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Adonai Sant'Anna
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Existem muitos livros de cálculo diferencial e integral no mundo. Muitos! Até no Brasil
há inúmeros títulos fora de catálogo e muito mais sendo impressos. Eu mesmo já
traduzi para o português vários volumes publicados pela Bookman, todos da Coleção
Schaum. Mas ainda existe uma absurda lacuna nessa literatura voltada principalmente
para alunos de graduação em ciências exatas e tecnológicas. É claro que alunos de
economia e ciências biológicas também consomem livros de cálculo. Mas as
deficiências de formação nessas áreas são muito piores. Prefiro não explorar este
problema, por enquanto.
Ou seja, um estudo crítico sobre cálculo deveria alertar os alunos sobre estes fatos.
Feito isso, concentremo-nos agora no estudo usual de cálculo. Deixarei de lado, por
enquanto, a equivocada visão usual sobre conjuntos e funções, os conceitos básicos
para o estudo padrão de cálculo. Normalmente professores e alunos são
completamente ignorantes sobre os conceitos usuais de conjuntos e funções.
Consequentemente não sabem o que são números reais e complexos. Portanto, serei
obrigado a fazer de conta que tais assuntos podem ser ignorados (no que se refere
aos seus fundamentos) até um certo ponto de tolerância. Isso porque toda graduação
está presa a um calendário que deve estar em sintonia com as realidades do mercado
de trabalho. Mas, ainda assim, vejamos a definição usual de limite de uma função real
(função cujas imagens são números reais).
Costuma-se dizer que o limite de uma função real f(x), com x tendendo a a, é igual ao
número real L se, e somente se, para todo épsilon positivo existe pelo menos um delta
positivo tal que para todo x pertencente ao intervalo aberto (a - delta, a + delta) (exceto
possivelmente o próprio a) temos que f(x) pertence ao intervalo aberto (L - épsilon, L +
épsilon).
Esta definição foi uma das grandes conquistas da matemática, principalmente por
permitir extensões que envolvem o conceito de infinito. No entanto, é desanimador
perceber que pouco se compreende a respeito de tal conceito. Tanto é verdade que até
hoje se ouve e se lê o patético discurso de que 5 dividido por infinito é zero.
Sabe-se, por exemplo, que o limite necessariamente é único, quando existe. Este é o
célebre teorema da unicidade do limite, cuja demonstração é relativamente simples.
Um estudo crítico sobre limites deveria levar em conta possíveis alterações na
definição de limite e a posterior análise de suas repercussões, algo que não vejo
discutido em livro algum de cálculo aqui no Brasil. Digamos que alguém tentasse
apresentar definições alternativas para limites de funções reais. Quais seriam as
consequências disso?
Definição Alternativa 1: o limite de uma função real f(x), com x tendendo a a, é igual ao
número real L se, e somente se, existe épsilon positivo e existe delta positivo tal que
para todo x pertencente ao intervalo aberto (a - delta, a + delta) (exceto possivelmente
o próprio a) temos que f(x) pertence ao intervalo aberto (L - épsilon, L + épsilon).
Definição Alternativa 2: o limite de uma função real f(x), com x tendendo a a, é igual ao
número real L se, e somente se, para todo épsilon positivo e para todo delta positivo
temos que para todo x pertencente ao intervalo aberto (a - delta, a + delta) (exceto
possivelmente o próprio a) necessariamente f(x) pertence ao intervalo aberto (L -
épsilon, L + épsilon).
Neste caso a unicidade do limite ainda é teorema. Porém apenas funções constantes
admitiriam limites.
Eu poderia apresentar aqui centenas de definições alternativas para limites, todas não
equivalentes entre si. Portanto, para cada definição alternativa de limite existe um
cálculo diferencial e integral totalmente diferente do usual. Isso porque normalmente
se definem derivadas e integrais como casos particulares de limites. E derivadas e
integrais são fundamentais para desenvolver equações diferenciais, aquelas
ferramentas empregadas para descrever a dinâmica do mundo físico. Então a pergunta
natural é a seguinte: por que se adota especificamente a primeira definição
apresentada acima? A resposta novamente repousa sobre a intuição.
O curioso é que este resgate formal da visão intuitiva apresenta resultados posteriores
que desafiam a intuição. Qualquer bom aluno que tenha estudado um semestre de
cálculo sabe da existência de funções que descrevem regiões de comprimento infinito
e área infinita as quais, após uma rotação em torno de um eixo, assumem volume
finito. Isso significa que o resgate da visão intuiva em uma linguagem formal
apresenta características perturbadoras. Por isso mesmo existe uma constante
batalha em busca por novas formulações que atendam a novas visões intuitivas.
Para quem quiser estudar seriamente cálculo, aqui vai uma última advertência: do
ponto de vista das teorias usuais de definição, nenhuma das fórmulas discutidas
acima é, de fato, uma definição para limites. Consegue descobrir o por quê?
_________
Adonai às 00:47
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21 comentários:
Sobre a pergunta ao final do texto, imagino que não seja definição para limites porque, no caso em
que dizemos que "o limite não existe", aquela frase de fato não está "definindo" algo.
Não se trata apenas de intuição, mas principalmente da falta de qualificação de discurso. É muito
perigoso empregar artigo definido em matemática: O cálculo, A álgebra linear, O espaço vetorial etc.
Com relação às supostas definições de limite na literatura, prefiro deixar isso como um problema
para você pensar a respeito ao longo dos anos. Por isso recomendo o estudo das teorias de
definição, especialmente as de Tarski e de Lesniewski.
Com relação ao exemplo pedido, aqui vai. Considere a função real f cujo domínio é o conjunto dos
números reais maiores do que zero e tal que f(x) = 1/x. O comprimento da curva gerada pelo gráfico a
partir de 1 é infinito. A integral da mesma função, de 1 a infinito (área), também é infinita. Mas o
volume do sólido de revolução obtido pelo giro da curva de 1 a infinito em torno do eixo x é pi (finito!).
O legal é que mesmo um estudante brilhante como você não sabia disso. Sempre (sempre!) existem
mistérios ocultos mesmo nos mais básicos níveis do conhecimento. Divertido, não é?
Responder
Eu adoraria ter visto este exemplo no primeiro curso de cálculo. Todo professor deveria ter uma lista
de exemplos como este, que ultrapassa a mera ferramenta didática.
Fazendo um resumo de
http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2012/01/por-que-e-dificil-compreender.html#uds-search-
results
e de
http://adonaisantanna.blogspot.com.br/2009/11/muitos-livros-e-apostilas-de-matematica.html dia
17/01
Eu diria que "definições em matemática estabelecem algum tipo de relação de equivalência entre um
definiendum (o termo a ser definido) e um definiens (fórmula que efetivamente define o
definiendum)". Pelo que entendi, uma definição desta forma sempre deve ser eliminável o que
significa que "sempre deve ser possível substituir o definiendum pelo definiens". Na definição de
limite, o definiendum é "o limite de uma função real f(x), com x tendendo a a, é igual ao número real L",
e o definiens é 'para todo épsilon positivo existe pelo menos um delta positivo tal que para todo x
pertencente ao intervalo aberto (a - delta, a + delta) (exceto possivelmente o próprio a) temos que
f(x) pertence ao intervalo aberto (L - épsilon, L + épsilon)". Não sei explicar o motivo, mas esta
definição violaria a eliminabilidade.
AAnooniimoo
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Você está no caminho certo. Não dou mais detalhes porque o tema é realmente extenso e
delicado. Mas continue a partir daí.
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No que se refere a publicações de livros, a SBM tem feito um ótimo trabalho. E literatura
específica para essas áreas do conhecimento é fundamental para a nação. O Brasil está
precisando urgentemente de engenheiros. O problema é que a macacada daqui só percebe
engenharia civil como engenharia. Mas a demanda pelas demais engenharias é
avassaladora.
Sim, já pensei em escrever um livro de cálculo. Mas este plano não está entre as minhas
prioridades dos últimos anos.
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Sobre a definição de limite publico hoje ainda uma postagem detalhada. Com relação à
integral de Riemann, certamente podemos usar trapézios no lugar de retângulos. O
resultado final será exatamente o mesmo. No entanto, existem operadores de integração
muito mais interessantes. Recomendo que você estude sobre integração de Lebesgue e
teoria da medida. Certamente ficará encantado com a beleza, a praticidade e o poder de
fogo deste conceito de integração. Não sei por que nossas universidades ainda insistem
em integração de Riemann.
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Seria possível o senhor indicar livros para um primeiro estudo (autodidata) sobre integração de
Lebesgue e teoria da medida ? Tenho feito leituras de artigos em periódicos internacionais e percebi
que esses conceitos são muito utilizados. Meu interesse é entender uma prova do conceito de
passividade de redes elétricas lineares e invariantes no tempo. Como já apontado pelo senhor, só tive
exposição formal a integral de Riemann durante minha graduação. Lamentável, pois hoje pago o
preço ao não conseguir acompanhar as provas.
Agradeceria muito sua ajuda!
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Adonai 22 de junho de 2015 02:49
Lucas
http://www.amazon.com/The-Elements-Integration-Lebesgue-Measure/dp/0471042226
http://www.impa.br/opencms/pt/biblioteca/cbm/11CBM/11_CBM_77_05.pdf
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Primeiramente, obrigado pelas indicações. Se possível, gostaria de lhe perguntar o seguinte ponto: é
necessário compreender primeiro Teoria da Medida para então estudar Análise Funcional? Ou não há
vantagem alguma em termos de melhor entendimento? Pergunto pois vi (ao folhear o livro apenas)
algumas menções a Integral de Lebesgue no livro de Erwin Kreyszig (também indicado pelo senhor).
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Depende de seus propósitos. Usualmente, para iniciar estudos em análise funcional, basta
uma boa base de análise na reta e álgebra linear (espaços vetoriais de dimensão finita). No
entanto, há cursos que combinam análise funcional com teoria da medida. Como não
conheço sua área de interesse (redes elétricas) não sei dizer qual é a melhor abordagem.
http://www.amazon.com/Measure-Theory-Functional-Analysis-Weaver/dp/981450856X
Aproveitando a deixa, e o que seria uma base para iniciar estudos de Teoria de
Distribuições?
http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/v22_114.pdf
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O limite de uma função real, quando existe, é um número real L tal que para qualquer
intervalo aberto contendo L sempre é possível encontrar um intervalo aberto contendo a de
modo que todos os elementos deste último intervalo (exceto o próprio a) têm imagem
(pela função) pertencente ao intervalo contendo L. Intuitivamente falando, quanto mais x
se aproxima de a, mais f(x) se aproxima de L.
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Quem sou eu
Adonai
Professor Associado do Departamento de Matemática da UFPR. Autor de dois livros sobre
lógica publicados no Brasil, e de dezenas de artigos publicados em periódicos especializados de
matemática, física e filosofia, no Brasil e no exterior. Atualmente está trabalhando em dois projetos
cinematográficos, sendo que um deles visa uma crítica inédita às universidades federais brasileiras. Para mais
detalhes ver a página "Sobre o autor do blog".
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