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SJURUA EDITORA PSICOLOGIA Editora da Jurus Psicologia: Ana Catolina Bittencourt ISBN: 978-85-362-7204.7 DURUA 8s 8 et Sai al Caine Pie” et un Gem Tr 20, al 396 Pen 929 710. EDITOFA pvropy General Tones, 1.220 —Lojas 15 € Editor: José Em: le Carvalho Pacheco Satide mental, sofrimento e cuidado: fenomenologia S255 do adoecer e do cuidar/ organizagao de Nilton Filio de Faria, Adriano Furtado Holanda./ Curitiba: Jurwd, 2017. 2p. (Colegaio Satide e Psyqué) Varios colaboradores 1, Satide mental. 2. Psiquiatria. 3. Cuidados com os doentes. 4. Fenomenologia. I, Faria, Nilton Jiilio de (org.). II. Holanda, Adriano Furtado (org.) CDD 616.89 (22.ed.) 690027 CDU 616.89 Visite nossos sits na internet: www jurvapsicologie.com.br e wwves.editorialjarua.com ‘e-mail: psicologia@jurva.com.br Nilton Jiilio de Faria Adriano Furtado Holanda Organizadores SAUDE MENTAL, SOFRIMENTO E CUIDADO FENOMENOLOGIA DO ADDECER E 00 CUIDAR Colaboradores ‘Adriano Furtado Holanda Ieno Izidio da Costa ‘Alexandre Augusto Cesar Ferro Nilton Télio de Faria ‘Bruno Jardini Mider Stella Maris Souza Marques Camila Mubi ‘Tommy Akira Gowo Felipe Sacomano Yuri Alexandre Ferrete Curitiba Jurud Editora 2017 SoHE Nilton Jo de Fai na formago do profissional. Esse & o desafio que, acreditamos, devamos nos calocar tendo em vista o cuidar da pessoa. Referéncias Agostino 208), Condes, Potgl Covit Lassa ress Brasil (2012), fina da sade. Polite neo de leno sea, Bri: Mise cme Sie Lela en i) cio nC. de-O,, Crain, Andiczza, R.(Oxg) 2048). Os mapa do ‘ideo, ear fg na sae, St Pv: Macettageap. Co OF Ces LC. de O- tah. 201d). er llo eo endo em side: a pro de impeded. Cad Sade Pols io fae, 30, Reapaeoo ee de fovembro de 2014, de: iphone bricloghplscise atest edeo0!0 2.300 40007o1S0zeing pan, pled org 1SDOOINSS nanos Cha, M, C2. (198, 0 expeto do mat, Jager, atria dew aslo. Rio de Tani aze Toe Fagan, Shops LL (ne) (1980. Ges terapa, Teoria, ene plage id ant! zag O) CO8D) Sella, Tela, eis ces Foust M. (1989), Hit sesaidade: enldado det Ri de Tai: Gel owen, M (198), Doon mental olga Rio de eet: Teo Baca Lima, .V. A. (si). Teorta organinte, Ri de nc gta de Gest trapia € Aten Fai. ester do: pnw se gnc aah Heidann,Ivonete TS. et al 2006). Pomog sade tetra hstrca de ss con epg, Teo Conesio-brforagom 182) 332 38 Lima, V. A. 2014). Aut rego ognisnise hmeostse. tn LM. Frc, &K. ©. Gesasrapt Cone tame So Pls Suns Lins, C. 2007. Homeostane. In G. D's, P Lina, & 8. Olt (Ox). Diclontris de seteterapla ~ geste So Pcl: Suns "Travero-Yepe, M. (20D). iterfic pseloia Sock € said: perspec eds os iota, Maing, oth de Recto en 20 de novos de Ot de

-Memally Il, amo consta no documento. 40 ‘Bruno Jardni Miter / Adriano Furtado Holanda do Estado (federal, estadual ¢ local) para Atengiio 4 Satide Mental, reco- nhecendo que nfo havia uma teoria ou método superior aos outros, e por isso, apontando a necessidade de uma politica com portas abertas no $6 nos hospitais, mas também nas mentes dos profissionais e pesquisadores. Remenda-se a transformagiio do sistema hospitalar ¢ estimula-se 0 tr namento de profissionais, ampliago do tratamento para a comunidade ¢ atendimento as necessidades individuais de cada paciente (Joint Commis- sion, 1961). Fste estudo serviu de base para o “Community Mental Health Act” instituido pelo presidente John F. Kennedy, em 1963. Esta forma de atengao estadunidense ficou conhecida como uma proposta de Psiquiatria Preventiva (Amarante, 2007). Em nosso percurso histérico, cabe investigarmos a criagdo do NIMH ~ érgio que dirigiu o estudo —e como a Satide Mental transfor- mouse no foco do instituto. Criado em 1948, pelo National Mental Health Act, instituido pelo presidente Harry S. Truman, fez parte de um movimento pés-guerra que procuraya reformar o sistema de saide esta- dunidense (Grob, 1996; Nicaretta, 2012). Este movimento estava forte- mente baseado na “fé na capacidade da ciéncia médica em descobrit a etiologia das docneas ¢ desenvolver intervengdes efetivas” (Grob, 1996, p. 381). O NIMH foi criado sobre a divisio de Higiene Mental do PHS (Public Health System). A mudanga de postura e nomenclatura veio acompanhada da questdo: (rabalha-se contra a doenga mental ou 2 favor da Satide Mental (Joint Comission, 1961)? Além disto, sua transforma trouxe para o centro da estrutura federal estadunicense a coordenagiio da politica de Satide Mental, antes ligada aos estados e seus hospitais (Grob, 1996). A criagtio do NIHM, assim como outras instituigdes, tem a partici- ago decisiva do govemno federal para “remediar a participagio dircta de 18 milhdes de pessoas” na Segunda Guerra Mundial. Estas ages so baseadas no mesmo propésito utilizado para reconstruir os EUA apés a guerra civil de 1870, a saber, a constituigao do Public Welfare (Nicaretta, 2012). principal catalizador para a criago do instituto foram os efei- tos da Segunda Guerra Mundial, em especial pela percepsio de que os iranstornos mentais eram mais severos e persistentes do que aqueles que haviam sido previamente reconhecidos; o estresse do combate contribuia para o desajustamento; € que o tratamento nao institucional ajudava a melhora, Assim, havia uma preocupagio de fazer um sistema que pudesse identificar os sintomas de transtornos mentais antes de se agravarem © oferecer tratamento em servigos de bases comunitérias (Grob, 1966). Desta forma, observamos que as instituigdes federais estadunidenses fo- ram criadas para projetar 0 bem-estar social, As ages pés-Segunda Guerra Snide Ment joftimento e Cuidado 4 utilizaram as estruturas jé cxistentes e as transformaram, assim como o NIMH tomou o Jugar de divisfio de Higiene Mental do PHS. Com o apoio ¢ financiamento federal, a politica comunitéria de satide mental tomou o centro da atengiio (Grob, 1996) ‘A criagio do NIHM com financiamento federal trouxe uma substancial injegio de recursos para a execugiio do National Mental Health Act, Um orgamento de US$ 9 milhdes em 1949, passou para USS 189 mithdes em 1964 (Grob, 1996)", Os objetivos des politicas estaduni- denses mostram que a forma de Atengao a Sade Mental é criada por uma necessidade ligada a reabilitagio de pessoas que tinham um valor anterior ‘a0 adoecimento, a saber, o valor militar. Surge da necessidade de valori- zat aspectos do “doente mental”, que colocavam em xeque os aspectos depreciativos da loucura (insanidade, periculosidade). A conceituagio de Satide Mental precisa considerar que o termo foi talhado em oposig&o a nogdo de “combate a doenga mental” e que buscava ressaltar aspectos além da doenga mental. Esta percepgfio vem em conjunto com a nogao de que a etiologia da doenga nfo era puramente bioldgica ou fisiologica. Nesta perspectiva, entendendo que a etiologia nao seria apenas bioldgica, ‘6 tratamento niio deveria ser s6 0 isolamento. No bojo desta problemética, surge o desafio de tratar os aspectos ligados ao ambiente, como estresse, e de criar espagos alternativos ao ambiente institucional. Levando em consideragao a neces \de de valorizar a vida das pessoas (tanto para o trabalho produgfio como para seu bem-estar), no se pode pensar nesta forma de atengao sem a patticipagto efetiva do Es- tado. Satide Mental é um termo que carrega consigo uma nogao de bem- -estar € por isso hé implicago na forma de intervengao na vida das pes- soas (seja na forma de atengio profissional, nas mudangas dos centros de tratamento ou mudangas ambientais e sociais). ‘Como vimos, as politicas de Saiide Mental estadunidenses her- dam e transformam a estrutura estatal ¢ social da nogio anterior de higie- ne mental. No Brasil, ha similaridades nestes movimentos, mas hé distan- ciamentos, em especial na forma de agao do Estado (Piccinini, 20013; 2001b, 2003a; Paulin & Turato, 2004). F possivel notar o efeito desta forma de atengfo no Brasil a partir de 1967, quando foi instituida a Cam- panha Nacional de Satide Mental (Silva, 2014). Subordinada ao Servigo 4” Fst agdo, com seus incentives, apresentou um novo campo profissional incidindo, além da essiaténcia psiquiétrica, numa transformagio da Psicologia. Antes ligada a fungoes de ensino, a psicologia passa a exercer a fungi assistencal e se aproxima do diseurso médico psicoteripica com o objetivo de reparar 0 dano psicol6gico promovi- do pela guerra (Niearetta, 2012). 2 ___ Bruno Jardini Mider / Adriano Furtado Holanda Nacional de Doencas Mentais, tivha a previstio de assisténcia ¢ soco-r0 hospitalar e ambulatorial para “tratamentos ¢ reabilitagio de psicopstas”, promogio da psiquiatria preventiva através de medidas de higiene mental © medidas educacionais a prevengao do alcoolismo ¢ toxicomanias (Bra- sil, 1967), Esta campanha servi de “instrumento que propiciou maior obtengdo de recursos extra-orgamentétios e maior maleabilidade na ad- ministrago pitblica” (Jorge, 1997, p. 44). Entretanto, ao contriio dos EUA, o financiamento estatal pre- visto priotizou o estimulo e a ampliagao da rede privada de instituiges hospitalares © nao se criow altemnativas estatais efetivas para a pratica preventivista ov incentive & produgo cientifica (Jorge, 1997; Costa, 2003; Paulin & Turato, 2004; Miranda-Sé Jr, 2007; Silva, 2014). A pautir do final dos anos 60 e comego dos 70, algumas iniciativas comegaram a questionar a organizago da assisténcia psiquidtrica brasileira e propor formas de mudanga na atengao. Em 1970, foi realizado 0 f Congreso da Associacdo Brasileira de Psiquiatria ~ ABP — que apresentou uma carta de principios em Saide Mental fortemente influenciada pela psiquiatria preventiva, em que se afirma a necessidade da implementagio de servigos extra-hospitalares (Paulin & Turato, 2004; Devera & Costa Rosa, 2007; Miranda-Sé Jr, 2007). No mesmo ano & eriada 2 Divisio Nacional de Satide Mental ~ DINSAM — cujo objetivo eta “plangjar, coordenar e fisca- lizar os setvigos de assisténcia e reabilitagio de psicopatas e os de higiene mental” (Guimaraes, Fogaga, Borba, Paes, Larocca & Maftum, 2010, p. 277) ¢ demonstrava a preocupagao estatal em ages preventivas em Sai- de Mental. Em 1973, & aprovado ¢ publicado o Manual de Servigo para a Assisténcia Psiquidtrica que no contou com implementagao efetiva, Este documento (realizado pela Previdéncia Social ¢ depois utilizado pelo Ministério da Satide) refletia o papel da Previdéncia na drea de Saiide Mental ¢ na pratica preventiva (Paulin & Turato, 2004; Devera & Costa Rosa, 2007). Entre os anos 60 € 70, algumas experiéncias inovadoras foram verificadas nos estados do Rio Grande do Sul, de Si0 Paulo e do Rio de Janeito (Paulin & Turato, 2004), Apesar dos documentos oficiais ¢ “discursos legais priorizaren © tratamento ambulatorial ¢ a hospitalizagio de curta permanéncia, que, preferencialmente, deveria ocorrer em hospitais gerais” (Guimaraes, Fo- gaga, Borba, Paes, Larocca & Maftum, 2010, p. 277), as condigées de assisténcia psiquidtrica eram precérias. As softiveis condigdes de assis- ‘éncia refletiam-se nas de trabalho dos profissionais de Satide Mental. partir de 1974, a DINSAM, com dificuldades financeiras, passa a contra- nici Sade Mental, Softimento ¢ Cuidado a tar profissionais da érea por bolsas de estudos. A ctise no setor teve seu Apice em 1978, com a mobilizagio de trabalhadotes de varias instituigoes e dentincia das condigdes resuttando num movimento nacional chamado Movimento dos Trabalhadores de Saiide Mental (MTSM) (Devera & Costa Rosa, 2007; Guimardes, Fogaga, Borba, Paes, Larocea & Maftum, 2010). ‘Também em 1978, foi realizado um congresso intemacional no Rio de Janeiro, que contou com a participagao de nomes importantes da rea e, especialmente com Franco Basaglia, que desenvolvia experiéncia inovadora na Itilia, com o fechamento dos manicdmios (Devera & Costa Rosa, 2007; Guimaraes, Fogaga, Borba, Paes, Larocea & Maftum, 2010) Desta forma, pensamento psiquidtrico brasileiro recebe influéncia de coutras linhas de pensamento, além da estadunidense. O MTSM, contem- pordineo ao processo de redemocratizagio do Brasil e a0 movimento sani- tarista passa a questionar o modelo hospitalar. Além da psiquiatria comu- nitéria estadunidense, as experiéncias francesa e italiana, e as proposigdes, da antipsiquiatria influenciam ¢ inspiram o movimento de trabalhadores brasileiros (Goulat, 1997; Jorge 1997; Gondim, 2001; Costa 2003; Ribei- 0, 2004; Devera & Costa-Rosa, 2007; Amarante, 2007). Com esta influéncia, a Saiide Mental brasileira ganha novos contomos a partir de 1987, quando foi realizada a J Conferéncia Nacional de Saiide Mental, no Rio de Janeiro. © primeico tema abordado pelo rela- t6rio da Conferéncia foi a questo econdmica, a aprofundada concent: do de renda, a migragao populacional do meio rural para os centros ut- banos ¢ a falta de condigGo de trabatho digno. A Saide Mental entio situada no bojo da luta de classes e ¢ combatida “a postura ambigua do Estado no campo das politicas sociais e resgatar para a satide sua concep- gio revolucionaria, bascada na luta pela igualdade de direitos ¢ no exerci- cio real da participacdo popular, combatendo a psiquiatrizagio do social, 1a miséria social e institucional ¢ eliminando o paternalismo e a alienagao das agdes governamentais ¢ privadas no campo da satide” (Relatério da I CNSM p. 13). A Satide Mental brasileira entra na discussie nacional sobre cidadania e direitos, ¢ é circunscrita na reforma sanitaria’. ‘Neste ponto, interrompemos a construgao histérica para uma re- flexiio visando compreender a Atengio 4 Saiide Mental, para retomarmos a relevancia do estabelecimento do direito a satide, afinal se Satide é um 5 Indicamos uma distingo entee Saide Mental e atenglo psiqustcica. partic da pro blematizagto do conceito de doenga, a forma de atengso se amplia. Nos EUA, o incen- tivo econdmico a Satie Mental cavsou uma significative mudanga em outras profis- ses, inclusive na oferta de servigos psicolbzicos (Nicarets, 2012), pee ce Fasdicd Dae / Astras Poxindo Holanda direito, a participaeao do Estado tem influéncia decisiva na vida do doen- te. B, ainda, se Saiide nfo ¢ apenas a auséncia de doenga, o Estado tem influéncia decisiva na vida das pessoas. Se nos Estados Unidos, 0 questionamento do funcionamento da atengiio hospitalar vem para a promogao do bem-estar no pés-guerra, esta preocupagao chega ao Brasil pelo questionamento da forma de ago do Estado brasileiro ¢ pelo papel que a atengio psiquidtrica cumpre neste Estado. A demincia de que hi um processo de “aviltamento e exclusio social de significativos setores da populagao” (Ministério da Satie, 1988), e que a psiquiatrizagzo e a medicalizag2o mascaram os problemas sociais, aproxima o conceito de Satide Mental 20 de cidadania, Desta forma, patticipagao politica ¢ conquista de direitos fazem parte do desen- vyolvimento da Satide Mental, Conforme apresentado acima, 0 conceito de Satide Mental da OMS enfienta dificuldades de gencralizacio pelas questées culturais implicadas. Neste sentido que Almeida Filho, Coelho & Peres (1999) apontam contradig&es entre 0 que a medicina diagnostica trata (a doenga) € 0 que o paciente softe (a enfermidade), indicando o cardter cultural implicado em qualquer nogao de doenga, em especial, 0 caso brasileiro ‘em que a desigualdade social “se reveste de centralidade”. E af, eviden- ciam a atualidade do debate entre o que é satide e o que & doenga, entre 0 que normal e 0 que é patolégico situando o conceito de Satide Mental como fronteirigo entre © sofrimento individual (amparado no discurso biomeédico) ¢ as intervengdes comunitarias. HA uma indicagao no relatério da 1 CNSM de que a forma e as condigées de vida da populag&o provocam (ranstornos mentais. A entio recente urbaniza¢ao ganhou destaque por proporcionar subempregos empregos com baixa remuneragiio e por privar a populagao de condigées dignas de moradia e saneamento. Entretanto, neste mesmo relatério, a nogiio de doenga (ou transtornos) tem papel central na forma de apresen- tagdo da situagao da Saiide Mental. A incidéncia de transtomos mentais, 0 afastamento de trabalho devido a transtornos acompanha a ideia de que a conceituagtio de Saitde (assim como de Satide Mental) continua sendo negativa (ntio é auséncia de doenga). Ao apontar a necessidade de uma coneeituagao positiva de Sade Mental, Almeida Fitho, Coelho & Perez (1999) apresentam a nogiio de que 0 conceito se torna: {.-) objeto de uma perspectiva transdisciplinar ¢ totalizadors, fora do Ambito dos programas de assisténcia, Objeto-modelo construido por priticas trans-setoriais, a savide mental significa um socius saudivel; Satie Menta Soiimentoe Cuidado 88 la implica emprego, satisfagtio no trabalho, vida cotidians significati- ‘va, participagao social, qualidade de redes soviais, equidade, enfim, {qualidade de vida, Por mais que decrete o fim das utopias # crise dos Yalozes, nio se pode escapar: 0 conceito de sade mental vineula-se a tama pauta emancipatéria do sujeito, de natureza inapelavelmente poli- tica, (p. 123) Desta forma, estamos compreendendo Satide Mental como um conceito criado num determinado momento histérico, para efetivar uma forma de tratamento que ultrapassasse a assisténcia asilar ¢ de isolamen- to. Além disso, buscou-se superar 0 movimento de higiene mental, cuje nogdo de doenga mental era baseada em principios biolégicos © suas ages baseadas no combate & doenga mental. A atengdo e oferta de cuida- dos em Satide Mental remetem ao periodo pés-Segunda Guerra, em que hé uma preocupagio do Estado com 0 bem-estar da populagao, ‘A ampliago da nogao da etiologia da doenga mental englobando fatores sociais, culturais e emocionais requer ages mais abrangentes de {que aquelas voltadas para o individuo. A ulilizagio desta nogao no Brasil ‘ganhou contomos de participagao politica, incluso social e conquista da idadania. Esta nogo impée tanto uma revistio coneeitual do normal ¢ do patolégico — ¢ da elassificagio das doengas e dos transtomos — para que seja possivel uma organizagio da atengio conforme as necessidades dos sujeitos, assim como mudangas juridicas para com seus os direitos. ‘Atencio @ Saiide Mental & um campo composto por ages que vvisam a promogio do bem-estar ¢ da cidadania, cujas priticas transpor- tam 0 foco da atengfo aos doentes mentais para uma nogio de Saiide ofertada as pessoas nio necessariamente enfermas, mas que possam de- senvolver seus potenciais. Compreendida desta forma, Atencdo a Satide ‘Mental ultrapassa os servigos da politica de Saiide e chega a outros seto- res da sociedade, Podemos pensar na fungio das instituigdes escolares para o desenvolvimento do potencial dos alunos; no acesso a leitura e a0 conhecimento proporcionado pelas Bibliotecas; nas empresas como locus do desenvolvimento do potencial de cada profissional; no lazer e esporte como ferramentas para 0 convivio de todas as pessoas; na assisténcia social com a inolustio das pessoas em situagio de vuinerabilidade, etc. “Atengdo @ Saiide Mental implica ainda numa forma de atengiio a quem soffe, em suas relagdes com o ambiente, com os outros € consigo mesmo, sem necessariamente ser diagnosticado com transtomos mentais. Esti ircunscrita aqui a necessidade de diagndstico © acompanhamento, de quem tem um transtorno mental. Contudo, no é possivel diminuir a im- portincia de quem precisa de ajuda devido a algum outro sofrimento. 45 Bruno Jardini Méder / Adriano Furtado Holanda Podemos pensar numa pessoa em processo de luto por uma per- da, um casal com dificuldades matrimoniais, uma me com dificuldades de cuidar de seus filhos, entre outros, com causas emocionais ou sociais, que necessitam de acolhimento e ajuda profissional. Nesses ¢asos, as possibilidades de se realizar as intervengdes no campo mental ou psicolé- ico sfio diversas: a psicologia clinica em suas variadas formas (aconse- Ihamento, psicoterapia®, psicandlise, grupoterapia), a clinica da atividade em terapia ocupacionel, intervengaio medicamentosa, entre outras. Estas intervengées esto no bojo da Atenedo a Satide Mental ¢ podem ser ofe- recidas tanto & pessoa que softe com transtorno mental, quanto aquelas que softem de outras maneiras. © fato de no precisar haver necessariamente um transtomo mental para Atencéio Satide Mental implica na participagao efetiva do sujeito no reconhecimento de seus problemas e em seu pedido de ajuda. E justamente neste ponto que se faz necessirio questionar: qual ajuda se oferece? Afinal, estamos discutindo a formulagio de politicas de atengio promovidas pelo Estado. A oferta de atengiio passa pela regulamentagio, agdes ¢ financiamento do Estado para rea. Com a abertura politica e participagdo popular nas decisdes aumenta-se a demanda por servigos que atendam as necessidades das pessoas. A ampliagio de modelo em Saide, como veremos a seguir, tem como base irrefutivel uma nogdo de demo- cracia ¢ autodeterminago que, se por um lado, privilegia a incluso social, por outro tem dificuldades em reconhecer os sofrimentos e singulatidades de cada sujeito, processo de mudanga na organizagao da Atengao a Satide Mental e a criagao dos Centros ¢ Nucleos de Atengao Psicossocial Retomando a construgao histérica, entre o final dos anos 60 ¢ 0 comego dos anos 80, observou-se iniciativas para mudar a assisténcia psiquiatrica brasileira, sendo algumas experiéncias de dentro dos proprios hospitais e outras na politica nacional, mas elas enfrentaram a forga ¢€ 0 Tobby dos hospitais (Paulin & Turato, 2004; Devera & Costa-Rosa, 2007). © Se nos BUA do pés-guerra a psicoterapia foi um instrumento amplamente utilizado (Nicaretta, 2012), no Brasil, a psicoterapia ndo tem sido incentivada ou regulamentada na politica de Saide. Conferme exposto acima, as regulamentagdes mais recentes do ‘ministéio da Saide para a firea esto ligadas a Rede de Atengo Psicossocial (RAPS). mt { | | | Saide Mental, Softimento e Cuidado 41 ‘As mudangas na forma assistencial ocorreram com efetividade 20 final dos anos 80, utilizando a forga do MTSM e da parlicipagao popular no processo (Devera & Costa Rosa, 2007). ‘As experiéncias brasileiras inovadoras, observadas no Rio Grande do Sul, Sao Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, realiza- ram inovagGes baseadas em teorias psicanaliticas ¢ psicodinamicas ¢ nos principios preventivo-comunitarios. Estas iniciativas buscavam a diminui- Gio da presorigfio medicamentosa, a implementagio das terapias ocupacio- nais e a convivéncia comunitéria, Estas agdes eram realizadas dentro ou fa partic das prdprias instituigdes psiquidtricas (Paulin & Turato, 2004; Devera & Costa-Rosa, 2007). Ainda nos anos 70, além dos j& citados Declaragio de Prineipios da ABP e do Manual de Servigo para Assistén- cia Psiquidtrica da DINSAM, foi langado, na VIT Conferéneia Nacional de Satide, o Plano Integrado de Satide Mental — Pisam — pelo Ministé- rio da Satide, que procurava restaurar os prinefpios da psiquiatria comuni- taria (Paulin & Turato, 2004). Estas iniciativas sofreram duras criticas do setor privado, privi legiado nos investimentos piblicos. Desta forma, péde-se notar o cresci ‘mento consideravel do nimero de internagdes ¢ do rendimento financeiro do empresariado do setor. Além do poder financeiro, também pode ser observada a influéncia politica do setor nas politicas piiblicas levando 3 descontinuidade das ages acimas citadas (Paulin & Turato, 2004; Deve- ras & Costa-Rosa, 2007; Miranda-Sé Jr 2007, Guimaries, Fogaga, Borba, Paes, Larocea & Maftum, 2010), A partir da organizagio do MTSM foi ciado um repertério cultural no qual a critica & instituigio manicomial surgi, A visita de Basaglia a Barbacena foi simbélica, quando comparou © manicémio local aos campos de concentragio nazistas (Guimaraes, Fogaga, Borba, Paes, Larocca & Maftum, 2010). As primeiras referéncias brasileiras & forma de Atengfo a Saiide ‘Mental, fora do ambiente asilar, apontam também para o inicio da forma de Atengio Psicossocial. Situadas no final da década de 1980, sio con- tempordneas & | CNSM. Em 1987’ e 1989, duas iniciativas pioneiras na reforma brasileira surgiram: um Centro de Atengio Psicossocial (CAPS) paulistano ¢ um Niicleo de Atengao Psicossocial (NAPS) santista (Ama- rante & Torre, 2000; Deveras & Costa-Rosa, 2007; Guimarkes, Fogaga, Borba, Paes, Larocea & Maftum, 2010). © CAPS foi projetado como um servigo intermediério entre o hospital c a sociedade, num contraponto pritico a cronicidade num apelo aos direitos civis dos intemmados. Contou 7 Guimardes, Fogaga, Borbe, Paos, Larocea & Maftum (2010) apontam 0 inicio do CAPS em 1986, 48 ‘Bruno Jardini Mider Adriano Furtado Holanda com a criagio de associagdes de familiares e usudtios dos servigos para seu estabelecimento (Amarante & Torre, 2000; Deveras & Costa-Rosa, 2007; Guimaraes, Fogaga, Borba, Paes, Larocea & Maftum, 2010). Se- gundo Deveras & Casta-Rosa (2007, p. 67) deve-se “no CAPS os signifi- cantes que nomeiam, pés década cle 80, 0 ideétio e as priticas substitu vas ao modelo hospitalocéntrico: Atengio Psicossocial”. O NAPS, por sva Vez, propunha-se como um servigo substitutivo ao hospital. Na expe- rigncia santista fechou-se o hospital local e foram implementados servi- 0s 24 horas regionalizados pela cidade, capitaneados pela gestio muni- cipal (Amarante & Torre, 2000; Deveras & Costa-Rose, 2007; Guima- es, Fogaga, Borba, Paes, Latocea & Maftum, 2010). Comum as duas experiéncias foi o compromisso com a desinsti- tucionalizagao © com a proposta de estar na sociedade; néo esconder 0 doente, mas integré-lo. Na criagio deste dispositivo, alude-se para a ne- cessidade de retomada das relagdes sociais das pessoas que eram manti- das em hospitais por longo tempo (Amarante & Torre, 2000). Estas expe- rigncias nascem influenciadas por trés fatores: 0 contexto da reforma sanitarista brasileira, 0 modelo de desinstitucionalizago estadunidense e ‘0 modelo de revolugao cultural italiano (Amarante & Torre, 2000; Deve- ras & Costa-Rosa, 2007), A esta altura vamos analisar cada uma destas influéncias, para chegarmos a uma nogiio de atengao psicossocial. A reabilitagao psicossacial no modelo de desinstitucionalizagao estadunidense Conforme vimos acima, 0 modelo estadunidense langa suas ba- ses “promovendo” Satide Mental ¢ nfo “combatendo” doenga mental. Para isso, & proposta uma mudanga na forma de organizagho da assistén- cia de hospitais gerenciados pelas administragdes estaduais para Centros ‘Comunitérios de Saiide Mental incentivados pelo poder federal. Entretan- to houve desdobramentos a partir do Conumity Mental Health Act que nao permitiram ao programa se efetivar. Segundo Kinoshita (2001) esses fatores foram: transinstitucionalizagio, desarticulagtio das agéncias de tratamento e assisténcia social, guerra e cortes orgamentirios. A transinstitucionalizagao caracterizou-se por um processo em que pacientes idosos sairam do manicdmio para clinicas de repouso (nursing homes). Esta transferéncia aumentou substancialmente o numero de pacientes destas clinicas que eram mantidas pelos Estados, uma forma de manutengao do poder anterior, altamente fucrativo (Kinoshita, 2001) A desarticulagao dos servigos foi verificada nas distincias entre as esferas Saivle Mental, Softimento e Cuidado 49 de poder. Os hospitais psiquidtricos (de administragio estadual) nfo aca baram, mas mudaram sua forma de intemnaco. Ao invés de longos pero dos de intemagao, a permanéncia média passou a ser de 28 dias. Distante dos hospitais estaduais, os doentes passaram a conviver com a cobertura previdencidria do govemo federal (Kinoshita, 2001). 0 Comunity Mental Health Act sofreu pressdes da midia, que expés os doentes mentais como pessoas sem casa e ameagadoras, perturbadoras ¢ desassistidas (Kinoshi- ta, 2001). E por fim, com a guerra do Vietnd, os investimentos em pro- gramas sociais cafram ¢ o programa de substituigao dos hospitais no foi completado (Barros & Bichaff, 2008, Kinoshita, 2001)*. Notou-se, porém, avangos, pois o programa chegow a cidades de pequeno ¢ médio porte que antes nio tinham acesso a assisténcia a Satide Mental. Some-se a isso, o perfil da clientela que mudou, afinal, ja havia uma parcela da populaglo que nunca havia sido internada (Kinoshita, 2001). Frente ao que foi percebido como desassisténcia ou falha da aten- (gio, questionamentos sobre 0 modelo de medicina e formas de interven- G0 surgiram em fins dos anos 1970. O debate entre Satide Mental & Psi- quiatria influenciou as politicas piiblicas como um todo ¢ 0 modelo de alengdo médica passou a ser questionado. Engel (1977) aponta a necessi- dade de um novo modelo, biopsicossocial, como um desafio para a me ina. Sustenta esta necessidade a partir do debate entre duas posigdes da Psiquiatria: uma de excluir a psiquiatria do campo da medicina (exempli- ficacios por posigdes como a de Thomas Szasz), ¢ outra de aderir comple- tamente 20 modelo biomédico, limitando a psiquiatria ao campo das dis fnges cerebrais. A justificativa desta necessidade se dé pelo reducio- nismo do modelo biomédico que, ao se deter a aspectos bioquimicos, considera que a denominagio doenca no se aplicaria na auséncia de perturbagdes dos niveis bioquimicos. Desta forma, nfo abarcaria as in- fluéneias ambientais (environmental influences) que podem desenvolver doengas como diabetes ou esquizofienia. Para Engel (197): Os limites entre savide © doenga, entre bem ¢ doente, esto longe de estar claros e nunca serao esclarécidos por que sto diftsos entre co sideragdes culturais, sociais ¢ psicolgicas. A visio biomédica tredicio- nal, de que indices bioldgicos sao os eritérios definitivos para defi doengas, nos leva a0 atual paradoxo de que pessoas com resultados I: boratoriais positivos sfio conduzides a fazer tratamentos quando esto se sentindo bem, enquanto que para outros, que se sentem doentes, & assegurado que nao tem doenga aiguma. (pp. 192-193) Em 1980, haviam sido criados apenas 754 eentros, contra 2 mil prevists (Kinoshida, 2001). so Bruno Jardini Mader / Adriano Furtado Holanda A proposigao de um modelo biopsicossocial tem como objetivo ampliar a visio da medicina, para que esta passasse a considerar os feto- res culturais, sociais ¢ psicolégicos na determinacio das doengas ¢ na condugio dos processos de cuidados. Em 1977, o NIEM eria um progra- ma de apoio comunitario (Community Suport Program — CSP), um piloto de colaboragaio federal com os estados oferecendo servigos, entre outios, de reabilitagdo para pessoas com “desabilidades” psiquiatricas (Anthony, 1992). A partir deste recorte, desenvolvem-se estratégias de atengiio es. truturadas que trabalhassem cam os fatores psicolégicos e sociais dos pacientes psiquiatricos, em especial, a Reabilitagao Psicossocial. A Reabilitagao Psicossocial surgiu a partir de um movimeato espontiineo de usuarios que buscavam saidas para seus problemas da “vida real”, Esta movimentagio ocorreu como respostas a profissionais que, a partir da “constatagao de que pessoas com doengas mentais severas € or6nicas raramente voltariam ao seu funcionamento psicossocial com nitério completo” (Anthony & Liberman, 1986, p. 544), passaram a de- senvolver suas agGes objetivando uma adaptaglo dos usuarios com apa réncias de normalidades. Desta forma, os centros de reabilitagio psicos- social passaram a trabalhar com a perspectiva de melhorar seus relacio- namentos, abrandar fatores estressantes e encontrar oportunidades de trabalho ¢ moradia, Os centros de reabilitagio psicossocial néo trabalha- vam com insights terapéuticos, mas com 0 desenvolvimento de habilida- des de fazer algo especifico em um ambiente especifico, mesmo com a presenga de alguma ‘desabilidade’ residual (Anthony & Liberman, 1986). A Experiéncia Italiana e a Psiquiatria Demoerética No movimento italiano, nao vemos a utilizagio do termo “Sat- de Mental” com a mesma énfase do processo estadunidense. Na lei italia na ~ Lei 180, referenciada como “Lei Basaglia” (Goulart, 2007) ~, por exemplo, vernos apenas uma referéneia ao termo. De forma geral, os italianos apresentavam uma proposta de Psiquiatria Democratica cujas criticas destinavam-se a instituigao manicomial (em sua esfera adminis- trativa e técnica) e ao poder psiquitrico: Ao contri do que muitos afirmavam —e ainda afirmam — esse trata- Iho desenvolvido em Trieste nlf propugnava a suspensiio dos cuida- dos aos que dele necessitavam, mas a construgiio de novas formes de entender, lidar ¢ tratar a loucura. E ainda, a “negagao da instituigao” no € a negagto da doenga mental nem da psiquiatria, tampouco 0 simples fechamento de hospital psiquidtrico, mas uma coisa maito Saiide Mental, Softimento ¢ Cuidado st mais complexa, que diz respeito fundamentalmente & negagio do ‘mandato que as instituigées da sociedade delegam a psiquiatria para isolar, exorcizer, negar © anulac os sujeitos & margem da normalidade social. (Amarante & Rotelli, 1992, pp. 43-44) Esta forma de relag&o com a doenga também nfo se configura um “combate”, entretanto os italianos nffo langam mio do conceito totali= zante “Satide” como safda, Segundo Kinoshita (2001), 0 conceito de de- sinstitucionalizagao tem papel central, “do qual tudo parte e para onde tudo retoma” (p. 103). Notamos que h& um esforgo em fazer com que as instituigdes de cuidado estabelegamn um “circuito” de atengao que além de cuidados, “oferece e produz novas formas de soviabilidade e de subjetivi- dade para aqueles que necessitam de assisténcia psiquidtrica” (Amarante & Rotelli, 1992, p. 46). Ha uma diferenga fundamental na experiéncia italiana para a estadunidense que reside na critica epistemolégica da cién- cia e da compreensiio de doenga. Engel (1977), por um lado, ctitica a postura do modelo biomédico a0 chamé-la de dogmatico e aponta para a incerteza da ciéncia — indicando o aparecimento ¢ abandono de dogmas cientificos através da histéria. Ao considerar uma ciéneia humana, pede ‘uma abertura da compreensiio médica, mas nfo muda o lugar do médico frente ao objeto. © movimento italiano, por outro lado, se aproxima da compreen- slo husserliana para colocar a doenga entre parénteses ¢ encontrar 0 ho- mem doente, por meio da suspensio do juizo (Kinoshita, 2001; Puchivailo, Silva & Holanda, 2013). Desta forma, a experiéncia italiana problematiza 0 conceito de doenga mental, e representam isso utilizando aspas (“doenga mental”) para escrevé-la. Assim, trazem pata o centro do cuidado a “exis- téncia-sofrimento do sujeito em relagfio com 0 corpo social” (Amarante & Rotelli, 1992). © movimento italiano foi além da relagdo médico-paciente, questionow o uso da ciéneia e sua suposta neutratidade, denunciou a exelu- so social dos doentes mentais ¢ a posi¢ao de poder dos téenicos e médi- 03, A Psiquiatria Demoeritica aproximou-se da atividade politica italiana, ‘com metas de conquistar posigdes estratégicas nas administragses piblicas (Goutart, 2007) ‘Ao utilizar a democracia como forma de exercer a cigneia psi- quistrica, nota-se uma proposta de mudanga de postura ao olhar 0 softi- mento, entendendo “mental” cada vez menos como individual e mais ligado as questdes de relagGes sociais. Esta postura implica na participa- 0 das familias no tratamento, no estimulo da auto-organizagio e do. ssociativismo dos doentes mentais e seus familiares para vida comunité- ria (Goulart, 2007). 32 ‘Bruno Jardini Mider / Adriano Furtado Holanda Democratizagdo e descentralizagdo na reforma sanitiria brasileira A reforma sanitéria brasileira, que resultou na construgao do Sistema Unico de Saiide (SUS), mobilizou questdes sociais, tertitoriais, financeiras ¢ politicas brasileiras. Esta dimensto se da nao apenas pela proposta assistencial, mas por todo proceso pelo qual se deu sua cons- trugdo. Trata-se de um movimento, o qual denominou-se sanitério, com objetivos ¢ formas de manifestagdes articuladas com o cenétio social & politico numa espécie de ato continuo (Ministério da Satide, 2006). Trata- -se de um proceso que contou com patticipago de entidades e pessoas da sociedade civil, além das entidades médicas ¢ de Satide?. Este movimento teve ampla repercusstio por misturar-se © con- fundir-se com o processo de redemocratizagto do pais, com os anseios de ‘um pais justo e livre e influenciou o movimento constituinte. Esta expec- tativa pode ser observada na conferéncia de Sérgio Arouca (1987) na 8° Conferéncia Nacional de Saiide (CNS) quando sintetiza 0 momento poli- tico ao afirmar que “Democracia ¢ Satide”, Nesta frase, Arouca condensa © conceito de satide proposto pela OMS, as resolugées da Conferéncia de Alma Ata (1978) ¢ as necessidades de transformago da sociedade brasi- leira. Podemos notar no movimento sanititio, a “preocupagio em ‘ formar o Estado” no sentido de democratizar 0 acesso a servigos ¢ & pa cipagao politica” (Hochman, 2007, p. 14), que caracterizou 0 processo de redemoctatizagio do Brasil. A politica de Saude emplacou formas des- centralizadas ¢ participativas de gestio que eram encaradas como “forma institucional ‘superior’ para o enfrentantento da entio chamada ‘divida social” do Brasil para com seus cidados” (Hochman, 2007, p. 14) A 8 CNS, central na construgdo do SUS, teve como diretrizes: Saiide como direito, Organizagao da Atengao e Finaneiamento do Setor (Arouca, 1987). Satide como direito, além da universalizagaio do acesso, aponta para o saneamento da “. asl (1961), Docreto 60252 de 21 de fverero de 1967 (instil no Ministerio da Satds Campania Nacional de Sade Menta ed outras providéncias) Bras: Sena) Fe- ‘iaat Recuperado em: . niga (2005), Coordenagio de Saide Mental, Reforma Psiguitrica e poten de Si ae eine aracl Conperencia Regional de Reforma dos Servigos de Saide Mental: 15 ‘anos depois de Caracas . 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Por se focar nas primeiras crises, aqui entendidas como primeiras mani- festagties cle sofrimento psiquico intenso, nao serio denominadas de psi- coses a priori, posto que as manifestagdes prodrémicas' de tais eri- Sses/oxperiéncias sfo antes uma tentativa de organizagio dos softimentos sentidos, experimentados, vividos, intensificados no individuo ¢ nas suas relagdes, portanto em sua condigdo existencial. Assim, objetiva apontar as imprecisas questées sobre a estruturago daquilo que normalmente se denominam de “doengas mentais” (ou mais genericamente “loucura”) em suas primeitas manifestagées na forma de crises, sem, no entanto, dar @ estas manifestagées o status de “doenga” ou “enfermidade”, Antes, nomeando-as como um sentir vivendo e existindo com ‘angiistias intensas (fundamentais) que demandam compreensio (no sen- tido de entendimento de sua construgio), sem cair no “etiologismo sim- 1 Para clinica médica, prodromico significa o que &indicativo de uma patologa cin Caro conjunto de sinas sinlomas que prenunciam wna doenga ou uma alteraso da rnormalidade organiea, 6 ____Hleno tzidio da Costa lista”. Busca, embora resumidamente neste momento, apontar para o Cuidado, 0 respeito € 0 apoio humano, nas relagdes, na vida, no die a ‘lia dle tais manifestagdes (entendidas como “ferrdmenos per si"), sem o impé- rio de medicagdes, internagées ou tratementos invasivos vez que esas vivéncias sao plenas de dimensdes ¢ dindmicas individuais, relacionais ¢ existenciais. Pode-se tomar o presente ensaio como uma defesa da “crise psiquica intensa” como uma das manifestagdes genuinas de existir do tumano (“todos nés somos de alguma forma oucos”) no sentido de “pos- sibilidades de ser”, e no como anormalidade ou enfermidade a priori. Assim sendo, nfo se pretende uma teoria completa ou abarcado- za de todo 0 sofrimento psiquico humano (ou da etise psiquiea), mas questionar alguns pontos bésicos para uma (re)visio das teorias tradicio. nais (leia-se psiquidtricas, psicopatolégicas, psicologizantes ou mesino medicalizantes) que lidam com este fenémeno fandamentalmente huma. hho sem um cunho “patolégico” previamente concebido, O pressuposto aqui é de que a crise psiquica ¢ vivéncia basilar da angiistia do exist. ‘Também nao seré uma revisio exaustiva de teorias, muito me- nos dos eanones referentes elas. Antes, ser um exercicio de (re)pensi- -las, tomando a critica tedrica e conceitual dos jogos de linguagens amn- plamente dominantes na rea psi (cologia/canilise/copatologia/quiatti), objetivando apontar para outros caminhos ¢ leituras possiveis (dentro dos imites, por dbvio, do presente exercicio) que possam redundar em noves ow outras formas de cuidar e considerat, Psiquismo: entre o psicolégico, o gnosiolégico e o ontolégico ( sobre confuses conceituais e jogos de linguagem) Um esclarecimento ou orientagao filoséfica preliminar: este en- saio ¢ psicolégico, gnosiolégico ou ontolégico? Kis mais uma (im)pre- fo a (esclarecer)fazer. Se tomarmos a ontologia enquanto “estudo do ser” como uma parte da filosofia que estuda a natureza do ser, a exis. fencia ¢ a realidade, entao este ensaio assim o é, Se tomarmos a gnosio- logia como teoria geral do conhecimento humano, voltada para uma te. flexao em toro da origem, natureza ¢ limites do ato cognitivo, frequen- femente apontando suas distorgdes ¢ condicionamentos subjetivos, ou seja, como teoria do conhecimento, assim também se pretende. E se defi- nirmos psicologia como a ciéncia que estuda a subjetividade © as suas Satie Mental, Softimento e Cuidado a fungées psiquicas, é daqui que partimos. Ou soja, a partir da clinica da crise (enquanto manifestagdes © fungdes psiquicas implicadas), preten- demos bordejar « ontologia (enquanto estudo do ser, existente, real), para, se possivel for, chegar a uma gnosiologia (uma teoria do conhecimento) a partir do fendmeno da crise. Q ponto de partida, portanto, é que existe uma grande confusiio conceitual” (Wittgenstein, 1986/1958) no terreno do que seja 0 “psiqui- co”, onde as profissdes ¢ disciplinas “psi” (psicologia, psicopatologia, psicandlise, psiquiatria, psicodiagndstico) acabam por obscurecer o cam. po em sentido geral e especifico. Geral, quando coloca no termo/conceito psiquico toda uma polissemia nao a ele adstrita; e no particular, porque algumas ciéncias clinicas usam/utilizam o termo para definir, nortear ou embasar ages, conclusdes e iatrogenias Apenas para nos conectar de pronto com a Fenomenologia, ado- to aqui também a critica de Flusser! (1935/1976) ao psicologismo légico, por ser “pleno de confusio categorial”. Bem sabemos que Hlusserl no duvida da existéncia do mundo, do objeto; ele esté af, é um ser dado. Porém, para ele, a consciéncia é a realidade absoluta, é 0 fundamento de toda a realidade, pois é a consciéncia que da significado ao mundo. Se- gundo a fenomenologia husserliana, o eu enquanto consciéncia pura tem 8 manifestagio intencional, ou seja, trabalha com a intencionalidade para um objeto, € na consciéncia que sujeito e objeto se encontram, O psicolo- gismo defende (posto que ainda esteja presente nos dias atuais) que os problemas da ciéncia da validade do conhecimento humano podem ser solucionados por meio do estudo cientifico-psicoldgico. A légica é vista pelos psicologistas apenas como uma ciéncia normativa dos atos psiqui- cos € no fonte da verdade, Hussetl, entio, ao fundar o método fenomenolégico, combate as, ideias do psicologismo cientifico que estava (¢ muitas correntes atuais ainda esta) entrelagada ao positivismo. Para a fenomenologia, nao impor ta sc 0 mundo existe, 0 que esta em questo é como 0 conhecimento do mundo se dé minha consciéncia, enquanto psicologisme falseia com- Wittgenstein critica a Psicologia de sun época, particularmente o mentalismo formula «do numa perspectiva essencialsta © 0 uso de uma Tinguagem fisiealista para descrever 4 vida mental. Acentua o eardter social da significayto das vivéncias subjetivas, enfa- {izando a compreensio da vida mental eda causalidade psiquica em fungio do contex- to social e da cultura, influenciando a renovagto eritica da Psicologia, cheyando @ formular a sentenga bombistica “na psicologin ha métodas experimentais e confusso conceitual” (Wittgenstein, 1986/1958). Esta critica, diga-se de passagem, em muito se assemielha is de Husser| & psicologia da época, 68 eno fidio da Costa pletamente o sentido das leis l6gicas. Com efeito, estas nada tém que ver com o pensamento, o juizo, etc., mas referem-se a algo objetivo. Desia feita, o ponto de partida/confusio e, portanto, de impreci- sto 6: 0 que é 0 psiquico? De pronto detecto que psiquico esta associado as (ow acompa- inhado das) ideias/conceitos subjacentes de proceso, dindmica, atividade, estado, fincéo, fato, dimenséo, ato, aparelho, alteragto e realidade, dentre outras. A questao preli eit todus estas ideias estamos fa Jando do mesmo fendmeno ou do mesmo fato (no sentido de factwn, acontecimento)? Se sim, 0 que os diferencia, ou mais, 0 que hes € co- mum? Exemplifiquemos rapidamente como a “confusio” se faz pre- sente e, em geral, precede o termo psiquico/psiquica em intimeras teorias ‘ou abordagens psis’, que sumarizo: Concelto | ungko —| Rae aaron du Gio, reo, erence anos | Selon dann on tne a sen CSHENSRG | Gotan os seron om gue saute metro ono, o fede asin incon, ata conus eproorga de olgus aba pina, ito ocr, equa conta de es ob eperans qu apresetam cata PROCESSO one one cc ei rant cameo | mare. ‘Conjunto de qualdados ou erecisicas com ave as coisas we presen corjunto | ESTADO _| de candies em qua encotra em determinate ment FATO—[ Alga coisa que scontoou, 20, sero | Exod iad oa 0 sured nie got Te Spd |__ ATO | casio em que ¢ fla gua cis -AERRETTO | Dispos gio pefina, preo, pensive, epaohanenia, aE TALTERAGAO™ | Alou elo do aera); ros eel REALIOADE | Qualdae ov cavztrisica do qu é roa o quo resent Quaulro 1: concepedio do autor. ‘Uma répida (porém nao inconsequente) anilise destes termos/con- ceitos associados ao psiquico nos dé a clara sensago que estamos nfo na polissemia complexa do psiquico, mas na mixérdia de associagio dele a outros termos confusos. Toda vez que me referie & “area pai", em sentido lado, estate inciuindo a psicologia, a paicandlise, a psicopatotogia, a psiquatria, a psicoterapis, o psicodiagnéstico, ou sea, todas as atividades ligas a “clinica psi Saiide Menta, Softimento ¢ Cuidado 6% ‘Apenas para exemplificar esta multiplicidade polissémica, ve- jamos apenas duas destas possibilidades de discurso/definigto, que as siarei, com Wittgenstein (1986/1958), como “Jogos de Linguagom™. Peguemos, por exemplo, 0 caso da Ontopsicologia que entende a atividae ite psiquica (psique) como a “ago base das modalidades do pensamento oda motivagao do existir homem, até a exteriorizaglio somftica (0 corpo $ palavra, 0 psiquico é sentido)”. Entende “realidude” psiquiea (incons- tivate, puls6es, associagSes, transposigdes oniricas, alucinagées, visbes te.) com # mesma concretude com a qual um fisico concebe a matéria. tin mundo subjetivo operivel com intencionalidade em antecipagio a qualquer fenomenologia; pensamento ou ato j@ formalizado; razio ou vontade consciente, e via fantasiosa, artistica, onirica. Teorizam que a atividade psiquica é sempre invisivel. Mesmo 0 pensamento ¢ a consciéneia sio “Yenomenologias” ¢ nko se pode ver & Biusa em si. Afiemam que, quando pensamos j4 refletimos, ou seja, @ nossa consciéncia 1é em fenomenologia. O “Em Si éntico” desta teoria é a yadicalidade da atividade psiquica, 0 projeto da natureza que constitui o ser humano. ‘A psique, de por si, para esta teoria, permanece sempre ausente ‘a qualquer medida, mas presente como evidéncia. Para esta “feitura do | Wittgenstein desenvolveu, sobretudo em suas Investigagbes Filossfias, o conceito de _jogo de linguagen, ikrodzido na tentativa de explicar como o significado de pslavra vate ser entendido eonio 0 seu uso em um doterminado contexto (Wittgenstein, 1086/1958), Para Wittgenstein, o significado nto deve mais ser compreendido como algo fixo e determinado, como una propriedade que emana éa palavra, mas sim come igo gue as expresses jingofsticas, a Tinguagem, exerce em um contexto especiico ¢ Com objelivos espeeificos. O que significa que o significado pode variar dependendo do contexto era que a palavra €ullizada e do propésito desse uso, As palavras nfo de- vem apenas ser. 5 A Ontopsicologia tem por objeto a atividade srente & fenomenologia hums: ha, isto, estuda a experiéneia psicolbgica, individua as causas que a constituem ¢ os tleinentos que podem resolvé-ta, Ao dizer “atlvidade psiquiea”, concebe-se o primei- ce fandamentsl mover-se do homem que, depois, efetua-se como pensamento, emo- ‘ho, temperamento,cariter, meméria, vontade, consciénie. Por “aividade psiquica’y portantoyndo se entende o pensamento, a recoraio, a emoyto, a psicossomitia: © ter sto apenas fenomenologias da pulsio psiquica. Nota do Autor: uilizo a Ontopsico Tozia neste ensaio porgue ela aborda diversas dimens®es psiquicas, como extquel, as seuindas a termos da fenomenologia e da psicandlise, conforme definido no site do Wikipedia, Assim, as referéncias a cla estio baseadss na “Jinguagem comum, ordind Me veieuladas neste site, mesmo que este Seja duvidoso quanto a sua pertinéncia. F fui cabe mais uma ressalva em flosofin da tinguagem: 0 uso Finguarciro ordinio ¢¢ canoe w coneeites fz dos usos de conceitos cada vez mais imprecisos perpetrando jogos de linguagem” cada vez. mais confusos. 70. Heno Ividia da Costa fenémeno psiquico”, “psique” & ago ou uno dindmico que se dé conjun- tamente, indivisa e sem partes, por isso, de per si, pode superar as coor denadas de tempo e espago continuos, Dizem ser “ecceidade dinémica holistica” e dar-se sempre por inteiro e age ou se move por como tende (intencionalidade)’. Comentando brevemente, nesta teorizagao estiio pre- sentes conceitos, discursos ¢ intengdes psicolégicas, psicanaliticas, exis- tenciais e fenomenol6gicas, “tudo junto e misturado” (metanarrativa’ cue podemos qualificar como confusa). Vou caminhar um pouco mais partindo do pressuposto que 0 Psiquismo humano fala de manifestagdes que definem a qualidade huma- na, portanto existencial. Podemos até afirmar que o psiquismo € 0 “refte- x0 subjetivo da experiéncia objetiva”. Porém quais sio estas fungbes, no somente no sentido de manifestago, mas de constituigao, para, quem sabe, podermos pensar os descaminhos ou estruturagdes que se tomem depois como “disfuncionais”. Neste particular a psicopatologia clissica, buscando cireunscrever as alteragdes ou “anormalidades”, fala em memo. ria (recente, arcaica), mental (~expresstio pelo corpo), a mente como ins- trumento da inteligéncia, reproduz as impressées com enfoques subje Vos, angiistia, afeto, sentimento, emoso, consciéncia, sensagdes/sentidos, pensamento e linguagem. Deixemos de lado (por enquanto) as imprecisées psicologizadas ou psicopatologizadas ¢ tentemos refletir, um pouco que seja, sobre o que & 0 desenvolvimento do que vou aqui chamar de “psiquismo humano”, objetivando uma compreens&o menos coneeitualista ¢ mais processual, ov fenoménica. Para tanto, aponto brevemente apenas pata algumas teorias que abordaram a constituigao do psiquismo, ‘Novamente aqui temos uma profusio de teorias, as vezes confli- tantes, as vezes concordantes (embora nfo aceitas no acordo), e todas, a meu ver, pecam por falta de uma filosofia que chamarei de complexa, leia-se, de pensar de outra forma o fendmeno do psiquismo humano (e, portanto a sua crise), Aqui, se alternam as teorias intrapsiquicas, socia’s ow espirituais, quando nao objetivas, subjetivas ou intersubjetivas. Ver nota anterior. 7 Metanarrativa é um termo literirio e filoséfico que significa simplificadamente a iarrativa contida dentro ou além da propria narrative que dominou os debates ao final do século XX pelo fildsofo fiancés Jean-Frengois Lyotard (1924-1998), pois este de- fendia o fim das grandes narrativas, como por as grandes narrativas presentes nos cursos do iluminismo, do idealismo e do marxismo. yento & Cuidado 1 Satide Men, So a ‘A questao de como se desenvolve o psiquismo: versées ¢ visdes O que Freud nos ensinowalertou Néio podemos negar que as fuses do desenvolvimento psiquico freudiano nos inseriram no mundo de uma “constituigo essencial” (¢ nao 140 etiolégico, a meu ver) nos inserido nos questionsmentos mais profuun- dos da constituigao do ser (e menos nas regras rigidas de como deve ser, ¢ volto a defender, sem caréter etiologizante no sentido causel), levando a cultura ocidental a inserir 0 inconsciente em seu vocabulétio. Ao falat, por exemplo, de estégio mais primitive do desenvol- vimento (fase oral), onde as necessidades, percepgdes e modos de expres- sfio do bebé estio originalmente concentrados na boca, labios, lingua e outros drgios relacionados com a zona oral, Freud (1972/1926) buscou compreender os componentes essenciais (psiquicos?) de um ser que nao raz em si a clareza do ser em si completo e do existira priori. E, para nao ser dualista em termos da teoria da mente que engendrou, falou em neces- sidades libidinais basicas onde corpo ¢ psiquismo originarios estio unos. Sabemos que ele chamou 0 bebé de “egocéntrico e narcisista” (embora 0 ego ainda nfo tenha e nem se reconhega como timico, pois nfo tem cons- ciéncia para tanto) ¢ leva para a nogo que ele tem de sua mie (portanto, de relago) como senco uma extensio sua (denominando-a de dependén- cia primaria, 0 que fenomenologicamente me parece ébvia). Podemos dizer, que 0 esforgo de teorizagto das fases freudianas, redundaram na compreensto que consciéneia, memoria, inteligéneia, afe- to, emogio, sentido de si, inconsciente ete fundamentam uma teoria do psiquico, ou do psiquismo. Sumarizando a énfase na conteibuigio freudia- na, também coloco atengio na fase (que Freud assim no denominou, mas de etapa) falica “onde ocorre a unificagko das pulsdes parciais sob a pri- mazia dos érgios genitais, sendo uma organizagio da sexualidade muito préxima aquela do adulto (fase genital)”. Abstenho-me de detalhé-la, po- +rém ressalto — assim como as outras, segundo a teoria freudiana — que clas constituem o psiquico. Uma caracteristica dessa fase & 0 fato de que as reagdes interpessoais da crianga passam a caracterizar-se pela selegio de um objeto sexual, que sero, no sentido humano geral, fontes e dimensdes importantes de afetos ¢ sentimentos existenciais fundamentais. Através da fase oral podemos, por exemplo, falar de corpo como fonte de estrutura- Ho, e na fase anal enfatizar a relagfo com os outros. 2 _Ileno Taio da Costa Para sumatizat, 0 reconhecimento da teoria psicanalitica im- plica na aceitagtio do importante papel da (psico®) sexualidade em geral ¢ da sexualidade infantil, em sua conotago com a teoria do recalcamen- to, que é a pedra fundamental da doutrina de Freud. Mas 0 fago, porém ficando por aqui, tio somente para ressaltar sobre o importante papel da istéria corporal, relacional e psiquica na constituis%io do que seja o psiquismo humano. O que a “abordagem” sécio histérica nos diz do psiquismo Fazendo outro breve contraponto, também citarei as teorias S6- cigs historicas na tentativa de compreensio dos fenémenos psiquicos basilares da estruturagio humana, assim como, ereio, ter ressaltado 0 papel da psicanilise, Desta teoria, destaco as dimensdes do pensamento © Ga linguagem, enquanto constitutivas deste psiquismo, ou mesmo como dimensfo, inadequadamente esvaziada de sua complexificagio pela psi ‘copatologia cldssica quando pensa suas alterag6es sem prensar stias cons- tituigies. Para Vygotsky (1984, 1987, 1988), por exemplo, o pensamento se coneretiza na e por intermédio da linguagem que, a0 mesmo tempo, © constitui, 0 organiza ¢ 0 expressa. Pensamento e linguagem, para ele com- péem uma unidade indissolivel. A materializagao da consciéncia em sig- nos € significados linguisticos a toma acessivel a outros que podem apro- priar-se dela e transformé-la, motivo pelo qual, segundo ele, da linguagem constituir-se uma das maiores riquezas construidas pelos homens, pois, gragas a ela, o conhecimento pode ser sistematizado ¢ reapropriado pelas novas geragdes. ‘A linguagem, além de ser fundamental para a transmissiio do conhecimento, teve, ¢ continua tendo, importincia decisiva para a poste- rior reorganizagio da atividade consciente do homem, pois permite lidar com objetos ott situagdes que nfo esto presentes, conservando-os na meméria, Com a linguagem, torna-se possivel conservar informagées recebidas do mundo exterior e criar um mundo de imagens interiores. O desenvolvimento do pensamento, informa Vygotsky (1984), s6 pode ocorrer com a interagio social, por meio da linguagem e dos objetos fisi- cos que fazem a ligagao entre 0 coletivo ¢ o individual. A linguagem, como principal instrumento de mediagfo, cria ¢ modifica a meméria humana, Sabe-se que @ meméria animal, instintiva, 1 Leino, dimensio afetiva, psig Saiide Mental, Sofrimento e Cuidado a depende da orientago imediata clo meio ambiente, prende-se a razies biolbgicas. ‘Novamente sumarizando, em conformidade com o pensamento Vygotsky e Luria (1996), entende-se que as fungBes psiquicas alteram-se no decorrer da hisiéria da civilizagao. Os estudos feitos por cles defen- ‘dem que a meméria exerce uma fungfo na mente ¢ no comportamento do hiomem primitive muito mais significativa do que a exercida hoje, Para les a meméria humana é muito acurada e extremamente emocional, ten- do a capacidade de preservar as representagdes com riqueza de detalhes, sem perder suas conexdes com a realidade, E por que apresentei tudo isto preliminarmente? Para ressaltar que quando falamos de psiquico ou psique temos todas estas dimen- sdes/eonceitos polissémicos em jogo: consciéneia, intencionalidade, me~ moria, linguagem, percepglo, sensagio, corpo, inteligéncia, sentimento, afeto, mente, emogao, sentido de si, eu, ego etc, sendo usados ou utiliza ddos das formas mais diversas e adversas, quando nao contrérias ou confli- tantes, Eis 0 campo da confusdo conceitual estabelecido ¢ previamente anunciado acima. Nao das teorias em si, mas delas entre si também por concisio, nfo vou, neste ensaio, apontar para a falsa dicotomia mente-corpo de muitas delas, apenas me posicionando que 0 esforgo deste estudo de adota a posigo, dentro da filosofia da mente, posto que adotarei a posigao ‘monista’ da filosofia fenomenologica que entende a subjetividade como ponto de parti, tanto no plano logico ‘ou epistemolégico, como no metodolégico. Para ela, portanto, os experi- mentos e as hipéteses cientificas remetem sempre ¢ em iiltima instancia experiéncias subjetivas ou intersubjetivas. Até mesmo a prépria existén- ia de uma realidade extema é um postulado da subjetividade, Desta feita, ‘0 monismo que aqui me refiro se situa dentro das experineias subjetivas que a fenomenologia entende em um corpo no mundo, para ir ao encontro de uma olinica (enidado) que as respeite. > Monismo (do grego névos mdnos, “sozinho, ‘nico"): nome dado as teorias flos6fi- ‘as que defendem, em metafisca, a unidade da realidade como um todo ou, em filo Sofie da mente, « identidade entre mente e corpo em oposigao ao dualismo ou a0 pluralismo enguanto afirmagio de realidades separadas, As raizes do monismo re- Frontam 208 pré-socriticas, como Zenfo de Eleia, Tales de Mileto, Parménides, Mais hodiemamente, Spinoza, filésofo monists por exceléncia, defende que se deve Considerar a existéncia de uma tnica coisa, a substincia, da qual tudo o mais sio frodos, e Hegel, de forma semelhante, defendo © monismo dentro de um contexto de absolutismo racionalista, "a ____Hleno Heidi da Costa Questées (apropriadamente) fenomenolégicas 4 questio da intencionalidade e da vivencia psiquica siacre Na fenomenologia podemos dizer que as questdes da inten ‘alidade (derivadas de Brentano, 1890) ¢ da vivéncia psiquica (Huser, 1929) coneentram ou podem ser 0 ponto de partida para nos aproximer, mos da complexidade do psiquico, em suas diferentes possibilidades de abordagem do fenémeno. Por concisio, ou mesmo por iniciagio, além de Brentano ¢ Husserl, me aproximarei de fenomendlogos como Martin Heidegger (1889-1976), Emanuel Lévinas (1906-1995) e Michel Henry (1922-2002), a despeito de suas diferengas e radicalidades do pensamnen. {o, nflo como forma de junté-los, mas de evidenciar o que eles podem nos ajudar nesta compreensao. sation do a eT? (1890/1995), resumidamente, a principal earacte- ristica do fendmeno mental ¢ a intencionalidade, ou todo fendmeno men. {al se caracteriza pelo que os antigos chamavam de inexisténcia intervie nal (ou mental) de um objeto, ou seja, roferéncia a um contetido, direcic. hamento a um objeto, objetividade imanente, Mais sucintamente, pode- mos dizer com ele que “todo evento mental inelui algo como objeto dem. tro de si mesmo", Assim, a intencionalidade pode ser estudada do ponto de vista psicolégico, gnosiolégico e ontolégico, como pontuei acim ett Problematizar ou objetar estas compreensdes, acredito que esta circunserigdo da intencionalidade nos ajuda a compreender —e mes. mo explicar ~ 0 porqué das imprecisdes ou dos jogos de linguagem, como diz Wittgenstein, que povoam 0 campo psi. Rapidamente retomando-o, Podemos dizer que o fendmeno psiquico, tomado por Brentano come intencionalidade, rofere-se & intencionatidade enquanto objeto direciona do para si mestno, nfo se direcionando para wm objeto (fisico) fora dele mesmo. Desta feita, é uma “ndo-coisa’, um objeto abstrato. Ou ainda, cxiste-na intengdo, o que no é 0 mesmo de no existéncia. O que nos faz Pensat que o psiquico, por este carater de néo fisico, no sentido de dire. Glonado a uma coisa, direcionado para si-mesmo, 6 portanto, um objeto abstrato, Podemos hipotetizar que muitos dos usos (imprecisos ¢ cons- fante dos jogos de linguagem da “rea psi”) do termo psiquico abusam (no sentido wittgensteiniano de que o “significado de uma palavra é seu Wea") de sua polissemia, conteibuindo para a confusto do eampo concei- al. side Menta, Softimento @ Cuidedo 75 Por outco lado, precisamos falar da “vivéncia” como uma ques- {Go fenomenolégiea privilegiada, ou seja, como chance de abtir @ regio fenomenal da vida, vez que, conforme Femandes (2010), 6 uma questo acerca do Ser da Psyché (embora muitas das psicologias no saibam 0 que isto seja), 1m modo de ser da vivéncia (néo coisa, mas comportamen- to da vida), nfo referencia da vivéncia “ao meu Bu”, enquanto “este Eu”, mas 0 “enraizamento do meu Eu no acontecer da vida enquanto tol”. Assim a vivéncia nio é um processo, mas um evento, cuja signifi- cfncia do que se manifesta na vivéncia e para a vivéncia ¢ 0 dar-se da ivéncia como o acontecer do mundo da vida, Vivéncia (Erlebnis) é todo 0 ato psiquico. Assim ~ eis o porqué © privilégio da Fenomenologia aqui -, ao envolver o estudo de todas as vivéncias, a Fenomenologia tem que englobar o estudo dos objetos das vivéncias, porque as vivéncias sio intencionais e & nelas essencial a refe- réncia a um objeto, Retomando Brentano, podemos assim definir os fe- némenos psiquicos “dizendo que eles so aqueles fendmenos os quais, precisamente por serem intencionais, contém neles préprios um objeto” Isto equivale afirmar, como Husserl, que os objetos dos fendmenos psi quicos independem da existéncia de sua réplica exata no mundo real por- gue contém o préprio objeto. A descrigio de atos mentais, entio, envolve a deserigiio de seus objetos, mas somente como fenémenos e semi assumir ou afirmar sua existéncia no mundo empirico. O objeto nao precisa de fato existir. Foi um uso novo do termo “intencionalidade” que antes se aplicava apenas ao direcionamento da vontade. As classes fundamentais dos fendmenos psiquicos devem ser estabelecidas, portanto, seguindo como principio o modo com que se referem a um objeto. Seguindo esse critério, Brentano apresentou as trés classes fundamentais em que se dividem os fenémenos psiquicos (Bren- tano, 1890): Representagio (Vorsiellung), Juizo (Urteil) e Fenémenos de amor e ddio (Phinomene der Liebe und des Hasses). Cito Fernandes (2010) para ser coneiso: Toda vivéncia ¢ vivéncia de alguma coisa ¢ este vivenciar tem 9 modo de ser de um ditigit-se-a-alguma-coisa, ser-consciéncia-de-alguma- coisa, mirar-a-alguma-coisa, Dito de modo ainda mais formal: todo vivenciar & vivenciar- alguma-coisa, sendo, 20 mesmo tempo vivén- cia-da viveneia, consciéneia-da-conseigncia: autoconsciéncia enquanto conscigneia de alguma coisa. Em percebendo, em imaginando, em sentindo, em recordando, em querendo, em pensando, ett vivencio al- guma coisa, ao mesmo tempo em que viveacio, cada vez, a vivéncia mesma. 16 eno lao da Costa Fazendo uma breve pesquisa etimotégica, encontramos que vi- véncia deriva do grego viventia, que significa “o fato de fer vida”. Bello (2005), dentro da ttadigio husserliana, concebe a vivéncia como se refe- indo @ atos psiquicos pertencentes A estrutura prépria de todo ser hume- no, tais como a percepcfo, a reflexio, a lembranga, a imaginagao ¢ a fan- tasia, So portanto atos universais, com contetidos absolutamente diver~ sos, acompanhados pela consciéncia, os quais remetem As trés dimensbes humanas fundamentais: corpo, psique e espirito (este dltimo entendido enquanto produgio do pensamento). Lersch (1971), embora teorizando sobre a personalidade mas partindo também da perspectiva fenomenolégica, concebe a vida como tama totalidade na qual esto imbricados os processos e estados animicos a partir da experiéneia imediata. Porém alerta, se todo animico ¢ um vi vente, nem todo vivente esta animado, uma vez que “o animico 86 se dé quando, nas formas vivas, a vida toma-se, por assim dizer, iluminada desde dentro, pelo que designamos, como um conceito geral € mais neu- tro possivel, como vivéncia” (p. 12). Bem sabemos quie 0 ser humano esta mergulhado no mundo ci cundante, que constitui seu espago vital, ao qual ele est vinculado de modo inseparavel através da vivéncia, que é justamente o diélogo entre « pessoa e o mundo extemo. Para este autor, vida e vivéncia nfo sao sind- nimas, pois a vivéncia s6 ocorre quando o ser vivente possui capacidade de interiorizar seu mundo circundante em imagens objetivas, de afetar-se pelos seus praptios estaclos, de estender-se até seu ambiente impelido por suas tendéncias ¢, por fim, de atuar sobre ele de um modo ative. Com a vivéncia, a vida penetra numa nova dimensfio (Lersch, 1971). ‘Assim, para que a vivencia se realize, é fundamental que a comunicagio do ser vivo com seu mundo cireundante seja acompanhada do que Lersch chama de um “dar-se conta”. “O que pressupde que para {que a pessoa vivencie algo, ela precisa estabelecer uma comunicagao ou uma conexdo com seu mundo circundante, néo apenas no sentido racio- nal, mas progressivamente, como apreensio sensorial, como percepgio consciente € como apreensao intelectual” (p. 12). Trata-se de um mo- inento importante que orienta a pessoa no ambiente ao qual esta ligada através da comunicagao, sendo, portanto, a vivéncia um processo mot ‘vador do desenvolvimento ¢ da conservagio do individuo em sua rela- go mundana, Sainde Mental Softimento e Cuidado 1 ‘Alguns apontamentos sobre o softimento na fenomenologia No poderia comegar esta (breve) apresentagio do tema na fe- nomenologia sendo por uma citagio de Eugene Minkowski (1999) sobre } coftimento, enquanto aspecto “patico” da existéncis, Porém, nao a de~ paterei. Apenas (pelo menos assim entendo) convido o leitor a té-la como basilar no tema. Diz ele: © softimento & uma parte integrante da existéncia humana, Mais que tama parte, ele a marea, a posieions. O sofrimento faz softer, isso no Sede forma alguma uma tautologia, Machuca, ¢ como! Mas é uma dor que saberfamos comparar a nenhuma outre. do dominio do pathos humano e nele o homem reconhece seu aspecto humano. Como {oda dor, o softimento deveria ser evitado, Mas ele absolutamente nao se submete a esses pardimetros, Ble esté ai c nos faz sofer. Como parte iimegrante da existéncia, poderia ele ser considerado uma necessidade? ‘Também no coloca-se sob esse pardimetro. O que é necessério & de~ terminadg, como que imposto de fora. Néo se escapa dele de forma figuma, E neéessério pereorrer esse caminho, quer se queira, ou nid; ddevemos fazé-lo, Nao devemos em absoluto sofrer. Sem divida, 0 s0- frimento. pode estar relacionado a um acontecimento exterior. Essa mio é de forma alguma sua tinica origem. E 0 acontecimento exterior, pelo préprio fato de nos fazer sofrer, deixa de ser um simples aconte- Eimento como os outros, Nés mesmios nos encontramos nele profinn~ Gamonte comprometides. O sofiimento esti em nés e nele tomamos Contato com nés mesmos ¢ com a existéncia. Nao miséria humana, {nas softimento humano, © hemem que sofie nio tem nada de misero tm si, Ble € 0 que é como ser humaro, e o que no pode deixar de ser (p. 156). Passemos a (breves) contextualizagdes do sofrimento em trés ‘autores seminais, que muito me ajudam a pensar a crise psiquica enquan- 40 softimento human. Sofrimento em Heidegger Segundo Cato (2016), ao se pensar o softimento na perspectiva da hermenéutica heideggeriana, “evita-se tratar das ‘causas’, Parte-se do entendimento que o set humano esté no mundo numa relagio de coper- tencimento ¢ que suas enfermidades nao so resultados de causas, mas | 78 sim respostas ao que Ihe vem ao encontro no seu predicado de ser-no- -mundo” (p. 37), Assim, “o softimento & compreendido de wm modo mais amplo, como condigio existencial do ser humano, decorrente das vicssi tudes do viver humano & medida que enfrenta os desafios, as limitagoes, fagilidades © escolhas que a vida Ihe impBc, num eterno vir-a-set que ‘nko Se esgota ¢ jamais se completa, apenas na morte” (Heidegger, 1927/1995, in Catio, 2016, pg. 21). Heidegger (1987/2009) se refere 4 doenga como sendo uma limitagao da possibilidade de viver, uma perda da liberdade, uma vez que o Dasein se depara com restrigdes nas suas Possibilidades (Cardo, pg. 29). Assim, Heidegger (1987/2009) apresenta cinco aspectos do estresse: a) uma solicitagdo apreendida pelo Dasein em Seu mundo; b) alivio do que Ihe foi solicitado também gera estresse pelo vavio imediato que surge; c) o estresse em certa medida é importante para possibilitar a realizagio das projegées futuras do Dasein; d) atender 4s Ssolicitagdes do estresse preserva a vida humana em sua intensidade ¢ dignidade, ¢) 0 estresse enquanto fardo & um existencial, pertencente § estrutura ontolégica do Dasein. Assim, Heidegger se refere a docnga como sendo uma limitagéo da possibilidade de viver, uma perda de liberdade, wma vez que o Dasein & depara com resttigdes nas suas possibilidades (Catto, 2016, p. 29), Para Catdo, “o softimento compreendido e ao mesmo tempo é aberturs Para novas compreensées, interpretagées e possibilidades, as quais, por Sua vez, conectam-se com os significadas ¢ os sentidos qué o set atribui Constantemente as suas vivencias de softimento, num consiante e cfclico movimento, caracterizaco principalmente pela mobilidade de vir-a-ser ¢ seu inexaurivel poder-ser" (p. 40). Sofi lento em Lévinas Lévinas (1997) realiza uma profieua fenomenologia do sofii- mento, descrito fundamentalmente como “passividade”, passividade “mais passiva do que qualquer passividade” (p. 13). O sofrimento en. quanto (al significa também a transmutaco da sensibilidade em absoluta yulnerabilidade ~ passividade que nfo se deixa integrar em qualquer tipo de correlagao bipolar do tipo “ativo-passivo”: passividade que é precise. ‘mente um mal (p. 14). No sofrimento vivencia 0 sofredor de uma sé vez passividade extrema e a radicalizagio de todos os elementos que o arrancam de todo Salide Menta, Softimento e Cuidado 7% possivel mundo organizado — passividade extrema, impoténcia, abandono e solidéo (p. 15). Ele esta s6 com seu sofrimento intl; inttil porque i {il para qualquer teleologia que sé se poderia dar no decorrer de tempos ¢ ‘no na paralisago extrema do tempo ao redor do e no sofiedor; 0 seu ser, seu Dasein é determinado neste ponto pelo sofrimento mesmo. O sofrimento impede também que tenham sucesso des tentati- vas que faz quem sofre por livrar-se de seu ser softedor ~ e isto porque, de certa forma, até mesmo o set do softedor transmutou-se intermamente e perdeu suas caracteristicas expressas sob a forma classicamente descri como “modos diversos de ser”: porque agora ser é softer, ou, com a inci- siva cloquéncia dos fatos que se atropelam em sua concenttagio, ser é sofrimento de ser e ser do sofrimento, na indeterminagiio caracteristica de ‘uma eoncentrago ontolégica extrema, sofiedor softe em seu ser e sob seu ser mesmo, ¢ seu ser ~ seu Desein ~ esté retirado da ordem do mundo e do mundo da ordem, do con- solo, seu ser the & pesado, insustentivel, sem sentido, absolute — puro softimento (p. 16). Para Lévinas (1997) nao & a condigo absoluta do ser, softendo, porém, um labirinto ontolégico sem saida ou um enigma sem solugio, ¢ sim possibilidade de determinagio do ser como ser mesmo: pois o mal é de certo modo a logica do ser. E simplesmente um fato, este de que o ser é, ¢ isto se prova pela necessidade mesma que o sofiedor tem de softer como ser -Dasein — e enquanto ser. B bem verdade que no hori- zonte esbosa-se 0 mistério da morte e a possibilidade de um encontro com ele; mas isto é um outro tempo, € o tempo do sofrimento esté tam- bém concentrado na absoluta densidade do sofrimento, porque no verda- deiro softimento cada momento é, em sentido estrito, o ltimo em sentido de também absoluto em si mesmo. 0 fechamento ontoldgico do sofrimento nfo é, poréin, definiti- vo. Ele pode ser ultrapassado ~ porque concentra exatamente em si uma extrema concentragao de ser, um “non plus ultra” de poder ontolégico. Esta concentragio de ser, em sua dinémica de intensificagao, torna-se a si mesma insuportavel, tomna-se pura insuportabilidade, insuportabilidade que esgota as reservas ontolégicas que se albergam nos tecidos do ser sofredor, erodindo assim:a consisténcia material do ser em sofrimento obrigando suas profundidades a se acercarem da carapaga ontologica que separa um Dasein do outro, Este esgotamento, esta exacerbagiio de ten- sbes acaba por provocar uma rotura, uma fenda no bloco antes compacto do ser sofredor, um ferimento pelo qual a subjetividade ferida escorre, ‘expoe-se absolutamente, toma-se nudez — nudez roubada de toda e qual- quer “dignidade” ontolégica (Cerezer, 2010). 80 _____ tena tao da Costa Neste texto, Lévines (1997) apela para umn principio ético su- promo que faz, a partir da dor, 0 onto prioritétio em relagio a0 eu (em Cerezer, 2010, p. 11): 0 softimento pelo softimento initil de outro hiomem, o justo sofimen- to em mim pelo softimento injustficdvel de outrem, abre sobre 0 so- frimento a perspectiva ética do inter-humano, Nesta perspectiva, fa7- ~se uma diferenga radical entre 0 sofrimento em outrem no qual & para ‘mim, inmperdodvel ¢ me solicita e me chama (,..) Ateng8o a0 soft ‘mento de outrem que, através das crueldades de nosso século — apesar destas crueldades, por causa delas ~, pode afirmar-se como 0 proprio nné da subjetividade humana ao ponto de'se ver elevado a um supremo principio ético~o inico que nfo & possivel contestar ~ e até a coman dar as esperangas e a disciplina préticas de vastos agrupamentos hu- manos” (p. 121). © postulado de que o sofrimento em outrem 6 injustificado, me parece ser 0 fundamento ético do cuidado: um responsabilizar-se. Lévinas analisa o sofrimento em uma perspectiva inter-humana, onde 0 sofrimento é inttil em outrem, mas significative em mim: me coloca na posigao ética, distinta tanto do cidadio quanto do individuo, de me tor- nar responsive! pelo outro, sem preocupagao com reciprocidade: “é no meu apelo a seu socorro gratuito, é na assimetria da relagao de um a0 outro” (p. 129). Sofrimento em Henry ‘A fenomenologia, para Michel Henry (2014/2003), “interroga- -s¢ nfio sobre as coisas, mas sobre 0 modo como elas se mostram a nés, no “Como” da sua manifestagio ¢ da sua revelaglo” (p. 34/35), havendo “dois modos fundamentais segundo os quais se cumpre a manifestagao d tudo que se dé a nds: 0 aparecer do mundo eo da vida” (p. 35). Para Hlen- ry, a vida no é um processo cego ou inconsciente, € ela que implica a obra originétia da revelago; o que se cumpre na vida, € com efeito, a vida. Falando sobre a dor, contrariando o “falso juizo” de que ela & referida a uma parte do corpo objetivo, afirma que 0 “cardter doloroso” ‘da vida, o “doloroso onquanto tal” é o “elemento puramente afetivo do softimento que o constitui”, Assim, 0 “sofrimento puro” revela-se a si Satide Mental, Softimento ¢ Cuidado si mesmo, 0 que quer dizer que “s6 0 softimento nos permite saber o que & 6 softimento e que aquilo que é revelado nesta revelagiio, que € 0 fato do sofrimento, é precisamente o sofrimento”, (p. 35). Assim, “o softimenie & invisivel, como a vida”, Henry fala de um “puro softer", que marca com uma passivida- de insuperavel tudo aquilo que aufere a sua revelagio do pathos, todo 0 sentimento e toda forma de vida. “A vida é paixdo”. Softer primitivo ou 0 Sofrimento origindrio no qual se cumpre 0 provar-se a si mesmo da vida, a afetividade que o toma possivel recebe a marca de um sofrimento origi- nirio (p. 38). ‘Afirma que 0 “softimento ergue-se da possibilidade mais intima da-vida, pertence ao processo pelo qual a vida vem a si neste sentido radi- cal e incontomavel que € 0 softer primitive como “softer-se" que todo 0 Sprovar-se” se cumpre fenomenologicamente”, defendendo 0 sofrer como {uma tonalidade fenomenolégica origindvia da vida” (p. 38). Fé aqui, ressalto de pronto, que, também com Henry, vejo base possivel para pensar o softimento da erise psiquica grave como consti- Juinte fundamental do sofrimento psiquico human. Creio que posso afirmar que a partir desse “softer primitivo”, de onde todo sofrimento particular & possivel, que emerge a possibilidade de se pensar o fenémeno {da crise psiquica como parte da fenomenalidade da vida. “As vivencias de sofrimento” so miltiplas declinagdes desse sofer primitivo, a ele necessariamente se referindo como a um a priori mergulhiado no invisivel da vida" (Henry, 2003/2015, p. 39). ‘Ao afitmar que, “se é no softer que a vida vem a si, entio é nele que, provando-se ela frui de si” (p. 39), ereio que Henry torna indissockvet e Sihimento 6 a vida, como fruigdes do existir. Pela minha experiéncia com pessoas em crise psiquica grave (do tipo psicética) tenho a nitida sen- Sago (ainda a debater melhor) de que a crise € um esforgo brutal de conti- hint fruindo a vida, o que me faz pensar que é, portanto, uma modalidade parndigmatica do existir. F podemos, fenomenologicamente, coneretamen- fe, na vida, buscar aprender esta manifestaglo de vida (a erise psiquica) como parte de uma essencialidade afetiva humana. “O sofrer € um fruir porque no softer e por ele se cumpre o ser-dado-a-si, 0 fruir de si porque # efatividade fenomenoldgica desse sofier é fruigo” (p. 40). E adiantando-me, posto que pretendo desenvolver isto melhor em outros estudos, creio que Henry nos aponta, com o exemplo da de- pressfio que cita neste texto (“a depressfio nunca é processo andnimo, Impessoal, material, cego, inconsciente”, p. 42) também para a possibili- dade de transformar (objeto da cura/cuidado, psicoterapia?) este softi- mento negativo em positivo, especialmente quando afirma: | | 2 eno Izidio da Costa © sofrimento pode transformar-se em alegria porque isso a parti do qual toda a forma de softimento & possivel ~ 0 softer primitivo no qual 2 vida se padece e se supoita a si mesma na sua passividade radical de mesma, é isso mesmo 0 que sc ampara de sie se prova e frui ¢e si na fruigdo desse fruir(p.41), i" Indo mais adiante e recorrendo a Kierkegaard quando discute a questo do desespero (que, creio, posso tomar, como crise maxima), Hen- ry afirma que ele nao € uma mera crise de identidade, como também en- tendo no caso da crise psiquica grave, Enfatiza A bem dizer o desespero € uma crise de identidade, mas ndo no sent do de um desaparecinento ¢ por isso néo é uma auséncia de idemtida de (grifo meu). Muito pelo contrario, no desespero e na depressao oe ‘esta presente mais do que nunca, Uma vez que 0 desespero tem o seu ugar na vida e a ela diz respeito € sempre um desespero do eu ¢, mais ainda, um desespero do eu a respeito de si mesmo, Finalizando este texto instigador, Henry defende tanto que “a terapia é sempre possivel” (restando-nos, a nds psis, 0 desafio de desco- brit ou desenvolver qual, com a maior propriedade possivel, posto que 28 existente, afitmo, nao estio sendo verdadeiramente efetivas) quanto a interdisciplinaridade para lidar com a “vida doente” (embora aqui nto defenda que a crise psiquica soja uma doenga, mas uma manifesta impar, diferente, do sofier méximo hhumano), E ele finaliza o texto, afi. mando, que apenas cito (Henry, 2003 apud Antiinez et al, 2014 No findo do desespero hi 0 absoluto, a autorevelagiio da vida, a unite © 8 profusdo da sua Parusia. (p. 43/44) Por isso nenhuma tonalidade fica bloqueada em si. Uma vez que ela apenas ¢ dada no advir em si a vida, entra inevitavelmente na histéria, Esta historia nfo é a co mundo nem dos seus acontecimentos. Ela apenas é inteligivel apoiada ‘em outta hist6ria, na historia da Vida em nés ~ nessa ineessante pas sagem do sofrer ao fruir no qual se origina a nossa agao, na qual constréi a nossa vide, . A interdisciplinaridade jé ndo é aqui um piedoso voto, & 0 trabatho eo do quotidiano daqucles que, psiquiatras fildsofos, uma mesma fine. lidade retine; devolver uma vida doente, talvez doente de uma docnga ‘mortal, ao seu poder e felicidade de viver—a essa vida que Katka diz “que em nada € hostil” (p. 44). Eis, talvez, mais uma concesséo reflexiva para o presente ensaio. ‘Saiide Mental, Softimento ¢ Cuidado 3 Como entendo (se posso entender) a questo do sofrimento Psiquico como expressiio da estruturagiio da existéncia humana Entéio de que psiquico estou falando? Do psiquico univoco (monista) que nao se separa entre mente € corpo, que é expressiio da vida como tal, integralidade da subjetividade humana, que provoca dor no corpo e na “alma (aqui entendida como vida) posto que é “fruigdo es- sencial” dela, expressiio da constituigao afetiva do humano. Para tanto, ele é afeto, afeta-se, toca, faz sentidos em suas dife- rentes manifestagdes (consciéncia, intencionalidade, meméria, emogio, inteligéncia etc), na vida concreta. Com Brentano, aceito que 0 fenémeno psiquico (pensar, querer, imaginar, ouvir, ver) € nfo-coisa, uma inexis- téncia ontoldgica, existéncia-na-intengao, dai sua grande dificuldade ¢ seu grande desafio para a area psi para compreendé-lo ou mesmo abordé- -lo de forma mais complexa. Porém, esté na materialidade da vida, do afeto, co corpo, da subjetividade singular de cada um de nés (manifesta gio de softimento particular do softimento primitivo), na relagio, no mundo, Sobre Softimento Psiquico Grave Caminhei até aqui para poder falar da minha posig4o em relagio a0 softimento psiquico humano, base para toda esta discussio. Da minha tese de doutorado (Costa, 2002) que venho utilizando, ou melhor, pi blematizando, 0 construto sofrimento psiquico grave para que me referit a todas ax menifestagdes tidas como da ordem dos transtornas mentais ¢ correlatos, mas ndo somente como uma forma de substituir termos ou conceitos, mas antes, como mote filosdfico e ético de considerar 0 softi- ‘mento humano como base para a crise psiquica grave, tdo trabathada, problematizada e desafiadora para as dreas psi (psicologia, psicopatolo- ‘ia, psicandlise, psiquiatria). 0 softimento psiquico grave, em minha concepgao, se reporta, portanto, a toda manifestagao aguda da angiistia humana (seja pela lin: guagem seja pelo comportamento) que nao ¢ ~ ou niio tem sido ~ bem compreendida, Nao se trata de negar que exista esta diferenga radical, mas antes tentar resgatar 0 espago necessério para que esta diferenga co- mo fal se revele € permanega passivel de miltiplas abordagens (Costa, 2010a). 84 ot eno Vidio da Costa Assim, reafirmando 0 que ja disse, entendo 0 sofiimento psiqui: co como sendo: a) algo essencial e inerente a todo ser humano; b) que se constrbi e € expresso nas relagdes (afetivas, socisis e culturais); ¢) que ‘configura-se em cada particularidade humana; ¢) & simbolizado de forma diferente em cada sujeito, ee) que, portanto, no caso do sujeito “tido ‘como psicstico” (sujeito em softimento psiquico grave), existe um parti cularidade a ser entendida, considerada e respeitada, além de demandar o desenvolvimento de formas diferenciadas de dar continéncia, apoio © cuidado (Costa, 2010b). Jé a nogio de sofimento psiquico grave nos remete & nogao de crise como sendo “um momento de ruptura ou uma mudanga de curso de jum equilibrio previamente estabelecido, levando a desarticulagdes que podemos chamar de psicossociais da pessoa” (Costa, 2006). Assim, ‘sofrimento psiquico grave deve ser entendido de forma a pensarmos co- mo sofrimento algo essencial do humano, 0 psiquico que nao é s6 da or dem do orgénico (sendo, portanto, também da ordem do afeto) ¢ 0 grave para enfatizar a sua manifestagio intensa e, em geral, de dificil de manejo comum. Esta forma de delimitar nos remete a uma possibitidade de cui dar da crise psiquica como um acontecimento essencialmente fenomeno- légico ¢ nio apenas sintomatolégico ou nosogréfico, oferecendo no cui dado desta um processo de possibilidades de estruturago e uma necessi- dade de estar a0 lado do sujeito que softe, seja em que intensidade for (Costa, 2003), Neste sentido, 0 qualificativo ‘grave’ se refere tio somente & it~ tensidade do sofrimento ¢ nio a uma classificagio especifica, buscando resgatar a dimenséio contigua de todo sofrimento humano, de um extremo Csuportével’) a outro (‘desorganizado"), contemplando nao s6 as méilt plas dimenses dos sofrimentos humano e psiquico grave © que leva a Crises, mas, e talvez primordialmente, enfatizar que o viver humano, permeado por softimentos ¢ dores, demanda um verdadeiro trabalho de Compreensio fenomenoldgica, sistémica, dinamica, dialética e complexa deste acontecer do homem no mundo, Propus este termo (ou construto, mas nunca uma definigao ou conceito) para designar nao s6 tudo aquilo que esta sob 0 dominio da definigfo de psicose, mas para apontar alguns desafios filos6ficos: a) ‘buscar superar a classificagio nosogrifiea, empiricista, categorial ¢ sin- tomatolgica das olassificagSes psiquitricas, que, por si sés, se preten- dem atedricas (0 que & um equivoco); b) apontar mais para fendmenos existenciais, fenomenolégicos, de cunho interno, relacional e dindmico, que falam da angistia humana, das contradigSes da estruturagio psiquica, do sofiimento (psiquico, afetivo, emocional, relacional), para além do saitle Mental, Softimentoe Cuidado 8. sintoma e ¢) tentar resgatar, portanto, a dimensfo ‘aormal’, ‘natural’, Snerente’ de qualquer softimento humano, inclusive daqueles tidos como psiesticos Neste sentido, 0 qualificativo ‘grave’ se refere to somente & mtensidade do sofrimento e nfo a uma classificagio especifiea, buscando resgatar a dimensio contigua de todo sofrimento fhumano, de um extremo (C‘suportivel’) a outro (‘desorganizado") (Costa, 2003, 2007, 2010). De modo geral, o sofrimento psiquico se manifesta e se expres- sa, num primeiro momento, no registro do corpo e através de wm sinfoma, Sintoma aqui tomado tanto “como fungo simbélica, quanto metaférica, mediadora entre a subjetividade eo real”, que se apresenta ao mundo dtravés da palavra portadora de uma verdade particular, ¢ nfo somente ‘uma manifestagdo bioldgica de doenga. ‘Toda esta discussio me fez entdo relacionar 0 sofrimento psi- quico grave com as crises do tipo psicético, questOes com as quais nos haveremos em muitos dos trabalhos 2 seguir na busca desafiadora de ccircunscrever as miiltiplas e complexas dimensGes deste sofrimento, co- mo ora apresento. Como proponho cuidar (sobre alguns principios) Do ponto de vista filoséfico, duas éticas inerentes 4 fenomeno- logia sto meus guias, que sumariamente apresento. Etica do cuidado (Martin Heidegger) Heidegger (1927/1999, cap. VI) distingue dois moos funda- mentais do “cuidado”: nas relagdes do ser-af com os entes cujo modo de ser é simpiesmente dado, ele emprega 0 termo “ocupagio” (Besorger {quando se trata das relagSes com 0s outros homens ele usa o termo “pre Gupagio” (Fiirsorge). Apesar dessa distingo, 0 mode cotidiano ¢ media- no da “preocupagaio” com os outros & a “indiferenga”, isto é a suposigo de evidéncias, a naturalizagio dos sentidos e o nivelamento das diferen- fas, que também earacterizam a “ocupagio” com as coisas do mundo. ‘Além da “indiferenga”, sabemos que Heidegger fala em duas outtas possibilidades da “preocupagao” que sio de extrema importinc’ para a reflexio clinica. A primeira se refere ao modo de “preocupayao” Gue “substitu” (einspringd) 0 outro assumindo suas “ocupagSes”, para Iberd-lo delas ou devolvé-las posteriormente como algo jé pronto. “Nes~ ‘a2 preocupagio, 0 outro pode tomar-se dependente ¢ dominado mesmo 86 eno da Costa que esse dominio seja silencioso e permanega encoberto para o domira- do” (1927/1999, p. 174). Entendemos ser este um modo comum do “cui- dado” nas formas de terapia que posstiem ou aspiram a uma teoria e una técnica que deem conta do softimento humano. Rocha (2011, p. 16-18) resume os diversos modos de euidado em Heidegger (prestatividade, presentidade, ocupagéo, preacupagéo, solicitude, ser-ai-com), que ttanscrevo por concisto precisa (grifos e ith icos meus): O ser humano relaciona-se tanto com os entes que esto disponiveis ¢ a0 alcance de suas mos, como com aqueles que esto dotados como modo de ser do Dasein, Na sua forma mais origindria de manifestar- € de se dar & nossa experiéneia, os entes sio instrumentos ao aleance de nossas maos (Zuhande) e a prestatividade (Zuhandenheit) os cx racteriza, e, enquanto tais, eles so inseridos nos nossos projetos exis tenciais. Quando no se encontrain assim ao aleance das nossas mios (Zuhande), etes apenas se colocam diante de nés como realidades da- das, inteiramente independentes do sujeito. Nesses casos, em vex da Zuhandenhett, vale dizer, da prestatividade, temos a Vorhandenheit, ‘que se poderia traduzir por “presentidade”. Quando o ser humano relaciona-se com os entes que esto ao alcance de suas mos, 0 euidado mostra-se sob a forma de um ocupar-se com cesses entes, Essa forma de cuidado, como um desdobramento da Sor- ge, & chamada por Heidegger de Besorgen, que se pode traduzir per cupagto. Desses entes, 0 ser Itumano cuida na medida em que deles se ocupa, inserindo-0s em seu projeto existeneial. Mas, o ser human vive também no Mundo com outros entes que t@m um modo de ser como 0 do Dasein, Nesse caso, o Dasein é um Mitdasein, que signif ‘ea: um ser-ai-com. Em relagio a esses outros entes, que, como 0 Dasein, sto langados no mundo para se tomarem propriamente si mesmos, o euiidado toma a di. mens de uma solicitude ou de uma preocupagio, de um Fursorgen. ‘Com esses entes, o ser humano no apenas se ocupa, mas se preocupa ¢ para eles dirige sua atengio e deles cuida com dedlicagio afetiva e com solicitude. Na preacupagao nls no apenas nos ocupamos com o8 ou: {ros, mas com eles eriamos lagos afetivos de solicitude e de dedicagao Na ocupagio lidamos com objetos, na preocupagio ¢ solicitude lida ‘mos com sujeitos, que no mundo devem assumir sua existéncia No entanto, por alguma fidelidade filoséfica, ercio que devo en- fatizar que este uso (indevido?) da nogio de cuidado em Heidegger nio foi originariamente concebido como um construto psicolégico. O que Saiide Mental, Softimento e Cuidado 87 aqui se defende, numa aproximagao (uso?) possivel, é que sendo 0 cuidax do para Heidegger uma condigiio essencial que caracteriza 0 humano enquanto um ai-ser'®, esta concepgao é passivel de a explorarmos (aper- feigoando-a) no campo do psicoldgico, do psiquico. Etica da alteridade (Emanuel Lévinas) Lévinas concebe a ética como interpelagio justificante, como linguagem que transita na interpelagio voltada para 0 outro enquanto tal. ‘Mas essa linguagem nao se apresenta apenas em seu carder dialogal, pois no seu seio pode surgir o caréter totalizante do discurso cocrente, A Kgneia desse discurso totalizante se enraiza na historia, se reporta & ética, pois se ela se apresenta como um modo de ser na relago para com 0 ou- ‘ro, que consiste em negé-lo na sua identidade , consequentemente na sua diferenga para comigo. 0 que Lévinas propde é a ultrapassagem da ontologia, ou, da di- ferenga ontol6gica de Heidegger, pela ética como filosofia primeica. Para ele, @ ontologia surge como necessiria para a distingo entre 0 Set € 0 ente, porém, cla ¢ posterior a filosofia primeira. O poder da ética vai se expressar na lei, a qual impde a proibigdo, podendo, mesmo assim, ainda ser infligida, A possibilidade da ética € insepardvel da possibilidade de suas proibigdes, como as da violencia, da guerra, da injustiga. A ética da Iei nfo € capaz de eliminar a possibilidade de imortalidade e do mal. Em- bora sendo real, o mal nao tem a sua justificativa pela possibilidade ética, mas sim pela “vontade de poder” sobre 0 Outro. Assim, a verdadeira relagdo ética para Lévinas nfo é a da unio, mas sim da relagio “face a face”, que ele assim expressa: “na relagio interpessoal, nfo se trata de pensar conjuntamente o Eu e o Outro, mas de estar diante, A verdadeira unio ou jungao ndo é uma fungio de sintese, © Enfatizo aqui, mesmo que brevemente neste momento, a questo da tradugio de “Cae minbos da Floresta” de Heidegger, coordenada por Irene Borges-Andrado (2012), 80. bre 0 Dasein que é composto de Da (s) = o ai, ¢ Sein = ser; portanto, Dasein = al-ser, existéncia /-ser-o-ai, 0 que em suas palayras, “chama-se a atengo para cada um dos elementos de sentido, mais do que para 0 todo, para © ps de significagso que resulta dda sua aglutinagio, acentuando, portanto, singularmente, um das sentidas Vigentes do termo: o de “ser ai” ou de “ser-o-ai”, consoante 0 contexto, Sitiando, portant, que “estd e se sente “no mundo”, num sentido meramente datico, osilante entre 0 sein Bet, ddo “estar residindo no mundo junto eom os entes”,e o eardcier mais propriamente “in- tra-mundando" destes tiltimos, caracterizados, justamente, por nfo ser & mancira do Dasein (a “presenga das coisas de que o homer langa mio no seu quetidiano proctirar finger a sua vida”) (p. XII-XIV do Prélogo & Edigfo Portuguesa), | | | ; : 88 eno leidio da Costa mas uma jungio de frente a frente” (Lévinas, 2000a, p. 69). Lévinas fala ento de tuma relagio “que consiste na responsabilidade por outrern” (Lé- vinas, 2000a, p. 73), na relagiio mittua da alteridade ou do face a face, a responsabilidade pelo Outro é estrutura fundamental da subjetividade. E ao falar desta relago de responsabilidade pelo Outrem, 0 es- tar frente a frente, 6 dado pelo fundamento do reunit-se em sociediide, ‘que se expressa no seu conceito de “tosto”. Nesse sentido, ele nos diz. que esse “estar frente a frente ou face a face”, é um acesso ao rosto, que em um primeiro momento, é ético. A partir dai, acabo me tomando responsé- vel pelo Outro. Desta feita, a responsabilidade pelo Outro ¢ tratada como fun- damental por Lévinas, tendo em vista a questo da Alteridade, que coloca ‘0 Outro no centro, mas no sentido relacional, nao como referéncia viltima, Nesse sentido, a relagao ética toma-se a religitio do Outro, que é fundada ‘na responsabilidade originétia do Mesmo peto Outro. A ética, enquanto sendo o testemunho da revelagio, espera uma resposta do homem, che- gando a afirmar que a resposta que Deus espera do homem € 0 amor dele pelo seu proximo. Nesse modo de amar, encontra-se a via que conduz 0 ‘hhomem para a eternidade. O amor do homem pelo seu préximo é uma tarefa que o redime, é 0 efeito da sua prépria redengao. A ética da Alteridade implica num comportamento de imparcia- lidade, justiga, humildade e interpelagio do Outro, do acolhimento. A diferenga presente no diferente ao ser reconhecido acaba tendo a incidén- cia como uma atitude, pois ética é um embasamento que se manifesta em ages que nflo visa subtrair nada de ninguém, mas edificar nas pessoas uma intengio de agir de forma justa, pois 0 objetive maior da ética & 0 Bem que inclui a todos (Soldera e outros, s/d, p. 5/6). ‘A verdadeira relagio ética para Lévinas no é a da unido, mas sim da relagio “face a face”. Ele se expressa assim (Lévinas, 2000a): “na relagio interpessoal, nao se trata de pensar conjuntamente o Fu eo Outro, mas de estar diante. A verdadeira unio ou jungio ndo é uma fungio de sintese, mas uma jungo de frente a frente”. Lévinas fala de uma relagio “que consiste na responsabilidade por outrem”, na relago muitua da alte~ tidade ou do face a face, a responsabilidade pelo Outro é estrutura fun- damental da subjetividade. Lévinas ao falar desta relagiio de responsabilidade pelo Outrem, estar frente a frente, é dado pelo fundamento do reunir-se em sociedade, {que se express no set conceito de “rosto”. Nesse sentido, o autor nos diz (que esse “cstar frente a frente ou face a face”, é um acesso ao rosto, que ‘em um primeiro momento, é ético. Saiide Mental, Softimento e Cuidado __ 89 ‘A parti dai, acabo me tomando responsivel pelo Outro. O rosto ¢ 0 discurso (a fala) estdo ligados essencialmente 20 sujeito ¢ & relacdo interpessoal. Em “Etica e Infinito” (Lévinas, 2000b, p. 79), lemos que: “o rosto fala. Fala porque ¢ ele que toma possivel ¢ comega 0 discurso”. ‘Temos que entender que esta linguagem do rosto no nos dé o conheci- inento do Outro, mas sim como escreve Lévinas, do tipo de linguagem onde “o discurso e, mais exatamente, a resposta ou a responsabilidade & que é esta relagdo auténtica” (Levinas, 2000b, p. 79). Ao falar da ética da Alteridade, em Lévinas, queremos contri- buir reflexivamente com a sociedade em que vivemos, pois segundo ele postula, a fundamentagio ética a partir da Alteridade busca tratar, em primeico Ingar, da valorizagao do humano, a partir do reconhecimento ¢ da valorizagio do Outro. ‘© Outro, seu Rosto, revela uma transcendéncia infinitamente ‘além do ser e revela o ser do Eu como relagiio origindria do Desejo da ‘Alteridade. sobre estas bases que Lévinas busca e fundamenta o sentido da consciéncia ética, como filosofia primeira. O escindalo e provocactio Go Rosto do Outro mostra que o Eu, subjetivamente falando, tem sentido fe deixa de ser conceito universal na responsabilidade pelo Outro. Na rela~ {0 face-a-face do Rosto, realiza-se a acolhida do Outro como realizagiio subjetiva, nao como enquadramento ontolégico. ‘A relagio ética, oposta A filosofia primeira da identificagao da liberdade e do poder, nao é contra a verdade, dirige-se ao ser na sua exte~ rioridade absoluta © cumpre a propria intengfo que anima a caminhada para a verdade (Lévinas, 20004). Aclinica do cuidado da crise psiquica grave Atengtio e Compreenséio no Cuidado Psicoterapéutico Concordando com Santos & Sé (2013), reafimo que o exereicio da atengio e da compreensio de sentido dos softimentos existenciais realiza a possibilidade do olhar fenomenolégico como cuidado na clinica psicoterapéutica, particularmente, como aqui defendo, da crise psiquica rave, a despeito de suas dificuldades, desafios ¢ complexidade. Nao se trata, por certo, de ume simples adeséo a uma abordagem teérica, através da aquisigao de informagées conceituais ¢ treinamento técnico, muitas vezes eivada de confusdes conceituais ou téonicas. 90 sont o® & Sé (2013) afirmam que, para Heidegger, “a compreen- Sto prépria da existéncia como “ser-al” (Dasein) nfo é um empreeni- mento meramente tedrico, implica, necessatiamente, um movimento do @propriagdo dos modos cotidianos e impessoais de ser e uma singulatiza. $20 do existt. Passa, portanto, pela disposigéo afetiva da angiistia, pela antecipagdo do ser-para-a-morte e pela ‘decisto’ por um poder-ser pré- rio e singular”, _ 0 cuidado Gntico, continuam os autores, ow o que podemos for- necer, “Ja esta previamente limitado por esse cuidado ontolégico mais Crigindrio, Por isso, é de fundamental importaneia para o cuidado psicote. Tapeutico um movimento de suspensio e recuo ante as demandas anedia. {8s do sofrimento tal como aparece dado a experiéncia cotidiana ¢ un exame do préprio campo experiencial de sentido em que ele se constitui". ania a ye {io de atengiio permite que © cuidedo clinico nao se res- trinja a uma substituigao do ontro em suas possibilidades préprias e pes. Soais, mas possa, também, convidar o outro a exporiéncia de sua liberda. de essencial. A psicoterapia, enquanto “cuidado pela vida”, pode ser explici- {ada na terminologia da analitica existencial, para Santos & Sé, como “o esfar-com que co-responde ao outro enquanto abertura as suas mais di. versas e préprias possibilidades de ser”, ._, Bem sabemos que a angistia & uma caraeteristica fundamentel i existéncia humana, o que, na minha prética cliniea da etise psiquien Brave € comrente, que, ereio, Souza (2014) bem resume (e reproduzo): E na angistia que pereebemos o nada como essa sombra que paira so- bre todas as coisas. O nada que tudo aniquila, esta por sobre e além de és, Na angiistia todas as coisas se nivelam. Tudo se torna efémero, tudo se tora igual, O mundo perde sua cor. Tudo eaminha para seu caso. Tudo eaminha para seu fim e decadéncia. Na angiistia perce- bemas que somos um ser para morte. E a morte que retita todo » sem. tido da vida. Como afirma Heidegger, “o mundo surge diante do ho. mem aniguilando todas as coisas particulares que o rodeiam e, porta ‘©, apontando para o nada”. (Heidegger apud Chaui, 1996. p. 9) sd, pret Ride isto ¢ que defendo que, se assumimos 0 /ugar de quem cuida, precisamos estar disponiveis para cleixar ser 0 outro como és co, mo pode ser, seja qual for a possibilidade de ser do outro que se apresente ‘no mundo, num dado momento da relagao terapéutica por exemplo. Snide Mental, Softimento ¢ Cuidado Para deixar ser 0 outro, precisamos estar preparados para re- conhecer qual é a possibilidade de ser do monento e acompanhd-lo en- quanto perdure essa possibilidade, por estreita que seja, em particular na crise psiquica grave. A postura ética de Lévinas (respeito © responsabilidade pelo Outro, pela Alteridade) ¢ 0 cuidado-no-rmmdo de Heidegger, também nos remetem, em especial no caso da crise psiquica grave ou do softimento psiquico grave, a limitagio desta clinica desafiadora e complexa (nao devidamente explorada pela clinica positivista), bem expressa nas pala- vras de Winnicott no seu texto “Os doentes mentais na prética clinica” (1983/1965b).. Elaborando do ponto de vista clinico-terapéutico, para finalizar, 68 prineipios e posturas que esta coniundente descrigio (fenomenolégica, diga-se de passagem) de Winnicott evidenciam a serem observadas, su. matizo: dedicar-se ao outro (alteridade), sentir como seu cliente (empa- tia), ser digno de confianga (estar fenomenologicamente disponivel para se responsabilizar pelo outro), ter postura profissional (que nao se reduz somente a teorias ou técnicas previas, mas antes a ter uma postura de confianga no que faz), preocupar-se com seu cliente (no sentido heide- ggeriano, preocupar-se, ocupar-se, ser solicito), tomar a posigao de “obje- to subjetivo” (na minha compreensio, significa “outro ser humano, subje- tivo” como ele), aceitando amor, édio, indiferenga, falta de légica, suspei- ta, confusio etc.) de forma diferente das demais pessoas, conservar os pés na terra (posicionar como alguém que pode, concretamente, ajudar), no assustar-se com as manifestagdes da radicalidade da existéncia dele (cri ses, fentativas de suicidio, riscos — levados ao seu limite, porém sem per- der a nogio de preservagto da vida), estar disponivel para estas emergén- cias, aceitar os pedidos de socorro ¢ gritos de desespero mesmo ele niio crendo na sua ajuda, admitir que vocé 6 limitado profissionalmente, po- rém profundamente envolvido com sentimentos e afetos humanos, para dar apoio e suporte as manifestagdes dostas angiistias fundamentais, para, 20 final (¢ aqui € a posigfo winnicottiana por exceléncia), néo se sentindo culpado por ¢ admitindo ser limitado na alterago da crise, na telagiio de apoio-afeto-intersubjetivo-humano, esperar que a crise se resolva, porque voeé estava junto com... Por fim, para concluit, defendendo, como propus no inicio, de que as primeiras crises psiquicas graves siio substratos fenoménicos da manifestagiio da experiéncia chamada de psicose, defendo-as. como um dos paradigmas da constituigao humana, por entender que tais erises/expe- riéneias sio antes uma tentativa de organizacdo dos softimentos sentidos, experimentados, vividos, intensificados no individuo e nas suas relagdes, 92. Teno Iafio da Costa portanto em sua condiglo existencial. No entanto, para compreender (te6 Hea ott filosoficamente) esta menifestago complexa do safrimento puro, init, solitério avassalador, precisamos superar, no campo do cuidado (c da teorizagio inerente), as imprecisées, confusdes conceitvais, psicolo- gismos, psicopatologismos € psiquiatrismas, tZo comuns na rea, eivadas de “jogos de linguagem” convenientes. Creio estar defendendo aqui que as primeiras crises psiquicas ‘graves sito um sentir vivendo e existindo com angustias intensos (funda- Imentais) que demandam compreensio como uma das manifestagdes ge- ruinas de existir do humano, no sentido de “possibilidades de ser", ¢ no como anormalidade ou enfermidade a priori. Un sofrer primitivo ou 0 sofrimento origindrio ou uma tonalidade fenomenolégica originéria da vida, como diz Henry. O que me faz afirmar que a crise psiquica é vivéncia basilar da angistia do existir. Resta-me admitir que este ensaio pode conter (¢ ‘contém), como critiquei de outras teorizagdes, imprecisbes ¢ confusdes posto que estou a elaborar a possibilidade de torné-la “mais ample”, para o que conclamo e encarego aos leitores que reajam, tegam sous Fomentérios, critiquem, apontem minhas imprecisées para que poss2- mos caminhar no aprofindamento de propor uma leitura complexa, leia- wge fenomenolégica, genuina ¢ norteadora, esforgando-se, no entanto, para no se tomar mais uma “metanarrativa obscurecedora”, em busca do melhor cuidado posstvel! Por isto me vali, além da minha (longa) experiéncia clinica com este fendmeno genuino (crise psiquica grave), de autores da feno- menologia. © que me faz também defender uma clinica fenomenologica do cuidar da crise psiquica grave (prestatividade, presentidade, ocupacdo, preocupagao, solicitude, ser-ai-com, nos termos de Heidegger ou a dis- ponibilidade e a cura winnicottiana), respeitando € responsabilizando-nos por este outro (alteridade, Lévinas) que sofre genuinamente como parte Ge um sofrimento initil (Lévinas), origindrio (Henry), na busea de, es- tando-com ele (estar com de Heidegger), pretender minorar as angustias existenciais desta forma de tonalidade fenomenolégica origindria: da vida, do afeto, concretamente (Henry), Perdoom os especialistas de cada jum destes filasofos (e os proprios filésofos) se me aproprici indevida- mente de seus conceitos originarios. Para isto, no meu entender, © psiquismo precisa ser concebido ‘como fenémeno uno, tipico do humaro, com miiltiplas dimensées que no pode ser reduzido a elas, que, ereio, Husserl prontamente aprofundou. Saixde Mental, Softimento ¢ Cuidado 93 Para finalizar, conclamo, com Husser! (na qualidade de precursor de fenomenologia e propositor de “uma outra forma de entender 0 fendme- vo humano” preservar sua méxima fenomenoldgica de “vollar para as soisas por si mesmas”, tentando niio cait nas confusbes conceituais de psi Goloaismos, quiatrismos, copatologismes, canalismos) abscurecedores, hum esforgo (fenomenolégico constante) de evitar construpGes metafisicas du metanarrativas meramente deseritivas, quiga para acecler ao fenémeno Ga crise psiquica como manifestagao gentina, origindria do softer humano, Referéncias ‘Ales Bello, A, (2005). 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