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APOSTILA ELABORADA PELA EMPRESA DIGITAÇÕES & CONCURSOS

uma mudança estrutural significativa na


DESENVOLVIMENTO demanda de trabalho nas últimas décadas do
século 20, no sentido de reduzir
RURAL consideravelmente a necessidade de trabalho
não-qualificado e de alterar profundamente as
01- DESENVOLVIMENTO RURAL categorias de trabalho qualificado necessário.
Rural é a área externa ao perímetro Além disso, as dificuldades de adaptação da
urbano de um distrito, composta por setores oferta de trabalho geraram altas taxas de
nas seguintes situações de setor: rural de desemprego. Para enfrentar o problema de
extensão urbana, rural povoado, rural núcleo, readequação do mercado de trabalho, várias
outros aglomerados, rural exclusive estratégias foram implementadas (programas
aglomerados. (IBGE, 2002, p. 66). de qualificação do trabalhador, aumento dos
"O desenvolvimento rural implica a criação empregos públicos, etc.), entre as quais
de novos produtos e novos serviços, algumas direcionadas ao contexto rural.
associados a novos mercados; procura Essas estratégias deveriam levar em conta a
formas de redução de custos a partir de novas diversidade das zonas rurais entre países e
trajetórias tecnológicas; tenta reconstruir a no interior de cada país, segundo uma
agricultura não apenas no nível dos classificação que reflete seu grau de
estabelecimentos, mas em termos regionais e desenvolvimento".
da economia rural como um todo; representa,
enfim, “[...] uma saída para as limitações e Desenvolvimento rural no Brasil: os
falta de perspectivas intrínsecas ao limites do passado e os caminhos do
paradigma da modernização e ao acelerado futuro
aumento de escala e industrialização que ele NOS ÚLTIMOS 50 anos, dois foram os
impõe” . Por isso, o desenvolvimento rural é momentos durante os quais a noção de
um “processo multinível, multiatores e "desenvolvimento" se alçou a um campo de
multifacetado”. singularidade histórica, introduzindo-se como
Para a Organização para Cooperação e uma daquelas ideias-força que atraem
Desenvolvimento Econômico (OCDE), um generalizado interesse, intensamente
elemento chave do desenvolvimento rural é a discutidas, orientando programas
criação de empregos. governamentais, instigando sofisticados
O ponto de partida desse argumento é que debates intelectuais e, em especial,
a globalização da economia, ao valorizar cada motivando grupos sociais interessados nos
vez mais a inovação tecnológica e a benefícios das mudanças associadas e esta
qualidade dos recursos humanos, acarretou noção. Nesses momentos, inscrito nas

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agendas sociais, o tema do "desenvolvimento" É também relevante indicar que neste


adentrou o campo da política e, assim, mesmo período, após lenta acumulação de
passou a permear e a determinar as inovações anteriores, constituiu-se uma nova
expectativas e o jogo das disputas sociais. e acabada "compreensão de agricultura" que
O primeiro de tais períodos nasceria nos gradualmente se tornou hegemônica em todo
anos seguintes à Segunda Guerra, o mundo, não apenas no plano científico, mas
especialmente a partir da década de 50, nos diferentes sistemas agrícolas dos países
estendendo-se até o final dos anos 70. Nesse que a ela aderiram. Alicerçada no que foi
longo período, instigado pela polarização da genericamente intitulado de "revolução verde",
Guerra Fria e seus opostos modelos de materializou-se de fato sob um padrão
sociedade e, particularmente, sob o impacto tecnológico o qual, onde foi implantado de
do notável crescimento econômico da época, forma significativa, rompeu radicalmente com
que materializou um padrão civilizatório o passado por integrar fortemente as famílias
dominante, revolucionando o modo de vida e rurais a novas formas de racionalidade
os comportamentos sociais, a possibilidade produtiva, mercantilizando gradualmente a
do desenvolvimento alimentou esperanças e vida social e, em lento processo histórico,
estimulou iniciativas diversas em todas as quebrando a relativa autonomia setorial que
sociedades. Seria assim apenas inevitável em outros tempos a agricultura teria
que o desenvolvimento rural, como subtema experimentado. Com a disseminação de tal
imediatamente derivado, fosse igualmente um padrão na agricultura, desde então chamado
dos grandes motores das políticas de "moderno", o mundo rural (e as atividades
governamentais e dos interesses sociais, agrícolas, em particular) passou a subordinar-
igualmente inspirando um crescente conjunto se, como mera peça dependente, a novos
de debates teóricos. Na época, muitas das interesses, classes e formas de vida e de
sociedades atualmente avançadas ainda consumo, majoritariamente urbanas, que a
mantinham parcelas significativas de sua expansão econômica do período ensejou, em
população envolvidas em atividades agrícolas graus variados, nos diferentes países. Esse
e/ou habitando áreas rurais (embora período, que coincide com a impressionante
gradativamente menores); nos demais países, expansão capitalista dos "anos dourados"
tais parcelas alcançavam muitas vezes (1950-1975), é assim um divisor de águas
proporções elevadas. Da mesma forma, era também para as atividades agrícolas, e o
ainda significativo o peso econômico da mundo rural (re)nasceria fortemente
agricultura nas contas nacionais, mesmo em transformado, tão logo os efeitos desta época
países que então formavam o bloco mais de transformações tornaram-se completos.
avançado.

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A noção de desenvolvimento rural, Simbolicamente, apenas como ilustração, o


naqueles anos, certamente foi moldada pelo caso da Tanzânia, que parecia ser um dos
"espírito da época", com o ímpeto mais inspiradores naquela época, com sua
modernizante (e seus significados e política de desenvolvimento rural centrada
trajetórias) orientando também as ações nas comunidades de aldeias e nas lealdades
realizadas em nome do desenvolvimento étnicas (que ficou registrado na literatura sob
rural. No Brasil, por exemplo, já nos anos 70, a expressão de ujamaa), igualmente
sob a condução dos governos militares, um fracassou em seus objetivos econômicos e
conjunto de programas foi implementado nas produtivos, embora deixando positivo rastro
regiões mais pobres, o Nordeste em de práticas governamentais e uma nova
particular, sob a égide do desenvolvimento institucionalidade que marcaria a trajetória
rural (pois em outras regiões o modelo era o posterior daquele país. Este primeiro período,
da "modernização agrícola"). Em tal contexto, portanto, esgotou-se no final dos anos 70 em
a transformação social e econômica - e a decorrência dos insatisfatórios resultados das
melhoria do bem-estar das populações rurais propostas de desenvolvimento rural
mais pobres - foi entendida como o resultado implementadas em diferentes países,
"natural" do processo de mudança produtiva particularmente com relação à redução da
na agricultura. Este último foi meramente pobreza rural, que pouco se modificou. Ainda
identificado como a absorção das novas que em alguns países - como a Índia e a
tecnologias do padrão tecnológico então China - os resultados produtivos fossem
difundido, acarretando aumentos da produção expressivos, aos poucos consolidou-se a
e da produtividade e, assim, uma suposta e percepção de que as compreensões sobre o
virtuosa associação com aumentos de renda desenvolvimento (e o desenvolvimento rural,
familiar, portanto, "desenvolvimento rural". em particular) haviam sido demasiadamente
Já no conjunto dos países então alinhados otimistas.
com a órbita socialista as propostas não eram Tal desencanto também associou-se,
em sua essência diferentes no tocante aos certamente, ao estancamento da fase
formatos tecnológicos, modificando-se tão econômica expansionista do pós-guerra
somente os aparatos institucionais, as formas (refreado já em meados dos anos 70) e,
de propriedade e a redistribuição dos posteriormente, à vaga conservadora que
eventuais resultados produtivos. As poucas gradualmente se instalou na virada daquela
exceções a este ideário produtivista que década. A partir dos anos 80, políticas
dominou aquele período (tanto à direita como inspiradas em enfoque que posteriormente
à esquerda, saliente-se) também redundaram seria rotulado de neoliberalismo,
em experiências malsucedidas. enfraquecendo fortemente o papel do Estado

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na condução eficaz de suas políticas, rural/urbano. Esses são exemplos concretos


igualmente retirariam o desenvolvimento rural pelos quais pode se inferir que a ―articulação
da cena de discussões. rural urbana‖ está no centro da questão do
Segundo Kageyama (2008), devido o desenvolvimento rural. Dessa forma, um
tamanho e diversidade do território nacional dos principais desafios para impulsioná-lo é o
o desenvolvimento rural não ocorreu de forma de como propiciar infraestrutura para as
homogênea. Primeiramente houve o ciclo zonas rurais isoladas dos centros urbanos,
da monocultura de cana de açúcar, depois pois são nessas áreas que se encontram as
algodão, tendo este atingido todo o território menores rendas e baixa qualificação de mão
nacional em seu auge. A cultura do café de obra. Nesses locais é difícil o acesso,
predominou mais em São Paulo; o ciclo do assim como a integração entre indústria,
ouro (mineração) em Minas Gerais e a comércio e turismo.
agricultura familiar na Região Sul, entre
outros. Todas essas culturas, conforme a Face às mudanças que vem ocorrendo tais
referida autora, diferenciaram o como aumento da pluriatividade e
desenvolvimento rural e contribuíram para a multifuncionalidade, o rural deixa de ser
definição do que são estas regiões na sinônimo de agrário, pois vem
atualidade. Por exemplo, no Nordeste apresentando uma dinâmica multifuncional,
existem áreas pobres, no Sudeste áreas ou seja:
ricas, e no Sul a agricultura familiar é forte. No
caso de São Paulo a cultura do café ―O espaço rural não mais pode ser
favoreceu o desenvolvimento rural, já em pensado apenas como lugar produtor de
Minas Gerais a ―economia do ouro‖ não mercadorias agrárias e ofertador de mão-de-
conseguiu impulsionar desenvolvimento obra. Além de ele poder oferecer ar, água,
similar. Mas afinal qual seria a razão de uma turismo, lazer, bens de saúde,
região se desenvolver mais do que outra, possibilitando a gestão multipropósito do
mesmo tendo sido contemplada com ciclos espaço rural, oferece a possibilidade de,
importantes de desenvolvimento? no espaço local regional, combinar postos
O caso de São Paulo é emblemático, de trabalho com pequenas e médias
pois desponta no século XX como principal empresas (SILVA, 2002, p. 28).
polo econômico do país. Mesmo tendo um
conjunto de fatores que contribuíram para Dessa forma, segundo Vilela (1998), ao
isso, tais como terras férteis, mão de obra invés de agricultura familiar deve se usar o
livre, migração, o fator decisivo, segundo a termo produção familiar, visto que a
autora supracitada, foi a integração agricultura não é mais a principal renda

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familiar. Essas mudanças, de certo modo, Além disso, as empresas rurais são poucas e
refletem a crise do padrão fordista de apresentam baixa qualidade. Esclarece que:
produção, com a consequente ―[...] no Brasil como um todo a
desindustrialização, desemprego e o pluriatividade tem crescido lentamente: em
surgimento de uma perspectiva ecológica. 1995 havia 16,6% de domicílios rurais
Com isso, houve uma diminuição da pluriativos, em 2003 essa proporção
migração rural/urbano, surgindo uma cresceu para 17,2% e somente 18,4% dos
―neoruralização em que a domicílios rurais eram pluriativos em 2005
multifuncionalidade e a pluriatividade (Ibid,2008, p. 200).
passam a ser cada vez mais valorizados,
sendo a temática ambiental definitivamente
incorporada a agenda social (SILVEIRA Estratégias para fomentar o
& VILELA, 1998). desenvolvimento rural
A pluriatividade exige dos agricultores o
contato, a participação em redes mais Os desafios para potencializar estratégias
amplas, visando a comercialização dos para o desenvolvimento rural (sustentável)
produtos, a obtenção de informações, entre são significativos. A agricultura familiar
outros. Com isso, a tendência é de que representa uma alternativa para tal, mas não
aumentem as redes de sociabilidade dentro significa sinônimo de desenvolvimento
dos territórios. rural. Pois este decorre de diversos fatores,
As atividades não agrícolas propiciam uma tais como: diversidade (de atores, de
renda mais elevada e, dessa forma, atividades); multifuncionalidade
contribuem para reter a população rural no (reconfiguração no uso da terra, trabalho),
campo, diminuindo o êxodo rural. Cabe condições favoráveis de infraestrutura, tais
verificar como, nesse contexto, os grupos como estradas, energia elétrica,
mais vulneráveis/excluídos do processo de comunicação, ou seja, possibilidades que
desenvolvimento estão conseguindo se incluir estimulem o empreendedorismo, a
nessas novas atividades. constituição de clusters, enfim a
Entretanto, segundo Kageyama (2008), dinamização do meio rural. Nesse sentido,
diferente dos países desenvolvidos em que a por exemplo, mesmo sendo o agronegócio
pluriatividade é um fator chave para o predominante no interior Paulista, em
desenvolvimento rural e redução da pobreza, relação a agricultura familiar, o nível de
nos países em desenvolvimento, como no desenvolvimento da população rural é um dos
caso do Brasil, a maioria de sua população mais alto do país, pois neste local convergem
rural está ocupada na produção agropecuária. os fatores referidos, além do processo de

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formação histórico da região (KAGEYAMA, conseguida uma vertiginosa produção


2008). Sendo assim: agrícola em países não industrializados,
―O desenvolvimento rural deve sendo o Brasil recordista em culturas como
combinar o aspecto econômico (aumento soja, milho, algodão. Esse período foi
do nível e estabilidade da renda familiar), o denominado ―Era do Agronegócio‖ ou
aspecto social (obtenção de um nível de vida ―Era do Agrobusiness‖. (SANTOS, 2006,
socialmente aceitável) e o ambiental e que p.01).
uma de suas trajetórias principais reside na Devido à mecanização da agricultura, o
diversificação das atividades que geram renda incentivo a grandes propriedades e o uso de
(pluriatividade)‖ (Ibid, 2008, p.71). agrotóxicos ocorreu uma considerável
Nesse contexto, a agricultura não redução da mão de obra. O resultado foi o
é mais o eixo principal do êxodo rural, muitas famílias sem terra e sérios
desenvolvimento rural. Este consiste no problemas ambientais (REDE
―resultado de três dinâmicas: a territorial, a TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS/SUL,
populacional e a dinâmica global‖ (Ibid, 2008, 1997). Nessa conjuntura se fortaleceram
p.72). as reivindicações dos movimentos sociais, em
A seguir destacam se as principais especial dos sem terra, que por meio de
estratégias de desenvolvimento rural que suas ações acabaram contribuindo para o
vem configurando as paisagens dos territórios fortalecimento da sociedade civil rural.
rurais, sendo umas mais antigas e outras Entretanto, segundo Almeida (1997), o
mais recentes. alerta principal da ineficácia da ―revolução
verde‖ veio da crescente demanda por
Revolução Verde recursos naturais e energéticos, quando
Durante a década de 1960 foi comparado com os sistemas alternativos,
implementado no Brasil e em outros países por exemplo, agroecológicos. Assim, nos
em desenvolvimento o ―pacote da anos 1980 vários organismos internacionais
revolução verde‖ tendo por principais (ONU, Banco Mundial), movimentos
características: as sementes melhoradas ambientalistas, entre outros, passaram a
(híbridas), a monocultura, os insumos colocar na ordem do dia a temática do
químico (fertilizantes e agrotóxicos), e desenvolvimento sustentável e da
intenso uso de tecnologias. O principal agricultura sustentável tendo por meta:
objetivo dessa forma de cultivo agrícola era
de aumentar a produção nesses países, a fim ―A manutenção dos recursos naturais e
de resolver o problema da fome e da produtividade agrícola no longo prazo, a
modernizar o meio rural. De fato foi realização de ações produtivas que

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produzam o mínimo de impactos adversos qualidade do produto e o segundo em obter


ao meio ambiente, a garantia de retornos um espaço no mercado. Isso leva a uma
adequados aos agricultores, a maximização rejeição das monoculturas, dos insumos
da produção com o uso mínimo de químicos, voltados para produção massiva.
insumos agroindustriais, o atendimento das Assim, o sistema vem se adaptando a
necessidades sociais das famílias e das essa nova realidade, com tecnologias
comunidades rurais, etc.‖. adequadas e redução de agrotóxicos. Passa
para uma nova fase de modernização
O desenvolvimento sustentável pode ser agrícola, ―a modernização ecológica‖ ou
abordado por diversos enfoques, pois mesmo ―capitalismo verde‖, pois esse novo modo
constando no Relatório Brundtland uma de produção, em geral, não se opõe a
definição oficial para o termo, não existe trajetória capitalista da agricultura.
segundo Navarro e Almeida, 1997, um Outro diferencial dessa nova fase,
consenso sobre o tema. Porém, destacam apontado pelo referido autor, é de que se
que em linhas gerais pretende ser uma antes a revolução verde propiciou a quebra de
resposta aos problemas causados pelo barreiras, facilitando que qualquer pessoa
modelo de desenvolvimento da sociedade pudesse produzir, por exemplo, soja, os
moderna. produtos certificados (verdes) criam barreiras
à produção e entrada em certos mercados.
Modernização Ecológica ―Ou seja, constituem-se como processo
permanente de luta por um nicho de mercado
A modernização ecológica começou e da exclusão social que daí resulta‖.
surgir nos anos 1990 com a valorização Face ao exposto, verifica-se que vem
dos produtos frescos (frutas, verduras), na despontado um novo modelo de
maioria orgânicos. Passa a se intensificar desenvolvimento agrícola, sendo
uma dualidade na produção. De um lado, a caracterizado pela preservação ambiental e
produção em massa e indiferenciada e de pela Saúde do consumidor. No entanto, as
outro, produtos selecionados, orgânicos, questões críticas dos países
que compreendem novos ―nichos de subdesenvolvidos continuam periféricas
mercado‖ voltados para uma pequena parcela nesse contexto, tais como: reforma agrária,
da população. concentração de renda, desemprego.
Nesse contexto, segundo Graziano Nada aponta, nas novas formas de
da Silva (1998), desponta o regulação que emergem nas economias
―consumidor saúde‖ e o ―produtor-verde‖, globalizadas, nas novas formas de controle
sendo que o primeiro se preocupa com a público- privado, para a ideia de uma

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sociedade agrária mais equitativa, mais competitividade da economia local,


humana de melhor distribuição de aumentando a renda e as formas de riqueza,
renda. Pelo contrário, as tendências, ao mesmo tempo em que assegura a
como procuramos mostrar, são de que conservação dos recursos naturais.
a simples justaposição da preservação Apesar de constituir um movimento de
ambiental sobre a agricultura tendem a forte conteúdo interno, o desenvolvimento
complicar a questão, ao invés de facilitar local está inserido em uma realidade mais
a solução da exclusão social que se ampla e complexa, com a qual interage e da
acentua nessa fase superior da qual recebe influências e pressões positivas e
modernização agrícola, ou seja, a negativas. Dentro das condições
modernização ecológica globalizada. contemporâneas de globalização e intenso
A preocupação dessa estratégia de processo de transformação, o
desenvolvimento rural é principalmente com o desenvolvimento local representa também
produto, ou seja, em como conquistar nichos alguma forma de integração econômica com o
de mercado segundo os novos interesses dos contexto regional e nacional, que gera e
consumidores. Diferente desse modelo, as redefine oportunidades e ameaças (Buarque e
estratégias mais focadas no DTS se Bezerra, 1994), exigindo competitividade e
preocupam com o processo produtivo em especialização.
geral, tal como explicado a seguir. O desenvolvimento local está associado,
normalmente, a iniciativas inovadoras e
2) DESENVOLVIMENTO LOCAL mobilizadoras da coletividade, articulando as
potencialidades locais nas condições dadas
Desenvolvimento local é um processo pelo contexto.
endógeno registrado em pequenas unidades Como diz Arto Haveri, “as comunidades
territoriais e agrupamentos humanos capaz de procuram utilizar suas características
promover o dinamismo econômico e a específicas e suas qualidades superiores e se
melhoria da qualidade de vida da população. especializar nos campos em que têm uma
Representa uma singular transformação nas vantagem comparativa com relação às outras
bases econômicas e na organização social regiões” (Haveri, 1996).
em nível local, resultante da mobilização das Mesmo quando decisões externas – de
energias da sociedade, explorando as suas ordem política ou econômica – tenham um
capacidades e potencialidades específicas. papel decisivo na reestruturação
Para ser um processo consistente e socioeconômica do município ou localidade, o
sustentável, o desenvolvimento deve elevar desenvolvimento local requer sempre alguma
as oportunidades sociais e a viabilidade e forma de mobilização e iniciativas dos atores

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locais em torno de um projeto coletivo. Do consolida-se e oficializa-se como proposta


contrário, o mais provável é que as mudanças dominante depois da ECO 92. Propõe a
geradas desde o exterior não se traduzam em revisão do modelo economicista e
efetivo desenvolvimento e não sejam fundamenta-se na descentralização das
internalizadas na estrutura social, econômica decisões e no estímulo à participação dos
e cultural local ou municipal, desencadeando atores sociais na definição dos rumos
a elevação das oportunidades, o dinamismo econômico e social do território ao qual
econômico e aumento da qualidade de vida pertencem.
de forma sustentável. As comunidades, as cidades e os
As experiências bem-sucedidas de governos de todo o mundo recorrem cada vez
desenvolvimento local (endógeno) decorrem, mais a estratégias de Desenvolvimento Local
quase sempre, de um ambiente político e (DL), em resposta aos desafios da
social favorável, expresso por uma globalização e ao incentivo à
mobilização, e, principalmente, de descentralização.
convergência importante dos atores sociais do O Desenvolvimento Local promove a
município ou comunidade em torno de participação e o diálogo a nível local,
determinadas prioridades e orientações estabelecendo a ligação entre as partes
básicas de desenvolvimento. interessadas do setor público e do setor
Representa, neste sentido, o resultado de privado e os respetivos recursos, com vista ao
uma vontade conjunta da sociedade que dá melhor emprego e a uma melhor qualidade de
sustentação e viabilidade política a iniciativas vida para homens e mulheres. O
e ações capazes de organizar as energias e Desenvolvimento Local é um processo que
promover a dinamização e transformação da aborda uma combinação das questões
realidade (Castels e Borja, 1996). sociais, econômicas e ambientais relativas a
O conceito genérico de desenvolvimento um território, procedendo à identificação de
local pode ser aplicado para diferentes cortes soluções integradas para a criação de
territoriais e aglomerados humanos de emprego e o trabalho digno.
pequena escala, desde a comunidade e os A indução do desenvolvimento local é uma
assentamentos de reforma agrária, até o estratégia de antecipação da mudança e
município ou mesmo microrregiões instalação de processos de reestruturação
homogêneas de porte reduzido. econômica e social. É uma política feita de e
O conceito de Desenvolvimento Local para o âmbito local. Baseia-se em novas
Sustentável surgiu como um novo paradigma formas organizativas substancialmente
de desenvolvimento que começou a diferentes das políticas de desenvolvimento
amadurecer a partir da década de 70 e

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tradicionais. São políticas que deveriam ser, alavancar e provocar as iniciativas e


essencialmente, políticas públicas. competências locais, fortalecendo os atores
Ressalta-se que local não é sinônimo de sociais e suas organizações com vistas à
pequeno, ou micro, mas de uma delimitação sustentabilidade.
territorial que possua homogeneidade em sua Uma inteligente política de
dinâmica econômica e social, atual ou futura. desenvolvimento local constitui uma
Assim, o local pode ser um município ou uma estratégia consistente e não só assistencial
região, independentemente das definições diante do problema da falta de oportunidades
oficiais de Região. de emprego. O Desenvolvimento Local é uma
É um processo de desenvolvimento estratégia proativa de combate à pobreza e
endógeno, ou seja, enfatiza a mobilização de redução das desigualdades.
recursos latentes na região, privilegia o Por promover a inclusão social e fortalecer
esforço de dentro para fora, no sentido de a democracia, o Desenvolvimento Local é
promover o desenvolvimento sustentável. considerado um importante meio de combater
Promove uma mudança gradativa de a pobreza.
mentalidade e a descentralização do poder e
da gestão de projetos por meio do estímulo à Na prática, o conceito leva a campo
organização social, com o propósito de cinco dimensões:
racionalizar os recursos públicos, favorecer a  A inclusão social;
desconcentração de renda e adaptar os  O fortalecimento e a diversificação da
projetos às condições e necessidades do economia local;
local.  A inovação na gestão pública;
É um processo que tem como princípio o  A proteção ambiental e o uso racional
compartilhamento de recursos e de benefícios de recursos naturais;
socioeconômicos, políticos ou ambientais, daí  E a mobilização social.
a necessidade de articular parcerias entre
instituições públicas e privadas, organizações Globalização e desenvolvimento local
não-governamentais, órgãos de classe, Globalização e desenvolvimento local são
entidades comerciais e religiosas. Parceria dois polos de um mesmo processo complexo
significa a convergência orientada de e contraditório, exercendo forças de
interesses de diferentes atores sociais para integração e desagregação, dentro do intenso
objetivos comuns. jogo competitivo mundial. Ao mesmo tempo
Deve ser um processo permanente de em que a economia se globaliza, integrando a
produção e elevação do conhecimento da economia mundial, surgem novas e
sociedade local, instrumento capaz de crescentes iniciativas no nível local, com ou

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sem integração na dinâmica internacional, reduzidas exigências ambientais –


que viabilizam processos diferenciados de predominantes no ciclo expansivo do pós-
desenvolvimento no espaço. guerra – para a liderança e domínio do
A globalização é uma nova fase da conhecimento e da informação (tecnologia e
internacionalização do capital com recursos humanos) e para a qualidade e
conotações muito particulares que resultam excelência dos produtos e serviços (Perez e
de dois fatores básicos: Perez, 1984).
a natureza e intensidade da revolução
científica e tecnológica – que transforma as 3) DESENVOLVIMENTO COMO
bases da competitividade internacional, com LIBERDADE
redução das distâncias físicas e quebra das
barreiras e fronteiras territoriais – e a Amartya Sen, apresenta uma discussão
liberalização e integração dos mercados de sobre desenvolvimento que ultrapassa as
bens e serviços – incluindo tecnologia e visões restritas que o apresentam apenas
informação – e de capital, com a formação de como crescimento do Produto Nacional Bruto,
megablocos econômico-comerciais. As aumento das rendas pessoais,
transformações nos processos produtivos e industrialização, avanço tecnológico ou
na organização econômica ocorrem numa modernização social. Na sua abordagem a
velocidade e ritmo acelerado e inusitado que expansão da liberdade é considerada o fim
intensificam as disputas competitivas e o primordial e o principal meio do
redenho da economia mundial, obrigando as desenvolvimento.
economias nacionais e locais a uma Sen, diferencia dois papéis da liberdade no
permanente atualização. desenvolvimento. O papel constitutivo refere-
Deste ponto de vista, a globalização não é se as liberdades substantivas, que incluem
apenas mais uma fase de internacionalização capacidades elementares como ter condições
do capital. Pela sua natureza, representa a de evitar privações, ter participação política e
implantação e a difusão de um novo liberdade de expressão. Já o papel
paradigma de desenvolvimento que altera os instrumental diz respeito a liberdade global
padrões de concorrência e competitividade e que as pessoas têm de viver do modo como
revoluciona as condições de acumulação de desejarem.
capital e as bases das vantagens competitivas A eficácia da liberdade remete à condição
das nações e regiões. de agente das pessoas, como instrumento
No novo paradigma, as vantagens reside no fato de que diferentes tipos de
competitivas se deslocam da abundância de liberdade apresentam inter-relações entre si,
recursos naturais, dos baixos salários e das sendo que um tipo de liberdade pode

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contribuir para promover liberdades de outro restritivo do crescimento do PIB e da renda e


tipo. Estas liberdades têm uma relação para demonstrar isso são lançados alguns
empírica visível que as vincula. Assim, exemplos que põem em cheque a eficácia de
liberdades políticas ajudam a promover uma análise realizada sob estes moldes, ao
segurança econômica, enquanto as mesmo tempo em que ilustram a teoria do
oportunidades sociais facilitam a participação desenvolvimento como liberdade.
econômica que por sua vez ajuda a gerar Para Sen, “O que as pessoas conseguem
abundância individual e também recursos realizar é influenciado por oportunidades
públicos para os serviços sociais. Estas econômicas, liberdades políticas, poderes
relações empíricas tornam antiquada a sociais e por condições habilitadoras, como
distinção ente “paciente” e “agente”. As boa saúde, educação básica e incentivo e
concepções de economia e desenvolvimento aperfeiçoamento de iniciativas” (SEN, 2010,
apresentadas no livro são voltadas para o pág. 18). A liberdade oriunda destas
agente, pois afirmam que os indivíduos com disposições institucionais é ainda, segundo
oportunidades adequadas pode moldar o seu Sen, influenciada pelos próprios atos livres
destino. dos agentes, como uma via de mão dupla,
A resolução de problemas sociais, como a “mediante a liberdade de participar da escolha
pobreza ou a mortalidade infantil, pode ser social e da tomada de decisões públicas que
obtida por dois tipos de processos distintos, impelem o progresso dessas oportunidades”
os mediados pelo crescimento e os mediados (SEN, 2010, pág. 18), podendo ampliar ainda
pelo custeio público, deixando claro que os mais sua própria liberdade. Dessa forma, as
processos mediados pelo custeio público não liberdades constitutivas, como a liberdade de
são incompatíveis com países pobres. participação política, de receber educação
Entretanto, quanto a pobreza, Sen muda básica e assistência medica, não apenas
completamente o enfoque do seu combate ao contribuem para o desenvolvimento, mas
trazer uma original discussão em que o também são cruciais para o fortalecimento e
problema passa a ser visto como privação de expansão das próprias liberdades
capacidades básicas e não apenas como constitutivas. De maneira inversa, a limitação
baixo nível de renda. Modificando o de uma liberdade específica, tal como uma
entendimento da natureza e das causas da privação de liberdade econômica, no nível de
pobreza e da privação, o foco da atenção pobreza extrema, por exemplo, contribui para
passa dos meios para os fins que as pessoas a privação de outras espécies de liberdade,
buscam e as liberdades que podem alcançar. como a social ou a política, tornando esse
O desenvolvimento, segundo Sen, não processo um encadeamento no qual há
pode ser analisado apenas sob o viés influências recíprocas e interligadas. As

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liberdades denominadas como “instrumentais” Desenvolvimento sustentável é um


por Sen (liberdades políticas, econômicas, conceito sistêmico que se traduz num modelo
sociais, garantias de transparência e de desenvolvimento global que incorpora os
segurança protetora) tem a capacidade de aspectos de desenvolvimento ambiental. Foi
ligarem-se umas as outras contribuindo com o usado pela primeira vez em 1987, no
aumento e o fortalecimento da liberdade Relatório Brundtland, um relatório elaborado
humana de modo geral. A análise que pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
Amartya Sen fez acerca do desenvolvimento e Desenvolvimento, criado em 1983 pela
“atenta-se particularmente para a expansão Assembleia das Nações Unidas.3
das “capacidades” das pessoas de levar o tipo A definição mais usada para o
de vida que elas valorizam – e com razão. desenvolvimento sustentável é:
Essas capacidades podem ser aumentadas
“O desenvolvimento que
pela política pública, mas também, por outro
procura satisfazer as necessidades
lado, a direção da política pública pode ser
da geração atual, sem
influenciada pelo uso efetivo das capacidades
comprometer a capacidade das
participativas do povo. Essa relação de mão
gerações futuras de satisfazerem
dupla é central na análise aqui apresentada”.
as suas próprias necessidades,
Analisando e comparando os níveis de
significa possibilitar que as
renda de grupos populacionais dos Estados
pessoas, agora e no futuro, atinjam
Unidos, por exemplo, Sen aponta como a
um nível satisfatório de
população afro-americana é relativamente
desenvolvimento social e
mais pobre que a de americanos brancos,
econômico e de realização
mas muito mais ricos quando comparados
humana e cultural, fazendo, ao
com habitantes oriundos do chamado Terceiro
mesmo tempo, um uso razoável
Mundo. Todavia, os afro-americanos têm
dos recursos da terra e
chances absolutamente menores de alcançar
preservando as espécies e os
idades mais avançadas quando comparado a
habitats naturais.”
esses mesmos habitantes do Terceiro Mundo,
Relatório Brundtland —
como China, Sri Lanka ou partes da Índia,
ainda que tendam a se sair melhores em O campo do desenvolvimento sustentável

termos de sobrevivência nas faixas etárias pode ser conceptualmente dividido em três
mais baixas componentes: a sustentabilidade ambiental,
sustentabilidade econômica e

4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL sustentabilidade sociopolítica.

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A raiz da maior parte dos problemas do ecossistema e os militantes do progresso,


mundo está relacionado com o meio hoje, há uma integração entre estes dois
ambiente. E não somente a questão da elementos, quando é preciso preservar, para
preservação das florestas e dos animais, e desenvolver em benefícios das gerações
sim de recursos essenciais à sobrevivência do futuras.
homem. Grande parte destas disputas se Cristiane Derani, no seu livro Direito
deve ao fato de que as necessidades do Ambiental Econômico, entende
homem são ilimitadas, enquanto os recursos desenvolvimento sustentável como "um
naturais são limitados. desenvolvimento harmônico da economia e
ecologia que devem ser ajustados numa
Os conflitos entre países sob alegações correlação de valores onde o máximo
ideológicas não passam de interesse econômico reflita igualmente um máximo
econômico nos bens naturais. Temos como ecológico. Na tentativa de conciliar a limitação
exemplo a escassez de água no Oriente dos recursos naturais com o ilimitado
Médio, que faz com que Israel queira o crescimento econômico, são condicionadas à
território da Cisjordânia, o interesse norte- consecução do desenvolvimento sustentável
americano no petróleo existente no Golfo mudanças no estado da técnica e na
Pérsico e outros mais existentes em todo o organização social".
mundo. Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
O direito ambiental, apesar de consistir em "o princípio de desenvolvimento sustentável
uma ciência nova, é ramo autônomo do tem por conteúdo a manutenção das bases
ordenamento, gozando de princípios próprios, vitais da produção e reprodução do homem e
legislação específica e ensino didático. de suas atividades, garantindo igualmente
uma relação satisfatória entre os homens e
O governo brasileiro adota como conceito destes com o seu ambiente, para que as
de desenvolvimento sustentável aquele futuras gerações também tenham
elencado no Relatório Bruntland, como: “o oportunidade de desfrutar os mesmos
desenvolvimento que satisfaz as recursos que temos hoje a nossa disposição".
necessidades presentes, sem comprometer a Conciliar meio ambiente e
capacidade das gerações futuras de suprir desenvolvimento econômico requer
suas próprias necessidades”. planejamento, e não atraso econômico como
Segundo o Presidente Fernando Henrique afirmam algumas pessoas contra. Devemos
Cardoso o meio ambiente e desenvolvimento preservar para que os recursos passem de
são a mesma coisa, sendo que não existe uma geração a outra e que estas, também
mais a guerra travada entre os defensores do tenham condições de sobreviver no futuro.

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Pois como podemos querer que as nossas Entrando nesta discussão, de maneira
futuras gerações sobrevivam sem água. Não muito breve e certamente incompleta, farei
devemos, entretanto querer sacrificar o algumas reflexões acerca do que chamo a
desenvolvimento dos países, alegando que o “questão do desenvolvimento sustentável”.
meio ambiente é único e intocável. Deve Por que esse tema se transformou em uma
haver um equilíbrio para que não cheguemos verdadeira questão? Porque aparece
ao extremo de algumas civilizações passadas crescentemente como algo já perfeitamente
que tudo destruíram. Esse equilíbrio deve entronizado no tecido social, fazendo parte de
estar presente tanto na área rural quanto na demandas específicas, de experimentações -
área urbana. ainda que em menor grau - e de decisões
Isso tudo somente será resolvido com políticas. Por isso que, mesmo aparecendo às
medidas educativas, e com a conscientização vezes como moda em alguns contextos
de todos os países quanto à preservação do sociais, o tema é importante e tem relevância
meio ambiente, e quando todos tomarem social.
consciência de que a miséria também é um A crítica e o debate em torno do
problema mundial que facilita a degradação desenvolvimento (agricultura) sustentável se
do meio ambiente. intensificam a partir de alguns fatos e
Tratar a questão da sustentabilidade hoje movimentos gerais, entre outros:
em dia pode gerar dois grandes incômodos. O a) uma crise generalizada nos países de
primeiro, originado pelo fato de que, para capitalismo periférico, a partir da década de
muitos, parece que este tema é inspirado por 1950, mostrando que o progresso não é uma
modismos (uma noção que, muitas vezes, é virtude natural que todos os sistemas
utilizada para se obter mais facilmente econômicos e todas as sociedades humanas
recursos financeiros em projetos ou para possuem (implicando também na crise do
parecer “politicamente correto”). O segundo industrialismo e da ideia de que o
incômodo, porque é ainda uma ideia, Noção desenvolvimento é igual a progresso material
incômoda para muitos, para alguns se que, por sua vez, traz o bem-estar social; ou
transforma em desafio e, por extensão, em que o desenvolvimento técnico-científico
estímulo para pensá-la enquanto problemática implica sempre o desenvolvimento
de pesquisa e reflexão. Justamente por socioeconômico, o progresso e o crescimento
representar um emaranhado de posições, (ALMEIDA, 1997);
refletidas segundo o lugar que cada um ocupa b) crises sociais, expressas de diferentes
no campo social e político mais geral, esta maneiras, via concentração de renda, de
noção tem motivado o debate nos últimos riquezas e da terra, o êxodo rural e a violência
anos. em todos os sentidos;

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c) uma crise ambiental, manifestada Com isto a sociedade passou a exigir a


também de diferentes e graves formas, como, atuação frequente do Estado na solução das
por exemplo, a degradação e a escassez dos questões ambientais.
recursos naturais, contaminação dos A proteção do meio ambiente e o
alimentos,etc. desenvolvimento econômico tornaram-se um
d) uma crise econômica, a partir da objetivo social comum, pressupondo a
diminuição dos níveis médios de renda e pela convergência do desenvolvimento econômico,
constatação que a maioria dos produtos social, cultural e de proteção ambiental.
incentivados pela modernização agrícola O desenvolvimento sustentável, ou, eco-
deixaram de ser atrativos sobre este aspecto, desenvolvimento, é representado pela
mesmo – e principalmente - as commodities . conciliação entre o desenvolvimento, a
Enfoca-se, no entanto, um aspecto que preservação do meio ambiente e a melhoria
engloba tudo o que foi citado anteriormente: a da qualidade de vida, e deve ser aplicado no
crise da ideia de modernidade ou de território nacional em sua totalidade (áreas
modernização embutida nos projetos urbanas e rurais).
dominantes de desenvolvimento e sua
repercussão nos espaços rurais e agrícolas. PRINCÍPIOS DA VIDA SUSTENTÁVEL
Seguidamente, a ideia de desenvolvimento é 1. Respeitar e cuidar da comunidade dos
reduzida à de modernização e, em seres vivos: é quase que um princípio ético,
consequência disso, os países periféricos pois não precisamos e não devemos destruir
passam a ser julgados à luz dos padrões dos as outras espécies.
países desenvolvidos ou centrais, todos de 2. Melhorar a qualidade de vida humana: é
modernização precoce. Isso implicou, no este o principal objetivo do desenvolvimento
mundo inteiro, na aplicação de um padrão sustentável, permitir que as pessoas realizem
único de modernização e, portanto, a ver “em o seu potencial e vivam com dignidade.
atraso” os países “subdesenvolvidos”. 3. Conservar a vitalidade e a diversidade
Alguns doutrinadores classificam o do planeta Terra: pois é nele que vivemos.
desenvolvimento sustentável como princípio 4. Assegurar o uso sustentável dos
do direito ambiental. recursos renováveis e minimizar o
Decorrida a fase de explosão industrial do esgotamento de recursos não renováveis.
período liberal e das grandes Revoluções, o 5. Permanecer nos limites da capacidade
conceito de desenvolvimento econômico e de suporte do planeta Terra: isso deve ser
tecnológico, a todo custo, perdeu guarida nas analisado em separado nas diferentes regiões
sociedades modernas. do plante, como, por exemplo, não podemos

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querer encher as florestas de pessoas ESPAÇOS AMBIENTAIS E


morando. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
6. Modificar atitudes e práticas pessoais: a Os espaços ambientais relacionam-se com
sociedade deve promover valores que apoiem o princípio do desenvolvimento sustentável,
a ética, desencorajando aqueles que são na medida em que determina de que forma
incompatíveis com um modo de vida ocorrerá o equilíbrio entre o desenvolvimento
sustentável. Deve-se incentivar disciplinas de industrial, as zonas de conservação da vida
direito ambiental desde a pré-escola. silvestre e a própria habitação do homem,
7. Permitir que as comunidades cuidem de tendo como objetivo basilar a manutenção de
seu próprio meio ambiente: as comunidades e uma vida com qualidade às presentes e
grupos locais tendem a expressarem as suas futuras gerações.
preocupações e acharem soluções mais Os espaços ambientais são formados por
rápidas se estiverem vivenciando o problema. porções do território, que são divididos com o
8. Gerar uma estrutura nacional para a intuito de propiciar a preservação do meio
integração de desenvolvimento e ambiente.
conservação: toda sociedade precisa de leis e Os espaços ambientais dividem-se em:
de estrutura para proteger o seu patrimônio; espaços especialmente protegidos, que não
tentar prever os problemas e evitar danos interessam para este estudo, e zoneamento
maiores. ambiental.
9. Constituir uma aliança global: é de O zoneamento ambiental possui relação
extrema importância, pois a falta de cuidado estrita com o desenvolvimento sustentável, à
de um interfere na vida de outrem. Entretanto, medida que auxilia na preservação do meio
não devemos nos contentar com palavras e ambiente, a partir da limitação do uso do solo,
sem buscar ações. interferindo no uso da propriedade particular,
com base no princípio da função social da
PRODUÇÃO E CONSUMO propriedade.
SUSTENTÁVEL O zoneamento ambiental classifica-se em
Como podemos perceber a livre iniciativa zoneamento para pesquisas ecológicas, em
já não é tão mais livre assim, pois acima de parques públicos, em áreas de proteção
tudo deve respeitar e conservar o meio ambiental, costeiro e industrial.
ambiente. Deve procurar encontrar um ponto
de equilíbrio. Para que todos tenham UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL
condições de ter uma vida digna sem abrir As unidades de uso sustentável
mão de suas ambições. representam um dos grupos de conservação

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integrantes do Sistema Nacional de Unidades 4) Reserva Extrativista: criadas pela Lei


de Conservação (SNUC). 9985/00, consistem em áreas utilizadas por
Estas unidades visam o uso sustentável pessoas que provém sua sobrevivência do
dos recursos ambientais, conciliando a extrativismo, agricultura e criação.
conservação da natureza e o uso sustentável 5) Reserva de Fauna: previstas na Lei do
de seus recursos naturais. SNUC, tem como objetivo o estudo da fauna,
A Lei do SNUC possui um aspecto social, mas dificilmente se tornarão realidade.
na medida em que protege, não só o meio 6) Reserva Particular do Patrimônio
ambiente, como também o direito de Natural: definidas na Lei 9985/00, são áreas
propriedade. privadas perpétuas, que objetivam a
As unidades de uso sustentável dividem-se conservação da diversidade biológica.
em: 7) Reservas de Desenvolvimento
1) Áreas de Proteção Ambiental (APAS): Sustentável: instituídas pelo artigo 20, da Lei
criadas pela Lei 6.902/81, consistem em do SNUC, que as define como “área natural
áreas extensas, pouco habitadas e dotadas que abriga populações tradicionais, cuja
de inúmeros atributos naturais importantes existência baseia-se em sistemas
para a qualidade de vida e o bem estar da sustentáveis de exploração dos recursos
população. Tem como objetivo a proteção da naturais, desenvolvidas ao longo de gerações
diversidade biológica, a disciplina do processo e adaptadas às condições ecológicas locais e
de ocupação e a segurança no uso dos que desempenham um papel fundamental na
recursos naturais. Exemplo: Guaraqueçaba. proteção da natureza e na manutenção da
2) Área de Relevante Interesse Ecológico: diversidade biológica”, devem ser áreas
previstas no Decreto 89.336/84, representa públicas criadas por um Conselho
uma área de ação governamental relativa ao Deliberativo, composto por organizações da
equilíbrio ecológico, possuem características sociedade civil e da população local. O
naturais próprias, flora exuberante e fauna Conselho Deliberativo somente aprovará os
ameaçada de extinção. planos de procedimento em que conste a
3) Floresta Nacional (FLONA): definição das áreas de proteção integral de
mencionadas na Lei 9.985/00, mas criadas uso sustentável e de amortecimento, bem
isoladamente por decretos, são extensões de como corredores ecológicos.
florestas em terras públicas, criadas com
finalidades econômicas, técnicas e sociais, Os três componentes do
podendo haver reflorestamento destas áreas. Desenvolvimento sustentável
Exemplo: Floresta Nacional do Amazonas.
Sustentabilidade ambiental

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3. Reduzir para metade a proporção de


população sem acesso a água potável e
saneamento básico.
4. Alcançar, até 2020 uma melhoria
significativa em pelo menos cem milhões de
pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza.

Sustentabilidade econômica
A sustentabilidade econômica, enquadrada
Como evoluir do tempo e dos
no âmbito do desenvolvimento sustentável é
conhecimentos técnicos, o desenvolvimento
um conjunto de medidas e politicas que visam
sustentável foi crescendo como resposta às
a incorporação de preocupações e conceitos
assimetrias globais, e aos problemas locais e
ambientais e sociais. Aos conceitos
intertransfronteiriços.
tradicionais de mais valias econômicas são
A sustentabilidade ambiental consiste na
adicionados como fatores a ter em conta, os
manutenção das funções e componentes do
parâmetros ambientais e socioeconômicos,
ecossistema, de modo sustentável, podendo
criando assim uma interligação entre os vários
igualmente designar-se como a capacidade
setores. Assim, o lucro não é somente medido
que o ambiente natural tem de manter as
na sua vertente financeira, mas igualmente na
condições de vida para as pessoas e para os
vertente ambiental e social, o que potencia
outros seres vivos, tendo em conta a
um uso mais correto quer das matérias
habitabilidade, a beleza do ambiente e a sua
primas, como dos recursos humanos. Há
função como fonte de energias renováveis.
ainda a incorporação da gestão mais eficiente
As Nações Unidas, através do sétimo
dos recursos naturais, sejam eles minerais,
ponto das Metas de desenvolvimento do
matéria prima como madeira ou ainda
milênio procura garantir ou melhorar a
energéticos, de forma a garantir uma
sustentabilidade ambiental, através de quatro
exploração sustentável dos mesmos, ou seja,
objetivos principais:
a sua exploração sem colocar em causa o seu
1. Integrar os princípios do
esgotamento, sendo introduzidos elementos
desenvolvimento sustentável nas políticas e
como nível óptimo de poluição ou as
programas nacionais e reverter a perda de
externalidades ambientais, acrescentando aos
recursos ambientais.
elementos naturais um valor econômico.
2. Reduzir de forma significativa a perda
Sustentabilidade sócio-política
da biodiversidade.
A sustentabilidade sócio-política centra-se
no equilíbrio social, tanto na sua vertente de

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desenvolvimento social como homens, mulheres e crianças das condições


socioeconômica. É um veículo de abjetas e desumanas da pobreza extrema",
humanização da economia, e, ao mesmo tentando reduzir os níveis de pobreza,
tempo, pretende desenvolver o tecido social iliteracia e promovendo o bem estar social.
nos seus componentes humanos e culturais. Estes projetos são monitorizados com recurso
Neste sentido, foram desenvolvidos dois ao Índice de Desenvolvimento Humano, que é
grandes planos: a agenda 21 e as metas de uma medida comparativa que engloba três
desenvolvimento do milênio. dimensões: riqueza, educação e esperança
A Agenda 21 é um plano global de ação a média de vida.
ser tomada a nível global, nacional e local, por
organizações das Nações Unidas, governos, Indicadores de desenvolvimento
e grupos locais, nas diversas áreas onde se sustentável
verificam impactos significativos no ambiente. Em 1995, a Comissão das Nações Unidas
Em termos práticos, é a mais ambiciosa e para o Desenvolvimento Sustentável aprovou
abrangente tentativa de criação de um novo um conjunto de indicadores de
padrão para o desenvolvimento do século desenvolvimento sustentável, com o intuito de
XXI, tendo por base os conceitos de servirem como referência para os países em
desenvolvimento sustentável. desenvolvimento ou revisão de indicadores
As Metas de Desenvolvimento do Milênio nacionais de desenvolvimento sustentável,
(MDM) surgem da Declaração do Milênio tendo sido aprovados em 1996, e revistos em
das Nações Unidas, adoptada pelos 191 2001 e 2007.
estados membros no dia 8 de Setembro de O quadro atual contém 14 temas, que são
2000. Criada em um esforço para sintetizar ligeiramente modificado a partir da edição
acordos internacionais alcançados em várias anterior:
cúpulas mundiais ao longo dos anos 1990 1-Pobreza 1-Terra
relativos ao meio-ambiente e 2-Perigos naturais 2-Padrões de consumo e
desenvolvimento, direitos das mulheres, 3-Odesenvolvimento produção
desenvolvimento social, racismo, entre outras, econômico 3-Educação
a Declaração traz uma série de compromissos 4-Governação 4-Os oceanos, mares e
concretos que, se cumpridos nos prazos 5-Ambiente costas
fixados, segundo os indicadores quantitativos 6-Estabelecer uma 5-Demografia
que os acompanham, deverão melhorar o parceria global 6-Água potável, Escassez
destino da humanidade neste século. Esta econômica de água e Recursos
declaração menciona que os governos "não 7-Saúde hídricos
economizariam esforços para libertar nossos 7-Biodiversidade

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Cada um destes temas encontra-se O primeiro é a discussão a respeito do


dividido em diversos subtemas, indicadores Desenvolvimento, como se esse tema fosse
padrão e outros indicadores. de alguma agenda passada e não
Além das Nações Unidas, outras entidades mais academicamente e social
elaboram ainda outros modelos de justificável ou necessário; estar disposto a
indicadores, como no caso da Comissão debatê-lo e trazê-lo a tona com novas
Europeia, da Organização para a Cooperação roupagens e com novas problemáticas de
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do análise são, em certa medida, importantes
Global Environment Outlook (GEO). novidades. Aqui entra, por exemplo, a noção
de Desenvolvimento que pode ser
5) DESAFIOS E PARADIGMAS interpretada a respeito da emancipação das
mulheres, da busca de direitos e
Considero como central o mecanismo de igualdades de gênero, ou ainda, as
decisão – individual ou coletivo – para a limitações e impedimentos sociais que alguns
compreensão das formas de adoção de grupos, como negros, convivem mesmo em
inovações e tecnologias nas propriedades países de elevada produção de riqueza e
rurais. Técnicos e produtores compreendem capitais (condição dos negros nos EUA é o
este processo de forma diferente. Os principal exemplo), temas debatidos por
primeiros utilizam uma racionalidade Sen nessa obra. Portanto, se havia
instrumental, fundada na economia clássica e alguma noção clássica ou
no funcionalismo, de forma a minimizar custos identidade comum acerca
e maximizar lucros. Os produtores, por seu do entendimento do que seja
lado, são guiados principalmente pela Desenvolvimento, a leitura da obra de
racionalidade substantiva, que envolve Sen possibilita traçar novos aspectos
emoção, ideias, crenças e valores. interpretativos. Para evitar reducionismo, aos
A economia clássica entende este leitores é necessário não buscar encaixar a
fenômeno como uma forma de racionalidade ideia de Sen nos antigos debates,
“incompleta”, segundo Abramovay (2002). escolas e propostas que refletiam
Ainda que as vantagens sejam claras aos sobre Desenvolvimento.
olhos dos técnicos, os agricultores O segundo conceito que cabe uma
consideram como um dos fatores principais importante análise principalmente para um
na tomada de decisão os riscos inerentes da país como o Brasil, (que tem dificuldade
mudança de práticas e procedimentos em manter debates públicos e políticos
motivados pela nova tecnologia. E estes com posições claras e papéis definidos seja
riscos podem ser não-econômicos. para ações de mandatários das instituições e

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das ações das próprias pessoas) é sobre como Liberdade? Principalmente aos
Liberdade. É necessário afirmar que não há profissionais que tanto pretendem atuar
muito espaço nessa obra de Amartya Sen em planejamentos, como educação, ou
para quem buscar legitimar o neoliberalismo ainda buscando reflexões teóricas para
ou o lassez faire da mercantilização. Qualquer suas pesquisas, seja em relação às
tentativa de buscar enquadrar as reflexões de questões ambientais, sociais, econômicas e
Sen em paralelo ao neoliberalismo que até mesmo culturais. A interface da Geografia
recentemente tem-se acompanhado e com demais áreas e setores do
desembocado em crises sistemáticas, é conhecimento, como costuma-se realizar, é
antes desvirtuar o pensamento do autor, uma característica no discurso das
ou colocar ideias e palavras em seu geógrafas e geógrafos brasileiros. Embora
texto. Vale ressaltar que Liberdade não Milton Santos (2002, p.128) tenha afirmado na
é necessariamente liberalismo econômico conhecida obra Por uma Geografia Nova de
ou desregulamentação da vida social, que “A geografia padece, mais do que as
muito pelo contrário. É alto e caro o preço outras disciplinas, de interdisciplinaridade
intelectual de reduzir o pensamento de pobre [...]”, sabe-se do não temor pela
Sen ao debate da economia de mercado, interdisciplinariedade e associação
principalmente porque em suas obras há conceituais e ferramentais que sempre
muito mais margem, argumentação e enriquecem as análises e os trabalhos em
interpretação que permitem criticar o Geografia, dessa forma, a obra de Sen
neoliberalismo e propor novas alternativas é mais uma interessante possibilidade
socioeconômicas do que propriamente para reflexão e crescimento
criticá-lo por algo que o próprio autor não epistemológico. Para aqueles que também
afirmou. estejam dispostos a se inserir no debate
Essas atenções especiais e vigilância acerca da emancipação sociopolítica, da
sobre preconcepções de Liberdade e autonomia, da participação e democratização
Desenvolvimento possibilitam compreender a da democracia a obra de Amartya Sen é
relevância dos temas abordados por Sen, leitura obrigatória. Apresenta-se a seguir,
bem como apontar novas reflexões e aspectos considerados de destaque nesse
incrementar o debate no Brasil da livro de Sen. A intenção é apresentar
democracia, da capacitação, da ampliação aspectos que não estejam diretamente
de liberdades, da autonomia social e do ligados à Geografia, mas que podem ser
desenvolvimento socioambiental. associados e relacionados às respectivas
Mas, a que pode servir, às geógrafas pesquisas e problemáticas abordadas. Faz-
e os geógrafos, o livro Desenvolvimento se a ressalva de que o espaço limitado das

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resenhas são configurações metodológicas acabam por desejar "impor verdades". O autor
importantes para que seja uma rápida e se apresenta como diretor de Banco que foi
sintética notícia e comentário especializada (Banco Mundial) e com uma posição oposta à
de determinada obra. Em um primeiro arrogância muitas vezes comum nas
momento, pode parecer exagerado em propostas e ações dos planejadores
extensão o texto que forma essa resenha, dessas Instituições e órgãos. Amartya Sen
a opção foi permanecer um texto que vai mais longe, ao apresentar os
conseguisse traçar uma síntese das valiosas próprios limites dessas instituições (como
ideias de Amartya Sen, estimulado para a o próprio Banco Mundial), órgãos de
leitura integral do livro, que é indispensável desenvolvimento, políticas sociais e
nesse reaquecimento do debate sobre governos. Em certo sentido, coloca em
Desenvolvimento. cheque a própria existência dessas
Se há uma palavra que possa sintetizar instituições, quando contribuem
e apresentar (como faz o título), grande negativamente ao “desenvolvimento como
parte da ideia presente ao longo do livro é: (e com) Liberdade”; Sen chega a apontar que
Liberdade, tema que Sen propõem trazer ao seus colegas (economistas ou não)
debate acompanhado da proposta e de apresentam a costumeira dificuldade de
concepções de Desenvolvimento. Em enxergar determinadas posições que
primeiro lugar é necessário ressaltar que não escapam ao crescimento econômico ou a
se trata de simplória discussão sobre modernização da economia. A participação
liberalismo ou pregação da necessidade de sócio-política, por exemplo, é um fator muito
restringir o papel do Estado (o autor defende pouco levado em conta nas avaliações
a necessidade de ampliar as oportunidades sobre Desenvolvimento.
sociais). Uma das principais novidades da A questão da participação também é
reflexão desse indiano, de uma maneira central para alguns dos problemas básicos
bem generalista é: entender a Liberdade que tem minado a força e o alcance da
como causa e consequência do teoria do desenvolvimento. Por exemplo,
Desenvolvimento. argumentou-se que o desenvolvimento
Talvez o mérito primordial de Amartya econômico do modo como conhecemos
Sen também esteja na própria condição pode, na realidade, ser danoso a um país, já
aberta e reflexiva da sua análise, nesse que pode conduzir à eliminação de suas
sentido, diferencia-se sensivelmente de tradições e herança cultural. Objeções desse
teorias da economia e da política que tipo são com frequência sumariamente
costumamos posicionar como sendo de descartadas com o argumento de que é
"esquerda" ou de "direita" e, que muitas vezes melhor ser rico e feliz do que pobre a

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tradicional. substancial acréscimo, a tal ponto que as


Sen aponta sistematicamente que a tarefas antes de responsabilidade de toda a
interpretações que buscam reduzir o família passaram a ter caráter mais
Desenvolvimento aos traços do desempenho individualizado.
econômico de uma nação, ao crescimento do O avanço da modernização das atividades
PNB –Produto Nacional Bruto ou a agropecuárias, via de regra, está associado à
industrialização e eficiência tecnológica. integração da unidade produtiva às redes de
Tais noções formaram uma visão estreita produção, cada vez mais especializadas,
do que seja Desenvolvimento, por não visando atender "nichos" ou segmentos de
incluir diversas outras parcelas da vida e mercados.
da organização social, seja a participação Nos países mais desenvolvidos observa-se
e a Liberdade, ou seja, a condição da a emergência de um novo paradigma técnico
mulher (e relações de gênero), tema esse produtivo, também chamado pós-industrial,
que Sen chega a dedicar um capítulo demarcado pela elevação do conteúdo
inteiro (capítulo 8). As visões "simplistas", tecnológico e pela redução no tamanho das
parece dizer Sen a respeito das teorias de plantas industriais, e consequente queda
Desenvolvimento, não conseguem nem ao relativa dos empregos no setor industrial da
menos perceber como crucial a participação economia. Assiste-se ainda a proliferação de
política e a Liberdade, sendo constitutivas empresas prestadoras de serviços técnico-
do próprio Desenvolvimento. produtivos especializados por toda a
economia.
06 - NOVO RURAL BRASILEIRO Essas transformações já têm surtido efeito
O espaço rural vem passando por sobre as áreas rurais, não somente com a
profundas transformações, quer seja no elevação contínua da produtividade do
avanço da modernização agrícola1, quer no trabalho nas tarefas agropecuárias, mas
avanço de novas atividades no seu interior. também com a emergência de agências
O processo de modernização da prestadoras dos mais diversos serviços
agricultura brasileira continuou seu curso nos especializados, como preparo do solo,
anos 80 e 90. A partir do impulso das políticas colheita, pulverizações, inseminações, entre
keynesianas do pós-guerra e com a tantas outras tarefas.
integração da agricultura com outros setores Todas essas operações agropecuárias,
da economia, a produtividade agrícola que antigamente faziam parte do dia-a-dia
aumentou consideravelmente em quase todo dos estabelecimentos rurais, estão
o mundo. Consequentemente, a produtividade progressivamente sendo atendidas por
do trabalho agrícola também experimentou agências especializadas naquelas atividades.

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Veja-se, por exemplo, a importância da As diversas modalidades de pluriatividade


terceirização das atividades agrícolas no antepõem questões de várias ordens, pois
Brasil, constatada por Laurent. muitas vezes associam o estatuto de conta-
Em função das mudanças nas unidades própria com o de empregado numa mesma
produtivas agropecuárias duas grandes pessoa, resultando num tipo difícil de
transformações ocorrem: classificar, tanto do ponto de vista profissional
a) nova divisão do trabalho no interior das como social.
unidades familiares, liberando alguns No padrão fordista de organização do
membros das famílias para se ocuparem em trabalho a atividade fora da unidade de
outras atividades, alheias a sua unidade produção era considerada como uma etapa
produtiva; do processo de proletarização. As
b) os membros da família que já transformações mais gerais da economia,
conduziam individualmente a atividade particularmente a flexibilização do processo
agrícola têm o seu tempo de trabalho de trabalho industrial, facilitaram o
reduzido, de tal sorte a possibilitar a crescimento da mão-de-obra pluriativa, que
combinação da produção agrícola na sua também interessa ã indústria por ser mais
unidade com outra atividade externa, agrícola econômica. A pluriatividade tornou-se
ou não. permanente nas unidades familiares rurais,
Essas famílias, que combinam atividades tendo em vista o novo ambiente social e
agrícolas com atividades não agrícolas, econômico existente.
vieram a ser conhecidas como plumitivas, já Em paralelo a essas transformações, o
que exerciam mais de uma atividade espaço rural tem sido foco de valorização
econômica. Também derivados das mesmas para fins não-agrícolas. Tanto as indústrias
transformações, os agricultores com essas novas como as tradicionais vêm procurando
atividades vieram a ser conhecidos como transferir suas plantas para as áreas rurais,
part-time farmers, pois não dedicavam mais como forma de minimizar custos (proximidade
todo o seu tempo de trabalho às atividades da matéria prima, mão-de-obra menos
agrícolas dos seus estabelecimentos. A onerosa e não sindicalizada, impostos etc.) ou
diferença entre os termos está na unidade de externalidades negativas (poluição, fuga dos
análise: o' primeiro diz respeito às famílias e congestionamentos etc).
seus membros; enquanto que o segundo diz A procura pelas áreas rurais não é
respeito ao estabelecimento agropecuário, exclusividade das indústrias. Há também uma
observando-se o tempo dedicado ao nova onda de valorização do espaço rural,
estabelecimento pelas pessoas envolvidas capitaneados por questões ecológicas,
nas suas atividades agropecuárias. preservação da cultura "country", lazer,

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turismo ou para moradia. Observa-se em todo De início, pode-se perceber que está cada
o mundo uma preocupação crescente com a vez mais difícil delimitar o que é rural e o que
preservação ambiental que estimulou novo é urbano. Do ponto de vista espacial o rural
filão do turismo: o ecológico. A nova forma de hoje é uma continuação do urbano. Do ponto
valorização do espaço vem a remodelar as de vista das formas de organização
atividades ali existentes, em função da econômica, as cidades não podem apenas
preservação ambiental e do atendimento aos ser identificadas apenas como os locais onde
turistas. se desenvolvem as atividades industriais, nem
Na valorização da cultura "country" é os campos como as áreas onde apenas se
simbólica o crescimento das festas de peões praticam atividades ligadas à agricultura e à
pelo interior brasileiro. A atividade de turismo pecuária.
rural também está se expandindo, o que se Parcela significativa do espaço rural
reflete no número ascendente de fazendas- brasileiro foi gradativamente se urbanizando
hotéis e pousadas rurais. nas últimas décadas, como reflexo do
O espaço rural também está sendo cada processo de industrialização da agricultura e
vez mais demandado como espaço para do transbordamento do mundo urbano para
lazer. Na última década, milhares de pesque- aquelas áreas que tradicionalmente eram
pagues proliferaram pelo interior. Nestes, a definidas como rurais.
produção de peixes propriamente dita não é a Como resultado, a agricultura interligou-se
maior fonte de renda, mas sim os serviços fortemente ao restante da economia, a ponto
prestados nos pesqueiros, visando de não mais poder ser separada dos setores
populações urbanas de rendas média e baixa. que lhe fornecem insumos e/ou compram
Também observa-se a expansão das seus produtos. Essa integração pode ser
construções rurais para segunda moradia das percebida, por exemplo, nos chamados
famílias urbanas de rendas média e alta, em complexos agroindustriais, que passaram a
chácaras e sítios de lazer no interior do Brasil. dirigir a própria dinâmica das atividades
agropecuárias a eles vinculadas.
Aspectos do novo rural brasileiro Assim, o rural não pode ser simplesmente
Pesquisas recentes têm constatado as considerado como sinônimo de atraso, já que
transformações muito importantes que vêm nos dias atuais não se opõe ao urbano como
ocorrendo nas áreas rurais do mundo e do símbolo da modernidade. Todavia não se
Brasil. Alguns velhos mitos estão sendo deve esquecer que ainda há nas áreas rurais
derrubados, outros parecem estar surgindo; brasileiras muito atraso, consequência de
todavia, alguns traços futuros já podem ser nossa herança histórica marcada pela
percebidos com alguma clareza. escravidão, pela injusta e vergonhosa

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estrutura fundiária e pela chaga representada se verificando. Só para estabelecer uma


pelas imensas desigualdades sociais. comparação, nos Estados Unidos, desde o
O espaço rural em países como o Brasil final da década de 1970 o pessoal técnico e
ainda é marcado pelo domínio de atividades administrativo já superava em número a mão-
agrícolas; porém, as atividades e as de-obra meramente braçal nas zonas rurais.
ocupações não-agrícolas vêm crescendo de Em 1980, a PEA norte-americana empregada
forma expressiva nas últimas décadas. O no setor serviços respondia por mais de 60%
censo 2000 constatou que em nosso país, um do emprego rural.
pouco menos de 20% de seu contingente
populacional (cerca de pouco mais de 30 07- EXTENSÃO RURAL
milhões de pessoas), vivia em zonas A assistência técnica e a extensão rural
consideradas rurais, sendo que quase metade têm importância fundamental no processo de
delas na Região Nordeste. comunicação de novas tecnologias,
Há aproximadamente 15 milhões de geradas pela pesquisa, e de
pessoas economicamente ativas no meio rural conhecimentos diversos, essenciais ao
do país, mas cerca de 1/3 delas trabalham em desenvolvimento rural no sentido amplo e,
ocupações não-agrícolas como é o caso de especificamente, ao desenvolvimento das
pedreiros, motoristas, caseiros, empregadas atividades agropecuária, florestal e pesqueira.
domésticas etc.. Essas ocupações, ligadas a As ações de extensão rural no Brasil foram
atividades orientadas para o consumo como institucionalizadas nacionalmente há mais de
lazer, turismo, residência, preservação 50 anos. O tema da Extensão Rural está
ambiental etc., foram aquelas que mais em permanente discussão, tanto na
cresceram no campo (média de 3,7% ao ano) academia quanto entre os formuladores
ao longo da década de 1990. Em de políticas públicas, bem como entre
contrapartida, o emprego ligado extensionistas. Há diversos estudos, no
exclusivamente ao setor agropecuário, Brasil e no exterior, enfocando aspectos
substituído pelas novas tecnologias, foi históricos, modelos e sistemas,
aquele que apresentou queda mais rápida metodologia de ação, formas de
(média de 1,7% ao ano). organização e casos diversos. Entretanto,
Se essa tendência se mantiver, por volta aparentemente há uma carência de estudos
da metade da próxima década, a maioria da sobre a regulação desta atividade.
população rural brasileira estará ocupada em Mas, o que vem a ser extensão rural? Por
atividades não-agrícolas. Nos estados mais que instituições públicas devem utilizar o
desenvolvidos do país como São Paulo, é dinheiro dos contribuintes para oferecer
muito provável que esse fenômeno já esteja esse serviço aos agricultores? Qual a

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diferença em relação ao conceito de síntese do dispositivos legais pesquisados e


assistência técnica? Como tais serviços as principais alterações efetuadas na
evoluíram no Brasil? Qual a legislação organização e instituição das atividades de
brasileira que dispõe sobre esse tema? O Ater no Brasil.
presente estudo visa apresentar
cronologicamente como a legislação O CONCEITO DE EXTENSÃO RURAL
brasileira tratou os serviços de assistência Embora ações extensionistas estejam
técnica e extensão rural (ATER) ao longo registradas na história da Antiguidade,
do século XX e do atual. Para atingir este contemporaneamente o termo teve origem
objetivo, a primeira seção propõe na extensão praticada pelas universidades
conceitos de assistência técnica e de inglesas na segunda metade do século XIX.
extensão rural e apresenta um quadro No início do século XX, a criação do serviço
com modelos de provisão privada ou cooperativo de extensão rural dos Estados
pública de serviços e de financiamento. A Unidos, estruturado com a participação de
segunda seção trata resumidamente do universidades americanas, conhecidas
histórico dos serviços de Ater no Brasil, como land-grant colleges, consolidou
procurando mostrar que a legislação já naquele país, pela primeira vez na História,
regulava tais serviços antes da sua uma forma institucionalizada de extensão
institucionalização efetiva a nível nacional. rural (JONES e GARFORTH, 1997).
A terceira seção trata da evolução dos O termo extensão rural não é
aspectos legais da Ater nos 20 anos autoexplicativo. Desde a implantação do
posteriores à promulgação da Carta Magna, modelo cooperativo de extensão americano
na quarta seção é enfocado particularmente o foram muitas as iniciativas de
papel dos Ministérios da Agricultura, Pecuária conceituação de extensão rural. Os
e Abastecimento e do Desenvolvimento conceitos evoluíram com o tempo e as
Agrário, e na quinta são abordadas mudanças conjunturais e particularidades
brevemente as normas do Manual de da dinâmica e estrutura socioeconômica e
Crédito Rural atinentes ao tema. Na cultural de cada país. Não é objetivo de
conclusão faz-se uma análise do modelo este estudo fazer uma revisão bibliográfica
atual e breves reflexões quanto a possíveis dos diversos conceitos propostos.
aperfeiçoamentos. Entretanto, propomos aqui que o termo
Para melhor compreensão pelo leitor extensão rural possa ser conceituado de
leigo a multiplicidade de decretos e leis três formas diferentes: como processo, como
citados ao longo deste Estudo, no final instituição e como política.
apresentamos um quadro anexo com a Argumentamos que, como processo,

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extensão rural significaria, num sentido matéria prima agropecuária), em geral,


literal, o ato de estender, levar ou prestam serviços melhor caracterizados
transmitir conhecimentos de sua fonte como assistência técnica, através de suas
geradora ao receptor final, o público atividades de vendas, pós-vendas ou de
rural. Todavia, como processo, em um compras . Portanto, seu público alvo é
sentido amplo e atualmente mais aceito, composto, em geral, por médios a grandes
extensão rural pode ser entendida como um produtores rurais, mais tecnificados e
processo educativo de comunicação dois de capitalizados, com melhor nível de
conhecimentos de qualquer natureza sejam instrução, e que melhor se enquadram na
conhecimentos técnicos ou não. Neste caso, categoria e agricultores patronais e
a extensão rural difere conceitualmente da empresariais. Para essa categoria de
assistência técnica pelo fato de que esta produção rural não se justifica a intervenção
não tem, necessariamente, um caráter pública da extensão rural como meio de
educativo, pois visa somente resolver redistribuição de renda (os produtores já
problemas específicos, pontuais, sem possuem renda elevada) ou de igualdade
capacitar o produtor rural. E é por ter um de oportunidade (produtores capitalizados e
caráter educativo que o serviço de bem instalados têm condições de criar as
extensão rural é, normalmente, próprias oportunidades de sucesso).
desempenhado pelas instituições públicas de Restaria, apenas, a hipótese de
Ater, organizações não governamentais, e instituições públicas atuarem para
cooperativas, mas que também prestam fomentar e difundir novas técnicas
assistência técnica. produtivas, geradoras de externalidades
Observe-se que a literatura estrangeira positivas para toda a população
sobre o tema não adota uma separação (barateamento de alimentos, aumento do
entre os termos assistência técnica e saldo comercial do País com impacto
extensão rural. Em inglês o termo mais positivo sobre toda a economia, etc.)
usado é agricultural extension, mas No segundo sentido, como instituição ou
também são empregados os termos rural organização, frequentemente encontrarmos
extension ou agricultural advisory service textos dizendo, por exemplo, que “a
(serviço de consultoria agrícola). Dificilmente extensão rural desempenha nos estados um
uma ação de extensão rural deixará de papel importante no processo de
abranger ações de assistência técnica. desenvolvimento dos pequenos produtores”.
As indústrias produtoras de insumos e Aqui “a extensão rural” refere-se às
equipamentos, as revendas agropecuárias e organizações estatais dos estados,
as agroindústrias (processadoras de prestadoras dos serviços de Ater. A

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expressão “extensão rural” é entendida, modelos básicos podem coexistir: público


neste caso, como a instituição, entidade e gratuito; público e pago; privado e
ou organização pública prestadora de gratuito; e privado e pago. No Brasil
serviços de Ater nos estados, cuja origem e privilegiou-se, ao longo do tempo, o
história serão abordadas na seção seguinte primeiro modelo (público e gratuito), hoje
deste texto. direcionado prioritariamente para os
O termo extensão rural também pode agricultores familiares e exercido pelas
ser entendido como uma política pública. instituições estaduais de Ater.
Neste caso referimo-nos às políticas de Neste estudo prevalecerá uma interface do
extensão rural, traçadas pelos governos sentido legal (política) com o sentido
(federal, estaduais ou municipais) ao longo institucional (organização), uma vez que o
do tempo, através de dispositivos legais modelo de extensão rural privilegiado no
ou programáticos, mas que podem ser Brasil foi o público gratuito. Assim, como
executadas por organizações públicas e/ou veremos, a legislação existente faz muitas
privadas. referências às instituições estatais que
prestam serviço de Ater.
É sobretudo à aplicação deste terceiro Diversos autores têm proposto, ou
sentido do termo extensão rural que o analisado em profundidade, modelos ou
presente Estudo se dedica, uma vez que, no sistemas de extensão de muitos países,
sentido de processo, já há muitos trabalhos em geral sugerindo sua maior
realizados (embora a necessidade da diversificação (ALEX, ZIJP e BYERLEE, 2002;
ampliação e renovação de tais estudos nunca SWANSON, 2006; RIVERA e QAMAR, 2003).
se esgote), assim como sobre as instituições Não é nosso objetivo fazer aqui uma
estaduais de Ater e sua história. revisão das reflexões sobre as mudanças
Ainda em relação ao terceiro sentido do que vêm ocorrendo nos serviços de
termo, há uma relação entre a política e o extensão mundo afora. Todavia, é possível
modelo de extensão rural resultante, evidenciar na Tabela 1 abaixo a
adotado por um país, e as estruturas pluralidade de modelos de provisão e
institucionais que se consolidam. financiamento dos serviços de Ater, que
Conforme uma ou outra forma de podem inclusive coexistir num mesmo país.
prestação do serviço seja privilegiada Pelo que será apresentado a seguir
(pelo Estado e/ou pela sociedade) é possível nesse estudo, é importante citar, a título
identificar, em linhas gerais, o modelo de informação, que a extensão rural, como
adotado, que pode ser público ou privado, processo, faz uso de métodos
pago ou gratuito. Nesse sentido, quatro pedagógicos construídos e consagrados ao

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longo do tempo. Sucintamente, a título de


informação, quanto ao número de BREVE HISTÓRICO DA EXTENSÃO
produtores participantes, os métodos RURAL NO BRASIL E SEUS
tradicionais de Ater se dividem em: REFERENCIAIS

1. Individuais: visita técnica, contato LEGAIS


pessoal, unidade de observação Nesta seção do estudo, apresentamos
(experimento na propriedade rural); informações sobre a evolução da legislação
2. Grupais: reunião (palestra ou brasileira que propõe atribuições de
encontro, conferência), demonstração regulamentação, planejamento e
prática (de técnicas ou métodos), execução de serviços de Ater. Os
demonstração de resultados (de alguma registros do Sistema de Informações do
inovação), unidade demonstrativa, curso, Congresso Nacional (SICON) foram a
excursão, dia de campo, dia especial, principal fonte de informações utilizada
propriedade demonstrativa; para o estudo. Portanto, limitada à
3. De massa: exposição ou feira, semana documentação legal histórica que foi
especial, concurso, campanha. digitalizada. Além disso, consultamos a
escassa bibliografia existente sobre a história
Os métodos de extensão não devem ser da Emater no Brasil, e recorremos a artigos e
confundidos com os meios ou veículos de outros textos, publicados na Internet.
comunicação utilizados no trabalho Por outro lado, ressalte-se que a leitura da
extensionista (cartas circulares, cartazes, legislação não permite identificar com clareza
folders, rádio, álbum seriado, folhetos, as razões dos legisladores para as
revistas, jornais, televisão, etc.). Há ainda medidas adotadas, bem como os
quem defenda que, nas últimas décadas, processos políticos e socioeconômicos que
outros métodos de extensão têm sido as motivaram. Também não foi possível
desenvolvidos como, por exemplo, os pesquisarmos as legislações estaduais que
chamados métodos participativos, que eventualmente tenham tratado de Ater,
utilizam, entre outros recursos, dinâmicas sendo a base de dados do próprio Sicon
de grupo e jogos pedagógicos. E há também limitada à legislação federal.
os que classificam como métodos os O governo federal propunha, já na
empregados na promoção do legislação de meados do século XIX, algumas
desenvolvimento rural local sustentável, mas ações de extensão rural, embora muito
preferimos enquadrá-los como estratégias de rudimentares ou implícitas em outras
desenvolvimento. políticas públicas. Por exemplo, os registros

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do Sicon mostram que em 1859 e 1860 foram importante no interior do país e por
criados 4 institutos imperiais de consequência nas grandes metrópoles.
agricultura, que possuíam, principalmente, Esta inserção no mercado ou no processo
atribuições de pesquisa e ensino de desenvolvimento depende de tecnologia e
agropecuário. condições político-institucionais,
representadas por acesso a crédito,
informações organizadas, canais de
08 - AGRICULTURA FAMILIAR comercialização, transporte, energia, etc. Este
último conjunto de fatores normalmente tem
A chamada agricultura familiar constituída sido a principal limitante do desenvolvimento.
por pequenos e médios produtores representa Embora haja um esforço importante do
a imensa maioria de produtores rurais no Governo Federal com programas como o
Brasil. São cerca de 4,5 milhões de Pronaf, programas estaduais de assistência
estabelecimentos, dos quais 50% no técnica e associativismo há um imenso
Nordeste. O segmento detêm 20% das terras desafio a vencer.
e responde por 30% da produção global. Em A tecnologia disponível quando bem usada
alguns produtos básicos da dieta do brasileiro tem se mostrado adequada e viável. Isto
como o feijão, arroz, milho, hortaliças, acontece porque há um grande esforço da
mandioca e pequenos animais chega a ser pesquisa voltado para o setor. A tecnologia é
responsável por 60% da produção. Em geral, neutra e não discrimina classes de produtores
são agricultores com baixo nível de quanto à área do estabelecimento. A maioria
escolaridade e diversificam os produtos das tecnologias desenvolvidas visa aumentar
cultivados para diluir custos, aumentar a a produtividade da terra e algumas, como
renda e aproveitar as oportunidades de oferta máquinas e equipamentos adaptados aos
ambiental e disponibilidade de mão-de-obra. pequenos produtores, têm como objetivo
Este segmento tem um papel crucial na eliminar a ociosidade da terra ou aumentar a
economia das pequenas cidades - 4.928 produtividade do trabalho. O desafio maior da
municípios têm menos de 50 mil habitantes e agricultura familiar é adaptar e organizar seu
destes, mais de quatro mil têm menos de 20 sistema de produção a partir das tecnologias
mil habitantes. Estes produtores e seus disponíveis.
familiares são responsáveis por inúmeros Analisando as variáveis tecnológicas e
empregos no comércio e nos serviços político-institucionais há dois fatores
prestados nas pequenas cidades. A melhoria fundamentais para o desenvolvimento da
de renda deste segmento por meio de sua agricultura familiar: a) a massificação de
maior inserção no mercado tem impacto informação organizada e adequada usando os

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modernos meios de comunicação de massa é um enfoque setorial, cuja preocupação


(TV, Rádio e internet) e, b) a melhoria da central está na expansão da produção e da
capacidade organizacional dos produtores produtividade agropecuária, na incorporação
com o objetivo de ganhar escala, buscar de tecnologia e na competitividade do
nichos de mercado, agregar valor à produção chamado agribusiness. Este enfoque se
e encontrar novas alternativas para o uso da articula em torno dos interesses empresariais
terra como, por exemplo, o turismo rural. dos diversos segmentos que compõem o
A partir dos anos 90 vem se observando agronegócio e está claramente representado
um crescente interesse pela agricultura no Ministério da Agricultura. Em
familiar no Brasil. Este interesse se contraposição, o segundo enfoque enfatiza os
materializou em políticas públicas, como o aspectos sociais e ambientais do processo de
PRONAF (Programa Nacional de desenvolvimento, de acordo com o que vem
Fortalecimento da Agricultura Familiar) e na se denominando a sustentabilidade do
criação do MDA (Ministério do desenvolvimento rural, que procura equilibrar
Desenvolvimento Agrário), além do a dimensão econômica, social e ambiental do
revigoramento da Reforma Agrária. A desenvolvimento.
formulação das políticas favoráveis à Este segundo enfoque tem escolhido a
agricultura familiar e à Reforma Agrária agricultura familiar como um dos seus pilares
obedeceu, em boa medida, às reivindicações chaves. Uma pesquisa realizada pela FAO
das organizações de trabalhadores rurais e à (Organização das Nações Unidas para
pressão dos movimentos sociais organizados, Agricultura e Alimentação) e pelo INCRA
mas está fundamentada também em (Instituto Nacional de Colonização e Reforma
formulações conceituais desenvolvidas pela Agrária), cujo objetivo principal era
comunidade acadêmica nacional e apoiada estabelecer as diretrizes para um “modelo de
em modelos de interpretação de agências desenvolvimento sustentável”, escolheu-se
multilaterais, como a FAO, o IICA e o Banco como forma de classificar os
Mundial. estabelecimentos agropecuários brasileiros a
Contudo, não se pode afirmar que este separação entre dois modelos: “patronal” e
segmento tenha sido reconhecido como “familiar”. Os primeiros teriam como
prioridade pelos governos, haja vista que a característica a completa separação entre
agricultura patronal tem concentrado, nos gestão e trabalho, a organização
últimos anos, mais de 70% do crédito descentralizada e ênfase na especialização.
disponibilizado para financiar a agricultura O modelo familiar teria como característica
nacional. Assim, há hoje dois projetos em a relação íntima entre trabalho e gestão, a
pugna os para o campo no Brasil. O primeiro direção do processo produtivo conduzido

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pelos proprietários, a ênfase na diversificação de trabalho da atual modernização das


produtiva e na durabilidade dos recursos e na grandes lavouras, exemplificado no caso da
qualidade de vida, a utilização do trabalho cana-de-açúcar, onde a demanda de força de
assalariado em caráter complementar e a trabalho foi cortada pela metade nos anos 90,
tomada de decisões imediatas, ligadas ao alto apesar da expansão de 10% da área
grau de imprevisibilidade do processo cultivada.
produtivo (FAO/INCRA, 1994). O modelo “produtivista”, de necessário
A escolha da agricultura familiar está aumento da produção e da produtividade,
relacionada com multifuncionalidade da orientado para as funções da agricultura como
agricultura familiar, que além de produzir fornecedora de alimentos baratos, matérias-
alimentos e matérias-primas, gera mais de primas e divisas, tem cedido lugar à ótica da
80% da ocupação no setor rural e favorece o multifuncionalidade, mesmo que esse termo
emprego de práticas produtivas seja muito polêmico por ter sido utilizado pela
ecologicamente mais equilibradas, como a União Europeia para justificar a manutenção
diversificação de cultivos, o menor uso de dos subsídios agrícolas. Nesses países, a
insumos industriais e a preservação do agricultura se apresenta não apenas como
patrimônio genético. fornecedora de bens, senão também de
Assim, o meio rural, sempre visto como serviços tangíveis e intangíveis, como os
fonte de problemas, hoje aparece também serviços ambientais e procura responder
como portador de soluções, vinculadas à também a certas aspirações simbólicas da
melhoria do emprego e da qualidade de vida sociedade, como a preservação da paisagem
(WANDERLEY, 2002). Este enfoque é e da cultura local.
representado também pelo Prof. José Eli da Além disso, a agricultura familiar está
Veiga e colaboradores no documento “O associada à dimensão espacial do
Brasil Rural precisa de uma Estratégia de desenvolvimento, por permitir uma
Desenvolvimento”, onde os autores sugerem distribuição populacional mais equilibrada no
que o projeto de desenvolvimento para o território, em relação à agricultura patronal,
Brasil rural deve visar a maximização das normalmente associada à monocultura. Estas
oportunidades de desenvolvimento humano ideias devem ser contextualizadas no debate
em todas as regiões do país diversificando as sobre os caminhos para a construção do
economias locais a começar pela própria desenvolvimento sustentável.
agropecuária. Em reportagem publicada pela Recentemente, vem sendo defendida uma
Revista Rumos em novembro-dezembro de perspectiva que reforça as ideias acima
2003, o mesmo Prof. José Eli da Veiga apresentadas é a dimensão territorial do
observa o brutal poder devorador de postos desenvolvimento rural, onde as atividades

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agrícolas e não-agrícolas devem ser Para esse autor, em lhe sendo favorável
integradas no espaço local, perdendo sentido esse ambiente e com apoio do Estado, a
a tradicional divisão urbana/rural e agricultura familiar preencherá uma série de
ultrapassando o enfoque predominantemente requisitos, dentre os quais fornecer alimentos
setorial (agrícola) do espaço rural. No âmbito baratos e de boa qualidade para a sociedade
das políticas públicas, isto se traduziu na e reproduzir-se como uma forma social
criação da SDT (Secretaria do engajada nos mecanismos de
Desenvolvimento Territorial), subordinada ao desenvolvimento rural. O pensamento de
MDA. Abramovay fica claramente evidenciado
Todavia, mesmo havendo consenso entre quando expressa que “Se quisermos
vários autores sobre a importância da combater a pobreza, precisamos, em primeiro
agricultura familiar, as visões em relação ao lugar, permitir a elevação da capacidade de
modelo que essa agricultura familiar deveria investimento dos mais pobres. Além disso, é
adotar divergem em certos aspectos. necessário melhorar sua inserção em
Abramovay diferencia a agricultura mercados que sejam cada vez mais
familiar no interior das sociedades capitalistas dinâmicos e competitivos”.
mais desenvolvidas como uma forma Assim, existe uma visão onde o agricultor
completamente diferente do campesinato familiar está fortemente inserido nos
clássico. Enquanto que os camponeses mercados e procura sempre adotar novas
podiam ser entendidos como “sociedades tecnologias. Em contraposição, há uma
parciais com uma cultura parcial, integrados corrente que tem sido caracterizada como
de modo incompleto a mercados imperfeitos”, “neopopulismo ecológico”, por resgatar alguns
representando um modo de vida conceitos do pensamento de Alexander
caracterizado pela personalização dos Chayanov, que destaca a autonomia relativa
vínculos sociais e pela ausência de uma do pequeno produtor, enfatizando a utilização
contabilidade nas operações produtivas. Já a de recursos locais, a diversificação da
agricultura familiar, segundo o mesmo autor, produção e outros atributos que apontam para
[...] é altamente integrada ao mercado, capaz a sustentabilidade dos sistemas de produção
de incorporar os principais avanços técnicos e tradicionais. Nessa visão, a sobrevivência do
de responder as políticas governamentais [...] agricultor familiar teria muito mais de
Aquilo que era antes de tudo um modo de resistência do que de funcionalidade à lógica
vida converteu-se numa profissão, numa da expansão capitalista.
forma de trabalho (ABRAMOVAY, 1992, p.22-
127). O PROGRAMA

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O PNAE é gerenciado pelo Fundo produção e serviços agropecuários ou não


Nacional de Desenvolvimento da Educação agropecuários.
(FNDE), e visa à transferência, em caráter Após a decisão do que financiar, a família
suplementar, de recursos financeiros aos deve procurar o sindicato rural ou a Emater
estados, ao Distrito Federal e aos municípios para obtenção da Declaração de Aptidão ao
destinados a suprir, parcialmente, as Pronaf (DAP), que será emitida segundo a
necessidades nutricionais dos alunos. É renda anual e as atividades exploradas,
considerado um dos maiores programas na direcionando o agricultor para as linhas
área de alimentação escolar no mundo e é o específicas de crédito a que tem direito. Para
único com atendimento universalizado. os beneficiários da reforma agrária e do
O programa tem sua origem no início crédito fundiário, o agricultor deve procurar o
da década de 40, quando o então Instituto de Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Nutrição defendia a proposta do governo Agrária (Incra) ou a Unidade Técnica Estadual
federal oferecer alimentação para as escolas. (UTE).
Desde então, vários avanços foram O agricultor deve estar com o CPF
conquistados, o principal deles foi a sanção regularizado e livre de dívidas. As condições
da Lei nº 11.947/09, garantindo que 30% dos de acesso ao Crédito Pronaf, formas de
repasses do FNDE sejam investidos na pagamento e taxas de juros correspondentes
aquisição de produtos da agricultura familiar. a cada linha são definidas, anualmente, a
cada Plano Safra da Agricultura Familiar,
Sobre o Programa divulgado entre os meses de junho e julho.
O Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (Pronaf) financia Programas Relacionados
projetos individuais ou coletivos, que gerem 

renda aos agricultores familiares e


assentados da reforma agrária. O programa
possui as mais baixas taxas de juros dos
financiamentos rurais, além das menores
taxas de inadimplência entre os sistemas de  SEAF

crédito do País.
O acesso ao Pronaf inicia-se na discussão
da família sobre a necessidade do crédito,
seja ele para o custeio da safra ou atividade
Assistência Técnica
agroindustrial, seja para o investimento em
máquinas, equipamentos ou infraestrutura de

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Como funciona o Pronaf? comuns relacionados com o espaço rural,


O agricultor familiar deve avaliar o projeto através de um plano de trabalho construído
que pretende desenvolver. Os projetos devem coletivamente, capacitando-os a exercitar
gerar renda aos agricultores familiares e nova forma de promover desenvolvimento,
assentados da reforma agrária, seja ele para implementando estratégias que atendam os
o custeio da safra, atividade agroindustrial, aspectos social, econômico, cultural, político e
investimento em máquinas, equipamentos ou ambiental.
infraestrutura. A renda bruta anual dos O que motivou o trabalho foram os
agricultores familiares deve ser de até R$ 110 problemas gerados, ao longo dos anos, por
mil. políticas de desenvolvimento implantadas no
Brasil que priorizaram o crescimento
9)PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO econômico, com a expectativa de que,
atingido um certo patamar de crescimento, os
Há muito tempo a extensão rural, no demais aspectos do desenvolvimento fossem
estado do Rio Grande do Sul, objetiva a também atendidos. Esteve presente nesses
melhoria na qualidade de vida das famílias modelos a centralização do poder, a
rurais e tenta estabelecer maior equidade nos concentração da riqueza, a exclusão social e
aspectos econômico e social, buscando dar o comprometimento dos recursos naturais. A
visão mais abrangente em diagnósticos e visão que se divulgava, para a área rural por
ações. exemplo, era a de que o desenvolvimento se
Procurou envolver as famílias rurais na dava pela implantação de melhorias
definição das ações da Emater/RS, buscando tecnológicas, enxergando o rural apenas
torná-las promotoras de seu próprio como agrícola, e esquecendo as dimensões
desenvolvimento em processos dialógicos de ambiental, social, cultural e política. Cada
planejamento, por se entender essencial para município buscava seu desenvolvimento
se ter maior equidade. Da mesma forma se independente dos demais, o que foi próprio de
tentou envolver mais de um município, em um modelo que estimulou o individualismo e a
microrregiões, para de forma conjunta competição.
definirem planos de ações comuns na busca Como solução a esses problemas se
do desenvolvimento mais equitativo. aponta, ao longo do tempo, o atendimento
Estas tentativas, foram pouco exitosas. das necessidades da população a partir do
Este estudo pretende demonstrar e analisar local onde se dão as relações
uma forma, exitosa, de envolver vários atores sociais/culturais/econômicas, ou seja a
sociais de diversos municípios e direcionar comunidade/município, e ampliando para
seus esforços para resolver problemas espaços regionais para se ter abrangência,

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consistência e sustentação do trabalho para elaborar um planejamento da


desenvolvido. Se aponta também, a propriedade, existindo conjugação da
necessidade do respeito ao conhecimento e educação informal com as linhas de
cultura local, e da preservação da natureza, financiamento. As parcerias da extensão rural,
através de processos que envolvam a basicamente, eram as administrações federal,
população na construção das propostas a e em menor grau a estadual e a municipal.
serem implementadas, os chamados As equipes municipais, com base no que
processos participativos. Estes processos levantavam junto às famílias rurais, e segundo
participativos não obtiveram avanços sua percepção, elaboravam diagnóstico que
satisfatórios, e uma das causas é a variação embasava planos de trabalho, estratégicos
na percepção que cada ator social (produtor (plurianuais) e operativos (anuais). Via de
rural, extensão rural, instituições de pesquisa, regra, esses planos eram utilizados pelas
administração municipal, etc...) tem da administrações municipais como subsídios
realidade local. Estas formas diferentes de aos planos do município.
perceber um mesmo problema, levam a Este modelo sofre alteração a partir de
objetivos distintos o que gera dispersão, 1963/64 com a implantação do 'crédito rural
contradição, desgastes, reduzem níveis de orientado', dirigido para o aumento da
assistência mútua e dificultam ações produção de determinados produtos, visando
cooperadas (Melgarejo, 1998). exclusivamente o mercado. Neste momento o
planejamento das atividades passa a ser
Planejamento na Extensão Rural do Rio elaborado quase que exclusivamente pelo
Grande do Sul técnico extensionista e se volta unicamente
Em 1957 a Extensão Rural no Brasil era para a produção de culturas específicas
pioneira em planejamento1. Naquela ocasião, (monoculturas), esquecendo o planejamento
conforme Ricci e Douglas (1998), a extensão da propriedade. Os beneficiários passam a
rural trabalhava com o 'crédito rural ser as famílias rurais com maior disposição
supervisionado' 2, visando beneficiar famílias em adotar as novas tecnologias de produção,
rurais com pequeno volume de negócios, portanto já não são os produtores mais
orientando-as a seguir em planos de pobres, mas sim, os que podem adotar a
administração da propriedade e do lar, com tecnologia chamada moderna. As parcerias se
objetivos de aumentar a renda líquida; compõem das administrações federal,
melhorar o padrão de vida e melhorar o estadual e municipal, e somam-se as
aproveitamento dos recursos existentes. O empresas vendedoras de insumos, como co-
extensionista da área econômica e a promotoras da modernização. Mantém-se os
extensionista da área social reuniam a família planos estratégicos (plurianuais) e operativos

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(anuais), construídos segundo o ponto de esvaziando. Faz as primeiras experiências de


vista dos extensionistas, e eles seguem sendo planejamento microrregional, buscando
usados como subsídios aos planos dos enfoque mais holístico para a ação
municípios. Na verdade só se altera o foco do extensionista, quando as equipes dos
planejamento, que passa da propriedade para Escritórios Regionais reuniam-se3, e com
a lavoura. E, se perde a ligação da ação base nas informações que dispunham
educativa conjugada com as linhas de realizavam planos de intervenção para um
financiamento. determinado grupo de municípios. Planos,
Neste período, no Rio Grande do Sul, o que assim elaborados, enfocavam
planejamento era realizado pela unidade basicamente as culturas agrícolas
municipal da EMATER/RS, tomando por base predominantes na microrregião em questão,
um „Estudo de Situação‟ que consistia no com uma visão segmentada, focando as
recolhimento de informações que dispunham monoculturas separadamente. Essas
órgãos municipais, estaduais e federais, experiências não levaram a resultados
arranjados conforme o padrão da empresa, e satisfatórios, causando algumas frustrações,
sobre os quais, os extensionistas formavam em função da relação entre grande
juízo a respeito do que era e não era bom intensidade de trabalho e poucos benefícios
para o município. Os agricultores raramente alcançados. E foram criando uma cultura de
participavam no estudo de alternativas. resistência que consolidou confusão entre
Com o passar do tempo, essa forma de planejamento e burocracia, distanciando os
planejar se mostra inadequada, porque não trabalhos de campo (nas comunidades rurais)
dá as respostas esperadas pela sociedade. A e de sede (no escritório e sede do
partir da década de 1980, a EMATER/RS município)4, justamente porque os métodos
assume nova conduta e busca a participação usados não levavam a respostas adequadas
popular para definir suas linhas de ação. à realidade. É nesse contexto que a extensão
Passa a reunir lideranças rurais e urbanas perde a liderança, e outras instituições, que
para apresentar o diagnóstico elaborado por se adequaram mais rapidamente às
ela, e a partir daí estabelecer o seu plano de mudanças e exigências da sociedade,
ação. Algumas experiências buscaram passam a ser instrutoras de planejamento
ampliar a participação reunindo diretamente para a EMATER/RS, introduzindo novos
as famílias rurais. Na década de 1990, métodos e buscando desenvolver o enfoque
estimula a criação de 'Conselhos Municipais participativo, capacitando alguns empregados
de Desenvolvimento', que em maioria, eram ao longo de vários anos5. Isso gerou muitas
apenas consultivos, e como não conseguiam experiências positivas em todo o Estado,
dar sentido aos debates realizados, foram se

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criando condições de receptividade às em 1969 (citado por Markus Brose, 1997)


metodologias participativas. chamou de "Manipulação", onde os
No ano de 2000 a EMATER/RS participantes não dispunham de informações
proporciona treinamento em metodologias adequadas, não tinham conhecimento
participativas (principalmente DRP – suficiente e não tinham assessoria necessária
Diagnóstico Rápido Participativo) para todo para tomarem decisões por conta própria.
seu quadro funcional. Envolveu nesses Apenas estavam ali para ratificarem decisões
treinamentos parceiros e produtores rurais, tomadas por lideranças políticas e técnicas.
ampliando as informações para além da Embora tenham ocorrido esses equívocos, na
estrutura da empresa, buscando dar base EMATER/RS sempre existiram pessoas
para o atingimento de sua Missão sensíveis às críticas, que buscaram
Institucional6. Neste processo de formação desenvolver processos onde a população
discutiu-se também, a compreensão de realmente tivesse o poder de decisão, o que
desenvolvimento e de sustentabilidade, e a esbarrava na forma de exercer o poder por
necessidade deles se darem a partir do local, grande parte das administrações públicas,
respeitando a cultura, o conhecimento e as que não aceitavam facilmente essa
necessidades da população. Essa possibilidade.
capacitação foi designada de O processo participativo não visa somente
'Desenvolvimento Rural Sustentável com elaborar propostas mais ajustadas à
enfoque Agroecológico - DRSeA'. Define realidade. Pretende mudar comportamentos e
como público beneficiário exclusivo os atitudes, tornando as pessoas em sujeitos
agricultores familiares e suas organizações. E ativos do processo. Participar é tomar parte
as parcerias passam a ser as organizações nas decisões e ter parte nos resultados. As
públicas e privadas comprometidas com a pessoas fazem parte da realidade local,
agricultura familiar. atuando sobre ela através de um conjunto de
circunstâncias, modificando-as e sendo
A Participação como base para o modificadas por elas, o que Caporal e
desenvolvimento regional Costabeber chamam de co-evolução.
Quando, na década de 80, a EMATER/RS Com a capacitação em 'DRSeA', a
busca a participação popular o faz de forma EMATER/RS buscou dar condições para que
equivocada. Ao reunir apenas as chamadas técnicos, parceiros e produtores
'lideranças', para apresentar o diagnóstico por desenvolvessem processos participativos,
ela elaborado, contendo dados viciados por entendendo os princípios da participação
uma visão produtivista/tecnicista, promoviam apresentados por Markus Brose (1997)9 :
um tipo de participação que Sherry Arnsteim

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- trata-se de uma necessidade humana, entidades e, mais importante, para produtores


portanto, se constitui em direito das pessoas; rurais. O DRSeA buscou mostrar aos
- justifica-se por si mesma, não por seus produtores os papéis dos diversos agentes e,
resultados; principalmente definir o papel do agente
- trata-se de um processo de externo à comunidade rural, como
desenvolvimento da consciência crítica e de apresentado em Brose (1997)10 . O agente
aquisição de poder; externo deve :
- leva à apropriação do desenvolvimento - respeitar as pessoas com quem está
pela população; trabalhando, tendo interesse naquilo que
- trata-se de algo que se aprende fazendo sabem, falam, mostram e fazem;
e se aperfeiçoa fazendo; - ser sensível aos estímulos (ou a falta
- pode ser provocada e organizada, sem deles) dos participantes;
que signifique manipulação; - explicar sempre seus interesses e
- é facilitada com a organização e a objetivos;
criação de fluxos de comunicação; - ter uma capacidade particular de prestar
- devem ser respeitadas as diferenças atenção e de ter paciência;
individuais na forma de participar; - ter verdadeira humildade a respeito do
- pode resolver conflitos, mas também seu conhecimento técnico, reconhecendo que
pode gerá-los; ele é apenas uma forma de conhecimento.
- não se deve sacralizar a participação – O enfoque participativo não constitui mera
não é panaceia e nem indispensável em todas adição de técnicas dentro de uma visão
as ocasiões. definitiva e dogmática, porque depende antes
de tudo, das atitudes e posturas de todos os
Cabe acrescentar que deve ficar bem integrantes de um processo grupal (Krappitz,
claro, para os técnicos e para a população, os Ullrich e Souza,1988). A mudança de atitudes
objetivos do trabalho e para que e para quem e postura vem se sedimentando na
deve servir esse processo no qual as pessoas experiência pela qual passa a EMATER/RS.
vão investir seu tempo e suas esperanças. Muitos extensionistas entenderam a mudança
A diferença de experiências anteriormente que se espera de um agente promotor de
desenvolvidas pela EMATER/RS foi a desenvolvimento, preocupado com a
massificação da capacitação. Não se buscou sustentabilidade. Outros com visão tecnicista
desenvolver novas experiências em projetos muito arraigada tem dificuldade de se abrir
pilotos, pois há vários em todo o Estado. Além para um processo de construção coletiva,
disso, se disponibilizou as mesmas onde todos tem o poder de decisão. E ainda
informações para técnicos de outras outros, é difícil precisar o número, se

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encontram em processo de aprendizado, de A adoção da abordagem territorial como


transição, tentando adequar seu perfil referência conceitual nos processos de
extensionista para o de agente promotor de desenvolvimento rural sustentável constitui
processos participativos efetivos. premissa fundamental para a concepção
desse espaço enquanto unidade de
10 - PLANEJAMENTO LOCAL E planejamento, bem como do seu
TERRITÓRIAL reconhecimento como instrumento de
O enfoque territorial é uma estratégia descentralização e de autogestão de políticas
essencialmente integradora de espaços, públicas.
atores sociais, agentes, mercados e políticas
públicas de intervenção, e tem na equidade, Conceito de Território
no respeito à diversidade, na solidariedade, Várias são as concepções existentes. A
na justiça social, no sentimento de assimilação que os atores do
pertencimento, na valorização da cultura local desenvolvimento territorial na Bahia possuem
e na inclusão social, as bases fundamentais deste conceito levam a compreensão de
para conquista da cidadania. território como a área geográfica de atuação
O objetivo dessa construção, que só se de um projeto político-institucional, que se
concretiza mediante amplo processo constrói a partir da articulação de instituições
democrático, é identificar e conceber os em torno de objetivos e métodos de
territórios a partir da composição de desenvolvimento comuns. Partindo-se deste
identidades regionais como elemento entendimento político, desenvolvem-se
aglutinador e promotor do desenvolvimento projetos produtivos, sociais, culturais e
rural sustentável. ambientais, normalmente orientados ou
Realça-se como desafios dessa estratégia, liderados por um projeto dominante ou ideia-
a promoção e apoio ao processo de guia.
desenvolvimento de competências humanas e O território, enquanto espaço socialmente
institucionais nos espaços concebidos como organizado, configura-se no ambiente político
territórios, articulando a construção e institucional onde se mobilizam os atores
implementação de políticas públicas através regionais em prol do seu projeto (ou seus
da elaboração participativa de Planos de projetos, mesmo que encerrem conflitos de
Desenvolvimento Territoriais Sustentável, interesses) de desenvolvimento. O principal
tendo como enfoque o fortalecimento das objetivo é a geração de relações de
comunidades rurais, com ênfase à agricultura cooperação positivas e transformadoras do
familiar. tecido social.

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onde a participação da sociedade seja um


Território e Territorialidade instrumento básico de decisão sobre os
rumos e prioridades do desenvolvimento. A
A discussão acerca de território começa democratização dos órgãos públicos, a
com as acepções do termo. Originário do transparência administrativa, a participação
latim território, adjetivo derivado de territorialis popular nos conselhos, câmaras e nos
que significa pedaço de terra apropriada, este orçamentos são elementos balizadores do
sentido era-lhe atribuído antes do século planejamento territorial.
XVIII. Nos anos 1920, os termos território e Na análise de Sepúlveda (2003), in (SEI,
territorialidade transferem-se do domínio 2004) o território surge como foco do
político-administrativo para o da etologia, desenvolvimento rural sustentável. Parte-se
adquirindo status de conceito científico, de um conjunto de aspectos diagnosticáveis
deixando de ser uma qualidade jurídica para do território que compreendem: a) as
transformar-se num sistema de características da economia rural da região; b)
comportamento dos animais. No campo da a heterogeneidade espacial e socioeconômica
etologia, o território está associado à do setor rural; c) a diversidade institucional e
demarcação e dominação de lugar, à política dos espaços locais; d) a variedade de
extensão e limites, enquanto territorialidade é oportunidades e possibilidades regionais; e)
definida como a conduta de um organismo as diferenças ecológicas entre as unidades
para tomar posse de seu território e defender- territoriais; f) as interligações entre essas
se contra os membros de sua própria espécie. unidades e o restante da economia. Deriva
Em geografia, Milton Santos refere-se ao dessa compreensão, a formulação de
território, como sendo “(...) o chão da políticas que garantam o desenvolvimento e
população, isto é sua identidade, o fato e o corrijam as desigualdades rurais. Além da
sentimento de pertencer àquilo que nos coesão social, o desenvolvimento rural
pertence. O território é a base do trabalho, da prescinde da coesão territorial.
residência, das trocas materiais e espirituais e Sepúlveda aponta ainda o caráter
da vida, sobre os quais ele influi.” (SANTOS, institucional-multidisciplinar do
2000, p. 96). desenvolvimento territorial. Este se revela
importante na definição e condução das
Um Espaço de Planejamento do políticas públicas territoriais, que devem
Desenvolvimento Rural conter objetivos múltiplos e promover um
sistema participativo de base. O enfoque
Busca-se um consenso em que o Estado territorial para o desenvolvimento apresenta
deve ser gerido como um espaço público, uma nova concepção onde os aspectos

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ambiental, econômico, social, histórico- desenvolvimento das capacidades territoriais


cultural, político e institucional interagem no e articulação interinstitucional de políticas
espaço do território. A economia rural não é públicas.
mais puramente agrícola, e, sim compreende
o conjunto de atividades agrícolas e não- PLANEJAMENTO TERRITORIAL E
agrícolas regionais e dos recursos naturais da DESENVOLVIMENTO LOCAL: O Papel do
região (SEPÚLVEDA, 2003). Movimento Sindical
Abramovay (2001b e 2003) sugere que o
território possui, antes de tudo, um tecido Desde 2003, o Governo Federal vem
social, com relações de bases históricas e criando espaços territoriais para planejar as
políticas que vão além da análise econômica. políticas públicas de desenvolvimento local no
À dimensão territorial do desenvolvimento território brasileiro. Trata-se dos Territórios
somam-se as já estudadas dimensões Rurais e Territórios de Cidadania criados ao
temporais (ciclos econômicos) e setoriais (a longo desses 9 anos de mudança no poder
exemplo dos complexos agroindustriais). executivo com a chegada do Governo Lula ao
Citando os estudos de Casarotto Filho e Pires poder e a continuação de seus princípios
(1998), o autor lembra que a formação de um populares no Governo Dilma. São 164
território – ou pacto territorial – deve Territórios criados para proporcionar uma
responder a cinco pré-requisitos: 1) mobilizar forma diferente de planejamento de políticas
os atores em torno de uma ideia-guia; 2) públicas para o desenvolvimento local. O
contar com o apoio desses atores, não objetivo maior é fazer com que as demandas
apenas na execução, mas na própria partem da sociedade local e seja de acordo
elaboração do projeto; 3) definir um projeto com suas reais necessidades e, com isso,
orientado ao desenvolvimento das atividades proporcionar um desenvolvimento endógeno,
de um território; 4) realizar o projeto em um ou seja, que parta de dentro para fora das
tempo definido; e 5) criar uma entidade comunidades atendidas. São 2.500
gerenciadora que expresse a unidade entre Municípios atendidos, com 52,5 Milhões de
os protagonistas do pacto territorial. pessoas, sendo 458 Mil Pescadores, 2,5
Uma estratégia para o planejamento de Milhões de Agricultores Familiares, 645 Mil
desenvolvimento territorial sustentável deve Assentados da Reforma Agrária, Mil
está fundada num processo de implantação e Comunidades Quilombolas, 377 Terras
consolidação de metodologias que se Indígenas. Com uma demanda social de 3
completa em dois momentos: um de apoio à Milhões de Famílias e 948 Municípios
auto-organização, formação dos fóruns e Estagnados. A novidade por parte do Governo
planejamento dos territórios; e outro de Federal está na chamada “Abordagem

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Territorial” utilizada como metodologia para percebida: os prefeitos estão frequentado as


elencar as prioridades de ações e projetos plenárias dos colegiados para submeterem
das políticas públicas do Governo para o seus projetos aos mesmos. Houve uma
desenvolvimento local. Esse tipo de inversão de valores que colocam os principais
abordagem leva em consideração todos os atores em seus devidos lugares no momento
atores sociais presentes no território, sejam de decidirem o rumo de seu desenvolvimento.
eles da sociedade civil, organizada ou não, e Contudo, ainda é notória a desarticulação
dos governos municipais e estaduais. Nesse da sociedade civil na participação dos
sentido, foram criados os “Colegiados colegiados que, em geral, são dominados por
Territoriais”: grupo de gestores do território técnicos de órgãos governamentais que
composto por representantes da sociedade defendem os interesses das oligarquias
civil e de órgãos governamentais que irão políticas e econômicas tradicionais e
coordenar o trabalho de definição dos conservadoras. A Sociedade Civil precisa se
programas governamentais com suas ações e atentar para a importância de participar dos
projetos para o território. Dessa forma, todos colegiados de forma articulada a atender os
os recursos investidos nos municípios que interesses da classe trabalhadora. Propor
estão contidos nos territórios deverão passar modelos de desenvolvimento que possibilitam
ser para atender os projetos e ações a inversão de valores sobre os
levantados pelo Colegiado Territorial. Esse empreendimentos a serem atendidos pelos
tipo de política descentralizadora pode programas governamentais.
proporcionar – e a ideia é justamente essa – a Os sindicatos de trabalhadores e
emancipação da sociedade civil diante do trabalhadoras têm papel fundamental nesse
aparelhamento político das estruturas estatais processo de organização da sociedade civil
aos políticos e seus chamados “currais para participar dos colegiados. A experiência
eleitorais”, ou seja, área de influência de da participação da Escola Centro Oeste de
determinados políticos que se impõe pelo Formação da CUT – Apolônio de Carvalho no
poder de barganha de votos por favores de processo de elaboração e qualificação do
interesses individuais ou coletivos. Na mesma Plano Territorial de Desenvolvimento Rural
lógica dos programas de Orçamento Sustentável dos Territórios de Cidadania e
Participativo implantados pelas prefeituras Territórios Rurais de Goiás e Entorno de
dirigidas pelo Partido dos Trabalhadores, os Brasília, pôde nos mostrar quão é importante
Territórios Rurais e de Cidadania definem a organização e articulação dos sindicatos da
onde e como serão aplicados os recursos da base da Central Única dos Trabalhadores
União em seus municípios. Hoje, uma lógica para a disputa de projetos que possam
já foi alterada e pode ser facilmente atender as demandas da classe trabalhadora

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nos territórios. Precisamos compreender que organizando cada vez mais para participar
são “Territórios em Disputa” pelos diversos dos territórios e viabilizar seus projetos à
grupos sociais, organizados ou não, com seus medida que se apropria melhor da estrutura
respectivos projetos. Esses grupos precisam territorial que está em andamento. Na luta
compreender que, acima de tudo, essa pela Democratização do Estado que iniciamos
disputa se dá no campo da Luta de Classe e no movimento sindical cutista temos nos
que a classe trabalhadora precisa se territórios um grande desafio para colocar
organizar melhor e se articular com projetos nossas propostas de ações em prática.
que visam a diminuição das desigualdades
sociais e a inversão da lógica de aplicação de 11 - COMUNICAÇÃO
recursos públicos no Brasil. A CUT e seus
sindicatos têm papel importante na defesa Segundo Paulo Freire havia dois grupos
dos interesses da classe trabalhadora no principais: os camponeses – com
Brasil e os espaços deliberativos de políticas conhecimentos sobre técnicas de plantio e
públicas para projetos importantes são colheita que haviam sido passados oralmente
fundamentais para a efetivação de um por gerações – e os agrônomos – com
sindicalismo propositivo e que pauta os rumos formação acadêmica e conhecimentos
do desenvolvimento social, cultural, técnicos formais sobre as formas mais
econômico e ambiental do país com o modernas de lidar com a terra e com as
compromisso de melhorar a situação de plantações.
milhões de trabalhadores e trabalhadoras em O intuito dos agrônomos era orientar o
situação de vulnerabilidade na sociedade trabalho dos camponeses no sentido de
brasileira. modernizar e aperfeiçoar suas técnicas, o que
Os territórios podem ser grandes implicava em, também, fazê-los abandonar
instrumentos de transformação dessa antigas superstições e procedimentos sem
realidade, mas para isso, é preciso que nós sentido diante da ciência agronômica atual.
trabalhadoras e trabalhadores tenhamos Para se ter um exemplo destacado neste livro,
definidos os nossos projetos de sociedade. diante de larvas de pragas que atacassem as
São mais de 1 Bilhão de Reais aplicados em plantações, uma das atitudes dos
cada território, mas os recursos são camponeses consistia em matar uma das
disputados por vários grupos sociais e em lagartas, espetá-la em um
diversos tipos de projetos, desde a compra de graveto e, fincando-se este na fronteira
um trator até o financiamento de um projeto das terras , exortar, por meio de orações e
de lavoura ou a construção de uma escola ou encantamentos, a que os demais exemplares
hospital. As forças conservadoras estão se

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da mesma espécie se retirassem em componentes básicos do processo de


procissão. comunicação, desenvolvido com maior ou
A essa forma de pensamento, dita mágica, menor detalhamento por vários estudiosos,
Paulo Freire confere o estatuto de “doxa” em modelos mais ou menos complicados.
(que, em grego, significa algo como “opinião”), Um dos modelos mais conhecidos é
em desenvolvido por David Berlo, que de certa
(que, em grego, significa algo como forma enfatiza os aspectos psicológicos
“opinião”), em oposição ao que seria o envolvidos na comunicação humana,
conhecimento de fato – originado de uma destacando a FONTE e o RECEPTOR.
atitude crítica e questionadora por parte tanto Tendo em mente que o processo da
dos educadores-educandos quanto dos comunicação é um complexo de
educandos-educadores. acontecimento operando em várias
dimensões de tempo, espaço, dinâmico e não
Comunicação-educação, transferência de estático – podemos analisar brevemente os
tecnologia que pressupõe um planejamento vários elementos ou componentes do modelo.
cuidadoso, baseado em conhecimento das
situações e das clientelas. Com o objetivo de O Processo de Comunicação –
levar aos produtores e suas famílias os meios Princípios Básicos
(informações técnicas) que lhes permitam as
melhores tomadas de decisão em prol de seu
desenvolvimento.
Se dos extensionistas, que lidam
diretamente com as famílias e as
comunidades rurais, é esperado um
conhecimento técnico suficiente ao sucesso
de sua tarefa, é também esperado um bom
domínio da metodologia apropriada a essa
transferência de conteúdo, um bom domínio
A FONTE
das técnicas e meios de comunicação já
Toda situação de comunicação envolve
provados nesse processo educativo.
uma FONTE, que pode ser um indivíduo, um
A comunicação humana segue o padrão
grupo, uma instituição. No caso específico de
“alguém diz alguma coisa a alguém”, ao qual
Extensão Rural, a fonte via de regra é o
se pode acrescentar “com algum objetivo” e
extensionista, o técnico em contato direto com
“com uma consequência” (esta, sempre de
sua clientela. De qualquer forma, o técnico é
acordo com o objetivo). Temos aqui os

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sempre o responsável pela informação que bagagem cultural resultante de sua educação
veicula ao longo do seu trabalho. formal e informal, os hábitos sociais de
A habilidade de comunicação da Fonte é comunicação (exposição a meios de massa, a
fator determinante do sucesso da livros, a situações de treinamento
comunicação. A habilidade para escrever, especializado), constituem esse nível sócio-
falar, ilustrar, demonstrar, argumentar, cultural da Fonte.
dialogar varia, no entanto de indivíduo para
indivíduo. O RECEPTOR
O conhecimento que a Fonte possui Toda situação de comunicação pressupõe
sobre o assunto comunicado e sobre os a existência de um RECEPTOR, ao qual é
fatores mais relevantes de sua clientela é dirigida a comunicação, porém que não a
imprescindível para o sucesso da recebe passivamente, interagindo e reagindo
comunicação. Uma fonte mal informada sobre aos estímulos originados na Fonte.
seu assunto e sobre as características A habilidade de comunicação pode
básicas do público terá certamente muito mais afetar o processo na medida em que é o que
dificuldade de se sustentar no meio em que permite à Fonte verificar até que ponto a
deve atuar. mensagem foi efetiva (através da resposta ou
A atitude demonstrada pela Fonte com “(feedback),” e é também o que determina a
relação ao assunto, ao público, ao meio em forma pela qual a mensagem é interpretada. É
que trabalha à instituição ou grupo que importante para a Fonte conhecer a
representa, às políticas e diretrizes e seu habilidade para ler, ouvir, interpretar, associar,
trabalho e do universo político-social em que dialogar, do seu público.
as ações se desenvolvem, é decisiva para o O conhecimento do Receptor sobre o
processo de comunicação. As atitudes, pró ou assunto da comunicação é básico para a
contra, sempre se transmitem, e não deve construção da mensagem. Quando um
haver conflito entre o sentido e o assunto é completamente novo temos uma
comunicado. situação de comunicação diferente de quando
O nível sócio-cultural em que se o assunto já é de alguma forma conhecido.
encontra a Fonte é geralmente a “moldura” As atitudes do Receptor podem
onde são enquadrados os acontecimentos, a condicionar a eficiência da comunicação a
referência pela qual são avaliadas as fatores às vezes completamente
situações. Consciente de seu próprio nível, a independentes do assunto. Uma atitude
Fonte poderá com mais facilidade situar-se negativa, de prevenção, dificulta muito o
em relação aos receptores, no processo da processo da comunicação educativa,
comunicação. As experiências prévias, a obrigando a sua análise mais profunda das

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causas, ás vezes nem sempre declaradas, É no tratamento que se expressa o


nem presentes (por “ouvir dizer”, por temor propósito da comunicação com fins
generalizado). educativos. No caso da Extensão Rural,
O nível sócio-cultural do Receptor pode esses propósitos são INFORMAR, MOTIVAR,
representar barreiras graves à comunicação, ENSINAR, e a mensagem deve ser
caso a Fonte ignore a herança cultural do seu construída de forma a tender ao propósito
público, seu comportamento social, suas específico para o momento. (informar, ou
experiências prévias, as regras dos grupos motivar, ou ensinar).
dominantes.
CANAL
A MENSAGEM Canal – é o veículo da mensagem.
Código – é o primeiro fator a ser Podemos considerar os sentidos humanos
considerado. Todas as mensagens envolvem (visão, audição, tato, olfato e paladar) como
algum código: o idioma usado (Português, canais; podemos considerar canais ou meios
Francês, Alemão), o jargão ou gíria físicos de que a fonte se utiliza para veicular a
empregando linguagem especial de um sua mensagem (orais, visuais, audiovisuais,
determinado ramo de atividade ou grupo – “o sensoriais) ou as técnicas empregadas
economês”, a linguagem médica são jargões, (recursos tais como livros, fotografias, rádio,
linguagem fora do alcance dos que não jornal, televisão, cinema). Via de regras,
pertencem ao grupo a que são peculiares. quando a Fonte utiliza mais de um Canal de
Conteúdo e código – estão intimamente comunicação, geralmente é aumentada a
associados; enquanto o código expressa a chance de ter sucesso – os Receptores
forma básica, o conteúdo exprime a essência tendem a reter mais informação do que se
das ideias contidas na situação de fosse utilizado apenas um Canal; daí a grande
comunicação. Assim como deve selecionar o eficiência dos métodos complexos
código apropriado para sua comunicação, a (Campanha, Exposição, Unidade
Fonte deve também selecionar o conteúdo Demonstrativa), que utilizam-se de várias
adequado à sua clientela. formas e recursos para veicular a mensagem
Tratamento – é o arranjo dos elementos principal.
da comunicação de forma a que se obtenha o
efeito desejado. Este é o trabalho do redator, BARREIRAS DA COMUNICAÇÃO
do diretor de cinema, do artista criativo. Barreiras ou “ruídos” podem se encontrar a
Tratamento envolve o arranjo de frases, de qualquer momento ao longo do processo de
ilustrações, a aparência e o impacto do comunicação humana, e podem ser de vários
produto final. tipos.

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A maior parte das pessoas está bastante causas dos “ruídos” ou “vazamentos” da
familiarizada com as dificuldades semânticas, comunicação.
mas poucas dão a devida atenção às As diferenças de status ou posição na
barreiras psicológicas e às físicas, muito escala social (reais ou imaginadas) podem
embora sejam esses três tipos encontrados interferir e causar problemas sérios à
com igual frequência no trabalho de comunicação transcultural. Se, por
comunicação dirigida com cunho educativo. exemplo, o produtor acredita que o técnico
é muito superior a ele, pode bloquear fluxo da
Barreiras Semânticas comunicação. As diferenças de interesse
Ocorrem, geralmente, na comunicação também podem distorcer a comunicação,
verbal e trans-cultural, no caso de estabelecer cada um enfocando a mensagem de um
uma situação de comunicação entre ponto de vista diferente. Por exemplo, um de
indivíduos de níveis culturais diferentes (como tendência comercial, mercantilista, em
é o caso na Extensão Rural, por exemplo). comunicação com um de tendência
Não apenas os vocabulários são diferentes, filantrópica, discutindo preços de gêneros
como o sentido atribuído às palavras difere alimentícios.
grandemente entre os indivíduos no processo.
Geralmente, como agravante, existe uma falta Barreiras Físicas
de habilidade de “traduzir” os significados de Extremamente simples, comuns, mas nem
um vocabulário a outro. por isso menos prejudiciais à comunicação,
Podem ser superadas pela barreiras físicas são, talvez, as menos
conscientização da necessidade de uso de consideradas pelo comunicador desavisado.
um código ou linguagem mais simples e clara, As condições em que ocorrem a
de exemplos concretos. Também símbolos comunicação, podem gerar esse tipo de
não-verbais, como fotografias, ilustrações, bloqueio – sala mal iluminada, muito quente
demonstrações, modelos, podem dar suporte ou muito fria, barulhos externos, cadeiras
à comunicação, esclarecendo e nivelando os desconfortáveis, horário impróprio, são
conceitos. algumas condições negativas que nem
sempre se tem a preocupação de observar e
Barreiras Psicológicas corrigir.
Tão real quanto ás barreiras semânticas, Uma barreira física muito importante é a
as barreiras psicológicas nem sempre se apresentação confusa, desordenada, da
apresentam claramente, de forma que os mensagem pelo comunicador.
indivíduos dificilmente as percebem como
12 - MÉTODOS PARTICIPATIVOS

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Os serviços de assistência técnica e Agricultura Familiar, subordinada ao


extensão rural no país foram iniciados no final Ministério do Desenvolvimento Agrário,
da década de 1940, no contexto da política passa a atuar como uma espécie de divisor
desenvolvimentista do pós- guerra voltados à de águas no processo de intervenção esta- tal
industrialização. Inicialmente implantados na agricultura e no mundo rural brasileiros.
como uma atividade privada ou paraestatal, Esse surgimento responde ao impacto de
na década de 1970 foram “estatizados” pelo dois grandes vetores: de um lado, a pressão
então presidente Ernesto Geisel. Em 1990 o dos movimentos sociais em favor de
governo Collor de Mello extinguiu o órgão transformações estruturais e da
nacional responsável pelos serviços de democratização das políticas públicas, e, de
assistência técnica e extensão rural fazendo outro, o indiscutível re- conhecimento do
cair a participação financeira do governo status científico da questão como categoria
federal em níveis financeiros. analítica por parte da intelectualidade
Para caracterizar os elementos brasileira (Anjos et al., 2004).
necessários de uma política voltada para o Dentro desse contexto, por exemplo,
desenvolvimento rural, deve-se considerar a aparecem os princípios colocados pela
grande diversidade ambiental, Política Nacional de Assistência Técnica e
socioeconômica e cultural existente no meio Extensão Rural, formulada em 25 de maio de
rural brasileiro, associada às pro- fundas 2004, que devem ser seguidos pelas
desigualdades regionais. Coexistem nesse instituições prestadoras dos serviços de
espaço grupos sociais muito distintos, desde assistência técnica e extensão rural, sejam
empresários do agrobusiness até grupos elas públicas (municipais, estaduais e
tradicionais como ribeirinhos, extrativistas, federais), conveniadas com o setor público,
pescadores, quilombolas e comunidades organizações não- governamentais, redes e
indígenas. Tal fato implica na possibilidade consórcios entre outras. Tais princípios
ou mesmo na necessidade da formulação, foram assim estabelecidos:
dentro desse tema, de políticas também - Assegurar com exclusividade aos
diferenciadas, com estratégias, objetivos e agricultores familiares, o acesso ao serviço de
públicos bastante distintos (Domingues et al., assistência técnica e extensão rural pública,
2001). gratuita, de qualidade e em quantidade
Surge então, em 1995, relacionado à suficiente;
política de assistência técnica e extensão - Contribuir para a promoção do
rural, o Programa Nacional de Fortalecimento desenvolvimento rural sustentável;
da Agricultura Familiar (Pronaf), de nível - Adotar enfoques metodológicos
federal, que articulado pela Secretaria de participativos e um novo paradigma

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metodológico pautado nos princípios da Após uma discussão teórica em torno


agroecologia; da participação no processo de tomada de
- Contribuir para a construção da cidadania decisão é apresentada a instituição onde
e facilitar o processo de controle social no aconteceu o estudo. De- pois são descritos os
planejamento, monitorando e avaliando as procedimentos metodológicos adotados
atividades; durante a intervenção de campo. Os
- Desenvolver processos educativos resultados do estudo explicitam a forma como
permanentes e continuados, a partir de um é gerida a participação no processo decisório
enfoque dialético, humanista e construtivista. da organização estudada no que tange à
A Política Nacional de Assistência Técnica forma como as ações estruturantes de
e Extensão Rural coloca assim que para dar assistência técnica e extensão rural entram na
conta dos desafios, os serviços públicos na agenda da organização. Finalmente, a
área devem ser executados mediante o uso conclusão destaca o nível de participação
de metodologias participativas, devendo seus cidadã detectado no processo de tomada de
agentes desempenharem papel educativo, decisão da organização estudada.
atuando como animadores e facilitadores
de processos de desenvolvimento rural A participação no processo decisório
sustentável. Isso exige novas formas e A análise do comportamento de uma
instrumentos para relacionar os diversos instituição de caráter público demanda, em
atores e capacitá-los em gerenciar processos primeira instância, o entendimento de como
de desenvolvimento em conjunto. se dá o processo de tomada de decisão no
Neste sentido, entende-se como premissa seu interior. Dizer que este comportamento é
deste artigo que planejamento participativo é determinado pelas motivações e ações das
um instrumento que pode servir como fio pessoas que de alguma forma influenciam
norteador para tais processos, que exigem este processo, embora seja evidente, não é
mudanças nas relações e nas posturas das suficiente para analisá-lo em profundidade,
pessoas envolvidas, tornando-se talvez o uma vez que suas características podem
maior desafio de todos os processos de variar consideravelmente de- pendendo de
desenvolvimento. uma série de fatores, em especial das
Por isso, trata-se neste artigo do processo características da própria instituição.
participativo utilizado na elaboração do O fato de que a tomada de decisão — a
planejamento das ações para o ano 2005 formulação da política — é de- terminante dos
desenvolvido pelo Instituto de Assistência demais momentos do processo de existência
Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do da política — implementação e avaliação —
Norte (Emater-RN). obriga uma abordagem com algum detalhe,

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se o objetivo é entender o comportamento de problemas (Manfredini e Lopes, 2005).


de uma instituição e dos seus atores Assim é que Cunill (1991) destaca dois
dominantes. elementos-chave no conceito de participação:
O processo de elaboração de políticas intervenção no curso de uma atividade pública
públicas costuma ser dividido, para fins e expressão de interesses sociais. A partir
heurísticos, em três fases sucessivas — desses dois elementos, a autora faz a
formulação, implementação e avaliação — identificação dos fenômenos que não podem
que conformam um ciclo que se realimenta. ser considerados como participação cidadã.
Segundo essa divisão, a política é, Conclui que a participação cidadã não é uma
primeiramente, formulada. Isto é, concebida alternativa à democracia representativa, mas
no âmbito de um processo decisório, apenas um complemento à mesma.
pelos “tomadores de decisão”. Processo Em relação ao primeiro elemento, a autora
que pode ser democrático e participativo ou esclarece que não devem ser considerados
autoritário, com ou sem manipulação e participação cidadã os seguintes
controle da agenda dos atores com maior fenômenos: a participação social, a
poder. participação comunitária e as experiências
Por vezes, o esforço do governo para a autônomas da sociedade civil. No caso da
criação de condições para a participação é participação social, os indivíduos formam
muito restrito, de maneira que o processo parte de organizações que nascem na
carece de legitimidade. Não é simples sociedade para defender interesses sociais,
definir, mesmo em termos operacionais, e sua relação não é diretamente com o
um conceito útil de participação popular Estado, mas apenas com outras instituições
na administração pública. Em sentido sociais.
amplo, participar significa intervir num Em relação ao segundo elemento —
processo decisório qualquer (Modesto, 1999). expressão de interesses sociais — a
A participação pode ser definida como participação cidadã só se circunscreveria à
um instrumento fundamental no sentido de órbita dos interesses particulares radicados
promover a articulação entre os atores na sociedade civil, referidos especificamente
sociais, fortalecendo a coesão da a interesses difusos e coletivos.
comunidade e melhorando a qualidade das A participação, segundo a autora,
decisões, tornando mais fácil atingir objetivos implicaria a criação de novos caminhos ou
comuns. Todavia, é útil advertir que os novas relações entre a sociedade civil e a
métodos participativos não podem ser esfera pública, dependendo, assim, de quatro
vistos como infalíveis e capazes de fatores:
solucionar adequadamente todos os tipos Níveis da participação — âmbito político e

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âmbito da gestão pública; em relação a algumas questões: até que


Caráter da intervenção dos cidadãos nas ponto a participação social melhora
atividades e/ou órgãos públicos — consultiva efetivamente as condições de vida da
e/ou assessora, resolutiva e fiscalizadora e população? Em que medida efetivamente
participação na execução; democratiza a política e até que ponto
Caráter dos sujeitos sociais intervenientes fortalece o tecido social?
— indireto e direto; Arnstein (1969) considera a participação
Origem do impulso à participação — do cidadão como algo essencial para o
implicação cidadã e ação cidadã. exercício da cidadania. É a redistribuição
do poder que permite aos cidadãos
Jacobi (1990), ao propor o conceito de excluídos dos processos políticos e
“participação dos cidadãos”, corrobora com econômicos a oportunidade de deliberar sobre
Cunill (1991) em relação a um dos elementos o futuro da sociedade.
apontados para esclarecer tal conceito, Baseada na hierarquização de tipos de
quando enfatiza que se trata de uma forma de participação e não-participação a autora
intervenção na vida pública com uma elaborou uma tipologia de oito níveis da
motivação social concreta que se exerce de participação. Para ilustrar os oito tipos são
forma direta e de um método de governo arranjados em um teste padrão da escada de
baseado em um nível de institucionalização participação cidadã (figura 1), com cada
das relações Estado-sociedade. degrau correspondendo à extensão do poder
O objetivo da participação é o de dos cidadãos em determinar o resultado final
possibilitar o contato mais direto e cotidiano na ação pública.
entre os cidadãos e as instituições públicas,
para possibilitar que estas considerem os 13 - SISTEMAS AGRÁRIOS
interesses e concepções político-sociais Os sistemas agrícolas e a produção
daqueles no processo decisório. Assim, a pecuária podem ser classificados como
participação envolve uma conduta ativa dos intensivos ou extensivos. Essa noção esta
cidadãos nas decisões e ações públicas, na ligada ao grau de capitalização e ao índice de
vida da comunidade e nos assuntos de produtividade, independentemente da área
interesse das coletividades de que sejam cultivada ou de criação. As propriedades que,
integrantes. através da utilização de modernas técnicas de
É válido, portanto, conforme Carvalho preparo do solo, cultivo e colheita,
(1998), analisar diferentes práticas do que se apresentam elevados índices de
entende hoje no Brasil por participação, produtividade e conseguem explorar a terra
identificando seus limites e potencialidades por um longo período de tempo, praticam

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agricultura intensiva. Já as propriedades que agricultura itinerante, praticada com técnicas


se utilizam da agricultura tradicional - rudimentares, provoca o esgotamento dos
aplicação de técnicas rudimentares, solos.
apresentam baixo índice de exploração da
terra e obtendo, assim, baixos índices de Agricultura de jardinagem
produtividade - praticam agricultura extensiva. Agricultura de jardinagem. Cultivo de arroz
Na pecuária, por exemplo, o rendimento é em Bali, Indonésia. É praticada na Ásia.
avaliado pelo número de cabeças por hectare. Japão, Indonésia e Tailândia são alguns dos
Quanto maior a densidade de cabeças, países onde o arroz é cultivado em planícies
independentemente de o gado estar solto ou inundáveis e até em áreas montanhosas onde
confinado, maior é a necessidade de ração, são construídos terraços. As principais
de pastos cultivados e de assistência características da jardinagem são: escassez
veterinária. Com tudo isso, a um aumento da de espaço para o plantio, utilização de
produtividade e do rendimento, que são numerosa mão-de-obra manual, pequena
características da pecuária intensiva. Quando propriedade agrícola, elevada produtividade,
o gado se alimenta apenas em pastos uso de adubos e irrigação. É uma área
naturais, a pecuária é considerada extensiva, policultura, no entanto, entre os maiores
e geralmente apresenta baixa produtividade. produtores mundiais de arroz estão países
que praticam a agricultura de jardinagem.
Os sistemas agrários mais conhecidos
mais conhecidos são: Agricultura moderna
Agricultura itinerante É a agricultura típica de países
Praticada por famílias pobres que não desenvolvidos, como os Estados Unidos e os
possuem capital para melhorar sua produção. países da Europa ocidental. Caracteriza-se
Essa mão-de-obra familiar, numerosa, pelo uso de sementes selecionadas, pequena
desqualificada, que utiliza técnicas arcaicas, mão-de-obra, uso intensivo de máquinas,
como o uso da enxada ou a queimada em técnicas modernas e caráter empresarial. A
pequenas e médias propriedades, ou em agricultura dos Estados Unidos, a mais
parte de latifúndios, acaba desgastando o desenvolvida do mundo, organiza sua
solo e muda-se para outra área. O ciclo se produção em grandes faixas ou cinturões
repete, ao se desmatar e queimar essa nova agrícolas (belts), especializados no cultivo de
área. O nome itinerante deriva dessa determinados produtos (trigo, milho, algodão,
constante mudança. Principais áreas de leite e produtos subtropicais). Grandes
agricultura itinerante: América Latina, países propriedades, mão-de-obra familiar e alta
africanos, Sul e Sudeste Asiático. A mecanização caracterizam os cinturões

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agrícolas norte-americanos — um sistema busíness. Mas, sem dúvida, os centros de


controlado pelo agrobusiness. pesquisa de modificação genética e molecular
de sementes para aumentar a produtividade,
Plantatíon - É o sistema agrícola típico e torná-las mais resistentes a pragas, são a
dos países subdesenvolvidos, utilizado maior novidade da agricultura moderna. É a
amplamente durante a colonização europeia biotecnologia, responsável pelos organismos
na África, América e Ásia. As características geneticamente modificados (OGM) ou
atuais da plantation compreendem o latifúndio transgênicos, que tantas polêmicas e
(grande extensão rural), a monocultura protestos têm causado.
(cultivo de um só produto) e mão-de-obra Em 1999, os países que possuíam maior
barata e desqualificada, com o objetivo de área cultivada com transgênicos eram:
exportação. Extensas áreas agrícolas de Estados Unidos, Argentina e Canadá. O que
países pobres do Caribe continental fica evidente é que a biotecnologia agrícola
pertencem a grandes grupos transnacionais. não pretende resolver problemas, mas
A plantation ocupa áreas do Brasil, Colômbia, aumentar os lucros dessa atividade. A
América Central continental e insular, África e biotecnologia aumentará mais ainda as
Ásia. diferenças entre agricultores de países ricos e
Agricultura de precisão (sensoriamento de países pobres, porque suas patentes estão
remoto), centro de pesquisas em nas mãos de grandes transnacionais.
biotecnologia e tecnologia de informação são
expressões muito usadas na agricultura Agricultura orgânica - Se os transgênicos
moderna. A agricultura de precisão permite causam polêmica e são rejeitados, um outro
fazer o mapeamento da área plantada, tipo de produto agrícola, os orgânicos, está
indicando onde é preciso corrigir o solo. Isso é em alta. Esses produtos são cultivados tendo
feito pelo uso de sensores conectados a em vista cuidados com o meio ambiente e
satélites e tratores equipados com GPS, que com a saúde. E verdade que sua produção é
envia e recebe sinais dos satélites, o que mais cara e, portanto, destinada a um grupo
permite fazer um levantamento da situação da específico de consumidores. O NOP
lavoura. A tecnologia de informação é (Programa Nacional Orgânico), organismo
possibilitada pela existência de uma boa rede que controla esse tipo de produto nos Estados
de telecomunicações. Um polo de informática Unidos, só concede o selo "CERTIFICADO
produz softwares para uso dos agricultores. ORGÂNICO" aos que tiverem 95% de
Esses métodos modernos de processamento conteúdo orgânico. Os produtos classificados
de produção, armazenamento e distribuição como "naturais" diferem dos "orgânicos"
de produtos são essenciais para o agro- porque precisam apenas não ter aditivos. Isso

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quer dizer que a carne de frango sem Os sistemas agrícolas e a produção


corantes ou conservantes é "natural", apesar pecuária podem ser classificados como
de proceder de animais criados com intensivos ou extensivos. Essa noção esta
hormônios e alimentados com grãos ligada ao grau de capitalização e ao índice de
cultivados com fertilizantes químicos. produtividade, independentemente da área
cultivada ou de criação. O sistema agrário de
Transgênicos - Invasores chegam às um país esta ligado diretamente à distribuição
prateleiras dos supermercados de todo o de terras deste.
mundo, infiltrados na composição de centenas Alguns países onde ouve uma reforma
de alimentos. São os chamados transgênicos, agrária "eficiente" a base da agricultura é a
organismos geneticamente modificados em familiar, gerando riquezas para um número
laboratórios, já se compõem a receita de maior de pessoas. Em países com maior
inocentes papinhas de bebês, biscoitos, desenvolvimento econômico há um melhor
achocolatados, molhos, suplementos, massas uso de tecnologias possibilitando uma maior
e uma infinidade de guloseimas feitas produtividade, através de subsídios.
principalmente à base dê milho e soja, cereais Em outros países a agricultura é
que já têm metade de sua produção basicamente de subsistência, sem uso de
dominada pelas lavouras transgênicas nos tecnologias e baixa produtividade.
Estados Unidos. No Brasil convivem os dois sistemas
As plantas transgênicas são assim agrários. Há regiões com um maior uso de
chamadas porque recebem um ou mais genes tecnologias e consequentemente uma maior
de outro organismo para ganhar produtividade em relação a outras. Não houve
características supostamente capazes de uma eficiente reforma agrária e há
melhorar seu desempenho produtivo, sua concentração de terras. Faltam estratégias
resistência a pragas e doenças. De olho nos para a proteção e desenvolvimento da
possíveis benefícios econômicos prometidos agricultura.
pelas safras transgênicas, os norte- Os grandes latifúndios são poucos
americanos já disseminaram esses: produtivos e os pequenos produtores são
organismos em 60% dos alimentos responsáveis por quase 70 % da produção de
processados em seu país. Mas o que essas alimentos no Brasil.
plantas mutantes poderão causar ao meio
ambiente, na saúde humana e de animais é
ainda unia grande especulação em terreno 14 - OS ATORES NO RURAL
desconhecido. BRASILEIRO

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Essas instituições, que chamamos de momento em que urge se tomem providências


novos atores do desenvolvimento rural, são para mudar o cenário nacional, concretizando
de dois tipos. Uma primeira vertente é a reforma agrária e políticas agrícolas de
composta pelos órgãos administrativos desenvolvimento, atendendo ao anseio dos
públicos locais e micorregionais, novos movimentos sociais aguerridos,
essencialmente, prefeituras municipais e suas especialmente o Movimento dos
diversas secretarias, Conselhos Municipais de Trabalhadores Rurais Sem Terra, gerando
Desenvolvimento Rural (CMDR), consórcios uma solução eficaz para as lides no campo.
de municípios. A segunda vertente Ao mesmo tempo, tem-se como objetivo
corresponde a entidades privadas de analisar a importância dos novos atores
interesse coletivo ou comunitário. São, sociais no meio rural brasileiro, os quais
principalmente, organizações de produtores surgem como resistência ao processo que
(associações, sindicatos...) ou entidades da ocasionou a modernização da agricultura e,
sociedade civil (ONG's, fóruns de consequentemente, a exclusão,
desenvolvimento, cooperativas de técnicos). caracterizando-se estes como instrumentos
Embora de natureza diferente e atuando com de mudança na realidade fundiária, buscando
meios diversos, estes dois tipos de construir um modelo de inclusão e
instituições asseguram funções antes desenvolvimento agrário, servindo de base
assumidas por órgãos estaduais ou federais, para edificar o exercício da cidadania no meio
assim como novos papéis, oriundos das rural.
condições emergentes e das dinâmicas atuais Entre os novos atores do desenvolvimento
(territoriais ou setoriais) do desenvolvimento rural, a categoria mais importante, aparece
rural brasileiro. Em outras palavras, as também como a mais diversificada e a mais
transformações da agricultura, e em particular frágil. Trata-se das organizações de 8
da agricultura familiar, ainda permanecem produtores rurais: sem terra, trabalhadores
estreitamente ligadas às mudanças rurais, moradores, agricultores, criadores,
organizacionais proporcionadas pelos pescadores, artesãos, posseiros, assentados,
próprios agricultores e pela evolução do pequenas agroindústrias, ...a lista é longa.
"ambiente institucional" local ou regional A diversidade dessas Organizações de
(Sabourin et al., 2000). Produtores (OP) depende do seu estatuto
Os Novos Atores Sociais do Campo (sindicato, cooperativa ou associação), das
contribuir com a Construção de um Modelo de funções assumidas (associações locais,
Desenvolvimento Inclusivo para o Meio Rural, setoriais, por produto, federações,
através de uma abordagem jurídica, política, cooperativas de serviços ou de produção...),
social e econômica. O tema justifica-se no da escala de ação (comunidade, distrito,

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município, região), do modo de financiamento agropecuária levou os atores de base do


(autofinanciamento, privado, público, etc..) e desenvolvimento rural a uma situação de
das suas relações com os poderes públicos. isolamento e de falta total de referências
Algumas dessas OP (sindicatos, adaptadas. Tal situação pode ser verificada
cooperativas) têm uma representação local e para os agricultores familiares,
nacional. É o caso dos Sindicatos de especificamente nos assentamentos de
Trabalhadores Rurais federados a nível reforma agrária. Vale dizer que ela não é
estadual e via a Confederação Nacional dos muito diferente para os técnicos das
Trabalhadores da Agricultura (CONTAG). Nos secretarias de agricultura de muitos
estados onde a federação é pouco ativa municípios, de cooperativas e até de
(Paraíba e Bahia, por exemplo), a filiação da escritórios locais das Empresas de
CONTAG a Central Única dos Trabalhadores Assistência Técnica e Extensão Rural
(CUT) e a extinção do Departamento Rural da (Emater).
CUT tem trazido mais dificuldades que A produção de referências locais
vantagens. Uma alternativa está, pouco a pertinentes depende em parte do acesso a
pouco, sendo reconstruída, por meio dos fontes de informação tecnológica ou de
pólos intersindicais, como o polo da material genético, e mais ainda da adaptação
Borborema que agrega os STR’s de 15 ou da validação local de processos, técnicas
municípios do Cariri e do Agreste da Paraíba. ou práticas às condições específicas de
A qualidade ou a eficiência das OP sistemas de produção localizados. Neste
depende em primeiro lugar da sua autonomia, sentido, uma das iniciativas mais
da sua representatividade e da capacidade de interessantes dos últimos anos é o apoio e
controle e de intervenção dos seus membros. monitoramento proporcionados pela AS-PTA
A questão dos recursos é importante, mas a grupos e redes de agricultores-
geralmente, o modo de funcionamento experimentadores no Agreste da Paraíba
(confiança, democracia direta, solidariedade, (Sidersky e Silveira, 1998).
controle social mútuo, relações externas) e a A valorização das capacidades dos novos
capacidade em gerar ou mobilizar atores institucionais do campo e o
competências internas ou externas ao grupo, reconhecimento das funções que eles vêm
constituem os elementos mais determinantes assegurando constituem um passo prévio
do seu impacto. para o futuro da agricultura familiar nordestina
Apesar da multiplicação das informações e brasileira. Como lembra Wanderley (1999),
disponíveis no mundo das comunicações, a trata-se de um verdadeiro pacto social para o
redução dos temas de trabalho e dos recursos desenvolvimento rural. Existem riscos de
dos centros públicos de pesquisa duplicação de esforços ou de recursos

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podendo levar a conflitos, ou no mínimo, a dizer de integração de referências e


novos custos. Portanto, o primeiro dos representações comuns, por meio da prática e
desafios reside na consolidação da da experiência coletiva (social learning). Em
coordenação entre esses novos atores de um realidade, os atores locais, indivíduos ou
lado, e entre eles e as políticas públicas por instituições, podem construir, mediante tais
outro lado, de maneira a fazer convergir os processos, representações comuns, capazes
esforços e recursos, e a reduzir os custos de de facilitar o diálogo e os reconhecimentos
transação. mútuos. Isto quer dizer elaborar novas bases
De fato, entre o nível da ação individual (o para a coordenação. Esta adaptação se
agricultor) e aquele da ação pública (políticas traduz em termos de inovação institucional,
públicas, crédito, infra-estruturas, educação..), técnica e econômica e pode ser verificada na
o ambiente institucional inclui cada vez mais grande diversidade das formas de
espaço para o nível da ação coletiva ou, com organização existentes e das funções que
outras palavras, aquele da organização dos vêm assumindo. Apenas podemos lembrar
atores do desenvolvimento local, incluindo os aqui alguns exemplos em matéria de apoio a
produtores familiares. Este nível é produção familiar na região semiárida.
fundamental para articular negociações entre O problema gerado em torno do tema é o
indivíduos e poderes públicos, para constituir seguinte: os novos atores sociais que lutam
redes e alianças capazes de mobilizar e de contra o modelo de desenvolvimento agrícola
provocar uma resposta da ação pública, entre que causou a exclusão no meio rural
outras, para a produção e difusão de brasileiro, seriam capazes de construir um
inovações institucionais e técnicas adaptadas. modelo de desenvolvimento para o meio rural
Na prática, a organização autônoma dos que contemple, sobretudo, a participação do
produtores passa por uma série de micro, pequeno e médio proprietário na
adaptações: atualização das formas de definição das políticas que irão nortear este
solidariedade familiar e de organização processo de desenvolvimento?
camponesa a um novo contexto institucional. Em solução a este quadro apresenta-
Trata-se da adaptação do saber-fazer se a hipótese de que os novos atores sociais,
camponês - em matéria de produção e em especial, o Movimento dos Trabalhadores
processamento por exemplo - a novas Rurais Sem Terra (MST), serão capazes de
exigências do mercado ou da integração de avaliar os resultados produzidos pelo atual
novos conhecimentos científicos pelos modelo de desenvolvimento agrícola
agricultores. Esses processos passam, não excludente e construir diretrizes que venham
somente pela formação, mas por diversos a nortear um novo modelo de
mecanismos de aprendizagem coletiva, quer

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desenvolvimento agrícola includente e JÚNIOR, s.d.). Somente com a abolição


cidadão. que houve uma delimitação mais nítida
Referida hipótese restou parcialmente entre rural e urbano, assim como foi se
confirmada por intermédio de uma pesquisa consolidando um mercado interno. A
bibliográfica, utilizando-se aportes teóricos longevidade desses dois fenômenos,
compreendidos a partir de uma busca crítica e monocultura e trabalho escravo, expressam
interdisciplinar das categorias estudadas. Em as peculiaridades de uma sociedade em que
síntese, o trabalho está dividido em três não havia cidadania, pois os direitos civis,
capítulos, sendo que de início reflete-se sobre políticos e sociais eram inexistentes, ou
a modernização agrícola no Brasil. Os novos distorcidos. No período escravista, a
atores sociais do campo é o tema do segundo pobreza e a miséria eram tidas como
capítulo. Por fim, no terceiro capítulo inevitáveis e naturais. Os escravos, em sua
abordam-se alternativas para a construção de grande maioria, não tinham clareza,
um modelo de desenvolvimento inclusivo para consciência de sua condição de miséria e
o meio rural. exploração e, dessa forma, pouco se
Portanto, pode-se concluir que os organizavam para dar fim a essa situação. No
novos atores sociais do campo, contribuem final do século XIX a população brasileira
para a construção de um modelo de caracterizava se por uma pequena elite
desenvolvimento inclusivo para o meio rural, branca e ―[...] uma multidão de escravos
atendendo os interesses do homem do campo libertos, filhos bastardos, descendentes de
e a consequente diminuição dos conflitos no índios e brancos empobrecidos e pobres
meio agrícola, favorecendo a implantação do migrantes trazidos da Europa e do Japão‖
verdadeiro conceito de justiça social. (SCHWARTZMAN, 2004, p.20).
Segundo Carvalho (2004), diferente
de países como Inglaterra, por exemplo,
O RURAL, SEUS ATORES E A em que os direitos foram lentamente se
CIDADANIA TUTELADA estabelecendo (direitos civis, século XVIII;
A ocupação do território brasileiro e as políticos, século XIX; sociais, século XX), tal
primeiras unidades agrícolas começaram como os pressupostos de T.A. Marshall, aqui
na faixa costeira. No interior era não ocorreu dessa forma. Houve uma
desenvolvida a pecuária para inversão dos direitos, o que afetou a
abastecimento dessas regiões litorâneas. cidadania, pois ao invés do lento
Em geral, até meados do século XIX, aprendizado da democracia e da luta por
predominou no meio rural a monocultura e a direitos sociais, tendo consciência do que
utilização do trabalho escravo (PRADO significa ser cidadão, existiu um sistema

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totalmente viciado com compra de caso dos quilombos. Mas, de modo geral,
votos, assistencialismo. a sociedade civil começa realmente a
Ou seja: ―O novo país herdou a despontar como protagonista após o
escravidão, que negava a condição humana período ditatorial, em especial na década
do escravo, herdou a grande propriedade de 1970 (SCHERERWARREN, 1993).
rural, fechada à ação da lei, e herdou um Houve o surgimento do MST, a
Estado comprometido com o poder intensificação da formação de ONGs,
privado‖ (Ibid, 2004, p.45). Mesmo, nos sindicatos, entre outros. No entanto, ainda
tempos mais recentes, com os avanços na persiste impregnado no imaginário das
democracia, em especial com a Constituição populações o agir tutelado, a dificuldade
de 1988, essa dualidade da casa grande de tornarem se protagonistas das
(monocultura) x senzala (escravidão) parece ações/projetos a serem implementados.
estar introjetada no imaginário social. Isso Isso se reflete nos programas e estratégias
por que, ainda persiste o favorecimento de de desenvolvimento que vem sendo
poucos e a humilhação de muitos, sendo efetivadas no meio rural, conforme consta no
seus reflexos presentes nos dias atuais. decorrer desse texto.
Como, por exemplo, na existência recorrente
do trabalho escravo, da grande propriedade 15 - AGROECOLOGIA
rural e das enormes desigualdades sociais,
entre outros. A agroecologia consiste em uma proposta
Essa estrutura dual em que os direitos são alternativa de agricultura familiar socialmente
privilégios, pois não beneficiam a todos do justa, economicamente viável e
mesmo modo, ficou explícita na ecologicamente sustentável.
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), O termo pode ser entendido de diversas
em 1943, que deixa fora da legislação formas: como ciência, como movimento e
os trabalhadores domésticos, autônomos e como prática. Nesse sentido, a agroecologia
rurais. No caso destes últimos, foi não existe isoladamente, mas é uma ciência
somente com o Estatuto do Trabalhador integradora que agrega conhecimentos de
Rural, de 1963, que a legislação outras ciências, além de agregar também
trabalhista chegou ao campo. Todos esses saberes populares e tradicionais provenientes
aspectos, entre outros, contribuíram para a das experiências de agricultores familiares de
formação das lutas sociais, pois mesmo comunidades indígenas e camponesas.
não havendo uma cidadania ativa, os
movimentos de resistência sempre existiram,
inclusive na época da escravidão, como foi o

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A palavra agroecologia foi utilizada pela científicas, bem como os impactos sociais
primeira vez em 1928, com a publicação do provenientes da prática agroecológica.
termo pelo agrônomo russo Basil Bensin.
O entendimento da agroecologia enquanto Definição
ciência coincidiu com a maior preocupação "A abordagem agroecológica propõe
pela preservação dos recursos naturais nos mudanças profundas nos sistemas e nas
anos 1960 e 70. Os critérios de formas de produção. Na base dessa mudança
sustentabilidade nortearam as discussões está a filosofia de se produzir de acordo com
sobre uma agricultura sustentável, que as leis e as dinâmicas que regem os
garantisse a preservação do solo, dos ecossistemas – uma produção com e não
recursos hídricos, da vida silvestre e dos contra a natureza. Propõe, portanto, novas
ecossistemas naturais, e ao mesmo tempo formas de apropriação dos recursos naturais
assegurasse a segurança alimentar. Porém, que devem se materializar em estratégias e
só depois de 1970, quando agrônomos tecnologias condizentes com a filosofia-base"
passam a enxergar o valor da ecologia nos Em sentido mais estrito, a agroecologia
sistemas agrícolas, que o termo começa a ser pode ser vista como uma abordagem da
mais explorado e a agroecologia trabalhada agricultura que se baseia nas dinâmicas da
com mais afinco, pois passa a ser entendida natureza. Dentro delas se destaca a sucessão
como campo de produção científica e como natural, a qual permite que se restaure a
ciência integradora, preocupada com a fertilidade do solo sem o uso de fertilizantes
aplicação direta de seus princípios na minerais e que se cultive sem uso de
agricultura, na organização social e no agrotóxicos.
estabelecimento de novas formas de relação A inovação metodológica proposta pelos
entre sociedade e natureza. estudos agroecológicos é a junção harmônica
A agroecologia é ainda uma ciência e uma de conceitos das ciências naturais com
prática em franca expansão. A partir dos anos conceitos das ciências sociais, o que nos leva
1980, as organizações não governamentais a um patamar mais amplo de percepção
foram fundamentais na promoção e dessa ciência. Tal junção permite o
divulgação da agroecologia em todo o mundo entendimento acerca da agroecologia como
e especialmente no Brasil. Nos últimos anos ciência, como movimento e como prática
nota-se uma preocupação constante de dedicada ao estudo das relações produtivas
universidades, centros de pesquisa e entre homem-natureza, visando sempre a
programas e projetos de extensão em sustentabilidade ecológica, econômica, social,
trabalhar aspectos e características técnico- cultural, política e ética. Dessa forma, o
resgate de saberes de comunidades

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indígenas e camponesas tradicionais está químicos e na alta mecanização, além da


atrelado à formulação de saberes acadêmico- concentração de terras produtivas, a
científicos, buscando a cooperação e a exploração do trabalhador rural e o consumo
unidade desses diferentes saberes na não local da respectiva produção.
construção da agroecologia. As práticas agroecológicas podem ser
A pesquisadora brasileira em agroecologia, vistas como práticas de resistência da
Ana Maria Primavesi, reforça em suas teses o agricultura familiar, perante o processo de
laço que deve existir entre o fazer exclusão no meio rural e de homogeneização
agroecológico e o saber tradicional e popular: das paisagens de cultivo. Essas práticas se
"A Ecologia se refere ao sistema natural de baseiam na pequena propriedade, na força de
cada local, envolvendo o solo, o clima, os trabalho familiar, em sistemas produtivos
seres vivos, bem como as inter-relações entre complexos e diversos, adaptados às
esses três componentes. Trabalhar condições locais e ligados a redes regionais
ecologicamente significa manejar os recursos de produção e distribuição de alimentos.
naturais respeitando a teia da vida. Sempre De acordo com Ivani Guterres, vivemos
que os manejos agrícolas são realizados uma crise conjuntural no atual sistema de
conforme as características locais do desenvolvimento capitalista. Essa crise teria
ambiente, alterando-as o mínimo possível, o sido causada em muito pelo modelo de
potencial natural dos solos é aproveitado. Por exploração natural e social do agronegócio,
essa razão, a Agroecologia depende muito da ao impulsionar a mercantilização da terra, as
sabedoria de cada agricultor desenvolvida a privatizações e a precarização das condições
partir de suas experiências e observações de trabalho no campo. Para a pesquisadora, o
locais." resgate de saberes tradicionais e os avanços
No âmbito da agroecologia encontramos nos estudos científicos na área da agricultura
ainda discussões sobre manutenção da ecológica alternativa são fundamentais para a
biodiversidade, agricultura orgânica, construção de modelos de desenvolvimento
agrofloresta, permacultura, agroenergia, mais sustentáveis:
dentre outros temas. "A crise que vivemos é uma crise
civilizatória e ambiental. O mundo todo está
Agroecologia X Agronegócio perguntando: onde está o 'novo', que
Basicamente, a proposta agroecológica contenha um conjunto de valores, um novo
para sistemas de produção agropecuária faz pensamento, um conhecimento que parece
direta contraposição ao agronegócio, por estar longe de nossas comunidades e
condenar a produção centrada na assentamentos? Uma outra forma de agir,
monocultura, na dependência de insumos produzir, viver, e não este do pensamento

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cartesiano, mecanicista, do individualismo e divulgação cada vez mais constantes da


tecnológico (a parte explica o todo), da agroecologia esse nicho, ainda
consciência tecnocrática que nos levou à predominantemente hortifrutigranjeito, tende a
privatização, à mercantilização e ao crescer. Ações governamentais, mesmo que
cientificismo? Com isso, queremos debater e incipientes, também buscam reforçar esse
questionar: onde está o 'novo'? Que valores a laço com a agroecologia, seja através do
agricultura camponesa tem? De onde está se financiamento de projetos de redes e ONGs
buscando elementos para a construção de ou de linhas de crédito diretas através do
uma estratégia de desenvolvimento humano e Programa Nacional de Fortalecimento da
sustentável? Urge o resgate de identidades Agricultura Familiar (Pronaf). Desde a safra
locais, tradicionais e culturais de saberes 2003/04, O Banco Nacional do
populares (identidade de classe), para que Desenvolvimento (BNDES) criou novas
possamos construir um desenvolvimento rural modalidades para o Pronaf, dentre elas, o
sustentável, contrapondo o avanço Pronaf Agroecologia, que apóia agricultores
convencional 'modernizador' que se impõe e familiares interessados em não utilizar
coloca em risco o futuro do meio ambiente e insumos químicos e também aqueles que já
da população brasileira." estão em processo de transição
agroecológica.
Transição agroecológica
A transição agroecológica é a passagem Redes e organizações relacionadas à
da maneira convencional de produzir com agroecologia
agrotóxicos e técnicas que agridem a Diversas redes, organizações não-
natureza, para novas maneiras de fazer governamentais e movimentos espalhados
agricultura, com tecnologias de base pelo Brasil atuam no sentido de articular,
ecológica, buscando proporcionar de maneira organizar e formar agricultores familiares em
integrada a produção agrícola, o respeito e a relação aos saberes e fazeres da
conservação da natureza, sem esquecer agroecologia. Estes espaços de articulação
jamais da meta de proporcionar uma melhor com a comunidade atuam de diversas formas:
qualidade de vida às pessoas, sejam elas promovem oficinas de formação e prática
consumidores ou produtores agrícolas. agrocológica, bem como intercâmbios entre
No Brasil, o segmento é ainda tímido, tanto as comunidades, pesquisam aspectos
no que diz respeito ao número de geográficos, físicos e sociais das
propriedades que passaram pelo processo de propriedades rurais, criam bancos de
transição, quanto à projeção de seus produtos sementes nativas e crioulas e buscam com as
no mercado interno. Porém, com a promoção

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experiências realizadas nas comunidades propriedade como o turismo rural, o


trabalhar com processos autogestionáveis. artesanato, diversificação na produção e
A Articulação Nacional de Agroecologia pequenos beneficiamentos de seus produtos.
(ANA), criada em 2002 após o I Encontro Marafon (2006) ainda cita que tal fenômeno
Nacional de Agroecologia (ENA), busca reunir não deve ser encarado como uma situação
estas organizações a fim promover um nova, mas uma característica histórica
intercâmbio de experiências que permita a importante de agricultores familiares, que
construção de saberes mais sólidos e, com sempre, no intuito de incrementar sua renda,
isso, fortalecer os movimentos desenvolveram atividades não-agrícolas ou
agroecológicos. para-agrícolas (beneficiamento de alimentos e
bebidas). Essas estratégias representam,
16 - PLURIATIVIDADE E portanto, características intrínsecas dos
MULTIFUNCIONALIDADE, agricultores familiares.
TERRITORIALIDADE Essa estratégia, embora considerada por
muitos como temporária ou esporádica, com o
Nas últimas décadas, as expressões intuito de contra-balancear momentos de crise
agricultor em tempo parcial, atividades não nas atividades agrícolas, pode se mostrar
agrícolas e pluriatividade fazem parte dos como uma característica estrutural de certos
estudos e discussões acerca dos problemas agricultores familiares, devido ao contexto em
envolvidos na questão do desenvolvimento que eles estão inseridos e conseqüentemente
rural principalmente nos Estados Unidos e às contingências a que eles são submetidos.
Europa. No Brasil, o assunto desperta Com a crescente integração entre campo e
interesse de diversos pesquisadores desde o cidade e o fluxo de populações tipicamente
início da década de 1990 (ALVES, 2002). urbanas para o meio rural, tal fenômeno se
Segundo Anjos (2003, apud Marafon 2006) evidencia mais ainda. O espaço rural passa a
a pluriatividade, ou a emergência de ter novas formas de desenvolvimento, com
atividades não-agrícolas no meio rural, é um novas possibilidades de emprego, através de
fenômeno onde famílias de agricultores atividades de lazer, caracterizada pela
tradicionalmente ocupadas com atividades crescente procura pelo turismo rural,
estritamente agrícolas passam a desenvolver ecoturismo e clubes campestres, e também
outras atividades como estratégia de pela demanda crescente por moradias no
complementação de renda. Essa campo por pessoas das cidades, com a
complementação pode vir através da venda construção de condomínios, sítios e chácaras.
da força de trabalho familiar, da prestação de
serviços, ou de iniciativas internas a

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Como conseqüência, oportunidades de saídas para problemas advindos do caráter


prestação de serviços surgem na medida em excludente que caracterizou a evolução da
que novas formas de lazer e ocupação agricultura nos últimos anos e conformou o
aparecem no campo, como na construção agronegócio mundial, como também, e acima
civil, nas atividades de caseiro, jardineiro, de tudo, ilustrar a busca de alternativas para o
cozinheiro, motoristas, etc, além de empregos desenvolvimento e a continuidade da família
nos pequenos comércios que surgem para no meio rural.
atender as demandas desses novos atores no Analisando as regiões “essencialmente
meio rural, as populações tipicamente rurais” em países desenvolvidos como
urbanas. Além disso, configurando o extremo Estados Unidos, França, Austrália, Japão
da redefinição do espaço rural e da entre outros, Schneider (2003) mostra,
oportunidade de novas ocupações, observa- através de dados da Organização para
se o processo de migração de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
unidades fabris para o campo decorrentes (OCDE), que entre 1980 e 1996, na maioria
de processos de descentralização da desses países, as taxas de crescimento anual
indústria. do emprego agrícola foram negativas,
Todos esses fatores ajudam a configurar o enquanto as taxas de crescimento dos
que alguns autores como Graziano da Silva empregos não-agrícolas se mostraram
(2002) chamam de o “novo rural”, ou o positivas. O mesmo autor cita algumas das
processo de “urbanização do rural”, aonde a possíveis causas da emergência de
tradicional oposição campo/cidade vai atividades nãoagrícolas nos países
perdendo importância e significado. Esse desenvolvidos, como sendo: a modernização
mesmo autor considera que o fenômeno da tecnológica com sua capacidade de excluir
emergência de atividades tipicamente alguns agricultores e de poupar mão-de-obra
urbanas no meio rural indica um processo de outros, liberando integrantes das famílias
gradativo e crescente de “desidentificação” do de agricultores para outras atividades; a
meio rural com a agricultura. queda na renda agrícola; as políticas públicas
O aumento de atividades não-agrícolas ou que buscam fomentar a “desintensificação” da
não tipicamente agrícolas pode ser observado atividade agrícola, caracterizando a
tanto em países em desenvolvimento como importância dada à questão da
também em países desenvolvidos. Esse multifuncionalidade do espaço agrário; a
fenômeno, ilustra tanto a capacidade e dinâmica do mercado de trabalho não-
necessidade de agricultores familiares não agrícola caracterizada pelos processos de
totalmente inseridos na moderna dinâmica descentralização industrial em áreas rurais; e
agroindustrial e de mercado, de criarem a própria pluriatividade como característica

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estrutural da agricultura familiar, onde famílias dos agricultores excluídos que não tiveram
tradicionalmente sempre desempenharam condições de adotar os pacotes tecnológicos,
atividades não-agrícolas dentro das como dos trabalhadores rurais ou membros
propriedades, como o artesanato. de famílias de agricultores que foram
No Brasil, através de dados das Pesquisas poupados devido às novas funções
Nacionais por Amostras de Domicílios desenvolvidas pelas máquinas. A queda na
(PNADs), referentes à década de 90, renda agrícola no Brasil também se conforma
Graziano da Silva (2002) constata situação como uma causa, principalmente devido ao
semelhante: esgotamento da oferta de crédito pelo Estado
uma pequena taxa de crescimento (0,7% no fim dos anos 1980, a equiparação cambial
ao ano) da população domiciliada no meio com o dólar no início do Plano Real, o
rural e ocupada em atividades agrícolas controle da inflação baseado no controle de
contrastando com uma taxa relativamente preços de alimentos, e a abertura comercial
maior de crescimento (5,4% ao ano) da promovida pelo governo no início dos anos
população domiciliada no meio rural e 1990.
ocupada em atividades não-agrícolas. Pode-se citar ainda a intensa integração
No caso brasileiro, algumas causas para cidade/campo que cria novas oportunidades
essa situação guardam semelhanças com as de ocupação e a já citada característica
dos países desenvolvidos, excetuando-se estrutural da agricultura familiar: a constante
algumas questões. No Brasil, diferentemente criação de estratégias complementares de
do exemplo europeu, praticamente inexistem geração de renda não necessariamente
políticas de incentivo à manutenção do agrícolas.
agricultor no campo sem desempenhar Portanto, a tendência do aumento das
atividades necessariamente agrícolas atividades não-agrícolas no Brasil pode levar
caracterizadas pela abordagem multifuncional ao entendimento de que existem outras
do espaço agrário. E, o mais importante, a formas e possibilidades de atividades
dinâmica do mercado de trabalho não- econômicas e empregos, para os agricultores
agrícola, ou seja, as atividades alternativas excluídos no nosso meio rural. As
que surgem no campo brasileiro são possibilidades surgem devido a uma maior
totalmente diferentes das que surgem no meio integração com o meio urbano, dada a
rural de países desenvolvidos. Quanto às evolução dos meios de transporte e
outras causas há bastante semelhança. comunicação, maior valorização do estudo
O processo de modernização tecnológica nas áreas urbanas por parte de membros
da agricultura no Brasil também colaborou mais novos de famílias tipicamente rurais,
para a pluriatividade, tanto do ponto de vista melhora relativa da infra-estrutura no meio

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rural, com energia elétrica, estradas, pontes, necessidade de se diferenciar ocupações


desenvolvimento de pequenos comércios, dignas e de boa remuneração com ocupações
centros de saúde, escolas, etc. pouco valorizadas e exploratórias. E o que
Todavia, cabe ressaltar que, pelo fato do pode delimitar as oportunidades diferenciadas
processo de integração do meio rural com o são justamente as características naturais e
meio urbano, e, conseqüentemente, o estruturais das regiões, de educação, saúde,
aumento das opções para que uma família de moradia, economia, cultura, clima, entre
agricultores se torne pluriativa necessitar de outras.
infra-estrutura e condições básicas de Tal fato mostra que a emergência de
desenvolvimento humano, deve-se considerar atividades não-agrícolas na agricultura
as enormes variações dentro do território familiar do Brasil pode ter duas faces:
brasileiro. Ao mesmo tempo em que as oportunidades devido ao surgimento de boas
regiões Sul e Sudeste têm enorme potencial ocupações valorizadas no meio rural como
de contribuir com essa integração e com comércio, lazer, indústria e serviços
novas oportunidades de ocupação, ainda que especializados, associadas a um processo de
com exceções, as demais regiões maiores oportunidades de educação
principalmente, o Norte e o Nordeste, fundamental, média e superior, e, no oposto,
possuem claras carências estruturais para oportunidades forçadas, indignas,
tanto. exploratórias, pouco valorizadas e
Apesar das carências, a maioria dos remuneradas. O que pode ser caracterizado
agricultores familiares da região Nordeste, para alguns produtores familiares como uma
segundo Alves (2002), por não ter participado escolha vantajosa frente a alternativas
do processo de modernização da agricultura presentes e concretas, também pode ser
brasileira, além de viverem de recursos encarado como uma solução única e sofrida
previdenciários e outros recursos públicos de sobrevivência para outros, decorrentes de
assistencialistas, recorrem sempre a condições extremamente desfavoráveis de se
atividades complementares com o objetivo de desenvolver a agricultura.
sobrevivência e manutenção de suas famílias Considerando ainda o apego a terra,
no campo. característica fundamental de agricultores,
Não só no Nordeste, mas em todo país, Alves (ibid.) coloca um ponto importante:
observa-se esse fenômeno, como foi descrito verifica que, para alguns agricultores do
anteriormente, e eles guardam um ponto em sertão nordestino, empregos considerados
comum, a necessidade de complementar “bicos” podem, muitas vezes, representar um
renda e propiciar o desenvolvimento de suas fracasso, um sofrimento, e são encarados
famílias. O grande problema é que há a

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como uma incapacidade de continuar na atividades que demandem me nos terras,


atividade agrícola. através de ocupações como:
Portanto, mesmo verificando-se a construção de casas populares, serviços
importância das atividades não-agrícolas no de caseiros em regime de comodato, serviços
Brasil e a crescente integração do rural com o de guardas ecológicos, guias turísticos e de
urbano, não se pode generalizar e creditar a artesanato. Atividades, segundo o autor, que
essa fórmula, a solução dos problemas não precisam de muito nível de qualificação e
sociais no campo. que podem ser difundidas através de
Para alguns, aplicar essa fórmula, por treinamentos rápidos.
exemplo, aos Trabalhadores Sem-Terra pode Já para Wanderley (2002, apud Machado
ser uma das saídas para a reforma agrária, ou 2005) terra não seria obstáculo, pois os
seja, caracterizar uma reforma social não espaços vazios de áreas improdutivas são um
essencial mente do ponto de vista agrícola, grande problema, e a reforma agrária ainda
mas sim através da criação de empregos se mostra necessária para resolver a questão
oriundos dessa nova onda da “urbanização do da distribuição de terra e exclusão social no
rural”. Mas como o próprio “novo rural” Brasil.
compreende a pluriatividade dentro das Também interpreta os assentamentos de
propriedades, através do artesanato, Sem-Terra como “sementeiras” de
pequenos beneficiamentos, turismo, e até agricultores familiares, que, para a autora, são
atividades com um certo vínculo agrícola, os principais personagens do campo e têm
como a produção para nichos de mercado, um papel fundamental enquanto produtores,
produção orgânica e agroecologia, não se necessitando de estratégias e políticas de
deve abandonar a ideia de uma reforma social desenvolvimento rural que reconheçam essa
e um fortalecimento da agricultura familiar importância. No lugar de
com um cunho de distribuição de propriedade espaços vazios e improdutivos, se
da terra. estabeleceriam comunidades agrícolas que
O assunto em questão é foco de muitos ajudariam a preservar e valorizar o patrimônio
debates por parte de pesquisadores natural e cultural do meio rural.
brasileiros da área. Segundo Graziano da Guanziroli (2001) também segue a mesma
Silva (2002), há muitos problemas no linha e observa que os dados das PNADs
processo de redistribuição de terras e a oferta referentes às rendas e atividades não-
de alimentos já é suprida pela agricultura agrícolas no Brasil não conseguem explicar
patronal com eficiência, e por isso, nossa as razões e tendências da pluriatividade como
reforma agrária não precisa ter um caráter acontece na Europa. Considera muito mais
essencialmente agrícola, e sim combinar fácil esse fenômeno no Brasil representar

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estratégias de “refúgio” provenientes da total no meio rural do Brasil, demandando soluções


falta de condição de desempenhar uma diferenciadas.
agricultura integrada ao mercado e à indústria O mais importante é, que o fenômeno da
e, portanto, também defende uma reforma pluriatividade pode, diante da crescente
agrária com um foco agrícola. O autor faz preocupação mundial com o meio ambiente e
uma ressalva de que toda boa oportunidade através de políticas direcionadas, levar a uma
de ocupações não agrícolas deve ser também reorientação do modelo de desenvolvimento
considerada. do meio rural brasileiro. A reorientação pode
Enquanto de um lado, acredita-se que a vir por meio de um modelo autossustentável,
solução seria manter a atual estrutura agrária ecologicamente correto e socialmente
concentrada e o papel de produtores de igualitário, proporcionando a fixação e
alimentos para os agricultores patronais, manutenção de famílias no campo ligadas a
levando as soluções não agrícolas para os atividades como a agricultura orgânica,
atores excluídos do campo; de outro, agroecologia, turismo rural, ecoturismo,
defende-se a ideia de que a reforma agrária e práticas de esporte ligadas à natureza,
o fortalecimento da agricultura familiar ou artesanato e pequenos beneficiamentos de
pequena agricultura ainda têm um papel alimentos. Todas essas atividades fortemente
importante a desempenhar, do ponto de vista incentivadas por praticas de associativismo e
econômico e mais ainda social. A última de mecanismos de extensão e capacitação.
corrente se aproxima muito da estratégia que Portanto, há a possibilidade de se conciliar
os europeus adotam para sua agricultura. a redistribuição de terras e programas de
Portanto, mesmo observando a existência de fomento à agricultura familiar com atividades
possibilidades de empregos e ocupações agrícolas ou não, voltadas para uma noção
valorizadas com nenhum vínculo à produção diferente de ocupação do território rural, a
agrícola, segue-se que, a ideia distributiva da noção de multifuncionalidade do espaço
reforma agrária com o foco agrícola não pode agrário.
ser deixada de lado. Isso se deve Através desse enfoque, muito valorizado e
principalmente a ainda clara existência de apoiado atualmente na Europa, pode-se
enormes extensões de terra improdutivas no resolver ao mesmo tempo os problemas
Brasil, e a constatação de que muitas ambientais advindos do caráter produtivista
atividades não-agrícolas podem representar de desenvolvimento, e os problemas sociais
um “refúgio” para o agricultor. Recorre-se, de má distribuição de riquezas e desemprego
portanto, à realidade de heterogeneidade das no Brasil.
características, potenciais e condições de vida
A MULTIFUNCIONALIDADE

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O termo multifuncionalidade da agricultura enormes influências ou lobbies no governo


surgiu durante a conferência mundial Rio por parte de grandes agricultores e industriais.
Earth Summit em 1992 na cidade do Rio Consequentemente esses países em
de Janeiro, onde representantes de vários desenvolvimento foram os primeiros a rejeitar
países discutiram assuntos relacionados ao o conceito de multifuncionalidade quando ele
desenvolvimento sustentável, que culminou foi um dos assuntos da reforma na Política
entre outros frutos, na elaboração do Agrícola Comum (PAC) de 1992 na Europa.
documento conhecido como Agenda 21. De acordo com Abramovay (2002) e
Nesse documento, o termo “agricultura DeVries (2000), a reforma na PAC europeia,
multifuncional” era entendido como uma que incluía a mudança de seu mecanismo
atividade que respeitasse a segurança estatal de sustentação de preços por ajudas
alimentar e o desenvolvimento sustentável, ou diretas à atividades multifuncionais da
seja, uma atividade que além de cumprir seus agricultura, e a argumentação e pedido não
objetivos tradicionais de produção de só da União Europeia, mas de países como o
alimentos e fibras, produzisse externalidades Japão e a Coréia do Sul da inclusão de
positivas como respeito ao meio ambiente e à aspectos multifuncionais nos acordos sobre
biodiversidade, preservação da qualidade do agricultura na Organização Mundial de
ar e da água, conservação dos solos e Comércio (OMC), fizeram com que os
produção de bioenergia, e que principais países exportadores de alimentos,
proporcionasse entre outros benefícios a inclusive o Brasil, organizados no Grupo de
viabilidade e o desenvolvimento de Cairns, entendessem que isso levava sem
comunidades rurais e a valorização de suas dúvida alguma a uma tentativa de encobrir ou
paisagens (DeVries, 2000). dar uma nova roupagem aos mecanismos de
Mesmo que as discussões sobre o que as protecionismo e subsídios aos seus
externalidades positivas da agricultura agricultores.
poderiam fornecer à sociedade, já tivessem Essa preocupação é compreensível na
seu início anos antes, é a partir desse medida em que esses países travam uma
encontro que fica clara a preocupação de constante luta na OMC relativas aos subsídios
vários países em adotar métodos mais agrícolas. Mas é preciso entender que é
sustentáveis em suas agriculturas. Mas na justamente esse aspecto que diferencia a
prática os discursos acabam se ndo noção de agricultura de países em
esquecidos, principalmente por países em desenvolvimento e de países desenvolvidos.
desenvolvimento, com menores capacidades Na Europa, por exemplo, a
de articulações de políticas, poucos recursos agricultura sempre foi elemento estratégico de
que possam ser investidos, e a existência de desenvolvimento econômico e social justo,

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cabendo ao estado subsidiar e ajudar sim paisagem e patrimônio natural como também
seus produtores. No Brasil, representando a própria vitalidade do tecido social rural”.
outro extremo, o discurso de liberalismo
econômico associado a uma evidente
incapacidade atual de atuação estatal na
agricultura, produz uma intensa concentração
de capital e terra, formando um cenário de
contraste com a divisão entre agricultores
empresariais e pequenos agricultores
marginalizados compondo cada vez mais a
massa de desempregados e objetos de
políticas assistencialistas.
Os subsídios sempre existiram na Europa
e a preocupação não deve se voltar a eles, e
sim ao reconhecimento de que o conceito de
multifuncionalidade da agricultura é uma
tendência de preocupação com o meio
ambiente, com os agricultores familiares e do
que ela pode proporcionar à sociedade. Para
Abramovay (2002), apesar de toda discussão
comercial entre países, não se pode negar a
existência da preocupação cada vez maior
com os objetivos não produtivos da agricultura
na Europa, baseados nas outras funções que
ela pode exercer para a sociedade. Nesse
sentido, a multifuncionalidade da agricultura
representa na Europa uma preocupação
muito maior que a simples estratégia de
proteger seus agricultores via subsídios.
Segundo Abramovay (ibid. p. 17), a França
é um dos bons exemplos da importância que
se dá a tal fenômeno, com os Contratos
Territoriais de Exploração (CTE’s),
experiência do governo socialista francês que
apoia atividades como a “preservação da

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