SÃO PAULO: SME/DOT, 2016. mente pelos professores com vistas a garantir os direitos
de aprendizagem a todos os estudantes da Rede.
CURRÍCULO DA CIDADE: ORIENTAÇÕES CURRICU- Colaboração: O documento foi elaborado conside-
LARES PARA A CIDADE DE SÃO PAULO rando diferentes visões, concepções, crenças e métodos,
por meio de um processo dialógico e colaborativo, que
incorporou as vozes dos diversos sujeitos que compõem
#FicaDica a Rede.
Contemporaneidade: A proposta curricular tem foco
O Currículo da Cidade busca alinhar as orien- nos desafios do mundo contemporâneo e busca formar
tações curriculares do Município de São os estudantes para a vida no século XXI.
Paulo à Base Nacional Comum Curricular O Currículo da Cidade foi construído para todos os
(BNCC), documento que define as aprendi- estudantes da Rede Municipal de Ensino de São Paulo,
zagens essenciais a que todos os estudantes inclusive os que necessitam de atendimento educacio-
brasileiros têm direito ao longo da Educação nal especializado – aqueles que têm algum tipo de defi-
Básica. . ciência, transtornos globais de desenvolvimento ou altas
habilidades/superdotação. Aplica-se, também, a crianças
A BNCC estrutura-se com foco em conhecimentos, e adolescentes de diferentes origens étnico-raciais, além
habilidades, atitudes e valores para promover o desen- de imigrantes e refugiados de vários países. A proposta
volvimento integral dos estudantes e a sua atuação na da atualização do Currículo da Cidade de São Paulo re-
sociedade. Sua implementação acontece por meio da força a mudança de paradigma que a sociedade contem-
construção de currículos locais, de responsabilidade das porânea vive, na qual o currículo não deve ser concebido
redes de ensino e escolas, que têm autonomia para or- de maneira que o estudante se adapte aos moldes que
ganizar seus percursos formativos a partir da sua própria a escola oferece, mas como um campo aberto à diver-
realidade, incorporando as diversidades regionais e sub- sidade. Essa diversidade não é no sentido de que cada
sidiando a forma como as aprendizagens serão desen- estudante poderia aprender conteúdos diferentes, mas
volvidas em cada contexto escolar. sim aprender conteúdos de diferentes maneiras. Para
Diante disso, a Secretaria Municipal de Educação de que esses estudantes tenham seus direitos garantidos,
São Paulo – SME deu início ao processo de atualização reconhece-se a necessidade de adequações didáticas e
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curricular em março de 2017, com a realização de um se- metodológicas que levem em consideração suas pecu-
minário municipal, que reuniu diretores e coordenadores liaridades, documentos esses que serão produzidos pela
pedagógicos de todas as escolas de Ensino Fundamental SME dialogando com o Currículo da Cidade.
da Rede, professores de referência, além de gestores e
técnicos das Diretorias Regionais de Educação (DREs). De O Currículo da Cidade estrutura-se com base em três
abril a junho, professores e estudantes da Rede foram conceitos orientadores:
consultados por meio de amplo processo de escuta, que Educação Integral: Tem como propósito essencial
mapeou suas percepções e recomendações sobre o que promover o desenvolvimento integral dos estudantes,
e como aprender. considerando as suas dimensões intelectual, social, emo-
cional, física e cultural.

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Equidade: Partimos do princípio de que todos os es- diano, a importância do brincar e a integração de saberes
tudantes são sujeitos íntegros, potentes, autônomos e, de diferentes Componentes Curriculares, em permanen-
portanto, capazes de aprender e desenvolver-se, contan- te diálogo.
to que os processos educativos a eles destinados consi-
derem suas características e seu contexto e tenham signi- CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
ficado para suas vidas. Assim sendo, buscamos fortalecer
políticas de equidade, explicitando os direitos de apren- O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)1 con-
dizagem, garantindo as condições necessárias para que sidera a infância como o período que vai do nascimen-
eles sejam assegurados a cada criança e adolescente da to até os 12 anos incompletos, e a adolescência como
Rede Municipal de Ensino, independente da sua realida- a etapa da vida compreendida entre os 12 e os 18 anos
de socioeconômica, cultural, étnico-racial ou geográfica. de idade. A lei define que a criança e o adolescente usu-
Educação Inclusiva: Respeitar e valorizar a diversida- fruam de todos os direitos fundamentais inerentes à
de e a diferença, reconhecendo o modo de ser, de pensar pessoa humana e devem ter acesso a todas as oportuni-
e de aprender de cada estudante, propiciando desafios dades e condições necessárias ao seu desenvolvimento
adequados às suas características biopsicossociais, apos- físico, mental, moral, espiritual e social. Estabelece, ainda,
tando nas suas possibilidades de crescimento e orientan- em seu artigo 4º que:
do-se por uma perspectiva de educação inclusiva, plural É dever da família, da comunidade, da sociedade em
e democrática. geral e do poder público assegurar, com absoluta priori-
dade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
O Currículo da Cidade foi organizado em três Ciclos à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profis-
(Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral) e apresenta sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
uma Matriz de Saberes, os Objetivos de Desenvolvimen- dade e à convivência familiar e comunitária.
to Sustentável, os Eixos Estruturantes, os Objetos de Co- Ainda que reúnam características comuns, essas eta-
nhecimento e os Objetivos de Aprendizagem e Desen- pas da vida não podem ser concebidas de forma homo-
volvimento de cada Componente Curricular. Os objetos gênea, uma vez que também são influenciadas por cons-
de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desen- truções históricas e culturais, de tempo, lugar e espaço
volvimento de cada componente curricular foram elabo- social, bem como de variáveis de classe, gênero, etnia,
rados por Grupos de Trabalho (GTs) formados por pro- orientação política, sexual ou religiosa.
fessores, supervisores e técnicos da Secretaria Municipal O Currículo da Cidade leva em conta as especifici-
de Educação de São Paulo e das Diretorias Pedagógicas dades dessas fases do desenvolvimento e considera os
(DIPEDs) das Diretorias Regionais de Educação (DREs). diferentes contextos em que as crianças e os adolescen-
Os GTs reuniram-se de março a junho de 2017 e pro- tes que vivem na Cidade de São Paulo estão inseridos.
duziram a primeira versão do Currículo da Cidade. No Para tanto, acolhe essa diversidade referenciando-se
mês de agosto essa versão foi colocada para consulta pelos estudos sobre as relações étnico-raciais, pelas Leis
das equipes gestora e docente, supervisores e formado- 10.639/03 e 11.645/08, assim como pela atuação do Nú-
res das DREs, no Sistema de Gestão Pedagógica (SGP), cleo Étnico-Racial da SME, que, dentre outras atividades,
totalizando mais de 9.000 leituras e mais de 2.550 contri- fomenta práticas educacionais voltadas à aprendizagem
buições que foram analisadas pelas equipes técnicas do de Histórias e Culturas Africanas, AfroBrasileiras, Indíge-
Núcleo Técnico de Currículo (NTC) e Divisão de Ensino nas, assim como a de Imigrantes e de Refugiados.
Fundamental e Médio (DIEFEM). Além disso, a primeira Partindo-se da concepção de que a criança e o ado-
versão do documento foi encaminhada a leitores críticos lescente são sujeitos de direito que devem opinar e par-
que também trouxeram contribuições. Após a incorpo- ticipar das escolhas capazes de influir nas suas trajetórias
ração das contribuições pelas equipes técnicas do NTC/ individuais e coletivas, compreende-se que o Currículo
DIEFEM, o documento tem sua versão finalizada, para ser da Cidade, bem como os espaços, tempos e materiais
implementado pelas escolas da Rede. As ações de imple- pedagógicos disponibilizados pelas unidades educativas,
mentação contarão com orientações didáticas, materiais precisa acolhê-los na sua integralidade e promover a sua
curriculares e formação continuada. participação. Para tanto, faz-se necessário conhecer as
suas aspirações, interesses e necessidades, bem como
CONCEPÇÕES E CONCEITOS QUE EMBASAM O atentar para as mudanças que ocorrem ao longo do seu
CURRÍCULO DA CIDADE desenvolvimento.
As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2013 salien-
A construção do Currículo da Cidade foi orientada tam a importância de se observar que, na transição da
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por concepções e conceitos, considerando a importância infância para a adolescência, os estudantes deixam a fase
de conceber os pressupostos de um currículo integrador, egocêntrica, característica dos anos iniciais, e passam a
Na perspectiva de um Currículo Integrador, a criança perceber o ponto de vista do outro, interagindo com o
não deixa de brincar, nem se divide em corpo e mente ao
mundo ao seu redor, realizando a chamada descentra-
ingressar no Ensino Fundamental. Ao contrário, ela con-
ção, processo fundamental para a “construção da auto-
tinua a ser compreendida em sua integralidade e tendo
nomia e a aquisição de valores morais e éticos” (BRASIL,
oportunidades de avançar em suas aprendizagens sem
2013, p. 110).
abandonar a infância. (SÃO PAULO, 2015, p. 8).
Cabe destacar que é também nessa fase da vida que
Sendo assim, o currículo do Ensino Fundamental con-
crianças e adolescentes de todas as classes sociais ficam
sidera a organização dos tempos, espaços e materiais
mais expostos a situações de risco pessoal e social e à
que contemplem as vivências das crianças no seu coti-

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influência da mídia, o que, por vezes, compromete a sua imprescindível para compreender a prática pedagógi-
integridade física, psicológica e moral e a capacidade de ca; está estreitamente relacionado com o conteúdo da
tomar decisões mais assertivas, além de influenciar as profissionalidade dos docentes; é um ponto em que se
suas formas de pensar e expressar-se. intercruzam componentes e decisões muito diversas (pe-
Assim sendo, é de extrema relevância que o Currícu- dagógicas, políticas, administrativas, de controle sobre o
lo da Cidade prepare os estudantes para fazer uso críti- sistema escolar, de inovação pedagógica); é um ponto
co, criativo e construtivo das tecnologias digitais, bem central de referência para a melhoria da qualidade de en-
como refletir sobre os apelos consumistas da socieda- sino. (PACHECO, 2005, p. 37).
de contemporânea, os riscos da devastação ambiental e Currículos não são lineares: O currículo não é uma se-
naturalização dos problemas sociais, humanos, afetivos quência linear, mas um conjunto de aprendizagens con-
e emocionais. Também precisa orientá-los a reconhe- comitantes e interconectadas. Portanto, não é possível
cer e proteger-se das várias formas de violência, abuso defini-lo antecipadamente sem levar em conta o seu de-
e exploração que podem prejudicar o seu bem-estar e senvolvimento no cotidiano escolar (DOLL, 1997, p. 178).
desenvolvimento, além de apoiá-los a constituírem-se Ou seja, o currículo está estreitamente ligado ao dia a dia
como pessoas e cidadãos cada vez mais aptos a lidar da prática pedagógica, em que se cruzam decisões de
com as demandas e os desafios do século XXI. vários âmbitos.
Essas preocupações apontam para a adoção de um [...] um currículo construtivo é aquele que emerge
currículo orientado pela Educação Integral, que seja ca- através da ação e interação dos participantes; ele não é
paz de formar sujeitos críticos, autônomos, responsáveis, estabelecido antecipadamente (a não ser em termos am-
colaborativos e prósperos. plos e gerais). Uma matriz, evidentemente, não tem início
nem fi m; ela tem fronteiras e pontos de interseção ou fo-
CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO cos. Assim, um currículo modelado em uma matriz tam-
bém é não-linear e não-sequencial, mas limitado e cheio
O Currículo da Cidade foi construído a partir da com- de focos que se interseccionam e uma rede relacionada
preensão de que: de significados. Quanto mais rico o currículo, mais haverá
Currículos são plurais: O currículo envolve os diferen- pontos de intersecção, conexões construídas, e mais pro-
tes saberes, culturas, conhecimentos e relações que exis- fundo será o seu significado. (DOLL, 1997, p. 178).
tem no universo de uma rede de educação. Assim sendo, Currículos são processos permanentes e não um
é fruto de uma construção cultural que reúne diversas produto acabado: O “currículo é o centro da atividade
perspectivas e muitas significações produzidas a partir educacional e assume o papel normativo de exigências
dos contextos, interesses e intenções que permeiam a di- acadêmicas, mas não deve estar totalmente previsível e
versidade dos atores e das ações que acontecem dentro calculado” (PACHECO, 2001, p. 15).
e fora da escola e da sala de aula. Para dar conta dessa Dessa forma, continua o autor, pode-se conside-
pluralidade, o Currículo da Cidade foi construído a partir rar que o currículo é um processo e não um produto,
da escuta e da colaboração de estudantes, professores e mas “[...] é uma prática constantemente em deliberação
gestores da Rede Municipal de Ensino. e negociação”. Embora a SME considere o Currículo da
Currículos são orientadores: O currículo “é também Cidade como o documento orientador do Projeto Políti-
uma forma concreta de olhar para o conhecimento e co-Pedagógico das escolas, ele não pode ser visto como
para as aprendizagens construídas no contexto de uma
algo posto e imutável, mas como “a concretização das
organização de formação” (PACHECO, 2005, p. 36). Dife-
funções da própria escola e a forma particular de enfo-
rentes concepções de currículo levam a diferentes orien-
cá-las num momento histórico e social determinado [...]”
tações em relação ao indivíduo que se deseja formar, à
(SACRISTÁN, 2000, p. 15). Cabe ressaltar que os currículos
prática educativa e à própria organização escolar.
devem ser sempre revisados e atualizados, seja para ade-
O currículo não oferece todas as respostas, mas traz as
quarem-se a mudanças que ocorrem de forma cada vez
discussões temáticas, conceituais, procedimentais e valo-
mais veloz em todos os setores da sociedade, seja para
rativas para o ambiente da escola, orientando a tomada
de decisões sobre as aprendizagens até a “[...] racionali- incorporarem resultados de novas discussões, estudos e
zação dos meios para obtê-las e comprovar seu sucesso” avaliações. Embora a função do currículo não seja a de
(SACRISTÁN, 2000, p. 125). Assim sendo, o currículo pode fechar-se à criatividade e à inovação, sua característica
ser considerado como o cerne de uma proposta pedagó- mais fundamental é a clareza com que enuncia princí-
gica, pois tem a função de delimitar os aprendizados a pios e que cria clima e roteiros instigantes ao diálogo,
serem desenvolvidos e referenciar as atividades a serem à aprendizagem e à troca de experiências mediadas por
conhecimentos amplos e significativos da história.
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realizadas em sala de aula, sempre tendo a compreensão


e a melhoria da qualidade de vida como base da socie-
dade, da própria escola, do trabalho do professor e do Professores são protagonistas do currículo: O pro-
sentido da vida do estudante. Assim, a principal intenção fessor é o sujeito principal para a elaboração e imple-
do Currículo da Cidade é justamente oferecer diretrizes e mentação de um currículo, uma vez que tem a função
orientações a serem utilizadas no cotidiano escolar para de contextualizar e dar sentido aos aprendizados, tan-
assegurar os direitos de aprendizagem a cada um dos to por meio dos seus conhecimentos e práticas, quanto
estudantes da Rede Municipal de Ensino. pela relação que estabelece com seus estudantes. Para
[...] numa primeira síntese do que efetivamente re- tanto, os educadores precisam reconhecer o seu papel
presenta, o currículo significa o seguinte: é a expressão de protagonistas nesse processo, sentindo-se motivados
da função socializadora da escola; é um instrumento e tendo condições de exercê-lo. Compreendendo a im-

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portância desse envolvimento, o Currículo da Cidade foi (intelectual, física, social, emocional e cultural) e a sua
construído com a colaboração dos professores da Rede formação como sujeitos de direito e deveres. Trata-se de
Municipal de Ensino, que participaram do processo en- uma abordagem pedagógica voltada a desenvolver todo
viando propostas ou integrando os Grupos de Trabalho. o potencial dos estudantes e prepará-los para se realiza-
Tal engajamento buscou, ainda, valorizar o protagonismo rem como pessoas, profissionais e cidadãos comprome-
dos atores educativos frente ao desafio de tornar signifi- tidos com o seu próprio bem-estar, com a humanidade
cativo o currículo praticado na escola. e com o planeta.
O professor transforma o conteúdo do currículo de Essa concepção não se confunde com educação de
acordo com suas próprias concepções epistemológicas tempo integral e pode ser incorporada tanto pelas esco-
e também o elabora em conhecimento “pedagogica- las de período regular de cinco horas, quanto pelas de
mente elaborado” de algum tipo e nível de formalização período ampliado de sete horas. Nesse caso, a extensão
enquanto a formação estritamente pedagógica lhe faça da jornada escolar contribui – mas não é pré-requisito
organizar e acondicionar os conteúdos da matéria, ade- – para que o desenvolvimento multidimensional acon-
quando-os para os alunos. (SACRISTÁN, 2000, p. 15). teça. A Educação Integral não se define pelo tempo de
Nesse processo o envolvimento da equipe gestora permanência na escola, mas pela qualidade da propos-
da escola (coordenadores pedagógicos e diretores) é ta curricular, que supera a fragmentação e o foco único
muito importante, no sentido de articular professores da em conteúdos abstratos. Ela busca promover e articular
mesma área, de diversas áreas; do mesmo ciclo e dos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que pre-
diferentes ciclos nas discussões curriculares e na orga- parem os estudantes para a realização do seu projeto de
nização dos planejamentos com vistas a atender melhor vida e para contribuírem com a construção de um mundo
os estudantes daquela comunidade escolar. Essas ações melhor.
desenvolvidas nos espaços escolares, e acompanhadas Nas três últimas décadas, o debate acadêmico so-
pelos supervisores, permitem uma articulação entre as bre Educação Integral tem envolvido sociólogos, filóso-
diferentes escolas com as quais ele atua e com a própria fos, historiadores e pedagogos, entre outros estudiosos
história de construção curricular do município e os deba- preocupados em compreender os problemas e apontar
tes nacionais. possíveis soluções para melhorar a qualidade educacio-
Currículos devem ser centrados nos estudantes: O nal e formativa do conhecimento construído na escola
propósito fundamental de um currículo é dar condições do Brasil.
e assegurar a aprendizagem e o desenvolvimento ple- As novas definições de Educação Integral que come-
no de cada um dos estudantes, conforme determinam çaram a emergir a partir de meados da década de 1990
os marcos legais brasileiros. Currículos também precisam apontam para a humanização do sujeito de direito e en-
dialogar com a realidade das crianças e adolescentes, de tendem o conhecimento como elemento propulsor para
forma a conectarem-se com seus interesses, necessida- o desenvolvimento humano. Indicam, também, que tais
des e expectativas. Em tempos de mudanças constantes processos educativos acontecem via socialização dialógi-
e incertezas quanto ao futuro, propostas curriculares ca criativa do estudante consigo mesmo, com os outros,
precisam ainda desenvolver conhecimentos, saberes, ati- com a comunidade e com a sociedade. Nesse caso, os
tudes e valores que preparem as novas gerações para as conteúdos curriculares são meios para a conquista da au-
demandas da vida contemporânea e futura. tonomia plena e para a ressignificação do indivíduo por
Considerando a relevância para os estudantes da ele mesmo e na sua relação com os demais.
Rede Municipal de Ensino, o Currículo da Cidade estru- A Educação Integral, entendida como direito à cida-
tura-se de forma a responder a desafios históricos, como dania, deve basear-se em uma ampla oferta de experiên-
a garantia da qualidade e da equidade na educação pú- cias educativas que propiciem o pleno desenvolvimento
blica, ao mesmo tempo em que aponta para as aprendi- de crianças e jovens (GUARÁ, 2009). Este desenvolvimen-
zagens que se fazem cada vez mais significativas para ci- to deve incentivar, ao longo da vida, o despertar da cria-
dadãos do século XXI e para o desenvolvimento de uma tividade, da curiosidade e do senso crítico, além de ga-
sociedade e um mundo sustentáveis e justos. As propostas rantir a inclusão do indivíduo na sociedade por meio do
de formação de caráter tão amplo e não imediatistas exi- conhecimento, da autonomia e de suas potencialidades
gem algumas adjetivações às práticas curriculares que nos de realizar-se social, cultural e politicamente.
apontam numa direção da integralidade dos objetivos de Em outra publicação, ao observar o contexto geral da
formação. Dentro dessa perspectiva, o currículo não visa Educação Integral, a mesma autora coloca o sujeito de
apenas a formação mental e lógica das aprendizagens nem direito no centro de suas análises e considera-o como
ser um mero formador de jovens ou adultos para a inserção aquele que explicita o seu lado subjetivo de prazer e sa-
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no mercado imediato de trabalho. O que levaria o currículo tisfação com as escolhas simbólicas que realiza no decor-
a escapar dessas duas finalidades restritivas com relação à rer de sua existência. Tal visão ressalta que as múltiplas
sua função social é sua abrangência do olhar integral sobre exigências da vida corroboram para o aperfeiçoamento
o ser humano, seus valores e sua vida social digna. humano, potencializando a capacidade de o indivíduo
realizar-se em todas as dimensões.
CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL Gonçalves (2006) associa a Educação Integral à totali-
dade do indivíduo como processo que extrapola o fator
O Currículo da Cidade orienta-se pela Educação In- cognitivo e permitindo-lhe vivenciar uma multiplicidade
tegral, entendida como aquela que promove o desen- de relações, com a intenção de desenvolver suas dimen-
volvimento dos estudantes em todas as suas dimensões sões físicas, sociais, afetivas, psicológicas, culturais, éti-

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cas, estéticas, econômicas e políticas. Cavaliere (2002) se- IV. Aliar a satisfação e o prazer pela busca de novos
gue a mesma linha conceitual, destacando que a essência conhecimentos com vistas à formação do indivíduo
da Educação Integral reside na percepção das múltiplas autônomo do século XXI.
dimensões do estudante, que devem ser desenvolvidas
de forma equitativa. Educação Integral e Marcos Legais

Pode-se complementar essa visão, levantando quatro Diversos marcos legais internacionais e nacionais ali-
perspectivas sobre a Educação Integral: nham-se com esse conceito de Educação Integral.
• A primeira aponta para o desenvolvimento humano Entre os internacionais citamos: Declaração Universal
equilibrado, via articulação de aspectos cognitivos, dos Direitos Humanos da ONU (1948); Convenção sobre
educativos, afetivos e sociais, entre outros. os Direitos da Criança da ONU (1989); Agenda 2030 para
• A segunda enfatiza a articulação dos Componentes o desenvolvimento sustentável (2015).
Curriculares e o diálogo com práticas educativas Entre os marcos nacionais destacamos: Constituição
transversais, inter e transdisciplinares. Federal (1988); Estatuto da Criança e do Adolescente
• A terceira compreende a importância da articula- (1990)2; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
ção entre escola, comunidade e parcerias institu- (1996)3; Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015)4.
cionais, bem como entre educação formal e não Outros marcos legais, como o Plano Nacional de
formal para a formação do indivíduo integral. Educação (2014-2024), o Plano Municipal de Educação
• A quarta defende a expansão qualificada do tempo (2015-2025) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
que os estudantes passam na escola para melhoria mento da Educação Básica e de Valorização dos Profis-
do desempenho escolar (GUARÁ, 2009). sionais de Educação (2007), também criam condições
para a promoção de uma educação que contemple o
A mesma autora ainda indica que todas essas pers- pleno desenvolvimento dos estudantes.
pectivas tendem a refletir a realidade local e são influen- Essa concepção de Educação Integral está igualmen-
ciadas por peculiaridades de tempo, espaço, região, cir- te de acordo com o Programa de Metas 2017-2020 da
cunstâncias sociais, econômicas e inclinações políticas e Prefeitura Municipal de São Paulo5, compreendido como
“um meio de pactuação de compromissos com a socie-
ideológicas. Segundo ela, o que realmente precisa ser
dade”. O documento estrutura-se em cinco eixos temá-
considerado é o desenvolvimento humano integral do
ticos6, envolvendo todos os setores da administração
estudante.
municipal. O eixo do “Desenvolvimento Humano: cida-
Educação integral como direito de cidadania supõe
de diversa, que valoriza a cultura e garante educação de
uma oferta de oportunidades educativas, na escola e
qualidade a todos e todas” engloba a Secretaria Munici-
além dela, que promovam condições para o desenvol-
pal de Educação, a Secretaria Municipal de Direitos Hu-
vimento pleno de todas as potencialidades da criança e
manos e
do jovem. Sua inclusão no mundo do conhecimento e da Cidadania e a Secretaria Municipal de Cultura. As
vida passa pela garantia de um repertório cultural, so- onze metas e vinte projetos asso ciados a esse eixo tam-
cial, político e afetivo que realmente prepare um presen- bém têm como foco a Educação Integral.
te que fecundará todos os outros planos para o futuro.
(GUARÁ, 2009, p. 77). Relevância da Educação Integral
O documento da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), homologada em 2017, compartilha dos concei- A proposta de Educação Integral ganha força frente
tos acima abordados sobre o desenvolvimento global aos debates sobre a cultura da paz, os direitos humanos,
dos estudantes, enfatizando ainda a necessidade de se a democracia, a ética e a sustentabilidade, compreendi-
romper com as percepções reducionistas dos processos dos como grandes desafios da humanidade. Para serem
educativos que priorizam as dimensões cognitivas ou alcançados, esses desafios demandam que crianças, ado-
afetivas em detrimento dos demais saberes que emer- lescentes e jovens tenham oportunidade de identificar,
gem dos tempos, espaços e comunidades nos quais os desenvolver, incorporar e utilizar conhecimentos, habili-
estudantes se inserem. Segundo a BNCC (BRASIL, 2017), dades, atitudes e valores. A aprendizagem de conteúdos
independentemente do tempo de permanência do estu- curriculares, ainda que importante, não é o sufi ciente
dante na escola, o fator primordial a ser considerado é para que as novas gerações sejam capazes de promover
a intencionalidade dos processos e práticas educativas os necessários avanços sociais, econômicos, políticos e
fundamentadas por uma concepção de Educação Inte- ambientais nas suas comunidades, no Brasil e no mundo.
gral.
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Isto implica: CONCEITO DE EQUIDADE


I. Avaliar o contexto atual da sociedade brasileira em
tempos de globalização social, política, econômica e O conceito de equidade compreende e reconhece a
cultural; diferença como característica inerente da humanidade,
II. Conciliar os interesses dos estudantes frente a esse ao mesmo tempo em que desnaturaliza as desigualda-
desafi o permanente, amparados por estratégias de des, como afirma Boaventura Santos:
ensino e de aprendizagem inovadoras;
III. Propiciar uma formação emancipadora que valori- [...] temos o direito a ser iguais quando a nossa dife-
ze as ações criativas dos estudantes frente às transfor- rença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes
mações tecnológicas; quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a ne-

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cessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças ricas culturas, somos um espaço, um corpo, milhares de
e de uma diferença que não produza, alimente ou repro- línguas, histórias... somos uma civilização? O que somos
duza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p. 56). e o que precisamos vir a ser? Existimos na América Latina
Nesse alinhamento reflexivo, entende-se que o sis- e somos um país que pode caminhar na direção de um
tema educacional não pode ser alheio às diferenças, pacto de coesão social de melhor vida. Sem tais pergun-
tratando os desiguais igualmente, pois se sabe que tal tas continuamente feitas e sem buscar as suas respostas,
posicionamento contribui para a perpetuação das desi- o currículo torna-se uma peça fria, utilitarista e incapaz
gualdades e das inequidades para uma parcela impor- de mobilizar as novas gerações em suas vidas e sua bus-
tante de crianças, jovens e adultos que residem em nossa ca de conhecimento.
cidade, embora se saiba que sempre se busca responder Hoje, a Rede Municipal de Ensino atende mais de 80
ao desafio: “o que há de igual nos diferentes?” grupos étnicos de diversos países, que vêm contribuindo
Dessa forma, o currículo deve ser concebido como para a construção de uma cidadania responsável dentro
um campo aberto à diversidade, a qual não diz respeito do contexto internacional que vive a cidade.
ao que cada estudante poderia aprender em relação a Portanto, o Currículo da Cidade de São Paulo, ao defi-
conteúdos, mas sim às distintas formas de aprender de nir os seus objetivos de aprendizagem e desenvolvimen-
cada estudante na relação com seus contextos de vida. to, considera o direito de todos a aprender e participar
Defende-se, portanto, a apresentação de conteúdos co- do país. Para isso o currículo valoriza a função social do
muns a partir de práticas e recursos pedagógicos que professor e a função formativa da Escola. O conjunto dos
garantam a todos o direito ao aprendizado. Para efeti- professores e educadores da Rede é fundamental para
var esse processo de mediação pedagógica, ao planejar, reconhecer as capacidades críticas e criadoras e poten-
o professor precisa considerar as diferentes formas de cializar os recursos culturais de todos os seus estudantes,
aprender, criando, assim, estratégias e oportunidades indistintamente, ao considerar e valorizar os elementos
para todos os estudantes. Tal consideração aos diferen- que os constituem como humanos e como cidadãos do
tes estilos cognitivos faz do professor um pesquisador mundo. 
contínuo sobre os processos de aprendizagem.
Silva e Menegazzo (2005) relatam que o controle CONCEITO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
das diferenças pelo/no currículo parece depender mais
da combinação de um conjunto de dinâmicas grupais e A ideia de educação inclusiva sustenta-se em um
consensuais, nomeadamente da cultura escolar, do que movimento mundial de reconhecimento da diversidade
de estratégias isoladas ou prescritas. humana e da necessidade contemporânea de se consti-
Desde as duas últimas décadas do século XIX, a Cida- tuir uma escola para todos, sem barreiras, na qual a ma-
de de São Paulo tornou-se lugar de destino para milhões trícula, a permanência, a aprendizagem e a garantia do
de imigrantes oriundos de diversos países do mundo, em processo de escolarização sejam, realmente e sem distin-
decorrência de guerras, flagelos e conflitos, assim como da ções, para todos.
reconfiguração da economia global e dos impactos sociais, A escola assume, nessa perspectiva, novos contornos
políticos e culturais desse processo. O Brasil todo ainda foi e busca a internalização do conceito de diferença. Po-
palco de mais amplas migrações e imigrações ditadas pelo demos encontrar em Cury (2005, p. 55) o ensinamento
pós-guerra da primeira metade do século XX e pela reor- sobre o significado da diferença a ser assumido pelas es-
ganização do modelo da economia mundial. colas brasileiras: “a diferença – do latim: dispersar, espa-
O acolhimento ou rejeição pela cidade desses fluxos lhar, semear – por sua vez é a característica de algo que
migratórios e imigratórios motiva o estabelecimento de- distingue uma coisa da outra. Seu antônimo não é igual-
finitivo dessas populações e transforma o território pau- dade, mas identidade! ” Portanto estamos vivenciando
lista e paulistano em cidade global e pioneira em inova- um momento em que a diferença deve estar em pauta
ção e marco histórico, centro financeiro e industrial, rica e compreendida como algo que, ao mesmo tempo em
em diversidade sociocultural pela própria contribuição que nos distingue, aproxima-nos na constituição de uma
dos migrantes e imigrantes. identidade genuinamente expressiva do povo brasileiro,
A primeira e segunda décadas do século XXI reacen- ou seja, múltipla, diversa, diferente, rica e insubstituível.
dem, mesmo sem guerras mundiais, o pavio de incertezas Indubitavelmente estamos nos referindo à instalação
de ordem econômica e política, com seus consequentes de uma cultura inclusiva, a qual implica mudanças subs-
impactos nos valores do convívio, nas leis, na cultura, na tanciais no cotidiano escolar, para que possamos, real-
perspectiva de futuro, na degradação ambiental e, con- mente, incorporar todas as diferenças na dinâmica edu-
sequentemente, na educação e na organização do currí- cacional e cumprir o papel imprescindível que a escola
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culo. Neste contexto o currículo é atingido frontalmente possui no contexto social.


em busca de sua identidade. O currículo emerge, mais Ao pensar em uma educação inclusiva e em seu signi-
que nunca como o espaço de pergunta: que país é este? ficado, é preciso que os conteúdos sejam portas abertas
O que seremos nele? Qual é nossa função nele? Qual para a aprendizagem de todos.
sua identidade a ser construída? Qual o papel da escola De acordo com Connell, “ensinar bem [nas] escolas
como formadora de valores e de crítica aos amplos de- [...] requer uma mudança na maneira como o conteúdo é
sígnios sociais? determinado e na pedagogia. Uma mudança em direção
Somos país do Sul, somos enorme extensão territo- a um currículo mais negociado e a uma prática de sala de
rial, somos detentores de riquezas de subsolo, possuí- aula mais participativa” (2004, p. 27). Portanto, coloca-se
mos os maiores rios celestes, somos elaboradores de o desafio de se pensar formas diversas de aplicar o cur-

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rículo no contexto da sala de aula e adequá-lo para que UM CURRÍCULO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO
todos os estudantes tenham acesso ao conhecimento,
por meio de estratégias e caminhos diferenciados. Cada O direito à educação implica a garantia das condi-
um pode adquirir o conhecimento escolar nas condições ções e oportunidades necessárias para que bebês, crian-
que lhe são possibilitadas em determinados momentos ças, adolescentes, jovens e adultos tenham acesso a uma
de sua trajetória escolar (OLIVEIRA, 2013). formação indispensável para a sua realização pessoal,
A prática educacional não pode limitar-se a tarefas formação para a vida produtiva e pleno exercício da cida-
escolares homogêneas ou padronizadas, as quais não dania. Assim sendo, a Secretaria Municipal de Educação
condizem com a perspectiva inclusiva, uma vez que se define uma Matriz de Saberes que se compromete com
preconiza o respeito à forma e à característica de apren- o processo de escolarização.
dizagem de todos. Portanto, para ensinar a todos, é pre- A Matriz orienta o papel da SME, das equipes de forma-
ciso que se pense em atividades diversificadas, propostas ção dos órgãos regionais, dos supervisores escolares, dos
diferenciadas e caminhos múltiplos que podem levar ao diretores e coordenadores pedagógicos das Unidades Edu-
mesmo objetivo educacional. cacionais e dos professores da Rede Municipal de Ensino na
Dessa forma, o professor poderá ter o apoio neces- garantia de saberes, sobretudo ao selecionar e organizar as
sário para ser um pensador criativo que alia teoria e prá- aprendizagens a serem asseguradas ao longo de todas as
tica como vertentes indissociáveis do seu fazer e de sua etapas e modalidades da Educação Básica e fomentar a re-
atuação pedagógica, pensando sobre os instrumentos e vitalização das práticas pedagógicas, a fi m de darem conta
estratégias a serem utilizados para levar todos os estu- desse desafio. Ressalta-se que os documentos curriculares,
dantes – sem exceção – ao conhecimento e, portanto, ao orientações didáticas e normativas, materiais de apoio e de-
desenvolvimento de suas ações mentais, possibilitando- mais publicações produzidas pela SME reconhecem a im-
-lhes acessar novas esferas de pensamento e linguagem, portância de se estabelecer uma relação direta entre a vida
atenção e memória, percepção e discriminação, emoção e o conhecimento sobre ela e de se promover a pluralidade
e raciocínio, desejo e sentido; não como atos primários e a diversidade de experiências no universo escolar.
do instinto humano, mas como funções psicológicas su-
periores (FPSs), como prescrito na Teoria Histórico-Cultu- REFERÊNCIAS QUE ORIENTAM A MATRIZ DE SA-
ral (VYGOTSKY, 1996, 1997, 2000). BERES
Nessa perspectiva educacional, as parcerias são es-
senciais e demandam o trabalho colaborativo e articula- A Matriz de Saberes estabelecida pela SME funda-
do da equipe gestora e dos docentes com profissionais menta-se em:
especializados que integram os Centros de Formação 1. Princípios éticos, políticos e estéticos definidos pelas
e Acompanhamento à Inclusão (CEFAIs) e o Núcleo de Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013, p.
Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (NAA- 107-108), orientados para o exercício da cidadania
PA). responsável, que levem à construção de uma socie-
Além disso, e considerando que é inaceitável que dade mais igualitária, justa, democrática e solidária.
crianças e adolescentes abandonem a escola durante o • Princípios Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e
ano letivo, especialmente em uma realidade como a da autonomia; de respeito à dignidade da pessoa huma-
Cidade de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação na e de compromisso com a promoção do bem de
definiu o Acesso e Permanência como um de seus proje- todos, contribuindo para combater e eliminar quais-
tos estratégicos no Programa de Metas. A finalidade da quer manifestações de preconceito e discriminação;
SME é fortalecer a articulação entre as escolas municipais • Princípios Políticos: de reconhecimento dos direitos e
e a rede de proteção social para garantir o acesso, per- deveres de cidadania, de respeito ao bem comum e
manência e aprendizagem dos estudantes mais vulnerá- à preservação do regime democrático e dos recur-
veis a reprovação ou evasão escolar. Para alcançar essa sos ambientais; de busca da equidade no acesso à
finalidade, há necessidade de um mapeamento do perfil educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais
dos estudantes reprovados e/ou evadidos da Rede e de e outros benefícios de exigência de diversidade de
um acompanhamento da frequência pelos professores, tratamento para assegurar a igualdade de direitos
gestores das escolas e supervisores de ensino, além do entre bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos
Conselho Tutelar. Além dessas ações, o município busca que apresentam diferentes necessidades de redução
a articulação entre as várias secretarias para atendimento da pobreza e das desigualdades sociais e regionais;
a estudantes em situação de vulnerabilidade. • Princípios Estéticos: de cultivo da sensibilidade junta-
Pensar na proposta de um currículo inclusivo é, sem mente com o da racionalidade; de enriquecimento
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

dúvida, um movimento que demanda a contribuição de das formas de expressão e do exercício da criativi-
todos os partícipes de uma Rede tão grande como a nos- dade; de valorização das diferentes manifestações
sa. A qualidade dessa ação está na valorização da hete- culturais, especialmente as da cultura brasileira; de
rogeneidade dos sujeitos que estão em nossas unidades construção de identidades plurais e solidárias.
escolares e na participação dos educadores represen-
tantes de uma concepção de educação que rompe com 2. Saberes historicamente acumulados que fazem
as barreiras que impedem os estudantes estigmatizados sentido para a vida dos bebês, crianças, adolescen-
pela sociedade, por sua diferença, de ter a oportunida- tes, jovens e adultos no século XXI e ajudam a lidar
de de estar em uma escola que prima pela qualidade da com as rápidas mudanças e incertezas em relação
educação. ao futuro da sociedade.

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3. Abordagens pedagógicas que priorizam as vozes de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos, reconhecem
e valorizam suas ideias, opiniões e experiências de vida, além de garantir que façam escolhas e participem ativa-
mente das decisões tomadas na escola e na sala de aula.
4. Valores fundamentais da contemporaneidade baseados em “solidariedade, singularidade, coletividade, igualdade
e liberdade”, os quais buscam eliminar todas as formas de preconceito e discriminação, como orientação sexual,
gênero, raça, etnia, defi ciência e todas as formas de opressão que coíbem o acesso de bebês, crianças, adoles-
centes, jovens e adultos à participação política e comunitária e a bens materiais e simbólicos.
5. Concepções de Educação Integral e Educação Inclusiva voltadas a promover o desenvolvimento humano integral
e a equidade, de forma a garantir a igualdade de oportunidades para que os sujeitos de direito sejam conside-
rados a partir de suas diversidades, possam vivenciar a Unidade Educacional de forma plena e expandir suas ca-
pacidades intelectuais, físicas, sociais, emocionais e culturais. Essas concepções estão explicitadas nos princípios
que norteiam os Currículos da Cidade.

A Matriz de Saberes fundamenta-se em marcos legais e documentos oficiais socialmente relevantes, os quais indi-
cam elementos imprescindíveis de serem inseridos em propostas curriculares alinhadas com conquistas relacionadas
aos direitos humanos, em geral, e ao direito à educação em específico. São eles:
• Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos, Direitos da Infância e da Adolescência e Direitos das Pessoas
com Deficiências;
• Artigos 205, 207 e 208 da Constituição Federal (1988);
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (1996);
• Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990);
• Lei nº 10.639 (2003) e Lei nº 11.645 (2008), que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história e das culturas
africanas, afro-brasileira e dos povos indígenas/originários;
• Lei nº 16.478 (2016) – Institui a Política Municipal para a População Imigrante, dispõe sobre seus objetivos, princí-
pios, diretrizes e ações prioritárias, bem como sobre o Conselho Municipal de Imigrantes;
• Lei nº 11.340 (2006), que coíbe a violência contra a mulher;
• Plano Nacional de Educação (2014-2024);
• Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015);
• Lei nº 16.493 (2016), que dispõe sobre a inclusão do tema direitos humanos nas escolas para universalizar os marcos legais
internacionais das Nações Unidas, que versam sobre os direitos civis, sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais;
• Documentos legais que mencionam o direito à educação ou destacam a relação entre direito, educação, formação
e desenvolvimento humano integral;
• Atas das Conferências Nacionais de Educação (CONAEs).

A elaboração da Matriz de Saberes considerou a opinião de 43.655 estudantes do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Ensino, que participaram, em 2017, de uma pesquisa sobre o que gostariam de vivenciar no currículo
escolar. Desse universo, aproximadamente 50% apontou gostar de participar de projetos culturais, práticas esportivas,
informática e robótica. Pouco mais de 40% aprecia feira de ciências e atividades de comunicação (jornal, fotografia,
vídeo). Mais da metade dos estudantes considerou que precisa ser mais responsável, organizado e obedecer a regras.
Acreditam também que fi ca mais fácil aprender quando fazem uso de tecnologia, de jogos, de músicas, entre outros
recursos didáticos, além de participar de discussões e de passeios culturais.
Os estudantes disseram ainda que aprenderiam melhor se tivessem mais acesso à internet, ao laboratório de infor-
mática, a palestras de seu interesse e a atividades em grupo. Consideraram importante que em suas escolas haja boa
convivência, mais escuta dos estudantes e atividades de estímulo à curiosidade e criatividade.
Essa pesquisa de opinião dos estudantes deu indícios de como o trabalho deve ser organizado nas escolas e subsi-
diou a construção da Matriz de Saberes da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

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PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS
MATRIZ DE SABERES

Em 2018, a Matriz de Saberes do Currículo da Cidade – Ensino Fundamental foi revisada, concomitante aos pro-
cessos de atualização curricular da Educação Infantil, da Educação Especial com os Currículos de Língua Brasileira de
Sinais – Libras e de Língua Portuguesa para Surdos e da Educação de Jovens e Adultos, incluindo assim todas as etapas
da Educação Básica, contemplando desta maneira as especificidades de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos.
A Matriz de Saberes tem como propósito formar cidadãos éticos, responsáveis e solidários que fortaleçam uma
sociedade mais inclusiva, democrática, próspera e sustentável, e indica o que bebês, crianças, adolescentes, jovens e
adultos devem aprender e desenvolver ao longo do seu processo de escolarização.
Ela pode ser sintetizada no seguinte esquema:

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Descreveremos a seguir cada um dos princípios explicitados no esquema da Matriz de Saberes:

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1. Pensamento Científico, Crítico e Criativo 7. Responsabilidade e Participação
Saber: Acessar, selecionar e organizar o conhecimen- Saber: Reconhecer e exercer direitos e deveres, tomar
to com curiosidade, ludicidade, pensamento científico, decisões éticas e responsáveis para consigo, o outro e o
crítico e criativo; planeta, desenvolvendo o protagonismo, a brincadeira e
Para: Explorar, descobrir, experienciar, observar, brin- o direito de fazer escolhas, expressando seus interesses,
car, questionar, investigar causas, elaborar e testar hi- hipóteses, preferências, etc.; Para: Agir de forma solidária,
póteses, refletir, interpretar e analisar ideias e fatos em engajada e sustentável, respeitar e promover os direitos
profundidade, produzir e utilizar evidências. humanos e ambientais, participar da vida cidadã e perce-
ber-se como agente de transformação.
2. Resolução de Problemas
Saber: Descobrir possibilidades diferentes, brincar, 8. Empatia e Colaboração
avaliar e gerenciar experiências vividas, ter ideias origi- Saber: Considerar a perspectiva e os sentimentos do
nais e criar soluções, problemas e perguntas, sendo su- outro, colaborar com os demais e tomar decisões coleti-
jeitos de sua aprendizagem e de seu desenvolvimento; vas; valorizando e respeitando as diferenças que consti-
interagindo com adultos/pares/meio; Para: Inventar, re- tuem os sujeitos, brincar e interagir/relacionar-se com o
inventar-se, resolver problemas individuais e coletivos e outro; Para: Agir com empatia, trabalhar em grupo, criar,
agir de forma propositiva em relação aos desafios con- pactuar e respeitar princípios de convivência, solucionar
temporâneos. conflitos, desenvolver a tolerância à frustração e promo-
ver a cultura da paz.
3. Comunicação
Saber: Utilizar as múltiplas linguagens, como: verbal, 9. Repertório Cultural
verbo-visual, corporal, multimodal, brincadeira, artística, Saber: Desenvolver repertório cultural e senso esté-
matemática, científica, Libras, tecnológica e digital para tico para reconhecer, valorizar e fruir as diversas iden-
expressar-se, partilhar informações, experiências, ideias e tidades e manifestações artísticas e culturais, brincar e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos participar de práticas diversificadas de produção socio-
que levem ao entendimento mútuo; Para: Exercitar-se cultural;
como sujeito dialógico, criativo, sensível e imaginativo, Para: Ampliar e diversificar suas possibilidades de
aprender corporalmente, compartilhar saberes, reorgani- acesso a produções culturais e suas experiências emocio-
zando o que já sabe e criando novos significados, e com-
nais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
preender o mundo, situando-se e vivenciando práticas
e relacionais, a partir de práticas culturais locais e regio-
em diferentes contextos socioculturais.
nais, desenvolvendo seus conhecimentos, sua imagina-
ção, criatividade, percepção, intuição e emoção.
4. Autoconhecimento e Autocuidado
A construção dos objetivos de aprendizagem e de-
Saber: Conhecer e cuidar de seu corpo, sua mente,
senvolvimento que constam nos componentes curricula-
suas emoções, suas aspirações e seu bem-estar e ter au-
res no Currículo da Cidade teve como referência a Matriz
tocrítica;
Para: Reconhecer limites, potências e interesses pes- de Saberes.
soais, apreciar suas próprias qualidades, a fi m de esta-
belecer objetivos de vida, evitar situações de risco, adotar TEMAS INSPIRADORES DO CURRÍCULO DA CIDA-
hábitos saudáveis, gerir suas emoções e comportamen- DE
tos, dosar impulsos e saber lidar com a influência de gru-
pos, desenvolvendo sua autonomia no cuidado de si, nas Um currículo pensado hoje precisa dialogar com a di-
brincadeiras, nas interações/relações com os outros, com nâmica e os dilemas da sociedade contemporânea, de
os espaços e com os materiais. forma que as novas gerações possam participar ativa-
mente da transformação positiva tanto da sua realida-
5. Autonomia e Determinação de local, quanto dos desafios globais. Temas prementes,
Saber: Criar, escolher e recriar estratégias, organizar- como direitos humanos, meio ambiente, desigualdades
-se, brincar, definir metas e perseverar para alcançar seus sociais e regionais, intolerâncias culturais e religiosas,
objetivos; abusos de poder, populações excluídas, avanços tecno-
Para: Agir com autonomia e responsabilidade, fazer lógicos e seus impactos, política, economia, educação fi
escolhas, vencer obstáculos e ter confiança para planejar nanceira, consumo e sustentabilidade, entre outros, pre-
e realizar projetos pessoais, profissionais e de interesse cisam ser debatidos e enfrentados, a fi m de que façam a
humanidade avançar.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

coletivo.
O desafio que se apresenta é entender como essas
6. Abertura à Diversidade temáticas atuais podem ser integradas a uma proposta
Saber: Abrir-se ao novo, respeitar e valorizar diferen- inovadora e emancipatória de currículo, bem como ao
ças e acolher a diversidade; Para: Agir com flexibilidade e cotidiano de escolas e salas de aula. Foi com essa inten-
sem preconceito de qualquer natureza, conviver harmo- ção que o Currículo da Cidade incorporou os Objetivos
nicamente com os diferentes, apreciar, fruir e produzir de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuados na
bens culturais diversos, valorizar as identidades e cultu- Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas,
ras locais, maximizando ações promotoras da igualdade como temas inspiradores a serem trabalhados de forma
de gênero, de etnia e de cultura, brincar e interagir/rela- articulada com os objetivos de aprendizagem e desen-
cionar-se com a diversidade. volvimento dos diferentes componentes curriculares.

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A Agenda é um plano de ação que envolve 5 P’s: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz, Parceria.
• Pessoas: garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade, em um
ambiente saudável.
Os 17 objetivos são precisos e propõem:
1. Erradicação da pobreza;
2. Fome zero e agricultura sustentável;
3. Saúde e bem-estar;
4. Educação de qualidade;
5. Igualdade de gênero;
6. Água potável e saneamento básico;
7. Energia Limpa e Acessível;
8. Trabalho decente e crescimento econômico;
9. Indústria, inovação e infraestrutura;
10. Redução das desigualdades;
11. Cidades e comunidades sustentáveis;
12. Consumo e produção responsáveis;
13. Ação contra a mudança global do clima;
14. Vida na água;
15. Vida terrestre;
16. Paz, justiças e instituições eficazes;
17. Parcerias e meios de implementação.

Esses objetivos estão alinhados com os da atual gestão da Cidade de São Paulo nos seus eixos, metas e projetos, os
quais determinam a melhoria da qualidade de vida e sustentabilidade de todos os habitantes da cidade.

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Esses objetivos estão compreendidos em 169 metas ambiciosas para cumprimento pelos países-membros da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU). A integração do Currículo da Cidade com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável se dá tanto por escolhas temáticas de assuntos que podem ser trabalhados em sala de aula nos diversos
componentes curriculares, quanto na escolha das metodologias de ensino que priorizem uma educação integral, em

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consonância com a proposta de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) da UNESCO. A EDS traz uma abor-
dagem cognitiva, socioemocional e comportamental e busca fomentar competências-chave7 para atuação responsável
dos cidadãos a fim de lidar com os desafios do século XXI. O que a EDS oferece, mais além, é o olhar sistêmico e a
capacidade antecipatória, necessários à própria natureza dos ODS de serem integrados, indivisíveis e interdependentes.
A implementação da aprendizagem para os ODS por meio da EDS vai além da incorporação de objetivos de apren-
dizagem e desenvolvimento no currículo escolar, com contornos precisos para cada ciclo de aprendizagem, idade e
componente curricular, incluindo, também, a integração dos ODS em políticas, estratégias e programas educacionais;
em materiais didáticos; na formação dos professores; na sala de aula e em outros ambientes de aprendizagem.
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CICLOS DE APRENDIZAGEM

A organização do Ensino Fundamental em ciclos acontece na Rede Municipal de Ensino de São Paulo desde 1992,
quando foram criados os Ciclos Inicial, Intermediário e Final, tendo a psicologia de Piaget (1976), Wallon (1968) e
Vygotsky (1988) como bases de fundamentação. Os ciclos são vistos como processos contínuos de formação, que

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coincidem com o tempo de desenvolvimento da infância, p. 10). Também promovem a apropriação do Sistema de
puberdade e adolescência e obedecem a movimentos de Escrita Alfabético (SEA), do Sistema de Numeração De-
avanços e recuos na aprendizagem, ao invés de seguir cimal (SND), bem como auxiliam o trabalho pedagógico
um processo linear e progressivo de aquisição de conhe- com outros componentes curriculares.
cimentos. A sala de aula, o pátio, o parque e a brinquedoteca
O Currículo da Cidade preserva a subdivisão do Ensi- têm grande significado para as crianças e podem auxiliar
no Fundamental de nove anos em três ciclos. O Ciclo de na aprendizagem. Espaços escolares diversificados são
Alfabetização compreende os três primeiros anos (1º, 2º potencialmente lúdicos e adequados ao desenvolvimen-
e 3º). O Interdisciplinar envolve os três anos seguintes to das ações pedagógicas.
(4º, 5º e 6º). O Autoral abarca os três anos finais (7º, 8º O Ciclo de Alfabetização demanda um trabalho do-
e 9º). cente coletivo, sistemático e coordenado. Professores
O propósito é oferecer ao estudante um maior tempo precisam atuar de forma conjunta para assegurar a con-
de aprendizagem no âmbito de cada ciclo, em período tinuidade e complementariedade do processo pedagó-
longitudinal de observação e acompanhamento, levando gico ao longo dos três anos. Os registros das crianças
em conta seu desenvolvimento intelectual e afetivo e as articulados aos registros de práticas dos professores
suas características de natureza sociocultural. também são fundamentais para que se possa consolidar
as experiências vivenciadas e acompanhar o progresso
CICLO DE ALFABETIZAÇÃO das crianças.

O Ciclo de Alfabetização (1o ao 3o ano) é entendi- CICLO INTERDISCIPLINAR


do como tempo sequencial de três anos que permite às
crianças construírem seus saberes de forma contínua, O Ciclo Interdisciplinar (4o ao 6o ano) tem a finalida-
respeitando seus ritmos e modos de ser, agir, pensar e de de integrar os saberes básicos constituídos no Ciclo
se expressar. Nesse período, priorizam-se os tempos e de Alfabetização, possibilitando um diálogo mais estreito
espaços escolares e as propostas pedagógicas que pos- entre as diferentes áreas do conhecimento. Busca, dessa
sibilitam o aprendizado da leitura, da escrita e da alfabe- forma, garantir uma passagem mais tranquila do 5º para
tização matemática e científica, bem como a ampliação o 6º ano, período que costuma impactar o desempenho
de relações sociais e afetivas nos diferentes espaços vi- e engajamento dos estudantes.
venciados. O Currículo da Cidade para o Ciclo Interdisciplinar va-
O Currículo da Cidade para o Ciclo de Alfabetização loriza, fortalece e dialoga com experiências já desenvol-
também reconhece, assim como o Pacto Nacional pela vidas pela Rede Municipal de Ensino, como:
Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2015), que: Projeto de Docência Compartilhada: A iniciativa con-
As infâncias são diversas. Crianças são atores sociais duz e direciona os estudantes dos anos iniciais para os
com identidades e atuações próprias, que passam por di- anos finais do Ensino Fundamental, por meio do trabalho
ferentes processos físicos, cognitivos e emocionais, vêm articulado entre professor polivalente de 4o e 5o anos
de contextos distintos, têm necessidades específicas e e professor especialista, preferencialmente de Língua
características individuais, como sexo, idade, etnia, raça Portuguesa ou Matemática. O propósito não é apenas
e classe social. manter a presença contínua de dois professores na mes-
Crianças são detentoras de direitos e deveres. As ma sala de aula, mas construir parcerias, pelo empenho
crianças do mundo atual são reconhecidas na sociedade em planejamento integrado de suas aulas, entre duplas
cada vez mais como sujeitos de direito, deveres e como docentes de segmentos de ensino diferentes, a fi m de
atores sociais, com identidades e atuações próprias. que possam atuar interdisciplinarmente em suas aulas,
Crianças têm direito a acessar múltiplas linguagens, abordagens e intervenções pedagógicas, discutir, acom-
inclusive a escrita. Nessa fase, a escola deve promover, panhar e analisar suas práticas, avaliar seus estudantes e
além da convivência com o lúdico, a leitura e a produção suas turmas. A ação precisa se integrar ao Projeto Políti-
textual de forma integrada às aprendizagens dos diferen- co-Pedagógico da escola e ser orientada pelo coordena-
tes Componentes Curriculares. Por outro lado, não deve dor pedagógico.
forçar a alfabetização precoce ou obrigar as crianças a Interdisciplinaridade: Característica preponderante
aprender a ler, escrever e operar matematicamente por deste Ciclo, a abordagem interdisciplinar entende que
meio de exercícios enfadonhos e inadequados para a sua cada área do conhecimento tem suas especificidades,
faixa etária. mas precisa articular-se com as demais e com o contex-
A brincadeira é um direito fundamental da criança. O to e as vivências dos estudantes para garantir maior sig-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

brincar constitui-se em oportunidade de interação com nificado às aprendizagens, que rompem com os limites
os outros, de apropriação cultural e de tomada de deci- da sala de aula tradicional, integram linguagens e pro-
sões capazes de tornar a aprendizagem mais significativa. porcionam a criação e apropriação de conhecimentos.
Atividades lúdicas e desafiadoras facilitam e mobili- O articulador mais significativo entre as diferentes áreas
zam a aprendizagem escolar. Jogos e brincadeiras contri- do conhecimento está na formulação da pergunta epis-
buem de forma preponderante para o desenvolvimento temológica: o que vou conhecer? Qual o problema do
das crianças, pois permitem que elas vivenciem diferen- conhecimento? O que mudou em mim quando aprendi e
tes papéis, façam descobertas de si e do outro, amplian- conheci? Essas e outras questões podem integrar profes-
do as suas relações interpessoais e contribuindo para de- sores e suas práticas docentes.
senvolver o raciocínio e a criatividade (RODRIGUES, 2013,

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CICLO AUTORAL e formas de culturas estruturadas com base em distintas
linguagens e sistemas de signos, transformando parâme-
O Ciclo Autoral (7o ao 9o ano) destina-se aos adoles- tros comportamentais e hábitos sociais.
centes e tem como objetivo ampliar os saberes dos estu- As primeiras experiências do uso de computadores
dantes de forma a permitir que compreendam melhor a na Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo da-
realidade na qual estão inseridos, explicitem as suas con- tam de 1987. Entre as mudanças ocorridas na década de
tradições e indiquem possibilidades de superação. Nesse 1990, surge a função do Professor Orientador de Infor-
período, a leitura, a escrita, o conhecimento matemático, mática Educativa (POIE), referendado pelo Conselho de
as ciências, as relações históricas, as noções de espaço e Escola, para atuar nos Laboratórios de Informática Edu-
de organização da sociedade, bem como as diferentes cativa, com aulas previstas na organização curricular de
linguagens construídas ao longo do Ensino Fundamental, todas as escolas de Ensino Fundamental.
buscam expandir e qualificar as capacidades de análise, Tal contexto leva-nos a ajustar processos educacio-
argumentação e sistematização dos estudantes sobre nais, ampliando e ressignificando o uso que fazemos das
questões sociais, culturais, históricas e ambientais. tecnologias para que os estudantes saibam lidar com a
Os estudantes aprendem à medida que elaboram Tra- informação cada vez mais disponível. Nesse sentido, os
balhos Colaborativos de Autoria (TCAs), seja abordando objetivos do trabalho desse componente curricular, entre
problemas sociais ou comunitários, seja refletindo sobre outros, são estes: atuar com discernimento e responsa-
temas como infâncias, juventudes, territórios e direitos. bilidade, aplicar conhecimentos para resolver problemas,
O TCA permite aos estudantes reconhecer diferenças e ter autonomia para tomar decisões, ser proativo e iden-
participar efetivamente na construção de decisões e pro- tificar dados de uma situação e buscar soluções. É um
postas visando à transformação social e à construção de desafio imposto às escolas que têm, entre uma de suas
um mundo melhor. funções, auxiliar crianças e jovens na construção de suas
identidades pessoal e social.
Essa abordagem pedagógica tem como característi-
Em 2018, as Áreas do Conhecimento do Currículo da
cas:
Cidade de São Paulo foram revisadas e os Componentes
• Incentivar o papel ativo dos estudantes no currículo,
Curriculares de Língua Portuguesa para Surdos e Língua
de forma a desenvolver sua autonomia, criticidade,
Brasileira de Sinais (Libras) foram inseridos em Lingua-
iniciativa, liberdade e compromisso;
gem, de forma a reconhecê-los e reafirmá-los dentro
• Fomentar a investigação, leitura e problematização
da área. Esta ação corrobora para reforçar os conceitos
do mundo real, a partir de pesquisas que envol-
orientadores de educação integral, equidade e educação
vam diferentes vozes e visões, oferecendo várias inclusiva estabelecidos no Currículo da Cidade e reitera a
possibilidades de apropriação, criação, divulgação importância desses Componentes Curriculares para toda
e sistematização de saberes; a Educação Básica na Rede Municipal de Ensino.
• Transformar professores e estudantes em produto- Sendo assim, o documento curricular expressa a con-
res de conhecimento, criando oportunidades para cepção da sua respectiva Área do Conhecimento e refle-
que elaborem propostas e realizem intervenções xões contemporâneas sobre seu ensino e aprendizagem
sociais para melhorar o meio em que vivem. no Ensino Fundamental.
O Currículo da Cidade no Ciclo Autoral dá ênfase ao EIXOS
protagonismo juvenil e no envolvimento dos estudantes
em projetos voltados a solucionar problemas reais. Os eixos estruturantes organizam os objetos de co-
nhecimento de cada componente curricular, agrupando
ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO DA CIDADE o que os professores precisam ensinar em cada ano do
Ensino Fundamental.
ÁREAS DO CONHECIMENTO E COMPONENTES O Currículo da Cidade define seus eixos estruturan-
CURRICULARES tes em função da natureza e das especificidades de cada
componente curricular, observando níveis crescentes de
O Currículo da Cidade organiza-se por Áreas do Co- abrangência e complexidade, sempre em consonância
nhecimento e Componentes Curriculares: com a faixa etária e as possibilidades de aprendizagem
Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Portuguesa dos estudantes. Na proposta curricular, os eixos são tra-
para Surdos, Arte, Língua Inglesa, Língua Brasileira de Si- balhados de forma articulada, com a finalidade de permi-
nais – Libras e Educação Física tir que os estudantes tenham uma visão mais ampla de
Matemática: Matemática
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

cada componente.
Ciências da Natureza: Ciências Naturais
Ciências Humanas: Geografia e História OBJETOS DE CONHECIMENTO
Além das Áreas do Conhecimento e dos Componen-
tes Curriculares descritos acima, o Currículo da Cidade Os objetos de conhecimento são elementos orienta-
apresenta de forma inédita no Brasil um currículo para dores do currículo e têm a finalidade de nortear o tra-
a Área/Componente Curricular Tecnologias para Apren- balho do professor, especificando de forma ampla os
dizagem. assuntos a serem abordados em sala de aula.
Nesses últimos trinta anos, as tecnologias, em espe- O Currículo da Cidade considera o conhecimento a
cial as digitais, evoluíram socialmente de forma rápida. partir de dois elementos básicos: o sujeito e o objeto.
Hoje, há novos e diferenciados processos comunicativos O sujeito é o ser humano cognoscente, aquele que de-

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seja conhecer, neste caso os estudantes do Ensino Fun- forma a incorporá-la ao seu cotidiano em consonância
damental. Já o objeto é a realidade ou as coisas, fatos, com a identidade e as peculiaridades da própria escola.
fenômenos e processos que coexistem com o sujeito. O O processo de construção deve envolver a participação dos
próprio ser humano também pode ser objeto do conhe- profissionais da educação e também dos estudantes e fami-
cimento. No entanto, o ser humano e a realidade só se liares. Além de consolidar a incorporação do novo currículo,
tornam objeto do conhecimento perante um sujeito que o PPP tem o propósito de fortalecer a escola para que possa
queira conhecê-los. Tais elementos básicos não se anta- enfrentar os seus desafios cotidianos de maneira refletida,
gonizam: sujeito e objeto. Antes, um não existe sem a consciente, sistematizada, orgânica e participativa.
existência do outro. Só somos sujeitos porque existem É importante que a construção do PPP estruture-se
objetos. Assim, o conhecimento é o estabelecimento de a partir de um processo contínuo e cumulativo de avaliação
uma relação e não uma ação de posse ou consumo. interna da escola, conforme previsto na LDB (1996)8. Uma
vez concluídas essas ações, o grupo de professores pode pla-
CURRÍCULO DA CIDADE nejar suas aulas, orientando-se pelos objetivos de aprendiza-
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVI- gem e desenvolvimento que pretende atingir e apoiando-se
MENTO em conhecimentos teóricos e práticos disponíveis.
Formação de Professores: A SME irá propor proje-
O Currículo da Cidade optou por utilizar a terminolo- tos de formação continuada juntamente com as escolas,
gia Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento para priorizando processos de desenvolvimento profissional
designar o conjunto de saberes que os estudantes da centrados na prática letiva de cunho colaborativo e re-
Rede Municipal de Ensino devem desenvolver ao longo flexivo, a fi m de que os professores tenham condições
do Ensino Fundamental. A escolha busca contemplar o de implementar o novo currículo considerando seu con-
direito à educação em toda a sua plenitude – Educação texto escolar. Não podemos deixar de considerar nesse
Integral – considerando que a sua conquista se dá por percurso formativo o horário coletivo da JEIF como um
meio de “um processo social interminável de construção espaço privilegiado de reflexão no qual, a partir 8 dos
de vida e identidade, na relação com os outros e com o conhecimentos disponíveis sobre a comunidade escolar,
mundo de sentidos” (SÃO PAULO, 2016a, p. 29). gestores e professores colaborativamente possam elabo-
Arroyo (2007) associa os objetivos de aprendizagem à rar suas trajetórias de ensino.
relação dos seres humanos com o conhecimento, ao diálo- Materiais Didáticos: Outra tarefa importante é a aná-
go inerente às relações entre sujeitos de direito e à troca de lise e seleção de materiais pedagógicos alinhados à nova
saberes entre todos que compõem o universo escolar, bem proposta curricular. Materiais estruturados, livros didáticos
como a comunidade e a sociedade em que está inserido. e recursos digitais de aprendizagem devem ser criteriosa-
No Currículo da Cidade, os objetivos de aprendiza- mente escolhidos pelos professores e equipe gestora para
gem e desenvolvimento orientam-se pela Educação Inte- que possam subsidiar o desenvolvimento das suas propos-
gral a partir da Matriz de Saberes e indicam o que os es- tas pedagógicas. Além disso, a SME produzirá cadernos de
tudantes devem alcançar a cada ano como resultado das orientações didáticas e materiais curriculares educativos.
experiências de ensino e de aprendizagem intencional- Avaliação: A implementação do novo currículo de-
mente previstas para esse fi m. Além disso, os objetivos manda a revisão dos processos e instrumentos de avalia-
de aprendizagem e desenvolvimento organizam-se de ção utilizados pela Rede Municipal de Ensino. Entendida
forma progressiva do 1o ao 9o ano, permitindo que se- como ação formativa, reflexiva e desafiadora, a avaliação
jam constantemente revisitados e/ ou expandidos, para da aprendizagem contribui, elucida e favorece o diálo-
que não se esgotem em um único momento, e gerem go entre o professor e seus estudantes, identificando em
aprendizagens mais profundas e consistentes. Embora que medida os objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
descritos de forma concisa, eles também apontam as ar- mento estão sendo alcançados no dia a dia das ativida-
ticulações existentes entre as áreas do conhecimento. des educativas. Por outro lado, a nova proposta curricular
também vai requerer a reestruturação das avaliações ex-
CURRÍCULO DA CIDADE NA PRÁTICA ternas em larga escala, realizadas pela SME com a fina-
lidade de coletar dados de desempenho dos estudantes
Para ser efetivo, o Currículo da Cidade precisa dialo- e propor ações que possam ajudar escolas, gestores e
gar com as diferentes ações das escolas, das DREs e da professores a enfrentar problemas identificados.
SME. Dessa maneira, a implementação do Currículo da
Cidade acontece por meio da realização de um conjunto GESTÃO CURRICULAR
de ações estruturantes.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

A gestão curricular refere-se à forma como o currículo


IMPLEMENTAÇÃO DO CURRÍCULO DA CIDADE se realiza na unidade escolar. Sua consecução depende
de como as equipes gestora e docente planejam, inter-
Projeto Político-Pedagógico da Escola (PPP): A ga- pretam e desenvolvem a proposta curricular, levando
rantia dos direitos e objetivos de aprendizagem e de- em conta o perfil de seus estudantes, a infraestrutura,
senvolvimento previstos no Currículo da Cidade requer os recursos e as condições existentes na escola e no seu
investigação, análise, elaboração, formulação, planeja- entorno social. A macrogestão envolve o planejamento
mento e tomada de decisões coletivas. Por essa razão, de longo prazo; a micro compreende o planejamento de
cada comunidade escolar precisa revisitar o seu Projeto uma unidade ou até mesmo de uma aula. Ao planejar, é
Político-Pedagógico à luz da nova proposta curricular, de importante que todos:

99
Analisem os eixos estruturantes, os objetos de conhecimento e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
do seu componente curricular;
Identifiquem as possíveis integrações entre os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do seu componente
curricular e das diferentes áreas do conhecimento;
Compreendam o papel que cada objetivo de aprendizagem e desenvolvimento representa no conjunto das apren-
dizagens previstas para cada ano de escolaridade;

CURRÍCULO DA CIDADE

Avaliem os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento trabalhados em anos anteriores, tanto para diagnosticar
em que medida já foram alcançados pelos estudantes, quanto para identificar como poderão contribuir para as apren-
dizagens seguintes;
Criem as estratégias de ensino, definindo o que vão realizar, o que esperam que seus estudantes façam e o tempo
necessário para a execução das tarefas propostas, lembrando que a diversidade de atividades enriquece o currículo;
Assegurem que o conjunto de atividades propostas componham um percurso coerente, que permita aos estudan-
tes construir todos os conhecimentos previstos para aquele ano de escolaridade;
Selecionem os materiais pedagógicos mais adequados para o trabalho com os objetivos de aprendizagem e desen-
volvimento, contemplando livros didáticos e recursos digitais;
Envolvam os estudantes em momentos de reflexão, discussão e análise crítica, para que também possam avaliar e
contribuir com o seu próprio processo de aprendizagem;
Registrem o próprio percurso e o do estudante e verifiquem quais objetivos ainda não foram alcançados.

AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM

Compreendemos a avaliação como um ato pedagógico, que subsidia as decisões do professor, permite acom-
panhar a progressão das aprendizagens, compreender de que forma se efetivam e propor reflexões sobre o próprio
processo de ensino.
A avaliação concebida como parte integrante do processo de ensino fornece elementos para o professor traçar a
sua trajetória de trabalho, por meio do planejamento e replanejamento contínuo das atividades, uma vez identificados
os conhecimentos que os estudantes já possuem e suas dificuldades de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a avaliação ajudará o professor a estabelecer a direção do agir pedagógico, permitindo uma prá-
tica de acompanhamento do trabalho de ensino que revele o que, de fato, os estudantes aprenderam na ação que foi
planejada. Portanto, ela ajuda a verificar o alcance dos objetivos traçados, contribuindo para acompanhar a construção
de saberes dos estudantes.
Nesse sentido, e de acordo com Roldão e Ferro (2015), a avaliação tem uma função reguladora porque permite que
professores e estudantes organizem seus processos a partir do que é constatado pela avaliação.
Para o professor, a regulação refere-se ao processo de ensino que adequa o que é necessário que os estudantes
aprendam de acordo com o currículo. Há um planejamento do que precisa ser ensinado (a partir do documento curri-
cular), mas também existe uma turma real de estudantes com diferentes saberes construídos que precisam avançar em
suas aprendizagens. É o processo avaliativo que indica a distância entre esses dois aspectos e, então, o que é preciso o
professor fazer para garantir a aprendizagem de todos a partir de planejamentos adequados à turma.
Para os estudantes, a avaliação fornece informações que permitem acompanhar a evolução de seu conhecimento,
identificando o que aprenderam e o que precisa de maior investimento em período de tempo, regulando seu processo
de aprendizagem e corresponsabilizando-se por essa ação.
Porém, para que isso aconteça é necessário criar na escola uma cultura avaliativa. Não basta somente aplicar o ins-
trumento e mensurar as aprendizagens com um conceito ou nota. O processo avaliativo é muito mais que isso. Preci-
samos, então, cuidar do planejamento de dois aspectos importantes: o tipo de avaliação a ser utilizada e a diversidade
de instrumentos avaliativos.
No que se refere aos tipos de função avaliativa, acreditamos na avaliação formativa que possibilita a realização dos
processos de regulação de professores e estudantes, uma vez que dá sentido ao trabalho docente, que é o alcance dos
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e, também, fornece informações ao estudante, indicando o quanto ele
evoluiu, o que ainda não sabe, mas também o que sabe naquele momento. Para que esteja inserida na continuidade do
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

processo de ensino, fornecendo informações para o ajuste das atividades de ensino e aprendizagem, é necessário que
o professor introduza na sua rotina momentos para realizar feedbacks ou devolutivas aos estudantes.
Além disso, utilizamos a avaliação diagnóstica para identificar o que já sabem os estudantes sobre determinado
conteúdo ou objeto. E se a avaliação ajuda o professor a verificar se os objetivos propostos foram atingidos ou ainda
mapear quais as dificuldades que os estudantes sentiram ao término de uma ação pedagógica, ela é chamada de
cumulativa. O quadro abaixo traz uma síntese das três.

100
No processo de ensino das diferentes Áreas do Conhecimento, deve-se considerar estas três formas de avaliação: a
diagnóstica, a cumulativa e a formativa. Elas se retroalimentam para dar sentido ao processo de ensino e de aprendi-
zagem, como apresentado no esquema a seguir:

A utilização desse processo avaliativo é o que muda a perspectiva da avaliação como fi m em si mesma e a coloca a
serviço das aprendizagens. Centra-se nos sujeitos aprendentes e é, segundo Gatti (2003), benéfica para esses, porque
os ensina a se avaliarem, e também para professores, porque propicia que avaliem além dos estudantes, a si mesmos.
Outro aspecto importante a considerar nesse processo é o planejamento da avaliação a partir de diferentes instru-
mentos avaliativos. Utilizar provas, relatórios, fichas de observação, registros, seminários, autoavaliação, entre outros,
permite ao professor levantar informações sobre os conhecimentos que os seus estudantes já possuem e suas difi-
culdades, de forma que esses elementos possibilitem ao professor planejar suas atividades de ensino de forma mais
adequada.
Como visto até agora, a avaliação só faz sentido se a ela estiver vinculada à tomada de decisão: sobre novos ou
outros percursos de ensino, sobre o que fazer com os estudantes que parecem não aprender, sobre a utilização de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

instrumentos diferenciados para evidenciar a diversidade de saberes e percursos dos estudantes, entre outros aspectos.
Essas decisões não envolvem somente professores e estudantes. O processo avaliativo engaja toda equipe gestora
e docente com a aprendizagem dos estudantes e com as decisões coletivas em que todos os atores são importantes.
Falamos do professor porque é ele que está em sala de aula. É, portanto, responsável pela avaliação da aprendizagem,
mas o processo avaliativo é algo que envolve a escola como um todo, que precisa ter metas claras e estar implicada
com o percurso desses estudantes.
Esse olhar para a escola vem de várias perspectivas da avaliação. Uma delas é a reflexão a partir dos resultados de
avaliações externas. Embora essa avaliação tenha como foco o olhar para o sistema, para o ensino oferecido pelo muni-
cípio e suas escolas, pode (e deve) permitir a reflexão sobre a aprendizagem dos estudantes alinhada com os resultados
que já foram aferidos a partir da avaliação da aprendizagem.

101
Essas avaliações produzem informações para as Ao final, são subsídios para a formulação de padrões de
equipes gestora e docente da escola com o intuito de desempenho que serão avaliados pelos professores, ex-
aprimorar o trabalho pedagógico. Como a avaliação da plicitando em que medida os resultados propostos fo-
aprendizagem, a avaliação externa aponta problemas de ram atingidos e que intervenções ou correção de rumos
aprendizagem que precisam ser superados. Ela é mais um se fazem necessárias.
indicador que põe luz à ação realizada na escola e permi-
te que metas qualitativas e quantitativas sejam definidas UM CURRÍCULO PENSADO EM REDE
e acompanhadas para verificar se estão sendo atingidas.
Outro caminho necessário para envolver os diferentes No Currículo da Cidade, os objetivos de aprendiza-
sujeitos no percurso de avaliação da escola é a qualifi- gem e desenvolvimento estão identificados por uma si-
cação dos contextos de avaliação institucional. Quando gla
a instituição é pensada coletivamente a partir de dife-
rentes dimensões, é possível diagnosticar fragilidades e
tomar decisões que impliquem o compromisso de todos
com as mudanças necessárias. Dessa forma, a avaliação
institucional está a serviço do aprimoramento do fazer
educativo e, ao articular-se com as avaliações internas e
externas, subsidia o olhar da equipe escolar sobre seus
percursos educativos.
É possível e necessário, por meio desse processo,
como aponta Fernandes (2008), melhorar não só o que
se aprende e, portanto, o que se ensina, mas como se
aprende ou como se ensina.
São ações desafiadoras que merecem investimento e Essa ordem sequencial que aparece no documento é
cuidado se efetivamente quisermos garantir o direito de apenas um indicativo para organização, não significa que
todos por uma educação de qualidade, com equidade. na sala de aula esses objetivos devam ser organizados
nessa sequência. Eles apresentam uma organização de
SÍNTESE DA ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCU- um ano para o outro, de modo que sua redação revela
LO DA CIDADE que aquilo que se espera da aprendizagem num ano seja
mais simples do que o que se espera da aprendizagem
O Currículo da Cidade organiza-se a partir dos se- no ano subsequente. A progressão não é linear, mas in-
guintes elementos: dica uma visão em espiral do conhecimento, propondo a
• Matriz de Saberes - Explicita os direitos de aprendi- revisitação dos conhecimentos anteriores à medida que
zagem que devem ser garantidos a todos os estu- avança no ano subsequente.
dantes da Rede Municipal de Ensino ao longo do Além disso, num mesmo ano de escolaridade, os ob-
Ensino Fundamental. jetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentam
• Temas Inspiradores - Conectam os aprendizados um encadeamento para que a compreensão de um de-
dos estudantes aos temas da atualidade. terminado conceito decorra de uma rede de significados
• Ciclos de Aprendizagem - Definem as três fases em proporcionada por esse encadeamento. Compreende-
que se divide o Ensino Fundamental na Rede Mu- mos, assim como Pires (2000), que o currículo é um do-
nicipal de Ensino. cumento vivo e flexível no qual as ações de planejamento
• Áreas do Conhecimento/Componentes Curriculares e organização didática estarão em constante reflexão por
- Agrupam os objetos de conhecimento e objeti- parte dos professores permitindo sua construção e res-
vos de aprendizagem e desenvolvimento. significação de sentidos frente aos contextos em que são
• Eixos Estruturantes – Organizam os objetos de co- produzidos.
nhecimento. Assim, é importante também considerar um desenho
• Objetos de Conhecimento - Indicam o que os pro- curricular que não seja rígido nem inflexível e que permi-
fessores precisam ensinar a cada ciclo em cada um ta uma pluralidade de ressignificações e caminhos sem
dos componentes curriculares. privilegiar um em detrimento de outro e sem indicação
• Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento - de hierarquia.
Definem o que cada estudante precisa aprender a
cada ano e Ciclo em cada um dos componentes CURRÍCULO DE ARTE PARA A CIDADE DE SÃO PAU-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

curriculares. LO

A Matriz de Saberes, os eixos estruturantes, os obje- INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE


tos de conhecimento e os objetivos de aprendizagem e CURRICULAR
desenvolvimento formulam os resultados buscados pela
ação educativa cotidiana, fruto do trabalho da equipe O rio segue procurando caminhos que levem ao mar.
escolar. Desempenham, dessa forma, papel fundamental Após a publicação dos Direitos de Aprendizagem dos Ci-
no início e ao final do processo de ensino e de aprendi- clos Interdisciplinar e Autoral (2016), busca-se estruturar
zagem. No início, são guias para a construção de traje- um currículo de Arte para a Cidade de São Paulo. Esfor-
tórias voltadas ao alcance das aprendizagens esperadas. çamo-nos para que o nascente documento seja parte

102
do fluxo de ideias do intenso trabalho desenvolvido nos Observando esses aspectos, a escrita deste material,
anos anteriores, de tal forma que o sentido do currículo colaborativamente com os professores da Rede, visa a
esteja atrelado aos direitos de aprendizagem em Arte. acolher as necessidades do profissional de Arte na Rede
Agora, nosso olhar se dirige aos objetivos de aprendi- Municipal de Ensino, possibilitando a iniciação, desen-
zagem e desenvolvimento, isto é, ao estabelecimento de volvimento e aprofundamento artístico nas quatro lin-
uma estrutura que, mesmo tendo sua necessária plastici- guagens pelos estudantes.
dade, permite a consolidação de ações formativas e outras
formas de apoio docente mais efetivas, pois foram desen- DIREITOS DE APRENDIZAGEM DO CURRÍCULO DE
volvidas a partir de um currículo geral para toda a Rede. ARTE
Não faria sentido, portanto, repetirmo-nos quanto
às concepções muito bem formuladas e sintetizadas de Os direitos de aprendizagem visam à garantia do
que trata o documento Direitos de Aprendizagem dos acesso e à apropriação do conhecimento de todas as
Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte (SÃO PAULO, 2016): crianças e jovens, a fi m de se construir uma socieda-
visão da área de Arte; direitos de aprendizagem em Arte;
de mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve
a contemporaneidade no ensino de Arte; o docente de
estimular a participação dos estudantes em situações
Arte; a relação arte, cultura e sociedade; o espaço da Arte
que promovam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a
na escola; interdisciplinaridade na Arte; avaliação em
resolução de problemas e espaços onde possam repre-
Arte e especificidades das linguagens artísticas – artes
visuais, dança, música e teatro. sentar e vivenciar suas experiências e ressignificá-las, a
O que se poderia enfatizar, neste momento, é pen- partir da construção de novos conhecimentos.
sar o currículo. Nosso ponto de partida é sublinhar que Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do
o currículo se movimenta pela ação do professor, posto Currículo de Arte da Cidade de São Paulo foram elabora-
que é ele quem realiza a mediação entre os documen- dos revisitando os princípios elencados nos Direitos de
tos oficiais que dispõem acerca do ensino de Arte e os Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte
estudantes. (SÃO PAULO, 2016) e, também, nos documentos Ele-
Essa mediação, contudo, não deve ser compreendida mentos Conceituais e Metodológicos para definição dos
como aplicação, como cumprimento mecânico de tare- Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo
fas. O professor se insere num permanente processo de de Alfabetização (BRASIL, 2012) e as Diretrizes Curricula-
criação, trazendo proposições lúdicas, invenções, situa- res Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013).
ções diversas de fruição e nutrição estética, intervenções,
interações, diálogos e ações poéticas. Em outras pala- ENSINAR E APRENDER ARTE NO ENSINO FUNDA-
vras, trata-se de um mediador ativo e propositor frente MENTAL
às políticas educacionais.
Retomemos o modo como o documento Direitos de O Ensino Fundamental é uma etapa muito abrangen-
Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte te do percurso do estudante, que se estende desde a sua
(SÃO PAULO, 2016) descreve o movimento curricular pela alfabetização ao pensamento crítico e diz respeito à rea-
ação do professor: lidade à qual pertence. Gostaríamos de destacar, ainda
As ações artísticas propostas e compartilhadas in loco que brevemente, alguns pontos acerca do processo de
entre professor e estudantes tornam as escolas vivas, em ensino e de aprendizagem em Arte.
movimento constante de diálogos entre Arte e socieda- O primeiro ponto que destacamos é a autonomia da
de; elas trazem de volta ao(à) professor(a) sua função de Arte como componente curricular. Na escola, a Arte não
artista, de artista/docente. Com isso, o(a) professor(a) de
é um tema transversal ou um acessório de outros com-
Arte não se entende somente como um intermediário,
ponentes. Se existem conexões interdisciplinares de Arte
um mediador, um facilitador entre o mundo da Arte e o
com outros componentes curriculares – com a Língua
mundo da escola; ele(a) é também uma fonte viva para
Portuguesa nos textos dramatúrgicos, por exemplo – há
que estudantes experienciem de maneira direta as rela-
ções entre o circuito social da arte e a escola. (SÃO PAU- igual conexão deles com a Arte – como no uso que a
LO, 2016, p. 19). História faz de imagens artísticas em situações de con-
Cada professor reúne em si percursos exclusivos textualização e problematização. Essas aproximações
de vida. São diferentes estudos, interesses, repertórios, ocorrem entre todas as áreas, não sendo desconsidera-
posturas, metodologias e modos de se relacionar com da sua autonomia.
o mundo. As escolas abarcam docentes que tiveram sua O ensinar e aprender Arte no Ensino Fundamental
transcorre no âmbito de seus conhecimentos específi-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

formação inicial em períodos mais distantes e outros


que acabaram de concluir a licenciatura. Essas diferenças cos e não como ilustração ou representação de estudos
conferem colorido às aulas de Arte da Rede Municipal de desenvolvidos em outras áreas.
Ensino, tão autênticas quanto seus professores. Em Arte, desenvolve-se a leitura da língua estética do
Respeitando esse colorido, propomos dar aos docen- mundo. Aproximamos os estudantes dos signos sono-
tes a possibilidade de criar percursos de aprendizagem ros, visuais, gestuais, motores, textuais, táteis e verbais
com ênfase em sua linguagem de formação específica, que engendram as linguagens artísticas e se estendem a
focalizando conceitos e práticas gerais da área de Arte. outros campos da cultura, ou seja, da estesia de nossos
Assim, procuramos ressaltar o que é específico de cada sentidos à estética das criações. Podemos convidar os
linguagem, mas também pensar o que as atrelam, o que estudantes a ler a imagem de uma pintura renascentista
é comum a todas. e um anúncio publicitário digital, em momentos distin-

103
tos ou comparando-os. O professor de Arte é o mediador que fomenta, facilita e fortalece o contato dos estudantes
com a cultura que o cerca e com um repertório artístico que está à espera para ser descoberto ou desbravado.
Não há outro componente curricular que se debruce sobre a cultura em sua dimensão estética como a Arte. Ler,
portanto, é um aspecto significativo da área. Contudo, sua abrangência é ainda maior, incluindo, por exemplo, a ressig-
nificação, a expressão, a vigília criativa, a manipulação inventiva dos elementos que constituem as linguagens artísticas
e as relações entre arte e vida, arte e sociedade, bem como arte e identidade.
Movimenta-se um jogo no qual a experiência artística se volta aos processos de criação, à pesquisa, à contextuali-
zação (histórica, social, antropológica, política etc.) e à leitura, em um dinamismo dialógico que acolhe vozes de estu-
dantes e de docentes, da comunidade e outros parceiros da escola.
A experiência artística na escola promove o exercício da liberdade, tanto na forma de acesso aos signos culturais
quanto em seu aspecto criativo. Uma linha em um projeto de trabalho didático pode ser a linha riscada, pintada, estica-
da, dobrada, marcada com um gesto, traçada na trajetória de um movimento, a linha do tempo, das pautas da partitura,
da faixa de pedestre, dos fios de alta tensão, dos fios da instalação e, inclusive, dos fios de nosso cabelo. A Arte lida com
a potência latente, com o que poderá ser: um novo olhar, outra interpretação ou uma invenção.
Ao ensinar e aprender Arte no Ensino Fundamental, traçamos uma rota, mas não podemos prever todos os acasos,
surpresas e novas rotas que possam emergir no processo, pois o ponto de partida da Arte é o mundo, mas seu território
é o universo e tudo que nele existe, todas as suas múltiplas possibilidades e o que está para existir. Como trazê-la para
dentro da escola com tempos e espaços determinados? Eis o grande desafio de um currículo!

CAMPOS CONCEITUAIS: UMA PROPOSTA TERRITORIAL DO CURRÍCULO DE ARTE

Um vasto campo permeado de vida. Tal como na natureza, na qual encontramos uma variedade imensurável de
campos, assim é a Arte. O campo é um ambiente habitado por diferentes espécies de plantas e animais, com paisagens
compostas por sons, cores, formas, texturas, cheiros e temperaturas. Cada campo é um estado, sempre em movimento
e transformação. Árvores ancestrais convivendo com brotos que acabaram de romper a terra em busca do sol. Animais
que chegam de outros territórios e que, depois de se ocupar algum tempo, vão para novos campos. Os recursos hídri-
cos e a topografia variam de acordo com cada ambiente e com o momento de cada um deles.
Pensar o campo nos ajuda a pensar e a olhar a Arte, na qual coabitam muitos campos, com permutas, trocas e in-
tercâmbios constantes de tudo o que os constitui. O campo é uma imagem poética e conceitual que permite um olhar
espacial para a vastidão da Arte nas escolas.
Quando cruzamos tempo e espaço, encontramos um estado, único e singular no ponto do cruzamento. Essa analo-
gia também nos ajuda a olhar e pensar o componente curricular de Arte, como um conjunto de campos, cujo território
se modifica no tempo. O pensamento curricular territorial no ensino de Arte tem seu desenvolvimento atrelado às pes-
quisas e trabalhos de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (2012). Esse pensamento nos permite pensar conceitual-
mente sobre o componente de Arte em sua totalidade. Conceber o currículo como um espaço tridimensional amplia as
potencialidades, antes limitadas pela linearidade.
A concepção do currículo de Arte não se apoia no aspecto cronológico (sequencialmente histórico), mas, de forma
mais abrangente, no aspecto geográfico.
Dessa maneira, inspirados nessas autoras, apresentamos um currículo com campos conceituais no lugar de eixos,
diferentemente de como foi adotado nos outros componentes curriculares, pois consideramos os campos conceituais
como espaços em permanente relação, preenchidos e atravessados pelas linguagens artísticas e seus conhecimentos
singulares não lineares.
Esse conceito vai ao encontro da proposta de currículo espiral, indicada em todos os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento, que possibilitam aos docentes uma visão de progressão no próprio ano e entre os ciclos de apren-
dizagem. O pensamento territorial aponta também para uma visão de currículo que assume idas e vindas, desenvol-
vimento, aprofundamento e retomadas. Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento não são exclusivos de um
ponto do currículo (4º ano do Ciclo Interdisciplinar, por exemplo), podendo aparecer em diferentes momentos. Com
isso, um objetivo de aprendizagem e desenvolvimento, que tenha sido abordado em um momento, não exclui a pos-
sibilidade de ser revisitado mais adiante. A questão que se coloca é a ênfase em certos objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento durante o percurso de aprendizagem dos estudantes. Essa também é uma forma de se reforçar a
plasticidade do currículo de Arte.
A definição dos campos conceituais se deu por meio da busca de diálogo do documento Direitos de Aprendizagem
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte (SÃO PAULO, 2016) com as discussões trazidas pela Base Nacional Comum
Curricular, doravante, BNCC. A partir desse estudo, foram estabelecidos quatro campos conceituais, que atuarão nas
quatro linguagens artísticas durante o mesmo número de bimestres do ano letivo.

104
Encontramos, portanto, nos campos conceituais a herança conceitual daqueles que foram base para sua elaboração.
Em resumo, processos de criação referem-se especialmente ao fazer artístico sob uma visão que não o restringe ao pro-
duto final, mas entende a Arte como um processo, no qual há um desdobrar-se sobre a poética da matéria e das ações.
Este campo conceitual refere-se tanto aos processos de criação dos estudantes quanto ao estudo dos processos de
criação dos artistas, sublinhando a pesquisa (de materiais, temas, conceitos, referenciais, referências bibliográficas etc.),
a imaginação, a experimentação, a repetição, o ensaio, o devaneio, os esboços e tantos outros elementos que consti-
tuem o processo de criar. Linguagens artísticas se voltam para o estudo das diferentes linguagens da Arte, suas cone-
xões e hibridismos, seus elementos, aspectos poéticos e conceituais, a relação forma-conteúdo na Arte, a materialidade
das obras, a leitura crítica da arte e sua contextualização. As dinâmicas sociais e culturais da Arte se encontram parte
em linguagens artísticas e parte em saberes e fazeres culturais, que, para se desdobrar e refletir sobre ela, vale-se de
outras áreas de conhecimento como História da Arte, Literatura, Antropologia, Sociologia da Arte, Psicologia da Arte,
Geografia, Ciência, Matemática, entre outras, caracterizando como o principal (mas não exclusivo) território de inter e
transdisciplinaridade. Nele também marcam a história e cultura afro-brasileira e indígena, e as questões relacionadas ao
patrimônio artístico e cultural. Em experiências artísticas e estésicas, contrapomos a “busca do belo” no ensino de Arte
e focalizamos a estesia3, “uma capacidade que permite a percepção, através dos sentidos, do mundo exterior (...) que
suscita em absoluta singularidade uma experiência sensível com objetos, lugares, condições de existência, seres, com-
portamentos, ideias, pensamentos, conceitos” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 35). O que difere as experiências artísticas
das estésicas é a intenção. Conforme descreveu John Dewey (2010), podemos ter uma experiência significativa no con-
tato com a natureza, mas é a intenção poética que confere a uma experiência seu caráter artístico. A experimentação
de procedimentos artísticos, improvisações, a exploração da materialidade e dos elementos das diferentes linguagens
e a fruição artística (assim como a nutrição estética e a vigília criativa) são enfatizados neste Campo Conceitual.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NO CURRÍCULO DE ARTE

Os campos conceituais: processos de criação, linguagens artísticas, saberes e fazeres culturais e experiências artís-
ticas e estésicas são propostos como os conceitos que transversalmente compõem o componente curricular de Arte.
Assim, cada linguagem artística sustenta suas especificidades e, ao mesmo tempo, transita por conceitos gerais de toda
área.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Observemos, como exemplo, a Arte nas ruas no campo conceitual dos saberes e fazeres culturais. Temos músicos,
dançarinos, performers, malabaristas e atores que fazem da rua seu local de atuação cultural. O espaço da rua implica
uma dinâmica própria que envolve diferentes formas e estratégias de se relacionar com o público, de cativar e manter
sua atenção, de afetá-lo. Em específico, cada linguagem abrange desdobramentos diferenciados para seus fazeres ar-
tísticos nas ruas. Ao projetar uma sequência didática, pode-se partir do geral para o específico, o caminho inverso ou
propor situações de aprendizagem nas quais a presença dos aspectos gerais e específicos se movimentem em conjunto.
Em Arte, os campos conceituais não são formados por rígidas fronteiras, sendo complementares, interpenetram um
ao outro. O campo global se dá na inter-relação dos locais que, sem perder a conexão com o todo, acabam por cons-
tituir glocais4 e não espaços isolados. Dessa maneira, os campos conceituais são propostos de modo não hierárquico:
não há território central ou com maior peso que outros.

105
Nas indicações de objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, seguimos a mesma
proposta dos campos conceituais. Cada um deles indica uma ênfase, o que não quer dizer que um conceito não apare-
ça ao se enfatizar outro. Por exemplo, ao abordar saberes e elementos das linguagens artísticas, pode-se propor expe-
rimentações e fomentar o campo de processos de criação, mas a ênfase permanece no campo conceitual de linguagens
artísticas. Os objetivos seguem o mesmo princípio. Um objetivo indicado em um ano pode ressurgir em outro, mas com
uma ênfase diferente. Peirce, em livro publicado por Santaella (1994), defende que o pensamento cresce continuamen-
te. Nesse crescer, ocorrem repetições enquanto novas conexões são formadas. O próprio ato de repetir já pressupõe
diferença e não uma volta ao mesmo tal e qual.
Assim, pensamos o currículo de Arte como um crescer, num processo que envolve novidades e retomadas, conhe-
cimento e reconhecimento, respeitando tempos e estados.
Da forma como propomos este currículo, podemos pensar tanto a área de uma forma global, quanto nas especifi-
cidades de cada linguagem artística. Consequentemente, a Arte na rede de escolas municipais da Cidade de São Paulo
poderá usufruir de uma base que abrange a todas as unidades escolares e, simultaneamente, preservar a diversidade
de desdobramentos curriculares locais. Ações para a melhoria da qualidade do ensino de Arte poderão, portanto, ser
elaboradas globalmente sem comprometer as singularidades de cada contexto.
Para cada ciclo foi concebido um quadro geral de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, evidenciando a
inter-relação entre as linguagens em uma síntese de objetivos comuns que apontam para um processo de ensino e de
aprendizagem de Arte mais amplo. Estão igualmente salientadas as especificidades de cada linguagem em quadros de
objetivos por ano de cada ciclo de aprendizagem.
Importante ressaltar que o Currículo da Cidade incorporou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
pactuados na Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas, como temas inspiradores a serem trabalhados
de forma articulada com os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes componentes curriculares.
Nos quadros de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento há uma correspondência com os ODS relevantes para
aquele objetivo, seja do ponto de vista temático quanto sob o olhar metodológico e de abordagens inovadoras de
aprendizado.
Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com os ODS na prática escolar serão deta-
lhadas no documento de orientações didáticas dos diferentes componentes curriculares. Educadores e estudantes são
protagonistas na materialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm ampla liberdade para também criar
projetos autorais a respeito, assim como buscar parceiros, com o objetivo de promover maior cooperação entre os
diferentes atores sociais e da comunidade escolar na geração e compartilhamento do conhecimento e prática.

O ENSINO DE ARTE NOS CICLOS

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

Campos Conceituais no Ciclo de Alfabetização A iniciação em Arte no Ciclo de Alfabetização partirá da perspectiva
de apresentar, conhecer, perceber, experienciar e vivenciar, na interação dos estudantes com diversas práticas, cons-
truindo conhecimentos, valores e habilidades.
A Arte na infância durante o Ciclo de Alfabetização preocupa-se em expandir as relações e propiciar o contato
artístico consigo, com o outro e com o meio. Há uma ênfase maior nas experiências e processos de criação durante o
processo de alfabetização e construção de conhecimento em Arte. Na contextualização, por exemplo, as escolhas de
obras, referenciais e assuntos podem surgir dos processos vividos pelos estudantes.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

106
Obs. Os demais quadros de objetivos e aprendiza- integrá-los ao projeto), o incentivo à autonomia deles e
gens podem ser estudados no link http://portal.sme.pre- a criação de recursos para o registro do processo (port-
feitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/50636.pdf fólios e diários de bordo). Podemos encontrar também
a proposta de trabalhar a partir de projetos, alinhada ao
ORIENTAÇÕES PARA O TRABALHO DO PROFESSOR pensamento curricular territorial, em Martins, Picosque e
Guerra (2010).
O pensamento curricular territorial no ensino de Arte Tal como propomos o foco no processo de criação,
aponta caminhos, sendo o professor o autor do percur- sem visar apenas produtos finais, consideramos a ava-
so. É ele quem traça os mapas, vislumbra as trajetórias e liação como processo. A avaliação processual ocorre ao
planeja a viagem que fará junto aos estudantes por entre longo de todo o percurso de ensino e aprendizagem.
os campos conceituais de processos de criação, lingua- Nela os portfólios, diários de bordo, protocolos e ou-
gens artísticas, saberes e fazeres culturais e experiência tras formas de registro e acompanhamento do processo
artística e estésica. cumprem um papel central. São espaços de reflexão para
A orientação do trajeto se dá por meio de projetos, seguir adiante e, por meio deles e outros indicadores, a
que indicam os caminhos e pontos de parada. Há um avaliação processual passa a abranger a geração de ou-
manancial de conceitos que envolvem o ensino de Arte tras ações e novos projetos.
como interculturalidade, cultura visual, transdisciplina- Um ponto em comum das diversas propostas é o
ridade, acessibilidade, descolonização, diferenças, con- papel do diálogo no processo de ensino e de aprendi-
temporaneidade, mediação cultural, interações signifi- zagem. Desde o planejamento até o desenvolvimento
cativas, pluralidade, entre outros. Antes de elaborar um dos percursos educacionais, é importante estabelecer o
projeto, é salutar conhecer quais as ideias que inspiram diálogo com os estudantes, comunidade, colegas profes-
e buscam afirmar os direcionamentos para o ensino de sores e demais parceiros da escola e da Rede Municipal
Arte atual. de Ensino. O planejamento é outro aspecto fundamental.
O diagnóstico também se apresenta como um impor- Por meio dele, vislumbramos, antecipadamente, quais
tante aliado para indicar caminhos. Conhecer a realidade recursos, parcerias, contatos e estratégias precisarão ser
da escola, seus estudantes, seus desafios, recursos mate- buscadas ou acionadas durante o percurso (ainda que
riais disponíveis e espaços convencionais e alternativos rotas possam ser replanejadas durante o processo).
colaborará para criação de projetos que dialoguem com Há, ainda, outros autores, propostas metodológicas e
as necessidades e desejos evidenciados. questões que nos ajudam a pensar o processo de ensino
A metodologia é construída por cada professor, arti- e de aprendizagem. Cada professor traz consigo todos
culando-a às propostas curriculares vigentes. Nos Parâ- os diálogos que estabeleceu com pensadores e saberes
metros Curriculares Nacionais de Arte (1997), ficam evi- ao longo de seu ininterrupto processo formativo – sabe-
dentes três aspectos que envolvem o ensino de Arte: a res que vão desde concepções gerais sobre o ensino de
experiência do fazer, do fruir e do refletir sobre contextos Arte a propostas específicas de uma linguagem artística.
e conhecimentos que envolvem o objeto de estudo. A Assim, nutrido de experiência e saberes sempre em mo-
referência à abordagem triangular de Ana Mae Barbosa vimento, em diálogo com seu contexto e com os docu-
(2011) - proposta em contínuo processo de reelabora- mentos oficiais que regem o ensino de Arte, o professor
ção, inclusive por parte da autora – é inegável e continua cria, propõe e aciona a Arte no universo escolar.
a ser um emblema do ensino de Arte no Brasil.
A abordagem triangular já foi equivocadamente de- Fonte
senvolvida como uma proposta sequencial de procedi- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
mentos: primeiro realiza-se a leitura/fruição, depois se cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
contextualiza a obra ou o conjunto de obras e, então, Ensino Fundamental: Arte. 2. ed. São Paulo: SME/COPED,
caminha-se para o fazer artístico. É precisamente essa 2019. p. 10-71. Disponível em: http://portal.sme.prefeitu-
sequência o que a proposta não é. De um vértice de um ra.sp.gov.br/Portals/1/Files/50636.pdf.
triângulo pode-se ir a qualquer outro ou pode-se, ainda,
permanecer onde está. Podemos ir da leitura para o fa-
zer, retornar à leitura, contextualizar, ler e contextualizar
novamente, propor um outro processo de criação e con- EXERCÍCIO COMENTADO
textualizar durante o processo. São inúmeras as possibi-
lidades. 1. (Pref. de Lins/SP - Diretor de Escola – Superior –
Além dos documentos oficiais, deparamo-nos com JOTA/2017) De acordo com a LEI Nº 9.394, DE 20 DE DE-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

uma série de propostas metodológicas que influenciam ZEMBRO DE 1996- Art. 30. A educação infantil será ofere-
o modo de pensar o processo de ensino e de aprendi- cida em II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a:
zagem na escola. Agregando ao pensamento territorial
elaborado por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque a) 3 (três) anos de idade.
(2012) e à abordagem triangular de Ana Mae Barbosa b) 4 (quatro) anos de idade.
(2011), podemos citar a proposta de projetos de tra- c) 5 (cinco) anos de idade.
balho, difundida em especial, por Fernando Hernández d) 6 (seis) anos de idade.
(2000). O educador espanhol aponta caminhos para a e) 7 (sete) anos de idade.
criação de projetos, tais como a realização de sondagens
com os estudantes (para diagnosticar seus interesses e

107
Resposta: Letra C. Em “c”: Certo – Contempla o arti- dores também serviram como referência para a produção
go 30 da LDB como aponta: desse currículo. O Currículo da Cidade foi construído de
LDBE - Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996 forma coletiva, tanto para espelhar a identidade da Rede
Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Municipal de Ensino de São Paulo, quanto para assegurar
Art. 30. A educação infantil será oferecida em: que seja incorporado por todos os seus integrantes.
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças O processo foi realizado sob a orientação da Coorde-
de até três anos de idade; nadoria Pedagógica (COPED) da Secretaria Municipal de
II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos Educação de São Paulo, tendo como base as seguintes
de idade. premissas para sua construção:
III - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cin- Continuidade: O processo de construção curricular
co) anos de idade. (Redação dada pela Lei nº 12.796, procurou romper com a lógica da descontinuidade a
de 2013) cada nova administração municipal, respeitando a me-
mória, os encaminhamentos e as discussões realizadas
em gestões anteriores e integrando as experiências, prá-
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA ticas e culturas escolares já existentes na Rede Municipal
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. de Ensino.
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. Relevância: O Currículo da Cidade foi construído para
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO ser um documento dinâmico, a ser utilizado cotidiana-
FUNDAMENTAL: ARTE. 2. ED. SÃO PAULO: mente pelos professores com vistas a garantir os direitos
SME/COPED, 2019. P. 10-71. de aprendizagem a todos os estudantes da Rede.
Colaboração: O documento foi elaborado conside-
rando diferentes visões, concepções, crenças e métodos,
CURRÍCULO DA CIDADE: ORIENTAÇÕES CURRICU- por meio de um processo dialógico e colaborativo, que
LARES PARA A CIDADE DE SÃO PAULO incorporou as vozes dos diversos sujeitos que compõem
a Rede.
Contemporaneidade: A proposta curricular tem foco
#FicaDica nos desafios do mundo contemporâneo e busca formar
os estudantes para a vida no século XXI.
O Currículo da Cidade busca alinhar as orien-
O Currículo da Cidade foi construído para todos os
tações curriculares do Município de São
estudantes da Rede Municipal de Ensino de São Paulo,
Paulo à Base Nacional Comum Curricular
inclusive os que necessitam de atendimento educacio-
(BNCC), documento que define as aprendi-
nal especializado – aqueles que têm algum tipo de defi-
zagens essenciais a que todos os estudantes
ciência, transtornos globais de desenvolvimento ou altas
brasileiros têm direito ao longo da Educação
habilidades/superdotação. Aplica-se, também, a crianças
Básica.
e adolescentes de diferentes origens étnico-raciais, além
de imigrantes e refugiados de vários países. A proposta
A BNCC estrutura-se com foco em conhecimentos, da atualização do Currículo da Cidade de São Paulo re-
habilidades, atitudes e valores para promover o desen- força a mudança de paradigma que a sociedade contem-
volvimento integral dos estudantes e a sua atuação na porânea vive, na qual o currículo não deve ser concebido
sociedade. Sua implementação acontece por meio da de maneira que o estudante se adapte aos moldes que
construção de currículos locais, de responsabilidade das a escola oferece, mas como um campo aberto à diver-
redes de ensino e escolas, que têm autonomia para or- sidade. Essa diversidade não é no sentido de que cada
ganizar seus percursos formativos a partir da sua própria estudante poderia aprender conteúdos diferentes, mas
realidade, incorporando as diversidades regionais e sub- sim aprender conteúdos de diferentes maneiras. Para
sidiando a forma como as aprendizagens serão desen- que esses estudantes tenham seus direitos garantidos,
volvidas em cada contexto escolar. reconhece-se a necessidade de adequações didáticas e
Diante disso, a Secretaria Municipal de Educação de metodológicas que levem em consideração suas pecu-
São Paulo – SME deu início ao processo de atualização liaridades, documentos esses que serão produzidos pela
curricular em março de 2017, com a realização de um se- SME dialogando com o Currículo da Cidade.
minário municipal, que reuniu diretores e coordenadores
pedagógicos de todas as escolas de Ensino Fundamental O Currículo da Cidade estrutura-se com base em três
da Rede, professores de referência, além de gestores e conceitos orientadores:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

técnicos das Diretorias Regionais de Educação (DREs). De Educação Integral: Tem como propósito essencial
abril a junho, professores e estudantes da Rede foram promover o desenvolvimento integral dos estudantes,
consultados por meio de amplo processo de escuta, que considerando as suas dimensões intelectual, social, emo-
mapeou suas percepções e recomendações sobre o que cional, física e cultural.
e como aprender. Equidade: Partimos do princípio de que todos os es-
Enquanto 43.655 estudantes enviaram suas percep- tudantes são sujeitos íntegros, potentes, autônomos e,
ções por meio de um questionário individual disponibili- portanto, capazes de aprender e desenvolver-se, contan-
zado via aplicativo, 16.030 educadores deram indícios de to que os processos educativos a eles destinados consi-
como organizam suas práticas curriculares, compartilha- derem suas características e seu contexto e tenham signi-
das por meio do site da SME. Essas percepções e indica- ficado para suas vidas. Assim sendo, buscamos fortalecer

108
políticas de equidade, explicitando os direitos de apren- CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
dizagem, garantindo as condições necessárias para que
eles sejam assegurados a cada criança e adolescente da O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)1 con-
Rede Municipal de Ensino, independente da sua realida- sidera a infância como o período que vai do nascimen-
de socioeconômica, cultural, étnico-racial ou geográfica. to até os 12 anos incompletos, e a adolescência como
Educação Inclusiva: Respeitar e valorizar a diversida- a etapa da vida compreendida entre os 12 e os 18 anos
de e a diferença, reconhecendo o modo de ser, de pensar de idade. A lei define que a criança e o adolescente usu-
e de aprender de cada estudante, propiciando desafios fruam de todos os direitos fundamentais inerentes à
adequados às suas características biopsicossociais, apos- pessoa humana e devem ter acesso a todas as oportuni-
tando nas suas possibilidades de crescimento e orientan- dades e condições necessárias ao seu desenvolvimento
do-se por uma perspectiva de educação inclusiva, plural físico, mental, moral, espiritual e social. Estabelece, ainda,
e democrática. em seu artigo 4º que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em
O Currículo da Cidade foi organizado em três Ciclos geral e do poder público assegurar, com absoluta priori-
(Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral) e apresenta dade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
uma Matriz de Saberes, os Objetivos de Desenvolvimen- à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profis-
to Sustentável, os Eixos Estruturantes, os Objetos de Co- sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
nhecimento e os Objetivos de Aprendizagem e Desen- dade e à convivência familiar e comunitária.
volvimento de cada Componente Curricular. Os objetos Ainda que reúnam características comuns, essas eta-
de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desen- pas da vida não podem ser concebidas de forma homo-
volvimento de cada componente curricular foram elabo- gênea, uma vez que também são influenciadas por cons-
rados por Grupos de Trabalho (GTs) formados por pro- truções históricas e culturais, de tempo, lugar e espaço
fessores, supervisores e técnicos da Secretaria Municipal social, bem como de variáveis de classe, gênero, etnia,
de Educação de São Paulo e das Diretorias Pedagógicas orientação política, sexual ou religiosa.
(DIPEDs) das Diretorias Regionais de Educação (DREs). O Currículo da Cidade leva em conta as especifici-
Os GTs reuniram-se de março a junho de 2017 e pro- dades dessas fases do desenvolvimento e considera os
duziram a primeira versão do Currículo da Cidade. No diferentes contextos em que as crianças e os adolescen-
mês de agosto essa versão foi colocada para consulta tes que vivem na Cidade de São Paulo estão inseridos.
das equipes gestora e docente, supervisores e formado- Para tanto, acolhe essa diversidade referenciando-se
res das DREs, no Sistema de Gestão Pedagógica (SGP), pelos estudos sobre as relações étnico-raciais, pelas Leis
totalizando mais de 9.000 leituras e mais de 2.550 contri- 10.639/03 e 11.645/08, assim como pela atuação do Nú-
buições que foram analisadas pelas equipes técnicas do cleo Étnico-Racial da SME, que, dentre outras atividades,
Núcleo Técnico de Currículo (NTC) e Divisão de Ensino fomenta práticas educacionais voltadas à aprendizagem
Fundamental e Médio (DIEFEM). Além disso, a primeira de Histórias e Culturas Africanas, AfroBrasileiras, Indíge-
versão do documento foi encaminhada a leitores críticos nas, assim como a de Imigrantes e de Refugiados.
que também trouxeram contribuições. Após a incorpo- Partindo-se da concepção de que a criança e o ado-
ração das contribuições pelas equipes técnicas do NTC/ lescente são sujeitos de direito que devem opinar e par-
DIEFEM, o documento tem sua versão finalizada, para ser ticipar das escolhas capazes de influir nas suas trajetórias
implementado pelas escolas da Rede. As ações de imple- individuais e coletivas, compreende-se que o Currículo
mentação contarão com orientações didáticas, materiais da Cidade, bem como os espaços, tempos e materiais
curriculares e formação continuada. pedagógicos disponibilizados pelas unidades educativas,
precisa acolhê-los na sua integralidade e promover a sua
CONCEPÇÕES E CONCEITOS QUE EMBASAM O participação. Para tanto, faz-se necessário conhecer as
CURRÍCULO DA CIDADE suas aspirações, interesses e necessidades, bem como
atentar para as mudanças que ocorrem ao longo do seu
A construção do Currículo da Cidade foi orientada desenvolvimento.
por concepções e conceitos, considerando a importância As Diretrizes Curriculares Nacionais de 2013 salien-
de conceber os pressupostos de um currículo integrador, tam a importância de se observar que, na transição da
Na perspectiva de um Currículo Integrador, a criança infância para a adolescência, os estudantes deixam a fase
não deixa de brincar, nem se divide em corpo e mente ao egocêntrica, característica dos anos iniciais, e passam a
ingressar no Ensino Fundamental. Ao contrário, ela con- perceber o ponto de vista do outro, interagindo com o
tinua a ser compreendida em sua integralidade e tendo
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

mundo ao seu redor, realizando a chamada descentra-


oportunidades de avançar em suas aprendizagens sem ção, processo fundamental para a “construção da auto-
abandonar a infância. (SÃO PAULO, 2015, p. 8). nomia e a aquisição de valores morais e éticos” (BRASIL,
Sendo assim, o currículo do Ensino Fundamental con- 2013, p. 110).
sidera a organização dos tempos, espaços e materiais Cabe destacar que é também nessa fase da vida que
que contemplem as vivências das crianças no seu coti- crianças e adolescentes de todas as classes sociais ficam
diano, a importância do brincar e a integração de saberes mais expostos a situações de risco pessoal e social e à
de diferentes Componentes Curriculares, em permanen- influência da mídia, o que, por vezes, compromete a sua
te diálogo. integridade física, psicológica e moral e a capacidade de
tomar decisões mais assertivas, além de influenciar as
suas formas de pensar e expressar-se.

109
Assim sendo, é de extrema relevância que o Currícu- intercruzam componentes e decisões muito diversas (pe-
lo da Cidade prepare os estudantes para fazer uso críti- dagógicas, políticas, administrativas, de controle sobre o
co, criativo e construtivo das tecnologias digitais, bem sistema escolar, de inovação pedagógica); é um ponto
como refletir sobre os apelos consumistas da socieda- central de referência para a melhoria da qualidade de en-
de contemporânea, os riscos da devastação ambiental e sino. (PACHECO, 2005, p. 37).
naturalização dos problemas sociais, humanos, afetivos Currículos não são lineares: O currículo não é uma se-
e emocionais. Também precisa orientá-los a reconhe- quência linear, mas um conjunto de aprendizagens con-
cer e proteger-se das várias formas de violência, abuso comitantes e interconectadas. Portanto, não é possível
e exploração que podem prejudicar o seu bem-estar e defini-lo antecipadamente sem levar em conta o seu de-
desenvolvimento, além de apoiá-los a constituírem-se senvolvimento no cotidiano escolar (DOLL, 1997, p. 178).
como pessoas e cidadãos cada vez mais aptos a lidar Ou seja, o currículo está estreitamente ligado ao dia a dia
com as demandas e os desafios do século XXI. da prática pedagógica, em que se cruzam decisões de
Essas preocupações apontam para a adoção de um vários âmbitos.
currículo orientado pela Educação Integral, que seja ca- [...] um currículo construtivo é aquele que emerge
paz de formar sujeitos críticos, autônomos, responsáveis, através da ação e interação dos participantes; ele não é
colaborativos e prósperos. estabelecido antecipadamente (a não ser em termos am-
plos e gerais). Uma matriz, evidentemente, não tem início
CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO nem fi m; ela tem fronteiras e pontos de interseção ou fo-
cos. Assim, um currículo modelado em uma matriz tam-
O Currículo da Cidade foi construído a partir da com- bém é não-linear e não-sequencial, mas limitado e cheio
preensão de que: de focos que se interseccionam e uma rede relacionada
Currículos são plurais: O currículo envolve os diferen- de significados. Quanto mais rico o currículo, mais haverá
tes saberes, culturas, conhecimentos e relações que exis- pontos de intersecção, conexões construídas, e mais pro-
tem no universo de uma rede de educação. Assim sendo, fundo será o seu significado. (DOLL, 1997, p. 178).
é fruto de uma construção cultural que reúne diversas Currículos são processos permanentes e não um
perspectivas e muitas significações produzidas a partir produto acabado: O “currículo é o centro da atividade
dos contextos, interesses e intenções que permeiam a di- educacional e assume o papel normativo de exigências
versidade dos atores e das ações que acontecem dentro acadêmicas, mas não deve estar totalmente previsível e
e fora da escola e da sala de aula. Para dar conta dessa calculado” (PACHECO, 2001, p. 15).
pluralidade, o Currículo da Cidade foi construído a partir Dessa forma, continua o autor, pode-se conside-
da escuta e da colaboração de estudantes, professores e rar que o currículo é um processo e não um produto,
gestores da Rede Municipal de Ensino. mas “[...] é uma prática constantemente em deliberação
Currículos são orientadores: O currículo “é também e negociação”. Embora a SME considere o Currículo da
uma forma concreta de olhar para o conhecimento e Cidade como o documento orientador do Projeto Políti-
para as aprendizagens construídas no contexto de uma co-Pedagógico das escolas, ele não pode ser visto como
organização de formação” (PACHECO, 2005, p. 36). Dife- algo posto e imutável, mas como “a concretização das
rentes concepções de currículo levam a diferentes orien- funções da própria escola e a forma particular de enfo-
tações em relação ao indivíduo que se deseja formar, à cá-las num momento histórico e social determinado [...]”
prática educativa e à própria organização escolar. (SACRISTÁN, 2000, p. 15). Cabe ressaltar que os currículos
O currículo não oferece todas as respostas, mas traz as devem ser sempre revisados e atualizados, seja para ade-
discussões temáticas, conceituais, procedimentais e valo- quarem-se a mudanças que ocorrem de forma cada vez
rativas para o ambiente da escola, orientando a tomada mais veloz em todos os setores da sociedade, seja para
de decisões sobre as aprendizagens até a “[...] racionali- incorporarem resultados de novas discussões, estudos e
zação dos meios para obtê-las e comprovar seu sucesso” avaliações. Embora a função do currículo não seja a de
(SACRISTÁN, 2000, p. 125). Assim sendo, o currículo pode fechar-se à criatividade e à inovação, sua característica
ser considerado como o cerne de uma proposta pedagó- mais fundamental é a clareza com que enuncia princí-
gica, pois tem a função de delimitar os aprendizados a pios e que cria clima e roteiros instigantes ao diálogo,
serem desenvolvidos e referenciar as atividades a serem à aprendizagem e à troca de experiências mediadas por
realizadas em sala de aula, sempre tendo a compreensão conhecimentos amplos e significativos da história.
e a melhoria da qualidade de vida como base da socie-
dade, da própria escola, do trabalho do professor e do Professores são protagonistas do currículo: O pro-
sentido da vida do estudante. Assim, a principal intenção fessor é o sujeito principal para a elaboração e imple-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

do Currículo da Cidade é justamente oferecer diretrizes e mentação de um currículo, uma vez que tem a função
orientações a serem utilizadas no cotidiano escolar para de contextualizar e dar sentido aos aprendizados, tan-
assegurar os direitos de aprendizagem a cada um dos to por meio dos seus conhecimentos e práticas, quanto
estudantes da Rede Municipal de Ensino. pela relação que estabelece com seus estudantes. Para
[...] numa primeira síntese do que efetivamente re- tanto, os educadores precisam reconhecer o seu papel
presenta, o currículo significa o seguinte: é a expressão de protagonistas nesse processo, sentindo-se motivados
da função socializadora da escola; é um instrumento e tendo condições de exercê-lo. Compreendendo a im-
imprescindível para compreender a prática pedagógi- portância desse envolvimento, o Currículo da Cidade foi
ca; está estreitamente relacionado com o conteúdo da construído com a colaboração dos professores da Rede
profissionalidade dos docentes; é um ponto em que se Municipal de Ensino, que participaram do processo en-

110
viando propostas ou integrando os Grupos de Trabalho. uma abordagem pedagógica voltada a desenvolver todo
Tal engajamento buscou, ainda, valorizar o protagonismo o potencial dos estudantes e prepará-los para se realiza-
dos atores educativos frente ao desafio de tornar signifi- rem como pessoas, profissionais e cidadãos comprome-
cativo o currículo praticado na escola. tidos com o seu próprio bem-estar, com a humanidade
O professor transforma o conteúdo do currículo de e com o planeta.
acordo com suas próprias concepções epistemológicas Essa concepção não se confunde com educação de
e também o elabora em conhecimento “pedagogica- tempo integral e pode ser incorporada tanto pelas esco-
mente elaborado” de algum tipo e nível de formalização las de período regular de cinco horas, quanto pelas de
enquanto a formação estritamente pedagógica lhe faça período ampliado de sete horas. Nesse caso, a extensão
organizar e acondicionar os conteúdos da matéria, ade- da jornada escolar contribui – mas não é pré-requisito
quando-os para os alunos. (SACRISTÁN, 2000, p. 15). – para que o desenvolvimento multidimensional acon-
Nesse processo o envolvimento da equipe gestora teça. A Educação Integral não se define pelo tempo de
da escola (coordenadores pedagógicos e diretores) é permanência na escola, mas pela qualidade da propos-
muito importante, no sentido de articular professores da ta curricular, que supera a fragmentação e o foco único
mesma área, de diversas áreas; do mesmo ciclo e dos em conteúdos abstratos. Ela busca promover e articular
diferentes ciclos nas discussões curriculares e na orga- conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que pre-
nização dos planejamentos com vistas a atender melhor parem os estudantes para a realização do seu projeto de
os estudantes daquela comunidade escolar. Essas ações vida e para contribuírem com a construção de um mundo
desenvolvidas nos espaços escolares, e acompanhadas melhor.
pelos supervisores, permitem uma articulação entre as Nas três últimas décadas, o debate acadêmico so-
diferentes escolas com as quais ele atua e com a própria bre Educação Integral tem envolvido sociólogos, filóso-
história de construção curricular do município e os deba- fos, historiadores e pedagogos, entre outros estudiosos
tes nacionais. preocupados em compreender os problemas e apontar
Currículos devem ser centrados nos estudantes: O possíveis soluções para melhorar a qualidade educacio-
propósito fundamental de um currículo é dar condições nal e formativa do conhecimento construído na escola
e assegurar a aprendizagem e o desenvolvimento ple- do Brasil.
no de cada um dos estudantes, conforme determinam As novas definições de Educação Integral que come-
os marcos legais brasileiros. Currículos também precisam çaram a emergir a partir de meados da década de 1990
dialogar com a realidade das crianças e adolescentes, de apontam para a humanização do sujeito de direito e en-
forma a conectarem-se com seus interesses, necessida- tendem o conhecimento como elemento propulsor para
des e expectativas. Em tempos de mudanças constantes o desenvolvimento humano. Indicam, também, que tais
e incertezas quanto ao futuro, propostas curriculares processos educativos acontecem via socialização dialógi-
precisam ainda desenvolver conhecimentos, saberes, ati- ca criativa do estudante consigo mesmo, com os outros,
tudes e valores que preparem as novas gerações para as com a comunidade e com a sociedade. Nesse caso, os
demandas da vida contemporânea e futura. conteúdos curriculares são meios para a conquista da au-
Considerando a relevância para os estudantes da tonomia plena e para a ressignificação do indivíduo por
Rede Municipal de Ensino, o Currículo da Cidade estru- ele mesmo e na sua relação com os demais.
tura-se de forma a responder a desafios históricos, como A Educação Integral, entendida como direito à cida-
a garantia da qualidade e da equidade na educação pú- dania, deve basear-se em uma ampla oferta de experiên-
blica, ao mesmo tempo em que aponta para as aprendi- cias educativas que propiciem o pleno desenvolvimento
zagens que se fazem cada vez mais significativas para ci- de crianças e jovens (GUARÁ, 2009). Este desenvolvimen-
dadãos do século XXI e para o desenvolvimento de uma to deve incentivar, ao longo da vida, o despertar da cria-
sociedade e um mundo sustentáveis e justos. As propos- tividade, da curiosidade e do senso crítico, além de ga-
tas de formação de caráter tão amplo e não imediatistas rantir a inclusão do indivíduo na sociedade por meio do
exigem algumas adjetivações às práticas curriculares que conhecimento, da autonomia e de suas potencialidades
nos apontam numa direção da integralidade dos objeti- de realizar-se social, cultural e politicamente.
vos de formação. Dentro dessa perspectiva, o currículo Em outra publicação, ao observar o contexto geral da
não visa apenas a formação mental e lógica das aprendi- Educação Integral, a mesma autora coloca o sujeito de
zagens nem ser um mero formador de jovens ou adultos direito no centro de suas análises e considera-o como
para a inserção no mercado imediato de trabalho. O que aquele que explicita o seu lado subjetivo de prazer e sa-
levaria o currículo a escapar dessas duas finalidades res- tisfação com as escolhas simbólicas que realiza no decor-
tritivas com relação à sua função social é sua abrangência rer de sua existência. Tal visão ressalta que as múltiplas
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do olhar integral sobre o ser humano, seus valores e sua exigências da vida corroboram para o aperfeiçoamento
vida social digna. humano, potencializando a capacidade de o indivíduo
realizar-se em todas as dimensões.
CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL Gonçalves (2006) associa a Educação Integral à totali-
dade do indivíduo como processo que extrapola o fator
O Currículo da Cidade orienta-se pela Educação In- cognitivo e permitindo-lhe vivenciar uma multiplicidade
tegral, entendida como aquela que promove o desen- de relações, com a intenção de desenvolver suas dimen-
volvimento dos estudantes em todas as suas dimensões sões físicas, sociais, afetivas, psicológicas, culturais, éti-
(intelectual, física, social, emocional e cultural) e a sua cas, estéticas, econômicas e políticas. Cavaliere (2002) se-
formação como sujeitos de direito e deveres. Trata-se de gue a mesma linha conceitual, destacando que a essência

111
da Educação Integral reside na percepção das múltiplas Educação Integral e Marcos Legais
dimensões do estudante, que devem ser desenvolvidas
de forma equitativa. Diversos marcos legais internacionais e nacionais ali-
nham-se com esse conceito de Educação Integral.
Pode-se complementar essa visão, levantando quatro Entre os internacionais citamos: Declaração Universal
perspectivas sobre a Educação Integral: dos Direitos Humanos da ONU (1948); Convenção sobre
• A primeira aponta para o desenvolvimento humano os Direitos da Criança da ONU (1989); Agenda 2030 para
equilibrado, via articulação de aspectos cognitivos, o desenvolvimento sustentável (2015).
educativos, afetivos e sociais, entre outros. Entre os marcos nacionais destacamos: Constituição
• A segunda enfatiza a articulação dos Componentes Federal (1988); Estatuto da Criança e do Adolescente
Curriculares e o diálogo com práticas educativas (1990)2; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
transversais, inter e transdisciplinares. (1996)3; Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015)4.
• A terceira compreende a importância da articula- Outros marcos legais, como o Plano Nacional de
ção entre escola, comunidade e parcerias institu- Educação (2014-2024), o Plano Municipal de Educação
cionais, bem como entre educação formal e não (2015-2025) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvi-
formal para a formação do indivíduo integral. mento da Educação Básica e de Valorização dos Profis-
• A quarta defende a expansão qualificada do tempo sionais de Educação (2007), também criam condições
que os estudantes passam na escola para melhoria para a promoção de uma educação que contemple o
do desempenho escolar (GUARÁ, 2009). pleno desenvolvimento dos estudantes.
Essa concepção de Educação Integral está igualmen-
A mesma autora ainda indica que todas essas pers- te de acordo com o Programa de Metas 2017-2020 da
pectivas tendem a refletir a realidade local e são influen- Prefeitura Municipal de São Paulo5, compreendido como
ciadas por peculiaridades de tempo, espaço, região, cir- “um meio de pactuação de compromissos com a socie-
cunstâncias sociais, econômicas e inclinações políticas e dade”. O documento estrutura-se em cinco eixos temá-
ideológicas. Segundo ela, o que realmente precisa ser
ticos6, envolvendo todos os setores da administração
considerado é o desenvolvimento humano integral do
municipal. O eixo do “Desenvolvimento Humano: cida-
estudante.
de diversa, que valoriza a cultura e garante educação de
Educação integral como direito de cidadania supõe
qualidade a todos e todas” engloba a Secretaria Munici-
uma oferta de oportunidades educativas, na escola e
pal de Educação, a Secretaria Municipal de Direitos Hu-
além dela, que promovam condições para o desenvol-
manos e
vimento pleno de todas as potencialidades da criança e
Cidadania e a Secretaria Municipal de Cultura. As
do jovem. Sua inclusão no mundo do conhecimento e da
vida passa pela garantia de um repertório cultural, so- onze metas e vinte projetos asso ciados a esse eixo tam-
cial, político e afetivo que realmente prepare um presen- bém têm como foco a Educação Integral.
te que fecundará todos os outros planos para o futuro.
(GUARÁ, 2009, p. 77). Relevância da Educação Integral
O documento da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), homologada em 2017, compartilha dos concei- A proposta de Educação Integral ganha força frente
tos acima abordados sobre o desenvolvimento global aos debates sobre a cultura da paz, os direitos humanos,
dos estudantes, enfatizando ainda a necessidade de se a democracia, a ética e a sustentabilidade, compreendi-
romper com as percepções reducionistas dos processos dos como grandes desafios da humanidade. Para serem
educativos que priorizam as dimensões cognitivas ou alcançados, esses desafios demandam que crianças, ado-
afetivas em detrimento dos demais saberes que emer- lescentes e jovens tenham oportunidade de identificar,
gem dos tempos, espaços e comunidades nos quais os desenvolver, incorporar e utilizar conhecimentos, habili-
estudantes se inserem. Segundo a BNCC (BRASIL, 2017), dades, atitudes e valores. A aprendizagem de conteúdos
independentemente do tempo de permanência do estu- curriculares, ainda que importante, não é o sufi ciente
dante na escola, o fator primordial a ser considerado é para que as novas gerações sejam capazes de promover
a intencionalidade dos processos e práticas educativas os necessários avanços sociais, econômicos, políticos e
fundamentadas por uma concepção de Educação Inte- ambientais nas suas comunidades, no Brasil e no mundo.
gral.
Isto implica: CONCEITO DE EQUIDADE
I. Avaliar o contexto atual da sociedade brasileira em
O conceito de equidade compreende e reconhece a
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tempos de globalização social, política, econômica e


cultural; diferença como característica inerente da humanidade,
II. Conciliar os interesses dos estudantes frente a esse ao mesmo tempo em que desnaturaliza as desigualda-
desafi o permanente, amparados por estratégias de des, como afirma Boaventura Santos:
ensino e de aprendizagem inovadoras;
III. Propiciar uma formação emancipadora que valori- [...] temos o direito a ser iguais quando a nossa dife-
ze as ações criativas dos estudantes frente às transfor- rença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes
mações tecnológicas; quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a ne-
IV. Aliar a satisfação e o prazer pela busca de novos cessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças
conhecimentos com vistas à formação do indivíduo e de uma diferença que não produza, alimente ou repro-
autônomo do século XXI. duza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p. 56).

112
Nesse alinhamento reflexivo, entende-se que o sis- e o que precisamos vir a ser? Existimos na América Latina
tema educacional não pode ser alheio às diferenças, e somos um país que pode caminhar na direção de um
tratando os desiguais igualmente, pois se sabe que tal pacto de coesão social de melhor vida. Sem tais pergun-
posicionamento contribui para a perpetuação das desi- tas continuamente feitas e sem buscar as suas respostas,
gualdades e das inequidades para uma parcela impor- o currículo torna-se uma peça fria, utilitarista e incapaz
tante de crianças, jovens e adultos que residem em nossa de mobilizar as novas gerações em suas vidas e sua bus-
cidade, embora se saiba que sempre se busca responder ca de conhecimento.
ao desafio: “o que há de igual nos diferentes?” Hoje, a Rede Municipal de Ensino atende mais de 80
Dessa forma, o currículo deve ser concebido como grupos étnicos de diversos países, que vêm contribuindo
um campo aberto à diversidade, a qual não diz respeito para a construção de uma cidadania responsável dentro
ao que cada estudante poderia aprender em relação a do contexto internacional que vive a cidade.
conteúdos, mas sim às distintas formas de aprender de Portanto, o Currículo da Cidade de São Paulo, ao defi-
cada estudante na relação com seus contextos de vida. nir os seus objetivos de aprendizagem e desenvolvimen-
Defende-se, portanto, a apresentação de conteúdos co- to, considera o direito de todos a aprender e participar
muns a partir de práticas e recursos pedagógicos que do país. Para isso o currículo valoriza a função social do
garantam a todos o direito ao aprendizado. Para efeti- professor e a função formativa da Escola. O conjunto dos
var esse processo de mediação pedagógica, ao planejar, professores e educadores da Rede é fundamental para
o professor precisa considerar as diferentes formas de reconhecer as capacidades críticas e criadoras e poten-
aprender, criando, assim, estratégias e oportunidades cializar os recursos culturais de todos os seus estudantes,
para todos os estudantes. Tal consideração aos diferen- indistintamente, ao considerar e valorizar os elementos
tes estilos cognitivos faz do professor um pesquisador que os constituem como humanos e como cidadãos do
contínuo sobre os processos de aprendizagem. mundo. 
Silva e Menegazzo (2005) relatam que o controle
das diferenças pelo/no currículo parece depender mais CONCEITO DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA
da combinação de um conjunto de dinâmicas grupais e
consensuais, nomeadamente da cultura escolar, do que A ideia de educação inclusiva sustenta-se em um
de estratégias isoladas ou prescritas. movimento mundial de reconhecimento da diversidade
Desde as duas últimas décadas do século XIX, a Cida- humana e da necessidade contemporânea de se consti-
de de São Paulo tornou-se lugar de destino para milhões tuir uma escola para todos, sem barreiras, na qual a ma-
de imigrantes oriundos de diversos países do mundo, em trícula, a permanência, a aprendizagem e a garantia do
decorrência de guerras, flagelos e conflitos, assim como processo de escolarização sejam, realmente e sem distin-
da reconfiguração da economia global e dos impactos ções, para todos.
sociais, políticos e culturais desse processo. O Brasil todo A escola assume, nessa perspectiva, novos contornos
ainda foi palco de mais amplas migrações e imigrações e busca a internalização do conceito de diferença. Po-
ditadas pelo pós-guerra da primeira metade do século demos encontrar em Cury (2005, p. 55) o ensinamento
XX e pela reorganização do modelo da economia mun- sobre o significado da diferença a ser assumido pelas es-
dial. colas brasileiras: “a diferença – do latim: dispersar, espa-
O acolhimento ou rejeição pela cidade desses fluxos lhar, semear – por sua vez é a característica de algo que
migratórios e imigratórios motiva o estabelecimento de- distingue uma coisa da outra. Seu antônimo não é igual-
finitivo dessas populações e transforma o território pau- dade, mas identidade! ” Portanto estamos vivenciando
lista e paulistano em cidade global e pioneira em inova- um momento em que a diferença deve estar em pauta
ção e marco histórico, centro financeiro e industrial, rica e compreendida como algo que, ao mesmo tempo em
em diversidade sociocultural pela própria contribuição que nos distingue, aproxima-nos na constituição de uma
dos migrantes e imigrantes. identidade genuinamente expressiva do povo brasileiro,
A primeira e segunda décadas do século XXI reacen- ou seja, múltipla, diversa, diferente, rica e insubstituível.
dem, mesmo sem guerras mundiais, o pavio de incertezas Indubitavelmente estamos nos referindo à instalação
de ordem econômica e política, com seus consequentes de uma cultura inclusiva, a qual implica mudanças subs-
impactos nos valores do convívio, nas leis, na cultura, na tanciais no cotidiano escolar, para que possamos, real-
perspectiva de futuro, na degradação ambiental e, con- mente, incorporar todas as diferenças na dinâmica edu-
sequentemente, na educação e na organização do currí- cacional e cumprir o papel imprescindível que a escola
culo. Neste contexto o currículo é atingido frontalmente possui no contexto social.
em busca de sua identidade. O currículo emerge, mais Ao pensar em uma educação inclusiva e em seu signi-
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que nunca como o espaço de pergunta: que país é este? ficado, é preciso que os conteúdos sejam portas abertas
O que seremos nele? Qual é nossa função nele? Qual para a aprendizagem de todos.
sua identidade a ser construída? Qual o papel da escola De acordo com Connell, “ensinar bem [nas] escolas
como formadora de valores e de crítica aos amplos de- [...] requer uma mudança na maneira como o conteúdo é
sígnios sociais? determinado e na pedagogia. Uma mudança em direção
Somos país do Sul, somos enorme extensão territo- a um currículo mais negociado e a uma prática de sala de
rial, somos detentores de riquezas de subsolo, possuí- aula mais participativa” (2004, p. 27). Portanto, coloca-se
mos os maiores rios celestes, somos elaboradores de o desafio de se pensar formas diversas de aplicar o cur-
ricas culturas, somos um espaço, um corpo, milhares de rículo no contexto da sala de aula e adequá-lo para que
línguas, histórias... somos uma civilização? O que somos todos os estudantes tenham acesso ao conhecimento,

113
por meio de estratégias e caminhos diferenciados. Cada UM CURRÍCULO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO
um pode adquirir o conhecimento escolar nas condições
que lhe são possibilitadas em determinados momentos O direito à educação implica a garantia das condi-
de sua trajetória escolar (OLIVEIRA, 2013). ções e oportunidades necessárias para que bebês, crian-
A prática educacional não pode limitar-se a tarefas ças, adolescentes, jovens e adultos tenham acesso a uma
escolares homogêneas ou padronizadas, as quais não formação indispensável para a sua realização pessoal,
condizem com a perspectiva inclusiva, uma vez que se formação para a vida produtiva e pleno exercício da cida-
preconiza o respeito à forma e à característica de apren- dania. Assim sendo, a Secretaria Municipal de Educação
dizagem de todos. Portanto, para ensinar a todos, é pre- define uma Matriz de Saberes que se compromete com
ciso que se pense em atividades diversificadas, propostas o processo de escolarização.
diferenciadas e caminhos múltiplos que podem levar ao A Matriz orienta o papel da SME, das equipes de for-
mesmo objetivo educacional. mação dos órgãos regionais, dos supervisores escolares,
Dessa forma, o professor poderá ter o apoio neces- dos diretores e coordenadores pedagógicos das Unida-
sário para ser um pensador criativo que alia teoria e prá- des Educacionais e dos professores da Rede Municipal de
tica como vertentes indissociáveis do seu fazer e de sua Ensino na garantia de saberes, sobretudo ao selecionar e
atuação pedagógica, pensando sobre os instrumentos e organizar as aprendizagens a serem asseguradas ao lon-
estratégias a serem utilizados para levar todos os estu- go de todas as etapas e modalidades da Educação Básica
dantes – sem exceção – ao conhecimento e, portanto, ao e fomentar a revitalização das práticas pedagógicas, a fi
desenvolvimento de suas ações mentais, possibilitando- m de darem conta desse desafio. Ressalta-se que os do-
-lhes acessar novas esferas de pensamento e linguagem, cumentos curriculares, orientações didáticas e normati-
atenção e memória, percepção e discriminação, emoção vas, materiais de apoio e demais publicações produzidas
e raciocínio, desejo e sentido; não como atos primários pela SME reconhecem a importância de se estabelecer
do instinto humano, mas como funções psicológicas su- uma relação direta entre a vida e o conhecimento sobre
periores (FPSs), como prescrito na Teoria Histórico-Cultu- ela e de se promover a pluralidade e a diversidade de
ral (VYGOTSKY, 1996, 1997, 2000). experiências no universo escolar.
Nessa perspectiva educacional, as parcerias são es-
senciais e demandam o trabalho colaborativo e articula- REFERÊNCIAS QUE ORIENTAM A MATRIZ DE SA-
do da equipe gestora e dos docentes com profissionais BERES
especializados que integram os Centros de Formação
e Acompanhamento à Inclusão (CEFAIs) e o Núcleo de A Matriz de Saberes estabelecida pela SME funda-
Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (NAA- menta-se em:
PA). 1. Princípios éticos, políticos e estéticos definidos
Além disso, e considerando que é inaceitável que pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL,
crianças e adolescentes abandonem a escola durante o 2013, p. 107-108), orientados para o exercício da
ano letivo, especialmente em uma realidade como a da cidadania responsável, que levem à construção de
Cidade de São Paulo, a Secretaria Municipal de Educação uma sociedade mais igualitária, justa, democrática
definiu o Acesso e Permanência como um de seus proje- e solidária.
tos estratégicos no Programa de Metas. A finalidade da • Princípios Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade
SME é fortalecer a articulação entre as escolas municipais e autonomia; de respeito à dignidade da pessoa
e a rede de proteção social para garantir o acesso, per- humana e de compromisso com a promoção do
manência e aprendizagem dos estudantes mais vulnerá- bem de todos, contribuindo para combater e eli-
veis a reprovação ou evasão escolar. Para alcançar essa minar quaisquer manifestações de preconceito e
finalidade, há necessidade de um mapeamento do perfil discriminação;
dos estudantes reprovados e/ou evadidos da Rede e de • Princípios Políticos: de reconhecimento dos direi-
um acompanhamento da frequência pelos professores, tos e deveres de cidadania, de respeito ao bem
gestores das escolas e supervisores de ensino, além do comum e à preservação do regime democrático e
Conselho Tutelar. Além dessas ações, o município busca dos recursos ambientais; de busca da equidade no
a articulação entre as várias secretarias para atendimento acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens
a estudantes em situação de vulnerabilidade. culturais e outros benefícios de exigência de diver-
Pensar na proposta de um currículo inclusivo é, sem sidade de tratamento para assegurar a igualdade
dúvida, um movimento que demanda a contribuição de de direitos entre bebês, crianças, adolescentes, jo-
todos os partícipes de uma Rede tão grande como a nos- vens e adultos que apresentam diferentes necessi-
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sa. A qualidade dessa ação está na valorização da hete- dades de redução da pobreza e das desigualdades
rogeneidade dos sujeitos que estão em nossas unidades sociais e regionais;
escolares e na participação dos educadores represen- • Princípios Estéticos: de cultivo da sensibilidade
tantes de uma concepção de educação que rompe com juntamente com o da racionalidade; de enrique-
as barreiras que impedem os estudantes estigmatizados cimento das formas de expressão e do exercício
pela sociedade, por sua diferença, de ter a oportunida- da criatividade; de valorização das diferentes ma-
de de estar em uma escola que prima pela qualidade da nifestações culturais, especialmente as da cultura
educação. brasileira; de construção de identidades plurais e
solidárias.

114
2. Saberes historicamente acumulados que fazem sentido para a vida dos bebês, crianças, adolescentes, jovens e
adultos no século XXI e ajudam a lidar com as rápidas mudanças e incertezas em relação ao futuro da sociedade.
3. Abordagens pedagógicas que priorizam as vozes de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos, reconhecem
e valorizam suas ideias, opiniões e experiências de vida, além de garantir que façam escolhas e participem ativa-
mente das decisões tomadas na escola e na sala de aula.
4. Valores fundamentais da contemporaneidade baseados em “solidariedade, singularidade, coletividade, igualdade
e liberdade”, os quais buscam eliminar todas as formas de preconceito e discriminação, como orientação sexual,
gênero, raça, etnia, defi ciência e todas as formas de opressão que coíbem o acesso de bebês, crianças, adoles-
centes, jovens e adultos à participação política e comunitária e a bens materiais e simbólicos.
5. Concepções de Educação Integral e Educação Inclusiva voltadas a promover o desenvolvimento humano integral e a equi-
dade, de forma a garantir a igualdade de oportunidades para que os sujeitos de direito sejam considerados a partir de
suas diversidades, possam vivenciar a Unidade Educacional de forma plena e expandir suas capacidades intelectuais, físicas,
sociais, emocionais e culturais. Essas concepções estão explicitadas nos princípios que norteiam os Currículos da Cidade.

A Matriz de Saberes fundamenta-se em marcos legais e documentos oficiais socialmente relevantes, os quais indi-
cam elementos imprescindíveis de serem inseridos em propostas curriculares alinhadas com conquistas relacionadas
aos direitos humanos, em geral, e ao direito à educação em específico. São eles:
• Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos, Direitos da Infância e da Adolescência e Direitos das Pessoas
com Deficiências;
• Artigos 205, 207 e 208 da Constituição Federal (1988);
• Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (1996);
• Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990);
• Lei nº 10.639 (2003) e Lei nº 11.645 (2008), que estabelecem a obrigatoriedade do ensino da história e das culturas
africanas, afro-brasileira e dos povos indígenas/originários;
• Lei nº 16.478 (2016) – Institui a Política Municipal para a População Imigrante, dispõe sobre seus objetivos, princí-
pios, diretrizes e ações prioritárias, bem como sobre o Conselho Municipal de Imigrantes;
• Lei nº 11.340 (2006), que coíbe a violência contra a mulher;
• Plano Nacional de Educação (2014-2024);
• Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015);
• Lei nº 16.493 (2016), que dispõe sobre a inclusão do tema direitos humanos nas escolas para universalizar os marcos legais
internacionais das Nações Unidas, que versam sobre os direitos civis, sociais, políticos, econômicos, culturais e ambientais;
• Documentos legais que mencionam o direito à educação ou destacam a relação entre direito, educação, formação
e desenvolvimento humano integral;
• Atas das Conferências Nacionais de Educação (CONAEs).

A elaboração da Matriz de Saberes considerou a opinião de 43.655 estudantes do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Ensino, que participaram, em 2017, de uma pesquisa sobre o que gostariam de vivenciar no currículo
escolar. Desse universo, aproximadamente 50% apontou gostar de participar de projetos culturais, práticas esportivas,
informática e robótica. Pouco mais de 40% aprecia feira de ciências e atividades de comunicação (jornal, fotografia,
vídeo). Mais da metade dos estudantes considerou que precisa ser mais responsável, organizado e obedecer a regras.
Acreditam também que fi ca mais fácil aprender quando fazem uso de tecnologia, de jogos, de músicas, entre outros
recursos didáticos, além de participar de discussões e de passeios culturais.
Os estudantes disseram ainda que aprenderiam melhor se tivessem mais acesso à internet, ao laboratório de infor-
mática, a palestras de seu interesse e a atividades em grupo. Consideraram importante que em suas escolas haja boa
convivência, mais escuta dos estudantes e atividades de estímulo à curiosidade e criatividade.
Essa pesquisa de opinião dos estudantes deu indícios de como o trabalho deve ser organizado nas escolas e subsi-
diou a construção da Matriz de Saberes da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

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PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

116
MATRIZ DE SABERES

Em 2018, a Matriz de Saberes do Currículo da Cidade – Ensino Fundamental foi revisada, concomitante aos pro-
cessos de atualização curricular da Educação Infantil, da Educação Especial com os Currículos de Língua Brasileira de
Sinais – Libras e de Língua Portuguesa para Surdos e da Educação de Jovens e Adultos, incluindo assim todas as etapas
da Educação Básica, contemplando desta maneira as especificidades de bebês, crianças, adolescentes, jovens e adultos.
A Matriz de Saberes tem como propósito formar cidadãos éticos, responsáveis e solidários que fortaleçam uma
sociedade mais inclusiva, democrática, próspera e sustentável, e indica o que bebês, crianças, adolescentes, jovens e
adultos devem aprender e desenvolver ao longo do seu processo de escolarização.
Ela pode ser sintetizada no seguinte esquema:

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Descreveremos a seguir cada um dos princípios explicitados no esquema da Matriz de Saberes:

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1. Pensamento Científico, Crítico e Criativo 7. Responsabilidade e Participação
Saber: Acessar, selecionar e organizar o conhecimen- Saber: Reconhecer e exercer direitos e deveres, tomar
to com curiosidade, ludicidade, pensamento científico, decisões éticas e responsáveis para consigo, o outro e o
crítico e criativo; planeta, desenvolvendo o protagonismo, a brincadeira e
Para: Explorar, descobrir, experienciar, observar, brin- o direito de fazer escolhas, expressando seus interesses,
car, questionar, investigar causas, elaborar e testar hi- hipóteses, preferências, etc.; Para: Agir de forma solidária,
póteses, refletir, interpretar e analisar ideias e fatos em engajada e sustentável, respeitar e promover os direitos
profundidade, produzir e utilizar evidências. humanos e ambientais, participar da vida cidadã e perce-
ber-se como agente de transformação.
2. Resolução de Problemas
Saber: Descobrir possibilidades diferentes, brincar, 8. Empatia e Colaboração
avaliar e gerenciar experiências vividas, ter ideias origi- Saber: Considerar a perspectiva e os sentimentos do
nais e criar soluções, problemas e perguntas, sendo su- outro, colaborar com os demais e tomar decisões coleti-
jeitos de sua aprendizagem e de seu desenvolvimento; vas; valorizando e respeitando as diferenças que consti-
interagindo com adultos/pares/meio; Para: Inventar, re- tuem os sujeitos, brincar e interagir/relacionar-se com o
inventar-se, resolver problemas individuais e coletivos e outro; Para: Agir com empatia, trabalhar em grupo, criar,
agir de forma propositiva em relação aos desafios con- pactuar e respeitar princípios de convivência, solucionar
temporâneos. conflitos, desenvolver a tolerância à frustração e promo-
ver a cultura da paz.
3. Comunicação
Saber: Utilizar as múltiplas linguagens, como: verbal, 9. Repertório Cultural
verbo-visual, corporal, multimodal, brincadeira, artística, Saber: Desenvolver repertório cultural e senso esté-
matemática, científica, Libras, tecnológica e digital para tico para reconhecer, valorizar e fruir as diversas iden-
expressar-se, partilhar informações, experiências, ideias e tidades e manifestações artísticas e culturais, brincar e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos participar de práticas diversificadas de produção socio-
que levem ao entendimento mútuo; Para: Exercitar-se cultural;
como sujeito dialógico, criativo, sensível e imaginativo, Para: Ampliar e diversificar suas possibilidades de
aprender corporalmente, compartilhar saberes, reorgani- acesso a produções culturais e suas experiências emocio-
zando o que já sabe e criando novos significados, e com- nais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
preender o mundo, situando-se e vivenciando práticas e relacionais, a partir de práticas culturais locais e regio-
em diferentes contextos socioculturais. nais, desenvolvendo seus conhecimentos, sua imagina-
ção, criatividade, percepção, intuição e emoção.
4. Autoconhecimento e Autocuidado A construção dos objetivos de aprendizagem e de-
Saber: Conhecer e cuidar de seu corpo, sua mente, senvolvimento que constam nos componentes curricula-
suas emoções, suas aspirações e seu bem-estar e ter au- res no Currículo da Cidade teve como referência a Matriz
tocrítica;
de Saberes.
Para: Reconhecer limites, potências e interesses pes-
soais, apreciar suas próprias qualidades, a fi m de esta-
TEMAS INSPIRADORES DO CURRÍCULO DA CIDA-
belecer objetivos de vida, evitar situações de risco, adotar
DE
hábitos saudáveis, gerir suas emoções e comportamen-
tos, dosar impulsos e saber lidar com a influência de gru-
Um currículo pensado hoje precisa dialogar com a di-
pos, desenvolvendo sua autonomia no cuidado de si, nas
nâmica e os dilemas da sociedade contemporânea, de
brincadeiras, nas interações/relações com os outros, com
os espaços e com os materiais. forma que as novas gerações possam participar ativa-
mente da transformação positiva tanto da sua realida-
5. Autonomia e Determinação de local, quanto dos desafios globais. Temas prementes,
Saber: Criar, escolher e recriar estratégias, organizar- como direitos humanos, meio ambiente, desigualdades
-se, brincar, definir metas e perseverar para alcançar seus sociais e regionais, intolerâncias culturais e religiosas,
objetivos; abusos de poder, populações excluídas, avanços tecno-
Para: Agir com autonomia e responsabilidade, fazer lógicos e seus impactos, política, economia, educação fi
escolhas, vencer obstáculos e ter confiança para planejar nanceira, consumo e sustentabilidade, entre outros, pre-
e realizar projetos pessoais, profissionais e de interesse cisam ser debatidos e enfrentados, a fi m de que façam a
humanidade avançar.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

coletivo.
O desafio que se apresenta é entender como essas
6. Abertura à Diversidade temáticas atuais podem ser integradas a uma proposta
Saber: Abrir-se ao novo, respeitar e valorizar diferen- inovadora e emancipatória de currículo, bem como ao
ças e acolher a diversidade; Para: Agir com flexibilidade e cotidiano de escolas e salas de aula. Foi com essa inten-
sem preconceito de qualquer natureza, conviver harmo- ção que o Currículo da Cidade incorporou os Objetivos
nicamente com os diferentes, apreciar, fruir e produzir de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuados na
bens culturais diversos, valorizar as identidades e cultu- Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas,
ras locais, maximizando ações promotoras da igualdade como temas inspiradores a serem trabalhados de forma
de gênero, de etnia e de cultura, brincar e interagir/rela- articulada com os objetivos de aprendizagem e desen-
cionar-se com a diversidade. volvimento dos diferentes componentes curriculares.

118
A Agenda é um plano de ação que envolve 5 P’s: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz, Parceria.
• Pessoas: garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade, em um
ambiente saudável.
Os 17 objetivos são precisos e propõem:
1. Erradicação da pobreza;
2. Fome zero e agricultura sustentável;
3. Saúde e bem-estar;
4. Educação de qualidade;
5. Igualdade de gênero;
6. Água potável e saneamento básico;
7. Energia Limpa e Acessível;
8. Trabalho decente e crescimento econômico;
9. Indústria, inovação e infraestrutura;
10. Redução das desigualdades;
11. Cidades e comunidades sustentáveis;
12. Consumo e produção responsáveis;
13. Ação contra a mudança global do clima;
14. Vida na água;
15. Vida terrestre;
16. Paz, justiças e instituições eficazes;
17. Parcerias e meios de implementação.

Esses objetivos estão alinhados com os da atual gestão da Cidade de São Paulo nos seus eixos, metas e projetos, os
quais determinam a melhoria da qualidade de vida e sustentabilidade de todos os habitantes da cidade.

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Esses objetivos estão compreendidos em 169 metas ambiciosas para cumprimento pelos países-membros da Or-
ganização das Nações Unidas (ONU). A integração do Currículo da Cidade com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável se dá tanto por escolhas temáticas de assuntos que podem ser trabalhados em sala de aula nos diversos
componentes curriculares, quanto na escolha das metodologias de ensino que priorizem uma educação integral, em

119
consonância com a proposta de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) da UNESCO. A EDS traz uma abor-
dagem cognitiva, socioemocional e comportamental e busca fomentar competências-chave7 para atuação responsável
dos cidadãos a fim de lidar com os desafios do século XXI. O que a EDS oferece, mais além, é o olhar sistêmico e a
capacidade antecipatória, necessários à própria natureza dos ODS de serem integrados, indivisíveis e interdependentes.
A implementação da aprendizagem para os ODS por meio da EDS vai além da incorporação de objetivos de apren-
dizagem e desenvolvimento no currículo escolar, com contornos precisos para cada ciclo de aprendizagem, idade e
componente curricular, incluindo, também, a integração dos ODS em políticas, estratégias e programas educacionais;
em materiais didáticos; na formação dos professores; na sala de aula e em outros ambientes de aprendizagem.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

CICLOS DE APRENDIZAGEM

A organização do Ensino Fundamental em ciclos acontece na Rede Municipal de Ensino de São Paulo desde 1992,
quando foram criados os Ciclos Inicial, Intermediário e Final, tendo a psicologia de Piaget (1976), Wallon (1968) e
Vygotsky (1988) como bases de fundamentação. Os ciclos são vistos como processos contínuos de formação, que

120
coincidem com o tempo de desenvolvimento da infância, p. 10). Também promovem a apropriação do Sistema de
puberdade e adolescência e obedecem a movimentos de Escrita Alfabético (SEA), do Sistema de Numeração De-
avanços e recuos na aprendizagem, ao invés de seguir cimal (SND), bem como auxiliam o trabalho pedagógico
um processo linear e progressivo de aquisição de conhe- com outros componentes curriculares.
cimentos. A sala de aula, o pátio, o parque e a brinquedoteca
O Currículo da Cidade preserva a subdivisão do Ensi- têm grande significado para as crianças e podem auxiliar
no Fundamental de nove anos em três ciclos. O Ciclo de na aprendizagem. Espaços escolares diversificados são
Alfabetização compreende os três primeiros anos (1º, 2º potencialmente lúdicos e adequados ao desenvolvimen-
e 3º). O Interdisciplinar envolve os três anos seguintes to das ações pedagógicas.
(4º, 5º e 6º). O Autoral abarca os três anos finais (7º, 8º O Ciclo de Alfabetização demanda um trabalho do-
e 9º). cente coletivo, sistemático e coordenado. Professores
O propósito é oferecer ao estudante um maior tempo precisam atuar de forma conjunta para assegurar a con-
de aprendizagem no âmbito de cada ciclo, em período tinuidade e complementariedade do processo pedagó-
longitudinal de observação e acompanhamento, levando gico ao longo dos três anos. Os registros das crianças
em conta seu desenvolvimento intelectual e afetivo e as articulados aos registros de práticas dos professores
suas características de natureza sociocultural. também são fundamentais para que se possa consolidar
as experiências vivenciadas e acompanhar o progresso
CICLO DE ALFABETIZAÇÃO das crianças.

O Ciclo de Alfabetização (1o ao 3o ano) é entendi- CICLO INTERDISCIPLINAR


do como tempo sequencial de três anos que permite às
crianças construírem seus saberes de forma contínua, O Ciclo Interdisciplinar (4o ao 6o ano) tem a finalida-
respeitando seus ritmos e modos de ser, agir, pensar e de de integrar os saberes básicos constituídos no Ciclo
se expressar. Nesse período, priorizam-se os tempos e de Alfabetização, possibilitando um diálogo mais estreito
espaços escolares e as propostas pedagógicas que pos- entre as diferentes áreas do conhecimento. Busca, dessa
sibilitam o aprendizado da leitura, da escrita e da alfabe- forma, garantir uma passagem mais tranquila do 5º para
tização matemática e científica, bem como a ampliação o 6º ano, período que costuma impactar o desempenho
de relações sociais e afetivas nos diferentes espaços vi- e engajamento dos estudantes.
venciados. O Currículo da Cidade para o Ciclo Interdisciplinar va-
O Currículo da Cidade para o Ciclo de Alfabetização loriza, fortalece e dialoga com experiências já desenvol-
também reconhece, assim como o Pacto Nacional pela vidas pela Rede Municipal de Ensino, como:
Alfabetização na Idade Certa (BRASIL, 2015), que: Projeto de Docência Compartilhada: A iniciativa con-
As infâncias são diversas. Crianças são atores sociais duz e direciona os estudantes dos anos iniciais para os
com identidades e atuações próprias, que passam por di- anos finais do Ensino Fundamental, por meio do trabalho
ferentes processos físicos, cognitivos e emocionais, vêm articulado entre professor polivalente de 4o e 5o anos
de contextos distintos, têm necessidades específicas e e professor especialista, preferencialmente de Língua
características individuais, como sexo, idade, etnia, raça Portuguesa ou Matemática. O propósito não é apenas
e classe social. manter a presença contínua de dois professores na mes-
Crianças são detentoras de direitos e deveres. As ma sala de aula, mas construir parcerias, pelo empenho
crianças do mundo atual são reconhecidas na sociedade em planejamento integrado de suas aulas, entre duplas
cada vez mais como sujeitos de direito, deveres e como docentes de segmentos de ensino diferentes, a fi m de
atores sociais, com identidades e atuações próprias. que possam atuar interdisciplinarmente em suas aulas,
Crianças têm direito a acessar múltiplas linguagens, abordagens e intervenções pedagógicas, discutir, acom-
inclusive a escrita. Nessa fase, a escola deve promover, panhar e analisar suas práticas, avaliar seus estudantes e
além da convivência com o lúdico, a leitura e a produção suas turmas. A ação precisa se integrar ao Projeto Políti-
textual de forma integrada às aprendizagens dos diferen- co-Pedagógico da escola e ser orientada pelo coordena-
tes Componentes Curriculares. Por outro lado, não deve dor pedagógico.
forçar a alfabetização precoce ou obrigar as crianças a Interdisciplinaridade: Característica preponderante
aprender a ler, escrever e operar matematicamente por deste Ciclo, a abordagem interdisciplinar entende que
meio de exercícios enfadonhos e inadequados para a sua cada área do conhecimento tem suas especificidades,
faixa etária. mas precisa articular-se com as demais e com o contex-
A brincadeira é um direito fundamental da criança. O to e as vivências dos estudantes para garantir maior sig-
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brincar constitui-se em oportunidade de interação com nificado às aprendizagens, que rompem com os limites
os outros, de apropriação cultural e de tomada de deci- da sala de aula tradicional, integram linguagens e pro-
sões capazes de tornar a aprendizagem mais significativa. porcionam a criação e apropriação de conhecimentos.
Atividades lúdicas e desafiadoras facilitam e mobili- O articulador mais significativo entre as diferentes áreas
zam a aprendizagem escolar. Jogos e brincadeiras contri- do conhecimento está na formulação da pergunta epis-
buem de forma preponderante para o desenvolvimento temológica: o que vou conhecer? Qual o problema do
das crianças, pois permitem que elas vivenciem diferen- conhecimento? O que mudou em mim quando aprendi e
tes papéis, façam descobertas de si e do outro, amplian- conheci? Essas e outras questões podem integrar profes-
do as suas relações interpessoais e contribuindo para de- sores e suas práticas docentes.
senvolver o raciocínio e a criatividade (RODRIGUES, 2013,

121
CICLO AUTORAL e formas de culturas estruturadas com base em distintas
linguagens e sistemas de signos, transformando parâme-
O Ciclo Autoral (7o ao 9o ano) destina-se aos adoles- tros comportamentais e hábitos sociais.
centes e tem como objetivo ampliar os saberes dos estu- As primeiras experiências do uso de computadores
dantes de forma a permitir que compreendam melhor a na Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo da-
realidade na qual estão inseridos, explicitem as suas con- tam de 1987. Entre as mudanças ocorridas na década de
tradições e indiquem possibilidades de superação. Nesse 1990, surge a função do Professor Orientador de Infor-
período, a leitura, a escrita, o conhecimento matemático, mática Educativa (POIE), referendado pelo Conselho de
as ciências, as relações históricas, as noções de espaço e Escola, para atuar nos Laboratórios de Informática Edu-
de organização da sociedade, bem como as diferentes cativa, com aulas previstas na organização curricular de
linguagens construídas ao longo do Ensino Fundamental, todas as escolas de Ensino Fundamental.
buscam expandir e qualificar as capacidades de análise, Tal contexto leva-nos a ajustar processos educacio-
argumentação e sistematização dos estudantes sobre nais, ampliando e ressignificando o uso que fazemos das
questões sociais, culturais, históricas e ambientais. tecnologias para que os estudantes saibam lidar com a
Os estudantes aprendem à medida que elaboram Tra- informação cada vez mais disponível. Nesse sentido, os
objetivos do trabalho desse componente curricular, entre
balhos Colaborativos de Autoria (TCAs), seja abordando
outros, são estes: atuar com discernimento e responsa-
problemas sociais ou comunitários, seja refletindo sobre
bilidade, aplicar conhecimentos para resolver problemas,
temas como infâncias, juventudes, territórios e direitos.
ter autonomia para tomar decisões, ser proativo e iden-
O TCA permite aos estudantes reconhecer diferenças e tificar dados de uma situação e buscar soluções. É um
participar efetivamente na construção de decisões e pro- desafio imposto às escolas que têm, entre uma de suas
postas visando à transformação social e à construção de funções, auxiliar crianças e jovens na construção de suas
um mundo melhor. identidades pessoal e social.
Essa abordagem pedagógica tem como característi- Em 2018, as Áreas do Conhecimento do Currículo da
cas: Cidade de São Paulo foram revisadas e os Componentes
• Incentivar o papel ativo dos estudantes no currículo, Curriculares de Língua Portuguesa para Surdos e Língua
de forma a desenvolver sua autonomia, criticidade, Brasileira de Sinais (Libras) foram inseridos em Lingua-
iniciativa, liberdade e compromisso; gem, de forma a reconhecê-los e reafirmá-los dentro
• Fomentar a investigação, leitura e problematização da área. Esta ação corrobora para reforçar os conceitos
do mundo real, a partir de pesquisas que envol- orientadores de educação integral, equidade e educação
vam diferentes vozes e visões, oferecendo várias inclusiva estabelecidos no Currículo da Cidade e reitera a
possibilidades de apropriação, criação, divulgação importância desses Componentes Curriculares para toda
e sistematização de saberes; a Educação Básica na Rede Municipal de Ensino.
• Transformar professores e estudantes em produto- Sendo assim, o documento curricular expressa a con-
res de conhecimento, criando oportunidades para cepção da sua respectiva Área do Conhecimento e refle-
que elaborem propostas e realizem intervenções xões contemporâneas sobre seu ensino e aprendizagem
sociais para melhorar o meio em que vivem. no Ensino Fundamental.

O Currículo da Cidade no Ciclo Autoral dá ênfase ao EIXOS


protagonismo juvenil e no envolvimento dos estudantes
em projetos voltados a solucionar problemas reais. Os eixos estruturantes organizam os objetos de co-
nhecimento de cada componente curricular, agrupando
ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCULO DA CIDADE o que os professores precisam ensinar em cada ano do
Ensino Fundamental.
ÁREAS DO CONHECIMENTO E COMPONENTES
O Currículo da Cidade define seus eixos estruturan-
CURRICULARES
tes em função da natureza e das especificidades de cada
componente curricular, observando níveis crescentes de
O Currículo da Cidade organiza-se por Áreas do Co- abrangência e complexidade, sempre em consonância
nhecimento e Componentes Curriculares: com a faixa etária e as possibilidades de aprendizagem
Linguagens: Língua Portuguesa, Língua Portuguesa dos estudantes. Na proposta curricular, os eixos são tra-
para Surdos, Arte, Língua Inglesa, Língua Brasileira de Si- balhados de forma articulada, com a finalidade de permi-
nais – Libras e Educação Física tir que os estudantes tenham uma visão mais ampla de
Matemática: Matemática
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cada componente.
Ciências da Natureza: Ciências Naturais
Ciências Humanas: Geografia e História OBJETOS DE CONHECIMENTO
Além das Áreas do Conhecimento e dos Componen-
tes Curriculares descritos acima, o Currículo da Cidade Os objetos de conhecimento são elementos orienta-
apresenta de forma inédita no Brasil um currículo para dores do currículo e têm a finalidade de nortear o tra-
a Área/Componente Curricular Tecnologias para Apren- balho do professor, especificando de forma ampla os
dizagem. assuntos a serem abordados em sala de aula.
Nesses últimos trinta anos, as tecnologias, em espe- O Currículo da Cidade considera o conhecimento a
cial as digitais, evoluíram socialmente de forma rápida. partir de dois elementos básicos: o sujeito e o objeto.
Hoje, há novos e diferenciados processos comunicativos O sujeito é o ser humano cognoscente, aquele que de-

122
seja conhecer, neste caso os estudantes do Ensino Fun- Político-Pedagógico à luz da nova proposta curricular, de
damental. Já o objeto é a realidade ou as coisas, fatos, forma a incorporá-la ao seu cotidiano em consonância
fenômenos e processos que coexistem com o sujeito. O com a identidade e as peculiaridades da própria escola.
próprio ser humano também pode ser objeto do conhe- O processo de construção deve envolver a participação
cimento. No entanto, o ser humano e a realidade só se dos profissionais da educação e também dos estudantes
tornam objeto do conhecimento perante um sujeito que e familiares. Além de consolidar a incorporação do novo
queira conhecê-los. Tais elementos básicos não se anta- currículo, o PPP tem o propósito de fortalecer a escola
gonizam: sujeito e objeto. Antes, um não existe sem a para que possa enfrentar os seus desafios cotidianos de
existência do outro. Só somos sujeitos porque existem maneira refletida, consciente, sistematizada, orgânica e
objetos. Assim, o conhecimento é o estabelecimento de participativa.
uma relação e não uma ação de posse ou consumo. É importante que a construção do PPP estruture-se a
partir de um processo contínuo e cumulativo de avalia-
CURRÍCULO DA CIDADE ção interna da escola, conforme previsto na LDB (1996)8.
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVI- Uma vez concluídas essas ações, o grupo de professores
MENTO pode planejar suas aulas, orientando-se pelos objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento que pretende atin-
O Currículo da Cidade optou por utilizar a terminolo- gir e apoiando-se em conhecimentos teóricos e práticos
gia Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento para disponíveis.
designar o conjunto de saberes que os estudantes da Formação de Professores: A SME irá propor proje-
Rede Municipal de Ensino devem desenvolver ao longo tos de formação continuada juntamente com as escolas,
do Ensino Fundamental. A escolha busca contemplar o priorizando processos de desenvolvimento profissional
direito à educação em toda a sua plenitude – Educação centrados na prática letiva de cunho colaborativo e re-
Integral – considerando que a sua conquista se dá por flexivo, a fi m de que os professores tenham condições
meio de “um processo social interminável de construção de implementar o novo currículo considerando seu con-
de vida e identidade, na relação com os outros e com o texto escolar. Não podemos deixar de considerar nesse
mundo de sentidos” (SÃO PAULO, 2016a, p. 29). percurso formativo o horário coletivo da JEIF como um
Arroyo (2007) associa os objetivos de aprendizagem espaço privilegiado de reflexão no qual, a partir 8 dos
à relação dos seres humanos com o conhecimento, ao conhecimentos disponíveis sobre a comunidade escolar,
diálogo inerente às relações entre sujeitos de direito e à gestores e professores colaborativamente possam elabo-
troca de saberes entre todos que compõem o universo rar suas trajetórias de ensino.
escolar, bem como a comunidade e a sociedade em que Materiais Didáticos: Outra tarefa importante é a
está inserido. análise e seleção de materiais pedagógicos alinhados à
No Currículo da Cidade, os objetivos de aprendiza- nova proposta curricular. Materiais estruturados, livros
gem e desenvolvimento orientam-se pela Educação Inte- didáticos e recursos digitais de aprendizagem devem ser
gral a partir da Matriz de Saberes e indicam o que os es- criteriosamente escolhidos pelos professores e equipe
tudantes devem alcançar a cada ano como resultado das gestora para que possam subsidiar o desenvolvimento
experiências de ensino e de aprendizagem intencional- das suas propostas pedagógicas. Além disso, a SME pro-
mente previstas para esse fi m. Além disso, os objetivos duzirá cadernos de orientações didáticas e materiais cur-
de aprendizagem e desenvolvimento organizam-se de riculares educativos.
forma progressiva do 1o ao 9o ano, permitindo que se- Avaliação: A implementação do novo currículo de-
jam constantemente revisitados e/ ou expandidos, para manda a revisão dos processos e instrumentos de avalia-
que não se esgotem em um único momento, e gerem ção utilizados pela Rede Municipal de Ensino. Entendida
aprendizagens mais profundas e consistentes. Embora como ação formativa, reflexiva e desafiadora, a avaliação
descritos de forma concisa, eles também apontam as ar- da aprendizagem contribui, elucida e favorece o diálo-
ticulações existentes entre as áreas do conhecimento. go entre o professor e seus estudantes, identificando em
que medida os objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
CURRÍCULO DA CIDADE NA PRÁTICA mento estão sendo alcançados no dia a dia das ativida-
des educativas. Por outro lado, a nova proposta curricular
Para ser efetivo, o Currículo da Cidade precisa dialo- também vai requerer a reestruturação das avaliações ex-
gar com as diferentes ações das escolas, das DREs e da ternas em larga escala, realizadas pela SME com a fina-
SME. Dessa maneira, a implementação do Currículo da lidade de coletar dados de desempenho dos estudantes
Cidade acontece por meio da realização de um conjunto e propor ações que possam ajudar escolas, gestores e
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de ações estruturantes. professores a enfrentar problemas identificados.

IMPLEMENTAÇÃO DO CURRÍCULO DA CIDADE GESTÃO CURRICULAR

Projeto Político-Pedagógico da Escola (PPP): A ga- A gestão curricular refere-se à forma como o currículo
rantia dos direitos e objetivos de aprendizagem e de- se realiza na unidade escolar. Sua consecução depende
senvolvimento previstos no Currículo da Cidade requer de como as equipes gestora e docente planejam, inter-
investigação, análise, elaboração, formulação, planeja- pretam e desenvolvem a proposta curricular, levando
mento e tomada de decisões coletivas. Por essa razão, em conta o perfil de seus estudantes, a infraestrutura,
cada comunidade escolar precisa revisitar o seu Projeto os recursos e as condições existentes na escola e no seu

123
entorno social. A macrogestão envolve o planejamento de longo prazo; a micro compreende o planejamento de uma
unidade ou até mesmo de uma aula. Ao planejar, é importante que todos:
Analisem os eixos estruturantes, os objetos de conhecimento e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
do seu componente curricular;
Identifiquem as possíveis integrações entre os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do seu componente
curricular e das diferentes áreas do conhecimento;
Compreendam o papel que cada objetivo de aprendizagem e desenvolvimento representa no conjunto das apren-
dizagens previstas para cada ano de escolaridade;

CURRÍCULO DA CIDADE

Avaliem os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento trabalhados em anos anteriores, tanto para diagnosticar
em que medida já foram alcançados pelos estudantes, quanto para identificar como poderão contribuir para as apren-
dizagens seguintes;
Criem as estratégias de ensino, definindo o que vão realizar, o que esperam que seus estudantes façam e o tempo
necessário para a execução das tarefas propostas, lembrando que a diversidade de atividades enriquece o currículo;
Assegurem que o conjunto de atividades propostas componham um percurso coerente, que permita aos estudan-
tes construir todos os conhecimentos previstos para aquele ano de escolaridade;
Selecionem os materiais pedagógicos mais adequados para o trabalho com os objetivos de aprendizagem e desen-
volvimento, contemplando livros didáticos e recursos digitais;
Envolvam os estudantes em momentos de reflexão, discussão e análise crítica, para que também possam avaliar e
contribuir com o seu próprio processo de aprendizagem;
Registrem o próprio percurso e o do estudante e verifiquem quais objetivos ainda não foram alcançados.

AVALIAÇÃO E APRENDIZAGEM

Compreendemos a avaliação como um ato pedagógico, que subsidia as decisões do professor, permite acom-
panhar a progressão das aprendizagens, compreender de que forma se efetivam e propor reflexões sobre o próprio
processo de ensino.
A avaliação concebida como parte integrante do processo de ensino fornece elementos para o professor traçar a
sua trajetória de trabalho, por meio do planejamento e replanejamento contínuo das atividades, uma vez identificados
os conhecimentos que os estudantes já possuem e suas dificuldades de aprendizagem.
Nessa perspectiva, a avaliação ajudará o professor a estabelecer a direção do agir pedagógico, permitindo uma prá-
tica de acompanhamento do trabalho de ensino que revele o que, de fato, os estudantes aprenderam na ação que foi
planejada. Portanto, ela ajuda a verificar o alcance dos objetivos traçados, contribuindo para acompanhar a construção
de saberes dos estudantes.
Nesse sentido, e de acordo com Roldão e Ferro (2015), a avaliação tem uma função reguladora porque permite que
professores e estudantes organizem seus processos a partir do que é constatado pela avaliação.
Para o professor, a regulação refere-se ao processo de ensino que adequa o que é necessário que os estudantes
aprendam de acordo com o currículo. Há um planejamento do que precisa ser ensinado (a partir do documento curri-
cular), mas também existe uma turma real de estudantes com diferentes saberes construídos que precisam avançar em
suas aprendizagens. É o processo avaliativo que indica a distância entre esses dois aspectos e, então, o que é preciso o
professor fazer para garantir a aprendizagem de todos a partir de planejamentos adequados à turma.
Para os estudantes, a avaliação fornece informações que permitem acompanhar a evolução de seu conhecimento,
identificando o que aprenderam e o que precisa de maior investimento em período de tempo, regulando seu processo
de aprendizagem e corresponsabilizando-se por essa ação.
Porém, para que isso aconteça é necessário criar na escola uma cultura avaliativa. Não basta somente aplicar o ins-
trumento e mensurar as aprendizagens com um conceito ou nota. O processo avaliativo é muito mais que isso. Preci-
samos, então, cuidar do planejamento de dois aspectos importantes: o tipo de avaliação a ser utilizada e a diversidade
de instrumentos avaliativos.
No que se refere aos tipos de função avaliativa, acreditamos na avaliação formativa que possibilita a realização dos
processos de regulação de professores e estudantes, uma vez que dá sentido ao trabalho docente, que é o alcance dos
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e, também, fornece informações ao estudante, indicando o quanto ele
evoluiu, o que ainda não sabe, mas também o que sabe naquele momento. Para que esteja inserida na continuidade do
processo de ensino, fornecendo informações para o ajuste das atividades de ensino e aprendizagem, é necessário que
o professor introduza na sua rotina momentos para realizar feedbacks ou devolutivas aos estudantes.
Além disso, utilizamos a avaliação diagnóstica para identificar o que já sabem os estudantes sobre determinado
conteúdo ou objeto. E se a avaliação ajuda o professor a verificar se os objetivos propostos foram atingidos ou ainda
mapear quais as dificuldades que os estudantes sentiram ao término de uma ação pedagógica, ela é chamada de
cumulativa. O quadro abaixo traz uma síntese das três.

124
No processo de ensino das diferentes Áreas do Conhecimento, deve-se considerar estas três formas de avaliação: a
diagnóstica, a cumulativa e a formativa. Elas se retroalimentam para dar sentido ao processo de ensino e de aprendi-
zagem, como apresentado no esquema a seguir:

A utilização desse processo avaliativo é o que muda a perspectiva da avaliação como fi m em si mesma e a coloca a
serviço das aprendizagens. Centra-se nos sujeitos aprendentes e é, segundo Gatti (2003), benéfica para esses, porque
os ensina a se avaliarem, e também para professores, porque propicia que avaliem além dos estudantes, a si mesmos.
Outro aspecto importante a considerar nesse processo é o planejamento da avaliação a partir de diferentes instru-
mentos avaliativos. Utilizar provas, relatórios, fichas de observação, registros, seminários, autoavaliação, entre outros,
permite ao professor levantar informações sobre os conhecimentos que os seus estudantes já possuem e suas difi-
culdades, de forma que esses elementos possibilitem ao professor planejar suas atividades de ensino de forma mais
adequada.
Como visto até agora, a avaliação só faz sentido se a ela estiver vinculada à tomada de decisão: sobre novos ou
outros percursos de ensino, sobre o que fazer com os estudantes que parecem não aprender, sobre a utilização de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

instrumentos diferenciados para evidenciar a diversidade de saberes e percursos dos estudantes, entre outros aspectos.
Essas decisões não envolvem somente professores e estudantes. O processo avaliativo engaja toda equipe gestora
e docente com a aprendizagem dos estudantes e com as decisões coletivas em que todos os atores são importantes.
Falamos do professor porque é ele que está em sala de aula. É, portanto, responsável pela avaliação da aprendizagem,
mas o processo avaliativo é algo que envolve a escola como um todo, que precisa ter metas claras e estar implicada
com o percurso desses estudantes.
Esse olhar para a escola vem de várias perspectivas da avaliação. Uma delas é a reflexão a partir dos resultados de
avaliações externas. Embora essa avaliação tenha como foco o olhar para o sistema, para o ensino oferecido pelo muni-
cípio e suas escolas, pode (e deve) permitir a reflexão sobre a aprendizagem dos estudantes alinhada com os resultados
que já foram aferidos a partir da avaliação da aprendizagem.

125
Essas avaliações produzem informações para as Ao final, são subsídios para a formulação de padrões de
equipes gestora e docente da escola com o intuito de desempenho que serão avaliados pelos professores, ex-
aprimorar o trabalho pedagógico. Como a avaliação da plicitando em que medida os resultados propostos fo-
aprendizagem, a avaliação externa aponta problemas de ram atingidos e que intervenções ou correção de rumos
aprendizagem que precisam ser superados. Ela é mais um se fazem necessárias.
indicador que põe luz à ação realizada na escola e permi-
te que metas qualitativas e quantitativas sejam definidas UM CURRÍCULO PENSADO EM REDE
e acompanhadas para verificar se estão sendo atingidas.
Outro caminho necessário para envolver os diferentes No Currículo da Cidade, os objetivos de aprendiza-
sujeitos no percurso de avaliação da escola é a qualifi- gem e desenvolvimento estão identificados por uma si-
cação dos contextos de avaliação institucional. Quando gla
a instituição é pensada coletivamente a partir de dife-
rentes dimensões, é possível diagnosticar fragilidades e
tomar decisões que impliquem o compromisso de todos
com as mudanças necessárias. Dessa forma, a avaliação
institucional está a serviço do aprimoramento do fazer
educativo e, ao articular-se com as avaliações internas e
externas, subsidia o olhar da equipe escolar sobre seus
percursos educativos.
É possível e necessário, por meio desse processo,
como aponta Fernandes (2008), melhorar não só o que
se aprende e, portanto, o que se ensina, mas como se
aprende ou como se ensina.
São ações desafiadoras que merecem investimento e Essa ordem sequencial que aparece no documento é
cuidado se efetivamente quisermos garantir o direito de apenas um indicativo para organização, não significa que
todos por uma educação de qualidade, com equidade. na sala de aula esses objetivos devam ser organizados
nessa sequência. Eles apresentam uma organização de
SÍNTESE DA ORGANIZAÇÃO GERAL DO CURRÍCU- um ano para o outro, de modo que sua redação revela
LO DA CIDADE que aquilo que se espera da aprendizagem num ano seja
mais simples do que o que se espera da aprendizagem
O Currículo da Cidade organiza-se a partir dos se- no ano subsequente. A progressão não é linear, mas in-
guintes elementos: dica uma visão em espiral do conhecimento, propondo a
• Matriz de Saberes - Explicita os direitos de aprendi- revisitação dos conhecimentos anteriores à medida que
zagem que devem ser garantidos a todos os estu- avança no ano subsequente.
dantes da Rede Municipal de Ensino ao longo do Além disso, num mesmo ano de escolaridade, os ob-
Ensino Fundamental. jetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentam
• Temas Inspiradores - Conectam os aprendizados um encadeamento para que a compreensão de um de-
dos estudantes aos temas da atualidade. terminado conceito decorra de uma rede de significados
• Ciclos de Aprendizagem - Definem as três fases em proporcionada por esse encadeamento. Compreende-
que se divide o Ensino Fundamental na Rede Mu- mos, assim como Pires (2000), que o currículo é um do-
nicipal de Ensino. cumento vivo e flexível no qual as ações de planejamento
• Áreas do Conhecimento/Componentes Curriculares e organização didática estarão em constante reflexão por
- Agrupam os objetos de conhecimento e objeti- parte dos professores permitindo sua construção e res-
vos de aprendizagem e desenvolvimento. significação de sentidos frente aos contextos em que são
• Eixos Estruturantes – Organizam os objetos de co- produzidos.
nhecimento. Assim, é importante também considerar um desenho
• Objetos de Conhecimento - Indicam o que os pro- curricular que não seja rígido nem inflexível e que permi-
fessores precisam ensinar a cada ciclo em cada um ta uma pluralidade de ressignificações e caminhos sem
dos componentes curriculares. privilegiar um em detrimento de outro e sem indicação
• Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento - de hierarquia.
Definem o que cada estudante precisa aprender a
cada ano e Ciclo em cada um dos componentes CURRÍCULO DE ARTE PARA A CIDADE DE SÃO PAU-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

curriculares. LO

A Matriz de Saberes, os eixos estruturantes, os obje- INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE


tos de conhecimento e os objetivos de aprendizagem e CURRICULAR
desenvolvimento formulam os resultados buscados pela
ação educativa cotidiana, fruto do trabalho da equipe O rio segue procurando caminhos que levem ao mar.
escolar. Desempenham, dessa forma, papel fundamental Após a publicação dos Direitos de Aprendizagem dos Ci-
no início e ao final do processo de ensino e de aprendi- clos Interdisciplinar e Autoral (2016), busca-se estruturar
zagem. No início, são guias para a construção de traje- um currículo de Arte para a Cidade de São Paulo. Esfor-
tórias voltadas ao alcance das aprendizagens esperadas. çamo-nos para que o nascente documento seja parte

126
do fluxo de ideias do intenso trabalho desenvolvido nos Observando esses aspectos, a escrita deste material,
anos anteriores, de tal forma que o sentido do currículo colaborativamente com os professores da Rede, visa a
esteja atrelado aos direitos de aprendizagem em Arte. acolher as necessidades do profissional de Arte na Rede
Agora, nosso olhar se dirige aos objetivos de aprendiza- Municipal de Ensino, possibilitando a iniciação, desen-
gem e desenvolvimento, isto é, ao estabelecimento de volvimento e aprofundamento artístico nas quatro lin-
uma estrutura que, mesmo tendo sua necessária plastici- guagens pelos estudantes.
dade, permite a consolidação de ações formativas e outras
formas de apoio docente mais efetivas, pois foram desen- DIREITOS DE APRENDIZAGEM DO CURRÍCULO DE
volvidas a partir de um currículo geral para toda a Rede. ARTE
Não faria sentido, portanto, repetirmo-nos quanto
às concepções muito bem formuladas e sintetizadas de Os direitos de aprendizagem visam à garantia do
que trata o documento Direitos de Aprendizagem dos acesso e à apropriação do conhecimento de todas as
Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte (SÃO PAULO, 2016): crianças e jovens, a fi m de se construir uma socieda-
visão da área de Arte; direitos de aprendizagem em Arte;
de mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve
a contemporaneidade no ensino de Arte; o docente de
estimular a participação dos estudantes em situações
Arte; a relação arte, cultura e sociedade; o espaço da Arte
que promovam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a
na escola; interdisciplinaridade na Arte; avaliação em
Arte e especificidades das linguagens artísticas – artes resolução de problemas e espaços onde possam repre-
visuais, dança, música e teatro. sentar e vivenciar suas experiências e ressignificá-las, a
O que se poderia enfatizar, neste momento, é pen- partir da construção de novos conhecimentos.
sar o currículo. Nosso ponto de partida é sublinhar que Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do
o currículo se movimenta pela ação do professor, posto Currículo de Arte da Cidade de São Paulo foram elabora-
que é ele quem realiza a mediação entre os documen- dos revisitando os princípios elencados nos Direitos de
tos oficiais que dispõem acerca do ensino de Arte e os Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte
estudantes. (SÃO PAULO, 2016) e, também, nos documentos Ele-
Essa mediação, contudo, não deve ser compreendida mentos Conceituais e Metodológicos para definição dos
como aplicação, como cumprimento mecânico de tare- Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo
fas. O professor se insere num permanente processo de de Alfabetização (BRASIL, 2012) e as Diretrizes Curricula-
criação, trazendo proposições lúdicas, invenções, situa- res Nacionais Gerais da Educação Básica (BRASIL, 2013).
ções diversas de fruição e nutrição estética, intervenções,
interações, diálogos e ações poéticas. Em outras pala- ENSINAR E APRENDER ARTE NO ENSINO FUNDA-
vras, trata-se de um mediador ativo e propositor frente MENTAL
às políticas educacionais.
Retomemos o modo como o documento Direitos de O Ensino Fundamental é uma etapa muito abrangen-
Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte te do percurso do estudante, que se estende desde a sua
(SÃO PAULO, 2016) descreve o movimento curricular pela alfabetização ao pensamento crítico e diz respeito à rea-
ação do professor: lidade à qual pertence. Gostaríamos de destacar, ainda
As ações artísticas propostas e compartilhadas in loco que brevemente, alguns pontos acerca do processo de
entre professor e estudantes tornam as escolas vivas, em ensino e de aprendizagem em Arte.
movimento constante de diálogos entre Arte e socieda- O primeiro ponto que destacamos é a autonomia da
de; elas trazem de volta ao(à) professor(a) sua função de Arte como componente curricular. Na escola, a Arte não
artista, de artista/docente. Com isso, o(a) professor(a) de
é um tema transversal ou um acessório de outros com-
Arte não se entende somente como um intermediário,
ponentes. Se existem conexões interdisciplinares de Arte
um mediador, um facilitador entre o mundo da Arte e o
com outros componentes curriculares – com a Língua
mundo da escola; ele(a) é também uma fonte viva para
que estudantes experienciem de maneira direta as rela- Portuguesa nos textos dramatúrgicos, por exemplo – há
ções entre o circuito social da arte e a escola. (SÃO PAU- igual conexão deles com a Arte – como no uso que a
LO, 2016, p. 19). História faz de imagens artísticas em situações de con-
Cada professor reúne em si percursos exclusivos textualização e problematização. Essas aproximações
de vida. São diferentes estudos, interesses, repertórios, ocorrem entre todas as áreas, não sendo desconsidera-
posturas, metodologias e modos de se relacionar com da sua autonomia.
o mundo. As escolas abarcam docentes que tiveram sua O ensinar e aprender Arte no Ensino Fundamental
transcorre no âmbito de seus conhecimentos específi-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

formação inicial em períodos mais distantes e outros


que acabaram de concluir a licenciatura. Essas diferenças cos e não como ilustração ou representação de estudos
conferem colorido às aulas de Arte da Rede Municipal de desenvolvidos em outras áreas.
Ensino, tão autênticas quanto seus professores. Em Arte, desenvolve-se a leitura da língua estética do
Respeitando esse colorido, propomos dar aos docen- mundo. Aproximamos os estudantes dos signos sono-
tes a possibilidade de criar percursos de aprendizagem ros, visuais, gestuais, motores, textuais, táteis e verbais
com ênfase em sua linguagem de formação específica, que engendram as linguagens artísticas e se estendem a
focalizando conceitos e práticas gerais da área de Arte. outros campos da cultura, ou seja, da estesia de nossos
Assim, procuramos ressaltar o que é específico de cada sentidos à estética das criações. Podemos convidar os
linguagem, mas também pensar o que as atrelam, o que estudantes a ler a imagem de uma pintura renascentista
é comum a todas. e um anúncio publicitário digital, em momentos distin-

127
tos ou comparando-os. O professor de Arte é o mediador que fomenta, facilita e fortalece o contato dos estudantes
com a cultura que o cerca e com um repertório artístico que está à espera para ser descoberto ou desbravado.
Não há outro componente curricular que se debruce sobre a cultura em sua dimensão estética como a Arte. Ler,
portanto, é um aspecto significativo da área. Contudo, sua abrangência é ainda maior, incluindo, por exemplo, a ressig-
nificação, a expressão, a vigília criativa, a manipulação inventiva dos elementos que constituem as linguagens artísticas
e as relações entre arte e vida, arte e sociedade, bem como arte e identidade.
Movimenta-se um jogo no qual a experiência artística se volta aos processos de criação, à pesquisa, à contextuali-
zação (histórica, social, antropológica, política etc.) e à leitura, em um dinamismo dialógico que acolhe vozes de estu-
dantes e de docentes, da comunidade e outros parceiros da escola.
A experiência artística na escola promove o exercício da liberdade, tanto na forma de acesso aos signos culturais
quanto em seu aspecto criativo. Uma linha em um projeto de trabalho didático pode ser a linha riscada, pintada, estica-
da, dobrada, marcada com um gesto, traçada na trajetória de um movimento, a linha do tempo, das pautas da partitura,
da faixa de pedestre, dos fios de alta tensão, dos fios da instalação e, inclusive, dos fios de nosso cabelo. A Arte lida com
a potência latente, com o que poderá ser: um novo olhar, outra interpretação ou uma invenção.
Ao ensinar e aprender Arte no Ensino Fundamental, traçamos uma rota, mas não podemos prever todos os acasos,
surpresas e novas rotas que possam emergir no processo, pois o ponto de partida da Arte é o mundo, mas seu território
é o universo e tudo que nele existe, todas as suas múltiplas possibilidades e o que está para existir. Como trazê-la para
dentro da escola com tempos e espaços determinados? Eis o grande desafio de um currículo!

CAMPOS CONCEITUAIS: UMA PROPOSTA TERRITORIAL DO CURRÍCULO DE ARTE

Um vasto campo permeado de vida. Tal como na natureza, na qual encontramos uma variedade imensurável de
campos, assim é a Arte. O campo é um ambiente habitado por diferentes espécies de plantas e animais, com paisagens
compostas por sons, cores, formas, texturas, cheiros e temperaturas. Cada campo é um estado, sempre em movimento
e transformação. Árvores ancestrais convivendo com brotos que acabaram de romper a terra em busca do sol. Animais
que chegam de outros territórios e que, depois de se ocupar algum tempo, vão para novos campos. Os recursos hídri-
cos e a topografia variam de acordo com cada ambiente e com o momento de cada um deles.
Pensar o campo nos ajuda a pensar e a olhar a Arte, na qual coabitam muitos campos, com permutas, trocas e in-
tercâmbios constantes de tudo o que os constitui. O campo é uma imagem poética e conceitual que permite um olhar
espacial para a vastidão da Arte nas escolas.
Quando cruzamos tempo e espaço, encontramos um estado, único e singular no ponto do cruzamento. Essa analo-
gia também nos ajuda a olhar e pensar o componente curricular de Arte, como um conjunto de campos, cujo território
se modifica no tempo. O pensamento curricular territorial no ensino de Arte tem seu desenvolvimento atrelado às pes-
quisas e trabalhos de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque (2012). Esse pensamento nos permite pensar conceitual-
mente sobre o componente de Arte em sua totalidade. Conceber o currículo como um espaço tridimensional amplia as
potencialidades, antes limitadas pela linearidade.
A concepção do currículo de Arte não se apoia no aspecto cronológico (sequencialmente histórico), mas, de forma
mais abrangente, no aspecto geográfico.
Dessa maneira, inspirados nessas autoras, apresentamos um currículo com campos conceituais no lugar de eixos,
diferentemente de como foi adotado nos outros componentes curriculares, pois consideramos os campos conceituais
como espaços em permanente relação, preenchidos e atravessados pelas linguagens artísticas e seus conhecimentos
singulares não lineares.
Esse conceito vai ao encontro da proposta de currículo espiral, indicada em todos os objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento, que possibilitam aos docentes uma visão de progressão no próprio ano e entre os ciclos de apren-
dizagem. O pensamento territorial aponta também para uma visão de currículo que assume idas e vindas, desenvol-
vimento, aprofundamento e retomadas. Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento não são exclusivos de um
ponto do currículo (4º ano do Ciclo Interdisciplinar, por exemplo), podendo aparecer em diferentes momentos. Com
isso, um objetivo de aprendizagem e desenvolvimento, que tenha sido abordado em um momento, não exclui a pos-
sibilidade de ser revisitado mais adiante. A questão que se coloca é a ênfase em certos objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento durante o percurso de aprendizagem dos estudantes. Essa também é uma forma de se reforçar a
plasticidade do currículo de Arte.
A definição dos campos conceituais se deu por meio da busca de diálogo do documento Direitos de Aprendizagem
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral: Arte (SÃO PAULO, 2016) com as discussões trazidas pela Base Nacional Comum
Curricular, doravante, BNCC. A partir desse estudo, foram estabelecidos quatro campos conceituais, que atuarão nas
quatro linguagens artísticas durante o mesmo número de bimestres do ano letivo.

128
Encontramos, portanto, nos campos conceituais a herança conceitual daqueles que foram base para sua elaboração.
Em resumo, processos de criação referem-se especialmente ao fazer artístico sob uma visão que não o restringe ao pro-
duto final, mas entende a Arte como um processo, no qual há um desdobrar-se sobre a poética da matéria e das ações.
Este campo conceitual refere-se tanto aos processos de criação dos estudantes quanto ao estudo dos processos de
criação dos artistas, sublinhando a pesquisa (de materiais, temas, conceitos, referenciais, referências bibliográficas etc.),
a imaginação, a experimentação, a repetição, o ensaio, o devaneio, os esboços e tantos outros elementos que consti-
tuem o processo de criar. Linguagens artísticas se voltam para o estudo das diferentes linguagens da Arte, suas cone-
xões e hibridismos, seus elementos, aspectos poéticos e conceituais, a relação forma-conteúdo na Arte, a materialidade
das obras, a leitura crítica da arte e sua contextualização. As dinâmicas sociais e culturais da Arte se encontram parte
em linguagens artísticas e parte em saberes e fazeres culturais, que, para se desdobrar e refletir sobre ela, vale-se de
outras áreas de conhecimento como História da Arte, Literatura, Antropologia, Sociologia da Arte, Psicologia da Arte,
Geografia, Ciência, Matemática, entre outras, caracterizando como o principal (mas não exclusivo) território de inter e
transdisciplinaridade. Nele também marcam a história e cultura afro-brasileira e indígena, e as questões relacionadas ao
patrimônio artístico e cultural. Em experiências artísticas e estésicas, contrapomos a “busca do belo” no ensino de Arte
e focalizamos a estesia3, “uma capacidade que permite a percepção, através dos sentidos, do mundo exterior (...) que
suscita em absoluta singularidade uma experiência sensível com objetos, lugares, condições de existência, seres, com-
portamentos, ideias, pensamentos, conceitos” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 35). O que difere as experiências artísticas
das estésicas é a intenção. Conforme descreveu John Dewey (2010), podemos ter uma experiência significativa no con-
tato com a natureza, mas é a intenção poética que confere a uma experiência seu caráter artístico. A experimentação
de procedimentos artísticos, improvisações, a exploração da materialidade e dos elementos das diferentes linguagens
e a fruição artística (assim como a nutrição estética e a vigília criativa) são enfatizados neste Campo Conceitual.

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO NO CURRÍCULO DE ARTE

Os campos conceituais: processos de criação, linguagens artísticas, saberes e fazeres culturais e experiências artís-
ticas e estésicas são propostos como os conceitos que transversalmente compõem o componente curricular de Arte.
Assim, cada linguagem artística sustenta suas especificidades e, ao mesmo tempo, transita por conceitos gerais de toda
área.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Observemos, como exemplo, a Arte nas ruas no campo conceitual dos saberes e fazeres culturais. Temos músicos,
dançarinos, performers, malabaristas e atores que fazem da rua seu local de atuação cultural. O espaço da rua implica
uma dinâmica própria que envolve diferentes formas e estratégias de se relacionar com o público, de cativar e manter
sua atenção, de afetá-lo. Em específico, cada linguagem abrange desdobramentos diferenciados para seus fazeres ar-
tísticos nas ruas. Ao projetar uma sequência didática, pode-se partir do geral para o específico, o caminho inverso ou
propor situações de aprendizagem nas quais a presença dos aspectos gerais e específicos se movimentem em conjunto.
Em Arte, os campos conceituais não são formados por rígidas fronteiras, sendo complementares, interpenetram um
ao outro. O campo global se dá na inter-relação dos locais que, sem perder a conexão com o todo, acabam por cons-
tituir glocais4 e não espaços isolados. Dessa maneira, os campos conceituais são propostos de modo não hierárquico:
não há território central ou com maior peso que outros.

129
Nas indicações de objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, seguimos a mesma
proposta dos campos conceituais. Cada um deles indica uma ênfase, o que não quer dizer que um conceito não apare-
ça ao se enfatizar outro. Por exemplo, ao abordar saberes e elementos das linguagens artísticas, pode-se propor expe-
rimentações e fomentar o campo de processos de criação, mas a ênfase permanece no campo conceitual de linguagens
artísticas. Os objetivos seguem o mesmo princípio. Um objetivo indicado em um ano pode ressurgir em outro, mas com
uma ênfase diferente. Peirce, em livro publicado por Santaella (1994), defende que o pensamento cresce continuamen-
te. Nesse crescer, ocorrem repetições enquanto novas conexões são formadas. O próprio ato de repetir já pressupõe
diferença e não uma volta ao mesmo tal e qual.
Assim, pensamos o currículo de Arte como um crescer, num processo que envolve novidades e retomadas, conhe-
cimento e reconhecimento, respeitando tempos e estados.
Da forma como propomos este currículo, podemos pensar tanto a área de uma forma global, quanto nas especifi-
cidades de cada linguagem artística. Consequentemente, a Arte na rede de escolas municipais da Cidade de São Paulo
poderá usufruir de uma base que abrange a todas as unidades escolares e, simultaneamente, preservar a diversidade
de desdobramentos curriculares locais. Ações para a melhoria da qualidade do ensino de Arte poderão, portanto, ser
elaboradas globalmente sem comprometer as singularidades de cada contexto.
Para cada ciclo foi concebido um quadro geral de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, evidenciando a
inter-relação entre as linguagens em uma síntese de objetivos comuns que apontam para um processo de ensino e de
aprendizagem de Arte mais amplo. Estão igualmente salientadas as especificidades de cada linguagem em quadros de
objetivos por ano de cada ciclo de aprendizagem.
Importante ressaltar que o Currículo da Cidade incorporou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactua-
dos na Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas, como temas inspiradores a serem trabalhados de forma
articulada com os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes componentes curriculares. Nos quadros de
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento há uma correspondência com os ODS relevantes para aquele objetivo, seja
do ponto de vista temático quanto sob o olhar metodológico e de abordagens inovadoras de aprendizado.
Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com os ODS na prática escolar serão deta-
lhadas no documento de orientações didáticas dos diferentes componentes curriculares. Educadores e estudantes são
protagonistas na materialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm ampla liberdade para também criar
projetos autorais a respeito, assim como buscar parceiros, com o objetivo de promover maior cooperação entre os
diferentes atores sociais e da comunidade escolar na geração e compartilhamento do conhecimento e prática.

O ENSINO DE ARTE NOS CICLOS

CICLO DE ALFABETIZAÇÃO

Campos Conceituais no Ciclo de Alfabetização A iniciação em Arte no Ciclo de Alfabetização partirá da perspectiva
de apresentar, conhecer, perceber, experienciar e vivenciar, na interação dos estudantes com diversas práticas, cons-
truindo conhecimentos, valores e habilidades.
A Arte na infância durante o Ciclo de Alfabetização preocupa-se em expandir as relações e propiciar o contato
artístico consigo, com o outro e com o meio. Há uma ênfase maior nas experiências e processos de criação durante o
processo de alfabetização e construção de conhecimento em Arte. Na contextualização, por exemplo, as escolhas de
obras, referenciais e assuntos podem surgir dos processos vividos pelos estudantes.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

130
Obs. Os demais quadros de objetivos e aprendiza- integrá-los ao projeto), o incentivo à autonomia deles e
gens podem ser estudados no link http://portal.sme.pre- a criação de recursos para o registro do processo (port-
feitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/50636.pdf fólios e diários de bordo). Podemos encontrar também
a proposta de trabalhar a partir de projetos, alinhada ao
ORIENTAÇÕES PARA O TRABALHO DO PROFESSOR pensamento curricular territorial, em Martins, Picosque e
Guerra (2010).
O pensamento curricular territorial no ensino de Arte Tal como propomos o foco no processo de criação,
aponta caminhos, sendo o professor o autor do percur- sem visar apenas produtos finais, consideramos a ava-
so. É ele quem traça os mapas, vislumbra as trajetórias e liação como processo. A avaliação processual ocorre ao
planeja a viagem que fará junto aos estudantes por entre longo de todo o percurso de ensino e aprendizagem.
os campos conceituais de processos de criação, lingua- Nela os portfólios, diários de bordo, protocolos e ou-
gens artísticas, saberes e fazeres culturais e experiência tras formas de registro e acompanhamento do processo
artística e estésica. cumprem um papel central. São espaços de reflexão para
A orientação do trajeto se dá por meio de projetos, seguir adiante e, por meio deles e outros indicadores, a
que indicam os caminhos e pontos de parada. Há um avaliação processual passa a abranger a geração de ou-
manancial de conceitos que envolvem o ensino de Arte tras ações e novos projetos.
como interculturalidade, cultura visual, transdisciplina- Um ponto em comum das diversas propostas é o
ridade, acessibilidade, descolonização, diferenças, con- papel do diálogo no processo de ensino e de aprendi-
temporaneidade, mediação cultural, interações signifi- zagem. Desde o planejamento até o desenvolvimento
cativas, pluralidade, entre outros. Antes de elaborar um dos percursos educacionais, é importante estabelecer o
projeto, é salutar conhecer quais as ideias que inspiram diálogo com os estudantes, comunidade, colegas profes-
e buscam afirmar os direcionamentos para o ensino de sores e demais parceiros da escola e da Rede Municipal
Arte atual. de Ensino. O planejamento é outro aspecto fundamental.
O diagnóstico também se apresenta como um impor- Por meio dele, vislumbramos, antecipadamente, quais
tante aliado para indicar caminhos. Conhecer a realidade recursos, parcerias, contatos e estratégias precisarão ser
da escola, seus estudantes, seus desafios, recursos mate- buscadas ou acionadas durante o percurso (ainda que
riais disponíveis e espaços convencionais e alternativos rotas possam ser replanejadas durante o processo).
colaborará para criação de projetos que dialoguem com Há, ainda, outros autores, propostas metodológicas e
as necessidades e desejos evidenciados. questões que nos ajudam a pensar o processo de ensino
A metodologia é construída por cada professor, arti- e de aprendizagem. Cada professor traz consigo todos
culando-a às propostas curriculares vigentes. Nos Parâ- os diálogos que estabeleceu com pensadores e saberes
metros Curriculares Nacionais de Arte (1997), ficam evi- ao longo de seu ininterrupto processo formativo – sabe-
dentes três aspectos que envolvem o ensino de Arte: a res que vão desde concepções gerais sobre o ensino de
experiência do fazer, do fruir e do refletir sobre contextos Arte a propostas específicas de uma linguagem artística.
e conhecimentos que envolvem o objeto de estudo. A Assim, nutrido de experiência e saberes sempre em mo-
referência à abordagem triangular de Ana Mae Barbosa vimento, em diálogo com seu contexto e com os docu-
(2011) - proposta em contínuo processo de reelabora- mentos oficiais que regem o ensino de Arte, o professor
ção, inclusive por parte da autora – é inegável e continua cria, propõe e aciona a Arte no universo escolar.
a ser um emblema do ensino de Arte no Brasil.
A abordagem triangular já foi equivocadamente de- Fonte
senvolvida como uma proposta sequencial de procedi- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
mentos: primeiro realiza-se a leitura/fruição, depois se cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
contextualiza a obra ou o conjunto de obras e, então, Ensino Fundamental: Arte. 2. ed. São Paulo: SME/COPED,
caminha-se para o fazer artístico. É precisamente essa 2019. p. 10-71. Disponível em: http://portal.sme.prefeitu-
sequência o que a proposta não é. De um vértice de um ra.sp.gov.br/Portals/1/Files/50636.pdf.
triângulo pode-se ir a qualquer outro ou pode-se, ainda,
permanecer onde está. Podemos ir da leitura para o fa-
zer, retornar à leitura, contextualizar, ler e contextualizar
novamente, propor um outro processo de criação e con- EXERCÍCIO COMENTADO
textualizar durante o processo. São inúmeras as possibi-
lidades. 1. (Pref. Itaocara/RJ - Professor de Ensino Fundamen-
Além dos documentos oficiais, deparamo-nos com tal I – Superior – CEPERJ/2018)
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

uma série de propostas metodológicas que influenciam O documento que define as aprendizagens escolares es-
o modo de pensar o processo de ensino e de aprendi- senciais, que todos os alunos devem desenvolver ao lon-
zagem na escola. Agregando ao pensamento territorial go da educação básica de forma progressiva e por áreas
elaborado por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque do conhecimento, denomina-se:
(2012) e à abordagem triangular de Ana Mae Barbosa
(2011), podemos citar a proposta de projetos de tra- a) LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
balho, difundida em especial, por Fernando Hernández b) BNCC – Base Nacional Comum Curricular
(2000). O educador espanhol aponta caminhos para a c) ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
criação de projetos, tais como a realização de sondagens d) CF- Constituição Federal
com os estudantes (para diagnosticar seus interesses e e) PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

131
Resposta: Letra B. Em “b”: Certo - O documento é tribuir com a construção de conhecimentos que servem
BNCC como segue a explicação: A Base Nacional Co- como instrumentos para uma visão crítica de mundo.
mum Curricular (BNCC) é um documento de caráter Essas duas dimensões dão sentido à frequente pergunta:
normativo que define o conjunto orgânico e progres- “por que se estuda Ciências Naturais na escola? ”. Tais
sivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos dimensões são contempladas por meio de uma perspec-
devem desenvolver ao longo das etapas e modalida- tiva que entende o ato de aprender ciências como sendo
des da Educação Básica, de modo a que tenham as- relacionado às demandas de equidade e diversidade de
segurados seus direitos de aprendizagem e desen- uma sociedade em constante transformação.
volvimento, em conformidade com o que preceitua o Não é novidade, nem reflexão recente, a necessida-
Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento de de ampliar o escopo do ensino de Ciências Naturais
normativo aplica-se exclusivamente à educação esco- para uma perspectiva que vai além de conceitos e do de-
lar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º da Lei de senvolvimento de habilidades de memorização e iden-
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº tificação, garantindo oportunidades aos estudantes de
9.394/1996), e está orientado pelos princípios éticos, analisar, questionar e aplicar o conhecimento científico a
políticos e estéticos que visam à formação humana in- fim de intervir e melhorar a qualidade de vida individual,
tegral e à construção de uma sociedade justa, demo- coletiva e socioambiental, além de respeitar princípios
crática e inclusiva, como fundamentado nas Diretrizes éticos.
Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN). Tal concepção encontra forte relação com a ideia de
alfabetização, à medida que considera o ato de aprender
para além do domínio de técnicas de escrever e de ler.
Entende-se que essa aprendizagem envolve o domínio
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA consciente dessas técnicas e considera as práticas sociais
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. em que os estudantes estão inseridos. A Alfabetização
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. Científica, tomada como objetivo do ensino de Ciências,
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO considera que os estudantes devem ter contato com a
FUNDAMENTAL: CIÊNCIAS DA NATUREZA. cultura das ciências, seus modos de organizar, propor,
2. ED. SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. avaliar e legitimar conhecimentos. Ademais, possibilita a
63-86. construção de sentidos sobre o mundo e permite o de-
senvolvimento de senso crítico para avaliação e tomada
de decisão consciente acerca de situações de seu entor-
CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NATURAIS PARA A CI- no, seja ela local ou global.
DADE DE SÃO PAULO Com a finalidade de alfabetizar cientificamente, apro-
ximando os estudantes da cultura das ciências, torna-se
INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE necessário, em situações de ensino, permitir e incentivar
CURRICULAR o contato desses com ações para a investigação de pro-
blemas. Essas ações envolvem a busca por informações
em diferentes meios e de diversos modos, a organização
#FicaDica de dados, a tomada de consciência sobre fatores que in-
fluenciam o fenômeno em análise, a interpretação das
No Ensino Fundamental, o componente cur- situações, a construção de modelos, a apresentação e o
ricular de Ciências aborda os fenômenos da debate de ideias.
natureza que são estudados em diversas áre- A importância das ações acima mencionadas ocor-
as de conhecimento, das quais fazem parte re pelo desenvolvimento de práticas do fazer científico
a Biologia, a Física, a Química, as Geociên- que representam atividades para a construção de enten-
cias, a Astronomia e a Meteorologia. Sendo dimentos que permeiam diferentes ações didáticas. Na
assim, os fenômenos estudados, no âmbito produção de conhecimento, a constituição de hipóteses
das Ciências Naturais, recebem atenção das e o teste das mesmas, por exemplo, envolvem processos
diferentes áreas dentro de suas especificida- de busca de informações em fontes diversas, como livros,
des, e essas particularidades revelam o desa- revistas ou por meio de conversas e entrevistas com pes-
fio de tratar os conhecimentos das ciências soas que revelam algum contato com o fenômeno em
de maneira articulada e integrada. observação ou com elementos destas situações. Na co-
municação do conhecimento, a organização das ideias,
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

expressa de modo oral ou escrito, demanda a apresenta-


A abordagem das Ciências Naturais nas salas de aula ção lógica e estruturada. A argumentação, com base em
deve congregar, portanto, os conhecimentos construídos evidências obtidas e relações construídas, costuma ser
sobre o mundo natural e as práticas que envolvem a produ- um modo de como essa comunicação é feita.
ção, a divulgação e a legitimação de conhecimentos, como Ao avaliar o conhecimento produzido, é esperado
forma de contribuir para que os estudantes ampliem seu que a crítica surja como fator determinante: não a críti-
repertório e valorizem a ciência como prática cultural. ca que busca destruir o pensamento apresentado, mas
O ensino de Ciências tanto pode permitir que o es- aquela que investiga como os conhecimentos propostos
tudante compreenda a presença e as influências do co- foram constituídos e os limites e avanços trazidos pela
nhecimento científico na sociedade, como também con- nova proposição considerando conhecimentos já estabe-

132
lecidos. O debate de ideias entre estudantes e professor, balhados a fim de que a formação dos estudantes pudes-
sobre o conhecimento que já possuem e os conhecimen- se ocorrer de modo geral e pleno. Portanto, ética, meio
tos com os quais estão começando a tomar contato, é ambiente, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual
um modo privilegiado para que as interações ocorram. eram temas propostos transversalmente ao currículo,
Associado a isso e em decorrência desse processo, pro- uma vez que não representam componentes curriculares
posições começam a figurar como conhecimentos legiti- do núcleo comum, mas, sim, atitudes que os cidadãos
mados pelo grupo, e o papel do professor, como conhe- expressam em suas atividades.
cedor desses conhecimentos avaliados e validados pela Mais recentemente, as Diretrizes Curriculares Nacio-
comunidade científica, permite que as construções reali- nais para a Educação Básica (BRASIL, 2013) afirmavam
zadas estejam de acordo com os conhecimentos aceitos que a formação dos estudantes por meio das discipli-
pela sociedade. nas deveria considerar princípios éticos, estéticos e po-
líticos. Da mesma forma, por não serem componentes
DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS NATU- curriculares de uma disciplina específica, esses princípios
RAIS deveriam ser colocados em prática nas diferentes aulas
de todas as disciplinas que compõem o currículo escolar.
Os direitos de aprendizagem visam à garantia do
acesso e à apropriação do conhecimento de todas as OBJETIVOS DO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS
crianças e jovens, a fim de se construir uma sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve es- O ensino de Ciências Naturais no Ensino Fundamen-
timular a participação dos estudantes em situações que tal tem o compromisso com o desenvolvimento de ha-
promovam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a reso- bilidades importantes para que os estudantes possam
lução de problemas e espaços onde possam representar apreciar a natureza, ter contato com os conhecimentos
e vivenciar suas experiências e ressignificá-las, a partir da construídos pelos cientistas ao longo dos tempos, am-
construção de novos conhecimentos. pliar os conhecimentos que já possuem, desenvolver
modos de raciocinar sobre acontecimentos e de avaliar
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do
situações, aprimorar e incrementar formas de analisar si-
Currículo de Ciências Naturais da Cidade de São Paulo
tuações, considerando a crítica como elemento central,
foram elaborados, revisitando os princípios elencados
compreender que concepções diferentes podem estar
nos Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e
vinculadas aos conhecimentos à disposição de um grupo
autoral: Ciências Naturais (SÃO PAULO, 2016) e, também,
em um dado momento e continuar aprendendo ao longo
os documentos Elementos Conceituais e Metodológicos
de sua vida, refletindo sobre o que aprendem e regulan-
para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desen-
do seus processos de aprendizagem. Além disso, frente
volvimento do Ciclo de Alfabetização (BRASIL, 2012) e as à crescente disponibilidade de fontes de informações, o
Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013). componente curricular de Ciências Naturais pode contri-
buir, também, com o desenvolvimento de critérios que
ENSINAR E APRENDER CIÊNCIAS NATURAIS NO permitam a seleção dessas informações de forma justi-
ENSINO FUNDAMENTAL ficada, a reflexão sobre elas e a tomada de decisão de
maneira embasada.
Pelo exposto, ensinar Ciências Naturais na educação É importante colocar em cena que as ciências são
básica torna-se um compromisso social e cultural que um conjunto de áreas que constroem conhecimentos
garante à população o contato com mais uma das for- sobre o mundo em que vivemos. Esses conhecimentos
mas de conhecer o mundo em que se vive, as relações geram avanços dos mais variados tipos, podendo im-
entre seres e objetos, os diversos fenômenos e, é claro, pactar, positiva ou negativamente, nosso modo de viver.
em diferentes escalas. Não é exagero afirmar que as condições materiais e de
No ensino das Ciências Naturais, desde os Parâmetros produção de formas de viver atuais estão relacionados
Curriculares Nacionais – PCNs (BRASIL, 1997), afirmava- direta ou indiretamente aos conhecimentos produzidos
-se a necessidade de que os conhecimentos prévios dos pelas ciências. Do mesmo modo, é possível afirmar que
estudantes fossem considerados e que, também, pos- as ciências trazem impacto para nosso bem-estar, para a
sibilitassem relações entre o cotidiano do estudante e saúde e para os diferentes meios que utilizamos para nos
as novas construções permitidas pelas abordagens em locomover, comunicar e relacionar.
sala de aula. Apareceram, entre os objetivos do ensino Como áreas de conhecimento, as ciências se desen-
de Ciências nos PCNs, ações para experimentar, construir volvem por meio de ações humanas sendo, portanto,
explicações, relatar e comunicar fatos e conceitos, valori-
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atividades sociais (LONGINO, 1990; 2002). Marcam essas


zar atitudes e comportamentos face aos seres vivos e ao atividades, as relações entre as diferentes pessoas e os
ambiente. Essas ações deveriam ser trabalhadas na rela- diferentes grupos que estudam fenômenos assemelha-
ção direta com os blocos temáticos das Ciências Naturais dos. Nessas relações, o conhecimento é proposto e ava-
propostos para o Ensino Fundamental, nos quais se pre- liado conforme as práticas anteriormente mencionadas.
tendiam abordar temas sobre: Ambiente, Ser Humano e O processo de apresentação e análise de novas ideias é
Saúde, Recursos Tecnológicos e Terra e Universo. acompanhado de crítica e de reconhecimento dos sabe-
Outra novidade trazida pelos PCNs, que também im- res já existentes.
pactou o ensino de Ciências, foram os temas transver- Ainda que esses processos sejam disciplinados, eles
sais. Esses não eram conteúdos curriculares exclusivos do são, ao mesmo tempo, criativos e estão relacionados di-
componente, mas representavam aspectos a serem tra- retamente ao escopo e ao fenômeno em estudo. Por-

133
tanto, não se pode estabelecer que haja um método -se em obstáculos e desvios para uma investigação,
único e privilegiado por meio do qual os conhecimentos mas, provavelmente, podem contribuir para que novas
científicos são construídos, mas é possível afirmar que a hipóteses e propostas de estudo sejam construídas. Em
investigação é a base da construção de conhecimentos aulas de Ciências Naturais, o erro também deve ser con-
em ciências. cebido como um passo importante para o entendimento
Uma investigação em ciências se dá de maneiras va- da situação. Em algumas atividades, sobretudo as expe-
riadas e, em muitos casos, a ação manipulativa de obje- rimentais manipulativas, o erro representa fator central
tos em laboratórios sequer ocorre, dando lugar à análise para que os estudantes possam realizar outras variáveis
de imagens ou dados produzidos e correspondentes ao e mesmo analisar quais são aquelas que efetivamente in-
fenômeno em estudo. O próprio desenvolvimento cien- terferem no fenômeno em investigação.
tífico e tecnológico contribuiu para que muitos fenôme- Todas essas atividades envolvem práticas científicas
nos, hoje em dia, possam ser observados longe de onde importantes de serem consideradas para o ensino de
ocorrem e em espaços que não condizem diretamente Ciências Naturais. Envolver os estudantes em práticas
com o âmbito original. O uso de telescópios, por exem- científicas permitirá que elaborem compreensões sobre
plo, ilustra a ação de objetos tecnológicos para novas os aspectos envolvidos na produção de conhecimento
observações e, possivelmente, como elementos determi- científico, tais como: produzir perguntas, criar modos
nantes para que novos conhecimentos sejam propostos. imaginativos e sistematizados para respondê-las, coletar,
Contudo, isso não torna a Astronomia uma ciência ex- registrar e organizar as informações; reconhecer padrões
perimental (KNORR-CETINA, 1999), pois os fenômenos, nessas informações que levem a possíveis generaliza-
ainda que possam ser investigados em laboratório, por ções; propor explicações e soluções para os problemas
meio de imagens cada vez mais sofisticadas, não sofrem e justificar, avaliar e refletir sobre as explicações propos-
a interferência humana, não são manipulados pelos cien- tas. Essas são ações que aproximam os estudantes do
tistas; a ação ocorre no conhecimento, pelo estudo de modo de atuar no mundo por meio do olhar das Ciências
imagens e de informações, na manipulação destes, mas Naturais, uma vez que permitem o desenvolvimento de
não no objeto. No ambiente educativo, a sala de aula, o uma postura investigativa sobre os fenômenos naturais
laboratório de ciências, o pátio, o parque, a sala de leitu- e sociais. Mais do que isso, os estudantes compreendem
ra, o laboratório de tecnologias para aprendizagem e os que essas ações e explicações são diferentes, de acordo
mais variados espaços tornam-se apropriados para uma com o momento histórico e com as diferentes culturas.
investigação. Considerando que os problemas em estu- Além disso, mobilizam saberes e vivências das Ciências
do podem ser diversos, a adequação ao espaço ocorre na Naturais em diálogo com outras áreas de conhecimento,
relação com o foco da análise. ampliando a leitura de mundo dos estudantes.
Uma investigação em ciências exige que se saiba so- Por outro lado, o exercício das práticas científicas na
bre conhecimentos já existentes acerca do fenômeno ou Educação Básica, além de permitir ao estudante incre-
da situação em análise. Para tanto, o acesso a livros e re- mentar seus conhecimentos sobre o próprio funciona-
vistas especializados, a participação em reuniões e confe- mento das ciências, tem papel fundamental no desen-
rências científicas e o debate com colegas são atividades volvimento de habilidades de pensamento importantes
que os cientistas realizam para comunicar suas ideias, envolvidas no estabelecimento do raciocínio crítico. Am-
assim como para conhecer o que as demais pessoas es- bientes de aprendizagem em que o estudante tem opor-
tão construindo, incorporando esses conhecimentos aos tunidades de propor, criar, elaborar, organizar, registrar,
estudos e às novas propostas. No ensino das Ciências reconhecer, entre outras, ampliam as habilidades presen-
Naturais, essas ações se desencadeiam pelas interações tes em sala de aula de Ciências para além da memoriza-
discursivas estabelecidas entre professor e estudantes, ção e listagem de fatos e conceitos, contribuindo para a
explorando conhecimentos prévios e novas construções, formação integral dos indivíduos.
incentivando o debate de ideias e o respeito pela opi- Neste currículo de Ciências Naturais, conteúdos, prá-
nião diferente. Essas ações também ocorrem pela pes- ticas e contextos se entrelaçam com o intuito de pro-
quisa orientada sobre temas em estudo e pela consulta mover a Alfabetização Científica. Para tanto, utilizamos,
a livros didáticos, sites especializados, conversas e entre- como referência, três eixos estruturantes – propostos por
vistas direcionadas a públicos diversos, como pessoas Sasseron e Carvalho (2008) – os quais auxiliam no plane-
de diferentes faixas etárias e profissionais que atuam em jamento de aulas de Ciências que dialogam com a con-
uma determinada área. Todas essas atividades, seja nas cepção proposta neste documento. São eles:
ciências ou na escola, permitem que um rol de novas in- • A compreensão básica de termos, conhecimentos e
formações seja levantado e considerado para solucionar conceitos científicos fundamentais.
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problemas, construir explicações ou responder a ques- O primeiro eixo envolve a construção de conheci-
tões de investigação. mentos científicos, em adequação ao nível de ensino e à
Uma investigação científica pode ter seu início bem faixa etária, com vistas à aplicação desses conhecimentos
marcado, mas o final não ocorre, necessariamente, no em situações diversas.
momento previsto, assim como pode não obter os re- • A compreensão da natureza das ciências e dos fa-
sultados esperados. Isso não significa que a investigação tores éticos e políticos que circundam sua prática.
tenha sido malsucedida: imprevistos na coleta de infor- O segundo eixo está também ligado à compreensão
mações, erros de coleta, organização e interpretação de dos processos envolvidos na construção de conhecimen-
dados, além de dificuldades em encontrar evidências to científico, os quais estão relacionados aos momentos
para um fenômeno que parecia evidente, constituem- históricos e às comunidades culturais em que acontecem.

134
• O entendimento das relações existentes entre ciên- dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, ao
cia, tecnologia, sociedade e ambiente. apresentarem conceitos e práticas das ciências, possibi-
O terceiro eixo investiga de que forma as interações lite a integração de todos os elementos estruturantes da
entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente podem Alfabetização Científica.
resultar em consequências a serem avaliadas. Os eixos temáticos relacionam-se de modo muito di-
Os três eixos estruturantes da Alfabetização Científica reto ao primeiro eixo estruturante da Alfabetização Cien-
são igualmente importantes e vinculam-se à prática de tífica e revelam quais os assuntos de ciências serão con-
sala de aula do ensino de Ciências, devendo ser contem- siderados para a formação básica inicial dos estudantes.
plados com o mesmo investimento nas escolhas curricu- Os objetos de conhecimento derivam dos eixos te-
lares, metodológicas e avaliativas, de modo a contribuir máticos, revelando unidades de ideias a serem discuti-
com a formação integral dos estudantes. das em cada ano escolar. Considerando a progressão
Os eixos estruturantes também são elementos impor- do conhecimento, um mesmo objeto de conhecimento
tantes para a constituição de ferramentas e formas de pode aparecer em diferentes anos da escolarização, pois
avaliação. Eles indicam modos diferentes de se relacionar sua abordagem, levando em conta as práticas científicas,
com os temas das ciências e trazem, em sua concepção, estará submetida a mudanças que permitem um novo
a percepção de que o conhecimento científico necessá- olhar para o assunto e a compreensão de novas dimen-
rio para uma Alfabetização Científica inclui os conceitos, sões e perspectivas.
as leis, as teorias e os modelos, mas extravasam esses Importante ressaltar que o Currículo da Cidade in-
tópicos, sendo necessário considerar o papel dos pro- corporou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
cessos de construção de conhecimento e as relações que (ODS), pactuados na Agenda 2030 pelos países-mem-
interferem nessa construção, as influências sofridas pelas bros das Nações Unidas, como temas inspiradores a se-
ciências considerando os contextos sociais, históricos e rem trabalhados de forma articulada com os objetivos de
culturais, bem como as influências que as ciências geram aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes compo-
na sociedade. Nesse sentido, uma avaliação coerente nentes curriculares. Nos quadros de objetivos de apren-
com esses princípios deve considerar a integração entre dizagem e desenvolvimento há uma correspondência
essas três dimensões dos objetivos do ensino de Ciên- com os ODS relevantes para aquele objetivo, seja do
cias, dando espaço para a reflexão sobre os aprendizados ponto de vista temático quanto sob o olhar metodológi-
que ocorrem ao longo do processo de investigação. co e de abordagens inovadoras de aprendizado.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento e
ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NATU- os ODS expressam como cada tema ou unidade de co-
RAIS nhecimento pode ser trabalhado em cada ano escolar,
considerando o contato com as Ciências Naturais que os
A fim de evidenciar a promoção da Alfabetização estudantes já tenham tido. Isso marca uma vez mais a
Científica, o documento de Ciências Naturais está orga- progressão na abordagem dos conceitos e das práticas
nizado em: abordagens temáticas, práticas científicas, ei- no currículo.
xos temáticos, objetos de conhecimento e objetivos de Educadores e estudantes são protagonistas na mate-
aprendizagem e desenvolvimento. Esses elementos de- rialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm
vem estar presentes em todos os anos escolares do Ensi- ampla liberdade para também criar projetos autorais a
no Fundamental. Trata-se de uma estrutura que permite respeito, assim como buscar parceiros com o objetivo de
o desenvolvimento contínuo e progressivo dos objetivos promover maior cooperação entre os diferentes atores
de aprendizagem e desenvolvimento e, como conse- sociais e da comunidade escolar na geração e comparti-
quência, o desenvolvimento da Alfabetização Científica lhamento do conhecimento e da prática. Formas de in-
entre os estudantes. tegrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
As abordagens temáticas trazem, de modo explícito, com os ODS na prática escolar serão detalhadas no do-
aspectos epistemológicos, culturais e sociais envolvidos cumento de orientações didáticas dos diferentes compo-
na construção de conhecimento científico. Sua importân- nentes curriculares.
cia reside em tornar evidente que o ensino das Ciências Cabe destacar ainda que as abordagens temáticas, as
Naturais é mais do que o ensino de uma lista de concei- práticas científicas e os ODS são pontos fundamentais
tos, leis e teorias. Por meio das abordagens temáticas, os para a proposição do currículo de Ciências Naturais, pois
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento podem fundamentam a concepção de ensino de Ciências com
ser trabalhados, integrando os três eixos estruturantes a finalidade de desenvolver a Alfabetização Científica
da Alfabetização Científica e colocando em execução as durante o Ensino Fundamental para uma educação mais
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práticas científicas realizadas em diversos tempos históri- inclusiva, equitativa e de qualidade.


cos e sociais e suas relações com as dimensões culturais,
ambientais e tecnológicas. ABORDAGENS TEMÁTICAS
As práticas científicas relacionam-se à constituição de
possibilidades para que elementos da construção de co- As abordagens temáticas propostas neste documen-
nhecimento nas ciências sejam explorados. Neste docu- to são:
mento, as práticas científicas elencadas associam-se aos 1. Linguagem, representação e comunicação;
ciclos de formação dos estudantes, havendo uma pro- 2. Práticas e processos investigativos;
gressão entre elas ao longo de todo o Ensino Fundamen- 3. Elaboração e sistematização de explicações, mode-
tal. De mesmo modo, é esperado que a concretização los e argumentos;

135
4. Relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e duzir uma investigação, mas o objetivo é o mesmo: per-
Ambiente; mitir que o estudante participe ativamente na construção
5. Contextualização social, cultural e histórica. de um entendimento sobre conhecimentos científicos na
busca pela resolução de um problema. Dessa maneira,
Apesar de serem apresentadas e definidas separada- desenvolver as práticas e os processos de investigação
mente, é importante destacar que são aspectos que se em sala de aula envolve:
inter-relacionam na construção e no entendimento do a) Reconhecer as potencialidades de utilização dos
conhecimento científico. espaços da escola, do seu entorno e da cidade,
para utilizá-los na condução de investigações vi-
1. Linguagem, Representação e Comunicação sando à aprendizagem e à produção de conheci-
A linguagem, a representação e a comunicação são mento relacionado à ciência;
elementos que se encontram nas diferentes disciplinas b) Levar em consideração os conhecimentos prévios,
que compõem o currículo do Ensino Fundamental. No analisar demandas e delinear problemas para a
que tange às Ciências Naturais, o desenvolvimento da proposição de questões e para elaboração de hi-
linguagem, da representação e da comunicação caminha póteses;
junto com o aprendizado da Língua Portuguesa. Apesar c) Observar e reconhecer padrões e regularidades em
disso, há um modo próprio de comunicar e representar fenômenos e processos naturais e antrópicos, con-
no mundo científico, em que as palavras, os termos, os siderando que as diferentes formas de resoluções
símbolos e as inscrições diversas se entrelaçam de modo de problemas dependem das escalas de tempo e
racional e lógico, permitindo a organização de informa- espaço em que os fenômenos e eventos envolvi-
ções, a construção de evidências e padrões e a elabora- dos acontecem;
ção de modelos e explicações sobre os fenômenos natu- d) Utilizar diferentes ferramentas e recursos para pro-
rais. Apropriar-se da linguagem específica das ciências, por as estratégias e hipóteses para resolver as situ-
bem como do seu uso na sociedade contemporânea, ações observadas;
envolve: e) Analisar e comparar diferentes formas de resolução
de um mesmo problema, reconhecendo as diferen-
a) Relatar e apresentar de forma sistemática informa-
tes estratégias e hipóteses que foram propostas.
ções, dados e resultados, de modo oral, escrito ou
multimodal;
3. Elaboração e Sistematização de Explicações,
b) Utilizar – de maneira adequada ao ano escolar –
Modelos e Argumentos
procedimentos, suportes e linguagens diversos
A busca por explicações e modelos norteia a atividade
para: ler, coletar, registrar e interpretar informa-
científica. A estruturação desses modelos e explicações é
ções sobre os fenômenos (fotografias, desenhos,
importante, uma vez que os processos argumentativos
pinturas, plantas, mapas, esquemas, tabelas, textos auxiliam na apresentação das ideias e em sua avaliação.
variados, gráficos, equações e representações ge- Os modos de elaboração e sistematização de conheci-
ométricas); mentos nas ciências podem ser diversos, assim como as
c) Utilizar as linguagens tecnológicas e computacio- práticas e os processos de investigação, mas é caracterís-
nais presentes na representação de dados e infor- tica do conhecimento científico a busca por evidências e
mações científicas nos processos de investigação e padrões de regularidades que permitam garantir as con-
resolução de problemas; clusões a que se chegam e as previsões que se podem
d) Praticar a capacidade de argumentação e discus- inferir. Compreender, construir, organizar e argumentar,
são que abranjam temas relacionados às Ciências por intermédio do raciocínio lógico-científico, explana-
Naturais, com diferentes grupos de pessoas e em ções acerca de temas relacionados às ciências envolve:
diferentes espaços. a) Utilizar diferentes recursos e linguagens para análi-
se e representação de dados e informações, visan-
2. Práticas e Processos de Investigação do a reconhecer padrões e regularidades;
As práticas e os processos de investigação represen- b) Construir argumentos com base em informações,
tam modos de fazer ciência. Constituem-se de varie- dados, evidências, modelos e/ou conhecimentos
dades de ações intimamente relacionadas a cada tema científicos;
investigado. As práticas e os processos de investigação c) Organizar as informações, elaborar e ampliar ar-
relacionam-se fortemente com o desenvolvimento da gumentos de forma a encontrar ou propor meca-
linguagem científica, representando e comunicando en- nismos que expliquem os fenômenos e eventos
tendimentos sobre os fenômenos. Assim como no âmbi-
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estudados;
to das ciências, a problematização leva à necessidade de d) Reconhecer que as explicações para os fenômenos
que práticas e processos de investigação sejam exercidos e eventos estudados dependem das diferentes es-
no ensino. calas de tempo e espaço em que eles acontecem;
O contato com tais práticas e processos permite, ain- e) Articular diferentes conhecimentos para solucionar
da, que a concepção de ciências que se constrói revele o problemas e interpretar dados, informações e evi-
caráter social e cultural do fazer científico. Proporcionar dências;
aos estudantes momentos que envolvam a resolução de f) Refletir e avaliar o processo de investigação cientí-
problemas por meio de ações investigativas contribui fica para se posicionar perante suas potencialida-
para o desenvolvimento da Alfabetização Científica. É im- des e limites, atuando criticamente em relação às
portante ressaltar que existem diversas maneiras de con- situações-problema.

136
4. Relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
O ambiente, considerado em grande perspectiva, que abrange o micro e o macrocosmo, é objeto pelo qual as
ciências se interessam e depreendem esforços para aprofundar conhecimentos. Essa relação, contudo, não é a única
que aqui se trata. É importante que o ensino de Ciências Naturais crie oportunidades para que os estudantes percebam
os diversos modos pelos quais ciência, tecnologia, sociedade e ambiente se relacionam e se influenciam mutuamente.
Essas relações e influências constituem e determinam práticas e processos de investigação e impactam a vida de to-
dos aqueles, direta ou indiretamente, envolvidos com as ciências. Em outras palavras, reconhecer e relacionar que as
ciências e as tecnologias imbricam-se e influem na sociedade e ambiente (e que são igualmente impactadas por eles)
envolve:
a) Desenvolver ações de intervenção para melhorar a qualidade de vida individual, coletiva e socioambiental;
b) Agir, pessoal e coletivamente, com respeito, equidade, autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência
e determinação, recorrendo aos conhecimentos das Ciências Naturais para tomar decisões frente a questões
científico-tecnológicas e socioambientais e a respeito da saúde individual e coletiva, com base em princípios
éticos, democráticos, sustentáveis e solidários;
c) Reconhecer e avaliar o desenvolvimento tecnológico contemporâneo, suas relações com as diversas ciências, seu
papel na vida humana e seus impactos na vida social;
d) Argumentar e posicionar-se criticamente em relação a temas de ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.

5. Contextualização Social, Cultural e Histórica


Todo conhecimento científico é conjectural e está inscrito em contextos sociais, culturais e históricos. Esse reconhe-
cimento é importante para que as ciências possam ser entendidas como áreas em constante desenvolvimento, cujos
conhecimentos são recorrentemente explorados e revisados. As ciências são uma atividade social e, por esse motivo,
aspectos culturais e históricos encontram-se conectados aos conhecimentos propostos e aos modos de investigar e
comunicar. Reconhecer a cultura científica e relacioná-la com as concepções, vivências e visões de mundo, oriundas de
diversas matrizes culturais que antecedem e convivem com a experiência escolar, envolve:
a) Associar e discutir explicações e/ou modelos acerca de fenômenos e processos naturais em diferentes culturas e
momentos históricos;
b) Reconhecer as ciências como uma construção humana, de caráter provisório, cultural e histórico;
c) Compreender a importância dos conhecimentos locais e tradicionais para a construção do conhecimento sobre
temas cotidianos, com o propósito de respeitar e valorizar a diversidade (étnico-racial, gênero e pessoas com
deficiência, entre outras) na perspectiva da interculturalidade.

PRÁTICAS CIENTÍFICAS

Especificando especialmente as três primeiras dimensões das abordagens temáticas (linguagem, representação e
comunicação; práticas e processos de investigação; elaboração e sistematização de explicações, modelos e argumen-
tos), é apresentado outro elemento central que constitui a proposta deste currículo: as práticas científicas.
As práticas científicas representam aspectos da construção e da proposição de conhecimentos nas ciências que de-
vem ser consideradas para o desenvolvimento da Alfabetização Científica entre os estudantes (JIMÉNEZ-ALEIXANDRE;
CRUJEIRAS, 2017; SASSERON; DUSCHL, 2016). Essas práticas são atividades vinculadas ao conhecimento de ciências e,
em situações de ensino, representam o desenvolvimento do conjunto de ações e de processos cognitivos entre os es-
tudantes. Ocorrem e devem ser desenvolvidas, em sala de aula, de modo integrado ao conteúdo científico com o qual
se trabalha, pois ganham sentido na ação e na relação com os fenômenos e objetos em investigação.
Carvalho (2013) propõe que a promoção da liberdade intelectual para os estudantes é aspecto importante do ensi-
no de Ciências. Tal liberdade somente é gerada e desenvolvida em sala de aula quando o professor oferece condições
para que os estudantes se envolvam com as discussões em que o conhecimento científico é apresentado e à medida
que as ações para a sua construção, bem como aspectos que a influenciam, também figurem como elementos centrais
do debate. De modo sintético, essas ações estariam vinculadas à coleta e à organização de dados, à construção e à exe-
cução de planos e etapas para o trabalho e à construção de explicações. Importante menção deve ser feita ao trabalho
didático com tais ações, o qual depende e demanda discussões para análise de ideias entre professor e estudantes,
promovendo condições para que atividades epistêmicas, como a proposição, a comunicação, a avaliação e a legitima-
ção de ideias, sejam trabalhadas em aula de Ciências (KELLY, 2016).
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Considerando esses pressupostos, propomos que as práticas científicas no Ensino Fundamental sejam organizadas
em três dimensões: Tratamento da Informação, Plano de Trabalho e Construção de Explicações.
As práticas científicas devem se tornar mais complexas ao longo da formação dos estudantes, revelando oportu-
nidades de contato com práticas e de conhecimento dessas como elementos constituintes da construção de enten-
dimento sobre conceitos científicos. Além disso, o movimento de complexificação permite que os objetos de conhe-
cimento e os fenômenos em análise sejam revisitados ao longo da trajetória escolar, ganhando novos contornos e,
portanto, novos entendimentos pelos estudantes.
O quadro abaixo esquematiza como as práticas científicas, trabalhadas neste currículo, desenvolvem-se ao longo
dos ciclos e ao longo do Ensino Fundamental.

137
EIXOS TEMÁTICOS

Os eixos temáticos apresentam-se de maneira ampla, reunindo conceitos, leis, teorias, modelos e noções das ciên-
cias, além de evidenciar proposições que serão trabalhadas nas aulas. São eles: Matéria, Energia e suas Transforma-
ções; Cosmos, Espaço e Tempo; Vida, Ambiente e Saúde. Eles congregam fenômenos e objetos de conhecimento das
diferentes áreas das ciências, e suas abordagens não se esgotam ao longo de uma sequência de ensino ou de um ano
escolar. Por isso, o currículo de Ciências Naturais desenvolve os três eixos temáticos com os estudantes em todos os
anos do Ensino Fundamental.

1. Matéria, Energia e suas Transformações


Durante o Ensino Fundamental, o trabalho com esse eixo temático permitirá que os estudantes se apropriem de
ideias centrais, como a constituição e as propriedades da matéria, suas transformações, a conservação da matéria e
da energia, bem como das diversas formas de se produzir energia. São assuntos que serão investigados em escalas de
observação que vão do micro ao macro.
Nesse eixo, criam-se condições para a compreensão de como ocorrem os fluxos de energia e matéria em diferentes
sistemas e os ciclos dos fenômenos observados nas Ciências Naturais. Contextualizam-se e problematizam-se o uso
de diferentes materiais e formas de energia e os meios de produção e consumo em diferentes tempos e espaços, os
quais possibilitam ao estudante refletir sobre a influência das ações humanas no ambiente em que está inserido, para
tomar decisões conscientes que considerem aspectos sociais, ambientais, políticos e econômicos. Com isso, amplia-se
o conceito de matéria e energia, percebendo-se que a matéria é cíclica, que novos componentes são formados a partir
daqueles já existentes e que a energia flui de maneira unidirecional em um sistema.
Ao longo dos anos escolares do Ensino Fundamental, os estudantes desenvolverão a percepção de que a matéria,
a energia e suas transformações, como a produção e o consumo, são elementos centrais da natureza e de que a socie-
dade interfere e manipula esses aspectos, transformando e produzindo materiais e energia em suas diferentes relações.

2. Cosmos, Espaço e Tempo


A grandiosidade do Universo sempre fez com que o ser humano tivesse interesse em investigar o céu e seus mis-
térios. As ciências possibilitam reconhecer galáxias, estrelas, planetas e suas interações. Permitem classificar e explicar
processos de modificações que o planeta foi sofrendo ao longo dos tempos e identificam influências dos movimentos
dos corpos para fenômenos observados e presenciados aqui no planeta Terra, bem como as influências desses muitos
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movimentos para a vida dos diferentes seres.


Para entender os fenômenos da natureza, é importante compreender também sua origem. Nessa perspectiva, dis-
cutir o cosmos é, antes de tudo, conhecer de onde vieram o tempo, o espaço e toda a matéria que se conhece e como
se deram suas primeiras transformações, inclusive aquelas que permitiram a ocorrência de vida no planeta Terra.
Com isso, possibilita-se que sejam percebidos os diversos espaços e tempos e as inúmeras maneiras de mensurá-lo,
de modo que se reconheça que, em vários casos, as dimensões humanas não são suficientes para explicar a natureza.
Nesse caminho, o estudo de Cosmos, Espaço e Tempo, além de propor ao estudante a aquisição de conceitos es-
pecíficos, permitirá a reflexão sobre a origem de tudo que o cerca, as dinâmicas do Universo e a imensidão que é o
cosmos.

138
3. Vida, Ambiente e Saúde No eixo temático Matéria, Energia e suas Transforma-
Um dos objetos de estudo das Ciências Naturais é a ções, no 1o ano o foco é o reconhecimento de materiais
vida, considerando suas diferentes escalas, manifesta- no cotidiano e suas características, para no 2o ano, exa-
ções e suas interações com o ambiente. É central desen- minar as propriedades e a relação delas com o uso. No
volver a compreensão de que a vida é, ao mesmo tempo, 3o ano, serão estudadas as transformações de materiais
o resultado de eventos que envolvem a transformação e a relação deles com o ambiente. No 4o ano, a ênfase
de matéria e energia e a causa que explica determinadas é posta na classificação de mudanças e de transforma-
características do planeta Terra. Compreender os fenô- ções de materiais e de energia. No 5o ano, estudam-se
menos envolvidos na origem e história evolutiva dos se- as relações entre seres vivos e ambiente na produção e
res vivos contribui para o entendimento de quais fatores uso de energia. O enfoque no 6o ano é no trabalho com
são essenciais para a existência da vida no planeta e tam- os materiais que constituem o planeta, especialmente o
bém para depreender os processos associados aos seres solo. No 7o ano, considera-se que os materiais são com-
vivos que interferem nas características abióticas do pla- postos por substâncias. No 8o ano, introduz-se a ideia de
neta. O ser humano deve ser entendido como parte inte- transformação química com produção de novas substân-
grante do ambiente, sendo influenciado pelas dinâmicas cias no nível macroscópico e, no 9o ano, aprofunda-se o
naturais e as influenciando. O corpo humano é visto de conceito de transformação química, agora trazendo em
maneira integrada e como aquele que vive em relação questão os aspectos microscópicos da constituição da
com os demais seres vivos. matéria.
Para além dos aspectos biológicos, o ambiente e os Com relação ao eixo temático Cosmos, Espaço e Tem-
seres vivos, incluindo o ser humano, devem ser com- po, inicia-se no 1o ano o estudo da luz e da sombra e,
preendidos na sua inter-relação com os aspectos sociais assim, da Terra e do Sol. No 2o ano, Sol e Terra são ob-
e históricos. Nessa direção, a ideia de sustentabilida- servados em sua interação, e as sombra começam a ser
de reforça um sentimento de corresponsabilidade e de analisadas por seu tamanho e a relação disso com o foco
constituição de valores éticos, permitindo ao estudante de luz. No 3o ano, entra em estudo o Sistema Sol, Terra
discutir sobre a disponibilidade de recursos naturais e e Lua e os movimentos da Terra. No 4o ano, estuda-se
seu uso consciente, além de compreender o impacto das outros planetas do sistema solar, assim como os movi-
relações entre produção e consumo, a fim de que se po- mentos da Terra e da Lua e suas fases. No 5o ano, o foco
sicione criticamente frente a temas da atualidade. Ade- são a formação do planeta Terra e os movimentos no sis-
mais, é importante o desenvolvimento da consciência do tema solar, em especial, os eclipses. No 6o ano, a abor-
próprio corpo, incluindo o seu funcionamento, cuidados dagem também está com foco na formação das rochas e
com a saúde e o respeito a si mesmo e ao outro, em bus- do solo, o que possibilita um diálogo com o eixo Matéria,
ca da melhoria da qualidade de vida individual, coletiva Energia e suas Transformações. Além disso, espera-se a
e ambiental, enfatizando o respeito à diversidade que compreensão do Sistema Sol, Terra e Lua por meio dos
constitui a sociedade em todas as suas dimensões, seja processos de dia, noite e fases da Lua. No 7o ano, o mes-
em relação à orientação sexual, identidade de gênero, re- mo sistema sustenta entendimentos sobre eclipses, ma-
lações étnico-raciais e culturais, pessoas com deficiência, rés e estações do ano. No 8o ano, o enfoque recai nos
entre outras. É preciso, ainda, considerar os conhecimen- fatores envolvidos na determinação do clima terrestre,
tos tradicionais, especialmente aqueles ligados às ques- que envolve a análise de diversas variáveis e fenômenos
tões de saúde e que influenciaram o desenvolvimento em conjunto, e, no 9º ano, abstrair modelos sobre a ori-
da medicina, farmacologia e da melhoria na qualidade gem do Universo fecha o ciclo nesse eixo temático.
de vida. O eixo temático Vida, Ambiente e Saúde contempla
temas tradicionalmente trabalhados no Ensino Funda-
OBJETOS DE CONHECIMENTO mental e que, neste currículo, ganham um novo contor-
no ao serem integrados ao longo de todos os anos e
Os objetos de conhecimento explicitam os conteúdos articulados aos outros dois eixos temáticos. Entre o 1oe o
do componente curricular a serem trabalhados em sala 3º ano, por exemplo, há o trabalho com aspectos relacio-
de aula, os quais estão diretamente relacionados aos ei- nados ao corpo humano que, além das discussões tradi-
xos temáticos, concretizando-os, à medida que se apre- cionais sobre composição e funcionamento, é acrescido
sentam os conceitos, processos e fenômenos que serão de abordagens em que sua relação com o ambiente está
abordados. em foco. No 4o ano, esse tema passa a ser estudado con-
Neste documento, os objetos de conhecimento apre- siderando a relação entre alimentação, atividade física e
sentam objetos e fenômenos do mundo natural que se- saúde. No 5o ano, são discutidas as ações e as influên-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

rão abordados com os estudantes ao longo dos anos do cias humanas no ambiente, assim como funções e carac-
Ensino Fundamental. Eles marcam os temas das ciências terísticas dos sistemas que compõem o corpo humano.
e, portanto, especificam os eixos temáticos. Também nesse eixo, o conceito de adaptação, por exem-
No quadro 2, é possível visualizar a progressão dos plo, encontra-se em um contexto mais específico no 6o
objetos de conhecimento por ano de acordo com o au- ano, relacionado à adaptação das plantas ao solo, o que
mento da complexidade e abstração ao longo dos ciclos. permitirá discutir aspectos da alimentação humana e dos
Ressalta-se que objetos relacionados aos três eixos te- sistemas do corpo humano relacionados. No 7o ano, dis-
máticos são intencionalmente inseridos e integrados ao cute-se adaptação na perspectiva da biodiversidade. No
longo de todos os anos do Ensino Fundamental. 8o ano, adaptação será trabalhada nos aspectos que en-
volvem as relações entre os sistemas sensoriais e o clima

139
no planeta. Já no 9o ano, adaptação é trazida à luz da seleção natural. A partir da ideia de célula no 6o ano, constroem-
-se compreensões sobre os sistemas do corpo humano ao longo de todo o Ciclo Autoral, passando pela reprodução no
7o ano, até que, no 9o ano, a reprodução é concebida na perspectiva da origem da vida e da hereditariedade.
Os três eixos temáticos são permeados por conteúdos relativos à avaliação das influências que ações antrópicas
podem receber e trazer ao ambiente e à elaboração de possíveis soluções para acompanhamento e mitigação dessas
influências, bem como de reflexões sobre as tecnologias que envolvem nossa vida cotidiana e que são resultado de
aplicação de conhecimento científico e da natureza histórica e contextual da produção do conhecimento científico.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

140
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentam as finalidades formativas para cada objeto de co-
nhecimento em cada um dos anos escolares. Eles materializam a associação entre os objetos de conhecimento de um
determinado eixo temático, as práticas científicas e as abordagens temáticas, representando, assim, ações a serem
desenvolvidas pelos estudantes ao longo das aulas de Ciências Naturais. Além disso, muitos dos objetivos de aprendi-
zagem e desenvolvimento deixam clara a relação que se deseja que os estudantes construam com outros âmbitos de
sua vivência, para além do espaço escolar, com vistas à atuação deles em sociedade e ao estabelecimento de atitudes
e valores que se associam aos conhecimentos das ciências e sua relação com a vida cotidiana.
Nesse sentido, eles explicitam as relações entre conceitos e práticas do conhecimento científico na escola, tendo,
como princípio, que se parta do processo de construção de entendimento sobre o que sejam as ciências. A demons-
tração de ações que se concretizam em outros âmbitos também permite a constituição de relações entre as Ciências
Naturais e outros componentes curriculares do Ensino Fundamental.
No currículo de Ciências Naturais da Cidade de São Paulo, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apre-
sentados para determinado ano do ciclo permitem a identificação de temas. Diferentes eixos temáticos e objetos de
conhecimento podem abordar o mesmo assunto, evidenciando que, apesar de as áreas das ciências apresentarem-se
separadamente nos eixos temáticos, precisam integrar-se para garantir a aprendizagem do estudante.
Na redação dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, estão presentes aspectos das abordagens temáti-
cas, das práticas científicas e dos eixos temáticos. Na figura 1, essa integração é explicitada, revelando o nível de abran-
gência de cada um dos elementos em relação ao outro. No disco mais externo, estão os três eixos estruturantes da
Alfabetização Científica. No segundo disco, estão as cinco dimensões das abordagens temáticas. No terceiro disco, as
três dimensões das práticas científicas. No quarto disco, encontram-se os eixos temáticos. As fronteiras entre os discos
e entre os componentes de cada disco (representadas pelas linhas pontilhadas) são permeáveis, indicando a articulação
entre eles nos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, que se localizam no disco central.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

141
Os discos giram uns sobre os outros, indicando, por exemplo, que um eixo temático está sendo desenvolvido ora sob
a perspectiva de uma determinada prática científica, ora de outra prática científica. Possibilitando ainda que elementos
presentes em diferentes discos estabeleçam relações mais específicas entre si, e desse modo, modificam o objetivo de
aprendizagem e desenvolvimento proposto no disco central que incorpora todas as dimensões. Essa representação
foi inspirada na proposição de Dagher e Erduran (2016, p. 155) para as relações entre aspectos de natureza da ciência.
Para entender como essa figura materializa as relações entre os elementos do currículo, vamos tomar como exem-
plo um dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para o 6º ano do Ensino Fundamental: Desenvolver e usar
modelos/ representações sobre o Sistema Terra, Lua e Sol para explicar o dia, a noite e as fases da Lua. Nele, podemos
identificar os conceitos envolvidos no eixo temático Cosmos, Espaço e Tempo.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Assim, o trabalho será desenvolvido a partir das relações entre o Sistema Sol, Terra e Lua e as características do
dia, da noite e das fases da Lua. No entanto, não é esperado que os estudantes somente descrevam esses conceitos e
relações, mas que desenvolvam a prática científica de elaborar representações para explicar, que está de acordo com a
progressão apresentada na figura 1. Ao desenvolvê-la, os estudantes estão conhecendo as dimensões 1 e 3 das abor-
dagens temáticas: linguagem, representação e comunicação; elaboração e sistematização de explicações, modelos e
argumentos.
Quando associado a outro objetivo do mesmo ano (conhecer explicações de diferentes épocas, culturas e civiliza-
ções sobre dia, noite e fases da Lua, valorizando a sua relevância histórica e cultural), os mesmos conceitos abordados
neste eixo temático e as práticas científicas ganham a dimensão 5 da abordagem temática: contextualização social,
cultural e histórica. Assim, ao desenvolver e escolher estratégias didáticas para atingir esses dois objetivos de apren-

142
dizagem e desenvolvimento, os professores contemplam
os três eixos estruturantes da Alfabetização Científica, SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
representados no disco mais externo da figura 1, à me- MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
dida que trabalham com conceitos científicos, processos COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
envolvidos na elaboração do raciocínio científico e suas CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO
relações com contextos históricos e culturais. FUNDAMENTAL: EDUCAÇÃO FÍSICA. 2. ED.
SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. 62-75.
Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: CURRÍCULO DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA A CIDA-
Ensino Fundamental: Ciências da Natureza. 2. ed. São DE DE SÃO PAULO
Paulo: SME/COPED, 2019. p. 63-86. Disponível em: http://
portal.sme.prefeitura. sp.gov.br/Portals/1/Files/50633.
pdf. #FicaDica
Nas primeiras décadas do Século XX no Bra-
sil e em São Paulo, a Educação Física esta-
EXERCÍCIO COMENTADO va em constituição como disciplina escolar,
pois naquele período os modelos e padrões
1. (SEDUC-AL - Professor - Ciências – CESPE/2018) A ainda não estavam consistentes e consoli-
abordagem cognitiva para o ensino de ciências se apoia dados na escola, muito embora já houvesse
nas teorias cognitivistas que influenciaram a pesquisa e diversos grupos, como os do movimento hi-
a prática de ensino e aprendizagem de ciências, espe- gienista, com forte influência sobre o pen-
cialmente a partir da década de 70 do século passado. samento social e educacional brasileiro, que
As teorias cognitivas de Jean Piaget e Lev Vygotsky são buscavam legitimar e prescrever práticas
a base que sustenta os pressupostos dessa abordagem para a Educação Física.
que, em linhas gerais, propõe que o conhecimento seja
construído individualmente e socialmente na relação dos O campo da Educação Física foi se constituindo tam-
sujeitos com o mundo e com os demais sujeitos e dentro bém a partir da criação de instituições ligadas à forma-
de contextos sociais e culturais determinados. ção de professores, dos departamentos de fiscalização,
Internet: <https://edisciplinas.usp.br> (com adaptações). das associações profissionais, das instituições científicas,
além das federações nacionais e internacionais voltadas
Considerando as informações do texto apresentado e os à organização da Educação Física e do Esporte. Os diver-
múltiplos aspectos a elas relacionados, julgue o próximo sos sujeitos que atuavam nesses espaços buscaram legi-
item, relativo à metodologia de ensino de ciências. timar seus objetivos para a disciplina.
As propostas de ensino de ciências que valorizem a ex- Em São Paulo, na década de 1930, um dos marcos foi
perimentação devem proporcionar aos estudantes a a inauguração da Escola Superior de Educação Física e
chance de fazer observações de determinado fenômeno Esporte do Estado de São Paulo para formação de pro-
e formular e testar hipóteses. fessores de educação physica, uma vez que nas escolas
(oficiais e particulares) existentes na época a presença de
( ) CERTO ( ) ERRADO um especialista na educação do corpo era considerada
fundamental. As instituições e seus agentes, como o Ins-
Resposta: Certo. Segundo o autor, para que a organi- tituto de Hygiene de São Paulo, intelectuais da Educação,
zação didática pedagógica ocorra da melhor maneira do Exército, da Marinha, da Igreja e do Estado, disputa-
possível é necessário que a estrutura da aula seja or- vam qual modelo ou padrão de Educação Física se alme-
ganizada de forma que o aluno obtenha métodos de java naquele período. Nas décadas posteriores, de 1940 e
estudo ativo e autônomo. 1950, o campo se consolidava e as entidades acadêmicas
e científicas se propunham a analisar a prática da área e
desenvolver modelos que prescreviam os modos de fa-
zer e dar a conhecer esses padrões pela sociedade e nas
escolas.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Nas décadas de 1960 e 1970, os projetos nacionais


tomaram conta das discussões sobre o papel da Educa-
ção Física na escola, ora buscando a sua obrigatoriedade
a todos os estudantes, ora entendendo-a como atividade
fora da grade curricular. A forte tendência era de consi-
derar o esporte como único elemento agregador e orga-
nizador da atividade física na escola. O uso das práticas
da Educação Física e do esporte era tido como consti-
tuidor de uma nacionalidade que atendia aos interesses
políticos da época (PAGNI, 1997).

143
A partir da década de 1980, no processo de redemo- CURRÍCULO DA CIDADE
cratização do país, grupos de intelectuais, apoiados em
novas teorias do campo gestadas nos centros de produ- Direitos Humanos e do compromisso do Brasil nos
ção científica do país, questionavam a homogeneização diversos tratados da ONU (Organização das Nações Uni-
da prática da Educação Física escolar por meio do espor- das).
te e também a aptidão física como paradigma da área1. Na perspectiva de que a linguagem é um instrumen-
Mesmo havendo uma relação com a prática escolar, os to de ordenamento da realidade, marcando a fronteira
espaços de legitimação desses discursos não eram em entre os diferentes, pois contribui para a criação de um
sua maioria os mesmos das práticas docentes no sistema conjunto de normas e símbolos que garantem a estabi-
de ensino oficial e privado. lidade do sistema, ela pode ser dimensionada com alta
Na Cidade de São Paulo, a partir dos anos 1990, as possibilidade de transformação, uma vez que é possível
discussões sobre uma Educação Física, cujo paradigma identificar – por meio da problematização – os elementos
era e ainda é a cultura corporal, foram apresentadas nos que estão em jogo, na validação das identidades. A lin-
documentos curriculares oficiais e, desde então, outras guagem não é uma construção nem evento passivos, mas
propostas integraram o Currículo da Cidade, como o do- elemento constituído dos fatos e do mundo. Os sentidos
cumento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). provocados pela linguagem vão muito além da subordi-
No cenário nacional, outras instituições, como centros de nação desta sob as coisas e mundo; são um conjunto de
estudos do movimento humano e outros órgãos, trou- referências de que os diferentes grupos lançam mão para
xeram para as discussões sobre o currículo perspectivas tornar hegemônicos seus valores, normas e símbolos.
como a saúde sob a ótica do individualismo e da quali- A Educação Física escolar abre espaço, por meio da
dade total. Já os documentos oficiais tratavam de romper linguagem, para as ressignificações, para novas elabo-
com o modelo de Educação Física voltada à aptidão físi- rações de representação com conteúdos mais demo-
ca, buscando igualar diferentes aportes teóricos dentro cráticos, uma vez que equilibram as práticas corporais
de uma perspectiva que pudesse dar espaço às múltiplas presentes, incluindo as que outrora foram ignoradas e
vozes. excluídas do currículo na escola. Para além do saber-fa-
Desde 2007, documentos oficiais da Rede Municipal zer e compreender esse fazer, é buscar outras formas de
atuar no mundo com a/pela/na linguagem corporal; vai
de Ensino entendem a prática da Educação Física como
além da aula teórica em sala de aula ou da aula prática na
linguagem, fundamentando-se nos estudos culturais
quadra. É buscar em qualquer espaço uma relação com a
e pós-estruturalistas, os quais encontram sua grande
linguagem corporal, conhecê-la, vivenciá-la e problema-
produção nas universidades paulistas. A Educação Físi-
tizá-la, além dessas convenções.
ca na perspectiva cultural compreende em sua prática
Nessa perspectiva da Educação Física como lingua-
pedagógica que o corpo traz as marcas históricas dos
gem, espera-se que qualquer estereótipo não seja uti-
sujeitos e da cultura. Assim, o movimento expressa in-
lizado para não permitir ou impedir a experiência da
tencionalidades e comunica e difunde os modos de ser, cultura corporal na escola. Ensinar apenas as quatro mo-
de pensar e de agir das pessoas. Cabe a essa perspectiva dalidades esportivas (futsal, basquetebol, voleibol e han-
proporcionar aos diferentes estudantes a oportunidade debol) não são sufi cientes para mobilizar o interesse, a
de conhecer, ampliar e compreender em profundidade participação e a aprendizagem de todos os estudantes
seu próprio repertório cultural e dos outros e perceber nas aulas de Educação Física e tampouco deixar a “aula
o patrimônio cultural elaborado ao longo do tempo, seja solta” vai gerar o conhecimento e os sentidos presentes
ele do universo particular dos sujeitos, seja de universos na vivência das práticas corporais.
distantes, de modo que possam contribuir para a amplia- Essas transformações não ocorrerão caso se espere
ção da experiência pedagógica e da aprendizagem. dos estudantes um comportamento único, entendendo-
Nessa perspectiva, busca-se também contribuir para -se que o fato de não se ampliar as experiências na escola
que os estudantes questionem a forma como esses sa- se deve à desmotivação e à falta de apreço às atividades
beres se consolidaram ao longo da história, identificando físicas pelos estudantes. Ao desconsiderar que o gosto, o
que tipos de discursos os elaboraram, procurando fo- prazer e o desejo por qualquer prática corporal perpas-
mentar outras maneiras de organizar tais conhecimentos. sam pela constituição desse conhecimento ao longo da
Outro objetivo é proporcionar aos estudantes maneiras vida, corre-se o risco de encontrar barreiras para a aula
de compreenderem os limites espaço-temporais em que e estar diante de classes desmotivadas, conformando-se
as práticas corporais se constituíram. com “qualquer atividade serve”. A linguagem corporal
Em 2016, o documento publicado Direitos de apren- não possui significado em si, mas a partir dos seus usos
dizagem dos ciclos interdisciplinar e autoral: Educação
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

sociais, com seus sistemas de classificações nos espaços


Física, com o entendimento da criança, do adolescente em que ocorrem. Portanto, a formação do gosto, prazer
e do jovem como sujeitos de direitos que devem ser ga- e desejo pelas práticas corporais partem do conjunto de
rantidos por todos os envolvidos na vida escolar, amplia significações e significantes atribuídos por aqueles que
o debate sobre o campo da linguagem. Os direitos de as experienciam/vivenciam.
aprendizagem fazem parte da quarta geração dos Direi- Alguns signos da linguagem corporal são mais pró-
tos Sociais, organizados a partir da Declaração Universal ximos e mais significativos para uns que para outros, e
dos partilhar da experiência pedagógica, a partir da história e
memória corporal dos grupos sociais presentes na esco-
la, pode ser uma escolha feliz para introduzi-los no uni-
verso de conhecimento da cultura corporal.

144
Em uma sociedade cujas relações sociais são hierar- CURRÍCULO DA CIDADE
quizadas, refletindo uma apropriação desigual do pa-
trimônio cultural, a escola acaba não escapando a essa Dessa forma, os anos escolares não se vinculam a mo-
lógica. Daí decorre as práticas corporais serem distintas mentos estanques, em que determinados conteúdos são
de acordo com o espaço social que ocupam. Nesse jogo fixados. Muito pelo contrário, procuram apontar a neces-
de interesse em tornar esta ou aquela linguagem mais ou sidade de que a todos os estudantes seja dado o direito
menos legítima, privilegiam-se alguns esportes em detri- de estabelecer contato com certos conhecimentos, em
mento de outros, hierarquiza-se o esporte em detrimen- conformidade com os momentos da sua vida escolar,
to dos outros temas da cultura corporal e determina-se mas, ao mesmo tempo, as escolas podem e devem orga-
quem pode praticar, quem tem o privilégio para se apro- nizar os programas ou planos de ensino da disciplina a
fundar em determinados temas ou, até mesmo, quantas partir dos arranjos específicos que considerem o projeto
vezes determinada prática corporal estará no currículo. A pedagógico, a cultura regional, a comunidade, entre ou-
Educação Física na escola busca a superação dessa con- tros aspectos relevantes.
duta, considerando que o acesso ao patrimônio cultural Diante disso, o documento está organizado de ma-
produzido pela sociedade deve se pautar pela equidade. neira que todos os temas da cultura corporal possam ser
Para superar os processos de desigualdade no ensino trabalhados do 1º ano até o 9º ano, com os objetos do
da Educação Física, é importante o estudo das vivências, conhecimento organizados por Ciclos (Alfabetização, In-
da investigação e da reflexão crítica acerca dos diferentes terdisciplinar e Autoral) e os objetivos de aprendizagem
elementos produzidos pela cultura corporal, pois os es- e desenvolvimento por ano. No que se refere à Educação
tudantes, ao produzirem seus conhecimentos, ampliam, Física, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
criticam e ressignificam, alterando e promovendo trans- devem servir como balizas ao longo da Educação Básica,
formações no processo cultural (SÃO PAULO, 2016). sem com isso determinar um programa de ensino único
para todas as escolas da Prefeitura de São Paulo. Para
DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE EDUCAÇÃO FÍSI- todos os ciclos, foram considerados os estudos sobre
CA cultura corporal como elaboração coletiva, por meio da
pesquisa e mapeamento das práticas corporais, reconhe-
O conhecimento da cultura corporal tem por caracte- cendo a importância do acolhimento dessas, a partir dos
rística ser estabelecido em rede, pois na realidade social grupos sociais presentes na escola. Alguns objetos do
coexistem práticas corporais singulares, ligadas a identi- conhecimento foram elaborados partindo do contexto
dades de origem de diferentes grupos étnicos e culturais. próximo (comunitário e ancestral), estabelecendo rela-
Essa composição cultural pode ser caracterizada pela ções com a realidade brasileira e mundial.
plasticidade e permeabilidade dos diferentes saberes e Os objetivos apontados para o percurso curricular in-
manifestações. No cotidiano das ações sociais, a criação dicam que o estudante tem direito de aprender determi-
e recriação das práticas corporais são manifestadas de nados conhecimentos em cada etapa. O que se sinaliza
modo particular, sem diluí-las, ao mesmo tempo em que é que os conhecimentos sejam trabalhados até o fi m
permitem seu entrelaçamento. Nesse entrelaçamento de do ciclo indicado, garantindo a vivência e interpretação
influências recíprocas, configura-se em sua complexida- do maior número possível de manifestações culturais.
de uma permanente elaboração e redefinição da cultura Contudo, isso não impede que os projetos e planos de
corporal. ensino do componente antecipem ou aprofundem pos-
Compreende-se que há pontos de intersecção entre teriormente as aprendizagens previstas para determina-
os eixos temáticos da cultura corporal, que se desdobram do período.
em objetos do conhecimento e objetivos de aprendiza- Nas aulas de Educação Física, a partir do reconheci-
gem e desenvolvimento importantes para a formação mento da cultura local e da horizontalidade dos saberes,
dos estudantes. Por vezes, os temas podem ser estuda- pode-se proporcionar, pelas experiências pedagógicas, o
dos como um leque, organizando-se em paralelo, como acesso à multiplicidade de conhecimentos, não restrin-
as danças e os diferentes tipos de danças populares, com gindo os saberes a formas fragmentadas, mas compreen-
sua peculiaridade e mobilização de novos saberes com dendo-os em sua complexidade, acolhendo as diferentes
diversas possibilidades de ensino e de aprendizagem. Em gestualidades e rompendo com as barreiras da exclusão
outros casos, o desenvolvimento e/ou o aprofundamen- que acabam limitando a experiência educacional da cul-
to de um objeto de conhecimento converge com outro tura corporal.
tema. Por exemplo, podem-se abordar as questões de Os direitos de aprendizagem visam à garantia do
gênero, saúde e qualidade de vida tanto nas modalida-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

acesso e à apropriação do conhecimento de todas as


des esportivas, como em dança, na ginástica, nas lutas e crianças e jovens, a fi m de se construir uma sociedade
nos jogos e brincadeiras, ou tomar a mesma questão sob mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve esti-
o ponto de vista da mídia, como o cinema, a TV, as mídias mular a participação dos estudantes em situações que
sociais e as tecnologias digitais. Organizar o conhecimen- promovam a reflexão, a investigação, a pesquisa e a reso-
to dessa maneira possibilita aos educadores requisitarem lução de problemas e espaços onde possam representar
qualquer objeto e seus objetivos no tempo-espaço, de e vivenciar suas experiências e ressignificá-las, a partir da
acordo com as indagações que mobilizam os estudantes, construção de novos conhecimentos.
e também permite-lhes antecipar certas situações e rever
outras, de maneira a promover a aprendizagem de todos.

145
ENSINAR E APRENDER EDUCAÇÃO FÍSICA NO EN- cias, pois os significados dados a esses signos da lingua-
SINO FUNDAMENTAL gem corporal organizam as formas de pensar, de agir, de
sentir e de expressar-se das pessoas. É o que constitui o
Para se compreender o papel da Educação Física no indivíduo na sociedade. Como a cultura é uma produção
Ensino Fundamental, vale destacar alguns pontos refe- coletiva, cada grupo cultural vai criar e recriar seus mar-
rentes à experiência do fazer escolar desse componente cadores identitários. Seu posicionamento no mundo se
curricular dentro da escola. Se em décadas passadas, sa- dá por meio dessas expressões corporais e gestuais. Por-
ber fazer ou jogar bem alguma prática corporal da Edu- tanto, todas as manifestações da cultura corporal produ-
cação Física era o objetivo máximo da vivência escolar, zem marcas identitárias, legitimadas por certos discursos
hoje se entende, a partir dos diversos estudos e discus- que ora incluem ora excluem os sujeitos, de acordo com
sões da área, que muitos fenômenos estão associados o espaço social que ocupam. Assim, “existe um único jei-
ou ligados de forma imanente à cultura corporal, e sua to certo de fazer” ou “essa atividade é só para meninos”
compreensão se faz uma tarefa urgente e fundamental ou “meninas não brincam disso, porque é coisa de meni-
para a aprendizagem dos estudantes. no” etc., vão delimitando e excluindo os sujeitos, além de
Para tanto, não basta fazer. É preciso refletir, ques- silenciarem toda a vasta experiência corporal que as pes-
tionar, experimentar, modificar e compreender. Foi com- soas trazem. Se a escola é o espaço em que o patrimônio
preendendo suas ações que o homem criou os símbolos cultural é partilhado, problematizado e ressignificado, os
e assim vingou como espécie. Esses símbolos são trans- estudantes devem ter acesso aos mais diversos signos da
mitidos e criados a todo instante. A criação é vivida, ima- linguagem corporal, ampliando sua experiência cultural
ginada, e representada. A representação manifesta-se, e de conhecimento.
vira ação e se transforma em expressões corporais. Ao Estudar e aprender sobre a cultural corporal traz di-
brincar, dançar, lutar, fazer ginástica ou praticar esportes,
versas maneiras de entender o mundo e a si mesmo,
os seres humanos se comunicam e transformam em lin-
pois, como fenômenos imanentes desse processo pe-
guagem o movimento recorrendo, para tal, ao universo
dagógico, os temas ou saberes sobre o corpo e o mo-
simbólico disponível e transmitido de geração a geração.
(SÃO PAULO, 2007, p. 42). vimento estão presentes e marcados no espaço/tempo
O entendimento é que a escola é um espaço para a das diversas práticas corporais. Aspectos como saúde
socialização do patrimônio cultural acumulado pela hu- coletiva, maturação/envelhecimento, qualidade de vida,
manidade, e a Educação Física escolar nos dias atuais treinamento/destreinamento, além dos apresentados
busca proporcionar aos estudantes das diferentes etapas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
da escolarização o acesso a essa riqueza material e sim- podem ser estudados a partir desse processo investiga-
bólica, tendo como princípio a equidade. tivo de uma ou mais manifestações culturais, inclusive
A escola pública é o local do encontro dos diferentes estabelecendo uma interação e integração com outros
grupos sociais e seus marcadores identitários e, como componentes curriculares.
lugar da diversidade, deve reconhecer que o acesso ao Desse modo, entende-se que a aprendizagem da
patrimônio cultural – tanto material como imaterial – Educação Física seja fundamental para o alargamento
precisa ser amplo, diverso e integral, abrangendo a multi- das possibilidades de escolha consciente dos sujeitos.
plicidade de sujeitos. Daí a importância da equidade para Não se nega as possíveis “consequências” positivas que
que seja constituída uma experiência de aprendizagem e ela propicia em outras esferas do desenvolvimento hu-
educação integral nas quais todos os envolvidos na cena mano. Contudo, elas não podem ser vistas como sua
pedagógica possam atuar e ter seu espaço garantido. finalidade principal. Seu objetivo não é desenvolver ca-
Diante desse contexto, a Educação Física como lin- pacidades que auxiliem a alfabetização e o pensamento
guagem valoriza e reconhece essa diversidade e busca lógico-matemático, embora tais aprendizagens possam
criar um ambiente propício para que as diferentes nar- ocorrer como um subproduto dessas práticas. Na escola,
rativas possam se manifestar a partir de suas próprias por exemplo, o objetivo do ensino da Educação Física
culturas. Tratar a cultura corporal dessa maneira não é é tematizar as práticas corporais, concebendo-as como
valorizar o que no senso comum se diz ser “teoria” em um conjunto de práticas sociais centradas no movimen-
detrimento da prática. Pelo contrário, é compreender to, realizadas fora das obrigações laborais, domésticas,
que a vivência (prática refletida) só é ampla e integral higiênicas e religiosas, nas quais os sujeitos se envolvem
se atuamos sobre o “saber fazer”, atribuindo, problema-
em função de propósitos específicos, sem caráter instru-
tizando e produzindo significados. A linguagem corpo-
mental. Nessa explicação, fica evidente que as práticas
ral é indissociável do ser, da subjetividade das pessoas,
corporais propiciam ao sujeito o acesso a uma dimensão
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

e não há existência fora da corporeidade. Assim, o ser


brincante, o ser lutador, o ser esportista, o ser ginasta e de conhecimentos e de experiências à qual ele não teria
o ser dançante são formas de ser, estar e se comunicar de outro modo. Assim, entende-se que as aulas de Edu-
no mundo. Os significados são partilhados e legitimados cação Física não são um meio para se aprender outros
pela experiência e recorrência com o que acontece em conteúdos, mas sim uma forma de gerar um tipo de co-
diferentes espaços sociais. Portanto, a vivência coletiva é nhecimento muito particular e insubstituível.
fundamental para compormos nossa linguagem corporal A Educação Física escolar, para desenvolver as con-
e, consequentemente, nossa subjetividade. dições de equidade, deve considerar o contexto socio-
O desafio que cabe aos professores é acessar as di- cultural da comunidade escolar e as diferenças entre os
ferentes práticas corporais nas quais os estudantes estão grupos e trabalhar a partir delas e dos saberes culturais
imersos e dar o tratamento pedagógico a essas experiên- construídos dentro e fora da escola (SÃO PAULO, 2007 b).

146
Os estudantes atuam em/com/por meio de sua ges- EIXOS TEMÁTICOS
tualidade para marcarem suas posições, e os diferentes
grupos sociais buscam ampliar esse universo simbólico Os direitos de aprendizagem são materializados nos
por meio de novas expressões corporais e gestuais. diferentes eixos temáticos da cultura corporal e apresen-
Toda linguagem se utiliza de signos para se comu- tados nos nove anos do Ensino Fundamental. As práticas
nicar, esses signos são impostos culturalmente, não re- corporais que serão tematizadas na escola partem do
fletem uma natureza necessária entre o significante e o princípio de que os estudantes possam vivenciar e in-
significado. Quando falamos na cultura corporal como terpretar o maior número possível de manifestações da
linguagem, olhamos para o movimento corporal, não cultura corporal presentes no patrimônio material e ima-
mais como uma máquina movida por músculos, ossos e terial da cultura. As manifestações e as práticas podem
nervos, mas como uma intenção, nos remetemos à ges- ser diversas entre si e também plurais em cada tema, já
tualidade como signo. O gesto é um signo, um significante, que se consideram os conhecimentos locais e o repertó-
que traz em si um sentido, um significado, que não é fixo rio presente na comunidade escolar.
e imutável, mas que representa uma determinada intensão
num determinado contexto. (SÃO PAULO, 2016, p. 18). Os eixos elencados e disponibilizados ao longo dos
Ao adentrarem a escola, os jovens de diferentes gru- ciclos e anos são:
pos sociais encontram novas linguagens, por vezes des- • Jogos/Brincadeiras;
conhecidas. O desafio está exatamente em proporcionar • Lutas;
experiências em que as suas linguagens próprias trazidas • Esportes;
à escola e essas novas partilhem da mesma importância • Danças;
e deferência no trato pedagógico, não hierarquizando e • Ginásticas;
privilegiando o que se considera comum e naturalizado • Práticas Corporais de Aventuras.
dentro das aulas.
Visto que os conhecimentos da cultura corporal com Uma das questões pertinentes em se tratando da cul-
que se pode trabalhar com os estudantes são vastos, é tura corporal é que, a partir da vivência e interpretação,
importante considerar critérios de seleção, tais como: re- os estudantes possam contemplar essas manifestações
levância social e cultural, relevância para a formação inte- de maneira a atribuir e fruir valores estéticos, ampliando
lectual do estudante, potencialidade de estabelecimen- e aprimorando suas estratégias de comunicação gestual
to de conexões interdisciplinares e contextualizações e e compreendendo que as práticas corporais são expres-
acessibilidade e adequação aos interesses da faixa etária. sões legítimas dos diversos grupos sociais, construídos
no tempo e espaço social.
INTERDISCIPLINARIDADE As experiências partilhadas nas aulas devem ser pro-
movidas no sentido de ampliar a percepção do sujeito e
No atual contexto de nossa sociedade, cada vez mais da relação entre a subjetividade, a individualidade e a al-
se exige um conhecimento que não fi que circunscrito a teridade (o outro). Para tanto, é necessário compreender
uma especificidade, mas que circule e estabeleça outras e respeitar as manifestações corporais como expressões
conexões, pois o conhecimento fragmentado e reduzido da própria individualidade e da dos outros. É importante
não garante uma visão ampla e complexa da realidade, reconhecer que isso não ocorre por geração espontânea,
podendo gerar equívocos e interpretações que promo- mas por um ato intencional proporcionado pelo ambien-
vam a exclusão. Desta maneira, os conhecimentos da cul- te da aula. Vale destacar que o reconhecimento dos gru-
tura corporal mobilizam ações interdisciplinares a ponto pos sociais a que pertencem os estudantes e das cons-
de garantir uma aprendizagem com equidade. tituições de suas identidades passa pelo entendimento
A interdisciplinaridade é caracterizada pelo grau de de que essas não são fixas, mas que estão em constante
interação e integração com os demais componentes cur- construção num processo de permanências e rupturas.
riculares num projeto pedagógico. Pode-se considerar A compreensão do mundo, por meio da linguagem
que determinados conhecimentos exigem que as tradi- corporal, perpassa também pelo vivenciar e interpretar
cionais fronteiras de um componente curricular sejam os signos da linguagem estruturados no que chamamos
transpassadas para que as aprendizagens de outras áreas aqui de eixos temáticos, ou seja, Jogos/Brincadeiras, Es-
sejam mobilizadas, possibilitando o alargamento ou o portes, Lutas, Danças, Ginásticas e Práticas de Aventuras
aprofundamento desses saberes. Conceitos que emer- Urbanas e na Natureza, analisando, interpretando e criti-
gem da experiência/vivência, reflexão e debate sobre o cando os padrões de estética e consumo veiculados pela
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tema articulados às demandas trazidas pelos estudantes mídia, compreendendo o sentido de sua produção, cor-
também mobilizam o deslocamento de nosso campo de relacionando-os à sua experiência pessoal e reconhecen-
conhecimento para interagir e integrar com outros. do sua influência na formação de identidades. Portanto,
É preciso compreender que, para desvendar a com- no ensino de Educação Física, devem ser constantemente
plexidade de certos fenômenos da natureza, da vida e, retomadas a valorização e a compreensão de que as ma-
neste particular, da cultura corporal, a quebra e o rom- nifestações da cultura corporal são formas de resistência,
pimento das fronteiras do componente curricular são de acordo com o espaço social que ocupam. É preciso
essenciais para encontrar novas explicações para esses também construir conhecimentos sobre a cultura corpo-
elementos, já que a interdisciplinaridade não posiciona ral de forma colaborativa a partir do tratamento e dis-
as disciplinas em hierarquia, mas propõe que caminhem cussão das informações obtidas nos contextos históricos,
juntas. sociais e políticos.

147
Na elaboração dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento foram considerados alguns aspectos importantes
dos documentos: Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para o Ensino Fundamental:
ciclo I (2007a); Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para o Ensino Fundamental:
ciclo II: Educação Física (2007b); Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e autoral: Educação Física (2016) e
as proposições trazidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) .
Em cada ano dos três ciclos de aprendizagem há um quadro sistematizado com quatro colunas: Eixo, Objetos de
Conhecimento, Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Importante ressaltar a incorporação dos ODS, pactuados na Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas,
como temas inspiradores a serem trabalhados de forma articulada com os objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
mento nos diferentes componentes curriculares. Nos quadros de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento há
uma correspondência com o Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Bra-
sileira”.
Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no
10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
ODS relevante para aquele objetivo, seja do ponto de vista temático quanto sob o olhar metodológico e de abor-
dagens inovadoras de aprendizado.
Educadores e estudantes são protagonistas na materialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm ampla
liberdade para também criar projetos autorais a respeito, assim como buscar parceiros com o objetivo de promover
maior cooperação entre os diferentes atores sociais e da comunidade escolar na geração e compartilhamento do co-
nhecimento e prática. Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com os ODS na prática
escolar serão detalhadas no documento de orientações didáticas dos diferentes componentes curriculares.
Cabe destacar ainda que os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apresentam uma numeração que tem
como propósito a localização. Não se trata, em hipótese alguma, uma sequência a ser seguida, nem um pré-estágio
ou um pré-requisito para trabalhar com um objetivo e depois outro, já que a dinâmica das aulas, o planejamento do
professor e sua leitura aguçada pela avaliação é que determinarão quantos e quais objetivos serão trabalhados.
Em relação aos objetos de conhecimento, a organização ao longo dos ciclos teve a preocupação em contemplar
diferentes contextos. No Ciclo de Alfabetização, a partir do contexto familiar/comunitário, contemplam-se os seguintes
objetos de conhecimento:
• Brincadeiras e jogos do contexto familiar e comunitário;
• Esportes: marca, precisão e invasão;
• Ginástica geral;
• Danças do contexto familiar, comunitário, regional e midiático; • Lutas/jogos de oposição do contexto familiar e
comunitário;
• Práticas corporais de aventuras urbanas e na natureza.

No Ciclo Interdisciplinar, os objetos de conhecimento são tematizados a partir do contexto regional e nacional. São
eles:
• Brincadeiras e jogos regionais e populares do Brasil;
• Esportes: campo e taco; rede e parede; de invasão e técnico-combinatório;
• Ginástica geral com práticas corporais circenses e ginástica de condicionamento;
• Danças do Brasil;
• Lutas do Brasil;
• Práticas corporais de aventuras urbanas e na natureza.

No Ciclo Autoral, apresentam-se os objetos de conhecimento no contexto mundial e digital:


• Brincadeiras e jogos do mundo e digitais;
• Esportes: campo e taco; rede e parede; de invasão; de combate e técnico-combinatório;
• Ginástica de condicionamento físico e ginástica de consciência corporal;
• Danças urbanas do Brasil e do mundo;
• Lutas do mundo: curta, média, longa e mista distância;
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• Práticas corporais de aventuras urbanas e na natureza.

Para elucidar as tematizações de alguns dos objetos de aprendizagem, apresenta-se abaixo um resumo na tabela:

148
Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Educação Física. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-75. Disponível em: http://portal.sme.prefeitu-
ra.sp.gov.br/ Portals/1/Files/50635.pdf.

EXERCÍCIO COMENTADO

1. (Prefeitura de Goioerê/PR - Professor - Educação Física - FAUEL/2018) Coll et al. (2000) definem conteúdo como
uma seleção de formas ou saberes culturais, conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores, cren-
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ças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta etc., cuja assimilação é considerada essencial para que se
promovam desenvolvimento e socialização adequados ao aluno. Nesse sentido, quais são as dimensões de conteúdos
a serem consideradas na Educação Física escolar?

a) Teoria, prática e procedimental


b) Elementar, regras esportivas e prática
c) Conceitual, procedimental e atitudinal
d) Atitudinal, teórico-prático e regras esportivas

149
Resposta: Letra C. Em “c” a alternativa está correta de pela memorização de conteúdos factuais, passou-se a
acordo com os autores: uma abordagem problematizadora das questões da pro-
Darido et al. e Darido e Souza Junior trouxeram dução do território como campo de forças e disputas,
exemplos de como ensinar os conteúdos da cultura da interpretação sistêmica da natureza, que não exclui
corporal de movimento na escola a partir das três di- as transformações que a sociedade urbana e industrial
mensões dos conteúdos (procedimental, conceitual e produz, da crítica e da valorização da diversidade cul-
atitudinal). Para os autores, os alunos que frequentam tural, da expansão das geotecnologias e do papel ativo
as aulas de Educação Física necessitam sair da escola dos geógrafos nas temáticas do planejamento territorial
como pessoas que vivenciaram situações que possam e da cartografia (em amplo sentido, desde a cartografia
ajuda-los a compreender esses conteúdos de forma participativa com os povos aos sofisticados produtos da
ampla e integral. cartografia digital). Outras frentes poderiam ser acresci-
das a essas, o que tornaria explanação extensa, mas o
importante é destacar que os objetos de conhecimento
da Geografia estão no mundo real, daí o conhecimen-
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA to pautar-se pela crítica socioambiental e uma postura
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. transformadora diante das injustiças sociais.
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. Para essa diversidade de objetos, a análise do espaço
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO geográfico foi sendo enriquecida pela contribuição teó-
FUNDAMENTAL: GEOGRAFIA. 2. ED. SÃO rica de grandes acadêmicos da Geografia, como Santos
PAULO: SME/COPED, 2019. P. 62-88. (1987; 2000a; 2001), Ab’Saber (2003; 2004; 2007), Montei-
ro (2001), Oliveira (1978; 2001), Andrade (1963; 1989), Si-
mielli (1992; 1996), Moreira (1991; 2007), Almeida (2001;
INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE 2005), Carlos (1992; 2001; 2004), Corrêa (1989; 2004),
CURRICULAR Pontushka (1992; 1999) e muitos outros que sistemati-
zaram as bases teóricas no campo científico. Essas bases,
traduzidas em conceitos estruturantes do pensamento,
#FicaDica tais como território, paisagem, lugar e região, são funda-
mentais, pois delas resultaram métodos e procedimentos
A elaboração de currículos em campos de
específicos do modo de estudar o mundo.
conhecimento complexos, como a Geogra-
Mas é preciso reconhecer que o movimento de re-
fia, pressupõe desafios. Esses estão pauta-
novação acadêmica não teve a mesma temporalidade e
dos pela dimensão das trajetórias do pensa-
capilaridade na transformação do ensino de Geografia;
mento geográfico, que nas últimas décadas
particularmente, os livros didáticos demoraram a assu-
passou por uma significativa transformação
mir essa nova trajetória do saber geográfico. No entan-
nos conteúdos, enfoque e abordagens teóri-
to, o processo de difusão do campo científico encontrou
cas e metodológicas. A Geografia está sem-
respaldo de profissionais de educação que passaram a
pre em movimento!
pensar os currículos como reflexo dos novos posiciona-
.
mentos da Geografia diante do mundo.
Segundo Palma Filho (2004 apud ALENCAR, 2009, p.
Nesse sentido, optou-se por apresentar o compo- 41-42), foi a Coordenadoria de Estudos e Normas Pe-
nente curricular buscando relacioná-lo com o ensino. dagógicas (CENP) que, em 1986, “iniciou um ambicioso
O processo de transformação da Geografia ocorreu no trabalho de reorganização curricular dos então ensinos
contexto histórico de 1960-1970, em particular, sob os de 1º e 2º graus, constituindo equipes de trabalho para
desdobramentos da polarização do mundo da Guer- elaborar novas orientações curriculares para todas as dis-
ra Fria e do Estado governado por ditaduras militares. ciplinas1”. A proposta de Geografia que consta no docu-
As Geografias praticadas no mundo se diversificam em mento da CENP é a materialização do momento que vivia
análises espaciais que envolvem crescentemente a crítica o Brasil: urbanização e industrialização foram os motes e
ao capitalismo e ao socialismo de Estado. Moraes (2003) fi os condutores dessa proposta para o 1°grau.
considera que nesse período emergem também as ques- Na década de 1990, em São Paulo, na gestão de Pau-
tões socioambientais, as disputas por energia e outros lo Freire como Secretário Municipal de Educação, segun-
recursos naturais, a degradação ambiental e, mais recen- do Pontushka, Paganelli e Cacete (2007 apud ALENCAR,
2009), foi construído o documento “Visão de Área de
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temente, as mudanças climáticas.


Historicamente, o processo de renovação do pensa- Geografia”. A elaboração desse documento foi fruto da
mento geográfico ficou consignado, justamente por mar- participação dos professores e técnicos do Núcleo de
car uma ruptura com a Geografia Clássica. Nas últimas Ação Pedagógica (NAE).
décadas, essa transformação reflete-se num amplo con- Em resumo, as transformações das posturas geográ-
junto de estudos que analisam a dinâmica da sociedade ficas diante do mundo produziram uma ruptura com as
e a fase rentista do capital, assim como os processos fun- interpretações naturalizantes da sociedade e suposta-
cionais da natureza diante dos impactos da exploração mente neutras em relação ao Estado: avançando-se para
econômica e a conservação da natureza. As mudanças uma visão da Geografia como ciência social engajada e
no campo científico repercutiram nas práticas educativas atuante num mundo cada vez mais dominado pela glo-
escolares. De uma visão descritiva do mundo, pautada balização dos mercados, pelas mudanças nas relações

150
de trabalho e pela urgência das questões ambientais e cientistas políticos, que se dedicaram ao estudo da socie-
culturais. [...]. Além disso, relacionou os fenômenos so- dade brasileira em uma perspectiva de forte engajamen-
ciais com a natureza apropriada pelos seres humanos, to político, que acabaria esbarrando no enrijecimento da
compreendendo as relações que se estabelecem entre reação no período que se seguiu a 1964. Ao falarmos em
os eventos sociais, culturais, econômicos e políticos, em renovação da Geografia
suas diferentes escalas. (SÃO PAULO, 2008, p. 74).
Diante desses destaques, como pensar um documen- 2. Trata-se de considerar que a Geografia possui
to curricular para a situação geográfica das dimensões múltiplas abordagens conceituais e teóricas.
e importância territorial nacional e global da Cidade de O processo de renovação da Geografia é parte do
São Paulo? desenvolvimento de uma nova postura das Ciências Hu-
A Cidade de São Paulo, em si, já é um objeto de co- manas, que de certo modo produziu também mudanças
nhecimento complexo. A multidimensionalidade, as di- na cultura escolar. A Geografia possui uma característica
versidades socioespaciais, as desigualdades socioeco- peculiar, pois nunca deixou de articular as Ciências Hu-
nômicas e as condicionantes biogeofísicas do município manas e as Naturais. A compreensão da sociedade passa
evocam o âmago dos estudos da Geografia. Segundo pela interpretação dessas duas confluências.
Damiani (2004, p. 25), é: uma cidade segregadora, capita- Importante lembrar o papel das humanidades na
lizada em todos os seus espaços, plural em sua formação formação do pensamento crítico, tanto assim é que as
socioespacial, ambientalmente sacrificada pela voragem definições curriculares oficiais sempre esbarram na ques-
do capital, mas também rica em manifestações dos injus- tão de como dividir o tempo entre as humanidades e as
tiçados e palco de importantes processos de transforma- linguagens. Muitos ainda pensam que o ensino das Ciên-
ção em curso. (DAMIANI, 2004, p. 25). cias Humanas pode ser reduzido em função de outras
Nesse sentido, é que se coloca para os professores as prioridades formativas do ser humano, mas são os co-
questões: como trabalhar a Geografia em movimento? nhecimentos históricos e geográficos a porta de entrada
Como criar possiblidades instigantes para os estudan- para compreender a razão dos saberes práticos ou de
tes? Como ensinar e aprender sobre São Paulo em suas expressão linguística.
múltiplas territorialidades? Evidente que estamos diante Estruturar um currículo em que o estudo das humani-
de uma proposta que precisa articular-se com os demais dades, das ciências e das linguagens é um propósito do
saberes, e não se pretende “inventar a roda”. O objetivo pensamento complementar e não excludente. A Geogra-
maior é auxiliar os professores e toda a comunidade es- fia é, de certo modo, um campo de síntese entre huma-
colar, que acreditam num ensino que faz sentido para a nismo, ciência e tecnologia, superando a visão positivista
vida, a organizar e propor caminhos que potencializem a de neutralidade diante da cultura e, como afirmava Mil-
compreensão do mundo e ofereça aos estudantes acesso ton Santos, uma ciência desveladora do real como repre-
a uma leitura da realidade para a promoção da cidadania sentação.
e cultura. Pois, afinal, somos responsáveis pela formação Silveira (2006) alerta-nos para o fato de que vivemos
de uma sociedade capaz de pensar e agir criticamente. um momento singular em que temos à disposição recur-
As complexidades de São Paulo exigem muito do campo sos da tecnologia, mas grandes angústias e incertezas.
de estudos da Geografia e essa ciência está pronta para Nesse cenário, os educadores têm a oportunidade de
contribuir significativamente com a transformação da “geografizar” sem perder de vista dimensões históricas
vida de nossos estudantes. e reconhecer as possíveis colaborações de outras disci-
plinas, sem descuidar do necessário enfoque humanista.
A GEOGRAFIA NAS CIÊNCIAS HUMANAS Portanto, esses pressupostos acadêmicos que bali-
zam a ciência geográfica podem ser transpostos ao en-
Consideramos, em nossa discussão sobre o processo sino de modo a difundir o potencial interpretativo da
de delimitação do conhecimento, abordado pela Geo- Geografia na formação de cidadãos ativos e responsá-
grafia escolar, que temos diante de nós uma dimensão veis pelas paisagens e territórios em que vivem. Assim,
metacientífica, reunindo caminhos, abordagens e con- como nos outros campos do conhecimento originados
textualizações nas diferentes realidades do município, ou transformados em disciplinas escolares, os conteúdos
sob enfoques teóricos multirreferenciais2. Nesse sentido, de Geografia que permitem esse desenvolvimento são
a Geografia constitui um campo do saber das Ciências submetidos aos dilemas históricos.
Humanas. Nesse campo, temos a responsabilidade de Quais seriam esses dilemas? Certamente cada situa-
desenvolver um imaginário social com sentido realista da ção vivida irá refleti-los, mas com o propósito de exem-
sociedade em que vivemos e da sociedade que quere- plificação podemos destacar o papel da Geografia na
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mos ser. A partir dos anos 1930 e 1940, as Ciências Hu- constituição de um sujeito capaz de compreender as
manas no Brasil encontraram enorme renovação, com os características do período pós-industrial e os profundos
trabalhos de Gilberto Freire, Caio Prado Júnior, Sérgio dilemas socioambientais do mundo contemporâneo.
Buarque de Holanda e Fernando de Azevedo. Com a fun- Também se afirma que na escola construímos a partir do
dação da Universidade de São Paulo e a vinda de pesqui- campo científico um conhecimento escolar geográfico,
sadores estrangeiros do porte de Roger Bastide, Claude pautado nas experiências reais das diversas situações
Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jacques Lambert, Jean Tri- geográficas, seja nos setores empoderados pelo capital,
cart, dentre outros, tais estudos encontraram um campo seja nos territórios da cultura e cidadania, excluídos e su-
fértil, dando origem a seguidas gerações de sociólogos, balternizados pelo processo de capitalização (DAMIANI,
economistas, historiadores, geógrafos, antropólogos e 2004; CARLOS, 1996; SANTOS, 1988).

151
Outro aspecto geral, diz respeito à revalorização da territórios. Não se trata, então, de um espaço de ence-
cultura no território, das identidades multifacetadas do nação, no qual as coisas ocupam um lugar no qual os
hibridismo cultural (CANCLINI, 2008), historicamente res- fatos ocorrem, pois é um espaço criado e recriado por
ponsável pelo modo de ser, viver e trabalhar no contexto diferentes sociedades em cada momento do desenvol-
socioespacial da Cidade de São Paulo. Devido à dimensão vimento histórico da humanidade (GUREVICH, 1998, tra-
metropolitana, não é possível recortar São Paulo por seus dução nossa).
limites administrativos. É preciso contextualizar e des- A Cidade de São Paulo pode ser considerada como
contextualizar e organizar os percursos. Por esse motivo, síntese da aceleração do tempo, que imprime e acumula
adotamos a forma de problematizar tematicamente por no espaço, transformações constantes. Nessa dinâmica
grandes eixos de estudo. Apoiamo-nos nos documentos da vida urbana, percebe-se cada vez mais as conexões
já produzidos pela Rede Municipal de Ensino (SÃO PAU- por redes, a virtualidade das relações, as complexas di-
LO, 2007, 2016a, 2016b) e pelas discussões trazidas na ferenças e desigualdades sociais da urbanidade e da in-
Base Nacional Curricular Comum BNCC3 (BRASIL, 2017). justiça, os dilemas da escassez de recursos naturais, as
Nesses documentos, há uma convergência quanto aos mobilizações sociais e a busca por utopias de um mundo
fundamentos de ensino e de aprendizagem em Geo- de equidade social. As transformações na organização
grafia para o Ensino Fundamental. Neles, são propostos das sociedades industrialistas, como São Paulo, ocorri-
caminhos múltiplos pautados em diversos recortes das das nos últimos dois séculos, têm estimulado intensos
abordagens geográficas. Isto é uma virtude, pois apesar debates entre pesquisadores que analisam a capacida-
do padrão que um currículo representa, ao que parece, de da ciência em compreender esses processos de mu-
valorizamos aspectos comuns como o direito à aprendi- danças e suas múltiplas causalidades e consequências. É
zagem, as diversidades socioambientais, o pensamento nesse contexto de construção de leituras complexas que
espacial em lugares e seus contextos territoriais. educadores se debruçam sobre suas escolhas temáticas,
suas formas de trabalhar na instituição escolar, as rela-
DIMENSÕES DO CONHECIMENTO GEOGRÁFICO ções entre os campos disciplinares, as urgências sociais,
as temporalidades da escola e a vida social e ambiental
Há, pelo menos, duas formas predominantes de orga- de seus estudantes.
nização do conhecimento geográfico que estamos pro- A Geografia, como saber dos povos e da ciência, bus-
pondo para os conteúdos: uma vista pelo prisma da área ca entender e explicar essas transformações do mundo
de conhecimento (a Geografia como campo de saberes atual em sua espacialidade, territorialidade e temporali-
das Ciências Humanas) e outra buscando a articulação dade; portanto, o saber geográfico escolar tem a pecu-
interdisciplinar (diálogo com os campos que estabele- liaridade de selecionar o que é fundamental que os es-
cem fronteiras como dos saberes das Ciências da Natu- tudantes aprendam em suas vidas na urbe complexa de
reza, das Linguagens etc.). São Paulo em suas relações com a região metropolitana,
Segundo Morin (2000), a espacialidade, a territoriali- o Estado de São Paulo, com o país e o mundo. Esta pro-
dade e a temporalidade dos fenômenos estudados pela posta, portanto, deve ser uma referência que pode ser
Geografia nos permitem desenvolver uma visão de com- recriada pelos professores de Geografia que assumem
plexidade. Nesta proposta, considerou-se, de modo ge- cotidianamente o desafio de desenvolver uma prática
ral, os conteúdos e métodos geográficos que se pautam educativa que desperte nos estudantes o interesse pelo
na aprendizagem que faz sentido para vida dos estudan- entendimento crítico do mundo vivido.
tes e revelam características das formações socioculturais “A expressão mundo vivido é muito apropriada para
e das influências políticas que demarcaram os territórios se referir ao propósito da Geografia na educação esco-
da Cidade de São Paulo, assim como sua inserção regio- lar. O mundo que chega nas diferentes localidades se
nal, nacional e global. Nesse sentido, destacamos a es- apresenta em fragmentos multiescalares. Pelas diversas
cala como estratégia de apreensão da realidade como mídias, os estudantes estão expostos à contemporanei-
representação: dade complexa” (MORIN, 2000 apud FURLAN, 2014, p.
Harvey (1973) ao trabalhar com a noção de escalas 2). O que chega aos estudantes não são conceitos for-
de urbanização, observou o fenômeno urbanização em malizados da ciência e sim a dinâmica do mundo plural e
suas múltiplas dimensões e expressões espaciais; cada multifacetado do cotidiano.
escala representando uma face particular do processo, Por isso, trabalhar uma Geografia não segmentada4
um conjunto de características intrínsecas. A escala foi implica um grande repertório de conhecimentos ao mes-
objetivada mediante a visibilidade de partes do real, mo tempo do mundo e de São Paulo, analisado de modo
que representam estruturas que se diferenciam de acor- particular pela ciência geográfica, na busca de uma in-
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do com o ponto de vista do observador. A importância terpretação crítica. “Coloca-se como desafio para os
operatória da noção por ele utilizada está em observar a professores: a escolha dos recortes para aprender sobre
urbanização como um fenômeno que adquire caracte- o mundo por meio de conceitos e métodos de modo a
rísticas particulares com a mudança de escala. (CASTRO, influir no pensar e propiciar aos estudantes tornarem-se
1995, p. 136-137). sujeitos ativos e capazes de transformar o mundo num
Nesse sentido, o ensino de uma Geografia das socie- bem viver” (QUIJANO, 2012 apud FURLAN, 2014, p. 3).
dades pressupõe aceitar que estamos frente a conceitos Nesse sentido, emergem questões amplas: como
e problemas do mundo social, os quais sempre mudam, aprender sobre o vivido de modo interessante e rele-
pois são dinâmicos. Significa captar as regularidades das vante? Como trabalhar a partir das lentes conceituais da
lógicas sociais, políticas e econômicas que configuram os Geografia que auxiliam o estudante a aprender com en-

152
tusiasmo e desvelando de modo cada vez mais comple- em sujeitos responsáveis, transformadores, criativos, em-
xo o seu cotidiano? Quais habilidades são fundamentais preendedores e seguros do seu papel social. O trabalho
para ler o mundo por meio das linguagens próprias da dos professores de Geografia se dá no contexto desse
Geografia e desenvolver o pensamento espacial? Como desafio informacional e isso é o mais interessante. Ser
ensinar as linguagens, tornando os estudantes autôno- professor de Geografia é tornar os estudantes sujeitos
mos nessa capacidade de leituras de mapas, imagens, de cultura e cidadania e, portanto, é ser encarregado da
textos e mídias em geral? Como desenvolver a oralida- formação de uma consciência crítica que estimule a in-
de de modo a criar uma argumentação tão necessária à serção dos estudantes na sociedade como sujeitos ativos
construção da crítica? numa realidade brasileira dinâmica e contraditória.
A experiência didática dos professores, como profis- A seleção de conteúdos não deve ser apenas um
sionais da educação e da cultura, coloca em jogo outro modo de aprender tacitamente a ciência geográfica, mas
dilema: construir conceitos ou construir pelos conceitos aprender, por meio do conhecimento geográfico, o mun-
o entendimento do mundo vivido. Alencar (2009, p. 87) do que podemos construir. Os conceitos geográficos são
afirma que “podemos inferir que a finalidade do concei- lentes que sugerem métodos para interpretar a realida-
to é de ser uma ferramenta intelectual, um instrumento de. Assim, se pretendemos que os estudantes percebam
teórico para analisar a realidade, mas também de intera- sua ligação simbólica e afetiva com o mundo vivido, po-
ção e mudança dessa realidade e, portanto, os concei- de-se evocar a dimensão do lugar como pertencimento
tos não estão isentos de críticas e mudanças”. Segundo e propor métodos de análise de narrativas visuais ou tex-
Couto (2005, p. 85), “as palavras e os conceitos são vivos, tuais aproximativas, por exemplo, a construção do mapa
escapam escorregadios como peixes entre as mãos do afetivo do espaço vivido pela comunidade. O lugar como
pensamento, e como peixes movem-se ao longo do rio pertencimento suscita o trabalho com as representações
da História. Há quem pense que pode congelar concei- simbólicas expressas na oralidade, nos esquemas, e ma-
tos. Essa pessoa será quando muito um colecionador de pas que podem ser coletivizados em sua produção. Se
ideias mortas”. a leitura do vivido exige que entendamos as dimensões
Dessa forma, o mero deslocamento de um conceito
políticas e o território efetivamente usado, uma perspec-
do contexto em que foi criado já é uma recriação desse
tiva interessante pode ser descobrir os agentes do terri-
conceito, pois ele já não é mais o mesmo, uma vez que
tório e seus campos de forças que determinam a organi-
os conceitos são vivos e estão em constante mutação
zação e produção do espaço.
em consonância com as mudanças históricas não sendo
O território como potência da ação do Estado tam-
possível tratar os conceitos como ideias fixas e imutáveis,
bém pode ser entendido por métodos de leitura dos ma-
pois possuem historicidade que lhes dá significado.
pas, por exemplo, o mapa do plano diretor estratégico
Segundo Moraes e Salles (2007, p. 47), “é necessário
da Cidade de São Paulo. Conhecer como são produzidos
desmistificar para o aluno que os conceitos são palavras
mágicas que explicam tudo, mas são elementos do co- os planos que definem a produção e o ordenamento do
nhecimento racional que possibilitam entender a reali- território pode abrir uma frente ampla para compreen-
dade”. der-se como cidadão. No território, expressa-se o poder
No tocante à formação de conceitos, Couto (2006, p. político e econômico da organização social, os conflitos
86), apoiando-se em Vygotsky, argumenta que o aluno, e as disputas territoriais.
“no processo de construção de conceitos, deve ser con- Dessa forma, uma possiblidade é trabalhar o conceito
frontando com algum problema [...] que possibilite que de território a partir de várias escalas, não apenas a do
ele resolva a tarefa problematizada, tanto por meio de Estado-Nação, e assim discutir fronteiras, limites e rela-
seu aparato de conceitos, quanto pela aquisição de no- ções de poder a partir da própria sala de aula por meio
vos conceitos”. de uma situação problematizadora, conforme nos apon-
Quanto às tecnologias presentes na vida cotidiana, ta Cavalcanti (2006):
as transformações do mundo acelerado e virtual estão Trabalhar com os estudantes na construção de um
associadas às possibilidades de acessar informações conceito de território como um campo de forças, envol-
produzidas solidariamente por inúmeros sujeitos que vendo relações de poder, é trabalhar a delimitação de
postam incessantemente nas redes informacionais. Po- territórios na própria sala de aula, no lugar de vivência do
rém, decifrar e pensar sobre esses conteúdos depende aluno, nos lugares por eles percebidos (mais próximos
de saberes relativos às intencionalidades da informação – não fisicamente – do aluno); é trabalhar limites, conti-
disponibilizada. Depende, sobretudo, das condicionantes nuidade, descontinuidade, superposição de poderes, do-
da economia, da política, da cultura e das visões de na- mínio material e não material – no âmbito do vivido pelo
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tureza que muitas vezes estão ocultas nas milhares de aluno. (CAVALCANTI, 2006, p. 110).
páginas de informação, por exemplo, os sites de busca Para estudar fenômenos da natureza, pode-se partir
de informação. Gurevich (1998), ao tratar de conceitos de estudos geoecológicos em que o mundo se apresen-
em Geografia, considera que as informações abundantes ta integrado e sistêmico. A fragmentação dos estudos
demandam reflexões sobre quais conceitos geográficos da natureza dificulta o entendimento das interpelações
são mais potentes para explicar o mundo que é comu- geográficas. Por exemplo, ao invés de estudar isolada-
nicado pelas redes informacionais. A escola, em sua to- mente o ciclo da água, é interessante associar esse ciclo
talidade de sujeitos envolvidos no ensinar e aprender, é a questões que envolvem processos da natureza e da so-
formada por crianças e jovens que se transformam a par- ciedade. Um modo de recortar sem fragmentar pode ser
tir da mediação escolar, entre professores e estudantes, feito por meio de eixos de problematização, tais como:

153
qual a relação entre a água, a hidroeletricidade e as ba- de vista temático quanto sob o olhar metodológico e de
cias hidrográficas? Os impactos da ação humana nas ba- abordagens inovadoras de aprendizado.
cias hidrográficas estão gerando escassez de água em Educadores e estudantes são protagonistas na mate-
São Paulo? Por que e como? Os fenômenos naturais e rialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm
cíclicos do clima podem nos ajudar a entender porque as ampla liberdade para também criar projetos autorais a
chuvas ora são abundantes, ora são escassas? Faltando respeito, assim como buscar parceiros com o objetivo de
energia, como fi carão as atividades industriais, rurais e promover maior cooperação entre os diferentes atores
comerciais? Será que falta água ou estragamos a água sociais e da comunidade escolar na geração e comparti-
com a falta de saneamento básico? lhamento do conhecimento e da prática.
Organizar a construção de métodos para construir Há que se ressaltar alguns questionamentos, con-
conceitos a partir do estudo da espacialidade é funda- siderados pelos educadores da Rede, quanto às bases
mental para uma leitura geográfica mais completa. Para epistemológicas e sócio-históricas críticas do pensamen-
isso, o professor precisa também se sentir provocado a to geográfico e sobre os processos de organização dos
buscar criatividade, responsabilidade e transformação tal conteúdos, destacando evidentemente uma preocupa-
qual seus estudantes. ção explícita e contextualizada com a retórica científi-
ca sobre a importância da organização do ensino pela
ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS aprendizagem dos estudantes.
a. Que o conhecimento geográfico proposto no cur-
A organização por eixos5 possibilita um planejamen- rículo seja capaz de levar o estudante a compreen-
to articulado de diferentes conceitos, procedimentos, der o espaço geográfico em sua totalidade como
atitudes e valores para cada um dos ciclos da escolarida- resultado das relações entre a sociedade e a na-
de. Eles constituem caminhos para articular os conceitos tureza e da dinâmica resultante da relação entre
com os objetos de conhecimentos, pois sem essa articu- ambas;
lação os conceitos seriam apenas definições vazias e sem b. Que o estudante construa um conhecimento do
sentido. Os eixos poderão servir de referência para nor- mundo como um espaço social concreto e em mo-
tear a organização curricular, possibilitando ao professor vimento;
incorporar novos temas, considerar os conhecimentos c. Que a complexidade do espaço geográfico se ex-
prévios dos estudantes, bem como construir com eles os pressa em suas determinações naturais, históricas
conceitos geográficos necessários para leitura do mun- e sociais (a partir de suas diversas culturas, etnias,
do. Neste documento, eles foram incorporados de modo formas, gêneros e deficiências);
a ampliar as possibilidades práticas de sala de aula, de d. Que essa complexidade seja tematizada e compre-
diferentes sequências de conteúdos, do tratamento de endida, considerando o mundo vivido pelos estu-
conteúdos em diferentes situações locais e do estabele- dantes;
cimento das várias conexões entre conteúdos dos dife- e. Que o protagonismo seja fundamental para enten-
rentes eixos e os temas interdisciplinares. der e agir sobre a realidade imediata dos estudan-
Os respectivos objetos de conhecimento podem ser tes, assim como compreender a interface de São
organizados em temas e problemas para investigação, Paulo em escalas espaciais mais amplas (regional,
elaborados particularmente pelo professor no seu plano nacional e mundial) e refletir sobre como a sua re-
de ensino. Deve-se esclarecer que não se propõe forçar a alidade se articula a essas escalas;
integração aparente de conteúdos, mas trabalhar conhe- f. Que a aprendizagem se reflita na formação de um
cimentos de várias naturezas que se manifestam inter-re- estudante de pensamento crítico, o que implica
lacionados de forma real. capacidade de problematizar a realidade, propor
Os fundamentos que orientam a seleção de objetos soluções e reconhecer sua complexidade;
de conhecimento valorizam conceitos como estrutura- g. Que haja o reconhecimento da importância do
dores do pensamento geográfico que compõem a mola pertencimento étnico-racial e, ao mesmo tempo,
mestra da organização dos grandes eixos de estudo. a valorização do estudante como sujeito imerso na
Conceitos de território, paisagem, lugar, região, natu- cultura que constitui e constrói o lugar;
reza, entre outros, são valorizados e desdobrados dos h. O reconhecimento de pertencimento étnico-racial,
eixos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento enquanto valor conceitual, resulta da necessida-
que permitem desenvolver a didatização das situações de de reflexões aprofundadas sobre o significado
geográficas. amplo da mobilidade espacial de agrupamentos
Em cada ano dos três ciclos de aprendizagem, há um humanos e suas variedades sociais, culturais, his-
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quadro sistematizado com quatro colunas: Eixo, Objetos tóricas e regionais, a exemplo de populações mi-
de Conhecimento, Objetivos de Aprendizagem e Desen- grantes e em situações de permanente itinerância
volvimento e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na cidade de São Paulo.
(ODS).
Os ODS foram pactuados na Agenda 2030 pelos paí- FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CONCEITOS ESTRU-
ses-membros das Nações Unidas e foram inseridos neste TURANTES
Currículo como temas inspiradores a serem trabalhados
de forma articulada com os objetivos de aprendizagem e A Geografia estuda as interações entre o processo
desenvolvimento. Nos quadros, há uma correspondência histórico que regula a formação das sociedades humanas
com os ODS relevantes para o objetivo, seja do ponto e processos funcionais da natureza, por meio da leitura

154
e interpretação da organização e produção do espaço. a vivem e a constroem. As percepções que os indivíduos,
A divisão da Geografia em campos de abordagem da grupos ou sociedades têm do lugar nos quais se encon-
sociedade e da natureza tem propiciado um aprofun- tram e as relações singulares que com eles estabelecem
damento temático das situações de estudo e pesquisa. fazem parte do processo de construção das representa-
Além disso, podemos reconhecer que a Geografia é uma ções de imagens do mundo e do espaço geográfico. As
área de conhecimento que articula diferentes campos percepções, as vivências e a memória dos indivíduos e
do saber e que desenvolveu “lentes” interpretativas em dos grupos sociais são, portanto, elementos importan-
abordagens conceituais e teóricas múltiplas. Essa divisão tes na constituição do saber geográfico. No Ensino Fun-
necessária, como um recurso de construção da interpre- damental, é importante considerar quais são as noções,
tação científica da realidade, é um recurso metodológico, conceitos e procedimentos da Geografia mais adequa-
na medida em que o objetivo dessa disciplina é explicar dos para os estudantes em relação à sua faixa etária, ao
e compreender as interações entre a sociedade e a natu- momento da escolaridade em que se encontram e às ha-
reza e como ocorre a apropriação e produção desta por bilidades que se espera que eles desenvolvam.
aquela em sua totalidade. Na busca dessa abordagem re- Embora o espaço geográfico deva ser o objeto central
lacional, professores e estudantes podem trabalhar com de estudo, os conceitos território, paisagem, natureza, lu-
diferentes noções espaciais e temporais, bem como com gar e região devem ser abordados como estruturantes
os fenômenos sociais, culturais e naturais que são carac- no trabalho com as diferentes situações geográficas que
terísticos de cada lugar, para permitir uma compreensão São Paulo, em sua complexidade, pode ser compreendi-
processual e dinâmica de sua constituição. No processo da. Esses conceitos têm se mostrado acessíveis aos es-
de aprendizagem, estimular o estudante a identificar e tudantes, tendo em vista suas características cognitivas
relacionar paisagens significa resgatar as heranças das e afetivas.
sucessivas relações e desenvolver o pensamento espacial
que marca uma das principais características do saber Território
geográfico.
As temporalidades da sociedade e da natureza permi- O território é um conceito fundamental quando se
tem construir progressivamente o mundo como resultado estuda a formação econômica, política e social de uma
da herança de tempos acumulados, ou seja, reconhecer nação. Nesse sentido, é o trabalho social que qualifica
nas paisagens e lugares as transformações em diferen- o espaço, gerando o território usado. Segundo Santos
tes momentos históricos que são produtos de acordos (2000b, p. 105), “território não é apenas os limites da
e conflitos, construções e desconstruções. Nesse senti- configuração de um Estado-Nação, mas sim o espaço
do, a análise da paisagem trata das dinâmicas de suas construído pela formação socioespacial, um campo de
transformações e não apenas de sua descrição como um tensões e disputas”. Para estudar o território, é neces-
mundo estático de objetos observáveis. A compreensão sário que os estudantes compreendam que os limites
dessas dinâmicas requer movimentos constantes entre territoriais são variáveis e dependem da situação geo-
os entendimentos dos processos sociais, físicos e bioló- gráfica considerada. Por exemplo, quando se estudam
gicos, inseridos em contextos particulares ou gerais. os arranjos econômicos mundiais, o que se entende por
A preocupação básica é abranger os modos de pro- território vai muito além do Estado nacional. Assim, o ter-
duzir, de existir e de perceber os diferentes espaços ritório deve abarcar mais que a visão baseada no Estado-
geográficos como fenômenos que se relacionam com as -Nação, uma vez que, desde um quarteirão aterrorizado
ações humanas responsáveis por sua constituição. Para por uma gangue de jovens, até o bloco constituído pelos
tanto, é preciso observar, registrar, comparar e buscar países membro da Organização do Tratado do Atlântico
explicações para aquilo que, numa determinada paisa- Norte — OTAN, são territórios estabelecidos. Além disso,
gem, permaneceu ou foi transformado, isto é, os elemen- é preciso compreender que o território abrange a com-
tos do passado e do presente que nela convivem e se plexidade e a diversidade dos usos sociais nem sempre
articulam e que podem ser compreendidos pela análise harmônicos, por exemplo, a diversidade de tendências
do processo de produção/organização do espaço. econômicas, as ideias que circulam e determinam as de-
O espaço geográfico é historicamente produzido pela cisões políticas, a pluralidade de crenças, os sistemas de
sociedade, enquanto ela organiza econômica e social-
pensamento e tradições de diferentes povos e etnias, en-
mente um território. A percepção espacial de cada indiví-
tre outros aspectos. É necessário reconhecer que, apesar
duo ou sociedade é também marcada por laços afetivos
de uma convivência comum, múltiplas identidades coe-
e referências socioculturais acumuladas e transmitidas
xistem num território e, por vezes, influenciam-se reci-
historicamente. Nessa perspectiva, a historicidade enfoca
procamente, definindo e redefinindo aquilo que poderia
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o homem como sujeito construtor do espaço geográfi-


ser chamado de identidade nacional.
co, um homem social e cultural, situado para além, e por
No caso específico do Brasil, o sentimento de perten-
meio, da perspectiva econômica e política, que imprime
seus valores no processo de construção do território. cimento ao território nacional envolve a compreensão da
Assim, o estudo de uma totalidade, isto é, da paisagem diversidade cultural que aqui convive e que, mais do que
como síntese de múltiplos espaços e tempos, deve con- nunca, busca o reconhecimento de suas especificidades,
siderar o espaço topológico – o espaço vivido e o perce- daquilo que lhe é próprio. O conceito de território possui
bido e o espaço produzido. uma relação bastante estreita com o de paisagem. Con-
Pensar sobre essas noções de espaço pressupõe con- sidera-se o território um produto socialmente produzido,
siderar a compreensão subjetiva da paisagem como lu- um resultado histórico da relação de um grupo humano
gar: a paisagem ganhando significados para aqueles que com o espaço que o abriga. O território é, portanto, uma

155
expressão da relação sociedade/espaço, sendo impossí- Paisagem
vel de ser pensado sem o recurso aos processos sociais. É
algo criado pelos homens, é uma instituição. O conceito de paisagem tem um caráter específico
Em Geografia, portanto, o território tem contornos para a Geografia, distinto daquele utilizado pelo senso
geopolíticos ao se configurar como o espaço físico no comum ou por outros campos do conhecimento. É de-
qual o Estado se concretiza. Porém, ao se compreender finido como uma unidade visível, que possui uma iden-
o Estado nacional como a nação politicamente organi- tidade visual, caracterizada por fatores de ordem social,
zada, estruturada sobre uma base física, não é possível cultural e natural, contendo espaços e tempos do pas-
se considerar apenas sua função política, mas também o sado e do presente. “A paisagem é o velho no novo e o
espaço construído pela sociedade e, portanto, a sua ex- novo no velho” (SANTOS, 1982, p. 38). Assim, por exem-
tensão apropriada e usada. A produção de um território plo, quando se fala da paisagem de uma cidade, dela fa-
não deve ter como referência apenas o poder do Estado, zem parte seu relevo, a orientação dos rios e córregos da
mas considerar outros atores na produção deste territó- região sobre os quais se implantaram as vias expressas, o
rio. Conforme Raffestin (1993), o território é um espaço conjunto de construções humanas, a distribuição da po-
modificado pelo trabalho que exprime relações de poder pulação que nela vive e o registro das tensões, sucessos
e é produzido por diversos atores — Estado, indivíduos, e fracassos da história dos indivíduos e grupos que nela
empresas. se encontram. A paisagem tem uma extensão e pode ser
Ao se compreender o que é o território, deve-se le- identifi cada em suas unidades, pode ser representada
var em conta toda a diversidade e complexidade das re- cartograficamente, reconhecendo os diferentes arranjos
lações sociais, de convivências e de diferenças culturais que lhe conferem unidade espacial e territorial. A pai-
que se estabelecem em um mesmo espaço. Dessa forma, sagem é a “assinatura” de um território. É nela que es-
“o conteúdo político do território é expresso em diferen- tão expressas as marcas da história de uma sociedade,
tes escalas além do Estado-nação, como no interior das tornando-a, assim, uma soma de tempos desiguais, uma
cidades onde territorialidades diferentes manifestam dis- combinação de espaços geográficos.
tintas formas de poder” (SÃO PAULO, 2008, p. 45). Haes-
baert (2004) lembra que: Lugar
Enquanto continuum dentro de um processo de do-
minação e ou apropriação, o território e a territorializa- O conceito de paisagem, por sua vez, está relaciona-
ção devem ser trabalhados na multiplicidade de suas do à noção de lugar. Pertencer a um território e à sua
manifestações que é também e, sobretudo, multiplicida- paisagem significa fazer deles o seu lugar de vida e es-
de de poderes, neles incorporados através dos múltiplos tabelecer uma identidade com eles, dar-lhe sentido. O
sujeitos envolvidos (tanto no sentido de quem sujeita conceito de lugar traduz os espaços com os quais as pes-
quanto de quem é sujeitado, tanto no sentido das lu- soas têm vínculos afetivos, subjetivos e simbólicos: uma
tas hegemônicas quanto das lutas de resistência – pois praça, onde se brinca desde menino; a janela de onde se
poder sem resistência, por mínima que seja, não existe). vê a rua, o alto de uma colina, de onde se avista a cidade
Assim, devemos primeiramente distinguir os territórios etc. O lugar é onde estão as referências pessoais e cole-
de acordo com aqueles que os constroem, sejam eles tivas e o sistema de valores que direcionam as diferentes
indivíduos, grupos sociais/culturais, o Estado, empresas, formas de perceber e constituir a paisagem e o espaço
instituições como a Igreja etc. (HAESBAERT, 2004, p. 3). geográfico.
Ampliando a discussão referente a territorialidade,
Sack (1986) argumenta que: Natureza
A territorialidade, outro fundamento importante para
compreender processos de dimensão mais estritamente As visões de natureza acompanham a história cultural,
política, diz respeito às relações econômicas e culturais, e suas interpretações marcam diversos campos científi-
pois está “intimamente ligada ao modo como as pessoas cos, entre eles as abordagens conceituais da Geografia. A
utilizam a terra, como elas próprias se organizam no es- natureza também é um conceito do entendimento geo-
paço e como elas dão significado ao lugar”. A territoriali- gráfico dos processos naturais e da apropriação social
dade, como um componente do poder, não é apenas um como recurso, não apenas como suporte e desvelamento
meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia de processos, mas como esses processos estão imbrica-
para criar e manter grande parte do contexto geográfico dos com a produção econômica e cultural. A natureza
através do qual nós experimentamos o mundo e o dota- como conceito vem sendo estudada pela Geografia de
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mos de significado. (SACK, 1986, p. 219). um lado pela produção de natureza (por exemplo, a cria-
Sendo assim, devemos considerar a existência de ção de espaços protegidos onde o uso é controlado por
diferentes poderes no território e não apenas o Estado normas que definem um futuro para o território usado) e,
como um único núcleo de poder, uma vez que o poder por outro, como entendimento da complexa rede de in-
é exercido por pessoas ou grupos, que por meio de nós terações do mundo físico, por meio dos estudos da dinâ-
e redes e com diferentes estratégias e atividades cotidia- mica dos relevos, das águas, dos climas e dos seres vivos.
nas materializam o território (RAFFESTIN, 1993). As visões de natureza nos remetem às dicotomias
e disjunções do pensamento ocidental, do pensamen-
to que coloca o homem como antinatural e do natural
como artificial, quando — pelo trabalho — o homem

156
transforma a natureza. Vivemos um momento de ressig- Cabe à Geografia escolar estimular a reflexão-ação lo-
nificação, pois, como afirma Morin (2000), quando discu- cal no sentido de melhor cuidar e transformar as práticas
te a complexidade da natureza do homem: que degradam e comprometem a qualidade ambiental e
A abertura da noção de homem sobre a vida não é a qualidade de vida. A sustentabilidade socioambiental
unicamente necessária à ciência do homem, também depende de posturas novas que se constroem no proces-
é necessária ao desenvolvimento da ciência da vida; a so educativo. O ambiente urbano representa um desafio
abertura da noção de vida é, por si mesma, uma condi- complexo para as sociedades contemporâneas e, nesse
ção para a abertura e para o desenvolvimento da ciência sentido, tratar da sustentabilidade da cidade não se re-
do homem. A insuficiência de uma e de outra tem ine- duz à conservação dos recursos ambientais, mas também
vitavelmente de apelar para um ponto de vista teórico assegurar condições de vida digna à população, propi-
que possa, ao mesmo tempo, uni-las e distingui-las, quer ciando que parcelas da sociedade não sejam excluídas
dizer, permitir e estimular o desenvolvimento de uma do processo de desenvolvimento das cidades. A Agenda
2030, definida pelas Nações Unidas em 2016, propõe que
teoria da auto-organização e de uma lógica da comple-
se articulem em todos os âmbitos sociais 17 Objetivos de
xidade. (MORIN, 2000, p. 128).
Desenvolvimento Sustentável (ODS), que podem ser asso-
As visões de natureza constroem formas diferencia-
ciados às propostas educativas. Nesse item, percebe-se a
das de uso dos recursos naturais. Mas a natureza é tam-
possibilidade de interlocução da visão de natureza trans-
bém a base da existência de todas as formas de vida. formada pelo trabalho e informada pela cultura.
Possui uma existência não apenas material dos objetos,
das técnicas e do saber da ciência que desvela os recur- Região
sos. Os sistemas naturais são responsáveis por processos
vitais como ciclo da água, a formação dos solos, a escul- Região, conceito da Geografia clássica, aparece na
turação do relevo e as diferentes coberturas de vida do Geografia Moderna em meados do século XIX (BRITO, 2007
planeta que representam a biodiversidade. O conceito apud SÃO PAULO, 2016b). De início, fundamentada nas ca-
de natureza possui uma dimensão histórica que resultou racterísticas dos sistemas naturais, definia setores das pai-
em mudanças espaço-temporais. A natureza é formada sagens onde se identificava uma homogeneidade numa
por coisas vivas e não vivas, como as rochas, suportes do determinada escala espacial. Brito (2007, p. 77) afirma que:
relevo e da vida. Os sistemas naturais existem por si só, graças ao domínio da fluidez e da velocidade de conexões e
independentemente da presença ou interação humana, circulação de mercadorias e das informações – características
mas a natureza como conceito é uma construção social, do mundo globalizado –, foi muito veiculado na Geografia
porque envolve a capacidade de criar leituras, interpreta- o fim das especificidades regionais, irrelevantes diante da
ções, usos e significados desses sistemas. homogeneidade imposta globalmente. (BRITO, 2007, p. 77).
Os sistemas naturais foram apropriados pelas socie- No entanto, Santos (1998, p. 196) relembra que: ao con-
dades em sua longa relação socioeconômica e cultural. trário do que parece, a região se torna ainda mais importan-
Desses, são extraídos os recursos que viabilizam a sobre- te no mundo contemporâneo, tendo em vista, em primeiro
vivência material e biológica. Mas é a partir das práticas lugar, o tempo acelerado acentuando a diferenciação dos
de exploração no capitalismo mundializado e do meio eventos, aumentando a diferenciação dos lugares; em se-
técnico-científico-informacional que os sistemas naturais gundo lugar, já que o espaço se torna mundial, o ecúmeno
são modificados, criando situações críticas de degrada- se redefine. Ainda segundo Santos (1988, p. 28), todos os
ção e esgotamento. Nesse sentido, deve-se lembrar que lugares são virtualmente mundiais, mas também exponen-
natureza é concebida por Milton Santos como a relação cialmente diferentes dos demais. (SANTOS, 1998, p. 196).
sociedade-natureza e que é reconhecida como uma par- A Geografia estaria, então, identificada como a ciên-
te ou fragmentação do mecanismo capitalista de produ- cia que busca decodificar as imagens presentes no co-
ção mundializada, em que o progresso técnico-científi- tidiano, impressas e expressas nas paisagens e em suas
co estaria mediando esta interação. Entretanto, Dulley representações, numa reflexão direta e imediata sobre o
(2004) compreende que a natureza também possui uma espaço geográfico, o território, a região, a natureza e o
ordem funcional que independe do homem e que, para lugar e, assim, instrumentalizando os estudantes a deci-
a compreensão da apropriação dos elementos naturais frar e ler de modo crítico as imagens para formar leitores
e transformados das paisagens, é importante conhecer críticos em diferentes linguagens.
a influência da natureza no processo de construção do Nessa abrangência, a Geografia contribui para que
espaço geográfico. se compreenda como se estabelecem as relações locais
Diante do quadro preocupante de degradação am- com as universais, como o contexto mais próximo con-
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biental, cabe ao ensino de Geografia ampliar a reflexão tém e está contido em uma escala mais ampla e quais as
sobre a necessidade de uma visão integradora dos siste- possibilidades e implicações que essas dimensões pos-
suem. No mundo atual, o meio técnico-científico-infor-
mas naturais. Por essa perspectiva reflexiva, é que con-
macional adquiriu um papel fundamental e, no processo
teúdos, como as interações solo x clima x relevo x cober-
de mundialização e massificação, o mundo convive com
tura vegetal e funções da fauna, podem ser tematizados
novos conflitos e tensões, tais como o declínio dos Es-
em Geografia. A biodiversidade hoje é também temática
tados-nação, a formação de novos arranjos comerciais,
de Geografia, pois os sistemas naturais dependem das
as políticas econômicas, a ordem ambiental mundial, a
interações bióticas para sobreviver e produzir benefícios,
desterritorialização e reterritorialização constantes de
tais como a água, a depuração atmosférica, alimentos
pessoas e povos e outros temas que recuperam a impor-
saudáveis, entre outros.
tância do saber geográfico.

157
Nesse sentido, o processo de regionalização ganha novos contornos e desconstrói a visão naturalizada de um mun-
do organizado por um conjunto de variáveis estáticas e aborda como as relações e interações ocorrem nos campos
econômicos, políticos, meio ambiente entre outros. Há uma multiplicidade de questões que, para serem entendidas,
necessitam de uma educação geográfica bem estruturada. Isto que explanamos se apresenta na Cidade de São Paulo,
um município integrado às redes, desigual nas territorialidades, de crises de processos naturais, rico na diversidade
cultural etc.
O estudo de Geografia possibilita aos estudantes a compreensão de sua posição no conjunto das interações da
sociedade com a natureza, de como e por que suas ações, individuais ou coletivas, em relação aos valores humanos
ou à natureza, têm consequências – tanto para si, como para a sociedade abrangente. Permite também que adquiram
conhecimentos para compreender as diferentes relações que são estabelecidas na construção do espaço geográfico no
qual se encontram inseridos, tanto em nível local como mundial, e perceber a importância das atitudes de solidariedade
e de comprometimento com o destino das futuras gerações. Além disso, seus objetos de estudo e métodos possibili-
tam que compreendam os avanços na tecnologia, nas ciências e nas artes como resultantes de trabalho e experiência
coletivos da humanidade, de erros e acertos nos âmbitos da política e da ciência. O ensino da Geografia pode e deve ter
como objetivo levar o estudante a compreender que cidadania é também o sentimento de pertencer a uma realidade
na qual as interações entre a sociedade e a natureza formam um todo integrado e constantemente em transformação.
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DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE GEOGRAFIA

A diversidade étnico-racional tem sido a mais tematizada em Geografia, mesmo antes de existirem as conquistas
legais dos povos culturalmente diferenciados, talvez pelas recentes produções que iluminam a Geografia Cultural com

158
as releituras das obras de Paul Claval e de outros autores. aquela que, ao dissolver fronteiras em resposta a uma
Abordar a pluralidade social e ambiental é um dos maior liberdade de circulação de capital, move centros
desafios propostos neste documento curricular de Geo- decisórios e pontos de referência, tornando tudo fluído
grafia. A questão étnico-racial aparece nos conteúdos e multidirecional. Esse desenraizamento das coisas, das
como objetivos voltados ao reconhecimento dessa plu- gentes e das ideias é um processo cada vez mais intenso
ralidade cultural paulista e das distintas territorialidades, e generalizado e afeta as noções de espaço e de tempo.
bem como a situação dos imigrantes e refugiados pre- Dessa maneira, o lugar está no mundo e o mundo está
sentes no Brasil e a forma como são tratados. no lugar. Segundo Ianni:
Abordar a diversidade requer preocupação com a Quando não é mais nítido o ponto de referência ou
valorização dos saberes do estudante, das trajetórias da o momento preciso, os acontecimentos largam-se por
cultura local e da dimensão do lugar. Essa tem sido uma distintos lugares e épocas. Mesclam-se, confundem-se
marca contemporânea dos currículos que pretende que- e rearticulam-se povos e culturas, signos e significados,
brar com a tradição eurocêntrica do ensino da disciplina. realidades e imaginários. A própria localização eviden-
Os processos e as estruturas de dominação estão sendo te, indiscutível, pode tornar-se irrelevante. É como se um
postos à prova devido ao dinamismo da sociedade civil, novo tecido, outra malha, recobrindo e impregnando o
ficando cada vez mais necessário e latente discutir a for- mundo, alterasse a geografia e a história. (IANNI, 1992,
mação global e local da sociedade. Nas palavras de Ianni: p. 100).
A formação da sociedade global modifica substan- Dessa forma, podemos dizer que na diversidade, os
cialmente as condições de vida e trabalho, os modos de indivíduos, os grupos, as classes e todos os outros se-
ser, sentir, pensar e imaginar. Assim como modifica as tores sociais adquirem distintas possibilidades de se de-
condições de alienação e as possibilidades de emancipa- senvolverem e se expressarem com equidade. Diante de
ção de indivíduos, grupos, etnias, minorias, classes, so- horizontes abertos, insuspeitados, uns e outros podem
ciedades, continentes. (IANNI, 1992 p.100). visualizar múltiplas perspectivas. Uns e outros deixam de
Aparentemente, contrário ao movimento de frag- estar vinculados a somente, ou principalmente, uma cul-
mentação que estudiosos têm associado a uma “con- tura, história, tradição, língua, religião, ideologia, utopia.
dição pós-moderna”, também testemunhamos uma No entanto, é preciso lembrar que, se o projeto mo-
crescente mundialização dos processos sociais e econô- derno não cumpriu plenamente sua promessa de demo-
micos. A financeirização do mundo e a presença cada vez cratização e universalização de direitos, até agora o pro-
mais maciça de corporações internacionais são uma for- jeto pós-moderno também não desempenhou as suas
ça de estandardização e homogeneização que acabam promessas de liberdade e respeito à pluralidade. Por en-
por romper fronteiras. quanto, o desenraizamento criou simulacros que toma-
Para Santos (2000a, p. 18), os dois movimentos não ram o lugar da realidade, elevando à segunda potência
são em si antagônicos; eles se complementam e têm a os processos de alienação e fetichização já presentes na
ver com uma lógica intrínseca da produção capitalista. À modernidade.
crescente “monetarização da vida cotidiana”, que trans- Mais do que nunca, as desigualdades sociais, eco-
forma “o mundo inteiro num enorme terreno”, somam- nômicas, políticas e culturais estão lançadas em escala
-se “as percepções fragmentadas”. Daí, uma certa visão mundial e refletem-se nos lugares. O mesmo processo
ingênua de que é possível emancipar-se apenas na valo- de globalização, com que se desenvolvem a interdepen-
rização das identidades locais. As identidades locais e a dência, a integração e a dinamização das sociedades na-
falta de equidade se devem a esses contextos maiores e cionais, produz desigualdades, tensões e antagonismos.
complexos. Mas há uma vertente de problemas nacionais O mesmo processo de globalização, que debilita o Es-
que diz respeito ao modo como a sociedade brasileira tado-nação, ou redefine as condições de sua soberania,
se desenvolveu na exclusão de grupos sociais. Particular- provoca o desenvolvimento de diversidades, desigualda-
mente, a questão do negro na sociedade brasileira pos- des e contradições, em escala nacional e mundial.
sui contornos específicos. Segundo Ianni (1992, p. 22), “a desterritorialização
O que testemunhamos, então, é o surgimento de um acentuou e generalizou a solidão e o isolamento dos
mundo a um tempo grande e pequeno, homogêneo e indivíduos”. Indivíduos, famílias, grupos, classes e ou-
plural, articulado e multiplicado. Devemos considerar tros segmentos sociais perdem-se no desconcerto do
quais conteúdos respondem a esse contexto geral e sin- mundo”. Essa solidão, graças à perda de referências dos
gular para que professores possam refletir sobre como quadros históricos nos quais a ideia mesmo de indivíduo
ensinar. surgiu, alcançou, hoje em dia, dimensões inimagináveis
Simultaneamente ao movimento de globalização, os para os pensadores iluministas e mesmo para seus críti-
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pontos de referência são dispersos, dando a impressão cos. As formas de alienação que se expandiram da razão
de que se movem ou ser perdem. Ao mesmo tempo em econômica para as formas de afeto geraram habitantes
que há centros políticos decisórios hegemônicos, há mo- perdidos em um mundo e em uma existência carentes de
mentos e pautas em que sua força é questionada e sua sentido. A perda de referenciais, que, por um lado, pode-
posição contestada e não seguida. São Paulo sintetiza ria levar à maior liberdade, resultou, de fato, na perda de
essa formação de uma “sociedade global”, associada a vínculos não só sociais como afetivos.
um processo de desterritorialização, que se manifesta Assim, os estudos escolares da Geografia não podem
tanto na esfera econômica, como na política e cultural. falar impunemente em desterritorialização. Segundo
Assim, como diagnostica Milton Santos, a globalização Ianni (1992) e outros pensadores, existe um aumento na
apresenta duas forças: aquela que homogeneíza, mas experiência de não pertença dos indivíduos que passa

159
também por sua relação com o espaço. Mas também O mundo do cotidiano é também o da produção ilimi-
pensamos que seja inadequado algo como o que o an- tada de outras racionalidades, que são, aliás, tão diversas
tropólogo francês Marc Augé indicou como não luga- quanto às áreas consideradas, já que abrigam todas as
res. Embora as relações entre indivíduo e espaço estejam modalidades de existência. O cotidiano supõe uma de-
alienadas, lugares nunca deixam de existir. É o olhar da manda desesperada pela política, resultado da conside-
Geografia que pode auxiliar no entendimento de como ração conjunta de múltiplos interesses. A vida cotidiana
opera essa perda de conexão entre sujeito e território, abrange várias temporalidades simultaneamente presen-
já que o espaço é seu objeto por excelência. Segundo tes, o que permite considerar, paralela e solidariamente,
Santos, a existência de cada um e de todos, como, ao mesmo
O espaço é formado por um “conjunto indissociável, tempo, sua origem e finalidade. O universo do cotidiano
solidário e também contraditório, de sistemas de obje- é o mundo da heterogeneidade criadora. As propostas
tos e sistemas de ações, não considerados isoladamen- curriculares tangenciam um caminho próximo a esse,
te, mas como o quadro único no qual a história se dá”. mas como texto reflexivo são ainda simplificadores da
[...] Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. questão da diversidade com expressão dos lugares.
De um lado, os sistemas de objetos condicionam a for- O conhecimento geográfico revela contradições e
ma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de constrói posicionamentos diante dos fatos sociais e am-
ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre bientais do mundo. Aprender é um constante desvelar
objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a e apropriar-se do mundo. O ensino de Geografia deve
sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2008, p. 62-63). estar intimamente ligado à compreensão do mundo e do
O que existe é um jogo dialético entre o local e as planeta, nas mais diferentes escalas e contradições, assim
forças globais. Se a lógica da financeirização e da técnica, como deve instrumentalizar os estudantes para que pos-
por um lado, busca a padronização e a não diferença, sam ser autores de transformações sociais.
por outro, cada região (e cada lugar), imersa no global,
torna-se também cada vez mais diversa. Entender essa ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA NO ENSINO
dialética exige evitar dois erros: o de adotar um ponto FUNDAMENTAL
de vista apenas localista, “já que o mundo se encontra
em toda a parte”, e encarar os fenômenos a partir de De acordo com Santos (2008, p. 49), “o espaço total
uma “simplificação cega” que só leve em conta as for- e o espaço local são aspectos da realidade total, que é
ças sociais globais. Um conceito central para Santos se- representada a partir da imagem do universal e dos par-
ria, então, o lugar. O lugar é o meio entre o mundo e o ticulares. O global reflete-se nas dinâmicas dos lugares
indivíduo e também ele sofre da mesma “esquizofrenia” que, consequentemente, influenciam no todo”.
que caracteriza o espaço: de um lado, acolhe os vetores
Nesse sentido, pensar a dinâmica de apropriação e
da globalização e, de outro, produz uma “contraordem”.
produção do espaço geográfico não difere disso. O todo
Assim, junto à busca pela sobrevivência, vemos pro-
pode ser pensado pelas partes e as partes pelo todo. Fa-
duzir-se, na base da sociedade, um pragmatismo mescla-
zer o estudante entender que ações de intervenção lo-
do com a emoção, a partir dos lugares e das pessoas jun-
cais podem transformar o mundo é um dos objetivos de
tos. Esse é também um modo de insurreição em relação
ensinar e aprender a Geografia no Ensino Fundamental.
à globalização, com a descoberta de que, a despeito de
A partir da consciência dos lugares, é importante de-
sermos o que somos, podemos desejar ser outra coisa.
Nisso, o papel do lugar é determinante. Ele não é ape- senvolver em nossos estudantes autonomia e pensamen-
nas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de to crítico para a compreensão e aplicação do raciocínio
experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo geográfico para, com isso, refletir as lógicas de apropria-
tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o ção do espaço globalizado. Na busca de compreender
presente e o futuro. como o espaço geográfico é produzido e reproduzido e
Ou seja, se olharmos com cuidado, na e por força da como ele pode ser apropriado a partir de várias formas, o
globalização, instala-se uma variedade de modos de vida estudante poderá construir seu conhecimento, buscando
cuja realidade preside o cotidiano das pessoas. E para autonomia para investigar e propor alternativas para seu
Milton Santos, a possibilidade da cidadania deve ser bus- bairro, ampliando sua escala para a Cidade de São Paulo.
cada aí, nesse modus vivendi local. Somente a partir de O jeito que cada indivíduo se apropria do espaço e
um país configurado como “federação de lugares”, po- se sente pertencente a ele, vai depender de sua visão de
derá se erguer uma “federação de países”. Isso porque mundo e de como ele percebe, vivencia e experimenta
não há como o mundo regular os lugares e, portanto, um esse espaço a partir de seu corpo (considerando as di-
versidades corporais), sua história de vida, sua cultura,
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cidadão do mundo que não seja um cidadão do lugar só


pode ser uma promessa nunca cumprida. sua condição socioeconômica e sua visão política. Não
Nesse sentido, é fundamental voltarmos nosso olhar existe ação sem intenção; logo, a apropriação e a produ-
para o cotidiano, pois é nele que se enraízam as relações ção espacial são sempre intencionadas. De acordo com
com o entorno, criadas de forma espontânea, por isso Carlos (2010):
mesmo resistentes, e que constituem a base para uma A paisagem urbana é espelhada pelas diferenças, colo-
outra ordem. No cotidiano, a razão, isto é, a razão de cando-nos no nível do aparente e do imediato. O passado
viver, é buscada por meio do que, em face a essa raciona- e o presente se encontram nos lugares e são vivenciados
lidade hegemônica, é considerado como irracionalidade, constantemente por nossos alunos [...] casarões do café
quando na realidade o que se dá são outras formas de dão lugar aos edifícios, que são (re) significados, mudando
ser racional. sua lógica de apropriação (CARLOS, 2010, p 33).

160
Tuan (1983) nos aponta: garanta ao estudante um ensino que faz sentido sobre
Articulando constantemente o público e o privado, a o espaço vivido. Afirma-se que o conhecimento geográ-
ideia de pertencimento deve ser trabalhada. Para isso a fico seja construído com base num processo prioritário
sugestão é entender a dinâmica de apropriação e produ- de alfabetização geográfica e que o trabalho em Geo-
ção espacial e perceber os lugares a partir de todos os grafia contenha como prerrogativa primária desenvolver
sentidos humanos, propondo intervenções, empoderan- o “olhar geográfico”, ou seja, sua forma de análise so-
do o estudante para que ele consiga, de forma democrá- cioambiental.
tica, praticar ações cidadãs em prol da melhoria da cole-
tividade. [...] construímos significâncias a partir de nossa PARTE 2 – GEOGRAFIA
vivência e experiência com o lugar do qual fazemos parte GEOGRAFIA E OUTROS COMPONENTES CURRICU-
e experimentamos com todo o nosso corpo. O cego, por LARES
exemplo, percebe os sons de forma peculiar e usam suas
ressonâncias para avaliar o caráter espacial do meio am- Os temas de estudo da Geografia permitem conexões
biente, usam o tato para sentir texturas e rugosidades. A com outros componentes curriculares e apresentam
proximidade pelo tato e o longe pelo som possibilita a claras sobreposições. Estudar os lugares, territórios pai-
construção de um espaço significativo para ele (TUAN, sagens e regiões, pressupõe lançar mão de uma ampla
1983, p. 133). base de conhecimentos que não se restringem àqueles
O professor e os estudantes (pensando aqui na ques- produzidos apenas pela Geografia. Muitas são as interfa-
tão da construção da autonomia) poderão usar métodos ces com outras áreas curriculares. Talvez, a maior diferen-
de investigação, como trabalho de campo, entrevista ça entre essas áreas sejam os métodos de estudo e suas
com a comunidade, assim como a análise e construção formas de recortar a realidade estudada. Assim, o estudo da
das diferentes linguagens geográficas para compreender natureza em Geografia envolve uma análise de processos
melhor o ambiente em que se vive e conseguir, dessa que também é feita em Ciências, por exemplo. No entanto,
forma, intervir nele. a Geografia traz métodos peculiares de estudo, por exem-
Essas formas de aprender a Geografia podem ajudar plo, o desenvolvimento das noções de espacialidade quan-
os estudantes a significar o espaço vivido. Quanto mais do se considera a escala e a integração dos fenômenos.
dinâmica e lúdica for a aula, utilizando várias formas de Outro aspecto a destacar é que, para estudar a es-
linguagem para atingir o objetivo remetido pelo conteú- pacialidade, a Geografia desenvolveu a representação
do, mais o estudante irá compreender aquilo que está a cartográfica que requer métodos e conteúdos específi-
sua volta. Levar em consideração as várias inteligências cos para se aprender na escola. Pode-se mencionar um
(GARDNER, 2000) e potencialidades dos estudantes na exemplo de conexão e ao mesmo tempo singularidade:
hora de planejar a aula pode garantir que todos sejam é possível estudar aspectos do tempo meteorológico em
contemplados, mesmos aqueles que apresentam algum Ciências e Geografia, mas na Geografia essa noção se as-
tipo de deficiência ou algum transtorno de aprendizagem. socia ao entendimento das escalas de tempo e clima, que
Todos os estudantes, a despeito de suas diferenças são muito diferentes, e ao mesmo tempo a cartografia
reais ou circunstanciais, físicas ou intelectuais e socioe- dos fenômenos climáticos, por exemplo, os mapas de fe-
conômicas, têm desafios de aprendizagem, em graus nômenos atmosféricos. Com História, essas conexões são
diferentes (uns mais, outros menos). Dessa forma, pre- evidentes, pois as temporalidades também são objeto de
cisam ser aceitos, compreendidos e respeitados em seus estudo da Geografia, que busca interpretar o tempo empi-
diferentes estilos e maneiras de aprender, respeitando-se ricizado na paisagem e também nos objetos do cotidiano.
os tempos, interesses e possibilidades de ampliar e de
aprofundar conhecimentos, em qualquer nível escolar. Fonte
Os programas, os currículos, as atividades e os recur- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
sos pedagógicos serão sempre os mesmos para todos os cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
estudantes. O que faz a diferença é identificar os papéis Ensino Fundamental: Geografia. 2. ed. São Paulo: SME/
do educador e de seus estudantes. Segundo Mantoan COPED, 2019. p. 62-88. Disponível em: http://portal.sme.
(2012): prefeitura.sp.gov.br/ Portals/1/Files/50634.pdf.
• Do lado do estudante - considerar a possibilidade
de o aprendiz realizar as suas tarefas e atividades
com a turma, sem ter de trabalhar à parte, segre-
gado, mas fazendo uso do material pedagógico da EXERCÍCIO COMENTADO
sala de aula, livremente, de acordo com seus inte-
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resses e capacidades; 1. (IF-SP – Professor – Pedagogia - IF-SP/2015) Co-


• Do lado do professor - considerar o modo como nhecer e dominar a metodologia de ensino da Matemáti-
planeja as atividades e como seleciona os recursos, ca, Ciências, História e Geografia entre outros conteúdos
de forma que possam servir a objetivos mais am- que integram o currículo dos anos iniciais do Ensino Fun-
plos e importantes do que treinar, estereotipar e damental é fundamental para o ensino. Assinale a alter-
constranger o estudante. nativa correta que comprova essa afirmação:

Enfim, ao longo das últimas décadas, o ensino da a) A utilização da metodologia adequada e o domínio
Geografia suscitou reflexões que procuram encontrar dos conteúdos promovem o ensino nos anos iniciais
alternativas teórico-metodológicas para que a disciplina do Ensino Fundamental.

161
b) A melhoria da qualidade de aprendizagem está asso- sido a de explicitar as finalidades das disciplinas esco-
ciada a aprendizagem da leitura/escrita e matemática lares e suas contribuições dentro dos currículos. Nessa
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. perspectiva, por exemplo, o documento de História dos
c) A participação dos professores na elaboração do ma- Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1997) e das
terial impresso oferece suporte à ação pedagógica nos Orientações curriculares e proposição de expectativas de
anos iniciais do Ensino Fundamental aprendizagem para o Ensino Fundamental ciclo II: Histó-
d) A elaboração das diretrizes e dos critérios avaliativos ria, da Secretaria Municipal de Educação - SME (2008),
na organização do currículo pelo professor facilitam o já apresentavam históricos das diferentes finalidades do
ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental. ensino ao longo dos currículos brasileiros e, também,
como naqueles contextos específicos traçavam grandes
Resposta: Letra A. A disciplina Metodologia do Ensi- preocupações que poderiam ser orientadoras das esco-
no de História e Geografia no curso de formação de lhas internas ao currículo da disciplina.
professores, segue um caminho bastante semelhante Assim, é importante identificar como o ensino de His-
do Ensino Fundamental. Trata-se da construção do co- tória pode contribuir para a formação de crianças, jovens
nhecimento em torno da concepção e prática educati- e adultos que moram na Cidade de São Paulo1 e que
va em contextos formais de ensino. pertencem a uma sociedade complexa com sua diversi-
O processo de ensino e aprendizagem tem por finalidade: dade cultural e histórica e imersa em um contexto histó-
- favorecer a formação de um sujeito participativo em rico nacional e mundial, com demandas que valorizam a
sala de aula, isto é, fazer com que o aluno pergunte e interatividade e equidade entre os povos, as culturas, os
coloque as suas opiniões sobre determinado assunto; gêneros, as etnias e os variados grupos sociais, envol-
- estimular a práxis em sala de aula, ou seja, um pro- vendo abertura para debates, intercâmbios e assimetria
cesso reflexivo diante do conhecimento a ser apreen- de poder.
dido e construído; O documento também considera que os conteúdos
- a coerência entre teoria e prática educativo. Para que estudados e os trabalhos produzidos em História na es-
isso ocorra é preciso de uma efetiva compreensão dos cola decorrem de um múltiplo diálogo entre a história
fundamentos da prática educativa. da disciplina, as práticas e escolhas dos professores, da
A efetiva concepção de ensino e prática educativa assu- área de conhecimento de referência, das solicitações de
mida pelo aluno-mestre, em muitos casos, é direcionada estudantes e de suas famílias, dos materiais didáticos
pelo professor. A escolha por parte do aluno-mestre da disponíveis e das questões históricas contemporâneas
teoria de ensino-aprendizagem que é mais adequada e/ que solicitam entendimento2 , além do princípio de que
ou coerente para a prática educativa dele será pautada: os estudos históricos consolidam vínculos de identidade
pelas análises das leituras e atividades práticas desen- com instituições, grupos sociais, memórias e localidades.
volvidas no curso de graduação, bem como da maturi- Reconhece, ainda, a importância de definir objetivos e
dade da conclusão feita diante das análises. conteúdos que favoreçam uma formação comprometida
com a análise, posicionamento e participação diante da
complexidade da realidade vivida.
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. A partir das premissas apresentadas, propõe a ideia
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. de que os estudos históricos escolares devem contribuir
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO para:
FUNDAMENTAL: HISTÓRIA. 2. ED. SÃO a) identificar problemas enfrentados pela sociedade
PAULO: SME/COPED, 2019. P. 62-72. na atualidade e aqueles enfrentados no passado;
b) investigar quais entendimentos são necessários
para dimensionar as questões contemporâneas em
CURRÍCULO DE HISTÓRIA PARA A CIDADE DE SÃO perspectivas históricas;
PAULO c) conhecer, analisar, questionar e intervir na organi-
INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE zação da sociedade em que se vive, na perspectiva
CURRICULAR de sua diversidade.

Para ocorrerem situações de ensino e de aprendi-


#FicaDica
zagem escolares é inerente aos currículos definições
de conteúdos. Especificamente no ensino de História,
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O documento curricular reconhece que os


conteúdos ensinados em História na escola é importante reconhecer que a seleção e a escolha de
mantêm relações com as finalidades edu- conteúdos devem estar “em consonância com as proble-
cativas e culturais direcionadas para a edu- máticas sociais marcantes em cada momento histórico”
cação escolar pela sociedade em que está (BEZERRA, 2003, p. 39). Assim, o diagnóstico das ques-
inserida. tões atuais orientou o reconhecimento de que, a partir
do final do século XX, passou a existir uma predominân-
cia de um modo de viver cotidiano e capitalista que, na
Os autores André Chervel e Marie-Madeleine Compè- perspectiva de uma formação histórica, precisa ser estu-
re (1999) discutem que uma das preocupações da edu- dado, analisado e questionado.
cação, a partir das últimas décadas do século XX, tem

162
Considerando que as sociedades são complexas, para mais diversos vestígios produzidos pelas sociedades –
melhor entender essa predominância é importante tam- material, oral, escrito, iconográfico, cartográficos etc. O
bém estudar os embates históricos com outros mode- conceito de fonte histórica provoca questionamentos e
los de sociedade que se impuseram e resistiram a esse interpretações das representações internas às diferentes
modo de vida no presente e no passado, assim como as linguagens e meios de comunicação, expressão e arte
classes sociais e grupos que discordaram, confrontaram (PROST, 2008).
e projetaram outras alternativas econômicas, políticas, Por sua vez, o sujeito histórico, que antes era iden-
sociais e culturais. Para serem estudadas historicamente, tificado como governantes e heróis, incorporou ao lon-
as grandes problemáticas contemporâneas dependem go do século XX as pessoas comuns na sua diversidade
de conceitos e de seus desdobramentos em catego- de etnia, gênero, idade, grupos e classes sociais (PROST,
rias de análise. Desse modo, importantes conceitos são 2008). Desse conceito, na sociedade atual, derivou o de
didaticamente enfatizados na escola, com o intuito de protagonismo histórico, com estudos que evidenciam e
possibilitar aos estudantes um entendimento e reflexões valorizam as ações, mesmo que de resistência e mesmo
históricas. Antes de especificar quais são os importantes que restritas ao cotidiano de indivíduos e grupos sociais
conceitos históricos na escola, é importante distinguir pouco visibilizados e pouco estudados historicamente,
noções, conceitos e categorias. como os indígenas, as mulheres e os afrodescendentes
As noções são ideias parciais ou particulares de algo. (DIAS, 1983).
As noções de tempo, por exemplo, contribuem para nos- Como os demais conceitos, o tempo histórico tam-
sa percepção específica de ciclos da natureza ou passa- bém foi objeto de estudo de muitos historiadores, que
gem do tempo. Já os conceitos generalizam ideias que romperam com a única ideia de um tempo medido e
abarcam o todo de algo que está sendo pensado. Eles organizado por uma cronologia linear. Outras percep-
incluem um esforço de abranger o todo, ou tudo o que ções incorporaram o conceito de duração e de ritmos de
não pode deixar de ter ou ser. São, portanto, abstratos e tempo (percebidos subjetiva e socialmente como mais
não fazem recorrência a determinada qualidade, caracte- ou menos acelerados, como tempo de natureza, tempo
rística ou manifestação. de fábrica etc.). No caso da duração, os historiadores
O conceito de tempo, por exemplo, é muito comple- passaram a estudar os acontecimentos a partir de avalia-
xo, porque, para ser concebido, demanda uma síntese ções de suas extensões de tempo, podendo qualificá-los
abstrata do que ele potencialmente pode ser. Por suas como de longa duração (estrutura), de média duração
características, os conceitos são sempre abertos, pois po- (conjuntura) e de curta duração (breve). Os conceitos
dem ser reorganizados a partir de novas sínteses e no- históricos de tempo e de duração instigam a construção
vas ideias. Já as categorias são conceitos que assumem a de relações temporais entre acontecimentos a partir de
potencialidade de provocar relações entre fatos e ideias. categorias de mudança/transformação, permanência, su-
No caso do conceito de mudança, por exemplo, pode cessão, continuidade, simultaneidade, descontinuidade e
ser empregado como categoria de relações temporais, ruptura.
possibilitando a comparação de um mesmo fato em dois Já o conceito de história, de modo amplo, pode ser
momentos no tempo, com a indicação se houve ou não entendido como realidade social e também como co-
transformações. (BEZERRA, 2003). nhecimento científico que estuda a realidade social, os
Entre os conceitos históricos escolares estão aqueles escolhas teóricas; os obstáculos do acesso às fontes para
que são intrínsecos ao conhecimento histórico, como aproximações com o passado; a fragmentação documen-
os que incluem a identificação e seleção dos eventos a tal; a reavaliação dos protagonistas históricos e do papel
serem estudados (fato histórico), as pessoas, grupos ou da memória na sua relação com a história etc. (PROST,
instituições neles envolvidos (sujeito histórico), o contex- 2008).
to em que ocorreram (tempo histórico) e como eles pu- Entre os conceitos de referência das Ciências Huma-
deram ser conhecidos e estudados (fonte histórica). Esses nas, é importante salientar o de cultura e seus desdobra-
conceitos estruturam o modo de pensar historicamente, mentos nos de interculturalidade e hibridismo cultural.
mas também são construções históricas, possuem histo- Esses são conceitos que estão presentes em atuais pro-
ricidade, e estão vinculados a diferentes linhas teóricas postas curriculares das Ciências Humanas. O conceito de
que os fundamentam. Assim, não há uma única definição cultura é assim apresentado nas Orientações Curriculares
para cada um deles. de Ensino Médio:
Os conceitos históricos têm passado por transforma- A cultura não é apenas o conjunto das manifestações
ções. No século XIX, fato histórico era entendido como artísticas e materiais. É também constituída pelas formas
uma realidade dada, já pronta, que cabia ao historiador de organização do trabalho, da casa, da família, do co-
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identificar e organizar para compor a História. Ao longo tidiano das pessoas, dos ritos, das religiões, das festas.
do século XX, por meio de inúmeros embates e questio- As diversidades étnicas, sexuais, religiosas, de gerações e
namentos, os fatos para serem históricos passaram a ser de classes constroem representações que constituem as
referendados em documentos, que, por sua vez, devem culturas e que se expressam em conflitos de interpreta-
ser criticamente analisados quanto à sua veracidade e ções e de posicionamentos na disputa por seu lugar no
seus discursos. Já fonte histórica, que esteve vinculada imaginário social das sociedades, dos grupos sociais e
à ideia de testemunho e unicamente às produções es- de povos. A cultura, que confere identidade aos grupos
critas, passou a ser mais amplamente entendida como sociais, não pode ser considerada produto puro ou es-
obras de sujeitos e de contextos, que necessitam ser mais tável. As culturas são híbridas e resultam de trocas e de
profundamente analisadas e diversificadas, incluindo os relações entre os grupos humanos. Dessa forma, podem

163
impor padrões uns sobre os outros, ou também receber social, política, econômica, classe, crenças, entre
influências, constituindo processos de apropriações de outras), e pertencentes a diferentes sociedades de
significados e práticas que contêm elementos de aco- tempos e espaços historicamente constituídos;
modação-resistência. Daí a importância dos estudos dos • identifiquem, analisem e reflitam sobre os fatos
grupos e culturas que compõem a História do Brasil, no históricos eleitos para explicar a história do pre-
âmbito das relações interétnicas. O estudo da África e sente e do passado, questionando, confrontando e
das culturas afro-brasileiras, assim como o olhar atento relacionando-os entre si e com os sujeitos históri-
às culturas indígenas, darão consistência à compreen- cos que os protagonizaram, a partir de referências
são da diversidade e da unidade que fazem da História temporais e espaciais;
do Brasil o complexo cultural que lhe dá vida e sentido. • compreendam e analisem diferentes referências
(BRASIL, 2006, p. 77). temporais para os estudos históricos, como os
O conceito de história e de cultura promovem aná- tempos de vivências sociais e durações de tempo
lises e confrontações entre modos de vida no tempo e como permanências, mudanças e padrões de me-
entre povos, fazendo uso de categorias de diferenças e didas temporais;
semelhanças. • distingam e analisem como diferentes sociedades
O conceito de interculturalidade incorpora a ideia de constituem seus territórios e como historicamente
que no interior de uma sociedade existem diferentes gru- as sociedades constroem noções e representações
pos sociais e culturais e que existe uma ação deliberada de diferentes espaços, vividos e imaginados;
de inter-relações entre eles. Nesse sentido, é um concei- • identifiquem e compreendam as atuações de prota-
to que evidencia esses convívios e as transformações de- gonismo histórico de diversos grupos e sociedades na
sencadeadas por eles, constituindo processos históricos luta por legitimidade e reconhecimento de seus proje-
e dinâmicos de elaborações e reelaborações culturais. tos específicos em diferentes tempos e espaços sociais;
Agrega-se a esse conceito, o de culturas híbridas, que • reconheçam a interculturalidade nas práticas sociais,
resultam das relações de trocas e de apropriações cultu- identificando as representações construídas em re-
rais entre os grupos humanos, mobilizando a construção lação ao outro, respeitando e acolhendo os indi-
de identidades abertas e em reconstrução permanente víduos, os grupos e as culturas, considerando-os
(CANDAU, 2012). como imersos em processos contínuos de elabo-
Ainda cabe explicitar um conceito próprio da es- ração, construção e reconstrução de seus vínculos
fera do ensino, que é valioso para essa proposta: o de
e identidades, e valorizando suas diferenças e his-
interdisciplinaridade. Ele é aqui entendido como víncu-
toricidades;
los temáticos entre as disciplinas para a criação de uma
• reconheçam e analisem as culturas híbridas e como
abordagem comum em torno de um mesmo objeto de
elas estabelecem novas raízes, a partir de encon-
conhecimento. Nesse caso, a abordagem requer estudos
tros, conflitos e negociações históricas;
históricos mais aprofundados, para identificar como es-
• estabeleçam relações entre diversas áreas de conhe-
pecificamente podem contribuir, junto com os estudos
cimento, considerando a complexidade dos obje-
de outras disciplinas, para a compreensão da comple-
xidade de determinado objeto de estudo. Por exemplo, tos de estudo;
as relações da sociedade com a natureza passaram a ser • apropriem-se da leitura e da escrita e desenvolvam
objeto de estudo da história, constituindo o que se de- o gosto e o prazer de conhecer e de se aproximar
nomina hoje de história ambiental, que gradativamente de diferentes escritores, perspectivas, bem como
tem fundamentado também propostas escolares (BIT- realidades fictícias e históricas;
TENCOURT, 2004). • saibam lidar criticamente com a informação histó-
A proposta de ensino de história aqui apresentada, rica disponível, atuando com discernimento e res-
considerando as problemáticas contemporâneas e os ponsabilidade nos contextos das culturas digitais
conceitos já delineados, apresenta a ideia de que as si- (BRASIL, 2017).
tuações de ensino e de aprendizagem devem possibilitar,
no Ensino Fundamental, que os estudantes: É importante ressaltar o compromisso das políticas
• adquiram uma formação integral, que não fi que públicas com a qualidade da educação, que inclui fun-
restrita apenas à aquisição de informações e con- damentalmente a valorização docente. O professor é o
ceitos, mas que também possibilite o aprendizado principal mediador do processo de ensino e de aprendi-
de procedimentos e atitudes, que ampliem domí- zagem, sensível aos saberes das crianças, jovens e adultos
nios práticos e intelectuais e reforcem valores e e às expectativas de formação projetadas pelas famílias
e pela sociedade em geral, além de ser o construtor das
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princípios éticos valiosos à sua sociedade (ZABA-


LA, 1996); diferentes didáticas desenvolvidas em sala de aula. É ne-
• aprendam a agir pessoal e coletivamente com cri- cessário reconhecer, assim, sua atuação como pesquisador
ticidade, autonomia, responsabilidade, flexibilida- na perspectiva da educação integral, considerando as es-
de e determinação, tomando decisões com base pecificidades dos estudantes do século XXI (TARDIF, 2001).
nos conhecimentos construídos por eles na escola
segundo princípios éticos e democráticos (BRASIL, DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA
2017);
• percebam-se como sujeitos históricos que intera- O ensino de História na Educação Básica tem por fi-
gem e respeitam outros sujeitos da sociedade nalidade possibilitar ao estudante reconhecer-se sujeito
em que vivem, na sua diversidade (gênero, etnia, histórico, adquirir consciência de si e preparar-se para o

164
exercício da cidadania tal como é estabelecido na Lei nº analisar a realidade. Auxiliam também no reconhecimen-
9.394/1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na- to de que os significados construídos para os aconteci-
cional, à qual foram incorporadas alterações com a apro- mentos históricos e cotidianos estão relacionados com a
vação da Lei nº 10.639, de 2003, que incluiu no currículo formação social e intelectual dos indivíduos.
oficial das redes de ensino a obrigatoriedade da temática No Ciclo de Alfabetização, a aprendizagem de Histó-
História e Cultura Afro-brasileira e da Lei nº 11.645, de ria contribui para a formação das crianças para que co-
2008, que tornou obrigatório no Ensino Fundamental e nheçam e aprendam a questionar e a narrar característi-
Médio, nas escolas brasileiras públicas e particulares, o cas de objetos e vivências sociais, que fazem parte de seu
estudo da História e Cultura Afrobrasileira e Indígena. mundo infantil e lúdico, em comparação com elementos
Para o ensino de História, há que se considerar os semelhantes e diferentes de outras épocas, apresenta-
princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e dos nas suas materialidades e por meio de relatos orais,
divulgar saberes com pluralismo de ideias e concepções livros, teatralizações, canções e vídeos. Conforme conhe-
pedagógicas, garantindo o respeito à liberdade, o apre- cem e constroem diferentes narrativas com variações
ço à tolerância, bem como a valorização da experiência temporais, distinguem medidas de tempo socialmente
extraescolar, das práticas sociais, da diversidade étnico- construídas e utilizadas hoje em dia e em outras épocas.
-racial e da qualidade social da educação. No Ciclo Interdisciplinar, o estudo de temas e fatos
históricos dissemina e problematiza saberes relacionados
ENSINAR E APRENDER HISTÓRIA NO ENSINO às vivências cotidianas, públicas e sociais, de experiências
FUNDAMENTAL e histórias comuns na escola e na localidade onde vivem.
Tal estudo é conduzido diante da diversidade local, re-
A proposta aqui apresentada parte da premissa de gional e brasileira, além de outras culturas e povos, do
que o ensino de História tem, fundamentalmente, o presente e do passado, respeitando as diferentes narrati-
compromisso de formar estudantes para refletirem inte- vas, memórias e identidades.
lectualmente sobre suas vivências e também de outras No contexto escolar, associado a outras áreas do co-
sociedades, para que desenvolvam a compreensão de nhecimento e aos saberes de docentes e de estudantes,
si mesmos, dos outros e das coletividades humanas no estudar História possibilita o avanço nas noções e nos
presente e no passado, comprometendo-se com ações e conceitos de tempo e espaço, na identificação da diversi-
práticas sociais e políticas em prol da qualidade da vida dade de sujeitos históricos que protagonizam os aconte-
coletiva. cimentos atuais e do passado, na leitura, na interpretação
Para tanto, tem por finalidade subsidiar crianças, e na construção de narrativas (com diversas linguagens)
adolescentes, jovens e adultos para que identifiquem, a partir de coletas de dados em diferentes fontes e no
avaliem e dimensionem, em perspectivas históricas, as posicionamento em relação às questões importantes da
relações com a natureza, as materialidades e paisagens, sociedade em que vivem. Privilegiam-se, assim, temas
as relações sociais, econômicas e políticas, assim como a que promovam reflexões a respeito da qualidade e do
dimensão cultural constituída pelos costumes, as ideias, sentido da vida individual e coletiva.
as representações, as linguagens, os valores e as crenças No Ciclo Autoral, estudar História envolve contato
que permeiam seu cotidiano, suas atitudes e hábitos e com uma diversidade maior de materiais informativos,
que estão presentes também nas organizações mais am- fontes mais elaboradas e conceitos mais formalizados,
plas da sociedade. que auxiliam os estudantes a organizarem repertórios
Como salientou o documento Direitos de Aprendi- (novos e já adquiridos) em estruturas temporais de dife-
zagem dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral - História: rentes durações, relacionando suas vivências cotidianas
[…] atribuímos ao ensino e aprendizagem de História a com modos de viver em sociedade e com a história da
inestimável importância de experimentar e de vivenciar humanidade. Os estudos históricos também instigam os
princípios éticos, políticos e estéticos, os quais dizem jovens a identificarem o ponto de vista de autores, com-
respeito à formação integral dos educandos(as), voltado partilharem com os outros sua atenção e amadurecerem
à autonomia e à emancipação da cidadania e vivência suas próprias ideias, no esforço de especular e construir
plena na vida pública, da criticidade, da sensibilidade, da interpretações para os fatos históricos.
inventividade, do encantamento e do gozo no estudo, Contribuem, ainda, para valorizarem as linguagens,
da ludicidade e das variadas manifestações, culturais e reconhecendo a importância de melhor compreendê-las
políticas. (SÃO PAULO, 2016b, p. 25). e de utilizá-las para expressarem seus pensamentos, ar-
Para tanto, os estudos históricos escolares incluem gumentos, opiniões e criações. Para todos os ciclos, fo-
identificar e analisar formas de trabalho, formas de co- ram escolhidos eixos estruturantes para organização de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

municação, técnicas, tecnologias e criações artesanais conteúdos e de objetivos de aprendizagem e desenvolvi-


e artísticas, além de, principalmente, comportamentos, mento apresentados como questões problematizadoras,
visões de mundo, discriminações, preconceitos, explora- que consideram os estudos históricos como investigação
ção econômica e social, lutas e compromissos políticos coletiva (envolvendo docentes, estudantes, escolas e co-
e sociais em diferentes épocas e sociedades, instigando munidades) e como pesquisa e busca de respostas para
reflexões a respeito da ética e princípios morais nas rela- questões e problemas próprios das vivências históricas.
ções humanas. Nessa perspectiva, para cada ciclo foi escolhido um
Os fatos, conceitos e períodos históricos estudados eixo problematizador, que se desdobra em recortes mais
deverão conter elementos ricos que viabilizem a com- específicos em cada ano escolar. Há como premissa que
preensão e a formação de tais habilidades de identificar e os eixos se concretizem em conteúdos e objetivos que

165
considerem conceitos importantes para a formação dos desenvolvimento com os ODS na prática escolar serão
estudantes, em consonância com o saber histórico e com detalhadas no documento de orientações didáticas dos
questões próprias das vivências contemporâneas, dando diferentes componentes curriculares.
conta de problematizar os cotidianos por eles vividos na
relação com a realidade e a história brasileira e mundial. Fonte
Os eixos problematizadores são adequados a cada SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
faixa etária, apresentando indagações que envolvam, cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
motivem e instiguem os estudantes a fazer uso de seus Ensino Fundamental: História. 2. ed. São Paulo: SME/
conhecimentos prévios e adquirir novos conhecimentos, COPED, 2019. p. 62-72. Disponível em: http://portal.sme.
por meio de pesquisas, identificação e análises de fontes, prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/50632.pdf.
coletas e organização de dados, leituras, entrevistas, es-
tudos do meio, análise de objetos, imagens, paisagens e
textos, entre outras atividades que promovam vivências,
partilhas de conhecimento e estudos ativos. Em cada ano EXERCÍCIO COMENTADO
dos três ciclos de aprendizagem há um quadro sistema-
tizado com quatro colunas: 1. (Pref. Arujá/SP - Professor de Educação Especial -
Eixos, Objetos de Conhecimento, Objetivos de Apren- Superior – VUNESP/2015) Todos os países do mundo
dizagem e Desenvolvimento e Objetivos de Desenvolvi- têm símbolos nacionais. São eles que identificam uma
mento Sustentável (ODS). Os ODS, pactuados na Agenda nação. Os símbolos nacionais que representam o Brasil
2030 pelos países-membros das Nações Unidas, foram são quatro: a bandeira, as armas, o selo e o hino. O seu
incorporados como temas inspiradores a serem trabalha- estudo favorece o sentimento de pertencer à nação bra-
dos de forma articulada com os objetivos de aprendi- sileira. Esse estudo faz parte do currículo do ensino fun-
zagem e desenvolvimento nos diferentes componentes damental e, de acordo com o parágrafo 6o do art. 32 da
curriculares. LDBEN no 9.394/96, ele deverá ser
Nos quadros de objetivos de aprendizagem e desen-
volvimento há uma correspondência com o ODS relevan- a) desenvolvido como conteúdo específico de História
te para aquele objetivo, seja do ponto de vista temático do Brasil.
quanto sob o olhar metodológico e de abordagens ino- b) programado como conteúdo de Arte, no Desenho e
vadoras de aprendizado. Educadores e estudantes são na Música.
protagonistas na materialização dos ODS como temas de c) considerado atividade na programação das práticas de
aprendizagem e têm ampla liberdade para também criar Educação Física.
projetos autorais a respeito, assim como buscar parcei- d) inserido como conteúdo de Geografia em todos os
anos do ensino fundamental.
ros, com o objetivo de promover maior cooperação entre
e) incluído como tema transversal do currículo, ao longo
os diferentes atores sociais e da comunidade escolar na
do ensino fundamental.
geração e compartilhamento do conhecimento e prática.
A Agenda 2030 estabeleceu dezessete ODS, dentre
Resposta: Letra E. Em “e” – Certo – A alternativa está
os quais 6 estão especificamente mais relacionados aos
correta.
objetos de conhecimentos e objetivos do currículo de
Desde 2011, a Lei nº 12.472 determina o estudo trans-
História. São eles os ODS:
versal dos símbolos nacionais no Ensino Fundamental.
• nº 5 – Igualdade de Gênero: alcançar a igualdade de
Além do Hino, são considerados símbolos a Bandeira,
gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; o Brasão e o Selo.
• nº 6 – Água Potável e Saneamento Básico: assegurar
a disponibilidade e gestão e saneamento a todos;
• nº 10 – Redução das Desigualdades: reduzir as desi-
gualdades dentro dos países e entre eles;
• nº 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis: tornar
as cidades e os assentamentos humanos inclusi-
vos, seguros, resilientes e sustentáveis;
• nº 14 – Vida na Água: conservar e usar sustentavel-
mente os oceanos, os mares e os recursos mari-
nhos para o desenvolvimento sustentável;
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

• nº 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes: promover


sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvi-
mento sustentável, proporcionar o acesso à justiça
para todos e construir instituições eficazes e inclu-
sivas em todos os níveis.

As abordagens desses Objetivos de Desenvolvimen-


to Sustentável constituem- -se em dispositivos para
uma educação mais inclusiva, equitativa e de qualida-
de. Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e

166
dos Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA e autoral: Língua Inglesa (2016), o qual recuperou a histó-
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. ria de aprendizagem de línguas estrangeiras (em especial
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. o de inglês) no Brasil, desde seu início, do período colo-
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO nial até os dias atuais, explicitando, de modo abrangente,
FUNDAMENTAL: LÍNGUA INGLESA. 2. ED. as questões mais atuais sobre o papel da Língua Inglesa
SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. 62-71. e de sua aprendizagem em um mundo cada vez mais
globalizado, marcado pela sociedade do conhecimento
e por características como transitoriedade das informa-
CURRÍCULO DE LÍNGUA INGLESA PARA A CIDADE ções, conectividade, cultura digital, hibridismo e plurali-
DE SÃO PAULO dade cultural e linguística.
Em consonância com as proposições apresentadas
INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE nas discussões da BNCC, em se tratando da Educação
CURRICULAR Integral dos estudantes, tais questões também são des-
tacadas, em razão do novo cenário mundial que se apre-
senta: [...] comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, par-
#FicaDica ticipativo, produtivo e responsável requer muito mais do
que a acumulação de informações. Aprender a aprender,
O currículo de Língua Inglesa da Cidade de
saber lidar com a informação cada vez mais disponível,
São Paulo foi organizado a partir da expe-
atuar com discernimento e responsabilidade nos con-
riência e da formação dos professores que
textos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para
atuam na Rede Municipal de Ensino, nos Ci-
resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões,
clos de Alfabetização, Interdisciplinar e Au-
ser proativo para identificar os dados de uma situação e
toral , os quais trouxeram para as reflexões
buscar soluções, são competências que se contrapõem
um pouco da história do ensino de Língua
à concepção de conhecimento desinteressado e erudito
Inglesa e uma proposição fundamentada
entendido como fim em si mesmo. (BRASIL, 2017, p. 17).
nos documentos Direitos de aprendizagem
O documento Direitos de aprendizagem dos ciclos in-
dos ciclos interdisciplinar e autoral: Língua
terdisciplinar e autoral: Língua Inglesa (2016) estabelece
Inglesa (2016), Orientações curriculares e
conteúdos para línguas estrangeiras em geral e avaliava
proposição de expectativas de aprendiza-
como positiva a perspectiva adotada nessa construção:
gem (2007) e, também, nas discussões sobre
a integração entre interação oral e interação escrita em
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
práticas sociais, e não o estudo da língua como sistema.
resultando nos direitos e objetivos de apren-
Ressalvadas eventuais críticas à difícil tarefa de desenhar
dizagem e desenvolvimento para os estu-
um currículo comum que dê conta de toda diversidade
dantes da Rede.
do país, a revalorização da oralidade no ensino de lín-
guas é positiva, pois viabiliza contemplar gêneros discur-
Foram estudadas para a organização deste currícu- sivos orais, escritos, visuais e híbridos em face das novas
lo as especificidades dos documentos orientadores do formas de significação e ampliação de acesso a outros
componente curricular e a possibilidade de propor avan- povos e culturas por meio da interação em outras lín-
ços em relação à elaboração de uma proposta de currí- guas. (SÃO PAULO, 2016a, p. 10).
culo de Língua Inglesa para os três ciclos, em especial Na trajetória histórica do ensino de Língua Inglesa na
para o de Alfabetização, regido até o presente momen- Rede, o documento Orientações curriculares e proposi-
to pela Portaria nº 5.361, de 04 de novembro de 2011, ção de expectativas de aprendizagem para o Ciclo II –
que instituiu o Programa de Língua Inglesa no Ciclo I. O Língua Estrangeira, publicado em 2007, fundamenta as
documento está pautado em concepções interacionistas orientações sob uma visão sociointeracionista da lingua-
de linguagem, língua e aprendizagem, além de destacar gem, com base na perspectiva do estudo da língua como
os conceitos de multiletramento, multimodalidades, hi- discurso e elenca, nessa proposição, gêneros e expecta-
bridismo, plurilinguismo e interculturalidade no compo- tivas. Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
nente curricular, organizando os quadros de referência propostos descrevem contextos nos quais os gêneros
dos eixos estruturantes, dos objetos de conhecimento e encontram condições para se manifestar, permitindo
dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, pro- escolhas feitas com autonomia, tanto no currículo esta-
postos para todos os anos do Ensino Fundamental (1º ao belecido pela Rede como nos planejamentos elaborados
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

9º), visando ao atendimento dos Direitos de pelos professores nas escolas onde atuam.
Aprendizagem dos estudantes. Os fundamentos nor- O presente documento valoriza a oralidade a partir
teadores se ancoram nos documentos produzidos pela das vivências do uso da Língua Inglesa em ambiente es-
Secretaria Municipal de Educação (SME), entre eles, os colar, que procura explicitar habilidades envolvidas na
Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e au- interação discursiva, na formação dos laços afetivos, con-
toral: Língua Inglesa (2016), as discussões sobre a BNCC vivência escolar, na produção e compreensão de textos
e as Orientações curriculares e proposição de expectati- orais. Os eixos estruturantes do componente de Língua
vas de aprendizagem para o Ciclo II – Língua Estrangeira Inglesa são apresentados em relação a um rol de práticas
(2007), além das reflexões trazidas no processo de cons- de linguagem específicas, para apoiar a contextualização
trução da BNCC. O primeiro documento estudado foi o dos objetos de conhecimento e objetivos de aprendiza-

167
gem e desenvolvimento propostos, com destaque para: a informação e comunicação no ensino, de modo a possi-
concepção de linguagem como prática social, a perspec- bilitar a inclusão social de todos em um novo paradigma
tiva dos (multi)letramentos, a visão de inglês como língua que permita o desenvolvimento da economia dos países.
franca e os conceitos de interculturalidade. Assim, surge mais um desafio à educação escolar: pro-
mover o acesso dos estudantes ao “mundo digital”, para
DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLE- que possam participar de maneira efetiva da sociedade
SA de informação e comunicação.
Se o mundo digital tem permitido estreitar fronteiras
Os direitos de aprendizagem visam a garantia do e ressignificar as dimensões de tempo e espaço entre os
acesso e a apropriação do conhecimento de todas as indivíduos, então é de se esperar que aprender a Língua
crianças e jovens, a fim de se construir uma sociedade Inglesa também tenha seu papel renovado e ampliado,
mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve es- dentro de uma abordagem educativa mais crítica e cons-
timular a participação dos estudantes em situações que ciente. Nessa direção, o currículo de Língua Inglesa da
promovam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a re- Rede ganha novos contornos, uma vez que: processos
solução de problemas e espaços onde possam represen- de globalização e de democratização mais recentes, liga-
tar e vivenciar suas experiências e ressignificá-las a partir dos à mudança de uma sociedade tipográfica para uma
da construção de novos conhecimentos. Os objetivos de sociedade digital, possibilitaram um aumento expressivo
aprendizagem e desenvolvimento do currículo de Língua da conectividade entre os povos disseminando o Inglês
Inglesa da Cidade de São Paulo foram elaborados revisi- por todas as esferas de atividades sociais, e, consequen-
tando os princípios elencados nos Direitos de aprendiza- temente, por vários grupos sociais, não estando mais o
gem dos ciclos interdisciplinar e autoral: Língua Inglesa idioma restrito à chamada classe alta. (RIZVI; LINGARD,
(2016) e, também, nos documentos Elementos Concei- 2010. p. 11). É, portanto, dentro desse contexto que pre-
tuais e Metodológicos para definição dos Direitos de cisamos compreender as concepções de linguagem, de
Aprendizagem e Desenvolvimento no Ciclo de Alfabeti- língua e, mais especificamente, a visão de Língua Inglesa
zação (2012) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (2013). adotadas no currículo aqui proposto:

ENSINAR E APRENDER LÍNGUA INGLESA NO ENSI- LINGUAGEM COMO PRÁTICA SOCIAL


NO FUNDAMENTAL
Este documento curricular propõe a linguagem como
A SOCIEDADE DE INFORMAÇÃO sistema semiótico, com formas de expressão cada vez
mais caracterizadas pelo hibridismo em face da cultura
O termo sociedade de informação é frequentemente digital e das tecnologias de informação. Assim, textos
utilizado para indicar o momento atual, no Brasil e no verbais, o gesto, a música, a imagem, o desenho, forma-
mundo. Ele é bastante recente, datado do final do século tos, entonações, olhares, movimentos e outros se cons-
XX, especialmente a partir da década de 80, relacionado tituem como multimodais, característica presente nas in-
ao conceito de globalização. É resultante da necessidade terlocuções mediadas pelas práticas de linguagem.
de explicar e justificar fenômenos sociais de uma “Nova Nesse sentido, os componentes curriculares que in-
Era” – advindos dos avanços da telecomunicação em fun- tegram a área das linguagens tomam como centro orga-
ção do surgimento e desenvolvimento da informática. nizador do trabalho na escola as práticas de linguagem,
Nesse sentido, a sociedade de informação, também com vistas à ampliação de capacidades expressivas, à
chamada de sociedade do conhecimento, está ainda em compreensão de como se estruturam as manifestações
processo de desenvolvimento e expansão. Diretamente artísticas, corporais e linguísticas e ao reconhecimento
relacionada às mudanças nas formas de produção e edi- de que as práticas de linguagem são produtos culturais
ção das informações, bem como à expansão e à veloci- que organizam e estruturam as relações humanas.
dade de distribuição e disseminação dessas informações, Assim, ao compreendermos a língua como construção
essa nova sociedade apoia-se no uso e nos avanços das social, entendemos que os sentidos advêm do contexto
novas tecnologias de informação e comunicação. Como de uso da língua, em um movimento que prevê a multi-
consequência, culturas e identidades coletivas são con- plicidade de sentidos nas situações discursivas. “Sob essa
cebidas, possibilitando, assim, a ocorrência de interações perspectiva, o sujeito não mais “codifica” ou “identifica”
entre povos de línguas e culturas diferentes. o que lhe foi comunicado com base em modelos previa-
Desse modo, ao integrar as tecnologias de informa- mente definidos, mas “significa”, “interpreta”, “reinventa”
ção e comunicação, promove-se a cooperação e compar- os sentidos de modo situado”. (SÃO PAULO, 2016a, p.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tilhamento do conhecimento, valorizando o direito à in- 22). Tais atividades não acontecem isoladamente: estão
formação como “bem social”, visto como atributo essencial integradas do ponto de vista social em conexões cada
para o desenvolvimento cultural e social do mundo como vez mais amplas e complexas, em usos heterogêneos
um todo. Apesar dos avanços da tecnologia e do fluxo da da linguagem, nos quais, em se tratando da escrita, por
informação pela comunicação nas duas últimas décadas, exemplo, modos de ler e escrever são indissociáveis, cria-
certas regiões do chamado mundo global ainda estão ex- dos e reinventados.
cluídas parcial ou totalmente desse processo. Essa multiplicidade de usos da linguagem, em con-
Nesse cenário, impõe-se um desafio para a educação texto multimodal, que se constitui em um processo mais
mundial nunca antes existente, que é o de repensar e complexo de recriação e negociação de sentidos, é o que
implementar ações para a utilização de tecnologias de recentemente se denominou de multiletramentos. Dian-

168
te disso, entende-se que a língua, em uso, implica considerar que os textos se constituem de modos variados (multimo-
dalidade) e em práticas sociais observáveis no mundo real, que integram, fundamentalmente, uma sociedade letrada
de diversas formas (multiletramentos).

O INGLÊS COMO LÍNGUA FRANCA: INTERCULTURALIDADE EM FOCO

O conceito de língua franca não é novo. Comumente, é utilizado para expressar uma língua de contato, ou seja, uma
língua que se presta para a comunicação entre grupos ou membros com línguas diferentes que mantêm, entre eles,
atividades de comércio ou outras interações de proximidade. Atualmente, com a perspectiva de um mundo cada vez
mais globalizado, já apontada anteriormente, o conceito é ressignificado. O documento dos Direitos de Aprendizagem
apresenta a visão da Língua Inglesa como língua franca:
Vemos, assim, todo um movimento de ressignificação do Inglês como língua franca, ou seja, uma língua que pos-
sibilita a produção, colaboração e distribuição do conhecimento entre sujeitos pertencentes a comunidades linguís-
tico-culturais distintas, e que serve para o agenciamento crítico nas novas mobilizações sociais que vêm ocorrendo
em todo o globo. Assim é que, para além de estudos estritamente estruturais ou funcionais, o ensino de Inglês como
língua estrangeira na contemporaneidade expande seu escopo, assumindo um importante desafio: o ensino de suas
especificidades no que tange a aspectos linguístico-discursivos concomitantemente à formação ética e responsável
dos educandos e educandas para que estes possam melhor responder às demandas de uma sociedade plurilíngue e
transcultural. (SÃO PAULO, 2016, p. 11).
Desse modo, no contexto atual, inserem-se também novos paradigmas no ensino de inglês, face à visão do seu
ensino ligada a conceitos como o de língua franca e, mais recentemente, o de língua adicional. Essa perspectiva permite
questionar a visão de que o único inglês correto – e a ser ensinado – é aquele falado por estadunidenses ou britânicos,
por exemplo. Em função disso, o tratamento do inglês como língua franca o desvincula da noção de pertencimento
a um determinado território e, consequentemente, a culturas típicas de comunidades específicas. Esse entendimento
favorece uma educação linguística voltada para a interculturalidade, isto é, para o reconhecimento das (e o respeito às)
diferenças e para a compreensão de como elas são produzidas (BRASIL, 2017).
Tais implicações também estão presentes no documento Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisciplinar e
autoral, que reafirma a presença cada vez mais notória dos processos de inter/trans/culturalidade devido a fluxos
migratórios cada vez mais intensos, conferindo à Rede uma nova faceta multicultural e plurilíngue. Já não se trata da
escolha de ensinar a Língua Inglesa de origem britânica ou americana, mas sim do “entendimento de que o inglês não
está mais atrelado a sua origem anglo-saxã, já que se desenraiza na intensificação de seu uso por falantes não nativos
em todo o globo” (SÃO PAULO, 2016b, p. 23-25).

EIXOS ESTRUTURANTES

Em 2011, a Portaria nº 5.361 instituiu o Programa Língua Inglesa no Ciclo I. O ensino de inglês passou a ser contem-
plado em todos os anos dos ciclos do Ensino Fundamental na Rede, acarretando na organização de um currículo para
Língua Inglesa do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, ainda que a obrigatoriedade de oferta da língua para todo o
território nacional esteja prevista a partir do 6º ano. Assim, a progressão de objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
mento para o inglês prevê momentos de retomada de conteúdos de forma processual e contínua, numa perspectiva
que sugere um currículo espiralado.
Neste documento, observa-se a indicação de eixos estruturantes que partem das vivências e experiências de es-
tudantes, com ênfase nos processos de conhecimento a partir das práticas de linguagem: falar, escrever, vivenciar,
brincar, pensar, intervir, investigar, sentir. Tais práticas encontram ressonância com ações presentes nos objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento como perguntar e responder, entrevistar, compor, participar, produzir, apreciar, va-
lorizar, entre outros.
Na atualização do currículo de forma geral, também fizemos um exercício de pensar temas amplos o suficiente para
que pudessem ser trabalhados ao longo do Ensino Fundamental e servir como ponto de exploração para inter-relações
diversas: dos objetos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propostos, dos diferentes conteúdos disciplina-
res, das vivências escolares variadas e de culturas.
Em função disso, elegemos o “hipertema” identidade e diversidade para ser o fio condutor das vivências em Lín-
gua Inglesa na escola, principalmente no que diz respeito a temas e assuntos sobre os quais os conteúdos podem ser
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

trabalhados, não apenas por seu aspecto amplo, mas também por trazer, em seu bojo, a importância do conceito de
equidade. Mantivemos, da mesma forma, o enfoque dado pelo currículo de Língua Inglesa a determinados processos
de conhecimento nos ciclos, conforme mostra a imagem a seguir:

169
Neste Currículo da Cidade, também incorporamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuados
na Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas, como temas inspiradores a serem trabalhados de forma ar-
ticulada com os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento nos diferentes componentes curriculares. Nos quadros
de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento há uma correspondência com os ODS relevantes para aqueles obje-
tivos, seja do ponto de vista temático quanto sob o olhar metodológico e de abordagens inovadoras de aprendizado.
Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com os ODS na prática escolar serão detalhadas
no documento de orientações didáticas dos diferentes componentes curriculares.
Educadores e estudantes são protagonistas na materialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm ampla
liberdade para também criar projetos autorais a respeito, assim como buscar parceiros, com o objetivo de promover
maior cooperação entre os diferentes atores sociais e da comunidade escolar na geração e compartilhamento do co-
nhecimento e prática. Finalmente, apresentamos uma breve descrição de cada ciclo de aprendizagem e seus respecti-
vos quadros com eixos, objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.

Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Ensino
Fundamental: Língua Inglesa. 2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-71. Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.
sp.gov.br/ Portals/1/Files/50627.pdf.

EXERCÍCIO COMENTADO

1. (Pref. Rio Claro/SP - Professor de Educação Básica II - PEB II - Inglês - Superior – VUNESP/2016) Na escola,
segundo Jolibert, ler é “ler de verdade”, desde o início, textos autênticos, completos, em situações reais de uso e rela-
cionados aos projetos, necessidades e desejos em pauta. Portanto, para Jolibert, ler é

a) identificar e combinar letras e sílabas em função das necessidades pessoais.


b) compreender o texto que se está lendo com o propósito de utilizá-lo de imediato.
c) aprender a memorizar letras e sílabas para depois compreender o que se está lendo.
d) identificar as palavras conhecidas e memorizar as sílabas e os sinais para interpretá-los.
e) construir significados idênticos para um mesmo texto, produzindo as mesmas inferências.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Resposta: Letra B. Em “b”: Certo – A afirmativa está correta para o autor como segue:
Ler é ler escritos reais, que vão desde um nome de rua numa placa até um livro, passando por um cartaz, uma em-
balagem, um jornal, um panfleto, etc., no momento em que se precisa realmente deles numa situação de vida, “para
valer” como dizem as crianças. É lendo de verdade, desde o inicio, que alguém se torna leitor e não aprendendo
primeiro a ler... “(Jolibert, 1994, p.15).

170
A primeira concebe a linguagem como representação
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA do pensamento, como espelho do mundo e das pessoas.
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Na perspectiva dessa concepção, escrever seria repre-
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. sentar o que se pensa. Ler, então, seria um exercício de
CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO descobrir o que o escritor pensa, já que ele teria retrata-
FUNDAMENTAL: LÍNGUA PORTUGUESA. do seu pensamento no texto. Não haveria, pois, espaço
2. ED. SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. de interlocução efetiva entre escritor e leitor, e a conclu-
são inevitável dessa forma de compreender a linguagem
64-94.
é que, quem não escreve ou não lê “bem”, é porque não
pensa adequadamente.
Ao lado dessa concepção – ainda que tenha apare-
CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA A CI-
cido mais tardiamente na história – encontra-se a que
DADE DE SÃO PAULO
concebe a linguagem como instrumento de comunica-
ção. Nessa direção, escrever seria codificar uma mensa-
INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE
gem para ser decifrada por um emissor (leitura). Ler e
CURRICULAR
escrever seriam processos que pressuporiam apenas a
codificação e decodificação precisas de uma mensagem.
#FicaDica Caso o sentido dessa mensagem não fosse descoberto,
a falha seria atribuída a ruídos ou à inabilidade do pro-
Neste documento, compreende-se que a dutor (que codificou errado) ou do receptor (que leu de
aprendizagem da Língua Portuguesa acon- maneira inadequada).
tece por meio de quatro atividades funda- Não haveria espaços para a produção de novos sen-
mentais – falar, ouvir, ler e escrever -, as tidos decorrentes dos saberes diferenciados dos interlo-
quais se realizam em práticas sociais diver- cutores. Assim, a polissemia1 não seria considerada como
sas. Por isso, o documento está organizado característica constitutiva da linguagem, mas um evento
nos eixos: prática de leitura de textos, práti- esporádico, decorrente do processo de produção/recepção.
ca de produção de textos escritos, prática de Uma terceira concepção – que é a orientadora des-
escuta e produção de textos orais e prática te documento – considera a linguagem como atividade,
de análise linguística/ multimodal. como forma de ação, como relação interpessoal, por
meio da qual sentidos são produzidos sobre o mundo e
A intenção é possibilitar o trabalho com uma língua pessoas, assim como são criados vínculos e compromis-
contextualizada, que se usa, efetivamente, nas práticas sos anteriormente inexistentes entre elas.
de que o indivíduo participa. Para que esse foco no uso Além disso, a linguagem é um modo de compreensão
seja possibilitado, é preciso que a unidade linguística bá- dos significados que o mundo, as coisas e as relações
sica do trabalho de Língua Portuguesa seja o texto, pois é entre as pessoas possuem em um dado momento, grupo
nele, materialidade do discurso, que a língua, por encon- social e determinada cultura. Essa forma de compreensão
trar-se em funcionamento, torna-se linguagem. vai se constituindo, à medida que se realiza nas situações
Buscando-se aproximar as práticas de linguagem de de interlocução. A linguagem, como hoje a conhecemos,
seus usos reais, destacamos, ainda, neste documento é fruto do trabalho de todas as pessoas que a utilizaram
curricular, a importância do trabalho com os multiletra- antes de nós. Portanto, não é estática e nem está pronta
mentos – fundamentais para a efetiva participação nas em definitivo.
práticas sociais de linguagem contemporâneas –, a pre- Se podemos dizer que a linguagem é um modo de
sença e especificidade dos textos multimodais – caracte- compreensão do mundo, das pessoas e das relações que
rísticos também da cultura digital –, e o reconhecimento estabelecem entre si, então, quando aprendemos uma
da interculturalidade, constitutiva das práticas sociais de linguagem, estamos nos apropriando de um modo de
linguagem verbal da atualidade. compreender o mundo, as pessoas e as relações que elas
A apresentação dos objetivos de aprendizagem e estabelecem entre si.
de desenvolvimento está organizada por anos e ciclos, Pode-se afirmar que a linguagem tanto é constituí-
levando-se em conta o princípio da colaboração e pro- da pelos sujeitos que interagem por meio dela, quanto
gressão dos objetivos, baseados nos seguintes critérios: constitui esses mesmos sujeitos. É fundamental conside-
conteúdo (capacidades, comportamentos e procedimen- rar que a nossa compreensão da realidade se faz sem-
tos), nível de autonomia do sujeito que aprende e inte- pre por meio dos signos – entre eles o linguístico – e o
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

rage com a língua e nível de complexidade do conteúdo que eles representam na nossa cultura em um dado mo-
em foco, considerando práticas sociais, gêneros e textos. mento histórico. Os sentidos que construímos são repre-
Há, também, articulado a este documento, um con- sentações que, embora estejam ligadas à realidade que
junto de orientações didáticas, cuja finalidade é auxiliar vivemos, remetem a algo que está fora dela. A lingua-
a escola na realização do trabalho de ensino de Língua gem verbal constitui as pessoas, pois dá significado às
Portuguesa a partir das referências aqui apresentadas. relações, veiculando valores que são internalizados pelos
A linguagem verbal tem sido compreendida, ao longo sujeitos nessas interações.
da história da humanidade, de formas bastante diversas. Se, por um lado, a linguagem constitui as pessoas,
De modo geral, podemos dizer que três concepções têm por outro afirma-se que as pessoas constituem a lingua-
predominado, especialmente no ensino de língua e de gem. As expressões, as palavras, as maneiras de se re-
linguagem.

171
ferir aos fatos, acontecimentos, sentimentos e situações de leitura, interagindo com o outro. Enfim, as crianças
vivenciadas, tanto se modificam, quanto não conservam apropriam-se de saberes sobre conhecimentos com os
o mesmo significado ao longo da história. Para revelar as quais operam nas práticas de linguagem.
mudanças de sentidos, a língua se transforma, ressignifi- Como se pode perceber, adota-se a perspectiva de
cando palavras, criando novas expressões e abandonan- que é possível aprender sobre a linguagem escrita antes
do formas de dizer. mesmo de se ter compreendido a escrita da linguagem.
Podemos afirmar que a palavra sempre veicula valo- Isso significa entender que é possível produzir um
res morais, éticos, estéticos, religiosos e científicos. Por texto organizado em linguagem escrita sem que, neces-
meio dela, são apresentadas, reforçadas e construídas sariamente, seja grafado pelo seu produtor, porque se
ideias que refletem os saberes e a visão de mundo de um parte do princípio de que a competência para grafar um
determinado grupo social, mesclando diferentes interes- texto não é a mesma requerida para a produção de um
ses, preconceitos e pontos de vista. texto organizado em linguagem escrita.
Para sintetizar, na perspectiva adotada neste docu- Há uma diferença entre “linguagem escrita” e “escri-
mento, a linguagem é fundamentalmente: ta”, sendo essa última uma ferramenta tecnológica que
a. histórica e social, porque é constituída no uso, ou permite registrar, por meio de um sistema de represen-
seja, os sentidos da atividade verbal são construí- tação, a palavra e o texto produzido. Pela escrita – um
dos num processo contínuo de interlocução entre sistema de representação alfabético dos sons da fala, no
sujeito que produz discurso e sujeito que lê/escuta. caso da escrita da Língua Portuguesa – podemos grafar
Diante disso, a língua não é homogênea, uma vez inclusive textos orais. Já a linguagem escrita – diferente-
que o sujeito – produtor ou leitor/ ouvinte – não mente da escrita da linguagem – é mais do que o registro
é fonte única do sentido, mas compartilha seu es- gráfico de um texto: é uma forma de organizar um discur-
paço discursivo com o outro. Os processos que a so, previamente ao momento de se fazer conhecer pelo
constituem são eminentemente histórico-sociais. seu interlocutor; é um modo de organizar um discurso
Ela não pode, portanto, ser estudada fora da socie- de maneira que se possa recuperá-lo posteriormente, tal
dade e de suas condições de produção;
como elaborado pelo seu produtor. Dessa forma, enten-
b. ideológica, porque veicula, inevitavelmente, valores
de-se uma organização textual que requer, por exemplo,
que regulam as relações sociais;
a apresentação de todas as referências contextuais do
c. plurivalente, porque revela diferentes formas de
momento de produção – ou, principalmente, daquelas
significar a realidade, segundo a perspectiva dos
que o produtor considera imprescindíveis para a com-
diferentes sujeitos que a empregam;
preensão do que está sendo dito – sob pena de o leitor
d. dialógica, porque todo enunciado, por sua nature-
não conseguir recuperá-las e, assim, não compreender o
za, relaciona-se com os produzidos anteriormen-
que leu.
te e orienta-se para outros que serão formulados
como réplica desse. Saber disso é fundamental para a prática de alfabeti-
zação, pois oferece ao professor a possibilidade de tra-
A ALFABETIZAÇÃO COMO PROCESSO DISCURSIVO balhar a linguagem escrita junto a seus estudantes, ainda
que veiculada oralmente, não sendo necessário esperar
Compreender a linguagem como forma de interação que eles aprendam a escrever para passarem a produ-
entre os sujeitos tem implicações diretas na maneira de zir textos em linguagem escrita. Ao contrário, enquanto
organizar o processo de aprendizagem. Se reconhecido aprendem sobre a linguagem escrita, estudam a escrita,
como discursivo, as implicações são óbvias: alfabetizar ferramenta de registro de textos.
também precisa acontecer em um espaço discursivo, ou Assim, as atividades de recontar oralmente, por exem-
seja, em um processo no qual se produza linguagem, in- plo, um texto lido como se estivesse lendo em um livro e/
teraja-se e comunique-se por meio das práticas sociais ou de ditar uma história para que o professor a grafe, são
similares àquelas que se realizam nos contextos públicos, fundamentais para a aprendizagem da linguagem escri-
expandindo-se o espaço comunicativo para além do es- ta. Em ambas as situações, os estudantes estão produ-
colar. Além disso, nesse momento, a unidade linguística zindo textos escritos, aprendendo a planejá-los, além de
de base deve ser o texto. Mas deve ser o texto efetivo, revisá-los para adequá-los a todas as características do
que se realiza em práticas sociais, porque só dessa ma- contexto de produção (incluindo-se as especificidades
neira é possível que o estudante constitua seus saberes do gênero). Em outras palavras, eles estão aprendendo
sobre a linguagem verbal, seja escrita ou oral. conteúdos gramaticais, textuais e discursivos.
Concebe-se, assim, que os estudantes vivenciam si-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tuações de interação verbal desde a mais tenra idade. A CONCEPÇÃO DE ALFABETIZAÇÃO


Nessa vivência, ocorre a apropriação de características
das situações comunicativas das quais participam (fes- As pesquisas na linha psicogenética deslocaram o
tas de aniversário, cultos religiosos, conversas familiares, foco de investigação do “como se ensina” para o “como
exibições de filmes, programas de TV e rádio, leitura co- se aprende” e colocaram, no centro dessa aprendizagem,
laborativa de jornais mediada por leitores experientes, uma criança ativa e inteligente: um sujeito que pensa,
entre outras). Compreendem as características gerais que elabora hipóteses sobre o modo de funcionamento
dos gêneros – de linguagem oral ou escrita – nos quais da escrita, porque está presente no mundo onde vive;
os textos veiculados nessas situações são organizados e que se esforça por compreender para que serve e como
constroem e desenvolvem seus próprios procedimentos se constitui esse objeto e que aprende os usos e formas

172
da linguagem que se usa para escrever, ao mesmo tem- adequada, que disponibilize as informações necessárias
po em que compreende a natureza alfabética do sistema e que garanta espaço para reflexão sobre o sistema de
de escrita em português. escrita, os estudantes constroem os procedimentos de
A psicogênese da língua escrita – uma descrição do análise para que a alfabetização se realize.
processo pelo qual a escrita se constitui em objeto de co-
nhecimento para a criança – trouxe contribuições sobre A LINGUAGEM VERBAL E SUA ESPECIFICIDADE
aquisição da leitura e da escrita, porque foram mudadas
as perguntas que estavam na origem dos estudos ante- A linguagem é processo de interlocução que possi-
riores, as quais costumavam girar em torno das seguintes bilita a prática social dos mais diversos tipos de atos. A
questões: “como se deve ensinar a ler e escrever?” Ou, linguagem constitui-se na língua em funcionamento; por
mais especificamente, “qual o melhor método de alfabe- isso, caracteriza-se pela diversidade desse funcionamen-
tização?”. A crença implícita era a de que o processo de to (nas diferentes esferas, por exemplo) e, dessa maneira,
alfabetização começava e acabava dentro da sala de aula dos modos de significar (como convencimento, como lei,
e que a aplicação correta do método adequado garanti- como registro de conhecimento científico etc.), já que
ria ao professor o controle do processo de alfabetização possibilita a realização dos mais diversos atos sociais.
de todos os estudantes. A linguagem é constitutiva dos sujeitos, pois tanto
Até então, supúnhamos que a alfabetização era uma eles quanto as relações sociais que estabelecem entre si,
aprendizagem estritamente escolar e que as crianças se constituem pela linguagem. Por outro lado, é consti-
só aprendiam o que o professor lhes ensinasse. Assim, tuída pelos sujeitos, já que o seu uso nas mais diversas
primeiro o professor devia ensinar as letras e/ou sílabas práticas sociais inaugura significados, sentidos e modos
escritas e seus respectivos sons e, se e quando essas cor- de dizer, o que faz com que evolua historicamente, mo-
respondências estivessem memorizadas, os estudantes dificando-se (BAKHTIN, 1992).
seriam capazes de ler e de escrever. Entendíamos tam- Em uma sociedade letrada como a nossa, as práticas
bém que se o professor ensinava e a criança não apren- sociais que se dão pela linguagem são inúmeras: vão
dia, ela é que tinha “problemas” de aprendizagem. Quan- desde utilizar um caixa eletrônico até assistir à aula, por
to às crianças que não se alfabetizavam, entendia-se que exemplo.
precisavam de tratamento clínico, psicológico ou psico- Nas diferentes práticas sociais, os sujeitos elaboram
pedagógico. diferentes discursos, de acordo com a finalidade de cada
No entanto, estudos em diferentes línguas têm mos- espaço – e esfera social – nos quais elas se realizam. Se
trado que, de uma correspondência inicial pouco dife- a perspectiva de formação colocada para o estudante é
renciada, o alfabetizando progride em direção a um pro- a cidadã, aquela que pretende que ele seja capaz de agir
cedimento de análise em que passa a fazer corresponder nas diferentes situações comunicativas, compreendendo
recortes do falado a recortes do escrito. Essa correspon- as realidades sociais e analisando-as com criticidade, en-
dência passa por um momento silábico – em que, ainda tão podemos dizer que as práticas sociais, que se reali-
que nem sempre com consistência, atribui uma letra a zam dentro e fora da escola – considerando as suas es-
uma sílaba – antes de chegar a compreender o que real- pecificidades – precisam ser objeto de estudo na escola.
mente cada letra representa e começar a produzir uma
escrita alfabética, ou seja, registrando “todos” os fone- TEXTO E GÊNEROS DO DISCURSO
mas da fala.
As ideias elaboradas pelas crianças nesse processo Conforme visto anteriormente, a linguagem realiza-
de conhecimento foram analisadas por Ferreiro e Tebe- -se por meio dos discursos, ou seja, dos enunciados.
rosky (1986) em uma teoria denominada psicogênese Todo discurso resulta em um texto oral ou escrito –
da língua escrita, que explica quais são tais ideias, ana- sua realidade material – organizado, inevitavelmente,
lisando os critérios utilizados pelas crianças investigadas em gêneros. Esses são formas relativamente estáveis de
para justificar suas escritas e as leituras feitas de textos enunciados, disponíveis na cultura, das quais os produto-
a elas apresentados. O estudo mostra que as justificati- res lançam mão ao organizarem seus discursos.
vas apresentadas procuram (e possuem) uma lógica que Conforme visto anteriormente, a linguagem realiza-
deriva das relações que as crianças estabelecem com os -se por meio dos discursos, ou seja, dos enunciados.
aspectos da escrita que são observáveis por elas em cada Todo discurso resulta em um texto oral ou escrito –
etapa do processo de conhecimento. sua realidade material – organizado, inevitavelmente,
Se pensarmos no que vimos discutindo até o momen- em gêneros. Esses são formas relativamente estáveis de
enunciados, disponíveis na cultura, das quais os produto-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

to, não é difícil concluir que, a fi m de que o professor


possa contribuir para a aprendizagem da escrita pela res lançam mão ao organizarem seus discursos.
criança, é fundamental conhecer essas ideias, conside- Os gêneros se caracterizam por três elementos fun-
rando-as e criando um espaço de reflexão colaborativo damentais (BAKHTIN, 1997):
sobre o objeto escrita. Dessa maneira, nas atividades de a. conteúdo temático: o que é possível ser dito por
escrita, o estudante que ainda não sabe escrever con- meio daquele gênero;
vencionalmente precisa esforçar-se para construir proce- b. organização composicional: é a forma como se or-
dimentos de análise e encontrar formas de representar ganizam internamente textos produzidos no gêne-
graficamente aquilo que se propõe escrever. É por isso ro;
que as atividades de escrita constituem bons espaços de c. estilo: marcas linguísticas típicas do gênero – e não
reflexão para a alfabetização. Havendo uma mediação do texto.

173
O produtor do texto se orientará pela sua experiên- leitor/ ouvinte conseguir recuperar esse contexto e arti-
cia comunicativa, a qual é constituída pelo conjunto de culá-lo no processamento dos sentidos do texto, maiores
conhecimentos construídos nas situações de interação serão as possibilidades de reconstrução de sentidos ade-
verbal das quais participou. Por isso, não conhecemos quados. Portanto, essa proficiência também precisa ser
todos os gêneros disponíveis na cultura: as pessoas têm tomada como objeto de aprendizagem na escola.
mais conhecimento sobre os gêneros que circulam com
frequência nas situações comunicativas de que mais par- A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA:
ticipam. UMA RELAÇÃO DE IMBRICAÇÃO
E esse é o trabalho da escola: ensinar a organizar tex-
tos nos gêneros que os estudantes ainda não têm muita A linguagem verbal é um sistema de significação. A
proficiência. Em uma escola que tenha como finalidade distinção entre o oral e o escrito tem sido matéria de
a formação de cidadãos efetivamente participativos, en- discussão frequente, em especial nos círculos em que se
tende-se que ela deverá priorizar os gêneros que circu- discute ensino de Língua Portuguesa. Até muito recen-
lam nas instâncias públicas de linguagem e não nas ins- temente, essa discussão baseava-se em estabelecer uni-
tâncias privadas. Para tanto, as práticas educativas devem camente as diferenças existentes entre elas, desenhan-
possibilitar que o estudante participe de práticas sociais do-se um quadro de oposição entre suas características.
de linguagem que se realizem – também – para além do Se essa diferenciação foi possível em determinados
espaço escolar, ampliando-o. momentos da história da escrita, hoje, considerando a
Além disso, mais uma decorrência dessa compreen- compreensão que se pode ter do processo de comunica-
são de linguagem precisa ser indicada. Considerando ção verbal, assim como da complexificação das situações
que o texto é a materialidade do discurso – ainda que de enunciação nas culturas atuais, essa dicotomização já
texto, discurso e gênero sejam unidades indissociáveis não é mais possível.
na realização da atividade verbal –, é ele que deve ser a Quando analisamos as manifestações verbais que
unidade linguística fundamental do trabalho com a lin- se realizam nas diferentes circunstâncias comunicativas,
guagem verbal. A partir do estudo do texto, é possível é fácil depreender que um discurso falado pode ser or-
estudar o discurso – unidade entre texto e contexto de ganizado em um registro formal, dependendo da esfera
produção –, o gênero no qual foi organizado e todos os em que se realiza, da mesma forma que um discurso es-
demais conteúdos implicados na atividade verbal. crito pode ser organizado em um registro informal. Isso
mostra que não é a materialidade do discurso – fônica
CONTEXTO DE PRODUÇÃO, DISCURSO E TEXTO ou grafada – que determina o registro (menos ou mais
informal, menos ou mais acadêmico, por exemplo). Mais
Os enunciados e, portanto, os textos, são sempre uma vez, um discurso não é oral apenas por ser falado;
orientados e determinados pelas características do con- um discurso não é escrito apenas por ser grafado.
texto de produção no qual se realizam. Nessa perspectiva, hoje já não se compreende mais
Isso significa dizer que todo discurso é elaborado por linguagem oral e linguagem escrita no interior de um
um produtor, que assume determinado papel social na- quadro de oposições. Ao contrário, entende-se que se-
quela enunciação (pai, professor, representante dos em- jam linguagens que se interpenetram, que se imbricam
pregados, sindicalista etc.), papel esse que define a pers- mutuamente. Certamente, há discursos orais que podem
pectiva da qual o assunto/tema será visto. Além disso, ser pouco planejados, que contam com a presença física
todo enunciado é orientado por determinadas finalida- do interlocutor, que se realizam por meio de um registro
des e pelas representações que o produtor tem a respei- informal. No entanto, essas características não são mais
to de quem é o seu interlocutor. Todo discurso também é imprescindíveis para caracterizar a linguagem oral.
orientado para ser publicado em determinado portador2 Considerando a sua materialidade, que é fônica (oral/
e lugar de circulação. E, para finalizar, todo discurso é falada), podemos dizer que um discurso oral, ainda que
organizado em um gênero, que possui características es- tenha sido planejado previamente, e ainda que conte
pecíficas, mencionadas e exemplificadas acima. com recursos auxiliares organizados em outras lingua-
Os contextos de produção dos discursos são únicos gens, inclusive a escrita, pode ser caracterizado como
e impossíveis de serem reproduzidos, o que torna os aquele que está sendo produzido oralmente, aquele que
enunciados igualmente únicos. Um discurso e, portanto, está sendo realizado no mesmo instante em que está
um texto, será tão mais eficiente quanto mais adequa- se tornando conhecido pelo interlocutor. Por isso, a sua
do estiver às características do contexto de produção. A revisão vai sendo feita enquanto está sendo produzido,
constituição dessa proficiência deve, assim, ser finalidade pois, ao contrário dos discursos escritos, não é possível,
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

da escola, de forma que os conhecimentos necessários por exemplo, terminá-lo, revisá-lo e, só depois, possibili-
para tanto sejam tomados como objeto de ensino e de tar ao interlocutor conhecê-lo.
aprendizagem. Os discursos orais também se organizam em gêneros
As determinações relativas ao contexto de produção que são típicos tanto das instâncias públicas (exposições
precisam, também, ser consideradas no processo de lei- e arguições em seminários, mesas-redondas, debates,
tura e escuta de textos: recuperar as características que conferências, palestras, entre outros), quanto das instân-
orientaram a produção do discurso auxilia o leitor/ouvin- cias privadas (conversas à mesa do jantar, por exemplo).
te no processo de reconstrução dos sentidos do texto, Na perspectiva deste documento, devem ser toma-
de modo a possibilitar uma aproximação mais efetiva dos como objeto de ensino na escola os gêneros orais
das eventuais intenções do produtor. Quanto melhor o que se realizam nas instâncias públicas de linguagem.

174
ORALIZAÇÃO E ORALIDADE NA SALA DE AULA gaúchos, ou os paulistanos, ou os goianos ou pernambu-
canos. Tanto na prosódia, na pronúncia, quanto no léxico
O trabalho com a linguagem oral está sendo com- ou na organização sintática há especificidades em cada
preendido a partir da tomada dos gêneros orais como região. Isto porque uma língua comporta vários eixos de
objeto de aprendizagem, e não oralização da linguagem diferenciação e vários aspectos – ou subsistemas (foné-
escrita, ou oralidade de modo geral. tico, fonológico, léxico, morfológico, sintático e semânti-
Ler em voz alta um conto de aventuras não se carac- co) – que a constituem, os quais podem sofrer mudanças,
teriza como trabalho com a linguagem oral, da mesma pois, uma vez que a língua tem a finalidade básica de
forma que declamar um poema. Em ambas as situações, possibilitar a comunicação entre as pessoas, essas, ao
trata-se de oralização de texto escrito, ou seja, de leitura utilizarem-na, rearranjam-na de acordo com suas neces-
em voz alta de texto escrito. Essa atividade tem lugar na sidades de interação social.
prática escolar como a situação de leitura dramática, na Cada um dos falares resultantes desses rearranjos, ao
qual se lê o texto de uma peça teatral para uma plateia se tornarem estáveis em determinados momentos his-
presente, mas não focaliza linguagem oral só porque se tóricos e espaços geográficos, pode constituir o que se
usa a fala. Ao contrário, é um ótimo exercício realizado denomina variedade linguística. Atualmente, essa deno-
com tutoria, para que se consiga desenvolver a fluência minação – variedade – é a que se considera mais ade-
leitora dos estudantes, em especial no que se refere a ler quada, posto que se utilizarmos variante, a ideia de que
com agilidade e compreendendo o texto. há uma variedade mais correta do que as outras fica im-
A prática que se desenvolve na sala de aula é realiza- plícita. Por isso, também, muitos autores têm preferido o
da com a linguagem verbal e por meio dela, seja oral ou termo variedade culta à norma culta. A esse respeito, há,
escrita. Nesse sentido, a linguagem é o que possibilita a ainda, aqueles que preferem a denominação norma-pa-
interlocução para o estudo dos mais diversos conteúdos. drão. Porém, esse aspecto requer mais cuidados do que
Podemos até afirmar que a atividade na sala de aula é aparenta.
verbal, substantivamente. Assim, é fundamental ressaltar
que não é por que professores e estudantes estão intera- Norma culta ou norma-padrão
gindo verbalmente que se está tomando como objeto de
ensino a linguagem verbal. Tomá-la como objeto de en- A chamada norma-padrão é a variedade que – se
sino significa intencionalmente planejar situações didáti- pensa − tem sido ensinada na escola e feito parte de
cas nas quais sejam considerados, como foco, aspectos livros didáticos, revistas, textos acadêmicos, entre outros.
da linguagem verbal (oral ou escrita), ou seja, os gêneros No entanto, é preciso considerar que entre norma culta e
e as práticas sociais correlatas. norma-padrão, há diferenças significativas. E isso é fun-
Em uma situação de discussão das regras de convi- damental para o ensino.
vência, por exemplo, o que se espera é que as regras se- Faraco (2002) afirma que a norma culta diz respeito à
jam o conteúdo focalizado. Incidentalmente, a participa- variedade de pessoas que têm mais proximidade com a
ção na discussão escolar (oral) pode ser aprendida, mas modalidade escrita, o que aproxima a sua fala da moda-
não é esse o objetivo focal. lidade escrita também. Bagno (2002) considera que, no
Dessa maneira, chamar de oralidade, de modo ge- Brasil, os que adotam essa norma são aqueles que já con-
ral, as situações de comunicação oral que acontecem na cluíram o Ensino Superior sendo, por isso, pertencentes
escola nivela o conceito de linguagem oral como sendo aos grupos sociais mais privilegiados.
todos os momentos em que a fala esteja presente, inde- Adotar norma culta ou norma-padrão não é uma es-
pendentemente da especificidade da situação de comu- colha apenas linguística, mas, sobretudo, ideológica. So-
nicação. É como se as diferentes situações de interação bre o emprego dessa última nomenclatura, entendia-se
oral, de repente, perdessem a sua especificidade, homo- que empregar uma variedade de Portugal contribuiria para
geneizando-se: há um processo de descaracterização que a chamada “elite letrada brasileira” se sentisse mais
sumária da linguagem oral como modalidade de lingua- próxima da sociedade europeia e, por conseguinte, mais
gem, com seus gêneros próprios e situações enunciativas distante do povo brasileiro. Bagno (2002, p. 180), explica:
específicas. A notável repulsa da elite brasileira por seu próprio
Reiterando o que foi dito acima, o trabalho com a modo de falar o português encarna, sem dúvida, a con-
linguagem oral precisa prever a tematização de gêneros tinuação no tempo desse espírito colonialista, que se re-
orais, como debates, mesa-redonda, banca de defesa, cusa atribuir qualquer valor ao que é autóctone, sempre
palestra, exposição oral de estudos, entre outros gêneros visto como primitivo e incivilizado. Já Fontes denunciava,
em 1945, que esse desprezo de nossa língua anda sem-
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das instâncias públicas de linguagem, incluindo-se a es-


colar (como os seminários de apresentação de estudos). pre irmanado ao descaso por tudo o que ela representa:
a gente e a terra do Brasil.
VARIEDADE LINGUÍSTICA E PRECONCEITO Vislumbra-se, aí, o nascedouro do preconceito lin-
guístico que, como bem afirma Geraldi (1991), mais do
Uma língua está sujeita a muitas modificações, es- que – ou exatamente por ser − um preconceito linguís-
pecialmente devido a fatores históricos, culturais e so- tico, é um preconceito social. Sendo assim, é imperativo
ciogeográficos. Assim, não podemos dizer que a língua entender que as variações não são caóticas ou imotiva-
falada hoje pelos paulistanos seja idêntica à que se falava das, elas acontecem à medida que língua e sociedade se
em 1920. Do mesmo modo, é diferente a forma de falar imbricam e, a partir de então, instauram-se dimensões
dos cariocas, que não falam da mesma maneira que os possíveis de se observar, analisar e reconhecê-las, isto é,

175
a classe social, o gênero, a idade, a escolaridade, a pro- É fundamental ressaltar que em uma contemporanei-
fissão, a localização geográfica e as diversas atividades dade marcada pela diversidade – e, ao mesmo tempo,
humanas. pela globalização –, há práticas sociais que podem não
Diante disso, há implicações importantes para o en- ser tão valorizadas institucionalmente em determinada
sino de língua pautado nesse pressuposto. É necessário cultura. Nessa perspectiva, é possível que os letramentos
que sejam denunciadas formas de preconceitos que in- específicos que tais práticas requeiram para sua signifi-
cidam sobre os usos que são feitos da língua, os quais cação, os valores nelas veiculados e a produção cultural
– como dito anteriormente – são plurais. que representam sejam apagados.
Em face disso, entendemos que esta temática é im- Para que isso seja evitado, o currículo escolar precisa
portante à medida que os estudantes podem reconhecer, estar em sintonia com essa multiplicidade de letramen-
denunciar e repudiar qualquer ato preconceituoso em tos, com a produção cultural que acontece nas comuni-
relação aos usos que diferentes comunidades linguísticas dades locais, regionais, nacionais e globais, de modo a
fazem de suas respectivas línguas. permitir aos estudantes o acesso às práticas sociais de
leitura e escrita nos meios impressos e digitais, sem, no
OS MULTILETRAMENTOS E A MULTIMODALIDADE entanto, apagar, como enfatiza Rojo (2009), os letramen-
tos das culturas locais.
Atualmente, para participar efetivamente das práticas
sociais, é cada vez mais urgente uma postura contem- DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTU-
porânea nos modos de ler e escrever, já que os textos GUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL
não são mais apenas impressos. Isso decorre do fato de
que os textos – especialmente após a revolução digital – Os direitos de aprendizagem visam à garantia do
podem ser constituídos por várias linguagens, por vários acesso e à apropriação do conhecimento de todas as
sistemas semióticos. Um clipe, por exemplo, é constituí- crianças e jovens, a fi m de construir uma sociedade mais
do, pelo menos, por três sistemas semióticos: o verbal, o justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve estimular
musical e o imagético. Eles são articulados de tal maneira a participação dos estudantes em situações que promo-
que o sentido do texto não se encontra em uma ou outra vam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a resolução
linguagem, mas na articulação intrínseca de todas elas. de problemas em espaços onde possam representar e
Esses textos têm sido denominado multimodais, ou seja,
vivenciar suas experiências e ressignificá-las, a partir da
constituídos por diferentes modalidades ou modos de
construção de novos conhecimentos.
uso de linguagem.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do
No texto impresso de jornal ou revista, por exemplo,
Currículo de Língua Portuguesa da Cidade de São Pau-
a presença de diferentes linguagens já não é recente,
lo foram elaborados revisitando os princípios elencados
sendo que a atribuição de sentido requer do leitor a ar-
nos documentos Direitos de aprendizagem dos ciclos
ticulação entre os sentidos do texto verbal, de eventuais
interdisciplinar e autoral: Língua Portuguesa (2016); Ele-
gráficos, fotografias ou ilustrações. No texto digital, por
outro lado, há que se lidar com a existência de hiperlinks, mentos Conceituais e Metodológicos para Definição dos
que remetem a textos organizados em linguagens dis- Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo
tintas, com a possibilidade de manifestar-se diretamente de Alfabetização (2012) e Diretrizes Curriculares Nacio-
em relação à matéria lida ou a um comentário feito por nais (2013).
outro leitor ou de estabelecer uma conversa em tempo
real com outros leitores. ENSINAR E APRENDER LÍNGUA PORTUGUESA NO
Diante dessa realidade, temos que admitir que o le- ENSINO FUNDAMENTAL
tramento necessário, hoje, para um leitor proficiente, é
mais complexo por ser múltiplo, ou seja, para ler um úni- Neste documento, os processos de ensino e de apren-
co texto, pode ser necessário utilizar, de modo articu- dizagem são vistos como distintos e em permanente diá-
lado, capacidades e procedimentos relativos a distintas logo. Isso significa que não há a supremacia do processo
práticas sociais, gêneros ou portadores. Dito de outro de ensino sobre o de aprendizagem, que há uma relação
modo, poderíamos dizer que vários letramentos são ar- intrínseca entre o que se pretendeu ensinar e o que foi
ticulados para a constituição de sentidos de um único aprendido. Para planejar o que irá ensinar e quais objeti-
produto cultural. vos irão nortear o trabalho do ano, semestre e bimestre
O conceito de letramento vem do termo literacy, em- é imprescindível que o professor conheça os saberes e
pregado inicialmente por Kato (1986) e definido por Soa- não saberes dos estudantes, tanto para selecionar os ob-
jetivos mais adequados em relação às necessidades de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

res (1998, p. 44) como:


[...] um estado, uma condição: o estado ou condição aprendizagem colocadas no currículo, quanto para or-
de quem interage com diferentes portadores de leitura e ganizar boas situações de aprendizagem. Essas devem
de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de ser planejadas cuidadosamente, com vistas a favorecer
escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita a ação do aprendiz sobre a língua e a linguagem, o que,
desempenham em nossa vida. segundo Weisz (2001), requer, por um lado, que os es-
Hoje, considerando a complexidade da materialidade tudantes tenham bons problemas a resolver, de modo
textual, dos gêneros, dos portadores e das práticas so- a colocar em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o
ciais digitais, como mencionado acima, múltiplos letra- conteúdo ensinado e, por outro, que a organização da
mentos são necessários para atribuir sentido aos textos. tarefa, pelo professor, permita o máximo de circulação
Daí o termo multiletramentos. de informação possível.

176
MOVIMENTO METODOLÓGICO DE ORGANIZAÇÃO em outro patamar, na condição de realizar tarefas que
DA AÇÃO DOCENTE antes não conseguiriam. Especialmente quando se tra-
tar de um conteúdo novo para os estudantes, esse é um
Os estudos relacionados à investigação do processo movimento que traz mais benefícios para o processo de
de construção do conhecimento apontam a necessidade aprendizagem.
de se considerar, no processo de aprendizagem, os se-
guintes pressupostos: OS CONTEÚDOS TEMÁTICOS NO CURRÍCULO DE
a) o sujeito aprende na interação tanto com o objeto LÍNGUA PORTUGUESA
de conhecimento, quanto com parceiros mais ex-
perientes a respeito do que se está aprendendo; Neste documento, considera-se que a escola é uma
b) a construção de conhecimento não é linear, acon- instituição social cuja finalidade é garantir ao estudante o
tecendo por meio de um processo que sugira direito tanto aos conhecimentos produzidos sócio-histo-
apropriações de aspectos possíveis de serem ob- ricamente, quanto aos modos de produção e divulgação
servados no objeto de conhecimento, nos diferen- desse conhecimento. Ao mesmo tempo, a escola – de
tes momentos; acordo com o seu Projeto Político-Pedagógico – coloca
c) nesse processo de apropriação, é possível que se finalidades relacionadas à educação integral do estudan-
consiga realizar, em cooperação, tarefas que não te. Se a escola almeja a educação integral para a par-
seriam possíveis de serem desenvolvidas auto- ticipação cidadã, é condição para essa formação tanto
nomamente. Essa cooperação contribui para a a compreensão das realidades sociais vividas quanto a
criação da zona proximal de desenvolvimento, constituição de modos de participação que permitam a
instaurando-se, assim, a possibilidade de que esse ação do estudante no espaço social em que vive, de tal
estudante avance, tornando-se autônomo para a forma que possa modificá-lo, caso considere necessário
realização de tarefas que não conseguiria realizar para mudar a sua condição de vida, assim como de seu
anteriormente. grupo social.
Se a escola tem essa finalidade, os conhecimentos
De modo coerente com os pressupostos indicados, que devem ser tomados como objeto de ensino não po-
é preciso recomendar que a prática de sala de aula seja dem ser apenas aqueles saberes clássicos que, tradicio-
organizada a partir de um movimento que integre: nalmente, ela seleciona como conteúdo de ensino, mas
a) situações de trabalho coletivo: nelas as intenções também a produção contemporânea das mais diferentes
são, por um lado, fazer circular informações rele- áreas que se relacionam com os problemas sociais, hu-
vantes sobre determinado objeto de conhecimen- manos, éticos, políticos, filosóficos, econômicos, emocio-
to, buscando-se a apropriação delas pelos estu- nais, entre outros, compreendendo toda a complexidade
dantes, e, por outro lado, pretende-se modelizar da vida cotidiana. Tais conhecimentos, quando articula-
procedimentos – de leitura, de escuta, de produ- dos entre si e com os conteúdos clássicos, criam o espa-
ção de textos, de análise – oferecendo referências ço para a compreensão mais aprofundada das realidades
aos estudantes. sociais vividas, bem como possibilita a apropriação de
b) situações de trabalho em duplas/grupo: nelas, modos de produção e divulgação desse conhecimento, o
pretende-se observar quais aspectos tematizados que contribui para a constituição da autonomia intelec-
foram apropriados pelos estudantes a partir do tual do estudante, como proposto na Matriz de Saberes
momento anterior e criar um espaço para que as do Currículo da Cidade.
informações apropriadas pelos diferentes parcei- A compreensão mais aprofundada do real vivido re-
ros – as quais também podem ser diferentes – cir- quer um distanciamento do estudante do seu cotidiano,
culem, colocando a possibilidade de novas apro- de tal forma que, ao distanciar-se, pode torná-lo obser-
priações e novas aprendizagens. vável e tomá-lo como objeto de reflexão. Esse proce-
c) situações de trabalho autônomo: este é o momen- dimento, por um lado, colabora para a constituição da
to de se constatar quais foram as aprendizagens identidade do estudante de uma maneira mais reflexiva,
realizadas, efetivamente, pelos estudantes e quais uma vez que ele pode enxergar-se como sujeito capaz
foram os conteúdos apropriados por eles. Tais si- de produzir conhecimento nesse processo. Por outro, tira
tuações oferecem informações a respeito de quais da invisibilidade as culturas periféricas e os grupos so-
aspectos precisarão ser novamente tematizados, ciais discriminados como o das pessoas com deficiência,
reiniciando-se o movimento do trabalho. o de produtores de literatura marginal-periférica, grupos
de etnias diferentes da etnia da cultura dominante, entre
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

O esquema apresentado a seguir sintetiza o movi- outros.


mento metodológico discutido. Nessa perspectiva, não é difícil compreender que
Nessa direção, todo trabalho de linguagem, quer seja a seleção dos conhecimentos para compor o currículo
de produção de textos, de leitura ou escuta ou, ainda, escolar não pode ser aleatória, mas sintonizada com a
de análise e reflexão sobre a linguagem, compreendendo contemporaneidade e toda a sua complexidade, consi-
a especificidade de cada situação indicada, pode prever derando os saberes socialmente disponíveis, os valores,
um tratamento que respeite esse movimento em espiral a memória e história da cultura (SÃO PAULO, 2016). Daí
partindo do coletivo, passando pelas duplas ou grupos, também decorrem as escolhas feitas neste currículo que
chegando ao individual e, a partir das constatações de buscam uma educação e uma sociedade que garantam
aprendizagem realizadas, voltando ao coletivo, agora a equidade.

177
Para finalizar, é importante ressaltar que a linguagem gualdades construídas historicamente. Nesse sentido,
verbal medeia a relação com o conhecimento na escola faz-se necessário pensar na elaboração de um Projeto
nas diferentes áreas, não só pela modalidade oral que se Político-Pedagógico que articule as diferentes culturas
realiza nas interações em sala de aula, como pelo con- estabelecidas no meio escolar, criando espaços e mo-
teúdo temático dos textos selecionados para estudo. E, mentos de diálogo, estudo e reflexão sobre as contribui-
se deve haver a seleção de tais textos – porque é impres- ções que elas trazem para o território no qual a escola
cindível à área –, há também que se selecionar com cui- está inserida.
dado, e em consonância com as intenções de formação Para tanto, a interlocução com os sujeitos e grupos é
do sujeito, o seu conteúdo. Além disso, ainda temos a essencial para a efetivação de tal tarefa: seja articulando
organização curricular, que contempla um Ciclo Interdis- a participação de estudantes em festas, saraus, slams, ro-
ciplinar, o que, por si só, já justificaria um enfoque articu- das de samba, festividades locais, grafitagem de muros,
lando conteúdos temáticos com os da linguagem verbal. entre outros momentos de produção de conteúdos artís-
tico-culturais; seja trazendo para dentro dos muros es-
A INTERCULTURALIDADE colares artistas plásticos, poetas, músicos, contadores de
histórias, lideranças locais, membros antigos da comu-
Partindo da concepção de linguagem, compreendida nidade, entre outras pessoas que possam, por meio do
como forma de interação entre os sujeitos e do concei- diálogo, consolidar a valorização da história e da cultura
to de multiletramento, que envolve a multiplicidade de dos sujeitos que compõem aquela comunidade.
culturas em circulação e linguagens/mídias – impressas Essa construção dialógica poderá acontecer em con-
e digitais – que compõem a contemporaneidade, com- textos de relativa tensão, devido à diversidade não ser
preende-se que o trabalho em Língua Portuguesa deve reconhecida. Afinal, em uma sociedade cada vez mais
considerar que os discursos existentes e em circulação marcada por antagonismos latentes e diferenças aparen-
estão diretamente relacionados aos seus produtores e temente irreconciliáveis, é natural que qualquer proposta
às condições em que são produzidos e que, com a pre- de diálogo entre diferentes seja marcada por disputas,
sença da diversidade cultural e de modos de produção e negociações e, até mesmo, certa frustração. No entanto,
reprodução (diversidade de mídias), tornam-se cada vez é justamente esse movimento que pode contribuir para
mais dinâmicos. Trata-se, assim, de uma abordagem de a constituição de crianças, sujeitos de direitos, mais sen-
trabalho com a língua e a linguagem que, tendo o texto síveis à alteridade e à equidade. Sujeitos que, valoriza-
como unidade de análise, busca relacioná-lo em toda a dos por suas produções discursivas – poemas, músicas,
sua multissemiose4. histórias, grafites – sejam capazes de trabalhar por uma
Para tanto, faz-se necessário um olhar cuidadoso sociedade na qual todas essas produções ocupem um
para a interculturalidade5 no desenvolvimento do traba- espaço de importância social.
lho em sala de aula. O momento de selecionar os textos
desse trabalho, por exemplo, poderá ser orientado pela RELAÇÕES DE CONSUMO E SUSTENTABILIDADE
busca da diversidade cultural, não apenas em relação aos
textos que trazem a presença da ancestralidade indígena Vivemos uma realidade contemporânea em que o
e africana (dada a presença marcante desses povos em consumismo compulsivo vem trazendo consequências
nossa cultura), mas também no que se refere aos textos muito negativas para o planeta: a exploração descon-
que representem a cultura europeia e latino-americana trolada dos recursos naturais pode levar a uma escassez
que participaram da formação do povo brasileiro, bem severa desses recursos ou, até mesmo, a um esgotamen-
como aqueles representativos das culturas que hoje, per- to que pode comprometer definitivamente o equilíbrio
manentemente, se inserem e ampliam a multiplicidade ambiental. Já há algum tempo, o Ministério do Meio Am-
cultural do Brasil, como: a boliviana, a haitiana, a síria, a biente e as Nações Unidas indicam que já consumimos
de diferentes países asiáticos, entre outras. mais recursos naturais existentes no planeta do que a
Acredita-se que o acesso, pela leitura, à diversidade capacidade de renovação da Terra suporta. Caso os pa-
de culturas contribui para ampliação da visão dos es- drões de consumo e produção se mantenham no atual
tudantes sobre as especificidades da vida de diferentes patamar, certamente a vida do planeta estará ameaçada
pessoas e, além disso, fortalece uma educação perma- em um futuro próximo, o que inclui a própria humanida-
nente orientada pelo respeito à pluralidade. Assim, cabe de. A mudança dessa realidade é, sem dúvida, a modifi-
à escola trazer as vozes dos estudantes para o interior do cação dos padrões de consumo do mundo atual.
currículo, articulando, nas práticas de leitura e de pro- É sabido que consumir causa impacto – positivo ou
dução de textos orais e escritos, as práticas letradas não negativo – não apenas no meio ambiente, mas também
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

valorizadas historicamente, que se fazem presentes, por nas relações sociais, nas pessoas. Dessa maneira, é ne-
exemplo, na literatura marginal/periférica em circulação cessário que se tenha consciência de quais são esses im-
no entorno da escola. pactos quando for realizar uma compra. Pensar no que
Considerar a interculturalidade no trabalho educativo comprar, de quem comprar, como utilizará o que foi
significa também demonstrar um cuidado especial tanto comprado e como realizará o descarte do produto pode
com os espaços ocupados pelos diferentes grupos cul- maximizar os impactos positivos do consumo e minimi-
turais, quanto com as relações estabelecidas entre essas zar os negativos.
culturas dentro de nossa sociedade. A escola precisa se Essa atitude reflexiva é o que se denomina de consu-
preocupar em ajudar no processo de desconstrução de mo consciente ou sustentável, ou seja, é o ato de con-
hierarquizações e juízos de valor que perpetuam desi- sumir com consciência de seu impacto e voltar às ações

178
de consumo para a sustentabilidade. Tal ação implica a relaciona-se, portanto, com a aprendizagem de todos
economia de recursos, a busca por produtos e serviços esses aspectos, fundamentais para o saber comunicar-se
sustentáveis, a utilização dos bens até o fi m de sua vida em situações genuínas de linguagem.
útil e a reciclagem dos materiais.
O consumidor consciente é aquele que se preocupa Os Conteúdos do Ensino e da Aprendizagem
não apenas com o seu bem-estar, mas que estende essa
preocupação para a sociedade atual e age de modo a Nessa perspectiva, ao contrário do que recomenda-
contribuir para a melhoria da qualidade de vida de todos, ria uma prática mais conservadora, não apenas os con-
inclusive das gerações futuras. Esse indivíduo sabe que teúdos gramaticais devem ser tomados como objeto de
sua atitude responsável, ao consumir, pode gerar trans- ensino, mas também – e principalmente – os discursivos,
formações no seu entorno e mobilizar outras pessoas. pragmáticos e textuais, além dos notacionais, indispen-
Ao trazer a temática para o currículo, a escola pode sáveis para a autonomia leitora e escritora do sujeito.
abrir um campo de possibilidades para pensar na cons- Mas é preciso considerar que os aspectos listados
trução de um modo de vida que seja sustentável e em acima referem-se às características específicas da língua
uma ética de consumo que não dilapide os recursos na- e da linguagem. No entanto, quando falamos em práti-
turais do planeta e na construção efetivamente igualitá- cas sociais de interação verbal, referimo-nos também às
ria de uma sociedade que compartilhe. E a disciplina de capacidades, aos procedimentos e aos comportamentos
Língua Portuguesa pode – de modo articulado com ou- que são requeridos para a participação em tais práticas.
tras disciplinas ou não - criar esse espaço de reflexão do Aspectos relativos às características específicas da lín-
sujeito a partir da análise crítica de materiais que abor- gua e da linguagem
dem a temática e que ofereçam referências que possam a) conhecimentos pragmáticos: relativos às caracte-
orientar a transformação da ação cotidiana do cidadão. rísticas das situações comunicativas (um sarau, por
exemplo, que é um evento comunicativo no qual
ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO EM LÍNGUA POR- circulam diversos gêneros, inclusive, de diversas
TUGUESA linguagens: poemas, contos, causos, músicas, entre
outros; uma mostra de trabalhos; uma feira literá-
Os Eixos Organizadores do Trabalho ria; um seminário, entre outros) e dos impactos que
essa situação comunicativa provoca no enunciado;
Neste documento, parte-se do princípio de que a lin- b) conhecimentos discursivos: relacionados à ade-
guagem verbal é uma prática social, que se realiza em quação dos discursos às especificidades do con-
diferentes circunstâncias, típicas das distintas esferas de texto de produção, incluindo-se, nesse contexto, as
conhecimento. Constituem a linguagem verbal as práti- características dos gêneros do discurso (conteúdo
cas de leitura e produção de textos escritos, de escuta e temático, organização composicional e marcas lin-
produção de textos orais e de análise linguística/multi- guísticas);
modal, as quais assumem características específicas de- c) conhecimentos textuais: referem-se a todos os as-
correntes de cada situação comunicativa em que se rea- pectos implicados no estabelecimento de coesão
lizam: leitura em voz alta de um discurso de formatura, e coerência do texto, como manutenção da pro-
leitura em voz alta em uma situação de leitura dramática, gressão temática, articulação adequada das ideias,
elaboração de um artigo de opinião para um jornal de utilização de marcadores temporais e argumenta-
grande circulação, escrita de um comentário sobre um tivos, utilização de recursos coesivos adequados,
artigo de um jornalista postado em seu blog pessoal, de- seleção de informações relevantes para o que se
clamação de um poema em um sarau, realização de uma pretende, pontuação, incluindo a utilização de cri-
exposição em um seminário escolar, entre outros. térios adequados para paragrafação, entre outros
São essas as práticas que tomamos como eixos orga- aspectos;
nizadores deste currículo (GERALDI, 2012; LERNER, 2002), d) conhecimentos gramaticais: relativos à fonologia,
quais sejam: morfologia, sintaxe e semântica;
a) prática de leitura de textos; e) conhecimentos notacionais: relacionados à base
b) prática de produção de textos escritos; alfabética do sistema de escrita.
c) prática de escuta e produção de textos orais;
d) prática de análise linguística/multimodal. É importante salientar que essa classificação tem a
finalidade de orientar melhor a tomada de decisão a res-
Ao indicar as práticas como eixos do currículo, a in- peito de quais aspectos focalizar nas atividades de ensi-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tenção fundamental é, por um lado, tratar o objeto de no. Na realidade, os conhecimentos discursivos incluem
ensino na escola conservando a sua característica funda- todos os demais, assim como os textuais incorporam os
mental, a de prática social, que tem existência dentro e gramaticais e notacionais, num processo de interdepen-
fora da escola, adquirindo características específicas de dência inequívoca.
acordo com a esfera e a situação comunicativa na qual Neste documento, assume-se a posição de que o
se realiza. Por outro lado, a intenção é marcar que, se a trabalho com esses aspectos não deve se dar de modo
linguagem verbal é uma prática social, a proficiência na descontextualizado do uso: ao contrário, tais aspectos
interação verbal requer o domínio de todos os conheci- necessitam ser tratados – prioritariamente – consideran-
mentos com que se opera nas práticas sociais de lingua- do-se o efeito de sentido que eles produzem no texto.
gem verbal, sejam elas orais ou escritas. Essa proficiência Quando o professor avaliar que há a necessidade de sis-

179
tematização de algum aspecto (quais tipos de palavras e de aprendizagem. Os tipos de conteúdos relacionam-
podem ser colocadas no lugar de outra para se manter -se inevitavelmente uns com os outros, o que pode defi-
a referência – coesão referencial por substituição –, por nir a sua própria complexidade.
exemplo), um movimento metodológico produtivo pode
ser o seguinte: após constatar-se o fato na revisão pro- As atividades de uso da linguagem
cessual do texto, recuperar essas constatações, em outro
momento, e sistematizá-las a partir da regularidade en- As atividades de uso da linguagem são as que se re-
contrada, por meio de uma ação reflexiva. ferem a ler, escrever, escutar e falar, as quais se reali-
Os conteúdos gramaticais – ainda que possam me- zam em qualquer situação de comunicação verbal e que
recer atividades de reflexão e sistematização indepen- acontecem nos mais variados espaços sociais, inclusive
dentes, mediante uma descontextualização – devem ser o escolar: escrever um bilhete, telefonar para um amigo
compreendidos no processo da constituição da capaci- ou para reclamar ou solicitar um serviço, participar ou
dade de textualizar e de organizar um discurso. proferir uma palestra ou conferência, assistir a um pro-
Para que esse foco no uso da língua exista, é preciso grama de TV, ouvir um noticiário no rádio, ler um jornal
que a unidade linguística básica do trabalho de Língua ou uma revista, ler um artigo acadêmico para estudar um
Portuguesa seja o texto, pois é nele, materialidade do tema determinado, ler as manchetes no estande de uma
banca de jornais, fazer palavras cruzadas, conversar com
discurso, que a língua se encontra em funcionamento e
os amigos na rua, entre outras.
torna-se linguagem.
Trata-se, portanto, das atividades nas quais se produz
linguagem, quer como locutor, quer como interlocutor:
Capacidades, procedimentos e comportamentos atividades em que se lê, escreve-se, escuta-se e fala-se.
a) Capacidades: estendemos o conceito forjado por As atividades de reflexão sobre o uso e sobre a
Rojo (2012) para leitura e as definimos como as própria linguagem
capacidades cognitivas e, ao mesmo tempo, lin-
guístico-discursivas de produção, leitura e escuta O segundo tipo de atividade – o de reflexão sobre o
de textos orais e escritos; uso e sobre a própria linguagem – é aquele no qual se
b) Procedimentos: são fazeres relacionados à prática tomam como objeto de estudo todos os aspectos impli-
de leitura/escuta e de produção de textos orais e cados na interação verbal, ou seja, todos os conhecimen-
escritos que podem ser caracterizados como ritu- tos, recursos e procedimentos utilizados nas situações
ais típicos de tais atividades; de escuta, leitura, fala e escrita. Isso significa analisar os
c) Comportamentos: são ações relacionadas à mate- usos que foram feitos de determinadas estratégias e re-
rialidade de leitura e escrita e de comunicação oral, cursos textuais e discursivos, salientando-se os efeitos de
que se relacionam mais diretamente aos valores sentido desse uso. Significa, também, analisar as decor-
construídos em relação à leitura e à escrita e ao rências do emprego de determinados procedimentos no
ato de ler e escrever, assim como de se comunicar processo de escrita ou de leitura. Significa, ainda, realizar
oralmente. possíveis descontextualizações para poder sistematizar
aspectos que se façam necessários para a aprendizagem
É importante ressaltar que encontramos similaridade naquele momento.
entre a concepção de procedimentos e capacidades de Essas atividades são as que constituem o eixo do cur-
leitura (em especial, as relacionadas à compreensão – tal rículo – prática de análise linguística/multimodal – e im-
como classificado por Rojo, 2012) e o que Lerner (2002) plicam a reflexão sobre os usos da linguagem e sobre a
denomina como comportamentos leitores relativos à própria linguagem.
dimensão individual. Já o conceito de comportamento Essa reflexão realiza-se nas atividades de revisão
processual e final dos textos produzidos, no estudo de
assemelha-se ao que a autora denomina de comporta-
textos, realizado por meio da leitura, buscando-se a sua
mentos leitores de dimensão social.
compreensão, e na análise de apresentações em semi-
As capacidades, procedimentos e comportamentos
nários escolares, seja mediante gravação videográfica ou
não são conteúdos que são aprendidos de maneira es- participação presencial. As atividades de análise linguís-
tanque ou que se realizam, na atividade de interação ver- tica/multimodal de reflexão sobre os usos da linguagem
bal, de maneira compartimentada. Ao contrário, sempre realizam-se – primordialmente – nos momentos de pro-
estão inter-relacionados e se realizam de maneira arti- dução, leitura e escuta de textos orais e escritos. Referem-
culada nas atividades de leitura. Além disso, a aprendi-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

-se a criar um espaço de sensibilização e percepção dos


zagem desses conteúdos não acontece à revelia do ma- recursos expressivos utilizados pelos autores dos textos
terial textual, da materialidade verbal (seja ela fônica ou para dizer o que pretendem, quer esses recursos sejam
gráfica). Portanto, a complexidade dessa materialidade de natureza gramatical, textual, discursiva ou pragmática.
pode dotar uma atividade que requeira uma inferência Dessa forma, a reflexão sobre a própria linguagem
local – ou mesmo uma atividade de localização de infor- implica o estudo sobre como a língua e a linguagem es-
mações explícitas – de maior ou menor dificuldade. tão organizadas, procurando levar o estudante a analisar
Por fim, é preciso dizer que todos os tipos de conteú- regularidades de diferentes fatos linguísticos, tais como:
do de linguagem encontram-se arranjados, organizados • aspectos ortográficos e de acentuação;
e entranhados no discurso, cuja materialidade é o texto, • estudar o sistema subjacente às questões grama-
unidade linguística priorizada para o trabalho de ensino ticais;

180
• o esquema de classificação de palavras e a organiza- Os Critérios de Progressão dos Objetivos de Aprendi-
ção sintática dos enunciados; zagem e Desenvolvimento
• analisar as características discursivas dos textos e de a) da maneira como compreendemos o objeto de
situações de comunicação, assim como analisar de ensino em questão: a linguagem verbal, a língua,
que maneira diferentes partes de um mesmo tex- a escrita e as práticas que as envolvem, incluindo
to se articulam de modo a manter a coerência e a todos os aspectos que as constituem, sejam eles
coesão. conceituais ou procedimentais;
b) do modo como concebemos que o estudante
Esses dois tipos de atividades – de reflexão sobre aprende, seja considerando a maneira pela qual se
a língua e a linguagem e de reflexão sobre os usos da apropria de determinado objeto – como a escrita,
linguagem – podem ser desenvolvidos em sala de aula por exemplo, e as hipóteses que vai constituindo
pressupondo ou não a sistematização. até compreender a sua natureza – seja levando em
Quando a finalidade do trabalho for apenas sensibili- conta o modo como o ensino precisa organizar-se,
zar o estudante para um determinado fato ou fenômeno prevendo ou não:
linguístico, sem chegar à elaboração de regras ou classi- • a colaboração com outros parceiros (aprendizagem
ficações, as atividades serão organizadas sem sistemati- em colaboração, movimento metodológico a ser
zação. adotado no desenvolvimento do trabalho);
Quando o objetivo for formalizar um conhecimento • a retomada de aspectos trabalhados anteriormente
utilizando ou levando o estudante a construir uma lin- para aprofundamento e ampliação de compreen-
guagem que possibilite falar sobre a própria linguagem, sões (organização em espiral do trabalho educa-
isto é, utilizando uma metalinguagem, as atividades se- tivo).
rão realizadas com sistematização.
Desse modo, na progressão dos objetivos, um con-
O Lugar da Literatura no Currículo teúdo é previsto em cada um dos diferentes anos de es-
colaridade, tomando-se como referência esses dois as-
Os textos literários, neste documento – como nos das pectos que podem ser traduzidos nos seguintes critérios
demais esferas de conhecimento humano – são trabalha- fundamentais:
dos nas práticas de produção de textos orais e escritos, a) o tipo de conteúdo (capacidades, procedimentos,
assim como nas de leitura e escuta de textos. comportamentos e aspectos constitutivos da lin-
Compreendemos que esses textos devem ser tra- guagem verbal);
tados com equidade em relação aos que pertencem a b) o nível de complexidade do conteúdo em foco,
outras esferas. Por um lado, circulam em diferentes prá- considerando práticas sociais, gêneros e textos;
ticas que são, cada uma a seu modo, fundamentais para c) o nível de autonomia com que se espera que o
a formação da pessoa e imprescindíveis para o exercício estudante realize as tarefas propostas. Por isso, a
da participação cidadã. Por outro, assim como todas as abordagem do conteúdo em situações de trabalho
demais esferas, possuem uma especificidade que reme- coletivo, em duplas ou autônomo.
te às necessidades humanas que geraram essa esfera de
conhecimento. Compreende-se, assim, que a construção da autono-
Assim, como forma peculiar de representação e es- mia do sujeito, em determinada prática de linguagem,
tilo em que predominam a força criativa da imaginação começa por fazer o trabalho coletivamente com o apoio
e a intenção estética, o texto literário não está limitado do professor, depois em grupos/duplas para, finalmente,
a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que realizar com autonomia.
se testemunha), nem às categorias e relações que consti- Na progressão dos objetivos, há ainda que se con-
tuem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos siderar as restrições da tarefa proposta, as quais se re-
ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pre- lacionam com as condições colocadas para o desenvol-
tende descrever e explicar diferentes planos da realidade vimento do trabalho (ler textos para estudar a partir de
(o discurso científico). Ele os ultrapassa e transgride para materiais pré-selecionados pelo professor; ler textos se-
constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o lecionados pelo estudante; escrever com letras móveis
mundo, entre a imagem e o objeto, mediação essa que e ler, ajustando o falado ao escrito, um texto conhecido
autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e de memória, como parlendas e cantigas). Essas restrições
dos mundos possíveis. também podem funcionar como critérios que definem a
Dessa maneira, não se pode conceber uma educação progressão dos conteúdos na proposta da escola.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

literária dissociada das práticas que a materializam, espe- Do ponto de vista da implementação curricular, o
cialmente a prática de leitura. Ler, nesse sentido, ganha importante é considerar que a progressão dos objetivos
um status de direito, que se desdobra em alguns obje- deve ser definida na análise das necessidades de apren-
tivos, dos quais destacamos os que envolvem a fruição. dizagem do estudante em relação às suas possibilidades
Essa ação não é uma atividade descompromissada ou de aprendizagem. Essa definição só é possível, portanto,
longe de uma finalidade: a leitura de fruição está na vida, se for realizada pelo professor, na sala de aula, em con-
assim como a literatura e, por conseguinte, a língua. Di- tato cotidiano com os estudantes. Essa é uma das razões
ríamos, então, que ler literatura é um fazer vital e, por pelas quais este currículo sugere alguns gêneros para
isso, não pode ser reduzido a análises, sejam elas linguís- trabalho, mas indica que a escolha de qual será objeto
ticas ou literárias. de ensino se efetivará na escola.

181
É a isso que chamamos de “atualizar” o currículo em que contemplam a especificidade do texto literário (lite-
função da classe com a qual trabalhamos, uma dimensão ratura clássica e/ou canônica, marginal-periférica, regio-
fundamental e imprescindível da implementação curricu- nal ou global) e objetivos relativos aos aspectos temáti-
lar. cos tratados no currículo, a saber:
A Organização dos Objetivos de Aprendizagem e De- a) discussão sobre questões relativas às diferentes re-
senvolvimento Em cada ciclo, os objetivos foram organi- presentações sociais e interdisciplinaridade;
zados da seguinte maneira: b) discussão sobre a interculturalidade e projetos in-
a) Quadro de objetivos de aprendizagem e desenvol- terdisciplinares;
vimento comuns a cada ciclo; c) discussão sobre as relações de consumo e susten-
b) Quadros de objetivos de aprendizagem e desen- tabilidade.
volvimento de cada ano específico do ciclo.
Nos dois últimos blocos dessa prática, são apresen-
No primeiro quadro, foram apresentados os objetivos tados, respectivamente, os objetivos relativos aos proce-
que devem ser tratados nos anos de cada ciclo. dimentos de leitura (que contemplam a finalidade de ler
Os demais quadros do ciclo referem-se aos objetivos para estudar e as modalidades de leitura) e os que estão
específicos de cada um dos anos. Assim, cada ano deve relacionados à construção do comportamento leitor. Prá-
tratar os objetivos comuns do ciclo e os específicos do tica de produção de textos escritos
ano. Os objetivos foram articulados de forma progressiva Nos quadros dos objetivos de prática de produção de
ao longo dos ciclos e, na sala de aula, os professores pre- textos escritos, a coluna da esquerda indica os seguin-
cisam articular aqueles que são da parte comum aos que tes conteúdos: os relativos às operações de produção,
compõem a parte específica. os que se referem às capacidades de linguagem gerais
Em cada quadro, a última coluna apresenta os Ob- requeridas na produção de textos e organizados em dife-
jetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactua- rentes ordens (narrar, argumentar, relatar, expor, instruir
dos na Agenda 2030 pelos países-membros das Nações etc.), os procedimentos de escrita e os comportamentos
Unidas, como temas inspiradores a serem trabalhados de escritor. Na coluna central, encontram-se relaciona-
de forma articulada com os objetivos de aprendizagem dos os objetivos relativos a cada tipo de conteúdo.
e desenvolvimento nos diferentes componentes curri- Na prática de produção de textos escritos, os objeti-
culares. Nos quadros de objetivos de aprendizagem e vos também foram distribuídos a partir do tipo de trata-
desenvolvimento há uma correspondência com os ODS mento que o conteúdo terá no ano. Isso se justifica por
relevantes para aquele objetivo, seja do ponto de vista algumas razões. Inicialmente, temos que considerar que,
temático quanto sob o olhar metodológico e de aborda- em função do tempo que a escola tem para trabalhar
gens inovadoras de aprendizado. com os conteúdos que seleciona, ela necessita priorizar
Educadores e estudantes são protagonistas na mate- os aspectos com os quais vai trabalhar. Quando pensa-
rialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm mos na produção de textos, por exemplo, temos que se-
ampla liberdade para também criar projetos autorais a lecionar os gêneros nos quais os textos produzidos vão
respeito, assim como buscar parceiros, com o objetivo de ser organizados, e não apenas por causa do tempo, mas
promover maior cooperação entre os diferentes atores também em razão da grande diversidade de gêneros que
sociais e da comunidade escolar na geração e comparti- circula nas práticas sociais. Assim, além do tempo, o cri-
lhamento do conhecimento e prática. tério é a relevância social que tem este ou aquele gêne-
Formas de integrar os objetivos de aprendizagem e ro em função da formação pretendida para o estudante.
desenvolvimento com os ODS na prática escolar serão Para finalizar, o currículo não é linear; ao contrário, ado-
detalhadas no documento de orientações didáticas dos tamos a organização em espiral, o que prevê a revisita-
diferentes componentes curriculares. A intenção é ofere- ção – ao longo do Ensino Fundamental – a determinados
cer ao professor sugestões de articulação entre os obje- conteúdos, seja pela sua complexidade ou sua relevância.
tivos da área e os dos ODS, visto que a discussão desses
é imprescindível à formação do estudante, pois podem Nessa perspectiva, dois foram os critérios adotados
contribuir para a constituição de pessoas com uma nova para a seleção de gêneros na prática de produção de tex-
visão da relação com o outro e com o planeta. Prática de tos, haja vista o aspecto espiral do Currículo de Língua
leitura de textos Portuguesa.
O quadro de objetivos da prática de leitura, que trata • produção para aprofundamento: produção de texto
da leitura de textos de todas as esferas, inclusive, da li- que visa à ampliação do conhecimento do estu-
terária, foi organizado prevendo, na coluna da esquerda, dante sobre determinado gênero (e a prática social
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

os conteúdos fundamentais da leitura (as capacidades de correspondente), exigindo um trabalho mais apro-
leitura, os procedimentos e os comportamentos leitores) fundado durante um determinado ano do ciclo, o
e, na coluna central, os aspectos tratados em cada bloco que supõe a escolha de modalidades organizativas
de objetivos. adequadas, como a sequência didática;
No primeiro bloco, são apresentados os objetivos ge- • produção por frequentação: há textos que podem
rais, a serem considerados em todas as atividades de lei- ser produzidos durante determinado ano/ciclo,
tura. Nele, foram contempladas as capacidades de com- sem exigirem um trabalho de aprofundamento
preensão de texto (aquelas conhecidas como estratégias (bilhetes para os responsáveis, convites para even-
de leitura) e as capacidades de réplica e apreciação do tos escolares, bilhetes de solicitação de materiais,
discurso. Na sequência, são introduzidos os objetivos regras de convivência, por exemplo). Há situações

182
relacionadas a projetos de leitura e escrita que ção da linguagem escrita. Sendo assim, desde o primeiro
também requerem a produção por frequentação. ano, todas as práticas de linguagem estão contempladas
Um exemplo é a elaboração de um jornal ou re- no currículo. Algumas propostas devem ser conduzidas
vista escolar: não é possível escrever textos orga- de forma coletiva (como é o caso da leitura em voz alta
nizados em todos os gêneros que circulam nesses pelo professor, da produção de textos ditando ao profes-
portadores se o tratamento didático a ser dado a sor e da análise de textos escritos, entre outras).
cada um for o de aprofundamento. Ao contrário, Finalmente, os objetivos relativos à aquisição do sis-
seleciona-se um gênero para aprofundamento e tema de escrita são previstos no início das práticas de
os demais escreve-se por frequentação, ou seja, leitura e escrita e aparecem apenas no 1º e no 2º anos
com o repertório dos estudantes acrescido de uma do Ciclo de Alfabetização, visto que, no máximo, ao final
orientação básica do professor. Uma produção ela- do 2º ano todos os estudantes deverão escrever alfabe-
borada por frequentação, portanto, é aquela que ticamente.
acontece a partir do conhecimento que o estudan-
te já possui por ter frequentado as práticas sociais Fonte
nas quais esses gêneros circulam, o que lhe possi- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
bilitou o contato com eles e conhecimento sobre cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
seu funcionamento. O convívio social e o aprendi- Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. 2. ed. São Paulo:
zado em anos anteriores podem, assim, ter possi- SME/COPED, 2019. p. 64-94. Disponível em: http://portal.
bilitado a aproximação do estudante a esse objeto sme.prefeitura.sp.gov.br/ Portals/1/Files/50628.pdf.
de conhecimento.

Essa organização da prática de produção de textos


requer um olhar atento do professor, tanto em relação às EXERCÍCIO COMENTADO
necessidades de aprendizagem dos estudantes, quanto
à garantia do alcance dos objetivos de aprendizagem e 1. (Prefeitura de Pinhais/PR - Pedagogo – FAFI-
desenvolvimento que contemplam a diversidade de gê- PA/2014/Superior) Pode-se considerar o ensino e a
neros e textos ao longo dos ciclos. aprendizagem da Língua Portuguesa na escola, como
Cabe a esse profissional organizar seu plano de tra- resultantes da articulação de três variáveis: o aluno, a lín-
balho selecionando, entre os gêneros indicados, aqueles gua e o ensino. Com relação ao ensino, ele deve
que farão parte do trabalho no ciclo e ano, visto que no
documento curricular os gêneros indicados são suges- a) priorizar o ensino da gramática.
tões, cabendo a cada unidade escolar selecionar, além b) possibilitar ao aluno o acesso ao universo dos textos
desses, aqueles que de fato farão parte da abordagem disponível no livro didático.
nos diferentes anos. c) ser concebido como a prática educacional que organi-
za a mediação entre sujeito e objeto do conhecimento.
Prática de escuta e produção de textos orais d) restringir-se às aulas de Língua Portuguesa, visto que
as demais disciplinas têm outros conteúdos para se-
Nesse eixo, os objetivos de produção e de escuta fo- rem desenvolvidos.
ram agrupados e encontram-se organizados segundos
os critérios utilizados tanto na prática de produção de Resposta: Letra C. Em “c”: Certo - a alternativa está
textos escritos, quanto na prática de leitura. correta: Pode-se considerar o ensino da aprendizagem
O fundamental é a compreensão de que essa prática em três variáveis: aluno, língua e ensino. O primeiro
não pode ser confundida com oralidade, de modo geral. é o sujeito da ação; aquele que age sobre o conhe-
Ao contrário, precisa ser compreendida como espaço de cimento. O segundo elemento tem como objeto do
aprendizagem das práticas orais genuínas, que envolvem conhecimento a LP, tal como se fala e se escreve fora
o aprendizado de gêneros textuais específicos. Prática de da escola. E a última variável corresponde ao ensino e
análise linguística/multimodal à prática educacional, que organiza a medição entre
O eixo de prática de análise linguística/multimodal sujeito e objeto do conhecimento.
vem sendo organizado historicamente prevendo o tra-
balho com conteúdos relativos aos aspectos discursivos,
textuais, gramaticais, pragmáticos e notacionais. No en-
tanto, os demais conteúdos também podem ser objeto
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

de reflexão quando se analisa uma prática de linguagem,


isto é, procedimentos e comportamentos adotados no
processo de comunicação verbal, assim como estratégias
linguístico-discursivas utilizadas na produção ou com-
preensão de textos, podem tornar-se objeto de ensino e
de aprendizagem.
Em relação ao processo de alfabetização inicial, que
acontece no ciclo de mesmo nome, é importante ressaltar
que os objetivos preveem o trabalho com a construção
do sistema de escrita alfabético, articulado à apropria-

183
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. COORDENADORIA
PEDAGÓGICA. CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO FUNDAMENTAL: MATEMÁTICA. 2. ED. SÃO
PAULO: SME/COPED, 2019. P. 62-81.

CURRÍCULO DE MATEMÁTICA PARA A CIDADE DE SÃO PAULO

INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE CURRICULAR

#FicaDica
Para a atualização do Currículo de Matemática da Cidade de São Paulo, levou-se em consideração a for-
mação dos estudantes da Educação Básica e as concepções da Matemática como área do conhecimento,
destacando suas potencialidades formativas e sua utilidade no cotidiano da sociedade.

Nesse processo, a Matemática e as outras áreas de conhecimento trouxeram contribuições para a ampliação do
desenvolvimento cognitivo dos estudantes, de maneira a possibilitar-lhes a análise e a tomada de decisões para intervir
na realidade, além de propiciar o desenvolvimento de valores sociais, emocionais, estéticos, éticos e científicos.
Essa nova proposta curricular da Cidade de São Paulo, além da inclusão dos interesses dos protagonistas da Rede
Municipal de Ensino, também incorporou os resultados de pesquisas internacionais e brasileiras na área de Educação
Matemática, produzidas ao longo dos últimos anos, visando à melhoria do processo de construção de conhecimen-
tos matemáticos. Assim, consideraram-se as pesquisas em diferentes perspectivas: as de âmbitos histórico-social, as
de cunho cultural e tecnológico, além das contribuições dos campos de formação de professores e de organização
curricular, entre outras. Ainda foram discutidas algumas possibilidades metodológicas para o desenvolvimento do
trabalho no âmbito da Educação Matemática, como as que envolvem a resolução de problemas, a modelagem, o uso
de tecnologias digitais, as tarefas investigativas, os jogos e brincadeiras, a etnomatemática e outras. São pesquisas que
podem facilitar a aprendizagem, no que tange ao raciocínio lógico, indutivo, dedutivo e abdutivo, que possibilitam
análise, a formulação e a testagem de hipóteses, além de permitir a validação de raciocínio e a construção de provas e
de demonstrações matemáticas.
A Matemática é uma construção humana que envolve um conjunto de conhecimentos associados, por exemplo,
aos números, às formas geométricas e a diversos tipos de raciocínio como dedução, indução, estimação, aproxima-
ção, entre outros. Ajuda a resolver diversos tipos de problemas, muitas vezes, apresentando diferentes soluções. É
um conjunto de ideias que permite analisar fenômenos e situações presentes na realidade para obter informações e
conclusões que não estão explícitas. Além disso, possibilita a obtenção de modelos, relações, padrões e regularidades,
de forma a conhecer e analisar a realidade e obter informações para tomar decisões. Sua aprendizagem contribui para
a formação integral dos estudantes e seu desenvolvimento permite enfrentar os desafios que se apresentam na vida
cotidiana de qualquer pessoa.
A Matemática desempenha um papel formativo básico, na medida em que possibilita o desenvolvimento dos diver-
sos tipos de raciocínio, e outro instrumental, que é prático e visa a resolver problemas em situações reais, sendo uma
ferramenta para ser usada em outras áreas e permitindo abordar uma grande variedade de situações.
Com essa amplitude, a Matemática envolve três dimensões que se articulam e se complementam: a social, a cultural
e a formal.
A dimensão social engloba a reflexão sobre a criação e o uso da Matemática em diferentes contextos sociais, apon-
tando para uma dimensão histórica e social do conhecimento matemático.
A dimensão cultural considera a Matemática como fruto de diferentes culturas e etnias (contagem, localização, me-
dição, desenhos e jogos) que permitem uma reflexão sobre a construção do conhecimento matemático.
A dimensão formal envolve as ideias matemáticas fundamentais com a utilização de uma simbologia própria e
universal, desenvolvidas ao longo da Educação Básica, articulando-se com diferentes objetos de conhecimento e eixos
estruturantes (Álgebra, Geometria, Números etc.).
Essas três dimensões estão presentes na organização de todo currículo: nas ideias fundamentais da Matemática, nos
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eixos estruturantes, na organização dos objetos de conhecimento, nos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento,
além dos eixos articuladores.

IDEIAS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA

O desenvolvimento do conhecimento matemático abrange um conjunto de ideias fundamentais da Matemática. A


figura a seguir mostra algumas dessas ideias, que são exploradas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e tam-
bém no Currículo da Cidade de São Paulo.

184
As ideias fundamentais destacadas na figura 1 estão presentes nos mais variados assuntos do componente curricu-
lar, estabelecendo uma articulação natural entre eles ao longo de todo o Ensino Fundamental. A seguir descreveremos
cada uma dessas ideias:
A ideia de proporcionalidade está presente em diversos objetos de conhecimento, como os números racionais, as
razões e proporções, a semelhança de figuras e outros.
A ideia de equivalência está presente no estudo dos números racionais, nas equações, nas áreas ou nos volumes,
entre muitos outros.
A ideia de ordem permite a observação da organização sequencial de números, de ordem de grandeza numérica e
de estudos de sequências numéricas ou figurais.
A ideia de aproximação está ligada aos cálculos que não precisam ser exatos, às medidas, à aproximação dos nú-
meros irracionais, entre outros.
A ideia de variação em Matemática se refere a alguns objetos de conhecimento como a variação percentual, a va-
riação entre duas grandezas, o coeficiente de variação, entre outros.
A ideia de interdependência se relaciona à noção de função, com relações entre grandezas numéricas ou geométri-
cas e com ampliação e redução de figuras.
A ideia de representação está relacionada com a simbologia matemática, mas também se apoia na linguagem oral
e escrita, nas representações icônicas (figuras, esquemas, diagramas etc.), além de representações de objetos do meio
físico para indicar entes matemáticos.
Essas ideias se articulam entre si, possibilitando mais integração entre os conteúdos matemáticos que serão deno-
minados neste documento de objetos de conhecimento.
Uma possibilidade é que a ideia fundamental de proporcionalidade seja explorada nos eixos de medidas e de nú-
meros, possibilitando uma integração intramatemática2. A ideia de proporcionalidade permite ainda o uso de contex-
tos extramatemáticos3, pois se encontra em várias ações do cotidiano e de outras áreas do conhecimento, como em si-
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tuações de compra e venda, em rótulos de produtos, receitas e bulas de remédio, o que contribui para essas conexões.
Essa mesma indicação poderia ser feita com outras ideias matemáticas fundamentais como é o caso da equivalência
que se observa, por exemplo, na representação dos números racionais, na observação de áreas de superfície de figu-
ras diferentes, nas medidas – especialmente quando se utilizam diferentes unidades – ou mesmo no trabalho com as
equações, possibilitando conexões tanto intramatemática como extramatemática.

DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA

Os direitos de aprendizagem visam à garantia do acesso e à apropriação do conhecimento de todas as crianças e


jovens, a fim de se construir uma sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, a escola deve incentivar a participa-
ção dos estudantes em situações que promovam a reflexão, a investigação e a pesquisa, a resolução de problemas e

185
espaços onde eles possam representar e vivenciar suas de instrumentos tecnológicos, pois o mais importante é
experiências e ressignificá-las a partir da construção de a natureza da atividade matemática. Em vista disso, a se-
novos conhecimentos. leção de atividades constitui um dos aspectos essenciais
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do do trabalho do professor.
Currículo de Matemática da Cidade de São Paulo foram Há uma ideia comum na sociedade de que a Matemá-
elaborados revisitando os princípios elencados nos do- tica tem um papel fundamental no desenvolvimento do
cumentos Direitos de aprendizagem dos ciclos interdisci- raciocínio. Os processos de raciocínio (dedutivo, induti-
plinar e autoral (2016), Elementos Conceituais e Metodo- vo, abdutivo, relacional etc.) são usados na realização de
lógicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e diferentes atividades matemáticas. O raciocínio dedutivo
Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (2012) e nas é fundamental em Matemática, pois parte de um proble-
Diretrizes Curriculares Nacionais (2013). ma, formula hipóteses, faz a verificação dessa hipótese,
por meio de observação ou de experimentação e, a partir
ENSINAR E APRENDER MATEMÁTICA NO ENSINO desses elementos, produz os resultados explicitados em
FUNDAMENTAL leis e teorias. O raciocínio indutivo também ocupa um
papel importante nessa área do conhecimento. Parte de
Na construção do Currículo da Cidade para Matemá- casos particulares e, com base na observação e experi-
tica, uma das preocupações foi propor reflexões sobre mentação, vai formulando hipóteses explicativas para fa-
diferentes estratégias de ensino de Matemática em fun- zer generalizações. O raciocínio abdutivo, segundo Peirce
ção dos estudantes da atualidade, de forma compatível (1977) é o que possibilita o levantamento de conjecturas
com os processos de aprendizagem dessas crianças e e a produção do novo (novas ideias e conhecimentos).
jovens que envolvem o significado que eles atribuem ao Utilizamos esse tipo de raciocínio em resoluções de pro-
que foi ensinado. blemas, investigações matemáticas, desafios e jogos. Há
Ensinar e aprender Matemática, nos dias atuais, ga- ainda outro tipo de raciocínio – o relacional – comum a al-
nha uma nova dimensão. Leva em conta o que o estu- guns tipos de atividades, pois envolve o estabelecimento de
dante já conhece, ou seja, os conhecimentos prévios e relações entre as ideias fundamentais (equivalência, ordem,
as experiências que possui fora da escola. À escola cabe semelhança, proporcionalidade etc.) e objetos do conheci-
articular esses tipos de conhecimento e experiência que mento matemático ou não matemático.
o estudante já possui àqueles que irá aprender, de forma Aprende-se a raciocinar colocando em prática o seu
que possa alcançar os objetivos de aprendizagem e de- raciocínio ou analisando o raciocínio de outros. Por esse
senvolvimento propostos para cada ano de escolaridade. motivo, é importante que o professor selecione tarefas
Sabemos que o “ensino tradicional”, fortemente utili- apropriadas para os estudantes de cada ciclo, que sejam
zado até o final do século passado, não é suficiente para matematicamente ricas e que promovam debate, partici-
enfrentar as demandas sociais que emergem da socie- pação, justificativas e reflexões. Os contraexemplos são
dade atual. Mudanças nesse sentido podem decorrer de importantes e oferecem oportunidade aos estudantes de
pesquisas na área de Educação Matemática, principal- identificarem casos particulares e testarem a validade de
mente as que focalizam a resolução de problemas e as
generalizações.
investigações. Algumas dessas pesquisas mostram que,
O documento Orientações Curriculares e Proposição
na resolução de problemas ou de tarefas investigativas,
de Expectativas de Aprendizagem, publicado pela SME
os estudantes trabalham a partir de problematizações,
em 2007, destaca a importância da comunicação em to-
ou seja, de uma variedade de situações que lhes permi-
das as áreas do conhecimento. A comunicação nas au-
tem enfrentar com mais tranquilidade e autonomia as
las de Matemática, até pouco tempo, era monopolizada
demandas sociais e participar ativamente da sociedade.
pelo professor, que centralizava as perguntas e as res-
Com essa mudança de estratégia de ensino, o estu-
dante passa de receptor de informações, quando viven- pondia, não dando chance aos estudantes de se manifes-
cia o “ensino tradicional”, para agente na construção do tarem. A situação vem se modificando nos últimos anos.
conhecimento matemático, pois participa ativamente de Quando se fala em comunicação nos dias atuais, leva-se
um ensino com foco em investigações e resolução de em conta o fato de os estudantes comunicarem ideias
problemas. No entanto, essa mudança de foco é eficaz se matemáticas, oralmente, por escrito ou de outra forma
os estudantes, além de participarem de aulas problema- e compreenderem as ideias matemáticas veiculadas por
tizadoras, forem instigados a refletir sobre sua resolução, outros. A comunicação pressupõe a representação dos
para validar suas respostas, bem como ser capazes de modos matemáticos de pensar expressos em uma lin-
propor novos problemas e formular questões. guagem adequada à comunicação.
O desenvolvimento da comunicação dos estudantes
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

No entanto, independentemente do tipo de atividade


proposta, a falta de compreensão por parte do estudan- depende do objetivo que o professor utiliza em suas au-
te pode ser responsável pelas suas dificuldades quando las. As comunicações oral e escrita se complementam.
busca a solução. A forma mecânica e sem sentido na A comunicação oral permite mais oportunidade de in-
tentativa de solucionar uma atividade pode indicar um teração entre os estudantes e entre eles e o professor,
processo de aprendizagem do estudante por memoriza- enquanto a comunicação escrita favorece uma sistema-
ção, sem conexão com as dimensões matemáticas nos tização de ideias e reflexão sobre elas. No entanto, é por
âmbitos social, cultural e formal. meio da comunicação oral que se realiza o processo de
Mas é importante selecionar atividades que permitam negociação de significados matemáticos entre o profes-
reflexão e ampliação do pensamento matemático, uma sor e os estudantes, entre os próprios estudantes e entre
vez que não basta apenas a manipulação de materiais e os estudantes e a comunidade escolar.

186
Além da comunicação oral e escrita na língua mater- gicos, a etnomatemática, os jogos, a modelagem, entre
na, a Matemática necessita de representações especiais outras. Por esse motivo, o documento apresenta, nos
simbólicas e gráficas reconhecidas mundialmente. O próximos itens, algumas dessas estratégias para ensinar
conjunto de símbolos, gráficos e regras que representam Matemática.
uma estrutura matemática deve responder ao caráter sis- Em consonância com a BNCC (2017), consideramos
têmico dessa área. O uso dessa simbologia, de caráter que os processos matemáticos de resolução de proble-
universal, possibilita socializar o conhecimento matemá- mas, de modelagem, de investigações e de projetos são
tico. formas privilegiadas da atividade matemática e são con-
No entanto, é importante que as representações se- siderados, ao mesmo tempo, objeto de conhecimento e
jam as mais variadas possíveis, por exemplo, o número estratégia para aprendizagem ao longo do ensino fun-
cinco pode ser representado numericamente como um damental. Neste documento curricular estes processos
ponto de uma reta numerada, como a metade de 10, matemáticos e os jogos são considerados como objetos
como resultado de uma operação ou mesmo com uma de conhecimento e estratégias para aprendizagem. Con-
representação figural (DUVAL, 2009). sideramos esses processos de aprendizagem potencial-
Assim, os objetivos de aprendizagem e desenvolvi- mente ricos para o desenvolvimento do raciocínio, da
mento focalizam o uso de representações fracionárias e comunicação e da argumentação (BRASIL, 2017).
decimais de um mesmo número racional, das represen- Ainda de acordo com a BNCC (2017), consideramos
tações dos mesmos dados em tabelas e gráficos ou, ain- que a diversidade de estratégias matemáticas permite
da, de uma equação em suas representações algébricas o letramento matemático, pois possibilita raciocinar, re-
e gráficas. presentar, comunicar e argumentar matematicamente e
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento ex- favorece o desenvolvimento de conjecturas, a formula-
ploram diferentes representações para conceitos e pro- ção e a resolução de problemas em contextos variados,
cedimentos matemáticos, permitindo discutir diversas fa- utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas
cetas e propriedades de um mesmo objeto matemático. matemáticas.
Além disso, no Currículo da Cidade para Matemática
há uma preocupação com o letramento matemático, no
Resolução de Problemas
sentido proposto pela BNCC (2017) e pelo Programme
for International Student Assessment (PISA) – Programa
A visão de resolução de problemas neste documento
Internacional de Avaliação de Estudantes. Segundo a Ma-
contrapõe-se àquela que vinha sendo tradicionalmente
triz do PISA (2012), o letramento matemático é a capa-
trabalhado nas aulas de Matemática nas últimas décadas
cidade individual de interpretar a Matemática em uma
do século XX: os problemas eram utilizados apenas como
variedade de contextos, o que inclui raciocinar matema-
forma de aplicação de conhecimentos adquiridos ante-
ticamente, utilizando conceitos e procedimentos, fatos e
ferramentas matemáticas para descrever, analisar e pre- riormente pelos estudantes. A prática mais frequente era
dizer fenômenos. Dessa forma, auxilia os estudantes ao ensinar um conceito, procedimento ou técnica operató-
longo de sua escolaridade a irem reconhecendo o papel ria, apresentar o problema para o estudante aplicar o que
que a Matemática exerce no mundo e a se tornarem ci- foi ensinado e avaliar se o estudante era capaz de empre-
dadãos construtivos, engajados e reflexivos que possam gar corretamente o conhecimento.
argumentar e decidir com fundamentos. Dessa forma, os estudantes relacionavam o problema
Para a BNCC (2017), o letramento matemático é de- aos cálculos com os números apresentados no enuncia-
finido como um conjunto de competências e habilida- do ou com a aplicação de algo que aprenderam nas aulas
des de raciocinar, representar, comunicar e argumentar anteriores. O mesmo acontecia com a Álgebra. Primeiro
matematicamente que favorecem o estabelecimento de os estudantes aprendiam a resolver equações e depois
conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em eram propostos problemas para serem resolvidos por
contextos variados, utilizando conceitos, procedimentos, meio de equações. Nesse caso, a concepção de ensino
fatos e ferramentas matemáticas. Segundo o mesmo e de aprendizagem subjacente era a de que o estudante
documento, o letramento matemático permite aos estu- aprende por reprodução ou imitação.
dantes identificar os conhecimentos matemáticos funda- Hoje, o problema é visto como uma situação desafia-
mentais para a compreensão e atuação no mundo atual dora que tem significado para os estudantes e é propos-
e perceber o caráter do jogo intelectual da Matemática ta pelo professor com intencionalidade ou pelo próprio
como elemento que permite o desenvolvimento do ra- estudante. Ao selecionar um problema, o professor leva
ciocínio lógico e crítico, incentivando a investigação e o em consideração os saberes dos estudantes e os conteú-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

prazer de pensar matematicamente. dos que tem intenção de ensinar e conduz sua aula de
forma problematizadora.
A DIVERSIDADE DE ESTRATÉGIAS NO ENSINO DE O problema escolhido pelo professor e a forma de
MATEMÁTICA desenvolver a aula a partir da problematização precisam
proporcionar desequilíbrio aos estudantes. Se o conhe-
Pesquisas na área de Educação Matemática e docu- cimento matemático envolvido no problema for muito
mentos de orientações curriculares recentes apontam superior à compreensão dos estudantes, o problema não
para a importância da diversificação de estratégias no permite o desequilíbrio que leva às tentativas de resolu-
ensino de Matemática, tais como, a resolução de proble- ção, podendo acarretar dificuldades nas aprendizagens
mas, as tarefas investigativas, o uso de recursos tecnoló- matemáticas. Se, por outro lado, os estudantes já conhe-

187
cerem os procedimentos e os recursos matemáticos para resolver o problema proposto, provavelmente não construi-
rão novos conhecimentos, uma vez que eles já se encontravam disponibilizados em seu repertório.
A resolução de problemas, no Currículo da Cidade para Matemática, assume um papel fundamental em todos os
ciclos. No Ciclo de Alfabetização, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento sugerem a resolução de problemas
(orais ou escritos) de diversos tipos, de preferência ligados ao cotidiano com destaque para utilização dos procedimen-
tos pessoais de resolução.
No Ciclo Interdisciplinar, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento se ampliam e propõem a resolução de
problemas em contextos intramatemáticos e extramatemáticos, a apreciação da adequação dos processos utilizados,
bem como o aprofundamento da análise dos resultados, considerando a plausibilidade e a adequação das respostas ao
contexto do problema. Apontam também para a formulação de problemas em contextos extramatemáticos, próximos
do seu cotidiano.
No Ciclo Autoral, as aprendizagens anteriores dos diferentes objetos de conhecimento permitem um aprofunda-
mento dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que apontam para a ampliação da capacidade de resolver
problemas e analisar resultados, a partir de modificações dos dados iniciais. Além disso, os objetivos de aprendizagem
e desenvolvimento indicam o trabalho com a formulação de problemas em contextos intramatemáticos e extramate-
máticos, envolvendo outras áreas do conhecimento e contextos de natureza científica.
Cabe destacar que a natureza dos problemas evolui a cada ciclo, principalmente na formalização dos enunciados,
dos processos de resolução e da validação dos resultados. Além disso, é importante que a proposição dos problemas
por parte do professor seja no sentido de desafiar os estudantes e tornar as aulas mais problematizadoras.

Tarefas Investigativas

As tarefas investigativas são importantes de serem trabalhadas desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, pois
desafiam os estudantes a vivenciar experiências que podem instigar os conhecimentos matemáticos quando trabalha-
das em aulas problematizadoras.
Esse tipo de tarefa apresenta quatro momentos principais que o professor deve considerar no seu planejamento e
desenvolvimento. São eles: reconhecimento, formulação de conjecturas, realização de testes e argumentação. O mo-
mento de reconhecimento se refere à exploração preliminar da tarefa, mesmo que seja superficial, e à formulação de
questões problematizadoras.
O segundo momento envolve a formulação de hipóteses pelos estudantes, que podem ser problematizadas pelo
professor. O terceiro compreende a realização de testagem e o refinamento das hipóteses levantadas no momento
anterior. O último diz respeito à elaboração de argumentos e à avaliação do trabalho realizado. Esses momentos não
são, necessariamente, vivenciados na ordem apresentada e alguns deles acontecem de forma simultânea.
Uma tarefa investigativa se diferencia de um problema por ser um processo mais aberto e mais longo com uma
formulação inicial menos “fechada” do que a formulação de um problema. O quadro a seguir aponta diferenças entre
problemas e tarefas investigativas.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

O Currículo da Cidade para Matemática, nos seus objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, propõe explora-
ções, verificações e pequenas investigações, propiciando aos estudantes uma vivência como pesquisador ao fazer aná-
lises preliminares de uma situação “aberta” para formular questões problematizadoras e hipóteses, testá-las, reformular
essas hipóteses, validá-las, elaborar argumentos e relatar o processo.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontam em todos os ciclos o uso de atividades investigativas.
No Ciclo de Alfabetização, por exemplo, sugerem investigar uma sequência numérica ou figural e identificar o padrão
de sua repetição.
No Ciclo Interdisciplinar, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propõem investigar relações entre vértices,
faces e arestas de um poliedro, o que possibilita validar propriedades e fazer pequenas generalizações, por exemplo.

188
No Ciclo Autoral, os objetivos de aprendizagem e classes profissionais, comunidades urbanas e rurais, gru-
desenvolvimento sugerem investigar, entre outras, as re- pos indígenas, ou seja, aqueles que se identificam por
lações entre medidas de lados e de ângulos de figuras tradições culturais comuns a cada um desses grupos.
geométricas planas, também possibilitando generaliza- Nesse sentido, os objetivos de aprendizagem e de-
ções. senvolvimento destacam temas ligados à etnomatemáti-
ca no eixo articulador por meio das conexões extramate-
Tecnologias Digitais mática, que possibilitam o desenvolvimento de projetos
interdisciplinares ligados às tradições culturais, aos gru-
Nossas crianças e jovens são nascidos na era digital pos étnicos raciais e às comunidades urbanas, indígenas
e usam as tecnologias de forma frequente. É evidente a e rurais. A potencialização de práticas sociais e culturais
facilidade que têm diante das tecnologias. Antes mesmo pode fazer emergir modos de raciocinar, medir e con-
de aprender a ler e escrever, as crianças já estão familia- tar, possibilitando aos estudantes compreender como a
rizadas com esses instrumentos. Não é difícil imaginar cultura se desenvolve no seu meio e como as práticas
por que uma criança da era digital goste tanto do com- sociais possibilitam essas aprendizagens.
putador ou dos tablets, eles proporcionam o prazer pela A visão crítica da realidade, tendo como referência as
descoberta, à motivação e a emoção. práticas sociais e culturais dos estudantes, suas origens,
Nessa perspectiva, o Currículo da Cidade inclui, entre suas famílias e elementos de natureza matemática, per-
os currículos propostos para as áreas do conhecimento, mite uma aprendizagem mais significativa.
o de Tecnologias para Aprendizagem contemplando o D’Ambrósio (2002) considera que a etnomatemática
uso das tecnologias digitais desde o Ciclo de Alfabeti- possui várias dimensões que, na maioria das vezes, es-
zação. Nele, as habilidades relacionadas à alfabetização tão interligadas e as classifica, para efeito didático, como:
tecnológica são destacadas, além de discussões sobre o dimensão conceitual, dimensão histórica, dimensão cog-
protagonismo dos estudantes na elaboração de progra- nitiva, dimensão epistemológica, dimensão política e di-
mação e softwares. mensão educacional, o que se coaduna à concepção de
Além dos objetivos de aprendizagem e desenvolvi- Matemática que este documento adota.
mento descritos no Currículo de Tecnologias para Apren-
dizagem, na área de Matemática as tecnologias digitais Modelagem
também são enfatizadas. Jogos e desafios digitais são
indicados em todos os ciclos de aprendizagem e estão A modelagem pode ser entendida como uma opor-
contemplados nos objetivos de aprendizagem e desen- tunidade de os estudantes identificarem questões ou
volvimento. problemas oriundos de uma problemática do cotidiano
No Ciclo de Alfabetização, eles apontam para o uso relativa a um contexto real e que possam ser resolvidos
de recursos digitais em situações de leitura e ditado de por meio da Matemática, sem a fixação de procedimen-
números, por exemplo. tos prévios para a sua resolução (BARBOSA, 2001). Dessa
No Ciclo Interdisciplinar, indicam para a realização de forma, os conhecimentos matemáticos são construídos à
tarefas em que os estudantes possam reconhecer figuras medida que os estudantes vão desenvolvendo a ativida-
planas ou espaciais, além de desenhar figuras planas e de em busca de soluções para as questões formuladas.
observar algumas de suas características. A modelagem proporciona um ambiente de aprendi-
Já no Ciclo Autoral, sugerem o uso de softwares/apli- zagem problematizador que se distancia do ensino tra-
cativos para resolver equações, construir gráficos, entre dicional, uma vez que os temas, as perguntas e os proce-
outras tarefas. dimentos para encontrar a solução dos problemas serão
Claro que para fazer uso de recursos tecnológicos em feitos pelos estudantes, que podem pensar em estraté-
sala de aula, os professores precisam se apropriar dessas gias nem sempre indicadas ou sugeridas pelo professor,
ferramentas para que possam identificar, além de tipos mas mediadas por ele. Nesse sentido, a modelagem se
de softwares/aplicativos, formas de trabalhar com os es- diferencia das tarefas investigativas, pois estas se rela-
tudantes. cionam a contextos intramatemáticos e a modelagem se
O uso de tais recursos requer uma mudança de pos- refere a contextos extramatemáticos. Ela também se di-
tura por parte do professor, fazendo com que o seu pro- fere da resolução de problemas, pois na modelagem os
tagonismo se altere e ele se torne um pesquisador junto temas e as questões, no geral, são feitos pelos estudan-
aos estudantes, transformando-se assim em um parceiro tes, o que não acontece com os problemas.
da aprendizagem. A modelagem permite estabelecer relações da Mate-
mática com outras áreas de conhecimento para que os
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Etnomatemática problemas possam ser resolvidos.


Como acontece com a utilização de outras estraté-
A etnomatemática surgiu nos anos 1970, a partir de gias, o trabalho com a modelagem envolve uma mudan-
críticas sobre o ensino tradicional da Matemática e do ça de postura por parte do professor, uma vez que ele
reconhecimento e legitimação de práticas matemáticas levará em conta os interesses dos estudantes, podendo
em diferentes contextos étnicos, culturais e sociais. Tem assumir três configurações diferentes para o seu desen-
como objeto de estudo os processos de geração, orga- volvimento (BARBOSA, 2001). Na primeira, o professor
nização e disseminação de conhecimentos matemáticos descreve a situação com o problema formulado, caben-
em diferentes contextos sociais, culturais e históricos. do aos estudantes o processo de resolução. Na segunda,
Trata-se da Matemática ligada a grupos étnicos, raciais, o professor traz o problema de outra área de conheci-

189
mento para que os estudantes colham os dados e, a par- vimento. Outro aspecto fundamental nessa estrutura é a
tir deles, busquem procedimentos para a resolução. Na de eixo articulador. São três: Jogos e Brincadeiras, Pro-
terceira, os temas são extramatemáticos, e os estudantes cessos Matemáticos e Conexões Extramatemática.
formulam o problema, levantam dados, organizam e en-
contram o caminho para a solução, atribuindo um trata- EIXOS ESTRUTURANTES
mento matemático para o problema. Nos três casos, o
professor participa do processo numa relação dialógica Os eixos estruturantes foram definidos em função da
com os procedimentos escolhidos pelos estudantes, aju- natureza e especificidade da área de Matemática e cada
dando-os a verificar se o caminho escolhido contribui ou eixo utiliza a mesma nomenclatura da BNCC (2017). Eles
não para a solução do problema. serão trabalhados de forma articulada com a finalidade
Cabe ressaltar também que as três configurações de permitir uma visão ampla da Matemática, de acordo
podem ser utilizadas nos três Ciclos (Alfabetização, In- com as possibilidades de compreensão dos estudantes,
terdisciplinar e Autoral), dependendo dos objetivos de levando em conta a sua faixa etária:
aprendizagem e desenvolvimento que o professor pre- • Números
tende desenvolver com sua turma usando modelagem. • Geometria
• Grandezas e Medidas
História da Matemática • Probabilidade e Estatística
• Álgebra
Ainda pouco incorporada ao cotidiano escolar, a his-
tória da Matemática pode ser uma das estratégias do No eixo Números, o Currículo da Cidade enfatiza o
professor nas práticas escolares utilizadas para o desen- trabalho com o pensamento numérico no sentido de co-
volvimento do conhecimento matemático. Seu uso tam- nhecer as diferentes funções dos números naturais: quan-
bém pode auxiliar a caracterização da Matemática como tificar, ordenar, comparar, medir e codificar, sem perder
ciência de construção humana. a perspectiva do trabalho com as operações aritméticas
Um dos desafios do trabalho com a história da Ma- em situações que permitam a sua reflexão. Além disso,
temática é percebê-la como um processo de construção ao longo do Ensino Fundamental, o documento propõe a
de conceitos matemáticos ou mesmo de estratégias para ampliação do conhecimento dos diferentes campos nu-
solucionar problemas decorrentes de cada momento his- méricos (racionais, inteiros, irracionais e reais), bem como
tórico, indo além de fatos ou biografias de matemáticos de suas relações numéricas, permitindo aos estudantes
dar sentido às propriedades de cada um deles. No estu-
famosos.
do desses campos numéricos, o documento enfatiza os
Nesse sentido, o uso da história da Matemática per-
registros e os significados desses números nos diferen-
mite que o estudante investigue e compreenda como
tes campos, além de fazer usos desses significados nas
um conceito foi gerado, como os povos pensaram para
operações. Nesse eixo, é possível desenvolver algumas
chegar a ele e que fatores sociais, políticos ou econômi-
ideias fundamentais da Matemática, como aproximação,
cos influenciaram, levando em conta as relações sociais
proporcionalidade, ordem e representação, entre outras.
existentes.
Também é possível usar a história da Matemática
O documento curricular de Matemática propõe, en-
como estratégia de ensino.
tre os objetos de conhecimento, os números naturais, No eixo Geometria, o Currículo da Cidade propõe de-
racionais, inteiros, irracionais e reais. Esses conjuntos nu- senvolver noções espaciais e o estudo de figuras geo-
méricos podem ser explorados por meio da história da métricas, suas relações e características. O documento
Matemática, na medida em que ela possibilita pesquisar sugere um conjunto de conhecimentos e de procedi-
sobre a construção histórica de cada um desses conjun- mentos que permitem a experimentação, a visualização,
tos numéricos, abordá-los em diferentes civilizações e a comunicação (oral, escrita e por meio de desenhos), a
investigar sobre os conhecimentos matemáticos gerados compreensão e a análise de propriedades geométricas e
em uma determinada época por um determinado povo. medidas, bem como provas e demonstrações, tão neces-
Assim, os estudantes irão interagir com questões so- sárias à resolução de problemas desse campo. As ideias
ciais, culturais, políticas e econômicas relacionadas à cul- matemáticas fundamentais vinculadas a esse eixo são
tura histórica e social de um povo. principalmente a interdependência, a variância, a equiva-
Cabe ao professor escolher a estratégia mais adequa- lência e a representação.
da para explorar determinado objeto de conhecimento, O eixo Grandezas e Medidas visa à identificação das
de modo a permitir maior envolvimento e aprendizagem
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propriedades dos objetos ou de fenômenos no mundo


dos estudantes. físico que possam ser medidos a partir da escolha ade-
quada de uma unidade de medida e do instrumento ne-
ESTRUTURA CURRICULAR DE MATEMÁTICA cessário à sua medição, podendo estabelecer relações
com a unidade selecionada. As ideias fundamentais da
Para a estrutura curricular de Matemática, levaram- Matemática vinculadas a esse eixo são a variação, a re-
-se em conta alguns aspectos que foram fundamentais presentação, a equivalência, a aproximação, a interde-
nessa organização. São eles: direitos de aprendizagem, pendência, a proporcionalidade, entre outras.
ideias fundamentais da Matemática, Objetivos de Desen- No eixo Probabilidade e Estatística, o documen-
volvimento Sustentável, eixos estruturantes, objetos de to propõe um trabalho de relevância no mundo atual,
conhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvol- incentivando os estudantes a fazer pesquisas, que en-

190
volvam coleta, organização e análise de dados e a co- Jogos e Brincadeiras
municação dos resultados por meio de diferentes tipos
de gráficos e tabelas. O documento sugere identificar e Como já foi dito, compreendemos que os jogos são
analisar eventos aleatórios, reconhecendo características considerados, ao mesmo tempo, objeto de conhecimen-
de resultados mais prováveis e resolver problemas en- to e estratégia para aprendizagem ao longo do Ensino
volvendo o raciocínio combinatório. Nesse eixo, as ideias Fundamental, pois são potencialmente ricos para o de-
fundamentais da Matemática associadas são a variação, senvolvimento do raciocínio, da comunicação e da ar-
a interdependência, a ordem, a representação, a equiva- gumentação, possibilitando a formação integral do es-
lência, entre outras. tudante.
No eixo Álgebra, o documento propõe o desenvol- Assim, jogos e brincadeiras são trabalhados no Cur-
vimento do pensamento algébrico de maneira que os rículo da Cidade tanto como uma estratégia de ensino,
estudantes possam experienciar situações envolvendo propiciando uma melhor aquisição do conhecimento
relações quantitativas e qualitativas de diferentes gran- matemático, por meio de atividades lúdicas que estão
dezas e de estruturas matemáticas, permitindo a eles entre os direitos de aprendizagem, quanto como obje-
conjecturar, sistematizar, generalizar e justificar, usando to de conhecimento em si, possível de ser desenvolvido
uma variedade de representações e linguagens mate- num currículo.
máticas escritas. Nesse eixo, as ideias fundamentais da Os jogos e brincadeiras não necessariamente preci-
Matemática vinculadas são, entre outras, a equivalência, sam de materiais próprios para serem desenvolvidos. Um
a proporcionalidade, a variação, a interdependência e a jogo de adivinhação, por exemplo, não necessita de ne-
representação. nhum material para ser desenvolvido com os estudantes.
Corbalán (1996) considera dois tipos de jogos: os de
EIXOS ARTICULADORES conhecimento e os de estratégia. Os jogos de estraté-
gia utilizados no ensino de Matemática são aqueles em
Além dos eixos estruturantes, o currículo de Matemá- que se desenvolve um ou vários procedimentos típicos
de resolução de problemas. Eles são importantes para a
tica apresenta também os eixos articuladores, que per-
formação do pensamento matemático e propiciam ca-
mitem estabelecer relações tanto intramatemática como
minhos para a generalização. Quando os jogos abordam
extramatemática, possibilitando uma articulação entre os
possibilidades de se criar estratégias para vencer ou para
vários eixos da Matemática (intramatemática) e da Mate-
não perder, são chamados jogos de estratégia. O mesmo
mática com outras áreas do conhecimento (extramate-
autor considera jogos de conhecimento quando se abor-
mática). Esses eixos contribuem para que os estudantes
dam temas habituais da Matemática, sejam conteúdos
possam vivenciar experiências dentro e fora da escola,
ou procedimentos.
proporcionando a construção de sua identidade e de um O uso pedagógico do jogo, segundo Grando (2015),
posicionamento crítico e ético na sociedade, cooperando com base em Corbalán (1996), deve garantir as principais
para a formação integral do estudante e para o letramen- características do jogo. Segundo esses autores há duas
to matemático. formas de se propor o uso de jogos em aulas de Mate-
Os eixos articuladores, ancorados nos princípios éti- mática: uma em que o professor, ao planejar uma deter-
cos, políticos e estéticos preconizados nas Diretrizes minada aula, cria ou busca um jogo que possibilite a con-
Curriculares Nacionais (2013), na BNCC (2017), no docu- secução do objetivo previsto para aquela aula; outra em
mento Educação para os Objetivos de Desenvolvimento que o professor busca alguns jogos de entretenimento,
Sustentável (ODS) e na Matriz de Saberes deste Currí- criados para passatempo em uma determinada cultura,
culo, apresentam objetivos de aprendizagem e desen- e planeja uma ação intencional a fim de explorar um de-
volvimento que se inter-relacionam e se integram na terminado objeto de conhecimento em Matemática que
construção de conhecimentos e na formação de valores possibilita dar sentido à estratégia do jogo.
e atitudes. Segundo a autora, nesse último caso, o jogo é con-
Esses eixos articuladores possibilitam a formação in- siderado como objeto de conhecimento. No documento
tegral do estudante e apresentam características do le- curricular de Matemática, no eixo articulador de jogos e
tramento matemático, na concepção do PISA (2012) e da brincadeiras, são explorados, em sua maioria, jogos do
BNCC (2017). segundo tipo citado por Grando (2015), ou seja, jogos
Os desdobramentos dos eixos articuladores resultam em que o professor planeja uma ação intencional para
em objetos de conhecimento e objetivos de aprendiza- explorar um determinado objeto de conhecimento em
gem e desenvolvimento envolvendo a Matemática, não Matemática para dar sentido à estratégia do jogo, na
havendo formulações comparáveis em currículos ante-
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perspectiva da resolução de problemas.


riores, constituindo-se em uma inovação curricular para O Currículo da Cidade usa os jogos de estratégia na
a Rede. perspectiva de resolução de problemas, na medida em
Os eixos articuladores do Currículo da Cidade para que eles possibilitam a investigação, a elaboração de es-
Matemática são: tratégias, a análise da situação e o levantamento de hipó-
• Jogos e Brincadeiras teses. Eles representam um problema determinado por
• Processos Matemáticos regras, em que o indivíduo busca a todo o momento pro-
• Conexões Extramatemática cedimentos para vencer o jogo, elaborando estratégias.
A seguir, descreveremos cada um deles: Cabe destacar o papel das brincadeiras. Segundo
Grando (2015), a maioria das brincadeiras infantis ou
mesmo dos jogos corporais pode constituir momentos

191
propícios a uma exploração chamada matemática da situações que sejam mais significativas para a compreen-
brincadeira. As crianças podem experimentar o espaço são de conceitos matemáticos sem exageros ao formalis-
em que a brincadeira ocupa ou as regras (amarelinha, mo matemático.
boliche, mãe da rua, bolinha de gude etc.). No registro O eixo de conexões extramatemática visa à aprendi-
elas podem pensar sobre uma ação vivenciada e dar a zagem e ao desenvolvimento global do estudante, per-
sua interpretação. mitindo a superação da fragmentação do conhecimento,
No Currículo da Cidade, sugerimos dois objetivos a aplicação na vida real, o protagonismo do estudante e
de aprendizagem e desenvolvimento relativos a jogos a importância do contexto para dar significado ao que
e brincadeiras para cada ano de escolaridade no eixo se aprende, o que corrobora alguns princípios subjacen-
articulador de jogos e brincadeiras. Para além dessa su- tes à BNCC (2017). Com os objetivos de aprendizagem
gestão, o professor poderá também fazer uso de outros e desenvolvimento desse eixo, o Currículo da Cidade
jogos de estratégias ou jogos de conhecimento para o para Matemática reafirma seu compromisso com a Edu-
desenvolvimento de atividades que contemplem os ob- cação Integral, reconhecendo que o ensino dessa área
jetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Eles per- do conhecimento deve propiciar a formação integral
mitem a utilização de jogos de conhecimento em vários do estudante e seu desenvolvimento humano global, o
momentos da aula. Por exemplo, podem ser usados para que implica romper com a visão compartimentada que
fazer diagnósticos, antes da introdução de um assunto, privilegia a dimensão cognitiva em detrimento de uma
como estratégia para desenvolver um objetivo de apren- formação integral e a construção de uma sociedade mais
dizagem e desenvolvimento, ou mesmo para avaliação justa, democrática e inclusiva.
após o desenvolvimento de uma atividade. Assim, as conexões extramatemática consideram as
diversas áreas de conhecimento, o contexto social e os
Processos Matemáticos discursos que circulam na escola, criando um espaço que
permite a realização de projetos, possibilitando aos estu-
O eixo articulador que envolve os processos matemá- dantes um maior envolvimento com problemas reais em
ticos deve desenvolver-se simultaneamente aos outros que a Matemática seja um instrumento para a solução da
eixos e se articular sobre processos básicos imprescin- situação desencadeada.
díveis no “fazer matemático”: a resolução e formulação Entre os objetivos de aprendizagem e desenvolvimen-
de problemas, os projetos de investigação matemática, to destacamos a preocupação de incorporar os Objetivos
a matematização, os jogos e a modelagem. Esses pro- de Desenvolvimento Sustentável (ODS), pactuados na
cessos são ricos para o desenvolvimento do raciocínio, Agenda 2030 pelos países-membros das Nações Unidas,
representação, comunicação, generalização, argumen- como temas inspiradores a serem trabalhados de forma
tação e estabelecimento de conjecturas numa variedade articulada nos diferentes componentes curriculares. Nos
de contextos usando conceitos e procedimentos mate- quadros, há uma correspondência com o ODS relevante
máticos. para aquele objetivo, seja do ponto de vista temático, e/
Os processos de resolução de problemas e de tarefas ou da perspectiva metodológica e de abordagens inova-
investigativas constituem os eixos principais da ativida- doras de aprendizado.
de matemática e devem ser fonte e suporte principal da Educadores e estudantes são protagonistas na mate-
aprendizagem ao longo do Ensino Fundamental, pois se rialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm
constituem pedras angulares da Educação Matemática. ampla liberdade para também criar projetos autorais a
Esses processos requerem o uso de capacidades bá- respeito, assim como buscar parceiros com o objetivo de
sicas como ler, escrever, refletir, planificar o processo promover maior cooperação entre os diferentes atores
de resolução, estabelecer estratégias e procedimentos, sociais e da comunidade escolar na geração e comparti-
revisá-los modificando o planejado quando necessário, lhamento do conhecimento e prática. Formas de integrar
validar a solução ou não e comunicar os resultados. Para os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento com
que essas capacidades possam ser utilizadas com suces- os ODS na prática escolar serão detalhadas no documen-
so nesses processos, elas precisam estar disponíveis para to de orientações didáticas dos diferentes componentes
os estudantes. As capacidades específicas necessárias curriculares.
para resolver um problema ou uma tarefa investigativa Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de
se relacionarão com a natureza destes. Matemática permitem criar situações que podem desen-
No Currículo da Cidade, os processos matemáticos de volver nos estudantes liderança, convivência e persistên-
resolução de problemas e de investigações, são tratados cia, alguns dos aspectos essenciais para fomentar a au-
num eixo próprio; os jogos e brincadeiras e os projetos tonomia e a participação efetiva na sociedade do século
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são tratados em outros dois eixos diferentes. Os projetos XXI.


são tratados no eixo conexões extramatemática.
Fonte
Conexões Extramatemática SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
As conexões extramatemática têm sido indicadas Ensino Fundamental: Matemática. 2. ed. São Paulo: SME/
pelas reformas curriculares a partir dos anos 1980. Elas COPED, 2019. p. 62-81. Disponível em: http://portal.sme.
buscam o diálogo entre os conhecimentos matemáticos prefeitura.sp.gov.br/ Portals/1/Files/50629.pdf.
e os contextos sociais vivenciados pelos estudantes fora
do âmbito escolar, trazendo como princípios a busca por

192
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
EXERCÍCIO COMENTADO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
1. (SEDUC-AM - Professor de Educação Especial – CURRÍCULO DA CIDADE: ENSINO
FGV/2014) A “resolução de problemas é um caminho FUNDAMENTAL: TECNOLOGIAS PARA
para o ensino de Matemática que vem sendo discutido APRENDIZAGEM. 2. ED. SÃO PAULO: SME/
ao longo dos últimos anos” (PCN - Matemática, 1997, p.
COPED, 2019. P. 62-85.
32).
A respeito da resolução de problemas, assinale a afirma-
tiva incorreta. CURRÍCULO DE TECNOLOGIAS PARA APRENDIZA-
GEM PARA A CIDADE DE SÃO PAULO
a) O ponto de partida da atividade matemática não é a
definição, mas o problema. INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES DO COMPONENTE
b) O problema certamente não é um exercício em que o CURRICULAR
aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula
ou um processo operatório. Nesses últimos trinta anos, as tecnologias, em espe-
c) Aproximações sucessivas ao conceito são construídas cial as digitais, evoluíram socialmente de forma rápida.
para resolver um certo tipo de problema. Hoje, há novos e diferenciados processos comunicativos
d) O aluno não constrói um conceito em resposta a um e formas de culturas estruturadas com base em distintas
problema, mas constrói um campo de conceitos que linguagens e sistemas de signos, transformando parâ-
tomam sentido num campo de problemas. metros comportamentais e hábitos sociais. Tal contexto
e) A resolução de problemas é uma atividade a ser de- leva-nos a ajustar processos educacionais, ampliando e
senvolvida em paralelo ou como aplicação da aprendi- ressignificando o uso que fazemos das tecnologias para
zagem, não como uma orientação para esta. que os estudantes saibam lidar com a informação cada
vez mais disponível.
Resposta: Letra E. Resolver um problema não se Nesse sentido, os objetivos do trabalho deste com-
resume em compreender o que foi proposto e em ponente curricular, entre outros, são: atuar com discer-
dar respostas aplicando procedimentos adequados. nimento e responsabilidade, aplicar conhecimentos para
Aprender a dar uma resposta correta, que tenha sen- resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões,
tido, pode ser suficiente para que ela seja aceita e até ser proativo, identificar dados de uma situação e buscar
seja convincente, mas não é garantia de apropriação soluções. É um desafio imposto às escolas que têm, entre
do conhecimento envolvido. uma de suas funções, auxiliar crianças e jovens na cons-
Além disso, é necessário desenvolver habilidades que trução de sua identidade pessoal e social.
permitam pôr à prova os resultados, testar seus efei- As primeiras experiências do uso de computadores na
tos, comparar diferentes caminhos, para obter a so- Rede Municipal de Ensino (RME) da Cidade de São Paulo
lução. Nessa forma de trabalho, o valor da resposta datam de 1987. Entre as mudanças ocorridas na década
correta cede lugar ao valor do processo de resolução. de 1990, surge a função do Professor Orientador de In-
O fato de o aluno ser estimulado a questionar sua pró- formática Educativa (POIE), referendado pelo Conselho
pria resposta, a questionar o problema, a transformar de Escola, para atuar nos Laboratórios de Informática
um dado problema numa fonte de novos problemas, Educativa, com aulas previstas na organização curricular
evidencia uma concepção de ensino e aprendizagem de todas as escolas de Ensino Fundamental.
não pela mera reprodução de conhecimentos, mas O Currículo de Tecnologias para Aprendizagem para a
pela via da ação refletida que constrói conhecimentos. Cidade de São Paulo, elaborado em 2017, foi construído
a partir de um processo participativo com a Rede Muni-
cipal de Ensino. A abordagem do currículo está articulada
com a cultura digital emergente na sociedade, as políti-
cas públicas da nação, as diretrizes para a educação do
município e a proposta curricular mais ampla dos ciclos
de aprendizagem. Trata-se, assim, de um currículo que
contempla as ações que se desenvolvem no laboratório
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de informática, além da integração das mídias e tecnolo-


gias nas diferentes áreas de conhecimento.
Este documento foi elaborado com base em expe-
riências concretas realizadas em distintas escolas da
Secretaria Municipal de Educação (SME), no campo das
Tecnologias em Educação, assim como nos avanços e re-
sultados de políticas de tecnologias na educação básica.
Analisamos as potencialidades educativas do uso das mí-
dias e tecnologias e os desafios colocados pelas culturas
digitais emergentes na sociedade, as quais adentram nas
escolas pelas práticas sociais que os estudantes e profis-

193
sionais vivenciam em seu cotidiano. Elas, de igual modo, 1991), Paulo Freire já defendia o uso de computadores na
interferem em seus relacionamentos, na participação na educação e a inclusão digital, destacando a necessidade
sociedade, nos modos de pensar e dialogar e influenciam da revisão e reestruturação do projeto político-educacio-
os processos de ensino e de aprendizagem e, é claro, a nal dessa Rede.
gestão escolar. No ano de 1990, iniciou-se o Projeto Gênese: A infor-
Analisamos, também, as características e avanços de mática chega ao Aluno da Escola Pública Municipal, que
documentos curriculares existentes, além das especifici- consistia na utilização pedagógica do computador com a
dades trazidas nas discussões da Base Nacional Curricular linguagem LOGO. O objetivo era formar professores para
Comum (BNCC)1 e as possibilidades de propor avanços o trabalho com informática educativa numa perspectiva
em relação à elaboração de uma proposta de currículo crítica de educação. No texto do Projeto Gênese, Freire
de Tecnologias para Aprendizagem que permita utilizar apresentou a sua visão sobre o tema:
as mídias e tecnologias em situações didáticas criadas O indivíduo e a sociedade devem ser vistos na sua
com base em metodologias ativas. Discutimos diversas totalidade e nas suas possibilidades de “vir a ser”, o que
metodologias ativas e suas abordagens, tais como de- contraria, sobremaneira, o conceito fragmentado e prag-
senvolvimento de projetos pelos estudantes, aprendiza- mático de aquisição de habilidades profissionais estan-
gem pela investigação, por meio de jogos, etc. ques. Neste sentido, uma sociedade informatizada está
Sabemos que, na atualidade, a palavra tecnologia é passando a exigir homens com potencial de assimilar
utilizada, com frequência, em incontáveis contextos e a “novidade” e a criar o povo, o homem aberto para o
já foi incorporada às conversas mais triviais. No entan- mundo, no sentido que lhe confere a teoria piagetiana
to, esse é um conceito que requer atenção, em especial quando se refere às assimilações mentais majorantes;
quando pensamos em tecnologias no contexto educa- da mesma forma, exige a presença do cidadão crítico e
cional. comunitário, onde os artefatos tecnológicos, especifica-
A definição de tecnologia é bastante abrangente e mente, o computador, possam ser ferramentas auxiliares
envolve, entre outros, a aplicação prática de conheci- para a construção de uma sociedade mais igualitária e
mento científico. Para Silva (2002), tecnologia é um siste- justa. (FREIRE apud SÃO PAULO, 1992, p. 7).
ma por meio do qual a sociedade satisfaz suas necessi- A partir do projeto proposto, observou-se a neces-
dades. Soffner (2013) a define como tudo o que aumenta sidade da criação de um Núcleo Central de Informática,
as capacidades humanas e diz que a primeira tecnologia vinculado ao Centro de Multimeios e à Diretoria de
foi o pedaço de osso que um homem utilizou para se de- Orientação Técnica/Coordenadoria Geral dos Núcleos
fender ou para atacar outro animal. Para o autor, os ócu- de Ação Educativa (DOT/ CONAE) da SME. Esse núcleo
los que utilizamos para melhorar nossa visão e mesmo o era responsável pelas pesquisas e desenvolvimento de
giz que o professor usa em sala de aula são tecnologias. conhecimentos com apoio de universidades, construin-
Assim sendo, podemos dizer que tecnologias são produ- do saberes voltados às especificidades da própria Rede.
ções humanas e, como tais, são partes de suas culturas. Dessa forma, a informática educativa - termo oficialmen-
Nos diferentes momentos históricos, a humanidade criou te adotado a partir da Portaria nº 8.346, publicada em
e/ou aprimorou suas produções, visando atender suas 1993 - saía da visão tecnicista para um objeto de amplia-
necessidades sociais, culturais etc. ção de visão de mundo dos estudantes.
Uma das tecnologias mais impactantes na vida das O ano de 1994 foi especialmente significativo para
pessoas foi o computador, principalmente o de uso pes- a Rede, uma vez que foram instituídos os Laboratórios
soal, contexto que se tornou ainda mais significativo com de Informática Educativa nas Escolas e pela primeira vez
o advento da internet2. As mudanças nas organizações houve a menção oficial da função de Professor Orienta-
sociais e nas relações entre pessoas foram radicalmente dor de Informática Educativa (POIE). Porém, somente em
aceleradas com a rede mundial de computadores. Esse 1997 as aulas de informática educativa foram organiza-
impacto aconteceu também na educação, quando os das dentro da grade curricular, ou seja, passariam a ser
computadores passaram a ser utilizados, uma vez que as ministradas pelo POIE no período de aulas regulares dos
tecnologias digitais modificam e criam novas formas de estudantes.
comunicação e de relações interpessoais.
Com a chegada do século XXI, os avanços tecnoló-
As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) gicos tomam uma velocidade sem precedentes. Surge
vêm se tornando, de forma crescente, importantes ins- a internet em alta velocidade, os dispositivos móveis de
trumentos de nossa cultura, e sua utilização, um meio comunicação instantânea, o GPS, dentre outros inúme-
concreto de inclusão e interação no mundo (LÉVY, 1999). ros recursos digitais – dispositivos e aplicativos. Em 2006,
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Em 1988, a Secretária Municipal de Educação de São foi lançado o Caderno de Orientações Didáticas Ler e Es-
Paulo iniciou as práticas de informática educativa em crever: Tecnologias na Educação. Em 2010, foi publica-
suas unidades escolares, que passaram por modificações do pela SME o documento de Orientações Curriculares/
com o passar dos anos até chegarem às características Proposições de Expectativas de Aprendizagem – Tecno-
que apresentam nos dias atuais. logia de Informação e Comunicação, que aproximou as
Dentre as primeiras ações, em 1988, a SME, em par- atividades desenvolvidas no laboratório de informática
ceria com o Instituto III Millenium, promoveu projetos das atividades de Língua Portuguesa. Naquele período,
voltados para formação do professor e cursos profissio- houve um grande investimento na formação de profes-
nalizantes de curta duração para os estudantes. À frente sores para que desenvolvessem ações com base na me-
da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989- todologia de projetos de aprendizagem.

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Da mesma forma que a tecnologia avançou social- nando programas a crianças que interagem com video-
mente, o trabalho realizado nos Laboratórios de Infor- games comerciais, com jogos baseados em tecnologias
mática Educativa da Rede também avançou, seguindo de simulação, capazes de pensar em diversas estratégias
as tendências e inovações tecnológicas, considerando para ultrapassar as barreiras e fases, mas com olhos e
como princípio o sujeito no centro do processo educa- dedos treinados na perspectiva de usuários e não partici-
tivo e o uso pedagógico-comunicacional da Tecnologia. pantes coerentes da era digital.
O fato de os computadores estarem em rede contribuiu Se é certo que as TIC podem oferecer muito mais,
para esse avanço, permitindo que o estudante saísse do será necessário aprofundarmos as concepções sobre es-
estágio de consumidor de informação para participante sas tecnologias, educação e currículo, entendendo como
ativo, publicando conteúdos em plataformas digitais e elas funcionam e como podem ser adaptadas aos dife-
interagindo com pessoas. Esse avanço propiciou a revi- rentes contextos e situações escolares, transformando
são, atualização e substituição de práticas envolvendo o informação em novo conhecimento. De fato, são diversas
uso das tecnologias. as situações e as dinâmicas de integração entre o cur-
Vários POIEs já vinham trabalhando, nos laboratórios, rículo e as tecnologias, que podem ser potencializadas
projetos estruturados a partir de algumas das premissas e ampliadas a partir das práticas existentes em alguns
da Cultura Maker e da aprendizagem por desafio ou re- contextos da RME-SP, como são os casos de atividades
solução de problemas (apesar de não utilizarem tais ter- desenvolvidas nos FabLabs Livres por alguns POIEs e
mos), além da robótica com kits estruturados e materiais seus respectivos estudantes, bem como vários projetos
não estruturados (sucata). Em 2015, ações foram desen- elaborados nos Laboratórios de Informática Educativa.
volvidas para que essas práticas fossem disseminadas na Frente à diversidade de práticas da Rede, ao novo
Rede. A implantação foi organizada de forma gradativa e momento de uso das tecnologias pela sociedade e à
formativa, sempre considerando o engajamento e traba- identificação da necessidade de trabalharmos novas
lho já realizados nas unidades, seguida de um acompa- competências ao longo do processo educativo, refor-
nhamento para a ampliação. çamos a necessidade de um documento curricular com
Na intenção de oportunizar a inserção dos estudan- orientações consistentes, para que a escola, entre outras
tes nesse movimento maker, o Programa Robótica Cria- funções, auxilie crianças e jovens na construção de sua
tiva (SÃO PAULO, 2016) foi estruturado com base em tais identidade pessoal e social, para tornarem-se cidadãos
características, o que permitiu a liberdade de criação e realizados e produtivos, tendo como desafio a ampliação
autonomia na prototipagem e construção de materiais e ressignificação do uso que fazemos das tecnologias.
educativos, atendendo – com equidade e qualidade – as Para a elaboração do Currículo de Tecnologias para
demandas e necessidades da Rede. Como estratégia de Aprendizagem, consideramos também o conjunto de
engajamento de unidades, professores e estudantes fo- aprendizagens essenciais apresentado nas discussões da
ram desafiados a participarem de uma maratona deno- Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que direciona
minada JAM de Robótica. a educação para a formação humana integral e para a
No contexto atual, as tecnologias digitais estão inse- construção de uma sociedade justa, democrática e inclu-
ridas em atividades cotidianas e simultâneas, em equipa- siva.
mentos que transportam nossos corpos e mentes (com- As premissas aqui apresentadas devem ser conside-
putadores e smartphones), por meio de janelas pelas radas como base norteadora para o planejamento e im-
quais estamos vivenciando, organizando, programando plementação de atividades da sala de aula, Laboratório
e interpretando o mundo em que vivemos (RUSHKOFF, de Informática Educativa, sala de apoio, sala de recursos,
2012). Estabelecemos uma relação de “dependência tec- dentre outros espaços, indicando caminhos que possi-
nológica” (FERREIRO, 2013), contexto esse que tem ge- bilitem a definição de ações para o desenvolvimento de
rado novos e diferenciados processos comunicativos e todos os estudantes.
culturais, estruturados com base em distintas linguagens Sendo assim, as TIC também são utilizadas como Re-
e sistemas de signos, transformando, inclusive, os parâ- cursos Tecnológicos Acessíveis quando o próprio equi-
metros comportamentais e os hábitos sociais. pamento – seja o computador ou dispositivos móveis
Nesse sentido, para refletir e tornar-se um ser críti- – torna-se uma ajuda técnica para atingir um determi-
co e produtor de conhecimento, é imprescindível que se nado objetivo. Ademais, elas podem contribuir significa-
conheça o objeto da reflexão. No entanto, como afirmou tivamente para o desenvolvimento e aprendizagem dos
Buckingham (2007), na maior parte do tempo, estamos que necessitam do apoio da Educação Especial por meio
utilizando um potencial muito limitado das tecnologias. das Tecnologias Assistivas3. Os computadores se tornam,
Nós nos restringimos ao uso de “softwares de escritório” então, ferramentas tecnológicas com potencial para pro-
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como os processadores de texto e as planilhas, enten- mover a equidade e aproximação da escola ao universo
dendo e explorando essas tecnologias como se fossem dos estudantes. Eles viabilizam o acesso e a imersão nas
sofisticadas máquinas de escrever, de acessar a informa- tecnologias, bem como o desenvolvimento de compe-
ção e de nos comunicarmos. tências tais como: comunicação, argumentação, senso
De fato, não é nenhuma surpresa associar o uso de crítico, autonomia, cooperação, entre outros, como des-
tecnologias na educação com informação e comunica- tacado em nossa Matriz de Saberes.
ção, e essas precisam estar contempladas. Porém, o foco
apenas na informação e comunicação, de forma mera-
mente instrumental e mecanicista, limita o potencial das
tecnologias e também da educação. Ainda estamos ensi-

195
#FicaDica
Tecnologia Assistiva (TA) é um termo utilizado para identificar todo o arsenal de Recursos e Serviços que
contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais da pessoa com deficiência, dando-lhes
maior chance de independência e autonomia e melhorar suas capacidades funcionais (FIGUEIRA, 2016).

O Currículo que apresentamos já se materializa em ações em andamento do Núcleo de Tecnologias para Aprendi-
zagem da SME e em práticas de POIEs nas diferentes regiões da Cidade de São Paulo.
Está alicerçado em concepções originadas do uso das tecnologias, atrelado a ações pedagógicas inovadoras e em
toda experiência da Rede. Nessa perspectiva, intentamos que os estudantes não apenas saibam utilizar as tecnologias,
mas que entendam como podem utilizá-las para interagir, conectar-se com o outro, participar e formar redes, colabo-
rar, agir, responsabilizar-se, construir e ressignificar conhecimentos a partir delas, na perspectiva de sujeito integral em
todas as suas dimensões, que conhece, investiga e expressa o mundo.

DIREITOS DE APRENDIZAGEM DE TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM

A Constituição Federal, em seu artigo 6º, estabelece os Direitos Sociais, entre eles o direito à Educação.
Amparados no referido aparato legal, nos documentos Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos
Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (BRASIL, 2012) e nos Direitos de Aprendizagem
dos Ciclos Interdisciplinar e Autoral (SÃO PAULO, 2016), foram produzidos os Direitos de Aprendizagem para os Ciclos
de Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral, no que se refere ao trabalho com Tecnologias:

ENSINAR E APRENDER TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL

Ensinar e aprender, numa sociedade intensamente permeada por tecnologias digitais, sugere refletir e propor novas
formas de agregar valor à aprendizagem pela incorporação de possibilidades tecnológicas emergentes, mas também
conhecidas, de forma contextualizada. Para Freire (2002), a melhor forma de refletir é pensar a prática e retornar a
ela para transformá-la. É preciso partir do que já se faz e do como se faz, percebendo as relações e interações dessas
tecnologias com os saberes, de modo que se propicie a aprendizagem mobilizadora das dimensões cognitiva, social
e afetiva dos estudantes. Nossas identidades e vidas dependem desse movimento, sendo que a cada novo uso em
contextos diversos ocorre uma ação social significativa que define, codifica, organiza, regula e reconfigura a conduta
de uns em relação aos outros.
As novas gerações de crianças e jovens que chegam hoje às escolas - nascidas em um contexto estruturado com
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tecnologias cada vez mais ubíquas, integradas e imersas nos inúmeros espaços da sociedade - começam a apresentar
características diferenciadas em função das formas de uso desses aparatos e que impactam diretamente nas suas re-
lações consigo, com as demais pessoas e no próprio processo de produção, emissão, recepção e, consequente, com-
preensão das informações. Nesse sentido, a SME reafirma a importância de um documento que preveja e potencialize
o uso de tecnologias em todas as áreas do conhecimento, com a apresentação de um currículo específico para nortear
o trabalho com as Tecnologias para Aprendizagem para que os estudantes de todo o Ensino Fundamental saibam: lidar
com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas
digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo, identificar
dados de uma situação e buscar soluções. Isso se resume a partir do apresentado na figura 1.

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Para compreender esses princípios, explicitamos algumas concepções e aspectos que se evidenciam de forma trans-
versal neste documento e no processo de ensino e de aprendizagem das Tecnologias para Aprendizagem nas escolas.

PROGRAMAÇÃO

No contexto educacional, o precursor da ideia do uso de informática em educação foi o matemático sul-africano
Seymour Papert (1928-2016). Ao observar estudantes em uma aula de artes, na qual esculpiam em sabonete, percebeu
que se empenhavam nesse trabalho, erravam e refaziam várias vezes, encontrando prazer e satisfação nessa ativi-
dade. Começou a pensar que o ensino de outras disciplinas – Matemática especialmente – deveria acontecer dessa
forma e que os estudantes deveriam encontrar uso prático para suas aprendizagens. Já no Instituto de Tecnologias de
Massachusetts (MIT4 ), Seymour Papert entrou em contato com os conceitos de Inteligência Artificial e enxergou na
linguagem de programação Logo5 a ferramenta para explorar a teoria construcionista, na qual o uso do computador
é adotado como recurso educacional no processo de construção de conhecimentos. De fácil compreensão, essa nova
linguagem permitia às crianças e a pessoas leigas em linguagem de programação e Matemática aprender álgebra,
geometria e conceitos numéricos a partir da exploração espacial.
A concepção construcionista aplica-se ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação não só através de linguagem de
programação, mas também com o emprego de redes de comunicação à distância (internet), sistemas de autoria, programas de
criação de páginas para a Web, editores de desenhos, simulações, modelagens, programas aplicativos como processadores de
textos, planilhas eletrônicas, gerenciadores de banco de dados e outros softwares, os quais permitem o planejamento e a execução
de ações (Valente, 1993, 1996; Prado, 1993; Almeida, 1996a, 1997), que articula as informações selecionadas com conhecimentos
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saberes anteriormente adquiridos na construção de novos conhecimentos (ALMEIDA, 2005, p. 26).


Valente (1993, 1996, 1999) ampliou o conceito do construcionismo, ao especificar os elementos constitutivos do ci-
clo “descrição-execução-reflexão-depuração”, que se retroalimentam mutuamente, formando uma espiral ascendente
da evolução do conhecimento, dando especial atenção ao papel do professor como mediador, facilitador e orientador
da aprendizagem do estudante:
Construcionismo é uma forma de conceber e utilizar as tecnologias e informação e comunicação em educação
que envolve o aluno, as tecnologias, o professor, os demais recursos disponíveis e todas as inter-relações que se es-
tabelecem, constituindo um ambiente de aprendizagem que propicia o desenvolvimento da autonomia do aluno, não
direcionando sua ação, mas auxiliando-o na construção do conhecimento por meio de explorações, experimentações
e descobertas. (ALMEIDA, 2005, p. 25).

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Como destacamos no breve resgate histórico, as ideias de Papert (1980), com a linguagem de programação focavam
na apropriação da linguagem de programação básica pelos estudantes. Desde então, outras linguagens de programação
surgiram, como o Scratch, que já é adotado em várias das práticas de Tecnologias para Aprendizagem e de forma interdis-
ciplinar. O Scratch é um software desenvolvido também nos espaços do MIT pelo grupo de pesquisadores coordenados
por Mitchel Resnick. Ele permite trabalhar cartões animados com narrativas diferenciadas a partir do uso de linguagem de
programação. Esse tipo de recurso pode ser uma opção enriquecedora para o processo de aprendizagem dos estudantes.
Outro aspecto que deve ser considerado refere-se à forma como as pessoas estruturam o seu pensamento, principalmente
quando são expostas a contextos permeados pelas tecnologias e que transformam as relações que ali se estabelecem, ao
mesmo tempo em que vão alterando a própria tecnologia em função de suas necessidades, interesses, concepções e estilo
de trabalho. Desenvolver um programa significa representar, no computador, os conhecimentos e as estratégias emprega-
dos para atingir certo objetivo. Descrevem-se, em comandos, todos os passos necessários seguindo um sistema de palavras
e regras, que é próprio da sintaxe e de estrutura da linguagem em uso (ALMEIDA, 2005).

PROTAGONISMO

Outro aspecto previsto para permear transversalmente as práticas ligadas ao uso de TIC nos espaços escolares é o
protagonismo.
A palavra “protagonismo” vem da junção de duas palavras gregas: protos, que significa principal, o primeiro, e agonistes,
que significa lutador, competidor, contendor. Quando falamos em protagonismo juvenil, estamos falando, objetivamente, de
ocupação pelos jovens de um papel central nos esforços para a mudança social. (COSTA; VIEIRA, 2006, p. 150).
Permitir que as crianças e os jovens dos espaços educativos da Rede atuem como protagonistas é pensar em dinâ-
micas que lhes oportunizem formas de sentir e de perceber a realidade que os cercam, a partir de vivências que lhes
possibilitem aprender fazendo e experimentando, para que compreendam e internalizem o que é ser cidadão ativo
junto à sociedade.
Promover práticas que fomentem o protagonismo implica que os professores envolvidos nesses processos de
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aprendizagem reflitam, revisem e ajustem os tipos de participações que estão sendo estruturados e implementados
com seus estudantes, de maneira que eles possam desenvolver atividades que impactem os espaços de sua escola e
respectivo entorno. Isso porque:
“a quantidade e qualidade das oportunidades de participação na resolução de situações reais postas ao alcance dos
adolescentes influenciam de maneira decisiva na maneira que eles serão capazes de alcançar na vida familiar, profissio-
nal e cívica, quando atingida a idade adulta” (COSTA; VIEIRA, 2006, p. 177).
Sobre a estruturação de práticas que favoreçam o protagonismo juvenil, Costa e Vieira (2006) basearam-se nas
ideias de Roger Hart sobre os tipos de participação que podem ser pensados para as crianças e jovens. Em seu modelo
original, Hart (1992) propôs oito tipos de participações, e Costa e Vieira (2006) acrescentaram outros dois, ao contex-
tualizá-los com as situações específicas do Brasil, como mostra a figura.

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O protagonismo está intimamente associado ao desenvolvimento da autonomia dos estudantes. As diferentes
participações, em busca do protagonismo, abordadas pelos autores, trazem diferentes complexidades e formas de
participação, que concorrem para o protagonismo em diferentes etapas, atividades e momentos de realização do tra-
balho. Cabe ao professor analisá-las e utilizá-las de acordo com sua intencionalidade e, para tanto, ter clareza de quais
participações podem ser consideradas nos diversos momentos.

CULTURA MAKER

A cultura maker, também chamada de movimento maker, identificada e caracterizada nos Estados Unidos da Améri-
ca no início dos anos 2000 e conhecida como mão na massa, parte do princípio de que pessoas comuns realizam ações
de forma individual ou coletiva com suas próprias mãos e buscam a solução de problemas ou a execução e viabilização
de suas ideias e planos (ANDERSON, 2012).
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Os makers ou mãos na massa, sempre existiram, mas normalmente eles atuavam sozinhos nas garagens de suas
casas, refletindo sobre problemas diversos do cotidiano, muitos deles voltados a inventar engenhocas mecânicas para
substituir os trabalhos manuais. Com o advento das tecnologias diversos processos lógicos, antes feitos apenas pela
mente humana, passam a ser realizados por máquinas. A integração dos fenômenos acabou resultando no movimento
maker, por meio da transformação das formas de agir, de buscar soluções e até mesmo de se relacionar com os demais
possíveis inventores e mesmo com os produtores de seus protótipos. Os makers da era digital procuram desenvolver
projetos para resolver desafios das próprias comunidades, buscando produções mais rápidas e eficazes que possam
ser viabilizadas em escalas menores e de forma mais ágil. Eles compartilham tais soluções em grupos temáticos on-line
onde podem trocar ideias e, aperfeiçoar, ajustar e até mesmo contribuir com a solução de desafios em outras localida-
des. É comum vermos tutoriais na internet e em redes de compartilhamento sobre games, por exemplo, já criados por
crianças que participam de forma natural do movimento maker.

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Uma vez que já não se trata de algo desconhecido aos estudantes, utilizar as potencialidades educativas da cultura
maker nas escolas pode promover uma grande transformação no ensino de Tecnologias para Aprendizagem, além de
estimular a criatividade, a colaboração e a autonomia. Nesse sentido, Hatch (2013), define algumas características ou
premissas do movimento maker:

Diversos educadores da Rede, dentre eles POIEs, estão se apropriando das premissas do movimento maker para
adaptarem e inovarem suas dinâmicas em sala de aula. A robótica educacional está ligada a um movimento de apro-
priação de tecnologia na prática e do “aprender fazendo”, características também presentes nas práticas e que se coa-
dunam com os princípios da cultura Maker. Nesse contexto, surgem, também, as propostas de Fab Labs livres, que são
espaços maker criativos de prototipagem e construção colaborativa já disponibilizados na Cidade de São Paulo e que
estão sendo inseridos nos contextos pedagógicos de algumas unidades da SME.

PENSAMENTO COMPUTACIONAL

Na busca pela compreensão da complexidade gerada pelas tecnologias na sociedade atual, identificamos o concei-
to de pensamento computacional, que tem como uma de suas principais defensoras a especialista Jeannette M. Wing
(2006). A autora esclarece que esse conceito é uma habilidade fundamental para todos, sendo necessário acrescentá-lo
à capacidade analítica das crianças. Essa afirmação se coaduna com as ideias de Papert (1980), ao propor a linguagem
de programação para auxiliar as crianças a pensar melhor. Em seu livro “Mindstorms” (PAPERT, 1980), o autor destaca
que os computadores deveriam ser utilizados para que as pessoas pudessem pensar com as máquinas e pensar sobre
o próprio pensar. O pensamento computacional promove, por princípio, um conhecimento mais aprofundado sobre
o funcionamento das “coisas” ou funcionamento dos computadores para criar soluções que façam melhor uso desses
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para atender às nossas necessidades como, por exemplo, melhorar nossa produtividade, qualidade de vida e a própria
aprendizagem. Alguns conceitos do pensamento computacional podem ser evidenciados quando o estudante pro-
grama e, em especial, na reformulação de um problema aparentemente difícil. A International Society for Tecnology
in Education (ISTE) e a American Computer Science Teachers Association (CSTA) propuseram uma definição para o
pensamento computacional que pudesse nortear as atividades realizadas na educação básica, a partir da identificação
de nove conceitos: coleta de dados, análise de dados, representação de dados, decomposição de problema, abstração,
algoritmos, automação, paralelização e simulação. Esse mesmo grupo elaborou ainda uma definição operacional para o
pensamento computacional como um processo de resolução de problemas. Ao pensar o currículo para a Cidade de São
Paulo, identificamos que algumas ações em prática, atualmente, na própria Rede, já adotam objetos de conhecimento
e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que apresentam algumas das estratégias pedagógicas propostas pelo
pensamento computacional, a saber: algoritmo, abstração, descrição, reflexão e depuração, como ilustrado na figura.

200
O algoritmo é uma sequência lógica, finita e ordenada em passos que devem ser seguidos para resolver um pro-
blema, em outras palavras, são os procedimentos necessários para a resolução de uma tarefa. É a resposta à pergunta
“Como fazer?”. Utilizamos algoritmos de forma intuitiva e automática diariamente, sem perceber.
Abstração é o isolamento de um elemento à exclusão de outros, operação desenvolvida para afastar um elemento
a ser considerado individualmente ou apenas remover detalhes desnecessários. Problemas complexos podem ser divi-
didos em outros mais simples.
Descrição é mostrar quais as soluções encontradas e os comandos de programação utilizados e para a resolução do
problema. É o registro do processo.
O resultado obtido no processo será o condutor da reflexão sobre o que intencionava e o que obteve. Muitas vezes,
nessa fase, são encontrados erros ou possibilidades de melhoria da primeira ideia, que nos fazem entender e refletir o
processo de construção.
Depuração é a necessidade de, após concluir uma ação, etapa ou programa, testar e certificar-se que tudo funciona
como previsto.

EIXOS ESTRUTURANTES DAS TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM

Considerando todo esse contexto histórico, com intensas transformações culturais e sociais, definimos como obje-
tivo mais amplo do Currículo de Tecnologias para Aprendizagem da Cidade de São Paulo a promoção do pensamento
computacional, em uma abordagem construcionista, a partir de três eixos: Programação, Tecnologia de Informação e
Comunicação e Letramento Digital (vide figura 6).

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A definição dos três eixos apresentados neste cur- ocorrências e intenções da pessoa que está formu-
rículo pressupõe que as práticas com Tecnologias para lando tal narrativa, mediante a cultura, referenciais
Aprendizagem deverão ser planejadas e estruturadas internos e significados do próprio narrador, por
contemplando a integração dos objetos de conhecimen- meio do planejamento, implementação, produção,
to desses três eixos. acompanhamento e avaliação das mais diversas
A programação permite ao estudante descrever suas narrativas, utilizando e combinando principalmen-
ideias, observar o efeito produzido pelo processamento te diferentes linguagens e respectivas mídias digi-
do computador, refletir sobre o que pretendia realizar tais, para que os participantes se apropriem tam-
e o resultado obtido, alterar sua descrição inicial para bém do processo de construção de conhecimento
atingir o desejado, estabelecendo um diálogo com o sobre o mundo que os cerca (ALMEIDA; VALENTE,
próprio pensamento, com os colegas e com o meio, ge- 2014).
rando uma espiral ascendente da aprendizagem baseada
na descrição, execução, reflexão e depuração (VALENTE, O eixo Tecnologias de Informação e Comunicação
2002), que leva a novas construções concretas, além de abordará os seguintes objetos de conhecimento:
criar movimento dialético entre o pensamento concreto • papel e uso das TIC na sociedade: compreensão do
e o abstrato (PAPERT, 1985; ALMEIDA; VALENTE, 2011). uso das TIC como ferramentas de participação na
Resnick (2014), desenvolvedor do Scratch, também sociedade;
defende que a programação deve ser vivenciada e apren- • produções colaborativas: participação em mo-
dida por todos ao trabalhar habilidades que podem auxi- mentos de planejamento, elaboração e compar-
liar no desenvolvimento de inúmeros contextos da socie- tilhamento das produções realizadas de forma
dade, permitindo que as pessoas se sintam participantes conjunta, vivenciando o processo que fortalece a
proativos, condutores e influenciadores da sociedade habilidade de trabalhar e produzir com o outro;
atual. Ela pode ser estruturada de maneira a promover • acesso, segurança e veracidade da informação:
o trabalho colaborativo, auxiliar na visualização e orga- entendimento dos aspectos instrumentais sobre
nização sistemática do pensamento e promover as ideias como se dão os acessos aos ambientes digitais, a
criativas para que se resolvam desafios e problemas ines- identifi cação de hackers e a adoção de medidas
perados. Segundo esse autor, o computador torna-se o para coibir tentativas de acesso ilegal, além da ve-
material de construção mais extraordinário que já foi in- rificação sobre a veracidade das fontes e das notí-
ventado e permite desde a criação de vídeos musicais até cias publicadas/divulgadas;
simulações científicas e criaturas robotizadas, expandin- • criatividade e propriedade intelectual: compreensão
do o que as pessoas podem aprender no processo. dos aspectos que envolvem a criação de uma de-
Dessa forma, o eixo programação deverá abordar terminada peça, qualquer que seja ela, e a impor-
práticas que contemplem os seguintes objetos de co- tância de conhecer os aspectos legais que prote-
nhecimento: gem a autoria intelectual desse produto.
• dispositivos de hardware: identificação e utilização • implicações morais e éticas: reflexão, compreensão
dos diferentes dispositivos de hardware possíveis e conscientização sobre limites morais e éticos en-
e necessários à execução de diferentes atividades. volvendo uso das TIC e sobre valores de convivên-
• sistema computacional: compreensão da lógica cia em espaços virtuais, respeito ao outro e suas
básica utilizada para dar origem a recursos, pro- produções.
gramas, funções e comandos nos diferentes dis-
positivos e sistemas existentes, proporcionando Neste eixo, os objetos de conhecimento estão liga-
às crianças e jovens a compreensão de como se dos ao processo de aprendizagem sobre a estrutura e
estrutura e se concretiza esse contexto de integra- uso informacional e comunicacional das TIC, o que im-
ção das máquinas (hardware) com a programação plica conhecer como os hardwares funcionam, que tipo
lógica do ser humano (software); de operações realizam, quais os softwares disponíveis e/
• capacidade analítica (de abstração): estruturação ou necessários para tais operações básicas, como uma
e vivência de diversos processos cognitivos que informação deve ser trabalhada em termos de símbolos
permitam um entendimento/compreensão mais e signos para se tornar uma mensagem compreensível e
aprofundada do conhecimento e das habilidades concretizar um processo comunicacional exitoso.
envolvidas no referido processo; Ressaltamos que o objetivo central deste eixo é auxi-
• linguagem de programação: processo de estrutura- liar os estudantes a usarem as TIC com responsabilidade
ção de várias sequências de ações, ligadas a diver- e critérios, uma vez que as tecnologias, disponíveis em
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sas temáticas e contextos, para que os estudantes larga escala, possibilitam uma infinidade de interações
compreendam a lógica de se programar um com- com a sociedade. Diversas informações podem ser ob-
putador, com ênfase no esclarecimento de que as tidas com o uso da internet da mesma forma que cada
regras para definição das sequências de ações têm estudante pode alimentar a rede com outras tantas, po-
uma forte proximidade com os próprios processos tencializando as suas aprendizagens e construindo co-
mentais do cérebro humano; nhecimentos de forma ativa, criativa, participativa e crí-
• narrativas digitais: organização e narração de uma tica.
sequência única de fatos, emoções e vivências que Por meio das TIC, podemos resolver problemas e/ou
envolvam pessoas diversas, dentro de um deter- propor soluções com a utilização de softwares ou lingua-
minado contexto, considerando os tempos dessas gem de programação e, assim, participar da produção,

202
reutilização e compartilhamento de conteúdo de manei- durante os debates e as descobertas realizadas,
ra colaborativa e responsável. Isso contribui para fomen- em geral feitas nas observações sistemáticas, nas
tar o espírito investigativo na busca de solução para os análises e nos experimentos. As hipóteses expõem
desafios. os vários fatos em uma teoria que podem ser lo-
Lembramos que as TIC têm introduzido novos modos gicamente analisados, deduzidos, além daqueles
de comunicação, como a criação e uso de imagens, de estabelecidas na teoria. Normalmente, descreve
som, de animação e a combinação dessas modalidades. a relação entre duas variáveis. Durante o projeto
Essas facilidades passam a exigir o desenvolvimento de devem-se possibilitar ajustes na situação-proble-
habilidades de acordo com as diversas modalidades utili- ma buscando respostas á indagação inicial levando
zadas, criando uma nova área de estudo relacionada com em conta o nível de conhecimento dos estudantes,
os diferentes tipos de letramentos: digital (uso das tec- as necessidades de aprendizagem e os obstáculos
nologias digitais), visual (uso das imagens), sonoro (uso que deverão enfrentar.
de sons), informacional (busca crítica da informação), ou
seja, os múltiplos letramentos. Isso significa que o nível A invenção da escrita, dos tipos móveis por Guten-
de apropriação de capacitação intelectual ou produção berg no século XV, da prensa tipográfica, do rádio, da
demanda muito mais do que domínio da tecnologia: televisão e, mais recentemente, das tecnologias digitais,
exige o domínio dos diferentes letramentos (VALENTE, emergiram mudanças que afetaram a linguagem, a cultu-
2008). ra e a cognição. Nesse sentido, as diferentes modalidades
Nesta perspectiva, o letramento digital é o terceiro digitais, mais do que simples ferramentas, correspondem
eixo do Currículo de Tecnologias para Aprendizagem, atualmente aos diferentes modos de aprendizagem e
para elaboração e implementação de estratégias peda- veiculação de conhecimentos com a integração das lin-
gógicas que viabilizem: conjuntos de letramentos (prá- guagens e dos recursos midiáticos para produzir e di-
ticas sociais) que se apoiam, entrelaçam, e apropriam vulgar conteúdo digital, compartilhando informações e
mútua e continuamente por meio de dispositivos digitais trabalhando colaborativamente no planejamento e no
para finalidades específicas, tanto em contextos socio- desenvolvimento de atividades pautadas na resolução
culturais geograficamente e temporalmente limitados, de problemas e na criação de projetos.
quanto naqueles construídos pela interação mediada Assim, encontrar, investigar, filtrar, avaliar e comparti-
eletronicamente. (BUZATO, 2006, p. 16). lhar com criticidade as informações existentes no mundo
Para tanto, elencamos os seguintes objetos de conhe- virtual para o desenvolvimento de atividades e projetos
cimento: são essenciais à formação do cidadão crítico, participati-
• linguagens midiáticas: utilização de diferentes lin- vo e criativo que se espera na atualidade, com autonomia
guagens midiáticas, com abordagens reflexivas para decidir entre tantos aportes e construir o conheci-
sobre como tais usos podem impactar nos resul- mento com vistas à intervenção social.
tados almejados, de forma positiva ou negativa, Em uma sociedade do conhecimento, há uma multi-
bem como se atentando às possíveis consequên- plicidade de informações disponíveis aos leitores, aliadas
cias de tais utilizações, para que cada vez mais os a recursos como desenho, fotografias, imagens, textos
estudantes se apropriem de tais recursos digitais e tabelas encontrados no meio digital. Assim, é possí-
na sociedade; vel conciliar a capacidade de uso das tecnologias com o
• apropriação tecnológica: compreensão dos possí- método científico, instigando a observação, a formulação
veis usos e impactos das tecnologias sobre a vida de hipóteses, a experimentação, análise e a interpretação
das pessoas. Envolve ainda a percepção sobre o dos resultados e, por fi m, a conclusão. Nesse processo
potencial de determinadas tecnologias para o o estudante pode se tornar autor e/ou produtor de co-
atendimento as suas necessidades. nhecimento.
• cultura digital: promoção de práticas pedagógicas As práticas de Tecnologias para Aprendizagem pre-
diferenciadas, reflexivas, colaborativas e dialógicas cisam promover uma conscientização sobre as conse-
que necessariamente se utilizem de TIC, para que quências dos usos das ferramentas digitais, principal-
as crianças e jovens vivenciem inúmeras situações mente quanto aos cuidados que os estudantes devem ter
de possíveis usos das TIC, sempre com base em quando navegam pela noosfera8, e ainda assim devem
seus hábitos, crenças e atitudes, de maneira que auxiliá-los no processo criativo e reflexivo: “As ideias não
se apropriem delas nas mais variadas situações de são apenas meios de comunicação com o real; elas po-
vida na sociedade; dem tornar-se meios de ocultação. O estudante precisa
• consciência crítica, criativa e cidadã: reflexão sobre saber que os homens não matam apenas à sombra de
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

os valores que estruturam a comunidade do entor- suas paixões, mas também à luz de suas racionalizações”
no e da sociedade, sempre com atividades que fa- (MORIN, 2003, p. 54).
çam uso das TIC, de maneira a promover revisões, É necessário, também, pensarmos em ambientes in-
validações e até mesmo ajustes de posturas para clusivos, vislumbrando maneiras diferentes de ensinar e
uma prática cidadã ativa e propositiva; aprender, para promover o acesso e o desenvolvimento
• investigação e pensamento científico: criação de de potencialidades e habilidades a todos, permitindo ao
perguntas ou situação-problema que desperte a estudante assumir a postura de construtor do próprio
vontade de saber mais, indo além da reprodução conhecimento, demonstrando autonomia, criatividade e
dos conteúdos pré-estabelecidos, antecipando ação, além de desenvolver a consciência crítica que leve a
dúvidas ou questões secundárias, que surgirão trilhar caminhos para a construção de seus saberes. Nes-

203
te sentido, a aprendizagem colaborativa/cooperativa é
significativa, pois considera a singularidade dos sujeitos,
promovendo a descoberta e desenvolvendo habilidades EXERCÍCIO COMENTADO
e competências necessárias ao cidadão do século XXI
(PERRENOUD, 2000). 1. (MPE/RO - Analista Judiciário – Pedagogia – FUN-
Especialistas, como Lydia Mbati (2013), vão mais além CAB/2017) As Novas Tecnologias em Educação, tais
e apontam que as metodologias de aprendizagem des- como o uso da informática, a utilização da internet, da
tinadas a trabalhar o conhecimento com os estudantes multimídia e de outros recursos ligados às linguagens di-
devem considerar, principalmente, a necessidade de es- gitais de que atualmente se dispõe, estão cada vez mais
tímulos e provocações constantes que promovam parti- presentes nas escolas para qualificar o processo educati-
cipações propositivas e ativas de todos, até mesmo na vo. Sobre elas, é correto afirmar:
definição das ações que serão desenvolvidas. Ela comple-
menta, apontando a necessidade de mudança também a) Em nada ou muito pouco vêm colaborar para tornar
nas relações que se estabelecem nos espaços educacio- o processo ensino-aprendizagem mais prazeroso, efi-
nais, que podem ser mais horizontais e com dinâmicas ciente e de qualidade.
que promovam inclusive a interação entre as diferentes b) A integração das novas tecnologias à educação deverá
gerações, quer seja na relação estudante-professor ou ocorrer de forma aleatória, sem o estabelecimento de
mesmo nas relações estudante-estudante. objetivos específicos ou projetos próprios, pois o que
Ampliam-se as possibilidades, os caminhos, os espa- importa é oferecer aos alunos o acesso ao computa-
ços. Se o olhar do educador estiver integrado às possibi- dor.
lidades de um ensinar mais compartilhado que oriente e c) São usadas para substituir as técnicas e metodologias
permita uma participação ativa do estudante, a tecnolo- convencionais, como, por exemplo, o livro, o quadro
gia será de grande utilidade e certamente poderá mudar de giz e o mimeógrafo.
a relação professor/estudante/conhecimento, levando- d) A obtenção de resultados qualitativos no processo
-os a atuar em parceria (GAVASSA, 2016). educacional escolar com o uso dessas tecnologias de-
pende da forma como elas são introduzidas e utiliza-
INTEGRAÇÃO COM OS OBJETIVOS DO DESENVOL- das nesse processo.
VIMENTO SUSTENTÁVEL
Resposta: Letra D. Em um mundo tecnológico, inte-
O Currículo da Cidade incorporou os Objetivos de De- grar novas tecnologias à sala de aula ainda é pouco
senvolvimento Sustentável (ODS), pactuados na Agenda frequente e um desafio para docentes. Em muitos ca-
2030 pelos países-membros das Nações Unidas, como sos, a formação não considera essas tecnologias, e se
temas inspiradores a serem trabalhados de forma arti- restringe ao teórico, ou seja, o professor precisa bus-
culada com os objetivos de aprendizagem e desenvolvi- car esse conhecimento em outros espaços. Isso nem
mento neste componente curricular. sempre funciona, pois frequentar cursos de poucas
No quadro de objetivos de aprendizagem e desen- horas nem sempre garante ao professor segurança
volvimento por ano de escolaridade há uma correspon- e domínio dessas tecnologias. Embora alguns ainda
dência com o ODS relevante para aquele objetivo, seja se sintam inseguros e despreparados, muitos educa-
do ponto de vista temático quanto do metodológico e dores já perceberam o potencial dessas ferramentas
de abordagens inovadoras de aprendizado. e procuram levar novidades para a sala de aula, seja
Educadores e estudantes são protagonistas na mate- com uma atividade prática no computador, com vide-
rialização dos ODS como temas de aprendizagem e têm ogame, tablets e até mesmo com o celular. O fato é
ampla liberdade para criar projetos autorais a respeito, que o uso dessas tecnologias pode aproximar alunos e
assim como para buscar parceiros com o objetivo de professores, além de ser útil na exploração dos conte-
promover maior cooperação entre os diferentes atores údos de forma mais interativa. O aluno passa de mero
sociais e da comunidade escolar na geração e comparti- receptor, que só observa e nem sempre compreende,
lhamento do conhecimento e da prática. Formas de in- para um sujeito mais ativo e participativo. O ideal se-
tegrar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento ria testar as novas tecnologias e identificar quais se
com os ODS serão detalhadas no documento de orienta- enquadram na realidade da escola e dos alunos. Uma
ções didáticas dos diferentes componentes curriculares. das dificuldades é a falta de infraestrutura de algumas
escolas e a falta de formação de qualidade para os
Fonte professores quanto ao uso dessas novas tecnologias.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-


cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Ensino Fundamental: Tecnologias para Aprendizagem.
2. ed. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 62-85. Disponí-
vel em: http://portal.sme. prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/
Files/50630.pdf.

204
Apesar de destacarmos, nestas orientações, a atuação
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA do CP no Ensino Fundamental, é importante considerar
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. que a coordenação pedagógica não se restringe a essa
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. etapa da educação básica, uma vez que os coordena-
ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS DO dores, pela constituição de sua carreira, transitam entre
CURRÍCULO DA CIDADE: COORDENAÇÃO essas etapas. O exercício da função de Coordenador Pe-
PEDAGÓGICA. 2. ED. SÃO PAULO: SME/ dagógico se faz a partir de uma gama de possibilidades
de atuação que também envolvem a Educação Infantil,
COPED, 2019.
o Ensino Médio, a Educação Especial e a Educação de
Jovens e Adultos.
Assim, nossos esforços somam-se à parceria estabe-
#FicaDica lecida com a Divisão de Educação Especial (DIEE), Divisão
de Educação de Jovens e Adultos (DIEJA), o Núcleo Téc-
O Sentido Amplo do Trabalho da Coordena- nico de Currículo (NTC) e o Núcleo Técnico de Avaliação
ção Pedagógica O trabalho da Coordenação (NTA) desta Secretaria Municipal de Educação. Dessa for-
Pedagógica em cada Unidade Escolar tem ma, foi possível fomentar outros debates sobre o traba-
um amplo e complexo fazer. Suas atividades lho do Coordenador Pedagógico, situados para além de
e escopos cobrem todas as diferentes etapas suas demandas no Ensino Fundamental.
e modalidades de Ensino: a Educação Infan- A importância e a complexidade desse papel perpas-
til, a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o sam as linhas e entrelinhas dos textos, trazendo reflexões
Ensino Médio, a Educação Especial e a Edu- sobre a atuação qualificada do Coordenador Pedagógi-
cação Fundamental. co. É evidente, portanto, que a discussão em torno da
atuação do Coordenador Pedagógico, em diferentes
Em todas elas, o Coordenador Pedagógico tem a im- contextos da educação básica, não se esgota nesta pro-
portante função da orientação pedagógica procurando dução ou em alguns textos que retratem essas temáticas.
articular as atividades de aprendizagem, ensino, avalia- A identidade de coordenador se faz também nas expe-
ção, formação e relação com a comunidade, a busca de riências individuais de cada professor que um dia decidiu
inovações coerentes com os conceitos de aprendizagens investir-se da responsabilidade de coordenar e, por isso,
comprometidos e com a qualidade social da educação incide em um olhar único.
pública. Este documento é uma iniciativa da Divisão de Nessa direção, nossas conversas que envolvem o ser
Ensino Fundamental e Médio (DIEFEM), da Coordenado- Coordenador Pedagógico na Rede Municipal de Ensino
ria Pedagógica (COPED) da Secretaria Municipal de Edu- de São Paulo apenas se iniciam nestas páginas, pois os
cação de São Paulo, em colaboração com os coordena- contextos locais de formação nas Unidades Escolares
dores pedagógicos que atuam no Ensino Fundamental (UEs), nas Diretorias Regionais de Educação (DREs) e na
da Rede Municipal de Ensino. Nosso principal objetivo Secretaria Municipal de Educação (SME) ampliam e enri-
é dialogar com a equipe gestora das Unidades Escola- quecem essa discussão.
res (UEs), em especial com o Coordenador Pedagógico,
neste momento em que novos referenciais curriculares Gestão Escolar: articulação e parceria na constru-
chegam às Unidades Educacionais de Ensino Fundamen- ção do projeto da escola
tal e sua implementação é iniciada. Intentamos oferecer
subsídios à atuação do coordenador no que diz respei- Não são poucos os autores que creditam à escola um
to às suas principais atribuições: a formação contínua da papel insubstituível e um espaço ímpar na constituição
equipe docente e o acompanhamento do processo de do pensamento científico e na ampliação do potencial
ensino e aprendizagem dos estudantes. Entendemos que psíquico de cada criança, adolescente, jovem ou adulto,
a gestão pedagógica é permeada por diversos momen- como uma instituição social com o objetivo de garantir o
tos, adversos ou favoráveis, que interferem diretamen- acesso ao conhecimento historicamente construído pelo
te na atuação do coordenador. Nos capítulos a seguir, ser humano e também às heranças culturais de nossos
problematizaremos alguns desses momentos, propondo, ancestrais. Para tanto, as relações que se estabelecem
de forma inter-relacionada, a reflexão sobre a ação e o em seu interior são determinantes para que processos
compartilhamento de experiências com a Rede. de mediação das aprendizagens impulsionem os estu-
dantes às novas e mais elevadas formas de interação, de
Coordenação Pedagógica expressão da linguagem e de pensamento.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Nos capítulos deste documento, será possível: Atualmente, muitos são os desafios para que a escola
- Discutir o papel do Coordenador Pedagógico na cumpra sua função social: o ritmo com que as mudanças
formação continuada dos professores e na gestão ocorrem, as novas configurações familiares, as diversi-
pedagógica da unidade educacional; dades presentes no cenário escolar, o acesso rápido à
- Ler relatos de professores e gestores escolares que informação, os abalos da economia, a violência urbana,
desenvolvem práticas educativas inspiradoras; os riscos da devastação ambiental, entre outros fatores.
- Conhecer atuações de gestores junto à equipe do- Todos eles permeiam os processos de ensino e de apren-
cente na melhoria da qualidade do ensino; dizagem e requerem dos profissionais da educação, cada
- Consultar indicações bibliográficas e sugestões de vez mais, engajamento em relação a seu fazer e a socie-
sites para aprofundar os assuntos iniciados nas pá- dade em que vivemos.
ginas deste documento.

205
Mediar os conhecimentos histórica e culturalmente construídos pressupõe organizar os processos de aprendizagem
e concretizar o ensino por meio da prática educativa. Lück (2009a) atribui a tal mediação o nome de Gestão Escolar. De
acordo com a autora:
A gestão escolar constitui uma das áreas de atuação profissional na educação destinada a realizar o planejamento,
a organização, a liderança, a orientação, a mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação dos processos
necessários à efetividade das ações educacionais orientadas para a promoção da aprendizagem e formação dos estu-
dantes (LÜCK, 2009a, p. 23).
Na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, as equipes gestoras, compostas por Diretores de Escola, Assistentes
de Diretor de Escola e Coordenadores Pedagógicos possuem a atribuição de mediar as ações educativas na direção
de uma escola comprometida com a sociedade e o interesse de seus estudantes. Ainda que esses sujeitos estejam
em diferentes espaços de atuação e desempenhem funções diversas – embora análogas -, cada um dos membros da
equipe gestora, de maneira colaborativa e corresponsável, tem papel importante e ímpar na organização da escola e
na garantia das aprendizagens dos estudantes.
Todos os gestores escolares estão diretamente implicados com a finalidade pedagógica da escola, ainda que tarefas
administrativas e, por vezes, burocráticas, sejam necessárias. Nesse sentido, uma valorosa contribuição, trazida por Paro
(2012), ao refletir sobre a gestão escolar, é a compreensão em relação a processos administrativos e pedagógicos. Não
é raro o entendimento, equivocado, de que Diretores e Assistentes de Diretor possuem apenas atribuições administra-
tivas, enquanto coordenadores devem assumir as atribuições pedagógicas. O autor defende que “a boa realização do
ensino (atividade-fim) é a razão de ser de todas as demais atividades (atividades-meio)” (PARO, 2012, p.66) e que, assim
sendo, não faz sentido a “dicotomia”, por vezes existente, entre administrativo e pedagógico. É preciso que a gestão
escolar assuma um caráter mediador, que gerencie os recursos de maneira que o objetivo pedagógico - o processo de
ensino e de aprendizagem - se realizem sob as melhores condições possíveis.
Na Rede, muitos gestores escolares encontraram modos de atuação que envolvem o coletivo escolar e reverberam
nas aprendizagens de seus estudantes, como o relato a seguir.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

206
Gerir tais processos não é tarefa simples e, por isso, é imprescindível a parceria entre as equipes gestoras nas escolas
e a Supervisão Escolar. Como profissional qualificado e parceiro experiente, o supervisor desenvolve, junto às equipes
gestoras das escolas, um trabalho colaborativo, ainda que vinculado a órgãos descentralizados da Secretaria Municipal
de Educação (SME).
Na supervisão, o prefixo “super” une-se à “visão” para designar o ato de “ver” o geral, que se constitui pela articu-
lação das atividades específicas da escola. Para possibilitar a visão geral, ampla, é preciso “ver sobre”; e é este o sen-
tido de “super”, superior, não em termos de hierarquia, mas em termos de perspectiva, de ângulo de visão, para que
o Supervisor possa “olhar” o conjunto de elementos e seus elos articuladores (RANGEL apud SALMASO, 2012, p. 93).
Em sua atuação de itinerância nas escolas, é possível aos supervisores o olhar apurado sobre a realidade das Unida-
des Escolares. Estar próximo proporciona a visão do todo, de um foco distanciado, e que propicia a (re)orientação dos
percursos, o alinhamento das propostas curriculares e a aproximação com os desafios efetivos da prática pedagógica
que garantam aos estudantes a aprendizagem. Para tanto, é necessário que a relação de parceria fique evidente aos
membros da equipe escolar e que o supervisor seja um corresponsável que aponta caminhos, privilegia reflexões e
apoia as ações da escola na superação dos seus dilemas.
Envolver e mobilizar uma equipe de profissionais para a reflexão e transformação da prática, exige da gestão escolar
esforços no sentido de se constituir como liderança, dentro de princípios democráticos: liderar uma equipe que tem
voz, reflete sobre sua ação educativa e se responsabiliza por um projeto de escola que proporcione o desenvolvimento
do potencial de cada estudante na perspectiva da Educação Integral.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

A melhoria da qualidade do ensino por meio do aprimoramento da ação docente, envolve trabalho colaborativo, o
que só é possível quando os diferentes atores possuem clareza de seu papel. Nas escolas, o ator principal, responsável
pela formação docente e acompanhamento das aprendizagens, é o Coordenador Pedagógico. No entanto, somar es-
forços, junto aos demais membros da equipe gestora da escola e ao supervisor, potencializa as ações formativas. Pouco
acontece sem essa atuação conjunta.
Para elucidar essa parceria, a supervisora Cláudia fala um pouco da sua prática na DRE em que atua.

207
A Supervisora Escolar Claudia D’Alevedo dos Reis vou um objeto que a criança/adolescente gostava muito
e falou sobre seu significado para o estudante. Esse foi
A supervisão escolar um momento ímpar e extremamente emocionante para
todos os presentes, confirmando a decisão acertada de
Periodicamente, o Supervisor faz reuniões com as promover essa integração com as famílias.
equipes gestoras das unidades da rede direta e parcei- Nesses anos, vários temas foram abordados: concep-
ra. Essas reuniões têm pautas específicas e, de acordo ção da Educação Inclusiva; Lei Brasileira de Inclusão (com
com as necessidades apresentadas, são momentos de a presença de representante da Secretaria Municipal
formação continuada, os quais são também conhecidos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida); As
como reuniões setoriais. As orientações e problematiza- emoções de quem cuida da criança com deficiência (para
ções realizadas nas visitas de ação supervisora às esco- essa conversa participaram voluntários do CVV – Cen-
las, assim como as reuniões setoriais, têm por objetivo tro de Valorização da Vida); Autismo (com a participação
contribuir para o processo de reflexão-ação-reflexão das de uma pedagoga da AUMA - Associação dos Amigos
equipes gestoras, pois são os profissionais com quem o da Criança Autista); Redes de Proteção Social à Criança
Supervisor Escolar atua diretamente em seu trabalho. e Adolescente (com a participação do Núcleo de Apoio
Destacaremos duas ações que se configuraram em e Acompanhamento para a Aprendizagem - NAAPA da
parcerias estabelecidas entre Supervisão Escolar e es- DRE JT); Comunicação Alternativa (com a participação de
sas equipes, sendo o primeiro relato decorrente de uma Fonoaudióloga). O próximo encontro será sobre o Aten-
situação específica com a equipe gestora e o segundo dimento Colaborativo realizado pelos Professores de
aborda um processo de formação ocorrido em reuniões Atendimento Educacional Especializado (PAEEs).
setoriais. Cabe ressaltar, a respeito da parceria Supervisão Es-
colar/Equipe Gestora, o cuidado dispensado para a au-
Projeto Diálogos e Parcerias toria e protagonismo dos membros dessa equipe, tanto
na organização dos encontros como na elaboração das
Uma das ações de parceria entre Supervisão Escolar e pautas, pois o papel do Supervisor Escolar não é o de
equipe gestora é o desenvolvimento do Projeto “Diálo- conduzir, no sentido estrito de guiar, mas de acompa-
gos e Parcerias”, que foi proposto pela Supervisora Esco- nhar, estar junto, trazer novas questões, não interferindo
lar à equipe gestora da EMEF Lourenço Filho, na Diretoria no tom do desenvolvimento do projeto, que é dado pela
Regional Jaçanã Tremembé (DRE JT). Tal projeto se carac- equipe gestora.
teriza como uma estratégia para construção de uma cul-
tura escolar inclusiva, sendo um momento rico para que Reunião Setorial
escola e família compartilhem avanços e necessidades.
O Projeto “Diálogos e Parcerias” consiste na promo- No Plano de Trabalho da Supervisão Escolar da DRE
ção de encontros periódicos entre equipe escolar, fami- JT, está prevista a organização de reuniões setoriais para
liares de estudantes com deficiência, Supervisão Escolar formação da equipe gestora e organização do trabalho
e CEFAI2. Teve início em 2015, com o objetivo de estreitar escolar. O relato ora apresentado refere-se à formação
as relações com as famílias dos estudantes com deficiên- ocorrida em reuniões setoriais durante o ano de 2015,
cia e transtornos globais do desenvolvimento – TGD. Sua com um grupo de Supervisoras Escolares dessa DRE.
idealização se deu a partir da problematização e reflexão No início de cada ano letivo, esse grupo de Supervi-
sobre a necessidade de “garantir a voz” às famílias e aos
soras Escolares, que promove as reuniões em conjunto,
envolvidos no atendimento escolar das crianças e ado-
levanta um tema que será trabalhado nas formações du-
lescentes com deficiência.
rante o ano. Tais temas decorrem tanto de observações
Os encontros foram programados para segundas-fei-
das demandas das escolas como das diretrizes da Secre-
ras à noite, durante o horário coletivo dos professores,
taria Municipal de Educação. Nessa perspectiva, com a
facilitando também a presença dos familiares às reu-
publicação pela SME do documento “Currículo Integra-
niões. À exceção do primeiro encontro, que teve como
dor da Infância Paulistana” e com a necessidade de fo-
objetivo contextualizar o atendimento dos estudantes
com deficiência; conhecer as dificuldades enfrentadas mentar a reflexão sobre a organização dos ambientes, o
pelas famílias quanto ao atendimento escolar de seus fi- grupo de supervisoras desenvolveu as setoriais pautadas
lhos e explicitar o atendimento feito na escola, as demais no tema “O Ambiente como segundo educador na pers-
reuniões tiveram suas pautas previamente acordadas pectiva do currículo integrador”.
com as famílias e demais profissionais envolvidos. A temática “organização dos ambientes” é recorrente
na Educação infantil. Entretanto, a proposta foi também
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O primeiro encontro ocorreu em maio de 2015. Pais/


responsáveis presentes relataram as diversas dificulda- expandir esta questão para reflexão e problematização
des que encontravam no processo de escolarização de junto ao Ensino Fundamental. Outra intenção foi promo-
seus filhos, por sua vez os professores também expla- ver a integração entre a Educação Infantil - CEI e EMEI
naram acerca de suas dificuldades, o que transformou o - e o Ensino Fundamental com vistas a refletir sobre a
encontro numa catarse. Entretanto, ao final da reunião, existência de uma ruptura do currículo presente na pas-
os presentes fizeram uma avaliação positiva do encontro sagem do CEI para a EMEI e da EMEI para a EMEF. As
e acordaram pela continuidade do projeto. reuniões tiveram os seguintes objetivos: refletir sobre a
Merece destaque especial uma atividade que ocorreu Educação Básica sem rupturas como um conjunto articu-
no quarto encontro do projeto, em 2015. Por sugestão lado, orgânico e sequencial; discutir sobre a cisão entre
de uma professora no encontro anterior, cada família le- Educação Infantil e Ensino Fundamental, considerando

208
que a infância vai até os doze anos; aproximar as práti- pararam uma apresentação demonstrando “o antes” e
cas e afinar as concepções de criança/infância/educação “o depois” da reorganização. Com o intuito de registrar
escolar/ currículo; refletir o que é necessário saber sobre o percurso dessa formação, as Supervisoras Escolares
a criança que chega à nossa escola; estimular a apren- confeccionaram um caderno contendo textos reflexivos
dizagem de forma compartilhada com a construção de sobre o tema e fotos referentes à revitalização encami-
ambientes para e pela criança; refletir sobre os discursos nhada pelas escolas.
dominantes de “verdades universais” sobre educação de A segunda atividade formativa desencadeou-se no
crianças pequenas e a abertura para a mudança; repensar decorrer do ano, com diversas ações de integração en-
o currículo proposto no Projeto Político Pedagógico, a tre as Unidades Educacionais. Durante as outras reuniões
partir da reorganização dos espaços. setoriais do ano, tais UEs foram as protagonistas e rela-
A primeira reunião setorial do ano teve início com a taram, inclusive com o uso de recursos midiáticos, as ex-
retomada da avaliação ocorrida em novembro de 2014, periências de ações curriculares integradoras realizadas.
quando, na ocasião, foi abordado o tema: “Currículo In- Algumas das ações realizadas: y Visitas das equipes
tegrador”. Nesse sentido, foi promovida uma reflexão de gestoras às Unidades - CEI - EMEI;
uma proposta integradora que compreende a importân- - Estudo conjunto entre os Gestores sobre instrumen-
cia da organização do ambiente na promoção do de- tos de avaliação: relatórios, portfólios - CEI - EMEF;
senvolvimento integral da criança. Concomitante a essa - Reunião Pedagógica conjunta, envolvendo CEI -
reflexão, propusemos duas atividades formativas que se EMEI;
desdobraram no decorrer do ano: - Visita das crianças do CEI à EMEI para participação
- A escolha (a ser feita pela equipe escolar) de um em prática de leitura do “Projeto Entorno” (leitura
ambiente a ser reorganizado, favorecendo a con- simultânea), com acompanhamento dos estudan-
cepção do ambiente como segundo educador, na tes do Projeto Rádio de uma EMEF;
construção do currículo integrador e considerando - Visita dos estudantes da EMEF ao CEI para mediação
as múltiplas infâncias. Cada equipe gestora definiu de leitura com os pequenos, atividade também re-
com sua equipe escolar o ambiente-alvo da reor- gistrada pelos estudantes da Rádio de uma EMEF.
ganização, estabelecendo os objetivos, analisando
as possibilidades dessa reorganização e quais se- Enfim, foram inúmeras ações realizadas, entre as
riam os resultados esperados. Unidades Educacionais. Algumas foram incorporadas
- Possibilidades de integração entre CEI - EMEI - aos Projetos Políticos Pedagógicos das Unidades e ain-
EMEF, considerando a infância até os doze anos, os da hoje têm seus desdobramentos, como a articulação
gestores presentes se agruparam por proximidade EMEF Lourenço Filho, territorialmente vizinha a EMEBS
territorial para programar ações integradoras entre Madre Lucie Bray, sendo que ambas organizam ativida-
as unidades. A fim de subsidiar o estabelecimento des em conjunto com seus estudantes.
da proposta de integração curricular, as superviso- Um dos grupos composto por dois CEIs e duas EMEIs
ras disponibilizaram as seguintes indicações: realizou uma reunião pedagógica no CEU Jaçanã. Antes
• Eixos de integração: ambiente - organização de es- da reunião, as equipes gestoras dessas Unidades foram
paços; avaliação; rotina - e organização dos tem- conhecer os espaços educativos dos vizinhos. Com o
pos; rede de proteção sócio cultural; brincar; ou- objetivo de que os professores conhecessem tanto os
tros. ambientes como as rotinas, cada equipe organizou um
• Ações de integração sugeridas: reuniões de forma- vídeo revelador dos ambientes e rotina de sua unidade
ção conjunta; visitas programadas entre gestores educacional. No dia da reunião pedagógica, tais vídeos
das unidades envolvidas; documentação pedagó- foram exibidos aos professores. A reunião foi organizada
gica conjunta; atividade extraclasse conjunta; in- pelas Coordenadoras Pedagógicas dessas unidades.
tegração de outros projetos desenvolvidos pelas Com este relato, foi possível explicitar o caminho tra-
unidades; reorganização de ambientes; revisão de çado pela Supervisão Escolar, o qual, além de orientar,
rotinas e horários; socialização de organização de acompanhar e avaliar a implementação da política edu-
rotinas; outros. cacional da SME de São Paulo, tem contribuído para o
aprimoramento das práticas educativas na perspectiva
A segunda reunião setorial do ano contou com a par- do currículo integrador e para a melhoria social da edu-
ticipação da Professora Doutora Suely Amaral de Mello, cação por meio dos encontros formativos realizados nas
da Universidade Estadual de São Paulo, de Marília, que reuniões setoriais.
trouxe contribuições acerca de alguns teóricos, vivências
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do cotidiano, autonomia dos sujeitos da ação educati- O relato da supervisora explicita a importância do
va, a importância da escuta das crianças para o planeja- planejamento conjunto de projetos e ações a serem de-
mento dos trabalhos. Na sequência, houve a participação senvolvidos na escola. Outra indicação importante é o
da Professora Doutora Cristina Filomena Bastos Cabral, diálogo entre as equipes gestoras que compõem o setor:
também Supervisora Escolar desta DRE, que abordou a refletir sobre temáticas comuns, pensar sobre a organi-
temática “Ambientes que educam”, contribuindo para a zação das escolas, sobre a aprendizagem dos estudantes,
reflexão do ambiente construído para e pela criança. tomar decisões conjuntas, entre outros, permite ao gru-
A primeira atividade formativa resultou na revitaliza- po o fortalecimento das ações desencadeadas em cada
ção e reorganização de ambientes das escolas partici- uma das escolas. Aprendemos muito com a experiência
pantes. Ao final do ano, as Unidades Educacionais pre- dos outros gestores.

209
Outro importante papel do supervisor escolar diz respeito à orientação da (re)elaboração do Projeto Político Peda-
gógico (PPP) das UEs de maneira colaborativa e democrática. Ao discutir o PPP, Vasconcelos aponta:
O Projeto Político Pedagógico é o plano global da instituição. Pode ser entendido como a sistematização, nunca
definitiva, de um processo de planejamento participativo, que se aperfeiçoa e se objetiva na caminhada, que define
claramente o tipo de educação educativa que se quer realizar, a partir de um posicionamento quanto à sua intenciona-
lidade e de uma leitura da realidade. Trata-se de um importante caminho para a construção da identidade da instituição
(VASCONCELOS, 2007, p. 17).
O texto introdutório do Currículo da Cidade indica a necessidade de as UEs revisitarem o PPP “à luz da nova propos-
ta curricular, de forma a incorporá-la ao seu cotidiano em consonância com a identidade e as peculiaridades da própria
escola” (SÃO PAULO, 2017, p. 51). A (re)elaboração de um projeto deve ser fundamentada, considerando os princípios,
diretrizes e metas pedagógicas da SME - explicitadas no Currículo da Cidade, bem como as especificidades de cada
etapa e modalidade de ensino. É uma importante oportunidade de construção e afirmação identitária, posto que as
escolas gozam de autonomia para (re)elaborá-lo, respeitando suas individualidades e realidades educativas.
Além disso, o PPP é um documento que sempre estará em construção, uma vez que a escola está em constante
movimento. Estar atenta a esse fato e às mudanças propostas pela Rede de Ensino, é parte substancial dos saberes da
equipe gestora. Compreender as especificidades do território e respeitar a autonomia, que competem a essa equipe,
são princípios que devem nortear a articulação entre documentação e prática pedagógica, e que corroboram com a
concepção curricular da RMESP, conforme segue:

O conhecimento acerca da legislação educacional, das diferentes esferas Federal, Estadual e Municipal – e dos fun-
damentos teóricos que regem a educação são saberes necessários à equipe gestora, uma vez que ela encaminhará as
discussões com todo o grupo escolar.
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Diante da multiplicidade de funções desempenhadas pela gestão escolar, dimensioná-las é essencial para que sua
atuação seja bem-sucedida. Planejar, acompanhar e avaliar os processos educativos é próprio da ação gestora, pois as
demais atividades desenvolvidas na escola e orientadas por essa equipe precisam desses processos. Habitualmente, o
planejamento da gestão resulta em planos de ação que permitem focos de atuação precisos e o alcance de objetivos
estabelecidos a curto, médio e longo prazos.
Os planos pensados pela equipe gestora serão ainda mais acertados quando considerarem as especificidades de
cada unidade educacional. Para tanto, acompanhar o desdobramento do planejamento permitirá constatar se o que
está sendo realizado condiz com o que foi planejado pela equipe e, ainda, se há necessidade de ajustes das ações. A
avaliação tem um papel fundamental nesse processo e permitirá a percepção sobre os ajustes necessários em busca da
qualidade do ensino oferecido aos estudantes – finalidade primeira da escola. Nessa perspectiva, a avaliação institu-

210
cional é um importante instrumento para a equipe gestora, pois possibilita mensurar os avanços da escola, bem como
o que precisa ser aprimorado para a garantia da qualidade do ensino; oferece importantes indícios ao planejamento;
contribui para construção da autonomia da UE; e, por último, é um instrumento que possibilita a análise do trabalho da
equipe pelos demais membros da comunidade escolar. Os processos avaliativos trazem para a discussão a importância
da participação ativa de todos os atores que atuam na escola. Em todos os processos da gestão escolar, é primordial
que se reconheça “o elemento humano como sendo a maior riqueza da escola” (LÜCK, 2009b, p.106). Logo, sob o prin-
cípio da Gestão democrática, esses diferentes atores escolares assumem papel importante na tomada de decisões. Isso
significa dizer que estudantes, famílias, comunidade escolar do entorno, professores e demais funcionários da escola,
participam da tomada de decisões de maneira horizontal e também se corresponsabilizam por elas.

O Coordenador
Pedagógico e a Gestão Pedagógica

Na cidade de São Paulo, a criação do cargo de Coordenador Pedagógico data de 18 de Janeiro de 1.985. No ato da
concepção do cargo, os CPs foram divididos por etapas de ensino e não existia a possibilidade de trânsito entre elas.
Tínhamos, então, o CP da Educação Infantil, do 1º e 2º graus, e o CP de Deficientes Auditivos (atuais Escolas Municipais
de Ensino Bilíngue para Surdos - EMEBS). Contudo, somente em dezembro de 1985 começam a se delinear as atribui-
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ções desse profissional e já se evidencia seu papel articulador das ações pedagógicas e didáticas. Os requisitos de ex-
periência mínima de três anos no magistério municipal e de formação e/ou especialização em pedagogia ou orientação
e supervisão escolar já se faziam presentes.
Nos anos subsequentes, a legislação passou por inúmeras alterações sem deixar de contemplar os eixos de forma-
ção, planejamento, acompanhamento e avaliação das aprendizagens como norteadores da atuação do CP. Além disso,
tornou-se possível transitar pelas diferentes etapas e modalidades da Educação Básica.
Na unidade de Ensino Fundamental, o CP articula também o Currículo da Cidade e as práticas educativas das Unida-
des Educacionais. É o ator principal do processo de qualificação do ensino e, de forma coletiva e colaborativa, orienta
a ação pedagógica. Logo, é ele quem, em contato direto com os professores, concretiza o currículo.
Dar materialidade ao Currículo da Cidade envolve, entre outras ações:

211
- Oferecer formação continuada aos professores de - estar, em primeiro lugar, atrelado ao Projeto Políti-
maneira dialógica e reflexiva, favorecendo a forma- co Pedagógico, organizado e implementado pelos
ção centrada na escola; próprios profissionais da escola;
- Envolver os demais profissionais da escola na com- - ser planejado coletivamente pelos professores da
preensão da finalidade pedagógica de todas as escola e liderado pelos seus gestores (direção, co-
ações educativas; ordenação pedagógica);
- Orientar os processos de ensino na escola, por meio - prever espaços e tempos para que os processos
do acompanhamento das aprendizagens dos es- formativos, a serem desencadeados, possibilitem
tudantes; a participação de todos, a reflexão sobre os funda-
- Trazer elementos de inovação às práticas curricu- mentos necessários à docência e a relação desses
lares a partir de sua observação, leituras, diálogos fundamentos com a experiência docente de cada
com o corpo docente, estudantes e comunidade; profissional; y garantir que o compromisso -
- Buscar, com os professores e gestores, a criação de seja dos gestores, seja dos professores da escola-
indicadores qualitativos ou quantitativos da evo- esteja voltado para o alcance dos objetivos peda-
lução dos processos dos resultados de aprendiza- gógicos e do desenvolvimento profissional, além
gem dos estudantes. do aprimoramento da prática pedagógica dos pro-
- Traçar processos de aprendizagens personalizados fessores;
para os estudantes que apresentam dificuldades - possibilitar processos avaliativos contínuos para que
de aprendizagem ou baixo desempenho nas ava- as necessidades emergentes da escola e do pró-
liações. prio processo formativo possam ser inclusas.

Ao especificar a atuação do Coordenador Pedagógi- O PEA é um potente instrumento de trabalho forma-


co, não podemos perder de vista os princípios de uma tivo que, ao contemplar as recomendações de Placco
gestão democrática, participativa e inclusiva e, como (2010a) e considerar as especificidades da Rede de Ensi-
consequência, é necessário considerar a responsabili- no e da UE, favorece as ações de implementação curricu-
dade e o compromisso coletivo pelas ações da escola e lar. Abranger os programas, projetos e ações da SME SP
decisões em relação ao seu funcionamento, organização nos planos e pautas formativas é fundamental para que o
e estrutura. Currículo da Cidade ganhe forma e efetivamente corres-
O compartilhamento caracteriza o trabalho educati- ponda à qualificação das políticas públicas educacionais.
vo que se pretende inclusivo e equânime. É parte cons- Outro elemento que é parte de sua atribuição, e que
tituinte da função do CP fazer com que os profissionais “alimenta” os processos formativos, é o acompanhamen-
da escola participem das decisões e ações pedagógicas, to e avaliação da aprendizagem. Relacionar o planeja-
assim como torná-los sujeitos de sua formação continua- mento da prática docente ao que os estudantes precisam
da. Os professores optantes por Jornada Especial Inte- aprender, viabiliza discussões importantes no horário co-
gral de Formação (JEIF) realizam, de forma sistematizada, letivo de estudo.
formação em serviço, que pressupõe a apropriação de
conhecimentos acerca da prática docente e a afirmação O planejamento da rotina do Coordenador Peda-
da escola como lócus privilegiado para a formação pe- gógico
dagógica.
No tocante à formação em serviço, Almeida (2013) Não são poucas as atribuições e responsabilidades
destaca que para que ela seja assertiva, precisa ser cen- do Coordenador Pedagógico como gestor escolar direta-
trada na escola, ou seja, centrada no contexto organiza- mente envolvido com o processo educativo. O ritmo e os
cional em que os professores estão inseridos. Esse tipo movimentos da escola podem impor ao CP uma rotina de
de formação coloca os professores como protagonistas trabalho intensa e, por vezes, incontrolada. Compreender
dos processos de desenvolvimento e de aprimoramento, a importância da gestão, organização e bom uso do tem-
uma vez que evidencia a sua atuação e as boas práticas já po são aspectos que o auxiliarão nesse sentido.
realizadas nas escolas. Para que um projeto de formação No contexto da atuação do Coordenador Pedagógi-
seja bem-sucedido, seus participantes precisam atribuir co, o planejamento de sua rotina de trabalho deve aten-
sentido ao que é proposto, o que compreende suas vi- der a momentos específicos de coordenação, articulação
vências. e acompanhamento dos programas, projetos e práticas
Quando os processos formativos levam em consi- pedagógicas desenvolvidas na UE. Assim, a compreensão
deração que cada escola tem uma história, uma cultura, de seu papel como profissional da educação deve fazer
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uma identidade própria e que os profissionais que nela com que o Coordenador Pedagógico reflita sobre seu fa-
habitam também são sujeitos que trazem uma bagagem zer diário, como destaca Placco:
acumulada nos diferentes meios pelos quais passaram, Dado que o trabalho do(a) coordenador(a) pedagó-
têm maior possibilidade de sucesso (ALMEIDA, 2013, gico-educacional visa ao melhor planejamento possível
p.12). das atividades escolares, faz-se necessário que ele(a) seja
Os estudos e encaminhamentos realizados no horário capaz de analisar suas ações, no dia-a-dia, identificando
coletivo, JEIF, são norteados pelo planejamento expresso quais aspectos – e em que medida – podem e devem ser
no Plano Especial de Ação (PEA). Placco (2010a) destaca aperfeiçoados ou organizados melhor (PLACCO, 2003,
que o êxito da formação continuada precisa estar atrela- p.48).
da às seguintes circunstâncias:

212
É imprescindível que, dentro do contexto escolar, o Coordenador Pedagógico estabeleça o que deve ser priorizado
na organização de seu trabalho em atendimento a suas atribuições e que tenha critérios para a organização de sua
rotina. As prioridades e ações devem ser claras e discutidas abertamente, não somente entre os coordenadores, mas
também com os demais membros da equipe gestora; e amplamente divulgadas à comunidade escolar.
Cada UE apresenta características próprias, marcadas pela trajetória e contexto de vida de seus estudantes, pela
formação e vivência de seus professores, e também pelas marcas de convívio estabelecidas pela comunidade onde a
escola está inserida. Projetar um modelo de rotina que atenda a tantas diferenças de realidades nem sempre é algo
fácil. A rotina do Coordenador Pedagógico deve transparecer sua ação e reflexão no espaço escolar. Porém, as reflexões
de Gonçalves (1995) apud Placco (2003), ao propor quatro conceitos fundamentais para a organização do trabalho do
Coordenador Pedagógico, podem contribuir para o estabelecimento de critérios de uma boa rotina, conforme explici-
tado a seguir:
- Importância: refere-se às atividades que estão previstas no PPP da escola, implicadas com o atendimento das
“metas e finalidades a longo, médio e curto prazo”. As atividades caracterizadas como de “Importância” são
estabelecidas pelos diagnósticos realizados e priorizadas para o atendimento das necessidades pedagógicas da
escola e avanço das aprendizagens dos estudantes.
- Rotina: as atividades caracterizadas como de “Rotina” são aquelas que dizem respeito ao funcionamento cotidiano
da UE. São essenciais à manutenção dos processos de “decisão-ação”.
- Urgência: atividades de “Urgência” são aquelas não previstas na rotina e que necessitam de atendimento tão logo
ocorram. Significam a “quebra de Rotinas”.
- Pausa: atividades de “Pausa” destinam-se ao atendimento das necessidades individuais do sujeito e incluem mo-
mentos de comunicação entre os professores. Tais momentos favorecem as relações e fortalecem as parcerias.

Estabelecer uma rotina de trabalho e caracterizar as atividades desenvolvidas ao longo da semana é um bom exer-
cício para o coordenador. Permite a visão do todo e o planejamento de sua atuação. Mesmo as atividades de Urgência
e Pausa, que não são planejáveis, diferentemente das demais, dão bons indícios para seu planejamento, uma vez que
evidenciam o que nem sempre se pode prever na rotina da escola.
Além disso, analisar continuamente, consigo mesmo e com seus colegas, as suas atividades dá ao coordenador a
possibilidade de identificar o que de fato lhe pertence, no que diz respeito à sua função majoritariamente pedagógica,
e o que lhe é atribuído, algumas vezes, até indevidamente. Tudo isso contribui para o processo de constituição de sua
identidade profissional. O tema identidade profissional do Coordenador Pedagógico recebeu atenção especial no texto
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de Helena Lima, que, se encontra no ANEXO deste documento.


Resgatar o planejamento de sua rotina, oportuniza ao Coordenador Pedagógico observar os aspectos que ele tem
conseguido garantir - ou não - referentes ao seu trabalho. Abaixo, algumas questões que podem nortear essa tarefa.

Com que frequência estuda e planeja as pautas do horário coletivo de formação e PEA?
Como viabiliza a análise dos resultados de avaliações externas e internas nos momentos de formação?
Quais dias da semana acompanha a prática de sala de aula? Como organiza as devolutivas para esse professor?
Quais dias da semana acompanha atividades desenvolvidas na Sala de Recuperação Paralela, no Laboratório de
Informática, na Sala e Espaço de Leitura e nos projetos do contra turno?

213
Quando acessa o Sistema de Gestão Pedagógica boa parceria entre esses atores, é preciso que estejam
(SGP) para analisar os registros dos professores (planos, abertos, fazendo-se necessária a cooperação e a colabo-
conceitos, notas, avaliações etc.)? E o Sistema Educacio- ração, além de respeito mútuo, a fim de que o foco prin-
nal de Registro da Aprendizagem (SERAp), para analisar cipal seja o estudante em sua integralidade.
resultados das avaliações externas? Estou há três anos como professora em uma EMEF.
Como organiza o atendimento aos pais? Hoje, digo com muito orgulho que sou professora de
Em que momentos compartilha as ações e encami- 1º ano e adoro ser alfabetizadora. Porém minha história
nhamentos com o outro CP da escola? nem sempre foi assim. No ano de 2016, foi-me atribuída,
Qual espaço é reservado para atividades mais buro- pela primeira vez, uma turma de primeiro ano.
cráticas? A primeira reação foi entrar em desespero, porque eu
nunca tinha atuado com crianças tão pequenas. Nesse
Registrar e escrever são exercícios importantíssimos, período de adaptação, a presença da coordenadora pe-
muitas vezes pouco realizados. Práticas excelentes per- dagógica foi de suma importância, especialmente pela
dem-se no tempo e no espaço por conta do não com- ajuda constante nos planejamentos e na sala de aula,
partilhamento. Registros da rotina, de observações da tudo pautado pela indicação de vários referenciais para
prática do professor, de estratégias formativas, de criati- estudo. Essa parceria já tinha nascido em 2015, quan-
vidade teórico-metodológica, de construção e produção do iniciei minhas atividades nessa mesma escola, como
de conhecimento acontecem todos os dias nas escolas, professora de uma turma de 2º ano. Nossa parceria se
mas não são registrados. consolidou quando construímos, juntas, uma proposta
A rotina do CP precisa, também, prever um tempo diferenciada para a sala de aula.
para esse registro tão importante que documenta pro- Uma vez por semana, organizávamos a sala em can-
cessos, histórias e possibilita avaliar o alcance das ações, tinhos, oferecendo desafios matemáticos, jogos de di-
bem como ajustar percursos. ferentes tipos e o meu cantinho preferido, chamado de
Interessante e indispensável ao CP essa ação, que au- Cantinho Vip da Alfabetização. Esse cantinho permitia
xilia, principalmente, os momentos formativos (em que o que o professor atendesse especificamente alguns estu-
registro do PEA também é um desafio a ser trabalhado dantes que ainda não estavam alfabetizados, propondo,
com todos os professores). em um contexto lúdico, situações ajustadas que fizessem
cada estudante avançar. Enquanto eu estava nesse aten-
Formação Docente: a essência da atuação do Coor- dimento, a estagiária do programa Parceiros da Aprendi-
denador Pedagógico zagem apoiava os demais estudantes da turma, que es-
colhiam autonomamente as tarefas a desempenhar entre
Entre as funções a serem exercidas pelo Coordena- os vários desafios oferecidos pelos espaços e materiais
dor Pedagógico, destaca-se a de formador, uma vez que disponibilizados.
é ele o responsável pelo acompanhamento das ações Os cantinhos constavam na rotina semanal da turma,
pedagógicas da escola, estabelecendo relações de par- garantindo a regularidade da proposta desenvolvida em
ceria com os professores, construindo elos de confiança sala de aula. A rotina da Coordenadora Pedagógica tam-
e compartilhamento das problematizações referentes à bém previa momentos semanais de observação dessa
prática pedagógica numa perspectiva inclusiva, ou seja, atividade, que geravam devolutivas do trabalho realizado
de construção de espaços de aprendizagem para todos, e reflexões sobre a organização da proposta, fundamen-
acolhendo as diferentes condições e possibilidades dos tando o planejamento docente.
estudantes, o que, sem dúvida, caracteriza-se como um Diante dessas experiências, posso afirmar que, quan-
enorme desafio para a escola contemporânea. do existe parceria e o coordenador entra na sala de aula,
Sua atuação precisa articular o Projeto Político Peda- ele só tende a contribuir, a somar em nosso fazer pe-
gógico (PPP) da unidade escolar com o trabalho de refle- dagógico, pois serão vários os olhares sobre uma mes-
xão sobre a prática docente. Além disso, o CP é corres- ma realidade. Para que possamos fazer uma intervenção
ponsável pelos resultados de sua escola, pela qualidade efetiva com os estudantes, devemos ter em mente que
dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula, bem como coordenadores e professores “jogam no mesmo time”,
pelas aprendizagens dos alunos. portanto, não são oponentes nem antagonistas, mas
Para conseguir, de maneira satisfatória, tal articulação protagonistas, parceiros, aliados e, com isso, todos se
e realizar a formação, é preciso estabelecer uma relação beneficiam, principalmente os estudantes.
de parceria com os professores, possível quando há um
espaço de troca, diálogo e escuta atenta às demandas e O relato acima revela como a integração é essencial
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necessidades dos docentes. para um trabalho pedagógico eficaz e motivador. O de-


sencadeador desse processo de cooperação é a existên-
A Professora Marinalva Damaceno Costa Lima cia de um projeto de formação (individual ou coletiva)
por parte do CP. O projeto pode ser alterado e realinhado
Um caminho para a parceria entre professor e ao longo do tempo, mas é da existência de um projeto
Coordenador Pedagógico que nasce o diálogo, o debate, a melhoria e o acompa-
nhamento que indicam seus êxitos, equívocos e avanços.
Coordenadores Pedagógicos e professores podem Uma das reflexões sobre os projetos de formação
e devem ser parceiros. Dessa forma, ambos crescem e está relacionada à maneira como a formação se organi-
aprendem um com o outro. Porém, para que exista uma za. Espera-se que os professores se formem de maneira

214
dialógica, que se aproximem das práticas consideradas nejar pautas que estejam intimamente articuladas com
ajustadas à realidade dos estudantes. A força dessas o projeto de formação e que considerem o professor
mobilizações está na ideia de problematizar situações como sujeito aprendiz. Assim como os estudantes não
de aprendizagem com o professor, de modo que sejam aprendem um determinado conteúdo em apenas uma
criados contextos investigativos de formação. aula, precisando de uma sequência de aulas articuladas
Outro aspecto relevante, a ser considerado na elabo- a um propósito; ao planejar uma sequência de pautas,
ração do projeto de formação, é a seleção do conteúdo. para a equipe docente, é necessário abordar o conteú-
Sabemos que muitas são as demandas existentes nas es- do de diferentes formas e perspectivas ao longo de um
colas e que tratar de todas elas significa atuar na super- período, promovendo aproximações sucessivas junto ao
ficialidade. A escolha de um foco do mapeamento pode objeto tratado, para que se apropriem do conteúdo da
vir das necessidades formativas dos professores, as quais formação. Para articular o conjunto de pautas, é impor-
o coordenador pode identificar por meio de um diag- tante desenvolver um olhar sistêmico. Elaborar pautas
nóstico, assim como pela observação da prática docente, formativas é um desafio que se aprende. Segundo Lerner
das análises dos planejamentos e do desempenho dos (2007), trata-se de uma aprendizagem situada no âmbito
estudantes. das escritas profissionais. Não existe uma receita pronta
Delia Lerner (2007) defende o conhecimento didático para sua elaboração, mas é necessário que o CP articu-
como eixo estruturante do trabalho docente. A reflexão so- le reflexão - ação - reflexão - ação (SCHÖN, 2000). Para
bre a própria ação é o que permite ao professor avançar em elaborar uma boa pauta, é necessário observar três as-
suas conceitualizações. Isso implica afirmar que os conteú- pectos: problematização, sistematização e institucionali-
dos dos encontros formativos na escola devem apresentar zação dos saberes. Abordar os conteúdos de formação
relação com o trabalho desenvolvido em sala de aula. a partir de uma boa problematização e propor situações
Por exemplo, se o CP observou que faltam momentos desafiadoras ao professor, permite que ele as estabeleça
de leitura literária na rotina de seus professores ou que relação entre os conhecimentos prévios com o assunto
os estudantes estão apresentando dificuldade em com- tratado, fundamentando reelaborações e reconceituali-
preender textos difíceis, tratados num projeto didático, zações sucessivas. Para elaborar boas pautas, Monteiro
essas questões podem ser transformadas em conteúdos et al (2012), demonstra que é necessário definir o con-
de formação. Isso porque é possível ajudar os professo- teúdo a ser trabalhado, considerando:
res a pensarem como os estudantes estão aprendendo, - Os desdobramentos em subconteúdos;
quais conhecimentos possuem e como é possível inter- - As expectativas de aprendizagem dos professores;
vir para que haja avanço efetivo na aprendizagem deles, - O tempo previsto para o desenvolvimento do trabalho;
considerando a diversidade de saberes existente na clas- - A escolha das estratégias formativas, tais como a
se e as necessidades de aprendizagem. Trata-se, portan- dupla conceitualização e a tematização da prática
to, de uma reflexão sobre procedimentos didáticos refe- (tratadas a seguir);
rentes à forma como o professor pode pensar e realizar - A avaliação da formação e das aprendizagens dos
seus encaminhamentos. professores.
Considerando o processo formativo, é necessário,
ainda, que o CP estude, pesquise e selecione materiais Além disso, as pautas formativas devem ser elabora-
(vídeos, textos de estudo, atividades) a fim de tematizar das de modo que utilizem estratégias que:
as formações, priorizando, assim, conteúdos relaciona- - Coloquem em jogo o planejamento de situações di-
dos e necessários ao desenvolvimento profissional. dáticas a serem realizadas na sala de aula em lugar
Não menos importante que todo o planejamento e o das que focalizam o que ensinar e não avançam no
desenvolvimento do projeto de formação, é o acompa- como ensinar, deixando os professores sozinhos
nhamento do processo. Avaliar se os objetivos estão sendo nessa decisão;
atingidos, se o tratamento didático abordado nos encontros - Usem procedimentos que deem aos professores a
está sendo utilizado nas salas de aulas e como os professo- oportunidade de investigar, sistematizar e comu-
res compreenderam o conteúdo trabalhado na formação, é nicar o que aprendem, deixando de lado os que
fundamental para o sucesso da aprendizagem dos estudan- apenas reproduzem teorias pouco associadas aos
tes e desenvolvimento dos saberes dos professores. problemas profissionais;
Todo projeto de formação apresenta momentos de - Favoreçam a formação leitora dos professores, por
estudos coletivos. Esse é um lugar privilegiado de ação meio de leituras feitas pelo formador, do intercâm-
do CP e é por meio das pautas de formação que o con- bio entre os leitores, das cirandas de livro e das
teúdo didático poderá ser trabalhado. A organização das indicações literárias – em lugar daquelas que res-
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pautas de formação poderá definir como se dará o pro- ponsabilizam apenas cada um deles pelos percal-
cesso de aprendizagem dos professores. ços na autoformação leitora;
- Levem à reflexão sobre a sala de aula e as práti-
A Assessora Érica de Faria Dutra cas docentes, deixando de lado as estratégias que
priorizam a abordagem transmissiva de conheci-
Pautas formativas mentos didáticos;
- Coloquem em ação as escritas profissionais dos pro-
Sabemos que um espaço privilegiado para a forma- fessores (registro e análise das práticas, diários de
ção dos professores é o horário de estudo coletivo. Para classe, indicadores e relatórios, entre outros) em
esse momento, é necessário planejamento e essa tare- lugar daqueles que inviabilizam os processos de
fa está a cargo do CP. Nesse sentido, é importante pla- autoformação dos professores;

215
- Priorizem a análise das produções e avaliações dos investigar a partir de questões que foram criadas e dar
estudantes, interligando o como se ensina e o sentido a estudos bibliográficos, fazer com que o olhar
como se aprende (MONTEIRO et al, 2012, p. 67). mude a partir da perspectiva analisada, permitir que o
professor levante hipóteses e trace planos de ação, ela-
Estratégias formativas bore intervenções didáticas para um problema.
Segundo Weisz (2000, p.123) “chamamos a este tra-
Para colocar em prática o projeto de formação, por balho tematização da prática porque se trata de olhar
meio das pautas, é essencial que o CP pense em qual para a prática de sala de aula como um objeto sobre o
estratégia formativa utilizará. Trazemos neste documen- qual se pode pensar”. Partimos, então, do pressuposto
to duas que são consideradas potentes no processo de que analisar aulas, em vídeos ou por escrito, constitui
aprendizagem dos professores, são elas: as situações de uma ferramenta privilegiada de formação e para ser te-
dupla conceitualização e a tematização da prática. matizada é necessária estar documentada. O desafio que
As situações de dupla conceitualização, como o como se coloca para o formador, ao analisar uma aula, é focar
o próprio nome diz, abordam duas formas de tratar o ob- a observação em aspectos essenciais da prática do pro-
jeto de conhecimento: a primeira conceitualização ocorre fessor, ajudando-o a refletir sobre o seu fazer, de modo
quando o professor é convidado a refletir sobre o obje- a qualificá-lo. Ao tematizar uma aula, é necessário que o
to de ensino atuando com os mesmos desafios que os formador a descontextualize, de modo que seja possível
estudantes enfrentam; a segunda conceitualização se dá desencadear uma reflexão sobre o conhecimento didático.
quando ele reflete sobre as condições didáticas necessá- Consideramos que a grande vantagem de utilizar essa
rias para que seus estudantes possam aprender. estratégia nos horários coletivos e de formação está na
Segundo Lerner, Torres e Cuter (2007), essa estratégia possibilidade da reflexão compartilhada com os colegas
oferece: aos professores a oportunidade de se situar do que, somadas às intervenções do formador (neste caso
ponto de vista de seus estudantes, “de viver na própria o CP) permitam que o conteúdo analisado possa ser re-
carne” os problemas a serem enfrentados para resolver a contextualizado no momento do planejamento. Vale res-
tarefa proposta, assim como as dificuldades que se po- saltar a importância de preservar o professor tematizado
dem apresentar e a colaboração necessária para superá- e não o expor ao grupo de colegas. Por isso, no início do
-las. Compreender melhor a natureza da atividade inte- processo de formação, pode ser interessante tematizar
lectual que as crianças terão de realizar permite valorizar vídeos e atividades de professores que não participam
seus esforços, produções e descobertas e obriga – tam- desse espaço de formação.
bém – a afinar as condições que consideram ao organizar Conforme avançam na construção dos conhecimen-
a classe (LERNER; TORRES; CUTER, 2007, p. 100). tos didáticos, suas aulas podem ser tematizadas com
Utilizando como exemplo o trabalho de leitura literá- mais frequência. Segundo Lerner, Torres e Curter (2007):
ria, o CP poderia realizar uma leitura em voz alta para os A tematização sempre é produto de diversos distancia-
professores, selecionando um texto voltado para o pú- mentos: distanciamento da ação na sala de aula, ação
blico adulto, planejando uma conversa apreciativa com que se desenvolve perante a vista dos professores por
o intuito de discutir os comportamentos leitores. Em meio dos registros; distanciamento da experiência so-
seguida, promoveria uma discussão sobre as condições litária do professor para participar de uma experiência
de ensino, para que seja possível uma reflexão sobre as compartilhada, que permite estabelecer comparações e
condições didáticas fundamentais ao trabalho. obter complementaridades, pois a experiência de cada
Por fim, o professor poderia ser convidado a planejar professor entrelaça-se com a de seus colegas e com a
uma atividade ou sequência didática a partir da expe- da formadora (LERNER; TORRES; CURTER, 2007, p. 127).
riência vivida. Não se trata de replicar a proposta, já que Em síntese, segundo esse modelo de ação formati-
a primeira era voltada ao professor, mas sim de se apoiar va, um aspecto fundamental do trabalho do formador é
nela para pensar e planejar atividades para os estudan- acompanhar os professores no desenvolvimento de sua
tes. Essa estratégia pode ser utilizada em qualquer mo- tarefa, promovendo tanto a transformação de sua prática
mento do percurso formativo e segundo Lerner, Torres e cotidiana quanto a construção progressiva de uma con-
Curter (2007): as necessidades detectadas nos grupos de cepção didática. Trata-se de trabalhar, com o professor,
professores podem variar a ênfase que se põe na ‘práti- em ação - o antes, o durante e o depois. É, ainda, funda-
ca’ e na ‘conceitualização’. Em alguns casos [o conteúdo] mental ressaltar que a escolha de estratégias formativas
ocupa o primeiro plano da cena; em outros, a prioridade deve considerar o conteúdo da formação e os conheci-
é a conceitualização didática – que se refere tanto ao ob- mentos prévio dos professores.
jeto de ensino quando às condições de sua realização em
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sala de aula – e sua vinculação com o planejamento de A Formação continuada do Coordenador Pedagógico
atividades similares que se realizarão com os estudantes.
Em outras instâncias de formação, diferentemente, O Coordenador Pedagógico é, na escola, o principal ar-
as duas dimensões podem aparecer equilibradamente ticulador do grupo docente. Entre suas muitas demandas,
(LERNER; TORRES; CURTER, 2007, p. 73). A tematização organiza os conteúdos de formação continuada na escola
da prática, outra estratégia formativa potente, parte da em prol da qualificação do ensino e da aprendizagem dos
análise de situações didáticas realizadas em sala de aula. estudantes. Essa é uma tarefa de grande responsabilidade
Telma Weisz (2000) tem difundido e defendido essa es- e que requer, além de planejamento, conhecimentos acer-
tratégia como a que mais fornece dados para a reflexão, ca de sua função e dos princípios normativos que regem a
pois é possível identificar problemas e tentar resolvê-los, educação e a rede municipal de ensino.

216
Por isso, cabe a ele também ser um mediador de diálogos entre os estudantes, os gestores, a comunidade e os
temas culturais vividos que estão disponíveis na cidade, na região e nos meios de comunicação. Tudo isso deve chegar
ao ambiente escolar. Isso significa que, além de ouvir o que existe, ele traz novos desafios com temas que a sociedade
coloca ao cidadão. Os movimentos da cultura que acontecem na cidade e no mundo são assuntos intimamente ligados
à formação do professor e dos estudantes. Assim, as exposições de arte, os filmes de qualidade estética e que colocam
dilemas éticos, as publicações da literatura ou da economia, os vídeos documentais sobre temas provocadores (e que
trazem o debate interdisciplinar), as peças teatrais, movimentos em defesa do meio ambiente etc. são de responsa-
bilidade de o CP trazê-los, também, como elementos de formação contínua de professores e estudantes. Os próprios
professores são fontes inesgotáveis de conhecimento desses eventos e dessas provocações culturais. Cabe, de alguma
forma, ao CP trazer à baila, nos momentos coletivos, o que se passa nesta cidade das mais cosmopolita do mundo. Por
isso, a participação em momentos formativos, que contribuam para a atuação do Coordenador Pedagógico, tem-se
colocado como condição para o desenvolvimento de uma intervenção adequada nos processos de ensino e de apren-
dizagem realizados na escola e nos conteúdos a serem tratados nos diferentes componentes curriculares.
Na Rede Municipal de Ensino, o Coordenador Pedagógico, como requisito para assumir esse cargo, necessita ser
docente (com experiência comprovada) e licenciado em pedagogia. A formação inicial fornece uma importante base
pedagógica que será aprimorada com a experiência docente. Como o nome sugere, trata-se de um primeiro contato
com os princípios e fundamentos teóricos que regem a educação e que estruturarão as ações educativas. No entanto,
assumir a coordenação pedagógica da escola, envolve conhecimentos e saberes específicos que a formação continua-
da necessita valorizar. A própria vivência de conhecimento do grupo, do contexto daquela escola, da comunidade que
a envolve, os estudantes que a cada ano se renovam, a sociedade que a cada dia coloca novos desafios à escola são
o livro em que aprendem sua função. Mas isso não basta como processo de construção de sua identidade e de sua
formação. Ela deve ser permanente.
A formação continuada, aquela que se estende por toda a carreira, compreende a qualificação e aprimoramento do
profissional da educação. Implica em conhecimento e atualização sobre os fundamentos teóricos educacionais, bem
como a compreensão da diversidade de contextos sociais. Tais conhecimentos ampliam as possibilidades e promovem
a reflexão acerca de sua própria atuação.
Essa composição demanda, entre outras coisas, autoformação. O conceito é desenvolvido por Vera Placco (2014)
e, de acordo com a autora, envolve: o domínio do conhecimento produzido na área de educação, mas também na
área da cultura, da arte, da filosofia e da política, de modo que, em suas interações com os professores, possa ampliar
as experiências e atitudes dos professores, não somente em relação à educação e as demais áreas em discussão, mas
também em relação à sua própria prática pedagógica e maneira de ver o mundo e apresentá-lo a seus estudantes
(PLACCO, 2014, p. 532).
A cidade de São Paulo oferece inúmeras atividades (muitas gratuitas), como cursos, exposições, espetáculos, ativi-
dades esportivas, seminários, oficinas, grupos de estudos que criam um cenário cultural que pode ser escolhido pelos
educadores como um roteiro formativo. Claro que um plano feito com outros colegas educadores ou artistas ou pro-
fissionais de outras áreas, que também desejam estudar, facilitará a eficácia e continuidade de tais formações “fora do
serviço”, mas que têm amplo impacto de compreensão da própria profissão.
Dominar conhecimentos diversos e organizar-se em grupos de estudos para proporcionar uma intervenção qua-
lificada junto aos professores envolve atenção e participação do próprio CP nos movimentos culturais disponíveis na
cidade ou nas redes de comunicação, em especial aqueles ligados ao campo cultural mais amplo. Porém essa apropria-
ção de conhecimentos não é responsabilidade única e exclusiva do Coordenador Pedagógico. Pode se tornar de uma
cultura que se espalha na escola.
É responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação, mediante a Coordenadoria Pedagógica (COPED) e as
Diretorias Pedagógicas (DIPED) das DREs, a formação continuada do CP. Essa formação institucional, além de discutir
as diretrizes curriculares da rede, deve contemplar as especificidades da atuação do CP e dar evidência ao trabalho
realizado nas escolas. As equipes técnicas de SME são responsáveis por essa formação, que pode ser entendida como
uma cadeia formativa (GOUVEIA; PLACCO, 2013). As autoras explicitam que:
A melhoria da qualidade da escola pública não é fruto de uma ação isolada, externa e pontual de formação. Ao
contrário, pressupõe um conjunto de ações interligadas, envolvendo os diversos atores que compõem o cenário edu-
cativo. Os coordenadores são responsáveis pela formação, porém não podem assumir essa tarefa sozinhos (GOUVEIA;
PLACCO, 2013, p. 72).
Os envolvidos na cadeia formativa se interligam num processo de corresponsabilidade pela qualidade do ensino,
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

processo esse horizontal, democrático e comprometido com a aprendizagem dos estudantes e sua intervenção social.
A composição dessa cadeia, voltada ao contexto da Secretaria Municipal de Educação, é demonstrada a seguir:

217
Essa imagem ilustra o movimento formativo da SME junto às DIPEDs e coordenadores pedagógicos, tendo em vista
a articulação das Unidades Escolares, bem como a valorização do processo de escuta dos sujeitos envolvidos nessa
formação, que retroalimentam a cadeia e indicam os ajustes necessários ao processo formativo, adequando-os às de-
mandas dos professores e estudantes.
Habitualmente, a formação institucional ocorre de forma descentralizada nas diferentes regiões da Cidade de São
Paulo, por meio das DIPEDs. Os encontros periódicos dos coordenadores são momentos privilegiados de trocas de
experiências e saberes entre os pares, além de propiciar a reflexão acerca da função coordenadora e de fornecer orien-
tações para as ações de implementação curricular nas escolas. Essas reuniões não são momentos de prescrição de
diretrizes; antes, são espaços de interlocução dialógica e horizontal que contribuem para a formação do Coordenador
Pedagógico da SME.
Veja, no quadro a seguir, um relato da DRE Itaquera, referente à atuação formativa da equipe da DIPED.

A Formadora da DIPED Estela Vanessa de Menezes Cruz - DRE Itaquera

O ano letivo de 2017 teve início com o delineamento de um novo tempo para a educação da Cidade de São Paulo,
porque esteve ancorado no tripé: Currículo, Avaliação e Formação. A partir dessas diretrizes, a DRE Itaquera deu início
ao seu planejamento, procurando traçar um percurso de formação e de acompanhamento das Unidades Escolares sob
sua jurisdição. A primeira ação foi uma reunião de trabalho com caráter formativo entre Coordenadores Pedagógicos,
Diretores, Supervisores e membros da DIPED, CEFAI e NAAPA para discutirmos sobre a avaliação diagnóstica, o Sistema
SERAp e as particularidades da sondagem de Língua Portuguesa e de Matemática.
Aproveitamos esse contexto também para mapearmos as necessidades formativas dos Coordenadores Pedagógi-
cos, procurando, dessa forma, tê-los como coautores da rota escolhida para os encontros. Esse foi o primeiro passo
para nós nos constituirmos como grupo e os CPs nos perceberem assim. Para que o Coordenador fomente a criação
de grupos de professores nas escolas onde atuam, é fundamental que também tenham vivenciado a experiência de
fazer parte de um grupo. Por isso, estamos exercitando, nas formações centrais, o que é ser parte de um grupo, con-
tribuindo para que os Coordenadores, a partir dessa experiência, também fomentem a aproximação e a parceria entre
os professores da Unidade Escolar.
Na constituição do nosso grupo, não há “muro de lamentações”, mas tempos e espaços voltados ao aprimoramento
do fazer pedagógico de cada CP. As formações contemplam contextos para estudar e refletir, tendo a qualificação da prática
docente como eixo condutor do processo de formação, uma vez que: [...] é preciso criar um campo favorável ao desenvolvi-
mento profissional do formador, de maneira a ajudá-lo a estar apto para liderar um trabalho nas bases que se propõe. Um
contexto que estimule uma constante análise crítica de seu trabalho. E essa prática é possível quando determinadas condi-
ções são dadas ao formador e criam demandas às quais ele deve dar resposta (CARDOSO,2007, p. 370).
Com o passar do tempo e a partir das possibilidades formativas proporcionadas pelos encontros em DRE, estamos
percebendo o crescimento de cada Coordenador Pedagógico no e pelo grupo, em um movimento dialógico de sabe-
res. Para ampliarmos o potencial das formações oferecidas na DRE, trabalhamos paralelamente no acompanhamento às
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs). Ao visitá-las, atuamos em parceria com a equipe gestora, refletindo
sobre os desafios do cotidiano escolar e procurando construir, coletivamente, estratégias de superação.
Nesses acompanhamentos, foi possível estreitar vínculos com os Coordenadores Pedagógicos, conhecer as neces-
sidades formativas dos professores e planejar conjuntamente as reuniões de formação, tendo por foco a garantia dos
direitos de aprendizagem de todos os alunos.
O grande desafio das mudanças no campo das políticas públicas é garantir que elas permaneçam, para além das
alternâncias de governo, com foco na aprendizagem, com qualidade, das crianças, jovens e adultos da nossa cidade.
Para isso, é fundamental ressaltar a importância dos Coordenadores Pedagógicos (CPs) se reconhecerem como gesto-
res públicos. Nesse sentido, a formação proporcionada pela DIPED tem um papel essencial de empoderar esse CP para
que seja formador, articulador e transformador no contexto escolar.

218
Identidade do trabalho do Coordenador Pedagógico Frente ao princípio da diversidade como critério edu-
cativo, cabe à comunidade escolar instalar uma nova
É essencial destacar que as especificidades do tra- lógica de ensino e de aprendizagem, por meio da ins-
balho do Coordenador Pedagógico precisam ser obje- tituição de uma didática inclusiva, como um princípio
tos de estudo. O conhecimento sobre a ação docente é para se pensar o ensino, a aprendizagem e a mediação
imprescindível, portanto as vivências no magistério e a pedagógica e, assim sendo: a didática revela-se com um
participação em momentos formativos, junto aos profes- forte potencial para promover novas relações educativas
sores, são importantes. Porém, para que sua intervenção e transformar nossas salas de aula em salas inclusivas,
crie condições para o avanço das aprendizagens e para não porque possuem estudantes público-alvo da edu-
a superação dos desafios que perpassam os processos cação especial, mas porque sua dinâmica permite uma
de ensino, saberes e conhecimentos próprios à função prática participativa e dialógica, e as estratégias e mé-
coordenadora, eles devem estar apropriados e, portanto, todos utilizados pelos professores se caracterizam como
tematizados em sua formação. uma mediação pedagógica geradora de aprendizagem e
Outro meio de formação do Coordenador Pedagógi- desenvolvimento para todos, mesmo que alguns trilhem
co é a interação com a equipe docente da escola. “À me- outros caminhos (OLIVEIRA, 2014b).
dida que ele contribui para a formação do professor em Uma das possibilidades é a constituição de uma pro-
serviço, ele também reflete sobre sua atuação e, conse- posta curricular que considere a riqueza das diferenças
quentemente, está realizando a sua autoformação conti- presentes no cotidiano das salas de aula. Uma proposta
nuada” (GEGLIO, 2003, p. 118). Situações como reuniões possível é o trabalho com núcleos conceituais ou com
pedagógicas, formação continuada na JEIF, observações o elemento principal dos conteúdos que se pretende
de aulas e de atendimentos compartilhados, são boas ensinar. Dessa forma, abre-se espaço para atuar a partir
oportunidades de reflexão sobre a ação de ouvir o outro de diferentes condições e possibilidades dos estudan-
- o que nem sempre é possível na rotina escolar - esta é tes, criando novas formas de apresentar os conteúdos
uma situação de aprendizagem de mão dupla. Ademais, e novas formas de conduzir o processo de ensino e de
preparar tais ações implica em estudo e planejamento, aprendizagem, potencializando as interações em sala de
é um movimento contínuo, processual e dialógico que aula, o uso de recursos múltiplos e diferenciados, formas
promove a formação de todos os envolvidos. distintas de registros escritos, de raciocínio, de execução
É importante que o coordenador se compreenda das situações problemas, experiências e vivências coleti-
como um constante pesquisador e estudioso, compro- vas, propostas de pesquisas investigativas, entre tantas e
metido com seu contínuo processo de aprendizagem outras formas inovadoras de ensinar.
e aprimoramento profissional. Além disso, é necessário Mas ainda há algo mais. Permitir a cada um o seu
que esse aprimoramento e essa atualização sejam enten-
caminhar pela aprendizagem, sem a imposição de uma
didos como elementos-chave e de vital apoio junto aos
única forma de lidar com os objetos de conhecimento.
professores no processo de ensino e de aprendizagem
Construir um espaço de aprendizagem, oferecendo re-
dos estudantes.
cursos, estratégias, orientações diferenciadas e, se ne-
Prever na rotina de trabalho tempo para o estudo e
cessário, utilizar comunicação alternativa com estudantes
para a autoanálise sobre a sua própria prática, é funda-
não-falantes, tecnologia assistiva para os com dificulda-
mental. Esse tempo será mais produtivo/qualificado à
des motoras, recursos ampliados, táteis e sinestésicos
medida que seu objeto de conhecimento estiver alinha-
do às demandas formativas do sistema de ensino e da para cegos ou aqueles com baixa visão, orientação mais
escola. Dada a sua importância, tal momento não pode específica e direta para os com deficiência intelectual, in-
ser preterido, constituindo-se parte importante do traba- térprete para os usuários de LIBRAS, etc.
lho do Coordenador Pedagógico e dando embasamento É, então, nessa dinâmica que se instala o imprescin-
ao planejamento das ações desse profissional. dível papel de articulação da coordenação pedagógica,
em parceira com os professores na elaboração e reflexão
Com a palavra sobre a prática pedagógica inclusiva, exercitando efeti-
A assessora Anna Augusta Sampaio de Oliveira vamente a práxis educacional diante do desafio dos pro-
Coordenação e inclusão: a necessária mediação cessos inclusivos.
pedagógica Cabe ao Coordenador Pedagógico, de forma coletiva
e dialógica, levar a comunidade escolar a refletir sobre a
Indiscutivelmente, a Coordenação Pedagógica da proposta de inclusão escolar, compreendendo-a a partir
escola tem um papel fundamental no planejamento e do paradigma de diversidade e uma possibilidade histó-
rica de superação de preconceitos que ainda permeiam
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

execução da proposta pedagógica, definida pela comu-


nidade escolar. A complexidade do ato educativo inclui a sociedade brasileira como as questões relacionadas à
o desafio de construir sistemas educacionais inclusivos, etnia, gênero, religiosidade, migração e, entre tantas ou-
os quais devem responder às necessidades de todo e tras diferenças, as condições relacionadas às deficiências,
qualquer estudante. Entretanto, embora já tenham se transtornos globais do desenvolvimento e altas habilida-
passado quase 15 anos da publicação da Declaração de des e superdotação.
Salamanca e da perspectiva inclusiva explicitada na Lei Também é preciso pensar nas articulações interse-
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de1996, ain- toriais quando essas se fizerem necessárias para ofere-
da temos muito a avançar na direção de uma escola para cer aos estudantes suportes pedagógicos especializa-
todos, capaz de lidar com a diversidade de toda ordem e dos para o seu pleno desenvolvimento. Entretanto, vale
de ensinar na diferença. mencionar que o suporte será sempre complementar ou

219
suplementar à sala de aula, portanto, não substituem as A Rede Municipal de Ensino entende que a inclusão
aprendizagens e intenções na classe comum. Cabe ao dos estudantes imigrantes transcende os muros escola-
Coordenador Pedagógico e à equipe escolar buscar al- res. A formação proposta pela Diretoria de Educação de
ternativas de aprendizagem para aqueles que compõem Jovens e Adultos (DIEJA), em parceria com a Secretaria
o público alvo da educação especial e não transferir para Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, o “Portu-
o atendimento educacional especializado (AEE) o com- guês para Imigrantes”, é um dos esforços empreendidos
promisso do ensino, uma vez que é um espaço diferen- na superação da barreira linguística, não apenas para
ciado cuja atuação não está focada no currículo escolar os estudantes, mas também para suas famílias. Os mo-
como um todo. Mesmo que o estudante tenha o apoio vimentos já institucionalizados, “Agosto Indígena”, “No-
no AEE, permanece o desafio da escola na busca de ca- vembro Negro” e “Dezembro Imigrante”, objetivam a
minhos para sua aprendizagem. valorização das diferentes culturas e a visibilização das
Nosso desafio comum é organizar o ensino de modo práticas inclusivas presentes em nossas escolas.
que impulsione o desenvolvimento integral e conside-
rar que mesmo aqueles que apresentam dificuldades de O Currículo da Cidade reafirma o compromisso da
aprendizagem têm potencial para aprender e avançar na SME com o acolhimento do imigrante, ao propor a “di-
compreensão do mundo na autorregulação de seu com- ferença como característica inerente da humanidade, ao
portamento e na apreensão da experiência histórica do mesmo tempo em que desnaturaliza as desigualdades”
gênero humano. (SÃO PAULO, 2017, p. 24). Não obstante, conforme en-
fatizado neste documento, os desdobramentos do cur-
Coordenação e diversidade rículo acontecem nas práticas pedagógicas. Conforme
Gomes (2007):
O direito à aprendizagem de todos os estudantes Não é tarefa fácil trabalhar pedagogicamente com a
e o princípio da equidade, explicitado no Currículo da diversidade, sobretudo em um país como o Brasil, marca-
Cidade, pressupõem uma educação que considere a di- do por profunda exclusão social. Um dos aspectos dessa
versidade como possibilidades de intercâmbio cultural. exclusão – que nem sempre é discutido no campo edu-
Além disso, a superação das desigualdades sociais só é cacional – tem sido a negação das diferenças, dando a
possível por meio do conhecimento acerca dos povos estas um trato desigual (GOMES, 2007, p. 30).
historicamente discriminados e da inserção da temática O preconceito e a discriminação racial, presentes em
e cultura étnico-racial nos currículos escolares. nossa sociedade, por vezes são reproduzidos nas escolas.
Nesse sentido, as Leis Federais 10.639/03 e 11.645/08, Assumir a existência do racismo, frequentemente velado,
que instituem o ensino da história e cultura afro-brasi-
é essencial para combatê-lo (GOMES, 2005). Logo, estar
leira e indígena nos currículos oficiais e a Lei Municipal
atentos a atos de discriminação e preconceito é ponto
16.478/16, que institui a política municipal para a popu-
focal se desejamos combater qualquer discriminação. As
lação imigrante, surgem como importantes ações e polí-
questões étnico-raciais precisam ser contempladas nos
ticas públicas afirmativas educacionais. Porém, para que
momentos de formação e reflexão propostos pelo Coor-
currículos escolares se concretizem como práticas peda-
denador Pedagógico.
gógicas, é necessário trazer a lei à prática escolar.
O entendimento conceptual sobre o que é racismo,
Nilma Lino Gomes (2005), ao tratar a temática “Educação
e relações raciais”, destaca a importância da atuação dos pro- discriminação racial e preconceito, poderia ajudar os(as)
fissionais da educação e do efetivo apoio das redes, para sub- professores(as) a compreenderem a especificidade do
sidiar a formação docente. De acordo com a autora: racismo brasileiro e auxiliá-los a identificar o que é uma
Pensar na inserção política e pedagógica da questão prática racista e quando esta acontece no interior da es-
racial nas escolas significa muito mais do que ler livros cola. Essa é uma discussão que deve fazer parte do pro-
e manuais informativos. Representa alterar os valores, a cesso de formação dos professores (GOMES, 2005, p.
dinâmica, a lógica, o tempo, o espaço, o ritmo e a estru- 148).
tura das escolas. Significa dar subsídios aos professores, É preciso garantir o direito e a qualidade do ensino
colocá-los em contato com as discussões mais recentes aos sujeitos histórica e socialmente excluídos. Uma vasta
sobre os processos educativos, culturais, políticos (GO- bibliografia pode ser estudada e conhecida pela equipe
MES, 2005, p.152). escolar. O box abaixo possui sugestões de leituras que
A SME, por meio do Núcleo de Educação para as Re- podem contribuir para a reflexão sobre a formação his-
lações Étnico Racial (NEER), tem promovido formações e tórica e cultural da sociedade brasileira contemporânea
experiências de valorização das diversas culturas, em es- e seus dilemas, bem como para o trabalho realizado nas
UEs para valorização das diversidades culturais e raciais.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

pecial, aquelas presentes em nossas unidades escolares.


Em último levantamento realizado pelo NEER, estudantes
de 81 nacionalidades diferentes encontram-se matricula- O Coordenador Pedagógico na Implementação
dos na Educação Básica oferecidas do Município. Além Curricular
dos historicamente discriminados pela colonização do
país, imigrantes, em especial nos últimos anos, encontra- A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo deu
ram na Cidade de São Paulo domicílio. Isso significa que início, em março de 2017, ao processo de atualização cur-
temos um grande desafio no que diz respeito às apren- ricular, considerando as definições das versões da Base
dizagens desses estudantes, que vai da superação das Nacional Comum Curricular (BNCC) sobre as aprendiza-
barreiras linguísticas até o combate à discriminação, que gens essenciais dos estudantes do Ensino Fundamental.
reconhecidamente prejudica a aprendizagem.

220
Esse processo se constituiu a partir da articulação de muitas vozes, pois, apesar de provocar deslocamentos e recom-
binações, não podiam desconsiderar a identidade da Rede Municipal de Ensino. Dessa forma, a construção do Currículo da
Cidade se fez a muitas mãos, porque levou em conta e articulou as novas rotas de trabalho e as experiências locais.
Apoiados em Garcia (1999, p. 47), compreendemos que “qualquer tipo de mudança no ensino, no currículo, de-
pende em grande parte dos professores”. Nesse sentido, reafirma-se o papel de cada docente na mudança curricular,
visto que suas escolhas determinam a forma como o currículo aterrissa e se (re)reconstitui no cotidiano da sala de aula.
Nesse contexto, o papel do CP é determinante para a implementação das inovações curriculares propostas pelo Currí-
culo da Cidade. O lugar de formador e articulador, exercido pelo CP, é decisivo para a criação de situações coletivas e
cooperativas de estudo, reflexão e revisão dos planos de ensino dos professores.
A mudança da escola só se dará quando o trabalho for coletivo, articulado entre todos os atores da comunidade
escolar, num exercício individual e grupal de trazer as concepções, partilhá-las, ler as divergências e as convergências
e, mediante esses confrontos, construir o trabalho. O coordenador, como um dos articuladores desse coletivo, precisa
ser capaz de ler, observar e congregar as necessidades dos que atuam na escola; e nesse sentido, introduzir inovações,
para que todos se comprometam com o proposto (ORSOLON apud FUJIKAWA, 2006, p. 137).
Para que isso aconteça, o coordenador tem muito trabalho pela frente e um deles é de também apropriar-se dos
debates em torno do Currículo da Cidade, compreendendo seus fundamentos e estrutura documental. Nesse sentido,
esta publicação apresenta aspectos que estruturam o Currículo da Cidade e vislumbra outros que serão aprofundados
e debatidos nas demais publicações, como os documentos de Orientações Didáticas que auxiliarão a concretizar os
novos rumos para a Educação da cidade de São Paulo.
Cabe destacar que o novo currículo não desconstrói os projetos da escola, mas convida a repensar seus propósitos
e sentidos, podendo articulá-los a um novo caminho curricular que, por ser direcionador e, ao mesmo tempo, flexível,
permite que a escola seja única e parte constituinte de uma rede na garantia da aprendizagem de todos os estudantes.
Os percursos de formação e acompanhamento do trabalho docente que norteiam a atuação do Coordenador Pe-
dagógico perpassam pelo conhecimento e apropriação desse currículo. Dessa forma, apresentamos, neste documento,
a estrutura do novo Currículo da Cidade e as especificidades do trabalho do Coordenador Pedagógico, corroborando
para sua implementação.

O Currículo da Cidade de São Paulo: uma breve apresentação

O Currículo da Cidade de São Paulo para o Ensino Fundamental foi construído ao longo do ano de 2017, constituin-
do-se como uma produção coletiva com profissionais da Rede e um marco no percurso da Secretaria Municipal de Edu-
cação da Cidade de São Paulo. A proposta curricular dialoga com as discussões acerca das versões da Base Nacional
Curricular Comum (BNCC), mas, para além dela, considera a história da Rede, assim como suas especificidades quanto
à estrutura do Ensino Fundamental, que – entre outros aspectos - está organizado em Ciclos.
A atualização do Currículo da Cidade considerou alguns princípios básicos para sua elaboração de produção como
continuidade, relevância, colaboração e contemporaneidade, os quais são explicitados no documento introdutório.
Nesse sentido, observa-se que o percurso de atualização curricular considera a história da Rede Municipal de Ensino,
reafirma seu compromisso com a aprendizagem das crianças e contempla os desafios da contemporaneidade do sécu-
lo XXI numa construção dialógica e colaborativa.
O Currículo da Cidade propõe uma Matriz de Saberes que dialoga com cada Área do Conhecimento do Ensino Funda-
mental. Essa matriz referencia-se em princípios explicitados nos capítulos introdutórios e é ilustrada no diagrama a seguir:

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

221
Cada item do diagrama corresponde a um princípio da Matriz de Saberes. Esses princípios incorporam saberes e
orientam as escolhas curriculares explicitadas em cada Componente Curricular.
Essa matriz dá origem a uma proposição curricular estruturada em nove Componentes Curriculares, agrupados em
cinco Áreas do Conhecimento, como demonstrado a seguir:

Esses documentos propõem um trabalho progressivo do 1º ao 9º ano em todos os componentes curriculares. Por
isso, cada volume contempla, na sua estrutura e proposição, as especificidades do Ciclo de Alfabetização (1º ao 3º ano),
do Ciclo Interdisciplinar (4º ao 6º ano) e do Ciclo Autoral (7º ao 9º ano).
O documento referente a cada Componente Curricular está dividido em duas partes. Os capítulos introdutórios que
compõem a primeira parte constituem um texto comum cuja proposição é apresentar os princípios que fundamentam
o Currículo da Cidade, situar os leitores sobre o processo de atualização curricular e orientar o percurso de implemen-
tação. A segunda parte apresenta as especificidades de cada componente curricular nos ciclos de aprendizagem (Ciclo
de Alfabetização, Ciclo Interdisciplinar e Ciclo Autoral) e traz orientações para o trabalho do professor.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Como o Componente Curricular é apresentado?


O Componente curricular está organizado em eixos, objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e de-
senvolvimento.
Os eixos são elementos estruturantes definidos em cada componente Curricular. Eles agrupam diferentes Objetos
de Aprendizagem que delimitam o que os professores precisam ensinar em cada ano do Ensino Fundamental. Cada
objeto, por sua vez, desdobra-se em Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento que especificam o conjunto de
saberes que os estudantes precisam desenvolver ao longo do Ensino Fundamental.
Cada objetivo de aprendizagem é assinalado por um código de identificação, com a estrutura demonstrada a seguir:

222
Como o Componente Curricular é apresentado?

O Componente curricular está organizado em eixos, objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e


desenvolvimento. Os eixos são elementos estruturantes definidos em cada componente Curricular. Eles agrupam dife-
rentes Objetos de Aprendizagem que delimitam o que os professores precisam ensinar em cada ano do Ensino Fun-
damental. Cada objeto, por sua vez, desdobra-se em Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento que especificam
o conjunto de saberes que os estudantes precisam desenvolver ao longo do Ensino Fundamental. Cada objetivo de
aprendizagem é assinalado por um código de identificação, com a estrutura demonstrada a seguir:

Alguns objetivos de aprendizagem podem vir acompanhados de um ou mais ícones que indicam possibilidades de
articulação entre os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) que compõem a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

223
O esquema a seguir, que faz parte do documento introdutório do Currículo da Cidade, demonstra como os 17
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão relacionados aos P´s (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parceria)
previstos na Agenda 2030:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

224
Ao longo do processo de implementação curricular, é tudantes apresentam. Assim, esses são momentos im-
fundamental revisitar os Planos de Trabalho com os pro- portantes para que o coordenador possa articular inter-
fessores, procurando estabelecer conexões entre o que venções. No entanto, observar o que realmente acontece
se faz na escola e a nova estrutura curricular. Ao dese- pode enriquecer a percepção do coordenador, tanto em
nhar novas rotas de ensino, é essencial conhecer o que relação às fragilidades da formação dos professores, que
os estudantes sabem e estruturar processos que preve- precisam ser fortalecidas, como na identificação das di-
jam o acompanhamento e a avaliação dos estudantes, ficuldades dos estudantes e as relações estabelecidas no
garantindo a construção dos conhecimentos indicados espaço.
para cada ano do Ensino Fundamental, considerando - é É comum escutarmos dos professores que eles po-
claro - o ciclo. dem “fechar a porta” e fazer o trabalho do modo que
acreditam. Sem dúvida, o professor tem autonomia para
O Coordenador Pedagógico no acompanhamento construir as situações de ensino, mas é um equívoco
e Avaliação das Aprendizagens pensar que essa prática deve ser individual e solitária.
O desenvolvimento das práticas do professor, por
A aprendizagem é, das situações de interação, uma meio de reflexões, necessita de diálogo, trocas de expe-
das mais relevantes à vida social. Dessa forma, é neces- riência e de conhecimentos com a comunidade escolar e,
sário dar atenção às condições em que a aprendizagem principalmente, com o Coordenador Pedagógico. Nesse
ocorre, uma vez que não basta estar na escola e em in- sentido, a observação das aulas pode ser um caminho
teração com o ambiente escolar. Para aprender, é preci- para acompanhar - de perto - as práticas desenvolvidas.
so entender como e em quais situações os processos de Para melhor justificar a importância da entrada do
aprendizagem têm ocorrido. Nesse sentido, o acompa- coordenador em sala de aula, tomamos por referência o
nhamento das aprendizagens é premissa para um traba- aspecto prático como espaço para construção de conhe-
lho pedagógico que se pressupõe de qualidade. cimentos a partir de experimentações e reflexões sobre a
Tão importante quanto o planejamento, o acompa- ação, baseando-se nos estudos de Schön (2000).
Vale ressaltar que Schön (2000) não exclui a impor-
nhamento da prática pedagógica possibilita ao coorde-
tância de propostas formativas em que se discutam teo-
nador a proximidade com os processos de ensino, con-
rias, conteúdos e outros aspectos referentes à prática,
dição essencial para que se possa realizar intervenções
ainda que não dentro dela diretamente, mas enfatiza
qualificados. Observar as aulas do professor permite a
que - sempre que possível - é necessário voltar-se para
compreensão das realidades das turmas, a aproxima-
a prática, para o que acontece, para o que é próprio da
ção com as dificuldades encontradas pelos docentes e a
atividade do professor.
oportunidade de intervir, em parceria com professores,
Desse modo, acreditamos que os espaços de experi-
nas aprendizagens dos estudantes. mentação podem ser garantidos pelas observações das
A interação, como parte integrante do processo edu- aulas. Estar na sala de aula junto com o professor é um
cativo, deve ser objeto de observação e acompanhamen- modo de compartilhar as decisões tomadas, acompanhar
to pelo Coordenador Pedagógico, o qual se destaca pelo como as práticas acontecem e estabelecer diálogos que
fato de ser, entre o trio gestor, aquele cuja função é es- permitam a reflexão em um processo formativo. Na me-
pecificamente o fazer pedagógico. dida em que essa ação se transforma em atividade habi-
Nesse sentido, a observação de aula é um importante tual do coordenador e do professor, respeitando espaços
instrumento de análise das situações de ensino pelo CP e de diálogo, a observação das aulas torna-se um espaço
pode fornecer dados concretos sobre as necessidades de privilegiado de troca de saberes e de análise de práticas.
formação dos professores da UE. Schön (2000) sugere três estratégias para apoiar o
Com a palavra desempenho das ações do formador: experimentação
em conjunto, demonstração acompanhada de reflexão
A assessora Débora Reis Pacheco experiência e análise de situações homológicas. As três
A importância da observação das aulas no acompa- estratégias podem ser pensadas para justificar e embasar
nhamento das aprendizagens o trabalho de observação das aulas, considerando o foco
Por que observar aulas? do autor nos aspectos práticos.
A experimentação em conjunto refere-se ao esforço
A função do Coordenador Pedagógico envolve dife- comum entre formador e formando para resolver um
rentes atividades, como a formação continuada dos pro- problema. No caso da observação das aulas, um exemplo
fessores, que é centrada na escola e o acompanhamento seria pensar no professor e coordenador, juntos, plane-
da aprendizagem dos estudantes, conforme citado neste
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

jando e propondo uma intervenção em sala de aula, após


documento. Uma das possibilidades de atender a essas a detecção de alguma dificuldade do grupo. Por meio
duas atividades é a observação da sala de aula. dessa prática, os dois experimentam ações diversificadas
Considerando que é na sala de aula que o profes- e compartilhadas em que o professor poderá perceber
sor coloca seus saberes em prática e que os estudantes possibilidades de atuação nas ações do coordenador,
constroem aprendizagens, o Coordenador Pedagógico assim como o coordenador poderá perceber potenciali-
não pode estar distante do que acontece nesse espaço. dades e fragilidades nas tomadas de decisão e nos cami-
As reuniões pedagógicas, bem como os demais mo- nhos trilhados na prática do professor.
mentos de conversa e troca de experiências com pro- A segunda estratégia, demonstração acompanhada
fessores, podem dar indícios de como as práticas estão de reflexão experiência, é bem-vinda quando há necessi-
acontecendo na sala de aula e quais dificuldades os es- dade de uma proposta mais diretiva, quando o professor

225
realmente não sabe como fazer determinada interven- acontece devido ao distanciamento de coordenadores e
ção em sala de aula. Desse modo, o coordenador poderá formadores de professores da sala de aula, sendo que,
atuar na sala de aula diretamente para que o professor nesses casos, o foco recai nas discussões teóricas. Por
observe. É importante destacar que não pode ser uma isso, estar dentro das salas de aula com o professor é
observação simples, para imitação posteriormente, é uma forma de estar em contato com o “chão” da escola,
preciso discutir sobre cada passo efetuado pelo coorde- de acompanhar processos de aprendizagem reais e de
nador, oportunizando processos de reflexão. construir processos formativos com os professores em
Por fim, a análise de situações homológicas consiste uma relação de diálogo.
na exploração de situações análogas. Nesse caso, tal es-
tratégia pode ir além das observações em sala de aula, já A sensibilidade necessária para a superação dos
que as mesmas ideias são comparadas e discutidas em obstáculos
contextos diferentes. Um exemplo seria o coordenador
identificar alguma lacuna na relação do professor com Conhecer a importância e a necessidade de obser-
um estudante e localizar a mesma lacuna na relação des- var as aulas não elimina dificuldades e obstáculos que o
se professor com outro professor, com um funcionário coordenador enfrenta para fazer com que essa estratégia
da escola, ou até mesmo com o próprio coordenador. se torne parte do cotidiano da escola. Pode-se afirmar
Ao identificar a mesma demanda formativa em contextos que, com maior apropriação das justificativas e com co-
diferentes, a estratégia permite refletir sobre as fragilida- nhecimentos sobre as possibilidades de conquistas que
des em situações análogas para, depois, tratar das inter- as observações de aulas podem proporcionar, fica mais
venções em sala de aula. fácil quebrar barreiras e construir novas relações no âm-
Planejamento para o currículo proposto pela rede e bito escolar.
proposta política pedagógica da escola. Assim, o coorde- Sabendo-se que situações imprevistas acontecem no
nador assume um papel importante para que as propos- espaço escolar, o planejamento das atividades do coor-
tas curriculares sejam colocadas em prática e atendam as denador deve considerar a relação tempo e prioridades
demandas da comunidade escolar. para que as observações sejam garantidas. A quantidade
Não se pode esquecer que o foco de toda comuni- de salas de aula a serem observadas também deve ser
dade escolar está no desenvolvimento dos estudantes. O considerada, pois - com a necessidade de acompanha-
espaço escolar inclui uma grande quantidade de profis- mento de muitas turmas - é possível que a frequência
sionais com funções diversificadas, mas todos eles estão em cada uma delas seja menor, já que o coordenador
exercendo suas atividades para proporcionar espaços também tem outras demandas.
para que os estudantes se desenvolvam. Mesmo que o Ainda sobre o fator tempo, é importante considerá-lo
Coordenador Pedagógico tenha grandes preocupações no planejamento das observações, pois pode acontecer
com a formação dos professores, essa não pode estar de um Coordenador Pedagógico reservar um tempo para
dissociada da aprendizagem dos estudantes. Pensar em observar aulas e, no entanto, tirar pouco proveito desse
intervenções para melhorar práticas dos professores é tempo desprendido, pela ausência de foco e objetivos
estar - antes de tudo - preocupado com as necessidades estabelecidos anteriormente. Para tanto, um bom pla-
dos estudantes, conhecendo suas particularidades e pro- nejamento pode minimizar a falta de tempo diante de
cessos de aprendizagem. tantas prioridades no âmbito escolar. Retomamos aqui
No entanto, é preciso destacar que as observações a importância do planejamento da rotina de trabalho do
das aulas precisam estar acompanhadas dos outros re- CP, como já explicitado.
cursos para que sejam bem aproveitadas. Os registros, Um conjunto complexo de variáveis pode estar rela-
os focos de observação e o diálogo com o professor são cionado aos papéis e à gestão da escola, que foram cons-
essenciais para que aquilo que foi observado não seja truídos historicamente, como as funções de fiscalização e
esquecido e inutilizado ao planejar práticas futuras. de controle, ao invés da abertura aos diálogos e trabalho
O acompanhamento da aprendizagem acontece com em parceria. Além disso, questões pessoais, divergências
mais detalhamento por parte dos professores, que estão de concepções de ensino e aprendizagem e conflitos na
trabalhando diretamente com os estudantes no dia a dia. relação professor-coordenador podem impedir que as
Mas o Coordenador Pedagógico, ao assumir o papel de observações das aulas aconteçam. Em outras palavras,
parceiro e fonte de diálogo para avançar na qualidade não é uma tarefa fácil.
das aulas, precisa conhecer as necessidades dos estudan- É preciso compreender e trabalhar com as possíveis
tes para construir práticas junto com os professores. resistências, conhecer a comunidade escolar e estabe-
Desse modo, percebemos que as observações das lecer diálogos abertos e transparentes para que o pro-
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aulas permitem que o Coordenador Pedagógico esteja fessor sinta que seu trabalho e seu espaço é coletivo e
presente na rotina dos estudantes e professores e não se não está sendo invadido, tendo como finalidade o fato
distancie do “chão” da escola, termo utilizado para referir de que Coordenador Pedagógico precisa reconstruir sua
os acontecimentos rotineiros e imprevisíveis da sala de função de parceiro e não de fiscalizador de práticas.
aula, os quais - muitas vezes - são deixados de lado ao se A reconstrução dessa relação deve ser gradativa. Pe-
discutir a formação dos professores e como acontecem dir para observar uma aula e já realizar inúmeras inter-
os processos de ensino e de aprendizagem. venções, “atropelando” as práticas do professor, pode
É comum escutarmos professores relatando que as ampliar sua resistência. Uma sugestão é conversar com
orientações que lhes são dadas não consideram inú- o grupo de professores coletivamente para justificar e
meras dificuldades e obstáculos da sala de aula e isso explicitar a importância de que suas aulas sejam obser-

226
vadas para discussões sobre a prática. Além disso, é inte- É certo que qualquer pessoa “nova” no espaço, por
ressante comentar com os professores que tais observa- mais discreta que seja, altera o funcionamento da aula.
ções podem identificar práticas potentes para discussões No entanto, essa alteração pode ser tomada pelo lado
coletivas, dando subsídios para que outros professores a positivo e, com a repetição das ações, o coordenador
utilizem e acrescentem outras e ricas vivências. deixa de ser uma pessoa “nova” em sala e passa a ser
Aparecer nas aulas dos professores sem aviso pré- mais um parceiro na aprendizagem do estudante e do
vio, mesmo que os professores já tenham essa atividade professor.
como rotineira, pode criar uma ideia de fiscalização ou de Por fim, vale mencionar a insegurança do professor
procura de evidências na prática do professor. Por isso, ao ser observado em sala de aula como mais um obstá-
é fundamental disponibilizar um calendário com os ho- culo à ação do CP. A quebra dessa insegurança também
rários e dias de observação das aulas de cada professor. só poderá acontecer na medida em que a relação com o
A transparência das ações do coordenador também coordenador avance e que se construa a parceria. Esse
ajuda na construção de uma nova relação com os profes- avanço pode ser mobilizado pelas discussões coletivas
sores. É interessante compartilhar quais são os focos de sobre os objetivos e ganhos que as observações podem
observação da aula e, se possível, disponibilizar cópias proporcionar. É válido oferecer textos e apresentar aos
dos roteiros ou pautas de observação para que o pro- professores argumentos teóricos, relatos informais de
fessor tenha ciência dos objetivos e, assim, possa fazer professores e resultados de pesquisas acadêmicas para
perguntas, esclarecer dúvidas ou estabelecer diálogos conscientizá-los e tranquilizá-los sobre a estadia do
reflexivos sobre as aulas a serem observadas. coordenador na sala.
A construção das pautas também pode acontecer jun- A reflexão acerca das práticas observadas será poten-
to com os professores, prevendo tempo e possibilidade te quando esses obstáculos forem tratados com atenção
de trocas mais efetivas, já que o professor poderá auxiliar e cuidado, em um processo de construção de novas re-
o coordenador em pontos importantes que precisam ser lações entre estudantes, professores, coordenadores e
observados, principalmente em relação ao acompanha- outros atores da comunidade escolar.
mento da aprendizagem dos estudantes. O professor,
ainda, pode indicar suas fragilidades, possibilitando ao Focos de observação de sala de aula
coordenador fazer escolhas para a formação continuada.
Até que as observações se tornem rotineiras e o pro-
Partindo da ideia dos cuidados com a observação das
fessor e os estudantes se acostumem com a ocasional
aulas, a fim de que o professor não sinta seu espaço inva-
presença do coordenador em sala, é importante cuidar
dido, Giovani e Tamassia (2013) argumentam que nessa
do comportamento nesses espaços. O coordenador não
ação é necessário afastar-se de si mesmo para conseguir
pode se esquecer de que aquele espaço é do professor e
observar o outro sem julgamentos. E esse observar está
dos estudantes e que a sua presença se dará em uma fre-
distante do vigiar, uma vez que é atento e objetivo, no
quência muito menor. Portanto, deve respeitar como as
relações acontecem e evitar as intervenções no primeiro sentido de identificar ações e acontecimentos que pos-
momento. Não interferir na fala do professor e procurar sam ser discutidos e repensados.
não interagir com os estudantes, de modo a tirar o foco A tentativa é de deixar a subjetividade de lado para
da aula, são cuidados básicos e essenciais. olhar, com foco bem específico, as situações da sala de
As intervenções podem acontecer se combinadas aula sem se deixar influenciar para verificar o que supos-
com o professor durante a elaboração das pautas. Ainda tamente acontece por trás de cada ação. Entretanto, dei-
que a relação com o professor já tenha atingido o status xar a subjetividade de lado não é tarefa fácil e, talvez,
de parceria, é sempre importante cuidar dos excessos de nem seja possível, carregamos no nosso olhar experiên-
intervenções para não quebrar relações já estabelecidas cias passadas, concepções e conhecimentos. Não tem
entre professor e estudantes. como observar situações da sala de aula afastando-nos
Outro obstáculo a ser vencido, para que a observação de atravessamentos vividos. Mas o que fazer?
do CP na sala de aula se constitua uma rotina na escola,
refere-se à reação dos estudantes e professores quando Como afastar-se de si e, ainda assim, carregar sub-
há alguém diferente dentro da sala de aula. A depender jetividades?
da relação estabelecida do coordenador com a comuni-
dade escolar, alguns estudantes podem se sentir intimi- Durante as observações, é importante perguntar-se o
dados a participar das aulas como fazem normalmente que é que está acontecendo, mesmo que pareça que não
ou alterar comportamentos. É comum professores busca- há nada de significativo a ser destacado. Os detalhes são
importantes, tanto em relação às intervenções e escolhas
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

rem a ajuda do Coordenador Pedagógico para tratar de


dificuldades pontuais com determinados estudantes, e dos professores, como nas ações, expressões e silêncios
isso acaba por construir uma relação diferenciada ou, até dos estudantes.
mesmo, negativa desse estudante com o coordenador, Para olhar detalhes e atender às demandas do papel
fazendo que ele altere seu comportamento com sua pre- do coordenador, é preciso escolher um foco no momento
sença na aula. Para tanto, o coordenador precisa estabe- do planejamento da observação. É necessário levantar objeti-
lecer uma relação de autoridade no espaço escolar, mas vos e destacar os pontos principais a serem observados para
não de autoritarismo. O coordenador não tem a função que o momento dentro de sala de aula seja aproveitado.
de tornar-se uma referência para solução de problemas Para que a escolha do foco se torne mais asserti-
da classe. O contato do estudante com o coordenador va, seja ela relacionada à formação do professor ou ao
não deve acontecer apenas quando algo errado ocorreu. acompanhamento da aprendizagem, é importante que

227
o coordenador esteja acompanhando o planejamento de aulas do professor. Desse modo, poderá escolher o melhor
momento para observar a partir de seus objetivos. Por exemplo, se a intenção é identificar os tipos de intervenções
feitas pelo professor para trabalhos em grupo, será necessário entrar em sala de aula quando os estudantes estiverem
trabalhando em grupo.
Além disso, o coordenador também deve ter em mente que o planejamento das aulas dos professores deve estar
pautado nas propostas curriculares e no PPP da escola. É preciso observar como o professor tem interpretado as
concepções curriculares de documentos oficiais e como os estudantes estão respondendo às ações que articulam as
indicações curriculares gerais e as necessidades específicas da comunidade escolar.
As observações das aulas permitem a identificação de lacunas e potencialidades nos currículos em ação para, pos-
teriormente, promover discussões e compartilhar situações de aprendizagem que trouxeram resultados positivos. Vale
destacar que o compartilhamento de tais situações não deve ser no sentido de instituir receitas ou de propor que todos
os professores repitam as mesmas práticas, mas sim para discutir quais escolhas e tomadas de decisões do professor
permitiram resultados satisfatórios.

O que observar?

Diante dos inúmeros detalhes e acontecimentos na sala de aula, é importante que o coordenador estabeleça um
roteiro no planejamento da observação, o qual pode ser produzido junto com o professor ou, pelo menos, comparti-
lhado com ele.
Mesmo com um roteiro pré-definido, a sala de aula é um espaço complexo em que podem emergir situações não
previstas e que precisam ser consideradas. Para tanto, o Coordenador Pedagógico e o professor precisam ter os ob-
jetivos da observação muito claros.
Com relação às práticas e decisões tomadas pelos professores para proporcionar situações de aprendizagem aos
estudantes, elencamos alguns pontos focais de observação que podem ser incluídos nos roteiros:
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É possível que algumas questões mais abertas não
permitam assinalar as opções “sim”, “não” ou “parcial-
Esse quadro apresenta alguns aspectos da aula que mente”, mas ter esse tipo de registro rápido pode ajudar
podem ser inclusos nos roteiros de observação, entre- o coordenador a resgatar o que foi observado para orga-
tanto, é importante ressaltar que não há necessidade de nizar devolutivas e planejar futuras intervenções formati-
olhar para todos eles em uma única aula. Nem todas po- vas ou de acompanhamento.
derão ser observadas no conjunto do curso. O quadro Do mesmo modo que apresentar o cronograma de
anterior sugere focos de observação, mas não consiste observações de aulas pode minimizar as resistências e
em uma listagem rígida cuja falta de um item deva ser ansiedade do professor, o compartilhamento das pau-
detectada e cobrada. tas também favorece uma relação transparente com os
Os objetivos sugeridos se relacionam com as práti- professores colocando, como principal preocupação, o
cas dos professores, com a intenção de identificar lacu- avanço das práticas para o desenvolvimento dos estu-
nas para o trabalho de formação e potencialidades para dantes.
compartilhar com a comunidade escolar, quanto com as
aprendizagens dos estudantes, para que o coordenador Devolutivas para o professor
possa realizar um acompanhamento mais próximo do
que apenas analisar índices obtidos em avaliações for- As devolutivas são essenciais para que professor e
mais. coordenador analisem as práticas em busca de reflexões
Outro ponto a se destacar é o formato do roteiro: ele sobre a ação. Entretanto, não basta realizar uma devolu-
deve garantir espaço para que os pontos de observações tiva sem dialogar para poder oferecer ao professor pro-
escolhidos sejam registrados com detalhamento. Alguns posições que possam colaborar com o seu planejamento
formatos podem facilitar o registro, conforme o exemplo: e execução pedagógica. A devolutiva é a parte da estra-
tégia de observação mais potente para a formação do
professor, pois por meio dela coordenador e professor
podem estabelecer diálogos, resgatar ações e identificar
fragilidades e potencialidades.
As devolutivas não podem acontecer com um inter-
valo muito grande após a observação, pois as práticas
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podem se perder. O ideal é que esse intervalo não exce-


da a uma semana. Para esse momento de devolutiva, é
interessante disponibilizar as anotações antes da conver-
sa individual com o professor, para que ele tenha opor-
tunidade de resgatar suas ações e organizar dúvidas para
o diálogo.
As anotações podem ter diferentes formatos. É pos-
sível entregá-las exatamente como foram feitas durante
a observação, sem grandes preocupações com forma-
lidades, apenas tendo como objetivo destacar pontos

229
importantes para a conversa. Mas as anotações também dia, fui à casa da minha irmã mais velha e comi um bolo
podem ser cuidadas com maior detalhamento, em que o de chocolate tão maravilhoso, que pedi a receita. Ela me
coordenador produza uma escrita direcionada ao profes- disse que era só colocar creme de leite na massa que eu
sor, valorizando suas práticas e deixando dicas, sugestões veria a diferença dos bolos convencionais. Fiz o teste: in-
e problematizações para iniciar o processo formativo. gredientes em mãos, creme de leite na massa, forno pré-
É indicado oferecer ao professor anotações relevan- -aquecido, tudo conforme a receita. No entanto, o meu
tes sobre a prática observada e que valorizam seu traba- bolo não ficou macio como o da minha irmã. Fiquei pen-
lho. Cabe considerar, no entanto, que o ato de valorizar sando qual teria sido minha falha para não ter alcançado
não se restringe apenas a elogiar práticas, mas indica o mesmo resultado que ela. Após algum tempo, cheguei
tanto potencialidades como fragilidades no seu desen- à conclusão de que, mesmo tendo “a receita”, existem
volvimento profissional. É interessante incluir sugestões alguns “ingredientes” que são muito pessoais, o modo
de leitura e referenciais de teóricos que possam funda- de preparar varia de acordo com o clima, com o meu
mentar as práticas. Muitas vezes, os professores já exer- envolvimento, com o tempo disponível e, além disso, até
cem boas práticas, mas desconhecem os fundamentos a minha irmã já devia ter feito bolos com texturas dife-
teóricos que podem justificar seus caminhos e torná-los rentes, a partir dessa mesma receita.
mais conscientes. Apesar de não ter experiências maravilhosas como as
As devolutivas se organizam em diferentes formatos, de minha mãe e minha irmã, costumo comparar a Coor-
mas a conversa individual pode acompanhar qualquer denação Pedagógica com a cozinha. Quando recebo
tipo de registro e anotação compartilhada, pois é nes- uma mãe de um estudante para atendimento e minha
se momento que o diálogo e a reflexão ganham mais mesa está com papeis de demandas diversas, brinco: “a
espaço. É preciso ter cuidado ao tratar das fragilidades Coordenação é como a cozinha: se estiver muito bonita e
e potências, sempre deixando claro que a conversa tem organizada, é sinal que não tem comida em casa, porque
como objetivo a melhoria das práticas. Também é impor- ninguém cozinhou”! Explico: se a Coordenação Pedagó-
tante considerar, nessas análises, as condições e trabalho gica estiver muito calma, tranquila e sem movimento, há
do professor, pois muitas fragilidades estão associadas algo de errado. Provavelmente, o Coordenador Pedagó-
às limitações da própria instituição escolar. gico não está conseguindo realizar suas funções como
Também é preciso ter cuidado com os apontamen- formador, articulador e transformador da realidade.
tos, porque as observações são apenas recortes do que Trabalho como CP da Rede Municipal de São Paulo
acontece diariamente nas salas de aula. Durante as con- desde 2008, sempre atuando em EMEFs, mais diretamen-
versas individuais, é essencial conhecer o contexto de te junto aos anos finais do Ensino Fundamental. Na EMEF
modo mais detalhado, a partir das informações trazidas atual, estou desenvolvendo este trabalho desde 2013
pelo professor. Assim, o diálogo entre as sugestões do
com, praticamente, a mesma equipe docente (foram
coordenador e as vivências do professor acontecem efe-
poucas as movimentações!).
tivamente.
Na coordenação, temos 19 itens de atribuição que
As devolutivas também se dão em momentos coleti-
constam no decreto 54.453/2013. No caso da nossa
vos, em que discussões e reflexões sobre práticas especí-
unidade escolar, esse trabalho é desenvolvido por duas
ficas contribuem para a formação dos demais professores
servidoras. É um grande desafio conquistar experiência
da escola. Nos momentos coletivos, os cuidados devem
em cada um deles e realizar todas as atribuições com
ser redobrados, evitando exposições ou construções de
estereótipos dentro do grupo de professores. assertividade.
Para além das devolutivas individuais ou coletivas, as Entretanto, proponho-me, neste breve relato, dar
anotações e registros diversos sobre as aulas observadas enfoque a apenas um aspecto de atuação direta: minha
permitem que o Coordenador Pedagógico organize ou- relação com a equipe de professores especialistas que
tras propostas de formação para atender às necessidades trabalham com os estudantes entre onze e quinze anos,
do seu corpo docente. aproximadamente.
Serão necessárias a sensibilidade, a competência e a Um encontro de formação de coordenadores peda-
capacidade de diálogo do Coordenador Pedagógico para gógicos da DRE, há algum tempo, trouxe a seguinte pro-
colocar-se como parceiro do ato de ensinar e não como blematização: “Lugar de CP é na sala de aula?” A resposta
um controlador da ação pedagógica. O objetivo principal para essa pergunta, após debate e reflexão foi: “depen-
da observação de aulas é atuar na direção da melhoria da de”! Como muitas das atribuições legais do CP remetem
condição e das práticas de ensino, o que provavelmente ao caráter articulador de sua função, como acompanhar
trará repercussão direta na melhoria da aprendizagem as aprendizagens de estudantes (envolvendo ou não as
deficiências, transtornos, etc.), é muito difícil realizar o
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dos estudantes.
acompanhamento se não participarmos do espaço da
Com a palavra aula. Mas a resposta “depende” traz consigo o cuidado
A Coordenadora Pedagógica Elisângela Nogueira necessário para fazê-lo de forma a contribuir com o pro-
Janoni dos Santos fessor e não com a finalidade de observá-lo friamente e
Coordenação como espaço de relação com o pro- realizar uma devolutiva por escrito. Nesse caso, pode-
fessor mos romper a relação dialógica e “perder” a confiança
do professor, que compreenderá o papel do CP como de
Fui criada por uma mãe que não era muito dada às fiscalizador, no sentido adversário. Corre-se até o risco
receitas, apesar de gostar muito de cozinhar. Infelizmen- de perder o grupo, por sentir a presença do CP como
te, não herdei seus dotes culinários, nem de longe. Outro uma ameaça.

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Na EMEF onde trabalho atualmente, precisei conquis- em seguida, respondi: “Vou dizer pra você o mesmo que
tar a confiança do grupo. Aos poucos, com observações eu digo para os professores com relação aos estudantes.
de longe, sem invadir o espaço da aula, perguntando O estudante que temos não é o estudante que idealiza-
para o professor, por exemplo, em momentos indivi- mos, mas é o estudante real que temos hoje para traba-
duais: “Como está a aprendizagem daquele garoto?” “Es- lhar. É para eles que vamos preparar as atividades e ex-
tou preocupada com ele, pois veio com defasagem do periências educativas, de acordo com suas necessidades
ano anterior...” “Você está observando algum avanço?” e possibilidades de aprendizagem. Cada um de nós tem
“Em quais conteúdos?” “Com qual linguagem ele se ex- suas qualidades e seus defeitos. Não podemos desistir
pressa melhor?” E ouvia atentamente o que o professor deles!”
tinha para falar (escuta ativa). O diálogo não se encerrava É nesse sentido que entra o caráter formador, arti-
naquele dia. Semanas depois, tornava a perguntar. Na culador e transformador da atuação do CP, envidando
outra, convidava o professor para atendermos juntos ao esforços para o acompanhamento das necessidades do
responsável pelo estudante. Mais para frente, sentamos professor, oferecendo formação de qualidade, ouvindo-
juntos para escrever um relatório sobre aquele caso... -o, planejando estratégias juntos, investindo tempo, ofe-
Depois disso, os espaços foram se abrindo em vários recendo parceria e acreditando que ele pode se trans-
sentidos. Alguns professores passaram a me enxergar formar num profissional melhor, num ser humano cada
como uma profissional que oferece apoio, que possui vez melhor!
objetivos comuns, com desejo de ajudá-los a desenvol- Era a toda essa dinâmica a que me referia quando
ver o trabalho, derrubando algumas barreiras para que o comparava a Coordenação Pedagógica a uma cozinha
trabalho ocorra de forma menos sofrida, menos solitária. em funcionamento: às vezes, a comida queima, o bolo
Para isso, foi preciso muito investimento em diálogos, não fica tão macio quanto gostaríamos, outras vezes, de-
atendimentos em horários individuais, construção de moramos mais de duas horas para preparar um alimento
relacionamento e muita constância (frequência, assidui- que será consumido em apenas dez ou quinze minutos, a
dade, continuidade da proposta de trabalho na mesma pilha de louças para lavar vai aumentando, demora para
as coisas voltarem aos seus lugares, mas, no dia seguinte,
unidade etc.).
a fome nos impulsiona a cozinhar novamente. Desta vez,
Em algumas situações, chamei pequenos grupos de
com mais experiência do que no dia anterior.
professores para reuniões de trabalho, para planejar co-
letivamente um projeto de recuperação contínua, ou um
Avaliação das Aprendizagens: avaliação formativa
projeto interdisciplinar, uma visita monitorada. Sentei
e plataformas de avaliação como potencializadoras
com eles, estabelecemos datas e horários juntos e, após
da ação pedagógica
muitos momentos de trabalho, o acesso ao espaço da
aula passa a ser parte do cotidiano, não oferecendo des- O processo avaliativo envolve diferentes ações que vi-
conforto, mas, pelo contrário, passando a ser um convite: sam fazer o acompanhamento da eficácia dos processos
“Eli, você pode vir na minha aula para ver o trabalho que de ensino e de aprendizagem. Uma vez potencializado,
os estudantes vão fazer sobre aquele tema que estuda- interfere na prática educativa, aprimorando, regulando e
mos na reunião pedagógica?” Pronto, derrubamos a bar- orientando esses processos. Nessa perspectiva da avalia-
reira da hierarquia e a relação passou a ser naturalmente ção formativa, que transcende a simples avaliação de re-
mais horizontalizada. sultados para a avaliação de processo, cada etapa é fun-
Como coordenadores, precisamos também deixar damental. Os instrumentos avaliativos que o professor
claro qual é nosso campo de atuação, primeiramente utiliza, como provas, registros de observação, registros
para nós mesmos e, depois, para a unidade escolar. Afi- de seminários, atividades em grupos, portfólios, autoa-
nal, CP não é bombeiro! Não tem que apagar problemas valiação, entre outros, permitem que sejam identificados
incendiários o tempo todo; não pode agir somente no os conhecimentos e saberes adquiridos, contribuindo
imediatismo. CP precisa ter rotina planejada, que inclua para a tomada de decisões e à reflexão sobre encami-
a produção das pautas de formação, melhor ainda se for nhamentos que levem a turma e cada um dos estudantes
em dupla com a outra CP, a fim de criar uma identidade a avançar em seu processo de aprendizagem. Algumas
para a unidade! Nesse sentido, tenho boas memórias das reflexões, realizadas entre professores e gestores, propi-
minhas parceiras. Uma rotina que reserve um tempo para ciam o aprimoramento do processo avaliativo:
atendimento aos pais, aos estudantes, aos professores, - Como são concebidos, organizados e realizados os
aos parceiros do território. E se não der conta de tudo o processos avaliativos da escola?
que planejou naquela semana, o CP respira fundo e não - Os professores que atuam no mesmo ano escolar
desiste, replanejando a próxima semana e estabelecendo
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planejam suas avaliações conjuntamente?


as prioridades. Dizendo assim, parece fácil! Mas não é! - Os estudantes têm clareza dos objetivos do profes-
Contudo, com o estabelecimento de um clima institucio- sor com relação ao ensino e à avaliação?
nal de trabalho colaborativo, de dialogicidade, paciência, - A avaliação (instrumento utilizado) é de qualidade e
persistência, é possível sim! realmente avalia o que se pretende?
Certa vez, uma diretora com quem atuei estava se - A avaliação permite a reflexão sobre o que foi ensi-
queixando de alguns professores para mim, como se a nado e o que ainda precisa ser ensinado utilizando
postura deles estivesse impossibilitando o avanço das novas estratégias?
aprendizagens. “Não adianta. Podemos fazer o que for - Como é feita a devolutiva da avaliação? Ela permi-
que, com este professor, o estudante não vai aprender” – te ao estudante tomar conhecimento do que já
disse ela. Pensei um pouco se concordava ou não. Logo aprendeu e do que precisa aprender?

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- A avaliação motiva e envolve cada estudante na su- Esses encaminhamentos evidenciam as potencialida-
peração de suas dificuldades e no avanço de seu des da avaliação interna, que é aquela que ocorre nos
próprio processo de aprendizagem? espaços escolares, em uma perspectiva diagnóstica, so-
- Como são articulados os resultados das avaliações mativa e formativa, cujo objeto de avaliação é o que foi
externas e internas? Quais encaminhamentos são ensinado nas aulas:
realizados para que os estudantes avancem em A avaliação da aprendizagem é um processo delibe-
suas aprendizagens? rado e sistemático, com doses de participação e intera-
ção, negociação e contextualização, acerca do que os
Uma atividade rica a ser desenvolvida (em reunião estudantes sabem e são capazes de fazer em uma diver-
pedagógica ou momento coletivo de formação), é anali- sidade de situações. Inclui a avaliação de conhecimentos,
sar uma prova proposta por um dos professores em con- de desempenhos, de capacidades, de atitudes, de proce-
junto com o grupo de professores do ano. Mesmo que dimentos ou de processos razoavelmente complexos de
o componente curricular não seja próprio da especializa- pensamento (FERNANDES, 2008, p 20 e 21).
ção de alguns professores, que atuam em outras áreas, Além da avaliação interna, há também a avaliação ex-
eles saberão indicar imprecisões, verbos inadequados na terna, em que o sujeito que avalia é externo ao local onde
formulação das perguntas ou falta de dados. Se for difícil o objeto avaliado é desenvolvido, que consiste naquilo
encontrar voluntários para apresentar suas provas, o CP que o estudante deveria saber naquela etapa ou ano de
pode tomar uma prova de outra escola ou de outro ano escolaridade, previsto por órgãos normativos. Uma ava-
letivo e analisar com o grupo, sempre mantendo o sigilo liação externa é elaborada a partir de uma Matriz de Re-
da fonte. ferência, que contém o objeto de avaliação, apresentado
Planejar um roteiro com pontos a serem observados em subdivisão de conjunto de competências, habilidades
nessa reunião faz com que professores reflitam sobre as- ou conteúdos. Essa matriz deve fornecer transparência e
pectos importantes na organização de um instrumento legitimidade ao processo de avaliação. Ela consiste em
avaliativo e no processo de avaliação como um todo. um recorte do currículo, daquilo que tem relevância e
Essas reflexões apontam para a proposição de enca- pode ser aferido. Para o acompanhamento das avalia-
minhamentos que promovam diferentes formas de aten- ções externas e de seus dados, professores e gestores da
dimento aos estudantes para que avancem: Secretaria Municipal de Educação podem utilizar o Siste-
- Encaminhamentos para a Recuperação Paralela; ma Educacional de Registro da Aprendizagem (SERAp),
- Formação de agrupamentos estratégicos entre es- comentado mais adiante.
tudantes para a recuperação contínua; O desafio da equipe escolar, além de planejar e ava-
- Organização de momentos e espaços que contribu- liar, é acompanhar a aprendizagem de cada estudante.
am com a promoção da aprendizagem de conteú- Nesse sentido, o Coordenador Pedagógico, com olhar
dos e assuntos em que os estudantes apresentam externo ao que acontece diariamente na sala de aula,
maior dificuldade; tem papel extremamente importante na realização des-
- Regulação dos tipos de instrumentos com relação sas ações. É importante que o CP:
aos objetivos de cada componente curricular. - Acompanhe os momentos de planejamento do en-
sino e das avaliações da aprendizagem, verificando
Com relação aos instrumentos avaliativos, outros en- avanços e investigando incongruências nessas ações;
caminhamentos podem ser tomados, como: - Auxilie na organização de atividades diversificadas e
- Garantir uma variedade de instrumentos de avalia- diferenciadas, que garantam a todos os estudantes
ção; y Aprimorar os instrumentos em toda a sua a oportunidade de aprender;
potencialidade, principalmente as provas, no que - Acompanhe a prática pedagógica, observando a
diz respeito à elaboração e ao envolvimento de jul- ação docente, no sentido de contribuir com inter-
gamento, levantamento de informações e tomada venções positivas nos processos de ensino e de
de decisões; aprendizagem;
- Analisar se as provas requerem dos estudantes a - Organize pautas formativas que garantam reflexões
memorização de regras e procedimentos ou a sobre os processos de planejamento e de avaliação
compreensão, análise e aplicação do que foi es- que acontecem nos espaços escolares, bem como
tudado; sobre seus resultados;
- Verificar se os critérios de correção são justos; - Trabalhe de forma colaborativa com o outro Coor-
- Garantir que os instrumentos mapeiem o que foi denador Pedagógico, a fim de ampliar as possibi-
aprendido e o que precisa ser aprendido (e ensina- lidades de atuação na unidade escolar, no que diz
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

do), e não simplesmente o que não foi aprendido respeito à avaliação e ao acompanhamento das
analisando-lhes as causas; aprendizagens.
- Assegurar que as avaliações, principalmente as pro-
vas, tenham eficácia para verificar os conhecimen- Planejamento, avaliação e acompanhamento são
tos e saberes de todos os estudantes, desde aquele ações desafiadoras e que requerem muita atenção por
que tem mais dificuldades até o que tem menos parte dos gestores e professores, se o objetivo preten-
dificuldades, entre outros; dido é garantir o direito de todos por uma educação de
- Verificar que tipo de feedback (devolutiva) o instru- qualidade, o que pressupõe um investimento na garantia
mento proporciona para que o estudante se res- da equidade. Algumas plataformas oferecidas pela Se-
ponsabilize, também, pelo seu processo de apren- cretaria Municipal de Avaliação contribuem com essas
dizagem. ações.

232
O Sistema Educacional de Registro da Aprendizagem – SERAp

O Sistema Educacional de Registro da Aprendizagem (SERAp) é uma ampla plataforma que permite a construção,
aplicação e correção de avaliações de diversos formatos, sejam elas internas ou externas. Ela passa constantemente por
atualizações e reformulações para que o processo que armazena e gera os dados relativos às avaliações nela hospe-
dadas seja otimizado. São destacadas, a seguir, as principais funções disponibilizadas por essa plataforma, bem como
algumas orientações sobre os procedimentos para acessá-las.
A Home Page apresenta, em destaque, ferramentas e documentos informativos e instrucionais sobre as avaliações
em curso, na Rede Municipal de Ensino, como vídeos, guias de aplicação, atalhos para enviar Folhas de Respostas e
acessar Provas online, entre outros. As funções mais utilizadas são:
- Cadastros: aqui é possível cadastrar itens e provas. Para isso, basta informar os dados solicitados.
- Itens: em “Cadastrar Item” é possível realizar o cadastro de itens elaborados, e em “Banco de Itens”, é possível
acessar o Banco de Itens disponível.
- Provas: o link é muito utilizado para “Gerar Folhas de Respostas”, “Enviar Folhas de Respostas” e “Exportar resul-
tados”. Ainda nessa opção, o usuário tem acesso às provas, por meio do link “Consultar Provas”. São disponibi-
lizadas as provas em andamento ou as provas já realizadas e, entre elas, o usuário seleciona a prova desejada.

Clicando na seta localizada na parte inferior à esquerda, obtêm-se as informações: Nível de desempenho, Período
de Aplicação, Frequência de aplicação e Período de correção.
Clicando no ícone localizado na parte inferior à direita, obtêm-se: Anexos da prova, Aderir, Folhas de Respostas,
Respostas dos estudantes, Vincular, Editar, Excluir, Anular itens da Prova, Permissões.
Entre essas funções, merecem destaque:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

- Anexos da prova (baixa Folha de Resposta e o Caderno de prova).


- Folhas de Respostas (Gerar Folhas de Respostas da turma, Baixar Folhas de Respostas da turma, e Folhas de Res-
postas por estudante). As duas primeiras opções permitem gerar e baixar a Folhas de Respostas da turma inteira,
de uma única vez, enquanto que a terceira opção permite gerar e baixar a Folha de Resposta de um determinado
estudante).
- Respostas dos estudantes (Situação da Correção, Respostas dos estudantes, e Resultados). Em “Respostas dos es-
tudantes”, é possível justificar a ausência do estudante no dia da prova, acessar a Folha de Resposta do estudante
para fins de digitação e alteração, verificar o número de questões que já foram preenchidas, e verificar o status da
digitação. Aqui, há a barra “Finalizar e Enviar” que, quando acionada, finaliza e fecha a digitação. Em resultados,
aparecem o Painel e a Tabela.

233
Painel (à esquerda na tela): é possível selecionar o Sistema de Gestão Pedagógica (SGP)
componente curricular e ordenar os itens por desempe-
nho. A habilidade relacionada ao item é sinalizada. Na Outra plataforma, disponível no Portal da Secretaria
listagem dos itens, aparecem o número de cada um e o Municipal de Educação e utilizada principalmente pelo
gráfico de barra com a porcentagem de desempenho. professor, é o Sistema de Gestão Pedagógica (SGP).
Clicando no número desejado, aparecem o item, as jus- Nesta plataforma, o professor registra dados so-
tificativas das alternativas e a porcentagem de escolha, bre suas aulas, como objetivos pretendidos, conteúdos
pelos estudantes, de cada alternativa. Há, na parte supe- trabalhados, planos de trabalho, frequências, dados de
rior direita, a opção “Gráficos de escolhas”. Essa opção desempenho dos estudantes e sínteses de acompanha-
fornece a porcentagem de escolhas por alternativa, em mento pedagógico. Também é possível registrar e dis-
um gráfico de setores, bem como o desempenho dos es- ponibilizar outros dados e informações, tais como sínte-
tudantes, na prova. À direita, no Painel, há o gráfico de ses de atas dos conselhos de classes, pautas de reuniões
desempenho dos estudantes da turma comparado com pedagógicas e de responsáveis e relatório pedagógico
o desempenho da escola, da Diretoria de Ensino e da sobre os estudantes. Os gestores possuem, acessando os
SME. É importante salientar que uma escola não acessa o registros de seus professores, muitas informações que
desempenho de outras escolas, para fins de comparação. mapeiam o trabalho que vem sendo desenvolvido em
Tabela (à direita na tela): são disponibilizadas as al- sala de aula e que subsidiam as reflexões e debates que
ternativas assinaladas por cada estudante, por item, bem ocorrem no espaço escolar.
como a média do estudante. Clicando no nome do es- O registro das avaliações e da frequência dos estu-
tudante, obtêm-se o relatório de resultado, com a por- dantes é algo que merece atenção especial por parte
centagem de acertos, algumas comparações com outros da equipe gestora. Por meio deles, é possível mapear e
desempenhos, as alternativas selecionadas pelo estudan- acompanhar a aprendizagem dos estudantes que preci-
te, em cada item, bem como a habilidade corresponden- sam de intervenção (por meio da recuperação contínua
te ao item. Também são disponibilizadas duas opções: ou paralela) e também aqueles que têm faltas reiteradas.
“Reabrir digitação” e “Exportar”. A primeira é acessada Além disso, é importante destacar que, no Portal da
a pedido de uma escola, quando se necessita digitar as Secretaria Municipal de Educação, há a disponibilização
respostas dos estudantes e o prazo de digitação foi en- de muitos materiais formativos, como as publicações ins-
cerrado. Nesse caso, a digitação é reaberta por usuários titucionais, que auxiliam no planejamento das ações rea-
autorizados. A segunda, “Exportar”, permite que os da- lizadas pela escola, na análise e reflexão das avaliações
dos visualizados no sistema sejam exportados para um realizadas e no aprimoramento da prática educativa.
programa do Office, como o Excel, por exemplo, poden-
do ser salvo em local desejado e impresso. A avaliação e inclusão: as diversas formas de
- Arquivos: aqui é feito o upload de arquivos. aprender
- Resultados: aqui são fornecidos resultados compa-
rativos. Em “Relatório de desempenho por prova,” é for- O ato avaliativo é de extrema importância no contex-
necido o desempenho na prova selecionada. Em “Rela- to escolar devido à sua relação direta com o planejamen-
tório de desempenho por item”, tem-se acesso ao Painel to pedagógico, ou seja, para planejar adequadamente a
e à Tabela (conforme descritos anteriormente). Em “Re- ação educativa é necessário conhecer o ponto de partida
latório de desempenho por alternativa”, é dada a por- e o seu sentido está em propiciar ao professor conhecer
centagem de escolha para cada alternativa (distratores o desempenho do estudante para tomar decisões sobre
e gabarito), de cada item. Em “Relatório comparativo de o planejamento de ensino. Portanto, é imprescindível
desempenho por turma”, reaparecem o Painel e a Tabela. conceber a avaliação numa vertente processual e, além
- Relatórios: são disponibilizados dados e relatórios disso, desenvolver uma visão de acompanhamento e não
- Relatório quantitativo de itens, Acompanhamento de de comparação e classificação, uma vez que desejamos
envio de Folhas de Respostas, Acompanhamento de pro- construção de sistemas educacionais inclusivos, cujo foco
cessamento de correção. Em “Relatório quantitativo e é, justamente, a diferença como elemento norteador das
itens”, é possível consultar os itens que compõem o Ban- práticas pedagógicas.
co Municipal de Itens (BMI), inclusive filtrando a busca
por nível de dificuldade. Em “Acompanhamento de Envio Nessa direção e em relação aos estudantes com de-
de Folhas de Respostas”, obtém-se o status dos arquivos ficiência, Valentim (2011) sugere pensar a avaliação por
enviados: quantidade de arquivos enviados, quantos es- meio de um ciclo avaliativo, quer dizer, os momentos de
tão na fila para identificação, arquivos identificados e não avaliação devem ser contínuos, de modo a captar suas
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

identificados, ou seja, com erro e quantos arquivos estão possibilidades de aprendizagem, assim como os instru-
fora da faixa ideal de resolução. Em “Acompanhamento mentos devem ser adaptados, a fim de avaliar e acompa-
de Processamento de Correção” obtém-se o status do nhar o que ele é capaz de fazer, sozinho e/ou com ajuda,
processamento: quantidade de estudantes que aderiram oferecendo informações para atuar nas suas necessida-
à prova, quantidade de estudantes identificados, número des (VALENTIM, 2011, p.35).
de sucesso, número de sucesso – questões nulas ou ra- Isso oferecerá ao professor dados sobre o processo
suradas, número de estudantes ausentes, folhas de res- de aprendizagem dos estudantes, possibilitando a reor-
postas que deram erro e folhas de respostas pendentes. ganização das ações de ensino num contínuo processo
de retroalimentação entre avaliação-ensino-aprendiza-
gem-desenvolvimento.

234
Caberá ao Coordenador Pedagógico, junto com a núcleos e desenvolvem atividades educativas e culturais
equipe escolar e mais precisamente com os professores presenciais, por 2 horas e meia, durante 4 dias da sema-
de sua escola, pensar formas de acompanhar a avaliação na, de segunda a quinta-feira.
e o processo de aprendizagem dos estudantes, o que CIEJA - Centro Integrado de Educação de Jovens e
não seria uma novidade se não tivéssemos, justamente, Adultos O CIEJA é uma Unidade Educacional que atende
atuando numa perspectiva inclusiva, a qual nos aponta jovens e adultos em três períodos (manhã, tarde e noi-
a obrigatoriedade de considerar os diferentes tempos e te) em até seis turnos diários, articulando em seu Projeto
formas do ato de aprender. Político-Pedagógico o Ensino Fundamental e a Qualifica-
É preciso olhar para aqueles com deficiência e consi- ção Profissional Inicial. Os cursos têm duração de quatro
derar a particularidade de seu processo, alguns pelo uso anos e são estruturados em quatro Módulos: Módulo I
de recursos ou materiais diferenciados, outros por códi- (Alfabetização), Módulo II (Básica), Módulo III (Comple-
gos escritos ou falados específicos, outros pela tempo- mentar) e Módulo IV (Final). Cada módulo tem duração
ralidade necessária; ou que precisam de uma estrutura e de 1 ano e 200 dias letivos e são desenvolvidos em en-
organização diferenciadas, a serem providenciadas pela contros diários de 2 horas e 15 minutos (3 horas/aula).
escola ou pelo sistema educacional, como mobiliário A qualificação profissional inicial está organizada em Iti-
adaptado, sistemas de comunicação alternativa, intérpre- nerários Formativos, definidos a partir das necessidades
tes de LIBRAS, aquisição de máquina Braile, Tecnologia da comunidade e características locais, desenvolvidos de
Assistiva, etc. forma articulada e integrada ao Ensino Fundamental.
Considerando esses aspectos, inserimos mais ele- CMCT - Centro Municipal de Capacitação e Treina-
mentos para a análise do processo educacional, qual mento O CMCT oferece a jovens e adultos, interessados
seja, a avaliação das condições da escola na oferta e em qualificar-se profissionalmente, cursos de formação
disponibilização dos recursos necessários para que o profissional inicial de curta duração nas áreas de panifi-
professor possa ensinar a todos, nas classes comuns e, cação, confeitaria, elétrica residencial, mecânica de autos,
quando necessário, com o apoio do PAEE (Professor de informática, corte e costura e auxiliar administrativo.
Atendimento Educacional Especializado). EJA Modular - É oferecida nas EMEFs - Escolas Muni-
cipais de Ensino Fundamental – que aderiram ao Projeto
Atuação do Coordenador Pedagógico: a Educação EJA Modular. É um curso presencial oferecido no período
de Jovens e Adultos e o Ensino Médio noturno, apresentando uma adequação dos componen-
tes curriculares obrigatórios organizados em módulos de
A Secretaria Municipal de Educação oferece a Edu- 50 dias letivos e também atividades de enriquecimento
cação de Jovens e Adultos (EJA) a partir de cinco mo- curricular. É realizada em quatro Etapas: Alfabetização,
dalidades de ensino: EJA (Regular e Modular), MOVA-SP Básica, Complementar e Final. Cada Etapa é composta
(Movimento de Alfabetização), CIEJA (Centro Integrado por 4 Módulos independentes e não sequenciais, cada
de Educação de Jovens e Adultos) e CMCT (Centro Muni- um com 50 dias letivos. Os módulos se desenvolvem em
cipal de Capacitação e Treinamento). encontros diários de 2 horas e 15 minutos (3 horas/aula).
Essas modalidades são detalhadas na publicação A complementação da carga horária diária, 1 hora e 30
“Educação de Jovens e Adultos: princípios e práticas” (p. minutos (2 horas/aula), é composta por atividades do
22-26): enriquecimento curricular de presença optativa para os
EJA - Regular: É oferecida nas EMEFs - Escolas Munici- estudantes (SÃO PAULO, 2016b, p. 22-26).
pais de Ensino Fundamental-, EMEFMs - Escolas Munici- Embora todas essas Unidades Escolares – nas dife-
pais de Ensino Fundamental e Médio - e EMEBs - Escolas rentes modalidades de atendimento da EJA - precisem
Municipais de Educação Bilíngue para Surdos, tem como da articulação de um coordenador, apenas as Unidades
objetivo ampliar as oportunidades de acesso à educa- de Ensino Fundamental contam com coordenadores pe-
ção e de conclusão do Ensino Fundamental. O curso, que dagógicos efetivos, pertencentes à carreira de gestores
funciona no período noturno, das 19h00 às 23h00, é pre- na Rede Municipal de São Paulo. Dessa forma, a atuação
sencial, tem duração de 4 anos e está dividido em quatro desses coordenadores abarca prioritariamente as moda-
Etapas: Etapa Alfabetização (2 semestres), Etapa Básica (2 lidades da EJA regular e EJA modular.
semestres), Etapa Complementar (2 semestres) e Etapa Os desafios da coordenação pedagógica na EJA per-
Final (2 semestres). Cada etapa tem duração de 200 dias passam a compreensão das especificidades do público
letivos. atendido, que contempla estudantes a partir de 15 anos,
MOVA –SP - Movimento de Alfabetização: O MOVA- que não pôde concluir ou não teve acesso ao Ensino Fun-
-SP é uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educa- damental. Por isso, uma única sala de aula pode contem-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

ção de São Paulo e Organizações da Sociedade Civil com plar estudantes de diferentes gerações, origens, níveis de
a proposta de estabelecer classes de alfabetização inicial aprendizagem e históricos de vida que precisam ser con-
para combater o analfabetismo, oferecendo o acesso e siderados na organização escolar. Dessa forma, cabe ao
continuidade à educação de forma a contemplar as ne- Coordenador Pedagógico apoiar o grupo de professores
cessidades dos jovens e adultos. As salas do MOVA-SP a contemplar essa diversidade no seu planejamento, sem
estão instaladas em locais onde a demanda por alfabeti- que isso represente reproduzir ou simplificar as propos-
zação é grande, geralmente as aulas são dadas em asso- tas e materiais destinados aos estudantes do Ensino Fun-
ciações comunitárias, igrejas, creches, empresas, enfim, damental.
lugares em que há espaço para a abertura da sala e ne-
cessidade da comunidade. As classes são agrupadas em

235
Papel do Formador venções e estratégias pedagógicas, elaboração de
instrumentos para avaliação e acompanhamento
O papel de formador é uma ação fundamental do dos estudantes, acompanhamento dos registros
Coordenador Pedagógico. Em sua rotina de trabalho, os e ATAS no SGP, estabelecimento de critérios para
momentos para estudo - formação do formador - devem encaminhamentos dos estudantes com dificulda-
ser previstos e garantidos. Desenvolver a formação dos des de aprendizagem, entre outros), subsidiando a
professores é uma atividade que demanda organização e ação dos demais professores da sala regular Para
aprofundamento em diferentes saberes que contribuam o atendimento às especificidades dos estudantes,
para a prática docente, logo, requer empenho do coor- ainda faz-se necessário estabelecer parcerias com
denador nos seus processos de autoformação. outros equipamentos locais de apoio social, pro-
Além dos contextos de estudo na Unidade Escolar, movendo a integração entre a escola e comunida-
cumpre destacar as contribuições das Diretorias Regio- de (UBS, Conselho Tutelar, CAPS etc.);
nais de Educação (DREs), representadas por suas Dire- - ACOMPANHAR: a rotina da Sala de Recurso Mul-
torias Pedagógicas (DIPEDs), na promoção de encontros tifuncional, com vistas ao progresso dos estudan-
formativos voltados aos coordenadores pedagógicos da tes, orientando e participando da elaboração dos
EJA. Esses encontros favorecem o aprendizado entre pa- planos, espaço, agrupamentos, possibilidades me-
res e as trocas de experiência, sendo fundamental que todológicas, promovendo articulações com a sala
também contemplem, entre inúmeras possibilidades de aula. Além disso, cumpre também subsidiar as
de conteúdos formativos, as diversas possibilidades de ações pedagógicas dos Estagiários do “quadro
atuação do coordenador, incluindo - nesse âmbito - as aprender sem limites” – estabelecendo rotinas e
ações que se fazem específicas e necessárias ao público orientando a parceria com os professores na ob-
da EJA. servação de situações de avanços, dificuldades e
Os coordenadores pedagógicos que atuam simulta- necessidades de intervenções.
neamente no Ensino Fundamental e na EJA têm ainda o - FORMAR: Promover ações de formação que envol-
desafio de contemplar as especificidades de cada eta- vam todos os professores da Unidade Escolar para
pa de ensino nos contextos formativos dos professores. reflexão sobre a prática docente e inclusiva, pro-
Como as demandas internas e externas do Ensino Fun- porcionando debates e tomadas de decisão con-
damental solicitam tempo e trabalho do Coordenador cernentes aos programas, projetos e à eliminação
Pedagógico, é necessário programar espaços na rotina das barreiras na comunicação, informação e atitu-
e na formação dos professores que vislumbrem as es- dinal. Nesse aspecto, também é necessário plane-
pecificidades da EJA. Cabe destacar, contudo, que con- jar os contextos de estudo no horário de Estudo
templar essas especificidades na formação docente não Coletivo e PEA para que eles também contribuam
deve impossibilitar as articulações com o grupo que atua na formação docente.
exclusivamente no Ensino Fundamental regular.
As especificidades do CIEJA não tornam o ato de Avaliação e Acompanhamento das aprendizagens:
coordenar mais fácil. Essa função fica a cargo de um pro- o percurso docente e discente na EJA.
fessor designado para a função de Assistente Pedagó-
gico e Educacional. A diversidade de horários, turmas e Pensar em avaliação no cotidiano escolar não envolve
professores também exige a organização de pautas for- somente mensurar o que o estudante não aprendeu, mas
mativas que considerem os tempos e espaços de apren- sim evidenciar o que ele já sabe e o que precisa saber. Es-
dizagem e os sujeitos que compõem as especificidades tudo, discussão, reflexão, planejamento são ações regu-
dessas Unidades Escolares. lares que precisam ser estabelecidas quando o objetivo é
garantir o real valor e objetivo da avaliação proposta na
Coordenação e inclusão: possibilidades de ação e Unidade Escolar, seja ela de caráter interno ou externo.
parceria na EJA É importante ressaltar que o Coordenador Pedagógi-
co, em parceria com os professores, deve garantir ações
Entre o público da Educação de Jovens e Adultos tam- para qualificar os instrumentos de avaliação no ambiente
bém estão aqueles estudantes com deficiência, transtor- escolar, bem como fazer uso da avaliação externa, ana-
no global do desenvolvimento e altas habilidades/ su- lisando seus resultados para a melhoria e garantia de
perdotação. Considerar que a educação de qualidade avanços do processo de aprendizagem dos estudantes.
é um direito de todos implica organizar oportunidades Nesse sentido, é fundamental que os professores, em
equitativas de aprendizagem que considerem as especi- parceria com o Coordenador Pedagógico, estabeleçam
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

ficidades desses estudantes. Para que isso aconteça, cabe critérios para a avaliação e acompanhamento das ativi-
ao Coordenador Pedagógico: dades pedagógicas durante os momentos coletivos e
- PROMOVER ARTICULAÇÕES: junto ao CEFAI e individuais de estudo, possibilitando inclusive o acompa-
PAEE que ofereçam atendimento especializado aos nhamento dos estudantes jovens e adultos que demons-
estudantes, considerando as especificidades dos tram dificuldades de aprendizagem.
estudantes da EJA, bem como suas necessidades e Dessa forma, a rotina do Coordenador Pedagógico
interesses. Essas articulações promovem estudos e precisa destinar tempo para a análise dos resultados
ações para garantia dos avanços necessários (pla- das avaliações internas e externas, acompanhamento
nejamento, estudo de caso, registro dos avanços e dos Planos de trabalho dos professores e relatórios do
dificuldades do processo, possibilidades de inter- Sistema de Gestão Pedagógica (estudantes, professores,

236
gestor, ATAS e gráficos). Dados esses que, ressignificados O sociólogo francês Claude Dubar trabalhou um tema
pelo coordenador, podem subsidiar a organização dos muito interessante para que possamos pensar as esco-
momentos de estudo e de reuniões pedagógicas, bem lhas profissionais: IDENTIDADE. O conceito de identida-
como orientar a condução de Conselhos de Classe. de, para além do senso comum, é entendida, neste do-
As análises dos dados obtidos no Sistema de Gestão cumento, como sinônimo de papel social, personalidade,
Pedagógica, SERAp e instrumentos produzidos pela pró- entre outros.
pria Unidade Escolar também devem nortear as propos- Dubar (2009) considera identidade como um proces-
tas de intervenção e superação das dificuldades apresen- so que não é dado pelo nascimento. É construído ao lon-
tadas pelos estudantes e indicar os casos específicos que go da vida. E é um processo em que são feitas expectati-
requerem ações de recuperação. O registro de todo o vas em torno de nossa pessoa, denominadas atribuições
processo pedagógico da avaliação e acompanhamento e que, ao longo do tempo, assimilamos e incorporamos,
das aprendizagens dos estudantes deve ser assegurado ou não, à nossa vida. Esse é um processo em que existem
e revisitado nas situações de planejamento, estudo, en- tensões e negociações e que está em permanente cons-
caminhamentos e análise dos dados inseridos no SGP. trução. Nossa identidade é contingente, transforma-se
em relação ao que consideramos importante em deter-
O fazer da coordenação pedagógica na Rede Mu- minado momento, transforma-se em relação aos passos
nicipal de Ensino da Cidade de São Paulo e as especi- que damos de aperfeiçoamento, de mudanças, de avan-
ficidades do Ensino Médio ços e de retrocessos. Hoje, somos professores e amanhã
seremos... aposentados!
A Rede Municipal de Ensino de São Paulo possui oito Ser professor, portanto, implica em incontáveis atri-
escolas de Ensino Fundamental e Médio: EMEFM Pro- buições - que não são meras tarefas ou afazeres, mas,
fessor Derville Allegretti; EMEFM Guiomar Cabral; EME- sim, o conjunto daquilo que dizem sobre nós, daquilo
FM Vereador Antônio Sampaio; EMEFM Rubens Paiva; que pensam e expressam em relação à nossa pessoa -
EMEFM Antônio Alves Veríssimo; EMEFM Darcy Ribeiro; que podemos, ou não, tomar como pertenças!
EMEFM Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e EMEFM
Importante pensar que o professor carrega em sua
Professor Lineu Prestes.
representação social como profissional, imagens de he-
roísmo, missão, vocação, devoção e compromisso incon-
Identidade: processo e constituição do Ser Professor/
dicionais. Muitos adjetivos que nos atribuem, como parte
Coordenador
do fazer docente, vão muito além de questões técnicas
Helena Lima
e científicas, vão além do aspecto missionário e além do
êxito material. E tudo pode ir se juntando ao nosso ser
O Brasil tem uma referência mundial em educação:
professor – ou orientador.
Paulo Freire. Em todos os continentes, sua obra é re-
verenciada, estudada, constitui tema de disciplinas re- O momento atual de imperativo do êxito coloca nos
gulares em curso de formação, disciplinas especiais e bens materiais o símbolo do sucesso ou fracasso de uma
cátedras. Um educador que trabalhou com pessoas de escolha. Ao professor no Brasil, especialmente após a dé-
todos os matizes e culturas. Na África, atuou em diversos cada de 1960, foi-lhe decalcada uma condição de “abne-
países de Língua Portuguesa: Guiné-Bissau, São Tomé e gado”, que faz “por amor”, “sem se preocupar com mate-
Príncipe e Angola. O material do Ministério da Educação rialidades”, pois seu fazer seria “sublime” em si, base para
desses países traz o nome desse pernambucano que, em todas as outras profissões e para a melhoria e salvação
sua própria terra, mereceria ser mais lido e valorizado no de toda a sociedade.
cotidiano dos professores. Foi importante consultor em No entanto, apesar de tão sublime, a desvalorização
assuntos de educação, alfabetização e políticas públicas do lugar do professor no país foi sendo construída e é
também nos Estados Unidos, na Suécia e na Suíça, du- tema de incontáveis reflexões e publicações de autores.
rante mais de 20 anos, antes de voltar para o Brasil. Porém a realidade de sua profissão ficou simplifica-
O que Paulo Freire trouxe de importante? Em primei- da e desfigurada. Seu trabalho ficou reduzido a escolher
ro lugar, a questão do sentido. Aprendemos aquilo que uma escola para trabalhar: escola pública ou a escola
nos faz sentido. Em segundo, mas não menos importan- particular (ou as duas, quando possível!). Assim, ele te-
te, a politização. Compreender a realidade e trabalhar ria mais ônus do que bônus em sua imagem: trabalhar
pela mudança em busca de igualdade de condições, de 40 horas em sala de aula, além das incontáveis horas de
conscientização sobre mazelas e recursos, em busca de preparação e correção, exigiria do professor um dia com
cidadania plena. Paulo Freire refutava os aspectos “mis- mais de 24 horas, o que jamais aconteceu; a imagem do
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

sionários” ou “sacerdotais” do trabalho docente. Em lu- professor sobrecarregado, exausto, ávido por algumas
gar dos adjetivos de “vocação”, “dom” e “missão”, por horas de descanso nas férias, seja no cotidiano rural ou
exemplo, ele apresentava o estudo e a articulação com a urbano. O que foi possível fazer para superar esse qua-
vida cotidiana como ferramentas para alfabetização das dro? O que é possível fazer hoje diante disso?
letras e dos sentidos, com objetivo claro de uma com- Apresenta-se aí uma das facetas da crise da identi-
preensão de mundo e do próprio papel na sociedade dade docente: o momento em que o professor não sabe
que fosse além do que é apresentado pela mídia. mais a quem está servindo seu trabalho; as tensões pa-
Quando e como escolhemos ser professores? Foram ralisam as negociações; as atribuições e tarefas são ex-
escolhas em si, “escolher ser”, ou “segunda opção”? Será cessivas, fora do que o professor pode e quer receber e
que isso interfere no dia a dia do fazer docente? incorporar como pertenças?

237
Quando o professor se torna Coordenador Pedagógi- Freud (2000), em seu texto Análise Terminável e In-
co, muitas vezes, vislumbra uma melhoria em seu cotidia- terminável, diz que há três profissões impossíveis: gover-
no em todos os sentidos: horário, espaço (sala própria), nar, psicanalisar e educar. Dependem de uma humildade
acesso à direção, aos pais e aos estudantes a partir de um básica, dependem dos outros, dependem de nossa dis-
lugar de mais autoridade do que quando era professor, posição em compreender e assimilar mudanças. As mu-
porém o papel real cotidiano nem sempre corresponde danças, em geral, são vistas com muito medo. Mudar de
ao que foi sonhado e idealizado. sala, de turma, de escola, de casa, de papel, de profissão...
Por exemplo, quais responsabilidades o Coordena- mudar assusta.
dor Pedagógico possui no cotidiano de uma escola? Por Finalmente, o que Dubar (2005, 2009) e Freud (1937)
definição, sua principal realização seria trabalhar pelo nos trazem quanto à identidade docente? A resposta é
aprimoramento docente, de modo constante e consis- que, sem dúvida, ela exige muito de nós; que estamos
tente. Espera-se que ele seja capacitado tecnicamente, em permanente constituição identitária e que identidade
equilibrado, ponderado, criativo, alinhado aos valores da não é sinônimo de papel social ou personalidade; que
escola à qual trabalha. Essas seriam as suas atribuições. essa construção permanente de nosso ser-aí, de nossa
Seu cargo implica na realização de estudos, reuniões, forma de estar no mundo, tudo isso requer autoconhe-
preparação pessoal, enfim, uma série de tarefas a serem cimento, reflexão, partilha, parceria e – principalmente -
cumpridas. autoria!
O que acontece no dia a dia? O Coordenador Peda-
gógico consegue assumir como pertença essa atribuição Fonte
principal com toda complexidade que exige? Em geral, SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
não consegue! Por quê? Porque é levado, literalmente, cação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações didáticas
a apagar os incêndios do cotidiano escolar: indisciplina, do Currículo da Cidade: Coordenação Pedagógica. 2. ed.
acidentes, falta de professores, falta de funcionários... o São Paulo: SME/ COPED, 2019. Disponível em: http://por-
Coordenador acaba assumindo, como pertença, atribui- tal.sme.prefeitura.sp.gov. br/Portals/1/Files/50729.pdf.
ções e tarefas de outras pessoas. Seja por falta de pes-
soal, seja por falta de compreensão e esclarecimento dos
gestores acerca do papel central do Coordenador na di-
nâmica escolar. Aí, estão as tensões das quais nos fala EXERCÍCIO COMENTADO
Dubar (2009).
Quando é possível, o Coordenador consegue insistir
1. (ENADE – Pedagogia) Um dos objetivos da gestão
em suas atribuições e tarefas como formador. Seleciona
democrática participativa é a articulação entre as polí-
textos, propõe discussões e, quando isso funciona, todo
ticas educacionais atuais e as demandas socioculturais.
o corpo docente e a própria escola saem enriquecidos.
Considerando essa finalidade, avalie quais das ações
Quando é possível? Aí, entram as negociações. Negociar,
educacionais abaixo se relacionam a essa concepção.
sobretudo, consigo mesmo. Há preparo e interesse para
esse papel formativo? Há vontade de ser formador den-
I. Compartilhar valores em prol da própria escola, reco-
tro da escola? Esses são pontos essenciais.
Um segundo ponto: como os gestores e demais nhecendo a impossibilidade de se incluir ideais de justiça,
membros do corpo docente compreendem o papel do solidariedade e ética humana, que transcendem os limi-
Coordenador Pedagógico naquela escola? Como se dá tes do processo educativo.
essa compreensão? II. Utilizar os índices educacionais da escola como subsí-
O Coordenador Pedagógico, ao assumir esse car- dios de gestão para aprimorar o processo ensino-apren-
go, tem uma transição de papéis que leva tempo para dizagem.
se consolidar. Nesse percurso, prevalece, junto a alguns III. Elaborar coletivamente o projeto políticopedagógico
gestores, a ideia que o Coordenador Pedagógico será o que reflita a filosofia da escola e apresente as bases teó-
braço-direito da direção para absolutamente todas as ricometodológicas da prática pedagógica.
ocorrências na escola: papéis e burocracia, acidentes e IV. Planejar ações descentralizando poderes, para realizar
encaminhamentos, problemas, propostas, festas, reu- uma gestão focada nos diferentes aspectos da aprendi-
niões, elaboração de Projeto Político-Pedagógico. O que zagem e nas questões macroestruturais da sociedade.
isso representa?
Em que momento, de um cotidiano tão atarefado, o É correto apenas o que se afirma em
Coordenador pode parar para pensar?
a) I e II.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Em que momento, dessa rotina multitarefa, o Coorde-


nador consegue estudar? b) I e IV.
Onde está a função essencial do Coordenador Peda- c) III e IV.
gógico, de trabalhar a formação docente? d) I, II e III.
Dubar (2009) fala da crise das identidades como um e) II, III e IV.
momento em que o sujeito para e pensa em sua vida
de modo muito profundo: quais características os outros Resposta: Letra E. A alternativa I apresenta um pro-
dizem de mim (atribuições) e quais reconheço como mi- blema identificado como erro de elaboração técnica
nhas (pertenças)? Quais características tenho e ninguém nesse tipo de questão: uma afirmação absolutamente
percebe ou nomeia? O que, afinal, quero da vida e da errada, ao incluir a ideia “reconhecendo a impossibi-
minha profissão, e o que faço para chegar lá? lidade de se incluir ideais de justiça, solidariedade e

238
ética humana”, a qual se contrapõe à finalidade da SON, 1998; MOURA, 2001; SLOMSKY, 2010) e retornando
educação e à articulação políticopedagógica na esco- para propostas baseadas na modalidade visuoespacial
la, na perspectiva posta no enunciado da questão, que nos anos de 1960 (LOU, 1998).
explicita a concepção da gestão democrática partici- O uso das línguas na história da educação de surdos
pativa. não foi uniforme. No Brasil, os passos iniciais da educa-
A alternativa II explicita a importância da avaliação ção de surdos tiveram foco na língua oral, com caráter
como um processo crítico de percurso da ação/rela- normalizador e proibitivo em relação ao uso da língua
ção pedagógica/gestão para posicionar professores e de sinais nos espaços escolares. A referência que marcou
gestores no aprimoramento dos processos de ensinar a instauração da oralidade como modo preferencial de
e aprender frente aos resultados encontrados e os comunicação nos espaços educacionais foi o II Congres-
propostos pelo PPP. so Internacional de Educação dos Surdos, realizado em
A alternativa III afirma a importância da organização Milão (SÁNCHEZ, 1990; MOURA, 2000; KINSEY, 2011).
coletiva da comunidade escolar para os processos de Naquele evento, as discussões sobre a Língua de Sinais,
planejamento e acompanhamento do projeto políti- ainda que uma descrição linguística sobre Línguas de Si-
copedagógico, orientado pela explicitação filosófica nais só viesse a ocorrer em meados do próximo século
que possa sustentar as bases teóricometodológicas com as proposições de William Stokoe sobre a Língua
da prática pedagógica. de Sinais Americana na década de 1960, já sinalizavam a
A alternativa IV reforça a democratização das relações preocupação dos educadores com a forma de comunica-
de poder na escola por meio de uma gestão que possa ção das pessoas surdas e o reconhecimento de uma es-
atender tanto as questões que envolvem a aprendiza- trutura significativa e relevante na modalidade visuoes-
gem e o ensino quanto às macroestruturas da socie- pacial (KINSEY, 2011).
dade. Como está posto no enunciado: “Um dos obje- Entretanto, as metodologias oralistas tiveram peso
tivos da gestão democrática participativa é articulação maior para os participantes, sendo defendidas por uma
entre as políticas educacionais atuais e as demandas classe de profissionais oralistas que tinham como objeti-
socioculturais”. vo dar consistência e força às suas posições com relação
Nesse tipo de questão, torna-se fundamental analisar às metodologias para a educação dos surdos e, então,
cada afirmativa em sua relação com o enunciado, para foram condenadas as propostas que utilizavam línguas
então verificar qual alternativa contém as combina- de sinais.
ções de afirmativas que correspondem, quer positiva-
mente, quer negativamente ao que foi solicitado. No As Antigas Práticas Baseadas em Línguas Orais
caso dessa questão: “Considerando essa finalidade,
avalie quais das ações educacionais abaixo se relacio- Com a divulgação das práticas baseadas na orali-
nam a essa concepção”. dade como sendo as que deveriam ser privilegiadas, a
educação de surdos começa a experimentar um perío-
do em que a estimulação auditiva e o desenvolvimento
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA da fala ganha espaço de destaque. O objetivo principal
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. nesse contexto era a normalização das pessoas surdas
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. tidas como deficientes e a integração dessas pessoas na
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO comunidade ouvinte, dando exclusividade à língua oral
ESPECIAL: LÍNGUA PORTUGUESA PARA (WATSON, 1998).
SURDOS. SÃO PAULO: SME/ COPED, 2019. A filosofia oralista inaugura um período de opressão
às línguas de sinais. Não bastasse o foco na língua oral,
os educadores começaram a atribuir ao uso da Língua
A EDUCAÇÃO DE SURDOS de Sinais o insucesso dos métodos praticados pelos ora-
listas e a proibir que crianças e jovens surdos usassem a
Língua de Sinais em ambientes educacionais. A proibição
#FicaDica
ocorria (e ocorre em espaços remanescentes dessa prá-
A educação de surdos tem sido objeto de tica de exclusão e de impedimento do desenvolvimento
estudo e discussão há muitas décadas. Di- humano) de forma direta ou convencendo os familiares
versos autores, no Brasil e no mundo, apre- a respeito dos falsamente ditos efeitos negativos do uso
sentaram suas posições e análises (PICKERS- da Língua de Sinais.
O insucesso do oralismo para muitos indivíduos
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

GILL, 1998; LOU, 1998; LEVY, 1999; MOURA,


2000; MOURA et al., 2005; GARCIA, 2016; (MARCHESI, 1995; LACERDA; MANTELATTO, 2000; BAR-
KARNOPP, 2001). BOSA, 2007) começou a expor as fragilidades desta fi-
losofia e as ideias equivocadas divulgadas pelos seus
adeptos começaram a ser modificadas com o desenvol-
vimento científico das ciências da linguagem. Os estudos
Um ponto comum entre diversos estudos é a presen- linguísticos, que tiveram sua inauguração como ciência
ça de metodologias baseadas na modalidade visuoespa- no início do século passado com a publicação póstuma
cial já nas primeiras tentativas de educar as pessoas sur- do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussu-
das, que caminharam para uma mudança de paradigma re, ganham eco em diversas áreas e em diversas línguas,
com a instauração do Oralismo na década de 1880 (WAT- que começam a ser descritas tomando como base teorias

239
comuns às línguas naturais. O impacto desse desenvolvi- relações de similaridades e divergências entre as línguas.
mento científico na educação de surdos ocorre somente Aspecto esse a ser considerado nas reflexões dos profes-
algumas décadas depois. sores e dos estudantes. Entretanto, vale destacar que o
Conforme Strong (1998), na década de 1950 diversos uso de duas línguas, de modalidades diferentes, deve ser
pesquisadores começam a questionar o uso da modali- realizado em momentos distintos.
dade oral exclusiva a partir de testes específicos compa- Uma pessoa pode ser usuário da Língua Portuguesa
rando o método oralista com o baseado na modalidade e da Libras, mas o uso concomitante das duas línguas
visuoespacial. Então, com o agravo causado pelo oralis- (sinalizar em Libras ao mesmo tempo que se fala a Língua
mo na comunidade surda e com as novas concepções a Portuguesa) não permite que as línguas em uso conco-
respeito das línguas de sinais, tem-se o início de um pe- mitante sejam processadas da forma adequada. Quadros
ríodo em que métodos baseados na oralidade são asso- (1997) discute que a aquisição de língua pode ocorrer
ciados a métodos baseados na gestualidade e na Língua de forma sucessiva ou simultânea. Na aquisição sucessiva
de Sinais. Neste período, qualquer código ou língua que das duas línguas, o processo ocorre após a detecção da
pudesse ajudar no processo de comunicação dos estu- perda auditiva, com entrada subsequente do estímulo da
dantes surdos era admitido. língua de sinais e, depois da sua aquisição completa, a
A Comunicação Total, então, começa a fazer uso de introdução do aprendizado da língua oral. A aquisição
sistemas de comunicação9 a partir do contato entre a simultânea acontece quando o processo de aquisição da
língua oral e a Língua de Sinais. No caso do Brasil, o uso língua de sinais se inicia ao mesmo tempo em que se dá
concomitante da Língua Brasileira de Sinais - Libras (ou o processo de aquisição da Língua Portuguesa. Kozlows-
uma tentativa de usá-la) com a Língua Portuguesa gerou ki (2000) aponta que no processo de educação bilíngue
o Português Sinalizado e o Bimodalismo. Por não serem não existe diferença de status entre as línguas a serem
línguas naturais, esses sistemas de comunicação apre- adquiridas ou aprendidas.
sentaram limitações que causaram impactos no processo A prioridade dada para a aquisição da Língua de Si-
educacional dos estudantes surdos. Os resultados dessas nais como primeira língua e em momento adequado é
práticas continuaram a causar insatisfação nos educado- explicada não por uma questão hierárquica entre as duas
res. Segundo Komesaroff (2001), um dos fatores impul- línguas, mas porque a instrução – aquisição de conhe-
sionadores das modificações na educação de surdos que cimento e reflexões a respeito dos conhecimentos ad-
levaram às discussões a respeito da abordagem bilíngue quiridos – deve ser baseada na Língua de Sinais, já que
para surdos foi justamente a insatisfação diante de práti- esta língua não impõe restrições de acesso às pessoas
cas que não produziam os resultados desejados no pro- surdas. Isto porque a Língua de Sinais é a língua de mais
cesso educacional dessas pessoas. fácil acesso para a pessoa surda. Contudo, não se pode
estabelecer uma gradação de valor ou de status linguís-
A Concepção de Educação Bilíngue para Surdos tico entre as duas línguas. O Relatório sobre a Política
Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de
As reflexões sobre a abordagem bilíngue na Améri- Sinais e Língua Portuguesa (BRASIL, 2014) aponta como
ca Latina tiveram como precursores Carlos Sanchez, na um dos objetivos a garantia de direito à educação lin-
Venezuela, e Luis Behares, no Uruguai. No Brasil, os im- guístico/cultural com afastamento do modelo que foca a
pactos dessas reflexões tiveram seus efeitos na década surdez como falta sensorial.
de 1980, já com as influências dos estudos linguísticos O documento diz que: A Educação Bilíngue Libras -
das línguas de sinais, conforme Ferreira (1995), Skliar Português é entendida, como a escolarização que respei-
(1998) e Quadros (1997). Entretanto, as práticas bilíngues ta a condição da pessoa surda e sua experiência visual
na educação de surdos começaram a ser implementa- como constituidora de cultura singular, sem, contudo,
das na última década do século passado, ainda geran- desconsiderar a necessária aprendizagem escolar do
do diversos conflitos nas escolas de surdos. Pickersgill e português. Demanda o desenho de uma política linguís-
Gregory (1998) definem bilinguismo para surdos como tica que defina a participação das duas línguas na escola
sendo uma abordagem educacional que parte do princí- em todo o processo de escolarização de forma a conferir
pio que a língua de instrução da criança surda deve ser a legitimidade e prestígio da Libras como língua curricular
Língua de Sinais e a língua da comunidade ouvinte deve e constituidora da pessoa surda. (BRASIL, 2014, p. 6).
ser usada como segunda língua. Para os autores, a práti- O direito à educação baseado em decisões tomadas
ca bilíngue na educação de surdos defende que o status a partir de políticas linguísticas poderá permitir que as
linguístico da língua oral e da Língua de Sinais deve ter o discussões a respeito da cultura surda e da língua da
mesmo o valor. Ambas devem ser consideradas e usadas comunidade surda possam se estabelecer sem que seja
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no processo de educação da pessoa surda. atribuído um caráter normalizador à educação.


Afirmam também que a competência adequada nas
duas línguas, e principalmente na Língua de Sinais, pos- Histórico da Educação de Surdos no Município de
sui impacto importante no desenvolvimento da criança São Paulo
e pode ser determinante para o seu futuro educacional
e social. As diferenças entre as crianças devem ser res- A educação de surdos no Munícipio de São Paulo data
peitadas, assim como as diferenças familiares no que diz de 1952 com a criação do primeiro Núcleo Educacional
respeito à forma de exploração da Língua de Sinais e da para Crianças Surdas Helen Keller, na zona central da ci-
Língua Portuguesa. A relação entre as duas línguas deve dade. A educação, naquela época, era baseada na Lín-
ser estimulada, bem como as habilidades de estabelecer gua Portuguesa oral e escrita, influenciada pela filosofia

240
educacional do Oralismo adotada pela maior parte das a deficiências, limitações, condições ou disfunções e sur-
escolas do mundo. Entre os anos de 1988 e 1999 foram docegueira. Oferece atendimento educacional à popu-
criadas mais cinco escolas para atender à demanda do lação na Educação Infantil, no Ensino Fundamental e na
município, naquela época denominadas EMEE – Escola Educação de Jovens e Adultos - EJA.
Municipal de Educação Especial: EMEE Anne Sullivan, na O atendimento é realizado por professores bilíngues
zona sul; EMEE Neusa Basseto, na zona leste; EMEE Ma- com base na Pedagogia Visual, que faz uso de materiais
dre Lucie Bray e EMEE Professor Mário Pereira Bicudo, na visuais, da Língua de Sinais, da imagem, do letramento
zona norte e EMEE Vera Lúcia Aparecida Ribeiro, na zona ou leitura visual. Essas escolas contam com Instrutores
oeste. Essas EMEEs passaram por um período de mudan- de Libras surdos que atuam como modelo linguístico,
ças na abordagem linguística adotada pelo sistema edu- e Tradutores-Intérpretes e Guias-Intérpretes de Libras e
cacional que preconizava, inicialmente, a oralização dos Língua Portuguesa (TILS) que proporcionam acessibilida-
estudantes surdos e, posteriormente, passaram a fazer de linguística aos estudantes. Já, os estudantes surdos,
uso da modalidade visuoespacial para a comunicação e cujos familiares/responsáveis optam por matriculá-los
educação da pessoa Surda, dando ênfase à Libras. em escolas regulares, possuem os serviços dos TILS e são
Para subsidiar o trabalho dos professores, a Secretaria atendidos no contraturno nas Salas de Recursos Multi-
Municipal de Educação - SME desenvolveu documentos funcionais por Professores responsáveis pelo Atendi-
de Orientações Curriculares e Proposição de Expectativas mento Educacional Especializado e Instrutores de Libras.
de Aprendizagem para a Educação Infantil e Ensino Fun- A organização e a oferta da Educação Bilíngue no âm-
damental para as disciplinas curriculares, publicados no bito da SME consideram:
ano de 2008. Esse processo de construção coletiva exigiu a. Libras adotada como primeira língua;
o envolvimento amplo de todos os educadores que atua- b. Libras e Língua Portuguesa - na modalidade es-
vam nas EMEEs e das instâncias dirigentes da Secretaria crita - como línguas de instrução e de circulação,
Municipal de Educação, como coordenadoras do debate que devem ser utilizadas de forma simultânea no
e mediadoras das tomadas de decisão. Especificamente ambiente escolar, colaborando para o desenvolvi-
para a implementação da educação bilíngue, dois do- mento de todo o processo educativo;
cumentos foram construídos, o de Língua Brasileira de c. promoção do uso da modalidade visuoespacial e
Sinais – Libras (SÃO PAULO, 2008a) e o de Língua Portu- das tecnologias da informação e da comunicação
guesa para Surdos (SÃO PAULO, 2008b), que fizeram par- para assegurar o pleno acesso ao currículo;
te do Programa de Orientações Curriculares da Secretaria d. organização de práticas educativas que respeitem
Municipal de Educação (SÃO PAULO, 2008, 2008). as especificidades dos educandos e educandas;
Ainda com o intuito de contribuir com o processo de e. organização dos tempos e dos espaços que privi-
ensino aprendizagem, posteriormente, a SME continuou legiem as relações entre educandas surdos, surdo-
o trabalho para a implementação desses documentos e, cegos e ouvintes, com a mesma idade e também
na sequência, produziu os “Cadernos de apoio e apren- de faixas etárias diferentes, com os interlocutores
dizagem” do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, com- bilíngues, para que se constituam e se reconheçam
postos por materiais impressos e vídeos para o professor como usuários da Libras;
e para os estudantes surdos (SÃO PAULO, 2012, 2012). f. oferta de esclarecimentos aos familiares e responsá-
Acompanhando as transformações educacionais, linguís- veis sobre os princípios e demandas da Educação
ticas e culturais da Comunidade Surda, em 2010 foi cons-
Bilíngue, a fim de que tenham confiança e familia-
tituído um Grupo de Trabalho que teve como objetivo
ridade com esta proposta, incluindo orientação em
a definição das diretrizes para a organização de Escolas
relação à necessidade do conhecimento, aquisição
Bilíngues para Surdos e, como resultado deste trabalho,
e uso da Libras por eles;
no ano de 2011, foi publicado o Decreto n° 52.785, que
g. articulação entre os profissionais que atuam na
criou as Escolas de Educação Bilíngue para Surdos –
Educação Bilíngue: educadores, Instrutores de Li-
EMEBS na Rede Municipal de Ensino, dando início a uma
bras, Intérpretes de Libras/Língua Portuguesa e
nova etapa de atendimento às crianças, jovens e adultos
surdos da nossa cidade. Guias-Intérpretes Libras/Língua Portuguesa.
Em 2012, foram criadas ainda duas Escolas Polo Bilín-
gue para Surdos e Ouvintes no CEU Capão Redondo, na Em 2017 teve início a atualização do currículo de Li-
zona sul, e no CEU São Rafael, na zona leste. A Política de bras e do currículo de Língua Portuguesa para surdos,
Atendimento adotada desde 2011 não sofreu desconti- com o objetivo explícito de manter as inter-relações en-
nuidade, sendo a mesma ratificada no Decreto nº 57.379 tre os dois currículos de forma que estes pudessem ca-
minhar juntos em suas etapas de construção e nos con-
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(dezembro 2016) e regulamentada pela Portaria nº 8.764


(dezembro 2016), que reconhece o direito dos surdos a teúdos a serem abordados durante os anos escolares a
uma Educação Bilíngue de qualidade que respeita sua que se propõem.
identidade e cultura. Essa política entende a Libras como
a primeira língua das pessoas surdas e, portanto, língua A Língua Brasileira de Sinais no Currículo Bilíngue
de instrução e de comunicação, e a Língua Portuguesa, para Surdos
em sua modalidade escrita, como segunda língua, sendo
objeto de ensino da escola. O currículo de Língua Brasileira de Sinais, está orga-
As Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Sur- nizado de forma a promover a consolidação da compe-
dos e Polos Bilíngues destinam-se às crianças, adolescen- tência linguística em Libras pelos estudantes surdos e o
tes, jovens e adultos com surdez, com surdez associada domínio da consciência metalinguística da/sobre Libras.

241
O objetivo da Educação Infantil é permitir que os bebês de Sinais, uma vez que o desenvolvimento cognitivo da
e crianças surdas possam ter um ambiente que permita o criança surda, o início do aprendizado do conhecimento
desenvolvimento das bases precursoras para a aquisição de mundo e das relações sociais se dão a partir da Língua
da Língua de Sinais. Brasileira de Sinais. Este foco na Língua de Sinais vem da
Para tanto, a base primeira será a construção de am- justificativa de que é a partir desta língua que os proces-
biente comunicativo propício à aquisição da Libras e o sos de pensamento e as demais habilidades cognitivas
empenho para o desenvolvimento dos marcos linguís- da pessoa surda são fundamentados em uma língua ob-
ticos compatíveis, aproveitando o período ótimo para jetiva espacial.
aquisição de língua. A consciência fonológica, a memória, toda a organi-
Para o Ensino Fundamental, levando em consideração zação básica para o processamento de uma língua natu-
o grande número de crianças surdas que chegam à esco- ral se fundamenta em uma experiência de vida, em um
la sem língua adquirida, o foco é a permanência da con- paradigma sensorial baseado na modalidade visuoespa-
solidação da competência linguística a ser desenvolvida cial e, por isso, destaca-se a importância da Língua de
em conjunto com os objetivos de domínio da consciência Sinais e da estimulação das bases visuais para o desen-
metalinguística da Libras. O desenvolvimento da cons- volvimento desta língua e de outras que esta pessoa
ciência metalinguística trará aos estudantes o conheci- queira aprender. Portanto, os conteúdos e os objetivos
mento linguístico necessário para compreender como de aprendizagem e desenvolvimento que foram escolhi-
as formas executadas e percebidas na Libras constituem dos para compor este currículo bilíngue estão organiza-
sentidos e como esses sentidos podem ser representa- dos de forma tal que a Libras apareça como precursora
dos/escritos na Língua Portuguesa. Isso contribuirá para para o aprendizado de quaisquer conteúdos. No caso
a concretização de uma abordagem bilíngue e intercul- do currículo bilíngue, é importante a articulação entre
tural no espaço escolar. as propostas da Língua Brasileira de Sinais e da Língua
Os eixos estruturantes e os objetivos de aprendiza- Portuguesa.
gem foram discutidos em um grupo de trabalho especí- As bases precursoras do conhecimento linguístico fo-
fico (GT Libras) para a atualização do currículo de Libras cadas na Libras são exploradas um ano antes de serem
e pensados para o desenvolvimento articulado com o trabalhadas na segunda língua. Portanto, Libras e a Lín-
ensino de Língua Portuguesa para Surdos. gua Portuguesa para Surdos caminham de forma harmô-
nica, mas a Libras antecipa os conhecimentos essenciais
A Língua Portuguesa no Currículo Bilíngue para para que os objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
Surdos mento sejam também alcançados em Língua Portuguesa.
Destaca-se que a libras, nesta proposição curricular, não
No caso da pessoa surda, o aprendizado da segunda está a serviço da Língua Portuguesa para surdos, mas
língua deverá ser subsidiado pelos recursos linguísticos está a serviço do estudante surdo.
e cognitivos em sua primeira língua. Estamos aqui de- Defende-se que não é possível a apropriação de um
finindo claramente que a Língua Brasileira de Sinais é a conteúdo em uma segunda língua se os conteúdos não
primeira língua (L1) da comunidade surda brasileira dos estão sedimentados corretamente na primeira língua.
centros urbanos e a Língua Portuguesa, em sua modali- Uma das características principais do Currículo de Lín-
dade escrita, é a segunda língua (L2). Os conteúdos com gua Brasileira de Sinais é a presença de um eixo focado
carga horária e complexidade gradativa deverão ser mi- no desenvolvimento de habilidades metalinguísticas ba-
nistrados em Libras. Isso significa dizer que o professor seadas na Língua de Sinais. As crianças ouvintes quando
de Língua Portuguesa para surdos, preferencialmente, ingressam no Ensino Fundamental já estão em estágio
deverá ter o domínio da Libras e conhecimentos explíci- avançado da aquisição da língua oral, a Língua Portu-
tos dos seus aspectos linguísticos. guesa. Aos seis anos de idade, as crianças ouvintes já se
Isso permitirá que o professor trabalhe com o con- aproximam do padrão adulto de aquisição e desenvol-
traste linguístico para o ensino de Língua Portuguesa vimento de língua, podendo compreender e se expres-
e em parceria com o professor de Libras. Essa parceria sar na língua oral de forma proficiente. Os objetivos de
deve ser preconizada para que os conteúdos apresenta- aprendizagem e desenvolvimento presentes no Currículo
dos pelo professor de Língua Portuguesa possam, com de Língua Portuguesa (para ouvintes) voltam-se, então,
os subsídios dados aos estudantes pelo professor de Li- ao desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita
bras, acompanhar o desenvolvimento da aquisição da L1 de uma língua oral - que as crianças já processam inter-
e proporcionar as relações necessárias para o aprendiza- namente - e ao desenvolvimento de habilidades metalin-
do da L2. guísticas na Língua Portuguesa (SMOLKA, 1989).
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

A consciência metalinguística, conhecimento e refle-


Concepções Estruturantes do Currículo Bilíngue xão sobre a língua usando a própria língua será explora-
para Surdos da no Currículo de Língua Brasileira de Sinais de forma
que seja permitido à criança surda a aquisição de sua
A partir disso, a proposição de organização de um língua de instrução e a consciência de como o funciona-
currículo bilíngue para surdos assume como princípio mento das estruturas linguísticas dessa língua se proces-
estabelecer uma base linguística e cognitiva consistente sam. Isso promoverá o domínio da Língua Brasileira de
para impulsionar o aprendizado dos conteúdos escolares Sinais a ponto de permitir, por exemplo, o controle da
e o aprendizado de uma segunda língua. O princípio pri- sinalização quando se quiser fazer modificações em uma
mordial é a aquisição o quanto antes da Língua Brasileira produção não espontânea.

242
Além disso, com o desenvolvimento da consciência Por essa razão, a aquisição da primeira língua, a Lín-
metalinguística, o estudante surdo será capaz de com- gua de Sinais – língua visuoespacial, deve se dar o mais
preender que os níveis de análise linguística estão pre- precocemente possível, para que, com base nos conheci-
sentes na Língua de Sinais, observando os aspectos foné- mentos adquiridos nesta língua, se organize o processo
tico- -fonológicos, morfológicos, sintáticos, pragmáticos de aprendizagem da segunda língua, língua de modali-
e percebendo que estes estarão à sua disposição para dade oral-auditiva, trazendo à criança surda consistên-
que possa utilizar em diferentes situações dialógicas. cia no desenvolvimento da linguagem e ampliação do
Pretende-se que os estudantes surdos cheguem ao nono acesso à informação. Isso permitirá que as bases linguís-
ano do Ensino Fundamental não apenas fluentes na Li- ticas apoiadas e desenvolvidas na Língua de Sinais e, por
bras, mas com conhecimento da estrutura dessa língua. consequência, o desenvolvimento cognitivo adequado,
O que poderá promover empoderamento linguístico, promovam a situação para que a Língua Portuguesa, no
pois o contraste linguístico entre a Língua Portuguesa e a caso das crianças surdas brasileiras, seja desenvolvida de
Libras possibilitará a estruturação da segunda língua e a forma otimizada (BARBOSA; NEVES; BARBOSA, 2013).
proficiência da Língua Portuguesa escrita.
O Conhecimento Metalinguístico
CONCEITOS FUNDAMENTADORES
Segundo Quadros (1997), Lacerda e Mantelatto
A pessoa surda, a escola e as línguas (2000) e Lodi (2000), o domínio da Língua de Sinais é
uma das condições para o aprendizado adequado da
O contato inicial de crianças surdas com a Libras Língua Portuguesa. Essa condição aplica-se ao surdo e
geralmente ocorre no ambiente escolar. E é com um ao professor de segunda língua, que também deve do-
professor usuário de Libras que os primeiros passos no minar fluentemente a Libras para que a construção do
processo de aquisição começam a ser delineados pela conhecimento e a relação de ensino e de aprendizagem
criança surda. Segundo Quadros (1997), cerca de 95% ocorram sem tantas quebras. Além disso, com o domínio
das crianças surdas nascem em famílias em que a Língua da Libras, o professor promoverá aos estudantes surdos
de Sinais não é a primeira língua e encontram, neste am- as aproximações entre a Língua de Sinais e a língua oral,
biente, uma situação que não privilegia suas característi- pelo contraste linguístico, possibilitados pela análise lin-
cas sensoriais. Barbosa, Neves e Barbosa (2013) discutem guística baseada nas habilidades metalinguísticas na Lín-
que muitos casos são direcionados por profissionais da gua de Sinais.
saúde para situações em que a Língua de Sinais é co- No ensino da Língua Portuguesa, as habilidades me-
locada como um impedimento para o desenvolvimento talinguísticas das crianças ouvintes são mobilizadas de
da criança. Este argumento já foi negado por diversas forma recorrente: são anos dedicados à análise de textos,
pesquisas, inclusive no próprio campo da saúde, como observação da forma das palavras e da organização das
observado no texto de Valadão (2012). frases, além do estudo do uso da língua para diversos
Diante dessa realidade e da falta de contato com a fi ns. Esse percurso de análise e tomada de consciência
Libras, o primeiro objetivo a ser alcançado é o da com- das propriedades linguísticas da primeira língua de uma
petência nessa língua, ou seja, criar a possibilidade de se criança deve ser percorrido pelas crianças surdas na Lín-
comunicar, expressar informações o quanto antes com gua Brasileira de Sinais, e por isso, a presença do profis-
outras crianças surdas e ouvintes. Caso este incentivo à sional surdo possui importância singular neste processo
aquisição da Língua de Sinais ocorra na Educação Infantil, (CAMPELLO, 2007).
temos uma situação ótima e que potencialmente levará Barbosa, Neves e Barbosa (2013) também mencio-
ao desenvolvimento da linguagem pela criança surda. nam a importância da atuação do profissional surdo no
A falta de estímulo linguístico acessível (Língua de ensino de Língua Portuguesa e fazem referência ao reco-
Sinais) na primeira infância pode ser um gerador de nhecimento metalinguístico que pode ser potencializado
prejuízos no desenvolvimento escolar da pessoa surda, com a presença dele.
podendo, inclusive, causar danos cognitivos a depen- No caso específico do ensino de português, o profes-
der do atraso relativo ao contato com a Língua de Sinais sor surdo, sinalizador com domínio completo da Língua
(MAYBERRY, 1993; CORMIER et al., 2012; LICHTIG, 2012; de Sinais, pode fornecer subsídios informativos sobre a
BARBOSA, 2012). Por esta razão, a estimulação das bases Libras que poderão esclarecer fatos morfossintáticos da
linguísticas para aquisição da Língua de Sinais (LICHTIG E tradução, processo que o estudante surdo realizará cons-
BARBOSA, 2012) e o contato com interlocutores fluentes tantemente ao ler um texto ou ao produzi-lo. (BARBOSA,
na língua (GÓES, 2000) é fundamental, devendo ser prio- NEVES e BARBOSA, 2013, p. 120).
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ridade entre as atividades a serem desenvolvidas pela Ainda, segundo Crato (2010), a influência do conhe-
criança no ambiente escolar. cimento metalinguístico possui relação direta com a
A base para a alfabetização na Língua Portuguesa tem performance escrita. Mesmo que o estudante surdo exe-
seu início na Educação Infantil. Para as crianças ouvin- cute, na Língua de Sinais, as marcações adequadas, por
tes, que desde o nascimento já experienciam a Língua exemplo, relacionadas aos tempos verbais, o fato desse
Portuguesa em suas famílias, o registro escrito é a re- conhecimento linguístico não ser explícito pode impac-
presentação da língua que processam em suas mentes. tar o número de produções corretas na escrita da Língua
Para a criança surda, o aprendizado de leitura e escrita da Portuguesa.
Língua Portuguesa acontece como uma segunda língua
e, além disso, uma segunda língua de outra modalidade.

243
A Língua Brasileira de Sinais

As línguas de sinais começaram a ser estudadas como línguas naturais a partir dos trabalhos de Willian Stokoe na
década de 1960, com a descrição da Língua de Sinais americana. Naquela época, Stokoe propôs três parâmetros responsá-
veis por organizarem a formação da estrutura interna do sinal (item lexical nas línguas de sinais). Os parâmetros propostos
por ele foram: configuração de mão, locação e movimento. A esses três parâmetros, mais tarde, foram agregados mais dois
parâmetros, propostos por Kimura e Battison (1976) que são orientação da mão e os aspectos não manuais.

Aspectos fonético-fonológicos

Esses cinco parâmetros (configuração de mão, locação e movimento, orientação de mão e aspectos não manuais) são itens
de composição fonético-fonológico das línguas de sinais e a presença deles forma o sinal. A configuração diz respeito à forma
que a(s) mão(s) assume(m) ao realizar determinado sinal. Felipe (1997) acrescenta que as mencionadas formas podem ser aquelas
utilizadas na datilologia, ou ainda, outras feitas pela mão predominante ou pelas duas mãos do emissor ou sinalizador.
Ainda com relação aos aspectos fonético-fonológicos, temos como primeira tarefa da fonologia para as línguas de
sinais a de determinar quais são as unidades mínimas que formam os sinais. A segunda tarefa é estabelecer quais são
as ocorrências dessas unidades, os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no
ambiente fonológico em uma determinada Língua de Sinais (XAVIER; BARBOSA, 2014).

Configurações de mãos (CM) na Língua Brasileira de Sinais

Apresenta-se, na figura anterior, um inventário de configurações de mãos. São as configurações que as mãos po-
dem assumir, com base na descrição de Ferreira (1995). A seleção dos dedos e a flexão das articulações da mão vão
produzir, no caso da Libras, as configurações observadas no quadro. Veja os exemplos abaixo:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

244
Temos configurações que são marcadas com a sele- geométrica, como no sinal de MUSEU (figura 9); de con-
ção de dedos, como a exemplificada na figura 1b, usada tato, como no sinal de MULTA (figura 10); de interação,
para a realização do sinal de BANHEIRO (figura 1a) ou a como no sinal de TRABALHAR (figura 11); de torcedura
configuração de mão exemplificada na figura 2b, usada de pulso, como no sinal de ADVOGADO (figura 12); do-
para a realização do sinal de CADEIRA (figura 2a). Temos, bramento de pulso, como no sinal de CALOR (figura 13)
também, aquelas que são configurações sem seleção e movimento interno das mãos, como no sinal de VIAJAR
dos dedos ou com pouca seleção de dedos, assumindo (figura 14).
uma formação neutra, como a exemplificada na figura Em relação à direcionalidade, temos os movimentos
3b, usada na realização do sinal de LIVRO (figura 3a) ou a que são direcionais e os não direcionais. Os direcionais
exemplificada na figura 4b, usada na mão não dominante podem ser unidirecionais, como no sinal de VIAJAR (fi-
para a realização do sinal de NOITE (figura 4a). gura 14), ou bidirecionais, como no sinal de ORGANIZAR
A locação ou ponto de articulação corresponde ao
local, tomando-se como referência o corpo, onde será
produzido o sinal. Ferreira (1995) afirma que existem si- (figura 15).
nais que são produzidos na parte superior do corpo, cor-
respondentes à cabeça e ao pescoço. Outros sinais são
realizados na parte média, na região do tronco, e, por
último, temos aqueles realizados da cintura ao meio da
coxa. Figura 2b - CM: 48 Figura 3b - CM: 56 Figura 4b -
CM: 7 PARTE 2 – O CURRÍCULO BILÍNGUE PARA SURDOS
77 Além dos sinais realizados em partes do corpo, com
ou sem contato, na cabeça, no tronco ou na mão não
dominante temos sinais que são realizados no espaço
neutro, que seria o espaço à frente do corpo.
Um exemplo de sinal realizado na cabeça é o sinal de
ACREDITAR (figura 5); no tronco, o sinal de SENTIR (figu-
ra 6); na mão não dominante, o sinal de ÚLTIMO (figura
7); e no espaço neutro, o sinal de TRABALHAR (figura 8).
Sinais deste último tipo são realizados sem contato com
o corpo.

Quanto ao movimento das mãos, trata-se de um as-


pecto fundamental para a realização dos sinais. Segundo
Quadros e Karnopp (2004), para que o movimento acon-
teça, é preciso haver objeto e espaço. Acrescentam que,
nas línguas de sinais, a(s) mão(s) do sinalizador represen-
ta(m) o objeto, enquanto o espaço em que o movimento
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se realiza é a área em torno do corpo do sinalizador.


O movimento, utilizado no contexto referente à Lín-
gua de Sinais, é definido como um parâmetro complexo,
que pode envolver uma vasta rede de formas e direções,
desde os movimentos internos de mãos, aos movimen- Com relação ao movimento, temos a qualidade, a
tos de pulso até os movimentos direcionais no espaço. tensão e a maneira. Com relação à frequência do mo-
Com relação ao movimento, temos quatro possibilida- vimento, podemos ter: movimentos simples e os com
des: o tipo, a direcionalidade, a maneira e a frequência repetição. Muitos sinais, além dos quatro parâmetros
do movimento, com especificações para cada uma delas. mencionados anteriormente, têm como traço diferencia-
Para cada tipo de movimento, temos contorno ou forma dor os aspectos não manuais tais como as expressões

245
corporais e faciais, que são fundamentais para a emissão, ma produtiva nas línguas de sinais, a linearidade tam-
recepção e compreensão da mensagem. Pode-se fazer bém está presente, no discurso, na sentença, no sinal e
uso do mesmo sinal para diferentes contextos, sendo também no movimento que pressupõe deslocamento no
que o traço diferenciador responsável pelo sentido será espaço durante um período de tempo e, por isso, precisa
a expressão corporal ou facial utilizada no contexto. da linearidade para que exista. A simultaneidade presen-
O sinalizador deve ser expressivo tanto quanto o sinal te nessas línguas não as afasta da definição de língua
exige, para que a comunicação se estabeleça de forma natural, na verdade adiciona à definição de língua uma
efetiva. Podemos ter expressões corporais, realizadas característica a mais, porque as línguas de sinais são re-
com o tronco, com os ombros, com a cabeça; e temos as conhecidas como línguas naturais. E elas o são não ape-
expressões faciais que podem ser de dois tipos: aquelas nas por justificativas descritivas. Podemos observar o
que trazem informações de cunho emocional (expres- processamento natural das línguas de sinais, por exem-
sões não manuais com padrões universais parecidos) e plo, nos exames de neuroimagem.
aquelas que são componentes importantes não apenas Diversos estudos vêm sendo desenvolvidos em neu-
do ponto de vista fonético-fonológico, mas do ponto de rociências e línguas de sinais no mundo, Valadão (2012)
vista morfológico e sintático, que são as expressões não defendeu sua tese mostrando sujeitos surdos processan-
manuais gramaticais. do estímulos na Língua Brasileira de Sinais e exibindo
O primeiro tipo de expressão não manual pode ser ativação neuronal semelhante à observada em sujeitos
usado também como recurso prosódico, mas são expres- ouvintes processando estímulos em Língua Portuguesa.
sões que não têm uma interferência sintática na produ- Aspectos Morfológicos De acordo com Quadros (1997),
ção da Língua de Sinais. As do segundo tipo possuem existem restrições quanto à formação do sinal, ou seja,
influência direta no processamento da língua e podem temos condições que precisam ser respeitadas para a
resultar em produções agramaticais se forem realizadas formação do sinal. Uma delas é a condição de simetria:
de forma incorreta. quando as mãos assumem configurações selecionadas e
Vamos explorar isso no momento em que falarmos iguais, possuem mesmo ponto de articulação ou pon-
to de articulação com movimento simultâneo alternado,
de sintaxe. Alguns sinais como o sinal de GORDO (figura
como no sinal de TRABALHAR (figura 11) ou no sinal de
16) e MAGRO (figura 17) vão usar expressão facial em sua
SHOPPING (figura 19).
constituição. Ou, de acordo com Takahira (2015), as dife-
Quando as mãos assumem configurações de mãos
renciações de pares nome-verbo podem estar relaciona-
diferentes, observamos a relação de dominância, com
das ao uso de uma expressão facial para que a distinção
uma mão sendo a mão dominante, com configuração
seja realizada. Com isso, entramos na descrição do nível
marcada e com movimento, e a outra mão sendo a não
de análise seguinte, que observa as menores partes com-
dominante ou mão passiva, sem movimento e com uma
postas de sentido: o nível morfológico. O sinal é o item configuração não marcada, sobre a qual vai ser produzi-
lexical das línguas de sinais. É como se fosse a “palavra”, do o sinal, por exemplo, no sinal de NOITE (figura 4a) ou
grosso modo, para as línguas orais. Por exemplo, o sinal no sinal de VERDADE (figura 20).
MULHER (figura 18) é o sinal que usamos para fazer re-
ferência a algo que existe no mundo e que podemos, no
caso da Língua Portuguesa, fazer referência usando a pa-
lavra “mulher”: temos esta configuração de mão (figura
18a), usada nesta locação perto do rosto, com este mo-
vimento, com a palma da mão direcionada para o outro
lado do corpo e com uma expressão facial neutra.

Essas restrições na formação do sinal ocorrem por


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causa das limitações perceptuais que possuímos com re-


lação à visão e da capacidade de produção motora, itens
que vão restringir a complexidade da execução dos sinais
para que eles sejam facilmente percebidos e produzidos.
São condições determinadas pelos processamentos neu-
ronal e motor. O resultado disso então é uma maior pre-
visibilidade da formação do sinal e um sistema de com-
plexidade controlado para a execução dos sinais.
Observe que esses parâmetros fonético-fonológicos A economia da língua também ajuda no estabeleci-
possuem organização simultânea: eles acontecem ao mento dessas condições. Liddell (1984) apresenta alguns
mesmo tempo. Embora simultaneidade ocorra de for- princípios para a formação de sinais compostos como

246
a regra do contato, quando temos um movimento que
seria realizado transformando-se em contato fixo, como
no sinal de ESCOLA (figura 21), composto formado por
CASA (figura 22a) e ESTUDAR (figura 22b); a regra da se-
quência única, com a eliminação do movimento interno
da repetição, como no sinal de FIM DE SEMANA (figura
23), formado pelos sinais de SÁBADO (figura 24a) e DO-
MINGO (figura 24b) e a regra da antecipação da mão
não dominante, em que a mão dominante antecipa o di-
recionamento para a sua locação durante a execução da
primeira parte do sinal pela mão dominante, como no
sinal de ACREDITAR (figura 25).
Não podemos deixar de destacar também os níveis
semântico e pragmático que são determinados em qual-
quer língua pelo contexto. A semântica, segundo Qua- Aspectos Sintáticos A organização sintática das lín-
dros e Karnopp (2004), é o estudo do significado da pa- guas de sinais é notadamente espacial. Segundo Qua-
lavra e da sentença. Trata da natureza, da função e do uso dros (1997), o estabelecimento nominal e o uso do siste-
dos significados determinados ou pressupostos. O sig- ma pronominal exercem grande influência na disposição
nificado ou “significados” de uma expressão linguística dos constituintes para a formação das frases. Essa carac-
apresentam características comuns compartilhadas entre terística (organização sintática espacial) pode ser exibida
os usuários de uma língua. Quanto à pragmática, as au- na execução do sinal em um local particular, no direcio-
toras destacam que tal aspecto envolve as relações entre namento da cabeça e dos olhos a uma determinada lo-
a linguagem e o contexto em que ela é utilizada. Essas calização, na apontação ou no uso de um pronome, de
características também são inerentes às línguas de sinais. um classificador ou na execução de um verbo direcional.
Os referentes podem ou não estar presentes no lo-
Em relação aos níveis semântico e pragmático, Fer-
cal da sinalização e, depois de inseridos no ambiente de
nandes (2003, p. 44) acrescenta: Observamos na Língua
sinalização, eles permanecem no local e podem ser re-
de Sinais as várias acepções de uso, as expressões idio-
feridos posteriormente no discurso. Os estudos de Qua-
máticas, metafóricas, figurativas, os aspectos estilísticos,
dros (1997) mostram que todas as frases com a ordem
as contextualizações, que admitem a pressuposição e o
sujeito-verbo-objeto (SVO) da Libras são gramaticais. En-
implícito, enfim, as mesmas características de qualquer
tretanto, existe a possibilidade de modificação da ordem
língua natural, quer em seu aspecto gramatical, propria-
desses elementos nas sentenças. Neste caso, as expressões
mente dito, quer nas várias manifestações do simbólico. não manuais possuem influência importante na construção
da sentença. Com relação às expressões não manuais gra-
maticais, temos as expressões interrogativas, as que mar-
cam negação, as expressões de concordância gramatical, as
de marcação de foco e as de marcação de tópico. A seguir
apresentamos alguns exemplos de expressões não manuais
que marcam interrogativas e que marcam negativas. Exem-
plos de expressões não manuais interrogativas:
• Usadas para fazer perguntas do tipo QU (quanto,
quando, onde, quem etc.), com respostas abertas,
como nas sentenças:
1. Qual é o seu nome?
2. Qual é a sua idade?
3. Onde você mora?
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

247
• Usadas para produzir perguntas que exigem respos- têm acesso completo à língua oral. A Língua de Sinais é a
tas fechadas, do tipo SIM e NÃO, como nas sen- língua indicada para o desenvolvimento de linguagem e
tenças: deve ser a língua de instrução e conhecimento das crian-
1. Você quer água? ças surdas, conforme estabelece o Decreto nº 5.626 de
2. Você gosta de chocolate? Existem dois tipos distin- 2005 (BRASIL, 2005).
tos de expressões faciais para realizar uma interro-
gativa. O primeiro deles é realizado com as sobran- Estágios da Aquisição da Língua de Sinais: um es-
celhas e olhos franzidos e com a cabeça levemente tudo britânico
levantada e projetada para frente.
A linguista Bencie Woll realizou um estudo publicado em
O segundo tipo é realizado com olhos abertos e a ca- 1998 indicando marcos de idade para as etapas de aqui-
beça um pouco abaixada. Para a realização de negativas, sição de Língua de Sinais Britânica. Esses marcos de idade
podemos usar expressões faciais na construção da sen- não devem ser vistos como regra absoluta para as etapas
tença com o movimento de rotação do pescoço, levando de aquisição de língua, entretanto podem colaborar no di-
a cabeça a se movimentar para os lados num movimen- recionamento do olhar do educador para a compreensão
to de negação (semelhante àquele usado por ouvintes), do desenvolvimento da criança em processo de aquisição.
como na sentença “eu não comprei um carro” ou com o Balbucios e gestos estão presentes nas crianças surdas no
franzimento do nariz e sobrancelhas (figura 27). início de suas vidas. Como essas crianças não podem ouvir, o
balbucio oral regride progressivamente e os gestos seguem
se desenvolvendo. Assim, no final do período de balbucio,
essas crianças começam a usar gestos independentes, in-
clusive gestos que podem vir a ser mais tarde os primeiros
sinais. Ocorrem gestos independentes e a primeira reprodu-
ção de sinal dos pais, com produção gestual motora grossa.
A partir dos nove meses até completar um ano de
idade, a criança começa a apontar para si mesmo, para
outras pessoas e para objetos. Mas essa forma de apon-
tar ainda não é vista como uso linguístico dessa estrutura
pronominal. Até um ano e cinco meses de idade, a crian-
ça surda começa a exibir os primeiros sinais, mas neste
A AQUISIÇÃO DE LÍNGUA DE SINAIS
desenvolvimento do vocabulário ela ainda não especifica
alguns itens incorrendo em comportamentos com gene-
As línguas de sinais são línguas naturais. Além de ralização de sinais, por exemplo, o uso de sinal CARRO
possuírem características estruturais que as definem para se referir a “carro” e a “ônibus’”
como tais, o processo de aquisição também ocorre obe- Com um ano e seis meses até um ano e onze meses
decendo padrões de acordo com a idade e a exposição aproximadamente, observa-se o uso de apontação para
às línguas. Apresentamos a seguir o trabalho de dois outras pessoas. Com relação à morfologia, há o apareci-
pesquisadores que dedicaram parte do seu tempo aos mento de verbos, mas sem marcações produtivas e sem
estudos da aquisição da Língua de Sinais Britânica e da o uso de derivação e, portanto, não há ainda a distinção
Língua Brasileira de Sinais. Estes dois estudos são apre- entre nomes e verbos. Com relação à sintaxe, começa
sentados com o objetivo específico de prover subsídios nesse período o aparecimento das primeiras sentenças
ao professor para sua reflexão sobre a aquisição de uma de dois sinais com o uso da ordem da sentença para
língua de modalidade visuoespacial. No estudo britâni- marcar as relações semânticas.
co, temos especificações linguísticas mais detalhadas do A partir dos dois anos de idade até dois anos e cinco
processo de aquisição e, no estudo brasileiro, uma abor- meses, observa-se produção fonético-fonológica dife-
dagem global e comunicativa. rente da observada em surdos adultos, com padrões de
Sabemos que a Língua de Sinais é usada predomi- redução de contrastes e omissões de traços fonológicos.
nantemente por pessoas surdas cuja perda auditiva traz Aos dois anos de idade, começa o uso de referências
restrição ao input auditivo e, portanto, a impossibilida- pronominais apontando para um referente específico,
de de adquirir uma língua oral. Essa impossibilidade de entretanto algumas crianças apresentam “erros” nessas
acesso à oralidade e ao som das línguas orais pode ser referências pronominais. A apontação para a terceira
prejudicial se a pessoa surda não for exposta a uma lín- pessoa começa um pouco mais tarde e, aos dois anos e
gua acessível no período oportuno da vida. Mesmo que
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cinco meses, a primeira, a segunda e a terceira pessoa já


a criança surda seja exposta precocemente à língua oral, são usadas adequadamente. Com relação à morfologia,
haverá dificuldade porque seu acesso nunca é completo nesta fase, os verbos com concordância começam a ser
como ocorre com as crianças ouvintes e isso demandará usados com algumas inadequações e a distinção entre
bastante tempo. nomes e verbos começa a ser processada, com contras-
O acesso que as crianças surdas possuem à gramática tes feitos ainda de forma rudimentar.
das línguas orais é ainda mais restrito, essa é a grande Aos dois anos e seis meses aparecem os primeiros
dificuldade relatada pelos surdos e mencionada na lite- classificadores usados em verbos espaciais, mas são pro-
ratura específica: o desenvolvimento da gramática da lín- duções iniciais com uso de configurações de mãos incor-
gua, a estrutura sintática, a marcação morfológica, itens retas ou sem marcações. No início desse período ocorre
difíceis para as pessoas surdas, uma vez que estas não o primeiro uso de concordância verbal correta.

248
A partir dos três anos de idade, a criança já consegue fazer inflexão verbal por movimento e maneira, mas ela não
consegue combinar estas inflexões. Ela começa a utilizar alguns recursos para marcações, mas não todos ao mesmo
tempo. O início do uso correto de classificadores acontece nesta faixa etária e também da concordância verbal na sen-
tença quando a referência é feita a objetos presentes no contexto, mas existe a omissão da concordância verbal com
locais abstratos e isso pode continuar até depois dos três anos de idade.
Com base nos estudos, a partir de três anos e seis meses, a criança surda começa a apresentar a adequação dos
sinais compostos, mas eles são articulados sem características do padrão fonológico. Ela enfatiza ambas as partes do si-
nal composto e pode retirar de dentro dessas formações alguns padrões que são observados na sinalização do adulto.
Aos quatro anos de idade, a criança ainda não exibe o estabelecimento claro com relação à localização associada
ao referente, mas aos quatro anos e onze meses aparece um grau de controle no uso de local abstrato, inclusive na
manutenção desse local.
Aos cinco anos de idade, a criança surda já domina a morfologia da língua e, dos seis aos dez anos de idade, há o
desenvolvimento das habilidades narrativas, enquanto as aquisições de estruturas gramaticais no nível da sentença já
estão completas.
Aos oito anos de idade, o uso de classificadores e verbos espaciais é largamente utilizado,

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249
Estágios da aquisição da Língua de Sinais – estudo brasileiro

Ronice Müller de Quadros, linguista brasileira e importante pesquisadora da Língua de Sinais em nosso país, faz
uma divisão mais genérica com relação aos marcos da aquisição da Língua de Sinais. Com base em estudos principal-
mente da Língua de Sinais Americana e em pesquisas próprias, ela divide a aquisição de Língua de Sinais em período
pré-linguístico, estágio de um sinal, estágio das primeiras combinações e estágio das múltiplas combinações (QUA-
DROS, 1997, 2001). O período pré-linguístico começa no nascimento até a aquisição do primeiro sinal articulado no
padrão adulto. A transição entre o período pré-linguístico e o período linguístico pode não ser tão clara, mas ela é
marcada pela utilização do primeiro sinal, uma marca evidente que pode ser observada facilmente. O estágio de um
sinal inicia-se por volta dos doze meses de idade e vai até os vinte quatro meses. Segundo Quadros (1997, 2001), é o
momento do uso dos dez primeiros sinais pela criança surda com intenso desenvolvimento de vocabulário.
O apontamento que se desenvolveu do balbucio gestual e que não era considerado uma ocorrência linguística,
agora, nesse estágio de um sinal, toma caráter linguístico. O estágio das primeiras combinações virá por volta dos dois
anos de idade da criança, quando ela produz as primeiras combinações entre sinais. É o começo também do uso do
sistema pronominal da Língua de Sinais de forma consistente. Na Língua Brasileira de Sinais há o uso da combinação
de dois e três sinais, a omissão do sujeito, o uso inadequado de formas verbais que pedem concordância, mas com
uso adequado de pronomes estabelecidos no espaço de sinalização. Por fim, no estágio das múltiplas combinações, que
se inicia por volta dos dois anos e meio, as crianças surdas apresentam o que é chamado, por muitos autores, a explosão
de vocabulário. Neste estágio, a criança surda começa a distinguir formas derivadas, diferenciando nomes e verbos, e tem
o domínio completo dos recursos morfológicos. Esse estágio se desenvolve até mais ou menos os cinco anos de idade.
Com três anos de idade, as crianças começam a usar o sistema pronominal para referência a entidades não presen-
tes no contexto, mas apresentam erros ainda. A partir do final do estágio das múltiplas combinações, a criança surda
possui domínio completo da Língua de Sinais. O desenvolvimento de linguagem ocorre por toda a vida, mas já na
infância a criança surda possui a competência linguística da Língua de Sinais. Por meio das pesquisas realizadas na área
da linguística, podemos perceber que a criança surda pode adquirir língua e linguagem desde que seja trabalhada no
devido tempo.
Daí a importância de um trabalho bilíngue dentro do período adequado de aquisição da língua com um viés bilín-
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gue, Língua de Sinais como primeira língua e Língua Portuguesa como segunda língua, e, a partir da época de escola-
rização, na modalidade escrita.

A LÍNGUA PORTUGUESA PARA SURDOS

Calvet (1999) propõe uma relação entre indivíduo e língua inversa ao que ocorre na relação entre a comunidade
surda e o português. Segundo o autor, as línguas existem para servir as pessoas e não o contrário. (BARBOSA; NEVES;
BARBOSA, 2013, p. 122) O paradigma sensorial da comunidade surda, baseado na visualidade (LUZ, 2013) determina
condições para a interação com o mundo que não levam em conta a preservação das habilidades auditivas. A Língua
de Sinais, portanto, é um item definidor desta comunidade, possuindo posição hierárquica superior ao status auditivo,
inclusive evocado na própria denominação da comunidade.

250
A situação relatada por Barbosa (2017) ilustra isso: Certa vez fiz a um paciente meu, surdo, a seguinte pergunta: “Por
que você é surdo?” E usei o sinal de SURDO na Língua Brasileira de Sinais. Eu esperava receber uma resposta explican-
do o quadro etiológico da surdez, mas ele me respondeu: “Ora, porque eu uso Língua de Sinais!”. (BARBOSA, 2017,
p. 6). Vivendo em uma sociedade em que a língua majoritária é a Língua Portuguesa, de modalidade oral-auditiva, a
comunidade surda precisa fazer uso de forma escrita dessa língua para exercer com liberdade seus direitos sociais. De
um lado, o “bilíngue” como imposição, de outro, poderia ser visto como ganho no sentido de ter acesso a duas línguas
e se beneficiar das produções culturais das comunidades surdas e ouvintes. A importância do domínio da modalidade
escrita da Língua Portuguesa é percebida na interação da comunidade surda com a sociedade majoritariamente ouvin-
te e com a cultura escrita.
As informações, a divulgação científica e parte da produção artístico-cultural são predominantemente divulgadas
na forma escrita ou usam a Língua Portuguesa como item fundamental. Por isso, sendo compulsória, na medida em
que não pode ser substituída pela Língua Brasileira de Sinais, conforme a Lei nº 10.436/2002, torna-se direito e com
isso, a obrigatoriedade dos órgãos públicos organizarem formas eficazes de prover o ensino da Língua Portuguesa que
permita às pessoas surdas o acesso adequado às informações nela veiculadas.

Modelos de Processamento de Linguagem Escrita

A aprendizagem de leitura e escrita de uma língua oral-auditiva está relacionada com o domínio da modalidade oral
dessa mesma língua. Diversos autores, de diferentes linhas teóricas, entendem que aprender a ler e escrever (uma lín-
gua oral) é um processo que precisa ser precedido pela aquisição da própria língua. Ler e escrever uma língua que não
se adquiriu (ou minimamente se aprendeu) é algo, no mínimo, bastante complexo. Santos e Navas (2004), pesquisado-
ras da linguagem escrita das línguas orais, postulam que, dentro de uma das teorias mais aceitas, o processamento de
leitura e escrita mobiliza quatro processadores que agem de forma interligada. Esses processadores são: processador
conceitual, processador semântico, processador ortográfico e processador fonológico (figura 28).

Leitura e escrita das línguas orais.

Segundo as autoras, ele pode ser ativado de forma voluntária quando o indivíduo recorre à subvocalização para
facilitar seu exercício, mas é ativado constantemente quando o processo ocorre, mesmo de forma não controlada. Para
pessoas surdas, que não processam uma língua oral de forma natural, o processador fonológico não possui referências
em um padrão auditivo, mas é organizado com base no padrão visuoespacial da Língua de Sinais, sendo composto por
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estruturas próprias da língua visuoespacial.


Assim, no momento em que um estudante surdo lê ou escreve algo na Língua Portuguesa, o processador fonoló-
gico do português não é acionado, simplesmente porque ele não está organizado de forma consistente no seu conhe-
cimento linguístico – devido ao seu padrão auditivo e ao paradigma visual de sua experiência de vida. Ocorre então
que, observando este mesmo modelo, tanto o processador ortográfico quanto o processador semântico não são mais
auxiliados pela ação de um processador fonológico, o que traria informações linguísticas que facilitariam o processo,
criando assim uma sobrecarga grande para a memória de trabalho.

251
A construção da competência linguística da pessoa surda é baseada na modalidade visuoespacial. Os sinais evoca-
dos, os sentidos percebidos são filtrados por uma imagem visual e não por uma imagem acústica (BARBOSA, NEVES
E BARBOSA, 2013). A Língua de Sinais, processada com essa base, desenvolve-se então com características fonético-
-fonológicas, morfológicas, semânticas e sintáticas próprias (conforme discutiremos à frente) e que não possuem cor-
respondência com a Língua Portuguesa. Assim, a assimilação de características gramaticais da língua oral deve ocorrer
com conhecimento metalinguístico explícito, como dito anteriormente.
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Interferências da Primeira Língua (L1) na Segunda Língua (L2)

Cada língua natural realiza uma operação distinta de classificação do que se pode perceber no mundo. Essa capaci-
dade de organizar aquilo que vemos, ouvimos e sentimos é o que, além de agrupar uma comunidade linguística, já que
a língua é também construto social, determina parte das construções culturais da comunidade. Assim, a primeira língua
(L1) exercerá relação direta no desenvolvimento cognitivo do indivíduo e, no caso do aprendizado de uma segunda
língua (L2), influenciará a forma de lidar com a nova língua que se aprende. A interferência da L1 na produção escrita da
L2 é um fenômeno comentado por diversos autores. Estruturas recorrentes na L1 acabam por emergir nas produções
escritas dos aprendizes de outra língua, principalmente quando há aumento da complexidade da tarefa (WOODALL,
2002; CASTRO, 2005; WEIJEN et al., 2009).

252
Esse mesmo fenômeno ocorre na produção escrita de estudantes surdos, que deixam transparecer em suas pro-
duções escritas, por exemplo, a ordem dos elementos da frase da Língua de Sinais. Além de privilegiar as relações de
sentido, obedecer às diferenças de valores entre as línguas (EVANS, 1999), preconizar informações explícitas sobre as
propriedades das línguas envolvidas e prever atividade relevante para o estudante (GESUELI, 2006), a Língua de Sinais,
no processo de ensino da Língua Portuguesa, permitirá a fundamentação de bases neurocognitivas e a interação efetiva
entre o conhecimento do estudante e o objeto escrito. Em estudos realizados com indígenas brasileiros que estavam
em processo de aquisição da Língua Portuguesa como L2 é possível observar dados que corroboram essas informa-
ções. O trabalho de Sampaio, Peres e Cunha (2012), por exemplo, trata da interferência da L1 em textos escritos por
professores indígenas Tupi-Kawahib que estavam em processo de formação docente.
A análise permitiu perceber interferências em manifestações sintáticas, especificamente da ordem sentencial, e em
categorias flexionais de gênero e número. Na mesma linha de discussão, Moscardini (2016) analisa as redações de um
aluno da tribo Juruna. A autora evidencia os fenômenos de interlíngua presentes na escrita e salienta a importância de
identificação desses fenômenos, que não podem ser considerados como “erros”. Nesse sentido, a escrita é: Algo que já
não é mais a língua juruna, mas também não é ainda a língua portuguesa. Com isso, analisamos, a partir dos erros, que
esses erros são indícios relevantes para a aprendizagem em segunda língua. Se o aluno pratica transferência da língua
materna ou hipergeneralizações, por exemplo, são esses fenômenos que devemos analisar, para pensarmos em tipos
de correções adequados para que os alunos aprimorem sua competência para a língua portuguesa. (MOSCARDINI,
2016, p. 56-57).

O REGISTRO DAS LÍNGUAS NO CURRÍCULO BILÍNGUE

O estudo da Língua Portuguesa nas escolas baseia-se no desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita. Pelas
características da língua e do sistema de escrita que a representa, o processo de reflexão e análise linguística da Língua
Portuguesa se beneficia da escrita como recurso para gerar redundância no momento da reflexão e fixa as informações
que são explicitamente apresentadas pelo professor.

Um professor escreve na lousa a seguinte sentença:


A mulher estava passeando perto da árvore.

Com essa materialidade registrada e percebida pelos estudantes, o professor poderá usar recursos como chamar
atenção para uma palavra ou para um constituinte da sentença e fazer explicações sobre suas características e pro-
priedades. Os estudantes poderão observar, repetidamente, o segmento ou palavra apontada e fazer associações e as
análises propostas.
Para a análise linguística da Libras, essa atividade seria realizada com o auxílio de uma glosa, que, na verdade, é
parte da escrita de uma língua oral. Veja como esta frase ficaria com a glosa:

MULHER PASSEAR ÁRVORE


(Realizar MULHER-PASSEAR perto de ÁRVORE)

O momento de análise da Libras seria, então, interrompido pela Língua Portuguesa e, pelas limitações da linearida-
de da escrita desta língua, não conseguindo exprimir de forma adequada o que ocorre em termos de estruturação da
sentença ou organização dos itens lexicais.
Uma forma alternativa e eficaz para o registro da Língua de Sinais é a Escrita de Sinais. Com a possibilidade de re-
presentação da consciência linguística de uma língua visuoespacial, a Escrita de Sinais consegue trazer a representação
explícita da Língua de Sinais e pode atuar como recurso para a análise linguística, provendo a redundância necessária
para o exercício metalinguístico. Veja como a sentença (figura 31) seria escrita na Escrita de Sinais:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

253
O incremento linguístico e cognitivo que pode ser obtido com o uso da Escrita de Sinais não é o único bene-
fício deste uso.

O poder que é entregue à comunidade surda mediante a possibilidade de autonomia do registro escrito e a com-
preensão plena dada a correspondência fonológica entre o registro e a língua processada possibilitaria a efetividade
dessa imersão no registro escrito do português. É preciso antes que a escrita da Língua de Sinais seja completamente
absorvida e assim não haveria a interposição de uma língua à outra (SKLIAR, 2002), mas a passagem de uma língua a
outra, com a segurança, consciência e domínio do registro de sua primeira língua (STUMPF, 2002). (BARBOSA; NEVES
E BARBOSA, 2013, p. 119)
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

254
CURRÍCULO DA CIDADE: LÍNGUA PORTUGUESA O Currículo de Língua Brasileira de Sinais e o Currí-
PARA SURDOS culo de Língua Portuguesa andam em conjunto. Como
já foi dito no Currículo de Língua Brasileira de Sinais e
ENSINAR E APRENDER LÍNGUA PORTUGUESA também na segunda parte deste Currículo, as habilidades
PARA SURDOS NO ENSINO FUNDAMENTAL linguísticas que são requeridas para o alcance de um ob-
jetivo de aprendizagem e desenvolvimento no Currículo
O processo de aquisição de Língua Brasileira de ba- de Língua Portuguesa já devem estar garantidas em anos
ses cognitivas e linguísticas para aquisição de língua e anteriores no Currículo de Língua Brasileira de Sinais.
o desenvolvimento de linguagem deve garantir que o Sendo assim, propomos que a Libras antecipe a
estudante tenha estrutura para iniciar o aprendizado construção do conhecimento metalinguístico necessário
da Língua Portuguesa como segunda língua no Ensino para a aquisição da segunda língua, em um momento
Fundamental. Sendo assim, organizamos os objetivos de anterior. Isso não significa dizer que a Língua Brasileira
aprendizagem e desenvolvimento do Currículo de Lín- de Sinais estará a serviço da Língua Portuguesa ou que
gua Portuguesa para Surdos em cinco eixos estruturan- ocupa uma posição de suporte, mas que funciona como
tes. São eles: fundamento, como língua primeira e indispensável para
1. Prática de Leitura de Textos; a construção de habilidades metalinguísticas e da prática
2. Produção Sinalizada; de análise linguística, para então propiciar a aprendiza-
3. Prática de Análise Linguística; gem e o desenvolvimento da segunda língua - a Língua
4. Prática de Produção de Textos Escritos; Portuguesa escrita.
5. Dimensão Intercultural. Portanto, o trabalho desenvolvido em sala de aula
deverá acontecer de forma pareada e dialogada entre o
Essa divisão foi pensada de forma que houvesse gra- Currículo de Língua Portuguesa para Surdos e o Currículo
dação e continuidade na organização e na apresentação de Língua Brasileira de Sinais.
dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento du-
rante as atividades a serem realizadas com os estudantes MOVIMENTO METODOLÓGICO DE ORGANIZAÇÃO
surdos. DA AÇÃO DOCENTE
No eixo Prática de Leitura de Textos, o contato inicial
com os diversos textos em Língua Portuguesa permitirá a Os estudos relacionados à investigação do processo
identifi cação do código, o contato com as palavras, fra- de construção do conhecimento apontam a necessidade
ses, figuras e demais itens visuais para posterior discus- de se considerar, no processo de aprendizagem, os se-
são do que foi apreendido e verificação da compreensão guintes pressupostos:
do texto com o uso da produção sinalizada, que é o eixo a. o sujeito aprende na interação tanto com o objeto
estruturante seguinte. de conhecimento, quanto com parceiros mais ex-
O eixo Produção Sinalizada servirá como apoio para perientes a respeito do que se está aprendendo;
o educador na verificação do nível de compreensão da b. a construção de conhecimento não é linear, acon-
pessoa surda perante a prática de leitura de textos. Ob- tecendo por meio de um processo que sugira
viamente, a organização gradativa do nível de complexi- apropriações de aspectos possíveis de serem ob-
dade dos textos que são expostos a essa criança é diluída servados no objeto de conhecimento, nos diferen-
nos anos e nos ciclos e deve estar atrelada ao nível de tes momentos;
conhecimento linguístico que o estudante surdo tem da c. nesse processo de apropriação, é possível que se
Língua Brasileira de Sinais. consiga realizar, em cooperação, tarefas que não
O eixo Prática de Análise Linguística tem como fun- seriam possíveis de serem desenvolvidas auto-
damento o desenvolvimento do domínio metalinguístico nomamente. Essa cooperação contribui para a
na Língua Portuguesa, permitindo que os estudantes sur- criação da zona proximal de desenvolvimento,
dos possam fazer reflexões a respeito do funcionamento instaurando-se, assim, a possibilidade de que esse
da sua língua de instrução, a Libras, e da língua oral que estudante avance, tornando-se autônomo para a
aprendem. Neste eixo, este documento propõe a organi- realização de tarefas que não conseguiria realizar
zação dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento anteriormente.
relacionados à Linguística Contrastiva.
Em consequência desses eixos iniciais, é introduzido De modo coerente com os pressupostos indicados,
o eixo Produção de Textos Escritos, com a produção de é preciso recomendar que a prática de sala de aula seja
organizada a partir de um movimento que integre:
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

registos escritos relevantes ao cotidiano dos estudantes,


fazendo sempre a relação contrastiva linguística entre a a. situações de trabalho coletivo: nelas as intenções
Língua Brasileira de Sinais com a Língua Portuguesa. são, por um lado, fazer circular informações rele-
O eixo Dimensão Intercultural tem como principal vantes sobre determinado objeto de conhecimen-
compromisso organizar os objetivos de aprendizagem to, buscando-se a apropriação delas pelos estu-
e desenvolvimento relacionados aos usos dos textos es- dantes e, por outro lado, pretende-se modelizar
critos e à organização social da Língua Portuguesa, bem procedimentos – de leitura, de escuta, de produ-
como as relações entre a Língua Brasileira de Sinais e a ção de textos, de análise – oferecendo referências
Língua Portuguesa e seus impactos de utilização na co- aos estudantes.
munidade surda. b. situações de trabalho em duplas/grupo: nelas, pre-
tende-se observar quais aspectos tematizados16

255
foram apropriados pelos estudantes a partir do
momento anterior e criar um espaço para que as
informações apropriadas pelos diferentes parcei- EXERCÍCIO COMENTADO
ros – as quais também podem ser diferentes – cir-
culem, colocando a possibilidade de novas apro- 1. (Pref. Rio Claro/SP - Professor de Educação Bá-
priações e novas aprendizagens. sica II - PEB II - Educação Especial - Superior – VU-
c. situações de trabalho autônomo: este é o momen- NESP/2016) A Educação Especial se realiza em todos os
to de se constatar quais foram as aprendizagens níveis, etapas e modalidades de ensino, tendo o Atendi-
realizadas, efetivamente, pelos estudantes e quais mento Educacional Especializado (AEE) como parte inte-
foram os conteúdos apropriados por eles. Tais si- grante do processo educacional. A pessoa com surdez/
tuações oferecem informações a respeito de quais deficiência auditiva é incluída no público-alvo do AEE,
aspectos precisarão ser novamente tematizados, pois possui deficiência de natureza
reiniciando-se o movimento do trabalho. O esque-
ma apresentado a seguir sintetiza o movimento a) comportamental.
metodológico discutido. b) intelectual.
c) mental.
d) sensorial.
e) motora.

Resposta: Letra D. Em “d”: Certo – Alternativa correta.


A surdez é uma privação sensorial que interfere di-
retamente na comunicação, alterando a qualidade da
relação que o indivíduo estabelece com o meio e que
pode ter sérias implicações para o desenvolvimento
de uma criança, conforme o grau da perda auditiva
que as mesmas apresentem.
PREPARANDO PROFESSORES PARA PROMOVER A
INCLUSÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES EDUCA-
CIONAIS ESPECIAIS - Rosangela Pereira do Nascimen-
to - Londrina 2008 – página 19.
Em “e”: Errado – Não possui deficiência motora.

SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA


Nessa direção, todo trabalho de linguagem, quer seja MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
de produção de textos, de leitura e produção sinalizada COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
ou, ainda, de análise e reflexão sobre a linguagem, com- CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO
preendendo a especificidade de cada situação indicada, ESPECIAL: LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS.
pode prever um tratamento que respeite esse movimen- SÃO PAULO: SME/COPED, 2019.
to em espiral partindo do coletivo, passando pelas duplas
ou grupos, chegando ao individual e, a partir das consta-
tações de aprendizagem realizadas, voltando ao coletivo, LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS PARA BEBÊS E
agora em outro patamar, na condição de realizar tarefas CRIANÇAS SURDAS DA CIDADE DE SÃO PAULO
que antes não conseguiriam. Especialmente quando se
tratar de um conteúdo novo para os estudantes, esse é
um movimento que traz mais benefícios para o processo #FicaDica
de aprendizagem.
Como mencionado neste documento, o con-
Obs: O material na íntegra e os eixos de ensino e tato inicial de crianças surdas com a Língua
aprendizagem podem ser estudados no link referenciado de Sinais geralmente ocorre no ambiente es-
na fonte deste material. colar com um professor bilíngue, momento
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

em que os primeiros passos no processo de


Fonte aquisição de língua começam a ser delinea-
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu- dos. Embora existam diversas linhas teóricas
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: que expliquem o processo de aquisição de
Educação Especial: Língua Portuguesa para surdos. São língua, nenhuma delas discorda da impor-
Paulo: SME/ COPED, 2019. Disponível em: http://portal. tância do contato com a língua a ser adqui-
sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51128.pdf. rida: não se pode adquirir uma língua com a
qual não se teve contato.

256
Segundo Quadros (1997), cerca de 95% das crianças Ensinar e Aprender Língua Brasileira de Sinais: Li-
surdas nascem em famílias em que a Língua de Sinais não bras na Educação Infantil
é a primeira língua e encontram, neste ambiente, uma si-
tuação que não privilegia suas características sensoriais Com o eixo único Bases Precursoras para a Aquisição
(BARBOSA; NEVES; BARBOSA, 2013). As famílias dessas da Língua de Sinais, os objetivos de aprendizagem e de-
crianças surdas, em muitos casos, são orientadas por pro- senvolvimento para a Educação Infantil foram organiza-
fissionais da saúde que costumam, de forma equivocada, dos em três objetos de aprendizagem: visualidade, orga-
dizer que a Língua de Sinais é um impedimento para o nização linguístico-motora, e compreensão e interação.
desenvolvimento cognitivo e de linguagem da criança.
Muitas famílias seguem essas orientações e mantêm suas • A VISUALIDADE
crianças surdas sem contato com a Língua de Sinais ou As pessoas ouvintes estão habituadas a perceber o
com contato mínimo. Essas situações, quando prolonga- mundo pela audição. Bebês ouvintes, mesmo antes de
das, podem gerar prejuízo para o desenvolvimento das desenvolverem completamente a visão, já conseguem
habilidades cognitivas da criança surda, impactando em ouvir os sons de forma clara, o que torna o contato com
seu desenvolvimento acadêmico e social. a língua oral uma experiência sem impedimentos logo ao
Por isso, o cuidado com o desenvolvimento das ha- nascimento. Para os bebês surdos, o contato efetivo com a
bilidades comunicativas e de língua em bebês e crianças Língua de Sinais em situações ideais ocorre quando o de-
surdas deve receber atenção especial por parte dos edu- senvolvimento da visão alcança um nível em que as imagens
cadores durante os anos iniciais da educação. É neces- observadas se apresentam de forma nítida, o que ocorre por
sária a exposição contínua dos bebês e crianças surdas volta dos seis meses de idade e, ainda, até os doze meses de
a estímulos da Língua de Sinais dentro do ambiente es- vida, quando há grande coordenação da visão com o desen-
colar, garantindo a proteção do direito de adquirir língua volvimento motor da criança (FRANCO; POLATI, 2016).
em momento adequado. A aquisição da Língua de Sinais, língua de modalidade
O acolhimento dos bebês e crianças surdas precisa visuoespacial, é influenciada pelo período inicial de de-
senvolvimento visual e motor, indicando uma das razões
ser realizado pela escola tendo a compreensão de que
pelas quais a visualidade dos bebês e crianças surdas
a experiência de mundo dessas crianças não ocorre da
deve ser estimulada. Autores como Karnopp e Quadros
mesma forma que as crianças ouvintes. Enquanto para
(2001), Lichtig et al. (2003) e Morgan (2007) alertam para
bebês e crianças ouvintes a experiência linguística é
a importância da estimulação de habilidades visuais no
predominantemente auditiva, para os bebês e crianças
processo de aquisição de Língua de Sinais. Além do con-
surdas o foco reside nas habilidades visuais e motoras.
tato com a língua, que ocorre de forma visual, a execução
O professor deve perceber claramente a necessidade de
fonético-fonológica apresenta características que mobi-
mobilizar essas habilidades para tornar possível conduzir lizam a discriminação visual de posturas e movimentos
a interação dessas crianças de forma apropriada e com peculiares à Língua de Sinais.
o objetivo de otimizar os processos de desenvolvimento Holzrichter e Meier (2000) comentam que o contato
que, em muitos casos, não serão preconizados no am- visual no processo de aquisição de Língua de Sinais deve
biente familiar. ser facilitado na realização de sinais com locação longe
A comunicação deve ser garantida na Língua de Si- do rosto na interação com crianças surdas pequenas. Na
nais em todos os ambientes e situações em que os be- pesquisa realizada, identificou-se que adultos fluentes
bês e crianças surdas estão em interação com seus pa- costumam realizar o sinal mais próximo do rosto com
res, com os educadores ou com outros adultos surdos objetivo de manter o contato visual e a atenção da crian-
ou ouvintes. O estímulo contínuo na Libras aliado ao ça. Essas adaptações proporcionam uma melhor situação
domínio do conhecimento sobre os direitos das pessoas para o contato e aquisição da língua.
surdas, por parte do educador, poderá proporcionar um O contato visual não é importante apenas para a
ambiente favorável à aquisição e desenvolvimento da lín- aquisição das línguas de sinais. Segundo Belini e Fernan-
gua e integração social. Este Currículo propõe, com base des (2007), o olhar para o rosto e olhos da mãe possui
em estudos como os de Harris (1995), Masataka (2003), função importante para o desenvolvimento da atenção
Holzrichter e Meier (2000), Karnopp e Quadros (2001), compartilhada logo nos primeiros meses do processo de
Lichtig et al. (2003), Barbosa (2007), Morgan (2007), entre aquisição de língua. Com a Língua de Sinais, esse proces-
outros, que dentro das proposições apresentadas para a so não é diferente e está relacionado também ao desen-
Educação Infantil, as habilidades linguísticas necessárias volvimento de habilidades pragmáticas.
para que bebês e crianças surdas possam se comunicar
em Língua de Sinais sejam cuidadosamente observadas
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

• ORGANIZAÇÃO LINGUÍSTICO-MOTORA
e estimuladas no ambiente educacional. O desenvolvimento motor é um processo gradativo
O processo educacional na Educação Infantil deve de refinamento das habilidades que permitem o movi-
estar focado no desenvolvimento de habilidades senso- mento (HAYWOOD, 1986). Nos primeiros anos da infân-
riais, motoras e linguísticas que possam ser estruturadas cia, este processo envolve desde o uso e controle dos
adequadamente para a aquisição da Língua de Sinais. reflexos, a imitação de comportamentos até o uso do
Para este currículo, os objetivos de aprendizagem e de- movimento com objetivo de explorar o ambiente (SAC-
senvolvimento para a Educação Infantil e os objetos de CANI; VALENTINI, 2010; LOPES et al., 2010). Estes proces-
conhecimento foram organizados em um único eixo de- sos são influenciados pelo próprio bebê, pelo ambiente
nominado Bases Precursoras para a Aquisição da Língua em que ele se desenvolve e pelas tarefas que executa
de Sinais. (NEWELL, 1991).

257
O refinamento das habilidades motoras está relacio- LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS PARA APRENDIZA-
nado também com a aquisição e desenvolvimento da GEM NOS CICLOS
Língua de Sinais. Por ser uma língua que mobiliza, pre-
dominantemente, mãos e braços, os movimentos desses ENSINAR E APRENDER LÍNGUA BRASILEIRA DE SI-
membros precisam ser controlados de forma consistente NAIS: LIBRAS NO ENSINO FUNDAMENTAL
e eficaz, o que ocorre com o passar do tempo e com o
desenvolvimento geral da criança (SODRE, 2000). Adul- As proposições apresentadas nesta parte do Currículo
tos fluentes em Língua de Sinais quando interagem com têm como objetivo o desenvolvimento da linguagem a
crianças surdas ajustam a sinalização para se adequar as partir da aquisição da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
suas necessidades, muitas vezes, suprimindo alguma das proporcionando o uso adequado da língua, capacida-
características fonético-fonológicas ou atenuando algum de de reflexão, capacidade de análise metalinguística e
movimento para torná-lo mais simples – sinais mais len- capacidade de apreciação estética da Libras em seu uso
tos, com uso exagerado do espaço e com mais repeti- literário. Para isso, os objetivos de aprendizagem e de-
ções (MASATAKA, 2003; HARRIS, 1995; MORGAN, 2007). senvolvimento foram organizados em quatro eixos estru-
O balbucio de bebês surdos é uma das habilidades que turantes: Uso da Língua de Sinais, Identidade Surda, Prá-
precisa ser levada em conta na interação entre o adulto tica de Análise Linguística e Literatura Surda. O eixo Uso
e o bebê. da Língua de Sinais tem como foco principal fazer com
Essa produção inicial de movimentos com braços e que a Libras seja utilizada com domínio pelos estudantes
mãos carrega características fonético-fonológicas da Lín- surdos em suas relações comunicativas com seus pares,
gua de Sinais (PETTITO; MARENTETTE, 1991; KARNOPP, na construção do conhecimento linguístico e elaboração
2001) e são o início da experiência de produção da Lín- de mundo.
gua de Sinais. Por isso, dar um feedback para que o bebê Neste eixo incluem-se objetivos que exploram aspec-
perceba que sua produção indica intenção comunicativa tos como a contação de histórias, desenvolvimento de
funcionará como resposta à atividade motora realizada. narrativas, desenvolvimento de capacidades interacionais
A organização linguístico-motora baseada nos prin- - como aquelas habilidades pragmáticas específicas para
cípios para o desenvolvimento motor – indivíduo, am- uma língua visuoespacial. A interação específica com di-
biente e tarefas (NEWELL, 1991) – precisa ser estimulada. ferentes interlocutores, tais como, outros estudantes
O desenvolvimento e o refinamento motor tendo como surdos e educadores surdos e ouvintes permitirá, então,
foco a execução de movimentos e posturas que se apro- que os estudantes surdos tenham o desenvolvimento da
ximam dos parâmetros fonético-fonológicos descritos Língua de Sinais organizado também por uma linha cur-
para a Libras favorece a expressão e a compreensão da ricular do primeiro ao nono ano do Ensino Fundamental.
criança surda na aquisição de língua (SODRE, 2000).
No eixo Identidade Surda, as características específicas
dos usos da Libras nesta comunidade de fala e os pon-
• COMPREENSÃO E INTERAÇÃO
tos importantes para o desenvolvimento de linguagem
A interação comunicativa com uso de língua entre o
e para o próprio reconhecimento destas crianças como
bebê surdo e o adulto tem seu início logo nos primeiros
indivíduos surdos são o foco dos objetivos de aprendi-
dias de vida, com o feedback comunicativo dado ao bal-
zagem e desenvolvimento. A construção de identidade
bucio manual. Com o passar do tempo e com a conclusão
linguística e de comunidade são preconizadas e o papel
de novas etapas no processo de aquisição de Língua de
Sinais, a compreensão do bebê e da criança vai tornan- do surdo adulto toma lugar importante nesse processo.
do-se mais sofisticada e a interação com uso de língua se O eixo Prática da Análise Linguística tem por obje-
torna mais fluida. A interlocução é um fator determinante tivo fazer com que os estudantes surdos tenham uma
no processo de aquisição de língua e, no caso de bebês e reflexão adequada a respeito da estrutura linguística da
crianças surdas, a interlocução com um surdo fluente em Libras. O conhecimento metalinguístico é instrumento
Língua de Sinais é fundamental (CAMPOS, 2008). que não apenas visa ao domínio para performance lin-
As pessoas com quem bebês e crianças surdas esta- guística, mas que também permite ao estudante surdo
belecem interação influenciam diretamente na estrutura- realizar tal análise em sua própria língua. É muito comum
ção de suas habilidades linguísticas, comunicativas e de em diversos ambientes escolares que professores traba-
identidade (GÓES, 2000). Os estímulos comunicativos na lhem com análises da Língua de Sinais a partir da Língua
interação devem provocar as crianças a usarem a Língua Portuguesa, usando o registro escrito desta língua oral
de Sinais, a compreenderem as relações pragmáticas, a como instrumento para facilitar o estudo e a análise lin-
perceberem a forma como os seus interlocutores pro- guística. Reunimos, então, alguns objetivos de aprendi-
zagem e desenvolvimento no eixo de Identidade Surda
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

duzem língua e como reagem aos seus enunciados. É na


vivência, na interação e na exploração linguística que os com a intenção de promover o conhecimento e uso de
bebês e crianças surdas vão adquirir a Língua de Sinais e registro específico da Língua de Sinais com um sistema
se colocar no mundo como indivíduos surdos. de Escrita da Língua de Sinais.
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento Acreditamos que este recurso proporcionará a explo-
propostos neste documento pretendem ser base para a ração das habilidades metalinguísticas, especificamente
aquisição de Língua de Sinais e foram organizados em da Língua de Sinais, sem serem filtradas pela segunda
três objetos de conhecimento (visualidade, organização língua - no caso brasileiro, a Língua Portuguesa, por meio
linguístico-motora, e compreensão e interação), que do registro em glosas. E, por fim, o eixo Literatura Surda,
compõem um eixo único: Bases Precursoras da Aquisição que tem o objetivo de destacar o uso da Libras para fins
da Língua de Sinais. além da comunicação cotidiana.

258
No Currículo de Língua Portuguesa para ouvintes, a literatura aparece em objetivos incorporados nas práticas de
leitura. Aqui, apresentamos a literatura surda como eixo separado, pois pretendemos, neste momento histórico da
construção do Currículo, enfatizar o uso artístico da Libras e promover, dentro da comunidade surda, a consciência da
existência da possibilidade do uso da Língua de Sinais para esse fim. Indicamos ainda, através de links no Canal Peda-
gógico da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no Youtube, atividades em vídeo utilizadas nos Cadernos de
Apoio e Aprendizagem de Libras do 1º ao 5º ano. Disponível em: https://www.youtube.com/user/pedagogicosmesp e
links no canal da TV INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos).

Movimento metodológico de organização da ação docente

Os estudos relacionados à investigação do processo de construção do conhecimento apontam a necessidade de se


considerar, no processo de aprendizagem, os seguintes pressupostos:
a. o sujeito aprende na interação tanto com o objeto de conhecimento, quanto com parceiros mais experientes a
respeito do que se está aprendendo;
b. a construção de conhecimento não é linear, acontecendo por meio de um processo que proponha apropriações
de aspectos possíveis de serem observados no objeto de conhecimento, nos diferentes momentos;
c. nesse processo de apropriação, é possível que se consiga realizar, em cooperação, tarefas que não seriam pos-
síveis de serem desenvolvidas autonomamente. Essa cooperação contribui para a criação da zona proximal de
desenvolvimento, instaurando-se, assim, a possibilidade de que esse estudante avance, tornando-se autônomo
para a realização de tarefas que não conseguiria realizar anteriormente.

De modo coerente com os pressupostos indicados, é preciso recomendar que a prática de sala de aula seja organi-
zada a partir de um movimento que integre:
a. situações de trabalho coletivo: nelas as intenções são, por um lado, fazer circular informações relevantes sobre
determinado objeto de conhecimento, buscando-se a apropriação delas pelos estudantes, e, por outro lado,
pretende-se modelizar procedimentos – de leitura, de escuta, de produção de textos, de análise – oferecendo
referências aos estudantes.
b. situações de trabalho em duplas/grupo: nelas, pretende-se observar quais aspectos tematizados foram apropria-
dos pelos estudantes a partir do momento anterior e criar um espaço para que as informações apropriadas pelos
diferentes parceiros – as quais também podem ser diferentes – circulem, colocando a possibilidade de novas
apropriações e novas aprendizagens. c. situações de trabalho autônomo: este é o momento de se constatar quais
foram as aprendizagens realizadas, efetivamente, pelos estudantes e quais foram os conteúdos apropriados por
eles.

Tais situações oferecem informações a respeito de quais aspectos precisarão ser novamente tematizados, reini-
ciando-se o movimento do trabalho. O esquema apresentado a seguir sintetiza o movimento metodológico discutido.

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

259
Nessa direção, todo trabalho de análise, reflexão e
produção sobre a Libras, compreendendo a especificida- SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
de de cada situação indicada, pode prever um tratamen- MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
to que respeite esse movimento em espiral partindo do COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
coletivo, passando pelas duplas ou grupos, chegando ao CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
individual e, a partir das constatações de aprendizagem JOVENS E ADULTOS: ARTE. SÃO PAULO:
realizadas, voltando ao coletivo, agora em outro pata- SME/COPED, 2019. P. 11-91.
mar, na condição de realizar tarefas que antes não conse-
guiriam. Especialmente quando se tratar de um conteúdo
novo para os estudantes, esse é um movimento que traz EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NA REDE MU-
mais benefícios para o processo de aprendizagem. NICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu- #FicaDica
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação Especial: Língua Brasileira de Sinais. São Paulo: Os estudantes têm direitos assegurados à
SME/COPED, 2019. Disponível em: http://portal.sme.pre- educação de qualidade. Documentos sobre
feitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51127.pdf. Direitos Humanos, como a Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos de 1948, e ou-
tros de cunho legal, consideram a educação
um direito fundamental, inalienável e univer-
EXERCÍCIO COMENTADO sal, e sublinham as conexões diretas existen-
tes entre o direito à educação e à formação
1. (Prefeitura de Pinhais/PR - Pedagogo - Educação e ao desenvolvimento humano. Assim, como
Especial – superior - FAFIPA/2014) Sobre o Atendimen- consequência, [...] decorre o direito ao co-
to Educacional Especializado - AEE, para ensino da Lín- nhecimento, à participação na cultura, na ci-
gua Portuguesa, podemos afirmar que dade, no trabalho, nas decisões políticas, na
partilha dos benefícios sociais
a) é preparado pelo professor de Libras.
b) é preparado pelo professor da sala comum.
c) é preparado com os professores de Libras e o da sala Decorre também o cuidado para fazer escolhas so-
comum. bre o que ensinar e aprender a partir do conhecimento
d) é preparado por um fonoaudiólogo. socialmente disponível, dos valores, da memória, da his-
tória, das culturas. (SÃO PAULO, 2016a, p. 33). É por meio
Resposta: Letra C. Em “c”: Certo - O Atendimento do direito social fundamental à educação que outros di-
Educacional Especializado para o aluno com surdez, reitos sociais podem ser alcançados pelo cidadão, como
advêm da proposta de educação inclusiva e acontece o direito à saúde, à moradia, ao trabalho, a participação
em ambiente Bilíngue em parceria com o ensino re- política, entre outros, para que se possa exercer a plena
gular. Ocorre que este serviço se constitui como um cidadania e nos colocarmos de forma ativa, criativa, ple-
grande desafio, sendo notáveis nas literaturas e estu- na e crítica diante de nós próprios e do mundo em que
dos realizados, as dificuldades enfrentadas por docen- estamos inseridos.
tes do AEE, do ensino regular e o intérprete que realiza O direito a uma educação de qualidade pressupõe
o intermédio entre os primeiros. que a escola seja um local privilegiado para assegurar a
aprendizagem de todos, independentemente de gêne-
ro, etnia/raça, classe social, orientação sexual, religião,
convicção política, deficiência, idade ou nacionalidade.
Nessa perspectiva, ela deve ser um espaço de diálogo,
um espaço em que jovens e adultos, mulheres e homens,
pessoas com deficiência possam ser autoras e autores de
seu conhecimento e de seu saber.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

A escola deve ser um local que propicie a reflexão


e a ação social.

O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos


entende que é preciso, por meio de uma prática peda-
gógica flexível e diversificada, atender às necessidades
de todos, partindo-se do pressuposto de que é impres-
cindível reconhecer, respeitar e valorizar a diferença e a
diversidade das pessoas, dos modos de vida e das cul-
turas e contribuir para reverter a situação atual presente
no Brasil e na Cidade de São Paulo, onde a diversidade

260
tem sido marcada pela desigualdade (CATELLI JUNIOR, Faz parte dos direitos dos estudantes compreender
2017a). Outro ponto absolutamente central é o posicio- criticamente o racismo e outras formas de discriminação
namento da educação como o direito de aprender, de e violências contra as populações negras e indígenas no
ampliar conhecimentos e horizontes ao longo de toda Brasil e as relações de poder que engendraram e engen-
a vida, escapando assim de um entendimento mais co- dram essas discriminações e violências, assim como o
mum de que educação significa apenas escolarização. contexto das lutas por reparação histórica e das conquis-
É de extrema importância que os estudantes da EJA se tas das ações afirmativas no país. Nessa mesma perspec-
reconheçam como possuidores de saber, conhecimentos tiva, o currículo deve garantir o direito ao respeito, ao
e visões de mundo próprios, originais e valiosos, uma vez acolhimento, ao combate aos estereótipos e às violências
que os jovens e adultos, ao longo de suas vidas cotidia- físicas e simbólicas para com os estudantes imigrantes,
nas, vivenciam as mais diversas situações de aprendiza- vindos da América Latina, da África, do Oriente Médio ou
do em seus percursos formativos. É importante que os de qualquer outra parte do mundo, fato que tem cresci-
vários saberes produzidos pela humanidade ao longo do de forma evidente nas escolas da Cidade de São Pau-
dos tempos sejam entendidos como um patrimônio e, lo. Deve-se garantir o combate à misoginia, à homofobia
portanto, os seus estudos e conhecimentos considerados e às violências físicas e simbólicas.
um direito de todos. As lutas por direitos civis e por equidade devem ser
Os saberes acadêmicos, científicos devem ser eviden- conhecidas e valorizadas. Os componentes curriculares
temente estudados e compreendidos, mas, em meio a devem, assim, dar condições aos estudantes de histo-
eles, deve haver espaço também para conhecimentos ricizar as questões de gênero e de identidade. Deve-se
oriundos de outras matrizes, como os saberes popula- contribuir para a convivência pacífica, a interação harmo-
res conquistados pelos povos por meio da observação, niosa e plural entre as diferentes religiões professadas
da experiência e da reflexão ao longo de milênios, assim e vividas por estudantes no país. Esse aspecto está pos-
como espaço para os saberes produzidos por estudan- to em uma educação laica e deve ter como premissa a
tes e professores no ambiente escolar. O Currículo da noção do respeito às diferentes manifestações religiosas
Cidade: Educação de Jovens e Adultos deve garantir aos existentes, sem o favorecimento ou a desqualificação ou
estudantes reconhecerem-se como sujeitos históricos e, a perseguição a nenhuma religião em particular. Deve-se
portanto, terem o direito a pensar a própria história, a possibilitar também a fruição do patrimônio cultural ma-
história de seu coletivo e da sociedade em que estão in- terial e imaterial produzidos pela humanidade, o gozo da
seridos nos contextos nacional e mundial. Ao se reconhe- riqueza artística e estética que diferentes sociedades ao
cerem como sujeitos históricos, os estudantes podem se redor do globo produziram e produzem regularmente.
posicionar de forma crítica no tempo presente e na con- A abertura para o lúdico, para o campo do sensível
quista da cidadania efetiva e ativa e darem-se conta da e do humanismo são também direitos fundamentais do
necessidade de respeito à diversidade de modos de vida, estudante. Por m, nunca é excessivo enfatizar que o cur-
de posicionamentos diante de outros sujeitos históricos rículo deve contribuir para uma postura cidadã, para as
na sociedade contemporânea. práticas solidárias e de respeito a todos os seres vivos
Outro ponto importante é o exercício da reflexão so- bem como ao meio ambiente. Os princípios fundamen-
bre a produção social da memória a partir das vivências tais de uma sociedade democrática constituem-se como
históricas cotidianas e da ação política dos indivíduos. “A um pilar do ensino e da aprendizagem na defesa da li-
memória é um elemento constitutivo do sentimento de berdade de dialogar, de trocar ideias e experiências, de
identidade na medida em que responde também pelos externar opiniões, de divulgar saberes e conhecimentos
sentimentos de continuidade e de coerência” (FERREIRA; a partir da diversidade e das ideias plurais.
FRANCO, 2013, p. 108). É necessário, por meio da recu- O currículo deve assim auxiliar a construção de uma
peração da memória, trazer à tona “as relações de poder sociedade mais equitativa, movida por ideais de justiça
que envolvem produção e apropriação dos discursos so- e de oportunidades de uma vida digna e realizada para
bre o passado” (SÃO PAULO, 2016b, p. 71) e dar voz às todos. Deve instigar os silenciados, os vulneráveis, os tra-
populações historicamente silenciadas. Há uma relação tados como subcidadãos (ARROYO, 2013) a reconhece-
direta entre memória e identidades, em que o segundo rem seu valor, conhecerem e reconhecerem-se em sua
elemento é construído e não se caracteriza pela fixidez história de vida para resistirem aos desmandos, à discri-
e imutabilidade. Assim, memória e identidades podem minação e à injustiça e afirmarem sua importância como
ser negociadas e não são, portanto, fenômenos essen- sujeitos históricos ativos e afirmativos.
cialistas.
Os estudantes têm direito ao reconhecimento da in- JOVENS, ADULTOS E IDOSOS DA CIDADE DE SÃO
PAULO
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terculturalidade e de sua historicidade nas práticas so-


ciais, identificando as representações do outro, para as-
sim se posicionar em defesa da diversidade, da tolerância, O Plano Municipal de Educação de São Paulo (PME),
do respeito às pessoas e às culturas, percebendo o cons- sancionado em 2015, em consonância com o Plano Na-
tante movimento de construção e reconstrução cultural cional de Educação (2014 a 2024), em sua meta 10, define
e das identidades. Nesse sentido, faz parte desse direito que São Paulo deve “Superar, na vigência deste PME, o
a compreensão da historicidade dos povos indígenas e analfabetismo absoluto na população com 15 (quinze)
das populações de origem africana no Brasil, suas formas anos ou mais e ampliar a escolaridade média da popula-
de organização política, social e cultural e o rompimento ção”. De acordo com os dados do Censo (IBGE, 2010), o
com visões preconceituosas que se obstinam em querer analfabetismo na Cidade de São Paulo, para a população
deslegitimar as lutas populares. com 15 anos ou mais, situava-se em 3,2%.

261
Em números absolutos, isso significava que 283,7 mil pessoas eram analfabetas em São Paulo, o maior número entre
as cidades brasileiras. Considerando a demanda potencial da EJA por faixa etária, verificamos que ela aumenta confor-
me avança a idade, especialmente nas faixas etárias de 40 anos ou mais. No grupo com 60 anos ou mais, registra-se que
mais da metade da população não concluiu o Ensino Fundamental. Ainda assim, constata-se que entre os mais jovens
há um grande contingente de paulistanos que não concluiu essa etapa de escolarização.

Os dados a seguir apresentam o atendimento da Educação de Jovens e Adultos na cidade de São Paulo e foram
levantados, entre dezembro de 2016 e agosto de 2017, pela pesquisa “Implementação de política de EJA no município
com vistas à superação do analfabetismo na cidade”, elaborada por Catelli Junior (2017) para a Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo, com apoio da Unesco. Em 2016, o atendimento da EJA na Rede Municipal de Ensino corres-
pondia a 65% do total de matriculados na EJA Regular; enquanto a EJA Modular 8%; o CIEJA 15% e o MOVA 12% das
matrículas. Para a construção do Currículo, alguns aspectos foram considerados.
Quanto às matrículas, há uma evidente concentração nas etapas finais, com reduzida presença nas etapas iniciais
(I e II). Na EJA Regular, em 2016, as matrículas nas etapas I e II representavam 15% do total e nas etapas III e IV, 84%.
O mesmo ocorre nos CIEJAs, nesse mesmo ano, onde a matrícula nos módulos I e II representavam 25% do total e
nos módulos finais 75%. Entretanto, verificamos maior presença de matrículas nas etapas iniciais no CIEJA que na EJA
Regular. Isso se verifica na medida em que 15% das matrículas realizadas nas etapas I e II referiam-se a pessoas com
idade entre 15 e 29 anos, e 85% eram de pessoas com 30 anos ou mais. Já nas etapas III e IV inverte-se, sendo 65% das
pessoas com idade entre 15 e 29 anos, e 35% de pessoas com 30 anos ou mais.
Outro aspecto é o baixo número de estudantes que consegue concluir a etapa em que estão inseridos, dificultando
o processo de elevação da escolaridade da população paulistana, pois além de a Rede apresentar baixo número de
matrículas em relação à demanda potencial, ocorre um baixo nível de conclusão. Em 2016, apenas 53% dos que inicia-
ram uma etapa conseguiram concluí-la, sendo que 29% dos estudantes evadiram, sendo considerados desistentes, e
18% foram reprovados.
No que se refere à reprovação, verifica-se que ocorre com maior intensidade na EJA Regular, sendo que, em 2016,
21% dos estudantes foram reprovados, enquanto no CIEJA esta taxa foi de 16%. Já a evasão ocorre quase na mesma
proporção no CIEJA e na EJA Regular. Mesmo tendo uma jornada de aula mais curta, o CIEJA apresentou 31% de evasão
em 2016 diante de 30% da EJA Regular. Outro aspecto refere-se ao perfil etário dos que evadem ou são reprovados na
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EJA na Rede Municipal. Em relação à evasão, 35% dos estudantes tinham entre 15 e 19 anos em 2016.
Ampliando esta faixa para 15 a 29 anos, verificamos que esse percentual se eleva para 60%. No que se refere à re-
provação, 40% são jovens de 15 a 19 anos e, se considerarmos a faixa de 15 a 29 anos, o percentual se eleva para 58%.
Estes dados nos alertam acerca da necessidade de analisar e propor encaminhamentos específicos para o público mais
jovem que frequenta a EJA, mas rapidamente acaba excluído dela. Ao analisar as matrículas por gênero, verificam-se
diferenças de público entre os vários tipos de atendimento que se mostram bastante complementares.
No MOVA, evidencia-se uma significativa presença feminina, que representava 69,2% do total de inscritos em 2016.
Também nos CIEJAs há um predomínio feminino com 57,9% de matriculadas. Já na EJA Regular evidencia-se um maior
equilíbrio com presença de 50,4% de mulheres em 2016. Quanto à presença de estudantes com deficiência nas tur-
mas de EJA, percebemos um maior atendimento do público da educação especial nos CIEJAs, em que 6% dos alunos

262
possuem algum tipo de deficiência. Isso ocorre em apenas 0,7% das escolas da EJA Regular e 1,5% no MOVA. A maior
presença de estudantes deficientes nos CIEJAs pode se dar devido à jornada mais curta que é oferecida neste espaço,
o que favorece a permanência dos estudantes. Também em relação às faixas etárias, observa-se significativa diferença
entre as formas de atendimento, uma vez que no MOVA 56% dos estudantes têm 50 anos ou mais em 2016, o que só
ocorre com 23% dos estudantes do CIEJA e 10% dos estudantes da EJA Regular. Evidencia-se que a EJA Regular tem
um atendimento prioritário aos mais jovens, já que 61% possuem entre 15 e 29 anos, enquanto no CIEJA, este público
corresponde a 40% do total de estudantes e a 7% no MOVA.
Quanto às relações étnico-raciais, em 2016, 52,2% da população atendida era negra e 46,9% era branca. A presença
da população negra amplia-se ligeiramente no CIEJA, com 55,1% dos atendidos, e no MOVA com 55,8% dos atendidos.
Deve-se considerar, entretanto, que se trata de uma autodeclaração e existe um elevado percentual de pessoas que
não se autodeclararam ao realizar a matrícula, o que torna impreciso o perfil traçado. No CIEJA e MOVA, 82% e 78%,
respectivamente, declararam sua raça, mas, na EJA Regular, apenas 48% informaram. Chama ainda atenção a crescente
presença de imigrantes na Rede, entre 2014 e 2016, as nacionalidades predominantes são de haitianos, angolanos,
bolivianos e colombianos, dentre outras nacionalidades.

Deve-se considerar, que a presença de imigrantes na EJA requer uma especial configuração curricular levando em
conta as particularidades culturais desses estudantes para a construção das propostas didáticas

UM CURRÍCULO PENSADO PARA A EJA DA CIDADE DE SÃO PAULO

A Educação de Jovens e Adultos coloca-se como parte do direito humano à educação ao longo da vida. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), em seu artigo 37, estabelece que: A educação de jovens e
adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio
na idade própria e constituirá instrumento para a educação e a aprendizagem ao longo da vida. (Redação dada pela
Lei nº 13.632, de 2018).
Uma das características da EJA é a especificidade e a diversidade do seu público: jovens e adultos que, por diversas
razões, não concluíram seus estudos na idade escolar esperada. Parte deste público já possui obrigações sociais con-
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solidadas, responsabilidades nos seus lares e na educação dos filhos, trabalham cotidianamente ou estão em busca de
uma nova colocação no mercado de trabalho. Trata-se de uma modalidade em que vamos nos deparar também com
jovens e adultos apartados do chamado sistema regular, uma multiplicidade de sujeitos que tiveram, de alguma forma,
seu direito à educação negado ao longo de sua trajetória de vida.
Embora marcados por diferentes contextos e histórias de vida, esses jovens e adultos têm um ponto em comum:
escolhem desempenhar o papel de estudantes da EJA com aspirações em construir uma nova história no presente e
ampliar suas possibilidades de planejar seu futuro, tendo a educação como uma importante aliada para a busca de
novas conquistas. Neste sentido, construir um currículo para EJA significa desenvolver um trabalho que tem como
pressuposto a heterogeneidade e não a homogeneidade. Trata-se de formular estratégias que façam proveito desta
heterogeneidade sem uma perspectiva homogeneizante do grupo de estudantes em uma sala de aula.

263
A presença de um grupo heterogêneo é a possibi- tal (2017), dentre outros documentos. Especialmente, no
lidade de exercer o diálogo, a cooperação, ampliando, que se refere à Educação de Jovens e Adultos, deve-se
ao mesmo tempo, as capacidades dos indivíduos (MAR- considerar o Parecer n° 11/2000 do Conselho Nacional
QUES, 2006). Marta Khol de Oliveira indica que para se de Educação, que dispõe sobre as Diretrizes Curriculares
pensar sobre o processo de aprendizagem de jovens e Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (2000). O
adultos é necessário reconhecer “três campos que con- Currículo busca inserir o estudante da EJA em um con-
tribuem para a definição de seu lugar social: a condição texto de educação focado no diálogo e na aprendizagem
de ‘não-crianças’, a condição de excluídos da escola e significativa, com elementos contemporâneos de lingua-
a condição de membros de determinados grupos cultu- gem e relevantes para as diferentes faixas etárias. Para
rais” (OLIVEIRA, 1999, p. 60). Algumas indagações nor- Paulo Freire, o diálogo:
tearam o processo de elaboração do Currículo da Cidade: É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma
Educação de Jovens e Adultos: quem são os sujeitos que matriz crítica e gera criticidade. Nutre-se do amor, de hu-
demandam a EJA na cidade? Quais experiências de vida manidade, de esperança, de fé, de confiança. Por isso,
esses estudantes trazem para o ambiente escolar? somente o diálogo comunica. E quando os dois polos
Qual o ponto de partida para seu retorno à esco- do diálogo se ligam assim, com amor, com esperança,
la? Como trabalhar os conteúdos escolares de modo a com fé no próximo, se fazem críticos na procura de algo
atribuir significado em uma perspectiva interdisciplinar? e se produz uma relação de “empatia” entre ambos. Só
Para responder a essas perguntas, fomentou-se o debate ali há comunicação. O diálogo é, portanto, o caminho in-
e o diálogo de ideias entre os profissionais envolvidos na dispensável, não somente nas questões vitais para nossa
produção deste documento curricular. Considerando as ordem política, mas em todos os sentidos da existência.
características e as expectativas desse público, que pre- (FREIRE, 1979, p. 93).
cisam ser conhecidas pela equipe escolar, é fundamental Neste Currículo, destaca-se o acolhimento da diver-
oferecer-lhe oportunidades de retomada e continuidade sidade cultural e da intergeracional que se apresentam
dos estudos que considerem seus diferentes repertórios nesta modalidade. Nosso objetivo é subsidiar os envol-
culturais e conhecimentos obtidos por meio da experiên-
vidos no processo educacional, de forma que o ingresso
cia.
ou retomada da vida escolar se apresente como possi-
Há, inclusive, experiências escolares anteriores que
bilidade de mudança ao longo da vida e não apenas o
podem representar histórias de descontinuidades e in-
cumprimento formal de uma etapa de escolarização.
sucessos que requerem superação e respeito ao ritmo
A educação de jovens e adultos é um campo que ul-
próprio de aprendizagem de cada estudante. Seja a EJA
trapassa o limite da escolarização proposta para crianças
Regular, EJA Modular ou CIEJA, a SME tem o compromis-
e adolescentes, trazendo as questões demandadas por
so de propor um Currículo que considere as especificida-
esses sujeitos para ampliarem sua participação na vida
des desse público e, embasando-se pelos componentes
curriculares e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvi- social, incluindo-se aí a formação política, as questões
mento propostos, busque favorecer a aprendizagem de culturais, os temas sociais e do mundo do trabalho. Con-
cada estudante, mediante a articulação entre os saberes forme Maria Clara Di Pierro, para constituir escolas que
escolares e aqueles obtidos por meio de suas experiên- atendam à especificidade dos jovens e adultos, é neces-
cias de vida. Neste sentido, explicitam Catelli Junior et al. sário: [...] o reconhecimento, o acolhimento e a valori-
(2013): zação da diversidade dos educandos da EJA, pois antes
Da diversidade de sujeitos da EJA, é possível identi- de serem alunos, esses jovens e adultos são portadores
ficar como ponto em comum as marcas de discrimina- de identidades de classe, gênero, raça e geração. Suas
ção, desigualdade e exclusão que permearam suas vidas trajetórias de vida são marcadas pela região de origem,
e suas relações com a escola. Para que a educação de pela vivência rural ou urbana, pela migração, pelo traba-
jovens e adultos se consolide, de fato, como um espaço lho, pela família, pela religião e, em alguns casos, pela
para a garantia do direito à educação dessa parcela da condição de portadores de necessidades especiais. (DI
população é preciso, antes de tudo, reconhecer as ne- PIERRO, 2014).
cessidades e demandas específicas desses grupos. Nesse Assim, a EJA tem como pilar o desafio de empreender
sentido, o currículo emerge como campo de interven- o diálogo entre as diversas áreas de conhecimento, os
ção e disputa: seja a disputa pelos sentidos da educação diferentes grupos sociais, e, em uma perspectiva inter-
ou pelo interesse desse público de jovens e adultos que setorial, incluir os setores relacionados com o trabalho, a
permanecem à margem da escola. (CATELLI et al., 2013, saúde, o meio ambiente e a cultura, sem perder de vista a
p. 171). especificidade de seus sujeitos, suas experiências de vida
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Na construção do Currículo da Cidade: Educação de e uma maior participação na vida social. Como afirma
Jovens e Adultos, consideramos a complexidade envol- Paulo Freire: “Nenhuma ação educativa pode prescindir
vida na elaboração de novos paradigmas pedagógicos de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre
para estes sujeitos. A interdisciplinaridade bem como a suas condições culturais. Não há educação fora das so-
interculturalidade se apresentam como temáticas e es- ciedades humanas e não há homens isolados” (FREIRE,
tratégias norteadoras, constituintes de nossa proposição 1979, p. 82).
curricular, que terá como documentos norteadores a
Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), o Estatuto da Criança e Ado-
lescente (1990), o Currículo da Cidade: Ensino Fundamen-

264
AS FORMAS DE ATENDIMENTO E ORGANIZAÇÃO e da Geografia devem ser desenvolvidos de forma arti-
DA EJA NA CIDADE DE SÃO PAULO culada, tendo em vista a complexidade e a necessária
continuidade do processo de alfabetização.
A Rede Municipal de Ensino de São Paulo, além do III – Etapa Complementar – dois semestres – represen-
Movimento de Alfabetização (MOVA), que recebe recur- ta o momento da ação educativa para jovens e adul-
sos do município para criar turmas de alfabetização em tos com ênfase na ampliação das habilidades conhe-
espaços não escolares, mantém também quatro formas cimentos e valores que permitam um processo mais
de atendimento para a educação de jovens e adultos: efetivo de participação na vida social.
• Os Centros Integrados de Educação de Jovens e IV – Etapa Final – dois semestres – objetiva enfatizar
Adultos (CIEJAs), que mantêm turmas de Alfabe- a capacidade do jovem e do adulto em intervir em seu
tização e de Ensino Fundamental em um formato processo de aprendizagem e em sua própria realidade,
particular com jornada escolar de 2 horas e 15 mi- visando a melhoria da qualidade de vida e ampliação
nutos por dia, em espaços que são específicos para de sua participação da sociedade. (SÃO PAULO, 2013).
o atendimento de jovens e adultos.
• A EJA Modular, oferecida no período noturno, com- O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos
posta por conteúdos organizados em módulos de preserva a subdivisão do Ensino Fundamental de nove
50 dias letivos e com outras atividades de enrique- anos em quatro etapas. A Etapa de Alfabetização com-
cimento curricular. preende os três primeiros anos (1º, 2º e 3º); a Etapa Bási-
• A EJA Regular, que concentra o maior número de ca envolve os dois anos seguintes (4º, 5º); a Etapa Com-
alunos matriculados e escolas, sendo oferecida nas plementar compreende os 6º e 7º anos e a Etapa Final
Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs) que abarca os anos finais (8º e 9º). Assim, considerando
e nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental e os diferentes tipos de atendimento, pode-se concluir que
Médio (EMEFMs), no período noturno, com dura- existe uma complementariedade entre os perfis de pes-
ção de 4 anos, sendo que as aulas ocorrem entre soas que são atendidas por cada um deles.
19 e 23 horas. A riqueza e a valorização da interculturalidade estão
• O Centro Municipal de Capacitação e Treinamen- de acordo com os princípios enunciados neste docu-
to (CMCT), localizado na região de São Miguel mento: equidade, educação inclusiva e educação inte-
Paulista, extremo leste da cidade, em que, jovens gral como parte do reconhecimento do direito humano
e adultos podem frequentar cursos de formação à educação. Desta maneira a reorganização da EJA pas-
profissional de curta duração nas áreas de pani- sa pelo reconhecimento da importância da garantia do
ficação, confeitaria, elétrica residencial, mecânica acesso e permanência dos estudantes e pela implantação
de autos, corte e costura e auxiliar administrativo. da reorientação curricular a partir do conhecimento do
A Educação de Jovens e Adultos, regulamentada perfil dos estudantes e professores dessa modalidade de
ensino, garantindo a diversidade de atendimentos dos
pela Portaria nº 5.930/13, pautada no Decreto nº
diferentes grupos, conforme suas necessidades e de-
54.452/2013, por meio do art. 5º, que trata da Reor-
mandas.
ganização Curricular no seu Inciso II relativo ao En-
sino Fundamental na Modalidade EJA, organiza-se
CURRÍCULO DE ARTE PARA A EDUCAÇÃO DE JO-
em Etapas na periodicidade semestral nos CIEJAs
VENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO PAULO
e na EJA Modular, sendo respeitadas as matrizes
curriculares e as especificidades de cada projeto,
Certa vez, uma alfabetizanda nordestina discutia, em
adequando as formas de atendimento conforme
seu círculo de cultura, uma codificação que represen-
a proposta de ciclos. Quanto às classes do MOVA tava um homem que, trabalhando o barro, criava, com
dos CMCTs, serão respeitadas as especificidades as mãos, um jarro. Discutia-se, por meio da “leitura” de
que lhes são próprias. uma série de codificações, que, no fundo, são represen-
tações da realidade concreta, o que é cultura. O conceito
Na EJA Regular, o currículo será organizado em Eta- de cultura já havia sido apreendido pelo grupo por meio
pas na periodicidade semestral, conforme segue: do esforço da compreensão que caracteriza a leitura do
I – Etapa de Alfabetização – dois semestres – objetiva mundo e/ou da palavra. Na sua experiência anterior, cuja
a alfabetização e o letramento como forma de expres- memória ela guardava no seu corpo, sua compreensão
são, interpretação e participação social, no exercício do processo em que o homem, trabalhando o barro, cria-
da cidadania plena, ampliando a leitura de mundo do
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va o jarro, compreensão gestada sensorialmente, lhe di-


jovem e do adulto favorecendo a sua formação inte- zia que fazer o jarro era uma forma de trabalho com que,
gral, por meio da aquisição de conhecimentos, valores concretamente, se sustentava.
e habilidades para leitura, escrita e oralidade, as múl- Assim como o jarro era apenas o objeto, produto do
tiplas linguagens, que se articulem entre si e com to- trabalho que, vendido, viabilizava sua vida e a de sua fa-
dos os componentes curriculares, bem como, a solução mília. Agora, ultrapassando a experiência sensorial, indo
de problemas matemáticos. mais além dela, dava um passo fundamental: alcançava a
II – Etapa Básica – dois semestres – as aprendizagens capacidade de generalizar que caracteriza a «experiência
relacionadas à Língua Portuguesa, à Música, a Ex- escolar». Criar o jarro como o trabalho transformador so-
pressão Corporal e demais linguagens assim como o bre o barro não era apenas a forma de sobreviver, mas
aprendizado da Matemática, das Ciências, da História também de fazer cultura, de fazer arte. Foi por isso que,

265
relendo sua leitura anterior do mundo e dos que fazeres Permita-se ouvir a voz que clama no cinza do con-
no mundo, aquela alfabetizanda nordestina disse segura creto.
e orgulhosa: “Faço cultura. Faço isto”. Paulo Freire (1993). Permita-me falar.
Somos seres de cultura e linguagem, perceber-se como (LEITE, 2018)
tal abre possibilidades para refletir sobre como pensa-
mos, produzimos e nos expressamos. A palavra é a força do professor, profissional transfor-
A arte potencializa modos de ler e fazer do ser poé- mador que encontra também no ato de ouvir o espaço
tico e estésico. O Componente Curricular Arte pode pro- para conhecer o outro e realizar mudanças em atitudes
porcionar experiências artísticas e estésicas que contri- colaborativas. Saber ouvir, permitir que o outro tenha
buam para a autonomia do estudante, no exercício da voz, é que o coloca no fazer educativo como autor do
reflexão e percepção de um mundo culturalmente vivido. conhecimento, possibilitando à educação apresentar-se
O pensamento artístico construído no percurso da histó- como lugar de movimento constante de ideias e ações,
ria e trajetória das culturas nas diferentes sociedades se caro ao fluxo democrático. Nesta atmosfera, foi tecido
mostra complexo, no entanto acessível a todos, uma vez o Currículo da Cidade - Educação de Jovens e Adultos
que estudar arte é examinar como sentimos e lemos a – Arte.
vida. A relação “arte e vida” tem sido um tema abordado Em um processo de imersão e abarcado pelo trabalho
no ensino e aprendizagem da Arte, sobretudo da Educa- colaborativo, professores da Rede Municipal de Ensino
ção de Jovens e Adultos (EJA). de São Paulo puderam apontar temas e conceitos que
O Currículo da Cidade – Educação de Jovens e Adul- ajudaram a redigir este documento com o compromisso
tos – Arte, parte da premissa de que o estudante, como de que ele carregue consigo a essência de referências
cidadão, tem direito ao conhecimento artístico produ- significativas para a educação na EJA. Em movimentos
zido, acumulado pelo ser humano, e de constituir-se espirais, entre fala e escuta, abordagens críticas e aná-
competente para vivenciar esse conjunto de saberes e/ lises de realidades, os professores trouxeram preocupa-
ou experiências de forma autônoma no aprender e viver ções e sonhos para o Componente Curricular de Arte nas
processos artísticos e culturais. O desejo é que o estu- escolas da Rede, no contexto da EJA.
Uma proposta que, pela metáfora trazida no poema
dante, vivenciando tais experiências, torne-se consciente
criado pela professora Carina Aparecida Leite, propõe
do seu papel como aquele que pode dizer, com proprie-
não se “limitar a um só querer, e um querer só”, e sim
dade, “sim, faço cultura, faço isto!”.
construir ações no ensino da arte conjuntamente. Diante
Nesse sentido, ensinar arte é propor encontros es-
dessa construção por parte de um coletivo, é importante
tésicos, artísticos e educativos. Com base neste olhar,
destacar que o currículo tem como ponto de partida a
trazemos o Currículo da Cidade – Educação de Jovens
seleção de alguém ou de algum grupo apoiado em uma
e Adultos – Arte. O desejo é que o professor, ao olhar
visão do que seja conhecimento legítimo. Para Apple
para o currículo, encontre percursos pedagógicos poten- (1992, p. 59), “o currículo nunca é apenas um conjunto
tes, percebendo possibilidades de entradas, preparos e neutro de conhecimentos [...].
poéticas pessoais para exercer a docência de modo au- É produto das tensões, conflitos e concessões cultu-
tônomo e autoral. rais, políticas e econômicas”. As práticas educativas dos
professores em sala de aula e a sua percepção do currí-
CONSTRUÇÃO COLABORATIVA DO CURRÍCULO culo formal são influenciadas por experiências culturais,
DA CIDADE – EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS valores e significados do seu meio social que dão vida
– ARTE ao currículo.
O Currículo da Cidade – Educação de Jovens e Adul-
Permissão tos – Arte, que aqui apresentamos foi construído na
Permita-me falar, Mas, para tal proeza, permita-me prática do diálogo, no movimento de ideias e contribui-
ouvir. ções de professores de Arte da Rede. Nesse sentido, a
Cale o que agora pensa ou julga, para conseguir si- construção do Currículo aconteceu em meio a estudos
lenciar-se internamente e alforriar os ouvidos. Não espe- e análises do panorama histórico da disciplina Arte, no
re que eu fale do acho que você quer ouvir de mim, Pois contexto da EJA, que, como organismo vivo característico
isso é não dizer minha palavra. da educação, constitui-se de infinitas formas e maneiras,
É deixar-te só! transformando-se constantemente em seus modos de
Não quero que fiques ao relento dos teus julgamen- fazer-se e acontecer.
tos. Cada componente curricular carrega em si a sua his-
Quero que desconstrua paredes e crie portas e jane-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tória, constituindo-se ao longo do tempo em concep-


las. ções, ideias e atitudes pedagógicas. Assim é possível
Quero que queiras, sem e comigo. olhar para a história do ensino de Arte para procurar
Quero não me limitar a um só querer compreender práticas vivenciadas na qualidade de estu-
E um querer só dantes em tempos passados. E também, se analisadas na
O só é muito vazio contido em uma monossílaba! atualidade, é possível investigar como os momentos ar-
Quero, pelo menos, o menos! Menos solidão, menos tísticos e educacionais influenciaram e influenciam o en-
covardia, menos hipocrisia, menos julgamento. Ao me- sino de Arte na escola. Aqui trazemos um olhar com foco
nos quero poder falar minha palavra e criar nossa palavra. na história do ensino de Arte na EJA, convidando a um
Mas no agora, tão vivido agora, olhar crítico e plural, já que as realidades neste segmento
também são diversas.

266
Iniciamos com uma reflexão sobre o ato de educar, em temas folclóricos e datas cívicas. Na contramão des-
em que o ensino de arte e cultura sempre esteve presen- sa tendência, os ventos teóricos e pedagógicos da “livre
te na história brasileira exercida por diferentes contextos expressão” de ideias caras do escritor Mário de Andrade
étnicos. Muito do que se construiu nesta história artísti- (1893–1945), ao lado de vários professores que acredi-
ca e cultural aconteceu por muito tempo fora da escola tavam na criação livre e marcaram nossa história educa-
(instituições e sistemas curriculares), e ainda é preciso ter cional a partir das influências da escolanovista e de John
em vista a reflexão de que, na contemporaneidade, arte e Dewey (1859–1952) na educação e, principalmente, no
cultura são criadas na escola e fora dela. O que nos move ensino da arte. A partir da década de 1940, foram criadas
a analisar a história do ensino de arte no contexto da EJA as escolinhas de arte, que propunham ensino para de-
é pensar que a arte ensinada nas escolas pode ser po- senvolver a autoexpressão e a prática artística no ensino
tencializada não apenas no exercício do criar e passar as livre. Nesse tempo, também aconteceu o programa de
gerações, mas como exercício de reflexão e crítica sobre canto orfeônico na educação brasileira.
o que se faz em diversos locais, contextos artísticos e cul- Com o fim do Governo Vargas, o Brasil começou um
turais no mundo. O estudante da EJA pode ampliar seu processo de democratização em que a Educação de Jo-
repertório sem perder de vista a valorização da sua vi- vens e Adultos passou a ser discutida de modo mais hu-
vência, bagagem artística e cultural que carrega consigo. manístico, dando às pessoas a oportunidade de se alfa-
Feita esta primeira reflexão, seguimos conversando betizar e desenvolver consciência crítica e política, ciente
sobre o primeiro ensino de arte sistematizado no Brasil, de seu papel histórico e cultural. É nesta perspectiva de
que aconteceu com a vinda, em 1814, da corte portu- ensino que Paulo Freire (1963) trabalhou trazendo nova
guesa, que trouxe a Missão Artística Francesa, marcando pedagogia, que levava em consideração a vivência cultu-
o início da tradição da arte acadêmica no Brasil, por meio ral e o contexto do estudante. Porém, com a chegada do
da primeira experiência de uma escola nacional de Arte, golpe militar de 1964, essas propostas foram sufocadas
a Academia Imperial de Belas Artes, consolidada no Rio por forças que não valorizavam o ato do livre pensar e
de Janeiro. O ensino de arte era destinado, em geral, aos se expressar. Paulo Freire trazia a ideia de que o acesso
artistas e fundamentado em referências internacionais, à educação, à arte e à cultura, no contexto de uma esco-
principalmente as europeias. A prática artística era es- larização crítica, poderia dar maior autonomia ao estu-
timulada dentro dos rigorosos padrões acadêmicos. Os dante, além de humanizar e democratizar a ascensão ao
estudantes, em geral, eram homens adultos que alme- conhecimento.
javam ser artistas, alguns entre eles, além da formação A desumanização, que não se verifica, apenas, nos
artística em solo nacional, ganhavam bolsas de estudos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda
para legitimar seu aprendizado artístico na Europa, den- que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção
tro de padrões estéticos eurocêntricos. As influências da vocação do ser mais. É distorção possível na história,
europeias trouxeram para a produção nacional estética mas não vocação histórica. Na verdade, se admitíssemos
estrangeira que imperou até as rupturas artísticas cultu- que é vocação histórica dos homens, nada mais teríamos
rais do início do século XX. que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total
Os primeiros anos do século XX trouxeram os ven- desespero. A luta pela humanização, pelo trabalho livre,
tos modernistas que tiveram como marco histórico o pela desalienação, pela afirmação dos homens como
evento da Semana de Arte Moderna de São Paulo, em pessoas, como ‘seres para si’, não teria significação. Esta
1922, mas sabemos que outros eventos aconteceram somente é possível porque a desumanização, mesmo
anos antes que prepararam esse cenário de debates e que um fato concreto na história, não é, porém, desti-
rupturas artísticas e culturais. As ideias artísticas pronun- no dado, mas resultado de uma ‘ordem’ injusta que gera
ciadas pelos modernistas defendiam a criação com total a violência dos opressores e esta, o ser menos. (FREIRE,
liberdade. Nesse momento, houve buscas nas produções 1997, p.16).
artísticas por uma identidade cultural brasileira. No en- No universo da arte, surgiram movimentos artísticos,
tanto, o ensino de arte nas escolas nesses tempos ainda como o concretismo e o neoconcretismo, que questio-
seguia tendências da arte neoclássica, caracterizada pela nam o papel da arte na sociedade. A arte conceitual ga-
rigidez técnica e seguimentos de modelos estabelecidos nhou espaço na criação de produções e eventos artísti-
como “certos” na criação artística. Na maioria das ações cos. Mostras de arte como a Bienal de Arte de São Paulo,
didáticas, a arte na escola era proposta com trabalhos a cada edição, apresentava como a arte no Brasil e no
manuais, apresentações cênicas e musicais “temáticas e mundo estava se transformando rapidamente, no entan-
pontuais”, e não como expressão intelectual. A Educa- to nem sempre essas mudanças eram percebidas no en-
ção de Jovens e Adultos ainda era desprestigiada, havia sino de arte na escola. No período entre 1964 e 1985, por
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cegueira social voltada para essas pessoas, que compu- um lado, o ensino de arte foi, aos poucos, conquistan-
nham grande contingente de analfabetos e excluídos do do autonomia e relevância como área de conhecimento
sistema de escolarização. própria e significativa. Por outro ângulo de análise, viam-
Durante o governo de Getúlio Vargas (1882–1954), -se práticas docentes pautadas no ensino tradicional ou
que ocorreu entre 1930 a 1945 (1º período) e 1951 a em atividades soltas e sem caminho curricular definido.
1954 (2º período), idealizou-se projeto educacional po- Durante a ditadura militar, datada nesse mesmo pe-
pulista, de forte tendência nacionalista, que tinha por ríodo, o ensino brasileiro foi concebido e praticado to-
objetivo a padronização do ensino e do pensamento. mando como base a abordagem pedagógica tecnicista.
Nesses períodos, foram criados sistemas para ensinar Isso acarretou o reducionismo dos processos de criação
música e propostas em desenho (para colorir) com base a simples atos de execução de ações e cópia de modelos.

267
A formação do professor se intensificou como polivalen- No caso da área de conhecimento de Arte, a BNCC
te, influenciando essa prática na sala de aula na disciplina reconhece que o componente curricular de arte contribui
denominada Educação Artística. Na EJA, esse movimento e favorece a troca entre culturas, um diálogo intercultural
não era diferente, dessa forma, a presença da arte era com respeito às diferenças. Nesse sentido, deve contri-
desvalorizada também nesse segmento de ensino. buir para o seu entendimento na qualidade de espaço
Ao longo dos anos 1980 e 1990, no contexto de uma de experiência e vivência artísticas como prática social,
nova redemocratização do Brasil, período de luta pela sendo os estudantes protagonistas e criadores de mani-
volta da democracia e consolidação do regime democrá- festações artísticas. A BNCC coloca em evidência as várias
tico brasileiro, professores e pesquisadores trouxeram à linguagens de expressão da arte (dança, música, artes vi-
tona o debate sobre a valorização do componente cur- suais, teatro e artes integradas) e propõe a necessidade
ricular de Arte na escola e a importância em investir na de o processo de ensino-aprendizagem de arte ser ar-
formação dos professores, incluindo no contexto da EJA. ticulado em seis dimensões do conhecimento (criação,
Nessa conjuntura, ganharam mais espaço e intensidade crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão).
a educação com o enfoque democrático e a organização A Educação de Jovens e Adultos na contemporaneida-
política dos professores de arte, resultando em vários en- de ganhou área de atuação e estudo próprio com inúme-
contros que promoveram a discussão e proposições de ros estudos sobre o contexto da escola nesse segmento.
mudanças no ensino de arte na escola. Nesse cenário, O desafio que se coloca agora é procurar compreender
a arte voltou ao ensino da EJA, agora mais pautada nas concepções, contextos e proposições no ensino de arte.
ideias de Paulo Freire, em que se pronunciavam a arte Neste sentido, trazemos o Currículo da Cidade – Educa-
e cultura como prática da liberdade e do pensamento ção de Jovens e Adultos – Arte, como material que possa
crítico. ampliar compreensões e ações pedagógicas no ensino
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96 deste componente curricular na Rede Municipal de Ensi-
(LDB/96) apresentou a Arte como Componente Curricu- no de São Paulo.
lar obrigatório. A arte assumiu seu lugar no currículo da
Educação Básica como área de conhecimento fundamen- ENSINAR E APRENDER ARTE NA EJA
tal para o desenvolvimento cultural dos cidadãos brasi- ABORDAGENS, CAMPOS CONCEITUAIS E DIMEN-
leiros. Em 1997–1998, foram publicados os Parâmetros SÕES DO CONHECIMENTO PARA O ENSINO DE
Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1997) das diferen- ARTE
tes áreas de conhecimento, referenciais para a renova-
ção e reelaboração da proposta curricular, bem como A arte não só acompanha o processo histórico social,
instrumentos de apoio às discussões pedagógicas para como sofre sua influência, passando por uma construção
o momento de planejamento das aulas, elaboração de conceitual na sua abordagem teórico-metodológica, o
projetos educativos e reflexão da prática educativa. que garante a sua presença como patrimônio histórico e
De 1990 a 2016, abordagens teóricas e propostas de cultural no campo educacional. A Abordagem Triangular
ensino de arte, que já eram desenvolvidas, foram mais se faz presente na educação brasileira a partir das formu-
difundidas no Brasil, assim como outras proposições e
lações teóricas e proposições pedagógicas de Ana Mae
estudos que surgiram ao longo do processo no qua-
Barbosa (1991). Essa abordagem propõe trabalhar com o
dro conceitual e metodológico. Incluem-se: Abordagem
ensino da arte a partir de três eixos: ler, fazer e contex-
Triangular, Territórios da Arte e Cultura, Interculturalida-
tualizar, sendo a ordem no trabalho de cada eixo estabe-
de, Multiculturalismo, Cultura Visual, Educação Inclusiva,
lecida pelo professor, assim como a escolha em trabalhar
Teatro do Oprimido, entre outros presentes nos movi-
de modo integrado com esses eixos. Na época em que
mentos de valorização e inserção do ensino de dança,
Ana Mae Barbosa apresentou estudos e a Abordagem
música e teatro na escola. As relações entre museu e
escola se estreitaram, e surgiram vários estudos e publi- Triangular do ensino de arte (com os eixos: ler, fazer e
cações sobre a área da “mediação entre arte e público” contextualizar), em torno das décadas de 1980 e 1990,
nos contextos tanto do espaço cultural como na escola. foram criados vários programas dirigidos ao público da
As artes visuais, tradicionalmente como linguagem mais Educação de Jovens e Adultos, destacando-se em nível
presente na escola, sofreram mudanças conceituais e local e nacional. Merecem destaque: Movimento de Alfa-
metodológicas, e houve também lutas e conquistas le- betização de Adultos (MOVA), iniciativa do Município de
gais para garantir o ensino das linguagens da dança, tea- São Paulo, em 1989; Programa Nacional de Alfabetização
tro, música e artes integradas (híbridas). e Cidadania (PNAC), do Governo Federal, em 1990; e, ain-
O período de 2017 até a atualidade demonstrou ser da, criado em 1997, pelo Governo Federal, o Programa
Alfabetização Solidária (PAS). Foi um cenário histórico em
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de significativas mudanças na educação brasileira, fru-


to do próprio movimento transformador dos tempos e que os programas atenderam em parte às necessidades
contextos em que nossa sociedade está inserida. Foram dos estudantes, sendo que alguns deles se mostraram
desenvolvidos novos estudos e, com base neles, novos como iniciativas de abertura aos estudos freireanos.
documentos, como a Base Nacional Comum Curricular A própria Ana Mae Barbosa se declarou fortemen-
- BNCC (BRASIL, 2017). Esse documento, que estabelece te influenciada pela concepção de “ler” pelas ideias de
o conjunto de aprendizagens essenciais a que estudan- Paulo Freire (1989) nos estudos sobre o “ato de ler” os
tes, crianças, jovens e adultos têm direito, é apresentado códigos das linguagens escolarizadas não estar disso-
como referência nacional para a elaboração ou adequa- ciado do “ato de ler o mundo”. Paulo Freire (1997), na
ção dos currículos e propostas pedagógicas dos sistemas qualidade de professor amante do ato de ensinar, tam-
de ensino federal, municipal e estadual. bém era apreciador e defensor de atitudes como escutar

268
e respeitar a expressão de ideias e opiniões. Ele apresen- ensino de arte apresenta a possibilidade de explorar o
tou a proposição da educação dialogal, estabelecendo a conhecimento de maneira multidimensional, pois parte
prática da escuta e da conversação aliada à reflexão, e o do princípio de que tudo está conectado, não existindo
aprender com a própria prática. sentido único e previamente definido para o percurso a
Deixou-nos a lição de que o professor, entre suas ha- ser desenvolvido, mas, sim, múltiplas possibilidades.
bilidades, deve também saber escutar e dar voz ao outro, Quebra, dessa forma, uma lógica rígida de planejar e
prática fundamental que hoje chamamos, em especial, ensinar decorrente de uma formação cartesiana do co-
no ensino de arte, de “mediação cultural”. O professor nhecimento e de ensino. Não há fronteiras entre esses
mediador está ligado em sua prática também à educa- campos conceituais que podem ser visitadas individual-
ção dialogal. A potência da “mediação cultural” está na mente em suas particularidades ou em conexões, asso-
possibilidade de criar experiências significativas no en- ciando vários saberes para compreender o todo de uma
contro com as produções artísticas e culturais, na refle- obra ou processo artístico e cultural. Na construção do
xão de como a arte afeta estudantes e professores. As Currículo da Cidade – EJA - Arte, tivemos como base o
produções artísticas criadas em diferentes linguagens Currículo da Cidade – Ensino Fundamental – Arte (SÃO
(artes visuais, teatro, dança, música e artes integradas) PAULO, 2017). Este partiu de princípios teóricos e prá-
são apresentadas aos estudantes sob um olhar mediado ticos apresentados a seguir e da Base Nacional Comum
pela ótica da educação libertadora, diálogos reflexivos, Curricular (BRASIL, 2017), e apresenta direcionamentos
críticos e estésicos. no ensino e aprendizagem de arte pelo prisma das di-
Nessa proposição, o estudante pode ter espaço para mensões do conhecimento, citadas como diretrizes que
perceber-se como fruidor e produtor de arte e cultura, respeitam o potencial do estudante nos âmbitos da cria-
bem como o professor se posiciona como um mediador ção, crítica, estesia, expressão, fruição e reflexão.
de encontros significativos com a arte. Vale também lem- Em uma breve explanação, podemos dizer que a di-
brar aqui as proposições do teórico, professor, ator, di- mensão da criação está ligada ao fazer artístico e à inves-
retor e dramaturgo Augusto Boal (1975), que apresentou tigação do processo criador tanto do artista quanto dos
hipóteses pedagógicas e estéticas na orientação para o estudantes. Podemos, assim, explorar as poéticas de ma-
desenvolvimento do pensamento crítico e analítico por terialidades, ideias e escolhas estéticas, sensações, senti-
meio da linguagem teatral. Boal propunha, pela lingua- mentos, desejos e modos de ler e interpretar o mundo.
gem do teatro, dar espaço à expressão de opiniões e re- Ainda podemos analisar a intenção e qualidade poética
flexão sobre realidades e, como protagonistas da nossa das produções artísticas. A dimensão da crítica se apoia
própria história, poder para transformá-las. na concepção de que o processo de ensino-aprendiza-
Os jogos teatrais trazidos por Boal incentivaram gru- gem só se consolida mediante o desenvolvimento do
pos de teatro contemporâneos a convidar o público a pensamento crítico, que promove o protagonismo e a
uma atitude ativa na experiência cênica. Igualmente nu- independência intelectual e cultural do estudante.
tre proposições pedagógicas no ensino da arte na escola A dimensão da estesia está ligada à percepção do ser
pela linguagem do teatro. Paulo Freire, Augusto Boal e na qualidade de sujeito, que tem experiências sensíveis.
Ana Mae Barbosa são referências para o estudo do perfil Essas experiências podem acontecer tanto no cotidiano
do professor propositor, mediador na ótica da educação quanto no encontro com a arte e, uma vez vividas, nos
libertadora, crítica e politizada. Influências caras para o convidam a pensar como nos relacionamos com o espa-
ensino de arte no Brasil, em especial na Educação de Jo- ço, o tempo, o som, as imagens, as palavras e o próprio
vens e Adultos. Os Territórios de Arte e Cultura surgem corpo, proporcionando também reflexão sobre experiên-
a partir de ideias conceituais e proposições pedagógicas cias estéticas que vivenciamos. A dimensão da expressão
apresentadas por Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque diz respeito à investigação e à compreensão de como
(2010), que trazem o desafio na construção de um currí- os sujeitos se exprimem ao colocar suas ideias em ma-
culo-mapa em que o professor traça percursos e escolhe nifestações individuais e coletivas por meio da oralidade,
caminhos. Com foco no trabalho autônomo e autoral do escrita ou de linguagens artísticas. Na dimensão da fruição,
professor, essa proposição se baseia no pensamento ri- o foco é a percepção de como acontecem os processos de
zomático, conceito filosófico desenvolvido por Deleuze recepção de obras de arte, pelo deleite ou estranhamento.
e Gattari (1995), do qual deriva uma série de princípios, O que é provocado e desencadeado a partir do en-
como o da conexão, da heterogeneidade e da multiplici- contro com produções artísticas, em que grau acontece
dade dos saberes. o desenvolvimento do sentimento de pertencimento e
Nesse sentido, o professor observa os vários Terri- envolvimento por parte dos estudantes, de modo sen-
tórios de Arte e Cultura, que, neste documento, estão sível, na relação com diferentes manifestações artísticas
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associados aos campos conceituais, e traça percursos e culturais regionais e globais. Possibilita a reflexão e a
para conhecer e vivenciar processos artísticos junto aos consciência como seres de cultura e arte, identificando-
estudantes, oferecendo a possibilidade de perceber que -se como produtores e/ou apreciadores de arte. A di-
podemos aprender arte por diversas vias: linguagens ar- mensão da reflexão está ligada ao potencial do ser, que
tísticas, forma e conteúdo, mediação cultural, patrimônio aprende a pensar de modo artístico, poético e estético,
cultural, conexões transdisciplinares, processos de cria- e desenvolve, nesse processo, habilidades em analisar,
ção, materialidades, saberes estéticos e culturais, e ou- pontear e argumentar.
tros caminhos e territórios (campos conceituais) que os Assim como acontece na Abordagem Triangular (ler,
professores e estudantes queiram trilhar. Esse modo de fazer e contextualizar) e proposições dos Territórios da
olhar para o planejamento e para a ação pedagógica no Arte e Cultura (campos conceituais), essas dimensões

269
do conhecimento presentes na BNCC não têm ordem nos pautamos nos documentos que trazem os Direitos
de importância, mas todas contribuem para a formação de Aprendizagem (SÃO PAULO, 2016) e em documentos
global dos estudantes no âmbito da educação pela arte. anteriores que foram decisivos na trajetória da constru-
As dimensões do conhecimento: criação, crítica, estesia, ção deste currículo que apresentamos agora. Esta refle-
expressão, fruição e reflexão, trazidas pela BNCC (BRASIL, xão se faz necessária para dizer que um currículo tem
2017), estão propostas no Currículo da Cidade – Edu- maior legitimidade quando construído por muitas pro-
cação de Jovens e Adultos – Arte, de forma transversal, posições e discussões.
com abertura para o trabalho nos diversos campos con- Os direitos de aprendizagem (processos de criação,
ceituais. Ao analisar as abordagens, proposições e orien- conhecimento e linguagem, crítica, linguagens artísti-
tações curriculares construídas na história do ensino de cas, práxis social, reflexão, inter-relação na interdiscipli-
arte e trazidas aqui, percebemos que, de certo modo, há naridade, saberes e fazeres culturais, expressão artística
diálogo entre elas. Todos esses estudos, em especial o e estética) em que nos baseamos para criar os campos
Currículo da Cidade – Ensino Fundamental - Arte, con- conceituais no Currículo da Cidade – Educação de Jovens
tribuíram para que formulássemos o presente currículo. e Adultos – Arte são estabelecidos como pertinentes à
Nossa escolha de concepção na formulação deste docu- apropriação do conhecimento de todos os estudantes de
mento vê como fundamental a garantia das dimensões modo geral (jovens e adultos), com o objetivo de cons-
de conhecimento estabelecidas pela BNCC do Ensino truir uma sociedade justa e solidária. Assim, o ensino de
Fundamental (2017) e que se percebam quais “territó- arte no ambiente escolar deve estimular a participação
rios” – e aqui vamos chamar (em consonância com o que dos estudantes em processos de reflexão, investigação,
já foi proposto no Currículo da Cidade: Ensino Funda- pesquisa, resolução de problemas e expressividade, sig-
mental: Arte) – de campos conceituais podem ser poten- nificação e ressignificação de saberes, tanto dos trazidos
cializados dentro de um percurso didático no ensino de em sua bagagem cultural, na qualidade de conhecimen-
arte. tos prévios, como dos adquiridos no seu processo de es-
O professor poderá trabalhar com um ou mais cam- colarização.
pos conceituais diante de seu projeto e intenção peda- A arte pode ser estudada, analisada na ciência e his-
gógica. Essas decisões são pertinentes dentro da realida- tória e também sentida pela existência humana. Ela nos
de do ensino de arte na Educação de Jovens e Adultos na ensina a viver com intensidade as múltiplas formas de
Rede. E consideramos também a necessidade de garantir manifestar as diferentes sensações e sentimentos. A arte
o trabalho com os três eixos (ler, fazer e contextualizar) nos ensina a encontrar prazer na vida e nos ajuda a com-
trazidos pela Abordagem Triangular na prática e no âm- preender a existência humana na sua plenitude. Ensinar
bito conceitual e metodológico do professor. Os direcio- arte é abrir caminhos para aprender a ler, interpretar e
namentos e as propostas serão mais bem elucidados nas reinventar o mundo. (FERRARI, 2015, p. 261).
Orientações Didáticas do Currículo da Cidade – Educação A arte nasce e se relaciona com questões presentes
de Jovens e Adultos – Arte, na parte 3 desse documento. na vida. Nesse sentido, chamamos a atenção, na constru-
ção do Currículo da Cidade – Educação de Jovens e Adul-
ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE ARTE: CAMPOS tos - Arte, à presença dos Objetivos de Desenvolvimento
CONCEITUAIS Sustentável (ODS). Estes já tinham sidos incorporados ao
Currículo da Cidade (SÃO PAULO, 2017), uma vez que fo-
Os campos conceituais propostos para Currículo da ram pactuados na Agenda 2030 pelos países-membros
Cidade – Educação de Jovens e Adultos – Arte se apre- das Nações Unidas como temas inspiradores a serem tra-
sentam como: Arte e tecnologia; Contextos e matrizes balhados de forma articulada com os objetivos de apren-
culturais; Corporeidade e identidade; Elementos de lin- dizagem e desenvolvimento nos diferentes componentes
guagem; Materialidade; Mundo do trabalho; Patrimônio curriculares.
cultural e Processo de criação. Estes campos conceituais Para melhor compreensão dos professores sobre os
emergiram de conversações e análises que ocorreram campos conceituais, Objetos de Conhecimento, Obje-
durante os encontros do Grupo de Trabalho de Arte (GT tivos de Aprendizagem e Desenvolvimento e Objetivos
Arte) e no período de consulta pública em que os pro- de Desenvolvimento Sustentável, criamos quadros rela-
fissionais da Rede puderam analisar, opinar e validar os cionados a essas proposições, de modo visual e sucinto,
pressupostos apresentados. Os campos conceituais pen- apresentados mais adiante neste documento. A presença
sados para este currículo se apresentam como pertinen- dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) se
tes à proposição de experiências positivas e à construção propõe a abrir perspectivas temáticas e metodológicas
do conhecimento de arte nas quatro etapas da EJA (Al- que desencadeiem proposições pedagógicas inovadoras
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fabetização, Básica, Complementar e Final) e em suas di- e significativas sobre questões urgentes na construção
ferentes formas de atendimento na Cidade de São Paulo de uma sociedade mais justa, feliz e sustentável. Tal qual
(CIEJA, EJA Regular e EJA Modular). foi apresentado no Currículo da Cidade no Ensino Funda-
Além dessas muitas possibilidades no pensar, plane- mental (SÃO PAULO, 2017), observe que os ODS se rela-
jar e propor o ensino de arte (Abordagem Triangular, Ter- cionam ou se integram aos Objetivos de Aprendizagem
ritórios da Arte e Cultura e orientações da BNCC) sobre e Desenvolvimento. As possibilidades de trabalho na prá-
os quais discorremos até aqui, trazemos a preocupação tica escolar também serão detalhadas nas Orientações
em garantir os direitos de aprendizagem. Do mesmo Didáticas do Currículo da Cidade – Educação de Jovens
modo como aconteceu na construção do Currículo da e Adultos - Arte com o objetivo de que professores e
Cidade no Ensino Fundamental (SÃO PAULO, 2017), nós estudantes se sintam:

270
[...] protagonistas na materialização dos ODS como Arte e Tecnologia
temas de aprendizagem e tenham ampla liberdade para
também criar projetos autorais a respeito, assim como A arte contemporânea oferece múltiplas possibilida-
buscar parceiros, com o objetivo de promover maior des de criação e meios para a fruição de obras artísticas.
cooperação entre os diferentes atores sociais e da co- Linguagens artísticas tradicionais ganham novas roupa-
munidade escolar na geração e compartilhamento do gens e processos de criação a partir dos recursos tec-
conhecimento e prática. (SÃO PAULO, 2017, p. 68). nológicos, que se expandem e criam novas linguagens.
Os Campos Conceituais no Currículo da Cidade – Dessa forma, na atualidade, as linguagens nascem e se
Educação de Jovens e Adultos – Arte: Ideias e Ações Ger- multiplicam, se misturam, se conectam, se adaptam e se
minadoras transformam com os meios de produção e comunicação.
Os campos conceituais (Arte e tecnologia; Contextos Cada linguagem apresenta modos de criação, mate-
e matrizes culturais; Corporeidade e identidade; Elemen- rialidade, intenção poética, simbologias e conteúdos co-
tos de linguagem; Materialidade; Mundo do trabalho; nectados a questões de tempo e espaço. Podemos ter
Patrimônio cultural e Processo de criação) se estabele- acesso a produções históricas e de lugares geográficos
cem como possibilidades para o trabalho do professor distantes, em alta definição, propiciado pelo uso de tec-
na construção do conhecimento da arte junto aos estu- nologias de informação. É hábito cultural entre os estu-
dantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). No que dantes fazer registros com seus celulares ao ir a shows
se refere à concepção de ensino de arte no Currículo da ou ao visitarem exposições. Esses registros podem ser
Cidade – Educação de Jovens e Adultos – Arte, vale res- compartilhados com membros pertencentes às suas re-
saltar que a preocupação foi garantir o Componente Cur- des sociais. A cultura e arte contemporânea se propõem
ricular Arte, como área de conhecimento, com direito à antropofágicas em que as pessoas registram, criam acer-
formação criativa, crítica, estésica, expressiva, produtiva e vos visuais e sonoros (virtuais), curtem, seguem, compar-
reflexiva, em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases tilham e criam influências e valores.
nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), e a Base Nacional Comum Muitas linguagens surgiram nos séculos XX e XXI
como happenings, performances, intervenções urbanas,
Curricular (BRASIL, 2017), documento normativo que de-
videoarte, artes no computador, com princípios de ro-
fine os direitos e objetivos de aprendizagem e desenvol-
bótica, entre outras, que continuam a nascer e se desen-
vimento para educação básica, em busca de equidade e
volver no fluxo das transformações tecnológicas. Desde
qualidade da educação, como expressam as concepções
a segunda metade do século XX, misturas e fusões entre
nas citações que seguem:
as artes e a tecnologia vêm gerando variadas expressões
[...] o ensino da arte constituirá componente curricular
artísticas, cujas questões de combinação de materialida-
obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de
des também são constantemente notadas. Muitas des-
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alu- sas influências nasceram com as inovações na captura e
nos. (BRASIL, 1996). O Brasil, ao longo de sua história, edição de imagens, na descoberta da reprodutividade da
naturalizou desigualdades educacionais em relação ao imagem fixa (por exemplo, a fotografia) e a imagem em
acesso à escola, à permanência dos estudantes e ao seu movimento (cinema e vídeo) que expandiram as cultu-
aprendizado. São amplamente conhecidas as enormes ras: visual e audiovisual. Os bancos de músicas e vídeos
desigualdades entre os grupos de estudantes definidos documentam e criam acervos inesgotáveis de registros
por raça, sexo e condição socioeconômica de suas fa- musicais, de cenas de espetáculos de teatro, dança, circo,
mílias. performances e outras linguagens. O ensino de arte na
Diante desse quadro, as decisões curriculares e didá- EJA pode potencializar recursos e mediar a apreciação, a
tico-pedagógicas das Secretarias de Educação, o plane- reflexão e a produção da arte, assim como a análise críti-
jamento do trabalho anual das instituições escolares e ca sobre o impacto cultural dessas novas realidades tec-
as rotinas e os eventos do cotidiano escolar devem levar nológicas que se abrem em campo amplo e em proces-
em consideração a necessidade de superação dessas de- sos irreversíveis, que não se podem prever, mas podem
sigualdades. Para isso, os sistemas e redes de ensino e as ser acompanhados para trabalhar as potencialidades no
instituições escolares devem se planejar com um claro aprender e ensinar arte no contexto da EJA.
foco na equidade, que pressupõe reconhecer que as ne-
cessidades dos estudantes são diferentes. (BRASIL, 2017, Contextos e Matrizes Culturais
p. 15).
Os tempos da existência humana só são possíveis de No Brasil somos muitos, e nossa brasilidade é mar-
serem lidos e vivenciados porque há rastros deixados em cada por essa cultura diversa e plural. Brasilidade que
diferentes linguagens, os quais a humanidade reconhece
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

nasce e se firma nas tensões, desigualdades e diversida-


como arte. Os campos conceituais propostos no Currí- des. Cada povo que chega aqui influencia a construção
culo da Cidade – Educação de Jovens e Adultos – Arte da nossa arte e cultura. Como forma de garantir educa-
apresentam caminhos para que os professores possam ção democrática, justa e igualitária a todos, assim como
criar percursos de aprendizagem no ensino de arte. Nes- garantir o acesso à escola e à permanência nela, temas
te entendimento, descrevemos, a seguir, as premissas como a diversidade cultural e a formação do povo bra-
para a construção dos campos conceituais propostos sileiro, em suas diferentes matrizes, indígena, europeia e
neste documento. africana, são focos de atenção no ensino e aprendizagem
da arte. Olhar para esses contextos e matrizes culturais
iniciais e estudar sobre produções artistas e culturais é
fundamental.

271
No entanto, do último século até os dias atuais, po- Para que os direitos previstos nas leis tenham resso-
vos vindos de diversas localidades próximas de nossas nância na escola, cabe ação pedagógica apoiada numa
fronteiras ou mais distantes nos mostram a urgência renovação teórico-metodológica que é de responsabili-
em olhar para contextos contemporâneos, percebendo dade de todos os atores envolvidos no processo edu-
e analisando o impacto de novas culturas que chegam cacional com a responsabilidade de oferecer a possi-
ao Brasil. O Currículo da Cidade – Educação de Jovens bilidade de transformar a sociedade, tornando-a mais
e Adultos – Arte, neste campo conceitual, propõe olhar justa e igualitária por meio da educação. Neste sentido,
tanto para o passado histórico, na busca de compreen- tomamos como norteadoras, base abordagens teóricas
der e valorizar de modo igualitário contextos e matrizes presentes no debate atual na educação: a identidade, a
culturais, como para a arte e cultura brasileira, que aco- interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a intercultu-
lhem as novas matrizes. Também é preciso levar em con- ralidade e o multiculturalismo, como bases e focos para
sideração que muitas escolas municipais hoje recebem o ensino e garantia do direito à aprendizagem da arte.
estudantes de contextos familiares em situação de imi-
grantes, refugiados e asilados. Corporeidade e Identidade
O cenário do universo da arte brasileira tem recebido
e divulgado produções de artistas imigrantes, refugiados A criação do campo conceitual Corporeidade e iden-
e asilados, procedimento que não é novo se olharmos tidade é uma proposta que pode viabilizar inclusão efe-
para os grupos de artistas que fazem parte da história tiva do corpo, como força mobilizadora de um processo
da arte brasileira, a exemplo dos artistas do Grupo San- educativo significativo para todas as formas de atendi-
ta Helena (com a presença de imigrantes italianos) e o mento da EJA na Rede Municipal de Ensino de São Pau-
Grupo Seibi (formado por artistas imigrantes japoneses), lo. Compreender a pluralidade dos nossos corpos, com
entre outros exemplos que o professor poderá pesquisar suas diversas origens, etnias, expressões de gêneros, li-
e apresentar aos estudantes. mitações e potencialidades, cria novas perspectivas para
Aliadas a essas preocupações, exigências legais aprendizagens significativas, baseadas na experiência
existentes precisam ser consideradas, como as Leis no dos indivíduos envolvidos.
10.639/03 e no 11.645/08, que alteraram a Lei de Dire- Por corporeidade, compreendemos “busca por outros
trizes e Bases da Educação (Lei no 9.394/96) tornando modos de compreender a realidade do corpo”, que se
obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras vive intencionalmente a partir da relação que os sujeitos
e Indígenas pela plena compreensão da formação diver- travam diretamente com o mundo, por meio da expe-
sa da sociedade brasileira. Como cidadãos conscientes e riência, situando o corpo como lugar e origem de todo
saber (ALVIM, 2014 apud ALVES, 2017, p. 25). “É uma con-
inseridos no mesmo processo da diversidade da socieda-
cepção que se opõe à visão dualista ocidental que enten-
de brasileira, por constituir-se como parte integralmente
de racionalidade e sensibilidade como forças antagôni-
vinculada à coletividade, precisamos olhar para o Currí-
cas, considerando a razão como instância superior e mais
culo da Cidade – Educação de Jovens e Adultos - Arte,
valorizada” (PORPINO, 2006 apud ALVES, 2017, p. 25).
que estabelece princípios baseados em ações pedagó-
Não podemos reduzir o corpo apenas às linguagens
gicas conscientes e politicamente comprometidas em
artísticas que tradicionalmente perpassam seu proces-
sensibilizar e amplificar a valoração da cultura e história
so criativo – como o teatro, a dança, a performance.
da África, afro-brasileiras e indígenas – visão pertinente
Por mais que separemos o componente em quatro lin-
ao processo de reconhecimento, respeito e apoio às con- guagens, mais as artes integradas, essa separação não
quistas e garantias de direitos –, bem como a valorização é estanque, pois as diversas linguagens artísticas estão
de suas diversas expressões artísticas e socioculturais. em diálogo e transformação constantes, e o corpo pode
Percebe-se, assim, como o tema da educação e di- estar presente de algum modo (expressão, materialidade
versidade cultural torna-se cada vez mais presente no ou representação).
campo educacional e desafia gestores escolares e pro- Em relação às dimensões do conhecimento artístico
fessores a organizar o conhecimento por meio de cur- preconizadas pela BNCC (2017), por exemplo, a corpo-
rículo que contribua para a superação da hegemônica reidade não se reduz apenas à estesia, apesar de a expe-
influência da matriz cultural europeia, como também das riência estética não se efetivar sem a convocação do ser
narrativas colonizadoras, para termos uma educação ver- sensível. O corpo também deve estar presente na criação,
dadeiramente democrática, que enfatize a importância quando se coloca em ação durante o processo criativo;
de desenvolver a escuta sensível e a pesquisa de diferen- na crítica, quando articula sentidos e intelecção para es-
tes olhares para as contribuições históricas e culturais de
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tabelecer relações entre múltiplos conhecimentos; na ex-


todos os povos. pressão, ao materializar a subjetividade por meio de pro-
As políticas de inclusão educacional também apon- cedimentos artísticos; na fruição, ao permitir a abertura
tam para os estudos dos contextos e matrizes culturais dos sentidos a emoções e sensações que fluem durante
ao analisar os conceitos exclusão/inclusão, integração/ a participação em práticas culturais e artísticas diversas;
marginalização. O desafio que se coloca na inclusão é o e, finalmente, o corpo também está presente na reflexão,
de conseguir oportunizar a todos os estudantes (crian- ao ponderar sobre as experiências vividas e atribuir valor
ças, jovens, adultos e idosos) equidade do ensino. Incluir a elas.
o estudante jovem, adulto ou idoso é uma tarefa desa- Considerar o corpo como lugar e origem de todo sa-
fiadora e exige planejamento com vistas a práticas esco- ber propõe um processo de aprendizado aberto e im-
lares que contribuam para a inclusão desse estudante. previsível; seu modus operandi ativa a escuta e a sensi-

272
bilidade. Portanto a presença deste campo conceitual no escalas, dimensões, etc. Aspectos linguísticos visuais que
Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: Arte podem ser trabalhados na apreciação de diferentes pro-
propõe dar espaço às investigações do corpo na arte, em duções artísticas, como em exercícios de construção de
múltiplas possibilidades de contextos e linguagens. linguagem por parte dos estudantes. A maneira como os
Identidade é o componente individual do sujeito so- elementos de linguagem são usados na construção de
cial, formado pela compreensão de que a pessoa tem de uma imagem pode estabelecer sensações e interpreta-
si mesma e daquilo que lhe é essencialmente significa- ções. Estes estudos podem ajudar os estudantes na com-
tivo. Pode ser analisada em três dimensões: identidade preensão e interpretação de imagens, bem como a se
pessoal, identidade social e identidade cultural (HALL, expressar por meio de elementos da linguagem visual.
2004). • Na dança, podemos explorar, reconhecer e criar
Atualmente, por causa dos efeitos do processo de com elementos constitutivos do movimento cotidiano
globalização a que se submetem as diferentes socieda- e do movimento dançado, abordando, criticamente, o
des e culturas contemporâneas, a questão da identidade desenvolvimento das formas da dança em sua história
vem sendo amplamente debatida por teóricos e estudio- tradicional e contemporânea. Também analisando e ex-
sos das ciências sociais. perimentando fatores de movimento, como o tempo, o
Ao propor estudos neste campo conceitual, busca-se peso, a fluência e o espaço. O professor poderá trabalhar
ampliar o debate sobre a ancestralidade, identidade e com os estudantes a combinação de elementos linguís-
memórias corpóreas. Esse processo se torna capital na ticos do movimento e gesto dançado que possa gerar
EJA. Nossos estudantes carregam sua ancestralidade, his- ações corporais expressivas na dança.
tórias, dores e alegrias em seus corpos. Carregam sabe- • A música é, como sabemos, uma arte abstrata, uma
res preciosíssimos, tradicionais, herdados de pais, mães, forma de expressão que se produz por meio de sons e
avós, bisavós, causos da cultura popular narrados com que apreendemos por meio da escuta. Os sons que a
maestria, receitas da culinária, canções, curas, artesa- constituem podem ser percebidos em razão de suas par-
natos, que, muitas vezes, nem sequer são considerados ticularidades básicas, as quais chamamos parâmetros so-
saberes por estarem excluídos da cultura letrada. Consi- noros. Os parâmetros que caracterizam todo e qualquer
derar esses saberes na cultura escolar é um processo que som são: altura ou frequência (oposição relativa entre
pode transcender os componentes curriculares tradicio- grave e agudo); duração (oposição relativa entre longo e
nais, sem negá-los, concentrando nossa intencionalida- curto); intensidade (oposição relativa entre forte e fraco);
de pedagógica nos seres que aprendem. Podemos criar e timbre (identidade ou cor do som).
complexa rede de saberes em que a poesia das imagens, No início da aventura humana com os sons – que aca-
da palavra falada e escrita, do gesto e do movimento tra- bou progressivamente por constituir isto que chamamos
ça suas tramas. hoje de música –, a descoberta das diferentes sonorida-
des que despertavam interesse nas pessoas foi reprodu-
Elementos de Linguagem zida e explorada de maneira simples. Inicialmente, foram
os sons esparsos ou articulados em breves sequências no
No universo da escolarização e cultura cotidiana, vi- tempo e no espaço, gerando pouco a pouco entidades de
vemos experiências com as linguagens (escritas, faladas, natureza rítmica e/ou melódica. Os sons experimentados
cantadas, musicadas, desenhadas, modeladas...) verbais em seus parâmetros básicos serviram, de certo modo, de
ou não verbais, artísticas ou cotidianas. Nesse raciocínio, temas para a constituição de entidades maiores ou mais
algumas são criadas com intenções artísticas e outras complexas e portadoras de significado. Algo semelhante
podem carregar elementos artísticos e estéticos, mas veremos ocorrer muito tempo depois, na música con-
estão ligadas a outras funções e processos de recepção temporânea dos anos 1950 a 1980, quando observamos,
e comunicação. Cada linguagem tem especificidades e em algumas das tendências estéticas consideradas de
processos de criação, bem como contextos culturais, sig- vanguarda, abandono das formas já consolidadas de dis-
nificados e histórias. curso musical em busca de um retorno ao que é primeiro
No ensino de arte na EJA, sobretudo na Etapa Alfa- e essencial na música (exploração dos timbres, do tempo,
betização, conhecer os elementos de linguagem de cada do espaço, das densidades etc.).
manifestação artística propicia caminhos para a aprecia- A constituição da música ao longo do tempo pro-
ção, o domínio e a criação nas linguagens artísticas. No duziu alguns elementos que se tornaram fundamentais
Currículo da Cidade – Educação de Jovens e Adultos – para que ela se tornasse uma linguagem e a composição
Arte, trazemos o campo conceitual elementos de lingua- musical buscasse, assim, atingir maior inteligibilidade e
gem com a finalidade de explorar, reconhecer, analisar e compreensibilidade por parte dos ouvintes; esses ele-
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usar elementos constitutivos nas diferentes linguagens mentos são a melodia, o ritmo e a harmonia.
da arte. Este estudo propõe a investigação e compreen- Podemos definir sucintamente melodia como sendo
são das relações que se estabelecem entre os elementos uma sequência linear de sons, em altura e duração di-
de linguagem, formas, sensações, percepções e temáti- ferenciadas, podendo possuir silêncios em seu interior
cas nas criações artísticas. Por exemplo: (silêncios ou pausas, que se mostram recursos capazes
• Nas artes visuais, podemos explorar, reconhecer e de gerar articulações na música, conferindo-lhe expres-
criar com elementos constitutivos das artes visuais, como sividade).
o ponto, a linha, a forma, a cor, o espaço e a luminosi- O ritmo resulta da percepção no tempo de sons com
dade, e como estes são articulados para analisar e criar durações diferentes ou da combinação de sons e silên-
tonalidades, direções, proporções, texturas, movimentos, cios ou mesmo de algum tipo de diferenciação. A ideia de

273
ritmo se opõe à de pulso ou pulsação, que corresponde dos objetos cotidianos que são ressignificados na atri-
a uma sequência de sons idênticos (em altura, duração, buição de sentido estético e poético. A materialidade,
intensidade e timbre) que se repetem sem que possamos como campo conceitual, propõe valorizar os elementos
perceber qualquer tipo de assimetria ou irregularidade. materiais que constituíram a forma e o corpo das produ-
A harmonia corresponde à combinação de sons emi- ções artísticas, assim merece a atenção dos professores
tidos simultaneamente, como os acordes, e existem nor- e estudantes no âmbito da investigação conceitual. São
mas harmônicas na música estabelecendo seus princípios muitas as possibilidades, abrangendo desde os materiais
de formação. Na música popular, os acordes, responsá- usados mais tradicionalmente na arte aos tecnológicos.
veis pela harmonia, são normalmente registrados sob Como exemplo, podemos estudar, nas artes visuais, a cor
forma de cifra, o que possibilita que a melodia, cantada pigmento e cor luz e as materialidades que criam estas
ou tocada por um instrumento, possa ser acompanhada possibilidades, as pedras, madeiras e outros materiais
por violão, piano ou teclado (considerados instrumentos que geram peças escultóricas, a manipulação de ferra-
harmônicos). mentas no ato de modelar, entalhar, esculpir, construir,
Criar música é também criar combinações (formas de ou ainda, na linguagem da gravura, o ato de desenhar,
organização) entre esses elementos da linguagem sono- gravar, entintar e imprimir, em que cada momento do
ra. Nos processos de composição em geral, é criada me- processo podemos escolher e articular materialidades.
lodia articulada com ritmo (combinando sons de alturas Na dança, teatro e performance, temos o corpo como
e durações diferentes) e acompanhada de uma harmo- suporte e materialidade expressiva.
nia, isto é, sequência de acordes, realizados por um ou E, assim como a voz da cantora e cantor, os instru-
mais instrumentos (instrumentação, que, conforme se- mentos são feitos com os mais diferentes materiais,
jam os timbres utilizados, define a sonoridade da música produzindo timbres característicos. Ainda podemos ci-
composta). O professor pode explorar com os estudan- tar os meios tecnológicos, que possuem ferramentas e
tes os elementos da linguagem musical, a partir de jogos materialidades próprias da cultura contemporânea, entre
de mão, percussão corporal, canções e práticas diversas outras possibilidades de entradas para trabalhar com os
de composição/criação, execução e apreciação musicais, materiais em diferentes contextos e linguagens artísticas.
bem como recorrendo a vários recursos tecnológicos Esses são alguns dos exemplos, mas o que não se pode
(softwares musicais, games e plataformas digitais). perder de vista é a dimensão poética da materialidade na
• No teatro, podemos explorar, reconhecer e criar obra artística, questão a ser investigada tanto no proces-
descobrindo a teatralidade na vida cotidiana, perceben- so dos artistas em momentos de nutrição estética, como
do e analisando elementos teatrais, como a variação da na produção realizada pelos estudantes no fazer artístico.
voz e gesto, criação de personagens, narrativas, figuri-
nos, adereços, cenário, iluminação e sonoplastia. Tam- Mundo do Trabalho
bém podemos levar os estudantes a conhecer textos da
dramaturgia e criar adaptações, propor jogos teatrais a Os ofícios no universo da arte sempre foram funda-
partir da improvisação e análise do cotidiano, realidades mentais para o desenvolvimento das sociedades. Na ori-
e consciência cidadã. gem da palavra “arte”, esta se conecta ao termo em latim
• Nas artes integradas, podemos explorar, reconhecer artis e carrega o significado de habilidade natural ou ad-
e criar percebendo a integração entre linguagens artísti- quirida, conhecimento técnico e/ou poético. Nesse senti-
cas, nas manifestações em que acontecem o hibridismo do, arte é uma produção, trabalho que transforma e sig-
entre linguagens, bem como a criação de projetos temá- nifica ato de dar forma àquilo ainda inanimado; carrega
ticos e integradores entre arte e várias áreas do conheci- em si a ideia de habilidade extrema, de técnica apurada.
mento, e ainda nas relações de processos de criação com Nas linguagens artísticas, apresenta ainda a ideia de criar
elementos linguísticos entre duas ou mais linguagens com poética. Este campo conceitual propõe investigar e
artísticas, uso de tecnologias e intermídia. apresentar aos estudantes a importância e amplitude, de
modo valorado, de ofícios ligados ao universo da arte no
Materialidade mundo do trabalho.
Há profissionais dentro do universo da arte, assim
Este campo conceitual explora tanto os materiais e como de áreas convergentes a ela (moda, design, arqui-
recursos que os estudantes podem usar em seus projetos tetura, publicidade etc.), uma vez que, para este exercício,
de arte, como os usados pelos artistas em suas escolhas, é importante ter a expertise de saberes ligados à arte.
intenção e poéticas. Nesse sentido, o campo propõe in- As linguagens convergentes são aquelas que se nutrem
vestigar as possibilidades em relação à ideia da poética dos aspectos estéticos e poéticos da arte, mas estão a
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da matéria. A materialidade pode estar direcionada ao serviço de outras demandas da cultura contemporânea,
estudo e uso de ferramentas, suportes, meios e também como o consumo, o utilitarismo, a comunicação de mas-
compreender a natureza da matéria, que pode se mos- sa e o urbanismo. Nesse sentido, podemos trazer para os
trar como orgânica, industrial, permanente ou efêmera, estudantes o trabalho de profissionais, como designers,
entre outras características. Assim, é potente apresentar estilistas, arquitetos, publicitários e outros que atuam
aos estudantes que os artistas fazem escolhas de mate- em diferentes segmentos das linguagens convergentes,
riais que vão além dos recursos. em que o conhecimento artístico é fundamental, bem
Essas eleições podem estar ligadas a intencionali- como trazer o trabalho dos artistas multimídias, músicos,
dades, temáticas e poéticas. Muitas vezes, os materiais visuais, atores, diretores dramaturgos, bailarinos, coreó-
podem ser os mais inusitados pertencentes ao universo grafos, escritores, montadores de exposições, ilumina-

274
dores, sonoplastas, dinamizadores culturais e outros que escolhas de materialidades e procedimentos podem es-
são igualmente fundamentais para a sociedade e toda a tar em uma investigação artística sobre o processo de
produção artística e cultura criada no passado, presente criação de cada um ou de um grupo. Campo rico para
e o que virá a ser criado no futuro. Atualmente, estes desvelar processos que criam linguagens expressivas e
campos de trabalho se abrem em muitas possibilidades poéticas no universo da arte. Também é oportunidade
no conhecer e exercer ofícios ligados ao universo artís- de desmistificar a ideia de criatividade tradicionalmente
tico. construída no imaginário de senso comum.
É necessário perceber o elemento “trabalho” como Neste campo conceitual, professores e estudantes
etapa importante para a formação dos estudantes da podem investigar o ato criador como maneira expres-
EJA para que consigamos, como professores, desenvol- siva de dizer o que pensam ou desejam, processo que
ver juntos a eles um olhar crítico diante de sua realidade se dá na essência e interação entre o ser humano e o
cultural e a compreensão da arte a partir de seu uso mer- mundo culturalmente vivido. Podemos conversar com os
cadológico, como traz Semeraro (2006, p. 19). Possibilitar estudantes sobre a necessidade de criar do ser humano
o trabalho com as cinco linguagens da arte, como ele- e a respeito dos processos que acontecem na formação
mentos de identidade, acesso e permanência ao mundo de repertórios entre vivências de experiências, forma-
do trabalho, fortalece o vínculo do estudante da EJA com ção da memória, observação, interpretação, imaginação
o ensino da arte. Ensino este entendido como fator es- e expressão. Processos dinâmicos que nos tornam po-
sencial de inclusão e leitura da historicidade cultural dos tencialmente criativos. Também podemos trazer à tona
estudantes. Assim, os sujeitos se percebem fazedores de discussões sobre a capacidade em projetar, imaginar e
arte a partir do momento que visualizam neste fazer a criar coisas ou resolver problemas para questões na vida,
possibilidade de transformação social, tanto individual ciência e arte. É preciso esclarecer aos estudantes que,
como coletiva, para sua comunidade e para além dela. para criar, é preciso passar por processo de pesquisas
e indagações – e, por vezes, esse processo pode ser an-
Patrimônio Cultural gustiante e difícil. Há uma ideia mágica sobre o “dom” ou
“talento” artístico que precisa ser discutida com os estu-
O campo conceitual do patrimônio cultural ampara- dantes. Se olharmos para a história, o conceito de cria-
-se na análise da produção artística de diferentes tem- tividade tem sido associado a muitos fatores e causas.
pos. São observados o cultivo do sentimento de perten- Na Antiguidade, havia a ideia de que os “dons ar-
cimento, a conservação e a valorização da cultura local e tísticos” eram dados por divindades, como as musas na
universal, além da reflexão sobre o valor dos bens ma- mitologia grega. Com a força da cultura religiosa judai-
teriais (tangíveis), imateriais (intangíveis) e simbólicos, ca cristã exercida durante a Idade Média no ocidente, a
presentes em espaços fechados ou abertos, em tradições crença de “dom divino” foi atribuída a Deus, e apenas os
populares, antigas ou manifestações contemporâneas. bons fiéis tinham direito a ela. Essa ideia vigorou por mui-
O patrimônio cultural material é aquele que pode ser tos séculos até nascer a opinião de que, para ser criativo,
guardado, tocado, visto, fotografado, registrado, restau- era necessário ser uma pessoa sensível e genial, capaz de
rado, a exemplo de construções arquitetônicas, objetos, encontrar a inspiração e motivação para criar algo subli-
entre outros. O patrimônio cultural imaterial engloba me. Porém, todas essas concepções sobre o conceito de
acervos de músicas, danças, ofícios, brincadeiras e outras criatividade estavam ligadas à ideia de merecimento e
manifestações. Estes podem ser conservados na manu- evento mágico a que apenas algumas pessoas extraordi-
tenção da ação e registrados no ato de suas manifesta- nárias poderiam ter acesso.
ções e em processo de relatos históricos. Com as ideias trazidas com os ventos do modernismo
Destacar este campo conceitual dentro do currículo é e novos estudos na ciência sobre o cérebro, inteligência
valorizar o conhecimento como um todo, tanto a baga- humana e capacidade criativa, isso começou a mudar.
gem cultural original dos estudantes (em seus conheci- Embora, ainda hoje, seja comum as pessoas se referirem
mentos prévios) como os saberes estudados na escola. a grandes artistas como “gênios” com “dom artístico”, a
partir do início do século XX, as concepções de criação
Processo de Criação na arte estiveram mais ligadas a atitudes em pesquisar,
experimentar e ousar. Nesse sentido, este campo concei-
O processo de criação está em muitos aspectos da tual pode contribuir para que os estudantes compreen-
vida, no Currículo da Cidade – Educação de Jovens e dam o processo de criação na vida e na arte.
Adultos – Arte, este campo conceitual visa oferecer opor-
tunidade de investigação e exploração na descoberta de Fonte
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maneiras pessoais dos estudantes para dizer o que sen- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
tem ou percebem sobre o mundo. Trata-se de um campo cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
de investigação da arte que busca compreender o ato Educação de Jovens e Adultos: Arte. São Paulo: SME/
criador em sentido global em que a intuição, intelecto COPED, 2019. p. 11-91. Disponível em: http://portal.sme.
e sensibilidade estão em simbioses, em processos múl- prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51188.pdf.
tiplos e complexos. Este campo conceitual propõe-se a
realizar essas investigações tanto no âmbito do processo
dos estudantes como dos artistas. Memória, vigília cria-
tiva, pensamento imagético, simbólico, ancestralidade,
sincretismo cultural, intenção artística, poética pessoal,

275
Nesse sentido, no Currículo da Cidade para a EJA, a
escolha de Objetos de Conhecimento articula-se à defi-
EXERCÍCIO COMENTADO nição de Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento
e estes, por sua vez, dialogam com as finalidades pre-
1. (SEAP-DF - Professor - Artes Visuais- Superior – tendidas para a escolarização, considerando as especi-
IBFC/2017) No Brasil, uma das primeiras arte/educado- ficidades da modalidade, das etapas e dos estudantes.
ras a mencionar a abordagem multicultural para o ensino Invertendo-se a equação, temos que a seleção de Ob-
das artes visuais foi Ana Mae Barbosa, defendendo que: jetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendizagem e
Desenvolvimento demanda uma reflexão prévia sobre
a) Devem-se criar guetos culturais e manter os grupos o perfil do estudante da Educação de Jovens e Adultos
presos aos códigos de sua própria cultura, impedindo e a função social dessa modalidade. No caso específico
assim a decodificação de outras culturas. de Ciências Naturais, demanda ainda a deliberação so-
b) O fazer artístico, a leitura e a contextualização dos ob- bre concepções a respeito da natureza do conhecimento
jetos artísticos, produzidos pelas diversas culturas, de- científico e do papel do ensino de Ciências Naturais na
vem ser abordados de forma individualizada. formação de jovens e adultos.
c) A educação em arte deve favorecer uma aproximação Nesse sentido, “o currículo supõe a concretização dos
aos códigos culturais de diferentes grupos. fins sociais e culturais, de socialização, que se atribui à
d) As interpretações de uma obra de arte devem ser feitas educação escolarizada” (SACRISTÁN, 2000, p. 15), repre-
de acordo com os modelos americanos e europeus. sentando, portanto, a forma de ter acesso ao conheci-
mento considerado, naquele contexto, como importante.
Resposta: Letra C. A educação em arte deve favore- Currículo pressupõe sempre escolha, seleção de elemen-
cer uma aproximação aos códigos culturais de dife- tos da cultura mais ampla a serem incluídos no projeto
rentes grupos. No processo de educação do olhar, e de escolarização. Como afirma Silva (2011),“o currícu-
em todo processo de ensino/aprendizagem, a postura lo é sempre resultado de uma seleção: de um universo
do(a) educador(a) na mediação de leituras de imagens mais amplo de conhecimentos e saberes; seleciona-se
deve sempre partir de uma abordagem problemati- aquela parte que vai constituir, precisamente o currícu-
zadora instigando o olhar, a reflexão respeitando as lo.” O conhecimento, em diálogo com as vivências dos
interpretações e julgamentos dos(as) educandos(as), que frequentam a EJA, deve promover a ampliação de
o educador(a) não é dono do saber e da verda- suas leituras de mundo, a construção de novas formas
de e deve estimular e respeitar a autonomia dos(as) de compreender a realidade, a apropriação de formas de
educandos(as). linguagem e de pensamento que se distanciam da expe-
riência cotidiana, mas que dialogam com elas.
No caso específico de Ciências Naturais, faz-se neces-
sário considerar a contribuição dos conhecimentos dos
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
campos da Física, da Biologia, da Química e das Geociên-
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. cias na educação científica de estudantes da EJA e, mais
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. especificamente, na formação de cidadãos, entendendo
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE “cidadania” como possibilidade de vivência de direitos e
JOVENS E ADULTOS: CIÊNCIAS NATURAIS. deveres, acesso aos bens culturais socialmente construí-
SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. 67-91. dos e participação no processo democrático de tomada
de decisão do ponto de vista individual e coletivo. Um
currículo de Ciências Naturais que se articula a um pro-
CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NATURAIS PARA A EDU- jeto de formação para a cidadania crítica, fundamentado
CAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO no ideal de consolidação de uma sociedade efetivamente
PAULO democrática, calcada nos valores de justiça social, supe-
ração das desigualdades, inclusão, respeito à diversida-
de, será diferente de um currículo que se vincule apenas
#FicaDica à preparação para a escolaridade seguinte ou à formação
de trabalhadores.
Apresentamos, a seguir, a síntese das discus-
A retomada do texto constitucional permite-nos vis-
sões, reflexões e escolhas efetuadas coleti-
lumbrar o projeto de sociedade que se quer e fundamen-
vamente ao longo dos encontros dos grupos
tar as escolhas realizadas no âmbito de um Currículo de
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de trabalho, culminando no Currículo da Ci-


Ciências Naturais para a EJA. O artigo 3º da Constituição
dade: Educação de Jovens e Adultos: Ciên-
Federal de 1988 apresenta como objetivos fundamentais
cias Naturais. A elaboração de um currículo,
da República Federativa do Brasil:
entendida como processo de deliberação
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
sobre finalidades, objetivos, conhecimentos,
II - garantir o desenvolvimento nacional;
metodologias e formas de avaliação a serem
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
contemplados na escolarização, implica a re-
as desigualdades sociais e regionais;
flexão prévia sobre a função social da escola
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
e o conhecimento do público-alvo.
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras for-
mas de discriminação. (BRASIL, 1988).

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Nesse contexto, a educação, como direito social, d) contexto do sistema educativo: finalidades perse-
pode ter um importante papel a cumprir no sentido de guidas pelos diferentes níveis de ensino;
contribuir para a formação de sujeitos capazes de partici- e) contexto exterior: pressões econômicas e políticas.
par da construção de uma “sociedade livre, justa e solidá-
ria”, desenvolvida do ponto de vista econômico e social A proposição de um Currículo da Cidade: Educação
- considerando que crescimento econômico não significa de Jovens e Adultos: Ciências Naturais, sistematizada em
necessariamente distribuição de renda e redução de de- um documento, pode ser entendida como um dos ele-
sigualdades sociais - e inclusiva em relação à diversida- mentos do processo de desenvolvimento curricular, que
de. Nesse sentido, o Currículo de Ciências Naturais da terá continuidade na escola, ao ser reinterpretado pelos
EJA precisa dialogar com esse projeto de sociedade. professores, em diálogo com a realidade local e com as
O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adul- particularidades do contexto específico.
tos: Ciências Naturais assume as perspectivas crítica e Nesse sentido, o Currículo da Cidade: Educação de
pós-crítica de currículo, reconhecendo as contribuições Jovens e Adultos: Ciências Naturais é um documento que
desses aportes na deliberação sobre um currículo que será ressignificado à luz dos diferentes contextos, em
potencialize a formação para a cidadania plural e demo- uma perspectiva que considera professores, estudantes
crática. Cabe destacar que essa escolha encontra respal- e gestores como produtores do currículo em ação. É no
do legal, uma vez que a atual Lei de Diretrizes e Bases cotidiano do trabalho pedagógico de cada uma das es-
da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em seu artigo colas e salas de aula que o currículo real é construído,
2º, determina que a educação tem por finalidade o ple- expressando-se em formas de organização dos tempos e
no desenvolvimento do educando, seu preparo para o dos espaços, relações, atividades propostas, concepções
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, e instrumentos de avaliação, dentre outros. A construção
e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação do currículo real implica, portanto, a construção de uma
Básica (BRASIL, 2013) reforçam esse entendimento, além práxis, num processo contínuo de ação-reflexão-ação
de indicarem a necessidade de articulação do currículo com vistas a promover uma aproximação entre as finali-
aos objetivos constitucionais, “fundamentando-se na dades almejadas e as práticas efetivamente construídas,
cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressupõe pois, como nos lembra Vazquez (1977, p. 207):
igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, [...] entre a teoria e a atividade prática transformadora
justiça social, solidariedade e sustentabilidade” (art. 3º). se insere um trabalho de educação das consciências, de
As Diretrizes pontuam, no art. 9º, II, que a escola de qua- organização dos meios materiais e planos concretos de
lidade social atende à “consideração sobre a inclusão, a ação; tudo isso como passagem indispensável para de-
valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade senvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria
e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as vá- é prática na medida em que materializa, através de uma
rias manifestações de cada comunidade”. (BRASIL, 2013). série de mediações, o que antes só existia idealmente,
A elaboração de um currículo de Ciências Naturais como conhecimento da realidade ou antecipação ideal
para a Educação de Jovens e Adultos fundamentou-se, de sua transformação. (VAZQUEZ, 1977, p. 207).
também, na compreensão de currículo como práxis, o No âmbito da Secretaria Municipal de Educação de
que implica a superação da ideia de currículo como lis- São Paulo (SME-SP), o percurso de definição do Currículo
tagem de Objetos de Conhecimento a serem ensinados. de Ciências Naturais para a EJA teve início com a reflexão
Ainda que estes constituam parte fundamental do currí- sobre o perfil do estudante, passando à discussão so-
culo, eles são meios e conhecimentos necessários para a bre função social da escola, concepção de conhecimento
concretização dos Objetivos de Aprendizagem e Desen- científico e perspectivas para o ensino de Ciências. A par-
volvimento para a formação dos estudantes, o que não tir dessas reflexões, realizou-se a seleção e ressignificação
os tornam secundários ou menos importantes. Não se dos Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendiza-
alcançam Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimen- gem e Desenvolvimento à luz dos eixos propostos pela
to sem ampliação de repertório, e isto se dá com o apoio BNCC – Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017)
dos Objetos de Conhecimento. e do Currículo da Cidade: Ensino Fundamental: Ciências
Entende-se por currículo “o conteúdo de toda a ex- Naturais (SÃO PAULO, 2017), de forma a dialogar com as
periência que o estudante tem nos ambientes escolares” especificidades da EJA (perfil do estudante, tempo, espa-
(SACRISTÁN, 2000, p. 132), ou seja, tudo aquilo que inte- ço, condições de trabalho, entre outros).
gra a experiência da escolarização: conteúdos, metodo- A elaboração do Currículo da Cidade: Educação de
logias de ensino, formas de avaliação, relações (estudan- Jovens e Adultos: Ciências Naturais contou com a par-
te-estudante, professor-estudante, escola-comunidade), ticipação ativa e efetiva de professores, coordenadores
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organização de tempos e espaços, material didático, pla- pedagógicos, diretores, formadores, técnicos da SME e
nos de ensino e aula, tarefas de aprendizagem propostas educadores do Movimento de Alfabetização de São Pau-
aos estudantes, entre outros. De acordo com Sacristán lo (MOVA), o que possibilitou a construção de um diálo-
(2000), faz-se necessário considerar os diferentes âmbi- go mais estreito com as realidades da EJA no município.
tos de implementação curricular, quais sejam:
a) contexto didático: como são organizadas as ativi- O Estudante da EJA e a Escola que Queremos
dades de ensino-aprendizagem;
b) contexto psicossocial: ambiente da sala de aula, Diversidade é a palavra que pode caracterizar o per-
grupos de trabalho; fil dos estudantes da EJA da SME/SP. Recente pesquisa
c) estrutura da escola: tempo, espaço, relações; realizada por Pereira e Oliveira (2018) aponta para o fe-

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nômeno de juvenilização dos estudantes matriculados de vivências, motivação e orientação permanente dos es-
nessa modalidade, o que implica a convivência de jovens, tudantes. O documento determina que a reflexão sobre
adultos e idosos no mesmo espaço e traz novas deman- missão, papel socioeducativo, artístico, cultural, ambien-
das específicas. A EJA atende uma clientela cada vez mais tal, questões de gênero, etnia e diversidade cultural, or-
jovem, sem deixar de atender, ao mesmo tempo, os mais ganização e gestão curricular é componente integrante
velhos. do Projeto Político-Pedagógico das Unidades Educacio-
Uma característica dos estudantes da EJA é sua rela- nais, entendido como um dos meios de viabilizar a escola
ção conflituosa com a cultura escolar, com os tempos da democrática para todos e de qualidade social (BRASIL,
escola (como horários de entrada, saída e prazos para 2013).
concluir um trabalho), com uma linguagem desconhe- A identificação do perfil do estudante da EJA e de
cida, com conceitos científicos novos (fotossíntese, mo- suas expectativas em relação à escola possibilita-nos
lécula, corrente elétrica, entre outros), personalidades perceber o impacto das condições econômicas, finan-
desconhecidas (Newton, Darwin, Dalton, entre tantos) e ceiras e familiares sobre as trajetórias de escolarização,
todo um repertório que lhes é cobrado (BOURDIEU; PAS- reconhecendo que lhes foi negada a possibilidade de
SERON, 1982). acesso ao conhecimento escolar, o qual pode configu-
A relação com o mundo do trabalho, tanto pela in- rar como um “conhecimento poderoso” (YOUNG, 2007)
serção quanto pela exclusão, é outra característica dos ao potencializar a inserção crítica na sociedade (FREIRE,
estudantes da EJA, pois muitos retomam seus estudos 1974). Vale lembrar que o exercício da cidadania, no sé-
em busca de um diploma que lhes possibilitem ascensão culo XXI, pressupõe a apropriação da leitura e da escrita,
na carreira, mas a necessidade de exercício de atividade condição básica de sobrevivência e de possibilidade de
remunerada para sobreviver, em muitos casos, é o que exercício da autonomia. Nesse sentido, como apontam
motiva a saída precoce da escola de Ensino Fundamental, Neves (1998) e Lerner (2005), a alfabetização e o (multi)
condição que costuma permanecer no contexto da EJA. letramento, entendidos como saber ler, escrever e com-
Outro aspecto que emerge ao dialogarmos sobre o preender o código em contextos distintos, figuram como
compromisso das Ciências Naturais.
perfil de estudantes da EJA é a necessidade de acolhi-
Dessa forma, alguns questionamentos se tornam ne-
mento e valorização das suas culturas, de suas experiên-
cessários: Como o ensino de Ciências Naturais na EJA
cias extraescolares e dos conhecimentos empíricos pro-
pode contribuir para a ampliação da leitura da palavra e
duzidos nos diferentes espaços de convívio social.
da leitura de mundo dos jovens e dos adultos que tive-
Um outro dado importante é a existência, em muitos
ram negado seu direito a concluir a escolarização? Quais
contextos, de um público “flutuante”, caracterizado por
são os conhecimentos que “empoderam” esses jovens e
migrantes em busca de melhores condições de trabalho
adultos com vistas à construção da cidadania? De que
e sobrevivência, o que dificulta a permanência e a conti- maneira o conhecimento científico pode contribuir para
nuidade dos estudos na escola. A EJA tem recebido, tam- a formação de cidadãos críticos, éticos, curiosos e solidá-
bém, imigrantes haitianos, bolivianos, africanos e, mais rios? O conhecimento científico pode contribuir no pro-
recentemente, refugiados sírios, que procuram a escola cesso de reflexão sobre as questões que se apresentam
para aprender a língua portuguesa. nas práticas sociais e, mais especificamente, nas deman-
As expectativas em relação à escolarização são tam- das que emergem do perfil de estudante da EJA, conside-
bém diversificadas. Entre elas, são muito frequentes o rando as temáticas de interculturalidade, de gênero, de
interesse em aprender a ler e a escrever (como condição sexualidade, de letramento e de vulnerabilidade social?
de integração social), conseguir um diploma que alicerce A escola é um ambiente que pode promover a cons-
um emprego melhor e superar o sentimento de estar à trução de valores e a formação de cidadãos críticos e
margem da sociedade analógica e digital. capazes de transformar sua realidade, colaborando na
Estabelecer o perfil do estudante da EJA mostra-se promoção da liberdade e da autonomia intelectual de jo-
complexo. E Catelli Jr, Haddad e Ribeiro (2014) descre- vens e adultos para que eles possam fazer escolhas cons-
vem esse perfil como sendo composto, principalmente, cientes. Pode também representar um lócus de socializa-
por jovens e adultos, senhores e senhoras, com mais de ção e contribuir para a construção de leituras críticas da
50 anos, trabalhadores, desempregados, autônomos, em realidade, configurando-se um lugar de pesquisa, análi-
sua maioria moradores dos extremos da cidade, que en- se, questionamento e desenvolvimento do pensar crítico
frentam jornadas de trabalho, ou de busca dele, a pé ou e metódico. No contexto da sociedade da informação,
em longas viagens de transporte público, enfim, pessoas cabe à escola promover o pensar crítico e reflexivo para
que não desistem de seus sonhos e por isso procuram a que jovens e adultos possam trabalhar as informações na
escola. Isso mostra que o público da EJA é heterogêneo,
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perspectiva de produzir conhecimento, o que pressupõe


e os motivos que levam as pessoas a frequentarem esse o desenvolvimento de capacidade de análise, organi-
espaço são diversos. zação, identificação de fontes, contextualização e com-
As Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a preensão do modo como as informações são emprega-
Educação Básica (BRASIL, 2013), ao tratarem da Educação das na manutenção das desigualdades (PIMENTA, 2002).
de Jovens e Adultos, determinam que é necessário consi- O diálogo sobre as informações veiculadas pela mídia,
derar as características dos estudantes e seus interesses, em articulação aos saberes experienciais de estudantes
indicando que a EJA deve se pautar na flexibilidade do e professores e os conhecimentos científicos, poderá
currículo, dos tempos e dos espaços, de modo a oferecer possibilitar a ampliação da compreensão da realidade e
conteúdos significativos que atendam às diferentes ne- a produção do conhecimento escolar em articulação às
cessidades de aprendizagem, promovendo a valorização práticas sociais.

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A EJA oferece às pessoas que não tiveram acesso à Até o início dos anos 60, ensinava-se Ciências Natu-
escola na idade certa o retorno aos estudos. Então, ca- rais, em geral, apenas nas duas últimas séries do anti-
bem as perguntas: a função da EJA é acolher os jovens? go curso ginasial (equivalente aos 8º e 9º anos atuais).
É permitir que eles retomem e/ou continuem seus estu- A partir da promulgação da primeira Lei de Diretrizes e
dos em busca de melhoria de qualidade de vida? É incluir Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, o ensino de
socialmente? Qual a função social que queremos e pela Ciências passou a ser obrigatório nas quatro séries do
qual trabalharemos na escola? curso ginasial (equivalente aos 6º, 7º, 8º e 9º anos atuais)
À luz do exposto, recorremos a Marques (2010, p. e, após a promulgação da Lei nº 5.692 de 1971 (equivo-
35), que cita um paradoxo proposto por Tigre e Teixei- cadamente conhecida como a LDB da ditadura), passou a
ra (2005): “[...] resta hoje a cada escola construir, ao seu ser obrigatório em todas as séries do então 1º e 2º graus
modo, sua resposta ao paradoxo de ser ao mesmo tem- (atuais Ensino Fundamental e Ensino Médio). Contudo,
po igual para todos e única para cada um”. Desta forma, apesar de todos os avanços da modernidade, o modo
a escola na contemporaneidade é um local de diversida- científico de pensar não é universal e único e convive
de em inúmeras dimensões. Essa diversidade nem sem- com outras formas de conhecimento como o religioso,
pre é possível de ser conhecida no ambiente escolar. O o senso comum, os conhecimentos tradicionais, dentre
currículo, então, como princípio norteador das ações es- outros, o que não significa que não tenha relevância e
colares, deve ser alicerçado nas condições reais da escola validade.
e bem estruturado em suas concepções para tentar, com Para posicionar-se criticamente frente a campanhas
intencionalidade e objetividade, que as ações pedagógi- de vacinação ou de controle de pragas, além de temas
cas possam ter um caráter transformador e realmente li- como preservação e degradação ambiental, sexualidade,
bertador, formando cidadãos participativos e, sobretudo, preconceitos em geral, produção e consumo de energia,
que possuam valores humanos. alimentos, mercadorias e tantos outros, é necessário que
Partindo da função social que queremos para EJA e
o cidadão tenha repertório científico e saiba articulá-lo a
do perfil dos nossos estudantes, cabe perguntar: qual é o
situações-problemas do seu próprio cotidiano. Para isso,
suporte que o componente de Ciências
é fundamental que jovens e adultos se apropriem dos
Naturais pode oferecer? Qual o papel a ser desempe-
códigos da ciência como instrumentos de (re)leitura de
nhado pelo ensino de Ciências Naturais? Será que esse
mundo, como forma de exercer plenamente sua cidada-
componente poderá contribuir para a leitura de mundo
nia, dado que não existe cidadania dissociada da ava-
dos estudantes? Será que deverá ser abordado em arti-
liação crítica de informações veiculadas pelas mídias, as
culação ao contexto social?
A resposta que damos a tais questões é que o com- quais muitas vezes se aproveitam da falta de cultura cien-
ponente de Ciências Naturais pode contribuir para a tífica para impor padrões de consumo e comportamento,
transformação e inclusão social quando a alfabetização lançando mão de expressões como “pesquisas mostram
científica inclui a aprendizagem por investigação, com que” ou “produto testado cientificamente”, entre outras
discussões acerca da natureza do conhecimento cientí- formas de produzir as fakenews do mundo das ciências.
fico, das relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e As Ciências Naturais têm por objeto de estudo a na-
Ambiente (CTSA) e interculturalidade. tureza. De acordo com Killner (2018), o conhecimento
científico do mundo se constitui a partir da problema-
ENSINAR E APRENDER CIÊNCIAS NATURAIS NA tização da natureza, ou seja, do questionamento do que
EJA se observa ou do que a teoria prevê que aconteça. Não
se pode limitar o conhecimento científico a uma cole-
O rápido desenvolvimento científico e tecnológi- ção de definições, fórmulas e equações desprovidas de
co vem modificando a maneira de ser, pensar e agir da significado e sentido para os estudantes. Isso seria de-
humanidade. Com o início da Revolução Industrial no sumanizar o conhecimento científico, fazendo-o parecer
final do século XVIII, Ciência, Tecnologia, Sociedade e algo inacessível ao público em geral, ficando reservado
Ambiente (CTSA) passaram a andar juntos, atrelados ao apenas a cientistas, médicos e engenheiros. Essa forma
desenvolvimento econômico (HESSEN, 1985). De lá para de pensar o conhecimento científico perpetua a exclusão
cá, muita coisa mudou. O conhecimento prático foi reor- e as diferenças sociais, pois aliena parte significativa da
ganizado e aprimorado pela teoria e a produção manual população da compreensão e da produção dessa forma
vem sendo gradativamente substituída pelas máquinas, de conhecimento, o que traz como resultado a depen-
gerando novas formas de trabalho, novas tarefas e novos dência científica e tecnológica externa.
modelos econômicos e de organização social. Partindo da hipótese de que o papel da escola é
A partir do século XX, o domínio do conhecimento promover a difusão dos conhecimentos sistematizados
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científico foi se tornando cada vez mais importante nas e acumulados historicamente, de forma viva, concreta
orientações curriculares, seja para alavancar o desenvol- e inter-relacionados com a realidade social (SAVIANI,
vimento técnico das nações ou para permitir o exercício 2012), o ensino de Ciências Naturais pode contribuir
pleno da cidadania. Isso impõe a necessidade de novas para formar cidadãos críticos e ativos ao possibilitar aos
aprendizagens e novas práticas escolares, o que obriga estudantes transformarem o que Freire (1996) chamou
os sistemas educacionais a se reorganizarem, adaptan- de curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica,
do-se à nova época. Seguindo essa tendência, o ensino criando condições para que os estudantes possam ob-
de Ciências adapta-se aos diferentes modos de produ- servar, questionar e problematizar sua realidade, levan-
ção e às variadas concepções pedagógicas e modelos de tando hipóteses, comunicando, debatendo, analisando e
cidadania. apresentando soluções para as situações-problema que

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emergem dessa prática. Desta forma, poderiam reconhe- Trazer à tona esses questionamentos no contexto es-
cer que o conhecimento científico não interessa apenas colar pode potencializar a formação de estudantes crí-
aos cientistas, mas que é mais uma forma de conheci- ticos, superando concepções equivocadas e ingênuas
mento que pode contribuir com o exercício da autono- sobre o conhecimento científico, o que se articula à pro-
mia e da cidadania visando à superação da realidade. posta de alfabetização científica. Compreender a ciência
Lembrando que o foco nas primeiras etapas da EJA como cultura, como produção humana, histórica e so-
está centrado na alfabetização, é fundamental reconhe- cialmente situada, pode contribuir para a percepção de
cer que o letramento pode ocorrer sobre conteúdos que a produção do conhecimento científico não se faz
específicos variados, extrapolando a prosa e o verso, a partir de ações isoladas; compreender a historicidade
incluindo outros saberes, particularmente os saberes do conhecimento científico pode ajudar os estudantes
científicos. A alfabetização científica pode contribuir para a se perceberem enquanto possíveis atores da ciência e
uma releitura crítica do mundo, a partir de habilidades entenderem a ciência como parte da cultura.
como observar e identificar variáveis, levantar hipóteses, Reconhecer que o conhecimento científico é dinâ-
coletar, registrar e analisar dados, comunicar, descrever, mico, sujeito a mudanças, entendendo seu processo de
argumentar e explicar conclusões. produção – que é perpassado por interesses políticos,
Freire (1988) preconiza que a leitura é bem mais do econômicos e sociais –, situado em contextos nos quais
que decodificar palavras: é ler o mundo e sua multiplici- alguns modelos explicativos dominantes, chamados por
dade. Por isso, o desenvolvimento da leitura e da escrita Kuhn (1997) de paradigmas, se fazem presentes, pode
é responsabilidade inclusive de Ciências Naturais. Cabe a auxiliar o estudante da EJA a construir uma visão crítica
toda comunidade escolar apoiar os estudantes a ler, es- sobre essa forma de conhecimento. Dizer isso não signi-
crever e entender, além de bilhetes e recados, propagan- fica ignorar as contribuições da ciência para a humanida-
das, receitas médicas, rótulos de alimentos, textos cientí- de, desprezando o conhecimento científico; trata-se de
ficos, enunciados de problemas matemáticos, equações, compreender suas limitações e implicações, questionan-
gráficos, figuras geométricas, mapas, tabelas, imagens, do, por exemplo, os impactos ambientais causados pela
entre outros. expansão do processo de industrialização e urbanização
no contexto da sociedade capitalista, ou a utilização do
Assim, a alfabetização científica, aqui entendida como
conhecimento científico para o extermínio de popula-
a apropriação dos códigos das Ciências Naturais como
ções ou ainda justificar discriminação e opressão.
instrumento de leitura do mundo, pode contribuir para a
Em 1633, Galileu Galilei foi preso e, posteriormente,
formação de cidadãos críticos e ativos.
condenado à prisão perpétua pela Inquisição, entre ou-
tros fatores, pois sua defesa da teoria heliocêntrica, se-
CONHECIMENTO CIENTÍFICO E ENSINO DE CIÊN-
gundo a qual a Terra gira em torno do Sol, propunha a
CIAS NATURAIS NA EJA ruptura com a visão tradicional do Universo e da doutri-
na cristã, assentada na teoria geocêntrica, que preconi-
Numa concepção cientificista da ciência, ela é uma zava que a Terra seria o centro do mundo e o Sol girava
construção humana lógica, ética, neutra e isenta de sub- em torno da Terra. Galileu só foi absolvido pela Igreja
jetividade, assim como o currículo, numa concepção tra- mais de 350 anos depois. Este exemplo ilustra a presença
dicional de educação. Contudo, cabe questionar: será de interesses e concepções de mundo no processo de
que existe alguma relação entre ciência e virtude? Há produção de conhecimento e de legitimação da validade
alguma justificativa para substituirmos o conhecimento das explicações construídas, expressando as relações de
popular que temos da natureza e da vida que partilha- poder que perpassam a construção da ciência.
mos em nossa sociedade pelo conhecimento científico Nesse mesmo tempo e espaço, constrói-se a ima-
produzido por poucos e inacessível à maioria? Contri- gem de “bruxa”, representada pela mulher detentora de
buirá a ciência para diminuir o fosso crescente em nossa conhecimento. Em um contexto no qual cabia aos ho-
sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, saber mens a direção e a posse de conhecimentos, a mulher
dizer e saber fazer, entre a teoria e a prática? A ciência que se destacasse como portadora de determinado co-
nos ajuda a viver melhor? nhecimento era naturalmente suspeita, precisando ser
É a partir dessas questões que Santos (1988) propõe silenciada, o que ensejou a prática de “caça às bruxas”
uma reflexão sobre a ciência na contemporaneidade, (CHASSOT, 2004). Dessa forma, as mulheres foram invisi-
questionando a ideia de uma ciência neutra, objetiva e bilizadas e afastadas da produção científica até o século
portadora de todas as virtudes, uma forma superior e XX.
“verdadeira” de conhecimento. Será a ciência realmente O exemplo expressa as relações de gênero que per-
isenta de concepções de mundo, constituindo uma for-
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passam a produção de conhecimento, aspecto a ser con-


ma racional, objetiva e desinteressada de conhecimento? siderado quando falamos de ciência. Ainda nas primeiras
Será que o conhecimento científico consegue responder décadas do século XX, a ciência estava culturalmente
a todos os questionamentos que permeiam a vivência definida como uma carreira imprópria para a mulher, e
humana? Esse conhecimento é capaz de explicar tudo verificamos, já no século XXI, a permanência de situações
aquilo que se passa em nossa existência? Os avanços na de desigualdade e preconceito em relação à presença de
ciência e na produção tecnológica têm contribuído para mulheres em determinadas carreiras e de intolerâncias
a melhoria de vida de todos, de maneira igualitária, ou relativas a opções sexuais (CHASSOT, 2004). Se a ciên-
têm se revertido em benefícios acessíveis apenas a pe- cia é masculina, faz-se necessário analisar criticamente o
quena parcela da população? processo histórico de exclusão das mulheres com vistas a
promover formas de superação dessa realidade.

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Recuperar a contribuição de povos africanos e indí- A alfabetização científica é parte da educação ge-
genas constitui elemento importante na discussão sobre ral voltada a todos os cidadãos com vistas a possibili-
natureza do conhecimento científico, na medida em que tar a participação nos processos de tomada de decisão
se trata de vozes historicamente silenciadas nos currícu- (CACHAPUZ et al., 2011) e pode ser entendida como “o
los escolares, tradicionalmente organizados a partir da conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens
perspectiva masculina e eurocêntrica. Reconhecer o va- e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem.”
lor e a validade de conhecimentos empíricos, advindos (CHASSOT, 2014, p. 62).
da experiência dos estudantes, e identificar a relevância Assumindo a concepção freiriana de alfabetização,
dos saberes populares, entendidos como aqueles sabe- destacamos a necessária compreensão crítica do ato de
res presentes nas práticas cotidianas das classes destituí- ler não apenas a palavra, mas também, e essencialmen-
das de capital econômico, mas ricas em capital cultural, te, o mundo: “A leitura do mundo precede a leitura da
podem ser estratégias que nos ajudam a problematizar, palavra, daí que a posterior leitura desta não possa pres-
junto aos estudantes, a existência de diversos tipos de cindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e
conhecimento, ou formas de explicação do mundo e o realidade se prendem dinamicamente.” (FREIRE, 1988,
emprego do conhecimento científico como instrumen- p. 12). Nesse sentido, assumir a alfabetização científica
to de dominação e silenciamento de outras formas de como diretriz do ensino de Ciências Naturais na EJA sig-
saber. nifica potencializar a apropriação, pelos estudantes, não
apenas de termos científicos, mas a compreensão da Na-
Alfabetização Científica tureza da Ciência e das relações de Ciência, Tecnologia,
Sociedade e Ambiente com vistas ao desenvolvimento
A articulação do ensino de Ciências Naturais na EJA do sujeito, ser pensante, transformador, criador, ser his-
a finalidades humanísticas e de formação para a cida- tórico e social.
dania implica repensar os objetivos de aprendizagem e Cabe destacar que a alfabetização científica precisa
desenvolvimento na escola. Propor como objetivo do ser entendida como processo que ocorre durante toda a
ensino de Ciências Naturais a promoção da alfabetização vida, na escola e fora dela. Nesse sentido, reconhece-se o
científica dos estudantes significa articular o acesso ao potencial de outros espaços de educação não formal na
conhecimento científico à possibilidade de ampliação da promoção da alfabetização científica (KRASILCHIK, MA-
leitura de mundo, contribuindo para o desenvolvimento RANDINO, 2007), e as possibilidades de se pensar em
da capacidade de tomada de decisão crítica e respon- aulas fora do espaço escolar: em um parque ou praça,
sável. Nesse sentido, o cidadão alfabetizado cientifica- uma estação de ônibus, um trem, um metrô ou em uma
mente não apenas sabe ler o vocabulário científico, mas feira próximos à escola, no pátio da escola, são exemplos
também contextualizá-lo, a partir do conhecimento ne- de lugares onde pode-se aprender muito sobre ciências.
cessário à compreensão das políticas públicas, à partici- Além disso, a compreensão da alfabetização científica
pação na sociedade, ao entendimento dos processos que como processo implica considerar os estudantes como
ocorrem em seu cotidiano e dos problemas sociais vin- portadores de saberes construídos em suas vivências es-
culados à ciência e à tecnologia (SANTOS, 2007, p. 480). colares e extraescolares; a escola não é o único espaço
Um currículo de Ciências que tenha por objetivo a no qual acontecem aprendizagens, ainda que a ela caiba
alfabetização científica contempla conteúdos que dialo- a função imprescindível de trabalhar informações para
gam com três eixos temáticos: produzir conhecimento e elaborar sínteses.
1. Natureza da ciência: conhecimentos sobre história, A alfabetização científica, proposta neste documento
filosofia e sociologia da ciência; compreensão da curricular, articula-se à formação na e para a cidadania
ciência como atividade humana e social; reconhe- e a valores de democracia, justiça social, cuidado com o
cimento da não neutralidade da ciência; compre- meio ambiente e superação de todas as formas de dis-
ensão da historicidade do conhecimento científico criminação. Trata-se, portanto, de um ensino de Ciências
e das formas de financiamento da pesquisa cientí- vinculado a uma perspectiva de bem-estar coletivo e so-
fica e da produção tecnológica; cial que supera perspectivas individualistas que podem
2. Linguagem científica: reconhecimento de que a orientar a tomada de decisão.
linguagem científica apresenta características pró- Por exemplo: as pessoas lidam diariamente com de-
prias que a distinguem da linguagem cotidiana; zenas de produtos químicos e têm que decidir qual de-
apropriação da linguagem e de conceitos científi- vem consumir e como fazê-lo. Essa decisão poderia ser
cos; capacidade de leitura e elaboração de tabelas, tomada levando em conta não só a eficiência dos pro-
esquemas, gráficos, ilustrações; construção de ar- dutos para os fins que se desejam, mas também seus
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gumentação científica; efeitos sobre a saúde, seus efeitos ambientais, seu valor
3. Aspectos sociocientíficos: reflexão sobre questões econômico, as questões éticas relacionadas à sua produ-
ambientais, políticas, econômicas, éticas, sociais e ção e comercialização. Por exemplo, poderia ser consi-
culturais que se relacionam à produção do conhe- derado pelo cidadão, na hora de consumir determinado
cimento científico e tecnológico; estabelecimento produto, se na sua produção é usada mão-de-obra in-
de relações entre conteúdos escolares e proble- fantil ou se os trabalhadores são explorados de maneira
mas do cotidiano e das práticas sociais mais am- desumana; se em alguma fase, da produção ao descarte,
plas; contextualização do conhecimento (SANTOS, houve geração de resíduos que agridem o ambiente; se
2007). ele é objeto de contrabando ou de outra contravenção
etc. (SANTOS, 2007, p. 480).

281
Em síntese, o processo de alfabetização científica de- científica e tecnologicamente. Sendo assim, não basta fi-
manda a promoção de diálogos e aproximações entre a carmos preocupados apenas em ensinar melhor determi-
cultura que nossos estudantes já carregam e a cultura nados conteúdos. Os estudantes precisam compreender
científica que a EJA pode lhes ajudar a conhecer; a apro- que a produção de qualquer conhecimento, científico ou
priação de saberes relacionados a termos e conceitos não, se efetiva no contexto das sociedades em que são
científicos, a compreensão de aspectos referentes à na- produzidos. Eles precisam observar um aparelho eletrô-
tureza da ciência, as relações entre Ciência, Tecnologia, nico, como um celular, e perceber que é mais do que
Sociedade e Ambiente; a promoção de condições neces- um simples emaranhado de fios, chips e outros materiais.
sárias à realização de leituras críticas da realidade e a in- Precisam olhar um produto da biotecnologia ou da quí-
tervenção social em uma perspectiva emancipadora e de mica fina, como um pesticida, e perceber que são resul-
inclusão social (MARQUES; MARANDINO, 2018). Deve, tados da ação humana sobre a natureza à qual todos nós
assim, potencializar a apropriação de saberes para que pertencemos.
o estudante possa se inserir na sociedade criticamente O movimento CTS – Ciência, Tecnologia e Sociedade
e criar mecanismos de transformação baseados em um teve início no final dos anos 60, com o objetivo de pro-
projeto de sociedade ética, democrática, justa e que res- porcionar uma nova forma de compreensão da ciência
peita o ser humano e o ambiente. A alfabetização cientí- e da tecnologia, bem como de suas inter-relações com
fica aqui proposta dialoga com um projeto emancipador a sociedade. Dentro do movimento CTS, podem-se dis-
e de inclusão social numa perspectiva de defesa do ser tinguir pelo menos duas concepções: a tradicional e a
humano, pautado no bem comum. crítica.
A tradicional defende que os saberes da ciência são
Enfoque CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e neutros e que estes, junto com a tecnologia deles decor-
Ambiente rente, levariam a humanidade a um futuro melhor.
Essa perspectiva pode configurar um risco, pois se
Avançando em relação às concepções que funda- admite cada vez mais que sem cultura científica e tec-
mentam esta proposta curricular, destacamos o poten- nológica os sistemas democráticos se tornam cada vez
cial do enfoque CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e mais vulneráveis à tecnologia. Nesse caso, as decisões
Ambiente – na promoção da alfabetização científica dos ficariam nas mãos de (supostos) técnicos, os quais atua-
estudantes. riam (supostamente) de forma neutra e apolítica, já que
Atualmente observa-se um crescente aumento de se apoiam unicamente em aspectos científicos e técni-
produção tecnológica e sua participação direta em nos- cos, excluindo as negociações e implicações políticas re-
so cotidiano, alterando as relações dos seres humanos
lativas às decisões tomadas e que têm efeitos sobre a
entre si e com o ambiente em que vivem. A quantida-
sociedade.
de de produtos e serviços eletrônicos disponíveis vem
A corrente crítica defende o oposto, ou seja, não é
crescendo de forma acelerada. Ao mesmo tempo, ocorre
certo que apenas a ciência e a tecnologia são suficien-
uma alienação crescente em relação à produção e des-
tes para ajudar a tomar decisões, embora seus saberes
carte desses bens de consumo. A existência de territórios
devam ser considerados, mas sem a falsa perspectiva de
que funcionam como local de descarte de resíduos tec-
estarem livres de valores humanos. Salienta que, no mo-
nológicos, como no distrito de Agbogbloshie, em Gana,
exemplifica o impacto do consumo de produtos tecno- mento presente, a ciência moderna serve a determinados
lógicos na sociedade e no meio ambiente. Para países valores, mais especificamente aos valores do liberalismo,
ricos, é mais prático e barato descartar o lixo em algum e não a outros, e coloca em questão se tal ciência poderia
porto africano remoto do que reciclá-lo, e, para os países servir a valores alternativos.
receptores, essa atividade acaba sendo fonte de renda, Tendo em vista a necessidade contemporânea de
ainda que represente risco à vida da população1. uma alfabetização científica que supere o carácter me-
A crença na neutralidade, racionalidade e eficácia do todológico, conteudista, descontextualizado e dogmáti-
conhecimento científico e seus produtos tecnológicos, co do ensino de Ciências tradicional, concentramo-nos
como computadores e redes de informação efetivados na elaboração de um projeto que permitisse integrar a
na internet e nas redes sociais, faz com que as pessoas abordagem CTSA ao ensino de Ciências Naturais na EJA.
em geral não questionem a veracidade ou mesmo a his- O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos:
toricidade das informações veiculadas pela mídia, inibin- Ciências Naturais demanda a discussão a partir de ques-
do a criticidade e o pleno exercício da cidadania. Numa tões sociocientíficas, ou seja, temáticas que dialoguem
perspectiva ingênua, o desenvolvimento tecnológico se com problemas sociais (SANTOS; MORTIMER, 2000). Ex-
ploração mineral e desenvolvimento científico, tecnoló-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

apresenta como fatalidade, consequência inevitável do


progresso. Nesse cenário, mais do que a religião, as des- gico e social; ocupação humana e poluição ambiental;
cobertas científicas têm o poder de salvação e de solução consumismo e destino do lixo; produção de alimentos
dos problemas do mundo e a ciência ocupa um lugar in- agrícolas e uso de agrotóxicos; agroindústria e distribui-
contestável de supremacia hegemônica. A ciência serve, ção de terra; ligações clandestinas na rede elétrica ou de
hoje, aos mesmos interesses que a religião servia na Ida- abastecimento de água e falta de infraestrutura, fontes de
de Média. Os cientistas ocupam atualmente o lugar que energia e preservação ambiental, investimento em usinas
outrora pertencia aos papas, aos bispos ou aos cardeais. nucleares são contradições que podem ser analisadas no
Essa percepção que se faz do mundo contemporâ- contexto da EJA, assim como ética na ciência, mulheres
neo nos indica a necessidade de promover o desenvol- na ciência e ciência na guerra, entre outros, também são
vimento de estudantes como cidadãos, alfabetizando-os núcleos de discussão temática nessa abordagem.

282
A opção pela nomenclatura CTSA – e não CTS – visa tífica foi recomendada por Dewey, que criticava a
a conferir maior destaque às questões ambientais. Vale ênfase dada ao ensino de fatos que não estimula
lembrar que o movimento CTS incorpora a discussão de o raciocínio e as habilidades mentais. Os passos a
temáticas relacionadas ao meio ambiente, mas ao acres- serem contemplados no inquiry seriam: apresenta-
centarmos o “A” de “Ambiente” à sigla, potencializamos ção do problema – formulação de hipóteses – co-
o tratamento dessa questão. leta de dados – conclusões (ZÔMPERO; LABURÚ,
2011).
Ensino por Investigação
No século XX, a educação científica incorpora valo-
A análise de problemas sociais nas aulas de Ciências res sociais, e o inquiry passa a ser visto como forma de
Naturais na EJA pode ocorrer a partir da perspectiva de resolução de problemas de relevância social. Em 1950,
ensino por investigação. Nessa perspectiva, parte-se de no contexto da Guerra Fria e da corrida espacial, emer-
um problema que enseja o levantamento de hipóteses gem críticas ao ensino de Ciências, acusado de ter per-
pelos estudantes, seguida de discussão sobre hipóteses dido seu rigor, e este passa a ser orientado à formação
e resultados obtidos. Ao final do processo, sistematizam- de cientistas. Na década de 1970, no contexto de emer-
-se as conclusões, procedendo-se à organização do co- gência do construtivismo e do Movimento das Concep-
nhecimento. ções Alternativas (que tinha como objeto o estudo das
Ensino por investigação não é sinônimo de atividade ideias “espontâneas” dos estudantes sobre fenômenos
experimental, ainda que esta última possa ser desenvol- da natureza), a educação científica assume como objeti-
vida a partir de uma abordagem investigativa. É possível vo promover a alteração das concepções alternativas dos
realizarmos investigação com os estudantes a partir de estudantes. Na década de 1990, o documento National
problemas não experimentais, ou seja, que não deman- Science Education Standards (EUA) propõe orientações
dem a realização de experimentos. A investigação sobre sobre alfabetização científica, destacando a relevância do
riscos à saúde provocados pelo consumo de alimentos ensino por investigação.
com agrotóxicos, por exemplo, pode ser realizada com
pesquisa em livros, internet, revistas. Também é possível Multiculturalismo
pensar em atividades investigativas a partir de demons-
trações, nas quais o professor realiza o experimento para O reconhecimento do currículo como política cultural
ser observado pelos estudantes, ou recorre a vídeos que
(GIROUX, MCLAREN, 2005) implica considerar as vozes
apresentam uma atividade experimental (CARVALHO,
que nele se fazem presentes e as vozes nele silenciadas.
2013).
Estudamos, por exemplo, histórias de gregos e romanos,
Nas diferentes possibilidades apresentadas – ativi-
a Revolução Francesa, mas não histórias de Guaranis e
dade experimental, demonstração, atividade não expe-
Xavantes pelo Brasil, a Revolta do Sal, em Santos ou a Re-
rimental – o que caracteriza o ensino por investigação
volta do Quebra-Quilos, ocorrida no nordeste do Brasil.
é a existência de um processo investigativo do qual o
Aprendemos as constelações do céu europeu, mas não
estudante participa de maneira ativa. O ensino por in-
vestigação demanda a existência de um problema a ser as constelações da Ema ou da Anta, dos indígenas brasi-
analisado, a formulação de hipóteses sobre o proble- leiros. Aprendemos a admirar as pirâmides do Egito, mas
ma, o planejamento da investigação (busca de informa- desconhecemos aquelas construídas por Incas, Astecas e
ções, interpretação das informações), a comunicação e Maias. Conhecemos cientistas homens brancos e euro-
a divulgação dos resultados (ZÔMPERO; LABURÚ, 2011). peus como Newton, Einstein, Darwin e desconhecemos
Trata-se de assegurar papel ativo ao estudante na com- cientistas negros, indígenas e mulheres cientistas, como
preensão de conhecimentos científicos, incentivando o Alice Ball, cientista negra que criou o tratamento eficien-
engajamento do grupo em discussões, na resolução de te contra a lepra (hanseníase). Será que negros, indígenas
problemas, na vivência de procedimentos de compa- e mulheres, entre outros grupos, não fizeram ou fazem
ração, análise, avaliação e síntese (SASSERON, 2015). A ciência? Faz-se necessário conceber a vida escolar como
investigação potencializa o desenvolvimento de habili- espaço de luta e resistência, no qual se manifesta uma
dades cognitivas, a realização de procedimentos e o de- pluralidade de discursos e reconhecer que as escolas são
senvolvimento da capacidade de argumentação. instituições históricas e culturais que incorporam interes-
A preocupação em inserir atividades investigativas no ses ideológicos e políticos, podendo servir não apenas à
ensino de Ciências remonta ao século XIX, articulando- reprodução, mas também à contestação, à construção da
-se às ideias de John Dewey e ao movimento renovador, contra-hegemonia e à produção cultural.
Nessa direção, a perspectiva multicultural começa a
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que propunha o ensino centrado na vida, na atividade do


estudante e na resolução de problemas. No século XIX, se fazer presente no currículo escolar brasileiro somen-
o ensino com base em perspectiva investigativa apresen- te a partir da segunda metade da década de 1990, mais
tou três fases: precisamente na temática transversal intitulada “Plura-
1. Descoberta, na qual os estudantes deveriam explo- lidade cultural”, que compunha os Parâmetros Curricu-
rar o mundo natural; lares Nacionais (PCNs), um importante desdobramento
2. Verificação, na qual os estudantes eram estimula- não somente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
dos a confirmar fatos científicos no laboratório; Nacional (Lei no 9.394/96), mas principalmente dos
3. Inquiry (investigação), perspectiva na qual os es- questionamentos levantados pelos movimentos sociais
tudantes são estimulados a procurar respostas a de mulheres, de negros, de indígenas, de homossexuais,
questões. A inclusão do inquiry na educação cien- dentre outros (BEZERRA; RIBEIRO, 2009).

283
Atentando-nos à especificidade da Educação de Jo- pessoas; produzir conhecimentos sobre o pluralismo
vens e Adultos (EJA) – o fato dos seus estudantes nunca cultural e as desigualdades; desenvolver atividades de-
terem frequentado a escola ou terem sido afastados dela mocráticas em sala de aula; investigar e discutir sobre re-
–, dois aspectos devem ser levados em consideração, lações e valores culturais conflitantes e o ativismo social,
pois o enfrentamento deles é o grande desafio para a que incentiva o estudante a tomar posição e a realizar
construção de um currículo multicultural. Trata-se da fal- ações efetivas, habilitando-o a se opor às situações de
ta de autoestima que impede os estudantes de legitima- desigualdade (CANEN; OLIVEIRA, 2002, p. 63-64).
rem sua própria cultura e a enorme carga de preconcei- De acordo com Candau (2010), a origem da perspec-
tos construídos ao longo de suas trajetórias (ANDRADE; tiva intercultural em educação pode ser situada nos Es-
PORTO, 2012, p. 112-113). tados Unidos, a partir da pressão de algumas minorias
Por outro lado, a concepção multiculturalista com- étnico-culturais, especialmente negras. No caso europeu,
porta diferentes perspectivas conflitantes, na medida em a preocupação em trabalhar processos educativos nes-
que nem o chamado multiculturalismo folclórico, – que sa perspectiva emerge do fenômeno da imigração, que
se limita a comemorar o “Dia da Consciência Negra”, o acarreta a presença de estrangeiros nas escolas públicas.
“Dia do Índio” e outras datas especiais – nem o multi- No contexto da América Latina, a perspectiva intercultu-
culturalismo liberal – que não questiona os mecanismos ral nasce em articulação às populações indígenas e de (i)
de construção dos silenciamentos de identidades e da migrantes e às experiências educativas que se ampliam
marginalização de grupos – contribuem para a efetiva de modo a dialogar com diferentes grupos sociais e cul-
transformação de sociedades desiguais e preconceituo- turais marginalizados.
sas. Segundo Canen e Oliveira (2002, p. 63), somente o A perspectiva intercultural pressupõe a deliberada in-
multiculturalismo crítico, ou seja, a “perspectiva intercul- teração entre diferentes culturas, o que não se restringe
tural crítica”, consegue avançar na direção desses obje- às populações destacadas nos parágrafos anteriores. Im-
tivos ao cruzar as fronteiras culturais e substituir a figura plica o reconhecimento do direito à diversidade e a luta
do professor “conhecedor cultural” pela do professor contra todas as formas de discriminação e desigualdade
“trabalhador cultural”. social, bem como a promoção de relações dialógicas en-
O perfil de estudantes da EJA, bastante heterogêneo, tre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais
plural e multicultural, convida ao trabalho intercultural. distintos (CANDAU, 2010).
Como descrito anteriormente, os estudantes da EJA são O reconhecimento do papel homogeneizador da cul-
trabalhadores empregados, subempregados, desempre- tura escolar e da desconexão entre a cultura escolar e a
gados, jovens, idosos, imigrantes e refugiados, pessoas cultura social de referência dos estudantes permite-nos
em situação de vulnerabilidade, deficientes e tantos ou- falar em um caráter monocultural do currículo, no qual a
tros. Pessoas com diferenças culturais, étnicas, religiosas, cultura ocidental é considerada universal. A perspectiva
políticas e de várias outras ordens. O multiculturalismo multicultural crítica propõe a construção de uma cultura
crítico, ao discutir a diferença, não a separa da questão escolar plural que incorpore as contribuições de diferen-
da desigualdade social. Não concebe a diferença como tes etnias e questione estereótipos sociais e de gênero,
uma essência de identidades ou mero efeito da lingua- promovendo uma educação antirracista e antissexista,
gem, mas a situa nos conflitos sociais e históricos e na atenta às diferentes identidades e articulada à constru-
produção desses conflitos como construção histórica e
ção da igualdade e da democracia. Nas palavras de San-
cultural (CANDAU, 2010).
tomé (2001, p.161):
A apropriação crítica do conhecimento implica, nas
Quando se analisam de maneira atenta os conteú-
aulas de Ciências Naturais, refletir sobre a natureza do
dos que são desenvolvidos de forma explícita na maio-
conhecimento científico, sobre os fatores políticos, eco-
ria das instituições escolares e aquilo que é enfatizado
nômicos e sociais que perpassam sua produção, sobre os
nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção
impactos da ciência e da tecnologia na sociedade e sobre
a arrasadora presença das culturas que podemos chamar
as diversas formas de conhecimento, aí incluindo o co-
nhecimento de senso comum, o científico, o pseudocien- de hegemônicas. As culturas ou vozes dos grupos sociais
tífico (que parece científico, mas não é) e o etnoconhe- minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de es-
cimento (saberes e tradições historicamente construídos truturas importantes de poder costumam ser silenciadas,
e passados de geração a geração nas comunidades tra- quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas
dicionais). Nesse sentido, significa superar a concepção possibilidades de reação. (SANTOMÉ, 2001, p.161).
de ciência como conhecimento neutro e desinteressado, Um currículo que acolhe o multiculturalismo e a in-
e reconhecer que o conhecimento científico serviu – e terculturalidade abre-se ao diálogo com questões rela-
cionadas a gênero, à orientação sexual, à raça, à etnia,
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pode servir – ao extermínio de populações (como ocor-


rido no contexto do nazismo), à escravidão de povos dentre outras, sem que isso signifique abrir mão dos
africanos (legitimada por uma construção “científica” dos saberes do campo científico. Pelo contrário, conceitos,
conceitos de raça e de eugenia) e à consideração da dife- procedimentos, terminologias da ciência continuam a ser
rença como doença (o que pode ser exemplificado com conteúdos que precisam ser apropriados pelos estudan-
a questão da homossexualidade, que apenas em 1990 tes para que possam se inserir criticamente na sociedade,
foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial uma vez que é papel da escola promover o acesso ao
da Saúde). saber sistematizado (SAVIANI, 2013).
A concretização do multiculturalismo crítico em ações Tendo em vista as concepções expressas neste docu-
pedagógicas passa por desconstruir narrativas que na- mento, a proposta curricular de Ciências Naturais para
turalizam diferenças socialmente construídas entre as a EJA fundamenta-se em uma perspectiva pós-crítica de

284
currículo e contempla as perspectivas de alfabetização bém, que identifiquem que essas transformações da ma-
científica, enfoque CTSA, ensino por investigação e mul- téria têm um custo energético, pois só acontecem com
ticulturalismo. Nesse sentido, a área de Ciências enten- absorção ou liberação de energia, que assim flui num
de que a formação de cidadãos críticos e participativos sistema, sendo transformada de uma forma em outra, e
requer que as ações didáticas desenvolvidas a partir de como o conhecimento científico contribuiu para o domí-
objetos de conhecimento e objetivos de aprendizagem e nio e manipulação dessas transformações.
desenvolvimento propostos nos Eixos (Matéria, Energia
e suas Transformações; Cosmos, Espaço e Tempo; Vida, Cosmos, Espaço e Tempo
Ambiente e Saúde) considerem a importância da promo-
ção da alfabetização científica, o que demanda a contex- Questões relativas à gênese do Universo, da vida e do
tualização da produção do conhecimento científico, da ser humano têm sido colocadas e respondidas por mui-
percepção das relações Ciência, Tecnologia, Sociedade tas civilizações e diferentes culturas. Ao mesmo tempo,
e Ambiente (CTSA), da realização de investigação e do questões mais pragmáticas como qual a melhor época
acolhimento à perspectiva intercultural. do ano para plantar e colher, qual dia do ano é o mais
longo e qual é o mais curto, quando ocorre a cheia do
ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE CIÊNCIAS NATU- rio e as inundações decorrentes disso ou como se locali-
RAIS zar num ponto da Terra também foram respondidas por
diferentes culturas ao longo do tempo. Muitos calendá-
Eixos Temáticos rios foram produzidos a partir de diferentes fenômenos
cíclicos como as fases da Lua ou o movimento aparente
O conhecimento científico construído ao longo do do Sol, atendendo a diferentes necessidades e crenças.
tempo pode ser organizado de diversas formas. Seguin- Comparar as explicações científicas com as dadas por
do um processo de especialização e fragmentação histo- outras formas de conhecimento pode gerar diversos
ricamente construído, as ciências naturais acabaram se aprendizados que valorizam diferentes culturas e ajudam
dividindo em Biologia, Física e Química e estas, por sua a diferenciar o conhecimento científico do etnoconheci-
vez, em subáreas, como zoologia e botânica, mecânica e mento, dentre outros. Espera-se que o estudante, ao fi-
eletricidade, orgânica e inorgânica, entre outras. Nesta nal desta etapa de escolarização, além de apropriar-se de
proposta, em consonância com o Ensino Fundamental, linguagem e conceitos específicos, associe a percepção
adotamos a organização dos Objetos de Conhecimento e as medidas de tempo (construção de relógios e calen-
por eixos temáticos: Matéria, Energia e suas Transforma- dários) aos movimentos de rotação e translação da Terra
ções; Cosmos, Espaço e Tempo; Vida, Ambiente e Saú- e da Lua e aproprie-se dos modelos científicos sobre a
de. Considerando que um Objetivo de Aprendizagem e origem do Universo, da Terra e da vida na Terra.
Desenvolvimento ou Objeto de Conhecimento específico
não é aprendido independente de outros, desta forma, Vida, Ambiente e Saúde
propomos que os três eixos sejam trabalhados concomi-
tantemente ao longo de toda escolarização na EJA. Perceber que os seres vivos são aqueles que nascem,
crescem, se reproduzem e morrem é apenas uma parte
Matéria, Energia e suas Transformações do conhecimento sobre a vida. Mais do que isso, identi-
ficar as relações que diferentes formas de vida estabele-
O conceito de energia é bastante utilizado no coti- cem entre si e com o ambiente no qual estão inseridas
diano das pessoas com significados bastante variados de pode ampliar a autonomia de estudantes da EJA no pro-
acordo com o contexto. A energia está diretamente asso- cesso de tomada de decisão sobre alimentação, consumo
ciada ao movimento, aos ciclos da água e do carbono, ao e descarte de produtos que afetam a si, a comunidade e
funcionamento das máquinas e do sistema produtivo e à o ambiente, podendo preservar ou prejudicar a saúde in-
transformação da matéria bruta em mercadorias, como a dividual e coletiva. Isso potencializa a percepção do ser
transformação do minério de ferro num prego que pren- humano como parte integrante do ambiente, como ser
de duas tábuas de madeira, as quais, por sua vez, foram vivo que influencia e é influenciado por ele, numa rela-
produzidas a partir de uma árvore; ou uma sandália de ção dialética com a natureza. Para tanto, espera-se que
borracha, que um dia já foi uma planta ou petróleo e, ao final do Ensino Fundamental, além de apropriar-se
de certa forma, um dia voltará a ser. Nesse sentido, este de linguagem e conceitos específicos, estudantes com-
eixo temático favorece discussões sobre a constituição e preendam que o ser humano é parte integrante e ativa
as propriedades da matéria e da energia e suas transfor- do ambiente e que a saúde é um bem individual que se
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mações, possibilitando a leitura crítica dos mecanismos constrói socialmente, valorizando a sustentabilidade e o
de produção, acesso e consumo de energia e tecnologia. respeito à diversidade.
Espera-se que ao final do processo escolar, além de
apropriar-se de linguagem e conceitos específicos, os OBJETOS DE CONHECIMENTO E OBJETIVOS DE
estudantes reconheçam que a matéria vem sendo mo- APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO
dificada de diversas formas, por diferentes culturas em
diferentes momentos de nossa história, e como o co- Para iniciar a definição dos Objetivos de Aprendiza-
nhecimento científico alterou de forma significativa a gem e Desenvolvimento é fundamental definir que tipo
percepção de que novos materiais e objetos podem ser de cidadão queremos formar e como a escolarização
formados a partir de outros já existentes. Espera-se, tam- pode, de fato, contribuir para essa formação. Se quere-

285
mos formar um cidadão crítico e ativo, é necessário aban- São muitos os critérios que podem ser utilizados para
donar as práticas liberais e implementar uma educação seleção de objetos de conhecimento. A estratégia para
progressista, como prática da liberdade (FREIRE, 2011). diferenciá-los deve ser basicamente a partir da análise da
Para isso, o professor precisa comprometer-se com os aprendizagem e não do ensino.
valores éticos, políticos e humanitários, inspiradores de Considera-se que o professor deve ajudar seus estu-
uma sociedade democrática. dantes a desenvolver saberes específicos para pensar e
Os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento fazer ciência. Observar, problematizar, produzir hipóte-
são estruturantes na organização do trabalho docente, ses, identificar variáveis, realizar medidas, analisar dados
uma vez que a educação formal (escolar) é resultado de e tirar conclusões seriam alguns procedimentos sem os
ações intencionais, planejadas, socialmente determina- quais os estudantes não se apropriariam dos conheci-
das, respondendo às exigências e expectativas de dife- mentos da área. Contudo, é necessário reconhecer que a
rentes grupos, cujos propósitos são, muitas vezes, an- produção de conhecimento científico se caracteriza tam-
tagônicos em relação ao tipo de cidadão que se deseja bém por uma série de ações relacionadas à expressão e à
formar e às ações que deve realizar nas várias esferas da comunicação das ideias. Nesse sentido, parte fundamen-
vida prática. tal do desenvolvimento do conhecimento científico é o
Sendo assim, na formulação dos Objetivos de Apren- registro e a comunicação dos resultados.
dizagem e Desenvolvimento devem-se respeitar, inicial-
mente, os valores e ideais manifestos na Constituição Fe- Fonte
deral, na legislação educacional e no Currículo da Cidade: SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
Ensino Fundamental. Além disso, devem-se considerar cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
os conhecimentos de Ciências Naturais, produzidos e Educação de Jovens e Adultos: Ciências Naturais. São
elaborados historicamente no desenvolvimento da hu- Paulo: SME/COPED, 2019. p. 67-91. Disponível em: http://
manidade, a Matriz de Saberes do Currículo da Cidade portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51185.
e as necessidades e expectativas de formação cultural pdf.
exigida pela população, decorrentes das condições con-
cretas de vida e de trabalho.
Os Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento
propõem intenções de ensino que só serão concretiza- EXERCÍCIO COMENTADO
das na medida em que forem organizadas situações di-
dáticas com essa finalidade. Os pressupostos que orien- 1. (ENADE – Pedagogia) Em relação ao ensino de Ci-
taram a proposição dos objetivos são aqueles que veem ências, as Ciências da Natureza precisam ser entendidas
na ciência uma forma de intervenção no mundo a qual é como elemento da cultura e também como construção
mediada pela ação humana. Para que essa intervenção humana, considerando que os conhecimentos científicos
possa ser feita de forma consciente, crítica e ativa, é fun- e tecnológicos desenvolvem-se em grande escala na atu-
damental que os estudantes se apropriem dos métodos al sociedade.
e dos conhecimentos científicos como forma de exercer BERTUCCI, M. C. S.; OVIGLI, D. F. O ensino de Ciências nas séries
plenamente sua cidadania. Observar, problematizar, for- iniciais e a formação do professor nas instituições públicas paulistas.
mular hipóteses e procedimentos de teste, coletar dados, Disponível em: <www.pg.utfpr.edu.br/sinect/anais>.
identificar, descrever, registrar, relatar, comparar, classifi-
car, compor e decompor, opinar, interpretar e transpor De acordo com essa perspectiva, a prática pedagógica
são habilidades que devem fazer parte do planejamento nesses anos de escolaridade deve enfatizar
nas etapas iniciais da EJA. Além de antecipar, definir, infe-
rir, justificar, sintetizar, relacionar diferentes fenômenos, a) a exposição de ideias, reforçando o processo de trans-
analisar, explicar causas e efeitos, apresentar conclusões ferência dos saberes produzidos em Ciências.
dedutivas e fazer generalizações, relacionando diferentes b) a valorização dos conhecimentos tecnológicos, em
fenômenos como habilidades que podem ser trabalha- detrimento dos conhecimentos das Ciências Naturais.
das nas séries finais do Ensino Fundamental. c) a compreensão dos fenômenos naturais como resulta-
Killner (2018) enfatiza que os objetos de conhecimen- do das reações dos componentes do ambiente, inde-
to não devem ser pensados como um fim em si mes- pendentemente da ação dos homens sobre eles.
mos, mas como um meio para alcançar os objetivos de d) a análise acerca de onde e de como aquele conheci-
aprendizagem e desenvolvimento. Isto não os tornam mento discutido em aula está presente na vida dos
menos importantes ou irrelevantes, muito pelo contrá- sujeitos e as implicações dele para a sociedade.
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rio. Os objetos de conhecimento compreendem todas as e) a sistematização dos conteúdos por meio da consulta
aprendizagens que os estudantes devem alcançar para e realização de exercícios dos livros-texto adequados
progredir numa etapa de escolarização. Todo objeto de aos anos iniciais e à educação infantil.
conhecimento, por mais específico que seja, sempre está
associado a vários outros conhecimentos e, portanto, Resposta: Letra D. A questão aborda o Ensino de Ci-
será aprendido junto com outros conhecimentos de ou- ências, o conhecimento científico e as tecnologias, o
tra natureza. O ciclo da água, por exemplo, está associa- que vem ao encontro dos dias atuais, uma vez que é
do ao clima, à geração de energia elétrica, às enchentes, nesse nível de ensino que, para Grilo (2003). “[...] se
ao preço dos alimentos, etc. decide o modo como muitos jovens vão se compor-
tar ao longo dos seus trajetos escolares e, talvez mes-

286
mo, como vão desempenhar o seu papel, enquanto
cidadãos e enquanto profissionais responsáveis [...] na SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
sociedade em que estão inseridos”. Nesse sentido, a MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
letra A está errada em função de que não é possível, COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
de acordo com Paulo Freire (2010), transferirmos co- CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
nhecimento. JOVENS E ADULTOS: EDUCAÇÃO FÍSICA.
Transferir os saberes produzidos pela Ciência não con- SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. 67-78.
diz com um sujeito reflexivo, uma vez que é pensando
criticamente que qualificaremos o ensino e a apren-
dizagem. CURRÍCULO DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA EDUCA-
Em relação à letra B, também não está correta, uma ÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO
vez que não podemos valorizar os conhecimentos PAULO
tecnológicos em detrimento das Ciências Naturais. É
preciso haver uma prática pedagógica que desenvolva FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA
no aluno “a capacidade de analisar, avaliar e decidir
sobre os problemas com que se defronta, um aluno
que utiliza as tecnologias para aceder à informação #FicaDica
de que necessita, um aluno capaz de refletir sobre Desde sua implantação nas escolas primárias
o que está a aprender e como está a aprender [...]” na segunda metade do século XIX, a Educa-
(COSTA, 2012). É necessário fazer uso das tecnologias ção Física alterou sua função em conformi-
juntamente com as Ciências Naturais para promover o dade com o contexto sócio-histórico e po-
debate sobre as descobertas científicas (COSTA 2012). lítico. Em consonância com os pressupostos
Quanto à letra C, jamais poderemos compreender os ideológicos e educacionais de cada época,
fenômenos naturais, sem a interferência do homem. recorreu às práticas corporais hegemônicas
É exatamente o homem que modifica este ambien- da tradição euro-estadunidense para priori-
te. É preciso, para essa faixa etária, haver uma prática zar o desenvolvimento da aptidão física, do
que deixe transparecer o esforço de educar indivídu- ensino esportivo, da aquisição de habilida-
os críticos e preocupados com a realidade social em des motoras e do questionamento da so-
que vivem, logo, os fenômenos naturais só podem ser ciedade classista. Em mais de 100 anos de
compreendidos através da interferência do homem, a história, a Educação Física jamais considerou
qual vem provocando modificações nos fenômenos a hipótese de tratar com a mesma serieda-
naturais. de o repertório cultural corporal dos grupos
A letra C é a alternativa correta, pois vai ao encontro minoritários.
do enunciado da questão. Uma prática pedagógica
com esse princípio proporciona um ensino de Ciências
que parte do diálogo, “da transformação da realidade Em tempos de globalização, multiculturalismo, demo-
para nela intervir, recriando-a” (FREIRE, 2010). cracia e desigualdade social, a exclusividade concedida
A alternativa D propõe uma prática pedagógica tra- ao repertório dos grupos dominantes resulta na secun-
dicional, voltada apenas para a realização de ativida- darização e exclusão dos saberes oriundos dos demais
des prontas, as quais não fazem parte da realidade do setores e, consequentemente, no não reconhecimento
sujeito, indo de encontro ao enunciado da questão. das suas identidades culturais. A manutenção dessa si-
Entenda-se por prática tradicional, aquela na qual o tuação tende a reforçar o papel elitista e desagregador
sujeito é tido como uma tábula rasa, ou seja, o pro- da Educação Física, de modo a colaborar efetivamente
fessor fala e o aluno escuta. O professor dita e o aluno com a exclusão e a discriminação de uma parcela dos es-
tudantes e a exaltação daqueles cujo comportamento e
copia. O professor decide o que fazer e o aluno exe-
desempenho se coadunam com o perfil do cidadão idea-
cuta (BECKER, 1994). (Autora: Sônia Maria de Souza
lizado pelo modelo neoliberal. Na tentativa de contra-
Bonelli).
por-se a esse modelo, o componente se deixou influen-
ciar pelo pensamento pós-crítico, ampliou o seu olhar
e passou a perceber os estudantes enquanto sujeitos
históricos, sociais, políticos, culturais, cuja gestualidade
é perpassada pelos marcadores sociais das diferenças (o
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

gênero, a classe, a etnia e a religião). Sabedora de que os


corpos remetem as insígnias culturais dos contextos aos
quais pertencem e são constantemente reconstruídos
em meio a vivências, discursos e experiências estéticas, a
Educação Física redimensionou sua função, voltando-se
para a formação de sujeitos que valorizem o direito às di-
ferenças e questionem os dispositivos de sua produção.

Ancorada nos ideais do currículo cultural e inserida


na área das Linguagens, a Educação Física assumiu como
função a formação para a leitura e compreensão da ocor-

287
rência social das práticas corporais, entendidas como cos históricos, suas marcas sociais, seus expoentes cultu-
textos da cultura e de sua reconstrução crítica, posicio- rais identitários e suas concepções de mundo, que estão
nando os sujeitos da educação como autores desse pro- atreladas diretamente ao modo como vivem, às suas as-
cesso. O antigo projeto de constituição do sujeito que se pirações, às convicções e às crenças.
movimenta de forma estereotipada e disciplinada com De certa forma, a diversidade dos sujeitos da EJA con-
viés performático deu lugar à compreensão do sujeito tribui para ampliar o olhar sobre as práticas corporais.
que não somente emprega a gestualidade como forma As manifestações cultivadas pelos idosos carregam ele-
de veicular intenções e significados, mas também é capaz mentos afetivos de suas histórias pessoais que podem
de ler e dialogar com o arcabouço gestual dos demais ser narradas e partilhadas, fomentando a interação com
grupos sociais. pontos de vista até então desconhecidos. O mesmo pode
É fundamental que as situações didáticas promovam acontecer com a singularidade dos repertórios dos imi-
essa leitura e que os sujeitos possam refletir, repensar, grantes, que poderão despertar a curiosidade para outros
ressignificar, ampliar e aprofundar os saberes cultivados modos de ser e viver. As experiências dos jovens podem
pelos representantes das práticas corporais, sem qual- contribuir para compreensão da contemporaneidade e
quer espécie de classificação ou hierarquização. Diante a presença das pessoas com deficiência levará a turma
de um público constituído basicamente de adultos traba- a construir as condições necessárias para a participação
lhadores ou em busca de ocupação profissional, muitos equitativa.
deles com baixa escolaridade, pessoas com deficiência, Diante dessas reflexões, o currículo de Educação Físi-
jovens que não se adequaram aos padrões da educa- ca da EJA deve configurar-se como experiência formativa
ção regular ou em situação vulnerável, idosos com suas em que os sujeitos se sintam dignamente representados.
particularidades, mulheres impedidas de ir à escola por Para tanto, é necessário organizar situações didáticas
questões familiares e imigrantes, a vertente cultural da que analisem e aprofundem os conhecimentos que os
Educação Física adentra o cenário da EJA, ciente dessas estudantes possuem, entrecruzando-os com os saberes
especificidades e comprometida com a valorização e re- dos demais e aqueles tradicionalmente valorizados pela
conhecimento de um amplo repertório cultural corporal, escola.
como também de formas de interagir e de aprender bas- Cabe à Educação Física na EJA, a partir da tematização
tante específicas. das brincadeiras, das danças, das lutas, dos esportes e
Nesse contexto, é função da Educação Física valorizar das ginásticas, procurar efetivamente atender às deman-
os saberes e experiências de cada segmento social, forta- das educativas emergentes dos sujeitos, culminando na
lecer as identidades culturais ali presentes e fomentar o possibilidade de vislumbrar o mundo a partir de novos
intercâmbio de conhecimentos. Isso não significa perma- olhares, de novas perspectivas, que os levem a refletir
necer no repertório já disponível, mas sim aprofundá-lo e sobre si e sobre o tudo que os cercam, abrindo-lhes pos-
ampliá-lo mediante o diálogo com os conhecimentos de sibilidades de interagir e atuar efetivamente, imprimin-
outros grupos, aproveitando o encontro intergeracional do-lhes novos significados e ampliando suas concepções
para analisar e discutir os significados atribuídos às prá- sobre as próprias experiências.
ticas corporais e aos seus praticantes.
De fato, a maneira como a sociedade percebe o cor- ENSINAR E APRENDER EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA
po é influenciada pelos discursos que circulam ao seu
respeito. A exaltação daquele que se aproxima da repre- A historiografia mais recente atribui o surgimento da
sentação hegemônica leva à discriminação e preconceito Educação Física ao desejo de construir uma sociedade
com relação a todos os outros que escapam dessa refe- moderna, urbana, higiênica e disciplinada. Atuando como
rência. A Educação Física não pode abster-se do enfren- dispositivo para construção do homem e da mulher cor-
tamento dos mecanismos que atuam para imprimir as diais, a prática regular de exercícios ginásticos, que no
marcas de diferença nos corpos pertencentes aos grupos início sofreu influências da eugenia, gradativamente foi
minoritários, seja por questões de classe, gênero, religião substituída pelo ensino esportivo. Afinal, os novos tem-
ou etnia. É fato que a sociedade imprime nos estudan- pos exigiam sujeitos despojados e capazes de vencer
tes da EJA uma infinidade de traços que os fragilizam, desafios, colaborar com o desenvolvimento industrial e,
pelos processos de estereotipação e desvalorização que principalmente, perpetuar a ideologia capitalista.
associam suas identidades corporais a condições inferio- O quadro perdurou até a década de 1980, quando o
res de vida no que tange ao acesso à educação, lazer, processo de redemocratização e abertura política alcan-
saúde, bens culturais, boas condições de trabalho, segu- çou o sistema escolar, profundamente impactado com
rança etc. Tal quadro reforça a função política da Edu- o ingresso dos filhos da classe trabalhadora, e forçou a
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

cação Física diante da promoção de situações didáticas revisão dos currículos em vigor. Nesse contexto, a Edu-
que possibilitem aos estudantes da EJA a leitura crítica cação Física viveu um processo de reconfiguração do seu
dos determinantes sociais que produzem e reproduzem objeto de estudo, anteriormente centrado no exercício
a desigualdade e a injustiça. físico. Surgiram diversas propostas, com destaque para
A partir daí é possível compreender que é papel da as perspectivas psicomotora e desenvolvimentista, fun-
Educação Física contribuir com a valorização da identida- damentadas na Psicologia do Desenvolvimento. Nestas,
de e da diversidade dos sujeitos da EJA, proporcionando- o movimento tornou-se, respectivamente, o meio e o fim
-lhes, por meio da tematização das práticas corporais, os do trabalho pedagógico. Sob os desígnios da educação
saberes e modos de significar dos mais diversos grupos, pelo movimento, as aulas contribuíram para o aprimo-
aproximando-se das realidades, reconhecendo seus mar- ramento dos domínios cognitivo, socioafetivo e psico-

288
motor, enquanto as ações didáticas amparavam-se nas Em função da relevância que a cultura adquire nas
teorias do crescimento e desenvolvimento com o intuito teorias pós-críticas, a concepção de Educação Física que
de promover alcance de padrões motores especializados. se deixa inspirar nos seus pressupostos tem sido chama-
Com o advento da crítica ao papel que a escola de- da de cultural, culturalmente orientada, currículo cultu-
sempenhava na reprodução da desigualdade social, as ral ou pós-crítico. Nesta vertente, a cultura é vista como
aulas de Educação Física, pautadas na melhoria do de- toda a forma de produção de significados. Ou seja, o ato
sempenho físico, passaram a ser vistas como instrumen- de significação é pura produção cultural. Assim concebi-
tos de alienação a favor das classes dominantes. Naque- da, qualquer prática social é uma prática cultural.
le contexto, o componente buscou um alinhamento às Educar nada mais é do que proporcionar o aces-
chamadas teorias críticas e elegeu um novo objeto de so a determinadas práticas culturais e aos significados
estudo: a cultura corporal. Didaticamente falando, o que uma determinada sociedade ou grupo lhes atribui.
ponto de partida do trabalho pedagógico passou a ser Tome-se como exemplo o aprender a ler e escrever. A
a prática social das variadas formas de expressão corpo- leitura e escrita são práticas culturais que comumente
ral, cuja ocorrência deveria ser problematizada e lida com dependem de outras (por exemplo, aulas com seus mé-
base no acúmulo de conhecimentos proporcionado pela todos e formas) para serem mais facilmente acessadas.
ciência, objetivando uma melhoria qualitativa não só da O domínio desse processo é por si só uma prática de
compreensão, mas também da realização. significação. Adquirir o domínio da leitura implica conhe-
A chegada do terceiro milênio foi acompanhada de cer os significados socialmente atribuídos a um conjunto
inúmeras transformações sociais, entre elas, a aceleração de sinais gráficos. Logo, enquanto lemos ou escrevemos
da globalização, o surgimento de novas tecnologias de encontramo-nos em pleno processo de significação. O
comunicação e informação, a democratização das socie- mesmo acontece quando nos apropriamos da maneira
dades ocidentais, o multiculturalismo e o acirramento da como o grupo social ao qual pertencemos significa as
desigualdade. Nestes tempos, os grupos minoritários rei- cores do semáforo ou o bolo de aniversário. Mediante a
vindicam o direito a terem suas formas de representação imersão na cultura nos tornamos leitores desses signos
validadas e reconhecidas com o objetivo de garantir uma e, simultaneamente, seus produtores. Ou seja, o processo
maior circulação no espaço público. Como não poderia de significação é, em si mesmo, um processo de produ-
deixar de ser, a escola, sobretudo a estatal, é conclama- ção cultural.
da a participar ativamente desse processo, abrindo suas Cada atividade social, aqui incluída o brincar, o dan-
portas para todas as pessoas, indistintamente ao grupo çar, o lutar, o fazer ginástica ou praticar esporte, cria ao
de pertencimento. seu redor um universo próprio de significados e práti-
Diante de tal quadro, o ensino de Educação Físi- cas, isto é, sua própria cultura. Assim entendida, a cultura
ca sofre uma profunda modificação epistemológica ao constitui-se em meio às relações sociais nas quais grupos
abandonar as promessas de libertação, conscientização e pessoas disputam o significado que será conferido a
e formação do sujeito autônomo propagadas pela teoria
um determinado artefato. Logo, a cultura é um territó-
crítica e busca inspiração na teorização pós-crítica, mais
rio de lutas pela significação. O território da cultura não
especificamente nos estudos culturais, no multiculturalis-
se mostra fechado nem compartimentado. A cultura se
mo crítico, no pós-modernismo, no pós-estruturalismo e
esparrama para além das fronteiras em que outras sig-
no pós-colonialismo. Sem qualquer pretensão de totali-
nificações se tocam e entrecruzam. É importante lembrar
dade ou de oferecer uma resposta final, esses campos de
que a teorização pós-crítica ganha mais força à medida
inspiração disponibilizam ferramentas conceituais para
que avança o século XXI, devido às novas configurações
análise da sociedade contemporânea.
Silva (2011) explica que as teorias pós-críticas reco- que a sociedade adquiriu a partir dos movimentos de re-
nhecem o pensamento crítico e nutrem-se dele. Ques- sistência e reivindicação de inúmeros grupos (dos traba-
tionam seus limites, suas imposições e suas fronteiras, lhadores, das mulheres, das comunidades desassistidas
pois entendem que, embora o pensamento crítico possa etc.). Lutando por seus direitos, cada qual quer fazer valer
comunicar uma verdade sobre o objeto bastante aceita seus conhecimentos e, principalmente, seus modos de
pela maioria das pessoas de uma determinada comuni- representar e ser representado. As diferenças passam a
dade, ela é apenas uma das verdades. As teorias pós- ocupar aqueles espaços que antes lhes eram negados,
-críticas colocam em dúvida as noções de emancipação quer seja na política, no mundo do trabalho, nas mídias
e superação, tão caras à teoria crítica, por seus pressu- e, também, na escola. Como não poderia deixar de ser,
postos essencialistas. O pensamento pós vai além. Ele essa presença requisitou outras formas de análise do
possibilita a ampliação da investigação do objeto ao va- social, do fenômeno pedagógico e da Educação Física.
O atual contexto pós-moderno derrubou as promessas
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lidar outras vozes e outros conhecimentos para explicá-


-lo. O termo pós expande as fronteiras da explicação. Em das pedagogias tradicionais, tecnicistas e críticas, criando
contraste com as teorias críticas, as teorias pós-críticas condições para a emergência das pedagogias pós-críti-
não limitam a análise do poder ao campo das relações cas. Diante da intenção de formar pessoas solidárias, o
econômicas do capitalismo. Com as teorias pós-críticas, conceito de cultura corporal foi ressignificado, passando
o mapa de poder é ampliado para incluir processos de a incluir, também, um imenso conjunto de significados
dominação centrados na etnia, no gênero, na religião e atribuídos às práticas corporais e seus representantes.
na sexualidade. Ou seja, o currículo pós-crítico apreende De forma bastante sintética, a cultura corporal pode
o pensamento crítico e, encontrando seus limites, trava ser entendida como um amplo conjunto de conhecimen-
diálogos promissores com outras explicações, arriscan- tos relativos às práticas corporais, também denominadas
do-se a ultrapassar as fronteiras anteriores. manifestações corporais ou manifestações culturais cor-

289
porais. Logo, cultura corporal é toda a produção discur- A forma como se concebe uma determinada práti-
siva e não discursiva referentes às brincadeiras, às dan- ca corporal depende do processo de leitura dos sujei-
ças, às lutas, aos esportes e ginásticas, desde as regras tos, ou seja, dos significados atribuídos aos signos que a
da amarelinha até o desenho tático do futebol, passando constituem. A movimentação do quadril em uma dança,
pelas técnicas do balé, a história do judô e a vestimenta o cumprimento inicial em uma luta, a comemoração no
usada na apresentação de ginástica. Também compõem instante em que o participante vence ou conquista um
a cultura corporal as narrativas sobre essas manifesta- ponto em um esporte ou brincadeira, entre tantos outros
ções, suas peculiaridades e seus praticantes. Por exem- códigos, podem ser objeto de leituras diversificadas, a
plo: compreender a amarelinha como “coisa de criança”, depender do contexto em que foi produzida e reproduzi-
o futebol como “esporte para homens”, ver no balé uma da. É justamente por isso que neste documento curricular
prática elitizada ou atribuir ao judô um papel disciplina- a prática corporal é tomada como tema cultural e a sua
dor configuram aquilo que a perspectiva cultural da Edu- abordagem nas aulas é tida como tematização. Ou seja,
cação Física chama de cultura corporal. tematizar implica organizar variadas situações didáticas
Com a reconfiguração do seu objeto impulsionada com o objetivo de propiciar uma compreensão mais am-
pelas teorias pós-críticas, a Educação Física contribui pla da brincadeira, da dança, da luta, do esporte ou da
para constituir pessoas que compreendam a ocorrência ginástica.
social das práticas corporais e produzam-nas criticamen-
te a partir do contexto em que se encontram. O com- Mas como isso tudo começa?
ponente curricular oferece experiências imprescindíveis
para o entendimento da sociedade atual que podem Ao expor os limites da concepção estruturalista da
ser sintetizadas em dois pontos: 1) o acesso a conheci- linguagem composta por signo, significante e significado
mentos que propiciem uma leitura mais qualificada dos elaborada e defendida pelo linguista e filósofo suíço Fer-
signos produzidos pelos diferentes grupos sociais con- dinand de Saussure, o pós-estruturalismo defende que
substanciados nas práticas corporais; e 2) ampliação das essa estrutura varia em diferentes contextos e culturas. O
possibilidades e formas de expressão por meio da lin- que isso quer dizer?
guagem corporal. O signo, considerado a menor unidade dessa estru-
Quando se concebe o movimento inerente às práticas tura, agrega uma combinação de significante e significa-
corporais como portador de significados, rompe-se com do. Os signos se constituem numa relação diferencial, ou
as noções psicológicas que explicam a ação motriz como seja, um signo é aquilo que os outros não são. Os pós-
resultado de estímulos neurais; com as noções biológicas -estruturalistas vão dizer que um signo não é o objeto
que concebem o movimento como resultante da síntese que ele representa em si, dado que a sua representação
metabólica; e com as noções mecânicas que reduzem o é dependente do significado a ele atribuído pelos sujei-
movimento ao sistema de alavancas. tos. Por exemplo: o signo cadeira é um objeto significado
A concepção que perpassa a Educação Física con- para nos sentarmos, porém a ela podem ser atribuídos
temporânea entende o movimento como forma de lin- outros significados; fixada na parede o seu significado
guagem, logo, o termo mais adequado é “gesto”. É pela passa a ser de prateleira ou estante, ganhando outra uti-
sua gestualidade que as pessoas socializam seus sen- lidade. Ou seja, é uma cadeira, mas é também estante e
timentos, emoções e visões de mundo. O gesto é um é também prateleira. O pós-estruturalismo rompe com
signo, o menor elemento do texto produzido pela lin- a dependência direta entre o significante e o significado
guagem corporal. Organizados de forma sistemática, os que tornaria o signo fixo.
gestos configuram as práticas corporais que, segundo o Tomando o ponto de vista dessa corrente de pen-
mesmo raciocínio exposto parágrafos acima, nada mais samento, infere-se que a identidade atribuída às aulas
são do que artefatos culturais. de Educação Física como práticas realizadas na quadra,
Ao promover o acesso aos jovens, adultos e idosos espaço restrito ao movimento, foi produzida discursiva-
às práticas corporais de diferentes culturas, bem como à mente. Esses significados lhe foram atribuídos por de-
forma como seus praticantes e a sociedade as significam, terminados grupos e, ao serem repetidos, instauraram
o professor posiciona os sujeitos da educação num lu- regime de verdade que terminou por dizer o que é a
gar privilegiado. Expandindo seu campo de visão, ele os Educação Física.
coloca em contato com outras explicações, não apenas A teorização pós-crítica vai desnaturalizar esse dis-
sobre as práticas corporais, mas em relação ao próprio curso que imputa ao componente uma identidade rela-
componente. Durante a interação com uma determinada cionada exclusivamente às vivências corporais na quadra.
manifestação, não basta apenas vivenciá-la brincando, Entendendo as práticas corporais como práticas de signi-
ficação e a cultura como produção de significados com-
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dançando, lutando, fazendo ginástica ou praticando es-


porte, isso a própria historiografia já demonstrou ser in- partilhados por um grupo, é possível compreender o que
suficiente para compreensão e atuação na esfera pública. acontece durante a realização das brincadeiras, danças,
A prática pedagógica da Educação Física vem sendo lutas, esportes ou ginásticas.
realizada de outra forma. Integrada à área das Lingua- Se observarmos a prática do skate, identificaremos
gens, o componente incorporou às atividades de ensino a existência de códigos próprios, signos partilhados por
e a leitura das práticas corporais Tendo como objeto de seus praticantes, ou seja, o grupo significa e comparti-
estudo a cultura corporal, aqui entendida como toda a lha significados com seus pares. Um leitor “de fora” pro-
produção discursiva e não discursiva sobre as práticas vavelmente lhes atribuirá outros significados porque a
corporais, estas passam a ser vistas como textos culturais, forma de ver é distinta. Isso impede que a leitura dessa
portanto, passíveis de leitura e significação. manifestação seja a mesma dos skatistas.

290
Vejamos o caso da capoeira, que há bem pouco tem- b) Entendendo a Educação Física enquanto uma área do
po era desqualificada, sendo a prática proibida, seus ges- conhecimento, os Parâmetros Curriculares Nacionais
tos eram tidos como violentos e os capoeiristas vistos apresentam os seus conteúdos divididos em: concei-
como pessoas desprovidas de valores. Em tais circuns- tuais, procedimentais e atitudinais
tâncias, a presença da capoeira na escola era algo inad- c) De acordo com a proposta apresentada pelos Parâme-
missível. Hoje ela está não somente em muitas escolas, tros Curriculares Nacionais a Educação Física escolar
mas também nas academias e clubes frequentados pelas é entendida como a disciplina que permite ao aluno
classes mais abastadas, assim como é reconhecida como atingir o máximo rendimento de sua capacidade física
patrimônio cultural brasileiro. d) Considerando as sugestões dos Parâmetros curricula-
A prática do jogo de queimada é mais um exemplo. res Nacionais para o 3º e 4º ano do ensino fundamen-
Uma pesquisa rápida na internet mostra que seu nome e tal é correto afirmar que a Educação Física curricular
formato variam conforme o contexto. Na Bahia, baleado, deve ter como conteúdo atividades que favoreça ao
no Pará, cemitério ou queimada, carimba no Ceará. No aluno o conhecimento de seus limites e possibilida-
baleado quem é baleado vai para o mofo, mas só pode des, para o controle das atividades físicas.
balear do joelho para cima. Se o colega for atingido do
joelho para baixo, a jogada tem que ser repetida. Duran- Resposta: Letra C. Em “c”: Errado- A afirmação está
te a tematização da queimada em uma EMEF da Rede, incorreta.
situada na DRE São Miguel, o professor destacou outros Visão hegemônica que pode ser constatada a princí-
códigos, a começar pelo início do jogo que é definido pio no PCN – Educação Física. O documento de Edu-
pela disputa da bola por dois jogadores no centro do cação Física traz uma proposta que procura democra-
espaço. Não mencionou referência ao espaço destinado tizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da
àqueles baleados como mofo, mas sim à qualificação de área, buscando ampliar, de uma visão apenas bioló-
“reservas” para os estudantes atingidos pela bola e tam- gica, para um trabalho que incorpore as dimensões
pouco fez considerações acerca de que parte do corpo afetivas, cognitivas, socioculturais dos alunos. (BRASIL,
o estudante teria que ser atingido para ser considerado 1997a, p. 15)
queimado. Tudo isso ficou a cargo dos estudantes por
meio de conversas e experimentações.
Vistos sob o prisma do pensamento pós-crítico, os
exemplos acima indicam que os eventos, as coisas do SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
mundo não têm uma essência, um sentido intrínseco. Uma MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
prática corporal pode ser significada por seus praticantes COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
de maneira diferente dos demais sujeitos, uma vez que a
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
leitura dos signos que carrega será dependente dos dis-
cursos acessados pelo leitor. Aceita essa premissa, não há JOVENS E ADULTOS: GEOGRAFIA. SÃO
como menosprezar a função da Educação Física na EJA. Afi- PAULO: SME/COPED, 2019. P. 67-99.
nal, ampliar os significados atribuídos às práticas corporais
e, principalmente, conhecer o modo como seus represen-
tantes significam suas próprias experiências é o primeiro CURRÍCULO DE GEOGRAFIA PARA A EDUCAÇÃO
passo para combater o preconceito e valorizar o patrimônio DE JOVENS E ADULTOS NA CIDADE DE SÃO PAULO
cultural dos grupos que coabitam a sociedade.
INTRODUÇÃO, CONCEPÇÕES DO COMPONENTE
Fonte CURRICULAR GEOGRAFIA
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
Educação de Jovens e Adultos: Educação Física. São Pau- #FicaDica
lo: SME/COPED, 2019. p. 67-78. Disponível em: http://
Todas as pessoas observam, perguntam e
portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51136.
procuram explicações para o mundo vi-
pdf.
vido. Um mundo que, no contexto dos jo-
vens e adultos da EJA, envolve sujeitos que
representam múltiplas culturas e contextos
EXERCÍCIO COMENTADO socioeconômicos e socioambientais especí-
ficos. Gente que traz para o ambiente esco-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

1. (Pref. de Matias Olímpio/PI - Professor - Educação lar saberes que refletem as experiências de
Física – superior - Instituto Machado de Assis/2016) trajetórias de suas vidas. São perspectivas na
As afirmações abaixo são feitas a partir dos PCNs. Todas qual a escola é a escolha de superação e que
estão corretas, EXCETO. exigem a suplantação da tradição transmis-
siva de conhecimento escolar.
a) De acordo com os PCNs embora contenham enfoques
diferenciados entre si, com pontos muitas vezes diver-
gentes, as abordagens da Educação Física têm em co- Desta forma, a educação geográfica deve ter como
mum a busca de uma prática que articule as múltiplas ponto de partida aspectos diferentes da cultura domi-
dimensões do ser humano. nante e hegemônica para compreender e valorizar as di-

291
ferenças identitárias destes estudantes, produto de uma O estudo do Indicador Nacional de Alfabetismo Fun-
classe social muitas vezes invisível à sociedade. Funda- cional (INAF, 2018), elaborado pelo Instituto Paulo Mon-
mental também considerar o pertencimento étnico, de tenegro e pela ONG Ação Educativa analisaram 5 níveis
gênero, de classe social, socioambiental entre outros as- de alfabetismo no Brasil sendo possível realizar algumas
pectos (ALMEIDA; GODOY, 2016, p.352). inferências que auxiliam a construção do currículo da
Na escola, os estudantes da EJA estudam para am- EJA e suas propostas de aprendizagem para esse grupo
pliar, rever, reformular e sistematizar as noções que tra- de estudantes. Segundo os dados de alfabetismo, entre
zem de suas vivências cotidianas, sempre de modo mais 2001 e 2018, houve uma significativa redução do núme-
complexo e desafiador, procurando se reposicionar na ro de Analfabetos, caindo de 12%, em 2001-2002 para
sociedade e enfrentar uma ampla gama de preconceitos 4% em 2015, mas voltou a crescer para 8% em 2018, ou
e exclusão social. seja, os dados desta última edição sinalizam uma inflexão
Lembrar que, para qualquer pessoa, o processo de nessa tendência, indicada por um novo aumento desse
ampliação, reformulação e sistematização do conhe- patamar. Houve “redução da proporção de brasileiros
cimento é sempre inacabado ao longo da vida, mas a que conseguem fazer uso da leitura da escrita e das ope-
escola tem um papel importante na sua consolidação. A rações matemáticas em suas tarefas do cotidiano apenas
Geografia como leitura crítica do mundo que vivemos é em nível rudimentar (de 27% em 2001-2002 para um pa-
parte desta construção gradativa de um novo repertório tamar de 22% em 2018). Indivíduos classificados nesses
que dialoga com saberes vivenciais e científicos destes dois níveis de Alfabetismo compõem um grupo denomi-
estudantes. O desenvolvimento se dá à medida que os nado pelo Inaf como Analfabetos Funcionais. Segundo o
estudantes aprendem a observar, perguntar-se sobre o INAF, os analfabetos funcionais são os indivíduos “que
que percebem, descrever, comparar, construir explica- têm muita dificuldade para fazer uso da leitura e da es-
ções, criticar, representar e espacializar acontecimentos crita e das operações matemáticas em situações da vida
sociais e naturais de forma cada vez mais ampla, consi- cotidiana, como reconhecer informações em um cartaz”
derando dimensões de tempo e do espaço. (INAF, 2018 p.8). Ainda o relatório aponta que, ao longo
Por isso aprender Geografia não se restringe apenas à dos anos, verificou-se um lento crescimento e uma estag-
exposição dos saberes do professor. As diferentes moda- nação a partir de 2009 do crescimento da população que
lidades organizativas utilizadas em sala de aula têm um poderia ser considerada Funcionalmente Alfabetizada.
papel fundamental no modo instigante como o mundo No estudo de 2001-2002, 61% dos entrevistados foram
pode ser reinterpretado na escola. É na intencionalidade considerados Funcionalmente Alfabetizados; em 2007,
do planejamento das situações didáticas que professores 66%; e, nos três estudos realizados entre 2009 e 2015, o
e estudantes desenvolvem hipóteses cada vez mais com-
percentual de Funcionalmente Alfabetizados ficou está-
plexas sobre os fenômenos sociais e naturais estudados
vel em 73% para, em 2018, apresentar uma pequena os-
a partir da Geografia.
cilação negativa. Em síntese, apenas 7 entre 10 brasileiros
Para tanto, é preciso mergulhar na complexidade da
e brasileiras entre 15 e 64 anos podem ser considerados
situação social de pessoas que, pelas diversas trajetórias
Funcionalmente Alfabetizados conforme a metodologia
de vida, tiveram que postergar sua educação escolar. Vi-
do Inaf pela estimativa de 2018. (INAF, 2018, p.9).
vendo em São Paulo, essa possibilidade se amplia muito,
Mesmo assim, a realidade não nos coloca em tran-
pois se trata de uma cidade que sintetiza processos lo-
cais e globais. Um terreno complexo, mas fascinante do quilidade, pois, segundo o Inaf (2018), apenas 12% da
ponto de vista geográfico. São Paulo é o que é em suas população brasileira na faixa de 15 a 64 anos de idade
múltiplas geografias social, cultural, econômica, ambien- são proficientes, 25% estão no nível de alfabetismo in-
tal, entre outras formas de estudá-la geograficamente. termediário1, 34% no elementar2 e 22% no rudimentar3.
Estudos sobre a condição dos jovens e adultos de- Considerados analfabetos temos 8 %.
monstram que, mesmo com a expansão da educação Recentemente, as mudanças na lei trabalhista mo-
formal ocorrida nas últimas décadas, há uma parcela dificaram significativamente a situação do emprego no
significativa da sociedade que não concluiu a Educação Brasil e implicaram uma nova postura e ação dos estu-
Básica por múltiplas razões ligadas a desigualdades so- dantes da EJA nesse novo cenário. Essas transformações
cioeconômicas, ao insucesso escolar diante de uma pers- no âmbito da sociedade exigirão do estudante um novo
pectiva educacional desconectada do mundo do traba- olhar sobre sua formação escolar. Documentos anterio-
lho e à precariedade da qualidade da educação. res da Secretaria Municipal de Educação – SP constata-
O Brasil testemunha, desde a década de 1990 do sé- ram que há uma realidade que deve ser observada: au-
culo passado, um momento de expansão da educação mento de procura por educação formal (...) relacionada
com a mudança do perfil da estrutura produtiva e, con-
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formal em todos os níveis, em consequência das mudan-


ças no mundo do trabalho e nas formas de organização sequentemente do mercado de trabalho. A globalização
e participação social. No caso brasileiro, a universalização da economia e a reestruturação produtiva, com base na
do Ensino Fundamental para a população de 7 a 14 anos acumulação flexível do capital, têm implicado o processo
se encontra atendida, ainda que precariamente em muitos produtivo dinâmico e em constante mudança, em função
aspectos (SÃO PAULO, 2008c, p. 10-11). Por outro lado, da incorporação da ciência e da tecnologia à busca de
verificou-se o aumento extraordinário das matrículas na competitividade. (SÃO PAULO, 2008c, p.10-11).
Educação de Jovens e Adultos, em especial no segundo Tem-se observado que a correlação entre escolari-
segmento do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, o dade e empregabilidade nunca foi tão forte, quanto nos
que indica um crescimento de faixas etárias muito distin- tempos atuais. Assim, a escolaridade promove nos adul-
tas a do perfil anterior, com predomínio de jovens. tos um entendimento do mundo em que se vive, bem

292
como o conhecimento dos procedimentos próprios da consciência se faz não apenas pela reflexão teórica
produção e do consumo, que o impede de atuar com desvinculada da prática ou pelo desenvolvimento
autonomia a partir de habilidades para prosseguir no de qualquer domínio da técnica, mas, também,
mundo do trabalho e compreender as transformações pela intervenção no seu local de vida. Portanto,
que afetam a trajetória pessoal e coletiva na sociedade não existe possibilidade de uma proposta peda-
contemporânea. gógica conscientizadora limitada a um ensino cuja
As dinâmicas da transformação do mundo do traba- finalidade seja a adequação à realidade imediata.
lho indicam e reafirmam a importância da escolaridade Consideram-se os aspectos próprios do viver co-
em todos os níveis de idade. Neste sentido, a educação tidiano com a finalidade de aprender com eles e
geográfica está associada à cultura e cidadania que deve de transcendê-los pela reflexão crítica. Desta for-
promover a democracia e a distribuição da riqueza, como ma, a ação educativa deve contribuir para que os
também permitir liberdade de pensamento e escolhas. educandos, na problematização da vida concreta,
De modo geral, um ambiente educador promove avan- adquiram novos conhecimentos e procedam com
ços em toda a sociedade, portanto ser escolarizado hoje, a superação das formas de saber cotidiano, carac-
é fator determinante para atuar na sociedade moderna terísticas do senso comum. (FREIRE, 1996; 2000).
com relativa independência e autonomia, o que significa 2. A análise da sociedade moderna, manifestada por
poder empregar-se, usufruir benefícios da indústria mo- uma nova forma de tecnologia e de ideologia, as-
derna e ter acesso a variados bens culturais. (SÃO PAULO, sumindo que outra globalização é possível. Dife-
2008c, p.13). rentemente das visões catastróficas, o geógrafo
1. Alfabetismo intermediário é o grupo que consegue Milton Santos que referência esse princípio insiste
identificar informações literais em vários tipos de texto, em dizer em seus textos e imagens que o espaço
inclusive nos científicos; resolve problemas envolvendo de intervenção não acabou, e que se faz de debai-
operações matemáticas complexas com números da or- xo para cima, da periferia para o centro. Sua crítica
dem dos milhões; consegue interpretar diversos tipos de aguda à globalização excludente, a qual ele chama
textos e elaborar sínteses; reconhece o efeito estético ou de globalização perversa, e as considerações sobre
o efeito de sentido de opções lexicais ou sintáticas, de as formas possíveis de participação pela organiza-
figuras de linguagem ou de sinais de pontuação. (https:// ção de base são um eixo para propostas de edu-
www. significados.com.br/analfabetismo-funcional/) cação mobilizadora e participante da EJA. Neste
2. Alfabetismo elementar, as pessoas classificadas sentido, o momento atual seria o de construção
neste nível podem ser consideradas funcional- da libertação do trabalho alienado e degradante.
mente alfabetizadas, pois já leem e compreendem (SANTOS, 2000a; 2001)
textos de média extensão, localizam informações
mesmo que seja necessário realizar pequenas in- Para isso, entendemos que a educação geográfica
ferências, resolvem problemas envolvendo opera- deve ser emancipatória e sinalizadora de outra possibi-
ções na ordem dos milhares, resolvem problemas lidade social, numa postura de enfrentamento da reali-
envolvendo uma sequência simples de operações dade. Enfim, um modelo de educação para criar possi-
e compreendem gráficos ou tabelas simples, em bilidades de aquisição de conhecimentos que permitam
contextos usuais. Mostram, no entanto, limitações entender as transformações no mundo moderno, traba-
quando as operações requeridas envolvem maior lhar, ter dignidade, inclusão e valorização socioambien-
número de elementos, etapas ou relações. (https:// tal e agir com autonomia sobre as múltiplas realidades
www.ipm.org.br/inaf) vividas pelos estudantes da EJA. A ação educativa visa
3. Alfabetismo rudimentar é o grupo que consegue tematizar os avanços da ciência geográfica, as determi-
identificar informações explícitas e literais em tex- nantes colocadas pelas tecnologias e, ao mesmo tempo,
tos simples; compara, lê e escreve números fami- promover a crítica a todas as formas de produção de de-
liares e consegue identificar os maiores e os me- sigualdade e exclusão.
nores; resolve problemas matemáticos simples e Assinala-se que os professores de Geografia, em
estabelece relações entre grandezas e unidades de qualquer segmento do ensino, também precisam conhe-
medida; reconhece sinais de pontuação e sabe suas cer o processo histórico do componente que trabalham.
respectivas designações e funções. (https://www. Por esse motivo, procuramos sintetizar alguns pontos
significados. com.br/analfabetismo-funcional/) dessa trajetória.
A Geografia brasileira que conhecemos hoje como
Neste sentido, reafirmamos dois grandes referenciais disciplina escolar é produto de transformações significa-
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para a educação Geográfica que o Grupo de Trabalho de tivas nas últimas décadas do século XX. Esse processo,
professores da EJA, coautores deste documento, desta- que ocorreu em particular nos anos 1960-1980, retrata
caram como fundamentais. como a Geografia científica crítica construiu uma base
1. O princípio de que educação é tomada de consci- teórico-metodológica que se apresenta a partir de uma
ência. Tal princípio ganha sentido real quando se multiplicidade temática e conceitual. De modo geral, as
compreende que a aprendizagem - realizada em Geografias plurais partem de um objeto comum que são
função daquilo que cada um é e sabe, dentro de as análises espaciais, mas sempre num pano de fundo da
um contexto em que se considera a prática cotidia- crítica ao capitalismo e ao socialismo de Estado. Moraes
na - supõe a tomada de consciência da condição (2003) considera que as questões socioambientais, as
de vida em que se encontra e que essa tomada de disputas por energia e recursos naturais, a intensa degra-

293
dação ambiental e, na contemporaneidade, as mudanças formações. Muitas mudanças podem ser sintetizadas
climáticas evocam geografias plurais, mas integradoras pelos movimentos sociais, por exemplo: das mulheres
das abordagens da natureza e da sociedade. Segundo que buscam a educação como forma de promoção de
Ana Fani A. Carlos, equidade nas relações de gênero; dos diferentes grupos
A produção de um “saber geográfico” move-se no étnicos em busca de reconhecimento e respeito de suas
contexto do conhecimento que é cumulativo (histórico), tradições socioculturais; dos imigrantes e migrantes que
social (dinâmico), relativo e desigual, ao mesmo tempo procuram melhores condições socioeconômicas e sua
contínuo/descontínuo. O dinamismo no qual está assen- inserção nessa nova sociedade; dos ambientalistas que,
tado o processo de conhecimento implica em profundas frente à escassez e esgotamento dos recursos naturais,
transformações no pensamento geográfico. O “novo” propõem reeducar a sociedade para novas formas de
emerge do constituído e a geografia é um saber em vida e modelos de desenvolvimento.
constituição - um processo de reprodução que se realiza Para essa diversidade de objetos, a análise do espaço
pela superação, através de uma postura crítica. Portanto, geográfico foi sendo enriquecida pela contribuição teó-
pode se afirmar que existe, ao longo da constituição do rica de grandes acadêmicos da Geografia como SANTOS
conhecimento geográfico, um movimento constante de (1987; 2000a; 2001; 2008), AB´SABER (2003; 2004; 2007),
superação e de busca de novos caminhos teórico-meto- MONTEIRO (2001), OLIVEIRA (1978; 2001), ANDRADE
dológicos, o que pressupõe que a elaboração de noções (1963; 1989), SIMIELLI (1992; 1997), MOREIRA (1991;
e conceitos apareça articulada à prática social enquanto 2007); ALMEIDA (2001; 2005), CARLOS (1992; 2001;
totalidade que se define, dinamicamente, e nos permita 2004), CORRÊA (1989; 2004); PONTUSHKA (1992; 1999)
pensar a dimensão do homem. (CARLOS, 2002 p.163). e muitos outros que sistematizaram as bases teóricas no
A transformação do saber geográfico associa-se à campo científico.
produção do espaço num contexto histórico lido a partir Na história do pensamento geográfico, os conceitos
de processos observados no presente. Autores que ana- estruturantes foram sendo construídos e podemos citar
lisam a fase rentista do capital e a apropriação da nature- como principais: território, paisagem, lugar, rede, escala,
za dialogam também com conhecimentos dos impactos região e natureza, que são fundamentais, pois destes re-
da exploração econômica e a conservação dos sistemas sultaram métodos e procedimentos específicos do modo
naturais. Não se trata, portanto, de uma visão descritiva de estudar e compreender o mundo.
e neutra do mundo, nem tampouco da desconsideração Apesar de um grande volume de reflexões teóricas
do conhecimento da funcionalidade dos sistemas natu- e conceituais e, de uma grande produção engajada da
rais. Trata-se de uma busca de compreensão integrado- Geografia, a renovação crítica não transformou o ensino
ra dos significados, nem sempre evidentes apenas pela transmissivo em ensino problematizador. Muitos mate-
apreciação do olhar. É preciso construir as concepções e riais didáticos ainda mantêm uma narrativa reducionista
o modo como decifrar o real a partir de uma linguagem e fragmentada da Geografia, particularmente mantendo
conceitual que nos leve a compreender as forças que de- a dicotomia Geografia Física e Geografia Humana. Se-
terminam a produção espacial em suas múltiplas escalas. gundo Carlos (2002 p. 177),
A visão neutra deu lugar à problematização do territó- À volta ao empirismo, a recusa do debate teórico na
rio, visando compreender as forças e disputas dos agen- pesquisa que se desdobra e se limita ao plano fenomêni-
tes, sejam eles públicos ou privados. Do mesmo modo, co, ou ainda na postura que reduz os problemas atuais a
a geografia estuda os processos sistêmicos da natureza, uma possibilidade técnica, viabilizando a produção eco-
integrando conhecimentos destes à apropriação econô- nômica (e, com isso, atendendo as necessidades da acu-
mica e às consequências desta apropriação na vida das mulação), revela uma crise teórica na Geografia. Invadida,
pessoas. Enchentes, deslizamentos de encostas, doen- hoje, pelo discurso da pós-modernidade, a Geografia, às
ças decorrentes da degradação ambiental, assim como vezes, sucumbe diante da necessidade da não-teorização
as características do urbano e rural no mundo atual são dos temas de sua alçada, o que revela, a meu ver, um
temáticas importantes para os estudantes da EJA com- recuo e coloca uma necessidade. Superados os debates
preenderem a dinâmica de um mundo em movimento. dos anos 70, que propunham a necessidade de repensar
Movimento que inclui e exclui pessoas conforme os no- a Geografia e sua contribuição para o desvendamento
vos arranjos produtivos vão se constituindo e a valoração do mundo, apoiada no legado marxista, como embasa-
econômica do espaço impõe. mento da construção de um pensamento radical, onde
A Geografia em movimento trata do mundo técni- se centraria, a potencialidade da crítica radical, hoje, da
co-científico informacional, como definiu Santos (2001, Geografia, quando muitos falam do abandono deste le-
p.118), incorporando cada vez mais a expansão das geo- gado? (CARLOS, 2002, p. 177).
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tecnologias, tornando as ações que constroem o espaço Podemos perceber que no campo científico a ciência
geográfico cada vez mais complexas. Neste aspecto, o geográfica possui um pensamento vivo, multirreferencial
ensino do mapa em qualquer suporte de representação e crítico. Pensamos que também na escola esta ciência
envolve ensinar e aprender, além da alfabetização carto- deve enfrentar essa pluralidade de abordagens. Por este
gráfica as novas tecnologias dos mapas: das cartografias e outros motivos, o documento curricular de Geografia
digitais, as cartografias participativas, ambientais, entre tem como um dos seus objetivos levar aos professores re-
outras. ferenciais para planejar suas práticas educativas apoian-
Diante do atual cenário, representado por diversos do-se na construção de saberes geográficos escolares. É
movimentos de participação e busca por direitos pode- importante considerar como o conhecimento Geográfico
mos afirmar que vivemos uma época de grandes trans- critico pode ser transposto para o ensino. Aqui trata-se

294
de uma visão geral da área e não estamos nos dirigin- [...] significa dizer que a vida cotidiana se realiza num
do especificamente ao segmento da EJA. Optamos por espaço/tempo passível de ser apropriado, vivido, repre-
apresentar o componente Geografia buscando relacionar sentado. Enquanto modo de uso o espaço varia ao longo
eixos estruturantes, objetos de conhecimento e objetivos do tempo determinando e sendo determinado pela rea-
de aprendizagem e desenvolvimento. lização da vida social no território - assim revelando, em
A Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógi- suas transformações, modificações importantes na socie-
cas (CENP), em 1986, “iniciou um ambicioso trabalho dade. Novas perspectivas se abrem é preciso repensar
de reorganização curricular dos então ensinos de 1º e velhos conceitos, pensar em novos - a noção de espaço
2º graus, constituindo equipes de trabalho para elaborar percorre toda a Geografia. (CARLOS, 2002 p.170).
novas orientações curriculares para todas as disciplinas4 Segundo Damiani São Paulo é: uma cidade segrega-
”. A proposta de Geografia que consta no documento da dora, capitalizada em todos os seus espaços, plural em
CENP é a materialização do momento que vivia o Bra- sua formação socioespacial, ambientalmente sacrificada
sil: urbanização e industrialização foram os motes e fios pela voragem do capital, mas também rica em manifes-
condutores dessa proposta para o 1°grau. Na década tações dos injustiçados e palco de importantes processos
de 1990, em São Paulo, na gestão de Paulo Freire como de transformação em curso.
Secretário Municipal de Educação, segundo PONTUSCH- (DAMIANI, 2004, p.25).
KA; PAGANELLI; CACETE (2007 apud ALENCAR, 2009) foi Queremos convidar os professores da EJA a pensar
construído o documento: “Visão de Área de Geografia”. sobre estas questões ao trabalhar a Geografia em movi-
A elaboração desse documento foi fruto da participação mento. Como criar possiblidades instigantes para os es-
dos professores e técnicos do Núcleo de Ação Pedagó- tudantes da EJA? Como ensinar e aprender sobre espaço
gica (NAE). A participação de professores na construção geográfico em suas múltiplas territorialidades? São Paulo
de currículos é fundamental, pois são as transformações é uma síntese de múltiplas escalas de processos que se
das posturas geográficas que produzem rupturas entre territorializam no cotidiano da cidade. Claro que estamos
as interpretações naturalizantes da sociedade. diante de uma proposta que precisa articular-se com os
Um breve olhar sobre a atual configuração espacial demais saberes e seu objetivo maior é auxiliar os profes-
do mundo permite identificar facilmente a localização sores e toda a comunidade escolar, que acreditam num
dos centros de poder, dos diversos conflitos étnicos, re- ensino que faz sentido para a vida, a organizar e propor
ligiosos e civis, dos territórios do crime organizado e do caminhos que potencializem a compreensão do mundo e
narcotráfico, da polarização crescente entre ricos e po- ofereçam aos estudantes da EJA acesso a uma leitura da
bres, dos movimentos nacionalistas e da migração em realidade para promover cidadania e cultura. Pois, afinal,
massa de pessoas da periferia em direção ao centro do
somos responsáveis pela formação de uma sociedade
sistema capitalista. (SÃO PAULO, 2010, p.74).
capaz de pensar e agir criticamente. As complexidades
Diante desses destaques, como pensar um instru-
geográficas exigem muito do campo de estudos da Geo-
mento curricular para a situação geográfica das dimen-
grafia e esta ciência está apta para contribuir significati-
sões e importância territorial nacional e global no Mu-
vamente para a transformação da vida dos estudantes
nicípio de São Paulo para o segmento da Educação de
da EJA.
Jovens e Adultos?
A situação mais imediata de estudo é complexo urba-
no, representado pela Cidade de São Paulo. Não se trata A Geografia nas Ciências Humanas
de estudo da geografia do Município de São Paulo, mas
sim a partir do seu estudo compreender a cidade como A Geografia é um campo de conhecimento das hu-
síntese do mundo. O processo de produção/ reprodução manidades que orienta os estudantes a aprender, a partir
do espaço é dinâmico e contínuo, mas tem suas especi- do pensamento espacial, a contextualizar as situações, a
ficidades a cada momento da história. Trabalhar na EJA a compreender, a ser crítico, ético, cidadão, entre outras
4. No caso de Geografia, a CENP constituiu uma equi- possibilidades que o campo das ciências humanas per-
pe de professores do Departamento de Geografia da Fa- mite. Os estudantes da EJA podem alcançar essas em-
culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. patias e virtudes do campo social, cultural e ambiental a
mobilidade espacial a partir de perspectivas do traba- partir de estudos da paisagem, território e lugares.
lho, do lazer e dos serviços pode ajudá-los a compreen- Não é simples estudar a fragmentação no ambiente
der que, em cada momento da história, a cidade constitui urbano em constante metamorfose e as realidades rurais
características específicas que para serem explicadas é plurais tendo de um lado as agriculturas dominantes e de
necessário compreender os aspectos políticos (que pro- outro as agriculturas familiares, agroecológicas. A delimi-
tação das temáticas específicas para estudantes da EJA é
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duzem o espaço de dominação, uma vez que é no plano


político que são tomadas as decisões que resultam em uma forma de articular os campos de conhecimento das
espaço geográfico); econômicos, que criam as condições ciências humanas no longo processo de construção dos
para a produção e dinamizam as infraestruturas, os meios entendimentos das dimensões humanas no espaço, no
e os recursos financeiros para produzir; o social, que está tempo, no imaginário etc. O pensamento geográfico reú-
na escala da vida cotidiana como prática socioespacial. ne temáticas articuladas da sociedade e natureza e isto
Quando os estudantes da EJA estudam sua mobilidade resultou em caminhos, abordagens e contextualizações
espacial, as dinâmicas urbanas, o lazer, os serviços, por nas diferentes realidades espaciais em estudo, sob enfo-
exemplo, estão diante da análise da prática socioespacial ques teóricos multirreferenciais5. A Geografia desenvol-
permeada pelas relações sociais materializadas como es- ve o pensamento espacial por meio da espacialidade dos
paço geográfico. fenômenos estudados. Por exemplo, o tema da moradia

295
precária na Cidade de São Paulo. O que explica as dife- 2016c; 2010; 2008a; 2008b; 2008c). Nesses documentos
rentes formas do habitar na cidade? Como compreender há uma convergência quanto aos fundamentos de ensi-
de modo realista e crítico a sociedade que vivemos e que no e aprendizagem em Geografia para a Educação de Jo-
produziu a segregação socioespacial do habitar? Como vens e Adultos. Neles são propostos caminhos múltiplos
atuar na construção da sociedade que queremos ser? pautados em diversos recortes das abordagens Geográ-
O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adul- ficas. Isto é uma virtude, pois apesar do padrão que um
tos considera que a Geografia (componente da Área currículo representa, ao que parece, valorizamos aspec-
de Ciências Humanas) tem o propósito de trabalhar as tos como o direito à aprendizagem, as diversidades so-
dimensões humanistas, científicas e tecnológicas sem cioambientais, o pensamento espacial em lugares e seus
neutralidade diante da cultura. Milton Santos se referiu à contextos territoriais.
Geografia como uma ciência desveladora do real. Silveira
(2006) nos alerta que vivemos um momento singular da Dimensões do Conhecimento Geográfico
história onde temos à disposição recursos da tecnolo-
gia, mas grandes angústias e incertezas. Neste cenário, Existem, entre outras, duas formas predominantes de
nós professores temos a oportunidade de “geografizar” organização do conhecimento geográfico que estamos
sem perder de vista dimensões históricas e reconhecer as propondo para os conteúdos e objetivos de aprendiza-
possíveis colaborações de outras disciplinas, sem descui- gem e desenvolvimento na EJA. Uma vista pelo prisma
dar do necessário enfoque humanista da geografia. da área de conhecimento (a Geografia como campo de
No campo específico do dilema informação x for- saberes das Ciências Humanas) e outra buscando a arti-
mação no ensino das humanidades, merece destaque a culação interdisciplinar (diálogo com os campos que es-
reflexão sobre o papel da Geografia na construção das tabelecem fronteiras como dos saberes das Ciências da
posturas éticas e democráticas. Como componente esco- Natureza, das Linguagens etc.).
lar, a Geografia foca os estudos na realidade vivida, e nas A espacialidade, territorialidade e temporalidade dos
determinações multiescalares que definem o futuro de fenômenos geográficos oferece a possibilidade de uma
um território. Qual seria então o papel da educação geo- visão integrada da complexidade, seja do urbano, dos
gráfica? Sugerimos que os estudantes sejam instigados processos da natureza, das questões rurais. Mas para en-
a interpretar paisagens para além do visível, compreen- sinar o complexo é preciso partir de problematizações
der que nas paisagens o trabalho, a cultura e o ambien- que façam sentido para a vida dos estudantes. O trabalho
te estão sempre inter-relacionados, que a apropriação a partir das biografias-narrativas pode despertar o inte-
dos recursos naturais pelo capitalismo gerou impactos resse em aprender Geografia com sentido. O trabalho
socioambientais, que o trabalho transforma os sistemas com mapas falados, mapas participativos da mobilidade,
naturais e a sociedade colhe os resultados benéficos itinerários de campo no bairro ou na cidade trazem para
ou maléficos destas intervenções. Enfim, compreender o estudante uma visão do seu território na cidade, assim
como as variáveis econômicas e políticas determinam a como a percepção da formação sociocultural a que per-
transformação das paisagens. tence.
5. Trata-se de considerar que a Geografia possui múl- Harvey (1973) ao trabalhar com a noção de escalas
tiplas abordagens conceituais e teóricas. de urbanização, observou o fenômeno urbanização em
Portanto, o papel da Geografia é a formação de sujei- suas múltiplas dimensões e expressões espaciais; cada
tos capazes de compreender as características do perío- escala representando uma face particular do processo,
do que vivemos e os profundos dilemas socioambientais um conjunto de características intrínsecas. A escala foi
do mundo contemporâneo, ou seja, dos setores empo- objetivada mediante a visibilidade de partes do real,
derados pelo capital aos territórios da cultura e cidada- que representam estruturas que se diferenciam de acor-
nia. Estudar para compreender o significado da exclusão do com o ponto de vista do observador. A importância
das pessoas nos territórios. Compreender a vida dos ex- operatória da noção por ele utilizada está em observar a
cluídos e subalternizados pelo processo de capitalização urbanização como um fenômeno que adquire caracte-
de todos os espaços. (DAMIANI, 2004; CARLOS, 1996; rísticas particulares com a mudança de escala. (CASTRO,
SANTOS, 1988). 1995, p.136-137).
Considerar a diversidade é outro princípio ligado à Neste sentido, o ensino de uma geografia das socie-
revalorização da cultura no território, das identidades dades contemporâneas supõe-se aceitar que estamos
multifacetadas do hibridismo cultural (CANCLINI, 2008) frente a conceitos e problemas do mundo social, os quais
historicamente responsável pelo modo de ser, viver e tra- sempre mudam, pois são dinâmicos. Significa captar as
balhar no contexto socioespacial. regularidades das lógicas sociais, políticas e econômicas
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Ao tratar das escalas propomos pensar a partir dos que configuram os territórios nacionais e mundiais. Não
fenômenos. Na Cidade de São Paulo, por exemplo, os se trata, então, de um espaço de encenação, onde as coi-
processos produtivos nos coloca na dimensão metropo- sas ocupam um lugar onde os fatos ocorrem, pois é um
litana e a visão de cidade-região (megametrópole) ex- espaço criado e recriado por diferentes sociedades em
trapola os limites administrativos municipais. É preciso cada momento do desenvolvimento histórico da huma-
contextualizar e descontextualizar e organizar os percur- nidade. (GUREVICH, 1998, p. 164, tradução nossa).
sos. Por esse motivo, adotamos a forma de problematizar Um ponto de partida é o estudo da metrópole de São
tematicamente por grandes eixos de estudo. Apoiamo- Paulo que pode ser considerada síntese da aceleração do
-nos em documentos já produzidos pela Secretaria Mu- tempo. Um tempo que imprime e que acumula no espa-
nicipal de Educação (SÃO PAULO, 2017; 2016a; 2016b; ço transformações constantes. Nessa dinâmica da vida

296
urbana percebido cada vez mais nas conexões por redes, Diante desse cenário, questões amplas surgem: como
na virtualidade das relações, nas complexas diferenças e aprender sobre o vivido de modo interessante e relevan-
desigualdades sociais da urbanidade e da injustiça, nos te considerando as trajetórias de vida dos estudantes da
dilemas da escassez de recursos naturais, nas mobili- EJA? Como trabalhar a partir das lentes conceituais da
zações sociais e a busca por utopias de um mundo de Geografia que auxiliam o estudante a aprender com en-
equidade social. As transformações na organização das tusiasmo e desvelando de modo cada vez mais comple-
sociedades industrialistas, como São Paulo, ocorridas xo o seu cotidiano? Quais habilidades são fundamentais
nos últimos dois séculos têm estimulado intensos deba- para ler o mundo por meio das linguagens próprias da
tes entre pesquisadores que analisam a capacidade da Geografia e desenvolver o pensamento espacial? Como
ciência em compreender esses processos de mudanças ensinar as linguagens, tornando os(as) estudantes autô-
e suas múltiplas causalidades e consequências. É nesse nomos(as) nessa capacidade de leituras de mapas, ima-
contexto de construção de leituras complexas que edu- gens, textos, mídias em geral? Como desenvolver a orali-
cadores se debruçam sobre suas escolhas temáticas, suas dade de modo a criar uma argumentação tão necessária
à construção da crítica?
formas de trabalhar na instituição escolar, as relações en-
O professor é o profissional da cultura e da cidadania
tre os campos disciplinares, as urgências sociais, as tem-
e, portanto, o seu repertório geográfico também está em
poralidades da escola, a vida social e ambiental de seus
contínua transformação. A educação geográfica é media-
estudantes. Na EJA essa dimensão das problematizações da por uma linguagem conceitual que vem sendo deba-
se torna fundamental para os estudantes que buscam tida no campo científico. Esse repertório é construído na
novamente concluir seus estudos para uma melhor in- medida em que nós, professores, continuamos nos aper-
serção e adaptação a essa sociedade. feiçoando no conhecimento geográfico. Evidente que a
A expressão “mundo vivido” é muito apropriada para experiência didática na EJA é fundamental para reconhe-
se referir ao propósito da educação geográfica. “O mun- cer que este estudante tem especificidades que precisam
do que chega nas diferentes localidades se apresenta em ser consideradas nas decisões didáticas. Muitas vezes,
fragmentos multiescalares. Pelas diversas mídias, as (os) os problemas que estão presentes na pesquisa científica
estudantes estão expostos à contemporaneidade com- em Geografia são idênticos aos que aparecem no ensino,
plexa” (MORIN, 2000 apud FURLAN, 2014 p.2). O que pois ambos os conhecimentos estão intimamente rela-
chega aos(às) estudantes não são conceitos formalizados cionados, portanto algumas deficiências se alimentam.
da ciência e sim a dinâmica do mundo plural e multiface- Uma destas deficiências é a ausência de pesquisa sobre a
tado do cotidiano. didática de algumas temáticas. Como iniciamos o conhe-
Por isso trabalhar uma Geografia não segmentada6 cimento sobre o clima e os tipos de tempo e seus efeitos
implica uma aplicação de conhecimentos ao mesmo na vida cotidiana na EJA?
tempo do mundo e de São Paulo, analisado de modo Algumas deficiências estão associadas aos enfoques
particular pela ciência geográfica, na busca de uma inter- defasados, visão parcial da realidade e carência de for-
pretação crítica. Neste sentindo, Quijano argumenta que: mação teórica-social, que dificulta ao professor planejar
6. A fragmentação do conhecimento conduziu a uma as aprendizagens dos seus estudantes, de maneira in-
especialização de campos dos saberes geográficos. As- consciente muitas vezes. Uma base conceitual é neces-
sim o ensino do relevo, por exemplo, é apresentado sem sária ao professor. Não estamos querendo dizer para
o contexto da ocupação urbana. Na escola podemos tra- ensinar conceitos e sim ensinar pelos conceitos. Todo
balhar conteúdos sem essa segmentação. A ideia de tra- conceito tem uma validade temporal. Assim, “os con-
balhar temáticas favorece a articulação desses saberes. ceitos criados para explicar certas realidades históricas
têm o significado voltado apenas para essas realidades,
Coloca-se como desafio para as(os) professoras(es):
sendo equivocado empregá-los para toda e qualquer si-
a escolha dos recortes para aprender sobre o mundo
tuação semelhante” (LOPES; BEZERRA, 2007, p.30 apud
por meio de conceitos e métodos de modo a influir no
ALENCAR, 2009).
pensar e propiciar aos estudantes tornarem-se sujeitos Segundo Moraes e Salles (2007, p. 47) “É necessário
ativos e capazes de transformar o mundo num bem viver desmistificar para o estudante que os conceitos são pa-
(QUIJANO, 2012 apud Furlan 2014 p.3). lavras mágicas que explicam tudo, mas são elementos
A ideia do bem viver (envolve qualidade de vida) do conhecimento racional que possibilitam entender a
nos coloca diante de uma perspectiva de religação com realidade”.
a natureza, (ACOSTA, 2016) ajuda-nos a refletir sobre o Para produzir seus conhecimentos, a Geografia segue
bem viver, como uma filosofia política para o reconheci- uma metodologia bastante difundida e utilizada por ou-
mento de que outros mundos são possíveis, pois existem
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tros campos do conhecimento. Seu ponto de partida é a


muitas formas de se fazer e de se viver. Mas para isso é aparência dos fenômenos que estuda, procurando, a se-
preciso sair dessa crença no desenvolvimento linear e no guir, desvendar e compreender seus processos. Para que
progresso, do contrário, adverte o autor, todo o esforço esse processo dialético ocorra, deve-se considerar cate-
por transformação pode resultar em apenas mais uma gorias e conceitos fundamentais que dialogam a todo o
tentativa desperdiçada e indesejável de violência contra momento. (SÃO PAULO, 2016c, p.19).
os Direitos Humanos e os Direitos da Natureza. Ainda Os estudantes da EJA trazem conceitos formalizados
segundo Acosta, as promessas do progresso e desenvol- e neste caso é importante problematizar em diferentes
vimento não se cumpriram e não se cumprirão. O mundo situações como um disparador de ideias. É fundamental
precisa de mudanças profundas e radicais, e para isso é contextualizar conceitos a partir das problemáticas reais
necessário rupturas. dos estudantes.

297
É preciso considerar também que as tecnologias es- além do Estado-Nação, no conceito de território, auxi-
tão presentes na vida cotidiana e fazem parte das trans- liam o professor na discussão tanto na própria sala de
formações do mundo acelerado e virtual, associadas aula como na comunidade onde vive.
cada vez mais aos aparatos tecnológicos que ampliaram Trabalhar com os alunos na construção de um concei-
as possibilidades de acessar informações produzidas so- to de território como um campo de forças, envolvendo
lidariamente por inúmeros sujeitos que postam incessan- relações de poder, é trabalhar a delimitação de territórios
temente nas redes informacionais. Mas decifrar e pensar na própria sala de aula, no lugar de vivência do aluno,
sobre esses conteúdos depende de saberes relativos às nos lugares por eles percebidos (mais próximos – não
intencionalidades da informação disponibilizada. Depen- fisicamente – do aluno); é trabalhar limites, continuida-
de, sobretudo, das condicionantes da economia, da polí- de, descontinuidade, superposição de poderes, domínio
tica, da cultura, das visões de natureza que muitas vezes material e não material – no âmbito do vivido pelo aluno.
estão ocultas nas milhares de páginas de informação, (CAVALCANTI, 2006, p.110).
por exemplo, os sites de busca de informação Gurevich No âmbito dos fenômenos da natureza, pode-se par-
(1998), ao tratar de conceitos em Geografia, considera tir de estudos geoecológicos nos quais o mundo se apre-
que as informações abundantes demandam reflexões so- senta integrado e sistêmico. A fragmentação dos estudos
bre quais conceitos geográficos são mais potentes para da natureza dificulta o entendimento das interpelações
explicar o mundo que é comunicado pelas redes infor- geográficas. Por exemplo, ao invés de estudar isolada-
macionais. A escola, em sua totalidade de sujeitos envol- mente o ciclo da água, é interessante associar este ciclo
vidos no ensinar e aprender, é formada por gente que a questões que envolvem processos de escassez física e
se transforma a partir da mediação escolar, entre pro- econômica da água e as interações da natureza e da so-
fessores e estudantes, em sujeitos responsáveis, trans- ciedade. Um modo de recortar sem fragmentar pode ser
formadores, criativos, empreendedores e seguros do seu feito por meio de eixos de problematização, tais como:
papel social. O trabalho dos professores de Geografia Qual a relação entre a água, hidreletricidade e as bacias
se dá no contexto deste desafio informacional e isto é hidrográficas? Os impactos da ação humana nas bacias
o mais interessante. Ser professor de Geografia é tornar hidrográficas estão gerando escassez de água em São
os(as) estudantes sujeitos de cultura e cidadania, portan- Paulo? Por que e como? Os fenômenos naturais e cíclicos
to encarregados da formação de uma consciência crítica do clima podem nos ajudar a entender por que as chuvas
que estimule a inserção dos(as) estudantes na sociedade ora são abundantes, ora faltam? Faltando energia, como
como sujeitos ativos e participativos numa realidade bra- ficarão as atividades industriais, rurais e comerciais? Será
sileira dinâmica e contraditória. que falta água ou estragamos a água com a falta de sa-
Os conceitos geográficos são lentes que sugerem neamento básico?
métodos para interpretar a realidade, o Currículo da Ci- O Currículo da Cidade: Ensino Fundamental: Geo-
dade: Educação de Jovens e Adultos: Geografia traz a grafia (SÃO PAULO, 2017) cita que “construir conceitos
ciência geográfica como meio que auxilia e dá subsídio a partir do estudo da espacialidade é fundamental para
ao entendimento do mundo que podemos e queremos uma leitura geográfica mais completa. Para isso o profes-
construir. Assim, se pretendemos que os(as) estudantes sor precisa também se sentir provocado a buscar criativi-
da EJA percebam sua ligação simbólica e afetiva com dade, responsabilidade e transformação”, isso reverbera
o mundo vivido, pode-se evocar a dimensão do lugar na ação responsiva dos estudantes da EJA.
como pertencimento e propor métodos de análise de
narrativas visuais ou textuais aproximativas, por exem- SOBRE FUNDAMENTOS TEÓRICOS E CONCEITOS
plo, a construção do mapa afetivo do espaço vivido pela ESTRUTURANTES
comunidade. O lugar como pertencimento suscita o tra-
A Geografia é a ciência da potencialização da capa-
balho com as representações simbólicas expressas na
cidade de observar o real produzido na complexa rede
oralidade, nos esquemas, e mapas que podem ser cole-
de fenômenos sociais e naturais em constante transfor-
tivizados em sua produção. Se o vivido exige que enten-
mação. É diante deste vasto “laboratório-mundo” que
damos as dimensões políticas, o território efetivamente
estudantes e professores da EJA têm a oportunidade de
usado, uma perspectiva interessante pode ser descobrir
buscar as temáticas, os recortes espaciais, as inter-rela-
os agentes do território e seus campos de forças que de-
ções e os métodos de estudos como já explanamos an-
terminam a organização e produção do espaço.
teriormente. Afinal, a Geografia nos serve para entender
O território como potência da ação do Estado tam-
o que vivemos num enredo de cenas prontas e muitas a
bém pode ser entendido por métodos de leitura dos ma-
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construir.
pas, por exemplo, o mapa do plano diretor estratégico do A formulação de suposições explicativas às experiên-
Município de São Paulo. Conhecer como são produzidos cias aguçadas pelas narrativas dos estudantes da EJA é
os planos que definem a produção e o ordenamento do o ingrediente principal para desencadear um processo
território pode abrir uma frente ampla para compreen- de entendimento do mundo pela observação, seleção e
der-se como cidadão. É no território que se expressa o análise de dados, representações espaciais e fundamen-
poder político e econômico da organização social, os tações teóricas que auxiliam o entendimento dos fenô-
conflitos e disputas territoriais promovidas, no caso do menos observados.
Município de São Paulo, pela especulação imobiliária, Os objetos de estudo da Geografia estão no mundo
que resultam em desigualdades e segregação socioes- e podem ser desvelados a partir de métodos construí-
pacial. Desta forma, discutir problematizações que vão dos pela ciência geográfica. Juntos e, estimulando-se

298
reciprocamente, estudantes e professores constroem as pliará a capacidade de refletir sobre as contradições da
explicações para compreender o real que continuamente vida em sociedade contribuindo para que os estudantes
se faz e refaz em seu cotidiano. Não se trata de reduzir o construam uma visão complexa do mundo. É importante
real, mas introduzi-lo na complexidade de múltiplos de- lembrar ideias que não devem escapar às ações dos pro-
terminantes. Neste sentido, seria como estudar sua rua e fessores ao definirem objetos de estudos geográficos e
compreender que o lugar a que pertencemos faz parte seus métodos. A consciência, a intenção, o planejamen-
de uma lógica transversal que determina seu desenho, to, as ações voluntárias e deliberadas e o pensamento,
sua história, suas qualidades e papéis na paisagem que como apontou Vigotsky (1998), têm sua gênese nos
resultam da organização e produção do espaço. Estudar contextos de aprendizagem compreendidos como pro-
uma rua pode ser muito mais complexo do que apenas cessos mediados culturalmente. Isto nos leva mais uma
reconhecer que ela é parte de uma localização. Na rua vez a pensar que as escolhas sobre os fenômenos a se-
podem estar os movimentos sociais, as relações com as rem compreendidos não se dissociam dos métodos para
múltiplas mercadorias, as festas, a arborização, as formas abordá-los.
de relevo, a insegurança, a violência, a arte, entre outros Neste sentido, o espaço geográfico é o objeto central
tantos objetos de estudo. Enfim, a rua como espaço pú- de estudo e os conceitos território, paisagem, natureza,
blico ou apropriado como espaço privado pode conter lugar, região, redes, escala devem ser abordadas como
um leque de objetos que, por meio do repertório geo- estruturantes na construção desse conceito. O trabalho
gráfico, nos levará a compreender as múltiplas escalas e com as diferentes situações geográficas em São Paulo, em
tempos de uma territorialidade. sua complexidade, pode ser compreendido a partir destes
Portanto, a decisão sobre quais conteúdos e méto- conceitos. Estes têm se mostrado acessíveis aos estudan-
dos de ensino são apropriados para compreender a or- tes, tendo em vista suas características cognitivas e afetivas.
ganização espacial parte de reflexão mais profunda so-
bre como lidar com o simples e o complexo, a teoria e a a. Território
prática. Desse modo, os objetos de estudo da Geografia O conceito de território pode ser definido a partir de
são indissociáveis das escolhas conceituais, dos proce- distintos pontos de vista, pois a Geografia não tem ex-
dimentos de análise, enfim das abordagens geográficas clusividade em relação a ele. Diversas áreas do conhe-
de estudo de suas variadas formas de se aproximar da cimento utilizam o conceito de território de acordo com
realidade. O que ensinar e como ensinar são faces de um sua própria perspectiva predominante. Por exemplo, a
mesmo objeto, e esse é o grande desafio. Ciência Política tende a valorizar a perspectiva ligada às
Defendemos que esta decisão deve partir de uma relações de poder, principalmente no que diz respeito
postura ambientalizada. Podemos abordar os objetos de aos Estados; a Antropologia tende a valorizar aspectos
estudo geográfico de modo completo, dialogando com ligados à cultura e ao simbolismo dos povos; a Biologia
as abordagens que possibilitam compreender as dimen-
considera os aspectos naturais; a Psicologia, as dimen-
sões indissociáveis do homem e da natureza. Estudos
sões da construção da identidade do indivíduo. Na Geo-
completos de Geografia em sua ampla dimensão natural
grafia, território é o produto da materialidade técnica das
e social podem desentranhar e desvelar os entrelaça-
sociedades. É também campo de forças políticas onde as
mentos do mundo físico e humano.
ações humanas constroem as marcas de sua produção e
Assim, o professor tem em suas mãos múltiplos “li-
projetam sua cultura.
vros” imagéticos num universo vivido pelos estudantes.
O território contém toda a diversidade e complexida-
Os objetos estão no cotidiano. O que não quer dizer que
estão evidentes apenas por ser o local onde se vive. A de das relações sociais, de convivências e diferenças cul-
Geografia está presente na vida de todos nós, mesmo turais que se estabelecem em um mesmo espaço. Dessa
antes de estudarmos esta ciência na escola, mas a ciência forma, “o conteúdo político do território é expresso em
geográfica nos ajuda a analisar os diferentes campos de diferentes escalas além do Estado-nação, como no in-
força que disputam territórios, lugares e paisagens para terior das cidades onde territorialidades diferentes ma-
além da aparência. “Hoje, certamente mais importante nifestam distintas formas de poder” (SÃO PAULO, 2008,
que a consciência do lugar é a consciência do mundo, p.45). HASBAERT (2004) lembra que:
obtida através do lugar” (SANTOS, 2005, p. 161). Enquanto continuam dentro de um processo de do-
Nas relações do cotidiano se constroem nexos, mas minação e ou apropriação, o território e a territorialização
é preciso construir a crítica e nisto reside o importante devem ser trabalhados na multiplicidade de suas mani-
papel do professor na mediação dos novos significados. festações que é também e, sobretudo, multiplicidade de
Em nosso cotidiano de trabalho, nas relações com o co- poderes, neles incorporados através dos múltiplos sujei-
tos envolvidos (tanto no sentido de quem sujeita quanto
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mércio, nas oportunidades de lazer, nas complexas rea-


lidades urbanas, nas questões ambientais, nos processos de quem é sujeitado, tanto no sentido das lutas hege-
da natureza e nos desafios da agricultura e da produção mônicas quanto das lutas de resistência - pois poder sem
na terra, enfim pode-se ensinar o mundo por suas múl- resistência, por mínima que seja, não existe). Assim, de-
tiplas espacialidades e temporalidades aprendendo que vemos primeiramente distinguir os territórios de acordo
as coisas não acontecem sem sentido nos lugares. É na com aqueles que os constroem, sejam eles indivíduos,
construção deste sentido que teoria e prática devem se grupos sociais/culturais, o Estado, empresas, instituições
entrelaçar. como a Igreja etc.(HASBAERT, 2004, p. 3).
A imersão teórico-prática no cotidiano favorece o Ampliando a discussão referente à territorialidade,
processo cultural formador dos campos de significação SACK (1986) argumenta que: a territorialidade é um com-
(sujeito - mediação cultural – objeto social) que am- portamento humano espacial. Uma expressão de poder

299
que não é nem instintiva e nem agressiva, apenas se fluência imediata no nível local. Vem sendo utilizada em
constitui em uma estratégia humana para afetar, influen- várias abordagens da geografia, do materialismo his-
ciar e controlar o uso social do espaço, abarcando escalas tórico a fenomenologia. As Geografias Humanística, da
que vão do nível individual ao quadro internacional. Ou Percepção e Cultural trabalham lugar como categoria de
seja, a tentativa de um indivíduo ou grupo para afetar, análise do pensamento geográfico e constitui-se um con-
influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, e ceito fundante da pesquisa sobre o pertencer a uma rede
para delimitar e impor controle sobre uma área geográ- de significados espaciais. Vários autores são referência
fica. Essa área será chamada de território. (SACK, 1986, para o estudo deste conceito, dentre eles: Santos (2005)
p.19). e Carlos (2010), referentes ao materialismo, e Oliveira
Sendo assim, devemos considerar a existência de (2013) e Tuan (1983), na fenomenologia. Na dimensão
diferentes poderes no território e não apenas o Estado da Geografia humanista, o lugar traduz os espaços com
como um único núcleo de poder, uma vez que o poder os quais as pessoas têm vínculos afetivos, subjetivos e
é exercido por pessoas ou grupos, que por meio de nós simbólicos: uma praça local de encontro de amigos, a ja-
e redes e com diferentes estratégias e atividades cotidia- nela de onde se vê a rua, o alto de uma colina, de onde se
nas materializam o território. (RAFFESTIN, 1993). avista a cidade. O lugar é onde estão as referências pes-
soais e coletivas e o sistema de valores que direcionam as
b. Paisagem diferentes formas de perceber e constituir a paisagem e o
A paisagem geográfica pode ser entendida como espaço geográfico. Além de se estabelecer a relação das
conjunto de objetos que definem arranjos espaciais que pessoas a partir de seus vínculos afetivos, subjetivos e
combinam diferentes tempos (SANTOS, 1998). Mas a pai- simbólicos, o lugar pode ser percebido como: local onde
sagem pode também adquirir o significado de produto se satisfaz necessidades de sobrevivência; experiência
da experiência vivida e herança da natureza (AB´SABER, íntima e direta com a rua e bairro onde se vive, e indi-
2003). Na visão ecológica, a paisagem é um conjunto es- reta como o local de trabalho, estudo ou conceitual por
truturado e funcional de formas que permitem identificar meio da representação pela arte. A experiência no lugar
unidades homogêneas (MONTEIRO, 2001). A paisagem pode ocorrer de forma passiva (pelos sentidos) ou ativa
em sua relação com o homem é marcada por transfor- pela observação visual analítica e apreensão simbólica. O
mações. De acordo com Sauer (1998), a paisagem exis- vínculo (sentimento e pensamento) com lugares pode se
te enquanto fenômeno, como uma expressão cultural, dar em diferentes escalas (da biblioteca pessoal ao mun-
como uma representação proveniente das ações e atri- do). A visibilidade dos lugres se por meio das paisagens,
buições de sentidos humanos, assim, os significados atri- do confronto com outros lugares, da comparação visual,
buídos revelam vínculos que podem estar relacionados do poder evocativo das artes, da arquitetura, das cerimô-
com a ordem do sagrado, as práticas econômicas ligadas nias e dos rituais.
a certos arranjos técnico-culturais bem como as formas
de sociabilidade. Mas a paisagem também é produto de d. Natureza
um sistema territorial, no qual os processos biogeofísicos Cada período histórico é marcado por um determi-
lhe dão forma e conteúdo. nado posicionamento filosófico em relação à concepção
A relação dos fatores físicos e históricos, com suas es- de Natureza. As explicações e as definições de Natureza
truturas econômicas e sociais, permitiu múltiplas territo- acompanham as concepções de mundo dependendo do
rialidades. Desta forma, a análise integrada dos atributos grupo humano, do tipo de sociedade ou da classe social
da natureza e da cultura passa antes pela formulação e de quem responde (CARVALHO, 1991, p.16). A forma de
análise do conceito de unidade e diversidade na paisa- estudar e interpretar os sistemas naturais segue essa am-
gem. Isto permite uma percepção importante de que a pla gama de construções epistemológicas. A Natureza é
natureza é constituída por processos ao invés de objetos uma construção social da interpretação e representação
e que esses processos relacionados são sempre eventos dos sistemas naturais. Em Geografia estudam-se tanto os
dentro da esfera da ação de um observador, seja ele a sistemas em si, em sua funcionalidade, como as ideias
sociedade, seja ele os demais seres vivos que dependem de natureza. E a partir dessa construção humana, esta-
de sua dinâmica. belecemos formas de concebê-la e de nos relacionarmos
A paisagem tem uma extensão e pode ser identifica- com o ambiente. Na atualidade, evidencia-se em diversas
da em suas unidades, pode ser representada cartogra- áreas do conhecimento a eclosão de novas teorias (Teo-
ficamente, reconhecendo os diferentes arranjos que lhe ria da Auto – Organização, Teoria da Complexidade, Teo-
conferem unidade espacial e territorial. A paisagem é a ria das Estruturas Dissipativas) referentes a estas novas
“assinatura” de um território. É nela que estão expressas visões de mundo que consequentemente trazem consi-
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as marcas históricas da sociedade, fazendo assim da pai- go novas concepções acerca da Natureza. A Geografia
sagem uma soma de tempos desiguais, uma combinação trabalha com uma conceituação ampla de Natureza: fun-
de espaços geográficos. cional, simbólica, sagrada e produzida pelo capitalismo.
A natureza é também a base da existência de todas as
c. Lugar formas de vida, é o seu habitat. Os sistemas naturais são
Pertencer a um território e à sua paisagem significa responsáveis por processos vitais como ciclo da água, a
fazer deles o seu lugar de vida e estabelecer uma identi- formação dos solos, a esculturação do relevo e as dife-
dade com eles, dar-lhe sentido. O conceito de lugar vem rentes coberturas de vida do planeta que representam
sendo retomado com significados mais amplos uma vez a biodiversidade. O conceito de natureza possui uma
que os processos que ocorrem em escala global têm in- dimensão histórica que resultou em mudanças espaço-

300
-temporais. A natureza é formada por coisas vivas e não graças ao domínio da fluidez e da velocidade de cone-
vivas, como as rochas, suporte do relevo e da vida. Os xões e circulação de mercadorias e das informações - ca-
sistemas naturais existem por si só, independentemen- racterísticas do mundo globalizado -, foi muito veiculado
te da presença ou interação humana, mas a natureza na Geografia o fim das especificidades regionais, irrele-
como conceito é uma construção social, porque envol- vantes diante da homogeneidade imposta globalmente.
ve a capacidade de criar leituras, interpretações, usos e (BRITO, 2007, p.77).
significados desses sistemas. Os sistemas naturais foram No entanto, Santos (1988) relembra que:
apropriados pelas sociedades em sua longa relação so- [...] ao contrário do que parece, a região se torna ainda
cioeconômica e cultural. Desses são extraídos os recursos mais importante no mundo contemporâneo, tendo em
que viabilizam a sobrevivência material e biológica. Mas vista, em primeiro lugar, o tempo acelerado acentuando
é a partir das práticas de exploração no capitalismo mun- a diferenciação dos eventos, aumentando a diferenciação
dializado e do meio-técnico-científico-informacional que dos lugares; em segundo lugar, já que o espaço se torna
os sistemas naturais são modificados criando situações mundial, o ecúmeno se redefine. (SANTOS,1998, p.196)
críticas de degradação e esgotamento. Nesse sentido, Ainda segundo Santos (1988, p.28), “todos os lugares
lembrar que “Natureza” é concebida por Milton Santos são virtualmente mundiais, mas também exponencial-
como a relação sociedade-natureza, e que é reconhecida mente diferentes dos demais”.
como uma parte ou fragmentação do mecanismo capi- A Geografia estaria, então, identificada como a ciên-
talista de produção mundializada, no qual o progresso cia que busca decodificar as imagens presentes no co-
técnico-científico estaria mediando esta interação. Entre- tidiano, impressas e expressas nas paisagens e em suas
tanto, Dulley (2004) compreende que a natureza também representações, numa reflexão direta e imediata sobre
possui uma ordem funcional que independe do homem, o espaço geográfico, o território, a região, a natureza e
e que para compreensão da apropriação dos elementos o lugar e, assim, instrumentalizando os(as) estudantes a
naturais e transformados das paisagens é importante co- decifrar e ler de modo crítico as imagens para formar lei-
nhecer a influência da natureza no processo de constru- tores críticos em diferentes linguagens.
ção do espaço geográfico. A ciência Geográfica contribui na compreensão de
Diante do quadro preocupante de degradação am- como se estabelecem as relações locais com as univer-
biental, cabe ao ensino de Geografia ampliar a reflexão sais, como o contexto mais próximo contém e está con-
sobre a necessidade de uma visão integradora dos siste- tido em uma escala mais ampla e quais as possibilidades
mas naturais. Por essa perspectiva reflexiva é que conteú- e implicações que essas dimensões possuem. No mundo
dos como as interações solo x clima x relevo x cobertura atual, o meio técnico-científico-informacional adquiriu
vegetal e funções da fauna podem ser tematizados em um papel fundamental e, no processo de mundialização
Geografia. A biodiversidade hoje é também temática de e massificação, o mundo convive com novos conflitos e
Geografia, pois os sistemas naturais dependem das in- tensões, tais como o declínio dos Estados-nação, a for-
terações bióticas para sobreviver e produzir benefícios, mação de novos arranjos comerciais, as políticas econô-
tais como a água, a depuração atmosférica, alimentos micas, a ordem ambiental mundial, a desterritorialização
saudáveis, entre outros. Cabe à Geografia escolar esti- e reterritorialização constantes de pessoas e povos e ou-
mular a reflexão-ação local no sentido de melhor cuidar tros temas que recuperam a importância do saber geo-
e transformar as práticas que degradam e comprometem gráfico. Nesse sentido, o processo de regionalização ga-
a qualidade ambiental e a qualidade de vida. A sustenta- nha novos contornos e desconstrói a visão naturalizada
bilidade socioambiental depende de posturas novas que de um mundo organizado por um conjunto de variáveis
se constroem no processo educativo. O ambiente urba- estáticas e aborda como as relações e interações ocorrem
no representa um desafio complexo para as sociedades nos campos econômicos, políticos, meio ambiente, entre
contemporâneas e, neste sentido, tratar da sustentabili- outros. Há uma multiplicidade de questões que, para se-
dade da cidade não se reduz à conservação dos recursos rem entendidas, necessitam de uma educação geográfi-
ambientais, mas também de assegurar condições de vida ca bem estruturada. Isto que explanamos se apresenta
digna à população, propiciando que parcelas da socieda- no Município de São Paulo. Um município integrado às
de não sejam excluídas do processo de desenvolvimento redes, desigual nas territorialidades, de crises de proces-
das cidades. A agenda 2030, definida pelas Nações Uni- sos naturais, rico na diversidade cultural etc.
das em 2016, propõe que se articule em todos os âmbi- O estudo de Geografia possibilita aos estudantes a
tos sociais 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável compreensão de sua posição no conjunto das interações
que podem ser articulados às propostas educativas. Nes- da sociedade com a natureza; como e por que suas ações,
se item percebe-se a possibilidade de interlocução da vi- individuais ou coletivas, em relação aos valores humanos
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são de natureza transformada pelo trabalho e informada ou à natureza, têm consequências – tanto para si como
pela cultura. para a sociedade abrangente. Permite também que ad-
quiram conhecimentos para compreender as diferentes
e. Região relações que são estabelecidas na construção do espaço
Região, conceito da Geografia clássica, aparece na geográfico no qual se encontram inseridas, tanto em ní-
Geografia Moderna em meados do século XIX (BRITO, vel local como mundial, e perceberem a importância das
2007 apud SÃO PAULO, 2016c). De início, fundamentada atitudes de solidariedade e de comprometimento com o
nas características dos sistemas naturais, definia setores destino das futuras gerações. Além disso, seus objetos
das paisagens onde se identificava uma “homogeneida- de estudo e métodos possibilitam que compreendam os
de” numa determinada escala espacial. Brito afirma que: avanços na tecnologia, nas ciências e nas artes como re-

301
sultantes de trabalho e experiência coletivos da humanidade, de erros e acertos nos âmbitos da política e da ciência.
O ensino da Geografia pode e deve ter como objetivo levar o(a) estudante a compreender que cidadania é também o
sentimento de pertencer a uma realidade na qual as interações entre a sociedade e a natureza formam um todo inte-
grado e constantemente em transformação. (SÃO PAULO, 2017 p.78-79)

f. Redes
As redes geográficas adquirem importância cada vez maior no contexto atual de múltiplas conexões que os proces-
sos produtivos e informacionais promovem. Castells (2000), em seu livro “Sociedade em rede”, define a rede como “um
conjunto de nós interconectados e nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta”.
A ideia de relações conectadas de vários elementos espaciais, por exemplo, centros urbanos, bolsas de valores,
sistemas de televisão, etc.
As redes são o meio através do qual se desenvolvem e se manifestam os diferentes tipos de fluxos, conforme o tipo
de rede e de seus nós. A rede urbana é uma forma simples de compreender a organização em redes. Neste caso, iden-
tifica-se uma hierarquia de cidades conforme seu porte e sua importância econômica, sendo seus nós compostos por:
cidades globais, metrópoles nacionais, metrópoles regionais, centros regionais, subcentros regionais e cidades locais.
Há uma interligação entre esses nós da rede urbana, entre os quais se estabelecem fluxos de mercadorias, pessoas,
serviços etc. (...) O desenvolvimento da tecnologia da informação favorece a base material para a expansão das redes
em toda a estrutura social a ponto de que a tendência seja de que cada vez mais a sociedade se organize em forma de
redes geográficas materiais e não-materiais. (LISBOA, 2007, p.30).
O conceito de “redes geográficas” refere-se, portanto, às ligações que se entrecruzam no espaço geográfico (como
o próprio nome nos faz entender). Essas ligações - sejam elas imaginárias ou reais - formam uma infraestrutura especí-
fica, um conjunto de nós entre seus elementos, operacionalizando e hierarquizando o espaço a ser analisado.
Os fixos e fluxos são fundamentais para que as redes sejam funcionais. Eles se sobrepõem formando novas caracte-
rísticas e “tramas” para que o fenômeno se amplie no espaço geográfico. Os fixos como pontos na estrutura e os fluxos
fazendo circular bens, serviços e informações. Os elementos das redes articulam-se entre si, modificando-se através do
tempo e reorganizando o espaço de acordo com o surgimento de novas demandas/necessidades.

g. Escala
Por muito tempo, a constituição ou as identificações de Escala Cartográfica e Escala Geográficas desenrolaram
equívocos e confusões. Segundo Castro (1995), o raciocínio que compara e torna escalas geográficas e cartográficas
análogas dificultou a definição do conceito. Ainda que pouco debatido ou teorizado como nos apresentaram Melazzo
(2007) e Castro (1995), a Escala necessitou, assim como o restante do arcabouço conceitual estrutural da Geografia, ir
além da medida de proporção ou valor métrico.
Neste sentido, a análise da escala permite ir além das concepções métricas cartesianas que grassou o pensamento
geográfico. Podemos compreender escala a partir de um distanciamento da concepção positivista que concebe o es-
paço como um receptáculo, no qual cada fenômeno é apresentado pontuado, metrificado e catalogado, com tamanho
determinado. Não só a Geografia, mas os outros discursos científicos colaboram ao interpretar a escala como uma
representação, em fração, reduzida do real. Dentro das definições da Escala Cartográfica, temos a redução em pro-
porções de fenômenos que buscamos representar uma superfície topográfica a uma plana (mapa, planta ou carta) de
um espaço delimitado. Neste sentido, a escala “[...] é a relação entre a medida de um objeto ou lugar representado no
papel e sua medida real” (IBGE, 2010) .
Na cartografia, é fundamental que o estudante tenha a construção cartesiana dos mapas, mas é necessário um salto
na complexidade da análise do espaço. A Escala é, portanto, utilizada como uma estratégia de apreensão da realidade,
em que damos apresentação dos fenômenos problematizados (seja a urbanização, as questões agrárias, os climas etc.)
que adquirem características particulares pela mudança da escala. Como exemplo, se focarmos no estudo das regiões
metropolitanas e sua influência na economia do estado em que estão inseridas, ou como determinada avenida muda
de função a partir da análise do bairro, como também em relação à cidade. A cada escala utilizada demonstra-se uma
complexidade diferente. A extensão do fenômeno muda, as coisas mudam, é importante identificar como estas rela-
ções mudam e quais os conteúdos novos elas ganham, a partir da alteração de suas novas dimensões escalares.
Em outro sentido da escala, podemos analisar as ações dos indivíduos no espaço e sua capacidade de transformar
tempo, forma que se criam e recriam, embasando as possibilidades de entender as Escalas nas perspectivas das trans-
formações políticas e na atuação dos sujeitos em extensão e níveis de atuação. A Escala de ação é entendida como
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o movimento de sujeitos em movimento nos arranjos de objetos e normas, constituída de extensão da ação em um
tempo; e a totalização desses vetores múltiplos compõem a escala de resultado.

302
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303
ENSINAR E APRENDER GEOGRAFIA NA EJA [...] o primeiro trata de conhecer o mundo e obter in-
formações a seu respeito, o segundo é conhecer o espa-
A compreensão do espaço vivido é o caminho da ço produzido pelo homem, e o terceiro é fornecer infor-
transformação do cidadão. Mas isso depende da postura mações que possibilite o aluno condições para construir
dos sujeitos sociais em contrapor o que está dado como sua cidadania. (CALLAI, 2006, p. 53)
realidade e seu entendimento do que pode ser modifi- Claro que conhecer como jovens e adultos aprendem
cado, transformado. Para isso é fundamental uma forma a partir do repertório que já possuem pode orientar a
de ensinar e aprender que permita o diálogo, a troca de ação educativa. A observação, análise e síntese dos fe-
ideias, a discussão de fatos e a construção de opiniões nômenos são pressupostos para planejar atividades, dar
próprias pelos estudantes. A partir da consciência dos sentido a elas e permitir que os estudantes participem
lugares, o protagonismo e o pensamento crítico dos das decisões. Frente à fragmentação e descontinuidade,
estudantes pode fazê-los alcançar a compreensão e a muito presente na EJA, sugerimos um planejamento que
aplicação do raciocínio geográfico para, com isso, refletir articule as situações trabalhadas de modo que se possa
sobre as lógicas de apropriação do espaço globalizado. assumir a necessidade de continuidade e aprofundamen-
Na busca de compreender como o espaço geográfico é to nos estudos.
produzido e reproduzido, como ele pode ser apropriado No entanto, o que ainda nos desafia é o desenvol-
a partir de várias formas, o(a) estudante da EJA poderá vimento da didática dos diferentes objetos de conheci-
construir seu conhecimento buscando investigar e pro- mento. Como desenvolver progressivamente um eixo?
por alternativas para seu bairro, assim como desenvolver Esta questão está bem resolvida na alfabetização carto-
habilidades para o mundo do trabalho, ampliando sua gráfica, mas em vários outros campos o modo de ensinar
escala de participação. e aprender avançou pouco e daí a importância da práti-
No entanto, um grande desafio encontrado por esses ca do professor, que é autor de sua própria situação de
ensino. O debate não é a única forma de aprender! Há
estudantes está na leitura e na escrita que são fundamen-
necessidade de pesquisa sobre a didática em Geografia
tais para compreender informações, produzir textos au-
e da utilização uma ampla gama de modalidades orga-
torais e formular ideias e conceitos, ampliar concepções
nizativas.
de mundo, enfim, adquirir repertório geográfico. Todos
Paulo Freire (1996) observou que as proposições das
os professores têm a responsabilidade em garantir que
práticas docentes precisam aproximar o estudante dos
estudantes da EJA participem do mundo letrado, por isto
objetos estudados de forma crítica. Apontou também
uma primeira orientação é oferecer situações nas quais
que as(os) estudantes devem ter a sua curiosidade agu-
os textos e a produção textual estejam sempre presentes. çada sobre um assunto de modo crítico.
A proficiência em leitura e escrita é fundamental no mun- O professor e os(as) estudantes (pensando aqui na
do contemporâneo para que eles exerçam seus direitos, questão da construção da autonomia da leitura e outros
comuniquem-se com a sociedade, informem-se , saibam aspectos do aprender) poderão usar métodos de inves-
pensar de modo interpretativo, construam habilidades tigação que permitem o questionamento da realidade,
para enfrentar o mundo contemporâneo. A autonomia e como trabalho de campo, entrevistas com a comunidade,
emancipação é fundamentada no saber geográfico, pois assim como a análise e construção das diferentes lingua-
permite compreender e explicar as relações entre a so- gens geográficas para compreender melhor o ambiente
ciedade e a natureza, bem como entender o movimento em que vive e conseguir desta forma intervir nele.
contínuo de transformação que o espaço está sujeito.
Saber, por exemplo, que todos somos cidadãos com di- ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA
reitos civis, sociais e políticos garantidos por lei pode aju-
dar os(as) estudantes a significar o espaço vivido. Quanto Sobre Organização de Conteúdos
mais dinâmica e criativa for a aula, utilizando várias for-
mas de linguagem para atingir o objetivo remetido pelo Os conteúdos sugeridos no documento curricular
conteúdo, mais o(a) estudante irá compreender aquilo estão organizados por eixos8 que possibilitam um pla-
que está a sua volta. nejamento articulado de diferentes conceitos, procedi-
Os estudantes, a despeito de suas dificuldades e inca- mentos, atitudes e valores para cada etapa da escolari-
pacidades reais ou circunstanciais, físicas ou intelectuais dade em EJA. Assim, os eixos: constituem caminhos para
e socioeconômicas, têm desafios de aprendizagem, em articular os conceitos com os conteúdos, pois sem esta
graus diferentes (uns mais, outros menos). Dessa forma, articulação os conceitos seriam apenas definições vazias
precisam ser aceitos, compreendidos e respeitados em e sem sentido. Os eixos poderão servir de referência para
seus diferentes estilos e maneiras de aprender, sejam
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nortear a organização curricular, possibilitando ao pro-


eles jovens, adultos ou velhos. Respeitando-se os tem- fessor incorporar novos temas, considerar os conheci-
pos, interesses e possibilidades de ampliar e de aprofun- mentos prévios dos(as) estudantes, bem como construir
dar conhecimentos, em qualquer nível escolar. com eles os conceitos geográficos necessários para lei-
Já há muito tempo é sabido que a melhor estratégia tura do mundo. Neste documento, foram incorporados
para se ensinar qualquer componente curricular é des- de modo a ampliar as possibilidades práticas de sala de
pertar o desejo de saber e de aprender. Por isso, na Geo- aula, de diferentes sequências de conteúdos; do trata-
grafia, a interação do professor com as questões reais mento de conteúdos em diferentes situações locais e do
dos estudantes da EJA é fundamental. Segundo Callai estabelecimento das várias conexões entre conteúdo dos
(2006, p.53) há pelo menos três motivos para ensinar diferentes eixos e os temas interdisciplinares (SÃO PAU-
Geografia: LO, 2017, p. 71).

304
Os respectivos conteúdos podem ser organizados em 5. Igualdade de Gênero: alcançar a igualdade de gê-
temas e problemas para investigação, elaborados parti- nero e empoderar todas as mulheres e meninas;
cularmente pelo professor no seu plano de ensino. De- 6. Água potável e saneamento básico: assegurar a
ve-se esclarecer que não se propõe forçar a integração disponibilidade e gestão e saneamento a todos;
aparente de conteúdo, mas trabalhar conhecimentos de 7. Energia limpa e acessível: Assegurar o acesso con-
várias naturezas que se manifestam inter-relacionados fiável, sustentável, moderno e a preço acessível à
de forma real. energia, para todos;
Os fundamentos que orientam a seleção de conteú- 8. Trabalho decente e crescimento econômico: Pro-
dos valorizam conceitos como estruturadores do pen- mover o crescimento econômico sustentado, in-
samento geográfico que compõem a mola mestra da clusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo,
organização dos grandes eixos de estudo. Conceitos de e trabalho decente para todos;
território, paisagem, lugar, região, rede, escala foram va- 9. Indústria, inovação e infraestrutura: Construir infra-
lorizados no intuito de favorecer a didatização das situa- estruturas resilientes, promover a industrialização
ções geográficas. inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;
Lembramos que a Educação de Jovens e Adultos 10. Redução das Desigualdades: reduzir as desigual-
(EJA) no Município de São Paulo é composta por diver- dades dentro dos países e entre eles;
sas formas de atendimento9, mas consideramos que a 11. Cidades e Comunidades Sustentáveis: tornar as
proposta deveria se pautar pela forma de atendimento cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
mais representativa, no caso a EJA Regular de 4 anos que seguros, resilientes e sustentáveis;
se apresenta organizada por Etapas: Alfabetização, Bási- 12. Consumo e produção responsáveis: Assegurar pa-
ca, Complementar e Final. Em cada Etapa da EJA há um drões de produção e de consumo sustentáveis;
quadro sistematizado com quatro colunas: Eixo, Objetos 13. Ação contra a mudança global do clima: Tomar
de Conhecimento, Objetivos de Aprendizagem e Desen- medidas urgentes para combater a mudança do
volvimento e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável clima e seus impactos;
(ODS). Estes últimos selecionados do documento: Trans- 14. Vida na água: Conservar e usar sustentavelmente
formando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desen- os oceanos, os mares e os recursos marinhos para
volvimento Sustentável, decorrente de um plano elabo- o desenvolvimento sustentável;
rado com a participação de 193 países, coordenado pela 15. Vida terrestre: Proteger, recuperar e promover o
Organização das Nações Unidas e que estabelece impor- uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir
de forma sustentável as florestas, combater a de-
tantes metas como erradicação da fome, das guerras, das
sertificação, deter e reverter a degradação da terra
violências sociais, políticas e religiosas, a promoção pelo
e deter a perda de biodiversidade;
saneamento básico e moradias decentes a todos, além
16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes: Promover so-
de preconizar alfabetização universal.
ciedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvi-
A Agenda 2030 estabeleceu dezessete Objetivos de
mento sustentável, proporcionar o acesso à justiça
Desenvolvimento Sustentável (ODS), e todos estão rela-
para todos e construir instituições eficazes e inclu-
cionados aos objetos de conhecimento e aos objetivos
sivas em todos os níveis;
do Currículo de Geografia para EJA. São ODS: 17. Parcerias e meios de implementação: Fortalecer
Considerou-se as Unidades Temáticas Propostas pela os meios de implementação e revitalizar a par-
BNCC para o Ensino Fundamental II mesmo que não exis- ceria global para o desenvolvimento sustentável.
ta referências para a EJA, mas adotamos a concepção de (Disponível em: http://www.agenda2030.com.br/
eixo estruturador, pois inserimos uma síntese problema- os_ods. Acesso: em 02 de jan. de 2019).
tizadora. Esta forma de organizar nos permite inserir as
questões semânticas e textualizar a visão proposta. As- As abordagens destes Objetivos de Desenvolvimen-
sim, acreditamos permitir diálogos com os educadores to Sustentáveis constituem-se em dispositivos para uma
que podem pautar-se por uma referência para ampliar educação inclusiva, equitativa e de qualidade.
a compreensão e decisão sobre como alcançar os obje- A partir da interação com o Grupo de Trabalho da EJA
tivos de aprendizagem e desenvolvimento propostos no foram apresentadas propostas que consideraram as bases
Currículo. epistemológicas e sócio-históricas críticas do pensamento
Consultar: http://portal. sme.prefeitura.sp.gov.br/ geográfico e os processos de organização dos conteúdos,
Main/Page/PortalSMESP/ Formas-de-Atendimento destacando evidentemente uma preocupação explícita,
1. Erradicação da pobreza: Acabar com a pobreza em contextualizada com a retórica científica sobre a impor-
todas as suas formas, em todos os lugares;
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tância da organização do ensino pela aprendizagem dos


2. Fome zero e agricultura sustentável: Acabar com a estudantes. O Grupo de Trabalho reviu e referendou preo-
fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria cupações sugeridas em documentos curriculares da SME,
da nutrição e promover a agricultura sustentável; que atendem também às expectativas dos professores da
3. Saúde e bem-estar: Assegurar uma vida saudável EJA. As preocupações são descritas a seguir:
e promover o bem-estar para todos, em todas as a. Que o conhecimento geográfico proposto no cur-
idades; rículo seja capaz de levar o estudante a compreen-
4. Educação de qualidade: Assegurar a educação der o espaço geográfico em sua totalidade como
inclusiva e equitativa de qualidade, e promover resultado das relações entre a sociedade e a na-
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida tureza e da dinâmica resultante da relação entre
para todos; ambas;

305
b. Que o estudante construa um conhecimento do d) O aluno deve compreender por meio da Geografia o
mundo como um espaço social concreto e em mo- espaço que o cerca, orientando-o como pessoa e ci-
vimento; dadão em relação ao seu comportamento de vida na
c. Que a complexidade do espaço geográfico se ex- rua, na cidade e no mundo.
pressa em suas determinações naturais, históricas e) A Geografia deve possibilitar uma leitura e compreen-
e sociais (a partir de suas diversas culturas, etnias, são do mundo.
formas, gêneros e deficiências);
d. Que essa complexidade seja tematizada e compre- Resposta: Letra B. A resposta incorreta é a alterna-
endida considerando o mundo vivido pelos estu- tiva “B”, que conta que no ensino de Geografia é re-
dantes da EJA e as especificidades do seu percurso comendável a apresentação de informações soltas e
escolar; desconectadas de uma preocupação metodológica.
e. Que o protagonismo seja fundamental para enten- Na verdade, o ensino de geografia EJA deve conside-
der e agir sobre a realidade imediata dos estudan- rar as bases epistemológicas e sócio-históricas críticas
tes, assim como compreender a interface de São do pensamento geográfico e os processos de organi-
Paulo em escalas espaciais mais amplas (regional, zação dos conteúdos, destacando evidentemente uma
nacional e mundial) e refletir sobre como a sua re- preocupação explícita, contextualizada com a retórica
alidade se articula a essas escalas; científica sobre a importância da organização do ensi-
f. Que a aprendizagem se reflita na formação de um no pela aprendizagem dos estudantes.
sujeito de pensamento crítico, o que implica capa-
cidade de problematizar a realidade, propor solu-
ções e reconhecer sua complexidade; SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
g. Que reconhecer a importância do pertencimento MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
étnico-racial e ao mesmo tempo valorizar-se como COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
sujeito imerso na cultura que constitui e constrói
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO
o lugar;
DE JOVENS E ADULTOS: HISTÓRIA. SÃO
h. O reconhecimento de pertencimento étnico-racial
como valor conceitual resulta da conclusão do PAULO: SME/COPED, 2019. P. 67-92.
Grupo de Trabalho da necessidade de reflexões
aprofundadas sobre o significado amplo da mobi- CURRÍCULO DE HISTÓRIA PARA A EDUCAÇÃO DE
lidade espacial de agrupamentos humanos e suas JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO PAULO
variedades sociais, culturais, históricas e regionais,
a exemplo de populações migrantes e em situa- INTRODUÇÃO
ções de permanente itinerância na Cidade de São
Paulo e também da inclusão social. O problema não é fazer sábios, mas elevar aqueles
que se julgam inferiores em inteligência, fazê-los sair do
Fonte charco em que se encontram abandonados: não o da ig-
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu- norância, mas do desprezo de si, do desprezo em si da
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: criatura razoável. O desafio é fazê-los homens emancipa-
Educação de Jovens e Adultos: Geografia. São Paulo: dos e emancipadores. Jacques Rancière (2007)
SME/COPED, 2019. p. 67-99. Disponível em: http://portal. O componente curricular de História no Currículo da
sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51187.pdf. Cidade: Educação de Jovens e Adultos: História está fun-
damentado nos documentos oficiais da Secretaria Mu-
nicipal de Educação de São Paulo: Currículo da Cidade
(2017),
EXERCÍCIO COMENTADO Orientações Didáticas do Currículo da Cidade (2018),
Educação de Jovens e Adultos: princípios e práticas pe-
1. (Prefeitura de Congonhas - MG - Professor – Ge- dagógicas (2016c), Direitos de Aprendizagem dos Ci-
ografia – CONSULPLAN/2017) O processo ensino- clos Interdisciplinar e Autoral: História (2016b), Direitos
-aprendizagem na Geografia deve levar em consideração de Aprendizagem dos Ciclos Interdisciplinar e Auto-
a relação professor e aluno para a construção dos conhe- ral (2016a) e Orientações Curriculares: expectativas de
cimentos geográficos. Diante disso, assinale a afirmativa Aprendizagem para a Educação de Jovens e Adultos -
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INCORRETA: EJA (2008).


A aprendizagem de História se inscreve numa con-
a) O professor de Geografia deve colocar-se não somen- cepção de educação emancipadora e permanente (BRA-
te como um profissional no ensino desta disciplina, SIL, 2000) e, para tal, necessita realizar um diálogo com
mas também como educador. os conhecimentos prévios, com as noções trazidas pelos
b) No ensino de Geografia é recomendável a apresen- estudantes sobre o conhecimento histórico a partir de
tação de informações soltas e desconectadas de uma suas vivências sociais e culturais. O estudante jovem e
preocupação metodológica. adulto traz consigo uma série de saberes estruturados,
c) O professor precisa comportar-se didaticamente, valo- modelos de mundo, compreensão de fatos e valores con-
rizando a realidade concreta do aluno. solidados. É, pois, por meio de uma ação continuada que

306
o processo educativo se realiza, em um constante dialo- Outro tema primordial é o papel que o mundo do
gar com os conhecimentos prévios, para que se possa trabalho desempenha na motivação de jovens e adultos
ampliar a capacidade de interpretação da realidade por para voltar a estudar. Na sociedade globalizada e com-
meio de procedimentos como a leitura, o estudo, a refle- petitiva atual, o preparo para os desafi os que o mundo
xão, a pesquisa e a intervenção no meio e na sociedade. do trabalho impõe é imprescindível. O retorno ao mundo
O componente curricular de história deve colaborar escolar, a procura pela alfabetização, assim como a com-
ativamente para o processo de alfabetização de jovens plementação de estudos estão relacionados diretamente
e adultos, criando possibilidades de “leitura do mundo”, a um projeto mais amplo de cidadania que permita tam-
de interpretação da “complexa trama de valores, saberes, bém uma melhor colocação no mercado de trabalho e a
representações e identidades” (SÃO PAULO, 2008, p.27) melhoria das condições de existência.
presentes entre os estudantes. A História na perspectiva Trabalho e educação são temas convergentes e, mais
da ação educativa contribui para que se desenvolvam a do que nunca, se aproximaram enormemente no mun-
compreensão da realidade, o entendimento de si próprio do globalizado. O aumento da precarização, nas últimas
e dos coletivos em que trabalhadoras e trabalhadores, jo- décadas, tem levado jovens e adultos a vivenciar condi-
vens, idosos, pessoas com deficiência, moradores de rua, ções sociais e econômicas cada vez mais instáveis, traba-
desempregados, migrantes e imigrantes, estão inseridos. lhando em regimes de trabalho parciais ou temporários,
No que compete à História na dimensão escolar, ela pro- flertando com o desemprego e com a informalidade a
cura permitir que o estudante consiga compreender-se todo momento. Dessa forma, fica claro que o currículo
também como sujeito histórico. Segundo Bittencourt, deve preparar os estudantes para ter autonomia, dando
[...] o ensino de História deve contribuir para libertar condições para que enfrentem as exigências do mundo
o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante do trabalho hodierno, no qual múltiplas habilidades são
dos acontecimentos, para que possa entender que cida- requisitadas e no qual a flexibilidade de pensamento e de
dania não se constitui em direitos concedidos pelo poder ação exigem mais e mais dos sujeitos. Nesse sentido, a
instituído, mas tem sido obtida em lutas constantes e em História promove um entendimento contextualizado do
suas diversas dimensões. (BITTENCOURT, 2017, p.20). trabalho, sua centralidade, suas transformações e suas
A História deve contribuir para que a cidadã e o cida- permanências. Outro aspecto fundamental é que o es-
dão que enfrentam um cotidiano desafiador, complexo tudante pode se apropriar e reconhecer a importância
e intrincado possam atribuir sentidos à sua existência e da sua condição de trabalhadora e trabalhador, pode se
compreender que o acontecer humano se faz no tempo reconhecer em movimentos organizados por categorias
e no espaço, questionando-se permanentemente suas vi- de trabalhadores ao longo da história e valorizar, dessa
vências pessoais, sociais e cotidianas. Fundamental para forma, o papel da organização das lutas coletivas. A com-
se compreender o momento presente e ter condições preensão da vital importância do trabalho, em perspecti-
de interpretar o mundo de forma autônoma. A História va histórica, nas sociedades humanas é capaz de ampliar
permite analisar questionamentos sobre os problemas a concepção de cidadania plena.
relacionados ao tempo presente e oferecer perspectivas A EJA, dada sua pluralidade, heterogeneidade e sin-
sobre seus problemas (Rüsen, 2001). gularidade, requer propostas educacionais que levem
Os direitos de aprendizagem em História na Rede em consideração as diferenças existentes entre as pes-
Municipal de Ensino na Cidade de São Paulo têm como soas. Nessa perspectiva, a educação promove o reconhe-
premissa a ideia de que a concepção de ensino e apren- cimento da alteridade, do “outro” com o propósito do
dizagem deve estar contextualizada em termos sociais, estabelecimento de diálogo entre os diferentes grupos
políticos e culturais. Outro ponto estabelecido nos di- sociais e culturais e pode enfrentar os problemas decor-
reitos de aprendizagem destaca a necessidade de pro- rentes das assimetrias de poder existentes entre os dife-
mover uma escola laica, em que as questões étnico-ra- rentes grupos socioculturais, permitindo a construção de
ciais, de gênero e de classe sejam abordadas, uma vez projetos comuns em que as diferenças sejam incluídas de
que essas questões fazem parte da vivência cotidiana maneira dialética (MOREIRA; CANDAU, 2012).
dos estudantes. Deve auxiliar o combate ao racismo, à Por último, é preciso sublinhar que um currículo vol-
misoginia e à homofobia, promovendo valores que es- tado especificamente para as características da EJA deve
timulem as atitudes e os princípios que valorizam a paz, contribuir para que os estudantes,
a convivência harmoniosa e respeitosa das pessoas em ao aprender a ler aprendam a se ler, que ao aprender
sociedade. A luta contra todas as formas de discrimina- ciências aprendam as explicações científicas sobre seu
ção e de preconceito, além da defesa incondicional dos viver, que ao aprender história aprendam suas histórias
direitos humanos são estimuladas pelo pensamento his- e memórias, sua história na História, que ao aprender
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tórico na medida em que ele investiga a enorme riqueza geografia aprendam os sem-sentido dos espaços pre-
de diferentes modos de vida das sociedades e das cultu- carizados, do viver sem-teto, sem-terra, sobreviver nas
ras humanas, de suas formas de entender, de estar e de relações sociais-espaciais, na produção-apropriação do
interferir no mundo, ampliando as referências culturais espaço em nossa história. Que aprendam os sentidos his-
dos estudantes ao mostrar que valores e representações tóricos de suas lutas por terra, moradia, vida. (ARROYO,
culturais são produtos sociais, histórico-temporais, sem- 2011, p. 284).
pre heterogêneos e não elementos estáticos e imutáveis. Estudar História permitirá aos estudantes se reconhe-
Desta forma, o ensino de História possibilitará a supera- cerem, se situarem no mundo, se posicionarem a partir
ção da ótica eurocêntrica de conhecimento e de mundo. de suas vivências, suas culturas étnico-raciais, seu gêne-
ro, sua faixa etária, seus locais de origem, suas histórias

307
de vida. A “leitura de mundo”, na compreensão de Paulo ridas na produção científica acadêmica. Em sua origem, o
Freire, só será completa se todas e todos puderem ser termo historiografia significa aquilo que se escreve, aqui-
objeto de leitura, se tiverem condições de se ler. lo que se descreve como História. Atualmente, o termo
designa também a produção dos historiadores, ou seja,
BREVE HISTÓRICO DO COMPONENTE CURRICU- os escritos por eles realizados sobre um problema, um
LAR DE HISTÓRIA NO BRASIL tema histórico específico. A historiografia é sempre filha
de seu tempo, é produzida em virtude de questionamen-
Para se discutir as concepções presentes no Currícu- tos, perguntas, interpretações, visões de mundo, fontes
lo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: História é documentais de diversos tipos, assim como é fruto igual-
preciso, primeiramente, discutir o próprio termo História, mente da metodologia utilizada pelo pesquisador para
palavra polissêmica que remete a diferentes sentidos e inquirir seu objeto. Disso decorre a transitoriedade do
significados. O termo História é originário do grego anti- conhecimento histórico, sempre sujeito a novas visões,
go e significa testemunho, estando associado ao ato de interpretações e abordagens. A pesquisa histórica ques-
ver, de testemunhar algo. tiona o passado com novos enfoques, novos olhares, no-
Em linhas gerais, pode-se dizer que um dos significa- vas inquietações e resignificações (REIS, 2003).
dos do vocábulo refere-se ao nome conferido a um cam- Quando se trata de discutir a História como compo-
po do saber que estuda e analisa o que já aconteceu, par- nente curricular, é necessário tratar, ainda que de forma
tindo de conhecimentos específicos e de procedimentos abreviada, dos caminhos percorridos na construção des-
particulares. Outro significado refere-se à matéria-prima se campo disciplinar. Apenas no século XVIII, na Euro-
de análise dos historiadores, isto é, aspectos das ações pa, de forma mais sistemática, reflexões sobre a História
humanas ocorridas no tempo e tornadas acessíveis por como campo de saber específico e seus fundamentos
meio do estudo, da análise e da interpretação de ves- teóricos começaram a ser realizados. Anteriormente, his-
tígios, de fontes do passado. É possível ainda entender tória e literatura eram campos muito próximos que se
História como narrativa, ou seja, a atividade de contar, confundiam muitas vezes. Somente no século XIX, ocor-
narrar um acontecimento, um fato, seja ele ficcional ou reu a profissionalização da disciplina e o estabelecimento
verídico. Segundo o historiador francês Marc Bloch, o de seu estatuto científico, quando, aliás, as ciências em
objeto principal da História como ciência seria o estu- suas várias ramificações se encaminharam para uma de-
do da ação dos homens no tempo. Podemos entender finição mais clara de seus aspectos teóricos e metodoló-
assim que a história estuda as ações humanas, a fi m de gicos (HOBSBAWM, 1997).
explicar as relações de diversos matizes que diferentes No Brasil, a discussão sobre a História como campo
grupos estabelecem entre si. Essas relações estão em de saber e como disciplina escolar também ocorreu no
permanente movimento e são essencialmente dinâmicas século XIX. Esse debate foi instigado pelo processo de
e contraditórias. independência de Portugal e pelo contexto de formação
Ao longo do tempo, a História passou por transfor- do Estadonação. Após a separação da metrópole por-
mações significativas e profundas em todo o mundo e tuguesa, o Brasil Imperial viu-se obrigado a estruturar
também no Brasil. Essas modificações ocorreram em fun- projetos educacionais para as elites do país. Foi excluída
ção das mudanças que se processaram na historiografia desses projetos a grande maioria do povo, composta por
e atingiram também o campo da História como saber es- escravizados, ex-escravizados, mulheres e homens livres
colar. Conteúdos, abordagens teórico-metodológicas e pobres. A grande discussão que se passou a fazer sobre
enfoques se transformaram graças a uma renovação dos o que deveria ou não ser ensinado nas escolas do país
temas, dos olhares, da ampliação do tipo de fontes uti- “expressava, de certa forma, os enfrentamentos políticos
lizadas ocorrida na produção historiográfica internacio- e sociais que ocorriam então no Brasil, envolvendo os
nal, produzida em centros de referência e de pesquisas. liberais e os conservadores, a Igreja e o Estado” (FONSE-
No Brasil, mudanças ocorridas na sociedade brasileira CA, 2006, p.43).
em termos políticos, econômicos e culturais alteraram o A História era composta por conteúdos de “História
quadro da produção historiográfica. Temas antes censu- Sagrada”, “História Universal” e “História Pátria”. Nas de-
rados passaram a ser investigados; a circulação de ideias finições de projeto nacional pós-independência, debatia-
e as possibilidades de diálogo entre setores da sociedade -se o tipo de liberalismo que seria adotado no país e nos
estimularam pesquisas que acabaram por renovar a pro- programas e currículos escolares. Essa definição se deu,
dução historiográfica brasileira. Outro aspecto a ser leva- sobretudo, no Segundo Reinado; seus principais pontos
do em consideração, quando se pensa a renovação dos estruturantes foram a defesa da propriedade privada e
estudos históricos no Brasil, em especial a partir dos anos dos privilégios de uma pequeníssima parcela da popula-
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1980, é o fato de que houve uma maior democratização ção e a adoção legal da desigualdade política e jurídica
dos cursos de pós-graduação; com isso, pesquisadores entre as pessoas. O princípio fundamental do direito à li-
de todo o país puderam inquirir suas realidades locais e, berdade de todos os seres humanos, que fundamentou a
assim, ampliar significativamente os temas e as proble- Revolução Francesa e outras revoluções liberais, no Bra-
máticas do campo da História no Brasil. sil não encontrou abrigo, uma vez que um dos alicerces
A fi m de que se possa discutir o componente cur- fundamentais da sociedade imperial era a manutenção
ricular de História, é imperioso tratar de alguns pontos do regime escravista.
preliminares. Inicialmente, é preciso conceituar historio- Na contramão do que se processava na Europa à
grafia e compreender de que forma a disciplina escolar mesma época, isto é, a inclusão dos setores populares
foi sendo modificada pari passu às transformações ocor- nos bancos escolares, no Brasil,

308
[...] o problema dizia respeito à exclusão da extensa Mundial, o clima de nacionalismo e patriotismo em todo
população escrava, além dos negros e mestiços forros e mundo encontrava-se bastante exacerbado, e isso aju-
dos brancos livres e pobres. A exclusão social estava mar- dou a alavancar o aumento de importância, dentro dos
cada pela escravidão e por todas as implicações jurídicas, currículos de História, da história nacional de cunho pa-
econômicas, políticas e simbólicas que ela acarretava. triótico.
(FONSECA, 2006, p.43). Nas décadas de 1930 e 1940, produziram-se as mu-
A escola e o ensino de História especialmente se con- danças mais significativas para o ensino de História no
frontavam com perguntas incômodas e a mais essencial Brasil. Em 1931, a reforma realizada pelo então ministro
delas era: quem eram os brasileiros? Como tratar de da Educação e Saúde, Francisco Campos, centralizou as
identidade única, em uma nação que se construía histo- políticas educacionais, o que unificou conteúdos pro-
ricamente em meio à pluralidade, à diversidade e ao hi- gramáticos e métodos de ensino. Ademais, o ensino de
bridismo? Os brasileiros eram apenas os europeus e seus História passou a ser considerado um saber basilar para
descendentes? Os escravizados, os ex-escravizados e os a promoção da unidade do país. A história do Brasil e a
“naturais da terra”, como eram denominados os indíge- do continente americano ganhou mais ênfase, apesar de
nas, eram brasileiros? que, para muitos, a reforma teve efeito contrário, já que o
É em meio a esses questionamentos que, em 1838, lugar dedicado à história do Brasil reduziu-se em função
o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) lança de sua diluição na disciplina de História da Civilização
um concurso para a escrita da primeira história do Brasil (BITTENCOURT, 2003).
a ser utilizada nas escolas do país. O projeto vencedor Em 1942, a reforma conduzida pelo ministro da Edu-
foi o do alemão Karl Philip Von Martius. Sua tese cen- cação e Saúde, Gustavo Capanema, deu autonomia para
tral defendia a ideia de que o Brasil fora formado por a história do Brasil. Reforçou-se a missão da História de
três “raças” e, entre elas, uma em que o europeu era o ser responsável em promover a formação moral e patrió-
elemento determinante e mais importante. Segundo Von tica dos cidadãos. Dessa forma, nos diferentes níveis da
Martius, o branqueamento, ao longo do tempo, abran- escolarização, a disciplina abordava os grandes eventos
daria o peso das heranças negra e indígena, podendo o e a biografia das figuras ilustres da história nacional en-
Brasil chegar ao estágio civilizatório em algum momento quanto se cultivava o patriotismo, se louvavam a obe-
do futuro. diência, a ordem e a hierarquia. Mesmo com um olhar de
Essa forma de ver a história brasileira difundiu-se nas maior “cientificidade” que se alcançou naquele momento
escolas e nos manuais escolares realizados pelo próprio no ensino de história, algumas matrizes da história sa-
IHGB. Os temas estudados, em diferentes níveis da for- grada foram mantidas, em razão da pressão de setores
mação educacional, eram de natureza política factual e católicos ligados à educação (FONSECA, 2006).
nacionalista, ou seja, fatos e acontecimentos protagoni- Em 1951, o Ministério da Educação e Saúde alterou os
zados por governantes e heróis, destacando-se também programas para a disciplina de História com o objetivo
a ação evangelizadora da Igreja e da colonização civiliza- de redistribuir a seriação dos conteúdos para o ginásio
dora portuguesa. e o colégio. Foi novamente o Colégio Dom Pedro II que
Um marco para a consolidação da disciplina de Histó- elaborou os programas que passaram a servir de base
ria no Brasil foi a fundação, no Rio de Janeiro, em 1837, para outros estabelecimentos de ensino espalhados pelo
do Colégio Dom Pedro II e a elaboração, por seu corpo país. Esses programas orientavam o estudo da História
de professores, de currículos escolares de História. O mo- para analisar o homem como expressão da vida social e
delo adotado para a disciplina foi o modelo francês. Em introduziram estudos ligados à vida material e espiritual
termos de divisão temporal se passou a usar a divisão dos indivíduos e da coletividade, privilegiando as con-
clássica, eurocêntrica, que defende os quatro grandes quistas civilizacionais do mundo europeu.
períodos da História: Idade Antiga, Idade Média, Idade O golpe político-militar de 1964 não provocou, de
Moderna e Idade Contemporânea (NADAI, 1992; 1993). imediato, mudanças na disciplina, uma vez que se conti-
O livro que, de certa forma, serviu de modelo para nuava a dar relevo à história política em que a elite polí-
as escolas do país no século XIX foi o escrito, em 1861, tica e econômica era a grande protagonista, destacar os
por Joaquim Manuel de Macedo, professor do Colégio fatos e acontecimentos de ordem institucional e burocrá-
Dom Pedro II e membro do IHGB. Essa obra estabeleceu tica e a biografia dos grandes heróis.
a ligação com a produção historiográfica do IHGB e com A repressão que se seguiu ao golpe restringiu em
os métodos para que se garantissem os resultados es- muito a ação dos professores, dos historiadores e da
perados na formação das futuras gerações. Essas novas produção historiográfica como um todo no país. A Dou-
gerações deveriam respeitar o status quo, a ordem, os trina de Segurança Nacional e Desenvolvimento cerceou
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valores e a hierarquia, e esses valores eram aprendidos a reflexão crítica sobre o regime, e a educação brasileira
por meio da disciplina de História. foi duramente vigiada. Buscava-se, com essas medidas
A mudança de monarquia para a república não acar- desenvolver os sentimentos patrióticos, a noção de obe-
retou mudanças profundas na forma pela qual se con- diência ao Estado e às autoridades e, sobretudo, impor
tinuou a conceber a disciplina. A transformação mais uma visão de sociedade harmônica, na qual os conflitos,
perceptível referiu-se ao aumento dos textos publicados as lutas e as divergências de posição eram inexistentes
direcionados à questão da formação do caráter do cida- ou irrelevantes. Em virtude da Lei nº 5.692, de 1971, a re-
dão que se queria desenvolver. Desejava-se formar um forma no ensino do primeiro e segundo graus criou uma
indivíduo amante da ordem, cultivador da obediência nova disciplina, Estudos Sociais, que fundia os conteúdos
e defensor da nação brasileira. Com a Primeira Guerra de História e de Geografia. Isso provocou uma

309
[...] significativa mudança no âmbito da concepção A adoção da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
de ensino dessas disciplinas e de seus respectivos obje- 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e,
tos de estudo. Com essa medida, os planos curriculares no ano seguinte, a criação dos Parâmetros Curriculares
tornaram-se vazios e descaracterizados, voltados muito Nacionais alteraram mais uma vez o quadro do compo-
mais a atender os interesses ideológicos dos setores que nente curricular de História no país. No que se refere à
controlavam a esfera política do que propriamente o de- relação existente entre ensino e aprendizagem no âmbi-
senvolvimento das ciências humanas. (HORN; GERMINA- to das políticas educacionais, com a adoção dos Parâme-
RI, 2010, p. 28). tros Curriculares Nacionais, buscou-se problematizar e
Uma forte e constante resistência contra esse esta- analisar o que deveria ser ensinado nas escolas e, assim,
do de coisas cresceu significativamente, sobretudo na elaborar orientações para a formação de um currículo es-
década de 1970. Um dos setores mais engajados nessa colar capaz de servir como guia.
resistência foi o da educação. Em meio à luta contra o Também se passou a refletir sobre as formas de
regime e a favor da redemocratização, a reflexão sobre o aprendizado do aluno e sobre quais elementos, meios
papel da educação e do ensino de História cresceu mais e métodos poderiam tornar esse aprendizado mais inte-
e mais entre pesquisadores e docentes por todo o país. ressante e instigante, mais autônomo e vinculado à vida
É nesse cenário que, em princípios dos anos 1980, em em sociedade e à vivência cidadã. Mais recentemente, a
vários estados brasileiros, iniciou-se um debate entre os reflexão dos professores buscou integrar conhecimentos
professores e os órgãos estaduais de ensino acerca dos desenvolvidos e conquistados na escola ao conteúdo es-
pressupostos históricos e metodológicos da disciplina de colar, o que acrescentou a este último, além daquilo que
História e das formas de renovação da disciplina na cons- se denominam os conteúdos explícitos de cada discipli-
trução de uma sociedade mais democrática e reflexiva na, o trabalho com valores, habilidades e competências,
sobre os caminhos a seguir. Essas novas propostas para que integrariam os conhecimentos necessários ao aluno
o ensino de História apresentaram algumas similitudes, a para o exercício pleno de sua cidadania e para a com-
saber: seu caráter de claro posicionamento político, con- preensão de valores culturais, sociais e políticos das so-
trapondo-se à presença de Estudos Sociais no currículo; ciedades humanas. Outro aspecto que passou a integrar
seu caráter de ampla participação de vários segmentos as novas propostas educacionais foi o reconhecimento
da sociedade, como professores universitários, entidades da existência de conhecimentos prévios por parte do
classistas, professores da educação básica, pais e alunos aluno, desenvolvidos em sua vivência familiar, nos meios
- como se deu na reforma curricular apresentada pela sociais de convívio e por meio dos veículos de comuni-
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo; seu cará- cação de massa.
ter de rompimento de paradigmas vigentes para o saber Em relação às mudanças ocorridas nos currículos de
histórico escolar e o ensino da disciplina no Ensino fun- História no país, outro aspecto precisa ser mencionado:
damental e no Médio, pensado e feito a partir da reno- as demandas específicas de grupos sociais e étnicos e
vação do conhecimento histórico realizado por historia- sua pressão por direitos civis, políticas reparatórias e afir-
dores vinculados a diferentes tendências historiográficas mativas. A partir dos anos 1970, intensificou-se de forma
(CARVALHO FILHO, 2012). mais sistemática a mobilização de mulheres, de negros e
As reformas curriculares das décadas de 1980-90 de indígenas contra o machismo, o racismo, os precon-
trouxeram a preocupação com um ensino que não se ceitos, as desigualdades, a falta de representatividade, a
alicerçasse na memorização dos conteúdos e que apre- exclusão social e cultural. Essa mobilização foi se fortale-
sentasse um discurso único. Buscou-se romper com a cendo e conquistando mais espaços por meio de lutas no
estrutura curricular tradicional que privilegiava a crono- campo político, na arena da cultura, da educação e da ci-
logia linear, assentada em marcos da história da Europa, dadania. No processo constituinte dos anos 1980 e com
integrados aos marcos da história do Brasil. Criticava-se a promulgação da Nova Constituição Federal de 1988,
assim ao chamado “quadripartismo francês”, a divisão vitórias expressivas foram alcançadas; vários projetos de
da História em quatro períodos específicos Antiga, Me- políticas públicas, desenvolvidos na área de educação de
dieval, Moderna e Contemporânea com marcos tempo- afrodescendentes e de populações indígenas, e a valo-
rais específicos, relacionados ao eurocentrismo (CHES- rização dessas culturas foram se disseminando no país.
NEAUX, 1995) e fato radicalmente incorporado no Brasil, Em 2008, a Lei Federal nº 11.645 alterou a Lei nº
não abrindo espaço para outras culturas e outros olhares 9.394, de 20 de dezembro de 1996, já modificada pela
que não fossem aqueles vistos a partir da Europa. Nessa Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as
nova perspectiva de ensino, se passou a considerar a aula diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
um momento de investigação histórica para professores currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

e estudantes. temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.


A partir dos anos 1970, houve um significativo au- Essa inclusão no Ensino Fundamental e Médio provo-
mento de cursos de pós-graduação no país e mudan- cou no componente curricular de História importantes
ças ocorreram no que se refere à profissionalização e à alterações, pois o viés eurocêntrico que havia dominado
especialização dos historiadores e dos professores e na até então, começou, mesmo que timidamente, a ceder
ampliação das discussões acadêmicas em torno da His- espaço para o conhecimento da história sob o prisma
tória, das correntes historiográficas e das pesquisas his- das populações africanas, afrodescendentes e indígenas.
tóricas. Professores passaram a discutir a prática docen- Toda uma nova forma de ver a história do Brasil, as he-
te, os pressupostos da disciplina e suas articulações com ranças e contribuições sociais, econômicas e culturais das
o saber escolar. populações africanas e indígenas, as lutas de resistência

310
em prol da liberdade e de direitos, a análise dos efeitos (NADAI, 1992; 1993). O espaço destinado à história do
que a escravidão e o escravismo provocaram no Brasil, Brasil no currículo era mínimo e os temas da história na-
na América e na África passaram a receber atenção de cional quando apareciam centravam-se na biografia de
pesquisadores, de docentes, de estudantes e das pessoas autoridades e de membros da elite. Olhava-se para fora,
em geral. O texto da lei é bastante claro e revela que a para o hemisfério norte, mirava-se o modelo francês e
inclusão do estudo da história e cultura afro-brasileira e europeu, e todos os elementos e aspectos que se distan-
indígena deveria ser amplo e conter [...] diversos aspec- ciassem desse padrão eram silenciados e invisibilizados.
tos da história e da cultura que caracterizam a forma- As aulas e os livros de História não tratavam da vivência,
ção da população brasileira, a partir desses dois grupos do cotidiano, das lutas, das resistências e das experiên-
étnicos, tais como o estudo da história da África e dos cias das pessoas comuns. Pode-se dizer que, de forma
africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no geral, o “povo” não existia na história ensinada no Brasil;
Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o quando muito, a população era tratada como expecta-
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as dora, a ser guiada e conduzida pelas elites estudadas e
suas contribuições nas áreas social, econômica e política, esclarecidas.
pertinentes à história do Brasil. (BRASIL, 2008). A imensa maioria da população do país, formada por
A lei teve impactos diretos no cotidiano escolar, na escravizados, libertos, mulheres e homens livres pobres,
prática docente, nos cursos formadores de professores, não teve acesso à educação escolar. Fora da escola e ex-
na produção de materiais didáticos e na forma pela qual cluídos do mundo letrado, a maioria do povo foi colo-
a história e a cultura afro-brasileira e indígena passaram a cado à margem da escolarização e destinada apenas, na
ser vistas em diferentes espaços sociais (FONSECA, 2010). visão dos governantes e da elite, a servir como mão de
A Lei nº 11.645 reforçou a noção de que conhecer a cul- obra barata. Paradoxalmente, a Europa que servia como
tura africana, afro-brasileira e indígena, superar a pre- modelo para as elites brasileiras assistia, na mesma épo-
sença do racismo e da desigualdade racial na sociedade ca, na rasteira dos eventos das revoluções liberais e do
brasileira e na educação escolar é ponto absolutamente nacionalismo oitocentista, à expansão da escola pública.
primordial em um país multirracial e pluricultural como o Esse estado de coisas esteve presente no cotidiano
Brasil, pois “não podemos mais continuar pensando a ci- escolar do país em boa parte do século XX. Os setores
dadania e a democracia sem considerar a diversidade e o populares entravam no mundo do trabalho precocemen-
tratamento desigual historicamente imposto aos diferen- te e, quando, por ventura, tinham possibilidade de aces-
tes grupos sociais e étnico-raciais” (GOMES, 2018, p. 70). sar a escola, se viam premidos a abandonar rapidamente
Por fi m, é preciso mencionar que a História tem os estudos em função das necessidades mais urgentes
como missão provocar no estudante o sentido da curio- de sobrevivência.
sidade pelo mundo, pela riqueza cultural dos diferentes Quando, com grande sacrifício e empenho, famílias
modos de vida existentes no passado e no presente em e indivíduos conseguiam, contrariando as estatísticas,
todo o planeta. A História permite aguçar as sensibilida- frequentar os bancos escolares, a história que estuda-
des, despertar para o sensível, indo além do material, do vam nada tinha a lhes dizer sobre suas raízes, suas lutas e
funcional, do utilitário e do lucrativo, abrindo portas para combates, sua cultura e seu passado. Tratava-se nas aulas
o mundo da estética, para que os estudantes apreciem a e nos manuais didáticos dos heróis da pátria, dos gran-
arte e suas múltiplas expressões artísticas e estéticas e, des feitos, das elites europeizadas que, de certa maneira,
com isso, humanizem seu olhar sobre os outros, desen- renegavam o Brasil, seu povo, suas tradições e cultura.
volvendo a alteridade. Pode estimular, dessa forma, o en- Assim, não é de se estranhar que, para a imensa maioria
cantamento pelo saber e pelo conhecimento do mundo dos estudantes, o ensino da História fosse algo inútil, en-
e de si próprio - conhecimento que emancipa, que liberta fadonho, decorativo e desprovido de sentido.
e que conduz à autonomia, à cidadania e à vivência in- No Brasil, é apenas a partir do final da década de 1980
tegral, plena e digna nas dimensões da vida individual e e na década seguinte, com o processo de redemocratiza-
coletiva. ção, que a EJA foi objeto de atenção mais sistematizada
e específica. A LDB nº 9.394/96 estabeleceu no artigo 37
ENSINO DE HISTÓRIA E AS CLASSES POPULARES que a educação de jovens e adultos será dirigida aos que
NO BRASIL “não tiveram acesso ou que não deram continuidade de
estudos no ensino fundamental e médio na idade pró-
A História, como disciplina escolar obrigatória no Bra- pria”. Em 2014, o Plano Nacional de Educação - PNE -
sil, foi instituída em meados do século XIX, mais especifi- especificou metas para a educação de jovens e adultos,
camente em 1838, no colégio Pedro II no Rio de Janeiro, visando ao aumento da escolaridade média da popula-
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capital da corte imperial, em um contexto pós-indepen- ção, à redução do analfabetismo absoluto e funcional e a
dência de Portugal. Nesse ambiente, a jovem nação bra- integrar a educação profissional às matrículas de educa-
sileira viu-se obrigada a pensar projetos educacionais ção de jovens e adultos. Conferências internacionais com
para prover a formação das futuras elites dirigentes do participação de grande número de especialistas-referên-
país. Era preciso regulamentar e estabelecer parâmetros cia sobre o tema foram organizadas, como a Conferência
que garantissem a educação dos filhos dos grandes pro- Internacional de Educação de Adultos – VI CONFINTEA
prietários de terra e das elites mercantis brasileiras. que ocorreu em 2009, com marcos válidos para os doze
A História que se passou a ensinar no país era ali- anos seguintes, e teve o mérito de chamar a atenção para
cerçada em compêndios escolares estrangeiros, notada- a necessidade de se estabelecer políticas próprias e es-
mente franceses, como informa a historiadora Elza Nadai pecíficas para a Educação de Jovens e Adultos.

311
Dados oficiais mostram, entretanto, que desde o ano e cidadania real deixem de ser apenas metas desejáveis
2000 a redução do analfabetismo vem se dando de for- para um futuro indefinido e tornem-se, efetivamente,
ma mais lenta no país. Outro dado significativo a ser con- realidade para todas e todos.
siderado é que, desde o ano de 2009, não ocorre redução
no Brasil no número de analfabetos funcionais (CATEL- ENSINAR E APRENDER HISTÓRIA NA EJA
LI, 2017b, p. 55). Portanto, todo esse quadro relativo ao
acesso à escolarização dos setores socialmente mais CONCEPÇÃO DE ENSINO DE HISTÓRIA
vulneráveis da sociedade brasileira e, em particular, no
Município de São Paulo, levam à imperiosa necessidade Nas últimas décadas, a intensa mobilização de movi-
de se conferir sentidos reais para o Currículo da Cidade: mentos sociais no campo da educação, especialmente no
que se refere à escola pública, passou a impactar, como
Educação de Jovens e Adultos: História. se viu, no Brasil e em outros lugares do mundo, as dis-
cussões na universidade e nos espaços públicos sobre
Assim, é fundamental valorizar as consciências histó- o currículo escolar de forma geral e, notadamente, no
ricas constituídas por estudantes ao longo de suas vidas campo da História. Essa arena de debates e projetos que
e de experiências em espaços fora dos muros da escola, se estabeleceram revela que a construção curricular e a
espaços socialmente compartilhados, de maneira que es- escola são campos de disputas políticas e de territórios
ses conhecimentos possam ser articulados ao currículo, (ARROYO, 2013), podendo, ao mesmo tempo, legitimar
por meio de uma concepção ampliada de Educação de discursos de dominação ou possibilitar meios de enfren-
Jovens e Adultos que a entenda como direito de apren- tamento da realidade e da configuração de poder que
der, de ampliar conhecimentos ao longo da vida. Por está posta.
que estudar História no mundo contemporâneo? Em um Questionamentos em torno da finalidade, dos ob-
mundo em que ser novo é sinônimo de qualidade, terá jetos e dos métodos do ensino de História alcançaram
a História algo a dizer a jovens e adultos que retornam novas perspectivas a partir da discussão sobre metodo-
à escola? A História cumpre o papel de evitar que a so- logias e abordagens que não tivessem como ponto de
ciedade hodierna marcada por instabilidades, incertezas, partida único e fundamental a experiência histórica do
indefinições perca-se em meio a um processo de esque- continente europeu e dos países ricos, em sua maioria
cimento. Esse desafio torna-se ainda mais complexo em anglo-saxões e colonizadores, mas metodologias e abor-
razão da emergência da globalização que cria totalida- dagens que levassem em consideração igualmente ou-
des complexas e contraditórias (IANNI, 2000, p. 207). Se- tras culturas, diferentes experiências históricas existentes
gundo Eric Hobsbawm, o passado e a História têm uma em distintas temporalidades e presentes em nossos dias.
função da mais alta importância, dado que são usados Desta forma, é possível questionar formas clássicas de se
comumente para legitimar ações políticas do presente. ver o passado e de se entender o mundo.
É tarefa, pois, dos profissionais da História denunciar Os itinerários tradicionais clássicos, que têm na Eu-
os seus usos equivocados (HOBSBAWM, 2001). Jacques ropa e no Ocidente cristão capitalista o centro de toda
Le Goff afirma que a História propõe a reflexão sobre a a experiência humana, passaram a ser problematizados
sociedade em que se está inserido e aponta caminhos e discutidos por pesquisadores e intelectuais que desta-
para solucionar problemas contemporâneos. Afirma ele cam a necessidade de se incluir outras histórias, narrati-
que, “no domínio da ciência, da ação social ou política, vas, perspectivas e culturas nos estudos históricos e na
da religião ou da arte para considerar alguns domínios perspectiva educacional como um todo. Munir Fasheh,
fundamentais -, esta presença do saber histórico é indis- citando Bernal e Black, lembra que a civilização clássica
pensável” (LE GOFF, 1994, p. 144). tem raízes profundas nas culturas africanas e asiáticas e
Em um momento em que notadamente os jovens (e que esse elemento, aliás nada desprezível, tem sido ig-
também adultos) vivem em uma espécie de presentismo norado, reprimido e negado sistematicamente desde o
permanente sem vínculos essenciais com o passado, sem século XVIII por razões essencialmente racistas. O “de-
enraizamento, como alertou Eric Hobsbawm (HOBSBA- senvolvimento, durante os últimos cinquenta anos, tem
WM, 2001), a História mais do que nunca se faz vital. Em revelado uma continuação desse processo de ignorar,
meio ao intenso consumismo e da onipresença da tec- negar e reprimir o que os povos e as culturas possuíram,
nologia na vida de todos, há a transformação de tudo e ainda possuem, ao longo da história” (FASHEH, 2004,
em passado, como afirma Circe Bittencourt, não em um p.157).
passado saudosista, mas em um passado ultrapassado e O ensino de História, ao atentar para o exame, a análi-
“velho”, sem conexões com o presente (BITTENCOURT, se e a reflexão das gritantes diferenças socioeconômicas
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2017). presentes na sociedade e no ambiente escolar brasilei-


Por fi m, trata-se da possibilidade de construção de ro, passou a buscar um posicionamento crítico frente à
uma consciência histórica para os indivíduos e para os construção coletiva de uma concepção de conhecimento
coletivos populares, sobre seu trabalho, sua cultura, seus histórico dirigido para o exercício e a efetivação da ci-
embates, resistências e vivências. É incumbência da His- dadania, da democracia plena e da emancipação. Nes-
tória, por meio do estudo da ação dos sujeitos históricos, sa trajetória, foi necessário rever práticas pedagógicas
em diferentes espaços e tempos, reconhecer e valorizar cristalizadas, balizadas em uma concepção colonialista,
as lutas para a construção efetiva de uma sociedade em sexista e excludente que desconsidera as diferenças e as
que equidade, justiça social, direito à educação, direito práticas culturais de outras culturas. Assim, o Currículo
à moradia, saúde pública de qualidade, dignidade social da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: História não se

312
coloca numa perspectiva de estudo cronológico de cau- sobre algo; podemos citar, como exemplo, a noção de
sa-efeito. Parte-se do local para se colocarem em relevo tempo para especificar sua passagem; já os conceitos
as especificidades, os embates e as contradições daquilo são ideias mais gerais e abstratas. É importante lembrar
que está mais próximo dos estudantes vulneráveis, po- que os conceitos históricos são dinâmicos, polissêmicos,
bres e que acabaram de ser expulsos do ambiente esco- históricos, podem ser reorganizados constantemente e
lar ou estiveram longe dele por décadas. funcionam como ferramentas de comparação. Segun-
As relações sociais concretas são estudadas, buscan- do Prost, “o conceito é uma facilidade de linguagem
do-se compreender os caminhos, soluções e experiências que permite uma economia de descrição e de análise”
travadas por populações invisibilizadas pelas relações de (PROST, 2017, p. 120); ele incorpora uma argumentação
poder estabelecidas na sociedade capitalista contempo- e refere-se a uma teoria. Além disso, quando o conceito
rânea. Premida por um mundo em movimento, as políti- tem uma “compreensão geral, que se aplica a realidades
cas educacionais como um todo e, mais especificamente, histórico-sociais semelhantes, pode receber a denomi-
o ensino de História têm vivido as [...] mudanças sociais, nação de ‘categoria’” (BEZERRA, 2003, p. 47). Podemos
os processos hegemônicos e contra-hegemônicos de citar como exemplo de categoria de análise as categorias
globalização e as tensões políticas em torno do conhe- trabalho, revolução, gênero.
cimento e dos seus efeitos sobre a sociedade e o meio Na pesquisa acadêmica, há uma profusão de noções,
ambiente que introduzem, cada vez mais, outra dinâmica conceitos e categorias de análise utilizadas pelos histo-
cultural e societária que está a exigir uma nova relação riadores; já na dimensão dos conceitos históricos esco-
entre desigualdade, diversidade cultural e conhecimen- lares, elegemos aqueles necessários ao conhecimento
to. (GOMES, 2012, p. 102). O Currículo da Cidade: Edu- histórico escolar. São conceitos fundamentais para a
cação de Jovens e Adultos – História faz escolhas, em compreensão histórica, o tempo histórico e o espaço,
função das características específicas dessa modalidade isto é, para lembrar que todo objeto de conhecimento
de atendimento na Cidade de São Paulo, e entende que da História está delimitado em um tempo preciso e em
é necessário privilegiar o olhar, as temáticas, as proble- um espaço específico. A História, como conceito, pode
matizações e as práticas pedagógicas que partem do ser entendida como uma realidade social circunscrita e,
“pluriverso” que compõe a EJA numa cidade multicultural ao mesmo tempo, como o conhecimento científico que
marcada por grandes desigualdades econômicas, sociais a estuda, tendo a perspectiva do tempo/espaço como
e culturais (CATELLI JUNIOR, 2017b). elementos centrais. O conceito de História é histórico e
É importante considerar uma abordagem teórica e tem se modificado em razão dos enfrentamentos e mu-
metodológica que mude o ponto de observação, o lugar danças de perspectivas no campo da pesquisa histórica.
da narrativa, ao invés de se ficar voltado apenas para o A dimensão da temporalidade é primordial para o co-
norte; ela propõe que olhemos para nós e para outros nhecimento histórico em qualquer nível de escolaridade
que, como nós, também foram colonizados, dominados e possui importância nas formas de organização das so-
e explorados por um sistema político-econômico, por ciedades humanas e de seus embates.
uma visão de mundo única, por um entendimento unidi- O tempo está associado a um conjunto de vivências e
mensional da natureza humana, por uma linha definidora é um “produto cultural forjado pelas necessidades con-
que dividiu a humanidade em civilizados e incivilizados, cretas das sociedades” (BEZERRA, 2003, p.44). Esse con-
cultos e incultos, misericordiosos e selvagens, desenvol- ceito esteve durante muito tempo associado à ideia de
vidos e subdesenvolvidos. medição, de calendário e de organização da tempora-
A concepção de História se coaduna com a proposta lidade por meio de uma cronologia, que seria uma for-
do Currículo Emancipatório para a Educação de Jovens e ma de representação dos acontecimentos no tempo. Os
Adultos já assumida no Município de São Paulo e, por- historiadores, entretanto, introduziram, especialmente
tanto, defende uma abordagem intercultural (CANDAU,, no século XX, outras compreensões ao conceito como
2012) em que se trabalhe, no cotidiano do processo de a ideia de duração e de ritmos do tempo. O historiador
aprendizagem, a consciência das diferenças, a favor da Fernand Braudel modificou a forma de se compreender
diversidade cultural, com o propósito de se atingir a as temporalidades, entendidas por ele como sendo fun-
construção de uma sociedade democrática, plural, soli- damentalmente três: o tempo curto, o tempo da política,
dária, tolerante e humana em que haja permanentemen- dos acontecimentos, daquilo que muda com rapidez; o
te a articulação entre as políticas de equidade e as de tempo das conjunturas, fato de duração média, resul-
identidade. tado de flutuações mais ou menos regulares no interior
de uma estrutura e, por fi m, o tempo da longa duração
ENSINO E APRENDIZAGEM EM HISTÓRIA cujo ritmo é lento e não é percebido de forma clara pelas
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pessoas. Ainda faz parte do conceito de tempo, o esta-


O ensino e a aprendizagem em História pressupõem belecimento de relações entre continuidade e ruptura,
que um conjunto de noções, conceitos históricos e ca- permanências e mudanças, simultaneidade e sucessão, o
tegorias de análise fundamentais sejam conhecidos a fi antes-agora-depois. Assim, é imprescindível compreen-
m de que os estudantes tenham uma formação histórica dermos os fenômenos sociais na duração temporal por
que lhes forneça ferramentas para a sua vivência como meio do uso das periodizações adequadas ao objeto que
cidadãos plenos. se quer conhecer.
É necessário, então, especificar o que se entende por No que se refere ao conceito de espaço, é preciso
noção, conceitos e categorias de análise. Deste modo, ter claro que espaço para os historiadores é uma cons-
dizemos que por noção compreendem-se ideias parciais trução social. Nessa perspectiva, não se pode conceber

313
o fazer humano apartado do lugar onde ele acontece; Outro conceito importante é o de interculturalidade,
assim, “o ambiente natural ou urbano, as paisagens, o entendendo-se que em uma sociedade, em seu interior,
território, as trajetórias, os caminhos por terra e por mar existem diferentes culturas e grupos sociais e há uma
são necessariamente parte do conhecimento histórico” inter-relação intencional entre esses grupos. As culturas
(BITTENCOURT, 2008, p. 208). estariam em constante processo de elaboração, de cons-
Outro conceito essencial é o de sujeito histórico, for- trução e reconstrução de identidades abertas, uma vez
mado por pessoas, instituições, grupos, agentes sociais, que não são puras e nem estáticas. As relações culturais
individuais ou coletivos, e não apenas por figuras em po- são construídas historicamente e atravessadas, portan-
sição de destaque ou de poder. Sujeito histórico atual- to, por questões de poder, por relações hierarquizadas
mente é entendido, sobretudo, como sendo composto marcadas por discriminações e preconceitos (CANDAU,
por classes populares, pessoas comuns em toda a sua 2012).
diversidade de modos de vida, etnias, gênero e culturas. Por fi m, é importante destacar também o conceito
Entender a História como o resultado da ação e da resis- de interdisciplinaridade, compreendido no Currículo da
tência de sujeitos históricos significa, assim, atribuir ao Cidade: Educação de Jovens e Adultos – História como as
embate das relações sociais e culturais de seu tempo a ligações que os vários componentes curriculares podem
trama da mudança histórica e não ao campo das ações estabelecer entre temáticas para a criação de uma abor-
individuais e voluntaristas. dagem comum, uma vez que a vida social, as histórias
Também são conceitos fundamentais fato histórico, de mulheres e homens não podem ser segmentadas em
processo histórico e fontes históricas. O fato histórico re- partes estanques e separadas; daí surge a necessidade
fere-se à identifi cação e à seleção de acontecimentos e de trocas de olhares e de entendimentos entre os vários
eventos na trama histórica a serem estudados dentro das campos de saber no ensino e na aprendizagem.
uniformidades e regularidades das formações sociais, e
também às mudanças e rupturas que se verificam nas ENSINO DE HISTÓRIA NA EJA
sociedades humanas no processo histórico. Os processos
históricos, assim como os fatos históricos, são estudados O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adul-
e refletidos por meio das fontes históricas, as quais fo- tos – História caracteriza-se por buscar articulações en-
ram entendidas, no século XIX e em princípios do século tre processos de aprendizagem escolares e os processos
XX, como sendo única e exclusivamente escritas, prove- educacionais que acontecem com as pessoas por toda
nientes de documentos oficiais. Contudo, o conceito foi a vida,
sendo alargado pelas escolas historiográficas conforme a [...] em todos os espaços sociais, na família, na convi-
compreensão da História se alterava; atualmente, as fon- vência humana, no mundo do trabalho, nas instituições
tes históricas incluem os mais distintos materiais, como de ensino e pesquisa, em entidades religiosas, na rua, na
documentos orais, iconográficos, cultura material e ima- cidade, no campo, nos movimentos sociais e organiza-
terial, fontes cartográficas, fílmicas, etc. ções da sociedade civil, nas manifestações culturais, nos
O conceito de cultura é também extremamente cen- ambientes virtuais multimídia etc., cotidianamente, e o
tral sendo um conceito-chave para as Ciências Humanas; tempo todo. (BRASIL, 2009, p.32-33).
é polissêmico e abarca grande número de entendimen- Fazem parte das atribuições do ensino e da apren-
tos diversos. De forma geral, refere-se a todas as realiza- dizagem em História a experimentação e a vivência de
ções materiais e aos aspectos espirituais, metafísicos da princípios norteadores de cunhos ético, político e es-
humanidade, tratando de tudo o que é produzido pela tético, ligados à noção de educação integral dos estu-
humanidade concreta ou imaterialmente, incluindo-se dantes, tendo como objetivos fundamentais a busca da
aí os conhecimentos, as técnicas, os modos de fazer e autonomia, da criticidade, da criatividade, da ludicidade,
as habilidades empregadas socialmente nas múltiplas da sensibilidade, e o encantamento com o estudo, o co-
dimensões da vida humana. Faz parte do conceito de nhecimento e a aprendizagem (SÃO PAULO, 2016b, p.25).
cultura a ideia da diversidade étnica/racial, religiosa, de Por meio de conceitos, noções e categorias de análise
modos de vida, sexual, geracional, de grupos e de classes em conexão com temáticas significativas, os estudantes
sociais. devem desenvolver as habilidades e competências para
Outro ponto importante trazido por esse conceito é identificar e compreender historicamente a realidade
que as culturas humanas não são puras; elas são resul- mais próxima em seu coletivo, na Cidade de São Paulo e
tado de contatos, influências, aprendizagens, trocas em também em esferas mais amplas.
função dos contatos travados entre sociedades e grupos, Na Etapa de Alfabetização, o componente curricular
o que pode gerar a imposição de padrões de uma socie- de História contribui para o processo de alfabetização na
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dade sobre outra ou de um grupo sobre outro. Podem medida em que o letramento ocorre nas diversas áreas
também ocorrer influências. “A cultura é dinâmica, por- do conhecimento. O processo de “ler o mundo” e não
que é alterada por sujeitos que dela se apropriam e a apenas de se alfabetizar tem início a partir do universo
subjetivam” (SACRISTÁN, 2012, p. 72). O conceito é, por- do sujeito. Assim, o ponto de partida é o da história de
tanto, basilar para se entender sociedades multiculturais vida do estudante, de sua identidade cultural, de gênero,
e híbridas e a cultura seria o terreno em que diferentes de faixa etária, de etnia/raça, situada numa perspectiva
e conflituosas ideias e projetos de vida social se enfren- de abordagem da História local como campo de produ-
tam; “a cultura é o terreno por excelência onde se dá a ção de uma consciência histórica (GONÇALVES, 2007). A
luta pela manutenção ou superação das divisões sociais” análise da história de vida na perspectiva da história local
(MOREIRA; TADEU, 2011, p. 35). permite o exame de diferentes temporalidades, destaca

314
a noção de pertencimento em razão da velocidade da cias desses grupos em diferentes tempos e espaços são
informação em um mundo em que tudo se coloca como estudadas em diversos âmbitos da experiência histórica,
provisório e fugaz e conduz ao estudo da diversidade assim como os efeitos atuais do viver em uma sociedade
das identidades culturais em diferentes tempos, inclusive capitalista em que o consumismo, as relações de traba-
na contemporaneidade. A perspectiva da História local é lho precarizadas e incertas exigem que os sujeitos histó-
ampliada para que os estudantes possam fazer as cone- ricos se posicionem de forma crítica e combativa a fi m
xões entre o geral e o particular, por meio da análise do de reconfigurar valores e ideais de vida em sociedade.
espaço colonial e do Império Português, com ênfase para Na Etapa Final, o componente curricular de Histó-
a atuação de diferentes sujeitos históricos e das relações ria permite que os estudantes tenham possibilidade de
de poder que se estabelecem no espaço da colônia por- identificar diferentes posicionamentos dos sujeitos histó-
tuguesa na América e no território do Brasil independen- ricos e possam ultrapassar o enfoque mais imediato do
te. rotineiro e do cotidiano, sofisticando sua visão crítica do
Na Etapa Básica, aprofundam-se os saberes inicia- mundo, questionando a realidade, percebendo as dife-
dos na fase de alfabetização em um contínuo processo rentes interpretações de mundo, aumentando sua capa-
de autonomia do estudante e de busca por se conhecer cidade de escuta e de diálogo com os outros, localizando
mais e de “olhar o mundo com olhos de ver”, com o pro- problemas e buscando soluções possíveis. A leitura de
pósito de observar criticamente o real, para assim atribuir fontes documentais de diferentes procedências, de di-
inteligibilidade ao vivenciado. No que se refere ao com- versas linguagens, como a fílmica, fotográfica e sonora,
ponente curricular, ele se associa à dimensão da história deve estar mais consolidada, assim como o manejo dos
de vida, da história local e da construção histórica das diferentes ritmos e durações da História. Nessa etapa,
identidades sociais e culturais, à dimensão das relações busca-se estudar as questões ligadas ao universo do sig-
que as sociedades humanas, ao longo de tempo e em nificado da cidadania, sua conquista, as diversas formas
diferentes espaços, estabelecem com a natureza, com o de participação cidadã e de atuação social no mundo
espaço como dimensão social e cultural. A diversidade atual e as lutas sociais protagonizadas por diferentes su-
dos arranjos sociais e culturais feitos por diferentes so- jeitos históricos pelo fi m da discriminação, das desigual-
ciedades humanas com o espaço natural e modificado dades e das violências físicas e simbólicas.
pelo homem é a temática que permeia os vários objetos As quatro etapas da Educação de Jovens e Adultos
de conhecimento dessa etapa. O estudante tem aqui um contam com o mesmo eixo estruturante para a organi-
momento privilegiado para analisar como se processam zação dos objetos de conhecimento e dos objetivos de
o entrelaçamento de territórios, culturas e formas de or- aprendizagem e de desenvolvimento. Esse eixo, como o
ganização social e econômica na dinâmica dos processos próprio termo indica, estrutura e articula todas as eta-
históricos. Como na Etapa de Alfabetização, o ponto de pas entre si, assim como os objetos de conhecimento
partida da Etapa Básica situa-se na realidade próxima e presentes em cada etapa e seus respectivos objetivos
conhecida do estudante, e os círculos de abrangência de aprendizagem e de desenvolvimento, bem como os
ampliam-se a partir dessa coordenada histórica e espa- Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O eixo
cial. As relações entre geral e particular estão presentes, poderá servir de referência para orientar a organização
assim como as análises históricas que se utilizam das do currículo, permitindo que o professor incorpore no-
múltiplas temporalidades e ritmos da história. Nessa eta- vas temáticas, a partir do diagnóstico dos conhecimentos
pa, várias dimensões das relações que se estabelecem prévios dos estudantes e, dessa forma, construa com eles
com o meio natural ao longo do tempo são estudadas os conceitos históricos pertinentes para o itinerário for-
por meio de estudo de caso, por exemplo, o caso de Ca- mativo e a leitura do mundo.
nudos. Nesse momento do percurso formativo, questões
contemporâneas presentes no cotidiano do estudante, ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE HISTÓRIA
como os efeitos da degradação do meio ambiente, da
concentração de riquezas, os problemas acerca da mo- O eixo estruturante escolhido para todas as etapas
bilidade nos grandes centros, as questões de moradia, da Educação de Jovens e Adultos é Sujeitos Históricos,
dentre outros fatores são problematizadas e analisadas Natureza e Sociedades, Relações de Trabalho e de Poder,
à luz da perspectiva histórica e em consonância com os Cidadania e Interculturalidade. Nos diferentes momentos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). do percurso formativo, o estudante se verá instigado a
Na Etapa Complementar, o estudo da História en- notar a ação, os movimentos, as lutas, as resistências, as
volve uma diversidade maior de fontes documentais, de criações e recriações dos sujeitos históricos em diferen-
conceitos mais elaborados e formalizados que possibili- tes tempos e espaços. As relações com o meio ambiente
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tem que os estudantes organizem repertórios constituí- e o vínculo estabelecido entre natureza e sociedades ao
dos e continuem a ampliá-los, assim como aprimorem longo do tempo em diversas espacialidades são outros
habilidades, valores e conhecimentos, para que conquis- focos do eixo que estruturam as etapas e os objetos de
tem maior autonomia, como também se apropriem de conhecimento em cada momento do percurso formativo.
seus conhecimentos para aplicá-los em sua vida cotidia- As relações de trabalho e de poder são outra pilastra
na em diversas dimensões. Essa etapa enfoca as relações do eixo estruturante que permite ao estudante dimen-
de poder e de trabalho no contexto da formação e da sionar como o poder se expressa nas diferentes relações
consolidação do sistema capitalista como aspecto cen- sociais, em tempos e espaços distintos, e como o traba-
tral da experiência histórica de mulheres e homens e de lho condiciona a relação dos homens com a natureza e
grupos invisibilizados e silenciados. As lutas e resistên- entre si. O último componente do eixo estruturante traz

315
a dimensão da análise da cidadania e da interculturali- nº 7. Energia limpa e acessível: assegurar o acesso
dade para o exame das relações sociais, das relações de confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à
poder que os sujeitos históricos estabelecem no espaço energia para todos.
e no tempo em sociedades híbridas, interculturais como nº 8. Trabalho decente e crescimento econômico:
a sociedade brasileira. No Currículo da Cidade: Educação promover o crescimento econômico sustentado, inclusi-
de Jovens e Adultos – História, o eixo amplia os caminhos vo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho
possíveis nas práticas cotidianas de sala de aula, de se- decente para todos.
quências diversas de conteúdos, do tratamento particu- nº 9. Indústria, inovação e infraestrutura – Construir
lar de conteúdos em diferentes situações escolares e em infraestruturas resilientes, promover a industrialização
diferentes comunidades e do estabelecimento de cone- inclusiva e sustentável e fomentar a inovação.
xões entre conteúdos das diferentes etapas. Assim, fica nº 10. Redução das Desigualdades: reduzir as desi-
claro que todos os elementos que compõem o eixo es- gualdades dentro dos países e entre eles.
tarão sempre em diálogo em todas as etapas formativas. nº 11. Cidades e Comunidades Sustentáveis: tornar as
Os fundamentos que orientam a seleção de objetos cidades e os assentamentos humanos inclusivos, segu-
de conhecimento valorizam conceitos basilares para a ros, resilientes e sustentáveis.
estruturação do saber histórico, para a formação cidadã nº 12. Consumo e produção sustentáveis: assegurar
dos estudantes e para os questionamentos oriundos das padrões de produção e de consumo sustentáveis.
grandes temáticas do tempo presentes na Cidade de São nº 13. Ação contra a mudança global do clima – To-
Paulo e no mundo. Para cada etapa há um quadro com mar medidas urgentes para combater a mudança do cli-
três colunas em que estão descritos os Objetos de Co- ma e seus impactos.
nhecimento, os Objetivos de Aprendizagem e Desenvol- nº 14. Vida na Água: conservar e usar sustentavel-
vimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável mente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para
(ODS). o desenvolvimento sustentável.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram nº 15. Vida terrestre: proteger, recuperar e promover
resultado de um pacto estabelecido na Agenda 2030 pe- o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de
los países-membros das Nações Unidas. Esses ODS inse- forma sustentável as florestas, combater a desertificação,
rem-se no currículo de forma a proporcionar temas mo- deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de
tivadores a serem trabalhados em consonância com os biodiversidade
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Nos qua- nº 16. Paz, Justiça e Instituições Eficazes: promover
dros, há uma correspondência com os ODS relevantes e sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
pertinentes para o objetivo de aprendizagem e desen- sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos
volvimento, no que se refere à temática trabalhada e no e construir instituições eficazes e inclusivas em todos os
que tange à metodologia e abordagens de aprendizado. níveis.
É mister ter presente que os ODS só podem ser efe- nº 17. Parcerias e meios de implementação – Forta-
tivamente incorporados à aprendizagem signifi cativa se lecer os meios de implementação e revitalizar a parceria
professores e estudantes forem o centro da materializa- global para o desenvolvimento sustentável.
ção dos ODS como temáticas de aprendizagem. Por meio Pretende-se com a incorporação dos ODS ao currí-
de autonomia e liberdade, professores e estudantes po- culo que uma educação mais inclusiva, equitativa e de
dem ser autores de projetos que discutam os ODS, inclu- qualidade para todas e todos ao redor do planeta seja
sive envolvendo diferentes atores sociais e a comunidade alcançada.
escolar na geração e no compartilhamento de conheci- Por fi m, no que se refere ao Currículo da Cidade: Edu-
mentos, de soluções e práticas para as grandes questões cação de Jovens e Adultos – História entendemos que o
que mobilizam o mundo contemporâneo. professor é um intelectual transformador (SÃO PAULO,
A Agenda 2030 estabeleceu dezessete ODS, dentre os 2016c) que, no fazer e refazer de suas práticas pedagó-
quais onze estão diretamente relacionados aos objetos gicas, produz novos conhecimentos e saberes a partir
de conhecimentos e objetivos do currículo de História de seu processo formativo, de sua experiência docente,
para a Educação de Jovens e Adultos. São eles os ODS: de sua sensibilidade, de seu olhar individual e pessoal
nº 1. Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza no sentido de consolidar uma pedagogia crítica. Assim,
em todas as suas formas, em todos os lugares. o currículo indica possibilidades de caminhos, de itine-
nº 2. Fome zero e agricultura sustentável: acabar com rários formativos e de práticas educativas, mas sempre
a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nu- caberá ao coletivo de professores e estudantes, em um
trição e promover a agricultura sustentável. processo dialógico e participativo, as escolhas finais de
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nº 3. Saúde e bem-estar – Assegurar uma vida sau- como percorrer esse caminho para a consolidação de
dável e promover o bem-estar para todos, em todas as uma educação libertadora e significativa.
idades.
nº 4. Educação de Qualidade: assegurar a educação ESPECIFICAÇÃO CURRICULAR DAS ETAPAS
inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportu-
nidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Uma das principais marcas da Educação de Jovens e
nº 5. Igualdade de Gênero: alcançar a igualdade de Adultos na Cidade de São Paulo é sua pluralidade. Es-
gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. tudantes provenientes principalmente das áreas mais
nº 6. Água Potável e Saneamento Básico: assegurar a periféricas e pobres do município apresentam grande di-
disponibilidade e gestão e saneamento a todos. versidade de situações de vida; são mulheres e homens,

316
pessoas com deficiência, de diferentes faixas etárias, de
diferentes etnias e culturas. Surpreendentemente, toda-
via, não está claro para esses jovens e adultos que se EXERCÍCIO COMENTADO
voltam para a EJA que a realidade de exclusão, de pobre-
za, de dificuldades de sobrevivência presentes em nossa 1. SEDU-ES - Professor – História - FCC – 2016) Em sala
sociedade esteja diretamente ligada ao analfabetismo, de aula, o professor de História pode explorar com os
à evasão escolar, às reprovações e a outros problemas alunos a análise de documentos
correlatos que afligem o universo escolar. O preconceito
contra o analfabeto, contra os que possuem baixa esco- a) imagéticos, se tiverem sido produzidos no período estu-
laridade soma-se a esse quadro e faz parte da vida de dado, visto que imagens de outras épocas que remetem
milhões de pessoas em todo o país e é urgente ofertar a tempos passados não possuem a confiabilidade neces-
políticas públicas que possam auxiliar esse enorme con- sária para serem tomadas como documentos históricos.
tingente de indivíduos a se ver de outra maneira, a resga- b) escritos, uma vez que a interpretação de textos é a única
tar sua autoestima, posicionando-se de forma autônoma forma de problematização de um documento ao alcance
e consciente na sociedade. de alunos que ainda não possuem instrução e ferramen-
O documento da VI CONFITEA, ocorrida em 2009, tas para compreender historicamente outras linguagens.
apresentou um diagnóstico dos problemas e de algumas c) materiais, pois o manuseio de objetos e utensílios
características do estudante da EJA no país que revela o tornam a experiência de interpretação histórica algo
alto grau de complexidade que envolve a educação de concreto e não requer conhecimento e preparação do
jovens e adultos: professor para lidar com esse tipo de documento.
O mapa do analfabetismo e dos sujeitos pouco es- d) oficiais, preferencialmente produzidos pelo Estado e já usa-
colarizados se confunde com o mapa da pobreza em dos em pesquisas historiográficas, por se mostrarem os mais
nosso país. Encontram-se nas periferias urbanas índices confiáveis e virem acompanhados de interpretações seguras.
e situações humanas mais degradáveis, dentre as quais e) orais, na medida em que sejam contextualizados e
precárias condições de moradia, de saneamento básico problematizados segundo os princípios que orientam
e insuficientes equipamentos públicos como postos de metodologicamente a história oral, incluindo suas es-
saúde, escolas, praças, agravados com o crescente nível pecificidades e a possível complementação com ou-
de violência. De lá também se acompanha o surgimento tros tipos de documentos.
de iniciativas comunitárias que levam milhares de jovens
e adultos a participar de atividades culturais e econômi-
Resposta: Letra E. Letra “E” está correta, pois a fon-
cas criando identidades e expressando a diversidade ali
te documental oral é essencial quando utilizada com
existente. (BRASIL, 2009, p. 30).
suas devidas técnicas.
À vista disso, percebemos que muitos são os proble-
mas, mas também é possível observar que dos espaços
de exclusão e das áreas periféricas têm brotado inúmeras SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA
iniciativas populares capazes de atribuir novos sentidos MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
às identidades culturais de jovens e adultos. COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
Nesse contexto, ensinar História demanda um cons-
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
tante e permanente diálogo com diversos conhecimen-
tos em diferentes espaços e níveis, saberes trazidos pelos JOVENS E ADULTOS: LÍNGUA INGLESA.
estudantes de suas experiências, conhecimentos adquiri- SÃO PAULO: SME/COPED, 2019. P. 68-81.
dos em outros espaços sociais, culturais e de vivência. O
professor precisa, assim, interrogar-se sobre a natureza,
a origem e o lugar exercido por esses diferentes saberes, CURRÍCULO DA LÍNGUA INGLESA PARA A EDUCAÇÃO
que orientam e dão sentido à prática docente. Os sabe- DE JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO PAULO
res que dialogam no interior do processo educativo, em
sala de aula, são provenientes de várias fontes. INTRODUÇÃO
Dessa forma, as premissas básicas do Currículo da
Cidade: Educação de Jovens e Adultos – História orien-
taram-se a partir da observação e da reflexão das carac- #FicaDica
terísticas da EJA, na direção de um currículo que efetiva- A aprendizagem da Língua Inglesa na Edu-
mente corresponda às necessidades dos estudantes de cação de Jovens e Adultos (EJA) contribui de
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inserção na cultura letrada e na sociedade da informação, modo especial para a formação integral do
na melhoria da participação social e política, em melho-
estudante em vários aspectos, ao contrário
res possibilidades no mundo do trabalho e nas condições
do que muitos imaginam. Questionar a rele-
de existência e na conquista da plena cidadania.
vância dessa aprendizagem, além da língua
materna, para estudantes adultos que apre-
Fonte
sentam histórias singulares de aprendiza-
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
gem escolar - na maioria das vezes fruto de
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
sua trajetória de vida - é negar-lhes a possi-
Educação de Jovens e Adultos: História. São Paulo: SME/
COPED, 2019. p. 67-92. Disponível em: http://portal.sme. bilidade de ver-se e sentir- -se parte de um
prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51186.pdf. mundo que lhes pertence, por direito.

317
A presença da Língua Inglesa, doravante também tra- disso, a aprendizagem de LI permite especialmente o de-
tada como LI, está em toda parte: nas ruas, nos meios de senvolvimento de atitudes de descoberta e de convivên-
comunicação, especialmente no mundo digital. Esse es- cia com “o outro”, respeitando seus valores, sua cultura,
tudante a percebe, no seu dia a dia, interagindo com uma seu modo de ver e agir no mundo e, ao mesmo tempo,
série de informações que lhe são transmitidas por meio desenvolvendo percepção de interdependência e de in-
da presença dessa língua nos mais variados contextos e teração entre povos e culturas.
situações, tais como: bus, escrita no chão do corredor de Levando em conta todas essas considerações, tor-
ônibus, sale, 50% off ou off price nos estabelecimentos na-se necessário o levantamento e discussão de três
comerciais, o hambúrguer ou cheeseburguer pedido na questões essenciais no que concerne à aprendizagem da
lanchonete, o funk ou o hip hop que ele conhece e apre- Língua Inglesa, componente obrigatório na Etapa Com-
cia (ou não), o danger na placa de aviso no trabalho, o plementar e Final da Educação de Jovens e Adultos: o
aviso sonoro “Next station...” no metrô, entre outras tan- que significa aprender inglês para esses estudantes? De
tas expressões que o cercam e que já fazem parte do seu que língua inglesa estamos falando? Quem são esses es-
mundo, letrado ou não. tudantes e que desafios, inquietações e medos eles têm
Nesse sentido, a presença da LI no Currículo da Cida- pela frente, em relação à aprendizagem dessa língua?
de: Educação de Jovens e Adultos tem uma importância Para responder a essas três questões, devemos pri-
não só como direito a um bem cultural, que deve estar meiramente reiterar que aprender a Língua Inglesa é
disponível a todos, mas também como vivência que asse- considerado, na atualidade, um fator de grande relevân-
gura a formação do cidadão no mundo contemporâneo, cia para a atuação social dos indivíduos, no campo pes-
com acesso a conhecimentos e participação no mundo soal e profissional, dada a ampliação das possibilidades
globalizado, principalmente por meio da cultura digital. de acesso a conhecimentos importantes que circulam no
Com isso, são oferecidas a esse estudante possibilidades mundo, em âmbito local e global. Vivenciar essa apren-
de desenvolvimento de letramentos múltiplos, relacio- dizagem colabora, também, para a construção de um
nados não só às habilidades linguísticas, mas também “cidadão do mundo”, consciente e crítico, que busca in-
terpretar e compreender as diferentes formas de expres-
às práticas sociais e culturais do mundo globalizado e,
são e de comportamento humano, levando em conta o
especialmente, ao desenvolvimento de um processo de
contexto sociocultural ao qual pertence, sua identidade
problematização constante sobre os contextos em que
e a diversidade de culturas. O estudante deve ter clareza
a LI se faz presente e as vivências em que os estudantes
dessa relevância de modo a compreender o porquê da
estão inseridos.
inserção do componente nesse momento de sua esco-
Essas vivências em LI estão relacionadas aos proces-
larização.
sos de interação com essa língua, que ocorrem dentro e
Hoje, a LI tornou-se utilizada nas mais variadas situa-
fora do ambiente escolar, permitindo que o estudante, a ções como língua de comunicação mundial: nas relações
partir dessas experiências, contextualize, analise e ava- comerciais e reuniões de âmbito internacional, em via-
lie o que está à sua volta, descobrindo a variedade de gens, no meio digital, entre outras. Além disso, o Inglês,
usos possíveis dessa língua e construindo significados. na contemporaneidade, está presente e é reconhecido
Em outras palavras, trata-se de oferecer a esse estudante como língua de referência para muitos dos bens culturais
condições para que ele possa, por meio da aprendiza- imateriais da humanidade (no cinema e na música, por
gem da LI e das várias outras formas de linguagem a ela exemplo). A LI também tem grande influência no imagi-
incorporadas, tomar decisões e desenvolver atitudes em nário coletivo de muitos grupos. Pode-se observar, por
relação ao conhecimento dessa língua e do mundo que exemplo, sua presença marcante nas culturas juvenis, em
o cerca, em âmbito local e global como sujeito participa- movimentos como o hip-hop (com suas formas de ex-
tivo da aprendizagem. pressão como o rap e o funk, o graffiti, a breakdance, os
No mundo contemporâneo, habilidades de comu- MCs e DJs, por exemplo) e no “mundo dos games” (com
nicação, socialização, cooperação, espírito de equipe, seus termos e expressões como level, character, power,
atitudes empreendedoras, dentre outras, tendem a ser danger, time up, you win, you lose, por exemplo). Por-
cada vez mais valorizadas. No que se refere à comuni- tanto, mesmo em se tratando de uma pequena inserção
cação e às relações interpessoais, ainda no uso da língua do estudante no contexto de aprendizagem desse com-
materna, múltiplas habilidades de letramento aliadas à ponente da EJA, a aproximação com a LI, presente no
curiosidade, ao prazer ou à necessidade de conhecer, seu cotidiano, fora do universo escolar, nas mais varia-
compreender, descobrir, construir e reconstruir conheci- das esferas da atividade humana que têm lugar na sua
mentos são recorrentes na atuação social dos indivíduos história de vida pessoal, social e até profissional, deve
em seu cotidiano.
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ser considerada e validada como experiência do sujeito


Ao considerarmos uma outra língua, como a LI, outras em referência aos modos possíveis de utilização dessa
habilidades de letramento também são necessárias, ga- língua nas práticas sociais do mundo contemporâneo,
rantindo acesso às várias modalidades de comunicação, bem como nas situações interacionais que têm lugar em
especialmente nas TDIC (Tecnologias Digitais de Infor- sua história de vida, antes e no decorrer do processo de
mação e Comunicação), com consequente ampliação do ensino-aprendizagem da LI. Todas essas experiências são
conhecimento nas mais variadas áreas e desenvolvimen- fundamentais para determinar a LI que se fará presente
to da habilidade de comunicação e práticas de lingua- nas práticas de linguagem do grupo de estudantes em
gem significativas, proporcionando formas de interação classe, com seus hibridismos, polifonias e com caracte-
e de participação do estudante como sujeito ativo da rísticas e modos singulares, nas tentativas que fazem ao
aprendizagem da LI, de maneira prazerosa e lúdica. Além expressar-se por meio dela.

318
Assim, a percepção pelo estudante, nessa etapa es- viveram ou vivem em um determinado tempo e espaço.
colar, da utilidade, valor e finalidade dessas experiências Portanto, inserem-se em contextos situados histórica e
com a LI, aliadas ao buscar sentir-se em condições, ten- culturalmente, e revelam atitudes e comportamentos, va-
tando vencer seus medos e inquietações e, ao mesmo lores éticos e culturais, conhecimentos, experiências dos
tempo, atender ao seu desejo de ser capaz de aprender sujeitos que as utilizam, construindo, desse modo, suas
e explorar essa nova forma de se expressar e de ser com- identidades. Nesse sentido, as práticas sociais concreti-
preendido, por meio de outra língua que não é a sua e zam-se por meio de práticas de linguagem nas quais os
que pode ser, ou não, a do outro com quem interage, sujeitos (re)constroem, dialogicamente, os significados e
devem possibilitar que ele encontre sentido, vontade e os sentidos da realidade que os cercam e do mundo em
atitude positiva para aprendê-la. que vivem. No componente curricular Língua Inglesa do
Obviamente, devem ser levadas em conta as caracte- Currículo da Cidade para o Ensino Fundamental é intro-
rísticas desses estudantes e sua diversidade em relação duzida a visão de linguagem como “um sistema semió-
à faixa etária, suas histórias de vida pessoal e escolar, tico, com formas de expressão cada vez mais caracteri-
suas experiências e conhecimentos na esfera pessoal e zadas pelo hibridismo em face da cultura digital e das
profissional, os contextos socioculturais nos quais estão tecnologias de informação” (SÃO PAULO, 2017, p. 68). Em
inseridos, suas expectativas e objetivos, entre outras que uma sociedade marcada por práticas sociais, nas quais
venham a ser consideradas como atinentes ao ensino e à as linguagens estão cada vez mais hibridizadas, é funda-
aprendizagem da LI pelo professor, inclusive à constitui- mental que o centro do trabalho com línguas na escola
ção do grupo. As características da escola e da comuni- seja o texto/discurso, entendido aqui como: [...] formas
dade em que vivem os estudantes são também exemplos de representações, códigos e convenções que produzem
de outros fatores que devem servir de referência para o sentidos determinados cultural e historicamente, e que
desenvolvimento curricular do componente. carregam, portanto, as marcas do que se aceita como
Mesmo diante de toda essa diversidade e heteroge- verdade ou realidade em determinada sociedade em
neidade, podemos tecer considerações gerais, válidas dado momento histórico. (SÃO PAULO, 2016, p.26).
para identificar os estudantes desse contexto e suas As práticas de linguagem contemporâneas envolvem
inquietações, medos e desafios. O principal aspecto a novos gêneros e textos que integram diferentes lingua-
considerar é lembrar que muitos deles têm histórias de gens (a visual, a sonora, a do movimento) e mídias (texto
vida pessoal e/ou escolar muito singulares, com vivên- escrito, vídeo, áudio); em outras palavras, são textos cada
cias marcadas por diferentes percalços, insucesso, falta vez mais multissemiotizados e multimodalizados. As rela-
de oportunidades e até mesmo de coibição. Com isso, ções de produção de sentido estabelecidas entre o verbal e
o não verbal, por exemplo, são de extrema importância nas
muitos estudantes têm baixa autoestima e sentem-se
mídias de massa da atualidade. Novas formas de produzir
pouco preparados para enfrentar a aprendizagem de um
textos, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de in-
componente curricular desafiante como a Língua Inglesa.
teragir por meio de diversas linguagens são hoje utilizadas
Desse modo, o trabalho focado nos aspectos so-
(ao escrever posts ou seguir um determinado artista/ídolo
cioafetivos relacionados à aprendizagem, como a auto-
em uma rede social, por exemplo). Essa constante interati-
confiança, o entusiasmo, a calma e a tranquilidade, o diá-
vidade no mundo digital e as novas formas de linguagem
logo, a socialização no grupo e as relações interpessoais
nele presentes constituem um novo modo de construção
(entre os estudantes, e entre eles e o professor), deve social, no qual sujeitos interpretam e (re)inventam senti-
ser visto como um bom começo para criar um ambien- dos, em práticas sociais que integram linguagens, fenôme-
te favorável para a aprendizagem da LI. Na construção no esse típico de uma sociedade multiletrada.
de uma comunidade de aprendizagem com fortes laços Assim, uma imagem, uma fotografia, um infográfico,
afetivos, que investiga, se informa, discute e debate as uma música, uma história em quadrinhos, uma dança,
questões que atingem esses sujeitos em seus contextos gestos e olhares ou uma propaganda são textos/ dis-
de vida, uma cidadania participativa/ protagonista pode cursos que entrelaçam diferentes linguagens (semioses).
encontrar espaço para se desenvolver em cada um dos Não mais entendidos como um conjunto de frases que
estudantes. contém, em si mesmo, o significado a ser descoberto
por um leitor/falante passivo. Os textos devem ser com-
ENSINAR E APRENDER LÍNGUA INGLESA NA EJA preendidos como eventos de linguagem multimodais,
que envolvem, como aspecto central das práticas de lin-
A VISÃO DE LINGUAGEM guagem, processos interpretativos dos sujeitos. Como
nos ensinam Jordão e Fogaça (2007, p. 89) ao falarem so-
As atividades humanas, seja qual for o contexto em
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

bre o ensino de Língua Inglesa, os textos são “oportuni-


que se inserem, manifestam-se por meio de práticas dades de percepção de múltiplos contextos, de discussão
sociais, que envolvem relações entre sujeitos, sempre de importantes questões que possam levar ao desenvol-
mediadas por ferramentas simbólicas. Uma dessas fer- vimento intercultural dos alunos”.
ramentas, de grande importância para as relações entre
indivíduos e grupos sociais são as linguagens em seus A VISÃO DE LÍNGUA INGLESA E DE APRENDIZA-
variados tipos: visuais, corporais, verbais (oral, escrito, vi- GEM
sual-motor), sonoros e, com maior abrangência nos dias
atuais, os relacionados às TDICs, já mencionadas anterior- Partindo da visão de Língua Inglesa assumida pela
mente. No âmbito das linguagens, as línguas constituem Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017)
diferentes modos de ser e ver o mundo por sujeitos que e em concordância com o tratamento dado a esse com-

319
ponente curricular no Currículo da Cidade para o Ensi- desenvolverem o reconhecimento e respeito à diversida-
no Fundamental (SÃO PAULO, 2017), neste documento de linguística e cultural, prestando-se também ao incen-
para Educação de Jovens e Adultos, a LI continua a ser tivo para o contato com as línguas e culturas presentes
entendida em seu viés de língua franca. Como esclare- na cidade e disposição para compartilhar experiências e
ce o Currículo da Cidade (SÃO PAULO, 2017), o conceito interagir com as várias línguas/linguagens, percebendo
não é novo, mas assume, na contemporaneidade, carac- possibilidades de interação que não dependem exclusi-
terísticas específicas para dialogar com os usos da Lín- vamente do conhecimento do idioma (tais como gestos,
gua Inglesa e as demandas de sua aprendizagem em um mímicas e expressões faciais e corporais; elementos vi-
mundo cada vez mais globalizado. Em outras palavras, suais, como desenhos, figuras; reprodução de sons que
ela deve ser entendida hoje como uma língua por meio auxiliem na comunicação, entre outros).
da qual sujeitos interagem, cooperam, produzem e com- Nessa perspectiva, além do estímulo à vontade para
partilham conhecimentos; sujeitos, esses, pertencentes a aprender qualquer língua, são, também, incentivados e
diferentes grupos linguísticos e culturais, falantes, por- desenvolvidos comportamentos e saberes como acolhi-
tanto, de outras línguas. mento e abertura à diversidade, autoconfiança e autoes-
Por causa dos intensos processos de globalização e tima, comunicação, autonomia e determinação, repertó-
democratização das últimas décadas, nossa sociedade rio cultural, entre outros. Muitos deles integram a Matriz
tem se transformado mais rapidamente e, como con- de Saberes e são propostos ao longo do processo de
sequência, o modo como interagimos também é afeta- escolarização e, portanto, devem ser vistos como funda-
do. Nessa esteira, a LI, em seu viés de língua franca, tem mentais para os contextos de aprendizagem que os es-
potencializado a interação entre sujeitos de diferentes tudantes irão vivenciar na EJA, não só em Língua Inglesa,
nacionalidades e culturas, contribuindo para que, nas mas nos outros componentes. O reconhecimento da LI
práticas comunicacionais entre pessoas que não compar- como língua de comunicação internacional permite, em
tilham a mesma bagagem linguístico-cultural, seja usada especial, a problematização de questões e temas, como
uma língua para a interação (no caso, a Língua Inglesa desigualdades, hegemonia, identidades, entre outros, em
que conhecem) e que gera modos criativos e híbridos função, por exemplo, dos processos de colonização e das
de usos, sem distinção de classe. Essa é a língua que in- marcas de dominação linguístico-culturais presentes em
vadiu as redes e já não causa tanto estranhamento, sen- várias culturas, prestando-se, portanto, ao agenciamento
do “reinventada” por falantes com diferentes repertórios crítico dos estudantes.
linguístico-culturais, que vão incorporando expressões e A partir das considerações feitas até o momento,
modos de dizer de suas línguas nos usos que fazem do pensar as práticas de linguagem numa concepção dis-
Inglês. Daí, essa Língua Inglesa que “existe” nessas pes- cursiva, sociointeracionista, multissemiotizada, implica
soas e que se “transforma” nos momentos de interação refletir sobre alguns desdobramentos para seu processo
(e, por isso, entendida no viés de língua franca) “vive” de ensino e aprendizagem na escola. Pressupõe uma ati-
intensamente, no momento atual, um processo de misci- tude pedagógica do professor, de acolhimento de tex-
genação inter/translinguística. tos/discursos em Língua Inglesa produzidos por falantes
Assim sendo, por tratar-se de uma língua “desterrito- do mundo na contemporaneidade, nos diversos âmbitos
rializada”, sua característica intercultural é predominante. e esferas da vida, principalmente os presentes no mun-
Ao ser tratada no Currículo da Cidade: Educação de Jo- do digital. Tal acolhimento, como veremos mais adiante,
vens e Adultos sob essa perspectiva, modos de ensinar deve se fazer presente como uma atitude pedagógica em
a LI precisam ser revistos e avaliados, problematizando face das particularidades dos nossos jovens e adultos es-
crenças tradicionalmente associadas ao seu ensino e tudantes da EJA.
aprendizagem. Uma delas, por exemplo, está relacionada A sala de aula de LI deve ser entendida como um
à visão de que existe um único “inglês correto” e acei- momento de encontro entre os sujeitos-estudantes e
to como modelo – aquele de falantes nativos. Se a LI é sujeitos representados pelos discursos/textos, oriundos
tratada no Currículo como uma língua “desterritorializa- de diversas comunidades sociolinguísticas e culturais. E
da”, tal crença precisa ser desconstruída e novos modos é nesse ambiente que diálogos interculturais são poten-
de ensiná-la precisam ser pensados, em função de seus cializados. Portanto, nesse espaço, no qual eventos de
usos na atualidade. Com isso, ficam destituídas, de início, letramento acontecem, a escuta atenta dos discursos/
questões relacionadas ao ensino de modelos e padrões dos sujeitos, a convivência respeitosa, o debate de ideias
fechados de pronúncia, por exemplo. Esse ensino, pelo deve ser encorajado (na interação com discursos/textos
contrário, favorece “uma educação linguística voltada em Língua Inglesa ou falando/escrevendo em inglês para
para a interculturalidade, isto é, para o reconhecimento se expressar) em práticas de linguagem que permitam
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

das (e o respeito às) diferenças e para a compreensão de aos estudantes vivenciarem experiências significativas de
como elas são produzidas” (BRASIL, 2017, p. 240). uso da Língua Inglesa.
Conforme já apontado no documento “Educação de Assim, criam-se comunidades de prática, nas quais
Jovens e Adultos: princípios e práticas pedagógicas” (SÃO pessoas com interesses em comum estão juntas para
PAULO, 2016), essa visão dialoga com uma característica aprenderem, colaborarem, desenvolverem seus poten-
atual da nossa cidade, que são os fluxos migratórios e, ciais/capacidades, construírem conhecimentos e saberes.
consequentemente, a presença de população de estu- São espaços, dentro da escola ou fora dela, nos quais,
dantes multilíngues em nossas escolas. Essa caracterís- por meio da Língua Inglesa, os estudantes aprendem so-
tica multicultural e plurilíngue da Cidade de São Paulo é bre a vida, sobre o mundo, trocam experiências e criam
bastante positiva, uma vez que possibilita aos estudantes um ambiente que estimula o desejo de aprender.

320
ADULTOS E JOVENS APRENDIZES DA LÍNGUA IN- não contribuir, de modo mais eficiente, para a persis-
GLESA: tência do aluno no processo de aprendizagem da LI e,
ASPECTOS SOCIOAFETIVOS NO CONTEXTO DA EJA se a motivação intrínseca inicialmente é espontânea, ela
pode e deve ser desenvolvida em um trabalho pedagógi-
Aprender uma língua estrangeira requer tempo de co que envolve o convívio social, o estabelecimento dos
exposição à língua e oportunidades significativas de uso. vínculos, o estímulo à curiosidade pelo conhecimento e
Ao se depararem, por exemplo, com a tarefa de falar in- à reflexão sobre as relações entre os diferentes saberes,
glês em sala de aula, muitos estudantes adultos, inde- sobre o que é aprendizagem e que estratégias podem
pendentemente do espaço educacional em que se en- ser benéficas para esse processo.
contram (na escola regular, em um módulo de EJA, na Nesse trabalho pedagógico, também é de suma im-
universidade ou em um instituto de línguas) experimen- portância a avaliação, entendida, aqui, como o processo
tam sentimentos de ansiedade, de medo (da avaliação de acompanhamento do desenvolvimento das aprendi-
do outro sobre sua performance), de vergonha e, em zagens dos estudantes, especialmente no que diz respei-
alguns casos, essa situação impõe uma barreira tão di- to à mentoria e feedback, já que enfatizamos no Currí-
fícil para o estudante que ele acaba não persistindo na culo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: Língua
aprendizagem e abandona o(s) estudo(s). Inglesa o princípio do acolhimento, da escuta sensível
Em se tratando de estudantes da EJA, esses mesmos e do diálogo entre e com os estudantes. Um aprendiz
sentimentos também podem estar relacionados a outros adulto se beneficia muito da conversa com o professor
aspectos que marcaram suas trajetórias de insucesso que o orienta sobre estratégias de aprendizagem, tanto
escolar, suas crenças sobre sua capacidade de adquirir as relativas à organização de seu estudo, como aque-
conhecimento (em geral ou, especialmente, a Língua In- las relativas à aprendizagem das práticas de linguagem
glesa), sua motivação para os estudos e o senso de au- em suas especificidades (por exemplo, como melhorar a
torrealização, imprescindíveis para que os estudantes de- aprendizagem do léxico ou a escuta de textos orais). Em
relação ao feedback (correspondente aos momentos de
senvolvam autonomia e vontade de aprender, ao longo
intervenção pedagógica do professor durante a realiza-
da vida.
ção das atividades, com o objetivo de orientar a melhoria
Disso decorre a importância, no contexto da EJA, so-
da performance do estudante), é preciso que ele seja fei-
bretudo, do acolhimento dos estudantes no sentido de,
to de modo positivo e de forma diferenciada, dependen-
primeiramente, sentirem-se encorajados a experimentar
do do objetivo da tarefa e do desempenho do estudante,
o uso da Língua Inglesa em sala de aula, com o apoio e
conforme veremos no item Orientações Didáticas.
mediação do professor. Vale reforçar que ao destacarmos
Outro aspecto importante para a motivação é a valo-
a experimentação, a vivência da língua em uso, estamos ração, ou seja, o que os diferentes estudantes acreditam
rompendo com a noção de que primeiro se estuda a gra- ser interessante, útil, importante para si. No caso de es-
mática da língua, suas regras e o vocabulário (como pré- tudantes adultos, o fato de poderem ser ouvidos em suas
-requisitos), para depois então colocá-las em “prática”. necessidades e dificuldades, poderem fazer escolhas (so-
Em outras palavras, importa colocar os estudantes para bre o que ler, sobre o que escrever, sobre como participar
interagirem em Língua Inglesa ao mesmo tempo em que de uma determinada interação social, ou como contribuir
constroem, uns com os outros, os recursos linguísticos, para o desenvolvimento de um projeto, por exemplo) de-
inventam modos de dizer, experimentam usos da língua, monstra respeito às singularidades de cada um deles, seus
misturam línguas e recorrem ao professor como um im- diferentes modos de produzir sentidos e construir conhe-
portante mediador (embora não o único). Trata-se de in- cimento, especialmente para aqueles jovens e adultos que
serir os estudantes, portanto, na performatividade (o que estão recuperando sua autoestima e o senso de capacidade
fazem, por meio da língua em uso) e não na simples co- pessoal, para aprender, no caso, a Língua Inglesa.
dificação. Igualmente importante é o estabelecimento do Construir um percurso de aprendizagem em LI, de
senso de grupo, de vínculos de pertencimento, e de uma acordo com a concepção proposta no Currículo da Ci-
comunidade de aprendizagem na qual todos se apoiam, dade: Educação de Jovens e Adultos significa, para mui-
construindo um percurso que respeita diferentes ritmos tos estudantes, mudar a própria imagem que têm como
de aprendizagem, diferentes formas de participação e aprendizes de LI, muitas vezes materializada em comen-
modos de expressar ideias e de interagir. Nessa cons- tários como: “eu não consigo aprender essa língua”, “eu
trução do senso de pertencimento a um grupo, aspectos nunca vou saber usar/falar essa língua direito” ou “inglês
relacionados à motivação são fundamentais. é muito difícil”. Promover reflexões sobre temas dessa na-
Motivar os estudantes para enfrentarem os desafios tureza, bem como ajudar o estudante a estabelecer me-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

da aprendizagem da Língua Inglesa e persistirem nesse tas alcançáveis para sua própria aprendizagem da língua,
processo é essencial para a construção de uma comuni- podem auxiliá-lo a reconfigurar tais crenças e contribuir
dade de aprendizagem que ultrapassa as paredes da sala decisivamente para uma aprendizagem autônoma, que
de aula da escola. Há dois tipos de motivação: a intrín- irá manter-se não apenas em outros contextos de prática
seca, que se origina naturalmente no sujeito, associada da língua fora da escola, mas também ao longo da vida.
a preferências pessoais e aspectos da personalidade; e a
extrínseca, estimulada por fatores externos, por exemplo, ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE LÍNGUA INGLESA
a necessidade de aprender inglês para desenvolver ativi-
dades profissionais. É fato que, no caso de EJA, a motiva- O componente LI no currículo da EJA para a 3ª e 4ª
ção extrínseca tem papel fundamental para o retorno dos Etapas (Complementar e Final) estrutura-se a partir da
estudantes à escola. Mas esse tipo de motivação pode BNCC (BRASIL, 2017) e em consonância com o Currícu-

321
lo da Cidade para o Ensino Fundamental da SME (SÃO (e devem) sugerir temáticas para serem trabalhadas, mas
PAULO, 2017). Assim, apresenta também 5 (cinco) eixos, sempre respeitando as especificidades regionais e locais,
que organizam o currículo de forma integrada: Práticas bem como as particularidades de cada modalidade e ní-
de Linguagem Oral - Produção e Escuta; Práticas de Lei- vel de ensino.
tura de Textos; Práticas de Produção de Textos Escritos; Em função dessa questão, para o contexto da EJA e
Práticas de Análise Linguística e Dimensão Intercultural. a faixa etária dos estudantes e seu perfil, vale indicar te-
Nenhum dos eixos tem prioridade sobre outro, nem deve máticas relacionadas à Dimensão Intercultural que abor-
ser tratado como pré-requisito para as práticas, princi- dem, por exemplo, aspectos dessa realidade educacio-
palmente o eixo das práticas de análise linguística (léxi- nal em uma perspectiva intercultural com temas como
co e gramática, fundamentalmente) que nunca pode ser “A EJA no mundo” para conhecer diferentes realidades
isolado dos demais eixos, uma vez que indicam repertó- de ensino para jovens e adultos de diferentes culturas e
rios linguísticos a serem trabalhados nas Práticas de Lin- seus contextos, ou “O mundo do trabalho” com foco, por
guagem Oral, de Leitura de Textos, de Produção Escrita e exemplo, nos desafios enfrentados por jovens e adultos
da Dimensão Intercultural. em diferentes contextos de trabalho no Brasil e no mundo.
Esses eixos se articulam em práticas situadas de lin- Outros temas devem também se fazer presentes, es-
guagem, sempre relacionadas às vivências e experiências pecialmente aqueles mais familiares aos estudantes, como
significativas para os estudantes, ou seja, que conside- a família, o dia a dia, as opções de lazer, os gostos e as
rem e façam sentido para a sua realidade; suas aspira- preferências, entre outros que sejam relevantes e signifi-
ções; seu desenvolvimento cognitivo, intelectual, social e cativos para eles, para os colegas e para o grupo, por per-
cultural; sua atuação crítica como indivíduo e cidadão (do mitirem a exploração de informações simples, trabalhadas
mundo, inclusive), entre outras pertinentes ao momento em textos multimodais (orais e/ou escritos), com o uso de
de ensino ou às suas características e as do grupo, por poucos recursos verbais (aqueles que os alunos dispõem
exemplo. É na língua em uso, pela interação com textos naquele momento), complementados por recursos não
autênticos de diferentes gêneros discursivos, que as vi- verbais como apoio (por exemplo, recursos visuais, como
fotografias, figuras, desenhos, entre outros).
vências em Língua Inglesa devem estar centradas.
Nessa mesma perspectiva de produção oral ou es-
A aprendizagem (e, também, o currículo) é um pro-
crita, uma temática também bastante relevante para
cesso espiralado, entendendo que o conhecimento se dá
o trabalho com esses estudantes é a das “Histórias de
por constantes aproximações, em diferentes momentos,
vida”, relacionadas a suas próprias vidas, o que contri-
com os objetos de conhecimento a serem trabalhados.
bui consideravelmente para um maior conhecimento dos
Nesse movimento de sucessivas aproximações, novas
participantes do grupo, auxiliando sua integração. Outras
relações e articulações acontecem, possibilitando que
histórias de vida de pessoas de destaque na comunidade
conteúdos sejam retomados e ressignificados. Nesse local, regional, nacional ou mundial, por exemplo, podem
sentido, observam-se características comuns tanto para ser tematizadas, o que irá permitir novos conhecimen-
as aprendizagens como para os currículos, já que ambos tos e coleta de informações (com o uso de tecnologias
são: digitais, inclusive) com possibilidades de integração dos
• centrados nos sujeitos/estudantes; eixos, com foco na interculturalidade e até em trabalhos
• focados na língua em uso, sempre híbrida, polifôni- integrados com outros componentes. Essas possibilida-
ca e multimodal; des de integração serão melhor explicitadas nas Orien-
• plurais, ou seja, admitem uma pluralidade de ocor- tações Didáticas quando forem apresentadas sugestões
rências e de possibilidades de tratamento, organi- para sequências de atividades como exemplos de plane-
zação, referências, entre outras; jamento e execução do Currículo da Cidade: Educação de
• processos em andamento e não produtos acabados; Jovens e Adultos.
• orientadores de ações, inclusive futuras e replane-
jamentos. Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
Isto posto, tais relações e articulações foram contem- cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
pladas na organização dos eixos, objetos de conheci- Educação de Jovens e Adultos: Língua Inglesa. São Paulo:
mento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, SME/COPED, 2019. p. 68-81. Disponível em: http://portal.
a serem apresentados no próximo item, o que permitirá sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51135.pdf.
uma melhor visualização dessas relações e articulações.
Também vale aqui apontar que tais articulações devem
partir do diálogo e da escuta sensível desses jovens e
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

adultos que, com a mediação e apoio pedagógico do EXERCÍCIO COMENTADO


professor, protagonizam a construção de novos conhe-
cimentos em um currículo escolar que se quer “vivo” e 1. (SEDU-ES - Professor - Língua Inglesa – FCC/2016)
humanizador. Ensinar a língua inglesa como prática social significa
Nessa perspectiva de organização curricular, um as-
pecto de grande importância diz respeito aos temas ins- a) praticar diálogos estruturais em voz alta.
piradores. Eles devem se ater a interesse dos jovens e b) conhecer a materialidade linguística de textos de lei-
adultos, da comunidade escolar e/ou aqueles que pos- tura.
sam contribuir para o agenciamento crítico e uma forma- c) priorizar as estruturas linguísticas corretas de cada si-
ção cidadã dos estudantes. Assim, os currículos podem tuação de fala.

322
d) promover o ensino e a aprendizagem por meio da in- o caminho trilhado, pois entende-se que o objetivo da
ternet. educação escolar se centra em garantir aos jovens e adul-
e) tratar a língua como um fenômeno social, histórico e tos possibilidades para que continuem e concluam seus
ideológico. estudos a despeito dos desafios enfrentados durante as
tentativas de formação escolar, quase sempre, marcadas
Resposta: Letra E. Em tratar a língua como um fe- por interrupções e retomadas. E, dessa forma, garantir
nômeno social, histórico e ideológico está correto. que se apropriem dos conhecimentos historicamente
Em função dessa questão, para o contexto da EJA e acumulados, fundamentais à formação humana, numa
a faixa etária dos estudantes e seu perfil, vale indicar perspectiva freireana de superação da realidade social
temáticas relacionadas à Dimensão Intercultural que vigente. Destaca-se que um dos princípios essenciais
abordem, por exemplo, aspectos dessa realidade edu- deste currículo, além do respeito aos valores e crenças, é
cacional em uma perspectiva intercultural com temas a valorização dos saberes, experiências e conhecimentos
como “A EJA no mundo” para conhecer diferentes re- prévios desses estudantes, que, mesmo fora da escola,
alidades de ensino para jovens e adultos de diferentes não estiveram alheios à vida e às interações educativas
culturas e seus contextos, ou “O mundo do trabalho” informais e não formais vivenciadas no mundo do tra-
com foco, por exemplo, nos desafios enfrentados por balho, no convívio familiar, nas manifestações culturais,
jovens e adultos em diferentes contextos de trabalho sindicais, religiosas, entre outras.
no Brasil e no mundo. Para tanto, faz-se necessário, antes de qualquer coi-
sa, conhecer as expectativas e motivações desses jovens
e adultos que retomam os estudos, por vezes, devido a
questões econômicas, vinculadas ao desejo da conquista
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA de um emprego ou de melhores postos de trabalho e
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. remuneração. Entretanto, alguns retornam à escola com
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. o objetivo de estabelecer novos vínculos sociais. Outros
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO ainda retornam para dar exemplos a filhos ou netos. Há
DE JOVENS E ADULTOS: LÍNGUA também aqueles que sempre sonharam em frequentar a
PORTUGUESA. SÃO PAULO: SME/COPED, escola e essa inserção está mais ligada à realização de um
2019. P. 68-89. sonho do que à satisfação material. Enfim, as motivações
são muitas e devem ser levadas em conta, pois afetarão
diretamente a relação desse estudante com a construção
CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA A de conhecimentos, assim como qualificará suas relações
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE interpessoais no ambiente escolar.
SÃO PAULO Essa multiplicidade de expectativas reflete a diver-
sidade de sujeitos frequentadores da EJA, que vem re-
INTRODUÇÃO cebendo, ultimamente e cada vez mais, jovens encami-
nhados para essa modalidade de ensino, o que também
ocorre com jovens cumprindo medidas socioeducativas,
#FicaDica refugiados, imigrantes, pessoas com deficiência, entre
outros. Além disso, a EJA tem atendido a uma variedade
Historicamente, a Educação de Jovens e
maior de faixas etárias, realidade incomum nas décadas
Adultos (EJA) tem sido pensada em uma
anteriores.
perspectiva assistencialista, ou seja, nos
Inegavelmente, a realidade da educação de jovens e
referimos ao período em que a educação
adultos é desafiante porque impõe ao currículo o tra-
para jovens e adultos não era assumida
tamento da diversidade de interesses, de histórias pes-
pelo Estado, mas por instituições como igre-
soais e de marcas deixadas pela experiência de formação
jas, sindicatos, comunidades de bairro etc.,
escolar em outras situações. A diferença de idade pode
sempre numa perspectiva voluntarista, dis-
parecer mais um desafio, mas, ao contrário do que se
tanciando-se, assim, do conceito de educa-
pensa, esta pode representar um fator de favorecimento,
ção como direito, garantido por lei, a partir
pois um grupo heterogêneo de estudantes no espaço es-
da promulgação da Constituição Federal de
colar propicia trocas intergeracionais ricas, favorecendo a
1988, como um caminho para a autonomia e
reflexão sobre as diferentes compreensões da realidade
emancipação humana.
necessárias ao fortalecimento da busca de sentidos exis-
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tencial, social e emocional. O fato de muitos estudantes


Nesse sentido, o Currículo da Cidade: Educação de terem uma origem socioeconômica comum é também
Jovens e Adultos: Língua Portuguesa, aqui apresenta- um aspecto de aproximação entre os estudantes de fai-
do, manteve a preocupação contínua em se desviar das xas etárias diferentes, porque reconhecem e comparti-
ideias de apressamento, de minimização dos conteúdos, lham problemas semelhantes, apresentando formas par-
de simplicação dos conhecimentos, evitando que essa ticulares de superação das dificuldades cotidianas.
modalidade se reduzisse a oferta de lampejos dos me- Diante dessa realidade, a principal tarefa dos profes-
lhores momentos do Ensino Fundamental, denominado sores da EJA, inseridos nessa lógica sistêmica, será fa-
como regular ao se referir aos anos iniciais e/ou finais zer dialogar as diferenças e as semelhanças a favor do
destinados aos estudantes entre 6 e 14 anos. Esse foi aprendizado de todos. Numa perspectiva de educação

323
sociointeracionista, quanto maior a aproximação entre um tratamento didático, imprescindível a uma aborda-
os sujeitos, os conhecimentos prévios, os conhecimen- gem curricular que favoreça sua concretização na sala
tos extracurriculares e as aprendizagens escolares, maior de aula, por meio de práticas pedagógicas efetivamente
será a chance de a escola ter sentido positivo na vida pautadas por uma concepção de educação emancipado-
dos estudantes e atingir os objetivos inicialmente descri- ra, comprometida com a consolidação da autonomia de
tos. Segundo Ausubel (1978, p. 4) “o fator isolado mais todos os seus estudantes.
importante a influenciar a aprendizagem é aquilo que o
aprendiz já sabe. Descubra isso e ensine-o de acordo”. ENSINAR E APRENDER LÍNGUA PORTUGUESA NA
No entanto, percebe-se, muitas vezes, que a noção EJA
de conhecimento prévio é confundida com a de pré-re-
quisitos, noção essa que, mal compreendida, acaba se LÍNGUA, LINGUAGENS E ENSINO NA EJA (SABE-
convertendo em uma estratégia de seletividade a deter- RES, EXPERIÊNCIAS E CONHECIMENTOS)
minar quem pode ou não seguir avançando no processo
de aprendizagem. “Quem é o outro? E quem somos nós?”
Nessa lógica geral, o currículo específico de Língua Jan Blommaert (2012)
Portuguesa fundamenta-se em alguns princípios peda-
gógicos: levantamento dos conhecimentos prévios, con- Jan Blommaert, linguista belga, focaliza em seus tra-
textualização, problematização, sistematização e avalia- balhos questões produzidas pela desigualdade das in-
ção, favorecendo o aprendizado da língua. Ressalta-se ter-relações sociais no mundo contemporâneo, marcado
que na trajetória da construção do conhecimento será pela globalização, reconhecendo seus efeitos no uso cor-
utilizada uma diversidade de textos, propondo conhecer rente da linguagem. Por essa razão, suas reflexões foram
os gêneros, bem como serão valorizadas as produções eleitas para problematizar as formas de interação, comu-
textuais, com atividades de reescrita, auxiliando assim nicação e circulação de informações nos nossos dias, que
na constituição dos significados e dos sentidos em tor- são essenciais para pensarmos nos desafios dos profes-
no dos conhecimentos a serem aprendidos, os quais não sores alfabetizadores e de Língua Portuguesa na EJA.
podem ser distanciados das questões de uso social da As mudanças pelas quais vem passando a EJA, es-
linguagem verbal e escrita. pecialmente no que diz respeito à heterogeneidade do
Evidenciando os aspectos – contextualização e pro- público atendido nessa modalidade de ensino, não são
blematização – ambos possibilitam que seja oferecido um fenômeno isolado. Ao contrário, imbricam-se com os
aos estudantes um ambiente para pensar e analisar os movimentos histórico-culturais da sociedade, que tem
temas que serão trabalhados. Seguindo a mesma linha sido profundamente afetada por mudanças vertiginosas
reflexiva, a garantia desses princípios pedagógicos dará no campo das tecnologias de informação e comunica-
suporte aos jovens e adultos para que exerçam um papel ção, na dispersão de pessoas pelo mundo e mesmo pe-
verdadeiramente ativo no interior da escola e fora dela. los territórios nacionais e locais, o que vem produzindo
Assim, é essencial o estabelecimento de uma relação maior conectividade e integração comunicacional, mas
dialógica que fomente a reflexão crítica, colocando em que, ao mesmo tempo, vem acirrando a exclusão e a de-
questionamento as diferentes crenças, hábitos, valores sigualdade social (MEGALE; LIBERALI, 2016).
e saberes de todo o grupo, fomentando a curiosidade Esses processos promovem, por sua vez, misturas e
crítica, conforme o pensamento de Paulo Freire (2003). entrelaçamentos de vários marcadores de diferenças hu-
Essa relação dialógica só se estabelecerá mediante a manas (VERTOVEC, 2007), que vão se interseccionando
construção de relações permeadas pelo respeito mútuo, e influenciando as relações entre as pessoas: raça, etnia,
pelo acolhimento das diferenças, pela possibilidade de gênero e sexualidade, classe social, localidade, bem como
livre expressão, pelo cuidado com a alternância dos tur- determinações biológicas como deficiências sensoriais e
nos das falas e pelo aprendizado permanente pautado motoras, transtornos diversos (sobretudo os espectros
no exercício de uma escuta ativa. do autismo), surdez e altas habilidades/superdotação.
Um último aspecto a ser destacado refere-se ao pro- Esses marcadores, inter-relacionados, produzem o
cesso de sistematização do que foi desenvolvido em que Vertovec (2007) denominou superdiversidade. A su-
aula. Muitas vezes, numa prática conservadora, após tra- perdiversidade, portanto, se expressa diretamente nos
balhar um determinado conceito, imediatamente o pro- processos de interação social e comunicação, mostran-
fessor passa para a avaliação, desconsiderando todos os do-se não apenas pela existência ou não de relações
princípios pedagógicos aqui mencionados. No caso da conflituosas, tampouco apenas pelas trocas verbais en-
sistematização, ela deve ser desenvolvida antes de toda tre as pessoas, mas pela forma como falam, escutam,
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e qualquer avaliação. Ou seja, após o conteúdo/proce- olham... O significado, inclusive, dos verbos falar, escutar
dimento ter sido desenvolvido, faz-se necessário que o e olhar, aqui empregados, precisam ser compreendidos
professor dialogue com os estudantes, a fim de observar para além das capacidades de ouvir, de falar e enxergar,
se eles se apropriaram e o quanto se apropriaram do que como faculdades orgânicas.
foi proposto. Dessa forma, a avaliação da aprendizagem Afinal, quando pensamos em como interagiremos
só deve ser efetivada após o desenvolvimento de todos com as pessoas surdas ou com cegueira — usuárias ou
os princípios citados, pois todos eles se inter-relacionam. não de Língua Brasileira de Sinais—, os autistas, os es-
Certamente, esses princípios pedagógicos não acon- trangeiros, refugiados ou imigrantes, os jovens que uti-
tecem separadamente. Eles só foram explicitados deste lizam expressões típicas de sua geração e de seus gru-
modo, neste momento, para que pudéssemos dar-lhes pos de pertencimento ou mesmo as pessoas idosas, o

324
que está em jogo não são apenas as trocas verbais, mas inerentes ao contexto, permitindo, assim, que os pro-
também o modo como o nosso corpo, nossas formas de fessores tenham maior liberdade na seleção dos textos
olhar e de vestir demonstram disponibilidade para a ob- e de outros suportes pedagógicos no sentido de que
servação e/ou para a escuta. a aprendizagem ocorra. Cabe enfatizar, ainda, que tal
Trata-se também de identificar nessa relação intera- proposta organizacional além de ter uma preocupação
tiva as formas hostis em nossa fala, em nossos gestos e estritamente didática, tem a intenção de contribuir para
atitudes, visando superar as dificuldades de comunica- que os docentes alfabetizadores e de Língua Portugue-
ção e construir um ambiente acolhedor, compreensivo sa consigam pensar em suas práticas pedagógicas como
ao usar a linguagem para falar, bem como considerar o sistemas abertos, que lhes permitam, desse modo, pen-
tempo para ouvir os outros e a nós mesmos em diversas sar e agir com maior autonomia em face da realidade
situações discursivas. Compreendendo nesse exercício educativa que vivenciam.
comunicativo que as nossas relações, portanto, são atra- Na perspectiva adotada, é fundamental que as situa-
vessadas pelos discursos e pela interculturalidade e, por ções de aprendizagem da língua estejam alicerçadas em
isso, precisam ser mediadas pelo diálogo respeitoso com um entendimento de linguagem que abarca a multimo-
a finalidade de compreensão e de solução de problemas, dalidade discursiva, a mediação pelos signos – dos quais
sejam eles de cunho educativo ou de cunho social. os linguísticos são parte –, e os discursos multissemióti-
Esses fatores foram continuamente destacados no cos. Isso significa que, se por um lado, é nosso desafio
Grupo de Trabalho responsável pela produção deste pensar em modos de ensinar a linguagem verbal como
Currículo, que em momento algum deixou de considerar centro das práticas pedagógicas, considerando toda a di-
que novos desafios se colocam aos professores alfabeti- versidade já citada, por outro lado, os textos, na medida
zadores e de Língua Portuguesa, área do conhecimento
em que materializam a língua, tornam-se uma importan-
que tem um papel essencial na resposta às duas grandes
te ferramenta para o trabalho pedagógico.
questões que se colocaram na epígrafe deste tópico. A
Assim, neste Currículo, procurou-se contemplar as-
complexidade humana exige cuidados. Tanto “o outro”
como “o si mesmo” são conceitos em permanente mo- pectos que destacam, além dos conceitos já mencio-
vimento, pois nossas vidas são dinâmicas e complexas e nados (superdiversidade, interculturalidade e multimo-
mudam constantemente. Sendo assim, o currículo deve dalidade), a importância dos multiletramentos, que são
ser entendido também como algo vivo, flexível, dinâmi- cruciais para as práticas sociais de uso, não apenas da
co. linguagem verbal, mas das múltiplas linguagens (sobre-
A escola e os espaços de oferta da EJA e mesmo as tudo as que são mediadas pelo mundo digital), em sen-
aulas de Língua Portuguesa se transformaram em terri- tido mais amplo, haja vista que não podemos esquecer,
tórios de intensificação das diferenças linguísticas e cul- em momento algum, que estamos lidando com jovens e
turais, sendo necessária a ampliação de perspectiva na adultos com experiências diversas, evitando incorrer no
construção curricular. risco de pensar sob a ótica dos currículos pensados para
O ensino do português brasileiro, nesse sentido, pre- as crianças.
cisa ser comprometido com a construção de conheci- Se, como lembra Bondía (2002), a experiência não é
mentos, valores, habilidades e atitudes que permitam a o que se passa, mas o que nos passa, nos acontece, nos
participação – de estudantes, mas também dos professo- atravessa e nos toca, não podemos nos ater àquilo que
res – na vida pública, em suas esferas política, econômica justifica a seleção de objetos de conhecimento e objeti-
(cuja expressão mais direta é o mundo do trabalho), bem vos de aprendizagem previstos para a infância.
como na vida cultural e social, no fortalecimento dos la-
ços comunitários, como alternativa possível à crescente Variação Linguística (superdiversidade e toda sua
exclusão e ao enfrentamento de preconceitos e discrimi- riqueza)
nações diversas.
Para tanto, a(s) linguagem(s) precisa(m), para além de Considerando a superdiversidade, entendida como
formas de concretização do pensamento e de ferramen- um movimento orgânico da língua, a variedade linguís-
tas de comunicação, ser compreendida(s) como ativida- tica é outro importante pilar do ensino de Língua Portu-
de, como forma(s) de ação no mundo, que medeia(m) guesa.
as relações interpessoais, a construção de significados e
Essa variedade diz respeito não apenas às modifica-
sentidos e a criação ou não de vínculos que podem apro-
ções pelas quais as línguas passam ao longo do tempo,
ximar ou distanciar as pessoas.
mas também aos modos de comunicação verbais, vi-
O relatado, dessa forma, reforça a importância de
suais, táteis e/ou gestuais que se modificam de acordo
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uma ação educativa pautada pelos princípios pedagógi-


cos defendidos neste documento, bem como justifica a com os territórios e grupos que as rearranjam conforme
importância de destacarmos a necessidade de nos com- sua necessidade de uso. Esses modos se interpenetram,
prometermos, no processo de alfabetização e no ensino em maior ou menor grau, a depender da manifestação
de Língua Portuguesa, com o respeito, inclusive, à varia- linguística e do idioma. No caso brasileiro, é importante
ção linguística, de tal modo que a prática educativa no destacar também as línguas indígenas e de comunida-
ensino da língua expresse mais objetivamente a possibi- des quilombolas, sem se esquecer da Língua Brasileira de
lidade da adoção de diferentes construções linguísticas. Sinais, por exemplo, segundo idioma oficial brasileiro e
Nessa direção, a Secretaria Municipal de Educação que é visual, gestual e espacial e não utiliza formas ver-
(SME) apresenta um currículo fundamentado em plane- bais de comunicação e os dialetos de grupos reunidos
jamentos personalizados a partir de esferas discursivas por interesses comuns.

325
Assim, a variedade linguística não se reduz à variação decorrência o texto, são sempre dialógicos, polissêmicos;
dialetal, embora, no caso da linguagem verbal, aspectos a relação entre enunciador e destinatário(s) implica a de-
como a pronúncia, a prosódia, o léxico e a sintaxe sejam finição de papéis e perspectivas que se multiplicam nos
formas de variação conhecidas e percebidas mais am- mais variados planos enunciativos da interação. (NÓBRE-
plamente. GA, 2015, p. 189).
A questão central em torno da consideração da varie- Sendo assim, faz-se necessário levar em conta o pa-
dade linguística é que ela nos obriga a rever as discus- norama histórico, social e cultural no qual os estudantes
sões em torno do que se considera “certo” ou “errado”, da EJA se inserem, bem como as esferas de circulação
por exemplo. Aliás, na escola de modo geral e, sobre- dos discursos.
tudo, na EJA, é preciso que tenhamos uma compreen- De acordo com Rojo (2005), as esferas discursivas são:
são nítida de que “certo e errado não cabem na escola” a instância organizadora da produção, a circulação e a
(BAGNO, 2013). O essencial é pensar criticamente acerca recepção dos textos/enunciados em gêneros de discurso
do ensino da língua, o que deve ser ensinado sobre ela e específicos em nossa sociedade. Os gêneros discursivos
como deve ser ensinada. integram as práticas sociais e são por elas gerados e for-
Em virtude disso, considera-se imprescindível enfati- matados.
zar que, nas situações em que a variedade padrão é su- A noção de gêneros, aqui descrita, tem como elemen-
gerida como objeto de conhecimento, ela é entendida tos fundamentais: o conteúdo temático (o que é possí-
como um conteúdo cujo ensino é função da escola, visto vel dizer por intermédio daquele gênero); a organização
que o estudante, a depender das suas experiências de composicional (a forma como os textos produzidos na-
vida e formação, poderá não ter tido a oportunidade de quele gênero se organizam internamente); e o estilo (as
conhecê-la. Compreendê-la e utilizá-la em contextos so- marcas linguísticas típicas de cada gênero, e não do tex-
ciais determinados, reconhecendo-a como uma variante to) (BAKHTIN, 1997).
de prestígio, nessa perspectiva, passa a ser não apenas Nesse sentido, o trabalho com gêneros tem, como
um direito, mas um instrumento de sobrevivência e de critério de classificação ou distinção genérica, as esferas
disputa em uma sociedade marcadamente seletiva, desi- discursivas, uma vez que os professores alfabetizadores
gual e excludente como a nossa. e de Língua Portuguesa podem ter autonomia na defini-
Os conteúdos que fazem parte da denominada varie- ção dos textos a serem trabalhados, considerando a es-
dade padrão são ideológicos (BAGNO, 2013) e sua ado- pecificidade da Educação de Jovens e Adultos, podendo,
ção como única língua supostamente correta e válida é assim, organizar o trabalho pedagógico desenvolvido em
uma invenção das elites letradas brasileiras. Da mesma qualquer um dos eixos aqui propostos (leitura, produção
forma, o preconceito linguístico, que consiste em prati- de texto, análise linguística, escuta e oralidade), a partir
car escárnio, humilhação ou repressão àqueles que não de gêneros de diferentes esferas, tais como: esfera do co-
utilizam a variedade padrão ao falar ou escrever, é uma tidiano (bilhete, lista, convite, receita culinária), esfera do
manifestação de preconceito social e de subjugação e mundo do trabalho (currículo, entrevista, relatório, carta
domínio do outro. de solicitação de emprego…), esfera literária em prosa
Ao contrário, espera-se que os estudantes da EJA (“causos”, contos de artimanha, biografia, romance, HQ,
possam reconhecer, valorizar e utilizar a variedade lin- fábulas, crônicas literárias...), esfera literária em verso
guística, a partir das suas diferentes necessidades comu- (canções, sonetos, cordel, haicais, slam...), esfera jorna-
nicativas, repudiando quaisquer formas de dominação e lística (notícia, reportagem, classificados, charge, crônica
preconceito que se manifestem no e pelo uso da língua. esportiva...), esfera relacional (atas de reuniões, relatos de
experiências, pensamentos divergentes sobre um tema),
Por Falar em Esferas Discursivas (ampliando leitu- entre outras esferas.
ras de mundo)
Multimodalidades
Considerando a preocupação de não perdermos de
vista a especificidade de um currículo destinado a jovens Conforme já afirmamos, o aprendizado da língua, na
e adultos, é imprescindível considerar que o compromis- atualidade, precisa levar em conta diferentes modos de
so com a autonomia dos estudantes envolve um inves- comunicação que se inter-relacionam e se interpene-
timento no aprofundamento de seu senso crítico, para tram. Isso significa que, para além da escrita e da orali-
que eles possam compreender seus direitos e buscar dade, outras modalidades de uso das linguagens, como
preservá-los. Para tanto, é essencial a ampliação e o de- as expressões faciais, gestos (como apontar o dedo ou
senvolvimento de sua capacidade de agir em diferentes como um marcador de intensidade de determinadas ex-
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contextos e situações comunicativas, compreendendo as pressões), imagens, fotografias, vídeos – ou vários desses
formas de persuasão, manipulação e subversão do foco a modos de uso das diferentes linguagens intercambiados
ser tratado em um debate ou tema em questão. e utilizados simultaneamente – vêm sendo incorporados
A partir desta consideração, neste Currículo, a lingua- tanto por impressos, tais como: livros, revistas e jornais,
gem é entendida como interlocução, numa perspectiva quanto pelos portadores textuais surgidos na contem-
do interacionismo sociodiscursivo, que compreende que: poraneidade (celulares, computadores, tablets, livros ele-
A unidade de análise é o texto com seus temas, for- trônicos etc.).
mas de acabamento (composição, estilo); o texto só ga- Com isso, um dos saberes do professor alfabetizador
nha significado a partir de sua circulação em situações e de Língua Portuguesa envolve não só o ensino de ca-
concretas de produção (enunciação); a enunciação e, por pacidades técnicas para manuseá-los, mas também para

326
compreendê-los e utilizá-los. No caso da EJA, conside- Fluência Leitora (a compreensão do mundo à sua
rando a superdiversidade, a atenção do professor deve volta)
ser redobrada, sobretudo se os professores, assim como
os estudantes, forem “imigrantes digitais” (PALFREY; Como já dissemos anteriormente, a concepção de
GASSER, 2011). leitura na qual este documento curricular se apoia é a
O termo “imigrantes digitais” refere-se àqueles que de que ler é atribuir sentidos, reconhecer os níveis de
não tiveram a oportunidade de se desenvolver em in- significado que vão das palavras às imagens, a fim de
teração direta e mediada pelos artefatos tecnológicos, encontrar e produzir sentidos diversos, a partir da inte-
tais como computadores e telefones celulares, e nem ração autor-texto-leitor. Assim, o processo de produção
conviver e interagir com os “nativos digitais” (PALFREY; de sentido se ancora, segundo Koch e Elias (2014), na
GASSER, 2012) que são os sujeitos que, tendo nascido materialidade linguística do texto, a partir do qual se ori-
após os anos 1980, desenvolveram-se em contextos so- gina a interação, a qual, por sua vez, é mediada, também
ciais nos quais tais artefatos tecnológicos já haviam sido e fundamentalmente, pelos conhecimentos do leitor e de
inventados e seu uso social se popularizado. suas formas de apreender e compreender o mundo.
Esses fatores precisam ser considerados, pois os tem- Foi, pois, a partir desta concepção e em consonância
pos em que vivemos requerem a mobilização de conhe- com os princípios deste currículo de Língua Portuguesa,
cimentos linguísticos diversos. Como seres produtores de que consideramos pertinente discutir a importância da
significados, precisamos aprender a desenvolver e cons- fluência leitora como um objetivo de aprendizagem que
truir conhecimentos que nos auxiliem a compreender os permeie todas as formas de atendimento da Educação
usos e significados dos discursos, o que é fundamental de Jovens e Adultos (Centro Integrado de Educação de
para a construção da autonomia e da emancipação, tam- Jovens e Adultos - CIEJA, EJA Modular e EJA Regular), não
bém já mencionadas ao longo dessa proposta. só em Língua Portuguesa, mas em todos os outros cam-
Com base nesses princípios, é que os objetos de co- pos do conhecimento.
nhecimento e objetivos de aprendizagem e desenvolvi- A fluência leitora ainda é pouco estudada no Brasil,
de tal forma que suas implicações no que diz respeito a
mento foram propostos, organizando-se, didaticamente,
alguns processos de aprendizagem do texto escrito não
a partir dos eixos da leitura, da escrita, da oralidade, da
são devidamente consideradas. Quando nos referimos à
escuta e da análise linguística.
fluência leitora, não estamos nos restringindo apenas à
capacidade de ler em voz alta (oralizar) um texto sem que
Leitura (ler para ler o mundo)
haja hesitação ao ler, sem escandir as palavras ou sem
utilizar a entonação adequada etc., pois muitos desen-
No Currículo, ler é se apropriar dos significados cons-
volvem a capacidade de ler fluentemente, embora não
truídos socialmente, que dão a base para a produção de
consigam necessariamente compreender o que leem.
sentidos subjetivos. Essa é uma demarcação importante Para além desses aspectos, tratamos aqui da fluência lei-
quando consideramos os estudantes da EJA como sujei- tora que deve ser desenvolvida a partir do momento em
tos ativos que se constroem e são construídos nos e pe- que o estudante alcança a base de escrita alfabética.
los textos, considerando as esferas discursivas nas quais Por exemplo, se o estudante for alfabetizado a partir
são produzidos e dependendo dos interlocutores. Nessa de uma concepção que considere a escrita como código
perspectiva: e a leitura como decodificação, provavelmente, ao con-
[...] o sentido de um texto é construído na interação quistar uma autonomia leitora, empenhe todos os seus
texto-sujeitos e não algo que preexista a essa interação. esforços somente na decodificação, deixando de lado
A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente com- as demais estratégias de leitura. Ressaltando-se que o
plexa de produção de sentidos, que se realiza eviden- ato de ler para compreender envolve outras estratégias,
temente com base nos elementos linguísticos presentes para além da decodificação, como a inferência, seleção,
na superfície textual e na sua forma de organização, mas antecipação, verificação, entre muitas outras, como as
requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes apresentadas nos estudos de Frank Smith (1999). Sendo
no interior do evento comunicativo (KOCH; ELIAS, 2014, assim:
p. 11). Ao começar a ler autonomamente, a atenção, muito
Com isso, a leitura é uma atividade social que precisa concentrada nos aspectos relacionados à decifração do
levar em conta as experiências e conhecimentos gerais escrito, faz com que os leitores iniciantes acabem em-
e extraescolares do leitor, exigindo dele muito mais que pregando estratégias que permitem a eles apenas com-
o conhecimento das relações grafo-fonêmicas e de sua preender o texto localmente. Por exemplo, quando não
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“decifração”, visto que o texto deixa de ser um produto sabem o que uma palavra significa, perguntam. Entre-
codificado, resultante do trabalho de codificação de um tanto isso não garante que tenham compreendido de
emissor, e que deve ser decodificado por um receptor. que maneira o enunciado em que ela ocorre se liga ao
Ao contrário, em uma perspectiva de leitor como cons- anterior. Procuram entender o que quer dizer cada frase,
trutor de sentido, sua atividade envolve a mobilização de mas têm muita dificuldade de compreender o texto glo-
outras estratégias, como a predição ou antecipação, a balmente. (SÃO PAULO, 2016, p. 32).
seleção, a inferência e a verificação. Não podemos, por conseguinte, no trabalho com o
desenvolvimento da fluência leitora, desconsiderar que,
fora da escola, como afirma Lerner (2002), a leitura sem-
pre parte de um ato intencional que determina o modo

327
de ler, ou seja, ler para se informar, ler para lembrar, ler O ato de ler para estudar engendra uma grande va-
para seguir uma determinada instrução, ler para estu- riedade de práticas de linguagem, que precisa ser desen-
dar, ler para se emocionar, assim por diante. Foucambert volvida. Neste sentido, o Currículo da Cidade: Educação
(2008) afirma que “ler é ter escolhido procurar alguma de Jovens e Adultos: Língua Portuguesa compreende os
coisa; dissociada dessa intenção, a leitura não existe procedimentos de estudo como objetivos de aprendiza-
(2008, p.64), justamente por isso, a leitura, bem como os gem e desenvolvimento, expressos em conteúdos a se-
modos de realizá-la, é multiforme, flexível e diversificada. rem ensinados. Entre esses conteúdos, a ideia de letra-
Nesse sentido, a fluência leitora imbrica-se à intenciona- mento literário constitui a concepção de leitura presente
lidade da leitura, haja vista que “a constante interação neste texto. Entendendo letramento literário como um
entre conteúdo do texto e o leitor é regulada também processo de apropriação da literatura como linguagem
pela intenção com que lemos o texto, pelos objetivos de (COSSON, 2006), na Educação de Jovens e Adultos é pre-
leitura.” (KOCH; ELIAS, 2014, p. 19). ciso que a literatura seja entendida como um direito.
Por isso, é importante que as práticas de ensino de
AS PRÁTICAS DE LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DE leitura sejam mediadas pelo contato direto do leitor com
LER PARA APRENDER (LEITURA E AUTONOMIA) as obras literárias, pelo fomento à formação de uma co-
munidade de leitores, pelo compromisso das equipes es-
Na Educação de Jovens e Adultos, devemos promo- colares em ampliar o repertório literário dos estudantes
ver as condições e criar estratégias pedagógicas para e, finalmente, pela oferta de atividades intencionais de
que os estudantes ganhem autonomia, o que é essencial, cunho intersemiótico sistematizadas e voltadas para a
devendo, portanto, tornar-se também um objetivo de formação de leitores competentes.
aprendizagem a ser perseguido, visando possibilitar que
esses estudantes se sintam seguros e desenvolvam, cada Escrita (e emancipação)
vez mais, uma progressiva autonomia leitora. Para tanto,
cabe à escola ocupar-se de criar estratégias de ensino Em uma sociedade grafocêntrica como a nossa, a es-
da leitura para que os procedimentos de estudos - que crita tem múltiplos usos, seja no trabalho, nos meios de
neste Currículo devem ser compreendidos como gêneros comunicação, na organização da vida pessoal e no coti-
diano doméstico, além dos usos acadêmicos e literários.
de apoio à leitura, sobretudo na perspectiva do “ler para
Isso dificulta delimitar o conceito de escrita, sob o risco
estudar” -, sejam ensinados, antes de serem somente co-
de reduzirmos seus significados e sentidos. Assim sendo,
brados.
ela aqui é tomada como “atividade que envolve aspectos
Aprender como se estuda é condição fundamental
de natureza variada (linguística, cognitiva, pragmática,
para o desenvolvimento da autonomia, pois favorece
sócio-histórica e cultural)” (KOCH; ELIAS, 2014, p. 31).
o artesanato intelectual, impulsionando a construção
Chegar a um consenso em torno da concepção de
de novos conhecimentos. Dessa forma, tanto a escrita,
escrita, embora seja um desafio, é uma necessidade da
quanto a leitura, são estruturantes para o processo de
qual não podemos nos furtar, visto que o que entende-
aprendizagem dos diferentes modos de estudar (SÃO mos como atividade de escrever subjaz a uma concepção
PAULO, [2014]). No tocante à leitura, faz-se necessário de linguagem, de texto, de sujeito aprendente, trazendo
lembrar que ela é sempre determinada por uma necessi- consequências para as nossas práticas pedagógicas.
dade que pode variar, dependendo da intencionalidade O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos:
do leitor. Língua Portuguesa partiu de uma concepção dialógica
Quando lemos para estudar, utilizamos inúmeras es- da atividade de escrita, na qual tanto o sujeito que es-
tratégias de leitura, que são acionadas em leituras com creve quanto aquele para quem se escreve são ativos:
outros objetivos, como salienta Myriam Nemirovski: “A constroem e são construídos no/pelo texto. Escrever,
prática da leitura une duas pontas de um caminho que portanto, depende necessariamente da esfera discursiva
pode transitar entre estudar para ler e ler para estudar” em questão, considerando-se da parte de quem escreve
(apud SÃO PAULO, [2014], p. 31). a mobilização de diversas estratégias, como:
Assim, no caso de jovens e adultos, há que se desen- • Ativar conhecimentos prévios acerca dos seus inter-
volver o hábito de estudo, que, além de práticas de lei- locutores, o gênero textual em questão, a recupe-
tura, envolverá também situações de produções escritas ração do contexto global de sua produção, o estilo
diversificadas, por exemplo: localizar e grifar informações composicional do texto, o portador e os modos de
em um texto em função dos objetivos de leitura que se divulgação e circulação da sua produção;
têm, discriminar informações relevantes de outras peri- • Escolher, organizar e desenvolver suas ideias, cui-
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féricas e sintetizá-las por meio de anotações, produzir dando da temporalidade e da coesão textual, cujos
esquemas e mapas conceituais para registrar as várias elementos asseguram uma progressão temática
leituras realizadas durante uma pesquisa, organizar um adequada;
fichamento ou resenha, expressar o que se compreendeu • Ter cuidado com o modo como equilibra informa-
utilizando diferentes procedimentos de estudo, reorga- ções implícitas ou explícitas, considerando o leitor
nizando as informações, conceitos e fatos para compar- e o objetivo da sua produção escrita;
tilhá-los por meio de exposição oral com apoio escrito • Revisar o que escreve, em todo o percurso da pro-
em debates, seminários, palestras, assembleias, discursos dução, para assegurar que seu propósito comuni-
diversos, como os políticos, religiosos, sindicais e movi- cativo se cumpra.
mentos sociais em geral.

328
Os conhecimentos necessários para a produção escri- Dessa forma, muitas vezes os eixos da leitura e da
ta, portanto, se articulam em torno do texto produzido, análise linguística imbricam-se. Contudo, cabe lembrar
considerando-o, mais uma vez, como unidade central do que o professor tem um papel importante na mediação
trabalho pedagógico. Do ponto de vista didático, o texto desses processos.
precisa ser escrito, mas também precisa ser lido, escuta- O aprendizado de todos os complexos elementos
do, analisado e, em determinadas situações, falado (ora- envolvidos na apropriação das linguagens e, sobretudo,
lizado), dependendo da posição que os sujeitos ocupam daquelas que se organizam em torno dos textos, depen-
na interação dialógica. dem da ação pedagógica do professor de acompanha-
Essa compreensão em torno dos significados da mento dos estudantes em seu processo de compreensão
escrita precede as práticas pedagógicas, bem como o e inserção nas culturas do escrito.
trabalho escolar desde a alfabetização. A escrita, neste Trabalhar nessa perspectiva requer cuidado, por par-
documento, no que se refere à alfabetização, é enten- te do professor, tanto no tratamento didático quanto na
dida como um sistema notacional (MORAIS, 2012), que avaliação da produção textual dos estudantes.
apresenta certa regularidade cuja complexidade mostra-
-se pela sua lógica fonográfica (depende do estabeleci- Oralidade (uma inserção no mundo)
mento de relações entre letras e sons) e pelas múltiplas
correspondências dela decorrentes (diferentes padrões Os estudantes da EJA, assim como outros estudan-
de formação dos segmentos sonoros das palavras para tes, adentram ou retornam à escola tendo um domínio
que possamos escrever alfabeticamente). Nesse sentido, considerável tanto dos recursos linguísticos, quanto dos
tais correspondências dependem do domínio de muitas recursos pragmáticos e, assim, comunicam-se de forma
convenções, sobretudo ortográficas. eficiente. Por causa desse domínio, segundo Santasusa-
O domínio dessas convenções, contudo, na perspec- na (2006, p.145), “esses usos orais informais não devem
tiva adotada nesta proposta, na medida em que conside- ser objeto de aprendizagem, porque os alunos já os têm
ra os conhecimentos prévios dos estudantes, precisa le- bastante incorporados”.
var em conta o processo de avanço nas hipóteses acerca Muitas vezes, uma interpretação equivocada das
das regras de funcionamento do sistema. ideias de Paulo Freire (2003) pode fazer com que se acre-
Entra em cena, assim, a abordagem psicogenética de dite que, pelo fato de ele ter defendido a estratégia pe-
alfabetização (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986), que toma dagógico-metodológica de se partir daquilo que os es-
os sujeitos como seres pensantes e que, mesmo antes do tudantes já sabem — seus conhecimentos prévios —, o
domínio das convenções da escrita, levantam hipóteses ensino deva ser limitado.
sobre seus modos de funcionamento. Conhecer essas hi- Na perspectiva freireana, no entanto, deve-se levar
póteses e considerá-las é fundamental ao professor que em conta as experiências e saberes dos estudantes, sem-
objetiva criar as condições necessárias para que os estu- pre com vistas a construir/ampliar/aprofundar seus sabe-
dantes se apropriem das culturas do escrito. Essa preo- res, e isso cabe, também, às aprendizagens da linguagem
cupação é essencial no caso da Educação de Jovens e oral. Desta forma, é função do Currículo de Língua Portu-
Adultos, pois estes estudantes já obtiveram experiências guesa contemplar os usos linguísticos orais mais sofisti-
que as crianças ainda não puderam ter. Da mesma for- cados, aproximando os estudantes de esferas discursivas
ma, cumpre-nos enfatizar que a concepção de alfabetiza- orais das quais geralmente estão alijados.
ção presente neste documento toma a alfabetização em Salientamos que o enfoque aqui presente se detém
contextos de letramento como princípio e como práticas sobre os gêneros orais que circulam nas diversas esfe-
indissociáveis. ras discursivas como objeto de aprendizagem. Para que
No cotidiano da sala de aula, o professor, dependen- não haja qualquer equívoco neste sentido, vale ressaltar
do da sua intenção didática, precisará dar destaque ao que não estamos considerando a leitura em voz alta de
eixo da escrita, por exemplo. Apesar disso, em práticas uma crônica, por exemplo, como a expressão de uma ati-
pedagógicas que buscam preservar o uso prático-social vidade de linguagem oral, pois esta atividade se limita
daquilo que ensinamos, não há como dissociar os eixos somente à oralização do texto escrito.
linguísticos destacados ao longo desse Currículo. Enfocamos, dessa forma, a necessidade de ler, por
Para produzir um texto, consultamos outros textos exemplo, uma crônica em uma roda de leitura ou em
semelhantes, buscamos conhecer o que já foi produzido declamar cordéis em um sarau. Ambas são situações di-
e dito a respeito deles. Qualquer escritor, seja iniciante dáticas que envolvem práticas socioculturais reais que
ou experiente, coloca em prática esse tipo de estratégia. ampliam o diálogo na esfera escolar e, por isso, podem
As situações de leitura, portanto, não se descolam das e devem ser consideradas atividades de ensino/ aprendi-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

situações de escrita. Ao ler, o estudante entra em conta- zagem da linguagem oral.


to com modelos que lhe permitem aprender tudo o que Ainda a este respeito, o mesmo ocorreria no caso de
precisa para escrever bem, tanto em relação às esferas um seminário, que poderia ser realizado após um proces-
discursivas e gêneros, quanto em relação aos outros ei- so de pesquisa bem conduzido, no qual a exposição oral
xos. Ao inspirar-se em textos já produzidos, por meio da é extremamente necessária e significativa, pois nela está
leitura com a mediação do professor, o estudante poderá o desejo/a necessidade de se compartilhar as aprendiza-
aprender recursos estilísticos e compreender o funcio- gens construídas no decorrer do processo investigativo.
namento da língua em seus vários aspectos (fonéticos, Isso posto, consideramos pertinente salientar que,
morfológicos, morfossintáticos, sintáticos, semânticos, quando nos referimos aos gêneros orais, estamos consi-
enunciativos, discursivos). derando a enorme diversidade e complexidade de textos

329
e discursos, justamente pelos inúmeros contextos de co- A questão da escuta, aqui proposta, também não se
municação existentes. Nesta perspectiva, alguns gêneros restringe ao respeito aos turnos da fala, pois:
podem se aproximar mais da linguagem escrita do que Na prática dialógica, Freire ressalta que a atitude de
outros, a depender do contexto no qual se materializam. escuta é tão importante quanto a fala, pois o sujeito que
Como lembram Koch e Elias (2014), fala e escrita são escuta sabe que o que tem a dizer tem valor semelhante
duas modalidades da língua que se relacionam dialeti- à fala dos outros. Desse modo, o saber escutar refere-se
camente. Ressaltando que ainda que se façam uso do não apenas a silenciar para dar a vez à fala do outro,
mesmo sistema linguístico, cada uma delas possui carac- mas também a estar na posição de disponibilidade, de
terísticas próprias. Isso significa que a escrita não é uma abertura às diferenças. Isso não se assemelha à aceitação
mera transcrição da fala, como é amplamente difundido, incondicional, a tudo o que o outro pensa e diz, mas é o
sobretudo entre os professores alfabetizadores. E, neste exercício da escuta sem preconceitos que possibilita a re-
caso, vale salientar que as diferenças entre fala e escrita flexão crítica e o posicionamento consciente. (MENEZES;
ficam evidentes nas práticas sociais e não na suposta rela- SANTIAGO, 2014, p. 52).
ção dicotômica entre a fala e a escrita (MARCUSCHI, 2008). Neste sentido, o exercício de uma escuta ativa favore-
Quando nos referimos à dimensão dialógica, tão ne- ce o exercício da intelectualidade, necessário para o de-
cessária para concretização de um currículo que se pre- senvolvimento de uma curiosidade crítica e para o pro-
tenda democrático, não podemos desconsiderar que a cesso de conscientização, essencial ao rompimento com
linguagem oral é a mais usada na sala de aula, pois se as formas de opressão. Neste sentido, como afirmam
traduz na principal forma de interlocução no interior de Mahoney e Almeida (2004), a audição ativa favorece a
todo este ambiente institucional. Pelos motivos acima captação do que está para além do que se ouve, ou seja,
expostos, neste Currículo, destacamos o estudo de gêne- aquilo que está além da fala. “É ouvir não só a fala, mas o
ros orais de diferentes esferas, como seminário, debate, que o corpo está revelando. É captar o que está envolvi-
palestra, fórum, exposição oral, mesa-redonda, entrevis- do na mensagem, na fala, especialmente os sentimentos
ta, assembleia escolar, slam, entre outros, que não só le- presentes naquela dada situação” (MAHONEY; ALMEIDA,
vem em conta o mundo do trabalho, mas que também 2004, p. 67-68).
não o desconsidere. No caso dos alunos surdos, por exemplo, o conceito
Acreditamos, enfim, que a realização de um trabalho de escuta ativa, aqui empregado, se traduz na observa-
pedagógico nos termos descritos poderá permitir ao pú- ção atenta do outro e na disponibilidade para interagir
blico da EJA (jovens e adultos, respeitadas suas caracte- com ele, considerando-o como um sujeito pleno, ético
rísticas, grupos de pertencimento identitário e suas his- e moral, numa perspectiva dialógica, assim como os ou-
tórias de vida) aprimorar sua interlocução em diferentes vintes. O mesmo pode ser dito dos refugiados que ainda
contextos, já que a linguagem oral sempre foi também não se apropriaram da Língua Portuguesa.
um instrumento de poder. Regina Machado, em seu livro sobre “A arte da escu-
ta” (MACHADO, 2015), afirma que a arte da palavra pos-
Escuta (atividade fundamental na relação dialógica) sibilita a transformação de um mundo de pensamentos,
dúvidas, percepções, afetos etc. em comunicação. Nes-
Dentre os eixos aqui propostos (leitura, escrita, ora- te sentido, a arte da palavra envolve necessariamente a
lidade, análise linguística e escuta), a SME considerou educação da escuta.
necessário dar maior visibilidade ao eixo da escuta, não Embora pareça redundante tratarmos da relação dia-
por considerá-lo mais relevante que os demais, mas pelo lógica, em termos de destacar a importância da escuta,
fato de geralmente este aspecto não ser tão considerado que é parte fundamental nos processos de sociabilidade,
ou mesmo ser totalmente desconsiderado nas relações do exercício da cidadania e da democracia, faz-se neces-
humanas no período em que vivemos. Por isso, ele foi sário o destaque, pois a prática de ouvir é pouco recor-
considerado um eixo particular de ensino, dissociado da rente na sociedade em que vivemos.
oralidade, embora tal escolha tenha sido feita por uma Na atualidade, diante de tantas polarizações e con-
questão meramente didática, assim como os demais ei- trovérsias, uma grande contradição que facilmente pode
xos. ser percebida em diversas esferas discursivas está no fato
Dessa forma, a ação de ouvir, que está muito além da de as pessoas denominarem como diálogo ou debate
perspectiva meramente sensorial, foi bastante pensada e um exercício no qual, muitas vezes, dispensa-se a escuta
discutida. Durante o trabalho de produção deste Currí- e só se exercita o poder da fala para reagir diante de
culo, o exercício de se descreverem objetos de conheci- uma discordância ainda não efetivamente revelada. Do
mento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento mesmo modo, os tempos atuais nos convocam a refletir
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a partir da escuta, foi um grande desafio, já que, durante sobre a escuta não apenas como extensão da oralidade,
as pesquisas realizadas, não encontramos esse aspecto mas sobretudo no conceito de escuta em uma perspec-
colocado sob relevo. tiva fenomenológica, ou seja, para identificação de um
Não obstante, destacamos essa dimensão do uso da problema e busca de soluções conjuntas, como destacou
língua, uma vez que, ao pensarmos o Currículo como um Paulo Freire (2003) ao tratar da prática dialógica.
instrumento político, que expressa concepções de edu- O proposto neste processo educativo da escuta ativa
cação, de sujeito e de mundo, nossa intenção foi provo- demanda a discussão sobre a função do silêncio na rela-
car reflexões críticas suficientes para abarcar as contri- ção dialógica. A este respeito, Freire (2003) salienta:
buições político-pedagógicas de Paulo Freire, sobretudo A importância do silêncio no espaço da comunicação
no tocante à categoria dialógica. é fundamental. De um lado, me proporciona que, ao es-

330
cutar, como sujeito e não como objeto, a fala comuni- O estudo de normas ortográficas, em uma perspec-
cante de alguém, procure entrar no movimento interno tiva de análise linguística, não deve servir para praticar
do seu pensamento, virando linguagem; de outro, tor- o preconceito linguístico, mas para auxiliar a comunica-
na possível a quem fala, realmente comprometido com ção, uma vez que pode representar tanto a prevenção de
comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar problemas ao transmitir uma ideia pelo texto quanto a
a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou. Fora atenção e a consideração com o leitor. O mesmo pode
disso, fenece a comunicação. (FREIRE, 2003, p. 117). ser dito em relação a aspectos como acentuação gráfica
Maria Zambrano (1977), uma das mais importantes e pontuação, que devem ser conhecidos não para que o
intelectuais espanholas do século XX, lembra-nos de que, produtor do texto se regozije do seu domínio da língua e
ao preparar suas aulas, o professor não pode se esquecer com ele subjugue e demonstre poder, mas porque fazem
de requerer dos estudantes três condições fundamentais: parte do sistema linguístico, particularmente da escrita.
sua presença, sua escuta e sua atenção. Estes elemen- No tocante à leitura, a análise linguística atravessa a
tos significam muito, sobretudo para os jovens e adultos, interação entre leitor e texto, partindo do reconhecimen-
que já enfrentaram um dia inteiro de lida no trabalho e, to dos aspectos gráficos e de diagramação, até a aplica-
mesmos exauridos, mantêm a expectativa de, por meio ção de certas convenções imprescindíveis a certos gêne-
da escola, poderem avançar no processo de aprendi- ros e de alcance estilístico em textos literários.
zagem. Assim, em respeito a essa presença, escuta e Além disso, fatores como o uso do léxico, a constru-
atenção, cabe-nos compreender a educação de jovens e ção sintática, o uso ou não de nexos para indicar relações
adultos como um direito, não como uma oportunidade. de tempo, espaço e causalidade comprometem a legibili-
dade e decorrente compreensão dos textos. Lembrando,
Análise Linguística (direito à apropriação) ainda, que esses elementos textuais precisam estar orga-
nizados, para que depois se possam trabalhar aspectos
Neste documento, a análise linguística foi tomada relativos à ortografia e à acentuação, por exemplo.
como um eixo que se expressa em objetos de conheci- Esses fatores sistêmicos incidem nos textos oralizados
mento e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. e no modo como eles são escutados. A análise linguística
Para tanto, procura problematizar o que precisa ser é, portanto, um conhecimento importante e um direito
considerado nas produções textuais dos estudantes, en- do estudante. Afinal, é seu direito dispor de ferramentas
tendendo o texto como “um evento comunicativo em que lhe permitam fazer escolhas relativas aos efeitos de
que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” sentido que deseja produzir, bem como reconhecer as
(MARCUSCHI, 2008, p. 72). Trata-se, desta maneira, de escolhas intencionais dos autores dos textos que lê.
pensar a linguística do texto. A linguística textual dedi- Com isso, espera-se evitar um entendimento de aná-
ca-se ao estudo da atualização do sistema da língua em lise linguística unidimensional, ou seja, como sinônimo
situações concretas de uso. meramente de ensino da variedade padrão, no sentido
Essa preocupação, embora não descritiva, recai nos descrito por Bagno, que a define como um:
processos sociocognitivos. A linguística textual valoriza, [...] construto sociocultural artificial, da mesma natu-
por exemplo, a concatenação de enunciados, a produção reza dos códigos penais, das leis de trânsito, dos pesos e
de sentido, a pragmática, os processos de compreensão, medidas, da velocidade máxima dos elevadores, da cota-
as operações cognitivas, a diferença entre os gêneros ção de moedas estrangeiras etc. Justamente por isso, ela
textuais, a inserção da linguagem em contextos, o aspec- não corresponde em grande parte à intuição linguística
to social e o funcionamento discursivo da língua (MAR- dos falantes: suas prescrições – por serem anacrônicas,
CUSCHI, 2008). isto é, divorciadas da realidade contemporânea da língua
E isso não significa que, quando tratamos de análise – tentam impor sempre os usos linguísticos menos co-
linguística, desconsideramos, por exemplo, o estudo da muns, mais raros, quando não simplesmente inexisten-
fonologia, da morfologia, da sintaxe e da semântica, pois tes. (BAGNO, 2013, p. 201).
são imprescindíveis à estabilidade textual. Tais elemen- De acordo com o autor, esse é o tipo de variante que
tos, contudo, não são tomados como prioritários. pode ser ensinada pela escola. Com efeito, o trabalho
Como, então, pode se dar o trabalho pedagógico com a análise linguística não pode servir como base de-
envolvendo a análise linguística? Um dos caminhos, na terminante de um conjunto de prescrições gramaticais
produção de textos, é pensar o reconhecimento inicial consideradas como se fossem as únicas corretas.
do sentido e da ideia que se quis transmitir, para depois Neste Currículo, portanto, análise linguística e ensino
organizá-la dentro do texto e somente depois da ideia das variantes utilizadas pelas elites não são sinônimos.
organizada finalizar o trabalho com questões estritamen- O trabalho com a prática de análise linguística na
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te linguísticas. Educação de Jovens e Adultos, portanto, diz respeito a


Além disso, é importante acentuar que as práticas de um amplo processo de reflexão sobre os usos da lingua-
ensino de análise linguística também interpenetram os gem, referindo-se, não apenas aos aspectos discursivos,
demais eixos trabalhados nesta proposta. Por exemplo, textuais, gramaticais, notacionais ou pragmáticos, mas
ao escrever, o autor do texto precisa ter algum conhe- também aos procedimentos e atitudes que são aciona-
cimento de ortografia, do conteúdo lexical da Língua dos nos processos de comunicação verbal, visual, gestual
Portuguesa, do domínio de elementos de coesão, coe- e espacial, em interação permanente, a depender da es-
rência, bem como de progressão referencial. Todos estes fera discursiva na qual as inúmeras formas de comunica-
conhecimentos adquiridos nas experiências vividas fora ção ocorrem.
da escola precisam ser nela sistematizados.

331
ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE LÍNGUA PORTU- petências e habilidades para o uso efetivo da língua
GUESA portuguesa em práticas sociais, enquanto a alfabeti-
zação é a aprendizagem do sistema de escrita alfa-
Objetos de Conhecimento e Objetivos de Aprendiza- bética. Cabe dizer que ambos os processos poderiam
gem e Desenvolvimento (aprofundando os saberes, ex- (deveriam) se desenvolver de forma concomitante, já
periências e conhecimentos) que alfabetização e letramento, muito antes de serem
Os objetos de conhecimento e objetivos de apren- processos antagônicos, são processos complementa-
dizagem e desenvolvimento a seguir foram elaborados res, na medida em que a mera decodificação de signos
considerando os princípios e conceitos abordados ao linguísticos não habilita nenhum sujeito a desfrutar do
longo desta proposta, buscando inseri-los nos documen- uso social da língua, utilizando-a como prática social.
tos curriculares que compõem a história da EJA na Cida- A propósito disso, busca-se superar a questão dicotômi-
de de São Paulo, com suas características, peculiaridades ca entre alfabetizado e não alfabetizado, aprofundando
e diferentes formas/modalidades de atendimento. a compreensão das habilidades de leitura e escrita que
Além disso, procuraram levar em conta os Objetivos de caracterizam o indivíduo capaz de inserir-se de forma
Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), propostos pela Or- adequada no contexto social, respondendo adequada-
ganização das Nações Unidas e que preveem, entre tan- mente às competências exigidas por uma cultura letra-
tos outros aspectos, a redução da desigualdade social, a da. Por isso mesmo acredita-se que enfatizar uma cul-
dignidade e os direitos de todas as pessoas e uma relação tura de letramento em contextos alfabetizadores pode
de maior responsabilidade com o meio ambiente. Con- representar expressiva contribuição para o desenvolvi-
siderando que a palavra e o discurso compõem as ativi- mento da aprendizagem inicial da língua portuguesa.
dades humanas, quando lemos, escrevemos, falamos de Dessa forma, se considera de expressiva importância
múltiplas formas (oralmente, por gestos, pelo olhar, pelas o desenvolvimento de práticas pedagógicas que pri-
práticas corporais), quando aprendemos a ouvir mais e, fi- vilegiem tempo e espaços de escrita e leitura, espe-
nalmente, quando analisamos e refletimos acerca da nossa cialmente se estes tempo e espaço forem utilizados
linguagem, podemos nos tornar mais humanos. para estimular, dentre outros aspectos, o gosto e o
prazer pela leitura e a escrita, para promover o contato
Fonte com diferentes gêneros literários e não literários, para
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu- interagir com as tecnologias de informação e comuni-
cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: cação para o desenvolvimento de habilidades relacio-
Educação de Jovens e Adultos: Língua Portuguesa. São nadas à leitura e à escrita.
Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-89. Disponível em http:// Além disso, é claro, ações que promovam a aquisição
portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51183.pdf do sistema alfabético através da análise de palavras/
textos significativos para o sujeito que aprende.

EXERCÍCIO COMENTADO SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
1. (ENADE – Pedagogia) No que se refere à aprendiza- COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
gem inicial da língua portuguesa, alfabetização e letra-
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
mento são processos independentes.
JOVENS E ADULTOS: MATEMÁTICA. SÃO
PORQUE PAULO: SME/COPED, 2019. P. 68-83.

A alfabetização é o desenvolvimento de competências e


habilidades para o uso efetivo da língua portuguesa em CURRÍCULO DE MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO
práticas sociais, enquanto o letramento é a aprendiza- DE JOVENS E ADULTOS DA CIDADE DE SÃO PAULO
gem do sistema de utilização das letras, na escrita.
Acerca dessas asserções, assinale a opção correta. INTRODUÇÃO

a) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a se- #FicaDica


gunda é uma justificativa correta da primeira.
b) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas Na sociedade em que vivemos, o conhe-
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a segunda não é uma justificativa correta da primeira. cimento tornou-se, de fato e de direito, o
c) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a principal elemento da cidadania para exer-
segunda, uma proposição falsa. cer um papel na sociedade. A Educação tem
d) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segun- sido um meio para a produção e circulação
da, uma proposição verdadeira. do conhecimento. A escola, nessa perspecti-
e) Tanto a primeira quanto a segunda asserções são pro- va, tem ocupado um papel fundamental na
posições falsas. Educação, considerando a diversidade dos
sujeitos que a frequentam. No entanto, a es-
Resposta: Letra E. A questão tem como resposta cor- cola ainda é excludente e nem sempre ofere-
reta a letra E. Isso porque, ao contrário do que aponta ce oportunidades iguais a todos os cidadãos.
a questão, o letramento é o desenvolvimento de com-

332
Ainda trata os estudantes de maneira igual, sem con- va, de qualidade e oportunidades de aprendizagem ao
siderar a diversidade de seus conhecimentos, culturas e longo da vida, sem deixar ninguém para trás, reduzindo
participação na sociedade. Nosso maior desafio é po- as desigualdades sociais, proporcionando alfabetização
der respeitar essa diversidade e conseguir organizar um e conhecimentos matemáticos para todos os jovens e
trabalho em que essas características promovam maior adultos.
integração e aprendizagem entre os estudantes. Uma O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos:
das áreas de conhecimento que ainda hoje mais exclui Matemática leva em conta um tipo especial de estudante
os estudantes da escola é a Matemática que, tradicional- que, embora não tenha cursado a escola regularmente,
mente, é vista como uma disciplina que só é aprendida aprendeu muito com a vida, na sua realidade e no mun-
por aqueles que têm “talento especial”, que “são bons de do do trabalho. Esse estudante não pode ser subesti-
raciocínio e cálculos” e que gostam de “treinar”. Muitas mado e seu conhecimento precisa ser sistematizado na
vezes, ela é responsabilizada pelo abandono dos jovens escola, caso contrário, não será reconhecido pela socie-
estudantes da escola. Para minimizar os diversos fatores dade. Assim, o Currículo da Cidade é contextualizado na
do abandono escolar pelos jovens, os sistemas educacio- vida dos jovens e adultos, relacionando conhecimentos
nais oferecem a Educação de Jovens e Adultos. Mas, que à vida e à sociedade. Dessa forma, leva em consideração
aspirações têm os estudantes que se matriculam nesse a igualdade de direitos e oportunidades, o respeito às
ensino? A questão que ca é: que Matemática deve ser diferenças, a afirmação de identidade, a valorização das
oferecida para os estudantes que estão matriculados na histórias de vida dos estudantes, suas aspirações, cultura
EJA? Nessa perspectiva, o currículo de Matemática da de cada tempo e lugar e os tempos diferentes de apren-
EJA, como promotor de educação ao longo da vida sem dizagens dos adultos.
distinção de raça, sexo ou cor, procura atender as ne-
cessidades da formação matemática no ensino básico, CURRÍCULO EM REDE DE SIGNIFICADOS
garantindo conhecimentos, habilidades e atitudes neces-
sários para promover o desenvolvimento e estilo de vida O estudante da EJA é, muitas vezes, considerado
sustentáveis, os direitos humanos, a igualdade de gênero aquele que tem “baixo nível de conhecimento” e que é
e a cidadania. preciso preencher as lacunas de sua formação anterior.
Dessa forma, o Currículo da Cidade: Educação de Essa representação ainda é bastante presente em muitas
Jovens e Adultos: Matemática tem o foco na equida- escolas. Nessa perspectiva, o professor deve “dar a ma-
de, na inclusão e na igualdade de gênero, permitindo a téria”, expor o assunto e o estudante exercita o que foi
aquisição efetiva de competências básicas do cidadão, ensinado.
mas também busca acolher a aspiração do estudante a Mas há outra concepção forte no ensino de Matemá-
continuar ampliando seus conhecimentos, dando opor- tica que também está presente na EJA: a de pré-requisi-
tunidades de um trabalho digno e de responsabilidade to, que acaba orientando o planejamento do professor
social, integrando o estudante ao mercado de trabalho no sentido de ensinar do conteúdo mais simples para
e possibilitando a continuidade de estudos até o ensino o mais complexo, usando, no geral, um caminho único.
superior. O professor, muitas vezes, acaba por “simplificar” o que
Além disso, há necessidade de alinhar as orientações deve ser ensinado, porque acredita que a falta de tempo
curriculares já existentes na Rede Municipal de Ensino, e o pouco conhecimento dos estudantes não permitem
como o Currículo da Cidade: Ensino Fundamental: Mate- aprofundamento nos conteúdos, tratando-os superficial-
mática (SÃO PAULO, 2017) e as Orientações Didáticas do mente.
Currículo da Cidade: Matemática (SÃO PAULO, 2018), às Nos últimos vinte anos, ganha força a concepção de
especificidades da modalidade da EJA na Rede. rede de conhecimentos, inspirada em redes computacio-
Muitos foram os estudos e discussões do GT de Ma- nais. Nessa concepção, os conceitos estão conectados e
temática, no intuito de organizar e atualizar o Currículo formam uma imensa teia de significados, com muitas tra-
da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: Matemática jetórias para a construção de um conceito.
compatível com a realidade da EJA. O grupo partiu do Como Machado (2016) e Pires (2000), consideramos
princípio de que o ensino da disciplina exige, principal- que construir o conhecimento significa construir uma
mente, compreensão e prática. É neste sentido que se rede de significados em que os “nós dessa rede” seriam
busca uma estruturação curricular que possa tornar-se os conceitos, as noções, as ideias fundamentais da Ma-
mais significativa aos jovens e adultos que frequentam temática, ou seja, os significados e os fios que ligam os
essa modalidade de ensino. “nós” seriam as relações estabelecidas entre eles. Tais re-
O Currículo foi pensado para o século XXI, dialogando lações se juntam formando feixes que se articulam em
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

com a sociedade, de forma que as novas gerações pos- uma grande rede.
sam participar ativamente da transformação das realida- A identificação dos conhecimentos prévios dos es-
des local, regional e global, integrando temas/conteúdos tudantes, dos conhecimentos construídos socialmente e
relevantes, tendo em vista o tratamento e a articulação dos conhecimentos de vida pode ajudar a dar significado
das informações disponíveis e a construção do conhe- àquela teia. Quando se focaliza o ensino de Matemática,
cimento em suas diferentes vertentes, por parte dos es- em qualquer grau de escolaridade, os estudantes trazem
tudantes da EJA. Foi inspirado também nos Objetivos de sempre conhecimentos prévios sobre determinado as-
Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da sunto, pois a Matemática é usada socialmente. Na EJA,
UNESCO, principalmente nas metas do ODS 4 (Educação esse fato é mais presente. A questão que se coloca é o
de qualidade): Promover educação inclusiva e equitati- que o professor pode fazer para ampliar os conhecimen-

333
tos sociais ou de escolaridade anterior, incluindo os co- O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adul-
nhecimentos matemáticos, as redes de significado que tos: Matemática envolve essas três dimensões em sua or-
os estudantes já possuem, valorizando as relações per- ganização: nas ideias fundamentais da Matemática, nos
cebidas e enraizadas no contexto social em que vivem. eixos estruturantes, nos objetos de conhecimento, nos
No Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adul- objetivos de aprendizagens e desenvolvimento. Baseia-
tos: Matemática, assume-se que o conhecimento está -se nos estudos de Pires (2000) que arma que o currículo
ligado a uma rede de significados, os quais podem ser é um instrumento vivo e flexível, no qual as ações de pla-
caracterizados por meio de relações a serem estabeleci- nejamento e organização didática fazem parte da refle-
das. São propostos objetivos de aprendizagem e desen- xão constante dos professores, permitindo a construção
volvimento que podem ser conectados por meio de re- e reconstrução de significados frente aos contextos em
lações advindas de múltiplos contextos que possibilitam que são produzidos. Assim, o documento será organi-
tecer significados, integrando-os em feixes que formarão zado de forma flexível a m de permitir a pluralidade de
a rede de significados. Ao planejar o tratamento didáti- ressignificações e caminhos didáticos sem privilégios ou
co dos objetos de conhecimento e de seus objetivos de hierarquias. O Currículo apresenta os eixos estruturantes
aprendizagem e desenvolvimento, o professor buscará - temas matemáticos e objetos do conhecimento (con-
privilegiar relações que possam ser percebidas ou viven- teúdos) - considerados relevantes para os estudantes,
ciadas pelos estudantes. tendo em vista a vivência deles, o tratamento e a arti-
culação das experiências disponíveis e a construção do
CONCEPÇÃO DE MATEMÁTICA conhecimento em suas diferentes vertentes.

Assim como no Currículo da Cidade: Ensino Funda- Ideias Fundamentais da Matemática


mental, neste documento, assumimos a Matemática
como sendo uma construção humana que envolve um Nos currículos de Matemática, muitas vezes, a lista de
conjunto de conhecimentos, com diversos tipos de ra- conteúdo a ser estudada é grande e ainda fragmenta-
ciocínio que contribuem para a resolução de diversos da em tópicos nem sempre articulados e significativos.
tipos de problemas. A Matemática permite analisar fe- Quando se pensa nas ideias fundamentais, essa lista é
nômenos e situações presentes na realidade para resol- bem menos extensa, pois por serem fundamentais, con-
ver problemas, obter informações e conclusões que não duzem a uma articulação no estudo de uma grande va-
estão explícitas. Envolve, ainda, modelos, relações, pa- riedade de assuntos ou temas matemáticos.
drões e regularidades que possibilitam conhecer, anali- O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos:
sar a realidade e obter informações para tomar decisões. Matemática, inspirado no Currículo da Cidade do Ensino
É uma área de conhecimento fundamental na escola e
Fundamental, envolve um diversificado grupo de ideias
sua aprendizagem contribui para a formação integral e
que objetivam proporcionar ao estudante uma melhor
para enfrentar desafios presentes na vida cotidiana dos
apropriação do pensamento matemático e um entendi-
estudantes da EJA.
mento mais abrangente dos objetos do conhecimento e
A Matemática é uma ciência de duas facetas. Tem um
das habilidades essenciais de forma significativa, pois es-
papel formativo básico que permite o desenvolvimento
sas ideias se articulam de forma mais elementar ou mais
dos diversos tipos de raciocínio e outro papel instru-
avançada. O documento não pretende fixar rigidamente
mental, uma ferramenta que permite resolver problemas
em situações reais e de outras áreas do conhecimento. uma lista de ideias fundamentais, mas indica, a seguir,
Pode ser considerada também uma ciência formal, pois critérios que foram utilizados para essa escolha:
se baseia em axiomas, teoremas, corolários, postulados
e proposições, visando chegar a conclusões tanto teó- Uma ideia é considerada fundamental quando:
ricas quanto práticas. É a ciência dos padrões e das re- Seu significado e sua importância podem ser explica-
gularidades. Por ter uma linguagem própria e universal, dos com o recurso da linguagem natural, sem recorrer a
torna-se interessante o uso de seus signos linguísticos, tecnicidades excessivas para sua compreensão.
uma sistematização a partir da observação, do levanta- Não for um tema isolado, ou com poucas conexões
mento de conjecturas e da observação de regularidades com outros temas, presente de modo bem visível, em
na natureza. múltiplos temas do currículo de Matemática, possibi-
Além disso, a Matemática possibilita resolver inúme- litando uma articulação natural em conexões internas
ros problemas nas diversas áreas de conhecimento e nela (conexões intramatemática) ou externas (conexões extra-
própria. Como ferramenta, subsidia situações que neces- matemática).
Não se esgotar nos limites da Matemática, articulan-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

sitam de conhecimentos inerentes da área para resolver


as situações que se apresentam em outras. O Currículo do temas matemáticos a outros componentes curricula-
da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: Matemática res ou científicos (conexões extramatemática).
engloba três dimensões (social, cultural e formal), interli- Em síntese, as ideias fundamentais listadas no do-
gadas e articuladas de tal maneira que estejam presentes cumento favorecem uma articulação entre a linguagem
no ensino como um todo. A dimensão social refere-se matemática e a linguagem natural, entre diversos temas
ao surgimento e a utilização da Matemática nos variados matemáticos e entre os temas matemáticos e outros
contextos que o estudante se encontra. A dimensão cul- componentes curriculares.
tural aborda contextos culturais e étnicos. Já a dimensão A figura mostra algumas ideias que são exploradas no
formal engloba as ideias matemáticas por meio do uso Currículo da Cidade de São Paulo.
de símbolos próprios e universais.

334
A ideia de representação está relacionada com a sim-
bologia matemática, mas também se apoia na lingua-
gem oral e escrita; nas representações icônicas (figuras,
esquemas, diagramas etc.); além de representações de
objetos do meio físico para indicar entes matemáticos.
Essas ideias articulam-se entre si, possibilitando mais
integração entre temas e/ou conteúdos matemáticos
que serão denominados neste documento de objetos de
conhecimento.

ENSINAR E APRENDER MATEMÁTICA NA EJA

Para “Ensinar e Aprender Matemática” na EJA, deve-se


levar em conta o que o estudante já conhece, ou seja, os
conhecimentos de mundo que os jovens e adultos têm e
suas experiências de vida. Cabe à escola diagnosticar e
articular o conhecimento e a experiência dos estudantes
A seguir, descreveremos cada uma dessas ideias: ao que irão aprender na escola, de forma que possam al-
A ideia de proporcionalidade está presente em diver- cançar os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
sos objetos de aprendizagem. Aplica-se a diferentes tipos propostos para cada etapa (Alfabetização, Básica, Com-
de grandeza, como o tempo, a velocidade, o comprimen- plementar e Final) da modalidade da EJA.
to, o preço, a temperatura. Ela se encontra presente, por
exemplo, tanto no raciocínio analógico em comparações Como já foi dito, a concepção de que o estudante
quanto no estudo das “frações”, nas razões e proporções, da EJA sabe pouca Matemática e precisa acumular in-
no estudo da semelhança de figuras, no estudo das fun- formações e que o conhecimento é linear e depende de
ções do primeiro grau, entre outros. pré-requisitos foi substituída pela concepção de rede de
A ideia de equivalência ou igualdade está presente significados, pois as anteriores não eram suficientes para
nas classificações, nas sistematizações, na elaboração de enfrentar as demandas sociais atuais que se apresen-
sínteses, mas também quando se estudam as “frações”, tam, principalmente, para jovens e adultos. Na área de
as equações, as áreas de figuras planas ou volumes de Educação Matemática, pesquisas mostram algumas pos-
figuras espaciais, entre muitos outros temas. sibilidades de trabalho em sala de aula, que permitem
A ideia de ordem permite a observação da organi- aos estudantes enveredar por uma rede de significados.
zação sequencial de números, da ordem de grandeza Algumas dessas pesquisas indicam que, na resolução de
numérica e de estudos das sequências numéricas ou problemas ou nas tarefas investigativas, os estudantes
figurais. A ideia de ordem tem nos números naturais trabalham, a partir de problematizações, uma variedade
sua referência básica, mas pode ser generalizada quan- de significados e relações que lhes permitem construir
do pensamos em hierarquias segundo outros critérios, conhecimentos matemáticos.
como, por exemplo, ordem alfabética. Também está as- Com esse foco de trabalho em sala de aula, o estudan-
sociada, de maneira geral, à construção de algoritmos. te da EJA se transforma em um sujeito ativo na construção
A ideia de aproximação está ligada aos cálculos que do conhecimento matemático, pois participa ativamente
não precisam ser exatos, às medidas, à aproximação dos de reflexões sobre as resoluções que faz para validar suas
números irracionais aos racionais, entre outros. É impor- respostas, bem como para formular questões.
tante destacar que defendemos que um cálculo aproxi- O raciocínio dedutivo permite partir de um proble-
mado pode ser – e em geral o é – tão bom e acreditável ma, formular hipóteses, verificar essas hipóteses e pro-
quanto um cálculo exato, desde que satisfaça a certas duzir resultados. Partindo-se de casos particulares e da
condições muito bem explicitadas nos procedimentos observação e experimentação, formulam-se hipóteses e
matemáticos. generalizações. O raciocínio abdutivo possibilita o levan-
A ideia de variação em Matemática refere-se a alguns tamento de conjecturas e a produção de conhecimen-
objetos de conhecimento como a variação percentual, a tos. O raciocínio relacional envolve o estabelecimento
variação entre duas grandezas, o coeficiente de variação, de relações entre as ideias fundamentais (equivalência,
entre outros. Pode se referir também ao estudo das for- ordem, semelhança, proporcionalidade etc.) e objetos do
mas de crescimento e de decrescimento ou de taxas de conhecimento matemático ou não matemático.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

variação que são associados ao estudo das funções mais A seleção de atividades é uma tarefa do professor.
elementares. Por esse motivo, é importante que ele selecione para os
A ideia de interdependência relaciona-se à noção estudantes, de acordo com as etapas da modalidade,
de função, com relações entre grandezas numéricas ou tarefas apropriadas, ricas, significativas e que permitam
geométricas e com ampliação e redução de figuras. A reflexões. Os exemplos, como os contraexemplos, são
sentença matemática mais típica é do tipo “se p, então, importantes, pois permitem aos estudantes identificarem
q”, que representa um tipo de interdependência. As fun- casos particulares e validarem, ou não, as generalizações.
ções e as correlações estatísticas podem situar-se nesse O Currículo da Cidade destaca o papel da comunica-
terreno. ção nas aulas, levando em conta o fato de os estudantes
comunicarem ideias matemáticas, oralmente, por escri-

335
to, por meio de desenho, esquemas, ou de outra forma, de conhecimentos já adquiridos, para que o estudante
além de compreenderem as ideias matemáticas veicula- pudesse empregar o que foi ensinado. Isso levava os es-
das por outros estudantes. A comunicação na área envol- tudantes a relacionarem os dados do problema a cálcu-
ve a linguagem natural e a simbologia matemática. los de operações já estudadas e a ideia subjacente era de
As comunicações orais e escritas se complementam. que o estudante aprendia por reprodução ou imitação.
A comunicação oral permite mais oportunidade de inte- A Resolução de Problemas, no Currículo da Cidade,
ração entre os estudantes, entre eles e o professor, en- assume um papel importante em todos os ciclos do En-
quanto que a comunicação escrita favorece uma siste- sino Fundamental, bem como em todas as etapas da EJA.
matização de ideias e reflexão sobre elas. No entanto, é Na Etapa de Alfabetização, os objetivos de aprendi-
por meio da comunicação oral que se realiza o processo zagem e desenvolvimento envolvem problemas (orais ou
de negociação de significados matemáticos entre o pro- escritos) de diversos tipos, ligados ao cotidiano dos es-
fessor e os estudantes, entre os próprios estudantes e tudantes, de maneira que o professor consiga identificar
entre os estudantes e a comunidade escolar. os procedimentos pessoais de resolução, além de buscar
A Matemática necessita, além da língua materna, de relações que permitam iniciar a formalização dos conhe-
um conjunto de símbolos, gráficos e regras que repre- cimentos matemáticos.
sentam uma estrutura matemática que responde ao ca- Na Etapa Básica, os objetivos de aprendizagem e de-
ráter sistêmico dessa área. senvolvimento se ampliam, propondo-se situações que
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento possibilitem a observação dos processos utilizados, a
descritos neste documento exploram diferentes repre- análise dos resultados, considerando a plausibilidade e
sentações para conceitos e procedimentos matemáticos, a adequação das respostas ao contexto das situações
permitindo discutir diversos aspectos e propriedades de apresentadas.
um mesmo objeto matemático. Na Etapa Complementar, os objetivos se ampliam de
acordo com os diferentes objetos do conhecimento, bus-
A Diversidade de Estratégias de Ensino de Mate- cando maior formalização e uma sistematização das re-
soluções e da validação de respostas frente a argumen-
mática
tações, ou seja, a solução passa a ser o ponto de partida
para a explicação, passando a construir, a partir disso,
Pesquisas na área de Educação Matemática e docu-
competências para argumentar matematicamente.
mentos de orientações curriculares recentes apontam
Na Etapa Final, os objetivos se ampliam, buscando
para a importância da diversificação de estratégias no
possibilidades de modelização, ou seja, de elaborar mo-
ensino de Matemática, entre elas, a resolução de pro-
delos ou se apropriar daqueles já elaborados e aceitos,
blemas, as tarefas investigativas, o uso de recursos tec-
abrindo espaço para análise desse processo como forma
nológicos, os jogos, a modelagem, entre outras. Por esse de desenvolvimento da aprendizagem.
motivo, este Currículo apresenta, nos próximos itens, al- A natureza dos problemas evolui a cada etapa, prin-
gumas estratégias para se ensinar Matemática. cipalmente na formalização dos enunciados, dos proces-
Em consonância com o Currículo da Cidade: Ensino sos de resolução e da validação dos resultados. Os cam-
Fundamental: Matemática, consideramos que os pro- pos numéricos também são ampliados a cada etapa. Os
cessos matemáticos de resolução de problemas, de mo- desafios implícitos e explícitos dos problemas deixam as
delagem, de investigações, de projetos são formas pri- aulas mais interessantes e problematizadoras.
vilegiadas da atividade matemática e são considerados,
ao mesmo tempo, objeto de conhecimento e estratégia Tarefas Investigativas
para aprendizagem ao longo do Ensino Fundamental.
Dessa forma, consideramos que a diversidade de es- Além dos problemas, as tarefas investigativas são im-
tratégias matemáticas permite raciocinar, representar, portantes de serem trabalhadas, de forma problematiza-
comunicar e argumentar matematicamente e favorece o dora, desde a Etapa de Alfabetização, pois desafiam os
desenvolvimento de conjecturas e de resolução de pro- estudantes a vivenciarem experiências que podem de-
blemas em contextos variados, utilizando conceitos, pro- senvolver conhecimentos matemáticos.
cedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. Esse tipo de tarefa apresenta quatro momentos prin-
cipais: reconhecimento, formulação de conjecturas, reali-
A Resolução de Problemas zação de testes e argumentação. Na etapa de reconheci-
mento, o estudante faz uma exploração preliminar da tarefa
O problema – cerne da atividade matemática – é con- e das questões problematizadoras. Na segunda etapa, os
siderado como uma situação desafiadora e significativa
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estudantes formulam hipóteses que o professor pode pro-


para os estudantes. Um problema é proposto intencio- blematizar. Na Etapa Complementar, os estudantes fazem a
nalmente pelo professor, ou pelos próprios estudantes, testagem e refinam suas hipóteses. Na última etapa, elabo-
selecionado levando em consideração os saberes dos jo- ram argumentos e avaliam o trabalho realizado.
vens e adultos e os objetos de estudo relativos aos obje- O Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos:
tivos de aprendizagem e desenvolvimento e apresentado Matemática apresenta uma diferenciação entre proble-
aos estudantes de forma problematizadora. mas e investigações, discutindo que uma tarefa investi-
Essa concepção se contrapõe ao trabalho mais tradi- gativa é um processo mais aberto e mais longo com uma
cional nas aulas de Matemática que tem sido desenvolvi- formulação inicial menos “fechada” do que a formulação
do por muitas escolas nas últimas décadas do século XX. de um problema. Apresentamos um quadro com essas
Nessa concepção, os problemas serviam para aplicação diferenças.

336
Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontam, em todas as etapas da EJA, para o uso de atividades
investigativas em todos os Eixos Estruturantes.
Na Etapa de Alfabetização, por exemplo, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento sugerem investigar re-
gularidades de uma sequência numérica ou figural e identificar o padrão de sua repetição.
Na Etapa Básica, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propõem investigar regularidades em multiplica-
ções por 10, 100 e 1000, o que possibilita validar propriedades e fazer pequenas generalizações, por exemplo.
Na Etapa Complementar, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propõem investigar relações entre o
número de vértices, faces e arestas de poliedros, expressando as relações observadas em registros que possam gerar
algumas formalizações.
Na Etapa Final, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento propõem investigar, entre outras, relações métri-
cas em um triângulo retângulo.
Tecnologias Digitais
Embora muitos jovens e adultos que estão matriculados na modalidade de EJA não sejam “nascidos na era digital”,
eles têm certa facilidade com uso das tecnologias. Hoje, no Brasil, o uso de computadores, tablets, redes sociais etc. é
bastante intenso. Essas tecnologias digitais proporcionam o prazer pela descoberta, além da motivação e da emoção.
Nessa perspectiva, o Currículo da Cidade da EJA de Matemática inclui o uso de tecnologias digitai nos objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento,
Na Etapa de Alfabetização, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontam para o uso de recursos digi-
tais em situações de validação de resultados de operações, por exemplo.
Na Etapa Básica, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento indicam para a realização de tarefas em que os
estudantes possam reconhecer figuras planas ou espaciais, além de desenhar figuras planas e observar algumas de
suas características.
Na Etapa Complementar, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontam para o uso de softwares/apli-
cativos para explorar, permitindo construir quadriláteros e identificando suas propriedades.
Na Etapa Final, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento apontam para o uso de softwares/aplicativos para
explorar e construir polígonos, identificando suas propriedades.
O uso de recursos tecnológicos em sala de aula é importante e necessário na sociedade atual, mas é preciso que
os professores se apropriem dessas ferramentas para que possam identificar, além dos tipos de softwares/aplicativos a
serem utilizados, a forma mais adequada para trabalhar com os estudantes. O uso de recursos tecnológicos necessita
de uma mudança de postura do professor, o qual atua junto a seus estudantes como um parceiro, mediando a apren-
dizagem que será feita de forma colaborativa.

História da Matemática

A Matemática foi desenvolvida desde os primeiros tempos em que as sociedades iniciaram sua organização até os
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dias atuais. Esse processo histórico precisa ser reconhecido, pois é fundamental para compreender as origens das ideias
matemáticas e os aspectos humanos que permitiram o seu desenvolvimento, bem como o contexto e as conjunturas
que possibilitaram a sua construção.
Dessa forma, o Currículo da Cidade: Educação de Jovens e Adultos: Matemática considera importante a contribuição
da História da Matemática nas práticas escolares utilizadas para o desenvolvimento do conhecimento matemático, pois
isso possibilita aos estudantes perceberem a Matemática como uma ciência de constituição humana, como um proces-
so de construção de conceitos matemáticos ou mesmo de estratégias para solucionar problemas decorrentes de cada
momento histórico, indo além de fatos ou biografias de matemáticos famosos.
O uso da História da Matemática permite aos estudantes investigar e compreender como um conceito foi gerado,
como os povos pensaram para chegar a ele, que fatores sociais, políticos ou econômicos influenciaram-no, levando
em conta os contextos de produção. Permite também um melhor entendimento no que se refere à dimensão histórica

337
dos assuntos envolvidos e propicia mais interesse, moti- do atual, incentivando os estudantes da EJA a fazerem
vando-os a buscar mais informações, ampliando, assim, pesquisas que envolvam coleta, organização, análise de
o conhecimento matemático. dados e a comunicação dos resultados por meio de di-
Estudar a construção de conceitos matemáticos e ferentes tipos de gráficos e de tabelas. Algumas ideias
contextualizá-los na história possibilita uma maior com- fundamentais da matemática focalizadas nesse eixo são
preensão da evolução desses conceitos, enfatizando as a variação, a interdependência, a ordem, a representação
dificuldades epistemológicas, ou seja, a origem, estrutu- e a equivalência, entre outras.
ra, métodos e validade do conhecimento, inerentes ao No eixo Álgebra, o Currículo de Matemática da EJA
conceito que está sendo trabalhado. sugere o desenvolvimento do pensamento algébrico. Os
Dessa forma, os estudantes tornam-se mais investi- objetivos de aprendizagem e desenvolvimento descre-
gativos, buscam alternativas para solucionar problemas, vem situações em que os estudantes possam analisar
o que desenvolve o senso crítico e colabora para tor- relações quantitativas e qualitativas de diferentes gran-
ná-los cidadãos conscientes do seu papel na sociedade dezas e de estruturas matemáticas, permitindo-lhes con-
contemporânea. jecturar, sistematizar, generalizar e justificar. Além disso,
O documento Curricular da Cidade: Educação de Jo- o documento sugere usar uma variedade de representa-
vens e Adultos: Matemática propõe entre os objetos de ções e linguagens matemáticas escritas. Algumas ideias
aprendizagem o trabalho com a história da construção fundamentais da Matemática vinculadas a esse eixo são a
dos Números Naturais, Racionais, Inteiros, Irracionais e equivalência, a proporcionalidade, a variação, a interde-
Reais. Esses conjuntos numéricos possibilitam pesquisar pendência e a representação.
sobre a construção histórica de cada um deles, abordá- As ideias fundamentais abordarão temas com arti-
-los em diferentes civilizações, investigar sobre os co- culações e conexões sempre interrelacionadas, com o
nhecimentos matemáticos gerados em uma determinada objetivo de favorecer uma melhor articulação entre lin-
época, permitindo aos estudantes, dessa modalidade, in- guagens, temas, objetos do conhecimento e objetivos de
teragir com questões sociais, culturais, políticas e econô- aprendizagem e desenvolvimento.
micas de um determinado povo.
O documento propõe a ampliação dos diferentes Objetos do conhecimento
campos numéricos, partindo dos naturais para depois
ampliar os conhecimentos dos racionais, dos inteiros, Os objetos de conhecimento contemplam os assun-
dos irracionais e dos reais, envolvendo seus significa- tos matemáticos, conteúdos destinados a cada uma das
dos, representações, aproximações e relações numéricas, etapas da EJA.
permitindo aos estudantes dar sentido aos números e às Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento
operações. Algumas ideias fundamentais da Matemática Os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
como aproximação, proporcionalidade, ordem e repre- visam à exploração de diferentes formas de represen-
sentação, entre outras, são enfatizadas neste eixo. Uma tar conceitos e procedimentos matemáticos com o foco
estratégia interessante para o ensino dos diferentes cam- principal no letramento matemático, descrevendo rela-
pos numéricos é o uso da História da Matemática. ções intra e extramatemáticas.
No eixo Geometria, o Currículo propõe objetivos de Busca-se, com isso, implantar um ensino de Mate-
aprendizagem e desenvolvimento ligados ao estudo de mática mais humanizado, que leve em consideração os
relações espaciais e de figuras geométricas espaciais e direitos de aprendizagem garantidos aos estudantes da
planas, suas relações e características. Os objetivos expli- EJA, as metodologias mais acessíveis aos professores,
citam um conjunto de conhecimentos e de procedimen- adequações de procedimentos para os que necessitam
tos que permitem a investigação, a experimentação, a de atendimento educacional especializado, sendo assim,
visualização, a comunicação (oral, escrita ou por meio de um ensino voltado à diversidade no que tange aos con-
desenhos), a compreensão e a análise de propriedades teúdos e suas aplicações.
geométricas e medidas, as provas e demonstrações. As
principais ideias matemáticas fundamentais vinculadas a Fonte
esse eixo são a interdependência, a variância, a equiva- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
lência e a representação. cação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade:
O eixo Grandezas e Medidas permite identificar pro- Educação de Jovens e Adultos: Matemática. São Paulo:
priedades de objetos ou fenômenos do mundo físico que SME/COPED, 2019. p. 68-83. Disponível em http://portal.
podem ser medidos a partir da escolha de uma unidade sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/51184.pdf
de medida adequada e de um instrumento necessário à
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medição. Algumas ideias fundamentais da Matemática


vinculadas a esse eixo, presentes nos objetivos de apren-
dizagem, são a variação, a representação, a equivalência,
a aproximação, a interdependência e a proporcionalida-
de, entre outras.
No eixo Probabilidade e Estatística, o documento
sugere identificar e analisar eventos aleatórios, reco-
nhecendo características de resultados mais prováveis, e
resolver problemas envolvendo o raciocínio combinató-
rio. Propõe, ainda, um trabalho de relevância no mun-

338
ca pode auxiliar os alunos no processo de construção
do conhecimento, porém, é preciso que tenhamos o
EXERCÍCIO COMENTADO hábito de fazê-lo antes em língua materna, a fim de
que haja referenciais sobre poemas, para que depois
1. (VUNESP/2017) observe o poema cinético elaborado os alunos possam expressar-se em matemática.
por um aluno, quando estudava medidas de tempo.

SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO.
COORDENADORIA PEDAGÓGICA.
CURRÍCULO DA CIDADE: EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: TECNOLOGIAS PARA
A APRENDIZAGEM. SÃO PAULO: SME/
COPED, 2019. P. 68-92.

CURRÍCULO DE TECNOLOGIAS PARA APRENDIZA-


GEM PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
DA CIDADE DE SÃO PAULO

INTRODUÇÃO E CONCEPÇÕES

#FicaDica
Estruturar e discorrer sobre os conteúdos a
serem trabalhados pelo Componente Curri-
cular Tecnologias para Aprendizagem para
o público de estudantes jovens e adultos,
De acordo com Smole (2000), pode-se afirmar que matriculados na Rede Municipal de Ensino
de São Paulo (RME-SP), demanda um breve
a) para utilizarmos poemas nas aulas de matemática, é resgate histórico sobre o uso desses dispo-
preciso que tenhamos o hábito de fazê-lo antes em sitivos e as ocorrências do contexto desse
língua materna, a fim de que haja referenciais sobre público específico na SME-SP.
poemas, para que depois os alunos possam expressar-
-se em matemática.
b) a implementação de um projeto de letramento na Em 1987, foi implementado o Projeto Introdução à In-
área de matemática depende de um professor que, formática, para ofertar cursos ministrados fora do horário
mais do que saber conteúdos, precisa saber como regular de aula, o que propiciou as primeiras oportunida-
identificar os interesses dos alunos. des de uso de computadores pelos jovens. O objetivo era
c) trabalhar com o gênero poema nas aulas de matemá- de preparar esses estudantes para o ingresso profissional
tica é inócuo, pois não garante que o aluno aprenda na área de informática.
sobre as características próprias do referido gênero. Com a reestruturação pedagógica, é criado o Projeto
d) o professor deverá selecionar vários poemas que tra- Gênese, que envolvia o uso de computadores na educa-
gam temas da área de matemática para que o aluno ção, por meio do Comunicado nº 21/89 de 12/12/1989.
fique centrado nos conteúdos da disciplina, respeitan- Tendo como objetivo proporcionar ao estudante acesso
do as restrições próprias deste gênero. à formação de uma consciência crítica em relação ao co-
e) é importante que o professor, ao trabalhar com po- nhecimento e uso da informática, buscando auxiliá-lo no
emas atrelados ao conteúdo de matemática, leve em desenvolvimento do raciocínio lógico e na descoberta da
consideração os elementos de produção do gênero e própria capacidade de estudo/aprendizagem; proporcio-
sua relação com a área das ciências exatas. nar aos professores acesso crítico aos conhecimentos e
uso da informática, bem como a oportunidade de refle-
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Resposta: Letra A. Smole e Diniz destacam que é pos- xão sobre as implicações e utilidades didáticas possíveis
sível ajudar o aluno a superar a dificuldade encontrada na busca da interdisciplinaridade e o questionamento
com a interpretação de problemas, aproximando a lín- das práticas educacionais correntes (SÃO PAULO, 1992).
gua materna à Matemática. Assim, acredita-se que, ao À época, foi estabelecida uma parceria entre a Secre-
utilizar práticas de leitura e de escrita durante as aulas, taria Municipal de Educação de São Paulo (SME-SP) e o
pode-se atingir os objetivos de estimular e ajudar o Instituto III Millenium, para trabalhar práticas educativas
aluno a superar os obstáculos relacionados à compre- mediadas pelo uso de equipamentos de informática no
ensão e à interpretação, auxiliando na resolução de âmbito das escolas de Ensino Fundamental da RME-SP,
problemas matemáticos. Acredita-se que a aborda- com o objetivo de construir, aprofundar e disseminar co-
gem da leitura e escrita durante as aulas de Matemáti- nhecimentos consistentes sobre esse contexto das possi-

339
bilidades de usos e efeitos/impactos desses equipamen- cognitivas, a valorização do trabalho em equipe e das vá-
tos e respectivos recursos, inclusive para a construção e rias formas de comunicação e expressão. As aulas com
fortalecimento de uma cultura digital consistente, refle- as diferentes tecnologias dos laboratórios propiciam o
xiva e crítica quanto à intenção estruturante da escolha exercício de coautoria de projetos entre os professores
desses usos. dos diversos componentes curriculares com os estudan-
[…] Uma sociedade informatizada está passando a tes, para além dos espaços da escola e das salas de aula,
exigir homens com potencial de assimilar a “novidade” superando o que está posto nos livros, estabelecendo
e criar o novo, o homem aberto para o mundo, no senti- ligações com a realidade dos educandos, os valores,
do que lhe confere a teoria piagetiana quando se refere os saberes constituídos, as diferentes histórias de vida,
às assimilações mentais majorantes; da mesma forma, idades, condições sociais, conhecimentos e experiências
exige a presença do cidadão crítico e comunitário, onde prévias que possuem ao longo da vida, fazendo com que
os artefatos tecnológicos, especificamente o computa- os estudantes da EJA possam ser atores e produtores de
dor, possam ser ferramentas auxiliares para a construção novos conhecimentos.
de uma sociedade mais igualitária e justa. (SÃO PAULO, Estes alunos usaram recursos como computadores,
1992, p. 7). Internet, câmeras e vídeo digital, além de materiais tra-
O objetivo político-pedagógico foi viabilizar aos es- dicionais, para desenvolver atividades nas quais eles en-
tudantes e professores a chance de formação de um co- contraram um sentido em seu cotidiano, se expressaram
nhecimento crítico e criativo sobre o uso de informática, sobre os assuntos discutidos na comunidade em geral e
bem como de fomentar nesses educadores reflexões so- no espaço educacional em específico. Como foi observa-
bre possibilidades de usos interdisciplinares das TIC. do por esta pesquisadora, além da diversidade de meios
Aos poucos, houve a incorporação de práticas de in- e de materiais para que os alunos pudessem expressar
formática educativa ao processo de ensino e de aprendi- suas ideias, é necessário que os projetos e atividades de-
zagem desses jovens e adultos para o enriquecimento do senvolvidos possibilitem a investigação e o compartilha-
conhecimento, mas o maior foco foi no atendimento da mento dessas ideias entre eles, de modo a permitir que
demanda desses estudantes em conhecer e se apropriar venham à tona seus cotidianos e suas impressões sobre o
de conteúdos básicos de softwares voltados ao traba- mundo, e que saibam expressá-los de maneira adequada
lho, conhecidos como conteúdos básicos da informática: e efetiva. Ou seja, para que estas atividades funcionem, é
planilhas, internet, editor de texto e desenho de páginas necessário o amálgama de dois ingredientes: que as ativi-
web. dades e os projetos que o aluno desenvolve sejam relacio-
Outro importante aspecto que vale ser destacado foi nados com a sua realidade; e que, além de disponibilizar
que, em 2001, houve as primeiras ações de Robótica na os diferentes meios tecnológicos, que o professor entenda
RME-SP, com o projeto “A Cidade que a Gente Quer”, as especificidades desses meios e saiba usá-los como re-
em parceria com o Massachusets Institute of Technology cursos pedagógicos. (ALMEIDA; VALENTE, 2012, p. 67).
(MIT), dos Estados Unidos da América (EUA), em cerca de As formas de representação do pensamento e da
150 das escolas. Esse projeto teve como principal foco construção dos saberes sistematizados pela escola são
trabalhar o uso das Tecnologias da Informação e Comu- aprofundados e ampliados a partir da possibilidade do
nicação - TIC, linguagem de programação e o estímulo à uso de distintas mídias, tais como câmera fotográfica,
criatividade e autonomia na construção do conhecimen- câmera de vídeo, gravador de som, e por meio de tec-
to. Para esse projeto também houve a inclusão de equi- nologias digitais diversas, como tablet, laptop, desktop e
pes de Educação de Jovens e Adultos (EJA). telefone celular disponível. Além de que, tais formas de
Em 2006, com o projeto Web Currículo, as práticas aprendizagens auxiliam o professor, tanto como ferra-
passaram a focar no planejamento e implementação menta de trabalho quanto como ferramenta para estrei-
de dinâmicas que permitiam aos estudantes exercerem tar o relacionamento com os estudantes, de modo que
papéis de protagonistas, o que promovia o desenvolvi- consigam apropriarem-se do conhecimento de forma
mento de novos saberes por meio do uso de linguagens autônoma, crítica, participativa.
midiáticas. Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou,
E, em 2017, foi criado o primeiro Currículo da Cidade mais amplamente, à escola, o dever de não só respei-
de São Paulo de Tecnologias para Aprendizagem para o tar os saberes com que os educandos, sobretudo os das
Ensino Fundamental da Rede, com a indicação dos con- classes populares, chegam a ela – saberes socialmente
teúdos específicos da área e metodologias e estratégias construídos na prática comunitária – mas, também, discutir
pedagógicas. Daí a importância de se pensar este docu- com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em
mento para os estudantes da EJA e suas especificidades relação com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996).
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na perspectiva da atuação deste grupo como cidadãos Assim, professores e estudantes tornam-se compro-
plenos na sociedade, garantindo a viabilização e concre- metidos na construção das aprendizagens pela cons-
tização dos direitos de aprendizagem, diante da comple- tância do diálogo, pela expressão e direito à voz, pela
xidade cultural que as tecnologias os envolveram. produção em equipe, favorecendo assim as trocas e as
Não se trata apenas de computadores, mas de fer- ajudas mútuas. Nas classes de EJA, a heterogeneidade
ramentas tecnológicas com potencial para promover a quanto à origem, à diferença de idades dos estudantes, à
equidade e a aproximação da escola ao universo dos es- diversidade de crenças, de valores e de gêneros podem
tudantes, que possibilitam além do acesso e imersão em favorecer a construção de diferentes experiências. E des-
tecnologias, a experimentação, a depuração de ideias, o sa heterogeneidade podem nascer os temas de estudo
protagonismo, o desenvolvimento de competências não que vão unir e integrar o grupo.

340
O adulto é alguém que evolui e se transforma continuamente a partir dos conhecimentos adquiridos. Nesta socie-
dade globalizada, as tecnologias possuem uma função quase indispensável como ferramentas de acesso à informação,
interação social e profissional, e não surgem como algo de fora do cotidiano dos nossos estudantes. Os adultos utilizam
diversos recursos digitais: caixas eletrônicos, smartphone (uso de vídeo e/ou voz), as redes sociais (também conhecidas
por mídias sociais), como o Facebook, Twitter, Instagram e blogs, por exemplo, valendo-se muitas vezes pela iconogra-
fia de cada uma delas.
O que se propõe é o empoderamento desses estudantes, possibilitado por meio da integração das tecnologias,
desenvolvendo senso crítico, acesso e conhecimento de poder escolher, descrever e comunicar não somente com ima-
gens, mas também que possam criar narrativas, interagindo com diferentes modos de ler o mundo, ampliando, assim,
seus conhecimentos e tendo a capacidade de avaliar e decidir, ressignificando o uso das tecnologias nas atividades do
dia a dia. Uma vez sujeitos de seus saberes, esses jovens e adultos serão capazes de compreender e transformar suas
realidades sociais e pessoais e poderão agir no desenvolvimento local, de forma conjunta.
É importante considerar as especificidades e caraterísticas sobre o público de EJA, sendo que, segundo Knowles
(2009), planejar processos de aprendizagem de estudantes com idades que variam entre 16 e 70 anos implica em con-
siderar algumas premissas diferenciadas.

O quadro apresentado aponta para alguns aspectos relevantes que merecem atenção dos professores quanto às
concepções, metodologias de aprendizagem e estratégias pedagógicas a serem adotadas nas práticas que trabalham
os conteúdos de Tecnologias para Aprendizagem.
A análise desses dados à luz do que é considerado jovem e adulto (jovem => 15 a 19 anos; adulto => 20 a 60 anos
ou mais) permite observar uma crescente transformação no perfil dos estudantes de EJA. Ou seja, apesar de o percen-
tual de adultos ainda se mostrar bem superior ao número de jovens, quando somada à quantidade de estudantes nas
diferentes faixas etárias adultas de 20 a 60 anos ou mais, observa-se que cerca de 70% em EJA Modular, cerca de 75%
em CIEJA, e pouco mais de 60% em EJA Regular são estudantes adultos.
A decisão sobre as metodologias de aprendizagem e respectivas estratégias pedagógicas frente a esses resulta-
dos sinalizam para a importância de se trabalhar concepções específicas para esse público, no sentido de promover a
motivação e engajamento dos estudantes no processo de aprendizagem, de maneira que eles se sintam respeitados,
incluídos e motivados a prosseguir e finalizar a educação básica.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

341
A análise desses aspectos permite perceber a importância de valorização das experiências prévias pessoais - cultu-
ras, crenças, hábitos - e profissionais, bem como suas expectativas e anseios frente a todas as possibilidades de apren-
dizagem que a escola lhes propicia.
O desenvolvimento de propostas metodológicas e estratégias pedagógicas devem assegurar a concretização dos
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para que esses estudantes compreendam e ressignifiquem esses con-
teúdos frente às suas realidades, de maneira que os recursos digitais os auxiliem em várias de suas tarefas rotineiras,
mas também de forma integrada em inúmeras atividades ligadas aos demais componentes curriculares.

ENSINAR E APRENDER TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM NA EJA

PRINCÍPIOS NORTEADORES PARA O CURRÍCULO DE TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM

A sociedade atual vive um momento importante em sua história em âmbito mundial, com o surgimento e desen-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

volvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) em contextos digitais, que tem provocado inúmeras
transformações das relações interpessoais com impactos significativos em seus vários âmbitos, inclusive na Educação.
Há um consenso quase incontestável sobre o caráter híbrido da comunicação, observando-se uma hipercomplexidade
cultural (SANTAELLA, 2004), resultado da emergência, integração e interação de novas culturas derivadas das mudanças
nos processos comunicacionais da sociedade, os quais afetaram - e seguem afetando - diretamente as formas como as
pessoas interagem entre si. De fato, ao longo da história da humanidade houve pelo menos seis ciclos comunicacionais
que promoveram grandes transformações, a saber: oralidade, escrita, impressão, massificação, midiatização, ciber ou
digital. Os atributos de tais tecnologias têm feito surgir novas expressões para caracterizá-los, como alfabetização e
letramento digital, a “cultura da mobilidade” ou mesmo a “cultura ubíqua”, derivados de um ambiente global altamente
permeado pelos mais variados tipos de TIC. Os processos de ensino e aprendizagem não estão mais restritos ao eu de

342
cada indivíduo que, em qualquer momento, tem acesso a redes informacionais por meio dos mais variados dispositivos
móveis, reduzindo distâncias que ficam imperceptíveis no digital e implicam a necessidade de repensar os princípios e
certezas que nortearam a pedagogia. Repensar que seus espaços formais são responsáveis por formar cidadãos aptos
para atuarem crítica e ativamente nos espaços tecnológicos.
Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu
papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocor-
rências. Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política,
constato não para me adaptar, mas para mudar. [...] Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de
forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas o
caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade.
Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por
estudar. (FREIRE, 1996, p. 90). Com a disponibilidade das TIC no âmbito escolar, há desafios e oportunidades para
professores e estudantes, que demandam mudanças de modelos mentais e a forma de olhar e compreender o mundo
e as relações que os constroem como cidadãos nos contextos digitais emergentes. Como atores deste processo, os
estudantes precisam perceber-se como agentes transformadores e o quanto o conhecimento por eles adquirido como
indivíduos podem impactar na construção de novas aprendizagens. Neste sentido, o Currículo de Tecnologias para
Aprendizagem estrutura-se com base nos seguintes princípios:

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A apropriação sobre o funcionamento de hardwares, softwares e demais dispositivos permite a compreensão e


produção de mídia de forma a ressignificar novos saberes que podem ser compartilhados.
A utilização das Tecnologias para Aprendizagem tem como uma de suas premissas a adoção de processos de apren-
dizagem ativa, propositiva e colaborativa.
Isso implica em interações entre os estudantes e deles com os dispositivos.
A mediação por meio de tecnologias permite o acompanhamento das atividades desenvolvidas, possibilitam reali-
zação de intervenções e eventuais ajustes que se façam necessários durante esse processo.
Essas interações podem ser compreendidas a partir da espiral de aprendizagem aqui apresentada:

343
O processo de aprendizagem a partir das práticas de Tecnologias para Aprendizagem se inicia com a definição de
uma dada situação desafiadora ou problemática, a qual demanda uma busca de maiores detalhes. Para um alinhamen-
to sobre o que já se conhece sobre o tema, há a interação entre os estudantes, de maneira que eles apresentem para os
pares esses saberes prévios, e também reflitam durante todo o processo, questionem a origem e idoneidade dos sites
de informações visitados e de que forma irão solucionar os desafios que lhes foram apresentados.
Cada um desses jovens e adultos tem sua própria espiral de aprendizagem em desenvolvimento, de forma simultâ-
nea à ocorrência da espiral de aprendizagem que se origina de todas as interações mencionadas.
Para Valente (2002), a exposição a situações variadas e simulações do cotidiano deles permite um exercício reflexivo
de ressignificação e reinterpretação dos conteúdos em estudo, o que enriquece muito a apropriação desse novo saber.
Ao se trabalhar a coleta de informações mediada por TIC, bem como as trocas reflexivas entre os participantes desse
processo e seus respectivos registros em recursos de TIC oportuniza-se a espiral coletiva de aprendizagem que, por sua
vez, ocorre juntamente com a espiral de aprendizagem individual dos estudantes participantes desse processo.
São as estratégias pedagógicas mediadas por uma ou mais TIC ao longo do processo de aprendizagem, tendo
como características estruturantes a colaboração, autonomia, inventividade protagonismo, que propiciam interações
ainda mais enriquecedoras, as quais ampliam e aprofundam o processo reflexivo desenvolvido para a construção do
conhecimento.

Cultura e Letramento Digitais

São atividades cotidianas no mundo inteiro e também no Brasil usar telefone celular, assistir TV, movimentar conta
bancária, comprar produtos, trocar mensagens, sejam escritas ou por voz, com pessoas que estão em qualquer parte
do mundo. A cultura produzida por diferentes povos e regiões do planeta é migrada para o digital, permitindo que as
identidades possam construir uma rede de significados que são compartilhados e repetidos, com participação ativa e
que fazem dos dispositivos tecnológicos seu principal instrumento de difusão.
Os conteúdos partilhados digitalmente em rede muitas vezes definem coisas, organizam ideias, interferem em de-
cisões, influenciam na compra de produtos e regulam a conduta de uns em relação aos outros.
Estes sistemas ou códigos de significado dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativa-
mente as ações alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas “culturas”. Contribuem para assegurar que
toda ação social é “cultural”, que todas as práticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido,
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

são práticas de significação. (HALL, 1997, p.16).


Com dispositivos na palma da mão, o acesso à informação e a comunicação em tempo real dos acontecimentos
alcançam quase todos os lugares do planeta. As tecnologias estabelecem novos sentidos de tempo e espaço.
A cultura surge das manifestações humanas em sociedade, assim a “Cultura Digital” se transmite, seja por meio de
uma narrativa de voz, de música, de uma história ou de uma vestimenta, e acontece do desejo do ser humano que é
nato de se comunicar, de se fazer entender. Para tanto, é preciso haver a condição de querer mostrar, fazer, experimen-
tar e compartilhar. A cultura faz parte do desejo das pessoas e das comunidades em que estão inseridas, das suas for-
mas de “usar”, “ver”, “praticar” e “compreender” o mundo com o que estiver disponível, como no uso dos smartphones,
na condição de sujeitos de ações criativas.

344
Na história da humanidade sempre houve o desejo clusive em relação à forma como eles se relacionam com
de poder registrar as ações, desde desenhos nas paredes as pessoas e com o mundo. A partir daí, começa a haver
de cavernas usando carvão, no chão de terra, nos jornais uma mudança na forma de pensar e usar esses aparatos,
e revistas. Quando foram descobertas as possibilidades onde os estudantes passam a desenvolver uma cultura
proporcionadas pelas mídias digitais no que se refere ao digital, cujas crenças, hábitos, ações, comportamentos
registro e compartilhamento, ocorreu uma verdadeira re- são mediados de forma consciente e crítica pelas TIC.
volução cultural. Todas essas ações coordenadas, acompanhadas e
Os sentimentos das pessoas também rompem bar- mediadas pelos professores são estruturadas com foco
reiras quando elas são convidadas a interagir com o que na prática, com base nas premissas da experiência edu-
veem ou tocam nas telas, trazendo situações cotidianas cadora de Dewey, a qual consiste em desenvolver dinâ-
para serem visualizadas, com o uso de um dispositivo micas e sequências didáticas que tenham como temas
tecnológico. Muitas vezes, o assombro, o medo e a an- estruturantes as mesmas situações da vida real desses
siedade são sentimentos comuns, só substituídos na me- jovens e adultos. Dessa forma, eles podem vivenciar e
dida em que compreendem o seu real funcionamento. aplicar os conteúdos em estudo no dia a dia para uma
Nesse sentido, os acessos hoje aos meios de edição ressignificação e melhor compreensão sobre a importân-
de fotos, filmes e voz que antes eram restritos e neces- cia dos conteúdos em suas realidades.
sitavam de um serviço de revelação, estão acessíveis a Dewey (1976) explicava a educação como uma: “re-
todos pelas tecnologias digitais. construção ou reorganização das experiências, que es-
As tecnologias digitais oportunizaram à humanidade clarece e aumenta o sentido desta e também a nossa
o acesso aos serviços e informações que estão disponí- aptidão para dirigirmos o curso das experiências subse-
veis na internet. Atualmente, é possível programar a que quentes” (DEWEY, 1976, p.83). E complementava que:
horas os aparelhos eletrodomésticos de casa são ligados, Saber de segunda mão, saber que não nosso, mas
por exemplo. O envolvimento com estes dispositivos na dos outros, tende a tornar-se meramente verbal. Nada
tentativa de melhorar, ressignificar e adaptar o que é se objeta a que as informações sejam expressas com
preciso, e descartar o que não é preciso, traduz em ne- palavras; a comunicação opera-se necessariamente por
cessidades e desejos. meio de palavras. Mas na proporção em que o comuni-
A Cultura Digital está articulada com qualquer outro cado não possa ser incorporado à experiência existente
campo além das tecnologias, por exemplo, a educação, de quem aprende, converteu-se em simples palavras isto
a arte, a ciência, a filosofia etc. Nesta perspectiva, a pro- é, estímulos sensoriais desprovidos de significação. (DE-
posta de educação integral que potencializa todos os WEY, 1976, p. 207).
campos dos saberes, tanto dentro quanto fora do espaço Esse foco permite o desenvolvimento de dinâmicas
escolar, não pode fechar-se em aulas tradicionais. Neste
variadas que fomentam a autonomia, a inventividade, a
sentido, a organização das aprendizagens deve estar em
colaboração, por meio de uma postura protagonista por
consonância ao respeito para com o outro, estimulando
parte dos estudantes.
a criatividade e a inventividade.
As tecnologias digitais podem contribuir muito para a
Protagonismo, Autonomia, Inventividade e Cola-
educação quando utilizadas como elementos de media-
boração
tização entre o conhecimento científico e as experiências
da vida dos estudantes que usam as tecnologias para a
leitura do mundo e a expressão do pensamento, bem Protagonismo é um dos princípios considerados na
como para o estabelecimento de diálogo com os pares estruturação das práticas de Tecnologias para Aprendi-
e a produção colaborativa de conhecimento. Usar tec- zagem. Apesar de muitas pessoas conhecerem o signifi-
nologias desta forma representa um impulso intelectual, cado do termo, sua execução e desenvolvimento acabam
social e político em direção a uma sociedade menos ex- sendo desafiadoras.
cludente e mais solidária, cujo exercício da democracia é Desenvolver estratégias pedagógicas que conside-
interpretado como uma “forma de vida associada, de ex- rem atitudes e comportamentos protagonistas por par-
periência conjunta e mutuamente comunicada” (DEWEY, te dos estudantes de EJA implica em colocá-los no pa-
1959, p.93). pel central de executores de um determinado processo
Almeida e Valente (2012) fazem uma analogia do pro- como um todo, não apenas no que tange à realização
cesso de apropriação das TIC com o processo de alfabe- ou cumprimento de uma atividade previamente definida
tização e letramento tradicionais conceituando-os: pelo docente responsável.
Letramento é entendido como a apropriação da lei- Trata-se principalmente de colocá-los - e deixá-los
atuar de fato - como responsáveis pela estruturação /
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

tura e da escrita, para exercer a cidadania, ter acesso à


cultura da sociedade letrada e ser capaz de utilizar es- planejamento, implementação, produção, acompanha-
tes conhecimentos em práticas sociais (SOARES, 2002). mento e avaliação do processo como um todo. Consiste
Assim, a apropriação da escrita vai além da alfabetiza- em fazê-los vivenciar todas essas ações, de maneira que
ção, ou seja, refere-se à codificação e à decodificação da aos poucos eles consigam desenvolver diversas compe-
escrita, enquanto letramento implica apreender (tomar tências, sendo que o objetivo maior dessa mudança de
para si) e usar a leitura e a escrita em situações de própria papéis visa à promoção de uma mudança social. (COSTA;
vida. (ALMEIDA; VALENTE, 2012, p. 68). VIEIRA, 2006).
Trata-se, pois, de trabalhar conceitos de alfabetização O protagonismo como uma das premissas das es-
e letramento digital com os jovens e adultos, de maneira tratégias pedagógicas e sequências didáticas com tec-
que compreendam os impactos sociais desses usos, in- nologias implica em permitir que os estudantes de EJA

345
experimentem, testem, produzam e analisem produtos variados mediados de alguma forma pelas TIC, focando na
resolução de desafios ou problemas, de maneira que passem a olhar para a realidade que os cerca de outra forma, com
a compreensão de que podem e devem mudar os contextos sociais que os cercam.
Costa e Vieira (2006) explicam que o processo de desenvolvimento e fortalecimento de atitudes protagonistas
implica principalmente na compreensão sobre como trabalhar com esses estudantes de maneira que eles de fato mo-
difiquem seus comportamentos. Isso demanda um olhar mais detalhado dos Professores Orientadores de Informática
Educativa (POIEs) sobre como se dão as participações desses jovens e adultos ao longo do processo de desenvolvimen-
to dessas práticas como um todo, pois, segundo esses autores, as possíveis variações de participação podem impactar
nos resultados obtidos.
A ideia de distribuir os tipos de participações em um círculo é para mostrar que não se trata de planejar o desenvol-
vimento de atividades lineares e sequenciais de participação, mas de eles vivenciarem e se aperceberem de que haverá
momentos em que terão uma participação mais operacional frente aos demais membros de um grupo de trabalho. Em
outros, eles assumirão a participação colaborativa plena ou até mesmo a plenamente autônoma. Isso dependerá dos
contextos, das pessoas que participam dessa equipe ou grupo, mas principalmente do comportamento que cada um
desses jovens e adultos decidirem adotar.
A figura a seguir pode explicar mais claramente o que são esses diferentes tipos de participação, da mais simples e
submissa, a mais independente e protagonista.
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Pensamento Computacional

Uma das premissas que tem estruturado o estudo de conteúdos ligados ao uso de tecnologias na educação em
vários países, e atualmente também no Brasil, é a do desenvolvimento do pensamento computacional.
O termo pensamento computacional é recente, tendo sido apresentado pela primeira vez por Jeanette Wing, em
2006, sendo, em 2010, ajustada pela referida pesquisadora, em função do aprofundamento das pesquisas no tema.

346
Pensamento Computacional é o processo de pensamento envolvido na formulação e resolução de problemas de
maneira que as soluções sejam representadas de tal forma que possam ser efetivamente realizadas / executadas por
um agente de processamento de informações. (WING, 2010, p.1) .
O objetivo do desenvolvimento deste pensamento está diretamente ligado à necessidade e importância de que os
estudantes de EJA compreendam que a lógica que estrutura as programações das TIC, com seus dispositivos, softwares
e aplicativos diversos, originam-se da lógica do pensamento humano e de conhecer sua estrutura potencializada pelo
uso das tecnologias.
A proposta de se adotar a sequência de ações desenvolvidas na programação para trabalhar com as crianças e
jovens processos que os auxiliem a pensar de forma mais eficaz teve Papert (1980) como precursor. Em 1971, ele já
defendia que a sequência reflete o conhecimento processual das etapas que o cérebro humano percorre para ter ideias
poderosas e criativas. Ele já destacava que os computadores deveriam ser utilizados para que as pessoas pudessem
“pensar com” as máquinas e “pensar sobre” o próprio pensar (VALENTE, 2016, p. 6).
Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas depois da primeira definição de Wing (2006) a partir da área de Ciências
da Computação, com o objetivo de validar essa definição e de aprofundar a compreensão sobre tal tema ao redor do
mundo.
[...]a definição operacional pela CSTA (2011) (Computer Science Teacher Association), em conjunto com a ISTE
(International Society for Technology in Education), torna-se mais adequada para pesquisas envolvendo práticas de
ensino-aprendizagem de PC. A CSTA (2011) define PC para educação básica como sendo um processo de resolução
de problemas que inclui características como: formulação de problemas computáveis; organização, análise e represen-
tação de dados através de modelos e simulações; implementação de soluções para uma ampla gama de problemas.
(BOMBASAR; RAABE; SANTIAGO, 2015, p. 82).
Pesquisa bibliográfica e documental realizada por Valente (2016) indicou algumas das principais estratégias peda-
gógicas que podem ser desenvolvidas a partir dessa concepção, quais sejam: sequências de atividades diárias comuns,
desplugadas ou desconectadas (Computer Science Unplugged), como compor um texto jornalístico ou fazer um curri-
culum vitae escrito ou mesmo uma apresentação pessoal para conseguir emprego por meio de uma gravação de áudio
ou vídeo de apresentação; criação de games e de propostas de gamificação;

O resultado obtido neste processo será o fio condutor da Reflexão sobre qual era a intencionalidade inicial e o que
se obteve no final do processo. Erros, acertos, possibilidades de melhoria deverão ser considerados para o entendimen-
to e reflexão do processo de construção do conhecimento.
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CULTURA MAKER NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM

“Desde o início da história da humanidade, houve invenções no sentido de viabilizar a realização de técnicas para
facilitar ou permitir a sobrevivência das pessoas” (GALIMBERTI, 2006).
Com a Revolução Industrial, muitos desses criadores passaram a desenvolver suas invenções nas garagens de suas
casas, sendo que eram longos processos de criação, desenvolvimento e testes de protótipos, para posterior registro
e produção comercial deles. Anderson (2012) explica que eram pessoas comuns, que refletiam individualmente sobre
como solucionar diversos problemas e desafios identificados por eles nas suas comunidades de entorno. Essa prática
acabou lhes atribuindo também o nome de “garageiros”.

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O surgimento das TIC e a criação e evolução da internet fez com que eles revisassem suas práticas e viabilizou algo
que antes era inimaginável: a criação compartilhada de uma série de soluções com a conexão entre pessoas de inte-
resses similares, favorecendo a esses inventores compartilhar suas ideias e criações. Todo esse contexto deu origem ao
que é conhecido hoje por movimento maker.
Esse, por sua vez, tem impactado diretamente nas formas de agir desses criadores, cujo comportamento se carac-
teriza por inventar e resolver problemas de forma criativa, compartilhada e colaborativa. Sua disseminação deu origem
ao que hoje já é chamado de cultura maker.
Os chamados makers são os participantes do movimento maker, os quais compartilham suas ideias nesses grupos
ao redor de todo o mundo. Consequentemente, estão disponibilizados manuais, tutoriais e projetos de código aberto,
dentre outros, o que propicia o acesso, a cocriação e recriação de inúmeras ideias.
O Movimento Maker começou a ser conhecido dessa forma a partir de 2005, mas foi com o Manifesto Maker, surgido na
Feira Maker, em 2006, nos EUA, que sua disseminação ganhou força. Esse manifesto surgiu na própria comunidade de inven-
tores, sem um autor específico, e apresenta concepções básicas desse movimento, que caracterizam a cultura maker, a saber:
• Todo mundo é Maker;
• O mundo é o que fazemos dele;
• Se você pode sonhar com algo, você pode realizar isso;
• Se você não pode abri-lo, você não pode ter a posse dele;
• Ajudam-se uns aos outros para fazer algo e compartilham uns com os outros o que criaram;
• Não são apenas consumidores, são produtores, criativos;
• Sempre perguntam o que mais podem fazer com o que sabem;
• Não são vencedores, nem perdedores, mas um todo fazendo as coisas de uma forma melhor.

A cultura maker se estrutura do conjunto de atitudes, crenças, hábitos e comportamentos desses criadores, como
o fazer e criar conjunto, compartilhar, colaborar, interagir com o mundo. E o fato de fomentar a experimentação lhes
confere também a característica de mão na massa, de fazer e refazer experimentos inúmeras vezes, até solucionarem
um determinado problema.
Considerar as premissas dessa cultura nas práticas dos professores com os estudantes de EJA é reconhecer a conver-
gência do pensamento dos makers com as concepções de Tecnologias para Aprendizagem, bem como compreender o
quanto as ações inspiradas nesses comportamentos de compartilhar e criar juntos podem contribuir para o desenvolvi-
mento e fortalecimento das próprias concepções pedagógicas previstas para a área de Tecnologias para Aprendizagem.
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Trata-se de planejar sequências de atividades que propiciem a experimentação de situações de participação ativa,
criativa, transformadora, de compartilhamento e colaboração. Além disso, permite ainda a compreensão sobre o lado
positivo do erro no processo de aprendizagem, a partir do fazer, testar e refazer, pois é por meio dele que esses estu-
dantes da EJA poderão reformular hipóteses e conceitos estruturados a partir do senso comum, por ideias formuladas
a partir do senso crítico.

348
Trata-se de propor metodologias de aprendizagem e estratégias pedagógicas que permitam que esses jovens e
adultos trabalhem soluções de problemas ligados a seus contextos de vida, de forma conjunta, por meio do comparti-
lhamento de ideias, produtos e resultados.
Diferentes das crianças, os jovens e adultos carregam com eles experiências nas quais aspectos da Cultura Maker
são vivenciados na medida em que produtos existentes no mercado são transformados em outros objetos. A transfor-
mação de uma garrafa pet em vasos, objetos de mesa, hortas verticais, dentre outros, representa que não são apenas
consumidores, mas produtores e criativos mesmo sem identificar o conceito Maker.
A pesquisa realizada com os estudantes da EJA no primeiro semestre de 2018, demostrou frequência de projetos
ligados ao tema identidade. O resgate das experiências dos estudantes, que em muitos casos relatam ter ofícios ou
profissões informais, podem ser utilizadas através de atividades makers, na transformação dos conhecimentos prévios
em conceitos formais, fazendo com que a escola desafie a curiosidade epistemológica dos jovens e adultos para incen-
tivá-los a descobrir a razão de ser dos fatos e dos objetos de conhecimento. Ao ouvir o que o estudante traz de sua
vivência, o professor mediador insere os conceitos científicos sobre tais fatos.
Na medida em que se respeitam a experiência e o conhecimento prático dos estudantes, como por exemplo, o
conhecimento para se construir uma parede, ou para costurar uma roupa, a quantidade de produtos utilizados para
realizar a limpeza da casa, o custo dos produtos, ou ainda a contagem dos pontos de tricô para a produção de um
cachecol, entre vários outros, podem-se proporcionar a partir da mediação do professor, novas aprendizagens e apro-
fundamentos teóricos de acordo com os objetos de conhecimentos propostos neste documento e realizar a integração
com as demais áreas do conhecimento.

ESTRUTURA DO CURRÍCULO DE TECNOLOGIAS PARA APRENDIZAGEM

Eixos Estruturantes

A definição dos eixos estruturantes de Tecnologias para Aprendizagem deriva do próprio processo de apropriação
dos usos e impactos das TIC nos contextos digitais em vários âmbitos da sociedade.
Em função das práticas desenvolvidas ao longo de cerca de trinta anos de história, o Grupo de Trabalho constituído
definiu os seguintes nomes para os três eixos norteadores das práticas de Tecnologias para Aprendizagem: Programa-
ção, Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC e Letramento Digital.

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Programação

O eixo programação trata da descrição de ideias, reflexão sobre o que se pretende realizar, verificar o resultado ob-
tido, trabalhar com erro e acerto, movimento dialético entre o pensamento concreto e o abstrato, identificar diferentes
dispositivos e lógica utilizada para seu funcionamento, capacidade de análise, estruturação de sequências lógicas de
ações, organização e narração de sequências de fatos, emoções e vivências em diferentes linguagens midiáticas que
podem ser resgatadas facilmente com os estudantes da EJA.

349
Segundo o pesquisador Resnick (2014), desenvolve- A robótica pedagógica pode viabilizar o desenvol-
dor do Scratch, em um ambiente de mudanças tão rápi- vimento e a ampliação da criatividade e da imaginação
das, o fazer e refazer é uma estratégia particularmente dos estudantes de EJA, podendo ser implementada por
valiosa. Os praticantes dessa estratégia entendem como meio do uso de kits de peças variadas e de outros com-
improvisar, adaptar e iterar, então eles nunca estão pre- ponentes, inclusive de partes e peças classificadas como
sos a planos antigos à medida que surgem novas situa- sucatas, para a construção de protótipos.
ções. O fazer e refazer prioriza criatividade e agilidade Em função da variedade de tipos de conteúdos que
em vez de eficiência e otimização, uma compensação podem ser trabalhados sob esta mesma temática, estão
que vale a pena para um mundo em constante mudança. apresentados na sequência os objetos de conhecimento
Ele propõe que sejam planejadas estratégias peda- a partir dos quais os conteúdos foram distribuídos.
gógicas que permitam a compreensão da organização O eixo programação deverá abordar práticas que
da sistemática do pensamento para o fomento de ideias contemplem os seguintes objetos de conhecimento:
criativas voltadas à solução de desafios, por meio de se- • dispositivos de hardware: identifi cação e utilização
quências algorítmicas mediadas ou não pelas TIC e ou- dos diferentes dispositivos de hardware possíveis
tros aparatos, como kits de robótica e sucata. e necessários à execução de diferentes atividades;
Ele destaca que o próprio cenário tecnológico da so- • sistema computacional: compreensão da lógica
ciedade demanda que a educação básica inclua nos cur- básica utilizada para dar origem a recursos, pro-
rículos a aprendizagem sobre como programar e como gramas, funções e comandos nos diferentes dis-
trabalhar o desenvolvimento da fluência digital, a qual positivos e sistemas existentes, proporcionando
viabilizará uma interação de melhor qualidade e criticida- às crianças e jovens a compreensão de como se
de das crianças, jovens e adultos com o mundo. estrutura e se concretiza esse contexto de integra-
Resnick (2014) explica que as pessoas já fazem uso ção das máquinas (hardware) com a programação
da lógica de programação em suas atividades corriquei- lógica do ser humano (softwares);
ras, como se organizar para ir para o trabalho ou mes- • capacidade analítica (de abstração): estruturação
mo para planejar um entretenimento de final de semana e vivência de diversos processos cognitivos que
com a família, quando elaboram os roteiros e definem as permitam um entendimento/compreensão mais
atividades, inclusive quanto ao meio de transporte que aprofundada do conhecimento e das habilidades
utilizarão para chegarem a seus destinos, ainda que não envolvidas no referido processo;
se apercebam ou desconheçam que estão agindo dessa • narrativas digitais: organização e narração de uma
forma. sequência única de fatos, emoções e vivências que
Contudo, a adoção da programação como um eixo envolvam pessoas diversas, dentro de um deter-
norteador do currículo implica no desenvolvimento de minado contexto, considerando os tempos dessas
ações a serem desenvolvidas pelo computador ou outro ocorrências e intenções da pessoa que está formu-
dispositivo digital, e também de forma lúdica e desplu- lando tal narrativa, mediante a cultura, referenciais
gada para facilitar a compreensão do algoritmo como internos e significados do próprio narrador, por
uma sequência de ações. Um início para compreender a meio do planejamento, implementação, produção,
linguagem das máquinas que funcionam com sequências acompanhamento e avaliação das mais diversas
binárias e que necessariamente precisam de uma lingua- narrativas, utilizando e combinando principalmen-
gem de programação para executá-la. te diferentes linguagens e respectivas mídias digi-
Uma das linguagens utilizadas atualmente nas esco- tais, para que os participantes se apropriem tam-
las da Rede é o Scratch. Uma linguagem de programação bém do processo de construção de conhecimento
visual e multimídia, cuja proposta recupera o modelo do sobre o mundo que os cerca (ALMEIDA; VALENTE,
Logo, de premissas construcionistas. 2014);
Ele permite o desenvolvimento da capacidade analí- • linguagem de programação: processo de estrutura-
tica dos estudantes a partir da proposta do pensamento ção de várias sequências de ações, ligadas a diver-
computacional e avança nessa temática, com orientações sas temáticas e contextos, para que os estudantes
sobre como esses jovens e adultos podem desenvolver compreendam a lógica de se programar um com-
programações com produtos digitais variados como, por putador, com ênfase no esclarecimento de que as
exemplo, jogo sobre diferentes temáticas e estruturação regras para definição das sequências de ações têm
de narrativas digitais. uma forte proximidade com os próprios processos
Há também a possibilidade de integrar o uso das lin- mentais do cérebro humano (SÃO PAULO, 2017,p.
guagens de programação com as práticas de robótica, 81).
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

o que pode envolver o desenvolvimento de estratégias


pedagógicas inter e transdisciplinares. Tecnologias da Informação e Comunicação
A atividade de robótica pedagógica neste currículo
tem suas bases nas ideias da experiência educativa de O eixo de Tecnologias da Informação e Comunicação
Dewey (1976), de Freire (1996) e do construcionismo de tem como finalidade desenvolver nos estudantes da EJA
Papert (1993), pois permitem que sejam trabalhados as- a compreensão e a conscientização sobre como trabalhar
pectos como autoria, protagonismo, resolução de pro- com as TIC com responsabilidade e critério tanto para
blemas, criatividade, colaboração, compartilhamento e compartilhar conteúdos de maneira colaborativa como
interação com o mundo. para fomentar o espírito investigativo na busca de solu-
ções para os desafios.

350
Abrange aspectos sobre quais os dispositivos de har-
dware podem ser integrados entre si e não devem ser
vistos simplesmente como recurso, mas como linguagem EXERCÍCIO COMENTADO
de representação do conhecimento e potencializadora
da comunicação. 1. (MPE/RO - Analista Judiciário – Pedagogia – FUN-
São objetos de conhecimento deste eixo: CAB/2018) As Novas Tecnologias em Educação, tais
• papel e uso das TIC na sociedade: compreensão do como o uso da informática, a utilização da internet, da
uso das TIC como ferramentas de participação na multimídia e de outros recursos ligados às linguagens di-
sociedade. gitais de que atualmente se dispõe, estão cada vez mais
• acesso, segurança digital, responsabilidade e cida- presentes nas escolas para qualificar o processo educati-
dania (moral e ética): compreensão sobre riscos e vo. Sobre elas, é correto afirmar:
prevenção ao compartilhar dados e informações e
ao interagir com outras pessoas na rede mundial a) Em nada ou muito pouco vêm colaborar para tornar
de computadores, a verificação sobre a veracidade o processo ensino-aprendizagem mais prazeroso, efi-
das fontes, assim como respeito aos direitos hu- ciente e de qualidade.
manos. b) A integração das novas tecnologias à educação deverá
• produções criativas, colaborativas e propriedade ocorrer de forma aleatória, sem o estabelecimento de
intelectual: trabalhar planejamento, produção e objetivos específicos ou projetos próprios, pois o que
divulgação de projetos e atividades desenvolvidas importa é oferecer aos alunos o acesso ao computa-
de forma compartilhada, bem como compreender dor.
os aspectos ligados à propriedade intelectual nas c) São usadas para substituir as técnicas e metodologias
produções individuais e coletivas. convencionais, como, por exemplo, o livro, o quadro
de giz e o mimeógrafo.
Letramento Digital d) A obtenção de resultados qualitativos no processo
educacional escolar com o uso dessas tecnologias de-
Letramento digital é o eixo que foca o desenvolvi- pende da forma como elas são introduzidas e utiliza-
mento de práticas reflexivas sobre os impactos do uso das nesse processo.
das TIC na vida das pessoas, principalmente nas suas
atitudes e interações com as demais pessoas e com o Resposta: Letra D. Em um mundo tecnológico, inte-
mundo. Encontrar, investigar, filtrar, avaliar e comparti- grar novas tecnologias à sala de aula ainda é pouco
lhar com criticidade as informações existentes no mundo frequente e um desafio para docentes. Em muitos ca-
virtual para o desenvolvimento de atividades e projetos. sos, a formação não considera essas tecnologias, e se
É a partir deste eixo que esses estudantes da EJA restringe ao teórico, ou seja, o professor precisa bus-
compreendem como trabalhar as linguagens midiáticas e car esse conhecimento em outros espaços. Isso nem
seus impactos na sociedade, com foco no fortalecimento sempre funciona, pois frequentar cursos de poucas
e na disseminação da cultura digital. horas nem sempre garante ao professor segurança
São objetos de conhecimento deste eixo: e domínio dessas tecnologias. Embora alguns ainda
• linguagens midiáticas: uso consciente das inúme- se sintam inseguros e despreparados, muitos educa-
ras linguagens midiáticas, com reflexão sobre im- dores já perceberam o potencial dessas ferramentas
pactos dos resultados que se almeja atingir com a e procuram levar novidades para a sala de aula, seja
emissão de uma mensagem. com uma atividade prática no computador, com vide-
• cultura digital: apropriação sobre os usos das TIC, ogame, tablets e até mesmo com o celular. O fato é
utilização das diversas mídias digitais de forma na- que o uso dessas tecnologias pode aproximar alunos e
tural e espontânea em inúmeros contextos, consi- professores, além de ser útil na exploração dos conte-
derando inclusive a mudança de hábitos, atitudes, údos de forma mais interativa. O aluno passa de mero
crenças, comportamentos e formas de se relacio- receptor, que só observa e nem sempre compreende,
nar com as pessoas e com a sociedade. para um sujeito mais ativo e participativo. O ideal se-
ria testar as novas tecnologias e identificar quais se
Fonte enquadram na realidade da escola e dos alunos. Uma
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de das dificuldades é a falta de infraestrutura de algumas
Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Ci- escolas e a falta de formação de qualidade para os
dade: Educação de Jovens e Adultos: Tecnologias para a professores quanto ao uso dessas novas tecnologias.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Aprendizagem. São Paulo: SME/COPED, 2019. p. 68-92.


Disponível em: http://portal.sme. prefeitura.sp.gov.br/
Portals/1/Files/51182.pdf

351
Segundo a normativa, ao professor de Recuperação
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA Paralela caberá: a avaliação diagnóstica, agrupamentos
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. que considerem esse diagnóstico, plano de trabalho
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. pautado no desenvolvimento das necessidades apresen-
ORIENTAÇÕES AO PROJETO DE APOIO tadas, acompanhamento dos estudantes (por meio de
PEDAGÓGICO: RECUPERAÇÃO PARALELA. instrumentos de avaliação e registro), além de contem-
SÃO PAULO: SME/COPED, 2018. plar o previsto na portaria já mencionada:

Art. 4º - (..)
§7° - A unidade educacional deverá priorizar ações
INTRODUÇÃO
do “Projeto de Apoio Pedagógico Complementar – Re-
cuperação” aos educandos que necessitarem avançar no
O compromisso com a aprendizagem, firmado no
desenvolvimento da competência leitora e escritora e de
Currículo da Cidade para o Ensino Fundamental da Se-
resolução de problemas por meio de anamnese realizada
cretaria Municipal de Educação de São Paulo, prevê que
antes do início do projeto. (SÃO PAULO, 2014).
o direito ao ensino de qualidade seja garantido a todos
os estudantes. Para tanto, o projeto de Apoio Pedagó-
gico Complementar - Recuperação Paralela: visa ampliar Assim sendo, cabe à Secretaria Municipal de Educa-
as oportunidades de aprendizagem (...) dos alunos dos ção, discutir e elaborar, num processo colaborativo e par-
três ciclos de aprendizagem do ensino fundamental que ticipativo, orientações ao trabalho de apoio pedagógico
ainda não atingiram o desenvolvimento cognitivo ou o que objetivam potencializar os trabalhos já desenvolvi-
domínio dos conceitos que garantam os direitos e expec- dos, bem como propiciar espaços formativos que sub-
tativas de aprendizagem para o respectivo ano, observa- sidiem a prática docente e de acompanhamento, com
dos os resultados obtidos nas avaliações do acompanha- vistas à superação das dificuldades de aprendizagem.
mento das aprendizagens.” (SÃO PAULO, 2014)
FORMAÇÃO

#FicaDica Espaços para trocas e constituição da Identidade


Profissional
Nesse sentido o Projeto de Apoio Pedagó-
gico, regulamentado pela portaria 1.084/14, As DIPEDs propõe, como uma das ações instituídas
tem como premissa auxiliar estudantes com no Projeto de Apoio Pedagógico, a organização de en-
dificuldade de aprendizagem nos três ciclos contros formativos mensais, que possibilitam a troca
do ensino fundamental, garantindo o direito com outros professores, o que possibilita a constituição
de aprender, com vistas à redução da defa- de um saber voltado à dificuldade de aprendizagem e, ao
sagem idade/ano e a evasão escolar. mesmo tempo, orienta alguns possíveis caminhos para
saná-la.
Dados gerenciais da Secretaria Municipal de Educa- O primeiro processo formativo do professor é reco-
ção de São Paulo apontam que os estudantes que fre- nhecer-se em suas funções e estar apropriado de seu
quentam o projeto de Recuperação Paralela apresentam fazer no ambiente escolar. Baseado em diversos depoi-
maiores taxas de aprovação, quando comparados àque- mentos, em visitas e conversas com professores de Recu-
les que não o frequentam. É sabido que a cada ano de peração Paralela, é possível constatar que o profissional
reprovação, aumentam, gradativamente, os índices de designado nessa função ainda passa por processo de
evasão escolar. Isso nos permite dizer que o Projeto de constituição de uma identidade profissional, isso quer di-
Apoio Pedagógico impacta, diretamente, na recuperação zer que, nem sempre, ele se reconhece como o professor
e na garantia das aprendizagens de todos os estudantes. que cria condições para o desenvolvimento de capacida-
Esses dados nos dão dimensão da real importância e des e auxilia na recuperação das aprendizagens.
necessidade de acompanhamento desses estudantes, de Nesse sentido, as trocas entre pares e o contato for-
maneira sistematizada, para garantir a evolução de suas mativo, mais próximo com o Coordenador Pedagógico,
aprendizagens, respeitando sua individualidade e seus figura fundamental no acompanhamento das aprendiza-
conhecimentos prévios. gens, são essenciais à apropriação dessa identidade e a
Para isso, no ano de 2017, foram desenvolvidas, em valorização do trabalho desenvolvido pelo professor de
todas as Divisões Pedagógicas – DIPEDs, formações e Recuperação Paralela.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

compartilhamento de conhecimentos entre os professo- Finalmente os processos formativos, dentro e fora da


res de Recuperação Paralela, enfatizando: escola, possibilitam essa reflexão e apropriação do fazer
- A importância do Projeto de Apoio Pedagógico no profissional, criando espaço para o fomento de identi-
desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes. dades e reafirmando sua função dentro desse processo.
- A necessidade de troca de experiências e formação Para que essas necessidades sejam supridas, além da for-
dos professores que desempenham essa função mação, o planejamento e o registro são essenciais para o
dentro do ambiente escolar. desenvolvimento das ações, acompanhamento e efetiva-
- A fundamentação de um trabalho entre Professor ção das aprendizagens.
de Recuperação Paralela, Professor da Sala Regu-
lar e Coordenador Pedagógico para o avanço das
aprendizagens dos estudantes.

352
A DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA

A documentação pedagógica é um processo cotidiano na atividade docente e essencial para o acompanhamento


das aprendizagens. Esse olhar para o todo e, ao mesmo tempo, para o indivíduo amplia o fazer docente em seu plane-
jamento e sua avaliação.
Na ação de recuperação das aprendizagens, o registro torna-se a memória do caminho traçado pelo estudante,
possibilitando - àquele que o acompanha - intervenções diretas e assertivas para sanar suas dificuldades.
Visando estabelecer uma relação entre a Recuperação Contínua e Paralela, e em consulta aos professores de Recu-
peração Paralela em formação no ano de 2017, a padronização de encaminhamento e registro foi considerada essencial
com o objetivo de:
- Estruturar as ações entre professor da sala de aula regular, professor de recuperação paralela e coordenação pe-
dagógica.
- Estabelecer um registro único para encaminhamento e acompanhamento das ações e avanços de aprendizagem.
- Possibilitar observações específicas e individualizadas sobre o estudante.

Encaminhamento, registro e acompanhamento

Em consonância com as propostas de sondagem, estabelecidas nos materiais de Orientações Curriculares da RMSP,
e visando ao Programa de Metas da Cidade de São Paulo, estabeleceu-se um padrão pedagógico documental que
norteará a observação do estudante do encaminhamento para o projeto e terá seus avanços registrados bimestral e
semestralmente, além do acompanhamento da gestão com relação à evolução das aprendizagens por estudante e por
turma.
Para a execução dessa ação, foram pensadas, como documentação pedagógica, as seguintes propostas:

Encaminhamento

Os encaminhamentos serão realizados pelo professor regente da turma. Esse procedimento ocorrerá, desde que
sejam observadas a dificuldade de aprendizagem e a necessidade do estudante. Os estudantes reprovados, com níveis
abaixo do básico e do básico, pela Prova São Paulo, serão prioridades no encaminhamento para o projeto.
Uma análise diagnóstica inicial é necessária para o planejamento e estruturação das ações, como os agrupamentos
por dificuldade de aprendizagem. Essa ação possibilita ao professor informar o que o estudante necessita e a realização
de um planejamento individualizado para atingir o objetivo maior, que é o avanço nas aprendizagens.
A maneira pela qual esses agrupamentos serão realizados possibilitará frequência maior no projeto. Assim sendo,
deixamos as seguintes sugestões:
- Estabelecer agrupamentos por dificuldade de aprendizagem. Essa forma de agrupamento é prevista na Portaria,
mas é importante que as faixas etárias sejam respeitadas. Agrupá-los por ciclo e dificuldade de aprendizagem é
uma possibilidade de melhor aproveitamento do Projeto por parte do estudante.
- O agrupamento de estudantes do Ensino Fundamental II no período próximo ao de sua saída ou entrada.
- Utilizar-se dos projetos existentes pela escola para adequação do horário dos alunos e reduzir a evasão. Essa ação
possibilita àquele estudante que não consegue atendimento, seguido ao seu horário, que ele possa frequentar o
projeto de modo mais tranquilo e menos conflituoso.

Por fim, observar o desempenho do estudante nas avaliações externas torna-se, também, parâmetro auxiliar nessa
investigação, mas não o único, é claro! PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

353
ENCAMINHAMENTO PARA “PROJETO DE APOIO PEDAGÓGICO COMPLEMENTAR – RECUPERAÇÃO”
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

354
Registro

Os registros bimestrais e semestrais terão caráter diferenciado e serão realizados pelo professor titular da sala de
Recuperação Paralela ou por professores atuantes da Recuperação Paralela, desde que estejam devidamente designa-
dos. Relatório bimestral: tem o intuito de acompanhamento das evoluções do estudante, observando o protocolo de
encaminhamento.

Modelo da planilha de acompanhamento bimestral de aprendizagens

As planilhas para preenchimento estão disponíveis no Google Forms:


- Matemática: https://docs.google.com/spreadsheets/d/10FylItRyWwYI7HqvoHcYHzCBm1_2v23RjOrqd qcOA6c/
edit?usp=sharing
- Língua portuguesa: https://docs.google.com/spreadsheets/d/1hFyp0EfhOD7jHa3PKrDTuwpomn70-
nDHS9501K6IEWs/edit?usp=sharing
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

355
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

- Relatório semestral: possibilita um registro pelo professor qualitativo, em que questões mais específicas possam
ser contempladas em um relato mais detalhado.

356
RELATÓRIO SEMESTRAL DO “PROJETO DE APOIO PEDAGÓGICO COMPLEMENTAR – RECUPERAÇÃO PARA-
LELA”

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Acompanhamento

O acompanhamento, por parte da equipe da Coordenação Pedagógica, permite a orientação de todos os pro-
fessores envolvidos no avanço do estudante. Dessa forma os mesmos dados produzidos no encaminhamento e nos
relatórios bimestrais estarão na planilha que reunirá os dados dos estudantes por turma. O intuito desse documento é

357
possibilitar que todos os envolvidos no Projeto de Apoio Caso o estudante não necessite mais do projeto:
Pedagógico Complementar tenham as informações con-
solidadas e disponíveis, inclusive para a utilização des- Sanadas as dificuldades de aprendizagem do estu-
ses dados na reunião com os responsáveis e durante o dante, solicitar sua exclusão da lista padrão, podendo
Conselho de Classe.  Por motivos de implantação dos inserir outro nome à lista e informar aos responsáveis,
relatórios no sistema SGP, todos os arquivos de registro em um relatório final, os motivos pelos quais ele ou ela
estarão disponíveis em um Drive por escola. Esse proces- sairá do projeto.
so visa ao registro, promovendo seu acompanhamento
regular. Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
PROCEDIMENTOS PARA INCLUSÃO OU EXCLUSÃO cação. Coordenadoria Pedagógica. Orientações ao proje-
DO ESTUDANTE DA RP to de apoio pedagógico: recuperação paralela. São Pau-
lo: SME/COPED, 2018. Disponível em: http://portal.sme.
Os estudantes, no início e no decorrer do ano, são prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/47546.pdf.
encaminhados ao Projeto de Apoio Pedagógico pelo
professor regente. Após o encaminhamento, que será
entregue ao Coordenador Pedagógico, o professor de
Recuperação Paralela deverá enviar uma autorização EXERCÍCIO COMENTADO
aos responsáveis em que eles autorizam e responsabi-
lizam-se pela frequência do estudante no projeto. Além 1. (ME - Técnico em Assuntos Educacionais – Superior
disso, caso os responsáveis não respondam, é interes- – CESPE) A obrigatoriedade de estudos de recuperação
sante tentar outras formas de contato, via Coordenação deve ser implementada exclusivamente de forma parale-
Pedagógica e, se houver necessidade, solicitar reunião la ao período letivo.
para averiguação. Para isso, o professor realizará todas
as ações (avaliação, planejamento e registro) para o de- ( ) CERTO ( ) ERRADO
senvolvimento desse(a) estudante, conforme estabelece
a normativa que rege o projeto. Resposta: Certo. Resposta correta está em “certo”,
pois conforme a LDB,
No caso de faltas consecutivas TÍTULO V - DOS NÍVEIS E DAS MODALIDADES DE
EDUCAÇÃO E ENSINO - Capítulo II - Da Educação
O professor deverá encaminhar à coordenação a lis- Básica - Seção I - Das Disposições Gerais, através do
ta de estudantes faltosos, semanalmente, para contato seguinte artigo: Art. 24. A educação básica, nos níveis
com os responsáveis e averiguação do motivo de sua fundamental e médio, será organizada de acordo com
ausência. Em casos recorrentes, a equipe gestora deverá as seguintes regras comuns: (...) V - a verificação do
convocar os responsáveis para reunião com o professor rendimento escolar observará os seguintes critérios:
titular da turma, o professor de Recuperação Paralela e a (...) e) obrigatoriedade de estudos de recuperação de
Coordenação Pedagógica. Esse tipo de ação visa cons- preferência paralelos ao período letivo, para os casos
cientizar os adultos da situação escolar do estudante e de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados
da importância da recuperação paralela para o avanço pelas instituições de ensino em seus regimentos;
das aprendizagens, bem como fortalecer o vínculo entre
escola e família.

Casos em que o estudante não pode comparecer


ao projeto

Os responsáveis pelo estudante deverão preencher


uma declaração, informando o motivo pelo qual o me-
nor, sob sua tutela, não pode comparecer ao projeto,
responsabilizando-se, assim, por possíveis prejuízos às
aprendizagens dos educandos. Após a desistência do
projeto
PROFESSOR DE SALA: incluirá uma observação no
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

SGP, informando que o estudante encaminhado à Recu-


peração Paralela não poderá comparecer ao projeto e as
medidas de recuperação contínua.
PROFESSOR DE RECUPERAÇÃO PARALELA: solici-
tará à secretaria da exclusão do estudante da lista pa-
drão, podendo inserir outro nome. O professor deverá
excluir esse nome SOMENTE se houver declaração dos
responsáveis.

358
nhamento. Nesse sentido, o mais importante é o olhar
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA atento e cuidadoso para os conhecimentos apresenta-
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. dos pelos estudantes e suas dificuldades. Partimos, des-
COORDENADORIA PEDAGÓGICA. sa maneira, da concepção de um professor produtor de
DOCUMENTO ORIENTADOR PARA conhecimento que, em função dos diversos instrumentos
SONDAGEM DE MATEMÁTICA: CICLO DE de avaliação e observação disponíveis, incluindo a son-
ALFABETIZAÇÃO E INTERDISCIPLINAR: dagem, promoverá uma diversidade de estratégias, com
ENSINO FUNDAMENTAL. SÃO PAULO: vistas à garantia da equidade e da qualidade de ensino
para todos nossos estudantes.
SME/COPED, 2018.
Sondagem de números

#FicaDica Vivemos em mundo cercado de números e, por isso,


é importante compreender como as crianças criam suas
Assim como citado no atual Documento representações de escrita, suas representações numéri-
Orientador para sondagem de Língua Por- cas e, sobretudo, como leem o que está a sua volta. Os
tuguesa, retomamos, em 2017, a sondagem dados coletados não são apenas para quantificá-los, mas
de Matemática. Após a construção do Currí- para qualificar a ação pedagógica. A qualificação desses
culo da Cidade, a sondagem, em 2018, passa dados possibilitará, após a sua análise, promover inter-
também por uma atualização, constituindo- venções nos processos de aprendizagem e, por conse-
-se como mais um instrumento, a qual, ar- quência, os avanços necessários.
ticulada com o Currículo da Cidade, com as Essa sondagem será aplicada apenas para os 1º, 2º
Orientações Didáticas e os Cadernos da Ci- e 3º anos (Ciclo de Alfabetização), que escreverão uma
dade – Saberes e Aprendizagens, apresenta- lista de números de diversas ordens e classes, ditados
-se como mais um apoio pedagógico aos pelos professores. Tais números serão avaliados a partir
professores dos Ciclos de Alfabetização e da escrita e da leitura que os estudantes fizerem deles.
Interdisciplinar, tendo como foco o trabalho A sondagem de números é uma avaliação proces-
em sala de aula. sual para acompanhar a evolução da escrita numérica
dos estudantes. É um momento intencional, planejado
para esse fim e a partir de alguns critérios que permitirão
A sondagem de Matemática para o Ciclo de Alfabe-
ao professor identificar os avanços e as dificuldades dos
tização avaliará escrita numérica e resolução de proble-
estudantes.
mas, na perspectiva da Teoria dos campos conceituais de
Os critérios que utilizamos são os mesmos para todo
Vergnaud. No Ciclo Interdisciplinar, abordará somente a
o Ciclo de Alfabetização, alterando apenas o intervalo
resolução de problemas, nessa mesma perspectiva.
numérico, uma vez que, de um ano para outro, os profes-
A Matemática também faz parte do processo de al-
sores propõem novos desafios de escrita numérica com a
fabetização, sendo assim, não podemos dissociá-lo do
ampliação do intervalo dos números.
da aquisição da escrita e leitura e, por conseguinte, do
processo de aquisição de conhecimento matemático.
Para verificar a aprendizagem e o avanço na escrita
Os professores poderão expandir a sondagem para
numérica dos estudantes, utilizamos, para observação e
outras áreas da Matemática, incluindo os eixos estru-
análise, os seguintes critérios, que objetivam saber se os
turantes (geometria, estatística, grandezas e medidas,
estudantes escrevem números:
probabilidade e álgebra) e, além desses, outros eixos
1. familiares e /ou frequentes;
articuladores (jogos e brincadeiras, processo matemáti-
2. opacos;
cos, conexões extramatemáticas) do Currículo da Cidade
3. transparentes;
de Matemática para, assim, aproximar-se ainda mais da
4. que terminam em zero;
forma de pensar e do conhecimento dos estudantes. No
5. compostos por algarismos iguais;
entanto, para fins de registro no Sistema de Gestão Pe-
6. que permitem observar o processo de generaliza-
dagógica – SGP, solicitaremos apenas as sondagens de
ção do sistema de numeração decimal;
números e de resolução de problema, já mencionadas
7. com zeros intercalados.
anteriormente.
As situações envolvidas deverão propiciar níveis dife-
Provavelmente, é possível que haja, ainda, alguns es-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

rentes de dificuldades, com a finalidade de compreender


tudantes que escrevem números apoiados na fala, quer
quais os conhecimentos que nossas crianças possuem
seja na dezena simples, na centena simples, na unida-
e promovermos atividades em sala de aula, de caráter
de de milhar e é importante saber quais são eles e em
investigativo, que favoreçam avanços nos conhecimen-
que ordem numérica tais estudantes apresentam essas
tos apresentados pelos estudantes. Cabe ressaltar que a
dificuldades para o planejamento de novas intervenções
sondagem é apenas mais um instrumento, e não o único,
pedagógicas. No entanto, nossa meta é criar condições
a ser utilizado e analisado para diagnosticar as aprendi-
para que todos saibam escrever convencionalmente nú-
zagens dos estudantes.
meros cujos algarismos estão nas unidades simples, nas
Há, como se sabe, outras avaliações e procedimentos
dezenas simples, nas centenas simples, nas unidades de
que permitem analisar o processo de aprendizagem, os
milhar etc.
quais auxiliarão os professores a realizar esse acompa-

359
A seguir, apresentamos um quadro que possibilita organizar os ditados de números e auxilia na análise de cada
turma de alunos.

Sugestões de sequências para o ditado de números

Recomendações:

- A escrita de números deve ser individual;


- Para cada estudante, entregue meia folha de papel sulfite e peça que escreva seu nome;
- Explique aos estudantes que realizarão um ditado diferente, ao invés de palavras, serão números de diversas
grandezas;
- Combine com eles como será a organização da escrita de cada um dos números na folha;
- Após o ditado, recolha, analise as escritas e registre suas observações, na planilha de acompanhamento;
- Caberá ao professor decidir se será preciso ditar mais números, apoiando-se em alguns dos critérios da Planilha de
acompanhamento para que se tenha mais clareza sobre os conhecimentos que os estudantes possuem em rela-
ção às características de um determinado número ou intervalo numérico. De maneira que os dados preenchidos
possam subsidiar as intervenções e (re)planejamento do professor.
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Observações:
- Na primeira sondagem de números do 1° ano, não será abordado o zero intercalado, pois o estudante ainda não
se apropriou da função e valor posicional do zero. y Os números foram, intencionalmente, escolhidos, priorizando cada
critério, mesmo que ele possa enquadrar-se também em algum outro.

Sondagem da resolução de problemas

Para além do certo ou errado, temos um processo de construção que está diretamente envolvido na resolução de
um problema. O olhar dos professores, especialmente sobre como um estudante soluciona um problema a ele apre-
sentado, dará indícios de quais conhecimentos esse estudante possui e quais são os que precisam de aprofundamento.

360
A sondagem da resolução de problemas nada mais é do que uma avaliação processual e de acompanhamento da
aprendizagem dos estudantes nesse objeto de conhecimento, tanto para o campo aditivo, quanto para o campo mul-
tiplicativo.

1) Campo aditivo

Ainda para essa organização da sondagem do campo aditivo, levaram-se em consideração o Currículo da Cidade –
Matemática e a indicação constante em cada ano de escolaridade (1º ao 6º anos) dos objetos de conhecimento e dos
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Para a organização da sondagem do campo aditivo serão mapeados:
a) No 1º ano, os problemas analisados envolvem a composição;
b) No 2º ano, os problemas analisados envolvem a composição e a transformação positiva e/ ou composição negativa;
c) No 3º ano, os problemas envolvem a composição, a transformação positiva e/ou negativa e a comparação posi-
tiva e/ou comparação negativa;
d) No 4º ano, os problemas envolvem a composição, a transformação positiva e/ou negativa, a comparação positiva
e/ou negativa e a composição de transformação;
e) No 5º ano, os problemas envolvem a composição, a transformação positiva e/ou negativa, a comparação positiva
e/ou negativa a composição de transformação;
f) No 6º ano, os problemas envolvem a composição, a transformação positiva e/ou negativa, a comparação positiva
e/ou negativa e a composição de transformação.

2) Campo Multiplicativo

Ainda para essa organização da sondagem do campo multiplicativo, consideram-se o Currículo da Cidade – Ma-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

temática e a indicação constante em cada ano de escolaridade (2º ao 6º anos) dos objetos de conhecimento e dos
objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.
Para a organização da sondagem do campo multiplicativo serão mapeados:
a) No 2º ano, os problemas analisados envolvem a proporcionalidade;
b) No 3º ano, os problemas envolvem a configuração retangular e a proporcionalidade;
c) No 4º ano, os problemas envolvem a configuração retangular, a proporcionalidade e combinatória;
d) No 5º ano, os problemas envolvem configuração retangular, a proporcionalidade, a combinatória e multiplicação
comparativa;
e) No 6º ano, os problemas envolvem configuração retangular, a proporcionalidade, a combinatória e multiplicação
comparativa.

361
Obs: O material completo pode ser estudado por meio do link referenciado abaixo

Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orientador para
sondagem de Matemática: Ciclo de Alfabetização e Interdisciplinar: Ensino Fundamental. São Paulo: SME/COPED, 2018.
Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/48732.pdf.

EXERCÍCIO COMENTADO

1. A matemática deve ser construída pelo aluno no seu dia a dia, evitando-se, assim, que a curiosidade e o interesse que
caracterizam a relação inicial da criança com o conhecimento lógico-matemático, demonstrados antes de seu ingresso
na escola, desapareçam nos primeiro anos de escolarização, transformando-se, na maioria das vezes, em aversão à
matemática. Nessa perspectiva, a escola pode não apenas ajudar as crianças a organizar melhor as suas informações
e estratégias, mas também proporcionar condições para a aquisição de novos conhecimentos matemáticos com base
no seguinte princípio:

a) A matemática, implica “conhecimento e construção do conceito do número”, o que exige que o professor se
empenhe para que as crianças aprendam as operações matemáticas e possam desenvolver o raciocínio lógico
com habilidade.
b) As atividades desenvolvidas nas séries iniciais do ensino fundamental devem considerar o papel ativo da criança
na construção de sua autonomia por meio de sua ação sobre o objeto e o ambiente.
c) Os conceitos matemáticos, as estruturas lógicas fazem parte de um processo contínuo na vida da criança. Por isso,
é fundamental desconsiderar os aspectos afetivos e simbólicos da imaginação infantil, para que a criança possa
pensar, sentir, agir, interagindo com o meio de forma racional e lógica.
d) Para que a criança tenha condições de interagir com o mundo que a rodeia sob a lógica matemática, é necessário
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

que o professor tenha um horário determinado ou um dia previamente estabelecido para as atividades matemá-
ticas, para que possa melhor aproveitar as situações que surgem no cotidiano escolar.

Resposta: Letra B. O ensino da Matemática deve prestar sua contribuição à medida que forem exploradas meto-
dologias que priorizem a criação de estratégias, a comprovação, a justificativa, a argumentação, o espírito crítico,
e favoreçam a criatividade, o trabalho coletivo, a iniciativa pessoal e a autonomia advinda do desenvolvimento da
confiança na própria capacidade de conhecer e enfrentar desafios.

362
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. COORDENADORIA
PEDAGÓGICA. DOCUMENTO ORIENTADOR PARA SONDAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA:
ENSINO FUNDAMENTAL. SÃO PAULO: SME/COPED, 2018.

Orientações para a realização do diagnóstico da turma

#FicaDica
Analisar a trajetória da turma e os processos de ensino pelos quais trilharam é parte fundamental do pla-
nejamento, em especial ao início do ano letivo. A partir dos resultados da turma - produtos de avaliações
externas, internas e demais instrumentos avaliativos da escola - é possível planejar estratégias didáticas
que potencializem a prática docente e que sejam mais acertadas para aquela turma.

Avaliar as aprendizagens dos estudantes, na perspectiva da avaliação formativa, significa acompanhar os processos
de ensino e de aprendizagem, realizando os ajustes necessários ao planejado para atender suas reais necessidades.
Nesse sentido, a sondagem é um importante recurso. Em especial no Ciclo de Alfabetização, fase em que a criança
se apropria e consolida seus saberes a respeito do Sistema de Escrita Alfabético (SEA), realizar sondagens permite ao
professor acompanhar os avanços e conhecer o que os alunos já sabem em relação à aquisição da base alfabética, para
poder intervir de forma mais ajustada nas diversas situações didáticas que envolvem a reflexão sobre o SEA.
No ano de 2017, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SMESP), retomou a sistematização da sondagem
de hipóteses de escrita, para Língua Portuguesa; e de números e resolução de problemas, para Matemática. Tal decisão
objetiva o atendimento à meta 16 do Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo, que projeta 100% de estudantes
alfabéticos ao final do 2º ano; além do acompanhamento sistematizado da evolução de seus níveis de alfabetização.
Os professores do Ciclo de Alfabetização realizaram, bimestralmente, a sondagem de escrita em Língua Portuguesa e
três sondagens de Matemática. Os resultados foram digitados no Sistema de Gestão Pedagógica (SGP), com vistas à
consolidação dos dados, possibilitando o acompanhamento em rede:
- Do professor do Ciclo de Alfabetização, em relação à sua turma;
- Da Gestão Escolar (Coordenador Pedagógico, Supervisor de Ensino, Diretor de Escola e Assistentes de Direção),
em relação à sua Unidade Escolar (UE);
- Das Divisões Pedagógicas (DIPEDs) das Diretorias Regionais (DREs), em relação às UEs sob sua jurisdição;
- Da Divisão de Ensino Fundamental e Médio (DIEFEM) da SMESP, em relação à Rede Municipal de Ensino.

É importante que as diferentes esferas de atuação conheçam e analisem o que os estudantes já sabem e o que ainda
precisam aprender em determinado ano. Essas análises são fundamentais para futuras ações que permitem:

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363
Portanto, a consolidação dos dados da sondagem é fator importante à proposição de políticas públicas condizentes
e efetivas. Para o ano de 2018, a digitação dos dados da sondagem no SGP seguirá as datas de fechamento bimestrais
e será obrigatória. Assim, teremos quatro digitações de dados de sondagem de LP e duas digitações de dados de
sondagem de Matemática. Entretanto, recomendamos que um diagnóstico inicial da turma seja realizado no início do
ano letivo (fevereiro), independentemente da obrigatoriedade da digitação no SGP; garantindo um planejamento mais
ajustado.

Língua Portuguesa: sondagem de escrita

A sondagem de Língua Portuguesa para o Ciclo de Alfabetização avaliará a escrita e leitura dos estudantes. Os dois
processos são complementares e essenciais à alfabetização.
Para os 1º e 2º anos, momento em que os estudantes estão se apropriando do Sistema de Escrita Alfabético (SEA), a
sondagem de escrita será de uma lista de palavras, do mesmo campo semântico, ditada pelo professor aos estudantes.
Trata-se de uma escrita individual na qual os alunos registram palavras ditadas pelo professor e sem consulta a fontes
impressas ou intervenções específicas que possam interferir na escrita do estudante. Para sua realização, alguns aspec-
tos procedimentais devem ser considerados, entre eles:
- Realizar a sondagem em um papel sem pauta;
- Ditar palavras que variam na quantidade de letras e sílabas (evitando a repetição de vogais numa mesma palavra)
iniciando-se pela polissílaba, depois a trissílaba, a dissílaba e a monossílaba, sempre nesta ordem;
- Ao ditar, evitar a escansão - a pronúncia destacando as sílabas separadamente. Diga as palavras normalmente;
- Após a lista de palavras, ditar uma frase que envolva pelo menos uma delas, para verificar se a escrita permanece
estável;
- Solicitar que os alunos, imediatamente, após a escrita de cada palavra, leiam o que escreveram, para verificar a
relação que estabelecem entre a escrita e a leitura (procedimento importante à confirmação da hipótese);
- Oferecer letras móveis aos alunos que se mostrarem resistentes quanto à produção escrita (nestes casos, o pro-
fessor faz o registro de como ficou a escrita).

Como nas demais práticas de escrita na escola, a sondagem deve ser oferecida diante de uma situação comunica-
tiva para que faça sentido ao estudante. É possível, por exemplo, propor a escrita de uma lista de animais que podem
visitar em um passeio ao zoológico; ou uma lista de frutas que usarão para fazer uma sobremesa. Além disso, as pa-
lavras ditadas devem pertencer a um mesmo campo semântico, por exemplo: lista de brinquedos, de material escolar,
ingredientes para uma receita etc. Estas são escolhas importantes diante da necessidade de se pensar o uso social da
linguagem nas práticas de ensino.
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Segue a sugestão da Secretaria Municipal de Educação (SME) para as sondagens de escrita para os 1º e 2º anos do
Ciclo de Alfabetização do ano de 2018.

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Além da lista de palavras, indicamos, para o 4º bimestre do 1º ano, e para todos os bimestres do 2º ano, a escrita
de texto que se sabe de memória, que pode ser uma parlenda, cantiga, trecho de música etc. Nesse caso, as crianças
podem escrever, de maneira mais autônoma, e o professor circular entre elas para realizar as intervenções necessárias;
como lembrar trechos do texto de que se esqueceram, por exemplo.
O texto escolhido precisa fazer parte do repertório cultural infantil para que a preocupação da criança não seja diri-
gida ao “que” escrever, mas a como fazê-lo. Esse é um desafio maior e pode ser realizado por aqueles que se encontram
mais próximos à hipótese de escrita alfabética. O que está em jogo, ainda, é a aquisição do sistema de escrita, mas já é
possível verificar, entre outros, a segmentação3 do texto em palavras.

RECOMENDAÇÕES PARA A SONDAGEM

- As hipóteses de escrita das crianças jamais devem ser explicitadas a elas próprias;
- As escritas das crianças não devem ser corrigidas. A sondagem é o momento para que escrevam, da melhor ma-
neira possível, as palavras e revelem sua compreensão sobre o SEA.
- As marcações do professor, em relação à leitura que a criança faz das palavras, devem ser suficientes a sua pos-
terior análise. Assim, são precisos cautela e critério. Marcar a divisão de sílabas, por exemplo, pode caracterizar
uma hipótese silábica – nem sempre real - à análise futura.

Para o 3º ano do Ciclo de Alfabetização, a sondagem de escrita se dará pela reescrita de texto, cuja finalidade é
possibilitar ao estudante a apropriação de recursos da linguagem escrita e de organização do texto, assim como de
procedimentos de escritor: planejamento, revisão processual e final (SÃO PAULO, 2017). O Currículo da Cidade de Lín-
gua Portuguesa aponta a importância do trabalho com essa atividade de produção de textos, tendo em vista o avanço
das aprendizagens dos estudantes. Assim, além de realizá-la para a sondagem, é essencial contemplá-la nas rotinas,
prevendo, ainda, a revisão textual, que não será realizada nesse momento avaliativo.
O desafio, na reescrita de texto, está em como escrever algo que já existe, assegurando aspectos essenciais à pre-
servação do texto original. Este não é um desafio simples, há muitas questões em jogo:
- Respeitar a progressão temática;
- Preservar as ideias e os conteúdos do texto-fonte;
- Observar as características da linguagem escrita e do registro literário;
- Realizar as operações de produção de texto: planejamento, textualização e revisão.

Para essa sondagem, propomos a reescrita de um trecho de conto conhecido pelos estudantes; e alguns procedi-
mentos precisam ser observados pelo professor:
- Perguntar aos estudantes se eles conhecem o conto que está prestes a ler;
- Realizar a primeira leitura do conto para os estudantes;
- Retomar os aspectos principais para garantir o entendimento sobre a progressão temática do texto;
- Realizar a segunda leitura do conto até o trecho marcado;
- Solicitar que escrevam, individualmente e da melhor maneira possível, trecho do conto.

Segue a sugestão da Secretaria Municipal de Educação (SME) para as sondagens de escrita relativas aos 3º ano do
Ciclo de Alfabetização do ano de 2018.
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Os textos, bem como as atividades aqui propostas, hipótese de escrita não-alfabética, de esperar o colega
são sugestões; podendo ser alteradas a critério da escola, fazer a atividade para, então, copiar. Além disso, a obser-
desde que preservadas as condições para sua realização vação pelo professor, durante a execução da atividade,
e análise. é fundamental para uma análise adequada em relação
aos níveis propostos neste documento. É possível, por
Como proceder à análise da sondagem de escrita exemplo, que alguns estudantes apaguem os primeiros
traços feitos, ao notar que sua primeira indicação não foi
A aplicação da sondagem precisa de uma análise mi- a adequada. Tal processo pode indicar um avanço em re-
nuciosa sobre os aspectos avaliados. Mais do que gerar lação às estratégias que a criança utiliza para ler – ainda
dados sistêmicos, observar os resultados dos estudantes que não convencionalmente.
nos testes aferidos possibilita intervenções nos proces-
sos de aprendizagem por parte do(a) professor(a). Para além dos dados...
Para os 1º e 2º anos, que escreverão uma lista de pa-
lavras e uma parlenda, a avaliação estará relacionada às A consolidação dos dados da sondagem, por meio da
Capacidades Relativas à Aquisição do Sistema de Escrita, digitação no SGP, é a institucionalização do procedimen-
objetos de conhecimento do eixo de Práticas de Produ- to para acompanhamento em rede, como já abordado.
ção de Textos Escritos do Currículo da Cidade de Língua Porém, é fundamental que haja clareza, em especial por
Portuguesa. parte da escola, da importância desse processo de acom-
Em relação à análise das escritas, podemos justificar panhamento das aprendizagens, que tem, por finalidade,
os níveis de acordo com a tabela a seguir, que considera a garantia da qualidade do ensino oferecido aos estu-
os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Os níveis dantes do Ciclo de Alfabetização. Sabemos que as crian-
são importantes indícios e compõem a cadeia, da qual ças, frequentemente, avançam em relação à aquisição
tratamos acima, ao categorizar os dados da sondagem do SEA e as suas aprendizagens. Aquele estudante que
para as diferentes esferas do processo educativo. hoje está na hipótese silábica com valor, por exemplo,
em pouco tempo pode ter a hipótese alfabética sobre
Língua Portuguesa: sondagem de leitura o SEA; e esse olhar só é possível aos que acompanham
esse processo diariamente. Assim, a ênfase ao se reali-
Uma vez que os processos de escrita e leitura são zar a sondagem, principalmente para a escola, deve ser
complementares, a sondagem de leitura também será a intervenção necessária ao avanço de cada estudante.
adotada. Tomamos por base, para tanto, os estudos de Ao comparar os dados das avaliações, aqui explicitadas,
Kaufmann, Gallo e Wuthenau (2010). Avaliar a leitura dos é possível, ao professor, traçar o perfil de sua turma e
estudantes em fase de aquisição do SEA, assim como pri- prever atividades que privilegiem as dificuldades encon-
vilegiar tais atividades nas rotinas, permite, entre outras tradas. O objetivo é que todos os estudantes tenham o
coisas, a compreensão sobre as estratégias utilizadas por direito à aprendizagem garantido.
eles ao ler - ainda que sem saber ler convencionalmente.
É sempre importante que diferentes instrumentos Fonte
elaborados para focalizar aspectos distintos de um mes- SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Edu-
mo processo sejam articulados, pois esse procedimen- cação. Coordenadoria Pedagógica. Documento orienta-
to é que permite uma visão mais geral e completa das dor para sondagem de Língua Portuguesa: Ensino Fun-
aprendizagens realizadas pelos estudantes. damental. São Paulo: SME/COPED, 2018.
Cada instrumento específico organizado nos permite
ter clareza de quais são as aprendizagens efetivamente
realizadas sobre os aspectos focalizados nas propostas
(SÃO PAULO, 2017, p. 107). EXERCÍCIO COMENTADO
Para cada um dos três anos do Ciclo de Alfabetização,
há a indicação de atividades de leitura que melhor ava- 1. (Prefeitura de Congonhas – MG - Professor - Língua
liarão as habilidades dos estudantes de cada ano. Assim Portuguesa – CONSULPLAN/2017) Segundo os Parâ-
como para a sondagem de escrita, a orientação é que os metros Curriculares Nacionais (PCN’s) a disciplina Língua
estudantes realizem as atividades individualmente e sob Portuguesa é apresentada:
a observação do professor.
Nesse momento, enviamos apenas as sugestões de a) Como Língua Moderna, inserindo na mesma o conte-
atividades para o 1º bimestre, uma vez que a partir das údo Arte.
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respostas obtidas, as análises avançarão para outros ob- b) Como desenvolvimento de competências específicas
jetivos do Currículo da Cidade de Língua portuguesa. de representações.
Para os 1º e 2º anos, avaliaremos a capacidade de c) Para desenvolver o vocabulário dos sujeitos, visando a
aquisição do SEA, no que diz respeito à localização de formação para a cidadania.
nomes em listas. Para o 3º ano, avaliaremos as capacida- d) Para desenvolver a codificação e decodificação de
des relacionadas às práticas de leitura. símbolos.
Ao realizar as atividades de leitura, é recomendável e) Como constitutiva da área de Linguagens, códigos e
que a aplicação seja feita individualmente ou em grupos suas tecnologias
pequenos de estudantes. Quando estão muito próximos,
há uma tendência natural, em especial entre os que têm

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Resposta: Letra E. Segundo os Parâmetros Curricula- ra os dados do Censo Escolar, referentes aos estudantes
res Nacionais (PCN’s) a disciplina Língua Portuguesa: do 6º ao 9º anos. No Ensino Médio, o IDEB considera o
- compõem esta área de conhecimento e têm por ob- rendimento dos estudantes da 3ª série e o fluxo escolar
jetivo tornar o aluno capaz de aplicar as tecnologias da referente a todas as séries que compõem essa etapa.
comunicação e da informação na escola, no trabalho e
em outros contextos relevantes para sua vida; conhe- Como o IDEB é calculado?
cer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como
instrumento de acesso a informações; compreender e O IDEB é composto pelo produto entre dois fatores:
usar a linguagem corporal; compreender a arte como a média da proficiência dos estudantes (N) obtida pela
saber cultural e estético, analisar, interpretar e aplicar Prova Brasil (em Língua Portuguesa e em Matemática) e
recursos expressivos das linguagens, compreender e a média das taxas de aprovação (P) nos anos que corres-
usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens, pondem a cada etapa do Ensino Fundamental - dividido
compreender e usar a língua portuguesa como lín- em anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano)
gua materna, geradora de significação e integradora – e às séries do Ensino Médio (1ª. à 3ª. série).
da organização do mundo e da própria identidade.
Ou seja, o Texto é apenas um exemplo de utilização
da Língua Portuguesa, sem influenciar em nada para
Resolução da Questão, acredito que este texto esteja
ligado a outros quesitos, caso contrário é apenas um
artificio para o candidato perder seu precioso tempo
de Prova.
A média da proficiência dos estudante obtidas pela
Prova Brasil em Língua Portuguesa e em Matemática é
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). SECRETARIA padronizada em uma escala de 0,0 (zero) a 10,0 (dez). Já
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. IDEB: a taxa de aprovação, em porcentagem, varia de 0 (zero) a
DEFINIÇÕES E SUGESTÕES PARA 100 (cem). Vamos acompanhar um exemplo, referente ao
ESTUDOS NOS HORÁRIOS COLETIVOS DE cálculo do IDEB dos anos iniciais de uma EMEF:
FORMAÇÃO. SÃO PAULO: SME, 2018. Em uma Escola de Ensino Fundamental, os estudantes
do 5º ano apresentaram média 5,0 na nota padronizada
do Saeb (Prova Brasil), calculada pelo INEP a partir do
O que é o IDEB? desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e em
Matemática:
Acompanhar e avaliar qualquer processo educativo
exige a definição prévia de critérios de qualidade. Quan-
do o assunto é o Ensino Fundamental e Médio, alguns
parâmetros são chaves para o debate sobre qualidade,
como a permanência na escola, efetivada a partir da pro-
gressão e da aprendizagem dos estudantes ao longo dos
9 anos do Ensino Fundamental e nas três séries que com-
põem o Ensino Médio.
Mas como acompanhar e avaliar a Educação Básica no
Brasil? Elegendo indicadores de qualidade que permitam
atribuir um valor à qualidade do ensino. Os indicadores
referências sobre como o processo educativo acontece
no âmbito das escolas e das redes de ensino permitem
analisar a escola, a partir do rendimento dos estudantes
e do fluxo escolar, e subsidiam redimensionamentos em
diferentes instâncias: na escola, na DRE e na SME.
O principal indicador de qualidade da educação, con-
siderando o contexto das escolas de ensino fundamental Contudo, essa mesma escola tem algumas especifi-
e médio, é o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Edu- cidades quanto ao fluxo escolar referentes às turmas de
cação Básica). Criado pelo Instituto Nacional de Estudos 1º ao 5º ano, nas quais os contextos de reprovação ou
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, uma autarquia evasão escolar atingem 4 em cada 10 estudantes. Dessa
federal vinculada ao Ministério da Educação, esse indi- forma, apenas 60% desses estudantes são aprovados e
cador articula a taxa de aprovação e a proficiência dos dão continuidade aos seus estudos ao longo do Ciclo de
estudantes na Prova Brasil (que compõe o Sistema de Alfabetização e nos primeiros anos do Ciclo Interdisci-
Avaliação da Educação Básica – SAEB) nos componentes plinar:
de Língua Portuguesa e de Matemática. O IDEB dos anos
iniciais considera a taxa de aprovação referente às tur-
mas de 1º ao 5º anos e o desempenho dos estudantes de
5º ano. Para os anos finais, o desempenho escolar refere-
-se às turmas de 9ºs anos e a taxa de aprovação conside-

370
Esse exemplo demonstra que os índices do IDEB dependem diretamente do produto entre a taxa de aprovação
(calculada pelo INEP a partir do Censo Escolar) e do desempenho dos estudantes (de 5º ou 9º anos) em Língua Portu-
guesa e Matemática na Prova Brasil. Baixos índices no IDEB podem indicar a necessidade de melhorias no desempenho
dos estudantes, bem como de elevação da taxa de aprovação. Apenas quando a taxa de aprovação (P) aproxima-se de
100%, o IDEB apresenta valor idêntico àquele atribuído ao desempenho dos estudantes (N), pois, nesse caso, o valor de
P é igual a 1,0 e não impacta o produto N x P, que dá origem ao IDEB.
É importante considerar que a aprovação de todos os estudantes, sem a garantia da aprendizagem adequada a
cada ano do Ensino Fundamental, não garante elevação no IDEB, pois o rendimento dos estudantes é um fator deter-
minante na composição desse indicador. Por outro lado, garantir índices significativos de aprendizagem dos estudantes
em contextos escolares marcados por elevadas taxas de reprovação e abandono escolar, também impactam esse in-
dicador, reduzindo os índices obtidos pela escola. Assim, as melhorias no IDEB são frutos da ação articulada de acom-
panhamento dos estudantes (frequência e taxas de aprovação) e de garantia da aprendizagem adequada a cada ano
do Ensino Fundamental. Dessa forma, “o sistema de ensino ideal seria aquele em que todas as crianças e adolescentes
tivessem acesso à escola, não desperdiçassem tempo com repetências, não abandonassem a escola precocemente e,
ao final de tudo, aprendessem” (INEP).

A tabela 1 apresenta outros exemplos de cálculo do IDEB:


PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

371
Essa tabela permite observar que escolas que apresentam o mesmo desempenho dos estudantes podem apresen-
tar diferença no cálculo do IDEB, dado o impacto da taxa de aprovação (P), ao compararmos os índices obtidos pelas
escolas A e D, ou pelas escolas C e E. Já o exemplo da escola B apresenta um contexto cuja taxa de aprovação é 100%,
logo, o IDEB tem valor idêntico a N (desempenho dos estudantes), já que o valor atribuído à taxa de aprovação (P) é
igual a 1,0.

O IDEB: valores e projeções

O IDEB é um indicador calculado a cada dois anos (periodicidade da Prova Brasil), a partir do rendimento dos estu-
dantes nessa avaliação externa e das taxas de aprovação de cada Unidade Escolar, calculadas a partir do Censo Escolar.
O portal do INEP, bem como a plataforma Qedu3, permitem acompanhar o IDEB ao logo de várias edições desse indi-
cador, favorecendo a análise da escola em diferentes anos.
Cada Unidade Escolar ou Rede de Ensino pode acompanhar diretamente seus resultados no IDEB, comparando-os
com as metas estabelecidas pelo INEP. O comportamento esperado para o IDEB segue uma trajetória ascendente,
como apresentado no Gráfico 1: Gráfico 1:

Comportamento esperado para o IDEB.

Anos iniciais O IDEB 2017 dos anos iniciais na Rede Municipal de Ensino de São Paulo atingiu o valor 6,0, superando
a meta estimada de 5,7. Esse valor foi calculado considerando:
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O Gráfico 2 demonstra a evolução do IDEB municipal dos anos iniciais, permitindo observar que o IDEB esteve, na
maioria das edições, com índices superiores à meta estabelecida pelo INEP:

372
A partir do Portal INEP, também é possível acompanhar a evolução do IDEB nos anos iniciais, comparando-os com
as metas de cada edição desse indicador:

Em Língua Portuguesa, a média de proficiência é de 215,43, que corresponde, na escala SAEB, ao nível 4 (em uma
escala de 9 níveis). Em matemática, essa média atingiu o valor de 224,07, que também corresponde ao nível 4 (em uma
escala de 9 níveis). A escala de proficiência utilizada no SAEB é disponibilizada separadamente pelo INEP nos compo-
nentes de Língua Portuguesa e Matemática. Organizada em níveis, permite mapear as habilidades que os estudantes
do 5º ano já dominam por estarem classificados no nível 4. Esse nível inclui as habilidades dos níveis anteriores (1, 2 e
3) e acrescenta outras habilidades específicas, apresentadas nos Quadros 1 e 2:
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373
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Da mesma forma que nos anos iniciais, a leitura da escala SAEB, referente ao 9º ano, pode ser realizada de forma
articulada com o Currículo da Cidade, considerando os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento previstos para os
componentes curriculares de Língua Portuguesa e de Matemática, trazendo subsídios para o (re)planejamento docen-
te. O desempenho dos estudantes também pode ser avaliado a partir da análise de uma evolução histórica, tanto em
Língua Portuguesa quanto em Matemática, utilizando a plataforma Qedu. Os dados do infográfico permitem observar
que os estudantes do 9º ano da Rede Municipal apresentaram redução na proficiência de Língua Portuguesa e de Ma-
temática, se comparadas as edições de 2015 e 2017 da Prova Brasil.

374
Considerando que o IDEB também faz uso de informações sobre o fluxo escolar, a plataforma Qedu traz informa-
ções relevantes sobre a evolução das taxas de aprovação nas turmas do 6º ao 9º anos da Rede Municipal de São Paulo.
O infográfico abaixo indica que a taxa de aprovação na Rede Municipal é em torno de 92%, embora as turmas de 7º
ano e 9º ano apresentem menores índices.

PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

Ao acessar os dados específicos de sua Unidade Escolar, gestores e docentes podem analisar o fluxo escolar dos es-
tudantes de 6º ao 9º ano e problematizar os índices apresentados à luz da realidade escolar. Localizando os contextos
que revelam maiores índices de retenções ou demandas referentes ao fluxo escolar, é possível propor, coletivamente,
alternativas de solução que impliquem a equipe escolar, os estudantes e as famílias.

375
Ensino Médio

O Ensino Médio na Rede Municipal de Ensino de São Paulo teve sua primeira referência de IDEB no ano de 2017,
atingindo o valor de 3,5. A partir desse índice, o INEP propõe as próximas metas para essa etapa, como demonstra a
Tabela 4:

Considerações finais

Essa apresentação de dados do IDEB 2017 relativo à Rede Municipal de Ensino de São Paulo traz evidências de que
esse indicador da qualidade da educação tem potencial para revelar aspectos relevantes das escolas municipais, per-
mitindo analisá-las quanto ao desempenho dos estudantes na Prova Brasil e ao fluxo escolar.
Contudo, os dados obtidos a partir desse indicador só contribuirão para a melhoria da qualidade da educação, se
analisados pela equipe escolar, à luz das especificidades de cada Unidade Escolar, com vistas à tomada de decisão e
garantia da aprendizagem dos estudantes. Em anexo, gráficos referentes à evolução do desempenho dos estudantes
de 5º e 9º anos da Rede Municipal de Ensino de São Paulo em Língua Portuguesa e em Matemática e sugestões de
análise de dados para uso das Unidades Escolares.

Fonte
SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educação. IDEB: definições e sugestões para estudos nos ho-
rários coletivos de formação. São Paulo: SME, 2018. Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/
Files/48725.pdf.

EXERCÍCIO COMENTADO

1. (Pref. São Paulo/SP - Analista de Assistência e Desenvolvimento Social – Superior - VUNESP/2016) O conceito
de qualidade na educação tem passado por várias concepções, inicialmente, estava articulado ao processo de acesso
das oportunidades educacionais para as massas populares. Posteriormente, foi caracterizada pelo acesso e a perma-
nência do indivíduo no sistema escolar. Atualmente, a educação é tida como um direito público subjetivo e que deve
ser garantido não só o acesso e a permanência, mas também um padrão de qualidade. Nesse sentido, foi criado um
importante indicador de qualidade da educação, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb. A respeito
do Ideb, é correto afirmar que:

a) estabelece a combinação de indicadores de fluxo e de proficiência dos alunos, calculada em uma escala de 0 (zero)
a 5 (cinco).
b) é calculado a partir de dois componentes: a taxa de rendimento escolar e as médias de desempenho nos exames
aplicados pelo Ministério da Educação.
c) deve atingir até 2018 níveis educacionais de países desenvolvidos, o que corresponde à média de 5 (cinco) para os
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

anos iniciais do ensino fundamental.


d) mede o nível de desenvolvimento humano em cada munícipio, utilizando como critérios a taxa de alfabetização e renda.
e) é um indicador educacional criado para avaliar o desempenho das escolas da rede particular de ensino.

Resposta: letra B. Em “b”: Certo – A afirmativa está correta: O Ideb funciona como um indicador nacional que
possibilita o monitoramento da qualidade da Educação pela população por meio de dados concretos, com o qual a
sociedade pode se mobilizar em busca de melhorias. Para tanto, o Ideb é calculado a partir de dois componentes: a
taxa de rendimento escolar (aprovação) e as médias de desempenho nos exames aplicados pelo Inep. Os índices de
aprovação são obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente. (Disponível em IDEB – site do MEC - http://
portal.mec.gov.br/conheca-o-ideb).

376
MAGISTÉRIO: GESTÃO: ARTICULANDO #FicaDica
ESFORÇOS PARA UMA EDUCAÇÃO DE
QUALIDADE. SÃO PAULO: SME/COPED, N. Em síntese, se, de um lado, a racionalidade
5, 2018. prática, pautada na reflexão, surge como
um movimento de oposição à racionalida-
de instrumental-tecnicista, que caracteriza o
Por que, para que e como desenvolvem essa ação professor como técnico e mero executor de
em diferentes contextos escolares? atividades definidas em programas de ensi-
no previamente elaborados por aqueles que
Entre os anos de 2012 a 2016, orientei trabalhos de planejam em gabinetes dos órgãos públicos,
pesquisa, no contexto de um curso de mestrado pro- por outro lado, era preciso contextualizar o
fissional em educação e, nesse período, tive a oportu- conceito da reflexão “na e sobre a prática”,
nidade de conhecer profissionais da educação da rede tendo em vista a complexidade da realidade
pública de ensino, da Cidade de São Paulo e da região em que os profissionais da educação estão
metropolitana, comprometidos com a própria formação inseridos. Como afirma Pérez Gómez (1995,
continuada e que buscavam modos de refletir sobre sua p. 112),
prática, problematizando-a e sistematizando-a com o in-
tuito de contribuir com conhecimentos para a melhoria
do trabalho pedagógico realizado nas escolas de Educa- Apoiar-se na prática não significa que se reproduzam
ção Infantil. acriticamente os esquemas e rotinas que regem as prá-
Para a elaboração deste texto, retomei o contato com ticas empíricas e se transmitem de geração em geração
esses(as) educadores(as) pedindo a eles(as) que escre- como resultado do processo de socialização profissional.
vessem depoimentos que comporiam o conteúdo acerca Pelo contrário, o conhecimento-na-ação só é pertinente
do objeto da análise aqui proposta, qual seja: por que, se for flexível e se apoiar na reflexão na e sobre a ação.
para que e como profissionais da Educação Infantil refle- Trata-se de partir da prática para desencadear uma re-
tem sobre sua prática? Quais desafios são enfrentados? flexão séria sobre o conjunto das questões educativas,
Quais descobertas acontecem nesse percurso? Assim, desde as rotinas às técnicas, passando pelas teorias e pe-
busco desenvolver diálogos possíveis entre os conteúdos los valores.
dos relatos e o pensamento de Paulo Freire e de outros Portanto, entende-se que refletir “na e sobre a prá-
autores que têm discutido essa temática, em uma pers- tica” exige reflexão teórico-prática desenvolvida com a
pectiva crítica de educação. capacidade de o sujeito saber questionar a sua realidade
Ressalto que não se trata de expor ”modelos” de pro- – tanto no âmbito micro quanto macro - e autoquestio-
fessores reflexivos para a Educação No final dos anos nar-se, uma vez que a reflexão “não existe isolada, mas é
de 1980 e início dos anos de 1990, chegavam ao Brasil resultado de um amplo processo de procura que se dá no
os textos de pensadores estrangeiros que discutiam os constante questionamento entre o que se pensa (como
professores como profissionais reflexivos. À época, Mar- teoria que orienta uma determinada prática) e o que se
celo García (1995), autor espanhol, apresentava em seus faz” (GHEDIN, 2002, p. 132-133). Os depoimentos dos
escritos nomenclaturas adotadas por esses autores para profissionais da Educação Infantil que se desafiaram (se
se referirem ao conceito de reflexão como elemento es- desafiam, pois continuam nessa intrigante caminhada!) A
truturador das ‘novas’ tendências da formação de pro- pensar a prática, refletindo sobre ela à luz da perspectiva
fessores. Alguns deles foram e ainda têm sido estudados teórica que orienta a reflexão para que possa ressignifi-
nos nossos cursos de graduação e pós-graduação, tais cá-las, revelam a busca da e pela práxis num processo
como: reflexão-na-ação (Shön); professores reflexivos permanente de ação-reflexão-ação.
(Zeichner); professores como pedagogos radicais (Gi- Para Freire (2004, p. 22), “[...] a reflexão crítica sobre a
roux). O mesmo autor afirma que essa temática não se prática se torna exigência da relação Teoria/Prática sem
tratava de uma abordagem recente, uma vez que Dewey, a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ati-
desde 1933, já estabelecera relação entre o ensino refle- vismo”. Isso significa que compreendemos a ação de re-
xivo e o reconhecimento do processo de conhecimento fletir sobre a prática como indissociável da teoria. Nessa
do professor. perspectiva, a diretora Ana Lucia revela, em seu relato,
Naquele mesmo momento, a pesquisadora brasileira a necessidade de articular teoria e prática por meio de
processos de reflexão e estudo em momentos individua-
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Selma Garrido Pimenta e outros autores (2002), preocu-


pados com a possibilidade de uma apropriação acrítica lizados e também coletivos em espaço de formação con-
do ensino como prática reflexiva, organizam um livro tinuada. Leiamos o que ela diz.
cujos textos indagavam sobre o tipo de reflexão que es- Desde minha primeira experiência na Educação Infan-
tava sendo feita pelos professores e se tal reflexão incor- til em 1990 até hoje, não consigo realizar meu trabalho
porava um processo de tomada de consciência a respeito sem buscar na teoria fonte para inspirar, compreender e
das implicações sociais, econômicas e políticas envolvi- avaliar a minha prática. Para mim, o saber da experiência
das no ato de ensinar. Além disso, também eram proble- construído na relação com uma teoria que a sustente é a
matizadas as condições objetivas de trabalho para que essência da minha identidade como alguém que é profis-
os professores das escolas brasileiras refletissem sobre sional. A constante inquietação perante os desafios que
sua prática. a prática impõe me conduziram à formação continuada

377
ao longo de toda a carreira, alternando períodos de au- conhecimento que está produzindo ao refletir – indivi-
to-gestão do conhecimento com outros frequentando dual e coletivamente – “na e sobre” a prática educativa.
cursos de pós-graduação. Recentemente, no mestrado, A coordenadora Angélica, em seu relato, evidenciou o
minha prática como gestora em uma escola de Educação processo de sistematização da prática reflexiva por meio
Infantil foi o foco de minha pesquisa. Estudar, refletir e de registros que passou a documentar com o grupo de
poder compartilhar minhas dificuldades e superações do educadoras de uma escola de Educação Infantil. Assim,
dia a dia do trabalho foi impactante e, com certeza, me ela escreve: Cheguei à EMEI (Escola Municipal de Edu
transformou. - cação Infantil) bem insegura devido à minha falta de
Ana Lúcia Borges, diretora de escola de Educação vivência nessa etapa de educação. Fui me aproximando
Infantil na Rede Municipal de São Bernardo do Cam- do grupo de professoras e comecei a investir em minha
po própria formação, participando de diversos cursos ofere-
cidos pela Diretoria Regional de Educação (DRE).
Observamos no relato da diretora que o que a impul- Em 2013 ingressei no Mestrado Profissional em Edu-
siona a refletir sobre a prática é a necessidade de com- cação na Universidade Nove de Julho. Fiz a pesquisa 4 na
preendê-la, ou seja, ela reflete sobre a prática para ava- própria EMEI onde era CP (Coordenadora Pedagógica),
liá-la, sendo a teoria a fonte inspiradora desse processo. portanto assumi o papel de pesquisadora concomitante-
Ao cabo de seu relato, a professora é contundente ao mente ao papel de coordenadora. No início isso foi bem
afirmar que os processos vivenciados por ela na constru- conflituoso para mim, mas com o avançar da pesquisa,
ção de uma práxis profissional a transformaram. cresci tanto em um aspecto como no outro. Na unida-
Essa percepção de transformação que ocorre com o de também os avanços foram muitos – o grupo docente
profissional que reflete “na e sobre” a prática também passou a documentar as práticas, e os registros foram
foi apresentada pelo coordenador pedagógico Moacir, sendo qualificados. Aprendemos juntas, num processo
enfatizando a pesquisa como capaz de gerar melhoria de ação-reflexão-ação constante. De lá para cá, não pa-
na qualidade do trabalho de quem a desenvolveu e para rei mais de estudar, de pesquisar e de aprender sobre o
a educação tanto no campo da práxis escolar quanto da trabalho de professores(as) na Educação Infantil. Angéli-
práxis acadêmico-científica. Como a diretora Ana Lucia, ca de Almeida Merli, coordenadora pedagógica na Rede
ele também ressalta a importância da formação, mos- Municipal de Ensino de São Paulo. O sentimento de inse-
trando o quão desafiador é distanciar-se da prática para gurança pela falta de experiência profissional em escola
estranhá-la, de modo que pudesse (re)descobri-la como de Educação Infantil foi um elemento mobilizador que
seu objeto de conhecimento. Assim, segundo ele, fez com que a coordenadora Angélica buscasse meios pe
Refletir sobre a própria prática a princípio parece não - los quais pudesse se aproximar das educadoras e cons-
ser tarefa das mais difíceis para um docente, seja ele de truir com elas o diálogo necessário para que o trabalho
qual etapa da educação for. Porém, à medida que os estu- pedagógico da escola acontecesse de modo a assegurar
dos de pós-graduação são iniciados, nos deparamos com a valorização profissional de to - das elas, impactando na
a dificuldade que é afastar-se do objeto de estudo, no qual aprendizagem e no desenvolvimento das crianças.
estamos implicados, para problematizá-lo e sistematizar Desse modo, o processo de estudo e de reflexão so-
em forma de conhecimento. Cursar o mestrado tendo bre a prática não se deu no âmbito exclusivamente in-
como objeto de estudo a minha própria prática foi uma dividual, mas também fora coletivo na medida em que
experiência muito enriquecedora para mim enquanto pes- o processo de ação-reflexão-ação, vivenciado por ela
quisador, pois me possibilitou ingressar de uma maneira com o grupo de professoras, permitiu sistematizar o co-
mais intensa no universo das pesquisas de pós-graduação, nhecimento construído por meio de registros que evi-
além de proporcionar aperfeiçoamento profissional, que é denciavam a qualificação das práticas tanto das docen-
de fundamental importância para a minha prática peda- tes quanto da coordenação pedagógica. Além disso, o
gógica cotidiana. Ao problematizar a minha própria prá- resultado conquistado foi ter percebido o seu processo
tica, olhando-a de fora, aliada à análise das práticas dos de crescimento profissional, pois teve a oportunidade
demais colegas que comigo atuavam na época do mes- de desenvolver-se como coordenadora pedagógica e
trado, não resta dúvidas de que todos saímos desta etapa pesquisadora. Conforme Sacristán (1995, p. 80) “[...] Os
como profissionais melhores, e quem ganha é a educação procedimentos de autoanálise, de observação crítica da
de uma maneira geral, pois o produto de todo o processo prática e a investigação na acção procuram favorecer
do mestrado é o profissional melhor. uma compreensão crítica da actividade docente, e não
Moacir Silva de Castro, professor da Rede de Ensino de Araçari- uma mera reprodução de esquemas preestabelecidos”.
Um dos caminhos para a não reprodução de esquemas
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

guama-SP, atuou como coordenador pedagógico até o início do ano


de 2017. preestabelecidos fica evidente, no relato da coordenado-
ra Angélica, ao se realizar o exercício da reflexão aliada
Tais análises remetem ao pensamento de Frei - re à prática de (auto)avaliação e à prática de registro. Essa
quando afirma que “[...] Ninguém lê ou estuda autenti- ideia também pode ser identificada no relato da profes-
camente se não assume, diante do texto ou do objeto sora Francisca.
da curiosidade, a forma crítica de ser ou estar sendo su- Em sua pesquisa, realizada no contexto de um curso
jeito da curiosidade, sujeito da leitura, sujeito do pro- de especialização, a professora investigou a sua prática a
cesso de conhecer em que se acha [...]” (FREIRE, 2009, p. partir do uso de jogos lúdicos e de representações tea-
31). A ideia fundamental, portanto, é que o profissional trais em atividades realizadas com as crianças. Para ela,
da educação se re - conheça autor/criador/inventor do A reflexão sobre a prática por meio da sistematização

378
da experiência nos permite refazer um percurso o qual de fantasiar e de interpretar o mundo. Nessa linha de ra-
podemos aprimorar ou repensar outras possibilidades ciocínio, a professora Sandra, que durante a sua pesquisa
dentro daquilo que foi realizado. Nesse sentido, a sis- esteve atuando como diretora de uma creche, afirma que
tematização incide sobre a ação, trazendo uma reflexão as educadoras ao serem instigadas, no espaço de forma-
que irá aprofundar a prática pedagógica. ção em serviço, a refletir, a (re)pensar as práticas cotidia-
O desafio de registrar sua prática passa também pelo nas, tornam-se pesquisadoras das crianças e da própria
desafio da autoavaliação, de reconhecer que aquela ação prática, conhecendo mais a si mesmas.
poderia ter sido realizada de forma mais integradora Nesse sentido, o que a inquietava era justamente o
dentre os participantes, por perceber que poderiam ter papel da formação tendo em vista a rotina e o planeja-
sido usados outros materiais, outros espaços, dentre ou- mento de educadoras com crianças de 0-3 anos. Escreve
tros. A posição que ocupamos quando desempenhamos ela: Durante o aprofundamento dos meus estudos sobre
esse papel é de suma importância, pois passamos a ocu- a Educação Infantil de 0 a 3 anos, a temática pesquisa-
par o papel de observador, o qual nos obriga a estarmos da foi sobre a rotina e planejamento na creche porque
atentos e presentes a cada acontecimento, a cada no- essa questão sempre me inquietou durante os anos que
vidade, a cada reação daqueles que estão participando atuei como gestora na creche. Nesse período me deparei
da nossa ação. Entretanto, é por meio da reflexão que com uma realidade na qual fica evidente que a formação
amadurecemos o nosso modo de agir profissionalmente continuada em horário de serviço deve permitir estudos
e a experiência desses momentos irá formar um imenso e trocas de experiências entre os professores e gestão.
fio que irá nos conduzir para nossa formação ao longo da Trata-se de um exercício difícil, pois esses momentos de
vida. Francisca Maria Santos, professora na Rede Munici- reflexão mostram a necessidade de repensar novas prá-
pal de Ensino de São Paulo. ticas, tanto para o professor que ali atua, como para o
Ao que parece, pelo conjunto dos depoimentos ex- gestor que proporciona e planeja esses espaços de for-
postos até aqui, o fio condutor articulado à formação mação. Existe a necessidade constante do diálogo entre
ao longo da vida do(a) educador(a) é a curiosidade que a Equipe Gestora, bem como com o grupo, problemati-
move, inquieta e impulsiona tanto educadores quan- zando o cotidiano, possibilitando o compartilhamento e
to educandos para (re)descobrirem a cultura produzida ampliação dos conhecimentos.
historicamente pela humanidade ao longo das gerações. Nesse movimento todos os envolvidos tornam-se
Para Freire (2004, p. 84), “[...] se há uma prática exemplar pesquisadores das crianças e da sua própria prática e,
como negação da experiência formadora é a que dificulta consequentemente, acabam por aprender mais sobre si
ou inibe a curiosidade do educando e, em consequência, mesmas. Sandra Aparecida do Prado Pereira, professo-
a do educador”. Inibir (ou não) a curiosidade de educa- ra da Rede Municipal de Ensino de Santo André. O de-
dores e educandos é uma questão problematizada pela poimento da professora Sandra reitera o que os demais
professora Valquiria. Para ela, o ato de refletir e analisar a educadores, de certo modo, sinalizam como descober-
própria prática permitiu melhor compreender conceitos ta do processo de refletir “na e sobre” a prática: novos
como o brincar e o cuidar na escola da infância. aprendizados e conhecimentos que são construídos não
Nas suas palavras, percebo que a preocupação dos somente a respeito de “por que”, “o que” e “como” de-
docentes está no planejamento e que, no momento em senvolvem o trabalho pedagógico, mas também da cons-
que as crianças estão brincando, nós nos preocupamos ciência que vão adquirindo da sua constituição como ser
em controlar as suas ações para evitar acidentes. Para humano. Isso significa que refletir “na e sobre” a prática
brincar COM as crianças, foi necessário resgatar a criança contribui para que a educação, no contexto escolar, cum-
brincante que habita meu ser. Foi necessária uma com- pra com o seu papel de formar para a humanização de
preensão para além da organização dos materiais e dos todos aqueles e aquelas que compõem esse espaço.
espaços. Sem dúvida, planejar a ação educativa é impor- Para isso é preciso inquietar-se indagando a si mes-
tante, mas a minha presença como ser brincante é funda- mo e as pessoas ao seu redor para juntos enfrentarem os
mental no processo de aprendizagem das crianças. Elas desafios da realidade que os cerca. Indagar-se e indagar
são capazes de transformar a mão vazia em uma bandeja foi o que fez a professora Carolina em sua pesquisa a res-
repleta de guloseimas e me oferecer. São esses os mo- peito de concepções e práticas de alfabetização na Edu-
mentos em que a minha criança interna vem à tona para cação Infantil. As suas inquietações surgiram quando ela
saborear as guloseimas elaboradas no mundo imaginá- ocupava um cargo cuja função era coordenar um setor
rio. No ato de brincar, as crianças percebem nitidamente de escolas de Educação Infantil de uma rede de ensino
ser possível construir a relação horizontal entre educa- pública da região metropolitana de São Paulo. Sobre isso,
dores e educandos. A reflexão e análise sobre a minha ela diz: O que observei foi que o debate sobre alfabeti-
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prática possibilitou-me perceber que o cuidado com as zar/letrar ou não na Educação Infantil se dava em todos
crianças pequenas não é sinônimo de restrição da liber- os níveis, pois mesmo neste grupo que fazia a gestão da
dade delas. rede pública de en - sino evitavam-se as polêmicas que
Valquiria Regina Fagundes, professora da Rede Mu- permeiam esse tema: É necessário investir em práticas
nicipal de Ensino de São Paulo. A professora Valquiria de alfabetização e letramento com as crianças pequenas?
mostra que os(as) educadores(as) da escola da infância Como? A partir de que idade? Que práticas são essas?
são eticamente responsáveis por criarem situações pro- A escolarização é inevitável ao se trabalhar a leitura e a
motoras de aprendizagem nas quais as crianças possam escrita? É possível tratar da alfabetização de forma lúdi-
manifestar os seus gostos estéticos, as suas curiosidades, ca? As crianças que participam de práticas de leitura e
as suas linguagens, os seus sentimentos, os seus modos escrita vão deixar de brincar ou brincar menos? Devido

379
a essas preocupações, a discussão é evitada, deixando o Rede Municipal de Ensino de Santo André. A roda de
professor “a deriva” e aumentando as desigualdades so - conversa, inspirada no círculo de cultura de Paulo Freire,
ciais ao não proporcionar experiências de leitura e escrita foi proposta pela diretora Ana Luzia para permitir a co-
importantes para essa faixa etária, por meio de políticas municação horizontalizada entre diretora/pesquisadora
públicas definidas e discutidas com os professores e ges- e demais profissionais que atuavam na unidade escolar.
tores da rede. A preocupação e angústia constante que Para a professora Emillyn, a comunicação entre as pro-
os professores mostraram durante a pesquisa em relação fissionais da creche instigou-as a refletir sobre as poten-
a se deveriam ou não trabalhar com a alfabetização/le- cialidades da creche na educação de crianças pequenas.
tramento nas turmas de Educação Infantil demonstram Para ela, a experiência de realizar sua pesquisa sobre a
a falta de for - mação e de investimento nesta questão. prática a fez (re)conhecer o diálogo entre teoria e prática.
Carolina Mariane Miguel, professora na Rede Muni- Disse ela: A experiência de desenvolver a minha pesquisa
cipal de Ensino de Santo André. A professora, como os na rede pública municipal teve relevância e significado,
demais, reitera a importância da formação dos profes- pois pude contribuir com a reflexão da minha prática e
sores para a atuação na Educação Infantil e acrescenta das demais professoras envolvidas. Acredito que a pes-
a necessidade de investimentos nessa área em nível de quisa é realmente este diálogo constante entre teoria e
política pública educacional, uma vez que a formação – prática, e colaborar com a qualidade da Educação Infantil
inicial e a continuada – se articula de forma intrínseca ao nas ações do dia a dia da escola me faz sentir e caminhar
trabalho dos profissionais da educação. A nosso ver, o de acordo com meu propósito; principalmente se tratan-
aspecto da política pública para a formação de professo- do da educação de crianças de 0 a 3 anos atendidas nas
res, destacado pela professora Carolina, é de suma rele- creches das quais muitas vezes são desacreditadas em
vância para a construção de uma escola pública compro- suas competências.
metida politicamente com a valorização dos profissionais Emillyn Rosa, professora na Rede Municipal de Ensino
da educação e com a melhoria da qualidade ética e social de Santo André. Como afirma Paulo Freire (2004, p. 29):
da educação. “[...] Pesquiso porque busco, porque indaguei, porque
Essas conquistas somente são materializadas no âm- indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatan-
bito institucional - por meio de instrumentos legais, pro- do, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso
gramas e projetos - se houver a participação de todos para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou
aqueles e aquelas que integram o âmbito organizacio- anunciar a novidade”.
nal, ou seja, a escola. Para isso, é preciso exercer o “[...] As educadoras e o educador que aqui prestaram suas
direito à participação por parte de quem esteja direta- declarações de processos vividos, por meio do ato de re-
mente ou indiretamente ligado ao que fazer educativo” fletir “na e sobre a prática”, sistematizando-o em trabalho
(FREIRE, 2007, p. 67). Foi com esse entendimento que a de pesquisa, revelam suas inquietações e anunciam suas
professora Ana Luzia se sentiu desafiada a realizar uma descobertas, as quais foram sendo analisadas ao longo
investigação-ação para melhor compreender a partici- do texto. Sintetizo-as para que não se perca de vista que
pação no Projeto Político-Pedagógico de membros da os caminhos são possíveis, sendo necessário munir-se de
equipe gestora, dos professores e demais funcionários compromisso ético-político com relação à educação das
que integravam o corpo de profissionais da creche. Isso crianças pequenas e com a própria atividade profissio-
aconteceu quando realizou sua pesquisa atuando como nal, diante das adversidades enfrentadas cotidianamente
diretora de uma creche em uma rede municipal da região nas escolas da infância. No coletivo são encontrados os
metropolitana de São Paulo. espaços para o diálogo, os quais não deixam de ser per-
Ela mesma explica que foi a realidade vivenciada na meados por disputas de poder e embates de ideias, bem
creche que a motivou a encontrar possíveis res - postas como de silêncios que também indicam um determinado
para essa questão. Deparei-me com uma realidade que posicionamento.
mos - trava uma equipe fragmentada na qual poucos Refletir a prática é problematizar o cotidiano escolar
compreendiam e se envolviam com o projeto político- porque este pode ser mudado, transformado como cada
-pedagógico da escola. Foram muitas as indagações que um de nós também o pode ser. Refletir “na e sobre” a
me levaram a pesquisar, estudar, refletir e buscar alter- prática é resistir contra a invisibilidade das crianças, dos
nativas. O fato é que havia necessidade de envolvimento familiares e dos funcionários de apoio da escola; é indig-
e participação, especialmente pelos segmentos da equi- nar-se e indagar diante da falta de condições de trabalho
pe da limpeza, funcionários da cozinha, secretaria e até que dificulta a criação de condições mais adequadas para
mesmo os auxiliares de sala. a aprendizagem e desenvolvimento das crianças; é lu-
Assim, a pesquisa do mestrado veio para levantar tar por investimentos em políticas públicas educacionais
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dados sobre como os funcionários percebiam em suas que garantam e assegurem o direito de a criança peque-
ações cotidianas a sua participação e seu protagonismo na ser cuidada e educada e o direito de os educadores
no processo de elaboração e andamento do PPP. Por serem valorizados profissionalmente.
meio de rodas de conversa, iniciamos um processo de Por fim, no processo de reflexão, esses educadores
formação continuada com todos os segmentos e co- descobrem-se, nos termos de Giroux (1997), profissionais
lhemos resultados surpreendentes no que se refere ao intelectuais transformadores, uma vez que se reconhe-
engajamento da equipe com o PPP da creche, apropria- cem como sujeitos históricos, com trajetórias individuais
ção dos saberes que envolviam as diferentes funções, e coletivas, sendo corresponsáveis das / pelas / para mu-
protagonismo dos funcionários e o compromisso com danças nas práticas educacionais.
a participação. Ana Luzia da Silva Vieira, professora na

380
O coordenador Pedagógico com o levantamento de questões que fazem parte do
E os instrumentos de trabalho na formação dos seu contexto de trabalho na identificação das necessida-
professores des do seu grupo de professoras e professores.
Dessa forma, torna-se indispensável o exercício ár-
Considerações iniciais duo e fundamental de pesquisar sua prática, observar
contextos, analisar ações e decisões tomadas, registrar
Inúmeros são os desafios cotidianos que o coordena- caminhos, avaliar processos, encaminhar questões, de
dor pedagógico enfrenta no contexto escolar. Sua fun- preferência acompanhados (pelos pares professores/di-
ção mediadora (nas interfaces professor/aluno, direção/ retores, pelos autores e textos de referência). As ações
professor, currículo/escolhas metodológicas, dentre ou- mencionadas são muito amplas, portanto, necessitam de
tras) exige cuidados permanentes com a escuta sensível, olhar atento e levantamento de focos de investimento
com a manutenção de um olhar para o todo e para as para que não se percam e se tornem inalcançáveis. Da
partes, com a busca de coerência entre o que se diz e o investigação das questões que necessitam ser potencia-
que se faz, ou entre o que se diz e o que se pensa que faz, lizadas ou enfraquecidas, nasce a constatação do que
com a organização e o planejamento do trabalho peda- requer atenção e tratamento planejado. Diante desse
gógico, com a tomada de decisões e tantas outras ações primeiro levantamento, parte-se para a eleição de metas,
que articulam e empreendem o trabalho na/da escola. mapeamento de possibilidades (para o alcance das me-
A complexidade do contexto em que se inscreve tas) e projeção de ações no contexto da formação (con-
sua atuação, o convoca muitas vezes a agir na urgência, versão das intenções em um plano de ação).
atender emergências, atuar sob a lacuna ou a pressão Como transformar intenções em ações? Os instru-
das faltas – o que, muitas vezes, o situa em uma posição mentos metodológicos na atuação do coordenador pe-
de “bombeiro”, “tarefeiro”, “burocrata”, “equilibrador de dagógico “Meu tempo com o outro é regido por combi-
pratos”... Imagens caricaturescas abrigadas no terreno nados, compromissos que constituem nossa disciplina de
das representações, que revelam o lugar que o coorde- trabalho, nossa sistematização: nossa rotina.” (Madalena
nador ocupa na lida das atribuições diárias, diante das Freire, 2008, p. 117) A rotina do coordenador pedagógico
demandas que emergem da multifacetada dinâmica do se constitui em torno das demandas que envolvem sua
contexto de trabalho na escola e as complexas relações atuação, aliadas à leitura do grupo e ao seu contexto de
daí advindas. Como romper com uma rotina que pode trabalho. Os instrumentos metodológicos são recursos
lhes condicionar a meros tarefeiros das demandas emer- que contribuem para que se possa colocar em prática
genciais e cotidianas? Que dimensões constituem o tra- o que está no plano das intenções, auxiliando no ma-
balho do coordenador pedagógico? Quais instrumentos peamento das relevâncias, no encaminhamento de pro-
podem contribuir para uma atuação menos tarefeira e cessos, na avaliação de resultados, na projeção de ações,
emergencial e mais planejada e intencional? O propósi- no estudo do grupo etc. Pensando especificamente na
to deste texto é o de compartilhar alguns instrumentos formação dos professores, como fazer uso sistemático
que auxiliem o coordenador pedagógico na organização desses instrumentos? Qual o sentido formativo de cada
e planejamento do trabalho, especialmente no acompa- um? Como organizar a rotina de trabalho e as ações for-
nhamento que faz junto ao seu grupo de professoras e madoras?
de professores. Identificar necessidades, mapear possibi- De onde nascem os conteúdos do planejamento do
lidades, projetar ações no contexto da formação Muitas coordenador? Como se dá o caminho das pautas de
são as dimensões do trabalho do coordenador pedagó- trabalho? E o registro das hipóteses e do percurso de
gico na gestão escolar. atuação conjunta? Com essas questões em vista, abor-
Acreditamos que todas elas devam convergir para daremos alguns dos instrumentos que contribuem para
favorecer processos de ensino/aprendizagem na for- mapear possibilidades de atuação a partir das necessi-
mação continuada dos professores e para a articulação dades identificadas no grupo de professores e projetar
do trabalho e do Projeto Político-Pedagógico da escola. ações para o alcance dos objetivos estabelecidos. São
Para manter a formação dos professores como instância eles: plano de ação, mapas de formação e pautas de re-
prioritária em seu campo de atuação, é preciso garantir e uniões.
preservar tempo para estar junto do grupo de professo-
Plano de ação
res: acompanhar o trabalho, colocar-se como parceiro na
reflexão sobre os desafios que a tarefa docente impõe,
A observação do grupo de trabalho do coordenador
mapear necessidades, estudar, pesquisar os fenômenos
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resulta na percepção de potências e fragilidades que fa-


pedagógicos, contextuais e educacionais, gerar desloca-
zem parte desse coletivo, com destaque para aspectos
mentos fazendo avançar o processo de crescimento pro-
que necessitam de investimentos para manter, consoli-
fissional dos professores, para que juntos atribuam senti-
dar ou modificar situações no contexto escolar. O Plano
dos ao seu trabalho. E, com isso, organizar seus focos por
de ação é um recurso que nos ajuda a localizar as gran-
ordem de importância, levando em conta os princípios
des questões do grupo ou de cada professor, levantar
norteadores presentes no Projeto da escola. metas e hipóteses de atuação, planejar ações e avaliar re-
Considerando o desafio do coordenador de mediar sultados. Ele começa com um diagnóstico (quadro situa-
a formação de professores e de fortalecer- -se em seu cional), que tem o propósito de identificar qual a situação
papel formador e aprendiz, acreditamos que o passo ini- do grupo: características, dificuldades, potencialidades,
cial se dá com a análise reflexiva de sua prática cotidiana, aspectos que precisam de investimento etc. Exemplo:

381
O quadro situacional contribui para identificar as questões prementes e, a partir disso, estabelecer metas para o traba-
lho tanto no campo da formação dos professores como nos demais que compõem o território de atuação do coordenador,
e as demandas operacionais que daí advêm: cronograma de trabalho, organização pessoal, comunicação com as famílias,
observação dos alunos, formação dos professores etc. Dessa forma, o Plano de Ação é um instrumento que contribui para
mapear o contexto de trabalho e planejar de forma antecipada a atuação do coordenador, considerando as metas e ações
nas diferentes dimensões que envolvem sua ação, oportunizando avaliar o alcance das metas. Abaixo, parte de um plano
de ação elaborado por uma coordenadora da Educação Infantil. Do Plano de Ação, como instrumento que possibilita um
olhar ampliado para os objetivos de trabalho, nascem os caminhos para a elaboração do Mapa de formação.

Mapa de Formação

O acervo que o coordenador constitui a partir da leitura das necessidades do grupo e dessa leitura em diálogo com
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o Projeto da instituição permite que faça um mapeamento do status inicial e também das mudanças que pretende
instaurar, levando em consideração as condições e características do território de atuação – com seus limites e frontei-
ras, bem como os relevos organizacionais em que as ações se efetivarão. E, como nos sugere Christov e Bruno (2013,
p. 88-89), O coordenador pesquisador é um fazedor de mapas, um autor de sinalizações. Fazedor de mapas sobre as
representações e concepções dos professores, sobre as necessidades de formação desses professores e sobre as pró-
prias, sobre o caminho percorrido pelos diferentes integrantes no interior da experiência curricular. E um mapa permite
visualizações: das fronteiras, das distâncias, dos altos e baixos, das direções possíveis, dos obstáculos, dos caminhos.
O Mapa de formação contribui para a visualização dos campos de atuação no território que se coloca em destaque,
com um percurso organizado em uma hierarquia de ações, explicitando a ordem e os caminhos a serem seguidos no enca-
minhamento do trabalho. Esse mapeamento também contribui para a partilha com os pares envolvidos, favorecendo a aná-
lise conjunta das escolhas, das hipóteses de atuação e dos percursos planejados para o alcance dos propósitos formativos.

382
Da explicitação e representação mais geral do mapa de formação, derivada do Plano de ação da coordenação, é
possível projetar as pautas das reuniões de formação.

Pautas das reuniões de formação

Ao estruturarmos uma Pauta de reunião, devemos levar em consideração os objetivos de aprendizagem propostos
para o grupo, os conteúdos que serão desenvolvidos naquele encontro (e como estão encadeados com propostas
anteriores e seguintes), a dinâmica planejada para propor questões e como daremos tratamento aos aspectos que
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necessitam de devolutiva.
Além disso, é importante concluir a pauta/reunião com a avaliação como momento de partilha e escuta do grupo
sobre quais foram as aprendizagens desenvolvidas na reunião e quais as tarefas que levamos para desempenhar no
intervalo entre um encontro e outro. Como sugestão de estrutura, as pautas podem, além de trazer um cabeçalho
composto pelo nome da instituição, apresentar elementos localizadores do trabalho como o nome/tema do encontro/
grupo a que se destina e a data.
Também cabem nesse instrumento imagens e citações que não apenas dialoguem com o tema previsto para a
discussão, contribuindo para a ampliação do repertório do grupo, além de proporcionar o encontro com outras lin-
guagens que possibilitem alargamentos e aprofundamentos para novos olhares e percepções. A análise das pautas
de reuniões permite identificar não só os conteúdos trabalhados (advindos da análise das necessidades do grupo) e

383
o tratamento dado a eles, como também pode expres- coordenador). Assim, valorizamos o estudo conjunto do
sar as referências teóricas consideradas no planejamento planejamento, a troca sobre as intenções do professor
das reuniões. Revela, ainda, o cuidado no preparo dos em relação às propostas, à observação e discussão de
materiais oferecidos aos professores, além da organiza- práticas, à discussão sobre os materiais produzidos, ao
ção e sistematização do trabalho na gestão da formação. registro reflexivo das conversas, à análise das atividades
Reflexões finais... previstas, à avaliação contínua do trabalho realizado.
O intuito deste artigo foi o de apresentar propostas E nossas mais caras apostas para romper com os es-
de organização do trabalho dos coordenadores, sugerin- tereótipos que acompanham a imagem do coordenador
do alguns instrumentos que auxiliem no mapeamento pedagógico (bombeiro, tarefeiro, equilibrista de pratos,
e localização das importâncias que, por estarem regis- burocrata...), fortalecer sua identidade formadora, e que
tradas, nos possibilitam levantar hipóteses de atuação ELE possa lançar mão de instrumentos metodológicos
e caminhos para a investigação e alcance de resultados. que o auxiliem na organização do seu trabalho (preven-
Instrumentos que marcam a experiência formadora e do- tivo e projetivo), na estruturação de sua rotina (elegendo
cente, o modo de ser e estar na profissão. Recursos que focos e regularidades de ações nos diferentes campos
podem ser compartilhados como modos de organizar o de atuação), na documentação do trabalho (planejado e
trabalho do educador/da educadora e, dessa Papel da vivido), partilhando experiências e aprendendo com seus
coordenação – Mapas de formação Mapa 1 Olhar para o pares profissionais.
PPP Olhar para o registro e documentação Discutir sobre
a relação entre as reuniões e a sua prática Ler e discutir Assistente de direção de escola
textos Discussão sobre os porquês das ações Selecionar
recortes do trabalho / registro Análise dos planejamen- A mitologia ainda hoje nos fascina, sobre - tudo por
tos Localizar onde estão as marcas do grupo e do traba- constituir arquétipos que nos ajudam a refletir acerca das
lho Registros reflexivos Fazer mapas Reuniões em grupo temáticas universais, das quais a humanidade continua
Discutir os princípios do projeto Ações conjuntas no co- se detendo como: o amor, a paixão, o medo, a angústia,
tidiano Parcerias Ampliação do olhar para as interven- o poder, o orgulho, a injustiça, entre outros sentimentos
ções forma, oportunizar o reconhecimento da autoria e o que afetam inúmeras dimensões de nossa existência e, as
compromisso com a sua escrita e socializá-la com outras - sim, nos auxiliam na tentativa de compreender os labi-
pessoas em outros lugares e tempos. rintos nos quais se instauram as relações humanas. Nesta
Lembramos ainda que, pela natureza dinâmica de perspectiva, faremos uso de dois personagens mitológi-
nosso contexto de atuação, é necessário reservar tempo cos para contribuir com a análise do papel do assistente
e espaço para considerar o imponderável, para acolher de diretor de escola, com a intencionalidade de discutir a
novas possibilidades e reinventar caminhos de acordo complexidade que envolve esta atividade no interior das
com as situações que se revelam no processo. Esses es- unidades escolares.
paços de reinvenção aproximam-nos da reflexão sobre a Os personagens mitológicos serão: Hermes, deus
identidade e autoria dos professores em relação ao seu da linguagem, das estradas e caminhos, o marcador de
ensinar e ao modo como se colocam diante das aprendi- fronteiras e mensageiro; Sísifo, considerado o mais astu-
zagens pessoais e também das dos alunos. A reinvenção to dos mortais, que acabou se tornando um dos maiores
e as mudanças de rota que acolhem o imponderável pre- ofensores dos deuses e que, por isso, foi condenado a
cisam estar circunscritas no terreno da investigação, para um trabalho interminável e inútil. O assistente de direção
mantermos garantidas a reflexão, bem como a presença é a figura mais próxima do diretor(a) de escola, sobretu-
de outros e novos olhares para os acontecimentos em do no tocante às suas atribuições, quais sejam: substituir
nosso contexto de trabalho. o diretor, em seus impedimentos legais; responder pela
Como articuladora/articulador e responsável pela for- gestão da escola, nas ausências do diretor de escola e
mação de professores, a coordenação pedagógica deve atuar conjuntamente com o diretor no desempenho de
apresentar referências que subsidiem e ofereçam parâ- suas atribuições específicas. Historicamente, no cotidiano
metros para orientar suas ações. E isso não se refere ape- escolar, estes profissionais já foram submetidos a várias
nas a indicações bibliográficas para estudo, mas também denominações: fiel escudeiro, braço direito, submisso,
à reflexão cotidiana e fundamentada e à socialização sombra, parceiro, puxa-saco, mensageiro, mordomo, etc.
de experiências bem-sucedidas no campo da educação Essas entre outras nomenclaturas - que são expres-
(modelos, exemplos, reflexões, discussão de práticas). sas, muitas vezes de forma velada, e que geralmente
Fundamental para isso é levar em conta as experiências denotam o tipo de vínculo estabelecido entre direção e
dos professores, seus anseios, necessidades, expectati- assistente de direção, que é percebido pela equipe do-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

vas. Outro aspecto importante é nos afastarmos da ideia cente e demais funcionários da escola -, podem nos dizer
de formação como espaço de informação, como terreno muito sobre a complexidade que envolve esta ativida-
de fragmentação do saber ou da separação entre teoria de. A relação de trabalho estabelecida entre esses dois
e prática. profissionais precisa ser clara, assim como os limites e as
Ao pensarmos a experiência formadora como lugar possibilidades de atuação de cada um. Qualquer excesso
de reflexão e problematização da prática, consideramos pode corroer as relações estabelecidas no interior da es-
o fazer do professor como campo de estudo e investiga- cola e mesmo as relações com a comunidade escolar. Se
ção acerca de seu ensinar. Acreditamos que a formação o assistente assume o papel de diretor, devido à atuação
é necessariamente construída em parceria, em diálogo de um diretor que não está tão envolvido com sua ativi-
reflexivo entre os envolvidos (no caso, professores e dade, o que pode ocorrer é uma inversão de papéis, que

384
além de tirar a legitimidade do diretor, poderá gerar no Assim se tomarmos a multidimensionalidade da ges-
seu assistente a ideia de poder, por se considerar aquele tão escolar, que deve se ocupar da aprendizagem dos
que pode decidir tudo, haja vista que passa a ocupar um estudantes, do desenvolvimento profissional dos profes-
“espaço vazio” deixado pelo diretor, passando a conside- sores, do coordenador pedagógico e de toda a equipe
rar que não precisa do aval de mais ninguém para tomar de apoio, do clima e da cultura escolar, das relações, da
decisões. infraestrutura, das finanças bem como das emergências
Outra perspectiva, igualmente perigosa, é a de um do cotidiano da escola e de suas relações com o território
assistente sem nenhuma autonomia, sem nenhum poder e com a comunidade, a existência de um ou mais assis-
de ação. Neste caso, a ausência do poder de agir acaba tentes de direção em uma unidade escolar é mais do que
por anulá-lo como profissional. Sendo assim, é como se justificável, ou seja, é essencial para proposição de uma
o sujeito agis - se sem se sentir ativo no processo de tra- escola que vise à emancipação. Nesta perceptiva, o di-
balho, o que fará com que sua atividade perca o sentido. retor de escola deve perceber que existe uma dimensão
Como afirma Clot: Viver no trabalho é, portanto, poder aí formativa inserida em sua relação com o assistente de
desenvolver sua atividade, seus objetivos, instrumentos direção, portanto este é mais um motivo para que este-
e destinatários, afetando a organização do trabalho por ja sempre atento às interações que estabelece com eles,
sua iniciativa. A atividade dos sujeitos se en - contra, pelo com o intuito de não reproduzir relações hierarquizadas
contrário, não afetada quando as coisas, na esfera profis- que, em diferentes extremos, corroboram os arquétipos
sional começam a estabelecer entre si relações que ocor- mencionados ao longo do presente texto.
rem independentemente dessa iniciativa possível. Para- Neste caso, é muito importante que o diretor zele
doxalmente, a pessoa age, então, sem sentir que age. pela formação do assistente de direção, que, muitas ve-
(2010, p.8). Desta forma, segundo o autor, se o poder de zes, “dorme professor e acorda vice-diretor”. É preciso,
agir do assistente de direção lhe é negado, é como se portanto, que o diretor tenha atenção para os desafios
toda energia deste profissional fosse esteriliza - da. enfrentados pelos assistentes iniciantes, facilitando seu
Dessa forma, “o desenvolvimento abortado da ativi- trabalho e colocando em prática estratégias que mini-
dade se perde em emoções que se degeneram em pai- mizem o “choque de realidade” (HUBERMAN, 2013) que
xões tristes” (CLOT, 2010, p.9) que podem assim desen- o início de uma nova atividade pode trazer. Além disso,
cadear a falta de motivação, de compromisso, gerando cabe ressaltar que assumir a atividade de assistente de
uma espécie de desencanto com sua atividade e, por direção não deve servir como “fuga da sala de aula”, nem
conseguinte, um mal-estar constante. perceberemos que tampouco como estratégia de esquiva dos problemas e
um verdadeiro labirinto acabará se instituindo nas rela- dificuldades encontrados no exercício do magistério. A
ções de trabalho no interior da escola. Para Luck (2013, função do assistente de direção é uma atividade essen-
2010, 2009, 2005), muitas vezes, as relações entre diretor cialmente relevante para a constituição de instituições
e assistente de direção extrapolam o âmbito profissional, escolares em sintonia com ações democráticas. Desta
ocorrendo de maneira improvisada e, nesta perspectiva, forma, precisamos estar atentos para o processo de pro-
as redes de ensino erram ao se omitir e não auxiliar na fissionalização destes, embora seja esse um tema silen-
proposição de ações que contribuam positivamente nas ciado nas pesquisas em Educação. Se nos ativermos à eti-
inter-relações de ambos com sua equipe, famílias, alunos mologia da palavra assistente, veremos que ela se origina
e comunidade escolar. Isso significa que não podemos do latim assistens que significa: estar ou conservar-se de
perder de vista as razões que justificam a existência des- pé junto a; estar presente; comparecer, e nenhum destes
te posto de trabalho: apoiar a complexa tarefa de dirigir movimentos são fáceis. Por isso, faz-se necessária a ins-
uma unidade escolar e assegurar que ela cumpra seu pa- tauração do compartilhamento de responsabilidades, a
pel social, em torno do qual giram todas as dimensões da favor do trabalho verdadeiramente coletivo no interior
gestão escolar, que é compartilhar com todas as cidadãs das unidades.
e cidadãos o conhecimento historicamente acumulado Para tanto, aspectos fundamentais precisam ser con-
pela humanidade ao longo dos tempos. siderados, como: a confiança, o reconhecimento, a con-
Embora uma boa convivência entre o diretor e o as- vergência de concepções acerca da função social da
sistente de direção seja importante para o andamento escola pública, das concepções de ensino, de aprendi-
do trabalho, é a divisão do trabalho, seu planejamento zagem, de avaliação. A relação dialógica em torno das
e desenvolvimento em colaboração que podem fomen- concepções estruturantes do trabalho educacional entre
tar ou não um processo de gestão democrática na esco- os componentes da equipe gestora é, portanto, essencial
la. Neste sentido, faz-se necessário que seja garantido para que o trabalho do assistente de direção se viabilize.
ao assistente ser um interlocutor crítico, que fortaleça Além disso, retomamos a importância de um exercí-
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

o trabalho coletivo no interior da escola, que contribua cio profissional na esfera escolar que se esquive da ló-
positivamente para os processos de interação entre a gica burocrática, que costuma separar: [...] aqueles que
escola e a comunidade e que potencialize os processos decidem e os executores; modos de comunicação for-
de formação continuada, entre outras ações. Enfim, que malizados da cúpula para a base; uma especialização
possa, assim como Hermes, forjar caminhos novos, re- associada a funções, direitos e obrigações formalizados
jeitando restringir-se ao papel de um mero mensageiro por regulamentos; um sistema de regulações e procedi-
ou porta-voz da direção, que sem perceber se perde no mentos instaurados de maneira a garantir a igualdade do
labirinto de um sem-número de demandas complexas de tratamento, dando prioridade a critérios de objetivação
toda instituição escolar, assim como Hermes que realiza- mensuráveis e quantificáveis; a separação entre função
va inúmeras tarefas. e pessoa, partindo da ideia de que a divisão do trabalho

385
deve permanecer fixa e qualquer pessoa é substituível
[..]. (THURLER, 2012, p. 239). As proposições de Thurler
(2012) são relevantes para que reflitamos sobre a divi- EXERCÍCIO COMENTADO
são do trabalho entre a direção e o assistente de dire-
ção, pois, costumeiramente, são relegadas ao assistente 1. (Pref. Ribeirão Preto/SP - Coordenador Pedagógico
tarefas consideradas de “menor importância”, tais como: - Superior - VUNESP/2016) A formação profissional ini-
controlar o estoque de merenda, atender aos pais, con- cial e continuada dos professores, tal como estabelecida
trolar a frequência dos professores e dos trabalhadores no Parecer CNE/CEB no 07/2010 e nas Diretrizes Curricu-
do apoio escolar, mediar os conflitos entre os estudantes lares Nacionais Gerais para a Educação Básica, Resolução
e as queixas de indisciplina. CNE/CEB no 04/2010, articula-se com diversas atribui-
Pensar em outras formas de dividir o trabalho no ções do cargo de coordenador pedagógico. Levando-
âmbito da gestão escolar, abandonando lógicas buro- -se em consideração essa articulação, cabe reportar-se
cráticas e hierarquizadas, que são o caminho conhecido à obra de Francisco Imbernón (2002), que apresenta um
quando pensamos na divisão do trabalho em unidades modelo de formação docente a partir da escola e estru-
escolares, implica pensar em novas formas de conceber turado com base no paradigma:
as ações coletivas em um lócus de trabalho como a es-
cola (CROZIER, 1995). Isso requer considerar que no mo- a) dialogal.
mento em que a equipe gestora concebe a divisão de b) investigativo.
seu trabalho, cada componente precisa ter conhecimen- c) tecnológico.
tos básicos de todas as etapas do processo de gestão da d) colaborativo.
escola e responsabilizar-se por algumas delas. Assim, as e) burocrático.
atividades individuais serão fortalecidas pela reflexão e
análise conjunta daquilo que cada componente realiza. Resposta: Letra D. Em “d”: Certo – A afirmativa está
Da mesma forma, ao compartilhar o que cada um faz correta de acordo com a obra do autor:
e como faz, o diretor e o assistente de diretor fortalece- Levantar propostas para melhorar os programas
rão seu modelo de ação e seus saberes, certamente di- voltados à formação continuada de professores é o
ferentes, mas que poderão se complementar (THURLER, principal foco das pesquisas de Francisco Imbernón,
2012). Com base nas reflexões aqui desenvolvidas, reite- doutor e mestre em Filosofia e Ciências da Educação e
ramos a importância de que, juntas, as equipes gestoras catedrático de Didática e Organização Educacional da
repensem a organização do seu trabalho, para que não Universidade de Barcelona, na Espanha. Em entrevista
se percam no labirinto de complexidade que permeia a concedida por e-mail a GESTÃO ESCOLAR, ele defende
esfera escolar. É necessário não perder o fio de Ariadne, que o salto de qualidade depende necessariamente de
não esquecer que a escola, com todas as suas contradi- o trabalho em equipe se tornar de fato colaborativo.
ções, é ainda o espaço social por onde todos passam. Cabe às administrações públicas - no caso do Brasil,
A escola resguarda, dessa forma, um potencial transfor- as secretarias estaduais e municipais de Educação -
mador. Isto posto, não há outra saída, senão estarmos oferecer apoio concreto às unidades escolares para
atentos e fortes para auscultar as necessidades forma- que uma verdadeira revolução ocorra na atuação dos
tivas dos assistentes de direção. Além disso, precisamos professores. (Disponível em: http://www.observatorio-
refletir sobre os efeitos negativos e contraproducentes dopne.org.br/metas-pne/15-formacao-
das formas conservadoras que movimentaram nossas
formas de dividirmos o trabalho, no âmbito da gestão
escolar. Ainda que mudar nos traga dúvidas e hesitações,
é nosso papel como educadores zelar pela evolução das
nossas formas de pensar, de agir, de produzir culturas e
de mediar as condições materiais e imateriais que inci-
dem sobre os movimentos identitários das trabalhadoras
e trabalhadores da educação. Sair dos nossos lugares co-
muns e de conforto não é tarefa fácil. Mas, como senten-
ciou José Saramago, para ver a ilha é preciso sair dela.
Não nos vemos se não saímos de nós.

Fonte
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

MAGISTÉRIO: Gestão: articulando esforços para uma


educação de qualidade. São Paulo: SME/COPED, n. 5,
2018. Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.
br/Portals/1/Files/50611.pdf.

386
4. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
Médio – FGV/2016) Patrícia, professora de Matemática
HORA DE PRATICAR! do 9º ano, informou à Coordenadora Pedagógica que,
para a avaliação da aprendizagem dos seus alunos nes-
1. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e se bimestre, aplicaria apenas um teste ao final da etapa
Médio – FGV/2016) A Constituição Federal de 1988 de- escolar.
fine princípios sob os quais o ensino será ministrado. A Coordenadora Pedagógica explicou à professora que
A imagem acima é bem representativa do seguinte prin- esse procedimento não seria possível, pois esta meto-
cípio: ( dologia avaliativa não estava adequada para acompa-
nhar o processo de aprendizagem dos alunos ao longo
a) Igualdade de condições para o acesso e permanência da etapa, além de contrariar o regimento da escola e até
na escola. mesmo às indicações legais.
b) Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o A Coordenadora Pedagógica, a partir da legislação edu-
pensamento, a arte e o saber. cacional nacional, justificou sua resposta informando que
c) Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
d) Coexistência de instituições públicas e privadas de en- a) a avaliação da aprendizagem deve ser contínua e
sino. cumulativa, com prevalência dos resultados ao longo
e) Gratuidade do ensino público em estabelecimentos do período sobre os de eventuais provas finais.
oficiais. b) a avaliação da aprendizagem deve ser somativa, com
prevalência dos resultados das provas finais.
2. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e c) a avaliação da aprendizagem escolar, de caráter classi-
Médio – FGV/2016) Maria tem 4 filhos. Os dois mais ve- ficatório, tem como objetivo selecionar os alunos que
lhos, de 12 e 10 anos, não estão frequentando a escola serão promovidos para a série seguinte.
porque estão ajudando a mãe no trabalho. Uma Assis- d) a avaliação da aprendizagem dos alunos é facultativa,
tente Social visitou a família e aconselhou a matrícula sendo realizada caso seja opção pedagógica da escola
imediata das crianças na rede regular de ensino. segundo suas especificidades.
A indicação dada à mãe está de acordo com a seguinte e) a avaliação da aprendizagem dos alunos é dispensada
disposição legal: na atual legislação educacional, devido às divergên-
cias quanto à sua relevância.
a) “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular
5. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.”
Médio – FGV/2016) “Não há docência sem discência.”
b) “os pais ou responsável têm a opção de matricular
(Paulo Freire.)
seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.”
Com a afirmativa acima, o educador Paulo Freire inicia
c) “os alunos têm a obrigação de se matricular na rede
um diálogo sobre os conhecimentos necessários para a
regular de ensino.”
realização da prática educativa.
d) “os dirigentes escolares têm a obrigação de buscar os
Assinale a opção que melhor explicita a afirmativa de
alunos a serem matriculados na rede regular de ensi- Paulo Freire.
no.”
e) “os professores têm a obrigação de matricular seus a) “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende en-
filhos ou pupilos na rede regular de ensino.” sina ao aprender”.
b) “Quem ensina, transfere conhecimento”.
3. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e c) “A teoria e a prática, na formação docente, devem se-
Médio – FGV/2016) Sobre as características da Educa- guir caminhos distintos”.
ção Básica, assinale V para a afirmativa verdadeira e F d) “O aluno é o objeto de formação do professor”.
para a falsa. e) “Ensinar e aprender são processos independentes”.
( ) A Educação Básica é obrigatória e deve ser realizada 6. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
dos 4 aos 17 anos. Médio – FGV/2016) A Lei nº 11.645/08 incluiu, no currí-
( ) A Educação Básica é organizada da seguinte forma: culo oficial escolar, a obrigatoriedade do estudo da his-
pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. tória e das culturas indígenas.
( ) O dever do Estado com a educação escolar será efe- Sobre essa lei, assinale V para a afirmativa verdadeira e
tivado mediante a garantia da Educação Básica pública e
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

F para a falsa.
gratuita. As afirmativas são, respectivamente,
( ) O estudo dos povos indígenas brasileiros resgata
a) V, V e F. suas contribuições nas áreas social, econômica e política.
b) V, F e F. ( ) Essa lei procura reparar o tratamento de exclusão
c) F, V e V. oferecido historicamente aos grupos indígenas no Brasil.
d) V, F e V. ( ) Essa lei rompeu com a visão etnocêntrica que apre-
e) V, V e V. senta a ideia de que, aquele que é diferente, é natural-
mente inferior.

As afirmativas são, respectivamente,

387
a) V, V e V. As frases acima são exemplos de discursos
b) V, V e F.
c) V, F e F. a) ideológicos veiculados em nossa sociedade que mere-
d) F, V e V. cem ser reforçados na escola.
e) F, F e V. b) ideológicos veiculados em nossa sociedade que mere-
cem uma reação crítica.
7. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e c) neutros veiculados em nossa sociedade que merecem
Médio – FGV/2016) Considerando as definições para a ser reforçados na escola.
Educação Especial nas Diretrizes Curriculares para a Edu- d) neutros veiculados em nossa sociedade que merecem
cação Básica, assinale V para a afirmativa verdadeira e F uma reação crítica.
para a falsa. e) ideológicos veiculados que em nada se relacionam
com a prática docente.
( ) Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento 10. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do Médio – FGV/2016) Observe a imagem a seguir;
ensino regular.
( ) A Educação Especial, como modalidade transversal a
todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, é parte
integrante da educação regular, devendo ser prevista no
projeto políticopedagógico da unidade escolar.
( ) Na organização da Educação Especial, os sistemas de
ensino devem observar, o pleno acesso e a efetiva parti-
cipação dos estudantes no ensino regular.

As afirmativas são, respectivamente,

a) V, F e V.
b) F, V e V.
A imagem ilustra uma importante característica da Edu-
c) V, V e F.
cação a Distância. Sobre esta modalidade educativa, ana-
d) V, V e V.
lise as afirmativas a seguir.
e) F, F e V.
I. A mediação didático pedagógica nos processos de en-
8. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e sino e aprendizagem utiliza meios e tecnologia da infor-
Médio – FGV/2016) As políticas de avaliação da apren- mação e comunicação.
dizagem devem ter, como finalidade essencial, o diag- II. Estudantes e professores desenvolvem atividades edu-
nóstico da aprendizagem dos alunos. De acordo com cativas em lugares ou tempos diversos.
BONAMINO e SOUZA, esta finalidade pode perder força III. É uma modalidade de ensino em que devem estar pre-
quando passam a focalizar os resultados dessas avalia- vistos momentos presenciais para avaliação e estágios.
ções como subsídio a políticas de
Está correto o que se afirma em
a) responsabilização.
b) controle. a) III, apenas.
c) comparação. b) I e II, apenas.
d) larga escala. c) I e III, apenas.
e) resultado. d) II e III, apenas.
e) I, II e III.
9. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
Médio – FGV/2016) Analise as frases a seguir 11. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e
Médio – FGV/2016) O documento “Indagações sobre o
currículo”, elaborado pelo Departamento de Políticas de
Educação Infantil e Ensino Fundamental- DPE, vinculado
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

à Secretaria de Educação Básica –SEB, do Ministério da


Educação – MEC, propõe o debate sobre a concepção de
currículo e seu processo de elaboração.
Sobre as ideias expressas nesse documento, analise as
afirmativas a seguir.

I. Os currículos do ensino fundamental e médio devem


ter uma base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por
uma parte diversificada, exigida pelas características so-
ciais, culturais e econômicas locais e regionais.

388
II. O processo educativo é complexo e marcado pelas va-
riáveis pedagógicas e sociais, e, portanto, não pode ser ANOTAÇÕES
analisado fora de interação dialógica entre escola e vida,
considerando o desenvolvimento humano, o conheci-
mento e a cultura. ________________________________________________
III. Eliminar a reprovação implica em não avaliar o proces-
so de ensino-aprendizagem dos estudantes. _________________________________________________

Está correto o que se afirma em _________________________________________________

_________________________________________________
a) I, apenas.
b) II, apenas. _________________________________________________
c) III, apenas.
d) I e II, apenas. _________________________________________________
e) I, II e III.
_________________________________________________
12. (SME – SP - Professor de Ensino Fundamental II e _________________________________________________
Médio – FGV/2016) Uma escola da rede municipal de
São Paulo está recebendo uma pesquisadora vinculada _________________________________________________
a uma Faculdade de Educação. A pesquisadora, na apre-
sentação da proposta de trabalho aos professores, res- _________________________________________________
saltou a relação entre a escola e a universidade na gestão _________________________________________________
do conhecimento.
A partir das reflexões propostas pelo documento “Pro- _________________________________________________
grama Mais Educação: São Paulo”, sobre essa relação,
assinale a afirmativa correta. _________________________________________________

a) Cabe à universidade pesquisar e à escola reproduzir. _________________________________________________


b) Cabe à universidade pesquisar e à escola investigar. _________________________________________________
c) Cabe à escola pesquisar e à universidade sintetizar.
d) Cabe à universidade formar profissionais e à escola _________________________________________________
ensinar o saber básico, tarefas incompatíveis.
e) Cabe à escola estabelecer fronteiras claras de atuação _________________________________________________
com a universidade.
_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________
GABARITO
_________________________________________________

1 A _________________________________________________
2 A _________________________________________________
3 E
_________________________________________________
4 A
_________________________________________________
5 A
6 A _________________________________________________
7 D _________________________________________________
8 A
_________________________________________________
PUBLICAÇÕES INSTITUCIONAIS

9 B
_________________________________________________
10 E
11 D _________________________________________________
12 B _________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

389
ANOTAÇÕES

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390
ÍNDICE

LEGISLAÇÃO FEDERAL

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Artigos 5°, 37 ao 41, 205
ao 214, 227 ao 229...................................................................................................................................................................................................... 01
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Brasília, DF, 1990. Artigos 53 a 59 e 136 a 137...................................................................................................................... 18
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 19
96......................................................................................................................................................................................................................................... 20
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.
Brasília, DF, 2014............................................................................................................................................................................................................ 39
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Institui e orienta a implantação
da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades
no âmbito da Educação Básica. Brasília, DF, 2017............................................................................................................................................. 56
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, DF, 2018............................................................................................................................................. 59
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP nº 1/02, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena. Brasília, DF, 2002............................................................................................................................................................................................... 60
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação
Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI, 2013.................................................................................................................................................................. 63
BRASIL. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas
com deficiência e seu protocolo facultativo. Brasília, DF, 2009................................................................................................................... 66
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, 2015. Cap. I e Cap. IV....................................................................................................................... 69
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela
Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Brasília, DF, 2008................................................................................................................................................................................................... 72
BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de
janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.
Brasília, DF, 2010............................................................................................................................................................................................................. 73
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e
BRASIL. [CONSTITUIÇÃO (1988)]. resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA exercício profissional;
DO BRASIL. BRASÍLIA, DF, 1988. ARTIGOS XV - é livre a locomoção no território nacional em
5°, 37 AO 41, 205 AO 214, 227 AO 229 tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos
da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus
bens;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem ar-
Título II mas, em locais abertos ao público, independentemente
Dos direitos e garantias fundamentais de autorização, desde que não frustrem outra reunião
anteriormente convocada para o mesmo local, sendo
Capítulo I apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
Dos direitos e deveres individuais e coletivos XVII - é plena a liberdade de associação para fins líci-
tos, vedada a de caráter paramilitar;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de XVIII - a criação de associações e, na forma da lei,
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos a de cooperativas independem de autorização, sendo
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di- vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente
propriedade, nos termos seguintes: dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por deci-
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obriga- são judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito
ções, nos termos desta Constituição; em julgado;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a
alguma coisa senão em virtude de lei; permanecer associado;
III - ninguém será submetido a tortura nem a trata- XXI - as entidades associativas, quando expressamen-
mento desumano ou degradante; te autorizadas, têm legitimidade para representar seus
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo ve- filiados judicial ou extrajudicialmente;
dado o anonimato; XXII - é garantido o direito de propriedade;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
ao agravo, além da indenização por dano material,
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desa-
moral ou à imagem;
propriação por necessidade ou utilidade pública, ou
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
por interesse social, mediante justa e prévia indeniza-
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
ção em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de
Constituição;
culto e a suas liturgias;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autorida-
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de de competente poderá usar de propriedade particular,
internação coletiva; assegurada ao proprietário indenização ulterior, se
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de houver dano;
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a em lei, desde que trabalhada pela família, não será
todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alter- objeto de penhora para pagamento de débitos decor-
nativa, fixada em lei; rentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artís- os meios de financiar o seu desenvolvimento;
tica, científica e de comunicação, independentemente XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de
de censura ou licença; utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a hon- transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
ra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a in- XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
denização pelo dano material ou moral decorrente de a) a proteção às participações individuais em obras
sua violação; coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém inclusive nas atividades desportivas;
nela podendo penetrar sem consentimento do mora- b) o direito de fiscalização do aproveitamento econô-
dor, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou mico das obras que criarem ou de que participarem
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determi- aos criadores, aos intérpretes e às respectivas repre-
nação judicial; sentações sindicais e associativas;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das co- XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos indus-
municações telegráficas, de dados e das comunicações triais privilégio temporário para sua utilização, bem
LEGISLAÇÃO FEDERAL

telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, como proteção às criações industriais, à propriedade
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
fins de investigação criminal ou instrução processual distintivos, tendo em vista o interesse social e o desen-
penal; volvimento tecnológico e econômico do País;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou XXX - é garantido o direito de herança;
profissão, atendidas as qualificações profissionais que XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no
a lei estabelecer; País será regulada pela lei brasileira em benefício do

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cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes b) de caráter perpétuo;
seja mais favorável a lei pessoal do de cujus ; c) de trabalhos forçados;
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa d) de banimento;
do consumidor; e) cruéis;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públi- XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos
cos informações de seu interesse particular, ou de in- distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade
teresse coletivo ou geral, que serão prestadas no pra- e o sexo do apenado;
zo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integrida-
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da de física e moral;
sociedade e do Estado; L - às presidiárias serão asseguradas condições para
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente que possam permanecer com seus filhos durante o pe-
do pagamento de taxas: ríodo de amamentação;
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o natu-
de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; ralizado, em caso de crime comum, praticado antes
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, da naturalização, ou de comprovado envolvimento
para defesa de direitos e esclarecimento de situações em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na
de interesse pessoal; forma da lei;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judi- LII - não será concedida extradição de estrangeiro por
ciário lesão ou ameaça a direito; crime político ou de opinião;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão
jurídico perfeito e a coisa julgada; pela autoridade competente;
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a bens sem o devido processo legal;
organização que lhe der a lei, assegurados: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administra-
a) a plenitude de defesa; tivo, e aos acusados em geral são assegurados o con-
b) o sigilo das votações; traditório e a ampla defesa, com os meios e recursos
c) a soberania dos veredictos; a ela inerentes;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolo- LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
sos contra a vida; por meios ilícitos;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito
nem pena sem prévia cominação legal; em julgado de sentença penal condenatória;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar LVIII - o civilmente identificado não será submetido
o réu; a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória em lei;
dos direitos e liberdades fundamentais; LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável pública, se esta não for intentada no prazo legal;
e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
da lei; processuais quando a defesa da intimidade ou o inte-
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insusce- resse social o exigirem;
tíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou
ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e por ordem escrita e fundamentada de autoridade judi-
os definidos como crimes hediondos, por eles respon- ciária competente, salvo nos casos de transgressão mi-
dendo os mandantes, os executores e os que, podendo litar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
evitá-los, se omitirem; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a encontre serão comunicados imediatamente ao juiz
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a competente e à família do preso ou à pessoa por ele
ordem constitucional e o Estado democrático; indicada;
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condena- LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os
do, podendo a obrigação de reparar o dano e a decre- quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada
tação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, a assistência da família e de advogado;
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, LXIV - o preso tem direito à identificação dos respon-
até o limite do valor do patrimônio transferido; sáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e ado- LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada
tará, entre outras, as seguintes: pela autoridade judiciária;
a) privação ou restrição da liberdade; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido
LEGISLAÇÃO FEDERAL

b) perda de bens; quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou


c) multa; sem fiança;
d) prestação social alternativa; LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do res-
e) suspensão ou interdição de direitos; ponsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
XLVII - não haverá penas: de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que al-
termos do art. 84, XIX; guém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência

2
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegali- Histórico
dade ou abuso de poder; - Direitos Fundamentais
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para pro- Normas obrigatórias: os direitos fundamentais não
teger direito líquido e certo, não amparado por habeas são sempre os mesmos em todas as épocas. Porém de-
corpus ou habeas data , quando o responsável pela ile- vem constar obrigatoriamente em textos constitucionais
galidade ou abuso de poder for autoridade pública ou considerados democráticos; constando referidos direitos
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do podem anuir que aquela constituição está alicerçada nos
poder público; pilares da democracia.
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impe- Dignidade humana: foi impulsionada pelo cristianis-
trado por: mo, uma vez que segundo essa religião o homem era
a) partido político com representação no Congresso Na- feito a imagem e semelhança de Deus. Sendo assim, ga-
cional; nhou uma proteção especial no texto da Constituição.
b) organização sindical, entidade de classe ou associa- Importante lembrar que falar em dignidade humana é fa-
ção legalmente constituída e em funcionamento há pelo lar em garantir o direito do indivíduo ter direitos – iguais
menos um ano, em defesa dos interesses de seus mem- entre seres humanos.
bros ou associados; Positivação dos direitos fundamentais: Bill of Rights,
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre Declaração da Virgínia, Declaração Francesa. Tais docu-
que a falta de norma regulamentadora torne inviável o mentos trataram de positivar direitos que naturalmente
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
são inerentes ao homem.
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e
Regra geral: indivíduos têm primeiro direitos, depois
à cidadania;
deveres e os direitos que o Estado tem sobre o indivíduo
LXXII - conceder-se-á habeas data :
estão ordenados de modo a melhor cuidar de seus ci-
a) para assegurar o conhecimento de informações re-
dadãos. É a demonstração clara do pacto social firmado
lativas à pessoa do impetrante, constantes de registros
ou bancos de dados de entidades governamentais ou de entre os indivíduos e o Estado – é a cessão de parte de
caráter público; suas liberdades, entregando-as ao Estado de modo que
b) para a retificação de dados, quando não se prefira este, em contrapartida, devolva algo que seja positivo –
fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; como, por exemplo, proíbe-se (exceto as possibilidade
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor previstas na lei) da autotutela (exercício da autodefesa)
ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimô- entregando essa função ao Estado para que este exerça a
nio público ou de entidade de que o Estado participe, tutela da segurança do indivíduo.
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo Geração de Direitos Fundamentais
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus - 1ª Geração de direitos: são postulados de abstenção
da sucumbência; dos governantes se obrigando a não intervir na vida pes-
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e soal de cada indivíduo. Indispensável a todos os homens.
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; Como por exemplo, direito a vida, ou seja, salvo em si-
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judici- tuações específicas, o Estado não privará o indivíduo de
ário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado seguir sua vida.
na sentença; Característica: universal; não ocasiona desigualdade
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, social. Ex: liberdade,
na forma da lei: - 2ª Geração de direitos: surge com a necessidade do
a) o registro civil de nascimento; povo de não apenas ter liberdade, mas outros direitos
b) a certidão de óbito; que o conduzem a exercer a liberdade, seguir sua vida,
LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e ha- com dignidade. São os valores sociais variados, impor-
beas data , e, na forma da lei, os atos necessários ao tando intervenção ativa do Estado na vida econômica
exercício da cidadania. com o viés de proporcionar justiça social.
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, Característica: Liberdade real e igual para todos. Ex:
são assegurados a razoável duração do processo e os igualdade – saúde, educação, trabalho entre outros. São
meios que garantam a celeridade de sua tramitação. chamados de direitos sociais não por serem direitos da
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fun- coletividade, mas por alusão ao termo justiça social. Os
damentais têm aplicação imediata. titulares são os próprios indivíduos singularizados, ape-
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição sar dos mesmos poderem se voltar a coletividade.
não excluem outros decorrentes do regime e dos princí- - 3ª Geração de direitos: direitos de titularidade difusa.
pios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em Proteção do homem em sua forma coletiva, grupos, não
que a República Federativa do Brasil seja parte. mais individualmente.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre di- Característica: proteção do homem em grupos. Ex: di-
reitos humanos que forem aprovados, em cada Casa reito ao meio ambiente equilibrado, direito a paz.
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quin-
tos dos votos dos respectivos membros, serão equiva- Conclusão
lentes às emendas constitucionais. A visão dos direitos fundamentais em termos de gera-
§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal ções indica a evolução desses direitos no tempo. Cada di-
Internacional a cuja criação tenha manifestado ade- reito de cada geração interage com os das outras e, nesse
são. processo, dá-se à compreensão.

3
Características dos direitos fundamentais direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
- Universais e absolutos O caput do art. 5º é talvez um dos mais importantes
A questão da universalidade: direito previsto para todo artigos do texto constitucional, para não dizer o princi-
homem, ainda que nem todo homem o exerça. pal artigo da constituição federal. Esse artigo nos elenca
Absoluto: os direitos fundamentais não são absolutos, cinco grupos de direitos que são amplamente protegidos
apesar de gozarem de prioridade absoluta sobre qualquer pela nossa lei maior. A saber:
outro direito. - Direito à vida (integridade física e moral), - direito à
liberdade (manutenção de qualquer forma de manifes-
- Historicidade tação do indivíduo), - direito à igualdade (o tratamento
Os direitos fundamentais são um conjunto de facul- da lei é conferido igualmente para todos), - direito à
dades e instituições que somente faz sentido num deter- segurança (direito de todos – necessidade de leis que
minado contexto histórico. A história permite entender a definam crimes e sanções) e – direito à propriedade
existência de cada um dos direitos. (propriedade particular, privada, desde que atendida
A história explica que os direitos possam ser apregoa- sua função social).
dos em certa época, desaparecendo em outras, ou se mo- O direito à vida pressupõe a negativa do Estado de
dificam no tempo. Verifica-se, portanto, a evolução dos promover qualquer ato que ofenda a integridade física
direitos fundamentais. ou moral do indivíduo; por esta razão, proíbe-se a tortura
ou qualquer exposição vexatória. Também não permite
- Inalienabilidade e Indisponibilidade que a vida chegue ao fim se não pelas causas naturais –
Inalienável: o titular do direito não pode impossibilitar caso venha ocorrer, o Estado oferece sanções àquele que
o exercício para si mesmo. Encontra fundamento no valor promoveu o encurtamento da vida humana.
da dignidade humana. A indisponibilidade gera nulidade No que tange a liberdade, pode o indivíduo fazer tudo
de qualquer disposição contratual feita. aquilo que a lei não proíbe, tem a faculdade de decidir os
rumos de sua própria vida. Por esta razão sua liberdade
Podem, tais direitos, terem seu exercício. Ex.: manifes-
de locomoção é amplamente protegida; dentro do con-
tação religiosa em templo religioso diverso do seu.
ceito de liberdade se enquadra o direito a manifestação
de toda espécie: religiosa, de pensamento, de associa-
- Direitos humanos são direitos postulados em bases
ção, ou seja, a todos é conferido o direito de expor seus
jusnaturalistas, contam índole filosófica e não possuem
pensamentos e suas escolhas. Neste ponto é importante
como característica básica a positivação numa ordem ju-
demonstrar que essa liberdade de expressão não pode
rídica particular.
ocasionar danos a outrem de modo que se assim o fizer,
- Direitos Fundamentais: é reservada aos direitos re-
estará praticando ato contra terceiros e por isso poderá
lacionados com posições básicas das pessoas, inscritos ser responsabilizado.
em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que A igualdade também é dos pilares dos direitos fun-
vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, ga- damentais. Por conta desse princípio a lei deve conferir
rantidos e limitados no espaço e no tempo. tratamento igualitário para todos; assim, não se permite
- Vinculação dos Poderes Públicos qualquer espécie de distinção da lei, além de vedar toda
O fato de os direitos fundamentais estarem previstos espécie de discriminação.
na Constituição torna-os parâmetros de organização e de A segurança é outro importante direito fundamental,
limitação dos poderes constituídos. A constitucionalização pois compreende não apenas aquela que visa a proteção
dos direitos fundamentais impede que sejam considera- patrimonial (seja ele material ou mesmo imaterial), mas
dos meras autolimitações dos poderes constituídos - dos também a segurança jurídica. Deste modo, todo cidadão
Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário -, passíveis de deve ter conhecimento das leis que regem o país para
serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. que não “sejam mais pegos de surpresa”.
Por fim, o direito à propriedade abarca o último grupo
- Aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. A CF/88 confere a todo cida-
As normas que definem direitos fundamentais são nor- dão o direito à propriedade privada, particular. Porém,
mas de caráter preceptivo, e não meramente programáti- importante que aquele que detenha a propriedade se
co. Explicita-se, além disso, que os direitos fundamentais atente para a função social que a mesmo carrega.
se fundam na Constituição, e não na lei - com o que se I - homens e mulheres são iguais em direitos e obri-
deixa claro que é a lei que deve mover-se no âmbito dos gações, nos termos desta Constituição;
direitos fundamentais, não o contrário. Neste inciso está insculpido o princípio da isonomia,
A Constituição brasileira de 1988 filiou-se a essa ten- que é exatamente o tratamento igualitário, para todos,
dência, conforme se lê no §1º do art. 5º do Texto, em que vedada qualquer forma de discriminação – modalidade
LEGISLAÇÃO FEDERAL

se diz que “as normas definidoras dos direitos e garantias de preceito universal. Segundo a Declaração Universal
fundamentais têm aplicação imediata”. O texto se refere dos direitos do homem, “todos os seres humanos nas-
aos direitos fundamentais em geral, não se restringindo cem livres e iguais em dignidade e direitos.
apenas aos direitos individuais. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção alguma coisa senão em virtude de lei;
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e Eis o princípio da legalidade. Referido princípio limi-
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do ta toda forma de arbitrariedade; evidente que o convívio

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em sociedade pressupõe o aceite de determinadas re- Por fim, sob o tópico “religião”, importante fazer men-
gras de convívio. Porém, tais regras derivam de autori- ção ao direito de professar ou não qualquer religião inclu-
dade com competência para tanto que agem de maneira sive exercer suas práticas, com cultos. Importante lembrar
impessoal e geral. que a prática religiosa amparada pela CF/88 não pode se
III - ninguém será submetido a tortura nem a trata- confundir com aquelas práticas consideradas ilegais para
mento desumano ou degradante; o direito brasileiro, como por exemplo aquelas que leva
Entende-se por tortura qualquer forma de castigo a necessidade de sacrifício humano. Neste caso, sendo
corpóreo agressivo, violento, que utilize de qualquer ins- considerado crime o encurtamento da vida, não será am-
trumento mecânico ou psicológico levando aquele que parado o sacrifício pela liberdade religiosa.
está sendo torturado praticar ato que não o faria se esti- IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artís-
vesse em condições normais. A tortura é crime inafiançá- tica, científica e de comunicação, independentemente de
vel e insuscetível de fiança. censura ou licença;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo ve- Este inciso é autoexplicativo. No que tange a liberda-
de de expressão é importante destacar alguns institutos
dado o anonimato;
legislativos que conferem regulamentação ao tema, como
É a liberdade conferida ao indivíduo para que o mes-
por exemplo, a lei de imprensa (Lei 5.250/67), Lei de Direi-
mo possa expressar de qualquer forma o que pensa a
tos autorais (Lei 9.610/98) entre outras.
respeito de religião, política, ciência ou qualquer outro X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a hon-
instituto. Importante lembrar que essa liberdade de ma- ra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a inde-
nifestação está condicionada ao não anonimato; deste nização pelo dano material ou moral decorrente de sua
modo, todos podem se manifestar sendo porém vedada violação;
a manifestação anônima. XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela
Também importante lembrar que a liberdade de ma- podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
nifestação protegida pela CF/88 não protege a prática de em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
crimes sob a argúcia da liberdade. Qualquer manifesta- socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
ção ofensiva a terceiros que fira sua honra, imagem ou XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das co-
integridade poderá ser punida pela lei. municações telegráficas, de dados e das comunicações
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
ao agravo, além da indenização por dano material, moral hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
ou à imagem; investigação criminal ou instrução processual penal;
A CF/88 assegura o direito de resposta proporcional É inviolável tudo aquilo que não pode ser entregue ao
ao agravo. Assim, aquele que causar prejuízo a outrem público, que merece ser preservado. Sempre que violada
tem assegurado para si o direito a indenização por dano a honra, a imagem, a vida privada, sem consentimento do
material ou moral. O prejuízo a que se refere o inciso V indivíduo, a este caberá indenização pelo dano material
pode patrimonial ou não. Prejuízo de ordem não patri- ou moral pelo ato cometido. No que tange ao domicílio,
monial é aquele causado por pessoa (física ou jurídica) este poderá ser violado a qualquer horário sempre que
que ofenda liberdade, honra, família ou profissão de de- caso de flagrante delito ou desastre, ou ainda no caso de
determinação judicial, neste último caso apenas durante
terminado indivíduo.
o dia (06h00 as 18h00).
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de cren-
Das formas de comunicação, sejam elas por corres-
ça, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religio- pondência, comunicação telegráfica ou telefônica, so-
sos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de mente a última, por determinação judicial, poderá ser
culto e a suas liturgias; parcialmente quebrada, com prazo de duração.
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
assistência religiosa nas entidades civis e militares de in- profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
ternação coletiva; lei estabelecer;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de Toda atividade profissional exercida espontaneamente
crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, pelo indivíduo é respeitada pela CF/88, inclusive aquelas
salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a não classificadas para efeito de registro em carteira de
todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alterna- trabalho. Assim, em se tratando de atividade lícita poderá
tiva, fixada em lei; o indivíduo exercê-la livremente.
Assegurada a plena liberdade de consciência, ofer- XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e res-
tando a lei de proteção aos locais de culto e suas litur- guardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
gias. Esse inciso compreende três formas de liberdade: profissional;
crença, culto e organização religiosa. A possibilidade de Tem esse inciso a função de afastar o indivíduo da cen-
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escolher qual religião seguir, ou mesmo não seguir ne- sura; permite-se a liberdade de expressão do indivíduo
nhuma religião está amparada pela liberdade de crença. desde que não venha a ferir direitos de outrem.
Porém, importante destacar que a liberdade de escolher XV - é livre a locomoção no território nacional em tem-
sua própria religião não pode servir de amparo ao emba- po de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei,
raçamento daquele que pretende praticar outra religião. nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
A assistência religiosa é assegurada a quem dela quei- É a possibilidade conferida em tempos de paz a todos
ra fazer uso; logo, não será ofertada assistência religiosa os indivíduos de circular livremente no território nacional
sem a anuência do interessado. sem qualquer limitação, nos termos da lei.

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XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem ar- assegurada ao proprietário indenização ulterior, se hou-
mas, em locais abertos ao público, independentemente de ver dano;
autorização, desde que não frustrem outra reunião ante- XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida
riormente convocada para o mesmo local, sendo apenas em lei, desde que trabalhada pela família, não será ob-
exigido prévio aviso à autoridade competente; jeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes
O direito de reunião vem estampado no art. 5º como mo- de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios
dalidade de direito fundamental para demonstrar a força da de financiar o seu desenvolvimento;
democracia. Por conta desse direito, todos podem reunir-se
em local público com finalidades diversas, independente- Os incisos acima compõem o grupo dos direitos indi-
mente de autorização. É necessário, no entanto, que aqueles viduais e coletivos voltados à propriedade. A CF/88 con-
que desejam se reunir comuniquem autoridade competen- fere a todos o direito de propriedade, ter para si proprie-
te, especialmente para não ferir direitos daqueles que pre- dade particular (privada); no entanto, o uso deve atender
viamente se decidiram pela reunião em local da vontade de a função daquela propriedade. Assim, por exemplo, de-
ambos. Assim, desde que pacificamente, sem armas, indiví- terminada propriedade rural deve atender sua finalidade,
duos podem se reunir em locais públicos, necessitando ape- qual seja, produção de riqueza por meio do agronegócio
nas informar as autoridades. Não é necessário autorização do (seja para o próprio sustento ou comércio com terceiros).
poder público, mas apenas sua comunicação. Não exercendo sua função social, a propriedade pode-
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, rá ser destacada do patrimônio daquele indivíduo. Em
vedada a de caráter paramilitar; outras palavras, a propriedade urbana exerce sua função
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de social quando atende às exigências fundamentais de or-
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a ganização da cidade expressas em seu plano diretor; já
interferência estatal em seu funcionamento; a propriedade rural exercerá sua função social quando
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente fizer o aproveitamento correto dos recursos naturais,
dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão ju- preservando o meio ambiente e protegendo relações de
dicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; trabalho e exploração que favoreçam o bem estar dos
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a proprietários e dos trabalhadores.
permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente
autorizadas, têm legitimidade para representar seus filia- #FicaDica
dos judicial ou extrajudicialmente; O direito à propriedade também poderá
Referidos incisos tratam da questão da associação. Em ser relativizado quando o Estado necessitar
primeiro, a associação é livre, não podendo ninguém ser de determinada propriedade, bem ou
compelido a associar-se se assim não desejar. As associa- serviços prestados por particular, mediante
ções poderão ser criadas para fins lícitos; de forma alguma indenização. A CF/88 autoriza o poder
será autorizado funcionar associações com objetivos para- público a se utilizar da propriedade
militares (corporações privadas de nacionais ou também particular na iminência ou na ocorrência
de estrangeiros normalmente aparelhados por uniformes e de alguma situação que ofereça perigo à
armamentos militares sem contudo pertencer aos quadros coletividade.
das forças armadas).

Importante também explicar que a necessidade pú-


#FicaDica blica ocorre sempre que o Estado se coloca diante de
Cumpridos tais requisitos, poderá a asso- uma situação extremamente urgente que não pode ser
ciação funcionar sem, inclusive, sofrer qual- adiada. A utilidade pública é quando impõe ao Poder Pú-
quer interferência do Estado; no entanto, blico a possibilidade de propor o uso de determinado
por meio de decisão judicial transitada em bem em contrapartida a oferta de alguma serviço que
julgada poderá ser dissolvida a associação seja útil para a coletividade. Por fim, tem interesse social
ou ter suas atividades suspensas. Além das aquilo que venha a trazer melhorias as classes menos pri-
associações também possíveis as coopera- vilegiadas.
tivas com objetivos diferentes das associa- XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de
ções. utilização, publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras
XXII - é garantido o direito de propriedade; coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, in-
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XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; clusive nas atividades desportivas;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapro- b) o direito de fiscalização do aproveitamento econô-
priação por necessidade ou utilidade pública, ou por inte- mico das obras que criarem ou de que participarem aos
resse social, mediante justa e prévia indenização em di- criadores, aos intérpretes e às respectivas representações
nheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; sindicais e associativas;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autori- XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos indus-
dade competente poderá usar de propriedade particular, triais privilégio temporário para sua utilização, bem como

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proteção às criações industriais, à propriedade das mar- O Brasil adota uma jurisdição. Assim, não serão to-
cas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, lerados tribunais de exceção ou o exercício de juízes
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento ad-hoc, voltados a julgar um ou outro caso. Marco da
tecnológico e econômico do País; democracia, onde a lei vale para todos e todos devem
Esse conjunto de incisos trata dos direitos autorais; cumpri-la. Uma lei nova não pode prejudicar direitos já
são os frutos a serem colhidos por aqueles que desenvol- conquistados pelo indivíduo sob pena de ferir o pacto
vem trabalho intelectual. Referidos direitos versam sobre social firmado entre o indivíduo e o Estado – aceitando
o ineditismo da obra; importante lembrar que os suces- mudanças sem previsão legal estar-se-ia referendando
sores do autor permanecerão recebendo a título univer- arbitrariedades – é o chamado princípio da irretroati-
sal os louros da obra daquele que sucedeu. vidade. Vale lembrar que, em se tratando de retroação
A marca também é protegida em todo território na- benéfica da lei, nenhum obstáculo se imporá. Portanto,
cional e o seu uso exclusivo a quem dela fez o registro; uma crime praticado cuja pena seja alta passe por um
esse tema consta inserido na seara do direito empresa- abrandamento dessa pena por nova lei, aquilo punido
rial, em especial no código de propriedade industrial. nos moldes da lei antiga será beneficiado pela novel le-
XXX - é garantido o direito de herança; gislação.
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a
no País será regulada pela lei brasileira em benefício do organização que lhe der a lei, assegurados:
cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes a) a plenitude de defesa;
seja mais favorável a lei pessoal do de cujus; b) o sigilo das votações;
Entende-se por herança a totalidade dos bens móveis c) a soberania dos veredictos;
e imóveis deixados por aquele que veio a falecer, tam- d) a competência para o julgamento dos crimes do-
bém chamado de de cujus. Aquele que vier a suceder o losos contra a vida;
falecido poderá aceitar a herança, renunciá-la ou mesmo O júri é o formato mais antigo de tribunal. Compos-
imitir-se na posse. tos por pessoas comuns, chamados de jurados, formam
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa o conselho de sentença, cuja função principal é opinar
do consumidor; pela culpa ou não do indivíduo que praticou um cri-
Enquadra-se no conceito de consumidor a coletivida- me doloso contra a vida. Serão escolhidos 07, dentre
21 pessoas a comporem o conselho de sentença. Aos
de de pessoas, ainda que não seja possível determiná-las,
jurados é assegurado o sigilo das votações e ao réu a
que tenham participado de uma relação de consumo
plenitude de defesa; ao júri, como um todo, assegurado
composta por fornecedor e consumidor.
a soberania do veredicto. O tribunal do júri funcionará
No Brasil, as relações de consumo são disciplinadas
sempre que houver um crime doloso contra a vida.
pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90,
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina,
além de outras cuja matéria é mais específica como leis
nem pena sem prévia cominação legal;
relacionadas a crimes contra ordem tributária, ordem
Também chamado de princípio da legalidade. Por
econômica, entre outras.
este princípio o indivíduo só poderá responder crimi-
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos pú-
nalmente por alguma conduta por ele praticado se esta
blicos informações de seu interesse particular, ou de in- conduta houver sido considerada crime antes de sua
teresse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo prática. Ou seja, a conduta definida como crime deve
da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas ser anterior a sua prática.
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
e do Estado; o réu;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemen- XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória
te do pagamento de taxas: dos direitos e liberdades fundamentais;
a) o direito de petição aos poderes públicos em defe- A exceção ao princípio da irretroatividade, anterior-
sa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; mente explicado, é exatamente com relação ao benefí-
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, cio para o réu.
para defesa de direitos e esclarecimento de situações de XLII - a prática do racismo constitui crime inafian-
interesse pessoal; çável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
Essência da democracia, ao cidadão cabível a prote- termos da lei;
ção do seu direito de manter-se informado de tudo aqui- XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insus-
lo que envolve tanto o Estado como seu próprio nome. cetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico
Ato contínuo, protege-se também o direito de petição ao ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e
indivíduo; assim, todo aquele que pretender buscar pela os definidos como crimes hediondos, por eles respon-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

tutela jurisdicional do Estado ou mesmo acessar legisla- dendo os mandantes, os executores e os que, podendo
tivo e executivo, terá assegurado seu direito de petição. evitá-los, se omitirem;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Ju- XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a
diciário lesão ou ameaça a direito; ação de grupos armados, civis ou militares, contra a or-
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o dem constitucional e o Estado democrático;
ato jurídico perfeito e a coisa julgada; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do conde-
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; nado, podendo a obrigação de reparar o dano e a de-

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cretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus
estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o bens sem o devido processo legal;
limite do valor do patrimônio transferido; Este inciso revela em simples palavras que ninguém
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e ado- pode “ser pego de surpresa”, que “as regras do jogo” de-
tará, entre outras, as seguintes: vem ser cumpridas. Logo, tanto a privação da liberdade
a) privação ou restrição da liberdade; como a privação de bens deve observar o cumprimento
b) perda de bens; de um processo judicial e o esgotamento das formas de
c) multa; defesa.
d) prestação social alternativa; LV - aos litigantes, em processo judicial ou adminis-
e) suspensão ou interdição de direitos; trativo, e aos acusados em geral são assegurados o con-
XLVII - não haverá penas: traditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos ela inerentes;
termos do art. 84, XIX; LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
b) de caráter perpétuo; por meios ilícitos;
c) de trabalhos forçados; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsi-
d) de banimento; to em julgado de sentença penal condenatória;
e) cruéis; LVIII - o civilmente identificado não será submetido a
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em
distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e lei;
o sexo do apenado; Rol de incisos que estipulam regras aos processos
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integrida- judiciais ou administrativos. Princípios de extrema im-
de física e moral; portância, o contraditório e a ampla defesa derivam do
L - às presidiárias serão asseguradas condições para princípio da legalidade. Assim, ao indivíduo garantido o
que possam permanecer com seus filhos durante o pe- direito de se defender e ofertar contestação a tudo quan-
ríodo de amamentação;
to a ele estiver sendo alegado.
Rol de incisos relacionados a seara do direito penal e
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação
direito processual penal. As penas no Brasil são definidas
pública, se esta não for intentada no prazo legal;
pela CF/88; assim, possível apenas as penas de privação
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
ou restrição da liberdade, perda de bens, multa, pres-
processuais quando a defesa da intimidade ou o interes-
tação alternativa e suspensão parcial ou temporária de
se social o exigirem;
direitos. Toda pena diferente destas não será autorizada
Cabe ao Ministério Público o exercício das ações pe-
pela legislação infraconstitucional em especial aquelas
que levem a morte, tortura, caráter perpétuo, trabalho nais públicas. No entanto, a lei faculta ao indivíduo, nas
forçado, cruéis ou de banimento. Inserido no sistema pri- hipóteses previstas em lei, a possibilidade do próprio in-
sional, ao indivíduo assegurado respeito a sua integrida- divíduo intentar a ação. Em regra, todos os atos são pú-
de física e moral. Para as mulheres, tratativa diferenciada blicos, resguardada a defesa da intimidade e do interesse
em períodos de amamentação, podendo ficar com seu social do indivíduo.
filho. LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o natu- ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
ralizado, em caso de crime comum, praticado antes da judiciária competente, salvo nos casos de transgressão
naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfi- militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
co ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por encontre serão comunicados imediatamente ao juiz com-
crime político ou de opinião; petente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado se- LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre
não pela autoridade competente; os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada
Os incisos acima compõem a proteção do direito à a assistência da família e de advogado;
nacionalidade. Ao brasileiro nato (aquele que nasceu em LXIV - o preso tem direito à identificação dos respon-
território brasileiro – respeitada exceção em que os geni- sáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;
tores, estrangeiros, estão a serviço de seu país – ou aque- LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela
le tem por seus genitores algum, ou ambos, brasileiros) autoridade judiciária;
não será autorizada a extradição. Portanto, o brasileiro LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido
nato não será extraditado em hipótese alguma. O natu- quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem
ralizado, em regra não será extraditado; salvo se houver fiança;
praticado crime comum antes de sua naturalização ou LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
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comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpe- responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusá-
centes e drogas afins. vel de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
Outra vedação à extradição é aquela solicitada em Rol de incisos que garante direitos àqueles que esti-
razão de estrangeiro ter praticado crime político ou de verem presos. Em regra, o indivíduo somente será preso
opinião em seu país de origem. Por defendermos a li- por determinação judicial ou em caso de flagrante delito.
berdade de manifestação, seja ela qual for, asseguramos Aquele que vier a ser preso indicará alguém de sua famí-
também ao estrangeiro esse direito. lia ou qualquer outro sobre a prisão. Além da assistência

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da família e de advogado, terá o preso direito de perma- § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre
necer em silêncio. direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que al- do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
guém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade às emendas constitucionais.
ou abuso de poder; § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.
proteger direito líquido e certo, não amparado por ha-
beas corpus ou habeas data , quando o responsável pela Regras gerais a respeito dos direitos fundamentais.
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Capítulo VII
poder público; Da administração pública
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser im-
petrado por: Seção I
a) partido político com representação no Congresso Disposições gerais
Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associa- Art. 37. A administração pública direta e indireta de
ção legalmente constituída e em funcionamento há pelo qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis-
menos um ano, em defesa dos interesses de seus mem- trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
bros ou associados; de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicida-
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre
de e eficiência e, também, ao seguinte:
que a falta de norma regulamentadora torne inviável o
I - os cargos, empregos e funções públicas são aces-
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
síveis aos brasileiros que preencham os requisitos es-
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
tabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na
cidadania;
LXXII - conceder-se-á habeas data : forma da lei;
a) para assegurar o conhecimento de informações re- II - a investidura em cargo ou emprego público de-
lativas à pessoa do impetrante, constantes de registros pende de aprovação prévia em concurso público de
ou bancos de dados de entidades governamentais ou de provas ou de provas e títulos, de acordo com a nature-
caráter público; za e a complexidade do cargo ou emprego, na forma
b) para a retificação de dados, quando não se prefira prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo
fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; em comissão declarado em lei de livre nomeação e
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor exoneração;
ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio III - o prazo de validade do concurso público será de
público ou de entidade de que o Estado participe, à mo- até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;
ralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimô- IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital
nio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada de convocação, aquele aprovado em concurso público
má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbên- de provas ou de provas e títulos será convocado com
cia; prioridade sobre novos concursados para assumir car-
Este rol de incisos apresentam os remédios constitu- go ou emprego, na carreira;
cionais. São eles, habeas corpus, habeas data, mandado V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente
de segurança, mandado de injunção e ação popular, cada por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
qual disciplinado por lei específica. em comissão, a serem preenchidos por servidores de
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e carreira nos casos, condições e percentuais mínimos
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro ju- direção, chefia e assessoramento;
diciário, assim como o que ficar preso além do tempo fi- VI - é garantido ao servidor público civil o direito à
xado na sentença; livre associação sindical;
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente po- VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos
bres, na forma da lei: limites definidos em lei específica;
a) o registro civil de nascimento; VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos
b) a certidão de óbito; públicos para as pessoas portadoras de deficiência e
LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e definirá os critérios de sua admissão;
habeas data , e, na forma da lei, os atos necessários ao IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por
exercício da cidadania. tempo determinado para atender a necessidade tem-
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrati- porária de excepcional interesse público;
vo, são assegurados a razoável duração do processo e
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X - a remuneração dos servidores públicos e o sub-


os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. sídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias ser fixados ou alterados por lei específica, observada a
fundamentais têm aplicação imediata. iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Consti- geral anual, sempre na mesma data e sem distinção
tuição não excluem outros decorrentes do regime e dos de índices;
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacio- XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de
nais em que a República Federativa do Brasil seja parte. cargos, funções e empregos públicos da administra-

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ção direta, autárquica e fundacional, dos membros tratados mediante processo de licitação pública que
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do assegure igualdade de condições a todos os concor-
Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de rentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os pagamento, mantidas as condições efetivas da pro-
proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, posta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as
percebidos cumulativamente ou não, incluídas as van- exigências de qualificação técnica e econômica indis-
tagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não pensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos XXII - as administrações tributárias da União, dos Es-
Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se tados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades
como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por
nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do servidores de carreiras específicas, terão recursos prio-
Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio ritários para a realização de suas atividades e atuarão
dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po- de forma integrada, inclusive com o compartilhamen-
der Legislativo e o subsidio dos Desembargadores do to de cadastros e de informações fiscais, na forma da
Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte lei ou convênio.
e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em § 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter
no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite educativo, informativo ou de orientação social, dela
aos membros do Ministério Público, aos Procuradores não podendo constar nomes, símbolos ou imagens
e aos Defensores Públicos; que caracterizem promoção pessoal de autoridades
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo ou servidores públicos.
e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos § 2º A não observância do disposto nos incisos II e III
pagos pelo Poder Executivo; implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade
XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quais- responsável, nos termos da lei.
§ 3º A lei disciplinará as formas de participação do
quer espécies remuneratórias para o efeito de remu-
usuário na administração pública direta e indireta, re-
neração de pessoal do serviço público;
gulando especialmente:
XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servi-
I - as reclamações relativas à prestação dos serviços
dor público não serão computados nem acumulados
públicos em geral, asseguradas a manutenção de ser-
para fins de concessão de acréscimos ulteriores;
viços de atendimento ao usuário e a avaliação perió-
XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de
dica, externa e interna, da qualidade dos serviços; (II
cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalva-
- o acesso dos usuários a registros administrativos e a
do o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos informações sobre atos de governo, observado o dis-
arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; posto no art. 5º, X e XXXIII;
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos III - a disciplina da representação contra o exercício
públicos, exceto, quando houver compatibilidade de negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função
horários, observado em qualquer caso o disposto no na administração pública.
inciso XI: § 4º Os atos de improbidade administrativa impor-
a) a de dois cargos de professor; tarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou função pública, a indisponibilidade dos bens e o res-
científico; sarcimento ao erário, na forma e gradação previstas
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profis- em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
sionais de saúde, com profissões regulamentadas; § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou
e funções e abrange autarquias, fundações, empresas não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as
públicas, sociedades de economia mista, suas subsi- respectivas ações de ressarcimento.
diárias, e sociedades controladas, direta ou indireta- § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de di-
mente, pelo poder público; reito privado prestadoras de serviços públicos respon-
XVIII - a administração fazendária e seus servidores derão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
jurisdição, precedência sobre os demais setores admi- contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
nistrativos, na forma da lei; § 7º A lei disporá sobre os requisitos e as restrições
XIX – somente por lei específica poderá ser criada au- ao ocupante de cargo ou emprego da administração
tarquia e autorizada a instituição de empresa pública, direta e indireta que possibilite o acesso a informações
de sociedade de economia mista e de fundação, ca- privilegiadas.
bendo à lei complementar, neste último caso, definir § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira
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as áreas de sua atuação; dos órgãos e entidades da administração direta e in-


XX - depende de autorização legislativa, em cada direta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser
caso, a criação de subsidiárias das entidades mencio- firmado entre seus administradores e o poder público,
nadas no inciso anterior, assim como a participação que tenha por objeto a fixação de metas de desempe-
de qualquer delas em empresa privada; nho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de
as obras, serviços, compras e alienações serão con- 1998)

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I - o prazo de duração do contrato; e das fundações públicas. (Vide ADIN nº 2.135-4)
II - os controles e critérios de avaliação de desempe- Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os
nho, direitos, obrigações e responsabilidade dos diri- Municípios instituirão conselho de política de adminis-
gentes; tração e remuneração de pessoal, integrado por ser-
III - a remuneração do pessoal.” vidores designados pelos respectivos Poderes. (Reda-
§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas pú- ção dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
blicas e às sociedades de economia mista, e suas subsi- (Vide ADIN nº 2.135-4)
diárias, que receberem recursos da União, dos Estados, § 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos de-
do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento mais componentes do sistema remuneratório obser-
de despesas de pessoal ou de custeio em geral. vará: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos 19, de 1998)
de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. I - a natureza, o grau de responsabilidade e a com-
42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou plexidade dos cargos componentes de cada carreira;
função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
forma desta Constituição, os cargos eletivos e os car- II - os requisitos para a investidura; (Incluído pela
gos em comissão declarados em lei de livre nomeação Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
e exoneração. III - as peculiaridades dos cargos. (Incluído pela Emen-
§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites da Constitucional nº 19, de 1998)
remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste § 2º A União, os Estados e o Distrito Federal mante-
artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas rão escolas de governo para a formação e o aperfei-
em lei. çoamento dos servidores públicos, constituindo-se a
§ 12. Para os fins do disposto no inciso XI do caput participação nos cursos um dos requisitos para a pro-
deste artigo, fica facultado aos Estados e ao Distrito moção na carreira, facultada, para isso, a celebração
Federal fixar, em seu âmbito, mediante emenda às de convênios ou contratos entre os entes federados.
respectivas Constituições e Lei Orgânica, como limite (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
único, o subsídio mensal dos Desembargadores do res- 1998)
pectivo Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo pú-
e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio men-
blico o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV,
sal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, não
XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei esta-
se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios
belecer requisitos diferenciados de admissão quando
dos Deputados Estaduais e Distritais e dos Vereadores.
a natureza do cargo o exigir. (Incluído pela Emenda
Art. 38. Ao servidor público da administração direta,
Constitucional nº 19, de 1998)
autárquica e fundacional, no exercício de mandato
§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato ele-
eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual tivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais
ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou e Municipais serão remunerados exclusivamente por
função; subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,
cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar verba de representação ou outra espécie remunera-
pela sua remuneração; tória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art.
III - investido no mandato de Vereador, havendo com- 37, X e XI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19,
patibilidade de horários, perceberá as vantagens de de 1998)
seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remu- § 5º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e
neração do cargo eletivo, e, não havendo compatibili- dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a
dade, será aplicada a norma do inciso anterior; maior e a menor remuneração dos servidores públi-
IV - em qualquer caso que exija o afastamento para cos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art.
o exercício de mandato eletivo, seu tempo de serviço 37, XI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de
será contado para todos os efeitos legais, exceto para 1998)
promoção por merecimento; § 6º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário pu-
V - para efeito de benefício previdenciário, no caso de blicarão anualmente os valores do subsídio e da re-
afastamento, os valores serão determinados como se muneração dos cargos e empregos públicos. (Incluído
no exercício estivesse. pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 7º Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e
Seção II dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos or-
DOS SERVIDORES PÚBLICOS çamentários provenientes da economia com despesas
LEGISLAÇÃO FEDERAL

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para
de 1998) aplicação no desenvolvimento de programas de quali-
dade e produtividade, treinamento e desenvolvimento,
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu- modernização, reaparelhamento e racionalização do
nicípios instituirão, no âmbito de sua competência, re- serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou
gime jurídico único e planos de carreira para os servi- prêmio de produtividade. (Incluído pela Emenda Consti-
dores da administração pública direta, das autarquias tucional nº 19, de 1998)

11
§ 8º A remuneração dos servidores públicos organiza- I portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda
dos em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º. Constitucional nº 47, de 2005)
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II que exerçam atividades de risco; (Incluído pela
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni- III cujas atividades sejam exercidas sob condições es-
cípios, incluídas suas autarquias e fundações, é asse- peciais que prejudiquem a saúde ou a integridade fí-
gurado regime de previdência de caráter contributivo sica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de
e solidário, mediante contribuição do respectivo ente 2005)
público, dos servidores ativos e inativos e dos pen- § 5º - Os requisitos de idade e de tempo de contribui-
sionistas, observados critérios que preservem o equi- ção serão reduzidos em cinco anos, em relação ao dis-
líbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. posto no § 1º, III, “a”, para o professor que comprove
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções
19.12.2003) de magistério na educação infantil e no ensino funda-
§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previ- mental e médio. (Redação dada pela Emenda Consti-
dência de que trata este artigo serão aposentados, cal- tucional nº 20, de 15/12/98)
culados os seus proventos a partir dos valores fixados § 6º - Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos
na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela Emenda cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é
Constitucional nº 41, 19.12.2003) vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à
I - por invalidez permanente, sendo os proventos pro- conta do regime de previdência previsto neste artigo.
porcionais ao tempo de contribuição, exceto se decor- (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
rente de acidente em serviço, moléstia profissional ou 15/12/98)
doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da § 7º Lei disporá sobre a concessão do benefício de
lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, pensão por morte, que será igual: (Redação dada pela
19.12.2003) Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
I - ao valor da totalidade dos proventos do servidor
II - compulsoriamente, com proventos proporcionais
falecido, até o limite máximo estabelecido para os be-
ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de
nefícios do regime geral de previdência social de que
idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade,
trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da par-
na forma de lei complementar; (Redação dada pela
cela excedente a este limite, caso aposentado à data
Emenda Constitucional nº 88, de 2015)
do óbito; ou (Incluído pela Emenda Constitucional nº
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mí-
41, 19.12.2003)
nimo de dez anos de efetivo exercício no serviço pú-
II - ao valor da totalidade da remuneração do servidor
blico e cinco anos no cargo efetivo em que se dará no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o
a aposentadoria, observadas as seguintes condições: limite máximo estabelecido para os benefícios do regi-
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de me geral de previdência social de que trata o art. 201,
15/12/98) acrescido de setenta por cento da parcela excedente
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribui- a este limite, caso em atividade na data do óbito. (In-
ção, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e cluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela § 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessen- real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação
ta anos de idade, se mulher, com proventos proporcio- dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
nais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela § 9º - O tempo de contribuição federal, estadual ou
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) municipal será contado para efeito de aposentadoria
§ 2º - Os proventos de aposentadoria e as pensões, e o tempo de serviço correspondente para efeito de
por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a disponibilidade. (Incluído pela Emenda Constitucional
remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo nº 20, de 15/12/98)
em que se deu a aposentadoria ou que serviu de re- § 10 - A lei não poderá estabelecer qualquer forma de
ferência para a concessão da pensão. (Redação dada contagem de tempo de contribuição fictício. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)
§ 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, § 11 - Aplica-se o limite fixado no art. 37, XI, à soma
por ocasião da sua concessão, serão consideradas total dos proventos de inatividade, inclusive quando
as remunerações utilizadas como base para as con- decorrentes da acumulação de cargos ou empregos
tribuições do servidor aos regimes de previdência de públicos, bem como de outras atividades sujeitas a
que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei. contribuição para o regime geral de previdência so-
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, cial, e ao montante resultante da adição de proventos
LEGISLAÇÃO FEDERAL

19.12.2003) de inatividade com remuneração de cargo acumulável


§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios di- na forma desta Constituição, cargo em comissão de-
ferenciados para a concessão de aposentadoria aos clarado em lei de livre nomeação e exoneração, e de
abrangidos pelo regime de que trata este artigo, res- cargo eletivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
salvados, nos termos definidos em leis complementa- 20, de 15/12/98)
res, os casos de servidores: (Redação dada pela Emen- § 12 - Além do disposto neste artigo, o regime de
da Constitucional nº 47, de 2005) previdência dos servidores públicos titulares de car-

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go efetivo observará, no que couber, os requisitos e sentadoria e de pensão que superem o dobro do limite
critérios fixados para o regime geral de previdência máximo estabelecido para os benefícios do regime ge-
social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de ral de previdência social de que trata o art. 201 desta
15/12/98) Constituição, quando o beneficiário, na forma da lei,
§ 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo for portador de doença incapacitante. (Incluído pela
em comissão declarado em lei de livre nomeação e Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
exoneração bem como de outro cargo temporário ou Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercí-
de emprego público, aplica-se o regime geral de pre- cio os servidores nomeados para cargo de provimento
vidência social. (Incluído pela Emenda Constitucional efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada
nº 20, de 15/12/98) pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu- § 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
nicípios, desde que instituam regime de previdência (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de
complementar para os seus respectivos servidores ti- 1998)
tulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor I - em virtude de sentença judicial transitada em jul-
das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo gado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de
regime de que trata este artigo, o limite máximo es- 1998)
tabelecido para os benefícios do regime geral de pre- II - mediante processo administrativo em que lhe
vidência social de que trata o art. 201. (Incluído pela seja assegurada ampla defesa; (Incluído pela Emenda
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) Constitucional nº 19, de 1998)
§ 15. O regime de previdência complementar de que III - mediante procedimento de avaliação periódica de
trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do res- desempenho, na forma de lei complementar, assegu-
pectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. rada ampla defesa. (Incluído pela Emenda Constitu-
202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio cional nº 19, de 1998)
de entidades fechadas de previdência complementar, § 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do
servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual
de natureza pública, que oferecerão aos respectivos
ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo
participantes planos de benefícios somente na moda-
de origem, sem direito a indenização, aproveitado em
lidade de contribuição definida. (Redação dada pela
outro cargo ou posto em disponibilidade com remu-
Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
neração proporcional ao tempo de serviço. (Redação
§ 16 - Somente mediante sua prévia e expressa opção,
dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servi-
§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessida-
dor que tiver ingressado no serviço público até a data
de, o servidor estável ficará em disponibilidade, com
da publicação do ato de instituição do correspondente remuneração proporcional ao tempo de serviço, até
regime de previdência complementar. (Incluído pela seu adequado aproveitamento em outro cargo. (Reda-
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98) ção dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 17. Todos os valores de remuneração considerados § 4º Como condição para a aquisição da estabilidade,
para o cálculo do benefício previsto no § 3° serão de- é obrigatória a avaliação especial de desempenho por
vidamente atualizados, na forma da lei. (Incluído pela comissão instituída para essa finalidade. (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de apo-
sentadorias e pensões concedidas pelo regime de que CAPÍTULO III
trata este artigo que superem o limite máximo esta- DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
belecido para os benefícios do regime geral de previ-
dência social de que trata o art. 201, com percentual Seção I
igual ao estabelecido para os servidores titulares de DA EDUCAÇÃO
cargos efetivos. (Incluído pela Emenda Constitucional
nº 41, 19.12.2003) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado
§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha e da família, será promovida e incentivada com a cola-
completado as exigências para aposentadoria volun- boração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimen-
tária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por per- to da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
manecer em atividade fará jus a um abono de per- e sua qualificação para o trabalho.
manência equivalente ao valor da sua contribuição
previdenciária até completar as exigências para apo- Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguin-
sentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído tes princípios:
pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) I - igualdade de condições para o acesso e permanência
§ 20. Fica vedada a existência de mais de um regime na escola;
LEGISLAÇÃO FEDERAL

próprio de previdência social para os servidores titu- II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
lares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade o pensamento, a arte e o saber;
gestora do respectivo regime em cada ente estatal, III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas,
ressalvado o disposto no art. 142, § 3º, X. (Incluído e coexistência de instituições públicas e privadas de
pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) ensino;
§ 21. A contribuição prevista no § 18 deste artigo in- IV - gratuidade do ensino público em estabelecimen-
cidirá apenas sobre as parcelas de proventos de apo- tos oficiais;

13
V - valorização dos profissionais da educação escolar, O artigo 6º da Constituição Federal menciona o
garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com direito à educação como um de seus direitos sociais.
ingresso exclusivamente por concurso público de pro- A educação proporciona o pleno desenvolvimento da
vas e títulos, aos das redes públicas; pessoa, não apenas capacitando-a para o trabalho, mas
VI - gestão democrática do ensino público, na forma também para a vida social como um todo. Contudo, a
da lei; educação tem um custo para o Estado, já que nem to-
VII - garantia de padrão de qualidade. dos podem arcar com o custeio de ensino privado.
VIII - piso salarial profissional nacional para os pro- No título VIII, que aborda a ordem social, delimita-se
fissionais da educação escolar pública, nos termos de a questão da obrigação do Estado com relação ao direi-
lei federal. to à educação, assim como menciona-se quais outros
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de agentes responsáveis pela efetivação deste direito.
trabalhadores considerados profissionais da educação Neste sentido, o artigo 205, CF, prevê: “A educação,
básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração direito de todos e dever do Estado e da família, será
ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito promovida e incentivada com a colaboração da socie-
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu- dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
nicípios. preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho”.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didá- Resta claro que a educação não é um dever exclusivo
tico-científica, administrativa e de gestão financeira e do Estado, mas da sociedade como um todo e, princi-
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissocia- palmente, da família. Depreende-se que educação vai
bilidade entre ensino, pesquisa e extensão. além do mero aprendizado de conteúdos e envolve a
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, educação para a cidadania e o comportamento ético
técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (In- em sociedade – a educação da qual o constituinte fala
cluído pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996) não é apenas a formal, mas também a informal.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições Por seu turno, o artigo 206 da Constituição estabele-
de pesquisa científica e tecnológica. (Incluído pela ce os princípios que devem guiar o ensino:
Emenda Constitucional nº 11, de 1996) - “igualdade de condições para o acesso e perma-
nência na escola”, que significa a compreensão
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efe- de que a educação é um direito de todos e não
tivado mediante a garantia de: apenas dos mais favorecidos, cabendo ao Estado
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua- investir para que os menos favorecidos ingressem
tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada in- e permaneçam na escola;
clusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não - “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divul-
tiveram acesso na idade própria; gar o pensamento, a arte e o saber”, de forma
II - progressiva universalização do ensino médio gra-
que o ensino tem um caráter ativo e passivo, indo
tuito;
além da compreensão de conteúdos dogmático
III - atendimento educacional especializado aos por-
se abrangendo também os processos criativos;
tadores de deficiência, preferencialmente na rede re-
- “pluralismo de ideias e de concepções pedagógi-
gular de ensino;
cas, e coexistência de instituições públicas e pri-
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às
vadas de ensino”, de modo que não se entende
crianças até 5 (cinco) anos de idade;
haver um único método de ensino, uma única ma-
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pes-
neira de aprender, permitindo a exploração das
quisa e da criação artística, segundo a capacidade de
atividades educacionais também por instituições
cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às privadas. A respeito das instituições privadas, o
condições do educando; artigo 209, CF prevê que “o ensino é livre à ini-
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da ciativa privada, atendidas as seguintes condições:
educação básica, por meio de programas suplementa- I - cumprimento das normas gerais da educação
res de material didático escolar, transporte, alimenta- nacional; II - autorização e avaliação de qualidade
ção e assistência à saúde. pelo Poder Público”;
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito - “gratuidade do ensino público em estabelecimen-
público subjetivo. tos oficiais”, sendo esta a principal vertente de im-
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo plementação do direito à educação pelo Estado;
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa respon- - “valorização dos profissionais da educação esco-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

sabilidade da autoridade competente. lar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira,


§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educan- com ingresso exclusivamente por concurso pú-
dos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e blico de provas e títulos, aos das redes públicas”,
zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência bem como “piso salarial profissional nacional para
à escola. os profissionais da educação escolar pública, nos
termos de lei federal”, pois sem a valorização dos
[...] profissionais responsáveis pelo ensino será ina-

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tingível o seu aperfeiçoamento. Além disso, “a lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados
profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de
carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (artigo 206, parágrafo único,
CF);
- “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”, remetendo ao direito de participação popular na to-
mada de decisões políticas referentes às atividades de ensino; e
- “garantia de padrão de qualidade”, posto que sem qualidade de ensino é impossível atingir uma melhoria na
qualificação pessoal e profissional dos nacionais.

Enquanto que os artigos 205 e 206 da Constituição possuem uma menor densidade normativa, colacionando
princípios diretores e ideias basilares, o artigo 208 volta-se à regulamentação do modo pelo qual o Estado efetivará
o direito à educação.
Interessante notar, em primeira análise, que o Estado se exime da obrigatoriedade no fornecimento de educação
superior, no art. 208, V, quando assegura, apenas, o “acesso” aos níveis mais elevados de ensino, pesquisa e cria-
ção artística. Fica denotada ausência de comprometimento orçamentário e infraestrutural estatal com um número
suficiente de universidades/faculdades públicas aptas a recepcionar o maciço contingente de alunos que saem da
camada básica de ensino, sendo, pois, clarividente exemplo de aplicação da reserva do possível dentro da Constitui-
ção. Ainda, é preciso observar que se utiliza a expressão “segundo a capacidade de cada um”, de forma que o critério
para admissão em universidades/faculdades públicas é, somente, pelo preparo intelectual do cidadão, a ser testado
em avaliações com tal fito, como o vestibular e o exame nacional do ensino médio.

#FicaDica
A abrangência do dever do Estado em relação à educação, nos termos do artigo 208, CF, envolve:
- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade;
- universalização progressiva do ensino médio gratuito;
- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;
- educação infantil às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística (entra aqui o ensino superior);
- oferta de ensino noturno;
- atendimento por programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assis-
tência à saúde;
- zelo, junto aos pais, da frequência dos alunos do ensino fundamental.
*** Apenas a educação básica – ensino fundamental – é obrigatória e gratuita de forma universal – CONSI-
DERA-SE DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO, sendo que seu não oferecimento gera responsabilidade do adminis-
trador.

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:


I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental.
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus siste-
mas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas
federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de
oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
LEGISLAÇÃO FEDERAL

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela


Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. (Incluído pela Emen-
da Constitucional nº 14, de 1996)
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão
formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.(Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009)

15
§ 5º A educação básica pública atenderá priorita- e tecnológica poderão receber apoio financeiro do
riamente ao ensino regular. (Incluído pela Emenda Poder Público.   (Redação dada pela Emenda Consti-
Constitucional nº 53, de 2006) tucional nº 85, de 2015)
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca me- Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de edu-
nos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os cação, de duração decenal, com o objetivo de arti-
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da cular o sistema nacional de educação em regime
receita resultante de impostos, compreendida a pro- de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas
veniente de transferências, na manutenção e desen- e estratégias de implementação para assegurar a
volvimento do ensino. manutenção e desenvolvimento do ensino em seus
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferi- diversos níveis, etapas e modalidades por meio de
da pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos ações integradas dos poderes públicos das diferentes
Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municí- esferas federativas que conduzam a: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
pios, não é considerada, para efeito do cálculo pre-
I - erradicação do analfabetismo;
visto neste artigo, receita do governo que a transferir.
II - universalização do atendimento escolar;
§ 2º Para efeito do cumprimento do disposto no III - melhoria da qualidade do ensino;
«caput» deste artigo, serão considerados os sistemas IV - formação para o trabalho;
de ensino federal, estadual e municipal e os recursos V - promoção humanística, científica e tecnológica
aplicados na forma do art. 213. do País.
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará VI - estabelecimento de meta de aplicação de recur-
prioridade ao atendimento das necessidades do en- sos públicos em educação como proporção do produ-
sino obrigatório, no que se refere a universalização, to interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucio-
garantia de padrão de qualidade e equidade, nos ter- nal nº 59, de 2009)
mos do plano nacional de educação. (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) CAPÍTULO VII
§ 4º Os programas suplementares de alimentação e Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem
assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão e do Idoso
financiados com recursos provenientes de contribui- (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65,
ções sociais e outros recursos orçamentários. de 2010)
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adi-
cional de financiamento a contribuição social do sa- Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Esta-
do assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
lário-educação, recolhida pelas empresas na forma
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissiona-
53, de 2006) lização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecada- dade e à convivência familiar e comunitária, além
ção da contribuição social do salário-educação serão de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
distribuídas proporcionalmente ao número de alunos discriminação, exploração, violência, crueldade e
matriculados na educação básica nas respectivas re- opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucio-
des públicas de ensino. (Incluído pela Emenda Cons- nal nº 65, de 2010)
titucional nº 53, de 2006) § 1º O Estado promoverá programas de assistência
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às integral à saúde da criança, do adolescente e do jo-
escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas co- vem, admitida a participação de entidades não go-
munitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas vernamentais, mediante políticas específicas e obe-
em lei, que: decendo aos seguintes preceitos: (Redação dada
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
seus excedentes financeiros em educação; I - aplicação de percentual dos recursos públicos
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a ou- destinados à saúde na assistência materno-infantil;
tra escola comunitária, filantrópica ou confessional, II - criação de programas de prevenção e atendi-
ou ao Poder Público, no caso de encerramento de mento especializado para as pessoas portadoras de
deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
suas atividades.
integração social do adolescente e do jovem porta-
§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão
dor de deficiência, mediante o treinamento para o
ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fun- trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso
damental e médio, na forma da lei, para os que de- aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de
monstrarem insuficiência de recursos, quando hou- obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de
LEGISLAÇÃO FEDERAL

ver falta de vagas e cursos regulares da rede pública discriminação. (Redação dada Pela Emenda Consti-
na localidade da residência do educando, ficando o tucional nº 65, de 2010)
Poder Público obrigado a investir prioritariamente na § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos
expansão de sua rede na localidade. logradouros e dos edifícios de uso público e de fa-
§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estí- bricação de veículos de transporte coletivo, a fim de
mulo e fomento à inovação realizadas por universi- garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
dades e/ou por instituições de educação profissional deficiência.

16
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada Pela Emenda Constitucional
nº 65, de 2010)
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e
defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em de-
senvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao
acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de
entorpecentes e drogas afins. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efe-
tivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,
proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº
65, de 2010)
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público
para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

EXERCÍCIOS COMENTADOS

1. (PC-PI – DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL – NUCEPE – 2018)


A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Aponte a
alternativa incorreta.

a) A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo indeterminado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público.
b) As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em
comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos
em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
c) É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical.
d) O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.
e) A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e definirá os critérios
de sua admissão.

Resposta: Letra A. O erro encontra-se na palavra “indeterminado”: se a necessidade excepcional é temporária,


então o correto seria dizer que a contratação é por tempo determinado. O candidato deve estar bastante atento e
fazer uma leitura minuciosa de cada alternativa para não cair nesse tipo de “pegadinha” muito comum em ques-
tões de múltipla escolha.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

2. (DPE/GO - Defensor Público - UFG/2014) A leitura do lema “Educação: direito de todos e dever do Estado!” à
luz do Direito Constitucional favorece o entendimento de que:

a)o direito fundamental à educação exclui o direito à creche, dado tratar-se de dever da família.
b) a educação é dever exclusivo do Estado, sendo, portanto, alheio à família e à sociedade.
c) o dever do Estado com a educação dos deficientes é de atendimento educacional especializado, obrigatoriamente,
fora da rede regular de ensino.

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d) a gratuidade do ensino público veda a percepção ,
de quaisquer valores pelos estabelecimentos oficiais BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO
ainda que de cunho voluntário. DE 1990. DISPÕE SOBRE O ESTATUTO DA
e) a omissão no oferecimento do ensino obrigatório CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DÁ OUTRAS
pelo poder público importa em responsabilidade da PROVIDÊNCIAS. BRASÍLIA, DF, 1990.
autoridade competente.
ARTIGOS 53 A 59 E 136 A 137.
Resposta: Letra E. Em que pese o direito à educação
ser um direito de segunda dimensão, classicamente
relacionado à ideia de norma programática do texto Dispõe a lei sobre a proteção à criança e o adolescente,
constitucional, as promessas feitas pelo constituinte provendo-se também outras providências, como direitos
não podem ser tomadas de forma vã. A omissão do e deveres. Importante salientar que há nesta lei a previsão
Estado em garantir a gratuidade do ensino público, dos atos infracionais praticados por criança e adolescente,
assegurada no artigo 206, IV, CF, gera responsabilida- bem como crimes em espécies praticados contra estes.
de da autoridade que deveria ter tomado providên- De acordo com a lei, considera-se criança a pessoa até
cias para tanto. doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela
A. Incorreto, o artigo 208, IV, CF prevê o dever do entre doze e dezoito anos de idade. Excepcionalmente,
Estado de fornecer creche: “educação infantil, em em casos previstos em lei, aplicar-se-á a lei para pessoas
creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de de dezoito anos até vinte e um anos de idade.
idade”. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
B. Incorreto, nos termos do artigo 205, CF a educação fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
é “direito de todos e dever do Estado e da família”. da proteção integral de que trata o ECA, assegurando-
C. Incorreto, a preferência é que o atendimento es- -se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportu-
pecializado ocorra dentro da rede regular de ensino, nidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desen-
conforme artigo 208, III, CF. volvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
D. Incorreto, a gratuidade do ensino público não condições de liberdade e de dignidade.
veda a percepção de valores pelos estabelecimentos Importante ressaltar que é dever da família, da comu-
oficiais, inserindo-se aqui as contribuições de cunho nidade, da sociedade em geral e do poder público asse-
voluntário e eventuais valores para cobertura de cus- gurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
tos para alunos em situação especial, entre outros.
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
Explica-se que a garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quais-
quer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos
ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das polí-
ticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juven-
tude.

Por fim, nenhuma criança ou adolescente será objeto


de qualquer forma de negligência, discriminação, explo-
ração, violência, crueldade e opressão, punido na forma
da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Acerca dos Direitos Fundamentais da criança e do
adolescente, observa-se o título II do ECA, onde estão
previstos direitos à vida e à saúde (inclusive de pré-natal),
de liberdade, respeito e à dignidade, sendo assegurado
às crianças e adolescentes os direitos de :
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
LEGISLAÇÃO FEDERAL

comunitários, ressalvadas as restrições legais;


II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem dis-
criminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.

18
Não obstante aos direitos expostos acima, a criança Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensi-
e o adolescente são providos de direitos à convivência no fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os
familiar e comunitária, como meio de desenvolvimento casos de:
integral dos mesmo; o Direito à educação, cultura ao es- I - maus-tratos envolvendo seus alunos;
porte e ao lazer, em igual condições entre todos; e o Di- II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão es-
reito à profissionalização e à proteção no trabalho. colar, esgotados os recursos escolares;
Observar-se-á, agora, a letra seca da lei disposta no III - elevados níveis de repetência.
concurso em questão: Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, ex-
periências e novas propostas relativas a calendário,
Capítulo IV seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação,
Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao com vistas à inserção de crianças e adolescentes ex-
Lazer cluídos do ensino fundamental obrigatório.
Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à edu- valores culturais, artísticos e históricos próprios do
cação, visando ao pleno desenvolvimento de sua contexto social da criança e do adolescente, garan-
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qua- tindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às
lificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: fontes de cultura.
I - igualdade de condições para o acesso e perma- Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da
nência na escola; União, estimularão e facilitarão a destinação de re-
II - direito de ser respeitado por seus educadores; cursos e espaços para programações culturais, es-
III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo portivas e de lazer voltadas para a infância e a ju-
recorrer às instâncias escolares superiores; ventude.
IV - direito de organização e participação em entida-
des estudantis; Das Atribuições do Conselho
V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
residência. Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses
ter ciência do processo pedagógico, bem como par- previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas
ticipar da definição das propostas educacionais. previstas no art. 101, I a VII;
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao II - atender e aconselhar os pais ou responsável, apli-
adolescente: cando as medidas previstas no art. 129, I a VII;
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclu- III - promover a execução de suas decisões, podendo
sive para os que a ele não tiveram acesso na idade para tanto:
própria; a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde,
II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratui- educação, serviço social, previdência, trabalho e se-
dade ao ensino médio; gurança;
III - atendimento educacional especializado aos por- b) representar junto à autoridade judiciária nos casos
tadores de deficiência, preferencialmente na rede re- de descumprimento injustificado de suas delibera-
gular de ensino; ções.
IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato
de zero a cinco anos de idade; que constitua infração administrativa ou penal con-
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da tra os direitos da criança ou adolescente;
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de
de cada um; sua competência;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às VI - providenciar a medida estabelecida pela autori-
condições do adolescente trabalhador; dade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a
VII - atendimento no ensino fundamental, através de VI, para o adolescente autor de ato infracional;
programas suplementares de material didático-esco- VII - expedir notificações;
lar, transporte, alimentação e assistência à saúde. VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é di- de criança ou adolescente quando necessário;
reito público subjetivo. IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração
§ 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo da proposta orçamentária para planos e programas
poder público ou sua oferta irregular importa res- de atendimento dos direitos da criança e do adoles-
ponsabilidade da autoridade competente. cente;
LEGISLAÇÃO FEDERAL

§ 3º Compete ao poder público recensear os educan- X - representar, em nome da pessoa e da família,


dos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e contra a violação dos direitos previstos no art. 220, §
zelar, junto aos pais ou responsável, pela freqüência 3º, inciso II, da Constituição Federal;
à escola. XI - representar ao Ministério Público para efeito
Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de das ações de perda ou suspensão do poder familiar,
matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de após esgotadas as possibilidades de manutenção da
ensino. criança ou do adolescente junto à família natural.

19
XII - promover e incentivar, na comunidade e nos interesse social, mediante JUSTA e PRÉVIA indenização
grupos profissionais, ações de divulgação e treina- em DINHEIRO, ressalvados os casos previstos nesta
mento para o reconhecimento de sintomas de maus- Constituição;
-tratos em crianças e adolescentes. A letra “c” esta em conformidade com o Art. 5º, XXXIII,
Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, que diz: todos têm direito a receber dos órgãos públi-
o Conselho Tutelar entender necessário o afasta- cos informações de seu interesse particular, ou de in-
mento do convívio familiar, comunicará incontinenti teresse coletivo ou geral, que serão prestadas no pra-
o fato ao Ministério Público, prestando-lhe infor- zo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
mações sobre os motivos de tal entendimento e as aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
providências tomadas para a orientação, o apoio e a sociedade e do Estado;
promoção social da família. A letra “d” esta errada, posto que o Art. 5º, XXIX, diz
Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente que: a lei assegurará aos autores de inventos indus-
poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pe- triais privilégio TEMPORÁRIO para sua utilização, bem
dido de quem tenha legítimo interesse. como proteção às criações industriais, à propriedade
das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos
distintivos, tendo em vista o interesse social e o desen-
volvimento tecnológico e econômico do País;
EXERCÍCIO COMENTADO A letra “e” esta errada, posto que o Art. 5º, XXV, diz
que: no caso de iminente perigo público, a autorida-
1- Ano: 2018 Banca: FCC Órgão: TRT - 6ª Região (PE) de competente poderá usar de propriedade particular,
Prova: FCC - 2018 - TRT - 6ª Região (PE) - Analista Ju- assegurada ao proprietário indenização ULTERIOR, SE
diciário - Oficial de Justiça Avaliador Federal HOUVER DANO;
Acerca do que dispõe a Constituição Federal sobre os
direitos e deveres individuais e coletivos:
BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE
a) A pequena propriedade rural, assim definida em lei, 1996. ESTABELECE AS DIRETRIZES E BASES
desde que trabalhada pela família, poderá ser objeto DA EDUCAÇÃO NACIONAL. BRASÍLIA, DF,
de penhora para pagamento de débitos decorrentes de 1996.
sua atividade produtiva, mas não de desapropriação.
b) A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização com paga- A lei estudada neste tópico “estabelece as diretrizes
mento mediante títulos da dívida pública de emissão e bases da educação nacional”. Data de 20 de dezembro
previamente aprovada pelo Congresso Nacional. de 1996, tendo sido promulgada pelo ex-presidente Fer-
c) Todos têm direito a receber dos órgãos públicos in- nando Henrique Cardoso, mas já passou por inúmeras
formações de seu interesse particular, ou de interes- alterações desde então. Partamos para o comentário em
se coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da bloco de seus dispositivos:
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da socieda- TÍTULO I
de e do Estado. DA EDUCAÇÃO
d) A lei assegurará aos autores de inventos industriais pri-
vilégio perpétuo de sua utilização, bem como prote- Art. 1º A educação abrange os processos formativos
ção às criações industriais, à propriedade das marcas, que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pes-
tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento quisa, nos movimentos sociais e organizações da so-
tecnológico e econômico do país. ciedade civil e nas manifestações culturais.
e) No caso de iminente perigo público, a autoridade § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se de-
competente poderá usar de propriedade particular, senvolve, predominantemente, por meio do ensino,
assegurada ao proprietário indenização prévia, sujeita em instituições próprias.
a complementação posterior, na hipótese de ocorrên- § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo
cia de dano. do trabalho e à prática social.

Comentário: A alternativa correta é a letra C. O primeiro artigo da LDB estabelece que a educação
A letra “a” esta errada, posto que o Art. 5º, XXVI, diz é um processo que não se dá exclusivamente nas esco-
que: a pequena propriedade rural, assim definida em las. Trata-se da clássica distinção entre educação formal
LEGISLAÇÃO FEDERAL

lei, desde que trabalhada pela família, NÃO SERÁ ob- e não formal ou informal: “A educação formal é aquela
jeto de penhora para pagamento de débitos decor- desenvolvida nas escolas, com conteúdos previamente
rentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre demarcados; a informal como aquela que os indivíduos
os meios de financiar o seu desenvolvimento; aprendem durante seu processo de socialização - na fa-
A letra “b” esta errada, posto que oArt. 5º, XXIV, diz mília, bairro, clube, amigos, etc., carregada de valores e
que: a lei estabelecerá o procedimento para desapro- cultura própria, de pertencimento e sentimentos herda-
priação por necessidade ou utilidade pública, ou por dos; e a educação não formal é aquela que se apren-

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de ‘no mundo da vida’, via os processos de comparti- TÍTULO III
lhamento de experiências, principalmente em espaços e DO DIREITO À EDUCAÇÃO E DO DEVER DE EDUCAR
ações coletivas cotidianas” . A LDB disciplina apenas a
educação escolar, ou seja, a educação formal, que não Art. 4º O dever do Estado com educação escolar públi-
exclui o papel das famílias e das comunidades na educa- ca será efetivado mediante a garantia de:
ção informal. I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua-
tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
seguinte forma:
#FicaDica a) pré-escola;
b) ensino fundamental;
Educação formal – escolar c) ensino médio;
Educação informal – comunitária, familiar, II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cin-
religiosa. co) anos de idade;
III - atendimento educacional especializado gratuito
aos educandos com deficiência, transtornos globais do
TÍTULO II desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
DOS PRINCÍPIOS E FINS DA EDUCAÇÃO NACIONAL transversal a todos os níveis, etapas e modalidades,
preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, ins- IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental
pirada nos princípios de liberdade e nos ideais de soli- e médio para todos os que não os concluíram na idade
dariedade humana, tem por finalidade o pleno desen- própria;
volvimento do educando, seu preparo para o exercício V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pes-
da cidadania e sua qualificação para o trabalho. quisa e da criação artística, segundo a capacidade de
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguin- cada um;
tes princípios: VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
condições do educando;
I - igualdade de condições para o acesso e permanên-
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e
cia na escola;
adultos, com características e modalidades adequadas
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se
a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
aos que forem trabalhadores as condições de acesso e
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
permanência na escola;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas
V - coexistência de instituições públicas e privadas de
da educação básica, por meio de programas suple-
ensino; mentares de material didático-escolar, transporte, ali-
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimen- mentação e assistência à saúde;
tos oficiais; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, defi-
VII - valorização do profissional da educação escolar; nidos como a variedade e quantidade mínimas, por
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento
desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; do processo de ensino-aprendizagem.
IX - garantia de padrão de qualidade; X - vaga na escola pública de educação infantil ou de
X - valorização da experiência extraescolar; ensino fundamental mais próxima de sua residência a
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e toda criança a partir do dia em que completar 4 (qua-
as práticas sociais; tro) anos de idade.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial; Art. 4º-A. É assegurado atendimento educacional, du-
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem rante o período de internação, ao aluno da educação
ao longo da vida. básica internado para tratamento de saúde em regime
hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, con-
A educação escolar deve permitir a formação do cida- forme dispuser o Poder Público em regulamento, na
dão e do trabalhador: uma pessoa que consiga se inserir esfera de sua competência federativa.
no mercado de trabalho e ter noções adequadas de ci- Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direi-
dadania e solidariedade no convívio social. Entre os prin- to público subjetivo, podendo qualquer cidadão, gru-
cípios, trabalha-se com o direito de acesso à educação po de cidadãos, associação comunitária, organização
de qualidade (gratuita nos estabelecimentos públicos), a sindical, entidade de classe ou outra legalmente cons-
liberdade nas atividades de ensino em geral (tanto para o tituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder
educador quanto para o educado), a valorização do pro- público para exigi-lo.
fessor, o incentivo à educação informal e o respeito às § 1º O poder público, na esfera de sua competência
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diversidades de ideias, gêneros, raça e cor. federativa, deverá:


I - recensear anualmente as crianças e adolescentes
em idade escolar, bem como os jovens e adultos que
#FicaDica não concluíram a educação básica;
II - fazer-lhes a chamada pública;
A educação é dever da família e do Estado. III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequên-
cia à escola.

21
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Pú- Conforme se percebe pelo artigo 4º, divide-se em eta-
blico assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino pas a formação escolar, nos seguintes termos:
obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando - A educação básica é obrigatória e gratuita. Envolve a
em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio.
conforme as prioridades constitucionais e legais. A educação infantil deve ser garantida próxima à
§ 3º Qualquer das partes mencionadas no caput deste residência. Com efeito, existe a garantia do direito
artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judi- à creche gratuita. No mais, pessoas fora da idade
ciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição escolar que queiram completar seus estudos têm di-
Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judi- reito ao ensino fundamental e médio.
cial correspondente. - A educação superior envolve os níveis mais elevados
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade com- do ensino, da pesquisa e da criação artística, deven-
petente para garantir o oferecimento do ensino obri- do ser acessível conforme a capacidade de cada um.
gatório, poderá ela ser imputada por crime de res- - Neste contexto, devem ser assegurados programas
ponsabilidade. suplementares de material didático-escolar, trans-
§ 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade porte, alimentação e assistência à saúde.
de ensino, o Poder Público criará formas alternativas
de acesso aos diferentes níveis de ensino, indepen- O artigo 5º reitera a gratuidade e obrigatoriedade do
dentemente da escolarização anterior. ensino básico e assegura a possibilidade de se buscar ju-
dicialmente a garantia deste direito em caso de negativa
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a ma-
pelo poder público. Será possível fazê-lo por meio de man-
trícula das crianças na educação básica a partir dos 4
dado de segurança ou ação civil pública. Além da judi-
(quatro) anos de idade.
cialização para fazer valer o direito na esfera cível, cabe
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas
em caso de negligência o acionamento na esfera penal,
as seguintes condições: buscando-se a punição por crime de responsabilidade.
I - cumprimento das normas gerais da educação na- Adiante, coloca-se o dever dos pais ou responsáveis
cional e do respectivo sistema de ensino; efetuar a matrícula da criança.
II - autorização de funcionamento e avaliação de Por fim, o artigo 7º estabelece a possibilidade do ensi-
qualidade pelo Poder Público; no particular, desde que sejam respeitadas as normas da
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o educação nacional, autorizado o funcionamento pelo po-
previsto no art. 213 da Constituição Federal. der público e que tenha possibilidade de se manter inde-
Art. 7º-A Ao aluno regularmente matriculado em pendentemente de auxílio estatal, embora exista previsão
instituição de ensino pública ou privada, de qualquer de tais auxílios em circunstâncias determinadas descritas
nível, é assegurado, no exercício da liberdade de cons- no artigo 213, CF.
ciência e de crença, o direito de, mediante prévio e Já o artigo 7o-A, passando a valer em 03 de março de
motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de 2019, disciplina o direito do aluno de, por motivo religioso,
aula marcada para dia em que, segundo os preceitos faltar à aula ou à prova, devendo ser aplicada atividade ou
de sua religião, seja vedado o exercício de tais ativida- aula substitutiva para eventual reposição.
des, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição
e sem custos para o aluno, uma das seguintes presta-
#FicaDica
ções alternativas, nos termos do inciso VIII do caput
do art. 5º da Constituição Federal: A LDB amplia o conteúdo da própria CF, ao
I - prova ou aula de reposição, conforme o caso, a ser garantir não apenas o ensino fundamental,
realizada em data alternativa, no turno de estudo do mas todo o ensino básico (pré-escola,
aluno ou em outro horário agendado com sua anuên- fundamental e médio) como obrigatório
cia expressa; e gratuito, também prevendo de forma
II - trabalho escrito ou outra modalidade de atividade expressa a gratuidade do ensino infantil
de pesquisa, com tema, objetivo e data de entrega (creches).
definidos pela instituição de ensino.
§ 1º A prestação alternativa deverá observar os pa-
TÍTULO IV
râmetros curriculares e o plano de aula do dia da au-
DA ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NACIONAL
sência do aluno.
§ 2º O cumprimento das formas de prestação alter- Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
nativa de que trata este artigo substituirá a obrigação nicípios organizarão, em regime de colaboração, os
original para todos os efeitos, inclusive regularização respectivos sistemas de ensino.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

do registro de frequência. § 1º Caberá à União a coordenação da política na-


§ 3º As instituições de ensino implementarão pro- cional de educação, articulando os diferentes níveis e
gressivamente, no prazo de 2 (dois) anos, as provi- sistemas e exercendo função normativa, redistributiva
dências e adaptações necessárias à adequação de seu e supletiva em relação às demais instâncias educa-
funcionamento às medidas previstas neste artigo. cionais.
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica ao ensino § 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organi-
militar a que se refere o art. 83 desta Lei. zação nos termos desta Lei.

22
Art. 9º A União incumbir-se-á de: IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e
I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em cola- avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de
boração com os Estados, o Distrito Federal e os Mu- educação superior e os estabelecimentos do seu siste-
nicípios; ma de ensino;
II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e ins- V - baixar normas complementares para o seu siste-
tituições oficiais do sistema federal de ensino e o dos ma de ensino;
Territórios; VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com
III - prestar assistência técnica e financeira aos Esta- prioridade, o ensino médio a todos que o demanda-
dos, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desen- rem, respeitado o disposto no art. 38 desta Lei;
volvimento de seus sistemas de ensino e o atendimen- VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede
to prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo estadual.
sua função redistributiva e supletiva; Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as
IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o competências referentes aos Estados e aos Municípios.
Distrito Federal e os Municípios, competências e dire-
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
trizes para a educação infantil, o ensino fundamental
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e insti-
e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus
tuições oficiais dos seus sistemas de ensino, integran-
conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação
do-os às políticas e planos educacionais da União e
básica comum;
IV-A - estabelecer, em colaboração com os Estados, o dos Estados;
Distrito Federal e os Municípios, diretrizes e procedi- II - exercer ação redistributiva em relação às suas es-
mentos para identificação, cadastramento e atendi- colas;
mento, na educação básica e na educação superior, de III - baixar normas complementares para o seu siste-
alunos com altas habilidades ou superdotação; ma de ensino;
V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabele-
educação; cimentos do seu sistema de ensino;
VI - assegurar processo nacional de avaliação do V - oferecer a educação infantil em creches e pré-es-
rendimento escolar no ensino fundamental, médio e colas, e, com prioridade, o ensino fundamental, per-
superior, em colaboração com os sistemas de ensino, mitida a atuação em outros níveis de ensino somente
objetivando a definição de prioridades e a melhoria da quando estiverem atendidas plenamente as necessi-
qualidade do ensino; dades de sua área de competência e com recursos aci-
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação ma dos percentuais mínimos vinculados pela Consti-
e pós-graduação; tuição Federal à manutenção e desenvolvimento do
VIII - assegurar processo nacional de avaliação das ensino.
instituições de educação superior, com a cooperação VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede
dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este municipal.
nível de ensino; Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda,
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e por se integrar ao sistema estadual de ensino ou com-
avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de por com ele um sistema único de educação básica.
educação superior e os estabelecimentos do seu siste- Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as
ma de ensino. normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão
§ 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho a incumbência de:
Nacional de Educação, com funções normativas e de
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
supervisão e atividade permanente, criado por lei.
II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais
§ 2° Para o cumprimento do disposto nos incisos V a
e financeiros;
IX, a União terá acesso a todos os dados e informa-
III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-
ções necessários de todos os estabelecimentos e ór-
gãos educacionais. -aula estabelecidas;
§ 3º As atribuições constantes do inciso IX poderão ser IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de
delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que cada docente;
mantenham instituições de educação superior. V - prover meios para a recuperação dos alunos de
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: menor rendimento;
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e insti- VI - articular-se com as famílias e a comunidade,
tuições oficiais dos seus sistemas de ensino; criando processos de integração da sociedade com a
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração escola;
na oferta do ensino fundamental, as quais devem as- VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus
segurar a distribuição proporcional das responsabili- filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a
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dades, de acordo com a população a ser atendida e os frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre
recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas a execução da proposta pedagógica da escola;
esferas do Poder Público; VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município a
III - elaborar e executar políticas e planos educacio- relação dos alunos que apresentem quantidade de
nais, em consonância com as diretrizes e planos na- faltas acima de 30% (trinta por cento) do percen-
cionais de educação, integrando e coordenando as tual permitido em lei; (Redação dada pela Lei nº
suas ações e as dos seus Municípios; 13.803, de 2019)

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IX - promover medidas de conscientização, de preven- I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorpo-
ção e de combate a todos os tipos de violência, es- radas, mantidas e administradas pelo Poder Público;
pecialmente a intimidação sistemática (bullying), no II - privadas, assim entendidas as mantidas e adminis-
âmbito das escolas; tradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura Art. 20. As instituições privadas de ensino se enquadra-
de paz nas escolas. rão nas seguintes categorias:
Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as
I - participar da elaboração da proposta pedagógica que são instituídas e mantidas por uma ou mais pes-
do estabelecimento de ensino; soas físicas ou jurídicas de direito privado que não apre-
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a sentem as características dos incisos abaixo;
proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - comunitárias, assim entendidas as que são instituí-
III - zelar pela aprendizagem dos alunos; das por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
IV - estabelecer estratégias de recuperação para os pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais,
alunos de menor rendimento; sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade man-
V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabeleci- tenedora representantes da comunidade;
dos, além de participar integralmente dos períodos III - confessionais, assim entendidas as que são instituídas
dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desen- por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas
volvimento profissional; jurídicas que atendem a orientação confessional e ideolo-
VI - colaborar com as atividades de articulação da es- gia específicas e ao disposto no inciso anterior;
cola com as famílias e a comunidade. IV - filantrópicas, na forma da lei.
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da
gestão democrática do ensino público na educação A LDB estabelece um regime de colaboração entre
básica, de acordo com as suas peculiaridades e con- as entidades de ensino nas esferas federativas diversas,
forme os seguintes princípios: no entanto, coloca competência à União de encabeçar e
coordenar os sistemas de ensino. Tal papel de liderança,
I - participação dos profissionais da educação na ela-
descrito no artigo 9º, envolve poderes de regulação e de
boração do projeto pedagógico da escola;
controle, autorizando funcionamento ou suspendendo-o,
II - participação das comunidades escolar e local em
realizando avaliação constante de desempenho, entre ou-
conselhos escolares ou equivalentes.
tros deveres.
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unida-
Uma nota interessante é reparar que o artigo 10 esta-
des escolares públicas de educação básica que os in-
belece o dever dos Estados de garantir a educação no en-
tegram progressivos graus de autonomia pedagógica sino fundamental e priorizar a educação no ensino médio,
e administrativa e de gestão financeira, observadas as ao passo que o artigo 11 coloca o dever dos municípios
normas gerais de direito financeiro público. de garantir a educação infantil e priorizar a educação fun-
Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: damental. É possível, ainda, integrar educação municipal e
I - as instituições de ensino mantidas pela União; estadual em um sistema único.
II - as instituições de educação superior criadas e Quanto às questões pedagógicas e de gestão dos esta-
mantidas pela iniciativa privada; belecimentos de ensino, incumbe a eles próprios, em inte-
III - os órgãos federais de educação. gração com seus docentes. Este processo de interação entre
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito instituição e docente, bem como destes com a comunidade
Federal compreendem: local, é conhecido como gestão democrática.
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamen-
te, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal;
II - as instituições de educação superior mantidas pelo #FicaDica
Poder Público municipal;
III - as instituições de ensino fundamental e médio O regime de colaboração impõe que a União,
criadas e mantidas pela iniciativa privada; os Estados, o DF e os Municípios partilhem
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Fe- do dever de fornecer educação à população,
deral, respectivamente. cada um em sua esfera de competência,
Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de mas de forma colaborativa, compartilhando
educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa vivência e redistribuindo recursos humanos e
privada, integram seu sistema de ensino. materiais.
Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreen-
dem: TÍTULO V
I - as instituições do ensino fundamental, médio e de DOS NÍVEIS E DAS MODALIDADES DE EDUCAÇÃO
educação infantil mantidas pelo Poder Público muni- E ENSINO
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cipal; CAPÍTULO I
II - as instituições de educação infantil criadas e man- DA COMPOSIÇÃO DOS NÍVEIS ESCOLARES
tidas pela iniciativa privada;
III - os órgãos municipais de educação. Art. 21. A educação escolar compõe-se de:
Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes ní- I - educação básica, formada pela educação infantil,
veis classificam-se nas seguintes categorias admi- ensino fundamental e ensino médio;
nistrativas: II - educação superior.

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CAPÍTULO II c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries me-
DA EDUCAÇÃO BÁSICA diante verificação do aprendizado;
SEÇÃO I d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de pre-
ferência paralelos ao período letivo, para os casos de
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desen- baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas
volver o educando, assegurar-lhe a formação comum instituições de ensino em seus regimentos;
indispensável para o exercício da cidadania e forne- VI - o controle de frequência fica a cargo da escola,
cer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos conforme o disposto no seu regimento e nas normas
posteriores. do respectivo sistema de ensino, exigida a frequência
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em mínima de setenta e cinco por cento do total de horas
séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância letivas para aprovação;
regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, VII - cabe a cada instituição de ensino expedir his-
com base na idade, na competência e em outros cri- tóricos escolares, declarações de conclusão de série e
térios, ou por forma diversa de organização, sempre diplomas ou certificados de conclusão de cursos, com
que o interesse do processo de aprendizagem assim o as especificações cabíveis.
recomendar. § 1º A carga horária mínima anual de que trata o in-
§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusi- ciso I do caput deverá ser ampliada de forma progres-
ve quando se tratar de transferências entre estabele- siva, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas,
cimentos situados no País e no exterior, tendo como devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo má-
base as normas curriculares gerais. ximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais de
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às pecu- carga horária, a partir de 2 de março de 2017.
liaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a § 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de
critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso educação de jovens e adultos e de ensino noturno re-
reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei. gular, adequado às condições do educando, conforme
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e o inciso VI do art. 4º.
médio, será organizada de acordo com as seguintes Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades res-
regras comuns: ponsáveis alcançar relação adequada entre o número
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas de alunos e o professor, a carga horária e as condições
horas para o ensino fundamental e para o ensino mé- materiais do estabelecimento.
dio, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de en-
efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado sino, à vista das condições disponíveis e das caracte-
aos exames finais, quando houver; ; rísticas regionais e locais, estabelecer parâmetro para
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto atendimento do disposto neste artigo.
a primeira do ensino fundamental, pode ser feita: Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino
a) por promoção, para alunos que cursaram, com fundamental e do ensino médio devem ter base nacio-
aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria nal comum, a ser complementada, em cada sistema
escola; de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma
b) por transferência, para candidatos procedentes de parte diversificada, exigida pelas características regio-
outras escolas; nais e locais da sociedade, da cultura, da economia e
c) independentemente de escolarização anterior, me- dos educandos.
diante avaliação feita pela escola, que defina o grau de § 1º Os currículos a que se refere o caput devem
desenvolvimento e experiência do candidato e permita abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portu-
sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme guesa e da matemática, o conhecimento do mundo fí-
regulamentação do respectivo sistema de ensino; sico e natural e da realidade social e política, especial-
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão mente da República Federativa do Brasil, observado,
regular por série, o regimento escolar pode admitir na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino
formas de progressão parcial, desde que preservada a fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio,
sequência do currículo, observadas as normas do res- o disposto no art. 36.
pectivo sistema de ensino; § 2º O ensino da arte, especialmente em suas expres-
IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com sões regionais, constituirá componente curricular obri-
alunos de séries distintas, com níveis equivalentes de gatório da educação básica.
adiantamento na matéria, para o ensino de línguas es- § 3º A educação física, integrada à proposta pedagó-
trangeiras, artes, ou outros componentes curriculares; gica da escola, é componente curricular obrigatório da
V - a verificação do rendimento escolar observará os educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua
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seguintes critérios: prática facultativa ao aluno:


a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho I - que cumpra jornada de trabalho igual ou superior
do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos a seis horas;
sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do II - maior de trinta anos de idade;
período sobre os de eventuais provas finais; III - que estiver prestando serviço militar inicial ou que,
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos em situação similar, estiver obrigado à prática da edu-
com atraso escolar; cação física;

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IV - amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de Art. 28. Na oferta de educação básica para a popula-
outubro de 1969; ção rural, os sistemas de ensino promoverão as adapta-
V - (VETADO); ções necessárias à sua adequação às peculiaridades da
VI - que tenha prole. vida rural e de cada região, especialmente:
§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas
contribuições das diferentes culturas e etnias para a às reais necessidades e interesses dos alunos da zona
formação do povo brasileiro, especialmente das ma- rural;
trizes indígena, africana e europeia. II - organização escolar própria, incluindo adequação
§ 5o No currículo do ensino fundamental, a partir do do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às con-
sexto ano, será ofertada a língua inglesa. dições climáticas;
§ 6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro são III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
as linguagens que constituirão o componente curricu- Parágrafo único. O fechamento de escolas do campo,
lar de que trata o § 2o deste artigo. indígenas e quilombolas será precedido de manifesta-
§ 7º A integralização curricular poderá incluir, a cri- ção do órgão normativo do respectivo sistema de en-
tério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas en- sino, que considerará a justificativa apresentada pela
volvendo os temas transversais de que trata o caput. Secretaria de Educação, a análise do diagnóstico do im-
§ 8º A exibição de filmes de produção nacional consti- pacto da ação e a manifestação da comunidade escolar.
tuirá componente curricular complementar integrado
à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição A educação básica tem por papel a formação da base
obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. do educado.
§ 9o Conteúdos relativos aos direitos humanos e à Os critérios para mudança de série podem ser promo-
prevenção de todas as formas de violência contra a ção (aprovação em etapa anterior), transferência (candida-
criança e o adolescente serão incluídos, como temas tos de outras escolas) e avaliação (análise da experiência
transversais, nos currículos escolares de que trata o e desenvolvimento do candidato). O ensino poderá ser
caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069, acelerado caso necessário. Nas situações de alunos que
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Ado- não acompanhem seu ritmo, deverá ser garantida recu-
lescente), observada a produção e distribuição de ma- peração.
terial didático adequado. Exige-se, além do desempenho, a frequência de 75%,
§ 9º-A. A educação alimentar e nutricional será incluí- no mínimo, para aprovação.
da entre os temas transversais de que trata o caput. O currículo da educação básica segue uma base na-
§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares de ca- cional comum. Devem abranger língua portuguesa e da
ráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular de- matemática, o conhecimento do mundo físico e natural
penderá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e da realidade social e política. A educação física deve ser
e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação. oferecida obrigatoriamente, mas é facultativa ao aluno em
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamen- certas situações, como de trabalho, serviço militar, idade
tal e de ensino médio, públicos e privados, torna-se superior a 30 anos. Em respeito ao pluralismo, deve con-
obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasi- siderar as matrizes indígena, africana e europeia como
leira e indígena. temas transversais. Ainda em tal condição, cabe o apren-
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este ar- dizado de Conteúdos relativos aos direitos humanos e à
tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura prevenção de todas as formas de violência contra a crian-
que caracterizam a formação da população brasileira, ça e o adolescente. É obrigatório o estudo da história e
a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo cultura afro-brasileira e indígena. Ainda, a educação deve
da história da África e dos africanos, a luta dos negros considerar as peculiaridades da zona rural quando nela for
e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e in- ministrada.
dígena brasileira e o negro e o índio na formação da
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições SEÇÃO II
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à DA EDUCAÇÃO INFANTIL
história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro- Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da edu-
-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão mi- cação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
nistrados no âmbito de todo o currículo escolar, em integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus as-
especial nas áreas de educação artística e de literatura pectos físico, psicológico, intelectual e social, comple-
e história brasileiras. mentando a ação da família e da comunidade.
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de
I - a difusão de valores fundamentais ao interesse so- até três anos de idade;
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cial, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cin-
bem comum e à ordem democrática; co) anos de idade.
II - consideração das condições de escolaridade dos Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo
alunos em cada estabelecimento; com as seguintes regras comuns:
III - orientação para o trabalho; I - avaliação mediante acompanhamento e registro do
IV - promoção do desporto educacional e apoio às desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de pro-
práticas desportivas não-formais. moção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental;

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II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) públicas de ensino fundamental, assegurado o respei-
horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) to à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
dias de trabalho educacional; quaisquer formas de proselitismo.
III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os proce-
horas diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas dimentos para a definição dos conteúdos do ensino
para a jornada integral; religioso e estabelecerão as normas para a habilitação
IV - controle de frequência pela instituição de educa- e admissão dos professores.
ção pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,
(sessenta por cento) do total de horas; constituída pelas diferentes denominações religiosas,
V - expedição de documentação que permita atestar para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
os processos de desenvolvimento e aprendizagem da Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental in-
criança. cluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o pe-
A educação infantil é ministrada em creches até os ríodo de permanência na escola.
3 anos de idade e em pré-escolas dos 3 aos 5 anos de § 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das for-
idade. mas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.
§ 2º O ensino fundamental será ministrado progres-
SEÇÃO III sivamente em tempo integral, a critério dos sistemas
DO ENSINO FUNDAMENTAL de ensino.

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com dura- O ensino fundamental inicia-se aos 6 anos de idade e
ção de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, ini- tem duração de 9 anos. Além de objetivar a alfabetização,
ciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo também incentiva a formação do cidadão, da pessoa em
a formação básica do cidadão, mediante: contato com o mundo que o cerca estabelecendo víncu-
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, ten- los de solidariedade e amizade. O ensino fundamental
do como meios básicos o pleno domínio da leitura, da deve ser presencial, em regra. O ensino religioso é fa-
escrita e do cálculo; cultativo. A carga horária diária é de no mínimo 4 horas.
II - a compreensão do ambiente natural e social, do
SEÇÃO IV
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores
DO ENSINO MÉDIO
em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendiza-
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação bá-
gem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
sica, com duração mínima de três anos, terá como fi-
habilidades e a formação de atitudes e valores;
nalidades:
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços
I - a consolidação e o aprofundamento dos conheci-
de solidariedade humana e de tolerância recíproca em mentos adquiridos no ensino fundamental, possibili-
que se assenta a vida social. tando o prosseguimento de estudos;
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania
ensino fundamental em ciclos. do educando, para continuar aprendendo, de modo a
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão re- ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas con-
gular por série podem adotar no ensino fundamental dições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
o regime de progressão continuada, sem prejuízo da III - o aprimoramento do educando como pessoa hu-
avaliação do processo de ensino-aprendizagem, ob- mana, incluindo a formação ética e o desenvolvimen-
servadas as normas do respectivo sistema de ensino. to da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecno-
língua portuguesa, assegurada às comunidades indí- lógicos dos processos produtivos, relacionando a teo-
genas a utilização de suas línguas maternas e proces- ria com a prática, no ensino de cada disciplina.
sos próprios de aprendizagem. Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular defi-
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o nirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino
ensino a distância utilizado como complementação da médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de
aprendizagem ou em situações emergenciais. Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:
§ 5º O currículo do ensino fundamental incluirá, obri- I - linguagens e suas tecnologias;
gatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das II - matemática e suas tecnologias;
crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei III - ciências da natureza e suas tecnologias;
nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatu- IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
to da Criança e do Adolescente, observada a produção § 1º A parte diversificada dos currículos de que trata
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e distribuição de material didático adequado. o caput do art. 26, definida em cada sistema de en-
§ 6º O estudo sobre os símbolos nacionais será incluí- sino, deverá estar harmonizada à Base Nacional Co-
do como tema transversal nos currículos do ensino mum Curricular e ser articulada a partir do contexto
fundamental. histórico, econômico, social, ambiental e cultural.
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, § 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao
é parte integrante da formação básica do cidadão e ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e prá-
constitui disciplina dos horários normais das escolas ticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.

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§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática § 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de for-
será obrigatório nos três anos do ensino médio, asse- mação com ênfase técnica e profissional considerará:
gurada às comunidades indígenas, também, a utiliza- I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no se-
ção das respectivas línguas maternas. tor produtivo ou em ambientes de simulação, esta-
§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigato- belecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável,
riamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre
outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, pre- aprendizagem profissional;
ferencialmente o espanhol, de acordo com a dispo- II - a possibilidade de concessão de certificados inter-
nibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos mediários de qualificação para o trabalho, quando
sistemas de ensino. a formação for estruturada e organizada em etapas
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da com terminalidade.
Base Nacional Comum Curricular não poderá ser § 7º A oferta de formações experimentais relaciona-
superior a mil e oitocentas horas do total da carga das ao inciso V do caput, em áreas que não constem
horária do ensino médio, de acordo com a definição do Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, depende-
dos sistemas de ensino. rá, para sua continuidade, do reconhecimento pelo
§ 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo
esperados para o ensino médio, que serão referên- de três anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos
cia nos processos nacionais de avaliação, a partir da Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos, contados da
Base Nacional Comum Curricular. data de oferta inicial da formação.
§ 7º Os currículos do ensino médio deverão consi- § 8º A oferta de formação técnica e profissional a que
derar a formação integral do aluno, de maneira a se refere o inciso V do caput, realizada na própria ins-
adotar um trabalho voltado para a construção de seu tituição ou em parceria com outras instituições, deve-
projeto de vida e para sua formação nos aspectos fí- rá ser aprovada previamente pelo Conselho Estadual
sicos, cognitivos e socioemocionais. de Educação, homologada pelo Secretário Estadual de
§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de Educação e certificada pelos sistemas de ensino.
avaliação processual e formativa serão organizados § 9º As instituições de ensino emitirão certificado com
nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e validade nacional, que habilitará o concluinte do ensi-
práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos no médio ao prosseguimento dos estudos em nível su-
e atividades on-line, de tal forma que ao final do en- perior ou em outros cursos ou formações para os quais
sino médio o educando demonstre: a conclusão do ensino médio seja etapa obrigatória.
§ 10. Além das formas de organização previstas no art.
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos
23, o ensino médio poderá ser organizado em módu-
que presidem a produção moderna;
los e adotar o sistema de créditos com terminalidade
II - conhecimento das formas contemporâneas de lin-
específica.
guagem.
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências cur-
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto
riculares do ensino médio, os sistemas de ensino po-
pela Base Nacional Comum Curricular e por itine-
derão reconhecer competências e firmar convênios
rários formativos, que deverão ser organizados por
com instituições de educação a distância com notó-
meio da oferta de diferentes arranjos curriculares,
rio reconhecimento, mediante as seguintes formas de
conforme a relevância para o contexto local e a pos- comprovação:
sibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - demonstração prática;
I - linguagens e suas tecnologias; II - experiência de trabalho supervisionado ou outra
II - matemática e suas tecnologias; experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III - ciências da natureza e suas tecnologias; III - atividades de educação técnica oferecidas em ou-
IV - ciências humanas e sociais aplicadas; tras instituições de ensino credenciadas;
V - formação técnica e profissional. IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocu-
§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e pacionais;
das respectivas competências e habilidades será feita V - estudos realizados em instituições de ensino nacio-
de acordo com critérios estabelecidos em cada siste- nais ou estrangeiras;
ma de ensino. VI - cursos realizados por meio de educação a distân-
§ 2º (Revogado) cia ou educação presencial mediada por tecnologias.
§ 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser § 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo
composto itinerário formativo integrado, que se tra- de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação
duz na composição de componentes curriculares da profissional previstas no caput.
Base Nacional Comum Curricular - BNCC e dos iti-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

nerários formativos, considerando os incisos I a V do A etapa final do ensino médio tem a duração de três
caput. anos e busca fornecer a consolidação e o aprofunda-
§ 4º (Revogado) mento dos conhecimentos transmitidos no ensino fun-
§ 5º Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade damental, com a devida atenção a conhecimentos que
de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte permitam o ingresso do aluno no ensino universitário
do ensino médio cursar mais um itinerário formativo e na carreira de trabalho. Neste ponto, a LDB sofreu al-
de que trata o caput. terações recentes pela Medida Provisória nº 746/2016,

28
convertida na Lei nº 13.415, de 2017, que foi alvo de inú- II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino
meras críticas, notadamente por estabelecer como facul- médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrícu-
tativos conhecimentos que antes eram tidos como obri- las distintas para cada curso, e podendo ocorrer:
gatórios. Para entender melhor esta questão, percebe-se a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as
que na verdade a proposta é a especificação de matrizes oportunidades educacionais disponíveis;
ainda durante o ensino médio: o aluno poderá escolher b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se
em quais áreas de conhecimento pretende se concentrar. as oportunidades educacionais disponíveis;
Por exemplo, um aluno que não queira se especializar c) em instituições de ensino distintas, mediante con-
em ciências humanas, não teria a obrigação de cursar vênios de intercomplementaridade, visando ao plane-
matérias como história e geografia. Um aluno que não jamento e ao desenvolvimento de projeto pedagógico
tenha interesse em ir para a universidade e já queira in- unificado.
gressar no mercado de trabalho, terá aulas concentradas Art. 36-D. Os diplomas de cursos de educação pro-
em formação técnica e profissional, aprendendo marce- fissional técnica de nível médio, quando registrados,
naria, mecânica, administração, entre outras questões. As terão validade nacional e habilitarão ao prossegui-
áreas que podem ser optadas são as seguintes: lingua- mento de estudos na educação superior.
gens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; Parágrafo único. Os cursos de educação profissional
ciências da natureza e suas tecnologias; ciências huma- técnica de nível médio, nas formas articulada conco-
nas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional. mitante e subsequente, quando estruturados e orga-
As únicas matérias estabelecidas como obrigatórias são: nizados em etapas com terminalidade, possibilitarão
português, matemática, artes, educação física, filosofia e a obtenção de certificados de qualificação para o
sociologia – estas quatro últimas inicialmente seriam fa- trabalho após a conclusão, com aproveitamento, de
cultativas, mas devido a pressões sociais foram colocadas cada etapa que caracterize uma qualificação para o
como obrigatórias. Ainda é cedo para dizer se realmente trabalho.
este será o rumo conferido pela reforma, eis que a Base
Nacional Comum Curricular que detalhará estas ques- A educação profissional e técnica pode se dar durante
tões ainda está em discussão. o Ensino Médio, notadamente se o estudante fizer a op-
ção por esta categoria de ensino (o ensino médio pode
SEÇÃO IV-A ser voltado à formação técnico-profissional, preparando
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL o jovem para o ingresso no mercado de trabalho inde-
MÉDIO pendentemente de ensino universitário), quanto após o
Ensino Médio, em instituições próprias de ensino técni-
co-profissionalizante (neste sentido, há cursos técnicos-
Art. 36-A. Sem prejuízo do disposto na Seção IV deste
-profissionais com menor duração que os cursos de ensi-
Capítulo, o ensino médio, atendida a formação geral
no superior e que são equiparados a este).
do educando, poderá prepará-lo para o exercício de
profissões técnicas.
SEÇÃO V
Parágrafo único. A preparação geral para o trabalho
DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
e, facultativamente, a habilitação profissional pode-
rão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada
de ensino médio ou em cooperação com instituições àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de
especializadas em educação profissional. estudos nos ensinos fundamental e médio na idade
Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível própria e constituirá instrumento para a educação e a
médio será desenvolvida nas seguintes formas: aprendizagem ao longo da vida.
I - articulada com o ensino médio; § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente
II - subsequente, em cursos destinados a quem já te- aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os
nha concluído o ensino médio. estudos na idade regular, oportunidades educacionais
Parágrafo único. A educação profissional técnica de apropriadas, consideradas as características do aluna-
nível médio deverá observar: do, seus interesses, condições de vida e de trabalho,
I - os objetivos e definições contidos nas diretrizes cur- mediante cursos e exames.
riculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Na- § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso
cional de Educação; e a permanência do trabalhador na escola, mediante
II - as normas complementares dos respectivos siste- ações integradas e complementares entre si.
mas de ensino; § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-
III - as exigências de cada instituição de ensino, nos -se, preferencialmente, com a educação profissional,
termos de seu projeto pedagógico. na forma do regulamento.
Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exa-


médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. mes supletivos, que compreenderão a base nacional
36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: comum do currículo, habilitando ao prosseguimento
I - integrada, oferecida somente a quem já tenha con- de estudos em caráter regular.
cluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-
de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional -se-ão:
técnica de nível médio, na mesma instituição de en- I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para
sino, efetuando-se matrícula única para cada aluno; os maiores de quinze anos;

29
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os A educação profissional e tecnológica pode se dar
maiores de dezoito anos. não apenas no ensino médio, mas também em institui-
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos ções próprias, que podem conferir inclusive diploma de
educandos por meios informais serão aferidos e reco- formação em nível superior. Exemplos: FATEC, SENAI, en-
nhecidos mediante exames. tre outros. O acesso a este tipo de ensino não necessaria-
mente exige conclusão dos níveis prévios de educação,
A educação de jovens e adultos objetiva permitir a eis que seu principal objetivo não é o ensino de conteú-
conclusão do ensino fundamental e médio para aqueles dos típicos, mas sim a capacitação profissional.
que já ultrapassaram a idade regular em que isso deveria
CAPÍTULO IV
ter acontecido.
DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

#FicaDica Art. 43. A educação superior tem por finalidade:


I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do
Educação básica: espírito científico e do pensamento reflexivo;
- Ensino infantil – creche e pré-escola; II - formar diplomados nas diferentes áreas de co-
- Ensino fundamental; nhecimento, aptos para a inserção em setores pro-
- Ensino médio (colegial) – pode também fissionais e para a participação no desenvolvimento
abranger o ensino técnico. da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação
Educação básica tardia – EJA – educação de contínua;
jovens e adultos. III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação
científica, visando o desenvolvimento da ciência e da
tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse
CAPÍTULO III modo, desenvolver o entendimento do homem e do
DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA meio em que vive;
IV - promover a divulgação de conhecimentos cultu-
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no rais, científicos e técnicos que constituem patrimônio
cumprimento dos objetivos da educação nacional, in- da humanidade e comunicar o saber através do en-
sino, de publicações ou de outras formas de comuni-
tegra-se aos diferentes níveis e modalidades de edu-
cação;
cação e às dimensões do trabalho, da ciência e da
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento
tecnologia.
cultural e profissional e possibilitar a correspondente
§ 1º Os cursos de educação profissional e tecnológica concretização, integrando os conhecimentos que vão
poderão ser organizados por eixos tecnológicos, pos- sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistema-
sibilitando a construção de diferentes itinerários for- tizadora do conhecimento de cada geração;
mativos, observadas as normas do respectivo sistema VI - estimular o conhecimento dos problemas do mun-
e nível de ensino. do presente, em particular os nacionais e regionais,
§ 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá prestar serviços especializados à comunidade e esta-
os seguintes cursos: belecer com esta uma relação de reciprocidade;
I – de formação inicial e continuada ou qualificação VII - promover a extensão, aberta à participação da
profissional; população, visando à difusão das conquistas e benefí-
II – de educação profissional técnica de nível médio; cios resultantes da criação cultural e da pesquisa cien-
III – de educação profissional tecnológica de gradua- tífica e tecnológica geradas na instituição.
ção e pós-graduação. VIII - atuar em favor da universalização e do aprimo-
§ 3º Os cursos de educação profissional tecnológica ramento da educação básica, mediante a formação e
de graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no a capacitação de profissionais, a realização de pesqui-
que concerne a objetivos, características e duração, de sas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de
extensão que aproximem os dois níveis escolares.
acordo com as diretrizes curriculares nacionais esta-
Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes
belecidas pelo Conselho Nacional de Educação.
cursos e programas:
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferen-
articulação com o ensino regular ou por diferentes tes níveis de abrangência, abertos a candidatos que
estratégias de educação continuada, em instituições atendam aos requisitos estabelecidos pelas institui-
especializadas ou no ambiente de trabalho. ções de ensino, desde que tenham concluído o ensino
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação pro- médio ou equivalente;
fissional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá II - de graduação, abertos a candidatos que tenham
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ser objeto de avaliação, reconhecimento e certificação concluído o ensino médio ou equivalente e tenham
para prosseguimento ou conclusão de estudos. sido classificados em processo seletivo;
Art. 42. As instituições de educação profissional e tec- III - de pós-graduação, compreendendo programas
nológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão de mestrado e doutorado, cursos de especialização,
cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos di-
a matrícula à capacidade de aproveitamento e não plomados em cursos de graduação e que atendam às
necessariamente ao nível de escolaridade. exigências das instituições de ensino;

30
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam tos, qualificação dos professores, recursos disponíveis e
aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas insti- critérios de avaliação, obrigando-se a cumprir as res-
tuições de ensino. pectivas condições, e a publicação deve ser feita, sen-
§ 1º. Os resultados do processo seletivo referido no in- do as 3 (três) primeiras formas concomitantemente:
ciso II do caput deste artigo serão tornados públicos I - em página específica na internet no sítio eletrôni-
pelas instituições de ensino superior, sendo obrigatória co oficial da instituição de ensino superior, obedecido
a divulgação da relação nominal dos classificados, a o seguinte:
respectiva ordem de classificação, bem como do cro- a) toda publicação a que se refere esta Lei deve ter
nograma das chamadas para matrícula, de acordo como título “Grade e Corpo Docente”;
com os critérios para preenchimento das vagas cons- b) a página principal da instituição de ensino supe-
tantes do respectivo edital. rior, bem como a página da oferta de seus cursos aos
§ 2º No caso de empate no processo seletivo, as ins- ingressantes sob a forma de vestibulares, processo
tituições públicas de ensino superior darão prioridade seletivo e outras com a mesma finalidade, deve con-
de matrícula ao candidato que comprove ter renda fa- ter a ligação desta com a página específica prevista
miliar inferior a dez salários mínimos, ou ao de menor neste inciso;
renda familiar, quando mais de um candidato preen- c) caso a instituição de ensino superior não possua
cher o critério inicial. sítio eletrônico, deve criar página específica para di-
§ 3º O processo seletivo referido no inciso II considera- vulgação das informações de que trata esta Lei;
rá as competências e as habilidades definidas na Base d) a página específica deve conter a data completa
Nacional Comum Curricular. de sua última atualização;
Art. 45. A educação superior será ministrada em insti- II - em toda propaganda eletrônica da instituição de
tuições de ensino superior, públicas ou privadas, com ensino superior, por meio de ligação para a página
variados graus de abrangência ou especialização. referida no inciso I;
Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos,
III - em local visível da instituição de ensino superior
bem como o credenciamento de instituições de educa-
e de fácil acesso ao público;
ção superior, terão prazos limitados, sendo renovados,
IV - deve ser atualizada semestralmente ou anual-
periodicamente, após processo regular de avaliação.
mente, de acordo com a duração das disciplinas de
§ 1º Após um prazo para saneamento de deficiências
cada curso oferecido, observando o seguinte:
eventualmente identificadas pela avaliação a que se
a) caso o curso mantenha disciplinas com duração
refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá re-
diferenciada, a publicação deve ser semestral;
sultar, conforme o caso, em desativação de cursos e
b) a publicação deve ser feita até 1 (um) mês antes
habilitações, em intervenção na instituição, em sus-
do início das aulas;
pensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou
em descredenciamento. c) caso haja mudança na grade do curso ou no corpo
§ 2º No caso de instituição pública, o Poder Executivo docente até o início das aulas, os alunos devem ser
responsável por sua manutenção acompanhará o pro- comunicados sobre as alterações;
cesso de saneamento e fornecerá recursos adicionais, V - deve conter as seguintes informações:
se necessários, para a superação das deficiências. a) a lista de todos os cursos oferecidos pela institui-
§ 3o No caso de instituição privada, além das sanções ção de ensino superior;
previstas no § 1o deste artigo, o processo de reavalia- b) a lista das disciplinas que compõem a grade curri-
ção poderá resultar em redução de vagas autorizadas cular de cada curso e as respectivas cargas horárias;
e em suspensão temporária de novos ingressos e de c) a identificação dos docentes que ministrarão as
oferta de cursos. aulas em cada curso, as disciplinas que efetivamen-
§ 4o É facultado ao Ministério da Educação, mediante te ministrará naquele curso ou cursos, sua titulação,
procedimento específico e com aquiescência da insti- abrangendo a qualificação profissional do docente e
tuição de ensino, com vistas a resguardar os interesses o tempo de casa do docente, de forma total, contínua
dos estudantes, comutar as penalidades previstas nos ou intermitente.
§§ 1o e 3o deste artigo por outras medidas, desde que § 2º Os alunos que tenham extraordinário aproveita-
adequadas para superação das deficiências e irregula- mento nos estudos, demonstrado por meio de provas
ridades constatadas. e outros instrumentos de avaliação específicos, apli-
§ 5o Para fins de regulação, os Estados e o Distrito Fe- cados por banca examinadora especial, poderão ter
deral deverão adotar os critérios definidos pela União abreviada a duração dos seus cursos, de acordo com
para autorização de funcionamento de curso de gra- as normas dos sistemas de ensino.
duação em Medicina. § 3º É obrigatória a frequência de alunos e profes-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, sores, salvo nos programas de educação a distância.
independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos § 4º As instituições de educação superior oferece-
dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo rão, no período noturno, cursos de graduação nos
reservado aos exames finais, quando houver. mesmos padrões de qualidade mantidos no período
§ 1º As instituições informarão aos interessados, antes diurno, sendo obrigatória a oferta noturna nas ins-
de cada período letivo, os programas dos cursos e de- tituições públicas, garantida a necessária previsão
mais componentes curriculares, sua duração, requisi- orçamentária.

31
Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhe- IV - fixar o número de vagas de acordo com a capaci-
cidos, quando registrados, terão validade nacional dade institucional e as exigências do seu meio;
como prova da formação recebida por seu titular. V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos
§ 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão em consonância com as normas gerais atinentes;
por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;
instituições não-universitárias serão registrados em VII - firmar contratos, acordos e convênios;
universidades indicadas pelo Conselho Nacional de VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos
Educação. de investimentos referentes a obras, serviços e aqui-
§ 2º Os diplomas de graduação expedidos por univer- sições em geral, bem como administrar rendimentos
sidades estrangeiras serão revalidados por universida- conforme dispositivos institucionais;
des públicas que tenham curso do mesmo nível e área IX - administrar os rendimentos e deles dispor na for-
ou equivalente, respeitando-se os acordos internacio- ma prevista no ato de constituição, nas leis e nos res-
nais de reciprocidade ou equiparação. pectivos estatutos;
§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expe- X - receber subvenções, doações, heranças, legados e
didos por universidades estrangeiras só poderão ser cooperação financeira resultante de convênios com
reconhecidos por universidades que possuam cursos entidades públicas e privadas.
de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mes- § 1º Para garantir a autonomia didático-científica das
ma área de conhecimento e em nível equivalente ou universidades, caberá aos seus colegiados de ensino
superior. e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários
Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão disponíveis, sobre:
a transferência de alunos regulares, para cursos afins, I - criação, expansão, modificação e extinção de cur-
na hipótese de existência de vagas, e mediante pro- sos;
cesso seletivo. II - ampliação e diminuição de vagas;
Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão III - elaboração da programação dos cursos;
IV - programação das pesquisas e das atividades de
na forma da lei.
extensão;
Art. 50. As instituições de educação superior, quando
V - contratação e dispensa de professores;
da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disci-
VI - planos de carreira docente.
plinas de seus cursos a alunos não regulares que de-
§ 2o As doações, inclusive monetárias, podem ser diri-
monstrarem capacidade de cursá-las com proveito,
gidas a setores ou projetos específicos, conforme acor-
mediante processo seletivo prévio.
do entre doadores e universidades.
Art. 51. As instituições de educação superior creden-
§ 3o No caso das universidades públicas, os recursos
ciadas como universidades, ao deliberar sobre critérios das doações devem ser dirigidos ao caixa único da
e normas de seleção e admissão de estudantes, leva- instituição, com destinação garantida às unidades a
rão em conta os efeitos desses critérios sobre a orien- serem beneficiadas.
tação do ensino médio, articulando-se com os órgãos Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público
normativos dos sistemas de ensino. gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial
Art. 52. As universidades são instituições pluridiscipli- para atender às peculiaridades de sua estrutura, or-
nares de formação dos quadros profissionais de nível ganização e financiamento pelo Poder Público, assim
superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cul- como dos seus planos de carreira e do regime jurídico
tivo do saber humano, que se caracterizam por: do seu pessoal.
I - produção intelectual institucionalizada mediante o § 1º No exercício da sua autonomia, além das atribui-
estudo sistemático dos temas e problemas mais rele- ções asseguradas pelo artigo anterior, as universida-
vantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, des públicas poderão:
quanto regional e nacional; I - propor o seu quadro de pessoal docente, técnico
II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titula- e administrativo, assim como um plano de cargos e
ção acadêmica de mestrado ou doutorado; salários, atendidas as normas gerais pertinentes e os
III - um terço do corpo docente em regime de tempo recursos disponíveis;
integral. II - elaborar o regulamento de seu pessoal em confor-
Parágrafo único. É facultada a criação de universida- midade com as normas gerais concernentes;
des especializadas por campo do saber. III - aprovar e executar planos, programas e projetos
Art. 53. No exercício de sua autonomia, são assegu- de investimentos referentes a obras, serviços e aqui-
radas às universidades, sem prejuízo de outras, as se- sições em geral, de acordo com os recursos alocados
guintes atribuições: pelo respectivo Poder mantenedor;
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e IV - elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais;
programas de educação superior previstos nesta Lei, V - adotar regime financeiro e contábil que atenda às
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obedecendo às normas gerais da União e, quando for suas peculiaridades de organização e funcionamento;
o caso, do respectivo sistema de ensino; VI - realizar operações de crédito ou de financiamen-
II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, to, com aprovação do Poder competente, para aquisi-
observadas as diretrizes gerais pertinentes; ção de bens imóveis, instalações e equipamentos;
III - estabelecer planos, programas e projetos de pes- VII - efetuar transferências, quitações e tomar outras
quisa científica, produção artística e atividades de ex- providências de ordem orçamentária, financeira e pa-
tensão; trimonial necessárias ao seu bom desempenho.

32
§ 2º Atribuições de autonomia universitária poderão Em que pesem as regras mínimas acerca do ensino
ser estendidas a instituições que comprovem alta qua- superior, as instituições de ensino superior são dotadas
lificação para o ensino ou para a pesquisa, com base de autonomia para se organizarem.
em avaliação realizada pelo Poder Público. As universidades públicas gozam de estatuto jurídico
Art. 55. Caberá à União assegurar, anualmente, em especial.
seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manu- As instituições públicas devem obedecer ao princípio
tenção e desenvolvimento das instituições de educa- da gestão democrática, assegurado pela existência de
ção superior por ela mantidas. órgãos colegiados deliberativos que mesclem membros
Art. 56. As instituições públicas de educação superior da comunidade, do corpo docente e do corpo discente.
obedecerão ao princípio da gestão democrática, asse-
gurada a existência de órgãos colegiados deliberati-
vos, de que participarão os segmentos da comunidade #FicaDica
institucional, local e regional. Educação superior – nível universitário – em
Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocu- instituições públicas ou privadas – o ingresso
parão setenta por cento dos assentos em cada órgão deve se dar conforme mérito (vestibulares).
colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da
elaboração e modificações estatutárias e regimentais,
bem como da escolha de dirigentes.
Art. 57. Nas instituições públicas de educação supe- CAPÍTULO V
rior, o professor ficará obrigado ao mínimo de oito DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
horas semanais de aulas.
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os
A educação superior se funda no tripé: ensino, pes- efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar
quisa e extensão. No viés do ensino, objetiva-se propi- oferecida preferencialmente na rede regular de ensi-
ciar o acesso ao conhecimento técnico e científico, tanto no, para educandos com deficiência, transtornos glo-
dentro do ambiente acadêmico quanto fora dele; no as- bais do desenvolvimento e altas habilidades ou super-
pecto pesquisa, busca-se desenvolver os conhecimentos dotação.
§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio es-
já existentes; no aspecto extensão, pretende-se atingir a
pecializado, na escola regular, para atender às pecu-
comunidade por meio de atividades que possam ir além
liaridades da clientela de educação especial.
dos ambientes acadêmicos, inserindo-se no cotidiano da
§ 2º O atendimento educacional será feito em clas-
vida social.
ses, escolas ou serviços especializados, sempre que,
Classicamente, a educação superior se dá nos níveis
em função das condições específicas dos alunos, não
de graduação, cujo acesso se dá por meio dos vestibu-
for possível a sua integração nas classes comuns de
lares, e pós-graduação, cujo acesso também se dá por
ensino regular.
processos seletivos próprios, funcionando como comple- § 3º A oferta de educação especial, nos termos do
mentação ao ensino superior. Entretanto, o ensino su- caput deste artigo, tem início na educação infantil e
perior também pode se dar em cursos sequenciais e em estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do
cursos de extensão, de menor duração e complexidade. art. 4º e o parágrafo único do art. 60 desta Lei.
O ensino superior pode ser ministrado em institui- Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos edu-
ções públicas ou privadas. Independentemente da natu- candos com deficiência, transtornos globais do desen-
reza da instituição, é necessário respeitar as regras míni- volvimento e altas habilidades ou superdotação:
mas sobre duração do ano letivo, programas de curso, I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
componentes curriculares, etc. organização específicos, para atender às suas neces-
sidades;
O diploma faz prova da formação II - terminalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do
É possível a transferência entre instituições. A trans- ensino fundamental, em virtude de suas deficiências,
ferência a pedido está condicionada a número de vagas e aceleração para concluir em menor tempo o progra-
e a processo seletivo. As transferências de ofício se sujei- ma escolar para os superdotados;
tam a critérios próprios. Um exemplo de transferência de III - professores com especialização adequada em ní-
ofício se dá no caso de remoção de servidor público de vel médio ou superior, para atendimento especializa-
ofício no interesse da Administração (caso o servidor ou do, bem como professores do ensino regular capaci-
seu dependente estude em instituição pública na cidade tados para a integração desses educandos nas classes
onde estava lotado, tem o direito de ser transferido para comuns;
a instituição pública da nova lotação). IV - educação especial para o trabalho, visando a
LEGISLAÇÃO FEDERAL

É possível que uma pessoa assista aulas nas institui- sua efetiva integração na vida em sociedade, inclu-
ções públicas independentemente de vínculo com o cur- sive condições adequadas para os que não revelarem
so, desde que haja vagas disponíveis. capacidade de inserção no trabalho competitivo, me-
Para propiciar o desenvolvimento institucional, exige- diante articulação com os órgãos oficiais afins, bem
-se que pelo menos 1/3 do corpo docente da instituição como para aqueles que apresentam uma habilidade
possua mestrado ou doutorado, bem como que 1/3 do superior nas áreas artística, intelectual ou psicomo-
corpo docente se dedique exclusivamente à docência. tora;

33
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas I – a presença de sólida formação básica, que propicie
sociais suplementares disponíveis para o respectivo o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais
nível do ensino regular. de suas competências de trabalho;
Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro II – a associação entre teorias e práticas, mediante es-
nacional de alunos com altas habilidades ou superdo- tágios supervisionados e capacitação em serviço;
tação matriculados na educação básica e na educação III – o aproveitamento da formação e experiências an-
superior, a fim de fomentar a execução de políticas teriores, em instituições de ensino e em outras ativi-
públicas destinadas ao desenvolvimento pleno das po- dades.
tencialidades desse alunado. IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos
Parágrafo único. A identificação precoce de alunos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteú-
com altas habilidades ou superdotação, os critérios dos de áreas afins à sua formação ou experiência pro-
e procedimentos para inclusão no cadastro referido fissional, atestados por titulação específica ou prática
no caput deste artigo, as entidades responsáveis pelo de ensino em unidades educacionais da rede pública
cadastramento, os mecanismos de acesso aos dados ou privada ou das corporações privadas em que te-
do cadastro e as políticas de desenvolvimento das po- nham atuado, exclusivamente para atender ao inciso
tencialidades do alunado de que trata o caput serão V do caput do art. 36;
definidos em regulamento. V - profissionais graduados que tenham feito comple-
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino mentação pedagógica, conforme disposto pelo Conse-
estabelecerão critérios de caracterização das institui- lho Nacional de Educação.
ções privadas sem fins lucrativos, especializadas e com Art. 62. A formação de docentes para atuar na edu-
atuação exclusiva em educação especial, para fins de cação básica far-se-á em nível superior, em curso de
apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. licenciatura plena, admitida, como formação mínima
Parágrafo único. O poder público adotará, como al- para o exercício do magistério na educação infantil
ternativa preferencial, a ampliação do atendimento e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a
aos educandos com deficiência, transtornos globais do oferecida em nível médio, na modalidade normal.
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação § 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Muni-
na própria rede pública regular de ensino, indepen-
cípios, em regime de colaboração, deverão promover
dentemente do apoio às instituições previstas neste
a formação inicial, a continuada e a capacitação dos
artigo.
profissionais de magistério.
§ 2º A formação continuada e a capacitação dos pro-
A educação especial volta-se a educandos com defi-
fissionais de magistério poderão utilizar recursos e
ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
tecnologias de educação a distância.
habilidades ou superdotação. Para que ela seja efetivada,
§ 3º A formação inicial de profissionais de magisté-
exige-se a especialização das instituições de ensino e de
rio dará preferência ao ensino presencial, subsidiaria-
seus profissionais.
mente fazendo uso de recursos e tecnologias de edu-
TÍTULO VI cação a distância.
DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO § 4º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Muni-
cípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação es- permanência em cursos de formação de docentes em
colar básica os que, nela estando em efetivo exercício nível superior para atuar na educação básica pública.
e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: § 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Mu-
I – professores habilitados em nível médio ou superior nicípios incentivarão a formação de profissionais do
para a docência na educação infantil e nos ensinos magistério para atuar na educação básica pública
fundamental e médio; mediante programa institucional de bolsa de inicia-
II – trabalhadores em educação portadores de diplo- ção à docência a estudantes matriculados em cursos
ma de pedagogia, com habilitação em administração, de licenciatura, de graduação plena, nas instituições
planejamento, supervisão, inspeção e orientação edu- de educação superior.
cacional, bem como com títulos de mestrado ou dou- § 6º O Ministério da Educação poderá estabelecer
torado nas mesmas áreas; nota mínima em exame nacional aplicado aos con-
III - trabalhadores em educação, portadores de diplo- cluintes do ensino médio como pré-requisito para o
ma de curso técnico ou superior em área pedagógica ingresso em cursos de graduação para formação de
ou afim; e docentes, ouvido o Conselho Nacional de Educação -
IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos CNE.
respectivos sistemas de ensino para ministrar conteú- § 7º (VETADO).
LEGISLAÇÃO FEDERAL

dos de áreas afins à sua formação para atender o dis- § 8º Os currículos dos cursos de formação de docentes
posto no inciso V do caput do art. 36. terão por referência a Base Nacional Comum Curri-
Parágrafo único. A formação dos profissionais da cular.
educação, de modo a atender às especificidades do Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se re-
exercício de suas atividades, bem como aos objetivos fere o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos
das diferentes etapas e modalidades da educação bá- de conteúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou
sica, terá como fundamentos: superior, incluindo habilitações tecnológicas.

34
Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada IV - progressão funcional baseada na titulação ou ha-
para os profissionais a que se refere o caput, no local bilitação, e na avaliação do desempenho;
de trabalho ou em instituições de educação básica e V - período reservado a estudos, planejamento e ava-
superior, incluindo cursos de educação profissional, liação, incluído na carga de trabalho;
cursos superiores de graduação plena ou tecnológicos VI - condições adequadas de trabalho.
e de pós-graduação. § 1º A experiência docente é pré-requisito para o exer-
Art. 62-B. O acesso de professores das redes públicas cício profissional de quaisquer outras funções de ma-
de educação básica a cursos superiores de pedagogia gistério, nos termos das normas de cada sistema de
e licenciatura será efetivado por meio de processo se- ensino.
letivo diferenciado. § 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no
§ 1º Terão direito de pleitear o acesso previsto no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são conside-
caput deste artigo os professores das redes públicas radas funções de magistério as exercidas por profes-
municipais, estaduais e federal que ingressaram por sores e especialistas em educação no desempenho de
concurso público, tenham pelo menos três anos de atividades educativas, quando exercidas em estabele-
exercício da profissão e não sejam portadores de di- cimento de educação básica em seus diversos níveis e
ploma de graduação. modalidades, incluídas, além do exercício da docência,
§ 2o As instituições de ensino responsáveis pela oferta as de direção de unidade escolar e as de coordenação
de cursos de pedagogia e outras licenciaturas defini- e assessoramento pedagógico.
rão critérios adicionais de seleção sempre que acorre- § 3º A União prestará assistência técnica aos Estados,
rem aos certames interessados em número superior ao Distrito Federal e aos Municípios na elaboração
ao de vagas disponíveis para os respectivos cursos. de concursos públicos para provimento de cargos dos
§ 3o Sem prejuízo dos concursos seletivos a serem profissionais da educação.
definidos em regulamento pelas universidades, terão
prioridade de ingresso os professores que optarem por Os profissionais da educação devem possuir forma-
cursos de licenciatura em matemática, física, química, ção específica, notadamente possuir habilitação para a
biologia e língua portuguesa. docência, que pode se dar pelas licenciaturas e magisté-
Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: rios em geral, bem como pela pedagogia, ou ainda por
I - cursos formadores de profissionais para a educação formação e área afim que habilite para o ensino de ma-
básica, inclusive o curso normal superior, destinado à térias específicas (ex.: profissional do Direito pode lecio-
nar português, filosofia e sociologia). Além disso, devem
formação de docentes para a educação infantil e para
possuir experiência em atividades de ensino. Quanto ao
as primeiras séries do ensino fundamental;
ensino superior, exige-se pós-graduação, que pode ser
II - programas de formação pedagógica para portado-
uma simples especialização, embora deva preferencial-
res de diplomas de educação superior que queiram se
mente se possuir mestrado ou doutorado. No âmbito
dedicar à educação básica;
do ensino público, exige-se valorização do profissional,
III - programas de educação continuada para os pro-
criando-se plano de carreira e aperfeiçoando-se as con-
fissionais de educação dos diversos níveis. dições de trabalho.
Art. 64. A formação de profissionais de educação para
administração, planejamento, inspeção, supervisão e TÍTULO VII
orientação educacional para a educação básica, será DOS RECURSOS FINANCEIROS
feita em cursos de graduação em pedagogia ou em
nível de pós-graduação, a critério da instituição de Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educação
ensino, garantida, nesta formação, a base comum na- os originários de:
cional. I - receita de impostos próprios da União, dos Estados,
Art. 65. A formação docente, exceto para a educação do Distrito Federal e dos Municípios;
superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, tre- II - receita de transferências constitucionais e outras
zentas horas. transferências;
Art. 66. A preparação para o exercício do magistério III - receita do salário-educação e de outras contribui-
superior far-se-á em nível de pós-graduação, priori- ções sociais;
tariamente em programas de mestrado e doutorado. IV - receita de incentivos fiscais;
Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por uni- V - outros recursos previstos em lei.
versidade com curso de doutorado em área afim, po- Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos
derá suprir a exigência de título acadêmico. de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valoriza- nicípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas
ção dos profissionais da educação, assegurando-lhes, respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita
inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de car-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

resultante de impostos, compreendidas as transferên-


reira do magistério público: cias constitucionais, na manutenção e desenvolvimen-
I - ingresso exclusivamente por concurso público de to do ensino público.
provas e títulos; § 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Mu-
com licenciamento periódico remunerado para esse nicípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios,
fim; não será considerada, para efeito do cálculo previsto
III - piso salarial profissional; neste artigo, receita do governo que a transferir.

35
§ 2º Serão consideradas excluídas das receitas de IV - programas suplementares de alimentação, assis-
impostos mencionadas neste artigo as operações de tência médico-odontológica, farmacêutica e psicológi-
crédito por antecipação de receita orçamentária de ca, e outras formas de assistência social;
impostos. V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para
§ 3º Para fixação inicial dos valores correspondentes beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;
aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada VI - pessoal docente e demais trabalhadores da edu-
a receita estimada na lei do orçamento anual, ajusta- cação, quando em desvio de função ou em atividade
da, quando for o caso, por lei que autorizar a abertura alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino.
de créditos adicionais, com base no eventual excesso Art. 72. As receitas e despesas com manutenção e de-
de arrecadação. senvolvimento do ensino serão apuradas e publicadas
§ 4º As diferenças entre a receita e a despesa previs- nos balanços do Poder Público, assim como nos rela-
tas e as efetivamente realizadas, que resultem no não tórios a que se refere o § 3º do art. 165 da Constituição
atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, Federal.
serão apuradas e corrigidas a cada trimestre do exer- Art. 73. Os órgãos fiscalizadores examinarão, priorita-
cício financeiro. riamente, na prestação de contas de recursos públicos,
§ 5º O repasse dos valores referidos neste artigo do
o cumprimento do disposto no art. 212 da Constitui-
caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
ção Federal, no art. 60 do Ato das Disposições Consti-
Municípios ocorrerá imediatamente ao órgão respon-
tucionais Transitórias e na legislação concernente.
sável pela educação, observados os seguintes prazos:
Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o
I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de
cada mês, até o vigésimo dia; Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão
II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigé- mínimo de oportunidades educacionais para o ensino
simo dia de cada mês, até o trigésimo dia; fundamental, baseado no cálculo do custo mínimo por
III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade.
final de cada mês, até o décimo dia do mês subse- Parágrafo único. O custo mínimo de que trata este ar-
quente. tigo será calculado pela União ao final de cada ano,
§ 6º O atraso da liberação sujeitará os recursos a cor- com validade para o ano subsequente, considerando
reção monetária e à responsabilização civil e criminal variações regionais no custo dos insumos e as diversas
das autoridades competentes. modalidades de ensino.
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e de- Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e
senvolvimento do ensino as despesas realizadas com dos Estados será exercida de modo a corrigir, progres-
vistas à consecução dos objetivos básicos das institui- sivamente, as disparidades de acesso e garantir o pa-
ções educacionais de todos os níveis, compreendendo drão mínimo de qualidade de ensino.
as que se destinam a: § 1º A ação a que se refere este artigo obedecerá a
I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docen- fórmula de domínio público que inclua a capacidade
te e demais profissionais da educação; de atendimento e a medida do esforço fiscal do res-
II - aquisição, manutenção, construção e conservação pectivo Estado, do Distrito Federal ou do Município em
de instalações e equipamentos necessários ao ensino; favor da manutenção e do desenvolvimento do ensino.
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados § 2º A capacidade de atendimento de cada governo
ao ensino; será definida pela razão entre os recursos de uso cons-
IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas titucionalmente obrigatório na manutenção e desen-
visando precipuamente ao aprimoramento da quali- volvimento do ensino e o custo anual do aluno, relati-
dade e à expansão do ensino; vo ao padrão mínimo de qualidade.
V - realização de atividades-meio necessárias ao fun-
§ 3º Com base nos critérios estabelecidos nos §§ 1º e
cionamento dos sistemas de ensino;
2º, a União poderá fazer a transferência direta de re-
VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas
cursos a cada estabelecimento de ensino, considerado
públicas e privadas;
o número de alunos que efetivamente frequentam a
VII - amortização e custeio de operações de crédito
destinadas a atender ao disposto nos incisos deste ar- escola.
tigo; § 4º A ação supletiva e redistributiva não poderá ser
VIII - aquisição de material didático-escolar e manu- exercida em favor do Distrito Federal, dos Estados e
tenção de programas de transporte escolar. dos Municípios se estes oferecerem vagas, na área de
Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e ensino de sua responsabilidade, conforme o inciso VI
desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: do art. 10 e o inciso V do art. 11 desta Lei, em número
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de inferior à sua capacidade de atendimento.
Art. 76. A ação supletiva e redistributiva prevista no
LEGISLAÇÃO FEDERAL

ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de en-


sino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento artigo anterior ficará condicionada ao efetivo cumpri-
de sua qualidade ou à sua expansão; mento pelos Estados, Distrito Federal e Municípios do
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de disposto nesta Lei, sem prejuízo de outras prescrições
caráter assistencial, desportivo ou cultural; legais.
III - formação de quadros especiais para a adminis- Art. 77. Os recursos públicos serão destinados às esco-
tração pública, sejam militares ou civis, inclusive di- las públicas, podendo ser dirigidos a escolas comuni-
plomáticos; tárias, confessionais ou filantrópicas que:

36
I - comprovem finalidade não-lucrativa e não distri- II - manter programas de formação de pessoal espe-
buam resultados, dividendos, bonificações, participa- cializado, destinado à educação escolar nas comuni-
ções ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma for- dades indígenas;
ma ou pretexto; III - desenvolver currículos e programas específicos,
II - apliquem seus excedentes financeiros em educa- neles incluindo os conteúdos culturais corresponden-
ção; tes às respectivas comunidades;
III - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra IV - elaborar e publicar sistematicamente material di-
escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao dático específico e diferenciado.
Poder Público, no caso de encerramento de suas ati- § 3º No que se refere à educação superior, sem pre-
vidades; juízo de outras ações, o atendimento aos povos indí-
IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos re- genas efetivar-se-á, nas universidades públicas e pri-
cebidos. vadas, mediante a oferta de ensino e de assistência
§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e de-
destinados a bolsas de estudo para a educação básica, senvolvimento de programas especiais.
na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiên- Art. 79-A. (VETADO).
cia de recursos, quando houver falta de vagas e cursos Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de
regulares da rede pública de domicílio do educando, novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’.
ficando o Poder Público obrigado a investir priorita- Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimen-
riamente na expansão da sua rede local. to e a veiculação de programas de ensino a distância,
§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e exten- em todos os níveis e modalidades de ensino, e de edu-
são poderão receber apoio financeiro do Poder Públi- cação continuada.
co, inclusive mediante bolsas de estudo. § 1º A educação a distância, organizada com abertura
e regime especiais, será oferecida por instituições es-
No aspecto orçamentário, merece destaque a exi- pecificamente credenciadas pela União.
gência de dedicação de parcela mínima dos impostos § 2º A União regulamentará os requisitos para a rea-
da União (18%) e dos Estados e Distrito Federal (25%) lização de exames e registro de diploma relativos a
voltada à educação. Ainda, coloca-se o papel de suple- cursos de educação a distância.
mentação e redistribuição da União em relação aos Es- § 3º As normas para produção, controle e avaliação
tados e Municípios e dos Estados com relação aos Mu- de programas de educação a distância e a autoriza-
nicípios, repassando-se verbas para permitir que estas ção para sua implementação, caberão aos respectivos
unidades federativas consigam lograr êxito em oferecer
sistemas de ensino, podendo haver cooperação e inte-
parâmetro mínimo de qualidade no ensino que é de sua
gração entre os diferentes sistemas.
incumbência.
§ 4º A educação a distância gozará de tratamento di-
ferenciado, que incluirá:
TÍTULO VIII
I - custos de transmissão reduzidos em canais comer-
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
ciais de radiodifusão sonora e de sons e imagens e em
outros meios de comunicação que sejam explorados
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colabo-
mediante autorização, concessão ou permissão do po-
ração das agências federais de fomento à cultura e de
assistência aos índios, desenvolverá programas inte- der público;
grados de ensino e pesquisa, para oferta de educação II - concessão de canais com finalidades exclusiva-
escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, mente educativas;
com os seguintes objetivos: III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, Público, pelos concessionários de canais comerciais.
a recuperação de suas memórias históricas; a reafir- Art. 81. É permitida a organização de cursos ou insti-
mação de suas identidades étnicas; a valorização de tuições de ensino experimentais, desde que obedeci-
suas línguas e ciências; das as disposições desta Lei.
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as nor-
acesso às informações, conhecimentos técnicos e cien- mas de realização de estágio em sua jurisdição, obser-
tíficos da sociedade nacional e demais sociedades in- vada a lei federal sobre a matéria.
dígenas e não-índias. Art. 83. O ensino militar é regulado em lei específica,
Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente admitida a equivalência de estudos, de acordo com as
os sistemas de ensino no provimento da educação in- normas fixadas pelos sistemas de ensino.
tercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo Art. 84. Os discentes da educação superior poderão
programas integrados de ensino e pesquisa. ser aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas
LEGISLAÇÃO FEDERAL

§ 1º Os programas serão planejados com audiência respectivas instituições, exercendo funções de moni-
das comunidades indígenas. toria, de acordo com seu rendimento e seu plano de
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluí- estudos.
dos nos Planos Nacionais de Educação, terão os se- Art. 85. Qualquer cidadão habilitado com a titulação
guintes objetivos: própria poderá exigir a abertura de concurso públi-
I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua ma- co de provas e títulos para cargo de docente de ins-
terna de cada comunidade indígena; tituição pública de ensino que estiver sendo ocupado

37
por professor não concursado, por mais de seis anos, Art. 91. Esta Lei entra em vigor na data de sua publi-
ressalvados os direitos assegurados pelos arts. 41 da cação.
Constituição Federal e 19 do Ato das Disposições Cons- Art. 92. Revogam-se as disposições das Leis nºs 4.024,
titucionais Transitórias. de 20 de dezembro de 1961, e 5.540, de 28 de novem-
Art. 86. As instituições de educação superior constituí- bro de 1968, não alteradas pelas Leis nºs 9.131, de 24
das como universidades integrar-se-ão, também, na de novembro de 1995 e 9.192, de 21 de dezembro de
sua condição de instituições de pesquisa, ao Sistema 1995 e, ainda, as Leis nºs 5.692, de 11 de agosto de 1971
Nacional de Ciência e Tecnologia, nos termos da legis- e 7.044, de 18 de outubro de 1982, e as demais leis e
lação específica. decretos-lei que as modificaram e quaisquer outras dis-
posições em contrário.
TÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se EXERCÍCIOS COMENTADOS


um ano a partir da publicação desta Lei.
§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publi- 1. (UFPA - Assistente de Aluno - CEPS-UFPA/2015) A Lei
cação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, nº 9.394/1996 estabelece que:
o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas
para os dez anos seguintes, em sintonia com a Decla- a) a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios
ração Mundial sobre Educação para Todos. organizarão, em regime de colaboração, os respectivos
§ 2º (Revogado). sistemas de esportes nacionais.
§ 3º O Distrito Federal, cada Estado e Município, e, su- b) a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios
pletivamente, a União, devem: organizarão, em regime de colaboração, a merenda es-
I - (Revogado). colar, o transporte escolar, os livros didáticos, a manu-
II - prover cursos presenciais ou a distância aos jovens tenção de veículos públicos e particulares.
e adultos insuficientemente escolarizados; c) os municípios devem garantir a todos os alunos o ensino
III - realizar programas de capacitação para todos os médio primeiramente e depois o ensino fundamental.
professores em exercício, utilizando também, para isto, d) os Estados devem assegurar primeiramente o ensino
os recursos da educação a distância; médio, a educação de jovens e adultos, a educação qui-
IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino fun- lombola e a educação especial.
damental do seu território ao sistema nacional de ava- e) a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios
liação do rendimento escolar. organizarão, em regime de colaboração, os respectivos
§ 4º (Revogado). sistemas de ensino.
§ 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando
a progressão das redes escolares públicas urbanas de Resposta: Letra E. É o teor do artigo 8º da Lei nº
ensino fundamental para o regime de escolas de tem- 9.394/1996: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os
po integral. Municípios organizarão, em regime de colaboração, os
§ 6º A assistência financeira da União aos Estados, respectivos sistemas de ensino”.
ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a dos A, B, C, D. Incorretas, por exclusão, devido ao teor do
Estados aos seus Municípios, ficam condicionadas ao artigo 8o, Lei nº 9.394/1996.
cumprimento do art. 212 da Constituição Federal e
dispositivos legais pertinentes pelos governos benefi- 2. (CREF - 3ª Região - Assistente Administrativo - Qua-
ciados. drix/2013 - adaptada) Assinale a alternativa contrária ao
Art. 87-A. (VETADO). disposto pela Lei Federal n° 9.394:
Art. 88. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu-
nicípios adaptarão sua legislação educacional e de en- a) A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
sino às disposições desta Lei no prazo máximo de um princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade hu-
ano, a partir da data de sua publicação. mana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
§ 1º As instituições educacionais adaptarão seus esta- educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
tutos e regimentos aos dispositivos desta Lei e às nor- sua qualificação para o trabalho.
mas dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por b) O acesso ao ensino fundamental é direito público sub-
estes estabelecidos. jetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
§ 2º O prazo para que as universidades cumpram o associação comunitária, organização sindical, entidade
disposto nos incisos II e III do art. 52 é de oito anos. de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o
Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que ve-
c) Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares
nham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a
LEGISLAÇÃO FEDERAL

públicas de educação básica que os integram progres-


contar da publicação desta Lei, integrar-se ao respecti-
sivos graus de autonomia pedagógica e administrativa
vo sistema de ensino.
e de gestão financeira, observadas as normas gerais de
Art. 90. As questões suscitadas na transição entre o re-
direito financeiro público.
gime anterior e o que se institui nesta Lei serão resolvi-
d) A educação física, integrada à proposta pedagógica da
das pelo Conselho Nacional de Educação ou, mediante
escola, é componente curricular da Educação Básica,
delegação deste, pelos órgãos normativos dos sistemas
ajustando-se às faixas etárias e às condições da popu-
de ensino, preservada a autonomia universitária.
lação escolar, sendo obrigatória nos cursos noturnos.

38
Resposta: Letra D. Eis o teor da Lei nº 9.394: “artigo VI - promoção do princípio da gestão democrática da
26, § 3º A educação física, integrada à proposta peda- educação pública;
gógica da escola, é componente curricular obrigatório VII - promoção humanística, científica, cultural e tec-
da educação infantil e do ensino fundamental, sendo nológica do País;
sua prática facultativa ao aluno: I - que cumpra jorna- VIII - estabelecimento de meta de aplicação de recur-
da de trabalho igual ou superior a seis horas; II - maior sos públicos em educação como proporção do Produto
de trinta anos de idade; III - que estiver prestando ser- Interno Bruto - PIB, que assegure atendimento às ne-
viço militar inicial ou que, em situação similar, estiver cessidades de expansão, com padrão de qualidade e
obrigado à prática da educação física; IV - amparado equidade;
pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; IX - valorização dos (as) profissionais da educação;
V - (VETADO); VI - que tenha prole”. X - promoção dos princípios do respeito aos direitos
A. Correta, conforme artigo 2o, LDB. humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioam-
B. Correta, conforme artigo 5o, LDB. biental.
C. Correta, conforme artigo 15, LDB. Art. 3o  As metas previstas no Anexo desta Lei serão
cumpridas no prazo de vigência deste PNE, desde que
3. (Prefeitura de Alto Piquiri - Cuidador Social - não haja prazo inferior definido para metas e estraté-
KLC/2012) A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, gias específicas.
estabelece: Art. 4o  As metas previstas no Anexo desta Lei deverão
ter como referência a Pesquisa Nacional por Amos-
a) os parâmetros curriculares nacionais. tra de Domicílios - PNAD, o censo demográfico e os
b) as diretrizes e bases da educação nacional. censos  nacionais da educação básica e superior mais
c) exclusivamente as normas da educação básica. atualizados, disponíveis na data da publicação desta
d) as leis e diretrizes somente para a educação superior Lei.
e) unicamente o funcionamento do sistema de avaliação. Parágrafo único.  O poder público buscará ampliar o
escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a
Resposta: Letra B. Conforme consta na própria Lei nº
incluir informação detalhada sobre o perfil das popu-
9.394, ela “estabelece as diretrizes e bases da educa-
lações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com defi-
ção nacional”.
ciência.
A, C, D e E. Incorretas, são abrangidas as diretrizes e
Art. 5o  A execução do PNE e o cumprimento de suas
bases da educação nacional, em todos os níveis.
metas serão objeto de monitoramento contínuo e de
avaliações periódicas, realizados pelas seguintes ins-
BRASIL. LEI Nº 13.005, DE 25 DE JUNHO tâncias:
DE 2014. APROVA O PLANO NACIONAL I - Ministério da Educação - MEC;
II - Comissão de Educação da Câmara dos Deputados
DE EDUCAÇÃO - PNE E DÁ OUTRAS
e Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado
PROVIDÊNCIAS. BRASÍLIA, DF, 2014.
Federal;
III - Conselho Nacional de Educação - CNE;
IV - Fórum Nacional de Educação.
LEI Nº 13.005, DE 25 DE JUNHO DE 2014. § 1o  Compete, ainda, às instâncias referidas no caput:
I - divulgar os resultados do monitoramento e das
Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá ou- avaliações nos respectivos sítios institucionais da in-
tras providências. ternet;
II - analisar e propor políticas públicas para assegu-
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o rar a implementação das estratégias e o cumprimento
Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: das metas;
III - analisar e propor a revisão do percentual de inves-
Art. 1o  É aprovado o Plano Nacional de Educação - timento público em educação.
PNE, com vigência por 10 (dez) anos, a contar da pu- § 2o  A cada 2 (dois) anos, ao longo do período de
blicação desta Lei, na forma do Anexo, com vistas ao vigência deste PNE, o Instituto Nacional de Estudos e
cumprimento do disposto no art. 214 da Constituição Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP publica-
Federal. rá estudos para aferir a evolução  no cumprimento das
Art. 2o  São diretrizes do PNE: metas estabelecidas no Anexo desta Lei, com informa-
I - erradicação do analfabetismo; ções organizadas por ente federado e consolidadas em
II - universalização do atendimento escolar; âmbito nacional, tendo como referência os estudos e
LEGISLAÇÃO FEDERAL

III - superação das desigualdades educacionais, com as pesquisas de que trata o art. 4o, sem prejuízo de
ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de outras fontes e informações relevantes.
todas as formas de discriminação; § 3o  A meta progressiva do investimento público em
IV - melhoria da qualidade da educação; educação será avaliada no quarto ano de vigência do
V - formação para o trabalho e para a cidadania, com PNE e poderá ser ampliada por meio de lei para aten-
ênfase nos valores morais e éticos em que se funda- der às necessidades financeiras do cumprimento das
menta a sociedade; demais metas.

39
§ 4o  O investimento público em educação a que se nais e a utilização de estratégias que levem em conta
referem o inciso VI do art. 214 da Constituição Fede- as identidades e especificidades socioculturais e lin-
ral e a meta 20 do Anexo desta Lei engloba os recursos guísticas de cada comunidade envolvida, assegurada
aplicados na forma do art. 212 da Constituição Fede- a consulta prévia e informada a essa comunidade.
ral e do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais § 5o  Será criada uma instância permanente de ne-
Transitórias, bem como os recursos aplicados nos pro- gociação e cooperação entre a União, os Estados, o
gramas de expansão da educação profissional e supe- Distrito Federal e os Municípios.
rior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as § 6o  O fortalecimento do regime de colaboração entre
bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, os os Estados e respectivos Municípios incluirá a institui-
subsídios concedidos em programas de financiamento ção de instâncias permanentes de negociação, coope-
estudantil e o financiamento de creches, pré-escolas e ração e pactuação em cada Estado.
de educação especial na forma do art. 213 da Consti- § 7o  O fortalecimento do regime de colaboração entre
tuição Federal. os Municípios dar-se-á, inclusive, mediante a adoção
§ 5o  Será destinada à manutenção e ao desenvolvi- de arranjos de desenvolvimento da educação.
mento do ensino, em acréscimo aos recursos vincu- Art. 8o  Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
lados nos termos do art. 212 da Constituição Federal, deverão elaborar seus correspondentes planos de edu-
além de outros recursos previstos em lei, a parcela da cação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em
participação no resultado ou da compensação finan- consonância com as diretrizes, metas e estratégias
ceira pela exploração de petróleo e de gás natural, na previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado
forma de lei específica, com a finalidade de assegurar da publicação desta Lei.
o cumprimento da meta prevista no inciso VI do art. § 1o  Os entes federados estabelecerão nos respectivos
214 da Constituição Federal. planos de educação estratégias que:
Art. 6o  A União promoverá a realização de pelo me- I - assegurem a articulação das políticas educacionais
nos 2 (duas) conferências nacionais de educação até com as demais políticas sociais, particularmente as
o final do decênio, precedidas de conferências distri- culturais;
II - considerem as necessidades específicas das po-
tal, municipais e estaduais, articuladas e coordenadas
pulações do campo e das comunidades indígenas e
pelo Fórum Nacional de Educação, instituído nesta Lei,
quilombolas, asseguradas a equidade educacional e a
no âmbito do Ministério da Educação.
diversidade cultural;
§ 1o  O Fórum Nacional de Educação, além da atribui-
III - garantam o atendimento das necessidades espe-
ção referida no caput:
cíficas na educação especial, assegurado o sistema
I - acompanhará a execução do PNE e o cumprimento
educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e
de suas metas;
modalidades;
II - promoverá a articulação das conferências nacio-
IV - promovam a articulação interfederativa na imple-
nais de educação com as conferências regionais, esta- mentação das políticas educacionais.
duais e municipais que as precederem. § 2o  Os processos de elaboração e adequação dos pla-
§ 2o  As conferências nacionais de educação reali- nos de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos
zar-se-ão com intervalo de até 4 (quatro) anos entre Municípios, de que trata o caput deste artigo, serão
elas, com o objetivo de avaliar a execução deste PNE e realizados com ampla participação de representantes
subsidiar a elaboração do plano nacional de educação da comunidade educacional e da sociedade civil.
para o decênio subsequente. Art. 9o  Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
Art. 7o  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu- deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas
nicípios atuarão em regime de colaboração, visando de ensino, disciplinando a gestão democrática da edu-
ao alcance das metas e à implementação das estraté- cação pública nos respectivos âmbitos de atuação, no
gias objeto deste Plano. prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta
§ 1o  Caberá aos gestores federais, estaduais, munici- Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local
pais e do Distrito Federal a adoção das medidas go- já adotada com essa finalidade.
vernamentais necessárias ao alcance das metas pre- Art. 10.  O plano plurianual, as diretrizes orçamentá-
vistas neste PNE. rias e os orçamentos anuais da União, dos Estados,
§ 2o  As estratégias definidas no Anexo desta Lei não do Distrito Federal e dos Municípios serão formulados
elidem a adoção de medidas adicionais em âmbito de maneira a assegurar a consignação de dotações
local ou de instrumentos jurídicos que formalizem orçamentárias compatíveis com as diretrizes, metas e
a cooperação entre os entes federados, podendo ser estratégias deste PNE e com os respectivos planos de
complementadas por mecanismos nacionais e locais educação, a fim de viabilizar sua plena execução.
de coordenação e colaboração recíproca. Art. 11.  O Sistema Nacional de Avaliação da Educa-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

§ 3o  Os sistemas de ensino dos Estados, do Distrito ção Básica, coordenado pela União, em colaboração
Federal e dos Municípios criarão mecanismos para o com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
acompanhamento local da consecução das metas des- constituirá fonte de informação para a avaliação da
te PNE e dos planos previstos no art. 8o. qualidade da educação básica e para a orientação das
§ 4o  Haverá regime de colaboração específico para a políticas públicas desse nível de ensino.
implementação de modalidades de educação escolar § 1o  O sistema de avaliação a que se refere o caput pro-
que necessitem considerar territórios étnico-educacio- duzirá, no máximo a cada 2 (dois) anos:

40
I - indicadores de rendimento escolar, referentes ao ANEXO
desempenho dos (as) estudantes apurado em exames METAS E ESTRATÉGIAS 
nacionais de avaliação, com participação de pelo me-
nos 80% (oitenta por cento) dos (as) alunos (as) de Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil
cada ano escolar periodicamente avaliado em cada na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco)
escola, e aos dados pertinentes apurados pelo censo anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em
escolar da educação básica; creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta
II - indicadores de avaliação institucional, relativos a por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da
características como o perfil do alunado e do corpo vigência deste PNE.
dos (as) profissionais da educação, as relações entre
dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do cor- Estratégias:
po discente, a infraestrutura das escolas, os recursos 1.1) definir, em regime de colaboração entre a União,
pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, en- os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, me-
tre outras relevantes. tas de expansão das respectivas redes públicas
§ 2o  A elaboração e a divulgação de índices para ava- de educação infantil segundo padrão nacional de
liação da qualidade, como o Índice de Desenvolvimen- qualidade, considerando as peculiaridades locais;
to da Educação Básica - IDEB, que agreguem os indi- 1.2) garantir que, ao final da vigência deste PNE, seja
cadores mencionados no inciso I do § 1o não elidem a inferior a 10% (dez por cento) a diferença entre as
obrigatoriedade de divulgação, em separado, de cada taxas de frequência à educação infantil das crian-
um deles. ças de até 3 (três) anos oriundas do quinto de ren-
§ 3o  Os indicadores mencionados no § 1o serão es- da familiar per capita mais elevado e as do quinto
timados por etapa, estabelecimento de ensino, rede de renda familiar per capita mais baixo;
escolar, unidade da Federação e em nível agregado 1.3) realizar, periodicamente, em regime de colabo-
nacional, sendo amplamente divulgados, ressalvada ração, levantamento da demanda por creche para
a publicação de resultados individuais e indicadores a população de até 3 (três) anos, como forma de
por turma, que fica admitida exclusivamente para a planejar a oferta e verificar o atendimento da de-
comunidade do respectivo estabelecimento e para o manda manifesta;
órgão gestor da respectiva rede. 1.4) estabelecer, no primeiro ano de vigência do PNE,
§ 4o  Cabem ao Inep a elaboração e o cálculo do Ideb normas, procedimentos e prazos para definição de
mecanismos de consulta pública da demanda das
e dos indicadores referidos no § 1o.
famílias por creches;
§ 5o  A avaliação de desempenho dos (as) estudantes
1.5) manter e ampliar, em regime de colaboração e
em exames, referida no inciso I do § 1o, poderá ser di-
respeitadas as normas de acessibilidade, programa
retamente realizada pela União ou, mediante acordo
nacional de construção e reestruturação de esco-
de cooperação, pelos Estados e pelo Distrito Federal,
las, bem como de aquisição de equipamentos, vi-
nos respectivos sistemas de ensino e de seus Municí-
sando à expansão e à melhoria da rede física de
pios, caso mantenham sistemas próprios de avaliação
escolas públicas de educação infantil;
do rendimento escolar, assegurada a compatibilidade 1.6) implantar, até o segundo ano de vigência deste
metodológica entre esses sistemas e o nacional, espe- PNE, avaliação da educação infantil, a ser realiza-
cialmente no que se refere às escalas de proficiência e da a cada 2 (dois) anos, com base em parâmetros
ao calendário de aplicação. nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraes-
Art. 12.  Até o final do primeiro semestre do nono ano trutura física, o quadro de pessoal, as condições
de vigência deste PNE, o Poder Executivo encaminha- de gestão, os recursos pedagógicos, a situação de
rá ao Congresso Nacional, sem prejuízo das prerroga- acessibilidade, entre outros indicadores relevantes;
tivas deste Poder, o projeto de lei referente ao Plano 1.7) articular a oferta de matrículas gratuitas em cre-
Nacional de Educação a vigorar no período subse- ches certificadas como entidades beneficentes de
quente, que incluirá diagnóstico, diretrizes, metas e assistência social na área de educação com a ex-
estratégias para o próximo decênio. pansão da oferta na rede escolar pública;
Art. 13.  O poder público deverá instituir, em lei es- 1.8) promover a formação inicial e continuada dos
pecífica, contados 2 (dois) anos da publicação desta (as) profissionais da educação infantil, garantindo,
Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela progressivamente, o atendimento por profissionais
articulação entre os sistemas de ensino, em regime de com formação superior;
colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e 1.9) estimular a articulação entre pós-graduação,
estratégias do Plano Nacional de Educação. núcleos de pesquisa e cursos de formação para
Art. 14.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publi- profissionais da educação, de modo a garantir a
cação.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

elaboração de currículos e propostas pedagógicas


que incorporem os avanços de pesquisas ligadas
Brasília,  25  de  junho de 2014; 193o da Independên- ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias
cia e 126o da República. educacionais no atendimento da população de 0
DILMA ROUSSEFF (zero) a 5 (cinco) anos;
Guido Mantega 1.10) fomentar o atendimento das populações do
José Henrique Paim Fernandes campo e das comunidades indígenas e quilombo-
Miriam Belchior las na educação infantil nas respectivas comunida-

41
des, por meio do redimensionamento da distribui- consulta pública nacional, proposta de direitos e
ção territorial da oferta, limitando a nucleação de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
escolas e o deslocamento de crianças, de forma a para os (as) alunos (as) do ensino fundamental;
atender às especificidades dessas comunidades, 2.2) pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e
garantido consulta prévia e informada; Municípios, no âmbito da instância permanente de
1.11) priorizar o acesso à educação infantil e fomentar que trata o § 5º do art. 7º desta Lei, a implantação
a oferta do atendimento educacional especializado dos direitos e objetivos de aprendizagem e desen-
complementar e suplementar aos (às) alunos (as) volvimento que configurarão a base nacional co-
com deficiência, transtornos globais do desenvol- mum curricular do ensino fundamental;
vimento e altas habilidades ou superdotação, asse- 2.3) criar mecanismos para o acompanhamento indi-
gurando a educação bilíngue para crianças surdas vidualizado dos (as) alunos (as) do ensino funda-
e a transversalidade da educação especial nessa mental;
etapa da educação básica; 2.4) fortalecer o acompanhamento e o monitora-
1.12) implementar, em caráter complementar, progra- mento do acesso, da permanência e do aproveita-
mas de orientação e apoio às famílias, por meio da mento escolar dos beneficiários de programas de
articulação das áreas de educação, saúde e assis- transferência de renda, bem como das situações de
tência social, com foco no desenvolvimento inte- discriminação, preconceitos e violências na escola,
gral das crianças de até 3 (três) anos de idade; visando ao estabelecimento de condições adequa-
1.13) preservar as especificidades da educação infan- das para o sucesso escolar dos (as) alunos (as), em
til na organização das redes escolares, garantindo colaboração com as famílias e com órgãos públi-
o atendimento da criança de 0 (zero) a 5 (cinco) cos de assistência social, saúde e proteção à infân-
anos em estabelecimentos que atendam a parâ- cia, adolescência e juventude;
metros nacionais de qualidade, e a articulação 2.5) promover a busca ativa de crianças e adolescen-
com a etapa escolar seguinte, visando ao ingresso tes fora da escola, em parceria com órgãos públi-
do (a) aluno(a) de 6 (seis) anos de idade no ensino cos de assistência social, saúde e proteção à infân-
cia, adolescência e juventude;
fundamental;
2.6) desenvolver tecnologias pedagógicas que com-
1.14) fortalecer o acompanhamento e o monitora-
binem, de maneira articulada, a organização do
mento do acesso e da permanência das crianças
tempo e das atividades didáticas entre a escola e o
na educação infantil, em especial dos beneficiários
ambiente comunitário, considerando as especifici-
de programas de transferência de renda, em cola-
dades da educação especial, das escolas do campo
boração com as famílias e com os órgãos públicos
e das comunidades indígenas e quilombolas;
de assistência social, saúde e proteção à infância;
2.7) disciplinar, no âmbito dos sistemas de ensino, a
1.15) promover a busca ativa de crianças em idade organização flexível do trabalho pedagógico, in-
correspondente à educação infantil, em parceria cluindo adequação do calendário escolar de acor-
com órgãos públicos de assistência social, saúde do com a realidade local, a identidade cultural e as
e proteção à infância, preservando o direito de op- condições climáticas da região;
ção da família em relação às crianças de até 3 (três) 2.8) promover a relação das escolas com instituições e
anos; movimentos culturais, a fim de garantir a oferta re-
1.16) o Distrito Federal e os Municípios, com a co- gular de atividades culturais para a livre fruição dos
laboração da União e dos Estados, realizarão e (as) alunos (as) dentro e fora dos espaços escola-
publicarão, a cada ano, levantamento da deman- res, assegurando ainda que as escolas se tornem
da manifesta por educação infantil em creches e polos de criação e difusão cultural;
pré-escolas, como forma de planejar e verificar o 2.9) incentivar a participação dos pais ou responsáveis
atendimento; no acompanhamento das atividades escolares dos
1.17) estimular o acesso à educação infantil em tem- filhos por meio do estreitamento das relações en-
po integral, para todas as crianças de 0 (zero) a 5 tre as escolas e as famílias;
(cinco) anos, conforme estabelecido nas Diretrizes 2.10) estimular a oferta do ensino fundamental, em
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. especial dos anos iniciais, para as populações do
campo, indígenas e quilombolas, nas próprias co-
Meta 2: universalizar o ensino fundamental de 9 munidades;
(nove) anos para toda a população de 6 (seis) a 14 (qua- 2.11) desenvolver formas alternativas de oferta do
torze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e ensino fundamental, garantida a qualidade, para
cinco por cento) dos alunos concluam essa etapa na ida- atender aos filhos e filhas de profissionais que se
de recomendada, até o último ano de vigência deste PNE. dedicam a atividades de caráter itinerante;
2.12) oferecer atividades extracurriculares de incenti-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Estratégias: vo aos (às) estudantes e de estímulo a habilidades,


inclusive mediante certames e concursos nacionais;
2.1) o Ministério da Educação, em articulação e co- 2.13) promover atividades de desenvolvimento e es-
laboração com os Estados, o Distrito Federal e os tímulo a habilidades esportivas nas escolas, inter-
Municípios, deverá, até o final do 2o (segundo) ligadas a um plano de disseminação do desporto
ano de vigência deste PNE, elaborar e encaminhar educacional e de desenvolvimento esportivo na-
ao Conselho Nacional de Educação, precedida de cional.

42
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar 3.7) fomentar a expansão das matrículas gratuitas de
para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) ensino médio integrado à educação profissional,
anos e elevar, até o final do período de vigência deste observando-se as peculiaridades das populações
PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para do campo, das comunidades indígenas e quilom-
85% (oitenta e cinco por cento). bolas e das pessoas com deficiência;
3.8) estruturar e fortalecer o acompanhamento e o
Estratégias: monitoramento do acesso e da permanência dos
e das jovens beneficiários (as) de programas de
3.1) institucionalizar programa nacional de renovação transferência de renda, no ensino médio, quanto
do ensino médio, a fim de incentivar práticas pe- à frequência, ao aproveitamento escolar e à inte-
dagógicas com abordagens interdisciplinares es- ração com o coletivo, bem como das situações de
truturadas pela relação entre teoria e prática, por discriminação, preconceitos e violências, práticas
meio de currículos escolares que organizem, de irregulares de exploração do trabalho, consumo de
maneira flexível e diversificada, conteúdos obriga- drogas, gravidez precoce, em colaboração com as
tórios e eletivos articulados em dimensões como famílias e com órgãos públicos de assistência so-
ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e cial, saúde e proteção à adolescência e juventude;
esporte, garantindo-se a aquisição de equipamen- 3.9) promover a busca ativa da população de 15
tos e laboratórios, a produção de material didático (quinze) a 17 (dezessete) anos fora da escola, em
específico, a formação continuada de professores e articulação com os serviços de assistência social,
a articulação com instituições acadêmicas, esporti- saúde e proteção à adolescência e à juventude;
vas e culturais; 3.10) fomentar programas de educação e de cultura
3.2) o Ministério da Educação, em articulação e cola- para a população urbana e do campo de jovens, na
boração com os entes federados e ouvida a socie- faixa etária de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, e
dade mediante consulta pública nacional, elaborará de adultos, com qualificação social e profissional
e encaminhará ao Conselho Nacional de Educação para aqueles que estejam fora da escola e com de-
fasagem no fluxo escolar;
- CNE, até o 2o (segundo) ano de vigência deste
3.11) redimensionar a oferta de ensino médio nos
PNE, proposta de direitos e objetivos de aprendi-
turnos diurno e noturno, bem como a distribuição
zagem e desenvolvimento para os (as) alunos (as)
territorial das escolas de ensino médio, de forma a
de ensino médio, a serem atingidos nos tempos e
atender a toda a demanda, de acordo com as ne-
etapas de organização deste nível de ensino, com
cessidades específicas dos (as) alunos (as);
vistas a garantir formação básica comum;
3.12) desenvolver formas alternativas de oferta do
3.3) pactuar entre União, Estados, Distrito Federal e
ensino médio, garantida a qualidade, para atender
Municípios, no âmbito da instância permanente
aos filhos e filhas de profissionais que se dedicam
de que trata o § 5o do art. 7o desta Lei, a implan- a atividades de caráter itinerante;
tação dos direitos e objetivos de aprendizagem e 3.13) implementar políticas de prevenção à evasão
desenvolvimento que configurarão a base nacional motivada por preconceito ou quaisquer formas
comum curricular do ensino médio; de discriminação, criando rede de proteção contra
3.4) garantir a fruição de bens e espaços culturais, de formas associadas de exclusão;
forma regular, bem como a ampliação da prática 3.14) estimular a participação dos adolescentes nos
desportiva, integrada ao currículo escolar; cursos das áreas tecnológicas e científicas.
3.5) manter e ampliar programas e ações de corre-
ção de fluxo do ensino fundamental, por meio do Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a
acompanhamento individualizado do (a) aluno (a) 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais
com rendimento escolar defasado e pela adoção do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,
de práticas como aulas de reforço no turno com- o acesso à educação básica e ao atendimento educacio-
plementar, estudos de recuperação e progressão nal especializado, preferencialmente na rede regular de
parcial, de forma a reposicioná-lo no ciclo escolar ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo,
de maneira compatível com sua idade; de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou
3.6) universalizar o Exame Nacional do Ensino Médio serviços especializados, públicos ou conveniados.
- ENEM, fundamentado em matriz de referência do
conteúdo curricular do ensino médio e em técnicas Estratégias:
estatísticas e psicométricas que permitam compa-
rabilidade de resultados, articulando-o com o Sis- 4.1) contabilizar, para fins do repasse do Fundo de
tema Nacional de Avaliação da Educação Básica - Manutenção e Desenvolvimento da Educação Bá-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

SAEB, e promover sua utilização como instrumento sica e de Valorização dos Profissionais da Educa-
de avaliação sistêmica, para subsidiar políticas pú- ção - FUNDEB, as matrículas dos (as) estudantes
blicas para a educação básica, de avaliação certifi- da educação regular da rede pública que recebam
cadora, possibilitando aferição de conhecimentos atendimento educacional especializado comple-
e habilidades adquiridos dentro e fora da escola, e mentar e suplementar, sem prejuízo do cômputo
de avaliação classificatória, como critério de acesso dessas matrículas na educação básica regular, e as
à educação superior; matrículas efetivadas, conforme o censo escolar

43
mais atualizado, na educação especial oferecida 4.9) fortalecer o acompanhamento e o monitoramen-
em instituições comunitárias, confessionais ou fi- to do acesso à escola e ao atendimento educacio-
lantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com o nal especializado, bem como da permanência e do
poder público e com atuação exclusiva na modali- desenvolvimento escolar dos (as) alunos (as) com
dade, nos termos da Lei no 11.494, de 20 de junho deficiência, transtornos globais do desenvolvimen-
de 2007; to e altas habilidades ou superdotação beneficiá-
4.2) promover, no prazo de vigência deste PNE, a uni- rios (as) de programas de transferência de renda,
versalização do atendimento escolar à demanda juntamente com o combate às situações de dis-
manifesta pelas famílias de crianças de 0 (zero) a 3 criminação, preconceito e violência, com vistas ao
(três) anos com deficiência, transtornos globais do estabelecimento de condições adequadas para o
desenvolvimento e altas habilidades ou superdota- sucesso educacional, em colaboração com as famí-
ção, observado o que dispõe a Lei no 9.394, de 20 lias e com os órgãos públicos de assistência social,
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes saúde e proteção à infância, à adolescência e à ju-
e bases da educação nacional; ventude;
4.3) implantar, ao longo deste PNE, salas de recursos 4.10) fomentar pesquisas voltadas para o desenvolvi-
multifuncionais e fomentar a formação continuada mento de metodologias, materiais didáticos, equi-
de professores e professoras para o atendimento pamentos e recursos de tecnologia assistiva, com
educacional especializado nas escolas urbanas, do vistas à promoção do ensino e da aprendizagem,
campo, indígenas e de comunidades quilombolas; bem como das condições de acessibilidade dos (as)
4.4) garantir atendimento educacional especializado estudantes com deficiência, transtornos globais do
em salas de recursos multifuncionais, classes, esco- desenvolvimento e altas habilidades ou superdota-
las ou serviços especializados, públicos ou conve- ção;
niados, nas formas complementar e suplementar, a 4.11) promover o desenvolvimento de pesquisas in-
todos (as) alunos (as) com deficiência, transtornos terdisciplinares para subsidiar a formulação de
globais do desenvolvimento e altas habilidades políticas públicas intersetoriais que atendam as es-
ou superdotação, matriculados na rede pública de
pecificidades educacionais de estudantes com de-
educação básica, conforme necessidade identifi-
ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
cada por meio de avaliação, ouvidos a família e o
altas habilidades ou superdotação que requeiram
aluno;
medidas de atendimento especializado;
4.5) estimular a criação de centros multidisciplinares
4.12) promover a articulação intersetorial entre órgãos
de apoio, pesquisa e assessoria, articulados com
e políticas públicas de saúde, assistência social e di-
instituições acadêmicas e integrados por profissio-
reitos humanos, em parceria com as famílias, com
nais das áreas de saúde, assistência social, peda-
gogia e psicologia, para apoiar o trabalho dos (as) o fim de desenvolver modelos de atendimento vol-
professores da educação básica com os (as) alunos tados à continuidade do atendimento escolar, na
(as) com deficiência, transtornos globais do desen- educação de jovens e adultos, das pessoas com de-
volvimento e altas habilidades ou superdotação; ficiência e transtornos globais do desenvolvimento
4.6) manter e ampliar programas suplementares que com idade superior à faixa etária de escolarização
promovam a acessibilidade nas instituições públi- obrigatória, de forma a assegurar a atenção integral
cas, para garantir o acesso e a permanência dos (as) ao longo da vida;
alunos (as) com deficiência por meio da adequação 4.13) apoiar a ampliação das equipes de profissionais
arquitetônica, da oferta de transporte acessível e da da educação para atender à demanda do processo
disponibilização de material didático próprio e de de escolarização dos (das) estudantes com deficiên-
recursos de tecnologia assistiva, assegurando, ain- cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas
da, no contexto escolar, em todas as etapas, níveis habilidades ou superdotação, garantindo a oferta
e modalidades de ensino, a identificação dos (as) de professores (as) do atendimento educacional
alunos (as) com altas habilidades ou superdotação; especializado, profissionais de apoio ou auxiliares,
4.7) garantir a oferta de educação bilíngue, em Lín- tradutores (as) e intérpretes de Libras, guias-intér-
gua Brasileira de Sinais - LIBRAS como primeira lín- pretes para surdos-cegos, professores de Libras,
gua e na modalidade escrita da Língua Portuguesa prioritariamente surdos, e professores bilíngues;
como segunda língua, aos (às) alunos (as) surdos 4.14) definir, no segundo ano de vigência deste PNE,
e com deficiência auditiva de 0 (zero) a 17 (dezes- indicadores de qualidade e política de avaliação e
sete) anos, em escolas e classes bilíngues e em es- supervisão para o funcionamento de instituições
colas inclusivas, nos termos do art. 22 do Decreto públicas e privadas que prestam atendimento a
no 5.626, de 22 de dezembro de 2005, e dos arts. alunos com deficiência, transtornos globais do de-
24 e 30 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas senvolvimento e altas habilidades ou superdotação;
LEGISLAÇÃO FEDERAL

com Deficiência, bem como a adoção do Sistema 4.15) promover, por iniciativa do Ministério da Edu-
Braille de leitura para cegos e surdos-cegos; cação, nos órgãos de pesquisa, demografia e es-
4.8) garantir a oferta de educação inclusiva, vedada a tatística competentes, a obtenção de informação
exclusão do ensino regular sob alegação de defi- detalhada sobre o perfil das pessoas com deficiên-
ciência e promovida a articulação pedagógica en- cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas
tre o ensino regular e o atendimento educacional habilidades ou superdotação de 0 (zero) a 17 (de-
especializado; zessete) anos;

44
4.16) incentivar a inclusão nos cursos de licenciatura e 5.4) fomentar o desenvolvimento de tecnologias edu-
nos demais cursos de formação para profissionais cacionais e de práticas pedagógicas inovadoras
da educação, inclusive em nível de pós-gradua- que assegurem a alfabetização e favoreçam a me-
ção, observado o disposto no caput do art. 207 da lhoria do fluxo escolar e a aprendizagem dos (as)
Constituição Federal, dos referenciais teóricos, das alunos (as), consideradas as diversas abordagens
teorias de aprendizagem e dos processos de en- metodológicas e sua efetividade;
sino-aprendizagem relacionados ao atendimento 5.5) apoiar a alfabetização de crianças do campo, in-
educacional de alunos com deficiência, transtornos dígenas, quilombolas e de populações itinerantes,
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou com a produção de materiais didáticos específicos,
superdotação; e desenvolver instrumentos de acompanhamen-
4.17) promover parcerias com instituições comunitá- to que considerem o uso da língua materna pelas
rias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucra- comunidades indígenas e a identidade cultural das
tivos, conveniadas com o poder público, visando comunidades quilombolas;
a ampliar as condições de apoio ao atendimento 5.6) promover e estimular a formação inicial e conti-
escolar integral das pessoas com deficiência, trans- nuada de professores (as) para a alfabetização de
tornos globais do desenvolvimento e altas habi- crianças, com o conhecimento de novas tecnolo-
lidades ou superdotação matriculadas nas redes gias educacionais e práticas pedagógicas inovado-
públicas de ensino; ras, estimulando a articulação entre programas de
4.18) promover parcerias com instituições comunitá- pós-graduação stricto sensu e ações de formação
rias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrati- continuada de professores (as) para a alfabetização;
vos, conveniadas com o poder público, visando a 5.7) apoiar a alfabetização das pessoas com deficiên-
ampliar a oferta de formação continuada e a pro- cia, considerando as suas especificidades, inclusive
dução de material didático acessível, assim como a alfabetização bilíngue de pessoas surdas, sem es-
os serviços de acessibilidade necessários ao pleno tabelecimento de terminalidade temporal.
acesso, participação e aprendizagem dos estudan-
Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no
tes com deficiência, transtornos globais do desen-
mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas,
volvimento e altas habilidades ou superdotação
de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por
matriculados na rede pública de ensino;
cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.
4.19) promover parcerias com instituições comunitá-
rias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucra-
Estratégias:
tivos, conveniadas com o poder público, a fim de
favorecer a participação das famílias e da socieda-
6.1) promover, com o apoio da União, a oferta de edu-
de na construção do sistema educacional inclusivo. cação básica pública em tempo integral, por meio
de atividades de acompanhamento pedagógico e
Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas,
o final do 3o (terceiro) ano do ensino fundamental. de forma que o tempo de permanência dos (as)
alunos (as) na escola, ou sob sua responsabilidade,
Estratégias: passe a ser igual ou superior a 7 (sete) horas diárias
durante todo o ano letivo, com a ampliação pro-
5.1) estruturar os processos pedagógicos de alfabeti- gressiva da jornada de professores em uma única
zação, nos anos iniciais do ensino fundamental, ar- escola;
ticulando-os com as estratégias desenvolvidas na 6.2) instituir, em regime de colaboração, programa de
pré-escola, com qualificação e valorização dos (as) construção de escolas com padrão arquitetônico
professores (as) alfabetizadores e com apoio peda- e de mobiliário adequado para atendimento em
gógico específico, a fim de garantir a alfabetização tempo integral, prioritariamente em comunidades
plena de todas as crianças; pobres ou com crianças em situação de vulnerabi-
5.2) instituir instrumentos de avaliação nacional pe- lidade social;
riódicos e específicos para aferir a alfabetização 6.3) institucionalizar e manter, em regime de colabo-
das crianças, aplicados a cada ano, bem como esti- ração, programa nacional de ampliação e reestrutu-
mular os sistemas de ensino e as escolas a criarem ração das escolas públicas, por meio da instalação
os respectivos instrumentos de avaliação e moni- de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de
toramento, implementando medidas pedagógicas informática, espaços para atividades culturais, bi-
para alfabetizar todos os alunos e alunas até o final bliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banhei-
do terceiro ano do ensino fundamental; ros e outros equipamentos, bem como da produ-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

5.3) selecionar, certificar e divulgar tecnologias edu- ção de material didático e da formação de recursos
cacionais para a alfabetização de crianças, asse- humanos para a educação em tempo integral;
gurada a diversidade de métodos e propostas 6.4) fomentar a articulação da escola com os diferen-
pedagógicas, bem como o acompanhamento dos tes espaços educativos, culturais e esportivos e com
resultados nos sistemas de ensino em que forem equipamentos públicos, como centros comunitá-
aplicadas, devendo ser disponibilizadas, preferen- rios, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros,
cialmente, como recursos educacionais abertos; cinemas e planetários;

45
6.5) estimular a oferta de atividades voltadas à ampliação da jornada escolar de alunos (as) matriculados nas esco-
las da rede pública de educação básica por parte das entidades privadas de serviço social vinculadas ao sistema
sindical, de forma concomitante e em articulação com a rede pública de ensino;
6.6) orientar a aplicação da gratuidade de que trata o art. 13 da Lei no 12.101, de 27 de novembro de 2009, em ati-
vidades de ampliação da jornada escolar de alunos (as) das escolas da rede pública de educação básica, de forma
concomitante e em articulação com a rede pública de ensino;
6.7) atender às escolas do campo e de comunidades indígenas e quilombolas na oferta de educação em tempo
integral, com base em consulta prévia e informada, considerando-se as peculiaridades locais;
6.8) garantir a educação em tempo integral para pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação na faixa etária de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, assegurando atendimento
educacional especializado complementar e suplementar ofertado em salas de recursos multifuncionais da pró-
pria escola ou em instituições especializadas;
6.9) adotar medidas para otimizar o tempo de permanência dos alunos na escola, direcionando a expansão da jor-
nada para o efetivo trabalho escolar, combinado com atividades recreativas, esportivas e culturais.

Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar
e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb:

Estratégias:

7.1) estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a educação básica e
a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento dos (as)
alunos (as) para cada ano do ensino fundamental e médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local;
7.2) assegurar que:
a) no quinto ano de vigência deste PNE, pelo menos 70% (setenta por cento) dos (as) alunos (as) do ensino funda-
mental e do ensino médio tenham alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos
de aprendizagem e desenvolvimento de seu ano de estudo, e 50% (cinquenta por cento), pelo menos, o nível
desejável;
b) no último ano de vigência deste PNE, todos os (as) estudantes do ensino fundamental e do ensino médio tenham
alcançado nível suficiente de aprendizado em relação aos direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimen-
to de seu ano de estudo, e 80% (oitenta por cento), pelo menos, o nível desejável;
7.3) constituir, em colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, um conjunto nacional
de indicadores de avaliação institucional com base no perfil do alunado e do corpo de profissionais da educação,
nas condições de infraestrutura das escolas, nos recursos pedagógicos disponíveis, nas características da gestão
e em outras dimensões relevantes, considerando as especificidades das modalidades de ensino;
7.4) induzir processo contínuo de autoavaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de ins-
trumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de plane-
jamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos (as) profissionais
da educação e o aprimoramento da gestão democrática;
7.5) formalizar e executar os planos de ações articuladas dando cumprimento às metas de qualidade estabelecidas
para a educação básica pública e às estratégias de apoio técnico e financeiro voltadas à melhoria da gestão
educacional, à formação de professores e professoras e profissionais de serviços e apoio escolares, à ampliação
e ao desenvolvimento de recursos pedagógicos e à melhoria e expansão da infraestrutura física da rede escolar;
7.6) associar a prestação de assistência técnica financeira à fixação de metas intermediárias, nos termos estabeleci-
dos conforme pactuação voluntária entre os entes, priorizando sistemas e redes de ensino com Ideb abaixo da
média nacional;
LEGISLAÇÃO FEDERAL

7.7) aprimorar continuamente os instrumentos de avaliação da qualidade do ensino fundamental e médio, de forma
a englobar o ensino de ciências nos exames aplicados nos anos finais do ensino fundamental, e incorporar o
Exame Nacional do Ensino Médio, assegurada a sua universalização, ao sistema de avaliação da educação básica,
bem como apoiar o uso dos resultados das avaliações nacionais pelas escolas e redes de ensino para a melhoria
de seus processos e práticas pedagógicas;
7.8) desenvolver indicadores específicos de avaliação da qualidade da educação especial, bem como da qualidade
da educação bilíngue para surdos;

46
7.9) orientar as políticas das redes e sistemas de en- escolas da rede pública de educação básica, pro-
sino, de forma a buscar atingir as metas do Ideb, movendo a utilização pedagógica das tecnologias
diminuindo a diferença entre as escolas com os da informação e da comunicação;
menores índices e a média nacional, garantindo 7.16) apoiar técnica e financeiramente a gestão esco-
equidade da aprendizagem e reduzindo pela me- lar mediante transferência direta de recursos finan-
tade, até o último ano de vigência deste PNE, as ceiros à escola, garantindo a participação da comu-
diferenças entre as médias dos índices dos Estados, nidade escolar no planejamento e na aplicação dos
inclusive do Distrito Federal, e dos Municípios; recursos, visando à ampliação da transparência e ao
7.10) fixar, acompanhar e divulgar bienalmente os efetivo desenvolvimento da gestão democrática;
resultados pedagógicos dos indicadores do siste- 7.17) ampliar programas e aprofundar ações de aten-
ma nacional de avaliação da educação básica e do dimento ao (à) aluno (a), em todas as etapas da
Ideb, relativos às escolas, às redes públicas de edu- educação básica, por meio de programas suple-
cação básica e aos sistemas de ensino da União, mentares de material didático-escolar, transporte,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, alimentação e assistência à saúde;
assegurando a contextualização desses resultados, 7.18) assegurar a todas as escolas públicas de edu-
com relação a indicadores sociais relevantes, como cação básica o acesso a energia elétrica, abasteci-
os de nível socioeconômico das famílias dos (as) mento de água tratada, esgotamento sanitário e
alunos (as), e a transparência e o acesso público às manejo dos resíduos sólidos, garantir o acesso dos
informações técnicas de concepção e operação do alunos a espaços para a prática esportiva, a bens
sistema de avaliação; culturais e artísticos e a equipamentos e laborató-
7.11) melhorar o desempenho dos alunos da edu- rios de ciências e, em cada edifício escolar, garantir
cação básica nas avaliações da aprendizagem no a acessibilidade às pessoas com deficiência;
Programa Internacional de Avaliação de Estudan- 7.19) institucionalizar e manter, em regime de cola-
tes - PISA, tomado como instrumento externo de boração, programa nacional de reestruturação e
referência, internacionalmente reconhecido, de aquisição de equipamentos para escolas públicas,
visando à equalização regional das oportunidades
acordo com as seguintes projeções:
educacionais;
7.20) prover equipamentos e recursos tecnológicos di-
gitais para a utilização pedagógica no ambiente es-
colar a todas as escolas públicas da educação básica,
criando, inclusive, mecanismos para implementação
das condições necessárias para a universalização das
bibliotecas nas instituições educacionais, com acesso
a redes digitais de computadores, inclusive a internet;
7.12) incentivar o desenvolvimento, selecionar, cer- 7.21) a União, em regime de colaboração com os en-
tificar e divulgar tecnologias educacionais para a tes federados subnacionais, estabelecerá, no pra-
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino zo de 2 (dois) anos contados da publicação desta
médio e incentivar práticas pedagógicas inovado- Lei, parâmetros mínimos de qualidade dos servi-
ras que assegurem a melhoria do fluxo escolar e ços da educação básica, a serem utilizados como
a aprendizagem, assegurada a diversidade de mé- referência para infraestrutura das escolas, recursos
todos e propostas pedagógicas, com preferência pedagógicos, entre outros insumos relevantes, bem
para softwares livres e recursos educacionais aber- como instrumento para adoção de medidas para a
tos, bem como o acompanhamento dos resultados melhoria da qualidade do ensino;
nos sistemas de ensino em que forem aplicadas; 7.22) informatizar integralmente a gestão das escolas
7.13) garantir transporte gratuito para todos (as) os públicas e das secretarias de educação dos Estados,
(as) estudantes da educação do campo na faixa do Distrito Federal e dos Municípios, bem como
etária da educação escolar obrigatória, median- manter programa nacional de formação inicial e
te renovação e padronização integral da frota de continuada para o pessoal técnico das secretarias
veículos, de acordo com especificações definidas de educação;
pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e 7.23) garantir políticas de combate à violência na
Tecnologia - INMETRO, e financiamento comparti- escola, inclusive pelo desenvolvimento de ações
lhado, com participação da União proporcional às destinadas à capacitação de educadores para de-
necessidades dos entes federados, visando a redu- tecção dos sinais de suas causas, como a violência
zir a evasão escolar e o tempo médio de desloca- doméstica e sexual, favorecendo a adoção das pro-
mento a partir de cada situação local; vidências adequadas para promover a construção
7.14) desenvolver pesquisas de modelos alternativos da cultura de paz e um ambiente escolar dotado de
LEGISLAÇÃO FEDERAL

de atendimento escolar para a população do cam- segurança para a comunidade;


po que considerem as especificidades locais e as 7.24) implementar políticas de inclusão e perma-
boas práticas nacionais e internacionais; nência na escola para adolescentes e jovens que
7.15) universalizar, até o quinto ano de vigência deste se encontram em regime de liberdade assistida e
PNE, o acesso à rede mundial de computadores em em situação de rua, assegurando os princípios da
banda larga de alta velocidade e triplicar, até o fi- Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da
nal da década, a relação computador/aluno (a) nas Criança e do Adolescente;

47
7.25) garantir nos currículos escolares conteúdos so- 7.32) fortalecer, com a colaboração técnica e financei-
bre a história e as culturas afro-brasileira e indí- ra da União, em articulação com o sistema nacional
genas e implementar ações educacionais, nos ter- de avaliação, os sistemas estaduais de avaliação da
mos das Leis nos 10.639, de 9 de janeiro de 2003, educação básica, com participação, por adesão,
e 11.645, de 10 de março de 2008, assegurando-se das redes municipais de ensino, para orientar as
a implementação das respectivas diretrizes curri- políticas públicas e as práticas pedagógicas, com
culares nacionais, por meio de ações colaborativas o fornecimento das informações às escolas e à so-
com fóruns de educação para a diversidade étni- ciedade;
co-racial, conselhos escolares, equipes pedagógi- 7.33) promover, com especial ênfase, em consonância
cas e a sociedade civil; com as diretrizes do Plano Nacional do Livro e da
7.26) consolidar a educação escolar no campo de po- Leitura, a formação de leitores e leitoras e a capaci-
pulações tradicionais, de populações itinerantes e tação de professores e professoras, bibliotecários e
de comunidades indígenas e quilombolas, respei- bibliotecárias e agentes da comunidade para atuar
tando a articulação entre os ambientes escolares como mediadores e mediadoras da leitura, de
e comunitários e garantindo: o desenvolvimento acordo com a especificidade das diferentes etapas
sustentável e preservação da identidade cultural; do desenvolvimento e da aprendizagem;
a participação da comunidade na definição do 7.34) instituir, em articulação com os Estados, os Mu-
modelo de organização pedagógica e de gestão nicípios e o Distrito Federal, programa nacional de
das instituições, consideradas as práticas socio- formação de professores e professoras e de alunos
culturais e as formas particulares de organização e alunas para promover e consolidar política de
do tempo; a oferta bilíngue na educação infantil preservação da memória nacional;
e nos anos iniciais do ensino fundamental, em 7.35) promover a regulação da oferta da educação
língua materna das comunidades indígenas e em básica pela iniciativa privada, de forma a garantir
língua portuguesa; a reestruturação e a aquisição a qualidade e o cumprimento da função social da
de equipamentos; a oferta de programa para a educação;
formação inicial e continuada de profissionais da 7.36) estabelecer políticas de estímulo às escolas que
educação; e o atendimento em educação especial; melhorarem o desempenho no Ideb, de modo a
7.27) desenvolver currículos e propostas pedagógi- valorizar o mérito do corpo docente, da direção e
cas específicas para educação escolar para as es- da comunidade escolar.
colas do campo e para as comunidades indígenas
e quilombolas, incluindo os conteúdos culturais Meta 8: elevar a escolaridade média da população de
correspondentes às respectivas comunidades e 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar,
considerando o fortalecimento das práticas socio- no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de
culturais e da língua materna de cada comunidade vigência deste Plano, para as populações do campo, da
indígena, produzindo e disponibilizando materiais região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte
didáticos específicos, inclusive para os (as) alunos e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade
(as) com deficiência; média entre negros e não negros declarados à Fundação
7.28) mobilizar as famílias e setores da sociedade ci- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
vil, articulando a educação formal com experiên-
cias de educação popular e cidadã, com os pro- Estratégias:
pósitos de que a educação seja assumida como
responsabilidade de todos e de ampliar o controle 8.1) institucionalizar programas e desenvolver tecno-
social sobre o cumprimento das políticas públicas logias para correção de fluxo, para acompanha-
educacionais; mento pedagógico individualizado e para recu-
7.29) promover a articulação dos programas da área peração e progressão parcial, bem como priorizar
da educação, de âmbito local e nacional, com os estudantes com rendimento escolar defasado,
de outras áreas, como saúde, trabalho e emprego, considerando as especificidades dos segmentos
assistência social, esporte e cultura, possibilitan- populacionais considerados;
do a criação de rede de apoio integral às famílias, 8.2) implementar programas de educação de jovens
como condição para a melhoria da qualidade edu- e adultos para os segmentos populacionais con-
cacional; siderados, que estejam fora da escola e com defa-
7.30) universalizar, mediante articulação entre os ór- sagem idade-série, associados a outras estratégias
gãos responsáveis pelas áreas da saúde e da edu- que garantam a continuidade da escolarização,
cação, o atendimento aos (às) estudantes da rede após a alfabetização inicial;
escolar pública de educação básica por meio de 8.3) garantir acesso gratuito a exames de certificação
LEGISLAÇÃO FEDERAL

ações de prevenção, promoção e atenção à saúde; da conclusão dos ensinos fundamental e médio;
7.31) estabelecer ações efetivas especificamente 8.4) expandir a oferta gratuita de educação profis-
voltadas para a promoção, prevenção, atenção e sional técnica por parte das entidades privadas de
atendimento à saúde e à integridade física, mental serviço social e de formação profissional vincula-
e emocional dos (das) profissionais da educação, das ao sistema sindical, de forma concomitante ao
como condição para a melhoria da qualidade edu- ensino ofertado na rede escolar pública, para os
cacional; segmentos populacionais considerados;

48
8.5) promover, em parceria com as áreas de saúde e 9.10) estabelecer mecanismos e incentivos que in-
assistência social, o acompanhamento e o moni- tegrem os segmentos empregadores, públicos e
toramento do acesso à escola específicos para os privados, e os sistemas de ensino, para promover
segmentos populacionais considerados, identificar a compatibilização da jornada de trabalho dos
motivos de absenteísmo e colaborar com os Esta- empregados e das empregadas com a oferta das
dos, o Distrito Federal e os Municípios para a ga- ações de alfabetização e de educação de jovens e
rantia de frequência e apoio à aprendizagem, de adultos;
maneira a estimular a ampliação do atendimento 9.11) implementar programas de capacitação tecno-
desses (as) estudantes na rede pública regular de lógica da população jovem e adulta, direcionados
ensino; para os segmentos com baixos níveis de escolari-
8.6) promover busca ativa de jovens fora da escola zação formal e para os (as) alunos (as) com defi-
pertencentes aos segmentos populacionais consi- ciência, articulando os sistemas de ensino, a Rede
derados, em parceria com as áreas de assistência Federal de Educação Profissional, Científica e Tec-
social, saúde e proteção à juventude. nológica, as universidades, as cooperativas e as
associações, por meio de ações de extensão de-
Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população senvolvidas em centros vocacionais tecnológicos,
com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três com tecnologias assistivas que favoreçam a efetiva
inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final inclusão social e produtiva dessa população;
da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo abso- 9.12) considerar, nas políticas públicas de jovens e
luto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de adultos, as necessidades dos idosos, com vistas à
analfabetismo funcional. promoção de políticas de erradicação do analfa-
betismo, ao acesso a tecnologias educacionais e
Estratégias: atividades recreativas, culturais e esportivas, à im-
plementação de programas de valorização e com-
9.1) assegurar a oferta gratuita da educação de jovens partilhamento dos conhecimentos e experiência
e adultos a todos os que não tiveram acesso à edu- dos idosos e à inclusão dos temas do envelheci-
cação básica na idade própria; mento e da velhice nas escolas.
9.2) realizar diagnóstico dos jovens e adultos com en-
sino fundamental e médio incompletos, para iden-
Meta 10: oferecer, no mínimo, 25% (vinte e cinco por
tificar a demanda ativa por vagas na educação de
cento) das matrículas de educação de jovens e adultos,
jovens e adultos;
nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à
9.3) implementar ações de alfabetização de jovens e
educação profissional.
adultos com garantia de continuidade da escolari-
zação básica;
Estratégias:
9.4) criar benefício adicional no programa nacional de
transferência de renda para jovens e adultos que
frequentarem cursos de alfabetização; 10.1) manter programa nacional de educação de
9.5) realizar chamadas públicas regulares para edu- jovens e adultos voltado à conclusão do ensino
cação de jovens e adultos, promovendo-se busca fundamental e à formação profissional inicial, de
ativa em regime de colaboração entre entes fede- forma a estimular a conclusão da educação básica;
rados e em parceria com organizações da socie- 10.2) expandir as matrículas na educação de jovens
dade civil; e adultos, de modo a articular a formação inicial e
9.6) realizar avaliação, por meio de exames específi- continuada de trabalhadores com a educação pro-
cos, que permita aferir o grau de alfabetização de fissional, objetivando a elevação do nível de esco-
jovens e adultos com mais de 15 (quinze) anos de laridade do trabalhador e da trabalhadora;
idade; 10.3) fomentar a integração da educação de jovens
9.7) executar ações de atendimento ao (à) estudan- e adultos com a educação profissional, em cursos
te da educação de jovens e adultos por meio de planejados, de acordo com as características do
programas suplementares de transporte, alimenta- público da educação de jovens e adultos e consi-
ção e saúde, inclusive atendimento oftalmológico derando as especificidades das populações itine-
e fornecimento gratuito de óculos, em articulação rantes e do campo e das comunidades indígenas e
com a área da saúde; quilombolas, inclusive na modalidade de educação
9.8) assegurar a oferta de educação de jovens e adul- a distância;
tos, nas etapas de ensino fundamental e médio, às 10.4) ampliar as oportunidades profissionais dos jo-
pessoas privadas de liberdade em todos os esta- vens e adultos com deficiência e baixo nível de
escolaridade, por meio do acesso à educação de
LEGISLAÇÃO FEDERAL

belecimentos penais, assegurando-se formação


específica dos professores e das professoras e im- jovens e adultos articulada à educação profissional;
plementação de diretrizes nacionais em regime de 10.5) implantar programa nacional de reestruturação
colaboração; e aquisição de equipamentos voltados à expansão
9.9) apoiar técnica e financeiramente projetos inova- e à melhoria da rede física de escolas públicas que
dores na educação de jovens e adultos que visem atuam na educação de jovens e adultos integrada
ao desenvolvimento de modelos adequados às ne- à educação profissional, garantindo acessibilidade
cessidades específicas desses (as) alunos (as); à pessoa com deficiência;

49
10.6) estimular a diversificação curricular da educação 11.3) fomentar a expansão da oferta de educação
de jovens e adultos, articulando a formação básica profissional técnica de nível médio na modalidade
e a preparação para o mundo do trabalho e esta- de educação a distância, com a finalidade de am-
belecendo inter-relações entre teoria e prática, nos pliar a oferta e democratizar o acesso à educação
eixos da ciência, do trabalho, da tecnologia e da profissional pública e gratuita, assegurado padrão
cultura e cidadania, de forma a organizar o tempo de qualidade;
e o espaço pedagógicos adequados às característi- 11.4) estimular a expansão do estágio na educação
cas desses alunos e alunas; profissional técnica de nível médio e do ensino
10.7) fomentar a produção de material didático, o médio regular, preservando-se seu caráter peda-
desenvolvimento de currículos e metodologias es- gógico integrado ao itinerário formativo do aluno,
pecíficas, os instrumentos de avaliação, o acesso a visando à formação de qualificações próprias da
equipamentos e laboratórios e a formação conti- atividade profissional, à contextualização curricu-
nuada de docentes das redes públicas que atuam lar e ao desenvolvimento da juventude;
na educação de jovens e adultos articulada à edu- 11.5) ampliar a oferta de programas de reconheci-
cação profissional; mento de saberes para fins de certificação profis-
10.8) fomentar a oferta pública de formação inicial sional em nível técnico;
e continuada para trabalhadores e trabalhadoras 11.6) ampliar a oferta de matrículas gratuitas de edu-
articulada à educação de jovens e adultos, em re- cação profissional técnica de nível médio pelas
gime de colaboração e com apoio de entidades entidades privadas de formação profissional vin-
privadas de formação profissional vinculadas ao culadas ao sistema sindical e entidades sem fins
sistema sindical e de entidades sem fins lucrativos lucrativos de atendimento à pessoa com deficiên-
de atendimento à pessoa com deficiência, com cia, com atuação exclusiva na modalidade;
atuação exclusiva na modalidade; 11.7) expandir a oferta de financiamento estudantil
10.9) institucionalizar programa nacional de assis- à educação profissional técnica de nível médio
tência ao estudante, compreendendo ações de oferecida em instituições privadas de educação
assistência social, financeira e de apoio psicopeda- superior;
gógico que  contribuam para garantir o acesso, a 11.8) institucionalizar sistema de avaliação da qua-
permanência, a aprendizagem e a conclusão com lidade da educação profissional técnica de nível
êxito da educação de jovens e adultos articulada à médio das redes escolares públicas e privadas;
educação profissional; 11.9) expandir o atendimento do ensino médio gra-
10.10) orientar a expansão da oferta de educação de tuito integrado à formação profissional para as
jovens e adultos articulada à educação profissional, populações do campo e para as comunidades
de modo a atender às pessoas privadas de liberda- indígenas e quilombolas, de acordo com os seus
de nos estabelecimentos penais, assegurando-se interesses e necessidades;
formação específica dos professores e das profes- 11.10) expandir a oferta de educação profissional
soras e implementação de diretrizes nacionais em técnica de nível médio para as pessoas com defi-
regime de colaboração; ciência, transtornos globais do desenvolvimento e
10.11) implementar mecanismos de reconhecimento altas habilidades ou superdotação;
de saberes dos jovens e adultos trabalhadores, a 11.11) elevar gradualmente a taxa de conclusão mé-
serem considerados na articulação curricular dos dia dos cursos técnicos de nível médio na Rede
cursos de formação inicial e continuada e dos cur- Federal de Educação Profissional, Científica e Tec-
sos técnicos de nível médio. nológica para 90% (noventa por cento) e elevar,
nos cursos presenciais, a relação de alunos (as) por
Meta 11: triplicar as matrículas da educação profis- professor para 20 (vinte);
sional técnica de nível médio, assegurando a qualidade 11.12) elevar gradualmente o investimento em pro-
da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da gramas de assistência estudantil e mecanismos de
expansão no segmento público. mobilidade acadêmica, visando a garantir as con-
dições necessárias à permanência dos (as) estu-
Estratégias: dantes e à conclusão dos cursos técnicos de nível
médio;
11.1) expandir as matrículas de educação profissio- 11.13) reduzir as desigualdades étnico-raciais e re-
nal técnica de nível médio na Rede Federal de gionais no acesso e permanência na educação
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, profissional técnica de nível médio, inclusive me-
levando em consideração a responsabilidade dos diante a adoção de políticas afirmativas, na forma
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Institutos na ordenação territorial, sua vinculação da lei;


com arranjos produtivos, sociais e culturais locais 11.14) estruturar sistema nacional de informação
e regionais, bem como a interiorização da educa- profissional, articulando a oferta de formação das
ção profissional; instituições especializadas em educação profissio-
11.2) fomentar a expansão da oferta de educação nal aos dados do mercado de trabalho e a con-
profissional técnica de nível médio nas redes pú- sultas promovidas em entidades empresariais e de
blicas estaduais de ensino; trabalhadores 

50
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na edu- 12.7) assegurar, no mínimo, 10% (dez por cento)
cação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa do total de créditos curriculares exigidos para a
líquida para 33% (trinta e três por cento) da população graduação em programas e projetos de extensão
de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a universitária, orientando sua ação, prioritariamente,
qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% para áreas de grande pertinência social;
(quarenta por cento) das novas matrículas, no segmen- 12.8) ampliar a oferta de estágio como parte da forma-
to público. ção na educação superior;
12.9) ampliar a participação proporcional de grupos
Estratégias: historicamente desfavorecidos na educação supe-
rior, inclusive mediante a adoção de políticas afir-
12.1) otimizar a capacidade instalada da estrutu- mativas, na forma da lei;
ra física e de recursos humanos das instituições 12.10) assegurar condições de acessibilidade nas ins-
públicas de educação superior, mediante ações tituições de educação superior, na forma da legis-
lação;
planejadas e coordenadas, de forma a ampliar e
12.11) fomentar estudos e pesquisas que analisem a
interiorizar o acesso à graduação;
necessidade de articulação entre formação, currícu-
12.2) ampliar a oferta de vagas, por meio da expan-
lo, pesquisa e mundo do trabalho, considerando as
são e interiorização da rede federal de educação
necessidades econômicas, sociais e culturais do País;
superior, da Rede Federal de Educação Profissio- 12.12) consolidar e ampliar programas e ações de in-
nal, Científica e Tecnológica e do sistema Uni- centivo à mobilidade estudantil e docente em cursos
versidade Aberta do Brasil, considerando a den- de graduação e pós-graduação, em âmbito nacional
sidade populacional, a oferta de vagas públicas e internacional, tendo em vista o enriquecimento da
em relação à população na idade de referência e formação de nível superior;
observadas as características regionais das micro 12.13) expandir atendimento específico a populações
e mesorregiões definidas pela Fundação Instituto do campo e comunidades indígenas e quilombolas,
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, unifor- em relação a acesso, permanência, conclusão e for-
mizando a expansão no território nacional; mação de profissionais para atuação nessas popu-
12.3) elevar gradualmente a taxa de conclusão mé- lações;
dia dos cursos de graduação presenciais nas uni- 12.14) mapear a demanda e fomentar a oferta de for-
versidades públicas para 90% (noventa por cen- mação de pessoal de nível superior, destacadamen-
to), ofertar, no mínimo, um terço das vagas em te a que se refere à formação nas áreas de ciências
cursos noturnos e elevar a relação de estudantes e matemática, considerando as necessidades do de-
por professor (a) para 18 (dezoito), mediante es- senvolvimento do País, a inovação tecnológica e a
tratégias de aproveitamento de créditos e inova- melhoria da qualidade da educação básica;
ções acadêmicas que valorizem a aquisição de 12.15) institucionalizar programa de composição de
competências de nível superior; acervo digital de referências bibliográficas e audio-
12.4) fomentar a oferta de educação superior públi- visuais para os cursos de graduação, assegurada a
ca e gratuita prioritariamente para a formação de acessibilidade às pessoas com deficiência; 
professores e professoras para a educação bási- 12.16) consolidar processos seletivos nacionais e re-
ca, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, gionais para acesso à educação superior como for-
bem como para atender ao défice de profissionais ma de superar exames vestibulares isolados;
12.17) estimular mecanismos para ocupar as vagas
em áreas específicas;
ociosas em cada período letivo na educação supe-
12.5) ampliar as políticas de inclusão e de assistência
rior pública;
estudantil dirigidas aos (às) estudantes de insti-
12.18) estimular a expansão e reestruturação das ins-
tuições públicas, bolsistas de instituições privadas
tituições de educação superior estaduais e munici-
de educação superior e beneficiários do Fundo pais cujo ensino seja gratuito, por meio de apoio
de Financiamento Estudantil - FIES, de que trata técnico e financeiro do Governo Federal, mediante
a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, na edu- termo de adesão a programa de reestruturação, na
cação superior, de modo a reduzir as desigualda- forma de regulamento, que considere a sua con-
des étnico-raciais e ampliar as taxas de acesso e tribuição para a ampliação de vagas, a capacidade
permanência na educação superior de estudantes fiscal e as necessidades dos sistemas de ensino dos
egressos da escola pública, afrodescendentes e entes mantenedores na oferta e qualidade da edu-
indígenas e de estudantes com deficiência, trans- cação básica;
tornos globais do desenvolvimento e altas habi- 12.19) reestruturar com ênfase na melhoria de prazos
lidades ou superdotação, de forma a apoiar seu e qualidade da decisão, no prazo de 2 (dois) anos,
LEGISLAÇÃO FEDERAL

sucesso acadêmico; os procedimentos adotados na área de avaliação,


12.6) expandir o financiamento estudantil por meio regulação e supervisão, em relação aos processos
do Fundo de Financiamento Estudantil - FIES, de de autorização de cursos e instituições, de reco-
que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho de 2001, nhecimento ou renovação de reconhecimento de
com a constituição de fundo garantidor do finan- cursos superiores e de credenciamento ou recre-
ciamento, de forma a dispensar progressivamente denciamento de instituições, no âmbito do sistema
a exigência de fiador; federal de ensino;

51
12.20) ampliar, no âmbito do Fundo de Financiamen- 13.7) fomentar a formação de consórcios entre insti-
to ao Estudante do Ensino Superior - FIES, de que tuições públicas de educação superior, com vistas a
trata a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, e do potencializar a atuação regional, inclusive por meio
Programa Universidade para Todos - PROUNI, de de plano de desenvolvimento institucional inte-
que trata a Lei no 11.096, de 13 de janeiro de 2005, grado, assegurando maior visibilidade nacional e
os benefícios destinados à concessão de financia- internacional às atividades de ensino, pesquisa e
mento a estudantes regularmente matriculados em extensão;
cursos superiores presenciais ou a distância, com 13.8) elevar gradualmente a taxa de conclusão média
avaliação positiva, de acordo com regulamentação dos cursos de graduação presenciais nas universi-
própria, nos processos conduzidos pelo Ministério
dades públicas, de modo a atingir 90% (noventa
da Educação;
por cento) e, nas instituições privadas, 75% (seten-
12.21) fortalecer as redes físicas de laboratórios mul-
tifuncionais das IES e ICTs nas áreas estratégicas ta e cinco por cento), em 2020, e fomentar a me-
definidas pela política e estratégias nacionais de lhoria dos resultados de aprendizagem, de modo
ciência, tecnologia e inovação. que, em 5 (cinco) anos, pelo menos 60% (sessenta
por cento) dos estudantes apresentem desempe-
Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e nho positivo igual ou superior a 60% (sessenta por
ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo cento) no Exame Nacional de Desempenho de Es-
docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de tudantes - ENADE e, no último ano de vigência,
educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), pelo menos 75% (setenta e cinco por cento) dos
sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) estudantes obtenham desempenho positivo igual
doutores. ou superior a 75% (setenta e cinco por cento) nes-
se exame, em cada área de formação profissional;
Estratégias: 13.9) promover a formação inicial e continuada dos
(as) profissionais técnico-administrativos da edu-
13.1) aperfeiçoar o Sistema Nacional de Avaliação cação superior.
da Educação Superior - SINAES, de que trata a Lei
no 10.861, de 14 de abril de 2004, fortalecendo as Meta 14: elevar gradualmente o número de matrícu-
ações de avaliação, regulação e supervisão;
las na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a
13.2) ampliar a cobertura do Exame Nacional de De-
titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000
sempenho de Estudantes - ENADE, de modo a
ampliar o quantitativo de estudantes e de áreas (vinte e cinco mil) doutores.
avaliadas no que diz respeito à aprendizagem re-
sultante da graduação; Estratégias:
13.3) induzir processo contínuo de autoavaliação das
instituições de educação superior, fortalecendo a 14.1) expandir o financiamento da pós-gradua-
participação das comissões próprias de avaliação, ção stricto sensu por meio das agências oficiais de
bem como a aplicação de instrumentos de avalia- fomento;
ção que orientem as dimensões a serem fortaleci- 14.2) estimular a integração e a atuação articulada
das, destacando-se a qualificação e a dedicação do entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
corpo docente; soal de Nível Superior - CAPES e as agências esta-
13.4) promover a melhoria da qualidade dos cursos duais de fomento à pesquisa;
de pedagogia e licenciaturas, por meio da aplica- 14.3) expandir o financiamento estudantil por meio
ção de instrumento próprio de avaliação aprovado do Fies à pós-graduação stricto sensu;
pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação 14.4) expandir a oferta de cursos de pós-gradua-
Superior - CONAES, integrando-os às demandas ção stricto sensu, utilizando inclusive metodolo-
e necessidades das redes de educação básica, de gias, recursos e tecnologias de educação a distân-
modo a permitir aos graduandos a aquisição das
cia;
qualificações necessárias a conduzir o processo pe-
14.5) implementar ações para reduzir as desigualda-
dagógico de seus futuros alunos (as), combinando
formação geral e específica com a prática didática, des étnico-raciais e regionais e para favorecer o
além da educação para as relações étnico-raciais, acesso das populações do campo e das comuni-
a diversidade e as necessidades das pessoas com dades indígenas e quilombolas a programas de
deficiência; mestrado e doutorado;
13.5) elevar o padrão de qualidade das universidades, 14.6) ampliar a oferta de programas de pós-gradua-
direcionando sua atividade, de modo que realizem, ção stricto sensu, especialmente os de doutorado,
LEGISLAÇÃO FEDERAL

efetivamente, pesquisa institucionalizada, articula- nos campi novos abertos em decorrência dos pro-


da a programas de pós-graduação stricto sensu; gramas de expansão e interiorização das institui-
13.6) substituir o Exame Nacional de Desempenho de ções superiores públicas;
Estudantes - ENADE aplicado ao final do primeiro 14.7) manter e expandir programa de acervo digi-
ano do curso de graduação pelo Exame Nacional tal de referências bibliográficas para os cursos de
do Ensino Médio - ENEM, a fim de apurar o valor pós-graduação, assegurada a acessibilidade às
agregado dos cursos de graduação; pessoas com deficiência;

52
14.8) estimular a participação das mulheres nos cur- da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, inclusive a
sos de pós-graduação stricto sensu, em particular amortização do saldo devedor pela docência efeti-
aqueles ligados às áreas de Engenharia, Matemáti- va na rede pública de educação básica;
ca, Física, Química, Informática e outros no campo 15.3) ampliar programa permanente de iniciação à do-
das ciências; cência a estudantes matriculados em cursos de li-
14.9) consolidar programas, projetos e ações que cenciatura, a fim de aprimorar a formação de profis-
objetivem a internacionalização da pesquisa e da sionais para atuar no magistério da educação básica;
pós-graduação brasileiras, incentivando a atuação 15.4) consolidar e ampliar plataforma eletrônica para
em rede e o fortalecimento de grupos de pesquisa; organizar a oferta e as matrículas em cursos de for-
14.10) promover o intercâmbio científico e tecnológi- mação inicial e continuada de profissionais da edu-
co, nacional e internacional, entre as instituições de
cação, bem como para divulgar e atualizar seus cur-
ensino, pesquisa e extensão;
rículos eletrônicos;
14.11) ampliar o investimento em pesquisas com foco
em desenvolvimento e estímulo à inovação, bem 15.5) implementar programas específicos para forma-
como incrementar a formação de recursos huma- ção de profissionais da educação para as escolas do
nos para a inovação, de modo a buscar o aumento campo e de comunidades indígenas e quilombolas
da competitividade das empresas de base tecno- e para a educação especial;
lógica; 15.6) promover a reforma curricular dos cursos de li-
14.12) ampliar o investimento na formação de dou- cenciatura e estimular a renovação pedagógica, de
tores de modo a atingir a proporção de 4 (quatro) forma a assegurar o foco no aprendizado do (a) alu-
doutores por 1.000 (mil) habitantes; no (a), dividindo a carga horária em formação geral,
14.13) aumentar qualitativa e quantitativamente o formação na área do saber e didática específica e in-
desempenho científico e tecnológico do País e a corporando as modernas tecnologias de informação
competitividade internacional da pesquisa brasilei- e comunicação, em articulação com a base nacional
ra, ampliando a cooperação científica com empre- comum dos currículos da educação básica, de que
sas, Instituições de Educação Superior - IES e de- tratam as estratégias 2.1, 2.2, 3.2 e 3.3 deste PNE;
mais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs; 15.7) garantir, por meio das funções de avaliação, regu-
14.14) estimular a pesquisa científica e de inovação lação e supervisão da educação superior, a plena im-
e promover a formação de recursos humanos que plementação das respectivas diretrizes curriculares;
valorize a diversidade regional e a biodiversidade
15.8) valorizar as práticas de ensino e os estágios nos
da região amazônica e do cerrado, bem como a
cursos de formação de nível médio e superior dos
gestão de recursos hídricos no semiárido para mi-
tigação dos efeitos da seca e geração de emprego profissionais da educação, visando ao trabalho siste-
e renda na região; mático de articulação entre a formação acadêmica e
14.15) estimular a pesquisa aplicada, no âmbito das as demandas da educação básica;
IES e das ICTs, de modo a incrementar a inovação e 15.9) implementar cursos e programas especiais para
a produção e registro de patentes. assegurar formação específica na educação superior,
nas respectivas áreas de atuação, aos docentes com
Meta 15: garantir, em regime de colaboração entre formação de nível médio na modalidade normal,
a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, não licenciados ou licenciados em área diversa da de
no prazo de 1 (um) ano de vigência deste PNE, política atuação docente, em efetivo exercício;
nacional de formação dos profissionais da educação de 15.10) fomentar a oferta de cursos técnicos de nível
que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei médio e tecnológicos de nível superior destinados à
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que formação, nas respectivas áreas de atuação, dos (as)
todos os professores e as professoras da educação bási- profissionais da educação de outros segmentos que
ca possuam formação específica de nível superior, obtida não os do magistério;
em curso de licenciatura na área de conhecimento em 15.11) implantar, no prazo de 1 (um) ano de vigência
que atuam. desta Lei, política nacional de formação continua-
da para os (as) profissionais da educação de outros
Estratégias:
segmentos que não os do magistério, construída em
15.1) atuar, conjuntamente, com base em plano es- regime de colaboração entre os entes federados;
tratégico que apresente diagnóstico das necessi- 15.12) instituir programa de concessão de bolsas de es-
dades de formação de profissionais da educação tudos para que os professores de idiomas das esco-
e da capacidade de atendimento, por parte de las públicas de educação básica realizem estudos de
instituições públicas e comunitárias de educação imersão e aperfeiçoamento nos países que tenham
LEGISLAÇÃO FEDERAL

superior existentes nos Estados, Distrito Federal e como idioma nativo as línguas que lecionem;
Municípios, e defina obrigações recíprocas entre os 15.13) desenvolver modelos de formação docente para
partícipes; a educação profissional que valorizem a experiência
15.2) consolidar o financiamento estudantil a estu- prática, por meio da oferta, nas redes federal e esta-
dantes matriculados em cursos de licenciatura duais de educação profissional, de cursos voltados
com avaliação positiva pelo Sistema Nacional de à complementação e certificação didático-peda-
Avaliação da Educação Superior - SINAES, na forma gógica de profissionais experientes.

53
Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% 17.2) constituir como tarefa do fórum permanente o
(cinquenta por cento) dos professores da educação bá- acompanhamento da evolução salarial por meio
sica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra
a todos (as) os (as) profissionais da educação básica for- de Domicílios - PNAD, periodicamente divulgados
mação continuada em sua área de atuação, consideran- pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
do as necessidades, demandas e contextualizações dos Estatística - IBGE;
sistemas de ensino. 17.3) implementar, no âmbito da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, planos de
Estratégias: Carreira para os (as) profissionais do magistério
das redes públicas de educação básica, observa-
16.1) realizar, em regime de colaboração, o plane- dos os critérios estabelecidos na Lei no 11.738, de
jamento estratégico para dimensionamento da 16 de julho de 2008, com implantação gradual do
demanda por formação continuada e fomentar a cumprimento da jornada de trabalho em um único
respectiva oferta por parte das instituições públi- estabelecimento escolar;
cas de educação superior, de forma orgânica e ar- 17.4) ampliar a assistência financeira específica da
ticulada às políticas de formação dos Estados, do União aos entes federados para implementação
Distrito Federal e dos Municípios; de políticas de valorização dos (as) profissionais do
16.2) consolidar política nacional de formação de pro- magistério, em particular o piso salarial nacional
fessores e professoras da educação básica, definin- profissional.
do diretrizes nacionais, áreas prioritárias, institui-
ções formadoras e processos de certificação  das Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a exis-
atividades formativas; tência de planos de Carreira para os (as) profissionais da
16.3) expandir programa de composição de acervo educação básica e superior pública de todos os sistemas
de obras didáticas, paradidáticas e de literatura e de ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissio-
de dicionários, e programa específico de acesso a nais da educação básica pública, tomar como referência
bens culturais, incluindo obras e materiais produzi- o piso salarial nacional profissional, definido em lei fede-
dos em Libras e em Braille, sem prejuízo de outros,
ral, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição
a serem disponibilizados para os professores e as
Federal.
professoras da rede pública de educação básica,
favorecendo a construção do conhecimento e a
Estratégias:
valorização da cultura da investigação;
16.4) ampliar e consolidar portal eletrônico para sub-
18.1) estruturar as redes públicas de educação básica
sidiar a atuação dos professores e das professoras
da educação básica, disponibilizando gratuitamen- de modo que, até o início do terceiro ano de vi-
te materiais didáticos e pedagógicos suplementa- gência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mí-
res, inclusive aqueles com formato acessível; nimo, dos respectivos profissionais do magistério
16.5) ampliar a oferta de bolsas de  estudo  para pós- e 50% (cinquenta por cento), no mínimo, dos res-
-graduação dos professores e das professoras e pectivos profissionais da educação não docentes
demais profissionais da educação básica; sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo
16.6) fortalecer a formação dos professores e das pro- e estejam em exercício nas redes escolares a que se
fessoras das escolas públicas de educação básica, encontrem vinculados;
por meio da implementação das ações do Plano 18.2) implantar, nas redes públicas de educação básica
Nacional do Livro e Leitura e da instituição de pro- e superior, acompanhamento dos profissionais ini-
grama nacional de disponibilização de recursos ciantes, supervisionados por equipe de profissio-
para acesso a bens culturais pelo magistério pú- nais experientes, a fim de fundamentar, com base
blico. em avaliação documentada, a decisão pela efetiva-
ção após o estágio probatório e oferecer, durante
Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério esse período, curso de aprofundamento de estu-
das redes públicas de educação básica de forma a equi- dos na área de atuação do (a) professor (a), com
parar seu rendimento médio ao dos (as) demais profis- destaque para os conteúdos a serem ensinados e
sionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto as metodologias de ensino de cada disciplina;
ano de vigência deste PNE. 18.3) realizar, por iniciativa do Ministério da Educação,
a cada 2 (dois) anos a partir do segundo ano de
Estratégias: vigência deste PNE, prova nacional para subsidiar
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, me-
17.1) constituir, por iniciativa do Ministério da Educa- diante adesão, na realização de concursos públi-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

ção, até o final do primeiro ano de vigência deste cos de admissão de profissionais do magistério da
PNE, fórum permanente, com representação da educação básica pública;
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Mu- 18.4) prever, nos planos de Carreira dos profissionais
nicípios e dos trabalhadores da educação, para da educação dos Estados, do Distrito Federal e dos
acompanhamento da atualização progressiva do Municípios, licenças remuneradas e incentivos para
valor do piso salarial nacional para os profissionais qualificação profissional, inclusive em nível de pós-
do magistério público da educação básica; -graduação stricto sensu;

54
18.5) realizar anualmente, a partir do segundo ano 19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de
de vigência deste PNE, por iniciativa do Ministério conselhos escolares e conselhos municipais de
da Educação, em regime de colaboração, o censo educação, como instrumentos de participação e
dos (as) profissionais da educação básica de outros fiscalização na gestão escolar e educacional, inclu-
segmentos que não os do magistério; sive por meio de programas de formação de con-
18.6) considerar as especificidades socioculturais das selheiros, assegurando-se condições de funciona-
escolas do campo e das comunidades indígenas mento autônomo;
e quilombolas no provimento de cargos efetivos 19.6) estimular a participação e a consulta de profis-
para essas escolas; sionais da educação, alunos (as) e seus familiares
18.7) priorizar o repasse de transferências federais vo- na formulação dos projetos político-pedagógicos,
luntárias, na área de educação, para os Estados, o currículos escolares, planos de gestão escolar e
Distrito Federal e os Municípios que tenham apro- regimentos escolares, assegurando a participação
vado lei específica estabelecendo planos de Carrei- dos pais na avaliação de docentes e gestores es-
ra para os (as) profissionais da educação; colares;
18.8) estimular a existência de comissões perma-
19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica,
nentes de profissionais da educação de todos os
administrativa e de gestão financeira nos estabele-
sistemas de ensino, em todas as instâncias da Fe-
cimentos de ensino;
deração, para subsidiar os órgãos competentes na
elaboração, reestruturação e implementação dos 19.8) desenvolver programas de formação de direto-
planos de Carreira. res e gestores escolares, bem como aplicar prova
nacional específica, a fim de subsidiar a definição
Meta 19: assegurar condições, no prazo de 2 (dois) de critérios objetivos para o provimento dos car-
anos, para a efetivação da gestão democrática da edu- gos, cujos resultados possam ser utilizados por
cação, associada a critérios técnicos de mérito e desem- adesão.
penho e à consulta pública à comunidade escolar, no
âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio Meta 20: ampliar o investimento público em educa-
técnico da União para tanto. ção pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de
7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto - PIB do
Estratégias: País no 5o (quinto) ano de vigência desta Lei e, no míni-
mo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final
19.1) priorizar o repasse de transferências voluntárias do decênio.
da União na área da educação para os entes fede-
rados que tenham aprovado legislação específica Estratégias:
que regulamente a matéria na área de sua abran-
gência, respeitando-se a legislação nacional, e que 20.1) garantir fontes de financiamento permanentes
considere, conjuntamente, para a nomeação dos e sustentáveis para todos os níveis, etapas e mo-
diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de dalidades da educação básica, observando-se as
mérito e desempenho, bem como a participação políticas de colaboração entre os entes federados,
da comunidade escolar; em especial as decorrentes do art. 60 do Ato das
19.2) ampliar os programas de apoio e formação Disposições Constitucionais Transitórias e do §
aos (às) conselheiros (as) dos conselhos de acom- 1o do art. 75 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro
panhamento e controle social do Fundeb, dos de 1996, que tratam da capacidade de atendimen-
conselhos de alimentação escolar, dos conselhos
to e do esforço fiscal de cada ente federado, com
regionais e de outros e aos (às) representantes
vistas a atender suas demandas educacionais à luz
educacionais em demais conselhos de acompa-
do padrão de qualidade nacional;
nhamento de políticas públicas, garantindo a esses
colegiados recursos financeiros, espaço físico ade- 20.2) aperfeiçoar e ampliar os mecanismos de acom-
quado, equipamentos e meios de transporte para panhamento da arrecadação da contribuição social
visitas à rede escolar, com vistas ao bom desempe- do salário-educação;
nho de suas funções; 20.3) destinar à manutenção e desenvolvimento do
19.3) incentivar os Estados, o Distrito Federal e os ensino, em acréscimo aos recursos vinculados nos
Municípios a constituírem Fóruns Permanentes de termos do art. 212 da Constituição Federal, na
Educação, com o intuito de coordenar as conferên- forma da lei específica, a parcela da participação
cias municipais, estaduais e distrital bem como efe- no resultado ou da compensação financeira pela
tuar o acompanhamento da execução deste PNE e exploração de petróleo e gás natural e outros re-
dos seus planos de educação; cursos, com a finalidade de cumprimento da meta
LEGISLAÇÃO FEDERAL

19.4) estimular, em todas as redes de educação bá- prevista no inciso VI do caput do art. 214 da Cons-
sica, a constituição e o fortalecimento de grêmios tituição Federal;
estudantis e associações de pais, assegurando-se- 20.4) fortalecer os mecanismos e os instrumentos que
-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de assegurem, nos termos do parágrafo único do art.
funcionamento nas escolas e fomentando a sua ar- 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de
ticulação orgânica com os conselhos escolares, por 2000, a transparência e o controle social na utiliza-
meio das respectivas representações; ção dos recursos públicos aplicados em educação,

55
especialmente a realização de audiências públicas, 20.11) aprovar, no prazo de 1 (um) ano, Lei de Res-
a criação de portais eletrônicos de transparência ponsabilidade Educacional, assegurando padrão
e a capacitação dos membros de conselhos de de qualidade na educação básica, em cada sistema
acompanhamento e controle social do Fundeb, e rede de ensino, aferida pelo processo de metas
com a colaboração entre o Ministério da Educa- de qualidade aferidas por institutos oficiais de ava-
ção, as Secretarias de Educação dos Estados e dos liação educacionais;
Municípios e os Tribunais de Contas da União, dos 20.12) definir critérios para distribuição dos recursos
Estados e dos Municípios; adicionais dirigidos à educação ao longo do decê-
20.5) desenvolver, por meio do Instituto Nacional de nio, que considerem a equalização das oportunida-
des educacionais, a vulnerabilidade socioeconômica
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
e o compromisso técnico e de gestão do sistema de
- INEP, estudos e acompanhamento regular dos
ensino, a serem pactuados na instância prevista no §
investimentos e custos por aluno da educação bá- 5o do art. 7  desta Lei.
sica e superior pública, em todas as suas etapas e
modalidades;
20.6) no prazo de 2 (dois) anos da vigência deste PNE,
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
será implantado o Custo Aluno-Qualidade inicial
- CAQi, referenciado no conjunto de padrões mí- RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 22 DE
nimos estabelecidos na legislação educacional  e DEZEMBRO DE 2017. INSTITUI E ORIENTA
cujo financiamento será  calculado com base nos A IMPLANTAÇÃO DA BASE NACIONAL
respectivos insumos indispensáveis ao processo COMUM CURRICULAR, A SER RESPEITADA
de ensino-aprendizagem e será progressivamente OBRIGATORIAMENTE AO LONGO DAS
reajustado até a implementação plena do Custo ETAPAS E RESPECTIVAS MODALIDADES NO
Aluno Qualidade - CAQ; ÂMBITO DA EDUCAÇÃO BÁSICA.
20.7) implementar o Custo Aluno Qualidade - CAQ BRASÍLIA, DF, 2017.
como parâmetro para o financiamento da educa-
ção de todas etapas e modalidades da educação
básica, a partir do cálculo e do acompanhamento A Resolução do Conselho Pleno do Conselho Nacional
regular dos indicadores de gastos educacionais da Educação nº 2, de 22 de dezembro de 2017, institui e
com investimentos em qualificação e remunera- orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular,
ção do pessoal docente e dos demais profissionais a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e
da educação pública, em aquisição, manutenção, respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica.
construção e conservação de instalações e equi- Seu inteiro teor pode ser acessado em:
pamentos necessários ao ensino e em aquisição http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_do-
de material didático-escolar, alimentação e trans- cman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&ca-
porte escolar; tegory_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192
20.8) o CAQ será definido no prazo de 3 (três) anos
e será continuamente ajustado, com base em me- Basicamente, a Resolução se divide em 6 capítulos, con-
tando com 26 dispositivos, além de um anexo. Nas con-
todologia formulada pelo Ministério da Educação
siderações que formam seu preâmbulo, antecedendo os
- MEC, e acompanhado pelo Fórum Nacional de
referidos capítulos, remonta à Constituição Federal, à LDB
Educação - FNE, pelo Conselho Nacional de Edu- (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº
cação - CNE e pelas Comissões de Educação da 9.394/1996), ao Plano Nacional de Educação e às compe-
Câmara dos Deputados e de Educação, Cultura e tências do Conselho Nacional da Educação – CNE.
Esportes do Senado Federal;
20.9) regulamentar o parágrafo único do art. 23 e Capítulo I
o art. 211 da Constituição Federal, no prazo de 2 Disposições Gerais
(dois) anos, por lei complementar, de forma a es-
tabelecer as normas de cooperação entre a União, A Base Nacional Comum Curricular – BNCC é um “docu-
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em mento de caráter normativo que define o conjunto orgâni-
matéria educacional, e a articulação do sistema co e progressivo de aprendizagens essenciais como direito
nacional de educação em regime de colaboração, das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Bá-
com equilíbrio na repartição das responsabilida- sica escolar, e orientam sua implementação pelos sistemas
des e dos recursos e efetivo cumprimento das fun- de ensino das diferentes instâncias federativas, bem como
ções redistributiva e supletiva da União no comba- pelas instituições ou redes escolares” (artigo 1o, caput).
LEGISLAÇÃO FEDERAL

te às desigualdades educacionais regionais, com O artigo 4o da Resolução define as competências da


especial atenção às regiões Norte e Nordeste; BNCC:
20.10) caberá à União, na forma da lei, a complemen-
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente
tação de recursos financeiros a todos os Estados,
construídos sobre o mundo físico, social, cultural e di-
ao Distrito Federal e aos Municípios que não con- gital para entender e explicar a realidade, continuar
seguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormen- aprendendo e colaborar para a construção de uma
te, do CAQ; sociedade justa, democrática e inclusiva;

56
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à
abordagem própria das ciências, incluindo a investi- #FicaDica
gação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a
criatividade, para investigar causas, elaborar e testar Aprendizagens essenciais – conhecimentos
hipóteses, formular e resolver problemas e criar solu- + habilidades + atitudes + valores + capaci-
ções (inclusive tecnológicas) com base nos conheci- dade mobilizar, articular e integrar tais valo-
mentos das diferentes áreas; res – processo formativo ao longo de todas
3. Desenvolver o senso estético para reconhecer, va- etapas e modalidades da Educação Básica
lorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e (artigo 2o).
culturais, das locais às mundiais, e também para par- Competência da Base Nacional Comum Cur-
ticipar de práticas diversificadas da produção artísti- ricular = promover aprendizagens essenciais
co-cultural; = mobilização de conhecimentos (conceitos
4. Utilizar diferentes linguagens –verbal (oral ou vi- e procedimentos), habilidades (práticas cog-
sual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, nitivas e socioemocionais), atitudes e valo-
sonora e digital –, bem como conhecimentos das lin- res, para resolver demandas complexas da
guagens artística, matemática e científica para se ex- vida cotidiana, do pleno exercício da cida-
pressar e partilhar informações, experiências, ideias e dania e do mundo do trabalho (artigo 3o).
Competências e habilidades = direitos e ob-
sentimentos, em diferentes contextos, e produzir sen-
jetivos de aprendizagem (artigo 3o).
tidos que levem ao entendimento mútuo;
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
informação e comunicação, de forma crítica, signifi-
cativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais Capítulo II
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e Planejamento e organização
disseminar informações, produzir conhecimentos, re-
BNCC – referência nacional para os sistemas de en-
solver problemas e exercer protagonismo e autoria na
sino e para as instituições ou redes escolares públicas e
vida pessoal e coletiva;
privadas da Educação Básica, dos sistemas federal, esta-
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências cul-
duais, distrital e municipais, para construírem ou revisa-
turais e apropriar-se de conhecimentos e experiências rem os seus currículos (artigo 5o).
que lhe possibilitem entender as relações próprias
do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao Capítulo III
exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com Da BNCC, do currículo e da proposta pedagógica
liberdade, autonomia, consciência crítica e responsa-
bilidade. Elaboração e execução com a participação dos pro-
7. Argumentar com base em fatos, dados e informa- fessores, conforme definições de seus planos de trabalho
ções confiáveis, para formular, negociar e defender (artigo 6o).
ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respei- BNCC = referência obrigatória, cabendo complemen-
tem e promovam os direitos humanos, a consciência tação por parte diversificada (artigo 7o).
socioambiental e o consumo responsável, em âmbito Adequação da BNCC à realidade das escolas, nos ter-
local, regional e global, com posicionamento ético em mos do artigo 8o:
relação ao cuidado consigo mesmo, com os outros e
com o planeta. I. Contextualizar os conteúdos curriculares, identifi-
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde cando estratégias para apresentá-los, representá-los,
física e emocional, compreendendo-se na diversida- exemplificá-los, conectá-los e torná-los significativos,
de humana e reconhecendo suas emoções e as dos com base na realidade do lugar e do tempo nos quais
outros, com autocrítica e capacidade para lidar com as aprendizagens se desenvolvem e são constituídas;
elas. II. Decidir sobre formas de organização dos compo-
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de con- nentes curriculares – disciplinar, interdisciplinar, trans-
flitos, de forma harmônica, e a cooperação, fazendo- disciplinar ou pluridisciplinar – e fortalecer a compe-
-se respeitar, bem como promover o respeito ao outro tência pedagógica das equipes escolares, de modo
e aos direitos humanos, com acolhimento e valoriza- que se adote estratégias mais dinâmicas, interativas
e colaborativas em relação à gestão do ensino e da
ção da diversidade de indivíduos e de grupos sociais,
aprendizagem;
seus saberes, identidades, culturas e potencialidades,
III. Selecionar e aplicar metodologias e estratégias
sem preconceitos de qualquer natureza.
didático-pedagógicas diversificadas, recorrendo a rit-
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, res-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

mos diferenciados e a conteúdos complementares, se


ponsabilidade, flexibilidade, resiliência e determina- necessário, para trabalhar com as necessidades de di-
ção, tomando decisões, com base em princípios éticos, ferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. origem, suas comunidades, seus grupos de socializa-
ção, entre outros fatores;
IV. Conceber e pôr em prática situações e procedimen-
tos para motivar e engajar os estudantes nas apren-
dizagens;

57
V. Construir e aplicar procedimentos de avaliação forma- II. Brincar cotidianamente de diversas formas, em di-
tiva de processo ou de resultado, que levem em conta os ferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros
contextos e as condições de aprendizagem, tomando tais (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu
registros como referência para melhorar o desempenho acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua
da instituição escolar, dos professores e dos alunos; imaginação, sua criatividade, suas experiências emo-
VI. Selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didá- cionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas,
ticos e tecnológicos para apoiar o processo de ensinar sociais e relacionais;
e aprender; III. Participar ativamente, com adultos e outras crian-
VII. Criar e disponibilizar materiais de orientação para ças, tanto do planejamento da gestão da escola e das
os professores, bem como manter processos permanen- atividades, propostas pelo educador quanto da reali-
tes de desenvolvimento docente, que possibilitem con- zação das atividades da vida cotidiana, tais como a
tínuo aperfeiçoamento da gestão do ensino e aprendi- escolha das brincadeiras, dos materiais e dos ambien-
zagem, em consonância com a proposta pedagógica da tes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaboran-
instituição ou rede de ensino; do conhecimentos, decidindo e se posicionando em
VIII. Manter processos contínuos de aprendizagem sobre relação a eles;
gestão pedagógica e curricular para os demais educado- IV. Explorar movimentos, gestos, sons, formas, textu-
res, no âmbito das instituições ou redes de ensino, em ras, cores, palavras, emoções, transformações, relacio-
atenção às diretrizes curriculares nacionais, definidas pelo namentos, histórias, objetos, elementos da natureza,
Conselho Nacional de Educação e normas complementa- na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre
res, definidas pelos respectivos Conselhos de Educação; a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a
§1º Os currículos devem incluir a abordagem, de for- escrita, a ciência e a tecnologia;
ma transversal e integradora, de temas exigidos por V. Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível,
legislação e normas específicas, e temas contemporâ- suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hi-
neos relevantes para o desenvolvimento da cidadania, póteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por
que afetam a vida humana em escala local, regional meio de diferentes linguagens;
e global, observando-se a obrigatoriedade de temas VI. Conhecer-se e construir sua identidade pessoal,
tais como o processo de envelhecimento e o respeito social e cultural, constituindo uma imagem positiva
e valorização do idoso; os direitos das crianças e ado-
de si e de seus grupos de pertencimento, nas diver-
lescentes; a educação para o trânsito; a educação am-
sas experiências de cuidados, interações, brincadeiras
biental; a educação alimentar e nutricional; a educação
e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em
em direitos humanos; e a educação digital, bem como o
seu contexto familiar e comunitário.
tratamento adequado da temática da diversidade cul-
tural, étnica, linguística e epistêmica, na perspectiva do
desenvolvimento de práticas educativas ancoradas no
Capítulo IV
interculturalismo e no respeito ao caráter pluriétnico e
BNCC no ensino fundamental
plurilíngue da sociedade brasileira.
§2º As escolas indígenas e quilombolas terão no seu O objetivo da BNCC no ensino fundamental é a arti-
núcleo comum curricular suas línguas, saberes e pe- culação com as experiências vividas na Educação Infantil
dagogias, além das áreas do conhecimento, das com- (artigo 11). No primeiro ano, o foco é a alfabetização
petências e habilidades correspondentes, de exigência (artigo 12). É importante assegurar o percurso contínuo
nacional da BNCC. de aprendizagens ao longo do Ensino Fundamental,
promovendo integração nos nove anos desta etapa da
Educação Básica (artigo 13).
#FicaDica
#FicaDica
“As instituições ou redes de ensino devem
intensificar o processo de inclusão dos alu- A BNCC é organizada em Áreas do Conhe-
nos com deficiência, transtornos globais do cimento, que são: linguagens, matemática,
desenvolvimento e altas habilidades nas ciências da natureza ciências humanas e
classes comuns do ensino regular, garantin- ensino religioso.
do condições de acesso e de permanência
com aprendizagem, buscando prover aten-
dimento com qualidade” (artigo 9o). Capítulo V
Das disposições finais e transitórias
Capítulo IV
BNCC na educação infantil Instituições de ensino – Adequação dos currículos à
LEGISLAÇÃO FEDERAL

BNCC deve ser efetivada preferencialmente até 2019 e


O artigo 10 fixa os direitos de aprendizagem e desen- no máximo, até início do ano letivo de 2020 (artigo 15).
volvimento no âmbito da Educação Infantil: Adequação das matrizes da educação básica à BNCC
I. Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos – 1 ano (artigo 16).
e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, Os currículos dos cursos e programas destinados à
ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito formação continuada de professores devem adequar-se
em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas; à BNCC (artigo 17).

58
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático – deve renciado, ou seja, o conteúdo utilizado nos 40% da carga
atender à BNCC (artigo 20). horária flexível, já prevista pela reforma do Ensino Médio.
Revisão após 5 anos (artigo 21). O documento indica que a modalidade não presencial
CNE elaborará normas específicas sobre computação, pode cobrir o conteúdo comum e a parte optativa.
orientação sexual e identidade de gênero (artigo 22). A esperança dos conselheiros é de que o novo docu-
mento dê conta de suprir, de alguma maneira, as lacu-
nas deixadas tanto pela lei de reforma do Ensino Médio
quanto pelo próprio texto da BNCC. De acordo com a
EXERCÍCIO COMENTADO assessoria do CNE, o texto, em sua íntegra, estará dispo-
nível para o público somente na próxima terça-feira (13
1. (Câmara Legislativa do Distrito Federal - Con- de novembro).
sultor Legislativo - Educação, Cultura e Desporto -
FCC/2018) A Resolução CNE/CP nº 2, de 22/12/2017, Principais pontos abordados pelas Diretrizes
que institui a Base Nacional Comum Curricular esclarece Uma das medidas polêmicas que foram aprovadas é
que para seus efeitos, e com base na lei de Diretrizes e a possibilidade de oferta à distância de até 20% da carga
Bases da Educação em vigor, a expressão “competências horária do Ensino Médio diurno e 30% no Ensino Médio
e habilidades” deve ser considerada como: noturno. Veja, a seguir, os principais pontos abordados
a) A mobilização de conhecimentos, atitudes e valores pelas Diretrizes Curriculares Nacionais:
para a cidadania. • Os currículos serão compostos por formação geral
b) Equivalente à expressão “direitos e objetivos de apren- básica (contemplada pela BNCC) e initerário formativo. A
dizagem”. formação geral básica é composta pelas competências e
c) Diretriz para a organização das disciplinas em qualquer habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular
modalidade de ensino. (BNCC) (ainda sob análise), organizadas por áreas de co-
d) Aplicadas à formação para o trabalho e à educação nhecimento: Linguagens e suas tecnologias; Matemática
profissional técnica. e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnolo-
e) Não aplicáveis à educação infantil em creches e pré- gias e Ciências Humanas e suas tecnologias;
-escolas. • A formação geral básica deve ter carga horária total
máxima de 1800 horas, que podem ser divididas entre
Resposta: Letra B. Nos termos do artigo 3o, parágrafo todos os anos do Ensino Médio ou somente em parte
único, Res. nº 2/2017, “para os efeitos desta Resolu- deles (com exceção dos estudos de Língua Portuguesa e
ção, com fundamento no caput do art. 35-A e no § Matemática);
1º do art. 36 da LDB, a expressão ‘competências e • A interdisciplinaridade é reforçada em diferentes
habilidades’ deve ser considerada como equivalen- momentos. Estudos e práticas de diferentes disciplinas
te à expressão ‘direitos e objetivos de aprendizagem’ (Língua Portuguesa e língua materna para as comuni-
presente na Lei do Plano Nacional de Educação (PNE)”. dades indígenas, Matemática, Geografia, Arte, Educação
A, B, D e E. Competências e habilidades = direitos e Física, História, Sociologia, Filosofia e Língua Inglesa) de-
objetivos de aprendizagem (artigo 3o). vem ser contemplados, “sem prejuízo da integração e ar-
ticulação das diferentes áreas do conhecimento”;
• Outras línguas estrangeiras podem ser oferecidas
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. em caráter optativo, assim como a oferta de outras “com-
RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 3, DE 21 DE petências eletivas complementares” também podem ser
NOVEMBRO DE 2018. ATUALIZA AS oferecidas pelas redes de ensino que quiserem, como
forma de ampliar a carga horária dos itinerários;
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
• Os temas que devem ser abordados de maneira
PARA O ENSINO MÉDIO. BRASÍLIA, DF, transversal são: respeito ao idoso, direitos das crianças
2018. e dos adolescentes, educação para o trânsito, educação
ambiental, educação alimentar, educação em direitos hu-
manos e educação digital;
A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional • Há cinco possibilidades de itinerários formativos
de Educação (CNE) aprovou nesta quarta-feira (8 de no- que podem ser organizados pelas instituições (quatro se
vembro) as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) aprofundando em cada uma das áreas de conhecimento
do Ensino Médio. O documento estava em discussão pelo e um quinto focado em formação técnica e profissional).
órgão em paralelo ao debate sobre a Base Nacional Co- Todos os municípios devem oferecer pelo menos dois iti-
mum Curricular (BNCC) da etapa, e atualiza seu formato. nerários de áreas diferentes, e diferentes instituições de
O documento prevê até 20% da carga horária do En- ensino podem criar parcerias para garantir a oferta de
LEGISLAÇÃO FEDERAL

sino Médio possa ser feita na modalidade Educação a diferentes itinerários. Os estudantes poderão optar por
Distância (EaD), chegando a 30% no Ensino Médio notur- mudar de itinerário ao longo do Ensino Médio (desde
no. Para a Educação para Jovens e Adultos (EJA), o texto que haja oferta em sua escola ou rede) ou cursar mais de
permite até 80%. um de maneira concomitante ou sequencial;
Após a consulta pública, que se encerrou em outubro, • Os itinerários formativos têm quatro eixos estrutu-
os conselheiros incluíram que a modade EaD seja realiza- rantes: investigação científica, processos criativos, me-
da “preferencialmente” sobre o chamado conteúdo dife- diação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.

59
Entre esses quatro, pelo menos um deve ser indicado mara nesta semana, com mais de 17 horas de discussões
para estruturar o itinerário (mas mais de um podem ser ao longo de quatro dias. As melhorias incorporadas ao
escolhidos); texto foram fruto das mais de 90 contribuições recebidas
• O Ensino Médio noturno continua com, no mínimo, ao longo do período de consulta pública. A CEB seguiu
quatro horas de aula por dia letivo. A diferença é que, até todos os trâmites tradicionais do CNE para documentos
2022, a carga horária anual deve ser ampliada de 2.400 desta natureza. Assim sendo, a maioria dos conselheiros
horas (800 por ano) para 3.000 (a mesma carga que o entendeu que não havia motivo para postergar sua apro-
ensino diurno). Para isso, será possível aumentar os anos vação, legando ao País um importante documento orien-
letivos para mais de 3; tador para a implementação da reforma do ensino médio
• No Ensino Médio diurno, a carga horária deve brasileiro, que vem sendo discutida desde o início desta
ser ampliada gradativamente até chegar a 1.400 horas década pelos mais diversos governos.
anuais (aproximadamente 7 horas de aula por dia letivo);
• O ensino a distância pode contemplar até 20% da REFERÊNCIA
carga horária total do Ensino Médio diurno e 30% do <https://novaescola.org.br/conteudo/13227/cne-
noturno. Isso equivale a 200 horas anuais para as turmas -aprova-novas-diretrizes-curriculares-para-o-ensino-
diurnas e 300 horas para as turmas da noite. A recomen- -medio>
dação é que ele seja utilizado nos itinerários formativos,
mas é possível aplicá-lo na formação básica. Na Educa-
ção de Jovens e Adultos, é possível oferecer até 80% de
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
sua carga horária a distância, tanto na formação geral RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1/02, DE 18 DE
básica quanto nos itinerários formativos (desde que, se- FEVEREIRO DE 2002.
gundo o documento, haja suporte tecnológico e peda- INSTITUI DIRETRIZES CURRICULARES
gógico); NACIONAIS PARA A FORMAÇÃO DE
• Os sistemas de ensino podem aceitar atividades PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
que os estudantes realizarem fora da escola como com- BÁSICA, EM NÍVEL SUPERIOR, CURSO DE
plementares à carga horária tanto da formação básica LICENCIATURA, DE GRADUAÇÃO PLENA.
quanto dos itinerários. Aulas, cursos, estágios, oficinas, BRASÍLIA, DF, 2002.
atividades de extensão, pesquisa de campo, participação
em trabalhos voluntários e outras atividades, inclusive
a distância, devem ser avaliadas e reconhecidas como
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 18 DE FEVEREIRO
parte da carga horária;
DE 2002.
• Profissionais com “notório saber” podem atuar
como docentes do Ensino Médio apenas no itinerário
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a For-
de formação técnica e profissional para ministrar con- mação de Professores da Educação Básica, em nível su-
teúdos relacionados com sua formação ou experiência perior, curso de licenciatura, de graduação plena.
profissional; O Presidente do Conselho Nacional de Educação, no
• O Exame Nacional do Ensino Médio será reformula- uso de suas atribuições legais e tendo em vista o dispos-
do para acontecer em duas etapas: uma que terá como to no Art. 9º, § 2º, alínea “c” da Lei 4.024, de 20 de de-
referência a BNCC e outra que utilizará os Referenciais zembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de
para a Elaboração dos Itinerários Formativos (cuja elabo- 25 de novembro de 1995,e com fundamento nos Parece-
ração está a cargo do Ministério da Educação). res CNE/CP 9/2001 e 27/2001, peças indispensáveis do
Foram 8 votos a favor, uma abstenção e um voto con- conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais,
tra (de Chico Soares, ex-presidente do Instituto Nacio- homologados pelo Senhor Ministro da Educação em 17
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira de janeiro de 2002, resolve :
(Inep). O texto segue para homologação do Ministro da
Educação, Rossieli Soares. A partir de sua publicação, o Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a For-
próprio ministro e sua equipe terão 3 meses (registrados mação de Professores da Educação Básica, em nível
pelas DCNs) para elaborar os Referenciais para a Elabo- superior, em curso de licenciatura, de graduação ple-
ração dos Itinerários Formativos. na, constituem-se de um conjunto de princípios, fun-
O Ensino a Distância na Educação Básica é uma das damentos e procedimentos a serem observados na
iniciativas defendidas pelo presidente eleito Jair Bolso- organização institucional e curricular de cada estabe-
naro, que defende a sua necessidade para atender lo- lecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e
cais mais remotos. Muitos educadores argumentam, modalidades da educação básica.
entretanto, que o processo de aprendizagem envolve Art. 2º A organização curricular de cada instituição ob-
a convivência com outros alunos e diretamente com os servará, além do disposto nos artigos 12 e 13 da Lei
LEGISLAÇÃO FEDERAL

professores. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras formas de


Leia a seguir a íntegra da nota divulgada pelo CNE: orientação inerentes à formação para a atividade do-
“Após dois anos de intensos trabalhos, a Câmara de cente, entre as quais o preparo para:
Educação Basica - CEB do CNE aprovou por esmagadora I - o ensino visando à aprendizagem do aluno;
maioria (8 votos a favor, 1 contra e 1 abstenção) o pare- II - o acolhimento e o trato da diversidade;
cer e a minuta de resolução propostos pelo relator Rafael III - o exercício de atividades de enriquecimento cul-
Lucchesi,e aperfeiçoados em 6 sessões da Comissão/Câ- tural;

60
IV - o aprimoramento em práticas investigativas; V - a avaliação deve ter como finalidade a orientação
V - a elaboração e a execução de projetos de desen- do trabalho dos formadores, a autonomia dos futuros
volvimento dos conteúdos curriculares; professores em relação ao seu processo de aprendiza-
VI - o uso de tecnologias da informação e da comu- gem e a qualificação dos profissionais com condições
nicação e de metodologias, estratégias e materiais de de iniciar a carreira.
apoio inovadores; Parágrafo único. A aprendizagem deverá ser orientada
VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e pelo princípio metodológico geral, que pode ser tra-
de trabalho em equipe. duzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolu-
Art. 3º A formação de professores que atuarão nas ção de situações-problema como uma das estratégias
diferentes etapas e modalidades da educação básica didáticas privilegiadas.
observará princípios norteadores desse preparo para Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cur-
o exercício profissional específico, que considerem: sos de formação dos docentes, serão consideradas:
I - a competência como concepção nuclear na orien- I - as competências referentes ao comprometimento
tação do curso; com os valores inspiradores da sociedade democrá-
II - a coerência entre a formação oferecida e a prática tica;
II - as competências referentes à compreensão do pa-
esperada do futuro professor, tendo em vista:
pel social da escola;
a) a simetria invertida, onde o preparo do professor,
III - as competências referentes ao domínio dos con-
por ocorrer em lugar similar àquele em que vai atuar,
teúdos a serem socializados, aos seus significados em
demanda consistência entre o que faz na formação e
diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar;
o que dele se espera; IV - as competências referentes ao domínio do conhe-
b) a aprendizagem como processo de construção de cimento pedagógico;
conhecimentos, habilidades e alores em interação V - as competências referentes ao conhecimento de
com a realidade e com os demais indivíduos, no qual processos de investigação que possibilitem o aperfei-
são colocadas em uso capacidades pessoais; çoamento da prática pedagógica;
c) os conteúdos, como meio e suporte para a consti- VI - as competências referentes ao gerenciamento do
tuição das competências; próprio desenvolvimento profissional.
d) a avaliação como parte integrante do processo de § 1º O conjunto das competências enumeradas neste
formação, que possibilita o artigo não esgota tudo que uma escola de formação
diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados possa oferecer aos seus alunos, mas pontua demandas
alcançados, consideradas as competências a serem importantes oriundas da análise da atuação profissio-
constituídas e a identificação das mudanças de per- nal e assenta-se na legislação vigente e nas diretrizes
curso eventualmente necessárias. curriculares nacionais para a educação básica.
III - a pesquisa, com foco no processo de ensino e § 2º As referidas competências deverão ser contextua-
de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto lizadas e complementadas pelas competências espe-
dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, cíficas próprias de cada etapa e modalidade da edu-
como compreender o processo de construção do co- cação básica e de cada área do conhecimento a ser
nhecimento. contemplada na formação.
Art. 4º Na concepção, no desenvolvimento e na § 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a
abrangência dos cursos de formação é fundamental constituição de competências deverá, além da for-
que se busque: mação específica relacionada às diferentes etapas da
I - considerar o conjunto das competências necessá- educação básica, propiciar a inserção no debate con-
rias à atuação profissional; temporâneo mais amplo, envolvendo questões cul-
II - adotar essas competências como norteadoras, turais, sociais, econômicas e o conhecimento sobre o
desenvolvimento humano e a própria docência, con-
tanto da proposta pedagógica, em especial do currí-
templando:
culo e da avaliação, quanto da organização institucio-
I - cultura geral e profissional;
nal e da gestão da escola de formação.
II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jo-
Art. 5º O projeto pedagógico de cada curso, conside-
vens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alu-
rado o artigo anterior, levará em conta que: nos com necessidades educacionais especiais e as das
I - a formação deverá garantir a constituição das com- comunidades indígenas;
petências objetivadas na educação básica; III - conhecimento sobre dimensão cultural, social, po-
II - o desenvolvimento das competências exige que a lítica e econômica da educação; IV - conteúdos das
formação contemple diferentes âmbitos do conheci- áreas de conhecimento que serão objeto de ensino;
mento profissional do professor; V - conhecimento pedagógico;
LEGISLAÇÃO FEDERAL

III - a seleção dos conteúdos das áreas de ensino da VI - conhecimento advindo da experiência.
educação básica deve orientar-se por ir além daquilo Art. 7º A organização institucional da formação dos
que os professores irão ensinar nas diferentes etapas professores, a serviço do desenvolvimento de compe-
da escolaridade; tências, levará em conta que:
IV - os conteúdos a serem ensinados na escolaridade I - a formação deverá ser realizada em processo autô-
básica devem ser tratados de modo articulado com nomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura
suas didáticas específicas; com identidade própria;

61
II - será mantida, quando couber, estreita articulação Art. 11. Os critérios de organização da matriz curricu-
com institutos, departamentos e cursos de áreas espe- lar, bem como a alocação de tempos e espaços curri-
cíficas; culares se expressam em eixos em torno dos quais se
III - as instituições constituirão direção e colegiados articulam dimensões a serem contempladas, na forma
próprios, que formulem seus próprios projetos peda- a seguir indicada:
gógicos, articulem as unidades acadêmicas envolvidas I - eixo articulador dos diferentes âmbitos de conheci-
e, a partir do projeto, tomem as decisões sobre organi- mento profissional;
zação institucional e sobre as questões administrativas II - eixo articulador da interação e da comunicação,
no âmbito de suas competências; bem como do desenvolvimento da autonomia intelec-
IV - as instituições de formação trabalharão em inte- tual e profissional;
ração sistemática com as escolas de educação básica, III - eixo articulador entre disciplinaridade e interdis-
desenvolvendo projetos de formação compartilhados; ciplinaridade;
V - a organização institucional preverá a formação dos IV - eixo articulador da formação comum com a for-
formadores, incluindo na sua jornada de trabalho tem- mação específica;
po e espaço para as atividades coletivas dos docentes V - eixo articulador dos conhecimentos a serem ensi-
do curso, estudos e investigações sobre as questões re- nados e dos conhecimentos filosóficos, educacionais e
ferentes ao aprendizado dos professores em formação; pedagógicos que fundamentam a ação educativa;
VI - as escolas de formação garantirão, com qualidade VI - eixo articulador das dimensões teóricas e práticas.
e quantidade, recursos pedagógicos como biblioteca,
Parágrafo único. Nas licenciaturas em educação in-
laboratórios, videoteca, entre outros, além de recursos
fantil e anos iniciais do ensino fundamental deverão
de tecnologias da informação e da comunicação;
preponderar os tempos dedicados à constituição de
VII - serão adotadas iniciativas que garantam parcerias
para a promoção de atividades culturais destinadas aos conhecimento sobre os objetos de ensino e nas de-
formadores e futuros professores; mais licenciaturas o tempo dedicado às dimensões
VIII - nas instituições de ensino superior não detento- pedagógicas não será inferior à quinta parte da carga
ras de autonomia universitária serão criados Institutos horária total.
Superiores de Educação, para congregar os cursos de Art. 12. Os cursos de formação de professores em nível
formação de professores que ofereçam licenciaturas em superior terão a sua duração definida pelo Conselho
curso Normal Superior para docência multidisciplinar Pleno, em parecer e resolução específica sobre sua
na educação infantil e anos iniciais do ensino funda- carga horária.
mental ou licenciaturas para docência nas etapas sub- § 1º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar re-
sequentes da educação básica. duzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio,
Art. 8º As competências profissionais a serem consti- desarticulado do restante do curso.
tuídas pelos professores em formação, de acordo com § 2º A prática deverá estar presente desde o início do
as presentes Diretrizes, devem ser a referência para to- curso e permear toda a formação do professor.
das as formas de avaliação dos cursos, sendo estas: § 3º No interior das áreas ou das disciplinas que cons-
I - periódicas e sistemáticas, com procedimentos e pro- tituírem os componentes curriculares de formação, e
cessos diversificados, incluindo conteúdos trabalhados, não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a
modelo de organização, desempenho do quadro de sua dimensão prática.
formadores e qualidade da vinculação com escolas de Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico, a
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, coordenação da dimensão prática transcenderá o es-
conforme o caso; tágio e terá como finalidade promover a articulação
II - feitas por procedimentos internos e externos, que das diferentes práticas, numa perspectiva interdiscipli-
permitam a identificação das diferentes dimensões da- nar.
quilo que for avaliado; § 1º A prática será desenvolvida com ênfase nos pro-
III - incidentes sobre processos e resultados. cedimentos de observação e reflexão, visando à atua-
Art. 9º A autorização de funcionamento e o reconheci-
ção em situações contextualizadas, com o registro
mento de cursos de formação e o credenciamento da
dessas observações realizadas e a resolução de situa-
instituição decorrerão de avaliação externa realizada
ções-problema.
no locus institucional, por corpo de especialistas direta
ou indiretamente ligados à formação ou ao exercício § 2º A presença da prática profissional na formação do
profissional de professores para a educação básica, to- professor, que não prescinde da observação e ação di-
mando como referência as competências profissionais reta, poderá ser enriquecida com tecnologias da infor-
de que trata esta Resolução e as normas aplicáveis à mação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas
matéria. orais e escritas de professores, produções de alunos,
Art. 10. A seleção e o ordenamento dos conteúdos situações simuladoras e estudo de casos.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

dos diferentes âmbitos de conhecimento que compo- § 3º O estágio curricular supervisionado, definido por
rão a matriz curricular para a formação de professores, lei, a ser realizado em escola de educação básica, e
de que trata esta Resolução, serão de competência da respeitado o regime de colaboração entre os sistemas
instituição de ensino, sendo o seu planejamento o pri- de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início
meiro passo para a transposição didática, que visa a da segunda metade do curso e ser avaliado conjun-
transformar os conteúdos selecionados em objeto de tamente pela escola formadora e a escola campo de
ensino dos futuros professores. estágio.

62
Art. 14. Nestas Diretrizes, é enfatizada a flexibilidade
necessária, de modo que cada instituição formadora BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
construa projetos inovadores e próprios, integrando SECRETARIA DA EDUCAÇÃO BÁSICA.
os eixos articuladores nelas mencionados. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
§ 1º A flexibilidade abrangerá as dimensões teóricas GERAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA. BRASÍLIA:
e práticas, de interdisciplinaridade, dos conhecimen- MEC/SEB/DICEI, 2013.
tos a serem ensinados, dos que fundamentam a ação
pedagógica, da formação comum e específica, bem
como dos diferentes âmbitos do conhecimento e da
autonomia intelectual e profissional. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são nor-
§ 2º Na definição da estrutura institucional e curricular mas obrigatórias para a Educação Básica que orientam
do curso, caberá a concepção de um sistema de oferta o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de
de formação continuada, que propicie oportunidade ensino. Elas são discutidas, concebidas e fixadas pelo
de retorno planejado e sistemático dos professores às Conselho Nacional de Educação (CNE). Mesmo depois
agências formadoras. que o Brasil elaborou a Base Nacional Comum Curricu-
Art. 15. Os cursos de formação de professores para lar (BNCC), as Diretrizes continuam valendo porque os
a educação básica que se encontrarem em funciona- documentos são complementares: as Diretrizes dão a
mento deverão se adaptar a esta Resolução, no prazo estrutura; a Base o detalhamento de conteúdos e com-
de dois anos. petências.
§ 1º Nenhum novo curso será autorizado, a partir da Atualmente, existem diretrizes gerais para a Educa-
vigência destas normas, sem que o seu projeto seja ção Básica. Cada etapa e modalidade (Educação Infantil,
organizado nos termos das mesmas. Ensino Fundamental e Ensino Médio) também apresen-
§ 2º Os projetos em tramitação deverão ser restituídos tam diretrizes curriculares próprias.
aos requerentes para a devida adequação. As diretrizes buscam promover a equidade de apren-
Art. 16. O Ministério da Educação, em conformidade dizagem, garantindo que conteúdos básicos sejam en-
com § 1º Art. 8o da Lei 9.394, coordenará e articulará sinados para todos os alunos, sem deixar de levar em
em regime de colaboração com o Conselho Nacional consideração os diversos contextos nos quais eles estão
de Educação, o Conselho Nacional de Secretários Es- inseridos.
taduais de Educação, o Fórum Nacional de Conselhos As DCNs têm origem na Lei de Diretrizes e Bases da
Estaduais de Educação, a União Nacional dos Diri- Educação (LDB), de 1996, que assinala ser incumbência
gentes Municipais de Educação e representantes de da União “estabelecer, em colaboração com os estados,
Conselhos Municipais de Educação e das associações Distrito Federal e os municípios, competências e diretri-
profissionais e científicas, a formulação de proposta zes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o
de diretrizes para a organização de um sistema fede- Ensino Médio, que nortearão os currículos e os seus con-
rativo de certificação de competência dos professores teúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica
de educação básica. comum”.
Art. 17. As dúvidas eventualmente surgidas, quanto a As diretrizes valem com a Base Nacional Comum Cur-
estas disposições, serão dirimidas pelo Conselho Na- ricular (BNCC), a função da Base é especificar aquilo que
cional de Educação, nos termos do Art. 90 da Lei 9.394. se espera que os alunos aprendam ano a ano. A BNCC
Art. 18. O parecer e a resolução referentes à carga foi elaborada à luz do que diz das DCN e, portanto, um
horária, previstos no Artigo 12 desta resolução, serão documento não exclui o outro. “Fazendo uma analogia,
elaborados por comissão bicameral, a qual terá cin- as DCNs dão a estrutura, e a Base recheia essa forma,
quenta dias de prazo para submeter suas propostas com o que é essencial de ser ensinado. Portanto, elas se
ao Conselho Pleno. complementam”, afirma Eduardo Deschamps, presidente
Art. 19. Esta Resolução entra em vigor na data de sua do CNE. Diretrizes e Base são obrigatórios e devem ser
publicação, revogadas as disposições em contrário. respeitados por todas as escolas, tanto da rede pública
como particular.
ULYSSES DE OLIVEIRA PANISSET A necessidade de definição de Diretrizes Curricula-
Presidente do Conselho Nacional de Educação res Nacionais Gerais para a Educação Básica está posta
pela emergência da atualização das políticas educacio-
nais que consubstanciem o direito de todo brasileiro à
formação humana e cidadã e à formação profissional, na
vivência e convivência em ambiente educativo. Têm estas
Diretrizes por objetivos:
I – sistematizar os princípios e diretrizes gerais da
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e


demais dispositivos legais, traduzindo-os em orien-
tações que contribuam para assegurar a formação
básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos
que dão vida ao currículo e à escola;
II – estimular a reflexão crítica e propositiva que deve
subsidiar a formulação, execução e avaliação do pro-

63
jeto político-pedagógico da escola de Educação Bá- cação Básica, sob a coordenação da então relatora, con-
sica; selheira Maria Beatriz Luce. (Portaria CNE/CEB nº 1/2006)
III – orientar os cursos de formação inicial e conti- A comissão promoveu uma mobilização nacional das di-
nuada de profissionais – docentes, técnicos, funcio- ferentes entidades e instituições que atuam na Educação
nários – da Educação Básica, os sistemas educativos Básica no País, mediante:
dos diferentes entes federados e as escolas que os I – encontros descentralizados com a participação de
integram, indistintamente da rede a que pertençam. Municípios e Estados, que reuniram escolas públicas
e particulares, mediante audiências públicas regio-
Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais nais, viabilizando ampla efetivação de manifestações;
Gerais para a Educação Básica visam estabelecer bases II – revisões de documentos relacionados com a
comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fun- Educação Básica, pelo CNE/CEB, com o objetivo de
damental e o Ensino Médio, bem como para as modali- promover a atualização motivadora do trabalho das
dades com que podem se apresentar, a partir das quais entidades, efetivadas, simultaneamente, com a dis-
os sistemas federal, estaduais, distrital e municipais, por cussão do regime de colaboração entre os sistemas
suas competências próprias e complementares, formula- educacionais, contando, portanto, com a participa-
rão as suas orientações assegurando a integração curri- ção dos conselhos estaduais e municipais.
cular das três etapas sequentes desse nível da escolariza-
ção, essencialmente para compor um todo orgânico Durante essa trajetória, os temas considerados per-
Assume-se, portanto, que as Diretrizes Curriculares tinentes à matéria objeto deste Parecer passaram a se
Nacionais Gerais para a Educação Básica terão como fun- constituir nas seguintes ideias-força:
damento essencial a responsabilidade que o Estado bra- I – as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
sileiro, a família e a sociedade têm de garantir a demo- Educação Básica devem presidir as demais diretrizes
cratização do acesso, inclusão, permanência e sucesso curriculares específicas para as etapas e modalida-
das crianças, jovens e adultos na instituição educacional, des, contemplando o conceito de Educação Básica,
sobretudo em idade própria a cada etapa e modalidade; princípios de organicidade, sequencialidade e articu-
a aprendizagem para continuidade dos estudos; e a ex- lação, relação entre as etapas e modalidades: articu-
tensão da obrigatoriedade e da gratuidade da Educação lação, integração e transição;
Básica. II – o papel do Estado na garantia do direito à edu-
Além das avaliações que já ocorriam assistematica- cação de qualidade, considerando que a educação,
mente, marcou o início da elaboração deste Parecer, par- enquanto direito inalienável de todos os cidadãos, é
ticularmente, a Indicação CNE/CEB nº 3/2005, assinada condição primeira para o exercício pleno dos direi-
pelo então conselheiro da CEB, Francisco Aparecido Cor- tos: humanos, tanto dos direitos sociais e econômi-
dão, na qual constava a proposta de revisão das Diretri- cos quanto dos direitos civis e políticos;
zes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e para III – a Educação Básica como direito e considerada,
o Ensino Fundamental. Nessa Indicação, justificava-se contextualizadamente, em um projeto de Nação, em
que tais Diretrizes encontravam-se defasadas, segundo consonância com os acontecimentos e suas determi-
avaliação nacional sobre a matéria nos últimos anos, e nações histórico-sociais e políticas no mundo;
superadas em decorrência dos últimos atos legais e nor- IV – a dimensão articuladora da integração das di-
mativos, particularmente ao tratar da matrícula no Ensino retrizes curriculares compondo as três etapas e as
Fundamental de crianças de 6 (seis) anos e consequente modalidades da Educação Básica, fundamentadas na
ampliação do Ensino Fundamental para 9 (nove) anos de indissociabilidade dos conceitos referenciais de cui-
duração. Imprescindível acrescentar que a nova redação dar e educar;
do inciso I do artigo 208 da nossa Carta Magna, dada V – a promoção e a ampliação do debate sobre a
pela Emenda Constitucional nº 59/2009, assegura Edu- política curricular que orienta a organização da Edu-
cação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de cação Básica como sistema educacional articulado e
idade, inclusive a sua oferta gratuita para todos os que a integrado;
ela não tiveram acesso na idade própria. Nesta perspec- VI – a democratização do acesso, permanência e su-
tiva, o processo de formulação destas Diretrizes foi acor- cesso escolar com qualidade social, científica, cultu-
dado, em 2006, pela Câmara de Educação Básica com as ral;
entidades: Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de VII – a articulação da educação escolar com o mundo
Educação, União Nacional dos Conselhos Municipais de do trabalho e a prática social;
Educação, Conselho dos Secretários Estaduais de Educa- VIII – a gestão democrática e a avaliação;
ção, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Edu- IX – a formação e a valorização dos profissionais da
cação, e entidades representativas dos profissionais da educação;
educação, das instituições de formação de professores, X – o financiamento da educação e o controle social.
LEGISLAÇÃO FEDERAL

das mantenedoras do ensino privado e de pesquisado-


res em educação. Para a definição e o desenvolvimento Ressalte-se que o momento em que estas Diretrizes
da metodologia destinada à elaboração deste Parecer, Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica es-
inicialmente, foi constituída uma comissão que selecio- tão sendo elaboradas é muito singular, pois, simultanea-
nou interrogações e temas estimuladores dos debates, a mente, as diretrizes das etapas da Educação Básica, tam-
fim de subsidiar a elaboração do documento preliminar bém elas, passam por avaliação, por meio de contínua
visando às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu- mobilização dos representantes dos sistemas educativos

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de nível nacional, estadual e municipal. A articulação en- mente, a partir do exercício de 2009, o percentual da
tre os diferentes sistemas flui num contexto em que se Desvinculação das Receitas da União incidente sobre
vivem: os recursos destinados à manutenção e ao desenvol-
I – os resultados da Conferência Nacional da Educa- vimento do ensino
ção Básica (2008);
II – os 13 anos transcorridos de vigência da LDB e as Pensar e realizar o currículo: a dimensão comum
inúmeras alterações nela introduzidas por várias leis, nacional e a dimensão diversificada local/regional
bem como a edição de outras leis que repercutem Entende-se, pois, que o currículo não poderia ser im-
nos currículos da Educação Básica; posto, distribuído em apostilas ou simplesmente publi-
III – o penúltimo ano de vigência do Plano Nacio- cado no Diário Oficial, porque ele se realiza na produção,
nal de Educação (PNE), que passa por avaliação, bem na circulação e consumo de significados, com vista a criar
como a mobilização nacional em torno de subsídios identidades dos sujeitos que educam e são educados. Ao
para a elaboração do PNE para o período 2011-2020; associarmos a base nacional comum à parte diversifi-
IV – a aprovação do Fundo de Manutenção e Desen- cada (que produzem a integração do currículo de uma
volvimento da Educação Básica e de Valorização dos escola) temos, ao mesmo tempo, a prática das propos-
Professores da Educação (FUNDEB), regulado pela tas constitucionais, da LDB e demais leis; mas também
Lei nº 11.494/2007, que fixa percentual de recursos a prática das escolas que se identificam com o ambien-
a todas as etapas e modalidades da Educação Básica; te metropolitano, rural, florestal, ribeirinho, quilombola,
V – a criação do Conselho Técnico Científico (CTC) indígena, socioeducativo, no espaço das prisões etc. A
da Educação Básica, da Coordenação de Aperfeiçoa- base nacional comum é orientada pelo Estado brasileiro,
mento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da por meio do MEC, do Conselho Nacional de Educação
Educação (Capes/MEC); e dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação. A
VI – a formulação, aprovação e implantação das dimensão diversificada é construída pelo diálogo entre a
medidas expressas na Lei nº 11.738/2008, que re- escola e seu espaço social, político, ambiental e cultural.
gulamenta o piso salarial profissional nacional para Feito isso, temos o currículo de estudos e experiências,
os profissionais do magistério público da Educação sempre avaliado para se enriquecer e se aperfeiçoar. Se
Básica; alunos, professores, gestores, pais de alunos, funcioná-
VII – a criação do Fórum Nacional dos Conselhos de rios, demais familiares e comunidades não produzem
Educação, objetivando prática de regime de colabo- cultura (que se realiza como símbolos, rituais, valores,
ração entre o CNE, o Fórum Nacional dos Conselhos ideias, linguagens) de modo igual no país repleto de di-
Estaduais de Educação e a União Nacional dos Con- ferenças, os currículos poderão ter fundamentos seme-
selhos Municipais de Educação; lhantes e apontar para valores já apresentados aqui, mas
VIII – a instituição da política nacional de formação não podem ser iguais. Caso contrário, não produzem
de profissionais do magistério da Educação Básica identificações necessárias para a amplitude do trabalho
(Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009); local e regional, a autonomia concreta nas realidades vi-
IX – a aprovação do Parecer CNE/CEB nº 9/2009 e da vidas, a ação cidadã encarnada nos lugares da vida, os
Resolução CNE/CEB nº 2/2009, que institui as Diretri- conhecimentos que criam plataformas metodológicas
zes Nacionais para os Planos de Carreira e Remune- para ampliações e extensões de territórios de vida para
ração dos Profissionais do Magistério da Educação educandos e educadores. Cada comunidade escolar, em
Básica Pública, que devem ter sido implantados até suas semelhanças e diferenças, pensa, analisa e projeta
dezembro de 2009; o país (ampliando-se para as relações internacionais), a
X – as recentes avaliações do PNE, sistematizadas partir de cada aula.
pelo CNE, expressas no documento Subsídios para Quem trabalha com currículo após a LDB encontra
Elaboração do PNE Considerações Iniciais. Desa- como base nacional comum os seguintes componentes
fios para a Construção do PNE (Portaria CNE/CP nº (necessariamente associados aos lugares e valores já ci-
10/2009); tados e em contínuo diálogo com eles): Língua Portugue-
XI – a realização da Conferência Nacional de Educa- sa; Matemática; conhecimento do mundo físico, natural,
ção (CONAE), com o tema central “Construindo um da realidade social e política, especialmente do Brasil,
Sistema Nacional Articulado de Educação: Plano Na- incluindo-se o estudo da História e Cultura Afro-Brasi-
cional de Educação – Suas Diretrizes e Estratégias de leira e Indígena; Arte (plástica, musical, cênica e audio-
Ação”, tencionando propor diretrizes e estratégias visual); Educação Física; Ensino Religioso (facultativo ao
para a construção do PNE 2011-2020; educando). Esse conjunto de conhecimentos e valores é
XII – a relevante alteração na Constituição, pela pro- composto de tecnologias, ambiente ecológico, memória
mulgação da Emenda Constitucional nº 59/2009, popular, comunicação, exercício de cidadania, conquista
que, entre suas medidas, assegura Educação Básica e manutenção de direitos, presentes e ativos no país e na
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obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, sociedade humana, bem como dispostos à ampliação e à
inclusive a sua oferta gratuita para todos os que a transformação da vida pelo estudo e pelas experiências
ela não tiveram acesso na idade própria; assegura o individuais e coletivas. Do mesmo modo, engendra inten-
atendimento ao estudante, em todas as etapas da so diálogo entre os eixos nas áreas, sejam comuns, sejam
Educação Básica, mediante programas suplementa- diversificadas. A parte diversificada desdobra e comple-
res de material didático-escolar, transporte, alimen- ta a base nacional comum e considera as realidades da
tação e assistência à saúde, bem como reduz, anual- metrópole e suas periferias, do mundo das florestas, das

65
atividades ribeirinhas, da dinâmica rural, das sociedades
tradicionais e das emergentes, dos povos migrantes, das BRASIL. DECRETO Nº 6.949, DE 25 DE
diferenças e identidades no interior da própria escola AGOSTO DE 2009. PROMULGA CONVENÇÃO
e seu entorno, enfim, das culturas, economias, etnias, INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS
orientações sociais e dinâmicas populacionais brasilei- DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SEU
ras. Pensando de forma integrada, o currículo resultante
PROTOCOLO FACULTATIVO. BRASÍLIA, DF,
será projeto de Brasil e cumprirá a proposta constitucio-
nal: formar seres plenos, compreendida sua diversidade, 2009.
constituir cidadãos e qualificar pessoas para a dinâmica
do trabalho contemporâneo.
De uma maneira geral, a proteção das pessoas porta-
Concepção de cultura como prática social. doras de deficiência se encaixa na promoção da igualda-
•Currículo: “experiências escolares que se desdobram de material ao permitir que elas obtenham um adequa-
em torno do conhecimento, permeadas pelas relações do tratamento legislativo, judicial e administrativo que
sociais, buscando articular, vivências e saberes dos alu- atenda às suas especificidades, sem que isso implique,
nos com os conhecimentos historicamente acumulados e de qualquer forma, em uma discriminação negativa.
contribuindo para construir as identidades dos estudan- Há quatro fases no desenvolvimento dos direitos hu-
tes”. Âmbitos de referência dos currículos manos da pessoa portadora de deficiência:
• Instituições produtoras do conhecimento científico a) Fase da intolerância: a deficiência simbolizava im-
(universidades e centros de pesquisa) pureza, pecado ou castigo divino;
• Mundo do trabalho b) Fase da invisibilidade: ignorava-se a existência das
• Desenvolvimentos tecnológicos pessoas com deficiência e de seus direitos;
• Atividades desportivas e corporais c) Fase assistencialista: pautada na perspectiva mé-
• Produção artística dica e biológica de que era preciso encontrar uma cura
• Campo da saúde para a deficiência, que era exclusivamente vista como en-
• Formas diversas de exercício da cidadania fermidade;
• Movimentos sociais Formas para a organização cur- d) Fase humanista: orientada pelo paradigma dos di-
ricular reitos humanos, na qual emergiram os direitos à inclusão
• Tempo e espaço do currículo social, com ênfase na relação da pessoa com deficiência
• Na organização e gestão do currículo, as abordagens e do meio em que ela se insere, além da necessidade de
disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdiscipli- eliminar obstáculos e barreiras (culturais, físicos ou so-
nar requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, ciais) que possam ser superados. Destaca-se a inovação
porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas promovida pela Convenção da ONU, que reconhece a
pedagógicas dos educadores e organizam o trabalho do deficiência como resultado da interação entre indivíduos
estudante. Perpassam todos os aspectos da organização e seu meio ambiente, não residindo apenas intrinseca-
escolar, desde o planejamento do trabalho pedagógico, mente no indivíduo.
a gestão administrativo acadêmica, até a organização do
tempo e do espaço físico e a seleção, disposição e utili- Assim, veda-se a discriminação das pessoas portado-
zação dos equipamentos e mobiliário da instituição, ou ras de deficiência, o que não significa que é impedido
seja, todo o conjunto das atividades que se realizam no que a lei garantia distinções que permitam um tratamen-
espaço escolar, em seus diferentes âmbitos. to igualitário destas pessoas na vida em sociedade – pois
não basta garantir a igualdade formal na lei sem a criação
Documento completo na área do aluno em nosso site: de instrumentos e políticas voltados aos grupos vulnerá-
veis como o das pessoas portadoras de deficiência.
FONTES: Por isso mesmo, no âmbito internacional surgem
https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/o- documentos específicos de proteção dos direitos huma-
-que-sao-e-para-que-servem-as-diretrizes-curricula- nos da pessoa com deficiência. No âmbito das Nações
res-/, Unidas, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arqui- Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo des-
vos/File/sem_pedagogica/fev_2016/anexo1_deb_3dia_ ponta como o mais relevante tratado internacional na
sp2016.pdf matéria em estudo que foi ratificado pelo Brasil, isto por-
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação que possui o status de emenda constitucional.
Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetiza- O documento se inicia com um extenso preâmbu-
ção, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Pro- lo que expõe suas intenções, notadamente a de suprir
fissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. a insatisfação quanto à não discriminação e o aprovei-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

Câmara Nacional de Educação Básica. tamento das pessoas portadoras de deficiência para o
bem-estar da sociedade. Em que pesem diversos docu-
mentos internacionais voltados a isto, com efeito, caberia
à Convenção reforçar a importância e a igualdade de di-
reitos com relação às pessoas portadoras de deficiência,
reconhecendo a importância do papel que elas desem-
penham em sociedade.

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O artigo 1º traz o propósito da Convenção e con- ras de deficiência, bem como as de caráter executório,
ceitua pessoa com deficiência: “o propósito da presente com políticas visando o fim da discriminação e a cons-
Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício cientização social. A promoção da igualdade e da não
pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liber- discriminação é reforçada no artigo 5º.
dades fundamentais por todas as pessoas com deficiên- Os artigos 6º e 7º tratam da mescla de grupos vul-
cia e promover o respeito pela sua dignidade inerente. neráveis, abordando as mulheres com deficiência e as
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedi- crianças com deficiência, que possuem então duas con-
mentos de longo prazo de natureza física, mental, inte- dições que merecem atenção especial.
lectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas O artigo 9º traz uma importante noção, que é a
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efe- de acessibilidade, a qual deve ser a mais ampla possí-
tiva na sociedade em igualdades de condições com as vel, proporcionando a igualdade de oportunidades em
demais pessoas”. todos os aspectos da vida em sociedade, notadamen-
O artigo 2º prossegue com o estabelecimento de te quanto a edifícios, rodovias, meios de transporte e
conceitos relevantes: “‘Comunicação’ abrange as línguas, outras instalações internas e externas, inclusive escolas,
a visualização de textos, o braile, a comunicação tátil, residências, instalações médicas e local de trabalho, e
os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia informações, comunicações e outros serviços, inclusive
acessível, assim como a linguagem simples, escrita e serviços eletrônicos e serviços de emergência. Para tan-
oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada to, cabe fiscalizar e implementar normas e diretrizes mí-
e os modos, meios e formatos aumentativos e alternati- nimas de acessibilidade em espaços públicos e privados.
vos de comunicação, inclusive a tecnologia da informa- A partir do artigo 10 até o artigo 30 são abordados
ção e comunicação acessíveis; ‘Língua’ abrange as lín- direitos em espécie, destacando-se: vida, integridade,
guas faladas e de sinais e outras formas de comunicação respeito ao direito humanitário, igualdade perante a lei,
não-falada; ‘Discriminação por motivo de deficiência’ acesso à justiça, liberdade em todas suas dimensões,
significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição segurança, vedação da tortura e tratamentos afins, ve-
baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de dação de formas de exploração/violência/abuso, na-
impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute cionalidade, independência, mobilidade, privacidade,
ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as convivência familiar, educação, saúde, habilitação e
demais pessoas, de todos os direitos humanos e liber- reabilitação, trabalho e emprego (incluindo o estabele-
dades fundamentais nos âmbitos político, econômico, cimento de cotas no setor público), subsistência digna,
social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as participação popular, cultura, lazer e esporte.
formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação Contando do artigo 31, são estabelecidos mecanis-
razoável; ‘Adaptação razoável’ significa as modificações mos para dar efetividade à Convenção, notadamente:
e os ajustes necessários e adequados que não acarretem estabelecimento de estatísticas e pesquisas, coope-
ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos ração internacional, mecanismos de coordenação no
em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com âmbito dos governos dos Estados-partes, elaboração
deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de de relatórios pelos Estados-partes – os quais serão
oportunidades com as demais pessoas, todos os direi- considerados pelo Comitê sobre os Direitos das Pes-
tos humanos e liberdades fundamentais; ‘Desenho uni- soas com Deficiência.
versal’ significa a concepção de produtos, ambientes, Por fim, dos artigos 41 a 50 são estabelecidas ques-
programas e serviços a serem usados, na maior medi- tões formais de ratificação, vigência, denúncia, entre ou-
da possível, por todas as pessoas, sem necessidade de tras que são de praxe nos tratados internacionais.
adaptação ou projeto específico. O ‘desenho universal’ O protocolo facultativo, por sua vez, de uma maneira
não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos geral, aprofunda as funções e atribuições do menciona-
de pessoas com deficiência, quando necessárias”. do Comitê. Referido Comitê é abordado em linhas gerais
Os princípios que guiam a Convenção, previstos no na própria Convenção, sendo órgão composto por 12
artigo 3º, são: “a) O respeito pela dignidade inerente, a peritos, passando a 18 peritos quando contar com 60 ra-
autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as tificações. Estes membros são eleitos pelos Estados-par-
próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A tes, de forma a assegurar uma distribuição geográfica
não-discriminação; c) A plena e efetiva participação e in- equitativa, a partir de lista de indicação de candidatos
clusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela apresentada por cada Estado. O mandato é de 4 anos,
aceitação das pessoas com deficiência como parte da di- aceita uma reeleição.
versidade humana e da humanidade; e) A igualdade de
oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre O inteiro teor do documento pode ser acessado no
o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimen- seguinte link:
LEGISLAÇÃO FEDERAL

to das capacidades das crianças com deficiência e pelo http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-


direito das crianças com deficiência de preservar sua 2010/2009/decreto/d6949.htm
identidade”. Juntos, os três primeiros artigos da Conven-
ção permitem compreendê-la num contexto geral.
Os artigos 4º e 8º trazem obrigações dos Estados,
que envolvem notadamente as de caráter legislativo,
adequando o ordenamento jurídico às pessoas portado-

67
A. não sejam privadas, em qualquer hipótese, de exercer
#FicaDica o seu direito à liberdade de movimentação.
B. em casos extremos sejam obrigadas a viver em deter-
A Convenção sobre os Direitos da Pessoa minado tipo de moradia.
com Deficiência possui no Brasil o status C. quando diagnosticadas com pequeno grau de surdez,
de emenda constitucional, uma vez que devem passar a ser educadas em LIBRAS.
foi aprovada pelo Congresso Nacional nos D. tenham acesso a uma variedade de serviços de apoio
moldes do artigo 5o, § 3o, CF. em domicílio ou em instituições residenciais.
E. poderão ser impedidas pela família de conviver com
seus filhos, sob a alegação de deficiência.

EXERCÍCIOS COMENTADOS Resposta: “D”. É o que prevê o artigo 19, “b”: “as pes-
soas com deficiência tenham acesso a uma variedade
de serviços de apoio em domicílio ou em institui-
1) (MPT - Procurador do Trabalho - MPT/2015) De
ções residenciais ou a outros serviços comunitários
acordo com a Convenção da Organização das Nações
de apoio, inclusive os serviços de atendentes pessoais
Unidas sobre as Pessoas com Deficiência, é correto afir-
que forem necessários como apoio para que as pes-
mar que:
soas com deficiência vivam e sejam incluídas na co-
munidade e para evitar que fiquem isoladas ou segre-
A. a Convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico
gadas da comunidade”.
brasileiro com hierarquia de norma supralegal e infra-
A. Conforme artigo 18, 1, “os Estados Partes reco-
constitucional.
nhecerão os direitos das pessoas com deficiência à
B. com o fim de assegurar às pessoas com deficiência o
liberdade de movimentação, à liberdade de escolher
efetivo acesso à justiça, os Estados-partes promove-
sua residência e à nacionalidade, em igualdade de
rão a capacitação apropriada daqueles que trabalham
oportunidades com as demais pessoas, inclusive as-
na área de administração da justiça, inclusive a polícia
segurando que as pessoas com deficiência: a) Tenham
e os funcionários do sistema penitenciário.
o direito de adquirir nacionalidade e mudar de nacio-
C. os Estados-partes reconhecerão o direito das pessoas
nalidade e não sejam privadas arbitrariamente de sua
com deficiência à liberdade de movimentação, à li-
nacionalidade em razão de sua deficiência; b) Não se-
berdade de escolher sua residência e à nacionalidade,
jam privadas, por causa de sua deficiência, da compe-
exceto nos casos de asilo territorial.
tência de obter, possuir e utilizar documento compro-
D. os Estados-partes protegerão a privacidade dos da-
vante de sua nacionalidade ou outro documento de
dos pessoais e dados relativos à saúde e à reabilita-
identidade, ou de recorrer a processos relevantes, tais
ção de pessoas com deficiência, exceto em casos nos
como procedimentos relativos à imigração, que forem
quais a informação seja imprescindível à segurança
necessários para facilitar o exercício de seu direito
do Estado-parte.
à liberdade de movimentação; c) Tenham liberdade
de sair de qualquer país, inclusive do seu; e d) Não se-
Resposta: “B”. Conforme artigo 13, 2, da Convenção,
jam privadas, arbitrariamente ou por causa de sua de-
“a fim de assegurar às pessoas com deficiência o efe-
ficiência, do direito de entrar no próprio país”. Logo,
tivo acesso à justiça, os Estados Partes promoverão a
a liberdade de movimentação não é irrestrita, encon-
capacitação apropriada daqueles que trabalham na
trando limites previstos na própria Convenção.
área de administração da justiça, inclusive a polícia e
B. Conforme artigo 19, “a”, “os Estados Partes desta
os funcionários do sistema penitenciário”.
Convenção reconhecem o igual direito de todas as
A. A Convenção foi incorporada com status constitu-
pessoas com deficiência de viver na comunidade, com
cional, nos termos do artigo 5º, §3º, CF.
a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas,
C. O direito de asilo também deve ser assegurado,
e tomarão medidas efetivas e apropriadas para faci-
sendo corolário dos direitos à cidadania e à liberdade
litar às pessoas com deficiência o pleno gozo desse
de locomoção.
direito e sua plena inclusão e participação na comu-
D. Conforme artigo 22, 2, da Convenção, “os Estados
nidade, inclusive assegurando que: a) As pessoas com
Partes protegerão a privacidade dos dados pessoais
deficiência possam escolher seu local de residência
e dados relativos à saúde e à reabilitação de pessoas
e onde e com quem morar, em igualdade de opor-
com deficiência, em igualdade de condições com as
tunidades com as demais pessoas, e que não sejam
demais pessoas”. Não há exceções aos casos de risco
obrigadas a viver em determinado tipo de mora-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

à segurança nacional.
dia; [...]”. Logo, não se pode em nenhuma situação
obrigar a pessoa com deficiência a viver em determi-
2) (Prefeitura de Suzano/SP - Secretário de Escola -
nado tipo de moradia.
VUNESP/2015) A Convenção Internacional Sobre os Di-
C. O artigo 24, 3, “c” da Convenção estabelece a “ga-
reitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU
rantia de que a educação de pessoas, em particular
e ratificada pelo Brasil em sua legislação, é taxativa ao
crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada
determinar que as pessoas com deficiência:
nas línguas e nos modos e meios de comunicação

68
mais adequados ao indivíduo e em ambientes que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmi- com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados
co e social”. Não há menção expressa de que a educa- em Nova York, em 30 de março de 2007, e promulgados
ção deva ser feita em LIBRAS. pelo Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009, os quais
E. O artigo 23, 2 da Convenção prevê: “Os Estados Par- são dotados de força de normativa constitucional.
tes assegurarão os direitos e responsabilidades das Com efeito, veda-se a discriminação das pessoas por-
pessoas com deficiência, relativos à guarda, custó- tadoras de deficiência, o que não significa que é impedi-
dia, curatela e adoção de crianças ou instituições se- do que a lei garantia distinções que permitam um trata-
melhantes, caso esses conceitos constem na legislação mento igualitário destas pessoas na vida em sociedade
nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior – pois não basta garantir a igualdade formal na lei sem
interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a a criação de instrumentos e políticas voltados aos gru-
devida assistência às pessoas com deficiência para que pos vulneráveis como o das pessoas portadoras de defi-
essas pessoas possam exercer suas responsabilidades ciência. Na tentativa de propiciar esta igualdade material
na criação dos filhos”. A mera deficiência não exclui os surge o Estatuto da Proteção da Pessoa com Deficiência.
direitos e as responsabilidades com relação aos filhos. Em 6 de julho de 2015 foi assinada a lei 13.146/2015,
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência,
podendo ser também chamado de Estatuto da Pessoa
BRASIL. LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO com Deficiência. Entrou em vigor em janeiro deste ano.
DE 2015. INSTITUI A LEI BRASILEIRA DE Devendo sempre preservar o princípio da dignidade hu-
INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA mana.
(ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA). O princípio da dignidade humana foi positivado, em
várias Constituições do pós-guerra, assim como a Decla-
BRASÍLIA, DF, 2015. CAP. I E CAP. IV.
ração das Nações Unidas, que em seu artigo 1º garante
a liberdade e igualdade com relação a dignidade e os
direitos. Constituição Federal Brasileira de 1988 garante
Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com que todos são iguais perante a lei, podendo garantir uma
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). verdadeira tutela da pessoa humana (LOUSADA, 2015).
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015) foi divi-
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Con- do em 2 (dois) livros, sendo eles I e II. O livro I (parte ge-
gresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: ral) subdivide-se em 4 (quatro) títulos, já o livro II (parte
especial) subdivide-se em 3 (três) títulos.
É possível dividir em quatro fases a história da cons- O título I traz os 9 (nove) primeiros artigos, divididos
trução da dignidade das pessoas com deficiência, fase em 2 (dois) capítulos, incluindo ainda uma seção única.
da Intolerância em que a pessoa com deficiência era O capítulo I apresenta as disposições gerais distribuídos
considerada símbolo de impureza e castigo divino; fase nos 3 (três) primeiros artigos. O artigo 1º do Estatuto ga-
da Invisibilidade em que o indivíduo era tolerado, mas rante que a lei foi introduzida no ordenamento jurídico
excluído da sociedade, fase assistencialista em que há brasileiro com o intuito de assegurar e promover os di-
cuidados para com a vida do deficiente, mas apenas nas reitos já em vigência no país, reconhecendo a igualdade
casas de misericórdia e a fase atual a humanista em que entre as pessoas, proporcionando o exercício dos direi-
se trabalha para inserção e a igualdade pela dessas pes- tos e das liberdades fundamentais pelas pessoas com
soas no convívio social1. A fase humanista é orientada deficiência, buscando a inclusão social e cidadania. Os
pelo paradigma dos direitos humanos, na qual emergi- artigos 2º e 3º traz a definição de Pessoa com Deficiên-
ram os direitos à inclusão social, com ênfase na relação cia, acessibilidade, desenho universal, barreiras, dentre
da pessoa com deficiência e do meio em que ela se in- outros conceitos que estão presentes no dia a dia do in-
sere, além da necessidade de eliminar obstáculos e bar- divíduo com deficiência.
reiras (culturais, físicos ou sociais) que possam ser supe- O capítulo II (artigos 4º a 8º), trata da questão da
rados. Destaca-se a inovação promovida pela Convenção igualdade e da não discriminação, são propósitos já de-
da ONU, que reconhece a deficiência como resultado da fendidos pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa
interação entre indivíduos e seu meio ambiente, não re- com Deficiência e seu Protocolo facultativo, devendo os
sidindo apenas intrinsecamente no indivíduo2. A Lei nº Estados Partes criarem normas internas para diminuir ou
13.146/2015 é o estopim nacional da fase humanista da mesmo eliminar a discriminação entre as pessoas, além
proteção da pessoa com deficiência, vindo elaborada em de proporcionar a plena igualdade de condições peran-
consonância com a Constituição Federal de 1988 e com te a sociedade, possibilitando a essas pessoas uma con-
vivência social digna. Devendo a sociedade denunciar
1 TISESCU, Alessandra Devulsky da Silva; SAN-
a autoridade qualquer forma de ameaça ou mesmo de
LEGISLAÇÃO FEDERAL

TOS, Jackson Passos. Apontamentos históricos sobre


violação de direitos da pessoa com deficiência. A seção
as fases de construção dos Direitos Humanos das Pes-
única (artigo 9º) garante ao deficiente o atendimento
soas com Deficiência. Disponível em:<http://www.publi-
prioritário em todos os campos da sua vida.
cadireito.com.br/artigos/?cod=24f984f75f37a519>. Acesso
O título II (artigos 10 a 52) dispõe sobre os direitos
em: 20 fev. 2016.
fundamentais como direito à vida, à saúde, à educação,
2 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito
à moradia, declarados pela Constituição Federal de 1988,
constitucional internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
que garante a todas as pessoas não só aos deficientes.
2008.

69
Dispõe ainda sobre direitos fundamentais de extrema Prezado candidato, não tendo sido indicado direta-
importância para que o deficiente esteja em igualdade mente o Título da lei a que se refere o edital, separamos
com os demais como à habilitação e a reabilitação, ca- o material relevante para completar seus estudos sobre
pacitando-o para uma disputa inclusive para o mercado Educação.
de trabalho.
O título III (artigos 53 a 76) traz um dos temas mais TÍTULO II
importantes e discutidos da atualidade, a questão da DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
acessibilidade. Visto que garante a pessoa com defi-
ciência ou com mobilidade reduzida viver da forma mais CAPÍTULO I
independente possível para exercer seus direitos de ci- DO DIREITO À VIDA
dadania, podendo ter participação ativa na sociedade.
O título IV (artigos 77 e 78) aborda as questões da Art. 10. Compete ao poder público garantir a digni-
ciência e tecnologia, deve o poder público investir no dade da pessoa com deficiência ao longo de toda
desenvolvimento científico e tecnológico com o intuito a vida.
de melhorar a qualidade de vida das pessoas com defi- Parágrafo único. Em situações de risco, emergência ou
ciência tanto profissional, quanto pessoal. estado de calamidade pública, a pessoa com deficiência
O título I (artigos 79 a 87) da segunda parte dispõe será considerada vulnerável, devendo o poder público
sobre o acesso a justiça, deve o poder público garantir a adotar medidas para sua proteção e segurança.
pessoa com deficiência o seu pleno acesso à justiça, em Art. 11. A pessoa com deficiência não poderá ser
igualdade de oportunidades com as demais pessoas da obrigada a se submeter a intervenção clínica ou
sociedade, além de garantir a pessoa deficiente o exercí- cirúrgica, a tratamento ou a institucionalização for-
cio de sua capacidade legal. çada.
O título II (artigos 88 a 90) trata dos crimes e das Parágrafo único. O consentimento da pessoa com de-
infrações administrativas, punindo quem por algum mo- ficiência em situação de curatela poderá ser suprido,
tivo praticar, induzir ou mesmo incitar discriminação de na forma da lei.
pessoa com deficiência, aquele que desviar bens, pro- Art. 12. O consentimento prévio, livre e esclareci-
ventos, benefícios, abandonar pessoa com deficiência, do da pessoa com deficiência é indispensável para
ou mesmo utilizar cartão magnético ou outros mecanis- a realização de tratamento, procedimento, hospitali-
mos para tentar prejudicar e obter vantagem indevida zação e pesquisa científica.
para si ou para outrem. § 1º Em caso de pessoa com deficiência em situação
O título III (artigos 92 a 125) trata das disposições de curatela, deve ser assegurada sua participação, no
finais e transitórias, é criado pelo estado um cadastro maior grau possível, para a obtenção de consenti-
nacional de inclusão da pessoa com deficiência (cadas- mento.
tro-inclusão), para que haja por parte do Estado um § 2º A pesquisa científica envolvendo pessoa com
maior controle sobre a real situação do deficiente seja deficiência em situação de tutela ou de curatela deve
ele físico, mental ou intelectual no Brasil. ser realizada, em caráter excepcional, apenas quando
Dentro do título III existe um “Título IV em que trata houver indícios de benefício direto para sua saúde
da alteração na redação do Código Civil de 2002, com ou para a saúde de outras pessoas com deficiência
relação a capacidade civil das pessoas com deficiência, e desde que não haja outra opção de pesquisa de
após a vigência do Estatuto da Pessoa com deficiência, eficácia comparável com participantes não tutelados
o indivíduo não será mais caracterizado como pessoa ou curatelados.
absolutamente incapaz e sim plenamente capaz. Art. 13. A pessoa com deficiência somente será aten-
O Estatuto foi criado sob forte influência da Conven- dida sem seu consentimento prévio, livre e escla-
ção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu recido em casos de risco de morte e de emergência
Protocolo Facultativo, seguido pelo Brasil desde 2009. em saúde, resguardado seu superior interesse e ado-
Sendo sua criação necessária para que o protocolo seja tadas as salvaguardas legais cabíveis.
de fato regularizado internamente, já que o Estado Parte
deve criar normas internas que possibilitem colocar em [...]
prática aquilo estabelecido no tratado.
CAPÍTULO IV
DO DIREITO À EDUCAÇÃO
#FicaDica
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa
LEGISLAÇÃO FEDERAL

O Estatuto da Pessoa com Deficiência con- com deficiência, assegurados sistema educacional
solida a perspectiva humanista acerca da inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo
pessoa com deficiência, corroborando a de toda a vida, de forma a alcançar o máximo de-
Convenção sobre os Direitos das Pessoas senvolvimento possível de seus talentos e habilidades
com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas
características, interesses e necessidades de aprendi-
zagem.

70
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da co- XIII - acesso à educação superior e à educação profis-
munidade escolar e da sociedade assegurar educação sional e tecnológica em igualdade de oportunidades e
de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a condições com as demais pessoas;
salvo de toda forma de violência, negligência e discri- XIV - inclusão em conteúdos curriculares, em cursos
minação. de nível superior e de educação profissional técnica e
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, tecnológica, de temas relacionados à pessoa com defi-
desenvolver, implementar, incentivar, acompa- ciência nos respectivos campos de conhecimento;
nhar e avaliar: XV - acesso da pessoa com deficiência, em igualdade
I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e de condições, a jogos e a atividades recreativas, espor-
modalidades, bem como o aprendizado ao longo de tivas e de lazer, no sistema escolar;
toda a vida; XVI - acessibilidade para todos os estudantes, traba-
II - aprimoramento dos sistemas educacionais, vi- lhadores da educação e demais integrantes da comu-
sando a garantir condições de acesso, permanência, nidade escolar às edificações, aos ambientes e às ati-
participação e aprendizagem, por meio da oferta de vidades concernentes a todas as modalidades, etapas
serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem e níveis de ensino;
as barreiras e promovam a inclusão plena; XVII - oferta de profissionais de apoio escolar;
III - projeto pedagógico que institucionalize o aten- XVIII - articulação intersetorial na implementação de
dimento educacional especializado, assim como os políticas públicas.
demais serviços e adaptações razoáveis, para atender § 1º Às instituições privadas, de qualquer nível e mo-
às características dos estudantes com deficiência e ga- dalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o
rantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII,
igualdade, promovendo a conquista e o exercício de XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo,
sua autonomia; sendo vedada a cobrança de valores adicionais de
IV - oferta de educação bilíngue, em Libras como pri- qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades
meira língua e na modalidade escrita da língua por- e matrículas no cumprimento dessas determinações.
tuguesa como segunda língua, em escolas e classes § 2º Na disponibilização de tradutores e intérpretes
bilíngues e em escolas inclusivas; da Libras a que se refere o inciso XI do caput deste
V - adoção de medidas individualizadas e coletivas artigo, deve-se observar o seguinte:
em ambientes que maximizem o desenvolvimento I - os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na
acadêmico e social dos estudantes com deficiência, fa- educação básica devem, no mínimo, possuir ensino
vorecendo o acesso, a permanência, a participação e a médio completo e certificado de proficiência na Libras;
aprendizagem em instituições de ensino; II - os tradutores e intérpretes da Libras, quando dire-
VI - pesquisas voltadas para o desenvolvimento de cionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos
novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir
didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnolo- nível superior, com habilitação, prioritariamente, em
gia assistiva; Tradução e Interpretação em Libras.
VII - planejamento de estudo de caso, de elaboração Art. 29. (VETADO).
de plano de atendimento educacional especializado, Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e
de organização de recursos e serviços de acessibilida- permanência nos cursos oferecidos pelas instituições
de e de disponibilização e usabilidade pedagógica de de ensino superior e de educação profissional e tec-
recursos de tecnologia assistiva; nológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as
VIII - participação dos estudantes com deficiência e seguintes medidas:
de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da I - atendimento preferencial à pessoa com deficiên-
comunidade escolar; cia nas dependências das Instituições de Ensino Supe-
IX - adoção de medidas de apoio que favoreçam o rior (IES) e nos serviços;
desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, II - disponibilização de formulário de inscrição de
vocacionais e profissionais, levando-se em conta o ta- exames com campos específicos para que o candidato
lento, a criatividade, as habilidades e os interesses do com deficiência informe os recursos de acessibilidade
estudante com deficiência; e de tecnologia assistiva necessários para sua partici-
X - adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos pação;
programas de formação inicial e continuada de pro- III - disponibilização de provas em formatos acessí-
fessores e oferta de formação continuada para o aten- veis para atendimento às necessidades específicas do
dimento educacional especializado; candidato com deficiência;
XI - formação e disponibilização de professores para o IV - disponibilização de recursos de acessibilidade e
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atendimento educacional especializado, de tradutores de tecnologia assistiva adequados, previamente so-


e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de pro- licitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;
fissionais de apoio; V - dilação de tempo, conforme demanda apresen-
XII - oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e tada pelo candidato com deficiência, tanto na reali-
de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma zação de exame para seleção quanto nas atividades
a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, pro- acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprova-
movendo sua autonomia e participação; ção da necessidade;

71
VI - adoção de critérios de avaliação das provas es- Resposta: Errado. Disciplina o artigo 30, IV e V: “Nos
critas, discursivas ou de redação que considerem a processos seletivos para ingresso e permanência nos
singularidade linguística da pessoa com deficiên- cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior
cia, no domínio da modalidade escrita da língua por- e de educação profissional e tecnológica, públicas e
tuguesa; privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:
VII - tradução completa do edital e de suas retifica- [...] IV - disponibilização de recursos de acessibilidade
ções em Libras. e de tecnologia assistiva adequados, previamente so-
licitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;
A pessoa com deficiência deve ser educada por mé- V - dilação de tempo, conforme demanda apresenta-
todos que respeitem as suas necessidades especiais, da pelo candidato com deficiência, tanto na realização
não devendo ter um acesso inferior à educação em de exame para seleção quanto nas atividades acadê-
razão de limitações motoras, sensoriais ou afins. micas, mediante prévia solicitação e comprovação da
[...] necessidade; [...]”.

3) (CESPE/2018 - EBSERH - Conhecimentos Básicos -


Cargos de Nível Médio - Área Assistencial) Acerca do
#FicaDica Estatuto da Pessoa com Deficiência, julgue o item que se
segue.
A acessibilidade é direito que garante à pessoa
A avaliação da deficiência de uma pessoa deverá ser
com deficiência ou com mobilidade reduzida
biopsicossocial, com equipe multiprofissional e interdis-
viver de forma independente e exercer seus
ciplinar, considerando seus fatores socioambientais, psi-
direitos de cidadania e de participação social.
cológicos e pessoais.
Inclui direito à inclusão por meio do acesso à
informação, tecnologias assistivas e participa-
( ) CERTO ( ) ERRADO
ção política.
Resposta: Errado. Preconiza o artigo 2o, § 1o: “A ava-
liação da deficiência, quando necessária, será biopsi-
cossocial, realizada por equipe multiprofissional e in-
terdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas
EXERCÍCIOS COMENTADOS funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores so-
cioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação
1) (CESPE/2018 - EBSERH - Conhecimentos Básicos no desempenho de atividades; e IV - a restrição de
- Cargos de Nível Superior - Área Médica) Com base participação”.
no disposto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, jul-
gue o item a seguir.
A pessoa com deficiência não poderá sofrer nenhuma BRASIL. LEI Nº 11.645, DE 10 DE MARÇO
espécie de discriminação pela sua condição, mas não DE 2008. ALTERA A LEI Nº 9.394, DE 20
será obrigada à fruição de benefícios decorrentes de DE DEZEMBRO DE 1996, MODIFICADA
ação afirmativa. PELA LEI N° 10.639, DE 9 DE JANEIRO DE
2003, QUE ESTABELECE AS DIRETRIZES E
( ) CERTO ( ) ERRADO BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, PARA
INCLUIR NO CURRÍCULO OFICIAL DA
Resposta: Certo. Disciplina o artigo 4o, caput e § 2o: REDE DE ENSINO A
“Toda pessoa com deficiência tem direito à igualda- OBRIGATORIEDADE DA TEMÁTICA
de de oportunidades com as demais pessoas e não “HISTÓRIA E CULTURA AFRO-
sofrerá nenhuma espécie de discriminação. [...] § 2º A BRASILEIRA E INDÍGENA”. BRASÍLIA, DF,
pessoa com deficiência não está obrigada à fruição 2008.
de benefícios decorrentes de ação afirmativa”.

2) (CESPE/2018 - EBSERH - Conhecimentos Básicos


- Cargos de Nível Superior - Área Médica) Com base LEI Nº 11.645, DE 10 MARÇO DE 2008.
no disposto no Estatuto da Pessoa com Deficiência, jul-
gue o item a seguir. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
Em processos seletivos para ingresso nos cursos ofere- modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
LEGISLAÇÃO FEDERAL

cidos pelas instituições de ensino superior, o candidato que estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-
com deficiência terá direito à disponibilização de provas nal, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
em formatos acessíveis à sua necessidade, sendo veda- obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Bra-
sileira e Indígena”.
da a concessão de dilatação de tempo para a realização
de tais provas.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Con-
gresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
( ) CERTO ( ) ERRADO

72
Art. 1o O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro A Lei determina também a instituição do SINAPIR
de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial),
“Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino funda- ‘como forma de organização e de articulação voltadas à
mental e de ensino médio, públicos e privados, torna- implementação do conjunto de políticas e serviços des-
-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-bra- tinados a superar as desigualdades étnicas existentes no
sileira e indígena. País’ (art. 47)”3.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este ar- Abaixo, comentamos e grifamos os principais aspec-
tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura tos dos títulos I e II do Estatuto de Igualdade Racial:
que caracterizam a formação da população brasileira,
a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo TÍTULO I
da história da África e dos africanos, a luta dos negros DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e in-
dígena brasileira e o negro e o índio na formação da Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial,
sociedade nacional, resgatando as suas contribuições destinado a garantir à população negra a efetiva-
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à ção da igualdade de oportunidades, a defesa dos
história do Brasil. direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro- combate à discriminação e às demais formas de
-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão mi- intolerância étnica.
nistrados no âmbito de todo o currículo escolar, em Logo, o estatuto volta-se à população negra brasilei-
especial nas áreas de educação artística e de literatura ra, buscando garantir a igualdade material em rela-
e história brasileiras.” (NR) ção aos demais. Significa que este grupo vulnerável
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publi- socialmente receberá um tratamento próprio espe-
cação. cífico para que de fato, na prática, tenha os mesmos
direitos dos demais brasileiros.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, conside-
Brasília, 10 de março de 2008; 187o da Independên-
ra-se:
cia e 120o da República.
I - discriminação racial ou étnico-racial: toda dis-
tinção, exclusão, restrição ou preferência baseada
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
em raça, cor, descendência ou origem nacional ou
Fernando Haddad
étnica que tenha por objeto anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de
condições, de direitos humanos e liberdades funda-
BRASIL. LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE mentais nos campos político, econômico, social, cul-
2010. INSTITUI O ESTATUTO DA IGUALDADE tural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
RACIAL; ALTERA AS LEIS NOS 7.716, DE 5 privada;
DE JANEIRO DE 1989, 9.029, DE 13 DE ABRIL II - desigualdade racial: toda situação injustifica-
DE 1995, 7.347, DE 24 DE JULHO DE 1985, da de diferenciação de acesso e fruição de bens,
serviços e oportunidades, nas esferas pública e pri-
E 10.778, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2003.
vada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem
BRASÍLIA, DF, 2010.
nacional ou étnica;
III - desigualdade de gênero e raça: assimetria
existente no âmbito da sociedade que acentua a dis-
“O Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei nº tância social entre mulheres negras e os demais
12.888, de 20 de julho de 2010, visa ‘garantir à população segmentos sociais;
negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a de- IV - população negra: o conjunto de pessoas que se
fesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito
o combate à discriminação e às demais formas de into- cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro
lerância étnica’ (art. 1º), ou seja, coibir práticas de discri- de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam au-
minação racial e estabelecer políticas públicas para dimi- todefinição análoga;
nuir a desigualdade social existente entre os diferentes V - políticas públicas: as ações, iniciativas e pro-
grupos raciais no Brasil. A edição do Estatuto da Câmara gramas adotados pelo Estado no cumprimento de
dos Deputados traz também as legislações correlatas à suas atribuições institucionais;
Lei nº 12.888, como: a Convenção Internacional sobre a VI - ações afirmativas: os programas e medidas
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa pri-
a Lei Antirracismo nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989; a Lei vada para a correção das desigualdades raciais e
LEGISLAÇÃO FEDERAL

da Discriminação no Emprego nº 9.029, de 13 de abril de para a promoção da igualdade de oportunidades.


1995, entre outras. O parágrafo único do artigo 1º traz conceitos que
A Lei nº 12.888/10 é bem abrangente e trata dos di- serão utilizados para fins de aplicação desta lei. Vol-
reitos fundamentais para igualdade racial, dentre eles o tar atenção especial, porque podem cair nos testes
direito à saúde, à educação, cultura, esporte e lazer, li- das provas.
berdade de consciência, de crença e religiosa, acesso à
3 http://www.portalconscienciapolitica.com.br/pro-
moradia e trabalho.
ducts/estatuto-da-igualdade-racial/

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Art. 2º É dever do Estado e da sociedade garan- Art. 5º Para a consecução dos objetivos desta Lei, é
tir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a instituído o Sistema Nacional de Promoção da
todo cidadão brasileiro, independentemente da et- Igualdade Racial (Sinapir), conforme estabelecido no
nia ou da cor da pele, o direito à participação na Título III.
comunidade, especialmente nas atividades políticas,
econômicas, empresariais, educacionais, culturais e TÍTULO II
esportivas, defendendo sua dignidade e seus valores DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
religiosos e culturais. CAPÍTULO I
Promover a igualdade não é só responsabilidade do DO DIREITO À SAÚDE
Estado, mas da sociedade como um todo.
Art. 3º Além das normas constitucionais relativas Art. 6º O direito à saúde da população negra será ga-
aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias rantido pelo poder público mediante políticas uni-
fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e versais, sociais e econômicas destinadas à redu-
culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como ção do risco de doenças e de outros agravos.
diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas § 1º O acesso universal e igualitário ao Sistema Úni-
de desigualdade étnico-racial, a valorização da co de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recu-
igualdade étnica e o fortalecimento da identida- peração da saúde da população negra será de respon-
de nacional brasileira. sabilidade dos órgãos e instituições públicas federais,
São 3 as diretrizes político-jurídicas do estatuto, as estaduais, distritais e municipais, da administração
quais são complementadas pelas normas constitu- direta e indireta.
cionais. § 2º O poder público garantirá que o segmento da
Art. 4º A participação da população negra, em população negra vinculado aos seguros privados
condição de igualdade de oportunidade, na vida eco- de saúde seja tratado sem discriminação.
nômica, social, política e cultural do País será promo- Art. 7º O conjunto de ações de saúde voltadas à popu-
vida, prioritariamente, por meio de: lação negra constitui a Política Nacional de Saúde
I - inclusão nas políticas públicas de desenvolvi- Integral da População Negra, organizada de acordo
mento econômico e social; com as diretrizes abaixo especificadas:
II - adoção de medidas, programas e políticas de I - ampliação e fortalecimento da participação de li-
ação afirmativa; deranças dos movimentos sociais em defesa da saúde
III - modificação das estruturas institucionais do da população negra nas instâncias de participação e
Estado para o adequado enfrentamento e a supera- controle social do SUS;
ção das desigualdades étnicas decorrentes do precon- II - produção de conhecimento científico e tecnoló-
ceito e da discriminação étnica; gico em saúde da população negra;
IV - promoção de ajustes normativos para aperfei- III - desenvolvimento de processos de informação,
çoar o combate à discriminação étnica e às desigual- comunicação e educação para contribuir com a re-
dades étnicas em todas as suas manifestações indivi- dução das vulnerabilidades da população negra.
duais, institucionais e estruturais; Art. 8º Constituem objetivos da Política Nacional
V - eliminação dos obstáculos históricos, sociocul- de Saúde Integral da População Negra:
turais e institucionais que impedem a representa- I - a promoção da saúde integral da população ne-
ção da diversidade étnica nas esferas pública e pri- gra, priorizando a redução das desigualdades étnicas
vada; e o combate à discriminação nas instituições e serviços
VI - estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas do SUS;
oriundas da sociedade civil direcionadas à promo- II - a melhoria da qualidade dos sistemas de informa-
ção da igualdade de oportunidades e ao combate às ção do SUS no que tange à coleta, ao processamen-
desigualdades étnicas, inclusive mediante a imple- to e à análise dos dados desagregados por cor, etnia
mentação de incentivos e critérios de condicionamen- e gênero;
to e prioridade no acesso aos recursos públicos; III - o fomento à realização de estudos e pesquisas
VII - implementação de programas de ação afirma- sobre racismo e saúde da população negra;
tiva destinados ao enfrentamento das desigualdades IV - a inclusão do conteúdo da saúde da população
étnicas no tocante à educação, cultura, esporte negra nos processos de formação e educação per-
e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, manente dos trabalhadores da saúde;
meios de comunicação de massa, financiamentos V - a inclusão da temática saúde da população negra
públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros. nos processos de formação política das lideranças
Parágrafo único. Os programas de ação afirmativa de movimentos sociais para o exercício da participa-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a ção e controle social no SUS.


reparar as distorções e desigualdades sociais e Parágrafo único. Os moradores das comunidades de
demais práticas discriminatórias adotadas, nas esfe- remanescentes de quilombos serão beneficiários de
ras pública e privada, durante o processo de formação incentivos específicos para a garantia do direito à
social do País. saúde, incluindo melhorias nas condições ambientais,
O artigo 4º trata dos meios que serão utilizados para no saneamento básico, na segurança alimentar e nu-
a promoção da igualdade racial. tricional e na atenção integral à saúde.

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Com efeito, o capítulo 1 do título II trata de um viés Art. 12. Os órgãos federais, distritais e estaduais de
específico de promoção da igualdade da população fomento à pesquisa e à pós-graduação poderão criar
negra que é o direito à saúde. Isto envolve não só a incentivos a pesquisas e a programas de estudo
promoção de um acesso justo e igualitário ao SUS, voltados para temas referentes às relações étnicas, aos
mas também a busca de desenvolvimento de estu- quilombos e às questões pertinentes à população negra.
dos e pesquisas específicos, além da vedação de dis- Art. 13. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos
criminação nos setores privados (ex: seguradoras de competentes, incentivará as instituições de ensino su-
saúde). perior públicas e privadas, sem prejuízo da legislação
em vigor, a:
CAPÍTULO II I - resguardar os princípios da ética em pesquisa e
DO DIREITO À EDUCAÇÃO, À CULTURA, AO ESPOR- apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos di-
TE E AO LAZER versos programas de pós-graduação que desenvolvam
Seção I temáticas de interesse da população negra;
Disposições Gerais II - incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de
formação de professores temas que incluam valores
Art. 9º A população negra tem direito a participar concernentes à pluralidade étnica e cultural da socie-
de atividades educacionais, culturais, esportivas e dade brasileira;
de lazer adequadas a seus interesses e condições, de III - desenvolver programas de extensão universitá-
modo a contribuir para o patrimônio cultural de sua ria destinados a aproximar jovens negros de tecnologias
comunidade e da sociedade brasileira. avançadas, assegurado o princípio da proporcionalida-
Art. 10. Para o cumprimento do disposto no art. 9º, de de gênero entre os beneficiários;
os governos federal, estaduais, distrital e municipais IV - estabelecer programas de cooperação técnica,
adotarão as seguintes providências: nos estabelecimentos de ensino públicos, privados e co-
I - promoção de ações para viabilizar e ampliar munitários, com as escolas de educação infantil, ensino
o acesso da população negra ao ensino gratuito e às fundamental, ensino médio e ensino técnico, para a for-
atividades esportivas e de lazer; mação docente baseada em princípios de equidade,
de tolerância e de respeito às diferenças étnicas.
II - apoio à iniciativa de entidades que mantenham
Art. 14. O poder público estimulará e apoiará ações
espaço para promoção social e cultural da população
socioeducacionais realizadas por entidades do movi-
negra;
mento negro que desenvolvam atividades voltadas para
III - desenvolvimento de campanhas educativas,
a inclusão social, mediante cooperação técnica, inter-
inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos
câmbios, convênios e incentivos, entre outros mecanis-
membros da população negra faça parte da cultura
mos.
de toda a sociedade;
Art. 15. O poder público adotará programas de ação
IV - implementação de políticas públicas para o for-
afirmativa.
talecimento da juventude negra brasileira. Art. 16. O Poder Executivo federal, por meio dos órgãos
Nota-se que envolve não somente uma postura es- responsáveis pelas políticas de promoção da igual-
tatal ativa, mas também uma de apoio às atitudes da dade e de educação, acompanhará e avaliará os pro-
sociedade como um todo neste sentido. gramas de que trata esta Seção.
Logo, no âmbito da educação foca-se no estudo crítico
Seção II dos precedentes da cultura negra, reforçando a sua contri-
Da Educação buição social, bem como o apoio às iniciativas de pesquisa
voltadas a este grupo social.
Art. 11. Nos estabelecimentos de ensino fundamen-
tal e de ensino médio, públicos e privados, é obri- Seção III
gatório o estudo da história geral da África e da Da Cultura
história da população negra no Brasil, observado o
disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Art. 17. O poder público garantirá o reconhecimento
§ 1º Os conteúdos referentes à história da popula- das sociedades negras, clubes e outras formas de
ção negra no Brasil serão ministrados no âmbito de manifestação coletiva da população negra, com tra-
todo o currículo escolar, resgatando sua contribuição jetória histórica comprovada, como patrimônio histórico
decisiva para o desenvolvimento social, econômico, e cultural, nos termos dos arts. 215 e 216 da Constitui-
político e cultural do País. ção Federal.
§ 2º O órgão competente do Poder Executivo fomen- Art. 18. É assegurado aos remanescentes das comuni-
tará a formação inicial e continuada de professores dades dos quilombos o direito à preservação de seus
LEGISLAÇÃO FEDERAL

e a elaboração de material didático específico para usos, costumes, tradições e manifestos religiosos,
o cumprimento do disposto no caput deste artigo. sob a proteção do Estado.
§ 3º Nas datas comemorativas de caráter cívico, os Parágrafo único. A preservação dos documentos e dos
órgãos responsáveis pela educação incentivarão a sítios detentores de reminiscências históricas dos anti-
participação de intelectuais e representantes do mo- gos quilombos, tombados nos termos do § 5º do art. 216
vimento negro para debater com os estudantes suas da Constituição Federal, receberá especial atenção do
vivências relativas ao tema em comemoração. poder público.

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Art. 19. O poder público incentivará a celebração IV - a produção, a comercialização, a aquisição e
das personalidades e das datas comemorativas o uso de artigos e materiais religiosos adequados
relacionadas à trajetória do samba e de outras mani- aos costumes e às práticas fundadas na respectiva re-
festações culturais de matriz africana, bem como sua ligiosidade, ressalvadas as condutas vedadas por le-
comemoração nas instituições de ensino públicas e gislação específica;
privadas. V - a produção e a divulgação de publicações re-
Art. 20. O poder público garantirá o registro e a pro- lacionadas ao exercício e à difusão das religiões de
teção da capoeira, em todas as suas modalidades, matriz africana;
como bem de natureza imaterial e de formação da VI - a coleta de contribuições financeiras de pessoas
identidade cultural brasileira, nos termos do art. 216 naturais e jurídicas de natureza privada para a manu-
da Constituição Federal. tenção das atividades religiosas e sociais das respec-
Parágrafo único. O poder público buscará garantir, por tivas religiões;
meio dos atos normativos necessários, a preservação VII - o acesso aos órgãos e aos meios de comunica-
dos elementos formadores tradicionais da capoeira ção para divulgação das respectivas religiões;
nas suas relações internacionais. VIII - a comunicação ao Ministério Público para aber-
Aspectos ligados à cultura negra, como a capoeira tura de ação penal em face de atitudes e práticas
e os costumes em geral praticados nos quilombos, de intolerância religiosa nos meios de comunicação
devem ser preservados, cabendo ainda a instituição e em quaisquer outros locais.
de datas comemorativas específicas em homenagem Art. 25. É assegurada a assistência religiosa aos
à cultura negra. praticantes de religiões de matrizes africanas in-
ternados em hospitais ou em outras instituições de
Seção IV internação coletiva, inclusive àqueles submetidos a
Do Esporte e Lazer pena privativa de liberdade.
Art. 26. O poder público adotará as medidas neces-
Art. 21. O poder público fomentará o pleno acesso da sárias para o combate à intolerância com as reli-
população negra às práticas desportivas, consoli- giões de matrizes africanas e à discriminação de
dando o esporte e o lazer como direitos sociais. seus seguidores, especialmente com o objetivo de:
Art. 22. A capoeira é reconhecida como desporto de I - coibir a utilização dos meios de comunicação social
criação nacional, nos termos do art. 217 da Constitui- para a difusão de proposições, imagens ou aborda-
ção Federal. gens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao
§ 1º A atividade de capoeirista será reconhecida em desprezo por motivos fundados na religiosidade de
todas as modalidades em que a capoeira se manifes- matrizes africanas;
ta, seja como esporte, luta, dança ou música, sendo II - inventariar, restaurar e proteger os documentos,
livre o exercício em todo o território nacional. obras e outros bens de valor artístico e cultural, os
§ 2º É facultado o ensino da capoeira nas instituições monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos
públicas e privadas pelos capoeiristas e mestres tra- vinculados às religiões de matrizes africanas;
dicionais, pública e formalmente reconhecidos. III - assegurar a participação proporcional de repre-
Em destaque, a capoeira não é vista apenas como sentantes das religiões de matrizes africanas, ao lado
manifestação cultural, mas também como esporte. da representação das demais religiões, em comissões,
conselhos, órgãos e outras instâncias de deliberação
CAPÍTULO III vinculadas ao poder público.
DO DIREITO À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE
CRENÇA E AO LIVRE EXERCÍCIO DOS CULTOS RELI- As religiões africanas devem ser respeitadas assim
GIOSOS como as demais, possuindo espaço próprio para a mani-
festação da crença religiosa individualmente ou em gru-
Art. 23. É inviolável a liberdade de consciência e de po, coibindo-se a discriminação. Isto não significa tolerar
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos práticas contrárias à lei, que deverão ser coibidas.
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias. CAPÍTULO IV
Art. 24. O direito à liberdade de consciência e de cren- DO ACESSO À TERRA E À MORADIA ADEQUADA
ça e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz Seção I
africana compreende: Do Acesso à Terra
I - a prática de cultos, a celebração de reuniões re-
lacionadas à religiosidade e a fundação e manuten- Art. 27. O poder público elaborará e implementará
LEGISLAÇÃO FEDERAL

ção, por iniciativa privada, de lugares reservados políticas públicas capazes de promover o acesso
para tais fins; da população negra à terra e às atividades produ-
II - a celebração de festividades e cerimônias de tivas no campo.
acordo com preceitos das respectivas religiões; Art. 28. Para incentivar o desenvolvimento das ati-
III - a fundação e a manutenção, por iniciativa pri- vidades produtivas da população negra no campo,
vada, de instituições beneficentes ligadas às res- o poder público promoverá ações para viabilizar e
pectivas convicções religiosas; ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

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Art. 29. Serão assegurados à população negra a assis- Art. 37. Os agentes financeiros, públicos ou privados,
tência técnica rural, a simplificação do acesso ao promoverão ações para viabilizar o acesso da po-
crédito agrícola e o fortalecimento da infraestru- pulação negra aos financiamentos habitacionais.
tura de logística para a comercialização da produção. Ao lado do direito de acesso à terra é garantido o
Art. 30. O poder público promoverá a educação e a direito à moradia, o que envolve, notadamente, o di-
orientação profissional agrícola para os trabalha- reito de acesso a verbas de financiamento e de assis-
dores negros e as comunidades negras rurais. tência técnica e jurídica para a compra, construção e
Art. 31. Aos remanescentes das comunidades dos qui- reforma de moradia.
lombos que estejam ocupando suas terras é reconhe-
cida a propriedade definitiva, devendo o Estado CAPÍTULO V
emitir-lhes os títulos respectivos. DO TRABALHO
Art. 32. O Poder Executivo federal elaborará e desen-
volverá políticas públicas especiais voltadas para o de- Art. 38. A implementação de políticas voltadas para
senvolvimento sustentável dos remanescentes das co- a inclusão da população negra no mercado de
munidades dos quilombos, respeitando as tradições trabalho será de responsabilidade do poder público,
de proteção ambiental das comunidades. observando-se:
Art. 33. Para fins de política agrícola, os remanescen- I - o instituído neste Estatuto;
tes das comunidades dos quilombos receberão dos II - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar
órgãos competentes tratamento especial diferen- a Convenção Internacional sobre a Eliminação de
ciado, assistência técnica e linhas especiais de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;
financiamento público, destinados à realização de III - os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratifi-
suas atividades produtivas e de infraestrutura. car a Convenção nº 111, de 1958, da Organização
Art. 34. Os remanescentes das comunidades dos qui- Internacional do Trabalho (OIT), que trata da discri-
lombos se beneficiarão de todas as iniciativas previs- minação no emprego e na profissão;
tas nesta e em outras leis para a promoção da igual- IV - os demais compromissos formalmente assu-
dade étnica. midos pelo Brasil perante a comunidade internacio-
Garante-se, assim, à população negra o acesso à ati- nal.
vidade agrícola. Em especial, tal garantia volta-se à Art. 39. O poder público promoverá ações que as-
população remanescente dos quilombos. segurem a igualdade de oportunidades no mer-
cado de trabalho para a população negra, inclusi-
Seção II ve mediante a implementação de medidas visando
Da Moradia à promoção da igualdade nas contratações do setor
público e o incentivo à adoção de medidas similares
Art. 35. O poder público garantirá a implementação nas empresas e organizações privadas.
de políticas públicas para assegurar o direito à § 1º A igualdade de oportunidades será lograda me-
moradia adequada da população negra que vive em diante a adoção de políticas e programas de forma-
favelas, cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degra- ção profissional, de emprego e de geração de ren-
dadas ou em processo de degradação, a fim de reinte- da voltados para a população negra.
grá-las à dinâmica urbana e promover melhorias no § 2º As ações visando a promover a igualdade de
ambiente e na qualidade de vida. oportunidades na esfera da administração pública
Parágrafo único. O direito à moradia adequada, para far-se-ão por meio de normas estabelecidas ou a
os efeitos desta Lei, inclui não apenas o provimento serem estabelecidas em legislação específica e em
habitacional, mas também a garantia da infraestru- seus regulamentos.
tura urbana e dos equipamentos comunitários as- § 3º O poder público estimulará, por meio de incen-
sociados à função habitacional, bem como a assistên- tivos, a adoção de iguais medidas pelo setor pri-
cia técnica e jurídica para a construção, a reforma vado.
ou a regularização fundiária da habitação em área § 4º As ações de que trata o caput deste artigo asse-
urbana. gurarão o princípio da proporcionalidade de gêne-
Art. 36. Os programas, projetos e outras ações go- ro entre os beneficiários.
vernamentais realizadas no âmbito do Sistema Na- § 5º Será assegurado o acesso ao crédito para a
cional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), pequena produção, nos meios rural e urbano, com
regulado pela Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, ações afirmativas para mulheres negras.
devem considerar as peculiaridades sociais, econômi- § 6º O poder público promoverá campanhas de sen-
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cas e culturais da população negra. sibilização contra a marginalização da mulher


Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os negra no trabalho artístico e cultural.
Municípios estimularão e facilitarão a participação de § 7º O poder público promoverá ações com o obje-
organizações e movimentos representativos da popu- tivo de elevar a escolaridade e a qualificação pro-
lação negra na composição dos conselhos constituídos fissional nos setores da economia que contem com
para fins de aplicação do Fundo Nacional de Habi- alto índice de ocupação por trabalhadores negros de
tação de Interesse Social (FNHIS). baixa escolarização.

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Art. 40. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) formulará políticas, programas
e projetos voltados para a inclusão da população negra no mercado de trabalho e orientará a destinação de recursos
para seu financiamento.
Art. 41. As ações de emprego e renda, promovidas por meio de financiamento para constituição e ampliação de
pequenas e médias empresas e de programas de geração de renda, contemplarão o estímulo à promoção de em-
presários negros.
Parágrafo único. O poder público estimulará as atividades voltadas ao turismo étnico com enfoque nos locais, monu-
mentos e cidades que retratem a cultura, os usos e os costumes da população negra.
Art. 42. O Poder Executivo federal poderá implementar critérios para provimento de cargos em comissão e fun-
ções de confiança destinados a ampliar a participação de negros, buscando reproduzir a estrutura da distribuição
étnica nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os dados demográficos oficiais.
Cabe ao poder público garantir à população negra o acesso igualitário ao emprego, o que envolve também o di-
reito à qualificação para ocupar tais cargos, bem como o incentivo ao negócio próprio.

CAPÍTULO VI
DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Art. 43. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da
população negra na história do País.
Art. 44. Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cine-
matográficas, deverá ser adotada a prática de conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e
técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política, ideológica, étnica ou artística.
Parágrafo único. A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas que abordem especificidades de
grupos étnicos determinados.
Art. 45. Aplica-se à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas
cinematográficas o disposto no art. 44.

Art. 46. Os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, as empresas públi-
cas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos
contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
§ 1º Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão, nas especificações para contratação de serviços de
consultoria, conceituação, produção e realização de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da
prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
§ 2º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas
com a finalidade de garantir a diversidade étnica, de sexo e de idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço
contratado.
§ 3º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de
emprego, requerer auditoria por órgão do poder público federal.
§ 4º A exigência disposta no caput não se aplica às produções publicitárias quando abordarem especificidades de
grupos étnicos determinados.
Nos meios de comunicação vinculados à imprensa é preciso garantir espaço aos atores negros, tanto nas atividades
artísticas em si quanto na publicidade. Veda-se a discriminação, mas não é tida como discriminação a realização de
obra artística que mostre o contexto de discriminação racial (ex: novela que se passe nos tempos da escravidão).

O inteiro teor da Lei nº 12.288/2010, incluindo a regulamentação do SINAPIR e as disposições finais da lei, podem
ser acessados em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm
LEGISLAÇÃO FEDERAL

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#FicaDica
O Estatuto da Igualdade Racial tem como seus principais aspectos:
- Saúde: serão elaboradas políticas universais, sociais e econômicas destinadas à redução do risco de do-
enças;
- Educação: o estudo da história africana e da população negra no Brasil é obrigatório em estabelecimen-
tos de ensino fundamental e médio, públicos e privados;
- Cultura: serão reconhecidos como patrimônio histórico e cultural os clubes, as sociedades negras e outras
formas de manifestação coletiva, com trajetória histórica comprovada;
- Capoeira: a capoeira será reconhecida, em todas as suas modalidades, como bem de natureza imaterial e
de formação da identidade cultural;
- Liberdade religiosa: o estatuto garantirá o livre exercício de cultos religiosos e a proteção aos locais de
manifestação de matrizes africanas. Será assegurada ainda assistência religiosa para os que cumprem me-
dida privativa de liberdade;
- Trabalho: será garantida a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra,
com medidas que incentivem a igualdade nas contratações do setor público e de empresas e organizações
privadas;
- Comunicação: a participação de atores, figurantes e técnicos negros será incentivada em filmes e progra-
mas de TV, sendo proibida qualquer discriminação política, ideológica, étnica ou artística.

EXERCÍCIO COMENTADO
1. (EMBASA - Analista de Saneamento - Enfermeiro do Trabalho - IBFC/2015) Assinale a alternativa correta consi-
derando as disposições da lei federal n° 12.288, de 20/07/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial.

a) É assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais ou em
outras instituições de internação coletiva, excluídos os casos de pena privativa de liberdade.
b) Os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados por meio de componente curri-
cular específico, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico, político e cultural
do País.
c) É facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas formados em educação física.
d) Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas da população negra no campo, o poder público promo-
verá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financiamento agrícola.

Resposta: “D”. Corresponde ao teor do artigo 28 da lei: “Para incentivar o desenvolvimento das atividades produtivas
da população negra no campo, o poder público promoverá ações para viabilizar e ampliar o seu acesso ao financia-
mento agrícola”.
A. Incorreta porque “é assegurada a assistência religiosa aos praticantes de religiões de matrizes africanas internados
em hospitais ou em outras instituições de internação coletiva, INCLUSIVE àqueles submetidos a pena privativa de
liberdade” (art. 25).
B. Incorreta porque “os conteúdos referentes à história da população negra no Brasil serão ministrados NO ÂMBITO
DE TODO O CURRÍCULO ESCOLAR, resgatando sua contribuição decisiva para o desenvolvimento social, econômico,
político e cultural do País” (art. 11, § 1º).
C. Incorreta porque “é facultado o ensino da capoeira nas instituições públicas e privadas pelos capoeiristas E MES-
TRES TRADICIONAIS, PÚBLICA E FORMALMENTE RECONHECIDOS” (art. 21, §2º).
LEGISLAÇÃO FEDERAL

79
d) escola, conforme o disposto no seu regimento, e exi-
gida a frequência mínima de oitenta e cinco por cento
HORA DE PRATICAR! do total de horas letivas para aprovação.
e)secretaria de educação básica do MEC, conforme o
1. CESPE/2017) Com relação aos deveres do Estado para disposto em regimento federal, e exigida a frequência
com a educação, de acordo com as disposições da Cons- mínima de oitenta e cinco por cento do total de horas
tituição Federal de 1988 (CF), julgue os próximos itens. letivas para aprovação.
O atendimento educacional especializado a portadores
de deficiência, será realizado, preferencialmente, na rede 5. (FUNRIO – 2016) Segundo a Lei de Diretrizes e Bases
regular de ensino. da Educação Nacional 9.394 de 1996, em seu artigo 4º,
inciso I, a educação básica, obrigatória e gratuita, com-
( ) CERTO ( ) ERRADO preende as faixas etárias dos

2. (CESPE/2017) Com relação aos deveres do Estado a) quatro aos onze anos de idade.
para com a educação, de acordo com as disposições da b) cinco aos dezesseis anos de idade.
Constituição Federal de 1988 (CF), julgue os próximos c) quatro aos dezessete anos de idade.
itens. d) seis aos quatorze anos de idade.
O atendimento gratuito na educação infantil deve ser ga- e cinco aos quinze anos de idade.
rantido a todas as crianças de zero a cinco anos de idade.
6. (FUNRIO – 2016) O artigo 58 da Lei de Diretrizes e
( ) CERTO ( ) ERRADO Bases da Educação Nacional 9394, de1996, trata da edu-
cação especial como modalidade de educação escolar
3. (FCC/2016) Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB oferecida preferencialmente na rede regular de ensino,
nº 9394/96), a educação, dever da família e do Estado, para educandos com deficiência, transtornos globais do
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de so- desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, e
lidariedade humana, tem por finalidade define que

I. o pleno desenvolvimento do educando; seu preparo a) haverá, quando necessário, serviços de apoio espe-
cializado para atender às peculiaridades da clientela
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
e que o atendimento educacional será feito em clas-
trabalho.
ses, escolas ou serviços especializados, sempre que,
II. o desenvolvimento integral das habilidades do edu-
em função das condições específicas dos alunos, não
cando: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a
for possível a sua integração nas classes comuns de
viver e aprender a ser.
ensino regular.
III. o desenvolvimento intelectual do educando e a matu-
b) haverá sempre serviços de especialistas nas escolas
ração gradativa de suas etapas emocionais.
para atendimento da clientela e que o atendimento
será sempre oferecido nas classes comuns das escolas
Está correto o que se afirma APENAS em de ensino regular e especializado, em função da obri-
gatoriedade da lei.
a) III. c) são desnecessários os serviços de apoio especializa-
b) I e II. do nas escolas, mas fora dela os alunos deverão fre-
c) I quentar as classes formadas unicamente para melhor
d) II e III. atendê-los em suas necessidades educativas especiais.
e) I, II e III. d) estarão disponíveis, sempre que for necessário, espe-
cialistas adequados ao atendimento das necessidades
4. (FUNRIO – 2016) Segundo o artigo 24 da Lei de Di- educativas especiais e que as classes mistas serão or-
retrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996, em ganizadas em turnos distintos para melhor acompa-
seu inciso VI, o controle de frequência dos alunos ficará nhamento dos casos.
a cargo da e) haverá atendimento prioritário aos alunos com neces-
sidades educativas especiais por especialistas a serem
a) secretaria de ensino municipal, conforme o disposto contratados pelas escolas e que as classes serão orga-
no seu regimento, e exigida a frequência mínima de nizadas segundo os tipos de transtornos ou deficiên-
setenta e cinco por cento do total de horas letivas para cias os superdotação.
aprovação.
b) secretaria de ensino estadual, conforme o disposto no 7. (VUNESP/2016) A organização do sistema educacio-
LEGISLAÇÃO FEDERAL

seu regulamento, e exigida a frequência mínima de se- nal pode ser considerada em três grandes instâncias: o
tenta e cinco por cento do total de horas letivas para sistema de ensino como tal, as escolas e as salas de aula.
aprovação. As escolas situam-se entre as políticas educacionais, as
c) escola, conforme o disposto no seu regimento e nas diretrizes, as formas organizativas do sistema e as ações
normas do respectivo sistema de ensino, exigida a fre- pedagógico-didáticas na sala de aula.
quência mínima de setenta e cinco por cento do total Nesse sentido, é correto afirmar que a autonomia da es-
de horas letivas para aprovação. cola pública:

80
a) é a possibilidade e a capacidade de a escola elaborar 11) De acordo com o que estabelece a Constituição Federal
e implementar um projeto políticopedagógico que seja acerca dos Direitos e Garantias Fundamentais,
relevante à comunidade e à sociedade a que serve.
b) é o diretor ter a liberdade para organizar e conduzir a a) a prática de racismo constitui crime inafiançável e im-
escola da forma como achar conveniente. prescritível, sujeito à pena de detenção, nos termos da
c) não existe, uma vez que ela sempre deve prestar contas lei.
de suas ações a uma instância superior. b) as associações somente poderão ser compulsoriamente
d) é definida pela ausência de uma relação de influência dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão
mútua entre a sociedade, o sistema de ensino, a insti- judicial transitada em julgado.
tuição escolar e os sujeitos. c) no caso de iminente perigo público, a autoridade compe-
tente poderá usar de propriedade particular, assegurada
8) Nos termos da Constituição Federal, invalidada por ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
sentença judicial a demissão do servidor estável: d) é assegurada, nos termos da lei, a proteção às participa-
ções individuais em obras coletivas e à reprodução da
a) ele não será reintegrado e deverá aguardar decisão sobre imagem e voz humanas, exceto nas atividades despor-
as providências que serão adotadas em relação ao even- tivas.
tual ocupante da vaga, o qual necessitará ser dispensado e) são gratuitas as ações de habeas corpus, habeas data e
após a conclusão do devido processo administrativo, as- mandado de segurança, bem como, na forma da lei, os
segurando-se a ampla defesa e o contraditório. atos necessários ao exercício da cidadania.
b) ele não será reintegrado e deverá aguardar decisão
sobre as providências que serão adotadas em relação
ao eventual ocupante da vaga, o qual necessitará ser 12) (Câmara Legislativa do Distrito Federal - Consultor
exonerado, dispensando-se a instauração de processo Legislativo - Direitos Humanos, Minorias, Cidadania e
administrativo. Sociedade - FCC/2018) O Decreto n° 6.949/2009, que pro-
c) será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se mulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das
estável, reconduzido ao cargo de origem com direito Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, prevê,
à indenização, aproveitado em outro cargo ou posto dentre as medidas de conscientização sobre as condições
em disponibilidade com remuneração proporcional ao das pessoas com deficiência e respeito por seus direitos e
tempo de serviço. dignidade:
d) será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se
estável, reconduzido ao cargo de origem sem direito A. assegurar que as entidades privadas que oferecem ins-
à indenização, aproveitado em outro cargo ou posto talações e serviços abertos ao público ou de uso públi-
em disponibilidade com remuneração proporcional ao co levem em consideração todos os aspectos relativos à
tempo de serviço. acessibilidade para pessoas com deficiência.
e) será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se B. fomentar em todos os níveis do sistema educacional, in-
estável, não poderá ser reconduzido ao cargo de ori- cluindo neles todas as crianças desde tenra idade, uma
gem, devendo permanecer em situação de disponibili- atitude de respeito para com os direitos das pessoas com
dade até o surgimento de novo cargo, assegurando-se deficiência.
o direito à indenização. C. promover outras formas apropriadas de assistência e
apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a
9- Assinale a alternativa que, nos termos da Constituição essas pessoas o acesso a informações.
Federal, apresenta apenas crimes inafiançáveis e impres- D. assegurar o efetivo acesso das pessoas com deficiência à
critíveis. justiça, em igualdade de condições com as demais pes-
soas.
a) Ação de grupos armados, civis ou militares, contra a E. proibir a privação ilegal ou arbitrária da liberdade de pes-
ordem constitucional e o Estado Democrático; tortura. soas com deficiência e que toda privação de liberdade
b) Hediondos; racismo. esteja em conformidade com a lei e a existência da defi-
c) Terrorismo; tráfico ilícito de entorpecentes e drogas ciência não justifique tal privação.
afins.
d) Tortura; tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. 13) (DPE-AM - Analista Jurídico de Defensoria - Ciências
e) Racismo; ação de grupos armados, civis ou militares, Jurídicas - FCC/2018) O Brasil, tendo ratificado a Conven-
contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. ção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Proto-
colo Facultativo, comprometeu-se a assegurar e promover
10- A prática do racismo é uma conduta que é severa- o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades
mente combatida pelas normas de direitos humanos in- fundamentais das pessoas com deficiência, o que englobou:
ternacionais. No Estado brasileiro, a Constituição Federal
LEGISLAÇÃO FEDERAL

estabelece, quanto a essa matéria, que o racismo é crime: A. tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a dis-
criminação baseada em deficiência, por parte de qual-
a) inafiançável e imprescritível. quer pessoa, organização ou empresa, desde que não
b) hediondo. privada.
c) insuscetível de graça ou anistia. B. adotar medidas necessárias para revogar leis que pos-
d) que deve ser punido com a pena de detenção. sam constituir discriminação contra a pessoa com de-
e) que prescreve em 10 (dez) anos. ficiência.

81
C. reconhecer que o fator limitador da pessoa com defi- 17) (SPGG - RS - Analista de Planejamento, Orçamen-
ciência é sua própria deficiência e não o ambiente em to e Gestão - FUNDATEC - 2018) De acordo com a Lei
que a pessoa está inserida. nº 12.288/2010 (Estatuto da Igualdade Racial), “toda si-
D. proteger a pessoa com deficiência por meio da inter- tuação injustificada de diferenciação de acesso e fruição
dição civil. de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e
E. assegurar que todos os programas e instalações des- privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem
tinados a atender pessoas com deficiência sejam mo- nacional ou étnica” corresponde ao conceito de:
nitorados por autoridades locais, ligados ao poder
central executivo do Estado. a) discriminação racial.
b) desigualdade racial.
14) (CESPE/2018 - EBSERH - Assistente Social) Com c) desigualdade de gênero.
base na Lei nº 13.146/2015, que trata da inclusão da d) discriminação social.
pessoa com deficiência, julgue o item a seguir. e) desigualdade social.
É considerada com deficiência a pessoa que tem impe-
18) (TCE-PA - Auditor de Controle Externo - Área
dimento de longo prazo de natureza física, mental, inte-
Administrativa - Serviço Social - CESPE/2016) Julgue
lectual e(ou) sensorial.
o item subsecutivo, acerca do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
( ) CERTO ( ) ERRADO
De acordo com o ECA, é considerada criança a pessoa
com até doze anos de idade incompletos.
15) (CESPE/2018 - EBSERH - Assistente Social) Com
base na Lei nº 13.146/2015, que trata da inclusão da ( ) CERTO ( ) ERRADO
pessoa com deficiência, julgue o item a seguir.
Ainda que não tenha o propósito ou o efeito de prejudi- 19) (DPU - Assistente Social - CESPE/2016) Segundo
car, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício as normas contidas na legislação social voltada para os
dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa direitos sociais e proteção de crianças e adolescentes,
com deficiência, toda forma de distinção, restrição ou julgue o seguinte item.
exclusão da pessoa com deficiência — seja por ação, Para o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,
seja por omissão — será legalmente considerada como é prioritária a aplicação de medidas privativas ou restritivas
discriminação em razão da deficiência. de liberdade em estabelecimento educacional, de modo
a garantir a inclusão social dos egressos do sistema
16) (AGU - Administrador - IDECAN - 2019) A respei- socioeducativo.
to do Estatuto da Igualdade Racial, assinale a afirmativa
incorreta: ( ) CERTO ( ) ERRADO

a) as entidades da Administração Pública Federal, exce- 20) (TJ-DFT - Analista Judiciário - Judiciária -
to as empresas públicas e sociedades de economia CESPE/2015) Julgue o próximo item, de acordo com
mista, deverão incluir cláusulas de participação de ar- o disposto no Código de Defesa do Consumidor e no
tistas negros nos contratos de realização de filmes, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
programas ou quaisquer outras peças de caráter pu- De acordo com o ECA, o conselho tutelar pode
blicitário. aplicar, conforme a gravidade do caso, medida de
b) o poder público promoverá campanhas de sensibi- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico
aos pais que apliquem castigo físico ou tratamento cruel
lização contra a marginalização da mulher negra no
ou degradante como formas de disciplina ou correção do
trabalho artístico e cultural.
comportamento de criança ou adolescente.
c) a produção veiculada pelos órgãos de comunicação
valorizará a herança cultural e a participação da po- ( ) CERTO ( ) ERRADO
pulação negra na história do País.
d) na produção de filmes e programas destinados à vei- 21) (DPE-PE - Defensor Público - CESPE/2015) No item
culação pelas emissoras de televisão e em salas cine- abaixo, é apresentada uma situação hipotética, seguida
matográficas, deverá ser adotada a prática de conferir de uma assertiva a ser julgada conforme as normas do
oportunidades de emprego para atores, figurantes e ECA e o entendimento do STJ.
técnicos negros, sendo vedada toda e qualquer dis- Alberto, adolescente condenado a cumprir medida
criminação de natureza política, ideológica, étnica ou socioeducativa de internação, diante da inexistência de
artística. estabelecimento apropriado na cidade de residência de
e) o poder público garantirá a implementação de po- seus pais, foi custodiado em unidade distante, em razão
LEGISLAÇÃO FEDERAL

líticas públicas para assegurar o direito à moradia da superlotação da unidade mais próxima. Nessa situação,
adequada da população negra que vive em favelas, houve violação ao direito absoluto do adolescente
cortiços, áreas urbanas subutilizadas, degradadas ou previsto no ECA: Alberto deveria ter sido enviado para
em processo de degradação, a fim de reintegrá-las à a localidade mais próxima do domicílio dos seus pais,
dinâmica urbana e promover melhorias no ambiente mesmo que a unidade de custódia estivesse superlotada.
e na qualidade de vida.
( ) CERTO ( ) ERRADO

82
22) (DPE-PE - Defensor Público - CESPE/2015) No item
abaixo, é apresentada uma situação hipotética, seguida
de uma assertiva a ser julgada conforme as normas do GABARITO
ECA e o entendimento do STJ.
Marcelino, maior imputável, fotografou sua sobrinha, 1 Certo
de treze anos de idade, enquanto ela tomava banho.
As fotos mostravam as partes íntimas da adolescente e 2 Certo
algumas imagens mostravam apenas os órgãos genitais 3 C
da garota. Apurou-se que Marcelino jamais praticou
qualquer ato libidinoso com a sobrinha nem divulgou o 4 C
material fotográfico obtido e que ele utilizava as fotos 5 C
apenas para satisfazer a própria lascívia. Nessa situação, 6 A
Marcelino responderá por crime previsto no ECA,
uma vez que registrou cena pornográfica envolvendo 7 A
adolescente. 8 D
( ) CERTO ( ) ERRADO 9 E
10 A
11 C
12 B
13 B
14 CERTO
15 ERRADO

16 A

17 B
18 CERTO
19 ERRADO
20 ERRADO
21 ERRADO
22 CERTO

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ANOTAÇÕES

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ANOTAÇÕES

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ÍNDICE

LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

SÃO PAULO (Município). Lei Orgânica do Município de São Paulo. Título VI, Capítulo 1, artigos 200 a 211. São Paulo,
1990............................................................................................................................................................................................................................. 01
SÃO PAULO (Município). Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979. Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de São
Paulo. São Paulo, 1979........................................................................................................................................................................................... 04
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 2, de 06 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre os registros na Educação
Infantil. São Paulo, 2019.......................................................................................................................................................................................... 10
SÃO PAULO (Município). Retificação - Instrução Normativa SME nº 26, de 11 de dezembro de 2018. Altera a Instrução
Normativa SME nº 26/2018, que dispõe sobre a organização dos Projetos de salas de leitura, espaços de leitura, núcleos
de leitura, de laboratórios de informática educativa. São Paulo, 2018..................................................................................................... 40
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 22, de 11 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a organização das
unidades de educação infantil, de ensino fundamental, de ensino fundamental e médio e dos centros educacionais
unificados da rede municipal de ensino para o ano de 2019. São Paulo, 2018.................................................................................... 26
SÃO PAULO (Município). Instrução Normativa SME nº 25, de 11 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a organização do
Projeto de Apoio Pedagógico Complementar – Recuperação bem como sobre a indicação de docentes para exercerem as
funções de professor de apoio pedagógico – PAP e Professor Orientador. São Paulo, 2018............................................................ 28
SÃO PAULO (Município). Orientação Normativa SME nº 01, 06 de fevereiro de 2019. Dispõe sobre os registros na Educação
Infantil. São Paulo, 2019.......................................................................................................................................................................................... 34
SÃO PAULO (Município). Republicação - Instrução Normativa SME nº 13, de 11 de setembro de 2018. Reorienta o Programa
“São Paulo Integral” nas EMEIs, EMEFs, EMEFMs, EMEBS e nos CEUs da RME. São Paulo, 2018..................................................... 34
SÃO PAULO (Município). Retificação - Instrução Normativa SME nº 13, de 11 de setembro de 2018. Reorienta o Programa
“São Paulo Integral” nas EMEIs, EMEFs, EMEFMs, EMEBS e nos CEUs da RME. São Paulo, 2018..................................................... 34
SÃO PAULO (Município). Decreto nº 57.379, de 13 de outubro de 2016. Institui no âmbito da Secretaria Municipal de
Educação, a Política Paulistana de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva. São Paulo, 2016........................... 36
SÃO PAULO (Município). Portaria nº 8.764, de 23 de dezembro de 2016. Regulamenta o Decreto nº 57.379/2016 que
Institui no Sistema Municipal de Ensino a Política Paulistana de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva.
São Paulo, 2016......................................................................................................................................................................................................... 36
SÃO PAULO (Município). Decreto nº 58.526, de 23 de novembro de 2018. Institui o Plano Municipal de Promoção da
Igualdade Racial – PLAMPIR. São Paulo, 2018................................................................................................................................................ 38
- “valorização dos profissionais da educação escolar,
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). LEI ORGÂNICA garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com
DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. TÍTULO ingresso exclusivamente por concurso público de
VI, CAPÍTULO 1, ARTIGOS 200 A 211. SÃO provas e títulos, aos das redes públicas”, bem como
PAULO, 1990. “piso salarial profissional nacional para os profis-
sionais da educação escolar pública, nos termos
de lei federal”, pois sem a valorização dos profis-
A Lei Orgânica do Município de São Paulo volta aten- sionais responsáveis pelo ensino será inatingível
ção especial à educação como uma atividade social do o seu aperfeiçoamento. Além disso, “a lei disporá
Município, seguindo diretrizes da Constituição Federal e sobre as categorias de trabalhadores considerados
da Constituição estadual paulista. profissionais da educação básica e sobre a fixação
O artigo 6º da Constituição Federal menciona o direi- de prazo para a elaboração ou adequação de seus
to à educação como um de seus direitos sociais. A edu- planos de carreira, no âmbito da União, dos Esta-
cação proporciona o pleno desenvolvimento da pessoa, dos, do Distrito Federal e dos Municípios” (artigo
não apenas capacitando-a para o trabalho, mas também 206, parágrafo único, CF);
para a vida social como um todo. Contudo, a educação - “gestão democrática do ensino público, na forma da
tem um custo para o Estado, já que nem todos podem lei”, remetendo ao direito de participação popular
arcar com o custeio de ensino privado. na tomada de decisões políticas referentes às ativi-
Neste sentido, o artigo 205, CF, prevê: dades de ensino; e
- “garantia de padrão de qualidade”, posto que sem
Art. 205, CF. A educação, direito de todos e dever do qualidade de ensino é impossível atingir uma me-
Estado e da família, será promovida e incentivada com lhoria na qualificação pessoal e profissional dos
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desen- nacionais.
volvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. O ensino universitário encontra respaldo no artigo
207 da Constituição, tendo autonomia didático-científi-
Resta claro que a educação não é um dever exclusivo ca, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
do Estado, mas da sociedade como um todo e, principal- sendo baseado na tríade ensino-pesquisa-extensão, dis-
mente, da família. Depreende-se que educação vai além ciplina que se estende a instituições de pesquisa cientí-
do mero aprendizado de conteúdos e envolve a educa- fica e tecnológica. Com vistas ao aperfeiçoamento desta
ção para a cidadania e o comportamento ético em so- tríade, autoriza-se a contratação de profissionais estran-
ciedade – a educação da qual o constituinte fala não é geiros.
apenas a formal, mas também a informal. Enquanto que os artigos 205 e 206 da Constituição
Por seu turno, o artigo 206 da Constituição estabelece possuem uma menor densidade normativa, colacionan-
os princípios que devem guiar o ensino: do princípios diretores e ideias basilares, o artigo 208
- “igualdade de condições para o acesso e permanên- volta-se à regulamentação do modo pelo qual o Estado
cia na escola”, que significa a compreensão de que efetivará o direito à educação:
a educação é um direito de todos e não apenas
dos mais favorecidos, cabendo ao Estado investir Art. 208, CF. [...]
para que os menos favorecidos ingressem e per- I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua-
maneçam na escola; tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada in-
- “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divul- clusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não
gar o pensamento, a arte e o saber”, de forma tiveram acesso na idade própria;
que o ensino tem um caráter ativo e passivo, indo II - progressiva universalização do ensino médio gra-
além da compreensão de conteúdos dogmático se tuito;
abrangendo também os processos criativos; III - atendimento educacional especializado aos por-
- “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, tadores de deficiência, preferencialmente na rede re-
e coexistência de instituições públicas e privadas gular de ensino;
de ensino”, de modo que não se entende haver um IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às
único método de ensino, uma única maneira de crianças até 5 (cinco) anos de idade;
aprender, permitindo a exploração das atividades V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pes-
educacionais também por instituições privadas. quisa e da criação artística, segundo a capacidade de
A respeito das instituições privadas, o artigo 209,
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

cada um;
CF prevê que “o ensino é livre à iniciativa privada, VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
atendidas as seguintes condições: I - cumprimento condições do educando;
das normas gerais da educação nacional; II - au- VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da
torização e avaliação de qualidade pelo Poder Pú- educação básica, por meio de programas suplementa-
blico”; res de material didático-escolar, transporte, alimenta-
- “gratuidade do ensino público em estabelecimentos ção e assistência à saúde.
oficiais”, sendo esta a principal vertente de imple- § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
mentação do direito à educação pelo Estado; público subjetivo.

1
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa respon- União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
sabilidade da autoridade competente. definirão formas de colaboração, de modo a assegurar
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educan- a universalização do ensino obrigatório.
dos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e § 5º A educação básica pública atenderá prioritaria-
zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência mente ao ensino regular.
à escola.
Abaixo, seguem os artigos 200 a 211, que detalham
Interessante notar, em primeira análise, que o Estado questões fundamentais sobre a educação municipal pau-
se exime da obrigatoriedade no fornecimento de edu- lista:
cação superior, no art. 208, V, quando assegura, apenas,
o “acesso” aos níveis mais elevados de ensino, pesquisa Art. 200 - A educação ministrada com base nos prin-
e criação artística. Fica denotada ausência de compro- cípios estabelecidos na Constituição da República, na
metimento orçamentário e infraestrutural estatal com Constituição Estadual e nesta Lei Orgânica, e inspi-
um número suficiente de universidades/faculdades pú- rada nos sentimentos de igualdade, liberdade e soli-
blicas aptas a recepcionar o maciço contingente de alu- dariedade, será responsabilidade do Município de São
nos que saem da camada básica de ensino, sendo, pois, Paulo, que a organizará como sistema destinado à
clarividente exemplo de aplicação da reserva do possível universalização do ensino fundamental e da educação
dentro da Constituição. Ainda, é preciso observar que se infantil.
utiliza a expressão “segundo a capacidade de cada um”, § 1º - O sistema municipal de ensino abrangerá os
de forma que o critério para admissão em universidades/ níveis fundamental e da educação infantil estabele-
faculdades públicas é, somente, pelo preparo intelectual cendo normas gerais de funcionamento para as esco-
do cidadão, a ser testado em avaliações com tal fito, las públicas municipais e particulares nestes níveis, no
como o vestibular e o exame nacional do ensino médio. âmbito de sua competência.
O ensino básico possui conteúdos mínimos, fixados § 2º - Fica criado o Conselho Municipal de Educação,
nos moldes do artigo 210, CF: órgão normativo e deliberativo, com estrutura cole-
giada, composto por representantes do Poder Público,
Art. 210, CF. Serão fixados conteúdos mínimos para o trabalhadores da educação e da comunidade, segun-
ensino fundamental, de maneira a assegurar forma- do lei que definirá igualmente suas atribuições.
ção básica comum e respeito aos valores culturais e § 3º - O Plano Municipal de Educação previsto no
artísticos, nacionais e regionais. art. 241 da Constituição Estadual será elaborado pelo
§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, cons- Executivo em conjunto com o Conselho Municipal de
tituirá disciplina dos horários normais das escolas pú- Educação, com consultas a: órgãos descentralizados
blicas de ensino fundamental. de gestão do sistema municipal de ensino, comunida-
§ 2º O ensino fundamental regular será ministrado em de educacional, organismos representativos de defesa
língua portuguesa, assegurada às comunidades indí- de direitos de cidadania, em específico, da educação,
genas também a utilização de suas línguas maternas de educadores e da criança e do adolescente e deverá
e processos próprios de aprendizagem. considerar as necessidades das diferentes regiões do
Município.
A menção do ensino religioso como facultativo reme- § 4º - O Plano Municipal de Educação atenderá ao
te à laicidade do Estado, ao passo que a menção ao en- disposto na Lei Federal nº 9.394/96 e será comple-
sino de línguas de povos indígenas remete ao pluralismo mentado por um programa de educação inclusiva cujo
político, fundamento da República Federativa. custeio utilizará recursos que excedam ao mínimo es-
O artigo 211, CF trabalha com a organização e cola- tabelecido no artigo 212, § 4º, da Constituição Federal.
boração dos sistemas de ensino entre os entes federati- § 5º - A lei definirá as ações que integrarão o pro-
vos: grama de educação inclusiva referido no parágrafo
anterior.
Art. 211, CF. A União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios organizarão em regime de colaboração Art. 201 - Na organização e manutenção do seu sis-
seus sistemas de ensino. tema de ensino, o Município atenderá ao disposto no
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino art. 211 e parágrafos da Constituição da República e
e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino garantirá gratuidade e padrão de qualidade de ensino.
públicas federais e exercerá, em matéria educacional, § 1º - A educação infantil, integrada ao sistema de en-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

função redistributiva e supletiva, de forma a garantir sino, respeitará as características próprias dessa faixa
equalização de oportunidades educacionais e padrão etária, garantindo um processo contínuo de educação
mínimo de qualidade do ensino mediante assistência básica.
técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e § 2º - A orientação pedagógica da educação infantil
aos Municípios; assegurará o desenvolvimento psicomotor, sócio-cul-
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino tural e as condições de garantir a alfabetização.
fundamental e na educação infantil. § 3º - A carga horária mínima a ser oferecida no siste-
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão priorita- ma municipal de ensino é de 4 (quatro) horas diárias
riamente no ensino fundamental e médio. em 5 (cinco) dias da semana.

2
§ 4º - O ensino fundamental, atendida a demanda, Parágrafo único - Para atendimento das metas de en-
terá extensão de carga horária até se atingir a jornada sino fundamental e da educação infantil, o Município
de tempo integral, em caráter optativo pelos pais ou diligenciará para que seja estimulada a cooperação
responsáveis, a ser alcançada pelo aumento progres- técnica e financeira com o Estado e a União, conforme
sivo da atualmente verificada na rede pública muni- estabelece o art. 30, inciso VI, da Constituição da Repú-
cipal. blica. (Alterado pela Emenda 24/01)
§ 5º - O atendimento da higiene, saúde, proteção e Art. 204 - O Município garantirá a educação visan-
assistência às crianças será garantido, assim como a do o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para
sua guarda durante o horário escolar. o exercício consciente da cidadania e para o trabalho,
§ 6º - É dever do Município, através da rede própria, sendo-lhe assegurado:
com a cooperação do Estado, o provimento em todo I - igualdade de condições de acesso e permanência;
o território municipal de vagas, em número suficiente II - o direito de organização e de representação estu-
para atender à demanda quantitativa e qualitativa do dantil no âmbito do Município, a ser definido no Regi-
ensino fundamental obrigatório e progressivamente à mento Comum das Escolas.
da educação infantil. Parágrafo único - A lei definirá o percentual máximo
§ 7º - O disposto no § 6º não acarretará a transfe- de servidores da área de educação municipal que po-
rência automática dos alunos da rede estadual para derão ser comissionados em outros órgãos da adminis-
tração pública.
a rede municipal.
Art. 205 - O Município proverá o ensino fundamental
§ 8º - Compete ao Município recensear os educandos
noturno, regular e adequado às condições de vida do
do ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, aluno que trabalha, inclusive para aqueles que a ele
junto aos pais e responsáveis, pela frequência à escola. não tiveram acesso na idade própria.
§ 9º - A atuação do Município dará prioridade ao en- Art. 206 - O atendimento especializado às pessoas com
sino fundamental e de educação infantil. deficiência dar-se-á na rede regular de ensino e em es-
Art. 202 - Fica o Município obrigado a definir a pro- colas especiais públicas, sendo-lhes garantido o acesso
posta educacional, respeitando o disposto na Lei de a todos os benefícios conferidos à clientela do sistema
Diretrizes e Bases da Educação e legislação aplicável. municipal de ensino e provendo sua efetiva integração
§ 1º - O Município responsabilizar-se-á pela integra- social.
ção dos recursos financeiros dos diversos programas § 1º - O atendimento às pessoas com deficiência po-
em funcionamento e pela implantação da política derá ser efetuado suplementarmente, mediante con-
educacional. vênios e outras modalidades de colaboração com ins-
§ 2º - O Município responsabilizar-se-á pela definição tituições sem fins lucrativos, sob supervisão dos órgãos
de normas quanto à autorização de funcionamento, públicos responsáveis, que objetivem a qualidade de
fiscalização, supervisão, direção, coordenação peda- ensino, a preparação para o trabalho e a plena inte-
gógica, orientação educacional e assistência psicoló- gração da pessoa deficiente, nos termos da lei.
gica escolar, das instituições de educação integrantes § 2º - Deverão ser garantidas às pessoas com defi-
ciência as eliminações de barreiras arquitetônicas dos
do sistema de ensino no Município.
edifícios escolares já existentes e a adoção de medidas
§ 3º - O Município deverá apresentar as metas anuais
semelhantes quando da construção de novos.
de sua rede escolar em relação à universalização do Art. 207 - O Município permitirá o uso pela comuni-
ensino fundamental e da educação infantil. dade do prédio escolar e de suas instalações, durante
Art. 203 - É dever do Município garantir: os fins de semana, férias escolares e feriados, na forma
I - educação igualitária, desenvolvendo o espírito crí- da lei.
tico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais § 1º - É vedada a cessão de prédios escolares e suas
das aulas, cursos, livros didáticos, manuais escolares instalações para funcionamento do ensino privado de
e literatura; qualquer natureza.
II - educação infantil para o desenvolvimento integral § 2º - Toda área contígua às unidades de ensino do
da criança até seis anos de idade, em seus aspectos Município, pertencente à Prefeitura do Município de
físico, psicológico, intelectual e social; São Paulo, será preservada para a construção de qua-
III - ensino fundamental gratuito a partir de 7 (sete) dra poliesportiva, creche, centros de educação e cultu-
anos de idade, ou para os que a ele não tiveram acesso ra, bibliotecas e outros equipamentos sociais públicos,
na idade própria; como postos de saúde.
IV - educação inclusiva que garanta as pré-condições Art. 208 - O Município aplicará, anualmente, no míni-
de aprendizagem e acesso aos serviços educacionais, a mo 31% (trinta e um por cento) da receita resultante
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

reinserção no processo de ensino de crianças e jovens de impostos, compreendida a proveniente de transfe-


rências, na manutenção e desenvolvimento do ensino
em risco social, o analfabetismo digital, a educação
fundamental, da educação infantil e inclusiva.
profissionalizante e a provisão de condições para que
§ 1º - O Município desenvolverá planos e diligenciará
o processo educativo utilize meios de difusão, educa- para o recebimento e aplicação dos recursos adicio-
ção e comunicação; nais, provenientes da contribuição social do salário-e-
V - a matrícula no ensino fundamental, a partir dos 6 ducação de que trata o art. 212, § 5º, da Constituição
(seis) anos de idade, desde que plenamente atendida a da República, assim como de outros recursos, conforme
demanda a partir de 7 (sete) anos de idade. o art. 211, § 1º da Constituição da República.

3
§ 2º - A lei definirá as despesas que se caracterizam CAPÍTULO I
como de manutenção e desenvolvimento do processo DO PROVIMENTO
de ensino- aprendizagem, bem como da educação in-
fantil e inclusiva. Seção I
§ 3º - A eventual assistência financeira do Município Disposições preliminares (artigos 10 e 11)
às instituições de ensino filantrópicas, comunitárias
ou confessionais, não poderá incidir sobre a aplicação O cargo público pode ser provido de forma originária,
mínima prevista no «caput» deste artigo. por meio da nomeação, ou de forma derivada, pelas
Art. 209 - O Município publicará, até 30 (trinta) dias vias da transposição, acesso, transferência, reintegra-
após o encerramento de cada semestre, informações ção, readmissão, reversão, aproveitamento.
completas sobre receitas arrecadadas, transferências Para o provimento de cargo público, são requisitos mí-
e recursos recebidos e destinados à educação nesse nimos: nacionalidade brasileira ou equiparada; gozo
período, bem como a prestação de contas das verbas dos direitos políticos; quitação com as obrigações mi-
utilizadas, discriminadas por programas. litares e eleitorais; nível de escolaridade exigido para
Art. 210 - A lei do Estatuto do Magistério disciplinará o exercício do cargo; idade mínima de dezoito anos;
as atividades dos profissionais do ensino. aptidão física e mental; boa conduta.

Art. 211 - Nas unidades escolares do sistema munici- Seção II


pal de ensino será assegurada a gestão democrática, Do concurso público (artigos 12 a 14)
na forma da lei.
O concurso público tem validade de 2 anos, prorrogá-
veis por mais 2, sendo que suas regras são definidas
em edital.
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). LEI Nº 8.989, DE
29 DE OUTUBRO DE 1979. ESTATUTO DOS Seção III
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO MUNICÍPIO Da nomeação (artigos 15 e 16)
DE SÃO PAULO. SÃO PAULO, 1979.
A nomeação para o cargo público pode ser efetiva ou
em comissão. Na primeira, o servidor é obrigado a
A Lei Municipal nº 8.989/1979 dispõe sobre o Esta- ingressar mediante concurso público, se sujeitando a
tuto dos Servidores Públicos do Município de São Paulo. regime de carreira. Na segunda, o servidor é nomeado
Aplica-se aos funcionários da Prefeitura do Município em cargo de confiança, que não se organiza em car-
de São Paulo (artigo 1o). reira e é de livre exoneração.

Seu inteiro teor pode ser acessado em: Seção IV


https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/ Da estabilidade (artigos 17 a 19)
upload/negocios_juridicos/LEI%208989%2079.pdf
Com 3 anos de exercício, caso aprovado em estágio
Abaixo, destacam-se os principais aspectos estrutu- probatório, o servidor adquire estabilidade.
rais e normativos da legislação em comento:
Seção V
TÍTULO I Da posse (artigos 20 a 24)
Disposições preliminares (artigo 1o a 9o)
A investidura em cargo público ocorre com a posse.
Funcionários públicos são todos aqueles investidos em A posse é a aceitação de deveres e responsabilidades,
cargo público (conjunto de atribuições e responsabili- prestando termo de compromisso, devendo ocorrer em
dades), organizado em carreira, dividida em classes de 15 dias da publicação do ato de provimento, prorrogá-
cargos. Classe é o agrupamento de cargos públicos e vel por mais 15. Após a posse, o servidor deve entrar
carreira é o agrupamento de classes. em exercício.

TÍTULO II Seção VI
DO PROVIMENTO, DO EXERCÍCIO E DA VACÂNCIA DE Da transferência (artigos 25 e 26)
CARGOS
Passagem do funcionário de um para outro cargo da
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

Basicamente, provimento é a ocupação do cargo pú- mesma denominação, de órgão de lotação diferente.
blico por uma pessoa, transformando-a em servidora
pública, alterando o cargo público ocupado ou reinse- Seção VII
rindo o servidor em cargo anteriormente ocupado; ao Da reintegração (artigos 27 a 30)
passo que a vacância é o que se dá quando um cargo
fica livre, podendo ocorrer nos casos de: exoneração, Reingresso do funcionário no serviço público, em vir-
demissão, promoção, transferência, aposentadoria, tude de decisão judicial transitada em julgado.
posse em outro cargo inacumulável ou falecimento.

4
Seção VIII Seção II
Da readmissão (artigo 31) Da remoção (artigos 51 a 53)

Readmissão é o ato pelo qual o funcionário exonerado Remoção é o deslocamento do funcionário de uma
reingressa no serviço público, sem direito a qualquer unidade para outra, dentro do mesmo órgão de lo-
ressarcimento e sempre por conveniência da Adminis- tação.
tração.
Seção III
Seção IX Da substituição (artigos 54 a 56)
Da Reversão (artigos 32 a 35)
Há substituição remunerada nos impedimentos le-
Reversão é o ato pelo qual o funcionário aposentado gais e temporários de ocupante de cargo isolado, de
reingressa no serviço público, a seu pedido ou de ofí- provimento por acesso, em comissão, ou, ainda, de
cio. outros cargos que a lei autorizar.

Seção X Seção IV
Do aproveitamento (artigos 36 a 38) Da fiança (artigo 57)
Aproveitamento é a volta do funcionário em disponi- Pode ser exigida em alguns cargos públicos.
bilidade ao exercício de cargo público.
Seção V
Seção XI Da acumulação (artigos 58 a 61)
Da readaptação (artigos 39 a 41)
Artigo 37, XVI, CF. É vedada a acumulação remu-
Readaptação é a atribuição de encargos mais compa- nerada de cargos públicos, exceto, quando houver
tíveis com a capacidade física ou psíquica do funcio-
compatibilidade de horários, observado em qualquer
nário e dependerá sempre de exame médico.
caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de
professor; b) a de um cargo de professor com outro,
#FicaDica técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos
privativos de profissionais de saúde, com profissões
Formas de provimento do cargo público:
regulamentadas.
- Originário
Artigo 37, XVII, CF. A proibição de acumular estende-
• Nomeação – Em caráter efetivo ou em
-se a empregos e funções e abrange autarquias, fun-
comissão
dações, empresas públicas, sociedades de economia
- Derivado
mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas,
• Transferência – Mudança de um cargo
direta ou indiretamente, pelo poder público.
para outro de mesmo nível, em órgão
diverso.
Segundo Carvalho Filho1, “o fundamento da proibi-
• Readaptação – Realocação de servidor
ção é impedir que o cúmulo de funções públicas faça
que tenha se tornado deficiente para
com que o servidor não execute qualquer delas com a
cargo compatível.
necessária eficiência. Além disso, porém, pode-se ob-
• Reversão – Retorno do servidor ao
servar que o Constituinte quis também impedir a cumu-
cargo ocupado quando anteriormente
lação de ganhos em detrimento da boa execução de
aposentado por invalidez, caso cesse a
tarefas públicas. [...] Nota-se que a vedação se refere à
doença ou condição incapacitante.
acumulação remunerada. Em consequência, se a acu-
• Aproveitamento – Retorno de um ser-
mulação só encerra a percepção de vencimentos por
vidor posto em disponibilidade.
uma das fontes, não incide a regra constitucional proi-
• Reintegração – Retorno de servidor a
bitiva”.
cargo anteriormente ocupado ou em
cargo resultante de sua transformação
CAPÍTULO III
quando invalidada a decisão de sua
DA VACÂNCIA DE CARGOS (artigo 62)
demissão.
Vacância é o que se dá quando um cargo fica livre,
CAPÍTULO II
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

podendo ocorrer nos casos de: exoneração, transpo-


DO EXERCÍCIO sição, demissão, transferência, acesso, aposentadoria
ou falecimento.
Seção I
Disposições preliminares (artigos 42 a 50)

Exercício é o desempenho das atribuições e responsa-


bilidades do cargo.
Prazo: 15 dias da posse. 1 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito adminis-
trativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2010.

5
TÍTULO III to do horário não justificados e comprovados. Somen-
DO TEMPO DE SERVIÇO E DA PROGRESSÃO te não geram perda de remuneração as faltas justifi-
FUNCIONAL cadas e devidamente compensadas. Salvo estes casos,
não haverá desconto de remuneração, em regra.
CAPÍTULO I
DO TEMPO DE SERVIÇO (artigos 63 a 66) CAPÍTULO III
DAS GRATIFICAÇÕES (artigos 99 a 111)
A apuração do tempo de serviço será feita em dias.
Modalidades: por serviço extraordinário (hora extra) e
CAPÍTULO II por serviço noturno.
DA PROMOÇÃO (artigos 67 a 81)
CAPÍTULO IV
É a passagem do funcionário de um determinado grau DOS QUINQUÊNIOS (artigos 112 a 114)
para o imediatamente superior da mesma classe. Pode
se dar por antiguidade ou por merecimento. Direito a adicional a cada 5 anos de serviço.

CAPÍTULO III CAPÍTULO V


DO ACESSO (artigos 82 a 84) DA SEXTA PARTE DO VENCIMENTO (artigos 115 e 116)

Acesso é a elevação do funcionário, dentro da respec- 25 anos de serviço = +1/6 vencimento


tiva carreira, a cargo da mesma natureza de trabalho,
de maior responsabilidade e maior complexidade de CAPÍTULO VI
atribuições. DO SALÁRIO-FAMÍLIA E DO SALÁRIO-ESPOSA (arti-
gos 117 a 124)
CAPÍTULO IV
DA TRANSPOSIÇÃO (artigos 85 a 88) A todo servidor ou inativo, que tiver alimentário sob
sua guarda ou sustento, será concedido salário-família
Transposição é o instituto que objetiva a alocação no valor correspondente ao fixado para o Regime Geral
dos recursos humanos do serviço público de acordo de Previdência Social. O salário-esposa será concedido
com aptidões e formação profissional, mediante a ao funcionário ou ao inativo, desde que sua mulher ou
passagem do funcionário de um para outro cargo de companheira não exerça atividade remunerada.
provimento efetivo, porém de conteúdo ocupacional
diverso. CAPÍTULO VII
DAS OUTRAS CONCESSÕES PECUNIÁRIAS (artigos
TÍTULO IV 125 a 131)
DOS DIREITOS E VANTAGENS DE ORDEM PECUNIÁRIA
TÍTULO V
CAPÍTULO I DOS DIREITOS E VANTAGENS DE ORDEM GERAL
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES (artigos 89 e 90)
Resume Carvalho Filho2: “os direitos sociais constitu-
Poderão ser deferidas ao funcionário as seguintes van- cionais são objeto da referência do art. 39, §3°, CF, o qual
tagens pecuniárias: determina que dezesseis dos direitos sociais outorgados
I - diárias; aos empregados sejam estendidos aos servidores públi-
II - auxílio para diferença de caixa; cos. Dentre esses direitos estão o do salário mínimo (art.
III - salário-família; 7°, IV); o décimo terceiro salário (art. 7°, VIII); o repouso
IV - salário-esposa; semanal remunerado (art. 7°, XV); o salário-família (art. 7°,
V - auxilio-doença; XII; o de férias anuais (art. 7°, XVII); o de licença à gestante
VI - gratificações; (art. 7°, XVIII) e outros mencionados no dispositivo cons-
VII - adicional por tempo de serviço; titucional. [...] Além disso, há vários direitos de natureza
VIII - sexta-parte; social relacionados nos diversos estatutos funcionais das
IX - outras vantagens ou concessões pecuniárias pre- pessoas federativas. É nas leis estatutárias que se encon-
vistas em leis especiais ou neste Estatuto. tram tais direitos, como o direito às licenças, à pensão, aos
auxílios pecuniários, como o auxílio-funeral e o auxílio-re-
CAPÍTULO II clusão, à assistência, à saúde etc.”
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

DO VENCIMENTO, DO HORÁRIO E DO PONTO (arti-


gos 91 a 98) CAPÍTULO I
DAS FÉRIAS (artigos 132 a 137)
Vencimento = parcela principal. Remuneração = Ven-
cimento + outras parcelas. Irredutibilidade de venci- Férias anuais de 30 (trinta) dias corridos + 1/3 remu-
mentos: não podem ser diminuídos. Mesmo cargo ou neração
semelhante = mesmo vencimento.
2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito adminis-
Haverá perda em caso de ausência ou descumprimen-
trativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2010.

6
CAPÍTULO II CAPÍTULO VII
DAS LICENÇAS (artigos 138 a 159) DO DIREITO DE PETIÇÃO (artigo 176)

I - para tratamento de saúde; Direito de requerer ou representar, pedir reconsidera-


II - por motivo de doença em pessoa de sua família; ção e recorrer, desde que o faça dentro das normas de
III - nos casos dos artigos 148 e 149; urbanidade.
IV - para cumprir serviços obrigatórios por lei;
V - para tratar de interesses particulares; TÍTULO VI
VI - compulsória; DOS DEVERES E DA AÇÃO DISCIPLINAR
VII - quando acidentado no exercício de suas atribui-
ções ou acometido de doença profissional. Considerando a importância do regime disciplinar
para a atuação do servidor público e o alto índice de
incidência da matéria nas provas de concursos, opta-
#FicaDica mos por trazê-lo na íntegra abaixo:
- Licença para Tratamento de Saúde – jus- CAPÍTULO I
tifica-se por doença do servidor, sendo ne- DOS DEVERES
cessário o afastamento para tratamento. Re-
munerada. Art. 178 - São deveres do funcionário:
- Licença por Motivo de Doença em Pessoa I - ser assíduo e pontual;
da Família – justifica-se por problema de II - cumprir as ordens superiores, representando quan-
saúde com um familiar próximo ou depen- do forem manifestamente ilegais;
dente legal. Remunerada (limitada). III - desempenhar com zelo e presteza os trabalhos de
- Licença Para Tratar Interesses Particulares que for incumbido;
(limitada a 4 anos) – dispensa justificativa, IV - guardar sigilo sobre os assuntos da Administra-
basta a vontade do servidor. Não remune- ção;
rada. V - tratar com urbanidade os companheiros de serviço
- Licença por acidente de serviço – justifica- e o público em geral;
-se por acidente sofrido pelo servidor, sendo VI - residir no Município ou mediante autorização, em
necessário o afastamento para tratamento. localidade próxima;
Remunerada.ada a decisão de sua demissão. VII - manter sempre atualizada sua declaração de fa-
mília, de residência e de domicílio;
CAPÍTULO III VIII - zelar pela economia do material do Município
DO ACIDENTE DO TRABALHO E DA DOENÇA PROFIS- e pela conservação do que for confiado à sua guarda
SIONAL (artigos 160 a 163) ou utilização;
IX - apresentar-se convenientemente trajado em ser-
Licença + auxílio + tratamento + aposentadoria, se viço, ou com o uniforme determinado, quando for o
o caso. caso;
X - cooperar e manter espírito de solidariedade com os
CAPÍTULO IV companheiros de trabalho;
DA DISPONIBILIDADE (artigo 164 e 165) XI - estar em dia com as leis, regulamentos, regimen-
tos, instruções e ordens de serviço que digam respeito
O servidor efetivo será posto em disponibilidade caso às suas funções:
seu cargo seja extinto ou declarado desnecessário. XII - proceder, pública e particularmente, de forma que
dignifique a função pública.
CAPÍTULO V
DA APOSENTADORIA (artigo 166 a 174) CAPÍTULO II
DAS PROIBIÇÕES
A aposentadoria pode se dar por invalidez, compul-
sória (atingidos 70 anos) e de forma voluntária: por Art. 179 - É proibida ao funcionário toda ação ou
tempo de serviço, exigindo-se 35 anos dos homens e omissão capaz de comprometer a dignidade e o deco-
30 das mulheres, para aposentadoria integral, e 30 ro da função pública, ferir a disciplina e a hierarquia,
anos dos homens e 25 das mulheres, para funções de prejudicar a eficiência do serviço ou causar dano a Ad-
magistério ou aposentadoria com proventos propor- ministração Pública, especialmente: [...]
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

cionais; por idade, exigindo-se 65 anos para homens e II - retirar, sem prévia permissão da autoridade com-
60 para mulheres, com proventos proporcionais. petente, qualquer documento ou objeto existente na
unidade de trabalho;
CAPÍTULO VI III - valer-se da sua qualidade de funcionário para ob-
DA ASSISTÊNCIA AO FUNCIONÁRIO (artigo 175) ter proveito pessoal;
IV - coagir ou aliciar subordinados com objetivos de
O Município poderá promover, na medida da sua pos- natureza político-partidária;
sibilidade e recursos, assistência ao funcionário e a V - exercer comércio entre os companheiros de serviço,
sua família, na forma que a lei estabelecer. no local de trabalho;

7
VI - constituir-se procurador de partes, ou servir de I - pela sonegação de valores ou objetos confiados à
intermediário perante qualquer Repartição Pública, sua guarda ou responsabilidade;
exceto quando se tratar de interesse do cônjuge ou de II - por não prestar contas ou por não as tomar, na for-
parente até segundo grau; ma e nos prazos estabelecidos em leis, regulamentos,
VII - cometer a pessoa estranha, fora dos casos previs- regimentos, instruções e ordens de serviço;
tos em lei, o desempenho de encargo que lhe competir III - pelas faltas, danos, avarias, e quaisquer outros
ou que competir a seus subordinados; prejuízos que sofrerem os bens e os materiais sob sua
VIII - entreter-se, durante as horas de trabalho, em guarda ou sujeitos a seu exame e fiscalização;
palestras, leituras ou atividades estranhas ao serviço; IV - pela falta ou inexatidão das necessárias averba-
IX - empregar material do serviço público para fins ções nas notas de despacho, guias e outros documen-
particulares; tos da receita ou que tenham com eles relação;
X - fazer circular ou subscrever rifas ou listas de dona- V - por qualquer erro de cálculo ou redução contra a
tivos no local de trabalho; Fazenda Municipal.
[...] Art. 181 - Nos casos de indenização à Fazenda Muni-
XII - receber estipêndios de fornecedores ou de entida- cipal, o funcionário será obrigado a repor, de uma só
des fiscalizadas; vez e com os acréscimos de lei e correção monetária, a
importância do prejuízo causado em virtude de alcan-
XIII - designar, para trabalhar sob suas ordens imedia-
ce, desfalque, remissão ou omissão em efetuar recolhi-
tas, parentes até segundo grau, salvo quando se tratar
mentos ou entradas nos prazos legais.
de função de confiança e livre escolha, não podendo ,
Art. 182 - Excetuados os casos previstos no artigo an-
entretanto, exceder a dois o número de auxiliares nes- terior, será admitido o pagamento parcelado, na forma
sas condições; do artigo 96.
XIV - aceitar representação de Estado estrangeiro, sem Art. 183 - A responsabilidade administrativa não exime
autorização do Presidente da República; o funcionário da responsabilidade civil ou criminal que
XV - fazer, com a Administração Direta ou Indireta, no caso couber, nem o pagamento da indenização a
contratos de natureza comercial, industrial ou de pres- que ficar obrigado o exime da pena disciplinar em que
tação de serviços com fins lucrativos, por si ou como incorrer.
representante de outrem;
XVI - participar da gerência ou administração de CAPÍTULO IV
empresas bancárias ou industriais ou de sociedades DAS PENALIDADES
comerciais, que mantenham relações comerciais ou
administrativas com o município, sejam por este sub- Art. 184 - São penas disciplinares:
vencionadas, ou estejam diretamente relacionadas I - repreensão;
com a finalidade da unidade ou serviço em que esteja II - suspensão;
lotado; III - demissão;
XVII - exercer, mesmo fora das horas de trabalho, em- IV - demissão a bem do serviço público;
prego ou função em empresas, estabelecimentos ou V - cassação de aposentadoria ou da disponibilidade.
instituições que tenham relações com o Município, em Art. 185 - A pena de repreensão será aplicada por es-
matéria que se relacione com a finalidade da unidade crito, nos casos de indisciplina ou falta de cumprimen-
ou serviço em que esteja lotado; to dos deveres funcionais.
XVIII - comerciar ou ter parte em sociedades comer- Art. 186 - A pena de suspensão, que não excederá a
ciais nas condições mencionadas no inciso XVI deste 120 (cento e vinte) dias, será aplicada em casos de falta
artigo, podendo, em qualquer caso, ser acionista, quo- grave ou de reincidência.
tista ou comanditário; § 1º - O funcionário suspenso perderá, durante o perío-
do de cumprimento da suspensão, todos os direitos e
XIX - requerer ou promover a concessão de privilégio,
vantagens decorrentes do exercício do cargo.
garantias de juros ou outros favores semelhantes, es-
§ 2º - Quando houver conveniência para o serviço, a
taduais ou municipais, exceto privilégio de invenção
pena de suspensão poderá ser convertida em multa,
própria; sendo o funcionário, nesse caso, obrigado a permane-
XX - trabalhar sob as ordens diretas do cônjuge ou de cer em exercício.
parentes até segundo grau, salvo quando se tratar de § 3º - A multa não poderá exceder à metade dos venci-
função de imediata confiança e de livre escolha. mentos, nem perdurar por mais de 120 (cento e vinte)
dias.
CAPÍTULO III Art. 187 - A autoridade que tiver conhecimento de in-
DA RESPONSABILIDADE
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

fração funcional que enseje a aplicação de penas de


repreensão e suspensão até 5 (cinco) dias deverá noti-
Art. 180 - O funcionário responde civil, penal e admi- ficar por escrito o servidor da infração a ele imputada,
nistrativamente pelo exercício irregular de suas atri- com prazo de 3 (três) dias para oferecimento de defesa.
buições, sendo responsável por todos os prejuízos que, § 1º - A defesa dirigida à autoridade notificante deverá
nesta qualidade, causar à Fazenda Municipal, por dolo ser feita por escrito e entregue contra recibo.
ou culpa, devidamente apurados. § 2º - O não acolhimento da defesa ou sua não apre-
Parágrafo único - Caracteriza-se especialmente a res- sentação no prazo legal acarretará a aplicação das
ponsabilidade: penalidades previstas no “caput” deste artigo, median-

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te ato motivado, expedindo-se a respectiva portaria e Art. 193 - Deverão constar do assentamento individual
providenciada a anotação, em assentamento, da pe- do funcionário todas as penas que lhe forem impostas,
nalidade aplicada, após publicação no Diário Oficial ressalvada a hipótese do § 4º do artigo 187.
do Município. Art. 194 - Uma vez submetido a inquérito administra-
Art. 188 - Será aplicada ao funcionário a pena de de- tivo, o funcionário só poderá ser exonerado a pedido,
missão nos casos de: depois de ocorrida absolvição ou após o cumprimento
I - abandono do cargo; da penalidade que lhe houver sido imposta.
II - faltas ao serviço, sem justa causa, por mais de 60 Parágrafo único - O disposto neste artigo não se apli-
(sessenta) dias interpolados durante o ano; ca, a juízo da autoridade competente para impor a
III - procedimento irregular de natureza grave; penalidade, aos casos de procedimentos disciplinares
IV - acumulação proibida de cargos públicos, se pro- instaurados por infração aos incisos I ou II do Art. 188.
vada a má fé; Art. 195 - Para aplicação das penalidades previstas no
V - ofensas físicas, em serviço ou em razão dele, a ser- artigo 184, são competentes:
vidores ou particulares, salvo se em legítima defesa; I - O Prefeito;
VI - transgressão dos incisos XII, XIII, XV, XVI, XVII e II - Os Secretários Municipais, até a de suspensão;
XVIII do artigo 179; VII - ineficiência no serviço. III - Os Diretores de Departamento ou autoridades
§ 1º - Dar-se-á por configurado o abandono do cargo, equiparadas, até a de suspensão, limitada a 15 (quin-
quando o funcionário faltar ao serviço por mais de 30 ze) dias;
(trinta) dias consecutivos. IV - As demais chefias a que estiver subordinado o
§ 2º - A pena de demissão por ineficiência no serviço funcionário, nas hipóteses de repreensão e suspensão
só será aplicada quando verificada a impossibilidade até 5 (cinco) dias.
de readaptação. Parágrafo único - O Prefeito poderá delegar compe-
Art. 189 - Será aplicada a pena de demissão a bem do tência aos Secretários para demissão nos casos dos
serviço público ao funcionário que: incisos I, II e VII do artigo 188.
I - praticar ato de incontinência pública e escandalosa,
Art. 196 - Prescreverá:
ou dar-se a vícios de jogos proibidos;
I - em 2 (dois) anos, a falta que sujeite às penas de
II - praticar crimes hediondos previstos na Lei Federal
repreensão ou suspensão;
nº 8.072, de 25 de julho de 1990, alterada pela Lei
II - em 5 (cinco) anos, a falta que sujeite às penas de
Federal nº 8.930, de 6 de setembro de 1994, crimes
demissão, demissão a bem do serviço público e de cas-
contra a administração pública, a fé pública, a ordem
sação de aposentadoria ou disponibilidade.
tributária e a segurança nacional;
III - revelar segredos de que tenha conhecimento em Parágrafo único - A falta também prevista como cri-
razão do cargo ou função, desde que o faça dolosa- me na lei penal prescreverá juntamente com ele, apli-
mente, com prejuízo para o Município ou para qual- cando-se ao procedimento disciplinar, neste caso, os
quer particular; prazos prescricionais estabelecidos no Código Penal,
IV - praticar insubordinação grave; quando superiores a 5 (cinco) anos.
V - lesar o patrimônio ou os cofres públicos; Art. 197 - Nas hipóteses dos incisos I e II do artigo
VI - receber ou solicitar propinas, comissões ou van- anterior, a prescrição começa a correr da data em que
tagens de qualquer espécie, diretamente ou por inter- a autoridade tomar conhecimento da existência da
médio de outrem, ainda que fora de suas funções, mas falta.
em razão delas; § 1º - O curso da prescrição interrompe-se pela aber-
VII - pedir, por empréstimo, dinheiro ou quaisquer va- tura do competente procedimento administrativo.
lores a pessoas que tratem de interesse, ou tenham na § 2º - Na hipótese do parágrafo anterior, todo o prazo
unidade de trabalho, ou estejam sujeitas à sua fisca- começa a correr novamente, do dia da interrupção.
lização;
VIII - conceder vantagens ilícitas, valendo-se da fun-
ção pública;
#FicaDica
IX - exercer a advocacia administrativa. A Administração Pública tem direito de re-
Art. 190 - O ato de demitir o funcionário mencionará gresso contra o servidor que agiu com dolo
sempre a disposição legal em que se fundamente. ou culpa. Sendo assim, a responsabilidade
Art. 191 - Será cassada a aposentadoria ou a disponi- civil do servidor é subjetiva (embora a res-
bilidade, se ficar provado que o inativo: ponsabilidade do Estado seja objetiva). Além
I - praticou, quando em atividade, falta grave para a da responsabilização civil, caberá a penal e a
qual, neste Estatuto, seja cominada pena de demissão
administrativa, independentes entre si.
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

ou demissão a bem do serviço público;


II - aceitou ilegalmente cargo ou função pública;
III - aceitou a representação de Estado estrangeiro, CAPÍTULO VI
sem prévia autorização do Presidente da República; DOS PROCEDIMENTOS DE NATUREZA DISCIPLINAR
IV - praticou a usura em qualquer de suas formas. (artigos 201 a 224)
Art. 192 - As penalidades poderão ser abrandadas
pela autoridade que as tiver de aplicar, levadas em Sempre que o servidor cometer uma infração adminis-
conta as circunstâncias da falta disciplinar e o anterior trativa, poderá sofrer responsabilização administrati-
comportamento do funcionário. va. Caso a penalidade a ser aplicada for, no máximo,

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suspensão por 30 dias, basta a sindicância (mais cé- - a pertinência de orientar os registros relacionados
lere e simplificada). Se ao final da sindicância não se ao desenvolvimento das crianças, principalmente, da-
perceber infração, haverá arquivamento. Contudo, se quelas que se encontram concluindo a primeira Etapa da
percebido que a infração foi mais grave e que a pena Educação Básica.
será mais severa, instaura-se o processo disciplinar.
RESOLVE:

Art. 1º Fica aprovada, na conformidade do Anexo


EXERCÍCIOS COMENTADOS Único desta Instrução Normativa, a Orientação Nor-
mativa SME nº 01, de 6 de fevereiro de 2019, que dis-
1. (EBSERH - Assistente Administrativo - CESPE/2018) põe sobre os Registros na Educação Infantil.
Acerca do regime jurídico dos servidores públicos, julgue Art. 2º Esta Instrução Normativa entrará em vigor na
o item a seguir. data de sua publicação.
A investidura em cargo público ocorre com a nomeação
devidamente publicada em diário oficial. ANEXO ÚNICO DA INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº
__ DE 6 DE FEVEREIRO DE 2019
( ) CERTO ( ) ERRADO ORIENTAÇÃO NORMATIVA SME Nº 1 DE 6 DE FE-
VEREIRO DE 2019
Resposta: Errado. Nos termos do artigo 7o, Lei nº REGISTROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
8.112/1990: “A investidura em cargo público ocorrerá
com a posse”. No mesmo sentido, o Estatuto munici- I - Um começo de conversa sobre registro
pal de São Paulo/SP. A partir da multiplicidade de instrumentos de
registros utilizados pelas Unidades Educacionais (UE)
2.(EBSERH - Assistente Administrativo - CESPE/2018) da Rede Municipal de Ensino (RME) – planejamento,
Acerca do regime jurídico dos servidores públicos, julgue carta de intenção, semanário, diário de bordo, caderno
o item a seguir.
de observação, caderno de passagem, portfólio, mural,
O servidor responde apenas administrativamente pelo
painel, agenda, redes sociais, relatório individual do
exercício irregular de suas atribuições, o qual pode ense-
bebê e da criança, registros de reuniões e horários
jar a aplicação de penalidade disciplinar - até mesmo de
formativos, projeto político-pedagógico, entre outros –
demissão -, que deve, sempre, mencionar o fundamento
e os diferentes usos destes instrumentos no cotidiano
legal e a causa da sanção.
dos Centros de Educação Infantil (CEI) diretos e parceiros
(indiretos e particulares), dos Centros Municipais de
( ) CERTO ( ) ERRADO
Educação Infantil (CEMEI), dos Centros de Educação
Resposta: Errado. A responsabilidade do servidor é, Infantil Indígena (CEII), das Escolas Municipais de
simultaneamente, civil, penal e administrativa, e as Educação Infantil (EMEI) e das Escolas Municipais de
sanções podem ser cumuladas. O erro está na expres- Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS) fez-se necessário
são “apenas”. a elaboração de uma Orientação Normativa que trata de
registros na Educação Infantil.
Muitos desses registros já estão incorporados à
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). INSTRUÇÃO dinâmica das UEs há muito tempo, entretanto, carecem
NORMATIVA SME Nº 2, DE 06 DE FEVEREIRO de atenção, cuidado e critérios nas suas elaborações,
DE 2019. pois ainda há dúvidas sobre o que convém ou deve
DISPÕE SOBRE OS REGISTROS NA compor cada um desses instrumentos de registro.
EDUCAÇÃO INFANTIL. SÃO PAULO, 2019. A produção diária e permanente de registros deve
superar o mero cumprimento burocrático para avançar
no sentido da potencialidade formativa que possui.
Por isso, os registros devem ser considerados como
INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 02, DE 6 DE instrumentos reveladores das práticas cotidianas e
FEVEREIRO DE 2019 como recursos pedagógicos para a ressignificação
dessas práticas. Os registros do cotidiano da UE são
SEI 6016.2018/0079552-5 APROVA A ORIENTAÇÃO elaborados pela(o) professora(or) a partir da observação
NORMATIVA Nº 1, DE 6 DE FEVEREIRO DE 2019, e da escuta de bebês e crianças, bem como da sua
QUE DISPÕE SOBRE OS REGISTROS NA EDUCAÇÃO prática pedagógica, sendo também subsidiado pelas
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

INFANTIL informações obtidas nas reuniões e nos encontros


formativos, coordenados pela equipe gestora. Pertinente
O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, no uso também observar a possibilidade de utilizar o diálogo
de suas atribuições legais, eCONSIDERANDO: com as famílias/responsáveis por meio de agenda, das
o Parecer CME nº 541/18, que aprova a Orientação redes sociais e/ou da documentação pedagógica. Além
Normativa sobre Registros na Educação Infantil, com do registro da(o) professora(or), os bebês, as crianças
especial atenção à possibilidade de abrangência das e as famílias/responsáveis podem ser incentivados a
Instituições Privadas de Educação Infantil; produzir registros.

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A identidade da Educação Infantil Paulistana tem Um instrumento de registro utilizado nas creches
passado por uma reconfiguração significativa, uma era a Ficha de Saúde, que continha informações
vez que, a partir de 2002, a Educação Infantil passou sobre as condições econômicas e de saúde da família;
a ser responsabilidade direta da Secretaria Municipal acompanhamento de peso e crescimento dos bebês e
de Educação, nos termos Decreto nº 41.588/01 (SÃO das crianças. As visitas às suas casas eram frequentes,
PAULO, 2001). Em face da transferência da Secretaria pois nas regiões com alto índice de vulnerabilidade social
de Assistência Social para a Secretaria de Educação, a os moradores não contavam com telefones. Tudo era
Educação Infantil acolheu as demandas da faixa etária de registrado na Ficha de Saúde da Criança.
0 a 3 anos, até então não atendidas pela SME, e suscitou Outro instrumento de registro utilizado na creche
o trabalho pedagógico com bebês. era o Caderno de Sala. Nele, as(os) educadoras(es)
Considerando o grande número de Unidades registravam as atividades que realizavam, e os cuidados
Educacionais de bebês e crianças que compõem específicos com algum bebê ou criança, além de
a Educação Infantil da RME, compreendemos que ocorrências de machucados ou desavenças entre
há entre os documentos e as práticas pedagógicas elas. As(os) educadoras(es) faziam listas de atividades
múltiplos entendimentos. Nesse contexto, a presente possíveis e dali retiravam suas atividades.
Orientação Normativa tem como objetivos subsidiar Com a transição das creches para a Educação
as equipes gestoras e docentes na elaboração dos surgiram novas preocupações com o registro. O controle
diversos instrumentos de registros das Unidades de frequência de bebês e crianças passou a ser realizado
Educacionais e promover o estudo e a reflexão para pela(o) professora(or) no Diário de Classe da turma, que,
que esses instrumentos de registros possam tornar-se além da frequência, também continha o registro das
documentação pedagógica. atividades desenvolvidas.
O Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO Os instrumentos de registros na EMEI percorreram
PAULO, 2015) apresenta a documentação pedagógica caminhos diferentes dos cursados pelo CEI. Em 1935,
como a possibilidade de comunicar as vivências e Mário de Andrade, diretor do Departamento de Cultura
aprendizagens dos bebês e das crianças, valorizando seu da cidade, criou os primeiros Parques Infantis, que
protagonismo, sua autoria e, também, o protagonismo atendiam crianças de 3 a 12 anos. Esses Parques deram
docente. E é por meio da qualificação dos registros já origem às EMEIs, funcionaram em dois e até três turnos
realizados, de novas proposições acerca desses e da
diários, recebendo crianças de 4 a 6 anos de idade (SÃO
reflexão sobre as práticas, que almejamos o uso efetivo
PAULO, 2010).
do conceito de documentação pedagógica na Educação
Em 1985, foi elaborado um Programa para a Educação
Infantil da Rede Municipal de Ensino de São Paulo.
Infantil, direcionado para a EMEI, em que o Registro da
Considerando a Constituição Federal (1988), que prevê
Avaliação era unificado para que a RME funcionasse de
como dever do Estado o atendimento em creches e pré-
acordo com as aprendizagens estabelecidas em cada
escolas, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
estágio. Esse instrumento de avaliação das aprendizagens
(Lei nº 9.394/96), que estabelece a Educação Infantil
como primeira etapa da Educação Básica, a Emenda a serem observadas nas crianças estava dividido em
Constitucional nº 59/2009, que prevê a obrigatoriedade imitação de sons e gestos e raciocínio lógico matemático,
da matrícula de crianças a partir de quatro anos na tendo pouca aceitação nas escolas, pois se tratava de um
Educação Infantil, o Plano Nacional de Educação (Lei nº instrumento limitado.
13.005/14), com a ampliação da oferta de matrículas de Assim como ocorreu nas creches, as Fichas de Saúde
0 a 3 anos e a chegada de novos profissionais docentes também eram utilizadas, mas, diferentemente, com
e gestores no cenário educativo municipal, faz-se aspectos do desenvolvimento infantil e comportamental
necessário relembrar o percurso histórico dos registros da criança.
na RME e explicitar o que se entende por instrumentos Em 1992, com a aprovação do Regimento Comum das
de registros e quais são suas finalidades. Escolas Municipais de São Paulo (Decreto nº 32.892/92),
a avaliação das crianças da Educação Infantil passou a ser
II - Breve histórico da produção de registros na realizada por meio dos relatórios descritivos individuais,
Educação Infantil Paulistana com vistas ao replanejamento das ações por parte da(o)
A produção de registros na Educação Infantil professora(or) e já se anunciava a perspectiva de se
Paulistana conta com dois percursos distintos até o início considerar avanços e dificuldades:
do século XXI, pois se tratava de atendimento de bebês Art. 80 - A avaliação do processo ensino-aprendiza-
e crianças de 0 a 3 anos de idade oferecidos pela Creche gem deve ser entendida como um diagnóstico do
subordinada/vinculada à Secretaria de Assistência Social desenvolvimento do educando na relação com a
(SAS), e o atendimento das crianças de 4 a 6 anos na ação dos educadores, na perspectiva do aprimora-
mento do processo educativo.
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

EMEI subordinada/vinculada à Secretaria Municipal


de Educação (SME). Por meio do Decreto nº 38.869/99 Parágrafo Único. O processo de avaliação deve ser
as creches passaram a integrar o sistema municipal contínuo e ter como base a visão global do aluno,
de educação. Em 2001, as creches diretas e indiretas subsidiado por observações e registros obtidos no
passaram a se denominar Centro de Educação Infantil. decorrer do processo.
Nesse momento, a produção de registros na Educação Art. 81 - A avaliação terá por objetivos:
Infantil Paulistana agregou as experiências oriundas das III - fornecer aos educadores elementos para uma re-
creches e das EMEIs. Apresentaremos a seguir breve flexão sobre o trabalho realizado, tendo em vista o
histórico desses registros. replanejamento;

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Art. 82 - Os resultados do processo de avaliação con- tenha por objetivo historicizar os caminhos que cada
tínua terão a seguinte periodicidade e serão expres- criança vem percorrendo em busca de conhecimento
sos das seguintes formas: do mundo e suas formas de expressão, que oportunize
I - através de análise descritiva dos avanços e dificul- também, o envolvimento das famílias, possibilitando
dades nos três estágios das EMEIs, semestralmente, que estes registros sejam um elo de comunicação entre
resultante da análise do processo educativo, através os educadores e os responsáveis pela criança, criando
de registros contínuos (SÃO PAULO,1992). oportunidades de troca entre os adultos que trabalham
com ela e seus familiares.(SÃO PAULO, 2004).
No âmbito federal, após a promulgação da Lei de O documento orientador ressaltava dois aspectos
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), importantes na avaliação: o registro e a comunicação.
dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Os registros mostravam as experiências vividas pelas
Infantil (BRASIL, 1998) e das Diretrizes Curriculares crianças com relação ao processo de conhecimento
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010), a e suas descobertas. Para então servir como meio
avaliação das crianças passa a ser realizada por meio de de comunicação entre as instituições de ensino que
registros e observações da(o) professora(or), enquanto recebiam as crianças e entre suas(seus) professoras(es),
acompanhamento do processo de desenvolvimento da como também evidenciava a família como interlocutor
criança, sendo incorporado às publicações oficiais do da avaliação.
Município de São Paulo. Em 2007, foi publicada a Portaria nº 4.507/07- SME
Em 2001, com a publicação da série de Revista que instituiu, na Rede Municipal de Ensino, o Programa
EducAção (São Paulo, 2001), buscou-se problematizar “Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagens
e articular experiências das escolas da Rede Municipal. e Orientações Didáticas” para a Educação Infantil e
Essa revista trouxe reflexões relativas ao protagonismo Ensino Fundamental. Esse Programa trouxe subsídios
infantil, ao trabalho com as múltiplas linguagens, à para as UEs selecionarem conteúdos de aprendizagem a
importância do brincar no cotidiano das crianças e à serem desenvolvidos ao longo das duas primeiras etapas
prática de registros para acompanhar suas aprendizagens da Educação Básica e que precisavam ser assegurados a
e o trabalho da(o) professora(or). todos os educandos em cada ano dos Ciclos do Ensino
O Decreto nº 44.846, de 14 de junho de 2004, ao Fundamental e em cada agrupamento/estágio da
explicitar as atribuições do Professor de Desenvolvimento Educação Infantil.
Infantil, inciso VIII, do artigo 1º ressaltava que a(o) As “Orientações Curriculares: Expectativas de
professora(or) deveria “observar as crianças durante o Aprendizagens e Orientações Didáticas – Educação
desenvolvimento das atividades, procedendo o registro, Infantil” – conhecidas na RME como OCs - ressaltava
mediante relatórios que constituam uma avaliação que os registros se tornavam uma importante estratégia
contínua dentro do processo educativo”. para conhecer as preferências dos bebês e das crianças,
Em dezembro de 2004, foi publicada a Orientação as formas como eles participavam das atividades, seus
Normativa 01/04 – SME “Construindo um Regimento parceiros prediletos para a realização de diferentes
da Infância”, aprovada pelo Parecer do Conselho tipos de tarefas, suas narrativas, etc. Essas informações
Municipal de Educação nº 29/04. Essa normativa trouxe ajudavam a(o) professora(or) a reorganizar as atividades
considerações importantes sobre a concepção de criança, de modo mais adequado à realização dos propósitos
escola, currículo, avaliação, como também as atribuições infantis e das aprendizagens coletivamente trabalhadas
dos funcionários públicos envolvidos. (SÃO PAULO, 2007).
Visando à construção de uma Pedagogia da Educação As OCs não trouxeram a ideia de um instrumento de
Infantil, defende-se uma concepção de criança que, registro específico para a avaliação, entretanto, indicavam
desde o nascimento, é produtora de conhecimento e a observação e o registro como estratégia a ser utilizada.
de cultura, a partir das múltiplas interações sociais e das Nesse período, os instrumentos de avaliação mais
relações que estabelece com o mundo, influenciando e utilizados pelas(os) professoras(es) foram os Relatórios
sendo influenciada por ele, construindo significados a de Avaliação e a construção de portfólios individuais e
partir dele. (SÃO PAULO, 2004). coletivos da turma.
Outro aspecto importante a ser considerado, a Em 2013, a Orientação Normativa nº 01: Avaliação
partir dessa publicação, foi a utilização de registros na Educação Infantil: aprimorando olhares (SÃO PAULO,
que romperam com a ideia do uso das Fichas de 2014) foi elaborada pelo Grupo de Trabalho Avaliação
Avaliação, cujo foco se encontrava na avaliação da na Educação Infantil e propõe a documentação
criança ao final do processo. O registro pressupunha a educacional, defendendo a ideia de concepção de bebês
observação sistemática e contínua do desenvolvimento e e crianças socialmente competentes, com direito à voz e
aprendizagem da criança, como também trazia a reflexão participação nas escolhas e diz ainda que a concepção
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

da(o) professora(or) sobre a própria prática. de avaliação se efetiva pela sistematização de registros
No item IX - Avaliação, a Orientação Normativa significativos dos fazeres vivenciados pelos bebês e pelas
01/2004 destacava o papel dos registros significativos crianças e os percursos do grupo em suas inter-relações,
dos fazeres vividos pela criança para compor a sua em busca do conhecimento e suas formas de expressão
avaliação individual: (SÃO PAULO, 2014).
Para que a avaliação se efetive nesta perspectiva A nomenclatura documentação educacional aparece
é necessária uma sistematização através de registros pela primeira vez na Rede, devido à alteração da LDB de
significativos dos fazeres vividos pelas crianças, que 1996 pela Lei nº 12.796/2013, que prevê a “expedição

12
de documentação que permita atestar os processos professoras(es), contando com os horários formativos nas
de desenvolvimento das crianças”. Assim, a Orientação unidades diretas (Jornada Especial Integral de Formação,
Normativa nº 01/13 aponta que esta documentação Projeto Especial de Ação e Horas Atividades) e com as
não se remete a boletins, notas ou certificação de curso reuniões pedagógicas em todas as unidades diretas e
e propõe a elaboração de um Relatório Descritivo que parceiras (indiretas e particulares) e para construção,
revele o processo percorrido pelo bebê, pela criança e que consolidação e trocas sobre os instrumentos de registros
forneça às(aos) professoras(es) elementos necessários da UE e dos territórios.
para a continuidade do trabalho pedagógico. O trabalho da equipe gestora nos horários formativos
Ampliando a discussão, o Currículo Integrador deve contemplar pautas com referências teóricas que
da Infância Paulistana, publicado em 2015 pela SME, ofereçam subsídios para que as(os) professoras(es)
ressalta a importância de se documentar, que “pressupõe exercitem a escrita, a leitura e reflexão de registros
contextualizar, conhecer, olhar minúcias da realidade sobre as práticas cotidianas. A equipe gestora também
vivida coletivamente” nas UEs, trazendo conceito de precisa elaborar devolutivas regulares e sistemáticas
documentação pedagógica: por escrito para as(os) professoras(es) quanto ao seu
A documentação pedagógica propõe-se a comunicar trabalho e aos seus registros, porque a devolutiva por
as vivências e as experimentações de bebês e crianças, escrito historicistas o processo de acompanhamento da
suas descobertas, criações, ideias e aprendizados elaboração dos registros docentes por parte da equipe
expressos pelas linguagens de expressão, permitindo a gestora e também porque:
percepção e reflexão docentes sobre o que as crianças o registro é um grande instrumento para a
pensam, fazem, falam, teorizam, problematizam sobre os sistematização e organização dos conhecimentos. É
desafios que lhes são apresentados. (SÃO PAULO, 2015). também a possibilidade de que a Roda não se feche em
Em 2016, a fim de assegurar a continuidade do si mesma, mas se abra para o mundo. Através de textos,
processo de desenvolvimento e aprendizagem das os conhecimentos ali gestados podem, por exemplo,
crianças no período de transição da Educação Infantil atingir outros grupos. (WARSCHAUER, 1993, p. 56).
para o Ensino Fundamental, a SME publicou a Portaria Warschauer traz a metáfora da Roda, como “roda
nº 7.598/2016, estabelecendo procedimentos para a de conversa” que promove o compartilhamento de
expedição de documentação educacional que permita ideias, reflexões e saberes sobre a prática educativa.
atestar os processos de aprendizagem e desenvolvimento Nesse sentido, a devolutiva por escrito é uma forma de
da criança ao final da etapa de Educação Infantil. diálogo entre a equipe gestora e as(os) professoras(es),
Considerando o percurso histórico das orientações pois possibilita uma ”roda de conversa formativa” a
da SME sobre os registros produzidos pelas(os) partir dos registros docentes sobre seus saberes-fazeres
professoras(es) e por demais profissionais de educação, profissionais; suas teorias e conhecimentos sobre bebês,
bem como o contexto educacional em que a RME
crianças, infâncias, múltiplas linguagens, educação,
se encontra, serão apresentadas orientações sobre a
pedagogias, etc.; suas interpretações do cotidiano
elaboração dos instrumentos de registros.
educativo e sobre suas intencionalidades pedagógicas.
Pode-se dizer que a devolutiva por escrito garante
III - O papel da equipe gestora e da ação supervisora
uma formação permanente para as(os) professoras(es) e
na elaboração sistemática e frequente dos registros
para a equipe gestora. Paulo Freire, ao tratar do conceito
Os registros pedagógicos precisam comunicar o
de formação permanente, chama atenção para esse
percurso e o processo das experiências vividas nas
processo formativo e reflexivo, para a conscientização e a
interações entre bebês/crianças, bebês/crianças e adultos,
bebês/crianças e materiais, bebês/crianças e espaços para práxis, que devem levar ao desenvolvimento profissional
os próprios bebês e crianças, para famílias/responsáveis dos sujeitos e a melhoria de seus trabalhos e seus
e para todos os educadores (nos momentos de formação contextos: na formação permanente dos professores, o
permanente). Por esta razão, o papel da equipe gestora momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a
é fundamental para orientar, acompanhar e auxiliar o prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou
processo da elaboração dos registros pedagógicos. de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O
No contexto anunciado acima, entende-se que é próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem
imprescindível a ação supervisora que promova encontros de ser de tal modo concreto que quase se confunda com
formativos entre as UEs, na perspectiva do Currículo a prática (FREIRE, 1997, p. 39).
Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015), O registro escrito da(o) professora(or) e a devolutiva
bem como para o acompanhamento da elaboração dos por escrito da equipe gestora garantem a reflexão
registros pedagógicos de suas unidades. O supervisor crítica sobre a prática. A equipe gestora, ao destacar ou
escolar é o profissional que dialoga com diretores, reconhecer os registros docentes, no sentido de qualificá-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

assistentes de diretores e coordenadores pedagógicos los, contribui para a construção da documentação


no sentido de fortalecer o acompanhamento do processo pedagógica.
de elaboração dos registros pedagógicos das(os)
professoras(es) por parte desses gestores. IV - O papel das(os) professoras(es) na elaboração
É importante destacar que o coordenador dos registros
pedagógico é o profissional que está diretamente ligado Os registros docentes sobre o planejamento
ao acompanhamento, à orientação e ao auxílio da das atividades, brincadeiras, experiências e projetos
elaboração dos registros pedagógicos por parte das(os) pedagógicos a serem ofertados aos bebês e às crianças;

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sobre a observação e a escuta de bebês e crianças e sobre A ação de registrar torna visíveis as situações e
a avaliação das aprendizagens e do desenvolvimento de interações que ocorrem nas UEs e que estão sujeitas
bebês e crianças representam uma condição sine qua a passarem despercebidas ou esquecidas, se não
non para um trabalho qualitativo na Educação Infantil. forem objeto de reflexão e narrativa por parte das(os)
Os registros se configuram como um caminho possível professoras(es). É nesse processo de reflexão sobre
de construção de memórias e de desenvolvimento os registros e sobre a prática pedagógica que as(os)
profissional, em que a(o) professora(or) é autora(or) e professoras(es) ampliam seus saberes sobre os bebês,
narradora(or) de sua própria prática. Nesse sentido, cabe as crianças, as infâncias, a Educação Infantil, a docência
ao coordenador pedagógico acompanhar, orientar e e os próprios registros, produzindo a documentação
auxiliar a produção dos registros docentes, de modo que pedagógica.
esses sejam a expressão da intencionalidade docente, Nesse sentido, registrar os processos pedagógicos
tanto no momento do planejamento, quanto no momento por meio de diferentes instrumentos pode servir
de registrar o cotidiano pedagógico de sua turma e o a diversas finalidades: dar visibilidade às famílias/
percurso de desenvolvimento e aprendizagem dos bebês responsáveis e comunidade educativa, do que e
e das crianças. A(O) coordenadora(or) pedagógica(o) como os bebês e as crianças estão aprendendo e se
é a principal interlocutora(or) das(os) professoras(res) desenvolvendo; oportunizar aos bebês e crianças
em seus processos de reflexão sobre seus registros. revisitarem suas experiências, reconhecendo-se e
Nesta perspectiva, os registros são instrumentos de valorizando suas próprias produções e percursos; permitir
consolidação de diálogos para ampliação do sentido do que as(os) professoras(es) se constituam autoras(es) e
que se deve registrar a respeito da prática pedagógica. pesquisadoras(es) de suas práticas, apropriando-se delas,
Os registros docentes não podem ser apenas avaliando-as, de maneira que possam reconhecer-se na
descritivos ao relatar o que aconteceu no dia a dia, ação educativa, reconstruindo-a enquanto acompanham
mas também ser analíticos, tentando compreender as as experiências e processos de aprendizagens dos bebês
experiências ocorridas/vividas para buscar relações com e das crianças.
a continuidade do trabalho a ser desenvolvido. Nesse
cenário, a(o) professora(or) que observa, escuta, registra V - A importância do registro sob a ótica da criança
e interpreta o cotidiano de sua turma de bebês/crianças Na Educação Infantil, o documento “Critérios para
produz a possibilidade da documentação pedagógica, um atendimento em creches que respeite os direitos
tomando consciência de seus potenciais como aprendiz fundamentais das crianças” (CAMPOS; ROSEMBERG,
2009) estabelece que um dos critérios para as Unidades de
e se desenvolve profissionalmente:
Educação Infantil é o direito das crianças em desenvolver
Ao escrever e refletir sobre o escrito que, por sua
sua curiosidade, imaginação e capacidade de expressão.
vez, reflete a prática, o professor pode fazer teoria, tecer
Em outros itens nesse documento, há a intenção de se
pensamento-vida. Escreve o que faz. Pensa o que faz.
chamar a atenção para as necessidades e interesses
Compreende o que faz. Repensa o que faz. Redefine o
infantis, estimulando os adultos a estarem atentos a
que faz. Reafirma o que faz.
suas eventuais manifestações de descontentamento ou
Percebe limites e possibilidades de sua prática. Procura
tristeza e também abertos a seus desejos de expressão
alternativas. O registro diário é, pois, um instrumento e participação.
que articula a ligação entre teoria e prática, entre as As Assembleias e os Conselhos Escolares são
aprendizagens já realizadas e os novos conhecimentos. mecanismos que podem ser organizados para envolver
(OSTETTO, 2008, p.21). a participação das crianças em questões mais amplas
O exercício de registrar o cotidiano vivido junto que envolvem a organização da escola. Entretanto, essa
aos bebês e às crianças é um desafio e uma grande participação não pode ser vista meramente como um
aprendizagem do olhar para a(o) professora(or), pois evento, ela deve fazer parte do cotidiano pedagógico, na
quando esta (este) realiza a reflexão por meio do registro, expressão de alguma curiosidade, no questionamento de
percebe que é extremamente necessário observar as algum fenômeno desconhecido, na escolha de um livro
ações e reações, tanto em relação aos bebês e às crianças de história que a criança pretenda levar para sua casa, na
como também em relação a si mesma(o). expressão de opinião sobre alguma situação em conjunto
Em outras palavras, nesse momento, a(o) com os colegas, na oportunidade de criar uma história
professora(or) realiza o afastamento de seu papel de sua autoria, na própria avaliação das atividades e de
executor para entender suas práticas, avaliá-las e até sua aprendizagem e na avaliação dos espaços, tempos e
mesmo redirecioná-las por meio de novo planejamento. materiais da UE.
O ato de registrar não é natural, pelo contrário é Quando os registros do bebê e da criança ganham
aprendido por meio do exercício e, por isso, acreditamos visibilidade, envolvendo também a sua participação, há
nas ações formativas que ajudem as(os) professoras(es) a
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uma valorização de suas vozes e de seus olhares e há


exercitarem sua autoria mediante diferentes instrumentos a reiteração do compromisso estabelecido com suas
de registros. Como afirma Madalena Freire: aprendizagens, com suas formações como sujeitos e com
Quando escrevemos, desenvolvemos nossa suas potências de saber. Nesse sentido, quando bebês
capacidade reflexiva sobre o que sabemos e o que ainda (especialmente a partir de um ano) e crianças participam
não dominamos. da elaboração dos registros, comunicam e compartilham
O ato de escrever nos obriga a formular hipóteses, o que consideram importante nas experiências educativas,
nos levando a aprender mais e mais, tanto a formulá-las tendo sua voz, seu olhar e seus saberes valorizados,
quanto a respondê-las. (WEFFORT, 1996). podem construir uma memória repleta de significados.

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A participação de bebês e crianças na elaboração 6.1.1. O Planejamento Anual como Carta de
dos registros não pode se restringir a uma entrevista Intenções
no final do semestre ou às situações esporádicas, mas Na perspectiva da Pedagogia da Infância
a uma prática incorporada no cotidiano, por exemplo, (KISHIMOTO; OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2013 e
durante a discussão de uma história, na realização de OLIVEIRA-FORMOSINHO; KISHIMOTO; PINAZZA, 2007),
entrevistas com as crianças e entre elas, na investigação a possibilidade mais adequada para o planejamento
de algum acontecimento novo trazido pelos bebês ou anual do trabalho da(o) professora(or) é a elaboração de
pelas crianças, na explicação entre as crianças sobre um uma Carta de Intenções. Essa Carta, como o próprio nome
fato e em outras situações, ou seja, as narrativas infantis já diz, apresenta o ponto de partida do trabalho docente
cotidianas. e do planejamento, bem como suas primeiras intenções
Os registros que compõem a documentação que serão recheadas, ressignificadas ou transformadas
pedagógica na Educação Infantil podem ser realizados ao longo do caminho. Sua riqueza está na existência de
de diferentes maneiras sob a ótica das crianças, ou seja, um embasamento que permite começar e na abertura
escritos sobre as suas impressões e comentários sobre para o novo que ainda virá. É como planejar uma viagem:
alguma atividade desenvolvida, o que mais gosta da temos roteiros, expectativas e muitas intenções, que
escola, o que mudaria nos espaços, a criação de um serão modificadas a cada passo ou situação. A Carta de
conto, a opinião sobre alguma situação experienciada, Intenções valoriza o fazer pedagógico, o acontecimento
tendo a(o) professora(or) como escriba. diário, que muitas vezes não se formaliza no registro, mas
Os bebês (especialmente a partir de um ano) e é responsável por cada direção tomada. Nessa viagem,
as crianças podem produzir filmagens e fotografias os saberes docentes, os saberes e manifestações dos
com o manuseio de celular, tablet ou câmera digital, bebês e das crianças e da intencionalidade pedagógica
sobre alguma proposta ou descoberta que acreditam são companheiros de jornada e caminham juntos para
ser importante para si e/ou para o grupo. Eles podem o próximo destino, o que nos aproxima do conceito de
também gravar os espaços escolares e as interações com progetazzione, que será apresentado adiante.
os colegas, que se configuram como registros que podem Essa Carta de Intenções precisa estar fundamentada
revelar fatos e observações não perceptíveis à visão do no Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO
adulto e podem também contribuir para a construção da PAULO, 2015), nos Indicadores de Qualidade da Educação
memória de sua infância. Infantil Paulistana (SÃO PAULO, 2015b), no Currículo
da Cidade - Educação Infantil (SÃO PAULO, 2019), na
Os desenhos, as colagens e outras manifestações
Legislação educacional em vigor e no Projeto Político-
expressas pela arte também são reveladores sobre
Pedagógico de cada Unidade Educacional. Por ser uma
a visão que bebês e crianças possuem do contexto,
Carta, a forma como se pode escrevê-la é flexível e leva
da escola, das pessoas com as quais interage, da sua
em consideração a autoria da(o) professora(or).
interpretação de mundo e dos seus sentimentos. Nesta
O conteúdo da Carta de Intenções deve ser a
perspectiva, considerar o ponto de vista dos bebês e das
sinalização de projetos didáticos, experiências, atividades
crianças nos registros supõe uma ruptura de paradigmas
e brincadeiras que a(o) professora(or) quer proporcionar
adultocentrados, implicando em mudanças nas
para os bebês e as crianças ao longo do ano, anunciando
práticas pedagógicas avaliativas e nos registros das(os) o que entende naquele momento como potência, a fim
professoras(es). de que eles possam se desenvolver e avançar em suas
aprendizagens.
VI - MODALIDADES DE REGISTRO Como anunciado, está presente aqui o conceito
Entendemos que há diversas modalidades de registros progettazione da Pedagogia Italiana (EDWARDS;
pedagógicos, por isso optamos por estudá-los a partir de GANDINI; FORMAN, 2016) que entende que a(o)
quatro categorias: professora(or) precisa estar atenta(o) ao que os bebês e
• registros para o planejamento do trabalho as crianças comunicam, expressam, descobrem durante
pedagógico. as experiências, as atividades, as brincadeiras e os
• registros para a comunicação do trabalho projetos didáticos, porque essas informações podem e
pedagógico. devem ser incorporadas ao planejamento docente. A
• registros para avaliação das aprendizagens. ideia de progettazione pode ser compreendida a seguir:
• registros para a formação permanente. O currículo é visto como decorrente das observações
dos professores sobre ideias e os interesses das
6.1 - REGISTROS PARA O PLANEJAMENTO DO crianças, mas também é elaborado conforme o que
TRABALHO PEDAGÓGICO os professores pensam que poderá contribuir para o
Planejar o trabalho pedagógico demanda o olhar crescimento delas. Portanto, os professores e crianças
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antecipado para uma ação que se pretende realizar constroem juntos um plano flexível. Progettazione é,
durante um período de tempo, em um determinado assim, um processo dinâmico baseado na comunicação
espaço e com diversos materiais, a partir da observação e que gera documentação e é reciclado por ela. (GANDINI;
da escuta direcionadas para os interesses, as curiosidades, EDWARDS, 2002, p. 154).
os questionamentos, as necessidades de bebês e Dado seu caráter de iniciação, a Carta de Intenções
crianças, tanto individual quanto coletivamente. A seguir revela-se como um instrumento de planejamento para o
apresentaremos possibilidades para a materialização do início do ano letivo e/ou também para o início de cada
planejamento do trabalho pedagógico. semestre letivo.

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Ela representa um compromisso com a aprendizagem de atividades e as datas comemorativas. Caminha-se
e o desenvolvimento dos bebês e das crianças e deve para um planejamento que envolva escuta, observação,
ser revisitada frequentemente, ao longo do ano letivo. pesquisa e registro, que sinalizarão os interesses dos
A proximidade desta modalidade a um roteiro reforça bebês, das crianças e das(os) professoras(es), sendo o
que “planejar é a atitude de traçar, projetar, programar, projeto a modalidade organizativa que mais se aproxima
elaborar um roteiro para empreender uma viagem de desta perspectiva.
conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e No contexto do planejamento contínuo, é importante
significativas para / com o grupo de crianças” (OSTETTO, que a(o) professora(or) escolha um instrumento para
2000, p.177). registrar esse planejamento. A seguir serão apresentados
A elaboração da Carta de Intenções, por ser alguns instrumentos.
atividade autoral de cada professora(or), não pressupõe
modelos fixos, sua linguagem pode favorecer seu 6.1.3. O semanário como instrumento de registro:
compartilhamento com crianças e famílias/responsáveis, transição para o Diário de Bordo
para que se aproximem do processo vivenciado desde o O semanário tem sido compreendido como um
início. caderno contendo o registro de planejamento para
a semana, com a descrição das atividades a serem
6.1.2. O Planejamento Contínuo do trabalho trabalhadas e com a sinalização dos espaços, tempos
docente e materiais que serão necessários para a realização das
O planejamento contínuo é elaborado a partir da atividades. Geralmente, uma folha do caderno contém
Carta de Intenções, das observações cotidianas junto aos uma diagramação que a divide em cinco dias e cada
bebês e às crianças, sendo materializado nos registros dia é subdivido em horas para receber os registros das
diários construídos ao longo do percurso e do ano letivo. atividades planejadas. Esse instrumento de registro
Considerando que é no processo das experiências, tem sido muito utilizado e, por isso, há necessidade de
atividades, brincadeiras e dos projetos pedagógicos qualificá-lo.
vividos pelos bebês e pelas crianças nas UEs que eles A elaboração do planejamento em forma de
levantam hipóteses, expressam seus pensamentos,
semanário pode facilitar a visualização da organização dos
suas ideias, seus sentimentos e fazem perguntas, as(os)
tempos, espaços e materiais das atividades planejadas,
professoras(es) precisam estar atentas não somente às
da periodicidade de projetos, do encadeamento das
falas dos bebês e das crianças, mas também às suas
atividades permanentes e da distribuição das atividades
gestualidades e expressões corporais, pois podem ser
esporádicas.
pistas valiosas para futuras intervenções pedagógicas.
O desafio que se coloca para o uso desse instrumento
O registro das observações e da escuta das
é incluir a participação dos bebês e das crianças nesse
falas e narrativas infantis dos bebês e crianças pelo
planejamento por meio dos registros de observação e
docente contribui para a reflexão sobre o processo
educativo e serve para tomada de decisões. Um bom escuta das(os) professoras(es) sobre eles. Ao se considerar
planejamento contínuo deve levar em consideração o papel de protagonista dos bebês e das crianças, faz-se
as anotações individuais e do grupo, sobre o que foi necessário garantir que suas vozes, seus olhares e suas
vivenciado durante a ação pedagógica proposta. Nesse expressões estejam presentes no planejamento que
contexto, as(os) professoras(es), juntamente com a sinaliza as próximas atividades, brincadeiras, experiências
coordenação pedagógica e/ou com seus pares docentes, e os próximos projetos pedagógicos a serem realizados
precisam estudar os registros produzidos, no máximo com eles. Somente através da observação e da escuta
quinzenalmente, tanto do planejamento contínuo, atenta, as(os) professoras(es) terão condições de tecer
quanto do cotidiano vivido com os bebês e as crianças, a teia que respeitará a individualidade de cada bebê
para revisitá-los e planejar as próximas ações. e criança e que unirá a turma em seus interesses,
Dessa forma, materializa-se a progetazzione. necessidades, experiências e aprendizagens.
O item 2.3 dos Indicadores de Qualidade da As(os) professoras(es), com o tempo, vão modificando
Educação Infantil Paulistana propõe uma reflexão a o semanário a partir da observação e escuta atenta de
respeito da autoria, participação e escuta das crianças na bebês e crianças como elementos estruturais para o
documentação pedagógica, a respeito da necessidade seu planejamento, percebendo que, dessa forma, não
dos registros revelarem as vozes infantis, e como há como prever o que acontecerá nos cinco dias da
instrumento pedagógico dos(as) professores(as) para semana. Nesse momento, surgirá a necessidade de se
serem revisitados e avaliados continuamente a fim de escolher outro instrumento de registro que materialize
redirecionar sua prática educativa. Nesse contexto, o o planejamento da intencionalidade docente, que pode
planejamento contínuo docente tem como uma das ser o diário de bordo, um instrumento de registro
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premissas a participação de bebês e crianças, com suas que considera os protagonismos infantil e docente
opiniões e ideias presentes nas diferentes narrativas na elaboração do planejamento daquilo que vai ser
cotidianas, como elementos importantes para a oferecido para bebês e crianças.
organização e reorganização de todas as ações das(os)
professoras(es). 6.1.4. O diário de bordo
O planejamento deixa de ser elaborado a partir de O termo diário de bordo pode remeter a muitas
atividades desconexas entre si, apenas para preencher situações organizativas do dia a dia docente e dos bebês
o tempo no ambiente escolar. Abandonam-se as listas e das crianças.

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Defendemos que um desdobramento natural do semanário, quando é adequadamente preparado (trazendo as
intenções pedagógicas do que se pretende desenvolver junto às crianças e narrativas do que os bebês e crianças vão
apresentando como centro de interesses), é apresentar-se como um diário de bordo.
Este instrumento permite que a(o) professora(or) materialize o movimento de progetazzione seu e de sua turma,
neste processo vão aparecendo pistas de desdobramentos didáticos e pedagógicos do que pode/deve ser realizado
junto aos bebês e crianças. O processo investigativo será mais adequadamente vivenciado se for dialógico e a(o)
professora(or) ter um interlocutor para os seus escritos é primordial.
A maior riqueza e motivo de se escrever um diário de bordo é a potencialização da interlocução, que se opera em
três ordens:
· Individual - quando a(o) professora(or) escreve, seu processo reflexivo é acionado, há uma necessidade de
explicitar a si seus critérios e parâmetros, e existe um encontro com o seu fazer-saber;
· Parceria - a leitura sistemática da(o) coordenadora(or) para as escritas docentes e suas devolutivas escritas
auxiliam a(o) professora(or) a conseguir aprofundar cada vez mais suas análises, indagar suas escolhas, perceber suas
potencialidades e limites;
· Coletiva - quando o grupo é escritor de diários de bordo, há uma sinergia reflexiva na UE que possibilita a
existência de uma “comunidade de aprendizagens”, nos termos de Francisco Imbernón (2010), e o mais significativo,
abre-se a oportunidade de o grupo trocar práticas de forma mais estruturada.
O diário de bordo pode ser considerado como um registro de experiências profissionais e observações, em que
a(o) docente que escreve inclui interpretações, opiniões, sentimentos e pensamentos, sob uma forma espontânea
de escrita, com a intenção de falar sobre o seu fazer cotidiano. Por isto não há uma forma fechada de se produzir a
narrativa, o que existem são pistas, a saber:
* indicativo da proposição do dia com destaque às atividades permanentes, como: leitura diária, momentos de
alimentação, uso do parque (reconhecemos que muito se perde em observações por simplesmente banalizarmos as
atividades permanentes).
* interesse dos bebês e das crianças para as propostas; organização dos espaços, tempos e materiais para o dia.
* falas ou observações específicas de alguns bebês ou crianças todos os dias (assim, ao final do mês, garante-se
no mínimo uma observação para cada bebê/criança).
* desdobramentos na condução da proposta didática originada a partir das considerações infantis.
* possibilidades refletidas pela(o) professora(or) de futuros encaminhamentos.
* indicativos da coordenação pedagógica.

Compreendemos que registrar é uma ferramenta indispensável para a prática cotidiana pedagógica e que o diário
de bordo dialoga com os princípios delineados no documento Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO
PAULO, 2015).
O diário de bordo poderá desencadear um processo reflexivo docente. Para que ocorra tal processo, é condição existir
principalmente no início, a mediação da(o) coordenadora(or) pedagógica(o), reconhecendo-se que o aprimoramento
do saber-fazer docente se dá na interlocução com a coordenação e seus pares. Com o tempo, as narrativas vão
assumindo um viés mais reflexivo, contemplando o desenvolvimento de projetos, percursos, propostas e detalhes
sobre fatos, processos, locais e datas das investigações, questionamentos, descobertas, indagações, dificuldades e
facilidades, dúvidas, surpresas e conquistas, de bebês, crianças e professoras(es).
Os diários de bordo vão se constituindo ao longo de um tempo. Sobre esse assunto, Alcântara (2015, p.113) aponta
que as produções textuais docentes passam por diferentes etapas:
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O diário de bordo é um instrumento por meio do qual a coordenação pedagógica compreende o que se passa com
bebês, crianças e professoras(es) nos diferentes ambientes da UE, validando a qualidade das experiências vividas por eles.
Com o tempo, a escrita cotidiana junto às reflexões substituem o planejamento clássico da semana (em forma de
tabela).
Aparecem outras estratégias de planejamento do dia, afinal as pistas sinalizadas nos registros docentes vão dando
margem a novas proposições, que se materializam por meio do trabalho com projetos.
Para além de tudo o que foi apresentado, o diário pode ser um bom apoio à memória, no qual a(o) professora(or)
pode buscar formas de compreensão para as experiências vividas.
O processo de agir, refletir sobre a ação e replanejar novas estratégias pode ser facilitado à medida que se analisam
os acontecimentos, e esse conhecimento é utilizado em outras situações vivenciadas.
O principal objetivo do diário de bordo é a explicitação do saber-fazer docente. Além disso, os registros contidos
nele auxiliam a escrita dos relatórios individuais de bebês e crianças, uma vez que há a preocupação de trazer as falas
e as observações infantis diariamente, fornecendo materiais contextualizados e significativos para o(a) professor(a)
compor os relatórios de bebês e crianças.
A qualidade do diário de bordo está intimamente relacionada com a possibilidade de ser um instrumento
aglutinador de planejamentos, reflexões, registros infantis, fazeres-docentes e indicativos de formações coletivas. Não
recomendamos que o diário de bordo seja mais um instrumento, logo, a coordenação pedagógica, bem como a UE,
antes de optar em adotá-lo precisa ter clareza de suas vantagens didático-pedagógicas e sobre como o diário de bordo
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pode ser um articulador de diferentes instrumentos e estratégias.

6.2. REGISTROS PARA A COMUNICAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO


O registro para a comunicação do trabalho pedagógico auxilia na visibilidade do que é desenvolvido e realizado
com bebês e crianças e serve como material de estudo para os profissionais da UE.
A partir dos contextos das UEs e dos territórios, dos objetivos pedagógicos e dos interlocutores, apresentamos
possibilidades de registros para comunicação a serem construídas e legitimadas pelas UEs.

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6.2.1. Murais, painéis, paredes, muros que pautam o seu currículo. Um caminho importante
Os murais, painéis, paredes e muros são suportes para é envolver o tema em discussões coletivas, como as
a comunicação entre diferentes sujeitos da comunidade Reuniões Pedagógicas e de Conselho de CEI/ Escola ou
educativa: entre crianças do mesmo grupo, crianças de até mesmo na autoavaliação institucional - Indicadores
outros grupos, familiares, docentes, gestores, demais de Qualidade da Educação Infantil Paulistana, pensando
funcionários e comunidade local. O trabalho intencional em perguntas norteadoras, por exemplo: Como deverão
com estes suportes favorece a comunicação do trabalho ser as paredes, muros e lugares de exposição da Unidade
pedagógico que é realizado, mantém a memória do Educacional?
caminho percorrido, revela criações e construções, Os murais devem ser espaços legítimos de
promove a interação com diferentes linguagens de construção, revelação e reconhecimento de autorias, pois
expressão e também contribui para a formação estética os bebês e as crianças deixam suas marcas. As produções
de bebês, crianças e adultos. infantis podem ser apreciadas pelas paredes no interior
Aquilo que é exposto nos murais, painéis, muros e da instituição e no espaço externo, onde as crianças
nas paredes das UEs configuram-se como elementos poderão usufruir de suas próprias produções e das de
formativos que contam uma história e/ou uma narrativa seus colegas, bem como reconhecê-las. Além das salas
na exposição. Nesse sentido, é desejável alinhar forma e de cada turma/agrupamento, os corredores, refeitórios
conteúdo, pensando em materiais mais convidativos e e ambientes externos podem contemplar exposição de
flexíveis como suporte, em pequenos textos explicativos fotografias, pinturas, esculturas e instalações artísticas
que complementam o entendimento daquilo que é que expressam o protagonismo e as aprendizagens dos
exposto, em produções representativas e significativas de bebês e das crianças.
um trabalho coletivo, de um projeto, de um percurso que Cabe destacar que se o objetivo desses suportes é
precisa ser valorizado. também a partilha dos registros com bebês e crianças,
Paredes, portões, muros, espaços de entrada são eles devem estar à altura deles para que possam visualizá-
porta-vozes de uma história vivida e contada diariamente. los e tocá-los. Desse modo, murais na altura dos adultos
A entrada da UE pode ser considerada como um cartão de acabam não fazendo tanto sentido diante da importância
visita da instituição, dando visibilidade à cultura local e às das crianças e bebês se reconhecerem neles, salvo
concepções materializadas nos registros expostos. Esses exceções em que o adulto pode ser foco da intenção
registros constituem memórias coletivas vivenciadas que
expositiva, pelo painel de comunicados, mensagem de
comunicam a todos que circulam pelos ambientes da
acolhimento às famílias/responsáveis das crianças e da
Unidade. Conforme Strozzi:
valorização de diferentes atores do processo educativo
A documentação cobre as paredes da escola como
como legitimador do conhecimento ali partilhado.
uma segunda pele. Convida a sentir-se ou tornar-se parte,
Os murais podem ser elaborados com vários materiais,
com os outros, das experiências, das histórias. Sugere a
tais como elásticos, tecidos, móbiles, varais etc. Algumas
possibilidade de ver valorizado o que vai ser vivido. Uma
obras podem ter uma permanência maior dependendo
documentação que dá forma aos valores da memória
do sentido atribuído, ressaltando não apenas aqueles
e da narração como direito e qualidade vital do espaço
educativo. (STROZZI, 2014, p.64). que ali estão no momento, mas os que estão por vir e
O documento “Educação Infantil e práticas promotoras por ali já passaram.
de igualdade racial” pondera que:
Considerar o espaço como ambiente de aprendizagem 6.2.2. Imagens: fotos, vídeos e produções infantis
significa compreender que os elementos que o compõem Fotos, vídeos e produções infantis devem revelar as
constituem também experiências de aprendizagem. Os aprendizagens, vivências e experimentações de bebês e
espaços não são neutros; sua organização expressa valores crianças, evitando-se, portanto, fotografias posadas e sem
e atitudes que educam (SILVA JUNIOR, 2012, p. 19). objetivos definidos, vídeos de apresentações ensaiadas
Vale salientar a importância do olhar atento quanto à e produções infantis idênticas, que apenas reproduzem
valorização da diversidade e de diferentes perspectivas, gestos e não dão visibilidade para a expressão das
sendo fundamental que os ambientes expressem não crianças de forma autoral.
somente as experiências e aprendizagens vividas, mas As imagens devem ser fonte de comunicação e
também rompa com a lógica de atividades copiadas, documentação do trabalho desenvolvido, conforme
releituras padronizadas, reprodução de estereótipos e afirma Vea Vecchi:
evidencie a identidade de bebês, crianças e adultos que Toda documentação – as descrições escritas, as
convivem na instituição, conforme orienta o documento transições das palavras das crianças, as fotografias e
Currículo Integrador da Infância Paulistana (SÃO PAULO, vídeos – torna-se uma fonte indispensável de materiais
2015). Nesse contexto, painéis confeccionados pelas(os) que usamos todos os dias, para sermos capazes de “ler”
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professoras(es) ou pautados em datas comemorativas e refletir, tanto individual quanto coletivamente, sobre a
não são significativos para a criança, nem permitem o seu experiência que estamos vivendo, sobre o projeto que
protagonismo. estamos explorando [...]. (VECCHI, 2016, p.126).
Devemos evitar produções padronizadas e Dessa maneira, as imagens como registro pedagógico
estereotipadas (frutas sorridentes, objetos inanimados possuem características próprias que servem para fins
com perninhas, etc.), pois além de inibir a criatividade, específicos na Educação Infantil, tais como:
desconsideram o protagonismo infantil, revelando que a ? Inserir as famílias/responsáveis no processo
UE precisa avançar nos seus estudos quanto às concepções educativo dos bebês e crianças.

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? Revelar percursos de aprendizagens. ? As concepções pedagógicas das postagens devem
? Contar histórias ou narrativas para as famílias, estar de acordo com o PPP da Unidade;
bebês/crianças e educadores (com objetivo de refletir ? As famílias/responsáveis podem e devem estar
sobre suas práticas). inseridas neste processo, não só como espectadoras das
? Incentivar a participação dos bebês e das crianças na atividades, mas de forma ativa como parte do processo
construção dos registros imagéticos, fílmicos e pictóricos educativo;
favorecendo a criação de memórias e vínculos afetivos. ? O registro realizado nas Redes Sociais Institucionais
? Ser um material que favoreça o planejamento e a deve contribuir para a formação, a reflexão e o
construção das avaliações dos bebês e das crianças. compartilhamento do trabalho desenvolvido.
Além dos adultos, as crianças podem ser convidadas É importante esclarecer que não há embasamento
a registrar essas imagens fotografando, filmando, legal quanto à formalização de comunicação de assuntos
desenhando cenas do cotidiano e espaços educativos. pedagógicos e administrativos relativos à UE, por meio de
Essa prática já é realizada em alguns CEIs e EMEIs como perfis privados em redes sociais ou grupos de Whatsapp
forma de compreender a representação que as crianças não institucionais.
possuem da Unidade Educacional e seu olhar sobre o
entorno. 6.2.4. Agenda
O objetivo da(o) professora(or) ao apresentar as A agenda é um instrumento de registro que favorece
imagens para as crianças como: artes plásticas, arte urbana, a comunicação entre a UE e a família/responsáveis pelos
documentos históricos etc. relacionadas ao trabalho bebês e crianças. Na prática, é um canal diário e direto para
intencional de ampliação do repertório imagético, compartilhamento de avisos, recados, informes gerais,
fílmico e pictórico, contribui para a experiência estética coletivos ou particulares que tratam das mais diversas
dos bebês e das crianças, que podem compor diálogos temáticas. Por isso, é comum que os(as) professores(as)
e leituras de mundo através de diversas produções e de atuem no processo formativo para que as famílias/
múltiplas linguagens. responsáveis acompanhem o uso da agenda diariamente.
A agenda comunica os princípios pedagógicos da UE
6.2.3. Redes Sociais Institucionais que pautam as atividades, oferecem devolutivas sobre
As redes sociais institucionais são instrumentos para encontros, eventos ou propostas mais específicas, relatam
dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pela Unidade, acontecimentos marcantes ao grupo e registram fatos
individuais.
privilegiando o protagonismo infantil, auxiliando a
A escrita na agenda requer critérios, especialmente, no
troca de experiências entre educadores e facilitando a
que diz respeito aos conflitos, aos pequenos acidentes ou
comunicação com as famílias/responsáveis, divulgando
às situações que podem gerar alguma exposição negativa
o cotidiano da instituição e reiterando sua função pública
do bebê ou da criança. Vale destacar que a agenda não
e política. As crianças e famílias/responsáveis podem
substitui uma boa conversa.
acessar esses registros em diferentes tempos e espaços,
A agenda como instrumento de registro pode ser
dialogar com suas experimentações, descobertas e ter
valorizada no incentivo às famílias/responsáveis para que
suas memórias compartilhadas com seu grupo social, também a utilizem com frequência e até no envolvimento
ampliando as leituras dos trabalhos ali apresentados. das crianças, que respeitando a especificidade de cada
Consideram-se como canais importantes de rede faixa etária, devem envolver-se com a marcação de
social aqueles que remetem à ideia de comunidade via datas, com a leitura dos comunicados ou uma roda de
web, como blogs, sites, perfis no facebook, instagram, conversa sobre o que contemplam alguns dos registros.
etc. Devido a sua abrangência, o cuidado com a exposição Esse portador, a priori, pertence ao bebê e à criança e faz
deve ser ainda mais meticuloso, pautado nos princípios parte de sua identidade, de suas marcas ao longo do ano
que regem o Projeto Político-Pedagógico, preservando e pode trazer aspectos mais positivos dessa comunicação
bebês, crianças e adultos de constrangimentos. As entre a UE e a família como um todo.
publicações devem ser construídas respeitando as normas
estabelecidas com a equipe educativa, em conformidade 6.2.5. Caderno de Passagem
com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, O caderno de passagem trata dos registros do
1990), e bem contextualizadas com o uso de legendas cotidiano de bebês e crianças, e tem por objetivo a
ou textos, que podem passar por revisões combinadas. comunicação das(os) professoras(es) que trabalham
O uso de imagem nas redes sociais deve ser previamente com a mesma turma em períodos diferentes. Possui um
autorizado e as fotografias devem privilegiar o foco nas caráter informativo, para registro de recados importantes,
atividades e não a criança ou o bebê em si. lembretes ou algum fato marcante ocorrido naquele
Por ser algo novo como ferramenta pedagógica e, período. Também deve conter informações relacionadas
ao mesmo tempo, atual e presente em nossas vidas, o
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à saúde e bem-estar dos bebês e crianças.


uso dessas mídias sociais pode compor um rico material Uma vez que a mudança de docente em cada turno
formativo e de estudo. As intenções do conteúdo gerado não pode gerar rupturas nas ações educativas, o caderno
devem trazer reflexões sobre sua relevância e adequação: de passagem é, na sua potencialidade, um espaço
? Os atores responsáveis pelo que a UE torna público de troca, diálogo e parceria que traz unidade para a
devem ser escolhidos por todos; vivência da criança no ambiente educativo e pistas de
? Deve ser decidida a frequência das postagens e acontecimentos significativos nos desafios diários e nas
a representação de cada grupo, segmento ou atores conquistas, servindo tanto para reflexão sobre o que foi
sociais; experienciado quanto para futuras intervenções.

20
6.2.6. Caderno de observação e registro do bebê e O caderno de observação do bebê ou da criança
da criança deverá ser um instrumento de registro flexível, podendo
A observação docente é essencial para o processo estar junto do planejamento, semanário, diário de bordo
de acompanhamento das aprendizagens e dos ou em caderno próprio. A(O) professora(or) deve estar
desenvolvimentos infantis. A partir da observação, a(o) atenta(o) às possibilidades facilitadoras de seu trabalho
professora(or) pode levantar propostas direcionadas para a composição cada vez mais aprimorada do relatório
para o desenvolvimento integral de bebês e crianças. de acompanhamento da aprendizagem dos bebês e das
A observação está articulada com o olhar pesquisador crianças.
do(a) professor(a), atento ao contexto e às interações Cabe à(o) professora(or) encontrar a melhor forma
sociais estabelecidas, no cotidiano, junto aos bebês de registro para compor esse caderno, de maneira que
e crianças, o que se torna um processo dinâmico seja prática e, ao mesmo tempo, eficiente, planejando
inclusive com intervenções. Além disso, o resgate dessas a observação das crianças ao longo do dia, da semana,
observações no registro escrito auxilia também na do mês, do semestre, do ano letivo, permitindo o
elaboração dos relatórios. aprimoramento da escuta efetiva dos bebês e crianças
É importante que tudo seja observado, entretanto, como processo facilitador na construção dos registros
essa observação deve ser realizada a partir de um e, portanto, dos Relatórios do Acompanhamento da
planejamento, que tenha foco, direcionamento, podendo Aprendizagem.
ser seguido de um roteiro ou uma pauta para que, então, A(O) coordenadora(or) pedagógica(o) deverá
sejam registradas situações que demonstrem e apontem construir com o grupo um percurso formativo quanto
o direcionamento que esse planejamento deve tomar. aos instrumentos facilitadores da escrita dos registros
Como afirma Welfort, “há muitos tipos de registro, dos bebês e crianças.
em linguagens verbais e não verbais; todas, quando Elencar os observáveis que se tornem norteadores do
socializadas, historificam a existência social do indivíduo” olhar da(o) professora(r) diante das aprendizagens efetivas
(WELFORT, 1996, p.23). dos bebês e das crianças, cabendo à(o) coordenadora(r)
Dessa forma, esse momento do registro será ler esses registros periodicamente, validando o processo
fundamental para reunir elementos a partir dos quais de escrita, organizando devolutivas com o objetivo do
será possível promover reflexões sobre a prática do aprimoramento da prática, da observação, da escuta e da
professor na interlocução com a gestão, ficando claro no escrita de qualidade.
Projeto Pedagógico que a observação e o registro fazem
parte do fazer pedagógico da unidade. 6.3. REGISTROS PARA AVALIAÇÃO DAS
Tipos de observação e registro: APRENDIZAGENS
Individual – o foco da observação é apenas um bebê Entendemos que a(o) professora(or) deve utilizar
ou de uma criança no processo investigativo. diversos instrumentos de registro para acompanhar o
* Pequenos grupos (sugere-se, no máximo, três processo das aprendizagens e do desenvolvimento de
crianças) – quando são apontadas as preferências sociais cada bebê e criança.
no grupo, as escolhas, narrativas, falas das crianças, A concepção de avaliação que dialoga com esse
gestos infantis. entendimento é a avaliação formativa, que, segundo
* Coletivo do grupo – proporciona a visibilidade às Perrenoud (1996), faz com que a(o) professora(or)
relações sociais entre bebês e crianças e suas descobertas. observe as crianças, a fim de compreender melhor como
* Fotográfico – as fotografias podem revelar os elas aprendem e, depois, ajustar suas intervenções
processos de aprendizagem e descobertas significativas. pedagógicas.
* Fílmico – facilita o acompanhamento das experiências Nesse sentido, a avaliação deve se constituir uma
vividas pelas crianças. oportunidade para que os sujeitos possam demonstrar
* Áudio – anuncia as falas e conversas permeadas de o que sabem e como sabem. Somente assim, a(o)
descobertas. professora(or) poderá não só intervir, mediar e orientar
É sugerido durante o processo de construção bebês e crianças, como também aprender junto nesse
das observações dos bebês e crianças destinar uma processo.
ferramenta exclusiva à escrita desses registros, como um
caderno no qual cada bebê ou criança terá sua página de 6.3.1. Relatório do Acompanhamento da
observáveis. Esse caderno também acolherá os demais Aprendizagem
registros realizados pela(o) professora(or), tornando-se Segundo a Orientação Normativa nº 01/2013 (SÃO
assim um Caderno de Observação e Registro dos Bebês PAULO, 2014), o relatório descritivo é o documento
e das Crianças. que comprova a frequência dos bebês e das crianças
Essa forma de registro facilita para a(o) professora(or) na Educação Infantil e esse deve ser encaminhado à
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direcionar seu olhar para cada bebê e cada criança, fase/etapa seguinte (EMEI ou EMEF). Como parte da
lembrando que não há como registrar diariamente sobre documentação pedagógica, afirmamos nesta Orientação
todos. Ao realizar essa escrita, pode conter possibilidades Normativa que o relatório é o instrumento de avaliação
do fazer docente e pistas para um planejamento voltado do desempenho/desenvolvimento das crianças na
à escuta efetiva dos bebês e das crianças. Educação Infantil Paulistana.
Segundo Fochi (2015), Loris Malaguzzi orientava O relatório deverá conter, no mínimo: a) o percurso
os professores a escreverem coisas importantes em realizado pelo grupo decorrente dos registros semestrais;
cadernos de bolso, como falas das crianças, observações b) o percurso realizado pela criança individualmente
do cotidiano para repensar o planejamento. nesse processo; c) anotações contendo falas ou outras

21
formas de expressão da criança que reflitam sua registro sempre vem acompanhada de uma situação
autoanálise; d) parecer do(a) educador(a) fundamentado contextualizada que aponta os avanços e que sinaliza
nas observações registradas no decorrer do processo; os desafios de bebês e crianças e as intervenções da(o)
e) parecer da família quanto às suas expectativas e os professora(or) para qualificar este processo. Ao darmos
processos vividos. f) observações sobre a frequência da visibilidade para a fala do/da bebê/criança no Relatório,
criança na Unidade, como indicador de sua interferência registramos seu protagonismo e destacamos suas formas
no processo de desenvolvimento e aprendizagem da de expressão.
criança; g) outras informações julgadas pertinentes. (SÃO Apresentamos algumas questões para auxiliar na
PAULO, 2014, p.33). elaboração do Relatório de Acompanhamento da
O relatório apresenta o percurso coletivo da Aprendizagem dos Bebês e das Crianças:
turma. Nesse item podemos registrar os projetos ? Por meio do registro é possível reconhecer a história
desenvolvidos com as turmas: como se iniciou? Como individual do bebê e da criança?
foi o seu desdobramento com o grupo? Quais foram ? O registro fala do bebê e da criança como ser
as indagações dos bebês e das crianças que originaram único, singular ou o/a compara a partir de padrões
outras atividades ou etapas do projeto? Quais foram os determinados?
conhecimentos científicos, artísticos, musicais, éticos, ? O registro revela as maneiras do bebê e da criança se
estéticos e culturais descobertos pelo grupo? Qual será relacionar com os tempos, espaços e materialidades ou
a continuidade ou desfecho da proposta percorrida pelo limita-se ao desenvolvimento nas diferentes linguagens
grupo? Destacamos, assim, que o planejamento e os da Educação Infantil? Prioriza uma ou mais linguagens
instrumentos de registro colaboram na composição do em detrimento de outras?
percurso coletivo da turma. ? O registro explicita as intervenções das(os)
O relatório representa um recorte do percurso professoras(es)?
vivenciado por cada criança, suas descobertas, ? O registro revela as curiosidades, descobertas,
questionamentos, hipóteses, avanços, dificuldades, pensamentos, gestos e criações dos bebês e crianças,
interações. Entretanto, nos perguntamos: - Quando privilegiando sua potência?
posso iniciar a escrita do relatório do acompanhamento ? O relato do percurso do bebê e da criança narra
da aprendizagem? Não podemos começar a escrita do suas formas de interagir com os adultos e outras crianças,
relatório apenas duas semanas antes da reunião com as dando visibilidade de como a criança constrói cultura
com seus pares?
famílias/responsáveis, ou deixar para última hora, pois,
? Que concepções de criança, infância, educação e
se assim acontecer, ele perde a sua intencionalidade
ensino-aprendizagem o registro revela?
formativa de acompanhamento do processo de
A elaboração do Relatório sobre os percursos e
aprendizagem. E assim constatamos algumas situações
as aprendizagens dos bebês e das crianças deve estar
que se fragmentam pela falta de detalhes sobre os
em consonância com a defesa de que sua avaliação
acontecimentos cotidianos e as vivências significativas
deve partir dos avanços de cada um/uma em relação
para os bebês e as crianças e para o grupo.
a si mesmos/as e não em comparação com outros
Os instrumentos de registros que mais se aproximam
bebês e outras crianças (BRASIL, 2012; SÃO PAULO,
da proposta curricular integradora são o Caderno de 2014). Compreendemos que, caracterizar as crianças,
Observação e Registro do Bebê e da Criança e o Diário estabelecendo padrões comportamentais, descaracteriza
de Bordo, pois as aprendizagens delas são descritas em seus processos de aprendizagem. Neste sentido, as
detalhes e auxiliam na elaboração de um Relatório de dificuldades e os desafios não são entendidos como
Acompanhamento da Aprendizagem de qualidade. algo estático, mas informações que carecem de registros
De acordo com o Currículo Integrador da Infância sobre as intervenções das(os) professoras(es) com vistas
Paulistana (SÃO PAULO, 2015), para elaborar o registro aos possíveis avanços nas aprendizagens das crianças.
de acompanhamento individual do bebê e da criança, Destacamos que os relatórios precisam revear o percurso
as(os) professoras(es) devem estabelecer de forma de aprendizagem e descobertas de cada bebê e de cada
sistemática a observação atenta àquilo que os bebês criança e não se reduzir a aspectos do comportamento,
e as crianças fazem, dizem e expressam ao longo de que os julgam como “agitado(a)”, “teimoso(a)”,
suas vivências. A observação sistemática e planejada é “meigo(a)”, “caprichoso(a)”, descaracterizando o
a base para elaboração dos registros diários e, por sua processo de aprendizagem ou culpabilizando as famílias/
vez, dos relatórios, pois leva em consideração as histórias responsáveis:
pessoais, os interesses, as dificuldades e as possibilidades Da mesma forma, alguns pareceres descritivos
dos bebês e das crianças, assim como oferece pistas encerram concepções disciplinadoras, sentencivas e
de suas evoluções, de suas aprendizagens e de seus comparativas que ferem seriamente o respeito à infância.
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desenvolvimentos. A análise dos procedimentos rotineiros de avaliação


No Relatório, o percurso individual deve conter permite-nos observar sérios reflexos, na educação
anotações de falas ou outras formas de expressão do infantil, dos modelos de avaliação classificatório do
bebê ou da criança que demonstrem suas descobertas, ensino regular. (HOFFMANN, 1996, p.10-11)
opiniões e hipóteses sobre fatos e acontecimentos, As intervenções realizadas pela(o) coordenadora(r)
incluindo diálogos com seus colegas e demais agentes pedagógica(o) na escrita desses relatórios, a troca entre
da comunidade educativa, bem como possíveis os colegas e a participação das famílias/responsáveis
desdobramentos destes diálogos. Essa forma de neste documento são essenciais para sua qualidade.

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É preciso expressar o processo de aprendizagem e semestre pesquisamos sobre alimentação saudável, você
de desenvolvimento dos bebês e crianças e, por isso, percebeu alguma diferença na alimentação do(a) seu(sua)
os relatórios não são atestados de aptidão ou falta de filho(a) em casa?” As famílias/responsáveis relatam
aptidão, e não devem ser utilizados para enquadrá-los desdobramentos do trabalho pedagógico, apresentam
em fases ou estágios. Eles devem apresentar avanços, suas expectativas com os projetos e costumam dar
desafios, descobertas, percursos experienciados, além sugestões.
de sinalizar possíveis caminhos, com as mediações A equipe gestora da UE precisa incentivar as famílias/
estabelecidas entre os bebês, as crianças e os adultos. responsáveis a participarem não somente por meio
Deve-se garantir formas de participação da criança da leitura do relatório, mas também com suas ideias e
também nos relatórios (filmagem, fotografia, entrevistas, observações individuais, deixando também suas marcas
desenhos e outros registros sob a ótica infantil). A(O) nesse documento.
professora(or) pode ser sua(seu) escriba, registrando
suas falas e propiciando sua autorreflexão e tomada de 6.3.2. Portfólio
consciência quanto aos processos vivenciados. O portfólio é um instrumento de registro que retrata o
Para promover a autorreflexão da criança, sugere-se percurso do bebê, da criança ou do grupo durante o ano,
ao(à) professor(a) que realize entrevistas com as crianças, que mapeia as aprendizagens, descobrindo a diversidade
que pergunte sobre suas preferências na escola, sobre implícita de cada um, que respeita as diferenças e
suas experiências significativas, sobre as interações assegura a análise e reflexão do trabalho desenvolvido
e sobre suas sugestões para melhorar o trabalho durante um período de tempo.
pedagógico e a escola. E os bebês? Ele também demonstra sua potência quando
Também podem escolher o que foi mais significativo? adotado a partir de estudos das(os) professoras(es) com
Sim, pois o olhar atento da(o) professora(or) fará com que a coordenação pedagógica, para apresentar os caminhos
se torne a(o) escriba de suas aprendizagens significativas. percorridos pela UE.
De acordo com Colasanto (2014), a participação da Desta forma, os registros contidos no portfólio não
criança na avaliação, assim como sua autorreflexão não são aleatórios, pois partem de uma observação que não
podem acontecer apenas no final do semestre ou na é neutra. Neste sentido, ao contemplar o portfólio como
opinião do que mais gostou da escola. Este conceito forma de registro, a(o) professora(or) deve ter claro qual
insere-se em um contexto educacional mais amplo: é a sua intencionalidade.
como ocorre a participação? A criança é protagonista O portfólio individual registra os percursos, as reflexões
no planejamento das atividades? E na organização e as memórias dos bebês e das crianças ao longo do ano,
dos espaços, tempos e materiais? A experiência de suas interações com o grupo a que pertencem, bem
participação na avaliação deve ser permanente e como as reflexões docentes sobre esses percursos. Diante
integrada ao cotidiano educacional, como também disso, não será uma simples coletânea de momentos
abranger a família. ou álbuns de fotos. Precisa revelar percursos, caminhos
As famílias são interlocutores do relatório, por vividos, mudanças de hipóteses dentro das propostas que
isso devemos refletir sobre a linguagem utilizada nasceram da escuta atenta das(os) professoras(es). Sua
na sua escrita. Deve-se evitar a utilização de uma construção envolve um projeto de trabalho que unifica: a
linguagem específica de uma área – a Pedagogia – a escuta dos bebês e das crianças; o registro de qualidade
que os interlocutores têm pouco acesso, tais como: jogo da(o) professora(or); a escuta das famílias; os registros
simbólico, controle dos esfíncteres, pseudoleitura, etc., fotográficos e as produções deles. As crianças devem
que dificulta a compreensão das famílias/responsáveis escolher as imagens mais significativas e as produções
sobre o processo. de que mais gostaram para compartilhar com os colegas
O parecer da família/responsável é uma devolutiva e com suas famílias.
importante para conhecermos as expectativas que O portfólio do grupo pode ser uma espécie de “blocão”
possuem sobre o processo vivenciado pela criança, como (OSTETTO, 2017), álbum, caderno ou pasta, no qual vão
compreender a continuidade do trabalho pedagógico sendo anotadas as histórias, descobertas e experiências
na esfera familiar. Por isso, é muito comum às famílias/ vivenciadas pelos grupos. Podem ser fixadas fotografias,
responsáveis dialogarem com o relatório e apontar suas produções, coletas da natureza, textos criados pelas
nele que, “em casa”, percebeu que o filho explicou crianças e transcritos pela(o) professora(or), anotações de
alguma situação específica descrita no texto, ou teve hipóteses de pesquisa, falas e comentários das crianças,
desdobramento de algo que aprendeu e explicou combinados e acordos do grupo, relatos de experiência,
para alguém da família/responsável. Há também enfim, tudo que as crianças e as(os) professoras(es)
muitas famílias/responsáveis que não compreendem a acham significativo deixar ali. Como característica deste
utilização desse espaço no parecer e deixam de escrever percurso coletivo, ele deve ser acessado facilmente pelos
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ou fazem perguntas direcionadas ao administrativo da bebês e crianças, pois sua principal característica é a
escola, sendo, por isso, importante orientar as famílias/ cotidianidade, sua composição no dia a dia ao longo do
responsáveis sobre o registro desse parecer. ano. Esta forma de construir o registro lembra o “Livro
Colasanto (2014), ao analisar o parecer dos familiares da Vida” de Célestin Freinet (2001), na qual descreve o
no relatório, verificou que quando direcionamos alguma uso de um grande caderno em que eram anotados os
pergunta às famílias/responsáveis, tal como: “você fatos interessantes do cotidiano, ficando registrados os
percebeu alguma mudança no(a) seu(sua) filho(a) momentos mais vivos e as anotações podiam ser feitas
enquanto esteve conosco? Comente”, ou “durante este por quem quisesse.

23
O desafio do portfólio reside no olhar da criança real 6.4 – REGISTROS PARA FORMAÇÃO
para conhecê-la e pensar em possibilidades de registrar Para preservar a memória coletiva dos sujeitos e
seu desenvolvimento ao longo do ano letivo. registrar as reuniões formativas - reuniões pedagógicas;
O portfólio é fonte de conhecimento e possibilita reunião para análise coletiva de registros; horário
a autoavaliação, a autorreflexão e o registro de coletivo/individual e Projeto Especial de Ação (para os
memórias infantis, das(os) professoras(es) e famílias/ profissionais das unidades diretas), os registros dos
responsáveis. Esse processo permite o acompanhamento encontros deverão ser feitos em livros oficiais constando
e a reorganização das práticas, possibilitando novos as discussões, decisões e aprofundamentos.
fazeres pedagógicos, novas maneiras de sistematizar
as aprendizagens e novas maneiras de compreender o 6.4.1. Registros de reuniões formativas
processo evolutivo da criança. Esses registros deixam marcas e memórias a serem
Segundo Ostetto (2017), a fotografia é essencial revisitadas sempre que necessário aos educadores e
nesta modalidade de registro e temos um caminho formadores, na busca de significações e ressignificações
a ser percorrido diante do nosso registro fotográfico para suas práticas.
como prática cotidiana para (re)ver os bebês e as Esse material deve ser compreendido como revelador
crianças, e exercício a ser ampliado e incorporado. Ele de uma história acerca do percurso formativo individual
faz com que compartilhemos com outras pessoas nossas e coletivo e que, quando compartilhado, constrói a
visões e concepções sobre os modos próprios de ser identidade daquele grupo rumo a uma prática cada vez
crianças. Emprestamos nosso olhar, para que as pessoas mais fortalecida.
enxerguem o que estamos vendo de maneira bonita e Para além do cumprimento de um dever de produção
sensível. das atas, esses registros podem trazer os diálogos,
Contextualizar esse olhar com a parte escrita é discussões dos participantes, ser ilustrado com imagens
essencial para a composição do portfólio. e ganhar movimento no cotidiano. Além do exercício da
A equipe gestora precisa viabilizar a confecção do escrita em diversas formas, a produção desse registro
valoriza a construção da identidade do grupo como uma
portfólio, garantindo os recursos necessários. No Projeto
comunidade de aprendizagem e o diálogo com suas
Político-Pedagógico (PPP) deve estar registrada a decisão
buscas, os confrontos, as proposições e os conhecimentos
do grupo por este instrumento para o acompanhamento
construídos. Olhamos para estes registros como fonte
das aprendizagens de bebês e crianças, de forma coletiva
para pautas de formação permanente e até mesmo como
ou individual. O documento Indicadores de Qualidade
inspiração para potencializar reflexões e ações sobre as
da Educação Infantil Paulistana (SÃO PAULO, 2015b) nos
práticas da UE e dos territórios.
auxilia a visualizar a importância deste movimento de
Para que esses registros se qualifiquem nessa
construção coletiva de decisões: perspectiva, precisam representar todas as vozes presentes
O Projeto Político-Pedagógico deve ser um na unidade: professores, funcionários, equipe gestora,
instrumento dinâmico, possibilitando sempre ser equipe terceirizada e quem mais estiver envolvido direta
revisto, apresentando as continuidades das propostas ou indiretamente com o trabalho. Descrever o cotidiano
pedagógicas e administrativas, encaminhamentos através de um olhar pessoal permite distanciamento,
realizados, dificuldades superadas e outras ações reflexão e ampliação da formação.
necessárias de intervenção. Assim, se caracteriza como Representar a todos e a cada um pode ser um rico
um documento de consulta para todos os membros da desafio.
comunidade escolar, no qual se resgata e registra os Nas UEs, a formação é o foco do trabalho da
avanços das propostas iniciais e, dessa forma, se verifica coordenação pedagógica, que, junto aos demais
se os novos caminhos já foram ou não trilhados pela membros da equipe gestora, planeja os diferentes
Unidade Educacional. Para isso, é muito importante que as momentos formativos, de acordo com seus Planos de
atividades e experiências educacionais desenvolvidas com Ação. Estes planos são construídos a partir das demandas
os bebês e crianças sejam registradas e documentadas, apontadas nas avaliações do PPP, do Projeto Especial de
de forma a provocar transformações na prática cotidiana, Ação (PEA), dos Indicadores de Qualidades da Educação
permitindo a troca de informação e reflexão dentro da Infantil Paulistana e do registro de outras reuniões
equipe, bem como o acompanhamento, participação formativas do ano anterior.
e envolvimento das famílias como colaboradores O documento Indicadores de Qualidade da Educação
participativos das aprendizagens infantis. (SÃO PAULO, Infantil Paulistana (SÃO PAULO, 2015b) sinaliza algumas
2015, p.29). ações necessárias para os momentos de formação, que
A coordenação pedagógica deve organizar, em horário dialogam com a necessidade emergente de se olhar para
coletivo, formações sobre os percursos construídos pelo os instrumentos de registros, no sentido de qualificá-los.
grupo possibilitando o embasamento teórico necessário Para que tenhamos momentos formativos com
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para a confecção dos portfólios, bem como discussões registros que trazem inquietações e reflexões, é
e troca de ideias sobre as diferentes possibilidades necessário também investir em pautas de qualidade
de trabalho. Bebês e crianças precisam ser inseridas que contemplem as necessidades e demandas dos
na construção desta forma de registro e devem estar profissionais da UE, trazendo à tona o cotidiano vivido
previstas no planejamento da(o) professora(or) a criação para as discussões, de modo que haja articulação entre
de oportunidades de conversas sobre quais foram as as necessidades formativas e as ações efetivamente
vivências mais significativas e sobre as fotos, filmagens e realizadas. A seguir, apresentamos alguns princípios
desenhos reveladores deste processo. norteadores para as reuniões:

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1. Elencar e esclarecer temas necessários para a Ao final de cada ano de estudo, decisões devem
formação coletiva. ser tomadas e algumas práticas abandonadas ou
2. Dialogar sobre os temas coletivamente, com a ressignificadas. Estas discussões também devem estar
participação de todos os segmentos. contidas resumidamente no PPP, pois este documento
3. Registrar os diálogos, as discussões e os memoriza e valida o conhecimento adquirido e construído
encaminhamentos, visibilizando a participação de todos. qualificando a prática da UE.
4. Qualificar os registros por meio de fotografias, O PEA se justifica como razão de ser, momento em
vídeos e áudios. que suas discussões reverberam no planejamento da(o)
Nessa perspectiva, registrar é dar sentido aos estudos professora(or), que planeja atividades, experiências,
que realizamos, rompendo com a linguagem formal e brincadeiras e projetos a serem oferecidos para os bebês
impessoal, que esteja apenas no campo burocrático. e as crianças em diálogo com o que tem sido estudado.
Já nas unidades parceiras (indiretas e particulares),
6.4.2. Reuniões pedagógicas entendidas atualmente como integrantes da Rede
Reuniões Pedagógicas (RP) são encontros formativos Municipal de Ensino de São Paulo (RMESP), são
previstos em calendário escolar, devendo ser espaços de assegurados 10 encontros formativos com dispensa
estudo e reflexão sobre o trabalho educativo das UEs, de dia letivo, a fim de ampliar as possibilidades de
(re)orientando o trabalho pedagógico das unidades estudos, reflexões, discussões e encaminhamentos
e revisitando o PPP. Esse espaço de formação precisa coletivos alinhados ao Currículo da Cidade – Educação
contemplar todos os profissionais da Unidade. A RP é Infantil (2019); tais encontros devem ser registrados
espaço privilegiado para tomada de decisões, de escuta e compartilhados com todos os envolvidos. Dentro
e de (re)organização do trabalho coletivo. desta perspectiva e visando a qualificação dos fazeres
Os momentos de formação também são pedagógicos, no biênio 2019/2020, será oferecida
possibilidades de ampliar o repertório cultural de toda a formação sistematizada a todos os gestores das
equipe escolar. Visitas a museus, aos parques, às Bienais, UEs parceiras (indiretas e particulares), pelo CEDAC
às apresentações de música, dança, cinema e literatura (Comunidade Educativa), tanto na modalidade presencial
devem ser previstos, intencionais e planejados, conforme quanto a distância, para que socializem com suas equipes
o PPP e registrados com riqueza de detalhes e com os percursos formativos, desencadeando, assim, uma
depoimentos que validam o conhecimento adquirido grande cadeia formativa.
pelo grupo.
As RPs, ao longo do ano, precisam estar articuladas 6.4.4. Cartas Pedagógicas
com o trabalho pedagógico da UE e com as orientações Da mesma forma que o semanário tende a se tornar
da SME. um diário de bordo, acreditamos que a escrita de cartas
pedagógicas demonstra um acolhimento dos atuais
6.4.3. Formação permanente/ em serviço para os gestores para com os novos que chegam à Unidade.
docentes É importante que os coordenadores pedagógicos e os
Nas unidades diretas, dependendo da jornada de diretores, quando mudarem de UE, escrevam uma carta
trabalho docente, é assegurado às(aos) professoras(es) para o próximo gestor contando como foi o percurso
horário de estudo remunerado que ocorre de duas a formativo e organizacional da Unidade no ano corrente,
quatro vezes por semana com duração de uma hora ou para que esse percurso seja conhecido pela(o) próxima(o)
uma hora e meia. Parte desse tempo é obrigatoriamente gestora(or) e possa ser considerado para as proposições
dedicada ao registro dos encontros. do ano seguinte.
O PEA é o espaço privilegiado para a formação Mesmo quando não há mudança de gestoras(es), o
permanente, para a reflexão e a ressignificação das exercício da escrita de uma carta torna-se uma atividade
práticas pedagógicas e para o estudo das orientações autorreflexiva muito importante, assumindo o papel de
advindas da SME, mediada pela coordenação pedagógica. uma autoavaliação do trabalho do ano. Em ambas as
Os registros do PEA devem contemplar a pauta do dia situações, é importante a retomada do plano de ação de
do estudo, fazendo referência ao tema e ao embasamento cada gestora(or).
teórico do encontro e explicitar as impressões do grupo,
as reflexões e possibilidades de ressignificação das RETIFICAÇÃO DA PUBLICAÇÃO NO DOC DE
práticas cotidianas. Registros adequados do PEA são 12/12/18
reveladores do percurso do grupo e não mera síntese de
um texto lido. A dinâmica dos encontros também pode e Instrução normativa sme nº 26, de 11 de dezembro
deve extrapolar a leitura de textos para vivências, uso de de 2018
recursos audiovisuais, tarefas em pequenos grupos
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e, principalmente, articulação com a prática Altera a instrução normativa sme nº 26/2018, que
pedagógica. dispõe sobre a organização dos projetos de salas
O tema do PEA deve estar articulado com o Currículo de leitura, espaços de leitura, núcleos de leitura, de
da Cidade - Educação Infantil (2019), com o PPP e com laboratórios de informática educativa, bem como sobre
as fragilidades encontradas durante a aplicação dos a indicação de docentes para exercerem as funções de
Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana. professor orientador de sala de leitura - posl, professor
As necessidades formativas vão surgindo e devem se orientador de informática educativa - poie e dá outras
efetivar no ano seguinte. providências

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LEIA-SE COMO SEGUE E NÃO COMO CONSTOU Merecem destaque alguns aspectos:
- As Unidades Educacionais da Rede Municipal de
Art. 21. A Jornada de Trabalho dos profissionais indi- Ensino deverão organizar-se de modo a assegurar um
cados para as funções de POIE e de POSL será assim trabalho educacional voltado para a constante melhoria
organizada: das condições de desenvolvimento e aprendizagens dos
... estudantes.
§ 6º - Excepcionalmente, as UEs que contarem com - As Unidades Educacionais da Rede Municipal de En-
mais de um professor na função de POIE/POSL, será sino deverão elaborar seu Projeto Político-Pedagó-
possibilitada a flexibilização da atribuição das aulas gico ou redimensioná-lo de acordo com o Plano
por turno de funcionamento da escola, devendo ser Municipal de Educação e demais diretrizes peda-
observada para a complementação das 20 (vinte) gógicas.
horas-aula da JOP: - O Projeto Político-Pedagógico deverá considerar os
I – Quando se tratar de Professor de Educação Infan- princípios e diretrizes pedagógicas da SME, sendo
til e Ensino Fundamental I, na ordem: ele o documento norteador da ação pedagógica
a) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupera- das Unidades Educacionais podendo ser redimen-
ção de Aprendizagens; sionado quando necessário, com aprovação do
b) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri- Conselho de Escola/CEI/CIEJA, posterior aprovação
cular nas escolas participantes do São Paulo Integral; do Supervisor Escolar e homologação do Diretor
c) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela Uni- Regional de Educação.
dade Educacional. - O Projeto Especial de Ação – PEA define prioridades
II – Quando se tratar de Professor de Ensino Funda- estabelecidas pela comunidade educacional.
mental II e Médio, na ordem: - Os professores se sujeitam à seguinte jornada de
a) aulas do próprio componente curricular/ titulari- trabalho:
dade; * JORNADA BÁSICA – JB: 20 horas-aula, sendo 18
b) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupe-
horas-aula em regência + 2 horas-atividade;
ração de Aprendizagens de Português e Matemática;
* JORNADA ESPECIAL INTEGRAL DE FORMAÇÃO –
c) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
JEIF: 40 horas-aula, sendo 25 horas-aula em regên-
cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
cia + 15 horas adicionais;
d) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela
* JORNADA BÁSICA DO DOCENTE – JBD: 30 horas-
Unidade Educacional.
-aula, sendo 25 horas-aula em regência + 5 horas-
-atividade;
Publicado no DOC de 13/12/2018 – p. 14
* JORNADA BÁSICA DE 30 HORAS – J 30: 30 horas,
Arquivo com retificações em pdf, na area do aluno sendo 25 horas em regência + 5 horas-atividade;
* JORNADA DE 40 HORAS – J40: 40 horas/relógio.
- EDUCAÇÃO INFANTIL
Art. 11. A Educação Infantil destina-se a bebês crian-
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). INSTRUÇÃO ças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos de idade, nos termos do
NORMATIVA SME Nº 22, DE 11 DE que dispõe a respectiva Instrução Normativa de Matrí-
DEZEMBRO DE 2018. DISPÕE SOBRE cula, e será oferecida em:
A ORGANIZAÇÃO DAS UNIDADES I - Centros de Educação Infantil - CEIs destinados ao
DE EDUCAÇÃO INFANTIL, DE atendimento de bebês crianças dos agrupamentos de
ENSINO FUNDAMENTAL, DE ENSINO Berçário I, Berçário II e Mini-Grupos I e Mini-Grupo II;
FUNDAMENTAL E MÉDIO E DOS CENTROS II - Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs
destinadas ao atendimento de crianças dos agrupa-
EDUCACIONAIS UNIFICADOS DA REDE
mentos Infantil I e Infantil II, na faixa etária de 4 (qua-
MUNICIPAL DE ENSINO PARA O ANO DE tro) e 5 (cinco) anos;
2019. SÃO PAULO, 2018. III - Centros Municipais de Educação Infantil – CEMEIs
destinados ao atendimento de crianças dos agrupa-
mentos de Berçário I, Berçário II, Mini-Grupos I e Mini-
A IN SME nº 22/2018 aborda a organização das uni- -Grupo II, Infantil I e Infantil II, observadas as especifi-
dades de educação infantil, de ensino fundamental, de cidades de cada agrupamento;
ensino fundamental e médio e dos centros educacionais IV - Escola Municipal de Educação Bilíngue para Sur-
unificados da rede municipal de ensino no município de dos - EMEBS destinados ao atendimento de crianças
São Paulo/SP no ano de 2019.
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

Berçário I, Berçário II, Mini-Grupos I e Mini-Grupo II,


Seu inteiro teor pode ser acessado em: Infantil I e Infantil II, observadas as especificidades de
https://www.sinesp.org.br/index.php/quem-somos/ cada agrupamento.
legis/77-diversos/7024-instrucao-normativa-sme-n-
-22-de-11-12-2018-dispoe-sobre-a-organizacao-das-u- - ENSINO FUNDAMENTAL
nidades-de-educacao-infantil-de-ensino-fundamental- Art. 18. O Ensino Fundamental destina-se aos estu-
-de-ensino-fundamental-e-medio-e-dos-centros-edu- dantes com idade mínima de 6(seis) anos completos
cacionais-unificados-da-rede-municipal-de-ensino-pa- ou a completar até 31/03/19, e será organizado em
ra-o-ano-de-2019 Ciclos de Aprendizagem, conforme segue:

26
I – Ciclo de Alfabetização – abrangendo do 1º ao 3º b) encaminhar, até 15/03/19, o Projeto Especial de
ano do Ensino Fundamental; Ação - PEA à respectiva Diretoria Regional de Educa-
II – Ciclo Interdisciplinar – abrangendo do 4º ao 6º ção, para análise e aprovação pelo Supervisor Escolar
ano do Ensino Fundamental; e homologação do Diretor Regional de Educação;
III – Ciclo Autoral – abrangendo do 7º ao 9º ano do c) garantir horários de atendimento ininterrupto ao
Ensino Fundamental. público em todos os turnos de funcionamento;
§ 1º - No Ciclo Interdisciplinar, conforme normatiza- d) definir seu horário de funcionamento para o ano
ção específica, serão programadas aulas em docência subsequente e torná-lo público no mês de setembro,
compartilhada, ficando vedadas outras formas de do- após aprovação pelo Conselho de Escola/CEI/CIEJA e
cência compartilhada em quaisquer dos demais Ciclos. ouvido o Supervisor Escolar;
§ 2º - A formação das classes/turmas no Ensino Fun- e) organizar os horários dos Agentes Escolares/Agen-
damental deverá observar o número de estudantes tes de Apoio e Auxiliares Técnicos de Educação – Área:
previsto na Instrução Normativa nº 16, de 2018. Inspeção Escolar, que podem ser estabelecidos antes
ou após o horário de funcionamento da Unidade Edu-
cacional, desde que justificada a necessidade e com
- EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EJA
ciência do Supervisor Escolar;
Art. 33. Nas Escolas Municipais de Ensino Fundamen-
f) proceder à análise das informações do Sistema de
tal e Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Gestão Pedagógica – SGP e do Sistema Educacional
Surdos que mantêm a modalidade Educação de Jo- de Registro da Aprendizagem – SERAP, e elaborar o
vens e Adultos - EJA, o currículo organizar-se-á em registro individualizado do estudante objetivando a
Etapas, na periodicidade semestral, conforme segue: continuidade dos estudos, sem suspensão de aulas, no
I - Etapa de Alfabetização - Duração de dois semes- caso das unidades de Ensino Fundamental, de acordo
tres; com as datas especificadas no Calendário de Ativida-
II - Etapa Básica - Duração de dois semestres; des - 2019;
III - Etapa Complementar - Duração de dois semestres; g) encaminhar a documentação pedagógica do pro-
IV - Etapa Final - Duração de dois semestres. cesso de aprendizagens e desenvolvimento das crian-
§ 1º - No período noturno do Ensino Fundamental, ças, às unidades de destino, até o final de janeiro/2019,
inclusive a EJA, as atividades de Sala de Leitura e de na seguinte conformidade:
Informática Educativa serão desenvolvidas dentro do g.1 – do CEI para a EMEI;
horário regular de aulas, acompanhados do Professor g.2 – da EMEI para o Ensino Fundamental;
regente da classe. g.3 – no CEMEI: do Mini-grupo II para o Infantil I e do
§ 2º - Na ausência do Professor para ministrar as ati- Infantil II para o Ensino Fundamental.
vidades/aulas referidas no parágrafo anterior, no pe- h) organizar os horários dos Profissionais de Educação
ríodo noturno, o Professor regente da classe assumirá que compõem a Equipe Gestora de modo a garantir
a hora-aula. o atendimento administrativo e pedagógico a todos
os turnos de funcionamento da Unidade Educacional;
- EDUCAÇÃO INTEGRAL i) assegurar a presença do Diretor de Escola/Coorde-
Art. 37. Atendida a demanda e havendo possibilida- nador Geral ou do Assistente de Diretor/Assistente de
de de espaços para o desenvolvimento de projeto em Coordenação Geral, no início do primeiro e final do
tempo integral, as Unidades Educacionais poderão or- último turno das Unidades Educacionais;
ganizar-se com formação de turmas que permanece- j) encaminhar, até 15/03/19, o horário da Equipe Ges-
tora à respectiva DRE, para análise e aprovação do
rão em atividades pelo período de, no mínimo, 7 (sete)
Supervisor Escolar e homologação do Diretor Regional
horas não excedendo a 10 (dez) horas diárias. [...]
de Educação;
II - Às Equipes Gestoras das Unidades Educacionais e
- CENTROS EDUCACIONAIS UNIFICADOS dos CEUs, com apoio das Diretorias Regionais de Edu-
Art. 38. A organização dos Centros Educacionais Unifi- cação:
cados - CEUs observará os dispositivos contidos no Re- a) propor os horários da Equipe Gestora e fixar os da
gimento Padrão do CEU dentro do princípio do direito Equipe de Apoio à Educação, consideradas as necessi-
à educação integral e deverá contemplar no seu Pro- dades de serviço, ouvidos os envolvidos, observadas as
jeto Educacional Anual as diferentes formas de acesso seguintes regras:
e de participação da comunidade local aos espaços e 1. início e término da jornada diária fixados em horas
serviços de educação, cultura, esporte, lazer e novas exatas e meias horas;
tecnologias que compõem a sua estrutura organiza- 2. intervalo obrigatório, para refeição no cumprimen-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

cional. [...] to da carga horária de 8(oito) horas diárias, sendo este


intervalo de:
- DAS COMPETÊNCIAS 2.1. no mínimo, 30(trinta) minutos quando cumprido
Art. 43. Caberá: no interior da Unidade Educacional;
I - Às Unidades Educacionais: 2.2. no mínimo, 1(uma) e, no máximo 2(duas) horas
a) elaborar ou redimensionar o seu Projeto Político- quando cumprido em local externo.
-Pedagógico e encaminhá-lo, até 15/03/19, para a b) otimizar os recursos físicos, humanos e materiais,
respectiva Diretoria Regional de Educação para apro- criando as condições necessárias para a realização da
vação; ação pedagógica da Unidade Educacional;

27
c) promover e acompanhar as ações planejadas e de- j) validar os registros de planejamento, avaliação, fre-
senvolvidas nas Unidades Educacionais e a avaliação quência, retenção, atividades de compensação de au-
de seus impactos nos resultados de aproveitamento, sências e recuperação no SGP, por meio da Supervisão
na permanência dos estudantes e na melhoria das Escolar.
condições de trabalho docente;
d) participar das reuniões de formação e orientações
oferecidas pelas Diretorias Regionais de Educação, #FicaDica
quando convocadas; A rede municipal de ensino em São Paulo/SP
e) dar ciência e orientar os servidores, no início de fornece educação em diversos níveis – infan-
cada ano, sobre suas responsabilidades, conforme le- til, fundamental, de jovens e adultos e integral.
gislação em vigor; Nota-se que não se volta ao ensino médio e
f) assegurar a plena utilização dos recursos financei- superior, os quais são, respectivamente, com-
ros das Unidades Educacionais e deles prestar contas, petência do Estado e da União.
observados os prazos estipulados e respeitada a legis-
lação em vigor.
g) validar os registros de planejamento, avaliação,
frequência, retenção, atividades de compensação de SÃO PAULO (MUNICÍPIO). INSTRUÇÃO
ausências e recuperação no SGP. NORMATIVA SME Nº 25, DE 11 DE
III - Às Diretorias Regionais de Educação – DREs: DEZEMBRO DE 2018. DISPÕE SOBRE
a) orientar a elaboração do Projeto Político-Peda- A ORGANIZAÇÃO DO PROJETO DE
gógico, acompanhar a sua execução e avaliação, APOIO PEDAGÓGICO COMPLEMENTAR
assegurando o fiel cumprimento dos dispositivos es- – RECUPERAÇÃO BEM COMO SOBRE
tabelecidos nesta Instrução Normativa, por meio do A INDICAÇÃO DE DOCENTES PARA
Supervisor Escolar; EXERCEREM AS FUNÇÕES DE PROFESSOR DE
b) aprovar e homologar os Projetos Político-Pedagógi- APOIO PEDAGÓGICO – PAP E PROFESSOR
cos das Unidades Educacionais a elas vinculadas; ORIENTADOR. SÃO PAULO, 2018.
c) aprovar os Projetos Especiais de Ação – PEAs pro-
postos pelas Unidades Educacionais, mediante análise
do Supervisor Escolar e homologação do Diretor Re-
INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 25 (DOC
gional de Educação, considerando a implementação
DE 12/12/2018, PÁGINAS 19 E 20) DE 11
do Currículo da Cidade;
DE DEZEMBRO DE 2018
d) homologar os horários de trabalho dos Profissio-
nais de Educação que compõem a Equipe Gestora das SEI 6016.2018/0077094-8
Unidades Educacionais e dos CEUs, mediante prévia
análise e aprovação do Supervisor Escolar. DISPÕE SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO PROJETO
e) favorecer a implementação da jornada ampliada DE APOIO PEDAGÓGICO COMPLEMENTAR - RECUPE-
para, no mínimo, 06(seis) horas diárias aos estudan- RAÇÃO, BEM COMO SOBRE A INDICAÇÃO DE DOCEN-
tes, com atividades integrantes dos projetos e progra- TES PARA EXERCEREM AS FUNÇÕES DE PROFESSOR DE
mas da Secretaria Municipal de Educação, desenvol- APOIO PEDAGÓGICO - PAP E PROFESSOR ORIENTADOR
vidas pelas Unidades Educacionais, em especial, na DE ÁREA - POA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS
articulação com os Centros Educacionais Unificados
– CEUs e demais equipamentos culturais e esportivos O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, no uso
disponíveis na cidade, por meio do Diretor Regional das atribuições legais que lhe são conferidas por lei,
de Educação; e CONSIDERANDO:
f) favorecer a implementação da Educação Integral - o disposto na Lei Federal nº 9.394/96, especialmente
em tempo integral com a expansão do tempo de per- na alínea “e” do inciso V do artigo 24, no inciso V do ar-
manência dos estudantes para, no mínimo, 07(sete) tigo 12 e no inciso IV do artigo 13;
horas diárias de acordo com o disposto do art. 37 des- - o disposto no Decreto nº 54.454, de 10/10/2013,
ta Instrução Normativa; que fixa diretrizes gerais para a elaboração dos Regimen-
g) aprovar os Projetos do Programa “São Paulo Inte- tos Educacionais das unidades integrantes da Rede Mu-
gral”, “Mais Educação São Paulo” e/ou Programas de nicipal de Ensino;
âmbito federal, dentre outros ora em vigor; - a necessidade de oferecer apoio pedagógico aos
h) promover a formação e orientar as equipes ges- estudantes dos três ciclos de aprendizagem do ensino
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

toras quanto às diretrizes educacionais da SME e do fundamental que ainda não se apropriaram de conhe-
Currículo da Cidade, acompanhando os registros e os cimentos, observados o domínio dos conceitos que ga-
resultados das avaliações da aprendizagem, tanto in- rantam os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
ternas quanto externas, da avaliação institucional, por para o respectivo ano, previstos no Currículo da Cidade
meio da ação supervisora e das equipes das Divisões de Língua Portuguesa e Matemática;
Pedagógicas; - os resultados obtidos nas avaliações externas e in-
i) aprovar Projeto da Docência Compartilhada nos ter ternas e nos demais instrumentos de acompanhamento
mos da legislação vigente; das aprendizagens;

28
- a gestão do conhecimento de acordo com os princí- V - aprimorar constantemente as ações, pautadas no
pios da avaliação para a aprendizagem; Currículo da Cidade, na perspectiva da educação in-
- o fato de que as Ações de Apoio Pedagógico im- tegral, da equidade e da educação inclusiva, tendo a
plantadas pelo “Programa de Reorganização Curricular garantia das aprendizagens como norteadora do tra-
e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede balho pedagógico e o ambiente escolar como local de
Municipal de Ensino - Mais Educação São Paulo” reque- promoção do protagonismo do estudante.
rerem um novo perfil de profissional para o desenvol- Art. 5º - O “Projeto de Apoio Pedagógico - Recupera-
vimento do Projeto de Apoio Pedagógico- Recuperação ção de Aprendizagens” visa ampliar as oportunidades
das Aprendizagens; de aprendizagem articuladas em formas e metodo-
- o previsto na Portaria de escolha/atribuição de clas- logias diferenciadas, no processo de aprendizagem,
ses/aulas publicada anualmente; prioritariamente aos estudantes dos 5º e 9º anos, e
posteriormente a partir do 3º ano do Ciclo de Alfa-
RESOLVE: betização do Ensino Fundamental com dificuldade
de aprendizagem.
I - DISPOSIÇÕES INICIAIS Art. 6º - O “Projeto de Apoio Pedagógico - Recupera-
ção de Aprendizagens” deverá articular-se com o Pro-
Art. 1º - O atendimento realizado no Projeto de Apoio jeto Político-Pedagógico de cada Unidade Educacional
Pedagógico Complementar - Recuperação, instituído e abrangerá:
pela Portaria nº 1.084/14 e as ações de implemen- I - Recuperação Contínua: aquela realizada pelo pro-
tação do “Currículo da Cidade de São Paulo” serão fessor da classe, dentro do horário regular de aulas
orientados pela presente Instrução Normativa. dos estudantes, por meio de estratégias diferenciadas
Art. 2º - O “Projeto de Apoio Pedagógico Complemen- que os levem a superar suas dificuldades.
tar - Recuperação”, referido no artigo anterior, passa a II - Recuperação Paralela: aquela realizada em horá-
denominar-se “Projeto de Apoio Pedagógico - Recupe- rio diverso do da classe regular e será oferecida aos
ração de Aprendizagens” e destinar-se-á aos estudantes estudantes matriculados no Ensino Fundamental e no
das Escolas Municipais de Ensino Fundamental - EMEFs,
Ensino Médio da RME, sendo entendida como ação
Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos -
específica para atendimento daqueles que não atin-
EMEBSs e Escolas Municipais de Ensino Fundamental e
giram os conceitos ou notas necessários ao seu desen-
Médio - EMEFMs da Rede Municipal de Ensino.
volvimento de acordo com os objetivos de aprendiza-
Art. 3º - As Escolas Municipais de Ensino Fundamen-
gem e desenvolvimento propostos para cada ano do
tal - EMEFs, as Escolas Municipais de Ensino Funda-
ciclo no Currículo da Cidade.
mental e Médio - EMEFMs e as Escolas Municipais de
Art. 7º - A Recuperação Contínua será realizada no
Educação Bilíngue para Surdos - EMEBSs contarão
com profissionais indicados pela Equipe Gestora, entre decorrer de todo o ano letivo, orientada, inclusive, pela
os professores em exercício na Unidade Educacional, prévia discussão entre os professores e o Diretor de Es-
para exercer as seguintes funções docentes: cola da Unidade Educacional, nos Conselhos de Classe
I - Professor de Apoio Pedagógico - PAP, para atuar bimestrais e nos horários coletivos.
com as turmas integrantes do Projeto de Apoio Peda- Parágrafo único - A recuperação referida no caput
gógico - Recuperação de Aprendizagens; deste artigo deverá propiciar os avanços na apren-
II - Professor Orientador de Área - POA, para atuar dizagem, por meio da retomada de conhecimentos
no acompanhamento do planejamento das ações dos prévios do estudante, do levantamento de dúvidas,
professores das áreas/componentes de Alfabetização, da aplicação do conhecimento em situações proble-
Língua Portuguesa e Matemática, em conjunto com ma, da socialização das respostas, da correção e da
o Coordenador Pedagógico, para a implementação devolutiva dos resultados, entre outras estratégias
do Currículo da Cidade das respectivas áreas/com- que oportunizem os avanços necessários para consoli-
ponentes. dação de suas aprendizagens.
Art. 8º - Para a oferta da Recuperação Paralela, as
II - DAS DIRETRIZES E OBJETIVOS unidades educacionais envolvidas no “Projeto de Apoio
Pedagógico - Recuperação de Aprendizagens” deverão
Art. 4º - São objetivos comuns para o desenvolvi- formar turmas em número suficiente para atendimen-
mento dos trabalhos de Projeto de Apoio Pedagógico to dos estudantes com dificuldades de aprendizagem.
- Recuperação de Aprendizagens e Implementação do § 1º - As atividades de Recuperação Paralela de que
Currículo da Cidade de São Paulo: trata este artigo, dar-se-ão do início do período letivo,
I - colaborar na implementação da Política Educacio- ao último dia de efetivo trabalho escolar, mediante a
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

nal da Secretaria Municipal de Educação; apresentação de planos específicos elaborados a partir


II - contribuir para a melhoria dos índices do IDEB e do Currículo da Cidade e do Projeto Político-Pedagó-
da Prova São Paulo; gico da Unidade Educacional e terão duração tempo-
III - favorecer o desenvolvimento de um Projeto Políti- rária para o estudante com tempo suficiente para su-
co-Pedagógico articulado e comprometido no alcance peração das dificuldades detectadas.
de seus objetivos; § 2º - Prioritariamente, as turmas poderão ser forma-
IV - auxiliar a Unidade Educacional na integração das por estudantes dos 5º e 9º anos, e posteriormente
das diferentes Áreas de Conhecimento e demais ativi- a partir do 3º ano do Ciclo de Alfabetização do Ensino
dades complementares; Fundamental com dificuldade de aprendizagem.

29
§ 3º - Assegurado o atendimento aos estudantes men- IV - DA INDICAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA
cionados no parágrafo anterior será possibilitada a EDUCAÇÃO
formação de turmas com estudantes pertencentes a
outros anos dos Ciclos Interdisciplinar ou Autoral. Art. 12 - Para desempenhar as funções de PAP e
§ 4º - Aos estudantes do Ensino Médio, a Recupera- POA, os professores interessados deverão se inscrever
ção Paralela dar-se-á por meio de plano de trabalho na própria Unidade Educacional, ficando a critério da
específico elaborado pelo professor da disciplina em Equipe Gestora indicar os que melhor se adequam às
conjunto com o Coordenador Pedagógico. funções propostas, mediante preenchimento dos se-
Art. 9º - Para a implementação do Currículo da Cida- guintes requisitos mínimos:
de, além dos recursos existentes, as Unidades Educa- I - Para o PAP:
cionais poderão contar com o Professor Orientador de a) ter disponibilidade para atender aos estudantes
Área - POA. , que em conjunto com os professores das de diferentes turnos, de acordo com as necessidades
áreas/componentes, estará implicado exclusivamente, da Unidade Educacional;
com a área de sua especialização/habilitação, desem- b) apresentar Plano de Trabalho, de acordo com as
penhando papel essencial no planejamento e desen- diretrizes estabelecidas nesta IN para apreciação da
volvimento do trabalho. Diretor de Escola e posteriormente ao Conselho de Es-
Parágrafo único - Para o ano de 2019 a atuação do cola, para referendo.
Professor Orientador de Área - POA dar-se-á nos com- II - Para o POA:
ponentes de Língua Portuguesa e Matemática e do 1º a) ter disponibilidade para atender os grupos de ho-
ao 5º anos do Ensino Fundamental, com foco no Ciclo rário coletivo (JEIF) de acordo com as necessidades da
de Alfabetização. Unidade Educacional;
Art.10 - As atividades realizadas no Projeto de Apoio b) apresentar Plano de Trabalho, de acordo com as
Pedagógico - Recuperação de Aprendizagens e pelo diretrizes estabelecidas nesta IN para apreciação da
Professor Orientador de Área deverão integrar o Projeto Diretor de Escola e posteriormente ao Conselho de Es-
Político-Pedagógico da Unidade Educacional e atender cola, para referendo;
às diretrizes da Secretaria Municipal da Educação. c) deter conhecimento na área de atuação pretendida;
d) ser professor efetivo na área de sua atribuição:
Língua Portuguesa (Ciclos Interdisciplinar e Autoral),
III - DO ATENDIMENTO
Matemática (Ciclos Interdisciplinar e Autoral), PEIEF-I
(Ciclo de Alfabetização);
Art. 11 - O atendimento para as turmas integrantes
e) possuir mínimo de 3 anos de atuação no magisté-
do “Projeto de Apoio Pedagógico - Recuperação de
rio na PMSP;
Aprendizagens” dar-se-á por no mínimo de 02 (duas)
f) ter disponibilidade de horário para atendimento
horas-aula e no máximo de 04 (quatro) horas-aula
aos grupos de JEIF da Unidade Educacional;
semanais dos Componentes Curriculares de Língua
g) ter disponibilidade para participação as formações
Portuguesa e Matemática. de DIPED/SME quinzenalmente e/ou mensalmente;
1º - As turmas serão formadas priorizando agrupa- h) permanecer na função por, no mínimo, 1 ano letivo;
mentos por Ciclo, por faixas etárias, ou ainda por pro- para fins de pontuação.
ximidade de dificuldades de aprendizagem conforme § 1º - O POA exercerá suas funções sem prejuízo das
diagnóstico elaborado em conjunto pelo professor re- atividades de regência de classes/aulas, sendo as horas
gente, demais educadores da classe e pelo Professor de trabalho desempenhadas na função, remuneradas a
de Apoio Pedagógico, a partir dos resultados das ava- título de Jornada Especial de Hora Trabalho - TEX.
liações e conforme segue: § 2º - Para desempenhar a função de POA, no ano
I - Para as EMEFs e EMEFMs - mínimo de 10 (dez) e de 2019, será admitida a indicação de professores
máximo de 15 (quinze) estudantes; habilitados em Matemática e Português para atuar
II - Para as EMEBSs - mínimo de 05 (cinco) e máximo junto aos docentes desses componentes curriculares e
de 08 (oito) estudantes. de professores habilitados em Pedagogia para atuar
III - Para as UEs participantes do Programa São Paulo junto aos docentes dos anos iniciais do Ensino Fun-
Integral, nos termos da Instrução Normativa nº 13, de damental.
2018. § 3º - Para desempenhar a função de PAP será ad-
§ 2º - As atividades do “Projeto de Apoio Pedagógico mitida somente a indicação de Professor de Educação
- Recuperação de Aprendizagens” serão desenvolvidas Infantil e Ensino Fundamental I - PEIEF I.
em horário diverso ao da escolarização. § 4º - Visando a continuidade de trabalho pedagógico
§ 3º - Os resultados obtidos pelos estudantes nas ati- e a prática dos docentes já afastados de suas funções,
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

vidades de Recuperação Paralela serão sistematizados a Equipe Gestora deverá priorizar a indicação entre os
em relatórios de acompanhamento e publicitados bi- que se encontram no exercício da função.
mestralmente para análise do Conselho de Classe e
registrados no Boletim Escolar. V - DOS PLANOS DE TRABALHO
§ 4º - A síntese do processo desenvolvido pelos estu-
dantes participantes do Projeto deverá ser apresenta- Art. 13 - Os professores interessados em assumir as
da e discutida com os estudantes e familiares ou res- funções de PAP e POA deverão elaborar seus Planos
ponsáveis com vistas a favorecer sua participação e de Trabalho de acordo com as especificidades de cada
envolvimento na melhoria da aprendizagem. função, contendo, dentre outros e quando couber:

30
I - identificação do professor envolvido: nome, catego- VI - DAS ATRIBUIÇÕES E DAS COMPETÊNCIAS
ria/situação funcional, registro funcional, número de
turmas sob a sua responsabilidade, discriminação do Art. 15 - São atribuições comuns aos PAP e POA:
número de aulas atribuídas e a forma de atribuição I - participar da elaboração do Projeto Político-Peda-
das aulas: JOP, JEX ou TEX; gógico da Unidade Educacional e da construção do
II - objetivos, metodologias, conteúdos, procedimen- currículo na perspectiva da educação integral, equi-
tos didáticos, estratégias e instrumentos de avaliação dade e educação inclusiva;
que serão desenvolvidos em cada turma/ano do Ciclo II - contribuir na sua área de atuação na consecu-
e dificuldades diagnosticadas em consonância com o ção dos objetivos do Currículo da Cidade e do Projeto
Currículo da Cidade; Político-Pedagógico da UE;
III - recursos envolvidos: físicos, materiais e financei- III - participar dos horários coletivos de formação do-
ros; cente;
IV - cronograma de trabalho bimestral com as tur- IV - participar da formação continuada, programas e
mas indicando os conteúdos que serão desenvolvidos projetos de sua área de atuação oferecidos pelas Dire-
e discriminando a quantidade de aulas previstas e torias Regionais de Educação - DRE e Coordenadoria
horário; Pedagógica - COPED/SME e socializar junto aos seus
V - avaliação do trabalho e propostas de adequação pares, nos horários coletivos, os conteúdos dessa for-
das atividades propostas; mação;
VI - referências bibliográficas. V - registrar os processos de ensino e aprendizagem
Art. 14 - Além do previsto no artigo anterior, os inte- no Sistema de Gestão Pedagógica - SGP.
ressados em assumir a função de PAP deverão incluir Art. 16 - São atribuições específicas do Professor de
no seu Plano de Trabalho as atividades de recupera- Apoio Pedagógico - PAP:
ção, considerando: I - auxiliar no diagnóstico das aprendizagens dos es-
I - os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento tudantes utilizando informações de instrumentos de
do Currículo da Cidade, prioritariamente, de Língua avaliação específicos para este mapeamento e/ou das
Portuguesa e de Matemática e do Projeto Político- avaliações do acompanhamento das aprendizagens
-Pedagógico da Unidade Educacional; (internas e externas);
II - critérios para seleção dos estudantes; II - colaborar, no âmbito de sua atuação, com a ela-
III - relação de estudantes envolvidos nas ações por boração do Plano de Trabalho do “Projeto de Apoio
turma, considerando as avaliações de acompanha- Pedagógico - Recuperação de Aprendizagens” da Uni-
mento das aprendizagens e, especialmente no que dade Educacional;
tange ao desenvolvimento das competências leitora e III - colaborar na organização de agrupamentos de es-
escritora e de resolução de problemas; tudantes considerando o diagnóstico realizado;
IV - os resultados das avaliações externas e internas, IV - elaborar Plano de Trabalho para o atendimento
bem como a análise dos instrumentos de acompa- às turmas de recuperação paralela atendendo às ne-
nhamento das aprendizagens; cessidades de aprendizagem dos estudantes;
V - as intervenções pedagógicas necessárias à supe- V - elaborar plano de acompanhamento do processo
ração das dificuldades detectadas; de aprendizagem dos estudantes, prevendo instru-
VI - a utilização de materiais didáticos, dentro de mentos de avaliação e registros para cada uma das
uma abordagem metodológica adequada às necessi- etapas da Recuperação Paralela;
dades desses estudantes; VI - desenvolver atividades adequadas às necessida-
VII - o replanejamento das atividades com vistas à des de aprendizagem dos estudantes, propiciando-
organização do tempo e espaço na sala de aula; -lhes a superação das dificuldades constatadas;
VIII - a participação do estudante no processo de ava- VII - avaliar continuamente o desempenho dos estu-
liação para a aprendizagem, garantindo-se momen- dantes;
tos de análise e autoavaliação a partir dos objetivos VIII - registrar no Sistema de Gestão Pedagógica - SGP,
de aprendizagem e desenvolvimento do Currículo da o aproveitamento dos estudantes, bem como a sequ-
Cidade; ência dos conteúdos trabalhados, os resultados obti-
IX - os registros como instrumentos que revelem e dos, os avanços alcançados e as condições que ainda
propiciem a análise e encaminhamento das ações de- se fizerem necessárias para o prosseguimento de es-
senvolvidas, do processo de aprendizagem dos estu- tudos;
dantes, dos avanços e das dificuldades; IX - manter atualizados os registros de frequência e
X - a gestão da sala de aula, envolvendo a organiza- comunicar ao Diretor de Escola sobre ausências con-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

ção do tempo e dos espaços, a indicação dos recursos secutivas de estudantes;


necessários ao desenvolvimento das atividades e a X - providenciar a assinatura do Termo de Compro-
organização dos grupos de trabalho, privilegiando o misso de frequência do estudante no Projeto.
trabalho por meio de projetos; XI - planejar, bimestralmente, momentos para forne-
XI - a necessidade de envolver as famílias nas cer devolutivas aos estudantes sobre o seu desempe-
ações voltadas à melhoria das condições de aprendi- nho;
zagem por meio do acompanhamento aos estudan- XII - ajustar bimestralmente os Planos de Trabalho e
tes, indicando as formas de participação dos pais ou de acompanhamento para atendimento das necessi-
responsáveis. dades de aprendizagens dos estudantes;

31
XIII - participar dos encontros de formação continuada XI - validar bimestralmente os registros de frequência
promovidos pela própria Unidade Educacional, Direto- e do processo de ensino e de aprendizagem realizados
ria Regional de Educação e/ou COPED/DIEFEM/SME; pelos professores desses Projetos.
XIV - participar do estudo, análise e elaboração das Art. 19 - Compete ao Diretor de Escola:
propostas I - assegurar os recursos necessários ao desenvolvi-
para a intervenção pedagógica necessária, em con- mento das atividades complementares e do Projeto de
junto com o Coordenador Pedagógico da unidade e Recuperação;
com o coletivo de professores. II - orientar e coordenar a elaboração dos Planos de
Art. 17 - São atribuições específicas do Professor Trabalho da Unidade Educacional;
Orientador de Área - POA: III - promover, em conjunto com o Coordenador Pe-
I - participar do planejamento da ação didática em dagógico, a articulação interna visando à implemen-
conjunto com os professores do componente que titu- tação do Currículo da Cidade de São Paulo e demais
lariza, auxiliando o Coordenador Pedagógico. ações decorrentes;
II - participar dos encontros de formação continuada IV - autorizar o início dos trabalhos dos professores
promovidos pela própria Unidade Educacional, Direto- indicados;
ria Regional de Educação e/ou COPED/DIEFEM/SME; V - orientar os familiares/responsáveis salientando a
III - elaborar plano anual de trabalho articulado as sua responsabilidade nas ações inerentes ao Projeto
premissas curriculares da rede; de Recuperação, bem como possibilitar o acompanha-
IV - registrar no Sistema de Gestão Pedagógica - SGP mento dos avanços de seus filhos.
a documentação pedagógica de acompanhamento do VI - validar bimestralmente os registros de frequência
planejamento docente. e do processo de ensino e de aprendizagem realizados
V - identificar, junto ao Coordenador Pedagógico, in- pelos professores desses Projetos.
consistências no desenvolvimento dos processos de Art. 20 - Compete à Unidade Educacional adquirir
ensino e de aprendizagem e propor intervenções para material necessário ao funcionamento dos projetos
o planejamento docente com vistas a implementação de recuperação e da implementação do Currículo por
curricular. meio de recursos específicos, inclusive os do Progra-
Art. 18 - Compete ao(s) Coordenador(es) Pedagógico(s) ma de Transferência de Recursos Financeiros - PTRF,
das Unidades Educacionais, a coordenação, acompa- instituído pela Lei nº 13.991, de 10 de junho de 2005.
nhamento, supervisão, apoio e avaliação do trabalho Art. 21 - Compete à Diretoria Regional de Educação
desenvolvido no Projeto de Recuperação e junto ao por meio da:
Professor Orientador de Área, além de outras atribui- I - Divisão Pedagógica - DIPED e Supervisão Escolar:
ções e competências: a) fornecer orientações/formação e subsídios técnicos
I - orientar e coordenar a elaboração dos Planos de para apoio às Unidades Educacionais em articulação
Trabalho dos PAPs e POAs integrando-os ao Projeto com COPED/SME;
Político-Pedagógico da Unidade Educacional; b) promover o acompanhamento e o processo de for-
II - promover a articulação interna visando à imple- mação permanente para o desenvolvimento das ati-
mentação das ações de recuperação e atividades com- vidades complementares e ações de recuperação de
plementares, observando os estudantes participantes aprendizagens, inclusive por meio da organização de
das atividades propostas e seus avanços; encontros de formação dos Professores e, quando se
III - acompanhar a execução do trabalho, fornecendo fizer necessário, dos Coordenadores Pedagógicos;
orientações e subsídios técnicos; c) acompanhar o desenvolvimento do trabalho peda-
IV - redirecionar as ações, quando se fizer necessário; gógico das UEs.
V - assegurar, periodicamente, a integração dos Pro- II - Supervisão Escolar:
fessores da classe com os responsáveis pelas ativida- a) analisar o Plano de Trabalho e avaliar resultados
des complementares, ações de Recuperação Paralela e do trabalho realizado;
do Professor Orientador de Área; b) propor medidas de ajuste/adequação do projeto de
VI - organizar ações de formação coletiva voltadas acordo com o Currículo da Cidade;
à Recuperação Contínua e Paralela, garantidas no c) validar bimestralmente os registros de frequência e
Currículo da Cidade e no Projeto Político-Pedagógico do processo de ensino e de aprendizagem realizados
para todos os estudantes da Unidade Educacional; pelos professores desses Projetos.
VII - zelar pela frequência dos estudantes às ativida- d) acompanhar o trabalho desenvolvido por esses pro-
des, identificar e propor medidas para os casos de eva- fissionais na U.E.
são no Projeto de Recuperação; Art. 22 - Compete à Coordenadoria Pedagógica da
VIII - conferir os registros apresentados pelos professo- Secretaria Municipal de Educação - COPED/SME:
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

res a fim de garantir a sua fidedignidade e o acompa- I - subsidiar a formação dos profissionais referidos
nhamento das turmas; nessa Instrução Normativa, por meio da Diretoria Re-
IX - emitir parecer técnico manifestando-se sobre a gional e também de ações diretas com esses profis-
continuidade ou reestruturação das turmas de recu- sionais;
peração; II - produzir materiais orientadores do trabalho reali-
X - orientar os pais/ responsáveis salientando a sua zado nas Salas de Apoio Pedagógico e para atividades
responsabilidade nas ações inerentes ao Projeto de de implementação curricular;
Recuperação, bem como possibilitar o acompanha- III - acompanhar o trabalho formativo desenvolvido
mento dos avanços de seus filhos; pela DIPED/DRE.

32
Art. 23 - Cada professor indicado deverá apresentar Art. 29 - Os PAPs que se encontrarem em Jornada
o seu Plano de Trabalho para análise e aprovação do Básica do Docente - JBD ou optantes por Jornada Es-
Diretor de Escola, até o último dia letivo do mês de pecial Integral de Formação - JEIF poderão cumprir,
fevereiro de cada ano. se necessário e respeitados os limites estabelecidos na
§ 1º - O início das atividades dar-se-á de imediato, legislação em vigor, horas-aula a título de Jornada
após a indicação e autorização da Equipe Gestora e Especial de Hora/Aula Excedente - JEX - destinadas à
referendo do Conselho de Escola. ampliação do atendimento aos estudantes.
§ 2º - Os Planos de Trabalho serão avaliados, no mí-
nimo, semestralmente, pelo Diretor de Escola da Uni- VIII - DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
dade Educacional e pela Supervisão Escolar, visando à
promoção dos ajustes necessários à sua continuidade. Art. 30 - A formação inicial do PAP e POA será de
responsabilidade da Coordenadoria Pedagógica da
VII - DA JORNADA DE TRABALHO Secretaria Municipal de Educação - COPED/SME e a
formação continuada, da Divisão Pedagógica da Di-
Art. 24 - Para participar do “Projeto de Apoio Pe- retoria Regional de Educação - DIPED/DRE.
dagógico - Recuperação de Aprendizagens” as UEs Art. 31 - O PAP e POA serão convocados para par-
deverão comprovar número suficiente turmas para ticipar de encontros quinzenais e/ou mensais de for-
compor a jornada de trabalho do PAP, observados o mação, oferecidos pela DRE e/ou SME, devendo apre-
número de estudantes e de aulas constantes no artigo sentar, à Chefia imediata, comprovante de presença
11 desta IN. emitido pela autoridade responsável.
Parágrafo único - Na hipótese de restarem turmas Parágrafo único - Os profissionais que se ausenta-
sem atendimento, as aulas de Apoio Pedagógico - Re- rem deverão apresentar justificativa por escrito para
cuperação de Aprendizagens poderão ser ministradas a DIPED/DRE, no prazo de 3 (três) dias da data esta-
pelo Professor de Educação Infantil e Ensino Funda- belecida para a formação.
mental I, na ordem:
I - indicados para as funções de POIE ou POSL, com IX - DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS
Jornada de Trabalho incompleta;
II - a título de JEX ao indicado para as funções de PAP; Art. 32 - O profissional que se encontrar designado e
deixar de exercer a função em razão do não referendo
III - a título de JEX aos professores aos professores
pelo Conselho de Escola ou inexistência de aulas terá
em regência ou ocupantes de vaga no módulo sem
cessada sua designação a partir de 01/02/19.
regência, em horário diverso do seu turno de trabalho.
Art. 33 - A regularização da situação funcional dos
Art. 25 - As Jornadas de Trabalho do profissional in-
profissionais atualmente designados, bem como, os
dicado para a função de PAP será assim organizada:
critérios para a indicação de professores para a fun-
a) 20 (vinte) horas-aula com atividades próprias da
ção de PAP serão estabelecidos por normatização
função;
própria.
b) 05 (cinco) horas-aula destinadas ao planejamento
Art. 34 - As atividades desenvolvidas pelo PAP E POA
e análise das atividades desenvolvidas junto aos estu-
deverão estar articuladas com o Currículo da Cidade
dantes, bem como os devidos registros. e com o Programa São Paulo Integral, conforme IN
Art. 26 - Para atuar nas Escolas Municipais de Educa- nº 13, de 2018.
ção Bilíngue para Surdos - EMEBSs será, ainda exigido Art. 35 - Durante os afastamentos legais dos PAPs
do PAP, a habilitação específica na área de surdez, em a Equipe Gestora deverá indicar um professor para
nível de graduação ou especialização, na forma da exercer a referida função até o retorno do profissional
pertinente legislação em vigor. afastado.
Art. 27 - Para atuar na função de POA, além dos Parágrafo único - Aplica-se, no que couber, as dispo-
requisitos mencionados no artigo 12 desta IN, o pro- sições contidas no inciso II do artigo 12 desta IN.
fessor indicado deverá ter disponibilidade para de- Art. 36 - Não serão indicados PAPs ou POAs para os
senvolvimento de suas ações, em 10 (dez) horas-aula Centros de Educação Infantil - CEIs, Escolas Munici-
semanais, assim distribuídas: pais de Educação Infantil - EMEIs, Centros Municipais
a) 02 (duas) horas-aula destinadas à formação na de Educação Infantil - CEMEIs e Centros Integrados de
DRE que, poderão ser organizadas em encontros Educação de Jovens e Adultos - CIEJAs e POAs para
quinzenais de 04 (quatro) horas-aula; as EMEBSs.
b) até 08 (oito) horas-aula destinadas à orientação
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

Art. 37 - Os casos omissos ou excepcionais serão re-


dos professores em JEIF, sendo 04 (quatro) para cada solvidos pelo Diretor Regional de Educação, ouvida, se
grupo de docentes. necessário, a Secretaria Municipal de Educação.
Art. 28 - A organização do horário de trabalho do Art. 38 - Esta Instrução Normativa entrará em vigor
PAP e do POA será de responsabilidade do próprio na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir
servidor em conjunto com o Diretor de Escola da Uni- de 01/01/19.
dade Educacional, com a aprovação do Supervisor
Escolar, priorizando a melhor forma de atendimento
dos estudantes.

33
b) a educação como instrumento de democracia que
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). ORIENTAÇÃO possibilita às crianças e adolescentes entenderem a
NORMATIVA SME Nº 01, 06 DE FEVEREIRO sociedade e participarem das decisões que afetam
DE 2019. DISPÕE SOBRE OS REGISTROS NA o lugar onde vivem;
EDUCAÇÃO INFANTIL. SÃO PAULO, 2019. c) o diálogo como estratégia na implementação de po-
líticas socioculturais que reconhecem as diferenças,
promovem a equidade e criam ambientes colabora-
tivos que consideram a diversidade dos sujeitos, da
Prezado candidato, comunidade escolar e de seu entorno;
d) a autonomia das Unidades Educacionais com res-
Esse tópico foi abordado anteriormente no seguindo ponsabilidade coletiva, favorecendo a criatividade e
item desse conteúdo, SÃO PAULO (Município). Instrução as diferentes aprendizagens, na diversidade cultural
Normativa SME nº 2, de 06 de fevereiro de 2019. Dispõe existente em cada território;
sobre os registros na Educação Infantil. São Paulo, 2019. e) a comunidade de aprendizagem como rede de
construção de um projeto educativo e cultural pró-
prio para educar a si mesma, suas crianças e seus
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). adolescentes;
REPUBLICAÇÃO - INSTRUÇÃO f) a garantia às crianças e adolescentes do direito fun-
damental de circular pelos territórios educativos,
NORMATIVA SME Nº 13, DE 11 DE
apropriando-se deles, como condição de acesso
SETEMBRO DE 2018. REORIENTA O às oportunidades, espaços e recursos existentes e
PROGRAMA “SÃO PAULO INTEGRAL” ampliação contínua do repertório sociocultural e da
NAS EMEIS, EMEFS, EMEFMS, EMEBS E expressão autônoma e crítica, asseguradas as con-
NOS CEUS DA RME. SÃO PAULO, 2018. dições de acessibilidade aos que necessitarem;
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). RETIFICAÇÃO - g) a expansão qualificada do tempo de aprendizagem
INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 13, DE como possibilidade de superar a fragmentação cur-
11 DE SETEMBRO DE 2018. REORIENTA O ricular e a lógica educativa demarcada por espaços
PROGRAMA “SÃO PAULO INTEGRAL” NAS físicos e tempos rígidos, na perspectiva da garantia
da aprendizagem multidimensional dos estudantes;
EMEIS, EMEFS, EMEFMS, EMEBS E NOS
h) a intersetorialidade das políticas sociais e educacio-
CEUS DA RME. SÃO PAULO, 2018. nais como interlocução necessária à corresponsabi-
lidade na formação integral, colocando no centro o
ser humano e, em especial, as crianças, os adoles-
O Programa “São Paulo Integral - SPI”, instituído pela centes e seus educadores;
i) integrar a Proposta Pedagógica das UEs asseguran-
Portaria SME nº 7.464, de 03/12/15, é regulamentado na
do o direito ao convívio das crianças e adolescen-
IN SME nº 13/2018, cujo inteiro teor pode ser acessado em:
tes em ambientes acolhedores, seguros, agradáveis,
https://www.sinesp.org.br/index.php/179-saiu-
desafiadores, que possibilitem a apropriação das
-no-doc/6546-instrucao-normativa-sme-n-13-de-
diferentes linguagens e saberes que circulam na so-
-11-09-2018-reorienta-o-programa-sao-paulo-integral-
ciedade e considerem o Atendimento Educacional
-nas-emeis-emefs-emefms-emebss-e-nos-ceus-da-rme
Especializado, sempre que necessário;
j) fomentar a intersetorialidade consolidando, nos ter-
Basicamente, o SPI é um programa que permite às ritórios, o diálogo permanente e ações conjuntas
Unidades Educacionais de Ensino Fundamental – EMEFs, com as Secretarias de Cultura, Esporte, Assistência
EMEFMs e EMEBSs e às Unidades Educacionais de Educa- Social, Saúde, Verde e Meio Ambiente, Direitos Hu-
ção Infantil – EMEIs se credenciarem para oferecer ensino manos e Cidadania, Mobilidade e Transportes, Ur-
em tempo integral aos alunos, considerado aquele que banismo e Licenciamento, Segurança Urbana, entre
permite ao aluno ficar por pelo menos 8 (oito) horas diá- outras, assim como com as organizações da socie-
rias no estabelecimento educacional. dade civil;
O Programa SPI segue determinados princípios e di- l) fortalecer os processos democráticos nas Unidades
retrizes pedagógicas, notadamente: Educacionais, em suas diferentes instâncias decisó-
rias como: Conselhos de Escola, Grêmios Estudantis,
A - PRINCÍPIOS: Associações de Pais e Mestres – APMs, Conselho
a) o território educativo em que os diferentes espaços, Gestor e Colegiado de Integração (CEUs);
tempos e sujeitos, compreendidos como agen- j) desenvolver ações na perspectiva da Educação Inclu-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

tes pedagógicos, podem assumir intencionalida- siva e criar oportunidades para que todas as crian-
de educativa e favorecer o processo de formação ças e adolescentes aprendam e construam conheci-
das crianças e adolescentes para além da escola, mentos juntos, de acordo com suas possibilidades,
potencializando a Educação Integral e integrando em todas as etapas e modalidades de ensino;
os diferentes saberes, as famílias, a comunidade, a k) identificar possibilidades para o desenvolvimento de
vizinhança, o bairro e a cidade; configurando-se, novas estratégias, ancoradas na concepção da Edu-
assim, a Cidade de São Paulo como Cidade Edu- cação Integral e promover ações que integrem as
cadora; políticas públicas de inclusão social;

34
B - DIRETRIZES PEDAGÓGICAS:
a) o Currículo da Cidade em diálogo com o Projeto Político-Pedagógico das Unidades Educacionais, significativo e
relevante, organizador da sua ação pedagógica na perspectiva da integralidade, que garante que práticas, costu-
mes, crenças e valores, que estão na base da vida cotidiana dos estudantes, sejam articulados ao saber acadêmi-
co, produzindo aprendizagens significativas, promovendo o protagonismo, a autoria e a autonomia;
b) o atendimento à criança com base na pedagogia da infância, de modo a articular suas experiências e saberes com
os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico e o acesso
a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens
a fim de promover o seu desenvolvimento integral;
c) as experiências educativas que levam em consideração o direito das crianças e adolescentes ao lúdico, à imagina-
ção, à criação, ao acolhimento, à curiosidade, à brincadeira, à democracia, à proteção, à saúde, à liberdade, à con-
fiança, ao respeito, dignidade, à conveniência e à interação com seus pares para a produção de culturas infantis;
d) a articulação das experiências e saberes dos estudantes com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, assim como atitudes e valores, de modo a promover apren-
dizagens multidimensionais, com vistas ao seu desenvolvimento integral;
e) a valorização do diálogo entre as pedagogias: social, popular, formal, participativa e de projetos;
f) a potencialização do Currículo Integrador da Infância Paulistana como subsídio fortalecedor do Projeto Político-
-Pedagógico nas Unidades de Educação Infantil, no intuito de promover reflexões sobre as práticas pedagógicas
e o processo de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, na articulação dos trabalhos desen-
volvidos nas duas etapas da Educação Básica;
g) a aplicação e analise dos resultados dos Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana, com o obje-
tivo de auxiliar as equipes de profissionais das Unidades Educacionais, juntamente com as famílias e pessoas da
comunidade, a desenvolver um processo de auto avaliação institucional participativa que leve a um diagnóstico
coletivo sobre a qualidade da educação promovida pela Unidade, de forma a obter melhorias no trabalho edu-
cativo desenvolvido com as crianças;
h) a promoção de reflexões e discussões formativas acerca do Currículo da Cidade, como subsídio importante para
orientar a prática pedagógica no Ensino Fundamental, tendo por base os princípios da Inclusão, da Equidade e
da Educação Integral, em diálogo com o Projeto Político-Pedagógico das Unidades Educacionais, com a “Matriz
de Saberes” e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, articulados aos Territórios do Saber
propostos pelo Programa São Paulo Integral;
i) a concepção das Experiências Pedagógicas como possibilidades de exprimir as intencionalidades e abordagens
pedagógicas propostas, com vistas a promover aprendizagens nos Territórios do Saber, dentre os quais: 1) Edu-
comunicação, Oralidade e Novas Linguagens; 2) Culturas, Arte e Memória; 3) Orientação de Estudos e Invenção
Criativa; 4) Consciência e Sustentabilidade Socioambiental e Promoção da Saúde; 5) Ética, Convivência e Protago-
nismos; 6) Cultura Corporal, Aprendizagem emocional, Economia Solidária e Educação Financeira, além de outras
experiências locais e/ou universais que dialoguem com o Projeto Político-Pedagógico da Unidade Educacional;
j) a ressignificação do currículo, na perspectiva da Educação Integral, Integrada e Integradora de forma a torná-lo
mais eficaz na aprendizagem do conjunto de conhecimentos que estruturam os saberes escolares, qualificando a
ação pedagógica e fortalecendo o desenvolvimento integral dos estudantes como cidadãos de direito, amplian-
do assim, as possibilidades de participação e de aprendizagens para a valorização da vida.

#FicaDica
Os turnos da escola integral terão a seguinte configuração:
a) 1º turno: das 7h às 14h;
b) 2º turno: das 11h30 às 18h30 ou das 12h às 19h.
Nos horários em que não forem ministrados conteúdos da grade curricular regular, o ensino será com-
plementado com abordagens dos seguintes aspectos:
- Educomunicação, Oralidade e Novas Linguagens;
- Culturas, Arte e Memória;
- Orientação de Estudos e Invenção Criativa;
- Consciência e Sustentabilidade Socioambiental e Promoção da Saúde;
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

- Ética, Convivência e Protagonismos;


- Cultura Corporal, Aprendizagem emocional, Economia Solidária e Educação Financeira.

35
SÃO PAULO (MUNICÍPIO). DECRETO Nº 57.379, DE 13 DE OUTUBRO DE 2016. INSTITUI
NO ÂMBITO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, A POLÍTICA PAULISTANA DE
EDUCAÇÃO ESPECIAL, NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. SÃO PAULO, 2016. SÃO
PAULO (MUNICÍPIO). PORTARIA Nº 8.764, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2016. REGULAMENTA O
DECRETO Nº 57.379/2016 QUE INSTITUI NO SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO A POLÍTICA
PAULISTANA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA. SÃO
PAULO, 2016.

O Decreto nº 57.379/2016 institui, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, a Política Paulistana de Edu-
cação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, com o objetivo de assegurar o acesso, a permanência, a parti-
cipação plena e a aprendizagem de crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento – TGD e altas habilidades nas unidades educacionais e espaços educativos da Secretaria Municipal
de Educação.
Seu inteiro teor pode ser acessado em:
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-57379-de-13-de-outubro-de-2016

Entre os principais aspectos, merecem destaque:

- Princípios
I – da aprendizagem, convivência social e respeito à dignidade como direitos humanos;
II – do reconhecimento, consideração, respeito e valorização da diversidade e da diferença e da não discriminação;
III – da compreensão da deficiência como um fenômeno sócio-histórico-cultural e não apenas uma questão médi-
co-biológica;
IV – da promoção da autonomia e do máximo desenvolvimento da personalidade, das potencialidades e da criati-
vidade das pessoas com deficiência, bem como de suas habilidades físicas e intelectuais, considerados os diferentes
tempos, ritmos e formas de aprendizagem;
V – da transversalidade da Educação Especial em todas as etapas e modalidades de educação ofertadas pela Rede
Municipal de Ensino, a saber, Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos,
Educação Profissional e Educação Indígena;
VI – da institucionalização do Atendimento Educacional Especializado - AEE como parte integrante do Projeto Polí-
tico-Pedagógico – PPP das unidades educacionais;
VII – do currículo emancipatório, inclusivo, relevante e organizador da ação pedagógica na perspectiva da integra-
lidade, assegurando que as práticas, habilidades, costumes, crenças e valores da vida cotidiana dos educandos e
educandas sejam articulados ao saber acadêmico;
VIII – da indissociabilidade entre o cuidar e o educar em toda a Educação Básica e em todos os momentos do coti-
diano das unidades educacionais;
IX – do direito à brincadeira e à multiplicidade de interações no ambiente educativo, enquanto elementos constitu-
tivos da identidade das crianças;
X – dos direitos de aprendizagem, visando garantir a formação básica comum e o respeito ao desenvolvimento de
valores culturais, geracionais, étnicos, de gênero e artísticos, tanto nacionais como regionais;
XI – do direito de educação ao longo da vida, bem como qualificação e inserção no mundo do trabalho;
XII – da participação do próprio educando e educanda, de sua família e da comunidade, considerando os preceitos
da gestão democrática.

- Educandos abrangidos
I - deficiência (visual, auditiva, física, intelectual, múltipla ou com surdocegueira);
II - transtornos globais do desenvolvimento - TGD (autismo, síndrome de Asperger, síndrome de Rett e transtorno
desintegrativo da infância);
III - altas habilidades.
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

- É vedado qualquer tipo de discriminação.


- A unidade educacional deverá mobilizar os recursos humanos e estruturais disponíveis para garantir a frequência
dos educandos e educandas.
- Atendimento Educacional Especializado - AEE – conjunto de atividades e recursos pedagógicos e de acessibilida-
de organizados institucionalmente, prestado em caráter complementar ou suplementar às atividades escolares,
destinado ao público-alvo da Educação Especial que dele necessite.
- Deve haver educação especial na Educação de Jovens e Adultos – EJA.

36
- Serviços de educação especial II - a acessibilidade física: a aquisição de mobiliário
I - Centros de Formação e Acompanhamento à Inclu- adaptado, equipamentos e materiais específicos, con-
são – CEFAIs; forme a necessidade dos educandos e educandas, com
II - Salas de Recursos Multifuncionais – SRMs (antes acompanhamento dos responsáveis pelo AEE, para as-
denominadas Salas de Apoio e Acompanhamento à segurar a sua adequada utilização;
Inclusão – SAAIs); III - a acessibilidade de comunicação, que abrange:
III - Professores de Atendimento Educacional Especia- a) a eliminação de barreiras na comunicação, esta-
lizado – PAEEs (antes denominados Professores Re- belecendo mecanismos e alternativas técnicas para
gentes de SAAIs); garantir o acesso à informação, à comunicação e ao
IV - Instituições Conveniadas de Educação Especial; pleno acesso ao currículo;
V - Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Sur- b) a consideração da comunicação como forma de
dos – EMEBSs; interação por meio de línguas, inclusive a Libras, vi-
VI - Unidades Polo de Educação Bilíngue. sualização de textos, Braille, sistema de sinalização ou
comunicação tátil, caracteres ampliados, dispositivos
- Educação bilíngue multimídia, linguagem simples, escrita e oral, sistemas
Assegurada aos educandos e educandas com surdez, auditivos, meios de voz digitalizados, modos, meios e
surdez associada a outras deficiências e surdocegueira, formatos aumentativos e alternativos de comunicação
ficando adotada a Língua Brasileira de Sinais - Libras e de tecnologias da informação e das comunicações,
como primeira língua e a língua portuguesa, na modali- dentre outros;
dade escrita, como segunda língua. c) a implantação e ampliação dos níveis de comunica-
ção para os educandos e educandas cegos, surdos ou
- Serviços de apoio surdocegos;
I - Auxiliar de Vida Escolar – AVE: profissional com d) o acesso à comunicação para educandos e educan-
das com quadros de deficiência ou TGD que não fazem
formação em nível médio, contratado por empresa
uso da oralidade, por meio de recursos de comunica-
conveniada com a Secretaria Municipal de Educação,
ção alternativa ou aumentativa, quando necessário;
para oferecer suporte intensivo aos educandos e edu-
e) o acesso ao currículo para os educandos e educan-
candas com deficiência e TGD que não tenham auto-
das com baixa visão, assegurando os materiais e equi-
nomia para as atividades de alimentação, higiene e
pamentos necessários;
locomoção;
IV - o transporte escolar municipal gratuito, por meio
II - Estagiário do Quadro Aprender Sem Limite: estu-
de veículos adaptados, quando necessário.
dante do curso de Licenciatura em Pedagogia, contra-
tado por empresa conveniada com a Secretaria Muni- Já a Portaria nº 8.764/2016 regulamenta o Decreto nº
cipal de Educação, para apoiar, no desenvolvimento 57.379, de 13 de outubro de 2016, que “institui no Siste-
do planejamento pedagógico e atividades pedagógi- ma Municipal de Ensino a Política Paulistana de Educação
cas, os professores das salas de aula que tenham ma- Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva”, basica-
triculados educandos e educandas considerados pú- mente, aborda de forma detalhada o conteúdo do Decre-
blico-alvo da Educação Especial, mediante avaliação to, podendo ser acessada em:
da necessidade do serviço pela DRE, DIPED e CEFAI.

- Eliminação de barreiras
I - barreiras arquitetônicas: entraves estruturais do
equipamento educacional que dificultem a locomoção
do educando e educanda;
II - barreiras nas comunicações e na informação:
qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comporta- A Portaria nº 8.824/2016 também regulamenta o De-
mento que dificulte ou impossibilite a comunicação creto nº 57.379/2016 e institui, no âmbito da Secretaria
expressiva e receptiva, por meio de códigos, línguas, Municipal de Educação, o “Projeto Rede”, integrando os
linguagens, sistemas de comunicação e de tecnologia serviços de Apoio para educandos e educandas, público-
assistiva; -alvo da Educação Especial. Pode ser acessada integral-
III - barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos mente em:
que impeçam ou prejudiquem a participação plena da
pessoa com deficiência em igualdade de condições e
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

oportunidades com as demais pessoas.

- Acessibilidade
I - a acessibilidade arquitetônica: a eliminação das
barreiras arquitetônicas nas unidades educacionais,
criando condições físicas, ambientais e materiais à O “Projeto Rede” é parte integrante dos Serviços de
participação, nas atividades educativas, dos educan- Apoio previstos no art. 23 do Decreto nº 57.379/2016.
dos e educandas que utilizam cadeira de rodas, com Os serviços serão prestados por profissional denomina-
mobilidade reduzida, cegos ou com baixa visão; do Auxiliar de Vida Escolar – AVE, supervisionado pelo

37
Supervisor Técnico, contratados pela Associação Paulista XIII – preencher a Ficha de Rotina Diária, registrando
para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM - por meio o atendimento e ocorrências e encaminhar à Equipe
de celebração de Convênio com a Secretaria Municipal Gestora para arquivo mensal no prontuário dos edu-
de Educação especialmente para esse fim. candos e educandas;
Cada Auxiliar de Vida Escolar – AVE - deverá atender XIV - comunicar ao Supervisor Técnico/Coordenação
de 02 (dois) a 06 (seis) educandos e educandas por turno dos Serviços de Apoio e a Equipe Gestora da Unidade
de funcionamento, observadas as especificidades do pú- Educacional, os problemas relacionados ao desempe-
blico-alvo da Educação Especial elegível para este apoio nho de suas funções;
e as características da Unidade Educacional. Excepcional- XV - receber do Supervisor Técnico, dos profissionais
mente, a indicação do AVE para atender 1 (um) educando da U.E., e do CEFAI as orientações pertinentes ao aten-
ou educanda poderá ser autorizada mediante avaliação dimento dos educandos e educandas;
do CEFAI. Suas atribuições são descritas no artigo 3o: XVI - assinar o termo de sigilo, a fim de preservar as
I - organizar sua rotina de trabalho conforme orienta- informações referentes ao educando e educanda que
ções da Equipe Escolar e demanda a ser atendida, de recebe seus cuidados e a U.E. onde atua.
acordo com as funções que lhes são próprias;
II – auxiliar na locomoção dos educandos e educan-
das nos diferentes ambientes onde se desenvolvem as #FicaDica
atividades comuns a todos nos casos em que o auxílio
seja necessário; “A Educação Especial é o ramo da Educação
III – auxiliar nos momentos de higiene, troca de ves- que se ocupa do atendimento e da edu-
tuário e/ou fraldas/ absorventes, higiene bucal em to- cação de pessoas com deficiência, prefe-
das as atividades, inclusive em reposição de aulas ou rencialmente em escolas regulares, ou em
outras organizadas pela U.E., nos diferentes tempos e ambientes especializados tais como esco-
espaços educativos, quando necessário; las para surdos, escolas para cegos ou es-
IV - acompanhar e auxiliar, se necessário, os educan- colas para atender pessoas com deficiência
dos e educandas no horário de refeição; intelectual”1. Já “A educação inclusiva apon-
V- executar procedimentos, dentro das determinações ta para a transformação de uma sociedade
legais, que não exijam a infraestrutura e materiais de inclusiva e é um processo em que se amplia
ambiente hospitalar, devidamente orientados pelos a participação de todos os estudantes nos
profissionais da instituição conveniada a SME, respon- estabelecimentos de ensino regular. O mo-
sável pela sua contratação; vimento mundial pela educação inclusiva é
VI - utilizar luvas descartáveis para os procedimentos uma ação política, cultural, social e peda-
de higiene e outros indicados, quando necessário, e gógica, desencadeada em defesa do direito
descartá-las após o uso, em local adequado; de todos os estudantes de estarem juntos,
VII - administrar medicamentos para o educando ou aprendendo e participando, sem nenhum
educanda, mediante a solicitação da família ou dos tipo de discriminação”2.
responsáveis, com a apresentação da cópia da prescri-
ção médica, e autorização da Equipe Gestora da UE; 1 https://pt.wikipedia.org/wiki/
VIII - dar assistência às questões de mobilidade nos Educa%C3%A7%C3%A3o_especial
2 https://pt.wikipedia.org/wiki/
diferentes espaços educativos: transferência da ca- Educa%C3%A7%C3%A3o_inclusiva
deira de rodas para outros mobiliários e/ou espaços
e cuidados quanto ao posicionamento adequado às
condições do educando e educanda;
IX - auxiliar e acompanhar o educando ou educanda
com Transtorno Global do Desenvolvimento – TGD - SÃO PAULO (MUNICÍPIO). DECRETO Nº 58.526,
que não possui autonomia, para que este se organize DE 23 DE NOVEMBRO DE 2018. INSTITUI
e participe efetivamente das atividades educacionais O PLANO MUNICIPAL DE PROMOÇÃO DA
com seu agrupamento/turma/classe, somente nos ca-
IGUALDADE RACIAL – PLAMPIR. SÃO PAULO,
sos em que for identificada a necessidade de apoio;
X - realizar atividades de apoio a outros estudantes, 2018.
sem se desviar das suas funções e desde que atendi-
das as necessidades dos educandos e educandas pelas
quais o serviço foi indicado; O Decreto nº 58.526/2018 institui o Plano Municipal
de Promoção da Igualdade Racial – PLAMPIR, contendo
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

XI - comunicar à direção da Unidade Educacional, em


tempo hábil, a necessidade de aquisição de materiais as propostas de ações governamentais para a promoção
para higiene do educando ou educanda; da igualdade racial. O PLAMPIR tem como objetivo prin-
XII - reconhecer as situações que ofereçam risco à saú- cipal reduzir as desigualdades étnico-raciais no Municí-
de e bem estar do educando ou educanda, bem como pio de São Paulo, com ênfase na população negra e nos
outras que necessitem de intervenção externa ao âm- povos indígenas.
bito escolar tais como: socorro médico, maus tratos, Cabe ao Conselho Municipal de Promoção da Igual-
entre outros e comunicar a equipe gestora para as dade Racial a avaliação e o monitoramento da execução
providências cabíveis; do PLAMPIR.

38
A Secretaria Municipal de Direitos Humanos e META 4 – Implantar programas específicos para o
Cidadania, por meio da Coordenação de Promoção da acolhimento dos grupos de maior vulnerabilidade às
Igualdade Racial, será responsável pela coordenação DST/AIDS, com especial atenção à população negra.
das ações e da articulação institucional necessárias à META 5 – Aprimorar o atendimento aos povos indí-
implementação do PLAMPIR. genas nos serviços de saúde do Município.
O anexo do Decreto, com o inteiro teor do plano, META 6 – Assegurar atenção aos povos e comunida-
pode ser acessado em: des tradicionais.
http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-
-58526-de-23-de-novembro-de-2018/consolidado EIXO 5 – INCLUSÃO SOCIAL E CIDADANIA
META 1 – Garantir ações afirmativas para a população
No mencionado anexo, além dos eixos e metas, são negra e aos povos indígenas no âmbito municipal.
detalhadas ações específicas dentro de cada meta. Abai- META 2 – Promover maior integração dos povos in-
xo, trazemos o conteúdo principal do texto, qual seja, o dígenas com a cidade e serviços oferecidos pelo Muni-
delineamento de eixos e metas: cípio.
META 3 – Promover a articulação das políticas de as-
EIXO 1 – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, TRA- sistência e desenvolvimento social com as políticas de
BALHO E RENDA promoção de igualdade racial.
META 1 – Garantir a inserção e o acesso da população
negra e dos povos indígenas a postos de trabalho no se- EIXO 6 – EDUCAÇÃO E RELAÇÕES ÉTNICO-RA-
tor privado, em condições de equidade. CIAIS
META 2 – Construir estratégias de inserção e permanên- META 1 – Viabilizar a implementação das diretrizes
cia da população negra e dos povos indígenas no mundo das Leis Federais nº 10.639, de 2003, e 11.645, de 2008,
do trabalho a partir da qualificação e do aperfeiçoamento por meio do Plano de Ações Estratégicas de Educação
profissionais, bem como da elevação de sua escolarização. para Relações Étnico-Raciais.
META 3 – Promover o incentivo ao empreendedoris- META 2 – Implementar, na rede escolar pública, a
mo, à economia solidária e à economia criativa relaciona- prática de esportes, lazer, recreação e cultura, valorizan-
dos à população negra e aos povos indígenas. do conhecimentos e saberes dos povos indígenas e das
META 4 – Garantir a inserção da população negra e
religiões de matrizes africanas.
dos povos indígenas no setor público, em condições de
META 3 – Valorizar iniciativas em educação das re-
equidade.
lações étnico-raciais, oriundas de instituições de ensino
públicas, privadas, terceiro setor, movimentos sociais e
EIXO 2 – ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA ÉTNICO-
outras organizações.
-RACIAL
META 4 – Garantir a educação escolar indígena dife-
META 1 – Expandir o atendimento em direitos huma-
nos tendo em vista a prevenção e o enfrentamento ao renciada e bilíngue no Município, com foco no fortaleci-
racismo. mento dos Centros de Educação Infantil Indígena (CEII)
META 2 – Garantir o desenvolvimento de ações que e dos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI).
coíbam a prática de racismo voltado a crianças e adoles-
centes. EIXO 7 – CULTURA E PATRIMÔNIO AFRICANO,
META 3 – Promover a justiça social e o enfrentamento AFROBRASILEIRO E INDÍGENA
à intolerância religiosa. META 1 – Promover e valorizar a cultura e o patri-
mônio material e imaterial africano, afrobrasileiro e dos
EIXO 3 – ENFRENTAMENTO AO RACISMO E AO povos indígenas na cidade de São Paulo.
SEXISMO META 2 – Dar visibilidade e divulgar a produção lite-
META 1 – Valorização das mulheres negras e indígenas rária, acadêmica e registros de saberes tradicionais da
no mundo do trabalho. população negra e dos povos indígenas.
META 2 – Promoção das mulheres negras e indígenas META 3 – Promover a valorização da cultura afro-bra-
nas ações que visem ao enfrentamento da intolerância re- sileira, africana e indígena.
ligiosa e promovam a justiça social e racial.
META 3 – Garantir e qualificar a atenção à saúde da EIXO 8 – ARTICULAÇÃO INTERNACIONAL
mulher negra e indígena vinculada ao programa de saú- META 1 – Articular com a Secretaria Municipal de
de da mulher. Relações Internacionais e Federativas a implementação
do recorte étnico-racial nos programas de cooperação
EIXO 4 – SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA E DOS internacional, visando à promoção de igualdade racial.
META 2 – Articular com a Secretaria Municipal de Re-
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

POVOS INDÍGENAS
META 1 – Garantir a consolidação da Política Munici- lações Internacionais e Federativas parceria com orga-
pal de Saúde da População Negra, em articulação com os nismos e instituições do continente africano.
órgãos competentes no âmbito municipal. META 3 – Articular com a Secretaria Municipal de Re-
META 2 – Assegurar a atenção à saúde integral da pes- lações Internacionais e Federativas parceria com orga-
soa idosa negra e indígena. nismos e instituições da América Latina.
META 3 – Assegurar a atenção à saúde mental da po- META 4 – Articular com a Secretaria Municipal de
pulação negra e dos povos indígenas, em especial, os Relações Internacionais e Federativas parceria com or-
transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas. ganismos e instituições dos Estados Unidos da América.

39
EIXO 9 – CONTROLE E MONITORAMENTO SOCIAL
META 1 – Ampliar os espaços de discussão e participação da sociedade civil em relação às questões referentes à
população negra e aos povos indígenas.
META 2 – Garantir o enfrentamento ao racismo institucional nas organizações públicas.
META 3 – Consolidar o Observatório de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

EIXO 10 – COMUNICAÇÃO
META 1 – Construir estratégias para garantir visibilidade das ações de promoção da igualdade racial.
META 2 – Inserção nas campanhas publicitárias municipais da população negra e dos povos indígenas, com visibi-
lidade às mulheres.
META 3 – Estimular a inserção positiva da população negra e dos povos indígenas nas peças publicitárias da Prefei-
tura de São Paulo.

#FicaDica
“Cada eixo estabelece metas e ações para serem cumpridas em seus respectivos campos temáticos, como
a inserção da população negra e indígena no mercado de trabalho – por meio de parcerias com o setor
privado e com organizações que promovam iniciativas de valorização de diversidade étnico-raciais, por
exemplo. Há ainda diretrizes para criação de políticas e programas de formação profissional, geração de
emprego e de renda, fomento ao empreendedorismo e acesso a programas de microcrédito, ampliação
do atendimento às pessoas vítimas de violência racial. Outras iniciativas de destaque são a criação de
condições específicas para o atendimento de mulheres negras nos programas de promoção à saúde e
ampliação da participação de expressões culturais afro-brasileiras e indígenas no calendário de eventos
da cidade. [...] As ações e metas estabelecidas, bem como as articulações institucionais necessárias para a
implantação das medidas previstas, serão coordenadas pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e
Cidadania, por meio da Coordenação de Promoção da Igualdade Racial, e acompanhadas e monitoradas
pelo Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial”1.
1 http://www.capital.sp.gov.br/noticia/prefeitura-assina-decreto-que-institui-plano-municipal-de-promocao-de-igualdade-
-racial

SÃO PAULO (MUNICÍPIO). RETIFICAÇÃO - INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 26, DE 11 DE


DEZEMBRO DE 2018. ALTERA A INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 26/2018, QUE DISPÕE
SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS DE SALAS DE LEITURA, ESPAÇOS DE LEITURA,
NÚCLEOS DE LEITURA, DE LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA EDUCATIVA. SÃO PAULO, 2018

INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 26, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2018

SEI 6016.2018/0077099-9

DISPÕE SOBRE A ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS DE SALAS DE LEITURA, ESPAÇOS DE LEITURA, NÚCLEOS DE
LEITURA, DE LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA EDUCATIVA, BEM COMO SOBRE A INDICAÇÃO DE DOCENTES
PARA EXERCEREM AS FUNÇÕES DE PROFES-SOR ORIENTADOR DE SALA DE LEITURA - POSL, PROFESSOR
ORIENTADOR DE INFORMÁ-TICA EDUCATIVA - POIE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS

O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, no uso das atribuições legais que lhe são conferidas por lei, e

CONSIDERANDO:
- o disposto na Lei Federal nº 9.394/96, especialmente na alínea “e” do inciso V do artigo 24, no inciso V do artigo
12 e no inciso IV do artigo 13;
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

- o disposto no Decreto nº 54.454/13, que fixa diretrizes gerais para a elaboração dos Regimentos Educacionais das
unidades integrantes da Rede Municipal de Ensino;
- o previsto na Portaria de escolha/atribuição de classes/aulas publicada anualmente;

40
RESOLVE: § 1º - As Unidades Educacionais que não disponham
de condições físicas para instalação de Sala de Lei-
I - DISPOSIÇÕES INICIAIS tura deverão organizar o Espaço de Leitura, onde se
aloca acervo próprio para atendimento aos estudan-
Art. 1º O atendimento realizado nas Salas de Leitura, tes em sala de aula ou outro espaço compartilhado
Espaços de Leitura e os Núcleos de Leitura criados na Unidade Educacional.
e organizados pelo Decreto nº 49.731/08 e nos La- § 2º - Nos Centros de Educação Infantil - CEIs, Cen-
boratórios de Informática Educativa, instituídos pelo tros Municipais de Educação Infantil - CEMEIs e nas
Decreto nº 34.160/14, serão orientados pela presen- Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs, os
te Instrução Normativa. Espaços de Leitura deverão propor atividades que fa-
Art. 2º As Escolas Municipais de Ensino Fundamen- voreçam o contato dos bebês e das crianças com os
tal – EMEFs, as Escolas Municipais de Ensino Funda- livros e com outros materiais escritos
mental e Médio – EMEFMs e as Escolas Municipais de que possibilitem vivências de práticas sociais de lei-
Educação Bilíngue para Surdos – EMEBSs contarão tura em situações agradáveis e acolhedoras, colabo-
com profissionais indicados pela Equipe Gestora, en- rando com o seu desenvolvimento integral.
§ 3º - Nos Centros Integrados de Educação de Jo-
tre os professores em exercício na Unidade Educa-
vens e Adultos - CIEJAs, os Espaços de Leitura de-
cional, para exercer as seguintes funções docentes:
verão proporcionar atividades que favoreçam o con-
I – Professor Orientador Informática Educativa – POIE,
tato dos jovens e adultos com os livros, com outros
para atuar nos Laboratórios de Informática Educativa;
portadores de escrita e materiais diversificados, que
II – Professor Orientador de Sala de Leitura – POSL, considerem seus interesses e expectativas e que pos-
para atuar nas Salas de Leitura. sibilitem vivências de práticas sociais de leitura, pró-
prias da faixa etária.
II - DAS DIRETRIZES E OBJETIVOS § 4º - As Diretorias Regionais de Educação deverão
organizar o Núcleo de Leitura, constituído de am-
Art. 3º São objetivos comuns para o desenvolvimen- biente próprio, equipado com acervo especializado,
to dos trabalhos de Sala de Leitura, Espaços de Leitu- com o objetivo de propiciar formação e enriqueci-
ra e Laboratórios de Informática Educativa: mento profissional aos educadores da região.
I - colaborar na implementação da Política Educacio- § 5º - O Núcleo de Leitura ficará sob a responsabi-
nal da Secretaria Municipal de Educação; lidade das Divisões Pedagógicas das Diretorias Re-
II - contribuir para a melhoria dos índices do IDEB e gionais de Educação, incluindo o tombamento e a
da Prova São Paulo; manutenção do acervo.
III - favorecer o desenvolvimento de um Projeto Art. 5º O trabalho desenvolvido nos Laboratórios de
Político-Pedagógico articulado e comprometido no Informática Educativa terá como diretrizes para a sua
alcance de seus objetivos; ação pedagógica:
IV - auxiliar a Unidade Educacional na integração das I - a Unidade Educacional como espaço de criação
diferentes Áreas de Conhecimento e demais ativida- e recriação de cultura digital e dos conteúdos, ten-
des complementares; do os estudantes e docentes como produtores e
V - aprimorar constantemente as ações, pautadas no consumidores conscientes desta cultura, a partir da
Currículo da Cidade, na perspectiva da educação in- mediação, compreensão e expressão das linguagens
tegral, da equidade e da educação inclusiva, tendo a digitais;
garantia das aprendizagens como norteadora do tra- II - as Tecnologias de Informação e Comunicação –
balho pedagógico e o ambiente escolar como local TICs, a Programação e o Letramento Digital como
de promoção do protagonismo do estudante. eixos de organização do trabalho pedagógico para
a promoção do pensamento computacional em uma
Art. 4º As Salas e Espaços de Leitura terão como di-
abordagem construcionista;
retrizes para a sua ação pedagógica:
III - o registro das práticas pedagógicas como instru-
I - a leitura do mundo precedente à leitura da pala-
mento que acompanhe o estudante na avaliação do
vra, entendendo que a leitura começa antes do con-
seu processo de aprendizagem;
tato com o texto e vai para além dele; IV - a valorização dos saberes e desenvolvimento das
II - a garantia da bibliodiversidade de forma a aten- potencialidades dos estudantes, tendo como pilares
der toda a comunidade educativa, tornando propício o protagonismo, a autonomia, a inventividade, a co-
o trabalho com a leitura e possibilitando ao leitor laboração, o pensamento reflexivo e a construção de
novas perspectivas de interpretação do outro e do
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

conhecimentos;
mundo; V - a criação de ambientes estimuladores e colabora-
III - a ampliação da rotina de leitura que acontece na tivos, com estratégias diversificadas no trabalho com
sala de aula abrangendo as capacidades e procedi- tecnologias para a aprendizagem, nos Laboratórios
mentos de leitura e o comportamento leitor; de Informativa Educativa;
IV - a literatura enquanto direito inalienável do ser VI - a sistematização dos conteúdos produzidos co-
humano e como fonte das várias leituras da realida- letivamente, a partir da decisão também coletiva de
de e do próprio desenvolvimento da história e das compartilhamento e do uso dos Recursos Educacio-
culturas. nais Abertos.

41
Art. 6º As atividades realizadas na Sala de Leitura, VI - DAS ATRIBUIÇÕES E DAS COMPETÊNCIAS
Espaço de Leitura e Laboratório de Informática Edu-
cativa, deverão integrar o Projeto Político-Pedagógico Art. 10. São atribuições comuns aos POSLs e POIEs:
da Unidade Educacional e atender às di-retrizes da Se- I - participar da elaboração do Projeto Político-Peda-
cretaria Municipal da Educação. gógico da Unidade Educacional e da construção do
currículo na perspectiva da educação integral, equi-
III - DO ATENDIMENTO dade e educação inclusiva;
II - contribuir na sua área de atuação na consecução
Art. 7º O atendimento às classes nas Salas de Leitura e dos objetivos do Currículo da Cidade e do Projeto
nos Laboratórios Informática Educativa dar-se-á den- Político-Pedagógico da UE;
tro do horário regular de aulas dos estudantes, assegu- III - participar dos horários coletivos de formação do-
rando-se 1 (uma) hora-aula semanal para cada classe cente;
em funcionamento. IV - participar da formação continuada, programas
e projetos de sua área de atuação oferecidos pelas
IV - DA INDICAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDU- Diretorias Regionais de Educação – DREs e Coorde-
CAÇÃO nadoria Pedagógica – COPED/SME e socializar junto
aos demais professores, nos horários coletivos, os
Art. 8º Para desempenhar as funções de POSL e POIE, conteúdos dessa formação;
os professores interessados deverão se inscrever na V - programar atividades que promovam a aprendi-
própria Unidade Educacional, ficando a critério da zagem dos estudantes.
Equipe Gestora indicar os que melhor se adequam às Art. 11. São atribuições específicas do Professor
funções propostas, mediante preenchimento dos se- Orientador de Sala de Leitura – POSL:
guintes requisitos mínimos: I - trabalhar a literatura como eixo articulador do seu
I – ter disponibilidade para atender aos estudantes de trabalho em diálogo com outras manifestações ar-
diferentes turnos, de acordo com as necessidades da tísticas para o desenvolvimento das capacidades e
Unidade Educacional; procedimentos de leitura, bem como comportamen-
II – apresentar Plano de Trabalho, de acordo com as to leitor;
diretrizes estabelecidas nesta IN para apreciação do II - desencadear ações estratégicas de leitura nos
Diretor de Escola e posteriormente ao Conselho de Es- diferentes espaços e/ou equipamentos culturais do
cola, para referendo, se indicado. entorno, como: CEUs, parques, bibliotecas, centros
III – deter conhecimento na área de atuação preten- culturais, casas de cultura, coletivos independentes
dida. produtores de cultura, a fim de, propiciar as possíveis
Parágrafo único - Visando a continuidade de traba- leituras do território e da cidade.
lho pedagógico e a prática dos docentes já afastados III - articular, em conjunto com o POIE, o planeja-
de suas funções, a Equipe Gestora deverá priorizar a mento e desenvolvimento do trabalho envolvendo
indicação entre os que se encontram no exercício da os demais professores da unidade;
função. IV - assegurar a organização necessária ao funcio-
namento das Salas de Leitura de modo a favorecer
V - DOS PLANOS DE TRABALHO a construção criativa do espaço, no sentido de ade-
quar as diferentes atividades a serem desenvolvidas;
Art. 9º Os professores interessados em assumir as fun- V - conhecer, divulgar e disponibilizar o acervo de
ções de POSL e POIE deverão elaborar seus Planos de modo a favorecer a bibliodiversidade;
Trabalho de acordo com as especificidades de cada VI - elaborar horário de atendimento aos estudan-
função, contendo, dentre outros: tes, em conjunto com a Equipe Gestora, de modo a
I - identificação do professor envolvido: nome, cate- favorecer e otimizar o acesso aos livros para toda a
goria/situação funcional, registro funcional, número de comunidade escolar.
turmas sob a sua responsabilidade, discriminação do Art. 12. São atribuições específicas do Professor
número de aulas atribuídas e a forma de atribuição das Orientador de Informática Educativa - POIE:
aulas: JOP, JEX ou TEX; I - assegurar a organização necessária ao funciona-
II - objetivos, metodologias, conteúdos, procedimen- mento do Laboratório de Informática Educativa, fa-
tos didáticos, estratégias e instrumentos de avaliação vorecendo:
que serão desenvolvidos em cada turma/ano do Ciclo a) a organização do espaço físico, no sentido de ade-
e dificuldades diagnosticadas, se for o caso, em conso- quar as diferentes atividades a serem desenvolvidas;
nância com o Currículo da Cidade; b) a elaboração do horário de atendimento aos estu-
III - recursos envolvidos: físicos, materiais e financeiros;
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

dantes, em conjunto com a Equipe Gestora;


IV - cronograma de trabalho bimestral com as turmas c) o registro e encaminhamento para o Diretor de
indicando os conteúdos que serão desenvolvidos e Escola, dos problemas observados em relação ao uso
discriminando a quantidade de aulas previstas e ho- e estado de conservação dos equipamentos;
rário; d) a solicitação e acompanhamento de atendimento
V - formas de participação dos pais ou responsáveis; de Suporte Técnico, relativos aos equipamentos.
VI - avaliação do trabalho e propostas de adequação II - construir instrumentos de registro que possibi-
das atividades propostas; litem o diagnóstico, acompanhamento e avaliação
VII - referências bibliográficas. dos processos de ensino e aprendizagem;

42
III - implementar o Currículo da Cidade de Tecnolo- organização de encontros de formação dos Profes-
gias para Aprendizagem; sores e, quando se fizer necessário, dos Coordena-
IV - organizar e desenvolver, em conjunto com a dores Pedagógicos;
Equipe Gestora, propostas de trabalho que promo- c) acompanhar o desenvolvimento do trabalho pe-
vam o intercâmbio entre os professores de diferen- dagógico das UEs.
tes turnos da Unidade Educacional; II - Diretoria Regional de Educação, por meio de sua
V - articular, em conjunto com o POSL, o planeja- Divisão Pedagógica e Divisão de Administração e Fi-
mento e desenvolvimento dos trabalhos na área de nanças:
integração, envolvendo os professores da unidade e a) a aquisição de mobiliário específico, acervo inicial,
organizando ações conjuntas que estejam em con- reposição do acervo e material necessário ao funcio-
sonância com as especificidades de cada ciclo e com namento da Sala de Leitura e do Núcleo de Leitura,
o Projeto Político-Pedagógico da Unidade bem como, no que couber, do Espaço de Leitura;
Educacional. b) a aquisição de mobiliário específico e material ne-
Art. 13. Compete ao(s) Coordenador(es) cessário para o funcionamento dos Laboratórios de
Pedagógico(s) das Unidades Educacionais, a co- Informática Educativa.
ordenação, acompanhamento, supervisão, apoio III - Supervisão Escolar:
e avaliação do trabalho desenvolvido nas Salas de a) analisar e avaliar resultados do trabalho realizado;
Leitura, Espaços de Leitura e Laboratórios de Infor- b) propor medidas de ajuste/adequação do projeto
mática Educativa, além de outras atribuições e com- de acordo com o Currículo da Cidade;
petências: c) validar bimestralmente os registros de frequência
I - orientar e coordenar a elaboração dos Planos de e atividades realizados.
Trabalho dos POSLs e POIEs, integrando-os ao Pro- Art. 17. Compete à Coordenadoria Pedagógica da
jeto Político-Pedagógico da Unidade Educacional; Secretaria Municipal de Educação – COPED/SME:
II - acompanhar a execução do trabalho, fornecendo I - subsidiar a formação dos profissionais referidos
orientações e subsídios técnicos; nessa Instrução Normativa, por meio da Diretoria Re-
III - redirecionar as ações, quando se fizer necessá- gional e também de ações diretas com esses profis-
rio; sionais;
II - produzir materiais orientadores do trabalho rea-
IV - zelar pela frequência dos estudantes às ativida-
lizado nas Salas e Espaços de Leitura, bem como ao
des;
Laboratório de Informática Educativa;
V - validar bimestralmente os registros de frequên-
III - acompanhar o trabalho formativo desenvolvido
cia e atividades realizados;
pela DIPED/DRE.
Art. 14. Compete ao Diretor de Escola:
Art. 18. Compete à Coordenadoria Pedagógica da
I - assegurar os recursos necessários ao desenvolvi-
Secretaria Municipal de Educação – COPED/SME, às
mento das atividades de Sala de Leitura e Informá-
Unidades Educacionais e às Diretorias Pedagógicas
tica Educativa;
de cada Diretoria Regional de Educação:
II - orientar e coordenar a elaboração dos Planos de I - a indicação dos títulos que farão parte do acervo
Trabalho da Unidade Educacional; inicial e acervo complementar e a aquisição da bi-
III - promover, em conjunto com o Coordenador Pe- bliografia temática, que estejam de acordo com as
dagógico, a articulação interna visando à implemen- diretrizes da SME para a Sala de Leitura, Espaço de
tação do Currículo da Cidade de São Paulo e demais Leitura e Núcleo de Leitura;
ações decorrentes vinculadas à sua área de atuação; II - a indicação de Unidades Educacionais que re-
IV - autorizar o início dos trabalhos dos professores ceberão os equipamentos tecnológicos necessários
indicados; ao funcionamento dos Laboratórios de Informática
V - validar bimestralmente os registros de frequên- Educativa;
cia e atividades realizados. Parágrafo Único - À Coordenadoria Pedagógica
Art. 15. Compete à Unidade Educacional ampliar e - COPED/SME caberá dotar a sua Biblioteca Peda-
restaurar o acervo e adquirir material necessário ao gógica “Professora Alaíde Bueno Rodrigues” com o
funcionamento da Sala de Leitura e Espaço de Lei- mesmo acervo especializado e bibliografia temática
tura e do Laboratório de Informática Educativa por integrantes dos Núcleos de Leitura.
meio de recursos próprios, inclusive os do Programa Art. 19. Cada professor indicado deverá apresentar
de Transferência de Recursos Financeiros - PTRF, ins- o seu Plano de Trabalho para análise e aprovação da
tituído pela Lei nº 13.991/05. Equipe Gestora, até o último dia letivo do mês de
Art. 16. Compete à Diretoria Regional de Educação
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

fevereiro de cada ano.


por meio da: § 1º - O início das atividades dar-se-á de imediato,
I - Divisão Pedagógica - DIPED e Supervisão Escolar: após a indicação e autorização da Equipe Gestora e
a) fornecer orientações/formação e subsídios técni- referendo do Conselho de Escola.
cos para apoio às Unidades Educacionais em articu- § 2º - Os Planos de Trabalho serão avaliados, no mí-
lação com COPED/SME; nimo, semestralmente, pela Equipe Gestora da Uni-
b) promover o acompanhamento e o processo de dade Educacional e pela Supervisão Escolar, visando
formação permanente para o desenvolvimento das à promoção dos ajustes necessários à sua continui-
atividades complementares, inclusive por meio da dade.

43
VII - DA ATRIBUIÇÃO DAS AULAS § 2º - Os optantes pela JEIF que não compuserem
sua JOP, na forma do disposto no caput deste artigo,
Art. 20. O número de profissionais necessários para a cumprirão JBD no aguardo de novas possibilidades
regência das aulas de Informática Educativa e de Sala de escolha/atribuição no decorrer do ano letivo.
de Leitura será definido de acordo com o número de § 3º - Para as Unidades com mais de um POIE ou
turmas em funcionamento nas Unidades Educacionais. POSL, a atribuição de turmas aos indicados deverá
Parágrafo único – Nas UEs participantes do Progra- observar:
ma São Paulo Integral as turmas criadas nos termos a) no mínimo, 20(vinte) aulas ao primeiro indicado;
dos artigos 15 e 16 da Instrução Normativa nº 13, de b) o restante, ao segundo indicado com a possibilida-
2018, serão consideradas para a definição do número de de complementação de jornada nos termos deste
de turmas da escola mencionadas no caput. artigo.
Art. 21. A Jornada de Trabalho dos profissionais indi- § 4º - A Equipe Gestora deverá envidar esforços para
cados para as funções de POIE e de POSL será assim a indicação de profissionais em número suficiente
organizada: para as necessidades da Unidade, podendo, para isso,
I – Nas Unidades Educacionais com 20 (vinte) ou atribuir aos primeiros indicados, se de seu interesse,
40(quarenta) turmas, serão indicados 01(um) ou
turmas além da sua Jornada regular, com remunera-
02(dois) professores, respectivamente, em JBD ou
ção a titulo de JEX.
JEIF, com as seguintes aulas atribuídas:
§ 5º - As aulas a que se refere o inciso II deste artigo
a) 20(vinte) horas-aula destinadas às atividades pró-
prias da função; observarão às normas especificadas nas Instruções
b) 02(duas) horas-aula destinadas à organização dos Normativas próprias referentes ao processo de esco-
espaços, gestão do acervo e equipamentos; lha/atribuição de classes/aulas, tanto inicial como no
c) 02(duas) horas-aula destinadas à pesquisa dos es- decorrer do ano letivo.
tudantes em horário diverso ao da escolarização; § 6º - Excepcionalmente, as UEs que contarem com
d) 01(uma) hora-aula destinada ao acompanhamen- mais de um professor na função de POIE/POSL, será
to, orientação e desenvolvimento do Trabalho Cola- possibilitada a flexibilização da atribuição das aulas
borativo de Autoria - TCA, conforme previsto no arti- por turno de funcionamento da escola, devendo ser ob-
go 10 da Portaria SME nº 5.930/13. servada para a complementação das 20 (vinte) horas-
II – Nas Unidades Educacionais com menos de 20(vin- -aula da JOP:
te) turmas, será indicado 01(um) professor, em JBD I – Quando se tratar de Professor de Educação Infantil
ou JEIF, com as seguintes aulas atribuídas, na ordem: e Ensino Fundamental I, na ordem:
a) até 19(dezenove) horas-aula destinadas às ativida- a) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupera-
des próprias da função; ção de Aprendizagens;
b) 02(duas) horas-aula destinadas à organização dos b) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
espaços, gestão do acervo e equipamentos; cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
c) 02(duas) horas-aula destinadas à pesquisa dos es- c) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela Uni-
tudantes em horário diverso ao da escolarização; dade Educacional.
d) aulas do próprio componente curricular/ titularida- II – Quando se tratar de Professor de Ensino Funda-
de, quando se tratar de Professor de Ensino Funda- mental II e Médio, na ordem:
mental II e Médio; a) aulas do próprio componente curricular/ titulari-
e) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupera- dade;
ção de Aprendizagens, remanescentes da atribuição b) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupera-
do PAP, quando se tratar de Professor de Educação ção de Aprendizagens de Português e Matemática;
Infantil e Ensino Fundamental I;
c) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
f) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
d) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela Uni-
g) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela Uni-
dade Educacional. dade Educacional.
III – Nas Unidades Educacionais que tiverem de Art. 22. Na hipótese de haver mais de um POSL ou
21(vinte e uma) a 39(trinta e nove) turmas ou mais de POIE deverão ser observados para fins de escolha/
40(quarenta) turmas, poderão ser indicados respecti- atribuição de aulas, os seguintes critérios:
vamente, 02(dois) ou 03(três) professores em cumpri- I - o melhor pontuado, considerando a coluna 2 da
mento de JBD ou JEIF, que comporão suas Jornadas Ficha de Pontuação do servidor;
de Trabalho conforme segue: II - havendo empate entre Professores efetivos e está-
veis considerar-se-ão pela ordem:
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

a) o(s) primeiro(s) classificado(s) nos termos do inciso


I deste artigo; a) maior tempo na função de POSL ou POIE;
b) o segundo ou terceiro classificados, nos termos do b) maior tempo na Carreira do Magistério;
inciso II deste artigo. c) maior tempo no Magistério Municipal.
§ 1º - Os POIEs e os POSLs com jornada incompleta Art. 23. Para atuar nas Escolas Municipais de Educação
participarão da escolha/ atribuição das aulas mencio- Bilíngue para Surdos - EMEBSs será, ainda, exigido do
nadas nas alíneas “d” e “e” do inciso II deste artigo, no POSL e do POIE, a habilitação específica na área de
Processo Inicial de Escolha/ Atribuição, organizado surdez, em nível de graduação ou especialização, na
nos termos da legislação especifica. forma da pertinente legislação em vigor.

44
Art. 24. Quando em aula compartilhada, o Professor Art. 33. Não serão indicados POSLs ou POIEs para os
regente da classe deverá acompanhar a classe nas Centros de Educação Infantil - CEIs, Escolas Munici-
atividades de leitura ou nas atividades de tecnolo- pais de Educação Infantil - EMEIs, Centros Municipais
gias para a aprendizagem, todas programadas den- de Educação Infantil - CEMEIs e Cen-tros Integrados
tro do horário atribuído às suas aulas. de Educação de Jovens e Adultos - CIEJAs.
Art. 25. A organização do horário de trabalho do Art. 34. Os casos omissos ou excepcionais serão re-
POSL e do POIE será de responsabilidade do próprio solvidos pelo Diretor Regional de Educação, ouvida,
servidor em conjunto com a Equipe Gestora da Uni- se necessário, a Secretaria Municipal de Educação.
dade Educacional, com a aprovação do Supervisor Art. 35. Esta Instrução Normativa entrará em vigor
Escolar, priorizando a melhor forma de atendimento na data de sua publicação, produzindo efeitos a par-
dos estudantes. tir de 01/01/19, revogadas, em especial, as Portarias
SME n°s 7.655 e 7.656, ambas de 17/12/15.
VIII - DA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DOC 14/12/2018 – P. 14

Art. 26. A formação inicial do POSL e do POIE será RETIFICAÇÃO DA PUBLICAÇÃO NO DOC DE 12/12/18
de responsabilidade da Coordenadoria Pedagógica
da Secretaria Municipal de Educação - COPED/SME INSTRUÇÃO NORMATIVA SME Nº 26, DE 11
e a formação continuada, da Divisão Pedagógica da DE DEZEMBRO DE 2018 ALTERA A INSTRUÇÃO
Diretoria Regional de Educação - DIPED/DRE. NORMATIVA SME Nº 26/2018, QUE DISPÕE SOBRE
Art. 27. O POSL e o POIE serão convocados para par- A ORGANIZAÇÃO DOS PROJETOS DE SALAS DE
ticipar de encontros quinzenais e/ou mensais de for- LEITURA, ESPAÇOS DE LEITURA, NÚCLEOS DE
mação oferecidos pela DRE e/ou SME, devendo apre- LEITURA, DE LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA
sentar, à Chefia imediata, comprovante de presença EDUCATIVA, BEM COMO SOBRE A INDICAÇÃO DE
emitido pela autoridade responsável. DOCENTES PARA EXERCEREM AS FUNÇÕES DE
Parágrafo único - Os profissionais que se ausentarem PROFESSOR ORIENTADOR DE SALA DE LEITURA -
deverão apresentar justificativa por escrito para a DI- POSL, PROFESSOR ORIENTADOR DE INFORMÁTICA
PED/DRE, no prazo de 3(três) dias da data estabele- EDUCATIVA - POIE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS
cida para a formação.
LEIA-SE COMO SEGUE E NÃO COMO CONSTOU
IX - DAS DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS
Art. 21. A Jornada de Trabalho dos profissionais indi-
Art. 28. O profissional que se encontrar designado e
cados para as funções de POIE e de POSL será assim
deixar de exercer a função em razão do não referen-
organizada:
do pelo Conselho de Escola ou inexistência de aulas
terá cessada sua designação a partir de 01/02/19. ...
Art. 29. A regularização da situação funcional dos § 6º - Excepcionalmente, as UEs que contarem com
profissionais atualmente designados, bem como, mais de um professor na função de POIE/POSL, será
os critérios para a indicação de professores para as possibilitada a flexibilização da atribuição das aulas
funções de que trata a presente Instrução Normativa por turno de funcionamento da escola, devendo ser
serão estabelecidos por normatização própria. observada para a complementação das 20 (vinte)
Art. 30. As atividades desenvolvidas pelo POSL e pelo horas-aula da JOP:
POIE deverão estar articuladas com o Currículo da I – Quando se tratar de Professor de Educação Infan-
Cidade e com o Programa São Paulo Integral, confor- til e Ensino Fundamental I, na ordem:
me IN nº 13, de 2018. a) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupera-
Art. 31. Durante os afastamentos legais dos POSLs e ção de Aprendizagens;
POIEs o Diretor de Escola deverá indicar um profes- b) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
sor para exercer a referida função até o retorno do cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
profissional afastado. c) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela Uni-
Parágrafo único - Aplica-se, no que couber, as dis- dade Educacional.
posições contidas no inciso II do artigo 8º desta IN. II – Quando se tratar de Professor de Ensino Funda-
Art. 32. Nos períodos em que não contar com o POSL mental II e Médio, na ordem:
e POIE, nos seus respectivos espaços, caberá à Equi- a) aulas do próprio componente curricular/ titulari-
pe Gestora organizar o horário de atendimento às dade;
turmas, estabelecendo, inclusive, a responsabilidade b) aulas do Projeto de Apoio Pedagógico – Recupe-
ração de Aprendizagens de Português e Matemática;
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

pelo uso da sala, preservação do acervo e dos equi-


pamentos. c) aulas do Território do Saber e de Expansão Curri-
Parágrafo único - Aos demais educadores da UE, em cular nas escolas participantes do São Paulo Integral;
horários disponíveis, será facultado o uso da Sala de d) aulas referentes a projetos desenvolvidos pela
Leitura e do Laboratório de informática Educativa Unidade Educacional.
para desenvolver as atividades propostas no seu pla-
nejamento, garantindo um trabalho integrado com
aquelas desenvolvidas em sala de aula e efetuando
seu registro e avaliação.

45
HORA DE PRATICAR! GABARITO

1. (STM - Analista Judiciário - Área Administrativa - 1 CERTO


CESPE/2018) A respeito dos agentes públicos e seu re-
gime, julgue o item a seguir. 2 ERRADO
Após ser empossado, o servidor que não entrar em exer- 3 CERTO
cício no prazo legal será exonerado.
4 CERTO
( ) CERTO ( ) ERRADO

2. (STM - Analista Judiciário - Área Judiciária - CES-


PE/2018) A respeito dos agentes públicos e seu regime,
julgue o item a seguir.
Provimento é o ato emanado da pessoa física designada
para ocupar um cargo público, por meio do qual ela ini-
cia o exercício da função a que fora nomeada.

( ) CERTO ( ) ERRADO

3. (STJ - Analista Judiciário - Administrativa - CES-


PE/2018) A respeito dos agentes públicos e seu regime,
julgue o item a seguir.
Apesar de as instâncias administrativa e penal serem in-
dependentes entre si, a eventual responsabilidade admi-
nistrativa do servidor será afastada se, na esfera criminal,
ele for beneficiado por absolvição que negue a existência
do fato ou a sua autoria.

( ) CERTO ( ) ERRADO

4. (STJ - Analista Judiciário - Administrativa - CES-


PE/2018) A respeito dos agentes públicos e seu regime,
julgue o item a seguir.
Será cassada a aposentadoria voluntária do servidor ina-
tivo que for condenado pela prática de ato de impro-
bidade administrativa à época em que ainda estava na
atividade.

( ) CERTO ( ) ERRADO
LEGISLAÇÃO MUNICIPAL

46
ÍNDICE

CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Livros e artigos

ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. S. (Org.). O coordenador pedagógico e o atendimento à diversidade. São Paulo:
Loyola, 2015................................................................................................................................................................................................................... 01
BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos pedagógicos na Educação Infantil. Porto
Alegre: Artmed, 2008.................................................................................................................................................................................................. 01
BENTO, Maria Aparecida (org) Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais.
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades. CEERT, 2011..................................................................................... 07
DIETRICH, Ana Maria; HASHIZUME, Cristina Miyuki. Direitos Humanos no chão da escola. Santo André: UFABC, 2017......... 08
DOMINGUES, I. O coordenador pedagógico e a formação do docente na escola. São Paulo: Cortez, 2015........................... 08
FALK, J. Educar os três primeiros anos: a experiência de Loczy. Araraquara: Junqueira e Marin Editora, 2004....................... 08
FERNANDES, Domingos. Para uma teoria da avaliação no domínio das aprendizagens. Estudos em Avaliação
Educacional, São Paulo, v. 19, n. 41, set./dez. 2008........................................................................................................................................ 11
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011... 12
FOCHI, Paulo. Afinal, o que os bebês fazem no bercário?: comunicação, autonomia e saber-fazer de bebês em um
contexto de vida coletiva. Porto Alegre: Penso, 2015.................................................................................................................................... 31
FUJIKAWA, Mônica Matie. A coordenação pedagógico e a questão do registro. In: ALMEIDA, Laurinda Ramalho;
SOUZA, Vera Maria Nigro de. (Org.) O coordenador pedagógico e as questões da contemporaneidade. São Paulo:
Loyola, 2012. p. 127-142 ......................................................................................................................................................................................... 42
GATTI, Bernardete A. O professor e a avaliação em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 27,
jan./jun. 2003................................................................................................................................................................................................................. 57
LACERDA, C. B. ; ALBRES, N. A. ; DRAGO, S. L. Política para uma educação bilíngue e inclusiva a alunos surdos no
município de São Paulo. Educação e Pesquisa: revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, n. 39, p. 65-80,
2013........................................................................................................................................................................................................................ 57
LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 6. ed. São Paulo: Heccus, 2015. Cap. 6, 7 e 14.................... 58
MELLO, S. A.; BARBOSA, M. C.; FARIA, A. L. G. de (Org.). Documentação pedagógica: teoria e prática. São Carlos: Pedro
& João Editores, 2017................................................................................................................................................................................................ 63
MOREIRA, A.; SILVA JUNIOR, P. M. da. Conhecimento escolar nos currículos das escolas públicas: reflexões e apostas.
Currículo sem Fronteiras, v. 17, n. 3, p. 489-500, set./dez. 2017.................................................................................................................. 69
OLIVEIRA, A. A. S.; FONSECA, K. A.; REIS, M. R. Formação de professores e práticas educacionais inclusivas. Curitiba:
CRV, 2018. Cap. 1 e 4................................................................................................................................................................................................. 69
OSTETTO, Luciana Esmeralda (Org.). Registros na Educação Infantil: pesquisa e prática pedagógica. Campinas, SP:
Papirus, 2017................................................................................................................................................................................................................. 69
SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Tradução: Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto
Alegre: Artmed, 2000................................................................................................................................................................................................. 71
SILVA, J. L. ; Pereira, P. C. (Org.) Educação de jovens e adultos: reflexões a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak, 2015... 72
STACCIOLI, Gianfranco. Diário do acolhimento na escola da infância. Campinas, SP: Autores Associados, 2013.................... 73
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.............................................................. 73
UNESCO. Educação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: objetivos de aprendizagem. Brasília: UNESCO,
2017.................................................................................................................................................................................................................................. 73
ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. S. BARBOSA, MARIA CARMEN SILVEIRA;
(ORG.). O COORDENADOR PEDAGÓGICO HORN, MARIA DA GRAÇA SOUZA. PROJETOS
E O ATENDIMENTO À DIVERSIDADE. SÃO PEDAGÓGICOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
PAULO: LOYOLA, 2015. PORTO ALEGRE: ARTMED, 2008

O livro propõe aproximar a escola e os coordenado-


res pedagógicos, e sugerem que se trabalhe o atendi- FIQUE ATENTO!
mento voltado para diversidade humana e social que a Nesse livro as autoras nos fundamentam
escola apresenta, trazendo todos para o processo haja a metodologia de trabalho de projeto em
vista que a educação de qualidade é um direito de to- perspectiva sociocontrutivista e sociointera-
dos, respeitando a individualidade sem perder o com- cionista, apontando uma visão de pós-mo-
promisso com a coletividade. dernidade e também para uma perspectiva
Neste quinto volume de uma série dirigida a coorde- global dos problemas da educação.
nadores pedagógicos são apontadas as principais ques- O livro está estruturado em dez capítulos,
tões da contemporaneidade que interferem, no contex- iniciando com a abordagem da origem das
to escolar e social, no desempenho dos educadores. palavras projeto e como foi sendo constru-
Discutir diversidade e desigualdade na escola não ído nos diferentes momentos da história da
é tarefa fácil, sobretudo na inexistência de repertório educação esse modo organizar o ensino.
teórico-conceitual para o enfrentamento da temática.
Quando se pensa em diversidade, pensa-se em negro,
mulher, indígena, como se a diversidade se limitasse a O segundo capitulo tem como título “Por que voltar a
esses grupos sociais. Em verdade, todos os grupos de- falar em projetos” fala a retomada do modo de organizar
vem constituir a diversidade para superar hierarquiza- o ensino na perspectiva dos novos paradigmas da ciên-
ções e desigualdades. cia, explicitando como se dá a aprendizagem humana e
Aspectos como identidade, desigualdade e diversi- o que significa trabalhar com projetos no contexto atual.
dade são muito presentes nas produções sociais, estan- No terceiro capitulo, busca na etimologia da palavra pro-
do assim sujeitas a mudanças para se adequar às novas jeto seu entendimento em uma abordagem pedagógica.
formas de socialização. A compreensão de trabalhar com projetos não se encer-
Para tal alteração, por serem contradições sociais ram na sala de aula, é a abordagem do quarto capitulo.
veladas, terão de ser objeto de constantes problemati- O quinto e o sexto trabalham com a idéia central de
zações na sociedade, e na escola não deve ser diferente. que não existe uma estrutura única e fixa na construção
Alguns temas se fazem presentes dentro da escola, de um projeto de trabalho, discutindo diferentes modos
uns mais acentuados que outros, porem, todos exigem de dirigi-lo e o papel que desenvolvem os diversos atores
dos coordenadores pedagógicos uma postura de abor- desse processo: educadores, alunos e pais. O oitavo e o
dagem e tratamento de forma cuidadosa e assertiva, nono capítulos apontam questões cruciais da metodo-
alguns desses temas são sexualidade, discriminação logia de trabalho, demonstrando o quanto é importante
racial, discriminação de classe social, e isso se dá em rompermos com as tradicionais praticas usadas para ava-
vários ambientes da escola, não apenas na sala de aula, liar os alunos.
tais como corredores, banheiros, áreas coletivas como E por fim o décimo capítulo traz a abordagem do tra-
pátios, refeitórios, enfim, a estrutura escolar como um balho desenvolvido na região da Reggio Emilia, na Itália,
todo precisa estar em constante modo de atenção para realizando uma discussão metodológica e a exemplifi-
lidar com isso, afinal, não se trata de temas com referen-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
cação do cotidiano, por meio do relato de um projeto
ciais já definidos para o enfrentamento pedagógico no desenvolvido em uma das escolas dessa rede de ensino.
trato dessas situações. Abaixo estudaremos algumas partes abordas no livro.
A analise dos dados levantados na pesquisa possibi-
litou compreender o trabalho dos CP de maneira dinâ- Trajetos e Projetos
mica, no processo por meio do qual eles assumem seu
papel dentro da escola, junto aos professores, alunos, A vida dos seres humanos é constituída por uma
direção e outros CP – considerando as atribuições e ex- constante elaboração e reelaboração de projetos. Esse
pectativas desses parceiros, assim como aquelas previstas vocábulo, portanto, não é de domínio exclusivo do cam-
em leis e normativas da rede de ensino a qual pertencem. po educacional. Observamos o uso dos projetos em di-
ferentes áreas do conhecimento, como a arquitetura, a
engenharia, a sociologia.
Na área educacional o movimento denominado Es-
cola Nova teve um papel importante no questionamento
aos novos sistemas educacionais que emergiam no mun-
do ocidental fazendo uma severa crítica à escola tradi-
cional, bem como às concepções de criança, de aprendi-
zagem e de ensino. Esse movimento uniu educadores de

1
vários pontos da Europa e da América do Norte, esten- c) princípio da ação — a aprendizagem é realizada
dendo-se também para outros continentes. singularmente e implica a razão, a emoção e a sen-
As propostas teóricas e metodológicas emanadas da sibilidade, propondo transformações no perceber,
Escola Nova não eram certamente unas em termos de sentir, agir, pensar;
alternativas pedagógicas, mas em todos os lugares onde d) princípio da real experiência anterior — as expe-
se constituiu tinha como objetivo a crítica e a construção riências passadas formam a base na qual se assen-
de uma visão crítica à educação convencional: “... a ne- tam as novas;
cessidade de quebrar o quadro coercitivo dos programas e) princípio da investigação científica — a ciência se
escolares para suscitar certa criatividade”. constrói a partir da pesquisa, e a aprendizagem
Alguns de seus fundadores e principais representan- escolar também deve ser assim;
tes foram Ovide Decroly (1871-1932), Maria Montessori f) princípio da integração — apesar de a diferencia-
(1870-1952) e John Dewey (1859- 1952). No Brasil, por ção ser uma constante nos projetos, é preciso par-
meio da escrita de um documento denominado Manifes-
tir de situações fragmentadas e construir relações,
to dos Pioneiros da Educação (1932), educadores como
explicitar generalizações;
Lourenço Filho, Paschoal Lemme, Cecília Meireles e Aní-
g) princípio da prova final — verificar se, ao final do
sio Teixeira agruparam-se em torno de um grande movi-
projeto, houve aprendizagem e se algo se modifi-
mento de democratização da educação, uma causa que
em seu entendimento beneficiaria as crianças brasileiras. cou;
Em geral, os escolanovistas procuraram criar formas h) princípio da eficácia social — a escola deve opor-
de organização do ensino que tivessem as seguintes ca- tunizar experiências de aprendizagem que fortale-
racterísticas: çam o comportamento solidário e democrático.
1. A globalização dos conhecimentos, Hoje voltamos a falar de projetos, porém não da
2. O atendimento aos interesses e às necessidades dos mesma forma que a Escola Nova o fez.
alunos, É necessário dar-lhes “uma nova versão”, na qual es-
3. A sua participação no processo de aprendizagem, teja incluído:
4. Uma nova didática 1. O contexto sócio histórico, e não apenas o am-
5. A reestruturação da escola e da sala de aula. biente imediato,
2. O conhecimento das características dos grupos de
Visando essa nova organização foram pensadas vá- alunos envolvidos,
rias estratégias como os centros de interesses (Decroly), 3. A atenção à diversidade e
os projetos e as unidades didáticas. 4. O enfoque em temáticas contemporâneas e perti-
John Dewey e seu seguidor William Kilpatrick são nentes à vida das crianças.
apontados como os principais representantes da peda-
gogia de projetos. Dewey acreditava que o conhecimen- Mas o que é projetar?
to só é obtido através da ação, da experiência, pois o
pensamento é produto do encontro do indivíduo com A palavra projeto significa pensar e/ou fazer uma
o mundo. O foco é a vida em comunidade e a resolução ação direcionada para o futuro.
de problemas emergentes da mesma. Nesse contexto, a É um plano de trabalho, ordenado e particularizado
sala de aula funcionaria como uma comunidade em mi- para seguir uma ideia ou um propósito, mesmo que va-
niatura, preparando seus participantes para a vida adulta. gos. Um projeto é um plano com características e pos-
A função primordial da escola seria a de auxiliar a sibilidades de concretização. Um projeto pode ser es-
criança a compreender o mundo por meio da pesquisa,
boçado por meio de diferentes representações, como
do debate e da solução de problemas, devendo ocorrer
cálculos, desenhos, textos, esquemas e esboços que de-
uma constante inter-relação entre as atividades escolares
finam o percurso a ser utilizado para a execução de uma
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

e as necessidades e os interesses das crianças e das co-


ideia. Um projeto é uma abertura para possibilidades
munidades.
Quatro passos eram considerados norteadores da amplas de encaminhamento e de resolução, envolvendo
planificação de um projeto: decidir o propósito do pro- uma vasta gama de variáveis, de percursos imprevisíveis
jeto, realizar um plano de trabalho para sua resolução, acompanhados de uma grande flexibilidade de organi-
executar o plano projetado e julgar o trabalho realizado. zação. Os projetos permitem criar, tanto individualmente
Dewey afirmava que “projetar e realizar é viver em li- quanto em grupo, um modo próprio para abordar ou
berdade” e levantava como princípios fundamentais para construir uma questão e respondê-la.
a elaboração de projetos na escola: As estruturas de projetos apresentam alguns pontos
a) princípio da intenção — toda ação para ser signi- que são gerais, podendo ser considerados comuns, e
ficativa precisa ser compreendida e desejada pelos outros que são específicos, estando de acordo com a
sujeitos, deve ter um significado vital, isto é, deve problemática desenvolvida.
corresponder a um fim, ser intencional, proposital; No âmbito pedagógico:
b) princípio da situação-problema — o pensamen- 1. A definição do problema;
to surge de uma situação problemática que exige 2. O planejamento do trabalho;
analisar a dificuldade, formular soluções e estabe- 3. A coleta, a organização e o registro das informa-
lecer conexões, constituindo um ato de pensamen- ções;
to completo; 4. A avaliação e a comunicação.

2
Segundo Barbier (1994), “O projeto não é uma sim- disciplina constitui-se como um amontoado de infor-
ples representação do futuro, do amanhã, do possível, mações especializadas que são servidas nas escolas em
de uma ideia; é o futuro a fazer, um amanhã a concretizar, pequenas doses, para aquela de programação, em que o
um possível a transformar em real, uma ideia a transfor- currículo se constrói através de um percurso educativo
mar em ato”. orientado, porém sem ser fechado ou pré-definido em
Como vimos anteriormente, os projetos são um dos sua integralidade.
muitos modos de organizar as práticas educativas. Eles O currículo não pode ser definido previamente, preci-
indicam uma ação intencional, planejada coletivamente, sando emergir e ser elaborado em ação.
que tenha alto valor educativo, com uma estratégia con- Para tanto, é fundamental “emergi-las” em experiên-
creta e consciente, visando à obtenção de determinado cias e vivências complexas que justamente instiguem sua
alvo. Através dos projetos de trabalho, pretende-se fa- curiosidade. Nessas situações, é importante ressignificar
zer as crianças pensarem em temas importantes do seu as diferentes formas de interpretar, representar e simbo-
ambiente, refletirem sobre a atualidade e considerarem lizar tais vivências, por meio do desenho, da expressão
a vida fora da escola. Eles são elaborados e executados corporal, do contato com diferentes matérias.
para as crianças aprenderem a estudar, a pesquisar, a Constatamos simplificações não científicas e empo-
procurar informações, a exercer a crítica, a duvidar, a ar- brecedoras do mundo para as crianças e que partem do
gumentar, a opinar, a pensar, a gerir as aprendizagens, a pressuposto de que, apenas porque elas são pequenas,
refletir coletivamente e, o mais importante, são elabora- não merecem atenção ou a ampliação de horizontes e
dos e executados com as crianças e não para as crianças. aprendizagens complexas. Para construir uma programa-
Projetar é como construir um puzzle cujas peças estão ção curricular flexível, é preciso, em primeiro lugar, rede-
dentro da caixa, mas não há na tampa o desenho da fi- finir e construir, de forma sintética e clara, os objetivos
gura final. Monta-se, tenta-se, procuram-se aquelas que que temos para a educação das crianças pequenas e os
têm conteúdo ou forma semelhantes e, aos poucos, vai conhecimentos que consideramos essenciais para a sua
emergindo uma surpreendente figura. Os conteúdos são inserção no mundo.
peças do quebra-cabeça e somente ganham significação Outro grave problema que afeta a educação infantil é
quando relacionados em um contexto. o do calendário de festividades. Alguns meses do ano, as
crianças ficam continuamente expostas àquilo que pode-
Projetualidade em diferentes tempos: na escola e ríamos chamar da indústria das festas. Elas se tornam ob-
na sala de aula jetos de práticas pedagógicas sem o menor significado,
que se repetem todos os anos da sua vida na educação
Trabalhar com projetos não significa apenas ter uma infantil, como episódios soltos no ar. Manter tradições
sala dinâmica e ativa, pois muitas vezes “as crianças pro- culturais, cívicas e/ou religiosas é algo fundamental para
duzirão muito, mas de maneira estéril” (Tonucci, 1986). as crianças pequenas e precisa constar no currículo, mas
Os resultados são vários e vistosos, porém os proces- o importante é a construção do sentido (real ou imaginá-
sos são pobres, parciais, fragmentados e duram apenas o rio) dessas práticas e não apenas a comemoração.
tempo da realização. E possível afirmar que, para o desenvolvimento de um
Para haver aprendizagem, é preciso organizar um cur- projeto, o que se faz é uma opção pelo aprofundamento
rículo que seja significativo para as crianças e também dos conhecimentos e não pela extensão dos mesmos.
para os professores. Um currículo não pode ser a repeti- A organização do trabalho pedagógico por meio de
ção contínua de conteúdos, como uma ladainha que se projetos precisa partir de uma situação, de um problema
repete infindavelmente no mesmo ritmo, no mesmo tom. real, de uma interrogação, de uma questão que reflita as
Os projetos abrem para a possibilidade de aprender os “preocupações” do grupo.
diferentes conhecimentos construídos na história da hu- Os projetos propõem uma aproximação global dos
manidade de modo relacional e não linear, propiciando fenômenos a partir do problema e não da interpretação CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

às crianças aprender através de múltiplas linguagens, ao teórica já sistematizada através das disciplinas. Ao apro-
mesmo tempo em que lhes proporcionam a reconstru- ximar-se do objeto de investigação, várias perguntas po-
ção do que já foi aprendido. dem ser feitas e, para respondê-las, serão necessárias as
As disciplinas, seus conteúdos fundamentais e suas áreas de conhecimento ou as disciplinas.
subdivisões são os conteúdos da matéria que os profes- Acreditamos que é preciso alertar que há dois tipos
sores devem dominar, mas isso não é o programa de tra- de conhecimentos funcionando em um projeto: o conhe-
balho dos alunos em sala de aula. Não pode haver um cimento do professor, que deve possibilitar compreen-
“já foi ensinado e ponto final”, já que em um grupo as der as crianças com as quais trabalha conhecer os temas
aprendizagens não acontecem de uma única vez e nem importantes para a infância contemporânea, e também
para todos do mesmo modo. Segundo Dewey (1959, o conhecimento dos conteúdos das disciplinas. O profes-
p.80), “O principal mérito, o valor do programa e das ma- sor precisa ter um repertório suficientemente amplo para
térias é para o professor e não para o aluno. Eles estão aí que, à medida que surge uma situação, ele possa com-
para mostrar os caminhos...”. preendê-la e organizar-se para encaminhar seus estudos
Para redimensionar a concepção de currículo, uma pessoais, assim como o trabalho com as crianças, criando
perguntas e desafios. Os conhecimentos que o professor
das questões fundamentais é passar da ideia de progra-
adquire ao realizar os projetos não são os mesmos dos
ma escolar, como uma lista interminável de conteúdos
alunos da educação infantil eles são de ordem diferente.
fragmentados, obrigatórios e uniformes em que cada

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Saber os conteúdos gerais da área de biologia, por Segundo Kramer (1997), uma proposta pedagógica
exemplo, é uma competência dos professores para que sempre contém uma aposta, não sendo um fim, mas um
eles possam fazer perguntas, oferecer experiências, con- caminho que se constrói no (ou ao) caminhar como um
tribuir no desenvolvimento dos projetos e no estabeleci- instrumento que responda às necessidades sociais da
mento de relações e não para transmitir conceitos pre- comunidade onde se insere e, a partir disso, desvelar o
viamente organizados. Ex: Saber que o peixe Beta é um “para que” e “para quem” se ensina. Ter a clareza quanto
animal originário do sudeste da Ásia, que é denominado ao papel que a escola assume diante de sua comunidade
peixe de guerra devido a uma tribo muito guerreira, cha- leva-nos a explicitar que princípios nortearão esse docu-
mada Ikan Bettah, que habitava o antigo Sião, hoje Tai- mento. Portanto, o caráter reflexivo e dialógico deverá
lândia, pode ser importante para o professor pensar em guiar a construção desse instrumento de trabalho.
estratégias de desenvolvimento do trabalho. Porém, para Discussões recentes acerca da organização por dis-
as crianças da educação infantil, essas informações iso- ciplina apontam para a necessidade da integração dos
ladas não fazem o menor sentido. O que interessa para conteúdos estruturados em núcleos que ultrapassam os
as crianças é poder ter a experiência de cuidar do peixe, limites das disciplinas, centrados em temas, problemas,
saber o que ele come, conhecer as histórias do peixe de tópicos ou ideias. Segundo Hernández (1998), a definição
briga, verificar pela aparência características como as co- sobre o sentido da globalização se estabelece como uma
res, o tipo de nadadeiras e aprender como se preparam questão que vai além da escola e que, possivelmente, na
para a luta. atualidade, motivada pelo desenvolvimento das ciências,
É claro que muitas vezes as crianças nos surpreendem receba um novo sentido, centrando-se na forma de re-
querendo saber como é que funciona um motor de lo- lacionar os diferentes saberes, em vez de preocupar-se
comotiva a vapor, como foi possível colocar o oxigênio em como levar adiante sua acumulação. O mundo atual
nos tubos de mergulho, como as estrelas ficam presas no caracteriza-se pela globalização; as questões estão rela-
céu. Essas perguntas são difíceis de serem respondidas, cionadas tanto em nível local como também internacio-
e o professor precisa aprender a desdobrar a pergunta nalmente. As dimensões financeiras, culturais, políticas,
e partir, junto com as crianças, à procura das respostas ambientais, entre outras, são interligadas e interdepen-
possíveis, através de estratégias adequadas ao seu modo dentes. Além disso, a velocidade com que novas pes-
de ser e pensar. quisas apontam outros caminhos, novas descobertas e,
consequentemente, novos conhecimentos não permite
E preciso compor o currículo com as necessidades
acompanhar todo esse processo, do mesmo modo que a
que nós, os adultos, acreditamos que sejam aquelas
escola de outros tempos deu conta de todas as informa-
apresentadas pelas crianças e que podemos obter por
ções consideradas importantes da época.
meio da observação das brincadeiras e de outras mani-
Nessa concepção, presta-se atenção a tudo o que se
festações não-verbais, assim como da escuta de suas fa-
passa na escola, propiciando-se aos alunos as aprendiza-
las das quais emergem os interesses imediatos.
gens consideradas mais significativas, na medida em que
As aprendizagens nos projetos acontecem a partir de
são oferecidas múltiplas possibilidades para a interven-
situações concretas, das interações construídas em um
ção educativa. Se pensarmos em um currículo integra-
processo contínuo e dinâmico. O planejamento é feito do, organizado em torno de ideias, tópicos ou princípios
concomitantemente com as ações e as atividades que que congregam as diferentes áreas do conhecimento, a
vão sendo construídas “durante o caminho”. Um projeto organização do ensino deverá ser compatível com essa
é uma abertura para as possibilidades amplas e com uma proposta e não poderá tratar do conteúdo de uma forma
vasta gama de variáveis, de percursos imprevisíveis, cria- fragmentada. Trabalhar com projetos de trabalho emer-
tivos, ativos, inteligentes acompanhados de uma grande ge como uma possibilidade metodológica possível nessa
flexibilidade de organização. perspectiva, partindo-se de uma situação-problema para
a qual convergem diferentes campos do conhecimento.
Projetualidade na escola: a articulação entre pro-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Seu papel é o de articular e estabelecer relações com-


posta pedagógica e a organização do ensino em pro- preensivas que possibilitem novas convergências gera-
jetos de trabalho doras.
Nessa concepção de ensino e aprendizagem, o pa-
A construção de uma proposta pedagógica, legiti- pel do professor reveste-se de fundamental importância,
mada como o documento norteador de todo o trabalho pois cabe a ele organizar estratégias e materiais, colo-
na escola, é imprescindível quando se pretende alcançar cando seus alunos em contato com diferentes objetos
uma educação de qualidade desde a Educação Infantil a da cultura que, muitas vezes, só estarão disponíveis na
Universidade. escola. O professor atua como um guia que aponta vários
Além disso, a proposta pedagógica deve ser cons- caminhos que os alunos poderão seguir, adotando uma
truída por todos os integrantes da comunidade escolar: atitude de escuta e diálogo.
alunos, professores, funcionários, direção e pais dos alu-
nos. Essa construção coletiva deverá ser responsável pela Projetualidade na sala de aula
convergência de pensamento à qual as correntes da psi-
cologia, da filosofia e da sociologia dão suporte, ao que Reapresentando a ideia de que não trabalhamos pro-
entendemos por educação, por ensino e aprendizagem, jetos de maneira fragmentada, com tempos predeter-
por criança, enfim, pelo tipo de cidadão que queremos minados, com atividades planejadas com antecedência,
formar. queremos reafirmar que, para se trabalhar com a organi-

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zação do ensino em projetos de trabalho, é preciso inse- A partir da perspectiva sócio histórica de desenvolvi-
ri-lo em uma proposta pedagógica que contemple con- mento tanto Wallon (1989) como Vygotsky (1984) rela-
cepções de ensino e aprendizagem, educação, modos de cionam afetividade, linguagem e cognição com as prá-
organizar o espaço. Ao definirmos todas essas questões, ticas sociais. Ou seja, para esses autores, o meio social
é fundamental permitirmos que “o mundo entre na sala é fator preponderante no desenvolvimento dos indiví-
de aula”. Nesse sentido, não cabe considerar uma sala duos, fazendo parte constitutiva desse processo. Ao in-
como uma estrutura centrada na figura do adulto, com teragirem nesse meio e com outros parceiros, as crianças
lugares e materiais definidos previamente, os quais não aprendem pela própria interação e imitação. A implicação
permitem novas interações das crianças com o meio, no- pedagógica decorrente dessa ideia é a de que a forma
vos olhares das crianças da realidade em que se inserem. como organizamos o espaço interfere significativamente
A sala de aula é um microcosmo onde complexas rela- nas aprendizagens infantis. Ou seja, quanto mais o espaço
ções e fatores interligam-se como elementos estruturan- for desafiador e promover atividades conjuntas entre par-
tes do fazer pedagógico. Compõe esse contexto as rela- ceiros, quanto mais permitir que as crianças se descen-
ções de tempo, de espaço, de interações entre crianças trem da figura do adulto, mais fortemente se constituirá
e crianças, crianças e professores, crianças e comunidade como propulsor de novas e significativas aprendizagens.
escolar. Que características, então, esses espaços e ambientes
deverão ter para dar conta disso? O espaço destinado às
Os tempos na sala de aula crianças pequenas não será sempre o mesmo. Suas ne-
cessidades físicas, sociais e intelectuais, ao se modifica-
Os projetos podem ter tempos diferentes de dura- rem, incidem em modificações também no meio em que
ção. Existem projetos de curto, médio e longo prazos. O estão inseridas. Além disso, e levando em consideração
tempo será definido na ação. É importante lembrar que as necessidades básicas e as potencialidades das crian-
uma mesma turma de alunos pode desenvolver vários e ças pequenas e a construção da sua autonomia moral e
distintos projetos ao longo do ano, que muitos deles po- intelectual, é de extrema relevância apontar que não é
dem ter uma existência concomitante e que nem todos somente o espaço limitado das salas de aula ou das ativi-
os projetos precisam necessariamente ser desenvolvidos dades propriamente ditas que devemos considerar e ou
por todos os alunos. Nesse tipo de organização peda- tão-somente os modos de organizá-los. Todos os espaços
gógica, os conceitos e as habilidades consideradas re- das instituições de educação infantil são “educadores” e
levantes e adequadas aos alunos da pré-escola devem
promovem aprendizagens (hall de entrada, biblioteca, ba-
estar claros para os educadores, podendo contribuir na
nheiros, cozinha, corredores, pátios, etc.) na medida em
elaboração dos projetos. A ordem em que esses conteú-
que, devido às suas peculiaridades, promovem o desen-
dos serão trabalhados, o nível de profundidade e o tipo
volvimento das múltiplas linguagens infantis.
de abordagem serão definidos pelo processo do trabalho
A construção do processo de aprender a aprender
cooperativo do grupo.
é facilitada quando os adultos atuam de maneira a não
centralizar as atividades, permitindo que as crianças pro-
Os espaços na sala de aula
curem competentemente materiais e atividades que as
Zabalza e Fornero (1998) fazem uma interessante desafiem. Isso não se faz sem a parceria de um espaço
distinção entre espaço e ambiente, apesar de terem a que seja cúmplice na construção da autonomia moral e
clareza de que são conceitos intimamente ligados. Afir- intelectual por parte das crianças. Em um contexto pen-
mam que o termo espaço refere-se aos locais onde as sado em cantos e recantos com diferentes temáticas,
atividades são realizadas e caracterizam-se pelos objetos, que permitem seu livre trânsito e que, ao mesmo tempo,
pelos móveis, pelos materiais didáticos e pela decoração. proporciona ricas interações, os temas dos projetos são
O ambiente, por sua vez, diz respeito ao conjunto desse alimentados, assim como se preveem novos rumos nos
espaço físico e às relações que nele se estabelecem, as trabalhos, se levantam dúvidas e se buscam respostas, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

quais envolvem os afetos e as relações interpessoais dos fatores propulsores no andamento de um projeto. Um
envolvidos no processo — adultos e crianças. Em outras ambiente rico e instigante suscita muitas interrogações às
palavras, podemos dizer que o espaço refere-se aos as- crianças, o que é ponto de partida para o desenvolvimen-
pectos mais objetivos, enquanto o ambiente refere-se to de projetos significativos.
aos aspectos mais subjetivos. O ambiente “fala”, trans- Também é importante lembrar que o espaço tem um
mite-nos sensações, evoca recordações, passa-nos segu- caráter simbólico, pois oferece um ambiente de cumplici-
rança ou inquietação, mas nunca nos deixa indiferentes. dade, que permite a emergência das singularidades, das
Segundo Horn (2004), o espaço é então entendido diferentes identidades, das experiências, dos sentimentos
em uma perspectiva definida em diferentes dimensões: e das emoções.
a física, a funcional, a temporal e a relacional, legitiman-
do-se como um elemento curricular. Nessa perspectiva, Diferenças de projetos na creche e na pré-escola
estrutura oportunidades para a aprendizagem por meio
das interações possíveis entre as crianças e os objetos Os projetos podem ser usados nos diferentes níveis
e delas entre si. A partir dessa compreensão, o espaço da escolaridade, desde a educação infantil até o ensino
nunca é neutro, podendo ser estimulante ou limitador de médio. O que é importante considerar, a priori, é que cada
aprendizagens, dependendo das estruturas espaciais que um desses níveis possui especificidades e características
estão postas e das linguagens que estão representadas. peculiares que os vão distinguir em alguma medida: com

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relação ao grupo etário, à realidade circundante, às expe- cial de observação, pode preparar um projeto. Nessa fai-
riências anteriores dos alunos e dos professores. Porém, xa etária, é fundamental considerar que as coisas impor-
em sua essência, assim como qualquer tema pode ser tantes da vida a serem descobertas e conhecidas são a
abordado nessa perspectiva, também é possível utilizá-lo procura do olhar, o ser correspondido, o sorrir, a conversa
em qualquer etapa da escolaridade. (seja ela qualquer tipo de relação vocal), o tocar (contato
Com propósitos didáticos, para fins de uma melhor motor), o contato físico, a retenção de um objeto (dar,
abordagem, vamos organizar este capítulo inicialmente oferecer), o imitar, o esconder, os jogos de linguagem,
em torno do trabalho com projetos com crianças peque- os jogos de manipulação, as músicas, as saídas para o
nas na creche e, posteriormente, com as crianças maiores espaço externo, as festas, a vida em grupo. As atividades
da pré-escola. de sobrevivência, como alimentar-se, banhar-se, brincar,
dormir, comunicar-se verbalmente e relacionar-se com os
Projetos na creche companheiros, também são as grandes aprendizagens
desse grupo etário.
A primeira infância, período que vai dos 0 aos 3 anos, A construção de projetos para crianças pequenas
é uma etapa que começa dominada pelos instintos e re- pode ter durações diferenciadas, sendo possível pensar
flexos que possibilitam as primeiras adaptações e que em projetos que dure um dia ou talvez uma semana.
se estendem pela descoberta do ambiente geral e pelo
início da atividade simbólica. E o momento em que as Projetos na pré-escola
crianças têm uma dependência vital dos adultos. O modo
de viver e de manifestar-se, de conhecer e de construir o A segunda infância, período que vai dos 3 aos 6 anos,
mundo, pauta-se na experiência pessoal, nas ações que é caracterizada por ser um momento importante de for-
realizam sobre os objetos e no meio que as circundam. mação da criança. Nesse período, elas têm aumentadas
Os primeiros anos de vida da criança estão marcados por as suas motivações, seus sentimentos e seus desejos de
uma constante busca de relações: as pessoas, os objetos conhecer o mundo, de aprender. Sem exagero, pode-se
e o ambiente são interrogados, manipulados, mediante dizer que elas quase explodem de tanta curiosidade. En-
uma atitude de intercâmbio interativo, juntamente com
tão, o adulto deverá desempenhar um papel desafiador,
um processo de forte empatia. Na creche, desde muito
povoando a sala de aula com objetos interessantes, bem
pequenas, elas aperfeiçoam as experiências que já exis-
como ampliando e aprofundando as experiências das
tem e adquirem novas estratégias.
crianças. O fato de elas terem muito desenvolvida sua
Com essas características, fica evidente que as crian-
oralidade, ter domínio do seu próprio corpo, faz seu rol
ças bem pequenas necessitam de um modo muito es-
de experiências aumentar cotidianamente, o que possi-
pecífico de organização do trabalho pedagógico e do
ambiente físico. Nessa perspectiva, os projetos podem bilita sua participação ativa não somente com relação ao
constituir-se em um eficiente instrumento de trabalho surgimento das temáticas, mas também na construção
para os educadores que atuam com essa faixa etária. do projeto. Esta é uma das diferenças de abordagem com
Os projetos com bebês têm seus temas derivados relação ao trabalho com projetos na creche.
basicamente da observação sistemática, da leitura que a
educadora realiza do grupo e de cada criança. Ela deve Comunidade de aprendizagem
prestar muita atenção ao modo como as crianças agem e
procurar dar significado às suas manifestações. E a partir Quando uma escola propõe um trabalho com projetos
dessas observações que vai encontrar os temas, os pro- todos aprendem! Aprendem os alunos, os professores, os
blemas, a questão referente aos projetos. funcionários, os pais, as instituições, a sociedade, isto é,
O trabalho com essa faixa etária, como já afirmamos toda a comunidade troca informações, cria conhecimen-
antes, requer como uma tarefa fundamental da educado- tos comuns, formula perguntas e realiza ações. Trabalhar
ra a de organizar o espaço: interno (da sala de aula) e ex- com projetos é criar uma escola como uma instituição
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

terno (do pátio). Esse espaço deve incentivar e estruturar aberta e a escola como uma comunidade de investigação
as experiências corporais, afetivas, sociais e as expressões e de aprendizagens que estimula o pensamento renova-
das diferentes linguagens da criança. O ambiente bem- do em todas as áreas. O percurso de construção de um
-estruturado, mas flexível e passível de mudanças, deverá projeto não é apenas uma forma, mas também é conteú-
prever a possibilidade de os materiais também se modi- do de aprendizagem — de solidariedade, de argumen-
ficarem ao longo do ano, acompanhando a trajetória do tação, de negociação, de trabalho coletivo, de escolhas.
grupo, ou seja, suas novas aquisições, suas necessidades
e seus interesses. O ambiente, isto é, a sala das crianças O professor na pedagogia de projetos
deve ser vista como um educador auxiliar que provoca
aprendizagens: pode haver nessa sala materiais como A pedagogia de projetos oferece aos professores a
caixas, instalações, tendas, tapetes, almofadas, cestas possibilidade de reinventar o seu profissionalismo, de
para jogo de manipulação, materiais vindos da natureza, sair da queixa, da sobrecarga de trabalho, do isolamento,
bonecos, brinquedos de construção, trapos de pano, bo- da fragmentação de esforços para criar um espaço de
las de tamanhos e materiais diversos. trabalho cooperativo, criativo e participativo. “O profes-
Um projeto pode iniciar durante as atividades de ex- sor passa a ocupar o papel de co-criador de saber e de
ploração dos materiais da sala. O educador observa, ano- cultura, aceitando com plena consciência a ‘vulnerabili-
ta dados relevantes — data, criança, espaço, materiais, dade’ do próprio papel, junto à dúvida, ao erro, ao estu-
canais sensoriais, tipo de jogo — e, após um período ini- por e à curiosidade” (Rinaldi, 1994, p.15).

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A pedagogia de projetos também possibilita tratar o conviver e aprender com os limites da vida coletiva.
trabalho docente como atividade dinâmica e não repetiti- A pedagogia de projetos vê a criança como um ser ca-
va. O professor pode repensar a sua prática, atualizar-se e paz, competente, com um imenso potencial e desejo de
transformar a compreensão do mundo pelo estudo con- crescer. Alguém que se interessa, pensa, duvida, procura
tínuo e coletivo sobre diferentes temas, juntamente com soluções, tenta outra vez, quer compreender o mundo a
as crianças. E possível revisar seu modo de ensinar e, com sua volta e dele participar, alguém aberto ao novo e ao
isso, transformar a própria história como sujeito educador. diferente. Para as crianças, a metodologia de projetos ofe-
Analisar metacognitivamente o processo de aprendizagem rece o papel de protagonistas das suas aprendizagens, de
realizado pelo grupo, avaliar e reinstrumentalizar para con- aprender em sala de aula, para além dos conteúdos, os di-
tinuamente qualificar o seu ofício. A vida cooperativa que versos procedimentos de pesquisa, organização e expres-
se estabelece na sala de aula ajuda o professor a sair da sua são dos conhecimentos.
solidão, já que ele passa a compartilhar tarefas, a coprodu- Para as crianças, trabalhar com projetos é também
zir estratégias pedagógicas, a criar e a aprender. aprender a trabalhar em grupo criando uma cultura de
Ao professor cabe prioritariamente criar um ambiente aprendizagem mútua. Muitas habilidades e capacidades
propício em que a curiosidade, as teorias, as dúvidas e as são desenvolvidas na execução de projetos: flexibilidade,
hipóteses das crianças tenham lugar, sejam realmente es- organização, interpretação, coordenação de ideias, for-
cutadas, legitimadas e operacionalizadas para que se cons- mulação de conceitos teóricos, antevisão de processos,
trua a aprendizagem. Pode-se complementar essa ideia capacidade de decisão, verificação da viabilidade dos em-
com o conceito de comunidade de investigação, que é um preendimentos, decisão sobre elas, mudança de rumos,
espaço onde há descoberta e invenção por toda a parte, desvendamento do novo, ampliação de conhecimentos e
estimulando, assim, o pensamento renovado em todas as garantia de inclusão na rede de saberes previamente ad-
áreas. E preciso que a sala de aula e a escola em sua to- quiridos.
talidade tornem-se uma comunidade de investigação, na
qual as crianças possam aprender umas com as outras e Fonte
dialogar não só com os professores, mas também com os Disponível em: http://cad.sinpeem.com.br/
textos, os materiais, as atividades, criando conhecimentos
e significados com solidariedade social.
Independentemente do trabalho com as crianças, é ta- BENTO, MARIA APARECIDA (ORG)
refa do educador articular o tema com os objetivos gerais
EDUCAÇÃO INFANTIL, IGUALDADE RACIAL
previstos para o ano letivo ou ciclo e realizar uma previsão
dos conteúdos que podem vir a ser trabalhados, inclusive E DIVERSIDADE: ASPECTOS POLÍTICOS,
atualizar-se em relação ao tema, discuti-lo com os outros JURÍDICOS, CONCEITUAIS. CENTRO DE
educadores da escola e ampliar seus conhecimentos, apre- ESTUDOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E
sentando propostas de trabalho para o grupo. Além disso, DESIGUALDADES. CEERT, 2011
deve selecionar os conhecimentos centrais e não transmi-
tir rapidamente os conhecimentos da área. O ensino gera
uma série de processos de desenvolvimento que, de outro A obra nos traz uma proposta de analise mais analítica
modo, não seria possível despertar nas crianças, isto é, o e reflexiva sobre o prisma da diversidade racial e da res-
ensino precede e estimula o desenvolvimento mental da ponsabilidade da política educacional infantil, na sua valo-
criança, O papel do docente é também ser aquele que re- rização e na promoção da igualdade racial, no decorrer da
gistra e que cria a memória. educação infantil.
Ao fazermos a leitura, nos damos conta de alguns de-
As crianças e o grupo na pedagogia de projetos safios que temos pela frente no tocante a conhecer o tema
e sobre como precisamos nos aprofundar em suas analises
Para o grupo de alunos, os projetos propiciam a criação e proposições. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
de uma história de vida coletiva, com significados com- Desde a edição da primeira Constituição Brasileira, em
partilhados. Eles estimulam a aprendizagem do diálogo, 25 de marco de 1824, todas as constituições consignaram
do debate, da argumentação, do aprender a ouvir outros, o principio da isonomia ou da nao-discriminação.
do cotejar diferentes pontos de vista, do confronto de opi- É a historia, portanto, que atesta a insuficiência de uma
niões, do negociar significados, da construção coletiva, da atitude estatal negativa, abstencionista, no sentido de não
cooperação e da democracia. As crianças engajam-se nas discriminar, como de resto demonstra a inutilidade das de-
próprias aprendizagens, na construção do conhecimento, clarações solenes de repudio ao racismo.
no desenvolvimento de novas habilidades e no aperfeiçoa- Dito em outros termos: em uma sociedade como a bra-
mento daquelas já dominadas, no prazer de expor o seu sileira, desfigurada por séculos de discriminação generali-
saber, no ver e sentir as controvérsias e na construção de zada, não e suficiente que o Estado se abstenha de praticar
uma visão coletiva. a discriminação em suas leis. Incumbe ao Estado esforçar-
A construção de um grupo de aprendizagem que cola- -se para favorecer a criação de condições que permitam a
bora, que se envolve com as tarefas, que é corresponsável todos beneficiarem-se da igualdade de oportunidades e
pelo empreendimento coletivo, define uma efetiva partici- eliminar qualquer fonte de discriminação direta ou indireta.
pação no grupo. Cabe salientar ainda que as crianças po- A isso se da o nome de ação afirmativa ou ação positiva,
dem criar projetos individualmente, em pequenos grupos compreendida como comportamento ativo do Estado, em
ou em duplas, ou mesmo em grande grupo. Cada um pode contraposição a atitude negativa, passiva, limitada a mera
ser diferente, ter seus interesses, mas é preciso aprender a intenção de não discriminar.

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A nota característica da promoção da igualdade, Primeira Parte:
portanto, distingue-se por um comportamento ativo Apresenta comentários sobre projetos e artigos que
do Estado, em termos de tornar a igualdade formal em tratam de temas que frequentemente surgem em Educa-
igualdade de oportunidade e de tratamento, o que e, in- ção em Direitos Humanos, como ensino, geração, etnia,
sistimos, qualitativamente diferente da cômoda postura gênero, educação inclusiva, bullying e cultura da paz.
de não discriminar.
O livro ressalta a importância de um cuidado cons- Segunda Parte:
tante com o uso de alguns conceitos, até mesmo sobre Nesse momento podemos observar relatos de expe-
normas de base jurídica da política educacional compro- riências de tutores do curso, que falam sobre a realização
metida com a igualdade racial. dos seminários de pesquisa e o documentário, a expe-
Vejamos a seguir os aspectos e conteúdos abordados riência da tutoria presencial e da supervisão.
no livro.
Terceira Parte:
Aspectos conceituais e jurídicos da educação para a Reúne os resumos das atividades desenvolvidas pelos
igualdade racial na educação infantil alunos do curso e as fotos dos melhores momentos des-
- A criança pequena e o direito à creche no contexto ses três anos de projeto (2014-2017).
dos debates sobre infância e relações raciais;
- As relações étnico-raciais e a sociologia da infância
no Brasil: alguns aportes; DOMINGUES, I. O COORDENADOR
- Anotações conceituais e jurídicas sobre educação PEDAGÓGICO E A FORMAÇÃO DO DOCENTE
infantil, diversidade e igualdade racial; NA ESCOLA. SÃO PAULO: CORTEZ, 2015.
- Os primeiros anos são para sempre;
- A identidade racial em crianças pequenas.
O livro apresenta uma reflexão importante sobre o pa-
Vivências de igualdade étnico-racial nas instituições pel do coordenador pedagógico enquanto articulador da
de educação infantil formação continuada do professor.
- Diversidade étnico-racial: por uma prática pedagó- A autora propõe um combate à diminuição imposta à
gica na educação infantil; escola no tocante ao seu papel de estimular e promover
- A abordagem da temática étnico-racial na educação conhecimento, cultura e integração social.
infantil: o que nos revela a prática pedagógica de uma
professora. Alguns pontos destacados pela autora:
- Anotações sobre a vivência de igualdade em sala - importância de fortalecer o trabalho de formação
de aula contínua dos professores no interior das escolas dando voz
a um grupo de coordenadores que ajudam a demonstrar o
Formação de professores para a igualdade étnico-ra- potencial do trabalho da coordenação pedagógica;
cial na educação infantil - necessidade de propor uma melhoria da qualidade do
- Formação de professores, educação infantil e diver- ensino, a partir da formação contínua na escola.
sidade étnico-racial: saberes e fazeres. - considerar que a politica educacional brasileira não va-
- Diversidade étnico-racial e a produção literária in- loriza as particularidades regionais e locais quanto ao papel
fantil: análise de resultados contemporâneo da educação e da gestão educacional.
- necessidade do coordenador pedagógico apresentar
Veja o conteúdo completo acessando o link a seguir: sensibilidade e percepção às dinâmicas sociais e compor-
www.portal.mec.gov.br/docman/agosto-2012-pdf/ tamentais que sofrem influencia pelas mudanças educati-
11283-educa-infantis-conceituais vas, o desenvolvimento tecnológico, as mudanças politi-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

cas, as reformas educativas e as mudanças sociais, sendo


necessária essa percepção a fim de melhor orientar a for-
DIETRICH, ANA MARIA; HASHIZUME, mação necessária ou apontar as necessidades docentes.
CRISTINA MIYUKI. DIREITOS HUMANOS
NO CHÃO DA ESCOLA. SANTO ANDRÉ:
UFABC, 2017. FALK, J. EDUCAR OS TRÊS PRIMEIROS ANOS:
A EXPERIÊNCIA DE LOCZY. ARARAQUARA:
JUNQUEIRA E MARIN EDITORA, 2004
A universidade Federal do ABC realizou um curso de
aperfeiçoamento de profissionais da área, e desse curso,
alguns alunos tiveram seus trabalhos premiados. Prezado candidato, não deixe de conferir o conteúdo
Uma das premiações é a publicação de seus artigos, que separamos para sua consulta em nosso site referen-
pesquisas nesse livro, portanto, essa obra é um resultado te ao livro indicado. Acesse: https://www.novaconcursos.
desse curso de aperfeiçoamento e nos traz reflexões e com.br/retificacoes. E mais, não deixe de estudar o livro na
práticas que alunos tiveram ali tiveram. íntegra para completar seus estudos.
A seguir confira a sinopse da obra indicada e na logo
O livro foi dividido em três partes: depois um texto relacionado ao tema para introduzi-lo ao
A referida obra é composta por três partes. assunto:

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Sinopse: lias. Ao longo do artigo tento dizer por quê. Reitero – aos
que não estão familiarizados com os temas afetos a este
EDUCAR OS TRÊS PRIMEIROS ANOS: A EXPERIÊN- artigo – que a educação infantil é, desde a Constituição
CIA DE LOCZY de 1988, direito das crianças, dever do Estado e opção
da família e, desde a LDB de 1996, a primeira etapa da
A experiência do Instituto Lóczy, iniciada nos anos 40 educação básica.
do século passado na Hungria, é relatada em alguns ca-
pítulos deste livro. A força do olhar, da palavra, do gesto, A educação infantil no contexto político nacional
do que temos de mais “demasiado humano” para abor-
dar o respeito à infância constitui a inovadora relação No Brasil, as lutas em torno da Constituinte de 1988,
dos adultos com as crianças, direito que tem sido negado do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei de Dire-
quando precocemente são transformadas em escolares. As trizes e Bases da Educação Nacional, e as discussões em
reflexões acerca da “experiência de Lóczy” - que iluminou torno da atuação do Ministério da Educação nos anos de
outras experiências européias - são significativas para to- 1990 são parte de uma história coletiva de intelectuais,
dos os que se preocupam, educam e estudam as crianças militantes e movimentos sociais. Nos anos de 1970, as
pequeninas. políticas educacionais voltadas à educação de crianças
de 0 a 6 anos defendiam a educação compensatória com
Os anos iniciais e a educação vistas à compensação de carências culturais, deficiências
linguísticas e defasagens afetivas das crianças provenien-
Introdução tes das camadas populares. Influenciados por orienta-
ções de agências internacionais e por programas desen-
O tema das crianças de 0 a 6 anos e seus direitos, a volvidos nos Estados Unidos e na Europa, documentos
política de educação infantil, as práticas com as crianças oficiais do MEC e pareceres do então Conselho Federal
e as alternativas de formação vêm ocupando os debates de Educação defendiam a ideia de que a pré-escola po-
educacionais e a ação de movimentos sociais no Brasil deria, por antecipação, salvar a escola dos problemas re-
nos últimos 20 anos. O reconhecimento deste direito afir- lativos ao fracasso escolar.
mado na Constituição de 1988, no Estatuto da Criança Como aponta Rosemberg: “A proposta do MEC de
e do Adolescente e na LDB de 1996 está explícito nas 1975, com alguns ajustes periféricos, tornou-se o mode-
Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil e no Pla- lo nacional de atenção ao pré-escolar até, pelo menos,
no Nacional de Educação. Isso tem consequências para a a Nova República (...) Apesar da sua força de persuasão
formação de professores e as políticas municipais e es- discursiva, foi praticamente nulo seu impacto de fato no
taduais que, com maior ou menor ênfase, têm investido sistema educacional” (1992a, p. 26). Entretanto, o próprio
na educação infantil como nunca antes no Brasil. Neste debate crítico em torno destas questões motivou a bus-
contexto, destaca-se a atuação dos fóruns estaduais de ca de alternativas para as crianças brasileiras. As políti-
educação, que, há dez anos, participam de modo vigi- cas públicas estaduais e municipais implementadas na
lante e articulado dos encaminhamentos políticos e da década de 1980 beneficiaram-se dos questionamentos
busca de alternativas para que o exercício desses direi- provenientes de enfoques teóricos de diversas áreas do
tos, mais do que proclamado, seja uma realidade para as saber; de processos mais democráticos desencadeados
populações infantis. A luta pela inclusão no FUNDEB da na conjuntura política que estava em vias de se consoli-
educação de crianças de 0 a 6 anos é parte visível deste dar e que se concretizava, entre outras formas, pela vol-
processo, agregando – nestes anos de marasmo e des- ta às eleições para governos estaduais e municipais nos
crédito nas instâncias de participação social – à mobiliza- anos de 1980; da procura de alternativas para a política
ção órgãos públicos, organizações não-governamentais, educacional que levasse em consideração os enfoques
partidos políticos, conselhos, UNDIME, universidades e que denunciavam as consequências da diversidade cul- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
parlamentares. O ensino fundamental de nove anos e as tural e linguística nas práticas educativas. Quadros teó-
Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de peda- ricos, de um lado, e iniciativas práticas, de outro, possi-
gogia são expressões claras da direção que as políticas bilitavam que fosse colocada em questão a abordagem
educacionais assumiram no Brasil com relação às crian- da privação ou carência cultural, então defendida por
ças de 0 a 6 anos nos últimos anos. É desta questão que documentos oficiais do governo federal que definiam as
trata o presente artigo. crianças como carentes, deficientes, imaturas, defasadas.
Inicialmente, situo a educação infantil no contexto Ao contrário, estudos contemporâneos da antropologia,
político nacional e apresento alguns desafios presentes sociologia e da psicologia ajudaram a entender que às
neste campo nas últimas décadas. Em seguida, abordo a crianças foi imposta uma situação desigual; combater
formação de profissionais de educação infantil, um dos a desigualdade e considerar as diferenças é tarefa difí-
maiores desafios das políticas educacionais. Por fim, tra- cil embora necessária se a perspectiva que se objetiva
to de educação infantil e ensino fundamental, a meu ver consolidar é democrática, contrária à injustiça social e à
instâncias indissociáveis do processo de democratização opressão. Assim, ao mesmo tempo em que começaram
da educação brasileira e destaco a importância desta ar- a ter sua especificidade respeitada, as crianças passaram
ticulação no que se refere às crianças e ao trabalho peda- a ser consideradas – ao longo destes 30 anos – cidadãs,
gógico. De antemão esclareço que considero a inclusão parte de sua classe, grupo, cultura. Assistência, saúde e
das crianças de 6 anos no ensino fundamental importan- educação passaram a ser compreendidas como direito
te conquista para as populações infantis e para as famí- social de todas as crianças.

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O quadro geral esboçado pelos dados disponíveis centros de pesquisa e sistemas de ensino e movimentos
para a década de 80 caracteriza-se por uma grande ins- organizados denunciaram a precariedade de alternativas
tabilidade e por sérios desencontros na direção e gestão de baixo custo, exigindo educação das crianças de 0 a 6
das políticas federais de financiamento dos programas anos com qualidade e concretização de seu papel social.
de pré-escolares e creches no país. A transição política Nos anos de 1980 e 1990, com gestões eleitas para
resultou em expressivos ganhos legais, com a promul- municípios e estados, surgiram propostas diferenciadas,
gação da Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e algumas voltadas à melhoria da qualidade de vida da
do Adolescente, em 1990. No entanto, os novos direitos população. Importante foi o papel desempenhado pelos
reconhecidos para as crianças menores de 7 anos não fo- movimentos sociais que conquistaram o reconhecimento,
ram garantidos por nenhuma previsão em relação a uma na Constituição de 1988, do direito à educação das crian-
fonte específica de recursos (...). (Campos, 1992, p. 19) ças de 0 a 6 anos e do dever do Estado de oferecer cre-
O questionamento e a busca de alternativas críticas ches e pré-escolas para tornar fato esse direito (assegura-
têm significado, de um lado, o fortalecimento de uma da a opção da família), reafirmado no Estatuto da Criança
visão das crianças como criadoras de cultura e produzi- e do Adolescente de 1990 e na Lei de Diretrizes e Bases da
das na cultura; e de outro, tem subsidiado a concretiza- Educação Nacional, de 1996. Nos últimos anos, movimen-
ção de tendências para a educação infantil que procu- tos sociais, redes públicas municipais e estaduais e univer-
ram valorizar o saber que as crianças trazem do seu meio sidades têm buscado expandir com qualidade a educação
sociocultural de origem. Assim, avançou-se no campo infantil. Pela primeira vez na história da educação brasilei-
teórico e também no campo dos movimentos sociais e ra foi formulada uma política nacional de Educação Infan-
das lutas para mudar a situação da educação da criança til, processo desencadeado com a Constituição de 1988, e
de 0 a 6 anos no Brasil. Contudo, na história do aten- com a ação do MEC no breve período de 1994-1995. Nos
dimento à criança de 0 a 6 anos no Brasil foi constante últimos anos, mesmo no quadro nacional de desmobili-
a criação e extinção de órgãos, superpondo-se progra- zação da Sociedade Civil, a luta pela educação da infância
mas com mesmas funções. Saúde, assistência e educação permanece, nos fóruns estaduais, na rede de creches e no
não se articularam ao longo da história; ao contrário, o interfóruns, organizados para encaminhar de modo co-
atendimento ramificou-se, sem que uma das esferas se letivo questões centrais da política de educação infantil.
Do debate sobre a educação de crianças de 0 a 6 anos
considere responsável. Cada uma das áreas foi apontada
nasceu a necessidade de formular políticas de formação
como causa, sem uma transformação das condições de
de profissionais e de estabelecer alternativas curriculares
vida das crianças. A fragmentação – uma das heranças
para a educação infantil. Diferentes concepções de infân-
que recebem as prefeituras – manifesta-se ainda hoje nas
cia, currículo e atendimento; diversas alternativas práticas,
suas estratégias de ação.
diferentes matizes da educação infantil. Direitos de crian-
Iniciativas de órgãos de caráter educativo existem,
ças consideradas cidadãs foram conquistados legalmente
em nível nacional, há pouco mais de 20 anos e voltam-se
sem que exista, no entanto, dotação orçamentária que
com maior frequência às crianças de 4 a 6 anos. Só em
viabilize a consolidação desses direitos na prática; exi-
1974, o pré-escolar recebeu atenção do governo fede- gências de formação de profissionais da educação infantil
ral, evidenciado na criação da Coordenação de Educação e reconhecimento de sua condição de professores. Essa
Pré-Escolar (MEC/COEPRE), em documentos e pareceres diversidade também se faz presente na construção de
do Conselho Federal de Educação. Apesar dos equívocos projetos educativos para a educação infantil. Nos últimos
das propostas compensatórias, elas tiveram na década 20 anos, propostas decorrentes das práticas sociais, da
de 1970 o papel de impulsionar o debate sobre funções academia e das políticas públicas vêm gerando contornos
e currículos da pré-escola, legitimando a educação pré- variados, traduzidos na própria concepção de currículo e
-escolar, relacionando pré-escola e escola de 1º grau. de proposta pedagógica. Uma das grandes questões en-
Mas a criação da COEPRE e a ênfase no pré-escolar de- frentadas foi/é: como garantir um paradigma norteador
ram-se num contexto em que o discurso oficial apontava
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

do projeto de educação infantil do país, respeitando a di-


a pré-escola como necessidade. Porém, o planejamento versidade? O Referencial Curricular Nacional para a Edu-
orçamentário da União continuava sem uma política de cação Infantil (Brasil, 1998) não soube como equacionar
dotação de verbas específicas, como até hoje: o FUNDEB tensão entre universalismo e regionalismos, além de ter
é uma possibilidade não mais remota, mas ainda não desconsiderado a especificidade da infância. O tema das
implementada. Enquanto esta situação se configurava alternativas curriculares e políticas de formação que não
no nível político, a academia direcionava críticas à abor- desumanizem o homem, que não fragmentem o sujeito
dagem da privação cultural, sua inconsistência teórica e em objeto da sua prática continua em pauta. Como rom-
suas intenções ideológicas. Nessa ambiguidade se deli- per com um contexto que não leva em conta as trajetórias
neou outra visão de educação pré-escolar: com o Progra- dos professores, as questões étnicas, a desigualdade so-
ma Nacional de Educação Pré-Escolar, lançado em 1981, cioeconômica? Nesse contexto, cabe destacar as Diretri-
o MEC implementou ações de expansão do atendimento zes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil,
de crianças a baixo custo, defendendo uma pré-escola 1999) e o documento da Política Nacional de Educação
com vagos “objetivos em si mesma”, desvinculada da es- Infantil: pelos direitos das crianças de zero a seis anos à
cola de 1º grau. Essa estratégia, usada para expandir a educação (Brasil, 2004). Em contrapartida, grande parte
oferta de atendimento à criança nos anos de 1980, não dos estados e municípios brasileiros só agora começa a se
foi recebida com entusiasmo. A insatisfação diante das estruturar para atuar na formação prévia ou continuada
propostas de baixo custo manifestou-se; universidades, dos profissionais da educação infantil.

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Do ponto de vista acadêmico, Campos (1997), com além das questões mencionadas, são necessários estu-
base em pesquisas da Grã-Bretanha, dos Estados Uni- dos sobre: a institucionalização da infância e suas con-
dos e da América Latina sobre os efeitos da frequência sequências; concepções teóricas da infância (é preciso
a programas de educação infantil no desenvolvimento e consolidar as contribuições da sociologia da infância, da
a escolaridade posterior de crianças de diversas origens antropologia e os estudos culturais sobre as crianças e as
sociais, étnicas e culturais, aponta que a frequência à pré- culturas infantis); especificidades da creche e do trabalho
-escola favorece o desempenho das crianças em testes com bebês – área em que a pesquisa é urgente quanto
feitos no início da escolaridade formal. As crianças mais às políticas, às práticas em creches e às ações das famí-
pobres parecem se beneficiar mais dessa experiência e a lias. Gravidez precoce, abandono, violência, populações
qualidade da pré-escola e da própria escola são funda- de rua e as relações entre creches, escolas e conselhos
mentais para que se conserve o benefício. Para Campos, tutelares são também aspectos que merecem atenção e
a educação infantil parece ser, a partir desses estudos, articulação com outras áreas do conhecimento e da in-
uma das áreas educacionais que mais retribui à socieda- tervenção educacional.
de os recursos nela investidos, contribuindo à escolari- Este cenário político apresenta na formação de pro-
dade posterior, tema que permaneceu em discussão nos fessores um dos mais importantes desafios para a atua-
últimos 30 anos e que tem evidente repercussão para as ção das políticas educacionais. A progressiva democra-
políticas sociais e para as políticas públicas das instâncias tização da educação infantil e do ensino fundamental
federal, estadual e municipal. gerou – como política – a inclusão recente das crianças
Estes argumentos se aliam à importância da educa- de 6 anos na escolaridade obrigatória. Formar professo-
ção infantil no plano dos direitos sociais da infância e res para lidar com crianças pequenas é uma tarefa nova
delineiam uma possibilidade de enfrentar o panorama na história da escola brasileira e, para muitos, desconhe-
de desigualdade. O Diagnóstico Preliminar da Educação cida e até mesmo menos nobre; ter crianças com menos
Pré-Escolar no Brasil (Brasil, 1975), primeiro documento de 7 anos na escola parece surpreender ou impactar ges-
oficial a dimensionar o tamanho do nosso problema, in- tores e pesquisadores. São estes desafios que orientam
dicava que 3,51% das então 21 milhões de crianças de 0 os dois tópicos a seguir.
a 6 anos frequentavam creches e pré-escolas, incluindo-
-se aqui a rede privada. De acordo com o IBGE (Pesquisa Fonte
Nacional por Amostragem de Domicílios, 1995-2001), a KRAMER, S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas
população evoluiu para 22.070.946 crianças brasileiras de educacionais no Brasil. Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 96
0 a 6 anos, das quais 31,2% frequentam creches, pré-es- - Especial, p. 797-818, out. 2006. Disponível em <http://
colas ou escolas. No entanto, apesar da expansão, ainda www.cedes.unicamp.br>
se configura uma situação desigual, em particular no que
se refere às crianças de 0 a 3 anos e aos estratos mais po-
bres da população: 57,1% de crianças são atendidas, mas FERNANDES, DOMINGOS. PARA UMA
apenas 10,6% das crianças e 0 a 3 anos (Kappel, 2005). TEORIA DA AVALIAÇÃO NO DOMÍNIO DAS
Quanto a este aspecto, há dificuldade de precisão de APRENDIZAGENS. ESTUDOS EM AVALIAÇÃO
dados (Rosemberg, 1999a, 1999b, entre outros). No que EDUCACIONAL, SÃO PAULO, V. 19, N. 41,
diz respeito às políticas educacionais, para consolidar o SET./DEZ. 2008.
direito e ampliar a oferta com qualidade, muitos desa-
fios colocam-se: ausência de financiamento da educação
infantil e as lutas por sua inclusão no FUNDEB, a orga- Domínio de avaliação não é um tema que tenha re-
nização dos sistemas municipais; a necessidade de que cebido a devida atenção nos processos investigativos da
as políticas de educação infantil sejam articuladas com educação.
políticas sociais; a formação dos profissionais da educa- Percebe-se que, por necessitar de alguns cuidados como CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
ção infantil e os problemas relativos à carreira; as ações sistematização, clarificação, identificação e compreensão
e pressões de agências internacionais, que têm exigido dos elementos essenciais da teoria da avaliação, essa cons-
um constante alerta da parte dos movimentos sociais, trução na prática acaba por ficar em segundo plano.
em particular dos fóruns estaduais e do Movimento In- Os trabalhos de Gipps (1994), de Berlak (1992a, 1992b),
terfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB); as pre- de Archbald e Newmann (1992) e, mais recentemente, de
cárias condições das creches comunitárias não transfe- Black e Wiliam (2006b), são dos poucos que, de forma ex-
ridas para as redes municipais de educação. No que se plícita e propositada, discutem abertamente o problema
refere às práticas de trabalho direto com as crianças e de da construção teórica da avaliação, ainda que o façam no
supervisão ou gestão, muitos dilemas têm ocupado uni- domínio particular da avaliação formativa. O autor des-
versidades, secretarias e ONGs, tais como: as formas de te artigo também tem procurado participar nesse debate
estruturação da educação infantil no âmbito da educa- através de alguns trabalhos recentemente apresentados e
ção básica e sua articulação com o ensino fundamental; publicados (Fernandes, 2006a, 2006b, 2007a, 2007b).
a organização escolar e da educação infantil em diferen- Algumas razões podem ser apontadas como fator des-
tes contextos municipais; as orientações curriculares e os sa escassez de trabalho que tratem desse assunto veja:
critérios de qualidade; diagnósticos e/ou avaliações de - dificuldade em integrar numa teoria uma extensa,
políticas públicas; avaliações de desempenho. No plano complexa e muito diversificada teia de contributos, todos
da produção do conhecimento sobre educação infantil, supostamente relevantes.

11
- a teoria se vai construindo através da interação com ele denominada educação bancária, tecnicista e alienan-
as práticas e com as realidades educativas, da construção te: o educando criaria sua própria educação, fazendo ele
e reconstrução de investigações empíricas, das análises e próprio o caminho, e não seguindo um já previamente
das integrações e relações que se vão descobrindo e inter- construído; libertando-se de chavões alienantes, o edu-
pretando. cando seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado. Des-
- perspectivas epistemológicas, filosóficas ou mesmo tacou-se por seu trabalho na área da educação popular,
ideológicas dos investigadores. voltada tanto para a escolarização como para a formação
- políticas educativas de muitos países que, em geral, da consciência política.
dão mais relevância às avaliações externas e bastante me- Autor de Pedagogia do Oprimido, livro que propõe
nos às avaliações internas que ocorrem dentro das salas um método de alfabetização dialético, se diferenciou do
de aula. “vanguardismo” dos intelectuais de esquerda tradicionais
e sempre defendeu o diálogo com as pessoas simples,
O pressuposto que está subjacente à discussão desen- não só como método, mas como um modo de ser real-
volvida neste artigo é a de que uma teoria da avaliação no mente democrático. Foi o brasileiro mais homenageado
domínio das aprendizagens pode constituir um importan- da história: ganhou 41 títulos de Doutor Honoris Causa
te e indispensável ponto de orientação para professores e de universidades de Harvard, Cambridge e Oxford; e re-
investigadores. cebeu diversos galardões como o prêmio da UNESCO de
Não será fácil apoiar, transformar e desenvolver práti- Educação para a Paz em 1986. Em 13 de abril de 2012 foi
cas de avaliação sem uma teoria que as possa enquadrar sancionada a lei 12.612 que declara o educador Paulo
dos pontos de vista epistemológico, ontológico e metodo- Freire Patrono da Educação Brasileira.
lógico. Mudar e melhorar práticas de avaliação implica
que o seu significado seja claro para os diferentes inter- Palavras do Autor
venientes e, muito particularmente, para os professores e
investigadores. A questão da formação docente ao lado da reflexão
sobre a prática educativo- progressiva em favor da au-
O artigo limita-se a abordar as seguintes questões crí- tonomia do ser dos educandos é a temática central em
ticas: torno de que gira este texto. Temática a que se incorpora
a) a necessidade de integrar e/ou articular alguns dos a análise de saberes fundamentais àquela prática e aos
conceitos fundadores das tradições teóricas mais influen- quais espero que o leitor crítico acrescente alguns que
tes na literatura (a francófona e a anglo-saxónica); me tenham escapado ou cuja importância não tenha per-
b) a necessidade de clarificação conceptual que passa cebido.
pela conceptualização da avaliação formativa alternativa Devo esclarecer aos prováveis leitores e leitoras o se-
para identificar toda a avaliação cujo principal propósito é guinte: na medida mesma em que esta vem sendo uma
melhorar as aprendizagens, integrando os contributos de temática sempre presente às minhas preocupações de
diferentes tradições teóricas; e educador, alguns dos aspectos aqui discutidos não têm
c) a necessidade de compreender as relações entre a sido estranhos a análises feitas em livros meus anteriores.
avaliação somativa e a avaliação formativa alternativa. Não creio, porém, que a retomada de problemas entre
um livro e outro e no corpo de um mesmo livro enfade
Para finalizar, o artigo nos traz reflexões e conclusões o leitor.
quanto às perspectivas desenvolvimento na construção Sobretudo quando a retomada do tema não é pura
teórica da avaliação no domínio das aprendizagens dos repetição do que já foi dito. No meu caso pessoal re-
alunos. tomar um assunto ou tema tem que ver principalmen-
te com a marca oral de minha escrita. Mas tem que ver
Veja o artigo na íntegra acessando o link a seguir: também com a relevância que o tema de que falo e a
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/ar- que volto tem no conjunto de objetos a que direciono


quivos/1454/1454.pdf minha curiosidade. Tem que ver também com a relação
que certa matéria tem com outras que vêm emergindo
no desenvolvimento de minha reflexão. É neste sentido,
FREIRE, PAULO. PEDAGOGIA DA por exemplo, que me aproximo de novo da questão da
AUTONOMIA: SABERES NECESSÁRIOS À inconclusão do ser humano, de sua inserção num perma-
PRÁTICA EDUCATIVA. 43. ED. SÃO PAULO: nente movimento de procura, que rediscuto a curiosida-
PAZ E TERRA, 2011 de ingênua e a crítica, virando epistemológica.
É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito
mais do que puramente treinar o educando no desem-
Paulo Freire foi um educador, pedagogista e filó- penho de destrezas e por que não dizer também da qua-
sofo brasileiro. É considerado um dos pensadores mais se obstinação com que falo de meu interesse por tudo
notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo in- o que diz respeito aos homens e às mulheres, assunto
fluenciado o movimento chamado pedagogia crítica. É de que saio e a que volto com o gosto de quem a ele
também o Patrono da Educação Brasileira. Sua prática se dá pela primeira vez. Daí a crítica permanentemente
didática fundamentava-se na crença de que o educan- presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de
do assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho
prática dialética com a realidade, em contraposição à por e à utopia.

12
Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu ra como lidamos com os conteúdos que ensinamos, no
discurso quando me refiro às injustiças a que são sub- modo como citamos autores de cuja obra discordamos
metidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum ou com cuja obra concordamos. Não podemos basear
interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de nossa crítica a um autor na leitura feita por cima de uma
observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos ou outra de suas obras. Pior ainda, tendo lido apenas a
acontecimentos. Em tempo algum pude ser um obser- crítica de quem só leu a contracapa de um de seus livros.
vador “acizentadamente” imparcial, o que, porém, jamais Posso não aceitar a concepção pedagógica deste ou
me afastou de uma posição rigorosamente ética. Quem daquela autora e devo inclusive expor aos alunos as ra-
observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa zões por que me oponho a ela mas, o que não posso, na
o observador em erro. O erro na verdade não é ter um minha crítica, é mentir. É dizer inverdades em torno deles.
certo ponto de vista, mas absolutizá-la e desconhecer O preparo científico do professor ou da professora deve
que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível coincidir com sua retidão ética. É uma lástima qualquer
que a razão ética nem sempre esteja com ele. descompasso entre àquela e esta. Formação científica,
O meu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, correção ética, respeito aos outros, coerência, capacida-
o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, de de viver e de aprender com o diferente, não permitir
ações terroristas, pois que delas resultam a morte de ino- que o nosso mal-estar pessoal ou a nossa antipatia com
centes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo relação ao outro nos façam acusá-lo do que não fez são
nega o que venho chamando de ética universal do ser obrigações a cujo cumprimento devemos humilde, mas
humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos, perseverantemente nos dedicar.
mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas É não só interessante, mas profundamente importan-
Olimpíadas de Munique. te que os estudantes percebam as diferenças de com-
Gostaria, por outro lado, de sublinhar a nós mesmos, preensão dos Faros, as posições às vezes antagônicas
professores e professoras, a nossa responsabilidade éti- entre professores na apreciação dos problemas e no
ca no exercício de nossa tarefa docente. Sublinhar esta equacionamento de soluções. Mas é fundamental que
responsabilidade igualmente àquelas e àqueles que se percebam o respeito e a lealdade com que um professor
acham em formação para exercê-la. Este pequeno livro se analisa e critica as posturas dos outros.
encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo De quando em vez, ao longo deste texto, volto a este
sentido da necessária eticidade que conota expressiva- tema. É que me acho absolutamente convencido da na-
mente a natureza da prática educativa, enquanto práti- tureza ética da prática educativa, enquanto prática espe-
ca formadora. Educadores e educandos não podemos,
cificamente humana. É que, por outro lado, nós achamos,
na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas, é preciso
ao nível do mundo e não apenas do Brasil, de tal ma-
deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor,
neira submetidos ao comando da malvadez da ética do
restrita, do mercado, que se curva obediente aos interes-
mercado, que me parece ser pouco tudo o que façamos
ses do lucro.
na defesa e na prática da ética universal do ser humano.
Em nível internacional começa a aparecer uma ten-
Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da
dência em acertar os reflexos cruciais da ‘nova ordem
decisão, da ruptura, da opção, como sujeitos históricos,
mundial’, como naturais e inevitáveis. Num encontro
transformadores, a não ser assumindo-nos como sujei-
internacional de ONGs, um dos expositores afirmou es-
tar ouvindo com certa frequência em países do Primeiro tos éticos. Neste sentido, a transgressão dos princípios
Mundo a ideia de que crianças do Terceiro Mundo, aco- éticos é uma possibilidade, mas não é uma virtude. Não
metidas por doenças como diarreia aguda, não deveriam podemos aceitá-la.
ser salvas, pois tal recurso só prolongaria uma vida já Não é possível ao sujeito ético viver sem estar per-
destinada à miséria e ao sofrimento.” manentemente exposto à transgressão da ética. Uma de
Não falo, obviamente, desta ética. Falo, pelo contrá- nossas brigas na História, por isso mesmo, é exatamente
rio, da ética universal do ser humano. Da ética que con- esta: fazer tudo o que possamos em favor da eticidade, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

dena o cinismo do discurso citado acima, que condena a sem cair no moralismo hipócrita, ao gosto reconhecida-
exploração da força de trabalho do ser humano, que con- mente farisaico. Mas, faz parte igualmente desta luta pela
dena acusar por ouvir dizer, afirmar que alguém falou A eticidade recusar, com segurança, as críticas que veem na
sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto, defesa da ética, precisamente a expressão daquele mora-
golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia, lismo criticado. Em mim a defesa da ética jamais signifi-
prometer sabendo que não cumprirá a promessa, teste- cou sua distorção ou negação.
munhar mentirosamente, falar mal dos outros pelo gosto Quando, porém, falo da ética universal do ser huma-
de falar mal. A ética de que falo é a que se sabe traída no estou falando da ética enquanto marca da natureza
e negada nos comportamentos grosseiramente imorais humana, enquanto algo absolutamente indispensável à
como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. convivência humana. Ao fazê-lo estou advertido das pos-
A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifes- síveis críticas que, infiéis a meu pensamento, me aponta-
tação discriminatória de raça, de gênero, de classe. rão como ingênuo e idealista. Na verdade, falo da ética
É por esta ética inseparável da prática educativa, não universal do ser humano da mesma forma como falo de
importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com sua vocação ontológica para o ser mais, como falo de
adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela sua natureza constituindo-se social e historicamente não
lutar é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, como um “a priori” da História. A natureza que a ontolo-
aos educandos em nossas relações com eles. Na manei- gia cuida se gesta socialmente na História.

13
É uma natureza em processo de estar sendo com al- RESUMO
gumas conotações fundamentais sem as quais não teria
sido possível reconhecer a própria presença humana no Capítulo l - Não Há Docência Sem Discência
mundo como algo original e singular. Quer dizer, mais
do que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma Ensinar não é transferir conhecimentos e conteúdos,
Presença no mundo, com o mundo e com os outros. nem formar é a ação pela qual um sujeito criador dá for-
Presença que, reconhecendo a outra presença como um ma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado.
“não- eu” se reconhece como “si própria”. Presença que Não há docência sem discência, as duas se explicam, e
se pensa a si mesma, que se sabe presença, que inter- seus sujeitos, apesar das diferenças, não se reduzem à
vém, que transforma, que fala do que faz, mas também condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende
do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Ensinar
decide, que rompe. E é no domínio da decisão, da avalia- exige rigorosidade metodológica. Ensinar não se esgota
ção, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura no tratamento do objeto ou do conteúdo, superficial-
a necessidade da ética e se impõe a responsabilidade. A mente feito, mas se alonga à produção das condições
ética se torna inevitável e sua transgressão possível é um em que aprender criticamente é possível. E estas condi-
desvalor, jamais uma virtude. ções exigem a presença de educadores e de educandos
Na verdade, seria incompreensível se a consciência de criadores, investigadores, inquietos, curiosos, humildes e
minha presença no mundo não significasse já a impossi- persistentes.
bilidade de minha ausência na construção da própria pre- Faz parte das condições em que aprender criticamen-
sença. Como presença consciente no mundo não posso te é possível a pressuposição, por parte dos educandos,
escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no de que o educador já teve ou continua tendo experiên-
mundo. Se sou puro produto da determinação genética cia da produção de saberes, e que estes, não podem
ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço ser simplesmente transferidos a eles. Pelo contrário,
no mover-me no mundo e se careço de responsabilida- nas condições de verdadeira aprendizagem, tanto edu-
de não posso falar em ética. Isto não significa negar os candos quanto educadores transformam-se em sujeitos
do processo de aprendizagem. Só assim podemos falar
condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que es-
realmente de saber ensinado, em que o objeto ensina-
tamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres
do é aprendido na sua razão de ser. Percebe-se, assim,
condicionados, mas não determinados. Reconhecer que
a importância do papel do educador, com a certeza de
a História é tempo de possibilidade e não de determinis-
que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar
mo, que o futuro, permita-se me reiterar, é problemático
os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo - um
e não inexorável.
professor desafiador, crítico. Ensinar exige pesquisa. Não
Devo enfatizar também que este é um livro esperan- há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Hoje se
çoso, um livro otimista, mas não ingenuamente cons- fala muito no professor pesquisador, mas isto não é uma
truído de otimismo falso e de esperança vã. As pessoas, qualidade, pois faz parte da natureza da prática docente
porém, inclusive de esquerda, para quem o futuro perdeu a indagação, a busca, a pesquisa.
sua problematicidade – o futuro é um dado – dirão que Precisamos que o professor se perceba e se assuma
ele é mais um devaneio de sonhador inveterado. Não como pesquisador. Pensar certo é uma exigência que
tenho raiva de quem assim pensa. Lamento apenas sua os momentos do ciclo gnosiológico impõem à curiosi-
posição: a de quem perdeu seu endereço na História. dade que, tornando-se mais e mais metodologicamente
A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o dis- rigorosa, transforma-se no que Paulo Freire chama de
curso neoliberal anda solta no mundo. Com ares de “curiosidade epistemológica”. Ensinar exige respeito aos
pós- modernidade, insiste em convencer-nos de que saberes dos educandos. A escola deve respeitar os sabe-
nada podemos contra a realidade social que, de histórica res dos educandos – socialmente construídos na práti-
e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”. Frases ca comunitária - discutindo, também, com os alunos, a
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

como “a realidade é assim mesmo, que podemos fazer?” razão de ser de alguns deles em relação ao ensino dos
ou “o desemprego no mundo é uma fatalidade do fim do conteúdos.
século” expressam bem o fatalismo desta ideologia e sua Por que não aproveitar a experiência dos alunos que
indiscutível vontade imobilizadora. vivem em áreas descuidadas pelo poder público para dis-
Do ponto de vista de tal ideologia, só há uma saí- cutir a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos
da para a prática educativa: adaptar o educando a esta níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos
realidade que não pode ser mudada. O de que se pre- que oferecem à saúde? Por que não associar as discipli-
cisa, por isso mesmo, é o treino técnico indispensável à nas estudadas à realidade concreta, em que a violência é
adaptação do educando, à sua sobrevivência. O livro com a constante e a convivência das pessoas com a morte é
que volto aos leitores é um decisivo não a esta ideologia muito maior do que com a vida? Ensinar exige criticidade.
que nos nega e amesquinha como gente. De uma coisa, A superação, ao invés da ruptura, se dá na medida em
qualquer texto necessita: que o leitor ou a leitora a ele se que a curiosidade ingênua, associada ao saber comum,
entregue de forma crítica, crescentemente curiosa. É isto se criticiza, aproximando-se de forma cada vez mais me-
o que este texto espera de você, que acabou de ler estas todologicamente rigorosa do objeto cognoscível, tor-
“Primeiras Palavras”. nando-se curiosidade epistemológica.
Paulo Freire Muda de qualidade, mas não de essência, e essa
São Paulo mudança não se dá automaticamente. Essa é uma das
Setembro de 1996 principais tarefas do educador progressista - o desen-

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volvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. En- Capítulo 2 – Ensinar Não É Transferir Conheci-
sinar exige estética e ética. A necessária promoção da mento
ingenuidade à criticidade não pode ser feita sem uma
rigorosa formação ética e estética. Decência e boniteza Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
andam de mãos dadas. Mulheres e homens, seres histó- possibilidades para a sua própria construção. Quando o
rico-sociais, tornamo-nos capazes de comparar, de va- educador entra em uma sala de aula, deve estar aberto
lorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper. Por a indagações, curiosidade e inibições dos alunos: um ser
tudo isso nós fizemos seres éticos. Só somos porque es- crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tem -
tamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para a de ensinar e não a de transferir conhecimento. Pensar
ser. Não é possível pensar os seres humanos longe da certo é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que
ética. Quanto mais fora dela, maior a transgressão. En- temos de assumir diante dos outros e com os outros, em
sinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo. face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. É difícil,
Quem pensa certo está cansado de saber que palavras entre outras coisas, pela vigilância constante que temos
de exercer sobre nós mesmos para evitar os simplismos,
sem exemplo pouco ou nada valem. Pensar certo é fazer
as facilidades, as incoerências grosseiras.
certo (agir de acordo com o que pensa).
É difícil porque nem sempre temos o valor indispen-
Não há pensar certo fora de uma prática testemu-
sável para não permitir que a raiva que podemos ter de
nhal, que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é pos-
alguém vire raivosidade, gerando um pensar errado e fal-
sível ao professor pensar que pensa certo (de forma so. É cansativo, por exemplo, viver a humildade, condição
progressista), e, ao mesmo tempo, perguntar ao aluno sine qua non do pensar certo, que nos faz proclamar o
se “sabe com quem está falando”. Ensinar exige risco, nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anun-
aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de dis- ciar a superação que sofremos. Sem rigorosidade metó-
criminação. É próprio do pensar certo a disponibilidade dica não há pensar certo. Ensinar exige consciência do
ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado inacabamento. Na verdade, a inconclusão do ser é própria
ou acolhido só porque é novo, assim como critério de de sua experiência vital. Onde há vida, há inconclusão,
recusa ao velho não é o cronológico. O velho que pre- embora esta só seja consciente entre homens e mulheres.
serva sua validade encarna uma tradição ou marca uma A invenção da existência envolve necessariamente a
presença no tempo continua novo. Faz parte igualmen- linguagem, a cultura, a comunicação em níveis mais pro-
te do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer fundos e complexos do que ocorria e ocorre no domínio
forma de discriminação. da vida, a espiritualização do mundo, a possibilidade não
A prática preconceituosa de raças, de classes, de gê- só de embelezar, mas também de enfear o mundo; tudo
nero ofende a substantividade do ser humano e nega isso inscreveria mulheres e homens como seres éticos. Só
radicalmente a democracia. Ensinar exige reflexão críti- os seres que se tornaram éticos podem romper com a
ca sobre a prática. A prática docente crítica, implicante ética. É necessário insistir na problematização do futuro
do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialé- e recusar sua inexorabilidade. Ensinar exige o reconheci-
tico, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. É fundamen- mento de ser condicionado “Gosto de ser gente, inaca-
tal que, na prática da formação docente, o aprendiz de bado, sei que sou um ser condicionado, mas, consciente
educador assuma que o indispensável pensar certo não do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta
é presente dos deuses nem se acha nos guias de pro- é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser
fessores que, iluminados intelectuais, escrevem desde determinado... Afinal, minha presença no mundo não é a
o centro do poder. Pelo contrário, o pensar certo que de quem se adapta, mas a de quem nele se insere”.
supera o ingênuo tem de ser produzido pelo próprio E a posição de quem luta para não ser apenas objeto,
mas também sujeito da história. Histórico-sócio-culturais,
aprendiz, em comunhão com o professor formador. É
tornamo-nos seres em quem a curiosidade, ultrapassan-
preciso possibilitar que a curiosidade ingênua, através CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
do os limites que lhe são peculiares no domínio vital, tor-
da reflexão sobre a prática, vá tornando-se crítica.
na-se fundante da produção do conhecimento. Mais ain-
Na formação permanente dos professores, o mo-
da, a curiosidade é já o conhecimento. Como a linguagem
mento fundamental é o da reflexão crítica sobre a práti- que anima a curiosidade e com ela se anima, é também
ca. É pensando criticamente a prática de hoje ou de on- conhecimento e não só expressão dele. Na verdade, seria
tem que se pode melhorar a próxima prática. O discurso uma contradição se, inacabado e consciente do inacaba-
teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal mento, o ser humano não se inserisse em tal movimento.
modo concreto que quase se confunda com a prática. É neste sentido que, para mulheres e homens, estar no
Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da iden- mundo necessariamente significa estar com o mundo e
tidade cultural. A questão da identidade cultural, com com os outros. É na inconclusão do ser, que se sabe como
sua dimensão individual e da classe dos educandos, tal, que se funda a educação como processo permanente.
cujo respeito é absolutamente fundamental na prática Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em
educativa progressista, é problema que não pode ser que se reconheceram inacabados.
desprezado. Tem a ver diretamente com a assunção de O ideal é que, na experiência educativa, educandos e
nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do educadores, juntos, transformem este e outros saberes
professor não faz, perdendo-se na estreita e pragmática em sabedoria. Algo que não é estranho a nós, educado-
visão do processo. res. Ensinar exige respeito à autonomia do ser educando.
O professor, ao desrespeitar a curiosidade do educando,

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o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, rizam a essência da minha prática. O melhor ponto de
ao ironizar o aluno, minimizá-lo, mandar que “ele se po- partida para estas reflexões é a inconclusão do ser huma-
nha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia no. Aí radica a nossa educabilidade, bem como a nossa
legítima, ao se eximir do cumprimento de seu dever de inserção num permanente movimento de busca. A nossa
propor limites à liberdade do aluno, ao se furtar do dever capacidade de aprender, de que decorre a de ensinar, im-
de ensinar, de estar respeitosamente presente à expe- plica a nossa habilidade de apreender a substantividade
riência formadora do educando, transgride os princípios de um objeto. Somos os únicos seres que, social e histo-
fundamentalmente éticos de nossa existência. É neste ricamente, nos tornamos capazes de aprender.
sentido que o professor autoritário afoga a liberdade do Por isso aprender é uma aventura criadora, muito
educando, amesquinhando o seu direito de ser curioso mais rica do que meramente repetir a lição dada. Apren-
e inquieto. der é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que
Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.
um dever, por mais que se reconheça a força dos condi- Toda prática educativa demanda:
cionamentos a enfrentar. A beleza de ser gente se acha, - a existência de sujeitos
entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de - um que, ensinando, aprende, e outro que, apren-
brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identi- dendo, ensina (daí seu cunho gnosiológico);
dade do educando exige de mim uma prática em tudo - a existência de objetos, conteúdos a serem ensina-
coerente com este saber. Ensinar exige bom senso O dos e aprendidos;
exercício do bom senso, com o qual só temos a ganhar, - o uso de métodos, de técnicas, de materiais. Esta
se faz no corpo da curiosidade. Neste sentido, quanto prática também implica, em função de seu cará-
mais colocamos em prática, de forma metódica, a nossa ter diretivo, objetivos, sonhos, utopias, ideais. Daí
capacidade de indagar, de comparar, de duvidar, de aferir, sua politicidade, daí não ser neutra, ser artística e
tanto mais eficazmente curiosos nos podemos tornar e moral.
mais crítico se torna o nosso bom senso.
O exercício do bom senso vai superando o que há Exige uma competência geral, um saber de sua na-
nele de instintivo na avaliação que fazemos dos fatos tureza e saberes especiais, ligados à atividade docente.
e dos acontecimentos em que nos envolvemos. O meu Como professor, se a minha opção é progressista e sou
coerente com ela, meu papel é contribuir para que o edu-
bom senso não me diz o que é, mas deixa claro que há
cando, seja o, artífice de sua formação. Devo estar atento
algo que precisa ser sabido. É ele que, em primeiro lugar,
à difícil caminhada da heteronomia para a autonomia. “É
me diz não ser possível o respeito aos educandos, se não
assim que venho tentando ser professor, assumindo mi-
se levar em consideração as condições em que eles vêm
nhas convicções, disponível ao saber, sensível à boniteza
existindo, e os conhecimentos experienciais com que
da prática educativa, instigado por seus desafios...” Ensi-
chegam à escola. Isto exige de mim uma reflexão crítica
nar exige alegria e esperança.
permanente sobre minha prática. O ideal é que se inven-
O meu envolvimento com a prática educativa jamais
te uma forma pela qual os educandos possam participar
deixou de ser feito com alegria, o que não significa dizer
da avaliação. E que o trabalho do professor deve ser com que tenha podido criá-la nos educandos. Parece-me uma
os alunos e não consigo mesmo. O professor tem o dever contradição que uma pessoa que não teme a novidade,
de realizar sua tarefa docente. que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as
Para isso, precisa de condições favoráveis, sem as discriminações, que luta contra a impunidade, que recu-
quais se move menos eficazmente no espaço pedagógi- sa o fatalismo cínico e imobilizante não seja criticamente
co. O desrespeito a este espaço é uma ofensa aos edu- esperançosa. Ensinar exige a convicção de que a mudan-
candos, aos educadores e à prática pedagógica. Ensinar ça é possível.
exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direi- A realidade não é inexoravelmente esta. E esta agora,
tos dos educadores. Como ser educador sem aprender
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e para que seja outra, precisamos lutar, viver a história


a conviver com os diferentes? Como posso respeitar a como tempo de possibilidade, e não de determinação.
curiosidade do educando se, carente de humildade e da O amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio. Não
real compreensão do papel da ignorância na busca do posso, por isso, cruzar os braços. Esse é, aliás, um dos sa-
saber, temo revelar o meu desconhecimento? A luta dos beres primeiros, indispensáveis a quem pretende que sua
professores em defesa de seus direitos e de sua dignida- presença se torne convivência. O mundo não é. O mundo
de deve ser entendida como um momento importante está sendo. O meu papel no mundo não é só o de quem
de sua prática docente, enquanto prática ética. Ainda que constata o que ocorre, mas também o de quem intervém
a prática pedagógica seja tratada com desprezo, não te- como sujeito de ocorrências.
nho por que desamá-la e aos educandos. Não tenho por Constato, não para me adaptar, mas para mudar. No
que exercê-la mal. Minha resposta à ofensa à educação fundo, as resistências orgânicas e culturais são manhas
é a luta política consciente, crítica e organizada dos pro- necessárias à sobrevivência física e cultural dos oprimi-
fessores. dos. É preciso, porém, que tenhamos na resistência fun-
Os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de damentos para a nossa rebeldia e não para a nossa re-
formação permanente dos quadros do magistério como signação em face das ofensas. Não é na resignação que
tarefa altamente política, e reinventar a forma de lutar. nos afirmamos, mas na rebeldia em face das injustiças.
Ensinar exige apreensão da realidade. Como professor, A rebeldia é ponto de partida, é deflagração da justa ira,
preciso conhecer as diferentes dimensões que caracte- mas não é suficiente.

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A rebeldia, enquanto denúncia, precisa se alongar ção da responsabilidade da liberdade que se assume. O
até uma posição mais radical e crítica, a revolucionária, essencial nas relações entre autoridade e liberdade é a
fundamentalmente anunciadora. Mudar é difícil, mas é reinvenção do ser humano no aprendizado de sua auto-
possível. Ensinar exige curiosidade. Como professor, devo nomia. Nunca me foi possível separar dois momentos - o
saber que, sem a curiosidade que me move, não apren- ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos.
do nem ensino. A construção do conhecimento implica o O saber desta impossibilidade é fundamental à prática
exercício da curiosidade, o estímulo à pergunta, a refle- docente.
xão crítica sobre a própria pergunta. Quanto mais penso sobre a prática educativa, reco-
O fundamental é que professor e alunos saibam que nhecendo a responsabilidade que ela exige de nós, mais
a postura deles é dialógica, aberta, curiosa, indagadora me convenço do nosso dever de lutar para que ela seja
e não apassivada. A dialogicidade, no entanto, não nega realmente respeitada: Ensinar exige comprometimento.
a validade de momentos explicativos, narrativos. O bom Não posso ser professor sem me pôr diante dos alunos,
professor faz da aula um desafio. Seus alunos cansam, sem revelar com facilidade ou relutância minha manei-
não dormem. Um dos saberes fundamentais à prática ra de ser, de pensar politicamente. Não posso escapar à
educativo-crítica é o que me adverte da necessária pro- apreciação dos alunos. E a maneira como eles me perce-
moção da curiosidade espontânea para a curiosidade bem tem importância capital para o meu desempenho.
epistemológica. Resultado do equilíbrio entre autoridade Daí, então, que uma de minhas preocupações centrais
e liberdade, a disciplina implica o respeito de uma pela deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior en-
outra, expresso na assunção que ambas fazem de limites tre o que digo e o que faço, entre o que pareço ser e
que não podem ser transgredidos. o que realmente estou sendo. Isto aumenta em mim os
cuidados com o meu desempenho.
Capítulo 3 - Ensinar É Uma Especificidade Humana Se a minha opção é democrática, progressista, não
posso ter uma prática reacionária, autoritária, elitista. Mi-
Creio que uma das qualidades essenciais que a au- nha presença de professor é, em si, política. Enquanto
toridade docente democrática deve revelar em suas re- presença, não posso ser uma omissão, mas um sujeito
lações com as liberdades dos alunos é a segurança em
de opções. Devo revelar aos alunos a minha capacida-
si mesma. É a segurança que se expressa na firmeza com
de de analisar, de decidir, de optar e de romper, minha
que atua, com que decide, com que respeita as liberda-
capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade.
des, com que discute suas próprias posições, com que
Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemunho.
aceita rever-se. Ensinar exige segurança, competência
Ensinar exige compreender que a educação é uma for-
profissional e generosidade - A segurança com que a au-
ma de intervenção no mundo. Outro saber de que ‘não
toridade docente se move implica uma outra, fundada na
sua competência profissional. posso duvidar na minha prática educativo-crítica é que,
Nenhuma autoridade docente se exerce ausente des- como experiência especificamente humana, a educação
ta competência. O professor que não leva a sério sua for- é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção esta
mação, que não estuda, que não se esforça para estar à que, além do conhecimento dos conteúdos, bem ou mal
altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar ensinados e/ou aprendidos, implica tanto o esforço da
as atividades de sua classe. A incompetência profissional reprodução da ideologia dominante quanto o seu des-
desqualifica a autoridade do professor. Outra qualidade mascaramento.
indispensável à autoridade, em suas relações com a liber- Nem somos seres simplesmente determinados nem
dade, é a generosidade. Não há nada que inferiorize mais tampouco livres de condicionamentos genéticos, cul-
a tarefa formadora da autoridade do que a mesquinhez, turais, sociais, históricos, de classe, de gênero, que nos
a arrogância ao julgar os outros e a indulgência ao se marcam e a que nos achamos referidos. Continuo aber-
julgar, ou aos seus. to à advertência de Marx, a da necessária radicalidade,
A arrogância que nega a generosidade nega também que me faz sempre desperto a tudo o que diz respeito CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
a humildade. O clima de respeito que nasce de relações à defesa dos interesses humanos. Interesses superiores
justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade aos de grupos ou de classes de pessoas. Não posso ser
docente e as liberdades dos alunos se assumem etica- professor se não percebo cada vez melhor que, por não
mente, autentica o caráter formador do espaço peda- poder ser neutra, minha prática exige de mim uma defi-
gógico. A autoridade, coerentemente democrática, está nição, uma tomada de posição, uma ruptura. Exige que
convicta de que a disciplina verdadeira não existe na es- eu escolha entre isto e aquilo.
tagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço Não posso ser professor a favor de quem quer que
dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser pro-
desperta. Um esforço sempre presente à prática da auto- fessor a favor simplesmente da Humanidade, frase de
ridade coerentemente democrática é o que a torna qua- uma vaguidade demasiado contrastante com a concre-
se escrava de um sonho fundamental - o de persuadir tude da prática educativa. Sou professor a favor da de-
ou convencer a liberdade para a construção da própria cência contra o despudor, a favor da liberdade contra o
autonomia, ainda que reelaborando materiais vindos de autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da
fora de si. democracia contra a ditadura. Sou professor a favor da
É com a autonomia, penosamente construída e fun- luta constante contra qualquer forma de discriminação,
dada na responsabilidade, que a liberdade vai preen- contra a dominação econômica dos indivíduos ou das
chendo o espaço antes habitado pela dependência. O classes sociais, contra a ordem vigente que inventou a
fundamental no aprendizado do conteúdo é a constru- aberração da miséria na fartura.

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Sou professor a favor da esperança que me anima, em favor da compreensão e da prática da avaliação, en-
apesar de tudo. Contra o desengano que consome e quanto instrumento de apreciação do que fazer, de sujei-
imobiliza e a favor da boniteza de minha própria práti- tos críticos a serviço, por isso mesmo, da libertação e não
ca. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a da domesticação. Avaliação em que se estimule o falar a
minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, como caminho para o falar com. Quem tem o que dizer,
o que escrevo e o que faço. Ensinar exige liberdade e tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso,
autoridade. O problema que se coloca para o educador porém, que o sujeito saiba não ser o único a ter algo a
democrático é como trabalhar no sentido de fazer possí- dizer. Mais ainda, que esse algo, por mais importante que
vel que a necessidade do limite seja assumida eticamente seja, não é a verdade alvissareira por todos esperada.
pela liberdade. Sem os limites, a liberdade se perverte em Por isso é que acrescento, quem tem o que dizer deve
licença e a autoridade em autoritarismo. Por outro lado, assumir o dever de motivar, de desafiar quem escuta,
faz parte do aprendizado a assunção das consequências para que este diga, fale, responda. É preciso enfatizar -
do ato de decidir. ensinar não é transferir a inteligência do objeto ao edu-
Não há decisão que não seja seguida de efeitos es- cando, mas instigá-lo no sentido de que, como sujeito
perados, pouco esperados ou inesperados. Por isso a cognoscente, torne-se capaz de inteligir e comunicar o
decisão é um processo responsável. É decidindo que se inteligido. É neste sentido que se impõe a mim escutar
aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo o educando em suas dúvidas, em seus receios, em sua
se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a incompetência provisória. E ao escutá-lo, aprendo a falar
sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim. com ele. Aceitar e respeitar a diferença é uma das virtu-
Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A des sem a qual a escuta não pode acontecer. Tarefa es-
autonomia vai se construindo na experiência. Ninguém sencial da escola, como centro de produção sistemática
é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, nin- de conhecimento, é trabalhar criticamente a i das coisas
guém amadurece de repente. A gente vai amadurecendo e dos fatos e a sua comunicabilidade. Ensinar exige re-
todo dia, ou não. A autonomia é um processo, não ocorre conhecer que a educação é ideológica Saber igualmente
em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da fundamental à prática educativa do professor é o que diz
autonomia tem de estar centrada em experiências esti- respeito à força, às vezes, maior do que pensamos da
muladoras da decisão e da responsabilidade, ou seja, que ideologia. É o que nos adverte de suas manhas, das ar-
respeitam a liberdade. Ensinar exige tomada consciente madilhas em que nos faz cair.
de decisões. Voltemos à questão central desta parte do A ideologia tem a ver diretamente com a ocultação
texto - a educação, especificidade humana, como um ato da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para pe-
de intervenção no mundo. numbrar ou opacizar a realidade, ao mesmo tempo em
Quando falo em educação como intervenção me re- que nos torna míopes. No exercício crítico de minha re-
firo tanto a que aspira a mudanças radicais na socieda- sistência ao poder da ideologia, vou gerando certas qua-
de, no campo da economia, das relações humanas, da lidades que vão virando sabedoria indispensável à minha
propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, prática docente. A necessidade desta resistência crítica,
à saúde, quanto a que, reacionariamente, pretende imo- por exemplo, me predispõe, de um lado, a uma atitu-
bilizar a História e manter a ordem injusta. E que dizer de sempre aberta aos demais, aos dados da realidade;
de educadores que se dizem progressistas, mas de prá- de outro, a uma desconfiança metódica que me defende
tica pedagógica-política eminentemente autoritária? A de tornar-me absolutamente certo das certezas. Para me
raiz mais profunda da politicidade da educação se acha resguardar das artimanhas da ideologia não posso nem
na educabilidade do ser humano, que se funda em sua devo me fechar aos outros, nem tampouco me enclausu-
natureza inacabada e da qual se tornou consciente. Ina- rar no ciclo de minha verdade. Pelo contrário, o melhor
cabado e consciente disso, necessariamente o ser huma- caminho para guardar viva e desperta a minha capacida-
no se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão. de de pensar certo, de ver com acuidade, de ouvir com
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Um ser ligado a interesses e em relação aos quais tanto respeito, por isso de forma exigente, é me deixar exposto
pode manter-se fiel à ética quanto pode transgredi-la. às diferenças, é recusar posições dogmáticas, em que me
Se a educação não pode tudo, pode alguma coisa fun- admita como dono da verdade.
damental. Se a educação não é a chave das mudanças, Ensinar exige disponibilidade para o diálogo. Nas mi-
não é também simplesmente reprodutora da ideologia nhas relações com os outros, que não fizeram necessa-
dominante. riamente as mesmas opções que fiz, no nível da política,
O que quero dizer é que a educação nem é uma força da ética, da estética, da pedagogia, nem posso partir do
imbatível a serviço da transformação da sociedade nem pressuposto que devo conquistá-los, não importa a que
tampouco é a perpetuação do status quo. custo, nem tampouco temer que pretendam conquistar-
Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático -me. É no respeito às diferenças entre mim e eles, na coe-
e solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo, rência entre o que faço e o que digo, que me encontro
sobretudo, como se fôssemos os portadores da Verdade com eles. O sujeito que se abre ao mundo e aos outros
a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, inaugura, com seu gesto, a relação dialógica em que se
mas é escutando que aprendemos & falar com eles. Os confirma como inquietação e curiosidade, como incon-
sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de profes- clusão em permanente movimento na história. Como en-
sores vêm se assumindo cada vez mais como discursos sinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográ-
verticais, de cima para baixo, mas insistindo em passar fico, social, dos educandos? Com relação a meus alunos,
por democráticos. A questão que se coloca a nós é lutar diminuo a distância que me separa de suas condições

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negativas de vida na medida em que os ajudo a aprender A autoridade docente mandonista, rígida, não conta
não importa que saber, o do torneio ou do cirurgião, com com nenhuma criatividade do educando. Não faz parte
vistas à mudança do mundo, à superação das estruturas de sua forma de ser, esperar, sequer, que o educando re-
injustas, jamais com vistas à sua imobilização. Debater o vele o gosto de aventurar-se. (p.92-93)
que se diz e o que se mostra e como se mostra na televi- (...)O educando que exercita sua liberdade ficará tão
são me parece algo cada vez mais importante. mais livre quanto mais eticamente vá assumindo a res-
Como educadores progressistas não apenas não po- ponsabilidade de suas ações. Decidir é romper e, para
demos desconhecer a televisão, mas devemos usá-la, isso, preciso correr o risco. (...) (p.93)
sobretudo, discuti-la. Não podemos nos pôr diante de Me movo como educador porque, primeiro, me movo
um aparelho de televisão entregues ou disponíveis ao como gente. (p.94)
que vier. Ensinar exige querer bem aos educandos. O que Ensinar e, enquanto ensino, testemunhar aos alunos o
dizer e o que esperar de mim, se, como professor, não quanto me é fundamental respeitá-los e respeitar-me são
me acho tomado por este outro saber, o de que preciso tarefas que jamais dicotomizei. (p.94)
estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à cora- Como professor, tanto lido com minha liberdade
gem de querer bem aos educandos e à própria prática quanto com minha autoridade em exercício, mas tam-
educativa de que participo. Na verdade, preciso descartar bém diretamente com a liberdade dos educandos, que
como falsa a separação radical entre seriedade docente devo respeitar, e com a criação de sua autonomia bem
e afetividade. A afetividade não se acha excluída da cog- como com os anseios de construção da autoridade dos
noscibilidade. educandos. (p.95)
O que não posso, obviamente, permitir é que minha
afetividade interfira no cumprimento ético de meu de- 3.2 - Ensinar exige comprometimento (p.96 a 98)
ver de professor no exercício de minha autoridade. Não
posso condicionar a avaliação do trabalho escolar de um Saber que não posso passar despercebido pelos alu-
aluno ao maior ou menor bem querer que tenha por ele. nos, e que a maneira como me percebam me ajuda ou
É preciso, por outro lado, reinsistir em que não se pense desajuda no cumprimento de minha tarefa de professor,
que a prática educativa vivida com afetividade e alegria aumenta em mim os cuidados com meu desempenho. Se
a minha opção é democrática, progressista, não posso ter
prescinda da formação científica séria e da clareza polí-
uma prática reacionária, autoritária, elitista. Não posso
tica dos educadores. Nunca idealizei a prática educativa.
discriminar o aluno em nome de nenhum motivo. (p.97)
Em tempo algum a vi como algo que, pelo menos, pa-
Devo revelar aos alunos a minha capacidade de anali-
recesse com um que-fazer de anjos. Jamais foi fraca em
sar, de comparar, a avaliar, de decidir, de optar, de romper.
mim a certeza de que vale a pena lutar contra os desca-
Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verda-
minhos que nos obstaculizam de ser mais.
de. Ético, por isso mesmo, tem que ser o meu testemu-
Como prática estritamente humana, jamais pude en-
nho. (p.98)
tender a educação como uma experiência fria, sem alma,
em que os sentimentos e as emoções, os desejos e os 3.3 - Ensinar exige compreender que a educação
sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de di- é uma forma de intervenção no mundo. (p.98 a 104)
tadura reacionalista. Jamais compreendi a prática educa-
tiva como uma experiência a que faltasse o rigor em que Outro saber de que não posso duvidar um momen-
se gera a necessária disciplina intelectual. Estou conven- to sequer na minha prática educativo-crítica é o de que,
cido de que a rigorosidade, a séria disciplina intelectual, como experiência especificamente humana, a educação
o exercício da curiosidade epistemológica não me fazem é uma forma de intervenção no mundo. (p.98)
necessariamente um ser mal-amado, arrogante, cheio de Continuo bem aberto à advertência de Marx, a da
mim mesmo. Nem a arrogância é sinal de competência necessária radicalidade que me faz sempre desperto a
nem a competência é causa de arrogância. Certos arro- tudo o que diz respeito à defesa dos interesses humanos.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
gantes, pela simplicidade, se fariam gente melhor. Interesses superiores aos de puros grupos ou de classes
Texto adaptado: Carlos R. Paiva. de gente. (p.100)
Não posso ser professor se não percebo cada vez me-
3.1- Ensinar exige segurança, competência profis- lhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige
sional e generosidade (p.91 a 96) de mim uma definição. (...). Sou professor a favor da de-
cência contra o despudor, a favor da liberdade contra o
O professor que não leve a sério sua formação, que autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da
não estuda, que não se esforce para estar à altura de sua democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.
tarefa não tem força moral para coordenar as atividades Sou professor a favor da luta constante contra qualquer
de sua classe. (...). Há professoras cientificamente prepa- forma de discriminação, contra a dominação econômi-
rados mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é ca dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor
que a incompetência profissional desqualifica a autorida- contra a ordem capitalista vigente que inventou esta
de do professor. (p.92) aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da
Outra qualidade indispensável à autoridade em suas esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor
relações com as liberdades é a generosidade. (...). A arro- contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou
gância que nega a generosidade nega também a humil- professor a favor da boniteza de minha própria prática,
dade. (...) (p.92) boniteza que dela some se não cuido do saber que devo

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ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas Os sistemas de avaliação pedagógica de alunos e de
condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, professores vêm se assumindo cada vez mais como dis-
descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o cursos verticais, de cima para baixo, mais insistindo em
testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa passar por democráticos. A questão que se coloca a nós,
mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática enquanto professores e alunos críticos e amorosos da li-
se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos berdade, não é, naturalmente, ficar contra a avaliação, de
alunos, não canso de me admirar. (p.102-103) resto necessária, mas resistir aos métodos silenciadores
com que ela vem sendo às vezes realizada. A questão
3.4 - Ensinar exige liberdade e autoridade (p.104 a que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e
108) da prática da avaliação enquanto instrumento de apre-
ciação do que fazer de sujeitos críticos a serviço, por isso
O que sempre deliberadamente recusei, em nome do mesmo, da libertação e não da domesticação. (...) (p.116)
próprio respeito à liberdade, foi sua distorção em licen- Por isso é que, acrescento, quem tem o que dizer
ciosidade. O que sempre procurei foi viver em plenitude a deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem escu-
relação tensa, contraditória e não mecânica, entre autori- ta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda.
dade e liberdade, no sentido de assegurar o respeito entre É intolerável o direito que se dá a si mesmo o educador
ambas, cuja ruptura provoca a hipertrofia de uma ou de autoritário de comportar-se como proprietário da verda-
outra. (p.108) de(...). (p.117)
A posição mais difícil, indiscutivelmente correta, é a de- Que me seja perdoada a reiteração, mas é preciso en-
mocrata, coerente com seu sonho solidário e igualitário, fatizar, mais uma vez: ensinar não é transferir a inteligên-
para quem não é possível autoridade sem liberdade e esta cia do objeto ao educando mas instigá-lo no sentido de
sem aquela. (p.108) que, como sujeito cognoscente, se torne capaz de inteli-
gir e comunicar o inteligido. É nesse sentido que se im-
3.5 - Ensinar exige tomada consciente de decisões põe a mim escutar o educando em suas dúvidas, em seus
(p.109 a 113) receios, em sua incompetência provisória. E ao escutá-lo,
aprendo a falar com ele. (p.119)
Voltemos à questão central que venho discutindo Aceitar e respeitar a diferença é uma dessas virtudes
nesta parte do texto: a educação, especificidade humana, sem o que a escuta não se pode dar. (p.120)
como um ato de intervenção não está sendo usado com Ninguém pode conhecer por mim assim como não
nenhuma restrição semântica. Quando falo em educação posso conhecer pelo aluno. (p.124)
como intervenção me refiro tanto à que aspira a mudan-
ças radicais na sociedade, no campo da economia, das re- 3.7 - Ensinar exige reconhecer que a educação é
lações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à ideológica. (p.125 a 134)
terra, à educação, à saúde, quanto à que, pelo contrário,
reacionariamente pretende imobilizar a História e manter Há um século e meio Marx e Engels gritavam em fa-
o ordem injusta. (p.109) vor da união das classes trabalhadoras do mundo contra
A educação não vira política por causa da decisão des- sua espoliação. Agora, necessária e urgente se fazem a
te ou daquele educador. Ela é política. (p.110) união e a rebelião das gentes contra a ameaça que nos
O que devo pretender não é a neutralidade da edu- atinge, a dos à “fereza” da ética do mercado. (p.128)
cação mas a respeito, a toda prova, aos educandos, aos Prefiro ser criticado como idealista e sonhador invete-
educadores e às educadoras. O respeito aos educadores e rado por continuar, sem relutar, a aposta no ser humano,
educadoras por parte da administração pública ou privada a me bater por uma legislação que o defenda contra as
das escolas; o respeito aos educandos assumido e pratica- arrancadas agressivas e injustas de que transgride a pró-
do pelos educadores não importa de que escola, particu- pria ética. (p.129)
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

lar ou pública. É por isto que devo lutar sem cansaço. Lutar É exatamente por causa de tudo isso que como pro-
pelo direito que tenho de ser respeitado e pelo dever que fessor, devo estar advertido do poder do discurso ideo-
tenho de reagir a que me destratem . Lutar pelo direito lógico, começando pelo que proclama a morte das ideo-
que você, que me lê, professora ou aluna, tem de ser você logias. Na verdade, só ideologicamente posso matar as
mesma e nunca, jamais, lutar por essa coisa impossível, ideologias, mas é possível que não perceba a natureza
acinzentada e insossa que é a neutralidade. (p.111-112) ideológica do discurso que fala de sua morte. No fundo,
(...) O educador e a educadora críticos não podem pen- a ideologia tem um poder de persuasão indiscutível. O
sar que, a partir do curso que coordenam ou do seminário discurso ideológico nos ameaça de anestesiar a mente,
que lideram, podem transformar o país. Mas podem de- de confundir, das coisas, dos acontecimentos. Não pode-
monstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela mos escutar, sem um mínimo de reação crítica, discursos
a importância de sua tarefa político-pedagógica. (p.112) como estes: (p.132)
“O negro é geneticamente inferior ao branco. É uma
3.6 - Ensinar exige saber escutar (p.113 a 125) pena, mas é isso o que a ciência nos diz.”
“Em defesa de sua honra, o marido matou a mulher.”
Sempre recusei os fatalismos. Prefiro a rebeldia que “Que poderíamos esperar deles, uns baderneiros, inva-
me confirma como gente e que jamais deixou de provar sores de terra?”
que o ser humano é maior do que mecanismos que o “Essa gente é sempre assim: damos-lhe os pés e logo
minimizam. (p.115) quer as mãos.”

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“Nós já sabemos o que o povo quer e do que precisa. dever de professor no exercício de minha autoridade.
Perguntar-lhe seria uma perda de tempo.” Não posso condicionar a avaliação do trabalho escolar
“O saber erudito a ser entregue às massas incultas é a de um aluno ao maior ou menor bem querer que tenha
sua salvação.” por ele. (p.141)
“Maria é negra, mas é bondosa e competente.” (...) A alegria não chega apenas no encontro do
“Esse sujeito é um bom cara. É nordestino, mas é sério achado mas faz parte do processo da busca. E ensinar
e prestimoso”. e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da
“Você sabe com quem está falando?” boniteza e da alegria. (...). (p.142)
“Que vergonha, homem se casar com homem, mulher (...) É esta força misteriosa, às vezes chamada vocação,
se casar com mulher.” que explica a quase devoção com que a grande maioria
“É isso, você vai se meter com gentinha, é o que dá.” do magistério nele permanece, apesar da imoralidade
“Quando negro não suja na entrada, suja na saída.” dos salários. E não apenas permanece, mas cumpre, como
“O governo tem que investir mesmo é nas áreas onde
pode, seu dever. Amorosamente, acrescento. (p.142)
mora gente que paga imposto.”
(...) A prática educativa é tudo isso: afetividade, ale-
“Você não precisa pensar. Vote em fulano, que pensa
gria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da
por você.”
“Você, desempregado, seja grato. Vote em quem aju- mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje.
dou você. Vote em fulano de tal.” (...). (p.143)
“Está se vendo, pela cara, que se trata de gente fina, de (...) Se não posso, de um lado, estimular os sonhos
trato, que tomou chá em pequeno e não de um pé-rapado impossíveis, não devo, de outro, negar a quem sonha
qualquer.” o direito de sonhar. Lido com gente e não com coisas.
“O professor falou sobre a Inconfidência Mineira.” (...).(p.144)
“O Brasil foi descoberto por Cabral.” (p.133) (...) Como prática estritamente humana jamais pude
entender a educação como uma experiência fria, sem
(...) o melhor caminho para guardar viva e desperta a alma. (...). (p.145)
minha capacidade de pensar certo, de ver com acuidade, Estou convencido, porém de que a rigosidade, a séria
de ouvir com respeito, por isso de forma exigente, é me disciplina intelectual, o exercício da curiosidade episte-
deixar exposto às diferenças, é recusar posições dogmá- mológica não me faz necessariamente um ser mal-ama-
ticas, em que me admita como proprietário da verdade. do, arrogante, cheio de mim mesmo. Ou, em outras pa-
(...) (p.134) lavras, não é a minha arrogância intelectual a que fala de
minha rigorosidade científica. Nem a arrogância é sinal
3.8 Ensinar exige disponibilidade para o diálogo. de competência nem a competência é causa de arrogân-
(p. 135 a 140) cia. Não nego a competência, por outro lado, de certos
arrogantes, mas lamento neles a ausência de simplicida-
Como professor não devo poupar oportunidade para de que, não diminuindo em nada seu saber, os faria gen-
testemunhar aos alunos a segurança com que me com- te melhor. Gente mais gente. (p.146)
porto ao discutir um tema, ao analisar um fato, ao expor
minha posição em face de uma decisão governamental. Realmente ler a obra de Freire (especificamente o
(p.135) capítulo 3), nos faz refletir acerca de questões no qual
Me sinto seguro porque não há razão para me enver- estamos inseridas e por vezes não percebemos. Segui-
gonhar por desconhecer algo. (p.135)
mos numa ingenuidade imperdoável, enquanto isso os
O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira ago-
manipuladores permanecem como tais. Perceber a pos-
ra; o amanhã já está feito. Tudo muito rápido. Debater o
tura do professor nesta visão é lamentar o quão longe
que se diz e o que se mostra e como se mostra na tele-
visão me parece algo cada vez mais importante. (p.139) estamos de algo dito há anos. Infelizmente, os docentes,
Como educadores e educadoras progressistas não abatidos pelo desrespeito do sistema arcaico e preferem CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

apenas não podemos desconhecer a televisão mas deve- trilhar o caminho mais fácil, porque afinal ouvir o outro
mos usá-la, sobretudo, discuti-la.(p.139) requer tempo, sensibilidade, criticidade e afinal eles “não
O poder dominante, entre muitas, leva mais uma van- são pagos para isso”.
tagem sobre nós. É que, para enfrentar o ardil ideológico Um professor que tem vocação, é uma arma perigosa,
de que se acha envolvida a sua mensagem na mídia, seja pois ele pode trabalhar não apenas com os conteúdos,
nos noticiários, nos comentários aos acontecimentos ou como também levar o indivíduo a pensar. Pensar sobre
na linha de certos programas, para não falar na propa- coisas simples e acreditar que é possível mudar. Fazemos
ganda comercial, nossa mente ou nossa curiosidade teria parte da transformação e ela pode começar por nós. A
de funcionar epistemologicamente todo o tempo. E isso educação é a chave da mudança!
não é fácil. (p.140) Freire fala sobre a importância que existe na afeti-
vidade relacionada a discente- docente, pois de fato é
3.9- Ensinar exige querer bem aos educandos arbitrário estabelecer uma construção de saber, dado
(p.141 a 146) por troca, sem que haja alegria, vivacidade, competên-
cia, respeito e capacidade. O modo como o aluno vê o
(...) A afetividade não se acha excluída da cognoscibi- educador, é outro ponto que me chamou atenção, pois
lidade. O que não posso obviamente permitir é que mi- a postura apresentada deve estar em harmonia com o
nha afetividade interfira no cumprimento ético de meu discurso ético deste profissional.

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Vale ressaltar que o grau de comprometimento com “Faz parte do pensar certo o gosto da generosidade
o trabalho define seu resultado, isto vale para todas as que, não negando a quem o tem o direito à raiva, a distin-
partes envolvidas no processo de aprendizagem, o pre- gue da raivosidade irrefreada.” (p.35)
paro é primordial. Estabelecer limites não implica em ser
sisudo, a liberdade é tão importante quanto o respeito, “Faz parte igualmente do pensar certa a rejeição mais
muito embora essas linhas tênues se percam, não é válido decidida a qualquer forma de descriminação. A pratica
assumir o modo silenciador, fazendo do educando mero preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a
receptador. substantividade do ser humano e nega radicalmente a
Trabalhar com gente, nunca foi tarefa fácil, mas de cer- democracia.” (p.36)
to é uma experiência incrível. Que se valha da esperança
nos momentos de angústia e olhando adiante, vejamos “Às vezes, mal se imagina o que pode se passar ao
que é possível prosseguir um pouco mais e sempre mais. representar na vida de um aluno um simples gesto do
Desistir não faz parte do perfil vencedor. A leitura foi de professor.” (p.42)
grande valia, certamente contribuiu muito em meu conhe-
cimento. “Este saber, o da importância desses gestos que se
multiplicam diariamente nas tramas do espaço escolar, e
TRECHOS IMPORTANTES DO LIVRO algo sobre o que teríamos de refletir seriamente.” (p.43)

“Ensinar não e transferir conhecimento, mas criar possi- “Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-
bilidades para a sua produção ou a sua construção.” (p.22) -se aliado, de um lado, do exercício da criticidade que im-
plica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade
“Quem forma-se forma é reforma ao formar e quem espitemológica, e de outro, sem o reconhecimento do
é formado forma-se e forma ao ser formado. (...). Não há valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da
docência sem decência, as duas se explicam. (...). Quem intuição ou adivinhação.” (p.45)
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprender” (p.23) “Quando entra em uma sala de aula devo estar sendo
um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos
“Ensinar não se esgota no ‘tratamento’ do objeto ou do alunos, as suas inibições (...). Como professor no curso de for-
conteúdo, superficialmente feita, mas se alonga à produ- mação docente não posso esgotar minha prática discursan-
ção das condições em que aprender criticamente e possí- do sobre a Teoria da não extensão do conhecimento.” (p.47)
vel.” (p.26)
“O meu discurso sobre a Teoria deve ser o exemplo
“Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às ve- concreto, pratico, da teoria. Sua encarnação.” (p.48)
zes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo.”
(p.27) “Minha franquia ante os outros e o mundo mesmo e a
maneira radical como me experimento enquanto ser cul-
“O professor que pensa certo deixa transparecer aos tural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento.
educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de (...) Onde a vida há inacabamento.” (p.50)
estar no mundo e com o mundo (...), e a capacidade de
intervindo no mundo conhecer o mundo.” (p.28) “Só os seres que se tornaram éticos podem romper
com a ética. (...) Não foi possível existir sem assumir o di-
“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino reito e o dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer polí-
(...). Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e tica. E tudo isso nos traz de novo a imperiosidade da pra-
comunicar ou anunciar a novidade” (p.29) tica formadora, de natureza eminentemente ética.” (p.52)
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“Não há para mim, na diferença e na “distancia” entre “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou
a ingenuidade e a praticidade (...). A superação e não a um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento
ruptura se da na medida em que a curiosidade ingênua se (inacabado), sei que posso ir além dele.” (p.53)
criticiza.” (p.31)
“Minha presença no mundo não e de quem a ele se
“Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos adapta, mas e de quem nele se insere. E a posição de
move e que nos põe pacientemente em pacientes diante quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito tam-
do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que bém da história.” (p.54)
fazemos. A necessária promoção da ingenuidade à critici-
dade não pode ou não deve ser feita a distância de uma “A inconsciência do inacabamento entre nos, mulheres
rigorosa formação ética ao lado sempre da estética.” (p.32) e homens, nos fez seres responsáveis, daí a eticidade de
nossa presença no mundo.” (p.56)
“O professor que realmente ensina nega como falca,
a formula farisaica do ‘faço o que eu mando e não o que “A consciência do mundo e a consciência de si como
eu faço’ (...). Pensar certo e fazer certo. (...). Não há pensar ser inacabado necessariamente inscreve o ser consciente
certo fora de uma pratica testemunhal que o re-diz no de sua inclusão num permanente conhecimento de bus-
lugar de desdizê-lo.” (p.34) ca.” (p.57)

22
“Estar no mundo sem fazer história sem por ela ser “A segurança com que a autoridade docente se
feita (...) sem politizar não e possível. Mulheres e homens move implica outra, a que se funda na sua competência
se tornaram educáveis na medida em que se reconhece- profissional” (p.91)
ram inacabados. Não foi a educação que fez mulheres
e homens educáveis, mas a consciência de sua de sua “Há professores e professoras cientificamente depa-
inclusão é que gerou sua educabilidade.” (p.58) rados, mas autoritários a toda prova. (...) ”Outra qualida-
de indispensável à autoridade em suas relações com as
“O inacabamento de que nos tornamos consciente liberdades e a generosidade.” (p.92)
nos fez seres éticos (...) a possibilidade do desvio ético
não pode receber outra designação se não a de trans- “A autoridade coerentemente democrática, fundan-
gressão. O professor que desrespeita a curiosidade do do-se na certeza da importância, quer de si mesma, quer
educando.” (p.59) da liberdade dos educandos para construção de um cli-
ma de real disciplina, jamais minimiza a liberdade. (...) O
“Transgride os princípios fundamentalmente éticos
educando que exercita sua liberdade ficará tão mais livre
de nossa existência.” (p.60)
quanto mais eticamente vá assumindo as responsabili-
dades de suas ações.” (p.93)
“O exercício do bom senso com o qual só temos o
que ganhar se faz do ‘corpo’ da curiosidade.” (p.62)
“No fundo, o essencial nas relações entre o educador
“Como na verdade posso eu continuar falando no e o educando, entre autoridade e liberdades, entre pais,
respeito à dignidade do educando se o ironizo (...). Se o mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no
testemunho que a ele dou e da irresponsabilidade (...). A aprendizado de sua autonomia.” (p.94)
responsabilidade do professor, de que às vezes não nos
damos conta, e sempre grande.” (p.65) “O ensino dos conteúdos implica o testemunho ético
do professor (...) não há lugar para puritanismo. Só há
“Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defe- lugar para pureza. (...) A minha pura fala sobre estes di-
sa dos direitos dos educadores.” (p.66) reitos a que não corresponda a suas concretizações não
tem sentido.” (p.95)
“Em nome do respeito que devo ao aluno não tenho
por que me omitir, por que me ocultar a minha opção “Não e possível exercer a atividade do magistério
política assumindo uma neutralidade que não existe. como se nada ocorresse conosco. (...) Não posso escapar
Esta, a omissão do professor em nome do respeito ao à apreciação dos alunos.” (p.96)
aluno, talvez seja a melhor maneira de desrespeitá-lo.”
(p.71) “Saber que não posso passar despercebido pelos alu-
nos, e que a maneira como me percebam me ajuda ou
“O meu envolvimento com a pratica educativa, sabi- desajuda no cumprimento de minha tarefa de professor,
damente política, moral, gnosiológica, jamais deixou de aumenta em mim os cuidados com meu desempenho.
ser feito com alegria. (...) Há uma relação entre a alegria (...) Não posso discriminar o aluno em nome de nenhum
necessária à atividade educativa e a esperança. (...) A motivo.” (p.97)
esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e
necessário, a desesperança é o aborto deste ímpeto.” “Nada justifica a minimização dos seres humanos, no
(p.72)
caso das maiorias composta de minorias que não perce-
beram ainda que juntas seriam a maioria. (...) Falo da re-
“O mundo não é. O mundo está sendo.” (p.76)
sistência, da indignação, da “justa ira” dos traídos e dos CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
enganados. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se
“A mudança do mundo implica a dialetização entre a
denúncia da situação desumanizante e o anuncio de sua contra as transgressões éticas de que são vitimas cada
superação, no fundo, o nosso sonho. (...) mudar é difícil, vez mais sofridas. (p.101)
mas é possível (p.79)
“Não posso ser professor sem me achar capacitado
“Como professor devo saber que sem a curiosidade para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disci-
que me move, que me inquieta, que me insere na busca, plina. (...) É importante que os alunos percebam o esfor-
não aprendo nem ensino.” (p.85) ço que faz o professor ou a professora procurando a sua
coerência.” (p.103)
“O exercício da curiosidade convoca a imaginação,
a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, “Ensinar exige liberdade e autoridade.” (p.104)
de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do
achado de sua razão de ser.” (p.88) “A liberdade sem limite e tão negada quanto a liber-
dade asfixiada ou castrada. (...) Quanto mais criticamente
“A segurança com que a autoridade docente se a liberdade assuma o limite necessário tanto mais auto-
move implica outra, a que se funda na sua competência ridade tem ela, eticamente falando, para continuar lu-
profissional” (p.91) tando em seu nome. (p. 105)

23
“Ninguém e autônomo primeiro para depois decidir. “Seria impossível saber-se inacabado e não se abrir
A autonomia vai se construindo na experiência de vá- ao mundo e aos outros à procura de explicação, de res-
rias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. (...) A postas a múltiplas perguntas. O fechamento ao mundo e
gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia aos outros se tornam transgressão ao impulso natural da
enquanto amadurecimento do ser para si, e processo, e incompletude.” (p.136)
vir a ser.” (p.107)
“O mundo encurta, o tempo se dilui: o ontem vira
“Ensinar exige saber escutar. (...) O educador que es- agora; o amanhã já este feito. Tudo muda rápido.” (p.139)
cuta aprende a difícil missão de transformar o seu dis-
curso, às vezes e necessário, ao aluno, em fala com ele.” “Ensinar exige querer bem aos educandos. (...) preciso
(p.113) estar aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem
de querer bem aos educandos e à própria pratica educativa
“No processo da fala e da escuta a disciplina do silen- de que participo. (...) Não e certo, sobre tudo do ponto de
cio a ser assumida com rigor e a seu tempo pelos sujeitos vista democrático, que serei tão melhor professor quanto
que falam e escutam e um ‘sine Qua’ [sem o qual não mais severo, mais frio, mais distante e ‘cinzento’. (...) O que
pode ser] da comunicação dialógica. (...) É preciso, po- não posso obviamente permitir e que minha afetividade
rém, que quem tem o que dizer saiba sem sombra de du- interfira no cumprimento ético do meu dever de professor
vidas, não ser o único ou a única a ter o que dizer.” (p.116) no exercício de minha autoridade. Não posso condicionar
a avaliação do trabalho escolar de um aluno ao maior ou
“A importância do silencio no espaço da educação e menos bem querer que tenha por ele.” (p.141)
fundamental.” (p.117)
“E esta força misteriosa, às vezes chamada vocação
que explica a quase devoção com que a grande maioria
“Escutar e obviamente algo que vai mais além da pos-
do ministério nele permanece, apesar da imoralidade dos
sibilidade auditiva de cada um. Escutar significa (...) aber-
salários. (...) Mas e preciso, sublime, que, permanecendo
tura a fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do
e amorosamente cumprindo seu dever, não deixe de lutar
outro.” (p.119)
politicamente, por seus direitos e pelo respeito à digni-
dade de sua tarefa, assim como pelos erros devido ao es-
“Uma das tarefas essenciais da escola, como centro
paço pedagógico em que atua com seus alunos.” (p.142)
de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar
criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e sua
“Como pratica estreitamente humana jamais pude en-
comunicabilidade.” (p.123) tender a educação como experiência fria, sem alma em
que os sentimentos (...) devessem ser reprimidos por uma
“Ninguém pode conhecer por mim assim como não espécie de ditadura racionalista.” (p.145)
posso conhecer pelo aluno.” (p.124)
“Não nego a competência, por outro lado, de certos
“Ensinar exige reconhecer que a educação e ideológi- arrogantes, mas lamento neles a ausência de simplicidade
ca. Saber igualmente é fundamental à pratica educativa que, não diminuindo em nada seu saber, os faria gente
do professor ou da professora é o que diz respeito à força melhor. Gente mais gente.” (p.146)
as vezes maior do que pensamos, da ideologia.” (p.125)
NÃO HÁ DOCÊNCIA SEM DISCÊNCIA
“A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia
nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização Texto na íntegra
da economia e uma invenção dela mesma ou de um des-
tino que não poderia se evitar.” (p.126)
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Devo deixar claro que, embora seja meu interesse cen-


tral considerar neste texto saberes que me parecem in-
“O discurso da globalização que fala da ética esconde, dispensáveis à prática docente de educadoras ou educa-
porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética uni- dores críticos, progressistas, alguns deles são igualmente
versal do ser humano, pela qual devemos lutar.” (p.127) necessários a educadores conservadores. São saberes de-
mandados pela prática educativa em si mesma, qualquer
“A liberdade do comercio não pode estar a cima da que seja a opção política do educador ou educadora.
liberdade do ser humano.” (p.129) Na continuidade da leitura vai cabendo ao leitor ou
leitora o exercício de perceber se este ou aquele saber re-
“O desemprego do mundo não é, (...) uma fatalidade.” ferido corresponde à natureza da prática progressista ou
(p.130) conservadora ou se, pelo contrário, é exigência da prática
educativa mesma independentemente de sua cor políti-
“Ensinar exige uma disponibilidade para dialogo. (...) ca ou ideológica. Por outro lado, devo sublinhar que, de
Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e forma não-sistemática, tenho me referido a alguns des-
de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso ses saberes em trabalhos anteriores. Estou convencido,
saber melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. porém, é legítimo acrescentar, da importância de uma
(...) não há razão para me envergonhar por desconhecer reflexão como esta quando penso a formação docente e
algo.” (p.135) a prática educativo-crítica.

24
O ato de cozinhar, por exemplo, supõe alguns saberes históricos e inacabados e sobre que se funda a minha
concernentes ao uso do fogão, como acendê-lo, como inteligência do processo de conhecer, ensinar é algo mais
equilibrar para mais, para menos, a chama, como lidar que um verbo transitivo-relativo. Ensinar inexiste sem
com certos riscos mesmo remotos de incêndio, como aprender e vice-versa e foi aprendendo socialmente que,
harmonizar os diferentes temperos numa síntese gos- historicamente, mulheres e homens descobriram que era
tosa e atraente. A prática de cozinhar vai preparando o possível ensinar. Foi assim, socialmente aprendendo, que
novato, ratificando alguns daqueles saberes, retificando ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam
outros, e vai possibilitando que ele vire cozinheiro. A que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras,
prática de velejar coloca a necessidade de saberes fun- caminhos, métodos de ensinar. Aprender precedeu en-
dantes como o do domínio do barco, das partes que o sinar ou, em outras palavras, ensinar se diluía na expe-
compõem e da função de cada uma delas, como o co- riência realmente fundante de aprender. Não temo dizer
nhecimento dos ventos, de sua força, de sua direção, os que inexiste validade no ensino de que não resulta um
ventos e as velas, a posição das velas, o papel do motor aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de
e da combinação entre motor e velas. Na prática de ve- recriar ou de refazer o ensinado, em que o ensinado que
lejar se confirmam, se modificam ou se ampliam esses não foi apreendido não pode ser realmente aprendido
saberes. pelo aprendiz.
A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigên- Quando vivemos a autenticidade exigida pela práti-
cia da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir ca de ensinar-aprender participamos de uma experiência
virando blablablá e a prática, ativismo. total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagó-
O que me interessa agora, repito, é alinhar e discutir gica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de
alguns saberes fundamentais à prática educativo-críti- mãos dadas com a decência e com a seriedade.
ca ou progressista e que, por isso mesmo, devem ser Às vezes, nos meus silêncios em que aparentemente
conteúdos obrigatórios à organização programática da me perco, desligado, flutuando quase, penso na impor-
formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão tância singular que vem sendo para mulheres e homens
clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada sermos ou nos termos tornado, como constata François
na prática formadora. É preciso, sobretudo, e aí já vai um Jacob, “seres programados, mas, para aprender”. É que
destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o processo de aprender, em que historicamente desco-
o princípio mesmo de sua experiência formadora, assu- brimos que era possível ensinar como tarefa não apenas
mindo-se como sujeito também da produção do saber, embutida no aprender, mas perfilada em si, com relação
se convença definitivamente de que ensinar não é trans- a aprender, é um processo que pode deflagrar no apren-
ferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a diz uma curiosidade crescente, que pode torná-la mais e
sua produção ou a sua construção. mais criador. O que quero dizer é o seguinte: quanto mais
Se, na experiência de minha formação, que deve ser criticamente se exerça a capacidade de aprender tanto
permanente, começo por aceitar que o formador é o su- mais se constrói e desenvolve o que venho chamando
jeito em relação a quem me considero o objeto, que ele “curiosidade epistemológica”, sem a qual não alcança-
é o sujeito que me forma e eu, o objeto por ele formado, mos o conhecimento cabal do objeto.
me considero como um paciente que recebe os conheci- É isto que nos leva, de um lado, à crítica e à recusa ao
mentos conteúdos-acumulados pelo sujeito que sabe e ensino “bancário”, de outro, a compreender que, apesar
que são a mim transferidos. Nesta forma de compreen- dele, o educando a ele submetido não está fadado a fe-
der e de viver o processo formador, eu, objeto agora, te- necer; em que pese o ensino
rei a possibilidade, amanhã, de me tornar o falso sujeito “bancário”, que deforma a necessária criatividade do
da “formação” do futuro objeto de meu ato formador. É educando e do educador, o educando a ele sujeitado
preciso que, pelo contrário, desde os começos do pro- pode, não por causa do conteúdo cujo “conhecimento”
cesso, vá ficando cada vez mais claro que, embora dife- lhe foi transferido, mas por causa do processo mesmo de CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
rentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar aprender, dar, como se diz na linguagem popular, a volta
e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemoló-
neste sentido que ensinar não é transferir conhecimen- gico do “bancarismo”.
tos, conteúdos nem forrar é ação pela qual um sujeito O necessário é que, subordinado, embora, à prática
criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e “bancária”, o educando mantenha vivo em si o gosto da
acomodado. Não há docência sem discência, as duas se rebeldia que, aguçando sua curiosidade e estimulando
explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os sua capacidade de arriscar-se, de aventurar-se, de certa
conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do forma o “imuniza” contra o poder apassivador do “banca-
outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende rismo”. Neste caso, é a força criadora do aprender de que
ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a
alguém. Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita,
verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. Verbo que que supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é
pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto uma das significativas vantagens dos seres humanos –
indireto – a alguém. Do ponto de vista democrático em a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus
que me situo, mas também do ponto de vista da radi- condicionantes. Isto não significa, porém, que nos seja
calidade metafísica em que me coloco e de que decorre indiferente ser um educador “bancário” ou um educador
minha compreensão do homem e da mulher como seres “problematizador”.

25
Ensinar exige rigorosidade metódica estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso
é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e ne-
O educador democrático não pode negar-se o dever cessariamente distante do puritanismo, rigorosamente
de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com
do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou
suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a cheio de si mesmo.
rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” O professor que pensa certo deixa transparecer aos
dos objetos cognoscíveis. E esta rigorosidade metódica educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de
não tem nada que ver com o discurso “bancário” mera- estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é
mente transferidor do perfil do objeto ou do conteúdo. a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mun-
É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota do. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do
no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficial- mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conheci-
mente feito, mas se alonga à produção das condições em mento novo supera outro que antes foi novo e se fez
que aprender criticamente é possível. E essas condições velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã.
implicam ou exigem a presença de educadores e de edu- Daí que seja tão fundamental conhecer o conhecimento
candos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente existente quanto saber que estamos abertos e aptos à
curiosos, humildes e persistentes. Faz parte das condi- produção do conhecimento ainda não existente. Ensinar,
ções em que aprender criticamente é possível a pressu- aprender e pesquisar lidam com esses dois momentos
posição por parte dos educandos de que o educador já do ciclo gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o
teve ou continua tendo experiência da produção de cer- conhecimento já existente e o em que se trabalha a pro-
tos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, dução do conhecimento ainda não existente. A “do-dis-
ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas con- cência” – docência-discência – e a pesquisa, indicotomi-
dições de verdadeira aprendizagem os educandos vão záveis, são assim práticas requeridas por estes momentos
se transformando em reais sujeitos da construção e da do ciclo gnosiológico.
reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar Ensinar exige pesquisa
realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado
é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino.
pelos educandos. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro.
Percebe-se, assim, a importância do papel do edu- Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. En-
cador, o mérito da paz com que viva a certeza de que sino porque busco, porque indaguei, porque indago e
faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os me indago. Pesquiso para constatar, constatando, inter-
conteúdos mas também ensinar a pensar certo. Daí a im- venho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para co-
possibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, nhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anun-
mecanicamente memorizador, é muito mais um repeti- ciar a novidade.
dor cadenciado de frases e de ideias inertes do que um Pensar certo, em termos críticos, é uma exigência que
desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas a fio, os momentos do ciclo gnosiológico vão pondo à curio-
domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala sidade que, tornando-se mais e mais metodicamente
de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de rigorosa, transita da ingenuidade para o que venho cha-
memória – não percebe, quando realmente existe, ne- mando “curiosidade epistemológica”. A curiosidade in-
nhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no gênua, do que resulta indiscutivelmente um certo saber,
seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com não importa que metodicamente desrigoroso, é a que
precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito caracteriza o senso comum. O saber de pura experiência
de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. feito. Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

É como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo implica o respeito ao senso comum no processo de sua
farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo. necessária superação quanto o respeito e o estímulo à
A realidade com que eles têm que ver é a realidade idea- capacidade criadora do educando. Implica o compromis-
lizada de uma escola que vai virando cada vez mais um so da educadora com a consciência crítica do educando
dado aí, desconectado do concreto. cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automatica-
Não se lê criticamente como se fazê-lo fosse a mes- mente.
ma coisa que comprar mercadoria por atacado. Ler vinte
livros, trinta livros. A leitura verdadeira me compromete Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos
de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou
e de cuja compreensão fundamental me vou tornando Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou,
também sujeito. Ao ler não me acho no puro encalço da mais amplamente, à escola, o dever de não só respei-
inteligência do texto como se fosse ela produção apenas tar os saberes com que os educandos, sobretudo os da
de seu autor ou de sua autora. Esta forma viciada de ler classes populares, chegam a ela – saberes socialmente
não tem nada que ver, por isso mesmo, com o pensar construídos na prática comunitária – mas também, como
certo e com o ensinar certo. há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os
Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às ve- alunos a razão de ser de alguns desses saberes em rela-
zes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. ção com o ensino dos conteúdos. Por que não aproveitar
E uma das condições necessárias a pensar certo é não a experiência que têm os alunos de viver em áreas da

26
cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por moção da ingenuidade para a criticidade não se dá auto-
exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os bai- maticamente, uma das tarefas precípuas da prática edu-
xos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os cativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da
riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade com
lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente que podemos nos defender de “irracionalismos” decor-
remediados dos centros urbanos? Esta pergunta é con- rentes ou produzidos por certo excesso de “racionalida-
siderada em si demagógica e reveladora da má vontade de” de nosso tempo altamente tecnologizado. E não vai
de quem a faz. É pergunta de subversivo, dizem certos nesta consideração de quem, de um lado, não diviniza a
defensores da democracia. tecnologia, mas de outro a diaboliza. De quem a olha ou
Por que não discutir com os alunos a realidade con- mesmo a espreita de forma criticamente curiosa.
creta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo
se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a Ensinar exige estética e ética
constante e a convivência das pessoas é muito maior
com a morte do que com a vida? Por que não estabe- A necessária promoção da ingenuidade à criticidade
lecer uma necessária “intimidade” entre os saberes cur- não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigo-
riculares fundamentais aos alunos e a experiência social rosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência
que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as boniteza de mãos dadas. Cada vez me convenço mais de
implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos que, desperta com relação à possibilidade de enveredar-se
dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de clas- no descaminho do puritanismo, a prática educativa tem
se embutida neste descaso? Porque, dirá um educador de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de
reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com
ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar
os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos
operam por si mesmos. colocar. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos
tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de
Ensinar exige criticidade escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nós fizemos
seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo
Não há para mim, na diferença e na “distância” entre
é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os
a ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura ex-
seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora
periência feito e o que resulta dos procedimentos meto-
dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres
dicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma superação.
e homens é uma transgressão. É por isso que transformar
A superação e não a ruptura se dá na medida em que
a experiência em puro treinamento técnico é amesquinhar
a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade,
o que há de fundamentalmente humano no exercício edu-
pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza.
Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir, cativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza
curiosidade epistemológica, metodicamente “rigorizan- do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
do-se” na sua aproximação ao objeto, conota seus acha- alheio à formação moral do educando. Educar é substan-
dos de maior exatidão. tivamente formar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou
Na verdade, a curiosidade ingênua que, “desarma- a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de
da”, está associada ao saber do senso comum, é a mes- pensar errado. De testemunhar aos alunos, às vezes com
ma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de ares de quem possui a verdade, rotundo desacerto. Pensar
forma cada vez mais metodicamente rigorosa do obje- certo, pelo contrário, demanda profundidade e não su-
to cognoscível, se torna curiosidade epistemológica. A perficialidade compreensão e na interpretação dos fatos.
curiosidade de camponeses com quem tenho dialogado Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece
ao longo de minha experiência político-pedagógica, fa- não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apre- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
talistas ou já rebeldes diante da violência das injustiças, é ciação, mas o direito de fazê-la. Mas como não há pen-
a mesma curiosidade, enquanto abertura mais ou menos sar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma
espancada diante de “não-eus”, com que cientistas ou possibilidade e um direito, cabe a quem muda – exige o
filósofos acadêmicos “admiram” o mundo. Os cientistas pensar certo – que assuma a mudança operada. Do ponto
e os filósofos superam, porém, a ingenuidade da curio- de vista do pensar certo não é possível mudar e fazer de
sidade do camponês e se tornam epistemologicamente conta que não mudou. É que todo pensar certo é radical-
curiosos. mente coerente.
A curiosidade como inquietação indagadora, como
inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta ver- Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo
balizada ou não, como procura de esclarecimento, como exemplo
sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do
fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosi- O professor que realmente ensina, quer dizer, que tra-
dade que nos move e que nos põe pacientemente impa- balha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar
cientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando certo, nega, como falsa, a fórmula farisaica do “faça o que
a ele algo que fazemos. mando e não o que eu faço”. Quem pensa certo está can-
Como manifestação presente à experiência vital, a sado de saber que as palavras a que falta a corporeidade
curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é
construída e reconstruída. Precisamente porque a pro- fazer certo.

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Que podem pensar alunos sérios de um professor de mulheres e de homens. O que tenho dito até agora,
que, há dois semestres, falava com quase ardor sobre a porém, diz respeito radicalmente à natureza de mulheres
necessidade da luta pela autonomia das classes popula- e de homens. Natureza entendida como social e histo-
res e hoje, dizendo que não mudou, faz o discurso prag- ricamente constituindo-se e não como um “a priori” da
mático contra os sonhos e pratica a transferência de sa- História.
ber do professor para o aluno?! Que dizer da professora O problema que se coloca para mim é que, com-
que, de esquerda ontem, defendia a formação da classe preendendo como compreendo a natureza humana, se-
trabalhadora e que, pragmática hoje, se satisfaz, curvada ria uma contradição grosseira não defender o que venho
ao fatalismo neoliberal, com o puro treinamento do ope- defendendo. Faz parte da exigência que a mim mesmo
rário, insistindo, porém, que é progressista? me faço de pensar certo, pensar como venho pensando
Não há pensar certo fora de uma prática testemunhal enquanto escrevo este texto. Pensar, por exemplo, que
que o rediz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao o pensar certo a ser ensinado concomitantemente com
professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo o ensino dos conteúdos não é um pensar formalmente
perguntar ao aluno se “sabe com quem está falando”. anterior ao e desgarrado do fazer certo. Neste sentido
O clima de quem pensa certo é o de quem busca é que ensinar a pensar certo não é uma experiência em
seriamente a segurança na argumentação, é o de quem, que ele – o pensar certo – é tomado em si mesmo e dele
discordando do seu oponente não tem por que contra se fala ou uma prática que puramente se descreve, mas
ele ou contra ela nutrir uma raiva desmedida, bem maior, algo que se faz e que se vive enquanto dele se fala com
às vezes, do que a razão mesma da discordância. Uma a força do testemunho. Pensar certo implica a existência
dessas pessoas desmedidamente raivosas proibiu certa de sujeitos que pensam mediados por objeto ou objetos
vez estudante que trabalhava dissertação sobre alfabeti- sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar
zação e cidadania que me lesse. “Já era”, disse com ares certo não é que – fazer de quem se isola, de quem se
de quem trata com rigor e neutralidade o objeto, que era “aconchega” a si mesmo na solidão, mas um ato comuni-
eu. “Qualquer leitura que você faça deste senhor pode cante. Não há por isso mesmo pensar sem entendimento
prejudicá-la”. Não é assim que se pensa certo nem é as- e o entendimento, do ponto de vista do pensar certo,
sim que se ensina certo. Faz parte do pensar certo o gos- não é transferido mas coparticipado. Se, do ângulo da
to da generosidade que, não negando a quem o tem o gramática, o verbo entender é transitivo no que concerne
direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada. à “sintaxe” do pensar certo ele é um verbo cujo sujeito
é sempre copartícipe de outro. Todo entendimento, se
Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a não se acha “trabalhado” mecanicistamente, se não vem
qualquer forma de discriminação
sendo submetido aos “cuidados” alienadores de um tipo
especial e cada vez mais ameaçadoramente comum de
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a
mente que venho chamando “burocratizada”, implica,
aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido
necessariamente, comunicabilidade. Não há inteligên-
só porque é novo, assim como o critério de recusa ao
cia – a não ser quando o próprio processo de inteligir é
velho não é apenas o cronológico. O velho que preserva
distorcido – que não seja também comunicação do inte-
sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma
ligido. A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é
presença no tempo continua novo.
transferir, depositar, oferecer, dor ao outro, tomado como
Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais
decidida a qualquer forma de discriminação. A prática paciente de seu pensar, a intelegibilidade das coisas, dos
preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que
substantividade do ser humano e nega radicalmente a pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável
democracia. Quão longe dela nos achamos quando vive- prática de inteligir, desafiar o educando com quem se co-
mos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos munica e a quem comunica, produzir sua compreensão
do que vem sendo comunicado. Não há intelegibilidade
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

que assassinam camponeses que lutam por seus direi-


tos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam que não seja comunicação e intercomunicação e que não
as mulheres. Quão ausentes da democracia se acham se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dia-
os que queimam igrejas de negros porque, certamente, lógico e não polêmico.
negros não têm alma. Negros não rezam. Com sua ne-
gritude, os negros sujam a branquitude das orações... A Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática
mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância
com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, O pensar certo sabe, por exemplo, que não é a partir
em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao dele como um dado, que se conforma a prática docen-
mundo como pedagoga da democracia. Pensar e fazer te crítica, mas sabe também que sem ele não se funda
errado, pelo visto, não têm mesmo nada que ver com a aquela. A prática docente crítica, implicante do pensar
humildade que o pensar certo exige. Não têm nada que certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre
ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática
as nossas caminhadas até o ridículo e a insensatez. docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”,
Às vezes, temo que algum leitor ou leitora, mesmo indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber
que ainda não totalmente convertido ao “pragmatis- de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica
mo” neoliberal mas por ele já tocado, diga que, sonha- que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito.
dor, continuo a falar de uma educação de anjos e não Este não é o saber que a rigorosidade do pensar cer-

28
to procura. Por isso, é fundamental que, na prática da Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da
formação docente, o aprendiz de educador assuma que identidade cultural
o indispensável pensar certo não é presente dos deuses
nem se acha nos guias de professores que iluminados É interessante estender mais um pouco a reflexão
intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo sobre a assunção. O verbo assumir é um verbo transi-
contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que tivo e que pode ter como objeto o próprio sujeito que
ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com assim se assume. Eu tanto assumo o risco que corro ao
o professor formador. E preciso, por outro lado, reinsistir fumar quanto me assumo enquanto sujeito da própria
em que a matriz do pensar ingênuo como a do crítico é assunção. Deixemos claro que, quando digo ser funda-
a curiosidade mesma, característica do fenômeno vital. mental para deixar de fumar a assunção de que fumar
Neste sentido, indubitavelmente, é tão curioso o profes- ameaça minha vida, com assunção eu quero sobretudo
sor chamado leigo no interior de Pernambuco quanto o me referir ao conhecimento cabal que obtive do fumar e
professor de Filosofia da Educação na Universidade A ou de suas consequências. Outro sentido mais radical tem a
B. O de que se precisa é possibilitar, que, voltando-se so- assunção ou assumir quando digo: Uma das tarefas mais
bre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curio- importantes da prática educativo-crítica é propiciar as
sidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando condições em que os educandos em suas relações uns
crítica. com os outros e todos com o professor ou a professora
Por isso é que, na formação permanente dos pro- ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-
fessores, o momento fundamental é o da reflexão críti- -se como ser social e histórico, como ser pensante, co-
ca sobre a prática. É pensando criticamente a prática de municante, transformador, criador, realizador de sonhos,
ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se
O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, como sujeito porque capaz de reconhecer-se como ob-
tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda jeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão
com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da dos outros. É a “outredade» do “não eu”, ou do tu, que
prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “apro-
me faz assumir a radicalidade de meu eu.
ximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta operação
A questão da identidade cultural, de que fazem parte
tanto mais inteligência ganha da prática em análise e
a dimensão individual e a de classe dos educandos cujo
maior comunicabilidade exerce em torno da superação
respeito é absolutamente fundamental na prática edu-
da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quan-
cativa progressista, é problema que não pode ser des-
to mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as
prezado. Tem que ver diretamente com a assunção de
razões de ser de porque estou sendo assim, mais me tor-
nós por nós mesmos. É isto que o puro treinamento do
no capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado
professor não faz, perdendo-se e perdendo-o na estreita
de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemo-
lógica. Não é possível a assunção que o sujeito faz de si e pragmática visão do processo.
numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade A experiência histórica, política, cultural e social os
para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz neces- homens e das mulheres jamais pode se dar “virgem” do
sariamente sujeito também. conflito entre ‘as forças que obstaculizam a busca da as-
Seria porém exagero idealista, afirmar que a assun- sunção de si por parte dos indivíduos e dos grupos e
ção, por exemplo, de que fumar ameaça minha vida, já das forças que trabalham em favor daquela assunção. A
significa deixar de fumar. Mas deixar de fumar passa, em formação docente que se julgue superior a essas “intri-
algum sentido, pela assunção do risco que corro ao fu- gas” não faz outra coisa senão trabalhar em favor dos
mar. Por outro lado, a assunção se vai fazendo cada vez obstáculos. A solidariedade social e política de que pre-
mais assunção na medida em que ela engendra novas cisamos para construir a sociedade menos feia e menos
opções, por isso mesmo em que ela provoca ruptura, de- arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem na
cisão e novos compromissos. Quando assumo o mal ou formação democrática uma prática de real importância. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

os males que o cigarro me pode causar, movo-me no A aprendizagem da assunção do sujeito é incompatível
sentido de evitar os males. Decido, rompo, opto. Mas, com o treinamento pragmático ou com o elitismo auto-
é na prática de não fumar que a assunção do risco que ritário dos que se pensam donos da verdade e do saber
corro por fumar se concretiza materialmente. articulado.
Me parece que há ainda um elemento fundamental Às vezes, mal se imagina o que pode passar a repre-
na assunção de que falo: o emocional. Além do conheci- sentar na vida de um aluno um simples gesto do profes-
mento que tenho do mal que o fumo me faz, tenho ago- sor. O que pode um gesto aparentemente insignificante
ra, na assunção que dele faço, legítima raiva do fumo. E valer como força formadora ou como contribuição à do
tenho também a alegria de ter tido a raiva que, no fundo, educando por si mesmo. Nunca me esqueço, na histó-
ajudou que eu continuasse no mundo por mais tempo. ria já longa de minha memória, de um desses gestos de
Está errada a educação que não reconhece na justa raiva, professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja
na raiva que protesta contra as injustiças, contra a des- significação mais profunda talvez tenha passado des-
lealdade, contra o desamor, contra a exploração e a vio- percebida por ele, o professor, e que teve importante in-
lência um papel altamente formador. O que a raiva não fluência sobre mim. Estava sendo, ermo, um adolescente
pode é, perdendo os limites que a confirmam, perder-se inseguro, vendo-me como um corpo anguloso e feio,
em raivosidade que corre sempre o risco de se alongar percebendo-me menos capaz do que os outros, forte-
em odiosidade. mente incerto de minhas possibilidades. Era muito mais

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mal-humorado que apaziguado com a vida. Facilmente importa, na formação docente, não é a repetição mecâni-
me eriçava. Qualquer consideração feita por um colega ca do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor
rico da classe já me parecia o chamamento à atenção de dos sentimentos, das emoções, do desejo, da inseguran-
minhas fragilidades, de minha insegurança. ça a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser
O professor trouxera de casa os nossos trabalhos es- “educado”, vai gerando a coragem.
colares e, chamando-nos um a um, devolvia-os com o Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-
seu ajuizamento. Em certo momento me chama e, olhan- -se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que
do ou re-olhando o meu texto, sem dizer palavra, balança implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosida-
a cabeça numa demonstração de respeito e de conside- de epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento
ração. O gesto do professor valeu mais do que a própria do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade,
nota dez que atribuiu à minha redação. O gesto do pro- da intuição ou adivinhação. Conhecer não é, de fato,
fessor me trazia uma confiança ainda obviamente des- adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando,
confiada de que era possível trabalhar e produzir. De que com adivinhar, com intuir. O importante, não resta dú-
era possível confiar em mim mas que seria tão errado vida, é não pararmos satisfeitos ao nível das intuições,
confiar além dos limites quanto errado estava sendo não mas submetê-las à análise metodicamente rigorosa de
confiar. A melhor prova da importância daquele gesto é nossa curioridade epistemológica.
que dele falo agora como se tivesse sido testemunhado
Fonte: FREIRE, Paulo. Não há docência sem discên-
hoje. E faz, na verdade, muito tempo que ele ocorreu...
cia (Cap. I). In: Pedagogia da autonomia: saberes neces-
Este saber, o da importância desses gestos que se
sários à prática educativa. ed. 43ª. São Paulo: Paz e Terra,
multiplicam diariamente nas tramas do espaço escolar,
2011.
é algo sobre que teríamos de refletir seriamente. É uma
pena que o caráter socializante da escola, o que há de
informal na experiência que se vive nela, de formação ou
deformação, seja negligenciado. Fala-se quase exclusiva- EXERCÍCIO COMENTADO
mente do ensino dos conteúdos, ensino lamentavelmen-
te quase sempre entendido como transferência do saber. 1. (Pref. Santa Cruz de Salinas/MG - Professor da
Creio que uma das razões que explicam este descaso em Educação Básica - Educação Infantil e Séries Iniciais
torno do que ocorre no espaço-tempo da escola, que não do Ensino Fundamental – Superior - COTEC/UNI-
seja a atividade ensinante, vem sendo uma compreensão MONTES/2016) As ideias abaixo expressam concep-
estreita do que é educação e do que é aprender. No fun- ções de Paulo Freire, expressas em seu livro Pedagogia
do, passa despercebido a nós que foi aprendendo social- da autonomia, em relação ao processo ensino-aprendi-
mente que mulheres e homens, historicamente, desco- zagem, EXCETO
briram que é possível ensinar. Se estivesse claro para nós
que foi aprendendo que percebemos ser possível ensi- a) Ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou
nar, teríamos entendido com facilidade a importância das do conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga
experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, à produção das condições em que aprender critica-
nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em mente é possível.
que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, b) No exercício da docência, pensar certo aprova a fór-
de pessoal docente se cruzam cheios de significação. Há mula “faça o que mando e não o que faço”. Pensar
uma natureza testemunhal nos espaços tão lamentavel- certo nem sempre é fazer certo.
mente relegados das escolas. Em A Educação na cidade c) Ensinar exige rejeição a qualquer forma de discrimi-
chamei a atenção para esta importância quando discuti o nação.
estado em que a administração de Luiza Erundina encon- d) Ensinar exige respeito aos saberes do educando.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

trou a rede escolar da cidade de São Paulo em 1989. O


Resposta: Letra B. Em “a”: Certo- Faz parte das
descaso pelas condições materiais das escolas alcançava
ideias do autor.
níveis impensáveis. Nas minhas primeiras visitas à rede
Em “b”: Errado - Não se cria um ambiente de apren-
quase devastada eu me perguntava horrorizado: Como
dizagem verdadeiro quando o professor é daqueles
cobrar das crianças um mínimo de respeito às carteiras
que diz: “faça o que digo, mas não faça o que eu
escolares, à mesas, às paredes se o Poder Público revela faço.” Ou pior: “faça o que eu mando, mas não o que
absoluta desconsideração à coisa pública? É incrível que eu faço”. O educador consciente sabe perfeitamente
não imaginemos a significação do “discurso” formador bem que quando as suas palavras não são corres-
que faz uma escola respeitada em seu espaço. A elo- pondidas pelo seu exemplo, os alunos percebem e
quência do discurso “pronunciado” na e pela limpeza do passam a desconfiar do que ele ensina. Porque tudo
chão, na boniteza das salas, na higiene dos sanitários, nas o que ele diz fica simplesmente desacreditado. Não
flores que adornam. Há uma pedagogicidade indiscutível é possível educar quando todo aquele discurso boni-
na materialidade do espaço. to, em vez de fundamentar a ação, procura maquiar
Pormenores assim da cotidianeidade do professor, e esconder a prática. Como diz Paulo Freire, pensar
portanto igualmente do aluno, a que quase sempre pou- certo é fazer certo.
ca ou nenhuma atenção se dá, têm na verdade um peso Em “c”: Certo – É um trecho da obra de Paulo Freire.
significativo na avaliação da experiência docente. O que Em “d”: Certo - Faz parte do livro de Paulo Freire.

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autor, sobressaem-se as formas como os adultos fazem
FOCHI, PAULO. AFINAL, O QUE OS BEBÊS atribuições aos sujeitos, e também, como naturalizamos
FAZEM NO BERCÁRIO?: COMUNICAÇÃO, a presença dos alunos na sociedade. Do mesmo modo,
AUTONOMIA E SABER-FAZER DE BEBÊS EM as obrigações já postas de antemão à categoria aluno,
UM CONTEXTO DE VIDA COLETIVA. PORTO determinam certo modo de ser e se comportar, ou seja, a
ALEGRE: PENSO, 2015. forma de ser aluno é de ser sujeito em um sistema prévio
a ele.
Consequentemente, ao transformarmos as crianças
em alunos, estamos atribuindo a elas uma cultura escolar
#FicaDica já marcada pela e na sociedade, que traz consigo outros
vocabulários que as naufragam em um arcabouço esco-
Neste estudo, de forma sumária, procuro fa-
larizado. Garantir que a Educação Infantil seja habitada
zer visível algumas das premissas do pensa-
por crianças coloca em voga a possibilidade de viverem
mento complexo, através do modo como os
atribuições de crianças, como por exemplo, brincar.
dados foram interpretados e, principalmente,
Ademais, situar a ideia de criança e não mais de alu-
pelo método utilizado na geração destes, mui-
nos em contextos de vida coletiva provoca reivindica-
to embora não seja intenção deste estudo se
ções relativas: (i) ao respeito à individualidade e contra
definir nesta ou noutra perspectiva.
os movimentos de homogeneização; (ii) à possibilidade
da construção de um espaço, no qual adultos e crianças
habitem e, desse modo, para as culturas infantis e adultas
Com isso, julgo prudente elucidar a quais especifici- convergirem, deixando de lado o caráter dominante do
dades me refiro, ao sublinhar a constituição do estatu- adulto sobre a criança; e também (iii) à dimensão hu-
to direcionado às Pedagogias para a Pequena Infância, mana que reside sobre a ideia de criança que chega ao
a partir do que Rocha (2001) e Barbosa (2000, 2009) já mundo – conforme destaca Malaguzzi (1995), desde a
anunciaram em seus estudos; e, sobretudo, aproximan- chegada da criança na cena humana, esta é desejosa de
do-as dos três autores (e dos seus interlocutores) que se comunicar e de se relacionar e está engajada para ex-
compõem o quadro teórico que optei utilizar para essa perimentar o seu entorno.
pesquisa: Loris Malaguzzi, Emmi Pikler e Jerome Bruner. Logo, é importante fazer outro destaque, o qual Ma-
A partir do momento em que a educação das crianças laguzzi define como membrana teórica: a imagem da
pequenas se tornou responsabilidade social e coletiva, criança. Além de ser o ponto central na sua pedagogia,
nasce a necessidade de se voltar para a experiência pe- o pedagogo italiano afirma que é a partir dessa imagem
dagógica e pensar sobre como configurá-la. Atualmen- que declaramos nossos princípios éticos em relação às
te, mesmo com uma produção acadêmica considerável crianças, ou seja, definimos qual é o ponto de encon-
já acumulada, acredito que ainda estejamos constituin- tro entre o nosso discurso e nossa prática para e com
do esse campo do saber, inventariando modos de criar as crianças. Dessa forma, “este é o cimento sobre o qual
um estatuto que permita, ao mesmo tempo, atender à temos que sustentar todo o projeto educativo. É a per-
complexa estrutura da Educação Infantil e “refletir so- gunta prévia e primeira em relação a outras perguntas
bre o que se faz na escola com e para as crianças sem sobre o para quê e como educar”.
abstrair essa ação do contexto no qual é concretamente Segundo Malaguzzi (1999), diversas imagens de
realizada” (BONDIOLI, 2004), considerando, portanto, a crianças já foram – e ainda são – convencionadas na so-
premissa básica – enquanto etapa da Educação Básica – ciedade. Uma delas é a da criança que falta, que não é
de complementariedade à educação da família: de cuidar e que não tem. No entanto, o pedagogo italiano prefe-
e educar. re apostar na criança que é, que tem: uma criança ativa,
Refiro-me à especificidade desse tema, desejando competente, desafiadora e curiosa por experimentar o
contribuir com os estudos para e sobre a Educação In-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
mundo, que se comunica desde que nasce, que é feita
fantil, na intenção de que essa etapa da Educação Básica de “cem linguagens”, de “cem formas de pensar”, capaz,
possa construir seus parâmetros diferentes das demais, inclusive, de criar “mapas pessoais para sua orientação
não por julgamento de valor entre uma ou outra, e, sim, social, cognitiva, afetiva e simbólica” (RINALDI, 2012).
pelo caráter que cada uma dessas ocupa na esfera social. Esse importante destaque que Malaguzzi afirmou em
De acordo com Rocha (2001) Barbosa (2009) e Bra- sua pedagogia, do meu ponto de vista, reitera a emer-
sil (2009), os sujeitos da Educação Infantil não são alu- gência de defendermos as crianças como sujeitos das Pe-
nos, mas crianças. A escolha por qual palavra dá o nome dagogias para a Pequena Infância, indo um pouco mais
também revela o modo como nos relacionaremos e atri- além, a premência de teorias pedagógicas que, da mes-
buiremos o papel desses sujeitos nos cenários em que a ma maneira, tenham espaço para “surpreender-se” com
vida transcorre. Sacristán (2005), no livro “O aluno como as crianças, logo, que não estejam interessadas em alocar
invenção”, aborda sobre a forma como os sujeitos são em marcos pré-definidos.
escolarizados e qual o valor disso para a vida deles. Outro aspecto que compõe a especificidade das Pe-
Concordo com Sacristán quando o autor chama aten- dagogias para a Pequena Infância nos contextos de vida
ção para o fato que o papel do aluno na sociedade se tra- coletiva trata de refletir sobre os locais, nos quais as
ta de uma invenção feita por adultos – pais, professores, crianças e os adultos se encontram e convivem, diaria-
legisladores e intelectuais – a respeito de como organizar mente, grande parte do seu tempo, que deixam de ser
e impor normas na vida dos não adultos. Nas palavras do salas de aula e se tornam salas referências (BRASIL, 2009)

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ou “unidades de vida”. No que diz respeito a esse tópico, Valendo-me do último aspecto destacado pela auto-
é importante destacar que, segundo Bondioli (2004), os ra, aproveito para marcar uma espécie de epílogo a res-
espaços habitados pelas crianças e adultos assumem sig- peito das especificidades das Pedagogias para a Pequena
nificados particulares em razão tanto daquilo que os di- Infância, a didática. A palavra “didática”, de origem grega,
ferem de outros espaços como também da natureza que traz, na sua etimologia, os sentidos de “apto para ensi-
os constitui e de sua função social. A autora anterior- nar” ou ainda “ensinado”. Traduzida e conhecida como a
mente citada exemplifica, ao se referir à sala referência, “arte ou técnica de ensinar”, faz parte da Pedagogia e se
que “o ambiente referência de um grupo, qualifica a sua ocupa de colocar em prática as teorias pedagógicas. O
pertinência e, como tal, é vivenciado como espaço ‘pró- uso do termo didática na cultura escolar está associado à
prio’ que deve ser defendido de estranhos ou que deve ideia de ensino-aprendizagem.
ser aberto a eventuais hóspedes”. Em todo caso, ainda Davoli e Rinaldi falam em uma “nova didática” para a
de acordo com Bondioli, os espaços são constituídos so- Educação Infantil, “didática participativa, didática como
cialmente, ou seja, as normas de permanência e acesso, procedimentos e processos que podem ser comunicados
a convivência, as interações e as próprias proibições são e compartilhados”.
marcadas pela forma como estão no contexto e pelas No entanto, conforme afirma Soares (1985), ao ten-
narrativas que lhes constituem. tar negar sua condição histórica, também estaria sendo
A mudança do nome poderá implicar – em nível negada a própria disciplina, podendo cair no perigo de
maior ou menor – na transformação da organização e “transformar a revisão da Didática em mera invasão de
estruturação desse espaço. Em outras palavras, uma vez outras áreas [...]”.
que se compreende que não se trata de uma sala de Particularmente, concordo com Fortunati (2009),
aula, também pode ser possível compreender que não quando diz que existe um choque entre a imagem de
é necessária a presença do quadro negro e de classes e criança presente nos atuais discursos e os “musculosos”
cadeiras igualmente ao número de crianças, e assim, não aparatos didático-pedagógicos das escolas. Da mesma
se fazem necessários determinados tipos de comporta- maneira, é um contrassenso afirmarmos a imagem de
mentos presentes nesses espaços. criança capaz, quando todos os artefatos do grande tema
Se, no Ensino Fundamental, a função ou o objeto é o da Pedagogia se encontram ainda em uma dimensão po-
ensino e, por isso, configura-se como “um espaço pri- sitivista, isolando e linearizando os componentes da es-
vilegiado para o domínio dos conhecimentos básicos”, cola (currículo, avaliação, planejamento, rotina, projetos),
a Educação Infantil está como o lugar privilegiado das marcados ainda pela ideia de previsibilidade, ou seja, da
estruturação adulta sobre a atividade da criança, a fim de
relações (MALAGUZZI, 1999). Ou seja, o foco do traba-
verificar um resultado já antevisto, de pensamento linear,
lho nos primeiros seis anos de vida é voltado para os
e especialmente, com marcos prefixados, que avalizam a
processos de como as crianças se relacionam consigo
criança e ditam os conteúdos a serem ensinados.
mesmas, com as outras crianças, com os adultos e com
Por essa razão, considero que refletir sobre a didá-
o mundo.
tica na Educação Infantil implica em uma recapitulação
A perspectiva indicada ganha força com os pressu-
dos aspectos anteriormente mencionados, visto que uma
postos que Barbosa (2009) destaca sobre alguns aspec-
vez (i) revelada a incoerência entre o discurso acerca das
tos diferenciais das Pedagogias para a Pequena Infância, crianças e as práticas realizadas; (ii) revelada a dimen-
iniciando a respeito do entorno desse objeto: as rela- são praxiológica e social das pedagogias; (iii) revelado o
ções entre o cuidado, a educação, a nutrição, a higiene, pensamento complexo, do qual aproximo as Pedagogias
o sono, as diferenças sociais, econômicas, culturais das para a Pequena Infância; e (iv) revelados o local e o obje-
diversas infâncias, a relação com as famílias, as relações to da Educação Infantil: sala referência e o educar cuidar;
entre adultos e crianças que não falam, não andam e estas questões convocam uma espécie de mudança epis-
necessitam estabelecer outras formas não verbais ou temológica, ou seja, do conjunto de práticas e teorias.
não-convencionais de comunicação, as relações entre
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Nesse sentido, compartilho das ideias de Malaguzzi e


adultos e crianças pequenas na esfera pública, o brin- de Fortunati, no que tange à construção de um projeto
quedo e o jogo. educativo, chamando atenção a três âmbitos: observa-
Além desses, a autora chama atenção aos temas ge- ção, registro e progettazione. O primeiro trata sobre a
rais da cultura contemporânea, que as Pedagogias para observação do trabalho educativo, já que para o autor, a
a Pequena Infância devem assumir, destacando a impor- ação educativa não é aquela de transmitir, mas de escu-
tância para a constante reflexão sobre o contexto, como: tar as crianças. Fortunati acrescenta que isso implica nas
aqueles relacionados a gênero, cidadania, raça, relações “formas gerais da relação entre adulto e criança no con-
educativas com as comunidades, religião, classes sociais, texto educacional”, no qual questiona o discurso sobre as
globalização e as que influenciam de modo incisivo as imagens das crianças e as práticas, lembrando que “não
questões à educação da pequena infância. só se transformam completamente em retóricas todas
Por fim, Barbosa (2009) considera importante a rela- as declarações relativas às potencialidades da infância e
ção com os grandes temas da pedagogia, como a ação seus tesouros, e em que não apenas a profissão do edu-
educativa e o currículo, verificando-se os efeitos que tais cador se torna banal e mecânica”.
formas de engendrar e ver o mundo causam a um certo O segundo aspecto que encontro na obra de Mala-
grupo de seres humanos que se encontra em uma faixa guzzi (1995) é a ideia de registro, na qual, para o autor,
etária específica, em um determinado tipo de instituição registrar as experiências das crianças na escola possibilita
e em um certo contexto. dar sentido às ideias e formas de pensar dos meninos e

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meninas. Desse mesmo modo, para o autor, a visibilidade (iii) O fato de serem pedagogos da infância. Bruner
do projeto educativo é um ato político, pois comunica as foi, ao mesmo tempo, uma das inspirações teóricas de
surpresas e as descobertas do cotidiano. Malaguzzi, assim como um apreciador do trabalho de
Fortunati (2009) acrescenta ainda que é possível pro- Malaguzzi. Os dois trazem importantes contribuições
mover uma memória processual “a memória como re- atualizadas para refletir e pensar os contextos educati-
flexo e elemento gerador de processos de experiência”. vos. Embora Pikler não apareça na lista dos pedagogos
O registro acaba se fundindo com o âmbito anterior, ou da infância, suas referências advindas da pedagogia e a
seja, nasce da observação, gera novas observações e, importância dos estudos dessa pediatra colaboram para
consequentemente, retroalimenta novos modos de con- a construção das especificidades do estatuto das Peda-
tinuar o trabalho, esse seria o mote do terceiro âmbito: a gogias para a Pequena Infância.
progetazzione. (iv) Os estudos interdisciplinares que Pikler, Malaguzzi
A atualização do contexto e do fazer educativo se dão e Bruner realizaram ampliam as possibilidades de olhar
através da progetazzione, termo sem equivalência para o para os bebês e as crianças pequenas, sobretudo, pela
português, mas que se difere da ideia de planejamento. forma que colocam em relação campos de conhecimento
O qual se trata de uma escolha cultural que evidencia distintos.
a criança a partir da própria criança, portanto, a partir
Esse movimento foi aparecendo na medida em que as
da ideia do seu próprio tempo e de sua forma particular
leituras a respeito desses autores aconteciam, pois estas
de interrogar o mundo. Igualmente aliada a essa ideia, a
não estavam estabelecidas a priori. Conforme me apro-
fim de acompanhar percursos que não são possíveis de
serem previstos e nascem na emergência da experiência, fundava sobre os temas, percebia os pontos de encontro
a progettazione aparece como aquilo que pode dar vida e de complementaridade que cada teórico produzia so-
a múltiplas experiências. Fortunati (2009) chama atenção bre o outro e, tanto em um quanto em outro, notava que
para “a função do contexto no processo educacional”, o diálogo teórico qualificava a produção deste estudo.
em que adultos e crianças, em um determinado espaço,
em uma determinada cultura, promovem oportunidades Loris Malaguzzi
educativas.
Esse conjunto, observação, registro e progettazione, Começo contando sobre Malaguzzi, que, na região de
compõe a abordagem da documentação pedagógica e me Emilia Romagna, na Itália, difunde uma ideia revolucio-
instrumentalizaram a construir metodologicamente este nária sobre as crianças e sobre Pedagogia. Nesta disser-
estudo, conforme será apresentado no próximo capítulo. tação, utilizo, especialmente, o que o pedagogo italiano
fala sobre a abordagem da documentação pedagógica
Três autores para compor a interlocução teórica e a reflexão que devemos ter a respeito da imagem da
criança.
A partir do delineamento que fui construindo, inicia- Malaguzzi (1999) ensinou ao mundo que, para cons-
do pelo desejo de pesquisar a experiência educativa em truir uma Pedagogia para a Pequena Infância, deve-se
contextos de vida coletiva e, sobretudo, de ter como pano estar consciente de “que as coisas relativas às crianças
de fundo a Pedagogia como campo de conhecimento, os e para as crianças somente são aprendidas através das
autores dos quais fui me aproximando compuseram este próprias crianças”. Nunca se preocupou em dogmatizar
campo problemático que resulta em perguntas-guias os princípios pedagógicos que acreditava, pelo contrário,
para o desenvolvimento dessa pesquisa. sua obra é como um quebra-cabeça, na qual os auto-
Para o trabalho que fui construindo, esses autores as- res que o pedagogo estudava eram como peças que ele
sumem uma interlocução teórica com a concretude da “encaixava e desencaixava [...] em diversas composições
pesquisa. Não os tenho como verdade, tenho-os como que ajustava e desajustava com relações e combinações
parceiros de diálogos para elucidar e tornar visível aspec-
inesperadas”.
tos gerados no cotidiano de crianças e adultos na creche.
Durante o facismo não dispúnhamos de autores es- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
A interlocução é no sentido de poder, à luz do argumen-
trangeiros... Depois viemos a conhecer Dewey, Washbur-
to dos autores, compreender e conhecer um pouco mais
sobre o universo das crianças pequenas. ne, Dalton, Kilpatrick e Perice, dos como modelo; ainda
Sumariamente, poderia dizer que o movimento pra hoje mantemos uma atitude crítica em relação a ela... a
chegar nesses autores – Loris Malaguzzi, Emmi Pikler e abordagem dela é confortante, porém simplista... pode
Jerome Bruner – que, aqui, irei chamar de interlocutores ser perigoso... Depois, Makarenko e Vygostsky, que ain-
teóricos, foi: da são muito importante pra nós... Piaget e os neopia-
(i) escolher autores que têm como pano de fundo do getianos... A psicologia social, tanto americana como
seu trabalho a crença na criança ativa e capaz, incidin- europeia, Erikson... Depois David Hawkins, que é muito
do, assim, diretamente nos estudos da Pedagogia como importante... e, naturalmente, a psicanálise, embora dela
campo de conhecimento. mantenhamos uma certa distância, com Freud, Jung, Me-
(ii) Esses autores terem como ponto de partida a ex- lanie Klein...Ultimamente, a teoria da complexidade, com
periência educativa concreta como mote para o apro- Morin... Maturana e Varela, dois pesquisadores chilenos
fundamento teórico – Loris, nas diversas experiências na que se especializaram em Biologia na Universidade de
Itália (Reggio Emilia e Modena), e Pikler, com o Instituto Harward... Depois Bronfebrenner, Bruner, sobretunro o
Lóczy (Budapeste). Também Bruner se voltou para ir a último Bruner que está resgatando uma solidariedade
campo nos estudos com crianças em contextos de vida mais explícita nos recursos das crianças...que fala em si-
real, o que sem dúvidas, potencializa seu trabalho. nergia entre o lado direito e o lado esquerdo do cérebro.

33
Além da presença dos distintos nomes de pedago- Naquela ocasião, Malaguzzi incentivava “os professo-
gos, psicólogos, filósofos, antropólogos, linguistas, Ma- res a ter um caderno de bolso para escrever as coisas im-
laguzzi também trazia para compor seu quebra-cabeça portantes”: falas das crianças, observações do cotidiano,
artistas, poetas, arquitetos, designers e profissionais de hipóteses que as crianças lançavam sobre os temas de
tantas outras áreas que acreditava serem importantes estudo, enfim, tudo aquilo que pudesse compor como
para auxiliar a pensar sobre a criança. Conforme lembra elementos importantes a serem considerados na cons-
Hoyuelos (2004) “atualizava e metabolizava os autores trução e na atualização dos projetos educativos das es-
em cada momento e fazia com eles uma operação de colas, e o que pudessem agregar na intensa jornada do
cuidado sacrilégio, sabendo que o único sagrado – para adulto para conhecer as crianças.
ele – era o respeito aos direitos das crianças”. Além disso, o pedagogo italiano e os professores das
Nas quase cinco décadas do trabalho de Malaguzzi, escolas se instrumentalizavam com cadernos que chama-
este sistematizou sua crença sobre as crianças e a Pe- vam de “diários” ou de “fatos e reflexões”.
dagogia, através da documentação pedagógica das ex- Se trata de cadernos grandes, pautados ou quadricu-
periências de meninos e meninas nas creches e escolas lados, escritos com certa elegância [...] na primeira pági-
infantis. Malaguzzi explica em uma entrevista dada ao na, se indica o nome da escola e o grupo, os nomes dos
jornalista Peter Ambeck-Madsen que: professores que os acompanham no ano escolar de re-
Há séculos que as crianças esperam ter credibilidade. ferência; na segunda, registra o nome de todas as crian-
Credibilidade nos seus talentos nas suas sensibilidades, ças, suas datas de nascimento e as respectivas datas de
nas suas inteligências criativas, no desejo de entender o ingresso [...].
mundo. É necessário que se entenda que isso que elas A organização dos registros exigida por Malaguzzi
querem é demonstrar aquilo que sabem fazer. A paixão parece se compor como um dos elementos necessários
pelo conhecimento é intrínseca a elas. para que a vida da escola não fosse perdida e nem au-
Através da documentação pedagógica, Malaguzzi tomatizada. Trata-se de um testemunho ético, no qual
tornou visível outra imagem de criança, diferente daque- se declara publicamente a importância da escola infan-
las que até então eram encontradas nos livros de peda- til para as crianças, famílias e para a comunidade, assim
gogia e psicologia. Assim, revelou uma criança capaz, como, visibilizava a valorização do trabalho que profes-
sores e professoras realizavam nos interiores das escolas.
portadora do inédito, “uma declaração contra a traição
No entanto, só se tornaria possível se os professores se
do potencial das crianças, e um alerta de que elas, antes
comprometessem ao hábito do registro diário.
de tudo, precisavam ser levadas a sério”.
Malaguzzi se preocupava pela ausência de uma cul-
Com seu poema, “As cem linguagens”, deu nome a
tura de registrar os percursos das crianças, ficava inco-
uma exposição que girou o mundo, compartilhando do-
modado pela escola não “dar testemunho cultural ou
cumentações sobre as crianças de Reggio Emilia. Seu
pedagógico de sua profissão”. Além disso, acreditava ser
poema, além de reivindicar que as crianças são “feitas
necessário investir em uma mudança do pensamento do
de cem”, alerta sobre o papel da escola e da sociedade.
trabalho dos professores e das escolas:
Ao contrário, as cem existem / A criança / é feita de É mais fácil que um caracol deixe rastros do seu pró-
cem. / A criança tem / cem linguagens / cem mãos / cem prio caminho, de seu trabalho, que uma escola ou uma
pensamentos / cem modos de pensar / de jogar e de fa- professora deixe rastro escrito de seu caminho, do seu
lar /cem sempre cem / modos de escutar / as maravilhas trabalho. [...] Em alguns países ocidentais se considera
de amar / cem alegrias / para cantar e compreender / uma interferência inoportuna ou lesiva aos direitos de al-
cem mundos / para descobrir / cem mundos / para in- guém. Nós fazemos [a documentação] porque nos dá um
ventar / cem mundos / para sonhar. / A criança tem cem conhecimento mais próximo e reflexivo de nosso próprio
linguagens / (e depois cem cem cem) / mas roubaram- trabalho.
-lhe noventa e nove. / A escola e a cultura / lhe separam A partir das anotações que as professoras realiza-
a cabeça do corpo. / Dizem-lhe: / de pensar sem mãos
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

vam, o pedagogo investia tempo, analisando e, em


/ de fazer sem a cabeça / de escutar e de não falar / de seguida, organizando encontros para debater publica-
compreender sem alegrias / de amar e maravilhar-se / mente sobre as anotações feitas. Malaguzzi pedia para
só na Páscoa e no Natal. / Dizem-lhe: que descubra o que as professoras “não se centrassem em uma criança
mundo que já existe / e de cem roubam-lhe noventa e sem levar em conta o contexto em que está desenvol-
nove. / Dizem-lhe: / que o jogo e o trabalho / a realidade vendo suas atuações”
e a fantasia / a ciência e a imaginação / o céu e a terra / Isso me leva a crer que as influências teóricas de Ma-
a razão e o sonho / são coisas que não estão juntas. / E laguzzi, como nesse caso, as de Vygotsky, impulsionavam
lhes dizem / que as cem não existem. / A criança diz: / ao sua argumentação e davam a ele subsídios para fazer da
contrário, as cem existem. escola, do professor e das crianças sujeitos que marcam
Esse tema da documentação pedagógica surge para e são marcados por uma cultura e por uma história. Ma-
Malaguzzi, no final da década de 60, quando assessorava laguzzi sempre se preocupou com uma criança “con-
Reggio Emilia e Modena. creta”, que não seria possível ser encaixada em quadros
Obstinado pela ideia de tornar público o trabalho predeterminados. Conforme o pedagogo, “é importante
realizado nas escolas infantis, o autor solicitava aos pro- [...] nos esforçarmos para encontrar as expressões certas
fessores que incorporassem em sua prática o hábito da para não encerrarmos as possibilidades da infância. [...] A
escrita, e que a partir desta, refletissem sobre o trabalho criança sempre é um sujeito desconhecido e em continua
pedagógico. troca”.

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Nesse sentido, é por isso que, ao ler e acompanhar Esse fato tem uma importância muito grande não só
as anotações que eram feitas pelas professoras sobre as para a forma como foi entendida a documentação pe-
crianças, Malaguzzi chamava atenção do exercício de ob- dagógica nas escolas infantis italianas, bem como foi a
servação e reflexão que o adulto deveria fazer sobre as maior fonte da produção de Loris Malaguzzi, que deu
crianças, o contexto e o conhecimento. origem às “narrações em imagem da revista Zerosei”,
Desse modo, vieram a adotar uma perspectiva social esta também dirigida pelo pedagogo.
construtora, na qual o conhecimento é visto como par- Como já foi registrado, Malaguzzi (HOYUELOS, 2006)
te de um contexto dentro de um processo de produção ainda subverteu a forma da produção de conhecimento
de significados em encontros contínuos com os outros e e fez da documentação pedagógica a sua maior produ-
com o mundo, e a criança e o educador são compreendi- ção de revisões teóricas aliadas à prática – in vivo. Essa
dos como co-construtores do conhecimento e da cultura. relação entre os livros (a teoria) e a escola (a prática) se
A escrita das experiências das crianças sempre foi um fundia nas produções que Malaguzzi e seus companhei-
aspecto importante na perspectiva malaguzziana. Nar- ros de trabalho registravam e tornavam públicas como
rar é uma forma de produzir conhecimento, assim, “para fonte de debate e de cultura pedagógica.
Malaguzzi, é tão importante observar ou investigar sobre Esse é um elemento importante deste estudo, em que
os processos de conhecimento da criança como, poste- indica a eminência de pararmos para refletir a experiência
riormente, saber narrá-los”. educativa, como a que Malaguzzi fez ao longo dos seus
Através da narrativa é que se constrói sentido à crian- anos de trabalho através da documentação pedagógica,
ça, mas também, ao narrar, os professores “estarão con- criando formas de interromper qualquer possibilidade do
tando suas próprias biografias profissionais e pessoais, pensamento e do conhecimento ficarem parados em dis-
nos confiam suas perspectivas, expectativas e impressões cursos e teorias. Ao contrário, o pedagogo preferiu percor-
acerca do que consideram o papel da escola na socieda- rer caminhos difíceis e de incertezas, o que colocava ele
de contemporânea”. e todos os que com ele compartilhavam daquele projeto
As dimensões narrativas postuladas por Malaguzzi, educativo em um pulsante movimento da vida, do conhe-
já no início do trabalho com as escolas infantis, apon- cimento e da construção de ideias pedagógicas.
tam para um legado importante da Pedagogia, que é, até Malaguzzi teve a seu lado companheiros de trabalho
hoje, construída nos diversos lugares que se inspiram no que, para a construção desta dissertação, serviram como
pensamento desse pedagogo. interlocutores do autor e meus também. Utilizei alguns
Talvez pela sua paixão pelo teatro, as narrativas produ- nomes que trabalharam ou estudam o pedagogo italiano,
zidas pelo autor são histórias que nos levam a conhecer como é o caso de Alfredo Hoyuelos, que, além de ter tra-
um universo profundo do conhecimento e das crianças balhado junto a Malguzzi, escreveu sua tese sobre a vida e
ou de como as crianças aprendem e se relacionam com obra de Malaguzzi e Carla Rinaldi, companheira de traba-
o mundo. A poesia das palavras de Malaguzzi não perde lho de Malaguzzi em Reggio Emilia e atual consultora da
força no rigor e no protesto ao respeito pelas crianças, Reggio Childrem. Além desses dois nomes, outros autores
também, não se distancia da dimensão prática do coti- e estudiosos do tema foram utilizados para compreender a
diano da escola, nem da mais alta teoria já produzida. abordagem da documentação pedagógica.
Ao contrário, com bonitas narrativas, o pedagogo Conforme Faria (2007), “concomitante à Reggio Emilia,
consegue reivindicar uma escola de qualidade, torna visí- outra cidade da mesma região da Emilia Romagna, sua ca-
pital Bologna, também nos pós-guerra reorganizava a edu-
vel as belezas que emergem no “mundo da vida cotidia-
cação infantil inspirada na experiência húngara de Lóczy”.
na” e protesta por condições melhores para os meninos,
as meninas e os adultos que compartilham daquele lugar.
Emmi Pikler
Se, até aquele momento, a escrita era a principal fer-
ramenta para documentar pedagogicamente a vida da
A experiência de Lóczy, que inspirou e inspira até hoje
escola, mais adiante, na década de 70, com a abertura
instituições interessadas na educação e cuidado de crian- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
da emblemática Escola Diana, Malaguzzi desafia a ate- ças pequenas, iniciou com os estudos de Emmi Pikler, que,
lierista Vea Vecchi a construir painéis de documentação, hoje, recebe o nome Instituto Pikler, mas ainda é muito co-
explorando uma nova narrativa “que graças a profissio- nhecido como Lóczy, nome da rua onde fica situado, em
nalidade de Vea, torna-se uma documentação de quali- Budapeste, na Hungria.
dade visual”. Convém dizer que Lóczy é um orfanato que abriga
Em outras palavras, a partir disso, as educadoras des- crianças – do recém-nascido até, aproximadamente, o
cobrem a máquina fotográfica e, com ela, “uma forma de terceiro ano de vida – tanto em caráter temporário como
testemunhar e contar acontecimentos extraordinários”. aquelas que os pais perderam a guarda.
Também com apoio de Vea, nasce a exposição “Il piccio- Formada em medicina e licenciada em pediatria em
ne”, sendo a primeira vez que utilizam a fotografia como Viena na década de vinte, Pikler postulou conceitos im-
uma linguagem comunicativa. portantes sobre o desenvolvimento motor de bebês, mas,
Vea Vecchi, com sua sensibilidade e capacidade ar- associando-os a aspectos sociais, afetivos e cognitivos,
tística, consegue convencer Malaguzzi que, através da anunciados desde aquela época, ainda que se desconhe-
imagem, é possível narrar as histórias das crianças e dos cesse sobre o termo “psicossomático”. Assim, “no modo de
adultos. Em seguida, o pedagogo italiano “começa a pensar e agir de Emmi Pikler, integravam-se indissociada e
perceber que esses elementos podem ser usados para naturalmente desde o primeiro momento, a saúde somá-
comunicar qualquer coisa a alguém que não esteja pre- tica e psíquica, a noção de interação do indivíduo com o
sente diretamente ao realizar a experiência”. seu meio”.

35
As grandes inspirações de Pikler parecem ser seus livres que as crianças aprendem sobre a autonomia. Falk
dois professores Salzer e Pirquet e seu esposo, um peda- (2011), utilizando as palavras de Pikler irá dizer que “a
gogo progressista. Durante o período que trabalhou na criança que consegue algo por sua própria iniciativa e
clínica Pirquet, aprendeu uma das principais regras pos- por seus próprios meios adquire uma classe de conhe-
tuladas pelo seu professor, “que proibia terminantemen- cimentos superior àquela que recebe a solução pronta”
te dar a um bebê doente uma colherada a mais do que (p. 27).
ele aceitasse voluntariamente”. Pikler foi convidada para assumir Lóczy e, desse tra-
Encontro os resquícios dessa ideia em toda a obra de balho, resultaram quatro grandes princípios:
Emmi Pikler ou de estudiosos da autora. Um dos temas - a valoração positiva da atividade autônoma da
desenvolvidos por ela é sobre as “atividades de atenção criança, baseada em suas próprias iniciativas;
pessoal”, que se referia aos momentos de alimentação, - o valor das relações pessoais estáveis da criança –
higiene e sono. Nesses momentos, Pikler defendia a ideia e dentre estas, o valor de sua relação com uma pessoa
de que uma única pessoa deveria atender a um deter- em especial – e da forma e do conteúdo especial dessa
minado grupo de crianças, individualmente, para que relação;
as crianças soubessem a quem recorrer, caso sentissem - uma aspiração ao fato de que cada criança, tendo
necessidade. Destacava ainda que, nesses momentos, uma imagem positiva de si mesmo, e segundo seu grau
os adultos não poderiam ter pressa para terminar as de desenvolvimento, aprende a conhecer sua situação,
atividades de atenção pessoal com a criança. Deveriam seu entorno social e material, os acontecimentos que a
estar atentos, bem como respeitar o ritmo e a iniciati- afetam, o presente e o futuro próximo ou distante;
va das crianças para colaborar com a atividade. Citado - o encorajamento e a manutenção da saúde física da
pela pediatra em sua monografia, na qual estudou sobre criança, fato que não só é a base dos princípios prece-
o desenvolvimento motor, Pikler chama atenção ao pri- dentes como também é um resultado da aplicação ade-
meiro mandamento que Salzer lhe ensinara, que dizia a quada desses princípios.
um bebê ou uma criança pequena se havia de examinar Emmi Pikler teve grandes companheiras no seu tra-
ou aplicar mesmo o tratamento mais desagradável, sem balho em Lóczy, Judit Falk e Maria Vincze, e, hoje, sua
fazê-la chorar e tocando-a com gestos delicados, com
filha Anna Tardos continua o trabalho no orfanato Lóczy,
compaixão, considerando que nas mãos se tinha uma
além de palestras e conferências que ministra sobre o
criança com vida, sensível e receptiva.
“modelo Lóczy”. Geneviéve Appell e Myriam David são
Essas ideias atravessam a obra de Pikler e são pro-
duas francesas que conheceram e estudaram a obra de
pulsoras para a pediatra se interessar pela liberdade de
Pikler, escrevendo um dos livros mais indicados sobre o
movimentos das crianças, já que ela acreditava que: A
panorama deste trabalho “Lóczy, uma insólita atención
criança que pode mover-se em liberdade e sem restri-
personal”, no qual a própria Emmi Pikler, ao escrever o
ções é mais prudente, já que aprendeu a melhor manei-
prólogo do livro, revela a surpresa do resultado:
ra de cair; enquanto a criança superprotegida e que se
move com limitações tem mais riscos de acidente porque A apresentação sobre o que acontece em nosso cen-
lhe faltam experiências e desconhece suas próprias capa- tro contribui para elaborar uma síntese de nosso traba-
cidades e seus limites. lho que ainda não tinha sido levado a cabo, sobretudo,
Emmi Pikler, para confirmar sua ideia de que o bebê porque consistente em um tratado crítico e objetivo,
não tem necessidade de intervenção direta do adulto, realizado por especialistas que são capazes de perceber
muito menos, de suas instruções ou exercício propostos ao mesmo tempo o conjunto e os detalhes [...].
para adotar ou abandonar diferentes posições, nem mes-
mo, para se sentar ou caminhar, ao nascer seu primeiro Jerome Bruner
filho, ela e seu esposo, na crença de uma criança ativa,
decidem não fazer nenhum tipo de aceleração ao desen- Psicólogo e professor universitário, estudou em
Harvard (EUA) com importantes influências, podendo
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

volvimento dele, e, sim, assegurar todas as possibilidades


para que o bebê tivesse iniciativas de movimentos livres destacar as de Jean Piaget, John Dewey, William James,
e espontâneos. McDougall e mais tardiamente, Lev Vygotsky. Bruner
Em suma, a referida autora tinha uma ideia revolu- passa dos estudos em laboratório (in vitro) para os es-
cionária de que bebês – ainda que recém-nascidos – são tudos em situações naturais (in vivo), mas, em ambos
indivíduos competentes e capazes de perceber os devi- os casos, sempre procurou articular-se com diversos
dos ajustes que precisam para estar nas posições mais campos do conhecimento (desde a matemática, ciência
adequadas, equilibrados e confortáveis, e, especialmen- computacional, economia até as áreas das artes, linguís-
te, devem ser tratados com respeito. tica e antropologia). Notoriamente, seu profundo inte-
Com o resultado positivo alcançado com seu filho, resse esteve na educação das crianças, especialmente,
ela começou a atender em pediatria familiar, seguindo os a dos bebês.
mesmos princípios e, durante dez anos, com cem crian- Devido as suas influências de campos científicos e
ças e seus familiares, Pikler os acompanhou e orientou, a conceituais serem tão distintas, Bruner evidencia a ne-
fim de criar “entornos positivos” para os filhos, em troca cessidade de uma compreensão biológica e cultural no
de qualquer tipo de intervenção direta. desenvolvimento do ser humano e um dos grandes te-
Além da atividade pessoal, Pikler valorizava as ati- mas localizados na sua produção está o “saber-fazer na
vidades livres, aspecto principal que foi utilizado nesta infância”, tópico que abordo na última história narrada
dissertação, pois, segundo ela, é através das atividades desta dissertação.

36
Bruner vai discutir sobre importantes conceitos para teúdo, ao sentido, a expressão, a palavra, a música, aos
a Educação, tais como o pensamento, a linguagem e a gestos, a relação, ao impacto, as lembranças que alguém
narratividade. Sobre o primeiro, o autor o compreende possa ter guardado... tudo isso existe se existe da mesma
como a principal característica do ser humano, sendo en- forma a possibilidade de uma experiência fresca e nova.
tendido como a atividade de categorizar, inferir e resolver Sem dúvidas, não é possível nenhuma experiência fresca
problemas. Sobre o tema da linguagem, Bruner se atenta e nova se não existe previamente um espaço desnudo,
especialmente à forma como os bebês adquirem o uso virgem para recebê-la.
da linguagem e a narratividade, como aquilo que dá sen- Nesse sentido, o espaço vazio é aquele espaço pos-
tido ao mundo. sível de ser inaugurado o novo, da experiência ser inicia-
Segundo Kishimoto (2007) uma das grandes contri- da, de viver o inesperado, travado pela possibilidade do
buições para a educação infantil encontra-se nos estudos encontro. O espaço vazio é a possibilidade da frescura
da última etapa da produção bruneriana. de uma nova descoberta, de uma nova palavra, de uma
Preocupado com as formas especificas do pensamen- nova conquista.
to infantil, Actual mind, possible worlds propõem a nar- Na verdade, do meu ponto de vista, o interesse de
rativa para dar sentido ao mundo e à experiência. Balmes é poder observar os bebês a partir de sua própria
Foi a partir desse pensamento que Malaguzzi se inte- vontade, de saber o que fazem quando existe espaço (fí-
ressa por Bruner, e faz desse autor um dos importantes sico e simbólico) para atuar. Talvez por isso que, durante
nomes para seu trabalho em Reggio Emilia. Bruner tam- pouco mais de setenta minutos de filme, este provoque
bém se interessa pelo trabalho do pedagogo italiano e, tamanha estranheza em observar bebês fazendo muito
desde então, torna-se um grande amigo que acompanha com tão pouca intervenção direta do adulto.
e escreve sobre o trabalho realizado naquele lugar. Outra inspiração foi o livro “Baby-Art”, de Anna Marrie
A ideia de linguagem proposta por Malaguzzi está Holm, que compartilha os registros de bebês e crianças
diretamente associada ao pensamento de Bruner, que muito pequenas, experimentando materiais plásticos. As
coloca a narrativa produzida nas brincadeiras, nas histó- imagens que narram os movimentos das crianças, bem
rias, na expressão plástica e gestual, nas interações entre como a composição do livro apresentam uma obra con-
adulto e criança, como formas de integração das diversas vidativa e sensível, que se intensificou na oportunidade
linguagens. Segundo a análise de Kishimoto (2007) so- que a conheci pessoalmente e que acessei outros traba-
bre a obra de Bruner, esses jogos onde são produzidas lhos, compreendendo “como” desenvolve as atividades
as narrativas “contribuem, na imaturidade humana, para com os bebês.
o uso sistemático da linguagem, auxiliando a explorar
Da obra de Holm (2007), acredito que seja produti-
como fazer coisas com as palavras”.
vo pensar que aquilo que propomos às crianças é algo
O tema da linguagem é um dos aspectos que me
que precisa ser refletido com muita seriedade, pois as
ocupo em uma das histórias narradas, utilizando os argu-
crianças são capazes de fazer muito, quando são dadas
mentos brunerianos para levar a cabo, pois o autor tem
as condições adequadas, e também porque os materiais
contribuído, significativamente, sobre a forma que as
e espaços oportunizados a elas não devem ser maior que
crianças se comunicam com o mundo, expressando seus
a oportunidade delas criarem algo, ou seja, é necessário
saberes. Nesse mesmo sentido, também é do seu inte-
que existam chances das crianças modificarem, interferi-
resse pesquisar como as crianças constroem seus sabe-
res e, a partir disso, elabora uma importante contribuição rem e aturem sobre os materiais e espaços.
sobre a aprendizagem desses indivíduos, que considera Essa ideia se soma às palavras que Albano (2007) es-
a descoberta como chave do processo educativo e que creve no prefácio do livro de Holm, destacando a mu-
depende da própria criança e da forma que o adulto cria dança do ponto de vista da artista sobre as ações das
as condições para tal. crianças: o olhar de Anna Marie está voltado para as ati-
vidades que as crianças desenvolvem fora do foco de sua
Perguntas guias para o estudo proposta inicial. Sua atenção está centrada na ação das CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
crianças: para onde olham, como olham, qual é o tempo
As intenções desta pesquisa e, principalmente, as per- de seu olhar, como exploram os materiais, como intera-
guntas-guias para o desenvolvimento deste estudo nas- gem entre elas e com os adultos.
cem de inspirações diversas. O documentário “Babies” A provocação que encontro nessas palavras é mui-
(2010), do diretor Thomas Balmes, foi uma delas. Esse fil- to grande ao deslocá-las para o campo da Pedagogia,
me acompanha, do nascimento até os primeiros passos, principalmente no contexto em que opto pesquisar. O
o cotidiano de quatro bebês de diferentes lugares, tendo interesse do olhar de Holm, expresso intensamente atra-
como eixo central, o que o próprio diretor definiu como vés das fotos, são frutos do que ela procura, tanto para
o interesse de captar os chamados “espaços vazios”, mo- construir o seu trabalho com os bebês como aquilo que
mentos em que, aparentemente, nada acontece, mas que ela elege para compartilhar, isto é, para tornar público o
possuem a síntese e a beleza da vida. que os bebês fazem.
Para falar do espaço vazio, Cabanellas e Eslava (2007) Nesse sentido, fui encontrando pistas para construir
citam Peter Brook, que registra: Para que possa suceder perguntas guias no contexto concreto que opto em pes-
qualquer coisa com qualidade, é preciso criar a princí- quisar, ou seja, uma escola no interior do estado, com
pio um ‘espaço vazio’. Este espaço permite ganhar vida um determinado grupo de bebês, uma professora e sua
a cada novo fenômeno. Se observarmos bem todos os auxiliar, e com todas as marcas que constituem aquele
campos de um espetáculo, tudo o que concerne ao con- lugar e aquelas pessoas. Além disso, fui profundamen-

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te motivado pelo campo de conhecimento, bem como Nesse sentido, em meu locus de pesquisa, conside-
pelos autores que compõem o quadro teórico que me rei como ações dos bebês aquelas que, sozinhos, com
aproximei ao longo da pesquisa e que foram apresenta- os outros, com materiais ou nos próprios espaços, indi-
dos anteriormente. cavam o começo de algo provocado por sua intenção.
Tudo isso constituiu o meu desejo de olhar para os Convém dizer que o destaque que Szanto-Feder e Tar-
bebês nos seus espaços vazios, procurando dentro da dos, registram sobre o trabalho realizado em Loczy cabe
escola, enquanto contextos de vida coletiva, momentos perfeitamente como um alerta no meu estudo: “não se
em que o adulto não estivesse intervindo diretamente trata de medir o que a criança é capaz de fazer em deter-
para saber quais ações dos bebês emergem. Para tanto, minadas circunstâncias, mas de observar os momentos
tive como hipótese que é a partir disso que decorrem as habituais de sua vida, de olhar a criança que está espon-
pistas sobre a prática pedagógica em berçários. taneamente em atividade”.
No princípio, não sabia ao certo como nomear o que Por experiência, utilizo o conceito postulado por De-
de fato buscava observar. Sabia que o meu desejo estava wey, pois, para ele, “uma experiência é sempre o que é
localizado na atuação dos bebês, naquilo que pudessem por causa de uma transação acontecendo entre um in-
fazer sem que o adulto dissesse “faça assim”, arrisquei, divíduo e o que, no momento, constitui seu ambiente”.
em meu projeto-inventário, chamar de “ações”. Nesse sentido, a filosofia da experiência de Dewey
Após a qualificação, percorri por algumas bibliogra- traz consigo a dimensão de interação. A interação, para o
fias que se ocupam do tema, dos mais distintos campos autor, forma o que ele chamaria de situação. “Situação e
do conhecimento, para saber o que os autores enten- modos de interação são inseparáveis.
diam e definiam como “ação”. Passei pela psicologia de A afirmação de que os indivíduos vivem em um mun-
Piaget, sobretudo, na abordagem High/Scope, pois esta do significa, concretamente, que eles vivem em uma
é baseada nos estudos do autor. Depois, para a sociolo- série de situações”. A partir dessa ideia, os modos que
gia de Lahire (2001), para o teatro de Stanislavski e, por vivemos, as situações que enfrentamos, a nossa troca
fim, para os dicionários etimológicos. O termo “ação” to- aberta com tudo isso faz com que as experiências vividas
mou maior importância quando li a filosofia de Arendt. provoquem transformações no ambiente e, também, no
Agir, no sentido mais geral do termo, significa tomar próprio homem, uma vez que a experiência é contínua.
O homem está no mundo e em interação constante-
iniciativa, iniciar (como o indica a palavra grega archein,
mente, assim, nesta tensão com o meio e o meio com ele,
‘começar’, ‘ser o primeiro’ e, em alguns casos, ‘governar’),
as emoções, as intenções e os desejos vão modificando-
imprimir movimento a alguma coisa (que é o significa-
-se e transformando tanto quem sofre como quem pro-
do original do termo latino agere). Por constituírem um
voca a experiência. Sendo assim, “quando dizemos que
initium¸ por serem recém-chegados e iniciadores em vir-
eles vivem em uma série de situações, [...] isso significa,
tude do fato de terem nascido, os homens tomam inicia-
mais uma vez, que está ocorrendo interação entre um
tivas, são impelidos a agir. [...] Trata-se de um início que
indivíduo, objetos e outras pessoas”.
difere do início do mundo, não é o início de uma coisa,
Ao situar o homem no contexto da interação que, em
mas de alguém que é, ele próprio, um iniciador. Dewey, diz respeito à tensão entre o organismo e am-
A partir disso, apoio-me aqui no que Bárcena e Mèli- biente, o autor afirma a relação entre a esfera biológica e
ch (1997) expõem sobre a obra de Arendt, ao referirem- a natureza essencialmente cultural do ser humano, tendo
-se que, para a autora, “toda ação envolve iniciar algo em vista que “[...] toda experiência humana é fundamen-
novo que não estava previsto”. Portanto, neste estudo, talmente social, ou seja, envolve contato e comunicação”.
pretendo saber “quais ações dos bebês de até 14 me- De acordo com o autor,
ses emergem das experiências com o mundo em con- A palavra interação [...] atribui direitos iguais a ambos
textos de vida coletiva?”. Nesse sentido, cabe ressaltar os fatores da experiência – condições objetivas e condi-
que compreendo o termo ação a partir da sua etimo- ções internas. Qualquer experiência normal é um inter-
logia, especialmente, da forma como Arendt (2007) o
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

câmbio entre esses dois grupos de condições.


explicita, destacando a premissa que agir supõe “tomar Nesta ruptura entre o dualismo que tencionará o que
iniciativa”, na possibilidade de compreender o bebê é cultural e o que é biológico, Dewey traz a complemen-
como um “iniciador”. taridade desses dois fatores, retirando o “ou”, que indica
Essa ideia se assemelha com as premissas malagu- alternância, e acrescentando o “e”, que expressa adição.
zzianas sobre a imagem da criança, colocando-a como Portanto, para a experiência, em Dewey, é preciso levar
portadora do inédito e que, por isso, o “conhecer emerge em consideração o fator interação (sujeito e ambiente/
da própria atuação no mundo”. Dessa forma, concordo ambiente e sujeito).
com Bárcena e Mèlich quando dizem que “a ação, pelo Este é o sentido novo que Dewey atribui à palavra
seu caráter revelador da própria identidade, é como uma experiência, até então estigmatizada pela tradição filo-
janela mental que nos abre ao mundo e aos outros”. Em sófica. O ser biológico, com seus caracteres herdados, é
outras palavras, o que esses autores me provocam a pen- moldado pelo meio social, tendo que se acomodar a ele;
sar sobre a ação da criança é que, através dela, a criança, tal acomodação, no entanto, nunca é passiva, pois o ho-
justamente pela sua condição de recém-chegado, está mem não recebe as configurações de sua cultura como
aberta a atuar no mundo de um modo interessado e in- um molde que se impõe sobre ele, mas vai modificando,
teiro, para descobrir sobre si mesma, sobre os outros e adequando, pouco a pouco, na medida de suas necessi-
sobre o próprio mundo, e que isso só é possível pelo fato dades, as injunções que pensam sobre ele. Em suma, o
da criança estar em ação no mundo. que define o homem e estabelece o conhecimento for-

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malizado é a experiência, entendida como processo de Por fim, trago uma passagem que Cabanellas et al.
interação entre o organismo individual e o meio social (2007) faz ao justificar a natureza de um estudo com be-
e cultural, do qual o homem é parte integrante. A partir bês, e que, nesta investigação, fecundam o desejo a um
dessa ideia de Dewey, a qual situa a interação como algo nível também de conclusão:
fundante da experiência, interrompe o dualismo cultura e Não se trata de um diálogo para descrever a realida-
biologia e acentua a vitalidade e a dimensão social, com- de, mas sim, de dar à luz, iluminar a complexidade natural
preendo, nesse estudo, as experiências dos bebês como das atuações infantis para que o olhar do adulto mude,
modos de interação com o mundo. Mundo entendido para encontrar novas vias de abordagens didáticas, mais
nas palavras de Mèlich (1996) como: o mundo da vida é viáveis, mais respeitosas e mais ricas; para romper os li-
o horizonte das certezas espontâneas, o mundo intuitivo, mites que separam a cultura da infância da cultura do
não problemático, o mundo no qual se vive não que se adulto.
pensa em que se vive. [...] Neste sentido, o mundo da O esforço desse estudo, assim como a sugestão feita
vida é subjetivo, é meu mundo, tal qual eu mesmo, em pela referida autora, revela as ações que muitos bebês,
interação com os demais, o sinto; não é, sem dúvidas, um nos cotidianos das escolas, produzem. Por isso, o intento
mundo privado ou particular, mas ao contrário: é inter- é sublinhar a importância de tornar essas ações visíveis,
subjetivo, público, comum. significando-as por meio de argumentos teóricos. Aqui,
Por meio desses conceitos, importa aqui sublinhar acredito residir o primor da pesquisa.
que, de diferentes formas, este estudo quer manifestar
o desejo de refletir, no campo das Pedagogias para a 2. Caminhos metodológicos
Pequena Infância, a necessidade e a relevância de pen-
sarmos em meios de produzir estudos sobre bebês não Conforme minha pesquisa foi sendo construída, ao
mais com a finalidade da verificação. Ao contrário, esse longo dos dois anos de mestrado, inicialmente, em um
estudo deve assumir que precisamos conhecê-los mais, nível de projeto-inventário, fui listando “achados” que
descobrir o que os bebês, em seus contextos, produzem, teceriam esta complexa trama que escolhi me aventurar
fazem, manifestam, dada as suas naturezas iniciadoras, para pesquisar: visibilizar ações dos bebês que emergem
do novo, que começam algo, que chegam ao mundo. das suas experiências em contextos de vida coletiva.
Falar da criança é falar do desconhecido, pois, como Dentre esses achados, fui deparando-me com a necessi-
diz Malaguzzi (1986), uma questão me parece importan- dade de fazer escolhas que pudessem dar a consistência
te; é necessário que tomemos consciência de que hoje, teórica necessária para a feitura de uma dissertação, as-
falar da criança ou falar da infância é algo cada vez mais sim como, especialmente naquele momento, de encon-
difícil e cada vez mais complexo. Sabem tão bem como
trar e definir quais seriam os caminhos metodológicos a
eu, quão rapidamente está mudando o mundo; se diz
serem utilizados para levar a cabo essa pesquisa.
que cada cinco anos se produzem mudanças qualitati-
Em meio a leituras, disciplinas que vinha cursando e
vamente muito fortes. Existem mudanças na sociedade,
orientações feitas, o tema “metodologia” era o que me
mudanças de tipo antropológico, do tipo cultural, mu-
causava maior preocupação e medo, talvez pela inex-
danças que também afetam aos adultos que trabalham
periência que tenho nesse assunto, talvez porque vinha
com as crianças. E aqui está a razão de que falar da crian-
tomando consciência do quão importante é a escolha
ça hoje, significa afrontar um tema sobre o que é implica
dos instrumentos que elegemos para dar vida ao pen-
refletir com muita força e também com muito empenho.
Com base nesse conceito e no caminho metodológi- samento científico, e, talvez ainda, por não encontrar,
co utilizado, encontro indicações de como compartilhar na Pedagogia, metodologias para utilizar no campo de
as análises desse estudo, que se estruturam em tornar pesquisa com bebês. A ausência de metodologias na pe-
visível a imagem da criança através de narrativas que evi- dagogia me deixava incômodo, uma vez que, desde o
denciam suas ações. Estas que emergem das experiências princípio, elegi-a como campo de conhecimento dessa
nos contextos de vida coletiva, sobretudo, daquelas em dissertação. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

que a intervenção direta do adulto é mínima. Ações mui- Nesse contexto, um texto disponibilizado na discipli-
tas vezes despercebidas de valor educativo, mas repletas na de Introdução à Metodologia de Pesquisa em Ciên-
de conteúdos. Valendo-me do que diz Hoyuelos (2006), cias Sociais e Educação, ministrada pela professora Car-
estas “são histórias subjetivas de alguns indivíduos da es- mem Craidy, autorizou-me a ensaiar um “rapto”. O texto
pécie humana que se faz uma história universal da infân- se chamava “Método de Pesquisa em Ciências Sociais”,
cia, porém de uma infância “testemunhada” que se pode de autoria de Howard Becker; e o rapto, a abordagem
ver, que não é anônima”. italiana da documentação pedagógica.
Portanto, a partir da pergunta guia anunciada sobre Becker (1997), ao tratar sobre o tema das metodolo-
quais as ações dos bebês que emergem das experiências gias de pesquisa, chamará atenção para um modo mais
com o mundo em contextos de vida coletiva, eu também “artífice” de construção metodológica, o qual, nas pala-
interrogo: vras do próprio autor, é: um modelo artesanal de ciência,
– Como visibilizar a imagem de criança, especialmen- no qual cada trabalhador produz as teorias e os métodos
te a dos bebês, a partir das ações registradas? necessários para o trabalho que está sendo feito. [...] Em
– Como as ações dos bebês problematizam a ação vez de tentar colocar suas observações sobre o mundo
docente? numa camisa de força de ideias desenvolvidas em outro
– Nesta relação, como são constituídas as Pedagogias lugar, há muitos anos atrás, para explicar fenômenos pe-
para a Pequena Infância? culiares a este tempo a este lugar.

39
Ou seja, acredito que a proposta de Becker (1997) se Entretanto, foi a viagem que fiz que substanciou esse
inclina no sentido de problematizar o acoplamento de desafio que escolhi fazer. Tal oportunidade ocorreu em
metodologias consagradas em pesquisas, visto que o virtude da Missão Científica de Curta Duração, em que
campo de conhecimento no qual realizamos nossas pes- fui selecionado para participar de documentações peda-
quisas está situado em um âmbito que exige um des- gógicas nas escolas infantis de Pamplona junto com o
prendimento maior aos movimentos do próprio campo. professor Alfredo Hoyuelos. Nesta ocasião, também tive
Dessa forma, convoca o pesquisador para a construção o privilégio de conversar a respeito do assunto com Isa-
de sua caixa de ferramentas, elegendo o que irá colocar bel Cabanellas.
dentro dela, tomando consciência do que é necessário. Dessa maneira, fui encontrando, na abordagem da
Ademais, a construção da metodologia de pesquisa, documentação pedagógica, perspectivas para atender
em especial no campo da educação de crianças peque- os anseios e desejos dessa pesquisa. Nesse caso, por via
nas, que tem uma histórica relação com pesquisas de la- de três movimentos coincidentes. O primeiro é pelo fato
boratório e fora de contextos de vida, no meu ponto de da abordagem da documentação pedagógica se preo-
vista, encaixa-se no que Fonseca (1998) registra, uma vez cupar, como postura política, em tornar visível a imagem
que “[...] estamos também adentrando em uma zona mal da criança, não simplesmente para mudar a retórica, mas
definida, mapeando maneiras de ver e pensar o mundo para criar uma espécie de outra cultura sobre o que a hu-
que não são nem homogêneas, nem estanques”. manidade fala a respeito das crianças e, com isso, porque
Por isso, Becker (1997) faz um alerta para o pesqui- não reelaborar as questões científicas a respeito.
sador de que “não somente pode como deve improvisar O segundo movimento é por reconhecer não somen-
as soluções que funcionam onde ele está e resolve os te a criança como capaz, mas também o adulto. Embo-
problemas que ele quer resolver”. Consequentemente, ra minha questão central esteja voltada para investigar
na busca de soluções para o meu campo, fui incitado a sobre as ações das crianças, os adultos são parceiros e
raptar a abordagem da documentação pedagógica e tra- estão não só ao fundo do que quero investigar, como
zê-la para a pesquisa, a fim de que esta fosse utilizada também são eles que podem, ou não, criar as condições
como metodologia, pois “a documentação para Mala- para a emergência das experiências dos bebês.
guzzi é, ao mesmo tempo, a estratégia ética para dar voz Por isso que contemplo, na organização da metodolo-
para as crianças, para a infância e para devolver uma ima- gia, um momento que chamei de “contrastes”, para trazer
gem pública para a cidade”. Além disso, é “um processo o professor para um espaço-tempo reflexivo. Além disso,
cooperativo que ajuda os professores a escutar e obser- este momento visava compartilhar aspectos e pontos de
var as crianças com que trabalham, possibilitando, assim, vistas, como também gerar ações-reflexões-transforma-
a construção de experiências significativas com elas”. ções no seu fazer, através de perguntas que o próprio
Durante o período que me aproximava das leituras professor, em diálogo com o pesquisador, pudesse iden-
sobre metodologia, também participava de uma disci- tificar. Isto com o propósito de gerar um modo de inves-
plina de leituras dos livros de Alfredo Hoyuelos sobre a tigação com a qual, em cada encontro, as perguntas que
obra de Loris Malaguzzi, ofertada pela minha orientado- nascem são como guias para orientar a minha pesquisa,
ra. Em virtude disso, fui percebendo o quão produtiva e bem como a prática da professora, não como formas de
ampla poderia ser a abordagem educacional desse autor verificação de resultados.
e, por isso, debrucei-me sobre o tema da documentação O último movimento, o terceiro, é pela especificidade
pedagógica. de interesse, em outras palavras, as perguntas que se faz
Em especial, houve dois livros que me instigaram a para conduzir um processo documental são sempre em
pensar na abordagem da documentação pedagógica relação às crianças, ao professor e à Pedagogia. Ao con-
como uma metodologia de pesquisa. O primeiro foi o siderar que sempre, ao nos questionarmos sobre um dos
livro de Alfredo Hoyuelos (2006), “La estética en el pen- aspectos, estamos, ao mesmo tempo, colocando pergun-
samiento y obra pedagógica de Loris Malaguzzi”, no qual tas sobre os demais.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

o autor traz esse tema como um dos princípios funda- Esses movimentos que apresento nascem de um
mentais da educação e do conhecimento em Malaguzzi longo processo de “escovar palavra”, que realizei por
e o segundo, “Ritmos infantiles”, organizado por Isabel meio das discussões que os autores já indicados fazem
Cabanellas (2007), que trata de uma experiência de pes- a respeito do tema e, como consequência disso, tendo
quisa sobre as matizes dos tempos infantis. como ponto de partida esses três movimentos, acento as
Após a realização da qualificação, fui a campo, como etapas da pesquisa na tríade que estruturo com base na
em seguida irei relatar, desejoso pela ideia de produzir abordagem da documentação pedagógica: observação –
este estudo com os instrumentos da Pedagogia, visto registro – progettazione.
que o endereçamento deste trabalho também é aos pro- O esquema que apresentarei a seguir retrata clara-
fessores e às professoras de escolas de Educação Infantil. mente o processo que esse estudo percorreu, o qual ha-
Em meu projeto inventário, fiz alguns esboços de via sido anunciado inicialmente para o projeto-inventário
como imaginaria fazer essa “conversão” da abordagem (FOCHI, 2011). Entretanto, esse processo sofreu algumas
da documentação pedagógica para uma metodologia de modificações por meio das leituras e dos ajustes realiza-
pesquisa. No entanto, na medida em que fui realizando dos para ir a campo, chegando ao resultado apresentado
mais leituras e que o próprio campo começou efetiva- no atual painel.
mente a acontecer, percebi que não se tratava de uma
conversão, mas da utilização dos pressupostos da abor-
dagem para a metodologia dessa pesquisa.

40
No entanto, devo chamar atenção para o aspecto da tríade observação – registro – progettazione, uma vez que não
ocorre isoladamente, assim como cada um dos quadros (1 – o campo; 2 – no campo; 3 – do campo). Estes são movi-
mentos contínuos no decorrer da pesquisa, que estão em interação. Em outras palavras, a perspectiva é que o campo
(quadro 1) é um contexto em constantes mudanças, complexo e dinâmico, por isso, sempre requer uma observação.
De tal maneira, o registro no campo (quadro 2) é um importante aliado para acompanhar e provocar essas mudanças,
além de que é entre a observação e o registro que a reflexão ou a progettazione emerge. Portanto, a partir do que é
recolhido do campo (quadro 3), nasce a continuidade da observação e do registro, mas, também, a significação dos CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
dados já recolhidos.
Por último, há o quadro 4, que representa a compilação dos anteriores e a produção do resultado final: a disserta-
ção, promovida por meio da análise e escrita dos dados gerados, confeccionados em espécies de “folhetos”.
Estes foram uma das formas de tornar pública as ações dos bebês, a partir do resultado da tríade “observação –
registro – progettazione” da documentação pedagógica, que agrega a teoria e a perspectiva metodológica adotadas.
Isto produziu, assim, a função da documentação pedagógica: revelar a imagem de criança, adulto e Pedagogia através
de histórias narradas.
Dessa forma, para o entendimento dos caminhos metodológicos traçados por meio da abordagem da documenta-
ção pedagógica, cada etapa acima descrita será desenvolvida nas próximas páginas.

41
as crianças cada vez menores, foi percebendo que seria
necessário estudá-las nos contextos de vida real, pois a
própria artificialização do espaço influenciaria no desen-
volvimento das pesquisas. Nesse sentido, a ideia inicial
da psicologia do desenvolvimento, da criança universal e
da categorização em limites pré-fixados indica estar for-
temente associada à premissa de observar a criança para
saber se ela já atende, ou não, a um determinado marco
estabelecido.
Dessa forma, as instituições, como é o caso da escola,
são “produtoras de resultados das crianças”, cabendo a
finalidade de formar a criança para que alcance os resul-
tados demarcados a priori.
A observação que encontramos na abordagem da
documentação pedagógica de Loris Malaguzzi (1999) é
contrária a essa que acabei de destacar, pois diz respeito
à “tentativa de enxergar e entender o que está aconte-
cendo no trabalho pedagógico e o que a criança é capaz
de fazer sem qualquer estrutura predeterminada de ex-
pectativas e normas”.
Isso não quer dizer, de forma alguma, que a observa-
ção do adulto parta do nada, do vazio. Contrariamente,
a observação parte inicialmente da ideia de que jamais
será possível dar conta do todo, ou seja, que sempre es-
tamos observando um fragmento, uma parte.
Nesse mesmo sentido, sabe-se que a observação não
tem a função de procurar resultados, nem de encontrar
elementos para confirmar o que já está sabido.
Em suma, a observação proposta na abordagem da
documentação pedagógica é uma forma de estar inte-
ressado e curioso para conhecer mais sobre a criança, o
contexto e as formas de como é produzido o conheci-
mento.
Observar o campo para estranhar o familiar Por este motivo que o autor prefere o uso da metá-
fora da escuta, a qual se situa no desejo do inesperado e
A ideia de observação utilizada por Malaguzzi na da surpresa: “se não aprendermos a escutar as crianças,
abordagem da documentação pedagógica precisa ser, será difícil aprender a arte de estar e conversar com elas
antes de qualquer aspecto, anunciada como diferente (de conversar em um sentido físico, formal, ético e sim-
das ideias da compreensão da observação postulada há bólico)”.
anos por cânones da psicologia do desenvolvimento, Nesse sentido, a observação, enquanto escuta, é
pois, como registra Dahlberg, Moss e Pence (2003), neste também uma observação reflexiva, pois consiste em uma
caso, o propósito da observação da criança é avaliar o “maneira ativa de se opor e resistir ao exercício do nexus
desenvolvimento psicológico infantil em relação a cate- saber-poder, aqueles regimes de verdade que tentam de-
gorias já predefinidas produzidas a partir da psicologia terminar para nós o que é verdadeiro ou falso, certo ou
do desenvolvimento, as quais definem o que a criança
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

errado, o que podemos ou não podemos pensar e fazer”.


normal deve estar fazendo em uma determinada idade.
Em outros termos, a psicologia do desenvolvimento,
embora seja uma importante contribuição aos estudos
FUJIKAWA, MÔNICA MATIE. A
sobre a criança, traz arraigada, em seu arcabouço teórico
e metodológico, a ideia laboratorial – in vitro – a qual os COORDENAÇÃO PEDAGÓGICO E A QUESTÃO
atuais estudos têm criticado, como é o caso da Sociolo- DO REGISTRO. IN: ALMEIDA, LAURINDA
gia (SARMENTO, 2008), da Antropologia e da Pedagogia RAMALHO; SOUZA, VERA MARIA NIGRO DE.
da criança e da infância. (ORG.) O COORDENADOR PEDAGÓGICO E AS
Na verdade, a própria Psicologia vem renovando-se QUESTÕES DA CONTEMPORANEIDADE. SÃO
nos últimos tempos, como é o caso de um dos autores PAULO: LOYOLA, 2012. P. 127-142.
dessa pesquisa, Jerome Bruner. Pode-se dizer que existe
um primeiro e um segundo Bruner, e o que evidentemen-
te modifica de um para outro diz respeito aos métodos Prezado candidato, não deixe de conferir o material re-
que este utiliza para a realização de suas pesquisas. Ini- ferente a professora Fujikawa em nosso site para consulta.
cialmente, os estudos de Bruner (1995) eram em labora- A seguir apresentamos o textos referido, para introduzi-lo
tórios no formato de verificação de resultados. A partir no estudo do assunto principal. Acesse https://www.nova-
do momento que o autor foi se interessando por estudar concursos.com.br/retificacoes.

42
O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A QUESTÃO fessor como um intelectual transformador, uma verda-
DOS SABERES deira “autoridade emancipatória” nutrida pelos ideais
de liberdade, igualdade e democracia, que devem ser
Marli Eliza Dalmazo Afonso de André postos em prática na educação de seus alunos, para que
Marili M. da Silva Vieira se tornem cidadãos participativos e transformadores da
realidade social.
Por que a temática dos saberes faz parte das questões A discussão sobre os saberes docentes situa-se nes-
contemporâneas? se contexto de crítica à concepção do professor como
Pareceu-nos interessante iniciar este capítulo com um técnico e de valorização das dimensões reflexiva, críti-
esclarecimento sobre a relação entre o título do livro e ca, ética e política da formação docente, de interesse
o tema dos saberes. Foi somente nos últimos vinte anos nos processos de constituição da profissionalidade e da
que essa temática ganhou visibilidade no cenário educa- identidade profissional dos docentes, de destaque ao
cional, com a produção de estudos e pesquisas sobre os papel da reflexão e da pesquisa sobre a prática.
saberes docentes. No artigo de Tardif e Lessard (1991, p. 215), a proble-
No início dos anos 1980, primeiramente no mundo mática dos saberes é introduzida da seguinte maneira:
anglo-saxão e depois em toda a Europa, surgiram milha- Se chamamos de “saberes sociais” o conjunto de sa-
res e milhares de pesquisas sobre o saber docente. Ao beres de que dispõe uma sociedade e de “educação” o
final da década, essa temática já tinha presença definida conjunto dos processos de formação e de aprendizagem
nos escritos e nas produções acadêmicas dos pesqui- elaborados socialmente e destinados a instruir os mem-
sadores brasileiros. A publicação do artigo “Esboço de bros da sociedade com base nesses saberes, então é evi-
uma problemática do saber docente”, de Tardif e Lessard dente que os grupos de educadores, os corpos docentes
(1991), na revista Teoria e Educação estimulou o apare- que realizam efetivamente esses processos educativos
cimento de muitos textos e pesquisas sobre o assunto, e no âmbito dos sistemas de formação em vigor são cha-
desde então o número de trabalhos cresce a cada ano. mados, de uma maneira ou de outra, a definir sua prática
A emergência dessa problemática está associada à em relação aos saberes que possuem e transmitem.
crítica ao tecnicismo que dominava o pensamento edu- A proposição dos autores, conforme o extrato acima,
cacional nos anos 1970 e concebia o professor como um amplia a discussão dos saberes para além do âmbito dos
técnico eficiente. docentes, estendendo-a ao conjunto dos educadores
Na perspectiva da racionalidade técnica, a prática responsáveis pelos processos educativos. É com apoio
profissional configura-se como portadora de soluções nessa proposição que situamos o tema dos saberes dos
instrumentais que se resolvem mediante a aplicação de coordenadores pedagógicos, objeto deste capítulo.
conhecimentos teóricos e técnicos. A docência resume-
-se à aplicação de normas e técnicas derivadas de um Saberes: concepção e fios condutores
conhecimento especializado. O profissional docente não Iniciamos este diálogo com algumas indagações: que
é visto como um produtor de conhecimento, mas como saberes são mobilizados pelos coordenadores pedagó-
um consumidor do que é produzido pela ciência, e en- gicos no exercício de seu trabalho cotidiano? Como eles
quanto técnico sua ação se reduz à utilização de decisões os utilizam nas diferentes situações que enfrentam dia-
tomadas por outros especialistas. riamente? Quais são as relações desses saberes com o
Nos anos 1980, esse modelo foi fortemente criticado contexto de trabalho?
por dar atenção demasiada aos aspectos instrumentais, Talvez não consigamos responder a todas essas
por atribuir à teoria uma posição de prevalência sobre a questões, mas antes de tentar apreciá-las é necessário
prática, pela insuficiência em interpretar a prática educa- esclarecer o que se entende por saber.
tiva, que, constituída por sujeitos em ação e em relação, Tardif, um dos autores que sistematizaram vários es-
não pode ser esclarecida pela mera aplicação de conhe- critos sobre os saberes docentes, ajuda-nos a entender CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
cimentos científicos previamente definidos. esse conceito, pois atribui ao saber “um sentido bem
Entre as propostas de superação da racionalidade téc- amplo, que engloba os conhecimentos, as habilidades
nica, há aqueles que defendem a formação de profissio- (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, tudo o
nais autônomos, capazes de tomar decisão, refletir sobre que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e
sua ação, realizar investigações sobre sua própria prática de saber-ser” (Tardif, 2002, p. 212). Sua proposta é muito
e formar um coletivo docente, o que para alguns autores aberta, o que o leva a alertar para o perigo de que esse
configura o modelo da racionalidade prática (Contreras, conceito se torne mais um modismo, se não for analisa-
2002; Morgado, 2005; Pereira, 2002). Nesse modelo, há do em função do contexto de trabalho dos atores esco-
uma clara valorização da prática, dos processos de refle- lares, assim como de sua história pessoal e profissional.
xão e da pesquisa sobre ela e um destaque ao papel ativo Tardif (2002, p. 11) argumenta que não se pode fa-
do profissional docente. lar em saber sem relacioná-lo com os condicionantes e
Ao lado das propostas que definem o modelo da ra- com o contexto de trabalho, pois “o saber é sempre o
cionalidade prática e ainda em contraposição ao da racio- saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito
nalidade técnica, surge também o modelo do professor de realizar um objetivo qualquer”. Embora o autor se
como intelectual crítico. Constitui um avanço em relação refira ao saber dos docentes, suas reflexões e pondera-
ao modelo da racionalidade prática, porque acentua a ções podem ser perfeitamente adaptadas ao contexto
perspectiva política do trabalho docente, concebe o pro- de trabalho do coordenador pedagógico, que também

43
é um docente e desenvolve suas atividades junto com A apresentação dos eixos propostos por Tardif deixa
os professores, com o propósito bem claro de favorecer evidente a atualidade da temática, em especial quando
o processo de ensino e promover a aprendizagem no es- destaca a importância dos saberes práticos ou experien-
paço escolar. ciais. Reconhecer o docente como um produtor de sabe-
A perspectiva de Tardif (2002) sobre os saberes do- res e valorizar os saberes práticos é algo muito recente
centes baseia-se em alguns fios condutores. O primei- na literatura educacional. Daí a contemporaneidade do
ro relaciona o saber dos professores com a pessoa do tema.
trabalhador e com seu trabalho. Isso significa que as re- O autor defende que é preciso relacionar os saberes
lações dos profissionais com os saberes “são mediadas com o trabalho, mostrar que eles têm origem social, são
pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar plurais, compósitos e heterogêneos, evoluem ao longo
e solucionar situações cotidianas” (p. 17). da carreira e são saberes humanos sobre seres humanos.
Um segundo fio condutor estabelece a pluralidade de Esses aspectos constituem os fios condutores de suas re-
saberes aos quais os profissionais recorrem no exercício flexões sobre os saberes docentes e levam-nos a concluir
de sua profissão. O autor afirma que essa diversidade que são linhas de orientação muito pertinentes para a
advém da origem social dos saberes: alguns provêm da leitura da prática cotidiana do coordenador pedagógico.
história familiar e da cultura pessoal, outros do processo Por isso, tomaremos como base o relato de uma ma-
de escolarização, outros dos cursos de formação profis- nhã de trabalho de uma coordenadora pedagógica que
sional e outros, ainda, da instituição escolar, das relações atua há dez anos na função em uma escola particular da
com os pares e da própria experiência da profissão. cidade de São Paulo e tentaremos fazer uma análise dos
O terceiro eixo acentua a temporalidade do saber. O saberes envolvidos em suas ações:
autor argumenta que os saberes se modificam ao longo Um dia normal de aula se inicia. A coordenadora
do tempo, na medida em que os profissionais aprendem chega à escola com entusiasmo para elaborar a agen-
a dominar progressivamente os saberes necessários à da da semana. Passa inicialmente pela sala dos profes-
realização de seu trabalho. Esses saberes, por um lado, sores para desejar a eles um bom dia de trabalho. Logo
são influenciados pelas experiências familiares e esco- ao entrar, recebe a notícia de que o professor de Língua
lares. Quantas concepções, representações, crenças são Portuguesa vai faltar. Consulta o horário e verifica que
geradas por essas experiências, muitas das quais jamais ele daria todas as aulas naquele dia. Não pode deixar
serão abaladas! Por outro lado, os saberes se modificam os alunos sem aula. Imediatamente, verifica se há pro-
ao longo da carreira profissional, passam pelos estágios fessores com “janela” e tenta arrumar as substituições.
de socialização profissional, de consolidação da expe- Na primeira aula, ela mesma entra na classe e conver-
riência e das transformações, continuidades, rupturas que sa com os alunos sobre o trimestre que passou, apro-
marcam a trajetória profissional. Além disso, são também veita para fazer um levantamento das dificuldades que
afetados pela singularidade do sujeito, por questões de encontraram, já tendo em mente o conselho de classe
identidade e subjetividade. que se aproxima. Na segunda aula, precisará atender um
O quarto eixo é o da experiência enquanto funda- pai de aluno que havia marcado horário no dia anterior.
mento do saber. Segundo Tardif, os professores tendem Enquanto aguarda o pai, que está atrasado, seleciona um
a hierarquizar os saberes em função de sua utilidade na texto para os professores lerem e discutirem no próximo
profissão. Nessa ótica, diz o autor, os saberes oriundos encontro. Neste ano, estão revendo o projeto pedagógi-
da experiência de trabalho cotidiano são considerados co e necessitam, enquanto coletivo escolar, refletir sobre
os mais importantes, são o verdadeiro “alicerce da prá- diferentes teorias de ensino e seus pressupostos. Escolhe
tica e da competência profissionais” (p. 21). Para o autor, um texto que trata de uma dessas teorias. Quando hou-
os saberes da experiência são saberes práticos que “for- ver tempo, pretende discutir com a outra orientadora se
mam um conjunto de representações a partir das quais o texto está apropriado ou não e planejar com ela uma
os professores interpretam, compreendem e orientam dinâmica para estimular a discussão. O pai chega, é aten-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dido, e em seguida um grupo de alunos a procura com
dimensões” (p. 49). É a própria cultura docente em ação, algumas reclamações sobre uma prova. Ela pergunta se
conclui ele. já haviam conversado com a professora e os orienta que
Um quinto eixo proposto por Tardif caracteriza o tra- devem sempre procurar primeiro a professora antes de
balho docente como um trabalho essencialmente inte- trazer o problema para a coordenação. Em seguida, cha-
rativo. Segundo ele, é um trabalho que envolve saberes ma a professora de Matemática para conversar sobre a
humanos a respeito de seres humanos. Com essa ideia, necessidade de variar suas estratégias de aula para con-
o autor procura “compreender as características da inte- seguir que os alunos tenham um melhor aproveitamento.
ração humana que marcam os atores que atuam juntos”, A coordenadora tem acompanhado essa professora, que
assim como os “poderes e regras mobilizados pelos ato- é nova na escola. Conversam sobre a rotina da aula e
res sociais na interação concreta” (p. 22). sobre diversas possibilidades de variação. A professora
O último fio condutor da proposta de Tardif relacio- sai da sala em busca de desafios que possam enriquecer
na a questão dos saberes com o repensar da formação a fixação do conteúdo. Final da manhã...
de professores. O autor defende a ideia de que levar em Esse extrato revela que o dia de um coordenador pe-
conta os saberes cotidianos, os saberes construídos na dagógico é repleto de acontecimentos variados, super-
experiência, “permite renovar nossa concepção não só a postos e imprevisíveis. A cada nova situação, a cada novo
respeito da formação deles, mas também de suas identi- fato, ele é chamado a acionar um ou mais de seus sabe-
dades, contribuições e papéis profissionais” (p. 23). res e a construir novos.

44
Suas atividades incluem tanto o planejamento e a ção. São saberes que têm origem social, pois advêm de
manutenção da rotina escolar quanto a formação e o suas relações com o outro e dos significados que ela vai
acompanhamento do professor, assim como o atendi- atribuindo a suas experiências como um ser enraizado
mento a alunos e pais. Ao desempenhar suas funções, o num mundo, numa cultura, numa sociedade, num tempo
coordenador busca, em última instância, contribuir para determinado.
a efetivação do processo de ensino e aprendizagem, o O relato demonstra que a coordenadora precisa do-
que exige a mobilização de uma série de saberes. minar um saber curricular ao lidar com o horário de aulas
No relato da atuação da coordenadora pedagógica e com a substituição de professores. Mostra a necessida-
acima apresentado, é possível identificar uma diversida- de de um saber específico quando ela prepara a forma-
de de saberes marcados pelos fios condutores aponta- ção continuada e antecipa a revisão do projeto político
dos por Tardif (2002), que servirão de base para a análise pedagógico. Explicita o domínio do saber pedagógico
do relato. com seu uso de um tempo de aula para obter a opinião
dos alunos sobre o trimestre. Revela conhecimento pro-
Eixo 1 — A pessoa do trabalhador e seu trabalho fissional e sensibilidade quando pondera com os alunos
A leitura do relato de uma manhã de trabalho na vida a necessidade de discutir as dificuldades diretamente
com os professores. Denuncia, em todas as suas ações, a
de uma coordenadora pedagógica revela uma grande
importância do domínio das habilidades que lhe permi-
capacidade de articular diferentes tipos de saberes para
tam exercer o papel de mediadora nas relações interpes-
solucionar os desafios cotidianos. Como ela faz isso?
soais e de articuladora do projeto político pedagógico.
Qual é a origem desses saberes?
Essa coordenadora em particular, num dia comum de Eixo 3 — Temporalidade do saber
trabalho, relaciona-se com professores, alunos e pais, faz Os saberes evoluem, modificam-se ao longo do
a mediação de conflitos e problemas, planeja e organiza tempo. Os saberes adquiridos na família, na escolariza-
atividades, atende emergências e, além de tudo, mantém ção e/ou na formação continuada ganham novas cores
sua atenção na importância da construção do projeto e dimensões quando vividos no contexto do trabalho e
político pedagógico da escola e na necessidade de en- compartilhados com os pares. A experiência permite uma
volvimento dos professores nesse processo. consolidação de certos saberes que se mostram eficien-
Fazer essa orquestração de fatos, situações, acon- tes em certas situações, assim como um rearranjo de co-
tecimentos que ora se articulam, ora se superpõem ou nhecimentos, habilidades, atitudes adquiridas para fazer
se contrapõem, exige uma sabedoria pessoal adquirida, frente a situações novas. Novos saberes podem ser gera-
muito provavelmente, em diversas fontes: na família, na dos, testados e, se necessário, reestruturados.
escola, nas relações interpessoais, na formação profissio- O coordenador atua sempre num espaço de mudan-
nal, na instituição, na experiência cotidiana. É preciso, no ça. É visto como um agente de transformação da escola.
entanto, que esses saberes sejam combinados, amalga- Ele precisa estar atento às brechas que a legislação e a
mados em função do contexto e das contingências espe- prática cotidiana permitem para atuar, para inovar, para
ciais do trabalho. É isso que essa coordenadora parece provocar nos professores possíveis inovações.
fazer. No relato acima, observamos que ao resolver as ques-
A forma com que a coordenadora integra esses sabe- tões cotidianas, por exemplo a falta do professor, a coor-
res, quando e como os põe em ação é algo muito parti- denadora não deixa de lado sua perspectiva formadora de
cular. Tem muito a ver com os sentidos e significados que professores — não como uma avaliadora de professores,
ela atribui aos problemas que enfrenta e com o tipo de mas numa busca de questões a ser discutidas com profes-
questão que precisa resolver em seu dia-a-dia. Há, assim, sores no conselho de classe, nos atendimentos individuais,
uma estreita relação entre a pessoa que faz e aquilo que tanto formais como espontâneos, em direção a “brechas”
é feito, entre o saber e o trabalho. para transformar a escola, para modificar a prática pedagó-
gica e melhorar os resultados de aprendizagem dos alunos. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
Eixo 2 — Pluralidade de saberes
Eixo 4 — A experiência enquanto fundamento do saber
Em sua atuação cotidiana, essa coordenadora mobili-
Os saberes oriundos da experiência do trabalho coti-
za uma pluralidade de saberes de naturezas diversas. Re- diano são considerados importantes pelos profissionais
corre a saberes gerenciais ao tentar resolver o problema que atuam na educação escolar.
da substituição do professor, mas também aciona seus No relato, fica claro que o trabalho da coordenação é
saberes profissionais, éticos, políticos ao decidir que os atender necessidades e prever ações que possam garan-
alunos não podem ficar sem aula. Mobiliza saberes re- tir o bom andamento do processo de ensino e aprendi-
lacionais ao interagir com o pai e com os alunos, mas zagem. Esse trabalho pode utilizar recursos como a for-
também se refere a seus conhecimentos profissionais mação continuada dos professores, o atendimento aos
ao preparar um texto para a atividade de formação dos pais ou o trabalho direto com alunos, lidando com rela-
docentes. Ao mesmo tempo, não deixa de aproveitar o ções pessoais ou com burocracia e planejamento.
momento de contato com os alunos para avaliar as ati- Ao confrontar o professor com a questão da necessi-
vidades do trimestre, o que nos leva a identificar a mo- dade de variar estratégias, a coordenadora atua em sua
bilização de saberes curriculares, técnico-profissionais, formação contínua. Para esse exercício, lança mão de
afetivos, experienciais. Muitos desses saberes devem ter saberes relacionais e técnicos adquiridos na formação
sido adquiridos ao longo da vida, seja na família, na es- inicial, mas principalmente na experiência vivida cotidia-
cola, na formação inicial ou em sua experiência de atua- namente.

45
A forma de fazer esse confronto é um saber que ad- Para Franco (2000) e Almeida (2000), o coordenador
quire ao longo dos anos de atuação, tanto pelos sucessos pedagógico deverá elaborar projetos individuais com
como pelos insucessos nos resultados de suas relações seus professores, estudar com eles, registrar, refletir, in-
com os professores, assim como pela clareza das inten- dicar leituras, discutir. Isso sempre numa relação afetiva,
ções de sua participação para construção e reconstrução de confiança, que permita, conforme nos alerta Santos
do projeto político pedagógico. (2000), que os professores reconheçam seus saberes e os
. ^Como a coordenadora descobre qual é o momento aspectos que precisam ser superados e aperfeiçoados.
adequado de confrontar o professor e qual é a melhor Essa elaboração de projetos de formação de professores,
forma de fazê-lo? São saberes que ela adquire na expe- tanto individuais como coletivos, precisa estar articulada
riência cotidiana, fruto das interações, da especificidade com o projeto pedagógico da escola, sempre visando
das situações e do contexto de trabalho. Utilizar bem o ao aperfeiçoamento do processo de ensino e aprendi-
tempo, distribuí-lo de forma que ela não seja consumida zagem.
pelas urgências é também um saber que se aperfeiçoa na Fusari (2000) e Garrido (2000) defendem que o traba-
experiência. Esses saberes práticos, mesmo que explicita- lho ativo e intencional do coordenador, sempre articula-
dos pelos pares, pelos colegas mais experientes, vão ser do com o projeto político pedagógico da escola, favo-
reelaborados e ressignificados pela coordenadora a cada rece ao professor a tomada de consciência sobre a sua
situação e a cada desafio enfrentado, e construídos em ação e sobre o contexto em que trabalha, bem como,
sua experiência profissional. pode-se afirmar, favorece o próprio repensar do coorde-
nador sobre sua atuação. O professor, como também o
Eixo 5 — Saberes humanos a respeito de seres hu- coordenador, consciente de sua prática, das teorias que
manos a embasam e das teorias que cria e desenvolve ao re-
Mate (2000) aponta o coordenador pedagógico (que solver problemas diários, é um profissional inserido no
ê para o seu grupo de trabalho também um professor) processo de formação contínua, em busca de mudanças
como o profissional que estará constantemente refletin- e fundamentações criteriosas para sua prática.
do sobre as mudanças na sociedade e na escola. Sarmen- Entendemos mudança como um processo orientado
to (2000) acrescenta que o coordenador deverá ser um para um fim. No entanto, não um processo finito, mas
instigador para o crescimento e o desenvolvimento do dinâmico e contínuo, em que o questionamento da prá-
professor. O coordenador deve passar a ser, para o pro- tica leva a reformulações constantes. Dessa forma, não
fessor, um consultor, um apoio no processo de formação se pode falar em mudanças em educação sem a partici-
de sua profissionalidade, que se dá na situação de traba- pação e o envolvimento do professor. O que se pode fa-
lho. Um processo assim implica um trabalho em parceria, zer é provocar nele o constante questionamento e busca
coletivo. Os saberes relacionais destacam-se como muito de identificação de suas necessidades para uma atuação
importantes nessa parceria. É fundamental que o coor- cada vez melhor no processo de aprendizagem. Esse
denador pedagógico seja alguém que saiba ouvir, pois questionar constante e sistemático que inclui o estudo e
o ato de ouvir traz ao outro, enquanto ele fala, mudança a crítica às teorias e à própria prática é parte do trabalho
na forma de se perceber, faz que perca o medo de apre- do coordenador pedagógico.
sentar-se e, de acordo com Almeida (2000), fortalece sua Considera-se que os saberes do coordenador são,
identidade. O ato de ouvir permite ao outro tomar cons- portanto, plurais, heterogêneos e interconectados. No
ciência de si e assumir-se como sujeito. cotidiano, ele atua e recompõe constantemente seus
Observamos, no relato de um dia de trabalho da coor- saberes.
denadora pedagógica, que ela ouve os alunos, conversa, Contudo, pensamos que ter clareza do papel de arti-
aconselha, demonstra atitude de acolhimento, capacida- culador do projeto político pedagógico da escola, num
de de escuta e exerce papel mediador nas relações entre processo contínuo de formação de professores, é de
alunos e professores. Ao receber um pai para atendimen- fundamental importância para que o coordenador não
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

to, ela revela, mais uma vez, uma atitude de acolhimento, se perca nas emergências e nas rotinas do dia-a-dia es-
de abertura ao outro e de crença no trabalho conjunto. colar. Placco (2003, p. 47) nos alerta que “o cotidiano do
Ao discutir com a professora a necessidade de variar as coordenador pedagógico ou pedagógico-educacional é
estratégias de ensino, ela revela tanto respeito por sua marcado por experiências e eventos que o levam, com
inexperiência didática como crença em sua capacidade frequente- cia, a uma atuação desordenada, ansiosa,
de mudança. imediatista e reacional às vezes até frenética...”.
Esse alerta nos remete a um saber fundamental no
Eixo 6 — Saber repensar a formação dos professores trabalho do coordenador pedagógico quando ele para,
Ao viver os sucessos e insucessos inerentes ao pro- pensa, planeja, organiza e redimensiona as próprias
cesso de se relacionar com pessoas, ao vivenciar dife- ações. Conforme Placco (2003) nos indica, deve-se lutar
rentes estratégias de formar professores, o coordenador pela importância do trabalho de coordenação pedagó-
se verá diante de conflitos e incertezas que o levarão, gica (formação de professores, articulação do projeto
muito provavelmente, a pensar e repensar o processo de político pedagógico), organizar as rotinas e interrom-
formação que desenvolve na escola. O trabalho de “ins- per as urgências quando necessário. Isso significa cuidar
tigar” os professores a fazer mudanças em suas práticas, também da própria formação contínua, reservando tem-
a transformar seu ensino, precisa ser cuidadosamente po para ler, estudar, pensar, criticar a prática cotidiana e
planejado, ser intencional. rever constantemente as intenções.

46
O COORDENADOR PEDAGÓGICO, A QUESTÃO DA ternos e coerção, pois onde a força é usada a autoridade
AUTORIDADE E DA FORMAÇÃO DE VALORES fracassou”. Logo, a autoridade se contrapõe à coerção
física ou à persuasão e se constitui pela hierarquia legi-
Vera Lúcia Trevisan de Souza timada pelo reconhecimento da competência de quem
Vera Maria Nigro de Souza Placco a exerce. Essa legitimidade funda-se nas práticas sociais
dos indivíduos e instituições e não no cargo ocupado por
O que é autoridade? Por que está tão presente como indivíduos em organizações.
interesse e demanda na escola, nos dias atuais? Qual é Na mesma linha que Arendt, Elmore (1987, p. 69) diz
sua relação com a formação de valores pelos atores da que “[...] autoridade é uma relação recíproca em que a
escola? Como é vivida na escola, sobretudo pelo coorde- atribuição de legitimidade baseia-se em uma desigual-
nador pedagógico? dade reconhecida”. Essa legitimidade se daria pelo res-
Essas questões nascem à medida que acessamos si- peito ao conhecimento ou à competência, pelo trato
tuações presentes nas escolas, como as cenas que abrem ou pela represália, ou ainda pela tradição ou pela regra.
este texto e anunciam o que queremos apresentar como Logo, a autoridade caracterizar-se-ia por uma relação as-
proposta de reflexão, oferecendo elementos para a com- simétrica.
preensão dos aspectos presentes em interações dessa No campo da psicologia, La Taille (1999) entende que
natureza. o respeito, a hierarquia e a autonomia constituem-se em
A questão da autoridade nos espaços educacionais, condição para a existência da autoridade. Isso porque o
nas famílias, em escolas ou em outros ambientes sociais fato de alguém obedecer a determinada ordem não sig-
costuma aparecer, via de regra, mais por sua ausência que nifica que o mandante tenha autoridade, se não estão
pela presença: mánifesta-se na queixa de educadores, presentes o respeito e a autonomia de quem obedece.
pais ou professores, geralmente mobilizada por conflitos Reforçando o conceito de La Taille, Araújo (1999) en-
de relações, e decorre, por sua vez, de situações que en- tende que a autoridade está relacionada com o senti-
volvem o que os professores denominam “desrespeito”. mento de respeito, que se constrói nas relações entre as
Quando observamos, especificamente, a escola, cons- pessoas e se constitui de duas maneiras distintas: como
tatamos que situações que envolvem conflitos de auto- resultado da hierarquização nas relações sociais e como
ridade são cada vez mais frequentes, provocando trans- reconhecimento do prestígio ou competência.
tornos que algumas vezes impedem que o processo de Das considerações dos autores supracitados, dois
ensino-aprendizagem se efetive, afastam a possibilidade tipos de autoridade podem ser, portanto, identificados:
de diálogo entre os pais e a escola, entre os professores um que se constrói nas relações entre as pessoas, pelo
e os coordenadores. Outra consequência a ser conside- reconhecimento de que aquela que exerce o papel de
rada são as práticas adotadas pelos atores da escola no autoridade tem qualificações pessoais e profissionais
encaminhamento das situações conflituosas: no caso dos para tal, como o conhecimento e saberes institucionais
alunos, retirada da sala, conversa com o coordenador ou específicos, por exemplo; e um tipo em que a autoridade
diretor, bilhete para os pais etc.; no caso dos professores, é dada pelo cargo de quem a exerce em dada organi-
o silêncio ou desabafos generalizados. Essas práticas im- zação, independentemente das qualificações da pessoa,
pedem a construção de valores positivos pelos alunos e qualificações que podem ou não estar presentes.
demais atores da escola. Ainda segundo esses autores, é possível dizer que a
Quais valores estão presentes nas cenas apresenta- autoridade é construída nas relações interpessoais e, se a
das? Ao buscar responder a essa questão, nós nos de- realidade se transforma permanentemente, a autoridade
bruçamos sobre a formação de valores e sua relação e sua forma de expressão também carecem de ser re-
com o exercício da autoridade, enfocando especialmente pensadas, reconstruídas por aqueles que as exercem, nas
o papel e a prática do coordenador pedagógico, que é práticas sociais que se empreendem.
convocado, com muita frequência, a resolver os conflitos Finalmente, também é possível afirmar que a autori-
desencadeados em sala de aula, e a quem, via de regra, é dade está imbricada com os valores, na medida em que CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
atribuída a responsabilidade de manter o respeito como todos os autores que a discutem inserem o respeito (La
condição para a realização da ação pedagógica. Taille, Araújo. Elmore), a responsabilidade (Arendt), a au-
Entendemos que a reflexão sobre a formação de va- tonomia (Arendt, Araújo), o reconhecimento e a admira-
lores, da perspectiva adotada neste texto, se constitui ção (Araújo) como condição para sua existência.
como condição para a construção de relações de autori- Mas o que estamos chamando de valores? Por que
dade que viabilizem a realização de urna educação volta- queremos atrelá-los à autoridade?
da para a formação ética. Entendemos valores como o conjunto das represen-
tações que o sujeito tem de si, conforme concebe La Tail-
Algumas considerações teóricas le (2001, p. 74), para quem “[...] pensar sobre si implica
Os diversos campos de saberes que têm estudado a atribuição de valor a si, uma vez que sempre nos pen-
questão da autoridade revelam acepções concordantes e samos em termos de categorias, como superior/inferior,
divergentes. No primeiro caso, todos se remetem à histó- desejável/indesejável, certo/errado, bom/mau etc.”. Das
ria para postular sua existência ou forma de manutenção representações que o sujeito tem de si decorrem as atri-
e consideram que a autoridade se encontra em crise. buições de valor a tudo o mais.
Hannah Arendt (2000, p. 129) diz que a autoridade, Para La Taille, essas representações conferem identi-
com certa frequência, confunde-se com poder e violên- dade ao ser, ou seja, o sujeito se constitui a partir das
cia. No entanto, só se pode conceber a presença de au- ideias, imagens que tem de si, as quais são sempre valo-
toridade quando se “(...] exclui a utilização de meios ex- rativas e múltiplas, podendo até mesmo ser conflitantes.

47
Os valores constituintes da identidade do sujeito po- a autoridade ao respeito, quando diz que os alunos não
dem ser morais, quando associados à justiça, à fidelida- respeitam porque ninguém faz nada na escola. Esse “nin-
de, à honestidade e demais virtudes morais; ou não-mo- guém” parece ser a coordenadora, a quem a professora
rais quando associados à beleza, ao sucesso profissional, atribui a responsabilidade de impor o respeito que julga
ao status social etc. necessário, pois a ataca em seguida, criticando as HTPCs
Os valores não-morais são geradores da autoestima, e fazendo referência a uma experiência melhor, vivida em
e os morais são geradores do autorrespeito. Assim, o outra realidade escolar.
sentimento de autorrespeito tem sua gênese e sua sus- Logo, a professora julga a coordenadora de maneira
tentação nos valores morais e, para La Taille, corresponde depreciativa. Podemos então questionar em que medida
ao sentimento de honra-virtude ou dignidade. Logo, só esse julgamento interfere na imagem que a coordena-
nos vemos, nos representamos como dignos porque nos dora tem de si. Retomaremos essa questão adiante, pois,
autorrespeitamos. A presença do autorrespeito como va- inicialmente, é importante perguntar sobre os valores da
lor indica que a pessoa que o possui respeita moralmente professora: parece que ela se exclui da situação, não se vê
as demais pessoas de suas relações, ou seja, só se autor- como responsável por manter o respeito, quando diz que
respeito quem respeita os outros e vice-versa. não há ninguém que o faça na escola. Também parece
Os valores, tanto morais como não-morais, são cons- entender que a autoridade na escola não diz respeito ao
truídos nas interações de que tomam parte os indivíduos. professor, pois coloca a responsabilidade ou culpa fora
Ou seja, de onde vêm as imagens que temos de nós, a de si; projeta-a na coordenadora. O respeito está presen-
forma como nos representamos? Por que nos vemos te na atitude dessa professora que ataca a coordenadora
como competentes ou incompetentes, honestos ou de- em uma reunião, na presença dos demais professores?
sonestos, respeitosos ou desrespeitosos? Ainda que consideremos tratar-se de um desabafo, é
Esses sentimentos provêm das significações que nos possível identificar o respeito pelo outro como valor pre-
são atribuídas pelas pessoas com as quais nos relaciona- sente em alguém que deprecia, publicamente, o trabalho
mos, em um processo que, no caso dos valores, envolve do outro?
sempre o julgamento de nossas ações ou qualificações. Dois aspectos importantes, decorrentes dessa análise,
Se praticamos determinadas ações que são concebidas podem ser destacados. Dissemos anteriormente que os
como “certas” e “boas” pelas pessoas que prezamos e valores têm sua gênese nas interações, a partir do julga-
que, portanto, respeitamos, é possível que passemos a mento que as pessoas que prezamos fazem de nós. Tam-
nos ver como pessoas corretas, dignas, pois concorda- bém dissemos que respeitar alguém é condição para nos
mos com o juízo que recebemos. Do mesmo modo, se respeitarmos e vice-versa. Essa professora que, em sua
ações praticadas ou modos de conduta são avaliados atitude com a coordenadora, não revela respeito clama
como “errados” ou “ruins” por pessoas que prezamos pelo respeito dos alunos. Contudo, será que o respeito
(visto que podemos não levar em conta julgamentos de está presente em sua relação com os alunos? Como po-
pessoas que não nos são caras), podemos passar a nos derão seus alunos constituir-se como respeitosos se não
ver, temporariamente ou não, a depender da frequência tomarem parte de interações em que o respeito circule
desses juízos negativos e de sua alternância com juízos como valor positivo? Ainda, a professora concebe a auto-
positivos, como incompetentes ou fracassados. ridade como responsabilidade da escola ou da coordena-
Ainda segundo La Taille, “[...] ninguém quer se ver dora e não se inclui ou não toma para si a responsabilida-
como valor negativo [...]” (2001, p. 73), o que faz com que de de exercê-la. Se ela não se vê como responsável, não
os valores constituam uma força motivacional para nos- se vê como capaz de impor o respeito que julga neces-
sas ações. O fato de nos vermos como competentes, por sário, poderão os alunos respeitá-la? Ainda, vimos que a
exemplo, nos leva a agir como competentes, pois bus- responsabilidade e a admiração são condições para que
caremos preservar essa imagem que nos confere valor a autoridade se constitua. É possível admirar alguém que
positivo. E vice-versa. não respeitamos? Alguém que não se responsabiliza por
Com quais valores o coordenador pedagógico se re- nós ou só se responsabiliza parcialmente?
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

presenta? Qual é a relação entre a imagem que faz de si Essas questões estão no cerne dos conflitos de va-
e o exercício de sua autoridade? Se ele se constitui como lores na escola que, via de regra, só se manifestam em
autoridade no espaço da escola, pelas práticas sociais relação à autoridade, colocando em xeque a competên-
que empreende com seus atores, o que o constitui como cia dos educadores para encaminhá-las de maneira ade-
autoridade legitimada pelo reconhecimento de seus co- quada. Se o respeito e o autorrespeito não entrarem nas
nhecimentos, sua competência, pela admiração dos de- considerações sobre o exercício da autoridade, esta não
mais atores da escola? Ou apenas exerce a autoridade será, ou não poderá ser, exercida satisfatoriamente.
porque ocupa um lugar na organização que lhe confere Voltemos à coordenadora. A expectativa da referida
poder para tal? professora e sua atitude em relação à coordenadora não
Sobre essas questões discorreremos a seguir, a partir são inusitadas ou inesperadas: é a coordenadora que é
de exemplos de situações observadas em interações em- chamada a resolver os conflitos de autoridade na escola.
preendidas na escola, com o envolvimento da coordena- Isso porque a escola continua a encaminhar os conflitos
ção e dos demais atores. de valores e autoridade da mesma forma, desde muito
tempo. Como já dissemos no início do texto, ações como
O coordenador, os valores e a autoridade retirar o aluno da sala, mandá-lo para a coordenação ou
As falas da professora e da coordenadora apresen- direção, mandar bilhetes para os pais continuam a ser
tadas no início do texto permitem observar como cada as mais comuns para se encaminhar as situações que os
uma concebe a autoridade na escola. A professora atrela professores identificam como portadoras de desrespeito.

48
Essas formas podem ser denominadas sanções expiató- tro, é porque ainda não construiu uma relação sincera e
rias, que, segundo Piaget (1932), se caracterizam como verdadeira. Quem não aceita e diz, parece sempre estar
aquelas que contêm uma intenção moral clara de fazer resistindo para bloquear, e quem diz que sim não o faz
quem errou pagar pelo que fez, sendo esse pagamento sinceramente: vira as costas, sai da sala e faz outra coisa.
uma forma dolorosa, um sacrifício, ainda que este não Então, fico ‘amarrada’ (e até desgastada) em, por exem-
tenha relação com a infração cometida. plo, achar que uma professora fez algo indevido e ir até
O grande problema de utilizar esse tipo de punição ela para conversar — não vai mudar mesmo! Então, para
para atitudes inadequadas, além da injustiça frequente, é que se indispor? Acho que distancia mais ainda. Talvez
que a punição incide sobre o comportamento inanifesto neste sistema o autoritarismo seja a linha mais adequada,
e não sobre sua causa. Não se busca identificar a motiva- mas, para isso, você deve abrir mão do pessoal, se afastar
ção de tais comportamentos, nem refletir sobre os valores e também fingir, como todos fazem” (trecho de reflexão
em questão. Logo, esse tipo de ação até pode extinguir o de coordenadora).
comportamento inadequado, mas não extinguirá sua mo- Na cena 1, é possível observar um exemplo de situa-
tivação e exigirá permanente controle externo por parte ção vivida pelo coordenador em seu dia-a-dia: chega-lhe
dos adultos para que não volte a se manifestar. uma criança ou adolescente, contando-lhe uma situação
A autonomia não se desenvolve, e uma relação de au- que desconhece, e ele tem de tomar medidas com base
toridade que se legitime pelo autorrespeito também fica no que lhe diz o aluno, já sabendo, de antemão, que,
inviabilizada. A única autoridade possível, neste caso, é a independentemente de corresponder ou não à verdade,
que se sustenta pelo lugar ocupado (professor ou coorde- não expressa o ponto de vista do professor. O professor
nador) e por relações do tipo mando-medo-obediência. que mandou o aluno à coordenação livrou-se do conflito;
Ainda no que concerne a valores, as sanções expiató- contudo, atestou para ele que não é capaz de lidar com
rias acabam por julgar de maneira depreciativa o sujeito tal situação e transferiu a responsabilidade para o coor-
que as recebe, atrelando valores negativos à sua identi- denador. Logo, sua autoridade fracassa, não somente em
dade e, algumas vezes, humilhando-o diante da comu- relação a esse aluno, mas em relação a toda a classe, que
nidade que lhe é cara. Essa situação pode ser vivida com vivência a situação.
sentimentos dolorosos, como a culpa ou a vergonha, por A coordenadora não tem muitas opções de ação, vis-
exemplo, ou com revolta contra a autoridade, o que é to que não pode retomar a situação com o aluno e a
mais frequente quando a autoridade se reveste de auto- professora, pois esta manda dizer-lhe que não quer mais
o aluno na sala. Resta-lhe, então, conversar com o aluno,
ritarismo.
que alega não ter feito nada. Sem maiores dados, como
Para clarear nossas concepções no que diz respeito
deve ela agir, como encaminhar a situação? Atende aos
às relações na escola, à autoridade, ao respeito e ao au-
pedidos da professora e manda bilhete para a mãe? Di-
torrespeito, apresentamos abaixo duas cenas acontecidas
zendo o quê? Seria justo com o aluno? Atende ao aluno,
em escola:
não manda bilhete e conversa com a professora depois
da aula, e continua sendo vista como quem “não faz
Cena 1
nada”, assumindo a identidade de coordenadora que não
Aluno: A professora me mandou vir conversar com
impõe respeito, conforme atribuição feita por uma das
você. professoras, na cena que abre este texto?
Coordenadora: Por quê? Se a coordenadora concordasse com a forma com
Aluno: Não sei, só mandou eu vir. que a professora encaminhou a situação, provavelmente
Coordenadora: O que você fez? a atenderia e mandaria o bilhete, participando da execu-
Aluno: Nada, eu estava quieto, os dois meninos de trás ção da sanção expiatória, integrando um corporativismo
estavam bagunçando. Eu virei para pedir a borracha em- que exerce o poder sobre os mais fracos, e afastaria o
prestada e ela me mandou sair. conflito na relação com a professora e o grupo de pro-
Coordenadora: Então volte para a classe e diga à pro- fessores. A autoridade aqui se caracterizaria como legiti-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
fessora que depois vou lá falar com ela! mada pelo lugar que ocupa na organização escola, lugar
Aluno; Não posso, ela disse que não me quer mais lá do poder de quem manda mais. Contudo, pela acusação
hoje. Disse que você vai mandar bilhete para minha mãe. da cena anterior, de que a coordenadora não faz nada,
Coordenadora: Então sente-se ali (aponta uma cadeira parece que ela não costuma concordar com tais enca-
em sua sala); quando eu terminar, conversamos e verei o minhamentos, o que mantém os conflitos de valores no
que faço. grupo de professores, por um lado, mas pode mostrar
Aluno: Por favor, qualquer coisa, mas não manda bi- que a coordenadora realmente se exime de tomar de-
lhete para a mãe, ela vai me bater. cisões, por outro. No entanto, pode ainda indicar que a
Coordenadora: Agora estou ocupada, depois conver- coordenadora busca construir uma outra forma de rela-
samos. ção, que implica a participação do grupo.
Na cena 2, em que a coordenadora escreve sobre sua
Cena 2 relação com os professores e o Sistema de Ensino, ela
“Nesta escola, em particular, está difícil a construção parece bastante insatisfeita com os tipos de atitudes que
de vínculos. Talvez o que dificulte seja o Sistema Estatal, observa e revela um dilema: ser ou não autoritária? Que
onde todos podem fazer o que querem sem temer prejuí- tipo de autoridade deve exercer? Como enfrentar confli-
zos à sua carreira e não se comprometem. Se você sente tos, investir no diálogo, se as pessoas viram as costas e
desconforto em ser direta e dizer o que pensa ao ou- não fazem o combinado? De que adianta se desgastar?

49
• Observe-se a contradição no discurso da coordena- Em contraposição, o que acontece com a construção
dora: ao mesmo tempo em que critica a postura dos ato- de valores quando um coordenador se autoavalia como
res com quem interage, defende uma forma de conduta autoritário, é visto como autoritário pelos demais, con-
muito semelhante à que critica — ambas de cunho au- corda com essa avaliação, entende que esse é o único
toritário. Contudo, é possível observar seu mal-estar, seu meio de fazer as coisas funcionarem e não se sente mal
desejo de que as coisas fossem diferentes, e sua tentativa com esse autojulgamento? Suponhamos que ele saiba
de compreender o porquê de dadas condutas. que esse tipo de autoridade impede o desenvolvimento
Essa dúvida e esse conflito com relação à maneira da autonomia e da responsabilidade pelos demais atores
como deve agir enquanto autoridade são muito comuns do processo educativo, que obedecem a suas ordens por
como sentimentos de coordenadores, e devemos encará- medo do que lhes possa acontecer e não porque o res-
-los como resultantes da natureza própria da função: com- peitam ou admiram.
plexa, ainda mal delimitada pela regularização das profis- Suponhamos, também, que os demais atores do pro-
sões, pouco explorada ou discutida na formação inicial etc. cesso educativo aparentemente concordem com suas
Contudo, esse fato não minimiza a responsabilidade do ações e imposições, mas que ele saiba que precisarão ser
coordenador como mobilizador do processo educativo na fiscalizados e cobrados permanentemente, visto que esse
escola: como tal, deve promover espaços para a constru- tipo de autoridade os regula apenas externamente.
ção de relações que tenham em sua base valores positivos. Suponhamos, finalmente, que esse mesmo coordena-
No caso da reflexão da coordenadora acima, sabemos dor tenha clareza de que as relações que ele desenvol-
que sua fala foi um desabafo, pois tivemos a oportunidade ve com seus professores são, via de regra, reproduzidas
de acompanhar seu trabalho durante dois anos, por oca- pelos professores com os alunos, sem que, muitas ve-
sião da realização de pesquisa de doutorado, e suas atitu- zes, percebam que as estão reproduzindo. Neste caso,
des sempre se pautaram por questionamento da própria também os alunos estarão submetidos às consequências
função, das relações com professores, alunos, pais, direção dessa característica de autoridade, e a formação de valo-
e sistema educacional, das ações educativas de cada um e res positivos poderá não se concretizar.
dos valores envolvidos. Se, ainda assim, tendo clareza dos três supostos aci-
A construção da autoridade e a formação de valores: ma, esse coordenador fictício escolhe esse modo de
ações da coordenação exercer sua autoridade, podemos inferir que seus valo-
A autoridade, conforme já dissemos, é construída nas res, ou seja, as imagens com que se representa, estão de
práticas sociais, em um movimento permanente que leve acordo com os princípios de uma educação autoritária e
em conta as necessidades, os desejos, os valores dos ato- essa forma de representar-se constitui-se em motivação
res em interação. Logo, ela não está dada, a não ser que se para suas ações futuras. Nesse caso, ele não veria essas
queira mantê-la como lugar do poder. ações como ferindo a ética ou a cidadania. Isso porque,
É preciso que se invista na construção da autoridade, e, no conjunto das representações de si, nosso coordena-
segundo o que vimos apresentando, isso implica investir dor fictício teria valores não- morais como mais impor-
na formação de valores como o respeito, a responsabilida- tantes que os morais: parecer competente, fazer que to-
de, a admiração e a autonomia. dos o obedeçam, ser julgado como bom coordenador,
Entendemos que o coordenador pedagógico é o pro- ter status e poder na escola seriam valores centrais nesse
fissional, dentro da escola, que pode tomar para si a tarefa conjunto, em detrimento da responsabilidade, do com-
de desenvolver processos que viabilizem essa construção promisso, da ética, do autorrespeito, da justiça. Logo, não
e essa formação. Ele pode ser o mediador desse processo, parecer competente perante os olhos do outro e de si
aquele que o propõe, o coordena, mas não é o respon- próprio geraria o sentimento de vergonha não-moral.
sável único por ele, o que deve ser assumido por toda a Analisando os dois exemplos de ações autoavalia-
equipe da escola. De que forma? tivas de coordenadores, observa-se, em primeiro lugar,
Um coordenador comprometido com seu papel de que a autoavalição não é suficiente para garantir a cons-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

educador, cujos princípios da educação democrática cons- trução de valores positivos, mas é um ponto de partida
tituem sua concepção do que deve ser a educação, inves- importante. Observa-se, ainda, que o grande problema
tirá na construção de uma autoridade que exclui a coerção é a diversidade de valores com os quais cada um dos
como meio de conquista, exercitando a responsabilidade, coordenadores se representa, o que interfere, de manei-
o autorrespeito, a autonomia. Utilizará a autoavalição, bus- ra inconteste, na forma como exercemos à docência, a
cando o desvelamento de seus próprios valores, investin- autoridade.
do na formação de professores, favorecendo processos Lidar com essas diferenças e tomá-las como mais uma
de autoavalição. Esses processos têm de se voltar para a razão para a autoavaliação permanente, considerá-las na
autoavaliação do ser, do que cada um tem sido, como pro- elaboração dos projetos de trabalho, de planejamento e,
fessor, não para uma autoavalição das ações, do que se sobretudo, nas relações com os alunos é também algo
tem feito, do que aparece externamente, como atividade. em que o coordenador terá de investir, a partir da ob-
A partir de então, de um exercício constante de refle- servação de suas próprias diferenças e do exercício do
xão sobre os valores próprios e do outro, sobre como os respeito em seus encontros com os professores.
valores se constituem no processo de constituição do su- Uma segunda ação para a construção da autoridade
jeito, será possível se voltar para a discussão da autorida- e a formação de valores passa pela discussão coletiva do
de, também em um processo autoavaliativo, em que a au- projeto político pedagógico da escola, em que a forma-
toridade de cada um e do que cada um tem sido emerja. ção de valores e as ações necessárias para ela constituam

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propostas focadas também na identificação das relações Esses tipos de cuidar que Saint-Exupéry vai apon-
pedagógicas e de autoridade que a escola precisaria tando ao longo de seu extraordinário encontro com o
construir, a partir do pressuposto da compreensão e do Pequeno Príncipe reme- tem-nos à teoria de desenvol-
respeito pelo outro e seus valores. vimento de Henri Wallon, médico, psicólogo, pesquisa-
Mas como compreender e respeitar os valores dos dor e professor francês (1879-1962). Wallon nos declara
outros? Essa seria a temática da terceira linha de ação geneticamente sociais: “O indivíduo, se ele se apreende
do coordenador. como tal, é essencialmente social. Ele o é não em virtude
Um músico de uma banda jovem de São Paulo, em de contingências externas, mas por uma necessidade ín-
entrevista recente, dizia o seguinte: “Nós nos juntamos tima. Ele o é geneticamente” (Wallon, 1986, p. 165).
pela afinidade, porque tínhamos um objetivo em co- Então, se somos geneticamente sociais, constituímo-
mum, e não porque éramos iguais. Só que a afinidade -nos pessoas pelo cuidar do outro. Nesse processo, pas-
era somente o começo, o ponto de partida para desco- samos a abrigar em nós, a internalizar, o outro — que
brirmos as diferenças de cada um, e crescer com elas. não é um, são muitos, representantes de nosso entorno
Quando descobrimos que somos diferentes podemos cultural. Diz Wallon:
compreender as razões de cada um, as motivações para O socius ou o outro é um parceiro permanente do eu
as atitudes, e não mais avaliar somente atitudes”. na vida psíquica. Ele é normalmente reduzido, invisível,
Essa fala traduz o que entendemos por valores e seu recalcado e como que negado pela vontade de domi-
processo de constituição, formação. É esse modo de ser, nação e de completa integridade que acompanha o eu.
ver: como singular no grupo e como grupo no singular. Entretanto, toda deliberação, toda indecisão é um diálo-
Somente assim podemos investir na formação de valo- go por vezes mais ou menos explícito entre o eu e um
res, sem correr o risco de cair no autoritarismo, em que oponente. [...] (1986, p. 165).
valores de grupos hegemônicos seriam impostos como É por isso que nos remetemos à teoria walloniana
os melhores e únicos possíveis, ou na tirania de deter- nesta discussão. Wallon explicita que nascemos e nos
minados grupos de alunos, que querem fazer valer seus tornamos cada vez mais humanos quanto mais nos en-
valores a qualquer custo. Valores se constroem na inte- riquecemos com o outro que passa a fazer parte de nós
ração, no exercício cotidiano: os morais e os não-mo- (socius). Como? A partir do acolhimento, do cuidado
rais (ou até imorais), os negativos e os positivos. Refletir desse outro. A relação de cuidar envolve, necessariamen-
sobre eles e agir em conformidade com os valores com te, a relação eu-outro, da qual trata Wallon.
que se representa é a possibilidade que se vislumbra, em Como seres humanos, necessitamos ser cuidados e
uma escola em que autoridade e valores se relacionem, cuidar. Cuidar de outra pessoa, no sentido mais significa-
reciprocamente, constituindo-se e constituindo alunos e tivo, é estar atento ao seu bem-estar, ajudá-la a crescer e
educadores. atualizar-se, e para isso o outro é essencial. Envolve um
“sentir com o outro” — podemos chamar essa disponi-
O COORDENADOR PEDAGÓGICO E A QUESTÃO bilidade de empatia: é perceber, mesmo em um leve in-
DO CUIDAR dício, que algo está faltando ao outro, e que é preciso
intervir. Cuidar implica ação (a ação pode ser a decisão
Laurinda Ramalho de Almeida de não intervir, em respeito à individualidade do outro,
depois de “sentir com”, e na confiança de que ele pode
“É uma questão de disciplina”, me disse mais tarde o encontrar seu próprio caminho). Quando nos tornamos
Pequeno Príncipe. “Quando a gente acaba de se arrumar professores, entrai-nos em uma relação de cuidar mais
toda manhã, precisa cuidar com carinho do planeta. ” especializada e intencional que a relação eu-outro do
“Que quer dizer catiuar?” “£ uma coisa muito esquecida” contexto familiar.
— disse a raposa. “Significa criar laços.” As ações de cuidar, na relação pedagógica, são dife- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
rentes conforme o estágio de desenvolvimento do aluno;
Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe. porém, envolvem sempre o comprometimento, a dispo-
nibilidade para conhecer as necessidades do outro na-
Nosso querido Pequeno Príncipe é um bom exemplo quele momento, naquele contexto determinado. Em ter-
do cuidar em suas várias acepções: tem cuidado consigo mos amplos, o cuidar do professor implica um cuidado
mesmo, com sua apresentação logo de manhã e, depois, constante com o fazer, um cuidado com o conhecimento
passa a cuidar de seu pequeno planeta, porque precisa já construído, um cuidado em fazer do conhecimento um
cuidar do que pode acontecer ao espaço onde se passa alicerce para os alunos elaborarem projetos de vida éti-
sua existência; responde com cuidado às perguntas que cos, um cuidado consigo mesmo.
o aviador lhe faz, ponderando muito sobre elas; cuida Ao aceitar que a escola é o espaço para trabalhar o
dos assuntos do seu novo amigo, aplicando sua atenção, conhecimento, assumimos que as relações interpessoais,
seu julgamento, sua imaginação; cuida-se responsável as relações eu- outro podem e devem estar comprometi-
por sua flor, depois de refletir sobre o que lhe ensinou das com o conhecimento e que, portanto, a escola deve
a raposa: “Quem cativa torna-se responsável’. Convém ter um olhar especial para o fortalecimento dessas rela-
lembrar, neste último caso, que responsável, em sua eti- ções. Daí a ênfase que vamos dar a esse aspecto, ao dis-
mologia (do latim respondere), implica dar uma respos- cutir o cuidar. Ao fazê-lo, pensamos principalmente em
ta, estabelecer uma relação. nos voltar para: a) o ensino fundamental (ampliado para

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nove anos), porque acreditamos que não só o tempo na O primeiro cuidado do professor é refletir sobre as
escola é importante, mas que a qualidade do uso desse consequências de um objetivo que os alunos não têm
tempo é necessária; b) o ensino médio, porque dele uma condições de atingir: a aprendizagem não ocorrerá, mas
parcela significativa de jovens tem se evadido. No entan- ocorrerá o rebaixamento da auto- estima do aluno. Outro
to, nossa experiência mostra que a discussão trazida aqui cuidado é refletir que o ponto de partida é diferente para
vale para todos os níveis de ensino. cada aluno, porque suas bagagens são diferentes, e esse
ponto deve ser respeitado. É preciso cuidar da proposi-
A formação para o cuidar ção dos objetivos, para evitar que o incluído no sistema
escolar não se torne um excluído na escola.
Trago dentro do meu coração como num cofre que Esse ponto remete diretamente à proposta de um
não se pode fechar de cheio, todos os lugares onde estive, conteúdo significativo para o aluno, tanto no sentido de
todos os portos a que cheguei, todas as paisagens que ui estar ancorado em outros saberes que ele já possui como
atraués de janelas ou uigias, ou de tombadilhos, sonhando. no sentido de atender às necessidades típicas de seu mo-
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que quero. mento de desenvolvimento.
Fernando Pessoa, Passagem das horas. Passa então para a comunicação do conteúdo sele-
cionado, o que implica a entrada no campo das relações
Nossos pressupostos: interpessoais. É sobre esse ponto que vamos nos deter,
1) a escola é um rico espaço para a formação de seus porque nossa experiência e o contato com escolas têm
professores, embora haja outros espaços que devem ser evidenciado que os professores estão clamando pela
articulados aos objetivos de formação; melhoria dessas relações.
2) a escola também deve ser organizada para o cuidar, Ao aceitarmos que é possível desenvolver habilida-
e a formação para o cuidar deve fazer parte de seus obje- des de relacionamento e/ou comunicação, pensamos
tivos; 3) o coordenador pedagógico tem uma função for- ser possível identificar algumas situações que ocorrem
madora, uma articuladora e uma transformadora; como no cotidiano da sala de aula e alguns modos de admi-
formador, cabe-lhe oferecer orientação pedagógica pela nistrá-las. Está implícito que o conteúdo dê conta dos
via de seus conhecimentos e pela procura de interlocu- objetivos selecionados e que o professor tenha um bom
tores qualificados para seus professores, dentro ou fora domínio desse conteúdo.
da escola, articulando os participantes da equipe esco- a) Habilidade de fazer-se próximo do aluno
lar, cuidando tanto das relações interpessoais como das Um bom manejo de classe parte de um princípio: é
relações com o conhecimento. Para que a formação seja preciso ter uma atitude de atenção para captar o que
transformadora em conhecimentos, sentimentos e ações, se passa na classe. O aluno precisa sentir a proximidade
é preciso que a proposta de formação tenha referência na do professor. A resposta dada por um aluno da então 6ª
atividade cotidiana do professor, que faça sentido para série do 1º grau noturno de uma escola pública a uma
ele. Citando Capra (2002, p. 123): pergunta sobre um projeto que sua escola desenvolverá
As coisas em que as pessoas prestam atenção são de- (Almeida, 1992) até hoje faz parte de minhas reflexões.
terminadas pelo que essas pessoas são enquanto indiví- Quando lhe foi perguntado: “O que foi mais significativo
duos, pelas características culturais de suas comunidades no projeto para você?”, a resposta foi imediata: “O pro-
de prática. Não é a intensidade ou a frequência de uma fessor ter chegado até a terceira carteira” (possivelmente
mensagem que vai fazê-la ser ouvida por elas; é o fato de a terceira carteira indicava o lugar em que ele sentava, e
a mensagem ser ou não significativa para elas. que os professores antes da execução do projeto se mo-
Lembrando mais uma vez a raposa: somente quando vimentavam da lousa para a mesa e vice-versa).
sou cativado pela proposta, fico responsável por ela, isto Meus acertos e desacertos no cotidiano da sala de
é, dou respostas, a partir das relações que estabeleço. aula têm mostrado que sou mais eficiente quando con-
Com esse espírito, discutiremos o cuidar, enfocando a sigo:
relação professor-aluno, como subsídio ao coordenador — ao apresentar/discutir um assunto para toda a
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pedagógico nos processos de formação que viabiliza na classe, ou supervisionar o trabalho dos alunos, posicio-
escola. Falaremos de situações que acontecem no coti- nar-me ou movimentar-me de forma que apreenda o que
diano da sala de aula, porque esta representa o lugar de se passa na classe e seja vista por todos; fazer cada aluno
trabalho do professor, onde, dominando o conteúdo e sentir que estou falando para ele e não para interlocu-
sendo gestor das relações interpessoais, realiza uma se- tores privilegiados (confesso que os tenho, às vezes, por
quência de atividades, rotinas, movimentos para promo- diferentes motivos);
ver aprendizagens; e porque acreditamos que o principal — ao trabalhar com um pequeno grupo, enquanto os
espaço de autonomia do professor é sua sala de aula, e a demais alunos fazem suas atividades, dirigir-me a todos
maneira como trata seus alunos. os seus membros, mas, ao mesmo tempo, estar atenta ao
que está acontecendo com os outros alunos;
Cuidar do fazer — ao utilizar recursos tecnológicos, certificar-me de
O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo que os recursos estejam adequados às etapas de desen-
é por uma palavra pensada. volvimento do aluno; promover condições para que os
O fazer do professor começa com o planejamento de observadores possam explorá-los suficientemente (ques-
suas aulas, e o primeiro passo é propor seus objetivos — tões formuladas por escrito ou oralmente que mobilizem
que devem ser valiosos {porque vão colaborar para o de- o aluno a classificar, representar, analisar, sintetizar, ou
senvolvimento do aluno) e exequíveis (porque passíveis seja, que desafiem o aluno a buscar soluções diante das
de serem atingidos pelos alunos). mensagens, em vez de assistir a elas passivamente);

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— ao planejar qualquer procedimento para atingir — enfim, o que tenho tentado fazer para responder
meus objetivos, perguntar-me como ele poderá colabo- aos sentimentos dos alunos é colocar-me no lugar de-
rar na aprendizagem dos alunos; perguntar-me também les: “o que eu sentiria se não estivesse preparada para a
quanto estou confortável para usar este ou aquele tipo avaliação?”; “o que eu sentiria se dominasse todo o con-
de procedimento/recurso. teúdo já apresentado?” ; “o que eu sentiria se percebesse
que o professor me julga incapaz de aprender sua maté-
b) Habilidade de observar, olhar, ouvir. ria?”; “o que eu sentiria se tentasse ser boa aluna e fosse
Cabe aqui uma afirmação de Wallon (1975, p. 16): sempre deixada de lado?”
Observar é evidentemente registrar o que pode ser Algo que tem ficado muito evidente: os alunos perce-
verificado. Mas registrar e verificar é ainda analisar, é bem quando a preocupação com os sentimentos é legíti-
ordenar o real em fórmulas, é fazer-lhe perguntas. É a ma ou é artificial. Autenticidade é fundamental.
observação que permite levantar problemas, mas são os
problemas levantados que tornam possível a observação. d) Habilidade de encaminhar soluções
Lembrando também que cada um de nós é um intri-
Captados os sentimentos pelo professor, expressos os
cado de afetos, cognições e movimentos, tenho tentado,
sentimentos pelos alunos, o que fazer? Tenho vivenciado
com maior ou menor sucesso:
que esse é o nó górdio da questão, e tenho tentado al-
— observar a postura dos alunos — é um indicador
potente para demonstrar se o aluno está na aula “por gumas saídas:
inteiro” ou só “de corpo presente”; — dialogar com os alunos-,
— ouvir cada questão formulada pelos alunos — so- — fazer todos participarem da discussão, para resol-
bre o assunto tratado ou sobre suas necessidades; ver os problemas levantados;
— ao fazer uma questão, lembrar-me de que não vou — estabelecer com eles os objetivos, lembrando-me
receber a resposta daquela questão, mas daquele aluno; de que os objetivos são tanto meus quanto deles;
— não ignorar planos que os alunos apresentam; — determinar, com a ajuda deles, corno atingir obje-
— escutar” a expressão dos alunos: barulhos, cochi- tivos e fazer acordos para sua execução;
chos, olhares, temas sobre os quais falam: da matéria, da — deixar claro que confio na capacidade deles.
atividade, dos colegas etc.; Tenho presente alguns “vividos” que me servem de
— tentar apreender os sentidos dos movimentos, das bússola:
palavras e sons, porque revelam os interesses do mo- — o jeito de ser do professor interfere no jeito de ser
mento; do aluno;
— estar atenta à dinâmica da classe, não ignorando a — por jeito de ser entendo o professor “por inteiro”,
maneira como os alunos se expressam. com seus afetos, cognições e movimentos, seu jeito de
Retornando a Wallon, o afetivo (sentimentos e emo- comunicar o conteúdo, o jeito de relacionar-se com os
ções) é um lastro para o cognitivo e vice-versa. alunos, enfim, o jeito de ser a pessoa do professor; reco-
nheço que não é fácil ser autêntico: ser autêntico é tradu-
c) Habilidade de responder aos sentimentos zir seus sentimentos com clareza para si e para os outros,
Rogers (1983, p. 7) registra a alegria de ter encontra- sem julgamento; também não é fácil ser empático, colo-
do pessoas que captaram seus sentimentos: car-se no lugar do outro, porque estamos acostumados
Várias vezes em minha vida me senti explodindo a uma compreensão sempre avaliativa: ser empático é
diante de problemas insolúveis ou andando em círculos compreender o outro segundo o ponto de vista dele, e
atormentadamente, ou ainda, em certos períodos, sub- não segundo o meu;
jugado por sentimentos de desvalorização e desespero.
— se o professor não confia na capacidade do aluno,
Acho que tive mais sorte que a maioria, por ter encontra-
em suas potencialidades de desenvolvimento, e não está
do, nesses momentos, pessoas que foram capazes de me
disposto a viver as incertezas das descobertas que vão
ouvir e assim resgatar-me do caos de meus sentimentos.
surgindo quando se abre para ouvir seu aluno, permitir- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
Pessoas que foram capazes de perceber o significado do
que eu dizia um pouco além do que era capaz de di- -lhe a expressão dos sentimentos, captar os sentimentos
zer. Essas pessoas me ouviram sem julgar, diagnosticar, dele e os seus, fica difícil haver um diálogo verdadeiro e
apreciar, avaliar. Apenas me ouviram, esclareceram-me e a elaboração de planos conjuntos;
responderam-me em todos os níveis em que eu me co- — o aluno capta o professor “por inteiro”: não é só a
municava... fala do professor que o leva para a frente ou o barra; tam-
Porque também tive ao meu lado pessoas assim, e re- bém seu jeito de falar, de se expressar, de se movimentar.
conheço a importância delas em minha formação, tenho Enfim, tendo em vista que a dinâmica da classe não
tentado, ao trabalhar com a classe toda, com um peque- pode ser esquecida, e precisa ser compreendida em seu
no grupo ou um só aluno: contexto, gostaria de terminar o tópico “Cuidar do fazer”
— provocar a expressão dos sentimentos, tentando narrando um episódio relatado por uma aluna-professo-
traduzir para os alunos a situação que observei; ra, considerando-o um incidente crítico digno de análise.
— dar aos alunos a possibilidade de se manifestar, Diogo, aluno de 5a série do Ensino Fundamental em
expressando meus sentimentos, estimulando os alunos a 2005. Segundo a professora de Matemática, perturbava
expressar os seus; bastante suas aulas: terminado o exercício saía do lugar,
— não criticando, não ameaçando, não ridicularizan- ficava conversando com seus colegas, fazia perguntas
do, fazendo os alunos entenderem que cuido dos senti- fora do assunto. A professora constantemente lhe per-
mentos deles; guntava: “O que acontece com você, menino?”, e ele dava

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de ombros. Certo dia, Diogo encontrou-se com a profes- berdade e adolescência, segundo a periodização propos-
sora no corredor e lhe disse: “Professora, faz tempo que ta por Wallon para os estágios de desenvolvimento. De
a senhora não me pergunta o que acontece comigo. A acordo com esse autor, por volta dos seis a onze anos a
senhora nem notou que agora fico quieto na minha car- criança encontra- se no período categorial, período que
teira. Sabe? Minha mãe morreu...”. coincide com o primeiro ciclo do Ensino Fundamental.
Nesse estágio, a criança continua a se desenvolver tanto
Cuidar do conhecimento já elaborado no plano motor como no afetivo, mas é principalmente
no plano intelectual que ocorrem os maiores avanços.
Cuidar do conteúdo significa cuidar do que já foi fei- Com a maturação dos centros nervosos que permitem
to, significa um respeito pela cultura e pelo homem que o controle da memória voluntária e da atenção, a criança
a construiu e foi construído por ela. Significa mostrar que tem a capacidade de manter-se concentrada, de selecio-
por trás de cada conceito, de cada expressão científica nar entre múltiplos estímulos os que mais lhe interessam.
ou artística está um homem, com os instrumentos que Deparando com meios, grupos e interesses variados,
representam a síntese de seu momento histórico. exerce diferentes papéis, tendo de adequar sua condu-
Ao passar o legado do passado, o professor está mos- ta a diferentes situações. Ao final do período, chega ao
trando ao aluno que a Humanidade não é um conceito pensamento categorial, com a capacidade de organiza-
abstrato: tanto o homem de ontem como o de hoje — os ção do mundo em categorias bem definidas, e uma com-
que nos antecederam, os que aqui estão e os que estão preensão mais nítida de si.
por vir — constituem a Humanidade. A escola é a síntese Esse longo período será mais bem-sucedido em ter-
entre o passado (legado cultural) e o futuro (alternativas mos de desenvolvimento se contar com os cuidados do
de possibilidades), e o professor o mediador entre o co- professor, especialmente, para:
nhecimento e o aluno (Almeida, 2005). — levar em conta o que o aluno já sabe e o que pre-
Apresentar à criança e ao jovem o que a humanidade cisa para dominar certos conceitos;
já construiu implica também dar-lhes a segurança para — propor procedimentos adequados para apresenta-
não aceitar o conhecimento como algo pronto e acaba- ção do conteúdo (individuais e grupais);
do, mas como um trampolim para novas conquistas. Dar- — estar atento à dinâmica das relações entre as crian-
-lhes a segurança e a oportunidade para questioná-lo, ças, nos processos de acolhimento ou de exclusão;
para experimentá-lo, para brincar com ele — brincar na — estar atento ao fato de que o clima da classe é
gerado pelas inter-relações professor-alunos e alunos-
aceitação de que o conhecimento pode ser conquistado
-alunos, e ele, professor, é também modelo para essas
com esforço sim, mas também com alegria. Ensinar-lhes
relações;
que “... a verdade nunca pode ser dádiva de um homem a
— expressar receptividade ao outro — igual ou dife-
outro homem. A verdade só pode surgir como resultado
rente —, cooperação, generosidade, solidariedade. São
de uma busca e de uma luta que cada um de nós tem
valores aprendidos quando vividos, compartilhados na
de travar consigo próprio, por sua própria conta e risco”
relação eu- outro e fundamentais para a escolha de pro-
(Gusdorf, 1967, p. 21). jetos de vida futuros; não são aprendidos pelo discurso,
Quando o aluno sente no professor a disponibilida- pela apresentação de informações apenas.
de, o entusiasmo, a sinceridade para com sua área de Se no período categorial o objetivo principal é a ex-
conhecimento, mostrando-lhe sua beleza e seu proces- ploração do mundo, a partir dos onze anos, na puberda-
so de construção, o aluno admira o professor por sua de e adolescência, vai aparecer com força a exploração de
competência. Então, mesmo numa classe de cinquenta si mesmo. O domínio de categorias cognitivas de maior
alunos acontece o “encontro a dois” de que fala Gusdorf. nível de abstração, fortalecido com a dimensão tempo-
Tenho compartilhado a emoção de professores que ral, possibilitará uma discriminação mais clara dos limites
passam por essa experiência. Vejo, por exemplo, os olhos de autonomia e dependência. Ações de questionamen-
brilhantes do professor Gustavo dizendo: “Vou lhe contar to, contrapondo-se aos valores tais como apresentados
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um segredo, professora. Os professores de matemática pelos adultos, com apoio dos pares, são frequentes. As
também amam e querem ser amados. E querem fazer de grandes perguntas que surgem: “Quem sou eu? Quais
seus alunos amantes e mais do que amantes da matemá- são meus valores? Quem serei no futuro?”, provocam
tica. Por isso, cuido muito bem de minhas aulas e de meu ambiguidades de sentimentos e ações.
aluno”. E continua, depois de contar que faz parte, como Para as respostas a essas questões, o socius (o outro
voluntário, de um grupo de estudos sobre inclusão em internalizado) tem papel importante. Papel importante
sua escola: “Minha maior alegria, como professor, será tem também o professor, na medida em que aceita que
quando conseguir transpor uma estrutura matemática de os conflitos fazem parte do desenvolvimento e não de-
domínio geral dos alunos para uma linguagem que seja vem ser camuflados; em que aceita os sentimentos am-
acessível a alunos portadores de necessidades especiais”. bivalentes do adolescente na busca de uma identidade
autônoma; em que oferece recursos para os jovens exer-
Cuidar da elaboração de projetos de vida éticos citarem seu desejo de aventuras e mudanças, propondo
projetos sociais, estimulando a cooperação, a solidarie-
Lembramos que nossa proposta foi refletir sobre o dade, a justiça social.
cuidar no segmento do Ensino Fundamental e Médio, Enfim, não podemos esquecer que nós, professores,
um período em que, estando os alunos na idade escolar temos um poder muito grande, porque, como “outro sig-
adequada, sem defasagem ida- de-série, se encontram nificativo”, somos agentes éticos. Quando pedimos gen-
no estágio categorial e posteriormente no estágio da pu- tilmente a um aluno uma clarificação da questão, uma

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contribuição para a classe, quando dizemos ao aluno Vale a pena lembrar o estudo realizado por Codo
“eu sei que você pode fazer melhor” ou “eu sei que você (1999), que, a partir de pesquisa sob sua coordenação
pode ajudar seu colega”, estamos transmitindo valores. sobre condições de trabalho saúde mental de trabalha-
Quando recebemos e aceitamos os sentimentos do alu- dores em educação no país, investigou professores, fun-
no sobre a matéria, percebendo-a através dos seus olhos cionários e especialistas em educação, em 1.440 escolas
e ouvidos, procurando atender às necessidades que os espalhadas por todos os estados. Concluiu que a não-
sentimentos expressam, transmitimos valores. Quando -satisfação de suas necessidades afetivas pode levá-los
aceitamos que cada aluno deseja ter competência em ao burnout — estresse laborai, “síndrome da desistên-
seu mundo e tentamos fornecê-la, estamos transmitin- cia do educador”. As origens do burnout — que fazem
do valores. Quando procuramos entender os motivos de a diferença entre o prazer e o sofrimento no trabalho do
nosso aluno e dialogamos com ele para mostrar-lhe que professor — identificadas em sua pesquisa referem-se
vão contra nossa própria ética, e por isso não podemos basicamente ao “conflito afeto versus razão”, às “relações
atendê-los, estamos transmitindo valores. sociais” que envolvem o trabalho do professor e ao “con-
Ética não é dar um catálogo de regras: é discutir com trole sobre o meio”.
os alunos o que seus atos significam em termos de ne- Os dados evidenciam que o caráter de cuidado é ine-
cessidades, sentimentos, consequências e. projetos de rente ao trabalho do professor, pois seu objetivo é suprir
vida seus e dos outros. Acima de tudo, é vivê-la, em sua as necessidades do outro e as suas, num espaço afetivo
relação com o aluno. É esse o cuidar do professor, colo- intenso. Há conteúdos a cumprir, tópicos a ser seguidos,
cando o conhecimento e a dinâmica da classe a serviço pressões de várias ordens. A equação entre afeto e razão,
da elaboração de projetos de vida éticos, para que o jo- se bem resolvida, é uma grande fonte de prazer no tra-
vem possa optar e lutar por seus valores, “para escolher balho; porém, se mal resolvida (e uma das formas é “es-
suas opiniões e seus atos”, de acordo com eles. friar” a mediação pelo afeto), exaure emocionalmente o
professor, que se defende com a perda do envolvimento
Cuidar de si mesmo pessoal no trabalho, transformando cada aluno em um
número a mais, isto é, entra em burnout.
Para cuidar bem do outro, é preciso cuidar-se. O que Os resultados da pesquisa indicam, fortemente,
pode o professor fazer para cuidar bem de si? quanto a “comunidade em torno” (o que acontece ao re-
• prestar atenção em si mesmo, garantir mais tempo dor da escola e do aluno, o que ocorre na comunidade,
para maior contato consigo mesmo; o que é trazido pela mídia) invade a aula do professor e
• procurar identificar as situações provocadoras de revela outro grupo de tensões: o que e como o professor
sentimentos positivos e negativos:
comunica pode gerar tensões pela importância do papel
— o que me afeta na sala de aula e na escola?
que lhe é atribuído e pela imprevisibilidade dos aconte-
— por que alguns alunos me equilibram e outros me
cimentos.
desequilibram?
Os depoimentos dos professores evidenciam ainda
— o que me torna mais seguro, mais confiante em
um terceiro eixo de tensões: o controle sobre seu traba-
mim mesmo, mais enfrentador de dificuldades?
lho e sobre o meio ambiente, que pode lhes trazer pra-
— o que me torna mais aceitador, mais flexível?
zer, mas também sofrimento; a perda do controle sobre
— quais sentimentos me fazem avançar e quais to-
a classe, sobre o meio escolar, traz a desesperança, a im-
lhem minhas ações?
• procurar identificar os sentidos que seu trabalho potência, que podem levar ao burnout.
tem para si: Por que a referência à pesquisa de Codo? Porque, se
— como entendo meu trabalho? o professor se sente derrotado por não conseguir atingir
— o que mais me gratifica no trabalho? os objetivos propostos e vê sua relação deteriorada com
— qual é meu lugar de conforto no trabalho? os alunos, pode caminhar para a perda de seus recursos
— quais propostas formadoras fazem sentido para pessoais, para a despersonalização, a exaustão emocio- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

mim, em função de minhas necessidades e aspirações? nal e o baixo envolvimento no trabalho.


• aceitar-se como pessoa concreta que é sujeita a li- Cuidar de si mesmo, voltar-se para si mesmo, conhe-
mitações de condições internas (valores, crenças, expec- cer-se melhor, ter um grupo de referência e de apoio,
tativas) e de condições externas (pressões, ambiente per- dar-se tempo para afiliações, participar de momentos
turbador dentro e fora da escola); de discussão em que é escancarada a complexidade do
• procurar identificar seu jeito de ser, fruto de sua his- cotidiano escolar ajudam-no a vencer momentos de de-
tória — experiências, leituras, trocas, crenças —, e refletir sânimo e impotência, que fazem parte do processo ensi-
se esse jeito o satisfaz ou se alguma mudança deve ser no-aprendizagem.
tentada;
• compartilhar com seus pares suas certezas e dúvi- Em jeito de conclusão
das;
• aprender a administrar seu tempo, para não ter só O pressuposto que norteou nossa discussão foi: a
trabalho; questão do cuidar é importante em todos os níveis de
• manter contato com grupos de afiliação; ensino. E certo que as nuanças do cuidar serão diferen-
• enfrentar os obstáculos que surgem, buscando a tes em função do estágio de desenvolvimento do aluno,
ajuda do coletivo; que impõe necessidades diferentes e formas diferentes
• ser despojado: não propor objetivos inatingíveis. de atendimento.

55
Focalizamos a relação professor-aluno-conhecimento — Como profissional, o coordenador é um especia-
porque esse é o esteio para que a escola dê conta de lista em possibilidades de desenvolvimento, e se analisar,
sua função. No entanto, ao considerarmos que a escola é com o grupo de professores, tanto os recursos do grupo
um espaço privilegiado para a formação de professores, como as alternativas de superação dos obstáculos que se
e que uma das funções do coordenador pedagógico é opõem ao desenvolvimento, terá maiores garantias de
a formadora, os tópicos que escolhemos para discutir o sucesso.
cuidar valem igualmente para a relação coordena- dor- — A sensibilidade para o cuidar não é conseguida por
-professores-conhecimento. discursos, mas pode ser alertada na e pela experiência.
O coordenador, tal qual o professor, tem uma tarefa Neste ponto, uma questão se coloca: quem vai cuidar
que implica, e talvez dobrado, grande investimento afe- para que o coordenador pedagógico possa desempe-
tivo. Cuidar de seu fazer, cuidar do conhecimento já ela- nhar suas atividades? Entendemos que o cuidado pres-
borado, cuidar de seus professores requer envolvimento supõe reciprocidade; quando me proponho a cuidar, re-
e desgaste emocional. O compromisso com o desen- cebo respostas de cuidado em meu entorno. Julgamos,
volvimento dos professores, que envolve relações com porém, que cabe às instâncias superiores à escola (em
alunos, família e comunidade, pode resultar, sim, produ- decorrência de políticas públicas) oferecer ao coordena-
tivo e prazeroso, mas não deixa de ser desgastante. As dor recursos para um desempenho satisfatório e cuida-
relações humanas, as relações interpessoais são sempre dos com sua formação. Atribuir-lhe responsabilidades
muito delicadas. Não é fácil conviver com a diferença, sem as condições necessárias para as respostas adequa-
aceitá-la, aproveitá-la como recurso. Não é fácil convi- das é negar-lhe esse cuidar.
ver com situações previsíveis e imprevisíveis do cotidia- Tentando um fechamento para este artigo, na expec-
no escolar, principalmente por causa da diversidade e da tativa de que o diálogo continue, selecionamos as falas
multiplicidade. de duas coordenadoras pedagógicas da rede pública
Ao discutir a questão do cuidar, estamos dando ao presentes em um encontro de formação do qual parti-
coordenador pedagógico mais uma incumbência, mais cipamos:
um desafio: contribuir para fazer da escola um fator de 1. Quando me perguntam por que eu consigo as coi-
proteção para crianças e jovens, ao lhes propiciar rela- sas na escola, por que eu tenho tanto poder, respondo:
cionamentos confortáveis com seus pares e professores Porque tenho o grupo ao meu lado, e eu tenho porque
e fortalecimento de vínculos, pois assim, respaldadas aprendi a ouvir as pessoas, a filtrar as informações, a evi-
por atitudes de respeito, aceitação e não-rejeição, po- tar as fofocas, a dar retorno, mesmo que seja para dizer:
dem usufruir favoravelmente das oportunidades que a Não consegui. Não posso. Aprendi a confiar e a receber
escola lhes oferece para o desenvolvimento cognitivo e a confiança do grupo. Aprendi a cuidar do grupo, das
afetivo. Pesquisas (algumas relatadas por Lisboa e Koller, pessoas e do nosso espaço de reuniões.
2004) que exploraram o conceito de bullying (vitimiza- 2. Escola tratar os professores com hospitalidade?
ção). Largamente empregado na literatura internacional, Imagine! Reinventar a escola? Isso é pura utopia!
mostram como a experiência de ser vitimizado, exposto, As afirmações das duas coordenadoras pedagógi-
de forma mais ou menos frequente, ao longo do tempo, cas, acrescentamos a de um escritor uruguaio, Eduardo
a ações negativas por parte de um ou mais alunos não Galeano (1994): “Ela está no horizonte (...]. Me aproximo
é facilmente superada e pode tornar-se um estigma. O dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez pas-
coordenador pedagógico precisa evidenciar aos profes- sos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu cami-
sores e demais agentes educativos que situações apa- nhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve
rentemente corriqueiras podem ser devastadoras para para isso: para caminhar”.
alguns: brincadeiras, divertidas para os que as propõem,
podem ser dolorosas e danosas para quem as recebe; pa- Fonte
lavras podem machucar; apelidos podem deixar marcas ALMEIDA. Laurinda Ramalho e PLACCO. Vera Maria
profundas. Enfim, mostrar que compete a eles, adultos Nigro (orgs.). O coordenador pedagógico e a questão da
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

mais experientes e mais bem informados, tutelar as re- contemporaneidade. São Paulo: Loyola, 2006
lações interpessoais de crianças e jovens na escola — na
sala de aula e fora dela. Não se trata de intervir, mas de
cuidar, evitando excessos, mostrando alternativas ade-
quadas. A escola é uma oficina de convivência, e seus EXERCÍCIO COMENTADO
profissionais devem cuidar para que a convivência seja
saudável e provocadora de desenvolvimento. 01. Ao coordenador pedagógico compete:
O coordenador pedagógico (emprestamos de Mer-
leau-Ponty, 1993, as características que vê nos filósofos) A. coordenar, orientar monitorar e controlar as ações dos
precisa ter inseparavelmente o gosto da evidência e o docentes.
sentido da ambiguidade. B. acompanhar, assessorar e identificar a eficiência da
Com toda a ambiguidade e complexidade do cotidia- gestão educacional.
no escolar, há evidências de que: C. assessorar e apoiar a eficácia das atividades pedagó-
— Qualquer aprendizagem significativa envolve gicas do docente.
mudança, e a mudança é uma experiência assustadora; D. coordenar, apoiar, assessorar, orientar e direcionar as
porém, se gera um resultado gratificante, o professor atividades pedagógicas.
permite-se o risco de mudar, abrindo-se para novas ex- E. avaliar as atividades administrativas pedagógicas e di-
periências. dáticas da gestão.

56
O trabalho do coordenador numa instituição de ensi-
no é bastante amplo e acima de tudo complexo, en- LACERDA, C. B.; ALBRES, N. A.; DRAGO,
tre suas funções a ser realizadas dentro da instituição S. L. POLÍTICA PARA UMA EDUCAÇÃO
como coordenador está o ato de coordenar, acompa- BILÍNGUE E INCLUSIVA A ALUNOS SURDOS
nhar, assessorar, apoiar, orientar, direcionar e avaliar as NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. EDUCAÇÃO
atividades pedagógicas curriculares, mais é importan-
E PESQUISA: REVISTA DA FACULDADE DE
te ressaltar que uma das suas principais prioridades é
prestar assistência didático-pedagógica, e aos profes- EDUCAÇÃO DA USP, SÃO PAULO, N. 39, P. 65-
sores no que diz respeito ao trabalho interativo com 80, 2013.
os seus alunos.
RESPOSTA: D
No Brasil, a Lei nº 10.436, de 2002, e o Decreto nº
5.626, de 2005, tratam da língua brasileira de sinais (Li-
GATTI, BERNARDETE A. O PROFESSOR E A bras) e da educação de surdos, indicando a necessidade
de formação de futuros profissionais (professor bilíngue,
AVALIAÇÃO EM SALA DE AULA. ESTUDOS
instrutor surdo e intérprete de Libras) cientes da condição
EM AVALIAÇÃO EDUCACIONAL, SÃO
linguística diferenciada dos alunos surdos.
PAULO, N. 27, JAN./ JUN. 2003. A cidade de São Paulo se destaca nesse cenário, ao
atender alunos surdos tanto nas escolas municipais de
educação bilíngue (para alunos surdos) como nas escolas
A avaliação educacional é uma ferramenta para pro- regulares (que recebem alunos ouvintes e surdos).
mover o progresso dos alunos. A aquisição e aprendizagem da linguagem é gradual,
Como sabemos que o processo de formação de pro- de forma que promova a construção de conhecimentos,
fessores apresenta um aspecto deficiente nesse assunto, sendo assim, a linguagem e a língua representam pilar
a autora procura trazer algumas orientações mostrando central no contexto educacional.
a importância da avaliação para fins de orientação, pla- A Libras é uma língua visual-espacial utilizada natural-
nejamento e replanejamento do ensino, ressaltando, por mente em comunidades surdas brasileiras, permitindo ex-
outro lado, a integração da avaliação no ensino e sua im- pressar sentimentos, ideias, ações e qualquer conceito e/
portância na apreciação das diversas aprendizagens e do ou significado para estabelecer interações entre sujeitos.
autodesenvolvimento dos alunos. A língua de sinais possui todas as características linguísti-
Ela fala sobre a responsabilidade dos professores se
cas de qualquer língua humana natural. Como as demais
portarem como avaliadores, para isso, reforça o papel do
línguas orais, ela não é universal; ao longo do território
acompanhamento que o professor faz dos alunos em sua
brasileiro, apresenta variações que advêm das caracterís-
sala de aula ao longo do desenvolvimento de seu traba-
lho, com vistas à progressão dos alunos. ticas regionais, sociais e culturais de cada lugar. É uma
Esta avaliação tem por finalidade acompanhar os pro- língua autônoma, dotada de gramática específica estru-
cessos de aprendizagem escolar, compreender como eles turada nos diversos níveis linguísticos (GESSER, 2009). A
estão se concretizando, oferecer informações relevantes importância da Libras para o desenvolvimento dos alunos
para o próprio desenvolvimento do ensino na sala de surdos é enorme, já que “todas as esferas da atividade
aula em seu dia-a-dia, para o planejamento e replane- humana, por mais variadas que sejam, estão sempre re-
jamento contínuo da atividade de professores e alunos, lacionadas com a utilização da língua”; tal utilização, por
como para a aferição de graus. sua vez, ”efetua-se em forma de enunciados (orais e es-
É de todo importante que o professor possa criar, e critos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes
verificar no uso, atividades diversas que ensejem avalia- duma ou doutra esfera da atividade humana” (BAKHTIN,
ção de processos de aquisição de conhecimentos e de- 1997, p. 279), conferindo à enunciação/linguagem/língua CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
senvolvimento de atitudes, de formas de estudo e traba- papel fundamental na apropriação e na construção de
lho, individual ou coletivamente, para utilizar no decorrer conceitos.
de suas aulas. Vale destacar aqui, uma disparidade entre a proposta
Esse processo de acumulação e acompanhamen- da inclusão incondicional que se coloca para as escolas e
to progressivo das informações levantadas requer uma as ações relativas às especificidades de cada aluno traba-
dedicação mais acentuada, por isso, é importante que lhada pela escola.
a escola participe dessa proposta, criando momentos e A análise da legislação indica a previsão de figuras
ambientes para que essas discussões entre os profissio- profissionais novas e necessárias à edu¬cação de sur-
nais aconteçam. dos; a intenção de promover for¬mação continuada
Acumulando, analisando e refletindo sobre os meios para seus quadros, de modo a ampliar as possibilidades
avaliativos que venham a criar, os professores, bem como de um atendimento de qualidade aos alunos surdos; e
toda a equipe escolar, podem apurar e melhorar suas for- o intento assumir compromisso com uma perspectiva
mas de avaliação e, portanto, tornarem-se mais justos na educacional bilíngue, seja na escola de surdos, seja no
apreciação das diversas aprendizagens de seus alunos. espaço inclusivo.
A construção do conhecimento dos alunos surdos no
Veja a obra na íntegra acessando o link a seguir: município de São Paulo nos faz refletir sobre a trajetória
https://www.fcc.org.br/pesquisa/publicacoes/eae/ar- desses alunos e a forma como o ensino é aplicado, indi-
quivos/1150/1150.pdf cando, dentre outros aspectos, a escolha de uma educa-

57
ção plural, entendendo que pessoas com surdez têm di- Libâneo revela-nos que com os novos valores so-
versas necessidades e condições, e que a inclusão social ciais, já não é suficiente preparar alunos para provas e
desses sujeitos, no que tange à educação, pode dar¬-se exames. Escolas de qualidade deverão apresentar profes-
com diferentes roupagens. sores capacitados, que atendam as necessidades do cor-
Conhecer melhor essa proposta pode orientar novas po discente, segundo as exigências sociais em que está
políticas públicas atentas à condição bilíngue implica- inserido. Portanto os conteúdos aplicados deverão ir de
da na surdez. Cabe, então, acompanhar os efeitos da encontro com a vida cultural e prática do aluno.
implementação de tal legislação a fim de compreender No quarto capítulo, o autor argumenta sobre a cons-
seus impactos sobre as práticas educacionais que en- trução da identidade profissional do professor, apre-
volvem alunos surdos. sentando-nos conceitos sobre a profissionalização e
profissionalismo, Libâneo desperta nos professores a
Leia mais em: importância da formação continuada como condição de
http://www.scielo.br/pdf/ep/v39n1/v39n1a05.pdf garantia da execução do trabalho com qualidade, e nos
deveres e responsabilidades da profissão os quais devem
refletir como dedicação, participação e desempenhos na
LIBÂNEO, J. C. ORGANIZAÇÃO E GESTÃO atividade profissional.
DA ESCOLA: TEORIA E PRÁTICA. 6. ED. SÃO
AS CONCEPÇÕES DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO
PAULO: HECCUS, 2015. CAP. 6, 7 E 14 ESCOLAR

O estudo da escola como organização de traba-


lho não é novo, há toda uma pesquisa sobre adminis-
#FicaDica tração escolar que remonta aos pioneiros da educação
O livro “ Organização e Gestão da Escola - nova, nos anos 30. Esses estudos se deram no âmbito
Teoria e Prática” de José Carlos Libâneo, nos da Administração Escolar e, frequentemente, estiveram
quatro primeiros capítulos discute os objetivos, marcados por uma concepção burocrática, funcionalista,
funções e critérios de qualificação das escolas aproximando a organização escolar da organização em-
e da situação do professor quanto profissional. presarial. Tais estudos eram identificados com o campo
de conhecimentos denominado Administração e Orga-
nização Escolar ou, simplesmente Administração Escolar.
Nos anos 80, com as discussões sobre reforma curricular
No primeiro capítulo, Libâneo destaca a escola como dos cursos de Pedagogia e de Licenciaturas, a disciplina
organização de trabalho e lugar para desenvolvimento passou em muitos lugares a ser denominada de Organi-
do conhecimento do professor. Ressalta a importância zação do Trabalho Pedagógico ou Organização do Traba-
do trabalho em equipe onde o docente deve participar lho Escolar, adotando um enfoque crítico, frequentemen-
ativamente na gestão e organização da escola, exercen- te restringido a uma análise crítica da escola dentro da
do competentemente sua profissão de professor. organização do trabalho no Capitalismo. Houve pouca
O autor escreve sobre as mudanças, pelas quais as preocupação, com algumas exceções, com os aspectos
escolas estão passando nos âmbitos econômico, políti- propriamente organizacionais e técnico-administrativos
co, cultural, educacional, geográfico, e a postura que os da escola.
professores devem ter diante destas novas perspectivas É sempre útil distinguir, no estudo desta questão,
os quais terão de estar em contínua aprendizagem e um enfoque científico-racional e um enfoque crítico, de
formação. cunho sócio-político. Não é difícil aos futuros professores
Libâneo no segundo capítulo nos faz ver como o en- fazerem distinção entre essas duas concepções de orga-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

sino vem sendo afetado pelas alterações nos currículos, nização e gestão da escola. No primeiro enfoque, a orga-
na organização escolar, alterações estas ocorridas pela nização escolar é tomada como uma realidade objetiva,
introdução de novas tecnologias, novas atitudes e valo- neutra, técnica, que funciona racionalmente; portanto,
res sociais e culturais. Frente a esta mudanças, a socie- pode ser planejada, organizada e controlada, de modo
dade exige uma escola para novos tempos, a qual deve a alcançar maiores índices de eficácia e eficiência. As es-
preparar cidadãos com perfil crítico e criativo. colas que operam nesse modelo dão muito peso à estru-
tura organizacional: organograma de cargos e funções,
O autor observa também, a necessidade de forma-
hierarquia de funções, normas e regulamentos, centrali-
ção da ética e respeito dentro da sociedade capitalista,
zação das decisões, baixo grau de participação das pes-
na qual estamos inseridos e globalizados.
soas que trabalham na organização, planos de ação fei-
O livro em seu terceiro capítulo, nos mostra a im- tos de cima para baixo. Este é o modelo mais comum de
portância de buscarmos a qualidade social do ensino e funcionamento da organização escolar.
quais os critérios a serem considerados nessa busca. Li- O segundo enfoque vê a organização escolar basi-
bâneo destaca ideias do sociólogo Pedro Demos, e nos camente como um sistema que agrega pessoas, impor-
apresenta o conceito de qualidade no ensino, os quais tando bastante a intencionalidade e as interações sociais
nos encaminha aos pensamento de que a qualidade nas que acontecem entre elas, o contexto sócio-político etc.
instituições educacionais deve desenvolver seres huma- A organização escolar não seria uma coisa totalmente
nos capazes de participarem ativamente na sociedade. objetiva e funcional, um elemento neutro a ser obser-

58
vado, mas uma construção social levada a efeito pelos das coletivamente e discutidas publicamente. Entretanto,
professores, alunos, pais e integrantes da comunidade uma vez tomadas as decisões coletivamente, advoga que
próxima. Além disso, não seria caracterizado pelo seu pa- cada membro da equipe assuma a sua parte no trabalho,
pel no mercado mas pelo interesse público. A visão críti- admitindo-se a coordenação e avaliação sistemática da
ca da escola resulta em diferentes formas de viabilização operacionalização das decisões tomada dentro de uma
da gestão democrática, conforme veremos em seguida. tal diferenciação de funções e saberes. Outras caracterís-
Com base nos estudos existentes no Brasil sobre a ticas desse modelo:
organização e gestão escolar e nas experiências levadas - Definição explícita de objetos sócio-políticos e pe-
a efeito nos últimos anos, é possível apresentar, de for- dagógicos da escola, pela equipe escolar.
ma esquemática, três das concepções de organização e - Articulação entre a atividade de direção e a iniciativa
gestão: a técnico-científica (ou funcionalista), a autoges- e participação das pessoas da escola e das que se
tionária e a democrático-participativa. relacionam com ela.
A concepção técnico-científica baseia-se na hierar- - A gestão é participativa mas espera-se, também, a
quia de cargos e funções visando a racionalização do gestão da participação.
trabalho, a eficiência dos serviços escolares. Tende a se- - Qualificação e competência profissional.
guir princípios e métodos da administração empresarial. - Busca de objetividade no trato das questões da or-
Algumas características desse modelo são: ganização e gestão, mediante coleta de informa-
- Prescrição detalhada de funções, acentuando-se a ções reais.
divisão técnica do trabalho escolar (tarefas espe- - Acompanhamento e avaliação sistemáticos com
cializadas). finalidade pedagógica: diagnóstico, acompanha-
- Poder centralizado do diretor, destacando-se as re- mento dos trabalhos, reorientação dos rumos e
lações de subordinação em que uns têm mais au- ações, tomada de decisões.
toridades do que outros. - Todos dirigem e são dirigidos, todos avaliam e são
- Ênfase na administração (sistema de normas, regras, avaliados.
procedimentos burocráticos de controle das ativi-
dades), às vezes descuidando-se dos objetivos es- Atualmente, o modelo democrático-participativo tem
pecíficos da instituição escolar. sido influenciado por uma corrente teórica que com-
- Comunicação linear (de cima para baixo), baseada preende a organização escolar como cultura. Esta cor-
em normas e regras. rente afirma que a escola não é uma estrutura totalmen-
- Maior ênfase nas tarefas do que nas pessoas. te objetiva, mensurável, independente das pessoas, ao
contrário, ela depende muito das experiências subjetivas
Atualmente, esta concepção também é conhecida das pessoas e de suas interações sociais, ou seja, dos
como gestão da qualidade total. significados que as pessoas dão às coisas enquanto sig-
A concepção autogestionária baseia-se na respon- nificados socialmente produzidos e mantidos. Em outras
sabilidade coletiva, ausência de direção centralizada e palavras, dizer que a organização é uma cultura significa
acentuação da participação direta e por igual de todos que ela é construída pelos seus próprios membros.
os membros da instituição. Outras características: Esta maneira de ver a organização escolar não exclui a
- Ênfase nas inter-relações mais do que nas tarefas. presença de elementos objetivos, tais como as ferramen-
- Decisões coletivas (assembleias, reuniões), elimina- tas de poder externas e internas, a estrutura organizacio-
ção de todas as formas de exercício de autoridade nal, e os próprios objetivos sociais e culturais definidos
e poder. pela sociedade e pelo Estado. Uma visão sócio- crítica
- Vínculo das formas de gestão interna com as for- propõe considerar dois aspectos interligados: por um
mas de auto-gestão social (poder coletivo na esco- lado, compreende que a organização é uma construção
la para preparar formas de auto-gestão no plano social, a partir da Inteligência subjetiva e cultural das CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
político). pessoas, por outro, que essa construção não é um pro-
- Ênfase na auto-organização do grupo de pessoas da cesso livre e voluntário, mas mediatizado pela realidade
instituição, por meio de eleições e alternância no sociocultural e política mais ampla, incluindo a influência
exercício de funções. de forças externas e internas marcadas por interesses de
- Recusa a normas e sistemas de controle, acentuan- grupos sociais, sempre contraditórios e às vezes confliti-
do-se a responsabilidade coletiva. vos. Busca relações solidárias, formas participativas, mas
- Crença no poder instituinte da instituição (vivência também valoriza os elementos internos do processo or-
da experiência democrática no seio da instituição ganizacional- o planejamento, a organização e a gestão,
para expandi-la à sociedade) e recusa de todo o a direção, a avaliação, as responsabilidades individuais
poder instituído. O caráter instituinte se dá pela dos membros da equipe e a ação organizacional coorde-
prática da participação e auto-gestão, modos pe- nada e supervisionada, já que precisa atender a objetivos
los quais se contesta o poder instituído. sociais e políticos muito claros, em relação à escolariza-
ção da população.
A concepção democrática-participativa baseia-se As concepções de gestão escolar refletem portanto,
na relação orgânica entre a direção e a participação do posições políticas e concepções de homem e sociedade.
pessoal da escola. Acentua a importância da busca de O modo como uma escola se organiza e se estrutura tem
objetivos comuns assumidos por todos. Defende uma um caráter pedagógico, ou seja, depende de objetivos
forma coletiva de gestão em que as decisões são toma- mais amplos sobre a relação da escola com a conserva-

59
ção ou a transformação social. A concepção funcionalis- res da secretaria. O setor técnico-administrativo respon-
ta, por exemplo, valoriza o poder e a autoridade, exercida de, também, pelos serviços auxiliares (Zeladoria, Vigilân-
unilateralmente. Enfatizando relações de subordinação, cia e Atendimento ao público) e Multimeios (biblioteca,
determinações rígidas de funções, hipervalorizando a ra- laboratórios, videoteca etc.).
cionalização do trabalho, tende a retirar ou, ao menos, A Zeladoria, responsável pelos serventes, cuida da
diminuir nas pessoas a faculdade de pensar e decidir so- manutenção, conservação e limpeza do prédio; da guar-
bre seu trabalho. Com isso, o grau de envolvimento pro- da das dependências, instalações e equipamentos; da co-
fissional fica enfraquecido. zinha e da preparação e distribuição da merenda escolar;
As duas outras valorizam o trabalho coletivo, impli- da execução de pequenos consertos e outros serviços
cando a participação de todos nas decisões. Embora rotineiros da escola.
ambas tenham entendimentos das relações de poder A Vigilância cuida do acompanhamento dos alunos
dentro da escola, concebem a participação de todos nas em todas as dependências do edifício, menos na sala de
decisões como importante ingrediente para a criação e aula, orientando-os quanto a normas disciplinares, aten-
desenvolvimento das relações democráticas e solidárias. dendo-os em caso de acidente ou enfermidade, como
Adotamos, neste livro, a concepção democrático-parti- também do atendimento às solicitações dos professores
cipativa. quanto a material escolar, assistência e encaminhamento
Toda a instituição escolar necessita de uma estrutu- de alunos.
ra de organização interna, geralmente prevista no Regi- O serviço de Multimeios compreende a biblioteca, os
mento Escolar ou em legislação específica estadual ou laboratórios, os equipamentos audiovisuais, a videoteca
municipal. O termo estrutura tem aqui o sentido de or- e outros recursos didáticos.
denamento e disposição das funções que asseguram o O setor pedagógico compreende as atividades de
funcionamento de um todo, no caso a escola. Essa estru- coordenação pedagógica e orientação educacional. As
tura é comumente representada graficamente num orga- funções desses especialistas variam confirme a legislação
nograma - um tipo de gráfico que mostra a inter-relações estadual e municipal, sendo que muitos lugares suas atri-
entre os vários setores e funções de uma organização ou buições ora são unificadas em apenas uma pessoa, ora
serviço. Evidentemente a forma do organograma reflete são desempenhadas por professores. Como são funções
a concepção de organização e gestão. A estrutura orga- desses especializadas, envolvendo habilidades bastante
nizacional de escolas se diferencia conforme a legislação especiais, recomenda-se e seus ocupantes sejam forma-
dos Estados e Municípios e, obviamente, conforme as dos em cursos de Pedagogia ou adquiram formação pe-
concepções de organização e gestão adotada, mas po- dagógico-didática específica.
demos apresentar a estrutura básica com todas as unida- O coordenador pedagógico ou professor coordena-
des e funções típicas de uma escola. dor supervisiona, acompanha, assessora, avalia as ativi-
O Conselho de Escola tem atribuições consultivas, dades pedagógico-curriculares.
deliberativas e fiscais em questões definidas na legisla- Sua atribuição prioritária é prestar assistência pe-
ção estadual ou municipal e no Regimento Escolar. Essas dagógico-didático aos professores em suas respectivas
questões, geralmente, envolvem aspectos pedagógicos, disciplinas, no que diz respeito ao trabalho ao trabalho
administrativos e financeiros. Em vários Estados o Conse- interativo com os alunos. Há lugares em que a coorde-
lho é eleito no início do ano letivo. Sua composição tem nação restringe-se à disciplina em que o coordenador é
uma certa proporcionalidade de participação dos docen- especialista; em outros, a coordenação se faz em relação
tes, dos especialistas em educação, dos funcionários, dos a todas as disciplinas. Outra atribuição que cabe ao coor-
pais e alunos, observando-se, em princípio, a paridade denador pedagógico é o relacionamento com os pais e
dos integrantes da escola (50%) e usuários (50%). Em al- a comunidade, especialmente no que se refere ao fun-
guns lugares o Conselho de Escola é chamado de “cole- cionamento pedagógico-curricular e didático da escola
giado” e sua função básica é democratizar as relações de e comunicação e interpretação da avaliação dos alunos.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

poder (Paro, 1998; Cizeski e Romão, 1997) O orientador educacional, onde essa função existe,
O diretor coordena, organiza e gerencia todas as ati- cuida do atendimento e do acompanhamento escolar
vidades da escola, auxiliado pelos demais componentes dos alunos e também do relacionamento escola-pais-co-
do corpo de especialistas e técnicos-administrativos, munidade.
atendendo às leis, regulamentos e determinações dos O Conselho de Classe ou Série é um órgão de na-
órgãos superiores do sistema de ensino e às decisões no tureza deliberativa quanto à avaliação escolar dos alu-
âmbito da escola e pela comunidade. O assistente de di- nos, decidindo sobre ações preventivas e corretivas em
retor desempenha as mesmas funções na condição de relação ao rendimento dos alunos, ao comportamento
substituto eventual do diretor. discente, às promoções e reprovações e a outras medi-
O setor técnico-administrativo responde pelas ativi- das concernentes à melhoria da qualidade da oferta dos
dades-meio que asseguram o atendimento dos objetivos serviços educacionais e ao melhor desempenho escolar
e funções da escola. dos alunos.
A Secretaria Escolar cuida da documentação, escritu- Paralelamente à estrutura organizacional, muitas es-
ração e correspondência da escola, dos docentes, demais colas mantêm Instituições Auxiliares tais como: a APM
funcionários e dos alunos. Responde também pelo aten- (Associação de Pais e Mestres), o Grêmio Estudantil e ou-
dimento ao público. Para a realização desses serviços, a tras como Caixa Escolar, vinculadas ao Conselho de Esco-
escola conta com um secretário e escriturários ou auxilia- la (onde este existia) ou ao Diretor.

60
A APM reúne os pais de alunos, o pessoal docente e Esses elementos constitutivos da organização são de-
técnico-administrativo e alunos maiores de 18 anos. Cos- signados, também, na bibliografia especializada, de fun-
tuma funcionar mediante uma diretoria executiva e um ções administrativas ou etapas do processo administrati-
conselho deliberativo. vo. Os autores geralmente mencionam as quatro funções
O Grêmio Estudantil é uma entidade representativa estabelecidas nas teorias clássicas da Administração Ge-
dos alunos criada pela lei federal n.7.398/85, que lhe ral: planejamento, organização, direção, controle.
confere autonomia para se organizarem em torno dos
seus interesses, com finalidades educacionais, culturais, TAIS ELEMENTOS OU INSTRUMENTOS DE AÇÃO SÃO:
cívicas e sociais.
Ambas as instituições costumam ser regulamentadas Planejamento - processo de explicitação de objeti-
no Regime Escolar, variando sua composição e estrutura vos e antecipação de decisões para orientar a instituição,
organizacional. Todavia, é recomendável que tenham au- prevendo-se o que se deve fazer para atingi-los.
tonomia de organização e funcionamento, evitando-se Organização - Atividade através da qual se dá a racio-
qualquer tutelamento por parte da Secretaria da Educa- nalização dos recursos, criando e viabilizando as condi-
ção ou da direção da escola. ções e modos para se realizar o que foi planejado.
Em algumas escolas, funciona a Caixa Escolar, em Direção/Coordenação - Atividade de coordenação do
outras um setor de assistência ao estudante, que presta esforço coletivo do pessoal da escola.
assistência social, econômica, alimentar, médica e odon- Formação continuada - Ações de capacitação e aper-
tológica aos alunos carentes. feiçoamento dos profissionais da escola para que rea-
O Corpo docente é constituído pelo conjunto dos lizem com competência suas tarefas e se desenvolvam
professores em exercício na escola, que tem como fun- pessoal e profissionalmente.
ção básica realizar o objetivo prioritário da escola, o ensi- Avaliação - comprovação e avaliação do funciona-
no. Os professores de todas as disciplinas formam, junto mento da escola. José Carlos Libâneo quando fala em
com a direção e os especialistas, a equipe escolar. Além profissionalização refere-se às condições ideais que
do seu papel específico de docência das disciplinas, os venham garantir o exercício profissional de qualidade.
professores também têm responsabilidades de participar
Quando ele fala em profissionalismo refere-se ao desem-
na elaboração do plano escolar ou projeto pedagógico-
penho competente e compromissado dos deveres e res-
-curricular, na realização das atividades da escola e nas
ponsabilidades que constituem a especificidade de ser
decisões dos Conselhos de Escola e de classe ou série,
professor e ao comportamento ético e político expresso
das reuniões com os pais (especialmente na comunica-
nas atitudes relacionadas à prática profissional.
ção e interpretação da avaliação), da APM e das demais
As duas noções comentadas parecem ser indispensá-
atividades cívicas, culturais e recreativas da comunidade.
veis para a formação de um bom profissional. Mas, não
A gestão democrática-participativa valoriza a partici-
podemos tratá-las como “indissociáveis”, porque muitas
pação da comunidade escolar no processo de tomada
de decisão, concebe a docência como trabalho interativo, vezes o professor não teve ou não tem uma prática ideal
aposta na construção coletiva dos objetivos e funciona- devido à falta de profissionalização, por motivos vários,
mento da escola, por meio da dinâmica intersubjetiva, do até mesmo por falta de dinheiro, pois bem se sabe o pro-
diálogo, do consenso. fessor não é valorizado como devia ser. Mas certamente
Nos itens interiores mostramos que o processo de com dedicação, empenho e respeito a sua profissão, o
tomada de decisão inclui, também, as ações necessárias professor poderá mudar suas atitudes e suas convicções
para colocá-la em prática. Em razão disso, faz-se neces- e buscar uma educação de forma continuada que contri-
sário o emprego dos elementos ou processo organiza- buirá de forma mais abrangente e cooperativa na apren-
cional, tal como veremos adiante. dizagem de seus alunos e no seu crescimento como pro-
De fato, a organização e gestão refere-se aos meios fissional e de ser humano capaz e valorizado.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
de realização do trabalho escolar, isto é, à racionalização
do trabalho e à coordenação do esforço coletivo do pes- A FORMAÇÃO CONTINUADA
soal que atua na escola, envolvendo os aspectos, físicos
e materiais, os conhecimentos e qualificações práticas do Este é um assunto que vem sendo discutido incansa-
educador, as relações humano-interacionais, o planeja- velmente na educação. Sem dúvida, a formação conti-
mento, a administração, a formação continuada, a ava- nuada como já citamos acima, é muito importante para
liação do trabalho escolar. Tudo em função de atingir os a capacitação do professor. Ela contribui para que o edu-
objetivos. Ou seja, como toda instituição as escolas bus- cador seja capaz de aperfeiçoar sua prática e adotar boas
cam resultados, o que implica uma ação racional, estru- metodologias didático-pedagógicas, como também pro-
turada e coordenada. Ao mesmo tempo, sendo uma ati- mover o envolvimento desse profissional de uma manei-
vidade coletiva, não depende apenas das capacidades e ra interdisciplinar que irá abranger sua autonomia refle-
responsabilidades individuais, mas de objetivos comuns xiva no que se refere a todos os interesses da escola, do
e compartilhados e de ações coordenadas e controladas aluno e de si mesmo.
dos agentes do processo. O educador não pode aceitar que lhe digam o que
O processo de organização educacional dispõe de fazer em sua sala de aula. Ele tem que atuar como sujeito
elementos constitutivos5 que são, na verdade, instru- crítico, reflexivo, pesquisador e elaborador de conheci-
mentos de ação mobilizados para atingi-los objetivos mentos que contribuirão na sua formação profissional
escolares. que refletirá em todo o contexto educacional.

61
A IDENTIDADE PROFISSIONAL DOS PROFESSORES

Para ser professor é preciso amar essa profissão. É ter atitudes, conhecimentos, habilidades e valores que irão acres-
centar no seu trabalho como educador.
A identidade do professor está cada vez mais centrada em mudanças que ocorrem na sociedade, e a nova realidade
que ela apresenta.
É preciso que o educador tenha uma formação e que essa formação seja de forma continuada e que ele esteja aber-
to a novas realidades e novas maneiras de pensar. Novas práticas, mudanças no papel docente, e novos modos de agir
promoverão conhecimentos que irão contribuir para a sua identidade profissional.
A leitura deste livro faz como desperte nos professores o senso crítico quanto a sua formação e prática na escola,
conscientizando-os para a necessidade de participação nos processos de organização e gestão visando a qualidade e
melhoria da aprendizagem dos alunos.

Fonte
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática.

EXERCÍCIO COMENTADO

1. (ENADE – Pedagogia) O diagrama abaixo sintetiza o pensamento e a prática de organização e gestão de escola.
Exigências sociais, econômica, políticas, tecnológicas, culturais etc.
Resultados de estudos e pesquisas educacionais.
Necessidades e demandas do sistema de ensino, escola, sala de aula, comunidade.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Uma escola bem organizada e gerida é aquela que cria e assegura as melhores condições organizacionais, operacionais
e pedagógico-didáticas de desempenho profissional dos professores, de modo que seus alunos tenham efetivas pos-
sibilidades de serem bem-sucedidos em suas aprendizagens.
LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão da Escola: Teoria e Prática. 5. ed. Goiânia: MF Livros, 2008, p. 263.

Na proposta do autor, a organização e a gestão da escola compreendem áreas e suas inter-relações.


Com relação a essa proposta, avalie as afirmações seguintes.

I. As áreas de atuação são divididas em três blocos inter-relacionados e permeados por uma área comum, com áreas
externas que também influenciam a organização e a gestão da escola.
II. O bloco que se refere às práticas de gestão e desenvolvimento profissional tem a responsabilidade de sustentação
de todo o processo, portanto, torna-se o mais importante entre os três blocos.
III. Um campo comum denominado Cultura Organizacional (ou comunidade de aprendizagem) permeia os três blocos
e é constituído pelos espaços físico, psicológico e social em que essas áreas se realizam.

62
IV. O bloco que envolve a avaliação corresponde às prá- Finalmente a quinta afirmativa é correta, pois contem-
ticas de avaliação institucional e de aprendizagem, de pla a integração entre as áreas administrativa e peda-
interesse único ao bloco pedagógico (projeto, currículo gógica. A dificuldade dessa afirmativa está no erro de
e ensino), a fim de verificar a relação entre os objetivos e digitação da palavra “atração” que deveria ser “atua-
resultados de aprendizagem. ção”, o que poderia ter causado uma certa dificuldade
V. A inter-relação entre os blocos em que se dividem as de interpretação da questão.
áreas de atração depende do papel articulador e agre- Considerando as alternativas de respostas válidas, a
gador da gestão administrativa e pedagógica da escola. letra “C” contempla as afirmativas I, III e V, que são
verdadeiras.
É correto apenas o que se afirma em:

a) I, II e V. MELLO, S. A.; BARBOSA, M. C.; FARIA, A. L. G.


b) I, III e IV. DE (ORG.). DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA:
c) I, III e V. TEORIA E PRÁTICA. SÃO CARLOS: PEDRO &
d) II, III e IV. JOÃO EDITORES, 2017
e) II, IV e V.

Resposta; Letra C. Libâneo é um autor muito conhe- Prezado candidato, visto que o livro ainda está preso a
cido na área da Gestão Educacional, e suas publica- direitos autorais de modo que a reprodução do conteúdo
ções, em geral, são de fácil acesso e entendimento. é impossibilitada, separamos a seguir um texto de intro-
No entanto, essa edição (5ª edição, publicada por MF dução ao assunto. Não deixe de conferir o livro na íntegra.
Livros, 2008) citada na questão 27 não foi encontrada Neste livro, uma polifonia de vozes que não apenas
e a quarta edição (editada pela Alternativa, 2003) só são investigativas em seus modos de compreender as
possui 259 páginas e não contempla o diagrama da crianças, a pedagogia e a escola, como também são mui-
página 263, citado no enunciado da questão 27. to propositivas. Este é um livro com caráter de iniciação
Entretanto, a análise da questão pode ser feita com a um mundo da pedagogia que muito nos orgulha, pois
base na proposta de gestão do livro do autor. O que trata, com muito respeito, da escolha profissional que fi-
dificulta o entendimento da questão é o tamanho do zemos e nos convida a seguir trabalhando, investigando
enunciado e o fato de as pessoas com deficiência vi- nossa atividade profissional, uma profissão ainda nova e
sual não conseguirem ler um diagrama. pouco valorizada no mundo da educação. O texto fala
A par dessas dificuldades, outra se insere, quanto ao de uma pedagogia do dia a dia, que se constrói a partir
termo “esconômica” ao invés de “econômicas” no iní- das ações e das práticas cotidianas , do seu registro, da
cio do enunciado. Houve um erro de digitação que análise e da reflexão que se faz a partir deste cotidiano
pode confundir o aluno. que transborda vitalidade, alegria e memória.
Sobre o conteúdo no enunciado da questão e as al- Uma outra pedagogia, uma pedagogia que cria vida,
ternativas correspondentes, além do que já foi citado, onde teoria e prática não se separam, assim como o sa-
não há dificuldades no entendimento e aceitação da ber e a experiência, o pensar e o fazer, o viver e o narrar.
proposta. Esperamos que gostem tanto dele quanto nós e que suas
Analisando as alternativas de I a V, verifica-se que as indicações possam contribuir para a constituição de pe-
afirmações II a IV requerem muito cuidado na análise dagogias democráticas, participativas e contextualizadas.
para perceber as dicas de erro da afirmativa. Além disto, cremos que o livro também toca em duas im-
A afirmativa I é correta porque descreve o diagrama, portantes temáticas educativas, uma delas é da formação
mostrando o inter-relacionamento entre as áreas de continuada dos professores e professoras. É certo que na
atuação da gestão. formação inicial de professores/as sempre ficam lacunas, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
Já a afirmativa II inicia corretamente, mas o final da fra- aprender junto aos colegas, organizar grupos de estudos,
se apresenta a “dica” de erro: “torna-se o mais impor- fazer pesquisa na escola é o modo mais adequado de
tante”. Essa frase está incorreta, porque todas as áreas construir novas pedagogias.
e os blocos são igualmente importantes e interdepen- As universidades, centros de pesquisa, secretarias de
dentes, sem predominância de uma sobre outras. educação são pontos de apoio, mas sem professores/as
A terceira afirmativa é correta porque posiciona a desejosos/as de aprender, de investigar, de criar novas
cultura organizacional inserida nos três blocos e na abordagens educativas não há como transformar hábitos
constituição da comunidade de aprendizagem, in- de pensamento e ação, tão arraigados na escola, que in-
fluenciando e sendo influenciada pela comunidade de cidem na exclusão das crianças (dentro ou fora da escola)
aprendizagem em todos os seus espaços. ou na sua medicalização e na transformação da docência
A afirmativa IV também inicia corretamente, mas apre- numa profissão da repetição, da cópia, do fazer sempre o
senta a avaliação institucional como de “interesse úni- mesmo e não da invenção e da criação.
co do bloco pedagógico”, o que não é plenamente E a segunda questão é a da abordagem da didática.
verdadeiro, pois a avaliação institucional deve servir O século vinte construiu uma didática sequencial, linear,
também como instrumento de gestão, além do peda- onde cada um dos elementos tem seu lugar na estrutu-
gógico. O resultado da avaliação institucional deve ser ra da organização do trabalho pedagógico. Começamos
analisado e servir de subsídio para ajustes, correções, qualquer trabalho pedagógico com o planejamento esta-
inovações, etc. belecendo objetivos, definindo os conteúdos, estratégias,

63
avaliando o produto final, na década de 70, foi introduzi- nas. A abordagem passa a ser reconhecida pela excelência
do o feedback para mostrar certo movimento de retorno. na qualidade das experiências educativas proporcionadas
Retornamos para começar na mesma ordem. Há uma se- à criança, desenvolvidas com base na denominada “teo-
quência e independência entre os elementos que compõe ria das cem linguagens” elaborada por Loris Malaguzzi
a didática assim como o poder do planejamento e da de- – pedagogo que esteve à frente da direção das pré-es-
cisão está centrada, especificamente, no/a docente. colas municipais da cidade – em parceria com educado-
A documentação pedagógica cumpre o papel de uma res, crianças e famílias. Parece-nos ser nesse contexto que
outra forma de organização do trabalho pedagógico. o conceito e a prática da documentação pedagógica na
Menos formal, não linear, mais interativa. A Documenta- educação infantil ganham força, e ela passa a ser enten-
ção Pedagógica não é apenas uma “novidade” na peda- dida enquanto elemento intrínseco ao fazer pedagógico
gogia. Ela pode ser incluída no longo percurso histórico cotidiano: a documentação permite ao educador obser-
das pedagogias progressistas constituindo uma ruptura var a criança em seu processo de construção do conhe-
no modo como se realiza a didática hegemônica. A docu- cimento, fornecendo pistas ao planejamento, entendido
mentação pedagógica é um processo que inclui: como processo construído com base na observação que
• Vários atores e não apenas o/a professor/a no pro- se faz dos interesses e das necessidades das crianças, em
cesso de reflexão, planejamento e decisão sobre os ru- uma pedagogia da escuta. A documentação emerge como
mos educativo, portanto incita a mudança em algumas instrumento de pesquisa para o professor, favorecendo o
regras relativas aos lugares do poder ao propor o diálogo conhecimento dos percursos de aprendizagem da criança,
com as famílias e a comunidade; permitindo ao adulto aproximar-se de sua lógica e, por
• Inclui a permanente escuta, observação, registro e fim, evidenciando a imagem de uma criança “competen-
compartilhamento do acontecido exigindo, permanente, te”, nas palavras de Malaguzzi (1999).
a reflexão participativa; Documentar as experiências tornava-se, ainda, ele-
• O valor dado aos processos é tão grande quanto mento essencial ao pensar sobre a prática em um con-
aquele destinado ao produto final. Se é que o produto texto de construção de uma proposta pedagógica para
final será, efetivamente, avaliado como tal; a criança pequena. Imprescindível, pois, observar as
• O processo a ser realizado é continuamente plane- crianças em atividade, produzir relatos sobre o cotidiano,
jado, executado e replanejado de acordo com sua signifi- repensar posturas, espaços, materiais e propostas, discu-
cância. As trajetórias podem mudar e a singularidade de tindo com os pares.
cada um tem lugar num processo coletivo; Documentar as experiências significava apropriar-se
• O sentido das ações realizadas na escola é funda- do fazer em sua relação com a teoria, em um processo de
mental; todas as aprendizagens precisam ser contextua- formação contínua.
lizadas e significativas; Malaguzzi refere-se também à importância de a
• Há um compromisso social, histórico e singular com escola de educação infantil se mostrar à comunidade,
a seleção do trabalho pedagógico, o tempo das crianças aproximando-se dela por meio da criação de espaços
e dos/as professores/as tem muito valor. para o diálogo e a valorização da criança enquanto pro-
• Os processos pedagógicos formam as crianças dutora de saberes; realizar atividades ao ar livre, como
como sujeitos e estudantes bem como os professores e em praças e ruas, e organizar mostras das experiências
as professoras como sujeitos e profissionais; desenvolvidas no espaço da escola tornam-se maneiras
• A experiência educacional constrói história pessoal de levar a pré-escola à cidade e de elucidar o valor do
e social, memória e possibilita a escolha de percursos de trabalho pedagógico desenvolvido nas instituições.
vida individual e em comum. Documentar as experiências representa instrumento
de comunicação e divulgação de uma proposta pedagó-
Constituir no campo da didática uma virada, que gica que reconhece a criança como ser pensante e pro-
desloque o eixo por onde se constitui toda a pedagogia dutor de cultura.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

escolar parece ser um grande desafio para o qual nos Giacopini (2008), coordenadora pedagógica naquela
aponta a Documentação Pedagógica. Um convite. Um cidade, sintetiza a perspectiva da documentação peda-
convite para repensar aprendizagem, pratica docente, gógica na abordagem de Reggio Emilia: Primeiramente, a
função social da escola e muitos outros temas que fazem documentação que apresenta a escola fica logo na entra-
parte de nosso dia a dia educacional. da: o projeto, os profissionais, a planta, etc. Na entrada já
é possível ter uma ideia de quem habita aquele espaço e
Sobre a documentação que espaço é aquele. É chamado de carta de identidade.
Sobre a documentação do cotidiano, as situações
DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA que acontecem no dia-a-dia, as ideias que as crianças
apresentam sobre o que acham que aprenderam, o que
A documentação sistemática permite que cada pro- sentem quando veem algo, tudo é fotografado e grava-
fessor se torne um produtor de pesquisas, isto é, alguém do pela professora. A intenção é registrar o processo de
que gera novas ideais sobre o currículo e sobre a apren- conhecimento da criança. Ajudar a criança a aprender a
dizagem, em vez de ser meramente um consumidor da aprender.
certeza e da tradição. Por trás disso está uma concepção de que a criança
Na década de 90 começa a ser difundida, em âmbito conhece alguma coisa. Que essa criança tem potencial,
internacional, a experiência desenvolvida pela cidade ita- cultura e conhecimento. Partindo desse ponto, você já
liana de Reggio Emilia para a educação de crianças peque- tem uma relação diferente com a criança.

64
A documentação serve muito mais para conhecer que se quer documentar, por que se quer documentar, e
esse processo, do que como registro formal. Esse pro- para quem se documenta, pois não é possível nem pro-
cesso de escutar, observar e acompanhar um gesto da dutivo documentar tudo. Documentar implica a coleta de
criança acontece porque acreditamos que a criança tem registros, a seleção desses materiais, e sua reelaboração,
muito a dizer. É a pedagogia da escuta, da relação e da de modo a construir o fio condutor da experiência narra-
aprendizagem. da e, desse modo, a reflexão sobre ela.
Nas breves considerações tecidas acima já nos é Documentação pedagógica e registro de práticas
possível identificar a relevância da documentação pe- constituem, a nosso ver, conceitos complementares; na
dagógica nos processos de reflexão sobre a prática, concepção de Madalena Freire (1996), o registro é en-
consolidação de uma proposta pedagógica, avaliação tendido como ação de escrever sobre a prática e pensar
das aprendizagens, comunicação e socialização; a do- sobre ela, apropriando-se da ação, e representa instru-
cumentação mostra-se elemento inerente a uma profis- mento metodológico do professor, ao lado do planeja-
sionalidade docente e a uma práxis pedagógica que se mento, da observação e da reflexão. Os diários de aula de
concretiza em um constante movimento de repensar, e Zabalza (1994) se aproximam dessa concepção. O autor
certamente contribuiu e ainda contribui para a manuten- considera o diário recurso para o desenvolvimento pro-
ção do processo de construção de um trabalho de boa fissional permanente, instrumento de revisão e análise da
qualidade. Ela possibilita observar percursos de aprendi- própria prática através de um processo de:
zagem de aluno e professor, avaliar as práticas, construir a) Tomada de consciência dos atos (percepção);
memória sobre as experiências e comunicá-las a outrem b) Aproximação analítica das práticas (análise);
– dentre os quais às famílias, interlocutores privilegiados. c) Compreensão do significado das ações;
A ideia de documentação ganha força no campo da d) Introdução de mudanças;
educação infantil, especialmente a partir do ingresso, em e) Novo ciclo de atuação profissional.
nosso meio, de publicações referentes a essa experiência
italiana. Concepções que, por vezes, foram tomadas de Registro de práticas e diários de aula podem ser con-
maneira descontextualizada, ignorando-se as condições siderados produções do professor para ele mesmo, como
subjacentes à produção da referida documentação, que forma de reflexão sobre seu fazer, e se inserem em um
processo mais amplo de documentação. Tomando esta
certamente chama a atenção ao divulgar a riqueza de
em sentido amplo, podemos concordar com Maviglia
espaços, materiais e experiências construídas junto às
(2000) e conceituar os diários de bordo, como ele de-
crianças. Ao ser tomada como a experiência – em lugar
nomina esses materiais, como modalidade de documen-
de ser reconhecida como mais um referencial ao lado de
tação pedagógica ao lado de outras, como: vídeo, pasta
outros, mas que pode contribuir para repensar nossa rea-
pessoal da criança, álbum fotográfico, álbum de dese-
lidade educacional, bastante diversa daquela –, correr-se
nhos, registro de turma e de escola (planos e projetos
o risco de procurar simplesmente copiá-la – quando
didáticos realizados).
existem condições materiais e humanas para tanto –, ou
Outra modalidade de documentação é o portfólio,
simplesmente de ignorá-la, devido à distância que se- instrumento que tem como foco a narração dos percur-
para os dois contextos, o que conduz ao imobilismo e à sos de aprendizagem de crianças e adultos. As autoras
desistência. fazem referência à documentação pedagógica enquan-
Importa, portanto, clarificar o conceito de docu- to conteúdo, pois integra o material que registra o que
mentação pedagógica de maneira crítica, evidenciando a criança diz e faz, e enquanto processo, meio para re-
a multiplicidade de modalidades de documentação e fletir, de forma sistemática e rigorosa, sobre o trabalho
desconstruindo concepções que dificultam a percepção pedagógico. Os portfólios representam a documentação
de caminhos e possibilidades. Em linhas gerais, pode- do real a partir de narrativas, fotografias, vídeos, epi-
mos conceituar documentação como sistematização do sódios que permitem revistar e pesquisar a situação. A
trabalho pedagógico, produção de memória sobre uma documentação possibilita dar visibilidade ao trabalho da
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
experiência, ação que implica a seleção e a organização criança, conferindo a ele legitimidade; possibilita ainda
de diferentes registros coletados durante o processo. compreender as hipóteses e teorias por ela formuladas,
Segundo Bisogno, a documentação é uma atividade de problematizando e articulando suas aprendizagens. Oli-
“elaboração, comunicação, pesquisa e difusão de docu- veira-Formosinho e Azevedo (2002) fazem referência a
mentos”. diversas modalidades de documentação, a saber: port-
A documentação pode ser considerada práxis refle- fólios individuais (relacionados a áreas específicas e co-
xiva sobre o projeto e sobre a vivência, processo ligado letados de maneira sistemática, em intervalos específicos
à programação e à avaliação, à experiência, mas dotado de tempo); produtos (individuais ou de grupo, tais como:
de especificidades: a documentação como elaboração da falas das crianças, desenhos, escritas, fotos, construções,
experiência que faz emergir o sentido do vivido, o co- etc.); observações (feitas pelo educador e registradas);
nhecimento do processo e a identificação do referencial autorreflexão da criança (falas das crianças, que indicam
teóricometodológico da ação. preferências e interesses); narrativas de experiências de
A documentação enquanto processo implica a pro- aprendizagem (diário do professor, livros ou explanações
dução de registros ao longo do percurso pedagógico: para os pais, histórias das crianças). As diferentes formas
fotografias, produções das crianças, relatos do professor de documentar o processo, ao serem revisitadas, possi-
são algumas possibilidades. É preciso, portanto, planejar bilitam a reconstrução de memória e a reflexão sobre o
a documentação, selecionando um foco que oriente o trabalho pedagógico.

65
Sá-Chaves (2004), por sua vez, indica o portfólio Documenta-se para as crianças, para as famílias, para os
como estratégia para aprofundar o conhecimento sobre educadores; documenta-se para avaliar a experiência,
a relação ensino-aprendizagem, facilitando a compreen- para produzir memória, ou para comunicar. Em relação às
são dos processos. Analisa o emprego dos portfólios no intenções/motivações para documentar, Benzoni (2001)
processo de formação inicial acadêmica de professores, as organiza a partir das seguintes categorias:
elucidando a reflexão como elemento imprescindível ao a. Documentar para descobrir e conhecer: a docu-
desenvolvimento em suas dimensões profissional (acesso mentação como ocasião para refletir e identificar o ima-
aos conhecimentos específicos) e pessoal (conhecimento ginário pedagógico latente, possibilitando questionar a
de si próprio e auto distanciamento). O portfólio reflexi- filosofia educativa quanto ao papel da criança, ao estilo
vo favorece a percepção do pensamento do estudante à educativo do adulto, à relação entre os educadores, às
medida que ele vai (ou não) analisando criticamente suas características do contexto; a documentação como itine-
práticas, e permite também o diálogo entre formador e rário de autoanálise permanente, que favorece a refle-
formando. Constitui oportunidade para “documentar, re- xão sobre o estilo educativo e de ensino, a qualidade da
gistrar e estruturar os procedimentos e a própria apren- mediação didática, a relação entre intencionalidade pe-
dizagem”, favorecendo os processos de desenvolvimento dagógica e prática concreta, uma documentação como
pessoal e profissional. O portfólio possibilita, portanto, a sustento de processos de pesquisa.
reflexão, o enriquecimento conceitual, o estímulo à origi- b. Documentar para analisar e reconstruir/ reprojetar:
nalidade e à criatividade, a construção personalizada do documentação como possibilidade de analisar o próprio
conhecimento, a regulação de conflitos, a auto e a hetero percurso didático-educativo, com a finalidade de ampliar
avaliação, podendo constituir estratégia de formação, in- a consciência profissional, tendo em vista a avaliação da
vestigação e avaliação. ação e o replanejamento.
As nomenclaturas empregadas – registro, diário de c. Documentar para “manter memória”: documenta-
aula e portfólio – indicam concepções e formas de orga- ção como possibilidade de conservar memória das ex-
nização diferentes, mas não contraditórias. A ideia de re- periências. A documentação visa à tessitura de uma nar-
gistro se vincula à ação de escrever, narrar e refletir sobre ração única e coerente de um projeto colocado em ação
a prática pedagógica; tem como foco o educador e sua com consistência e profundidade, permitindo a constru-
prática, aproximando-se à auto avaliação. ção de sentido.
d. Documentar para “estar em relação” com os alu-
O portfólio, por sua vez, implica a seleção de regis-
nos: documentação como ocasião para elaborar, junto às
tros que, organizados, representam uma forma de confe-
crianças, formas de “memória histórica pessoal” que lhes
rir visibilidade a um percurso de aprendizagem. O termo
permitam reconstruir por si sós a experiência, adquirin-
documentação diz respeito ao ato de produzir memória
do consciência das próprias mudanças. A intervenção do
sobre o processo de desenvolvimento das crianças, dos
adulto se dá no sentido de estimular a criança a produzir
educadores e das escolas em seus projetos; desenvolve-
marcas que representem as experiências vivenciadas, e
-se durante a ação – quando o educador procura regis- a organizá-las de modo da possibilitar a percepção do
trar em imagens, produções e anotações, o que a criança sentido dos percursos, o que favorece os processos de
diz e faz – e tem continuidade após a ação – quando da reconstrução de sua própria história e de construção de
seleção e organização dos diferentes registros que foram identidade.
sendo coletados. e. Documentar para informar e comunicar: documen-
Existem, portanto, diferentes modalidades de docu- tação produzida com o intuito de promover a comunica-
mentação pedagógica que se relacionam e que podem ção e a relação com as famílias, fornecendo informações
contribuir para a construção de práticas cada vez mais que lhes possibilitem conhecer os itinerários e as esco-
intencionais e adequadas a objetivos e necessidades de lhas pedagógicas e didáticas, e permitam criar ocasiões
crianças, educadores e pais; documentar as experiências de debate, confronto entre pontos de vista.
significa apropriar-se analiticamente do fazer, abrir espa- Nesse sentido, não apenas os educadores produzem
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

ço ao diálogo e à reflexão junto aos pares, e produzir documentação, mas também as crianças o fazem, como
conhecimento. São diferentes as possibilidades, que res- forma de construir memória de suas experiências e se
ponderão também a diferentes necessidades manifesta- apropriar do próprio processo de aprendizagem. A do-
das pelo coletivo da escola; é nesses espaços que será cumentação produzida pelo corpo docente, por sua vez,
possível avaliar e construir formas mais adequadas de pode ser endereçada às famílias, como forma de conferir
documentar as experiências a depender da intenciona- publicidade e visibilidade ao trabalho pedagógico, a ou-
lidade e das condições materiais e humanas disponíveis. tros educadores, ou à própria equipe, enquanto instru-
mento de planejamento e avaliação da ação.
Documentar, para quê?
Edwards et al. (1999) assim sintetizam essas funções
As crianças são sujeitos sociais. A escola é um lugar da documentação:
de cultura, não somente onde se traduz a cultura, mas a) Oferecer às crianças uma memória do que disse-
também onde se elabora a cultura da criança, a cultura ram e do que fizeram, como ponto de partida para os
da infância e a cultura da creche. próximos passos na aprendizagem;
Pode-se documentar de diversas formas, a depender b) Oferecer aos educadores uma ferramenta para
de objetivos e destinatários da documentação; a breve pesquisas e para melhoria da ação;
narrativa acerca da experiência da cidade de Reggio Emi- c) Oferecer aos pais e ao público informações sobre
lia, que abre o artigo, nos dá mostra dessa diversidade. o trabalho da escola.

66
A documentação implica fazer-se entender, estabe- dos materiais deve ocorrer de forma a possibilitar a aná-
lecer comunicação considerando os diferentes interlocu- lise, a avaliação, o replanejamento e a socialização de
tores – o próprio autor, os outros educadores, a família, atividades e experiências.
as crianças. Existem, portanto, diferentes modalidades de Refletir colegialmente [...] significa adquirir uma
documentação: maior consciência do próprio fazer escola, para uma
a) Documentação para si – possibilidade de refletir maior integração, contra práticas de isolamento e de au-
sobre sua própria ação; tossuficiência do trabalho docente, promovendo a cultu-
b) Documentação para o outro – dar transparência e ra do ‘dar-se conta’, do “responder” do próprio agente e
divulgar o trabalho; dos resultados alcançados.
c) Documentação para a criança – construir com ela Para Parodi (2001), a documentação confere visibili-
testemunho da experiência vivida; dade ao projeto educativo, e possibilita a produção de
d) Documentação da criança por si mesma – possi- memória, a elaboração da cultura da instituição, a defini-
bilitando reunir traços de memória e conferir visibilidade ção da identidade institucional, e a organização do pre-
ao processo de aprendizagem e desenvolvimento, perce- sente para projetar o futuro por meio do conhecimento
bendo avanços. A documentação permite a construção crítico do real, da avaliação e do replanejamento.
de memória, a reflexão, a socialização de experiências e
conhecimentos. Possibilita ainda aos coordenadores pe- Documentação e boa qualidade do trabalho pe-
dagógicos, que acompanham territorialmente as escolas, dagógico da Educação Infantil
analisar os processos experimentais e promover o desen-
volvimento dos serviços. Pensamos em uma escola para crianças pequenas
como um organismo vivo integral, como um local de
Documentar pressupõe a construção de um projeto vidas e relacionamentos compartilhados entre muitos
de documentação, e implica uma seleção: o que docu- adultos e muitas crianças. Pensamos na escola como
mentar, para que documentar, para quem, como (quais uma espécie de construção em contínuo ajuste.
os suportes: papel, vídeo etc.), quem documenta, qual Se a documentação pode possibilitar a reflexão so-
o contexto de utilização da documentação (interno ou bre a prática e a formação contínua, a construção de
externo à escola), como organizar o trabalho, quais os memória e identidade, a visibilidade do projeto educati-
materiais necessários. As etapas do processo de docu- vo da escola, a compreensão do pensamento infantil, o
mentação podem ser assim enumeradas: planejamento e a avaliação, certamente estará relacio-
a) Coleta de materiais; nada à melhoria da qualidade do trabalho pedagógico.
b) Sistematização dos materiais (seleção e tratamen- Aproxima-se a uma concepção de educação e de pro-
to); fissionalidade docente que se percebe na incompletude
c) Conservação dos produtos (arquivo, catalogação); intrínseca ao ato pedagógico e educativo e ao ser huma-
d) Difusão. Como salientam Balsamo et al. (2006), no, na concepção freireana, e que por si só exprime a im-
a documentação não significa apenas coleta de dados, portância e a necessidade de documentar as experiên-
mas sua elaboração tendo em vista a compreensão e a cias, como forma de se apropriar do vivido, identificar
análise crítica da experiência. as teorias ou concepções que fundamentam as práticas,
elucidar distanciamentos e aproximações entre discurso
Portanto, do ponto de vista metodológico, é preci- e ação, elaborar encaminhamentos.
so selecionar o foco da documentação; é preciso coletar A documentação se relaciona de maneira direta ao
materiais e elaborá-los, o que implica a construção de processo de progettazione, ou planejamento flexível,
um fio condutor que perpassa a narração e permite o que é alimentado pela documentação, e também a ali-
aprofundamento da compreensão da experiência e a co- menta. Isso implica um modo não linear de compreen-
municação de uma mensagem. são do trabalho educativo, que se desenvolve de forma CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
Considerando a documentação como um “particu- circular, na qual observação, estudo, programação, ve-
lar objeto informativo”, como comunicação, faz-se ne- rificação e documentação estão presentes e compõem
cessário atentar para a legibilidade do produto, avaliar os diferentes momentos do processo. É o que nos diz
estrutura, presença de foco temático, estruturação da Madalena Freire (1996) acerca dos percursos de obser-
mensagem e linguagem (palavras, imagens e sons) utili- vação, registro, reflexão e planejamento intrínsecos à
zada na documentação. “A documentação deve ser agra- ação docente.
dável, ágil, não deve ser exageradamente pesada”, a fim A documentação [...] é um projeto dentro de um pro-
de possibilitar a comunicação da mensagem que se quer jeto, porque a documentação do ano passado é aquela
transmitir. Pensar sobre forma, suporte, estrutura é parte da qual partimos este ano para o acolhimento. O acolhi-
da ação de planejamento da documentação. Nas pala- mento, por sua vez, vai sendo documentado. Torna-se
vras de uma professora: “A documentação para os pais muito estreita a relação entre observar, programar/pro-
tem uma linguagem, que é diferente de uma documenta- jetar e documentar. [...] A documentação dá sustento ao
ção que é feita às colegas, por exemplo. [...] Às vezes você projeto e à observação. Eu observo, projeto, documento,
tem o mesmo material, mas...”. verifico em ação, re observo, projeto.
A documentação pode se tornar um momento im- A documentação ajuda os educadores a escutar e
portante de crescimento cultural e profissional, e ainda observar as crianças, possibilitando entender como
possibilitar o aprimoramento da capacidade organizativa exploram e constroem sua leitura do mundo e como
e projetual da escola. Para tanto, a elaboração e a coleta acontecem seus processos de aprendizagem, além de

67
favorecer o processo de reflexão sobre o modo como do Ensino Leigo, como forma de possibilitar à criança a
enxergamos a criança, as construções de infância que livre expressão e uma aprendizagem contextualizada e
perpassam nosso olhar e nossas intervenções como edu- significativa, e não deixam de ser formas de documentar
cadores. as experiências. Com Malaguzzi (1999) temos o aprofun-
Um aspecto importante a ser destacado diz respeito damento do conceito e a consolidação dessa prática, en-
às condições objetivas de trabalho. Documentar deman- quanto elemento de uma pedagogia da infância atenta à
da a existência de tempo e espaço, já que as ações de ob- criança em seu processo de desenvolvimento e produção
servar, coletar dados, analisar, organizar o pensamento, de cultura.
torná-lo público, não são tarefas simples. Além disso, a Retomando Paulo Freire (2001), para finalizar, tam-
documentação deve ser assumida como atividade siste- bém a documentação precisa ser entendida como espaço
mática, o que depende da forma de organização dos ser- em construção contínua e constante; ainda que pesem os
viços e das condições de trabalho dos profissionais. Prio- condicionantes do contexto – assim como na experiência
rizar a documentação parece ser um caminho possível. de Freinet (1969), não são eles determinantes; enquanto
Consideramos a documentação elemento inerente a sujeitos da história, cabe a nós construir possibilidades e
uma educação infantil de boa qualidade, uma educação lutar por melhores condições.
infantil que faz bem a crianças, professores e famílias. Considerando a educação infantil no Brasil campo
Trata-se de uma educação pautada no profundo respeito recente – apenas em 1988 a Constituição Federal reco-
a crianças, professores e famílias, o que implica a valori- nhece a oferta de Educação Infantil enquanto direito da
zação de seus saberes, a promoção de experiências de criança, dever do Estado e opção da família, e em 1996 a
aprendizagem significativa (tanto para a criança quanto Lei de Diretrizes e Bases Nacionais para a Educação con-
para o adulto que com ela atua, em momentos de for- sidera a modalidade como primeira etapa da educação
mação contínua), a abertura ao diálogo e à cooperação. básica, também em construção é a proposta pedagógica
Em suma, uma escola que cumpre sua função social de para esse nível, bem como a profissionalidade das edu-
promoção: cadoras de infância. Nesse contexto, acreditamos que a
a) Do acesso ao conhecimento e da produção de cul- documentação pedagógica pode colaborar no processo
tura; de afirmação de uma identidade profissional e de um
b) Da aprendizagem e do desenvolvimento integral; currículo pautado no reconhecimento:
c) Em última instância, da humanização. E que faz a) Das especificidades da criança pequena;
isso não de qualquer forma, mas em uma pedagogia da b) Dos espaços da creche e da pré-escola como am-
participação, que considera crianças e professores pro- bientes educacionais, carregados de uma intencionalida-
dutores de saberes através de processos compartilhados de pedagógica que considera:
de aprendizagem em interação com conhecimentos, si-
tuações e pessoas. - O lúdico enquanto forma de aprendizagem e ex-
pressão da criança,
Ao afirmarmos a documentação enquanto elemento - O vínculo afetivo com o aluno e o diálogo com as
inerente a uma pedagogia da infância, assinalamos não famílias como elementos essenciais,
se tratar de mais uma inovação no campo pedagógico; - A necessidade da oferta de múltiplas experiências
lembramos que já em Freinet (1969) encontramos o que de aprendizagem à criança, envolvendo as diversas lin-
talvez possamos chamar de pioneirismo em relação à do- guagens,
cumentação: a proposta da imprensa escolar, através da - A centralidade da manutenção de espaços de estu-
qual era possível às crianças imprimirem os textos por do e reflexão partilhada a partir dos problemas e desa-
elas produzidos, e a construção do Livro da Vida, que fios indicados pela prática cotidiana, em um processo de
recolhia os textos impressos, de forma a narrar a vida da formação contínua em serviço, que considere o professor
criança na escola, seus pensamentos e experiências – po- de educação infantil enquanto produtor de saberes.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

dem ser considerados formas de documentar o trabalho


pedagógico e construir memória sobre as experiências. Faz-se necessário também buscar o equilíbrio neces-
Freinet (1969) foi além, elaborando, em parceria com sário entre cuidado e educação, atentando para que a
outros professores, Boletins de circulação periódica, nos instituição de educação infantil não seja apenas local de
quais eram publicados artigos relatando experiências pe- guarda das crianças, mas que também não se transforme
dagógicas em um processo de construção de uma peda- em antessala do ensino fundamental; não “escolarizar”
gogia popular. Busca-se estabelecer no trabalho diário a educação infantil não significa ignorar o trabalho com
uma escola viva (e não apenas ativa, como propunha o o conhecimento, mas fazê-lo de modo a considerar a
movimento Escola Nova), na qual a experiência escolar criança como protagonista ativa, sujeito; significa, sobre-
se aproxima das necessidades das crianças e de sua vida tudo, não reduzir a experiência da criança na instituição
cotidiana, uma escola construída em contextos marca- de educação infantil à aprendizagem mecânica dos cha-
dos pela precariedade – ou mesmo falta – de espaços e mados conteúdos formais.
materiais, e por exigências externas, como programas e É nesse cenário, portanto, que contextualizamos a
exames oficiais a serem cumpridos pelo professor. A im- documentação pedagógica, elemento do projeto peda-
prensa, o Livro da Vida, a correspondência interescolar, o gógico para a educação infantil; a documentação, enten-
ficheiro escolar são alguns dos instrumentos elaborados dida enquanto teoria e prática, processo e produto, ma-
e vivenciados pelo grupo de educadores da Cooperativa nifesta-se em uma multiplicidade de formas, linguagens

68
e materiais, construídos pelos coletivos em relação a ob-
jetivos, interlocutores e condições materiais. É essencial OLIVEIRA, A. A. S.; FONSECA, K. A.; REIS, M.
que a documentação seja carregada de intencionalida- R. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E PRÁTICAS
de, para que, de fato, possa contribuir para o processo
EDUCACIONAIS INCLUSIVAS. CURITIBA:
pedagógico institucional, e não sendo apenas mais uma
CRV, 2018. CAP. 1 E 4
prática burocrática desprovida de sentido para aqueles
que a vivenciam.

REFERÊNCIAS Esse livro objetiva tornar publico alguns estudos refe-


http://www.pedroejoaoeditores.com.br/Documenta- rentes a temas da formação de professores e práticas in-
cao-pedagogica-teoria-e-pratica clusivas, com a finalidade de apresentar avanços práticos
MARQUES, A. C. T. L.; ALMEIDA, M. I. de. Disponível e teóricos, com fundamentos solidamente apoiados em
em http://periodicoscientificos.ufmt.br/ resultados de pesquisas recentes e no acervo bibliográfi-
co já disponível sobre os assuntos em tela.
Sua grande contribuição é a de nos trazer à reflexão
MOREIRA, A.; SILVA JUNIOR, P. M. quanto a importância da formação dos professores na
DA. CONHECIMENTO ESCOLAR NOS questão da inclusão, demonstrando como esse aspecto é
CURRÍCULOS DAS ESCOLAS PÚBLICAS: deficitário na processo atual de formação de professores.
REFLEXÕES E APOSTAS. CURRÍCULO SEM Considerando a educação como um processo em
constante movimento, se faz necessário compreender
FRONTEIRAS, V. 17, N. 3, P. 489-500, SET./
que o professor requer uma educação continuada, que
DEZ. 2017.
lhe permita estar sempre buscando atualizações e ade-
quações próprias para esses temas que frequentemente
levam os professores a ter que reaprender a lidar com as
Vamos aqui discutir aspectos do conhecimento esco- situações dentro da sala de aula, tal como acontece na
lar e das possibilidades de acesso dos estudantes a esse educação inclusiva, onde, tal desafio exige do professor
conhecimento. que ele lide com uma limitação sem que a tenha, e isso
Conhecer o currículo escolar é uma forma de poten- é fundamental, o professor compreender que ao lidar
cializar a formação de identidades criticas e reflexivas, com a inclusão ele precisa não precisa ter uma conhe-
que sejam mais atuantes na sociedade, transformando- cimento técnico, dominar uma técnica que seja própria
-os em agentes de mudanças sociais que busquem mais do deficiente, a leitura em braile, por exemplo, o que ele
justiça e equidade. precisa é se preparar para lidar com as especificidades
Segundo Young (2016), um currículo escolar centrado do aluno, com suas necessidades, entendendo o que ele
no conhecimento pode favorecer uma política de justiça precisa para se sentir inserido e aceito e, ao desenvol-
e igualdade social. Todos os estudantes, independen- ver as atividades propostas, conseguir desenvolver um
temente da rede de ensino que frequentem, devem ter aprendizado.
acesso ao conhecimento necessário à sobrevivência na
sociedade. Trata-se de diminuir o distanciamento entre
as instituições de ensino públicas e privadas, favorecen- OSTETTO, LUCIANA ESMERALDA (ORG.).
do-se o acesso dos/as estudantes a uma educação de
REGISTROS NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
qualidade.
PESQUISA E PRÁTICA PEDAGÓGICA.
Tendo-se em mente que o conceito de qualidade em
educação é muito amplo, recorre-se a Moreira e Candau CAMPINAS, SP: PAPIRUS, 2017
(2007) para destacar que uma educação de qualidade re-
quer uma seleção de conhecimentos relevantes que con-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

tribuam para formar identidades/subjetividades criativas OBSERVAÇÃO, REGISTRO, DOCUMENTAÇÃO: NO-


e críticas dispostas a promover mudanças individuais e MEAR E SIGNIFICAR AS EXPERIÊNCIAS
sociais. Essa educação deve propiciar a apreensão crítica
e a distribuição dos conhecimentos escolares. Para isso, Luciana Esmeralda Ostetto
investimentos na formação inicial ou em serviço do pro- Algumas referências e sentidos
fessor, bem como na estrutura das escolas, se fazem ne-
cessários para promover a qualidade na educação. A autora propõe registrar fatos considerados relevan-
A obra traz à tona inquietações e reflexões acerca do tes, como meio de reflexão para o professor. De forma que
tema conhecimento escolar e cultura. o leve a analisar e tomar tais registros como suporte de
O objetivo não é trazer respostas, mas sim, fazer-nos sua prática pedagógica.
pensar, através de apontamentos e observações sobre O registro é um documento, do qual podemos fazer uso
esse tema que possam de fato fazer diferença no seu de- posteriormente. E a cada análise poderá surgir uma nova
senvolvimento. resposta e uma percepção diferente.
A autora menciona experiências vividas na Escola da
Acesse na íntegra: Vila, onde os alunos descobriam a escrita e os professo-
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol17iss3arti- res desenvolviam o hábito da escrita (os diários). Aqui é
cles/moreira-silva.pdf ressaltada a importância do registro diário do professor e

69
a participação do aluno. Esse conjunto, registro-análise- Observação e registro: Aprendizagens de desabituar o
-prática e interação professor-aluno é o que dá vitalidade olhar
à prática educativa.
O registro diário é um recurso para a reflexão do pla- Registrar é aprendizagem e desafio. E neste contexto,
nejamento e avaliação das atividades do professor. observar a si mesmo e a criança na sua complexidade, é
Os registros pedagógicos contribuem como auxílio in- necessidade.
dividual, levando-nos a descobrir a própria autonomia e O registrar nos desperta a observação, o olhar sensível,
essência. Ou ainda, contribui coletivamente quando colo- a percepção da criança e das relações que estamos cons-
camos nossos registros em discussão com outros educado- truindo. Através dos registros aprendemos a ver o grupo e
res, construímos e reconstruímos conhecimento por meio o indivíduo.
das trocas de informações. A rotina torna o olhar do educador apático. É preciso
Através da documentação dos seus conflitos e da pro- reaprender a olhar, o que requer esforço, coragem, disci-
cura por respostas, o educador se faz responsável pela sua plina, movimento.
própria formação. Os conflitos e indagações que se mostram nos regis-
Um dos sentidos do registro é a história. Poder rever e tros, apontam várias direções e soluções. Este é o espaço
repensar o passado enquanto se constrói o presente. que pode tornar visível nossos atos. Cabe a nós, educado-
Alunos e professores devem ser envolvidos no processo res, a escolha da direção que vamos tomar.
de reflexão, de maneira que proporcione o crescimento de A dificuldade da escrita é evidente e isto pode ser ex-
ambos, e que teoria e prática caminhem lado a lado na plicado pela falta de incentivo, ou pelo fato de que o foi
construção do saber. É de suma importância que alunos e escrito, compromete mais do que o que foi falado.
professores compartilhem e registrem descobertas e sabe- O registro é pessoal e só pode ser compartilhado se o
res, para que juntos possam refletir a sua prática e buscar educador desejar. Registrar envolve responsabilidade, cria-
a reconstrução do conhecimento. tividade, comprometimento, dedicação nos projetos e na
escrita. Cada educador tem um jeito próprio de escrever e
Escrever o vivido: Marcas, rastros, memória e criação imprimir sua identidade.
O registro coletivo aqui apresentado é o relatório de
A própria Ostetto tinha um caderno onde registrava atividades do grupo. Sempre respeitando a particularidade
seu dia-a-dia, através do qual avaliava seu trabalho, fazia dos registros que antes eram pessoais, uma série de expe-
seu planejamento e levantava questões. Estas eram dis- riências e fatos do cotidiano serão discutidos sob diferen-
cutidas com sua coordenadora. Tais discussões trouxeram tes pontos de vista, despertando diferentes pensamentos,
comprometimento e auxílio na busca pela excelência da produzindo diversos julgamentos sobre os educandos (em
prática pedagógica. grupo ou individualmente), o conhecimento e a prática
Ostetto considerou indispensável o uso das anotações, pedagógica. O relatório pode servir ainda como apoio de
pois, estas facilitavam a organização do trabalho, ajuda- reuniões de pais, educadores, arquivo da instituição, entre
vam a enxergar e superar seus limites. outros.
Como coordenadora da educação infantil, sugestionou
que seus educadores fizessem registros. Levou a mesma Do registro diário à documentação: Outros diálogos
sugestão para a universidade, tornando o registro, a partir
de então, uma obrigatoriedade no conteúdo programático Por meio da discussão dos valores e da importância do
da formação de professores da educação infantil. registro como documentação, fica evidente que o registro
Dada importância das creches e pré-escolas, crescia deve ser usado como instrumento pedagógico.
também a importância do professor. Daí coloca-se em Quando a investigação toma os registros dos professo-
pauta a formação permanente do professor. E o registro res apoiando-se no que eles realizam e na organização de
aparece como possível canal realizador dessa autofor- seu trabalho, esses registros indicam a formação e auto-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

mação. formação dos professores.


A autora dirigiu projetos e estudos sobre planejamento, A abordagem regular dos registros é o principal motivo
registros e avaliação. O intuito de Ostetto é que o edu- da documentação. Pois, proporciona diálogo e interação
cador se perceba autor, narrador e compartilhe seu fazer dos envolvidos no processo de ensino- aprendizagem, dife-
educativo. renciação das crianças nos percursos de desenvolvimento
O educador precisa ter um registro pessoal, diário que e de construção de conhecimentos.
deve ser minucioso. Com esse registro é possível confron- Quando a investigação é centrada no olhar da criança
tar o que foi vivido e aprendido e o que se está vivendo e e na sua complexidade, a documentação torna-se um pro-
aprendendo. cesso coletivo. Onde cabe reflexão sobre as crianças, seus
O uso do registro nos proporciona um reexame de nos- saberes e fazeres e, a prática com as crianças, confronta-
sa postura enquanto educadores. Permite-nos certificar a dos com os saberes e fazeres dos educadores.
prática do presente e programar a prática futura. Traz à Através dos registros e de sua documentação o edu-
tona questões que pareciam apenas detalhes e indica-nos cador pode teorizar, possuir e dispensar conhecimento a
caminhos diversos. outros.
O registro diário é uma ferramenta de conexão entre Ao registrar o educador se convence de sua capacida-
teoria e prática, entre o que foi aprendido e o que se vai de profissional, autoral, consolida sua autenticidade, sua
aprender. identidade. Assume o seu fazer, enobrece sua experiência
e a imprime no ciclo da história.

70
Para Tyler, o currículo é composto pelas experiências
SACRISTÁN, JOSÉ GIMENO. O CURRÍCULO: da aprendizagem planejadas e dirigidas pela escola para
UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA. 3. ED. conseguir os objetivos educativos. Por sua vez, Sacristán
TRADUÇÃO: ERNANI F. DA FONSECA ROSA. acredita que o currículo é um objeto que se constrói no
PORTO ALEGRE: ARTMED, 2000 processo de configuração, implantação, concretização e
expressão de determinadas práticas pedagógicas e em
sua avaliação, como resultado das diversas intervenções
que nele operam, podendo ser visto como um objeto
Sacristán (2000) apresenta ampla perspectiva sobre que cria em torno de si campos de ação diversos, nos
o currículo, o qual pode ser entendido como algo que quais múltiplos agentes e forças se expressam em seu
adquire forma e significado educativo à medida que so- formato.
fre uma série de processos de transformações dentro das A gestão educativa do currículo supõe a distribui-
atividades práticas, sendo que, enfatiza que as condições
ção de competências sobre o mesmo entre os diferen-
de desenvolvimento e realidade curricular precisam ser
tes agentes sociais que nele intervêm e o recebem. Para
entendidas em conjunto.
o autor, o modelo mais adequado é o interativo, um
A prática escolar historicamente possui intrínsecas
modelo democrático que pode resolver o compromisso
relações com o seu uso, com as tradições, técnicas e
entre as necessidades mínimas de regulação e a auto-
perspectivas dominantes em torno da realidade do currí-
nomia das partes. Na sua ação, o professor deve ser me-
culo. Por vezes, o currículo é entendido como um proces-
diador do processo de construção pedagógica entre a
so de organizar uma série de práticas educativas, sendo
cultura e o estudante, sendo uma tarefa complexa, per-
que o seu significado pode ser dado pelos próprios con-
textos em que se insere: contexto de aula, pessoal, histó- meada por diferentes tipos de conhecimentos, os quais
rico e político. Sendo que, a sua elaboração é permeada permitem estabelecer reflexões sobre a sua atuação
por códigos pedagógicos. O currículo é uma forma de profissional, visto que o currículo se justifica na prática.
ter acesso ao conhecimento por meio da construção cul- Importante salientar os cinco aspectos básicos que
tural. Para o autor, analisar currículos concretos significa exigem a atenção do professor ao planejar a sua ação
estuda-los no contexto em que se configuram e através educativa: deve considerar o currículo, pensar nos re-
do qual se expressam em práticas educativas e em resul- cursos que dispõe, ponderar os tipos de intercâmbios
tados. Podem ser entendidos como sendo a expressão pessoais, organização da classe e o processo educativo.
do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o A inovação curricular implica relacionar propostas
sistema educativo num dado momento, sendo que atra- novas de conteúdos com esquemas práticos e teóricos,
vés dele se realizam os fins da educação. É por meio dele sendo que, a riqueza dos conteúdos condiciona as ta-
que se realizam basicamente as funções da escola como refas possíveis e estas mediatizam às possibilidades do
instituição. currículo. Nesse sentido, o currículo pode ser concebido
Para melhorar o ensino, faz-se necessário mudar os como um projeto cultural elaborado sob chaves peda-
conteúdos, procedimentos e contextos de realização dos gógicas; sobre códigos de objetivação da administração
currículos. Do mesmo modo, acredita que só adiantará pedagógica e curricular.
fazer reformas curriculares se estas forem ligadas a for- Em relação à orientação curricular que centra sua
mação de professores, pois a atuação profissional dos perspectiva na dialética teoria-prática é um esquema
docentes está condicionada pelo papel que lhes é atri- globalizador dos problemas relacionados com o currí-
buído no desenvolvimento do currículo. culo, que, num contexto democrático, deve desembocar
Sacristán propõe definir o currículo como o proje- em propostas de maior autonomia para o sistema em
to seletivo dá uma determinada cultura, social, político e relação à administração e ao professorado para modelar
administrativamente condicionada, que preenche a ativi- sua própria prática. De modo geral, o currículo escolar, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
dade escolar e que se torna realidade dentro das condi- dentro de sua plenitude de perspectivas e problemá-
ções do ambiente escolar. Acredita que as teorias curri- ticas, uma representação cultural pode ser sustentada
culares se convertem em mediadores ou em expressões pela posição de múltiplas noções do conhecimento.
da mediação entre pensamento e a ação em educação. O A complexidade do currículo composta de diferen-
autor enfatiza que tes elementos culturais exteriores, tais quais: envolvem
“Não podemos esquecer que o currículo supõe a um sistema de conhecimento ligado ao cotidiano do
concretização dos fins sociais e culturais, de socialização, sujeito; envolvem um sistema de linguagens e de comu-
que se atribui à educação escolarizada, ou de ajuda ao nicação nos diferentes tipos de comunicação pessoal;
desenvolvimento, de estímulo, e cenário do mesmo, o cultivam formas de linguagem externa, empregando o
reflexo de um modelo educativo determinado, pelo que cotidiano; dispõem do sistema econômico; dispõe da
necessariamente tem de ser um tema controvertido e estrutura social; organizam-se num conjunto de siste-
ideológico, de difícil concretização num modelo ou pro- mas governamentais; dispõem de sistemas de valores
posição simples.” (SACRITÁN, 2000, p.15) éticos organizados; envolvem o sistema da história de
O autor possui a concepção que a escolarização evolução da cultura; dispõem de um sistema de comu-
obrigatória tem a função de oferecer um projeto educati- nicação do que já foi construído ao longo da sobrevi-
vo global que implica se encargar de aspectos educativos vência humana e de tudo que já foi fundamentado nos
diversos e complexos. aspectos humanísticos.

71
Sacristán (2000, p.18-19) afirma que Resenha
As reformas curriculares nos sistemas educativos HECK, M. F.
desenvolvidos obedecem pretensamente à lógica que Rev. Int. de Form. de Professores (RIFP), Itapetininga,
através delas se realiza uma melhor adequação entre os v. 2, n.3, p. 151-155, 2017.
currículos e as finalidades da instituição escolar, ou a de
que com elas se pode dar uma resposta mais adequada à Bibliografia
melhora das oportunidades dos alunos e dos grupos so- SACRISTÀN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão so-
ciais. Neste sentido, o conteúdo é condição lógica do en- bre a pratica. Editora Penso, 2017.
sino, e o currículo, é antes de mais nada a seleção cultural
estruturada sob chaves psicopedagógicas dessa cultura
que se oferece como projeto para a instituição escolar. SILVA, J. L.; PEREIRA, P. C. (ORG.) EDUCAÇÃO
Neste contexto, a avaliação atua como uma pressão DE JOVENS E ADULTOS: REFLEXÕES A PARTIR
modeladora da prática curricular, possuindo várias fun- DA PRÁTICA. RIO DE JANEIRO: WAK, 2015
ções, mas uma merece ser destacada: servir de procedi-
mento para sancionar o progresso dos alunos pelo currí-
culo sequencializado ao longo da escolaridade. Segundo Este livro nos convida a um olhar atento sobre as
o autor, as condições institucionais da escola definem as diferentes práticas vivenciadas pelos educadores da EJA
aprendizagens que os estudantes realizam em seus am- que, ao produzirem seus textos, já realizaram reflexões
bientes e a qualidade da educação é definida pela apren- sobre suas práticas educativas.
dizagem, modelada pela contextualização escolar. Refletir sobre alfabetização, leitura, educação
O ensino está ligado à metodologia, práticas do- inclusiva, tecnologias da informação e da comunicação,
centes e componentes contextuais que condicionam educação física, educação matemática, educação
a aprendizagem escolar, não sendo possível separar os prisional, entre outros, com suas particularidades de
conteúdos das experiências. Neste sentido, o currículo perfil do aluno EJA, que difere daqueles que buscam o
é determinante na experiência que o estudante obtém conhecimento no tempo próprio, considerando que a
da instituição escolar, sendo que as aprendizagens de- EJA é uma modalidade de ensino da educação básica
rivadas do currículo são realizadas dentro do campo de
direcionada para jovens com mais de 15 anos e adultos
determinações de forma dinâmica, flexível e vulnerável à
e idosos que não tiveram oportunidade de estudar na
pressão que exigem atuações políticas, administrativas e
idade própria, sendo que, para o ensino fundamental a
jurídicas, além das atuações didáticas.
idade mínima é de 15 anos e para o ensino médio a idade
Segundo Apple, existem seis aspectos básicos do
mínima é 18 anos.
ambiente escolar que são parte do currículo efetivo para
Essa particularidade muda o interesse, o foco e o nível
os estudantes: o conjunto arquitetônico das escolas; os
de participação e comprometimento desse aluno, e cada
aspectos materiais e tecnológicos; os sistemas simbólicos
de informação; as habilidades do professor; os estudan- experiência que o professor passe pode agregar valor
tes; os componentes organizativos. à concepção de educação nessa modalidade, ele pode
O autor acredita que os novos currículos requerem contribuir com as experiências que tenha compartilhado
transformação pedagógica dos conteúdos, dos métodos em momentos diferentes, tornando o processo mais rico
e das condições escolares, levando em consideração a e mais adequado.
formação de professores e a transformação das condi- Sabemos que a educação é um direito de todos, e a
ções da escola. Enfatiza que o ato de planejar o currículo EJA no Brasil vem de encontro a esse direito.
é uma das facetas mais relevantes dentro do conjunto de Essa modalidade vem ganhando cada vez mais espaço
práticas relacionadas com a sua elaboração e desenvol- e legitimação por parte das políticas públicas (legislações,
vimento. diretrizes, programas, inserção nos sistemas públicos de
Para Sacristán, o currículo e sua natureza processual ensino, financiamento, formação inicial e continuada de
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

traduzem se em um conjunto de práticas diversas, ao educadores etc.) e de reconhecimento social (atuação


mesmo tempo em que é construído por subsistemas que dos Fóruns de EJA e participação da sociedade civil).
vão desde os órgãos mais elevados da política educati- Sabemos da diversidade de desafios que há pela
va aos contornos da formação dos sujeitos no contexto frente, requerem esforços de todos os sujeitos envolvidos
escolar. A prática pedagógica é uma destas práticas, da na Educação de Jovens e Adultos. E, para o enfrentamento
qual se servem os projetos institucionais de formação ao destes desafios, torna-se cada vez mais necessário, entre
longo da história da escolarização formal. outras ações, refletir sobre a prática de educadores e
A prática pedagógica e currículo, ao constituírem educadoras que atuam na EJA, e esse livro nos traz essas
se como práxis, perfazem o estatuto de processo, sen- reflexões.
do que, o currículo é o enfoque principal da educação e Esperamos que estes apontamentos contribuam para
imprescindível à prática pedagógica, pois ele está ligado novas reflexões por parte dos leitores e instiguem novas
às variações dos conteúdos, a sociedade e a profissiona- práticas que auxiliem nos processos de aprendizagem
lização dos docentes. dos sujeitos da EJA.
A temática abordada pelo autor possibilita ao leitor
ampliar seus horizontes, compreender os processos for-
mativos, as teorias que subsidiam o conceito de currículo,
as dimensões prática e pedagógica, a sua complexidade
e importância educativa para o contexto escolar.

72
autor defende que o saber não se reduz exclusivamente
STACCIOLI, GIANFRANCO. DIÁRIO DO a processos mentais, cujo suporte é a atividade cogniti-
ACOLHIMENTO NA ESCOLA DA INFÂNCIA. va dos indivíduos, mas é também um saber social que
CAMPINAS, SP: AUTORES ASSOCIADOS, se manifesta nas relações complexas entre professores
2013 e alunos. Para o autor, o saber docente é um saber plu-
ral, ou seja, construído por diversos fatores, por exemplo,
o profissional (o conjunto de saberes transmitidos pelas
O acolhimento é um aspecto primordial no processo instituições de formação de professores), de saberes dis-
de ensino/aprendizagem da criança. ciplinares ( saberes que correspondem ao diverso campo
Desenvolver um ambiente, onde tanto o comporta- do conhecimento e emergem da tradição cultural), curri-
mento dos profissionais assim como a organização do culares (programas escolares) e experienciais (do trabalho
espaço e do tempo para ela se movimentar e viver as pri- cotidiano). O que exige do professor capacidade de do-
meiras experiências culturais e sociais são decisivos para minar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condi-
as etapas seguintes do processo educacional. ção para sua prática.
Esse livro apresente um diário com descrições men- O trabalho de Tardif é bastante extenso, seu livro é
sais das atividades desenvolvidas com as crianças, onde composto de oito ensaios subdivididos em duas partes,
observar atentamente e com uma proposta reflexiva as muitos problemas são levantados nestes ensaios. No pri-
funções dos cantos, das paredes, do jardim e os momen- meiro, onde o autor analisa a problemática do saber do-
tos de atividade e de descanso tornam-se, em seu con- cente, notamos sua preocupação acerca da “natureza das
junto, orientações que levam a uma nova metodologia: a relações que os professores do ensino fundamental e do
do sorriso e do acolhimento. ensino médio estabelecem com os saberes, assim como
a natureza dos saberes desses professores”. Tardif alerta
O livro está dividido em duas partes: para uma relação problemática entre os professores e os
saberes, pois “os educadores e os pesquisadores, o corpo
Na primeira temos a proposta original e inovadora docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos
do “Diário de acolhimento”, que dá o título à obra, que cada vez mais distintos, destinados a tarefas especializa-
segundo Staccioli, tem como objetivo descrever um pos- das de transmissão e de produção dos saberes sem ne-
sível ano de trabalho em uma pré-escola italiana, relatan- nhuma relação entre si”. Isso provoca uma desvalorização
do as experiências de uma pedagogia realizada no dia a do corpo docente, porém, Tardif se posiciona contra a
dia, a partir das relações estabelecidas entre crianças, os/ idéia tradicional de relação teoria e prática: o saber está
as professores/as e as famílias. somente do lado da teoria, ao passo que a prática ou é
Já na segunda, temos a apresentação das “fichas des- desprovida de saber ou é portadora de um falso saber
critivas”, que é um instrumento pedagógico que apresen- baseado, por exemplo, em crenças, ideologias e Ideias-
ta orientações para a organização dos espaços físicos e, preconcebidas. Tardif mostra-se contrário a idéia de que
principalmente, um importante norteador para as múlti- o saber é produzido fora da prática.
plas relações estabelecidas nas jornadas educativas. O autor afirma que os saberes são elementos consti-
Nessas fichas temos as descrições mensais desse tutivos da prática docente, isso representa a afirmação da
diários colocadas de maneira bem mais detalhada, por idéia de que pelo trabalho o homem modifica a si mesmo,
exemplo, a ambientação, as coisas das crianças, as pare- suas relações e busca ainda a transformação de sua pró-
des, os pais e as mães na escola da infância, os cantos, o pria situação e a do coletivo a que pertence. “De modo
banheiro, o descanso, o jardim, as informações acolhe- geral, pode-se dizer que os professores ocupam uma po-
doras, a atividade de música e movimento e o almoço, sição estratégica, porém socialmente desvalorizada, entre
trazendo também ilustrações que nos ajudam a visualizar os diferentes grupos que atuam, de uma maneira ou de
os aspectos explorados nas páginas do diário. outra no campo dos saberes”. O corpo docente encontra- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
A leitura dessas descrições nos traz riqueza quanto à -se cada vez mais distanciado das instâncias de produção
rotina das crianças dentro do contexto educacional que dos saberes, “os mestres não possuem mais saberes mes-
abrange aspectos comportamentais e ambientais. tres”. A formação docente é voltada exclusivamente para
a transmissão e não para a produção do saber.
No segundo ensaio, Tardif analisa a relação entre o
TARDIF, MAURICE. SABERES DOCENTES E tempo e trabalho na construção do saber docente, “toda
FORMAÇÃO PROFISSIONAL. PETRÓPOLIS, práxis social é de uma certa maneira, um trabalho cujo
RJ: VOZES, 2002 processo de realização desencadeia uma transformação
real no trabalhador, (...). Em termos sociológicos, pode-
-se dizer que o trabalho modifica a identidade do traba-
Em saberes docentes e formação profissional, Mau- lhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa,
rice Tardif, pesquisador e professor universitário no Ca- mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo”.
nadá, busca entender que saberes alicerçam o trabalho O autor ressalta que o tempo de trabalho desencadeia
e a formação dos professores das escolas do ensino uma série de saberes, como, o saber trabalhar, no caso
fundamental e do ensino médio. Tardif utiliza a pesquisa do docente, o saber ensinar, transmitir. Daí a importância
empírica como base de sua metodológica de seu traba- de sua experiência para a contribuição na construção do
lho, não somente sua pesquisa, mas também a pesquisa conhecimento. No entanto, os saberes ligados ao traba-
realizada por outros autores como Dubar e Gauthier. O lho são temporais, pois são construídos e dominados

73
progressivamente durante um período de aprendizagem Na quarta parte, Tardif busca amarrar sua discus-
variável, de acordo com cada ocupação. Podemos im- são trazendo “elementos para uma teoria da prática
plicar então, que este processo deixa lacunas no ensino educativa”. O autor apresenta para análise, modelos de
até sua “total” aprendizagem. “O desenvolvimento do ação a partir dos quais a prática educativa pode ser
saber profissional é associado tanto às suas fontes e lu- representada, estruturada e orientada. Tardif abre sua
gares de aquisição quanto aos seus momentos e fases análise salientando a importância da prática educativa,
de construção”. Esta idéia reforça a colocação de Tardif uma categoria tão rica em valores e significados quanto
quando chama o saber docente de saber plural, pois o trabalho, a arte e a política. Aqui o autor consolida a
não é constituído apenas pela formação técnica, mas prática educativa como aliada significante para a for-
também pela prática diária que vai moldando a atuação mação de saberes específicos e nos mostra o quanto
do profissional da educação, por isso a relevância da esta prática se dá na pluralidade sendo alicerçada pela
boa relação do profissional com os meios de execu- arte (talento), técnica (formação) e interação. Fica claro
ção do trabalho, que vai desde o ambiente de trabalho neste esboço que são necessários o habitus e capital
até o acesso a informações que permitam a construção cultural do profissional para a construção deste “ator”,
cotidiana do saber (pesquisa/conhecimento). Pode-se transmissor de conhecimento, pois contribuirão para a
aqui levantar um outro problema presente o artigo de cultura profissional do sujeito. “A prática é como um
Tardif, a questão dos professores em situação precária, processo de aprendizagem através do qual os profes-
estes por trabalharem em condições adversas, encon- sores e professoras retraduzem sua formação anterior e
tram grande dificuldade em assimilar e produzir co- a adaptam à profissão”. Ou seja, toda a formação técni-
nhecimento sobre a experiência profissional. “Uma pri- ca é repensada e reciclada a partir do cotidiano. Assim,
meira dificuldade vivida pelos professores em situação podemos retomar a questão já trabalhada anterior-
precária diz respeito a impossibilidade de viver uma mente pelo autor, a formação continuada e transfor-
relação seguida com os mesmos alunos”. Esta situação mação do ambiente escolar num espaço de construção
típica de um professor suplente, não permite a conclu- do saber, aproximando a figura do pesquisador à do
são de projetos, logo impossibilita também uma boa professor na tentativa de evitar deslizes e lacunas na
formação prática. Esta precarização do trabalho se dá formação do aluno.
segundo Tardif de diversas maneiras, desde o fato de Para encerrar a primeira parte de sua obra, Tardif
não gozarem de certos benefícios sociais e de estarem busca entender o que se deve compreender por “sa-
à mercê da direção da escola até a própria questão da ber”, chamando o professor de “ator racional” ele tra-
suplência que não permite uma relação mais profunda balha a idéia de perito da educação e pergunta: “Que-
com os alunos. remos realmente que nossos filhos sejam educados por
Para Maurice Tardif, uma parcela relevante do sa- peritos, por profissionais?”. Colocada esta questão ele
ber docente se dá com o trabalho efetivo (práxis), no questiona a racionalidade docente e maneira como o
terceiro ensaio, o autor afirma que uma boa maneira meio leva o profissional da educação a agir. “Pode-se
de compreender a natureza do trabalho dos profes- dizer que os professores estão integrados num ambien-
sores é compará-lo com o trabalho industrial e, ao fa- te sócio profissional que determina, de antemão, cer-
tas exigências de racionalidade no interior dos quais
zê-lo, apresenta quadros comparativos que setorizam
o trabalho docente encontra-se preso, estruturado,
a explanação, o autor coloca o trabalho como técnica,
condicionado”. Podemos afirmar desta maneira que há
como atividade instrumental, apresentando uma visão
uma irracionalidade dentro desta ordem racional, que
conteudística da formação, sem direção no trabalho do-
precisa ser revisada. Assim, Tardif em Saberes docentes
cente e com tarefas de acordo com o surgimento de
e formação profissional, nos alerta a rever as linhas de
necessidade. É cada vez mais claro que o ensinar resu-
pesquisa e a forma de atuar do quadro docente, além
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

me-se em aplicar técnica com isso a preocupação com


da necessidade de uma formação continuada integrada
o ensino volta-se hoje para a formação docente e não
à prática escolar cotidiana.
mais para “as questões de sistema ou de organização
<http://lucasseren.blogspot.com/2011/05/resumo-
curricular”. Tardif aponta que diferentemente da indús-
-saberes-docentes-e-formacao.html>
tria os resultados na educação são conquistados em
longo prazo, “nesse sentido os professores dificilmente
podem avaliar seu próprio progresso em relação ao al- UNESCO. EDUCAÇÃO PARA OS OBJETIVOS
cance desses objetivos”. Fica claro então, que esta busca DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
de resultados e transformação do ensinar em técnica, OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM. BRASÍLIA:
contribuem com a transformação da sala de aula em UNESCO, 2017
objeto de estudo, impossibilitando esta de realizar-se
enquanto um espaço privilegiado de construção do sa-
ber. Notamos mais a frente como esta questão desem- INTRODUÇÃO
boca numa violência simbólica pois submete alunos e
professores a “programas de ação que elas não escolhe- Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável –
ram, a fim de avaliá-los em função de critérios abstratos uma agenda ambiciosa e universal para transformar
e freqüentemente dolorosos”. nosso mundo

74
2. Fome zero e agricultura sustentável – Acabar com
#FicaDica a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria
da nutrição e promover a agricultura sustentável
Em 25 de setembro de 2015, a Assembleia 3. Saúde e bem-estar – Assegurar uma vida saudável
Geral da ONU adotou a Agenda 2030 para o e promover o bem-estar para todos, em todas as
Desenvolvimento Sustentável (UNITED NA- idades
TIONS, 2015). Esse novo marco global para 4. Educação de qualidade – Assegurar a educação in-
redirecionar a humanidade para um cami- clusiva e equitativa de qualidade, e promover opor-
nho sustentável foi desenvolvido na esteira tunidades de aprendizagem ao longo da vida para
da Conferência das Nações Unidas sobre todos
Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no 5. Igualdade de gênero – Alcançar a igualdade de gê-
Rio de Janeiro, Brasil, em junho de 2012, em nero e empoderar todas as mulheres e meninas
um processo de três anos envolvendo Esta- 6. Água potável e saneamento – Assegurar a disponi-
dos-membros da ONU, pesquisas nacionais bilidade e gestão sustentável da água e saneamento
que mobilizaram milhões de pessoas e mi- para todos
lhares de atores de todo o mundo. No cen- 7. Energia limpa e acessível – Assegurar o acesso con-
tro da Agenda 2030 estão os 17 Objetivos fiável, sustentável, moderno e a preço acessível à
de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os energia para todos
ODS universais, transformadores e inclusivos 8. Trabalho decente e crescimento econômico – Pro-
descrevem os principais desafios de desen- mover o crescimento econômico sustentado, inclu-
volvimento para a humanidade. sivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e
trabalho decente para todos
9. Indústria, inovação e infraestrutura – Construir in-
O propósito dos 17 ODS (ver o Quadro 1.1) é ga-
fraestruturas resilientes, promover a industrialização
rantir uma vida sustentável, pacífica, próspera e equita- inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
tiva na Terra para todos, agora e no futuro. Os objetivos 10. Redução das desigualdades – Reduzir a desigual-
abrangem desafios globais que são fundamentais para a dade dentro dos países e entre eles
sobrevivência da humanidade. Eles estabelecem limites 11. Cidades e comunidades sustentáveis – Tornar as
ambientais e definem restrições cruciais para a utilização cidades e os assentamentos humanos inclusivos,
dos recursos naturais. Os objetivos reconhecem que a seguros, resilientes e sustentáveis
erradicação da pobreza deve caminhar de mãos dadas 12. Consumo e produção responsáveis – Assegurar pa-
com estratégias que constroem o desenvolvimento eco- drões de produção e de consumo sustentáveis
nômico. Abordam uma gama de necessidades sociais, 13. Ação contra a mudança global do clima – Tomar
incluindo educação, saúde, proteção social e oportuni- medidas urgentes para combater a mudança do cli-
dades de emprego, enquanto combatem a mudança cli- ma e seus impactos
mática e promovem a proteção ambiental. 14. Vida na água – Conservar e usar sustentavelmente
Os ODS abordam as principais barreiras sistêmicas os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o
para o desenvolvimento sustentável, como a desigual- desenvolvimento sustentável
dade, padrões de consumo insustentáveis, falta de ca- 15. Vida terrestre – Proteger, recuperar e promover o
pacidade institucional e degradação ambiental. Para os uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de
objetivos serem alcançados, todos precisam fazer a sua forma sustentável as florestas, combater a desertifi-
parte: governos, setor privado, sociedade civil e todos cação, deter e reverter a degradação da terra e deter
os seres humanos em todo o mundo. Espera-se que os a perda de biodiversidade
governos assumam a responsabilidade e estabeleçam 16. Paz, justiça e instituições eficazes – Promover socie-
marcos, políticas e medidas nacionais para a implemen- dades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
tação da Agenda 2030. Uma característica fundamental sustentável, proporcionar o acesso à justiça para to-
da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é a das e todos e construir instituições eficazes, respon-
sua universalidade e indivisibilidade. Ela alcança todos os sáveis e inclusivas em todos os níveis
17. Parcerias e meios de implementação – Fortalecer
países – do Sul e Norte global – como países-alvo. Todos
os meios de implementação e revitalizar a parceria
os países signatários da Agenda 2030 deverão alinhar
global para o desenvolvimento sustentável
seus próprios esforços de desenvolvimento, com o ob-
jetivo de promover a prosperidade e, ao mesmo tempo, Fontes: BRASIL. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTE-
proteger o planeta, a fim de alcançar o desenvolvimento RIORES. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Dis-
sustentável. Assim, em relação aos ODS, todos os países ponível em: UNITED NATIONS. Sustainable Development
podem ser considerados como em desenvolvimento e Goals.
todos os países deverão tomar medidas urgentes.
Educação para o desenvolvimento sustentável – um
Quadro 1. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento instrumento fundamental para atingir os ODS
Sustentável (ODS)
“É necessária uma mudança fundamental na maneira
1. Erradicação da pobreza – Acabar com a pobreza como pensamos o papel da educação no desenvolvimen-
em todas as suas formas, em todos os lugares to global, porque ela tem um efeito catalizador sobre o

75
bem-estar das pessoas e para o futuro do nosso planeta O reconhecimento internacional da EDS como um
[…]. Agora, mais do que nunca, a educação tem a res- fator essencial para o desenvolvimento sustentável vem
ponsabilidade de se alinhar com os desafios e aspirações crescendo de forma constante. A importância da EDS foi
do século XXI, e promover os tipos certos de valores e reconhecida nas três cúpulas influentes de desenvolvi-
habilidades que irão permitir um crescimento sustentá- mento sustentável global: a Conferência das Nações
vel e inclusivo, e uma convivência pacífica“. Irina Bokova, Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de
diretora-geral da UNESCO “A educação pode e deve con- 1992 (UN Conference on Environment and Development
tribuir para uma nova visão de desenvolvimento global – UNCED), no Rio de Janeiro; a Cúpula Mundial sobre
sustentável“. (UNESCO, 2015) Desenvolvimento Sustentável de 2002 (World Summit
Embarcar no caminho do desenvolvimento sustentável on Sustainable Development – WSSD), em Johanesbur-
exigirá uma profunda transformação na forma como pen- go, África do Sul; e a Conferência das Nações Unidas
samos e agimos. Para criar um mundo mais sustentável e sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012 (UN Confe-
engajar- -se com questões relacionadas à sustentabilida- rence on Sustainable Development – UNCSD), também
de, como descrito nos ODS, os indivíduos devem se tornar
no Rio de Janeiro, Brasil. A EDS também é reconhecida
agentes de mudança direcionada à sustentabilidade. Eles
em outros acordos globais importantes, como o Acor-
precisam de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes
do de Paris (Artigo 12). A Década das Nações Unidas
que lhes permitam contribuir para o desenvolvimento sus-
da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-
tentável. A educação, portanto, é crucial para a consecução
do desenvolvimento sustentável. No entanto, nem todos os 2014) (DEDS) visava a integrar os princípios e as práticas
tipos de educação apoiam o desenvolvimento sustentável. do desenvolvimento sustentável em todos os aspectos
A educação que promove o crescimento econômico da educação e da aprendizagem.
por si só pode também levar a um aumento de padrões Ela também teve como objetivo incentivar mudan-
de consumo insustentáveis. A abordagem já bem estabe- ças de conhecimentos, valores e atitudes com a visão de
lecida da educação para o desenvolvimento sustentável viabilizar uma sociedade mais sustentável e justa para
(EDS) capacita os educandos a tomar decisões informadas todos. O Programa de Ação Global (Global Action Pro-
e adotar ações responsáveis para assegurar a integridade gramme – GAP) em EDS, aprovado pela 37ª Conferên-
ambiental, a viabilidade econômica e uma sociedade justa cia Geral da UNESCO (novembro de 2013), reconhecido
para as gerações presentes e futuras. A EDS visa a desen- pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas
volver competências que capacitem as pessoas a refletir A/RES/69/211 e lançado em 12 de novembro de 2014
sobre as próprias ações, tendo em conta seus impactos na Conferência Mundial da UNESCO sobre EDS em Ai-
sociais, culturais, econômicos e ambientais atuais e futu- chi-Nagoya, Japão, busca ampliar a EDS, com base na
ros, a partir de uma perspectiva local e global. Indivíduos DEDS.
também devem ser empoderados para agir em situações
complexas de forma sustentável, o que pode levá-los a Quadro 2. Meta 4.7 dos ODS
adotar novas direções; assim como participar em proces-
sos sociopolíticos, movendo suas sociedades rumo ao de- Até 2030, garantir que todos os alunos adquiram co-
senvolvimento sustentável. nhecimentos e habilidades necessárias para promover o
A EDS deve ser entendida como parte integrante da desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por
educação de qualidade, inerente ao conceito de apren- meio da educação para o desenvolvimento sustentável
dizagem ao longo da vida: todas as instituições de edu- e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igual-
cação – desde a educação pré-escolar até a educação dade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não
superior e a educação não formal e informal – podem e
violência, cidadania global e valorização da diversidade
devem considerar como sua responsabilidade trabalhar
cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvi-
intensamente com questões de desenvolvimento susten-
mento sustentável. Fonte: UNITED NATIONS, 2015.
tável e promover o desenvolvimento de competências de
A EDS é explicitamente reconhecida nos ODS como
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

sustentabilidade. A EDS oferece uma educação que im-


porta e que é verdadeiramente relevante para todos os parte da meta 4.7 do ODS sobre educação, em conjunto
educandos, à luz dos desafios atuais. A EDS é uma edu- com a educação para a cidadania global (ECG), que a
cação holística e transformadora que aborda conteúdos UNESCO promove como uma abordagem complemen-
e resultados de aprendizagem, pedagogia e ambiente de tar.1 Ao mesmo tempo, é importante destacar a impor-
aprendizagem. Assim, a EDS não se limita a integrar, no tância crucial da EDS para todos os outros 16 ODS. Com
currículo, conteúdos como mudança climática, pobreza e o seu objetivo geral de desenvolver competências de
consumo sustentável; ela também cria contextos de ensi- sustentabilidade transversais nos educandos, a EDS ofe-
no e aprendizagem interativos e centrados no educando. rece um apoio essencial a todos os esforços para atingir
A EDS exige uma mudança de foco do ensino para a os ODS, permitindo que indivíduos contribuam para o
aprendizagem. Ela requer uma pedagogia transformado- desenvolvimento sustentável por meio da promoção da
ra orientada para a ação, que apoie a autoaprendizagem, mudança social, econômica e política, bem como pela
a participação e a colaboração; uma orientação para a transformação do próprio comportamento.
solução de problemas; inter e transdisciplinaridade; e a A EDS pode produzir resultados específicos de apren-
conexão entre aprendizagem formal e informal. Apenas dizagem cognitiva, socioemocional e comportamental
essas abordagens pedagógicas tornam possível o desen- que permitem aos indivíduos lidar com os desafios es-
volvimento das principais competências necessárias para pecíficos de cada ODS, facilitando, assim, a sua conse-
promover o desenvolvimento sustentável. cução. Em suma, a EDS permite que todos os indivíduos

76
contribuam para o alcance dos ODS ao equipá-los com Os objetivos de aprendizagem, temas e atividades in-
o conhecimento e as competências de que necessitam, cluídos neste guia devem ser vistos como uma orienta-
não apenas para entender o sentido dos ODS, mas para ção geral; eles não são exaustivos ou definitivos. Embora
participar como cidadãos informados para promover a os objetivos de aprendizagem incluam os resultados de
transformação necessária. aprendizagem necessários (incluindo conhecimentos,
habilidades, atitudes e comportamentos) para apoiar a
A quem se destina esse guia e como ele pode ser consecução dos ODS e destinam-se a ser aplicados em
usado? todo o mundo, eles transmitem apenas ideias centrais.
Devem, portanto, ser complementados por temas ade-
Esta publicação visa a orientar os leitores sobre como quados e localmente relevantes, bem como atualizados
usar a educação, e em particular a EDS, na consecução sobre novas questões que constantemente surgem no
dos ODS. Ela identifica os objetivos de aprendizagem, nosso mundo em rápida mudança. Parte do conteúdo
sugere temas e atividades de aprendizagem para cada pode já ser abordado em programas de educação exis-
ODS, e descreve a implementação em diferentes níveis, tentes. Nesse caso, este guia pode ser usado como um
desde a formulação de um curso até estratégias nacio- recurso complementar, como uma referência para a revi-
nais. O documento tem como objetivo apoiar os for- são ou para o fortalecimento dos programas existentes.
muladores de políticas, desenvolvedores de currículo e A parte principal do documento resume as competên-
educadores na elaboração de estratégias, currículos e cias-chave em EDS que os educandos deverão desenvol-
cursos para promover a aprendizagem para os ODS. O ver e descreve os objetivos de aprendizagem indicativos,
documento não é prescritivo de nenhuma forma, mas temas e abordagens pedagógicas para cada um dos 17
apresenta orientações e oferece sugestões para temas ODS. Posteriormente, uma seção mais curta traz orien-
e objetivos de aprendizagem que os educadores po- tações sobre a implementação em diferentes níveis de
dem selecionar e adaptar a contextos de aprendizagem educação e em diversos contextos.
concretos. Educadores podem usar este guia como um
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PARA A CONSECU-
recurso no desenvolvimento de treinamentos, livros di-
ÇÃO DOS ODS
dáticos, cursos online abertos e massivos (massive open
online courses – MOOCs) e exposições.
Objetivos de aprendizagem para a consecução
Ele pode ajudar os professores ou elaboradores de
dos ODS
currículos em instituições de educação formal, forma-
dores em programas de capacitação profissional ou
A EDS pode desenvolver competências-chave trans-
equipes de organizações não governamentais (ONGs)
versais para a sustentabilidade que são relevantes para
na concepção de ofertas educativas não formais. Os
todos os ODS. A EDS também pode desenvolver resul-
formuladores de políticas podem achar útil considerar tados de aprendizagem específicos necessários para o
as ideias centrais dos objetivos de aprendizagem para trabalho na busca de um ODS específico.
os ODS na elaboração de políticas ou estratégias de
educação. Para alguns, este guia pode oferecer uma Principais competências transversais para alcan-
introdução aos ODS, à EDS e a abordagens de ensino çar todos os ODS
e aprendizagem orientadas para competências na área
de EDS. Para outros, o guia e os recursos adicionais re- À medida que as sociedades ao redor do mundo se
comendados podem aprofundar a compreensão desses esforçam para acompanhar o ritmo dos avanços da tec-
conceitos. nologia e da globalização, elas se deparam com muitos
Ele também pode ser usado para dar seguimento ao desafios novos. Estes incluem complexidade e incerteza
trabalho existente na EDS e áreas afins, como a educação crescentes; mais individualização e diversidade social; CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
para a cidadania global, a educação em direitos huma- expansão da uniformidade econômica e cultural; degra-
nos, a educação ambiental e outros. Como o grupo-alvo dação dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem;
é diversificado e os possíveis usos deste guia são muitos, e maior vulnerabilidade e exposição a riscos naturais e
os objetivos de aprendizagem, temas e atividades para tecnológicos. Uma quantidade imensa de informações
cada ODS são descritos em nível geral. Como orientação que proliferam rapidamente está disponível para elas.
geral, eles não são direcionados a faixas etárias, configu- Todas essas condições exigem ações criativas e auto-or-
rações ou contextos nacionais/socioculturais de apren- ganizadas, porque a complexidade da situação supera
dizagem específicos. Eles foram concebidos para serem os processos básicos de resolução de problemas que
relevantes para todos os educandos, de todas as idades, se atêm estritamente ao planejado. As pessoas devem
em todo o mundo, e para encontrarem aplicação em to- aprender a entender o complexo mundo em que vivem.
dos os tipos de contextos de aprendizagem, ao passo Elas precisam ser capazes de colaborar, falar e agir para
que sua implementação concreta deverá, naturalmente, a mudança positiva (UNESCO, 2015).
ser adaptada ao contexto nacional ou local. Para cada Podemos chamar essas pessoas de “cidadãos da
objetivo de aprendizagem, educadores e desenvolvedo- sustentabilidade” (WALS, 2015; WALS; LENGLET, 2016).
res de currículo devem definir o nível a ser alcançado por Há um consenso geral de que os cidadãos da susten-
seus educandos (por exemplo, de “básico”, na educação tabilidade precisam ter certas competências-chave que
primária, a “proficiente”, na educação superior). lhes permitam participar de forma construtiva e respon-

77
sável no mundo de hoje. Competências descrevem os Competência de resolução integrada de proble-
atributos específicos de que os indivíduos precisam para mas: habilidade de aplicar diferentes marcos de reso-
atuarem e se auto-organizarem em vários contextos e si- lução de problemas para problemas complexos de sus-
tuações complexas. Elas incluem elementos cognitivos, tentabilidade e desenvolver opções de solução viáveis,
afetivos, volitivos e motivacionais; portanto, elas são uma inclusivas e equitativas que promovam o desenvolvimen-
interação de conhecimentos, capacidades e habilidades, to sustentável, integrando as competências mencionadas
motivações e disposições afetivas. Não é possível ensi- anteriormente.
nar competências, elas têm de ser desenvolvidas pelos As competências-chave da sustentabilidade repre-
próprios educandos. Elas são adquiridas durante a ação, sentam o que os cidadãos da sustentabilidade precisam
com base na experiência e na reflexão (UNESCO, 2015; especificamente para lidar com os desafios complexos de
WEINERT, 2001). Competências-chave representam com- hoje. Elas são relevantes para todos os ODS, e também
petências transversais que são necessárias para todos os capacitam os indivíduos para relacionar os diferentes
educandos, de todas as idades, em todo o mundo (de- ODS uns com os outros – para ter uma “visão do todo”
senvolvidas em diferentes níveis, de acordo com a idade). da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Os
Competências-chave podem ser entendidas como objetivos de aprendizagem específicos descritos a seguir
transversais, multifuncionais e independentes do con- devem ser vistos em conjunto com as competências de
texto. Elas não substituem as competências específicas sustentabilidade transversais. Por exemplo, um objetivo
necessárias para a ação bem-sucedida em determinadas de aprendizagem específico para o ODS 1: “Erradicação
situações e contextos, mas elas as incluem e têm um foco da pobreza – acabar com a pobreza em todas as suas
mais amplo (RYCHEN, 2003; WEINERT, 2001). As seguin- formas, em todos os lugares”, pode ser definido como
tes competências-chave são geralmente vistas como cru- “O educando tem conhecimento sobre causas e impac-
ciais para o avanço do desenvolvimento sustentável (ver tos da pobreza”. Esse conhecimento pode ser adquirido
DE HAAN, 2010; RIECKMANN, 2012; WIEK; WITHYCOM- por meio de estudos de caso sobre a pobreza em países
BE; REDMAN, 2011). selecionados.
Ao mesmo tempo, essa atividade de aprendizagem
Quadro 1.1. Competências-chave para a sustenta- contribui para a competência de pensamento sistêmico
bilidade da pessoa, facilitando a percepção de que vários fatores
influenciam a pobreza. Mas a competência de pensa-
Competência de pensamento sistêmico: habilidade mento sistêmico não se limita ao pensamento sistêmico
de reconhecer e compreender relacionamentos; analisar sobre a pobreza. Como uma competência-chave, ela per-
sistemas complexos; pensar como os sistemas são incor- mite que o educando também compreenda as comple-
porados dentro de diferentes domínios e diferentes esca- xas inter-relações nas áreas de outros ODS. É fundamen-
las; e lidar com a incerteza. tal definir objetivos de aprendizagem específicos para
Competência antecipatória: habilidade de com- os diferentes ODS. Mas também devemos lembrar que
preender e avaliar vários futuros – possíveis, prováveis e esses objetivos não devem ser vistos como isolados das
desejáveis; criar as próprias visões para o futuro; aplicar competências-chave de sustentabilidade que apoiarão a
o princípio da precaução; avaliar as consequências das transição para um mundo sustentável.
ações; e lidar com riscos e mudanças. Os objetivos de aprendizagem e competências-chave
Competência normativa: habilidade de entender e devem ser trabalhados em conjunto. As abordagens de
refletir sobre as normas e os valores que fundamentam aprendizagem e os métodos descritos neste documen-
as ações das pessoas; e negociar valores, princípios, ob- to são, portanto, baseados em melhores práticas para o
jetivos e metas de sustentabilidade, em um contexto de desenvolvimento de competências. Ao usar este marco
conflitos de interesses e concessões, conhecimento in- orientador, os educadores são incentivados a considerar
certo e contradições. quais competências-chave suas atividades educacionais
Competência estratégica: habilidade de desenvol- estão facilitando, além dos objetivos de aprendizagem
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

ver e implementar coletivamente ações inovadoras que específicos descritos para cada ODS na seção a seguir.
promovam a sustentabilidade em nível local e em con-
textos mais amplos. Objetivos específicos de aprendizagem para os
Competência de colaboração: habilidade de apren- ODS
der com outros; compreender e respeitar as necessidades,
as perspectivas e as ações de outras pessoas (empatia); A seguir é apresentada uma descrição dos objetivos
entender, relacionar e ser sensível aos outros (liderança específicos de aprendizagem para todos os ODS. Para
empática); lidar com conflitos em um grupo; e facilitar a cada um deles, são descritos objetivos de aprendizagem
colaboração e a participação na resolução de problemas. nos campos cognitivo, socioemocional e comportamen-
Competência de pensamento crítico: habilidade de tal.
questionar normas, práticas e opiniões; refletir sobre os O campo cognitivo compreende conhecimentos e
próprios valores, percepções e ações; e tomar uma posi- habilidades de pensamento necessários para compreen-
ção no discurso da sustentabilidade. der melhor os ODS e os desafios para alcançá-los.
Competência de autoconhecimento: habilidade de O campo socioemocional inclui habilidades sociais
refletir sobre o próprio papel na comunidade local e na que permitem que os educandos colaborem, negociem
sociedade (global); avaliar continuamente e motivar ain- e se comuniquem para promover os ODS, bem como ha-
da mais as próprias ações; e lidar com os próprios senti- bilidades de autorreflexão, valores, atitudes e motivações
mentos e desejos. que permitem que os educandos se desenvolvam.

78
O campo comportamental descreve competências de ação. Além disso, são delineados temas indicativos e abor-
dagens pedagógicas para cada ODS.

1.2.1 ODS 1 | Erradicação da pobreza | Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares
Tabela 1.2.1 Objetivos de aprendizagem para o ODS 1 “Erradicação da pobreza”
Objetivos de 1. O educando entende os conceitos de pobreza extrema e relativa e é capaz de refletir criticamente
aprendizagem sobre as premissas e as práticas culturais e normativas subjacentes a eles.
cognitiva 2. O educando tem conhecimento sobre a distribuição local, nacional e global da extrema
pobreza e da extrema riqueza.
3. O educando tem conhecimento sobre causas e impactos da pobreza, como a distribuição desigual
de recursos e de energia, colonização, conflitos, tragédias causadas por desastres naturais e outros
impactos induzidos por mudanças climáticas, degradação ambiental e desastres tecnológicos, além
da falta de sistemas e medidas de proteção social.
4. O educando entende como extremos de pobreza e extremos de riqueza afetam as necessidades
e os direitos humanos fundamentais.
5. O educando tem conhecimento sobre estratégias e medidas de redução da pobreza e é capaz
de distinguir entre abordagens baseadas em déficit e abordagens baseadas em fortalecimento para
lidar com a pobreza.
Objetivos de 1. O educando é capaz de colaborar com outros para empoderar indivíduos e comunidades de forma
aprendizagem a influenciar a mudança na distribuição de poder e recursos na comunidade e em outras instâncias.
socioemocio- 2. O educando é capaz de aumentar a consciência a respeito de extremos de pobreza e riqueza e
nal incentivar o diálogo sobre as soluções.
3. O educando é capaz de mostrar sensibilidade para as questões da pobreza, bem como empatia e
solidariedade com os pobres e aqueles em situação de vulnerabilidade.
4. O educando é capaz de identificar suas experiências pessoais e preconceitos em relação à pobreza.
5. O educando é capaz de refletir criticamente sobre o próprio papel na manutenção de estruturas
globais de desigualdade.
Objetivos de 1. O educando é capaz de planejar, implementar, avaliar e replicar atividades que contribuam para
aprendiza- a redução da pobreza.
gem com- 2. O educando é capaz de exigir e apoiar publicamente o desenvolvimento e a integração de po-
portamental líticas que promovam a justiça social e econômica, as estratégias de redução de riscos e ações de
erradicação da pobreza.
3. O educando é capaz de avaliar, participar e influenciar o processo de decisão sobre estratégias de
gestão de empresas locais, nacionais e internacionais relativas à geração e erradicação da pobreza.
4. O educando é capaz de incluir considerações sobre redução da pobreza, justiça social e combate
à corrupção em suas atividades de consumo.
5. O educando é capaz de propor soluções para resolver os problemas sistêmicos relacionados à
pobreza.

Quadro 1.2.1a Tópicos sugeridos para o ODS 1 “Erradicação da pobreza”


Definições de pobreza
Distribuição global, nacional e local da pobreza extrema e da riqueza extrema, assim como suas razões CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
A importância dos sistemas e das medidas de proteção social
A importância da igualdade de direitos a recursos econômicos, bem como ao acesso a serviços básicos,
propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas
tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanciamento
A inter-relação entre pobreza, desastres naturais, mudança climática e outras tensões e choques
econômicos, sociais e ambientais
Condições de trabalho relacionadas com a pobreza, como fábricas que exploram os trabalhadores,
trabalho infantil e escravidão moderna
Resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade
Consequências da pobreza, como desnutrição, mortalidade infantil e materna, criminalidade e violência
Cooperação para o desenvolvimento
Marcos de políticas nos âmbitos local, nacional e internacional, com base em estratégias de desenvolvimento
favoráveis aos pobres e sensíveis a gênero

79
Quadro 1.2.1b Exemplos de abordagens e métodos O b j e t i vo s 1. O educando é capaz de comunicar-
de aprendizagem para o ODS 1 de -se sobre as questões e as conexões
“Erradicação da pobreza” aprendiza- entre o combate à fome e a promoção
Desenvolver parcerias entre escolas e universidades de gem da agricultura sustentável e melhoria da
diferentes regiões do mundo (Sul e Norte; Sul e Sul) socioemo- nutrição.
Planejar e executar uma campanha de conscientização cional 2. O educando é capaz de colaborar com
sobre a pobreza local e globalmente outros para incentivá-los e empoderá-
Planejar e executar uma empresa estudantil que venda -los para combater a fome e promover
produtos de comércio justo a agricultura sustentável e a melhoria da
Planejar e implementar oportunidades locais de apren- nutrição.
dizagem em serviço e/ou engajamento para 3. O educando é capaz de criar uma vi-
empoderar as pessoas pobres, reduzindo sua vulne- são de um mundo sem fome e desnu-
rabilidade a diferentes tipos de riscos e aumentando trição.
sua resiliência – em colaboração com ONGs, o setor 4. O educando é capaz de refletir sobre
privado e/ou grupos comunitários etc. seus próprios valores e lidar com valo-
Realizar um estudo de caso sobre a pobreza e a rique- res, atitudes e estratégias divergentes
za em países selecionados (por meio de pesquisas em relação ao combate à fome e à des-
documentais) ou no nível local (por meio de excursões, nutrição, assim como em relação à pro-
da realização de entrevistas etc.) moção da agricultura sustentável.
Proporcionar estágios dentro de organizações que 5. O educando é capaz de sentir em-
abordam a pobreza patia, responsabilidade e solidariedade
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques- pelas pessoas que sofrem de fome e
tão: “A pobreza está aumentando ou diminuindo?” desnutrição.
O b j e t i vo s 1. O educando é capaz de avaliar e im-
1.2.2 ODS 2 | Fome zero e agricultura sustentável | Aca- de plementar ações pessoal e localmente
bar com a fome, alcançar a segurança alimentar e me- aprendiza- para combater a fome e promover a
lhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável gem agricultura sustentável.
Tabela 1.2.2 Objetivos de aprendizagem para o ODS 2 comporta- 2. O educando é capaz de avaliar, parti-
“Fome zero e agricultura mental cipar e influenciar o processo de decisão
sustentável” relativo às políticas públicas de combate
à fome e à desnutrição e de promoção
O b j e t i vo s 1. O educando tem conhecimento sobre de uma agricultura sustentável.
de a fome e a desnutrição e seus principais 3. O educando é capaz de avaliar, par-
aprendiza- efeitos físicos e psicológicos sobre a ticipar e influenciar o processo de de-
gem vida humana, e sobre grupos vulneráveis cisão relativo às estratégias de gestão
cognitiva específicos. das empresas locais, nacionais e
2. O educando tem conhecimento sobre internacionais em matéria de combate à
a quantidade e a distribuição da fome fome e à desnutrição e de promoção da
e da desnutrição em âmbito local, na- agricultura sustentável.
cional e global, no presente, bem como 4. O educando é capaz de assumir de
historicamente. forma crítica seu papel como cidadão
3. O educando conhece os principais global ativo no desafio de combater a
fatores e causas para a fome em nível fome.
individual, local, nacional e global. 5. O educando é capaz de mudar suas
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

4. O educando conhece princípios da práticas de produção e consumo, a fim


agricultura sustentável e compreende a de contribuir para o combate à fome e
necessidade de direitos legais de possuir a promoção de uma agricultura susten-
terra e a propriedade como condições tável.
necessárias para promovê-la.
5. O educando entende a necessida-
de de uma agricultura sustentável para
combater a fome e a desnutrição em
todo o mundo e tem conhecimento so-
bre outras estratégias para combater a
fome, a desnutrição e dietas deficientes.

80
Quadro 1.2.2a Tópicos sugeridos para o ODS 2 “Fome 1.2.3 ODS 3 | Saúde e bem-estar |
zero e agricultura sustentável” Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar
Definição do conceito de fome e desnutrição para todos, em todas as idades
Grupos que são particularmente vulneráveis à fome e Tabela 1.2.3 Objetivos de aprendizagem para o ODS 3
à desnutrição “Saúde e bem-estar”
Principais fatores e causas da fome e da desnutrição,
incluindo a relação entre mudança climática e Objetivos 1. O educando conhece conceitos de saú-
segurança alimentar e esgotamento da qualidade do de de, higiene e bem-estar e pode refletir
solo aprendi- criticamente sobre eles, incluindo uma
Consequências da fome e da desnutrição sobre a saú- zagem compreensão da importância do gênero
de e o bem-estar das pessoas, incluindo práticas cognitiva na saúde e bem-estar.
como a migração como forma de adaptação 2. O educando conhece fatos e números
Funções físicas, emocionais e socioculturais dos ali- sobre as doenças transmissíveis e não
mentos transmissíveis mais graves, bem como os
A fome em relação à abundância de alimentos, à obe- grupos e as regiões mais vulneráveis a do-
sidade e ao desperdício de alimentos enças e morte prematura.
Alimentação global – importação, exportação, culturas 3. O educando entende as dimensões so-
alimentares, impostos internacionais, subsídios ciais, políticas e econômicas da saúde e do
e sistemas de negociação internacionais, méritos, ris- bem estar e tem conhecimento sobre os
cos e desafios da utilização de organismos efeitos da publicidade e sobre estratégias
geneticamente modificados (OGM) para promover a saúde e o bem-estar.
Instituições e movimentos relacionados à fome e à 4. O educando entende a importância da
agricultura sustentável, como a Organização das Na- saúde mental. O educando entende os
ções Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), impactos negativos de comportamentos
Foodwatch, Slow Food, agricultura comunitária, o mo- como a xenofobia, a discriminação e o
vimento internacional Via Campesina etc. bullying na saúde mental e no bem-estar
Conceitos e princípios da agricultura sustentável, in- emocional e como a dependência de álco-
cluindo práticas resilientes ao clima, agricultura ol, tabaco ou outras drogas causam danos
orgânica, agricultura biodinâmica, permacultura e à saúde e ao bem-estar.
agricultura florestal 5. O educando conhece estratégias de
Biodiversidade de sementes, plantas e animais, parti- prevenção relevantes para promover a
cularmente em relação às espécies selvagens saúde física e mental positiva e o bem-es-
tar, incluindo a saúde sexual e reprodutiva
e informações
Quadro 1.2.2b Exemplos de abordagens e métodos sobre o tema, e tem conhecimento sobre
de aprendizagem para o ODS 2 alerta precoce e redução de riscos.
Fazer dramatizações representando pequenos produ- Objetivos 1. O educando é capaz de interagir com as
tores contra grandes empresas em um mercado de pessoas que sofrem de doenças, e sentir
global influenciado por impostos, subsídios, tarifas, aprendi- empatia pela situação e pelo sentimentos
cotas etc. zagem delas.
Desenvolver cenários e análise de sistemas locais ou socioe- 2. O educando é capaz de comunicar-se
nacionais de produção e consumo de alimentos e/ou mocional sobre questões de saúde, incluindo a saú-
que investiguem o impacto dos desastres naturais nos de sexual e reprodutiva, e bem-estar, es-
sistemas de produção de alimentos pecialmente para argumentar em favor de
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
Fazer análises de estudos de caso de políticas públicas estratégias de prevenção para promover a
ou estratégias de gestão de empresas adequadas saúde e o bem-estar.
e não adequadas para combater a fome, reduzir o des- 3. O educando é capaz de incentivar ou-
perdício de alimentos e promover a agricultura tros a decidirem e agirem em favor da
sustentável promoção da saúde e do bem-estar para
Organizar excursões e viagens de campo para lugares todos.
onde a agricultura sustentável é praticada 4. O educando é capaz de criar uma com-
Acompanhar a trajetória dos alimentos do campo à preensão holística de uma vida saudável e
mesa – cultivo, colheita e preparo dos alimentos, por de bem-estar, assim como esclarecer va-
exemplo, em projetos de horta urbana ou escolar lores, crenças e atitudes relacionadas.
Envolver os educandos em esforços para conectar so- 5. O educando é capaz de desenvolver um
bras de alimentos com pessoas carentes compromisso pessoal com a promoção da
Fazer uma análise do ciclo de vida (ACV) de alimentos saúde e do bem-estar para si mesmo, sua
família e outros, inclusive considerando
trabalho voluntário ou profissional em
saúde e assistência social.

81
Objetivos 1. O educando é capaz de incluir compor- Quadro 1.2.3b Exemplos de abordagens e métodos
de tamentos de promoção da saúde em suas de aprendizagem para o ODS 3 “Saúde
aprendi- rotinas diárias. e bem-estar”
zagem 2. O educando é capaz de planejar, im- Montar um stand de informação na cidade, por exem-
compor- plementar, avaliar e reproduzir estratégias plo, no “Dia Mundial da Aids” (1º de dezembro)
tamental que promovem a saúde, incluindo a saúde Assistir a vídeos que mostram comportamentos de
sexual e reprodutiva, e o bem-estar para si promoção da saúde (por exemplo, uso de preservativo
mesmo, sua família e outros. para sexo seguro, dizer “não” às drogas ...)
3. O educando tem a capacidade de per- Participar de discussões ou elaborar textos éticos e
ceber quando os outros precisam de aju- reflexivos sobre o que significa uma vida de saúde e
da e de procurar ajuda para si mesmo e bem-estar
para os outros. Envolver-se com a narrativa de experiências de pesso-
4. O educando é capaz de exigir e apoiar as com doenças graves, vícios de drogas etc.
publicamente o desenvolvimento de po- Organizar formação em estratégias de promoção da
líticas de promoção da saúde e do bem- saúde e prevenção de doenças (por exemplo, partici-
-estar. pação em atividades físicas, preparo de alimentos sau-
5. O educando é capaz de propor formas dáveis, uso de preservativo, instalação de mosquiteiro,
de lidar com possíveis conflitos entre o detecção e manejo de fontes de doenças transmitidas
interesse público em oferecer medica- pela água)
mentos a preços acessíveis e os interesses Realizar projetos sobre epidemias e endemias – suces-
privados dentro da indústria farmacêutica. so versus desafios (malária, zika, ebola etc.)
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
Quadro 1.2.3a Tópicos sugeridos para o ODS 3 “Saúde tão: “Viver mais tempo é bom?”
e bem-estar”
Doenças graves transmissíveis e não transmissíveis 1.2.4 ODS 4 | Educação de qualidade | Assegurar a
Problemas de saúde dos grupos vulneráveis e nas re- educação inclusiva e equitativa de qualidade, e pro-
giões mais vulneráveis, além de uma compreensão de mover oportunidades de aprendizagem ao longo da
como as desigualdades de gênero podem afetar a saú- vida para todos
de e o bem-estar Tabela 1.2.4 Objetivos de aprendizagem para o ODS 4
Estratégias diretas para promover a saúde e o bem- “Educação de qualidade”
-estar, por exemplo, vacinas, alimentação saudável,
atividade física, saúde mental, consultas médicas, edu- Objetivos de 1. O educando entende o importante
cação, educação em sexualidade e em saúde reprodu- aprendiza- papel da educação e das oportunida-
tiva, incluindo educação sobre prevenção da gravidez gem des de aprendizagem ao longo da vida
e sexo seguro cognitiva para todos (aprendizagem formal, não
Estratégias indiretas (saúde pública) para promover a formal e informal) como principais mo-
saúde e o bem-estar, por exemplo, programas tores do desenvolvimento sustentável,
políticos para seguros de saúde, preços acessíveis de para melhorar a vida das pessoas e
medicamentos, serviços de saúde, incluindo educação para se alcançar os ODS.
em sexualidade, prevenção às drogas, transferência 2. O educando entende a educação
de conhecimento e tecnologia, redução da poluição e como um bem público, um bem co-
contaminação, alerta precoce e redução de riscos mum global, um direito humano fun-
Concepções filosóficas e éticas sobre qualidade de damental e uma base para garantir a
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

vida, bem-estar e felicidade realização de outros direitos.


Educação para a saúde sexual e reprodutiva, incluindo 3. O educando tem conhecimento so-
o planejamento familiar bre a desigualdade no acesso e no de-
Atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vi- sempenho educacional, especialmente
vem com HIV, outras doenças ou transtornos mentais entre meninas e meninos e nas zonas
Acidentes rodoviários rurais, e sobre as razões para a falta de
Sobrepeso e obesidade, atividade física insuficiente e acesso equitativo à educação de quali-
alimentos pouco saudáveis dade e a oportunidades de aprendiza-
Produtos químicos, poluição e contaminação do ar, da gem ao longo da vida.
água e do solo 4. O educando entende a importância
do papel da cultura para o alcance da
sustentabilidade.
5. O educando entende que a edu-
cação pode ajudar a criar um mundo
mais sustentável, equitativo e pacífico.

82
Objetivos de 1. O educando é capaz de aumentar a Quadro 1.2.4a Tópicos sugeridos para o ODS 4 “Edu-
aprendiza- conscientização sobre a importância cação de qualidade”
gem da educação de qualidade para todas e A educação como um bem público, um bem comum
socioemo- todos, de uma abordagem humanística global, um direito humano fundamental e uma base
cional e holística à educação, da EDS e abor- para garantir a realização de outros direitos
dagens afins. A Agenda 2030 da Educação e estudos de caso inova-
2. O educando é capaz, por meio de dores e bem-sucedidos em todo o mundo
métodos participativos, de motivar e A relevância da educação inclusiva e equitativa e de
capacitar outros para exigirem e apro- qualidade e oportunidades de aprendizagem ao longo
veitarem oportunidades educacionais. da vida para todos (aprendizagem formal, não formal
3. O educando é capaz de reconhecer o e informal, incluindo a utilização das tecnologias de in-
valor intrínseco da educação e analisar formação e comunicação – TIC) e em todos os níveis
e identificar as próprias necessidades para melhorar as vidas das pessoas e promover o de-
de aprendizagem no seu desenvolvi- senvolvimento sustentável
mento pessoal. Razões para a falta de acesso à educação (por exem-
4. O educando é capaz de reconhecer plo, pobreza, conflitos, desastres, desigualdade de
a importância das próprias habilidades gênero, falta de financiamento público da educação,
para melhorar sua vida, particularmen- privatização crescente)
te para o emprego e o empreendedo- Alcance global da alfabetização, numeramento e habi-
rismo. lidades básicas
5. O educando é capaz de envolver-se Diversidade e educação inclusiva
pessoalmente com a EDS. Habilidades e competências básicas necessárias para
Objetivos de 1. O educando é capaz de contribuir o século XXI
aprendiza- para facilitar e implementar a educa- Conhecimentos, valores, habilidades e comportamen-
gem ção de qualidade para todos, a EDS e tos necessários para promover o desenvolvimento sus-
comporta- abordagens relacionadas em diferen- tentável
mental tes níveis. O conceito da educação para o desenvolvimento sus-
2. O educando é capaz de promover a tentável (EDS), da abordagem da instituição como um
igualdade de gênero na educação. todo como uma estratégia fundamental para expandir
3. O educando é capaz de exigir e a educação para o desenvolvimento sustentável, e da
apoiar publicamente o desenvolvimen- pedagogia para o desenvolvimento de competências
to de políticas que promovam o ensi- de sustentabilidade
no gratuito, equitativo e de qualidade Empoderamento dos jovens e empoderamento de
para todos, a EDS e abordagens afins, grupos marginalizados
e apoiem instalações educacionais se-
guras, acessíveis e inclusivas.
Box 1.2.4b Exemplos de abordagens e métodos de
4. O educando é capaz de promover o
aprendizagem para o ODS 4 “Educação de qualidade”
empoderamento dos jovens.
5. O educando é capaz de aproveitar Desenvolver parcerias entre escolas, universidades e
todas as oportunidades para sua pró- outras instituições que oferecem ensino em diferentes
pria educação ao longo da sua vida, e regiões do mundo (Sul e Norte, Sul e Sul)
aplicar os conhecimentos adquiridos Planejar e executar uma campanha de conscientização
em situações cotidianas para promover sobre educação de qualidade
o desenvolvimento sustentável. Realizar um estudo de caso sobre o sistema educacional CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
e o acesso à educação (por exemplo, taxa de matrícula no
ensino primário) em comunidades ou países selecionados
Planejar e executar um projeto de EDS em uma escola
ou universidade, ou para a comunidade local
Comemorar o Dia Mundial das Habilidades dos Jovens,
das Nações Unidas (15 de julho), o Dia Internacional
da Alfabetização (8 de setembro) ou o Dia Mundial do
Professor (5 de outubro); ou participar da Semana
de Ação Mundial pela Educação
Organizar dias de EDS em nível local, regional e na-
cional
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
tão: “O que é uma escola sustentável?”

83
1.2.5 ODS 5 | Igualdade de gênero | Alcançar a igualdade Objetivos 1. O educando é capaz de avaliar seu en-
de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas de torno para se empoderar ou empoderar
Tabela 1.2.5 Objetivos de aprendizagem para o ODS 5 aprendi- outras pessoas que são discriminadas por
“Igualdade de gênero” zagem causa de seu gênero.
compor- 2. O educando é capaz de avaliar, parti-
Objetivos 1. O educando entende os conceitos de tamental cipar e influenciar a tomada de decisões
de gênero, igualdade de gênero e discrimi- sobre igualdade de gênero e participação.
aprendi- nação de gênero e tem conhecimento 3. O educando é capaz de apoiar os ou-
zagem sobre todas as formas de discriminação, tros no desenvolvimento de empatia por
cognitiva violência e desigualdade de gênero (por todos os gêneros e na erradicação da dis-
exemplo, práticas nocivas como a muti- criminação e da violência de gênero.
lação genital feminina, crimes de honra e 4. O educando é capaz de observar e iden-
casamento infantil, oportunidades de em- tificar a discriminação de gênero.
prego e remunerações desiguais, constru- 5. O educando é capaz de planejar, imple-
ção da linguagem, papéis de gênero tradi- mentar, apoiar e avaliar estratégias para a
cionais, o impacto de gênero dos desastres igualdade de gênero.
naturais) e compreende as causas atuais e
históricos da desigualdade de gênero.
2. O educando entende os direitos funda- Quadro 1.2.5a Tópicos sugeridos para o ODS “Igual-
mentais das mulheres e meninas, incluindo dade de gênero”
o seu direito a viverem livres de exploração Gênero como uma construção social e cultural
e violência, e seus direitos reprodutivos. Desigualdade de gênero, papéis de gênero tradicio-
3. O educando entende os níveis de igual- nais e discriminação estrutural
dade de gênero dentro do seu próprio Igualdade de gênero e participação na tomada de decisão
país e cultura em comparação com nor- Gênero e trabalho, incluindo a disparidade de remune-
mas globais (respeitando a sensibilidade ração e o reconhecimento do trabalho não remunerado
cultural),incluindo a interseccionalidade Gênero e educação, incluindo a igualdade de gênero no aces-
de gênero com outras categorias sociais, so aos níveis primário, secundário e terciário de educação
como habilidade, religião e raça. Saúde e direitos sexuais e reprodutivos
4. O educando conhece as oportunidades Gênero e pobreza, incluindo a segurança alimentar e a
e os benefícios proporcionados pela plena dependência financeira
igualdade de gênero e pela participação na Gênero na dinâmica da comunidade (tomada de deci-
legislação e governança, incluindo a alocação sões, governança, cuidados com as crianças,
do orçamento público, o mercado de trabalho educação, resolução de conflitos, redução do risco de
e a tomada de decisões públicas e privadas. desastres e adaptação à mudança climática)
5. O educando entende o papel da educa- Exploração e tráfico de mulheres e meninas
ção de viabilizar a tecnologia e a legisla- A interseccionalidade do gênero com outras catego-
ção para a garantia da plena participação rias sociais, como habilidade, religião e raça
de todos os gêneros.
Objetivos 1. O educando é capaz de reconhecer e Quadro 1.2.5b Exemplos de abordagens e métodos
de questionar a percepção tradicional dos de aprendizagem para o ODS 5
aprendi- papéis de “Igualdade de gênero”
zagem gênero em uma abordagem crítica, res-
Comemorar o Dia Internacional para a Eliminação da
socioe- peitando a sensibilidade cultural.
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Violência contra a Mulher (25 de novembro)


mocional 2. O educando é capaz de identificar e de-
Convidar oradores que sofreram violência com base na
nunciar todas as formas de discriminação
identidade de gênero ou orientação sexual
de gênero e debater os benefícios do ple-
Realizar dramatizações que exploram a inclusão e a
no empoderamento de todos os gêneros.
identidade com base em papéis de gênero
3. O educando é capaz de conectar-se com
Buscar parcerias com grupos de outras partes do mun-
outras pessoas que trabalham para acabar
do onde a abordagem ao gênero pode ser diferente
com a discriminação e a violência de gêne-
Passar um dia trabalhando em uma ocupação tradicio-
ro, fortalecer as pessoas que ainda podem
nalmente feminina ou masculina (troca de papéis
estar impotentes e promover o respeito e a
no trabalho)
igualdade plena em todos os níveis.
Explorar como os riscos e os desastres naturais afe-
4. O educando é capaz de refletir sobre a
tam mulheres, meninas, homens e meninos de modo
própria identidade de gênero e papéis de
diferente
gênero.
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
5. O educando é capaz de sentir empatia
tão: “Qual é a diferença entre igualdade e equidade e
e solidariedade em relação às pessoas que
como ela se aplica ao mundo do trabalho?”
divergem das suas expectativas e papéis
de gênero, pessoais ou da comunidade.

84
1.2.6 ODS 6 | Água potável e saneamento | Assegurar a Objetivos de 1. O educando é capaz de coope-
disponibilidade e gestão sustentável da água e sanea- aprendizagem rar com as autoridades locais na
mento para todos comportamental melhoria da capacidade local para
Tabela 1.2.6 Objetivos de aprendizagem para o ODS 6 a autossuficiência.
“Água potável e saneamento” 2. O educando é capaz de contri-
buir para a gestão dos recursos
Objetivos de 1. O educando entende a água hídricos no nível local.
aprendizagem como condição fundamental da 3. O educando é capaz de redu-
cognitiva própria vida, a importância zir sua pegada individual de água
da qualidade e quantidade da e economizar água na prática de
água, assim como as causas, os seus hábitos diários.
efeitos e as consequências da po- 4. O educando é capaz de planejar,
luição e da escassez de água. implementar, avaliar e replicar ativi-
2. O educando entende que a dades que contribuam para aumen-
água é parte de muitas inter-rela- tar a qualidade e segurança da água.
ções e sistemas globais 5. O educando é capaz de avaliar,
complexos diferentes. participar e influenciar a tomada
3. O educando tem conhecimen- de decisão sobre as estratégias de
to sobre a distribuição global de- gestão de empresas locais, nacio-
sigual do acesso a instalações de nais e internacionais relacionadas
água potável e saneamento. com a poluição da água.
4. O educando entende o conceito
de “água virtual”.
5. O educando entende o con- Quadro 1.2.6a Tópicos sugeridos para o ODS 6 “Água
ceito de gestão integrada de re- potável e saneamento”
cursos hídricos (GIRH) e outras O ciclo da água e a distribuição de água em nível global
estratégias para assegurar a dis- A importância do acesso equitativo à água potável se-
ponibilidade e gestão sustentável gura e a preço acessível (alcance da segurança hídrica
da água e do saneamento, incluin- sob mudança climática; por exemplo, lidar com a pres-
do inundações e gestão dos riscos são social e econômica causada por ciclos frequentes
de seca. de seca, e consequente falta de água, e inundações e,
Objetivos de 1. O educando é capaz de partici- portanto, excesso de água)
aprendizagem par de atividades de melhoria da A importância do saneamento adequado e equitativo
socioemocional gestão da água e saneamento nas e parâmetros de higiene, qualidade e quantidade
comunidades locais. da água para a saúde
2. O educando é capaz de comu- O direito humano à água e a água como um bem glo-
nicar-se sobre poluição da água, bal comum
acesso à água e medidas para Impactos sobre a qualidade da água da poluição e do
poupar água e criar visibilidade despejo e lançamento de produtos químicos e mate-
sobre histórias de sucesso. riais perigosos
3. O educando é capaz de sentir-se res- Escassez de água e eficiência no uso da água
ponsável por sua utilização de água. Importância dos ecossistemas relacionados com a água
4. O educando é capaz de ver o Atividades e programas relacionados a abastecimento
valor de bons padrões de higiene de água e saneamento, incluindo a coleta de água, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
e saneamento. dessalinização, eficiência hídrica, tratamento de águas
5. O educando é capaz de ques- residuais, tecnologias de reciclagem e reutilização,
tionar as diferenças socioeconô- patentes de água, planejamento hidráulico para recar-
micas, bem como as disparidades ga de águas subterrâneas, bem como gestão
de gênero, no acesso a instalações integrada dos recursos hídricos
de água potável e saneamento. Exportações de água (água virtual)
Água e desenvolvimento sustentável (por exemplo,
água e gênero, água e desigualdade, água e saúde,
água e cidades, água e energia, água e segurança
alimentar, água e redução do risco de desastres, água
e mudança climática, água e economia verde, água e
postos de trabalho)

85
Quadro 1.2.6b Exemplos de abordagens e métodos Objetivos de 1. O educando é capaz de comunicar
de aprendizagem para o ODS 6 aprendiza- a necessidade de eficiência e sufici-
“Água potável e saneamento” gem ência energética.
Calcular a própria pegada de água socioemocio- 2. O educando é capaz de avaliar e
Desenvolver um conceito para o uso e fornecimento nal compreender a necessidade de ener-
local sustentável da água baseado em histórias gia acessível, confiável, sustentável e
de sucesso limpa de outras pessoas/outros paí-
Desenvolver parcerias entre escolas em regiões com ses ou regiões.
abundância ou escassez de água 3. O educando é capaz de cooperar e
Organizar excursões e viagens de campo a infraestru- colaborar com outros para transferir
turas locais de abastecimento de água, e monitorar a e adaptar tecnologias de energia a
qualidade da água na escola e em casa diferentes contextos e compartilhar
Planejar e executar uma campanha de conscientização as melhores práticas energéticas de
ou projeto de ação de jovens sobre a água e sua suas comunidades.
importância 4. O educando é capaz de esclarecer as
Desenvolver um projeto de trabalho sobre a água in- normas e os valores pessoais relaciona-
visível, por exemplo, quanta água há em um litro de dos com a produção e a utilização de
cerveja, um quilo de carne bovina, uma camiseta etc. energia, bem como refletir e avaliar seu
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques- próprio uso de energia em termos de
tão: “Que atividade humana pode ocorrer sem água?” eficiência e suficiência.
5. O educando é capaz de desenvolver
uma visão de um modelo de produção,
1.2.7 ODS 7 | Energia limpa e acessível | Assegurar o fornecimento e uso confiável e sustentá-
acesso confiável, sustentável, moderno e a preço aces- vel de energia em seu país.
sível à energia, para todos
Objetivos de 1. O educando é capaz de aplicar e
Tabela 1.2.7 Objetivos de aprendizagem para o ODS 7 aprendiza- avaliar medidas a fim de aumentar a
“Energia limpa e acessível” gem eficiência e a suficiência energética
Objetivos de 1. O educando tem conhecimento comporta- em sua esfera pessoal e aumentar a
aprendiza- sobre os diferentes recursos energé- mental participação das energias renováveis
gem ticos – renováveis e não renováveis – e na matriz energética local.
cognitiva suas respectivas vantagens e desvanta- 2. O educando é capaz de aplicar os
gens, incluindo impactos ambientais, princípios básicos para determinar a
questões de saúde, uso, segurança e estratégia de energia renovável mais
proteção energética, e sua participa- apropriada em uma situação específica.
ção na matriz energética em nível local, 3. O educando é capaz de analisar o
nacional e global. impacto e os efeitos de longo prazo
2. O educando sabe para que a ener- dos grandes projetos de energia (por
gia é usada essencialmente em dife- exemplo, a construção de um parque
rentes regiões do mundo. eólico off-shore) e das políticas rela-
3. O educando entende o conceito cionadas com a energia em diferen-
de eficiência e suficiência energética tes grupos de intervenientes (incluin-
e conhece estratégias e políticas so- do a natureza).
ciais e técnicas para alcançar a efici- 4. O educando é capaz de influenciar as
políticas públicas relacionadas à produ-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

ência e a suficiência.
4. O educando entende como as polí- ção, ao fornecimento e ao uso de energia.
ticas podem influenciar o desenvolvi- 5. O educando é capaz de comparar e
mento da produção, da oferta, da de- avaliar diferentes modelos de negó-
manda e do uso de energia. cios e sua adequação para diferentes
5. O educando tem conhecimento soluções de energia, bem como in-
sobre os impactos nocivos da pro- fluenciar os fornecedores de energia
dução de energia insustentável, en- para que produzam energia segura,
tende como tecnologias de energia confiável e sustentável.
renovável podem ajudar a impulsio-
nar o desenvolvimento sustentável e
compreende a necessidade de tecno-
logias novas e inovadoras, especial-
mente da transferência de tecnologia
em colaborações entre países.

86
Quadro 1.2.7a Tópicos sugeridos para o ODS 7 “Ener- 1.2.8 ODS 8 | Trabalho decente e crescimento econômico |
gia limpa e acessível” Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
Diferentes tipos de energia, especialmente energias sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente
renováveis, como solar, eólica, hídrica, geotérmica, para todos
Maremotriz Tabela 1.2.8 Objetivos de aprendizagem para o ODS 8
Produção, oferta, demanda e uso de energia de dife- “Trabalho decente e crescimento econômico”
rentes países
Eficiência e suficiência energética em uso de energia Objetivos 1. O educando entende os conceitos de
Estratégias: produção centralizada versus descentrali- de apren- crescimento econômico sustentado, inclu-
zada de energia; autossuficiência energética, por dizagem sivo e sustentável, emprego pleno e produ-
exemplo, através de empresas de fornecimento de cognitiva tivo, e trabalho decente, incluindo o avanço
energia locais da paridade e igualdade de gênero, além
Dimensões políticas, econômicas e sociais da energia de ter conhecimento sobre modelos e indi-
e ligações com constelações de poder, por exemplo, cadores econômicos alternativos
em megaprojetos de energia como parques solares 2. O educando tem conhecimento sobre a
em grande escala ou projetos de barragens – potencial distribuição das taxas de emprego formais
conflito de interesses (poder político e econômico – por setor, do emprego informal e do de-
entre fronteiras –, direitos, especialmente indígenas) semprego em diferentes regiões do mun-
Impactos e problemas ambientais de produção, forne- do ou nações, e quais grupos sociais são
cimento e uso de energia (por exemplo, mudanças especialmente afetados pelo desemprego.
climáticas, energia cinza) 3. O educando entende a relação entre emprego
O papel dos setores público e privado no sentido de e crescimento econômico, e tem conhecimento
garantir o desenvolvimento de soluções de sobre outros fatores moderadores, como uma
baixo carbono força de trabalho em expansão ou novas tecno-
Pico de produção de petróleo e segurança energética logias que substituem os postos de trabalho.
– dependência (excessiva) de energias não renováveis 4. O educando entende como salários baixos
como o petróleo e decrescentes para a força de trabalho e sa-
Tecnologias de transição e tecnologias para um uso lários muito elevados e lucros dos gestores e
“mais limpo” de combustíveis fósseis proprietários ou acionistas têm gerado desi-
Questões de gênero relacionadas com a produção, o gualdades, pobreza, agitação civil etc.
fornecimento e o uso de energia 5. O educando entende como a inovação,
o empreendedorismo e a criação de no-
vos empregos podem contribuir para o
Quadro 1.2.7b Exemplos de abordagens e métodos de trabalho decente e uma economia volta-
aprendizagem para o ODS 7 “Energia limpa e acessível” da para a sustentabilidade e para a disso-
Fazer experimentos com tecnologias de energia renovável ciação entre crescimento econômico e os
Refletir e debater sobre o próprio uso de energia, por impactos dos riscos naturais e da degra-
exemplo, classificar as razões para o uso de energia em dação ambiental.
uma dimensão (subjetiva), que abranja desde “atender a Objetivos 1. O educando é capaz de discutir mode-
necessidades básicas” (por exemplo, energia para cozi- de apren- los econômicos e visões de futuro da eco-
nhar) até “manter um estilo de vida de luxo” (por exem- dizagem nomia e da sociedade de forma crítica e
plo, energia para uma piscina) socioe- comunicá-los nas esferas públicas.
Organizar excursões a instalações de produção de mocional 2. O educando é capaz de colaborar com
energia, incluindo discussões éticas contemplando os outras pessoas para exigir dos políticos e
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
prós e os contras dos tipos e dos projetos de energia de seu empregador salários justos, salário
Realizar análises de cenários para a produção, o forne- igual para trabalho igual e direitos traba-
cimento e o uso futuro de energia lhistas.
Realizar uma campanha para poupar energia na pró- 3. O educando é capaz de compreender
pria instituição ou em nível local como o próprio consumo afeta as condi-
Executar um projeto em grupo sobre quanta energia é ções de trabalho dos outros na economia
necessária para atender a nossas necessidades diárias, global.
por exemplo, pão, cereais etc. 4. O educando é capaz de identificar seus
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na questão: direitos individuais e esclarecer suas ne-
“Como a energia e o bem-estar humano estão conectados?” cessidades e valores relacionados ao tra-
balho.
5. O educando é capaz de desenvolver
uma visão e planos para a própria vida
econômica com base na análise das suas
competências e seus contextos.

87
Objetivos 1. O educando é capaz de envolver-se Quadro 1.2.8b Exemplos de abordagens e métodos
de apren- com novas visões e modelos de uma eco- de aprendizagem para o ODS 8
dizagem nomia sustentável e inclusiva e de traba- “Trabalho decente e crescimento econômico”
c o m p o r- lho decente. Argumentar a favor de diferentes modelos de cresci-
tamental 2. O educando é capaz de facilitar melho- mento econômico
rias relacionadas com salários injustos, re- Planejar e implementar projetos empreendedores e de
muneração desigual para trabalho igual e empreendedorismo social
más condições de trabalho. Organizar estágios para estudantes em empresas lo-
3. O educando é capaz de desenvolver e cais
avaliar ideias para a inovação e o empre- Explorar necessidades e perspectivas de empregado-
endedorismo baseados na sustentabilida- res e empregados, por meio de entrevistas
de. Mapear vários caminhos de vida e carreira
4. O educando é capaz de planejar e im- Envolver-se com empregadores em atividades de sala
plementar projetos empresariais. de aula
5. O educando é capaz de desenvolver Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
critérios e fazer escolhas de consumo tão: “Em que minha carreira pode contribuir para o
responsável como um meio para apoiar desenvolvimento sustentável?”
condições de trabalho justas e os esfor-
ços para separar a produção do impacto
dos riscos naturais e da degradação am- 1.2.9 ODS 9 | Indústria, inovação e infraestrutura | Cons-
biental. truir infraestruturas resilientes, promover a industriali-
zação inclusiva e sustentável e fomentar a inovação
Quadro 1.2.8a Tópicos sugeridos para o ODS 8 “Traba- Tabela 1.2.9 Objetivos de aprendizagem para o ODS 9
lho decente e crescimento econômico” “Indústria, inovação e infraestrutura”
As contribuições das economias para o bem-estar hu- Objetivos 1. O educando entende os conceitos de
mano, e os efeitos sociais e individuais do desemprego de aprendi- infraestrutura e industrialização susten-
Ética econômica zagem cog- tável e as necessidades da sociedade
Pressupostos, modelos e indicadores teóricos do cres- nitiva por uma abordagem sistêmica ao seu
cimento econômico (Produto Interno Bruto – PIB; desenvolvimento.
Renda Nacional Bruta – RNB; Índice de Desenvolvi- 2. O educando entende os desafios e os
mento Humano – IDH) conflitos locais, nacionais e globais para
Modelos e indicadores econômicos alternativos: eco- a consecução da sustentabilidade na in-
nomias de estado estacionário, economias do bem fraestrutura e industrialização.
comum, decrescimento, economias de subsistência, 3. O educando é capaz de definir o ter-
Índice de Riqueza Inclusiva,6 Índice Global da Fome7 mo resiliência no contexto da infraes-
Conceitos e fenômenos em sistemas financeiros e sua trutura e do ordenamento do território,
influência no desenvolvimento econômico e compreende conceitos-chave, como
(investimentos, créditos, juros, bancos, especulações modularidade e diversidade, sendo ca-
na bolsa de valores, inflação etc.) paz de aplicá-los a sua comunidade local
Força de trabalho (aumento da população através das e nacional.
taxas de natalidade, migração etc.) 4. O educando conhece as armadilhas
Igualdade de gênero na economia e o valor (econômi- da industrialização insustentável e, em
co) do trabalho de cuidados contraste, conhece exemplos de desen-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Desigualdades no mercado de trabalho: representação volvimento industrial flexível, inclusivo e


e participação de diferentes grupos sociais e sustentável, assim como a necessidade
diferentes rendas/salários e jornada de trabalho sema- de planos de contingência.
nal entre países, setores, grupos sociais, gêneros 5. O educando tem conhecimento de
Trabalho formal e informal, direitos trabalhistas, espe- novas oportunidades e mercados para
cialmente para migrantes e refugiados, trabalhos a inovação em sustentabilidade, infra-
forçados, escravidão e tráfico de seres humanos estrutura resiliente e desenvolvimento
Empreendedorismo, inovação (social), novas tecnolo- industrial.
gias e economias locais para o desenvolvimento
sustentável

88
Objetivos 1. O educando é capaz de argumentar a Quadro 1.2.9a Tópicos sugeridos para o ODS 9 “Indús-
de favor de infraestrutura sustentável, resi- tria, inovação e infraestrutura”
aprendiza- liente e inclusiva em sua localidade. A sustentabilidade das tecnologias da informação e
gem 2. O educando é capaz de incentivar a comunicação (TIC), incluindo cadeias de abastecimen-
socioemo- comunidade a mudar sua infraestrutu- to, eliminação de resíduos e reciclagem
cional ra e seu desenvolvimento industrial em A relação da infraestrutura de qualidade com o alcance
direção a formas mais resilientes e sus- de metas sociais, econômicas e políticas
tentáveis. A necessidade de infraestrutura básica, como estradas,
3. O educando é capaz de encontrar co- TIC, saneamento, energia elétrica e água
laboradores para desenvolver indústrias Inovação e industrialização inclusivas e sustentáveis
sustentáveis e contextuais que respon- Desenvolvimento de infraestrutura resiliente e susten-
dam aos nossos desafios em constante tável
mutação e também para alcançar novos Eletricidade sustentável: redes nacionais, tarifas de
mercados. abastecimento, expansão de fontes renováveis
4. O educando é capaz de reconhecer e sustentáveis, conflitos
refletir sobre as próprias demandas pes- O mercado de trabalho sustentável, oportunidades e
soais sobre a infraestrutura local, como investimentos
suas pegadas de carbono e de água e a A sustentabilidade da internet – desde grupos de con-
distância percorrida pelos alimentos até versa “verdes” até a pegada ecológica de servidores de
chegarem ao consumidor. motores de busca
5. O educando é capaz de entender que A sustentabilidade da infraestrutura de transportes
com a mudança de disponibilidade de Moedas alternativas como investimento em infraestru-
recursos (por exemplo, pico do petróleo, tura local
pico de tudo) e outros choques e ten-
sões externas (por exemplo, desastres
naturais, conflitos), sua própria pers- Quadro 1.2.9b Exemplos de abordagens e métodos
pectiva e demandas de infraestrutura de aprendizagem para o ODS 9
podem ter de mudar radicalmente em “Indústria, inovação e infraestrutura”
relação à disponibilidade de energia re- Dramatização de um dia sem acesso à eletricidade
novável para tecnologias de informação Desenvolver um plano de continuidade de negócios
e comunicação (TIC), opções de trans- para uma empresa local após o impacto de um
porte, opções de saneamento etc. desastre natural
Objetivos 1. O educando é capaz de identificar Desenvolver um plano de ação para a redução do con-
de oportunidades em sua própria cultura sumo de energia em sua comunidade
aprendiza- e nação para abordagens mais “verdes” Desenvolver uma visão para um mundo com sistemas
gem e mais resilientes à infraestrutura, com- de transporte livres de combustíveis fósseis
compor ta- preendendo os benefícios gerais para as Desenvolver um projeto que explore uma forma de in-
mental sociedades, especialmente no que diz fraestrutura física ou social que respeite sua
respeito à redução do risco de desastres. comunidade
2. O educando é capaz de avaliar várias Envolver os estudantes e jovens no desenvolvimento
formas de industrialização e comparar a de espaços para confraternizações comunitárias
resiliência delas. Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
3. O educando é capaz de inovar e de- tão: “Toda a inovação é boa?”
senvolver empresas sustentáveis para CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
responder às necessidades industriais de
seu país.
4. O educando é capaz de acessar os
serviços financeiros, como empréstimos
ou microfinanciamento, para apoiar seus
próprios empreendimentos.
5. O educando é capaz de trabalhar com
os tomadores de decisão para melhorar
a adoção de infraestruturas sustentáveis
(incluindo acesso à internet).

89
1.2.10 ODS 10 | Redução das desigualdades | Reduzir a Objetivos de 1. O educando é capaz de
desigualdade dentro dos países e entre eles aprendizagem avaliar as desigualdades em
Tabela 1.2.10 Objetivos de aprendizagem para o ODS comportamental seu ambiente local em ter-
10 “Redução das mos de qualidade (diferentes
desigualdades” dimensões, impacto qualita-
tivo sobre os indivíduos) e
Objetivos de 1. O educando conhece di- quantidade (indicadores, im-
aprendizagem ferentes dimensões da desi- pacto quantitativo sobre os
cognitiva gualdade, suas inter-relações indivíduos).
e estatísticas aplicáveis. 2. O educando é capaz de
2. O educando conhece in- identificar ou desenvolver
dicadores que medem e um indicador objetivo para
descrevem as desigualdades comparar diferentes grupos,
e compreende a relevância nações etc. no que diz res-
desses indicadores para a to- peito às desigualdades.
mada de decisões. 3. O educando é capaz de
3. O educando entende que identificar e analisar diferen-
a desigualdade é um dos tes tipos de causas e razões
principais fatores para os para asdesigualdades.
problemas sociais e a insatis- 4. O educando é capaz de
fação individual. planejar, implementar e ava-
4. O educando entende os liar estratégias para reduzir
processos locais, nacionais e as desigualdades.
globais que tanto promovem 5. O educando é capaz de
quanto impedem a igualda- envolver-se no desenvolvi-
de (políticas fiscais, salariais, mento de políticas públicas e
de proteção social, ativida- atividades sociais que redu-
des empresariais etc.). zem as desigualdades.
5. O educando entende prin-
cípios éticos em matéria de
igualdade e está ciente dos Quadro 1.2.10a Tópicos sugeridos para o ODS 10 “Re-
processos psicológicos que dução das desigualdades”
estimulam o comportamen- Inclusão social, econômica e política versus desigual-
to discriminativo e a tomada dades (em nível nacional e global) – categorias
de decisão. discriminatórias típicas
Objetivos de 1. O educando é capaz de Diferentes indicadores para medir a desigualdade
aprendizagem conscientizar os outros a res- O significado do direito à terra, à propriedade e aos re-
socioemocional peito das desigualdades. cursos naturais para a igualdade e o impacto das desi-
2. O educando é capaz de gualdades sobre as vulnerabilidades e as capacidades
sentir empatia e solidarie- Políticas fiscais, salariais e de proteção social
dade em relação às pessoas Sistemas globais de comércio e regulamentos (incluin-
que são discriminadas. do regimes tributários)
3. O educando é capaz de Normas trabalhistas
negociar os direitos dos dife- Representação de diferentes grupos sociais/nações em
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

rentes grupos com base em governos/conselhos de instituições significativas e po-


valores comuns e princípios derosas
éticos. Quantidade e efeitos da ajuda internacional para o de-
4. O educando se torna cons- senvolvimento
ciente das desigualdades em Raízes históricas das desigualdades atuais (incluindo o
seu entorno, bem como no papel das empresas multinacionais)
resto do mundo, e é capaz Migração e mobilidade das pessoas
de reconhecer suas conse-
quências problemáticas.
5. O educando é capaz de
manter uma visão de um
mundo justo e igualitário.

90
Box 1.2.10b Exemplos de abordagens e métodos de apren- Objetivos de 1. O educando é capaz de utilizar
dizagem para o ODS 10 “Redução das desigualdades” aprendizagem sua voz para identificar e utilizar os
Desenvolver jogos de distribuição simples para discutir socioemocional mecanismos de participação pública
os efeitos psicológicos do tratamento injusto e desigual nos sistemas de planejamento local,
ou a exacerbação dos impactos dos desastres naturais para exigir investimentos em infra-
sobre uma comunidade devido à desigualdade estruturas sustentáveis, edifícios e
Analisar a participação de diferentes categorias sociais parques em sua área e para debater
na própria instituição os méritos de planejamento de lon-
Planejar uma campanha ou política de conscientização com go prazo.
foco nas desigualdades dos sistemas de comércio global 2. O educando é capaz de conectar-
Analisar a própria história pessoal, considerando as ve- -se e ajudar grupos comunitários
zes em que foi privilegiado ou discriminado locais e online no desenvolvimento
Conduzir entrevistas com pessoas em situação de vul- de uma visão de futuro sustentável
nerabilidade (por exemplo, migrantes) para sua comunidade.
Desenvolver uma página web ou um blog destacando 3. O educando é capaz de refletir so-
uma compreensão da situação local de migração e/ ou bre sua região no desenvolvimento
de refugiados de sua própriaidentidade, compre-
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques- endendo os papéis que os ambien-
tão: “Como a desigualdade influencia a felicidade das tes naturais, sociais e técnicos
pessoas?” tiveram na construção de sua identi-
dade e cultura.
4. O educando é capaz de contextu-
1.2.11 ODS 11 | Cidades e comunidades sustentáveis | alizar suas necessidades, dentro das
Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclu- necessidades dos ecossistemas mais
sivos, seguros, resilientes e sustentáveis amplos que o cercam, por assenta-
Tabela 1.2.11 Objetivos de aprendizagem para o ODS mentos humanos sustentáveis, tanto
11 “Cidades e comunidades sustentáveis” local como globalmente.
5. O educando é capaz de sentir-se
Objetivos de 1. O educando entende as necessi- responsável pelos impactos ambien-
aprendizagem dades físicas, sociais e psicológicas tais e sociais de seu próprio estilo de
cognitiva humanas básicas vida individual.
e é capaz de identificar como essas
necessidades são contempladas em Objetivos de 1. O educando é capaz de planejar,
seus próprios assentamentos físicos aprendizagem implementar e avaliar projetos de
urbanos, periurbanos e rurais. comporta- sustentabilidade baseados na co-
2. O educando é capaz de avaliar mental munidade.
e comparar a sustentabilidade dos 2. O educando é capaz de participar
seus sistemas de assentamentos e e influenciar os processos de deci-
outros no que diz respeito ao aten- são sobre sua comunidade.
dimento de suas necessidades, em 3. O educando é capaz de falar
particular nas áreas de alimentação, contra/a favor e organizar sua voz
energia, transporte, água, seguran- contra/a favor de decisões tomadas
ça, tratamento de resíduos, inclusão para a sua comunidade.
e acessibilidade, educação, integra- 4. O educando é capaz de cocriar
ção de espaços verdes e redução do uma comunidade inclusiva, segura, CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

risco de desastres. resiliente e sustentável.


3. O educando entende as razões 5. O educando é capaz de promover
históricas para padrões de assenta- abordagens de baixo carbono em
mentos e, respeitando o patrimônio nível local.
cultural, entende a necessidade de
consenso para desenvolver melho-
res sistemas sustentáveis.
4. O educando conhece os princípios
básicos de planejamento e construção
sustentável, e é capaz de identificar
oportunidades para tornar sua pró-
pria área mais sustentável e inclusiva.
5. O educando entende o papel dos to-
madores de decisão locais e da gover-
nança participativa e a importância de
representar uma voz sustentável no pla-
nejamento e nas políticas para sua área.

91
Quadro 1.2.11a Tópicos sugeridos para o ODS 11 1.2.12 ODS 12 | Consumo e produção responsáveis |
“Cidades e comunidades sustentáveis” Assegurar padrões de produção e de consumo susten-
A necessidade de abrigo, segurança e inclusão (neces- táveis
sidades humanas, contextualização dos nossos dife- Tabela 1.2.12 Objetivos de aprendizagem para ODS 12
rentes desejos e necessidades individuais e coletivos “Consumo e produção
de acordo com gênero, idade, renda e habilidade) responsáveis”
Gestão e utilização dos recursos naturais (renováveis e
não renováveis) Objetivos de 1. O educando entende como op-
Energia sustentável (uso de energia residencial, energias aprendizagem ções de vida individuais influen-
renováveis, esquemas de energia comunitária) e transporte cognitiva ciam o desenvolvimento
Alimentos sustentáveis (agricultura, agricultura orgâ- social, econômico e ambiental.
nica e permacultura, agricultura apoiada pela comu- 2. O educando entende padrões
nidade, galpão de alimentos,8 processamento de ali- de produção e consumo e ca-
mentos, escolhas e hábitos alimentares, geração de deias de valor e as inter-relações
resíduos) entre produção e consumo (ofer-
Ecologia urbana e como a vida selvagem está se adap- ta e demanda, tóxicos, emissões
tando aos assentamentos humanos de CO2, geração de resíduos,
Edifícios sustentáveis e resilientes e planejamento ter- saúde, condições de trabalho,
ritorial (materiais de construção, economia de energia, pobreza etc.).
processos de planejamento) 3. O educando conhece os pa-
Geração e gestão de resíduos (prevenção, redução, re- péis, os direitos e os deveres dos
ciclagem, reutilização) diferentes intervenientes
Comunidades e suas dinâmicas (tomada de decisões, na produção e consumo (mídia
governança, planejamento, resolução de conflitos, co- e publicidade, empresas, muni-
munidades alternativas, comunidades saudáveis, co- cípios, legislação, consumidores
munidades inclusivas, ecovilas, cidades de transição) etc.).
Ciclo da água e reabastecimento de águas subterrâne- 4. O educando tem conhecimen-
as por meio do planejamento urbano (telhados to sobre estratégias e práticas de
“verdes”, aproveitamento de águas pluviais, recupera- produção e consumo sustentá-
ção de leitos de rios, drenagem urbana sustentável) veis.
Preparação e resiliência para desastres, resiliência a 5. O educando entende dilemas/
problemas meteorológicas no presente e no futuro e concessões relacionados a consu-
uma cultura de prevenção e preparação mo e produção sustentáveis e as
mudanças sistêmicas necessárias
para alcançá-los.
Quadro 1.2.11b Exemplos de abordagens e métodos
de aprendizagem para o ODS 11 Objetivos de 1. O educando é capaz de comu-
“Cidades e comunidades sustentáveis” aprendizagem nicar a necessidade de práticas
socioemocional sustentáveis de produção
Excursões para ecovilas e outros “laboratórios vivos”, es- e consumo.
tações de tratamento de água e outros centros de servi- 2. O educando é capaz de incen-
ço, para mostrar as práticas atuais e as melhores práticas tivar outros a se envolverem em
Desenvolver e executar um projeto de ação (de jovens) práticas sustentáveis de
sobre cidades e comunidades sustentáveis consumo e produção.
Convidar gerações mais velhas para falar sobre como o
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

3. O educando é capaz de dife-


assentamento mudou ao longo do tempo. renciar entre necessidades e de-
Perguntar-lhes sobre a sua ligação à biorregião. Usar sejos e refletir sobre seu
arte, literatura e história para explorar a área e próprio comportamento como
suas mudanças consumidor individual à luz das
Construir uma horta comunitária necessidades do mundo natural,
Mapear projetos: mapear a área para observar onde há de outras pessoas, culturas e paí-
bom uso do espaço público aberto, planejamento de ses, e das gerações futuras.
escala humana, áreas onde as necessidades da comu- 4. O educando é capaz de imagi-
nidade são abordadas, espaços “verdes” etc. nar estilos de vida sustentáveis.
Pode incluir o mapeamento de áreas que precisam ser me- 5. O educando é capaz de sentir-
lhoradas, como áreas mais expostas aos perigos naturais -se responsável pelos impactos
Desenvolver um vídeo clip de dois minutos sobre um ambientais e sociais de seu
exemplo de uma comunidade urbana sustentável próprio comportamento indivi-
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques- dual como produtor ou consumi-
tão: “Seria mais sustentável se todos nós vivêssemo- dor.
sem cidades?”

92
Objetivos de 1. O educando é capaz de plane- Quadro 1.2.12b Exemplos de abordagens e métodos
aprendizagem jar, implementar e avaliar as ati- de aprendizagem para o ODS 12 “Consumo e produ-
comportamental vidades relacionadas com o con- ção responsáveis”
sumo com base em critérios de Calcular e refletir sobre a própria pegada ecológica10
sustentabilidade existentes. Analisar produtos diferentes (por exemplo, telefones
2. O educando é capaz de avaliar, celulares, computadores, roupas) usando a análise de
participar e influenciar os proces- ciclo de vida (ACV)
sos de tomada de decisões sobre Criar uma empresa estudantil que produz e vende pro-
aquisições no setor público. dutos sustentáveis
3. O educando é capaz de promo- Fazer dramatizações que lidam com diferentes papéis
ver modelos de produção susten- em um sistema de comércio (produtor, publicitário,
táveis. consumidor, gestor de resíduos etc.)
4. O educando é capaz de refle- Exibir filmes curtas/documentários para ajudar os edu-
tir criticamente sobre seu papel candos a compreender os padrões de produção e
como participante ativo no mer- consumo (por exemplo, “A história das coisas”, de An-
cado. nie Leonard)11
5. O educando é capaz de ques- Desenvolver e executar um projeto de ação (de jovens)
tionar orientações culturais e so- relacionado com produção e consumo (por exemplo,
ciais em termos de consumo e moda, tecnologia etc.)
produção. Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
tão: “A sustentabilidade requer abrir mão de coisas?”
Quadro 1.2.12a Tópicos sugeridos para o ODS 12
“Consumo e produção responsáveis” 1.2.13 ODS 13 | Ação contra a mudança global do clima |
Publicidade, pressão por pares, pertencimento e for- Tomar medidas urgentes para combater a mudança do
mação de identidade clima e seus impactos
História da produção e do consumo, padrões e cadeias
de valor e gestão e uso dos recursos naturais (renová- Tabela 1.2.13 Objetivos de aprendizagem para o ODS
veis e não renováveis) 13 “Ação contra a mudança global do clima”
Impactos ambientais e sociais da produção e consumo Objetivos de 1. O educando entende o efeito
Produção e consumo de energia (transporte, uso de aprendizagem estufa como um fenômeno natu-
energia comercial e residencial, energias renováveis) cognitiva ral causado por uma camada iso-
Produção e consumo de alimentos (agricultura, pro- lante de gases de efeito estufa.
cessamento de alimentos, escolhas e hábitos 2. O educando entende a atual
alimentares, geração de resíduos, desmatamento, con- mudança climática como um fe-
sumo excessivo de alimentos e fome) nômeno antropogênico
Turismo resultante do aumento das emissões
Geração e gestão de resíduos (prevenção, redução, re- de gases de efeito estufa.
ciclagem, reutilização) 3. O educando sabe quais ativi-
Estilos de vida sustentáveis e diversas práticas de pro- dades humanas – em nível global,
dução e consumo sustentáveis nacional, local e individual– mais
Sistemas de rotulagem e certificados para produção e contribuem para a mudança cli-
consumo sustentáveis mática.
Economia “verde” (ciclo do berço ao berço,9 economia 4. O educando tem conhecimento CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
circular, crescimento verde, decrescimento) sobre as principais consequências
ecológicas, sociais, culturais e eco-
nômicas da mudança climática em
nível local, nacional e global, e en-
tende
como elas podem tornar-se catali-
sadoras, reforçando os fatores que
contribuem para a
mudança climática.
5. O educando tem conhecimento
sobre estratégias de prevenção,
mitigação e adaptação em dife-
rentes níveis (do global ao indi-
vidual) e diferentes contextos e
suas conexões com a resposta a
desastres e a redução de risco de
desastres.

93
Objetivos de 1. O educando é capaz de explicar Quadro 1.2.13a Tópicos sugeridos para o ODS 13
aprendizagem a dinâmica dos ecossistemas e o “Ação contra a mudança global do clima”
socioemocional impacto ambiental, Gases de efeito de estufa e suas emissões
social, econômico e ético da mu- Energia, agricultura e emissões de gases de efeito es-
dança climática. tufa relacionadas com a indústria
2. O educando é capaz de incenti- Perigos relacionados à mudança climática que levam a
var outros a proteger o clima. desastres como secas, extremos climáticos etc., e
3. O educando é capaz de cola- seu impacto social e econômico desigual dentro de fa-
borar com outros e desenvolver mílias, comunidades e países, e entre países
estratégias comumente acordadas Aumento do nível do mar e suas consequências para
para lidar com a mudança climá- os países (por exemplo, pequenos Estados insulares)
tica. Migração e fuga relacionados com a mudança climá-
4. O educando é capaz de com- tica
preender seu impacto pessoal so- Prevenção, estratégias de mitigação e adaptação e
bre o clima do mundo, suas conexões com resposta a desastres e redução de
desde uma perspectiva local até riscos de desastres
uma perspectiva global. Instituições locais, nacionais e globais que abordam
5. O educando é capaz de reco- questões de mudança climática
nhecer que a proteção do clima Estratégias de políticas locais, nacionais e globais para
global é uma tarefa essencial para proteger o clima
todos e que é preciso reavaliar Cenários futuros (incluindo explicações alternativas
completamente a nossa visão de para o aumento da temperatura global)
mundo e comportamentos coti- Efeitos e impactos sobre grandes ecossistemas como
dianos à luz desse fato. florestas, oceanos, geleiras e biodiversidade
Objetivos de 1. O educando é capaz de avaliar Ética e mudanças climáticas
aprendizagem se suas atividades pessoais ou de
comportamental trabalho são favoráveis
Quadro 1.2.13b Exemplos de abordagens e métodos
ao clima e, se não forem, é capaz
de aprendizagem para o ODS 13
de revê-las.
“Ação contra a mudança global do clima”
2. O educando é capaz de agir em
favor de pessoas ameaçadas pela Fazer uma dramatização para estimar e sentir o impac-
mudança climática. to de fenômenos relacionados à mudança climática
3. O educando é capaz de prever, de diferentes perspectivas
estimar e avaliar o impacto das Analisar diferentes cenários de mudança climática com
decisões ou atividades relação a seus pressupostos, consequências e
pessoais, locais e nacionais sobre caminhos de desenvolvimento anteriores
as outras pessoas e regiões do Desenvolver e executar um projeto de ação ou campa-
mundo. nha relacionada com a proteção do clima
4. O educando é capaz de promo- Desenvolver uma página web ou blog para contribui-
ver políticas públicas de proteção ções do grupo relacionadas com questões de mudança
climática. climática
5. O educando é capaz de apoiar Desenvolver biografias favoráveis ao clima
atividades econômicas favoráveis Desenvolver um estudo de caso sobre como a mudan-
ao clima. ça climática pode aumentar o risco de desastres em
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

uma comunidade local


Desenvolver projeto de pesquisa baseado na questão:
“Aqueles que causaram o maior dano para a
atmosfera devem pagar por isso”

94
1.2.14 ODS 14 | Vida na água | Conservar e usar susten- Objetivos 1. O educando é capaz de pesquisar a
tavelmente os oceanos, os mares e os recursos mari- de dependência de seu país sobre o mar.
nhos para o desenvolvimento sustentável aprendiza- 2. O educando é capaz de debater mé-
Tabela 1.2.14 Objetivos de aprendizagem para o ODS gem todos sustentáveis, como quotas de
14 “Vida na água” compor ta- pesca rigorosas e moratórias sobre as
mental espécies em perigo de extinção.
Objetivos 1. O educando entende a ecologia ma- 3. O educando é capaz de identificar,
de rinha básica, os ecossistemas marinhos, acessar e comprar vida marinha recolta-
aprendiza- as relações predador-presa etc. da de forma sustentável, por exemplo,
gem 2. O educando entende a conexão de produtos certificados com rotulagem
cognitiva muitas pessoas com o mar e a vida que ecológica.
ele contém, incluindo o papel do mar 4. O educando é capaz de entrar em
como fornecedor de alimentos, empre- contato com seus representantes para
gos e oportunidades interessantes. discutir a sobrepesca como uma amea-
3. O educando conhece a premissa bá- ça à subsistência local.
sica da mudança climática e o papel dos 5. O educando é capaz de fazer cam-
oceanos na moderação do nosso clima. panha pela expansão de zonas de não
4. O educando entende as ameaças aos pesca e reservas marinhas e por sua
sistemas oceânicos, como a poluição e proteção, com base científica.
a pesca excessiva, e reconhece e sabe
explicar a relativa fragilidade de muitos
ecossistemas oceânicos, incluindo reci- Quadro 1.2.14a Tópicos sugeridos para o ODS 14
fes de coral e zonas hipóxicas mortas. “Vida na água”
5. O educando tem conhecimento so- A hidrosfera: o ciclo da água, a formação de nuvens, a
bre oportunidades para o uso sustentá- água como o grande regulador do clima
vel dos recursos marinhos vivos. Gestão e uso dos recursos marinhos (renováveis e não
Objetivos 1. O educando é capaz de argumentar a renováveis): bens globais e sobrepesca, cotas e
de favor de práticas de pesca sustentáveis. como elas são negociadas, aquicultura, algas, recursos
aprendiza- 2. O educando é capaz de mostrar às minerais
gem pessoas o impacto da humanidade so- Energia marinha sustentável (energias renováveis, tur-
socioemo- bre os oceanos (perda de biomassa, binas eólicas e sua controvérsia)
cional acidificação, poluição etc.) e o valor de Ecologia marinha – a rede de alimentos, predadores e
oceanos limpos e saudáveis. presas, concorrência, colapso
3. O educando é capaz de influenciar Recifes de coral, costas, mangues e sua importância
grupos que se dedicam à produção e ecológica
consumo insustentável de produtos do Aumento do nível do mar e os países que irão experi-
mar. mentar a perda total ou parcial de terra; refugiados do
4. O educando é capaz de refletir sobre clima e o que a perda de soberania significará
suas próprias necessidades dietéticas e Os oceanos e o direito internacional: águas internacio-
questionar se seus hábitos alimentares nais, disputas territoriais, bandeiras de conveniência
fazem uso sustentável dos recursos li- e suas questões relacionadas
mitados de frutos do mar. Poluentes oceânicos: plásticos, microesferas, esgotos,
5. O educando é capaz de solidarizar-se nutrientes e produtos químicos
com as pessoas cujos meios de subsis- O oceano profundo e as criaturas do mar profundo CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
tência são afetados por mudanças nas As relações culturais com o mar – o mar como fonte de
práticas de pesca. serviços ecossistêmicos culturais como recreação,
inspiração e construção da identidade cultural

95
Quadro 1.2.14b Exemplos de abordagens e métodos 1.2.15 ODS 15 | Vida terrestre | Proteger, recuperar e
de aprendizagem para o ODS 14 “Vida promover o uso sustentável dos ecossistemas terres-
na água” tres, gerir de forma sustentável as florestas, combater
A hidrosfera: o ciclo da água, a formação de nuvens, a a desertificação, deter e reverter a degradação da terra,
água como o grande regulador do clima e deter a perda de biodiversidade
Gestão e uso dos recursos marinhos (renováveis e não Tabela 1.2.15 Objetivos de aprendizagem para o ODS
renováveis): bens globais e sobrepesca, cotas e 15 “Vida terrestre”
como elas são negociadas, aquicultura, algas, recursos Objetivos de 1. O educando entende a ecologia
minerais A p r e n d i z a g e m básica com referência aos ecossis-
Energia marinha sustentável (energias renováveis, tur- cognitiva temas locais e globais, identifican-
binas eólicas e sua controvérsia) do as espécies locais e entenden-
Ecologia marinha – a rede de alimentos, predadores e do a medida da biodiversidade.
presas, concorrência, colapso 2. O educando entende as ame-
Recifes de coral, costas, mangues e sua importância aças múltiplas à biodiversidade,
ecológica incluindo a perda de hábitat, o
Aumento do nível do mar e os países que irão experi- desmatamento, a fragmentação, a
mentar a perda total ou parcial de terra; refugiados do exploração excessiva e as espécies
clima e o que a perda de soberania significará invasoras, e é capaz de relacionar
Os oceanos e o direito internacional: águas internacio- essas ameaças à biodiversidade
nais, disputas territoriais, bandeiras de conveniência local.
e suas questões relacionadas 3. O educando é capaz de classifi-
Poluentes oceânicos: plásticos, microesferas, esgotos, car os serviços ecossistêmicos dos
nutrientes e produtos químicos ecossistemas locais,
O oceano profundo e as criaturas do mar profundo incluindo serviços de apoio, abas-
As relações culturais com o mar – o mar como fonte tecimento, regulação e cultura e
de serviços ecossistêmicos culturais como recreação, serviços ecossistêmicos para a re-
inspiração e construção da identidade cultural dução do risco de desastres.
4. O educando entende a lenta re-
Quadro 1.2.14b Exemplos de abordagens e métodos generação do solo e as múltiplas
de aprendizagem para o ODS 14 “Vida ameaças que estão
na água” destruindo e removendo o solo
muito mais rápido do que ele
Desenvolver e executar um projeto de ação (de jovens)
pode se recuperar, como
relacionado com a vida na água
no caso de más práticas agrícolas
Fazer excursões a locais costeiros
ou florestais.
Debater a utilização e gestão sustentável dos recursos
5. O educando entende que es-
de pesca na escola
tratégias de conservação realistas
Fazer uma dramatização de moradores de ilhas que
atuam fora das reservas
precisam se mudar por causa da elevação do nível
naturais para melhorar também a
do mar
legislação, restaurar hábitats e so-
Conduzir um estudo de caso sobre as relações cultu-
los degradados,
rais e de subsistência com o mar em diferentes países
conectar corredores de vida sel-
Realizar experimentos de laboratório para apresentar
vagem, agricultura e silvicultura
aos educandos evidências da acidificação do oceano
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

sustentáveis, além de
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
corrigir a relação da humanidade
tão: “Precisamos do oceano ou o oceano precisa
com a vida selvagem.
de nós?”

96
Objetivos de 1. O educando é capaz de argu- Quadro 1.2.15a Tópicos sugeridos para o ODS 15
aprendizagem mentar contra práticas ambientais “Vida terrestre”
socioemocional destrutivas que causem a perda Ecologia: concorrência, predador-presa, dinâmica co-
de biodiversidade. munitária, fluxo de energia através de cadeias
2. O educando é capaz de argu- alimentares, dispersão e intervalos. Ecossistemas espe-
mentar a favor da conservação da cíficos – ecossistemas nativos locais e globais e
biodiversidade por vários motivos, também aqueles feitos pelo homem, por exemplo, flo-
incluindo os serviços ecossistêmi- restas plantadas e manejadas
cos e o valor intrínseco. Ameaças à biodiversidade: perda de hábitat, desmata-
3. O educando é capaz de conec- mento, fragmentação, espécies invasoras e exploração
tar-se com suas áreas naturais lo- excessiva (causada por práticas de produção e consu-
cais e sentir empatia com a vida mo insustentáveis, tecnologias insustentáveis etc.)
não humana na Terra. Os perigos de extinção: espécies individualmente em
4. O educando é capaz de ques- perigo, como a extinção é para sempre, o longo
tionar o dualismo do ser humano/ tempo necessário para formar espécies, e a seis extin-
natureza e percebe que somos ções em massa
parte da natureza e não estamos Restauração da vida selvagem e visão dos seres huma-
à parte dela. nos como uma força de cura
5. O educando é capaz de criar Mudança climática e biodiversidade, ecossistemas
uma visão de uma vida em har- como sumidouros de carbono, redução do risco de
monia com a natureza. desastres e ecossistemas (ecossistema como barreira
Objetivos de 1. O educando é capaz de conectar- natural para os riscos naturais)
aprendizagem -se com grupos locais que trabalham Solo e sua formação e estrutura
comportamental para a conservação da biodiversida- Desertificação, desmatamento e os esforços combater
de em sua área. esses problemas
2. O educando é capaz de utilizar Conexão do ser humano com a natureza – o ser natural
sua voz de forma eficaz nos pro- Serviços ecossistêmicos (culturais, fornecimento, regu-
cessos de tomada de lação e apoio)
decisão para ajudar as áreas ur- Evolução e genética, recursos genéticos, ética
banas e rurais a se tornarem mais
permeáveis à vida Quadro 1.2.15b Os exemplos de abordagens e méto-
selvagem, com o estabelecimento dos de aprendizagem para o ODS 15
de corredores ecológicos, esque- “Vida terrestre”
mas agroambientais, ecologia da Mapear a área local, marcar áreas de populações de
restauração e muito mais. animais selvagens diversas, bem como barreiras:
3. O educando é capaz de trabalhar barreiras de dispersão como estradas e populações de
com os formuladores de políticas espécies invasoras
para melhorar a Realizar uma Bioblitz – um dia anual quando a comuni-
legislação em matéria de biodiver- dade se reúne para mapear tantas espécies diferentes
sidade e conservação da natureza, em sua área quanto possível
e sua implementação. Realizar uma oficina de compostagem e mostrar a for-
4. O educando é capaz de desta- mação de material orgânico
car a importância do solo como Fazer uma excursão a um parque nas proximidades
material para cultivo de para fins culturais, por exemplo, recreação, meditação,
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
todos os alimentos, assim como arte
de apontar a importância de re- Plantar um jardim de vida selvagem para animais sel-
mediar ou interromper a erosão vagens, por exemplo, flores que atraem abelhas,
dos solos. hotéis de insetos, lagoas etc. em áreas urbanas
5. O educando é capaz de fazer Comemorar o Dia da Terra (22 de abril) e/ou o Dia
campanha para a conscientização Mundial do Meio Ambiente (5 de junho)
internacional sobre a exploração Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
de espécies e trabalhar para a im- tão: “Por que a biodiversidade é importante?”
plementação e desenvolvimento
dos
regulamentos da Convenção so-
bre o Comércio Internacional de
Espécies Ameaçadas
de Fauna e Flora Selvagem (Con-
vention on International Trade in
Endangered Species of
Wild Fauna and Flora – CITES).

97
1.2.16 ODS 16 | Paz, justiça e instituições eficazes | Pro- Objetivos de 1. O educando é capaz de
mover sociedades pacíficas e inclusivas para o desen- aprendizagem avaliar criticamente questões
volvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça comportamental relativas a paz, justiça, inclu-
para todos e construir instituições eficazes, responsá- são e instituições fortes na
veis e inclusivas em todos os níveis sua região, nacional e global-
Tabela 1.2.16 Objetivos de aprendizagem para ODS 16 mente.
“ Paz, justiça e instituições eficazes” 2. O educando é capaz de exi-
gir e apoiar publicamente o
Objetivos de 1. O educando entende con- desenvolvimento de políticas
aprendizagem ceitos de justiça, inclusão e de promoção da paz, da jus-
cognitiva paz e sua relação com a lei. tiça, da inclusão e de institui-
2. O educando entende os ções fortes.
sistemas legislativos e de go- 3. O educando é capaz de co-
vernança locais e nacionais, laborar com grupos que atu-
como eles o representam e almente sofrem injustiças e/
como eles podem sofrer abu- ou conflitos.
sos por meio da corrupção. 4. O educando é capaz de
3. O educando é capaz de tornar-se um agente de mu-
comparar seu sistema de jus- dança na tomada de decisão
tiça com os sistemas de ou- local, combatendo a injustiça.
tros países. 5. O educando é capaz de
4. O educando entende a im- contribuir para a resolução de
portância de indivíduos e gru- conflitos em âmbito local e
pos em defesa da justiça, da nacional.
inclusão e da paz, e apoia ins-
tituições fortes no seu país e
no mundo. Quadro 1.2.16a Tópicos sugeridos para o ODS 16 “Paz,
5. O educando entende a im- justiça e instituições eficazes”
portância do marco interna- Definições de justiça: retributiva e de reabilitação
cional de direitos humanos Crime e castigo, comparando leis e punições em todo
Objetivos de 1. O educando é capaz de co- o mundo
aprendizagem nectar-se com outras pessoas Justiça climática
socioemocional que podem ajudá-lo no senti- Justiça comercial
do de facilitar a paz, a justiça, Trabalho infantil e exploração de crianças
a inclusão e instituições fortes Tratados e acordos globais relacionados com a guerra,
no seu país. a paz e os refugiados
2. O educando é capaz de de- Corrupção e como medi-la
bater questões locais e glo- O comércio ilegal de armas
bais relativas a paz, justiça, Abuso de drogas e seu comércio
inclusão e instituições fortes. O Tribunal Penal Internacional e seu papel
3. O educando é capaz de
mostrar empatia e solidarie- Box 1.2.16b Exemplos de abordagens e métodos de
dade para com aqueles que aprendizagem para o ODS 16
sofrem de “Paz, justiça e instituições eficazes”
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

injustiça em seu próprio país,


Fazer uma dramatização sobre diferentes pessoas de
bem como em outros países.
todo o mundo que são vítimas de injustiça
4. O educando é capaz de
Realizar diálogos inter-religiosos em escolas e universi-
refletir sobre seu papel nas
dades sobre justiça e igualdade
questões relativas a paz, jus-
Organizar uma excursão para um tribunal local ou de-
tiça, inclusão e instituições
legacia de polícia
fortes.
Desenhar um cartaz para explorar “O que é justo” na
5. O educando é capaz de
escola
refletir sobre o próprio per-
Debater questões de justiça no contexto histórico e
tencimento a diversos grupos
cultural, por exemplo, os desaparecidos na Argentina,
(gênero, social, econômico,
o apartheid na África do Sul etc., e como essas ques-
político, étnico, nacional, ha-
tões de justiça evoluíram
bilidade, orientação sexual
Comemorar o Dia Internacional da Paz (21 de setem-
etc.), seu acesso à justiça e
bro)
seu senso compartilhado de
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques-
humanidade.
tão: “Como seria um mundo pacífico?”

98
1.2.17 ODS 17 | Parcerias e meios de implementação Objetivos de 1. O educando é capaz de tornar-
| Fortalecer os meios de implementação e revitalizar aprendizagem -se um agente de mudança para
a parceria global para o desenvolvimento sustentável comportamental alcançar os ODS e assumir
Tabela 1.2.17 Objetivos de aprendizagem para ODS 17 seu papel como um cidadão ativo,
“Parcerias e meios de implementação” crítico, global e favorável à sus-
tentabilidade.
Objetivos de 1. O educando entende questões 2. O educando é capaz de contri-
aprendizagem globais, incluindo questões de buir para facilitar e implementar
cognitiva financiamento para o desenvol- parcerias locais, nacionais
vimento, tributação, políticas co- e globais para o desenvolvimento
merciais e de dívida, bem como sustentável.
a interligação e interdependência 3. O educando é capaz de exigir e
dos diferentes países e popula- apoiar publicamente o desenvol-
ções. vimento de políticas que
2. O educando entende a impor- promovam parcerias globais para
tância de parcerias globais entre o desenvolvimento sustentável.
múltiplos atores e a responsabi- 4. O educando é capaz de apoiar
lidade compartilhada para o de- atividades de cooperação para o
senvolvimento sustentável, além desenvolvimento.
de conhecer exemplos de redes, 5. O educando é capaz de influen-
instituições e campanhas de par- ciar as empresas a participarem
cerias globais. de parcerias globais para
3. O educando conhece os con- o desenvolvimento sustentável.
ceitos de governança e cidadania
global.
4. O educando reconhece a im- Quadro 1.2.17a Tópicos sugeridos para o ODS 17
portância da cooperação e do “Parcerias e meios de implementação”
acesso a ciência, tecnologia e ino- Parcerias globais entre governos, o setor privado e a
vação, bem como o valor de com- sociedade civil para o desenvolvimento sustentável,
partilhar conhecimento. sua responsabilização compartilhada e os possíveis
5. O educando conhece conceitos conflitos entre os diferentes atores
para medir o progresso no desen- Sistemas locais, nacionais e globais, estruturas e dinâ-
volvimento sustentável. micas de poder
Objetivos de 1. O educando é capaz de cons- Governança e políticas globais e o sistema global de
aprendizagem cientizar outros sobre a importân- mercado e comércio, à luz do desenvolvimento
socioemocional cia das parcerias globais sustentável
para o desenvolvimento susten- O dilema do prisioneiro12 e a tragédia dos comuns13
tável. como desafios para a criação da governança global e
2. O educando é capaz de traba- de mercados globais que promovam o desenvolvi-
lhar com outros para promover mento sustentável
parcerias globais para o Cidadania e cidadãos globais como agentes de mu-
desenvolvimento sustentáveis e dança para o desenvolvimento sustentável
exigir a responsabilização dos go- Cooperação e acesso a ciência, tecnologia e inovação,
vernos em relação aos ODS. e compartilhamento de conhecimentos CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
3. O educando é capaz de assumir Distribuição global do acesso à internet
os ODS como pertencentes a ele Cooperação para o desenvolvimento, ajuda ao desen-
também. volvimento e recursos financeiros adicionais para os
4. O educando é capaz de criar países em desenvolvimento a partir de múltiplas fontes
uma visão para uma sociedade Capacitação para apoiar os planos nacionais para im-
global sustentável. plementar todos os ODS
5. O educando é capaz de ter um Medidas de progresso rumo ao desenvolvimento sus-
sentimento de pertencimento a tentável
uma humanidade comum, com-
partilhando valores e responsa-
bilidades, com base nos direitos
humanos.

99
Quadro 1.2.17b Exemplos de abordagens e métodos Integração da EDS em políticas, estratégias e pro-
de aprendizagem para o ODS 17 gramas
“Parcerias e meios de implementação”
As políticas são um fator-chave para a integração da
Desenvolver parcerias ou experiências globais de ensi- EDS em todos os contextos formais, não formais e infor-
no à distância pela internet entre escolas, mais de aprendizagem. Precisamos de políticas relevan-
universidades ou outras instituições em diferentes re- tes e coerentes para facilitar uma mudança nos sistemas
giões do mundo (Sul e Norte; Sul e Sul) de ensino. Em todo o mundo, os ministérios da Educação
Analisar o desenvolvimento e a implementação de po- têm uma responsabilidade importante de garantir que
líticas globais sobre mudança climática, os sistemas educacionais estejam preparados e consi-
biodiversidade etc. gam responder aos desafios de sustentabilidade existen-
Analisar o progresso na implementação dos ODS glo- tes e emergentes. Isso inclui, entre outras ações, integrar
balmente e em nível nacional, e determinar quem é a EDS em currículos e normas nacionais de qualidade e
responsável pelo progresso ou pela falta dele desenvolver marcos de indicadores relevantes que esta-
Planejar e implementar uma campanha de conscienti- beleçam normas para os resultados de aprendizagem. O
zação em relação aos ODS monitoramento e a avaliação da DEDS revelou avanços
Realizar jogos de simulação relacionados com as nego- consideráveis na integração da EDS nas políticas de edu-
ciações em conferência globais (por exemplo, cação (ver o Quadro 2.1.1). O processo de reorientação
Modelo Nacional das Nações Unidas) das políticas de educação para o desenvolvimento sus-
Planejar e executar um projeto de ação (de jovens) so- tentável está em curso em muitos países (ver o Quadro
bre os ODS e sua importância 2.1.2 para dois exemplos), embora o progresso ainda seja
Desenvolver um projeto de pesquisa baseado na ques- desigual (UNESCO, 2014a).
tão: “Juntos, podemos ... Explore esta frase Nesse contexto, a Área de Ação Prioritária 1 do Pro-
comumente usada e como ela se aplica aos ODS” grama de Ação Global (Global Action Programme – GAP)
da UNESCO sobre EDS consiste em “Avançar com as po-
IMPLEMENTAÇÃO DA APRENDIZAGEM PARA OS ODS líticas: integração da EDS nas políticas de educação e
POR MEIO DA EDS de desenvolvimento sustentável para criar um ambiente
propício para a EDS e provocar uma mudança sistêmi-
Implementação da aprendizagem para os ODS por ca” (UNESCO, 2014b). Para iniciar tal mudança, políticas
meio da EDS pertinentes e coerentes formuladas pelos ministérios em
cooperação com o setor privado, comunidades locais,
A EDS ajuda a desenvolver os resultados da apren- acadêmicos e sociedade civil são cruciais. Os esforços
dizagem cognitiva, socioemocional e comportamental existentes para desenvolver políticas de EDS com base
apresentados anteriormente, bem como as principais em abordagens inter-setoriais envolvendo múltiplos ato-
competências transversais da sustentabilidade necessá- res precisam ser mais coordenados e reforçados.
rias para alcançar todos os ODS. Esta terceira parte do A EDS deve ser “integrada nos marcos de políticas,
guia oferece recomendações e ilustrações de estratégias planos, estratégias, programas e processos de nível sub-
para implementar a EDS. nacional, nacional, sub-regional, regional e internacional
A abordagem segue a ideia geral de integrar a EDS relacionados com a educação e o desenvolvimento sus-
aos sistemas de educação recomendada no indicador tentável” (UNESCO, 2014b, p. 17). Ao capacitar os edu-
global para a Meta 4.7: “Até que ponto (i) a educação candos para viver e atuar em um mundo em mudança,
para a cidadania global e (ii) a educação para o desen- a EDS aumenta a qualidade do ensino e da aprendiza-
volvimento sustentável, incluindo a igualdade de gênero gem. Portanto, a política de educação precisa ver a EDS
e os direitos humanos, têm sido integradas em todos os como uma importante contribuição para a qualidade da
níveis de: (a) políticas nacionais de educação, (b) currí-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

educação e, consequentemente, as medidas de qualida-


culo, (c) educação de professores e (d) avaliação dos es- de dos sistemas nacionais de educação devem incluir a
tudantes” (IAEG-SDGs, 2016, p. 7). Primeiro, o texto des- EDS. Políticas nacionais e internacionais que lidam com
creve o papel da política e aponta questões cruciais para as dimensões sociais, econômicas e ambientais do de-
o sucesso da implementação de políticas, estratégias e senvolvimento sustentável, que vão desde estratégias de
programas de promoção da EDS. Em segundo lugar, dis- redução da pobreza e planos de gestão de desastres até
cute a relevância e o estado da arte na integração da EDS estratégias de desenvolvimento de baixo carbono, de-
aos currículos. Em terceiro lugar, são examinadas a rele- vem incluir a EDS como um meio de implementação.
vância da formação de professores e as oportunidades A EDS também deve ser incluída sistematicamente
para facilitar a EDS. nos marcos de cooperação bilateral e multilateral para
Em quarto lugar, a abordagem da instituição como o desenvolvimento (UNESCO, 2014b). Alguns problemas
um todo e pedagogias transformadoras orientadas para podem ser identificados como cruciais para o sucesso da
a ação são apresentadas como fatores essenciais para a implementação de políticas de promoção da EDS (ver o
implementação da EDS na sala de aula e em outros con- Quadro 2.1.3).
textos de aprendizagem. Finalmente, é discutida a ques-
tão de como avaliar os resultados da aprendizagem e a
qualidade dos programas no contexto da EDS.

100
Quadro 2.1.1 Progresso nas políticas para a EDS
Uma série de políticas de vários governos, em países do Sul e do Norte Global, visam a promover a integração da EDS e/ou
conceitos educacionais relacionados, como a educação para o desenvolvimento, a educação para a paz, a educação para a
cidadania global, a educação em direitos humanos e a educação ambiental, na aprendizagem formal e não formal.
A EDS tornou-se uma parte importante do discurso global sobre políticas.
A EDS é cada vez mais parte das políticas locais, nacionais e globais voltadas para questões de desenvolvimento sustentável
(por exemplo, mudança climática).
Políticas de desenvolvimento sustentável e educação estão se tornando cada vez mais alinhadas.
Fonte: UNESCO, 2014a.

Quadro 2.1.2 Exemplos nacionais de boas práticas de integração da EDS nas políticas
Costa Rica – perfil de sucesso na integração da EDS em políticas de desenvolvimento sustentável
“Em 2006, a Costa Rica aprovou o Compromisso Nacional com a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, concordan-
do em considerar a educação como um aspecto indispensável para gerar uma mudança cultural para o desenvolvimento sustentável, e
promover a integração da educação ambiental em matérias transdisciplinares. Um estudo conduzido por Tsuneki e Shaw sobre o impac-
to da política mais recente, a C-neutral 2021, que visa a tornar a Costa Rica o primeiro país neutro em carbono, conclui que a iniciativa
C-neutral 2021 tem sido ‘uma base fundamental para o setor educacional da Costa Rica, promovendo uma atualização da abordagem
da política de educação ambiental já existente para as recentes EDS e educação para a mudança climática (EMC)’ (TSUNEKI; SHAW, a
ser publicado, p. 1). O mais recente instrumento de política nacional abrangente sobre mudança climática, a Estratégia Nacional sobre
Mudança Climática (Estrategia Nacional de Cambio Climático), inclui capacitação e conscientização pública, educação e mudança cultural,
com o objetivo de aumentar o conhecimento ambiental. O exemplo da Costa Rica mostra como as políticas de desenvolvimento susten-
tável que incluem a EDS podem ajudar a reforçar e impulsionar mudanças nos sistemas de educação”.

Quênia – perfil de sucesso na integração da EDS a políticas educacionais


“A estratégia de implementação da EDS do Quênia, adotada em 2008, reconhece que, a fim de ter ‘uma educação e formação de qua-
lidade para o desenvolvimento’, a educação deve promover o desenvolvimento de indivíduos produtivos e socialmente responsáveis.
Essa estratégia de EDS tinha por objetivo promover o ensino e a aprendizagem que incentiva valores, comportamento e estilos de vida
apropriados para a boa governança e a sustentabilidade, entre outros focos. Mais recentemente, em 2012, o Quênia formulou um Marco
Nacional de Políticas de EDS em 2012 por meio do Instituto Queniano de Desenvolvimento Curricular, com o objetivo de promover o de-
senvolvimento sustentável por meio de materiais transformadores de apoio curricular. A EDS também foi incluída no programa nacional
do setor de Educação a ser implementado ao longo de cinco anos (2013-2018), e é refletida na Visão 2030, o roteiro do Quênia para a realização
do desenvolvimento sustentável, mostrando a importância do alinhamento com os objetivos nacionais de desenvolvimento sustentável”.
Fonte: UNESCO, 2014a, p. 50, 52.

Quadro 2.1.3 Questões cruciais para o sucesso da implementação de políticas que promovem a EDS
coerência política plena entre o setor da educação e o setor do desenvolvimento sustentável precisa ser garantida. O
alinhamento das metas e das estratégias locais e nacionais de desenvolvimento sustentável com a política de educa-
ção pode promover o redirecionamento dos sistemas de educação para o desenvolvimento sustentável. A EDS deve
ser integrada de forma coerente em todas as políticas setoriais ou subsetoriais relevantes.
Não há uma versão de EDS que sirva a todos. Realidades políticas e socioculturais e desafios ambientais e ecológicos
específicos tornam essencial a contextualização da EDS. É por isso que precisamos de interpretações relevantes da
EDS e de formas relacionadas de educação em nível local e nacional.
A liderança política é crucial para a EDS. Já foi comprovado que organismos e mecanismos de coordenação apoiam CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
a integração da EDS nos sistemas educacionais. Portanto, as políticas devem criar tais estruturas em diferentes níveis.
Além disso, os governos deverão estabelecer metas para a EDS.
A EDS é promovida não apenas por organizações governamentais formais, mas também, em grande medida, por
ONGs, que muitas vezes trabalham em contextos de aprendizagem não formal e informal. As políticas internacionais,
nacionais e locais devem apoiar as ONGs no sentido de facilitar essas atividades, fornecendo financiamento, mas
também com a criação de redes e incentivos a processos de aprendizagem social.
Fonte: UNESCO, 2014a.

Integração da EDS em currículos e livros didáticos

A EDS deve ser integrada em todos os programas de educação formal, incluindo os cuidados e educação na primeira
infância e a educação primária e secundária, a educação e formação técnica e profissional e a educação superior. A EDS
diz respeito ao cerne do ensino e da aprendizagem e não deve ser considerada como algo a ser adicionado ao currículo
existente. A popularização da EDS exige a inclusão de temas de sustentabilidade nos currículos, mas também de resul-
tados de aprendizagem relacionados com a sustentabilidade. “Os currículos precisam garantir que todas as crianças e
jovens aprendam não apenas habilidades básicas, mas também habilidades transferíveis, como pensamento crítico, re-
solução de problemas, advocacy e resolução de conflitos, para ajudá-los a se tornarem cidadãos globais responsáveis”

101
(UNESCO, 2014c, p. 36). A partir do desenvolvimento de de de um modo de vida sustentável e na compreensão
currículos de sustentabilidade, espera-se “melhorar a ca- ecossocial. O objetivo é apoiar todos os educandos no
pacidade dos nossos sistemas de educação para preparar desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, valores
as pessoas para buscar o desenvolvimento sustentável” e atitudes que promovam sua capacidade de compreen-
(UNITED NATIONS, 2012, par. 230). der a importância de um futuro sustentável.”
O monitoramento e a avaliação da DEDS destacou
muitos bons exemplos existentes de integração da EDS Manitoba, Canadá – perfil de liderança bem-sucedi-
nos currículos (ver o Quadro 2.2.1). Avaliações de docu- da “Em Manitoba, a EDS é uma área de ação prioritária
mentos curriculares oficiais revelam que “muitos países do governo e foi incorporada no objetivo geral da edu-
passaram a incluir a sustentabilidade e/ou temas ambien- cação primária e secundária. Agora é política do governo
tais como um dos objetivos gerais da educação” (UNES- ‘garantir que as crianças e jovens de toda a província de
CO, 2014a, p. 30). Na educação primária e secundária, o Manitoba tenham acesso a um leque de oportunidades
maior progresso foi alcançado no desenvolvimento cur- educacionais, de tal modo que cada educando experi-
ricular voltado para a EDS. “Perto de 40% dos Estados- mente o sucesso por meio de uma educação relevan-
-membros indicam que sua maior conquista ao longo da te, envolvente e de alta qualidade, que prepare para a
DEDS foi a integração da EDS no currículo formal, e um aprendizagem ao longo da vida e a cidadania, em uma
quinto dos países descreveram projetos escolares especí- sociedade democrática, socialmente justa e sustentável’.
ficos como sua contribuição mais importante para a EDS” Essa declaração está incluída na missão do Ministério da
(UNESCO, 2014a, p. 82). Educação e Aprendizagem Avançada da província. Em
resposta a esse compromisso político, a EDS foi integra-
Quadro 2.2.1 Exemplos de integração da EDS nos da ao currículo do jardim de infância até o 12º ano, com
currículos resultados específicos de aprendizagem identificados
para ciências, estudos sociais, saúde e educação física.
República de Maurício – Marco Curricular Nacional A capacitação de educadores e diretores escolares, bem
“A política Maurice Ile Durable (Ilhas Maurício Sustentá-
como o financiamento dedicado a assegurar o desenvol-
veis) foi introduzida em 2008 com o objetivo de tornar
vimento de práticas, princípios, programas e parcerias de
a República de Maurício um modelo mundial de desen-
sustentabilidade, ajuda as escolas a incorporar a susten-
volvimento sustentável até 2020. A educação é um dos
tabilidade em suas salas de aula, operações e gestão”.
cinco pilares da política, que conta com um grupo de tra-
Fonte: UNESCO, 2014a, p. 50-51, 53.
balho multiatores para integrar a EDS em todos os níveis
de educação. O objetivo é reorientar o sistema de educa-
O Marco Curricular Alemão para a EDS contém tópi-
ção para a sustentabilidade, fortalecer as capacidades a
cos, competências e exemplos concretos para a educação
todos os níveis e reforçar a conscientização para as ques-
tões principais. Como relata o país, a EDS é agora ‘parte primária, para todas as disciplinas da educação secundá-
do Marco Curricular Nacional e, graças ao projeto social ria e para a formação profissional. Ele é o resultado da
Maurice Ile Durable (Ilhas Maurício), a EDS está sendo iniciativa conjunta da Conferência Permanente dos Mi-
abordada por muitas instituições/organizações formais nistros da Educação e Assuntos Culturais e do Ministério
e não formais’. Como resultado dessa política, diferen- Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento,
tes ministérios, como o Ministério do Meio Ambiente e em cooperação com os 16 estados federais e a sociedade
Desenvolvimento Sustentável e o Ministério da Educa- civil da Alemanha (SCHREIBER; SIEGE, 2016). A Área de
ção e Desenvolvimento de Recursos Humanos, passaram Ação Prioritária 1 do GAP, “Avançar a política”, promove
a cooperar mais estreitamente para uma abordagem a “integração da EDS nos currículos e normas de qua-
mais integrada. Agora já um país-piloto sob a iniciativa lidade nacionais” (UNESCO, 2014b, p. 16). Para facilitar
da UNESCO de Educação em Mudança Climática para o as mudanças curriculares necessárias, algumas ações são
de importância central. Um fator significativo para mu-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Desenvolvimento Sustentável (UNESCO Climate Change


Education for Sustainable Development), a República de danças no currículo e nas práticas de ensino pode ser o
Maurício pode se tornar um país exemplar para a EDS aumento da demanda dos educandos por uma educação
quando a política Maurice Ile Durable estiver plenamente focada na sustentabilidade.
implementada”. Portanto, essa demanda deve ser monitorada mais
de perto (UNESCO, 2014a). Em todos os níveis e modali-
Togo – Educação de Qualidade para um Futuro Sus- dades de educação, as mudanças curriculares devem ser
tentável “Em Togo, o marco da política educacional (La- aprofundadas para envolver mais conteúdos relevantes,
kalaka) é fundamentado na cultura nacional e inclui um objetivos de aprendizagem e práticas de aprendizagem
currículo novo, orientado para a EDS, intitulado Educação de EDS. Jardins de infância, escolas e instituições de edu-
de Qualidade para um Futuro Sustentável”. cação e formação técnica e profissional e de educação
superior devem não apenas oferecer cursos individuais,
Finlândia – a reforma dos currículos básicos nacio- mas devem garantir que todos os educandos possam
nais para a pré-escola e a educação básica “A Finlândia desenvolver os conhecimentos, as atitudes e as com-
está reformando os currículos básicos nacionais para a petências necessários para responder aos desafios da
pré-escola e a educação básica para apoiar e promover sustentabilidade ao longo de suas vidas profissionais e
o desenvolvimento sustentável e o bem-estar, seguindo pessoais (UNESCO, 2014a). Para que isso ocorra, a EDS
a base de valor da educação, com ênfase na necessida- não deve, em primeiro lugar, ser vista como uma edu-

102
cação adjetiva ou uma disciplina isolada. Por exemplo, bilidades, atitudes, valores, motivação e compromisso).
na educação escolar, deve tornar-se parte integrante do Mas, além de competências gerais de sustentabilidade,
ensino e aprendizagem de disciplinas básicas (por exem- eles também precisam de competências em EDS, que po-
plo, matemática, ciências, estudos sociais e línguas). Em dem ser descritas como a capacidade de um professor
segundo lugar, é importante que os objetivos de apren- ajudar as pessoas a desenvolver competências de susten-
dizagem, métodos de ensino e aprendizagem e medidas tabilidade por meio de uma série de práticas inovadoras
de avaliação estejam estreitamente alinhados de forma a de ensino e aprendizagem (ver o Quadro 2.3.2).
se reforçarem mutuamente. Terceiro, devem ser estabe-
lecidos objetivos de aprendizagem progressivos, ou seja, Quadro 2.3.1 Exemplos nacionais de boas práticas
uma aprendizagem que constrói competências de nível de programas de formação de professores que inte-
para nível (andaime). gram a EDS

Quadro 2.2.2 Ações sugeridas para fomentar uma Jamaica – aprendizagem de professores pré-servi-
mudança curricular ço por meio de projetos de ação comunitária em EDS

Esforços em curso para aprofundar a compreensão da “Literatura e Educação para o Desenvolvimento Sus-
educação de qualidade para incluir relevância, propósitos tentável é um curso fundamental para os alunos que par-
e valores de sustentabilidade Mais pesquisas, avaliação e ticipam do programa de pós-graduação em Educação
compartilhamento de experiências sobre como abordar em Línguas, e um curso eletivo para os alunos do pro-
uma mudança curricular Institucionalização da EDS, in- grama de pós-graduação de Formação de Professores da
cluindo o investimento em recursos humanos e financei- Universidade das Índias Ocidentais em Mona, Jamaica. O
ros Inserir a EDS em competências, padrões profissionais, curso visa a apresentar aos alunos o conceito e os princí-
certificação e acreditação de professores e instituições de pios do desenvolvimento sustentável e lhes proporcionar
formação de professores Mais apoio para os professores oportunidades para explorar o papel da EDS na criação
em sala de aula (por exemplo, diretrizes para a criação e de um mundo sustentável. O curso tem três componen-
avaliação de materiais de EDS e mecanismos para apoiar tes: 1. um marco global no qual os alunos analisam os
o compartilhamento de conhecimentos de modo a capa- desafios de sustentabilidade locais e globais; 2. o estudo
citar professores, facilitadores e formadores de EDS em da literatura como um meio para desenvolver a empatia,
serviço) Aumento de capacitação para os formuladores dar aos alunos um senso de comunidade, esclarecer valo-
de políticas, líderes educacionais e educadores Flexibi- res, entender a sustentabilidade de várias perspectivas e
lidade na política curricular que permita às escolas pri- motivá-los a agir; e 3. engajamento em projetos de ação
márias e secundárias desenvolver conteúdos e projetos comunitária. Como um dos principais trabalhos do curso,
localmente relevantes os alunos devem abordar os desafios de sustentabilida-
Fonte: UNESCO, 2014. de em sua comunidade. Os alunos escolheram abordar
questões de violência, pobreza e degradação ambiental
2.3 Integração da EDS na formação de professores por meio de projetos de paz, trabalhando com desabri-
gados, jardinagem escolar e apicultura, para citar alguns.
Os educadores são poderosos agentes de mudança Os alunos entenderam que o curso é mais útil quando
que podem oferecer a resposta educativa necessária para abordam problemas do mundo real e trabalham em es-
alcançar os ODS. Seus conhecimentos e suas competên- treita colaboração com suas comunidades. Eles passaram
cias são essenciais para a reestruturação de processos a entender que podem aprender, bem como ajudar a
educativos e instituições de ensino rumo à sustentabili- melhorar a qualidade de vida em sua comunidade”.
dade. A formação de professores deve responder a esse
desafio, reorientando-se para a EDS. O monitoramento Grécia – formação de professores em serviço CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
e a avaliação da DEDS identificou muitos bons exemplos
de integração da EDS na formação de professores (ver o “O Ministério da Educação estabeleceu 46 centros
Quadro 2.3.1) e mostrou que o apoio dos professores é de educação ambiental e sustentabilidade, sob a égide
uma condição essencial para o sucesso na adoção e na das Diretorias Regionais de Educação em todo o país.
implementação da EDS (UNESCO, 2014a). Os projetos executados por esses centros destinam-se à
No entanto, os esforços para preparar os professo- formação de professores, a fim de implementar projetos
res para implementar a EDS não avançaram o suficien- relacionados à EDS em suas escolas. Durante o ano letivo
te. Mais trabalho ainda precisa ser feito para reorientar a de 2011, foram realizados 184 seminários para 8.745 pro-
formação de professores para abordar a EDS em termos fessores da educação primária e secundária”.
de conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem. É Fonte: UNESCO, 2014a, p. 92, 97.
por isso que a Área de Ação Prioritária 3 do GAP centra-
-se na capacitação dos educadores. Uma das ações pro- Esses elementos de competências da EDS são descri-
postas nessa área é integrar a EDS em programas de for- tos em mais detalhes em uma série de diferentes mar-
mação de professores pré-serviço e em serviço (UNESCO, cos conceituais de competências de professores na área
2014b). Para que os professores estejam preparados para de EDS, como o modelo CSCT (SLEURS, 2008), o mode-
facilitar a EDS, eles devem desenvolver competências bá- lo UNECE (UNECE, 2012), o modelo KOM-BiNE (RAUCH;
sicas de sustentabilidade (incluindo conhecimentos, ha- STEINER, 2013), e a abordagem de Bertschy, Künzli e

103
Lehmann (2013). Programas de formação de professores Além disso, a EDS exige a internacionalização como
devem ser desenvolvidos para atender a essas normas. um elemento de formação de professores, em particular
Para facilitar o desenvolvimento de competências em por meio de debates internacionais sobre a EDS e dis-
EDS na formação de professores, são necessárias mudan- cussões sobre a diversidade cultural como componentes
ças no conteúdo e na estrutura da formação de professo- integrais dos módulos. Isso significa que os educandos
res pré-serviço e em serviço. devem ter a oportunidade de estudar no exterior, facili-
A EDS deve oferecer orientação fundamental para os tando experiências práticas.
programas de formação de professores. Disciplinas das Para integrar a EDS mais plenamente na formação de
matérias, didática das matérias, ciências da educação e professores, o conteúdo e a organização dos programas
estudos orientados para a prática devem incluir princípios de formação de professores devem ser desenvolvidos
da metodologia e conhecimento das matérias da EDS (ver com a participação dos principais interessados, como
o Quadro 2.3.3). Aprender com base em desafios sociais educandos, professores, ONGs locais e especialistas em
reais em contextos locais requer cooperação com par- EDS. Para facilitar a inovação, é fundamental que a insti-
ceiros externos. Os módulos devem, portanto, permitir o tuição de ensino tenha as condições estruturais necessá-
acesso a parceiros externos (como comunidades, institui- rias, bem como a liberdade de participar dos processos
ções de educação não formal e redes de EDS) e incluir de aprendizagem organizacional. Como ainda existem
possibilidades de colaboração orientada para projetos. muitos professores que não aprenderam sobre a EDS em
sua formação pré-serviço, eles precisam ter acesso à for-
Quadro 2.3.2 Objetivos de aprendizagem para que mação em serviço sobre o tema.
os professores promovam a EDS Por um lado, isso abre oportunidades para desenvol-
ver o conhecimento e as competências necessárias para
Ter conhecimento sobre desenvolvimento sustentável, participar do processo de desenvolvimento sustentável.
os diferentes ODS e os tópicos e desafios relacionados Por outro lado, esse desenvolvimento profissional é um
Entender o discurso e a prática da EDS em seu contex- pré-requisito para reorientar os processos educacionais
to local, nacional e global e as instituições de educação. Nesse sentido, é essen-
Desenvolver a própria visão integrada dos problemas cial que o desenvolvimento profissional para a EDS seja
e dos desafios do desenvolvimento sustentável, levando disponibilizado a mais de um professor por instituição, e
que seja reconhecido pelos sistemas educacionais com
em conta a dimensão social, ecológica, econômica e cul-
relação a inscrições, promoções etc. Centros nacionais e
tural do ponto de vista dos princípios e valores do desen-
regionais de especialização em EDS também podem criar
volvimento sustentável, incluindo a justiça intergeracional
oportunidades para desenvolvimento profissional e ser-
e global
viços de consultoria, utilizando o potencial do governo e
Adotar perspectivas disciplinares, interdisciplinares e
de ONGs, universidades e outras instituições de educa-
transdisciplinares sobre questões de mudanças globais e
ção superior.
suas manifestações locais
Refletir sobre o conceito de desenvolvimento susten-
Quadro 2.3.3 Possíveis módulos de um currículo
tável, os desafios para alcançar os ODS, a importância de formação de professores tendo a EDS como um
da sua própria área de especialização para o alcance dos elemento-chave
ODS e o próprio papel nesse processo
Refletir sobre a relação da aprendizagem formal, não Conceitos básicos de desenvolvimento sustentável
formal e informal para o desenvolvimento sustentável, e em uma perspectiva local, nacional e internacional
aplicar esse conhecimento em seu próprio trabalho pro- Conceitos de EDS em uma perspectiva local, nacional
fissional e internacional
Compreender como a diversidade cultural, a igualda- Visões disciplinares, interdisciplinares e transdiscipli-
de de gênero, a justiça social, a proteção ambiental e o
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

nares dos principais exemplos de desafios da sustenta-


desenvolvimento pessoal são elementos integrais da EDS bilidade
e como torná-los parte dos processos educativos Trabalho orientado para projeto sobre problemas es-
Praticar uma pedagogia transformadora orientada pecíficos de importância local, nacional e global, em coo-
para a ação que envolva os educandos em processos de peração com instituições de educação e outros parceiros
reflexão e ação participativos, sistêmicos, criativos e ino- (locais)
vadores, no contexto das comunidades locais e da vida Análise baseada em pesquisa de processos de EDS
cotidiana dos educandos em diferentes contextos de aprendizagem (como esco-
Atuar como um agente de mudança em um processo las, faculdades ou instituições de ensino não formal)
de aprendizagem organizacional que faça a escola avan- Experiências práticas com abordagens de EDS e sua
çar na direção do desenvolvimento sustentável reflexão crítica.
Identificar oportunidades de aprendizagem locais re-
lacionadas com o desenvolvimento sustentável e cons-
truir relações de cooperação
Avaliar e aferir o desenvolvimento de competências de
sustentabilidade transversais e de resultados específicos
de aprendizagem relacionados com a sustentabilidade.

104
ENSINO DA EDS EM SALA DE AULA E OUTROS AMBIENTES DE APRENDIZAGEM

Abordagem da instituição como um todo

A EDS não se limita ao ensino do desenvolvimento sustentável e à adição de novo conteúdo a cursos e treina-
mentos. Escolas e universidades devem se ver como lugares de aprendizagem e experiência para o desenvolvimento
sustentável e devem, portanto, orientar todos os seus processos para os princípios da sustentabilidade. Para que a EDS
seja mais eficaz, a instituição educacional como um todo precisa ser transformada.
Tal abordagem visa à integração da sustentabilidade em todos os aspectos da instituição de educação. Isso envolve
repensar o currículo, as operações do campus, a cultura organizacional, a participação dos educandos, a liderança e
gestão, as relações comunitárias e a pesquisa (UNESCO, 2014a). Dessa forma, a própria instituição funciona como um
modelo para os educandos. Ambientes de aprendizagem sustentáveis, como a “ecoescola” ou o campus “verde”, per-
mitem que educadores e educandos integrem os princípios da sustentabilidade em suas práticas diárias e facilitam a
capacitação, o desenvolvimento de competências e a valorização da educação de forma abrangente.

O monitoramento e a avaliação da DEDS revelou vários bons exemplos de abordagens da instituição como um todo
(ver o Quadro 2.4.1). Dada a importância de transformar toda a instituição de ensino, a Área de Ação Prioritária 2 do
GAP (“Transformação dos ambientes de aprendizagem e formação: integrar os princípios de sustentabilidade nos con-
textos de educação e formação”) demanda a “promoção de abordagens da instituição como um todo para a EDS nas
escolas e em todos os outros contextos de aprendizagem e formação” (UNESCO, 2014b, p. 18).
Assim, as abordagens da instituição como um todo devem ser promovidas em todos os níveis e em todos os con- CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
textos. Escolas e outras instituições educacionais e organizações do setor privado e público são incentivadas a imple-
mentar planos ou estratégias de sustentabilidade. As experiências já existentes com abordagens da instituição como
um todo nas áreas de educação superior e escolas secundárias precisam ser ampliadas e estendidas a outros níveis e
tipos de educação, como a educação na primeira infância, a educação e formação técnica e profissional e a educação
não formal para jovens e adultos. Os elementos principais para uma abordagem da instituição como um todo estão
resumidos no Quadro 2.4.2.

Quadro 2.4.1 Exemplos de abordagens da instituição como um todo Austrália – iniciativa Escolas Australianas Sus-
tentáveis “A iniciativa Escolas Australianas Sustentáveis é apenas um exemplo de um esforço para incentivar as escolas
a adotar uma abordagem da escola como um todo, e do sistema como um todo, para a educação para a sustentabili-
dade (Education for Sustainability – EfS). Com o primeiro piloto realizado em 2005, essa iniciativa contribuiu com êxito
para uma valorização crescente de uma abordagem da escola como um todo para a EDS. Os resultados incluem: maior
profundidade e amplitude em projetos de EfS implementados; maior integração curricular da EfS; benefícios organi-
zacionais financeiros e ambientais mais amplos; e conexões com entendimentos e objetivos de sustentabilidade mais
amplos. Em suma, a participação na iniciativa Escolas Australianas Sustentáveis ajudou as escolas a desenvolver um
programa mais eficaz e abrangente de EfS”. Butão – escolas verdes para o Programa Butão Verde “Integradas no Pro-
grama Butão Verde desde 2009, as escolas verdes fazem parte da iniciativa de reforma nacional do Ministério da Edu-
cação: Felicidade Nacional Bruta na Educação. O conceito de escola verde também se tornou parte integrante de um

105
sistema de gestão de desempenho (SGD), cujo objetivo Quadro 2.4.3 Principais abordagens pedagógicas
é melhorar o desempenho escolar e a implementação de na EDS
uma educação de qualidade. O SGD escolar baseia-se em
ferramentas de autoavaliação das escolas, com foco nos Uma abordagem centrada no aluno
valores e nos processos da Felicidade Nacional Bruta e
da EDS. O UNICEF Butão tem uma parceria com o gover- A pedagogia centrada no aluno enxerga os educan-
no para ajudar a lançar a iniciativa escolas verdes, e incluiu dos como aprendentes autônomos e enfatiza o desen-
uma iniciativa de formação de professores em todo o país volvimento ativo do conhecimento, e não sua mera trans-
para traduzir os princípios da escola verde em prática. Até ferência e/ou experiências de aprendizagem passiva. O
agora, os resultados têm sido positivos: ‘Várias escolas re- conhecimento prévio dos educandos, e suas experiências
lataram melhorias visíveis e substanciais, especialmente em no contexto social são pontos de partida para estimular
termos de ambiente físico, atenção, compreensão e res- processos de aprendizagem em que os educandos cons-
peito dos educandos pela cultura, natureza, etc.”. (BUTÃO, troem a própria base de conhecimento. As abordagens
2012). Fonte: UNESCO, 2014a, p. 89, 90. centradas no aluno exigem que os educandos reflitam
Quadro 2.4.2 Principais elementos de abordagens sobre os próprios processos de conhecimento e aprendi-
da instituição como um todo Um processo abrangente zagem, a fim de administrá-los e monitorá-los. Os educa-
da instituição que permite a todas as partes interessa- dores devem estimular e apoiar essas reflexões. As abor-
das – lideranças, professores, educandos, administração dagens centradas no aluno mudam o papel do educador
– desenvolver conjuntamente uma visão e um plano para para o de um facilitador de processos de aprendizagem
implementar a EDS em toda a instituição. Apoio técnico (em vez de ser um especialista que apenas transfere co-
e financeiro à instituição para apoiar sua reorientação, in- nhecimento estruturado) (BARTH, 2015).
cluindo exemplos relevantes de boas práticas, formação
para a liderança e administração, desenvolvimento de di- Aprendizagem orientada para a ação
retrizes e pesquisa associada. Redes interinstitucionais que
facilitem o apoio mútuo, como aprendizagem entre pares Na aprendizagem orientada para a ação, os educan-
em uma abordagem da instituição como um todo, além do dos se envolvem na ação e refletem sobre suas experiên-
aumento da visibilidade da abordagem para promovê-la cias em termos do processo de aprendizagem preten-
como um modelo para a adaptação. Fonte: UNESCO, 2014. dido e do seu desenvolvimento pessoal. A experiência
Embora todos os elementos da abordagem da institui- pode vir de um projeto (aprendizagem em serviço), um
ção como um todo sejam importantes, no cerne do ensino estágio, a facilitação de uma oficina, a implementação de
da EDS nas salas de aula e em outros contextos de aprendi- uma campanha etc. A aprendizagem voltada para a ação
zagem estão as formas interativas, integrativas e críticas de refere- -se à teoria do ciclo de aprendizagem experiencial
aprendizagem – uma pedagogia transformadora orienta- de Kolb, com as seguintes fases: 1) ter uma experiência
da para a ação. 2.4.2 Pedagogia transformadora orientada concreta; 2) observar e refletir; 3) formar conceitos abs-
para a ação. tratos para generalização; e 4) aplicá-los em novas situa-
A EDS visa a empoderar e motivar os educandos a se ções (KOLB, 1984). A aprendizagem voltada para a ação
tornarem cidadãos ativos da sustentabilidade, capazes de aumenta a aquisição de conhecimentos, o desenvolvi-
pensamento crítico e capazes de participar da formação de mento de competências e o esclarecimento de valores,
um futuro sustentável. As abordagens pedagógicas ade- conectando conceitos abstratos à experiência pessoal e à
quadas para esse objetivo são centradas no educando, vida do educando. O papel do educador é criar um am-
orientadas para a ação e transformadoras (ver o Quadro biente de aprendizagem que gera experiências e proces-
2.4.3). As abordagens pedagógicas representam o cará- sos de pensamento reflexivo nos educandos.
ter geral ou os princípios orientadores da elaboração dos
processos de aprendizagem em EDS. Métodos específicos Aprendizagem transformadora
alinhados com esses princípios são necessários para faci-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

litar o processo de aprendizagem. Na EDS, são favoreci- A aprendizagem transformadora pode ser melhor de-
dos métodos que promovem competências por meio da finida por seus objetivos e princípios, e não por qualquer
aprendizagem ativa. estratégia concreta de ensino ou aprendizagem. Ela visa
Alguns métodos podem ser especialmente recomen- a capacitar os educandos a questionar e alterar as formas
dados para a EDS. (Alguns deles foram citados anterior- como enxergam e pensam sobre o mundo, a fim de apro-
mente nos quadros do Capítulo 2, já adaptados para ODS fundar a compreensão dele (SLAVICH; ZIMBARDO, 2012;
específicos; ver o Quadro 2.4.4). Esses métodos participa- MEZIROW, 2000). O educador é um facilitador que em-
tivos de ensino e aprendizagem capacitam os educandos podera e desafia os educandos a alterar suas visões de
a tomarem medidas para o desenvolvimento sustentável. mundo. O conceito relacionado de aprendizagem trans-
Quando métodos de ensino e aprendizagem são escolhi- gressiva (LOTZ-SISITKA et al., 2015) vai um passo além:
dos para um contexto específico, eles precisam correspon- enfatiza que a aprendizagem em EDS precisa superar o
der às necessidades do grupo de educandos (por exemplo, status quo e preparar o educando para o pensamento
com base em idade, conhecimento prévio, interesses, habi- transgressor e a cocriação de novos conhecimentos.
lidades); ao contexto em que a aprendizagem ocorre (por Para criar contextos de aprendizagem diversos e
exemplo, o espaço no currículo, clima pedagógico, tradi- transversais e formular marcos holísticos e abrangentes
ções culturais); e aos recursos e ao apoio disponíveis (por dos ODS, as instituições de educação e os educadores
exemplo, competências dos professores, material peda- devem promover parcerias em nível local, nacional e in-
gógico, tecnologia, dinheiro). ternacional. É importante reconhecer que as respostas

106
adequadas aos desafios da sustentabilidade não podem Uma pedagogia transformadora orientada para a
ser limitadas a uma única perspectiva, disciplina ou forma ação também contribui para a realização dos objetivos
de conhecimento. Parcerias que envolvam uma série de da Área de Ação Prioritária 4 do GAP (“Empoderar e mo-
atores sociais, como empresas, ONGs, instituições públi- bilizar os jovens”), que demanda “mais oportunidades de
cas, formuladores de políticas e/ou indivíduos, facilitam aprendizagem online de qualidade para os jovens; jovens
novas possibilidades de aprendizagem e tornam-se uma participando e contribuindo para a promoção, a formu-
fonte de criatividade e inovação. Em um diálogo ou um lação e a implementação de políticas de EDS em nível
projeto que inclui cooperação com um parceiro na prá- local, nacional e internacional; e mais atividades de EDS
tica, os educandos podem aprender sobre os desafios lideradas por jovens” (UNESCO, 2014b, p. 23).
do mundo real e beneficiar-se dos conhecimentos e das
experiências dos parceiros. Ao mesmo tempo, os parcei- Como avaliar os resultados de aprendizagem da
ros também podem ser empoderados e sua capacidade EDS e a qualidade dos programas de EDS?
como agentes críticos da mudança pode ser aumentada.
Parcerias entre educandos de todo o mundo promovem Avaliar os resultados da EDS e de esforços que visam
o intercâmbio de diferentes perspectivas e conhecimen- a reorientar os sistemas de educação é um desafio im-
tos sobre os mesmos temas. Por exemplo, cursos virtuais portante a ser abordado (UNESCO, 2014a). Programas e
podem proporcionar um ambiente para a prática de um iniciativas de EDS devem ser avaliados em vários níveis.
diálogo global e promover respeito e compreensão mú- Aqui, podemos citar as seguintes abordagens: avalia-
tuos (ver o Quadro 2.4.5). ções em larga escala dos resultados da aprendizagem;
avaliação dos resultados da aprendizagem em nível in-
Quadro 2.4.4 Principais métodos para a aprendi- dividual; avaliações nacionais mais alinhadas com as
zagem dos ODS prioridades nacionais de educação; avaliações escolares
e institucionais contextualizadas para melhorar a imple-
Projetos de colaboração no mundo real, como proje- mentação; desenvolvimento de práticas de avaliação
tos de aprendizagem em serviço e campanhas para dife- formativa para capacitar os professores para a avaliação
rentes ODS Exercícios de construção de visão, como ofi- de práticas pedagógicas específicas em sala de aula; e
cinas do futuro, análises de cenário, narrativa de histórias autoavaliação do progresso individual. Já existem alguns
utópicas/ distópicas, pensamento de ficção científica e exemplos de como elementos da EDS estão sendo incluí-
previsão e retrospectiva Análises de sistemas complexos dos nas abordagens de avaliações em larga escala (ver o
por meio de projetos de pesquisa baseados na comuni- Quadro 2.5.1).
dade, estudos de caso, análise das partes interessadas,
análise dos atores, modelagem, jogos de sistemas etc. Quadro 2.5.1 Exemplos de avaliações em larga escala
Pensamento crítico e reflexivo por meio de discussões que incluem elementos da EDS
internas, diários reflexivos etc.
Avaliação da exposição ao desenvolvimento sus-
Quadro 2.4.5 Um exemplo de diálogo intercultural tentável
entre educandos
“As avaliações internacionais de resultados da apren-
Programa Jovens Mestres: abordagem da apren- dizagem estão começando a incorporar aspectos da EDS.
dizagem flexível A avaliação PISA 2006 teve foco na alfabetização cientí-
fica e, entre outras coisas, informações compiladas sobre
O Programa Jovens Mestres é uma rede global de en- a inclusão de temas ligados às ciências ambientais no
sino e aprendizagem baseada na web para estudantes de currículo escolar (OCDE, 2009). A avaliação PISA revelou
16 a 18 anos de idade e seus professores. Alunos e pro- que 98% dos estudantes nos países da OCDE frequentam CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS
fessores se reúnem em salas de aula virtuais onde têm escolas em que temas ambientais (por exemplo, polui-
a oportunidade de construir a compreensão e a coope- ção, degradação ambiental, relações entre os organis-
ração em matéria de sustentabilidade. Nas salas de aula mos, biodiversidade e conservação dos recursos) são en-
virtuais, os alunos aprendem uns com os outros por meio sinados. Embora a localização no currículo de temas de
do compartilhamento de informações em primeira mão ciência ambiental possa diferir de um sistema para outro,
com seus pares de diferentes países. Eles ganham uma a maioria dos estudantes na primeira etapa da educação
compreensão dos desafios comuns da sustentabilidade secundária nos países da OCDE foram expostos a, e são
e de diferentes perspectivas e soluções locais. Até ago- obrigados a dominar, um conjunto de temas ambientais
ra, mais de 30.000 alunos e 3.000 professores de mais relevantes. Entre os estudantes de países não membros
de 116 países concluíram o Programa Jovens Mestres. da OCDE, a oportunidade de aprender sobre o meio am-
Uma avaliação do programa revela resultados positivos biente varia muito mais” (SCHULZ et al., 2010). Fonte:
para os alunos, professores e escolas, incluindo “conhe- UNESCO, 2014a, p. 98.
cimento ambiental ampliado, melhoria das habilidades Avaliando escolhas e ações relacionadas à sustenta-
de comunicação, engajamento em atividades ambientais bilidade “Algo ainda mais desafiador de se determinar
extracurriculares, amizades internacionais numerosas e é se o conhecimento e a aprendizagem adquiridos es-
aprimoramento dos conhecimentos de informática” (Mc- tão levando a escolhas e ações relacionadas à susten-
CORMICK et al., 2005). Fonte: UNESCO, 2014a, p. 88. tabilidade. Existem algumas iniciativas promissoras nesta

107
área: por exemplo, o Estudo Internacional da Educação Quadro 2.5.2 Diferentes finalidades da avaliação
Cívica e para a Cidadania (ICCS) em 38 países em 2008 da EDS em nível individual
e 2009, promovido pela Associação Internacional para a
Avaliação do Rendimento Educacional, encontrou uma Colher informações e registrar o progresso e ren-
correlação positiva entre a educação para a cidadania e dimento dos educandos em relação aos resultados de
o engajamento dos educandos na cidadania ativa”. Fon- aprendizagem pretendidos
te: UNESCO, 2014a, p. 98. Em 2013, o conselho diretor Comunicar o progresso para os educandos, identifi-
do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pro- cando pontos fortes e áreas para crescimento, e usar essa
gramme for International Student Assessment – PISA) informação para definir objetivos de aprendizagem
decidiu explorar uma avaliação da “competência global” Fornecer feedback sobre o sucesso dos processos
(OCDE, 2016) no PISA 2018. de ensino e aprendizagem para ajudar a planejar, imple-
A competência global é definida pela OCDE como “a mentar e melhorar esses processos
capacidade de analisar questões globais e interculturais Na educação formal, orientar as decisões sobre a
de forma crítica e de várias perspectivas, para entender aprendizagem e as escolhas acadêmicas e profissionais
como as diferenças afetam as percepções, os julgamen- do educando
tos e as ideias de si e dos outros, e envolver-se em inte- Há muitas maneiras de avaliar os resultados da apren-
rações abertas, apropriadas e efetivas com outros de di- dizagem. A abordagem adotada dependerá do contexto
ferentes origens, com base em um respeito comum pela (por exemplo, as características do sistema de educação)
dignidade humana” (OCDE, 2016, p. 4). O teste, desen- e da forma como a EDS é transmitida: na educação for-
volvido em consulta com os países membros da Organi- mal, por exemplo, de forma transversal em todo o currí-
zação para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico culo ou dentro de um tema específico, ou outra modali-
(OCDE) e consultores especializados, irá avaliar por meio dade. Os métodos de avaliação precisarão ser alinhados
de testes cognitivos o conhecimento e a compreensão aos objetivos de aprendizagem e às práticas de ensino e
dos jovens a respeito de questões globais; conhecimen- aprendizagem.
to e compreensão intercultural; e habilidades de pensa- Dada a variedade de objetivos de aprendizagem e
mento analítico e crítico. competências na EDS, é provável que sejam necessá-
Além disso, habilidades como a capacidade de in- rios diversos métodos para avaliar a aprendizagem com
precisão. A EDS envolve um amplo leque de finalidades
teragir respeitosamente, de forma apropriada e eficaz,
transformadoras. Os educadores devem, portanto, consi-
empatia e flexibilidade, bem como atitudes como aber-
derar essas finalidades mais amplas. Eles devem ir além
tura para pessoas de outras culturas, respeito à alterida-
do uso exclusivo da avaliação da aprendizagem; devem
de cultural, consciência e responsabilidade global, serão
incluir a avaliação para a aprendizagem e a avaliação
analisadas por meio de dados autorrelatados pelos es-
como aprendizagem.
tudantes em um questionário (OECD, 2016, p. 6). Dessa
Os educadores devem usar uma combinação de mé-
forma, o teste irá “oferecer a primeira visão abrangente
todos de avaliação tradicionais e métodos mais reflexi-
do sucesso dos sistemas de educação em instrumentali-
vos baseados no desempenho, como a autoavaliação e
zar os jovens para apoiar o desenvolvimento de comuni-
a avaliação por pares, que captam os insights dos edu-
dades pacíficas e diversas” (OECD, 2016, p. 3). candos sobre aspectos como a transformação pessoal, a
Na reunião dos ministros da Educação do G7, que compreensão aprofundada da investigação crítica, bem
aconteceu em Kurashiki, Japão, em 14 de maio de 2016, como o engajamento e a atuação cívica. O feedback dos
as autoridades observaram que essa avaliação pode mui- educadores, comentários dos colegas e a autoavaliação
to bem proporcionar uma métrica para medir o progres- (por exemplo, com diários ou portfólios de reflexão) ca-
so nesta área. A avaliação PISA e outras avaliações em pacitam os educandos a monitorar os próprios processos
larga escala, como o Estudo Internacional da Educação de aprendizagem e identificar possibilidades de melho-
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS

Cívica e para a Cidadania (International Civic and Citi- ria. Além de avaliar os resultados da aprendizagem, é im-
zenship Education Study – ICCS) 2016, podem trazer im- portante monitorar e avaliar continuamente a qualidade
portantes contribuições para uma melhor compreensão dos programas de EDS.
do desenvolvimento dos resultados da aprendizagem O monitoramento e a avaliação podem se concentrar
na EDS, e podem aumentar a visibilidade das contribui- em aspectos programáticos (por exemplo, expectativas
ções dessa abordagem para uma educação de qualida- de aprendizagem, recursos, competências de ensino, am-
de. Elas também podem fornecer os dados necessários biente de aprendizagem); processos (por exemplo, práti-
para monitorar dois indicadores temáticos da Meta 4.7: cas de ensino, recursos de aprendizagem, envolvimento
número 26, “Porcentagem de alunos por faixa etária (ou dos educandos); resultados (por exemplo, conhecimento,
nível educacional) que mostram um entendimento apro- competências, valores e atitudes, efeito transformador); e
priado de questões relacionadas à cidadania global e à considerações contextuais.
sustentabilidade”, e número 27, “Porcentagem de alunos A realização de uma avaliação eficaz dos programas
de 15 anos que mostram proficiência em conhecimentos de EDS deve ser integrada em avaliações que já são reali-
sobre ciência ambiental e geociência” (UNESCO, 2015b). zadas, sempre que possível, e exige muita atenção a uma
A avaliação da EDS pode servir a propósitos diferentes série de fatores. As finalidades e os indicadores da ava-
(ver o Quadro 2.5.2). liação devem ser claramente definidos, a natureza da po-
pulação e o contexto de ensino/aprendizagem precisam

108
ser considerados, assim como o tipo de informação que
constitui evidência aceitável e os métodos de coleta de
dados precisam ser determinados. Os resultados de uma HORA DE PRATICAR!
avaliação de programa podem ser usados para diversas
finalidades (ver o Quadro 2.5.3). 1. (Itaipu Binacional - Profissional de Nível Universi-
tário Jr – Pedagogia - NC-UFPR/2019) São objetivos
Quadro 2.5.3 Diferentes finalidades da avaliação do desenvolvimento sustentável (ODS):
de programas
a) Erradicação da pobreza, educação de qualidade, redu-
Identificar limitações programáticas ção das desigualdades e moradia sustentável.
Focar em áreas específicas de melhoria b) Emprego digno e crescimento econômico, vida sobre
Reportar tendências e resultados locais, nacionais e a terra, alimentação orgânica e fome zero.
internacionais c) Energia acessível e limpa, igualdade de gênero, edu-
Avaliar a eficácia do programa Promover a responsa- cação de qualidade, emprego digno e crescimento
bilização e a transparência econômico.
d) Vida debaixo d’água, combate às alterações climáticas,
O monitoramento e a avaliação devem ser melhora- vida sobre a terra e transporte digno.
dos para garantir as evidências necessárias para a conti- e) Moradia sustentável, paz, justiça, instituições fortes,
nuação e a ampliação dos investimentos em EDS, e para fome zero e alimentação orgânica.
o engajamento reflexivo com a EDS como um processo
de reorientação educacional emergente. Portanto, é fun- 2. (SEE-AC- Professor de Ciências Humanas- FUN-
damental desenvolver marcos de indicadores que esta- CAB/2016) Sobre a organização e estruturação didática
beleçam normas para os resultados de aprendizagem da da aula, pode-se afirmar:
EDS.
I. A estruturação da aula é um processo que implica in-
Fonte flexibilidade e rigorosidade em relação aos conteúdos e
UNESCO. Educação para os Objetivos de Desenvolvi- materiais.
mento Sustentável: objetivos de aprendizagem. Brasília: II. O trabalho docente, sendo uma atividade intencional
UNESCO, 2017. Disponível em: https://unesdoc.unesco. e planejada, requer estruturação e organização a fim de
org/ark:/48223/pf0000252197. que sejam atingidos os objetivos do ensino.
III. A indicação de etapas do desenvolvimento da aula
significa que todas as aulas devam seguir um esquema
rígido e complexo.

Somente está(ao) correta(s):

a) I
b) II
c) III
d) I e II
e) II e III.

CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS - LIVROS E ARTIGOS


GABARITO

1 C
2 B

109
ANOTAÇÕES

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