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“Para satisfazer a gula de poucos e matar a fome de muitos, destrói-se a vida no Planeta”
J.E.D. Alves (12/08/2019)
Os solos tem se aquecido duas vezes mais rápido que o Planeta. A Terra como um todo aqueceu
apenas 0,87 graus Celsius, enquanto a parte terrestre do Planeta aqueceu 1,5 grau Celsius e
pode chegar a 3 graus Celsius rapidamente. Mais de 70% da terra sem gelo do planeta já é
moldada pela atividade humana. À medida que as árvores são derrubadas e as fazendas tomam
seu lugar, essa terra gerada por humanos emite cerca de um quarto da poluição global por gases
do efeito estufa a cada ano, incluindo 13% de dióxido de carbono e 44% do metano.
A humanidade tem tido sucesso na redução do percentual de pessoas passando fome. O gráfico
abaixo, do portal “Our Word in Data”, permite uma clara visão sobre o percentual de pessoas
passando fome no mundo, considerando o total populacional. A taxa de mortes por conta da
fome teve o seu maior valor na década de 1870, quando atingiu 1.426 mortes para cada 100 mil
habitantes no mundo. A taxa caiu na décadas seguintes, embora tenha tido picos de cerca de
800 mortes por 100 mil nas décadas de 1920 e 1940.
A partir da década de 1970 as taxas caíram significativamente, ficando em 88 por 100 mil
habitantes em 1970, 43 por 100 mil na primeira década do século XXI e em apenas 3 mortes por
100 mil habitantes entre 2010-16. Ou seja, houve uma grande redução dos “famélicos da Terra”.
Mas, se a chamada “revolução verde” e a expansão da pecuária viabilizaram uma maior dieta
per capita e o crescimento da população mundial, ao mesmo tempo, houve um processo de
degradação dos solos e das fontes de água e um aumento das emissões de gases de efeito estufa
(GEE) em decorrência da intensificação do uso da terra. O avanço científico e tecnológico e o
aumento generalizado dos combustíveis fósseis possibilitaram a redução da fome no mundo,
que, em 2015, atingiu o nível mais baixo da história.
Porém, a insegurança alimentar e a desnutrição global aumentaram nos últimos 3 anos e podem
aumentar ainda mais no futuro próximo, pois existe um círculo vicioso entre o processo de uso
insustentável da terra e as mudanças climáticas. A produção atual de alimentos está
comprometendo a produção futura devido à degradação dos solos e das fontes de água potável.
O espectro da fome deve voltar a assustar o mundo no século XXI.
A quantidade de pessoas que não tiveram acesso suficiente a alimentos, em 2005, foi de 947,2
milhões (representando 14,5% do total populacional mundial) e este número caiu para 785,4
milhões (10,6%) em 2015, conforme mostra o gráfico abaixo. Porém, a subnutrição subiu nos
últimos três anos e atingiu 821,6 milhões de pessoas (10,8% do total) em 2018. Isto mostra que
existe um grande desafio para se alcançar a meta 2 dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), que prevê fome zero até 2030.
A pobreza e a subnutrição acontecem com mais intensidade nos países onde as taxas de
fecundidade estão acima do nível de reposição, pois existe uma relação direta entre o maior
número de filhos e as carências de renda e acesso à alimentação. A maior incidência e o maior
aumento da subnutrição ocorreu exatamente na África Subsaariana (onde a fecundidade é mais
alta), que tinha uma taxa de subnutrição de 24,3% em 2005, caiu para 20,9% em 2015 e subiu
para 22,8% em 2018. Cenários catastróficos voltam a assustar a população mundial.
É claro que o consumo de alimentos per capita nos países ricos é muito maior do que nos países
pobres. Mas o alto crescimento populacional também é um fator que contribuiu para o
desmatamento, a erosão dos solos e a crise hídrica.
Por exemplo, Moçambique – com população multiplicada por 10 vezes em 100 anos (passando
de 6,2 milhões de habitantes em 1950, para 30,5 milhões em 2018 e 68 milhões estimados em
2050) - vive uma situação de colapso ambiental. As figuras abaixo mostram como o país foi
desflorestado de maneira implacável e rápida num período de duas décadas. As imagens de
satélite mostram o desmatamento em Moçambique de 2000 (esquerda) para 2012 (centro) e as
projeções para 2019 (direita), segundo dados do próprio governo de Moçambique.
São inúmeros os exemplos de países que degradam o meio ambiente por excesso de consumo,
de um lado, e por excesso de população, por outro lado. O Haiti é um exemplo na América Latina.
A expansão da população, por um lado, e o aumento do consumo per capita, de outro, faz com
que as atividades antrópicas ultrapassem as fronteiras planetárias e coloquem no horizonte um
futuro de aumento da fome e de grande crise hídrica.
Atender a demanda atual de alimentos por meio da degradação dos ecossistemas é um tiro no
pé. As práticas agrícolas que utilizam grandes quantidades de insumos externos, como
fertilizantes inorgânicos, pesticidas e outros agrotóxicos, podem superar as restrições
específicas do solo à produção agrícola no curto e médio prazos. Essas práticas levaram a
aumentos consideráveis na produção geral de alimentos. No entanto, especialmente nos
sistemas gerenciados de forma mais intensa, isso resultou em degradação ambiental contínua,
particularmente no solo, vegetação e recursos hídricos.
Os níveis de matéria orgânica do solo estão em declínio e o uso de insumos químicos está se
intensificando (Dailykos, 06/09/2019). No longo prazo haverá:
Deterioração da qualidade do solo e redução da produtividade agrícola devido à
depleção de nutrientes, perda de matéria orgânica, erosão e compactação;
Poluição do solo e da água através do uso excessivo de fertilizantes e uso e disposição
inadequados de resíduos animais;
Maior incidência de problemas de saúde humana e do ecossistema devido ao uso
indiscriminado de pesticidas e fertilizantes químicos;
Perda de biodiversidade devido ao uso de número reduzido de espécies sendo
cultivadas para fins comerciais;
Perda de características de adaptabilidade quando espécies que crescem sob condições
ambientais locais específicas são extintas;
Perda de biodiversidade benéfica associada a culturas que fornece serviços
ecossistêmicos, como polinização, ciclagem de nutrientes e regulação de surtos de
pragas e doenças;
Salinização do solo, esgotamento dos recursos de água doce e redução da qualidade da
água devido a práticas de irrigação insustentáveis em todo o mundo;
Perturbação dos processos físico-químicos e biológicos do solo como resultado de
lavoura intensiva, corte e queima.
O fato é que não está garantida a produção de alimentos para o futuro. Ao invés de um
crescimento infinito, o mundo precisa de decrescimento demoeconômico para evitar um
colapso ambiental (e civilizacional). Indubitavelmente, o caminho atual é insustentável e, se
nada for feito para um redirecionamento, a humanidade e a vida na Terra não terão futuro num
Planeta de terra arrasada.
Referências:
ALVES, JED. Relatório do IPCC e o efeito perverso entre produção de alimentos e mudanças
climáticas, Ecodebate, 12/08/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/08/12/relatorio-do-ipcc-e-o-efeito-perverso-entre-
producao-de-alimentos-e-mudancas-climaticas/
ALVES, JED. Crescimento populacional e colapso social e ambiental de Moçambique,
Ecodebate, 29/04/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/04/29/crescimento-populacional-e-colapso-social-e-
ambiental-de-mocambique-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O decrescimento demoeconômico e o trilema da sustentabilidade, Ecodebate,
29/04/2019 https://www.ecodebate.com.br/2018/06/20/o-decrescimento-demoeconomico-
e-o-trilema-da-sustentabilidade-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Alta fecundidade, fome e biodiversidade, Ecodebate, 17/04/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/04/17/alta-fecundidade-fome-e-biodiversidade-artigo-
de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Dailykos. The forgotten environmental catastrophe; the loss of arable land, 06/09/2019
https://www.dailykos.com/stories/2019/9/6/1883866/-The-forgotten-environmental-
catastrophe-the-loss-of-arable-land
2019 The State of Food Security And Nutrition In The World: Safeguarding Against Economic
Slowdowns and Downturns, FAO, 15/07/2019
http://www.fao.org/state-of-food-security-nutrition/en/
IPCC. Climate Change and Land. An IPCC Special Report on climate change, desertification, land
degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in
terrestrial ecosystems, 08/08/2019
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf