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uma análise comparativa sobre relacionamentos


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MÁRCIO MACEDO

A racionalidade do desejo e relaciona- ta com pessimismo por alguns e com otimis-


mento “inter-racial” mo por outros, salta aos olhos que os diversos
trabalhos que analisaram a obra desses autores
Somos um país miscigenado, da democracia não tivessem, até a atualidade, analisado um
racial, onde a mulata é a tal. Certo? Ou não? Se aspecto crucial que dá base à miscigenação: o
sim, por quê? O mito de origem de nossa na- relacionamento inter-racial.
ção é contado recorrentemente em textos que O livro de Laura Moutinho intitulado Razão,
sempre (re)atualizam a fábula das três raças, “cor” e desejo: uma análise comparativa sobre rela-
apresentada pela primeira vez em 1825, no tex- cionamentos afetivo-sexuais “inter-raciais” no Brasil
to de autoria do alemão Karl von Martius, no e na África do Sul detém-se sobre essa fascinante
concurso promovido pelo Instituto Histórico e, porque não, dolorosa temática. O livro é, na
e Geográ�co Brasileiro, intitulado “Como es- verdade, fruto de uma tese de doutoramento em
crever a história do Brasil”(Martius 1991:13). Antropologia Social, desenvolvida na Universi-
Desde aquela época, a formação do Brasil é dade Federal do Rio de Janeiro. E nele autora se
pensada a partir da contribuição de três grupos propõe a fazer uma análise das lógicas presentes
(branco, negro e índio) com suas, respectiva- nos relacionamentos inter-raciais nas cidades do
mente, três “raças” ou “culturas”. Rio de Janeiro (Brasil) e Cidade do Cabo (África
Na segunda metade do século XIX, a ques- do Sul). A hipótese central do trabalho é de que
tão racial emerge como problema a partir da estes relacionamentos dialogam diretamente com
abolição da escravidão, em 1888. O impasse a maneira pela qual estas nações estruturam seus
era re�etir sobre a constituição de uma nação mitos de origem, identidades e políticas sexuais.
onde a maior parte da população era constitu- O título da obra em si já é bastante sugestivo. O
ída de ex-escravizados negros e mestiços, agora mesmo sugere que, ao contrário do que o senso
elevados, ao menos juridicamente, à categoria comum a�rma, há uma “racionalidade” nos rela-
de cidadãos. O elemento complicador vinha cionamentos afetivos em geral e nos inter-raciais,
da chegada no Brasil das teorias racistas oriun- em especí�co. Em ambos, categorias como cor,
das da Europa, que condenavam o futuro de desejo, gênero e classe social têm um papel estru-
um país mestiço como o nosso. Dentro deste turador no jogo que se estabelece dentro do que a
contexto, as idéias de raça, mestiçagem e mis- autora denomina “mercado do amor e do desejo”.
cigenação tornaram-se conceitos fundamentais Ao mesmo tempo, Moutinho se coloca no grupo
problematizados nos trabalhos de intelectuais dos antropólogos que usam o conceito de raça en-
que buscavam solução para esse impasse1. Vis- tre aspas, com o intuito de evitar uma rei�cação
do termo. O que �ca sugerido é que apesar da ne-
1. Ver Schwarcz (1995).
gação do conceito por parte da biologia e genética

cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 1-382, 2006


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moderna, a idéia de “raça” continua a fazer senti- algumas obras. Os textos escolhidos para análi-
do para os atores sociais e, no estudo em questão, se são aqueles que possuem casais inter-raciais
é uns dos conceitos centrais que conduz a ação nos seus enredos, a saber: O Mulato (1881) e
dos indivíduos, sendo muitas vezes o responsável O Cortiço (1890) de Aluísio Azevedo, O Bom
pela construção ou ausência do desejo sexual. Crioulo (1895) de Adolfo Caminha, Jubiába
A antropóloga dá início à exposição da pes- (1935) e Gabriela: cravo e canela (1958) de Jor-
quisa por meio de uma sondagem nos estudos ge Amado, além das peças Anjo negro (1948) de
demográ�cos sobre conjugalidade e uniões in- Nelson Rodrigues e Sortilégio (1951) de Abdias
ter-raciais, realizadas no Brasil entre os anos do Nascimento. Nos três primeiros romances
1980 e 1990. Nestes trabalhos, veri�ca-se uma o contato inter-racial é visto com pessimismo,
forte tendência à endogamia e homogamia no algo que levaria a uma degenerescência do casal
país. O casal miscigenador é sempre compos- e, conseqüentemente, da nação. Já nos livros de
to pelo homem negro ou mestiço e mulheres Jorge Amado, a miscigenação é celebrada e en-
brancas, a partir de uma união formal. As con- tendida como positiva. Nas duas últimas peças,
clusões levantadas por esses dados chocavam-se o relacionamento sexual do homem negro com
com o imaginário nacional que celebra a mis- a mulher branca é visto como tabu e o fruto
cigenação e uma, suposta, exogamia. Esse pa- da relação é interpretado como uma forma de
radoxo é colocado pela autora como uma das embranquecimento social. O ponto comum a
questões iniciais da investigação. todos esses textos é que o desejo é sempre joga-
Em seguida, Laura Moutinho se debruça do para uma esfera exterior ao casamento, ou
sobre obras que buscaram fazer uma espécie de seja, nestas obras literárias a relação formal não
interpretação do país e que passaram, em algum é o espaço onde o desejo e o erotismo possam
momento, pela discussão da miscigenação. São ser vivenciados.
cinco as obras resenhadas: As raças humanas e a No capítulo seguinte, Moutinho busca ana-
responsabilidade penal no Brasil (1891) de Nina lisar as produções socioantropológicas que de
Rodrigues; A evolução do povo brasileiro (1923) alguma maneira passaram pela discussão do
de Oliveira Vianna; Retrato do Brasil (1928) de contato inter-racial e da miscigenação. Sendo
Paulo Prado; Casa Grande & Senzala (1933) de assim, a autora analisa as obras de Gilberto
Gilberto Freyre e Raízes do Brasil (1936) de Sér- Freyre, Donald Pierson, Florestan Fernandes,
gio Buarque de Holanda. O que ressalta da leitura Roger Bastide, Costa Pinto e Carl Degler; in-
dos textos é que somente Freyre e Vianna visua- tituladas, respectivamente: Sobrados e mocambos
lizaram a miscigenação a partir de uma perspec- (1936), Brancos e pretos na Bahia: estudo de con-
tiva mais otimista, ou seja, que poderia levar a tato racial (1945), Brancos e negros em São Paulo
um “branqueamento” do país. Os demais autores (1959) – escrito conjuntamente por Roger Bas-
tinham um posicionamento mais reticente em tide e Florestan Fernandes –, O negro no Rio de
relação à miscigenação. Por outro lado, todos os Janeiro (1953) e Nem preto nem branco (1976).
cinco entreviram a base deste processo de misci- Em todos os autores, o conceito biológico
genação no casal composto pelo homem branco de raça cede lugar a uma percepção sociológica
português com mulheres negras e mestiças. que busca entender como “raça” aloca os indi-
Mais adiante, a pesquisadora volta-se para o víduos no espaço social. Ainda de acordo com a
universo da literatura brasileira e questiona-se análise da antropóloga, a maneira como quatro
a respeito de qual a representação da miscige- destes analistas vão interpretar o relacionamen-
nação e dos relacionamentos inter-raciais em to inter-racial, a miscigenação e a manipulação

cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 243-246, 2006


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que os atores sociais fazem de atributos como raciais vigente no Brasil. Bastide, por sua vez, re-
cor, desejo, classe e gênero, no “mercado dos feria-se à existência de uma “batalha das cores”
afetos”, é informada pela noção de classe social e dos sexos nos relacionamentos afetivo-sexuais
que cada um deles utiliza. Dentro dessa lógi- entre brancos e negros. O sociólogo francês en-
ca, autores como Pierson e Azevedo se apro- cara o relacionamento inter-racial como espaço
ximam de uma perspectiva mais weberiana de privilegiado para analisar o tipo de preconceito e
classe, na qual o indivíduo é entendido dentro a discriminação existente no país, ou seja, aque-
da lógica de “situação de classe”, onde, “além le que se daria na intimidade. Nessa medida,
do poder econômico que determina as posições o autor aproxima-se da proposta de Abdias do
de classe, há outros elementos que constituem Nascimento, ativista negro cuja peça encarava os
as hierarquias sociais, como, por exemplo, as relacionamentos heterocrômicos como uma re-
convenções, os grupos de status, os ´modos de lação tabu, vinculados a uma tentativa de bran-
vida’” (Moutinho 2004: 179). Os autores aci- queamento do cônjuge não-branco.
ma citados, de acordo com a antropóloga, en- A seguir a antropóloga passa ao que pode-
tendem a mestiçagem em seus trabalhos como ríamos chamar de “cereja do bolo” de seu tra-
um campo no qual há uma série de elementos balho. Neste momento, Moutinho apresenta os
de prestígio manipuláveis, dos quais negros fa- elementos reunidos a partir do seu trabalho de
zem uso para se inserir no “mundo branco”. E campo: cerca de trinta entrevistas realizadas no
isso ocorreria porque a noção de classe está vin- Rio de Janeiro com indivíduos que já tiveram
culada à idéia de grupo aberto. algum tipo de envolvimento inter-racial, desde
Fernandes e Costa Pinto, por sua vez, se “rolos” até casamentos. As falas dos informantes
aproximam nas suas análises da noção marxista e experiências da antropóloga no campo reme-
de classe, ou seja, o indivíduo é pensado a partir tem o leitor a um misto de situações cômicas,
da sua posição na estrutura de produção e, por dilemas, experiências dolorosas e reverberação
conseguinte, as relações afetivas inter-raciais são de idéias estereotipadas e racistas que nos fazem
interpretadas como comprovação do racismo. re�etir sobre a predominância do racismo na
Nas palavras da autora, “os elementos de prestí- intimidade sexual e amorosa. Isso ocorre embo-
gio social que compensariam a desvantagem da ra Moutinho, desde o início do capítulo, a�rme
“cor negra”, são, antes, interpretadas como indi- que sua intenção não é provar que existe pre-
cativo do preconceito “racial”, dado que inclui, conceito, discriminação ou racismo no Brasil
individualmente, alguns, e não modi�ca a estru- a partir da análise dos casos ali expostos. Per-
tura de produção propriamente dita” (: 180). cebe-se que a concordância, de antemão, com
Freyre é incluído nessa seleção por ser o esta constatação é o ponto de partida da pesqui-
autor que vislumbra - em seu livro Sobrados e sadora. Assim sendo, ali se encontra o caso da
mocambos (1936) - o “mulato bacharel” como negra universitária que busca desenvolver estra-
elemento que mais se bene�ciaria da lógica ra- tégias para não ser confundida com prostitutas;
cial vigente no “mercado dos afetos e prazeres” do negro universitário e militante que se vê no
na época do Império, ao manipular vários atri- dilema de se relacionar apenas com negras, ou
butos de prestígio como títulos acadêmicos, be- de liberar sua atração e possibilidade de rela-
leza física e atração sexual (:185 a 197). Degler cionamentos com garotas brancas, atitude que
é analisado a partir da problematização que a soaria como uma traição ao “movimento”. Há
autora faz de sua tese, na qual o mulato surge ainda (dentre outros) o caso da mulher negra
como “válvula de escape” no sistema de relações casada com um médico branco que nos encon-

cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 243-246, 2006


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tros pro�ssionais do marido se ausenta para não como apartheid naquele país nutriu-se da para-
prejudicar a carreira do cônjuge, ou da garota nóia em relação ao contato sexual inter-racial.
branca que vê o homem negro e mestiço como Há uma sistematização das várias leis que con-
sexualmente superior ao homem branco. Neste trolavam e puniam as relações sexuais entre as
ponto, lembra-se da a�rmação de Peter Fry, re- várias categorias raciais existentes no país, com
petida por Moutinho várias vezes em seu livro, vistas a preservar a pureza do ventre da mulher
“as pessoas desejam o que é socialmente desejá- branca sul-africana. A parte mais interessante
vel”. A partir desta perspectiva, os informantes deste capítulo é o momento no qual a autora
desejam o socialmente (in)desejável, o que as resenha um romance do autor sul-africano John
coloca na situação de “desviantes”. Coetzee, Desonra (1999), e expõe algumas ques-
Há vários outros elementos que são levanta- tões a partir da análise desta obra de �cção. O
dos pela autora a partir das entrevistas e que são texto traz um pequeno quadro da África do Sul
relacionados com aspectos teóricos apontados pós-apartheid, com seus con�itos internos, um
nas resenhas da obras sócio-antropológicas e li- lugar onde raça e racismo tornaram-se assunto
terárias. Porém, um deles é central: o “estigma tabu que causa mal-estar nas pessoas. Ao mesmo
da cor”. Moutinho revela que o grande esforço tempo, ocorre a celebração de um país que se vê
empreendido por negros e mestiços, num espaço como rainbow nation, mas que registra o mais
social que extrapola os relacionamentos sexuais alto índice de casos de estupros no mundo.
amorosos, está justamente em reverter o estig- Por �m, vale ressaltar que o livro de Laura
ma que a tonalidade mais escura de pele traz. Moutinho abre um leque de assuntos a serem
Neste sentido, nunca há uma associação direta pesquisados que se relacionam às relações ra-
de negro(as) e de sua negritude com referenciais ciais, estudos de gênero, sexualidade e constru-
de prestígio social. Apesar desta perspectiva de ção da nação no pensamento social brasileiro.
estigma poder ser relativizada no campo sexual O texto é leitura obrigatória dos pesquisadores
e amoroso para os homens negros – onde são vinculados a estas áreas temáticas ou do públi-
vistos como superiores –, sua constatação dá co não especializado em busca de uma boa obra
margem para nos questionarmos sobre o “valor” de ciências sociais num assunto tão polêmico
da “branquidade” em nossa sociedade, questão que desperta paixões, sentimentos e, como não
pouco levantada nos debates atuais sobre raça, podia deixar de ser, dores.
racismo, representação, democracia racial e até
mesmo política de cotas. Referências bibliográ�cas
A última parte do trabalho aborda a questão
dos relacionamentos inter-raciais na África do MARTIUS, Karl F. P. von. 1991. Como escrever a histó-
Sul, e traz relatos da estadia de um mês da autora ria do Brasil. Ciência Hoje 13( 77): 56-63.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1995. O espetáculo das raças.
no país africano. Laura Moutinho explica como
São Paulo: Companhia das Letras.
a construção ideológica do sistema conhecido

autor Márcio Macedo


Mestre em Sociologia / USP

Recebido em 13/02/2006
Aceito para publicação em 19/05/2006

cadernos de campo, São Paulo, n. 14/15, p. 243-246, 2006

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