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ALZIRA LOBO DE ARRUDA CAMPOS

“TEMPOS DE VIVER”: DISSIDENTES COMUNISTAS EM SÃO PAULO (1931-1936)

TESE APRESENTADA AO DEPARTAMENTO DE


ESTUDOS HISTÓRICOS BÁSICOS DA FACULDADE
DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL DA
UNESP, PARA O CONCURSO DE LIVRE-DOCÊNCIA
NA DISCIPLINA METODOLOGIA DA HISTÓRIA.

FRANCA, 1998.
“Tempos de viver”: dissidentes comunistas em São Paulo (1931-1936)

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo I. A luta revolucionária em São Paulo: a esquerda e a organização da


massa trabalhadora
1. Greves e "questão social" 11
2. A organização da seção paulista do PCB: ação doutrinária e política de João da 34
Costa Pimenta, Mário Grazzini e Aristides da Silveira Lobo

Capítulo II. Dissidentes comunistas em São Paulo: debates & embates


1. O ambiente revolucionário em São Paulo nos finais da década de 20 58
2. O Bloco Operário e Camponês em São Paulo 66
3. A primeira dissidência coletiva do Partido: "Célula 4-R", Prestismo e Liga de Ação 73
Revolucionária
4. Dissidências em São Paulo
A. As cartas de Plínio Gomes de Melo e de Aristides Lobo 90
B. Censuras e autocríticas na rotina partidária: o caso de Astrojildo Pereira 99

Capítulo III. Dissidentes comunistas em São Paulo: fundação e organização da Liga


Comunista
1. A Oposição de Esquerda Internacional e o Grupo Comunista Leninista no Brasil: 110
o caminho do trotskismo
A. Raízes bolcheviques 111
B. A Oposição de Esquerda no Brasil: o Grupo Comunista Lenine (GCL) 115
2. Fundação e organização da Liga Comunista em São Paulo 127
3. Militantes e simpatizantes 129
4. As duas primeiras fases da Liga (de janeiro de 1931 a julho de 1932) 139
A. A palavra de ordem de Assembléia Constituinte 143
B. A ação sindical e a luta para a união do proletariado 146
C. Associação de Amigos da Rússia e Socorro Proletário 164

Capítulo IV. O “primeiro trotskismo” em São Paulo: política e cotidiano 167


1. As reuniões da Liga Comunista: a militância 168
2. Dissensões internas 182
3. Raízes literárias, produção e educação teóricas 193

Capítulo V. A Liga Comunista em São Paulo (de julho de 32 a maio de 36)


1. A palavra de ordem da Constituinte e a “mazorca” de 1932 216
2. O ambiente fascista em São Paulo 224
3. Tentativas para a união do proletariado: a tática das frentes únicas 227
4. Lutas entre trotskistas e stalinistas 237
5. A questão sindical 246
6. Organização partidária e militância (1932-1936) 253
7. As Conferências Nacionais da Liga Comunista 257
8. Reuniões e sociabilidade na Liga Comunista 272
9. Produção e divulgação da teoria revolucionária: livros, folhetos, jornais e cursos 278
teóricos

Capítulo VI. A sobrevivência dos trotskistas na revolução proletária


1. "Rumo à IV Internacional": ingressismo e antiingressismo no PSB 285
2. A cisão da LCI: o grupo “Fernando-Alves” 294
3. O cerco policial aos opositores de esquerda 308
4. A “tremenda experiência do passado” e “o zero democrático" 337

Conclusões 356

Fontes e bibliografia 360


Introdução.

1
É consensual que o estudo da esquerda no Brasil, embora contando com alguns
pesquisadores e obras notáveis, concede espaço insuficiente ao período 1920-1945 — anos
estratégicos para o entendimento de épocas subseqüentes. Ademais, as análises descuraram,
via de regra, dos dissidentes, prendendo-se ao discurso hegemônico do PCB e centrando-se em
algumas lideranças recorrentes.
A produção do conhecimento histórico, tributária da natureza das fontes — apaixonadas
e parciais, por princípio — reduziu ao silêncio indivíduos que historicamente já haviam sido
silenciados pela disciplina partidária. As autocríticas e expurgos, procedimentos rotineiros na
biografia do “Partidão”, contagiaram em graus variados a historiografia que se montou sobre o
assunto, condenando ao ostracismo personagens responsáveis pela fundação e pelo
funcionamento do Partido Comunista, nos tempos adversos da “política dos governadores” e de
2
Vargas. Observe-se que não se trata de peculiaridade da historiografia nacional. O próprio
Hobsbawn declara que ao escrever sobre o marxismo procede como um marxista da “velha
esquerda”, fundamentando-se pouco em investigações de primeira mão e tentando refletir sobre
3
os acontecimentos do modo mais lúcido possível, porém não desapaixonado. Abordagem
legítima, mas que obviamente concede uma visão oblíqua — ou não-visão — a dissensões e
dissidentes do partido, que participaram leal e ativamente da sua história.
Esses problemas estão presentes na minha opção de estudar a Oposição de Esquerda
em São Paulo, inicialmente provocada por razões de ordem pessoal: a leitura dos prontuários de
meu pai — José Mariano de Oliveira Lobo — e de seus irmãos — Aristides da Silveira Lobo e
Elias da Silveira Lobo —, todos pertencentes ao “trotskismo” de primeira geração, lançou-me ao
desafio profissional de modificar os rumos de minhas pesquisas. Desde a abertura do acervo do
DEOPS/SP mergulhei — um pouco às cegas, porém profundamente — no objeto de estudo
desta tese, procurando nos documentos e na bibliografia específicos encontrar os destinos
pessoais inscritos nas estruturas político-partidárias dos dissidentes do PCB. Para uma
historiadora social a tarefa seria mais espinhosa se tivesse sido encetada há 30 anos, ocasião
em que os diversos ramos da historiografia assumiam limites que se pretendiam indevassáveis.
Nos tempos presentes, estudos sobre a revolução e os revolucionários têm-se caracterizado por
uma abordagem, por assim dizer, “sociológica”, que enriquece o uso de conceitos. Por exemplo,
as análises tradicionais viam as classes sociais como categorias de agentes econômicos
4
(classes em si) e como formas políticas e ideológicas (classes para si). Esse reducionismo da
política e ideologia aos interesses de classe determinados pela economia, e a divisão dicotômica
1
O termo é usado na acepção proposta por Jacob Gorender, como conceito referencial “de movimentos e
idéias endereçados ao projeto de transformação social em benefício das classes oprimidas e exploradas”. In:
Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. 3.a ed. Ática. São Paulo,
1987, p. 7.
2
Condenação que não se restringiu aos dissidentes, como podemos acompanhar em numerosos
depoimentos amargurados, como por exemplo o de Octavio Brandão: “Aos 80 anos de idade, dos quais 65
de lutas, fazem a conspiração do silêncio em torno da vida, obra e luta [de Octavio Brandão]. Tratam de
sepultá-las, como se nunca tivesem existido. Sou boicotado e bloqueado por todos os lados — pela direita
porque é profundamente reacionária e pela pretensa ‘esquerda’porque é oportunista até a medula. Tudo
terminou no desconforto atroz e ostracismo total.” In: Combates e batalhas: memórias [por] Octavio
Brandão. São Paulo, Alfa-Omega, 1978, p. XXVIII.
3
Revolucionários. 2. ed. Trad. de João Carlos Victor Garcia e Adelângela Saggioro Garcia. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p.p. 11-12.
4
URRY, John. Anatomia das Sociedades Capitalistas. A Economia, a Sociedade Civil e o Estado. Rio de
Janeiro, 1982, p. 7. Apud: DUTRA, Eliana Regina de Freitas e GROSSI, Yonne de Souza. Historiografia e
movimento operário: o novo em questão. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, n.º 65,
julho de 1987, p. 104.
entre base e superestrutura foram quebrados. A partir da década de 60 novo conceito surgiu na
Europa. “Classe” é vista como fenômeno histórico, como algo que acontece de fato nas relações
humanas, com homens reais e em um contexto real, isto é, com homens que vivem sua própria
história e lutam contra interesses opostos aos seus. Essa conceituação inscreve “classe” como
uma categoria histórica ou como uma categoria de sujeito histórico dentro da sociedade civil,
5
permitindo-nos apreender relações históricas e práticas sociais em contextos específicos.
Permitindo-nos, ademais, incluir na análise da classe operária sua história de vida, dentro e fora
6
das trincheiras políticas ou da esfera de produção.
Para Dutra e Grossi desvendar as inquietações individuais é tão importante quanto
estudar as questões sociais, pois a experiência humana é resultante da ação de homens e
mulheres que vivem situações específicas, que têm necessidades, interesses e antagonismos
elaborados por suas consciências, que os levam a agir sobre uma situação determinada. A
experiência humana não se esgota na estrutura de classe e o estudo das práticas sociais de
7
determinada realidade deve passar pela investigação do cotidiano da vida social. Esse debate
metodológico, centrado na questão do modo tradicional e convencional de abordar a história
operária, critica fundamentalmente a história política e ideológica, acusando-a de ter encolhido as
dimensões do mundo operário, aprisionando-o em quadros fixos e estáticos. A reflexão de uma
história de tal natureza não teria como objeto a classe operária, mas suas representações
8
organizacionais e ideológicas, particularmente as instâncias dirigentes do partido.
A historiografia nacional, baseada preliminarmente em Thompson e Hobsbawn, tem
respondido aos reclamos dessas novas tendências na análise do movimento operário. Este
trabalho procura se aproximar de algumas questões suscitadas por esses autores, além de se
inclinar ao exame de fraturas do discurso e de práticas antagônicas sugeridas pela chamada
“Nova História”. Mas, fundamentalmente, as indagações aqui presentes decorrem de algumas
propostas de Jacques Rancière, presentes em A Noite dos Proletários, sobre as ligações
problemáticas de operários e intelectuais quando estes procuravam dar àqueles “a causa própria”
pela qual deveriam e não podiam se apaixonar. Nessa obra são discutidos problemas
decorrentes da insatisfação de uma historiografia diante da crise dos modelos teóricos e políticos
que se consagraram a transmitir a fala do coletivo operário. Insatisfação responsável por criar
uma nova fala, identificada por Rancière como uma fala de “duplos e de simulacros” que
registrou “as núpcias” do movimento operário com a teoria do proletariado, pintando “essas
sombras com as cores da vida cotidiana e das mentalidades populares”. Fala, por fim, que se
preocupou em preservar o “objeto popular” do pequeno burguês, ideólogo ou pensador. A esse
discurso Rancière sacrifica o que ele chama de “majestade das massas e a positividade de suas
práticas” aos discursos e práticas de algumas dezenas de indivíduos “não representativos”.
Trânsfugas que conseguiram criar a imagem e o discurso da identidade operária, encontrando o
9
discurso dos “intelectuais apaixonados pelos dias laboriosos e gloriosos do povo”.
A união de operários e intelectuais na recusa à ordem burguesa solicita estudos que
procurem estabelecer vínculos com as reflexões de Rancière, permitindo que se compreendam
problemas ligados à discussão histórica da proletarização do partido, da vanguarda
revolucionária e do papel dos pequeno-burgueses na busca do “novo trabalho”.
Para essa empreitada os documentos guardados pelos movimentos operários e pela
repressão policial permitem que o amplo dossiê da revolução proletária — vivida na militância
efervescente dos anos 20 e 30 — seja trazido à reflexão historiográfica, possibilitando
esclarecimentos sobre questões que empolgaram os membros ativistas do partido, pertencentes
à corrente hegemônica ou às concorrenciais. E ocuparam os agentes policiais, encarregados da
manutenção da “ordem”.

5
Dutra e Grossi desenvolvem esse raciocínio com base em: THOMPSON, E. P. La formación histórica de
la clase obrera. Inglaterra: 1780-1832. Barcelona, Editorial Laia, 1977, p.p. 7-8 e URRY, John, op. cit.
6
Op. cit., p. 106.
7
Op. cit., p.p. 107 e 110.
8
HAUPT, Georges. Por que a história do movimento operário? In: O Historiador e o Movimento Social.
UNICAMP. Tradução de Yara Aun Shoury. Apud: op. cit., p. 11. Mimeo.
9
RANCIÈRE, Jacques. A Noite dos Proletários. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.p. 9-12.
Os documentos do DEOPS/SP constituem uma das fontes principais desta pesquisa. No
entanto, provocam um grave problema de natureza metodológica: em que medida a percepção
dos militantes de esquerda fica tributária do uso dessas fontes?
O arquivo produzido pela Superintendência de Ordem Social e Política foi redigido
segundo uma lógica própria à administração policial, mas que não corresponde sempre àquilo
que o historiador espera dele. Os prontuários e dossiês que o DEOPS abriga repousam sobre o
procedimento acusatório, isto é, uma investigação a respeito de um delito de “desordem“ social
ou política sobre o qual se conheceu. O processo é instruído com o interrogatório do suspeito e
testemunhas, formando-se uma convicção baseada nas informações assim recolhidas — muitas
vezes com o auxílio da tortura. Assim, esses documentos são puramente ideológicos e se
apóiam em nenhuma ou poucas provas materiais. Sua análise mostra que eles se inscrevem em
estratégias complexas de defesa da “paz social” — expressão a designar a “ordem burguesa”.
Portanto, a utilização dessas fontes pelo historiador termina, inexoravelmente, por desviá-las de
sua função original.
Não obstante, esses documentos são testemunhos culturais do maior interesse. A
consulta às fontes, arrebanhadas ou produzidas pela repressão, poderá nuançar algumas das
análises vigentes, enriquecendo-as com o pluralismo das versões, das lideranças e das raízes
ideológicas da esquerda em São Paulo. Dessa forma, poderá servir à historiografia nacional que
10
se tem ocupado do tema, do qual ressalta a complexidade , agravada por problemas que ainda
11
restam resolver : o grau de autonomia ou de peculiaridade das esquerdas nacionais em relação
12
às suas declaradas filiações internacionais ; as influências anarquistas e sindicais no movimento
13
operário; o papel dos imperialismos na forma da dominação burguesa republicana ; as raízes
ideológicas de posições doutrinárias, aparentemente dúbias, assumidas por lideranças trotskistas
e que poderão ser melhor compreendidas quando comparadas a bibliotecas confiscadas pela
polícia; o papel que o embate de personalidades, na luta pelo poder, desempenhou nas cisões e
14
expurgos dos quadros do partido ; a avaliação de alguns momentos cruciais da formação e
consolidação das esquerdas (como a questão do Bloco Operário e Camponês); o problema das
coligações e frentes únicas (Liga de Ação Revolucionária, Ligas Antifascista e Antiguerreira,
Socorro Vermelho, Aliança Nacional Libertadora). Esses problemas acabaram por desembocar
nas famosas lutas internas do partido, ainda pouco estudadas e “muito menos esclarecidas,
apesar de se tratar de episódios elevadamente significativos, merecedores de atenção, pelos
valiosos ensinamentos que encerram”15.
A complexidade do assunto começa pelo fato de que no campo dito de “esquerda”
(expressão apenas cômoda, sem maior significado) existiam vários núcleos e uniões a
percorrerem todas “as gamas do arco-íris” político. Nesse campo, como seria de se esperar, o
Partido Comunista tornou-se o centro mais importante, pelas suas proporções e pela sua
organização. Foi nesse centro, inextricavelmente ligado a ele, que se formaram as grandes
dissidências da esquerda nacional. Dissidências que se consideravam a fração mais legítima do
partido, e com o dever de atacar os “usurpadores” da revolução proletária: a burocracia stalinista

10
GARCIA, Marco Aurélio. Contribuição para uma história da esquerda brasileira, em: MORAES,
Reginaldo et allii. Inteligência brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 194.
11
Diz Edgard Carone: “No estágio atual dos nossos conhecimentos temos que nos contentar com
informações precárias — e outras duvidosas — sobre os membros ativistas do partido nos anos 20,
precariedade que irá subsistir enquanto não se fizerem novas pesquisas (...) A falha nos impõe limites
graves para o conhecimento do PCB (...)”. In: Uma polêmica nos primórdios do PCB: o incidente Canellas
e Astrojildo (1923). Memória & História. Astrogildo Pereira. Documentos Inéditos. Revista do Arquivo
Histórico do Movimento Operário Brasileiro, n.º 1. São Paulo, Livr. Ed. Ciências Humanas, 1981, p. 15.
12
GARCIA, Marco Aurélio, op. cit., p. 195.
13
ZAIDAN, Michel. Construindo o PCB (1922-1924). Astrojildo Pereira. Livr. Ciências Humanas. São
Paulo, 1980, p.12.
14
Aspecto que predomina nas explicações de Foster Dulles sobre os primórdios do PCB. Cf. in:
Comunistas e anarquistas no Brasil e Comunistas no Brasil, 1900-1935. 2. ed. Trad. de César Parreiras
Horta. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1977.
15
LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 238.
e a direção nacional. É nesse lusco-fusco que se situam as presentes reflexões. Zona de limbo,
na qual os historiadores nacionais começam a penetrar.
Dainis Karepovs, que produziu ampla e cuidadosa dissertação sobre o cisma de 37-38,
nota que a historiografia das cisões no PCB ocupa poucos parágrafos das obras que tratam
daquele período, e em geral mantendo a interpretação oficial dos stalinistas. Essa visão
estilizada, pouco sistematizada, pouco lastreada por fontes de primeira mão, acaba por
desclassificar a visão dos dissidentes, encerrando os saberes no aspecto institucional e
burocrático da direção partidária e da Internacional Comunista. Karepovs observa que os partidos
comunistas sempre tiveram o hábito de reescrever suas próprias histórias de acordo com a
orientação política por eles praticada no momento histórico em que tais textos foram produzidos
— a cada mudança de linha política, muitos episódios tiveram sua interpretação completamente
alterada. Nos anos 70, as dissidências voltaram a ser abordadas e subsidiadas por documentos,
como faz Edgard Carone. No entanto, ao assumir a explicação oficial que responsabiliza
personalidades — que erraram na avaliação do momento histórico e na condução do partido —
pelas cisões ocorridas, Carone tende a impedir o aprofundamento do exame e discussão da
16
política comunista nos anos 30.
Murilo Leal Pereira Neto contribui para esclarecer determinadas posições e trajetórias
dos aderentes da Liga Comunista em São Paulo. Ao mostrar o que foi o trotskismo no Brasil no
período de 1952-66, sua análise acaba por incorporar circunstâncias e vidas dos trotskistas nos
anos 30. No campo teórico-metodológico, Pereira Neto desenvolve críticas à historiografia
nacional que se tornam quase inevitáveis para os estudiosos das dissidências do PCB. Ele
denuncia as obras que pretendem reduzir a história do proletariado brasileiro à história do partido
e a tendência acadêmica que reproduz acriticamente essa visão, “reduzindo a importância de
outras correntes e práticas políticas e empobrecendo a compreensão da pluralidade real de
17
influências, práticas, tentativas e projetos que constituem a história da esquerda brasileira”.
Como exemplo, Pereira Neto cita as numerosas obras de Carone dedicadas ao estudo do
movimento operário no Brasil e à história do PCB e que esquecem ou desqualificam a ação dos
trotskistas, sumária e erroneamente. Dainel Aarão Reis — continua a crítica — exclui os
trotskistas das organizações comunistas no Brasil “pela sua pequena expressão política e social”,
restringindo-se a estudar os grupos que “assumiram o ‘legado’ marxista-leninista e a contribuição
18
da III Internacional”. Além de ser absolutamente abusivo o juízo de valor sobre o grau de
importância ou de “desimportância” dos trotskistas emitido pelo autor, é preciso notar —
estendendo as críticas de Pereira Neto — que: 1.º) no período de 31-33 os oposicionistas de
esquerda chegaram a ameaçar seriamente a liderança do PCB em São Paulo; 2.º) eles se
consideravam os legítimos herdeiros e os responsáveis pela transmissão do “legado marxista-
leninista”, por razões que deveriam ser ponderadas pelos historiadores como tão legítimas
quanto as invocadas pelos stalinistas; e 3.º) os trotskistas só se desligaram da 3.ª Internacional
em 1933, existindo até então como fração do PCB e não como “partido independente”.
José Castilho Marques Neto, por sua vez, estuda as origens do trotskismo no Brasil
buscando ensinamentos na dimensão social das vidas de militantes do “contrafluxo”,
especialmente em Mário Pedrosa. Com esse procedimento Castilho traz relevantes aportes a
visões que se têm preocupado, talvez em demasia, com o significado puramente político do
assunto ou com personalidades já consagradas pela historiografia sobre o Partido Comunista do
19
Brasil.
Um pouco no prisma de Castilho, este estudo busca levantar o elenco mais completo
possível dos primeiros ativistas dissidentes do stalinismo, a fim de verificar o impacto que a teoria

16
Cf. in: KAREPOVS, Dainis. Nos subterrâneos da luta (Um estudo sobre a cisão no PCB em 1937-1938).
Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da FFLCH/USP. São Paulo, 1996, p.p.
2-14. Mimeo.
17
Outras histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil — 1952/1966. O CASO DO POR
(Partido Operário Revolucionário). Dissertação de mestrado apresentada à FFLCH/USP. São Paulo, 1997,
v. 1, p.p. 8-9. Mimeo.
18
Op. cit., p. 10.
19
MARQUES NETO, José Castilho. Solidão revolucionária. Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no
Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
marxista-leninista e a Revolução Russa (em seus triunfos e vicissitudes) tiveram na organização
do pensamento e da militância de esquerda, na capital paulista. Fundamentalmente preocupa-se
com os trotskistas — reunidos efemeramente na “Liga Comunista”. Esta tarefa procura atender à
necessidade de reavaliação do que significaram as presenças de Mário Pedrosa, Lívio Xavier,
Aristides Lobo, João da Costa Pimenta, João Matheus, Víctor de Azevedo Pinheiro, Plínio Gomes
de Melo — do grupo a que Fúlvio Abramo denominou de “primeiro trotskismo” — no processo
subseqüente do movimento revolucionário: da semente então plantada e cujos resultados são
20
muito mais significativos e promissores do que geralmente se considera.
É preciso dizer que este é um estudo de história social, mais de homens do que de
idéias, pois tem por objetivo fundamental reconstituir a trama sociológica dos militantes de
esquerda, verificando em que medida a utopia da sociedade igualitária foi revestida pela carne e
pelo sangue dos “agitadores de massas”. Dessa forma, espera-se conseguir penetrar no mundo
ou submundo que vivia da produção e difusão da revolução proletária em São Paulo, nas
décadas de 20 e 30. Mundo invisível em sua própria época, exceto para os iniciados na ação ou
repressão políticas e que foi, desde então, soterrado nos arquivos policiais e por histórias da
revolução que não cuidaram suficientemente da oposição de esquerda. Como nota Darnton,
reconstruir mundos é uma das tarefas essenciais do historiador, e ele não a emprega pelo
estranho impulso de escarafunchar arquivos e farejar papel embolorado — mas para conversar
com os mortos. Ao fazer perguntas aos documentos, prestando atenção às respostas, pode-se
21
ter o privilégio de auscultar almas mortas e avaliar as sociedades por elas habitadas . Almas
mortas que pertenceram a revolucionários em geral anônimos, cuja clandestinidade se forjou no
seio de lutas travadas contra inimigos variados: a censura, a polícia, a corporação monopolista
dos membros do PCB, a discordância de companheiros de trabalho, de vizinhos, de amigos, de
familiares...
As vidas dos opositores de esquerda sujeitaram-se à dupla clandestinidade: da direção
do partido e dos policiais. O “viver à margem” adquiria significado peculiar para tais militantes,
pois nas suas divergências identificavam a si próprios, aos membros da corrente dominante e à
sociedade envolvente. Lembra Karepovs que o processo de estigmatização dos trotskistas era
tão profundo que o artigo 13 dos Estatutos do PCB proibia qualquer membro do partido de
manter relações pessoais, familiares ou políticas com eles, vendo-os como inimigos
22
reconhecidos do partido, da classe operária e do povo. Dessa maneira ficaram os dissidentes
do PCB reduzidos à condição de párias da revolução proletária.
A observação das personagens que habitavam a revolução — no dia-a-dia da vida em
São Paulo e nos subterrâneos da polícia — propõe certos problemas históricos, por assim dizer,
clássicos. Em que termos superficiais ou profundos a teoria marxista penetrou nos
revolucionários que atuaram em São Paulo, nas décadas de 20 e 30? Como o pensamento
revolucionário se depurou nos embates práticos e doutrinários travados por anarquistas,
trotskistas e stalinistas? Quais os discursos engendrados pela esquerda — em suas variáveis
clássicas — e pelas polícias de Ordem Política e Social? Como essas questões foram vividas por
personagens reais, nas condições objetivas de suas existências?
Reexaminadas da perspectiva do acervo do DEOPS, essas questões mostram-se menos
abstratas que as formulações em geral contidas na historiografia, permitindo que se vejam os
matizes dos acontecimentos. Contexto em que se podem verificar as observações de Paul
Veyne: a História tende a se tornar uma tipologia sociológica, ou seja, não tentará encontrar leis,
dizendo que a humanidade é dirigida pela luta de classes ou pelo eterno retorno, mas distinguirá
cada vez mais tipos diferentes, um pouco como as pessoas que descrevem os animais,
vertebrados, invertebrados, etc.23 Deste ponto de vista, levando em conta a presença de

20
“Depoimento de Fúlvio Abramo”. O Trabalho. História. 9. Ano IV, n.º 132. São Paulo, 18 a 24/1/81.
CEMAP/UNESP.
21
DARNTON, R. Boemia literária e revolução. O submundo das letras no Antigo Regime. Trad. de Luís
Carlos Borges. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
22
Nos subterrâneos da luta (um estudo sobre a cisão no PCB em 1937-1938). Dissertação de mestrado
apresentada ao Departamento de História da FFLCH/USP. São Paulo: 1996, p. 7. Mimeo.
23
Cf. in: A paixão violenta. O historiador Paul Veyne homenageia no Brasil o poeta René Clair. Folha de
S. Paulo, 1/10/95, 5:11.
identidades dessemelhantes (isto é, uma tipologia social) envolvidas na “revolução proletária”,
esta pesquisa busca averiguar em que medida circunstâncias existenciais dos dissidentes
interferiram na biografia do PCB, e como se armou a rede de sociabilidade entre camaradas
pertencentes a correntes antagônicas, nos inícios da militância comunista em São Paulo.
Como a cidade mais industrializada do Brasil, abrigando 700.000 habitantes, e em
decorrência das grandes perseguições contra os comunistas ocorridas no Distrito Federal, São
Paulo tornou-se nas décadas de 20 e 30 centro privilegiado dos comunistas brasileiros. Não
obstante, estudos sobre o PCB escasseiam para a cidade que abrigou alguns dos líderes mais
vigorosos do partido — ou de suas dissidências. Note-se que o movimento sindical foi
particularmente forte em São Paulo, movimento do qual decorreu grande parte do poder da
esquerda. A imigração, por sua vez, trouxe pessoas e idéias contestatórias à ordem social
burguesa, vitalizando grupos que se situavam no amplo espectro a que se convencionou chamar,
um tanto impropriamente, de “esquerda”. Ademais, São Paulo desempenhou o principal papel na
história do trotskismo no Brasil, a tal ponto que a permanência de líderes na capital paulista
tornava-os suspeitos de heterodoxia perante seus camaradas stalinistas.
As balizas inicial e final do recorte temporal procuram dar conta do período crucial da
formação da seção paulista do PCB e de suas dissidências, época em que o partido começou a
se transformar numa organização de massa, como força fundamental do movimento operário
brasileiro. Foram esses anos pioneiros do comunismo que assistiram ao doloroso relato da
condenação de construtores leais e esforçados do trotskismo ou do anarco-sindicalismo por seus
24
companheiros de jornada. A data final coincide com a repressão que se seguiu à tentativa
revolucionária de 1935, e que acabou por extinguir a Liga Comunista Internacionalista, na qual se
reuniam os dissidentes, lançando-os para novos caminhos.
Os conceitos-chave deste projeto dizem respeito à literatura sobre dissensões, no seu
significado de esclarecer conteúdos próprios e outros referentes às doutrinas hegemônicas das
quais dissentem, enquanto dissentem. Tributários desta posição teórica, o conceito de
25
circularidade entre cultura dominante e concorrencial, desenvolvido por Ginzburg , e a análise
do mesmo autor sobre a possibilidade de se chegar à voz de vítimas submetidas a circunstâncias
extremamente penosas da repressão política, exerceram influência analógica na montagem
desta tese. No mesmo quadro situam-se as reflexões de Maurice Agulhon a respeito do
enraizamento dos valores, das instituições e dos procedimentos políticos nos fatos de
“civilização” e de “vida cotidiana”, criando o amálgama parcial do político e do sóciocultural. Esse
amálgama é considerado por Agulhon como o problema e o campo de estudos adequados aos
“diversos determinismos”, profundos ou contingentes, que ele desenredou na sua vida de
historiador. Eu tive em conta essa reflexão ao escolher caminhos para o estudo dos
26
oposicionistas de esquerda em São Paulo.
O estudo da sociedade na simbolização da realidade efetuada pela ideologia hegemônica
ou pelas concorrenciais incorpora-se à presente análise, explicitamente filiada a obras que
cuidam da história da esquerda no Brasil e que tratam, em graus variáveis de intensidade, da luta
de classes. A técnica da narrativa, dos estudos de caso e da análise de discurso constituem
outras tantas opções metodológicas assumidas.
É preciso declarar, porém, que a opção metodológica fundamental, presente da primeira
à ultima página deste estudo, é a de dar a voz aos trotskistas: a voz que lhes foi caçada pelos
policiais, pelos camaradas do PCB e por tantas histórias da revolução proletária no Brasil. Não se
trata de “um acerto de contas”. Nesta escolha é fácil reconhecer a influência dos novos
historiadores na valorização da narrativa, feita do ponto de vista dos protagonistas dos
acontecimentos. Esta posição implica a técnica de incorporar grande número de documentos à
narrativa em lugar de apresentá-los nos costumeiros “anexos” . Desta maneira, os oposicionistas
de esquerda são chamados a dar seu testemunho sobre posições teóricas e circunstâncias

24
Confrontar com observações análogas de Paulo Sérgio Pinheiro, in: Prefácio a LIMA, Heitor Ferreira.
Caminhos Percorridos. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 10.
25
Em O queijo e os vermes e “Notas sobre um processo modenense de 1519”, in: Mitos, emblemas, sinais.
Morfologia e História. Tradução de Federico Carotti. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
26
Visão dos Bastidores, p. 58. In: CHAUNU, Pierre et allii: Ensaios de ego-história. Lisboa, Edições 70,
1989.
históricas do movimento operário em São Paulo e do partido da classe trabalhadora — que
consideravam o seu partido até o ano de 1933.
Para identificar dissidências e dissidentes procurei rastrear as trajetórias de militantes
pertencentes à oposição de esquerda em São Paulo, numa tarefa bastante complexa, pois essas
trajetórias confundem-se com a própria história do partido e das demais correntes da esquerda.
Ademais, essas trajetórias obedeciam aos ritmos impostos pelas histórias de São Paulo, do
Brasil e da Oposição de Esquerda Internacional. Em positivo — na ação revolucionária — e em
negativo — na repressão —, os documentos coletados afirmam, infirmam ou completam dados
sobre a história da esquerda em São Paulo.
Da perspectiva metodológica de uma pesquisa projetada como densa foram levantados
exaustivamente prontuários de militantes da esquerda em São Paulo, nas décadas de 20, 30 e
40, tendo em vista o eixo temático deste trabalho — dissidentes de esquerda nas suas relações
de sociabilidade com companheiros da mesma corrente ou com indivíduos que militavam em
outras correntes políticas. Os nomes foram retirados da historiografia especializada, de listas
elaboradas pela polícia e de registros constantes de prontuários individuais ou institucionais.
Os trotskistas — militantes que interessam diretamente a esta pesquisa — estiveram no
campo da militância política, sós ou em grupos, relacionados a determinados socialistas,
anarquistas e stalinistas, em envolvimentos que descambaram para ocasionais iniciativas de
reagrupamento dos dissidentes nos quadros do partido ou para a formação de frentes únicas.
Daí comporem, stalinistas e anarquistas — sempre no campo das relações mantidas com
dissidências e dissidentes — o quadro da revolução por mim levantado.
É preciso frisar que os esquerdistas de 20 e 30 revelavam notável grau de porosidade às
diversas tendências que existiam então, tornando difícil uma categorização definitiva. Muitos
estavam à procura da verdade revolucionária. Outros, por tática, alinhavam-se à corrente
hegemônica, tentando invertê-la doutrinariamente, ou a ela eram levados pela constatação de
que os esforços pela revolução proletária, em correntes concorrenciais, estavam historicamente
esgotados. Poucos mantiveram-se fiéis às mesmas correntes, ao longo de suas biografias.
Quanto à montagem formal deste estudo, as reflexões suscitadas pelos dissidentes
comunistas na capital paulista desdobram-se em seis capítulos.
O primeiro preocupa-se com a luta e grupos revolucionários em São Paulo, das primeiras
grandes greves operárias à organização da seção paulista do PCB, em 1923. Abrange a
chamada “questão social” que tomou impulso no Brasil com a formulação de um pensamento de
esquerda, tornado conseqüente a partir da década de 20, quando se organizou o Partido
Comunista. Esse pensamento incorporou teses marxista-leninistas, segundo as correntes
adversárias do stalinismo e do trotskismo. A revolução proletária, pretendida pelas lideranças que
então se formaram, amadureceu à luz dessa ideologia tisnada por fortes sobrevivências do
anarquismo e do socialismo utópico. Foi na dissidência mais compacta do trotskismo e nas
dissidências fragmentárias do autocriticismo que o próprio pensamento do bolchevismo leninista-
stalinista afirmou-se.
Com o objetivo de verificar os pontos de confluência teórica e prática entre anarquistas e
comunistas, este capítulo inclui reflexões sobre a influência do anarquismo e do socialismo na
formação da consciência proletária, em ação fundamentalmente exercida por imigrantes
integrados à corrente anarco-sindicalista ou ao socialismo revolucionário. Prisma no qual as
raízes ideológicas do pensamento “de esquerda” e dos grandes temas veiculados por jornais,
reuniões, comícios e meetings são confrontados com a ação doutrinária e política das principais
lideranças paulistas. Concede-se ênfase aos embates de anarquistas, socialistas e comunistas,
assim como às tentativas de formação de frentes populares ou de ações conjuntas. Desta forma,
espera-se contribuir para que os limites graves para o conhecimento do PCB ligados à questão
27
da influência anarquista no início do movimento (como observa Edgard Carone ), continuem a
ser superados.
O segundo capítulo cuida das questões polêmicas que empolgaram os camaradas
paulistas e que constituíram o eixo central das censuras e autocríticas desse momento da
história do partido. Engolfados até 1926 no tenentismo, sob a influência da Revolução Russa, dos

27
Uma polêmica nos primórdios do PCB: o incidente Canellas e Astrojildo (1923), in: op. cit., p. 15.
intelectuais e do Comitê Central do Rio de Janeiro os comunistas em São Paulo lutaram
arduamente para a conquista da identidade partidária e pelo controle dos postos de chefia. Os
primeiros confrontos tiveram origem na discussão sobre a natureza da revolução brasileira que
aconselharia para alguns uma política de conciliação com a pequena burguesia, enquanto outros
encaravam tal aliança como uma traição ao proletariado. O grande tema da proletarização do
partido, decorrente do anterior, opôs os operários — considerados elementos genuinamente
proletários — aos intelectuais — considerados pequenos-burgueses, portanto, potencialmente
perigosos para a causa revolucionária. O Primeiro Congresso Regional do Partido (São Paulo,
1929) reproduziu as preocupações com esses problemas, anunciando a era dos expurgos,
28
prestes a se iniciar.
29
Conforme análise de Heitor Ferreira Lima , o PCB nesse momento estava dominado
pela teoria e pela prática de ceder sua independência ao Bloco Operário e Camponês, o que
constituiria menchevismo, antileninismo e antimarxismo, acusações recorrentes nas censuras e
autocríticas da história do partido.
Censuras e autocríticas contundentes e humilhantes expunham camaradas à execração
dos seus pares, resultando em punições que iam da suspensão, da perda de cargos e dos
“silêncios obsequiosos” à expulsão dos quadros partidários. As dissidências “orgânicas”
desveladas nas autocríticas e censuras são analisadas pontualmente, nos caminhos seguidos
para a redução ou a expulsão de camaradas, segundo a lógica da direção nacional.
O terceiro e o quarto capítulos enfeixam reflexões sobre a influência das fissuras internas
na organização da seção paulista do Comitê Regional do PCB e os efeitos da luta pelo poder na
União Soviética, travada por Stalin e Trotski, no acirramento dos ânimos entre as várias
lideranças comunistas, provocando o cisma dos trotskistas, expulsos das fileiras do partido por
meio de expurgos que se estenderam pela década de 30. Acusando-se mutuamente de traidoras
da causa revolucionária, ambas as correntes produziram amplo material sobre as divergências
que as separavam, material que compõe numerosos dossiês dos arquivos do movimento
operário e da repressão. Os trotskistas, reunidos na chamada “Oposição de Esquerda”, tentaram
por modos diversos, especialmente pela persuasão teórica e prática de antigos/novos camaradas
e pela atuação em sindicatos, reduzir a “burocracia do partido” às suas idéias. Fraudados seus
esforços, alguns dos membros mais representativos do trotskismo em São Paulo fundaram a
“Liga Comunista” filiada à sua homônima, com sede em Paris. Os trotskistas, precariamente
organizados e em número diminuto, enfrentaram lutas pluralistas: contra a repressão e contra os
stalinistas. Os momentos densos em expectativas que mediaram da fundação da liga à
Revolução de 9 de Julho de 1932, ou as duas primeiras fases da organização, compõem esta
parte da tese.
Os capítulos 5.º e 6.º cuidam do declínio e da queda da LCI. De 1932 a 1936 os
aderentes da liga em São Paulo envolveram-se em lutas de classe, sindicais, contra a direção do
PCB e, por fim, numa luta intestina que separou o “Grupo Fernando-Alves” do grupo liderado por
Hylcar Leite. Desmantelada a liga pela ação policial, vasto material da organização doutrinária e
da atuação política do grupo Hylcar Leite foi parar nos arquivos da Superintendência de Ordem
Política e Social, permitindo o entendimento de aspectos ainda nebulosos da história do
trotskismo em São Paulo. Entre outros aspectos, a problemática sobrevivência de trotskistas no
cenário adverso da repressão e da corrente comunista hegemônica.
O Partido Socialista Brasileiro e outros grupos políticos aparecem tangencialmente
nestes capítulos como componentes necessários da busca pela definição das esquerdas
brasileiras, especialmente quanto a pontos críticos da ação revolucionária: a congregação de
pequeno-burgueses à causa proletária e a tolerância a outras correntes de opinião, com a
rejeição ao “centralismo democrático”. Esses pontos fizeram com que o PSB recebesse um
grupo de trotskistas que tentou, em 1934 e 1935, levar os socialistas à ação imediata, realizando,

28
Confirmando a análise de François Furet, segundo a qual desde que o comunismo existe ele fabricou ex-
comunistas. In: Fim da União Soviética era mais imprevisível que o do capitalismo. O Estado de S. Paulo.
São Paulo, 11 de agosto de 1996, A23.
29
Caminhos percorridos. Memórias de militância. São Paulo, Brasiliense, 1982.
na prática, “a aliança conflitual, de tipo cartel, entre radicais e socialistas, essa aliança que é o
eixo da história da esquerda no século XX”.30
Pelos prontuários dos militantes, é possível acompanhar-se a trajetória atribulada da liga,
perdida em meio a posições divergentes — muitas vezes antagônicas — de seus
correligionários. E acompanhar as tentativas frustradas de cooptação dos stalinistas às linhas
teóricas e estratégicas que os dissidentes consideravam as únicas capazes de conduzir os
proletários à vitória sobre o capitalismo.
Esta análise também enfoca o campo antitético às tentativas revolucionárias. Procura
determinar como a reação à pretendida sociedade sem classes adaptou o seu discurso às
contingências históricas brasileiras, recolhendo suportes doutrinários do antibolchevismo nacional
& internacional e das informações recolhidas tanto em interrogatórios dos presos políticos quanto
em dados conseguidos por intermédio de uma ampla rede de “serviços reservados” estabelecida
junto a sindicatos, jornais e líderes revolucionários. Assim se formou, em 1924, uma polícia
técnica especializada em delitos políticos, abrigada em duas delegacias — de “Ordem Política” e
de “Ordem Social” —, submetidas a uma superintendência. Em São Paulo, essa polícia adquiriu
importante envergadura em 1924, 1930-32 e 1935-37. Dotados de amplos recursos,
prodigalizados pelo bernardismo e pelo getulismo, policiais caçaram implacavelmente
“propagandistas do credo vermelho” e “agitadores da massa trabalhadora”, reunindo pelas
prisões e confiscos documentos fundamentais para que a história da esquerda no Brasil perca
muitas de suas incertezas, reducionismos ou verdades nebulosas.
A agitação nos meios operários e nos quartéis promovida por líderes sindicais e pelos
tenentes, aliada à situação de extrema penúria dos trabalhadores, criava situação propícia à
subversão, segundo os agentes da lei e da ordem. O estado de sítio permanente do governo de
Bernardes acostumou a polícia a atuar fora da lei, desrespeitando direitos elementares de
cidadania. A revolta do general Isidoro Dias Lopes em 1924, a deposição de Washington Luís em
1930, a Revolução Constitucionalista de 1932 e a Intentona Comunista de 1935 foram
acontecimentos que atuaram diretamente nos grandes momentos de prisão dos líderes de
esquerda, levando ao desbaratamento das organizações proletárias em São Paulo. Por meio de
relatórios, comunicados e informes “reservados”, a Superintendência de Ordem Política e Social
criou versão própria sobre comunistas, anarquistas, trotskistas e socialistas. Montaram-se as
“bastilhas” locais: da Rua dos Gusmões, do Paraíso, da Maria Zélia, além das colônias
correcionais da Ilha do Diabo, da Ilha Grande, da Ilha dos Porcos. Agentes infiltrados nos
sindicatos, jornais, editoras, partidos e grupos políticos apontavam subversivos à polícia,
remetendo, com seus comunicados, documentos dos quais se apoderavam e que poderiam
comprometer os futuros prisioneiros. Líderes políticos eram “acampanados” das seis da manhã à
meia-noite por “agentes reservados”, que se revezavam a cada seis horas. Uma vez feitos
prisioneiros, interrogatórios e julgamentos seguiam as leis de exceção, submetendo as vítimas a
sofrimentos que ficaram registrados em livros de memórias, artigos de jornais, correspondência
pessoal e nos arquivos policiais. Fontes, todas, do cotidiano revolucionário, das idéias
encarnadas em pessoas que viveram e sofreram na cidade de São Paulo.
Este trabalho baseia-se fundamentalmente em evidências documentais, pois, tal como
Chilcote verificou, “erros factuais e informações falsas consideráveis invalidaram muitos dos
31
textos secundários” . Segue, neste prisma, a orientação de trabalhos recentes que buscam fazer
32
uma análise documentada dos movimentos operários. Nesse sentido, o acervo do DEOPS
tornou-se fundamental pela gama de informações que encerra. Um dos lotes documentais,
produzido sob o título de “reservado”, permite que o quadro fortemente pintado por ex-
prisioneiros seja confrontado com linhas e entrelinhas dos interrogatórios, declarações de presos,
campanas, etc., para que, provavelmente, as suas cores sejam reforçadas. Do outro lado, os
maus tratos e a violação de direitos humanos e legais, que perfaziam a rotina dos encarcerados,
repercutiram em campanhas levadas a efeito por jornais e em rebeliões e tentativas de fuga,

30
AGULHON, Maurice. Visão dos bastidores, p. 23.
31
CHILCOTE, Ronald H. Partido Comunista Brasileiro. Conflito e integração. 1922-1972. Trad. de Celso
Mauro Paciornik. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 14.
32
ALEXANDER, Roberto J. Internacional Trotskyism. Analysis of the movement. London: Duke
University Press, 1991.
dramaticamente sufocadas. Todos esses eventos ficaram registrados em dossiês temáticos ou
particulares, fornecendo pontos de observação inestimáveis para o estudo da militância
revolucionária em São Paulo. Esses os motivos que levam esta análise a incorporar a paisagem
sombria da repressão paulista, enfocada nas peculiaridades possíveis que disseram respeito aos
trotskistas.
Esta tese contou com um acervo inestimável: Lívio Barreto Xavier, o arquivista da Liga
Comunista de 1931 a 1934, guardou meticulosamente todos os documentos relacionados —
direta ou indiretamente — com a organização. Este acervo foi preservado da ação da polícia
política. Encontra-se ele, incólume, depositado no Centro Mário Pedrosa — CEDEM/UNESP,
guardando as esperanças e as frustrações do minúsculo grupo dos opositores de esquerda em
São Paulo, que uma vez sonhou com uma revolução baseada na justiça e na liberdade.

Do ponto de vista puramente técnico desta tese há certas particularidades a esclarecer.


Procurei padronizar a escrita optando por colocar os documentos nas regras atuais da
gramática, mas respeitando sempre as sintaxes originais. Também padronizei a grafia dos
nomes próprios, excetuando os casos que poderiam provocar equívocos na identificação de
prontuários pessoais.
As referências documentais estão muitas vezes incompletas como decorrência da não-
numeração das folhas de boa parte dos processos do DEOPS/SP — depositado no Arquivo do
Estado de São Paulo — e da não indexação do Fundo Lívio Barreto Xavier. A consulta ao último
foi-me autorizada por Míriam Xavier Fragoso e amplamente facilitada por Anna Maria Martinez
Corrêa, coordenadora do Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM). A ambas, a
minha imorredoura gratidão.
Capítulo I. A luta revolucionária em São Paulo: a esquerda e a organização da massa
trabalhadora.

“Hoje, do antigo PCB, resta apenas a lembrança. Conduzido,


desde 1934, por mãos inábeis e aventureiras e caindo, sobretudo a partir de
1943, ora no mais desesperado esquerdismo, ora no mais vulgar oportunismo
eleitoreiro, sua história nestes últimos anos se resume em uma série contínua
de erros e fracassos, que o afastaram do proletariado.”
(Leôncio Basbaum, História sincera da República, p.p. 321-322).

1. Greves e “questão social”.

O estudo da esquerda na cidade de São Paulo vincula-se inelutavelmente ao estudo do


movimento operário na sua versão mais conseqüente — a do sindicalismo. De fato, os combates
operários e a luta sindical constituíram a caixa de ressonância da organização da vanguarda
revolucionária, isto é, dos partidos ou correntes que pretendiam a derrubada da ordem burguesa.
Quanto às dissidências da esquerda, o estudo das biografias de militantes comprova que boa parte
das divergências originaram-se na luta pelo domínio de sindicatos ou por posições conflitantes
sobre a oportunidade de determinadas intervenções no seio da massa trabalhadora. Por tais
motivos, os movimentos operários constituíram o pano de fundo da esquerda paulistana — posição
que ocupam nas presentes reflexões.
A capital paulista possuía cerca de 700.000 habitantes e 100.000 operários, por volta da
fundação do PCB.33 Esses operários careciam de tradição organizatória capaz de oferecer lastro à
criação de um partido voltado aos interesses da classe trabalhadora. Havia a predominância de
correntes reformistas entre os trabalhadores representadas por socialistas evolucionistas,
cooperativistas, movimentos católicos, etc. Os anarquistas não aceitavam qualquer forma de
organização, a não ser os sindicatos para os anarco-sindicalistas. Até 1922, as correntes “de idéias
avançadas” ou de esquerda atacavam o sistema dominante, mas não dispunham de partidos que
disputassem eleições. As ações políticas dos socialistas em geral circunscreviam-se a greves e
lutas para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Nas três primeiras décadas deste século o tema candente da “questão social”, surgido
desde o século XVIII, incorporou-se à linguagem nacional nas versões clássicas do socialismo
utópico, do anarquismo e do socialismo científico, agregando aos seus esquemas doutrinários as
condições brasileiras da exploração do trabalho pelo capital. “Questão social” referia-se ao conjunto
de problemas políticos, sociais e econômicos advindos do embate entre o capital e o trabalho, e
provocados pela afirmação da classe operária na sociedade capitalista.34 Melhor e mais
simplesmente, poderia ser denominada de a existência da pobreza35.
Na óptica da burguesia brasileira (agrária ou “industrial”) a questão social era vista como um
produto de desordeiros e de agitadores — os agentes da subversão. Ademais, a questão social
combinava-se com a questão nacional, e o proletário, quando estrangeiro, era duplamente
ameaçador por sua situação de assalariado e de imigrante.36 Com efeito, a missão de proselitismo

33
A população da cidade de São Paulo cresceu vertiginosamente com a chegada de imigrantes, atraídos
pelo capital cafeeiro e industrial. Assim, os 240.000 habitantes do início do século passaram, em 1910, a
469.748; em 1920, a 579.000; em 1930, a 876.000; e, em 1940, ultrapassaram a casa do milhão, chegando a
1.316.000. (Revista Veja, ano 30, n.º 25, p.p. 14-15). Esse dinamismo populacional foi responsável, em
grande parte, pelo dinamismo político da capital paulista, registrado especialmente no setor sindical.
34
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A “Questão Social” no Brasil. Crítica do discurso político. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1982, p. 21.
35
ARENDT, Hanna. Da Revolução. Trad. de Fernando Dídimo Vieira. 2.ª ed. São Paulo: Ática; Brasília:
Ed. Universidade de Brasília, 1990, p. 48.
36
HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem patrão!, p. 44.
socialista teve início com o pequeno proletariado estrangeiro e contou com a adesão de algumas
lideranças nacionais, entre as quais figuravam intelectuais esforçados.37
No discurso dominante, o Brasil viveria a “paz social”, na melhor tradição do
assistencialismo cristão:

“A alma rude, mas essencialmente boa, dos habitantes do sertão, como a


dos pacíficos moradores das vilas e das cidades, possui um fundo de filosofia
religiosa natural, uma elevação e nobreza de sentimentos que não são
comuns a todas as raças, nem são o apanágio de todos os que se dizem
civilizados e, como tais, abordam a esta terra hospitaleira e rica.” 38

Do ponto de vista teórico, a grande discussão travada pela vanguarda revolucionária e


pelos agentes do statu-quo, nos dois decênios iniciais deste século, centrava-se na
afirmação/negação da paz social, como podemos acompanhar em escritos políticos, dos quais
fornece exemplo ilustrativo a Voz do Graphico, órgão oficial da União dos Trabalhadores Gráficos,
com a matéria: “Há ou não há a questão social no Brasil?“ Segundo Francisco José, o autor do
artigo, a votação e a promulgação das leis de férias anuais, descanso dominical e indenização por
acidentes de trabalho evidenciariam o reconhecimento oficial de que no Brasil existiria questão
social, “apesar de os trombeadores de má fé terem dito e redito, tanto no Conselho Municipal, como
na Câmara e no Senado que no Brasil não há questão social”. Até 1919 — prossegue — políticos e
jornalistas diziam que as greves eram obra de agitadores profissionais, na sua maior parte
estrangeiros; não havia questão social, mas unicamente perturbadores da ordem. O primeiro que,
apavorado, reconheceu publicamente, em 4/5/1919, que no Brasil existia questão social foi o dr.
Altino Arantes, em telegrama dirigido aos srs. Álvaro de Carvalho e Carlos de Campos, líderes das
bancadas paulistas na Câmara Federal e no Senado, recomendando-lhes tomarem a iniciativa e
pleitearem a rápida adoção de um projeto que consagrasse em lei brasileira as conclusões de
legislação operária votada pela Conferência de Paz. O presidente do Estado assim agiu, diz a Voz
do Graphico, pressionado pela agitação de 100.000 trabalhadores “em parede na Paulicéia”.39
Malgrado a posição de Altino Arantes, Epitácio Pessoa, que assumiu a presidência da República em
julho de 1919, afirmava categoricamente não haver questão social no Brasil. Sob a máscara do
nacionalismo, o governo Epitácio dividiu os trabalhadores em dois campos: o nacional, governista e
reformista; o estrangeiro, anarquista e anarco-sindicalista. Munido deste esquema, Epitácio encheu
as prisões de operários, multiplicou violências e deportou para Portugal, Espanha e Itália perto de
100 militantes estrangeiros.40
As “elites pensantes” do conservadorismo contorciam-se em malabarismos retóricos,
pressionadas pela realidade social. Numa conferência proferida no Teatro Lírico do Rio, Rui
Barbosa reconheceu existir uma questão social no Brasil, mas falando à Associação Comercial
como candidato das classes conservadoras à Presidência da República declarou:

“Não me agrada, senhores, esse nome de classes. Quisera vê-lo banir da


linguagem política, numa democracia onde não parecem ter lugar essas
expressões de graduação e antagonismo. Como classes, numa sociedade
nivelada, onde os próprios vestígios da escravidão se vão diminuindo na fusão
de todas as raças? Como classes, no regime de costumes que reduz todas
as distâncias, apaga todas as diferenças e iguala todas as condições? Como
classes, no estado legal de direitos, hierarquias e dignidades que se oferecem
a todos os indivíduos sem acepção de nascimento, cor ou herança? Como
classes, no gênero de coletividades cujos membros não se extremam uns dos
outros, senão pelas circunstâncias do valor ou da sorte, circunstâncias cegas,

37
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. 2. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1977, p. 47.
38
Carta Pastoral de D. Frei Luiz Maria de Sant’Anna Bispo de Uberaba saudando aos seus diocesanos.
São Paulo: Casa Duprat-Mayença, 1929, p. 9.
39
Rio de Janeiro, 3/12/26, p. 3.
40
BRANDÃO, Octavio. Combates e batalhas: memórias [por] Octavio Brandão. São Paulo: Alfa-Omega,
1978, p. 208.
providenciais ou caprichosas que abatem os mais nobres ou elevam os mais
humildes? O vocábulo soa mal porque favorece equívocos, invejas, rivalidades
e, melhor seria, destarte, removê-lo de uma aplicação inconveniente.” 41

A aceitação da “questão social” no discurso político conviveu até 1930 com a tendência
hegemônica das oligarquias paulistas em considerar as reivindicações operárias como “casos de
polícia”. Em 1920 essa tendência recebeu o placet autorizado de Washington Luís, na sua
plataforma para o governo de São Paulo: “A agitação operária é uma questão que interessa mais à
ordem pública do que à ordem social; representa ela o estado de espírito de alguns operários, mas
não o estado de uma sociedade.” 42
Posição reiterada em 1925 quando Washington Luís foi o candidato oficial à Presidência da
República: a questão operária tratava-se de uma questão que interessava mais à ordem pública
que à ordem social, no entanto ele não se oporia a uma legislação social “condizente com a nossa
situação”.43
Cerqueira Filho considera que até a década de 30 a “questão social” constituiu o grande
tema para “o pensamento marginal e dominado”. Nessa época, pensadores publicistas marginais e
ativistas socialistas propriamente ditos elaboraram um pensamento com características distintas do
pensamento dominante, concedendo prioridade à temática social e sugerindo soluções para os
problemas nacionais. As classes dominantes, por sua vez, viam a questão social como ilegal,
subversiva e que, portanto, deveria ser tratada no interior dos aparelhos repressivos de Estado.
Como detentoras do poder, monopolizavam as questões políticas legítimas que, em última
instância, organizavam a percepção do funcionamento da sociedade.44 Na melhor das hipóteses, a
“questão social” no pensamento político burguês era encarada no interior de uma teoria de
integração social que visava sobretudo neutralizar os efeitos da luta de classes, procurando
apresentar uma imagem de harmonia e integração.45 Na voz de Lindolfo Collor, em 1930, “a
existência da questão social entre nós nada tem de grave ou inquietador: ela representa um
fenômeno mundial, é demonstração de vida, de progresso”.46
Na fala dos revolucionários, a “questão social” anunciava a vitória da revolução proletária:
os acontecimentos vieram demonstrar, com a sua lógica irrefragável, que a questão social no Brasil,
bem longe de ser “um simples caso de polícia” — como pretendiam fazer crer o presidente da
República e os seus partidários —, desenhava-se cada vez mais em traços muito nítidos,
antagonizando os interesses das classes. A questão social se agravava e tendia a se agravar
indefinidamente, até o dia em que em definitivo se resolveria, com a luta armada entre as duas
classes e a substituição de um Estado por outro, de uma por outra ditadura. O movimento grevista
dos trabalhadores gráficos, de 1929, viera desmascarar os que pensavam ou fingiam pensar por
aquela forma. A polícia, ao se colocar francamente ao lado dos capitalistas desrespeitadores da lei,
só conseguia ressaltar ainda mais os antagonismos, levando as facções em luta ao estado decisivo
em que os combatentes tomam posições definidas para lançar numa batalha mais violenta os seus
interesses irreconciliáveis.47
Essas análises foram conseqüentes e posteriores às conquistas trabalhistas que, nos vinte
primeiros anos deste século, produziram-se por intermédio de longas lutas, nas quais os operários
declararam-se em greve em razão das condições insuportáveis de trabalho e não especificamente
por posições ideológicas. Estas foram sendo afirmadas e confirmadas no decorrer dos movimentos
operários, pelas lideranças de esquerda — anarquistas e socialistas — que se puseram à frente dos
grevistas, convidadas, muitas vezes, para participar das negociações entre as partes em dissídio.

41
Apud: RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos..., verbete n.º 363.
42
Citado em Evaristo de Morais, “A questão operária em São Paulo e no resto do Brasil”, in Correio da
Manhã, 15 jan. 1926. Apud: DULLES, John W. Foster. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 229.
43
Loc. cit.
44
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Op. cit., p. 59.
45
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Op. cit., p. 27.
46
Manifesto redigido pelo deputado Lindolfo Collor e dirigido à Nação Brasileira pela Aliança Liberal,
Convenção de 20/9/29, in: Aliança Liberal: documentos da campanha presidencial. Rio de Janeiro, Oficinas
Alba Gráfica, 1930, p.p. 17-77. Apud: CERQUEIRA FILHO, Gisálio, op. cit., p. 76.
47
Texto ms. assinado por “José Américo”. FLBX.
Em 1889 a imprensa paulista registra que as “paredes” estavam contagiando todas as
classes proletárias, como moda importada da Europa.48 Entretanto, a mesma imprensa reconhece
que as agitações operárias eram motivadas por baixos salários, carestia de vida e condições
trabalhistas intoleráveis: “Os gêneros de primeira necessidade, carne, feijão e todos os alimentícios
têm subido tanto de preço, que as classes operárias e pobres estão quase privadas deles.” 49
O problema da carestia de vida, no ano de 1889 e nos subseqüentes, era vinculado a dois
fatores: ao emissionismo e ao aumento na procura de gêneros alimentícios provocado pela
introdução de massas sucessivas de imigrantes, pela lavoura paulista.50
A cidade de Santos, pelo seu caráter de zona portuária, foi palco de numerosas greves e da
formação de quadros de esquerda importantes. Em 1889, saíram da capital 40 praças para conter
grevistas do porto de Santos. Os cônsules de Portugal e Espanha intervieram junto aos seus
patrícios portuários, conseguindo que a situação se normalizasse.51 Em maio de 1891, novamente
os portuários entraram numa greve de “proporções assustadoras”, que atingiu o comércio, bancos e
armazéns da estrada de ferro, e conduziu ao fechamento preventivo da Alfândega e da Mesa de
Rendas.52 O chefe de polícia de São Paulo, acompanhado do secretário e de três ordenanças,
desembarcou em Santos a pedido de autoridades e diretores de companhias santistas, aí
encontrando 600 trabalhadores das pedreiras e do porto, armados de paus, revólveres, etc.,
marchando sobre a cidade, tendo à frente bandeiras brancas e vermelhas e “obrigando” operários
da construção e das pedreiras a acompanhá-los. Apesar da prisão de um português e outro
espanhol considerados líderes do movimento, e da intervenção de uma força de 32 praças, a
agitação continuou.53 Nesse impasse, a Associação Comercial chamou como mediador José
Augusto Vinhais, tenente de Armada, deputado à Constituinte e chefe do Partido Operário.54
Contrariando as expectativas daqueles que o chamaram, Vinhais concordou com os operários e
entrou em choque com Quintino de Lacerda, que organizava turmas de “homens de cor” para
retomar o trabalho dos grevistas. Por essas posições favoráveis aos operários parados, Vinhais foi
expulso de Santos pelo chefe de polícia, a pedido da Associação Comercial. Em 22 de maio, o
Correio Paulistano noticiou o fim da greve, em que toda a classe máritima se uniu, com “algumas
prisões e algumas rifladas”.
Três anos após, em agosto, empregados dos escritórios e telegrafistas da São Paulo
Railway, em Santos, entraram em greve, por um aumento de 30%. Demitidos, foram substituídos
por trabalhadores provenientes da capital, mas conseguiram a solidariedade de conferentes e
operários, que obtiveram a readmissão dos companheiros despedidos.55
No mesmo ano de 1894, o padre Júlio Maria pregou o socialismo na capital paulista. Um
ano após foi fundada a Fiação e Tecelagem Santa Rosália, em Sorocaba, por dois ingleses —
Oettere e Speers. Nessa fábrica, os operários trabalhavam das cinco da madrugada às oito da
noite. Dessa forma, as fábricas agravavam os problemas sociais, motivo pelo qual em dezembro de
1895 os médicos Silvério Fontes e Soter de Araújo fundaram o jornal Questão Social, no qual, entre
outros, Carlos Escobar defendia os operários contra a exploração patronal.56 Boa parte dos jornais
escrevia-se em italiano ou em idiomas nativos dos imigrantes que, em contingentes avultados,
engrossavam as fileiras do proletariado paulista. De 1890 a 1894, desembarcaram no porto de
Santos 210.910 italianos, 30.752 portugueses e 42.816 espanhóis, nacionalidades essas que
estavam sob as influências hegemônicas do anarquismo e do socialismo.
48
O Estado de S. Paulo, 28/11/1889. As notícias sobre greves veiculadas pela imprensa paulista, burguesa ou
proletária, para o período de 1889 a 1920, são citadas apud: BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de São
Paulo. São Paulo, Ed. Símbolo, 1977.
49
O Estado de S. Paulo, 1/12/1889.
50
BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de São Paulo. São Paulo, Ed. Símbolo, 1977, p. 15.
51
O Estado de S. Paulo, 13/12/1889.
52
Correio Paulistano, 16/5/1891.
53
Correio Paulistano, edições de 16/5/1891 e 19/5/1891.
54
Partido ao qual cabia conciliar as reivindicações da massa popular no período imediatamente posterior à
proclamação da República, tempo em que o Código Penal consignava uma severa legislação contra o
aliciamento para a greve. Cf. em: BEIGUELMAN, Paula. Op. cit., p. 17.
55
BEIGUELMAN, Paula. Op. cit., p. 18.
56
MAFFEI, Eduardo. A Greve. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 132.
Nos anos de 1896 e 1897 os chapeleiros das oito fábricas existentes em São Paulo
entraram em greve, articulados pelo Centro Socialista. A reação apoiou-se em ameaças de lock-out
e na ação policial, terminando com o “triunfo da ordem”, amplamente comemorado pela imprensa.57
Em 1.º de maio de 1898, Paschoal Artese lançou o jornal O Proletário, com Francisco
Escobar e Euclides da Cunha como redatores. Euclides da Cunha publicou, no número de estréia, o
programa de 21 itens (tribunais trabalhistas, oito horas de trabalho, racionalização do crédito,
substituição das forças armadas pelo povo armado, etc.) e uma mensagem destinada a “promover
a solidariedade entre todos os que formam a imensa maioria dos oprimidos sobre os quais pesam
as grandes injustiças”. No fim do século passado, entraram no Brasil dois dos maiores líderes
trabalhistas da época: Gigi Damiani e Oreste Ristori.
No dia 20 de outubro de 1900, em língua italiana, apareceu em São Paulo o jornal Avanti,
que trazia um artigo assinado por Benito Mussolini que defendia, segundo princípios socialistas, o
imigrante Ângelo Longaretti que assassinara o coronel Diogo Salles, irmão do presidente Campos
Salles, em defesa de sua irmã que havia sido ameaçada, pelo referido coronel, com um pedaço de
pau. No ano de 1901, começou a circular o La Bataglia, onde Oreste Ristori escrevia contra os
potentados locais.58
O ano de 1901 assinalou amplos movimentos operários na capital paulista. Vidreiros — na
maioria franceses — recusaram-se a receber salários em francos em lugar de mil-réis, o que
deveria acontecer a partir de 1.º de março de 1901. As condições de trabalho dos vidreiros eram
particularmente dramáticas. Nas vidrarias os operários entravam às seis, mas a jornada só
começava a vigorar depois da fusão do vidro, o que ocorria quase sempre por volta de meio-dia. As
crianças de nove e dez anos que ali trabalhavam eram tratadas a pontapés pelos capatazes. Jacob
Penteado conta que conheceu um vidreiro, João de Almeida, que perversamente escarrava na boca
dessas crianças, tentando transmitir-lhes a tuberculose que o acometia.59 Com o apoio dos
socialistas, o movimento dos vidreiros contra o pagamento em francos foi vitorioso.60
Em 16 de fevereiro desse ano de 1901, revoltadas com a mudança na sistemática de
remuneração por tarefa, 600 operárias da fábrica de tecidos Sant’ Anna, pertencente a Antonio
Álvares Penteado, entraram em greve. As grevistas foram apoiadas por anarquistas (Fanfulla,
Tribuna Italiana) e socialistas (Avanti). Obtiveram, ademais, o apoio da Liga de Resistência dos
Trabalhadores em Madeira, dos Operários de Artes Gráficas e Anexas, e de algumas categorias de
trabalhadores de São Roque. Estes últimos arrecadaram perto de 12$000 em benefício da greve.
Serviu como negociador trabalhista o diretor do Avanti, Alcides Bertolotti. A vitória do movimento foi
comemorada pela imprensa proletária como um triunfo de 700 mulheres, débeis e indefesas, contra
a prepotência do capitalismo esfaimador, demonstrando “o valor altíssimo da união, que transforma
um aglomerado anônimo de máquinas de trabalho numa coletividade pensante, consciente e
respeitada, concretizando em fatos a verdade expressa nos versos do nosso Hino dos
Trabalhadores”.61 No segundo semestre de 1901, a Cia. Industrial de São Paulo tentou modificar a
tarifa de salários, provocando a greve de seus operários que reivindicavam, além da antiga tarifa,
jornada de 12 horas — das 6 às 18 horas —, com uma hora de descanso, pagamento salarial no
segundo sábado de cada mês, saída às 16,30 horas aos sábados e direito do operário a um prazo
de três dias para justificar o não-comparecimento ao serviço, em caso de moléstia. Novamente
Bertolotti foi escolhido para conduzir as negociações, mais uma vez bem sucedidas, embora a
imprensa proletária desse parte de brutalidades que estariam ocorrendo na fábrica, levantando
dúvidas quanto ao cumprimento do acordo.62 As duas greves vitoriosas levaram o Avanti a
incentivar uma campanha para a formação de ligas de resistência dos tecelões, setor que registrou
diversas tentativas de rebaixamento salarial, dada a existência de mercadoria estocada. Em outubro
de 1901, tentativa nesse sentido da fábrica Regoli, Crespi e Cia. deflagrou a greve dos operários de
teares à mão (que pretendiam o restabelecimento da tabela de junho), dos teares à máquina e de
outras seções que reivindicavam melhorias salariais. Desta vez a reação conseguiu quebrar a

57
O Estado de S. Paulo, 13/2/1897.
58
MAFFEI, Eduardo. Op. cit., p. 134.
59
MAFFEI, Eduardo. Op. cit., p. 133.
60
Avanti, n.º 22, 16/17 de março de 1901.
61
Avanti, n.º 20, 2/3 e 3/3/1901.
62
Avanti, n.º 41, 27/28 de julho de 1901.
solidariedade entre os grevistas, e o trabalho foi retomado depois de efetuadas algumas dezenas de
prisões de trabalhadores, apontados como os instigadores do movimento.63
Em 1901, um movimento grevista de trabalhadores de pedreira conseguiu a redução da
jornada de trabalho de 12 para 10 horas. Outras greves reivindicavam a pontualidade no pagamento
salarial, e embora malsucedidas deram ensejo ao Segundo Congresso Socialista Brasileiro, reunido
em maio de 1902, na capital paulista, de anunciar a generalização de ofensivas operárias à
opressão capitalista.64
No final de 1901, Gigi Damiani, juntamente com Alessandro Cerchiari, fundou o periódico
panfletário Barricada, outro órgão de grande influência no operariado da cidade de São Paulo.
O mês de março de 1902 assinalou a greve dos operários da fábrica de chapéus Deodato
Leme, pelo pagamento salarial no princípio de cada mês. Essa greve foi apoiada pelos anarquistas,
com cobertura dada pelo periódico O Amigo do Povo, dirigido por Neno Vasco. O Núcleo
Filodramático Libertário realizou um espetáculo em benefício dos grevistas, que receberam a
solidariedade da Liga de Resistência dos Sapateiros, além de 748$113 arrecadados da caixa da
Liga de Resistência da categoria e de uma coleta procedida entre chapeleiros das demais fábricas.
Essa solidariedade não se manteve, pois dois meses mais tarde o movimento malogrou pela traição
à causa comum de uns “pochi krumiri” (fura-greves).65
A 28 de maio de 1902 realizou-se o Congresso do Partido Socialista Brasileiro e nele falou
Ascendino Reis, mais tarde professor da Faculdade de Medicina de São Paulo.66 Pouco depois, em
1.º de julho, o anarquista português Nanzazieno Vasconcelos (“Nemo Vasco”) lançava O Amigo do
Povo, jornal que defendia - como o próprio título atesta - as reivindicações operárias.67
Em outubro de 1902, as tecelãs da Fábrica de Tecidos Anhaia, no Bom Retiro, levantaram-
se contra os maus tratos infligidos pelo mestre de teares a Emma Sartorelli, de 17 anos de idade,
que acabou por ser demitida sumariamente. Reunidas num teatrinho da Rua dos Imigrantes, as
grevistas designaram Ascendino Reis e Alcebíades Bertolotti, do Avanti, para solicitar à empresa a
readmissão da companheira despedida e a exclusão do mestre de teares. A vitória foi obtida após
um mês de luta, mas como recomeçassem as insolências dos contra-mestres, as tecelãs da Anhaia
retornaram à greve, em meio à forte simpatia da classe operária.68
Os anarquistas solidarizaram-se com as grevistas, promovendo um festival “pro sciopero”,
organizado pela Liga de Resistência entre Tecelões e Tecedeiras de São Paulo, no salão Eldorado,
de cujo programa constavam:

“1. Senza Patria, drama de Pietro Gori;


2. Sciopero, poesia de Anda Neri;
3. Fine de Festa, drama (uma greve);
4. Conferenza Sociale;
5. Baile.”69

Em dezembro de 1902, registraram-se agitações entre os operários das fábricas de tecido


Regoli & Crespi (Mooca) e Sant’Anna (Brás), sufocadas por violenta repressão policial contra
piquetes e líderes trabalhistas. O Círculo Socialista do Brás encampou as reivindicações operárias,
enquanto a imprensa burguesa rejubilava-se pelas medidas policiais de salvaguarda da ordem,
tratando como desordeiros os grevistas.70
Em 1903, o anarquista espanhol Everardo Dias fundou o jornal O Livre Pensador. Nesse
ano, os tecelões de São Paulo entraram em greve pela redução da jornada de trabalho, que era de

63
Avanti, n.º 52, 12/13 de outubro de 1901.
64
DULLES, John W.F. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 26.
65
O Amigo do Povo, n.º 5, 7/6/1902.
66
MAFFEI, Eduardo. A greve, p. 134.
67
Op. cit., p. 134.
68
O Amigo do Povo, n.º 16, 22/11/1902. Apud: HARDMAN, Francisco Foot. Nem pátria, nem patrão! 2. ed.
São Paulo, Brasiliense, 1984, p. 38.
69
Loc. cit.
70
Correio Paulistano, 14/1/1903.
14 a 15 horas. Ainda no mesmo ano, no mês de setembro, foi fundado em São José do Rio Pardo o
“Clube Internacional Filhos do Trabalho”, socialista, do qual fazia parte Euclides da Cunha.71
No ano de 1904 houve revoltas contra medidas que implicavam diminuição salarial e
demissão de operários da S. Paulo Railway e da fábrica de tecidos Dell’ Ácqua, de São Roque. No
último movimento, interveio o jornalista Antônio Picarollo, redator do Avanti. Essas lutas
fracassaram pelos seus objetivos imediatos, mas contribuíram para a organização da massa
trabalhadora paulista. Os operários de São Paulo comemoraram, nesse ano, pela primeira vez no
Brasil, o “ 1.º de Maio”.
Nessa data, O Estado de S. Paulo publicou um artigo de Euclides da Cunha no qual se lê
que fora com Karl Marx que o socialismo científico começara a usar uma linguagem firme,
compreensível e positiva, e que o capitalismo colocou o trabalhador num nível inferior ao da
máquina:

“(...) o operário, adstrito a salários escassos demais à sua subsistência, é a


máquina que se conserva por si, e mal; as suas dores recalca-se
forçadamente estóico; as suas moléstias, que, por uma cruel ironia, crescem
com o desenvolvimento industrial — o fosforismo, o saturnismo, o
hidrargirismo, o oxicarbonismo — cura-se como pode, quando pode; e morre,
afinal, às vezes subitamente triturado nas engrenagens da sua sinistra sósia
mais bem aquinhoada, ou lentamente — esverdinhado pelos sais de cobre e
de zinco, paralítico delirante pelo chumbo, inchado pelos compostos de
mercúrio, asfixiado pelo óxido carbônico, ulcerado pelos cáusticos dos pós
arsenicais, devastado pela terrível embriaguez petrólica ou fulminado por um
‘coup de plomb’ — quando se extingue, ninguém lhe dá pela falta na grande
massa anônima e taciturna, que enxurra todas as manhãs a porta das
oficinas”.

O artigo conclui pela justificação do duplo princípio fundamental defendido pelos socialistas:
socialização dos meios de produção e circulação; posse individual somente dos objetos de uso.72
No entanto, a “questão social” era tratada cada vez mais como questão de polícia: iniciou-
se a deportação de grevistas para o Acre, onde eram escravizados pelos seringalistas, todos
políticos situacionistas locais. No dia 7 de agosto, no Cassino Paulista, situado na Rua São João,
houve comício de protesto contra a deportação de revolucionários russos para a Sibéria, pela
polícia do czar, uma vez que era proibido que se falasse sobre o Acre. Discursaram Antônio
Piccarolo, Oreste Ristori, Benjamim Mota, Everardo Dias e Ernestina Lesina, entre outros, e O
Amigo do Povo, de 20 de agosto, falou sobre o sentimento de solidariedade espalhado pelos
oradores, por sobre as fronteiras. No dia de Natal desse ano, na cerimônia de colação de grau dos
bacharéis da Faculdade de Direito de São Paulo, o orador da turma, Edgar Jordão, abordou a
questão social, tomando posição pelo proletariado, tendo a palavra cassada pelo diretor Vicente
Mamede. O bispo e as autoridades militares, revoltados pelo tom do discurso, retiraram-se da
solenidade. No Belenzinho, na Rua Passos, fundara-se um clube, a “Pérola lnternacional”, cujo
secretário, o ex-vidreiro e depois alfaiate Marino Spagnuolo, foi o motor dos movimentos culturais
do bairro. No “Pérola” fundavam-se sindicatos, realizavam-se assembléias de grevistas, além de
festas familiais e sociais. Spagnuolo era amigo de Oreste Ristori e Edmondo Rossoni — este dava
aulas de socialismo na Escola Racionalista do Bairro da Água Branca, mantida pelos vidreiros da
“Santa Marina”.73 A fim de melhor defender as reivindicações operárias, Oreste Ristori fundou em
1904 o semanário anarquista La Bataglia.74
Em 1905, a Cia. Lidgerwood, na Barra Funda, diminuiu os vencimentos dos operários que
ganhavam acima de 400 réis por hora e 250$000 por mês, graças “aos baixos preços prevalecentes
para todos os produtos do seu ramo”. Os seus 160 empregados entraram em greve, mas

71
MAFFEI, Eduardo. A greve, p. 134.
72
Apud: MAFFEI, Eduardo. Op. cit., p. 135.
73
Op. cit., p.p. 135-136.
74
RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos. Como o Brasil deu no que deu. 2. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Dois, 1985, verbete n.º106.
defrontados com a intransigência da empresa e intimidados pela ação policial voltaram ao trabalho,
submetidos às imposições que haviam repudiado.75
Em julho, o setor de calçados tentou diminuir salários sob o pretexto de evitar corte de
pessoal, mas fracassou diante da reação operária, pois os empresários não tinham interesse em
ver interrompido o trabalho.76
Movimento mais amplo ocorreu em junho de 1905, partindo dos estivadores do Porto de
Santos e se estendendo a carroceiros, operários de pedreiras, engraxates, marchantes, barbeiros e
até padeiros. A intervenção policial nesse movimento, requerida pela Associação Comercial de
Santos, acirrou a repressão, reduzindo os líderes grevistas à condição de delinqüentes comuns. La
Bataglia, de Oreste Ristori77, denunciou os atentados contra as ligas e lideranças operárias
operados pela polícia, referindo-se a deportações sem processo e ao degredo de operários para o
Acre, onde eram vendidos como escravos.78
No dia 15 de maio de 1905, 3.500 operários da Companhia Paulista entraram em greve,
revoltados com a política da empresa de reduzir pessoal e salários e com a transferência de um
conferente da estação de Jundiaí para Ribeirão Bonito. Contra essa medida, o conferente
transferido havia pedido a intervenção da Liga Operária79. A greve se alastrou para a Mojiana e para
oficinas e fábricas da capital, ocorrendo confrontos entre operários e a polícia. Ainda uma vez os
operários foram considerados criminosos, perturbadores da ordem pública, da paz e do sossego
das famílias e desorganizadores do trabalho, “fim primordial de todas as suas intenções”.80 A
repressão sangrenta de um comício em Jundiaí, e a cobertura que o aparelho repressivo concedeu
à companhia, configurando a greve como “sedição contra a ordem pública”, decretaram a falência
do movimento. Os trabalhadores foram aceitos pela empresa, ”excluídos aqueles que procederam
de maneira agressiva, assaltando as linhas num entusiasmo de cego rancor mal contido”.81
Em 1906, num comício contra a deportação de revolucionários russos para a Sibéria,
preparado por Antônio Picarolo, Oreste Ristori e Valentim Diego, um popular comparou a Sibéria ao
Acre e foi obrigado a calar-se pela autoridade presente. Em 17 de maio desse mesmo ano, os
ferroviários da Estrada de Ferro Paulista iniciaram uma greve marcada por choques entre operários
e polícia. Em 30 de maio morreram num desses combates um soldado e dois trabalhadores, em
Jundiaí. Nesse mesmo dia, em São Paulo, os jornais simpáticos ao movimento, Avanti, de Antônio
Picarolo e La Bataglia, de Oreste Ristori, foram invadidos e fechados. Como os estudantes de
direito se declarassem solidários aos jornalistas, a polícia invadiu e depredou o pátio da Faculdade
do Largo São Francisco. No dia 31 de maio o comércio de Jundiaí cerrou suas portas,
solidarizando-se com os ferroviários. A greve se estendeu a muitas categorias, reivindicando
aumento de salários, jornada de oito horas e humanização do trabalho. Líderes operários
revezavam-se com estudantes de direito, falando às massas. Enfim o movimento refluiu e o
governador Jorge Tibiriçá pôde anunciar, a 14 de julho, que a agitação operária fora extinta e não
mais ressurgiria, uma vez que os agitadores nacionais foram afastados para outros Estados, e os
estrangeiros, para outros países. Ristori foi deportado para a Argentina, depois para o Norte, onde
conheceria a índia guarani Mercedes, com quem se casou. Em novembro de 1906, contrariando os
prognósticos do governador, os operários da Fábrica de Papel Klabin cruzaram os braços por 20%
de aumento salarial e pela despedida do gerente Winner, ex-oficial czarista. Este, pressionado,
fugiu com o dinheiro dos salários dos trabalhadores. Nesse mesmo ano, Edgar Leuenroth recebeu
uma herança e, juntando-se com Nemo Vasco, fundou o jornal Terra Livre, destinado a pregar
ideais libertários.82 Esse jornal tinha por divisa — “ O homem livre sobre a terra livre.”

75
Correio Paulistano, 19/2/1905.
76
Correio Paulistano, 20/7/1905.
77
Oreste Ristori viajava semanalmente para cidades do interior, nas quais fazia conferências para seus patrícios
contra as condições de salário, alimentação, trabalho e moradia nas fazendas, aproveitando para difundir seu
semanário La Bataglia.
78
Ano III, n.º 70, 4/3/1906.
79
Na qual, na véspera de Natal, Everardo Dias proferiu conferência sobre “Jesus Cristo, agitador social”.
80
Correio Paulistano, 29/5/1906.
81
Correio Paulistano, 31/5/1906.
82
MAFFEI, Eduardo. A greve, p.p. 138-139.
Em maio e junho de 1907, os operários da cidade de São Paulo realizaram uma grande
demonstração de força pela jornada de oito horas, atendendo à recomendação do Primeiro
Congresso Operário Brasileiro, realizado no ano anterior. Em 12 de maio de 1907 os industriais de
São Paulo, sob a presidência do conde Álvares Penteado, decidiram que “as oito horas de trabalho
reclamadas com tanta insistência não devem ser concedidas, pois contribuirão para que os
operários, ainda mais que hoje, empreguem seus lazeres nos botequins e festanças, onde
pervertem o espírito, dando trabalho à polícia.”83 O movimento resultou vitorioso para os
trabalhadores das pedreiras e os carpinteiros, apesar da manifestação dos industriais e da violenta
reação policial. Uma vez terminada a greve, empresas que haviam entrado em acordo com os
trabalhadores tornaram a aumentar o número de horas de trabalho, fato denunciado
contundentemente por La Bataglia, que pediu para serem boicotados os produtos da Matarazzo,
tanto em São Paulo como no interior. Matarazzo — chamado de “ignóbil exterminador de crianças”
— era acusado de fazer afixar na cidade manifestos como sendo da Liga Operária, conclamando os
trabalhadores a tornar a adquirir seus produtos. Essa anistia era, porém, negada, uma vez que os
empregados dispensados por participar da greve continuavam na rua, com seus filhos e
companheiras na mais negra miséria.84 Edgard Leuenroth teve papel saliente na “grande greve” de
maio de 1907, da qual foi um dos promotores — greve que foi, segundo os registros policiais,
trabalho dos anarquistas de São Paulo, e envolveu as indústrias da capital e a Companhia Paulista
de Estradas de Ferro.85
O Correio Paulistano noticia em 23/11/1907 que costureiras haviam entrado em greve,
exigindo melhor remuneração dos seus serviços, e que o 1.º delegado iria “processar diversos
indivíduos que, nada tendo com a questão entre as costureiras e os patrões, vivem a insuflar
aquelas, procurando fazer alastrar-se o movimento paredista”. O movimento ganhou força no início
de dezembro, com as grevistas impedindo que uma ou outra companheira quebrasse a
solidariedade, entrando em serviço.86 A presença de socialistas e anarquistas no movimento
evidencia-se em jornais desses grupos. Avanti, jornal socialista, foi empastelado pela polícia,
chefiada então por Washington Luís. La Bataglia explica a greve como decorrência da “exploração
escandalosa exercida pelos turcos sobre as costureiras de casacos e vestidos de carregação”,
conclamando uma greve geral para toda a classe das trabalhadoras da agulha e finalmente uma
“agitação geral feminina”.87 Suspensa a greve em meados de dezembro, com entendimentos sobre
nova tarifa, La Bataglia denuncia que essa tarifa foi abandonada um dia após terem as grevistas
retornado ao trabalho.88
Os chapeleiros iniciaram uma greve nas últimas semanas de dezembro de 1907. O
movimento, que se prolongou por dois meses, fracassou em conseqüência da violenta repressão
policial. Os proprietários da Mattanò, Serricchio & Cia. agradeceram em carta a Washington Luís as
prontas providências tomadas pela polícia no sentido de reprimir a greve dos operários daquela
fábrica e pela decorrente normalização do trabalho.89
As greves gerais de 1907 ocorridas em São Paulo, Rio de Janeiro e interior foram
duramente reprimidas. Patrões e polícia atribuíram os movimentos grevistas a agitadores
profissionais, pagos por governos estrangeiros para matar a industrialização nascente do Brasil. No
mesmo ano foi promulgada a Lei Adolpho Gordo — a “Lei Celerada” —, que autorizava a expulsão
de líderes operários estrangeiros e o internamento dos brasileiros que comprometessem a
“segurança nacional”. No seu primeiro ano de vigência, a Lei Celerada expulsou 152 líderes
operários estrangeiros; nos anos seguintes, outras centenas foram banidas do Brasil. Logo depois
foi promulgado o Decreto 1.637, que passou a exigir que os dirigentes sindicais operários fossem
brasileiros natos ou naturalizados.90

83
Apud: MAFFEI, Eduardo. Op. cit., p.p. 139-140.
84
La Bataglia, n.º 131, 28/7/1907.
85
Prontuário de Edgard Leuenroth, n.º122, v. 1.
86
Correio Paulistano, 4/12/1907.
87
La Bataglia, n.º 146, 24/11/1907.
88
La Bataglia, n.º 148, 15/12/1907.
89
Correio Paulistano, 12/2/1908.
90
RIBEIRO, Darcy, op. cit., verbete n.º 146.
A agitação operária foi prejudicada pela recessão econômica de 1908, quando as limitadas
conquistas dos trabalhadores perderam-se pela situação de desemprego e pela ação violenta da
polícia, chamada rotineiramente pelos patrões para coibir movimentos grevistas. Mesmo assim, em
setembro, os empregados das Docas de Santos entraram em greve pela jornada de oito horas e
por aumento salarial. A repressão violentíssima91 não impediu o alastramento da greve às
categorias de carroceiros e de ensacadores de café. La Bataglia dedica página inteira à greve de
Santos, reforçando a denúncia sobre a fuzilaria e os cárceres cheios de inocentes, com a
transcrição de matéria publicada pelo advogado Martim Francisco no Comércio de S. Paulo,
verberando as violências policiais.92
Em São Paulo, frações de categorias (operários em construção, marcenaria e carpintaria,
chapéus, calçados, tipografia) promoveram greves de solidariedade aos doqueiros, sob a liderança
da Federação Operária. A polícia prendeu operários acusados de aliciamento à greve; Washington
Luís enviou uma força de cavalaria para garantir o trabalho na fábrica de tecidos Santa Maria.93
A greve foi sufocada após intervenção federal, não conseguindo os operários mais do que
uma tarifa de 500 réis por hora, o que obrigaria a uma jornada de dez horas para perfazer os 5$000
diários e não as oito horas reivindicadas.
No campo de batalha dos operários, 1908 assinalou a vinda para São Paulo do italiano
Enrico Ferri e do francês Jeanres, convidados por Antônio Picarolo, que havia fundado o Centro
Socialista Paulistano. Apareceu, ainda, uma folha acadêmica anticlerical, A Bomba, fundada por
Carlos Vilalva Júnior.94
Entre os revolucionários da época figurava um dos futuros oposicionistas de esquerda de
São Paulo, Afonso Schmidt, que, em 1909, numa saleta do Largo da Sé, escrevia e imprimia
folhetos libertários juntamente com Gigi Damiani.
O La Bataglia continuava a ser o principal órgão da imprensa proletária a apoiar as greves,
demonstrando a forte liderança anarquista da massa trabalhadora. Suas páginas fornecem um
painel vivo do mundo do trabalho, indicando as condições objetivas encontradas, mais tarde, pelos
comunistas. Sobre o movimento grevista dos pedreiros, ocorrido em setembro de 1909, movimento
que reivindicava o pagamento de 6$000 diários para os pedreiros e 4$000 para os ajudantes —
pagos semanalmente — diz o La Bataglia:

“O uso, imperante neste país, de pagar os operários depois de 50 dias e


mesmo dois ou três meses de trabalho é bárbaro, vergonhoso, uma vez que
com isso o operário tem que ser capitalista, e, não o sendo, é constrangido,
para não morrer de fome, a hipotecar, junto ao armazém, seu trabalho a uma
taxa de usura, pagando os gêneros de primeira necessidade 20% mais que o
preço comum. (...) Não achamos que a greve resolva o problema social, mas,
diante da dignidade lesada, é inútil discutir coerência.” 95

Ainda em setembro de 1909, os operários da Vidraria Santa Marina deflagraram greve por
aumento de salário para os menores, portadores de garrafas. O gerente chamou a polícia; em
represália, a greve estendeu-se a toda a fábrica. Os operários organizaram uma comissão para
representá-los, comissão que exigiu a demissão do gerente. A direção da fábrica concordou com o
aumento salarial das crianças, mas se recusou a demitir o gerente, ameaçando com lock-out caso o
trabalho não fosse reiniciado. Nesse sentido, o forno a mão foi apagado, com a dispensa dos que
nele trabalhavam, os quais foram intimados a abandonar as casas que habitavam, pertencentes à
fábrica, num prazo de oito dias. Os operários dos fornos a máquina foram ameaçados com a

91
”Devidamente escoltados, chegaram ontem a esta capital, diversos operários presos em Santos, como
insufladores da greve das Docas. Uma turma veio pela manhã, outra à tarde, sendo apresentados à autoridade
de serviço na Repartição Central da Polícia. Os grevistas foram recolhidos ao xadrez, à disposição do
secretário da Segurança Pública.” (Correio Paulistano, 19/9/1908).
92
N.º 186, 30/9/1908.
93
Correio Paulistano, 26/9/1908.
94
MAFFEI, Eduardo. A greve, p. 140.
95
N.º 229, 19/9/1909.
mesma sanção.96 A imprensa cooptada contra-reagiu diante da simpatia que os paredistas estavam
conseguindo junto à opinião pública, noticiando o fim do movimento com a despedida dos operários:

“Os 500 ou 600 desordeiros (...) que lá se conservam, usando da


concessão de oito dias, que lhes fez a diretoria do estabelecimento para se
mudarem dos prédios pertencentes à fábrica, não podem, em rigor, ser
considerados paredistas. Trata-se, realmente, de desordeiros, se não,
anarquistas, que se divertem a fazer passeatas com bandeiras vermelhas, a
disparar tiros, a intimidar as pessoas ordeiras das vizinhanças. Esses
indivíduos, não sendo mais empregados da fábrica, não têm direito algum de
promoverem manifestações contra a respectiva direção. Ontem, os
desordeiros impediram que alguns operários estranhos, que iam procurar
trabalho, se entendessem com o gerente da fábrica. É, como se vê, o começo
da violência. Estamos, porém, informados de que a autoridade agirá com
decisão e firmeza, no sentido de fazer respeitar todos os direitos e de impedir
quaisquer atos de força.” 97

O La Bataglia apresenta a versão dos trabalhadores: ao pedido de aumento salarial para as


crianças, o gerente “assassino” chamara a polícia, que lançara a cavalaria sobre filhos e mulheres
dos operários; o dr. Antônio Prado, presidente do Conselho Administrativo da fábrica, demitira os
operários para constrangê-los à rendição incondicional, dando ao mesmo tempo ordem de despejo
para os que ocupassem casas da companhia, e fechando as portas do armazém fornecedor de
víveres aos operários; a escola, mantida pelos operários, foi despejada com o mestre e os
escolares; 200 soldados armados de fuzil estavam a postos para fazer carga sobre os operários,
chamados de desordeiros e anarquistas pelo Correio Paulistano.98
Grupos dramáticos e clubes surgiam no cenário paulistano, com o objetivo expresso de
organizar a massa trabalhadora. No ano de 1909 fundou-se o “Grupo Dramático Francisco Ferrer”,
no Belenzinho, em homenagem a Francisco Ferrer Guardia, fuzilado em Barcelona. A primeira
encenação do grupo foi “A Bandeira Proletária”, de autoria de Marino Spagnuolo, que também
desempenhou o papel principal. Para esse grupo, mais tarde, Afonso Schmidt escreveria “Ao
Relento”, sua primeira peça teatral. O ano de 1909 foi também marcado pela campanha anticlerical
— desencadeada por Oreste Ristori em La Bataglia e Benjamin Motta em A Lanterna — a propósito
da menina Idalina, desaparecida do internato de freiras no qual se encontrava.
Apesar desse ambiente de agitação, o proletariado paulistano estava longe de ser
homogêneo em suas reivindicações. Boa parte continuava indiferente aos movimentos de classe e
fiel às suas origens pequeno-burguesas. Outro segmento compartilhava da ideologia da classe
dominante, maravilhados — nota Basbaum — com os “belos e incendiários discursos dos grandes
tribunos populares da época, tais como Maurício de Lacerda ou Irineu Machado, ou mesmo Rui
Barbosa”.99
Entretanto, grupos crescentes de operários ingressavam nos sindicatos e militavam em
grupos anarquistas, anarco-sindicalistas, socialistas e mesmo comunistas, embora estes últimos
fossem ainda incipientes no cenário brasileiro.
As tentativas de associação dos operários eram constantemente ameaçadas, com
invasões de recintos nos quais se faziam reuniões preparatórias de movimentos reivindicatórios,
com prisões e com dispensas de emprego de lideranças trabalhistas. Nesse sentido, a demissão de
dois empregados da Light, motivada pelo fato de terem sido eles os chefes e organizadores da
União Defensora dos Empregados da Light, provocou uma “parede” de seus colegas, abortada pela
prisão de diversos motorneiros, acusados de serem os principais chefes do movimento.100
As primeiras lideranças operárias costumavam ser formadas por “tipos bizarros e
fascinantes”: abstêmios de bebidas alcoólicas, poucos fumavam, alguns eram vegetarianos, sua

96
Correio Paulistano, 15/9/1909.
97
Correio Paulistano, 15/9/1909.
98
N.º 229, 19/9/1909.
99
MAFFEI, Eduardo. A greve, p. 307.
100
Correio Paulistano, 20/11/1910.
alimentação era frugal e sóbria; todos eles de uma contextura moral admirável, algo sisudos,
sentenciosos, amigos de conselhos e conceitos de profunda elevação altruísta. Esses
revolucionários — provenientes da Itália, da Áustria-Hungria, da Espanha, da Rússia, da Polônia, da
Alemanha — ficaram na memória operária como pessoas que viviam o único ódio à má
organização social; no mais, viviam “a sua pobreza discreta, quase oculta, sem uma queixa, sem
uma leve demonstração de arrependimento, sem o menor desalento, sem manifestar tristeza ou
mau humor”.101
Líderes dessa natureza, reunidos nos grupos anarquistas do La Bataglia e do Lanterna,
orientaram, juntamente com a Liga dos Pedreiros, amplo movimento de pedreiros e categorias
anexas de São Paulo, no ano de 1911. Aderiram ao movimento 10.000 operários, sem que se
contasse uma única traição. A mobilização estendeu-se a Campinas, Jaú e Sorocaba. Nesta última,
os operários de três fábricas de tecidos, que trabalhavam 13 horas diárias, reivindicaram a jornada
de dez horas. O La Bataglia conclama a adesão dos alfaiates, que trabalhavam 15 horas, e das
costureiras e modistas, que tinham jornadas de 16 e 17 horas, ao movimento dos tecelães.102 A
repressão, ainda uma vez, sufocou a greve, prendendo várias dezenas de operários e os redatores
do La Bataglia e do Lanterna, vistos como os fomentadores do movimento.103 No mesmo ano, criou-
se em São Paulo o Departamento Estadual do Trabalho, para cuidar da “questão social” que,
segundo os políticos, não existia.
104 105
Edgard Leuenroth, diretor-proprietário do Lanterna e do A Plebe , em 12/5/1911, “à
frente de numeroso grupo de sediciosos, que fez motim e assuada, atacou a polícia e os clericais,
proferindo gritos insultuosos, disparando tiros e violentando transeuntes”. Em 1912 Leuenroth
planejou um movimento subversivo na capital paulista, de acordo com a Federação Operária do
Distrito Federal, também anarquista.106 Concomitantemente, os anarquistas organizaram no Brás as
“Escolas Libertárias Livres”, que deveriam cooptar o proletariado paulista para a causa
revolucionária.107 Nesse ano, a carestia de gêneros alimentícios e dos aluguéis tornara
particularmente angustiante a situação dos trabalhadores paulistanos. O temor à sedição popular
provocou várias medidas, tanto do governo quanto dos empresários.
No início de 1912 fundou-se a Liga Industrial de São Paulo, que se propunha a evitar as
greves dos operários “pelos meios suasivos ao seu alcance e pela oportuna intervenção junto aos
patrões e autoridades”.108 Poucos meses depois ocorreu a fundação do Centro Industrial dos
Fabricantes de Calçados, aglutinando fabricantes em torno das casas Clark, Rocha, Melillo e
outras.109 Essa medida coincidiu com a irrupção de greve no setor e visava fazer frente a uma
insatisfação operária já evidente desde a constituição da Liga Industrial.110 Com efeito, em maio,
perto de 800 operários da fábrica Clark entraram em greve pela jornada de oito horas e aumentos
salariais para toda a categoria. Os industriais articularam-se preventivamente, decidindo pelo lock-
out, o que acirrou os ânimos. A greve se alastrou, envolvendo 10.000 operários calçadistas e de
outros ramos, como o têxtil (Fábrica Nacional de Tecidos de Juta e Mariângela). Os grevistas
organizaram-se no Centro Operário dispostos a não aceitar intermediários para a solução da crise e
a não voltar ao trabalho sem serem atendidas as condições pedidas pelos empregados da fábrica
Clark. Os empresários, como de hábito, recorreram às autoridades policiais. Efetuaram-se
numerosas prisões, como a do secretário dos operários em malharia, Francisco Calvo, que depois
de 15 dias de detenção, precarissimamente alimentado e dormindo no cimento úmido de um
cubículo privado de ar, foi atirado, à guisa de livramento — graças ao habeas corpus impetrado em

101
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil. 2.ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1977, p.p. 8-9.
102
N.º 316, 6/8/1911 e n.º 317, 13/8/1911.
103
La Bataglia, n.º 317, 13/8/1911.
104
Hebdomadário anticlerical.
105
Órgão oficial anarquista, também hebdomadário.
106
Prontuário n.º 122, de Edgard Leuenroth, v. 1.
107
RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos..., verbete n.º 240.
108
Correio Paulistano, 14/2/1912.
109
Correio Paulistano, 16/5/1912.
110
BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de S. Paulo, p. 66.
seu favor — , num bosque distante da cidade onde foi encontrado, gravemente doente, a ponto de
não poder deixar o leito.111
O setor têxtil foi o primeiro a ceder: os tecelães, “míseros escravos, trabalhando pais e
filhos sem chegar a alcançar mais que a fome”, não resistiram e voltaram a trabalhar “nas mesmas
condições horríveis de antes”. 112
No setor de calçados, uma parcela de grevistas resistiu bravamente, até chegar, em
meados de junho, ao confronto direto com a polícia. Um inspetor de polícia foi ferido a punhal por
um operário quando tentava efetuar a prisão de piqueteiros, após o que o 4.º delegado recebeu
autorização do dr. Sampaio Vidal, secretário da Justiça e Segurança Pública, de agir com a máxima
energia contra os grevistas exaltados.113
Depois de 50 dias de luta, os grevistas cederam. La Bataglia procura salvaguardar a
coesão da classe operária: “Fala-se em krumiragem, mas nós não sabemos o que dizer, pois numa
luta de braços cruzados, depois de 50 dias há os que têm mais fome que outros.” 114
Em agosto de 1912, os portuários de Santos novamente se agitaram por melhores
condições de trabalho e aumento salarial, conseguindo paralisar todos os serviços internos da
Companhia Docas, que passou a ser guardada por um contingente de 250 praças de infantaria e 25
de cavalaria, com armas embaladas. La Bataglia registra que a polícia saqueara novamente a
Federação Operária de Santos e que os portuários estavam sujeitos a um trabalho “arquibestial”,
coerente com uma “república de negreiros e descendentes de negreiros”.115
Em 11/9/1912, o deputado dr. Antônio Campos Sales Júnior apresentou projeto de lei para
116
transformar o Patronato Agrícola em Patronato do Trabalho. O novo patronato deveria intervir
“preventivamente nas questões do trabalho, a fim de conciliar divergências e estabelecer acordo
entre os interessados”, assim como zelar pela fiel observância do Decreto Federal n.º 1.313, de
1891, relativo ao trabalho de menores nas fábricas.117 No mesmo ano de 1912, a imprensa
proletária denunciou que na cidade de São Paulo havia crianças de nove anos trabalhando dia e
noite, e que 80% das mulheres eram obrigadas a trabalhar 12 horas por dia, porque o salário de
maridos e pais não era suficiente.118
A legislação repressiva continuou a se radicalizar, tangida pelo temor dos empresários
diante da agitação proletária. As atenuantes do Decreto n.º 1.641, de 7/1/1907, que punia com a
expulsão o estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometesse a segurança nacional ou a
tranqüilidade pública, foram revogadas pelo Decreto n.º 2.741, de 8/1/1913, promulgado por
Hermes da Fonseca. O mal-estar no meio operário — decorrente da carestia de vida — agravou-se
com a lei de expulsão e com a tendência manifestada pelo empresariado, diante da perspectiva de
recessão, de negar terminantemente o aumento, ou mesmo de reduzir os salários.119 Dezenas de
anarquistas passaram a ser caçados em São Paulo e, uma vez presos, deportados do Brasil, no
prazo de 15 dias.
Neste impasse, os operários se mobilizaram em torno da Confederação Operária Brasileira,
decidindo-se pela realização de comícios nos diversos centros urbanos, contra a carestia, o salário
baixo e a excessiva jornada de trabalho.120 Como os comícios estivessem proibidos pela polícia, as
lideranças operárias paulistas optaram por promover reuniões em diversos bairros da capital, para
depois convergir todos os trabalhadores ao Largo São Francisco, para um comício de protesto. As
autoridades resolveram, então, proibir as reuniões parciais, dispersando os primeiros grupos que se
formavam nos bairros do Cambuci, Bexiga, Bom Retiro, Mooca e Brás. Os operários postos em

111
La Bataglia,26/5/1912.
112
La Bataglia, 26/5/1912.
113
Correio Paulistano, 15/6/1912.
114
N.º 357, 15/6/1912.
115
Edição de 25/8/1912.
116
Estabelecido pela lei n.º 1.299-A, de 27/12/1911, com o objetivo de “resolver, por meios suasórios,
quaisquer dúvidas que porventura surjam entre os operários agrícolas e os seus patrões”. In: Boletim do
Departamento Estadual do Trabalho, Anno I, n.º 4, 3.º trimestre de 1912.
117
Loc. cit.
118
La Bataglia, n.º 323, 24/9/1911.
119
BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de São Paulo, p. 70.
120
Germinal, n.º 1, 16/3/1913.
debandada pela polícia tomaram bondes com destino ao Largo da Sé para ouvir um orador, mas
também esse comício foi dispersado pelo delegado incumbido do policiamento naquele ponto,
coadjuvado por duas praças de cavalaria.121
Os movimentos grevistas de 1913 atestam o agravamento das condições de vida da classe
trabalhadora. O Germinal informa sobre uma greve de 800 operários da Nami Jafet, que
reivindicavam aumento de 20% sobre os salários e a diminuição de uma hora da jornada de
trabalho. A mesma notícia denuncia a situação de meninos que trabalhavam no turno noturno, das
seis horas da tarde às seis da manhã, e que tiveram seus salários diminuídos ao passarem para o
serviço diurno.122 Um mês depois da deflagração do movimento, os funcionários da Jafet
retornaram ao trabalho, sem nada conseguir. O mesmo aconteceu com operários de uma fábrica
do Belenzinho, contra os quais o 5.º delegado enviou uma força de 30 praças.123
Alguns setores reduziram o salário. Foi o que aconteceu para 100 operários que
trabalhavam na construção da catedral, e que tiveram, sob alegação da crise econômica, seus
salários diminuídos de 3$700 para 3$400.124
A crise de 1914 abateu-se pesadamente sobre os proletários paulistas, que se defrontaram,
pela primeira vez, com o desemprego em massa. Em agosto, já configurado o estado de
calamidade pública, a imprensa da capital patrocinou um Comitê de Assistência em benefício das
famílias desempregadas.125 D. Miguel Kruse, um dos organizadores do comitê, declarou, no dia 27
de agosto, que por causa das desordens e acúmulo de pessoas no Largo de S. Bento, o mosteiro
resolvera não mais distribuir gêneros e dinheiro aos necessitados que procuravam diariamente a
instituição. Por outro lado, o prefeito cedia as chaves de um prédio no Largo da Sé para a instalação
de um armazém beneficente, e uma comissão de senhoras da Cruz Vermelha se prontificava a
colaborar com essa iniciativa.126 Calculava-se, nessa ocasião, a existência para mais de 10.000
operários sem trabalho na cidade de São Paulo. Como era previsível, as comemorações do 1.º de
Maio de 1914 foram marcadas por violentos protestos das associações operárias contra o aumento
do custo de vida e o brutal desemprego.127 Um ato público marcado para o dia 2 de agosto, no
Largo da Sé, contra a guerra, a carestia e o desemprego, foi proibido e efetuaram-se algumas
prisões.128
Nesse ambiente de repressão intensa, anarquistas e socialistas formavam a vanguarda dos
movimentos operários. Os primeiros defendiam a revolução social como a única estratégia capaz
de resolver a crise.129 Os segundos propunham uma tática relativamente contemporizadora,
empenhando-se em propor soluções para a crise, como a redução das taxas sobre os gêneros de
primeira necessidade — “para gáudio dos aproveitadores do comércio”, diziam os anarquistas. Os
socialistas também propuseram a abertura de frentes de trabalho em obras públicas. Na sala Celso
Garcia realizaram uma reunião à qual compareceram cerca de 3.000 operários, e aprovaram as
conclusões seguintes: 1. reabertura imediata dos estabelecimentos industriais em condições
normais; 2. eventual distribuição de terra cultivável, com auxílio do Estado para o começo da
cultura; 3. início de grandes trabalhos públicos, fixado preliminarmente um salário mínimo; 4.
instituição de cooperativas de consumo para a venda de gêneros pelo justo preço.130 Os operários
afluíram a novos comícios realizados no Bom Retiro, Brás, Barra Funda, Cambuci, Água Branca e
Lapa, para aprovar as moções acima, enquanto o Legislativo Federal ocupava-se da crise, “mas
para resguardar as classes ricas”. O projeto de empréstimo da municipalidade para financiar obras
públicas, que propiciassem empregos, foi sistematicamente negligenciado pelo prefeito, declararam
os socialistas desanimados.131

121
Correio Paulistano, 21/4/1913.
122
Guerra Social. Germinal, edição de 1.º de maio de 1913.
123
Correio Paulistano, 6/5/1913.
124
Correio Paulistano, 11/10/1913.
125
Correio Paulistano, 26/8/1914.
126
Correio Paulistano, 27/8/1914.
127
Avanti, 1/5/1914.
128
Correio Paulistano, 3/8/1914.
129
La Propaganda Libertária, Ano I, n.º 11, 16/5/1914, artigo de Gigi Damiani.
130
Avanti, 28/8/1914.
131
Avanti, 12/9/1914.
Os anarquistas criticavam a Comissão de Socorros Públicos, que não passaria de uma
tática do chefe de polícia para sufocar o protesto proletário. Como alternativa à comissão burguesa
apresentaram um Comitê de Defesa Proletária, com o retorno dos operários a agitações mais
decisivas.132 Mais dois jornais foram fundados: O Combate, em 1915, e A Razão, no ano seguinte.
Esses novos jornais uniram-se aos demais órgãos anarquistas no combate ao militarismo, à guerra,
à repressão, à corrupção, ao clericalismo, à superstição, ao capitalismo, à exploração, à miséria, à
família, à Igreja e ao Estado.
A defesa do proletariado pelos anarquistas é reconhecida pela literatura sobre movimentos
operários: antes dos comunistas, eram eles que davam a linha justa, tanto com discursos moralistas
e bombas de fabricação caseira, como publicando livros, revistas e jornais; mas, sobretudo,
organizando o operariado em sindicatos.133 O comício de 1.º de maio de 1915, reproduzindo idéias
libertárias, apresentou faixas com os dísticos: “Abaixo a guerra!” e “Viva a Internacional dos
Trabalhadores!”
As autoridades conseguiram contornar a agitação operária de 1914-15. O presidente do
Estado, Rodrigues Alves, em mensagem enviada (em 1915) ao Congresso Legislativo pôde afirmar,
no item Ordem Pública:

“O nosso Estado gozou de inteira paz durante o ano findo, não tendo
havido nenhuma ocorrência anormal. O governo, como lhe cumpria na atual
emergência, procurou, pelos meios a seu alcance, dar destino a um grande
número de pessoas que se encontravam sem trabalho em São Paulo,
fornecendo-lhes meios de transporte para o interior, de preferência para os
centros agrícolas.”134

Versão diversa apresenta o semanário A Barricada, editado por líderes anarquistas e


socialistas com o fim de denunciar a repressão policial contra os movimentos dos grevistas, que
fazia “cantar o pau, zunir balas e estourar bombas”.135 A guerra agravara a penúria dos
trabalhadores, elevando o custo dos gêneros de primeira necessidade e tornando-os escassos no
mercado interno. O Estado de S. Paulo, de 4/6/1917, apresenta o quadro de uma indústria que
trabalhava fundamentalmente com moças e menores e conservava “na desocupação, no regime
doloroso do salário baixo, pobres operários adultos com mulher e filhos”. Sucederam-se grandes
manifestações de trabalhadores, com greves e passeatas a favor da paz, contra a guerra.
Em junho, perto de 2.000 operários do Cotonifício Crespi, na Mooca, iniciaram a greve geral
de São Paulo, exigindo um aumento de 20% nos seus salários. A empresa, em resposta, fechou
suas portas por tempo indeterminado.136 Melhor resultado obtiveram, em julho, os grevistas da
Estamparia Ipiranga, da firma Nami Jafet e Companhia: sua reivindicação de 20% para o trabalho
diurno e 25% para o noturno foi aceita pelo empresário, defrontado com a atitude firme dos
operários.137
Os operários da Crespi, ainda em greve, receberam o apoio da Liga Operária do Ipiranga,
que divulgou a solicitação dos grevistas para que houvesse boicote aos produtos da fábrica, pois
suspeitavam que, embora fechada, a fábrica continuasse sua produção em outro
estabelecimento.138 Revoltados com o assassinato de um sapateiro, os trabalhadores provocaram
tumultos, queima de bondes e saques. O movimento grevista se alastrou, atingindo cerca de 20.000
trabalhadores. O chefe de polícia, Tirso Martins, comandou a repressão, prendendo centenas de
operários. Houve fuzilaria, com o saldo de três mortos. Foi nesse movimento que Miguel Costa
aderiu à causa operária, conseguindo que o Comitê de Defesa Proletária139 se reunisse com 10
jornalistas, apresentando uma pauta mínima de reivindicações, que foi encaminhada ao governo e

132
La Bataglia, n.º 12, 3/10/1914.
133
Aos trancos e barrancos..., verbete n.º 294.
134
Correio Paulistano, 15/7/1915.
135
Apud: RIBEIRO, Darcy. Op. cit., verbete n.º 298.
136
O Estado de S. Paulo, 20/6/1917 e 30/6/1917.
137
O Estado de S. Paulo, 5/7/1917 e 7/7/1917.
138
O Estado de S. Paulo, 6/7/1917.
139
Formado por líderes trabalhistas, a fim de fazer frente ao fechamento dos sindicatos pela polícia.
industriais. Em 15 de julho, pela intermediação de 13 jornalistas, o Comitê conseguiu do
governador Altino Arantes a libertação dos operários presos, o reconhecimento do direito de
reunião, além da resolução de que fossem cumpridas as normas sobre o trabalho dos menores,
prometendo, também, o estudo de leis sobre o trabalho noturno das mulheres e dos jovens, e a
garantia de manutenção de preços dos gêneros de primeira necessidade. Na Praça da Concórdia,
no dia seguinte a tais resoluções, realizou-se o maior dos comícios organizados para divulgar as
conquistas operárias. Os 80.000 operários presentes140 assumiram a tarefa de organizar a massa
operária e encerraram a reunião cantando A Internacional. Leuenroth foi um dos principais
mentores dessa greve. Por esse motivo, foi preso em 15/9/1917, e absolvido e solto em 9/3/1918.
Seu advogado, Evaristo de Moraes, publicou suas razões no folheto O Anarquismo Perante o Júri.
Leuenroth, diz a polícia, fascinara nesse ano por tal maneira o proletariado que, em fevereiro, foi por
este candidato a uma cadeira de deputado federal.141 Leuenroth fundara A Plebe para apoiar as
reivindicações operárias e fazer pregações libertárias. Ao mesmo tempo, Everardo Dias lançou O
Manifesto aos Soldados, sendo expulso do país.
Em 1917 o movimento operário sofreu dois fortes impactos: a entrada do Brasil na guerra e
a Revolução Russa.
O primeiro forneceu às autoridades novos argumentos e instrumentos de pressão contra o
movimento operário. Em setembro de 1917, o governo do Estado de São Paulo deportou 20 líderes
trabalhistas e prendeu Edgard Leuenroth, acusando-o de ter sido o autor intelectual da greve geral
de julho de 1917.
Em finais de outubro, as notícias sobre a Revolução Russa chegaram ao Brasil,
provocando grande entusiasmo nos meios operários, fato que levou a polícia a afirmar que, grosso
modo, a primeira manifestação concreta de propaganda comunista no Estado de São Paulo
verificara-se com a greve geral de novembro de 1917, na Capital, pois “o processo que se
empregou para o desenvolvimento daquela gravíssima crise fornece-nos índices irrefutáveis da
orientação ideológica de seus dirigentes”. Não obstante, a polícia confessou não dispor de
elementos para identificar o que seria, naquela época, o PCB, qual a sua força, quais os seus
agentes, quais os seus métodos.142 A greve de novembro conseguiu manter São Paulo paralisada
por um mês, submetida aos comitês de greve, em luta campal com a polícia.
A esse tempo, o movimento operário se enfeixava quase todo nas mãos dos anarquistas e
anarco-sindicalistas, dispersos pelas associações de classe e sociedades operárias ou agrupados
em torno da Federação Operária do Estado de São Paulo. Porém a polícia, nos relatórios que
produziu na década de 30, desclassifica a ação anarquista como capaz de organizar a massa
trabalhadora, pois, raciocina, como o trabalho anarquista se caracterizava “pela completa ausência
de método de organização, fenômeno a que os comunistas denominam 'espontaneísmo' e norma
de trabalho a que ferozmente combatem, a preparação metódica das massas, a ofensiva
sistemática dos paredistas, a extensão e a intensidade do movimento de 1917, dizem bem claro ter
sido ele fruto dos primeiros trabalhos de agitação comunista”.143 O objetivo dessa opinião policial era
obviamente o de inculpar o mais fortemente possível os comunistas, que surgiam como os mais
temíveis agitadores da ordem, após 1917. Nas palavras de Everardo Dias, os anarquistas e
socialistas foram os verdadeiros heróis dessa primeira etapa, mas os seus esforços se tornaram
anônimos, pois, com exceção de alguns poucos, os nomes desses denodados lutadores estão
totalmente esquecidos na história das lutas sociais no Brasil.144
Com a declaração do estado de guerra com a Alemanha e o conseqüente estado de sítio
(26/10/1917), o movimento operário paulista passou por uma estagnação.
Terminada a guerra, ressurgiram as lutas operárias. Já nas comemorações do Primeiro de
Maio de 1919, no comício da Praça da Sé, uma multidão de trabalhadores aplaudiu vivamente
Manuel Campos, delegado do Partido Comunista do Brasil, bem como Florentino de Carvalho, Hélio
Nigro e Edgard Leuenroth, o último a discursar e o mais ovacionado. O comício terminou com A

140
Na avaliação de Everardo Dias (História das lutas sociais no Brasil, p. 303).
141
Prontuário de Edgard Leuenroth, n.º 122, v. 1.
142
A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE S. PAULO, “HISTÓRICO”. 10/7/35. Prontuário do
Partido Comunista do Brasil, n.º 2.431, v. 9, f. 74. DEOPS/SP.
143
Loc. cit., f. 73.
144
História das lutas sociais no Brasil, p. 49.
Internacional e com uma marcha dos participantes pelas ruas paulistanas, com uma comissão de
frente formada por moças vestidas com blusas vermelhas.145
No dia seguinte a essa manifestação irrompeu um movimento grevista que se generalizou,
atingindo cerca de 50.000 operários e se estendendo a outras cidades paulistas. Os trabalhadores,
representados pelo Conselho-Geral dos Operários, insistiam na jornada de oito horas, na proibição
do trabalho aos menores de 14 anos e do trabalho noturno às mulheres, reclamando, ademais, um
salário mínimo e a redução dos preços dos gêneros alimentícios e dos aluguéis. Embora esse
movimento contasse com a simpatia aparente do governador e do secretário de Justiça do Estado,
a reação policial foi violenta: grevistas e “responsáveis intelectuais” foram encarcerados e a
cavalaria foi lançada contra os operários. Em Santos, sob a batuta de Ibrahim Nobre, delegado
regional de polícia, o advogado Heitor de Morais impetrou habeas corpus em favor de 474 operários
presos, com paradeiro ignorado e perseguidos pela polícia que lhes andava à caça, “pobres
homens” impedidos de se reunir na sede da Sociedade União dos Empregados da Companhia City,
e “até mesmo de permanecer pacificamente em suas casas ... tudo pelo horrendo crime de serem
grevistas”.146 Não obstante a perseguição policial, as principais reivindicações da greve de 1919
foram atendidas.
A repressão contra lideranças operárias continuava violenta. Os redatores de A Plebe, Luigi
Damiani e Alexandre Zanelli, assim como o diretor da Federação Operária, Silvio Antonelli, foram
presos após a explosão de uma bomba no Brás. Os dois primeiros foram deportados para a Itália,
em segredo, para que os portuários não se declarassem em greve de protesto e de solidariedade.
Em 1920, na Itália, Gigi Damiani enfeixou os artigos que escrevera para o jornal Humanità Nova
(que fundara com Malatesta) e os publicou sob o título: La Questione Sociale in Brasile, paese per
dove non si deve emigrare. Esse livro denuncia os governantes do Brasil, sócios de industriais e
latifundiários, como os responsáveis pelos salários de fome, horários de penitenciárias e quebra das
organizações de classe dos trabalhadores, fazendo eco a Lima Barreto, que em 1918 caracterizou a
oligarquia paulista como “a mais calamitosa, a mais odiosa do Brasil, a mais feroz”.147
Após 1919 o número de greves diminuiu, mas os operários paulistanos continuaram a se
agitar e a se organizar, especialmente nos sindicatos. Azis Simão arrola 246 movimentos de
paralização do trabalho ocorridos em todo o Estado, de 1901 a 1930.148 Everardo Dias registra
número menor: 61 (35 na capital e 26 no interior). José de Souza Martins, baseado no último autor,
elabora tabela pela qual se pode verificar que a maior incidência de greves ocorreu no período de
1906-1920 — 88,5% do total registrado. As greves desse período marcaram-se por duas
tendências nítidas: as greves por motivo de número de horas de trabalho concentraram-se entre
1906 e 1915 (88,9%), e as referentes a questões salariais entre 1911 e 1920 (69,6%). Para as três
décadas iniciais deste século, 57,4% das greves foram motivadas por questões salariais, e 34,5%,
por más condições de trabalho. As soluções dadas aos movimentos mais expressivos ocorridos na
capital em 1917 e 1919 ocasionaram possivelmente a sensível queda de greves a partir de 1920.149
Este ano registrou uma única greve interprofissional e, até 1937, os conflitos de trabalho limitaram-
se a estabelecimentos ou setores econômicos específicos. A partir de 1923 decresceram mesmo
as ocorrências setorizadas, existindo anos que não registraram nenhuma agitação operária na
capital ou no interior.150 Por outro lado, é preciso ter em conta o estado de sítio permanente do
governo Bernardes e o paroxismo repressivo que se abateu sobre os operários paulistas, após o
movimento fracassado de 32, para entendermos a aparente “paz social” desses anos.
Foster Dulles151, simplificando tabela elaborada por Azis Simão, ajuda-nos a ter uma visão
das ocorrências de greve no período de 1917-1935:

145
O Estado de S. Paulo, 1.º e 3 de maio de 1919. Apud: DULLES, J.F. Anarquistas e comunistas no Brasil,
p.p. 72-73.
146
MAFFEI, Eduardo. A greve, p. 155.
147
Op. cit., p. 158.
148
Sindicato e Estado: São Paulo, Dominus Editora/ Ed. da USP, 1966, p.p. 131-142.
149
MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e a empresa. 2. ed. São Paulo, HUCITEC,
1976, p.p. 90-91.
150
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado, p.p. 134-142.
151
Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 438.
Erro! Cidade de São Resto do Estado Estado de São
Indica Paulo Paulo
dor
não
defini
do.A
NO
1917 9 5 14
1918 1 3 4
1919 20 17 37
1920 11 2 13
1921 0 0 0
1922 10 3 13
1923 5 2 7
1924 1 0 1
1925 0 0 0
1926 1 0 1
1927 2 0 2
1928 5 1 6
1929 6 1 7
1930 11 1 12
1931 4 2 6
1932 19 5 24
1933 1 2 3
1934 11 9 20
1935 12 8 20

As greves de 1917 e 1919, pela sua extensão e profundidade, provocaram relatos diversos
sobre a situação do operariado em São Paulo. A “questão social” recebeu destaque nas esferas
públicas. Como observa Paula Beiguelman, “ostensivo interesse governamental, de um lado visava
neutralizar a agitação e de outro apresentá-la como fruto de obstinada intransigência e excessiva
pressa dos interessados”...152 Na campanha presidencial de 1919, os políticos concorriam em torno
da disposição de preservar a tranqüilidade pública, pela promulgação de leis, já consignadas
internacionalmente na Conferência da Paz. Na verdade, não se pretendiam melhorar condições de
trabalho numa indústria que empregava fundamentalmente mulheres e menores nos seus setores
principais — têxtil e alimentício. A Plebe denuncia que crianças de nove e dez anos eram obrigadas
a trabalhar por tarefa, sendo depois prejudicadas no peso do material utilizado e, ainda por cima,
multadas por se rirem ou por irem beber água.153 Depoimentos de operários compõem o quadro
denunciado pela imprensa operária:

“Por esta época, dois mil operários vendiam sua força de trabalho a essa
indústria (a Crespi). Vendiam mal. A exploração aí era infame. Tecelões e
fiandeiras. Mocinhas, meninas, entravam naquela fornalha de sugar vidas.
Muitas vidas foram consumidas por essa empresa. Conheci em longos anos
de vivência na Mooca a morte de operários ainda moços, sugados gota a gota,
consumidos até o último alento. Meninas, então, eram ceifadas como
manadas de ovelhas a irem para o matadouro. Sugadas enquanto pudessem
respirar. Trabalhavam dez, doze, e até quatorze horas sem parar. Mal
alimentadas, mal dormidas, eram presas fáceis para o bacilo da tuberculose. E
foi assim que os Crespi, os Matarazzo, os Jafet adquiriram títulos

152
Os companheiros de S. Paulo, p. 101.
153
Ano III, n.º 28, 9/10/1919.
nobiliárquicos. Acumularam fortunas, compraram honrarias ceifando vidas.
Sugando criaturas em troca de migalhas o bastante para mantê-las de pé.”154

As mocinhas eram as preferidas pela indústria têxtil. Trabalhavam das seis da manhã às
sete e oito horas da noite, com uma hora intermediária para o almoço. Nas indústrias têxteis, os
homens eram só os contramestres, mestres e tecelães especializados, todos mal-pagos e vigiados
pelo mestre-geral ou o gerente da fábrica, que dispensava ou advertia, com atitudes despóticas.
Aos gerentes e diretores só se podia falar de chapéu sobre o peito, fazendo vênia de beija-mão,
numa humildade de escravos.155
O depoimento — insuspeito na matéria — de Jorge Street, quando da promulgação da
legislação social de 1934, confirma a situação dramática do trabalhador, narrada pela imprensa
proletária. Aquele industrial, considerado como vanguardista no reconhecimento de direitos aos
seus operários, confessa ter trabalhado com crianças de dez a 12 anos e talvez menos, “porque
nestes casos os próprios pais enganam”. O horário normal era de dez horas e, quando necessário,
de 11 ou 12. E racionaliza:

“Nos países fortemente industrializados, em que a oferta de braços é


excessiva e o trabalho mais escasso, há sempre a tendência, baseada em
razões mais econômicas do que propriamente de proteção moral, a elevar-se
cada vez mais a idade de admissão dos menores nos trabalhos industriais e
comerciais. No Brasil não prevalece essa razão; não só é o desenvolvimento
físico entre nós mais precoce, como há, indubitavelmente, antes falta do que
excesso de braços. Na economia particular do trabalhador, além disso, existe
a necessidade real de transformar o mais cedo possível o peso morto que é o
filho menor, em elemento auxiliar, útil pelo trabalho.”156

Jorge Street, o capitalista que “teve o mérito de praticar um capitalismo humano quase
impossível de ser aplicado em seu tempo”157, era favorável à jornada de dez ou onze horas e
praticava a mesma política salarial ou de repressão aos movimentos operários em uso entre os
industriais paulistas. Podemos, pois, entender o significado do comentário de A Plebe, emitida em
nota referente a “Palcos, Telas e Arenas”: “Circos. O público das galerias, numa explosão de
alegria, mudou o nome das feras em exposição. Atualmente passaram a chamar-se o leão
Matarazzo, a hiena Jorge Street e o urso Penteado.” 158
As lutas operárias e as organizações associativas e sindicais operárias constituíram uma
espécie de back ground da história da fundação do PCB e de sua seção paulista. Em 1920 já
existia, nas principais cidades brasileiras, perto de um milhar de sindicatos ou de associações
congêneres, de quase todas as categorias profissionais. Como a soma do proletariado nacional não
chegasse a 500.000, dos quais a minoria estava sindicalizada, o número de sindicatos é bastante
representativo para se pensar no espírito associativo de um proletariado ainda cheio de resquícios
pequeno-burgueses. A luta e a organização operárias acompanhavam-se de órgãos de imprensa
própria, dominada por idéias libertárias ou liberais, até as grandes greves de 1917/18. Nesses
jornais, a palavra “classe” ainda não tinha significado definido, embora eles defendessem as
ideologias operárias em voga — o anarquismo e o anarco-sindicalismo —, inspiradas nas idéias de
Bakunin, Kropotkin, Proudhon, Faure. Se, de um lado, essas idéias eram úteis para unir e organizar
os operários, do outro tinham o defeito de isolar o operariado da vida política, que consideravam
como uma invenção burguesa. Restringiam, assim, sua atividade à luta por reivindicações
econômicas, à espera de que um dia a Revolução pendurasse os tiranos, os padres e capitalistas

154
DIAS, Eduardo. Um imigrante e a revolução. Memórias de um militante operário. 1934-1951. São
Paulo, Brasiliense, 1983, p. 25.
155
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil, p. 46.
156
A Legislação Social Trabalhista no Brasil, 1934. Apud: BEIGUELMAN, Paula. Os companheiros de São
Paulo, p. 107.
157
As palavras são do comunista Eduardo Maffei, em: A greve. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978, p. 10.
158
Ano III, n.º 5, 11/9/1919. Apud: HARDMAN, Francisco Foot. Nem Pátria, nem patrão!, p. 79.
nos postes, para instaurar o anarquismo, isto é, um hipotético regime social sem governo.159 No ano
de 1919 maximalistas e anarquistas brasileiros fundaram no Rio o Partido Comunista Libertário,
declarando-se “ inimigos irreconciliáveis do Coletivismo e do Socialismo de Estado, que, tendendo à
destruição dos privilégios capitalistas, criam, inevitavelmente, os privilégios burocratas”.160 O grupo
anarquista do Rio de Janeiro — composto por José Oiticica, Roberto Morena (“Vicente da Costa e
Silva”), Afonso Schmidt, Octávio Brandão, Astrojildo Pereira, Everardo Dias e outros —, responsável
pela criação do Grupo Comunista de 1921-1922 e pelo Partido Comunista, transferiu-se quase todo
para São Paulo.161
A colaboração da polícia paulista com os industriais é comprovada a cada passo pelos
arquivos policiais. Os industriais utilizavam-se cinicamente de argumentos ligados à situação de
penúria de seus empregados para requerer a intervenção policial nas greves operárias, como fazem
“diversos industriais de calçados” em carta “confidencial” ao delegado de Ordem Política e Social.
Começam por chamar a atenção da autoridade para a cobertura que a greve vinha recebendo em
diversos vespertinos da capital, juntando “retalho” comprobatório de jornal. A seguir, expõem
cruamente:

“Se tomamos esta iniciativa, é pelo fato de conhecermos, de sobra, a


resistência financeira dos nossos operários, que não vai além da
insignificância; e no entanto já entramos no quinto dia de greve, e os mesmos
não ressentem falta de coisa alguma, o que nos força a crer estarem sendo
socorridos por pessoas estranhas ao meio e fortemente interessadas na ruína
ou quando não, pelo menos, em estabelecer a confusão. Aconselhamos, pois,
medidas radicais contra estes elementos, a fim de pôr termo a esta lamentável
situação.” 162

Para atender a apelos dessa natureza, a polícia mantinha informes pormenorizados sobre
os trabalhadores, colocando-se ostensivamente a serviço dos industriais. Nos registros do
DEOPS/SP abundam listas de “elementos reconhecidamente comunistas e agitadores”, como uma
referente à Sociedade Anônima Moinho Santista Indústrias Gerais, de Santo André, onde
trabalhavam 1.300 operários — 481 homens e 819 mulheres —, e que traz uma lista com
informações sobre os líderes ou cabeças de greves.163
Assim, o combate aos comunistas encontrava legitimação na defesa entusiástica do capital,
empreendida pela Ordem Social e Política de São Paulo. Lemos, por exemplo, num comunicado
reservado sobre a infiltração de Luíza Branco junto aos operários da Ítalo Brasileira: “Essa mulher
constitui um verdadeiro perigo, pois instiga o operariado a não fazer acordo algum com os
industriais.” 164
Menos vigoroso do que o anarquismo, o socialismo foi a segunda corrente a influenciar os
trabalhadores paulistanos, embora tenha-se exercido mais limitadamente, circunscrevendo-se a um
grupo reduzido de intelectuais e operários intelectualizados.
Desde 1892, quando se realizou o 1.º Congresso Socialista no Brasil, o socialismo tentou
conquistar a massa operária com um amálgama de idéias retiradas de Proudhon, Marx e Engels,
Lassale e Saint-Simon. Com o fim da guerra, intelectuais pobres de São Paulo fundaram o Grupo
Zumbi, em resposta ao apelo dos intelectuais franceses que tinham à frente Henri Barbusse. Esse
grupo, liderado por Afonso Schmidt, ao fazer o balanço da guerra de 14-18, comprometeu-se a lutar
contra os próximos conflitos. Em 1921, sob a influência do Clarté fundado por Henri Barbusse, na
França, fundou-se no Brasil um grupo Clarté, do qual faziam parte Maurício de Lacerda, Agripino
Nazareth, Pontes de Miranda e Everardo Dias. Sem conseguir despertar o interesse do operariado,

159
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República, p.p. 305-306.
160
Apud: RIBEIRO, Darcy. Aos trancos e barrancos..., verbete n.º 366.
161
Informações sobre a atividade de Vicente da Costa e Silva. Prontuário do Partido Comunista, n.º 2.431,
v. 1, doc. n.º 45, f. 58.
162
Carta de 6/5/1932. Prontuário do Partido Comunista, n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 26, f. 33.
163
Prontuário de José Herreiras, n.º 89.009. DEOPS/SP.
164
Reservado Rubens. São Paulo, 10/7/35. Prontuário de José Alves de Brito Branco, n.º 170. DEOPS/SP.
alguns meses depois esse grupo dissolveu-se.165 No entanto, a influência desses intelectuais sobre
os esquerdistas paulistas resistiu à dissolução do grupo. Nos prontuários de vários intelectuais
figura a revista de Barbusse, que claramente influenciou alguns dos escritos de dissidentes a partir
da política de entrismo no Partido Socialista Brasileiro, praticada entre 1934-35.
As correntes doutrinárias que se apresentavam como orientadoras dos combates operários,
até os inícios dos anos 20, não se digladiavam com a obstinação que depois passou a ser a tônica
dos movimentos de esquerda em São Paulo. Ademais, os debates que se travavam não
prejudicavam a coesão da militância política na defesa da classe operária. Nas hostes comunistas,
a aplicação da política stalinista não sofria, igualmente, grandes dificuldades. Nas palavras de Fúlvio
Abramo, o partido era novo, possuía poucos membros com capacitação ideológica: os marxistas
contavam-se nos dedos de uma mão. As posições do partido fundamentavam-se de modo geral no
pensamento de Octavio Brandão166, exposto no livro Agrarismo e Industrialismo, que coloca como
problema central da revolução o seu caráter “agrário e antiimperialista, uma fase democrático-
burguesa”.
Com o retorno de Moscou de militantes brasileiros que representaram o Brasil em
congressos da Terceira Internacional ou que foram para a “pátria dos trabalhadores” aprender o
marxismo, o caráter da revolução brasileira foi definido como “operário e camponês”, adquirindo
matizes diferentes, de acordo com movimentos políticos e sociais que sacudiam o país, mas sem
nunca deixar o seu conteúdo “democrático-burguês”.167 A III Internacional surgia como o partido da
revolução mundial, como um centro internacional apto a cordenar os diversos partidos comunistas
na obra revolucionária dos países europeus, e, como decorrência, nos países coloniais. Em 1920
reuniu-se o II Congresso que continuou a colocar a revolução como objetivo central dos comunistas.
Nele foi discutida a organização do movimento comunista em países não-capitalistas, enfatizando-
se a necessidade de conscientização dos operários e camponeses para a causa revolucionária.
Entretanto, a matriz da revolução continuava a ser a européia. Leon Trotski abriu o III Congresso,
em 1921, com um relatório que analisava a crise econômica mundial e reconhecia que a revolução
mundial não ocorreria a curto prazo. Por esse motivo, os partidos comunistas deveriam conquistar a
classe operária, por meio da tática de frente única, com grupos capazes de lutar pelos interesses do
proletariado. Na prática, isso representava um método de agitação e de mobilização das massas,
enquanto se esperava pela revolução mundial. Os Congressos IV, V e VI acentuaram essa
característica. A partir do V iniciou-se a stalinização do Estado soviético e da Internacional
Comunista. Com o VI, em 1928, aplicou-se a política de “classe contra classe” e,
conseqüentemente, a rejeição de alianças com a social-democracia.
No Brasil, o partido realizou três congressos, na década de 20, comprovando o empenho de
seus fundadores, pois, no primeiro meio século de sua existência, houve apenas seis dessas
reuniões: 1922, 1925, 1928-29, 1954, 1960, 1967.
O I Congresso realizou-se nas cidades do Rio de Janeiro e Niterói, nos dias 25, 26 e 27 de
março de 1922, e foi profundamente marcado pelo internacionalismo da IC. Esse congresso elegeu
Abílio de Nequete como secretário-geral do Comitê Central, pois ele era delegado de Porto Alegre,
onde existia o grupo comunista mais antigo e mais forte. Na reunião, esse grupo representava
cumulativamente o Bureau da Internacional Comunista para a América do Sul e o Partido
Comunista do Uruguai. Em julho, com a renúncia de Nequete, assumiu o secretariado-geral
Astrojildo Pereira, que se impôs como o principal dirigente do PCB, de 1922 a novembro de 1930,
quando foi afastado.

165
BASBAUM. Leôncio. História Sincera da República, p.p. 307-308.
166
Numa definição lapidar da identidade teórica confusa de muitos dos primeiros líderes comunistas, Octavio
Brandão, em 1976, aos 80 anos de idade — depois de 65 de lutas, 15 dos quais passados em Moscou — faz
um balanço de sua vida: “Sou escritor brasileiro. Índio caboclo do interior do Nordeste. Patriota e humanista,
democrata e revolucionário. Combatente pela libertação nacional e social do Brasil e da Humanidade.
Partidário do socialismo científico de Marx, Engels e Lenin. Poeta realista, romântico e revolucionário.” Em:
Combates e batalhas, p. XXIII.
167
ABRAMO, Fúlvio. A Oposição de Esquerda no Brasil, in: ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis
(orgs.). Na contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista. 1930-1933. São
Paulo, Brasiliense, 1987, p.p. 28-29.
O II Congresso reuniu-se no Rio de Janeiro, de 16 a 18 de maio de 1925, com os objetivos
de publicar um jornal proletário — o futuro A Classe Operária — , os novos estatutos do partido, a
reorganização das células de empresa, e, principalmente, da Juventude Comunista, que havia
recebido poucos aderentes, desde a sua criação em janeiro de 1924. Este congresso realizou a
primeira tentativa sistemática sobre a formação social brasileira, levantando a tese do choque entre
agrarismo e industrialismo, o primeiro apoiado pelo imperialismo inglês, e o segundo, pelo
imperialismo norte-americano.
O III Congresso instalou-se na sede da Federação Operária do Rio, em Niterói, nos dias 29,
30 e 31 de dezembro de 1928, e 1, 2, 3, e 4 de janeiro de 1929. Os 31 delegados presentes
levantaram a tese política da continuidade revolucionária, entendida como a inevitabilidade da
“terceira revolta”, empolgada pelo proletariado, após os movimentos pequeno-burgueses de 1922 e
1924. Para as tarefas de agitação e propaganda os comunistas eram concitados a atuar nos
sindicatos operários, lutando pela unidade do movimento sindical, e combatendo as tradições
anarco-sindicalistas e o espírito corporativista dos trabalhadores. A importância do Estado de São
Paulo foi ressaltada, como o maior centro operário, popular, econômico e cultural do país. Além
disso, o congresso expressou sua solidariedade à Revolução de Outubro, continuando na linha
internacionalista. Moisés Vinhas considera que as debilidades do partido, no tempo do II Congresso,
referiam-se à concepção deste como organização de quadros e não de massas, um doutrinarismo
pelo qual se pensava que bastaria a inscrição de uma palavra de ordem no programa para que ela
se realizasse — como no caso do BOC —, e uma visão estreita e sectária da política das alianças
da classe operária com outras forças políticas. Esse último ponto teria influído para que os
comunistas ficassem à margem da Aliança Liberal, conhecessem grande derrota eleitoral em 1930,
e se mantivessem distantes — embora sofrendo a influência — dos movimentos tenentistas, que
desembocaram na Coluna Prestes e na Revolução de 30, movimentos golpistas, excludentes da
massa e antioligárquicos. A base dessa estreiteza estaria no deficiente conhecimento da teoria
marxista, o que teria levado os militantes à compreensão fatalista da crise econômica e da
inevitabilidade da “terceira revolta”, concepções essas que favoreceram o golpismo, que acabou
resultando no levante de 1935.
O partido, além dos problemas apontados, sofreu a intervenção da III Internacional que, em
1930, submeteu Astrojildo Pereira a uma violenta crítica e remanejou o grupo dirigente. A aplicação
da resolução da IC que pregava a “bolchevização” dos partidos resultou no afastamento de
intelectuais da direção partidária. O sectarismo obreirista do PCB deitava raízes na virada à
esquerda empreendida pelo VI Congresso da IC, que mandava centrar fogo na social democracia e
propugnava a luta de “classe contra classe”.168 Além disso, o VI Congresso teorizou sobre o
“terceiro período” da crise do capitalismo, dividindo os países em três blocos. O primeiro, formado
por países de capitalismo altamente desenvolvido, que estavam prontos para a ditadura do
proletariado. O segundo, por países de nível médio, que deveriam partir para conquistas
democrático-burguesas antes que a revolução se tornasse socialista. Por último, estavam os países
coloniais, semicoloniais e dependentes, que precisariam de etapas preparatórias para ascenderem
à ditadura do proletariado, passando da revolução democrático-burguesa para a revolução
socialista. Tais países — nos quais se incluía o Brasil — teriam que ser auxiliados em sua marcha
revolucionária pela URSS, em razão de sua incapacidade de chegarem sozinhos à ditadura do
proletariado.169
Contra esta posição insurgiram-se camaradas, deixando claro o aspecto teórico das
primeiras dissidências, e afastando como simplistas as explicações que, a posteriori, ancoraram-se
nas lutas pela hegemonia do poder no PCB ou no entrechoque de personalidades.
Em defesa da fundamentação ideológica das primeiras dissidências, está o fato de Aristides
Lobo lamentar as várias “invenções” introduzidas no programa da Internacional Comunista depois
da morte de Lenin. A que estava mais em moda era a da “revolução agrária e antiimperialista”,
como etapa para a Revolução Proletária. Segundo Lobo, os burocratas diziam que os “pobres
diabos” latino-americanos ainda estavam muito atrasados, “quase na idade da pedra lascada” e,
sendo assim, não resolviam certos problemas que já tiveram solução, no século passado, nos
países mais adiantados da Europa. Não se tratava, pois, “de instituir a ditadura do proletariado, mas

168
VINHAS, Moisés. O Partidão, p.p. 9-17.
169
KAREPOVS, Dainis. Nos subterrâneos da luta, p.p.26-28.
de instituir, sem ela, o regime soviético. Para isso, a IC criara a receita: “revolução agrária e
antiimperialista”. Para aviar a receita: “aliança política e ideológica com a pequena burguesia” (dos
quartéis, acresce Lobo) e “marchar separadamente combatendo juntos o inimigo comum”. 170
O exame das posições teórico-práticas tomadas pela Oposição de Esquerda demonstra
que elas decorreram, em boa parte, da posição de repúdio ao “etapismo” staliniano e da adesão às
táticas preconizadas pelos quatro primeiros congressos do Partido Comunista.
No caldo de cultura constituído pelas lutas operárias unidas a acontecimentos da história de
São Paulo, do Brasil e do mundo, os debates teóricos foram se intensificando e se projetaram na
ação direta de um grupo de camaradas, a partir de 1928.

2. A organização do Comitê Regional Paulista do PCB: ação doutrinária e política de


João da Costa Pimenta, Mário Grazzini e Aristides da Silveira Lobo.

Ronald Chilcote considera que a formação do Partido Comunista do Brasil decorreu da


incapacidade dos movimentos socialistas e anarquistas de organizar a massa trabalhadora,
segundo as demandas provocadas pelo aumento populacional e o processo de industrialização.
Chilcote vincula sua análise sobre o PCB às correntes teóricas que explicam o surgimento de
partidos políticos por crises históricas unidas às exigências políticas das classes trabalhadoras, e
àquelas chamadas “desenvolvimentistas”, que relacionam a formação do partido ao processo de
modernização.171 Considera, além disso, que os esforços brasileiros para organizar o comunismo
inspiraram-se, sem dúvida, no exemplo europeu.172 Ademais, Chilcote exalta o papel de Luís Carlos
Prestes como a personalidade brilhante que dominou o PCB, embora este, ao contrário dos outros
partidos brasileiros, não se mostrasse desorganizado, indisciplinado ou ideologicamente fraco,
apesar de “se marcar por uma certa ineficácia durante a maior parte de sua história”173. Essa
análise é enriquecida por reflexões diversas. O PCB é visto por Chilcote como claramente
conservador em sua atividade política, assumindo freqüentemente uma postura social-democrata,
embora, pelo menos em uma ocasião — em 1935 —, tenha sido levado a uma resposta
tipicamente revolucionária.174
Octavio Brandão confirma a análise de Chilcote, apoiado nos combates pela causa
proletária dos quais participou. Entende Brandão que o PCB teria nascido dos ensinamentos da
primeira grande vaga de greves e movimentos populares de 1917-1920, como o produto das
tradições “nacionais progressistas brasileiras”, e sob a influência da Revolução Russa de 1917 e da
doutrina de Marx, Engels e Lenin.175 Brandão considera, portanto, que as condições históricas
brasileiras foram determinantes no nascimento do PCB, embora esse nascimento se tenha dado
sob influências internacionais.
Ambos os autores, Chilcote e Brandão, concordam com a idéia de que todo partido é
prisioneiro de sua própria história. A fim de enriquecer a reflexão a respeito deste ponto-chave da
visão teórica dos partidos políticos, esta análise procura identificar possíveis peculiaridades da
seção paulista do PCB, nos seus anos heróicos de formação, quando os dissidentes, no quadro
partidário, competiam com as demais correntes de esquerda para a formação da vanguarda da
revolução proletária. O prisma da análise prende-se, necessariamente, às raízes históricas das
dissidências, ou às “falhas e debilidades” dos primeiros passos do PCB. Estudos e documentos
sobre o assunto ressaltam como peculiaridades nitidamente paulistanas a forte influência da
organização sindical nas massas operárias e a participação de imigrantes nos partidos de
esquerda.
As memórias operárias referentes a São Paulo afirmam que foi a exacerbação das
injustiças praticadas e da exploração salarial o maior aliciente para forçar o trabalhador a se agrupar

170
“Resposta a Luís Carlos Prestes”. Boletim da Oposição. Órgão da Liga Comunista (Oposição de
Esquerda). Ano I, abril de 1931, n.º 2, p.p. 1-6. In: Processo-crime contra Hylcar Leite e outros, n.º 296, de
27/1/38, v. 1. Tribunal de Segurança Nacional. Microfilme. CEDEM/UNESP.
171
Loc. cit., p.p. 23-24.
172
Loc. cit., p. 25.
173
Loc. cit., p. 25.
174
Loc. cit., pp. 26-27.
175
BRANDÃO, Octávio. Combates e batalhas, p. 214.
e unir, dando início às reivindicações, e criando nele a consciência dos seus direitos. Para tanto, o
trabalho de um pequeno grupo de operários socialistas e anarquistas aproveitou-se com inteligência
de todas as ocasiões de descontentamento que se manifestavam, imprimindo boletins e
distribuindo-os entre os trabalhadores, realizando reuniões em suas casas, nas quais lhes
transmitiam que a subordinação operária era produto de uma organização social baseada em
privilégios de classe.176 Tratava-se de substituir o fundamento das reivindicações sociais que se
referia à melhor ou pior situação da classe explorada, pela idéia-chave do marxismo: a existência
de duas classes antagônicas, cujo desaparecimento é essencial para o fim da exploração do
homem pelo homem. Embora o melhoramento das condições de vida dos trabalhadores
continuasse a ser uma das aspirações imediatas do PCB, ele deixou de ser a determinante de seus
processos táticos e dos seus princípios ideológicos.177
Assim, a década de 20 fortaleceu o proselitismo exercido pelos líderes proletários ao
fornecer-lhes a teoria e a prática marxistas do Partido Comunista Brasileiro, que se transformou no
maior aglutinador da massa popular, tendo em vista a revolução social. De 1922 a 1930, a história
do partido divide-se em três fases: a primeira, de 1922-25, marca a sua aparição; a segunda, de
1925-1927, corresponde à consolidação da nova situação; a terceira, de 1927-30, define-se pela
ampla agitação de massa. Nesta última, o partido envolveu-se em frentes políticas e sindicais, com
o objetivo de atingir camadas sociais situadas fora do círculo estreito em que vivia. Foi a hora da
organização do Bloco Operário e Camponês, do jornal A Nação, do Congresso Sindical e da
CGT.178 Hora, igualmente, das primeiras dissensões nos quadros do PCB.
A primeira fase assistiu à fundação da seção paulista do partido, ocorrida no ano de 1923,
na sede de uma instituição beneficente de cirurgiões-dentistas — de que era secretário Raymundo
Reys — por meia dúzia de pessoas, sob a presidência de Astrojildo Pereira.179 Desde então os
meios revolucionários paulistanos dividiram-se entre adeptos e adversários da Revolução Russa,
que aparecia como o grande exemplo histórico de uma sociedade sem classes. Entretanto, durante
algum tempo, mesmo entre adeptos, o exemplo bolchevista apresentou-se carregado de
ambigüidades, das quais resultaram em parte as posteriores dissensões no movimento operário.
Mal instalado o comitê regional paulista do PCB, o jornal anarquista A Plebe saudou as
idéias do comunismo anarquista e os modernos princípios da liberdade, denotando que tal
acontecimento aparecia nebuloso aos olhos da esquerda paulista. Os anarquistas de São Paulo
sustentaram uma atitude de simpatia para com a Internacional Sindical Vermelha, reconhecendo a
sua obra de preparação revolucionária, mas criticando a sua subordinação à Terceira Internacional.
Esperavam, entretanto, que a experiência viesse a alterar as diretrizes daquele órgão, amoldando-
o à tipologia fornecida pelas federações libertárias.180
No mesmo ano da fundação da seccional paulista do partido, São Paulo viveu a greve dos
gráficos, movimento que revelou as qualidades de João da Costa Pimenta, o secretário-geral da
União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo (fundada em 1919), e um dos melhores
organizadores trabalhistas de seu tempo. No dia 24 de março, a imprensa proletária (A Plebe, O
Trabalhador Graphico e O Internacional) saudou a vitória completa desse movimento181.
A interpretação burguesa sobre as greves do período baseou-se fortemente no fato de ser
a maior parte dos trabalhadores categorizados formada por estrangeiros. Assim robusteceu-se a
idéia muito difundida no Brasil dos anos de 20 a 40 que atribuía a estrangeiros a responsabilidade
pela subversão da ordem social. O Quarto Recenseamento Nacional registra que, em 1920, São
Paulo era a segunda maior cidade brasileira, com meio milhão de habitantes, a maioria formada por
imigrantes e seus descendentes. Essa “cidade carcamana” converteu-se no centro intelectual mais
criativo do Brasil, servido por uma imprensa alternativa valente, e por uma indústria gráfica capaz de
produzir livros da melhor qualidade. A presença numerosa de imigrantes e seus descendentes em
São Paulo fazia com que explicações padronizadas, tributárias da equação bolchevismo com

176
DIAS, Everardo. História das lutas sociais no Brasil, p.p. 48-49.
177
Op. cit., p. 66.
178
CARONE, Edgard. Classes sociais e movimento operário. São Paulo, Ática, 1989, p. 145.
179
SCHMIDT, Afonso. Bom tempo. São Paulo, Brasiliense, 1958, p. 356.
180
Op. cit., p. 146.
181
Op. cit., p.p.169-171.
182
influência estrangeira, fossem amplamente aceitas pela opinião pública. A existência de um
contingente ponderável de imigrantes nas fileiras operárias concede peculiaridade à história da
esquerda na capital paulista, explicando muitos de seus caminhos. Os imigrantes trouxeram a
experiência que possuíam de participação em organizações operárias, editando jornais em idiomas
estrangeiros, principalmente italiano e espanhol, e contribuindo para inculcar a consciência de
classe no operário brasileiro.183 Europeus meridionais, fortemente marcados pelo anarquismo,
entravam em São Paulo atraídos pelo café e pelo processo de industrialização, conforme
demonstra o quadro abaixo:

Movimento migratório no Estado de São Paulo. 1908- 1936.184


Nacionalidades Entradas Saídas %
Portugueses 275.257 160.920 58,5
Espanhóis 209.282 107.179 51,2
Italianos 202.749 176.991 87,3
Japoneses 176.775 12.615 7,1
Brasileiros 125.826 95.845 76,2
Outras 231.393 113.530 49,1

Além do vasto número de imigrantes estrangeiros, outras especificidades paulistanas


originaram-se do grau maior de desenvolvimento capitalista, fenômeno que Michel Zaidan considera
responsável pela incorporação da pequena burguesia ao sistema de alianças da classe dominante,
dificultando mediações e polarizando conflitos, além de impedir a formação de uma pequena
burguesia (que o autor chama de “jacobina”) e de mobilizações nacional-populares. Nesse sentido,
Zaidan observa que a sociedade paulistana é mais uma exceção do que um modelo para a análise
das lutas de classe na Primeira República.185 Não obstante, as condições materiais de existência
foram determinantes para a difusão de idéias revolucionárias para todo o Brasil, embora os esforços
desenvolvidos por líderes proletários não conseguissem jamais fazer dos partidos de esquerda
partidos de massa.186
Encontramos interpretação semelhante nos escritos dos socialistas históricos, para os
quais o erro da Revolução de 30 fora o de ter trazido em seu bojo políticos profissionais, falsos
revolucionários oportunistas e idealistas românticos, sem noção exata dos problemas a resolver
dentro do Brasil. Esses revolucionários esbarraram com a questão social que não previam, e que
“para os decaídos, era apenas ‘uma questão de polícia’ , como ainda o é para os delegados e
subdelegados que a Revolução deixou nos postos, como se fossem coisas intangíveis, tabu em que
se não pode tocar, porque pode cair fulminado quem tiver essa ousadia!”187
Com a eclosão da crise denominada “questão militar” na presidência Bernardes, o partido
se fortaleceu na capital paulista, valendo-se dos conflitos armados provocados pela Revolução de
1924. Os motins populares, as arruaças e os saques dirigidos contra armazéns e depósitos de
víveres foram identificados pela polícia como novos esforços de propaganda dos comunistas: “Os

182
CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Estrangeiros e ordem social. Revista Brasileira de História. São
Paulo. ANPUH/Ed. Unijuí, vol. 17, n.º 33, 1997, p.p. 291-237.
183
BASBAUM, Leôncio. História sincera da República. 2. ed., São Paulo, Edições LB, 1962, 2.º v., p.
306.
184
Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio. Boletim da Diretoria de Terras, Colonização e Imigração,
Ano I, n.º 1, São Paulo, outubro de 1937. Apud: MARTINS, José de Souza. Conde Matarazzo, o empresário e
a empresa, p. 97.
185
Apresentação. Construindo o PCB (1922-1924), p. 13.
186
SILVA, Hélio. Apresentação, em: CHILCOTE, Ronald H. Partido Comunista Brasileiro. Conflito e
Integração. Trad. de Celso Mauro Paciomik. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982, p. 12.
187
PROCLAMAÇÃO DA “BANDEIRA DOS DEZOITO” ÀS CORRENTES REVOLUCIONÁRIAS DO
BRASIL! Em: Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 1. DEOPS/SP.
que ocultamente dirigiram tais agitações, conduziam as massas pregando-lhes a necessidade de
dividir a fortuna dos ricos com os pobres.” 188
A revolta de Isidoro Dias Lopes (5/7/1924) incorporou numerosos operários estrangeiros, e
João da Costa Pimenta e outros líderes trabalhistas passaram a pretender armas para a formação
de batalhões verdadeiramente populares, capazes de levantar a população e formar guerrilhas
contra as tropas governamentais. Com temor da infiltração esquerdista, Isidoro rejeitou as idéias de
Pimenta e afastou-se dos outros militantes radicais. O bombardeio da capital paulista levou José
Carlos de Macedo Soares a propor um armistício a Arthur Bernardes, temeroso de que a ordem
social fosse desmantelada pela agitação operária e pelas aspirações bolchevistas.189 Foi então,
como é sabido, que três mil revolucionários, liderados por Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa,
abandonaram a cidade, partindo de trem rumo ao Rio Paraná.
A “Coluna Prestes”, origem do fenômeno político conhecido entre os comunistas por
“prestismo”, constituiu a primeira influência coletiva passível de sensibilizar grandes camadas
populares. De um lado, desfraldou por todo o território nacional a bandeira de uma revolução
“social-democrata” e, de outro, forneceu ao Partido Comunista, após 1930, a figura lendária do
comandante Luís Carlos Prestes.
O PCB viveu na clandestinidade, com alguns meses de legalidade — março a julho de
1924, janeiro a agosto de 1927, fevereiro de 1945 a janeiro de 1948190 — enfrentando “a posição
esquiva da classe operária”, a brutal repressão policial, além de acontecimentos internacionais
adversos ao movimento revolucionário, como a destruição da República Soviética Húngara e do
governo socialista alemão. Contava o partido, nos finais de 20, com aproximadamente mil
membros, dos quais 80% eram operários.191 Basbaum considera que o crescimento do partido,
posterior a 1930, deveu-se em grande parte ao “trabalho hercúleo, subterrâneo, lento, mas tenaz e
profundo”, do pequeno grupo de militantes adultos e jovens dos anos de 1925 a 1929, motivo pelo
qual esse período deveria passar à História como a “fase heróica” do PCB192. De fato, o crescimento
do número de adeptos do partido foi fantástico, se levarmos em conta que em 1922 existiam
apenas 73 comunistas em todo o Brasil.193 Três representantes desse minúsculo grupo, entre 1923
e 1925, foram investidos da função difícil de organizar a seção paulista do PCB : João da Costa
Pimenta, Mário Grazzini e Aristides da Silveira Lobo. Todos eles se transformaram em dissidentes
do partido.194
João da Costa Pimenta foi o representante paulista no primeiro congresso do partido.
No prontuário de n.º 217 podemos acompanhar parte da biografia de João da Costa
Pimenta — padeiro, depois linotipista, nascido em Campos, Estado do Rio, no ano de 1891. A
identidade étnica de Pimenta — parda195 — foi usada contra ele, atendendo ao ambiente de
discriminação racial explícita da época. Assim, a coluna “Indiscreções” (sic) do jornal O Alfaiate
ironiza que o proletário Duarte Silva submeteria ao plenário do Congresso do PCB a seguinte tese:

188
A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE S. PAULO, doc. cit., f. 73.
189
Doc. cit., p.p. 199-200.
190
CARONE, Edgard. O PCB (1922 A 1943), v. 1. São Paulo, DIFEL, 1982, p. 1.
191
BAUSBAUM, Leôncio. História sincera da República. De 1889 a 1930. 2. ed. São Paulo, Edições LB,
1962, p.p. 315-317.
192
Op. cit., p. 319.
193
BRANDÃO, Octavio. Combates e batalhas, p. 224.
194
Fato nada excepcional se levarmos em conta que os nove delegados ao 1.º Congresso do PCB, fundadores
do partido, com exceção de Manoel Cendón (“fiel até a morte” — mas que morreu em 1927, antes das grandes
dissensões), foram expulsos, retiraram-se ou foram condenados ao ostracismo pelos stalinistas. Cf. em:
BRANDÃO, Octavio. Op. cit., p.p. 223-224.
195
Com ele foi confiscado o livro O bom crioulo, de Adolpho Caminha, que parece ter sido uma leitura quase
obrigatória para os negros esquerdistas de São Paulo, assim como Judeus sem dinheiro, de Michael Gold,
constituía obra de referência obrigatória para os judeus adeptos ou simpatizantes do comunismo. Segundo
Octavio Brandão, muitos dos primeiros comunistas eram “homens de cor”, forma encontrada pelos negros para
protestar contra a exploração e a opressão. Brandão cita como negros: Duvitiliano Ramos, João da Costa
Pimenta, Joaquim Nepomuceno, Falcão Paim, João Lopes, José Vicente Lopes, João Menezes, Eustáquio
Marinho, Agenor Marinho, Lopes e João Valentim Argolo. In: Combates e batalhas, p. 272.
“Os pixains e o pernosticismo são os traços caraterísticos de todo mulato.” Depois, proporia o
acréscimo de um artigo nos estatutos do partido vedando a entrada de pretos no mesmo, com a
emenda — “e de todos os seus intermediários étnicos” —, de autoria de um outro proletário, O. B.
Rego. O articulista prossegue com o seu discutível humor: Pimenta, ao ter conhecimento dessas
disposições, dera um “soleníssimo estrilo”, conseguindo a promessa de apresentação de uma outra
emenda conciliatória, segundo a qual os pretos ou mulatos que já pertenciam ao partido poderiam
continuar, uma vez que se comprometessem “a não mais usar arremedos de penteados próprios à
gente branca. Dizem que diante dessa concessão o Pimenta corou (!), quis esculhambar, mas
acabou por se conformar num belo gesto de disciplina...”196
Perseguida por ataques desse jaez, a atuação política revolucionária de João da Costa
Pimenta teve início em 1915, quando participou com Astrojildo Pereira, José Alves Diniz, José Elias
da Silva e Manuel Campos do grupo de redatores que assumiu o jornal Na Barricada,
transformando-o inequivocamente em órgão anarquista. Três anos após, Pimenta foi preso quando
da greve da Cantareira, iniciando com os companheiros, “suspeitos de anarquismo”, uma greve de
fome, recusando os alimentos enviados pelos amigos.197 Transferido para a capital paulista,
participou da greve de 1919 surgida da UTG (da qual foi fundador), juntamente com todas as
classes operárias de São Paulo. Por esse motivo, esteve preso durante 15 dias na capital paulista,
declarando-se, para as autoridades policiais, adepto do comunismo anarquista.198 Pimenta foi
depois enviado para Santos, juntamente com Carlos Righethi e Everardo Dias, onde passou por
“indescritíveis torturas”, sendo desterrado para o Rio Grande do Sul depois de prometer que nunca
mais voltaria a São Paulo.199 Em 15 de novembro de 1919 reencontramos Pimenta numa reunião na
sala do curso do professor José Oiticica, no Rio de Janeiro, abrindo a sessão da qual participaram
perto de 40 conspiradores que se propunham a derrubar o governo. O levante, traído pelo tenente
do exército Jorge Elias Ajus, foi desbaratado com a prisão de numerosos de seus líderes. João da
Costa Pimenta conseguiu fugir e permanecer escondido.200 Essa deve ter sido a sua última atuação
como “anarquista-comunista”. De retorno a São Paulo, Pimenta desempenhou papel saliente nas
greves de 1921 e de 1923, movimentos esses que reivindicavam o salário mínimo e a
regulamentação de horas de trabalho. A greve de 1923 estourara em 8 de fevereiro, após um
comício realizado no Palace Teatro, alastrando-se para os sindicatos dos garçons, dos tecelães e
dos alfaiates, e para outras cidades do interior paulista. Preso em 1923, Pimenta confessou ser
partidário da Terceira Internacional. Portanto, a trajetória política seguida por Pimenta — igual às
trajetórias de muitos esquerdistas dos anos vinte — passara do anarco-comunismo para o
comunismo entre as prisões de 1919 e 1923.
Pimenta continuou a militar ativamente. Em seu prontuário lemos — em informe reservado
de J. Guerra, datado de 16/4/29—, que os paredistas gráficos não contavam senão com o apoio do
BOC e de quinze contos de réis para prosseguir no movimento, e que “as associações
acompanhariam os gráficos na greve, não fosse o receio que inspira a Rua dos Gusmões.” 201
Em 30, Pimenta declarou-se afastado do PCB, sendo taxado pelo partido de “traidor,
desertor da luta, etc.“ Sua luta política transferiu-se para as hostes da Oposição de Esquerda,
segundo denotam os dados registrados dessa data em diante. Pimenta, o “operário melhor dotado
de sua geração”, grande aglutinador de militantes, não aceitou a direção burocrática do PCB e
passou “a agir com grande liberdade de ação, mas sempre rigorosamente no sentido da defesa da
classe trabalhadora e de programas de luta organizada”. Era considerado pelos companheiros um
grande orador, possuidor de uma personalidade jovial que irradiava simpatia, diversamente de
Aristides Lobo, visto como “sarcástico e contundente”.202 Em 1931 foi preso quando se supunha
existir uma conspiração democrática. Entre 1934 e 1935, João da Costa Pimenta, na qualidade de
linotipista do Diário Oficial, continuou a participar de movimentos grevistas e a instruir seus

196
Rio de Janeiro, 18/7/1928, n.º 43, ano VI. FLBX .
197
Jornal do Commercio, 4 ago. 1918. Apud: DULLES, J.F., op. cit., p. 66.
198
Prontuário n.º 217, f. 51.
199
A Plebe 4, n.º 48, 27 dez. 1919; Spártacus I, n.º 24, 10 jan. 1920. Apud: DULLES, J.F., op. cit., p.p. 101-
102.
200
DULLES, J. F., op. cit., p.p. 67-68.
201
Prontuário n.º 217, f. 45.
202
ABRAMO, Fúlvio. A Oposição de Esquerda no Brasil, p. 30.
companheiros de oficina (principalmente Della Déa) sobre o comunismo. Amargou, nesse período,
mais duas prisões. Outras prisões foram registradas em 18/12/35, 21/8/36, 3/9/36 e 27/6/38,
perfazendo com as anteriores o total de dez. Pimenta declarou, em 21/12/35, ter três filhos e que
“sempre militou nos meios sindicais com o propósito de conseguir melhorias imediatas para a
classe dos gráficos e não com o espírito de simples agitação”. 203
Em 1925, procurando enfrentar a falta de interesse geral pelo PCB em São Paulo, a CCE
colocou o gráfico Mário Grazini e o jornalista Aristides Lobo na liderança da seção regional paulista,
no lugar de João da Costa Pimenta, iniciativa que Octavio Brandão considera inútil, pois o partido
continuou no mesmo marasmo.204 No entanto, relatório da Superintendência da Ordem Social sobre
o PCB registra resultados positivos da atuação desses líderes: durante o ano de 1926, orientado
quase que exclusivamente por bases celulares, teria ocorrido “o verdadeiro início de um trabalho
sério de organização partidária”.205 Segundo a polícia, foi nessa época que a Internacional
Comunista demonstrara uma preocupação efetiva pela intensificação e pela coordenação do
trabalho revolucionário, isto é, pela preparação das grandes massas para o advento do regime
marxista. Para tanto, instalara nas capitais platinas o “Secretariado Latino-Americano” ou “Bureau
Político Latino-Americano”, sede que se transportava para Montevidéu ou Buenos Aires de acordo
com as necessidades de seu trabalho conspirativo, e recentemente transferira-se para o Rio de
Janeiro. Medidas essas assim avaliadas pela Ordem Política e Social:

“A instalação do Secretariado, a ingente atividade por ele logo desenvolvida, o


seu trabalho constante no sentido de orientar, assistir e estimular os Partidos
Comunistas, principalmente o argentino, o uruguaio e o brasileiro, coincidiram
com um período de grande atividade do PCB, iniciada nessa época (1926-
1927). As comunicações, resoluções e material interno em geral, denotam um
esforço pertinaz do Partido no sentido de um trabalho doutrinário dentro de
suas próprias fileiras, no esforço ainda da criação de 'militantes de vanguarda'
ou 'dirigentes' da organização das chamadas 'frações sindicais', na construção
do ramo nacional das 'organizações auxiliares' (Juventude Comunista,
Internacional Sindical Vermelha, Socorro Vermelho Internacional, etc.). E, ao
lado disso, um trabalho que cada vez veio mais se intensificando, o de
disseminação, pelo recrutamento ou pela simpatização, do PC no seio das
massas proletárias, fábricas, organizações agrícolas, intelectuais, estudantes,
juventude esportiva e núcleos imigratórios.” 206

Avaliação bem menos otimista faz Astrojildo Pereira sobre a agitação e propaganda do
núcleo regional paulista, em carta-resposta a Aristides Lobo:

“Aristides: Recebi em tempo sua carta de 23 de setembro último, a qual foi


lida em Sessão da CCE. Sobre a questão do trabalho dos camaradas em São
Paulo, apenas em parte concordamos com você. Em vez de agitação e
propaganda, entendemos que o que deve ser feito, como tarefa imediata, é
propaganda e organização. Na verdade, agitação é o que vocês menos serão
capazes de fazer. E é precisamento o mais perigoso. Mas acima de tudo o
que vocês — isto é, os aderentes do PC em São Paulo — necessitam, no
trabalho do partido, é de método e pertinácia. Um milhão de vezes, por escrito
e por boca, temos traçado o plano de trabalho para vocês. Vocês prometem
realizá-lo e nunca fazem nada. Desanimam à primeira dificuldade, se é que
procuram enfrentar a primeira dificuldade. Pois bem, pela milionésima e uma
vez, aí vai ... o plano para o movimento atual. I) Para os já aderentes do PC —
a) Em matéria de organização: 1. Células de empresa, se há ou quando haja

203
Prontuário n.º 217, f. 49.
204
Octavio Brandão, entrevistas de 14 nov. 1970 e 27 jun. 1971. Apud: DULLES, J.F., op. cit., nota de
rodapé n.º 146, p. 251.
205
A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE S. PAULO, f. 73.
206
Doc. cit., f. 72.
um mínimo de 3 membros trabalhando numa mesma empresa; 2. Células de
bairros para os demais, segundo as residências: Centro da cidade, Braz,
Belenzinho, Alto da Lapa, etc., 3, 4 ou 5 células (cada célula com um mínimo
de 3 membros); 3. Para simplificar o trabalho, em cada célula haverá
(provisoriamente) um só chefe responsável, em vez de comitê de célula, o
qual acumulará as funções de organizador e cobrador; 4. Um novo Comitê de
Zona deve ser constituído com apenas 3 membros: organizador, tesoureiro,
agitprop. b) Em matéria de propaganda e agitação, dois cursos devem ser
feitos, um com o ABC de Bucharin para os aderentes em geral, e outro
especial sobre organização, com os Estatutos do Partido e o n.º 10 da
“Correspondência Sudamericana” para os organizadores das células. II) Para
operários ainda não aderentes. Temos aqui que repetir o que temos dito tantas
e tantas vezes: Concentrar todo o trabalho, todo o esforço de recrutamento
numa determinada fábrica (tecidos ou outra, não importa, cuja situação
econômica, social e topográfica a indique para isso) e só abandoná-la quando
nela estiver solidamente constituída uma célula, funcionando rigorosamente.
Depois numa terceira. Depois numa quarta. Depois numa quinta. E assim por
diante. No fim de alguns meses de paciência, de método, de tenacidade, de
energia, vocês serão em São Paulo 10 ou 15 células realmente organizadas
— e então poderemos dizer que o PCB começou a trabalhar em São Paulo, a
cuidar da agitação, dos sindicatos, etc., etc. Eis aí! Saudações comunistas.
(a) Astrojildo.” 207

Os organizadores do partido em São Paulo, Mário Grazzini e Aristides Lobo — tão


severamente julgados pela CCE do partido — pertenciam ao movimento sindical gráfico, que
incorporava jornalistas, tradutores e escritores. Mário Grazzini estava com 27 anos e Aristides Lobo
com 20, quando vieram para a capital paulista (1925).
Considerado um homem de grande inteligência, mas com educação formal escassa208,
Mário Grazini foi o primeiro secretário-geral da Federação dos Trabalhadores Gráficos do Brasil,
fundada no dia 1.º de maio de 1927, no Rio de Janeiro. Essa medida correspondia à iniciativa do
PCB de se concentrar na reorganização do movimento trabalhista e da Juventude Comunista.
Como líder sindical e militante comunista, Grazini participou ativamente da fundação da
Confederação Geral do Trabalho, ocorrida durante o Congresso Operário Nacional realizado no Rio
de Janeiro, de 26 de abril a 1.º de maio de 1929. Embora o secretário-geral nomeado para a CGT
tenha sido Minervino de Oliveira, Grazini e Roberto Morena eram os verdadeiros mentores dessa
associação.209 Nas duas últimas semanas de maio de 1929, Grazini chefiou a delegação brasileira
de sete membros ao congresso constituinte da Confederación Sindical Latino Americana, realizado
em Montevidéu. A seguir, acompanhado de Leôncio Basbaum e Danton Jobim, esteve em Buenos
Aires (junho de 1929), representando o partido na Primeira Conferência Latino-Americana dos
Partidos Comunistas, convocada pelo Secretariado Sul-Americano do Comintern. Nesse congresso
debateram-se problemas dos grupos raciais oprimidos e a necessidade de se fazer aliança entre o
proletariado do campo e o da cidade.210 Nessa oportunidade, Leôncio Basbaum desincumbiu-se da
tarefa de convidar Luís Carlos Prestes a se candidatar à Presidência da República, fazendo frente
única da Coluna Prestes com o PCB. Os resultados dessa iniciativa foram negativos. De acordo
com Basbaum, a resolução do CC de manter relações com Prestes, ainda que o programa por este
apresentado fosse inaceitável, teria dado início ao prestismo, movimento que desmantelaria o
Partido em 1929-30.211

207
Carta-resposta a Aristides Lobo, não datada, mas provavelmente referente ao ano de 1926. Prontuário n.º
37. DEOPS/SP.
208
BAUSBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos, p. 64.
209
Entrevista concedida por Octavio Brandão a Dulles, em 14 dez. 1968, em: DULLES, J.F., op. cit., p.p.
311-312.
210
Op. cit., pp. 319-320.
211
Uma vida em seis tempos, p. 72.
Grazini ocupou em 1930, em conjunto com Fernando de Lacerda e Leôncio Bausbaum, o
secretariado do PCB. Nesse mesmo ano, saiu candidato pelo BOC, com Paulo Lacerda, às eleições
de 1.º de março para o congresso, mas foi detido bem como os seus companheiros de chapa. Em
seu prontuário paulista, a primeira prisão anotada é a de 12/4/32, época agitada pelas greves em
São Paulo, quando tentava organizar uma frente única dos operários, ao mesmo tempo em que
incentivava o movimento grevista. Anteriormente, Grazini participou do III Congresso do PCB,
realizado no Rio de Janeiro em janeiro de 1929. Em junho de 1930 Grazini realizou uma visita à
Rússia. Sua atuação sindical notabilizou-se entre os gráficos, aos quais tentou convencer a aderir à
Federação Sindical Regional de São Paulo, dependente das diretrizes comunistas. Sob o nome de
sua mãe, Irine Gubinelli, recebia vasta correspondência subversiva do Uruguai. Quando da prisão,
era jornalista de A Platêa.
O agente reservado Vicente José Francisco acompanhou Mário Grazzini dias a fio,
anotando que ele jogava bilhar diariamente na Praça João Mendes, 14, até as 5 horas da
madrugada, com uma pessoa descrita minuciosamente nos relatórios policiais (mais tarde
identificada como um campeão do jogo de bilhar).212
O prontuário do terceiro membro desses organizadores da seção paulista do PCB —
Aristides da Silveira Lobo — constitui um dos processos individuais mais volumosos do DEOPS/SP.
Além do seu prontuário, Lobo está presente em 17 dossiês temáticos que registram atividades
subversivas.213 A historiografia, entretanto, ignora ou registra insuficientemente a presença de Lobo
e de seus companheiros oposicionistas de esquerda, abrindo mão do estudo de personagens cujas
biografias se confundem com a própria história da luta operária em São Paulo. Ao traçar, a seguir,
a biografia política de Aristides Lobo, pretendo contribuir para o melhor entendimento da esquerda
paulista, continuando, de certa forma, alguns estudos sobre temática congênere, como, por
exemplo, a obra de José Castilho Marques sobre Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no
Brasil.214 Estudos desta natureza têm sido vistos, nos últimos anos, como necessários ao
entendimento de processos mais gerais. Como entende Thompson, estudos sobre a história
pessoal “são tão ou mais importantes do que a chamada grande história — que se refere aos
processos mais gerais numa sociedade, particularmente nos planos político e econômico”. Diz
Thompson que as decisões tomadas por homens e mulheres no plano individual determinam
processos gerais; existem uma história geral e uma história particular que se cruzam, e as pessoas
não recebem passivamente a cultura.215 Esta análise de Thompson fica muito clara na biografia dos
líderes da esquerda, como no caso de Lobo.
Pelo prontuário de Aristides Lobo ficamos sabendo que ele nasceu em 1905 (Monte Santo,
Minas Gerais). A notícia de seu falecimento, ocorrido em 10/11/1968, encontra-se em recortes de
jornais apensados aos autos processuais: "Sepultado ontem o jornalista Aristides Lobo (...)
revolucionário, socialista, ingressou em 1923 no Partido Comunista, de onde foi expulso em 1930,
por pertencer à corrente liderada internacionalmente por Trotski." 216
No ano de seu ingresso na Juventude Comunista do Rio de Janeiro, Aristides Lobo fazia
parte de um grupo de freqüentadores da farmácia de Otávio Brandão. Relata Heitor Ferreira Lima:
“Em algumas ocasiões, na porta da farmácia, cruzava com um adolescente, regulando minha idade,
magro e alto, apertado em seu uniforme cáqui, do Colégio Pedro II, sempre de livro na mão: era
Aristides Lobo, mais tarde jornalista culto e um dos chefes trotskistas entre nós.” 217
Após o II Congresso do PCB, como vimos, Aristides Lobo foi designado para atuar em São
Paulo na qualidade de membro de seu Comitê Regional.

212
Prontuário n.º 333, documento n.º 47, f. 77.
213
Respectivamente:30-C-1-909; 30-J-38-18; 30-C-1-31-93; 30-Z-0-12-62; 30-B--2-10; 50-C-22-340; 50-
C-22-344; 50-J-152-1221; 50-J-0-1675; 50-J-0-1671; 30-3-38-263; 50-Z-0-10.705; 30-B-0-221I; 30-K-69;
30-K-44-3; 30-A-0-9; 30-C-l-733.
214
Solidão revolucionária. Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1993.
215
“Paul Thompson defende história pessoal”. Folha de S. Paulo, 9/9/97, Ilustrada 4/5.
216
Recorte da Folha da Manhã de 11/11/1968, constante do prontuário de Aristides Lobo.
217
Caminhos percorridos, p. 35.
A polícia paulista registra as atividades políticas de Aristides Lobo desde o ano de 1925218,
quando trabalhava na Estrada de Ferro Sorocabana219 e era o redator do jornal O Internacional,
órgão oficial da União da Internacional da Classe dos Garçons, categoria que contou sempre com o
concurso de vários comunistas, conhecidos por suas atividades “acentuadas”. Desde essa época,
Lobo era tipificado como “perigoso agitador de massas, intelectual e orador popular”. O inspetor
Orestes Lascala, em ofício enviado ao delegado de Ordem Política e Social, datado de 13/7/25,
informa que Aristides Lobo, ciente de que a polícia estava a par das suas idéias e de seus passos,
retirara-se definitivamente para a casa de seus pais, no Rio de Janeiro, abandonando o emprego no
qual trabalhava.220 Informação equivocada, pois Aristides Lobo atuou como agitador e
propagandista do leninismo-marxismo fundamentalmente na cidade de São Paulo, percorrendo o
“caminho de pedra”221 que o levou dos quadros do partido à corrente trotskista, e desta ao
socialismo revolucionário. Caminho que o conduziu a 28 prisões, durante as quais esteve sujeito a
simulações de fuzilamento, a castigos em solitárias e a outros tormentos da repressão, aos quais se
juntavam as provocações de stalinistas.222 Aristides Lobo fazia parte das lideranças que viveram
odisséia dramática, pressionados pela vivência ou ameaças contínuas de prisões e de maus-tratos.
Ativistas que, mesmo em liberdade, viviam a angústia da espera do cárcere.223 Sobre esse militante
(cujo exemplo poderia ser multiplicado), diz Fúlvio Abramo:

“Aristides da Silveira Lobo, que pertence aos quadros do PCB desde 1923, é
um intelectual ativista e enérgico, professor de língua portuguesa, orador
brilhante enviado a São Paulo para organizar o comitê regional local. Cabe-lhe
uma tarefa difícil: a luta contra a predominância da atividade anarquista nos
sindicatos, ainda muito forte. Tradutor de obras marxistas, em contato
permanente com os elementos intelectuais mais próximos das posições
revolucionárias, Aristides Lobo está em contínuo confronto com os dirigentes do
partido. Na medida em que se aprofunda na leitura das obras de Marx, Lenin,
Trotski, Bucharin e outros autores revolucionários, A. Lobo se convence da
fragilidade teórica e tática da direção partidária, à qual critica sem restrições,
toda vez que lhe pareça necessário. É um militante honesto, dedicado e
corajoso. Quando inicia, como era de se prever, o seu processo de ruptura, em
1928, Lobo já conta com mais de dez encarceramentos.” 224

Esses encarceramentos nem sempre estão registrados pela polícia. No entanto, mesmo
com falhas, o prontuário de Lobo traça um panorama sugestivo sobre a vida dos comunistas nas
décadas de 20, 30 e 40.
Tomado de entusiasmo pela causa revolucionária, Aristides Lobo estudava a teoria
marxista, procurando passá-la didaticamente aos operários, nos seus discursos e escritos. Nos
seus primeiros tempos de São Paulo chegou a produzir “poemas proletários”, ligados ao
surrealismo revolucionário, gênero Martinet e Pèret.225
Aos 22 anos, Lobo foi aprisionado quando participava da comemoração “Sacco e Vanzetti”,
promovida por “elementos suspeitos” (anarquistas, comunistas e socialistas), como lemos em O
Combate:

218
Prontuário 30-K-69. São Paulo, 14/9/65.
219
Juntamente com seu irmão, José Mariano de Oliveira Lobo, líder trabalhista de grande atuação nas
greves ferroviárias de Botucatu, e também trotskista.
220
Prontuário n.º 712, de Fúlvio Abramo.
221
Rachel de Queirós retrata essa trajetória no romance Caminho de pedra, no qual o jornalista Roberto
representaria versão literária de Aristides Lobo.
222
Depoimento pessoal à autora.
223
Como observa Edgard Carone, relatando como paradigma o exemplo de Hilário Corrêa, militante do
PCB, depois do trotskismo, in: Classes sociais e movimento operário, p.p. 153-154.
224
ABRAMO, Fúlvio. A Oposição de Esquerda no Brasil, p.p. 29-30.
225
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Barreto Xavier. Rio de Janeiro, 5/1/27. CEMAP. CEDEM/UNESP.
"Continuam presos Edgar Leuenroth, Aristides Lobo e outros. Se a
Delegacia de Ordem Social não estivesse entregue a um funcionário, cujos
antecedentes perigosos já foram reconhecidos por juízes de São Paulo e até
pelo próprio Supremo Tribunal, poderia causar estranheza que continuem
presos por mais de 24 horas, os promotores do comício pró-Sacco e Vanzetti.
O sr. dr. Ibrahim Barboza Nobre não é jurista, embora seja bacharel e
promotor de Justiça. É bernardista só e só, digno êmulo dos Fontouras,
Chagas, etc. Deve ser requerida hoje ao juiz competente uma ordem de
‘habeas-corpus’ a favor dos presos, a fim de que o sr. delegado de Desordem
Social fique sabendo que ainda há leis nesta terra." 226

Outros órgãos da imprensa proletária divulgam a prisão de Aristides Lobo, criticando a


designação de Ibrahim Nobre para delegado da Ordem Política e Social, uma vez que esse agente
da repressão notabilizara-se em Santos como torturador de prisioneiros políticos:

"A polícia dos fazendeiros martiriza os trabalhadores. Fala sobre a


designação de Ibrahim Nobre para delegado da Ordem Política e Social, que
passou a prender comunistas. Prenderam Apollinário José Alves. Já antes
tinham prendido o camarada Aristides Lobo, na hora que ia para o serviço e só
o soltaram dias após devido à influência da família, mas com ameaças de
tornar a ser preso a qualquer momento que fosse visto na rua conversando
com alguém. Os vexames por que Aristides passou são brutalíssimos, e põem
em destaque os sentimentos ignóbeis desta gente que está na polícia. O
delegado declarou que aos comunistas estrangeiros expulsará, quanto aos
nacionais convencerá ..."227

Mário Pedrosa escreveu a Lívio Barreto e Antônio Bento uma carta (concluída por Plínio de
Mello, com o qual morava) na qual narra o acontecimento acima, inscrito na atmosfera de terror que
encontrara em São Paulo. Haviam prendido Aristides e alguns anarquistas. Ibrahim Nobre só
soltara Aristides após 36 horas de tortura e sob a condição de seu irmão (José Mariano de Oliveira
Lobo, mais tarde trotskista) “se tornar a sombra dele!” Pedrosa conclama Lívio e Antônio Bento a
que publiquem em diversos jornais uma relação do que Aristides e os outros sofreram na Polícia
Central. Plínio narra as “infâmias de Ibrahim”. Colocara Aristides “numa cela de dois metros de
altura, dois metros de comprimento, um metro de largura, gelada, sem luz, sem nada, e para
cúmulo de tudo na companhia de um indivíduo já amalucado, de tanta tortura...” O agente que o
prendeu sugerira a Aristides que ele iria ficar indefinidamente naquele local. Aristides passou a noite
na convicção de que seria atacado pelo parceiro da cela e percebia, ao mesmo tempo, que esse
tinha terror dele.228 O círculo de amigos de Aristides — Mário Pedrosa, Plínio Mello, Antônio Bento,
Lívio Xavier — espelhado na carta acima, demonstra que, em 1927, a oposição de esquerda já se
organizava em São Paulo.
De 1923 a 1928 os comunistas que militavam na capital paulista associavam-se a líderes
pertencentes a outras correntes da esquerda — em especial anarquistas e socialistas —, para
manifestações coletivas diversas. O sectarismo ainda não havia marcado os combates operários,
dividindo de forma tão profunda os protagonistas da revolução proletária. Assim, a documentação
da época apresenta conjuntamente comunistas, anarquistas e socialistas nas comemorações de 1.º
de Maio, nas conferências e nos comícios, como o de “Sacco-Vanzetti” referido acima. As relações
de amizade então estabelecidas entre muitas personagens da esquerda paulista, aparentemente
resistiram aos pogroms stalinistas, explicando em parte a ocorrência de frentes únicas na década
de 30.
Embora incontestavelmente sob a influência de teóricos e partidos europeus, cada corrente
de esquerda era prisioneira da história brasileira, da história de São Paulo e, em última instância,

226
São Paulo, 2/8/27. Prontuário n.º 37, v. 2, f. 214.
227
A Nação. São Paulo, 12/8/27. Prontuário n.º 37, v. 2, f. 214.
228
Carta de Mário Pedrosa e Plínio Mello a Lívio Barreto Xavier e Antônio Bento. São Paulo, 1927. FLBX.
CEDEM/UNESP.
das relações pessoais estabelecidas entre seus quadros. Nesse sentido, as interações do PCB com
o ambiente nacional, estudadas como predeterminações para muitas atividades e posições dos
comunistas — juntamente com as convergências entre o partidarismo soviético — devem ser
acrescidas com os laços de amizade, sempre fundamentais em nossa história.
É preciso notar que a seção paulista do PCB apresentou pouco desenvolvimento nos
primórdios de sua história. Por esse motivo, em maio de 1927, em pleno movimento do BOC,
elementos comunistas reuniram-se para fundar um novo Comitê Regional de São Paulo.
Compareceram a essa reunião Nereu Ramos, Everardo Dias, Afonso Schmidt, o sapateiro Pissuti,
o garçom Tejeda, o comerciário Pintaúde, representante da cidade de Sertãozinho, etc. O CR se
organizou: Everardo Dias ocupou a secretaria-geral; um operário, a secretaria de organização; outro
operário foi escolhido para secretário sindical; Plínio Melo figurou como primeiro-secretário; e
Aristides Lobo, como secretário do Agitprop. Em 1928 estavam organizadas células nos bairros da
Luz, Brás, Mooca, Santa Efigênia, e mais duas no Centro e Bom Retiro. A ordem do dia da
Conferência de Agitprops compreendia agitação nas fábricas, propaganda individual, difusão de
literatura, expansão do A Classe Operária, BOC, seção operária do O Combate, cursos, jornais
sindicais, trabalho ilegal.229
Em 1928 Aristides Lobo foi um dos candidatos escolhidos pelo BOC para representar São
Paulo no Congresso Nacional. Nesse ano, Lobo — que trabalhava pela formação da Juventude
Comunista em São Paulo — passou para a Oposição Sindical230, rompendo com a direção do PCB
e iniciando um processo de contestação à linha do partido. A prisão dos candidatos do BOC tornou-
se prática comum. Centenas de trabalhadores na capital e em outras cidades paulistas foram
presos. Nessa onda, Lobo foi preso e posteriormente expulso de São Paulo.231 A partir dessa
prisão, a imprensa stalinista concedeu um duro tratamento a Aristides Lobo.
A descrição, por um agente reservado, de um comício realizado no Largo da Concórdia, em
7/11/29 — para uma assistência “formada na maioria por lituanos e russos” —, registra
comportamentos da primeira oposição de esquerda em São Paulo. Às cinco horas da tarde — diz o
“secreta” — apresentou-se no coreto Antônio Mendes de Almeida, quartanista de Direito, que vinha
falar aos operários a convite de Aristides Lobo, “o qual, tirando o chapéu, se preparava para falar à
massa; dissemos a ele que isso não poderia ser. Desrespeitando nossa ordem, fomos obrigados a
prendê-lo, sem alarde. (...) Mendes de Almeida disse que falaria. Começou: ‘Camaradas ...’ não
chegando a dizer mais nada porque o detivemos.”232
Um recorte de jornal (sem título ou data), constante do prontuário de Antônio Mendes de
Almeida, fornece a informação de que, em 1929, um ano antes de sua expulsão do partido,
Aristides Lobo já era considerado trotskista: para o comício no Largo da Concórdia, realizado contra
a guerra imperialista, o partido conseguira levar para mais de 300 operários, porém a polícia
interveio “prendendo três camaradas, e o infame delegado da ordem política e social mandou que
os soldados atirassem contra a massa e os cavalarianos dissolvessem o comício. Ocorreu a prisão
de seis companheiros, sendo duas mulheres e de um provocador trotskista — o renegado Aristides
Lobo”.233 Datado desse mesmo ano, um informe reservado fala de uma manobra pela qual um
grupo de comunistas, chefiado por Aristides Lobo, tentou apoderar-se da Associação dos
Empregados do Comércio. Refere-se, igualmente, à expulsão dos comunistas, liderados por
Aristides Lobo, da UTG, ressalvando embora que a “arremetida” dos comunistas continuava a ser
uma ameaça. O informe termina com as palavras seguintes: “Já tive ciência de uma diligência
policial que fracassou quando em procura de Aristides Lobo na sede da Associação. Creio que se
os inspetores tivessem vigiado a entrada ele não teria fugido.”234

229
Depoimento de Plínio Melo a Edgard Carone. Apud: Classes sociais e movimento operário, p. 148.
230
Hermínio Saccheta, entrevista a F. Dulles, 5 nov. 1968. Apud: DULLES, F. Comunistas e anarquistas
no Brasil, p. 287.
231
A Comissão da Campanha Eleitoral do BOC. “Proteste contra a reação votando nos candidatos do Bloco
Operário e Camponês”, in Correio da Manhã, 1.º mar. 1930. Apud: DULLES. F. Anarquistas e comunistas no
Brasil, p. 338.
232
Prontuário de Antônio Mendes de Almeida, n.º 79. DEOPS/SP.
233
Loc. cit.
234
Documento n.º 38, fls. 77, prontuário de Caio Prado Júnior, n.º 1.691. DEOPS/SP.
São os policiais a informar que em 1929 Aristides “continuou sempre em suas atividades,
sendo detido várias vezes; esteve ligado aos comunistas Antônio Mendes de Almeida e Florêncio
Tejeda, chefe comunista, com quem dirigiu a conhecida greve dos operários gráficos desta
Capital.”235
Embora conste da ficha de Aristides que ele foi preso várias vezes em 1929236, só foi
anotada, neste ano, a prisão de 7 de novembro, efetuada após comício de protesto realizado no
Largo da Concórdia, convocado pelo Comitê de Greve dos Gráficos. Um informe reservado relata
minuciosamente os acontecimentos. A manifestação iniciara-se com 300 pessoas, mas esse
número aumentou consideravelmente. O primeiro orador foi João Feleppe Adderley, "indivíduo de
baixa cultura, exprimindo-se muito mal, em português boçal, fazendo um histórico da greve dos
gráficos (...), num discurso longo e repetitivo”. O segundo orador foi Mendes de Almeida,
acadêmico, membro do Comitê Pró-Direito de Greve, que não conseguiu empolgar os ouvintes,
“porque, nota-se, parece não conhecer os problemas sociais, e lhe faltar um dom oratório capaz de
impressionar". Segundo o secreta, Mendes de Almeida falou sobre a necessidade de organização
da classe do proletariado de São Paulo para melhor poder enfrentar os industriais. O terceiro a
discursar foi Jovelino de Moraes Jr., representante do Bloco Operário e Camponês de São Paulo, o
qual "fez a propaganda do comunismo, conservando, porém, uma certa linha, manifestando-se até
com certa elegância". Discursou, ainda, uma senhorita como representante do Comitê da Mulher
Trabalhadora, do Rio de Janeiro, a qual pronunciou — no entender do agente reservado — um
discurso já decorado, que era uma repetição enfadonha dos oradores precedentes. Apresentou-se,
após, Danton Jobim, representante da Confederação Geral do Trabalho, "rapaz inteligente e que se
exprime com muita felicidade". Por último, usou da palavra Aristides Lobo, “figura sobejamente
conhecida pelas suas idéias perigosas, ontem chegou a clamar pela revolução. Referindo-se às
autoridades de polícia usa desta textual expressão 'canalha policial, que, por interesses
inconfessáveis, colocou-se a serviço dos industriais, para esmagar o operário. É preciso, é
necessário mesmo, que os operários de São Paulo organizem o seu exército vermelho, a fim de
arrasar os Campos Elísios e a Bastilha da rua dos Gusmões, a golpes de canhão e com a
metralha'. É um pequeno resumo do que Aristides Lobo disse; ele declarou que falava em nome do
PCB, dependente da III Internacional". O comício foi encerrado. Um grupo numeroso, carregando
bandeirolas improvisadas, com dísticos incitantes, rumou para a cidade. Inspetores impediram a
sua passagem, dissolvendo a passeata. Aristides Lobo foi visto (pelo inspetor João Gomes) entrar
no número 28 da Rua Tucuman, onde, logo após e isoladas, penetraram umas 15 pessoas. À
saída foram presas e conduzidas ao Gabinete de Investigações. 237
Em 12 de fevereiro de 1930238 Aristides foi novamente preso, sendo exilado para o Uruguai.
Neste país, participou de manifestações políticas dirigidas por comunistas, inclusive a do “atentado
de Montevidéu”, narrado por Maurício de Lacerda, que declara ter salvo Lobo da “prisão-segredo”
de São Paulo, e que este, em documento de próprio punho, pregara a sua eliminação.239 Essa
versão é desmentida por Aristides, em artigo datado de 20/7/31, que marca bem o estilo polêmico
usado pelas correntes antagônicas do comunismo, além de levantar algumas circunstâncias da
dissensão de Lobo:

“Contaram-me que, em seu livro Segunda República, o fabuloso tribuno


Maurício de Lacerda, depois de ter indicado à polícia o nome de cada
habitante do Brasil, lembrou-se de apresentar-me como um romântico
terrorista, tão romântico que teria pensado em sua ‘eliminação’...
Como disponho de meia hora de folga, vou perder esse tempo (valerá
mesmo a pena?) resumindo a questão em poucas palavras.
Em novembro de 1929, enviei à direção do PC uma critica a certos erros que
se vinham cometendo. Achava que o partido, desviando a atenção do seu
principal objetivo — a luta contra a burguesia —, dera demasiada importância

235
Prontuário n.º 37, de Aristides Lobo, v. 1. DEOPS/SP.
236
Prontuário n.º 37, v. 2, doc. n.º 142. DEOPS/SP.
237
Prontuário n.º 258-A, f. 167. DEOPS/SP.
238
Prontuário n.º 37, v. 2, f. 214. DEOPS/SP.
239
LACERDA, Maurício. Segunda República. 2.a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1931, p.p. 257-258.
a Maurício e agira, além do mais, impoliticamente. Na ocasião — dizia eu —
não havia mais remédio e era preciso ‘liquidá-lo’. Parece claro que se tratava
de liquidar politicamente o homem que, depois de uma dança ideológica
interminável, se colocara ao lado dos piores inimigos do povo. Maurício,
porém, não entendeu assim. Feita a mazorca de outubro, correu à 4.ª
Delegacia Auxiliar, apanhou minha carta, que havia sido apreendida, arregalou
os olhos já de nascença esgarçados e ... quedou silencioso. Mais tarde,
entretanto, tendo ido a Montevidéu, um grupo de cidadãos de bom humor
resolveu fazer uma brincadeira de mau gosto, assustando Maurício.(...)
Menos idiota, mas bastante idiota em todo caso, é a afirmação de que eu
teria sido salvo da morte numa ‘prisão-segredo’ (!!!) em S. Paulo. Eu, o mártir;
Maurício, o salvador. Ora, eu não me incomodaria, palavra, que Maurício
passasse por meu salvador, para todo o mundo e para o resto da vida (não vá
ver no ‘resto’ uma ameaça...). O que me preocupa é o sofrimento de pobres
almas sentimentais a chorar o tempo que eu teria passado, friorento e
moribundo, dentro de uma ‘ prisão-segredo’...” 240

Do Uruguai, Aristides passou à Argentina, onde, com Luís Carlos Prestes, Silo Meireles e
Emídio Miranda organizou a Liga de Ação Revolucionária (julho de 1930). Fúlvio Abramo informou a
Dulles que Aristides Lobo comunicou a Prestes a opinião favorável dos trotskistas pelo movimento
da Aliança Liberal241. Mais tarde, em Montevidéu, Prestes propusera a Aristides Lobo, Silo Meireles
e Emídio Miranda a abolição da LAR, tendo em conta as condições desfavoráveis para uma
revolução, com o que todos concordaram.242 No entanto, Robert J. Alexander narra que Lobo, em
entrevista a ele concedida em 1953, “disse ter sido o responsável pela desistência de Prestes de
sua própria Liga Revolucionária, para jogar tudo no movimento comunista, ao qual, naturalmente,
os trotskistas diziam pertencer — como Oposição de Esquerda. Houve um período em que Lobo
esteve bem próximo a Prestes, tendo redigido mais de um comunicado em que o ex-chefe
guerrilheiro apôs sua assinatura”.243
Quando Prestes, em contato direto com o Secretariado Sul-Americano do Comintern,
sediado em Montevidéu desde 1930, decidiu ingressar no PCB, foi autorizado a convidar Silo
Meireles e Emídio Miranda a aderirem ao partido, mas não Aristides Lobo.244 Na verdade, o convite
dificilmente seria feito ao líder trotskista, dadas as suas divergências profundas com a linha
stalinista. Maurício de Lacerda considera que o afastamento de Aristides de Prestes foi por este
provocado. Prestes afastaria de seu caminho tudo e todos que julgasse capazes de impedir o seu
plano de se tornar, com a ditadura, o Lenin americano.245
A estadia de Lobo na capital platina foi marcada dramaticamente pela morte de sua mulher
Guida, uma judia russa da família Tabacow, também militante do partido. Esta moça foi
envenenada pelo arsênico contido num medicamento a ela receitado, inadvertidamente, por um
camarada, professor da Faculdade de Medicina de Buenos Aires.246

Sem poder adivinhar a tragédia que se avizinhava, Aristides escreveu a Lívio, Elsie e Pèret,
em 5/8/30:

“Aqui estou, há dois dias, magnificamente instalado, à espera de Guida, que


ainda se encontra em Montevidéu, aonde foi buscá-la o Barreto Leite. Nossos
cônsules brasileiros são uns safados e, já sabendo do ‘caso’, tudo nos

240
FLBX. CEDEM/UNESP.
241
Entrevista de 13 de novembro de 1968. Apud: DULLES, F. Anarquistas e comunistas do Brasil, p. 362.
242
DULLES, J. F. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 364.
243
Roberto J. Alexander, Comunism in Latin America, p. 102. Apud: DULLES, J.F. Anarquistas e comunistas
do Brasil, p. 408.
244
Emídio da Costa Miranda, entrevistas, 19 jul. 1963, 5 out. 1966 e 8 out. 1967. Apud: DULLES, J. F.
Anarquistas e comunistas do Brasil, p. 408.
245
Op. cit., p. 258.
246
Depoimento de Aristides Lobo prestado à autora.
dificultam.(...) Têm recebido a “Luta”? Que tal? O China está também aqui e
se interessa, junto ao neo-camarada (um camaradão, como disse o
Azambuja), pela vinda de Lívio, cuja ação ao meu lado poderá ser muito
proveitosa, auxiliando-me com a sua ascendência teórica.” 247

Lívio iria a Buenos Aires ajudar Aristides na conquista de Prestes para o comunismo,
obedecendo ambos a determinações da Oposição de Esquerda.
No último mês de 1930, Aristides regressou ao Brasil, sendo na ocasião oficialmente
expulso do partido. Junto com outros companheiros fundou, então, a Liga Comunista
Internacionalista, participando da sua direção e destacando-se sempre na formulação de suas
linhas política e sindical. Foi membro ativo da União dos Trabalhadores Gráficos. Orador fluente,
participava de quantas manifestações públicas e comícios se realizassem, segundo depoimento de
antigos companheiros e dos documentos constantes de seu volumoso prontuário.
Em 7 de outubro de 1934, por discordar do enfrentamento armado com os integralistas na
Praça da Sé (considerando que se tratava de uma evidente provocação) e da entrada dos
trotskistas nos partidos socialistas (a política do “entrismo”), cindiu a Liga Comunista, formando o
grupo Fernando-Alves (“Fernando”, Aristides; “Alves”, Victor de Azevedo Pinheiro), com João
Matheus, José Auto Cruz de Oliveira, Rachel de Queiroz, João Delladea e outros. Esse grupo
rompeu com o Secretariado Internacional da liga. Em 1937 Aristides reconsiderou suas posições e
retornou.248
As explicações acima, referentes à cisão da Liga Comunista Internacionalista, precisam ser
melhor definidas nos aspectos referentes ao Partido Socialista Brasileiro. De fato, numerosos
documentos arquivados no DEOPS indicam que Aristides Lobo, Victor Azevedo Pinheiro e João
Matheus compareciam rotineiramente à sede do PSB e participavam de seus comícios, a partir do
ano de 1934. Assim, em 18 de janeiro desse ano, a polícia foi informada de que diversos elementos
comunistas, logo depois do congresso do PSB, costumavam reunir-se em um apartamento da
Avenida São João, apartamento esse que o investigador que dera a "parte” achava ser do tenente
João Cabanas. Eram as seguintes as pessoas que participaram das referidas reuniões: tenente
Guarany, Salvador Cabral, Chrispim, Pedroso D'Horta, Conde Frola, Aristides Lobo, Hermínio
Marco, Edgard Leuenroth, Cismeiros e outros. A polícia averiguara que Cabanas fora investido no
posto de instrutor militar do Partido Socialista e que as pessoas que o procuravam em seu
apartamento faziam parte de um grupo de assalto. Com essas evidências, a polícia, em 25/2/34,
prendeu Lobo acusando-o de participar uma conspiração de sargentos. Novo informe aponta para a
adesão de Lobo ao “entrismo”: em 2/10/34 realizou-se na Rua Santo Antônio um comício promovido
pela Coligação Proletária e o PSB, e Aristides Lobo pronunciou um violento discurso, dizendo da
necessidade de se levantarem os proletários contra os governos liberais-democratas, não com
palavras, mas com armas, dentro das trincheiras.249
Nos anos que medeiam do regresso de Aristides Lobo de Buenos Aires à cisão com o
grupo de Hilcar Leite, a polícia informa que, em “1931250, com Plínio Mello, João Matheus e outros,
Aristides Lobo tornara-se comunista-trotskista, mas as suas atividades não sofreram diminuição
alguma, imiscuindo-se em todas as organizações operárias, levando-lhes os ensinamentos de
Trotski, contrários em vários pontos aos de Lenin; foi detido inúmeras vezes e seria longo expor
detalhadamente suas atividades”. 251
Os aprisionamentos contínuos refletem a intensa atividade política de Lobo. Na verdade, a
imagem refletida é incompleta, uma vez que só estão registradas as diligências policiais bem-
sucedidas, e efetuadas contra atividades das quais tinha a polícia conhecimento252, de vez que a

247
Carta de Aristides Lobo a Lívio, Elsie e Péret. Buenos Aires, 5/8/1930. FLBX . CEDEM/UNESP.
248
ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis ( orgs.) Op. cit., p. 45.
249
Prontuário n.º 37. Ficha de Aristides Lobo. DEOPS/SP.
250
A polícia recebeu essa informação com pelo menos um ano de atraso, uma vez que o rompimento de Plínio
Gomes de Melo ocorreu em 1928, enquanto Aristides Lobo, João Matheus e Victor de Azevedo Pinheiro
romperam com o partido em 1929-30.
251
Ficha de Aristides Lobo, prontuário n.º 37, v. 1. DEOPS/SP.
252
Aristides Lobo, sempre discretíssimo a respeito das atividades políticas suas e de seus companheiros,
gostava de rememorar as numerosas vezes que conseguira escapar ao cerco policial.
maior parte da atuação desse líder — experiente na luta contra a repressão — permanecia na
obscuridade.
Os agentes reservados, infiltrados em partidos e sindicatos, transmitiam notícias sobre a
subversão às autoridades. O secreta João Guerra, por exemplo, relatou ao delegado de Ordem
Social, em 5/2/1931, atividades de Aristides Lobo, atividades que denotam o rigor da luta que ele e
seus companheiros mantiveram com os stalinistas:

“Promovido por Aristides Lobo formou-se um abaixo-assinado com o fim de


reincluir Rikov no seio do Partido Comunista, fazendo várias considerações
em torno desse revolucionário. Esse abaixo-assinado contém as firmas de
alguns simpatizantes e outros expulsos do Partido que pretendem entrar
novamente no mesmo; estes elementos mantiveram certa atividade com o fim
de conseguirem sua reinclusão no partido, entretanto, a Comissão Executiva
não os tem aceito a bem da disciplina.(...) Voltaram a freqüentar a
‘Internacional’ (associação de garçons, sob forte influência trotskista) vários
militantes que, com os últimos acontecimentos, como seja a ‘Parada da
Fome’, haviam-se retirado, uns por receio e outros por terem ligações com o
Partido Comunista. A Comissão Administrativa, porém, cogita do expurgo da
associação ( Associação dos Amigos da Rússia) do partidarismo que aí se
criou; por essa razão a próxima assembléia promete ter debates
253
interessantes.”

No dia seguinte, 6/2/31, o inspetor reservado Antônio Ghioffi informou ao delegado de


Ordem Social sobre uma reunião da Federação Operária de São Paulo, realizada com a presença
de oito organizações, a fim de discutir a Lei de Férias:

”Ao finalizar o plenário, o comunista Aristides Lobo apresentou a redação de um protesto


para ser enviado a Stalin, chefe do governo russo, por causa da prisão e deportação de vários
comunistas dissidentes. Nenhum dos presentes assinou o protesto por ter um caráter partidário-
político.” 254

Um mês após, novo informe reservado relata a ação sindical-partidária de Aristides:

“Quando se estava discutindo o parecer da Federação Operária


relativamente à Confederação, apareceu Aristides Lobo distribuindo o manifesto
adjunto de propaganda da Liga Comunista, em prol da convocação da
Assembléia Constituinte. A discussão, pois, veio tomar outro rumo ainda.
Arsênio Palácios denunciou o caráter político de alguns militantes que estão
dentro da federação, como Plínio Mello e Aristides Lobo, dizendo que a Liga
Comunista está fazendo o jogo do capitalismo e da burguesia aliada ao Partido
Democrático, que pretende assaltar o poder. Que se isto se desse nós teríamos
que voltar a uma época pior ainda que a do perrepismo. Que a Liga Comunista,
que combate o Partido Comunista, o faz unicamente para derrubar a direção
partidária no Brasil, e que falando em nome dos trabalhadores estão na mesma
situação que está o Partido Democrático. Os delegados federados pediram
então que se votasse uma moção impedindo qualquer manifestação de caráter
político dentro da Federação Operária. Essa moção foi aprovada. Aristides Lobo
respondeu que fazia essa distribuição de boletins não como trabalhador e
partidário da federação, mas como comunista que era, e que ninguém lhe podia
impedir que tivesse esta ou aquela idéia. Foi-lhe respondido que ele podia
abraçar qualquer doutrina social, porém fora das organizações operárias e da

253
Prontuário n.º 37. DEOPS/SP.
254
Prontuário citado, doc. n.º 7, f. 47. DEOPS/SP.
federação. Acabou desta maneira o plenário da federação, reunida para dar o
parecer sobre a Confederação Geral do Trabalho.”255

Ainda sobre atuação sindical, um comunicado reservado informa que no Congresso


Operário, realizado no dia 13/3/31, na Rua Barão de Paranapiacaba, n.º 4, falaram Aristides Lobo,
Florentino de Carvalho, Edgard Leuenroth, Hermínio Marcos e Carlos Righethi.256
Vê-se que Aristides Lobo estava sob vigilância constante de secretas. Não é de estranhar
que poucos dias depois (23/3/31) fossem apresentados à Ordem Social “os moços” Victor Pinheiro
e Aristides Lobo, quando pregavam boletins no bairro da Mooca.257 Nesse mesmo dia, Aristides
Lobo (“25 anos, viúvo, empregado no comércio”) declarou ao delegado Ignácio da Costa Ferreira
que fora detido por um inspetor de segurança e três guardas civis, às três horas “e mais” da
madrugada, na esquina das Ruas Rangel Pestana e Piratininga, sob a alegação de que ele “estava
ou esteve pregando cartazes de propaganda comunista”. Aristides tentou se justificar dizendo que
os cartazes que colou não eram absolutamente de propaganda comunista, mas sim do livro Dez
dias que abalaram o mundo258, porém seu detentor não quis ouvir suas explicações nem ir ao lugar
onde o declarante pregara os cartazes a fim de ficar patente que não pregara boletins
comunistas259. Lobo declarou, ainda, ser verdade que há tempos fizera parte do PCB, mas dele fora
expulso “porque os diretores estavam proletarizando o Partido, excluindo do mesmo os intelectuais,
e também sob a alegação de indisciplina, por ter o declarante se afastado do lugar de sua
residência sem a devida licença”. Afirmou, no entanto, que apesar de afastado do partido,
continuava mantendo suas idéias comunistas. No momento, Lobo trabalhava na Secretaria da
Associação dos Empregados no Comércio da capital. As declarações de Lobo terminam com uma
denúncia: “(...) por ocasião da sua espera na Sétima Delegacia, foi ali maltratado e agredido por um
guarda Civil de primeira classe, sem que para isso tivesse dado qualquer motivo; pede seja seu
agressor castigado, não só pelas ofensas, como também pela agressão”.260 No dia seguinte, os
jornais publicam o protesto de Aristides Lobo sobre violências policiais:

“Eu e o meu amigo Víctor de Azevedo Pinheiro atravessávamos a avenida


Rangel Pestana, na madrugada de ontem, quando três ‘grilos’ nos
interpelaram, revistando-nos e acusando-nos de termos afixado cartazes da
Liga Comunista sobre a Assembléia Constituinte. Levados para a 7.ª
delegacia da rua da Mooca, mais dois ‘grilos’ se juntaram ao grupo e pusemo-
nos a comentar o ocorrido. Neste momento, vem do interior da delegacia um
guarda civil de 1.ª classe e me agride, aos gritos e empurrões, enquanto os
seus colegas, armados de revólveres e cassetetes, esperavam, naturalmente,
uma reação de minha parte, para entrarem em ação. Limitei-me a aparar os
golpes que me eram desferidos pelo ‘valiente’, que não logrou atingir-me. O
meu companheiro procurou intervir, no que foi obstado por um sinal que lhe
fiz. Depois de alguns minutos de luta, não conseguindo o seu objetivo, o
irrequieto mantenedor da ‘ordem’ me deixou em paz, para atingir-me, logo
depois, quando eu me achava de costas, com um violento soco na cabeça,
amarrotando-me o chapéu. Mais tarde, fomos, eu e o meu companheiro,

255
De Antonio Ghioffi, datado de 6/3/31. Prontuário n.º 37, v. 2, doc. 117, f. 149.
256
Prontuário n.º 122, de Edgard Leuenroth, doc. n.º 9, f. 49.
257
Prontuário 1.691, de Caio Prado Júnior, doc. n.º 10, f. 50.
258
2. ed. São Paulo: Empresa Editora Nacional “LUX”, 1931. A tradução, as notas biográficas de John Reed,
as palavras explicativas e a cronologia dos principais acontecimentos da Revolução Russa são de Aristides
Lobo, mas seu nome não aparece na edição em razão dos problemas que qualquer obra que trouxesse o seu
nome acarretaria diante da polícia. Em algumas das numerosas obras traduzidas por Aristides são usados
pseudônimos como “Paulo M. de Oliveira”.
259
Aristides Lobo mentia a respeito. Mais tarde, em conversas familiares, divertia-se contando como ele e
Víctor Azevedo Pinheiro quase conseguiram enganar o inspetor de segurança que os surpreendera em plena
panfletagem subversiva.
260
Informe reservado datado do dia de sua prisão diz que à reunião promovida pelos operários no Sindicato
dos Vidreiros, na Avenida Celso Garcia, 384, deixara de comparecer o orador oficial, Aristides Lobo.
metidos num carro de presos e levados à Polícia Central, onde
permanecemos até às 7 horas da manhã. Novo carro de presos veio buscar-
nos e nos levou para o Gabinete de Investigações, de onde, em seguida,
fomos transferidos para a DOS, à rua Vitória. Às 17 horas, finalmente, depois
de interrogados pelo bacharel que dirige aquela delegacia, e depois de termos
aturado a imbecilidade dos agentes transformados em ‘sociólogos’, opondo
sérias objeções ao comunismo, fomos postos em liberdade. Aqui deixo o meu
protesto veemente contra as violências de que fomos vítimas.” 261

Num protesto publicado em 3/8/31 pelo jornal O Tempo, sente-se perfeitamente que
Aristides Lobo usou as circunstâncias para analisar a diretriz da proletarização do partido, que
tantos estragos causou nos quadros da militância:

“Esteve em nossa redação o sr. Aristides Lobo, que foi preso juntamente
com outros intelectuais e vários operários, com o fim de lavrar de público o seu
protesto contra as arbitrariedades da polícia. (...) Segundo a palavra do sr.
Aristides Lobo, a polícia, na sua resolução de impedir que se efetivasse
naquele dia qualquer manifestação operária nesta Capital não só agiu com
violência contra os que insistiram em fazer valer os seus direitos de reunião e
de palavra, como ainda efetuou, sem motivos aceitáveis, as prisões de três
conhecidos intelectuais paulistas, que são os srs. Azevedo Marques, Paulo
Lacerda e o próprio sr. Aristides Lobo, bem como a de vários operários, os
quais continuam até hoje presos, alguns dos quais nas mesmas prisões em
que se encontram encarcerados, há já perto de 30 dias, numerosos outros
trabalhadores de Cruzeiro, acusados de professarem idéias comunistas.
Ao que nos declarou o jornalista que nos visitou, ele e os seus dois colegas
citados, presos às primeiras horas de sábado só hoje foram postos em
liberdade, o mesmo não sucedendo aos operários presos à mesma hora e pelos
mesmos motivos.
Fundamentando as razões do seu protesto contra essas medidas
arbitrárias e violentas, o sr. Aristides Lobo nos afirmou que esses fatos não
podem ser recebidos senão como mais uma prova que a polícia julgou
oportuno dar, de sua antiga inimizade sistemática com os operários paulistas,
pondo igualmente em prática uma velha tática sempre adotada com o fim de
indispor de uma vez os intelectuais com os elementos operários em geral.” 262

Em 26 de maio de 1931 Lobo foi novamente detido, provavelmente por panfletagem, pois
disse na ocasião que tinha mandado de fato editar um livro comunista, em virtude de não estar
proibida a edição de obras dessa natureza; quanto a boletins e jornais, não sabia onde foram
impressos e nada tinha a ver com sua publicação; o livro cuja edição tinha sido iniciada intitulava-se
No caminho da insurreição.263 João Bentivegna, proprietário da tipografia “Graphica Paulista”,
esclareceu algumas das circunstâncias que envolveram a publicação do livro. Ele tinha sido
procurado, no seu estabelecimento gráfico, por um moço cujo nome ficou sabendo ser Aristides
Lobo, o qual perguntou o preço para a impressão de um livro de tradução de cartas de Lenin.
Depois de procurar orçamento em outras tipografias, Aristides Lobo aceitou a proposta (12$500.000
réis) de Bentivegna, e deu um sinal de um conto e quatrocentos. O serviço de impressão era feito
parceladamente. Aristides Lobo, à medida que ia traduzindo as cartas, levava-as à tipografia para a
devida impressão, fiscalizando ele próprio as provas para as corrigendas necessárias. O livro
referido estava em composição, pois Aristides Lobo ainda traduzia cartas, sendo que pelo prelo só
havia passado menos da metade do mesmo.264

261
Recorte de o Diário da Noite, de 24/3/31. Prontuário n.º 37, v. 1, doc. n.º 14, f. 54. DEOPS/SP.
262
As violências policiais de sábado no Largo da Concórdia. Recorte de O Tempo, de 3/8/1931. Prontuário n.º
37, doc. n.º 23-A. DEOPS/SP.
263
Prontuário n.º 37, v. 1, documento n.º 19, f. 59. DEOPS/SP.
264
Prontuário n.º 122, de Edgard Leuenroth, v. 1, doc. n.º 18, f. 58. DEOPS/SP.
Em 4/7/31, Aristides Lobo e o “ex-gráfico Mário Dupont, que estava em sua companhia,
caíram na rede policial, durante batida realizada na casa de Olga Pandarsky”, casada com Mark
Pandarsky, ambos agentes da Internacional Comunista. A presença de Aristides Lobo na casa dos
Pandarsky demonstra que as suas brigas com a direção do partido ainda não haviam sido
inteiramente absorvidas pelo Comintern.
Um mês depois dessa prisão, o delegado de Ordem Política e Social relata ao chefe do
Gabinete de Investigação que às 19h30 de 1.º de agosto, no Largo da Concórdia, “o comunista
Aristides Lobo, subindo ao coreto ali existente, tentou fazer uso da palavra, chamando em seu redor
as pessoas que se encontravam no referido largo. Apenas havia pronunciado a palavra
‘Trabalhadores’, numeroso grupo aproximou-se do local. Houve indivíduos que desfraldaram
bandeiras vermelhas com dísticos e emblemas comunistas. Com a intervenção da polícia, e em
virtude de ordens superiores para a não realização de comícios públicos, e o auxílio de praças de
cavalaria, foi dispersado aquele grupo (...)”, com algumas detenções, inclusive a do orador.265
Às 19,30 horas do dia 11 de setembro de 1931, o delegado da Delegacia de Ordem Política
e Social solicitou ao chefe da Seção de Identificação 12 fotos de Aristides Lobo.266 Um dia após, foi
baixada uma ordem de remoção de Aristides Lobo e Mário Dupont para o Presídio Político da
Imigração.267 A prisão não foi longa — ou o prisioneiro fugiu — pois no dia 13/9/31 o comissário do
DOPS determinou ao delegado de polícia de Sorocaba que prendesse o líder comunista Aristides
Lobo.268
A relação de encarceramentos prossegue no ano seguinte. Na madrugada de 21/7/32,
Lobo foi preso na Associação dos Empregados do Comércio, onde, uma noite antes, havia feito
propaganda comunista. Sua entrada naquela sede já havia sido proibida pelos diretores da
associação, “em virtude da propaganda insistente de seus ideais naquele recinto".269 Os trâmites da
detenção compreenderam uma ordem ao carcereiro da Delegacia de Ordem Social para recolher
preso Aristides Lobo,270 seguida de uma outra que removia Aristides Lobo para o Presídio Político
(em 29/7/32)271. Em seguida, houve a “apresentação” do prisioneiro ao diretor do Presídio Político,
acompanhada por um recibo pelo qual o preso Aristides Lobo, procedente da Delegacia de Ordem
Política e Social, às 20 horas de 30/7/32, permaneceria à disposição da Delegacia de Ordem
Social.272
O primeiro registro de prisão de Aristides Lobo no ano de 1933 data de 10 de janeiro,
oportunidade em que este declara, de próprio punho, que sua prisão apoiava-se em motivo falso,
pois estava afastado das atividades políticas, exercendo apenas atividades sindicais, sem fazer
propaganda de suas idéias comunistas, o que “de resto, politicamente, não me interessa no
momento”. A 11 de janeiro, às 22,45 horas, foi feito o recibo do preso Aristides Lobo, procedente do
Gabinete de Investigações, sob escolta. Duas semanas após, em 24/1/33, Aristides foi libertado.273
Em 15/5/33 novamente o “preso Aristides Lobo” foi apresentado ao delegado de Ordem
Social.274 Quanto tempo, dessa vez, teria permanecido Aristides nas garras da polícia? Os
documentos, como de praxe, omitem-se a respeito. De toda forma, a 14 de julho, na Federação
Operária de São Paulo, novamente Aristides Lobo foi feito prisioneiro, juntamente com Moysés
Gambas e Seul Faymberg.275
O ano de 1934 começou costumeiramente para Lobo. Rego Freitas, delegado da Ordem
Política, comunica em 26/1/34 que os presos Aristides Lobo, Luciano Raguna, Emilio Dupont,
Francisco Frola, Luiz Videiras, José Campos, Antônio Mesa, Mário Antunes e Júlio Bernarda
deveriam ficar incomunicáveis e à disposição do delegado de Ordem Social, “por se tratar de fato

265
Prontuário n.º 1.691, de Caio Prado Jr. e Antonietta Prado, doc. n.º 22, f. 63. DEOPS/SP.
266
Prontuário n.º 1.691, doc. n.o 26, f. 66. DEOPS/SP.
267
Prontuário n.o 1.691, doc. n.º 25, f. 65. DEOPS/SP.
268
Loc. cit.
269
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 37, f. 37. DEOPS/SP.
270
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 39, f. 78. DEOPS/SP.
271
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 41, f. 37. DEOPS/SP.
272
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 40, f. 76. DEOPS/SP.
273
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 35, f. 76. DEOPS/SP.
274
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 36, f. 36. DEOPS/SP.
275
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 53, f. 91. DEOPS/SP.
afeto à DOS”. Pela companhia, intui-se que Aristides Lobo, em 1934, estava grandemente
interessado no Partido Socialista Brasileiro, cumprindo as recomendações “entristas” de Trotski.
Um mês depois, a 3 de fevereiro de 1934, às 20 horas, Aristides Lobo, detido na delegacia,
obteve ordem de soltura após apresentação ao delegado de Ordem Política. Nessa ocasião, Rego
Freitas, após uma conversa “de intelectual a intelectual” com Aristides Lobo, dirigiu-lhe um apelo
emocionado para que não mais se envolvesse em atos subversivos, pois tinha desenvolvido uma
grande admiração por ele durante suas inúmeras prisões, e não mais se sentia disposto a prendê-
lo.276
Aristides ficou, obviamente, insensível ao apelo — em 26/2/34 foi preso pela Delegacia de
Ordem Política “por participar de uma conspiração de sargentos”. Datado de 2/3/34, às 22 horas,
consta recibo do prisioneiro. Note-se que a polícia realizava diligências, sempre que possível, à
noite, para evitar comoções populares a favor das vítimas da repressão. Do novo encarceramento
ficou uma declaração de Lobo ao dr. Rego Freitas: embora considerando injusta e ilegal a sua
prisão, não tinha nenhuma queixa a formular contra o tratamento que lhe tinha sido dispensado
pelas autoridades da Delegacia de Ordem Política, ao contrário do que acontecera em suas prisões
anteriores.
Acompanhado passo a passo por secretas, Aristides Lobo passou a ser “acampanado”
desde o início de outubro de 1935. A intensificação das campanas — verificada após o dia 8 —
anunciava a proximidade de mais uma prisão. O exame dos prontuários do DEOPS deixa claro que
as principais lideranças de esquerda ficavam sob constante vigilância. Quando se anunciava
alguma prisão, as vítimas eram acampanadas das seis às 24 horas por agentes que se revezavam,
e que acabaram por registrar o cotidiano dos líderes da revolução social em São Paulo.
Observemos trajetos seguidos por esses líderes, por meio de alguns trechos das campanas a Lobo.
No dia 9/10/35, o policial Adriano da Silva Castro comunicou à DOS que Aristides Lobo
chegou à sua casa às sete horas, em companhia de dois indivíduos, no automóvel de placa n.º A-
5.392, trazendo consigo uma máquina de escrever. Lobo saiu em seguida, ainda com os
companheiros, e todos tomaram um bonde para a Praça da Sé. Chegados ao destino, entraram no
“Café dos Quitutes”, situado na Rua Barão de Paranapiacaba, n.º 1-D, lá permanecendo até as 8,40
horas. A seguir, tomaram um bonde “Campos Elísios”, descendo um deles na alameda Barão de
Limeira, esquina com a Alameda Ribeiro da Silva. De volta à cidade, no mesmo bonde, os
oposicionistas entraram na UTG, de onde saíram às 11,30 horas, indo para um café da Rua Direita.
Depois de tomarem café, foram a pé até a residência de Lobo, despedindo-se depois de alguns
minutos, tendo então o policial seguido o companheiro de Lobo, Victor de Azevedo Pinheiro, até a
sua casa, situada na Rua Bonita, n.º 548.
Nesse mesmo dia, os inspetores Alexandre Coelho e Itagiba Cerri, responsáveis pelo turno
das 12 às 18 horas, contaram que às 12,30 horas Aristides deixou sua residência, acompanhado de
um amigo. Ambos tomaram um ônibus que os levou à cidade. Depois de entrarem no “Café dos
Quitutes”, rumaram para a Rua Direita, indo à Praça do Patriarca, onde pararam por uns instantes,
descendo depois pela Rua Líbero Badaró. Nessa rua, Aristides despediu-se do seu amigo, entrando
sozinho na Papelaria Orlandi, de onde seguiu para a Rua 7 de Abril, entrando no prédio em
construção do Diário de S. Paulo. Desse prédio, saiu em companhia de um rapaz, e foram tomar
café no “Café Caipira”. Encaminharam-se, a seguir, para a Praça do Correio, onde Aristides
comprou a A Platea e A Gazeta, ficando os dois alguns minutos a ler os referidos jornais. Logo
depois Aristides esperou seu amigo, que seguira em direção ao correio, tendo em seguida subido a
Avenida São João, indo pela rua 15 de Novembro. Novamente os dois amigos tomaram um café e
se despediram. Então Lobo tomou o ônibus “Aclimação”, desceu em sua casa, e às 16,20 horas
voltou para a Praça da Sé, encaminhando-se novamente ao Diário de S. Paulo; depois desceu pela
Avenida São João, tendo engraxado os sapatos na “Barbearia Para-Todos”. Retornou, por fim, à
sua residência, e o reservado passou “o serviço” ao inspetor substituto.
No dia seguinte,10/10/35, Alexandre Coelho, Itagyba Cerri e Adriano S. Castro relatam as
idas de Aristides à sede da UTG e à Agência Havas.
Em 11/10/35 a campana a Aristides esteve a cargo dos mesmos agentes. Por eles ficamos
sabendo que Aristides, acompanhado de Víctor Azevedo Pinheiro, entrou em sua residência e daí
foram à Praça da Sé, tendo Aristides tomado café no “Guarany”. Às 15,30 horas Aristides foi ao

276
Depoimento pessoal à autora.
“Congresso” à procura de Arthur Vartilander, que não estava. Nesse local, o inspetor perdeu a pista
de Aristides, reencontrando-o quando saía da sede dos Gráficos, às 23 horas, tendo Aristides um
volume parecendo papel cortado, próprio para boletins. Da UTG ele se dirigiu à sede do Partido
Socialista, de onde saiu à meia-noite.
No dia 12/10/35, os secretas observaram Lobo saindo de sua residência às 16,20 horas,
acompanhado de Víctor Pinheiro e de mais um amigo, dirigindo-se para a residência de Pinheiro,
onde permaneceram até as 19 horas, ocasião em que Lobo saiu em companhia de um indivíduo,
indo até a pensão onde morava, para logo em seguida voltar à residência de Pinheiro. Desse local
dirigiram-se os três companheiros para a sede do Partido Socialista Brasileiro e, depois, foram até o
Largo São Francisco e entraram no “Café São Bento”, ocupando um reservado. Desse
estabelecimento, Lobo com um repórter do Diário de São Paulo encaminharam-se para o Largo
Riachuelo e entraram no prédio n.º 7 (Hotel Riachuelo), onde foram deixados pelo agente às 24,30
horas.
No dia 13/10/35 Lobo e Pinheiro participaram de um comício em companhia de socialistas.
No dia seguinte, a Delegacia de Ordem Social foi informada que Lobo se encontrava às 17,30 horas
na esquina da Alameda Barão de Limeira com a Rua Duque de Caxias, de onde rumou para a sede
do PSB, onde permaneceu por uns 30 minutos, dirigindo-se em seguida à redação de A Platea. Às
19 horas retirou-se para a sua residência, tendo retornado à rua por volta de 20,30 horas, quando
se dirigiu à sede da UTG, demorando-se aí até as 23,15 horas. Nesse horário, em companhia de
um desconhecido (“baixo, gordo, calvo e que no momento não trazia chapéu”), foi a um bar da Rua
Direita, onde ambos tomaram café. Desse local, Lobo, sozinho, tornou à sede do PS e daí à sua
residência, onde chegou pelas 24 horas.
No dia 15 de outubro, Adriano Castro e Itagiba Cerri relatam que às 19 horas Lobo entrou
em sua residência, saindo às 19,50, dirigindo-se à Rua Thomaz de Lima, n.º 548. Desse endereço
saiu às 20 horas e pouco, em companhia de Víctor Azevedo Pinheiro e João Matheus, e todos se
dirigiram à sede dos Gráficos. Daí, às 21 horas saiu Victor; e às 23 horas Lobo recolheu-se à sua
residência.
Nos dias posteriores, campanas continuam a registrar as andanças de Aristides Lobo,
acompanhado especialmente por João Matheus e Víctor Azevedo Pinheiro. Cafés, sedes da UTG e
do PSB, redações de jornais, papelarias e comícios perfazem caminhos diuturnos e uma rotina
revolucionária que só é quebrada pela rotina das prisões. Finalmente, em 3/12/35, após a derrota
do levante de 1935, a polícia trancafiou um grupo de trotskistas, entre os quais “o veterano e muito
conhecido como tal Aristides Lobo”, que declarou não apoiar nem a ANL, cujo programa criticava,
nem os levantes, que não considerava comunistas. Apesar de Lobo ter-se declarado afastado de
toda atividade política, por ter sofrido uma operação recente de um olho, ele foi mantido preso.277 Os
motivos ficam esclarecidos no relatório processual. Este começa com uma “história do comunismo
no Brasil”, lembrando que a propaganda comunista começara a ser feita no território nacional em
1928. A UTG fora uma das primeiras agremiações que aderiram ao comunismo, tornando-se um
reduto de comunistas:

"Nela, formou-se um grupo de comunistas convictos, de pregadores


tenazes, audaciosos e infatigáveis, do novo evangelho e que, desde logo,
passaram a dar não pequeno trabalho à Polícia que, por sua vez, ia
registrando as suas atividades, ia acompanhando os seus passos e as suas
manobras."

Depois de 35 — continua o relatório —, a polícia resolvera dar caça a seus membros,


detendo os conhecidos comunistas João Matheus, Aristides da Silveira Lobo, Victor Azevedo
Pinheiro, Arthur Heládio Neves, Edgard Leuenroth, Antônio Victor Paraná, Odilon Negrão, Oswaldo
Villa Vella, Everardo Dias, João da Costa Pimenta, Feliciano Bernardo dos Santos, José Carlos
Boscolo e João Della Déa.278 A prisão, pois, de Aristides e seus companheiros, objetivava
desmantelar a União dos Trabalhadores Gráficos, em mãos trotskistas, e com um histórico de bem

277
DULLES, W.F. O comunismo no Brasil,1930-1945: repressão em meio ao cataclismo mundial. Trad. de
Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 46.
278
Prontuário n.º 37, v. 1, fls. 117-126.
sucedidos combates pela revolução social. O relatório processual ainda esclarece que, de 1932 a
1935, Aristides Lobo dedicara-se à tradução de livros comunistas e aos trabalhos de agitação entre
os operários e intelectuais, nos sindicatos e demais organizações, em todas as “frentes-únicas”.
Em 11/5/37 registra-se a soltura de Lobo. Nesse ano, Aristides Lobo, que encabeçava os
trotskistas de São Paulo, mostrou-se interessado em colaborar no trabalho de organização do
Partido Operário Leninista (POL), para apoiar os trotskistas franceses na tentativa de
estabelecimento da IV Internacional.279
O relatório sobre as atividades subversivas de Aristides Lobo faz referência a uma
documentação que se encontrava nos autos, de fls. 97 a 421, documentação que falava “de uma
maneira eloqüente e abundante, do exaustivo trabalho que vem sendo, de há anos, desenvolvido
entre nós por Aristides Lobo, em favor do PCB, do qual, aliás, sempre foi ele um dos mais lídimos e
ardorosos vanguardeiros. Muitos poucos militantes comunistas terão desenvolvido, no nosso meio,
a ação perseverante de Aristides da Silveira Lobo, e diversos prontuários, dos existentes nesta
Delegacia, como os do indiciado, o da Federação Operária de São Paulo, o da União dos
Trabalhadores Gráficos, os dos seus companheiros Victor Azevedo Pinheiro e João Matheus, e,
outros, contêm abundante e bem positiva documentação acerca dessa sua conduta”. Aristides Lobo
“sempre se dizia comunista, como se viu de suas declarações prestadas mais de uma vez e nas
quais nunca omitiu essa sua qualidade de extremista confesso e convicto".280
O delegado Pinto Moreira normatiza sobre o indiciamento de Aristides Lobo e mais dois
companheiros:

“(...) parece-nos que não resta a menor dúvida de sua culpabilidade no


desenvolvimento que as idéias comunistas tiveram entre nós, da temibilidade
manifesta que cada um representa em face das nossas instituições políticas,
da estabilidade das nossas normas sociais; seria bastante, por tão positiva
afirmação, lembrar-se que até nas vésperas de serem detidos, promoviam
reuniões secretas onde se cuidava de novas articulações para o organismo
descontrolado, se cogitava, exclusivamente, de organizar novos movimentos
de rebeldia, novas investidas contra o nosso sagrado patrimônio moral, contra
o acervo de nossas famílias, contra os alicerces de nossa sociedade, contra a
soberania de nossa Pátria (...) Os dois livros juntados são dos muitos
traduzidos por Aristides da Silveira Lobo, sendo, mesmo, o de fls. 97 a 211,
por ele próprio prefaciado, o que revela o gosto que tem ele por leituras
dissolventes, destruidoras”.281

Em 6/3/1938, Aristides foi mais uma vez detido, sendo escoltado para o Rio de Janeiro em
23 de maio. Seu alvará de soltura foi expedido em 29/6/38, mas a 3 de agosto continuava sob poder
policial: “O Inspetor Raul Seabra, ontem, quando de regresso da Capital Federal, notou que no
mesmo trem viajava o comunista Aristides Lobo, acompanhado do inspetor Antônio Alves Filho, da
Polícia Federal. Seabra procurou saber do que se tratava e foi informado que não obstante ter sido
Aristides Lobo absolvido pelo Tribunal de Segurança Nacional, a Polícia Federal não permite a sua
permanência no Rio de Janeiro. O inspetor da Polícia Federal , quando chegou à Cachoeira, pediu
ao inspetor Seabra para que acompanhasse Aristides até São Paulo. Aristides Lobo disse que ia
residir em casa de seu cunhado Dr. Constantino Negrais, sita à Alameda Tietê.”
Dez anos depois, um ofício do delegado-chefe do Serviço Secreto (datado de 22/5/48), diz
que Aristides, em 1940, era ligado a Clóvis de Gusmão e Brasil Gerson, “também militantes do
credo vermelho”.
A última prisão de Aristides Lobo, registrada em seu prontuário, data de 1944, quando,
juntamente com outros jornalistas (Everardo Dias, Edgard Leuenroth, Rodolpho Phelippe e Victor
Azevedo Pinheiro) “participava de quantas reuniões subversivas havia, destacando-se pela
violência de suas palavras e atos e pela afirmação de seus ideais, nunca negados”.

279
DULLES, J.F. O comunismo no Brasil, p. 126.
280
Prontuário n.º 122, 2 v., de Edgard Leuenroth, fls. 94-96. DEOPS/SP.
281
Prontuário n.º 122. DEOPS/SP.
Em 1945, Aristides Lobo foi denunciado como autor de revistas e livros comunistas.
Também nesse ano, no Primeiro Congresso de Escritores Brasileiros, realizado no Teatro Municipal
da capital, Aristides Lobo apresentou uma tese sob o título: "Há incompatibilidade entre os regimes
fascistas e a inteligência", tese esta considerada, pela polícia, como suspeita de comunista.
Reencontramos Aristides Lobo na Conferência Anarquista, realizada a 2/10/48 , às 21
horas, no Centro de Cultura Social, na Rua José Bonifácio, n.º 387, proferindo conferência sob o
título: "É possível uma sociedade com o predomínio do Estado?" Estavam presentes Edgard
Leuenroth e Lucas Gabriel, além de umas 80 pessoas. Nessa palestra, Aristides Lobo contou como
ingressara nas fileiras do PC e como depois se tornara adepto fervoroso do PSB. Deu muitos
exemplos para a destruição do Estado, "sendo que este só poderá ser eliminado por meio de
revolução, armando o povo clandestinamente". Lobo ainda criticou um comício pró-petróleo,
realizado no Anhangabaú, dizendo que aquilo não passou de uma falsidade dos burgueses, tanto
dos estrangeiros como dos brasileiros, e “que o proletário será sempre explorado de ambas as
partes e em conseqüência devemos acabar com essa pouca vergonha".282
No ano seguinte, em 27/5/49, um “informe reservado ao Dr. Lousada” sobre os funcionários
em geral das "Folhas" lista Aristides Lobo com antigo elemento comunista, preso e processado por
atividades comunistas, em 1937, e que continuava em atividades.283
A polícia esboçou uma biografia de Aristides Lobo, em 14/9/65, demonstrando que o
aparato anti-revolucionário, montado após 1964, continuava a temer o antigo comunista. O relato
menciona um comunicado reservado, datado de 19/12/1950, sobre atividades comunistas em Santo
André, que cita Aristides Lobo como um dos patrocinadores de fundos para a Comissão de
Finanças do Partido Comunista, naquela cidade.284 A última menção do DEOPS a Aristides refere-
se às manifestações que acompanharam a sua morte em 10 de novembro de 1968, e ao seu
enterramento, no dia imediato.285

282
Informe reservado. Prontuário 30 - J - 38, f. 18. DEOPS/SP.
283
Prontuário n.º 30 - B - 1 - 10. DEOPS/SP.
284
Prontuário n.º 30 - K - 69. DEOPS/SP.
285
Aristides, em confidências particulares, declarava-se em atividades contra a ditadura militar e preparava-se
para enfrentar nova prisão, quando a morte o surpreendeu.
Capítulo II. Dissidentes comunistas em São Paulo: debates & embates.

1. O ambiente revolucionário em São Paulo nos finais da década de 20.

As dissensões surgidas no seio do PCB, além de suas filiações internacionais, resultaram


da história do movimento operário em São Paulo e de suas lideranças. O ambiente peculiar paulista
— da revolução ou da repressão — explica grande parte dos rumos tomados pelos oposicionistas
de esquerda, dado que leva esta reflexão a incorporar alguns aspectos do quadro político em São
Paulo nos anos 20.
Nesta época, as lideranças de esquerda na capital paulista passaram a se considerar rivais
no controle da massa trabalhadora, anunciando as dissensões futuras. Libertários, socialistas e
comunistas propugnavam a revolução social, oferecendo-se como vanguarda para a massa
proletária. Os processos utilizados para a abordagem dos trabalhadores e as táticas políticas pouco
variavam entre as correntes revolucionárias. Os embates teóricos, no entanto, foram-se fazendo
ásperos — e a partir de 1928 cindiram os membros do partido, transformando-os, de inimigos
virtuais, em reais. Analisemos, antes das dissensões — e para entendê-las —, o ambiente político
da esquerda paulista, por intermédio de alguns de seus quadros principais, usando, para tanto,
documentos produzidos pela polícia e que espelham a paisagem social de então.
A “agitação” processava-se no seio de um forte cerco policial, sustentado por leis sumárias
de eliminação de indivíduos considerados perigosos à ordem social. Nesse ambiente de cerco,
proliferavam denúncias sobre traidores reais ou supostos — que cada corrente gostava de
identificar nos seus opositores.
A “Lei Celerada” originou-se da queixa de banqueiros ingleses — durante as negociações
para a obtenção de um empréstimo — sobre a grande quantidade de subversivos presentes no
país. Em resposta a essa queixa, Aníbal de Toledo apresentou um projeto de lei (“Lei Celerada” ou
“Lei Criminal”), em maio de 1927, que tornava inafiançáveis os crimes de “desviar os operários e
trabalhadores dos estabelecimentos em que forem empregados, por meio de ameaças e
constrangimento”, e de “causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho por meio de
ameaças ou violências, para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou
salário”. Para o primeiro delito previam-se penas de seis meses a um ano de prisão; para o
segundo, de um a dois anos. Também a Lei Celerada concedia ao governo o direito de fechar
qualquer associação operária julgada comprometida por atos contrários à ordem, moralidade e
segurança públicas, vedando-lhe qualquer meio de publicidade. Apoiadas nesta lei, aprovada em 28
de julho de 1927, as autoridades implantaram novo regime de terror. A polícia paulista prendeu 14
operários, e os líderes Edgard Leuenroth, Domingos Passos e Aristides Lobo.286
Desde 1919, atuavam na cidade de São Paulo alguns dos principais comunistas
“históricos”, muitos deles oriundos do grupo anarquista do Rio de Janeiro — como Vicente da Costa
e Silva (“ou Roberto Morena ou Adalberto Rodrigues”), José Oiticica, Afonso Schmidt, Octávio
Brandão, Astrojildo Pereira, Everardo Dias, Mário Grazini e outros. Roberto Morena era um
carpinteiro nascido no Rio de Janeiro, que foi um dos organizadores do “Grupo Comunista”, em
1921-22. Morena e Grazzini foram enviados pelo PCB a vários congressos continentais. De volta de
um desses congressos, eles tiveram uma forte divergência, obrigando a intervenção do partido, que
determinou a ida de Grazzini para Moscou como delegado do PCB e da CGTB junto à Internacional
Comunista.287
Na cidade de São Paulo, as conferências constituíam um dos principais meios de
propaganda da esquerda — “o verbo era a alma da revolução, cada orador, cada conferencista,
cada homem de imprensa burilando suas frases de efeito” 288. Havia alguns conferencistas
preferenciais, como o conde Francisco Frola, que atuava especialmente na colônia italiana
atacando o fascismo em geral, e Mussolini em particular. Esta atitude ocasionou o

286
Carta de Aristides Lobo a Grazini Jr. São Paulo, 23 de agosto de 1967. DULLES, F. Comunistas e
anarquistas no Brasil, p. 276.
287
Prontuário de Vicente da Costa e Silva ou Roberto Morena ou Adalberto Rodrigues, n.º 1.696.
288
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi. Da Coluna Prestes à queda de Arraes.
Memórias. São Paulo: Alfa-Omega, 1978, p. p. 82-83.
“desapossamento” de suas prerrogativas de cidadão italiano por decreto real, colocando-o ao
alcance da polícia política brasileira, “na previsão de qualquer eventualidade”, como diz o real
cônsul-geral da Itália ao chefe de polícia, em 1926.289 No mesmo ano deste comunicado, teve início
o longo registro das atividades de Frola, atestando a presteza com que a polícia investigava os
atores da subversão. Assim, ficamos sabendo que no dia 26 de novembro, no salão do Centro
Republicano Português (Rua Quintino Bocaiúva, n.º 76), Frola pronunciou uma conferência (“La
lotta contro il fascismo”) para uma platéia formada quase toda de “elementos agitadores”,
pertencentes à União dos Artífices em Calçados e à União Internacional dos Garçons, além de
muitos outros operários, tecelões e metalúrgicos. Antonio Piccarolo — mais tarde membro da
Oposição de Esquerda — apresentou Frola, além de um delegado representante do partido
revolucionário húngaro. A anarquista Olga Guerreiro também falou, “alimentando a idéia
antifascista”. Segundo o informante policial, estavam presentes alguns elementos húngaros que
tomaram parte na revolução de 1924. No dia 4 do mês seguinte — continua o informe — estava
programada uma nova conferência: “Dal 1919 ad oggi”.290
Em razão da presença de elementos perturbadores em sua última conferência, o subchefe
da Delegacia de Ordem Política e Social ficou encarregado de notificar Frola que não poderia falar
no dia 4, no que fora “atendido com todo o cavalheirismo”291 — expressão a atestar que os policiais
não eram insensíveis a hierarquias sociais. Novo informe dá conta de que a conferência proibida de
Frola era patrocinada pelos amigos do jornal La Difesa e pela “União Antifascista do Cambucy
Giacomo Matteotti”. O informante policial relata que no dia e horário estipulados, o dr. Gudolo
Bonaccini desculpou-se pela não realização da conferência, aduzindo que se não fora o estado de
sítio queria ver quem o proibia de falar, e que, para o futuro, quando quisesse fazer conferências ele
as anunciaria como um banquete — que seria um banquete mental. À saída foi distribuído um
boletim do Partido Democrático.292 Verifica-se, pois, que socialistas e anarquistas mantinham
posições próximas ao Partido Democrático, já em 1926, quando o PD apareceu a muitos como uma
saída para a situação de ilegalidade dos partidos de esquerda. Em 14/2/27, este dado reitera-se:
três inspetores informam à DOPS que no Centro Dramático Vila Pompéia, onde deveria falar Frola,
tinha ocorrido uma festa “muito animada”, durante a qual foram distribuídos pequenos boletins do
Democrata.293 Dias mais tarde, durante conferência de Frola, foi comunicada a fundação do grupo
anarquista “Nem Deus Nem Pátria”, que se reunia na casa de José Romero, na Rua Juruá, n.º
27.294 Socialistas e anarquistas, portanto, participavam solidariamente de muitas ações doutrinárias
dirigidas aos trabalhadores paulistanos. Entre eles também havia comunistas, como se verifica do
relato de 21/3/27 sobre nova conferência de Frola. Nessa sessão, também aberta por Antônio
Piccarolo (que pediu aos presentes “que se mantivessem durante a conferência com todo o
respeito, ordem e moralidade”), Frola atacou fortemente o fascismo, aconselhando os antifascistas
de São Paulo que mostrassem disposição para a contenda com adversários. A conferência foi
assistida por anarquistas, comunistas e “agitadores”, sendo vendido A Plebe.295
Uma semana depois, em mais uma de suas conferências, Frola concitou os presentes a
juntarem-se para a derrubada de Mussolini. Os “tiras” descrevem uma platéia formada por “imensos
grupos de agitadores”, inclusive por vários anarquistas “conhecidos”: Edgard Leuenroth, Antonio
Cordon, Hubo Tiolcatti, Domingos Grimaldi e outros. Ao terminar, três indivíduos de chapéu na mão

289
Prontuário n.º 152, de Francisco Frola.
290
“Comunicação de serviço”, de 29/11/26. Prontuário n.º 152.
291
“Comunicação de serviço”, de 1/12/26. Prontuário n.º 152, f. 3.
292
Informe do inspetor Norberto Ferreira dos Santos a Achilles Guimarães, delegado de Ordem Política e
Social, de 4/12/26. Prontuário n.º 152.
293
Informe de Orestes Lascala, Benedito Aprígio do Amaral e Vicente Malzone ao Comissário da DOPS,
Adolpho Normanha. Prontuário n.º 152, f. 6.
294
Informe do inspetor João Romero a Achilles Guimarães, delegado de Ordem Política e Social, em 20/3/27.
Prontuário n.º 152.
295
Informe dos inspetores Cypriano Fraga e Benedito Aprégio do Amaral ao comissário da DOPS Adolpho
Normanha, em 21/2/27. Prontuário n.º 152.
tiraram esmolas para a comuna, e duas mocinhas venderam o livro De Paris a São Paulo, de Frola,
distribuindo alguns boletins.296
A propaganda antifascista fazia-se na capital paulista em moldes que podemos
acompanhar por meio de inúmeros relatórios policiais. Relatórios que nos dão a medida das
similaridades e das divergências dos diferentes setores da esquerda.
Sigamos a conferência promovida pela Liga Antifascista de São Paulo, no dia 1/4/1927.
Frola, o orador oficial da liga — apresentado por Antônio Cimatti —, discorreu sobre o
regime fascista de 1919 a 27, o assassínio de Mateotti, a Revolução Leninista. Por último, analisou
a organização proletária metalúrgica na Itália, demonstrando que os donos das Firmas Ansaldo,
Fiat, e outros grandes industriais conquistaram as maiores fortunas com o trabalho honroso de seus
operários. A conferência foi marcada por gritos de “abaixo Mussolini” e “fascistas assassinos”.
Vendiam-se jornais anárquicos: O Martello, editado nos Estados Unidos, dirigido por Carlo Tresca;
O Culmine, editado em Buenos Aires, dirigido por Severino Di Giovanni; Il Risvegli, editado na Itália,
dirigido por Gigi Damiani, e A Plebe, da cidade de São Paulo, dirigido por Rodolpho Phelippe.297
A mesma temática repetiu-se num festival promovido pela UTG, na Lega Lombarda,
ocasião em que Frola se referiu à organização operária italiana que, em 1920, se achava muito bem
organizada e em franca prosperidade, mas em 1921 fracassara por causa do fascismo, “uma corja
de celerados sob as ordens de Mussolini”. Como conclusão, Frola concitou o operariado brasileiro a
se unir, porque antevia um futuro de vitória decisiva às classes laboriosas, o que no momento não
acontecia na Itália.298
A união de ferro que a esquerda ostentava para o público externo não conseguiu se manter
nos finais da década de 20 e nos anos posteriores, a não ser nos intervalos táticos ocupados pelas
diversas frentes únicas da época de Vargas. Assim é que, no dia 11 de abril de 1927, no Salão Itália
Fausto, quando deveriam falar Frola (que não compareceu) e Edgard Leuenroth, este comparou os
comunistas a “um governo mais ou menos reacionário”, desenvolvendo forte propaganda
anarquista para um salão repleto “com todos os antigos elementos militantes da Capital”.299
Os meios para a conscientização dos trabalhadores — utilizados pelas diversas correntes
da esquerda — iam das conferências aos boletins, folhetos, cartazes e anúncios em jornais.
Eventualmente os choques entre grupos políticos antagônicos surgiam no decorrer de panfletagens,
ocasionando registros valiosos para a história do cotidiano revolucionário. Pertencem a essa
natureza os distúrbios provocados, à “uma hora da noite”, na Avenida São João, entre um grupo de
indivíduos que colocava cartazes de propaganda antifascista, convidando para uma conferência na
qual falariam Antônio Piccarolo e Francisco Frola, e um senhor contrário a “esse partido” que tivera
um desses cartazes colado na porta de sua casa.300 Talvez para evitar fatos desta natureza, com as
decorrentes intervenções policiais, vetavam-se “o contraditório ou mesmo apartes” nas conferências
—- ao contrário dos comícios —, como podemos ler numa apresentação de Frola por Ambrogio
Chiodi, realizada durante conferência efetuada no Salão Celso Garcia, para uma platéia de 600
pessoas, quase todas italianas. Acompanhemos a estrutura desta conferência, cujo modelo não
destoaria substantivamente dos demais. Às 20,30 horas Frola entrou no palco acompanhado dos
membros da Liga Antifascista de São Paulo, e iniciou uma preleção sobre a Revolução Francesa, “a
primeira e a verdadeira revolução, que veio distinguir a humanidade em duas forças nítidas: a
aristocracia e o proletariado”. Após este intróito, “mais ou menos fastidioso, que o público
acompanhou sem entusiasmo algum”, Frola entrou a falar da “vida italiana de um século atrás,
atirando-se com alguma violência contra Victor Emmanuel I, Carlos Alberto e mais poderes
constituídos que naquela época dirigiam a Itália”, investindo com extrema violência contra o rei da

296
Conferência realizada no Salão Londres, na Avenida Rangel Pestana, 377, às 10 horas da manhã, no dia
27/2/27. Informe dos inspetores de segurança Joaquim Gentil e Rodolpho Ferreira ao comissário de Ordem
Política e Social, em 28/3/27. Prontuário n.º 152.
297
Informe sobre conferência realizada no Salão Luso Brasileiro, dos inspetores Antonio Grande Mauro e
Cypriano Fraga. Prontuário n.º 152, f. 13.
298
Informe reservado dos inspetores Fioravante Pagano e Antonio Benvenga, de 24/4/27, ao delegado de
Ordem Política e Social, Achilles Guimarães. Prontuário n.º 152.
299
Essa foi a primeira conferência de Edgard Leuenroth, após a revolução de 1924, informa o reservado.
Prontuário n.º 152, f. 5.
300
Informe de Antonio Grande Mauro, de 9/4/27. Prontuário n.º 152, f. 14.
Itália e Mussolini. Frola encerrou sua conferência comparando a Itália, vivendo em “tenebras”, com
a Rússia da qual vinha a luz, e na qual triunfara “a luta social, com o combate ao capitalismo, às
autocracias e ao mandonismo”. A conferência durou quase uma hora e foi freneticamente aplaudida
pelos presentes, com exceção de alguns fascistas, que se mantiveram calmos — informa o secreta.
No final foram distribuídos dois boletins, “parece que por determinação de a Lega Italiana Dei Doveri
Degli Uomini Liberi”.301 A natureza desses boletins fica definida por uma carta-delação enviada por
Giovanni Dalle Caridenese, poucos dias após, a Ibrahim Nobre. Segundo o delator, os numerosos
impressos distribuídos durante a conferência exaltavam o anarquismo e o bolchevismo, incitando a
união do proletariado nacional sob a bandeira do Partido Democrático Nacional, como o único guia
seguro dos operários e camponeses brasileiros. Também o missivista confirma o casamento do
“foragido” Frola com uma filha de Enrique Misari, agente de câmbio e “conhecido antifascista” de
São Paulo, e as atividades subversivas de Carlos Battaglia, juntando como prova um “retalho” do La
Difesa do dia anterior ao da delação (29/4/28).302
A posição política de Francisco Frola — um dos dirigentes do PSB — espelha bem as
ambigüidades das lideranças revolucionárias de São Paulo. A pregação de Frola defendia o anarco-
bolchevismo — empregando um quadro teórico bastante confuso — e a arregimentação dos
operários no Partido Democrático, que em 1928 procurou se transformar na solução viável para a
derrubada das oligarquias perrepistas. O proselitismo político de Frola foi mais uma vez registrado
pela polícia numa comemoração de 1.º de Maio realizada no Jardim da Aclimação, e promovida
pelas Liga Antifascista e Lega Italiana Dei Doveri Degli Uomini Liberi. Os agentes reservados,
destacados para seguir Frola, comunicaram que essa comemoração, marcada para às 14 horas, só
tivera início às 15,30, pois não havia número suficiente de pessoas. Enquanto esperavam, Frola e
seus companheiros passavam o tempo sentados, bebendo e conversando. Pouco antes das 15,30
horas, apareceram os membros das ligas, acompanhando o professor Antônio Piccarolo, que era
um dos oradores principais. Ambrogio Chiodi apresentou os oradores, trepado numa mesa. Em
seguida, Frola saudou o proletariado universal, prestes a se libertar do jugo da burguesia e do
mandonismo, relembrando os sacrifícios pelos quais sempre passou e continuaria a passar na
ordem burguesa. No prisma da análise “reservada”, Frola tratou mais do comunismo do que do
fascismo para uma assistência de cerca de 300 pessoas. Piccarolo, por sua vez, repetiu com outras
frases o que Frola dissera. Todos ostentavam um cravo vermelho na lapela, que era vendido a
“1$000 e mais”, por diversos membros das ligas, acompanhados de senhoritas. O comício terminou
às 16,30 horas, com todos cantando o hino dos trabalhadores. Frola permaneceu no local, bebendo
e conversando com um grupo de pessoas.303 A polícia considerava Frola como um bom orador
comunista, instigador de greves e dirigente da campanha antifascista em São Paulo. Como editor
do jornal La Difesa freqüentava a UTG, onde realizava suas reuniões secretas304, mantendo
relações com gráficos de esquerda.
Gofredo Rossini — troskista italiano e redator do jornal de Frola — presta importantes
contribuições para o estudo da luta contra o fascismo em São Paulo e das relações mantidas por
dissidentes comunistas e socialistas. Em carta endereçada a “Gentilucci”, Paris, e escrita em papel
timbrado do La Difesa — provavelmente no ano de 1929 — Rossini começa por contar as mesmas
histórias “da nossa comum pobreza”. Acabara o “dinheirinho” que tinha no bolso, pois no Brasil
“aquele que aluga um quarto é obrigado a comprar cama, lençóis, cobertores, espelho, toalhas,
etc.” A seguir, Rossini passa para o verdadeiro objetivo da carta: justificar-se por ser redator do La
Difesa, “há um mês e meio”, pois isso poderia parecer estranho para uma pessoa como ele. Porém
— continua —, ele havia estudado bem a situação local antes de aceitar o cargo: no Brasil havia
duas organizações e dois jornais antifascistas — o Risorgimento, órgão da concentração
(republicanos e Liga dos Direitos do Homem) e dirigido por Piccarolo, “pessoa indecentíssima,
verdadeiro produto da degeneração política colonial”; e o La Difesa, órgão da Liga Antifascista,
agrupamento de todos os partidos dirigido por Frola. O governo brasileiro dissolvera por várias
vezes o Partido Comunista e até um Partido Socialista (“a única tentativa feita em tal sentido”) de

301
Informe de Frederico Apollonio a Ibrahim Nobre, de 27/4/28. Prontuário n.º 152, fls. 19-20.
302
Prontuário n.º 152, f. 23.
303
Informe reservado de Alfredo Silva e Frederico Apolônio a Ibrahim Nobre, de 2/5/28. Prontuário n.º
152.
304
Contracapa do prontuário n.º 152.
caráter democrático, guiado por um dos grandes tribunos brasileiros: Evaristo de Moraes.
Justamente naqueles dias tinham sido dissolvidos o “Bloco Operário e Camponês” e todas as
organizações econômicas classistas existentes. Os estrangeiros presos foram deportados e
enviados aos seus países de origem. Nesta situação, resolvera em lugar de retirar-se à vida
particular fazer alguma coisa e trabalhar contra o fascismo. La Difesa defendia um antifascismo
genérico. Em São Paulo existiam, segundo o missivista, apenas três comunistas italianos: um
viajante do La Difesa, o “único sério e honesto”; o outro, o próprio Rossini; e o terceiro “um cáften
ou seja um ‘magnaccia’, que vive da prostituição da irmã e da filha”. A entrada de Rossini no La
Difesa teria causado um “putiferio” (reboliço). O órgão concentracionista começou a gritar que o
comunismo estava se infiltrando entre o elemento italiano. Um jornal fascista Il Pasquino — “dirigido
por aquele assassino do ROCCHETTI (aquele que matou o nosso Trocaioli de Macerata)” — há
seis números denunciava Rossini à polícia, na esperança de fazê-lo deportar, dizendo que viera da
Itália para organizar os comunistas brasileiros. No La Difesa Rossini começara uma feroz
campanha contra Mussolini, Rocchetti e um “tal comunista Rubbiani”. Embora essa não fosse uma
pura luta de idéias, mais do que isso não se poderia fazer, pois aquilo que se pretendia “na França e
na Bélgica não se pode pretender aqui”.305 A carta, escrita em italiano — e traduzida na Ordem
Social —, não chegou a ser enviada, pois Rossini foi preso para "averiguações comunistas" no mês
de junho de 1929. Novamente preso em 1934, Rossini declarou que há cinco anos chegara ao
Brasil, procedente da França, onde morara pelo espaço de três anos e meio. Há muitos anos, diz
ele, era comunista trotskista e mantinha relações de amizade com Aristides Lobo e Mário Pedrosa,
ambos também trotskistas, e que trabalhavam, como o declarante, para a Editora Unitas.306 Rossini,
que fugira da Itália mussoliniana aos 25 anos, foi novamente "expatriado". A 31/3/34, um termo de
compromisso foi firmado no Gabinete de Investigações, na Delegacia de Ordem Social, pelo qual
Paschoal Petraccone assumia "inteira responsabilidade sobre a conduta civil e moral do súdito
italiano Goffredo Rosini, assumindo o compromisso, também, de embarcar o mesmo Goffredo
Rosini, no espaço de trinta dias, a contar desta data, para fora do Brasil".307 Gofredo Rossini, o
combativo militante do grupo trotskista de São Paulo, desapareceu na Guerra Civil Espanhola, com
fortes indícios de ter sido assassinado pela GPU.308
Muitos dos comícios realizados em São Paulo davam ensejo a passeatas pelas ruas
centrais ou por bairros operários, com gritos entusiasmados de “vivas” e “morras”. Nestas ocasiões
a polícia intervinha, dissolvendo as manifestações e detendo os participantes mais em evidência.
Uma cena destas foi reproduzida por Agostinho Farina, sapateiro libertário ferido num conflito que
se verificou após uma reunião antifascista, promovida pelo Centro de Cultura Social, no Salão das
Classes Laboriosas. Nas declarações que prestou à polícia, Farina proclamou o seu “ideal
antifascista”, informando participar da União dos Artífices em Calçados, e que já estivera preso por
cerca de seis vezes, por questões de greves. Quando de sua última prisão, Farina tinha ido ao
Centro de Cultura Social quando reuniram-se vários oradores para falar contra o fascismo e o
integralismo. Havia comunistas e anarquistas presentes, além de pessoas de todos os credos
políticos, e ele vira pessoas sobraçando embrulhos compridos, não podendo afirmar se os mesmos
eram pedaços de pau, ferro ou outro qualquer objeto. Do salão saíram todos para o Largo da Sé,
onde começaram a contar A Internacional. Ele não cantara este hino por não saber de cor a sua
letra e porque não possuía voz, mas cantá-lo-ia “nas condições mencionadas, porque esse hino
somente encerra palavras de fraternidade internacional, não ofensivas aos que as ouvem”. Do
Largo da Sé, ainda em ordem, os manifestantes desceram pela Rangel Pestana, e ao se
aproximarem da esquina da rua Santa Cruz da Figueira foram todos do grupo, formado por cerca
de 50 e 60 pessoas, intimados a parar por um grupo de meia dúzia de indivíduos, que empunhavam
revólveres. Houve confusão e debandada e Farina acabou por ser baleado na perna direita.309
Um relatório policial sobre as atividades comunistas referentes ao ano de 1929 reconhece
conquistas importantes do PCB na luta revolucionária. Segundo o documento, o modesto "Bloco

305
Prontuário n.º 173, de Goffredo Rossini, f. 15-16.
306
Doc. cit., f. 10.
307
Doc. cit., f. 22.
308
ABRAMO, Fúlvio. A Oposição de Esquerda no Brasil, em: Na contracorrente da História, p. 32.
309
Declarações prestadas no dia 25/11/33, referentes a acontecimentos do dia 14/11/33. Prontuário de
Agostinho Farina, n.º 848, f. 7.
Operário e Camponês”, filiado à Terceira Internacional, conseguira ser o único representante do
proletariado e havia transmitido a política proletária aos elementos mais firmes do Partido
Comunista. Os folhetos de propaganda nos tempos da greve gráfica e do aniversário da revolução
bolchevista provavam que a "Seção Brasileira da Internacional Comunista” fora promovida a
"Partido Comunista do Brasil", nome que só se aplicaria aos partidos completamente organizados e
subordinados inteiramente à Internacional Comunista. O intendente comunista carioca, buscando a
organização imediata e definitiva do proletariado operário, visitara imediatamente depois do
Congresso de Catanduva as zonas rurais do Estado de São Paulo, especialmente Sertãozinho,
cidade na qual o anuário do Comintern, já no ano de 1927, anunciava a existência duma escola
comunista para os operários rurais do Estado.
No fim de fevereiro de 1928, o Congresso de Catanduva lançou a pedra fundamental das
organizações sindicais vermelhas unidas, provando a criação dos primeiros sindicatos profissionais
da juventude (ainda filiais das respectivas uniões operárias), subordinados à respectiva
Internacional Vermelha de Juventude (Komsomol) e das organizações das mulheres-trabalhadoras,
também como filiais da Internacional Feminina. No mesmo mês, jornais anunciaram a criação no
Brasil da filial da Liga Antiimperialista, agremiação mundial encarregada de propagar as idéias
comunistas, sob máscara acessível para a burguesia liberal, “facilitando a 'propaganda preventiva'
entre os que não podem adivinhar o perigo social que apresenta a propaganda contra a propriedade
rural particular, sob o pretexto duvidoso da conquista da ‘ liberdade' ”.
Na mesma época dos acontecimentos acima referidos, surgira a greve dos operários
gráficos. Este movimento — continua didaticamente o relatório — demonstrou que a sua direção
esteve em mãos de pessoas bem competentes no assunto, com meios para sugestionar greves
noutros estados, obtendo sustentação das outras organizações de classe. Além disso, a direção do
auxílio mútuo de grevistas fora organizado e dirigido pelo “Socorro Internacional Vermelho”, órgão
da Terceira Internacional, sediado em Montevidéu, e destinado a atuar em toda a América do Sul.
Em contraposição às atividades comunistas, em todos os setores de atividade no país tinha
sido sempre intensa a campanha policial, desagregando núcleos, segregando dirigentes,
apreendendo material de propaganda, desarticulando os centros de organização, desmascarando o
trabalho de camuflagem dos organismos auxiliares do partido, e impedindo a disseminação
doutrinária pela propaganda verbal, principalmente em comícios de porta de fábrica, tática que
havia sido, em certa época, “largamente empregada e ardorosamente recomendada". 310
Na greve dos gráficos paulistanos de março de 1929 foi também preso Isis de Silvio — um
dos líderes daquele movimento, várias vezes encarcerado e membro ativo da UTG —, que havia
pertencido ao BOC.311 Pela mesma greve, foi detido o socialista negro João da Motta Adderley,
quando pronunciava violento discurso no Largo da Concórdia, em 23/5/29. Adderley, embora
eletricista, agia no Sindicato de Ofícios Vários. Em setembro de 1934 foi um dos dirigentes e
principal orientador da greve verificada na pedreira da Light, situada em Santo Amaro. Neste
mesmo ano foi expulso de seu sindicato, acusado de desvio de dinheiro.
O núcleo paulista do PCB continuou dependente da Comissão Central Executiva para
orientação e fornecimento de quadros, até a Revolução de 1930. Membros recém-saídos da
Juventude Comunista do Rio eram enviados para organizar células em São Paulo, como aconteceu
com o estudante Manoel Karacik, detido em 1930 para averiguações312. Karacik acabou passando
para o trotskismo, como informou a Leôncio Basbaum.313
Em janeiro de 1932 o Bureau Sul Americano deliberou a mudança dos comitês centrais do
Partido Comunista e da Juventude Comunista para São Paulo. Nessa ocasião, Manoel Antônio de
Oliveira (Rossildo) — que vinha ocupando o cargo de secretário nacional da Juventude Comunista
— mudou para o partido, assumindo Arlindo Antônio do Pinho (“Pinheiro”) o cargo que ocupava e a
direção da Comissão de Organização Regional (São Paulo). Pinheiro, por esse tempo, foi a
Montevidéu para tratar de assuntos referentes às conferências regionais e nacionais do partido e da
Juventude Comunista. A sua chegada à capital uruguaia coincidiu com as prisões dos comunistas

310
Prontuário do Partido Comunista do Brasil, n.º 2.431, v. 4, fls. 56-71.
311
Prontuário de Ísis de Sílvio, n.º 196.
312
Nascido na Capital Federal, em 1908, foi enviado pela Juventude Comunista do Rio para organizar
células na capital paulista, sendo preso em seguida. Prontuário n.º 315, caixa 20.
313
Uma vida em seis tempos, p. 154.
brasileiros que ali se achavam, e Pinheiro acabou também preso, quando do fechamento da Casa
do Partido em Montevidéu. De retorno a São Paulo, Pinheiro ocupou-se apenas do trabalho
regional, mas viveu sempre em oposição à direção do PC, isto é, sempre na “ala esquerda”. Ao
regressar do Uruguai, Pinheiro formou com Leôncio Basbaum (“Machado”) e outros membros da
Juventude Comunista uma forte oposição contra a direção do partido que estava nas mãos de
Fernando de Lacerda, de sua mulher “Cina” e de Manoel Antônio. Vencido e convencido — por
intermédio de Montevidéu — de que estava errado, Pinheiro voltou a atuar na direção nacional.314
Everardo Dias era outro líder proveniente do Rio de Janeiro e, como Pinheiro, com grande
atuação nos meios operários paulistanos. Sogro de Astrojildo Pereira, adepto do anarco-
comunismo, comunista e depois socialista, Dias manteve relações de amizade com companheiros
anarquistas e com diversos indivíduos proscritos do partido. Assim o vemos, em 1931, misturado a
stalinistas, trotskistas e anarquistas, numa conferência na Lega Lombarda, elogiando os comunistas
espanhóis que destruíram igrejas na Catalunha, e exortando os brasileiros a que imitassem esse
exemplo, a fim de acabar com a prepotência do clero. Em seguida, Everardo deu a palavra a
Astrojildo Pereira, que também se referiu aos acontecimentos espanhóis, e com termos pesados e
irônicos à Revolução de Outubro, atacando os seus vultos proeminentes. Disse que, após seis ou
sete meses de terminada a revolução, a situação do país piorara. No intervalo da apresentação dos
oradores, houve venda de O Proletário e angariação de donativos. O orador seguinte, Paulo de
Lacerda, atacou “grosseiramente” o governo brasileiro. Entre os presentes, o inspetor reconhecera
Florêncio Tejeda, vendendo livros na portaria, Aristides Lobo, Víctor Azevedo e Oswald de Andrade
e senhora.315
As atividades de Everardo Dias centralizavam-se nos meios jornalísticos e sindicais.
Espanhol, nascido em 1882 (em 1886 transferiu-se para o Brasil), embora naturalizado brasileiro,
Everardo Dias esteve sujeito a repressões severas — prisões, açoites, expulsão — que não o
fizeram esmorecer na luta revolucionária. Em seu prontuário, lemos que Ibrahim Nobre mandou
chamá-lo em agosto de 1927 a fim de exortar o antigo deportado a que não tivesse parte ativa em
qualquer campanha proletária, se quisesse viver com sossego e, “sem a menor cerimônia, como se
o chamado poder de polícia fosse até a revogação da Constituição, proibiu-o de assinar qualquer
artigo de combate ou doutrinário”.316 Mais um dos apelos vãos da polícia paulista, como sabemos
pela história atribulada de Everardo Dias, sempre severamente vigiado. Um informe do reservado
João Guerra (pessoa relacionada com o grupo de intelectuais paulistanos) fornece a medida dessas
perseguições. Esse secreta introduziu-se na casa de Everardo Dias, “mediante um estratagema,
pois a menina, ativa como é, não deixa aproximar a quem quer que seja”. Aí Guerra recebeu
informações sobre um comunista que havia estado em São Paulo, e a conversa girou sobre a
atividade pessoal de Dias, que embora velho e doente, sem capacidade “para mais nada”,
continuava com as mesmas convicções políticas. Guerra, demonstrando familiaridade com sua
presa, combinou com a polícia que voltaria no dia seguinte com um parente do líder revolucionário,
e passaria a manhã com Everardo e a família.317
Preso após a Intentona de 35, aos 53 anos, Everardo Dias declarou que nunca fora
anarquista, tendo sido assim acusado pela polícia de 1918 em diante, em virtude de haver tomado
parte em greves e movimentos sindicais dos gráficos. Dias declarou também que havia pertencido
ao PCB, mas dele se desligou em 1930, por questões de saúde e econômicas. Ele atribuía a sua
detenção ainda ao seu passado, e tinha sido preso sem ter sido acampanado ou envolvido por mais
de um inspetor. Como conclusão, Dias declarou não ter sido maltratado pela polícia e nem no
presídio, onde estava recebendo tratamento humano e delicado, o que absolutamente não
acontecia noutros tempos.318

314
Informe sobre a atividade de Arlindo Antônio do Pinho (De um relatório de um reservado). Prontuário
do Partido Comunista, n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 38, f. 49.
315
Informe reservado do inspetor n.º 48, Affonso Mendes, ao delegado de Ordem Social, Ignacio da Costa
Ferreira, em 19/5/31. Prontuário de Everardo Dias, n.º 136.
316
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, agosto de 1927.
317
Informe reservado ao delegado de Ordem Política e Social, Laudelino de Abreu. Prontuário de Everardo
Dias, n.º 136, f. 3.
318
Declarações de Everardo Dias. Prontuário n.º 136, f. 46.
Alguns dias mais tarde (em 10/12/35), Everardo Dias completou seu depoimento, alegando
que o movimento revolucionário fora unicamente militar, sem o caráter comunista, e que militara
como socialista na capital paulista por muitos anos, até 1923, data em que foi fundado o PC, para o
qual ingressou, tendo nele militado até o ano de 1930. Nesta data, desiludido com a revolução
triunfante, retirou-se completamente de qualquer atividade. Durante o seu tempo de militante, Dias
afirmou ter sido contra os movimentos armados, pois entendia que uma revolução comunista só
poderia se processar por um movimento coletivo da massa.319
Do prontuário de Everardo Dias consta uma carta que escreveu a “Mendes”, dando conta
da sistemática perseguição da polícia paulistana aos esquerdistas:

“Recebi há dias este telegrama do Leão, mas só hoje o li, pois estou sendo
procurado desde 5.ª feira, às 9 horas, e nessa mesma hora, aproveitando a
folga do agente tomei um auto e estou bem distanciado.
Eles não me deixam: fazem intimação sobre intimação, para alarmar minha
mulher e filha. Mas, nada conseguirão.
É fato ou é fantasia do Lobo — que estão martirizando os presos? Baldes
de água fria, nudez, geladeira, etc. É verdade que estão levando a cabo tais
infâmias e monstruosidades? Eu, como já padeci esses horrores dantescos,
não estranho que eles continuem a fazer isso, embora depois cinicamente o
neguem e declarem que isso é fantasia literária do preso... Você leu as minhas
‘Memórias de um Exilado’? Quem leu aquilo, já sabe, ao ser preso, como
procede a polícia de São Paulo. Se não leu, eu lhe mandarei um exemplar
logo que possa.
Voltando ao Leão. É preciso ver o que se pode fazer, ou então escrever-lhe
quanto antes, dando o motivo. Eu, escondido, nada posso fazer. Além disso,
na quarta-feira, à noite, fui procurado pelo Pedrinho para me pedir dinheiro.
Todos os companheiros: o Tejeda, o Natal e outros estavam passando
necessidade, sem recursos... Ia providenciar, quando logo de manhã na
quinta, me vejo procurado para fazer companhia aos camaradas
encarcerados!
É um azar!
Se me quiser responder, deve ir ao Banco Comercial, seção de câmbios,
procurar Mário Moraes, entregar-lhe pessoalmente o bilhete e dizendo que é
para o = Marido de D. Maria =. Ele entregará em seu destino.
Sobre o paradeiro do Theothonio? Está preso?”320

A carta acima reflete acontecimentos de profundo significado para os destinos do partido e


de seus contendores. De acordo com Octávio Brandão, na segunda etapa de sua história — 1924
ao primeiro semestre de 1929 — , o PCB abandonou a palavra de ordem de ditadura do
proletariado, como tarefa imediata, sustentando o movimento nacional-libertador dos países
coloniais e dependentes, e orientando-se no sentido de uma aliança com os revoltosos de 1922-27,
remanescentes da Coluna Prestes-Miguel Costa. Neste momento, não conseguiu superar os
desvios de “esquerda” e cometeu desvios de direita. Não conseguiu compreender claramente o
caráter da revolução brasileira, subestimando a importância dos camponeses e superestimando a
importância dos revoltosos pequeno-burgueses. Na segunda metade de 1929, o PCB foi se
sectarizando, sustentando a palavra de ordem de Revolução Soviética imediata e passando por
tremenda desagregação.321
No âmbito nacional, o problema sindical, a formação do bloco operário e camponês, a
aliança com a pequena burguesia, o prestismo e o obreirismo constituíram questões que
sobrepassaram o campo dos embates individuais, ensejando a formação de grupos de oposição,
nos anos de 1928-30.

319
Declarações de Everardo Dias. Prontuário n.º 136, f. 35.
320
Carta manuscrita na qual Everardo Dias refere-se a um telegrama de “Leão”, datado de 14/11/1929, de
Uruguaiana, solicitando urgentemente 150$000. Prontuário n.º 136, de Everardo Dias, f. 96.
321
Combates e batalhas, v. 1, p.p. 219-221.
2. O Bloco Operário e Camponês em São Paulo.

O Bloco Operário e Camponês, “a mais importante iniciativa política dos comunistas no


período”, por representar a primeira tentativa sistemática de uma política de aliança322, tem a sua
história intimamente envolvida com a Oposição de Esquerda em São Paulo. Envolvimento
amplamente documentado. Vemos, por exemplo, que na organização de um curso pela Liga
Comunista Internacionalista, em 1933, sob o título: “História da Oposição Internacional da Esquerda
na Internacional Comunista”, o capítulo —“A formação da Oposição no Brasil” — começa com o
Bloco Operário e Camponês.323
Ademais, o BOC mereceu um programa de estudos elaborado pela Oposição de Esquerda,
que levanta alguns problemas ainda presentes nas preocupações dos historiadores: qual o seu
caráter, se se tratava de um organismo político ou meramente eleitoral, se era uma organização de
massa, qual o objetivo de sua participação nas eleições e se o bloco correspondia a esses
objetivos, se era uma organização comunista ou de direita, e, por fim, se constituía mera
camouflage do partido.324
Anunciado em meados de 1925, o “Bloco Operário” originou-se do oferecimento, feito por
Leônidas de Rezende, do jornal de sua propriedade — A Nação — ao PCB, razão pela qual esse
periódico se transformou no órgão oficial do PCB, a partir de 3/1/1927, com o fim do estado de
sítio325. A Nação foi classificada por João da Costa Pimenta como “um presente de grego”, pois
além de ter esgotado todas as energias da vanguarda revolucionária, não realizou no terreno
sindical nenhuma obra séria, compensadora dos esforços despendidos na sua manutenção. Além
disso, enquanto alguns camaradas procuravam realizar um trabalho de reagrupamento das forças
dispersas pelas lutas de tendência, aquele jornal provocava muitas vezes conflitos, atacando pontos
de vista e chefes de outras correntes, num momento em que o partido se mobilizava para a
realização de um congresso sindical.326 Outro ponto criticado era o fato de o jornal A Nação, até
11/8/1927, quando foi promulgada a “Lei Celerada”, defender a idéia da constituição de um
“Kuomintang” brasileiro, isto é, de um partido burguês e nacionalista capaz de desencadear no
Brasil um processo parecido ao que ocorria na China. Para tanto, a direção da III Internacional
determinou aos comunistas brasileiros que fizessem aliança do proletariado com a pequena
burguesia.
Com a oposição apenas de Rodolfo Coutinho e Joaquim Barbosa, o PCB aprovou a
“aliança da vanguarda revolucionária com a pequena burguesia que encabeçara os movimentos
revolucionários de 1922 e 1924”.327 Com base nessa resolução, em janeiro de 1927, a direção do
partido considerou que os comunistas não possuíam capacidade real para participar da eleição de
24 de fevereiro, com alguma vantagem, e resolveu formar uma frente única eleitoral, capaz de
aglutinar a classe operária, unindo-a a líderes da classe média. Desta forma o proletariado brasileiro
poderia intervir direta e independentemente no pleito a ser travado.
O jornal A Nação estampou na primeira página, a 5 de janeiro, uma carta aberta dirigida
pela Comissão Central Executiva do PCB a entidades e instituições políticas defensoras dos

322
VINHAS, Moisés. O Partidão. A luta por um partido de massas. 1922-1974. São Paulo: HUCITEC,
1982, p. 8.
323
Prontuário do Partido Comunista do Brasil, n.º 2.431, v. 5.
324
Sem data ou autor, mas escrito em papel timbrado de um escritório de advocacia de um dos primeiros
opositores de esquerda do Rio de Janeiro, Hahnemann Guimarães. FLBX.
325
Publicações do Grupo Braço e Cérebro, n.º 1, 1928. Apud: CARONE, Edgard. O P.C.B. 1922 a 1943.
São Paulo, DIFEL, 1982, v. 1, p. 60.
326
Carta Aberta aos membros do Partido Communista do Brasil, por Joaquim Barboza. Rio de Janeiro,
1928, p. 6. FLBX.
327
Na contracorrente da História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). Org.
por Fúlvio Abramo e Dainis Karepovs. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.p. 46-47.
interesses do proletariado, lançando as bases para a formação do Bloco Operário328, capaz de
fornecer cobertura legal ao partido e funcionar como instrumento de ligação com as massas. A idéia
era que o PCB apoiasse candidaturas de classe, como as de Maurício de Lacerda e Azevedo Lima,
vistos como candidato dos oprimidos e explorados, para os quais foi proposta a formação de uma
frente única proletária na campanha eleitoral, baseada numa plataforma única de combate,
contendo as reivindicações mais elementares comuns às massas laboriosas. Assim nasceu o Bloco
Operário.329 A “carta aberta” explicita que o BO — e depois o seu sucedâneo BOC — não constituía
um partido político, mas uma “frente única proletária”:

“O Partido Comunista, cônscio de que os interesses supremos do


proletariado devem ser postos acima das tendências desta ou daquela facção
política, propõe a formação de uma frente única, de um bloco operário de
todos os candidatos, partidos e grupos que vão disputar as próximas eleições
alegando ou pleiteando representação das classes laboriosas.” 330

Para as eleições de deputado à Câmara Federal, marcadas para 24 de fevereiro de 1927, a


Comissão Central indicou dois candidatos a deputado: o operário gráfico João da Costa Pimenta, e
o médico Azevedo Lima. O primeiro rejeitou sua indicação, pois pretendia permanecer sobretudo
um líder trabalhista. O segundo foi eleito.331
Com a votação da “lei celerada” em agosto de 1927 — instrumento legal de repressão aos
“subversivos” — a direção do partido buscou novas formas de adaptação às condições de precária
legalidade criadas pela referida lei. Assim, o Bloco Operário ampliou-se no plano nacional para
Bloco Operário e Camponês, constituindo uma frente eleitoral destinada a agrupar setores da
pequena burguesia e do proletariado, sob a hegemonia do PCB.
Em outubro de 1928, o BOC conseguiu eleger dois intendentes comunistas332 para o
Conselho Municipal do antigo Distrito Federal, o que foi considerado uma grande vitória comunista.
Embora a influência do BOC tivesse se estendido a São Paulo, Rio Grande do Sul e outros Estados,
o partido acabou por tomar posição contrária a ele, apontando vários erros em suas discussões
internas, como o “eleitoralismo” e uma certa tendência de dissolver o PCB nas fileiras do bloco.
Marcado por sectarismos, o BOC sofreu pesada derrota nas eleições de 1.º de março de 1930,
para as quais apresentara candidatos comunistas aos cargos de presidente e vice-presidente da
República, a senadores e deputados federais e a senadores e deputados estaduais. Meses mais
tarde, o BOC foi dissolvido pela própria direção do PCB que o havia criado.333
O BOC constituiu a primeira tentativa de ampliar as bases do partido, “sob inspiração
kuomintanguista”, como frisaram seus opositores — em análise ratificada por diversos
historiadores.334 Edgar S. De Decca considera que o BOC decorreu da leitura que o “partido
operário” fizera da História, definindo a revolução democrático-burguesa como um lugar privilegiado
de produção da História pela classe operária. Assim, o PCB optou por alianças com setores
democráticos, como estratégia de luta.335 De Decca alega que o BOC revestiu-se de importância
maior em São Paulo por viver, na capital paulista, o maior contingente de operários, e pela
existência de uma luta parlamentar intensa, propiciada pelo crescimento do Partido Democrático.336

328
PEREIRA, Astrojildo. “A formação do PCB”. In:Ensaios históricos e políticos. São Paulo, Alfa-Omega,
1979, p. 110.
329
Op. cit., p.p.87-92.
330
Carta aberta a Maurício de Lacerda, a Azevedo Lima, ao Partido Socialista, ao Centro Político dos
Operários do Distrito Federal, ao Centro Político dos Choferes, ao Partido Unionista dos Empregados no
Comércio, ao Centro Político Proletário da Gávea, ao Centro Político Proletário de Niterói. In: PEREIRA,
Altrojildo. Ensaios Históricos e Políticos, p.p. 114-115.
331
Combates e batalhas, v. 1, p. 340.
332
Octávio Brandão, um dos mais importantes teóricos do partido no período, e Minervino de Oliveira,
operário marmoreiro.
333
PEREIRA, Astrojildo. “Bloco Operário e Camponês”. In: Ensaios históricos e políticos, p.p. 124-125.
334
Entre outros: José Castilho Marques Neto, Edgard Carone, Paulo Sérgio Pinheiro, Marcos del Roio.
335
O silêncio dos vencidos. 3. ed. São Paulo, Brasiliense, p. 80.
336
Op. cit., p. 100.
Entretanto, pouco há nas fontes que corrobore a alegada importância do BOC em São Paulo. Afora
algumas intervenções pontuais no movimento sindical, o BOC pautou-se pela quase inoperância
em terras paulistas. Os testemunhos sobre o fracasso dessa tentativa de unir o proletariado aos
ideais de 5 de julho são eloqüentes — e unânimes, após 1930. A oposição ao bloco defendida pelos
anarquistas — predominantes ainda no final da década de 20, no movimento operário —, a
inexpressividade da votação conseguida por seus candidatos, a pouca importância que a polícia
política concedia a essa agremiação, as acusações de kuomintanguismo assacadas aos bloquistas
e a própria dissolução do BOC, decidida pelo PCB, são argumentos adversos à crença de De
Decca.
As divergências com o Bloco Operário e Camponês, mesmo no Rio de Janeiro, aparecem
quase concomitantemente à sua formação. Escutemos a voz dos vencidos.
Os dissidentes de 1928 afirmam que o BOC, previsto como instrumento de agitação,
tornara-se “a caixinha de segredos dos conchavos, tramados à revelia do partido, com
parlamentares profissionais e políticos da burguesia”. A questão do Kuomintang preconizado pela
CCE foi a pedra-de-toque de todos os desvios, a cristalização dos erros em que incidiu A Nação. A
situação tornava-se intolerável dentro do partido para todos os que não queriam colaborar nesse
desvio. O trabalho do partido era prejudicado nessa confusão. A divergência em pontos essenciais,
em que era impossível transigir, obstou todo o trabalho eficaz por parte dos elementos divergentes.
Assim, os erros doutrinários da CCE, a estratégia “tonta” por ela preconizada e a concepção de um
antagonismo irremediável entre o agrarismo e o industrialismo, em substituição à luta de classes,
provocavam nas esferas superiores do partido os resultados mais lastimáveis, a mais completa
confusão. Como conseqüência, nas eleições de fevereiro em São Paulo, o BOC resolveu apoiar os
candidatos do Partido Democrático.337
O BOC paulista, filiado ao BOC do Rio de Janeiro, foi fundado em 1.º de fevereiro de 1928,
num comício que pleiteava a aplicação do Código do Trabalho e da Lei de Férias. Constituiu-se um
comitê eleitoral dos jornalistas, organização filiada ao BOC, com o fim de agrupar o pessoal que
trabalhava nas empresas jornalísticas, organizando-o dentro da classe trabalhadora. Ingressaram
no BOC, por adesão, diversos membros da futura Oposição de Esquerda de São Paulo — que
formavam o comitê eleitoral dos jornalistas —, com o fim de agrupar o pessoal que trabalhava nas
empresas jornalísticas, organizando-o dentro da classe trabalhadora: Lívio Xavier, Miguel de
Macedo, Antônio Mendes de Almeida, Nelson Tabajara de Oliveira.
Aristides Lobo, que rompera com a direção do PCB em 1928, foi um dos candidatos
escolhidos pelo BOC para representar São Paulo no Congresso Nacional.
Quanto à presidência do BOC, a influência sindical pesou mais do que a do partido, pois
contrariamente a determinações da CCE, acabou ela por ficar com o não-comunista Nestor Pereira
Júnior, presidente da Associação dos Empregados no Comércio de São Paulo. A candidatura
atemorizou as autoridades: no comício de 16 de fevereiro, foram presos Ísis de Sílvio e Plínio Melo,
pelo delegado de Ordem Social, Ibrahim Nobre, por terem eles discursado em termos “vibrantes e
enérgicos” a favor do candidato operário. Paralisado pela arbitrária ação policial, o Comitê Regional
do BOC de São Paulo, quatro dias após, lançou manifesto anunciando a desistência de Nestor
Pereira Júnior e aconselhando os seus partidários a votarem nos representantes do Partido
Democrático.
O Comitê Central Executivo criticou asperamente os camaradas paulistas, caracterizando a
posição que assumiram sobre o BOC como “debandada e capitulação” e não como “uma retirada
estratégica, efetuada segundo as regras conforme exigia Lenin”. 338
Plínio Gomes de Melo, que fazia parte do Comitê Regional Provisório do BOC de São Paulo
e havia assinado um manifesto que criticava atos do chefe de polícia339, foi o autor de um elucidativo
documento de defesa da seção paulista. Em “Carta à CCE”, enviada de São Paulo em 21 de abril
de 1928, Melo analisa as eleições estaduais em São Paulo. Diante do perigo — escreve — os

337
“Memorial ao 3.º Congresso”, in: A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30, ano I, n.º 3, p. 1.
338
Retirada Estratégica. Prontuário de Aristides Lobo, n.º 37, v. 1, f. 41 do prontuário e p.1 do documento. A
autoria de Retirada... é, como se vê no final, de Plínio Gomes de Melo, que fala em nome dos comunistas da
seção paulista. No texto, surgem divergências que prenunciam o seu afastamento da CCE e a sua posterior
expulsão. Embora não datada, a publicação desse texto ter-se-ia verificado no primeiro semestre de 1928.
339
Informação datada de 18-2-28. Prontuário de Plínio Gomes de Mello, n.º 385.
comunistas não permaneceram inertes e tomaram uma atitude bastante definida: publicaram um
manifesto explicando ao proletariado os motivos porque retiravam a candidatura operária, porque
não se abstinham do pleito, porque recomendavam os candidatos do Partido Democrático à
votação dos trabalhadores. Além deste manifesto, publicaram uma entrevista com “Nestor”
explicando melhor as razões porque assim agiam. Isso fora feito já nas vésperas do pleito, porque
antes daquela época não viam um motivo sério que os pudessem obrigar à retirada. Tinham ainda a
promessa da vinda de Azevedo Lima e a polícia não os havia incomodado. Depois porém que
perceberam o perigo que corria o seu reduzido eleitorado mais garantido, isto é, o dos empregados
do comércio, graças ao jogo do cabo eleitoral democrático; e depois que a polícia começara a agir
prendendo dois dos diretores do BOC, além de outros militantes operários, e varejando as sedes de
alguns sindicatos, insistir no plano delineado “não seria agir como bolchevistas, seria fazer obra de
anarquista”. O BOC havia sido reduzido à situação de ilegalidade, e eles ainda não haviam
organizado elementos capazes de levar para diante na ilegalidade a obra do BOC. Impunha-se,
portanto, a retirada. Depois de terem protestado, em carta aberta ao Correio Paulistano, contra a
arbitrariedade policial de que estavam sendo vítimas, cuidaram da nova posição a ser tomada pelo
BOC. Não capitularam em debandada, pois tomaram a única posição viável no momento. Se
levassem às urnas o nome do candidato do BOC, seria quase certo que ele obteria apenas 300 ou
400 votos, se tanto, com sérias conseqüências: 1.º) desmoralização do BOC aos olhos do
proletariado que não mais acreditaria nele nem nos elementos que se encontravam à sua frente;
2.º) reforçariam desse modo a frente burguesa contra o proletariado; em vez de procurarem cindir
essa frente, fazendo jus às simpatias da força política utilizada pelos comunistas — os
democráticos pequeno-burgueses —, o que provocariam seria o seu ódio político e mesmo pessoal
que, aumentado da repressão policial perrepista, iria colocá-los em situação verdadeiramente
intolerável, prejudicando toda a atividade futura do partido.
Quanto à hipótese de “abstenção indireta”, isto é, a retirada da candidatura operária,
aconselhando-se aos operários a abstenção, Melo entende que traria como conseqüências: 1.º)
fariam incontestavelmente o jogo do PRP, dando-lhe ganho de causa sobre o PD, pois um dos
candidatos democráticos não seria eleito; 2.º) arrostariam desse modo a antipatia dos eleitores
democráticos que precisavam trazer para o lado do partido, impossibilitando, assim, qualquer
acordo político que futuramente precisassem fazer com os democráticos; e 3.º) “nem por isso o
PRP deixaria de ser menos reacionário...”
Diante do quadro acima — continua Melo — restava aos bloquistas a atitude que tomaram,
retirando a candidatura operária e apoiando o PD. A Comissão Central Executiva ao considerar
como resultado dessa posição o aumento da confusão política que se pretendia combater, via
apenas uma face da questão — ou da afirmação do princípio básico do BOC, isto é, política de
classe independente. A suposta influência que desse modo exerceriam sobre a massa trabalhadora
de São Paulo, não passaria de hipótese muito vaga. Assim não só perderiam a eleição, mas
também a “agitação”... Agindo como agiram, teriam conseguido não só comprometer o PD para
com eles, facilitando assim a atividade futura do partido, como também despertar a simpatia dos
trabalhadores de São Paulo, em sua maioria de mentalidade pequeno-burguesa, “encantados com
a obra dos democráticos”... Portanto, embora tivessem prejudicado o programa do BOC, teriam
aberto o roteiro da atividade propriamente bolchevista, sem que se afastassem dos ensinamentos
de Lenin.340
Os argumentos acima deixam clara a posição dos comunistas de São Paulo a respeito do
BOC: eles utilizaram-se de uma tática política ao retirar a candidatura própria, dando apoio ao
candidato democrático. De outro lado, os comunistas de São Paulo dominavam suficientemente a
teoria marxista, e dela retiraram “lições” em abono da estratégia seguida pelo BOC paulista. A
primeira das lições — observa Melo — referia-se à verdade que consideravam fundamental da
doutrina marxista: “Fortiter in re suaviter in modo.” Firme no fundo, mas suave na forma. Absoluta
segurança de princípios, mas tolerância, condescendência, sabedoria na tática. Nos dois grandes
livros que condensavam a maioria dos ensinamentos legados por Lenin — Que fazer? e A moléstia
infantil do comunismo —- esse pensamento encontrar-se-ia ampliado à luz da experiência histórica,
tomando aspectos novos que “só a visão do gênio de Lenin poderia descobrir”. À página 125 de A

340
Doc. cit., p.p. 1-3.
moléstia infantil do comunismo encontraram — continua Melo — esta interpretação do pensamento
de Marx, aplicado por Lenin à situação histórica que viviam:

“Não falta mais que uma coisa para que marchemos à vitória com mais
confiança e firmeza. E é a consciência clara que devem ter os comunistas em
todos os lugares e em todos os países da necessidade de obter o máximo de
‘souplesse’ na sua tática. A despeito do seu magnífico desenvolvimento,
sobretudo nos países adiantados, o comunismo carece hoje desta consciência
ou não sabe o bastante para convertê-la em aplicações práticas.”

Esse pensamento esclarece a óptica do autor do documento: e nos países de largo


desenvolvimento capitalista a tática do partido deveria ser aplicada com grande plasticidade, nos
países economicamente atrasados, como o Brasil, essa tática deveria ser ainda mais maleável de
jeito a servir primeiro à revolução liberal democrático-burguesa que se aproximava, a fim de que os
comunistas pudessem conseguir as condições necessárias para a revolução proletária,
conseqüentemente posterior. Daí o necessário cuidado que deveriam tomar, evitando quaisquer
incompatibilidades com os elementos democrático-liberais, no período pré-revolucionário.
Sem organização, sem elementos necessários, sem possibilidades materiais para levar
adiante uma luta contra um inimigo muitas vezes mais poderoso, seria “moléstia infantil” insistir em
tal luta.
Lenin continua a ser citado:

“Aceitar conscientemente o combate quando ele é vantajoso para o inimigo


e não para nós, é um crime; e são deploráveis diretores da classe
revolucionária todos quantos não sabem proceder por meio de elogios,
acordos e compromissos, para evitar um combate de que eles tenham
341
reconhecido as desvantagens”.

Melo conclui que, diante das circunstâncias em que se encontravam, o próprio bom senso
lhes indicara o rumo que tomaram: trocaram os princípios do BOC pela possibilidade de lutar em
prol do programa político que consubstanciava esses mesmos princípios.342
Sobre a questão do acordo com o Partido Democrático, Melo elucida alguns pontos
obscuros da historiografia pertinentes à aliança entre comunistas e sociais-democratas. E também
explica o início da dissidência da seção paulista do PCB. Ele começa por apontar a obstinação da
CCE de ver um erro no recuo a que foram obrigados os comunistas de São Paulo, não percebendo
que a “carapuça da citação de Lenin” não lhes servia e que se aplicava com maior fundamento aos
camaradas da própria CCE. No relatório enviado particularmente por Melo a Astrojildo, não para ser
discutido oficialmente pela CCE e, por conseguinte, para dar lugar à censura no partido de que fora
alvo — mas apenas para servir como material de estudo do caso em questão — ele fizera uma
ardorosa referência à necessidade de um acordo permanente com o PD. De fato assim aconteceu,
porém, a CCE no seu contra-relatório, fazendo considerações em torno do caso, deturpara-lhe o
sentido, citando o fato sem fazer alusão às suas causas e conseqüências necessárias. No relatório
enviado à CCE, Plínio referira-se ao acordo que fora proposto aos comunistas de São Paulo por um
membro do Diretório Central do PD, evidenciando as causas que o tornavam aceitável e as
conseqüências dele provenientes. O BOC havia sido levado à ilegalidade; não restava ao partido,
por conseqüência, um meio prático de arregimentação política dos trabalhadores de São Paulo. Por
outro lado, esse acordo consistia na criação de uma “seção operária” no PD e no Diário Nacional,
órgão do mesmo partido. Estas seções ficariam a cargo do partido, controladas pelos comunistas.
Melo frisara bem que era ideário do PD criar uma “seção operária”, mesmo sem o apoio do partido,
e mostrara o perigo que haveria nisso se os comunistas não aceitassem o desafio para uma luta
interna no seio do próprio PD. Criada a seção operária sem o controle comunista e, pelo contrário,
contra a vontade dos comunistas, pela própria luta que os comunistas deveriam fazer contra ela
(luta materialmente impossível de ser levada a efeito), o partido iria forçar a criação de uma

341
Edição francesa, p. 88. In: doc. cit.
342
Doc. cit., p. 4.
ideologia colaboracionista em São Paulo. O acordo com o PD possibilitaria a ação legal dos
comunistas, no sentido de desenvolverem o trabalho mais necessário que existia no momento em
São Paulo — o de organizar sindicalmente os trabalhadores. Desse modo, entrariam em contato
com os elementos mais aproveitáveis do proletariado, trazendo-os para o PC, a fim de que se
ampliasse a base de operações propriamente revolucionárias.343
O próprio acordo com o PD corresponderia a uma necessidade inevitável, decorrente da
situação em São Paulo, isto é, de um lado, o terror policial, e do outro, a falta de consciência de
classe no seio do proletariado, e a mentalidade pequeno-burguesa de quase todos os trabalhadores
que lá viviam. Ademais, a CCE apreciara erroneamente a estrutura do PD, que como partido típico
da pequena burguesia poderia acolher todas as correntes de idéias. A maioria de seus dirigentes
eram intelectuais de mentalidade pequeno-burguesa, sinceramente iludidos com a panacéia do voto
secreto e com a democracia pura. Melo explica que a pequena burguesia não constituía
propriamente uma classe, mas era formada pelo elemento oscilante entre as duas classes
históricas, isto é, o proletariado e a grande burguesia ou burguesia propriamente dita. Embora o
BOC fosse um partido de classe, subestimar a influência da pequena burguesia sobre o
desenvolvimento da revolução seria desconhecer a sua força social, e o perigo que representaria
para os comunistas se ela se tornasse contra-revolucionária ou fascista. Não seria isolando o
proletariado do movimento social-revolucionário que se conseguiria a consciência de classe desse
proletariado. Um julgamento objetivo da questão levaria a CCE a verificar que assistia a Plínio Melo
um pouco de razão, ao menos, na atitude que tomara, “em parte juntamente com os camaradas do
CR e em parte pessoalmente, em face das eleições de fevereiro”.344
Diante de tudo isso, a CCE procurou fazer ironia, dizendo que os argumentos do autor eram
“cavados no buraco”, que ele havia “caído no conto”, que “na verdade tudo isso era estupendo”. Ele,
por sua vez, tomava a liberdade de fazer também “gracinha” a propósito da “doença infantil” de que
estavam atacados os camaradas da CCE, lembrando-lhes um argumento maior de que eles
certamente esqueceram de lançar mão contra si, e que era a imoralidade manifesta de um tal
acordo ... Se tal acontecesse era bem possível que até “Lenin soltasse boas gargalhadas lá no seu
mausoléu do Kremlin”.
Segundo o documento, o proletariado podia não ter consciência de classe, possuindo uma
mentalidade pequeno-burguesa, sem que, no entanto, isso implicasse o fato de que ele estivesse
imbuído de uma ideologia colaboracionista. Este era o caso de São Paulo. A mentalidade pequeno-
burguesa do proletariado paulista tinha outras causas que se encontravam ou na origem dos
trabalhadores, na sua maioria procedentes de famílias pequeno-burguesas, carreadas pelas
imigrações dos povos do Velho Mundo para a América, ou, na influência da ideologia anarquista,
que até bem pouco tempo preponderava no movimento operário de São Paulo.345
Continua Plínio Melo que, não obstante os fatos apresentados, os camaradas da CCE, no
seu contra-relatório, encaravam a questão abstratamente, sem fundamentos doutrinários que, ao
menos, servissem como material de educação política aos aderentes do PCB, descobrindo que os
membros do CR paulista tiveram medo do “terror policial”, e inventando que fizeram conchavos com
os democráticos. Esses procedimentos procurariam desmoralizá-los aos olhos do partido. Quanto a
Melo, as insinuações da CCE eram bastante claras, pois depois de fazerem entender aos
camaradas do CR que tivessem mais cuidado com ele, apresentavam-no à curiosidade de todo
partido como exemplar típico de “menchevista gênero — traidor”. Melo conclui declarando-se
convictamente radicado à classe operária, por cujos interesses e aspirações vinha se batendo, sem
oscilações pequeno-burguesas, com a dedicação que lhe era possível, e, além disso, na condição
de aderente do PCB, considerava-se devotado discípulo de Lenin. Assim sendo, não podia deixar
de ver nas acusações formuladas contra ele pela CCE, não a franqueza admissível e desejada,
mas uma manifesta e deplorável deslealdade.346
Plínio Gomes de Melo, expulso do partido em 1930, ingressou na Oposição de Esquerda.
Anteriormente, Plínio participara das reuniões efetuadas pelo Secretariado Sul-Americano do
Comintern, reuniões que estabeleceram novos planos de ação para o PCB. De volta ao Brasil,

343
Doc. cit., p. 5.
344
Prontuário n.º 37, v. 1, f. 31 (f. 14 do documento).
345
Doc. cit., p. 6.
346
Doc. cit.
encontrou o partido do Rio de Janeiro reduzido a quase nada, sem condições de lhe fornecer o
número suficiente de elementos para formar uma célula. Por isso, mudou-se para a capital paulista,
porém a repressão policial à subversão que aí grassava aconselhou-o a se transferir para Santos.
Nessa cidade, preparou um relatório de crítica a Astrojildo Pereira, sendo expulso do partido.347
Robert Alexander simplifica a posição de Plínio Melo em relação ao PCB. Diz ele que Plínio
Melo, líder operário do PC no Rio Grande do Sul, depois de comparecer a uma reunião do
Secretariado Sul-Americano do Comintern, no início de 30, mudou a sua base de operação para
São Paulo. Ele e outros líderes da seção paulista foram expulsos do PCB como resultado dos
esforços para obter o reconhecimento legal do primeiro interventor do Estado, nomeado por Vargas.
Logo depois de sua expulsão, eles se juntaram aos trotskistas.348 Os documentos, entretanto,
demonstram que desde 1928 Plínio Melo estava intimamente ligado à Oposição de Esquerda,
esperando, segundo orientação dos opositores, pela sua expulsão inevitável, enquanto tentava
influenciar camaradas no seio do partido. A sua expulsão deveu-se a críticas que fizera à CCE
quanto à questão do BOC, como vimos acima, e a Astrojildo Pereira, além, evidentemente, de
posições discutíveis — na óptica do partido e dos opositores de esquerda — que ele assumia
perante autoridades e outras correntes ligadas ao sindicalismo revolucionário.
O III Congresso do PCB, reunido de 29/12/28 a 4/1/29, na sede da Federação Operária do
Estado do Rio, em Niterói, depois de criticar e condenar algumas manobras eleitorais do BOC de
São Paulo e advertir o deputado do BOC no Congresso Nacional, por “desvios oportunistas”,
recomendou que se organizassem comitês e centros políticos, no âmbito nacional, filiados ao BOC,
buscando ligar-se aos operários e lavradores pobres. No entanto, o BOC nunca conseguiu penetrar
nos campos, mantendo-se apenas como organização de massas na cidade e como uma forma de
trabalho legal do PCB.349
Finalmente, a Resolução da Internacional Comunista sobre a Questão Brasileira, de
fevereiro de 1930, jogou a pá de cal no estanguido BOC, identificado como o aspecto mais perigoso
da teoria “menchevista” do PCB, que negava a hegemonia do proletariado na revolução
democrático-burguesa. A prática do partido, nos últimos anos, teria consistido em ceder seu papel
independente ao BOC. Assim, o bloco, em lugar de cobrir legalmente e de ligar o PCB com as
massas operárias, transformara-se num segundo partido operário, que não fazia uma política
revolucionária conseqüente.

3. A primeira dissidência coletiva do Partido: “Célula 4-R”, Prestismo e Liga de Ação


Revolucionária.

Nos últimos meses de 1927, dando continuidade à estratégia que a levou à criação do
BOC, a CCE envolveu-se num debate sobre a conveniência de entrar em contato com os
revolucionários da Coluna Prestes, internados na Bolívia, a fim de que, aliados aos comunistas,
pudessem dar impulso às forças da revolução. Por proposta de Astrojildo, decidiu-se procurar
Prestes e tentar unir as forças revolucionárias. Joaquim Barbosa e Rodolfo Coutinho discordaram
dessa tática, alegando que a coluna representava um movimento pequeno-burguês e unir-se a ela
seria trair o proletariado e os ensinamentos de Marx e Engels. Por tal discordância, retiraram-se do
partido, sendo acompanhados por um grupo de intelectuais, dentre os quais Mário Pedrosa e Lívio
Xavier. Estes últimos já apresentavam tendências trotskistas ocasionadas pelas notícias da luta que
se verificava na União Soviética entre Stalin e Trotski, conhecida pela leitura da imprensa comunista
francesa, principalmente o L’Humanité.350 Mário Pedrosa relutou em aceitar o ato de demissão de
seus amigos, solidários à 4-R. Em carta escrita da Alemanha, sob o pseudônimo de “Miguel”,
critica-os por terem dado uma solução rápida demasiado à crise, menosprezando o valor de
algumas formalidades, quando mais não fosse para facilitar a justificação dessa atitude perante a
IC, e “sobretudo mostrar aos fanáticos da disciplina (que é a maioria) a sinceridade da atitude dos

347
LACERDA, Maurício de. Segunda República, p.339.
348
ALEXANDER, Robert J. International Trotskyism. 1929-1985. Analysis of the movement. Duke .
Durham and London, Duke University Press, 1991, p. 132.
349
PEREIRA, Astrojildo. “Notícia do III Congresso”. In: Ensaios históricos e políticos, p.p. 144-145.
350
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo, Alfa-Omega, 1976, p. 50.
chefes”. Ademais, a demissão fora tomada sem preparativo prévio — de modo a facilitar a
compreensão do ato pela maioria ou ao menos pela parte hesitante desta. Além de tudo, Pedrosa
manifestou preocupação com a atividade dos companheiros, fora do partido: se estavam
verdadeiramente organizados, trabalhando seriamente nos sindicatos, publicando, ou se estariam
limitados “a discutir nas mesas dos cafés como é o nosso hábito...” 351
Os “fracionistas” do Rio de Janeiro de maio de 1928, num total de 48352, foram apoiados
por grupos anarquistas e socialistas. De início apelaram para o 3.º Congresso do PCB, mas foram
derrotados. Octávio Brandão afirma que vários membros da fração dos “liquidadores” eram
trotskistas.353
Os oposicionistas passaram a ser chamados de “desertores do partido”, definitivamente
liquidados, quer do ponto de vista orgânico, quer do ponto de vista político. Haviam sido batidos na
CCE, nas células e nos comitês a que pertenciam. O mal fracionista trouxera um bem: o partido fora
depurado dos maus elementos que se haviam infiltrado em suas fileiras, e apurado naquilo que ele
possuía de melhor: “o cerne proletário, firme, denso, compacto de suas organizações de base”.
A organização de São Paulo, deliberando sobre a situação criada no Rio pela cisão havida
no partido, resolveu condenar a atitude indisciplinada dos oposicionistas e optar pela convocação do
ll Congresso, uma vez que a Conferência Nacional não poderia resolver os problemas urgentes do
movimento comunista no Brasil. A idéia que se transformou numa explicação geral do PCB foi a de
que não houve cisão, “mas a pura deserção de elementos heterogêneos — intelectuais, pequeno-
burgueses, anarquistas, oportunistas, fatigados, cépticos, etc.”
Heitor Ferreira Lima corrobora essa posição:

“Lamento bastante o que acaba de fazer Barbosa, porém estou de pleno


acordo com o procedimento da CCE. A CCE procedeu com bastante doçura
para com ele. Estranho verdadeiramente a atitude tomada por ele, e que a
CCE muito bem qualificou de indisciplinada. Todos nós considerávamos
Barbosa como um dos nossos melhores militantes e era ele uma das nossas
grandes esperanças no PCB. Porém com o seu último procedimento, indigno
de um militante de responsabilidade como era ele dentro do PCB, muito sofre
ele no nosso conceito.” 354

Embora a designação “trotskista” aplicada aos fracionistas de 1928 seja prematura, a


verdade é que o problema da “4-R” sensibilizou quadros importantes do partido, que pouco depois
constituiriam abertamente a Oposição de Esquerda. Estes quadros escreveram uma carta aberta
sobre o assunto, dando conta da profunda crise que se abatera sobre o partido. A carta diz que era
impossível esconder o descontentamento que reinava no meio comunista, aparentando talvez um
esboço de cisão. O documento começa por um protesto sobre o ato do Plenum que expulsara
violentamente e injustificadamente a célula 4-R.355 Diz a carta que era conhecido que nos partidos
comunistas, fortemente centralizados, as decisões das assembléias de vértice — plenum,
conferência ou congresso nacionais — estavam fortemente sujeitas aos pontos de vista dos
companheiros das funções diretoras. Como a direção, em sua maior parte, compunha-se de
intelectuais, acabava por ter sobre os demais membros do partido “a ascendência cultural e as
vantagens de uma vida mais folgada, com mais possibilidades de locomoção e contato com os
membros mais ou menos dispersos”, o que implicava atraso ideológico e orgânico, em grande parte
explicável pelo “centralismo à outrance da direção, pelo seu desamor à crítica dos seus atos, pelo
seu conformismo a uma situação do partido que é do domínio do passado”. Com tais

351
Carta de Mário Pedrosa “Miguel” a Lívio Xavier, Alemanha, 1928, fls. 1-2. Ms. FLBX.
CEDEM/UNESP.
352
Segundo Astrojildo Pereira, seriam 46 os “desertores”, a maioria de pequeno-burgueses, pequenos
patrões, artesãos, ex-anarquistas e mais da metade novos no partido. A situação política (1928); Síntese da
Política atual (1928); A situação atual do Partido (1928), La correspondência sudamericana (15 e
30/9/1928). Apud: CARONE, E. Op. cit., p. 55.
353
Combates e batalhas, v. 1, p. 340.
354
AUTO-CRÍTICA, n.º 3, 1928, p. 4.
355
Carta Aberta sobre a Célula 4-R à Direção do Partido, f. 1. FLBX. CEDEM/UNESP.
características, o Presidium descobrira “uma tendência reformista e oportunista” nos componentes
da célula 4-R. O Comitê Central, depois de intimar os camaradas a escrever um artigo baseado nos
pontos de vista que defendiam, assistiu no Plenum à degola sumária desses companheiros, que
estavam com a palavra para defender seu ponto de vista.356 Desta forma, reconheceu-se o direito
de crítica a um organismo de base e decidiu-se que ele apresentasse seus pontos de vista.
Entretanto, antes que os mesmos fossem publicados, puseram-se fora os componentes da 4-R,
fazendo a direção “a mais grosseira sabotagem de liberdade de crítica”. Crítica que cuidava
sobretudo da questão sindical, que “no caso do nosso partido merece o máximo de atenção,
sobretudo agora quando os imensos erros acumulados da nossa direção lançaram o partido numa
situação em que a capacidade de trabalho e agilidade da ação devem operar prodígios”.357 Com
efeito, apesar da fraqueza numérica do partido, as condições objetivas mostravam-se cheias de
possibilidades e de ameaças que exigiam que saíssem os comunistas “da pasmaceira ideológica
do gremialismo, do ardorismo pueril tão próprio dos jovens partidos sul-americanos” para entrar no
trabalho de reedificação do partido e de sua reconstituição ideológica.358 Baseados nesses pontos
nítidos da Oposição de Esquerda, reivindicaram os missivistas a anulação suspensiva do ato do
Plenum expulsando a 4-R, e das sanções sobre o chamado “desvio de direita; o restabelecimento
da autocrítica, com participação dos companheiros da 4-R e a convocação de uma conferência que
balancearia o trabalho da autocrítica feita democraticamente e se pronunciaria em definitivo sobre a
expulsão da 4-R e dos demais companheiros”.359
A questão da célula 4-R constituiu um argumento forte para cooptar camaradas para o
grupo de Pedrosa.
No setor sindical, levantara-se uma questão desde 1925, quando Joaquim Barbosa havia
criticado a posição do partido quanto à presença de delegados no Conselho Nacional do Trabalho.
Pretendia ele, na qualidade de líder sindical, que aquele organismo fosse pressionado
externamente na discussão que então se travava sobre a Lei de Férias, de vez que os
pronunciamentos dos delegados mantinham-se sigilosos, não sendo publicados nos órgãos da
imprensa. Barbosa também pretendia organizar uma Confederação Geral do Trabalho, incluindo os
sindicatos do Rio e do Distrito Federal, mas a idéia não foi acatada pelo partido. Barbosa igualmente
levantou a questão de valorizar os problemas especificamente sindicais — como o salário, jornada
de trabalho, férias, greves, etc. — na política partidária. Esses fatores somaram-se a outras críticas
ligadas ao “centralismo democrático” e à fuga das decisões do II Congresso do PCB, motivo pelo
qual foi solicitada a convocação de uma Conferência Nacional. A Comissão Central Executiva
negou-se a convocá-la, sob alegação de que haveria o III Congresso do Partido no fim de 1928,
quando os problemas levantados por Barbosa e grupos de sindicalistas poderiam ser resolvidos. O
não acatamento desta solução resultou na perda de cerca de 50 camaradas pelo partido, dos quais
só alguns retornaram às fileiras do PCB.360
Os dissidentes de 1928 acenderam as esperanças de Mário Pedrosa e dos membros mais
precoces da Oposição de Esquerda, por expressarem o grande descontentamento existente no PC.
Tendo em vista o que Pedrosa chamada de “excelente disposição ideológica” dos camaradas
expulsos, a oposição ganharia força, pois embora o partido, temeroso, acenasse para os cisionistas
com um acordo, os últimos estavam dispostos a só cederem resguardando bem claramente todos
os seus pontos de vista, de modo a permitir que a diferenciação ideológica ficasse e continuasse
visível dentro do partido. Assim, os opositores do Rio sentiam-se animados e aguardavam a
oportunidade para agir e solicitavam a Xavier que distribuísse a carta entre os companheiros de São

356
Doc. cit., f. 2.
357
Doc. cit., f. 4.
358
Doc. cit., f. 5.
359
Doc. cit., f. 6.
360
CARONE, Edgard. O P.C.B. (1922 A 1943), p.p. 7-8. A condenação do partido a Pimenta, em 1928,
teve vida longa. Em 1978, por exemplo, Paulo Cavalcanti, logo após rememorar o grande prestígio
desfrutado por Pimenta entre trabalhadores pernambucanos, apressa-se em apodá-lo como precursor do
“peleguismo”, retratado por José Lins do Rego, “em todos os meandros de sua atuação política”, em O
moleque Ricardo. In: O caso eu conto como o caso foi. Da Coluna Prestes à queda de Arraes. Memórias.
São Paulo: Alfa-Omega, 1978, p. 54.
Paulo.361 De tal sorte esse documento foi considerado importante para a oposição, que A Lucta de
Classe de julho de 1930 reproduziu-o na íntegra, a fim de ser o seu conteúdo conhecido pelos
organismos de base. A publicação, segundo o jornal trotskista, era oportuna “no momento em que
todas as acusações então firmadas e todos os desvios apontados, explodem escandalosamente no
nosso partido e na própria Internacional Comunista”. Acompanhemos alguns pontos deste
documento, básico para o estudo das dissidências e dissidentes do partido.
Os múltiplos erros na orientação do partido viriam do tempo do jornal A Nação, que
revelava, já nesta época, a substituição da crítica ao regime capitalista e ao imperialismo pela crítica
pessoal aos seus instrumentos, pela crítica da vida privada da burguesia por meio de seus fatos
mais escandalosos. Os erros dos membros da CCE provinham de uma ideologia pequeno-
burguesa, conseqüentemente reacionária. Os redatores do jornal patenteavam o ecletismo e a mais
absoluta falta de idoneidade teórica da direção do partido, desconhecendo as mais rudimentares
noções do marxismo.
Os membros da CCE intervinham indebitamente nas discussões das células e absorviam
todos os recursos do partido, mesmo os pecuniários. Os organismos de base e os intermediários
careciam de toda a sorte de recursos, funcionando irregularmente.
A desorganização conseqüente ao fechamento do jornal e à lei celerada, além da
dificuldade de comunicação com as outras regiões, tornavam inexeqüível a formação de opinião no
seio do partido e sua manifestação por intermédio das instâncias regulares.
Os dissidentes de 28 consideravam que o único meio capaz de agitar “a massa amorfa e
inativa do partido”, conferindo-lhe novo curso, era fazer convergir a sua atenção para a atividade
exercida pelo organismo central, aproveitando-se do incidente com o encarregado sindical para
exigir a convocação de uma conferência. A CCE, contrária à conferência, aproveitou a ocasião para
atacar os signatários da carta, “excomungando-os sem parcimônia” e acusando o documento de
demagógico. Não houve resposta aos signatários, “mas, em compensação, a CCE trabalhou por
que alguns signatários menos seguros em suas atitudes, retirassem suas assinaturas, com
declarações de arrependimento”. O número um do Autocrítica concedeu resposta à carta, mas
dirigida aos demais membros do partido. As manobras para a expulsão dos dissidentes vão
expostas a seguir, uma vez que se tornaram paradigmáticas na história da redução de oposições
internas ao PCB.
De acordo com os cisionistas, a CCE, “como possessa”, caíra sobre eles, chamando-os de
“inassimiláveis bacharéis falidos, exploradores da boa-fé de companheiros”, em franca decisão de
preparar a degola daquele grupo de camaradas. Os comunistas não signatários da carta foram
terminantemente proibidos de vender o número um da Autocrítica aos dissidentes. A situação de
1928 é assim resumida pelo documento publicado em A Lucta de Classe:

“Tínhamos exigido o que era do nosso direito: uma conferência prevista


pelos estatutos, exigimo-la de uma CCE já reduzida à metade da que tinha
sido escolhida pelo Segundo Congresso. Uma conferência em que
defendêssemos o nosso ponto de vista e em que o partido se exercitasse
proveitosamente para o seu terceiro congresso. Não recusamos a pecha de
indisciplinados e cisionistas. Condições há em que a indisciplina e a cisão são
um dever. Serão, porém, os dissidentes os únicos indisciplinados? O conceito
de disciplina de um comunista é a mesma noção de disciplina burguesa? A
disciplina no partido implica unicamente os deveres dos ‘soldados’ para com
‘generais’, conforme as expressões de ‘Autocrítica’ ? A CCE brandiu com tanto
ardor a arma da disciplina e, porque, no entanto, pelo menos até nossa saída,
consentiu que dois dos seus membros nela figurassem como simples
‘honorários’ ? A disciplina comunista não pode ser feita de passividade para os
membros do partido e de oportunismo para os seus dirigentes. Saídos do
partido para não colaborar numa orientação, que se mais se acentuar e não
for liquidada pelo 3.º Congresso, importará perniciosa confusão e desvio da
linha revolucionária, aguardamos, dada a sua proximidade, a realização do 3.º

361
Carta de Mário Pedrosa a Lívio. Rio de Janeiro, janeiro ou fevereiro de 30 (data provável). FLBX.
CEDEM/UNESP.
Congresso. (...) Durante todo esse tempo, abstivemo-nos propositadamente
de toda crítica à atividade do partido não hesitando em eliminar do nosso meio
os elementos que, fabricando uma pretensa teoria de ‘anteposição da
organização sindical à luta parlamentar’, interpretação esta de origem
nitidamente oportunista e que tendia à criação no movimento proletário do
Brasil de uma mentalidade economista.”362

A cisão de 1928 — da célula 4-R — levantou uma outra questão de importância: o


prestismo.
A história da adesão de Prestes ao PCB é bastante conhecida para ser aqui retomada. No
entanto, há alguns pontos desta questão que envolveram diretamente os dissidentes de São Paulo,
e que não estão suficientemente esclarecidos pela historiografia, razão pela qual estão agregados a
esta tese.
No exílio da Bolívia, Uruguai e Argentina, Prestes era festejado como um herói nacional
denso, popular e guerreiro, de que tanto carecia o Brasil. Assim, Prestes tornou-se alvo de
investidas das principais correntes políticas brasileiras, que o desejavam como um líder capaz de
unir a pequena burguesia às camadas populares.
A principal destas correntes era a constitucionalista liberal, melhor representada pelo
Partido Democrático de São Paulo. Desde abril de 1927, Prestes mantinha contatos com os
democratas paulistas, visando a formação de uma frente ampla com a Aliança Libertadora.363
Outra corrente era formada pelos nacionalistas semi-autoritários, cujas preocupações
principais eram a “regeneração nacional” e a modernização. Os integrantes principais desta posição
eram os tenentes, envolvidos nos levantes de 1922, 1924 e, mais tarde, integrantes do movimento
de 1930.
Fora dos interesses oligárquicos contrariados pelo Catete, o prestismo interessava
amplamente ao PCB, sobremaneira à sua seção paulista, por motivos históricos ligados à própria
origem da coluna e ao miguelcostismo. Nos últimos dias de 1927, Astrojildo Pereira, enviado pela
CCE, encontrara-se com Prestes na Bolívia, a fim de tratar com ele o problema da aliança entre os
comunistas e os combatentes da coluna, tendo em vista a revolução popular que se acreditava em
marcha. Nessa ocasião, entregara a Prestes uma dúzia de obras de Marx, Engels, Lênin e outros,
dizendo a ele que era desejo do partido que estudasse a teoria e a prática que a ciência marxista
apresentava para os problemas sociais daquele tempo.364 Entretanto, tudo leva a crer que a
cooptação de Prestes à causa da revolução proletária pertenceu aos trotskistas, uma vez que o
próprio Astrojildo Pereira, autor da proposta e protagonista do encontro de 1927, depressa se
arrependeu da medida, colocando-se, com os camaradas paulistas, diametralmente contra o
fenômeno que eles chamavam de “prestismo”. Mesmo Prestes acabou por confirmar o papel que
tiveram os trotskistas em sua cooptação, ao dizer que a palavra de ordem do Manifesto da Liga de
Ação Revolucionária (“o poder ao governo proletário”) era dos trotskistas e não do Comintern, pois,
para os PCs stalinistas, o processo revolucionário resultaria no governo operário-camponês.365
Basbaum relembra que em 1929 e no ano seguinte camaradas começaram a aceitar a
liderança de Prestes, abandonando o partido, especialmente após 30, quando o “Cavaleiro da
Esperança” começou a lançar seus manifestos, rompendo com seus antigos companheiros e
buscando o apoio do PCB.366 Por esses motivos, o prestismo constituiu o principal fator de
desmantelamento do partido, nos dois anos finais da década de 20.
Os problemas vividos pelo partido nas suas relações com Prestes são objeto de diversas
análise, nos anos seguintes. A personalidade do “Cavaleiro da Esperança” (também chamado de
“Cavaleiro que Esperança...”) transformou-se em tema de numerosos e contundentes debates. Um
deles recorda a vida pública de Prestes, e dirige-se “aos que estranham a curteza de vistas do

362
“Memorial ao 3.º Congresso”. A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30, ano I, n.º 3, p. 1.
363
MEIRELLES, Domingos. As noites das grandes fogueiras. Uma história da Coluna Prestes. 2. ed. Rio
de Janeiro/São Paulo, Record, 1995, p.p. 694-695.
364
PEREIRA, AstroJildo. “Encontro com Luís Carlos Prestes”. Ensaios históricos e políticos, p.p. 127-130.
365
Entrevista de Luís Carlos Prestes a Edgard Carone. Apud: CARONE, Edgard. Classes sociais e
movimento operário. São Paulo, Ática, 1989, p. 301.
366
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos (memórias). São Paulo, Alfa-Omega, 1976, p. 72.
‘Cavaleiro’ e a pobreza de seus enunciados políticos”. Segundo o artigo, a inexperiência política
de Prestes explicaria os seus erros. Ele começara na vida política na “Coluna Prestes”, agitando
pelo Brasil a bandeira de “Representação e Justiça”, lema inexpressivo para as massas do
interior. Exilado em 1926 em La Guayra, onde se tornou comerciante, começou a ser assediado
por militantes revolucionários do proletariado. Na luta travada por sua conquista entre elementos
da Oposição Internacional de Esquerda — mais conhecidos por trotskistas — e os stalinistas,
estes saíram vencedores: o Bureau Sul-Americano da Internacional Comunista, com sede em
Montevidéu, para onde se transferira Prestes, conseguiu monopolizá-lo, depois de fazê-lo
abandonar a idéia da organização dos “Comitês de Ação Revolucionária” que ele pretendia criar
no Brasil para a “preparação técnica da insurreição”, órgãos que seriam, no seu entender, uma
espécie de “aparelho militar da Revolução”. Isso acontecera em 1929-30, anos que viram o
aprofundamento das divergências de Prestes com os seus companheiros de jornada — Miguel
Costa, João Alberto, Juarez Távora, etc. —, que ainda eram partidários de um puro golpe militar.
Prestes, já inteiramente controlado pelo Bureau Sul-Americano — que temia a sua participação
em qualquer movimento armado no Brasil em virtude da fraqueza ideológica e de organização do
PCB, então dirigido por Astrojildo Pereira e Octávio Brandão —, manifestou-se contra a
Revolução de 30. Nessa ocasião, Prestes e o Bureau Sul-Americano “representam ignóbil
comédia para os militantes do PCB: o ‘Cavaleiro’ escreve manifestos radicalíssimos,
combatendo-se a si próprio e ao ‘prestismo’, qualificado por ele mesmo de ideologia pequeno-
burguesa, e exaltando o PCB”. Os manifestos eram, se não escritos pelo Bureau, revistos por
este cuidadosamente, que mandava ao mesmo tempo, pelos canais competentes, levantar
furiosa campanha antiprestista dentro do PCB. Diz o artigo:

“E via-se o pobre Octávio Brandão queimar os miolos para descobrir os


‘desvios’ de Prestes e assinalar as vacilações pequeno-burguesas contidas
em seus manifestos, escritos com a mesma tinta e inspirados na mesma
fonte que orientava o partido: o Bureau Sul-Americano.”

O Jornal publicou os panfletos de Prestes e as críticas de Octávio Brandão.


Depois da vitória da Revolução de 30, Prestes foi “prudentemente” afastado da América
do Sul e enviado para a URSS.
A matéria, assinada por um “Veterano”, termina com as palavras seguintes: “Mesmo
como militante do partido comunista, o ‘Cavaleiro’ revela ainda estar na fase de 1930, em que a
propaganda e o recrutamento se faziam à base da célebre revista USRR EN CONSTRUCTION”.
367

Astrojildo resume a discussão sobre o impasse enfrentado pelos comunistas brasileiros em


1930. Carta por ele enviada de Passo Fundo considera que o prestismo não deveria ser confundido
com comunismo, nem os prestistas seriam comunistas. O prestismo, apenas uma variedade
brasileira, mascarada de comunismo, do caudilhismo vulgar em toda a América Latina, manifestara-
se no Brasil numa hora de abalo revolucionário, como uma tentativa da pequena burguesia que não
compreendia o papel do Partido Comunista, nem teria confiança na ação das massas camponesas,
como dirigentes da revolução agrária e antiimperialista. Essa incompreensão do papel do Partido
Comunista e a falta de confiança nas massas levara certas camadas de pequeno-burgueses
(intelectuais, militares, etc.) a uma situação de desespero, da qual pensavam sair por meio de
golpes de audácia, de complots militares, pronunciamentos, etc.
A pequena burguesia — escreve Astrojildo — estava ligada à burguesia por mil laços, e por
sua própria natureza social seria sempre levada a oscilar entre o proletariado e a burguesia. No
Brasil, esse fato fizera do chefe da Coluna Prestes, o general Miguel Costa — tido como o elemento
mais esquerdista da revolução de outubro, apontado mesmo como comunista —, o chefe de fato de
uma legião fascista, “completamente vendido ao imperialismo ianque”. E, como tal, sustentaria,
apoiaria e executaria — na sua qualidade de Secretário da Segurança e depois comandante da
polícia militar de São Paulo — a política fascista mais reacionária e mais brutal contra os
trabalhadores. Ao lado dele, seguindo o mesmo caminho, participando todos da mesma repressão
fascista contra o Partido Comunista, estariam inúmeros prestistas, como João Alberto, Juarez

367
Vanguarda Socialista, 21/9/45, p.p. 5 e 8. ASMOB. CEDEM/UNESP
Távora, Cordeiro de Faria, então chefe de polícia de São Paulo, Bianco Pedroso, delegado de
polícia de Santos, responsável pelo massacre operário de 23 de agosto, e Ricardo Holl, ex-
delegado de ordem social em São Paulo. Quanto mais esquerdista se mostrava o golpismo, “quanto
mais vermelha se mostrava a máscara de tais chefes pequeno-burgueses”, maior seria o perigo
que eles representariam para o proletariado e com maior energia e decisão deveriam ser
combatidos e denunciados às massas pelos comunistas. Portanto, Astrojildo conclamava Prestes a
provar a sinceridade de suas palavras, pondo-se ao serviço do proletariado, sob a direção do
Partido Comunista. Quanto ao prestismo e aos prestistas — isto é, aos pequeno-burgueses que se
diziam comunistas, porque Prestes o dizia — não poderiam os comunistas ter a menor
contemplação com eles.368
Boletim interno do partido reafirma a posição contra Luís Carlos Prestes. As explicações
sobre o caso Prestes decorriam das diretivas da Internacional Comunista e do marxismo-leninismo,
e implicavam o combate tenaz contra os elementos prestistas encarregados de transformar o
partido em apêndice de Prestes e, por conseguinte, da pequena burguesia, incapaz de dirigir a
revolução operária e camponesa. Portanto, o prestismo significava a traição pura e simples às
massas operárias e camponesas, como havia acontecido no México e na China. Abaixo, reproduz-
se trechos literais da parte final deste boletim, sumamente significativo para a compreensão da
“questão Prestes” e do papel que a Oposição de Esquerda paulista desempenhou na conversão do
líder colunista ao comunismo:

“Combatemos e combateremos sempre com a maior energia toda a


tendência ao cambalacho com esses elementos, nos compromissos tramados à
revelia das massas. Criticamos severamente as traições de Prestes, as suas
oscilações, e mais severamente o haveremos de criticar agora, diante do que se
verifica, e que vem confirmar a justeza de nossa linha quanto a ele. Sabemos
por uma comunicação chegada de Montevidéu que o trânsfuga do Partido
Comunista, o pequeno burguês Aristides deve vir para São Paulo, a serviço de
Prestes, a fim de auxiliar a obra de desagregação das fileiras do partido, a fim
de colocar o proletariado e a massa camponesa sob a direção da pequena
burguesia incapaz de dirigir qualquer luta em benefício das massas. Isto prova
que Prestes e seus acólitos, como o renegado Lobo, que foi expulso do partido,
procura criar um partido de mistificação, um partido comunista separado da
Internacional Comunista, desligado do proletariado internacional. Em seus
manifestos recomenda apoio ao Partido Comunista, mas ao mesmo tempo, por
trás das cortinas, serve-se de renegados e traidores do partido, para desagregá-
lo e dar a direção dos movimentos de massas a esses pequenos-burgueses
intelectualóides sem ligação com as massas, que nunca se proletarizaram, e
que trairão as massas trabalhadoras no desencadear do movimento
revolucionário. Todas as zonas do partido devem levar estes fatos ao
conhecimento de todos os aderentes, para que eles repilam com a maior
energia os inimigos nossos, que procuram impedir o nosso desenvolvimento,
como partido de classe, como partido de massas. Que todos nós façamos uma
muralha de ferro para repelir esses traidores. O nosso partido é o único partido
proletário. (...) Combatamos, pois, implacavelmente todos aqueles que, em
nossas fileiras, procuraram fazer a obra do ‘prestismo’ ou de qualquer outra
tendência pequeno-burguesa.” 369

Em julho de 1930, Luís Carlos Prestes, Aristides Lobo e os militares Silo Meireles e Emídio
Miranda fundaram a Liga de Ação Revolucionária, a fim de pôr em prática a revolução agrária e
antiimperialista. A liga foi logo considerada por boletim interno do PCB como um novo partido
comunista, desvinculado da IC. Na verdade, a Liga de Ação Revolucionária seria um órgão técnico

368
“Carta aos Operários Comunistas e Simpatizantes. Prontuário de Astrojildo Pereira, n.º 44, doc. n.º 9, fls.
31-32.
369
”CARTA A TODOS OS MEMBROS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL NA REGIÃO DE S.
PAULO (ler com a máxima atenção)”, de 25/3/1930. Prontuário de Antônio Brandão, n.º 57, f. 17.
de preparação das massas oprimidas para o levante, cujos exatos limites já estavam definidos no
manifesto de maio, assinado por Prestes. Ao lançamento da LAR estava obviamente ligada a idéia
da criação do instrumento de ação capaz de realizar o programa revolucionário esboçado pelo
manifesto. A Liga da Ação Revolucionária, a cuja organização Prestes declarava estar, naquele
momento, dedicado, aparecia “para corresponder à tarefa mais essencial que ficou indicada ao
movimento emancipador das massas oprimidas do Brasil, pelo manifesto de maio”: congregar um
bloco de todos os que se dispusessem a lutar pela revolução proletária, preparando “o levante
generalizado das massas oprimidas, pela propaganda, pela agitação e pela organização efetiva e
material das forças revolucionárias”.370
O manifesto de julho deixa claro que a revolução teria de ser feita pelo proletariado, pelas
massas camponesas e por setores empobrecidos da pequena burguesia, que se tivessem tornado
revolucionários. A LAR ficaria incumbida de criar um bloco capaz de congregar e organizar os
elementos que não estivessem identificados com o proletariado para os fins revolucionários. O
manifesto confirma a importância do PCB como partido político do proletariado, como a vanguarda
da classe hegemônica da revolução, sem o qual a revolução se desvirtuaria, como acontecera no
México e na China. Ele também conclama todos os explorados a que estabelecessem contato entre
si, a que procurassem entendimento com os comitês locais, que se estavam constituindo em todos
os pontos do território brasileiro, ou com o Comitê Provisório de Organização, em Buenos Aires371.
Emídio Miranda, na qualidade de secretário-tesoureiro da LAR, foi encarregado de administrar os
800 contos fornecidos a Prestes por Oswaldo Aranha.372 Orlando Leite Ribeiro foi, então, enviado à
França, com 200 contos, a fim de comprar armas de última geração, capazes de dar vantagem
decisiva à ação revolucionária que se preparava. Embora compradas, tais armas nunca chegaram a
seu destino.373
Poucos aderiram à LAR. Entre eles, João Batista Barreto Leite Filho, repórter do O Jornal,
Antônio Maciel Bonfim (“Miranda”), um dos fundadores e secretário da LAR, Honório de Freitas
Guimarães (“Martins”)374 e três ex-cadetes que seguiram para a Argentina a fim de se unirem ao
grupo de Buenos Aires, uma vez que os comitês locais da LAR, no país, não se concretizaram.
Emídio Miranda, enviado por Prestes a Porto Alegre, para aliciar o interesse de Hercolino Cascardo,
Newton Estilac Leal, Stênio Caio de Albuquerque Lima e de outros conspiradores da Aliança
Nacional, malogrou neste intento, assim como anteriormente fracassara em viagem empreendida a
São Paulo e ao Rio de Janeiro, para fins iguais. Miguel Costa, que morara com Prestes e vinha
trabalhando para Oswaldo Aranha e a Aliança Liberal, sabotara a missão de Emídio, fornecendo a
Aranha cópias de papéis e relatórios pertencentes a Emídio e a Prestes.375
A LAR continuou a ser severamente condenada pelo PCB, como um “partido
confusionista”, que falava dos sovietes e apresentava fórmulas evasivas da luta revolucionária,
representando, na verdade, uma tentativa contrária à verdadeira frente única revolucionária das
massas. A posição de Prestes foi criticada por oscilante, nebulosa e equívoca. Ou ele aceitaria a
direção do proletariado, colocando-se ao lado do partido, ou procuraria cingir à LAR a ação dos
comunistas, sujeitando a revolução a traições semelhantes àquelas de Calles no México e de
Chiang Kai-shek na China. Prestes foi acusado de representar os interesses da pequena burguesia
pauperizada e de ser o adversário mais perigoso do partido, por ser um homem de grande
influência no país sobre as massas inexperientes da luta revolucionária. A Classe Operária conclui
suas abjurações conclamando todos os comunistas a que dessem combate não só às concepções

370
Diário de S. Paulo, recorte existente no FLBX. CEDEM/UNESP.
371
O Jornal, 2 de agosto de 1930.
372
Como se sabe, o dinheiro dado a Prestes por Oswaldo Aranha destinava-se a armar o “exército
revolucionário” , cuja liderança seria dada ao “Cavaleiro da Esperança”. No entanto, as posições radicais
desse último diminuíram enormemente o interesse dos conspiradores gaúchos em sua colaboração pessoal,
levando-os à escolha de Góes Monteiro, apelidado pelo Barão de Itararé de “Gás Morteiro”. (HILTON,
Stanley. Oswaldo Aranha. Uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994, p.p. 32-33.
373
Entrevista de Emídio da Costa Miranda, concedida a Dulles, em 5 de outubro de l966. Apud: DULLES,
J. F. Anarquistas e comunistas no Brasil, p. 353.
374
KAREPOVS, Dainis. Nos subterrâneos da luta, p. 35.
375
Entrevista de Emídio Miranda a Dulles, em 19 de julho de l963. Op. cit., p. 353.
de Prestes, mas, com redobrada energia, a todos os prestistas existentes no partido.376 O
“camarada Marques” faz coro a essa análise: o prestismo, identificado com espontaneísmo,
caudilhismo e passividade, gozava ainda de grande influência no PCB e se manifestava na falta de
confiança no proletariado, como força revolucionária capaz de dirigir a revolução, pondo-o a
reboque de caudilhos. O prestismo confundia-se com o golpismo, muito infiltrado nas fileiras
comunistas, e criava ilusões de que o partido, sem um trabalho paciente, poderia intervir nos
golpes, à última hora, para lutar contra o governo e os chefes golpistas, assegurando a luta
independente dos trabalhadores, assim como também o oportunismo, caracterizado por
neutralismo frente aos golpes.377
O fato é que a popularidade de Vargas e os sucessos da Aliança Liberal contribuíram mais
do que Prestes e a LAR para a desarticulação das correntes comunistas do país. Os trotskistas
acreditavam que uma revolução da Aliança Liberal seria um passo à frente no movimento social.
Fúlvio Abramo, em entrevista a Dulles, informou que Aristides Lobo comunicara a Prestes a opinião
favorável dos trotskistas pelo movimento da Aliança Liberal.378 Muitos stalinistas pensavam da
mesma forma, apesar da posição discordante da direção do partido e do Secretariado Sul-
Americano do Comintern: Cristiano Cordeiro, juntamente com a seção de Pernambuco, Danton
Jobim, Pedro Mota Lima, Josias Carneiro Leão, Plínio de Melo.379
A adesão de lideranças respeitadas do partido à aliança sugere que a LAR procurava uma
saída possível para as correntes revolucionárias brasileiras, de acordo com a crença bastante
generalizada na “terceira onda”, que sobreviria após as tentativas de 1922 e 1924.
Em combate a essa interpretação, a LAR denunciou o movimento contra-revolucionário
preparado pelos políticos liberais, apoiados por antigos elementos dos movimentos de 22 e 24 e da
coluna Prestes. Os chefes rebeldes como Isidoro, Miguel Costa, Juarez Távora, João Alberto e
Estillac Leal estariam prestando-se a instrumentos desses políticos, e, consciente ou
inconscientemente, servindo de fato ao imperialismo, aos capitalistas e aos assassinos dos
trabalhadores. Os soldados e marinheiros num movimento dessa natureza seriam jogados pelos
seus chefes, os tenentes e capitães, contra os soldados e marinheiros empregados pelo governo e
matar-se-iam “para garantir os opressores de hoje ou para elevar ao poder outros opressores, que
continuarão a matar os trabalhadores e explorá-los com rigor crescente”. Assim, a LAR conclamava
os soldados e marinheiros a que voltassem as suas armas “contra os seus próprios chefes, lacaios
da burguesia e, organizando os seus conselhos, fraternizem com os trabalhadores, auxiliando-os a
tomar as terras, as fábricas, os bancos, as estradas de ferro e organizando um governo próprio”. O
manifesto conclama, portanto, soldados, marinheiros e trabalhadores para a ação revolucionária
dos sovietes. O apoio ao PCB é explícito: os trabalhadores deveriam se organizar nos sindicatos,
unindo-se em torno das palavras de ordem do partido. Todos os revolucionários do Brasil deveriam
se unir e, sob a direção do proletariado consciente, preparar-se para combater “não só o atual
governo, como os seus supostos adversários”.380
Como já foi dito, por esse tempo as idas e vindas de Prestes, no caminho da revolução
proletária, eram objeto de enorme interesse dos opositores de esquerda, que consideravam que
Prestes poderia reconduzir o partido à ortodoxia bolchevista-leninista. Com este escopo, em agosto
de 1930 Lívio Xavier foi autorizado a aceitar o convite para ir a Buenos Aires, como representante
oficial do grupo de opositores de esquerda, para ser o executor da sua linha política junto ao “Ogum
de Buenos Aires”. Este apelido dado a Prestes e que reproduzia o termo “ogum”, usado para
designar Trotski, indica bem as expectativas que a OE depositava no “Cavaleiro”.381 Lívio esclarece
o problema de sua atuação junto a Prestes. Nessa época — diz ele — era comunista, não com
rótulo de trotskista, pois o trotskismo viria muito mais tarde, mas mais como oposicionista. Em 1929
o PC praticamente não tinha a menor importância, pois o movimento operário era controlado, de
fato, pelos anarquistas. Como Prestes não se decidisse a ingressar no partido, os oposicionistas

376
A Classe Operária, 13 e 20 de agosto de 1930.
377
Documento sem outras indicações, apensado ao prontuário n.º 44, de Astrojildo Pereira.
378
Op. cit., p. 362.
379
Op. cit., p. 353.
380
“Contra os mistificadores”. Folheto impresso da Liga de Ação Revolucionária, escrito por Aristides
Lobo e assinado por Luís Carlos Prestes. FLBX.
381
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Barreto Xavier. Rio de Janeiro, 20/8/30. Ms. FLBX.
mandaram para o Uruguai Aristides Lobo, que tinha sido expulso pela polícia do Rio. Pela razão de
Prestes já se achar na Argentina, Aristides para lá se dirigiu. Além de Aristides, os oposicionistas
também pediram a Mário Pedrosa que fosse falar com Prestes, a fim de o convencer. Mas Prestes
não se decidia, ia ficando por lá. Nessa ocasião, Lívio foi indicado por Aristides para fazer um jornal
em Buenos Aires, que seria controlado pelo próprio Prestes: “Por felicidade — ou infelicidade, não
sei ao certo — eu estava de bagagem pronta quando rebentou a Revolução de 30 e recebi
instruções de Prestes para não partir. Então, fiquei em São Paulo, para prosseguir aqui meu
trabalho, sem perspectivas imediatas”.382 Nessas circunstâncias, Aristides Lobo restou sozinho —
como oposicionista — na grande empreitada de seduzir Prestes para a revolução proletária.
Numerosos documentos registram a ansiedade dos camaradas de Aristides por notícias sobre o
assunto. A desilusão não tardaria. Pedrosa, por exemplo, manifesta — em julho — o seu
desencanto por considerar que Aristides Lobo havia comprado “inconscientemente os despeitos
naturais do Cavaleiro” e fora “embrulhado”. E esse erro fora causado pela abstração que fizera do
ponto de vista internacional, o mesmo perigo que ele, Pedrosa, temia para os camaradas de São
Paulo. Aristides estava para chegar e teria que se definir, pois não deveria continuar a manobrar
com o partido. Ele estava muito satisfeito com o desenlace do caso do “Cavaleiro”, entrando para o
partido, com certeza porque pensava que a aquisição era muito boa e assim ele poderia remontar o
curso do partido. Mas, vaticinava Pedrosa, ele havia de ver o resultado, pois pelo que parecia o
“Cavaleiro” continuava ainda a encarar a oposição de esquerda como uma questão de vaidade
pessoal ferida.383
Um mês após essa análise, Víctor de Azevedo Pinheiro pronunciou-se favorável à crítica
feita pelos opositores ao último manifesto do “barbudinho”, por existirem no seu grupo “muitos
pequenos-burgueses disfarçados, de mentalidade formada nas escolas militares ou que ainda
trazem grudada às nádegas a baeta de filhos-famílias”. Esses elementos, no íntimo, não queriam
saber de proletários e procurariam conciliar as idéias novas com os sentimentos velhos, realizando
o movimento dos “nossos mencheviks, dos Kautskizinhos traduzidos, dos chauvinistas
nacionais”.384
Coutinho escreveu a Xavier, em 2/1/31, manifestando preocupações semelhantes. Diz ele
ter estado com um irmão do Silo, que se encontrava em Buenos Aires, com o Prestes, e ele não lhe
soubera informar se o Prestes entrara ou não no partido. Na mesma carta, acusa o recebimento da
“Carta Aberta” de Aristides Lobo: “Que carta boa! Parece que me vai tirar a insônia. Abrace o
homem, com força, e mande notícias.”385
Vejamos a versão de Robert Alexander, que entrevistou Aristides Lobo, em 1953.
Esse líder trotskista, quando se encontrava exilado em Buenos Aires, em 1930, procurou
Prestes, munido de uma carta de apresentação de um de seus amigos do Rio de Janeiro, a fim de
obter a sua conversão às idéias dos oposicionistas de esquerda. Prestes aparentemente aceitou
tais credenciais e durante algum tempo Lobo trabalhou com ele e foi um dos seus mais importantes
conselheiros políticos. Prestes ainda era um político amador e aceitou bem a “relativa sofisticação”
intelectual e a facilidade em redigir manifestos públicos de Lobo. Alguns dos documentos assinados
por Prestes em 1929386 e 1930 foram redigidos, na realidade, por Aristides Lobo. Quando Lobo
encontrou Prestes, este liderava seu próprio grupo político — a LAR — composto principalmente
por membros refugiados da antiga coluna. O líder trotskista argumentou exaustivamente com
Prestes para que ele abandonasse sua organização revolucionária independente e se juntasse ao
movimento comunista. É óbvio que os trotskistas consideravam-se como a ala esquerda do PCB e
que Lobo esperava que Prestes, ao se converter ao comunismo, aderisse à facção oposicionista de
esquerda. Assim a LAR acabou por ser dissolvida num quarto de hotel ocupado por Prestes em
Montevidéu, pois os seus fundadores concordaram que a situação era desfavorável para a sua

382
Entrevista de Lívio Xavier. “Documentos. Poesia e cinema, as artes que sobreviverão”. O Estado de S.
Paulo, 1/7/79.
383
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Xavier. 8/12/30. Arquivo Lívio Barreto Xavier. Ms. FLBX.
CEDEM/UNESP.
384
Carta Lívio Xavier. S. Paulo, 20/9/30. Ms. FLBX. CEDEM/UNESP.
385
FLBX. CEDEM/UNESP.
386
Robert Alexander engana-se quanto a 1929, pois nessa data Aristides continuava no Brasil, como
atestam as prisões que sofreu nesse ano e a correspondência que manteve com camaradas trotskistas.
atuação. A organização durara de julho de 1930 à vitória do movimento desse mesmo ano.387
Entretanto, a extinção da LAR estava longe de significar que Aristides Lobo estivesse a desistir de
seu projeto revolucionário. Pelo contrário, conseguiu convencer Prestes de que, provavelmente, a
Revolução de 30 iria durar uns seis meses até produzir algum resultado, e que eles poderiam se
aproveitar da situação lançando uma nova coluna pelo interior do país. Aristides Lobo raciocinava
que, apesar da pouca probabilidade que teriam os grupos de esquerda de tomar o poder por meio
de uma aventura, eles estariam aptos a tirar vantagem da confusão resultante da luta provocada
pelo golpe de outubro, para estabelecer núcleos de marxistas-leninistas revolucionários em
posições-chave, por todo o interior do Brasil. Convencido por essa argumentação, Prestes
concordou em autorizar Lobo a ir à fronteira brasileira com o Uruguai, a fim de avaliar as
possibilidades que havia para a formação de um novo grupo de guerrilha. Assim, o líder
oposicionista seguiu para a cidade de Santana do Livramento e aí, impressionado com o controle
ganho pelos partidários de Vargas sobre o Rio Grande do Sul, concluiu que o esforço que havia
proposto dificilmente produziria os resultados por ele esperados. Por isso, retornou a Buenos
Aires.388
Aristides Lobo narra uma passagem de sua convivência com Prestes em Buenos Aires,
confirmadora de seu papel junto ao “Cavaleiro”:

“Vem a propósito recordar aqui uma conversa que mantive com Prestes
em 1930. Eu me achava em Buenos Aires, quando irrompeu o movimento
lerdamente acompanhado pelo sr. Getúlio Vargas, que na propaganda
correspondente era chamado ‘o Napoleão dos Pampas’. Estávamos em
meados de outubro, quando Prestes me disse, inquieto, que precisávamos
fazer alguma coisa. Horas depois propus-lhe um plano de ação independente.
Perguntei-lhe, então, como preliminar para expor o assunto:
— Você seria capaz, se necessário, de repetir a sua proeza?
— Que proeza?!
— Ora — expliquei — a proeza da Coluna, naturalmente!
— A Coluna? Não houve proeza nenhuma! Minha tática era fugir. Como os
nossos generais são incapazes eu conseguia romper o cerco e criar fama à
custa deles.
Eu não desejava contar esse pequeno episódio, mas é tal a sua
significação que bem merece ser promovido a letra de forma. E agora, como
escreveu Rabelais ‘não irei além com meu barco por esses abismos e vales
desagradáveis, mas volto a fazer escala no porto de onde parti’.” 389

Na ausência de Lobo, Prestes era alvo de assédios dos stalinistas. Assédios, como vimos,
iniciados logo depois do refúgio da Coluna na Bolívia, quando Astrojildo Pereira tentara ganhá-lo
para as posições e idéias do partido. Logo depois, em julho de 1929, Leôncio Basbaum, membro do
Comitê Central, foi a Buenos Aires armado com credenciais do partido e uma carta pessoal de
Maurício Lacerda, com o qual Prestes mantinha contato. Basbaum então propôs a Prestes que ele
se candidatasse às eleições de 1930, que se avizinhavam, e sugeriu um programa capaz de unir
tenentes e comunistas em torno de sua candidatura. Prestes, entretanto, declarou não ter interesse
em se candidatar, além do que considerava o programa muito extremado. Basbaum retornou ao
Brasil convencido de que Prestes e outros líderes tenentistas (como Siqueira Campos e Juarez
Távora, com os quais também se encontrara) pensavam mais em termos de insurreição do que de
eleições. Como resultado, o PCB formou um Comitê Militar Revolucionário, do qual Basbaum
participava, por meio do qual os comunistas tentaram manter contato com os tenentes. Porém, o

387
E não março de 1931, como registra Edgard Carone, em: Classes sociais e movimento operário, p. 299.
388
Entrevista dada por Aristides Lobo a Alexander Hamilton. São Paulo, 17/6/53. Apud: ALEXANDER,
Robert J. Trotskyism in Latin America. Stanford, Hoover Institution Press, 1973, p.p. 70-71.
389
LOBO, Aristides. Oito anos de ditadura. Vanguarda Socialista, 9/11/45, p. 3. Fundo ASMOB.
CEDEM/UNESP. Microfilme.
principal papel na doutrinação e arregimentação de Prestes foi passado para o Secretariado Sul-
Americano da Internacional Comunista, em Montevidéu.390
Nessa ocasião Aristides Lobo, de retorno de sua viagem a Santana do Livramento,
convenceu-se de que os stalinistas haviam tido mais sorte na corte a Prestes. Decidiu, por tal
motivo, regressar ao Rio de Janeiro, acreditando que falhara na missão de recrutar Prestes ao
trotskismo.391 Sua avaliação da posição política de Prestes estava correta: em 12/3/1931, Prestes
publicou uma “Carta Aberta” anunciando a sua adesão aos stalinistas. Esse documento continha
um violento ataque aos trotskistas:

“Expulsos do partido, atacam, de todas as formas, a sua direção, fazendo,


como Aristides Lobo, insinuações policiais de que há entre mim e o
Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista ótimas relações,
apesar dos ataques com que o partido procura liquidar em seu seio o
‘prestismo’. (...) O ‘trotskismo’ no Brasil é mais uma das formas sob as quais a
pequena burguesia procura arrastar as massas trabalhadoras, entravando o
movimento revolucionário e procurando distrair o proletariado esfomeado com
a palavra de ordem oportunista ou reformista de ‘Assembléia Constituinte’. (...)
é conseqüência natural da mentalidade pequeno-burguesa com que os
mesmos (trotskistas) apreciam o último movimento interimperialista, no qual
só vêem a luta de burguesias regionais, umas contra as outras, e, portanto,
consciente ou inconscientemente, mas objetivamente, servem a um dos
imperialismos, passando rapidamente ao social-fascismo, através dos
sindicatos organizados de Plínio Melo.” 392

Este texto evidencia que os dirigentes da LAR não se propuseram a fundar um novo partido
político, conforme sempre declararam, sem merecerem o crédito dos stalinistas e de muitos dos
historiadores do PCB.393 Também esclarece as circunstâncias em que Prestes entrou para o
partido, embora essa explicação tenha sido negada posteriormente pelo mesmo.394 Aristides
Lobo, em luta aberta contra a direção do partido, desde 1928, deixava muito patente que a
Oposição de Esquerda era fração do PCB, e não uma nova organização política capaz de dividir a
classe trabalhadora. Ademais, em 1930-31, as suas relações com a Seção Sul-Americana da IC,
em Buenos Aires, provavelmente eram melhores do que o seu relacionamento com a direção
brasileira.
Sobre a questão da influência do Comintern na arregimentação de Prestes para o PCB
existem numerosos depoimentos. Heitor Ferreira Lima, por exemplo, declara que em Buenos Aires
o Bureau Sul-Americano já se entendia com Prestes, tanto que antes do fim do ano de 1931 ele
viajava para a União Soviética, onde permaneceu até 1935.395 Todos esses fatos foram
confirmados pelo próprio Aristides Lobo, ao se declarar responsável pela desistência de Prestes de
sua própria Liga Revolucionária, para jogar tudo no movimento comunista. Alexander observa que
houve um período em que Aristides Lobo esteve bem próximo a Prestes, tendo redigido mais de um
comunicado em que o ex-chefe guerrilheiro apôs sua assinatura.396 Estariam nesta categoria,
provavelmente, os manifestos de setembro e de novembro de 1930, duramente atacados como
trotskistas pelo PCB e pelo próprio Prestes.397
A respeito da responsabilidade de Aristides para a entrada de Prestes no PCB existe, ainda,
uma carta de Mary Houston a Lívio. Nela, Mary diz considerar Aristides (“Aristeu”) “um tanto

390
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República, v. 2, p.p. 274-277.
391
Entrevista de Aristides Lobo a Robert Alexander. São Paulo, 17/6/53. Apud: ALEXANDER, Robert, op.
cit.
392
BASTOS, Abguar. Luiz Carlos Prestes e a Revolução Social. (1946), p. 264.
393
Como, por exemplo, Edgard Carone, em: op. cit., p. 298 e seguintes.
394
Em: Solidão revolucionária, p.238, e nota de rodapé n.º 58, p. 248.
395
Caminhos percorridos, p. 146.
396
ALEXANDER, Robert J. Comunism in Latin America, p. 102. Citado por Dulles, op. cit., p. 408.
397
Entre outros documentos, é o que se infere do depoimento de Prestes a Edgard Carone, citado em:
Classes sociais e movimento operário, p.p. 300-301.
cretinizado” por ter-lhe informado por carta, como um grande acontecimento, ter conseguido que o
partido aceitasse a adesão do “ogum de lá”. Enfim — consola-se Mary — era possível que a adesão
de Prestes tenha ocorrido mediante condições, com o fim de conseguir uma frente única,
colaboração geral, etc. Nesse caso ele acabaria “dando com os burros nágua, porque o pessoal do
partido é maluco mesmo”. Como “Aristeu” pedira absoluto sigilo sobre o caso da adesão, Mary
solicita a Lívio que não falasse a ninguém a respeito. Na carta que escrevera a Mary, Aristides
informara que “todos os cobres do homem foram para o partido, naturalmente para fazer e
continuar a fazer maravilhas como a última que nós vimos aqui”.398 Pouco antes desta carta,
“Aristeu” escrevera dizendo-se muito satisfeito com os resultados da viagem, queria voltar
brevemente e os camaradas deveriam se preparar para receber boas notícias quando ele
chegasse.399 Portanto, o rompimento de Aristides com Prestes deve ter-se completado no Brasil,
quando o primeiro percebeu, com seus companheiros da OE, que o “ogum de lá” curvara-se
inteiramente ao stalinismo. Rompimento que não ocorreu abruptamente: num balanço da Comissão
de Organização da Liga Comunista, datado de 1.º de março de 1931, Aristides refere-se ao fato de
ter conseguido para a liga a edição de sete obras revolucionárias e do Manifesto, pagos por Luís
Carlos Prestes.400
Em 5 de fevereiro de 1931, Pedrosa escreveu a Lívio comunicando carta do “Cavaleiro” aos
amigos cariocas, dizendo-se disposto “a romper publicamente com todos os elementos divergentes
da direção, o nosso amigo (Aristides Lobo, certamente), a oposição inclusive”. Afirma Pedrosa que
Prestes fizera obra policial, levando uma carta sua ao Secretariado, assim denunciando João da
Costa Pimenta:

“(...) o idiota do cavaleiro com certeza levou a coisa ao Secretariado para


que este julgasse e dissesse o que ele devia pensar a respeito. Mas o
Secretariado como é mais inteligente e safado pôde ficar com a coisa e
apropriar-se dela, utilizando-a ou publicando-a mesmo como dele. E o
Cavaleiro ainda achará isto muito direito — e um golpe de política
revolucionária, etc. É preciso que ele devolva o original da carta. Acho que é
preciso uma manifestação pública da liga contra ele”. 401

De acordo com Pedrosa, a adesão de Prestes ao stalinismo ficou consagrada no dia


10/12/30, quando O Jornal publicou novo manifesto do “Cavaleiro”. Pedrosa diz não entender
porque ele ainda continuava a se manifestar individualmente, o que demonstrava ser de um
esquerdismo sectário. Mostrar a precariedade natural de Prestes, dada a sua origem, não deveria
ser motivo para impedir o partido de procurar experimentá-lo na sua eficácia e realização. O mais
seria ultra-esquerdismo, doença infantil, manipulado com motivos pessoais de despeito que o
Cavaleiro poderia ter para com os seus antigos companheiros. Nos termos em que estava, o
manifesto do Prestes era um ato político lamentável e sem propósito. Era uma capitulação completa
em frente à burocracia, não só quanto aos seus resultados como quanto à sua ideologia. A
revolução para ele ainda era puramente nacional e falava também no governo dos conselhos de
operários, desacompanhado da ditadura do proletariado. Pedrosa conclui: “O que é mais lamentável
é que o nosso amigo estava lá, acompanhou tudo e está de acordo com isto!” Portanto, Aristides
resolvera se sacrificar para garantir o sucesso da revolução proletária, só possível — ele pensava
— se conduzida pelo partido. No dia anterior — continua a carta de Pedrosa — correra a notícia de
que Aristides chegaria ao Rio pelo navio “Sierra Morena”, e ele temia que houvesse desembarcado
em Santos. Se isto houvesse acontecido, Lívio precisaria ter muita habilidade em discutir com
Aristides e mostrar-lhe o erro e a capitulação diante da burocracia, sobretudo no sentido
internacional. Seria preciso que ele entrasse em conhecimento imediato dos documentos da
oposição, e seria preferível que Aristides primeiro se avistasse com Pedrosa, capaz de servir
melhor de pára-choques. Conclui: “É preciso agir mas de modo a conquistá-lo ao nosso ponto de

398
Carta de Mary a Lívio. Rio, 1930 (dezembro?). Ms. FLBX. CEDEM/UNESP.
399
Carta de Mary a Lívio. Rio, 25/11/30. Ms. FLBX. CEDEM/UNESP.
400
Citado por José Castilho, em Solidão revolucionária, p. 177.
401
Carta de Pedrosa a Lívio. Rio, 5/2/31. Ms. FLBX. CEDEM/UNESP.
vista, de modo que ele possa assumir com você abertamente a direção da linha política da
Oposição de Esquerda.” 402
A direção do PCB continuou em 1931 a atacar a LAR — dissolvida, como vimos, em
outubro de 1930 — e a considerar Aristides Lobo, quando do seu retorno a São Paulo, como
emissário de Prestes. Dulles informa que Prestes, em seguida à dissolução da LAR, decidira entrar
para o PCB, recebendo do Secretariado Sul-Americano do Comintern (sediado em Montevidéu
desde 1930) autorização para convidar Silo Meireles e Emídio Miranda a fazerem o mesmo, mas
não o trotskista Aristides Lobo.403 Emídio Miranda e Silo Meireles declinaram do convite feito por
Prestes. O primeiro, por desconhecimento e desinteresse pela doutrina comunista, além de contar
recuperar sua posição no Exército após a anistia oferecida por Vargas aos revolucionários da
década de 20. O segundo alegando serem, ele e a família, muito católicos. Meireles optou por
rejeitar a anistia concedida no Brasil e continuar ao lado de Prestes. Quanto aos seiscentos contos
restantes, recebidos de Aranha, resolveu-se que a quantia deveria ser transferida da extinta LAR
para Prestes, a fim de ser empregada exclusivamente numa eventual revolução no Brasil.404
Vê-se que a posição de Aristides Lobo de não enfraquecer o partido está amplamente
corroborada pelas fontes. Carta anterior, enviada por Mário Pedrosa a Lívio Xavier, informa que
Aristides havia escrito a Pedrosa concitando-o a voltar ao partido, para que agisse nele
conseqüentemente, indo até o fim, pois naquele momento não havia possibilidades para um
trabalho qualquer de organização, fora do PC. Pedrosa concede razão a Aristides. O trabalho
prático fora do partido não poderia ainda ser efetuado. Não obstante, para que a atividade dos
opositores dentro do partido não fosse descontínua e empírica demais, seria preciso que os
melhores se reunissem para organizar um trabalho de elaboração ideológica coletiva e
sistematizada. De acordo com Pedrosa, Aristides estaria ainda em crise de consciência, reagindo a
qualquer palavra menos ortodoxa — como “facção”. Seria preciso “ir com muito jeito com ele”, mas
o seu amadurecimento seria uma questão de tempo.405
O assunto que continua a preocupar a historiografia referente aos rumos tomados por
Prestes nos anos decisivos de 30 e 31 está amplamente esclarecida por Aristides Lobo. Tão logo
chegou ao Brasil, publicou ele minuciosa crítica dos manifestos de 12 e 20 de março. Essa crítica,
produzida por uma testemunha altamente privilegiada dos acontecimentos de que cuida, é marcada
por um didatismo exemplar, aconselhando a transcrição de alguns de seus trechos que se revelam
fundamentais para o entendimento de capítulos ainda obscuros da história do comunismo no Brasil
(a posição de Prestes no partido, o caráter da revolução brasileira, o “etapismo”, o grau de
autonomia do PCB diante da Internacional Comunista, etc.). Escreve Lobo:

“Toda a parte final, totalmente certa, do manifesto de 20 de março, Prestes


copiou-a textualmente de uma publicação anterior (‘Contra a insurreição
fascista’), feita no tempo em que, já tendo abandonado a velha fórmula de
‘revolução agrária e antiimperialista’ (maio, julho e agosto de 1930), passava a
defender a Revolução Proletária. Apenas foi intercalado um pequeno trecho,
igualmente certo e também retirado de um antigo manifesto (‘Contra os
mistificadores’), em que Prestes, apesar de hesitante, já dizia, entretanto,
alguma coisa aproveitável. Nesse tempo, a influência da burocracia não era
tão direta como hoje e a ‘ligação pelo vértice’ apenas se esboçava”.

Era, portanto, — continua Lobo — “extraordinário o fato de que Prestes, depois de ter
renegado, em seu manifesto de 12 de março, tudo o que dissera antes, venha reeditar, apenas oito
dias depois (20 de março), os seus acertos ocasionais.
Assombra tanta hesitação em tão pouco tempo e é oportuno registrarmos aqui as
‘cotações’ ideológicas de Prestes no curto período de dez meses:

402
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Xavier. Rio de Janeiro, 8/12/30. Ms. FLBX. CEDEM/UNESP.
403
Entrevistas de Emídio da Costa Miranda a Dulles, de 19 julho de 1963, 5 de outubro de 1966 e 8 de
outubro de l967.
404
DULLES, J. F. Op. cit., p. 364.
405
Carta enviada do Rio de Janeiro para São Paulo. Janeiro de 1930. Transcrita por: MARQUES NETO ,
José Castilho. Solidão revolucionária. Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil, p. 321.
Erro! Indicador Publicações Cotações
não
definido.Datas
maio de 1930 Ao povo brasileiro. Revolução agrária e antiimperialista.
julho/1930 Aos revolucionários do Brasil. Idem.
agosto/30 Contra os mistificadores. Idem (hesitante).
setembro/30 Contra a insurreição fascista. Revolução proletária.
6/11/30 Aos revolucionários do Brasil. Revolução agrária e antiimperialista
(hesitante).
24/11/30 A ‘liberdade’ em S. Paulo. Revolução proletária.
12/3/31 Carta aberta. Revolução agrária e antiimperialista
20/3/31 Aos trabalhadores do Brasil e muito Revolução proletária.”
especialmente aos seus irmãos de
luta e sofrimento, soldados e
marinheiros.

Com base no quadro acima, Aristides considera que o manifesto de 20 de março não
poderia exprimir a posição real de Prestes. Sua verdadeira posição estaria definida no manifesto do
dia 12, que ele passa a analisar com linguagem irônica. Prestes, transformado em Dom Quixote da
“revolução democrático-burguesa”, “agrária e antiimperialista”, “operária e camponesa”, etc., morria
de amores por sua Dulcinéia — a burocracia do Secretariado Sul-Americano da Internacional
Comunista. Após apontar a cooptação do “Cavaleiro” por esse organismo, Aristides passa a
analisar pontos da política partidária — como o centrismo, a decisão pelo vértice, a burocracia e o
stalinismo —, nos quais mergulharam profundamente as razões da dissidência de quadros do PCB.
A Internacional Comunista, imbuída do modelo stalinista do “etapismo” transformara o “cavaleiro da
esperança da burguesia em 1924-29” no “cavaleiro da esperança” da burocracia do Partido
Comunista em 1930-31.
A historiografia recente reconhece que um dos grandes erros cometidos pelo partido no
primeiro período de sua existência era o de usar de “um grande mecanicismo na aplicação das
diretrizes da Terceira Internacional — como ao postular a articulação direta das contradições
políticas internas com o conflito entre o imperialismo inglês e o norte-americano — que marcou, por
exemplo, a interpretação da revolução de 30”.406 Esta crítica não cabe para os dissidentes, pois eles
a faziam um dos pontos centrais de sua análise sobre os desvios do partido:

“Para Prestes e para a burocracia do PC, como para os espíritas, o


imperialismo é uma espécie de ‘encosto’. Subestimando o papel de classe e a
luta interimperialista pelo mercado, a preocupação de ambos é descobrir o
cordão umbelical que liga cada habitante do Brasil a este ou àquele
imperialismo; é se transformarem em ‘videntes’ para enxergar, grudado no
lombo do Juca ou do Chico, o ‘encosto’ inglês ou o ‘encosto’ norte-americano.
Prestes chega a escrever esta maravilha:
‘Os imperialismos que lutavam um com o governo federal e outro contra o
mesmo governo, estão atualmente juntos no poder, lutam agora em bases
mais amplas. Enquanto o imperialismo inglês, assim como o francês,
conservando os seus pontos de apoio procuram desagregar o bloco que fez o
movimento de outubro, a Aliança Liberal, o imperialismo yankee, faz pressão,
claramente, baixando o câmbio e não oferecendo nem permitindo
empréstimos e por sua vez desmoralizando o governo provisório com os
demagogos que vai pagando’ .
Quem poderá entender essa salada?

406
PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Prefácio”, in: VINHAS, Moisés. O Partidão, p. XII.
Os ‘dois’ imperialismos, lutando um contra o outro a favor do governo
federal, ‘acabam ficando juntos no poder’ e ‘lutam agora em bases mais
amplas’, ao mesmo tempo que um deles (o inglês) se alia a um terceiro (o
francês) para desagregar o bloco, enquanto o outro (o yankee, vulgo América
Latina), ‘faz pressão’, ‘baixa o câmbio’, ‘não permite empréstimos’ e
‘desmoraliza o governo provisório com os demagogos (...)’.
Eis aí como Prestes, que, com sua bússola, se orientava tão bem no
emaranhado do nosso sertão, acabou perdendo a bússola do bom senso,
atarantado com a complexidade da dialética marxista.
Se Prestes entendesse alguma coisa de comunismo e tivesse assimilado o
que escreveu Lenin e Rosa Luxemburgo sobre a luta pela hegemonia do
mercado, saberia que o imperialismo, como última etapa do desenvolvimento
capitalista, não quebra o caráter internacional da burguesia como classe, e
que a luta se trava no terreno do mercado, podendo agravar-se até o ponto de
uma guerra, enquanto o governo capitalista não imperialista de um país vê-se,
constantemente, obrigado a fazer concessões simultâneas aos vários países
imperialistas.
Analisar marxistamente uma situação é coisa muito mais complexa do que
a solução de um problema de balística ou o cálculo de uma integral. (...)
Método de análise e de ação, o marxismo decorre e se enriquece e se
aplica em íntima ligação com a situação concreta. Não é um ‘clichê’, prontinho
para ser aplicado por qualquer ignorante, e sim uma teoria revolucionária que
só pode ser compreendida em estreito contato com os acontecimentos.
Se Prestes tivesse assimilado a teoria de Marx e de Lenin, saberia que,
depois dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista, a fração
centrista de Stalin cometeu tão criminosas violações aos princípios, que a
existência de um forte movimento oposicionista de esquerda se tornou mais
do que uma necessidade, sendo hoje uma imposição da História. E não se
prestaria ao triste papel de Dom Quixote da Dulcinéia termidoriana,
endossando as calúnias mais rasteiras contra a oposição de esquerda.(...)
Revolucionário não é aquele que, longe do cenário dos acontecimentos,
afastado do trabalho diário de agitação e organização das massas e sem
ligação com elas, sem lutar nas organizações revolucionárias, permanece
comodamente na posição de espectador, para só aparecer na fase
insurrecional da Revolução, na fase decisiva, quando já está feito todo o
trabalho preparatório e quando, por isso mesmo, no calor de uma luta
sangrenta, não há melhor oportunidade de ser um ‘herói’ e de colher lauréis...
A oposição de esquerda continuará, pois, o seu trabalho revolucionário,
agitando e organizando as massas, através de todos os obstáculos e
sacrifícios, para a Revolução Proletária, para a destruição violenta do estado
burguês e sua substituição pela ditadura do proletariado sob a forma de
regime soviético.”407

É de interesse cotejar a autocrítica que Prestes apresentou no IV Congresso do Partido


Comunista do Brasil (1954) com o texto acima. Prestes confessa-se, após a derrota de novembro
de 35, ainda sob a influência do idealismo pequeno-burguês. Em 1937 declara ter caído no
“oportunismo de substituir a hegemonia do proletariado pela hegemonia da burguesia e pregar que
a burguesia brasileira seria capaz de fazer a sua própria revolução democrática, no oportunismo (...)
de lutar pelo fortalecimento da burguesia e considerar dispensável a aliança operário-camponesa,
enrolando praticamente por algum tempo as bandeiras de luta contra o imperialismo e contra o
feudalismo”. Comportamento, pois, que Aristides Lobo e seus companheiros trotskistas
reconheciam como catastrófico para o partido, já em 1931. Prestes, porém, espantosamente,

407
“Resposta a Luís Carlos Prestes”. Boletim da Oposição. Órgão da Liga Comunista (Oposição de
Esquerda). Ano I, abril de 1931, n.º 2, p.p. 1-6. In: Processo-crime contra Hilcar Leite e outros, n.º 296, de
27/1/38, v. 1. Tribunal de Segurança Nacional. Microfilme. FLBX.
termina sua autocrítica dizendo: “Essa falsa orientação facilitou o trabalho desagregador de
elementos trotskistas e acabou por debilitar a própria direção nacional do partido, que caiu em sua
quase totalidade nas mãos da polícia em 1940.” 408 Espantosamente, pois o partido continuou a
criticar Prestes nos primeiros meses de 1931, realçando os perigos que representavam os “chefes
esquerdistas da pequena burguesia” para a causa revolucionária. Declarava o partido que esses
chefes sentiam a pressão das massas, mas oscilavam sempre entre a burguesia e o proletariado.
Alguns já haviam caído de todo na reação, embora se declarando comunistas, como Mota Lima,
Reis Perdigão, Raphael de Oliveira. Outros, como Prestes, deitavam palavras revolucionárias,
depois de um silêncio que “permitiu aos Miguel Costa, do grupo norte-americano, especularem com
o seu nome, a favor do jogo da Legião Revolucionária”. Prestes falava no perigo do prestismo, em
comitês de lutas e nos sovietes, mas não dizia como organizar esses comitês e esses sovietes. A
pequena burguesia prestista pretendia dirigir o proletariado, mas hesitava em lhe ensinar
praticamente a revolução. Com essa hesitação colocava o povo sob os perigos dos golpes de
quartel, isolados, que de nada serviriam aos trabalhadores. Estes poderiam erguer o poder operário
e camponês, ao lado do poder burguês-fascista ou do poder pequeno-burguês vacilante. Os
comunistas, como a vanguarda revolucionária do proletariado, eram os únicos a dizer a verdade
aos trabalhadores e se apresentavam dispostos a sofrer a feroz perseguição da ditadura de Getúlio,
como sofreram a igualmente feroz ditadura de Bernardes, Washington e Júlio Prestes.
Quanto à análise da situação nacional, o partido continuava prisioneiro da célebre tese que
via a crise brasileira como um reflexo da luta entre capitalistas ingleses e americanos, tão
combatida pelos opositores de esquerda: Getúlio, João Alberto e os democráticos, vendidos a
Londres, queriam combater Miguel Costa, Mendonça Lima, etc., vendidos a Nova York. Juarez
Távora, no Norte, oscilava entre Londres e Nova York, mas, no fundo, todos os capitalistas queriam
esmagar as massas e a sua revolução. Miguel Costa “namorava” as massas, queria se aproximar
de Prestes e até dos oposicionistas, para “arrastar as massas atrás da sua Legião Revolucionária,
dos seus golpes de quartel fascistas, em favor de Nova York.”409

4. Dissidências em S. Paulo.

A. As cartas de Plínio Gomes de Mello e de Aristides Lobo.

Os primeiros ataques dos stalinistas aos trotskistas refletiram preocupações da direção do


PCB em acatar a diretiva do Sexto Congresso da Internacional Comunista (1928) de forçar a
entrada de operários na direção dos partidos comunistas, política esta denominada de “Obreirismo”.
Astrojildo Pereira transmitiu esta diretriz ao Brasil, após permanecer o ano de 1929 na URSS:
proletarizar o PCB, diminuindo a influência da pequena burguesia nas fileiras e na direção do
partido. Sob a influência direta do Bureau Sul-Americano da III Internacional, a antiga direção foi
praticamente toda afastada, sendo substituída por elementos que tinham como única qualificação o
fato de serem “operários”. Este processo, liderado por Fernando de Lacerda, serviu para atrelar
definitivamente o PCB aos ditames oriundos da Internacional Comunista.410 Inevitavelmente, no
caso paulista, as acusações stalinistas tributárias do “Obreirismo” ancoravam-se no repúdio às
alianças com os pequeno-burgueses do Partido Democrático (“Partido dos Descontentes”, diziam
os comunistas), aos quais se forçava a identificação com os trotskistas. Este o teor da “CARTA A
TODOS OS MEMBROS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL NA REGIÃO DE S. PAULO”,
datada de 25/3/1930, e que deveria ser lida “com a máxima atenção”. Documento que reflete, mais

408
PRESTES, Luís Carlos. Informe de Balanço do Comitê Central do PCB ao IV Congresso do Partido
Comunista do Brasil. Problemas, Rio de Janeiro, 64, dez. 54/fev. 55, p. 91. Apud: KAREPOVS, Dainis.
Nos subterrâneos da luta (um estudo sobre a cisão no PCB em 1937-1938), p. 11.
409
Proclamação assinada pelo Comitê Central do PCB (Seção Brasileira da Internacional Comunista). Rio
de Janeiro, 20/3/31. Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030. DEOPS/SP.
410
ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis (orgs.). Na contra-corrente da História, p. 51.
do que a necessidade de aplicar normas da IC, o medo dos stalinistas de perderem o controle do
PCB para a Oposição de Esquerda:

“Para isto (o capitalismo) serve-se da calúnia, da campanha mais suja de


invencionices, de intrigas, de infâmias para desagregar as fileiras do Partido
Comunista. Não faltam instrumentos que se prestam a essa obra infame. Todos
os renegados e traidores do proletariado se unem nesta campanha, desde os
da direita até os chamados ‘esquerdistas’, que nada mais são do que
oportunistas encobertos com uma falsa demagogia. Em todos os setores eles
se unem contra o PC para combatê-lo em benefício da burguesia. Plínio Melo,
João Matheus, Aristides Lobo, etc., todo o grupo da “Lucta de Classe”, e do
trotskismo intelectualóide não passam de aliados da burguesia, do capitalismo
internacional e nacional, contra a revolução das massas operárias e
camponesas, contra o PC, o único capaz de guiar-nos firmemente para a
revolução. Encobrindo-se com os erros da antiga direção do partido, agora que
ele procura acertar a sua linha política, proletarizando-se cada vez mais,
seguindo uma linha de classe absolutamente independente, não permitindo em
suas fileiras a mínima ilusão com os elementos pequeno-burgueses (João
Alberto, Miguel Costa, Luís Carlos Prestes, etc.). Estes renegados, em sua
maioria intelectuais pequeno-burgueses, procuram desagregar as fileiras do PC.
Abaixo os traidores e os mistificadores do proletariado! Fora os agentes da
burguesia disfarçados de comunistas!”411

Em abril de 1930, realizou-se a primeira conferência internacional dos trotskistas, em meio


a problemas graves: a luta contra stalinistas e as rivalidades de alguns círculos de oposição.412 A
Oposição de Esquerda, no Brasil, sentia-se mais segura para responder às duríssimas críticas que
lhe eram assacadas pelos stalinistas. As contra-razões vazavam-se em estilo por igual severo.
Acusava-se a direção do partido de se ter desandado a insultar a oposição bolchevista-leninista,
“xingando-a de tudo quanto é nome feio que se possa imaginar”, dizendo que os seus aderentes
eram o “excremento, isto é, a merda do partido”. A fragilidade teórica da direção (“pequeno-
burguesa”) foi apontada: ignorando por completo o que fosse o marxismo, não saberia jamais opor
à oposição um argumento sério, pois esta discutia e criticava tão somente à luz do marxismo-
leninismo. Os trotskistas faziam uma obra de polícia revolucionária, visto que fiscalizavam e
denunciavam às massas todos os erros da burocracia dirigente: porque seguravam “pela gola” os
que tentavam deformar os ensinamentos de Marx e de Lenin. A oposição também protestava contra
a obra policial de fato da burocracia que, consciente ou inconscientemente, dava “pasto diário à
sanha dos sicários da burguesia”, ao citar nomes de camaradas nos boletins, que rapidamente
caíam nas mãos da polícia, “enquanto a massa, impotente, continua no mais deplorável estado de
desorganização e os militantes do partido, que tão inestimáveis serviços poderiam prestar em
outras circunstâncias, vivem a debater-se no mais completo descalabro ideológico”. Os burocratas
da direção era conclamados a fabricar contra os opositores o que quisessem, mas eles
continuariam sempre onde se colocaram: “dentro do partido — enquanto for possível — fora dele,
quando nos expulsarem, mas ao lado, até o fim, da integridade dos princípios e na defesa dos
interesses revolucionários da classe operária!” 413
Os “descalabros ideológicos” são contundentemente descritos por “Lyon” (Lívio Xavier), em
análise que reconstitui a história das dissensões históricas surgidas entre companheiros de jornada,
dos pontos de vista da teoria e da prática revolucionária:

“É tempo, pois, de rever a apocalíptica ‘teoria’ do PCB, revelada como


religião, dogma indiscutido e indiscutível, cujo segredo e explicação só

411
Boletim do Bureau do Comitê Central do PCB, Região de São Paulo. Prontuário n.º 57, de Antônio
Brandão, f. 17. DEOPS/SP.
412
BROUÉ, Pierre. Prefácio. A Oposição de Esquerda Internacional, em: Na contracorrente da História, p.p.
12-16.
413
Como se argumenta contra nós. A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30, ano I, n.º 3.
possuem os ‘eleitos’ do comitê central, e repousa sobre estas igualdades
fundamentais: São Paulo (feudal) — café, igual Imperialismo inglês —
Indústria — Movimento Liberal igual Imperialismo yankee. A guerra civil ao fim
da luta eleitoral. Mas os teóricos do PCB só apreendem a realidade quando
ela se traduz pela fisionomia do indivíduo A ou X, ou literalmente por
documento escrito. É o caso de pôr-lhes em frente do sr. Afrânio Melo Franco,
delegado de Minas, viajando de Nova York para Londres e vice-versa,
suplicando um empréstimo recusado por falta do endosso do Governo
Federal, ou mostrar-lhes o contrato do empréstimo paulista onde o capital
yankee participa com a cota de 35 milhões de dólares. (...) Incapazes de
pensar dialeticamente e agir conseqüentemente, essas correntes subestimam
as novas contradições que ameaçam, no próprio desenvolvimento da
revolução nacional, a dominação do capital, entravando os seus objetivos
imediatos. Estas contradições se concretizam pela ação revolucionária do
proletariado, que, lutando pelas próprias aspirações dá forma e sentido à
insurreição das massas oprimidas e estabelece a ligação com a revolução
internacional. (...) É preciso abandonar o simplismo ridículo das teses do 3.º
Congresso do Partido Comunista Brasileiro, quando se referem ao
imperialismo inglês cavalgando a burguesia agrária e feudal de São Paulo (!)
em oposição ao ‘jovem e irresistível imperialismo rival yankee’ (?!). Onde
estás, ó precisão marxista?
A idéia abstrata da opressão nacional é a base do pior confusionismo.
Bernardes fala em imperialismo e nega a concessão de Itabira. (...) A ideologia
‘antiimperialista’ concebe o jugo do imperialismo como uma ação mecânica,
exterior, única sobre todas as classes das colônias. A oposição comunista
nas discussões sobre a revolução chinesa denunciou esse erro grosseiro e,
via-se logo, fatal. A luta revolucionária contra o imperialismo não cria uma
coesão das classes na colônia mas é, ao contrário, fator de diferenciação
política. A força do imperialismo reside na ligação econômica e política do
capital estrangeiro com a burguesia indígena.
O PCB tem saltado da coceira ‘kuomingtanguista‘ de 1927 à Coluna Prestes,
da aliança orgânica à ligação com a vanguarda da pequena burguesia (?), do
‘Agrarismo e Industrialismo’ do camarada Brandão à última ‘pastoral‘ da
Internacional Comunista sobre a questão brasileira.
Por este último modelo de previsão marxista tem-se idéia do que podem ser
a teoria e a prática do setor brasileiro. Mas nós sabemos todos que este não
tem desmerecido o quartel general.”414

Clarifica-se, assim, a controvertida questão do papel da Internacional Comunista sobre o


PCB. Conseqüentemente, exorciza-se o fantasma que continua a assombrar muitas das análises
que se detêm sobre o grau de autonomia dos comunistas brasileiros, o peso de acontecimentos
internacionais e nacionais sobre a trajetória do partido ou o festejado “embate de personalidades”,
como explicação “potável” para os cismas ocorridos nas fileiras comunistas. “Lyon” demonstra que
os camaradas da oposição estavam absolutamente lúcidos a respeito desses problemas e se
recusavam a ser despojados do exercício da crítica, como queria a direção do PCB. Os primeiros
trotskistas consideravam que a previsão equivocada dos stalinistas sobre a iminência da revolução
proletária provocava efeitos danosos sobre a militância:

“Apavorada com a histeria ‘revolucionária’ do grupo de ‘iluminados’ que


dirige o PC a polícia vem efetuando prisões a torto e a direito, não só
encarcerando, mas espancando e maltratando por todos os meios os
militantes operários. Martírio inútil a que pela direção do partido são
submetidos esses companheiros, porque na realidade nada existe, mesmo do

414
“LYON”. A última agitação política e as novas posições do imperialismo. A Lucta de Classe. Rio de
Janeiro, julho de 30, ano I, n.º 3, p. 2.
ponto de vista burguês, que o justifique. Sem organização sindical e sem
vanguarda capaz, sem vontade de luta das massas, vêm sendo vítimas os
nossos militantes do efeito causado no espírito burguês pela ameaça de uma
‘revolução’ que só existe nos letreiros gritantes dos cartazes e na imaginação
doentia de meia dúzia de fanáticos cegados pela cocaína dos ‘complots’.
A Revolução Proletária virá inevitavelmente e a reação capitalista se fará
sentir cada vez mais forte até o dia do seu advento, mas isso obedecerá ao
desenvolvimento de um processo histórico e se dará de acordo com o curso
dos acontecimentos. Essa reação será a conseqüência dialética de uma ação
revolucionária, e dos seus efeitos, que só se apagarão com a vitória da classe
operária, não haverá por onde fugir.
(...) A onda de violências contra os trabalhadores não está decorrendo de
uma ação revolucionária justa, de um só fato real e palpável, mas do medo
(somente do medo) que à burguesia inspiram as bochechas dos nossos
dirigentes, quando se enchem de ‘vento revolucionário’.” 415

As condições essenciais da vitória da revolução do proletariado repousariam em dois


fatores: uma crise econômica e política provocando a desagregação no seio da classe capitalista, e
coincidindo com o estado de radicalização das massas operárias e camponesas (sua vontade de
luta, seu apoio à vanguarda, etc.); e a existência de um forte Partido Comunista, “ágil na ação, justo
na tática e capaz de dirigir pelo devotamento e grau de consciência revolucionária de seus
militantes, os trabalhos de preparação e direção da insurreição armada”.
No Brasil, os dirigentes comunistas, além de decretarem, sem exame sério da situação do
país, uma “radicalização” que não existia, pareciam se esquecer da importância do papel que o
fator subjetivo desempenhava no curso dos acontecimentos.
Essa era a situação que parecia clara “a todos nós que sabemos ver as coisas sem miopia
e sem óculos de aumento, a todos os que, baseados na doutrina científica de Marx e nas lições da
experiência que Lenin nos legou, somos contrários a qualquer espécie de masturbação
revolucionária e o que queremos é a Revolução Proletária, revolução de verdade, que há de resultar
inevitavelmente vitoriosa do entrechoque violento das múltiplas forças históricas sob a vigilância
inteligente e sob o controle capaz de um forte Partido Comunista de massa”.416
O “camarada Lago” acusa a direção do partido de ser a única responsável pela orientação
política errada, que ia aos poucos liquidando o partido e o separando da pequena parte do
proletariado que ainda o acompanhava. “Lago” adiava a discussão relativa à posição dos opositores
quanto à Internacional Comunista, por muito complexa e por envolver abundantíssima
documentação a estudar, que o próprio partido desconhecia por completo. Aos poucos, iriam os
opositores pondo o partido e o proletariado a par desta questão, fundamental para a sorte futura da
Internacional Comunista e da revolução mundial. O tempo diria se tinham razão ou não em dar o
brado de alarma. E quanto à crítica à direção, não haveria ninguém de boa-fé que afirmasse
desconhecer os seus desmandos. O último desses desmandos fora a ação de 1.º de agosto,
quando as palavras de ordem estavam em contradição absoluta com o estado das massas.
Radicais em demasia, foram lançadas como se o proletariado estivesse prestes a tomar o poder.
Ora, nem a greve política das massas, recomendada pela IC, que era uma ação muito menos
violenta que a tomada do poder, poderia o partido realizar. Que diriam os camaradas que viam
pelas paredes a seguinte palavra de ordem: “Armai-vos e tomai as fábricas” ? Essa atitude revelava
a “loucura” da direção do partido e justificava o combate sem tréguas de seus oponentes,
ocasionando conseqüentemente a desmoralização do partido perante as massas operárias. As
constantes repressões policiais oriundas das “fanfarronadas” da direção acarretavam infalivelmente
o desânimo aos membros de “nível ideológico insuficiente, como o da maioria dos membros do
partido”.417
O Comitê Central, visivelmente amedrontado pela argumentação e atuação de seus
críticos, adotou medidas para o estabelecimento de um cordão sanitário em torno dos “renegados”.

415
Como combater a reação. Loc. cit.
416
O fator subjetivo. Loc. cit., p. 4.
417
BILHETE A GUILHERME. A LUTA DE CLASSE., Rio de Janeiro, 1930, n.º 4, p. 4.
Em carta assinada por Dinah Siqueira (São Paulo, 1/12/30), o comitê chama a atenção dos
camaradas do interior “para as manobras de certos elementos pequeno-burgueses oportunistas
expulsos como tais do partido (Plínio Melo, Josias Leão, Luís de Barros), os quais se acham ao
serviço dos generais e coronéis fascistas para tapear as massas intitulando-se comunistas”. Toda a
colaboração com esses elementos, “que traíram o proletariado”, acarretaria “mecanicamente” a
exclusão do partido.”418 A “muralha de ferro” preconizada pela direção atingia, obviamente, Aristides
Lobo, o negociador da LAR:

“Os camaradas terão recebido uma nossa carta referente ao renegado e


traidor Aristides Lobo. Pode ser que ele se dirija por carta aos camaradas. Os
camaradas devem repeli-lo com toda a energia, pois ele foi expulso do partido.
Devem enviar-nos cópia de todo o material, tanto da carta que por acaso ele
vos envie, como da resposta dos camaradas. Só deve ser atendida como
sendo verdadeiramente do partido, a correspondência que seja assinada por
A. Costa e carimbada conforme esta circular.” 419

Determinação intimidatória de efeitos neutralizados pela Oposição de Esquerda, pois em 29


de dezembro de 1930 Aristides Lobo lançou um folheto impresso, de quatro páginas, em resposta à
carta do Bureau do Comitê Central sobre a luta contra os bolchevistas expulsos das fileiras
revolucionárias. Juntamente com o memorial de Joaquim Barbosa e a carta de Plínio Melo, este
texto forma a tríade documental mais completa a respeito dos acontecimentos de 1928-1930, na
óptica dos dissidentes. Com uma vantagem: por ser o último desses documentos, a “Carta Aberta
aos Membros do Partido Comunista” sintetiza os problemas principais enfrentados pelos dissidentes
e os situa claramente nos embates teóricos e práticos das correntes revolucionárias da época.
A primeira das críticas levantadas por Aristides diz respeito à composição social dos
dirigentes do partido do proletariado, pouco tempo antes destituída por imposição do Secretariado
Sul-Americano da Internacional Comunista: um jornalista, um farmacêutico, um advogado, dois
médicos, um guarda-livros e alguns elementos da chamada “aristocracia operária”.420 Crítica
dirigida a uma composição social que retiraria o conteúdo de classe da revolução, atrelando o
proletariado a uma vanguarda pequeno-burguesa. Pecado original que explicaria os desvios
kuomintanguistas, pequeno-burgueses e de culto à personalidade praticados pelo CCE.
Assim, a mencionada direção, manejada pela “troika” daquele tempo (o jornalista, o
farmacêutico e o bacharel),

“cometera toda a série de atentados ao marxismo que já se conhecem e


que mal se confessam. Foi ela a autora da ‘monstruosidade kuomintanguista’
e da ‘aliança política e ideológica’ com os militares rebeldes, a que chamava
‘pequena burguesia revolucionária’. Foi ela que lançou o órgão confusionista A
Nação, por meio do qual namorava o então general Luís Carlos Prestes,
endeusando-o numa frente única com a imprensa burguesa oposicionista
desse tempo, e até procurando seduzi-lo com a promessa de o colocar entre
os maiorais da burocracia dirigente, no caso em que ele assinasse a papeleta
da adesão ao partido. Foi ela que, nas mesmas colunas de A Nação,
estampou em ordem cronológica (a começar dos oito anos de idade) todas as
fotografias existentes do ‘cavaleiro da esperança’, encimando-as com estas
palavras de simpatia e enternecimento: ‘O general de 29 anos’. Foi ela, ainda,

418
Prontuário de Aristides Lobo, n.º 37, 1.º volume, f. 16. DEOPS/SP.
419
Circular do PCB/SP, assinada por A. Costa. Prontuário de Antônio Brandão, n.º 57. Ms., cópia
carbonata. DEOPS/SP.
420
Astrojildo Pereira, jornalista; Octávio Brandão, farmacêutico; Paulo Paiva de Lacerda, advogado;
Leôncio Basbaum, médico; Fernando Paiva de Lacerda, médico; Cristiano Coutinho Cordeiro, contador e
professor. Os elementos da aristocracia operária eram o gráfico Mário Grazzini, o metalúrgico José Casini e
o padeiro José Caetano Machado. In: ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis. Na contracorrente da
História. Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo, Brasiliense, 1987,
nota de rodapé n.º 5, p. 46.
que enviou a Santos um dos intendentes operários, para este gritar bem
pertinho de mim, aos meus ouvidos, que a massa trabalhadora ia ser guiada
‘pelo formidável general Luiz Carlos Prestes’ ”.

O sectarismo moralista, a dependência a Stalin e a inocuidade das autocríticas praticados


pela burocracia partidária são sarcasticamente apresentados:

“Em todo esse tempo, a velha beata da burocracia batia no peito,


penitenciando-se, mas continuava a pecar ‘corrigindo‘ erros velhos com novos
erros. E os que, em todo esse tempo, combatiam os seus desvios de libertina
revolucionária, iam sendo expulsos, exatamente como agora, sob a pecha de
‘trânsfugas’ e de ‘traidores’. Exatamente como agora, os dirigentes bradavam:
‘nossa linha estava errada, mas já foi corrigida e é justa hoje’.
Amanhã, a velha beata baterá novamente no peito, confessando seus
pecados atuais ao papa Stalin. E este, depois de a chamar de ‘menchevista’,
como já chamou uma vez, dirá: ‘Em meu nome, no do ‘kulak’ e no do
aventureirismo: eu te perdôo...’
E a velha beata continuará a errar e a fazer safadezas. E os verdadeiros
bolchevistas, os que lhe mostram os desvios no seu justo momento,
continuarão a ser expulsos da fileiras revolucionárias, mas não antes de
receberem nas costas o vômito amarelo da velha: ‘trânsfugas’ e ‘traidores’.”

A aliança do PCB com conspiradores militares (Isidoro, Protógenes), à revelia das


organizações de base, a expulsão de militantes conscientes ao mesmo tempo em que fazia
ingressar no partido o pequeno-burguês Maurício de Lacerda (“esse grande mistificador”), o uso
errôneo do conceito de disciplina para justificar a ditadura da burocracia, são narrados pela “Carta”,
que retorna ao problema das expulsões, provavelmente com o objetivo de conseguir congregar
todos os expulsos do partido na Oposição de Esquerda. Um dos pontos-chave da história das
dissensões — a ditadura partidária substituindo a ditadura do proletariado — forma o tema do
trecho seguinte da exposição, demonstrando a preocupação com o rigor teórico da doutrina
bolchevista-leninista:

“Foi essa burocracia que, no Rio de Janeiro, expulsou uma célula (a 4 R),
pelo simples fato de que seus membros, na maioria operários, ‘ousaram’
expor as suas opiniões ao partido. E foi essa mesma burocracia que mandou
a São Paulo, como um grande ‘leader’, naturalmente para ‘conquistar São
Paulo’ (resolução do III Congresso), um pequeno-burguês da pior espécie, um
vendedor de santos e outras bugigangas a prestações, um inveterado
explorador de proletários.
Mas, camaradas, seria muito longa a citação de todos os erros, desvios,
traições, hipocrisias e calúnias de que temos sido vítimas e de que tem sido
maior vítima a grande massa trabalhadora. Vós estais no partido, ainda não
fostes expulsos; vós o sabeis. Apenas em virtude da idéia falsa da disciplina
propagada pela burocracia, não ousais dizer abertamente, dentro das células,
aquilo que estais sentindo. Vem a propósito uma citação de Lenin sobre
disciplina revolucionária. Em seu livro A doença infantil do comunismo, eis o
que nos ensina o guia imortal do proletariado revolucionário:
‘Em que se baseia a disciplina do partido revolucionário do proletariado?
Como é controlada? Que é que a sustenta?
‘Em primeiro lugar, o caráter consciente da vanguarda proletária, sua
consagração à obra revolucionária, seu domínio de si mesma, seu espírito de
sacrifício, seu heroísmo. Em segundo lugar, sua habilidade para aproximar-se
da massa dos trabalhadores, da proletária sobretudo, mas também da massa
NÃO PROLETÁRIA, para ligar-se, para fundir-se, se quiserdes, até certo
ponto com ela. Em terceiro lugar, a justeza da direção política seguida por
essa vanguarda, o acerto de sua estratégia e de sua tática política, sob a
condição de que as massas se convençam, por sua própria experiência, de
semelhante acerto. SEM ESSAS CONDIÇÕES, NÃO HÁ DISCIPLINA
POSSÍVEL NUM PARTIDO REVOLUCIONÁRIO REALMENTE APTO PARA
SER O PARTIDO DESSA VANGUARDA, QUE TEM QUE DERROCAR A
BURGUESIA E TRANSFORMAR TODA A SOCIEDADE. SEM ESSAS
CONDIÇÕES, TODA TENTATIVA DE CRIAR SEMELHANTE DISCIPLINA
SE REDUZ INEVITAVELMENTE A UMA FRASE VAZIA, A PALAVRAS, A
CARETAS.’421
Aí está a verdadeira concepção revolucionária de disciplina, sem a qual é
impossível a vitória do proletariado sobre a burguesia. Se todas as células do
partido soubessem agir rigorosamente de acordo com os ensinamentos de
Lenin, a existência da burocracia seria impossível.”422

Os temas candentes do “Obreirismo” e do “Prestismo”, indefectivelmente ligados aos


“erros” do Comitê Central, alinham-se na exposição de Aristides Lobo:

“Mas que é o atual Comitê Central? Foi ele na realidade proletarizado?


Não. A resolução da IC sobre a proletarização dos quadros dirigentes não foi
cumprida, ou mais exatamente: a ‘proletarização’ foi feita mecanicamente.
Quem o afirma não sou eu, mas o Secretariado Sul-Americano da IC (ver a
crítica pelo mesmo publicada em Justicia, órgão do Partido Comunista
Uruguaio). Mas, no Brasil, além de mecanicamente, a ‘proletarização’ só se fez
em parte. Bem sabeis que ainda estão na ‘direção’ um ou dois pequeno-
burgueses do antigo Comitê Central. Nada se transformou. Houve apenas
uma simulação de reforma: substituíram alguns pequeno-burgueses por
operários de boa-fé que debilmente se deixam manobrar. Formalmente, no
papel, e para informar ao Secretariado da IC — dirigem os operários; mas de
fato, mexendo os pauzinhos por detrás das cortinas, são os mesmos
pequeno-burgueses os que dirigem. É natural: a crise é profunda e a
desocupação é grande; cada um ‘se defende’ como pode...
Antes de prosseguir, uma pergunta: a ‘direção’ fez chegar ao vosso
conhecimento a crítica do secretariado sobre a ‘proletarização’ dos quadros
dirigentes?
Outra pergunta: a ‘direção’ fez chegar ao vosso conhecimento a resolução
do mesmo secretariado sobre o reingresso dos operários expulsos?
Uma terceira e última pergunta: a atual ‘direção’ do partido vos informou de
que, enquanto ela vem tratando Luís Carlos Prestes aos socos e pontapés, para
que ele se ‘radicalize’ mais depressa, o secretariado mantém com o mesmo as
melhores relações, por meio do que chama ‘ligação pelo vértice’, à revelia do
Partido?
São perguntas inocentes, destituídas de qualquer maldade. Mas, por
simples curiosidade, por que não interrogais a burocracia?”423

A burocracia, apodada de menchevista — segundo qualificação da própria IC —continuava


“com um cinismo inaudito” a iludir os camaradas e o próprio secretariado, conforme Aristides Lobo
ouvira do mais graduado representante da IC na América Latina. Assim, dirigira uma carta
“enlameada de infâmias e de calúnias” contra a oposição bolchevista-leninista de esquerda, “triste
documento” que haveria de ficar guardado na consciência dos revolucionários, como um atestado
máximo da falta de caráter dos dirigentes. Carta que, “friamente”, Aristides Lobo analisa:

421
“O negrito é meu — Aristides Lobo. (Nota do original).” Apud: ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS,
Dainis (orgs.). Na contra-corrente da História, p. 50.
422
Loc. cit., p.p. 50-51.
423
Loc. cit., p.p. 51-52.
“Que significa, senão a mais indigna das calúnias, a acusação de que eu
estaria em São Paulo ‘a serviço de terceiros’, para ‘colocar o proletariado e a
massa camponesa sob a direção da pequena burguesia’? Por que não citam
os caluniadores um só fato concreto, já não digo para demonstrar, mas para
dar uma ligeira sombra de verdade a essa acusação tão falsa quanto imbecil?
Que significa, senão o mais evidente intuito de me entregar à polícia, a
denúncia improcedente e mentirosa de que estaria em São Paulo ‘a serviço de
Luís Carlos Prestes’? Por que não procuram logo Miguel Costa, para pedir-lhe
mais diretamente os empreguinhos de agentes da Ordem Social, que tanto
parecem cobiçar?
Camaradas do Partido!
A burocracia ‘dirigente’ acaba de expulsar-me e o motivo da expulsão é o
mesmo de que decorre todo o seu ódio, toda a trama de calúnias e de intrigas
contra os verdadeiros bolchevistas: a convicção de que a sua queda é
inevitável e resulta de sua falência ideológica e política. A oposição
bolchevista-leninista de esquerda derrocará o aventurismo. O proletariado
revolucionário e os operários conscientes do partido começam a verificar as
traições de que têm sido vítimas. Na Rússia Soviética, na Alemanha, na
França e nos principais países do mundo, a oposição vai ganhando terreno,
vivendo dentro do partido, contra a linha oportunista dos ziguezagues à direita
e à esquerda, na defesa dos ensinamentos de Marx e de Lenin!”

A carta termina por conclamações aos camaradas a que não se deixassem levar pela
burocracia e que a derrocassem, expulsando os traidores e oportunistas que mistificavam o
proletariado revolucionário. Unidos, deveriam lutar pela restauração da liberdade de opinião nas
fileiras do partido, pelo reingresso dos militantes arbitrariamente expulsos, pelo centralismo
democrático, por uma linha revolucionária e justa. Vivas são dados à Revolução Proletária, à
Internacional Comunista, ao Partido Comunista e à Oposição Bolchevista-Leninista de Esquerda.
Por último, um abaixo à burocracia dirigente, “aventurista, policial e lacaia”.424
O documento de Lobo confirma que os camaradas da oposição atacavam
fundamentalmente a direção nacional do partido e os erros do stalinismo, considerando-se
autênticos comunistas, legítimos propagadores do bolchevismo leninista. Muitas de suas críticas
seriam confirmadas pelos acontecimentos históricos, integrando-se ao mea-culpa do PCB.
A repercussão da carta acima patenteia-se a cada ponto nos registros dos comunistas e da
repressão. Uma carta, sem data ou assinatura, comenta que o documento havia sido lido, discutido
e “lamentado” no presidium do partido, tendo surpreendido fortemente alguns dos camaradas.
Lamentava-se (o termo repete-se) que um camarada antigo como Aristides Lobo ignorasse por
completo as teses do Terceiro Congresso e se referisse despropositadamente ao livro de Fritz
Mayer (Agrarismo e industrialismo, de Octávio Brandão) e que ele (Aristides) acusasse “Natal” de
apenas conhecer as teses do 3.º Congresso. Se alguma coisa de razoável houvesse na carta,
seriam coisas de importância terciária e que não estariam lá senão para disfarçar o “direitismo
evidente e o oportunismo indisfarçável do autor sobretudo em relação à nossa linha em face de
ML”.425
A polêmica travada entre comunistas que aceitavam as determinações do partido, sem
discuti-las, e aqueles que consideravam que os rumos tomados por Stalin traíam a revolução
proletária, passa a ocupar corações e mentes dos revolucionários. Hobsbawn considera que os
comunistas dessa fase, como indivíduos, tinham total e apaixonada lealdade à sua causa, que se
identificava com o seu partido e que significava, por sua vez, lealdade à Internacional Comunista e à
URSS (isto é, a Stalin). E que, quaisquer que fossem os seus sentimentos pessoais, tornou-se logo
claro que deixar o partido comunista, seja por expulsão ou iniciativa própria, equivalia a pôr fim à
atividade revolucionária efetiva. Aqueles que abandonavam o partido ficavam esquecidos ou
privados de toda ação efetiva, a menos que aderissem aos “reformistas” ou se filiassem a algum

424
Apud: Loc. cit., p.p. 53-54.
425
Carta sem data, mas provavelmente de janeiro de 1931. Prontuário de Manoel Karacik, n.º 315, f. 23.
DEOPS/SP.
grupo abertamente “burguês”, caso em que deixavam de interessar aos revolucionários.426
Obviamente, a análise de Hobsbawn aplica-se apenas em parte aos opositores de esquerda no
Brasil, como vemos pela documentação. Embora lealmente devotados à causa revolucionária, não
a identificavam a Stalin ou à Internacional Comunista, considerados como exemplos flagrantes de
traição aos princípios bolchevistas-leninistas e, portanto, ao proletariado. Não abandonaram o
partido, pois se sentiam no dever de reconduzi-lo ao papel de vanguarda revolucionária, objetivo
pelo qual lutaram arrojadamente nas décadas de 20 e 30, tentando conferir eficácia à ação política
que continuavam, efetivamente, a realizar. Ademais, a história individual dos opositores de
esquerda no Brasil demonstra que eles, por regra, continuaram fiéis aos ideais que abraçaram nos
primórdios de sua militância política, mesmo após perderem a ilusão revolucionária de 1917.

B. Censuras e autocríticas na rotina partidária: o caso de Astrojildo Pereira.

As dissensões faziam parte da rotina partidária. Dissensões entendidas no sentido que


Jacques Rancière confere ao termo “desentendimento”: um determinado tipo de situação de palavra
em que um dos interlocutores ao mesmo tempo entende e não entende o que diz o outro. Não o
conflito entre o que diz branco e aquele que diz preto, mas sim entre aquele que diz branco e aquele
que diz branco mas não entende a mesma coisa, ou não entende de modo nenhum que o outro diz
a mesma coisa com o nome de brancura. Não se trata de desconhecimento ou de imprecisão de
palavras, mas disputas sobre o que quer dizer falar, isto é, a racionalidade da situação das palavras.
Os interlocutores entendem e não entendem a mesma coisa nas mesmas palavras. O que significa
que o desentendimento incide sobre a própria situação dos que falam e não apenas sobre as
palavras empregadas. Assim, as estruturas de desentendimento são aquelas em que a discussão
de um argumento remete ao litígio acerca do objeto da discussão e sobre a condição daqueles que
o constituem como objeto. Sempre segundo Rancière, a política é a atividade que tem por
racionalidade própria a racionalidade do desentendimento, fato que a torna um objeto
escandaloso.427 As dissensões ocorridas no seio do partido — inscritas numa história de longa
duração — refletem bem o “objeto escandaloso” ao qual se refere Rancière. Nesse sentido, Maurice
Agulhon ao relatar a situação entre comunistas e socialistas em França, no ano de 1946, informa
que entre ambos, “nesse tempo de guerra fria, de stalinismo e de governo da ‘terceira força’
reinavam a raiva e o desprezo recíprocos e existiam as piores polêmicas”.
De 1927 em diante, a história do PCB em São Paulo pontua-se por censuras e autocríticas
dirigidas a numerosos de seus membros. A direção partidária torna-se mais e mais intolerante,
acompanhando os ritmos do stalinismo internacional. Imbuídos da determinação revolucionária,
atuando na clandestinidade, os camaradas desenvolveram uma personalidade de gueto, colocando
sob suspeição os próprios companheiros de jornada. Com um elenco de pecados mortais ou
veniais à mão, julgavam-se os denunciados por motivos ligados a “erros e desvios” da teoria e
prática revolucionárias, por traições reais ou supostas ao partido, por envolvimento com trotskistas,
com burgueses (pequenos ou grandes), com a polícia, com familiares. Os acusados que
conseguiram permanecer nos quadros do partido sujeitaram-se a humilhações severas, e muitas
vezes ao ostracismo.
Este é o caso de Astrojildo Pereira, que podemos acompanhar por meio de documentação
copiosa — produzida pelos organismos de base, pela direção partidária ou pelo próprio acusado.
Nascido em 1890, em Rio Bonito (Estado do Rio de Janeiro), Astrojildo foi um dos maiores
intelectuais e militantes do partido, inteiramente dedicado à causa proletária428, o que não impediu
os dissabores a que foi sujeito pela direção comunista.

426
HOBSBAWM, E.J. “Problemas da História do Comunismo”. Revolucionários. 2. ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985, p. 16.
427
O desentendimento. Política e Filosofia. São Paulo, Ed. 34, 1996, p.p. 11-14.
428
Astrojildo adota um sistema ortográfico simplificado, acusando evidente influência do esperanto. Assim,
não usa o g para o som de j, escrevendo orijens, jeral, reJimen, fujir, lejislação..., o que explica,
provavelmente, a escrita do seu nome com “j”, contrariando sua certidão de nascimento. Astrojildo também
Numa reunião ampliada do Comitê Central, realizada em novembro de 1930, no Rio de
Janeiro, o PCB destituiu Astrojildo de seu cargo de secretário-geral, criticando-o por permitir que a
organização atingisse um estado crítico e responsabilizando-o pela resistência oposta à
proletarização do partido. Astrojildo, junto com Paulo de Lacerda, foram enviados a São Paulo, onde
deveriam trabalhar no Comitê Regional para suas reabilitações, além de obrigarem-se a escrever
cartas ao Comitê Central reconhecendo os seus erros.
Começara o longo calvário de Astrojildo em busca da sonhada reabilitação. Calvário
concluído melancolicamente pelo seu afastamento do partido, no ano de 1932.429 O prontuário de
Astrojildo Pereira guarda essa história, por intermédio cartas de autocrítica por ele assinadas e de
comunicados do partido sobre o seu caso. Os problemas enfrentados por Astrojildo remetem bem à
biografia do partido e de seus opositores.
Em 23/1/1931, em declarações prestadas à Delegacia de Ordem Social de São Paulo,
Astrojildo identificou-se como comunista militante dentro de sua profissão de jornalista, dizendo que
a marcha da fome, na qual havia sido preso, fora promovida pela Confederação do Trabalho, com
sede central no Rio de Janeiro, com o apoio do PCB. Após a data acima, a polícia de São Paulo
construiu um extenso prontuário individual, formado por numerosos documentos de próprio punho
de Astrojildo, dando conta de crises internas do PCB e da disciplina partidária — com o corolário
das cartas de autocrítica, das réplicas e das tréplicas. Nada menos de oito cartas de autocrítica
encontram-se no processo de Astrojildo, cartas que expressam a situação dos camaradas que não
acatassem prontamente as diretrizes partidárias.
A primeira das cartas, datada de São Paulo a 29/6/1931, ocupa seis folhas com a letra de
Astrojildo, grafada à tinta e a lápis, respondendo a críticas numeradas de 1 a 9, pelas quais
podemos perceber algumas das preocupações fundamentais do partido em São Paulo. A carta é
dirigida aos camaradas do Comitê Regional e é uma resposta às acusações feitas ou reafirmadas
contra o missivista na Conferência Regional — fundamentalmente, ilusões sobre o prestismo ou
alianças possíveis com a pequena burguesia. Sobre o prestismo, Astrojildo argumenta tratar-se de
questão liquidada no Plenum do Bureau Sul-Americano de dezembro de 1930, e que ele fizera
autocrítica franca e sem reservas a respeito, em reuniões do partido. As ilusões golpistas em
“Miguel Costa & Cia.” baseavam-se no fato de haver informado em reunião do Secretariado
Regional que Miguel Costa dizia estar disposto a armar o proletariado e a tomar posições de apoio à
causa revolucionária. Não procediam, igualmente, as críticas de que ele manteria ligações com a
pequena burguesia, pois tratava-se de relações puramente pessoais com alguns burgueses.
Quanto a seus escritos, Astrojildo afirma que havia colaborado nos jornais O Tempo e O Homem do
Povo, mas rompera em abril completamente com ambos. O artigo que publicara na Revista Nova,
burguesa, seria incapaz de causar confusões entre a massa operária, pois o proletariado não lia tal
revista, pelo seu preço alto, ao contrário do que sucedia com O Tempo e O Homem do Povo. Não
lhe ocorrera que seu nome misturado aos dos outros colaboradores da Revista Nova constituísse
uma manifestação de colaboração de classe. Entretanto, reconhecia a falta, como também de não
ter oficialmente comunicado o artigo à direção do partido antes de publicá-lo, embora tivesse dito ao
camarada “Mário” que havia sido convidado a escrever um artigo para aquela revista.
Deixando de lado o acatamento das críticas, Astrojildo insurge-se contra a acusação de
apoiar os trotskistas, pois — alega — não os poupava e nem mantinha relações pessoais com os
seus chefes, além de não ser segredo para ninguém que o ódio principal deles caía precisamente
sobre ele, mais que sobre outro qualquer membro do partido.
Astrojildo reconhece haver infringido a disciplina do partido, não falando na Assembléia dos
Gráficos para a qual havia sido escalado pela fração. Porém argumenta que o ingresso e a
atividade no Sindicato dos Gráficos deveria restringir-se unicamente a operários da indústria gráfica,
“eliminando do seu seio todos os Plínios que lá se intrometam indevidamente”, e que ele não se
sentia absolutamente com disposição de participar ativamente de assembléias sindicais.
A resposta de Astrojildo a respeito de comícios nas portas de fábricas descreve a rotina dos
agit-props. comunistas:

não usa o x para o som de z ou s, grafando ezistem, esplorar, etc. (Cf. em: PEREIRA, Astrojildo. A greve da
Leopoldina. Coleção “Spartacus”, Rio de Janeiro, 1920. 200 réis).
429
Prontuário de Astrojildo Pereira, n.º 44, f. 242. DEOPS/SP.
“Fui uma primeira vez à fábrica Crespi. Não apareceu nenhum outro
camarada, e, de resto, a fábrica não fechou à hora que me indicaram. Fui uma
segunda vez à fábrica Matarazzo, na Avenida Celso Garcia; nenhum outro
camarada; eu não falei. Fui uma terceira vez à Ítalo Brasileira; apareceu um
camarada; mas ambos julgamos a conselho de alguns dos próprios operários,
que seria melhor falar à hora do almoço e não à tarde, à hora da saída;
combinamos pois voltar no dia seguinte; eu voltei; o outro camarada, não; eu
não falei. Uma quinta vez fui à fábrica Crespi; apareceu um camarada, que
falou em primeiro lugar; eu falei em segundo lugar. Mas falei por obrigação,
fazendo um grande esforço, que estou certo não foi compensado pelo
resultado obtido.”

Um dos itens da acusação, respondido por Astrojildo, é curioso — informa sobre dilemas
vividos por militantes do materialismo histórico num cotidiano impregnado de magia. Astrojildo
acedera aos desejos de um professor de quiromancia, “por mera curiosidade, e condicionalmente
no que se referia a qualquer publicação”. Embora o relato do “camarada Bandeira” fosse exato,
Astrojildo afirma que antes de ser comunista já era materialista e ateu, não podendo, portanto, crer
em “quiromancias”, mas que reconhecia a grave leviandade de se ter prestado a satisfazer os
desejos do tal “professor”.
Os trechos finais da carta expressam um mea-culpa contrito. Astrojildo diz que desde a
Carta da Juventude Comunista e durante toda a discussão posterior, acerca da situação brasileira e
do PCB, compreendera perfeitamente que o seu papel na direção do partido — determinado por
uma série de fatores objetivos — estava terminado. Desde então reconhecera — e reconhecia cada
vez mais — a sua incapacidade pessoal na situação histórica do momento em ocupar postos de
direção no partido. Entendera que a melhor maneira de prestar serviços ao partido do proletariado
seria consagrar sua atividade prática em trabalhos mais de acordo com a sua índole e
possibilidades. Acreditava ser mais útil e proveitoso ao partido escrevendo ou traduzindo uma boa
brochura, ou fazendo uma boa conferência, ou um bom curso, do que fazendo maus discursos nos
sindicatos ou nas ruas. E conclui humildemente:

“Reconheço as minhas debilidades e bem assim as falhas na minha


atividade de militante. Mas nada posso fazer para superá-las. Tenho confiança
no proletariado; mas falta-me a confiança em mim mesmo, para determinadas
tarefas.
O partido tomará a deliberação que julgar mais acertada sobre o meu caso.
Eu me submeterei incondicionalmente. Afirmo que farei todos os esforços que
estejam em mim para cumprir o que for deliberado.” 430

Esforços que continuaram a se adensar no campo jornalístico: ao discutir questões


nacionais, Astrojildo tentava evidentemente livrar-se das suspeitas de desvios. É assim que, ao
comentar um plano geral para a organização cristã do trabalho no Brasil, encomendado pelo
cardeal D. Sebastião Leme a Pandiá Calógeras, Astrojildo proclama a sua “qualidade de
materialista integral, inimigo irreconciliável de mistérios e adivinhações”, não lhe cabendo penetrar
“nas sagradas intenções do eminente Cardeal e do não menos eminente publicista católico”. No
entanto, considerava que seria um plano de organização corporativa do trabalho, destinado ao
fracasso porque assentar-se-ia numa base falsa: a da colaboração das classes. 431
De público, pois, Astrojildo tentava neutralizar duas das acusações citadas acima: de
crenças supersticiosas e de colaboração com a pequena burguesia paulista.
Quanto à acusação de “miguelcostismo”, lemos nova defesa em artigo destinado à
publicação, de autoria de Astrojildo. Diz ele que mesmo em São Paulo, cuja polícia civil e militar
tinha à sua frente os homens mais “avançados”, antigos comandantes da Coluna Prestes, e que
eram no momento os organizadores e dirigentes das legiões fascistas, a vanguarda revolucionária

430
Prontuário n.º 44, doc. n.º 9, fls. 15-9.
431
Entrevista de Astrojildo Pereira sobre a organização cristã do trabalho, concedida ao O Correio da
Tarde. Prontuário n.º 44, f. 18. DEOPS/SP.
do proletariado estava sendo a vítima constante das violências e arbitrariedades policiais. O presídio
da imigração e os calabouços imundos da Rua dos Gusmões não se esvaziavam nunca de presos
proletários. Quando a Aliança Liberal e os revolucionários de 5 de julho faziam propaganda de seu
golpe de Estado, diziam sempre que mal chegassem ao poder aboliriam as “leis celeradas”;
entretanto, os liberais, libertadores e prestistas, que ocupavam os mais altos postos policiais,
estavam fuzilando dezenas de operários e encarcerando centenas de outros.432
Pouco depois de escrever essa carta, em setembro de 1931, Astrojildo foi preso e remetido
pela Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo ao Rio de Janeiro, de onde foi despachado
para o Uruguai. De regresso daquela República, Astrojildo contraiu núpcias em São Paulo com
uma filha de Everardo Dias, transferindo sua residência para a capital federal.433
A 6 de janeiro de 1932, sob o pseudônimo de “Américo Ledo”, Astrojildo enviou nova
autocrítica aos camaradas do Bureau Provisório, não aceitando as acusações de colaboração com
fascistas, trotskistas, contra-revolucionários, etc. Diz que manteve e continuava a manter ligações
pessoais com Di Cavalcanti, não sabendo porque haveria de cortar essas relações de ordem
puramente pessoais, quando sempre constatara que outros camaradas responsáveis mantinham
também relações idênticas com ele. Lembrava que o camarada Menezes, quando veio para São
Paulo, em época em que Di Cavalcanti já era censor, trouxera uma carta do secretário-geral, o
camarada Barreto, na qual se dizia que Di Cavalcanti continuava a merecer inteira confiança do
partido, se bem que excluído de suas fileiras. Dado o não-fundamento das denúncias, Astrojildo
convencia-se de ser vítima “talvez de intrigas e enredos, com certeza de informações erradas,
exageradas, deformadas”, pois desde o ampliado de janeiro de 1932 levantara-se contra ele uma
série de acusações “baseadas quase todas em fatos miúdos”. No entanto, esforçava-se para
corrigir os erros verdadeiros reconhecidos, como os camaradas poderiam constatar por notícias
sobre posição e atitudes que tomara na prisão. Nesta, em reuniões diárias durante duas semanas,
participara ativamente, no coletivo da prisão, da discussão sobre os mais sérios problemas políticos
do momento: a questão da revolução democrático-burguesa e o proletariado, o golpismo, o
prestismo, o trotskismo, a questão das raças, etc. Além disso, no incidente havido na prisão com os
trotskistas, sustentara uma atitude proletária e comunista enérgica. A carta termina com uma
declaração apaixonada, evidenciando desespero — provavelmente comum entre os militantes
rejeitados pelo partido:

“Não, camaradas, nem conscientemente nem inconscientemente eu não


tenho cometido nenhum ‘verdadeiro ato de traição ao proletariado’, que tornem
a minha presença dentro do partido, um ‘verdadeiro crime contra a IC’. A
fidelidade — moral e política — é em mim uma qualidade que posso dizer
inata. Sempre fui, sou e serei fiel ao partido e à IC, seja em que circunstâncias
forem, não só por palavras, mas também por atos.” 434

Em 19 de janeiro de 1932, outra carta de Astrojildo — dirigida sempre aos “camaradas do


Bureau Provisório — reafirma os termos da anterior.435
De 22 a 25 de janeiro, Astrojildo ocupou-se em responder a uma carta do Bureau
Provisório, de 10 de janeiro. Para tanto, agrupou os erros e desvios de que era acusado em quatro
itens. O primeiro diz respeito à colaboração em O Tempo, O Homem do Povo e a Revista Nova. O
segundo, às suas ligações com elementos pequeno-burgueses, as quais diz-se disposto a romper,
“afastando-se por completo de seu convívio”, embora se tratasse de relações meramente pessoais.
Quanto ao terceiro — de resistência à proletarização do partido —, afirma discordar dele, uma vez
que a sua própria saída da direção, dando lugar a camaradas proletários, provava as suas
alegações. Também discordava com o quarto ponto que apontava erros graves, confinando com a
traição, no trabalho regional. Em post-scriptum, Astrojildo contesta absolutamente que sua carta
anterior tivesse sido um libelo acusatório, ou contivesse quaisquer termos de deboche intencional.

432
Texto datilografado, incompleto. Prontuário n.º 44, fls. 27-25. DEOPS/SP.
433
Carta do delegado de Ordem Política e Social de São Paulo ao delegado Auxiliar do Rio de Janeiro. São
Paulo, 18 de junho de 1932. Prontuário n.º 44, doc. n.º 14. DEOPS/SP.
434
Documento n.º 25, prontuário n.º 44, fls. 40-36.
435
Carta de 19/1/1932, prontuário n.º 44, fls. 25. DEOPS/SP.
Defendera-se de acusações pesadas e infundadas, escreve ele. Fora acusado violentamente e
injustamente de traição e outros palavrões. A sua resposta pairara numa atmosfera de grande
brandura, se comparada com a acusação. Os camaradas deveriam saber que disciplina não
significava aviltamento.436
Em vão debateu-se Astrojildo: o 5.º Plenum do PCB, de agosto de 1932, adotou resolução
confirmando a sua condenação, como defensor da linha errada e como membro dos mais
responsáveis por todos os erros antigos. Apesar de ter dito estar de acordo com a viragem — alega
o Plenum— Astrojildo lutara praticamente contra ela, contra a proletarização do partido e contra o
PC deixar de ser ligado à burguesia.437 A condenação considera Astrojildo um intelectual não
proletarizado, que resistia a romper suas ligações com as classes inimigas. Como antigo secretário
do partido, em vez de ficar ao lado de seus camaradas, de auxiliá-los com sua capacidade na
viragem, na capacitação de novos quadros, em vez de auxiliar o partido nas lutas contra as guerras
e na defesa da URSS, Astrojildo Pereira declarara não ter disposição de luta e retirara-se
“gostosamente para as torrinhas, como espectador”, isto é, traíra o partido, abandonara suas
fileiras, passara para o lado da contra-revolução.
As duríssimas críticas não cessaram: na sua luta contra os antigos erros menchevistas, não
tendo uma verdadeira linha justa, Astrojildo caíra num outro extremo, no esquerdismo, no
espontaneísmo, que se manifestava como erro de esquerda e de direita, segundo estabelecia-se na
concretização do Bureau Provisório sobre carta de Stalin. Assim, não organizara as lutas das
massas, cometendo erros seriíssimos, entre eles o de pensar que a massa já estava tão
radicalizada, que em poucos meses os comunistas poderiam formar um partido capaz de dirigir a
insurreição. Outro erro foi o de boicotar a Constituinte, entregando as massas à tapeação dos
chefes reacionários e social-fascistas, baseado na idéia falsa que as massas estavam já
convencidas da necessidade da insurreição. De outro lado, Astrojildo respaldava graves erros
menchevistas, direitistas, oportunistas, que se manifestavam, contrariamente à linha da IC, pela
frente única com os chefes social-fascistas, como Righeti e Santarelli, pela teoria do menor mal, de
que Miguel Costa era melhor que os perrepistas, pela ligação com a pequena burguesia.438
Por mais que lutasse para readquirir prestígio junto aos camaradas, Astrojildo tornou-se um
dos muitos renegados do partido. O “camarada Marques”, em discurso pronunciado em Moscou,
ratificou a condenação de Astrojildo. Relata Marques que, de 1929 a 1930, o partido acabava de
sair de um período de luta enérgica contra a liga menchevista, liderada por seu antigo secretário, o
renegado Astrojildo Pereira, e contra graves erros sectários que tentavam transformá-lo num
apêndice da burguesia e da sua Aliança Liberal. Naqueles anos, o PCB não possuía mais de 500
membros, concentrados no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, sem nenhuma ligação entre os
diferentes núcleos e sem organização de massa.439
Preso mais uma vez, Astrojildo registrou a sua derrota pela política de “centrismo
democrático”: o revolucionário de tantas lides declarou já ter sido membro do partido, mas que no
ano de 1932 fora afastado pela direção partidária.440
Portanto, a estrutura partidária determinou o destino pessoal de Astrojildo Pereira, por meio
de penosas e longas discussões, que se processavam com cartas marcadas. Esses julgamentos,
suscitados ou apoiados pelo Bureau Sul-Americano da IC, resistiram ao tempo. Podemos, assim,
verificar que a condenação de Astrojildo perdurou nos depoimentos prestados por alguns de seus
antigos camaradas:

“Astrojildo, um jornalista brilhante, podia ter feito uma carreira esplêndida


no meio da burguesia. Cortou toda a carreira dele, a vida dele toda, pobreza,
tudo isso. Um jornalista brilhante, um organizador. Ele era fiel à União
Soviética. Foi ele que organizou, fundou o partido e organizou os congressos

436
CARTA AOS CAMARADAS DO B.P. de 22-25/1/32. Prontuário n.º 44, fls. 43-41. DEOPS/SP.
437
RESOLUÇÕES ADOTADAS PELO 5.o PLENUM DO PCB. Rio de Janeiro, agosto de 32, EDITORIAL
“SOVIET”. Livreto de 58 páginas constante às fls. 115 do prontuário de Higino Delgado, n.º 192, p. 22.
DEOPS/SP.
438
Loc. cit., p. 23.
439
Discurso do Camarada Marques. Prontuário n.º 44. DEOPS/SP.
440
Prontuário n.º 44, f. 242.
do partido. Um homem inteligente, mas ingênuo. E a base teórica falha, para
mim a falha principal, a filosofia. (...) Ele foi demitido. Foi isso, escreveu essa
carta. Uma carta incrível. Eu fiquei assombrado quando soube dessa carta.
Porque ele lutou ao nosso lado esses anos. Lutou no anarquismo e no partido
de 22 a 30. Escreve uma carta, dizendo: ‘Não quero ser mais ator, só quero
ser espectador’. Como? (...) Então foi expulso como oportunista. Ficou uns 12
anos expulso. Depois, em 45 ele andou com a história de Brigadeiro. Então,
ele é acusado de que não queria reconstituir o partido. Queria a reboque de
Eduardo Gomes. Mas fez autocrítica. Uma autocrítica, eu não faria, eu teria
ficado ... Porque aquilo é uma autoflagelação, uma coisa horrível. E então
voltou ao partido e foi para o comitê central. E aí pactuou com tudo — aceitou
todas as linhas, desvio de direita, desvio de esquerda, tudo, tudo — contanto
que não fosse expulso novamente.”441

“Festins antropofágicos”, como o acima descrito, eliminavam e degradavam camaradas,


sujeitando-os a julgamentos parciais e rígidos, com resultados em geral predeterminados.
Os organismos de base acompanhavam os camaradas da cúpula partidária na denúncia e
penalização dos dissidentes. As forças vivas da revolução pareciam se esvair nas críticas repetidas
feitas aos mais diversos camaradas, considerados culpados por uma gama de erros e desvios.
Acompanhemos, por pouco mais de dois meses, algumas das discussões da Célula do Bom Retiro,
nos pontos em que membros do partido eram lançados aos leões, por seus companheiros. Nestas
cenas, poderemos observar mais uma das faces do julgamento e condenação de Astrojildo — o
“Ledo” das denúncias.
Na reunião do dia 2 de janeiro de 1932, “VANUC.” pediu a palavra para perguntar porque se
chamava Santarelli de traidor, sem citar fatos. “MACHADO” respondeu que existiam “erros e
desvios, ilusões prestistas e golpistas na base muitas vezes inconscientes mas que nós
desconhecemos”, justificando a degradação imposta a um companheiro, por causas insuspeitas.442
“CHICO”, da célula 5-SP, disse que por esse motivo o PC perdeu muito dentro da empresa, pois os
operários acharam que o PC não tinha direito de chamar de traidor a um operário dos que mais
trabalharam na greve, como era o Santareli. “VANUC.” voltou a se pronunciar, advertindo que não
pretendia defender Santareli, mas que o PC não podia desmascarar nem chamar de traidor e de
policial um operário saliente num movimento, sendo ele sem partido, unicamente por este não estar
de acordo com a orientação dada pelo partido. E tudo sem dar aos operários nenhuma prova
concreta; assim, declarava-se absolutamente contra esses métodos.
Em seguida, “CARLOS” observou que Ivan, um membro da célula 2-SP, precisava ser
expulso por não se comportar à altura de um membro do PC, com a agravante de ser prestamista.
“MIGUEL”, por sua vez, aludiu à resolução da 6-SP acerca de dar trabalhos ao “Pinto” para poder
readmiti-lo, achando que foi um erro, pois uma carta da IC dizia que todos os elementos suspeitos
— sobretudo como o “Pinto”, que fora acusado de policial —, deveriam ser isolados completamente
do partido e das massas.443
Na mesma reunião, os camaradas resolveram que deveriam fazer uma autocrítica da vida
de “Ledo” (Astrojildo Pereira), mostrando todos os seus desvios e censurar o CC por ter
consideração para com ele, que deveria continuar afastado até uma próxima conferência nacional.
“CUNHA” observou que Ledo continuava com a sua teoria pequeno-burguesa; no futuro ato de sua
expulsão seria preciso citar as ligações e o mal que estava fazendo ao partido. “JUCA” fez o
histórico da vida de “Ledo”, frisando a sua obra de desagregação, e dizendo que o que se pretendia
com a expulsão daquele camarada era fazer uma educação política para os membros do partido.
Portanto, pretendia-se a exemplaridade pedagógica desse caso, como meio de atemorizar
possíveis críticos à estrutura partidária.

441
O depoimento continua, explicando que Astrojildo ficou no comitê central até a sua morte, ocorrida em
1964. In: BRANDÃO, Otávio. Otávio Brandão (depoimento, 1977). Rio de Janeiro, FGV/CPDOC.
História Oral, 1993, p.p. 89-90. Mimeo.
442
Ata da Reunião do Comitê Regional de São Paulo, de 2/1/32. Prontuário de Fernando de Lacerda, n.º
780, f. 23. DEOPS/SP.
443
Loc. cit., f. 61.
De “Ledo”, as críticas dirigiram-se ao camarada “Artur”. Mais afortunado, teve acatadas as
suas declarações de que as ligações que mantinha com burgueses eram familiais; decidiu-se pela
injustiça das acusações e pela volta de “Artur” ao seio do partido. A respeito, “Juca” propôs que o
camarada “Artur” se desligasse da família, fizesse uma declaração pública sobre a questão do
México e continuasse a trabalhar na base na Bahia. “Marina” declarou que o camarada “Juca”
pretendia justificar os seus erros com crítica à nova direção da Juventude Comunista.444
No dia 30 de janeiro desse ano de 1932, o CR de São Paulo novamente se reuniu. O
obreirismo estava em pauta. “Jorge” salientou que ao propor a falta de direito de voto aos
intelectuais, agregados à direção nacional, não quisera dizer que compreendia a proletarização
limitada a esse fato. “MACHADO” (Leôncio Basbaum) aproveitou para chamar a atenção de “Jorge”
sobre um capítulo do Que Faire, de Lenin, aplicado ao caso dos intelectuais. “Jorge” respondeu que
o capítulo de Lenin nada tinha a ver com o que dizia Machado, que, em vez de ainda procurar
discutir seus erros, dever-se-ia sentir orgulhoso de confessá-los. Como revolucionário sincero, do
fundo da alma, deveria ver na crítica e na exigência do secretariado um meio de chamá-lo para o
proletariado, uma vez que “Machado” já dera o mais sério passo para isso, desde sua adesão ao
PC. Não era de admirar que “Machado”, como ele próprio — “Jorge” —, vindos ambos da classe
burguesa, tivesse ainda restos da mentalidade burguesa e o único meio de perderem esses
vestígios era o de aceitarem a crítica severa do proletariado à menor manifestação dessa
mentalidade, e procurarem perdê-los para melhor se identificarem com a classe a cujo serviço
estavam.
Chegou a vez do “caso Gubi”.
“Gerino” informou que “Gubi” não queria fazer declaração nenhuma, nem participar de
trabalhos com a atual direção. A carta que escrevera era mais uma prova do desrespeito dado por
“Gubi” ao Comitê Central, pois ele não dava confiança ao CC e pedia trabalho ao CR, como se o
CR fosse outro partido. Além disso, “Gubi” voltara da ISV e da CSLA, onde fora a mandado do
partido, e não queria transmitir ao CC as diretivas que trouxera, informando o que fizera. O
camarada “Gubi”, no entender de “Gerino”, era o maior traidor do proletariado, por ser o camarada
do partido que mais tinha viajado à custa do proletariado. “Gubi” nunca fizera isso com a direção
antiga, pequeno-burguesa, de intelectuais, e queria proceder daquela forma como resistência à
direção proletária. Achava, portanto, que deveriam ser tomadas medidas severas contra ele.
“Jorge” anunciou que sempre vira na resistência de “Gubi” um caso político, de desvio da
linha proletária. O mais era pretexto. Depois, soubera que “Gubi” mantinha ligações com alguns
chefes trotskistas. A carta de “Gubi” não desrespeitava só o CC, uma vez que tentava atirar a região
contra esse comitê, dividindo o partido. Por isso, propunha: 1.º) que a região lhe respondesse que o
CR não poderia ter confiança nele, enquanto não se resolvesse o caso pelo CC; 2.º) que se
enviasse uma derradeira carta a “Gubi”, exigindo uma declaração política dos seus últimos erros,
dentro de dois a três dias, sob pena de o CC propor às bases a sua expulsão do partido.
“Marina” denunciou o individualismo e a vaidade de “Gubi”. Soubera, pelo camarada B., que
na sua última prisão Gubi não tivera uma palavra de defesa ao partido, quando o trotskista Pimenta
atacava este seriamente, com “debiques”. Além disso, soubera que “Gubi” ligava-se muito com os
trotskistas Pimenta e Della Dea.
“MACHADO” falou que o caso de Vicente era um pretexto porque, ao chegar de
Montevidéu e informado de que teria de ir para o Rio substituir Jorge no trabalho sindical, “Gubi”
declarara que não aceitaria cargo de direção e nem de funcionário. Mas o fato concreto era que
“Gubi” não estava de acordo com a linha do partido. O CC deveria explicar o caso e propor que
fosse expulso, citando a responsabilidade de “Gubi”, representante do partido em vários congressos
internacionais.
“Ledo”, sempre na pele de cristão, retornou à arena. Foi acusado de discutir com o CC e de
pensar que zombar da direção proletária não era resistir à proletarização. Além disso, não
reconhecia seus erros e desvios, e dizia que se afastara por vontade da direção, quando a verdade
é que fora dela afastado pela IC. Ademais, Astrojildo queria ser simples “escrevinhador de papel”,
quando os estatutos da IC exigiam que cada camarada trabalhasse onde lhe fosse fixado pelo
partido — “se ele queria ser só escrevinhador, que o fizesse, mas fora do partido”.

444
Loc. cit., f. 62.
“Gerino” ajuntou que “Ledo”, quando na direção do SV, entregara a um grupo de
intelectuais, que não eram do SV, a direção dos trabalhos. Esse grupo desnaturara o SV, criando
outro organismo que era uma sociedade burguesa de explorar e enganar operários, e não
destinado a ajudar a luta de classes e a executar ordens do PC.
“FLORIANO” informou que um dia “Ledo” declarara que infelizmente tinha fundado o
partido. E propôs que se exigisse de “Ledo” que se pronunciasse sobre se queria ou não seguir os
estatutos partidários, embora achasse — ele, Floriano — que não deveriam pedir mais nada a ele,
pois seria perder tempo. O CR deveria propor às bases a expulsão de “Ledo” do partido, como um
traidor do proletariado. As bases discutiriam, tomariam posição e a conferência nacional daria a
resolução que seria levada ao SSA e à IC, porque “Ledo” era membro do presídio da IC.
“MARINA” pronunciou-se pela exclusão de “Ledo”, pois o considerava mais responsável do
que “Gubi”, pois desejava polêmica.
“JORGE” considerou que nas suas respostas “Ledo” declarava peremptoriamente que não
podia fazer outro trabalho senão o de “escrevinhador de papel” e os comunistas não tinham disso
no partido, mas sim revolucionários de verdade. Para emendar seus erros, “Ledo” deveria provar
ser um desses revolucionários. Como ele já dizia que absolutamente não o queria ser, seria perder
tempo exigir-se isso dele. Achava, portanto, que ele deveria ficar afastado, comparecendo à célula
somente para ouvir o juízo sobre ele.
Passou-se ao “caso CYRO DE ALENCAR”. Foi lida uma carta de Cyro, em resposta a
outra do CC sobre suas relações com elementos traidores e o seu afastamento do trabalho do
partido. “JORGE” estranhou que o partido ainda se dirigisse a Cyro como a um camarada, porque,
numa reunião do BP do CC, no Rio, em janeiro de 1931, discutindo-se o caso de uma carta de Cyro
— em que ele confessava ter vindo ao Brasil por ordem de Prestes para ver a situação política e
informá-lo, e que mandara essas informações a Prestes por meio de uma carta entregue a “Ledo”
—, o BP resolvera expulsá-lo e levar o caso à discussão das bases.445
Chegou a vez de “JULIÃO”, enviado pela região do Rio, que pedia a sua expulsão.446 Os
camaradas da região de São Paulo ainda propuseram, na mesma reunião, que o PC lançasse um
manifesto desmascarando o camarada “Pinto” e os trotskistas.447
Uma nova reunião, mais suasória, continua esclarecendo a rotina partidária, deixando-nos
entender a anedota de que o maior partido do mundo é o de ex-comunistas.
Desta vez, “MARINA” alegou não concordar com o fato de se censurar um camarada
simplesmente pelo fato de ter ele por carta pedido notícias de outros camaradas. Entendia que
bastava fazer-lhe sentir que não deveriam ter caudilhismos. “FLORES” alegou que quando um
camarada apresentasse uma falha política, eles deveriam primeiramente criticá-lo, e se ele não
reconhecesse os erros, então afastá-lo. Explicou o caso de “Ledo”, dizendo que desejavam que sua
expulsão fosse compreendida e aprovada pela base, servindo assim de educação. Quando se
tratasse de um caso policial, o caso seria diferente, impondo-se o afastamento imediato do culpado.
Para os casos de desvios políticos, deveria ser feita uma autocrítica bolchevique, e depois, caso o
problema persistisse, expulsar o responsável pelos desvios. Declarou Flores que todos eram pela
proletarização, pela grande ligação com as massas, que a grande maioria fosse de proletários, e
que os velhos elementos ajudassem o desenvolvimento e a capacitação dos elementos proletários.
Se esses elementos continuassem com a linha antiga errada, seria necessário combatê-los
imediatamente. Deveriam ter uma direção ampla, estável, capaz de dirigir o país na situação que
atravessavam, quando não tinham propriamente direção. A maioria não fora eleita pela base. A
conferência nacional iria eleger uma direção definitiva, proletária, facilitando as tarefas e a
capacitação de membros em todo o país.448
O Bureau Provisório do Comitê Central do PCB, reunido em São Paulo a 12/12/31,
deliberou que o partido deveria controlar melhor os camaradas expulsos da Central do Brasil, que
foram depois readmitidos. Também o Bureau considerou que o partido deveria exigir declarações

445
Ata da Reunião do Comitê Regional de S. Paulo, de 30/1/32. Prontuário de Fernando de Lacerda, n.º
780, fls. 51 a 54 v. DEOPS/SP.
446
Loc. cit., f. 50.
447
Ata da Reunião do Comitê Regional de S. Paulo, de 7/2/32. Prontuário de Fernando de Lacerda, n.º 780,
fls. 48-47. DEOPS/SP.
448
Loc. cit., f. 44.
de intelectuais, mas não de operários. Relembrou-se que “Julião” fora uma vez expulso por ter
enviado um telegrama a Júlio Prestes, e que a célula deveria fazer um comício na Central
desmascarando esse camarada. “Antônio” aproveitou para acusar “Campos” de um obreirismo
extremista.449
Por sua vez, na célula 4SP, “GUI” referiu-se à má impressão causada pelo manifesto do PC
sobre a expulsão de Pinto que, segundo ele, criou um certo receio na massa de ingressar no
partido.450
No Bureau Provisório novamente reunido em São Paulo, no dia 22/2/32 “Auro” fez uma
autocrítica, dizendo-se propagandista e adepto do PC, mas que em seis ou sete meses de partido
apenas houvera umas seis ou sete reuniões, onde não aprendera o suficiente e isso mesmo sobre
generalidades, mas nada sobre direção de greve. Reconheceu, no entanto, que a sua função foi de
traição ao movimento, mas que percebera isso muito tarde, quando já nada podia fazer. Declarou
os motivos das suas vacilações: ignorância, fraquejamento diante das ameaças contínuas da
polícia, e finalmente o fato de lhe ter parecido que a greve era apenas uma manobra da companhia
e do governo, e que, portanto, os operários nada teriam a ganhar com ela. Concluiu apelando aos
camaradas para que o ajudassem a se reerguer, a fim de poder continuar a trabalhar pelo partido.451
Por fim, o secretariado resolveu exigir de “Álvaro” declaração escrita de todos os seus erros
e desvios, desde o caso do México até a sua última prisão.452
Esses ataques, acompanhados no varejo das discussões travadas nos organismos de base
ou de direção, institucionalizavam-se na estrutura partidária. A partir de 1928, as denúncias
prestigiaram determinados temas: as palavras de ordem das circulares comunistas passaram a
defender a proletarização do partido, preconizando a luta “encarniçada” contra todos os desvios,
“tanto de esquerda como de direita”, isto é, trotskismo, anarquismo, teorias pequeno-burguesas e
contra-revolucionárias.453 Anarquistas e comunistas foram colocados ao lado da Liga
Anticomunista, dirigida pelo presidente da Frente Negra, Arlindo Veiga dos Santos, e vistos como
“agentes do imperialismo”, encarregados de iludir as massas.454 Os inimigos do PCB foram
identificados: o governo fascista de Waldomiro Lima — de comum acordo com o chefe de polícia—
e Getúlio e tenentes, unidos a chefetes anarquistas e trotskistas. Golpes estariam sendo
preparados por Miguel Costa, pela Legião 5 de Julho, pelo Clube 3 de Outubro, pela Federação dos
Voluntários Paulistas, por Justo de Moraes, etc. Waldomiro Lima, para romper com as organizações
revolucionárias, servia-se dessas ligas preparadoras do fascismo, cujos “camisas pardas” cruzavam
as ruas, como agentes da polícia e sustentáculos dos burgueses.
Ao mesmo tempo, os boletins da região de São Paulo anunciavam a “fritura” de Osório
César, acusado de procurar romper as fileiras revolucionárias. O autor do livro Onde o proletariado
dirige foi acusado de ser um demagogo que estava com o proletariado, quando se tratava de
discursos e questões literárias, mas, “quando o proletariado lhe exige que se defina e prove a sua
sinceridade na luta, como elemento pequeno-burguês pertencente à classe vacilante da pequena
burguesia, traía o proletariado, “servindo-se do repugnante papel de agente policial, acusando
companheiros no presídio, onde se encontrava preso pela reação do governo de fome, miséria e
guerra de Waldomiro Lima, esteio da ditadura dos feudais burgueses do Brasil”. Osório César foi
acusado de ter iludido o proletariado por ter conquistado o posto de presidente do Comitê
Antiguerreiro e ter ido ao Congresso Continental de Luta contra a Guerra Imperialista. No entanto,
em sua volta, reunira-se com Walter Pompeu e outros elementos da esquerda tenentista para
preparar golpes de caráter fascista como os de 30 e 32, que só trouxeram aos trabalhadores da
cidade e do campo a morte, mais fome, miséria e reação. Assim, Osório César e Tarsila, sua
companheira, preparavam a guerra, “fingindo falar contra a guerra”.455

449
Loc. cit., fls. 40-39.
450
Em 21/2/32. Loc. cit., f. 43.
451
Loc. cit., f. 32.
452
Ata da Reunião do Secretariado, realizada em São Paulo, em 8/3/32. Loc. cit., f. 27. DEOPS/SP.
453
Circular, de 20/11/32. Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 78. DEOPS/SP.
454
Contra a deportação dos militantes revolucionários das massas trabalhadoras! Boletim anexado ao
prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 22. DEOPS/SP.
455
Boletim do Partido. Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 20. DEOPS/SP.
Os comunistas de São Paulo continuaram a distribuir boletins, denunciando “o papel infame
e os jogos imperialistas” de “Waldomiro Lima, Miguel Costa, Walter Pompeu, Aristides Lobo e suas
esquerdas e de outro lado a ditadura de Getúlio e seu bando”, todos chamados de “bandidos,
agentes do imperialismo inglês e norte-americano”.456
A proletarização do partido era um dos temas prediletos dos stalinistas nos ataques feitos
aos trotskistas, acusados de defender a teoria contra-revolucionária de que o partido deveria ser
composto de “selecionados e especialistas, o que significa não ter nenhuma confiança nas
massas”. Cada camarada era concitado a reagir contra “todas as falsas ideologias, pela liquidação
radical do trotskismo”. Citava-se como exemplo a seguir a resolução da célula do Bom Retiro que
expulsara o seu secretário, “que com sua ideologia completamente trotskista” procurava
desorganizar o trabalho da célula, sabotando concretamente o trabalho geral do partido, e
queimando todas as circulares e propaganda destinadas aos operários da fábrica Arco-Íris em
greve; esse material fora entregue pelo secretário a elementos estranhos ao partido, que invés de
entregar aos grevistas, foram parar na polícia.457 Outra circular cita o nome do camarada expulso:
tratava-se de Milani, que tomara a “miserável posição dos trotskistas de apontar erros e falhas para
encobrir o seu verdadeiro papel de desagregadores e contra-revolucionários”. 458
Caio Prado Júnior, personagem ilustre do PCB, foi expulso das fileiras do partido em
18/12/33, por motivos que são descritos em seu prontuário. A tipografia apreendida durante a
Revolução Constitucionalista fora em grande parte custeada por ele. Após a apreensão, Caio Prado
propusera o fornecimento de nova tipografia, exigindo, entretanto, que ela ficasse sob seu controle
e direção, tanto política como material. Essa posição não foi aceita pelo partido e causou-lhe
severas críticas e censuras. Por essas razões, e também por ter criado no seio do PC a teoria de
que a Revolução de 30 foi uma revolução agrário-imperialista, e que só restava aos trabalhadores
fazerem a revolução democrático-burguesa, acabou sendo expulso.459

456
Boletim do Comitê Regional de São Paulo. Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 19. DEOPS/SP.
457
Circular de 15/5/1933. Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 114. DEOPS/SP.
458
Circular de 6/8/1933. Prontuário de Higino Delgado, n.º 192, f. 116. DEOPS/SP.
459
Prontuário de Caio Prado Jr. e Antonietta Prado, n.º 1691, doc. n.º 13. DEOPS/SP.
Capítulo III. Dissidentes comunistas em São Paulo: fundação e organização da Liga
Comunista.

“As ‘locomotivas da história’, acionadas pelo pulso firme dos maquinistas


proletários, cortam o mundo de um canto a outro, percorrendo-o em todos os
sentidos.
Alteia-se cada vez mais, num avanço irrefreável, a onda gigantesca da
Revolução Proletária Internacional.
E quando o ruído ensurdecedor das metralhadoras reboar por todos os
pontos do universo, terá chegado, finalmente, o dia fatal para o capitalismo de
todo o mundo, em que o proletariado internacional ‘perderá as suas cadeias,
para ganhar um mundo novo’.”
(Aristides Lobo. Pelo esmagamento da burguesia, “Proletários de
todos os países, uni-vos!” FLBX ).

1. A Oposição de Esquerda Internacional e o Grupo Comunista Leninista no Brasil: o


caminho do trotskismo.

O termo “trotskismo” é aqui aplicado por obediência à tradição historiográfica, que se


acostumou a chamar de trotskistas aos membros da Oposição de Esquerda Internacional. É
preciso, porém, esclarecer que essa qualificação não era aceita pelos primeiros oposicionistas de
São Paulo. Eles se consideravam comunistas bolchevistas-leninistas, dependentes da Terceira
Internacional, até o ano de 1933. Em 1934, desligaram-se dessa Internacional, mas continuaram
com a denominação “bolchevistas-leninistas”. O grupo de Hermínio Sacchetta foi o primeiro a
assumir a denominação trotskista, mas os oposicionistas de 30-36, responsáveis pela fundação e
organização da Liga Comunista, continuaram a se opor ao termo.
As razões eram ponderáveis e são explicadas por João Matheus:

“A denominação de ‘trotskista’ foi aplicada de má-fé pelos comunistas


oficiais aos antigos militantes que divergiam da linha política imposta pela
burocracia da IC e dos partidos comunistas. No Brasil, uns abandonaram
voluntariamente o partido; a maioria foi expulsa por delito de opinião, entre
1930 e 1931. Dessa cisão surgiu a chamada ‘oposição de esquerda’ que se
denominou Liga Comunista Internacionalista (bolcheviques-leninistas). Esse
punhado de militantes manteve, durante anos, uma luta tenaz e corajosa
contra a degenerescência do partido comunista. Essa luta exigiu sacrifícios
pessoais, firmeza ideológica e coragem física para enfrentar as calúnias, as
provocações e os métodos fascistas de violência postos em prática pela
burocracia stalinista, tanto nas praças públicas como nas prisões e que agora
têm o seu coroamento lógico no apoio à candidatura de Getúlio.
O nosso objetivo era influir nos elementos sãos da base do partido para
que lutassem pelo retorno dos métodos de livre discussão do centralismo
democrático, do verdadeiro leninismo. Nunca nos consideramos ‘trotskistas’,
isto é, não considerávamos Trotski como fundador de uma nova escola
ortodoxa nem na sua infalibilidade como chefe. Nem Trotski pretendeu isso.
Foi um dos grandes líderes do movimento proletário internacional e morreu
como sempre viveu — lutando.” 460

460
MATHEUS, José. “Um trotskista sem aspas”. Vanguarda Socialista. São Paulo, 26/10/45, p.p. 4-5.
ASMOB. CEDEM/UNESP.
A. Raízes bolcheviques.

O desenvolvimento internacional da Oposição de Esquerda deita raízes na Revolução


Russa de 1917, nos seus 12 primeiros anos e, principalmente, na Internacional Comunista.
Robert Alexander lembra que, 55 anos depois de Karl Marx estabelecer a Primeira
Internacional em Londres, em 1864, e 30 anos depois dos discípulos de Marx organizarem a
Segunda Internacional (Socialista) em Paris em 1889, Vladimir Ilyitch Lenin e Leon Trotski fundaram
a Terceira Internacional. Esta organização, formalmente conhecida como Internacional Comunista,
foi o primeiro grupo que teve a ambição objetiva de criar o partido da revolução mundial, um partido
internacional com seções nacionais.
Nos primeiros tempos de sua existência, o comunismo internacional atraiu um grupo
heterogêneo de entusiastas, como os socialistas, que se sentiram identificados com os ataques do
Comintern ao sistema capitalista; os pacifistas, que se juntavam à oposição do Comintern à guerra;
e os anarquistas, que confundiram inteiramente a natureza da Revolução de 1917 com as suas
próprias idéias de comunismo internacional.
Por sua vez, os líderes do bolchevismo russo pretendiam criar um partido internacional
governado pelos mesmos princípios de "centralismo democrático" — o Partido Comunista da União
Soviética — e o estabelecimento de uma "ditadura do proletariado", como etapa necessária para a
construção da sociedade socialista.461
O ano de 23 foi na Europa um ano de refluxo da revolução — que havia apresentado uma
curva ascendente de 1917-19 e descendente em 20 e 21. Em setembro de 1923 explodiram greves
em diversas fábricas da Rússia. Ao mesmo tempo, no partido, surgiram agrupamentos ilegais hostis
ao comunismo, como uma oposição anarco-sindicalista e uma oposição menchevique, que foram
dissolvidas. Em outubro, Trotski dirigiu ao CC uma carta insistindo na aplicação da democracia
interna do partido e na aplicação estrita e imediata das teses sobre o plano econômico. No PC
existia a chamada “troika” — constituída por Kamenev, Stalin e Zinoviev —, que combatia Trotski.
Assim nasceu a Oposição de Esquerda Internacional contra Stalin e liderada por Trotski. Este e um
grupo de velhos bolcheviques acusaram o partido bolchevique de degenerescência, da extinção de
sua democracia interna e do nascimento de uma burocracia privilegiada e que monopolizava os
poderes do Estado e do partido.462
Com a morte de Vladimir Ilyitch Lenin em 1924, cuja liderança do movimento revolucionário
tinha sido inquestionada, iniciou-se uma luta sangrenta pela sua sucessão. O sucessor óbvio de
Lenin era Leon Trotski, visto internacionalmente como a segunda figura da revolução nos primeiros
anos do Estado soviético. Ele havia organizado e liderado o exército vermelho, com o qual pôs fim à
guerra civil de 1918-1921. Ademais, Trotski era um teórico genial e um grande orador. Entretanto,
deparou-se com a capacidade de conspiração e de manobras políticas de Josip Djugashvili (nome
de partido, Joseph Stalin), um dos mais importantes líderes da revolução em 1922. Além disso,
Trotski tinha uma fragilidade fatal: ele fora um dos últimos a se aliar aos bolcheviques, alguns
meses apenas antes da queda do governo de Aleksandr Keresnski, em 7/11/1917. Nos anos
anteriores à Primeira Guerra Mundial, ele fora um crítico de Lenin e dos bolcheviques.
Conseqüentemente, foi sempre compelido a demonstrar que era melhor bolchevique do que outros
que se aliaram precocemente a Lenin. Na verdade, Trotski elaborou uma das mais brilhantes
análises sobre a natureza e os prováveis resultados da teoria de Lenin sobre o "centralismo
democrático" e a "ditadura do proletariado". Ele previu a vitória da ditadura do partido sobre a
ditadura do proletariado, do Comitê Central do partido sobre o próprio partido, e de um homem
sobre o Comitê Central.
Na última fase da doença de Lenin, Stalin manobrou para ser o secretário-geral do partido
— virtualmente o "guardião de Lenin".
Trotski, afastado da organização, deu início à Oposição de Esquerda em 30/1/1924, alguns
meses antes da morte de Lenin. Nesse momento, nasceu uma aliança destinada a afastar Trotski
do poder e formada pela "Primeira Troika": Stalin, o secretário-geral do Partido Comunista da União
Soviética; Grigori Zinoviev, chefe do partido na região de Petrogrado e do setor internacional do

461
ALEXANDER, Hamilton. International Trotskyism, p. 1.
462
As primeiras lutas da Oposição Russa a partir de 1923. Doc. datilografado. FLBX.
partido; e Lev Kamenev, líder do partido na região de Moscou. Essa troika afastou TrotskI do
poderoso posto de Comissário da Guerra. No entanto, Zinoviev e Kamenev começaram a se
incomodar com o crescente poder de Stalin, e na primavera de 1926 uniram-se com TrotskI — a
Oposição de Leningrado — para formar uma Segunda Troika, a chamada Oposição Unificada,
acusada de fracionismo e vítima de boicotes nos debates partidários. Afastados facilmente de
seus postos de liderança, Trotski e Zinoviev foram expulsos do Partido Comunista no Congresso de
Novembro de 1927. Nos meses seguintes, o mesmo aconteceu a Kamenev. Posteriormente,
Trotski sofreu um exílio interno, próximo à fronteira chinesa, e finalmente em janeiro de 1929 foi
expulso da União Soviética. Zinoviev e Kamenev capitularam diante de Stalin.
A fase final da luta interna teve lugar em 1928-1929, quando Stalin transformou Nikolai
Bukharin, o líder da direita do partido, em seu principal aliado na luta contra a Oposição Unificada.
Bukharin sucedeu a Zinoviev como chefe do Comintern e presidiu o seu Sexto Congresso em
agosto de 1928. Entretanto, ele se opôs às abruptas mudanças na política agrária e industrial
forçadas por Stalin e ao exílio de Trotski. Em fins de 1929, Bukharin estava totalmente derrotado e
controlado por Stalin.
Muitas personalidades se envolveram na luta travada pelo poder, nesses cinco anos,
particularmente na controvérsia entre Stalin e Trotski. As discussões provenientes dessa luta
centraram-se nas políticas internas da União Soviética e em questões envolvendo o Comunismo
Internacional. Trotski, por exemplo, era contrário à Nova Economia Política (NEP), pregando a
coletivização da agricultura e enfatizando os perigos para o regime que representaria a existência
prolongada de pequenos proprietários de terra. A posição de Stalin sobre o "socialismo num único
país" era veementemente combatida por Trotski, que propunha, em substituição, a teoria da
Revolução Permanente.
Duas diretrizes dos assuntos estrangeiros constituíam também matéria de discussão na
luta pelo poder na União Soviética, nos anos 20. Uma era a "aliança" que os sindicatos soviéticos
formaram com o Congresso Sindical Britânico (TUC) em meados de 20, e que recebia oposição de
Stalin. Outra era a continuação da aliança do Comintern e do Partido Comunista Chinês com o
Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang), à qual se opunha Trotski. Em maio de 1927 Chiang Kai-
shek, o principal líder do Kuomintang e fortemente anticomunista, exterminou o Partido Comunista
Chinês.
Ora, esses conflitos afetavam inevitavelmente o Comintern e os partidos comunistas,
membros dessa organização, uma vez que Leon Trotski fora um dos principais fundadores do
Comunismo Internacional. Nos primeiros anos da década de 20, ele estava encarregado das
relações soviéticas com os países latinos: França, Espanha, Portugal, Itália e, tangencialmente,
América Latina. Nessa função, Trotski envolveu-se pessoalmente em muitas das numerosas
controvérsias internas que surgiram nas seções nacionais do PC, muitas das quais ainda não
sabiam o que estava acontecendo na União Soviética. Ademais, embora muitos líderes comunistas
estrangeiros fossem mal informados e, na realidade, pouco interessados na briga interna do PC da
União Soviética, havia um grande número de líderes comunistas estrangeiros que mantinha
relações com um ou outro dos líderes de facções daquele partido. Esses líderes, com a
intensificação da luta, trataram de obter apoio nos partidos estrangeiros. Com esse objetivo, Trotski
deu a conhecer uma cópia do chamado "Testamento Político de Lenin", escrito na fase final de sua
doença, no qual, entre outras coisas, ele diz ser urgente a remoção de Stalin do cargo de secretário
do PCUS.
Por outro lado, Zinoviev, na direção do Comintern Internacional (CI), inaugurou um
processo do bolchevização desse órgão, enquanto figurava como membro da Primeira Troika,
antitrotskista. O controle de Moscou sobre os partidos nacionais resultou na expulsão de muitos
camaradas em diversos países. Entretanto, com a formação da Oposição Unificada na União
Soviética, e a conseqüente substituição de Zinoviev como presidente do Comintern, muitos
zinovievistas tornaram-se aliados naturais dos trotskistas, embora estes estivessem bastante
ressentidos com o papel que Zinoviev e seus amigos estrangeiros tiveram na expulsão de Trotski
do movimento comunista.463
Em 1928, Trotski e outros membros do partido deportados para a Sibéria e para a Ásia
Central organizaram-se fracionalmente, mantendo por carta uma discussão sobre os princípios e as

463
ALEXANDER, Robert. International Trotskyism, p. 4.
perspectivas da Revolução. Para pôr cobro a essa atividade, Stalin expulsou Trotski da União
Soviética, interrompendo a correspondência entre os deportados. Trotski fora até então o teórico e o
chefe de uma fração do partido, que se considerava como membro legítimo dele e que lutava para
nele ser reintegrado. Em razão da brutal repressão aos fracionistas soviéticos, Trotski considerou
que o impulso para a regeneração da Internacional Comunista e do partido teria que vir do exterior.
Impulso capaz de retomar o movimento revolucionário, traído por Stalin e seus epígonos. Em seu
exílio, Trotski dedicou-se à reconstrução da fração internacional da Oposição de Esquerda, atraindo
comunistas e ex-comunistas oponentes ao regime stalinista. Para tanto, uma de suas maiores
tarefas foi tentar definir com exatidão o corpo de idéias em torno do qual ele organizava o
movimento internacional.
A ideologia trotskista mudou de maneira considerável no pouco mais de uma década em
que Trotski a expôs, e muitos de seus seguidores mudaram-na parcialmente nas cinco décadas
que se seguiram à sua morte.
Trotski definiu o trotskismo entre 1929-32, baseado particularmente em três oposições: ao
socialismo num único país; à política anglo-russa do Comitê de Unidade Sindical; e à política de
Stalin-Bukharin na Revolução Chinesa.
A proposta fundamental do trotskismo refere-se à teoria e prática da Revolução
Permanente: só o proletariado (apoiado pelo campesinato) poderia resolver todos os problemas da
revolução democrática no curso do estabelecimento da ditadura socialista do proletariado. A teoria
do "desenvolvimento desigual e combinado", como uma extensão do conceito de revolução
permanente, é também um conceito básico do trotskismo, assim como a noção das "demandas
transitórias" e a tática da frente única.
Mais problemática era a insistência de Trotski de que a URSS continuava a ser um Estado
operário. Ele analisou extensamente o que chamava de “degenerescência” da União Soviética, mas
continuou a defender o que Robert Alexander chama de sua "bona fides", mesmo quando um grupo
importante de seus seguidores mudou de posição. Após a sua morte, essa idéia foi a base de
muitas controvérsias entre trotskistas. Desde o ano de 1933, os trotskistas brasileiros discutiam a
“questão da URSS” e decidiram pela natureza não-operária do Estado soviético.
Outro elemento básico do trotskismo, depois de 1929, foi a aceitação do leninismo. Isso
envolveu os conceitos de partido de vanguarda, centralismo democrático e a ditadura do
proletariado. Relacionada à aceitação do leninismo, Trotski e seus seguidores fizeram uma leitura
da democracia política. Houve conflitos evidentes em relação a esse assunto.464
Portanto, Trotski propôs aos excluídos do PC que assumissem posição a respeito das três
questões capazes de definir uma verdadeira oposição de esquerda na Internacional Comunista,
claramente distinta da direita blanderiana e do centro stalinista: o comitê sindical anglo-russo, a
revolução chinesa — destruída pela submissão do PC ao Kuomintang — e a política da URSS
ligada à teoria da construção do socialismo num só país.
O problema crucial, entretanto, da Oposição de Esquerda prendia-se à natureza do Estado
soviético, visto como não mais um Estado operário ou socialista, mas como uma nova forma social
de exploração. Muitos oposicionistas consideravam que a revolução só seria salva por um novo
partido, distinto e concorrente do Partido Comunista e, com o tempo, uma nova Internacional, que
poderia ser a IV. Estavam nessa posição Maurice Paz, na França, Hugo Urbahns, na Alemanha, e
Henk Snnevliet, na Holanda, motivo pelo qual Trotski com eles rompeu. No entanto, conseguiu
obter sucesso na França, onde reuniu em torno do semanário La Vérité membros de oposição de
origem diversa. Também na Alemanha, Bélgica, Espanha, Itália, Estados Unidos, Tchecoslováquia,
China, Trotski conseguiu adeptos de suas teses, organizando-se, nesses países, frações da
Oposição de Esquerda Internacional, constituídas por centenas dos melhores quadros dos partidos
comunistas. O Brasil era o principal pólo de influência da Oposição de Esquerda na América Latina,
seguido pelo México. No Brasil, o Estado de São Paulo — o mais desenvolvido industrialmente —
constituiu o foco da Oposição de Esquerda, abrigando as maiores lideranças dissidentes do
Partido.465

464
Op. cit., p.p. 1-6.
465
As primeiras lutas da Oposição Russa a partir de 1923. Doc. datilografado. FLBX.
As palavras de ordem da LC, nos anos de 31-32, apoiavam-se nas proposições
fundamentais do trotskismo: a teoria da revolução permanente, a teoria do desenvolvimento
combinado e desigual e a teoria das demandas transitórias.
Trotski expôs a idéia da Revolução Permanente em muitas ocasiões.466 Em 30, ele
escreveu que os objetivos democráticos das nações burguesas atrasadas levavam diretamente à
ditadura do proletariado, e atendiam uma parte imediata das reivindicações socialistas. Enquanto a
opinião tradicional afirmava que o caminho da ditadura do proletariado passava através de um
prolongado período democrático, pela teoria da revolução permanente a democracia se convertia
num prelúdio imediato da revolução socialista, unidas ambas por uma conexão contínua. Entre a
revolução democrática e a transformação socialista da sociedade, estava definido o estado
permanente do desenvolvimento revolucionário. Durante um período de duração indefinida e
constantes lutas internas, todas as relações sociais são transformadas. A sociedade sofre um
processo de metamorfose. E nesse processo de transformação, cada novo estágio é uma
conseqüência direta do anterior. A revolução da economia, tecnologia, ciência, família, costumes,
desenvolve uma ação recíproca complexa, a qual não permite à sociedade chegar ao equilíbrio.
Nisso consiste o permanente caráter da revolução socialista como tal. De acordo com Trotski, a
teoria da revolução permanente tem uma dimensão internacional. Ele via o internacionalismo não
como um princípio abstrato, mas mais exatamente como uma reflexão teórica e política do caráter
mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e o escopo mundial da
luta de classes. A revolução socialista começaria sem fronteiras nacionais, mas acabaria por ser
circunscrita por elas.
A teoria do desenvolvimento combinado e desigual é baseada nos eventos de 1917: um
país atrasado assimila as conquistas materiais e espirituais dos países avançados. A teoria da
repetição dos ciclos históricos é abandonada para as antigas culturas pré-capitalistas, pois Trotski
considera que o capitalismo prepara e em certo sentido realiza a universalidade do desenvolvimento
humano permanente. Portanto, a repetição de formas de desenvolvimento para diferentes nações
fica invalidada, uma vez que os países atrasados, compelidos a seguir os países avançados, não
conseguiam assumir as etapas na mesma ordem. Trotski e seus seguidores usaram a teoria do
desenvolvimento desigual e combinado como um dos argumentos teóricos para atacar os
stalinistas. De acordo com eles, Stalin e seus acólitos acreditavam em "dois estágios" do processo
revolucionário nos países pouco desenvolvidos: primeiro, a instalação da democracia burguesa, e
só após um período maior ou menor de democracia burguesa, a passagem para a fase de
socialismo revolucionário.
Nenhuma teoria ou conceito é mais característico do trotskismo do que as "demandas
transitórias". Esta idéia foi claramente expressa no programa com o qual Trotski abriu o Congresso
de Fundação da 4.ª Internacional, em setembro de 38. Formalmente intitulado "A agonia do
capitalismo e as tarefas da 4.ª Internacional", este documento é mais conhecido como "O programa
de transição". Segundo Trotski, a tarefa estratégica do novo período — um período revolucionário
de agitação, propaganda e organização — consiste em ver a contradição entre a maturidade das
condições objetivas revolucionárias e a imaturidade do proletariado e sua vanguarda. É necessário
socorrer as massas no processo diário de luta para encontrar a ponte entre as reivindicações
presentes e o programa socialista da revolução. Essa ponte inclui um programa de demandas de
transição, que deve levar à conquista do poder pelo proletariado.
Trotski defendeu a frente única nos inícios de 30, quando a luta revolucionária apontou para
a necessidade de uma aliança entre o Partido Social Democrático Alemão, o PC, as oposições
comunistas e os sindicatos controlados pelos socialistas e comunistas, confrontados com a ameaça
do nazismo. Subseqüentemente, na Espanha, França e em vários outros países, a similaridade
argüida entre os partidos de base da classe trabalhadora e o movimento sindical juntaram forças
contra o fascismo e a reação de direita. Os trotskistas faziam uma forte distinção entre a Frente
Única e a Frente Popular. A primeira seria uma aliança tática dos partidos da classe trabalhadora e
os grupos sindicais — incluindo comunistas, comunistas da oposição, socialistas, anarco-
sindicalistas e sindicatos. A Frente Popular, contra a qual Trotski e os trotskistas se opunham

466
As informações sobre as idéias de Trotski, aqui alinhadas, fundamentam-se em ALEXANDER, Robert,
op. cit., p.p. 6-8.
fortemente, era uma aliança entre partidos da classe trabalhadora e partidos da classe média ou
burguesa.
Outro argumento teórico que caracterizou a política trotskista em geral foi a insistência em
considerar a União Soviética como um Estado operário, posição que nunca foi unânime entre os
trotskistas, durante a vida e após a morte de seu líder. Uma das publicações em que Trotski mais
explorou essa idéia foi o livro A Revolução Traída. Nessa obra, após reconhecer a emergência na
URSS de uma nova "casta burocrática" sob a liderança de Stalin, Trotski desenvolve o argumento
sobre o papel dessa burocracia na sociedade soviética, em termos da desigualdade de distribuição
dos produtos sociais em favor da mesma burocracia.
Os elementos do pensamento de Lenin enfatizados por Trotski e seus seguidores foram os
conceitos do partido de vanguarda, do centralismo democrático e da ditadura do proletariado. Em
seu panfleto — O que fazer? (1902) — Lenin elaborou as chaves futuras de sua teoria de um
partido de vanguarda, argumentando que "sem uma teoria revolucionária não pode haver
movimento revolucionário", e que o papel de vanguarda só pode ser preenchido por um partido
guiado pela mais avançada teoria.
Esses princípios do trotskismo, convenientemente adaptados às condições históricas
brasileiras, constituem o substrato teórico das posições que a LC assumiu na defesa da revolução
brasileira, contrariando, em geral, o pensamento e a ação do PCB.

B. A Oposição de Esquerda no Brasil: o Grupo Comunista Lenine (GCL).

“Hoje (...) ninguém dá razão a Stalin, a não ser esses malucos do PC do B.


(...) Stalin fez um processo no mundo inteiro para mostrar que toda a ‘oposição
de esquerda’ era constituída por bandidos. Eu mesmo fui acusado de ser um
lacaio do imperialismo norte-americano. (...) Trotski defendia a necessidade de
se unirem as correntes social-democrata e comunista do operariado alemão
para impedir que o fascismo triunfasse. Stalin não quis. Para ele, era preciso
primeiro derrotar a social-democracia. (...) Eu fui o fundador do trotskismo no
Brasil. Vim da Alemanha, fizemos um grupo, foi o início do movimento
trotskista.”
(“Mário Pedrosa: o pensamento de um trotsquista histórico.” História.
Movimento, 12 a 18/11/79, p. 18).

José Castilho Marques Neto historia criticamente o aparecimento da Oposição de Esquerda


no Brasil, considerando o aparecimento do jornal do Grupo Comunista Lenine (GCL) — A Luta de
Classe —467, em 8/5/1930, como marco de constituição de uma dissidência organizada nos quadros
e no terreno teórico do PCB. No campo das interpretações, Castilho aponta para a insuficiência da
teoria, muito difundida após a pesquisa de Robert Alexander — Trotskyism in Latin America —,
publicada em 1973, segundo a qual o GCL foi o resultado de um trabalho fracionista internacional,
dirigido por Mário Pedrosa. Segundo essa teoria, Pedrosa tinha sido enviado pelo PCB, no final de

467
A partir de 1934, como conseqüência da divisão da LCI em dois grupos — o de Hilcar Leite e o
"Fernando-Alves" ("Fernando", Aristides Lobo e "Alves", Víctor Azevedo Pinheiro) — circularam dois
jornais trotskistas com o mesmo nome, diferenciados apenas pelo "c" mudo que continuou a figurar no
periódico do primeiro grupo. Essa diferenciação importa, pois as facções da liga eram antagônicas.
Aristides Lobo, em 1929- 30, deixou de empregar vogais mudas e acentos gráficos considerados inúteis
para a compreensão da língua portuguesa. Quanto ao argumento de que a acentuação minuciosa facilitaria a
boa pronúncia, contrapõe Aristides: "Os enamorados dos acentos gráficos parecem esquecer que a
linguagem falada é anterior à escrita. Em geral, só se grafam palavras cuja correta prosódia se conhece,
salvo os casos excepcionais de certos escritores que fazem judiciosas citações em alemão, latim, grego,
russo, e talvez mesmo em chinês, sem conhecerem nenhuma língua estrangeira..." Escreva certo! Método
pratico para escrever corretamente e sem necessidade de consultar o dicionário. Por um professor. 4.ª ed.
São Paulo, Atena Editora, 1949, p. 9.
1927, para freqüentar a Escola Leninista em Moscou. Durante a viagem, na Alemanha, Pedrosa
contraiu uma doença e adiou a sua ida para Moscou. Nesse ínterim, entrou em contato com os
oposicionistas europeus, principalmente os franceses, aderindo às posições de Trotski. Da Europa,
depois de ter desistido de freqüentar a Escola Leninista, manteve correspondência com Lívio Xavier
e outros companheiros do Brasil, convencendo-os das novas concepções políticas que adotara e
preparando o trabalho oposicionista brasileiro.468
Fúlvio Abramo narra a trajetória política de Mário Pedrosa. Filho de um senador
latifundiário, foi atraído para o marxismo nos anos 20/23, quando era estudante da Faculdade de
Direito do Rio Janeiro. Como tantos outros militantes da época, Pedrosa foi convencido por um seu
professor, Castro Rebelo, a participar de um grupo de estudos do marxismo que se formara sob a
influência das repercussões da Revolução de 1917. Desse grupo, passou a integrar os quadros do
partido, juntamente com outros intelectuais egressos da Faculdade de Direito do Rio, como Lívio
Xavier, Rodolfo Coutinho, Wenceslau Azambuja, Savio Antunes....Em 1926, por meio de amigos e
por solicitação direta de Octávio Brandão (secretário- geral do PCB), Pedrosa ingressou no partido.
Em 1927 foi convocado a participar em Moscou da formação de quadros da IC. A caminho de
Moscou, Pedrosa adoeceu e se viu impossibilitado de suportar o inverno russo, resolvendo
permanecer na Alemanha. Aí, estudou na Universidade de Berlim e fez um estágio militante no
PCA. Um ano depois, Pedrosa foi a Paris para assistir ao casamento de sua futura cunhada Elsie
Houston com o poeta surrealista Benjamin Pèret. Na França, Pedrosa pôde ler a Plataforma da
Oposição de Esquerda, liderada pelos trotskistas, e entrou em contato com Pierre Naville, dirigente
da Oposição Internacional de Esquerda, liderada por Trotski. Por intermédio de Naville, Pedrosa, ao
voltar para a Alemanha, manteve contatos com os bolcheviques-leninistas (como eram então
designados os trotskistas). Por eles foi informado da expulsão de Trotski e tomou contato com o
programa político da OE, ao qual aderiu imediatamente.
Em 1929, Pedrosa retornou ao Brasil para defender o programa dos bolcheviques-
leninistas e lutar contra a stalinização da Internacional. É importante marcar que, até então, os
comunistas brasileiros não haviam tido qualquer notícia acerca das divergências levantadas por
Trotski dentro do PC russo e, muito menos, de sua expulsão. Pedrosa aliou-se à chamada
“Oposição Barbosista” do PCB, então liderada por três dos fundadores do PCB (Joaquim Barbosa,
Rodolfo Coutinho, João da Costa Pimenta), além de jovens intelectuais, todos militantes
descontentes com os desvios da Internacional, seguidores de Trotski, que atuavam dentro do PCB.
O grupo de opositores fundou um pequeno jornal — A Lucta de Classe — destinado a divulgar os
principais documentos da OE comunista, dando continuidade e melhor orientação àquela primeira
dissidência ocorrida no partido brasileiro. Em 1930 Pedrosa foi expulso do partido, acusado de
trotskista.
Em 1931, Mário Pedrosa transferiu-se para São Paulo, onde continuou sua obra de
proselitismo ao lado de Lívio Xavier, Aristides Lobo, os irmãos Abramo e diversos intelectuais e
operários ligados à União dos Trabalhadores Gráficos e a outras categorias profissionais.
Foi então fundada a Liga Comunista Internacionalista, agrupando o primeiro núcleo
trotskista do Brasil. Alguns membros desse grupo fundiram-se, mais tarde, com a nova dissidência
havida no PCB, depois de 1937, liderada por Hermínio Saccheta, Issa Maluf e Rocha Barros. Após
o putsch de 35, Mário passou à clandestinidade e resolveu deixar o país, indo refugiar-se em Paris,
onde, ao lado de Rosmer e Navile, novamente se integrou no movimento que lançava os alicerces
da IV Internacional, já sob a orientação direta e pessoal de Trotski, então exilado na Turquia. 469
Entende Castilho que as explicações para o aparecimento da Oposição de Esquerda no
Brasil não podem se limitar aos acontecimentos acima narrados, mas devem ter em conta as
mudanças de rumo sofridas pela Revolução de 1917, na instalação do Estado Proletário na Rússia.
De fato, como houve mudanças doutrinárias no campo das idéias marxistas, as modificações
surgidas transcenderam os problemas peculiares a cada um dos partidos nacionais.470 Castilho
insiste, pois, na tese de que o que estava em jogo para os oposicionistas não era apenas o controle

468
Solidão revolucionária, p. 22.
469
ABRAMO, Fúlvio. “Pedrosa e a Quarta”. O Trabalho. São Paulo, 18 a 24 de janeiro de 1981. História.
9. CEMAP/CEDEM/UNESP.
470
Solidão revolucionária, p. 22.
do partido — estavam eles, como os comunistas em geral, debatendo-se com as mudanças
políticas e ideológicas sofridas pelo marxismo e pelas primeiras aspirações revolucionárias.471
Ao arrepio dessa posição, os comunistas que permaneceram nos quadros do partido
acompanharam a tese do simplismo, ingenuidade ou, pior, da deserção e traição dos dissidentes,
adotada pela maioria dos historiadores. Em geral, quando entrevistados, os velhos camaradas
calam-se sobre as dissidências. Instados por seus interlocutores, acabam por exprimir juízos
semelhantes aos que Otávio Brandão emitiu a respeito das dificuldades enfrentadas pelo PCB para
estabelecer bases sólidas em São Paulo:

"No Brasil, até hoje, chega a hora de estudar: ler livro, não, ler revista, ler
jornal... A outra dificuldade foi esse Aristides Lobo. Aristides Lobo levou anos e
anos, o partido insistindo: 'Vá às fábricas, vá conversar com os operários.’ E
ele dizia: 'Eu não sei conversar com os operários.' 'Mas meta a cara, também
não sabemos, nós vamos à hora do almoço para a porta da sala conversar.'
Levamos anos e anos e não conseguimos nada de nada com Aristides Lobo.
Um dia, soubemos, em vez de estudar Lenin, Marx, Engels, como nós
recomendamos, ele leu foi Trotski, virou trotskista e morreu trotskista. Era
estudante do Pedro II, jovem, jovem eu o conheci, muito boa pessoa, família
tradicional, mas não deu nada, nada. Pegou cadeia e não fez nada. De modo
que gente incapaz; gente capaz num terreno, mas incapaz em outro terreno, e
o resultado em São Paulo sempre foi uma desgraça."472

Mais adiante, sobre o trotskismo:

"(...) Stalin, lemos depois de 26. Trotski lemos muito pouco. Terrorismo e
comunismo de Trotski, lemos muito pouco. De fato começamos a ver aquela
questão depois da morte de Lenin, quando começou a luta entre Stalin e
Trotski. Tínhamos a revista Correspondence Internacional em francês, vinha
para cá, então começamos a acompanhar. Bem, a princípio, não havia
nenhum perigo de trotskismo. Depois de 30 começaram a aparecer trotskistas
aqui. Raquel de Queirós, Aristides Lobo, aquele Pedrosa, lá do Nordeste. Mas
aí o partido estava com os sovietes, [risos] sonhando com sovietes e
revolução soviética imediata no Brasil, e ficaram eles com aquela seitazinha.
Na realidade, a luta contra o trotskismo foi travada depois com — infelizmente
— os expurgos de Stalin, que foi expurgando a torto e a direito quem era bom
e quem era ruim em tudo isso. Por isso o trotskismo apenas desviou uma
série de pessoas, como Raquel de Queirós, lançou essa confusão, Aristides
Lobo, que era um bom rapaz não fez mais nada, o anarquismo o desviou
[inaudível] depois se perdeu. Não teve nenhum futuro."473

A fala de Brandão atesta, com inúmeros documentos semelhantes, que a censura do


partido produziu versões flagrantemente falseadas da atuação dos seus dissidentes, como a idéia
de que Aristides Lobo tenha sido desviado pelo anarquismo, que ele se recusava a conversar com
operários, que não lia Lenin, Marx e Engels. Falseamento que se projeta significativamente na
história do partido.
Nesse sentido, Castilho se refere à insuficiência de explicações historiográficas — como a
de Dulles — que separam radicalmente os motivos que levaram às cisões de 1928 e de 1930.
Castilho, pelo contrário, adverte para o fato de haver confluência daqueles movimentos, pois os
oposicionistas de 28 criaram "um novo momento na perspectiva daqueles poucos militantes que
não concordavam com os rumos do PCB e da IC desde 1927".474

471
Loc. cit., p.p. 92-93.
472
Depoimento de Otávio Brandão, concedido em 1977. Rio de Janeiro, FGV/CPDOC - História Oral,
1993. Cópia mimeografada, p. 34. De acordo com normas da organização responsável, a citação é textual.
473
Doc. cit., p. 95.
474
Loc. cit., p.p. 114-115.
Em abono dessa interpretação, comparece o próprio Pedrosa, que da Alemanha, em 1928,
critica a posição adotada por alguns companheiros de deixar o PCB, em solidariedade à célula 4-R,
dizendo estar passando por uma crise e tomando consciência de uma posição que só no Brasil
poderia ser esclarecida.475 Fica, pois, claro, que as razões que levaram à formação de uma
oposição no PCB foram tributárias da história do Brasil, embora as lutas ocorridas entre quadros
dirigentes do PC soviético repercutissem nas discussões internas do partido. Assim se explica o
dilema que acompanhou os camaradas dissidentes: continuar a luta pela revolução, fora dos
quadros do partido, sem trair o proletariado. De preferência, continuar no partido, no caráter de
fração. Motivo pelo qual Mário Pedrosa não pediu demissão do PC alemão e se acautelou para não
manifestar o seu ponto de vista quando comparecia ao partido. Apenas pediu uma licença, sob o
pretexto de não saber se ficava no Rio. Planejava responder ao interrogatório, ao qual certamente
seria submetido, de modo franco, embora em bons termos, e então, conforme o que lhe dissessem,
pedir demissão, reservando-se o direito de voltar ao partido, de acordo com a marcha dos
acontecimentos.476 Nessa oportunidade, estando Mário Pedrosa com Di Cavalcanti, encontrara-se
com Paulo (Lacerda?). Este então lhe perguntou porque não tinha ido para a Rússia e o Di, "para
fazer graça", entrou na conversa e disse que a razão era porque Pedrosa era trotskista, o que
estragou bastante o plano feito por ele e Rodolfo Coutinho. Este achava que Pedrosa não devia se
abrir perante os chefes, para não prejudicar o desenvolvimento futuro do grupo ou mesmo a sua
formação — pois bastava que lhes dissessem que eram trotskistas para "todo mundo fugir às
léguas" deles. Pedrosa fora obrigado a dizer que ideologicamente era trotskista, mas que em todo
caso tinha se conservado no partido.477
Aristides Lobo, um dos dissidentes que mais resistiram em sair do PCB, tentou convencer
os demais oposicionistas de que deveriam voltar ao partido — para agir dentro dele,
conseqüentemente. Em inícios de 30, passou a ser acusado de "indisciplinado" e foi expulso.
Ele e Pedrosa estavam tentando arregimentar outros camaradas para a criação do que
entendiam como um verdadeiro partido de massas, tarefa que pretendiam levar "até o fim, sem
medo de caretas de qualquer espécie".478 Ambos pretendiam agir dentro das células do partido, pois
consideravam que ainda não havia possibilidades para a organização de uma militância externa ao
PC. O trabalho prático independente era senão inconcebível ou impossível, pelo menos inexeqüível,
naquele momento. Por outro lado, o trabalho teórico, de crítica ideológica, era absolutamente
urgente — mesmo para que a atividade dos opositores, dentro do partido, não fosse descontínua e
empírica demais. Não havia como se evitar a necessidade dos melhores se organizarem para um
trabalho sistematizado de elaboração ideológica. Pedrosa reafirma que Aristides ainda estava em
crise de consciência e a censura nele ainda era bastante forte. Aristides reagia a qualquer palavra
menos ortodoxa, como fração, sendo preciso ir com muito jeito com ele — concordando, no
primeiro momento, e depois discordando. Entretanto, Pedrosa achava-o firme e considerava que o
seu amadurecimento seria uma questão de tempo.479
Vê-se que a posição de Castilho, apontada mais acima, alicerça-se amplamente nas fontes.
Todas indicam o pluralismo de razões que moveram os dissidentes, embora existissem pontos-
chave nas cisões que então se operavam. Um desses pontos, obviamente, era a necessidade de
sobrevivência, o que levaria os dissidentes a procurar camaradas que os pudessem apoiar na luta
contra o partido. Mário Pedrosa inicialmente achou amparo no grupo formado em torno de debates
dirigidos pelo professor Eduardo Castro Rebelo e que seria o núcleo dirigente do futuro GCL —
Lívio Xavier, Rodolpho Coutinho, João Della Déa, Wenceslau Escobar Azambuja. Esse núcleo,
presente nas controvérsias do PCB entre 1927 e 1929, procurava cooptar camaradas sensíveis às
críticas à linha política do partido.480
Assim procederam Mário Pedrosa e Lívio Xavier com Aristides Lobo e Plínio Melo. Logo
que estes se situaram em rota de colisão com o Comitê Central, enviaram-lhes obras sobre a
Oposição de Esquerda Internacional, procurando convencê-los da impossibilidade de recondução

475
Carta de "Miguel"(pseudônimo de Mário Pedrosa) a Lívio Xavier. Alemanha, 1928. FLBX.
476
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Xavier. Rio de Janeiro, final de 1930. FLBX .
477
Doc. cit.
478
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. Rio, 12/3/30. FLBX .
479
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Xavier. Dezembro de 1929 ou janeiro de 1930 (data provável). FLBX .
480
Em: Solidão revolucionária, p. 128.
do PCB a rumos legítimos. Escreve Pedrosa a Lívio Xavier: "Será que você deu a ele (Plínio) como
a Aristides alguma coisa a ler? (...) Você precisa mostrar e explicar tudo ao Aristides, etc. Discutam.
Não deixe o pessoal assim cretinizado para depois não se perderem."481 E alguns meses mais
tarde:

"Chame a atenção de Aristides para a maneira arbitrária e ilegal, safada,


com que agiu o Plenum etc. para com a 4R. E naturalmente vá analisando
com ele os erros e a burrice da política do PC em todos os campos etc.
Vamos assim agindo por aqui como podemos e como permite a ineficiência do
pessoal.(...) E se não conseguirmos criar um núcleo, uma base de salvação,
que reserve o futuro, para o movimento comunista no Brasil — este será
aniquilado no Brasil por muitos anos. Nunca vi tanta cretinice e estupidez
como a dessa gente do PC.” 482

A análise cuidadosa das fontes deixa claro que a "seção brasileira" situou-se no quadro
internacional de organização da Oposição de Esquerda, refletindo os seus problemas, agravados
por questões nacionais, locais e de seus quadros dirigentes, ligados inicialmente ao BOC, prestismo
e sindicalismo. No caso das divergências surgidas na seção paulista do PCB, não subsiste dúvida:
tributária embora de acontecimentos de natureza nacional, local e mesmo de embates pessoais de
suas lideranças, a Oposição de Esquerda em São Paulo refletiu a luta entre Stalin e Trotski e
esteou-se teoricamente na doutrina marxista-leninista.
Os opositores de esquerda do Brasil historiam a situação política que viviam, permitindo a
inteligibilidade de posições teóricas e práticas assumidas em decorrência do entendimento que
formaram sobre o comunismo internacional e a revolução proletária. Segundo eles, o
desenvolvimento internacional da oposição no interior da Internacional Comunista prendeu-se ao
desenvolvimento das contradições desta e do Estado soviético, ou, em outras palavras, às lutas que
se vinham travando há anos no Partido Comunista russo entre a burocracia centrista, chefiada por
Stalin, e a ala bolchevista-leninista, liderada por Trotski e Rakoviski. Os esforços para a reabilitação
da política leninista do comunismo tinham que desbordar fatalmente dos quadros nacionais
soviéticos, pois essa luta se articulava estreitamente aos próprios destinos da revolução proletária.
Esta, como o capitalismo, só poderia atingir um grau superior de desenvolvimento no plano
internacional. As forças "termidorianas" internas da URSS, incrementadas pela NEP, forneceram a
base para a burocracia stalinista combater os militantes fiéis à metodologia revolucionária de Lenin
e aos princípios marxistas consagradas nos quatro primeiros congressos da Internacional
Comunista. Essas forças se alentaram extraordinariamente com uma sucessão de derrotas do
proletariado: os fracassos da revolução alemã, em 1923; da greve geral inglesa, em 1926, e da
revolução chinesa, em 1927. Atravessou-se com isto uma fase de depressão no movimento
operário e uma fase de estabilidade temporária da sociedade burguesa. Este fato explicaria a vitória
do centrismo burocrático de Stalin e a conseqüente derrota da Oposição de Esquerda, na URSS.
Graças às condições especiais da ditadura proletária na URSS, a Oposição Russa, núcleo
central da Oposição de Esquerda, viveu os seus primeiros tempos isolada das demais correntes. A
luta dos bolcheviques-leninistas, que desde 1927 adotavam uma plataforma consubstanciando as
suas idéias e a sua linha de ação política, só muito mais tarde veio a ser conhecida
internacionalmente. Os núcleos oposicionistas internacionais, por falta de uma ligação orgânica e de
um trabalho conjunto com os camaradas russos, se enfraqueciam. Em 1930, um ano depois do
banimento de Trotski, a atividade principal da oposição foi orientada no sentido de um sério
esclarecimento ideológico. A 6 de abril daquele ano, constituiu-se em Paris um Secretariado
Provisório da Oposição de Esquerda, destinado a coordenar as atividades de diferentes
organizações comunistas nacionais da fração para uma conferência internacional. A esse
secretariado foi afeta a publicação de um boletim de informação, que desde logo começou a
aparecer regularmente, esclarecendo a finalidade da oposição: reconduzir o partido à sua linha de
classe.

481
Carta enviada de Paris para São Paulo e datada de 6/4/1929. Apud: MARQUES NETO, José Castilho.
Op. cit., p. 309.
482
Carta enviada por Pedrosa a Xavier. Rio de Janeiro, 20/12/1929. Loc. cit., p.p. 318-319.
As lutas de tendências no movimento comunista aceleraram o processo de diferenciação
de três frações que compunham esse movimento — a direita, o centro e a esquerda —,
distinguindo-se umas das outras por seu conteúdo de classe e contradições políticas e ideológicas,
concretamente determinadas pela análise marxista. A tendência de direita cristalizou-se primeiro na
União Soviética, lutando contra a ala marxista proletária do partido e expressando interesses de
outras classes estranhas ao proletariado e excluídas da democracia soviética. Foram os direitistas
que dirigiram a política do partido até 1928, fazendo o jogo do setor capitalista da economia
soviética (nepmen, kulaks, burocratas). Os representantes principais dessa tendência eram na
URSS Bukharin, Rikov, Tomski, Kalinin. Internacionalmente, essa política caracterizou-se pelo
espírito dos compromissos sem princípios, das alianças com a burocracia sindicalista de Amsterdã
(Comitê Anglo-Russo), com as burguesias coloniais (Kuomintang) e agrárias de certos países
capitalistas (Raditch, Lafolette, Internacional Camponesa, etc.). Política que ia sendo seguida pela
diplomacia soviética (pactos de não-agressão, declarações de coexistência pacífica dos sovietes e
dos Estados capitalistas), sem a menor perspectiva da revolução proletária mundial, visando
somente à defesa nacional da União Soviética. Nas outras seções da IC, as direitas
caracterizavam-se sobretudo pelo seu isolamento nacional e no sacrifício dos interesses históricos
do proletariado por uma política de defesa exclusiva de certos interesses imediatos das massas. Na
URSS, os direitistas aceitavam a teoria do socialismo num país só e estavam de acordo com a
política centrista dominante. Fora da URSS, os diversos agrupamentos de direita possuíam a sua
política autônoma, não admitindo o controle internacional sobre as próprias organizações nacionais.
Ao lado da direita estava o centrismo, cujo traço fundamental era faltar-lhe um apoio de
classe. O centrismo ladeava entre as forças da direita (proletários burocratizados, termidorianos,
pequeno-burgueses) e as forças de esquerda (a vanguarda revolucionária do proletariado e dos
camponeses pobres). Sem autonomia ideológica, essa linha política caracterizava-se pelos
ziguezagues mais disparatados, observáveis na política de Stalin, o "papa infalível dos centristas". A
Internacional Comunista estava sob a dominação discricionária do centrismo da burocracia
soviética, cuja força residia unicamente na exploração do Estado proletário e no recurso aos seus
instrumentos de compressão (polícia, justiça, tesouro, funcionalismo). Embora o centrismo pudesse
dirigir o movimento proletário internacional por tempo mais ou menos longo, nos momentos
decisivos — em que grandes acontecimentos imprimiriam novos rumos ao desenvolvimento
histórico — não resistiria à prova desses acontecimentos, caindo à esquerda ou à direita da
barricada em que se travasse a luta de classes.
A esquerda era a tendência que representava de fato os interesses históricos específicos
do proletariado. Seus representantes eram os verdadeiros continuadores de Marx e de Lenin e
estavam reunidos na Oposição Internacional de Esquerda, da qual eram os brasileiros uma
pequena fração. A OEI não pretendia a constituição de uma 4.ª Internacional, pois acreditava na
possibilidade da restauração da política leninista dentro da própria URSS e na Internacional
Comunista pela via das reformas. A ditadura do proletariado, seriamente comprometida pelo
aparelho burocrático, que estrangulava o partido, poderia se reerguer do seu estado de
degenerescência, sob a pressão de uma nova ofensiva internacional das forças operárias. Assim,
todas as ligas comunistas nacionais não constituíam um novo partido, mas sim uma fração do
partido. Dentro deste, o dever dos oposicionistas era lutar incansavelmente contra os erros da
direção nacional, que obedecia cegamente, sem discussão nem vontade própria, à orientação
contra-revolucionária da burocracia da Internacional Comunista. Uma vez expulsos — fatalidade a
que estavam expostos pela intolerância burocrática — os militantes conscientes, conhecendo a
verdadeira disciplina leninista e os princípios fundamentais da doutrina marxista, não se
considerariam menos comunistas por isso e continuariam a bater-se com energia pelo reerguimento
do bolchevismo. Fora do partido, a oposição deveria criar os seus núcleos independentes,
trabalhando pela formação de novos militantes ativos e pelo aperfeiçoamento sistemático da
educação dos mais antigos.
Nos movimentos gerais da política proletária, a oposição apareceria como fração do Partido
Comunista, prestigiando, por exemplo, os candidatos do partido num pleito eleitoral.
Os membros da Liga Comunista estavam sujeitos a uma disciplina própria e deveriam
obedecer aos princípios, estatutos e à tática adotados internacionalmente pela Oposição de
Esquerda. Poderiam pertencer ao partido e às Juventudes Comunistas e deveriam filiar-se ao
sindicato operário da sua profissão, no qual deveriam constituir e ampliar os seus núcleos de
militantes e simpatizantes e procurar influir e conduzir os elementos da fração oficial.483
Os primeiros oposicionistas organizaram um núcleo no Rio de Janeiro, com ramificação em
São Paulo, a partir de 1927. A Liga Comunista originou-se desse primeiro núcleo oposicionista de
esquerda que apareceu no Brasil, sob a denominação de Grupo Comunista Lenine do Rio de
Janeiro. As relações de amizade existentes entre adeptos do GCL explicam a configuração dos
primeiros grupos de opositores. Rodolfo Coutinho, Antonio Bento, Miguel Macedo, Edmundo Moniz,
Azambuja Escobar, João da Costa Pimenta, Della Déa, Mário Pedrosa, Lívio Barreto Xavier e
Aristides Lobo constituíram o embrião dos opositores. Pedrosa declinou as suas amizades
paulistanas, em 1927: Lívio Barreto Xavier, Aristides Lobo, Plínio Gomes de Melo, Plínio Salgado,
Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Bopp.484 Em 1929, os esforços para o agrupamento dos
camaradas dispersos se acentuaram. Pedrosa conversou seriamente com Rodolfo Coutinho, que
estava às voltas com uma cooperativa de camponeses.485 Em fevereiro do ano seguinte, Aristides
Lobo, de retorno ao Rio de Janeiro por ordem da polícia ("Contra mim, o 'fecha' é formidável.
Preciso multilplicar-me e atacar a fundo", diz ele486), relacionou-se com Rodolfo Coutinho, Castro e
Halnemam, visitou a família de Elsie, quando se entusiasmou com uma "bruta pregação
revolucionária de Mme. Houston"487 e se firmou na estratégia de fortalecer o PCB, tentando
convencer os amigos de que deveriam tentar o reingresso na única organização proletária capaz de
conseguir a vitória contra a República burguesa:

"Preciso ler muito, a fim de ter uma base sólida para o que estou vendo
claramente: uma situação objetiva ótima, que não surge de ano em ano e que
deve ser aproveitada, senão para instituir a ditadura do proletariado, pelo
menos para criar aquilo que é necessário para instituí-la, isto é, um PC forte,
ágil na ação, inteligente na tática, capaz em número e em qualidade de
membros. É preciso acabar, a golpes fortes, com a 'pederastia passiva' da
Revolução, essa ignóbil mania de dar de foder à burguesia sem o menor
resultado prático. É necessário lutar sempre em todas as circunstâncias. Mas
lutar é uma coisa e lutar com acerto, visando à vitória, é outra coisa. É
justamente isso que eu quero ver se consigo do nosso pessoal. Vocês, da
oposição, deveriam ter sido os pioneiros de um verdadeiro movimento
revolucionário no Brasil, não fosse a burrice da tática que empregaram. O
pedido de demissão, por exemplo, é uma besteira imperdoável. Se as
condições eram tais como vocês pintam, se o regime era de arrocho, se não
existia liberdade de discussão, fosse como fosse, a verdadeira política seria
continuar no partido e levar a luta até o fim, com energia, com intransigência,
mas com os necessários 'louvoiements' (salvo seja a tradução do Plinio ...),
numa palavra, com maleabilidade. Que esperassem a expulsão. Não
importava; ela era esperada e tudo já estava preparado. O efeito seria outro e
muitas das criticas que vocês fizeram, reconhecidamente justas, teriam sido
logo acatadas pela maioria. E teríamos, então, na hora presente, que é
excepcional na história, um PC mais coeso, mais firme, mais capaz de
enfrentar com acerto as dificuldades da situação. E quem sabe mesmo se não
teríamos a glória — tão favoráveis são as condições objetivas — de sermos o
segundo país do mundo?! Não é sonho de poeta."488

483
Boletim de Discussão da OEI, junho de 1932, mimeo, e "Documento-Círculo, balanço de forças", de
autoria de "Gustavo" e "Leônidas"(Aristides Lobo), para apresentar à Conferência Nacional de abril de
1933. Ms. FLBX .
484
Carta a Lívio Xavier, Paraíba, 1927 (?). Ms. FLBX .
485
Carta a Lívio Xavier. Rio de Janeiro, 1929 ou 1930. Ms. FLBX .
486
Carta a Lívio. Rio de Janeiro, 31/5/30. Ms. FLBX .
487
Carta a Lívio. 25/2/1930. Ms. FLBX .
488
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. Rio de Janeiro, 26/2/30. Ms. FLBX .
O sonho continuou. Nova carta, de 12 de março, informa que Lobo e Pedrosa estavam
empenhados na criação de um verdadeiro partido de massas. Ambos pensavam que os elementos
da oposição, que ainda se encontravam de fora, deveriam reingressar, realizando "uma curva à
Lenin, uma política de recuo destinada a preparar nova ofensiva, um passo atrás que criará a
possibilidade de dois à frente". Se fosse conseguido o reingresso, iniciariam uma atividade conjunta
nas células, uma ampla agitação de todas as questões vitais para o partido. Se não conseguissem,
estudariam outros meios. Certos elementos da oposição pareciam inaproveitáveis, entre eles o
Mesquita e o Octaviano. Quanto ao Coutinho, Lobo julgava-o ótimo: "sincero, inteligente, culto,
dinâmico", tinha ele as qualidades indispensáveis aos "verdadeiros militantes revolucionários". Mário
e Aristides iriam falar-lhe e talvez fosse conveniente reunir os 19 (ainda?, pergunta Aristides) para
melhor deliberação.489 Rodolfo Coutinho trouxera da União Soviética notícias sobre a Oposição de
Esquerda, liderada por Trotski e juntamente com Mário Pedrosa e outros companheiros organizou o
primeiro agrupamento oposicionista, o Grupo Comunista Lenine.490
Por carta de Pedrosa, de 31/3/30, fica-se sabendo que o Grupo Leninista estava se
reunindo e o "Aristides, fabuloso artista, de acordo". Todos estavam firmes no trabalho de
organização de um jornal — Alerta! — que deveria sair a 1.º de maio, com "editorial explicativo, da
lavra do grande poeta Aristides, que anda muito inspirado", sobre a data. Haveria ainda um artigo de
Pedrosa sobre "a merda do Manifesto pela Revolução Agrária e Anti-Imperialista". Della Déa
escreveria sobre a vida sindical, além de uma crítica do livro do Castro sobre a greve dos padeiros.
O GCL, a partir de 5 de maio de 1930, começou a publicar o jornal A Lucta de Classe. A
decisão sobre o nome do jornal — Lucta de classe, Luta de classe ou Luta de classes — ficou a
critério do comitê de redação, pois Lívio e Aristides criticaram o "indecente" c da luta e a falta do s
em classe.491 Do primeiro número, 250 exemplares foram enviados para o interior, atestando as
ramificações dos dissidentes, reunidos nas capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. A
preocupação primordial da redação do Lucta referia-se ao tratamento a dar ao estudo da situação:
se valeria a pena concentrar a crítica nos pontos vulneráveis da "pequena-burguesia" teorizada,
sem esquecer os esquemas da grande, ou se o momento de precisar desse modo ainda não
chegara. Consideravam existir operários confusos no próprio grupo de opositores, e que entre os
descontentes que continuavam no partido, a confusão era maior. Parte não reconhecia os erros
imediatos, e não sabia contestar as críticas a esses erros. Era difícil também tratar a fundo da teoria
da direção do partido sem ligá-la à situação internacional, à questão russa, etc. Mesmo entre os
operários que estavam mais próximos à oposição e criticavam a direção do partido, existia um
receio enorme do trotskismo. Seria preciso preparar o caminho com a publicação de alguns
documentos que dissipassem esse medo e suscitassem a desconfiança na política staliniana. Daí a
divulgação do testamento de Lenin. Depois, como o antigo núcleo de opositores era o mais forte e o
único que possuía pontos de vista mais solidamente assentados e uniformes, não convinha que o
jornal precedesse de muito o grupo, sob pena de ficarem sozinhos. Os camaradas — que não
tinham ainda um ponto de vista firmado sobre a situação na IC e que receavam o trotskismo —
poder-se-iam aproveitar de qualquer precipitação para condenar a redação e qualquer política
contrária à de Stalin. Assim, convieram os opositores na necessidade de solidificar primeiramente o
próprio grupo, dando-lhe unidade ideológica com a discussão das teses do 3.º Congresso,
acreditando não ser difícil predominarem os pontos de vista da ex-oposição porque ela era o núcleo
mais homogêneo e ideologicamente o mais forte.
O grande problema em todo mundo era o da unificação das oposições e elementos de
esquerda e não seria conveniente, nos primeiros momentos, dado o retardamento de uma parte do
grupo, forçá-lo a uma oposição a que o prosseguir da luta os arrastaria num prazo muito curto,
arriscando a unidade e a eficácia do movimento de oposição.492
Os oposicionistas defrontavam-se com o que eles chamavam de fração dirigente do PCB,
mas também com outras organizações proletárias. Uma carta de Edmundo Moniz a Lívio Xavier,
enviada de Ribeirão Preto, fala sobre a mania que a literatura da esquerda oposicionista tinha de se

489
Rio de Janeiro, 12/3/30. Ms. FLBX.
490
KAREPOVS, Dainis. Trotski n'A Luta de Classe. Boletim Bibliográfico CEMAP, n.º 3, fevereiro de
1985, p. 2.
491
Carta de Aristides a Lívio. Rio, 31/5/30. Ms. FLBX .
492
Carta de Victor Azevedo Pinheiro a "Lyon" (Lívio). S. Paulo, 15/5/30. Ms. FLBX .
defender e que no interior a coisa piorara muito com "o tal negócio do Partido Socialista". A grande
maioria do operariado, mais inclinada a ler e a refletir sobre os assuntos da classe, aderiu ao
Partido Socialista fundado por Juarez Távora, de maneira que a luta se tornava mais difícil. Além de
convencer o operário da necessidade da luta pela independência, tornava-se "necessário propagar
que o entusiasmo de que ele está possuído pelo tal socialismo tenentista é fascista antiproletário e
principalmente anticomunista". O PS no interior era dirigido pelo delegado regional de Ribeirão
Preto, o que dava aos operários muita coragem para aderir, porquanto raciocinavam que se o
próprio delegado regional era o primeiro a vir correr as cidades do interior para fundar o partido
socialista, era porque o socialismo iria mesmo triunfar, pois contava com apoio oficial do governo.
Assim animados, não tendo outro partido proletário a que aderir, ingressavam no Partido Socialista,
visto que o comunista era para eles "uma espécie de mistério, de mito, pois por aqui só vagamente
se falava nele".493
No mês de março de 1930, Pedrosa teve razões para comemorar: o Bureau Internacional
da Oposição Comunista de Esquerda enviara uma circular dirigida ao Grupo da Oposição
Comunista do Brasil, consultando-o sobre as possibilidades de reunião de uma conferência
internacional das oposições de esquerda, a fim de se elaborar uma plataforma internacional.494 Em
julho desse mesmo ano, Pedrosa informou que o GCL adotara os estatutos da Liga de Paris e
organizava cursos para a capacitação dos camaradas, considerando que as teses por ele
assumidas não deveriam ter o caráter de contrateses, isto é, não se deveriam apoiar nas teses do
partido. Enalteceu ainda a necessidade de os opositores manterem contato constante com Aristides
Lobo, então em Buenos Aires, e com o "ogum de lá".495 Nesse tempo, uma das preocupações dos
opositores era a de não explicitar suas relações com o trotskismo, evitando abstrações teóricas.
Achavam que ninguém poderia exigir dos outros que tomassem partido por alguma coisa, sem ter o
menor conhecimento dela. O camarada simples do partido desconhecia o que era socialismo num
país só, questão chinesa, democracia na base, comitê anglo-russo, burocracia, centrismo,
direitismo, oposição, Stalin, Trotski, etc. Seria preciso primeiro dar a ele alguma coisa a respeito
para ler, antes de exigir que tomasse posição. Era o que estavam fazendo, publicando de cada vez
um documento com um comentário simplesmente elucidativo e traduzindo também alguns para
publicar em folheto. Depois que o pessoal estivesse mais ou menos a par da situação então seria
convidado para uma reunião onde se discutiria o assunto, ao mesmo tempo que o jornal tomaria
posição de princípio em nome do GCL. O trotskismo ficaria para mais tarde.496
A posição de Aristides Lobo nos quadros de liderança do GCL fica esclarecida em carta
cifrada que ele enviou a Pedrosa, de Buenos Aires, a 2 de outubro de 1930, e que assinou como
“José Hernandez”. Essa carta foi apreendida pela polícia e serviu de pretexto para a expulsão de
Aristides Lobo da Argentina. Os seus termos dão conta dos principais problemas enfrentados pelos
oposicionistas nos primeiros momentos de sua organização como grupo:

“Meu caro Poeta:


Escrevo-lhe esta para fazer algumas observações, julgo úteis e imediato
interesse, sobre Luta de Classe e atividade GCL.
a) Sobre Luta de Classe.
1. Absoluta necessidade resolver e cumprir. Constituição grupo: três
camaradas se encarreguem revisão jornal. Parece-me isso já foi resolvido
mas não praticado, pois todos números Luta, saídos até hoje, demonstram
revisão provas tem sido simplesmente infame. Se se tratasse questão
puramente gramática, ainda vá; mas erros tipográficos a que quero referir-me
são os que podem produzir confusões até ideológicas. Eu poderia pegar Luta
de Classe e citar uma infinidade. Creio, porém, bastará lembrar a você, de
memória, ‘descoberta italiana’ por ‘descoberta staliniana’, veio num seu artigo

493
Carta sem data, mas como Edmundo Moniz solicita a reforma da assinatura de La Verité e de La Lutte
de Classe, sem se referir ao jornal Luta de Classe da Oposição de Esquerda no Brasil, é provável que se
referisse ao ano de 1929 ou ao imediatamente posterior. FLBX .
494
FLBX . Ms.
495
Carta a Lívio. Rio de Janeiro, julho de 1930. FLBX . Ms.
496
Carta a Lívio. Rio de Janeiro, junho ou julho de 1930. FLBX.
e ‘imperialismo americano’ por ‘imperialismo anglo-americano’ modificou
sentido você quis dizer ‘Crítica Manifesto Prestes’.
2. Necessário frisar mais uma vez o que combatemos é a direção partido e
não partido. Isso, apesar já ter sido dito e explicado não sei quantas vezes,
não tem sido respeitado. Você mesmo, ‘seu’ Poeta, tem cometido esse
deslize. Veja número 4 Luta.
3. Número 3 Luta, em pequena nota sobre cisões Argentina exprime tão
mal nosso pensamento, dá entender possuímos ‘alguma’ simpatia Penelon.
Ora, este traidor provocou cisão por questões meramente pessoais. Que
direção época fosse tão safada, estou de acordo. Mas, isso não significa
andasse bem. Além disso, este último se vem ‘enterrando’ cada vez mais ,
fazendo toda sorte indecências, entre as quais, a mais recente apoiar, pode-se
497
dizer, ditadura Urubu.
b. Sobre atividade GCL.
1. Necessário fazer tudo realizar reuniões membros partido. Estou certo é
dentro PC deve estar nossa força, pelo menos em obter número. Só reuniões
podem conduzir este objetivo. Do contrário, não passaremos também meros
onanistas revolucionários.
2. Necessário frisar sempre o GCL não é segunda edição PC e sim grupo
oposição cuja maior força está dentro próprio PC, sendo constituído
verdadeira massa revolucionária PC e elementos expulsos formalmente, por
defenderem integridade princípios ameaça da burocracia.498
3. Sempre foi criticado erro cometido oposicionistas 1928 de demitirem-se
PC, é preciso confessá-lo sinceramente, sem vaidade qualquer espécie.
Necessário dizer tal erro foi realmente: grande erro, formidável asneira. Que
Lívio, Escobar e outros deixem de ser turrões, que isso fica bem a (?) e não a
bons e dignos revolucionários, que eles de fato o são. Quando lhes falarem
nisso, confessem erro abertamente, critiquem-no e critiquem-se e continuem
andar para frente. O mesmo relação desastrosa e desastrada Aliança
499
Barbosa-Leônidas e outros trastes. (...)
5. Escobar não pode ficar sozinho trabalho de expedição muita coisa para
ele e resultado é ficarem entulhados exemplares jornal (...)
6. Jornal deve ser distribuído entre operários fábricas, direta ou
indiretamente. Para isso vocês devem organizar que tenham em vista,
sempre, fábricas mais importantes, não só número operários nas indústrias,
500
devendo ser escolhidos camaradas realizarem este trabalho. (...) ”.

A estratégia preconizada por Aristides era, pois, a de lutar contra a burocracia dirigente e os
desvios revolucionários comunistas na qualidade de fração, e não como um outro partido do
proletariado.
Para empreitada dessa natureza, Coutinho considerou (no segundo semestre de 1930) que
São Paulo apresentava maiores possibilidades do que o Rio, pois "Pedrosa e Escobar estavam
doentes, Visaco não se mostrava mais e Pimenta ocupava-se em tirar as contas atrasadas da
Cooperativa. Dalla Déa apresentava-se sempre ativo". Coutinho ainda pediu notícias de Dupont,
Leal e Lobo, acrescentando informações sobre os componentes do grupo paulista.501
Mary Houston ratifica essa visão pessimista: com a doença do Mário o GCL agonizava, era
"um caso sem remédio", de modo que não valia a pena perder tempo com ele. Aristides continuava
em Buenos Aires e fazia também uns reparos ao GCL, por lhe parecer que os seus membros
estavam mais ou menos infestados de oportunismo. De acordo com Mary, Aristides desconhecia a
completa derrocada do grupo, e por isso não convinha que Lívio lhe falasse do GCL, "porque afinal,

497
Cf. Fundo CEMAP. CEDEM/UNESP. Recolhido por Dainis Karepovs na Polícia Federal. Fotograma 1.
498
Cf. Fundo CEMAP, recolhido por Dainis Karepovs na Polícia Federal. Datilografado.
499
Joaquim Barbosa e Leônidas de Rezende.
500
Doc. cit., fotogramas 2 e 3.
501
Ms. FLBS.
o GCL não vale nada mas sempre é muito preferível ao partido, porque pelo menos é inofensivo,
enquanto que o outro é nocivo".502 Em outra carta, Mary continua com o diagnóstico da situação dos
oposicionistas do Rio: estava muito difícil de se fazer qualquer coisa, com "o Mário e o Wenceslau
doentes, os dois Joãos (da Costa Pimenta e Matheus) e o Rodolpho Valentino (Coutinho) com
vontade de ir embora, vocês aí e o resto do pessoal sumido; até aquelas ligações vagabundas, de
café, estão cortadas".503
A falência do GCL continuava a ocupar a correspondência dos opositores. Coutinho
retornou ao problema ("do nosso grupo aqui, nem cinza resta"504), acompanhado por Pedrosa: "O
Grupo Comunista Leninista faliu. Acabou-se. Vocês aí em São Paulo — é a única possibilidade de
trabalho que ainda resta." E pergunta sobre as possibilidades de "trabalho de massa" que haveria
em São Paulo, pois acreditava que nas condições em que estavam, reduzidos e sem recursos,
havia de ser muito difícil. O partido estava melhor servido nesse ponto, com mais gente e com mais
dinheiro. Os oposicionistas de São Paulo, acreditava Pedrosa, estavam com orientação certa, mas
ele temia que o partido, com os recursos de que dispunha, acabasse por vencê-los, com toda sorte
de manobras. Compartilhava das restrições sobre Plínio Melo, que, com a falta de linha que possuía
poderia se comprometer definitivamente. Por isso seria preciso que eles o obrigassem a se definir e
a se sujeitar completamente à linha da OE, do contrário não poderia se manifestar politicamente
como membro da oposição. O mais grave, entretanto, para Pedrosa, era o problema puramente
político da oposição, pois, com a defecção do GCL, tudo precisaria ser revisto. Seria preciso cuidar
de pontos essenciais da Oposição de Esquerda, de modo a repor o centro de gravidade político-
teórica do comunismo na escala internacional. Eram esses pontos: contra a ditadura democrática
de operários e camponeses, contra o socialismo em um país só, pela ditadura do proletariado, pela
revolução permanente, e contra uma política pura, provincianamente nacional, segundo os últimos
documentos de Trotski e do secretariado da oposição. Não seria possível mais tentar uma
organização política qualquer sem uma posição absolutamente inequívoca e clara nesse sentido.
Toda vez que tentaram dar ao grupo uma organização mais ampla, sacrificaram a questão
internacional — que para a oposição devia ser fundamental e preponderante, sobretudo quando os
problemas na Europa se agravavam, a situação na Alemanha se precipitava e na Rússia, com as
dificuldades econômicas, o regime plebiscitário se instalara definitivamente no partido e a destruição
física dos membros da oposição de esquerda tendia a se tornar um objetivo consciente de Stalin.
Entretanto, se não conseguissem novos elementos, qualquer trabalho deles seria antecipadamente
nulo, pois não podiam mais contar com os antigos elementos. Para "os camaradas que ainda
restam", Pedrosa envia um abraço, citando João Matheus, Déa, Pimenta e Plínio.505 Este último, de
Santos, a 15/7/30, escreve a Lívio, declarando-se da Oposição Comunista de Esquerda, que era
uma fração e não o partido, e que tinha a missão de conduzir o partido a uma linha justa. Diz ele ter
sido convidado para entrar no Grupo Comunista Lenine.506
Miguel de Macedo, por sua vez, manifestava-se contrário à oposição comunista na Rússia,
mas favorável à oposição comunista no Brasil, e bastante "acomodatício" para querer impor as suas
convicções stalinistas. Quanto ao Schmidt, estava trabalhando e tinha o seu "grupinho".507
Nos últimos meses de 30, a decisão de se mudar o centro político para São Paulo estava
tomada pelos opositores. No Rio, diz Pedrosa, as coisas acabariam em "nacionalismo histérico".
Rodolfo Coutinho estava completamente desanimado e os outros, "cretinos, uns, e os outros, no
mundo da lua, em plena seita". Brandão estava cada vez mais asceta, o Paulo (Lacerda),
"irremediavelmente o mesmo". Não se fazia nenhuma política de militante. Só de estudos teóricos,
revisão de pontos de vista, informações da situação internacional e nacional, etc., procurando
alguma homogeneidade ideológica, para então se entrar em comunicação com Trotski por
intermédio de Naville. A idéia dos oposicionistas do Rio era de se reunirem, esforçando-se para
estudar coletivamente o pensamento teórico e a análise dos fatos, dos pontos de vista mundial e
nacional. O Coutinho achava que as reuniões deveriam ser bem fechadas, só de elementos com

502
Carta de Mary a Lívio. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1930. Ms. FLBX..
503
Carta a Lívio. Rio de Janeiro, 25/11/30. Ms. FLBX.
504
Ms. FLBX.
505
Carta de Pedrosa a Lívio. Rio de Janeiro, 8/12/30. Ms. FLBX.
506
Carta a Lívio Xavier. FLBX .
507
Carta de Victor Azevedo Pinheiro a Lívio. São Paulo, 20/9/30. Ms. FLBX..
que se contavam absolutamente: ele, Antônio Bento, Pedrosa, o Salvio e irmão, o Azambuja talvez,
e o Silva, alfaiate. Pedrosa informa o nome de mais dois opositores: a Elsie Houston e o Benjamin
Pèret, além dos simpatizantes Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.508
A Oposição de Esquerda, obviamente, passou a se identificar perante os camaradas e a
firmar uma tática para com o partido, que não visava combatê-lo, mas reintegrá-lo na linha que se
traçou por ocasião da sua fundação, de modo que o seu "rótulo vermelho passasse a ser a
expressão revolucionária de uma realidade". Os opositores afirmam a sua qualidade de
comunistas, "apesar da burocracia oficial do partido que dia a dia vai esquecendo mais os princípios
e os dados fundamentais da atividade marxista revolucionária". Eram eles um núcleo
de resistência à "degenerescência burocrático-ideológica que infelizmente se vem alastrando
pouco a pouco por todo o organismo da Internacional".509
O quadro acima esclarece devidamente as razões que levaram o grupo dos “primeiros
trotskistas” à rota de colisão com o partido: razões predominantemente teóricas, mas também
ligadas à organização e tática partidárias.

2. Fundação e organização da Liga Comunista em São Paulo.

“Não constituímos outro partido comunista; somos a ala esquerda do PCB,


organizada fracionalmente como oposição à fração centrista que o dirige, e
temos como objetivo fundamental reconduzir o Partido à sua linha política de
classe. Estamos organizados em fração, não porque o queiramos, mas porque
a isto nos obrigou a política obscurantista, compressora e cisionista da direção
do Partido. A nossa política de fração, entretanto, não visa a outra coisa senão
a unidade do Partido na base de uma política justa, genuinamente proletária,
essencialmente revolucionária,
caracteristicamente internacional.”
(Carta da Liga Comunista à direção do PC sobre a questão
sindical. São Paulo, 6 de março de 1931. FLBX).

A 21 de janeiro de 1931 foi fundada a Liga Comunista em São Paulo, cidade que passou a
ser o centro de gravidade da política nacional depois dos acontecimentos de outubro de 30, que
derrubaram o governo Washington Luís e o PRP.
À assembléia de fundação compareceram nove camaradas: Leônidas (Aristides Lobo),
Camilo (Lívio Xavier), Silva (Plínio Gomes de Mello), José (João Matheus), Miguel (Mário Pedrosa),
Francisco (Victor de Azevedo Pinheiro), Jocelyn (João da Costa Pimenta), Inácio (Manuel Carreira
Medeiros) e Maurício (Benjamin Pèret). Todos antigos camaradas do partido, expulsos por delito de
opinião, com exceção de Víctor de Azevedo Pinheiro. Foi então estabelecida oficialmente a ligação
com o Secretariado Internacional da OIE, organizado em Paris.510 Sob codinome não decifrado,
abrigava-se o camarada "S.C.P.", que nunca militou na liga. Na primeira assembléia foi escolhida a
seguinte comissão executiva: secretário, Leônidas (Aristides Lobo); encarregado sindical, Jocelyn
(João da Costa Pimenta); agit-prop., Camilo (Lívio Xavier); tesoureiro, José (João Matheus);
adjunto, Silva (Plínio Melo). A indicação de Melo ficou, porém, condicionada a que prestasse uma
declaração pública condenando os erros políticos que cometera, antes da organização da LC.
Benjamin Pèret foi eleito para integrar a Comissão de Agitação e Propaganda.511

508
Carta de Pedrosa a Lívio. Rio, final de 30. Ms. FLBX.
509
A Luta de Classe, n.º 2, Ano I. Rio de Janeiro, junho de 1930.
510
RELATÓRIO APRESENTADO PELA COMISSÃO EXECUTIVA À PRIMEIRA CONFERÊNCIA
NACIONAL DA LIGA COMUNISTA. FLBX.
511
KAREPOVS, Dainis. Benjamin Péret: surrealismo e trotskismo no Brasil, in: LOUREIRO, Maria Isabel
et. Al. (org. Osvaldo Coggiola). Trotsky hoje. Cadernos Ensaio. São Paulo: Ensaio, 1994, v. 6, p. 220.
O nome da nova organização dos opositores de esquerda era "Liga Comunista do Brasil"
(Oposição Internacional de Esquerda), ou "Liga Comunista", seção brasileira da Oposição
Internacional de Esquerda512, definida como fração do PCB, segundo procedimento de todas as
seções da OIE. A Luta de Classe continuou a ser o órgão oficial dos opositores, que também
passaram a publicar o Boletim da Oposição.
A papeleta de adesão à Liga Comunista, filiada à Oposição Internacional de Esquerda,
comporta um compromisso que fala sobre os reais desígnios da dissidência: da reordenação do
Partido Comunista, à pureza teórica do marxismo revolucionário e à adesão incondicional ao
princípio internacionalista da Revolução:

"Declaro aceitar o programa e a tática da Liga Comunista (Oposição),


submetendo-me à disciplina revolucionária e lutando, por todos os meios ao
meu alcance, para que o Partido Comunista, restabelecida em suas fileiras a
liberdade de discussão e de crítica, receba novamente em seu seio todos os
verdadeiros comunistas expulsos pelos golpes de força da fração centrista.
Assumo o compromisso de orientar a minha atividade revolucionária de
acordo com os ensinamentos de Marx e de Lenin, consubstanciados nas
teses e resoluções dos quatro primeiros congressos da Internacional
Comunista. Reconhecendo a justeza do programa e da tática da Liga
Comunista (Oposição), comprometo-me a lutar até o fim, sem
desfalecimentos, pela vitória da Revolução Proletária Internacional no setor
brasileiro da luta de classes." 513

O compromisso era acompanhado por um "questionário", que além de dados pessoais, de


residência e de trabalho, interessava-se sobre a filiação a sindicatos, ao Partido Comunista
(indagando, obviamente, os motivos da saída ou expulsão do mesmo) ou a outras organizações
políticas. O questionário também se interessava pela instrução militar do novo membro, certamente
na perspectiva de uma revolução iminente. O documento deveria conter as assinaturas de quatro
secretários: do Grupo de Bairro ou de Empresa; do Comitê de Cidade; do Comitê de Região e do
Secretário da Comissão Executiva.514
Um folheto — A Oposição Comunista e as Calúnias da Burocracia — publicado no ano de
fundação da LC identifica questões fundamentais levantadas pela organização para os “operários
do PCB”: o seu caráter de fração; o repúdio à IV Internacional; a “lenda do trotskismo”; Luís Carlos
Prestes; o caso Plínio Melo; e a luta nos sindicatos.
Diz a publicação que a Liga Comunista, liderada internacionalmente por Trotski e Rakovski
— ambos deportados e perseguidos por defenderem a integridade dos princípios que, em 1917,
deram a vitória aos trabalhadores da Rússia — tinha um caráter bem definido de fração de
esquerda do partido, o que valia dizer: fração de esquerda da Internacional Comunista. Ao
reivindicar a liberdade de discussão nas fileiras do partido, a liga era, antes de tudo, o reflexo de
uma imposição histórica: a luta pela regeneração da ditadura do proletariado na URSS, cuja
estabilidade vinha sendo ameaçada pelo “perigo termidoriano”, e a continuação do processo
permanente e internacional da Revolução Proletária em todos os setores da luta de classes. O PCB
é criticado por obedecer cegamente às ordens da burocracia centrista da IC e por ter matado a
liberdade de discussão e de crítica nas fileiras revolucionárias, tornando impossível a existência de
uma disciplina no sentido bolchevista. O centrismo é definido como “uma política que balança entre
a social-democracia e o comunismo”, de responsabilidade de Stalin, acusado de seguir uma linha
política oportunista e reacionária.
Naquele momento histórico, os opositores prosseguiam considerando que, apesar de todos
os erros, a ditadura do proletariado continuava a existir na URSS e que a Internacional Comunista
ainda era o grande partido do proletariado universal. A Oposição de Esquerda afirmava-se como

512
Carta-circular do Secretário da CE da LC aos camaradas. São Paulo, 16/6/1932. FLBX.
513
Na papeleta a foice e o martelo entrelaçam-se com as iniciais da Liga Comunista, e há espaços
destinados à data da adesão e à assinatura do aderente. FLBX.
514
FLBX.
herdeira da obra e do pensamento de Lenin, sintetizados nos quatro primeiros congressos
comunistas.
No Brasil, a burocracia dirigente havia estabelecido uma confusão entre a oposição de
1928, surgida e sufocada no Rio, e a oposição de esquerda, como fração do partido. Como um
prolongamento de 1928, o PCB tentava fazer reviver o mal estar causado por erros táticos dos
oposicionistas de 28: pedido de demissão do partido, falta de uma plataforma definida, etc.
Como desvios do partido, no passado, os oposicionistas arrolavam: a idéia de fundação de
um kuomintang brasileiro; o acumpliciamento com Leônidas de Rezende na obra de confusionismo
de A Nação; a “incrível” caracterização dos movimentos de 1922-24 como “revolucionários-
democráticos, agrários, antiimperialistas”; a aliança política e ideológica com a pequena burguesia
dos quartéis; o incitamento a uma insurreição chefiada por Luís Carlos Prestes; o exclusivismo
eleitoral do BOC; o esfacelamento dos sindicatos. Naquele momento, a obra de divisionismo
sindical era “a última novidade do século” — a revolução agrária e anti-imperialista, em substituição
515
à Revolução Proletária.
A situação de Lobo relativamente a Prestes foi retomada, a fim de responder a uma das
circulares do PCB ( dirigida “às células ou à polícia”) que pretendia apresentar Aristides Lobo como
tendo chegado do estrangeiro a serviço de Luís Carlos Prestes. Lobo — diz o folheto — era um dos
mais antigos membros do PC, apesar de formalmente expulso por um golpe de força da burocracia
dirigente. Ele era um dos componentes da fração bolchevista-leninista, e estivera de fato, durante
alguns meses, trabalhando em Buenos Aires com Prestes. Retirou-se do país forçado pela polícia
carioca, que apreendeu, em casa de um dos homens da direção do partido, uma carta que Lobo
havia dirigido ao CC. Na capital portenha, Lobo não fizera senão o seu dever de militante
revolucionário. Os dirigentes do PC, porém, em suas circulares e publicações, insistiam em fazer
perguntas a respeito, formuladas “à maneira de vulgares desafios polêmicos, mas não escondendo
o seu verdadeiro sentido de provocação policial”.
Quanto a Prestes, a oposição não duvidava (“embora também não afirmasse”) que ele
poderia um dia ser um dos bons militantes do movimento operário, pois possuía qualidades:
sinceridade, perseverança na ação, prática, dedicação, coragem diante do perigo material. Mas
Prestes também era dotado de graves defeitos que o impediam de marchar para a frente: raciocínio
escolástico, insuficiência teórica, espírito unilateral e certa dose de misticismo. Por outro lado, a
burocracia precisava de Prestes para “justificar” a sua palavra de ordem: “Marchar separados,
lutando juntos.”
Depois de tecer comentários críticos pertinentes aos demais assuntos constantes do
“sumário”, o folheto concita os operários a reagir contra a “ridícula” proibição da leitura dos livros de
Trotski e das publicações da OE. O PC era um partido revolucionário do proletariado e não podia
ser transformado numa “espécie de igreja católica, onde a prepotência dos padres procura
esconder a verdade ao povo, por meio da barreira das excomunhões e dos castigos”. Os
camaradas do partido são concitados a lutar por uma política intransigente de classe do
proletariado, e a protestar contra todos os desvios da teoria revolucionária e contra as deturpações
do pensamento de Lenin. Deveriam, também, exigir o restabelecimento do direito de opinião e
516
reivindicar o reingresso dos bolchevistas excluídos das fileiras do partido.
Em 21/8/33 a OIE assumiu o nome de Liga Comunista Internacionalista (Bolcheviques-
Leninistas), levando a sua seção brasileira, alguns meses depois, a adotar a mesma denominação.
O jornal da liga A Luta de Classe perdurou como seu principal órgão de divulgação, mas outros três
passaram a ser publicados: O Comunista (editado pelo Comitê Regional do Rio), O Proletário (pelo
de São Paulo) e Pela Quarta Internacional, um boletim de informações internacionais. Existia ainda
o Boletim da Oposição, em princípio destinado a consumo interno da liga. Os trotskistas também
criaram um órgão específico para o combate ao fascismo, O Homem Livre.

3. Militantes e simpatizantes.

515
A Oposição Comunista e as calúnias da burocracia. São Paulo: Edições Luta de Classe, 1931, p.p. 13-
20. FLBX.
516
Loc. cit., p.p. 21-30.
Analisados, em linhas gerais, os motivos que levaram à organização da Oposição de
Esquerda Internacional, mantém-se o compromisso de estudar esse movimento em São Paulo, até
a repressão que se seguiu à Intentona de 35. Para tanto, apresenta-se o desafio preliminar de
identificar os oposicionistas de esquerda que militaram no Estado paulista, fundamentalmente em
sua capital. Como é sabido, muitos dos membros expulsos do partido eram chamados
indevidamente de "trotskistas", uma vez que o trotskismo passou a ser no imaginário comunista o
grande inimigo do PCB, substituindo o anarquismo.517 Portanto, a documentação produzida pelos
stalinistas não é confiável. Obviamente, as listas elaboradas pela polícia merecem crédito limitado
quanto à definição ideológica dos indivíduos que arrolam, pois, no caso específico dos dissidentes,
em geral os colocam na mesma categoria dos stalinistas. Por outro lado, os opositores adotaram
uma linha política fracionista — agindo, sempre que possível, no seio do partido — que os obrigou a
uma dupla camuflagem: para a repressão e para os stalinistas. Uma de suas estratégias era o uso
de pseudônimos, mudados ocasionalmente (quando "queimados" pela polícia), ou de simples
iniciais e prenomes, o que torna complexa a tarefa de identificar os aderentes da LC. Sobre os
pseudônimos, escreve Aristides a Lívio:

"Desejo saber o motivo por que eu 'identifico' a maioria deles. A simples


repetição não é motivo. E, principalmente quanto ao meu, porque o 'identifico'?
Quando ao emprego das assinaturas, farei a sua vontade, embora isso me
pareça excessivo. Sobre o pseudônimo do Poeta, que eu condenei, parece,
com argumentos, você diz apenas: 'Não me parece perigoso'. Diga-me uma
coisa: você fala do alto, camarada. 'É! 'Não é'. 'Não é porque não é.’ Isso,
porém, também não tem importância e eu prefiro 'entregar os pontos', pois já
estou a escutar, daqui, criaturas inocentes que dizem: ' É tal a mania dele
contra o Poeta , que até com o pseudônimo implica!' É lamentável. É
espantoso. Mas, é a verdade: há quem raciocina assim." 518

Os pseudônimos não eram de escolha individual, mas decididos pela organização. Quando
entendiam que a polícia já decifrara seus codinomes, os oposicionistas solicitavam um novo, como
fez Lobo — aproveitando para criticar o codinome que a liga acabara de atribuir a Melo:

"Que diríamos das intenções de um stalinista que adotasse como seu


pseudônimo, em documentos comprometedores, o nome de um dos nossos?
Quando o caso é de 'João', 'Pedro', 'Manuel' e outros nomes mais vulgares, a
coisa passa. O pseudônimo novo de Tapejara é, porém, um nome bem
conhecido e, no meio operário, inconfundível. Não acha?” 519

Para ilustrar, vejamos alguns pseudônimos e expressões designativas em uso entre os


trotskistas, que puderam ser resolvidos por meio da análise documental:

Pseudônimos usados por líderes da Oposição de Esquerda


Nomes Pseudônimos
Aristides da Silveira Lobo Aristeu, Leão, Leônidas, Antônio, Paulo de Oliveira, Fernando,
Gustavo
Ariston Russoliello Fraga, Alberto, Eduardo
Arlindo de Mello Baptista
Benjamin Pèret Maurício
Edmundo Moniz Ferrão

517
PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros. História e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, Fundação Roberto Marinho, 1995, p. 101.
518
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier, 21/1/32. FLBX.
519
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. (Botucatu), 6/1/32. FLBX.
Elsie Houston Madame
Febus Gikovate Andrade
Fernando Salvestro José, Frederico Schuman, Orlando, Lúcio, Fred, Fritz
Fúlvio Abramo Wlado, Eduardo, Roberto, Rinaldo, Britscher, Ricardo
Gofredo Rosini Djalma, Fonseca, Moraes, Almeida
Hilcar Leite Eloy, Lino, Fonseca, Moraes, Lúcia Moraes, Almeida, Calda,
Antônio da Silva Telles, Alexandre
João da Costa Pimenta Jorge, Jocelyn, Poivre
João Matheus José, Spártacus, Fritz, Prado, Frederico
José Neves Abaeté
Josephina Gomes Rota
Lívio Barreto Xavier Camilo, Lyon, Novelo
Manoel Medeiros Inácio, Goes
Mário Abramo Barros
Mário Colleone Martins
Mário Dupont Pedro
Mário Pedrosa Cunha, Miguel, Poeta do Rio, Silva, Aparício, Vidal, Georges,
Gonzaga, M. Camboa, Juliano
Mary Houston Condessa
Plínio Gomes de Melo Silva, Tapejara, Paulo Gomes, João Soares, Poeta de São Paulo,
Serrano
Salvador Pintaúde Sérgio
Victor de Azevedo Pinheiro Francisco, Alves

Os documentos demonstram que a LCI mantinha-se, principalmente, com fundos


arrecadados entre seus membros. Como uma das metas fundamentais da liga era a publicação de
livros, jornais, boletins, panfletos, que serviriam para a propaganda de suas posições teóricas e
táticas, os arquivos guardam diversas "listas de subscrição", documentos fundamentais para a
identificação dos "liguistas". Ainda existem listas destinadas ao "Socorro Proletário", antecessor do
"Socorro Vermelho", e que foi uma das iniciativas da Oposição de Esquerda.
O primeiro grupo dos membros da LCI sucede-se nas diversas listas de subscrição
guardadas no Fundo Lívio Xavier. Uma delas relaciona: Macedo (Miguel de), Nabor, Nelson,
Genolino, (Plínio) Salgado, Dantas, (Clóvis) de Gusmão, Paulo (de Lacerda), Mário (Pedrosa),
Itagiba, Jayme (Adour da Câmara), Coripheu (de Azevedo Marques), Victor (de Azevedo Pinheiro),
Duziu (?), Mário (Grazzini) e René. Desses, dez contribuíram com 10$000, e Mário Pedrosa, com
25$000. A lista não está datada, mas certamente é de 1931, pois nela figuram alguns indivíduos
que se desligaram posteriormente da Liga, como Plínio Salgado que realizou um giro de 360 graus,
fundando o Partido Integralista Brasileiro em outubro de 1932.520
Com a data de 4/3/31, dois meses, portanto, após a fundação da LCI, existem quatro listas
destinadas à edição de "um livro revolucionário", do qual seria distribuído um exemplar para cada
subscrevente. A "Lista n.º 1" foi assinada por Aristides Lobo, Coripheu de Azevedo Marques,
Benjamin Pèret e Elsie Houston, com 5$000 cada; Jayme Adour da Câmara e Galeão Coutinho
contribuíram com o dobro. Na "Lista n.º 2", que arrecadou um total de 127$200, figuram: Víctor de
Azevedo Pinheiro, Orlando Gomes, Maria Xavier, B. Nicolau, Sérgio Harris, Lambary (Júlio Correia
França), Miguel de Macedo, Nabor Caires Brito, Nestor Pereira Júnior, Indalécio Athayde, Pellegrino
Orcioli, Antônio Figueiredo, Mary Houston, Mário Pedrosa, João Della Déa, além de "um anônimo",
um "Ignotus", e mais três indivíduos cujos nomes não se podem ler. A "Lista n.º 3" conseguiu
10$000 de Arsênio Palácios, Della Déa e mais três pessoas com nomes ilegíveis.521 Datada de
31/8/31, surge a "Lista n.º 4", que arrecadou a quantia de 38$600 de 22 pessoas, desta vez
arroladas por iniciais e pseudônimos, demostrando que os aderentes da LCI tornavam-se mais
cautelosos. Ao todo, foram cinco listas (uma das quais não consta do arquivo) distribuídas a
520
FLBX.
521
FLBX.
Aristides Lobo, Jayme Adour da Câmara, Rodolpho Coutinho, João Matheus e Víctor de Azevedo
Pinheiro. No mesmo dia (31/8/31), foi feita uma subscrição para continuar a publicação de A Luta de
Classe e do Boletim da Oposição. Dessa campanha, que arrecadou 122$000, ficou a "Lista n.º 3",
da qual são signatários: Spartaco, José Mathias, Maria Cunha, I.C.D., "um comunista". Além dessas
contribuições extraordinárias, existiam as mensais dos aderentes, reunidos em grupos de bairros. O
Grupo de Bairro n.º 4 (GB 4) era composto por: "Ponta, Mosquito, Montarroyos, Tapejara, Felin,
Satan, Oniram e Ignacio".
Rachel de Queiroz e seu marido, José Auto Cruz de Oliveira, participaram da primeira fase
da LC, durante a qual Pedro de Barros Corrêa recebeu a incumbência de transmitir a ambos o
realismo revolucionário, principalmente quanto à vida do partido, sobre a qual eles ainda mantinham
"certas ilusões".522
Um balanço da liga, referente ao seu primeiro ano de vida, acusa a receita de 450$200,
provenientes de duas listas e de três folhetos (3$000). Essa receita é amplamente ultrapassada
pelas despesas: dois manifestos — A oposição comunista... (432$000) e Pela Assembléia
Constituinte (40$000); A Lucta de Classe n.º 1 (225$000); A Lucta de Classe n.º 2, (250$000);
Boletim da Oposição n.º 2 (120$000); fichas (70$000) e cola para os manifestos, clichê, carimbo,
duas brochas... Restavam os salários, pagos em 1931, para os camaradas Lívio Xavier "Lyon"
(550$000) e "Sérgio" (750$000), num rol em que aparecem também "Antônio" (Lobo), "Jorge"
(Pimenta), "José" (Matheus), "Tapejara" (Melo), "Francisco" (Pinheiro), "Pedro" (Dupont) e
"Maurício" (Pèret).
A combatividade dos opositores pode ser aquilatada por uma relação de 48 comunistas de
"maior evidência", preparada pelo Gabinete de Investigações de S. Paulo, dos quais foi possível
estabelecer a categorização política. Nela figuram 20 trotskistas — militantes ou simpatizantes —,
nove deles ocupando os primeiros lugares.

Comunistas em maior evidência do Estado de São Paulo


Nome Trotskista Comunista Anarquista Indefinido
Víctor Azevedo Pinheiro X
Aristides Lobo X
Mário Pedrosa X
Manoel Medeiros X
Plínio Mello X
Coripheu de Azevedo Marques X
Mário Grazzini X
Ramon Guerrero Simon X
Mário Dupont X
Domingos Trombelli X
Vicente Guerreiro (informante da polícia) X
Tarsila do Amaral X
Hygino Allonso Delgado (expulso) X
Manoel Vieira de Andrade X
Mary Houston X
Ignez Itkis X
José Ribeiro X
Álvaro Cunha X
João Menezes X
Oswald de Andrade X
Arlindo de Pinho "Pinheiro" (oposição) X
Oscar Rodrigues da Silva, "Marinheiro" X
Eulália Conceição X

522
Carta de Plínio Melo sob pseudônimo de "João Soares". São Paulo, 21/2/33. Prontuário de Plínio Gomes
de Melo, n.º 385, doc. n.º 44. FLBX.
Germano Costa X
Vicente da Costa e Silva ou Roberto X
Morena
Livio Xavier X
José Villar Filho X
José Herrera (agitador) X
Jonas Jakubika Filho X
Galeão Coutinho X
Feliciano dos Santos X
Augusto Pizzuti X
Irmãos Anastacio X
Elias Garcia Sanchez X
Patrícia Galvão, "Pagu" X
Cid Franco X
João Matheus X
Josias Martinho X
Próspero Attaiani X
Regino Garcia X
Luiz de Oliveira X
Vicente Cutieri X
Bixio Piccioti X
João da Costa Pimenta X
Júlio Silva X
Juvenal Soares X
Pedro Jukas X
Mário Rodrigues, "Padre" X
523
Total 22 10 3 13

Para a elaboração das identidades “partidárias” das pessoas relacionadas na tabela acima,
considerei como trotskistas os militantes e simpatizantes da Liga Comunista, por princípio saídos do
PCB em épocas diversas. A polícia englobava stalinistas e trotskistas numa única corrente, como
vemos no quadro abaixo, elaborado a partir de um elenco de 56 nomes selecionados pela Ordem
Política e Social:

Lista de elementos do PC e de amigos dos bolchevistas524


Brasileiro Ital. Lituano Judeu Esp. Português Húng. Total
Comunista 16 5 5 2 - 2 1 31
Anarquista 5 4 - - 3 - - 12
Anarco- 1 - - - - - - 1
sindicalista
Socialista 2 1 - - - - - 3
Socialista 6 1 - 1 - - - 8
revoluc.
Extremista 1 - - - - - - 1
Total 31 11 5 3 3 2 1 56

523
"Relação parcial dos comunistas em maior evidência". Gabinete de Investigações de São Paulo. In:
Prontuário do Partido Comunista do Brasil, n.º 2.431, v. 5, f. 34, doc. n.º 460. DEOPS.
524
Relação não datada, mas possivelmente de 1934. In: Prontuário de Domingos Trombelli ou Taveira, n.º
1.253. DEOPS/SP.
O Fundo Lívio Barreto Xavier guarda balanços numéricos de 51 aderentes da liga,
identificados por iniciais:

ADERENTES DA LC DO BRASIL (OIE). SEÇÃO DE SÃO PAULO


Iniciais Identificação Data de ingresso Profissão
J. M. João Matheus 21-1-31 Gráfico
M. P. Mário Pedrosa 21-1-31 Gráfico
A . L. Aristides Lobo 21-1-31 Comerciário
V. A . P. Victor Azevedo Pinheiro 21-1-31 Gráfico
P. M. Plínio Mello 21-1-31 Gráfico
J. C. P. João da Costa Pimenta 21-1-31 Gráfico (irradiado - 28-11-32)
L. B. X. Lívio Barreto Xavier 21-1-31 Gráfico (ativo)
B. P. Benjamin Péret 21-1-31 Gráfico
V. M. ? 2-3-31 Motorista
L. T. L. ? 2-3-31 Motorista
M. M. Manoel Medeiros 5-4-31 Gráfico
A. A. R. Antônio Araújo Ribeiro 10-4-31 Comerciário
E. F. ? 12-4-31 Motorista
S. O. ? 14-4-31 Motorista
R. V. A. ? 14-4-31 Motorista
S. L. ? 15-4-31 Motorista
L. R. Luciano Raguna 1-6-31 Gráfico
G. M. Gastão Massari 8-8-31 Gráfico
M. D. Mário Dupont 8-8-31 Gráfico
A. L. T. Antônio Luís Ferreira 8-8-31 Gráfico
G. A. S. ? 8-8-31 Ferroviário
A. C. N. Abílio de Castro Novaes 13-8-31 Ferroviário
A. C. Antônio Cimatti 14-8-31 Alfaiate
A. L. M. ? 13-8-31 Ferroviário
O. M. Oswaldo Möles 27-3-32 Comerciário
M. A. Manoel Aristides 4-7-32 Gráfico
L. R. ? 1-1-33 Pedreiro
N. R. ? 12-1-11 Gráfico
A. M. Antônio Masek 12-1-33 Sapateiro
A. .P Antônio Piccarollo 5-3-33 Comerciário
Ilegível Em branco Em branco

ADERENTES DA LC DO BRASIL (OIE). SEÇÃO DO RIO DE JANEIRO


Iniciais Identificação Data de ingresso Profissão
O. D. P. G. Octaviano Du Pin Galvão 24-4-31 Advogado (excluído)
J. C. L. José Caldeira Leal 24-4-31 Gráfico
J. S. ? 24-4-31 Sapateiro
W. E. A. Wenceslau Escobar Azambuja 24-4-31 Advogado
E. M. Edmundo Moniz 24-4-31 Professor
R. C. Rodolfo Coutinho 24-4-31 Professor
L. T. D. P. ? 24-4-31 Gráfico
A. B. Antônio Bento 19-8-31 Gráfico
C. M. J. ? 19-8-31 Gráfico
C. L. ? 1-10-31 Jornalista
H. L. Hílcar Leite 1-10-31 Gráfico
A. M. ? 8-10-31 Jornalista
Ilegível ? ?-?-32 Professor
Ilegível ? ?-?-32 Comerciário
S. C. P. ? 21-1-31 Comerciário. Nunca
Afastado exerceu atividade
O. L. ? ? Comerciário. Demitiu-
se
Ilegível ? 2-3-32 Em branco.
Ilegível ? 2-3-32 Em branco.

A maioria dos camaradas acima não pôde ser identificada, pois as iniciais dos nomes
encontram-se riscadas e as letras muito apagadas. É bom lembrar, ademais, que bom número de
"subversivos" não chegava a ser prontuariado, pois era formado pelo pessoal de base, com pouca
representatividade política. Outros, por simpatizantes ou efemeridade na militância, não chegaram a
ser categorizados como aderentes da liga. Alguns nomes, por fim, aparecem esporadicamente nos
arquivos, como o de Paschoal Moretto, apresentado por Mário Dupont a Aristides Lobo (secretário-
geral da liga), em 24/5/1931, como um "novo companheiro".525 Também fizeram parte da OE, como
aderentes ou simpatizantes Raul Bopp, Ismael Nery, Pedro de Araújo Lima, Cid Franco. Hilcar Leite,
em depoimento prestado em janeiro/fevereiro de 1984 a um grupo de pesquisadores, fala da
existência de “elementos ultra-secretos, como o Nelson Veloso Borges, cunhado do Mário
Pedrosa”, um médico que servia como elemento de ligação da liga e ajudava financeiramente os
seus aderentes.526
No ano de sua fundação, a liga recebeu Fúlvio Abramo e Hilcar Leite, que se tornaram, em
finais de 35, os seus dirigentes. Seguindo o irmão, participaram da oposição Mário, Perseu e Lélia
Abramo.
O prestígio de algumas das lideranças da LC atraía para as cercanias da agremiação
grupos importantes de intelectuais e operários — estes últimos cooptados pela importância que
tinham os opositores nos meios sindicais de São Paulo. Paulo Américo Sesti, que foi presidente do
sindicato dos contadores, e seu irmão, o metalúrgico Clodomiro Sesti, eram “obedientes à corrente
trotskista”. 527
As dificuldades para a identificação dos quadros da LCI são imensas. Robert Alexander
sucumbiu a elas ao considerar que “João Matheus” era um simples pseudônimo e não o nome de
um dos principais quadros da liga. Diz ele:

“Os trotskistas sofreram muitos ataques de seus antigos colegas


comunistas. Anos mais tarde, um desses antigos trotskistas, escrevendo sob o
pseudônimo de João Matheus, comentou essa perseguição: ‘Esta luta exigiu
sacrifícios pessoais, firmeza ideológica e coragem física face às calúnias,
provocações e métodos fascistas de violência praticados pela burocracia
stalinista, tanto nas praças públicas como nas prisões’.“ 528

O jornalista Coripheu de Azevedo Marques foi um dos primeiros aderentes da liga. Desde
1921, em Santos, compelia os trabalhadores à greve, distribuía boletins e concitava o proletariado
contra o governo. Mais tarde, com Aristides Lobo, orientava partidários do PC para infiltração no
meio do operariado. Em 1931 foi expulso do PC529 e passou a figurar nas listas da Liga Comunista.

525
FLBX .
526
GOMES, Angela de Castro (coordenadora). Velhos militantes. Depoimentos de Elvira Boni, João Lopes,
Eduardo Xavier, Hilcar Leite. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, p. 186.
527
Prontuário de Clodomiro Sesti, n.º 183. DEOPS/SP.
528
Alexander cita o Vanguarda Socialista, Rio de Janeiro, 26/10/45. In: Trotskysm in Latin America.
Stanford, Hoover Institution Press, 1973, p. 75,
529
Prontuário de Coripheu de Azevedo Marques, n.º 52. DEOPS/SP.
A sua ficha policial registra que em 24/2/31 falara em reunião da Associação Amigos da Rússia,
fundada por Aristides Lobo, à qual aderira. Esse ato deve ter resultado em sua expulsão do partido,
pois, em 28/5/31 Coripheu foi preso por ter provocado grande agitação entre os elementos do
Bureau Regional do PC, do qual era secretário, e em 1/8/31 foi detido com Aristides Lobo e Paulo
de Lacerda, no Largo da Concórdia.530 As relações perigosas de Coripheu continuam a demonstrar
que ele aderira aos oposicionistas de esquerda em São Paulo. Assim, em 17/8/31, esteve como
representante da Federação Sindical Regional — dominada por trotskistas e anarquistas — num
comício frustrado pela polícia, em São Bernardo.531
Em sua passagem do stalinismo ao trotskismo, Coripheu mudara aparência e hábitos,
segundo os seus colegas de trabalho, "como que sofrendo uma transformação": usava cavanhaque
e levava uma vida "algo misteriosa".532 Azevedo Marques parece que gozava de algum prestígio
junto ao delegado Raphael Corrêa de Oliveira, pois procurou-o para tratar da liberdade de João da
Costa Pimenta. Esse delegado era acusado por colegas de manter "intimidade" com alguns chefes
do movimento comunista em São Paulo. Assim, Azevedo Marques estaria informado das prisões a
serem efetuadas de 12 comunistas, por intermédio de Jayme Adour da Câmara, que obtivera a lista
de uma pessoa da Ordem Social.533
` Afonso Schmidt estava em situação parecida. Do meio sindical santista, assim como
Azevedo Marques e Plínio Mello, atuou na greve das Docas de janeiro de 1921. Anotação em seu
prontuário, datada de 13/2/31, conta que, com Aristides Lobo, orientava partidários do PC para
infiltração dos mesmos nos meios operários, criticando a ação da Federação Operária. Em 4/3/31,
Afonso Schmidt foi registrado como um dos mais destacados elementos de oposição ao Partido
Comunista, e que procurava divulgar erros da diretoria do partido. Constava, nos meios comunistas,
que fora expulso do partido por ter obedecido às ordens emanadas do capitão Prestes, e
desobedecido às palavras de ordem do partido. Participava do Comitê Antiguerreiro, de iniciativa
oposicionista, juntamente com Ribas Marinho e Ayres Torres, além de outros intelectuais.534
As notícias "reservadas", da lavra de agentes infiltrados, citam como membros da liga:
Antônio Mendes de Almeida, Henrique Cowre, Ramon Guerrero, João Matheus, Plínio Melo, Víctor
Azevedo, o gráfico Videiras, o tecelão Herrera, Manoel Ribeiro, Mário Dupont, João Menezes e o
chauffeur Henrique de Tal"535. Lélia Abramo recorda-se também de José Cardoso de Macedo
536
Soares como aderente da liga.
O ano de 1931 registrou o maior número de adesões à LC (78,72%), explicável pelos
expurgos que o PCB praticou nesse e no ano anterior. O levantamento das datas deixa ver a
dinâmica da organização na sua política básica de conseguir aderentes, demonstrando claramente
que o grande risco que os oposicionistas representaram para o partido concentrou-se no primeiro
ano de vida da Oposição de Esquerda.
Em agosto de 1931, sete novos membros assinaram papeleta de adesão, mas a CE da
liga reconheceu que o desejo de ver a organização crescer levou-a a facilitar demais o
recrutamento. O resultado foi que a maioria dos novos aderentes, sem uma perfeita consciência do
papel da fração oposicionista, não pôde demorar-se dentro da LC, por falta de qualquer senso
organizatório ou por ausência da educação política necessária a um militante da Oposição de
Esquerda537. Na tentativa de evitar esses problemas, a liga estabelecia para os simpatizantes um
538
estágio probatório de cerca de cinco anos de militância concreta, antes da admissão definitiva.

530
Prontuário n.º 37, doc. n.º 23. DEOPS/SP.
531
Prontuário de Coripheu de Azevedo Marques, n.º 880, f. 26.
532
Informação de "F-6"ao delegado de Ordem Social. São Paulo, 18/4/31. Prontuário n.º 880. DEOPS/SP.
533
Informe reservado de Antônio Ghioffi à Delegacia de Ordem Social. São Paulo, 7/4/31. Prontuário n.º
880. DEOPS/SP.
534
Prontuário de Afonso Schmidt, n.º 11. DEOPS/SP.
535
Carta de Antônio Ghioffi ao delegado da Ordem Social. São Paulo, 28/5/31. Prontuário da Federação
Sindical Regional de São Paulo ou Federação Regional Sindical, n.º 880, v. 1. DEOPS/SP.
536
Vida e Arte. Memórias de Lélia Abramo. São Paulo: Edit. Fundação Perseu Abramo/Edit. da
UNICAMP, 1997, p. 35.
537
"Relatório apresentado pela Comissão Executiva à Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista".
FLBX .
538
ABRAMO, Lélia. Op. cit., p. 59.
O ano de 32, com as suas seis adesões, espelha a perda de força da liga, ainda mais
quando se considera que 22 dos primeiros aderentes estavam fora de atividade, conforme
observação manuscrita do documento que serve de base à análise presente. A grande repressão
que se seguiu à Revolução Constitucionalista terá sido óbice insustentável para o pequeno grupo
de revolucionários que se abrigou na seção paulista da Oposição de Esquerda.

Datas de ingresso na LC
Data das adesões Quantidade de adesões
21/1/1931 9
2/3/31 2
5/4/31 1
10/4/31 1
12/4/31 1
14/4/31 2
15/4/31 1
24/4/31 7
1/6/31 1
8/8/31 4
13/8/31 2
14/8/31 1
19/8/31 2
1/10/31 2
8/10/31 1
Total de 1931 37
2/3/32 2
27/3/32 1
4/7/32 1
?/?/32 2
Total de 1932 6
1/1/33 1
12/1/33 2
5/3/33 1
Total de 1933 4
Indefinidos 2
Total geral 49

A ação sindical dos "liguistas" no sindicato dos gráficos (que englobava os jornalistas), dos
comerciários (do qual Aristides Lobo era secretário) e dos motoristas — todos sob influência
trotskista — explica a existência de vários profissionais dessas categorias. Existem dois quadros-
resumo dessa lista para indicar profissões, para militantes de São Paulo e do Rio de Janeiro,
respectivamente:

Profissões dos aderentes da LC


Profissões São Paulo Rio de Janeiro Totais
Gráficos 14 7 21
Jornalistas - 2 2
Comerciários 4 3 7
Motoristas 6 - 6
Ferroviários 3 - 3
Alfaiate 1 - 1
Pedreiro 1 - 1
Sapateiro 1 1 2
Professores - 3 3
Totais 30 16 46

Para finalizar, um terceiro quadro dá conta da grande sangria sofrida pelos trotskistas até o
ano de 1933:

Dinâmica da LC
Ocorrências Rio São Paulo Total
Admissões 16 35 51
Transferências 1 3 4
Licenças 1 5 6
Pedidos de 2 1 3
demissão
Suspensões 4 1 5
Exclusões 2 - 2
Irradiações 3 14 17
Ativos 4 12 16
Semi-ativos 2 3 5
Inativos 3 2 5
Capitulações - 3 3
Deportações 2 2 4
Prisões 7 34 41

Portanto, dos 35 aderentes paulistas, restava apenas um fora da prisão, desta vez fácil de
identificar: Lívio Barreto Xavier, o autor do levantamento sobre a situação da Liga Comunista, em
março de 1933.
Muitos jornalistas aderiram à Oposição de Esquerda em São Paulo. A Imprensa Oficial
abrigou 13 deles, como João da Costa Pimenta, João Della Déa, Oscar Villa Bella, Odilon Negrão.
Goffredo Rossini, jornalista italiano do Diário de S. Paulo, Santarelli, também jornalista, e José
Neves, professor e jornalista, pertenciam igualmente à liga.
No campo editorial, além de Salvador Pintaúde estava o editor italiano Pasquale
Petraccone, que a polícia registra como representante da IV Internacional e distribuidor do dinheiro
do Socorro Vermelho. Ligava-se a Aristides Lobo, Victor de Azevedo Pinheiro e outros comunistas.
Petraccone estava fichado no "Dopolavoro"539, indicando a provável raiz fascista de sua militância
política.
Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Aristides Lobo, Víctor de Azevedo Pinheiro e João Matheus
formavam o grupo de intelectuais mais coeso e de maior duração da liga. Todos eram jornalistas,
escritores, tradutores. No capítulo das prisões, Lívio Xavier usufruía da posição privilegiada dos
bacharéis em direito, o que ajudaria a explicar o fato de nunca ter sido preso, embora detido para
averiguações e prontuariado. Os irmãos de Lívio, Mário Barreto Xavier e Berenice Barreto
integraram a liga, assim como Jayme Adour da Câmara, Antônio Mendes de Almeida e os
advogados Nabor Caires Brito e Miguel de Macedo.
Afonso Schmidt era mais um intelectual que participou da Oposição de Esquerda em São
Paulo. Suas atividades eram numerosas, mas, em geral, tinham características semelhantes
àquelas desenvolvidas pelos intelectuais do grupo. Assim, em 14/3/31, com Ribas Marinho, Ayres
Torres e outros procurava continuar com a sua militância no campo intelectual, em virtude de o
Comitê Antiguerreiro estar sendo combatido pela polícia, cuidando do Congresso de Sociologia. Um

539
Prontuário de Pasquale Petraccone, n.º 5.252. DEOPS/SP.
mês depois, recebeu do “Estabelecimento Gráphico S. Paulo" 2.000 exemplares de um folheto
intitulado: "Carta aberta aos operários e camponeses dos países capitalistas". Em 26/11/31,
publicou Conto de Natal (Para adormecer meninos sem pão), no Correio da Tarde.540
Os intercâmbios comuns entre intelectuais de esquerda acabavam por criar simpatizantes
da liga, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Osório César, Tarsila do Amaral, Patrícia
Galvão. Simpatizantes, em geral, que se moviam nas fronteiras do Partido, adernando para a liga
nos momentos em que ocorriam expulsões — próprias ou de companheiros. Simpatizantes que não
ficavam simplesmente assistindo à luta encetada por amigos, mas que participavam ativamente
dessa luta, organizando subgrupos. Por exemplo, um informe reservado dá conta de que Pagu e
Oswald de Andrade estavam em atividade, recebendo várias pessoas em suas residências.541
Na liga, ou em suas circunvizinhanças, movimentavam-se Pedro Catallo, Pedro Costa,
Pedro de Gusmão, Pedro Ernesto, Pedro Martins, Rafael Sampaio Filho, Ramon Guerrero Simon, o
lituano Zelmanas Cerniauskas, João Gerulaite. E ainda outros.

4. As duas primeiras fases da Liga Comunista (janeiro de 1931 a julho de 1932) : táticas de
luta e palavras de ordem.

A Comissão Executiva da LC destacou, em 1932, a existência de duas fases distintas da


organização: a primeira, desde a fundação da LC até aproximadamente setembro de 1931, e a
segunda, de fins de 1931 a julho de 1932. Após a atividade quase exclusiva de agitação que
conheceu a LC nos primeiros tempos, sucedeu-se uma atividade mais interna, organizatória, que foi
dos fins de 1931 a meados de 1932, isto é, até o movimento constitucionalista de São Paulo.
Segundo os "liguistas", isso fora uma reação natural ao exagero com que nos primeiros tempos
foram arrastados a uma ação de quase exclusiva agitação, sem uma base organizatória séria e que
estava visivelmente acima das forças da organização. Por isso, tinham sido pegos facilmente pela
repressão e passado por uma crise profunda antes de terem adotado a ilegalidade completa. 542
De setembro de 1931 a julho de 1932, os aderentes da Liga enfrentaram duríssima
reação: vigilância contínua policial, prisões, extradições, vida em esconderijos... As comprovações
dessa vida — eternamente em perigo — são numerosas. Os camaradas estavam dispersos. Era
preciso reorganizar a liga. Esse é o teor do apelo de Pedrosa a Lobo, então refugiado em Bariri:

“Você já poderia vir, e está causando muita falta, nesta fase de


reorganização, em que temos de fazer o balanço de toda a nossa atividade,
examinarmos os erros cometidos e em que precisamos fazer um tournant,
conseqüente com a nossa própria experiência e a das seções internacionais
da Oposição. Além disso , você é o homem que mais inspira confiança aos
nossos ainda inexperientes e deseducados operários de base. Felizmente o
Gabriel voltou agora à atividade (...) Do Rio é que quase ainda não temos
notícia. Temos feito diversas tentativas de reatar as ligações, mas até agora
sem resultado, pois os velhos endereços estão inutilizados. O Poeta (Melo) a
estas horas está em caminho da terra. (...) E a sua tese? Precisamos estudar
bem o nosso caráter de fração e procurar realizar a cousa concretamente, o
que por isso ou por aquilo não temos podido ou sabido fazer até aqui.”

540
Ficha policial de Afonso Schimidt. Prontuário n.º 11. DEOPS/SP.
541
São Paulo, 28/3/33. Prontuário de Patrícia Galvão, n.º 1.053, doc. 6, f. 6. DEOPS/SP.
542
Doc. cit.
Pedrosa tentava “reorganizar a cousa”. Os grupos iam aos poucos se reunindo. A
discussão sobre a Constituinte ia alimentando a vida ideológica da organização. O Boletim deveria
sair para alargar e coordenar a discussão. O primeiro número traria “um formidável artigo”, em
forma de teses, de Trotski, sobre a situação política mundial. Ou o centrismo tomaria a atitude
conveniente, revolucionária em face da situação alemã, ou seria a capitulação final, como a da
social-democracia, em agosto de 1914. Chegara o momento em que o centrismo não poderia mais
tapear: se não se transformasse, desapareceria como fator revolucionário e como linha
independente, no movimento internacional.543
A correspondência profusa trocada entre os oposicionistas — separados por viagens de
proselitismo ou de fuga — compõem o panorama de sua militância.
Lobo acusa Xavier de estar atacado da “moralina pequeno-burguesa”, ao não desejar um
editor burguês para o “projeto de L.D.T “. Esquecia-se Xavier do serviço inestimável que prestaria à
liga, mesmo a mais podre das editoras burguesas, editando uma obra revolucionária. E se tratava,
no caso, de uma obra revolucionária de interesse excepcional para os trotskistas que não tinham,
naquele momento, a possibilidade de divulgar a obra por meios próprios. Foi para garantir a
divulgação urgente do projeto de L.D.T., que Lobo o enviara diretamente à Unitas. Não consultara a
organização para enviá-lo, desprezando um formalismo estúpido, como Xavier o desprezara ao
retirá-lo. Lobo critica Xavier por este dizer que “as teses seriam primeiro discutidas e aprovadas na
Conferência”, acrescentando que, “em todo caso, ele submeteria a questão à CE”. Diz Lobo:

“‘Em todo caso'! Mas, então, não é preciso esse trabalho Já está resolvido.
'Serão primeiro discutidas e aprovadas na Conferência'. (...) Não parece claro
que, como uma imitação grosseira e ridícula, talvez consciente, do que se
passou na URSS, já se vai formando em São Paulo uma troika que,
'superiormente', decide sozinha de todas as questões, sem discutir os
argumentos dos demais camaradas, passando pedantescamente por cima
deles? Eu não quero insistir. Tenho motivos bastantes para estar convencido
de que a questão se resolverá conforme à vontade e ao gosto dessa
'troika'.”544

Em razão da absoluta ilegalidade de Lobo, a Secretaria-Geral da LCI estava sendo exercida


por Plínio Melo, juntamente com Xavier e Pedrosa — a “troika” da referência acima.
Em reunião realizada em 30/4/32, Lobo e Matheus expuseram os motivos pelos quais não
se havia realizado a última reunião do grupo. No dia determinado, os dois compareceram ao local
combinado, onde encontraram Xavier com dois outros camaradas da liga, um operário do partido e
o “cabo” stalinista “Machado”, que se pôs em fuga. Matheus procurara persuadir “Machado” da
conveniência para os operários de uma discussão franca. O stalinista desculpou-se e se retirou.
Matheus e Lobo aproveitaram então a reunião convocada pelo stalinista para explicar aos operários
o seu dever. Na mesma reunião, “Tigre” denunciou Melo como responsável por ensaios de
capitulação diante de stalinistas. Melo pregava a reconciliação formal da oposição com o partido,
sem demonstrar claramente a barreira que separava os oposicionistas de esquerda dos stalinistas
dirigentes. Nesse momento, Lobo aparteou “Tigre”, pedindo-lhe para dizer, com toda a franqueza,
se nas declarações que fazia existia alguma coisa que ele lhe tivesse dito em qualquer época,
justificando o seu pedido com a alegação de que existiam camaradas que o acusavam de fazer
“demagogia” junto aos operários da base, influenciando fortemente alguns. “Tigre” confirmou a
alegação de Lobo e protestou contra as insinuações que nesse sentido já lhe tinham sido feitas por
Xavier e Melo. Suas declarações sobre o último resultavam de um fato assistido por ele e por outros
operários da organização.
A liga atuava com cautela quanto à presença de seus aderentes mais visados pela polícia
nos comícios. Para tanto, resolveu que no comício de 1.º de maio, Lobo deveria ficar nas
545
imediações, só aparecendo claramente se se tornasse necessário.

543
São Paulo, 6/1/32. FLBX. Ms.
544
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 21/1/32. FLBX. Ms.
545
Reunião do GB 2, de 30/4/32. FLBX.
João Matheus escreveu do Rio a Lívio Xavier, em 26/5/32, informando estar de volta ao
Brasil. Ele desembarcara calmamente, usando os mesmos meios empregados por V. e M. (Victor
Pinheiro e Manoel Medeiros). Em Montevidéu, Matheus diz ter deixado algumas ligações para
mandar material da oposição.546
O trabalho organizatório adaptava-se às circunstâncias. A CE, em reunião de 5/6/32,
decidiu reorganizar os grupos de bairro, dividindo e aproveitando em novos núcleos celulares os
elementos do GB2. Para esta tarefa, Lobo foi autorizado a entrar em entendimento com os
camaradas, a marcar prazos para as reuniões, etc., agindo em tudo com plenos poderes da CE.547
Da mesma época, um memorandum anuncia que Melo fora designado para reunir os
núcleos dos gráficos e dos chauffeurs. O mesmo documento registra que seis novos aderentes
tinham sido convidados a participar de uma reunião a realizar-se no dia 17, e aos camaradas do Rio
fora solicitado que enviassem o resultado de suas discussões à reunião do dia 26.548
No dia 23 de junho do mesmo ano, o secretário-geral da CE remeteu circular aos
camaradas sobre a situação do GB2, pelo afastamento voluntário do cargo de secretário, do
camarada “Fritz” (Matheus), convocando uma reunião, sob a responsabilidade do camarada “Inácio”
(Medeiros).549
Uma das principais preocupações dos trotskistas era assegurar a presença dos aderentes
às reuniões. Dois dias antes da eclosão da Revolução Constitucionalista, foi passada uma circular
aos camaradas do Grupo de Bairro n.º 1 (GB1), do qual era secretário “Guido”. Como comunistas e
aderentes da Oposição de Esquerda, o dever fundamental de cada camarada era ser um militante
ativo. E a sua tarefa mais elementar era comparecer a todas as reuniões do grupo em que estava
inscrito. A próxima reunião do GB1 seria no dia 10, domingo, às três horas da tarde, em casa de
“Spártacus” (Matheus). Nessa reunião seria iniciada a discussão das teses sobre a questão sindical,
pois os trotskistas precisavam realizar logo a sua primeira Conferência Nacional, base de todo o seu
trabalho.550
A compreensão da "primeira fase" da Liga Comunista é decisiva para o entendimento de
suas ações futuras. É um período que conta com o depoimento precioso das atas que se
conservaram em mãos do arquivista da liga, Lívio Barreto Xavier, e que constitui documentação
ímpar sobre a história dos movimentos de esquerda em São Paulo, no ponto de vista da Oposição
de Esquerda. Documentos os mais diversos e em grande número descrevem os primeiros tempos
da liga, analisando as posições que assumiu referentemente à palavra de ordem de Assembléia
Constituinte, à questão sindical, à organização interna e à sua política de publicações, posições
sempre postas em contraste com a linha seguida pelo partido.
A estratégia de luta da liga para se identificar como fração do partido e para se afirmar
como a "via justa" da revolução proletária se explicita em numerosas resoluções.
Para conquistar o apoio e a simpatia das massas e apoiados em Moléstia Infantil, de Lenin,
os opositores aprovaram resolução pela qual deveriam "suportar todos os sacrifícios, vencer os
maiores obstáculos, para fazer a propaganda e a agitação, sistematicamente, tenazmente,
constantemente, pacientemente, em todas as instituições, ligas, uniões, por mais reacionárias que
sejam, onde se encontram massas proletárias ou semi-proletárias". Não se deveria ter medo das
dificuldades, das intrigas, das ciladas, dos insultos e das perseguições dos "chefes", os quais,
"como oportunistas e social-patriotas, estariam quase sempre ligados, direta ou indiretamente, com
a burguesia e com a polícia".551 A aplicação dessa tática explica a visibilidade exacerbada que a
oposição assumiu em São Paulo, acarretando prisões constantes de seus militantes.
Em relação à fração dirigente do partido, a tática era de combate intenso, mas realizado
intramuros, a fim de não comprometer a luta revolucionária. A idéia era a de cooptar as bases para
o lado da Oposição de Esquerda. Para tanto, foi fundado um clube, como uma instituição avançada,
formalmente de caráter esportivo e recreativo, mas na realidade destinado a agremiar "os
proletários e semi-proletários de um mesmo idioma que aceitam ou simpatizam com a idéia da

546
FLBX.
547
“Francisco” (Pinheiro), pela CE, aos camaradas do GB. 2. FLBX.
548
FLBX.
549
FLBX.
550
São Paulo, 7/7/32. (a) Aristides Lobo, secretário, pela CE. FLBX.
551
"Resolução" de autoria de Aristides Lobo, f. 1. FLBX. Ms.
Revolução". Esse clube apresentou resultados num curto período, conseguindo influenciar "cerca
de sessenta proletários e pequenos burgueses revolucionários". Nesse clube, os oposicionistas
passaram a ser atacados pela direção do partido, que visava, pelo "amedrontamento", forçá-los a
uma cisão. A liga resolveu, então, que os camaradas simpatizantes deveriam continuar no clube e
lançar um manifesto enérgico contra a direção, "desmascarando os seus processos, narrando as
suas violências, denunciando os seus crimes", mas, como medida de prudência em relação à
polícia, no manifesto não se falaria em divergências políticas nem se usaria de termos que
revelassem publicamente ser a existência das divergências o motivo do conflito. Ao mesmo tempo,
a liga considerou que não existia vantagem, do ponto de vista político, na permanência de seus
simpatizantes, em minoria, na direção do clube, propondo que se demitissem e apresentassem
chapas quando houvesse eleições, formadas exclusivamente deles, simpatizantes, e de neutros.
Para o caso de tarefas indicadas pela direção adversária, que fossem do interesse do clube em seu
conjunto, os simpatizantes da liga deveriam procurar destacar-se pelo trabalho positivo, pois essa
atitude desinteressada serviria para aumentar o seu prestígio junto aos camaradas.552
Por outro lado, a liga opunha-se ao que chamava de "oportunismo larvado e sinal de
fraqueza ideológica" da direção do partido: traçar uma tática política baseada unicamente no
sentimento revolucionário, numa impaciência "incontida de ação pseudo-revolucionária". Era
preciso, dizia a liga, saber ser revolucionário quando a revolução não "permitia ainda a ação direta,
franca, a verdadeira luta de massa, a luta verdadeiramente revolucionária". E, então, saber defender
os interesses da revolução, pela propaganda, pela agitação, pela organização, numa atmosfera
não-revolucionária, no seio de massas incapazes de compreender imediatamente a necessidade de
um método de ação revolucionário. A direção comunista era acusada, pela liga, de
irresponsabilidade ao arrastar militantes ainda ingênuos e inexperientes, a fina flor da vanguarda
proletária, para aventuras que só serviam para satisfazer caprichos pessoais e justificar os planos
de provocação policial.553
Em setembro de 1931, a liga organizou a campanha pela Espanha, atendendo à
recomendação de Trotski às seções da OIE de que os nove décimos da atividade delas fossem
consagrados ao estudo e à agitação dos acontecimentos na Espanha. Tal fato se devia à
importância que os acontecimentos espanhóis passaram a ter para todo o mundo, pois colocaram
na ordem do dia o problema da revolução permanente. Uma vitória do proletariado na Espanha era
vista pelos comunistas como capaz de desencadear o processo revolucionário internacional. A LC
acreditava encontrar na Espanha um verdadeiro espelho para a sua atividade e a respeito elaborou
uma análise bastante otimista, embora baseada no péssimo momento vivido pelas forças
revolucionárias nacionais. “Não se trata”, esclarece, “de transportar para o Brasil, de uma forma
artificial e mecânica, as palavras de ordem e os métodos de luta cujo emprego só os
acontecimentos puderam determinar na Espanha”. Mas levadas em conta as diferenças de detalhe
e guardadas as proporções devidas entre as duas situações, os comunistas poderiam se basear na
experiência viva do proletariado espanhol. A questão da Assembléia Constituinte, por exemplo, se
tornava clara para eles, quando assistiam ao que se passava na Espanha, não podendo haver no
Brasil o receio de serem surpreendidos pelas mudanças de situação.
Para a LC, a diferença de caráter econômico consistia em que, ao contrário da Espanha, o
Brasil não era um país de pequena burguesia, mas tinha a vantagem de um proletariado rural
numeroso contra uma camada insignificante de pequenos proprietários. No Brasil, o problema
agrário se apresentava de modo inteiramente diverso, não se tratando da divisão da terra, mas da
sua confiscação aos grandes proprietários e entrega imediata aos trabalhadores agrícolas. Não
existia, entre os brasileiros, nenhum choque de interesses entre a cidade e o campo, de modo que
a aliança entre ambos na luta contra a burguesia era, já de si, um fato verificado. Tratava-se ,
apenas, de dar a essa luta o seu verdadeiro conteúdo de classe e imprimir-lhe um impulso
revolucionário.
A diferença de caráter político consistia em que a Espanha, além da vantagem do seu
passado histórico, atravessava uma época de intenso fluxo revolucionário, ao passo que o Brasil
atravessava, desde as grandes greves de 1917-19, um largo período de refluxo do movimento
operário. Não só não ocorriam novas greves gerais, como também os movimentos isolados só

552
Doc. cit.
553
FLBX.
tinham uma importância secundária. Tudo isso aliado ao estado deplorável em que se encontravam
os sindicatos e o partido.
A liga propôs formas de mobilizar as massas no Brasil em torno dos acontecimentos
espanhóis, baseadas no caráter internacional da luta do proletariado como classe, o que permitia,
no seu ponto de vista, que os operários de um país despertassem sob o influxo do que se passava
em outros países, pois nem toda situação revolucionária era diretamente determinada por fatores
locais.
Além da publicação dos trabalhos de Trotski sobre a Espanha e a tentativa de um curso
sobre o assunto, a LC propôs um trabalho de agitação, fazendo uma campanha para angariar
recursos pró-Revolução Espanhola, desenvolvendo o que considerava a luta pela revolução
permanente. Como medida, lançou um manifesto ao proletariado e uma proposta ao partido de uma
frente única em torno da Revolução Espanhola. Além disso, os oposicionistas de esquerda
deveriam, nas assembléias de seus sindicatos, agitar a questão do auxílio aos revolucionários
espanhóis. Em São Paulo, entre os gráficos e os chauffeurs, os camaradas da liga se constituíram
em núcleos, procurando levar a questão às assembléias. Os "Comitês Pró-Revolução Espanhola"
foram criados numa base democrática, com a participação dos operários sem partido e de todas as
correntes ideológicas.554 Com essa proposta, realizou-se uma conferência na sede da Lega
Lombarda, em 18/5/31, na qual falaram oradores das diversas correntes. Everardo Dias, o primeiro
orador, discursou sobre os acontecimentos da Espanha, elogiando a atitude dos operários da
Catalunha, que, cansados de suportar as explorações do capitalismo, haviam-se revoltado. Atacou
o clero e aplaudiu os atos levados a efeito pelos comunistas espanhóis, que destruíram igrejas e
outros edifícios católicos, exemplo que deveria ser imitado no Brasil, a fim de acabar com a
prepotência do clero. Em seguida, Astrojildo Pereira, após se referir aos acontecimentos espanhóis,
atacou os líderes da Revolução de Outubro e o governo, que nada fizeram para melhorar a situação
brasileira. Houve um intervalo, com venda de O Proletário e angariação de donativos. Falou, a
seguir, Paulo de Lacerda, atacando “grosseiramente o atual governo do Brasil”. Entre os presentes,
o secreta reconheceu Florencio Tejeda, vendendo livros na portaria, Aristides Lobo, Víctor Azevedo
Pinheiro, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.555

A. A palavra de ordem de Assembléia Constituinte.

Em janeiro de 1931, três meses após a vitória do movimento de outubro de 1930, a


Oposição de Esquerda apelou ao partido para que participasse da luta pela convocação de uma
Assembléia Constituinte, baseada eleitoralmente no voto secreto para os maiores de 18 anos, sem
restrição de sexo e nacionalidade e extensiva aos soldados e marinheiros.
Em 25 de fevereiro, o secretário-geral da Comissão Executiva da Liga Comunista enviou
aos jornais um comunicado que respondia à afirmação do Diário Oficial do dia 21 do mesmo mês
de que os comunistas eram contra a Constituinte, afirmação que correspondia — na visão dos
oposicionistas — a uma manobra que servia aos interesses do Partido Democrático e,
indiretamente, aos interesses da ditadura. Nesse comunicado, a posição da LC sobre a Constituinte
é clara: só os inimigos declarados ou mascarados do proletariado (mesmo sob a máscara do
"comunismo") poderiam ser contrários à Constituinte, pois Lenin já afirmara (em: A doença infantil
do comunismo) oficialmente, em nome do partido, que uma república burguesa, com uma
Assembléia Constituinte, era preferível à mesma república sem Constituinte, embora a República
operária e camponesa fosse ainda melhor do que qualquer espécie de república parlamentar e do
que qualquer república burguesa. Como esse comunicado não fora publicado pela imprensa, os
oposicionistas imprimiram uma proclamação "Pela Assembléia Constituinte!", juntando novos
argumentos aos de Lenin, enfatizando a necessidade de defender essa palavra de ordem.
Esses argumentos comprovam que os oposicionistas de esquerda não compartilhavam da
"ilusão revolucionária" como os stalinistas, isto é, não viam a revolução mecanicamente embutida

554
"Antônio" (Aristides) para a liga. S. Paulo, 20/9/31. FLBX. Ms.
555
Informe reservado de Affonso Mendes, “inspetor n.º 48” a Ignacio da Costa Ferreira, delegado da
Ordem Social. São Paulo, 19/5/31. Prontuário de Everardo Dias, n.º 136.
na marcha dos acontecimentos nacionais. Pelo contrário, afirmavam que certos indivíduos, que se
diziam comunistas, arrancavam ao proletariado mais uma arma em sua luta contra o regime
capitalista, ao pregarem o boicote à Constituinte. Para justificar essa atitude, "enchem a boca de
vento 'revolucionário' e, desorganizando e dividindo o proletariado, inventam, apesar disso, que
estamos em vésperas de uma grande insurreição de massas, das 'mais largas e mais vastas
massas', como é do seu gosto". Essa hipótese decorria de uma análise errônea da situação, mas
era injustificável ainda que se verificasse, pois mesmo em época de insurreição armada, os
comunistas teriam o dever de sustentar a palavra de ordem de convocação da Assembléia
Constituinte, para que, por meio de sua legítima representação de classe, os trabalhadores
possuíssem mais uma arma de luta contra a opressão. Assim o tinham feito os bolchevistas russos,
nas vésperas da vitória da Revolução de 1917, ao terminar uma declaração, de 7 a 20 de outubro,
com um viva à Assembléia Constituinte. Os oposicionistas defendiam a Constituinte, não como uma
panacéia para curar todos os males sociais, e sim como mais um meio de luta, como mais um dos
muitos instrumentos de que o proletariado deveria servir-se para, por meio de uma “política
independente, uma política revolucionária de classe, poder lutar contra o miserável regime que o
explora e o oprime!"556
Esse apelo correspondeu à principal palavra de ordem da LC, nos anos de 31, 32 e 33.
Foram os opositores de esquerda que indicaram, pela primeira vez no Brasil e em seu primeiro
manifesto, a necessidade de arregimentação popular em torno da Constituinte, a fim de aprofundar
o movimento e dar um programa político às massas, que então se interessavam pela política.
Compreendendo que seria preciso unir a esquerda em torno desse objetivo, apelaram ao PC a fim
de, unidos, poderem desenvolver uma intensa agitação em todo o país e conduzir as massas sob o
estandarte comunista. Segundo entendiam, os democráticos e os perrepistas não teriam a
possibilidade de adiantar-se aos comunistas, os únicos capacitados a oferecer uma vanguarda
consciente capaz de soldar politicamente os movimentos grevistas que irrompiam na época,
generalizando-os, intensificando-os e levando-os para a greve geral. Por outro lado, o anarquismo
estava praticamente impossibilitado de dirigir o movimento operário, e a burguesia não estava em
condições de aniquilar as massas proletárias.557
Na 3.ª Conferência Operária de São Paulo, a LC apresentou uma proposta de apoio à
Constituinte. Aristides Lobo observou ser evidente que se suspendiam as leis sociais, para que em
torno delas não continuassem a agitar-se os trabalhadores. A fim de que o proletariado tomasse
consciência de classe até a derrocada do regime capitalista, e para que futuramente o projeto
apresentado pela federação não fosse tomado em descaso, e para que pudessem fazer essa
agitação, não como uma medida política, mas por ser uma questão ligada à questão econômica,
eles deveriam fazer a propaganda da convocação da Assembléia Constituinte. Lobo concordava
que a Constituinte não resolvia a questão social, mas se tratava de arrancar uma arma da
burguesia, pois “nunca um industrial foi preso por não cumprir a lei de férias”, uma vez que “as leis
só foram feitas para prender operários”. Por isso, solicitava a aprovação da convocação da
Assembléia Constituinte, com participação de representantes operários, na base do voto secreto,
direto, sem distinção de sexo ou nacionalidade, a homens e mulheres maiores de 18 anos, e
extensivo aos soldados e marinheiros. Lobo terminou seus argumentos com um viva à Assembléia
Constituinte, em nome da associação que representava. O anarquista Florentino de Carvalho
respondeu dizendo estranhar que homens que se diziam proletários e revolucionários batalhassem
por uma constituinte burguesa, constituindo esse fato uma ostensiva colaboração de classe.
Embora contando com o apoio de seu companheiro de liga, João da Costa Pimenta, a moção de
Aristides foi rechaçada por 28 votos contra e cinco a favor.558
Apesar de derrotada, a liga continuou na linha política de apoiar a convocação da
Constituinte, publicando, em fevereiro do ano seguinte, um manifesto redigido por Plínio Melo a

556
FLBX.
557
"Carta aos Camaradas do Partido Comunista". Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, doc. 10.
DEOPS/SP.
558
Ata da Sessão de Encerramento da 3.ª Conferência Operária de S. Paulo. Prontuário da Confederação
Geral dos Trabalhadores do Brasil, Prontuário n.º 532, f. 8. DEOPS/SP.
favor de uma "Constituinte Revolucionária". Os camaradas Dupont, Plínio Mandarano e Henrique
Covre foram encarregados de angariar fundos para o financiamento da publicação.559
Um aderente estrangeiro da LC, usando o pseudônimo de “Fritz”, considerou que Melo teve
o merecimento de ter sido o primeiro que chamou a atenção dos liguistas para a insuficiência da
palavra de ordem sobre a Constituinte, que lançavam. Embora a sua proposta de adicionar “a
perigosa palavra revolucionária” à Constituinte fosse duvidosa e exigisse uma discussão profunda,
os trotskistas precisariam pensar na necessidade extrema de apresentarem alguma resposta nova
e mais atual às perguntas dos operários, que lhes eram postas diariamente. Portanto, “Fritz” propôs
que cada membro da CE redigisse um manifesto sobre a Constituinte e o passasse entre os
camaradas de base.560
Em atendimento à sugestão do companheiro e a pedido de Lívio Xavier, Aristides Lobo
redigiu novo manifesto, dirigido a todas as organizações da LC, em que refutava as posições de
Plínio Melo. O manifesto diz que estavam vivendo sob o regime da ditadura capitalista, exercida sob
uma forma de governo discricionária. A burguesia centralizava em suas mãos todo o poder do
Estado, arrancando ao povo as liberdades mais elementares. Para que as massas, que podiam
sempre ser arrastadas pelas ilusões democráticas, nada esperassem da futura Constituinte, urgia
mobilizá-las em torno de reivindicações que só poderiam ser efetivadas pela Revolução Proletária.
Assim, a OE se colocava à frente das massas, reclamando a Constituinte que elas reclamavam,
mas mostrando-lhes que uma verdadeira Constituinte só podia ser convocada na base do voto
secreto, direto, para os maiores de 18 anos, sem distinção de sexo ou nacionalidade e extensivo
aos soldados e aos marinheiros. Nessas condições, havia duas perspectivas a examinar: 1.ª) a
mobilização das massas em torno da palavra de ordem da liga e, por conseguinte, a perspectiva da
tomada do poder; 2.ª) a convocação da Constituinte governamental, com o apoio das massas ou a
sua indiferença. Na primeira hipótese, "quase absurda na situação do Brasil", a liga diria que existia
a perspectiva de duas Constituintes: uma, burguesa, antidemocrática, reacionária; a outra,
democrática, revolucionária, que só um governo proletário seria capaz de convocar. E assim
lançaria a palavra de ordem da insurreição pela tomada do poder. Só nesse caso, os opositores
falariam em "Constituinte revolucionária" e, por decorrência, no boicote à Constituinte burguesa.
Quanto à segunda hipótese, que era infinitamente mais provável, nada mais teriam a fazer senão
participar das eleições, dizendo:

"Camaradas! A democracia burguesa é uma mentira. Nenhuma


Constituinte verdadeiramente democrática pode ser convocada senão depois
que o proletariado tenha o poder em suas mãos, mas, então, a Constituinte
será um organismo inútil, pois existirão os sovietes como forma de governo da
maioria esmagadora da população. Preparemo-nos, pois, para a Revolução
Proletária, organizando-nos dentro do nosso partido de classe e dentro dos
sindicatos! Concorramos às eleições com candidatos próprios, da nossa
própria classe, e com um programa próprio de reivindicações!"

Como conclusão, a modificação na palavra de ordem da liga, como queria Melo, só podia
ser feita natural e não artificialmente, ditada pelos acontecimentos e não pelos desejos da oposição.
Ora, como os acontecimentos não permitiam prever grandes mudanças da situação, poderiam os
oposicionistas concluir que iriam com a mesma palavra de ordem até o dia em que fosse marcada a
data das eleições.561
Aristides Lobo, no cargo de secretário-geral da liga, enviou uma circular à Comissão
Executiva e aos Grupos de Bairros da LC, esclarecendo que fora contrário à decisão da CE sobre a
Constituinte, pois considerava que deveriam exprimir mais sucintamente a palavra de ordem, de
modo a distingui-la claramente da palavra de ordem da burguesia. Ele propusera: “Constituinte
verdadeiramente democrática e revolucionária.” Xavier propusera que a liga recuasse até as
posições do partido, abstendo-se de se manifestar abertamente pela Constituinte e procurando agir
mais como fração do Partido. Lobo discordou, por achar absurdo recuar às posições do partido na

559
Informe reservado, datado de 23/2/32. Prontuário da LCI n.º 4.143, v. 2, doc. 63, f. 122. DEOPS/SP.
560
Proposta sobre a palavra de ordem da Constituinte. Texto apresentado por “Fritz”. FLBX.
561
De Aristides para a Liga Comunista, em 8/11/31. FLBX. Ms.
questão, visto como isso seria defender um ponto de vista abstencionista, ou, quando muito, de
boicote passivo da Constituinte. Achava tão perigosa e errônea a proposta de Xavier quanto a de
Melo de Constituinte Revolucionária. Quanto à afirmação de que a palavra de ordem “Constituinte
Revolucionária” só deveria ser lançada quando houvesse uma situação verdadeiramente
revolucionária, Lobo pensava não ter muito cabimento, porque a situação do Brasil, objetivamente,
era revolucionária, e já se manifestavam sintomas de uma próxima vaga revolucionária; além disso,
a palavra de ordem de Constituinte, qualquer que fosse o modo pelo qual a liga a expressasse,
devia ter sempre um conteúdo revolucionário. Essa palavra de ordem tinha um significado tático,
até que massas compreendessem que só a Revolução Proletária poderia solucionar as suas
questões. 562
Abstraídos os debates internos, os oposicionistas tinham muito claro que seria preciso uma
união da esquerda para a vitória da revolução proletária. Os apelos ao partido foram constantes:
nada se faria sem ele. Mas o Partido Comunista do Brasil não os ouvia, pois estava — diziam os
dissidentes — com "os ouvidos entupidos pela cera burocrática". O resultado dessa "surdez" era "o
estado deplorável de desagregação e isolamento em que caiu o partido", diminuindo
consideravelmente a sua influência sobre as massas e afastando mesmo a simples possibilidade
de ligar-se com elas. A política centrista do partido baseava-se num amálgama reacionário:
anarquismo organizatório e ideológico, liquidação, aventurismo.563

B. A ação sindical e a luta para a união do proletariado.

Os opositores de esquerda em São Paulo atuavam especialmente nos sindicatos, aos


quais todos eles deveriam filiar-se, por princípio. Nessa área, travavam-se as principais lutas pelo
controle da massa trabalhadora pelas correntes de esquerda. Os trotskistas precederam os
stalinistas nesse assunto, e criticavam a burocracia dirigente do PCB pelo “tradicional horror” que
demonstrava ao trabalho sindical, vendo nisso “uma monstruosidade”. Ademais, essa burocracia
pretendia explicar o “desleixo” que decorria diretamente de sua incapacidade nessa questão,
564
alegando que os sindicatos operários de São Paulo eram organizações “fascistas”.
Na óptica dos oposicionistas de esquerda, a organização dos trabalhadores brasileiros tinha
sido boicotada pelo partido que conseguiu, após 1930, que as massas recaíssem no desinteresse
político habitual e o governo provisório se consolidasse.
A OE dividia o movimento sindical no Brasil em duas fases principais, separadas pelas
grandes greves de 1917-19, caracterizadas "pela dispersão, fraqueza orgânica e sectarismo". Na
primeira fase, o movimento sindical se desenvolveu sob a influência direta do anarco-sindicalismo e,
em grau menor, sob a inspiração de elementos reformistas. A segunda fase foi assinalada pela
influência ascendente dos comunistas nos movimentos grevistas. O movimento operário brasileiro
— explicam os oposicionistas — havia começado com a abolição da escravatura e a conseqüente
instituição oficial do regime do salariado no país. Com o desenvolvimento industrial posterior e a
intensificação das correntes imigratórias, o jovem proletariado do país começou a organizar-se e foi,
pouco a pouco, adquirindo consciência de classe. A princípio, as suas organizações eram
simplesmente mutualistas e corporativas, à base de ofícios.
O primeiro congresso operário havido no Brasil (1906) marcou grandes progressos na
organização dos trabalhadores, porém a vaga de greves de 1917-19 foi derrotada, o que se deveu à
inexistência de um verdadeiro partido proletário à frente do movimento operário.
O terceiro congresso operário, reunido em 1920, evidenciou o caráter negativista dos
princípios anarquistas até então dominantes no movimento sindical brasileiro. Os anarquistas não
foram capazes de ver o motivo das derrotas proletárias dos anos anteriores e de incorporar as
lições dadas pelo maior movimento grevista do proletariado brasileiro, desconhecendo, além do
mais, a ocorrência da Revolução Russa. Esse fato contribuiu para que muitos elementos da
vanguarda proletária rompessem com o anarquismo e se orientassem para o comunismo.

562
Circular de Aristides Lobo, de 27/1/32. FLBX.
563
"Carta aos Camaradas do P.C. Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, doc. 10. DEOPS/SP.
564
A Oposição Comunista e as calúnias da burocracia. São Paulo: Edições Luta de Classe, 1931, p. 26.
Entretanto, o período de reação policial que se seguiu à derrota das greves de 1917-19 dificultou a
consolidação organizatória da vanguarda comunista do proletariado.
Por outro lado, a falta de tradições marxistas no movimento operário do país e o fato de os
fundadores do PC serem quase todos de origem anarquista contribuíram para que o partido não
pudesse realizar uma política sindical que se ajustasse ao seu programa, incorrendo nos constantes
desvios de caráter colaboracionista e sectarista que assinalaram os primeiros anos de atividade
sindical do partido. Essas dificuldades eram ainda agravadas pelo largo refluxo do movimento, após
a vaga de greves revolucionárias de 17-19.
Somente em 27, 28 e 29, o partido conseguiu forçar a legalidade do movimento sindical
revolucionário, atingindo assim grandes camadas do proletariado. A campanha por ele sustentada
em prol da unidade sindical, apesar de alguns erros secundários, foi coroada de completo êxito.
O Congresso Operário de 1929, que, historicamente, podia ser considerado como o 4.º
Congresso Sindical Brasileiro, organizou a Confederação Geral do Trabalho, que, no entanto, não
conseguiu a centralização da grande maioria dos sindicatos. Reproduzia-se na liderança comunista
do movimento sindical o que já acontecera antes, sob a direção dos anarquistas.
A confusão das idéias de sindicato e partido determinou, em grande parte, a liquidação não
só da CGT como da maioria dos sindicatos mecanicamente controlados pelo PC. Generalizou-se
no partido a idéia de que cada sindicato deveria se tornar apêndice do Partido, transformando-se
em foco de agitação comunista:

"A CGT desfraldava as mesmas palavras de ordem do partido, dirigia-se às


massas, não como organismo sindical, mas como se fosse um pseudônimo
do PC. Como conseqüência dessa política sectarista, as massas começaram
a abandonar o sindicato, o partido foi se isolando das massas, a burguesia foi
reforçando a sua reação, e, por fim, não só o PC foi reduzido à mais completa
ilegalidade, como também a própria CGT e a maioria dos sindicatos
revolucionários."

A análise da atuação comunista no movimento sindical prossegue. O partido começou a ser


vítima da política aventurista do Comintern, sob o domínio das radicalizações decorrentes da crença
no "terceiro período". Então a atividade sindical de caráter sectário dos comunistas transformou o
partido, inconscientemente, em instrumento direto de provocação da reação policial sobre o
movimento operário, ocasionando uma longa série de desastres: o conflito provocado por questões
de mera política eleitoral do Bloco Operário e Camponês, a serviço de Azevedo Lima, o que trouxe
como conseqüência o fechamento da UTG do Rio; a derrocada dos movimentos grevistas das
fábricas de fósforos de Niterói e dos padeiros do Rio, em 1929, até a greve dos gráficos de São
Paulo, na qual a burocracia dirigente do partido, suprimindo a direção normal do movimento, avocou
a si a direção efetiva deste, acarretando com isto a ilegalidade da greve e levando-a ao fracasso; a
subordinação orgânica da CGT ao partido e a proclamação constante e aberta deste fato, havia
colocado na ilegalidade o movimento sindical de todo o país.565
A crise econômica de 29 e o movimento armado de outubro de 30 colheram o proletariado
despreparado. Ocorreram várias greves espontâneas, mas o partido não soube aproveitar a
situação de semilegalidade de São Paulo para se ligar às massas pelos sindicatos. Pelo contrário,
atirou-se a uma política aventurista, incitando o proletariado à greve geral como se o país estivesse
de fato numa situação revolucionária. Nessas condições, houve forçosamente uma grande luta de
tendências no seio dos sindicatos.
O partido subestimou sistematicamente a importância do movimento sindical, "desertando
do Comitê Operário de Organização Sindical e deixando aos sobreviventes amarelecidos do
anarquismo a tarefa da reorganização dos sindicatos". Quando sentiu que o terreno lhe fugia sob os
pés, o partido voltou as suas vistas para o movimento, para ainda desta vez cometer erro maior,
fundando em São Paulo uma outra federação sindical regional, sem a menor base sindical, quando
já havia a Federação Operária de São Paulo controlando quase todos os sindicatos do Estado.

565
Boletim de Discussão n.º 1. Abril de 1932. (Cópia carbonata realizada em folhas de papel de seda,
numeradas de 1 a 9), tese n.º 5, fls. 2-4. In: Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, fls. 23-15. DEOPS/SP.
Essa iniciativa dos dirigentes constituiu um golpe de morte no princípio da unidade sindical na base
da política de frente única — um dos esteios da IC no tempo de Lenin.566
Os movimentos operários no Estado de São Paulo, após o marasmo de 23-27,
recrudesceram, acalentando as esperanças das lideranças revolucionárias numa comoção maior. O
centro da luta era, necessariamente, a cidade de São Paulo, que aglutinava as principais lideranças
operárias do Estado e mesmo do país. Nessa cidade, o sindicato mais importante era a União dos
Trabalhadores Gráficos. Em 21 de maio de 1931, em reunião nesse sindicato, Manoel Medeiros,
Próspero Ottaianni, Paulo de Lacerda, Everardo Dias, João da Costa Pimenta, Hermínio Marcos e
Arsênio Palácios falaram sobre o desligamento da UTG da Federação Operária, concordando a
maioria em continuar a fazer parte da mesma. Na reunião, um agente reservado constatou a
presença de militantes oposicionistas, como Antônio Ribeiro e Antônio Mendes de Almeida.567
Os oposicionistas desdobravam-se para estar presentes em todos os movimentos
operários de São Paulo. Em 20/6/1931, um relatório reservado dá conta da realização de uma
assembléia-geral da classe dos calçadistas, promovida pela União dos Artífices em Calçados. Além
da Confederação Geral do Trabalho, a Liga Comunista também estava nesse processo de
propaganda, representada por João Matheus e Plínio Melo. O agente reservado relata que, num
pequeno comício em uma das fábricas Matarazzo, Plínio de Melo havia falado contra as cadernetas
de trabalho impostas aos operários pelo governo fascista do Brasil. O “relatório reservado” informa,
ainda, que Ramon Guerrero dissera que O Proletário voltaria a ser publicado brevemente e que
numa de suas matérias constaria uma acusação contra Plínio Melo, dizendo que ele estaria a
serviço da polícia. Todas as informações levadas ao Gabinete de Investigações em torno da
atividade dos elementos do PC seriam atribuídas a Plínio. O mesmo jornal publicaria um cartão
dirigido por Arsênio Palácios a Raphael Correa de Oliveira, por ocasião de assumir a direção do
jornal O Tempo, cartão esse que fora entregue por “Raphael aos comunistas ou estes o roubaram
do diretor desse diário”.568
Informações desse tipo deixam claro que a polícia contava com agentes infiltrados na LC, o
que ajuda a entender as prisões contínuas de seus membros. Ramon Guerrero provavelmente era
um desses agentes, ao lado das figuras certas de Vicente Guerriero, Antônio Ghioffi e Guarany.
João Guerra, outro dos temíveis agentes infiltrados no meio operário, fornece dados
pormenorizados sobre a palavra de ordem de unir os sindicatos sob a bandeira do comunismo. Um
informe desse reservado revela a intimidade que ele detinha na área sindical. João Guerra começa
por relatar uma reunião de membros da Federação Operária de São Paulo, para tratar da realização
de uma conferência da organização, na qual discutiu-se, fundamentalmente, o problema de fundos
para alugar salão, imprimir documentos, etc. Tinha-se por certo que alguma coisa deveriam fazer
também os que ainda pertenciam ao partido em São Paulo, com relação à Conferência Operária,
pois o PCB faria uma publicação aos operários expondo o que deveria ser a Conferência Proletária
no momento. Com a criação do "Sindicato de Vários Ofícios", que não estava ainda bem definido,
voltavam à atividade vários militantes anarquistas, entre eles Miguel Collado Lopes, J.O. Villanueva
e outros.569
Pouco depois dos fatos acima, aproveitando-se da situação de greve existente na cidade de
São Paulo, a liga lançou, em 7 de julho de 1931, um boletim tentando transformar o movimento
grevista do momento em movimento revolucionário de massas contra a burguesia. Os operários
grevistas eram conclamados a fazer pressão sobre a Federação Operária de São Paulo, que a liga
considerava aliada, conscientemente ou não, à Legião Revolucionária e à polícia. A liga denunciou
que os anarquistas da direção da FO haviam mostrado no comício no Largo da Concórdia que
estavam sendo manobrados pela polícia, a fim de defender a candidatura Miguel Costa, pois
tiveram a palavra garantida pelos secretas, enquanto os militantes comunistas eram barbaramente
espancados. O manifesto pronuncia-se contra os candidatos à interventoria de São Paulo — Plínio
Barreto, Miguel Costa, João Alberto — vistos como "bacharéis ou sargentões, lacaios do

566
Tese n.º 6, doc. cit., fls. 4-5.
567
Prontuário de Antônio Manoel Ribeiro, n.º 77, f. 9. DEOPS/SP.
568
Relatório reservado de Antônio Ghioffi, de 20/6/31. Prontuário de Víctor de Azevedo Pinheiro, n.º 441,
v. 1, f. 52. DEOPS/SP.
569
Informe ao delegado Ignacio da Costa Ferreira, da DOS/SP. São Paulo, 14/2/1931. Prontuário de
Afonso Schmidt, n.º 11. DEOPS/SP.
capitalismo". São igualmente atacados Getúlio Vargas, a lei de sindicalização, o Ministério do
Trabalho, as cadernetas de trabalho, o Governo Provisório. Temos, assim, a linha de luta da LC
paulista em âmbito nacional. O objetivo dessa luta está no final do boletim: um viva ao PC e à
Revolução Proletária.
Esse documento, de autoria de Aristides Lobo, constitui a tentativa mais clara dos
trotskistas de tomarem a Federação Operária do controle anarquista. Aos operários grevistas em
geral... denuncia que a Federação Operária não poderia continuar a ser dirigida pelo grupo
anarquista 'Prometheu", citando alguns fatos em defesa dessa posição. Logo que Miguel Costa se
opusera à candidatura Plínio Barreto, os anarquistas, declarando-se sempre “antipolíticos”, trataram
de convocar um comício para o Largo da Concórdia. E como se explicaria que,

“no local do comício, como que previamente convidados, estivessem, armados


até os dentes, os capangas da Legião Revolucionária? (...) Como se explica
que os agentes da Ordem Social e os capangas da Legião não
interrompessem os discursos dos anarquistas, ouvindo-os religiosamente,
enquanto se insurgiam indignados contra os apartes dos operários presentes?
E como se explica que simples aparteantes houvessem sido ameaçados e até
espancados, enquanto os anarquistas, que fizeram discursos, nada sofreram?
É extraordinário”.

Além do que, “por ordem do grupo Prometheu, os anarquistas Arsênio Palácios Soares,
José Sarmiento Marques e Pedro Catallo compareceram à anunciada reunião dos partidários de
Miguel Costa. E um anarquista, em entrevista aos jornais, manifestou suas simpatias pelo
interventor Laudo Camargo.”570

A situação do operariado e a atividade da liga são analisados por Pinheiro, em carta a


Xavier: falava-se em greve geral de caráter político, mas ele achava que a legião estava explorando
ignobilmente a fome e a miséria do proletariado. Uma notícia o havia indignado e deliciado ao
mesmo tempo: a adesão, pública e formal, de diversos anarquistas (Palácios, Sarmento, Catallo) à
política de Miguel Costa, a greve da Light. Aquela adesão era uma arma nas mãos da liga, desde
que fosse manejada com perícia. Víctor calculava que a agitação crescia de hora para hora, o que
lhe dava "ganas de tomar o primeiro trem" para voltar a São Paulo, pois queria participar dos
trabalhos da liga, naquela "situação extraordinária, cujos acontecimentos desbordam dos limites
estreitos de um sindicato corporativo".571 Vê-se que a crença na iminência da Revolução era
amplamente compartilhada pelos oposicionistas de esquerda, o que nos ajuda a entender o ardor
que investiam na sua militância. Ou a “ilusão revolucionária” da brilhante análise de Paulo Sérgio
Pinheiro, que se apóia em Marcuse para explicar o descompasso entre a realidade e os desejos de
revolução:

“Um limitado e repetitivo número de fórmulas rígidas orientava a ação da


Internacional e dos partidos comunistas no período: a crise revolucionária, a
inevitabilidade da revolução, a estabilização do capitalismo, a hegemonia dos
partidos comunistas, a contradição das burguesias nacionais com o
imperialismo. Consideradas em si mesmas, como luminosamente apontou
Marcuse, essas fórmulas são evidentemente falsas. Todavia, no contexto das
análises dos apelos, dos manifestos, sua falsidade não as torna refutáveis
porque elas jamais se verificam nos fatos imediatos, mas nas tendências, num
processo no qual a prática política faria emergir os fatos desejados, seus
elementos mágicos prevalecendo sobre sua compreensão no pensamento e
na ação. Fica obscurecida a diferença entre ilusão e realidade, entre
verdadeiro e falso, e as ilusões determinam um comportamento que pretende
moldar e transformar a realidade. Isso vai permitir que a doutrina comunista
seja recebida mais em termos míticos do que ideológicos, no sentido de que

570
FLBX. Ms.
571
Carta a Lívio.(Bariri), 21/7/31. FLBX. Ms.
mitos não se confundem diretamente com a materialidade da ação. (...) Resta
saber até que ponto os revolucionários comunistas tinham consciência de
suas ilusões. O que podemos constatar é que a ritualização das fórmulas tinha
um efeito mágico sobre as práticas, fazendo com que a teoria da revolução
fora da Europa adquirisse um aparente conteúdo de realidade. A própria
conjugação dos dois termos, estratégia e ilusão, quer enfatizar que os atores
não dissimulavam seus papéis, não faziam de conta e não estavam blefando.
Impossível apagar os riscos e os sofrimentos assumidos por todos os
protagonistas entre os dissidentes, atribuindo-lhes um fingimento: o que torna
pungente a busca da revolução no período é que os atores acreditavam
572
efetivamente nas ilusões que influenciavam sua ação.” .

Imbuída pela crença na marcha da História para a revolução, os oposicionistas —da


mesma forma que as demais correntes de esquerda — organizaram sua estratégia para a ação
sindical. Embora com posições seriamente abaladas (devido à política dos stalinistas e em virtude
do próprio fracionamento do partido), a liga conseguiu manter uma decidida atuação da minoria
dentro da conferência operária estadual, convocada pela FOSP, por pressão dos oposicionistas,
assim como nos plenários da mesma federação, onde a influência ideológica da liga ganhava
terreno na luta contra o "sectarismo anarquista". Para impedir essa influência crescente, os
anarquistas, que se haviam assenhoreado da direção da FOSP, não tiveram outro recurso a não
ser lançar mão de um golpe de força, suspendendo a delegação em minoria, "provando, desse
modo, que não eram melhores defensores da unidade sindical do que os stalinistas". 573 Essa
manobra acabou por ser auxiliada pela UTG, que resolveu desligar-se da Federação Operária,
permitindo aos anarquistas reelegerem-se sem competidores, servindo-se de um dos oposicionistas
como instrumento, que passou a figurar na nova Comissão Executiva da FOSP, ao lado dos
libertários. Por esse motivo, a liga procedeu a uma reviravolta em sua tática, fazendo com que a CE
da UTG lançasse um manifesto a todos os sindicatos, denunciando as manobras dos anarquistas
para se perpetuarem na direção da FOSP e declarando que o desligamento dos gráficos da
federação era a única atitude compatível com o ato da Comissão Executiva da FOSP que, para
garantir a reeleição dos anarquistas, suspendera a delegação dos gráficos. Os ataques aos
anarquistas passaram a ser feitos com redobrada energia: organizaram-se comissões de
agitadores e organizadores para visitar diariamente os sindicatos da FOSP, fazendo a propaganda
antianarquista; comícios passaram a ser feitos às portas das fábricas e oficinas, bem como
conferências periódicas nos sindicatos, contra os anarquistas. O êxito dessas ações dependia da
aceitação de uma proposta de frente única pelo partido, o que não aconteceu".574 De fato, a
Oposição de Esquerda fizera o possível para que o Partido reagisse contra "os erros da burocracia"
nos sindicatos. Assim, prevendo já a cisão do movimento sindical, provocada abertamente pelos
stalinistas — por meio das colunas do jornal O Tempo e de um "Comitê da CGT" —, a Liga
Comunista dirigiu nesse sentido uma carta ao partido (fevereiro de 1931), advertindo-o a respeito
do "crime que ia ser cometido não só contra o movimento operário em geral mas principalmente
contra a verdadeira política comunista". Essa carta propunha uma frente única de todos os
comunistas, sem preocupação de luta de frações, contra as correntes adversas que procuravam
ganhar a hegemonia do movimento sindical (anarquistas, sindicalistas, corporativistas, reformistas,
fascistas, etc.). Alguns dias depois, a 6 de março, nova carta do secretário- geral da CE da liga à
direção do PC aborda a mesma questão, lembrando que o movimento de reorganização dos
sindicatos operários de São Paulo, iniciado logo depois da queda do PRP, foi obra comum dos
militantes operários. O Comitê Operário de Organização Sindical, constituído na época, tinha à sua
frente anarquistas, comunistas oficiais, anarco-sindicalistas e comunistas da oposição. A fim de
unificar a atividade dos comunistas, realizou-se uma conferência especial dos camaradas das
várias tendências, na qual ficou assentada a sua frente única para uma ação comum no terreno
sindical. As bases de frente única eram: a cessação imediata de todos os ataques pessoais aos

572
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão. A Revolução Mundial e o Brasil. 1922-1935. São
Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.p. 14-15.
573
Boletim de discussão n.º 1, abril de 1932, tese n.º 6, fls. 4-5.
574
"Sobre a questão sindical", por Aristides Lobo. FLBX.
oposicionistas de esquerda, feitos pela fração dirigente do partido; renúncia ao projeto de fundação
de uma nova "Federação Sindical Regional"; militância obrigatória de todos os membros do partido
nos sindicatos das indústrias em que trabalhavam; reorganização da CGTB, após o
estabelecimento de uma plataforma única pelos oposicionistas de esquerda e membros da fração
dirigente do PC a ser defendida na Conferência Estadual Operária e nos sindicatos filiados à FOSP;
discussão ampla, com inteira liberdade de crítica e de opinião dos assuntos referentes à questão
sindical, por todas as células do partido.575
Como resultado desse acordo, o COOS aprovou e publicou, em 28/11/31, um manifesto
aos trabalhadores de São Paulo, lançando as palavras de ordem dos trabalhadores. Logo depois,
porém, sob o pretexto de que os opositores de esquerda estavam fazendo o jogo dos anarquistas, a
fração dirigente abandonou o COOS, numa política que foi reconhecida como equivocada pelo
próprio Secretariado Sul-Americano da IC.576 Os oposicionistas continuaram no COOS, procurando
realizar as tarefas do partido, mas o seu número reduzido diminuiu as possibilidades de êxito na luta
que travavam contra os anarquistas. Estes, numa reunião plenária do COOS, resolveram fundar a
Federação Operária de São Paulo, nas mesmas bases do programa daquela organização. Oito dos
representantes dos sindicatos da capital de São Paulo apoiaram essa idéia, e os demais sindicados,
em número de cinco, pronunciaram-se favoravelmente logo depois. Portanto, o proletariado
organizado de São Paulo apoiou a federação, fato que deveria, segundo a liga, ser levado em
conta, a fim de que não se fizesse o jogo da burguesia.
A Federação Operária de São Paulo começara errando, pois capitulara diante das
autoridades policiais, durante greve dos trabalhadores da Light, enviando à imprensa um
comunicado tipicamente colaboracionista, o que foi energicamente denunciado pelos opositores em
duas reuniões da federação. No entanto, a FOSP não era "reformista", "fascista" ou "contra-
revolucionária", como dizia a fração dirigente do partido, por intermédio do Comitê da CGT. A FOSP
tinha cometido "graves erros", mas o seu programa era o de luta de classes e a sua atividade não
desmentia esse programa. A FOSP e a maioria dos sindicatos estavam nas mãos dos anarquistas,
mas, reproduzindo Lenin (A doença infantil do comunismo, p. 24), isso poderia ser um castigo
imposto ao movimento operário pelos seus pecados oportunistas. Assim, o movimento sindical em
São Paulo sofria o castigo de ser dirigido pelos anarquistas graças aos pecados oportunistas da
direção do PCB. Além disso, as teses e resoluções do III Congresso da IC considerava que o
partido deveria saber exercer uma influência mais decisiva sobre os sindicatos, sem a pretensão de
tutelá-los.
Pouco tempo depois, por intermédio de uma conferência sindical "improvisada à última
hora, onde não estavam representados senão dois ou três sindicatos do interior e meia dúzia de
minorias sindicais", o PC fundou a "Federação Sindical Regional do Estado de São Paulo",
consumando a cisão do movimento sindical paulista.
Para contrabalançar os efeitos desastrados dessa política que considerava "liquidacionista"
e a fim de suprir a falta do partido nos sindicatos filiados à Federação Operária de São Paulo, a
Oposição de Esquerda, apesar da fraqueza de seus efetivos, aí permaneceu, lutando contra os
anarquistas na defesa do comunismo. Sobre o assunto, a LC lançou um manifesto aos
trabalhadores, relatando todos os seus esforços pela unidade do proletariado no terreno sindical e
denunciando os anarquistas e stalinistas como inimigos do proletariado. A atividade sindical da liga
passou a se desenvolver num círculo mais corporativista em cada sindicato, visando a aplicação da
"linha justa em cada organização e não mais a sua vitória imediata no sentido federativo".577
De outro lado, a política corporativista de Vargas significava a interferência oficial do
Ministério do Trabalho na organização do proletariado, trazendo o perigo do colaboracionismo e
divisão do proletariado pela classe inimiga.578 No momento, o movimento sindical brasileiro
apresentava as seguintes formas: 1. sindicatos criados pelo Ministério do Trabalho (oficializados); 2.
sindicatos colaboracionistas (reformistas, amarelos, organizações católicas, uniões mutualistas e
beneficentes, etc.); 3. sindicatos de luta de classe (ação direta).

575
"À direção do Partido Comunista", pela CE da LC. São Paulo, 6 de março de 1931. FLBX .
576
Revista Comunista, n.º 2-3, apud: Carta à direção do PC. São Paulo, 6/3/1931. FLBX .
577
Doc. cit.
578
Tese 7, f. 6, doc. cit.
A luta do partido contra as idéias de apoliticismo, neutralidade e independência dos
sindicatos deveria ser feita de tal modo que as massas compreendessem claramente que não
poderia haver posição intermediária na luta política travada entre o partido proletário e os partidos
burgueses. Nessa linha, era evidente que o PC não poderia preencher a sua missão histórica, se
continuasse preferindo "à política sindical de Marx a política de liquidação e divisão dos organismo
sindicais existentes e subestimação geral da atividade sindical". Se não reajustasse a sua linha
política, seria infrutífera toda a sua atividade em busca de ligação com as massas. Fazia-se,
portanto, necessário que o partido se libertasse da influência desmoralizante da política centrista
que dominava então o Comintern e seguisse os ensinamentos da política bolchevique, consagrada
nos quatro primeiros congressos da IC.579
A crítica à interferência da Internacional Comunista na política sindical da seção paulista do
partido se justificava, pois em novembro de 1931 o congresso de todas as seções do Partido
Comunista na América Latina, realizado em Montevidéu, determinou escolher São Paulo como
base de operações, por ser o maior centro industrial das Américas Central e do Sul. Assim, os
comunistas foram se concentrando na capital paulista, estabelecendo ligações com o interior,
formando células e aplicando diretamente, no meio paulista, as ordens emanadas do Comintern. O
movimento operário estava submetido, então, a três correntes que divergiam entre si. Em primeiro
lugar encontrava-se a corrente anarco-sindicalista, que se podia classificar como a mais forte,
reunindo a sua Federação Operária 13 organizações. Em segundo lugar a corrente sindical-
reformista, representada por duas importantes organizações: a União dos Operários em Fábricas
de Tecidos e o Sindicato dos Ferroviários do Estado de São Paulo. Por fim, a corrente comunista,
que não contava com nenhuma associação, mas com o apoio de alguns intelectuais, de adesões
individuais de pequenos-burgueses e operários, em geral à margem das organizações sindicais,
girando todos em torno do Partido Comunista, que orientava a Confederação Geral do Trabalho do
Brasil e a Federação Sindical Regional.
A corrente anarco-sindical era antiestatal, antiautoritária, apolítica. Suas organizações
tinham um caráter tipicamente sindicalista. Não se apoiavam em partidos políticos, mesmo que
fossem partidos operários, nem aceitavam qualquer orientação partidária. A sindical-reformista
aceitava a colaboração dos poderes públicos, a arbitragem do Estado, e estava cooptada pelo
Ministério do Trabalho. A corrente comunista, partidária da ação direta, atuava mediante o uso de
métodos revolucionários, visando à destruição do regime, a fim de implantar a ditadura proletária e
cooptar os trabalhadores para a luta de classes.580
A atividade sindical da LC apontou a necessidade da reorganização geral dos sindicatos
numa unidade independente, eliminando deles as influências libertárias, stalinistas e
governamentais e procurando colocá-los na sua esfera de atuação. Para tanto, lutou arduamente
em duas frentes: de um lado, contra a ministerialização dos sindicatos, promovida pelo governo
Vargas; do outro, enfrentou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, controlada pelos
stalinistas e a Federação Operária, controlada pelos anarquistas.
Na trincheira governista, os aderentes da liga chocaram-se violentamente com as forças da
repressão. Um informe reservado descreve um dos capítulos dessa luta. Na assembléia da União
dos Operários em Fábricas de Tecidos, no Salão Celso Garcia, o ministro do trabalho recebeu uma
"assuada" quando começou a falar, e uma chuva de manifestos inundou o salão, assinados pela
Federação Sindical Regional, Bureau Regional do PCB e LCI. "Com expressões brutais", Alam de
Almeida e Coripheu de Azevedo Marques provocaram "tremenda balbúrdia" que acabou com a
intervenção da polícia, sendo ambos presos. Os agitadores mais em evidência, apontados pelo
secreta, eram todos membros da LC. Depois de terem sido efetuadas algumas prisões, Lindolfo
Collor conseguiu fazer-se ouvir, porém o seu discurso foi entrecortado de apartes por Antônio
Mendes de Almeida, Manoel Medeiros, Víctor Azevedo e outros que faziam "barulho com as
cadeiras". Aristides Lobo, na sede da Associação dos Empregados no Comércio, teve também "um

579
Tese 8, fls. 7-8, doc. cit.
580
Relatório ao delegado de Ordem Social, Ignácio da Costa Ferreira. São Paulo, 10/10/1931. Prontuário da
Federação Sindical Regional de São Paulo ou Federação Regional Sindical, n.º 880, v. 2, doc. n.º 57.
DEOPS/SP.
princípio de cena violenta" com o ministro do Trabalho.581 Violência programada, segundo informe
reservado anterior: Pedro Motta Lima, Aristides Lobo e outros chefes iriam desenvolver um plano de
combate a fundo contra as organizações sindicalistas, lançando mão de todos os meios, até da
violência para conseguir esse desejo, pois eram contra a sindicalização dos operários apresentada
pelo ministro do Trabalho.582
Outro informe reservado reitera essa posição da liga, denunciando que Plínio Melo havia
redigido um manifesto de crítica à Lei de Sindicalização, manifesto distribuído por ele e João
Matheus na Federação Operária. Na mesma ocasião, ambos se bateram pela campanha pela
libertação de seus companheiros Antônio Ribeiro e Florêncio Tejeda. Contra eles o elemento de
confiança da polícia, Arsênio Palácios, havia declarado que a UTG, com a entrada dos elementos
que faziam parte do PC e da liga, transformara-se numa sucursal direta de Moscou e que, por isso,
solicitava que o plenário suspendesse os delegados da UTG junto à Federação Operária "para que
esta não fosse confundida com a obra que os comunistas desenvolvem no seio das organizações
operárias". Essas declarações provocaram "balbúrdia" e o plenário foi encerrado.583
O embate com as forças governamentais tornou complexa a tarefa de organizar o comício
de 1.º de Maio, seguido, como sempre, de passeata — do qual a LC participaria como fração de
esquerda do partido. Antônio Ghioffi, um dos secretas infiltrados nos sindicatos, passou ao
delegado de Ordem Social informação que obtivera de Coripheu de Azevedo Marques: a
Confederação Geral do Trabalho pretendia realizar o comício em praça pública, pois, ao contrário
da Federação Operária, não temia lançar-se à rua; possivelmente o comício seria efetuado no
Largo da Concórdia, no Brás.584
Ao contrário do que entendem alguns historiadores, a influência anarquista no sindicalismo
paulista ainda era dominante em 1931. Após a crise de 30, acompanhada por prisões e extradições
de libertários, o anarquismo passava por um renascimento propiciado pela agitação contra o ensino
religioso. Estimulada pelo debate sobre o assunto, a Liga Anticlerical ressurgira dos mortos.585 Em
1934, os anarquistas promoviam conferências em São Paulo, na capital e em Santos, mantinham o
Centro de Cultura Social e organizavam festivais e piqueniques no Parque Jabaquara.586
O anarco-sindicalismo dominava a Federação Operária e mantinha uma congênere, a
Federação Comunista Libertária, que tinha por fins imediatos o estudo e a propagação de doutrinas
que pregassem a igualdade de condições econômicas e sociais de todos os seres humanos, a
eliminação completa do Estado, e a reorganização da vida social sob o regime da ordem, da justiça
e da liberdade.587 Princípios que não diferiam em essência daqueles apregoados pelos comunistas
e que se apoiavam numa imprensa potente e em líderes respeitados pela classe trabalhadora.
Edgard Leuenroth, evidentemente, dominava a cena, acompanhado por José Oiticica, Lucas
Gabriel, Florentino de Carvalho, Hermínio Marcos, José Carlos Boscolo, Germinal Leuenroth, Mário
dos Santos, Rodolfo Felipe, Amor Salgueiro, Francisco Quesada, Diego Fernandes, Affonso Festa,
Adelino Tavares de Pinho e outros, muitos dos quais, ainda em 1948, conservavam "um diminuto
prestígio da massa" e continuavam a editar os jornais A Plebe e A Lanterna.588 Reunidos
principalmente na "União Anarquista" (também chamada de "Centro de Cultura Social"), os ácratas
de São Paulo estavam envolvidos na questão referente aos revisionistas do anarquismo libertário,
considerados como responsáveis por um recuo ao autoritarismo. Esses revisionistas referiram-se a
velhos experimentados e fiéis militantes e propagandistas, com a acusação de sectários, fósseis,
irremovíveis, impenetráveis, em suas idéias estagnadas, às novas modalidades de propaganda e
aos novos métodos de luta exigidos pelas condições do momento. A argumentação fundamental
versava sobre a tão debatida questão de um programa anárquico, apto para tomar as rédeas à

581
Carta de Antônio Ghioffi ao delegado de Ordem Social. São Paulo, 28/5/31. Prontuário n.º 880, v. 1.
DEOPS/SP.
582
Informe a Ignácio da Costa Ferreira, in: Prontuário de Pedro Motta Lima, n.º 511, f. 3. DEOPS/SP.
583
Informe reservado de Antônio Ghioffi. Prontuário do PCB, n.º 4.243, v. 2. DEOPS/SP.
584
São Paulo, 29/4/31. Prontuário da Federação Sindical Regional de São Paulo, n.º 880, v. 1. DEOPS/SP.
585
Carta de José Oiticica. Rio de Janeiro, 11/5/1931.Ms. Prontuário de José Oiticica, n.º 860. DEOPS/SP.
586
Informe reservado do agente "Guarany". São Paulo, 24/12/34. Prontuário n.º 860. DEOPS/SP.
587
"Federação Comunista Libertária", in: Prontuário da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil,
n.º 532, f. 38. DEOPS/SP.
588
Prontuário de Lucas Gabriel, n.º 97.772. DEOPS/SP.
revolução — de manejar as massas para decidi-las pela ordem social baseada no comunismo
anárquico. Os revisionistas pretendiam um governo anárquico, de caráter transitório. Para os
anarquistas históricos, tanto valia que os revisionistas se passassem diretamente, "com proveito de
tempo e de causa", para o campo dos comunistas de Estado. O comunismo autoritário era por eles
visto como uma "ditadura pseudoproletária, dotada de uma centralização mastodôntica e
significando sobretudo governo, monopólio, liberticídio, asfixia e opressão do indivíduo". O
comunismo anárquico afirmava sua razão de ser na não-predominância de classe, no não-governo,
na livre associação, na livre iniciativa, em núcleos autônomos e na liberdade integral do indivíduo.589
Embora residindo no Rio de Janeiro, onde era professor do Colégio Pedro II, José Oiticica
exercia intensa militância em São Paulo. Há mais de 20 anos Oiticica era um dos líderes mais
influentes do movimento anarquista no Brasil, e a sua ação intelectual irradiava-se em todas as
esferas, desde os mais baixos centros da população obreira até as mais altas camadas sociais. Em
1931, Oiticica realizou uma jornada densa de propaganda na capital paulista, proferindo três
conferências : "Comentários às declarações de Trotski"; "O 'bleuf' do plano qüinqüenal" e "O
movimento macknovista"590, que servem como elementos de observação da luta que se travava
então entre comunistas e anarquistas, no cotidiano revolucionário. Na primeira conferência,
organizada por Arsênio Palácios, Oiticica mostrou aos assistentes vários livros de Trotski e de
outros mentores do comunismo, todos eles exilados e perseguidos pelo governo de Stalin. Apoiado
nesses documentos, o conferencista fez o histórico do triunfo do partido bolchevista, que venceu os
sociais-democratas, os socialistas revolucionários, os cadetes menchevistas partidários de
Kerenski, e apontou os meios ilícitos que Trotski e Lenine usaram, principalmente por ocasião do
congresso dos camponeses, em pleno movimento da revolução de outubro, em 1917. Nesse
momento, Aristides Lobo aparteou dizendo que, apesar de ter sido aluno do dr. José Oiticica,
tomava a liberdade de dizer ao antigo professor que ele desconhecia por completo a história da
revolução russa e que os anarquistas sofriam de russofobia, esquecendo-se que no Brasil eram
deportados os líderes da vanguarda do proletariado. Oiticica respondeu que o Brasil não era o
paraíso bolchevista, e que se Batista Luzardo era reacionário, mais reacionários foram Trotski e os
seus comparsas, pois o comunismo como doutrina social era a da mais valia nos domínios da
autoridade. Ao finalizar a segunda conferência, a mulher de Oreste Ristori provocou um pequeno
incidente, dizendo que Oiticica, em vez de atacar o governo dos trabalhadores, devia atacar a
ditadura fascista de Getúlio. Florentino de Carvalho respondeu dizendo "que os comunistas deviam
deixar as mulheres em casa e vir eles diretamente discutir as questões sociais. Em vez de ficarem
em casa as mulheres, ficavam os homens. Perguntava se essa era a nova tática dos bolchevistas
no Brasil".591
Esses episódios não foram isolados, pois a luta contra os comunistas foi constante na
história dos anarco-sindicalistas de São Paulo. Em 1931, a Federação Operária de São Paulo dirigiu
uma carta ao dr. Raphael Correa de Oliveira, protestando contra a sabotagem das notícias que
eram enviadas a O Tempo, com o fim de que saíssem publicadas unicamente aquelas que se
referiam à Confederação Geral do Trabalho, organização comunista que respondia ao seu
respectivo partido. O responsável pela sabotagem era Paulo de Lacerda, chefe da revisão de O
Tempo.592 Na Federação Operária de São Paulo, entre muitos, atuava José Carlos Boscolo, diretor
da UTG. Preso após a Intentona, declarou que colaborava nos jornais A Plebe e A Lanterna,
escrevendo sobre assuntos sindicais, sociais e anticlericais. Não poderia ser comunista, pois o
libertário era contra todos os sistemas de ditaduras.593
Em todos os acontecimentos operários, apesar do pequeno número de aderentes, a LC
fazia-se presente, como demonstra o meticuloso serviço de informes reservados da Delegacia de
Ordem Social. Por esses documentos, seguimos a atuação da liga para tentar se impor na
conferência da Federação Operária de São Paulo, quando seria discutido o sindicalismo

589
MALATESTA, Errico. Em torno de uma polêmica. Anarquismo Libertário e Revisionismo Autoritário.
São Paulo, 1932, p.p. 1-17. In: Prontuário de Lívio Abramo, n.º 2.238. DEOPS/SP.
590
Informe reservado de Antônio Ghioffi, in: Prontuário de José Oiticica, n.º 860. DEOPS/SP.
591
Informe reservado de Antônio Ghioffi, de 20/6/31, in: Prontuário de José Oiticica, n.º 860. DEOPS/SP.
592
Informe reservado de Antônio Ghioffi, de 19/2/31, in: Prontuário de Francisco Quesada, n.º 497, f. 1.
DEOPS/SP.
593
Declarações existentes no prontuário de João da Costa Pimenta, n.º 217, f. 30. DEOPS/SP.
revolucionário. Embora públicas, nas discussões tomariam parte somente os que estivessem
munidos de credenciais de associações, de comitês pró-associações ou de comitês pró-federação.
O partido se preparou para criticar a ação da federação. Segundo o informante policial,
"presentemente os comunistas tratam de orientar-se por meio de Afonso Schmidt e Aristides Lobo,
depois de terem angariado várias assinaturas para o caso WICKOSU, para que o mesmo seja
readmitido no partido, e, com ele, todos, ou a maioria dos que foram expulsos". O Manifesto
Comunista merece o seguinte relato do secreta:

"O mesmo grupo estava trabalhando para a publicação de um manifesto,


estando encarregada dos preços a Tipografia Mário Dupont, ex-Jovem
Comunista, que em outros tempos trabalhou para a formação da Juventude
Comunista. O manifesto trará a assinatura de Marques594 ou outro qualquer.
Aristides recomendou que se obtenha o preço mínimo, contra pagamento
imediato por mil exemplares."595

Antônio Ghioffi, um secreta da polícia que atuava nos meios sindicais, enviou à DOS, em
13/3/31, uma cópia da ata da sessão inaugural da Conferência Operária Estadual, solicitando
devolução “a fim de devolver o empréstimo”. Ghioffi era pessoa que privava da confiança de
Azevedo Marques. Dele recebeu a informação de que a Confederação Geral do Trabalho tinha
enviado aos anarquistas uma proposta de “frente única”, dirigida a Arsênio Palácios. Ghioffi juntou
dois exemplares de boletins que estavam sendo distribuídos na capital paulista e que foram
entregues à pessoa de suas relações pelo ex-tenente revolucionário “Guarany”. O “reservado”
advertiu ainda o delegado da Ordem Política e Social de possíveis infiltrações de comunistas no
Gabinete de Investigações, propiciadas pela “ingenuidade” do dr. Raphael Corrêa de Oliveira, com a
intimidade que mantinha com pessoas que chefiavam o movimento revolucionário em São Paulo.596
Em confirmação a essa suspeita, Ghioffi informou, alguns dias mais tarde, que Coripheu de
Azevedo Marques estava a par das prisões que seriam efetuadas, das quais soubera por intermédio
de Jayme Adour da Câmara, que se informara também de fonte direta, copiando os nomes (em
número de 12) de uma pessoa do Gabinete de Investigações que respondia pelo nome de
“Timotheo”. Azevedo Marques esteve à procura de Raphael Corrêa de Oliveira para tratar da
liberdade de João da Costa Pimenta. Também, quando um inspetor da DOPS procurara Aristides
Lobo em sua residência, pretextando fazer-lhe a entrega de uma carta vinda do Rio, Aristides já
estava preparado para o caso, “em vista do que fracassou a diligência”. Com Aristides moravam
outros comunistas, escreveu Ghioffi.597
O Congresso Operário, ao qual se referia Ghioffi, constituiu o ponto culminante da atividade
da LC, do qual participou sem o partido. Este (diz a Liga), em lugar de, juntamente com ela,
comparecer ao congresso para tomar a direção das mãos dos anarquistas, lançou-se em "pleno
divisionismo aventurista", fundando com a "cumplicidade" do jornal O Tempo, uma nova federação
e programando congressos operários clandestinos em oposição ao preparado e organizado pela
Federação Operária, que já abrangia todos os sindicatos operários de São Paulo. No Congresso
Operário, a LC constituiu uma pequena fração que, pela primeira vez, defendeu pública e
abertamente a linha sindical comunista, aparecendo como organização política, fração de esquerda
do partido.
A ata da "Sessão Pública de Encerramento da 3.ª Conferência Operária de São Paulo",
realizada nos dias 13, 14 e 15 de março de 1931, permite-nos ter uma idéia clara da situação do
operariado paulista e de como a LC se posicionou a respeito. Ainda mais, permite-nos ver os
aderentes da liga em plena ação junto a correntes majoritárias que lhes eram hostis, numa tática
que procurava contrabalançar o pequeno número de aderentes com a demonstração de uma
imensa combatividade.

594
Trata-se, evidentemente, de Karl Marx.
595
Informe reservado de João Guerra a Ignácio da Costa Ferreira, delegado da Ordem Social. São Paulo,
14/2/31. Prontuário de Afonso Schmidt, n.º 11. DEOPS/SP.
596
Prontuário de Coripheu de Azevedo Marques, n.º 52. DEOPS/SP.
597
Informe reservado de Antônio Ghioffi à DOPS. S. Paulo, 7/4/31. Prontuário de Coripheu de Azevedo
Marques, n.º 52. DEOPS/SP.
José Destefani figurou como presidente da sessão de encerramento da conferência,
realizada no Salão Celso Garcia da Associação das Classes Laboriosas, e que contou com a
participação maciça das delegações inscritas. A estratégia da liga começou a funcionar com Víctor
Azevedo Pinheiro marcando presença ao lado de Arsênio Palácios (do sindicalismo ministeriável e
colaborador da polícia) no secretariado do evento.
Edgar Leuenroth, relator da tese "Modalidades da Organização Sindical (Resolução do 1.º
Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio, em 1906; Resolução do 2.º Congresso Operário
Brasileiro, realizado no Rio, em 1919; Resolução do 3.º Congresso Operário Brasileiro, realizado no
Rio, em 1920)", observou que as modalidades de organização sindical que apresentava eram uma
conseqüência lógica do movimento operário, através de seu desenvolvimento natural. As
resoluções de 1920 ainda se adaptavam às condições do momento. A 3.ª Conferência, examinando
as resoluções dos três congressos (1906, 1913 e 1920), relativamente às modalidades da
organização sindical, resolveu aprová-las, demonstrando a justeza da crítica dos oposicionistas
sobre terem ficado sozinhos na linha de combate ao anarco-sindicalismo, então dominante no meio
operário paulista.
Plínio Melo concordou, em linhas gerais, com o trabalho apresentado pela maioria, mas
reservou-se o direito de fazer uma declaração de voto sobre a matéria, na qualidade de membro da
comissão de tese e em minoria, para que se não insinuasse que havia sectarismo por parte da
corrente que representava (LC). A objeção de Plinio Melo ligava-se à fundação de sindicatos de
ofícios vários, que contradizia com o próprio espírito de organização operária, e que constituía ainda
um precedente perigoso para possíveis explorações, pois o objetivo da organização operária não
era "organizar por organizar".
O "camarada Aristides Lobo" tomou a palavra e se solidarizou com as opiniões de Melo.
Declarou-se contra a tática adotada pela maioria relativamente à utilidade dos sindicatos de ofícios
vários, estendendo-se em considerações sobre a aliança que deveria existir entre os trabalhadores
do campo e das cidades, e preconizando a fundação de comitês de fábricas e comitês de fazendas
— que seriam, em germe, os futuros sovietes. No seu combate à formação dos Sindicatos de
Ofícios Vários, Lobo apontou casos de caráter local, dizendo que no interior, nas pequenas cidades,
onde havia poucos operários para a constituição de sindicatos à base de indústria, deviam eles se
unir a uma federação local. Na cidade, seria ainda menos aconselhável a organização de Sindicatos
de Ofícios Vários. Apresentou a seguir uma proposta no sentido de a Conferência Operária
Estadual apoiar a idéia da reconstituição da Confederação Geral do Trabalho, nos termos de uma
moção que expressa a situação da luta que então se travava pela condução do movimento operário
em São Paulo, e de como a LC tentava influir nesse processo. A resolução apresentada por Lobo
sugeria que a Federação Operária de São Paulo apoiasse o movimento pela reorganização da
CGTB, e que — uma vez reorganizada a CGTB — ingressasse na mesma, formando ao lado das
demais federações estaduais. Essa posição tinha por fundamentos que:
1.º - sem unidade sindical, não poderia haver organização proletária eficiente;
2.º - a existência de duas Confederações Operárias no Brasil só tinha servido para dividir os
trabalhadores;
3.º - a Confederação Operária Brasileira só teve uma existência transitória, esfacelando-se
completamente mais tarde;
4.º - foi organizada em 1929 a Confederação Geral do Trabalho do Brasil, nascida de um
congresso operário nacional de unidade sindical;
5.º - querer fazer reviver, por uma simples questão de nome, a Confederação Operária
Brasileira, sem tradições no movimento operário, seria fazer obra de divisionismo, prejudicial aos
interesses coletivos do proletariado;
6.º - já existia um movimento em prol da reorganização da CGTB.
João da Costa Pimenta desenvolveu, em seguida, uma tática de cooptação dos libertários à
moção de Aristides Lobo, dizendo que a mentalidade dos anarco-sindicalistas era cada vez menos
apolítica, e que saía cada vez mais fora do espírito corporativista. Tática frustrada. Florentino de
Carvalho declarou-se anarquista e que, ao entrar no sindicato, não deixava as idéias fora — entrava
integralmente. Não pertencia, porém, à liderança, nem à vanguarda do proletariado, mas
simplesmente ao proletariado, de vez que os anarquistas não aspiravam conquistar posições, mas
pretendiam a libertação do proletariado, a emancipação da humanidade. Pelo contrário, os
"pseudocomunistas" insistiam em denominar, no sentido de ascendência sobre o proletariado,
liderança e vanguarda do proletariado à parte mais ativa dos militantes, e em empolgar as
organizações operárias pela política do respectivo partido.
Edgard Leuenroth comentou a contradição que encerrava a proposta de Aristides Lobo,
pois que, entre as moções aprovadas, figurava o não-reconhecimento da CGTB. A moção de Lobo
acabou por ser rejeitada por maioria de votos, manifestando-se a favor a minoria comerciária, a
União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo, a União Gráfica de Bauru, e um dos delegados da
União dos Canteiros de São Paulo. Isto é, as associações de classe influenciadas pelos opositores
de esquerda.
Hermínio Marcos combateu os conceitos emitidos por Lobo, sustentando que a minoria
comunista não visava a defesa dos operários, e, sim, a uma política de interesses partidários
inconfessáveis. Sustentou as suas declarações delatando a política que os comunistas realizavam
para se elevarem ao parlamentarismo parasitário e prejudicial. Com essa obra política no seio das
organizações operárias, os comunistas pretendiam pleitear o reingresso ao PC, de onde, em sua
maioria, foram expulsos. Leu, a seguir, as declarações contidas num folheto editado pela Liga
Comunista, que servia de documentação às suas palavras.
João da Costa Pimenta defendeu a resolução apresentada por Lobo e afirmou que, ao
contrário, quem estava fazendo política eram os anarco-sindicalistas, e que o Congresso realizado
em 1929 fora um fato transcendental para o proletariado.
Manoel Medeiros secundou as afirmações feitas pelos seus companheiros de bancada,
dizendo que não podia negar a existência da CGTB, porque essa entidade tinha ajudado a greve
dos gráficos. Afirmou ter feito parte do PC, e que não era desdouro dizer que era comunista, e que
a maioria dos associados da UTG simpatizava com os ideais de comunismo.
Lobo pediu a palavra para impugnar a moção apresentada por Leuenroth, criando um
comitê federativo no seio da federação, dizendo que, no intuito de que não continuasse a imperar o
divisionismo entre o proletariado, e considerando que aquela moção não resolvia o problema de
unidade sindical, apresentava uma resolução conciliadora, para que se pudesse trabalhar no
sentido de uma fusão entre a Confederação Geral do Trabalho do Brasil e a Confederação Operária
Brasileira, nos seguintes termos:

"1.º - Considerando que a proposta anterior, visando pôr um termo ao


divisionismo entre os trabalhadores foi rejeitada; 2.º - considerando, entretanto,
que é absolutamente necessário acabar, por qualquer forma, com esse
divisionismo;
a Conferência Operária Estadual resolve:
Lutar pela realização de um congresso operário nacional de unidade
sindical, onde será reorganizada uma confederação nacional na base da união
de ambas as partes atualmente em debate, devendo ser escolhido um nome
neutro. Pede, portanto, que os delegados meditem sobre esta resolução,
dizendo que não saberia como denominar o ato de uma reprovação por parte
dos delegados desta medida de conciliação e de unidade sindical
revolucionária."

O camarada Edgard justificou novamente a sua moção, dizendo que a resolução de Lobo
significava uma adesão em princípio à CGTB. Foi aprovada a moção de Leuenroth por 16 votos
contra 7.
Lobo, vencido, sustentou um trabalho aplicável ao assunto, trazendo a plenário
observações do ambiente do campo, frisando a necessidade que tinha o trabalhador da cidade de
organizar o trabalhador do campo, e a competência que cabia à Federação Operária de marcar dia
determinado do ano para angariar meios para sufragar as despesas que decorreriam de um
trabalho dessa ordem para a organização dos camponeses. Sugeriu que os operários de cada
sindicato contribuíssem com um dia de trabalho para que a Federação Operária pudesse enviar
representantes para o interior do Estado, a fim de criar comitês de fazendas, base da associação
dos trabalhadores agrícolas. Para subsidiar essa posição da liga, Lobo apresentou um estudo sobre
a situação dos trabalhadores da Noroeste — zona nova —, que se encontravam desamparados
totalmente, e acentuou as condições por área dos trabalhadores localizados em zonas velhas.
Nesse quadro, destacou a situação do agregado, do camarada, que trabalhava de sol a sol, muitas
vezes principiando de madrugada e só largando o serviço às sete ou oito horas da noite,
percebendo um salário de 3$000 a seco. Referiu-se a uma família de colonos, composta de quatro
pessoas, que ganhava 450$000 por um ano, e com a obrigação de tratar de 3.000 pés de café; e
ainda aos peões, sujeitos à iníqua fiscalização do capataz, e ao sitiante (pequeno proprietário), que
não conseguia o necessário para viver, vendo-se obrigado geralmente a hipotecar sua propriedade
a juros de 3% a 5% ao mês, em cujo pagamento ele empregava tudo o que ganhava. Apresentou
dados de atraso dos pagamentos e indicou uma estatística sobre o trabalhador do campo, assim
dividida: 70% de colonos; 20% de sitiantes (vivendo em geral de salários); 7% de camaradas e 3%
de agregados. Para que se pudessem atender às necessidades dos trabalhadores do campo, Lobo
leu uma resolução a ser adotada pela conferência, concebida nos seguintes termos:

"A COE, tendo analisado detalhadamente a penosa situação em que se


debatem os assalariados agrícolas (agregados, camaradas e colonos) e os
sitiantes pobres (pequenos proprietários proletarizados), resolve apresentar as
seguintes reivindicações:
1.º - aumento de salários de 200%, ou seja, 9$000 a seco e 7$000 com
comida;
2.º - aumento de salários de 90% para os colonos, ou seja, 850$000 por
ano, para o trato de 3.000 pés de café.”

Lobo ainda propôs à mesa que a Conferência protestasse, em nome do proletariado


urbano, “contra a manobra infame do Ministério do Trabalho, que encaminha, como um trambolho,
para a roça, os desempregados da cidade, que lá irão morrer de fome".
Esse protesto foi aprovado e estendido à perseguição que vinham sofrendo todos os
partidários de quaisquer tendências ideológicas proletárias. No dia seguinte, Lobo enviou uma carta
ao Correio da Tarde e à Folha da Noite ratificando a sua posição contrária ao deslocamento,
ordenado pelo Ministério do Trabalho, de trabalhadores industriais sem trabalho para a lavoura,
medida cujo resultado só poderia ser o de vir a aumentar o exército faminto dos assalariados
agrícolas.598
Na Conferência Operária Estadual, Aristides falou, ademais, sobre a necessidade que havia
de fazer executar a Lei de Férias, então suspensa, "enquanto as leis compressoras eram facilmente
cumpridas".
A União dos Trabalhadores da Ligth — controlada pela reação — pediu para ser lida uma
moção protestando contra a opressão exercida pelo capitalismo, não só contra os trabalhadores
russos, mas também contra os trabalhadores do resto do mundo. Lobo afirmou que na URSS não
se perseguiam trabalhadores, mas um ou outro militante político, lendo um protesto que os
comunistas dissidentes iriam enviar a Stalin, contra a perseguição de que eram vítimas na Rússia
os comunistas pertencentes à fração leninista, como Rakoviski e outros membros da ala leninista-
trotskista.
Foi aprovada a moção de protesto apresentada por Aristides Lobo contra todas as
perseguições de que estavam sendo vítimas os militantes operários em todos os recantos do país,
inclusive no Estado de São Paulo, como havia acontecido com uma delegação operária do interior,
que esteve presa por cinco dias na capital paulista, e com Florêncio Tejeda, que se encontrava
preso com ameaças de deportação.
Às duas horas da madrugada do dia 16/3/31, o "companheiro presidente" deu por
a
encerrada a 3 . Conferência Operária Estadual, convocada e patrocinada pela Federação Operária
de São Paulo. As assinaturas apostas à ata fortalecem a compreensão da hábil estratégia seguida
pelos trotskistas. Assinam Plínio Melo, João Matheus (pela UTG/Bauru); Manoel Medeiros e João
da Costa Pimenta (pela UTG/SP); Aristides Lobo (pela Minoria Comerciária); e mais dois delegados
que não pertenciam à LC: Hermínio Marcos (LOCC) e Thomaz Ribeiro Diniz (SOFV).599
No decorrer do ano de 1931, a Confederação Geral do Trabalho do Brasil e a Federação
Sindical Regional convocaram três congressos de unidade sindical, mas todos fracassaram. O
primeiro, realizado em março, teria sido convocado especialmente para desmoralizar o Congresso

598
Carta ao diretor do Correio da Tarde. São Paulo, 17/3/1931. FLBX .
599
Prontuário da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil, n.º 532, fls. 1-18. DEOPS/SP.
promovido pela Federação Operária de São Paulo. Este se realizara, porém, nos dias 13, 14, 15 e
16 e os comunistas (aderentes da liga, como vimos) então propuseram ao plenário do Congresso
da Federação Operária a frente única, que foi rejeitada por todas as organizações, com exceção
dos votos da delegação dos gráficos. A Federação Sindical Regional de Santos estava também em
mãos do partido.600
Nesse mesmo ano de 1931, a União dos Trabalhadores Gráficos — considerando-se como
a vanguarda proletária paulista e cônscia do papel decisivo que jogava nos destinos da classe
trabalhadora — apresentou uma proposta de desligamento da UTG da Federação Operária de São
Paulo, em virtude da prisão de diversos militantes gráficos e de outras ocorrências, diante das quais
a atitude da direção daquele organismo proletário foi vista como dúbia e equívoca. Na mesma
ocasião, revelando a influência trotskista de seus quadros de liderança, a UTG manifestou-se
favorável à proposta de frente única feita pela Federação Sindical Regional de São Paulo.601 O
afastamento dos gráficos da federação justificava-se plenamente: além das tendências anarquistas,
aquela organização estava — no momento — dominada por Hermínio Marcos, colaborador da
polícia. Nessa qualidade, ele lançara um boletim todo consagrado ao combate aos elementos
comunistas da federação, especialmente os trotskistas. Motivo pelo qual "fatalmente os comunistas
leninistas virão atacar com mais denodo os elementos da Federação", afirma Ghioffi.602
Os stalinistas concentraram seus esforços no terreno sindical no objetivo de unir todos os
sindicatos em torno de uma única confederação, por eles dirigida. No Rio, o movimento data de
1927603; em São Paulo, de 1931, com um atraso que deixa perceber a grande influência ainda
exercida pelos anarco-sindicalistas e pelos trotskistas.
A LC resolveu participar da Conferência para a Unidade Sindical, promovida pelos
stalinistas para o dia 2/10/31, com dois delegados da UTG (membros da liga), argumentando que
seus delegados deviam ter uma atitude análoga "à única atitude que poderiam assumir, por
exemplo, dois representantes proletários num parlamento burguês", isto é, os camaradas da
oposição deviam tomar parte em todos os debates, mas baseados "num programa de destruição".
Era necessário "desmascarar o caráter sectarista da Conferência, a má-fé dos seus organizadores,
o seu sentido de bluff”, uma vez que não se tratava de uma Conferência de "Unidade Sindical", mas
de um "truc stalinista visando consolidar a posição dos stalinistas, isto é, aprofundar o divisionismo
no terreno sindical".
Seria preciso, na Conferência, formular a pergunta:

"Com que direito uma das partes convoca uma conferência destinada a
apagar uma divisão que ela mesma provocou? Trata-se, então, de convocar
uma conferência visando à unidade dentro da FSR, isto é, à concordância
tácita com os erros e crimes dos stalinistas. Mas, admitindo que os stalinistas
conseguissem a unidade formal, isso não seria a unidade sindical, mas, na
realidade, a unidade para o matadouro, isto é, a morte coletiva dos sindicatos."

Essa seria a parte propriamente negativa da atividade dos liguistas na Conferência. Quanto
à parte positiva, a delegação gráfica devia propor, como resolução única da Conferência, a
nomeação de dois ou três delegados da Federação Sindical Regional para a constituição de um
comitê de unidade sindical com outros elementos que seriam recrutados na FOSP (stalinista) e nos
sindicatos desligados. Só um comitê dessa natureza e assim constituído, cujo conteúdo seria uma
frente única pela unidade sindical, seria realmente capaz, no entender da direção da liga, de atingir
o objetivo visado. Do contrário, não se resolveria o problema, "pois qualquer das facções em luta
poderia, igualmente, convocar a 'sua' conferência de 'unidade sindical', mas sem que as restantes
quisessem formar sob uma bandeira sectária". Os delegados da LC deveriam frisar na Conferência
o caráter que tinha o sindicato de organização de massas, embora isso não significasse que os

600
Relatório ao Delegado de Ordem Social. São Paulo, 10/10/1931. Prontuário n.º 880, v. 2, doc. n.º 57.
DEOPS/SP.
601
Boletim da U.T.G. Prontuário da Federação Sindical Regional de São Paulo, n.º 880, v. 1. DEOPS/SP.
602
Carta de Antônio Ghioffi ao delegado de Ordem Social. São Paulo, 3/8/31. Loc. cit., f. 21.
603
ROIO, José Luiz Del. 1.º de Maio. Cem anos de luta. 1886-1986. Org. pelo Centro de Memória
Sindical. São Paulo: Global, 1986, p. 143.
oposicionistas pudessem aspirar a uma unidade "ideológica"; pelo contrário, a luta ideológica era
necessária e mesmo inevitável, mas era preciso sempre "garantir o caráter de organização de
massas do sindicato, como base para a unidade orgânica". A argumentação dos aderentes da liga
deveria ser desenvolvida "sempre em nome do sindicato, sem declinarem um só instante a sua
qualidade de membros da liga". Para reforçar a posição da delegação gráfica, a direção achava
oportuno conseguir que outros dois camaradas da liga comparecessem à conferência como
representantes dos chauffeurs ("Tigre e Hal, por exemplo”). O mesmo seria possível conseguir com
o Departamento da Imprensa da UTG (Pimenta e Xavier, unidos a mais dois camaradas). Para
reivindicar esse direito de representação (o que já fora tentado na Conferência Operária dos
anarquistas), os liguistas alegariam a autonomia do departamento dentro da UTG e os interesses
particulares da corporação da imprensa, e teriam, com a realização dessa tática, a enorme
vantagem de terem na Conferência seis representantes de organizações sindicais agindo com o
ponto de vista da liga.604
O Congresso de Unidade Sindical acabou por ser promovido pela Federação Sindical
Regional, que dirigiu uma circular a todos os sindicatos operários de São Paulo, recomendando-lhes
que se fizessem representar no congresso a ser realizado no dia 2 de outubro de 1931. Essa
circular critica asperamente as autoridades federais e estaduais, que prenderam militantes do
Partido Comunista e da Federação Sindical Regional.605 O caso central referido na circular — o
assassinato do militante sindical da União dos Estivadores, Café e Federação Sindical de Santos,
aderentes à FSRSP, Herculano de Souza — deveria ser respondido pela união dos trabalhadores
em torno do Congresso de Unidade Operária da FSRSP. O "sangue operário derramado, as
prisões, os espancamentos e espaldeiramentos de que foram vítimas centenas de operários"
demonstravam mais uma vez que a federação tivera razão quando denunciara que Laudo de
Camargo e Cordeiro de Faria "eram em tudo iguais aos reacionários que eles combatiam, eram em
tudo iguais a Júlio Prestes, Laudelino de Abreu, João Alberto e Miguel Costa, que por intermédio
dos seus legionários espancavam militantes operários, nas ruas desta capital". Aludindo à miséria
do proletariado de São Paulo, ao aumento das horas de trabalho, com a supressão da Lei de Férias
e do Descanso Dominical, à brutal reação da polícia que impedia as massas de se reunirem,
prendendo e matando operários e chegando ao extremo de impedir mesmo o enterramento dessas
vítimas, a federação anuncia o Congresso Sindical de Unidade Operária, que se realizaria na cidade
de São Paulo, no dia 18/9/1931 (transferido posteriormente para o dia 2 de outubro). Nesse
congresso, os operários defenderiam um aumento geral dos salários, a jornada de sete horas —
"para dar trabalho aos desempregados" —, o pagamento de um quilo de pão e 4$000 diários a cada
desempregado, a jornada de seis horas para os jovens e as mulheres, e se pronunciariam contra a
lei de sindicalização fascista.606
A Federação Sindical anunciou no jornal O Proletário o objetivo do congresso: unificar o
movimento sindical no Estado de São Paulo a fim de se formar uma forte frente única de operários
de todas as tendências religiosas ou políticas, para se opor à frente única que a burguesia ia
fazendo contra a classe proletária. Em outras palavras, preparar os trabalhadores para a luta de
classes. A notícia salienta a grande vitória da Federação Sindical Regional, obtendo a participação,
embora sem voto deliberativo, de duas fortes organizações sindicais que pertenciam à Federação
Operária — a União dos Trabalhadores Gráficos e a União dos Operários Canteiros. Dessa forma
os trabalhadores iam aos poucos se convencendo que nada poderiam esperar da Federação
Operária, cuja política divisionista era acusada de ter dificultado o progresso das organizações
sindicais no Estado de São Paulo. A notícia afirma que os 100.000 membros da Federação
Operária, propalados por "Hermínio e Cia.", na realidade não passavam de mil, pois aquela
organização estava sendo abandonada pelos trabalhadores. Ao contrário, a Federação Sindical
Regional de S. Paulo, apesar dos contínuos arremessos da reação fascista, ia organizando os
trabalhadores (Sindicato Unido dos Metalúrgicos, Sindicato do Vestuário, Sindicato da Madeira) e

604
Carta de "Antônio" (Aristides Lobo), secretário-geral da LC. São Paulo, 29/9/31. Prontuário da
Federação Regional Sindical, n.º 880, v. 1. DEOPS/SP.
605
Carta de Antônio Ghioffi ao delegado de Ordem Política e Social, Ignácio da Costa Ferreira. São Paulo,
22/9/31. Prontuário da Federação Sindical Regional de São Paulo, n.º 880. DEOPS/SP.
606
Carta de Antônio Ghioffi ao delegado de Ordem Social. São Paulo, 18/9/31. Prontuário n.º 880, v. 1.
DEOPS/SP.
aumentando a sua influência. E isso acontecia porque a linha da Federação Operária era
oportunista, e a linha da Federação Sindical era revolucionária. A primeira praticava, como norma, a
conciliação de classes, e a segunda não só inscrevia no seu programa como realizava a norma da
luta de classes. Porque, finalmente, "a Federação Sindical Regional 'organiza' os trabalhadores e a
Federação Operária anarcoidista 'desorganiza' e impede — como a Liga da Construção Civil — a
organização dos desempregados".607
Temos, assim, resumida a política sindical seguida pela LC.
Sujeitos à ação de eficientes (ao que transparece da documentação) agentes policiais
infiltrados em suas fileiras, o Congresso de Unidade Sindical foi dissolvido por ação violenta da
polícia. Turmas de inspetores da DOPS e de outras delegacias dirigiram-se ao salão do Bairro do
Ipiranga, designado como local para a reunião. Antes fora feito um reconhecimento e foi notado que
à porta do salão se conservavam quatro indivíduos, com o fim presumível de observar o movimento
de pessoas suspeitas. Além deles, também foi visto um menor que, espaçadamente, conduzia-se
até o ponto do bonde, para espreitar a própria polícia. Essas precauções dos sindicalistas devem ter
permitido que boa parte dos presentes fugisse, pois quando a polícia decidiu entrar no recinto
encontrou reunidas apenas cerca de vinte pessoas. Nas paredes, estavam colocadas grandes
bandeiras vermelhas, com dizeres diversos, dando vivas à Confederação Geral do Trabalho e à
Federação Sindical Regional de São Paulo, demonstrando claramente a tentativa de subtrair os
sindicatos da influência libertária da Federação Operária. Foram detidas as pessoas que ali se
encontravam, cujos nomes demonstram que, na ocasião, eram todas aderentes ou simpatizantes
da LC. Domitiliano Rosa, também conhecido por "Joaquim Conceição", era quem presidia a sessão.
Ele já havia sido preso por duas vezes em ações da liga: na ocasião da conferência do ministro do
Trabalho e na residência da agente da IC, Olga Pandarsky, que presumivelmente tentou ser
cooptada pelos oposicionistas paulistas, pois em sua casa reuniam-se Aristides Lobo, Mário Dupont
e outros. Em poder de Domitiliano Rosa encontraram-se documentos que "comprometiam
seriamente" diversos trotskistas: Martins Marques, José Egydio Russo e o gráfico Mário Dupont,
que se vinha evidenciando em movimentos grevistas, e que, em julho daquele ano, fora detido em
companhia de Aristides Lobo. Entre os documentos apreendidos os policiais chamam a atenção
para um "manuscrito de um firmatário de nome Antônio, datado de 29/9/31, cuja caligrafia,
entretanto, confrontada com a de Aristides Lobo, corresponde perfeitamente a esta". Fica patente
que a polícia conhecia intimamente os líderes perseguidos, pois era capaz de identificar a letra de
Aristides Lobo, o que presumivelmente faria com os demais intelectuais que militavam no meio
operário.
À Repartição Central de polícia foram requisitados, cerca das 24h30, dois carros de presos
que transportaram os detidos para o Presídio Político da Imigração, onde ficaram à disposição do
comissário de Ordem Política e Social. Seus nomes ajudam a compor a constelação dos trotskistas
de São Paulo: Domitiliano Rosa, Benedito Rosa, José Egídio Russo, Luciano Raguna, Cláudio
Garcia, Inácio Martins, Onório Pinto, Gabriel Serra, Elias Garcia, Adolfo Roithman, Pedro Martins,
Martins Marques, Mário Dupont, Carlos Rodrigues, Waldeck Veroni, Matias Lopes, Hilário Alberto,
Américo Gonçalves, Severino Paulo, Bruno Chabraschi, Vicêncio Domingos Prates, Diego
Fernandes e José Martins.
Demonstrando o grau de determinação dos prisioneiros, no caminho para o Gabinete de
Investigações e dali à Imigração, eles entoaram o hino da Internacional Comunista.608
Cinco dias após, foi apresentado relatório minucioso ao delegado da Ordem Social sobre o
fracassado Congresso de Unidade Sindical, deixando adivinhar que as informações a respeito
teriam sido extraídas dos interrogatórios de alguns dos prisioneiros e dos papéis apreendidos na
ocasião da captura. A promotora do evento — a Federação Sindical Regional — é apresentada
como aderente da Confederação Geral do Trabalho do Brasil. As dificuldades enfrentadas pelos
trotskistas para a organização do CUS denotaram-se enormes e foram diversas as datas instituídas
para esse fim (por fim se escolheu o dia 5 de outubro, com uma reunião preparatória no dia 4).
Segundo o relatório, tanto a FSR como a CGTB tinham como valor apenas expressão nominal, pois
não representavam potência numérica de organizações nem contingente de massas, mas adesões
individuais e pequenos núcleos de ação. A primeira era constituída por um grupo; a segunda, por

607
O Proletário, ano 1, n.o 7, outubro de 1931. Prontuário n.º 880, v. 2. DEOPS/SP.
608
Ofício ao comissário de Ordem Política e Social, de 5/10/1931. Prontuário n.º 880, v. 2. DEOPS/SP.
outro; e o Partido Comunista apresentava as mesmas condições. Os comunistas possuíam
federação e confederação sem possuírem sindicatos ou outras organizações operárias. Esse fato
devia-se a que, não dominando as organizações existentes, procuravam por esse meio aparentar
uma força que por enquanto não tinham, e "provocar o divisionismo, a confusão no meio das
massas operárias, a fim de tirar todo o proveito possível, e atirando-as contra a realidade social,
representada pelas instituições históricas".
O Congresso de Unidade Sindical convocado pela FSR não conseguiu a adesão dos
organismos operários de São Paulo, na maioria apolíticos e governamentais. Assim, contou só com
as minorias sindicais, que eram formadas por comunistas disseminados pelas organizações, e que
trabalhavam para levá-las à Oposição de Esquerda do Partido Comunista.
O documento assinado por "Antônio" — que serviria de base para as discussões em que
tomaria parte Mário Dupont como delegado da União dos Trabalhadores Gráficos, junto ao plenário
do Congresso de Unidade Sindical — declarava estar o PC dividido em duas frações: a burocracia
dirigente do partido e a oposição, concentrada na Liga Comunista. A burocracia tinha como chefe
máximo Stalin, o ditador de todas as Rússias, e a oposição, Leon Trotski. A posição política dessas
duas correntes do PC — burocracia e oposição —, fazia com que se digladiassem mutuamente,
lutando pelo domínio na direção do partido e das massas operárias e camponesas.
O relatório policial informa que a Liga Comunista em São Paulo tinha a sua base de
operações na sede da União dos Trabalhadores Gráficos, e eram seus "mentores" Aristides Lobo,
João da Costa Pimenta, Plínio Melo, Lívio Xavier, Víctor de Azevedo Pinheiro, Manoel Medeiros,
Fausto de Campos, todos estes intelectuais, salvo Medeiros, operário. Para o Congresso da
Unidade Sindical a UTG enviou dois delegados: Mário Dupont (portador do documento de Aristides
Lobo) e Raguna (portador de um documento de Plínio Melo). .
Em seu documento, Aristides Lobo acusa a burocracia de divisionista, faz a crítica da
atuação dos dirigentes do partido no seio da massa trabalhadora, dizendo que lhes carecia
competência para falar em nome da unidade sindical. No entanto, sugere ao congresso a formação
de um comitê de unidade, que deveria ser constituído por elementos da burocracia (PC), elementos
da oposição (liga comunista) e anarco-sindicalistas (Federação Operária de São Paulo), pois só
assim se teria de fato a frente única operária, com a concentração de todas as correntes em um só
bloco.
A Federação Operária de São Paulo, sob a direção dos anarco-sindicalistas, diante da
atitude política (oposição com maior intensidade e burocracia com menor) que vinha tomando a
UTG, expulsou-a do seu seio, ficando, por isso, os trotskistas quase sem ação no meio operário,
reduzindo-se as suas atividades ao campo gráfico. Segundo o relatório, Lobo procurava "com as
declarações desse documento conquistar as boas graças da Federação Operária, querendo passar
por um valor construtivo. O seu prestígio na realidade é de ser um elemento dispersivo". Caso
viesse a triunfar a tese de Aristides Lobo, o partido e a liga fariam um acordo no terreno sindical.
Depois procurariam a adesão da Federação Operária. Esta organização era liderada por Arsênio
Palácios, um dos temidos “agentes reservados” infiltrados no meio sindical, que recebe este elogio
da polícia: a FO muito devia a esse brasileiro, filho de espanhóis, poeta e jornalista, pela maneira
inteligente como a dirigia.609 Cópia de uma notícia da Folha da Manhã, datada de 3/8/31, reproduz
esse juízo de valor sobre Palácios, testemunhando que muitas notícias de jornais eram produzidas
direta ou indiretamente por policiais. Testemunhando, ademais, sobre a luta que se travou entre
comunistas e anarquistas pelo controle do operariado paulista, além das “ligações perigosas”
estabelecidas entre libertários e policiais, claramente definidas pelo jornal. Diz a notícia que São
Paulo possuía 13 sindicatos com aproximadamente mil trabalhadores filiados à FO, graças “à ação
enérgica de Hermínio Fernandes, Arsênio Palácios, Francisco Cianci e outros”. Ação que evitava a
agitação por melhorias trabalhistas dos operários, protegidos pela liberdade de reunião e de livre
manifestação do pensamento da Revolução de Outubro. Pontifica a notícia:

“Para o antigo governo, o proletariado era um caso de polícia. (...) Pode-se


dizer que ao tempo do PRP existia em São Paulo só uma única classe, a
patronal. (...) O trabalhador brasileiro é, indiscutivelmente, um homem de boa
índole. Pouco afeito à revolta. Por isso, prefere às ideologias extremistas,

609
Informações sobre Arsênio Palacios. Prontuário n.º 1.507, doc. 1, f. 3. DEOPS/SP.
aquela que apresenta um grau maior do espírito de humanidade. À ação
violenta, confusionista, rubra, como é geralmente chamada, prefere a
campanha ideológica, intelectualista, calma, capaz de proporcionar uma
ascensão constante na vida.(...) E é esta a razão por que vivem todos
pugnando pelas idéias de KROPTKINE, o príncipe russo que foi um dos que
mais compreenderam a vida proletária. Filiando-se ao órgão representativo do
anarco-sindicalismo que existe em São Paulo, teremos uma verdadeira
associação de classe, capaz de pugnar pelos nossos interesses. Teremos
contribuído para que os agitadores não venham imiscuir-se em nossa vida.(...)
Os proletários de São Paulo se vêm batendo não apenas pela conquista de
justas reivindicações, mas, sim, contra os membros da Confederação Geral
do Trabalho, que na verdade nada mais é do que um prolongamento das
idéias comunistas no Brasil. Contrários à ação violenta, acham todos que lhes
cumpre bater-se contra os que são nocivos à Boa Ordem dentro do
trabalho.(...) A Federação Operária é acusada, até, de participar de conchavos
com os elementos governistas e de constituir um núcleo excepcionalmente
policial, etc. Mas a verdade é que a Federação é a associação que
corresponde perfeitamente aos desejos dos proletários, sendo uma força
representativa dos trabalhadores.”610

Apesar da situação da FO, exposta acima, a liga considerava que o combate contra os
anarco-sindicalistas e, em última instância, a luta de classes, impunham a formação de uma frente
única sindical. Além do documento de Aristides Lobo, já analisado, há um outro defendendo a
mesma tese, de autoria de "Tapejara", isto é, Plínio Melo, que usava esse mesmo pseudônimo para
escrever no jornal O Trabalho e nas publicações da LC.611
Depois do Congresso Operário, começou o trabalho propriamente do recrutamento, tendo
aderido à LC mais nove pessoas, nos primeiros cinco meses de sua existência.
Como agitação, a liga publicou nesse período dois números do Boletim da Oposição, um
manifesto em favor da organização sindical e outro pela Assembléia Constituinte. Como trabalho de
propaganda, foram editados os números 6 e 7 de A Luta de Classe e um folheto de divulgação
popular das idéias da oposição — "A Oposição Comunista e as calúnias da burocracia" . Nessa
época também foi iniciado um trabalho cultural, tendo sido organizado um programa de edições
marxistas; as primeiras publicações que saíram foram: O marxismo, de Lenin, O Manifesto
Comunista e Os princípios do comunismo, de Marx e Engels, e No caminho da Insurreição, de
Lenin.612

C. Associação de Amigos da Rússia e Socorro Proletário.

Em 31 de março de 1931, a propaganda intelectual em favor da URSS aumentou, ao surgir


em São Paulo a "Associação dos Amigos da Rússia", cuja missão principal era a difusão do
conhecimento dos ideais marxistas revolucionários, embora para o público externo assumisse a
feição de incentivar o intercâmbio comercial, intelectual e artístico com a URSS.613 Foi fundada por
um grupo de intelectuais comunistas, da Oposição de Esquerda, para forçar o governo a
reconhecer a Rússia e manter um intercâmbio com aquele país.614 Essa iniciativa ligava-se à

610
Como se acha organizado o proletário paulista. Cópia de notícia da Folha da Manhã, de 7/8/31. Em:
Prontuário de Arsênio Palácios, n.º 1.507. DEOPS/SP.
611
Relatório ao delegado de Ordem Social. S. Paulo, 10/10/1931. Prontuário n.º 880, v. 2, doc. n.º 57.
DEOPS/SP.
612
"Relatório apresentado pela Comissão Executiva à Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista".
FLBX .
613
Relatório do delegado Pinto Moreira, ano de 1936. Prontuário do dr. Ozório Cézar, n.º 1.936, v. 1, fls.
88. DEOPS/SP.
614
Prontuário de Galeão Coutinho, n.º 163, f. 19. DEOPS/SP.
posição que a liga defendia de defesa da URSS, como a pátria dos proletários, ao mesmo tempo
em que atacava o stalinismo, como traidor da causa revolucionária marxista-leninista.
Uma relação de sócios da AAR inclui aderentes e simpatizantes da liga, na relação de 158
nomes, em geral composta por intelectuais socialistas e oposicionistas de esquerda, embora
também figurem simpatizantes do partido. Nesse elenco, podem ser lidos os nomes de Euclides da
Cunha, Emiliano Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Genolino Amado, Oduvaldo Viana, Oswald de
Andrade.615 A presença exclusiva de intelectuais nos quadros da associação justificava-se pelo
artigo 1.º de seus estatutos: destinava-se a intensificar as relações intelectuais do Brasil com a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a promover o intercâmbio literário, artístico e científico
entre os dois países, a propagar pelo livro, pela imprensa e pela palavra falada a idéia do
reconhecimento, por parte do Brasil, da URSS, para o reatamento das relações diplomáticas entre
os dois países. Os sócios estavam obrigados a combater, por todos os meios, o sentimento de
animosidade contra a Rússia. A papeleta de adesão era acompanhada de normas para a utilização
da "Biblioteca Ambulante Aurora".616
No dia 5 de maio de 1931, a AAR promoveu uma reunião na qual o secreta Antônio Ghioffi
notou a presença de Oswald de Andrade, Aristides Lobo, Plínio Gomes de Melo, João Matheus,
Antônio Mendes de Almeida, Pedro Motta Lima, João Bueno, Galeão Coutinho, Pereira del Rio e
outros. Portanto, pessoas que por suas simples presenças denunciavam o caráter “liguista” daquela
sociedade. Nesse dia, por proposta de Lobo, discutiu-se a ação das autoridades apreendendo livros
de literatura russa e prendendo seus editores. Ficou deliberado que a AAR deveria fazer por todos
os meios ao seu alcance significativos protestos contra esses atentados à liberdade de comércio e
de consciência. Os Amigos da Rússia também nomearam uma comissão para tratar da divulgação
do “plano Nowinski” — de acordo com o agente reservado, um estudo de edificação socialista da
economia, baseado nos princípios marxistas, aproveitando-se os ensinamentos teóricos de Lenin e
Trotski.617
Na ata da reunião da liga (6/5/31), constam duas propostas para a formação da Comissão
Executiva e do Conselho Fiscal da Associação dos Amigos da Rússia, demonstrando, ainda uma
vez, que o controle inicial daquela organização estava em mãos dos oposicionistas de esquerda. Na
primeira figuram Weinstein, Galeão, Ribas, Adour e Antônio Figueiredo. A segunda coloca Adour
como presidente, Marinho como secretário, Galeão na propaganda, e Figueiredo como bibliotecário.
O Conselho Fiscal era formado por Theodoro Sampaio, Augusto Pizzutti e Fausto de Campos618.
Os nomes de militantes mais conhecidos da Oposição de Esquerda provavelmente foram
eliminados a fim de não retirar da AAR o caráter de frente única desejado pelos seus fundadores.
Pelo prontuário de Salisbury Galeão Coutinho, ficamos sabendo que ele falou na reunião de
fundação da AAR, que a polícia informa ter sido fundada por um grupo de intelectuais paulistas para
forçar o governo a reconhecer a Rússia e a manter um intercâmbio com aquele país.619 A
apreciação do secreta sobre Galeão Coutinho não é lisonjeira: ele fizera uma palestra sobre o
“credo vermelho”, porém poucos conseguiram compreendê-lo, pois o seu modo de se exprimir era
muito complicado, “de maneiras que os operários que assistem às suas conferências ficam quase
sempre na mesma". 620
Os jornais passaram a denunciar a associação como perigosíssima “camorra de
bolchevistas, anarquistas, masorqueiros, comunistas”, propondo que se fundasse em São Paulo,
para fazer frente aos patrocinadores da Associação dos Amigos da Rússia, uma Associação dos
Amigos do Brasil. À violência dos ataques ironizou Galeão Coutinho dizendo que em toda parte do
mundo pelo menos 80% dos jornalistas eram recrutados entre os indivíduos inaptos para as

615
Associação de Amigos da Rússia. São Paulo. Relação dos sócios em 31/3/31. FLBX .
616
Inscrição de Aristides Lobo como sócio n.o 14 da Associação de Amigos da Rússia. FLBX .
617
Informe reservado de Antônio Ghioffi. São Paulo, 5/5/31. Prontuário de Plínio Gomes de Melo, n.º 385,
f. 21. DEOPS/SP.
618
Caderneta de Aristides Lobo. FLBX .
619
Informe reservado. Prontuário de Salisbury Galeão Coutinho (Dr.), n.º 163, f. 19. DEOPS/SP.
620
Informe reservado de Guarany. São Paulo, 1933. Prontuário citado, f. 12.
profissões que exigiam instrução primária. Portanto, os jornalistas criticavam o que não
conheciam.621
O Socorro Vermelho ajudava a tarefa dos Amigos da Rússia, embora a seção brasileira
tivesse fracassado no objetivo de convertê-lo num órgão de massa: o número de seus membros
nunca ultrapassou a 500, dos quais 300 do Rio de Janeiro. Assim, o Socorro terminou por se
confundir com as demais organizações revolucionárias do país, não se dedicando ao trabalho de
atrair trabalhadores negros e índios para as suas fileiras, apesar de a maioria da população do país
ser composta daquelas camadas. A presença dos estrangeiros no SV era mínima, embora
existissem três milhões de trabalhadores estrangeiros no país, sobretudo italianos, espanhóis e
portugueses. A vida financeira era débil, uma vez que dependia quase exclusivamente das
iniciativas financeiras de um grupo israelita.622
As associações de defesa proletária constituíram preocupação primordial dos opositores de
esquerda e deveriam funcionar em todos os Estados, na forma de comitês regionais. Desde 1927
existia um "Socorro Proletário", cuja CCE se reunia na sede provisória da UTG, na praça da
República, no Rio de Janeiro. O objetivo primordial da organização era o de garantir a assistência
judiciária, moral e material dos operários, quaisquer que fossem as suas convicções políticas, e que
fossem vítimas da reação burguesa. Para tanto, organizaram-se listas de donativos nas quais o
proletariado subscrevia auxílios aos companheiros presos.623 A ação do SP era evidentemente
limitada pelos seus parcos recursos de caixa. Vemos, por exemplo, no movimento financeiro dessa
organização, referente aos meses de agosto de 1927 a 15 de junho de 1928, que a quantia de
1:380$600, arrecadada exclusivamente por meio de listas, auxiliou a cinco camaradas tão-somente.
As demais despesas referiram-se a telegramas enviados pelo SP, custas processuais e artigos de
secretaria e tesouraria. Restaram 9$200.624
Embora na miséria mais negra, os oposicionistas insurgiam-se em aceitar dinheiro de
burgueses. Seria a negação do objetivo fundamental do SP. O proletariado deveria se constituir no
fundamento econômico da organização.625 Fiel a esse preceito, Pinheiro escreveu a Xavier dizendo
ter sabido que o Diário da Noite abrira uma subscrição em favor dos deportados brasileiros, mas
não imaginou que fosse uma subscrição pública, na qual "Lyon" (Xavier), membro da liga, estivesse
ao lado de Maurício Goulart e de católicos numa lista burguesa, em que figuravam reacionários
conhecidos e imperialistas declarados. Portanto, ele e "Maneco" (Manoel Medeiros) aceitariam o
dinheiro, mas denunciariam publicamente a manobra política dos subscritores burgueses.626 O
assunto foi objeto de nova carta de "Francisco": Lívio procurara se justificar, localizando, "com olho
clínico", o "famoso esquerdismo" de Víctor no caso da subscrição, afirmando que ele não era um
"militante ultraconhecido". No entanto, responde Víctor, Lívio já pertencia ao PCB, pois assumia
atitudes públicas prefaciando livros de Trotski.
As razões que levavam Víctor Pinheiro a se insurgir contra a lista ficam explicitadas: uma
parcela da burguesia, em oposição ao governo, tentava simpaticamente aparecer como protetores
de "uns pobres diabos cuspidos do país", espontaneamente oferecendo-lhes dinheiro... Que
comunistas seriam eles se aceitassem aquele dinheiro da burguesia, sem desmascará-la, "como se
não fosse essa mesma burguesia como classe que nos prendeu, que nos escorchou, que nos
deportou? Por ventura o Consórcio será na opinião de você, menos imperialista, menos reacionário
do que uma folha católica? E os Goularts e Caio Prado?"627

621
“Carta aberta a ‘um moço bem comportado’, a propósito da Associação dos Amigos da Rússia”. Recorte
de jornal. Prontuário citado, fls. 11-10.
622
PEREIRA, Astrojildo. "Carta aos Camaradas". Documento n.º 9, Prontuário n.º 44, fls. 35-32.
DEOPS/SP.
623
Carta ao "companheiro Carlos Villanova", escrita em papel timbrado dos advogados Max Leitão,
Octacílio Pereira e Hahnemann Guimarães, dando conta da fundação do Socorro Proletário. FLBX .
624
O Alfaiate (jornal). Rio de Janeiro, 18/7/28, n.º 43, ano VI. ASMOB. CEDEM/UNESP.
625
Carta ao companheiro Carlos Villanova. FLBX .
626
Montevidéu, 31/10/31. FLBX .
627
Bariri, 23/11/31. FLBX .
Capítulo IV. O “primeiro trotskismo” em São Paulo: política e cotidiano.

"(...) professando um solene desprezo pela doutrina marxista, somente


ultrapassado pela sua ignorância dela, basta aos nossos 'dirigentes' o
empirismo demagógico de diletantes pequeno-burgueses para se julgarem
condutores das massas, e o partido, predestinado à hegemonia da revolução.
A base proletária do partido vegeta num grau ideológico de lumpen-
proletariado, não podendo ter nenhuma perspectiva revolucionária concreta. O
partido mantém um alheamento total do movimento político geral do país.
Levanta-se a burguesia de São Paulo contra a ditadura? Berra a burocracia
que, dias antes, negara a possibilidade sequer de novos conflitos armados
entre os grupos burgueses: 'Ao proletariado não interessam essas briguinhas
entre as facções burguesas. Queremos um governo operário e camponês!' E
depois da imprecação ritual contra os 'trotskystas', conclui disparatadamente
lançando palavras de ordem para a corporação dos chauffeurs e concitando
os marinheiros a entrar em massa para o Partido.
Assim, o Partido que deve ser a vanguarda revolucionária das massas vai
pouco a pouco degenerando em obscura seita religiosa cuja atividade visível é
colocar bandeiras vermelhas nos fios telefônicos em dias 'de guarda', e o
proletariado vai se alimentando perigosamente com os restos ideológicos
mastigados pela pequena burguesia messiânica e esperando com esta a
'volta' de Luís Carlos Prestes. Que alguns burocratas se contentem com 'as
glórias do martírio' sistematicamente infringido pela repressão burguesa às
manifestações políticas independentes do proletariado; que algumas almas
compassivas julguem provado o caráter revolucionário do stalinismo pelo
número de prisões e deportações sofridas pelos stalinistas. Nós raciocinamos,
não como impenitentes pequenos burgueses sentimentais, mas como
materialistas, como marxistas: consideramos estéril, nefasta e criminosa a
atividade dos funcionários propostos pela IC na direção do Partido. Estéril a
propaganda que não se baseia em nenhuma análise marxista das forças
motrizes da revolução, nefasta a agitação que não dá ao proletariado
nenhuma perspectiva política para as suas tarefas imediatas, criminosa a
atividade do partido que sacrifica a vanguarda proletária aos interesses
faciosos de uma casta de funcionários carreiristas."
(Aristides Lobo. Projeto de Teses sobre a Situação Nacional, p. 3).
1. As reuniões da Liga Comunista: a militância.

As reuniões da LC podem ser seguidas pelas atas que se conservaram no Fundo Lívio
Xavier e no DEOPS, e podem ser visualizadas, grosso modo, no seguinte esquema:

Reuniões da Liga Comunista em São Paulo


Datas e órgãos reunidos Participantes
25/1/31 - Comissão Executiva (CE) Lobo (secretário), Xavier, Pimenta, Matheus, Melo
628
e Pedrosa, do Rio, com voz consultiva.
31/1/31 - Comissão de Organização Lobo (secretário), Matheus e Dupont.
1/2/31 - Assembléia Lobo (secretário), Xavier, Melo, Pèret, Pinheiro,
Matheus e Dupont.
8/2/31 - CE Lobo (secretário), Xavier, Matheus, Mello e Pèret
(substituindo Pedrosa).
15/2/31 - Assembléia Lobo (secretário), Xavier, Melo, Matheus, Pinheiro
e Dupont.
22/2/31 - CE Lobo (secretário), Xavier, Melo, Matheus e
Pinheiro (em substituição a Pimenta).
24/2/32 - CE Indefinidos.
1/3/31 - CE Lobo (secretário), Xavier, Melo, Matheus,
Pinheiro, Pimenta e Pedrosa, do Rio.
6/5/31 - CE Lobo (secretário), Xavier, Mello, Pinheiro.
Ausente: Matheus.
24/3/32 - Grupo de Bairro 2 (GB2) Indefinidos.
30/4/32 - Grupo de Bairro 2 (GB2) Medeiros, Lobo, Matheus e “Tigre”. Ausentes:
“Satan”, Xavier e “Alfaiate”.
24/5/32 - GB2 Matheus (secretário), “Guido”, Lobo, Xavier.
Ausentes: “Tigre”, Medeiros, “Alfaiate” (faltas não
motivadas) e “Satan” (doente).
26/5/32 - GB2 “Tigre” (tesoureiro), Xavier, Lobo, Matheus
(secretário), Pimenta e “Guido”. Ausentes:
“Alfaiate” (não foi avisado) e “Satan” (doente).
1/6/32 - GB2 Xavier, “Tigre”, “Guido”, Matheus, “Alfaiate”.
Ausentes: Medeiros (falta motivada), “Satan”
(doente), Lobo (falta não motivada).
2/6/32 - CE Lobo (secretário), Xavier, Pedrosa e “Gabriel”.
Ausente: Medeiros.
6/6/3 - CE Lobo (secretário), Xavier, “Gabriel” e Pedrosa.
9/6/32 - GB2 Lobo, Matheus (que passa a usar “Fritz”), “Guido”,
Xavier e “Alfaiate” (que passa a usar “Max”).
Ausentes: “Satan” (doente), “Tigre” (falta
motivada), Medeiros (falta não motivada).
10/6/32 - CE Lobo (secretário), indefinidos.
15/6/32 - GB2 Apenas dois camaradas, não definidos.
22/6/32 - C.E. Indefinidos.
7/8/32 - GB2 Pinheiro (tesoureiro), “Neif” (Agit.prop.), “Luga” e
“Fulback” (secretário). Ausentes: Xavier, “Max” e
“Tigre” ( faltas não motivadas).
18/10/32 - GB3 Rosini, “Luga”, Lobo e um camarada excluído do
partido (como assistente).
5/11/32 Pimenta, Medeiros, Rosini, Xavier, Pedrosa,

628
Os camaradas são identificados por pseudônimos, que são reproduzidos nos casos em que foi impossível
determinar quais os militantes que designavam.
“Luga”.
3/12/32 - CE Medeiros, Xavier, Matheus e Pedrosa. Ausente:
Neif.
18/12/32 - CE Matheus, Pedrosa e dois camaradas do grupo
idiomático.
18/12/32 - GB3 Rosini, “Luga”, Lobo e um camarada excluído do
partido (como assistente).
26/2/33 - CE Indefinidos.
6-7-8-9-10 de maio de 1933. Primeira “Lopes” (presidente), “Ruivo” (secretário).
Conferência Nacional da Liga Comunista. Delegados: CE, “Neif”; Região do Rio, “Lopes” e
Pintaúde; GB2, “John” e “Max”; GB3, Medeiros e
Lobo.
6/5/33 - 1.ª CNLC Xavier, Pedrosa, Medeiros, Pinheiro, Lobo,
“Lopes”, Pintaúde, “Ruivo”, “Neif”, Matheus e um
simpatizante.
21/5/33 - CE Lobo, “John”, Medeiros, “Paulo”, “Neif” , Pedrosa.
Ausentes: Pintaúde e “Lopes”, por terem voltado
ao Rio e Pinheiro, por doença.
8/7/33 - CE “Novelo”, “Red”, “Corvinus”, “Juliano”, Matheus e
Lobo. Ausente: “Gomes”.
27/7/33 - CE Indefinidos.
30/7/33 Xavier, “Red”, “Corvinus”, Pedrosa, Pinheiro e
Lobo. Ausente: “Gomes”.
7/9/33 - C.E. “Red”, “Korvinus”, Lobo e mais quatro indefinidos.
3/2/34 - CE Indefinidos.
4/2/34 - Reunião ampliada da região do Rio. Indefinidos.
8/2/34 - CE Indefinidos.
8/2/34 - GB1 Indefinidos.
9/2/34 - GB2 Indefinidos.
14/2/34 - GB2 Indefinidos.
18/2/34 - Reunião ampliada da CE Pinheiro, Abramo, Xavier, “Red”, Lobo, Neves,
“Ruminh”, Matheus. Ausentes: “Naum”, Pedrosa
e “Gomes”.
23/3/34 - Segunda Conferência Nacional da LC Lobo, “Korvinus”, Pedrosa, Pinheiro, Abramo,
Xavier, “Red”.
23/3/34 - CE Lobo, Abramo, Matheus, “Korvinus”. “Presentes
todos, menos Gomes”.
27/3/34 - GB1 Indefinidos. Ausente: “Naun”.
3/4/34 - GB1 Indefinidos. Ausente: “Naun”.
24/8/34 - CC Indefinidos.
1/9/34 - CC Indefinidos.
?/10/34 - Pleno ampliado Indefinidos.
1/10/34 - Segunda Conferência Nacional Lobo, Xavier (CE), Neves (GB1-SP), Gikovate
(extraordinária) da Liga Comunista. (GB2-SP), Leite (GB1-Rio), “Leão” (GB1-Rio).
Assistentes: “Korvinus”, Pinheiro, “Red”, Abramo,
Pedrosa, Matheus.

A visão geral das atividades da LC, contida nesta relação, pode ser acompanhada a miúdo
nas reuniões dos camaradas dissidentes do partido, em São Paulo. Nas reuniões realizadas de
janeiro a março, sempre aos sábados, com possibilidade de desdobramento nos domingos, foram
resolvidos problemas de organização, agitação e propaganda, publicações, tesouraria, militância.
No calor das discussões, aparece o perfil nítido da Oposição de Esquerda em São Paulo, tratando
desde assuntos mais importantes até aqueles que nos parecem, à distância, comezinhos.
Felizmente para a pesquisa histórica, o Fundo Lívio Xavier e o DEOPS/SP guardam as atas das
reuniões em que os trotskistas definiram a sua ação política e os postulados teóricos em que se
basearam.
A primeira reunião da liga ocorreu logo após a sua fundação, no dia 21/1/31, quando os
nove camaradas fundadores se reuniram em assembléia, secretariada por "Antônio" (Aristides
Lobo). Estavam presentes, com codinomes mudados relativamente àqueles usados para a
fundação da LC: Lyon (Lívio Xavier), Tapejara (Plínio Melo), José (João Matheus), Cunha (Mário
Pedrosa), Francisco (Victor de Azevedo Pinheiro), Jorge (João da Costa Pimenta), Pedro (Mário
Dupont) e Maurício (Benjamin Pèret). No expediente, cuidou-se de uma carta de Buenos Aires,
629
pedindo notícias, expondo a situação e comunicando a impossibilidade de encontrar Aristides.
Este explicou a questão, sendo criticado por Pedrosa, que achou ter havido certa negligência de sua
parte.
A ordem do dia reuniu seis itens: 1) Rakoviski; 2) situação internacional; 3) situação
nacional; 4) questões de organização: organização nacional e organização local; 5) Boletim da
Oposição e A Luta de Classe; 6) assuntos vários.
Na discussão, o secretário leu a circular n.º 3 do Secretariado Internacional sobre um
protesto, a ser assinado por operários, contra as perseguições a Rakoviski, cuja vida se achava em
perigo, e por todos os presos e deportados oposicionistas de esquerda. Ficou resolvido que o
referido protesto seria mimeografado, a fim de ser distribuído e subscrito pelos trabalhadores das
fábricas, oficinas, escritórios, etc.
Passando ao segundo ponto da ordem do dia, Mário Pedrosa fez uma exposição sobre a
situação internacional, explicando as origens da oposição russa, os erros da burocracia dirigente, a
situação das oposições francesa, alemã, norte-americana, etc., e mostrando as perspectivas
favoráveis a um trabalho da oposição em todos os países, particularmente no Brasil. Por causa do
adiantado da hora, resolveu-se marcar para o dia seguinte uma nova reunião, a fim de serem
discutidos os demais pontos da ordem do dia. Pela Comissão Executiva, assinou "Antônio" —
630
Aristides Lobo —, na qualidade de secretário-geral.
À reunião do dia seguinte compareceram os mesmos camaradas do dia anterior,
acrescidos por Salvador Pintaúde — "Sérgio". Aristides Lobo leu o manifesto sobre a situação
nacional e Mário Pedrosa ("Cunha"), secundado por Plínio Melo ("Tapejara"), observou: a) não ter
sido bem esclarecida a posição da liga como fração de esquerda do PC; b) não terem sido citados
os erros da burocracia, a que o manifesto se referia apenas de passagem; c) a impropriedade da
expressão "ditadura militar" para o caso presente do Brasil. Essas observações foram em parte
aceitas e Lobo redigiu um trecho a ser incluído no final do manifesto. À expressão "ditadura militar"
foram acrescentadas as palavras: "manifesta ou mascarada". A seguir, o secretário expôs as
possibilidades de organização da oposição brasileira. São Paulo foi designado como sede central da
LC, para o que deveria ser eleita a respectiva CE. Foram lidos os estatutos da oposição e feitas
algumas considerações a respeito. Pedrosa ficou encarregado de corresponder-se com o
Secretariado Internacional e de organizar uma seção da liga no Rio, da qual poderia fazer parte, sob
certas condições, Octaviano Du Pin Galvão, pois não tinham fundamento as acusações que contra
o mesmo eram veiculadas pela burocracia dirigente. Em seguida, passou-se a tratar da eleição da
CE em São Paulo e que seria, ao mesmo tempo, o órgão dirigente do trabalho em todo o Brasil. O
secretário propôs para a CE os seguintes camaradas: Lobo, como secretário; "Jorge" (Pimenta),
como encarregado sindical; Xavier, como agitprop; "José" (Matheus), como tesoureiro; e Pinheiro,
como adjunto. Xavier propôs Melo em lugar de Pinheiro, com o que não concordou Lobo,
mostrando a inconveniência política da presença de Melo na CE, em virtude das atitudes vacilantes
do mesmo e de não ter a oposição, naquele momento, força suficiente para destruir as explorações
que em torno do caso poderia vir a fazer a burocracia do PC. Pedrosa propôs que Melo fizesse
antes uma declaração pública, reconhecendo os seus erros e manifestando-se partidário do
programa da oposição. Assim se aprovou a substituição de Pinheiro por Melo. Foram eleitas três
comissões de trabalho: Lobo, Mário Dupont e Matheus, para a comissão de organização; Pimenta,
Melo e Pinheiro, para a comissão sindical; e Xavier, Pèret e Pintaúde, para a comissão de agitação

629
Neste trabalho os codinomes são substituídos, quando possível, pelos nomes dos militantes.
630
Ata n.º 1 escrita em papel carimbado com foice e martelo, sobre as iniciais "L C". Foi aprovada sem
emendas em 25/1/31. FLBX .
e propaganda. Na mesma reunião, resolveu-se que a tiragem do Boletim de Oposição fosse de
1.000 exemplares e a de A Luta de Classe de 2.000. Cada aderente pagaria, como mensalidade,
um por cento do seu salário. As comissões nomeadas deveriam se reunir até o sábado seguinte,
para a apresentação dos respectivos planos de trabalho na reunião da CE que se realizaria
631
domingo, dia 25. Finalmente, ficou marcada uma assembléia para o dia 1.º de fevereiro.
À reunião do dia 25/1/31 compareceram Lobo, Xavier, Pimenta, Matheus, Melo e Pedrosa,
este com voz consultiva. Os presentes leram e discutiram a análise da situação brasileira, feita por
Pedrosa e Xavier. Melo começou a falar sobre a situação dos sindicatos, desistindo, porém, de
continuar, por notar o desinteresse da maioria. Alguns camaradas propuseram que se passasse a
outro ponto da ordem do dia, mas Lobo, mostrando a importância do assunto em discussão,
manifestou-se contrário a isso e pediu esclarecimentos a Pimenta e a Melo sobre o número de
sindicatos existentes, corporações organizadas, número de operários sindicalizados, atividades da
Federação Operária, assuntos todos que constituíam uma base concreta para o futuro trabalho da
liga nesse terreno. Xavier propôs fossem editados num só folheto o Manifesto Comunista, de Marx
e Engels, e os Princípios do Comunismo, de Engels, com notas explicativas, o que foi aprovado.
Lobo caracterizou, por fim, o papel do Boletim da Oposição e de A Luta de Classe: o primeiro, para
publicação de documentos ainda não divulgados no Brasil e de outros documentos do mesmo
caráter, que pudessem interessar à massa; e o segundo, como jornal de massas, onde seriam
discutidos os problemas do momento, dadas as palavras de ordem da liga, etc. Pimenta mostrou a
conveniência de Pedrosa fazer algumas conferências em São Paulo, para os membros da liga e
simpatizantes, explicando as origens, o desenvolvimento e o programa da oposição internacional.
Pedrosa prometeu estudar as possibilidades de sua vinda a São Paulo para esse fim e, no caso em
que não o pudesse fazer, escreveria, em linguagem clara, em forma de correspondência, sobre os
temas mais interessantes. Sobre problemas de tesouraria, Lobo mostrou a desnecessidade e a
inconveniência de cadernetas. Bastaria, para as cobranças de mensalidades, que o tesoureiro de
cada organização tivesse em seu poder um cartão com os pseudônimos de todos os aderentes da
organização, seguidos de uma coluna com os respectivos salários e 12 outras colunas
correspondentes aos meses, para cada pagamento.632
Uma semana depois, a 31 de janeiro, voltaram a se reunir os membros da liga, no reduzido
número de três: Lobo, Matheus e Dupont. Uma das diretrizes aprovadas foi o estudo da
possibilidade de formar grupos idiomáticos, a fim de que a Comissão de Agitprop penetrasse nas
colônias de operários estrangeiros mais importantes (italiana, húngara, israelita, etc.). Lobo lembrou
a conveniência de serem utilizadas na elaboração das teses, como base de discussão, as Teses &
633
Resoluções do III Congresso do PCB e uns apontamentos de Xavier sobre a situação do país.
A ata n.º 3, de 1.º de fevereiro, acusa as presenças de Lobo, Xavier, Melo, Pèret, Pinheiro,
Matheus e Dupont. Sobre o assunto grupo idiomático, Melo e Xavier indicaram nomes de
camaradas que poderiam encarregar-se desse trabalho: Pedrosa, entre alemães, Pintaúde, entre
italianos, etc. Xavier comunicou o plano de Pèret sobre uma cooperativa cinematográfica para a
exibição de filmes revolucionários. Salientou a má constituição da Comissão de Agitprop: deficiência
física de Xavier, o fato de Pèret ser estrangeiro e, quanto a Pintaúde, a sua condição social,
ocupações privadas, etc. Pèret comunicou que pretendia fazer um folheto, em linguagem popular,
sobre o último movimento militar, expondo, ao mesmo tempo, os pontos de vista da oposição. Ficou
decidido, ainda, que os camaradas que não tinham ordenado fixo deveriam contribuir com a quota
mínima de 1$000 mensais. Lobo, tratando de casos de indisciplina, censurou o procedimento de
Pimenta, negando, na presença de um elemento da burocracia do PC, que O encouraçado
Potemkin tenha sido obra da oposição. Melo foi acusado por Matheus de ter concordado com a
atitude de Pimenta, mas se defendeu, alegando que o referido livro não devia ser apresentado
como sendo trabalho da oposição. Melo foi criticado por Lobo que, corroborado por Xavier,
censurou o seu descaso pelas decisões da liga, não fazendo a declaração sobre os seus
634
desvios.

631
Ata de 22/1/31. FLBX .
632
Ata de 25/1/31. FLBX .
633
Ata de 31/1/31. FLBX.
634
Ata de 1/2/31. FLBX .
Uma semana depois, a 7/2/31, Pinheiro escreveu a Xavier dizendo que seguia para
Pederneiras, a esperar Aristides Lobo, que iria chegar de viagem. "O bicho clama que está na mais
negra das misérias!", diz Pinheiro. Logo no dia seguinte, nova reunião se realizou, com a presença
de Lobo, sempre como secretário, Xavier, Matheus, Melo e Pèret. Melo por fim apresentou a
declaração sobre os seus desvios, achada muito longa por Lobo e Xavier, que sugeriram que ela
deveria ser encurtada de modo a poder ser publicada em A Luta de Classe, suprimindo ele o
635
histórico da oposição russa e salientando mais os seus erros, tornando mais severa a autocrítica.
No dia 15/2/31, reuniram-se Lobo, Xavier, Melo, Matheus, Pinheiro e Dupont. Lobo
reclamou contra o desinteresse da maioria pela sorte do camarada Rakoviski, alegando que vinha
fazendo sozinho esse trabalho e que a Comissão de Agitprop devia interessar-se pelo assunto.
Ficou marcado o prazo de uma semana para a devolução à liga de todas as listas assinadas pelos
que protestaram contra as perseguições a Rakoviski.
Atestando a atenção prioritária que os oposicionistas davam à questão sindical, Antônio
Ghioffi informou ao delegado de Ordem Social, em 6/2/31, que na reunião da Federação Operária
de São Paulo, com a presença de oito organizações, sobre a Lei de Férias, Aristides Lobo
apresentara a redação de um protesto para ser enviado a Stalin, por causa da prisão e deportação
de vários comunistas dissidentes. Nenhum dos presentes assinara o protesto por ter um caráter
636
partidário-político.
Na mesma reunião da liga, Lobo criticou Pimenta por não ter falado no festival da UTG,
como se havia comprometido, e também pela sua falta de contato com a organização. Criticou,
depois, a atividade de Melo, acusando-o de ter, numa reunião da Federação Operária, modificado
uma resolução da liga sobre a Lei de Férias e de ter feito um discurso reformista, achando que
podia chegar a ser proletária a maioria da Constituinte. Ademais, Melo definira a Constituinte de
uma forma bacharelesca, dando-a como "uma assembléia convocada por um governo, com a
participação de todas as classes, para tratar dos destinos de um povo". Melo apresentara a palavra
de ordem da Constituinte como um meio de se conseguir um "regime de liberdade, onde todos os
trabalhadores teriam a possibilidade de se manifestar e de se organizar". No debate da questão da
Lei de Férias, Melo aparteava os anarquistas formando diálogos em lugar de pedir a palavra, e se
irritava quando Lobo pedia a palavra, como se só ele tivesse o direito de falar, criando uma espécie
de "monopólio das manobras com os anarquistas". Pinheiro e Xavier confirmaram as declarações
de Lobo. Lobo e Lívio acharam, além disso, que, dado o fato de os anarquistas terem verdadeiro
horror à política, houvera inabilidade de Melo em defender a tese de atitudes políticas por parte dos
sindicatos. A convocação da Constituinte devia ser apresentada como simples sugestão para
resolver um problema econômico, como era o caso da Lei de Férias. Melo propôs a leitura do artigo
de Trotski sobre a Assembléia Constituinte na China. Melo leu-o em voz alta, ficando provado o seu
erro. Lobo, referindo-se à atividade dos oposicionistas no terreno sindical, achou que, até certo
ponto, tinha havido colaboração com os anarquistas, que só se sustentavam com o auxílio de Melo
nas questões práticas, como circulares, manifestos, etc. Pinheiro propôs que fosse impresso um
manifesto sobre os erros dos anarquistas (greve da Light, etc.), o que foi aprovado. Em seguida,
Lobo leu o folheto que redigiu contra as calúnias da burocracia, intitulado "A oposição brasileira e as
637
calúnias da burocracia".
A ata (n.º 3) da reunião de 22/2/31 (presentes Lobo, Xavier, Melo, Pinheiro e Matheus)
continua a registrar os protestos dos camaradas contra os desvios de Plínio Melo, uma vez que este
não trouxera a autocrítica solicitada. A situação ficou tensa e Lobo declarou que as faltas e o
descaso pelas decisões da liga por Melo eram tão grandes, que só a qualificação de "sabotagem
consciente" poderia caber no caso. Assim, por muito pouca que fosse a disciplina de uma
organização, Melo devia ser imediatamente expulso. Pedia, entretanto, apenas a expulsão de Melo
da direção da liga. Lobo passou a expor o seu trabalho na fundação da Associação Amigos da
Rússia e narrou o ocorrido na primeira assembléia. A seguir, propôs que Melo redigisse um
comunicado, em nome da Federação Operária, mostrando como esta organização, em sua circular
sobre a convocação da Conferência Estadual Operária, convidou também operários agrícolas e
organizações do interior, ao passo que o comunicado posterior do "Comitê da Confederação Geral

635
Ata de 8/2/31. FLBX .
636
Prontuário de Aristides Lobo, n.º 37, doc. n.º 7, f. 47. DEOPS/SP.
637
Ata de 15/2/31. FLBX .
do Trabalho" só convidara os trabalhadores do interior do Estado, o que evidenciava que a
burocracia do PC era quem tinha o propósito de dividir o proletariado, jogando a cidade contra o
campo. Propôs, depois, que se tratasse de fundar um jornal da federação dirigido por elementos da
liga. Para o combate aos anarquistas, seriam feitos volantes mimeografados. Xavier discordou de
Lobo, achando que estava iludido em pensar que os anarquistas iriam permitir que comunistas
dirigissem o jornal da federação, mesmo no caso de ser incluído um anarquista na comissão de
638
redação.
Sobre o assunto acima, referente à intensa campanha de agitação e propaganda que os
membros da liga desenvolviam a favor da Constituinte e da Federação Operária contra a
Confederação Geral do Trabalho, sob influência da direção do PCB, há um informe reservado longo
e elucidativo de Antônio Ghioffi. Diz ele que quando se estava discutindo o parecer da Federação
Operária relativamente à confederação, aparecera Aristides Lobo distribuindo um manifesto de
propaganda da Liga Comunista, em prol da convocação da Assembléia Constituinte. A discussão
tomara outro rumo. Arsênio Palácios denunciou o caráter político de alguns militantes que estavam
dentro da federação, como Plínio Melo e Aristides Lobo, dizendo que a Liga Comunista estava
fazendo o jogo do capitalismo e da burguesia, aliada ao Partido Democrático, que pretendia tomar
o poder de assalto. E que se isto se desse, todos voltariam a uma época pior ainda que a do
perrepismo. Que a Liga Comunista, que combatia o PC, fazia-o unicamente para derrubar a direção
partidária no Brasil, e que falando em nome dos trabalhadores estava na mesma situação em que
estava o PD. Os delegados federados pediram então que se votasse uma moção impedindo
qualquer manifestação de caráter político dentro da FO. Essa moção foi aprovada. Aristides Lobo
respondeu que fazia essa distribuição de boletins, não como trabalhador e partidário da federação,
mas como comunista que era, e que ninguém podia impedi-lo de ter esta ou aquela idéia. Foi-lhe
respondido que ele podia abraçar qualquer doutrina social, porém fora das organizações operárias e
da federação. Acabou dessa maneira o plenário da Federação, reunida para dar o parecer sobre a
639
Confederação Geral do Trabalho.
Em 1.º de março de 1931 reuniram-se Lobo, Xavier, Melo, Matheus, Pinheiro, Pimenta e
Pedrosa. Com pouco mais de um mês de existência da Liga Comunista, essa reunião ocupou-se
em dar um balanço crítico de suas atividades. Xavier, como encarregado da Comissão de Agitprop
apresentou relatório comunicando que a expedição do Boletim de Oposição fora muito morosa,
devido à inatividade dos demais componentes da comissão. Não tinha sido feito nenhum trabalho
coletivo. Individualmente, Xavier continuava a corrigir, para ser impressa, a edição do Manifesto de
Marx feita pelo PC. Melo encareceu a necessidade de um trabalho coletivo, e Pedrosa lembrou a
necessidade de se distribuírem manifestos sobre a Constituinte nos comícios democráticos e entre
os operários dos sindicatos. A respeito, Pinheiro propôs que fossem distribuídos os folhetos — que
já estavam editados — entre os trabalhadores do campo e os operários mais atrasados da cidade.
João Matheus, como tesoureiro, comunicou que só cobrara três mensalidades, não tendo
havido movimento de tesouraria. Xavier lembrou a impressão de cartões especiais para o serviço e
Lobo ficou encarregado de resolver o assunto com o tesoureiro.
Como João da Costa Pimenta afastara-se de sua atividade da comissão sindical, Melo
encarregou-se de apresentar o relatório sobre o tema, comunicando que o trabalho vinha sendo
feito individualmente, de modo anárquico, só tendo sido auxiliado por Victor de Azevedo Pinheiro.
Melo comunicou que comparecia às reuniões dos sindicatos e às da Federação Operária. Além
disso, redigira vários comunicados aos jornais, escrevera uma resolução sobre a Lei de Férias, etc.
Lobo criticou a pouca atividade de João da Costa Pimenta, mostrando, principalmente, a
inconveniência de sua ausência no festival da UTG.
Quanto ao relatório da Comissão de Organização, Lobo mostrou que, a ser encarada de
per si a atividade de cada comissão, a de organização ficava com um crédito a seu favor: se bem
que com pouco resultado prático, as reuniões da liga estavam se efetuando regularmente; a
Comissão de Organização fora a única que se reuniu; as teses começaram a ser elaboradas. Não
houve ligação com os camaradas do Rio, culpa que cabia principalmente a ele, secretário.
Entretanto, num mês de atividade, ele fizera não só o serviço interno da liga (atas, convocação de

638
Ata de 22/2/31. FLBX .
639
Informe ao delegado de Ordem Social, de 6/3/31. Prontuário n.º 37, v. 2, doc. n.º 117, f. 149.
DEOPS/SP.
reuniões, etc.), como também realizara várias tarefas úteis à liga: tradução e revisão de O
encouraçado Potemkin; redação de um folheto contra a burocracia do partido; fundação da
Associação de Amigos da Rússia, com envio de comunicados aos jornais, elaboração dos seus
estatutos, instruções à sua CE; edição de dois folhetos para a massa; tradução e divulgação do
protesto contra as perseguições a Rakoviski; distribuição do Boletim da Oposição entre operários
que vinha visitando no Bom Retiro e no Brás; distribuição de listas para angariar os recursos
necessários à impressão de material da liga; fornecimento de endereços à Comissão de Agitprop;
comparecimento a uma reunião na AEC (Associação dos Empregados do Comércio) sobre a Lei de
Férias, a duas ou três da Federação Operária, a uma outra do sindicato ferroviário, onde defendera
a opinião da liga; comunicado da liga aos jornais sobre a Constituinte; manifesto da liga sobre o
mesmo assunto; correspondência com Luís Carlos Prestes, por meio da qual foi possível conseguir
para a liga a edição de sete obras revolucionárias e, mais recentemente, a edição do Manifesto de
Marx, paga por Prestes, mas saindo como edição Lucta de Classe; tradução e distribuição do
trabalho de tradução do livro de Lenin No caminho da insurreição, etc., etc. Em seguida, Lobo achou
que seria preciso ter em conta, ao analisar o estado atual da liga, o seguinte: 1.º) o pouco tempo de
sua existência: um mês e dez dias; 2.º) sua debilidade orgânica, isto é, tendo se organizado com
poucos elementos, de escassas qualidades; 3.º) a própria fraqueza orgânica do partido, refletindo-
se na sua fração de esquerda.
Pedrosa considerou que estava havendo deficiência de trabalho, pois se bem que todos
tivessem trabalhado individualmente, não tinha havido trabalho coletivo nem atividade da liga, como
organização, sendo essa a razão de sua própria debilidade orgânica.
Decidiu-se que duas seriam as principais tarefas da liga: o recrutamento e a educação
política. Lobo propôs que fosse realizada, no dia 7 de março, uma reunião de operários do partido e
de simpatizantes, o que foi aprovado. Pedrosa propôs que fossem feitas papeletas de adesão, que
seriam assinadas com os pseudônimos dos aderentes. Autorizou-se a vinda de Pedrosa para São
Paulo, depois que ele se esforçasse para deixar um núcleo da liga organizado no Rio.640
A partir dessa data, cessam as atas que testemunhavam as reuniões sistemáticas que os
aderentes da liga vinham efetuando. A intensificação dos esforços da militância para atingir as
metas a que se havia proposto tornou-a bem visível para os poderes repressivos, levando à prisão e
ao exílio muitos de seus membros. Goffredo Rosini, por exemplo, escreve de Montevidéu
queixando-se amargamente das condições em que se encontrava. Chegara há quatro meses,
encontrando uma vida "que não podia ser pior", como poderiam testemunhar João Matheus, Victor
Pinheiro e Manoel Medeiros. Não existiam oposicionistas de esquerda em Montevidéu, portanto,
nenhum ponto de apoio para os exilados. Rosini fora obrigado — como muitos — a sair do Rio sem
roupa e sem dinheiro. O auxílio da liga limitara-se a 16 pesos enviados no espaço de 120 dias, pois
(diz ele) Aristides tinha boas intenções e continuava a prometer muito, "mas vocês compreendem
641
que não se pode viver com o socorro verbal dos companheiros de Rio".
Apesar da repressão, as atividades da liga continuaram. Pelos documentos do DEOPS/SP,
ficamos sabendo que em 13/3/31, no Congresso Operário, falaram Aristides Lobo, Florentino de
642
Carvalho, Edgard Leuenroth, Hermínio Marcos e Carlos Righethi.
Uma caderneta, existente no Fundo Lívio Xavier, guarda anotações manuscritas de
Aristides Lobo sobre a vida da LC em maio de 1931. No dia 6, realizou-se uma reunião da
Comissão Executiva com a presença de Aristides Lobo, Lívio Xavier, Plínio Mello, Víctor Pinheiro e
João Matheus. Os assuntos decididos disseram respeito à rotina da organização: impressão de
papeletas de adesão, providas de uma plataforma — sob o encargo de Aristides Lobo; questão
sindical; expedição de material (para três endereços que Lívio Xavier enumera), a cargo de Aristides
Lobo e João Matheus; exclusão de "Maria".
A CE novamente se reuniu em 16 de maio (sábado), votando resolução sobre Mário
Pedrosa e Mary Houston, questão sindical e Constituinte. A resolução da exclusão de Pedrosa e
Mary foi aprovada, com emendas de Xavier. Este propôs que se fizesse um último esforço para que
Pedrosa comparecesse às reuniões, pois estava se desmoralizando perante a liga e os militantes
do PC. Sugeriu a convocação de Pedrosa para cinco dias após (20, quarta-feira). No caso de seu

640
Ata de 1/3/31. FLBX .
641
Carta escrita a "Caro Lívio ou caro Mário a lápis, em folha de papel de embrulho. FLBX .
642
Prontuário n.º 37, doc. n.º 9, f. 49. DEOPS/SP.
não comparecimento, que passasse à condição de simpatizante, ficando dispensado de qualquer
compromisso. Plínio Melo relatou o que se passou na assembléia da UTG sobre o caso da
federação, recebendo várias críticas de Xavier e a determinação de que explicasse toda a questão,
para emendar as falhas ocorridas. Xavier e Melo ficaram designados para estudar as questões de
643
programa e estratégia bolcheviques.
As reuniões da liga se realizavam nos intervalos das numerosas prisões de vários de seus
militantes. Assim verificamos que, no cumprimento das missões de que estavam incumbidos,
Aristides Lobo e Víctor Pinheiro foram presos em 23 de março, pregando cartazes sobre a
Constituinte, fato que impediu o primeiro de comparecer, na qualidade de orador principal, ao
644
Sindicato dos Vidreiros. Libertados, os dois revolucionários continuaram com os mesmos
procedimentos políticos, o que lhes valeu novos encarceramentos. Mal chegado a São Paulo de
seu exílio, Lobo sofreu perseguições policiais e prisões contínuas. No ano de 1931 estão
registradas as prisões realizadas nos dias 23 de março, 26 de maio, 4 de julho, 1.º de agosto e 12
de setembro. Além dessas, a polícia informa que ele havia sido preso inúmeras vezes naquele
645
ano. Víctor Pinheiro sofreu encarceramentos por duas vezes no ano inicial da existência da liga.
Assim é que, de Bariri, a 4/4/31, José de Azevedo Pinheiro escreveu a Xavier, dizendo que Victor,
seu filho, se achava preso em Porto Alegre, e pedia objetos e livros que estavam com Lívio e uma
646
sua mala que fora emprestada a Plínio Melo. De retorno a Bariri, Pinheiro informou sobre uma
missão da liga da qual fora incumbido: a impressão dos jornais na tipografia da família seria difícil,
pois seu mano assumira perante o delegado de polícia o compromisso de não imprimir nada que se
647
parecesse com leitura subversiva, "uma espécie de termo de bem-viver".
Em meados de 31, houve um agravamento do cerco policial sobre a liga. Seus membros
explicaram a repressão como conseqüência da política "estéril e sectária" do PCB, que não soube
se aproveitar da ocasião revolucionária ensejada pelo movimento de 30. As massas recaíram no
imobilismo e começou a reação de parte da burguesia de São Paulo contra o novo governo
ditatorial. O resultado dessa oposição e da ausência do Partido Comunista foi a repressão que se
abateu sobre o movimento político proletário, atingindo o seu ponto culminante com a deportação
para o estrangeiro de muitos comunistas de São Paulo e do Rio. A pequena organização da LC
sofreu extremamente com essa atuação policial. Dois de seus camaradas, "Francisco" (Víctor de
Azevedo Pinheiro) e "Djalma" (Gofredo Rosini) foram deportados para o Uruguai, enquanto os
outros elementos mais conhecidos tiveram de se esconder para escapar da prisão e do banimento.
A atividade da liga ficou quase suspensa, limitando-se a lançar alguns manifestos contra a
repressão e a estabelecer ligações com os membros restantes.
Daí por diante, a atividade da LC desenvolveu-se em ritmos determinados pela maior ou
menor repressão. Assim, podemos continuar o acompanhamento dos trabalhos da liga por meio
dos "informes reservados" dos secretas João Gomes e Antônio Ghioffi, que participavam de
sindicatos operários de São Paulo e de prontuários dos revolucionários. Ghioffi, em 25/4/31, informa
sobre um manifesto de crítica à Lei de Sindicalização lançado pela liga, redigido por Plínio Melo e
dado a Matheus, na Federação Operária. Em reunião plenária dessa organização, os dois liguistas
bateram-se pela campanha pela libertação de Antônio Ribeiro e Florêncio Tejeda. Em resposta,
Arsênio Palácios disse que a UTG, com a entrada dos elementos que faziam parte do PC e da liga,
transformara-se numa sucursal direta de Moscou. Portanto, pedia ao plenário que suspendesse os
delegados da UTG junto à Federação Operária, para que esta não fosse confundida com a obra
que os comunistas desenvolviam no seio das organizações operárias. O plenário terminou com
balbúrdia, provocada pela "atitude enérgica de Palácios". Este era também agente reservado e
648
provocava elogios corporativos de seus colegas policiais.
A liga continuava a se fazer presente na análise da política estadual e nacional, pregando
sempre a revolução proletária, na base de sovietes. Com o agravamento da situação social e
política e a ocorrência de greves de trabalhadores, a Liga Comunista lançou um manifesto contra as

643
Anotações de Aristides Lobo, em "caderneta". FLBX .
644
Prontuário n.º 37, doc. n.º 12, f. 52. DEOPS/SP.
645
Pt. n.º 37, v. 2, doc. 142. DEOPS/SP.
646
Carta ms. FLBX .
647
Carta de Víctor Pinheiro a Lívio. Bariri, 8/6/31. FLBX .
648
Informe reservado de Antônio Ghioffi. São Paulo, 25/4/31. Prontuário n.º 4.143, v. 2. DEOPS/SP.
candidaturas à interventoria de São Paulo de Plínio Barreto, Miguel Costa e João Alberto,
considerados todos "lacaios do capitalismo" e "instrumentos da burguesia". Apontava, no manifesto,
o único caminho a seguir: a transformação do movimento grevista em movimento revolucionário de
massas contra a burguesia. Os operários grevistas deveriam fazer pressão sobre a Federação
Operária de São Paulo, aliada, conscientemente ou não, à Legião Revolucionária e à polícia. Os
anarquistas da direção da FO mostraram no comício no Largo da Concórdia que estavam sendo
manobrados pela polícia, a fim de defender a candidatura Miguel Costa. Tiveram a palavra
garantida pelos secretas, enquanto os militantes comunistas eram barbaramente espancados. A
Comissão Executiva da Liga Comunista pronunciou-se contra os candidatos, Getúlio Vargas, a Lei
de Sindicalização, o Ministério do Trabalho, as cadernetas de trabalho, o Governo Provisório, e
terminou dando um viva ao PC e à Revolução Proletária. Cumpria, dessa forma, diretiva da
oposição relativa à apresentação do PCB como coeso para o público externo, tendo em vista a
649
dialética de luta de classes.
Mais adiante, no Arquivo do DEOPS/SP, aparece a descrição do comício citado acima e
que se realizou às 19,30 horas de 1.º de agosto, no Largo da Concórdia. Aristides Lobo, subindo ao
coreto ali existente, tentara fazer uso da palavra, chamando em seu redor as pessoas que se
encontravam no referido largo. Apenas havia pronunciado a palavra "Trabalhadores", numeroso
grupo aproximou-se do local e houve indivíduos que desfraldaram bandeiras vermelhas com
dísticos e emblemas comunistas. Com a intervenção da polícia, e em virtude de ordens superiores
para a não-realização de comícios públicos, e o auxílio de praças de cavalaria, foi dispersado
650
aquele grupo e efetuadas algumas detenções, inclusive a do orador. O jornal O Tempo, do dia 3
de agosto, publicou o protesto de Aristides Lobo contra a violência e as arbitrariedades policiais de
que foi vítima, juntamente com outros intelectuais e vários operários. Segundo Aristides Lobo, a
polícia, na sua resolução de impedir que se efetivasse qualquer manifestação operária na capital
paulista, não só agira com violência contra os que insistiram em fazer valer os seus direitos de
reunião e de palavra, como ainda efetuara, sem motivos aceitáveis, as prisões de três conhecidos
intelectuais paulistas: Azevedo Marques, Paulo Lacerda e Aristides Lobo, bem como a de vários
operários, os quais continuavam presos, alguns dos quais nas mesmas prisões em que se
encontravam encarcerados, havia 30 dias, numerosos outros trabalhadores de Cruzeiro, acusados
de professar idéias comunistas. Aristides Lobo e os seus dois companheiros citados haviam sido
libertados dois dias após, o mesmo não sucedendo aos operários presos à mesma hora e pelos
mesmos motivos. De acordo com Aristides Lobo, esses fatos não poderiam ser recebidos senão
como mais uma prova, que a polícia julgou oportuno dar, de sua inimizade sistemática com os
operários paulistas, pondo em prática velha tática sempre adotada com o fim de indispor de uma
651
vez os intelectuais com os elementos operários em geral. Como a liga abrigasse numerosos
jornalistas, reunidos então na União dos Trabalhadores Gráficos, os protestos — como o acima —
serviam freqüentemente como instrumentos de propaganda revolucionária. E também de armas no
arsenal da luta contra os stalinistas. Assim o assunto foi retomado pelos oposicionistas de
esquerda, quase dois anos depois: o comício do Largo da Concórdia fora convocado pelos
stalinistas, mas “os burocratas, diante da força policial, não se animam a aparecer. O camarada
Aristides Lobo, da Oposição de Esquerda, atravessa o Largo, penetra no correio e, em nome do
Partido, dirige a palavra aos operários, sendo preso em seguida. Dois dias depois, os stalinistas
652
explicam essa atitude como uma 'provocação'.”
O apostolado político da LC submetia os seus poucos membros a uma atividade intensa,
tornando-os vulneráveis às ações repressivas, que secundavam informações enviadas por agentes
reservados, especialmente Guarany e Antônio Ghioffi. É assim que vemos, no dia 9 de setembro,
Ghioffi informar que a caravana composta pelos elementos da liga fora transferida para o dia 14,
pois no dia 7 a UTG iria realizar um festival esportivo. No dia 2 de setembro, no Itália Fausta, Plínio

649
"Aos operários grevistas e aos trabalhadores em geral". Boletim da Comissão Executiva da Liga
Comunista (Oposição). São Paulo, 20/7/31. Prontuário n.º 4.143, v. 2. DEOPS/SP.
650
Comunicado do delegado do DOPS ao chefe do Gabinete de Investigação. Prontuário de Caio Prado, n.º
1.691, doc. n.º 22, f. 63. DEOPS/SP.
651
"As violências policiais de sábado no Largo da Concórdia. Recorte de O Tempo, de 3/8/31. Prontuário
n.º 37, doc. n.o 23-A, f. 184. DEOPS/SP.
652
A Luta de Classe, ano I, V, n.º 14. Rio de Janeiro, 29/7/33, p. 2.
653
Melo e Mário Dupont distribuíram um manifesto da liga. Com certeza baseada nesse informe, a
Superintendência de Ordem Política e Social de São Paulo, em 12/9/31, solicitou providências ao
delegado de Polícia de Sorocaba para ser detido Aristides Lobo que, segundo constava, estava
naquela cidade. À espera, evidentemente, da caravana da liga que deveria falar aos operários e
camponeses do interior, conforme ficara decidido numa de suas reuniões.
Em fins de 1931, com um relativo abrandamento da reação policial, os oposicionistas
deportados ou foragidos voltaram a São Paulo e recomeçaram o trabalho organizatório. A Liga
Comunista havia caído num estado de desorganização e inércia, em virtude da repressão que se
abatera sobre o movimento comunista e culminara na expulsão do país de muitos dos militantes
mais responsáveis do partido e da liga, acarretando ainda a perseguição aos demais aderentes que
se viram obrigados a se esconder, afastando-se da atividade. A liga, por sua fraqueza orgânica e
numérica, tendo passado sua direção para as mãos de camaradas "sinceros mas ainda
inexperientes", fora forçada a passar a uma completa vida ilegal, para a qual não estava preparada.
A previsão da continuidade da repressão trazia o perigo de uma desarticulação completa dos
quadros da oposição, que já se notava na dispersão de seus membros e desagregação dos seus
grupos locais que não mais se reuniam, ou o faziam de modo irregular e insuficiente. Evitar tal
perigo, por todos os meios, apresentou-se como a tarefa mais urgente, pois se a organização
desaparecesse do movimento proletário brasileiro seria aniquilado o prestígio das idéias da
Oposição Internacional de Esquerda no Brasil. Em face da crise econômica e política da burguesia
brasileira, tendo decorrido quase um ano de atividade da liga, começavam a se manifestar
divergências de caráter tático e organizatório e até de princípios, que deveriam ser resolvidas por
meio de um estudo acurado e do mais amplo debate. Consideradas essas premissas, a 21/11/31,
"Tapejara" (Plínio Melo) e "Cunha" (Mário Pedrosa) propuseram a convocação para 21 de janeiro de
1932 da Conferência Nacional da Oposição de Esquerda. Para tanto, deveriam ser elaboradas
teses que servissem de plataforma política a ser aprovada nessa conferência. As teses deveriam
ser elaboradas por camaradas definidos (situação nacional, Lívio Xavier; situação internacional e
imperialismo, Mário Pedrosa; Constituinte, "E. A."; problemas do partido, Aristides Lobo; questão
654
sindical, Plínio Melo; questão agrária, Rodolfo Coutinho) e amplamente debatidas.
A situação enfrentada pelos militantes pode ser avaliada por duas cartas escritas pelo
secretário-geral da liga, "Antônio" (Aristides Lobo), no esconderijo em que se achava. A primeira, de
23/11/31, afirma ser insustentável a sua permanência no local em que estava (embora não declare,
tratava-se da casa de seu irmão José Mariano de Oliveira Lobo, em Botucatu). Pede aos
camaradas que lhe enviassem 40$000 para as despesas de regresso e lhe arrumassem qualquer
trabalho, mesmo que fosse "para partir pedra". Se tudo fosse impossível, solicitava licença urgente
da organização para afastar-se sem compromisso de ligação, pois, nesse caso, deveria seguir "o
rumo que, sem consulta a vocês, as circunstâncias de momento me indicarem". De 2/12/31 é
datada nova correspondência de "Antônio":

"Ô carta pavorosa a que você me escreve! Situação insegura, quebradeira


completa, a Unitas virando merda, o Pinta quase a dar o rabo ao Polillo, o
Madu desempregado, o Maurício no pau e, por cúmulo da porra do azar, um
655
policial morando com você! Se não tivesse cada um de nós a obrigação de
agüentar firme, seria o caso de se aconselhar um suicídio coletivo."

A penúria financeira tornara-se tão aguda que Aristides, fumante inveterado, deixou o
cigarro, o que ele chama de "dialética da merda". Após esse intróito elucidativo sobre as condições
materiais de existência dos oposicionistas de esquerda, o missivista diz ter lido a proposta de Melo
(desnecessariamente prestigiada, nota ele, pela assinatura de Pedrosa) sobre a convocação de
uma Conferência Nacional. Era boa a proposta, mas irrealizável para 21 de janeiro. Em substituição,
propõe o carnaval. Como muitos de seus companheiros, Aristides continuava suas atividades

653
Antônio Ghioffi a Ignácio da Costa Ferreira, delegado de Ordem Política e Social de S. Paulo.
Prontuário de Aristides Lobo, n.º 37, v. 2, f. 119 v.
654
À CE. da LC (Op.). São Paulo, 21/11/31, por Tapejara e Cunha. FLBX.
655
Talvez se tratasse do ativíssimo agente reservado "Guarany". Informes de sua lavra deixam adivinhar a
figura de um intelectual, ou melhor, de alguém que posava de intelectual.
políticas escrevendo do esconderijo. Assim, respondeu "à droga burocracia-cavaleiro", escreveu
sobre o caráter da Revolução na Espanha e um folheto sobre a Constituinte.656
As dificuldades dos membros da liga, foragidos da polícia, desdobravam-se para seus
familiares. Aristides contou ter "cavado" com seu mano, José Mariano, 30$000 para a sua viagem.
O irmão iria arranjar o dinheiro sob empréstimo, pois vivia cheio de dificuldades, era casado, tinha
657
uma filhinha, e ganhava apenas a miséria de 160$000 por mês.
Escondido em casa de seu pai, Víctor Pinheiro declara estar "ferrado” no Capital , sem sair
de casa para aproveitar com a leitura todo o tempo de que dispunha. Seria possível, continua, ainda
se fazer algum trabalho tipográfico em Bariri. Pergunta sobre a liga e Aristides, Plínio, Matheus,
Mário — enfim, o grupo mais aguerrido dos liguistas. Mário, na ocasião, tratava-se de tuberculose
658
em Campos de Jordão. Um mês depois, Víctor queixou-se a Lívio da miséria em que se
encontrava: "cabeça pesada de sífilis, os pés perebentos", precisaria ao menos de meios para um
tratamento regular. Se a liga precisasse de fato dele, iria, mas os camaradas precisariam esperar
"ao menos uma quinzena, a ver se cavo dinheiro para a passagem, pois estou sem um níquel".
Víctor pede a Lívio que explicasse a sua situação ao pessoal da UTG, porém, se não houvesse
outro meio, escreveria ao Próspero pedindo uma licença suplementar. Ele declara estar estudando,
pois se sentia "impressionantemente burro".659 No reduzido grupo de opositores de esquerda, Víctor
Pinheiro compartilhava o mal da tuberculose com Pedrosa, Manuel Medeiros, João Matheus, José
Mariano de Oliveira Lobo.
No fim de 1931, todas as energias do grupo desbaratado se concentraram na preparação
da Conferência Nacional, o que implicava, fundamentalmente, a publicação de um boletim interno
com as teses a discutir. Aristides Lobo transferira-se para o Rio de Janeiro, onde — com Mário
Pedrosa, o advogado Hahnemann Guimarães e Rodolfo Coutinho — cuidava da reorganização da
liga.
Do Rio, Aristides voltou a São Paulo, escondendo-se em Botucatu, como vimos. Em
11/12/31, Víctor Pinheiro escreveu a Lívio Xavier comunicando que "Antônio" já se encontrava com
ele, em Bariri. Por informação de Lobo, Xavier soube que Benjamin Pèret e João Matheus tinham
660
sido "encanados numa batida em casa da Condessa."
Em carta a "Lyon" Aristides Lobo registra sua análise da repressão que se abatia sobre os
companheiros, propondo estratégias de resistência:

"Foi o diabo o que aconteceu. Vamos aprendendo, com os


acontecimentos, a tomar mais cuidado com o corpo e com as coisas. A casa
do Maurício (Benjamin Péret) já era por demais conhecida e os nossos amigos
deviam estar fartos de o saber. Quanto ao José (João Matheus), bem
conhecemos a sua velha mania de se grudar como carrapato a um lugar e não
sair enquanto não aconteça alguma coisa. O que você lembra, as
circunstâncias o exigem: novos endereços, novos pseudônimos, novos
métodos de trabalho. Eu continuarei a ser sempre o seu amigo Leônidas e,
quanto ao endereço, passe a utilizar, até nova informação, o do Francisco,
pois partirei depois de amanhã bem cedo. (...) Insisto na importância que
existe de ser insuspeito não só o nome do destinatário, mas também o local.
Uma pensão onde resida um elemento mais ou menos visado é sempre um
lugar mal escolhido, sujeito a complicações, mesmo que o nome do
destinatário seja o mais santo deste mundo. Tenho longa prática do ofício e já
vi as coisas desandarem de mil e uma maneiras. Não custa prevenir e é
necessário fazê-lo não unilateralmente, mas tomando em consideração os
mínimos detalhes. Estes, muitas vezes secundários e desprezíveis em
aparência, constituem quase sempre o fio que conduz os 'homens' ao centro
da meada. (...) Tudo isso poderá parecer um tanto acaciano, mas é preciso

656
Carta a Lívio Xavier. Botucatu, 2/12/31. FLBX. Ms.
657
Doc. cit.
658
Carta a Lívio Xavier. Bariri, 27/6/31. FLBX. Ms.
659
Carta a Lívio Xavier. Bariri, julho de 30. FLBX. Ms.
660
FLBX. Ms.
dizê-lo, pois tudo indica que mesmo das verdades mais acacianas nos temos
esquecido lamentavelmente. Imagine se, por um dos nossos descuidos, tão
freqüentes, acontece a você ou ao Cunha (Pedrosa) a desgraça de ir parar no
pau. Será uma completa cagada cujo número de atos é impossível prever.
Não vá pensar que eu esteja a dizer aqui uma espécie do 'Não morra!'
budheriniano ao nosso camarada Bronstein. Não; vocês não são ainda tão
importantes, se bem que qualquer de nós, mormente na hora atual, faça uma
falta extraordinária à organização. A questão está em que, pelo estado físico
de cada um, vocês não resistiriam por muito tempo aos maus tratos dos
hoteleiros. Tomem cuidado, rapazes! O que precisamos fazer é aproveitar o
mais possível esta época amarga. Em lugar de fazermos como sempre
fizeram, em tais ocasiões, os maiorais do Partido, tocando punheta no escuro
ou procurando voluntariamente um martírio inglório e inútil, devemos liderizar-
nos, tornarmo-nos os condottieri do futuro, pelo estudo assíduo da doutrina e
da situação, através de uma ligação estreita entre todos os camaradas, de
modo que o que for sendo aprendido possa contribuir para a formação de uma
elite capaz, segura em suas convicções, unida em seus pontos de vista."661

Alguns dias depois, nova carta de "Leônidas" comunica que Manuel Medeiros já se
encontrava em São Paulo e seria conveniente indicar um camarada, desconhecido dos "homens",
que pudesse servir de elemento de ligação com ele. Com muito empenho, seria possível "sustentar
o fogo sagrado". Na carta, Lobo solicita autorização para que ele e Pinheiro fossem para Paris e
Berlim, sem despesas à organização, apenas confiantes na resistência física e no expediente de
ambos. Seria uma viagem por uns seis meses, o estritamente necessário para aprenderem
regularmente o francês e o alemão e poderem tirar algumas lições do contato intimo com o
proletariado europeu. Desde que a burocracia enviava os seus a Moscou, Aristides considerava
justo que a liga, não podendo fazer o mesmo, contribuísse por outros meios para capacitar os seus
membros. Nada pediam além da licença. Comprometiam-se a ficar sempre em ligação com os
camaradas do Brasil e com os da Europa, que poderiam até ser por eles auxiliados em sua
atividade diária. Quando voltassem, estariam mais aptos para a luta e para o trabalho de direção.
Parecia-lhes absurdo receber um contra, pois não podiam mesmo aparecer, e o que faziam no
Brasil seria feito com maior vantagem no estrangeiro.662
Esse pedido foi obviamente denegado, pois Lobo e Pinheiro permaneceram no Brasil,
participando da resistência heróica dos opositores de esquerda paulistas à polícia e aos stalinistas.
A situação profissional dos trotskistas — jornalistas, tradutores e revisores — submetia-se
às intempéries da vida política. Mesmo as relações pessoais ficavam constantemente
comprometidas por questões de militância, como insinua Lobo: “Diga ao Tapejara e ao Miguel que
não fiquem 'magoados' comigo pela franqueza que a minha qualidade de revolucionário obrigou-
663
me a usar em alguns tópicos das cartas que lhes escrevi ultimamente.”
Cansados da vida clandestina, muitos camaradas dispunham-se a “forçar a legalidade”,
recorrendo aos companheiros em liberdade. Com esse objetivo, Pedrosa avisou a Lobo sobre a
disposição de Pinheiro em voltar para a vida legal; politicamente, ele achava que o poderia fazer,
embora a situação não oferecesse ainda muita segurança. Para tanto, a condição básica para
garantir-lhe essa possibilidade era a consecução de um emprego em São Paulo, de preferência fora
dos Diários, pois continuaria visado da mesma forma, com todos os seus passos seguidos pelos
“cães de fila costaferrerianos, e numa situação moral embaraçosa, em virtude de suas repetidas
entradas e saídas, se bem que forçadas, do reduto dos Chateaubriand”.
Quanto a Lobo, ele se declarava disposto a seguir imediatamente, desde que “Sérgio”
(Pintaúde) lhe garantisse o pão com o pagamento de traduções ou outro trabalho que poderia fazer
na sede da empresa ou, “muito melhor, onde estiver residindo”. Lobo entregava o “caso” à
664
resolução dos companheiros. Ele se declarava ciente do que Xavier lhe dizia sobre a quase

661
Carta a Lívio. Botucatu, 7/12/31. Ms.
662
"Leônidas" a "Lyon". Botucatu, 12/12/31. Ms.
663
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 15/1/32. FLBX. Ms.
664
Loc. cit.
impossibilidade de voltar a trabalhar na Unitas. Parecia mesmo que, na situação em que se
encontrava a empresa, só poderiam tirar dela, como Xavier dizia, “alguma tradução paga” e “a
propaganda”. Mas era preciso, também, “ficar de olho nos cobres devidos ao Bronstein”. Pinheiro
665
iria escrever ao pessoal de Montevidéu e de Porto Alegre sobre Matheus.
As atividades de proselitismo da oposição estenderam-se a algumas cidades do interior,
como Santos, Ribeirão Preto, Cravinhos, Barretos, Batatais, Sorocaba, Botucatu. Em Batatais, o
camarada Itagiba pediu a Lívio que o auxiliasse na evolução para o marxismo puro, pois possuía
boa vontade e entusiasmo de sobra pela causa. Estava organizando semanalmente um curso
elementar de comentário ao Manifesto de Marx, com mais três companheiros. Prometia “maior
seara” para breve e jurava ter-se deslocado para Batatais na esperança de ganhar dinheiro,
“mesmo como advogado”, revertendo-o para a causa, “única digna de ser seguida”. A cidade em
que se encontrava era acanhada para as atividades comunistas, com uma mentalidade
666
ultraconservadora, mas Itagiba declarou que não deixaria de aproveitar uma “unidade sequer”.
Edmundo Moniz foi ativo propagandista da liga em Ribeirão Preto e cidades vizinhas, como
Altinópolis, onde havia um pequeno número de elementos que queria ler livros básicos, pois tudo
667
que lia era desordenado.
Em Botucatu, o líder ferroviário José Mariano de Oliveira Lobo — irmão de Aristides —
encarregava-se de distribuir material da Oposição de Esquerda e de conseguir prosélitos para a
organização. Carlos de Oliveira Pinto, furriel da 4.ª Companhia do 4.º BCP, de Bauru, fazia
propaganda entre os seus colegas de farda, sendo por eles “muito bem recebido”. Em carta, pede
instruções e palavras de ordem, além de todos os números do Boletim e do Luta de Classe e um
668
folheto do Plano Qüinqüenal.
A CC da Liga Comunista, no seu primeiro ano de vida, tivera “uma atuação à valentona,
recorrendo às sanções”, entendia Xavier. Lobo, ao contrário, considerava que o erro da CC fora agir
com benevolência. Com o “Poivre” (João da Costa Pimenta), viveram “sob o regime dos recadinhos,
das manobrinhas, das beijocas”.
A atuação dos oposicionistas no campo sindical foi ocupada, em boa parte, com as
“touradas” com a burocracia. Lobo considerava que essas lutas eram inevitáveis e mesmo
necessárias, pois os stalinistas tinham caluniado “miseravelmente” a liga numa assembléia
operária. Os oposicionistas precisaram se defender e se defender acusando. Foram as “touradas”,
com as quais antipatizava Xavier, que haviam posto o sindicato nas mãos dos oposicionistas. Sem
um núcleo organizado, sem “cabala” para as votações, os oposicionistas sempre saíram vitoriosos
sobre os burocratas. O erro foi não terem estendido a vitória da OE na UTG à FOSP, por culpa de
Melo. Portanto, as lutas com os stalinistas foram uma legítima defesa e conquistaram, para os
opositores, o apoio da maioria. Estes não as provocaram — foram provocados.
Três erros são apontados na ação sindical da liga: 1) não ter organizado um núcleo; 2) não
ter feito com que os simpatizantes da diretoria da UTG ingressassem logo na liga, para terem
informações sobre o ponto de vista dos oposicionistas; 3) o sindicato ter abandonado a FOSP.
Todos os erros foram provocados por Mello, “o nosso empata-foda, a muralha de algodão que fica
669
entre nós e os nossos adversários, como um pára-choque, como um biombo.”
Em 7/7/32, Aristides Lobo, como secretário da CE, assinou uma circular aos camaradas,
conclamando-os à disciplina revolucionária.
O dever fundamental de um aderente da Oposição de Esquerda era ser um militante ativo.
A tarefa mais elementar era comparecer a todas as reuniões do grupo a que pertencesse. Os
oposicionistas precisavam realizar logo a sua primeira Conferência Nacional, base de todo o
trabalho da organização:

“Camarada! Disciplina-te a ti mesmo. Forjemos a nossa disciplina de ferro,


a disciplina revolucionária de Lenin, indispensável à vitória do proletariado. (...)
Estabelece como princípio de tua conduta, em toda a tua vida de

665
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 17/1/32. FLBX. Ms.
666
Carta a Lívio. (Batatais), 19/5/32. FLBX. Ms.
667
Carta a Lívio. FLBX. Ms.
668
Bauru, 23/8/31. FLBX. Ms.
669
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 10/2/32, fls. 6-7. FLBX. Ms.
revolucionário, que não te atrasarás nunca; que serás sempre o primeiro em
tudo; que chegarás sempre antes da hora necessária ao teu posto de
combate. E o teu grupo, camarada, é o teu primeiro posto de combate. (...) A
670
revolução só admite os fortes! Que os fracos pereçam!”

O Comitê Dirigente da liga continuava a ser formado, em junho de 32, por Lobo (secretário),
Xavier (agitprop) e Matheus (tesoureiro), reeleitos pela Comissão Executiva, a fim de ser posto um
termo ao estado de desorganização dos oposicionistas. Duas medidas práticas foram tomadas
imediatamente: 1.ª) só haveria apartes com licença do orador, que só excepcionalmente os
consentiria e nunca “por gentileza”; 2.ª) sobre cada assunto, cada camarada só teria direito de usar
da palavra duas vezes (por dez minutos a primeira; por cinco minutos a segunda). Na discussão de
teses sobre a questão sindical essas medidas seriam aplicadas em relação a cada parágrafo de
cada tese. A fim de preparar convenientemente a Conferência Nacional, que seria realizada dentro
de dois meses, intransferivelmente, seriam realizadas duas reuniões por semana: uma, aos
domingos, à tarde, em local variável; outra, à noite, no meio da semana, em dia variável, em casa
671
de Pedrosa.

2. Dissensões internas.

Nem bem organizada, a Liga Comunista perdeu vários de seus aderentes. A maioria dos
excluídos provavelmente não pôde se adaptar à vida de clandestinidade na clandestinidade, isto é,
à situação dos opositores de esquerda obrigados a manter a guerra em duas frentes: contra a
polícia e contra os stalinistas. Outros foram expulsos por desvios da linha política da liga. A história
dessas expulsões indica que motivações de caráter teórico venciam aquelas relacionadas à
disciplina partidária, ao contrário do que acontecia com a corrente hegemônica do PCB. Contudo,
os opositores de esquerda mostravam-se, compreensivelmente, mais tolerantes do que o partido no
julgamento de desvios de camaradas. Castilho considera que o método da LC era semelhante ao
adotado pelo PCB, “aferrado também à prática de sobrepor questões organizativas e disciplinares
aos problemas políticos”. Segundo Castilho, a personalidade de Lobo certamente influenciou a liga
nesses primeiros momentos, pois, segundo Abramo, “Aristides era o mais esquemático de todos,
desde a formação da ideologia até a atividade política. Como era o mais esquemático, estava,
672
digamos assim, mais sujeito a ser burocratizado e a burocratizar”.
A verdade é que a disciplina dos militantes era ditada por razões do momento histórico em
que viviam, caracterizado pela crença na revolução socialista e nas responsabilidades da vanguarda
para conduzir a luta do povo. Não apenas Lobo, com as atribuições que possuía como secretário-
geral, mas todos os aderentes da liga lastimavam a insuficiência de disciplina dos camaradas. O
que eles condenavam no partido não era o excesso de disciplina, mas a falsa disciplina que não
admitia divergências de opinião. Entretanto, a situação de duplo cerco em que se achavam os
opositores terá influído, talvez, na sociabilidade interna da liga, provocando um aumento de tensões
no grupo, impossível de avaliar em termos comparativos com o que ocorria no partido.
Um dos primeiros problemas de coesão da liga surgiu na região do Rio, que revelava perigosa
673
autonomia em relação aos dirigentes da organização. Assim, o “c. 8 (O.G.)” foi excluído por
imprimir e distribuir um manifesto político dirigido “ao povo”, de ataque ao “Clube 3 de Outubro”,
mas que, segundo a CE, servia visivelmente aos interesses da “burguesia constitucionalista”, que o
manifesto simplesmente esquecera. Embora esse documento não implicasse responsabilidade da
liga, “O.G.” utilizara-se de elementos pertencentes a ela para a distribuição de seus folhetos, agindo
(no entender unânime da CE) “com má fé, abusando do nome do proletariado revolucionário para a
política da classe inimiga”. A crise do CR do Rio não abrangeu apenas o camarada “8”; o Comitê

670
FLBX. Ms.
671
Circular de Aristides Lobo, pela CE, com data provável de junho ou julho de 32. FLBX. Ms.
672
Solidão revolucionária, p.p. 175- 176.
673
Como a LC não publicava os nomes dos camaradas expulsos (como faziam os stalinistas), fica difícil
identificar “c. 8”, mas as iniciais apontam para o advogado “O.D.P.G.” da seção carioca, conforme a lista de
aderentes transcrita neste trabalho.
Executivo daquela região foi todo destituído, acusado de revelar falta de controle eficiente sobre a
atividade de seus membros, alguns dos quais “lamentavelmente” se desgarraram, como foram os
casos de “L.” e de “O.G.”. Além do que, a direção do Rio foi acusada de não manter uma
correspondência ativa com o organismo central da liga, tomando medidas sem consultar a CE. Os
camaradas “Silva, J.M. e E.A.”, se “estivessem em atividade”, deveriam encarregar-se de se
constituírem em Comissão de Reorganização de um novo Comitê Regional, e de distribuir cópias
674
da resolução aos diversos grupos do Rio de Janeiro.

Essa cisão comoveu os ralos quadros dos opositores:

“(...) é incrível que haja mais traições nos dias de hoje. Os tais dissidentes
que tirem o epíteto ou renome de comunistas, pois de tal só têm estar em
comum na traição dos socialistas. São mais uns filhos da puta, a levar o nome
decentíssimo de comunistas, de discípulos de Marx, quando não passam de
covardes nacionalistas, que querem colocar uma mão no coração, no peito do
marxismo e a outra no escroto, no badalo dos capitalistas. [...] Acho maior,
para o capitalismo, esta vitória, do que Hitler na Alemanha. Fiquei
sinceramente entristecido com a notícia; eu fiava que os tais fossem
trotskistas.(...) Para agravar, vem a importante proclamação da esquerda, a
respeito da indispensável existência de Bronstein, tão indispensável quanto é a
675
destruição de Stalin.”

Mário Pedrosa e Mary Houston chegaram quase à exclusão, por faltas constantes às
reuniões da liga.
Plínio Gomes de Melo, por “desvios e erros”, esteve sujeito a críticas pesadas de seus
companheiros. A posição de Plínio referente a João Alberto parece nunca ter sido inteiramente
perdoada. Nomeado por Vargas como interventor de São Paulo, o ex-tenente João Alberto
concedeu autorização para o funcionamento do PCB, entendendo-se com três comunistas recém-
expulsos do partido: seu irmão Luís de Barros, Josias Carneiro Leão e Plínio Gomes de Melo. Esse
acontecimento tornou a oposição porosa às críticas do partido, embora Plínio Melo tenha feito
676
autocrítica da posição que tomara no n.º 6 de A Luta de Classe, publicado em março de 1931 .
Os problemas não pararam por aí: em 16/5/31, a CE da liga resolveu proibir terminantemente "o
camarada Tapejara" de dar apartes em quaisquer reuniões que não fossem as das organizações da
liga, e de fazer discursos que não fossem previamente orientados, considerando que depois de
todos os seus erros que guardavam ainda efeitos desagradáveis para a organização, continuava a
demonstrar a sua insegurança ideológica e a sua incompreensão da tática da liga, o que se
evidenciara em várias circunstâncias e, principalmente, na assembléia da UTG — para discutir o
caso dos gráficos com a direção anarquista — assumindo uma atitude de franca colaboração com
677
os anarquistas, conforme ressaltaram declarações da maioria dos camaradas presentes.
Castilho nota que as restrições a Plínio Melo e a João da Costa Pimenta na origem da liga
acabaram por se justificar, pois ambos não mantiveram laços muito fortes com os trotskistas.
Portanto, o grupo “nascia fragilizado naquilo que considerava fundamental, a homogeneidade
678
política e ideológica”.
Obviamente os aderentes da liga — especialmente Lobo — tinham consciência nítida dos
problemas apresentados por Plínio Melo e Pimenta. Eles sabiam que a liga consentia em muitas
faltas em Plínio, embora admitissem que contra ele havia muita calúnia. A presença de Plínio entre
os opositores não seria tão perigosa “como estava sendo, se outra fosse a força orgânica da LC, se
já dispusesse de uma base proletária firme e ampla, se as suas ligações com os sindicatos e a
massa fossem mais numerosas e diretas”. Plínio prestaria “serviços reais à organização fora dela
ou pelo menos fora da atividade”, observa reiteradamente Aristides Lobo.

674
Carta aos camaradas da Região do Rio, enviada pelo secretário da CE. São Paulo, 12/6/1932. FLBX.
675
Carta de Itagiba a Lívio. Batatais, 19/5/32. FLBX.
676
Cf. in: MARQUES NETO, José Castilho. A solidão revolucionária, p. 170.
677
Anotações de Aristides Lobo, em "caderneta". FLBX. Ms.
678
Op. cit., p. 173.
A expressão “poeta” era muitas vezes usada depreciativamente, como notamos por
observação de Víctor Pinheiro: o poeta do Rio (Mário Pedrosa) era muito menos poeta do que o de
São Paulo (Plínio Melo), mas discordava dele, quando declarava intangível uma palavra de ordem
da liga — Assembléia Constituinte — lançada em outubro de 1930 e que, em parte, já cumprira sua
missão, impressionando esferas da pequena burguesia. Na mesma carta, Pinheiro declara que não
era pela Constituinte Revolucionária pelas razões invocadas pelo “Poeta de São Paulo — que mete
os pés pelas mãos, fazendo, como é seu costume, mais uso dos pés do que das mãos — mas por
uma razão tática, que explico no meu calhamaço”. O “Poeta do Rio”, muito mais realista, claro e
analítico, pecava, entretanto, por uma certa candidez e uma certa passividade, pois não percebera
ainda, ou o percebera apenas em teoria, que o bolchevismo não devia se submeter a uma
determinada situação, mas reagir sobre ela. Víctor pretendia defender os seus pontos de vista na
Conferência Nacional, e ainda discutir a posição do “Poeta de São Paulo” perante a liga. Termina:
“Esse homem, com as suas ‘Constituintes Revolucionárias saídas de uma insurreição vitoriosa do
679
proletariado’, ainda nos vai dar muito trabalho.”
Aparentemente, Lívio Xavier adotava uma posição conciliatória, considerando que a
expulsão de Plínio poderia “fazer fração”, e que era “um exagero fazê-lo bode expiatório ou cabeça
de turco dos pecados da organização”. Idéia contestada por Lobo. Exagero era fazer da
organização “bode expiatório ou cabeça de turco dos pecados do Poeta”. Ninguém pretendia “fazer
fração”, pedindo a expulsão do “Poeta” da liga. O que se reclamava era a sua retirada de todo e
qualquer cargo diretivo, pois seria um crime fazer a Liga vítima de seus erros. Erros que Aristides
Lobo enumera.
Em 1928, o Poeta redigira, contra a opinião de todos os seus camaradas do partido, elogios
ao Partido Democrático em nome do CR do Bloco Operário.
Quando o PC mantinha uma coluna operária no Combate, ele teria denunciado os
preparativos de uma greve chefiada por anarquistas, justificando-se ingenuamente com Aristides
Lobo, da seguinte forma: “Pois fui eu! Os anarquistas prejudicam nosso trabalho; ora, se a polícia
os trancafia, ficaremos livres deles!” Convencido por Aristides Lobo de que havia cometido um erro
gravíssimo, estavam na Agência Brasileira, na Rua Xavier de Toledo, quando, à chegada de um
outro companheiro — Egberto — a quem Lobo pretendeu contar o fato: “o Poeta, aflito, um olhar de
misericórdia, apertou-me a perna, e eu, sentimentalmente, deixei passar a coisa”. Segundo
Aristides, Plínio Melo negara depois esse fato.
Plínio também mentira à organização no caso da retirada da UTG da FOSP e também fora o
causador de a OE não ter vencido os anarquistas.
Além desses problemas, Aristides relata que quando o João Alberto assumira a
interventoria em São Paulo, “(...) um operário dirigiu-se ao Poeta, militante operário, para fazer uma
reclamação contra o seu patrão, e o Poeta enviou-o, com um cartãozinho, ao coronel interventor
(isso me foi relatado pelo Mendes como se tendo passado várias vezes, mas o Poeta só confirmou
como sendo uma vez). Seria interminável a lista. Eu poderia falar um pouco sobre a sua atividade
no Rio Grande e sobre o caso das ‘manobras’ com João Alberto. Deixemos isso para ocasião mais
680
oportuna”.
Declarando-se disposto a lutar “impiedosamente” contra tudo o que prejudicasse a
organização, Lobo observa ser um absurdo que Lívio e Miguel de Macedo se tornassem cúmplices
de Plínio nos males causados à liga, por sentimentalismo. Os dois principalmente procuravam
“atenuar ou passar por cima de males evidentíssimos, palpáveis, causados pelo Poeta, ontem e
hoje, e que continuarão agravando-se no dia de amanhã, se ele não for retirado de todo e qualquer
cargo de direção dentro da liga, mesmo dentro do grupo mais modesto. Leve a mão à sua
consciência de revolucionário e verifique que o que você está fazendo, embora inconscientemente,
é conservar na direção da liga um bom rapaz, é certo, uma excelente pessoa, mas um indivíduo
que, pelas razões expostas várias vezes, poderá tornar-se, amanhã, o coveiro da Oposição de
681
Esquerda no Brasil.” Se o mal não fosse corrigido, seria dez vezes mais grave no futuro, pois

679
Víctor a Lívio, novembro de 1931. FLBX. Ms.
680
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier, 26/1/32, fls. 4-5. FLBX. Ms.
681
Documento citado, f. 6.
“existirão os cúmplices, de modo que será preciso, sem dó nem piedade, não mais afastar apenas
da direção, mas expulsar da liga, como traidores, não só o Poeta, mas os seus satélites”.682
Quando da eleição da primeira CE, Lobo dizia que a entrada de Melo para a liga, muito
próxima do seu erro com João Alberto, devera ter sido evitada; entretanto, como já era considerado
como aderente, não havia, no momento, razão de princípio para excluí-lo. Mas se não podiam,
honestamente, excluí-lo, podiam resolver não escolhê-lo para a direção. Foi quando Melo dissera
que ele se recusava a ficar numa organização formalmente, pois lhe arrancavam o direito de ser
eleito. Lobo e Pinheiro entendiam que a CE não era “um seminário de vestais”, mas também
entendiam que não era “um agrupamento de putas...” Para comprovação do que dizia sobre Plínio,
Lobo sugere que Xavier consultasse as atas das reuniões da liga, em geral muito mal feitas
(inclusive as que ele fizera), mas sempre seria possível encontrar alguma coisa. Ele tinha um
“mundo” de coisas sobre Melo e se os companheiros continuassem, faria um “Anti-Poeta... Ele
ficará importante, mas parece que vocês estão provocando. Minha memória dos fatos é viva e, em
683
muitos casos, há documentos”. No dia 15/2/32, Aristides Lobo voltou à carga, escrevendo a Lívio
Xavier. Ele nunca falara em “traições futuras” de Plínio Melo. Em sua última carta:

“(...) depois de ter falado em várias besteiras do Poeta, o que, aliás, já


havia feito em cartas anteriores, fiz, quase ou talvez textualmente, a seguinte
pergunta: 'Se estivéssemos em época de insurreição e tivéssemos uma
guilhotina, que destino julga você que o Poeta teria? (...) Agora mesmo, no
caso muito menos grave da substituição do Poeta na CE, você hesita como
qualquer pequeno-burguês sentimental.(...) Amemo-nos todos! A Liga é um
bar, a Revolução um sanduíche. Pois não é desagradável indispor-nos uns
com os outros? Pois não é tão bom podermos comentar, de comum acordo, o
que se passa no resto do mundo? É muito possível que a tomada do poder no
Brasil, vitoriosa a Revolução nos países decisivos, seja uma espécie de 15 de
novembro de 89: um povo 'bestializado' assistindo a uma parada. Pois bem:
feita a festa, passaremos calmamente à história. Seremos os ‘comunistas
684
históricos’”.

Dias depois, nova carta retornou ao assunto que tanto inquietou os trotskistas no ano de
1932, refutando a alegação feita por Xavier de que Lobo e Pinheiro não davam importância ao
“Poeta”:

“Em primeiro lugar ele tem, de fato, a sua importância e não seremos nós,
isolados e combatidos na surdina, que conseguiremos tirá-la. Em segundo
lugar, não é verdade que nos disponhamos a não responder as cartas dele.
São cartas oficiais, como diz você, como reconhecemos nós e como ele não
reconhece (veja minha carta à CE). (...) Ele que continue a cumprir o seu
dever de secretário, escrevendo-nos, de acordo com a resolução da CE de 20
de dezembro. Responderemos. O que você escreve agora deve ser por
influência dele, que anda, decerto, com mania de perseguição. Não nos
deixamos mover por considerações de ordem pessoal, como você não se
deixou, naturalmente, ao dar o seu voto ao novo secretário, mover pela '
ternura pelo Poeta', que disse ter, uma vez, quando saíamos de nossa pensão
na Rua General Osório. Pessoalmente, eu, pelo menos, nada tenho contra o
Poeta. Acho-o, mesmo, muito simpático. Julgo-o, de um modo geral, sincero.
É, incontestavelmente, dedicado como poucos. Toda a última parte de sua
vida tem sido um exemplo de abnegação e desprendimento. Pode ser um
ótimo amigo. Fazendo abstração da idéia de Revolução, eu mesmo o
considero como tal. Como militante revolucionário, entretanto, no verdadeiro
sentido político da expressão, ele é um completo desastre; pode conduzir à

682
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. 26/1/32. FLBX. Ms.
683
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 3/2/32, fls. 3-4. FLBX. Ms.
684
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. 15/2/32. FLBX. Ms.
morte a mais auspiciosa das empresas. O cargo de secretário, que vem
ocupando, é incompatível com os seus constantes desvios, com o seu
individualismo, com a sua manha, com a sua tendência para capitular diante
do adversário, com as suas 'manobras', com a sua incompreensão mais
absoluta do que seja a estratégia bolchevique. É certo, desgraçadamente, que
tudo isso influirá, cada vez mais, em nossas relações pessoais. Mas, eu sou
revolucionário e a minha consciência dói mais do que o coração: preciso agir
de acordo com o que me dita a razão e não o sentimento. É preciso que o
Poeta se corrija, de uma vez por todas. É preciso que se corrija no trabalho da
base, sob o controle diário e direto de uma direção capaz, fria, intransigente. O
que 'envenena' a organização não é a luta implacável mas consciente e
necessária, que movemos contra a presença do Poeta nos cargos diretivos; o
que 'envenena' a organização é a ' ternura' que você tem pelo Poeta. Pense
685
bem, jogue o coração no lixo, e verá!”

Mello é ainda acusado de displicência no exercício de suas atribuições:

“A última ata em nosso poder é de 27 de dezembro. Os documentos que


ele nos pediu (sua carta quilométrica e o parecer do Maurício) e lhe foram
enviados por nós, logo no começo deste mês, não foram acusados.
Entretanto, de 13 de janeiro para cá, já enviamos ao Poeta, sem que
tenhamos resposta, os seguintes documentos: 1.º) um folheto meu sobre a
Constituinte, seguido de uma carta em que o submeto à aprovação da CE e
consulto esta última sobre a conveniência de minha ida para aí, e de outra
carta de F. (Pinheiro) dando a sua opinião a respeito dessas questões; 2.º)
uma proposta minha sobre a nossa palavra de ordem de Constituinte em
relação ao Código Eleitoral, seguida do parecer de F.; 3.º) hoje, finalmente, a
minha tese para a CN e uma contribuição de F. para a questão agrária. Por
intermédio de você, o F. recebeu a cópia datilografada do seu ponto de vista
(aliás, já modificado) sobre a Constituinte; eu, entretanto, apesar dos
juramentos do Poeta, não recebi cópia nenhuma do meu ponto de vista, se
bem que não faça muita questão disso. O Poeta precisa deixar de iludir,
conscientemente, os seus camaradas. Ele mente nas questões mais
686
secundárias, como nas mais importantes.”

Não se tratava — continua Lobo — de escolher revolucionários perfeitos, mas de escolher,


para dirigir a organização, elementos que estivessem acima da média existente. Essa média,
encarada de um ponto de vista puramente cultural, apontaria Melo como um dos mais capazes da
liga. Mas a “vaselina de cultura” que ele possuía, com Lobo, Xavier e outros, sobre a maioria dos
membros da organização, tornava mais difícil atenuar, pelo controle, a sua tendência para
“desencarrilar politicamente, o seu medo de rematar uma ação determinada”. Teoricamente,
qualquer elemento da base poderia ser mais sujeito a desvios do que ele, mas esses desvios não
se concretizavam com tanta facilidade. Era preciso não esquecer que Melo tinha “as suas fumaças
de condutor de multidões, de orientador, de ‘teórico’, o que não acontece com os elementos da
base, justamente devido a essa incapacidade intelectual de expressão que os caracteriza”. Os
camaradas de base não estavam sujeitos a parti pris (“requinte intelectual por excelência”), não
teriam vaidades que os impedissem de se submeter praticamente à linha justa, etc. Para o cargo de
direção, qualquer um “de nós” (Xavier, “Poivre”, Pedrosa, Pinheiro, Lobo) seria mais indicado. Melo
teria que ser destituído do cargo de secretário ou de qualquer outro dentro da CE ou no mais
modesto dos grupos existentes, até que se curasse radicalmente “dos males agravados com a
687
nossa benevolência”.

685
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 21/2/31. FLBX. Ms.
686
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 28/1/32, fls. 1-2. FLBX. Ms.
687
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 1/2/32, fls. 1-2. FLBX. Ms.
Plínio Mello foi expulso da organização um ano depois, por se ter retirado das atividades,
nos finais de 1932.
João da Costa Pimenta mereceu julgamento similar ao do “Poeta”. Julgamento que revela
muito sobre a sociabilidade dos militantes na esfera das organizações de esquerda:

“Vaidoso, dormindo sobre as glórias do passado, julgou-se sempre


inatingível pelas sanções, parecendo achar que já era muito pertencer à
organização, que se sentia ‘honrada’, ‘engrandecida’, com a sua simpática
presença. Dentro do Partido, o Poivre esculhambava a burocracia e esta tinha
medo de expulsá-lo. Uma vez expulso, ele continuou a manifestar por nós (!) o
desprezo que manifestava por aquela. É um absurdo. E nós, embora sejamos
o avesso dos burocratas, estamos a imitá-los praticamente nessa questão,
com medo do prestígio do Poivre. É outro absurdo. Em todo caso, o que você
agora me comunica modifica um pouco a questão. O que é preciso é fazer
com que a atividade atual desse camarada seja aproveitada o mais possível e
que essa atividade continue, não seja passageira, mas permanente. Cumprir o
dever a prestações, de vez em quando, para distender os músculos, como um
688
esporte, isso é inadmissível para um militante revolucionário.”

Outro problema referiu-se aos chamados "surrealistas revolucionários" (Breton, Aragon,


Naville, Pèret, Martinet) que compunham "poemas proletários". Acusados de burgueses, os
surrealistas lançaram o 2.e. Manifeste du Surrealisme, atacando Naville que se afastara
completamente do surrealismo para se dedicar inteiramente à política. E o Breton, "fabuloso ogum",
ficara com a vaidade um tanto ferida. A parte final do Manifesto era — entendia Pedrosa — uma
concessão, uma espécie de "NEP surrealista". A posição política de Breton em relação ao partido e
à oposição não era firme, mas hesitante e cômoda demais, pois insinuava que não se devia
concorrer para agravar as divergências — que no fundo não eram tão graves assim — porquanto
viu-se Rakoviski fazer uma declaração conciliatória, pronto à reconciliação, e Trotski solidarizar-se
689
com isso.
Os surrealistas franceses acabaram por ser expulsos das fileiras da Oposição de Esquerda,
determinação que afetou, no Brasil, a Benjamin Pèret, fundador da LC e secretário da região do Rio
de Janeiro.
Pèret havia se casado com Elsie Houston em Paris, em 1927, no mesmo ano em que todo
o grupo surrealista, do qual fazia parte, havia entrado no PC francês. Um ano depois, Mário
Pedrosa conheceu Mary Houston, irmã de Elsie, com quem se casou mais tarde. De 1929 a 1931,
Pèret morou no Brasil, militando ativamente na Oposição de Esquerda e participando da vida
intelectual do Rio de Janeiro e de São Paulo. Na reunião de 1.º de fevereiro de 1931, Pèret propôs a
formação de uma cooperativa cinematográfica para a exibição de filmes revolucionários. De São
Paulo Pèret retornou ao Rio de Janeiro, onde integrou o núcleo organizado por Mário Pedrosa, em
24 de abril, que reunia, além dele, os advogados Octaviano Du Pin Galvão e Wenceslau Escobar de
Azambuja, o gráfico José Caldeira Leal, o sapateiro José Salvador e os professores Rodolfo
Coutinho e Edmundo Moniz. Pèret assumiu as funções de secretário do Comitê de Região,
cabendo-lhe a direção dos trabalhos referentes à reorganização da liga no Rio de Janeiro. A fim de
formar quadros para a LC, foi organizado um curso sindical que seria ministrado por Wenceslau
Escobar de Azambuja, em julho de 1931. Também foi criado O Bolchevique, órgão regional de
imprensa, que publicou o seu primeiro número após a expulsão de Pèret do Brasil. As dificuldades
enfrentadas por Pèret e seus companheiros cariocas agravavam-se pela falta de comunicação
deles com a CE, localizada em São Paulo, e pela violenta repressão ao movimento operário que se
operava na capital federal. As pesquisas realizadas por Pèret para escrever um livro, O Almirante
Negro, sobre a Revolta da Chibata, de 1910, foram usadas como pretexto pelo governo para
expulsá-lo do país. Em novembro de 1931, Pèret e João Matheus foram presos e a polícia
apreendeu com eles os arquivos da liga do Rio. Por decreto de Getúlio Vargas, de 10 de dezembro,

688
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 10/2/32, fls. 4-5. FLBX. Ms.
689
Carta de Mário Pedrosa a Lívio Xavier. Rio de Janeiro, 3/2/1930. FLBX. Ms.
Pèret foi expulso do Brasil, e vinte dias depois embarcado no navio "Siqueira Campos", com destino
ao Havre.690
Como muitos de seus camaradas brasileiros, Pèret trabalhou na ilegalidade completa,
sofrendo prisão e expulsão do país. Ao chegar a Paris em janeiro de 1931, escreveu a Pierre
Naville, colocando-se à disposição da liga. Esta, por intermédio de Naville, pediu-lhe que fizesse um
relatório sobre a situação brasileira. Pèret atendeu ao pedido e enviou o relatório encomendado,
com uma carta na qual protestava pelo seu afastamento das atividades da liga. Depois de um mês,
conseguiu se encontrar com a CE francesa — Naville, Molinié, Treint e três outros camaradas — ,
sendo então informado que não poderia pertencer à liga por estar ligado aos surrealistas. Ora, no
Brasil, Péret defendera as idéias surrealistas publicamente na imprensa, e militara na LC, sem que
ninguém visse qualquer incompatibilidade entre essas duas atividades. Inconformado, Péret
escreveu aos camaradas do Brasil e da região parisiense, à CE e ao Secretariado Internacional,
alegando que a única diferença existente entre os dois países em que militara na liga — no caso
particular dos surrealistas expulsos — era que no Brasil era necessário um maior esclarecimento
ideológico, e que esse esclarecimento não fora incompatível com sua filiação ao grupo surrealista.
Ainda mais que esse grupo evoluíra, colocando-se no terreno do materialismo dialético. Nessas
condições, Pèret recusou-se a aceitar a injunção que lhe fora feita de abandonar toda atividade
surrealista e de denunciar esse movimento na Verité, por considerar a medida sem sentido e prova
do mesmo sectarismo que os oposicionistas condenavam nos stalinistas. Embora alguns
surrealistas, membros do PC, tivessem tomado posição contra os opositores de esquerda, essa
posição nunca fora expressa na revista O surrealismo a Serviço da Revolução, que era um órgão
de cultura que não tomava parte nas discussões políticas e que se situava, do ponto de vista
filosófico, no terreno do materialismo dialético. Pèret alude ao fato de o camarada Naville tê-lo
caluniado, dizendo que ele havia escrito manifestos contra a oposição e Trotski. Ele, de fato,
assinara um manifesto contra as perseguições que tinham por alvo Aragon, devido a um poema
691
que escrevera e com o qual Pèret diz não concordar.
O apelo aos camaradas brasileiros não surtiu efeito. Eles consideraram que a filiação a
uma organização revolucionária como a liga exigia uma rigorosa disciplina, pois qualquer
documento assinado por um membro da Oposição de Esquerda acarretaria de alguma forma a
responsabilidade da organização. Ora, nas publicações surrealistas — Frente Vermelha e o
manifesto em defesa de seu autor, Aragon —, os trotskistas eram atacados e os stalinistas
defendidos. Assim, a CE concluiu que não se poderia ser ao mesmo tempo solidário com essas
publicações e membros da oposição. Não obstante, a liga tentara, em 1931, salvar Pèret para a
causa revolucionária. Aristides Lobo, foragido da polícia, sabendo que Pèret embarcaria para a
França no dia 15/12/31, pediu a Lívio Xavier que informasse a Naville o que se passara, pois era
necessário que o poeta continuasse a sua atividade e deveriam precaver-se contra a influência
692
nefasta de Bréton.
O poema causador de tanta celeuma na Oposição de Esquerda estava sendo traduzido no
Brasil, provavelmente pelo próprio Pèret — o original da tradução, ainda incompleto, encontra-se no
prontuário de Mário Pedrosa. Aragon concebeu o poema em três partes: a tese (a burguesia), a
antítese (a revolução proletária), e a síntese (o comunismo soviético). Aragon era declaradamente
contrário aos oposicionistas de esquerda. Ele e Georges Sadoul assinam o manifesto "Aos
intelectuais revolucionários", no qual afirmam que os surrealistas não tinham a menor ligação com o
trotskismo. A Frente Vermelha usa a expressão "inconscientes oposicionistas" (numa parte que não
consta da tradução)693, expressão que, ao lado da fulgurante defesa que faz do stalinismo,
provocou a expulsão dos surrealistas da Oposição de Esquerda Internacional. Dada a importância
política de Frente Vermelha e o seu caráter exemplar para o entendimento da literatura engajada da

690
As observações acima baseiam-se in: KAREPOVS, Dainis. Benjamin Péret: surrealismo e trotskismo no
Brasil. Trotsky hoje. Isabel Maria Loureiro ... [et al.]. São Paulo: Ensaio, 1994. (Cadernos Ensaio. Grande
formato; v. 6), p.p.225-232.
691
"Carta Aberta à Liga Comunista", escrita por Benjamin Pèret. Paris, 19/3/1932. FLBX. CEDEM/UNESP.
692
Carta de 12/12/31. FLBX . Ms.
693
Carta de "Francisco" (Vítor Pinheiro), secretário da C.E. da L.C.B. a Péret. São Paulo, 20/4/1932.
FLBX. Ms.
época, utilizada como instrumento de conscientização revolucionária, reproduz-se a sua versão,
embora truncada, existente no Arquivo do DEOPS/SP:

"Frente Vermelha

Sorrisos para o meu cão


Um dedo de champagne Bem Madama
Estamos no Maxims ano mil
Novecentos e trinta
Tem tapetes debaixo das garrafas
para que seus cus de aristocrata
não esbarrem com as dificuldades da vida
tapetes para esconder a terra
tapetes para abafar
o barulho da sola do sapato dos garçons.
As bebidas se tomam com palhas
tiradas duma jaqueta de precaução.
Há piteiras entre o cigarro e o homem
Abafadores nos carros
escadas de serviço para os
que levam os embrulhos
e papel de seda em volta dos embrulhos
e papel em volta do papel de seda
e papel à vontade não custa
nada o papel nem o papel de seda nem as palhas
nem o champagne ou muito pouco
nem o cinzeiro reclame nem o mataborrão
reclame nem a folhinha
reclame nem as luzes
reclame nem as figuras nas paredes
reclame nem as fourrures de Madame
reclame reclame os palitos
reclame o ventilador e reclame o vento
nada custa nada e por nada
servidores em carne e osso lhe estendem prospectos na rua
Tomem é grátis
O prospecto e a mão que o dá
Não fechem a porta
O Blunt se encarregará disso Ternura
Até as escadas que sabem subir sós
nos grandes magazines
Os dias são de feltro
Os homens de neblina Mundo acolchoado
sem choque
Vocês estão loucos Feijão Meu cão
ainda não teve a moléstia.
Ó pêndulas pendulazinhas
vocês já fizeram sonhar bastante os namorados nos grandes boulevards
e a cama Luís XVI com um ano de crédito
Nos cemitérios a gente deste país tão bem untado
se conduz com a decadência do mármore
Suas casinhas se parecem
com pedras de lareira

Quanto custam os crisântemos este ano


Flores para os mortos flores para as grandes artistas
O dinheiro também se gasta com o ideal

E depois as boas obras arrastam vestidos pretos


nas escadas só lhes digo isso
A princesa é mesmo boa demais
Pelo reconhecimento que se tem
Quase que nem agradecem
É o exemplo dos bolcheviks
Rússia infeliz
URSS
A U R S S ou como eles dizem S S S R
SS como é isso S S S
S S R S S R S S S R ó minha cara
imagine S S S R
Você já viu
as greves do norte
Conheço Berk e Paris - Plage
Mas não as greves S S S R
SSR SSSR SSSR

Quando os homens desciam dos subúrbios


e na Praça da República
a vaga negra se contraía como um punho que se fecha
as lojas puxavam as venezianas sobre os olhos
para não ver passar o raio
Lembro-me do primeiro de Maio de mil novecentos e sete
quando o terror reinava nos salões dourados
Tinham proibido os meninos de ir para a escola
no bairro ocidental onde mal chegava amortecido
o eco longínquo da cólera
Me lembro da manifestação Ferrer
quando sobre a embaixada de Espanha se desfez
a flor de tinta da infâmia
Ainda não faz muito tempo Paris
que tu viste o cortejo feito a Jaurès
e a torrente Sacco - Vanzetti
Paris teus quarteirões estão ainda com as narinas frementes
As pedras de eu calçamento sempre prontas a se lançar ao ar
Tuas árvores a barrar o caminho aos soldados
Volta-se grande corpo invocado
Belleville
Olá Belleville e tu São Denis
onde os reis são prisioneiros dos vermelhos
Ivry Javel e Malakof
Chama-os todos com as suas ferramentas
meninos a galope trazendo as notícias
mulheres de coques homens pesados
que saem do trabalho como dum pesadelo
o passo ainda cambaleante mas os olhos claros
Ainda há [................] na cidade
E autos na porta dos burgueses
Torcei os revérberos como fetos de palha
fazei valsar os quiosques os bancos as fontes Wallace
Derrubai os tiras
Camaradas
Derrubai os tiras
Mais longe mais longe para o Oeste onde dormem
As crianças ricas e as putas de primeira classe
Vá além da Madalena Proletariado
que o teu furor varra o Elyseu
Tens direito ao Bosque de Boulogne também nos dias da semana
Um dia hás de fazer saltar o Arco do Triunfo
Proletariado conhece a tua força
Conhece a tua força e desencadeia-a
Ele preparou o seu dia Saibam ver melhor
Ouvi este rumor que vem das prisões
Ele espera seu dia espera sua hora
o seu minuto o segundo
em que o golpe mortal será dado
e a bala tão certeira que todos os médicos social-fascistas
inclinados sobre o corpo da vítima
em vão procurarão com seus dedos pesquisadores sob as camisas de renda
auscultar-lhe com aparelhos de precisão o coração já apodrecido
não encontrarão o remédio habitual
e cairão na mão dos insurretos que os encostarão ao muro
Fogo sobre Leon Blum
Fogo sobre Boucour Frossard Déat
Fogo sobre os ursos eruditos da social democracia
Fogo fogo ouço passar
a morte que se atira sobre Garchery Fogo lhes digo
sob a direção do Partido Comunista
SFIC
esperam com o dedo no gatilho
Fogo
mas Lenine
o Lenine do momento justo
De Clairvaux se ergue uma voz que nada faz calar
É o jornal falado
a canção do muro
a verdade revolucionária em marcha
Viva Marty o glorioso amotinado do Mar Negro
Ainda será livre este símbolo inutilmente trancado
Yen-Bay
Que vocábulo é este que lembra que não se amordaça
Um povo que não se
doma um povo com o sabre curvo do carrasco
Yen-Bay
Aos nossos irmãos amarelos este juramento
Cada gota de sua vida
Fará correr o sangue de um Varenne

Ouvi o grito dos sírios mortos a flecha


pelos aviadores da terceira República
Ouvi os berros doa marroquinos mortos
sem que se tenha mencionado sua idade nem seu sexo.

Os que esperam de dentes trincados


para tirar a forra afinal
assobiam uma ária que diz muita coisa
uma ária uma ária U R
S S uma ária alegre com o ferro S S
S R uma ária ardente é a es-
perança é a ária S S S R é a canção é a canção de Outubro dos
frutos soberbos
Assobiem assobiem S S S R S S S R a paciência
chegará ao seu fim S S S R S S S R S S S R

Nas paredes esburacadas


por entre as flores fenecidas das decorações antigas
os últimos panos bordados e as últimas étagères
acentuam a sobrevida estranha dos bibelots
o verme da burguesia
procura em vão juntar seus pedaços dispersos
Aqui uma classe agoniza convulsivamente
as recordações de família estão em pedaços
Esmaguem com o seu salto essas víboras que se acordam
Sacudam essas casas que as colherinhas
caiam com os seus percevejos a poeira os velhos
como é doce como é doce o gemido que sai das ruínas

Assisto ao esmagamento de um mundo fora de uso


Vejo embevecido os burgueses pisados
Nunca houve caça mais bela que se fez
A estas lombrigas que se escondem em todos os cantos das cidades
Canto a dominação violenta do proletariado sobre a burguesia
para o aniquilamento desta burguesia
para o aniquilamento total desta burguesia

O mais belo monumento que se possa erigir numa praça


a mais surpreendente de todas as estátuas
o arco comparável ao próprio prisma da chuva
não valem o amontoado magnífico e caótico
Experimentem para ver
que se pode produzir facilmente com uma igreja e a dinamite

A picareta faz um buraco no coração das docilidades antigas


Os desmoronamentos são canções onde giram muitos sóis
Homens e muros de outros tempos caem fulminados pelo mesmo raio
O troar da fuzilaria empresta à paisagem
uma alegria até então desconhecida
São engenheiros são médicos que estão sendo executados
Morram os que põem em perigo as conquistas de outubro
Morram os sabotadores do Plano Qüinqüenal
A vós juventudes comunistas
Varrei os destroços humanos onde ainda

A aranha mágica do sinal da cruz


Voluntários da construção socialista
Enxotai para longe outrora como um cão perigoso
Levantai-vos contra vossas mães
Abandonai a noite a peste e a família
Tendes em vossas mãos uma criança risonha
uma criança como nunca se viu
Que antes de falar já sabe todas as canções da nova vida
Ela vai se escapulir correr já está rindo
os astros descem familiarmente à terra
Que importa se ao cair eles queimam
a carniça negra dos egoístas

As flores de cimento e de pedra


as lianas compridas do ferro as fitas azuis do aço
nunca sonharam com uma tal primavera
As colinas se cobrem de gigantescas primaveras
São creches são cozinhas para vinte mil talheres
casas casas clubes
parecem girassóis trevos de quatro folhas
As estradas se enlaçam como gravatas
Levanta-se uma aurora acima dos quartos de banho
Mil andorinhas anunciam o Maio socialista
Nos campos está acesa uma grande luta
a luta das formigas e dos lobos
Não se pode usar as metralhadoras como se gostaria
contra a rotina e a obstinação
Mas já 80% de pão este ano
é feito com o trigo marxista dos kolkhozes ...
As papoulas viraram bandeiras vermelhas
e monstros novos mastigam as espigas

Aqui não se sabe mais o que era a desocupação


O barulho do martelo o barulho da foice
sobem da terra será
mesmo a foice será
694
mesmo o martelo O ar está cheio de (...)

3. Raízes literárias, produção e educação teóricas.

“(...) cada homem de partido tem o direito e o dever de exigir dos chefes
explicações claras, definições completas e análises teóricas acabadas. Os
operários devem ser tratados como seres pensantes e não como gado. (...)
Não basta enunciar os problemas: é preciso dar-lhes reformulação teórica,
desenvolvê-los, esclarecê-los e indicar-lhes soluções adequadas. O rádio não
é o melhor veículo para um trabalho dessa natureza. O livro continua sendo o
grande instrumento de cultura. Os líderes partidários devem demonstrar que
leram alguma coisa e que são capazes de transmitir aos seus adeptos aquilo
que aprenderam.”
(Aristides Lobo, “Palavras e conceitos de um discurso”. Vanguarda
Socialista,14/9/45).

Um dos pontos cruciais do estudo do comunismo no Brasil refere-se às fontes teóricas


produzidas ou retransmitidas pelo partido, na situação e na oposição. Trata-se de questão
desdobrada, pois não basta identificar obras e idéias: é preciso ter em conta os meios de produção
e difusão dos textos literários utilizados pela esquerda nacional.

694
Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, fls. 74-77.
Para o caso dos trotskistas em São Paulo, a ação policial realizou uma coleta de livros,
jornais, revistas, opúsculos, boletos, etc., que auxiliam a resolução deste problema, mas que dizem
pouco sobre as circunstâncias da produção. Estas estão melhor especificadas nos documentos
produzidos pelos “intelectuais” da LCI, especialmente na correspondência que trocavam entre si e
nas atas de reuniões. Esses documentos remetem-nos a aspectos da vida dos militantes, aos
nexos estabelecidos entre eles e as editoras, às estratégias de difusão da teoria revolucionária junto
ao operariado, aos problemas financeiros, aos gostos e estilos do grupo.
Os trotskistas estavam convencidos de que o perfeito conhecimento da teoria marxista,
expressa pelo bolchevismo-leninismo, implicava a vitória da revolução proletária, conforme, aliás,
era entendimento geral dos revolucionários das décadas de 20 e 30. A teoria científica e a prática
revolucionária caminhavam juntas, rumo à revolução proletária, que se avizinhava. Motivo, pois,
suficiente para explicar o empenho com que as lideranças paulistas traduziam obras, organizavam
seminários e cursos, promoviam debates, editavam livros e jornais, veiculando reflexões teóricas
internacionais e locais básicas às "estratégias da ilusão" desse momento histórico. Essas
atividades, que podem ser acompanhadas nos registros da revolução/repressão, espantam pelo
volume e resultados alcançados, quando analisados no quadro dos possibilismos da época.
Os intelectuais constituíam figuras-chave e óbvias dessa esfera, mas não a esgotavam,
pois os conceitos apreendidos por eles eram rapidamente transmitidos ao operariado, o verdadeiro
dono da revolução, segundo a teoria marxista. Os operários, por sua vez, "intelectualizavam-se",
absorvendo a fundamentação doutrinária que lhes era transmitida por jornais, livros, cursos,
conferências...
Os stalinistas estavam sujeitos a um maior controle de leituras. Para a formação política e
ideológica, os dirigentes do partido deveriam adquirir, para estudo: História do Partido Bolchevique
da URSS, Duas táticas, de Lenin, Os fundamentos do leninismo, de Stalin, e o Manifesto comunista,
695
de Engels e Marx. Evidentemente, era proibida a leitura de autores comprometidos direta ou
indiretamente com a Oposição de Esquerda ou com o anarquismo, o que, de alguma forma, ajuda a
conferir a identidade política aos donos de bibliotecas confiscadas pela polícia. Mesmo jornais não-
comunistas figuravam no índex stalinista. Dessa forma, os dirigentes do PCB proibiram aos
camaradas a leitura do Lanterna, jornal anticlerical, para evitar possíveis provocações, pois o clero
poderia alegar que esse jornal era obra dos comunistas. Essa alegação não convenceu a polícia,
que achou que os dirigentes do partido estavam querendo evitar que os comunistas, politicamente
696
fracos, ficassem influenciados pelo anarquismo.
Menos dogmáticos nas leituras, os oposicionistas de São Paulo realizaram esforços
ingentes para se inteirarem de uma teoria complexa e de difícil aplicação ao "caráter da revolução
brasileira". Para eles, os oito grandes clássicos do socialismo científico eram Marx, Engels, Lenin,
697
Rosa Luxemburgo, Trotski, Plekhanov, Kautski e Bukharin. Porém, como a identidade da
oposição se firmava pelo combate a “desvios stalinistas”, as obras da “situação” integravam o rol
das leituras dos membros da liga. Leituras que baseavam boa parte da correspondência dos
opositores de esquerda. Assim, Edmundo Moniz escreveu a Lívio solicitando os endereços de
Pedrosa e Aristides, pois estava isolado (em Ribeirão Preto) e só por meio de contínua
correspondência poderia colocar-se em posição de compreender "o movimento tão importante e
decisivo do proletário alemão, proletário duas vezes infeliz por não ter direção capaz de livrá-lo
desta situação de opressão que agora iniciou... Stalin: o único responsável". Moniz narra estar
desenvolvendo ativa propaganda literária, procurando fazer os operários lerem o mais possível
Princípios, Dez dias, Socialismo Utópico, etc. Na vizinha cidade de Altinópolis, Moniz contava que já
existia um pequeno número de elementos que queriam ler livros básicos, pois tudo que tinham lido
698
era desordenadamente. Em outra carta, Moniz continua a pedir os endereços de Aristides e
Pedrosa e diz querer renovar as assinaturas de La Verité e de La Lutte de Classe. Ao mesmo
tempo, critica as traduções do Pintaúde, necessitadas de revisões, pois era impossível ler livros

695
Resoluções do Pleno do Comitê Municipal de São Paulo do PCB, de 16 e 17 de dezembro de 1945.
Dossiê 30-C-1. Comunicado do Serviço Secreto, f. 984. DEOPS/SP.
696
Doc. cit., f. 963.
697
LOBO, Aristides. “Definições e diretrizes”. São Paulo, 9/10/46. Vanguarda Socialista, 18/10/46, p. 4.
ASMOB. CEDEM/UNESP.
698
Carta de Edmundo Moniz a Lívio. FLBX.
como Socialismo Utópico e Socialismo Científico em razão dos muitos erros e linhas puladas. Por
fim, intima Lívio a lhe escrever, enviando-lhe "as únicas cousas que me põem ao par do movimento
699
em hora tão safada, como a que corremos por culpa da burocracia".
Nova carta de Edmundo Moniz comenta a mania que a literatura da esquerda oposicionista
tinha de se defender. No interior, a coisa piorara muito, porque a grande maioria do operariado, que
estava mais inclinada a ler e a refletir sobre os assuntos da classe, aderira ao Partido Socialista,
fundado pelo “fascista” Juarez Távora. De maneira que a luta tornara-se mais difícil. Além de
convencer o operário da necessidade da luta pela independência, tornou-se necessário propagar
que o entusiasmo de que ele estava possuído pelo socialismo tenentista era fascista, antiproletário,
e principalmente anticomunista. O PS no interior era dirigido pelo delegado regional de Ribeirão
Preto, o que dava aos operários muita coragem para aderir, pois raciocinavam que se o próprio
delegado regional era o primeiro a correr as cidades do interior para fundar o Partido Socialista, era
porque o socialismo iria mesmo triunfar, pois contava com apoio oficial do governo. Assim
animados, não tendo outro partido a que aderir — naturalmente partido proletário —, aderiram ao
primeiro que apareceu, e sobretudo aparecendo com ares de partido oficial. O Partido Comunista
era para eles “uma espécie de mistério, de mito, pois por aqui só vagamente se falava nele.” Moniz
conclui a carta pedindo a Lívio que renovasse a sua assinatura de La Verité e La Lutte de Classe.700
Na produção teórica dos oposicionistas é preciso incluir numerosas pesquisas que eles
realizavam sobre a realidade social brasileira. Victor de Azevedo Pinheiro, por exemplo, no período
em que permaneceu em Bariri, elaborou dois trabalhos — “A situação nas lavouras” e “Questão
agrária (apontamentos)”—, que serviram para caracterizar a situação brasileira no complexo
problema da revolução mundial.
Essas pesquisas denotam atividades “de campo”, revelando um trabalho anterior de
entrevistas que os trotskistas teriam realizado junto aos trabalhadores.
“A situação nas lavouras” e a “Questão agrária” levantam um quadro sombrio das
condições de vida do campesinato.
Cada colono tratava de 3.000 a 3.500 cafeeiros por ano e recebia um pagamento variável
de 100$000 a 150$000 por mil pés de café. A colheita era paga a 1$000 por alqueire, ou seja, 22
quilos de café beneficiado. Caso a fazenda precisasse, o colono era chamado a servir como
camarada, ganhando de 3$000 a 4$000 por dia, a seco. Isso acontecia somente nas épocas da
colheita, trabalho de transporte e benefício do café. Os colonos moravam em casas sem nenhuma
estrutura sanitária, e não havia assistência médica ou dentária nas fazendas. O direito de plantar só
existia sob o regime de “rua pulada”, isto é: uma rua de milho, outra rua com duas carreiras de
feijão das águas, etc. Só na metade da lavoura de que tratava, o colono tinha direito a esse plantio.
Na lavoura de café não era permitido o plantio de arroz. Só podiam ser colhidos quatro sacos de
feijão e três carros de milho (cada carro comportando três sacos, aproximadamente). Algumas
fazendas permitiam a criação de animais. Os pagamentos eram feitos quando os fazendeiros bem
entendessem. Os colonos que reclamassem os seus vencimentos, por nem terem o que comer,
eram despedidos da fazenda, sem recursos. Numa família de sete pessoas, trabalhavam
geralmente três: o pai, de 40 anos; um filho de 16 e outro de 14. A mãe e três filhos ficavam em
casa. Uma família nessas condições podia tratar de 3.000 pés de café, dando um total de 960$000
anuais. Somando essa importância com o que podia ganhar por ocasião da colheita e em serviços
extraordinários, ficaria o total de 1:360$000. Dessa quantia seriam deduzidos: 5$000 de cooperativa
médica, 3$000 de luz, roupa, calçado, chapéu, além de gêneros alimentícios como toucinho, banha,
óleo, sal, pinga, carne, bacalhau, fósforo, lenha, fumo, medicamentos, operações, batizados,
mortes, enxadas, limas para afiar as enxadas, etc. Muitos fazendeiros obrigavam os colonos a
comprar, por meio de “ordens”, em determinados armazéns, tanto no que se referia a secos e
molhados, como a louças, ferragens, etc. O negociante, por sua vez, vendia muito caro para poder
pagar boa comissão ao fazendeiro, que, muitas vezes, era sócio comanditário sem capital.
A situação acima referia-se ao Noroeste, zona nova. Nas zonas velhas, a situação era
ainda mais grave. O agregado e o camarada trabalhavam de sol a sol, com freqüência principiando
de madrugada e só largando o serviço às sete e oito horas da noite, sob a fiscalização do feitor.
Percebiam um salário médio de 3$000, a seco.

699
Carta de Edmundo Moniz a Lívio. FLBX.
700
Carta de Edmundo Moniz a Lívio. FLBX.
Uma família de colonos (quatro pessoas) ganhava 450$000 por ano para tratar de 3.000
pés de café. Os peões, sujeitos à fiscalização do capataz, viviam nas mesmas condições.
O meeiro, também sujeito à fiscalização, custeava toda a lavoura e recebia a metade da
colheita.
O sitiante (pequeno proprietário) não conseguia, em geral, o necessário para viver, vendo-
se obrigado a hipotecar sua propriedade a juros de 3% e 5% ao mês, em cujo pagamento
empregava tudo o que ganhava. Para poder viver, quase sempre o sitiante precisava se empregar
como camarada ou colono em alguma fazenda.
Os pagamentos se atrasavam em seis meses e mesmo um ano. Em muitas fazendas, os
salários só eram pagos por meio das “ordens” para o armazém, de que era proprietário o
fazendeiro. Os salários eram então descontados e, de um modo geral, os trabalhadores ainda
ficavam devendo, tornando-se maior a opressão exercida sobre eles.
As moradias eram miseráveis, esburacadas, de pau-a-pique, sem luz elétrica e água
encanada. Os sitiantes, vítimas da exploração dos comissários e compradores de café, viviam, em
geral, nas mesmas condições. Os sitiantes independentes, tendo a seu serviço alguns assalariados,
constituíam uma insignificante minoria.
A população do campo podia ser assim dividida: 70% de colonos, 20% de sitiantes (vivendo
701
em geral de salários), 7% de camaradas e 3% de agregados.
Às voltas com dificuldades financeiras constantes, os opositores de esquerda eram
assíduos freqüentadores da Biblioteca Municipal de São Paulo. Nessa qualidade, Victor Pinheiro,
em 1930, dirigiu carta ao dr. Eurico de Góes, diretor daquela biblioteca, dizendo que desde 1928,
quando a Biblioteca fora franqueada ao público, acostumara-se a consultar nela diversas obras que
foram, posteriormente, subtraídas da consulta do público, por ordem de Anhaia Mello. Assim, ao
fazer o pedido de duas obras de Karl Kautsky La Revolution Socialiste e Socialismo e
Malthusianismo, teve a primeira cedida, mas a segunda tinha sido retirada da biblioteca por ordem
do prefeito municipal. Na mesma ocasião, Pinheiro pedira de Lenin O Estado e a Revolução, e
diversas obras de Trotski, "de excelente tradução espanhola", que ele costumava consultar "nos
terríveis tempos do PRP e da reação policial do delegado Laudelino de Abreu", mas todas elas
tinham também sido retiradas de circulação, salvando-se apenas as edições em idioma francês.
Nessa manobra, Pinheiro identificava ação repressiva destinada a afastar os operários da teoria
702
revolucionária, motivo este de seu corajoso protesto.
Desde os primeiros momentos de sua existência, a LC cuidou de publicar o jornal A Luta de
Classe e o Boletim da Oposição, como já vimos. Uma nota da Graphica Paulista Editora, de João
Bentivegna, datada de 21/3/31, informa-nos sobre a tiragem do primeiro: Aristides Lobo pagou à
703
vista, nessa data, 225$000 por 1.000 jornais com seis páginas cada um. De 1930 à morte de
704
Trotski, A Luta de Classe foi o porta-voz das diversas organizações trotskistas nacionais. O seu
nome era o homônimo do jornal francês La Lutte de Classe, dirigido por Pierre Naville, que exerceu
grande influência sobre a Oposição de Esquerda nacional, a começar pela cooptação de Pedrosa
às idéias trotskistas. A edição de A Luta de Classe era considerada tarefa prioritária pelos
trotskistas. Assim, apesar das grandes dificuldades financeiras que enfrentavam e da situação de
clandestinidade permanente em que se viam, os opositores sempre imprimiram tipograficamente o
seu jornal, uma vez que muitos deles eram gráficos que se utilizavam dos horários mortos de seus
locais de trabalho para compor e imprimir o jornal da liga. O jornal só passou a ser mimeografado a
partir do n.º 34, de dezembro de 1937. Em 30, A Luta foi impresso no Rio de Janeiro. O jornal
acompanhou a transferência da direção da liga para São Paulo, aí permanecendo até princípios de
35, quando regressou ao Rio. A partir de 35, os locais de edição indicados no frontispício do jornal
(Belo Horizonte, Juiz de Fora e Niterói), assim como a omissão dessa indicação, eram simples
expediente para despistar a polícia. Em 34, o grupo Fernando-Alves, liderado por Aristides Lobo,
Victor de Azevedo Pinheiro e João Matheus, passou a publicar o jornal A Luta de Classes, do qual,
por referências internas da liga, sabemos que foram publicados pelo menos dois números.

701
FLBX.
702
FLBX.
703
Nota 2.892. FLBX.
704
Esta e as considerações que se seguem sobre A Luta de Classe fundamentam-se em: KAREPOVS,
Dainis. Trotski n' A Luta de Classe, p.p. 3-5.
Dentre os redatores de A Luta destacam-se: Mário Pedrosa (Aparício, Vidal, Georges,
Gonzaga, M. Camboa), Lívio Xavier (L. Lyon, Camilo), Aristides Lobo (Fernando), Victor de Azevedo
Pinheiro (Alves), Edmundo Moniz (Ferrão), Rodolfo Coutinho, João da Costa Pimenta, Hilcar Leite
(Eloy, Lino), Fúlvio Abramo (Wlado), Febus Gikovate (Andrade).
Com a pequena tiragem de 500 a 1.000 números, A Luta de Classes deveria ser mensal,
mas, sujeito às agruras de seus editores, possuía periodicidade muito irregular. Assim, o número 7
foi publicado em maio de 31, enquanto o 8 apenas veio à luz em outubro de 32. Tem-se notícia de
45 números desse jornal.
Os oposicionistas também publicaram O Proletário e o Homem Livre. O último destinava-se
a servir à linha política das frentes únicas — em especial, a antifascista —, adotada pela Liga em
1933. Há uma proposta formulada por “Frederico” (João Matheus) sobre o Homem Livre, que
esclarece um pouco a política editorial da LC.
O Grupo Editor — formado por sete elementos — deveria ser composto obrigatoriamente
de simpatizantes das idéias da Oposição de Esquerda, mas nenhum membro da liga pertenceria a
esse grupo ou a qualquer comissão de trabalho do jornal. A liga nomeava o camarada “Gustavo”
(Lobo) para representá-la, em estreita ligação com o Grupo Editor. O Homem Livre deveria
continuar a funcionar autonomamente, e nunca se transformar em órgão de qualquer organização
de frente única. Todos os elementos da liga obrigavam-se na medida do possível a colaborar no
705
Homem Livre, especialmente os camaradas “Gustavo” e o italiano (Gofredo Rosini?).
Os opositores de esquerda, pelas posições assumidas contrarias às da direção nacional,
esmeraram-se no estudo e veiculação da teoria marxista, no plano bolchevista-leninista. Deixavam
eles, sempre claro, que os fracassos da esquerda revolucionária decorriam do falso entendimento
da teoria marxista, firmando, dessa forma, a sua qualidade de intelectuais, tão duramente atacada
pelo partido nos tempos do obreirismo.
Na posição de intelectuais do partido no Brasil, como poderiam — pergunta Mário Pedrosa
a Lívio Xavier — continuar sem tentar definir a situação brasileira, sul-americana? A atividade de
Rodolfo Coutinho "numa vaga CCE ou num mais vago ainda trabalho de organização camponesa
no Distrito Federal" era irrisória, dos pontos de vista político e histórico. Que pseudo função seria a
deles, e para que serviria a presença deles no partido: para fingir que eram bolcheviques e terem
uma atividade puramente formal — comparecendo às reuniões de célula e fingindo acreditar na
organização e na existência dum movimento comunista no Brasil? Eles não queriam ser apenas
706
literatos, pois o tempo do romantismo já passara.
Imbuídos desse pragmatismo intelectual, quais as obras que os opositores liam, produziam
ou discutiam nesses momentos de formação das esquerdas nacionais?
707
Agrarismo e Industrialismo, de Octávio Brandão , era duramente criticada por eles, desde
1928, como puro idealismo progressista e não marxismo-realista. O grupo Brandão estaria coerente
708
com a sua teoria; conseqüentemente, eivado de desvios e erros. Embora reconhecendo que
essa obra fora a tentativa mais séria, no que concernia à direção do partido, a mais meticulosa e
mesmo a mais "heróica", infelizmente — observam os opositores — também fora a mais
desastrosa, pois a linha do partido sofria ainda a influência "desse bazar de monstruosidades
teóricas". Brandão descobrira identidades de toda espécie entre o Brasil e a Rússia, sem excetuar
as "identidades geológicas". A direção da IC, aparentando arrepender-se da consagração que dera
a Agrarismo e Industrialismo, durante longos anos procurou dissimular seu oportunismo aplicando
simplesmente "às costas do camarada Brandão o timbre do imposto único 'menchevique'. Era,
aliás, um velho hábito da direção centrista de Stalin imputar a responsabilidade de todos os males
às direções nacionais, a fim de que estas, a seu turno, preservassem seu 'prestígio' colocando o

705
FLBX.
706
Carta de 14/5/1928. FLBX . Ms.
707
Comentários jocosos acompanham as análises teóricas feitas por Brandão: "Quando a A Nação foi
fechada, o seu diretor pensou em montar uma casa editora. Ao saber, porém, que o poeta O. Brandão tinha
28 livros para publicar, o homem tratou de torrar as máquinas por qualquer preço". Ou: "Tivemos
conhecimento que o poeta O. Brandão acaba de descobrir que a sociedade se divide em três classes, ao
invés de duas como impensadamente afirmaram Marx e Engels..." In: O Alfaiate. Rio de Janeiro, 18/7/28,
n.º 43, ano VI. ASMOB. CEDEM/UNESP.
708
Carta de Plínio Mello a Lívio Xavier. São Paulo, 7/5/1928. Ms. FLBX .
peso de todos os erros sobre as espáduas de um único camarada. A honestidade do camarada
Brandão devia pagar assim pela sordidez de Astrojildo Pereira & Cia." Agrarismo e industrialismo
reeditava velhos erros oportunistas e surgia para tornar a situação mais confusa, aumentando ainda
a obscuridade da massa, do partido e da classe operária. Fora o que se fizera nas colunas de A
Classe Operária, da Revista Comunista e do Boletim do Bureau Sul-Americano da Internacional
Comunista, "ao lado das invenções mais estúpidas e das mais repugnantes calúnias contra a
oposição". O PC sofria as conseqüências de sua "doença de nascimento". Fundado pelo meio de
1922, ele vivera, na realidade, até o fim de 1923, como um inofensivo "grupo de oprimidos,
assembléia heterogênea de anarquistas". Nesse sentido, "os Astrojildo e Paulo de Lacerda" foram
caracterizados por "anarquistas do Brasil", durante o IV Congresso, por Trotski, "importunado pelas
interrupções idiotas do delegado, Canellas". Em conseqüência da "extrema indigência teórica" do
pequeno número de seus fundadores e da reação policial que o acompanhou desde o berço, o
Partido Comunista só se formou verdadeiramente após 1924, isto é, após a morte de Lenin. Este
fato era particularmente importante para explicar o motivo da "lamentável pobreza de seu ativo
revolucionário, contrastando tristemente com um passivo monstruoso de erros e de fracassos". O
longo período de reação contra o pensamento e a obra de Lenin, que se seguiu após a sua morte,
só chegou ao conhecimento dos camaradas brasileiros no início de 1928. As informações que se
podiam obter sobre a luta da oposição russa eram confusas e unilaterais. De outro lado, a
burocracia que controlava o partido agia livremente, escudada pela ausência quase completa de
literatura revolucionária. Fora precisamente em 1928 que um grupo de camaradas mais
esclarecidos tentara opor uma barreira aos atentados que se cometiam contra os princípios
marxistas. Entretanto, fracassaram, pois não tiveram a precaução de elaborar uma plataforma que
definisse seu ponto de vista e, inexperientes, cometeram uma série de erros de tática.
Posteriormente, nada se fez. O partido mergulhara num marasmo político, mal disfarçado pelo
espírito de aventura de tal ou tal episódio de mediana importância, as tentativas revolucionárias se
apoiando numa base caótica. Foi apenas pela metade de 1930, com a fundação do "Grupo
Comunista Lenine", que se criaram as premissas de uma análise crítica da situação. Com base
nessas premissas, Lívio Xavier e Mário Pedrosa, em outubro daquele ano, quando os exércitos da
Aliança e do PRP se batiam ainda pela conquista do poder central, redigiram um esboço sobre a
situação nacional, à luz da teoria marxista e da experiência nacional da luta de classes.709
A cruzada teórica prosseguiu nos primeiros meses de 1931, criticando a falta de
entendimento do partido e de seus representantes junto à IC sobre a situação nacional. Esses não
visavam a uma análise geral dessa situação, mas à caracterização de alguns acontecimentos
específicos, de acordo, quase sempre, com "dados imaginários".
A propaganda de conscientização da massa implicava o uso de conceitos simples,
expressos com didatismo. Um longo manuscrito a lápis, preparado para publicação (com linhas e
páginas contadas), existente no prontuário de Mário Pedrosa, condena pesadamente a religião,
revelando influências do anarquismo e do positivismo. Como os trotskistas tentavam aumentar sua
influência na Federação Operária, manobrada pelos anarquistas, é possível que esse documento
adotasse conscientemente uma linguagem que poderia encontrar audiência entre os membros
daquela organização. Nesse manuscrito foram utilizados versos de vários exemplares de uma
circular, datada de 1/8/31, e enviada pela União dos Trabalhadores Gráficos, convidando os
companheiros a participar de um festival náutico e atlético, com o fim de ajudar os gráficos que
estavam em desemprego forçado. O texto começa por analisar a "incarnação", como "uma linda
fábula, um pouco escabrosa, de moralidade pouco clara e até muito discutível", encontrada em
quase todas as religiões e mitologias. O que pretendia demonstrar, diz o texto, é que a fé católica
não é aceitável para a razão e para a sensibilidade de um homem do século XX, pois (citando
Xenofontes), foram os homens que criaram os deuses e lhes deram a sua voz e a sua forma: "se os
bois e os leões tivessem mãos, se soubessem desenhar como os homens, criariam os deuses a
sua própria imagem e semelhança; os cavalos apresentá-los-iam semelhantes aos cavalos, e os
bois aos bois, com membros semelhantes aos seus". Ímpios não eram os povos que não deram o
primeiro lugar aos padres, mas os governos que impediram o desenvolvimento científico. Seria
necessária uma verdadeira revolução, que acabasse com as injustiças e levasse os homens a
conceber um Deus pela ciência e pela piedade. A maior parte dos homens era levada ao

709
Texto em francês de autoria de Aristides Lobo e destinado à OEI. São Paulo, 18/4/31. FLBX .
empobrecimento pelas religiões positivas e pelo capitalismo. Os padres inventaram uma virtude que
denominaram "caridade" . Mas essa caridade não consistia "em introduzir o espírito de justiça nas
relações sociais, em educar e instruir os pobres, em preveni-los contra a miséria, contra o vício e
contra a ignorância por meio da educação, em destruir este horrível estado social, em que o luxo
acotovela o farrapo. Constituída pela distribuição de dinheiro, de pão, de roupa, acostuma os pobres
a humilharem-se e a mendigar." Os padres ensinavam crenças falsas, embruteciam os indivíduos
pelos dogmas e pelas superstições. Portanto, todas as religiões eram más e causavam mal. O
Deus católico, "primeiramente uno, depois duplo, e, pela aliança dessa dualidade, formador da
Trindade, será um símbolo do número que envolve a natureza? As ciências matemáticas não
poderiam ser formadas se o número um não tivesse feito aliança com o número dois, e toda a
natureza pereceria se os princípios dessemelhantes se não aproximassem constantemente — o par
solicitando o ímpar, o hidrogênio chamando o oxigênio, o macho desejando a fêmea". A par dessa
curiosa visão (quando olhada do ponto de vista da produção teórica comunista) aparece a utopia
social, marcada pelo positivismo:

"No estado atual da indústria, uma sociedade em que os homens


trabalhem manualmente quatro horas por dia, para depois, rejeitando os
enervantes prazeres da bebida ou da sensualidade, irem assistir a um curso
de física, a uma conferência de história, a um laboratório de química ou de
fisiologia, a um drama musical ou a uma tragédia emocionante de beleza, a
um concurso de ginástica, ou, ficando em casa, se dedicarem ao estudo da
pintura, ao fabrico do seu mobiliário ou ao cultivo das plantas ou flores — não
710
é só uma coisa inconcebível como é também realizável."

As posições assumidas pelas correntes comunistas produziram análises teóricas


discrepantes, não raro antagônicas, saídas das penas de trotskistas e stalinistas. Assim, em 3/2/30,
Pedrosa criticou o famoso manifesto dos intelectuais — Pela revolução agrária e pela revolução
anti-imperialista, saído em A Classe Operária:—, como um caso típico de miséria ideológica, que
não era nem menchevismo, muito menos comunismo ou marxismo. Pedrosa diz que fora escrito
por Motta-Lima, de acordo com o partido. Os opositores de esquerda recusaram-se a assinar, mas
intelectuais revolucionários subscreveram o tal manifesto, desde Di Cavalcanti e José Neves, até
Plínio Melo, Everardo Dias, Antônio Mendes de Almeida etc.
O Auto-Crítica era lido por todos os comunistas, pois trazia as teses do partido sobre a
situação, com as perspectivas e palavras de ordem, que serviam muitas vezes de base para as
críticas dos opositores. Pedrosa recomenda a leitura de dois livros "excelentes" do Istrati: Soviets,
1929 e La Russie Nue. Esses livros não foram lidos por "Castro, como sempre hesitante e
indecente", porque se comprazia "com o liberalismo de bom tom de Monde ou com os clichês e a
demagogia de L' Humanité". Pedrosa considerava que os literatos iam de mal a pior. Conhecera a
Tarsila, que considerou muitíssimo mais interessante que "sua pintura sem importância", e o
Oswald de Andrade, "sujeito simpático e engraçado", que o procurava para conversar e afirmar os
pontos de contato da antropofagia com o comunismo. Pedrosa diz que, em São Paulo, andava
sempre com o Antônio Bento, a Elsie Houston e o Benjamin Pèret, pois não se suportava o resto do
pessoal: "o Oswald e mesmo a Tarsila se andassem sozinhos —ainda bem — mas vivem com um
711
tal de poeta Álvaro Moreyra e sua mulher que é o par mais burro e idiota que se pode imaginar".
A literatura dita “proletária” abrangia romances e poemas, comuns nas referências policiais.
O bom crioulo, de Adolpho Caminha, é citado numerosas vezes, especialmente no caso de
militantes negros. Judeu sem dinheiro, de Michael Gold, cumpre funções semelhantes para os
judeus revolucionários. Poemas proletários, do trotskista Paulo Torres, é provavelmente a obra do
gênero mais encontrada nas bibliotecas dos subversivos.
Jorge Amado recebeu duras críticas, que se estendem aos romances modernistas:

“A novidade atualmente no Brasil é a preocupação de intitular proletária


uma literatura pornográfica e falsa. E aparecem então os monstruosos livros

710
Prontuário n.º 2.030, fls. 5-14. DEOPS/SP.
711
Carta de Mário Pedrosa a Lívio. São Paulo, final de 1930. FLBX . Ms.
de Pagu, Oswald de Andrade, etc., etc. Palavrões. Pornografia. Libidinagem.
Livros tipicamente fim de regime, próprios para os delírios sexuais de semi-
virgens. (...) Segundo os pseudos escritores ‘proletários’ do Brasil, fazer
literatura é escrever errado, empregar mal todas as palavras e ter uma
profunda ingenuidade pelas coisas da vida. É assim o Cacau. (...) Jorge
712
Amado pensa que a revolução proletária será feita com as prostitutas...”

Das leituras aconselhadas para a militância intelectual, Dez dias que abalaram o mundo era
essencial. Tratava-se de entender a primeira experiência vitoriosa dos proletários, numa época em
713
que as esperanças e os temores dos revolucionários eram inseparáveis da Revolução Russa ,
atento ao fato de que "todo partido comunista foi filho do casamento — realizado tanto por amor
quanto por conveniência — de dois parceiros mal-ajustados: uma esquerda nacional e a Revolução
714
de Outubro". Assim, Aristides Lobo, tradutor e prefaciador de Dez dias ... observa que qualquer
que fosse o desenlace do drama histórico começado a 7 de novembro, a Revolução Russa era
definitivamente um fato de grande importância incorporado à história do mundo,
independentemente do combate de idéias e de interesses em torno. O relato do jornalista norte-
americano John Reed apresentava a seu favor méritos intrínsecos superlativos: era, primeiro, um
relato visual; era, segundo, um relato feito com simpatia e benevolência ("como é possível ser
verídico com rancor?"), um testemunho de dentro; era, em terceiro lugar, uma narração de alto valor
literário. Nada conhecia que se lhe comparasse a tal respeito. À medida que se avançava na leitura,
"sente-se imediata a vibração daquelas agitadíssimas e patéticas jornadas de Petrogrado que
715
sacudiram o mundo".
A repercussão de Dez dias... nos meios revolucionários de São Paulo pode ser aquilatada
pelas críticas elogiosas da imprensa paulista e por várias opiniões de intelectuais (todos trotskistas,
diga-se de passagem) reunidas em folheto, elogiando livro e tradução, sem referências ao nome do
tradutor, provavelmente para evitar os problemas com a polícia que a menção ao nome de Aristides
Lobo certamente suscitaria. Assim se pronunciaram Pedro Motta Lima, Jayme Adour, Benjamin
Pèret, Tarsila do Amaral, Jovelino Camargo Júnior e Oswald de Andrade em vários órgãos da
imprensa paulista, entre 26 e 29 de novembro: O Diário da Noite, A Gazeta, Diário de S. Paulo, O
Estado de S. Paulo e Praça de Santos, demonstrando que os opositores de esquerda detinham
postos firmes na imprensa, capazes de neutralizar a imposição de silêncio pelos stalinistas a
publicações por eles realizadas.
No campo da teoria, a atuação da liga compreendia a tradução de obras revolucionárias.
Assim, em 4/6/1931 Aristides Lobo assinou um recibo na Delegacia de Ordem Social de 29 pacotes
de composição, apreendidos em 23/5/31, na Gráfica Paulista, de João Bentivegna, e
correspondentes ao livro No caminho da insurreição, de N. Lenin, por ele traduzido, e que estava
716
sendo editado sob a sua responsabilidade. Na mesma ocasião, Vìctor Pinheiro traduzia A
Revolução Desfigurada, um artigo do "Ogum" (Trotski) e pensava iniciar a tradução dos trechos
mais oportunos do 1905.717
Em julho de 1931, foi publicado um folheto de 21 páginas, de autoria de Lenin: Os objetivos
do proletariado na Revolução. Aristides Lobo assina a tradução, feita da edição francesa de Victor
Serge, de conformidade com a 2.ª edição russa das Obras Completas de Lenin. Em epígrafe, a
frase: “As ‘legiões revolucionárias’, com a sua mentalidade pequeno-burguesa e a sua demagogia,
718
foram organizadas para a corrupção e a mistificação do proletariado.”

712
MORAES, Eneida. Ainda sobre “Cacau” de Jorge Amado. O Homem Livre. São Paulo, 3/1/34, p. 4.
ASMOB. CEDEM/UNESP.
713
HOBSBAWM, E. J. Revolucionários. 2. ed. Trad. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 12.
714
Op. cit., p. 15.
715
Palavras explicativas, em: REED, John. 10 dias que abalaram o mundo. 2. ed. São Paulo: Editora
Nacional "LUX", 1931, p.p. 5-7.
716
Prontuário n.º 37, doc. n.º 20, f. 60. DEOPS/SP.
717
Carta de Victor Pinheiro a Lívio Xavier. (Bariri), 8/6/31. FLBX.
718
Processo-crime contra Hylcar Leite e outros, n.º 296, v. 1, f. 61. Tribunal de Segurança Nacional.
Microfilme pertencente ao CEMAP. CEDEM/UNESP.
Nos esconderijos, os intelectuais da liga desdobravam-se. Fora do campo das traduções,
Lobo escreveu uma resposta ao "cavaleiro" (palavra sempre grafada com “c” minúsculo),
encomendada por Xavier, enquanto este produzia um folheto sobre o caráter da revolução na
Espanha. Lobo também escreveu um folheto sobre a Constituinte, “destinado à massa e servindo
também para alguns dos nossos camaradas”. Ele fizera várias citações de memória, mas fazia
questão de que fossem textuais. Para tanto, solicitou a Xavier que lhe enviasse o “velho” manifesto
deles Pela Assembléia Constituinte e um artigo de Pedrosa, publicado em A Lucta de 1.º de Maio
de 1931, onde se encontravam as citações. Uma outra citação, de Lenin, era de O Estado e a
Revolução, e aparecera numa entrevista que o "cavaleiro" dera ao Barreto Leite, publicada no canto
da 1.ª página de O Jornal do Rio. Essa citação referia-se “à diferença entre a ditadura capitalista e a
proletária: aquela, de uma minoria insignificante de exploradores e a última, da maioria trabalhadora
719
da população”.
Lobo e Pinheiro, compartilhando o mesmo esconderijo e iguais preocupações, entendiam-
se nas traduções. A tradução do Feurbach, iniciada por Lobo, foi concluída por Pinheiro, enquanto
o primeiro terminava a do Cafiero. O que Salvador Pintaúde pagasse seria dividido entre ambos. O
720
Cafiero estava “por linhas”, mas era preciso mais papel, que ele pediu a Xavier. Dias depois,
Lobo, brincalhão, exclama:

“Bravos! Já agora temos papel, ao menos para escrever aos mais


próximos do nosso coração...
' Quando eu, rua, por vós vou,
Todolos traques que dou
São suspiros de saudade!'
(Gil Vicente). “

Pinheiro havia recebido o livro que “motivou o deplorável incidente com o nosso ilustre
companheiro de jornada — o invicto e sempre respeitado Miguel Cunha” (Pedrosa), continua Lobo.
Ele lera o artigo do Bronstein, que Pedrosa enviara, e escreveria ao último para “conversar sobre
coisas de interesse. Para Lívio, na carta que escrevia, não queria dizer nada, “pois quero que seja
toda amor e em amor termine”. 721
Em 6/1/32, Lobo comunica a Lívio ter enviado a tradução do Cafiero, insistindo para que
Xavier “cavasse” com “Sérgio” (Pintaúde) o pagamento urgente: “Há muito tempo não vemos um
níquel: e isso nos aporrinha horrivelmente. Esperamos que você não poupe o Sérgio, mostrando-
722
lhe a transcrição que Marx faz de um trecho de Lutero sobre o avarento... “
O pedido foi satisfeito. Eufórico, Lobo acusou o recebimento de “300 paus”, “uma fortuna!"
Ele e Pinheiro passariam a traduzir o discurso de Stalin, a resposta de Trotski e o projeto de
plataforma para a URSS. Dariam o título aos três de A URSS em 1931. Isso serviria para a liga e a
723
Unitas poderia editar.
As publicações causavam, vez ou outra, mal-estar entre os oposicionistas. Os meios eram
poucos e as obras muitas. A decisão sobre o que publicar agravava-se com o como e o quando das
edições. Sobre o projeto “L.D.T.”, há uma carta de Lobo a Xavier, extremamente elucidativa dessas
questões:

“Pelos motivos constantes de minha carta anterior, eu pretendia não voltar


ao assunto. Considero um fato consumado a vitória de sua opinião dentro da
atual CE. Mas, como somos amigos e não estamos num concurso esportivo,
movidos pela simples preocupação de ganhar a corrida, eu quero dizer ainda
alguma coisa. Você opõe a questão de agitprop à de organização. Ora, uma
coisa depende da outra e a discussão interna que você grifa se daria muito
mais facilmente se o ‘projeto’ fosse imediatamente editado. É preciso notar

719
Carta de Lobo a Xavier. (Botucatu), 12/12/31. FLBX. Ms.
720
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 2/1/32. FLBX. Ms.
721
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 15/1/32. FLBX. Ms.
722
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 6/1/32. FLBX. Ms.
723
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 9/1/32. FLBX. Ms.
que se trata de um documento que pertence internacionalmente à organização
e que só na imprensa desta foi publicado, mas é preciso notar também que
não se trata de um documento secreto, tanto que veio a público. Além disso,
não temos, no Brasil, nem jornal, nem revista, nem uma editora. Se a
preocupação de L.D.T. fosse restringir o seu ‘projeto’ à discussão interna, esse
projeto teria sido publicado no Boletim Internacional e não na Vérité e outros
órgãos de massa. O argumento de disciplina a que você recorre é um
disparate nesta questão. Mesmo antes da discussão interna, o ‘projeto’ de
L.D.T. pode e deve, como projeto, tornar-se conhecido da massa, e aqui no
Brasil o único meio é entregá-lo a um editor. Na resposta a Zé Stalin, que não
é um ‘projeto’ de resposta, L.D.T. cita trechos do ‘projeto’ como projeto. Esses
trechos, admitamos, vão sofrer modificações após a discussão interna: não
importa, pois foram citados como projeto. O argumento de disciplina seria
justo, justíssimo, para o caso de um documento secreto, isto é, de um
documento que não devesse, enquanto não suficientemente discutido,
ultrapassar as fronteiras da Liga. Mas, se o caso do ‘projeto’ fosse este, o
mesmo teria sido publicado não na Vérité, jornal de massa, que qualquer
burguês pode comprar e ler sossegadamente, mas no Boletim Internacional,
como órgão interno que é. Você já ganhou a corrida, oficialmente é você quem
724
tem razão. Mas, cá entre nós, pense bem e veja qual a opinião acertada”

O assunto, como vemos, estava em mãos de profissionais da edição, que se preocupavam


também com os problemas de Maladie, que existia com direitos de reprodução reservados, o que
725
não acontecia com os casos de Sur la route e ABC.
Nova carta anuncia que os temores de Lobo sobre Maladie não eram infundados:
felizmente ele e Pinheiro não haviam iniciado a tradução.726
As respostas aos stalinistas ocupavam necessariamente as preocupações editoriais dos
oposicionistas. Em janeiro de 1932, foi preciso publicar um contramanifesto a Prestes. Para maior
repercussão, Lobo achou ser conveniente “perdermos o amor a uns 30$ ou 40$ e tratarmos de
editá-lo em forma de boletim. O ‘stalin-prestista’ (stalinO é besteira) foi muito bem espalhado,
precisamos ter isso em conta. O Diário da Noite, só não basta, pois não é lido no interior senão
727
muito raramente. Além disso, o Brasil não é só São Paulo...”
Quanto à publicação de folhetos e manifestos da liga, vigorava o centralismo democrático,
isto é, os camaradas deveriam obter a permissão do grupo para editá-los. Lobo, ao publicar por sua
conta e responsabilidade o folheto Em socorro de Trotsky e em Socorro de Rakowsky causou um
mal-estar entre os companheiros da CE, mas o problema se resolveu, pois havia apresentado o
728
projeto ao grupo a que pertencia — o “GB.2”.
As dificuldades para o recebimento das quantias combinadas para as traduções ocupam
bom espaço na correspondência dos liguistas. Nesse sentido, premido pelas indefectíveis
necessidades materiais, Aristides Lobo pede a Lívio Xavier que iniciasse uma campanha de
“chateação” junto a Salvador Pintaúde, após a decretação da falência da editora do mesmo:

“(...) sempre que você o vir, far-me-á o obséquio de perguntar, com um ar


de inocência, ‘se já remeteu ao Aristides a primeira prestação. Ele acabará
com medo de morrer e me pagará. Diga-lhe que consta que estou passando
fome no Rio e ando com ameaços de loucura. Para disfarçar, acrescente, com
um sorriso sincero de esperança:— ‘Mas eu creio que isso passa: você bem
sabe como é o Aristides, muito nervoso, mas incapaz de fazer mal a um
amigo...’ Com esse cidadão é preciso utilizar uma tática complicada, baseada
sempre em suas mutações psicológicas (embora pareça absurdo falar em

724
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 26/1/32, fls. 1-2. FLBX. Ms.
725
Doc. cit., f. 2.
726
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 28/1/32, f. 1. FLBX. Ms.
727
Loc. cit.
728
Aos camaradas do G.B.2. Circular da CE. São Paulo, 11/6/1932. FLBX.
mudanças na psicologia de um cretino dessa espécie). De qualquer forma,
convém obter dele a declaração por escrito de que me deve 1:509$200. (...) O
caso de ‘Conferência’ (a Conferência de Copenhague), pelo que me informa,
parece solucionado, pelo menos teoricamente. O que é necessário, agora, é
dar em cima do ‘homem’ e não deixar que o tempo vá passando, o que
constitui perigo gravíssimo, quando esse ‘homem’ é capaz de substituir a
729
palavra dada pela abundância das lágrimas.”

Para o endereço do Macedo, Lobo enviou a Plataforma, em espanhol, que ele lera quando
ainda se encontrava em Botucatu, só tendo deixado de enviar antes “por falta de cobre”. Pede a
Xavier que lhe mandasse, como prometera, o Maladie, pois precisava dele para fazer umas
730
citações. Ele e Pinheiro remetiam, para o endereço da Unitas, um calhamaço a que deram o
título de A URSS em 1931, com o seguinte sumário: “L. Trotski.— Os problemas do
desenvolvimento da URSS; J. Stalin.— O novo estado e as novas tarefas da edificação econômica;
L. Trotski.— O novo ziguezague e os novos perigos.” Lobo enfatiza que esses três documentos
eram inseparáveis para o estudo completo e consciencioso da situação russa. A sua publicação em
volume era imperiosa e urgente, pois a conferência assim o exigia. O mimeógrafo e o pouco tempo
de que dispunham eram incapazes de realizar esse trabalho. Nessa situação, Lobo sugere a Xavier:

“O Sérgio fará a coisa em quinze ou vinte dias, se você souber utilizar as


qualidades diplomáticas que tão brilhantemente se revelaram na questão dos
nossos cobres. Você poderá dizer, entre outras coisas que certamente
surgirão do seu espírito criador: 'A edição desse trabalho, com a urgência
requerida, constituirá de sua parte, meu caro Sérgio, não só um serviço
inestimável à causa revolucionária, como também uma perspectiva de
prosperidade rápida da Empresa. É o que de mais importante, fundamental e
recente existe sobre a URSS. O título — A URSS em 1931 — é oportuno e
sugestivo. Existem enormes possibilidades de um grande sucesso editorial.
Mas, é preciso fazer a coisa imediatamente, e eu digo isso não só movido pelo
meu interesse revolucionário de aproveitar esse precioso material para a
nossa Conferência, mas também, como amigo, em virtude do perigo que
existe de um outro editor adiantar-se a você e obter, assim, um sucesso e os
conseqüentes lucros que seriam seus.”

Lobo esperava que A URSS em 1931 estaria posto à venda até o dia 5 de fevereiro, mais
ou menos. Como das “outras vezes”, Xavier forneceria gratuitamente a Lobo e Pinheiro uns cinco
ou seis exemplares da obra. Quanto ao preço do trabalho, eles resolveriam isso “da melhor forma
possível, de camarada para camarada”.
Para a Conferência Nacional, em substituição à fórmula “tapejariana” (de Mello) que Lobo
se negava a desenvolver, iria escrever alguma coisa subordinada ao tema: Nossas tarefas para
com o Partido. Nesse trabalho, procuraria mostrar como a oposição devia penetrar nas principais
células do partido e fazer a sua propaganda e trabalho de organização oposicionista no interior do
mesmo. Esperava poder remeter isso para São Paulo, juntamente com o folheto sobre a
731
Constituinte que passaria a limpo.
Lobo e Pinheiro também se declararam dispostos a traduzir o Maladie, mas, antes de
começar, queriam saber se haveria possibilidade de editá-lo e se não eram reservados os direitos
732
de reprodução.
Em 1931, Aristides Lobo traduziu e Pèret prefaciou O Encouraçado Potemkim, de Fritz
Slang, editado pela Lux. Quando faltava o apoio de editoras como a Lux e a Unitas, a edição de
livros, folhetos, jornais e boletins valia-se de fundos arrecadados entre aderentes e simpatizantes da

729
Carta de Lobo a Xavier. Rio, 29/10/34. FLBX. Ms.
730
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 15/1/32. FLBX. Ms.
731
Loc. cit.
732
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 17/1/32. FLBX. Ms.
733
LC. No mesmo ano, surgiram as editoras Pax e Unitas destinadas à impressão e divulgação de
livros comunistas.734 A Gráfico-Editora UNITAS Limitada735, pertencente a Pasquale Petracuone —
membro da LC — publicou quase todos os textos de Trotski no Brasil durante os anos 30. Com o
aparecimento de No caminho da insurreição, a Unitas e a liga firmaram um acordo para a
publicação de obras marxistas revolucionárias, segundo um plano elaborado por Aristides Lobo,
736
Lívio Xavier, Mário Pedrosa e Víctor de Azevedo Pinheiro. Os documentos atestam o controle
dessa editora pelos opositores. Por exemplo, lemos uma autorização obtida por Lívio Barreto Xavier
de fornecer à Unitas uma tradução portuguesa do livro OIL, de Upton Sinclair, com a ortografia
rigorosamente de acordo com o Manual Ortográfico, por "Um Professor" (Aristides Lobo), pela
importância de 1:300$000. Em 31/1/30, a Livraria João Amendola, de Campinas, pediu à Unitas o
folheto de Lenin, Marxismo, que Lívio acabara de publicar.
Uma nota da Unitas, no valor de 239$300, arrola livros que custavam de 4$000 a 7$000,
comprados por aderentes e simpatizantes da liga. Obras que informam sobre as preocupações
teóricas dos trotskistas:

Títulos das obras Autores N.º de exemplares


Revolução e contra-revolução Trotski 19
URSS Trotski 18
Plano qüinqüenal Trotski 3
A Revolução espanhola Trotski 3
O Capital Marx 6
Socialismo Engels 2
Feuerbach Engels 8
O Marxismo Kautski, Lenin, Plekhanov e Rosa 3
Luxemburgo
No caminho da revolução Lenin 1
ABC do comunismo Bukharin
737
Tempestade sobre a Ásia Mantsô 16
O anarquismo Kropotkin 1
O Príncipe Machiavelli 3 738

Obviamente, as obras de Trotsky são as mais numerosas. O conjunto dá conta de alguns


dos principais autores de esquerda, lidos nas décadas de 20 e 30.
Embora destinadas à publicação de livros comunistas, em geral, a Gráfico-Editora UNITAS
Limitada, de Pasquale Petracone, e a Pax, de Salvador Pintaúde, eram controladas pelos
trotskistas, já que os seus donos pertenciam à Liga Comunista. A documentação registra
fartamente esse fato. Assim, Plínio Melo, em 5/11/32, pediu a Lívio Xavier que propusesse a
Pintaúde a distribuição de edições da liga, com 50% de abatimento. Estavam prontos para sair do

733
Em 1935, no processo de Genny Gleiser, a “Pax” é citada como pertencente a Samuel Wainstein. (Cf. in:
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Livros proibidos, idéias malditas. O Deops e as minorias silenciadas. São
Paulo: Estação Liberdade. Arquivo do Estado/SEC, 1997, p. 60). Nos documentos do FLBX o proprietário
citado é Salvador Pintaúde.
734
Carta de Víctor Pinheiro a Lívio Xavier. (Bariri), 8/6/31. FLBX. Ms.
735
Sua matriz localizava-se à Rua S. Bento, 11 e o depósito na Alameda Barão de Limeira, 113. Possuía
filiais no Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. A ordem de compra tem a data de 29/6/34. FLBX.
736
KAREPOVS, Dainis. Benjamin Pèret: surrealismo e trotskismo no Brasil, p. 229.
737
Pseudônimo de Lívio Barreto Xavier.
738
Nota da Unitas, n.º 7.353, de 14/6/33. FLBX.
prelo um folheto de 80 páginas — O que é o trotskismo? —, e já na tipografia estava Comunismo e
Casamento. Melo aproveitou para pedir a Pintaúde o original de Revolução desfigurada.739
Em 10/8/38, Pasquale Petraccone informou a Lívio Xavier ter vendido o estoque da Casa
Editora Unitas para a Companhia Editora Nacional, e ter cedido as traduções à Brasil Editora, pois
nada de certo sabia relativamente ao seu destino. Talvez ainda tivesse a possibilidade de abraçar
Xavier. Petracone estava na época envolvido no processo policial contra o Partido Operário
740
Leninista (POL), e provavelmente foi esse o motivo da venda de sua editora.
A Livraria José Olympio acabou por ocupar a vaga da Unitas, passando a publicar as obras
de Trotski. Nesse sentido, Xavier foi avisado que José Olympio, em 16/4/40, ainda nada decidira
sobre o Trotski, mas em 28 de março do ano seguinte finalmente “comprara o Trotski” e oferecia ao
741
destinatário “três contos” pela tradução. Os oposicionistas lutavam desde 1931 pela publicação
das obras completas de Trotski. Nesse ano, Xavier apresentara uma proposta sobre um livro de
Trotski, que ficou dependendo da resposta dos editores Rieder: se esses fizessem um preço
742
camarada, Xavier ficaria incumbido da tradução.
Existe no Fundo Lívio Barreto Xavier uma lista de livros, talvez relativa à "Biblioteca
Circulante Aurora", que fornece indicações sobre os objetivos da educação teórica idealizada pela
oposição. As obras de Trotski continuam a ser, obviamente, predominantes, seguidas por outras
clássicas do marxismo-leninismo:

Títulos das obras Autores Quantidade Idioma


O Partido do Proletariado da URSS Trotski 2 Português
O que é a Revolução de Outubro Trotski 3 Português
A Revolução Espanhola Trotski 2 Português
O Plano Qüinqüenal Trotski 2 Português
La situación real de Rusia Trotski 1 Espanhol
Revolução e contra-revolução na Alemanha Trotski 1 Português
A revolução desfigurada Trotski 2 Português
A Grande Revolução Kropotkine 2 Português
O Encouraçado Potemkin Slang 3 Português
Concepção materialista da História Plekanov 3 Português
El comunismo en acción Augusto Riera 1 Espanhol
Fascismo e luta de classe Guido Seracene 1 Italiano
Manifesto comunista Marx e Engels 1 Português
Feuerbach Engels 1 Português
O Capital Marx 2 Português
ABC do Comunismo Buckarin 3 Português
Manual ortográfico "Por um professor" 1 Português
(Aristides Lobo)
O marxismo Lenin 1 Português
L' estremis malatia infantil do comunismo Lenin 1 Italiano
No caminho da insurreição Lenin 2 Português
Pagine Scelte Lenin 1 Italiano
Dez dias que abalaram o mundo Reed 1 Português
Oposição comunista e as calúnias da Liga 1 Português
burocracia

Leitura essencial, o Manifesto Comunista mereceu da Unitas uma edição de dois mil
exemplares, vendidos a 2$000 a unidade. Esses livros foram entregues em consignação, com 30%

739
FLBX.
740
Carta de Petracuone a Xavier. Rio de Janeiro, 10/8/38. FLBX.
741
Cartas enviadas do Rio. FLBX.
742
Carta de Walter a Xavier. Rio de Janeiro, 20/4/31. FLBX.
de desconto, às livrarias Garraux (100), Universal (70), Loja de Cultura(30), Teixeira (40), Globo
(30) e Zenith (10), todas pontos de venda de livros subversivos, depois "estourados" pela polícia.
Lívio Xavier ficou com 318 exemplares e Antônio Figueiredo, com 301. Uma "Conta de Lívio"
registra o nome de compradores do Manifesto: UTG (30), Jayme Adour da Camara (6), Plínio Melo
(3), João da Costa Pimenta (1), Miguel Macedo (10), Oposição do Rio (100) e José de Lello (25).
743
Desses livros, 74 estavam pagos e 69 continuavam em poder de Lívio. Antes que Luís Carlos
Prestes aderisse ao PCB, ele financiou uma edição de O Manifesto Comunista e de mais sete
744
outras obras, que saíram em nome de A Luta de Classe, como vimos.
A liga gastou com a edição do Manifesto 2:800$000. No caminho da insurreição, também
745
editado, custou 5:600$000. Esforço notável, se considerarmos as dificuldades de caixa da liga e
de seus aderentes, expressas em farta documentação, como nas anotações de "caixa", "saídas" e
"despesas" registradas por Aristides Lobo em caderneta pessoal. Esses dados informam que os
esforços dos Opositores de Esquerda concentravam-se em publicações sobre o marxismo
revolucionário e as posições que defendiam, diante do Partido Comunista e de acontecimentos
nacionais e internacionais.
Os camaradas de São Paulo e do Rio organizavam-se para o aumento de suas bibliotecas.
Dessa forma, a LC realizou um acordo com a Região do Rio comprando a edição do grupo "A
Verdade" por 300$000, que seriam pagos em obras editadas pela "Unitas", pelo preço de custo, a
saber: 30% de O Caminho da Insurreição, do Plano Qüinqüenal e da Revolução Espanhola, e 10%
do Manifesto. Ademais, as traduções de diversas obras foram entregues a Lívio Xavier, que se
746
incumbiria de negociar sua troca por obras de interesse da liga.
Editoras menores cooperavam na obra de divulgação ideológica, como a "Editorial Udar",
de propriedade de Osório César, companheiro de Tarsila do Amaral, e que também atuava como
747
cobrador da clandestina Biblioteca Ruy Barbosa.
A trajetória política de Osório César, teórico do PCB e o fundador, em 1925, do seu órgão A
Classe Operaria748, relata as tarefas difíceis dos intelectuais comunistas para se inteirarem da
doutrina revolucionária e veiculá-la junto aos camaradas e à sociedade. Osório César era médico
do Juqueri, e o primeiro registro de suas prisões data de 1932, quando estava com 40 anos de
idade. Como um dos numerosos "caixeiros-viajantes" da revolução, estivera em Montevidéu num
749
Congresso Antiguerreiro, e na URSS, em missão científica. Em seu círculo de relações figurava
750
Nize da Silveira, sua amiga de muitos anos, e o alemão Ernesto Joske ("com processo de
751
expulsão do território nacional"), que o pôs em contato com o Socorro Vermelho Internacional. Os
esforços de Osório César para difundir "as idéias exóticas que a excentricidade mórbida de alguns
752
brasileiros" aceitou foram amargamente analisados por Tarsila do Amaral, em carta na qual o
aconselha a que pensasse mais na ciência e na carreira, do que nas questões sociais, pois "o que
753
adiantaria todo o sacrifício que já tinha feito se um dia seria chamado de traidor?"
De retorno da URSS, Osório César escreveu o livro Onde o proletariado dirige, ilustrado
754
por fotos e desenhos de Tarsila Amaral, sua companheira, e prefaciado por Barbusse. Nesse
momento, tornou-se vítima do secreta "Guarany", responsável principal pela "deduragem" dos
intelectuais de São Paulo e testemunha involuntária do efervescente ambiente intelectual das
esquerdas da época. Relata "Guarany" que a 4/8/33, no Club dos Artistas Modernos, o anarquista
Pedro Catallo discorrera sobre a divergência que existia entre o comunismo e o anarquismo. Em
defesa do bolchevismo soviético, usaram da palavra Jayme Adour da Câmara e Osório César,

743
FLBX.
744
KAREPOVS, Dainis. Benjamin Pèret: surrealismo e trotskismo no Brasil, p. 229.
745
Anotações de Aristides Lobo em sua caderneta. FLBX . Ms.
746
Documento assinado por Escobar. FLBX .
747
Documento citado, f. 74.
748
Prontuário de Octávio Brandão, n.º 358.
749
Prontuário n.º 1.936, v. 1, f. 125.
750
Doc. cit., f. 119.
751
Doc. cit., f. 85.
752
Doc. cit., f. 68.
753
Carta de agosto de 1935. Prontuário n.º 1.936, v. 1, f. 28.
754
Prontuário n.º 1.936, v. 1, f. 57.
"tendo sido aparteados violentamente pelos anarquistas, chegando até a haver promessas de
agressões". No dia 18 desse mesmo mês e ano, sempre no Club dos Artistas Modernos, Jayme
Adour da Câmara pronunciou a conferência "Antropofagia", dizendo "de tudo um pouco", usando de
muita sutileza, com sofismas inteligentes, empregando termos que "para outros que não sejam
como ele artistas da literatura", seriam incompreensíveis, e terminando "sem que ninguém
755
compreendesse algo da sua complicada palestra". Nesse evento, "Guarany" conseguiu ser
apresentado a Osório César e a Tarsila do Amaral, com os quais manteve "amistosa palestra",
quando Osório exibira o despacho judicial relativo ao processo que lhe movia a justiça pela
publicação de Onde o proletariado dirige. Falou-se também sobre o ocorrido no dia 1.º de maio, na
Praça da Sé, onde foram presos vários comunistas e membros do Comité Antiguerreiro, então
inativo. Osório César acabou por cair na rede de "Guarany", convidando-o para uma "assembléia de
Esperantismo", que pretendia realizar no Salão dos Artistas, e para ir à sua residência à Rua Barão
756
de Limeira, 290, apartamento 8 — 4.º andar.
As atividades de Osório César, como intelectual do Partido, produziram obras diversas de
defesa apaixonada do modelo soviético. O volume 2 de seu prontuário é ocupado exclusivamente
por originais dessas obras, confiscados pela polícia. O volume 3 coleciona cópias de documentos e
mais originais de livros. Encarcerado novamente em 28/11/35, Osório César mereceu a atenção
especial do delegado Venâncio Ayres, que em 1937 sugeriu ao superintendente de Ordem Social
que pusesse em liberdade o preso por ele se achar gravemente enfermo, além de se tratar de "um
comunista intelectual que, solto, não se envolverá em células". As más condições da prisão, diz
757
Venâncio Ayres, agravariam a sua saúde.
O prontuário do jornalista Pedro Motta Lima, diretor de O Internacional, “Órgão dos
Empregados em Hotéis, Restaurantes, Cafés, Bars e Similares”, reúne informações importantes
sobre “a indústria cultural” dos comunistas — da situação ou da oposição. Dele consta que em
reunião do Centro de Cultura Proletária, na sede da UTG, Motta Lima “verberou” a atitude das
autoridades apreendendo edições de livros de cultura sociológica e prendendo os seus editores. Na
ocasião atacou o coronel João Alberto, o general Miguel Costa e o capitão Hall, chamando-os de
traidores da revolução. João Alberto e o capitão Hall viveram no exílio à custa dos cofres da
revolução. Falaram, a seguir, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Plínio Melo, Antônio Mendes de
Almeida, João Bueno e outros, além de Pagu.758
Existe, ainda, uma carta de Francisco Mangabeira a Motta, enviando exemplares de A
concepção materialista da História, de Plekanov, traduzido por Octaviano Galvão — um folheto de
40 páginas, que deveria ser vendido a 2$ e 1$ para operários. Mangabeira pede licença para
colocar esse folheto em livrarias. No Rio — escreve Mangabeira — fora fundada uma cooperativa
de edições sociais que publicara esse primeiro livro. Octaviano Galvão combinara dar 70$000 e
receber 140 exemplares pelo preço de custo, pois pensava que a edição seria de 1.000 exemplares
e o preço de custo 500 réis. Entretanto, Galvão não deu o dinheiro e a cooperativa conseguiu tirar
uma edição de três mil. Posteriormente, Octaviano quis dar a quantia anteriormente combinada e
obter os livros pelo preço de custo, da edição de três mil, isto é, 300 exemplares. Como a editora se
negou a aceitar essa proposta, “ele e os outros trotskistas resolveram tirar outra edição para
boicotar a nossa, vendendo mais barato e para impedir, assim, que a cooperativa fosse avante”. O
livro dos trotskistas sairia na “segunda-feira”. Assim, Mangabeira pede a Motta Lima para ver se
conseguia que as livrarias, ao receber os livros dos trotskistas, não os pusessem em exposição, e
assim o deles se venderia a 2$. Porém, se fosse preciso, Motta Lima poderia baixar o preço.
Mangabeira ainda informa haver traduzido de Beer Karl Marx, sua vida sua obra, mas não havia
759
dinheiro para publicá-lo.

755
Informe reservado de 19/8/1933. Prontuário n.º 1.936, v. 1, f. 29.
756
A moda do esperantismo parece ter feito sucesso entre os comunistas e anarquistas de São Paulo, talvez
por acenar com a perspectiva de fornecer uma língua veicular para a revolução e seus ideais, facilitando
enormemente a ação dos camaradas.
757
Prontuário de Osório César, n.º 1.936, v. 1, f. 125. DEOPS/SP.
758
Informe reservado de Antônio Ghioffi a Ignácio da Costa Ferreira. Prontuário de Pedro Motta Lima,
n.º 511. DEOPS/SP.
759
Rio de Janeiro, 1/8/31. Prontuário de Pedro Motta Lima, n.º 511, f. 7.
Livros apreendidos pela polícia política e social abundam no Arquivo do DEOPS. Muitos
foram desviados, pois há alusões a obras que não se encontram nos processos. Não obstante, os
numerosos exemplos de bibliotecas ou livros esparsos citados nos autos de busca e apreensão nas
livrarias, bancas de jornais ou residências de "agitadores" fornecem o perfil intelectual da
Revolução. Na óptica trotskista, principalmente, porquanto a ação policial torna evidente que os
opositores ao stalinismo detinham a maior parte da ação editorial. Ou com ela mais se
preocupavam.
A literatura "subversiva" compunha-se de obras marxistas, socialistas e libertárias. A Lei n.º
38, de 4 de abril de 1935, no parágrafo único do artigo 26, combinado com o artigo 25 e seus
parágrafos, determinou a apreensão de livros de ideologia comunista ou subversiva. Em obediência
a essa lei, Venâncio Ayres, delegado da Ordem Social, enviou ao superintendente da Ordem
Política e Social o resultado das diligências que a respeito realizou, do ano de 1935 ao de 1937,
pondo-nos ao corrente dos trajetos percorridos pelos intelectuais da Revolução Proletária, na capital
paulista, em busca de um dos 42 pontos em que pudessem adquirir obras do seu interesse.
Analisemos uma amostragem formada pelos dez primeiros pontos de vendas de livros
listados pela Delegacia de Ordem Social:

Nome e endereço Livros e jornais apreendidos Quantidade


“Feira dos Livros”, Rua A filha da Revolução, John Reed, Revolução e 9
Riachuelo, 7. contra-revolução na Alemanha, L. Trotski. Origem
e caráter dos Sovietes, André Nin; O Clero
Romano e a Educação, Maria Lacerda de Moura;
Emancipação da Mulher na URSS, Solomin.
Banca de jornais de Victor A Marcha e A Plebe. 3
Ciacone, Largo do Paiçandu.
Livraria Imperial, Rua Benjamin Cossacos, Leon Tolstoi. Indefinida.
Constant, 13.
Livraria Comercial M. Machado, Cossacos, Leon Tolstoi. Indefinida.
Rua Benjamin Constant, n. 19
B.
Livraria Brasil, Benjamin La Union Sovietique, editada pela Associação Indefinida.
Constant, 17. Amigos da Rússia, e Carlos Fourier, por Vincenzo
Tosi.
Livraria situada na Rua São Dez dias que abalaram o mundo, John Reed e Indefinida.
Bento, n.º 71. Fontamara, Ignácio Silone, ambos traduzidos por
Aristides da Silveira Lobo.
Eclética, Rua São Bento, 11. Poemas proletários, Paulo Torres. Indefinida.
O Livro Estrangeiro, Rua Barão Poemas Proletários, O encouraçado Potemkin, Indefinida.
de Itapetininga, n.º 18, sala Dez dias que abalaram o mundo e No caminho da
619, 6.º andar. insurreição.
Livraria Editorial Paulista, rua Fontamara. Indefinida.
Boa Vista, n. 31.
Livraria dos Estudantes, Av. Dez dias que abalaram o mundo. Indefinida.
Rangel Pestana, 2.425.

Da massa falida da Gráphica Editora Unitas Ltda., situada na Alameda Barão de Limeira,
113, foram apreendidos 25.696 livros, o que constituiu terrível golpe para os trotskistas
760
paulistanos.
Em residências particulares situavam-se bibliotecas que circulavam entre intelectuais e
operários da esquerda.

760
Prontuário da Livraria Odeon, n.º 278, caixa 18. DEOPS/SP.
Assim, na casa do médico dr. Waldemar Belfort de Mattos, foram confiscados 36 livros,
entre os quais alguns que faziam parte necessária das leituras teóricas das décadas de 20-40:

Títulos das obras Autores


O Marxismo Kautski, Lenin, Plekhanov e Rosa Luxemburgo
Anarquismo e socialismo Plekhanov
Dez Dias que abalaram o mundo Reed
Socialismo construtivo Henri de Man
Manifesto Comunista Engels e Marx
Realisations socialistes Emile Vandervelde
Anti-Duhring Engels
A revolução proletária e o renegado Kautski Lenin
Sindicalismo e greve geral J. Psrat
Les idées essentielles du socialisme Paul Lonis
Dicionário da questão social Raul Maia
História do Trabalho I. Tumeneff
Les origines du capitalisme moderne Henri Sée
Socialismo I. Ramsay Macdonald
761
O continente vermelho Auguste Benge

Com Victor de Azevedo Pinheiro apreenderam-se livros que provavelmente integrariam


uma biblioteca destinada ao uso dos aderentes ou simpatizantes da Oposição de Esquerda, em
São Paulo. Escolhidos com intuito didático óbvio, são os seguintes:

Títulos das obras Autores Quantidade


Dez dias que abalaram o mundo John Reed 2
O encouraçado Potemkin F. Slang 2
Manifesto comunista Marx e Engels 3
No caminho da insurreição N. Lenin 1
A revolução espanhola L. Trotski 2
Poemas proletários Paulo Torres 1
A grande revolução P. Kropokin 1
O Capital. K. Marx 1
O plano qüinqüenal L. Trotski 1
Páginas soltas N. Lenin 1 (em italiano)
Moléstia infantil N. Lenin 1 (em italiano)
Socalismo utópico e científico Engels 1 (em italiano)
A concepção materialista Plekanov 5
O marxismo Lenin 5
Plataforma da oposição L. Trotski 1 (em espanhol)
ABC do Comunismo Bukharin 1
Origens das espécies Darwin 1
Judeus sem dinheiro Michael Gold 1
El comunismo en acción Augusto Rivera 1
Bruhaha P. M. Lima 1
762
Homens e máquinas Larissa Beisner 1

761
Prontuário de Waldemar Belfort de Matos, n.º 960. DEOPS;SP.
762
Prontuário de Víctor de Azevedo Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. 5. DEOPS/SP.
Em 16/5/36, na liquidação final da LCI de São Paulo, foram apreendidos com Hylcar Leite
os livros abaixo, que fornecem amostragem das leituras realizadas pelo primeiro grupo trotskista no
ocaso de sua vida política:

Títulos das obras Autores


Princípios de Economia Política Lapidus e Ostrovitianov
Que faire? Lenin
La Guerre des Paysans en Alemagne Indefinido
A Grande Revolução P. Kropotkin
La doctrina socialista Kautski
O Materialismo, filosofia do proletariado Engels e outros
Homens e máquinas Larissa Reissner
Cimento Gladkov
Dez dias que abalaram o mundo John Reed
La emancipacion de la mujer em URSS Solomin
La conquista del pane Pietro Kropotkin
Alemania atrasa el reloj E. A. Moerer
Judeu sem dinheiro Michael Gold
Beco sem saída V. Vieressaief
O Plano Qüinqüenal Grinko
O que é o Estado Proletário? Osório César
Poemas proletários Paulo Torres
O Despertar da Ásia Indefinido
Causas Econômicas da Revolução Russa M. Pokrovski
História de la creación de los seres organizados Ernesto Haeckel
La X sessión del CE de la Internacional Comunista G. Smolianski
La lucha contra la guerra imperialista Indefinido
Marxismo Lenin
Au grand jour Indefinido
Documentos iniciais Indefinido
763
Para onde vai a França? Indefinido

Em 22/8/38, a polícia apreendeu, com Hermínio Saccheta, quatro exemplares da revista


Problemas, dois pequenos dicionários português-alemão e vice-versa, exemplares de A Classe
Operária, um exemplar da revista Pan, editada na Argentina, etc. Também foram confiscados
livros, dentre os quais há títulos que denotam as preocupações crescentes dos trotskistas com a
realidade brasileira:

Títulos das obras Autores


Protección Librecambio Marx e Engels
Introdução ao Materialismo Dialético A. Thalheirmer
Terrorismo y Comunismo Leon Trotski
A Fé Nacional Salomão Ferraz
La Revolution Permanente Trotski
La Comuna de Paris Marx
Pedagogia Proletária Indefinido
A Derrocada do Fascismo Alemão E. Varga
A gênese do Capital Marx
Comentários e estudos sobre a questão do café Tadeu Nogueira

763
Prontuário da Liga Comunista Internacionalista, n.º 4.143, doc. 1, v. 1, f. 2 v. DEOPS/SP.
La Révolution Trahie Victor Serge
Les crimes de Stalin Trotski
A revolução espanhola Trotski
Théses, manifestes et resolutions des quatre premiers Congres
Mondiaux de L'Internationale Communiste — 1919 -1923
El triumpho del bolchevismo Trotski
A democracia Rudolf Laun
História da civilização brasileira Pedro Calmon
À margem da profissão Roberto Simonsen
Rui e a liberdade João Mangabeira
Aspectos da política econômica nacional Roberto Simonsen
Documentário do Nordeste José de Castro
764
As crises no Brasil Roberto Simonsen

Na casa do trotskista José Auto Cruz Costa, marido de Rachel de Queiroz, foram
encontrados pela polícia: Os Deuses Vermelhos, de Adolpho Agorio; O encouraçado Potemkin, e
765
Educação burguesa e educação proletária, de Edwin Hoernle.
Mário Pedrosa possuía uma das maiores bibliotecas confiscadas em São Paulo. Uma lista
manuscrita, existente em seu prontuário, arrola 112 livros, classificados por temas e provavelmente
destinados à consulta pública. Desses, dizem respeito à formação política do militante ou
simpatizante da causa proletária:

Títulos das obras Classificação


Porque não me ufano de meu país Filosofia
O Tigre da Abolição Biografia
O Paraíso Moscovita Sociologia
Individualismo e Comunismo Sociologia
A Nova Conflagração Sociologia
Os Negros Sociologia
O marxismo Sociologia
Poemas proletários Sociologia
Manifesto comunista Sociologia
O que eu penso da guerra Sociologia
A revolução brasileira Sociologia
Rússia Sociologia

Os demais títulos referem-se a livros infantis, didáticos, romances, ciências físicas e


naturais, educação física, etc., revelando o ecletismo de uma biblioteca que se destinava à
educação revolucionária das massas.766
767
Uma batida policial na residência de José Neves , a 19/5/36, realizada para comprovar a
atividade irregular do dono da casa "em face da segurança social e estabilidade das instituições",
apreendeu 54 obras de uma biblioteca destinada à divulgação do marxismo-revolucionário, pois
contava com 15 folhetos de: La Internacional de la ensenanza. Cursos de iniciación marxista
dirigidos por H. Duncker, A. Goldschmidt e K.A. Wittfogel, sendo uma coleção de números um a dez
e mais cinco folhetos avulsos. As intenções didáticas de José Neves reiteram-se em várias outras
obras sobre a educação soviética e a política revolucionária na Itália e França. Entre os livros
figuram, evidentemente, as obras referenciais da Oposição de Esquerda, mas também escritos
stalinistas, configurando um bom exemplo da literatura revolucionária daquele momento histórico:
764
Prontuário de Sachetta, n.º 3.196, v. 2. DEOPS/SP.
765
Prontuário de José Auto Cruz Costa, n.º 4.089, f. 34. DEOPS/SP.
766
Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030. DEOPS/SP.
767
Prontuário de José Neves, n.º 2.863, f. 150. DEOPS/SP.
Títulos das obras Autores
Lénine et la Révolution Russe Tolstoi
La Chine Brûle Jules Gautier
Les origines secretes du bolchevisme Henri Heine e Karl Marx
História da Rússia Alexis Markoff
El Marxismo Marin Civera
Em marcha para o socialismo J. Stalin
La Religion en Pays des Soviets J.F. Hecker
El Sabotaje del Plan Quinquenal N. V. Krilenko
Le éducation bourgeoise et le éducation Edwin Hoerle
proletarienne
La France et L' Italie sous le Signe du Latran Mario Bergamo
El socialismo Agrario en la Rusia Sovietica O. Domanevscaia
Psychologia do Povo Russo Maximo Gorki
O encouraçado Potemkin F. Slang
Revolução e contra-revolução na Alemanha L. Trotski
O plano qüinqüenal L. Trotski
La révolucion défigurée L. Trotski
La situação real de Rusia L. Trotski
L'Internationale Communiste Aprés Lenine L. Trotski
Entre l'imperialisme et la révolution L. Trotski
O que é a Revolução de Outubro L. Trotski
Contre le courant N. Lenin e G. Zinoviev
La vie orgueilleuse de Trotski Pierre Fervacque
La Russie Nouvelle Édouard Herriot
Russie Henri Barbusse
Introducción al materialismo dialético y al Marx e Engels
socialismo cientifico
O Marxismo Kautsky, Lenin, Plekhanov e Rosa Luxemburgo
Socialismo utopico e socialismo científico Engels
Rumo à IV Internacional Liga Comunista
A oposição comunista e as calúnias da Liga Comunista
Burocracia

É interessante notar que as coleções de livros acima possuem poucos livros comuns. A
precaríssima situação financeira da quase totalidade dos comunistas da oposição e o hábito de
trocar livros entre si explicariam esse fato, pois, por princípio revolucionário, esperava-se que a
teoria marxista, com seus desdobramentos, fosse de absoluto domínio dos camaradas.
Os esforços para a edição de obras teóricas que servissem à revolução podem ser
avaliados pela correspondência trocada entre os oposicionistas, exame que ajuda responder à
crucial questão sobre as condições e os limites da produção da literatura marxista, no Brasil.
Dando conta da preocupação da OE em socializar os conhecimentos teóricos, Pedrosa
informou Lívio, em 5/2/31, da possibilidade de traduzir, por Elsie Houston e Benjamin Pèret, Ma Vie,
768
de Trotski, e fazê-lo publicar em folhetim.
Víctor Pinheiro, acoitado em Bariri, revia as provas de Os objetivos do proletariado na
revolução, trabalho que daria uma brochura barata, em papel de jornal, para distribuição entre os
769
camaradas operários. Pretendia, também, deixar revista a brochura do "Ogum-Guassu". Em

768
FLBX.
769
Carta de Víctor a Lívio. Bariri, 31/7/31. FLBX.
outra carta, pergunta se Lívio havia recebido "prova de um pedaço de página do folheto do Lenin",
ajuntando que o trabalho tipográfico caminhava, mas ocorreram alguns contratempos de ordem
familial, pois seu irmão, que dirigia a tipografia, era um "comuna" católico, apostólico, romano, que
ia à missa. Para apreciação da liga, mandava as oito primeiras paginas impressas do folheto, e
770
perguntava se seria de boa política imprimir "Edições Trotsky" na capa da brochura.
Demonstrando a intensidade do trabalho que o ocupava, Víctor Pinheiro enviou, um mês depois, o
grosso do trabalho traduzido e editado. Ia acondicionado com segurança, endereçado ao dr. Lívio
Barreto Xavier, num caixote de querosene "Jacaré", protegido assim pelo "imperialismo americano".
771
Num automóvel a encomenda iria bem da estação da Luz ao depósito da liga.
Já em companhia de Lobo, com o qual passou a partilhar a casa de seus pais, Víctor
comunicou a Lívio, no final de 31, que uma vez que não se podia publicar A Luta, era preciso
publicar, em forma de boletim, uma resposta ao Cavaleiro. Ele e Aristides enviavam, para o
endereço da Unitas, a tradução do Feuerbach. A do Cafiero seguiria em seguida. Ambos achavam
que tanto o Cafiero como o Feuerbach valiam bem uns 100$000 cada um "mas nos daremos por
satisfeitos com o que você extorquir ao Pintaúde, para menos ou ... para mais de 100$000".
Aristides ("Leônidas") pedia que Lívio reclamasse o pagamento de uns "20 ou 30 paus" por um
trabalho que ele fez, de revisão do Socialismo Utópico e Socialismo Científico, de Engels. Os dois
772
companheiros esperavam dois volumes de Lenin e as citações pedidas por "Leônidas".
Do mesmo refúgio, Lobo solicitou a Xavier que lhe enviasse uma citação de Lenin de O
Estado e a Revolução, que se referia à diferença entre a ditadura capitalista e a proletária: aquela,
de uma minoria insignificante de exploradores e a última, da maioria trabalhadora da população. As
dificuldades teóricas enfrentadas pela liga estão lapidarmente expressas numa frase de Aristides:
773
"Como você vê, a coisa é mais difícil de explicar do que de fazer."
Ainda de Bariri, Aristides Lobo enviou, para apreciação da liga, as oito primeiras páginas
impressas do folheto Revolução Espanhola. Também mandou a 2.ª via do conhecimento para a
retirada do Cafiero, pedindo a Xavier, mais uma vez, o favor de se interessar pelo pronto
pagamento, pois ele e Pinheiro estavam “na merda”. Com o “cobre” do Cafiero, Lobo pedia a Xavier
que lhe comprasse um exemplar do Anti-Stalin. No dia anterior enviara, para o endereço de Plínio
774
Melo o folheto sobre a Constituinte.
Centro sindical por excelência dos trotskistas, a UTG comprou para a sua biblioteca, em
5/11/32, seis Cafiero, seis Feuerbach-Engels, seis Trotski (Problemas), um Trotski (Plano
775
Qüinqüenal) e um Trotski (Revolução Espanhola).
Lívio Xavier recebeu de Petraccone, da Athena Editora (Rio de Janeiro), em 22/12/35,
Hegel na tradução do Croce, para traduzir e integrar à Enciclopédia das Ciências Filosóficas.
776
Aristides Lobo participou da revisão de Hegel.
A toda essa propaganda ideológica, a polícia desenvolveu um contradiscurso baseado em
informações retiradas dos próprios prisioneiros e de seus livros, digeridos com textos fascistas ou
pára-fascistas, do qual o discurso abaixo é exemplar:

“Desarticular uma organização comunista significa, unicamente, fazer cessar


a ação dos que foram colhidos pelas diligências. Os que escapam, apenas
mudam de frente para continuar o combate em torno de suas idéias.
Decorrido um ano de luta sem tréguas nem quartel, encontramos as
organizações vermelhas na mesma situação de suas congêneres
estrangeiras, ressurgindo das próprias cinzas, após cada embate, para tragar
e inutilizar os nossos trabalhadores, sinceros, mas ingênuos, que se deixam
iludir pelo canto da sereia internacional cuja propaganda se vem fazendo aqui,

770
Bariri, 23/7/31. FLBX.
771
Bariri, 5/8/31. FLBX.
772
Víctor a Lívio. Bariri, 22/12/31. FLBX.
773
Aristides a Lívio, 12/12/31. FLBX.
774
Carta de Lobo a Xavier. (Bariri), 23/1/32. FLBX. Ms.
775
Anotações. FLBX.
776
Correspondência de Petracone. FLBX.
como em toda a parte, com o mesmo ritmo que se lhe imprimiu desde os
primeiros tempos das atividades bolchevistas no mundo.
Esta propaganda, define-a, com precisão fotográfica, o dr. Goebels, em um
de seus célebres discursos pronunciados em Nuremberg:
‘Só quem penetra as forças secretas que movem a propaganda moscovita
pode reconhecê-la e opor-lhe resistência. É que essa propaganda tem o
talento de tocar todos os instrumentos. É intelectual quando deve ser
intelectual, burguesa quando deve ser burguesa, proletária quando dever ser
proletária, pacífica quando deve ser pacífica, e sanguinária quando é preciso
777
derrubar sanguinariamente os obstáculos que se lhe opõem.’ “

777
Relatório do delegado adjunto de Santos, de 12/2/37. Prontuário de José Stanchim ou Stacchini, n.º 3.005,
fls. 7-1. DEOPS/SP.
Capítulo V. A Liga Comunista em São Paulo (de julho de 32 a maio de 36).

“O caminho da revolução mundial mostrou-se desmesuradamente mais


sinuoso e mais longo do que tínhamos esperado 15 anos antes. Às
dificuldades exteriores, entre as quais se mostrou a mais importante o papel
histórico do reformismo, juntaram-se as internas, antes de tudo a política, falsa
no fundo e fatal nas conseqüências, dos epígonos do bolchevismo.“ (Trotski,
Prinkipo, 13/10/1932. In: A Lucta de Classe, ano III, n.º 9. São Paulo, janeiro
de 1933).

1. A palavra de ordem da Constituinte e a “mazorca” de 1932.

Um dos pontos mais polêmicos da atuação da liga em São Paulo referia-se à participação
dos oposicionistas nas eleições para a Assembléia Constituinte. Se, de um lado, essa participação
configuraria a conciliação do proletariado com a pequena burguesia, do outro, a não-participação
deixaria escapar a chance de a oposição atuar nos limites possíveis da “democracia burguesa”,
evitando o mal maior da ditadura. Essa discussão que empolgava os brasileiros — em especial, os
paulistas — foi um dos temas principais de debates travados entre stalinistas e trotskistas. Em
maio de 1932, os aderentes da liga conseguiram lançar o Boletim da Oposição n.º 4, expondo as
bases teóricas de sua opção pela Assembléia Constituinte e respondendo às críticas que a direção
do PCB lhes fazia a respeito.
Diz o Boletim que os ''burocratas do Partido", no Classe Operária de 10 de março, para
justificar o seu "criminoso boicote" da palavra de ordem de Assembléia Constituinte no Brasil
deturparam o pensamento de Lenin ao citar dois exemplos históricos que só favoreciam os
oposicionistas: a atividade do Partido Bolchevique e de seu chefe, em 1905 e 1917, na luta pela
Assembléia Constituinte. De acordo com os oposicionistas as duas datas apresentavam diversidade
profunda entre as situações históricas, uma vez que, em 1905, a autocracia czarista ainda estava
de pé; em 1917 ruíra, com a revolução de fevereiro. Não obstante, em ambas as situações houve
sempre a mesma reivindicação do programa mínimo do proletariado revolucionário: a Assembléia
Constituinte.778
A palavra de ordem da Constituinte baseava-se em teses que o Boletim discrimina.
A primeira esclarece o conteúdo político da luta de classes, e como a burguesia, pelo
aparelho de Estado, conseguia manter a posse de todas as riquezas sociais. O embasamento
teórico é feito por diversas citações de Lenin, em O Estado e a Revolução.
A segunda tese cuida da formação de antagonismos no seio da burguesia, provocados pela
concorrência da produção capitalista, responsáveis pelas guerras internacionais. Nos limites
nacionais, esses antagonismos assumiam, por vezes, a forma de conflitos armados entre facções
da burguesia. Nesse momento, o partido do proletariado teria que ser capaz de assegurar o
desenvolvimento revolucionário, aproveitando-se da situação de desagregação das classes
dominantes.
A terceira tese discorre sobre o tema da libertação das massas pela revolução proletária
baseada nos sovietes, como órgãos de governo, e no PC, com organização política. Os sovietes
constituíam, pois, o aparelho do Estado proletário, mas poderiam ser criados antes da insurreição,
para tomar a direção do movimento, garantindo a disciplina da ação revolucionária.
A tese n.º 4 reproduz Trotski (A Revolução Espanhola, p. 93): vitorioso o proletariado, os
sovietes seriam opostos às instituições democráticas da burguesia. Entretanto, enquanto a
burguesia conservasse o poder em suas mãos, "o proletariado deveria recorrer a todas as formas

778
Boletim da Oposição. Órgão da Liga Comunista do Brasil (Filiada à Oposição Internacional de
Esquerda), n.º 4, maio de 1932, p. 1. Uma carta de Aristides Lobo, datada de 23/1/32, desvela como sua a
autoria do texto sobre a Constituinte. FLBX.
da democracia burguesa, pois não só esse era o meio mais fácil de alcançar a destruição das
mesmas, como também a forma mais natural de conduzir as massas retardatárias, que ainda
possuem ilusões democráticas, ao caminho da revolução proletária". Nesse momento, cita-se Lenin
quando se dirigiu, em 1920, aos ultra-esquerdistas da Alemanha e da Holanda:

"Enquanto não tiverdes força para dissolver o parlamento burguês ou


qualquer outra instituição reacionária, tereis de trabalhar nestas instituições,
precisamente porque ainda se encontram operários obscurecidos pelo clero e
pela atmosfera provinciana. Do contrário, estais arriscados a não passar de
tagarelas.”

Conseqüentemente, o proletariado deveria apresentar candidatos próprios, saídos de sua


classe, e sustentando um programa revolucionário às eleições para as instituições democráticas da
burguesia. O boicote às instituições democráticas da burguesia só se justificava quando existisse a
perspectiva de tomada do poder, e o proletariado tivesse a possibilidade de opor à democracia
burguesa a sua própria democracia.
As teses 5 e 6 afirmam que o essencial do aparelho de Estado não é o parlamento, mas a
burocracia administrativa concentrada nos ministérios, e sustentada pela polícia, pela marinha e
pelo exército burgueses. Com uma citação de Trotski ((Plataforma da Oposição Russa — La
situación real de Russia, p. 119), os oposicionistas argumentam que a destruição do parlamento só
poderia interessar à classe proletária se fosse feita conjuntamente com a do regime burguês.
Evidentemente, limitar tal conquista unicamente à concepção de uma maioria de votos nas eleições
feitas sob o domínio da burguesia ou condicioná-la a essa maioria, além de revelar irremediável
estreiteza de espírito, seria iludir a classe operária (a referência é de Lenin, in: As eleições para a
Assembléia Constituinte e a ditadura do Proletariado, Edição Avanti, p. 17). Isso porque o
fundamento do poder não se encontrava no mecanismo eleitoral da democracia burguesa, mas na
propriedade, no monopólio do ensino e do armamento. Segundo Trotski (Terrorismo e Comunismo,
ed. Biblioteca Nueva, p. 51), enquanto a burguesia tivesse as terras, as oficinas, as fábricas, os
bancos, a imprensa, as escolas, as universidades, o exército, e o mecanismo da democracia, seja
qual fosse o modo de manejá-la, o povo estaria submetido à sua vontade.
Ainda com Trotski, consideram os oposicionistas que a participação do Partido Comunista
nos parlamentos burgueses seria necessária para chamar as massas mais retrógradas à vida
política, pois em todo o mundo capitalista, ao lado do proletariado consciente dos seus objetivos
revolucionários, encontravam-se largas camadas da população trabalhadora (proletários,
semiproletários, pequeno-burgueses), que esperavam do exercício do voto uma mudança radical de
condições de vida. Para o esclarecimento dessas consciências, o partido do proletariado
revolucionário deveria entrar nas eleições e na luta dos partidos no parlamento burguês,
neutralizando "a influência da burguesia sobre essas camadas retardatárias da população
trabalhadora, separando-as da colaboração com a burguesia, aproximando-as da compreensão de
que só uma revolução proletária vitoriosa lhes dará satisfação aos objetivos econômicos". Assim
haviam feito os bolcheviques, participando dos parlamentos mais contra-revolucionários, depois da
primeira revolução burguesa (1905) para preparar a segunda revolução burguesa (fevereiro de
1917) e, em seguida, a revolução socialista de novembro de 1917 (Lenin, A Doença Infantil do
Comunismo, p. 50. Ed. Soc. Int.).
Nessas circunstâncias, se a atitude do PC quanto à democracia burguesa estava longe do
parlamentarismo dos partidos da Segunda Internacional, nada tinha em comum com o "cretinismo
antiparlamentar dos anarquistas". Lenin é novamente citado: as transformações políticas
contribuíam para alargar a base da revolução socialista, ao arrastar à luta socialista novas camadas
da pequena burguesia e das massas semiproletárias. As revoluções políticas eram inevitáveis no
caminho da revolução socialista (Contre le courant, tome premier, p. 137, Bureau d'Editions).
A tese 7 discorre sobre a competência da vanguarda revolucionária em lutar pelas massas
para conduzi-las ao poder. Essa luta, como tarefa imediata, deveria se realizar nas bases da
república burguesa e, em larga medida, sob as palavras de ordem da democracia, tal como
sucedeu com a Revolução Espanhola, segundo o pensamento expresso por Trotski na página 92
de A Revolução Espanhola. As palavras de ordem democrática deveriam, pois, ser utilizadas pelo
proletariado em todo o curso de sua luta contra a burguesia, como por exemplo a de Assembléia
Constituinte.
A tese 8 ocupa-se com a situação brasileira, tecendo uma análise prospectiva de
espantosa acuidade. O movimento militar de outubro de 1930 havia colocado no poder um governo
provisório de diversas tendências, que perdera as esperanças que as massas depositavam nos
revoltosos de 1922 e 1924. A burguesia brasileira era impotente para resolver as tarefas de reforma
e moralização que se propôs como justificativa política da "cavalgata guerreira" de outubro. A
tendência autonomista dos Estados expressava, até um certo grau, as contradições principais da
burguesia nacional. Os Estados economicamente preponderantes na União mostravam-se
contrários a toda centralização que escapasse ao seu controle político particular, preferindo uma
composição de forças entre si a uma ditadura militar caracterizada. Ao contrário, a burguesia do
Norte e do Nordeste recém-chegada ao poder central via, na ditadura, o meio mais cômodo para a
satisfação dos seus interesses vitais.
A campanha pela constitucionalização do país, movida pelas burguesias do Rio Grande,
São Paulo e Minas, e a reação de elementos militares e civis, reunidos no "Clube Três de Outubro",
contra essa campanha, dera forma mais precisa e nítida à contradição inicial. Estabelecia-se uma
alternativa: ou a ditadura se consolidava com o apoio das armas, ou capitulava diante da pressão
dos elementos constitucionalistas da burguesia. Em um ou outro caso não se excluía a
probabilidade de um choque entre o Norte e o Sul, de um movimento de secessão que destruísse a
unidade nacional.
Nesse ponto, os oposicionistas analisam as perspectivas que julgavam se apresentar ao
Brasil: no primeiro caso, a constituinte exigida pelos partidos burgueses constitucionalistas para a
satisfação das conveniências dos Estados mais industriais seria protelada indefinidamente, e um
fascismo crioulo instituiria aberta e francamente no Brasil um regime de força; no segundo caso, os
Estados constitucionalistas, efetivando o código eleitoral, apressariam o momento das eleições
gerais, de forma a defender os interesses da classe exploradora.
A tese 9 estabelece os nexos estratégicos entre a vanguarda revolucionária e as palavras
de ordem democrática, numa tática preparatória para as etapas de luta que se aproximavam. No
caso de a ditadura se consolidar e conseguir adiar "para as calendas" a convocação da Constituinte
pedida pela burguesia de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, a vanguarda revolucionária
deveria lutar pela Constituinte imediata. Contra o código eleitoral deveria ser movida uma campanha
tenaz que elucidasse os operários sobre o seu verdadeiro caráter: instrumento vasto e complicado
para a protelação das eleições prometidas solenemente. Quanto mais a ditadura lançasse mão dos
meios violentos de dominação, tanto mais a luta pela Constituinte se deslocaria das fileiras da
burguesia constitucionalista para a vanguarda proletária.
O PC não tinha como finalidade a agitação da Constituinte. Os operários deveriam ser
esclarecidos de que os comunistas visavam instituir, por meios revolucionários, a ditadura do
proletariado sob a forma política dos sovietes. A propaganda dos sovietes deveria ser feita de forma
simples e esclarecedora, em todos os documentos de agitação. Se ocorresse a capitulação da
ditadura diante dos elementos constitucionalistas e ela marcasse eleições, competia ao partido:
apresentar candidatos próprios, indicar à massa as limitações postas pela lei eleitoral, mostrar a
precariedade da democracia formal da burguesia, o conteúdo de classe do parlamento (que excluía
da vida política do país a grande maioria do povo, os menores de 21 anos, os soldados, os
marinheiros), e apresentar, com clareza e lógica, as reivindicações econômicas e políticas mais
imediatas dos operários urbanos e rurais.
A tese 10 relembra que a Liga Comunista lançara, em janeiro de 1931, a palavra de ordem
de Assembléia Constituinte, nas bases democráticas do voto secreto, direto, para os maiores de
dezoito anos, sem distinção de sexo e nacionalidade e extensivo aos soldados e marinheiros. A
situação era inteiramente favorável para tal agitação, mas a liga não lhe pôde dar a amplitude
desejada por encontrar-se na fase inicial da sua organização e possuir meios bastante reduzidos. A
palavra de ordem de Constituinte fora lançada quando o governo discricionário mal se instalara, a
maior parte dos Estados achava-se sem direção governamental estável, a crise econômica
aprofundava-se, as greves operárias e os lock-outs sucediam-se — notadamente em São Paulo.
Sem compreender a situação os dirigentes do PCB puseram "acima do proletariado os interesses
da sua seita burocrática", iniciando, contra a palavra de ordem de Constituinte, um boicote
sistemático que repercutia nos manifestos de Luís Carlos Prestes, e que afirmava simplistamente
que a massa, no Brasil, não queria a Constituinte, mas os sovietes.
Muito tempo depois de a Liga Comunista haver lançado a sua palavra de ordem de
Constituinte, e depois que a repressão policial neutralizara a ação dos militantes comunistas mais
em evidência, desarmando a vanguarda proletária, foi que a burguesia se viu com mais coragem de
pleitear a Constituinte. Se a burguesia pôde facilmente chegar a este ponto da sua política de
classe, em grande parte se deveu à direção do PC, que, “na sua cegueira e na sua lamentável
ignorância do marxismo, vai caminhando de desastre em desastre". A política da direção partidária
avizinhava-se do "apoliticismo" teórico dos anarquistas e a eles se ligava na sustentação prática de
uma ditadura que as massas ansiavam por ver derrocada. Nesse “oportunismo barato, mal
disfarçavam o conteúdo contra-revolucionário de sua política com a promessa utópica de uma
revolução intermediária, 'agrária e anti-imperialista', 'operária e camponesa', etc."
O documento introduz mais uma citação de Trotski, retirada das páginas 90-91 de A
Revolução Espanhola: a oposição de esquerda deveria "descobrir, desmascarar e condenar à
vergonha eterna, na consciência da vanguarda proletária, a fórmula de 'revolução operária e
camponesa', particular, diferente das revoluções burguesa e proletária; abria-se diante dos
revolucionários espanhóis uma perspectiva de luta pela ditadura do proletariado e, em nome dessa
tarefa, deveriam reunir em torno deles a classe operária e chamar em auxílio dos operários, os
milhões de camponeses pobres. Só a ditadura do proletariado pode derrotar a dominação da
burguesia. Não existe e não pode existir nenhuma outra revolução, intermediária, mais 'simples',
mais econômica', mais acessível às vossas forças. A história não inventará para vós nenhuma
ditadura intermediária, ditadura de segundo grau, ditadura com abatimento".
O fecho do documento é um apelo a que todo operário consciente se esforçasse para que
a direção stalinista emendasse os seus erros, fazendo reviver a linha revolucionária abraçada por
Lenin e confirmada por todo o curso do desenvolvimento histórico. Era necessário fazer com que o
PC fosse reconduzido à sua linha política de classe, para poder ser efetivamente o orientador e o
guia do proletariado em sua luta contra a ditadura capitalista. Portanto, a participação do PC nos
parlamentos burgueses fazia-se necessária para chamar as massas mais retrógradas à vida
política.779
Dois meses depois desse apelo, circulou uma "Carta aos Camaradas do Partido
Comunista", assinada pela Comissão Executiva da LC, que reproduz, por vezes literalmente, o texto
acima, mas que esclarece alguns pontos da grande luta que os oposicionistas encetaram pela
Constituinte.
A Revolução Constitucionalista é analisada como uma luta interna da burguesia, mas que
poderia surtir efeitos positivos para a luta do proletariado. Nesse sentido, os comunistas deveriam
aproveitar-se da oportunidade que a história lhes oferecia, com a guerra civil aberta entre as duas
grandes frações da burguesia nacional, caso contrário estariam "condenados a desaparecer por
muito tempo do cenário político ou a degenerar sem remédio numa seita obscura, indigna de
representar a consciência revolucionária do proletariado".
De modo espantosamente otimista os dissidentes consideravam a Revolução
Constitucionalista como uma estratégia da luta revolucionária. As perspectivas e desenvolvimento
da luta obrigariam a burguesia paulista a uma política de dois gumes cada vez mais arriscada. Para
arrastar na sua luta os outros Estados, ela teria que intensificar a sua demagogia constitucionalista
e as suas pretensões a campeã da unidade nacional, apoiando-se em três alavancas políticas:
Constituinte, unidade nacional e autonomia do Estado. As massas, arrastadas por essa política
demagógica, só se convenceriam de que estavam sendo enganadas quando aparecessem
condições materiais concretas decorrentes da guerra civil. À espera desse momento, o partido
deveria — dirigindo a vanguarda mais consciente do proletariado — lançar-se à frente das camadas
mais oprimidas da população, servindo-se das palavras de ordem democráticas, no centro das
quais se encontrava a de Assembléia Constituinte. Como a luta armada entre São Paulo e o
governo federal não poderia ter um epílogo tão rápido quanto a de outubro de 1930, o partido
poderia ter o tempo necessário para assumir o comando da revolução.
O apoio da liga à Constituinte não foi unânime. Uma carta de Víctor Pinheiro a Lívio Xavier
— escrita do refúgio em que estava em companhia de Aristides Lobo —, historia os debates dos

779
Doc. cit., p.p. 4-10.
oposicionistas. Como de praxe, as dissidências desapareceram para o público externo, depois de
votada a resolução favorável à Constituinte. Em síntese, diz Pinheiro:

“Recebi o volume X das Obras Completas do nosso Vladimir. Chegou em


tempo, pois eu tinha absoluta necessidade de examiná-lo, principalmente
depois que se pôs na ordem do dia a questão da Constituinte. (...) Mostra a
Cunha (Pedrosa) a desonestidade de seu ato, recusando-se (é o que parece)
a enviar-me coisa que me pertence e que me faz falta. (...) A minha
impertinência tanto mais se justifica quanto é certo que eu não sou nenhum
prodigioso teórico do marxismo e por isso tenho necessidade de aprender
para poder reagir contra certas tendências que se manifestam na liga e que já
me embrulham o estômago. (...)
Verifico, agora, que não é só Plínio que admite a possibilidade de uma
constituinte revolucionária depois da tomada do poder. Leônidas (Lobo),
sempre tão lúcido, também o admite! E tudo oriundo de uma interpretação
falsa da Revolução Espanhola. O Poeta (Plínio Melo), esse, então, tendo lido
aqui neste volume X a alusão a uma luta pela tomada do poder por uma
Constituinte revolucionária de amplos poderes, deduziu logo, com aquela sua
luminosa penetração, que essa tomada do poder não é outra coisa senão a
revolução proletária, a segunda revolução do Ogum (Trotski)... Ignora que a
constituinte, sendo essencialmente burguesa, só pode realizar uma obra
democrático-burguesa, o que, para o caso particular da Rússia de 1906, seria
a liquidação da Monarquia.
Tenho discutido muito com Leônidas. Ele não se convence, mas eu
pretendo defender o meu ponto de vista na Conferência."780

Obviamente, a posição de Víctor Pinheiro foi vencida. A Conferência Nacional da LC


decidiu que, de imediato, os comunistas deveriam lançar todas as palavras de ordem democráticas:
Constituinte, liberdade de reunião, imprensa, organização, greve, sete horas de trabalho, revogação
das leis de sindicalização do Ministério do Trabalho; e, sobretudo, a supressão do Exército
permanente e da polícia profissional, substituídos pelo povo em armas, isto é, a criação de uma
milícia verdadeiramente popular, não-profissional, composta por todos os cidadãos válidos de
ambos os sexos dos 16 aos 60 anos, que exerceriam a função de milicianos rotativamente.
Reunidos numa frente única, os comunistas não deveriam opor os objetivos finais do
comunismo aos interesses imediatos do proletariado, pois como a maioria da massa operária não
era comunista, mas corporativista quando organizada, ou indiferente e completamente
desorganizada, forçoso era apresentar reivindicações que as massas poderiam compreender e
aceitar. Para tanto, os opositores convidavam o partido a formar com eles um "Comitê Intersindical",
que abarcasse todas as organizações sindicais, e que seria constituído por delegados dos
sindicatos eleitos pelas suas assembléias respectivas. Seria preciso aproveitar "a demagogia
burguesa pela autonomia estadual e pela Constituinte para levá-la à parede", exigindo-se que ela
pusesse em prática suas promessas.
O partido faria com que a massa popular reclamasse que a constitucionalização
começasse pelo município, pela comuna, reivindicando a eleição imediata das autoridades
municipais (Câmara e prefeito) na base do voto secreto, direto, igual, a partir dos 18 anos.
Por fim, seria de toda a utilidade que o partido — "desprezando a verborragia radicalizante
dos seus dirigentes" —, começasse os preparativos para um congresso de unificação das forças
comunistas, onde se estudassem todas essas questões "leal e abertamente". É o que eles
propunham, pondo à disposição do partido todos os seus recursos materiais e teóricos, sem
restrições, e acreditando que os camaradas saberiam colocar "os interesses revolucionários do
partido acima dos interesses subalternos de prestígio desta ou daquela fração". A Oposição de

780
Carta de Víctor Pinheiro a Lívio Xavier. FLBX.
Esquerda colocava-se às ordens dos camaradas, exigindo o lugar a que tinha "direito, ao lado do
seu partido, na frente de combate contra o inimigo de classe, sob a bandeira do comunismo".781
A derrota da proposta de aliança com o partido não desanimou os opositores de conseguir
formar uma frente única comunista. Após a Revolução Constitucionalista, a LC dirigiu-se novamente
ao PC propondo todas as medidas políticas que pensava serem ditadas pela situação. Medidas que
já tinham sido expostas, em suas linhas gerais, no projeto de teses sobre a Constituinte, pouco
tempo antes aprovado pela CE. O partido não respondeu à carta, que foi então publicada em
avulso, e distribuída na cidade por todos os militantes da organização.
O número de 5 de outubro de 1932 de A Luta de Classe faz comentários duros sobre a
revolução constitucionalista, "que acabara em farsa", e retoma a propaganda da Constituinte e da
ação sindical. Os chefes civis e militares — diz o editorial —, esquecidos da honra de São Paulo,
entregaram-se ao adversário, esconderam-se ou passaram a servir em outras funções ao próprio
inimigo da véspera, sem tempo de recolher das trincheiras os soldados estropiados que ainda lá se
achavam, arrastados pela demagogia criminosa da alta burguesia paulista. Diante da derrota
iminente, a união sagrada desfizera-se num salve-se quem puder.
Nessa situação, só se poderiam mobilizar as camadas mais oprimidas da população contra
os "arreganhos fascistas da ditadura vitoriosa", arregimentado-as sob a bandeira das palavras de
ordem democráticas, quer dizer, sob a bandeira da Constituinte soberana, nas bases mais
democráticas.
Datado de outubro de 1932, subsistiu mais um texto de Aristides Lobo sobre o tema que
empolgava os debates ideológicos dos trotskistas de São Paulo: a batalha pela Constituinte. Lobo,
mais uma vez, recorda duas grandes experiências históricas, no que essas experiências tinham de
comum com a palavra de ordem de Assembléia Constituinte: a da Rússia autocrática de 1905 e
democrática de 1917, e a da Espanha monárquica e republicana de 1930-31. Tais exemplos
demonstravam que a palavra de ordem de convocação da Assembléia Constituinte se tornava justa
em princípio sempre que a classe dirigente manifestasse uma tendência crescente para uma
centralização do poder, e passasse a exercer a sua ditadura discricionariamente. Em segundo
lugar, essa palavra de ordem podia ser definida, em semelhantes circunstâncias, como o meio
natural de mobilização das massas em torno da bandeira do partido proletário.
No Brasil, verificava-se que toda a política governamental sobre a Constituinte vinha sendo
uma política de contemporização. Em fevereiro de 1932, fora nomeada a comissão encarregada de
elaborar o projeto de alistamento eleitoral; só oito meses depois surgiu esse projeto e se fixou um
prazo de três meses para a comissão receber sugestões. Não era difícil prever que, findos esses
três meses, se não viesse uma prorrogação, outro largo prazo seria fixado para o estudo das
sugestões apresentadas.
Por outro lado, a preparação de um congresso revolucionário pelo governo provisório —
onde seriam representadas todas as correntes políticas — encobriria uma manobra para evitar que
certos grupos da burguesia continuassem a reclamar a convocação da Constituinte. Com efeito,
num congresso dessa natureza, onde seria respeitada, segundo informavam os jornais, a vontade
da maioria representada, os grupos burgueses poderiam agitar livremente as suas questões e dar-
lhes solução para um certo período. Cumpria, pois, à vanguarda proletária redobrar a sua atividade
em torno das palavras de ordem democráticas, no centro das quais estava, mais do que nunca, a
de Assembléia Constituinte.
Com a publicação do projeto de alistamento eleitoral, estava colocada na ordem do dia a
questão dos direitos eleitorais. Assim, só o resultado da agitação que os aderentes da LCI fizessem
em torno da questão dos direitos eleitorais poderia indicar-lhes a tática a seguir quando o governo
se dispusesse realmente a marcar a data de convocação da Constituinte. Era evidente que o
governo não atenderia nunca à reivindicação do sufrágio democrático-igualitário. Mas era
precisamente isso que apresentaria aos trotskistas a perspectiva de mobilizar as massas contra o
governo. Se fossem vitoriosos, surgiria, então, a questão do boicote à constituinte governamental,
seguido da palavra de ordem de Constituinte revolucionária. Do contrário, não teriam outro remédio

781
"Aos camaradas do P.C." São Paulo, 11 de julho de 1932, (a) A Comissão Executiva da Liga Comunista
(Seção Brasileira da Oposição Internacional de Esquerda). Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030.
DEOPS/SP.
— para não caírem no antiparlamentarismo puro, o que seria um mal consideravelmente maior —
senão participar das eleições que o governo provisório marcasse.782
Com a derrota da Revolução Constitucionalista, a liga publicou um folheto, de autoria
provável de Mário Pedrosa783 — O que era prohibido dizer —, que analisa os acontecimentos
segundo as linhas de discussão dos opositores de esquerda.
O item “A indústria contra a lavoura” critica a política do protecionismo aduaneiro que
serviria para “assegurar o florescimento de uma indústria fictícia, explorada por uma camarilha
nacional e estrangeira, mantendo artificialmente um alto nível de vida, à custa da trágica miséria do
proletariado das cidades e das propriedades agrícolas”. E pergunta: “Por que motivo os Estados do
Norte, próximos da Europa, compram o que precisam por preços acima das suas possibilidades,
quando os fabricantes estrangeiros lhes forneceriam em muito melhores condições?”
Esses argumentos continuam no item: “A traição dos ricos”. Não prevalecia o argumento de
que uma redução de tarifas seria a ruína da indústria, pois “a Inglesa, no ano passado, mandou
para Londres 32.000 contos, em ouro, e a Paulista que é quase tão paulista como a Light, no
mesmo período deu um rendimento superior aos anos anteriores”. O governo federal mantivera-se
irredutível na revisão das tarifas, levando as chamadas classes conservadoras, cuja lista se
encontrava nos manifestos publicados em seguida ao golpe de 9 de julho, tendo à frente a
Federação dos Industriais, a Associação Comercial, o Instituto dos Advogados (quartel general da
'Bucha') a agir de modo direto. Debalde o Catete se submetera a uma imposição perante o Estado
de São Paulo, que “roçava pela subserviência”. A campanha de 9 de julho, que chegara “a ser
nativista e separatista, com ofensas públicas à bandeira auri-verde, foi tão intensa, que dentro de
pouco tempo a lavoura e as classes pobres — às quais a reforma das tarifas viria beneficiar —
colocaram-se candidamente ao lado de seus inimigos, os industriais”.
“A traição dos intelectuais” afirma que a experiência daqueles dias demonstrara que a
imprensa e o rádio não deveriam jamais ficar em poder do capitalismo, que era de orientação
estrangeira. Nunca se mentira tanto no mundo como em São Paulo. Em menos de três meses da
campanha, quem consultasse as coleções dos jornais só encontraria vitórias e mais vitórias. A obra
mercenária dos jornalistas atirara milhares de moços à trincheira, onde encontraram a morte.
Organizou-se um regime de espionagem e de terror para manter em silêncio os que discordassem.
Ocorreram prisões em massa, como no caso de Sacomã, em que foram recolhidos ao xadrez até
mulheres e crianças. A “perfeita unanimidade” dos paulistas poderia ser avaliada pelos “assaltos de
populares ao posto e grupo escolar da Mooca, transformados em abrigos de recrutas apanhados à
força; as investidas contra o Telégrafo, a Escola Politécnica e a diversas fábricas de munições, pelo
povo desvairado, na ânsia de armar-se para reagir; a perseguição às pessoas e aos amigos da
revolução banida; os 6.800 presos dos calabouços de São Paulo!”
“A traição do clero” denuncia que a Igreja excedera-se em ferocidade e transcreve os
elogios a ela feitos pelo dr. Costa Manso, presidente do Tribunal de Justiça, em discurso que fora
irradiado:

“A Igreja Católica não se limitou a fornecer capelães às unidades que


partiam. O bispo de Botucatu, D. Carlos Duarte da Costa (guardem os
paulistas este nome) organizou um batalhão de Caçadores Diocesanos. Os
Irmãos Marianos, desta capital, patrocinaram a formação do Batalhão
Archidiocesano, constituído por antigos alunos do ginásio que dirigem. Os

782
“Da Assembléia Constituinte”. Texto de Aristides Lobo. Outubro de 1932. FLBX. Ms.
783
Como se depreende do uso da língua e do estilo. Ademais, no exemplar desse folheto que se encontra no
prontuário de Pedrosa, encontra-se anotado, a lápis, no lugar destinado ao nome do autor, “Mário
Pedrosa”. Maria Luíza Tucci Carneiro atribui, a meu ver erroneamente, o livreto como de autoria de
Aristides Lobo. Fundamentou-se, talvez, no fato de se encontrar um exemplar de O que era prohibido... no
prontuário de Lobo. Este, como ficou dito neste trabalho, não usava desde 1931 vogais mudas, como
aparece em “prohibido”. Portanto, deixando de lado o estilo de Lobo — que algumas vezes pode ser
confundido com o de Víctor Pinheiro, mas nunca com o de Pedrosa — o próprio título denuncia o engano
da autoria apontada por Tucci Carneiro. Cf. in: CARNEIRO, Maria Luíza Tucci. Livros Proibidos, idéias
malditas: o Deops e as minorias silenciadas. São Paulo: Estação Liberdade. Arquivo do Estado/SEC, 1994,
p. 80.
bispos e vigários colocaram-se à frente da Campanha do Ouro e das
Comissões de Produção Agrícola. Notabilizou-se o gesto do arcebispo de São
Carlos, D. José Marcondes Homem de Mello, que iniciou a coleta de ouro
despojando-se da sua cruz pastoral. As associações religiosas abriram as
suas sedes e puseram-se à disposição de São Paulo.”

Do púlpito, o clero pregava a guerra santa: um padre de Santos fazia conferências pelo
rádio, deixando pairar, num jogo de palavras, a excomunhão sobre os que não partissem. Só entre
ateus e materialistas podiam ser encontrados inimigos da guerra, pessoas que se recusaram a
pegar em armas contra o seu semelhante.
Em: “Como se ilude a boa fé de uma população”, o folheto aponta para o caráter
separatista da campanha tarifária — quando principiaram a surgir dificuldades, o movimento
passara a ser “anticomunista”, “até que na ânsia de conquistar todo o Brasil, foi escolhido um motivo
mais idôneo: a constitucionalização do país”.
A escolha do dia para a revolução, e a descrição do Estado policial que foi montado para
garantir o entusiasmo popular continuam a narrativa:

“O golpe estava assentado para o dia 14 de julho, quando se soube que o


governo federal ia marcar data para as eleições. Então, apressadamente, a
contra-revolução paulista, organizada pelos patrões, veio a furo no dia 9.
Desde aquele momento, tanto a censura como a polícia, prodigiosamente
aumentada por mil interessados, estrangularam a trágica verdade na garganta
dos que sabiam. Conhecido previamente o decreto marcando data para as
eleições, estaria desmoralizado o levante, anulada a sua bandeira.
Então, as milhares de pessoas de S. Paulo que conheciam as causas e os
fins desse levante, foram amordaçadas. O simples fato de ser operário passou
a representar motivo de suspeita.(...) Era horroroso o espetáculo da valente
mocidade paulista acorrendo em massa e seguindo enganada para a frente,
num élan esportivo, para defender o lucro escorchante dos industriais e a
posição dos políticos decaídos! (...)
A Cúria Metropolitana benzia tudo: a espada, o canhão, o lança-chamas, o
gás asfixiante, as ampolas de tifo e de cólera morbus que, estas últimas, para
honra da humanidade, não chegaram a ser empregadas, devido à rapidez
com que cessaram as operações. (...)
Presos políticos que, ao serem postos em liberdade, deram expansão aos
seus ideais, foram misteriosamente assassinados. Uma semana depois da
derrota, as autoridades ainda eram as mesmas, reinava o mesmo terror.”

Por fim, ficam os subtítulos: “Os crimes pelos quais os ricos terão que responder perante o
Tribunal Popular” e “A vitória de S. Paulo”. A derrota da burguesia católico-policial paulista
representava a vitória da classe média de São Paulo e do Brasil. São Paulo “não era Macedo
Soares, o arcebispo, ou algum dos “safados da chapa única”, mas sete milhões de trabalhadores de
todas as categorias”.784

2. O ambiente fascista em São Paulo.

Nos anos 30 o vento soprava forte nas velas do fascismo nacional. Defecções verificavam-
se nas fileiras revolucionárias, como exemplifica uma carta enviada de Milão a Víctor de Azevedo
Pinheiro, com um artigo que relata uma conversa que o missivista tivera com Mussolini. O autor da
carta — cujo nome os registros policiais ocultam — solicita ao destinatário que fosse passada uma
cópia de um artigo que ele enviava para O Paiz, em "uma de nossas máquinas aí". O missivista

784
O que era prohibido dizer, sem data, mas provavelmente do final de 1932 ou do início de 1933.
Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, doc. n.º 4, f. 4. DEOPS/SP.
havia recebido carta de Ribeiro Couto, com quem ia se encontrar em Marselha: "Ele é um adepto
do novo credo, das idéias de Alberto Torres e Euclydes da Cunha. Como eu, está convencido de
que a democracia faliu. Quem está na Europa tem mesmo essa impressão."
O correspondente de Víctor Pinheiro expressa claramente a sedução exercida pelo
fascismo sobre alguns dos adeptos da revolução:

"Eu tenho planos de grande ação política. Precisamos pôr o Gigante de pé.
Não será possível com revoluções isidorescas, com maluquices de Cabanas;
não será possível com partidos democráticos, movidos e sustentados por uma
aristocracia agrária; não será possível com alianças liberais, colcha de retalhos
dos conchavos mineiros; não será possível com a hipocrisia das eleições, com
o fetichismo das fórmulas que ainda domina nos políticos de todas as facções;
não será possível com o comunismo de meia dúzia de sonhadores; mas será
possível, tenho certeza, com um movimento de coordenação, num sentido de
nacionalismo, de mobilização de energias intelectuais em todo o país, com a
qual faremos uma revolução de idéias, que terá objetivação histórica na
primeira oportunidade, como foi a República.
(...) Mussolini fez-me excelente impressão. Gostei do homem. Ele era um
simples professor primário, um Juvêncio. Precisamos procurar, precisamos
descobrir o Juvêncio do Brasil. Deverá ser o nosso ditador.
Escreva-me dizendo se os artigos têm saído. Mande-me os jornais para
Paris, Consulat du Brèsil, rue Druot, 23."785

A propaganda totalitária fazia-se em todas as esferas. Mesmo na artística, como podemos


aferir do discurso inaugural do Salão Paulista de Belas Artes, pronunciado pelo presidente da
comissão organizadora daquele evento:

"A Arte é sempre social como expressão da vida. E reconhecendo esse


seu grande valor é que levou Hitler a determinar na Alemanha a volta à arte
nacional e tradicional germânica, dando combate aos vanguardistas da pintura
e aos modernistas da arquitetura, que desnacionalizando a arte visavam
implantar a desordem na sociedade.(...) Na Itália, Mussolini tem especial
atenção para as artes em geral, protegendo-as, amparando-as e
disseminando-as por toda a Itália. E no Japão recentemente está havendo o
retorno às antigas tradições, abandonando os japoneses as vantagens da
técnica do Ocidente. É que agora mais do que nunca a arte está sendo
reclamada para cumprir sua missão evangélica e purificadora no meio árido
em que atravessa o mundo de hoje (...) Daí a necessidade dos governos
montarem vigilância no setor intelectual-artístico, auxiliando também a arte
equilibrada e sã com que alimentará espiritualmente as multidões sofredoras e
fáceis de serem empolgadas pelas promessas falaciosas dos extremistas. O
cultivo do espírito e convívio com a beleza (...) enobrecem e nutrem as
multidões, ensinam a moral, propagam o civismo, elevam o nível da
humanidade e confortam e amenizam a existência. Sublinhadas estas
premissas temos a notar que o grande escritor e crítico de arte Camill Mauclair
(entre outros) em vários de seus artigos e livros revela o plano oculto dos
judeus-comunistas de pretenderem destruir uma das colunas mais sólidas e
nobres da nossa civilização ocidental-cristã que é a arte tradicional latina. Dois
são os seus principais objetivos: 1.º) (...) o rebaixamento do valor dos quadros
clássicos (...) reduzindo ao extermínio os valores colossais das coleções

785
A assinatura está ilegível, mas os dizeres e circunstâncias da carta fazem pensar num diplomata envolvido
com os trotskistas de São Paulo, apontando para Luís de Barros, irmão de João Alberto, que saíra dos quadros
do PCB diretamente para o consulado do Brasil na Itália fascista, ou para o cônsul Josias Leão. Carta
(datilografada) a "Azevedinho". Milão, 3/7/30. Prontuário de Victor de Azevedo Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. 1.
DEOPS/SP.
ocidentais da arte clássica e sã; 2.º) a desorganização e aviltamento e o
embrutecimento social produzido pela arte por eles preconizada, a fim de
preparar o terreno para uma ação mais segura, num meio inculto, insensível e
depravado. Haja vista o cunho geralmente imoral, pornográfico e depravado
das manifestações artísticas às vezes as mais insinuantes (...). Caracterizam
geralmente na crítica ou literatura tais manifestações o despudor, o cinismo , a
ousadia e principalmente o desrespeito a tudo que manifeste tradição, ataque
aos velhos com passado de trabalho e mérito, às instituições, escolas, etc.,
que se regem no princípio da disciplina, respeito, ordem e autoridade
constituída."786

Obviamente essas palavras foram acolhidas com entusiasmo pela polícia. Elas haviam
salientado — na interpretação da Ordem Social — "o papel preponderante da arte na educação dos
povos e sua influência notável como agente calmante ou excitante das massas".
Conseqüentemente, deveriam ser observadas pela polícia as seguintes pessoas, empenhadas na
"atividade dissolvente" apontada pelo texto acima: Pagu, Tarsila, Flávio de Carvalho, Paulo Rossi,
Gastão Worms, Oswald de Andrade, Carlos Prado, Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Lívio Abramo,
Lazar Segal, Warchavschig, Osório César, Geraldo Ferraz, Galeão Coutinho".787
Uma correspondência incompleta, manuscrita, encontrada entre os papéis apreendidos
com Hilcar Leite, e escrita por Fúlvio Abramo nos primeiros dias de maio de 1936788 dá conta do
ambiente político em São Paulo após a tentativa revolucionária de novembro do ano anterior. Em
21/5/36, o delegado da Ordem Social, Venâncio Ayres, enviou essa correspondência ao
Superintendente de Ordem Política e Social, com a seguinte apreciação:

“Depois de acentuar a ação anarquista nesta Capital, a correspondência


estuda o movimento socialista europeu, bordando comentários confusos, mas,
dos quais se infere que ‘trotskistas’ e ‘stalinistas’ procuram arregimentar-se
numa frente única, à qual não seria estranho o Partido Sionista (judeus).”789

A posição anti-semítica da polícia transparece em copiosa documentação, criando uma


análise recorrente. É assim que um relatório reservado sobre a “transformação ideológica do PC”
afirma que, ao contrário dos trotskistas, “que eram dirigidos exclusivamente pelos judeus”, os novos
dirigentes do PC eram todos russos puros, e no quadro deles não entravam nem caucasianos como
Beria, chefe da GPU, nem o judeu Mechlis, chefe do comissariado político-militar.790 Portanto, a
interpretação racista dos movimentos revolucionários fez com que a repressão se abatesse mais
fortemente sobre os trotskistas — se dermos crédito à documentação.
Embora preocupada com idéias dessa natureza, a LCI considerava o tenentismo como um
perigo maior para a revolução proletária do que o fascismo. Os oposicionistas acreditavam que a
criação de um movimento fascista no Brasil ainda se podia considerar como uma perspectiva
prematura, em razão da ausência de um movimento proletário organizado — capaz pela sua
direção política e sua extensão —, de ameaçar o próprio regime burguês. Desse modo, pensavam
os trotskistas, “as veleidades de um cretino como Plínio Salgado ou as bazófias de um sargentão
boçal da marca de Góes Monteiro, de macaquearem Mussolini nestas paragens, ainda não passam
de puras expressões de grotesco individual”. Era incontestável, porém, que o sonho de muito
'tenente' era de fazer no Brasil “uma copiazinha crioula do regime fascista”. A lei de sindicalização, a
carteira profissional, a representação por “classes” eram em si medidas de caráter fascista, mas a
essência política do fascismo não estava nessas medidas, mas “na destruição violenta, extralegal,

786
"Propaganda Comunista pela Arte", sem data. Prontuário de Salisbury Galeão Coutinho (Dr.), n.º 163, p.
17. DEOPS/SP.
787
Documento citado.
788
O relatório não é datado ou assinado, mas a autoria é assinalada pela polícia. A data fica fácil de ser
determinada: o relatório refere-se a fatos ocorridos em 30/4/36 e a sua apreensão ocorreu durante a batida
realizada na casa de Hilcar Leite, em 16 de maio do mesmo ano.
789
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 69. DEOPS/SP.
790
São Paulo, 18/10/39. Prontuário n.º 4.143, v. 3, f. 7l.
fora dos recursos repressivos e policiais normais do Estado burguês, da democracia proletária”. Os
fascistas pretendiam destruir a organização do proletariado como classe, o conjunto de seus
sindicatos, das suas associações corporativistas e de seus partidos políticos de classe, como o
Partido Comunista; porém o proletariado do Brasil não chegara, ainda, pela sua organização e pelo
seu desenvolvimento político, a ameaçar o regime capitalista diretamente, como se dera na Itália e
na Alemanha. Por esse motivo, a liga considerava excluída, por algum tempo, a possibilidade da
formação de um movimento de massa com caráter fascista. Nessas circunstâncias, o bloco
tenentista havia se fantasiado de socialista e de defensor das liberdades democráticas, e estava
destinado a desagregar-se, dissolvendo-se em organizações políticas mais largas e mais civis se,
pelo contrário, um novo golpe militar vitorioso não viesse “ressoldar o bloco, implantando então uma
ditadura militar bonapartista aberta”.
O proletariado, no estado rudimentar de organização em que se encontrava, sem a menor
escola política, “desorientado em vez de ser orientado pela sua vanguarda, hipnotizada por uma
casta de aventureiros e oportunistas burocratizados”, não atuava como devia sobre os
acontecimentos políticos, vivendo como que à margem da história política. Essas condições
tornavam possível a instauração do “bonapartismo com todo o seu cortejo de miséria e corrupção”.
Em virtude da falta de educação política do proletariado no Brasil, quem contasse com o
apoio da pequena burguesia tinha as maiores probabilidades de arrastar o proletariado. Essa
possibilidade era aumentada pela ausência de um partido revolucionário proletário capaz de exercer
uma influência política ponderável nos acontecimentos (função que caberia ao Partido Comunista,
“se não estivesse manietado pelo aventurismo e pelo sectarismo da burocracia stalinista”), ou de
um partido dotado de tradições políticas democráticas profundas. Essas circunstâncias favoreciam
a penetração dos tenentes no proletariado. Era esse o maior perigo que ameaçava o movimento
comunista no Brasil, e os comunistas tinha o dever de fazer face a ele. A liga achava que o
tenentismo não era um bloco granítico inabalável, por se assentar sobre bases contraditórias. No
período monárquico, em que o terreno fugia constantemente dos pés da pequena burguesia, seria
completamente absurdo contar-se com um movimento pequeno-burguês para longas perspectivas.
Quanto à pequena burguesia urbana, o seu papel consistia em servir de instrumento de
comunicação entre a grande burguesia e o proletariado. Pela sua “impressionabilidade” ela
registrava passivamente os grandes problemas em que se debatia a burguesia nacional e
pressentia o descontentamento e a revolta latente que lavravam no seio do proletariado. O partido
dos tenentes refletia essa dualidade. Com o rótulo de socialistas, o que queriam os tenentes era
servir-se, para as suas ambições, das massas que estavam “para lá das porteiras do Brás e para lá
das porteiras de São Cristóvão”. 791
A imprensa cooptada pelo governo Vargas promovia o ditador à situação de “arcanjo da
burguesia do Brasil”. Chateaubriand, “o criado mais solícito e nauseabundo de Getúlio”, reforçava
as posições anticomunistas do regime. Com esse intuito, “o rei do Brasil” havia concedido especial
ênfase ao discurso de Getúlio, pronunciado nas primeiras horas do ano de 1936, e dedicado
inteiramente ao combate ao comunismo. As leis trabalhistas eram violadas na prática, com a
conivência da imprensa não-proletária. Em 1936, depois de dois anos de pomulgada a lei de oito
horas, dezenas de sindicatos foram fechados pela polícia, centenas de operários sindicalizados
tinham sido presos por exigirem uma redução das 16, 14, 12 horas de trabalho, e que os seus filhos
tivessem escolas gratuitas e não fossem explorados nas fábricas a $0,50, $ 0,70, $0,80 réis por
hora de trabalho.792
As tendências fascistas vigorantes no tempo de Vargas ensejaram a formação de
sociedades variadas, auxiliares da repressão. Este foi o caso da “Frente Sindical contra os
Extremismos”, que visava defender “a Sociedade, a Constituição de 10 de novembro de 37 e o
Estado Novo, por ela instituído, assim como combater, intensa e extensamente, os extremismos,

791
A Luta de Classe, Ano III, n.º 9, p. 1. São Paulo, janeiro de 1933.
792
“O discurso de Getúlio Vargas, Plataforma de Luta da Reação contra o Comunismo!” Publicação da
Comissão Agit-Prop. da LCI . Prontuário n.º 4.143, v. 3. DEOPS/SP.
procurando unir, em torno do seu escopo patriótico, todos os homens de boa vontade que possam
cooperar com as autoridades públicas nesta ação”. 793

3. Tentativas para a união do proletariado: a tática das frentes únicas.

“A data de 7 de outubro não pode ser sectarizada nem monopolizada por


esta ou aquela tendência. Ela pertence a todos nós, ela se deve sobretudo ao
heroísmo do proletariado de São Paulo; sua comemoração cabe a todos nós,
anarquistas, antifascistas, democratas, revolucionários, stalinistas e trotskistas,
comunistas e socialistas que participamos dela na medida de nossas forças e
num espírito de frente única verdadeiramente proletário, o que tornou
impossível o reaparecimento dos bandos integralistas nas ruas de São Paulo.”
(Mário Pedrosa, “Depoimentos para a História do 7 de outubro de 1934, em
São Paulo. Vanguarda Socialista, 12/101945, p. 1).

Com a vitória da Aliança Liberal, São Paulo tornou-se o centro de convergência de todos os
movimentos de esquerda criados no Brasil. Comunistas e anarquistas passaram a se concentrar na
capital paulista e nasceu um partido socialista de caráter reformista. Essas correntes viam com
inquietação o ascenso do fascismo. Nessas circunstâncias, os trotskistas tiveram a iniciativa de
propor uma frente única antifascista para defender a autonomia sindical, ameaçada pela legislação
estabelecida por Lindolfo Collor, e não permitir que os integralistas ganhassem a rua e ocupassem
espaço no movimento operário.794
A concentração de forças de esquerda em São Paulo aumentou o campo para a ocorrência
de dissidências internas, que existiam nas fileiras dos liguistas desde o ano de sua fundação. De
1932 a 1934, a militância nas frentes únicas do proletariado acentuou as divergências entre os
camaradas, provavelmente porque estes se depararam com as demais correntes da vanguarda
proletária, fato que os obrigou a testar mais profundamente as opções ideológicas da LCI. As
discussões internas da liga desbordavam para as lutas com o PCB, pois, como seria de se esperar,
a posição do CR de São Paulo, baseada em indicações da IC, considerou “falsa” a aplicação da
tática da frente única. No entanto, alguns documentos apontam para uma clara divergência sobre
as frentes únicas nos quadros da seção paulista do partido. O Bureau Político, por exemplo, acusa
de “trotskistas” os dirigentes “Raul” e “Tito” que haviam tentado fazer em São Paulo um “bloco por
cima” com os anarquistas e tenentistas, desvirtuando totalmente o verdadeiro conteúdo político e
tático da corrente única pela base, com as massas. Os comunistas de São Paulo haviam marchado
para a conquista dos setores e dos elementos vacilantes influenciados pela demagogia daqueles
"chefetes" — “Raul” e “Tito”. Desses erros a direção inocentava a base, os ativistas do comitê
regional ou de outros órgãos intermediários, pois para ela os principais responsáveis eram
justamente os dirigentes, "os animadores de toda política e falsos métodos de trabalho de que está
impregnada toda a região". "Raul e Tito" eram os inspiradores da "falsa política" e dos "maus
métodos de trabalho" que haviam impedido a formação de novos quadros proletários dirigentes, ao
mesmo tempo em que lutavam “descaradamente” contra os esforços do CC que pretendia
organizar cursos de capacitação em São Paulo. Essa política ocasionara duríssimas
conseqüências: o partido caiu nas mãos da polícia, perdendo uma parte do aparelho técnico, um
grande grupo de ativistas e alguns dos melhores quadros em formação.795

793
Cópia de notícia do Correio Paulistano sobre visita da diretoria da organização Frente Sindical contra
o Extremismo, datada de 2/4/38. Prontuário da Frente Única Sindical ou Frente Única Popular, n.º 3.278.
DEOPS/SP.
794
Depoimento de Mário Pedrosa à revista ISTO É. São Paulo, 10/10/79, p. 81.
795
Carta do Bureau Político do Comitê Central aos Membros do PC. São Paulo, 5/10/33. Prontuário de
Josias Martinho ou Aristides Mendes, n.º 1.694, fls. 6, 8 e 9. DEOPS/SP.
Nesse ambiente de cerco, a liga prosseguia a busca pela união do proletariado, a começar
pela unidade do partido. A situação criada ao proletariado alemão pela subida dos hitleristas ao
poder foi considerada de tal gravidade pelos oposicionistas que estes se sentiram no dever de se
dirigir "ao seu partido” não só para mostrar-lhe quanto estava sendo errada e nefasta a política da
fração dirigente no que concernia à situação alemã, como principalmente para descortinar-lhe as
perspectivas que dela decorriam e por conseguinte orientá-lo quanto à política que devia ser
adotada em face daqueles acontecimentos. O Partido Nacional-Socialista (hitlerista) é classificado
pelos opositores como:

"um partido de reação brutal contra o proletariado e sua vanguarda


revolucionária, um partido destinado a romper todos os preconceitos
parlamentares e constitucionais do regime dominante para se impor pela força
das armas contra a vaga revolucionária das massas. É a tropa de choque da
burguesia na defesa dos seus interesses de classe quando ela sente que os
meios normais (polícia, etc.) de preservação da sua ordem social são
insuficientes para conter a ofensiva do proletariado. Daí o caráter do fascismo
como instrumento específico da luta da burguesia na última fase de sua
dominação de classe, quando já foram gastas todas as armas do seu arsenal
de mistificação ('liberalismo', 'parlamentarismo', 'constitucionalismo',
'socialismo', etc.)".

Os oposicionistas apontavam o enorme perigo que a ascensão de Hitler ao poder


representava para o proletariado alemão e internacional, pois constituía o último recurso de que
dispunha a burguesia alemã para procurar livrar-se da crise que solapava o seu regime. Hitler não
abandonaria o poder senão por uma ação conjunta e decisiva do proletariado não só alemão mas
de todos os países.
A derrota do proletariado alemão merece tratamento especial, que revela — em fevereiro
de 1933 — a proposta vencida que Lobo apresentou à Segunda Conferência Nacional da Liga
Comunista. Uma Carta Aberta aos membros do PCB acusa o PCA por não ter sabido unir o
proletariado, realizando a política de frente única com a social-democracia, por causa da cegueira e
imprevidência de sua direção. O abandono do internacionalismo revolucionário pela direção da IC e
a conseqüente burocratização do partido ocasionaram a transformação do PC em simples agência
de propaganda do "socialismo num só país", defendendo esse princípio nos demais países (em vez
da Revolução Proletária Internacional, as palavras de ordem de "revolução nacional" para a
Alemanha, e "revolução agrária e antiimperialista" para países como o Brasil). A burocracia stalinista
que se apoderou do Comintern havia abandonado a verdadeira política marxista-leninista, como o
exemplo da Alemanha demonstrava. Portanto, aqueles que atribuíam os erros cometidos pelo PC
no mundo todo à má aplicação das diretivas da IC, por certos dirigentes das suas seções nacionais,
deveriam meditar longamente sobre as críticas que a Oposição de Esquerda sempre fizera aos
stalinistas. A carta termina com palavras de ordem (pela convocação imediata do VII Congresso da
IC; pela mobilização do exército vermelho; pela reintegração dos bolcheviques-leninistas,
organizados fracionalmente na OIE, nas fileiras da IC; pela convocação de uma Conferência
Nacional de Unificação do PCB), com vivas (à Revolução Proletária Mundial, à Revolução Alemã, à
IC, à OIE), e abaixos (à reação fascista na Alemanha; à guerra imperialista contra a URSS; ao
regime burocrático no partido de Lenin).796
Um relatório reservado da mesma época da Carta Aberta pormenoriza as circunstâncias da
fundação da Frente Única Antiguerreira. O fato ocorrera numa reunião na sede da UTG, no dia 7 de
fevereiro de 1933. Várias associações de classe (Confederação Geral do Trabalho, Federação
Sindical Regional de São Paulo, PCB, União dos Empregados em Hotéis e Similares, União dos
Empregados em Fábricas de Tecidos, União dos Trabalhadores da Light e União dos Profissionais
do Volante) participaram da reunião, mas a liga comandava as articulações para a organização da
frente. As discussões foram abertas por Manoel Medeiros, que declarou que o fim da reunião era
constituir uma frente única operária contra a guerra, contra a burguesia e contra todas as opressões

796
Carta Aberta aos Membros do Partido Comunista Brasileiro, da Liga Comunista (Seção Brasileira da
Oposição Internacional de Esquerda). Rio de Janeiro, fevereiro de 1933. FLBX.
resultantes das lutas de classe. Falaram também Mário Pedrosa, “o social-revolucionário Vicente
Guerrero, da Light” 797, Aristides Lobo e João da Costa Pimenta. Mário Pedrosa propôs uma moção
de solidariedade e confiança na ação dos comunistas da Alemanha contra as violências praticadas
pelos fascistas. A proposta foi aprovada por 38 votos contra 2. Foi eleito um comitê de propaganda
contra a guerra, que ficou organizado com três representantes dos gráficos (Mário Pedrosa, Antônio
Machado — da Light — e João Pimenta — que não aceitou o cargo). Foram distribuídos manifestos
e vendeu-se pela UTG o livro de Trotski — O que é a revolução de outubro —, ao preço de
1$500.798
A Frente Única Antifascista ligava-se intimamente à Frente Antiguerreira. Ambas deveriam
servir para a união e a conscientização do proletariado. A fundação da FUA ocupou todo o mês de
junho de 1933. No dia 2, Aristides Lobo formulou os estatutos para a FUA. A nova associação
coligaria em São Paulo — sem distinção de credos políticos ou filosóficos — todas as organizações
antifascistas para o combate às idéias, ao desenvolvimento e à ação do fascismo. Outros objetivos
comuns referiam-se à luta pela mais ampla liberdade de pensamento, reunião, associação e
imprensa; à reivindicação de garantia do ensino leigo e da separação da Igreja do Estado; e à
formação de um bloco unitário de ação contra o fascismo.
Todas as organizações coligadas conservariam a sua plena autonomia e inteira liberdade
de crítica. Os atritos que se verificassem entre as organizações, fora da esfera da ação antifascista,
nunca poderiam servir de motivo para o rompimento da Frente Única. A estabilidade desta seria
garantida por um programa comum de ação, em cujo desenvolvimento não se feririam os pontos de
divergência ideológica existentes entre as organizações coligadas.799
Em 10/6/33 comemorou-se o novo aniversário do assassinato do líder socialista Giacomo
Matteotti, na sede da UTG, com a presença de mais de 500 pessoas. Francisco Frola falou sobre o
homenageado e sua luta. José Isaac Pérez usou da palavra, como representante de O Homem
Livre. Aristides Lobo — em nome da Liga Comunista Internacionalista — propôs novamente a
formação de uma Frente Única Antifascista, declarando-se disposto a dar a mão a todos os que,
embora militantes de outras ideologias, estivessem empenhados em defender-se contra a ação
sistematizada dos fascistas. Formou-se então uma comissão preparatória encarregada de estudar
as bases sobre as quais se deveria erguer a organização de uma Liga Antifascista. Falaram
também Edgard Leuenroth e o advogado Bruno Barbosa.
O Homem Livre, de 17/6/33, observa que havia sido conseguido um acordo de princípio —
entre grupos de antifascistas italianos e brasileiros e organizações proletárias de diversas
tendências — sobre os métodos de luta contra o fascismo.
Em 25/6/33, no salão da União Cívica 5 de Julho, foi por fim constituída a Frente Única
Antifascista, numa reunião presidida por Francisco Frola, e com a presença das seguintes
organizações: Partido Socialista Brasileiro, Grêmio Universitário Socialista, União dos
Trabalhadores Gráficos, Legião Cívica 5 de Julho, Liga Comunista Internacionalista, Partido
Socialista Italiano, Bandeira dos 18, Grupo Socialista Giacomo Matteotti, Grupo Itália Libera,
Federação Operária de São Paulo, os jornais O Homem Livre, A Rua, A Lanterna e A Plebe, e a
revista O Socialismo. A FOSP e os grupos reunidos em torno dos jornais A Lanterna e A Plebe
declararam-se contrários à FUA, por razões de princípio, mas dispostos a lutar individualmente. A
FUA recebeu ainda as adesões da União dos Profissionais do Volante e do periódico socialista O
Brasil Novo.800
Conta Abramo que entre 25 de junho e 14 de julho a liga desenvolveu grandes esforços
para conquistar sindicatos e agremiações e, principalmente, atrair o PCB para a FUA. Os primeiros
contatos foram estabelecidos por Mário Pedrosa com Roberto Sisson, por intermédio do médico
801
Nestor Reis, e por Abramo, por meio de Arnaldo Pedroso D’Horta e N.G. , membros como ele do

797
É sempre útil lembrar que se tratava de um agente policial infiltrado no movimento operário.
798
Informe reservado. São Paulo, 8/2/33. Prontuário n.º 1.691, de Caio Prado. DEOPS/SP.
799
O Homem Livre, n.º 6. São Paulo, 2/7/34.
800
ABRAMO, Fúlvio. Primeiros Passos da Frente Única Antifascista. 1934-1984. Cadernos CEMAP. Ano
I, n.º 1. Outubro de 1984, p.p. 17-19.
801
Provavelmente Noé Gertel, que viveu um amor proibido — pelo partido — com Lélia Abramo,
simpatizante da LC.
Sindicato dos Empregados no Comércio de São Paulo, que tinha a sua sede no edifício Santa
Helena, no qual se centralizaram as atividades da FUA.
Nos primeiros dias de julho, sob a presidência de Aristides Lobo, realizou-se uma reunião
na sede do PSB, que decidiu realizar um comício em comemoração à Queda da Bastilha e a
ratificar as bases para a constituição da FUA. Na declaração de voto, os anarquistas propuseram
substituir a criação de uma “organização” por uma “frente única de indivíduos”.802
A presença de anarquistas nas reuniões da FUA levou o serviço secreto da Delegacia de
Ordem Social a afirmar que eram eles os dirigentes da organização. Um comunicado desse serviço,
datado de 23/6/33 803, fala da organização do Comité Antifascista e de uma reunião realizada com
esse objetivo. Durante a reunião, Oiticica dissera que lançava seus olhos para São Paulo, única
cidade do Brasil onde existiam elementos capazes de armar baluartes para a próxima jornada da
revolução proletária. Leuenroth também havia se pronunciado, “não despertando grande interesse”.
Em seguida, Hermínio Marcos Hernandes atacou violentamente o general Waldomiro de Lima. O
Comité Antifascista, na opinião do “secreta”, corroborava “anteriores informações relativas a certo
desânimo e confusão que se vinham notando entre diversas classes operárias, inclusive na classe
dos comunistas".804
Em cumprimento a uma pauta preestabelecida, a FUA programou para o dia 14/7/33 um
comício no Salão da Lega Lombarda. Nesse mesmo dia deveria haver uma reunião do Comitê
Estudantil Antiguerreiro, no Salão das Classes Laboriosas. Uma batida policial — que ocupou 13
inspetores da DOS — conseguiu impedir o último evento, aprisionando: Manoel Medeiros, Max
Cimbalista, Marciano Gomes da Silva, Samuel Kewusechivissel, Salomão Zeitel, Salomão Avin,
David Mamoten e Alfredo Chaves Alonso. Em seguida, a polícia se dirigiu ao Salão da Lega
Lombarda, onde se realizava a reunião da Frente Única Antifascista. À saída dessa reunião deteve
os “elementos extremistas comunistas”: Aristides Lobo, Moyses Gambas e Seul Faymberg, também
conhecido por Paulo Rotzlav.805
Os oposicionistas publicaram em A Lucta de Classe de 29 de julho uma denúncia contra a
arbitrariedade policial que permitira a realização do comício antifascista, mas que encarcerou mais
de uma dezena de operários que nele haviam tomado parte. O Lucta dá a sua versão do comício
antifascista. Nele fora lido o manifesto inaugural da Frente Única Antifascista, aprovado pelas
organizações coligadas. Em seguida usaram da palavra os representantes da União Sindical dos
Profissionais do Volante, da União dos Trabalhadores Gráficos, de O Homem Livre, do grupo
antifascista “Italia Libera”, de A Rua, de Brasil Novo e da Liga Comunista, além de vários outros
oradores sem partido ou pertencentes a organizações não-coligadas, entre os quais os do Partido
Comunista, da Juventude e do Socorro Vermelho. O comício esteve muito concorrido, tendo
constituído um dos maiores triunfos da campanha antifascista em São Paulo. Todos os oradores
puderam falar livremente, expondo seus princípios e opiniões. Apenas o representante do PC foi
interrompido por elementos da corrente anarquista, que pretenderam impedi-lo de continuar, porém
Aristides Lobo, como presidente da reunião, conseguira restabelecer a ordem e sustentar na tribuna
o orador do partido. Ao terminar o comício, foram efetuadas numerosas prisões, sendo levados
para o Gabinete de Investigações Aristides Lobo e vários operários do PC. Algumas horas antes,
havia sido preso Manuel Medeiros, secretário- geral da UTG. No dia seguinte, foi preso Mário
Pedrosa.806

802
ABRAMO, Fúlvio. Primeiros Passos da FUA. Frente Única Antifascista. 1934-1984. Cadernos
CEMAP. Ano I, n.º 1. Outubro de 1984, p. 20.
803
Mário Pedrosa identifica 1.º de maio de 1934 como a data de fundação da Frente Única Antifascista,
organizada pela LCI, pelo Partido Socialista, que acabava de ser fundado, e pelos anarquistas.
Provavelmente o veterano militante da liga confundiu a data de uma manifestação da frente com a data de
sua fundação. Entrevista de Mário Pedrosa. O Trabalho, n.º 0. São Paulo, 1.º de maio de 1978.
804
Comunicado reservado do agente Guarany. São Paulo, 23/6/33. Prontuário de Hermínio Marcos
Hernandes, n.º 188, f. 43. DEOPS/SP.
805
Comunicado ao DOS. São Paulo, 15/7/33. Prontuário de Manoel Medeiros, n.º 177, doc. 16.
DEOPS/SP.
806
“O Comício de 14 de julho na Lega Lombarda”. A Luta de Classe, Ano I, V, n.º 14. Rio de Janeiro,
29/7/33, p. 1.
A reação dos presentes ao orador do PCB é explicada. Todos os oradores haviam se
limitado ao programa mínimo estabelecido. Os stalinistas, sem ter aderido à Frente Única, pediram
a palavra e procuraram transformar a reunião antifascista em reunião comunista.807
O “reservado” Guarany anota a realização de uma “Manifestação Antifascista” em 6/9/33,
com briga de Aristides Lobo com stalinistas, atestando que o PCB estava contrário à FAA, na qual
os trotskistas concentraram seus esforços no transcorrer de todo o ano de 1933.808
Esse mesmo afanoso agente policial relata que em reunião promovida pelo "Centro
Estudantil Antiguerreiro de São Paulo", com finalidade de propaganda antifascista e antiguerreira,
no dia 3/11/33, falaram Orestes Ristori, Noé Gertel, Aristides Lobo e outros comunistas. Às tantas,
fora necessário que Edgard Leuenroth interviesse, pois os ânimos se azedaram e Edgard foi o "anjo
da paz” entre trotskistas e stalinistas, que chegaram a se esbofetear.
Passados alguns dias, José Gentil descreveu uma reunião antiintegralista, realizada em
14/11/33, nas Classes Laboriosas. Dirigidos por Aristides Lobo, cerca das 23 horas, Rolando
Henrique Guarany, Hermínio Marcos Hernandes, João Perez e Pedro Catallo saíram daquele salão
e rumaram para a Praça da Sé, dando vivas ao comunismo e ao anarquismo. Na Sé, a convite de
Aristides, entoaram A Internacional. De novo convidados por Aristides, os manifestantes tomaram a
direção do Brás, “onde iriam demonstrar o poder do Partido Comunista”. Nove inspetores saíram
em perseguição aos manifestantes, encontrando-os na Avenida Rangel Pestana, nas imediações
do Parque D. Pedro II. Eram calculadamente 150 pessoas, as quais intimaram a polícia a
retroceder, de armas em punho. Dessa ação resultou um tiroteio violento, dele saindo ferido o
anarquista Agostinho Farina.809
Esses acontecimentos, narrados sucintamente por um “secreta”, são apresentados por um
boletim distribuído pela liga. Com a cumplicidade da polícia, os “capangas” da Ação Integralista
Brasileira haviam tentado dissolver um comício antifascista, invadindo o salão em que o mesmo se
realizava. Repelidos, espalharam-se pelas esquinas e ficaram aguardando a saída dos
manifestantes, para agredir e matar os militantes comunistas e anarquistas mais destacados.
Terminado o comício, os antifascistas, reunidos em massa compacta, marcharam pelas ruas do
centro da cidade e, chegando ao Largo da Sé, diante do bando integralista reafirmaram as suas
convicções, com morras ao fascismo e a Plínio Salgado. Depois de cantarem A Internacional,
dividiram-se em dois grupos, e cada qual tomou o seu rumo. Quando, porém, um desses grupos
entrava no bairro do Brás — o bairro dos operários — a polícia interveio. Armados de revólveres, os
policiais saltaram de um automóvel e, em cumprimento das ordens recebidas da DOPS, puseram-
se a atirar, ferindo gravemente o operário sapateiro Agostinho Farina e efetuando a prisão de
dezenas de trabalhadores. Os oposicionistas concluem que para a defesa dos trabalhadores seria
preciso que as organizações antifascistas se unissem numa poderosa frente de luta. Socialistas,
anarquistas, nacional-comunistas e comunistas internacionalistas, sem prejuízo de sua
independência organizatória e de sua mútua liberdade de crítica, precisariam unir as forças
dispersas contra o inimigo comum. “Miserável capitulação” seria achar que a frente única só se
poderia realizar com as bases. Os acontecimentos de 14 de novembro apresentaram, com mais
força ainda, a necessidade imediata da frente única.810
O Homem Livre ajuda a compor o mosaico das informações sobre a manifestação
antiintegralista de 14/11/33, considerada a responsável pelo abortamento da primeira tentativa
integralista de emprego dos meios violentos em São Paulo. Nesse dia, mais de mil pessoas
estavam reunidas no Salão Celso Garcia, para ouvir a primeira de uma série de conferências
destinadas a esclarecer a opinião pública dos verdadeiros objetivos e métodos do integralismo.
Enquanto falava o representante do PSB, foram penetrando no salão os fascistas, que empregaram
a tática da invasão por grupos. Alguns deles tentaram estabelecer o tumulto, não o conseguindo
graças à rápida ação dos ouvintes, que os expulsaram da sala imediatamente. José Neves —
representante de O Homem Livre — ocupou o palco, explicando à platéia os princípios da “cartilha
integralista”, e traçando um paralelo entre o integralismo e o seu modelo natural — o fascismo

807
Loc. cit.
808
Prontuário n.o 1.691, doc. n.º 56, f. 94. DEOPS/SP.
809
Comunicado do agente reservado Joaquim Gentil à DOS. São Paulo, 15/11/33. Prontuário de Hermínio
Marcos Hernandes, n.º 188. DEOPS/SP.
810
Prontuário n.º 4.143, v. 2. DEOPS/SP.
italiano. A essa altura, os adeptos de Plínio Salgado saíram à rua e organizaram um bloco de cerca
de 200 indivíduos, com o objetivo de assaltar e dissolver a reunião. Assim incorporados, atiraram-se
contra a porta de entrada, mas foram enfrentados por algumas pessoas “decididas”. Esse tumulto
repercutiu no interior da sala, onde os assistentes manifestaram o desejo de sair à rua para afrontar
os integralistas. Interrompida a conferência, subiu ao palco Hermínio Marques, que dirigiu umas
palavras de incitamento para a ação antifascista e aconselhou os manifestantes a saírem todos
juntos. A massa abandonou o prédio em perfeita ordem, e a quase totalidade dirigiu-se à Praça da
Sé, entoando A Internacional. Desmoralizados, os integralistas refugiaram-se em sua sede, na
Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Um grupo de mais ou menos 80 antifascistas, que se dirigia para o
Brás, foi interceptado na Avenida Rangel Pestana, à altura da Rua Figueira de Melo, por um pelotão
de agentes de polícia, que os seguia de automóvel. Disparos da polícia feriram na perna, nesse
momento, Agostinho Farina. Foram presas 17 pessoas nessa noite. Muitas delas foram
barbaramente espancadas a coronhadas de revólver, socos e pontapés.811
O “reservado” Raul Guimarães narra nova reunião, realizada em 11/12/33, com
representantes sindicais (Manoel Medeiros, Aristides Lobo, Próspero Ottaiani, Manoel Ribeiro,
Fúlvio Abramo, Mário Pedrosa e muitos outros), na sede da UTG, destinada à reorganização e
adesão daquela associação ao Comitê Antiguerreiro. Aristides Lobo, em breve discurso, defendera
o apoio da UTG ao comitê, porquanto todos os sindicatos, além do Partido Comunista, Liga
Comunista e Partido Socialista já haviam hipotecado inteira solidariedade aos antiguerreiros. Lobo
falou ainda que, pelo fato de terem os integralistas convocado uma passeata para 15 de dezembro,
haviam os antiguerreiros convocado também um comício monstro para o mesmo dia, no salão da
Lega Lombarda, situado no Largo de São Paulo, n.º 18. Após esse comício interno, os participantes
pretendiam sair pelas ruas, em pública manifestação. Aristides informa que iria ser publicado um
manifesto assinado pelos partidos comunista e socialista, além dos sindicatos operários. A
Federação Operária não havia assinado esse manifesto, porém iria publicar um outro, concitando
todos a comparecer ao referido comício. Cada partido e cada sindicato enviariam um orador para
falar em nome da classe. O mais importante, contudo, no entender do reservado, foi ter Aristides
Lobo declarado haver um corpo de mais de 50 homens armados em condições de garantir os
manifestantes contra os integralistas.812
Numa atividade que Abramo chama de febril, a FUA realizava a propaganda de
esclarecimento em O Homem Livre, com análises e comentários que desmascaravam a demagogia
fascistóide — em matérias assinadas por Mário Pedrosa, Aristides Lobo, Miguel de Macedo, Lívio
Xavier e Gofredo Rosini. Fúlvio Abramo ficou encarregado de estabelecer as bases para a
constituição da Coligação dos Sindicatos Operários de São Paulo. A tarefa de organização da
Coligação contou com João da Costa Pimenta, Manoel Medeiros e Mário Dupont, da UTG, além da
cooperação da Coligação das Associações Proletárias de Santos — representando 18 sindicatos —
e do Sindicato dos Contadores de São Paulo, presidido por Américo Paulo Sesti. A organização de
grupos de defesa e os problemas práticos para a ação foram confiados ao coronel João Cabanas.
O ano de 1933 terminou com confrontos de fato entre integralistas e antifascistas. Os
últimos conseguiram cancelar uma manifestação pública de força dos integralistas, projetada para o
dia 15 de dezembro. Nesta data, mais de dois mil antifascistas reuniram-se no Largo de São Paulo,
aprovando várias resoluções: convocação de um comício para o dia 25 de janeiro; remessa de
telegramas de solidariedade às organizações de frente única de outros Estados; remessa de
telegrama à Assembléia Constituinte exigindo a liberação de presos operários nas ilhas e
masmorras; telegrama à Embaixada da Alemanha protestando contra a ameaça de condenação de
Torgler, Dimitrov, Popof e Tanev, e contra o processo de incêndio do Reichstag; e articulação da
FUA de São Paulo com as demais de outros Estados, visando à formação de uma FUA nacional.
Por fim, a UTG fez um apelo para que o proletariado de São Paulo também organizasse a sua
frente única sindical.
Os confrontos entre as forças antifascistas e fascistas agravaram-se durante o ano de
1934, segundo denúncias dos oposicionistas. Uma delas refere-se a um comício que a FUA havia
projetado para o dia 25/1/34, no Largo da Concórdia. Sem que houvesse qualquer proibição da

811
“A manifestação antiintegralista do dia 14 de novembro”. O Homem Livre, 20/11/1933. ASMOB.
CEDEM/UNESP.
812
Prontuário n.º 37, v. 1, doc. n.º 58, f. 96. DEOPS/SP.
parte da polícia, as pessoas que se dirigiram para o local estranharam encontrá-lo inteiramente
tomado pela cavalaria da Força Pública. Os milicianos começaram, então, a carregar contra a
multidão, que, não obstante, recusou-se a abandonar o local. Em vista disso, alguns dirigentes do
PSB — o coronel Cabanas, Carmelo S. Crispim e Belfort de Mattos — dirigiram-se à sede da
Região Militar a fim de pedir garantias para a realização do comício. Eles ainda não haviam
regressado quando um membro do PC tentou abrir o comício, mas foi impedido. Ao chegarem,
Crispim, Cabanas e Pedrosa pronunciaram breves discursos, mas foram interrompidos pelas
cargas dos cavalarianos.
No dia seguinte, João Cabanas sofreu um atentado quando tentava entrar na sede da
UTG. O inspetor Cipriano Fraga, que estava postado próximo ao local, disparou vários tiros sobre
ele, ao mesmo tempo em que proferia palavrões. Cabanas refugiou-se na UTG, fechando a porta.
Pouco depois, partiu um tiro de algum lugar, o que deu ensejo para a invasão da UTG pela polícia.
Todos os presentes a uma reunião que aí se realizava foram presos: Aristides Lobo, Luciano
Raguna, Emílio Dupont, Luiz Videiros, José Campos, Antônio Mared, Manuel Antunes, Aurélio
Leme, Júlio Bernardi, João Zanetti, João Batista Laresi, além da mulher e da cunhada de Francisco
Frola.
Com base nesses acontecimentos, o PCB aproveitou a oportunidade para se retirar da
FUA, ocasionando a primeira crise na organização. No entanto, os militantes de base do PC
continuaram a colaborar com a FUA nos sindicatos, nos grupos de defesa, nas manifestações
políticas. A ausência de punição por parte da direção regional do partido contra esses aderentes
revelava a existência de um possível fracionamento entre a direção regional (Sacchetta) e a
nacional (representada em São Paulo por Eneida de Morais).
A posição do PCB na FUA sempre foi dúbia e marcada pelas imposições do stalinismo
internacional, “estrangulado na contradição entre a política do ‘terceiro período’, que considerava
possível e até inevitável a vitória de revoluções em todo o mundo, e a ‘necessidade de encontrar
governos burgueses amigos da paz’ para defender a URSS contra ameaças nazi-fascistas. Esta
‘necessidade’ fez com que os compromissos com as classes trabalhadoras fossem esquecidos em
benefício de alianças com ‘burguesias nacionais progressistas’” .813
Em fins de setembro de 34 os integralistas programaram um comício na Praça da Sé e o
PCB resolveu promover no mesmo horário e local, apenas um pouco mais abaixo, uma
manifestação antifascista. Um grupo da liga apoiou a idéia e desenvolveu propaganda pública
nesse sentido. O comício não aconteceu em virtude de proibição de última hora, mas manifestou-se
um conflito entre elementos de todas as categorias políticas. Fúlvio Abramo, protagonista dos
acontecimentos, narrou à polícia que, passados o primeiro ou o segundo incidentes, seguira do
canto da Rua Onze de Agosto com a Rua Santa Teresa para a calçada central da Praça da Sé, à
altura da Rua Benjamin Constant. Aí, tentara falar, mas fora impedido pelo deflagrar de armas.
Nesse instante socorrera Mário Pedrosa, que se achava ferido. Abramo sempre julgara — disse à
polícia — que o incidente do Largo da Sé fora espontâneo.814
O depoimento de Abramo à revista Isto É apresenta-se bem mais pormenorizado. Os
integralistas haviam anunciado para 7 de outubro uma grande concentração no largo da Sé. Eles
desfilariam uniformizados e tinham um grupo de choque munido de armas que lhes foram
fornecidas, como se soube depois, pela embaixada alemã. Os comunistas queriam enfrentar os
fascistas sozinhos, mas a maioria absoluta dos sindicatos de São Paulo aderiu ao movimento. Eram
81 organizações. Os antiintegralistas reuniram-se na sede do Sindicato dos Comerciários e
resolveram que, quando os integralistas se reunissem no Largo da Sé, eles fariam uma
manifestação no mesmo local e abririam um comício ao mesmo tempo. Para enfrentar os grupos
de choque da Ação Integralista, eles também organizaram grupos armados, mas estes dispunham
de pouquíssimas armas — apenas alguns revólveres. O grupo de choque dos integralistas tinha
cerca de três mil pessoas. Abramo conta que subiu numa coluna do prédio da Eqüitativa e começou
a falar. Nesse momento ouviu o tiroteio provocado pelos disparos de uma metralhadora de um
soldado da polícia, que caiu no chão. Então os integralistas começaram a disparar violentamente e,
nesse momento, um estudante comunista de direito — Décio Pinto de Oliveira — foi atingido na

813
ABRAMO, Fúlvio. A Difícil Tarefa de Construir a Unidade. Frente Única Antifascista. 1934-1984.
Cadernos CEMAP. Ano I, n.º 1, outubro de 84, p.p. 27-35.
814
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 24, doc. n.º 10. DEOPS/SP.
nuca por uma bala. Pedrosa, mesmo ferido, ajudou Abramo a levar Décio Pinto até a entrada de um
café que ficava na Rua Barão de Paranapiacaba, esquina com o Largo da Sé. Os integralistas
debandaram “com um medo danado”, tirando as camisas verdes que vestiam. Do trabalho de
organização militar participaram ex-tenentes, favoráveis ao socialismo, e alguns militantes do PC.815
Hérmínio Sachetta corrobora as informações de Abramo, e fornece outros dados. Como o
Comitê Central do PC era contra a frente única, ao participar da reunião com outras organizações
ele cometera uma verdadeira heresia, pois, naquela época, até cumprimentar trotskista era proibido
pelo artigo 13 dos estatutos do partido. A seção paulista do PCB possuía de 1.500 a 2.000
aderentes, englobando militantes, aparelhos, ativistas e frações sindicais e de organização de
massa, ainda que fosse uma organização altamente militante. Na reunião dos contramanifestantes,
Sacheta representava o PCB. Os socialistas eram representados pelo tenente Cabanas, um
homem com uma tradição de luta que vinha de 1924. Cabanas participou bravamente da batalha do
Largo da Sé e, dado o seu prestígio, foi capaz de ganhar a Polícia Militar, que na hora do entrevero
ficou praticamente contra os integralistas. No dia 7 de outubro, Sacheta subiu ao pedestal do relógio
e deu a palavra de ordem para contra-atacar os integralistas, que vinham pela Brigadeiro Luís
Antônio, todos uniformizados. Eles se fizeram preceder por corpos da Guarda Civil, compostos por
milicianos que procediam dos países bálticos, “verdadeiras feras, que iriam constituir a linha de
defesa deles junto à catedral”. Os contramanifestantes contavam com a simpatia da força policial,
comandada por Miguel Costa, “medularmente antifascista”. Assim, os cavalarianos que se
apresentaram — armados de clavinotes — não tinham o intuito de atacar os comunistas. Mas os
integralistas haviam colocado crianças e “mocinhas fantasiadinhas” na praça, mas mesmo assim
receberam uma surra que se repetiria em 37 na Avenida Paulista, quando promoveram outra
passeata, no dia 19 de julho.816
Ao rememorar os acontecimentos de 7/10/34, Pedrosa observa que a LCI sofreu logo a
seguir uma crise profunda, com a expulsão de Aristides Lobo e seus acompanhantes, com a
liquidação da FUA pela Aliança Nacional Libertadora, e com a sucessiva prisão e exílio de quase
todos os seus membros — o que selou a extinção da liga. Pedrosa observa que até respeitáveis
historiadores, jornalistas e brasilianistas conservaram uma visão errônea dos fatos, não
compreendendo que Plínio Salgado estava desejando demonstrar a Vargas que seus milicianos
poderiam servir à consolidação do capitalismo contra as ameaças do comunismo, pois estavam
preparados para enfrentá-los na rua. As dificuldades para a rememoração dos fatos de 7/10/34
prendiam-se ainda ao desaparecimento de quase todos os homens que lideraram os
acontecimentos de então, aliado à relutância, em alguns casos, ou à recusa, em outros, dos poucos
sobreviventes, de dar testemunho pessoal. O PCB, por sua vez, manteve silêncio absoluto em torno
desse e de outros fatos daquele período de lutas internas intensas, quando acabou criando a ANL e
ocasionando o seu próprio desastre.817
Ainda no ano de 1934, em setembro, surgiu a “Frente Única Eleitoral Proletária”, designada
sob a legenda: "A Coligação Proletária e o Partido Socialista Brasileiro pela Emancipação dos
Trabalhadores", englobando as tendências fundamentais ideológicas do movimento operário, tendo
em vista as eleições à Constituinte, na qual “todo trabalhador consciente deveria votar”. Dentro da
legenda "Partido Socialista Brasileiro e Coligação dos Sindicatos Proletários de S. Paulo — Pela
emancipação dos Trabalhadores"818, a LCI apresentou como seus candidatos aos votos dos
operários revolucionários, às eleições de outubro de 34, os bolcheviques-leninistas: Manoel Carreira
Medeiros, impressor, para deputado federal, e Aristides da Silveira Lobo, revisor, para a Constituinte
estadual.
A Frente Eleitoral justifica a participação de revolucionários num parlamento burguês,
deixando adivinhar as negociações difíceis que devem se ter processado entre trotskistas e
socialistas, para a elaboração de um programa comum.

815
“A revoada das ‘galinhas verdes’ ”. Depoimento de Fúlvio Abramo à Isto É. São Paulo, 10/10/79, p. 81.
816
“A revoada das ‘galinhas verdes’ ”. Depoimento de Hermínio Sacheta dado à revista ISTO É. São Paulo,
10/10/79, p. 81.
817
PEDROSA, Mário. “Quatro horas de ditadura do proletariado”. Frente Única Antifascista. 1934-1984.
Cadernos CEMAP. Ano I, n.º 1. Outubro de 1984, p.p. 50-51.
818
Prontuário de Lívio Barreto Xavier, n.º 300, f. 2. DEOPS/SP.
O programa identifica o Parlamento como uma das formas típicas do domínio político da
burguesia, uma pseudo-representação da classe dominante para impedir o proletariado de realizar
a sua aspiração fundamental — a implantação revolucionária da ditadura do proletariado e a
conseqüente transformação da sociedade capitalista numa sociedade sem classes e sem
propriedade privada. Contrapondo-se a ele, só os sovietes poderiam ser a forma de representação
legítima do proletariado.
No entanto, ao disputar as eleições, como classe e não a reboque da burguesia, o
proletariado não fazia o jogo desta, mas o seu próprio jogo; organizava-se como classe
independente que se propunha a transformação da ordem social existente, fazia a propaganda de
suas próprias idéias, experimentava suas forças e, dentro do Parlamento, desmascarava os
partidos burgueses.
Para tais objetivos, a LCI (bolcheviques-leninistas) apresentou ao proletariado o seu
programa mínimo de reivindicações, que deveria ser defendido dentro ou fora do Parlamento, por
todos os meios, pelos seus representantes. Composto por duas partes, esse programa procurava
atender reivindicações básicas dos trabalhadores, acenando para uma sociedade futura não-
conflitual, do ponto de vista de classes. As 42 reivindicações apresentadas pela liga refletem o
programa da organização no quadro de uma aliança com o socialismo, na medida em que aliavam
o reformismo a proposições flagrantemente revolucionárias.
A primeira parte do programa cuida de reivindicações políticas democráticas,
concentradas nos direitos de cidadania. Reivindicava-se o direito universal de voto, extensivo aos
estrangeiros, soldados, marinheiros e analfabetos; a elegibilidade de qualquer eleitor, sem
nenhuma condição restritiva; e um mandato legislativo anual. Os trabalhadores em serviço militar
teriam direito a uma representação política especial.
Outras reivindicações democráticas diziam respeito à liberdade pessoal e associativa:
— liberdade ilimitada de pensamento, de locomoção, de reunião, de associação e de greve,
e a autonomia dos sindicatos;
— proibição de lock-outs, direito de sindicalização para os funcionários públicos, revogação
da lei de expulsão de estrangeiros;
— elegibilidade pelos trabalhadores dos juízes da magistratura do trabalho.
No sentido mais propriamente de “sovietes”, reivindicavam-se:
— reorganização do júri sobre bases verdadeiramente populares, com extensão de sua
competência para julgar crimes funcionais e políticos;
— milícia operária com funções de polícia urbana, sem prejuízo dos salários habituais dos
operários licenciados para esse fim;
— milícia popular antifascista;
— legalização de todas as organizações revolucionárias do proletariado.
A situação de fato vivida pelos trotskistas na repressão espelha-se em algumas das
propostas:
— supressão da polícia secreta e de toda organização especial de polícia política;
— reforma do regime penitenciário e destruição dos presídios que, com o Gabinete de
Investigações de São Paulo e a Polícia Central do Rio, se especializaram na repressão do
movimento operário; proibição de estabelecimentos presidiários nas ilhas e nas zonas insalubres.
No campo educacional, o sentido proletário almejado evidencia-se com algumas
proposições:
— separação absoluta e efetiva da religião e do Estado;
— proibição do ensino religioso nas escolas;
— ensino gratuito e leigo em todos os graus, escola única, ensino primário e profissional
obrigatório para as crianças de ambos os sexos, alimentação, vestimenta e material escolar pagos
pelo Estado.
Quanto à família, propunha-se a instituição do divórcio mediante simples requerimento
de qualquer dos cônjuges, e absoluta gratuidade do casamento civil.
Uma outra reivindicação dizia respeito ao reconhecimento da URSS.
A segunda parte do programa relaciona “reivindicações econômicas imediatas”:
— revisão da legislação do trabalho, tornando-a extensiva aos assalariados agrícolas, e
instituição de conselhos operários de empresa;
— jornada de trabalho de sete horas;
— jornada de quatro a seis horas nas indústrias perigosas e insalubres;
— repouso semanal remunerado;
— interdição completa das horas suplementares de trabalho;
— interdição do trabalho noturno (das 20 às 6 horas); nos ramos necessários, a jornada
não poderia ir além de quatro horas para cada pessoa;
— proibição do trabalho infantil (até 16 anos); jornada de trabalho aos jovens (16 a 20
anos) de quatro horas, com proibição de trabalho noturno ou em indústrias insalubres;
— proibição de trabalho feminino em indústrias insalubres, e no período noturno; e quatro
meses de licença-gestação, com tratamento médico e medicamentos gratuitos;
— creches e locais de amamentação;
— em amamentação, seis horas diárias e meia-hora a cada três horas para amamentação;
— completo seguro social, com administração dos próprios segurados e pagamento de
despesas pelos capitalistas; caixas de assistência dirigidas pelos conselhos autônomos de
operários;
— indenização por dispensa injusta de seis meses de salário;
— legislação sanitária dirigida pelos operários;
— legislação sobre casas operárias, aplicada por inspeções operárias eleitas; "a questão
da habitação operária, entretanto, só pode ser resolvida pela abolição da propriedade privada do
solo, e a construção de casas higiênicas e baratas”;
— bolsas de trabalho para colocação e auxílio de desempregados; instituições proletárias
de classe, estreitamente ligadas aos sindicatos e recebendo os seus subsídios das administrações
locais do Estado;
— aumento geral dos salários de acordo com as tabelas apresentadas pelos sindicatos
operários; instituição do salário mínimo na base, e uma escala móvel organizada pelos
organismos sindicais;
— cumprimento integral e generalizado da lei de férias e de outras leis de proteção ao
trabalho, com multas progressivas e pena de prisão aos infratores.
A terceira parte do programa comporta reivindicações econômicas gerais e em benefício
das massas camponesas:
— revogação das hipotecas e outros ônus que pesem sobre a pequena propriedade rural;
— abolição de todos os impostos indiretos;
— limitação do direito de sucessão pelo imposto expropriativo sobre a herança;
— nacionalização das estradas de ferro, companhias de transporte, minas, companhias de
seguros e todos os bancos do país, que devem ser fundidos num banco central único; extinção do
serviço da dívida externa;
— imposto progressivo e proporcional sobre a renda e aplicação do produto em
empreendimentos que contribuam para melhorar efetivamente a situação da classe trabalhadora;
— crédito aos pequenos produtores; organização de grandes fazendas-modelo geridas por
sindicatos dos operários rurais;
— proibição do monopólio das vendas e estabelecimentos comerciais no interior das
propriedades rurais;
— liberdade para os trabalhadores rurais de morarem fora da sede da fazenda; abolição do
privilégio feudal do fechamento das porteiras da fazenda e outros estabelecimentos rurais.819
A análise dessa plataforma expõe bem o grau de aprofundamento das reflexões que os
trotskistas faziam sobre as “demandas transitórias”, como etapas necessárias na rota da revolução.
É preciso frisar que muitos pontos do programa então montado constituíram reivindicações da
classe operária em épocas subseqüentes.

4. Lutas entre trotskistas e stalinistas.

“ (...) Prestes cita constantemente Marx e Lenin. Mas cita de um modo


desonesto, como já demonstrei mais de uma vez. Por mais que procure fingir-

819
Boletim assinado pelo Comitê Regional da LCI, mas, pelo estilo, de evidente autoria de Aristides Lobo.
São Paulo, setembro de 1934. Dirigido às massas trabalhadoras. Prontuário n.º 4.143, v. 3.
se de adepto do marxismo, logo se vê que ele é simplesmente um agente
incolor, sem personalidade, da burocracia stalinista que traiu e renegou o
socialismo. Respondendo indiretamente aos seus críticos, pois, como todos os
fascistas, Prestes não aceita um debate aberto, claro e honesto, diz ele que
seus adversários ‘defensores do marxismo passaram, depois de
desmascarados, aos mais soezes e únicos ataques ao comunismo, à União
Soviética e ao grande Stalin’. Desmascarados de que forma? Para nós, por
exemplo, só é marxista aquele que, diante dos fatos concretos, não pode
deixar de reconhecer a traição de Stalin e de seus cúmplices ao proletariado
universal. Permanecer ao lado da burocracia soviética, ao lado dos assassinos
de Trotski, de Kamenev, de Zinoviev, de Buckarin, de Rikov e de tantos outros,
ou seja, da ala mais avançada e mais consciente do Partido de Lenin, é tirar a
máscara e mostrar acintosamente a sua face de Judas.”
(MONIZ, Edmundo. “A hora dos impostores”. Vanguarda Socialista, 1/2/46,
p. 1)

O documento em epígrafe projeta para 1946 o caráter de confronto assumido pelas


relações entre opositores de esquerda e stalinistas durante a década anterior.
No ano de 1933, os ânimos se acirraram em São Paulo, levando stalinistas e trotskistas ao
confronto direto. A LCI continuava a agir no meio sindical, e a participar de manifestações
antifascistas e antiguerreiras, em busca da unidade do proletariado. Em 4 de novembro, realizou-se
uma reunião desse tipo, promovida pelo Comitê Estudantil Antiguerreiro. Noé Gertel, o presidente
da reunião, desenvolveu “longa oração com base stalinista pura e simples”. Um representante da
Juventude Comunista atacou fortemente a polícia e os trotskistas, provocando a reação de Aristides
Lobo. Nesse momento, os stalinistas promoveram grande algazarra, taxando Aristides de policial e
outros termos que desagradaram a audiência. Edgar Leuenroth, intervindo, conseguiu acalmar os
ânimos que estavam bastante agitados, pois até trocas de bofetadas se verificaram. Lobo, “como
sempre”, desenvolveu uma oração com base trotskista e defendeu-se das acusações que lhe
moveram.820
Essas lutas eram comuns em todos os eventos políticos que ocorriam em São Paulo.
O Congresso de Sociologia, realizado em abril de 1933, é um bom exemplo desse tipo de
comportamento.
Alberto Seabra abriu o Congresso, pedindo a todos “calma e respeito mútuo entre os
idealistas”, e quem quisesse fazer uso da palavra deveria dirigir-se à tribuna. O orador, Rui Barbosa
de Campos, criticou a obra dos republicanos. Da galeria, o anarquista Florentino de Carvalho fez
um violento discurso contra o Estado. Houve grande barulho e a sessão foi suspensa, elegendo-se
nova mesa. Víctor Pinheiro participou desse congresso, fazendo um discurso que detalhou as
teorias de Marx e as obras revolucionárias de Lenin, além de defender a Revolução Russa e a
estratégia revolucionária de Trotski. Ainda atacou o fascismo, integralismo e hitlerismo, como os
últimos recursos da burguesia.821
Os supostos traidores do partido eram identificados pelos nomes, o que facilitava
sobremaneira o trabalho da polícia — e da investigação histórica. Houve, evidentemente, uma tática
do partido de entregar à polícia dissidentes ou indivíduos pertencentes a outras correntes de
esquerda. Sobre esse assunto incômodo há copiosa documentação. Lemos, por exemplo, que o dr.
Quirino Pucca denunciou Plínio Gomes de Melo ao investigador "reservado" Guido Capelo, que
costumava freqüentar o seu consultório com o fim de colher informes sobre políticos, "por aquele
pertencer à ala trotskista".822
As atas de reuniões das células são pródigas a respeito. Maria Zanella, Sebastião
Gaguinho, "os oportunistas" Domingos Tavera (vidreiro), Iram e Julinho, são acusados de se terem
vendido à burguesia, desviando o proletariado do seu "verdadeiro caminho". Para não se sujeitarem

820
Informe reservado. Prontuário de Edgard Leuenroth, n.º 122, doc. n.º 13. DEOPS/SP.
821
Comunicado reservado de Mário de Souza. São Paulo, 5/4/33. Prontuário de Hermínio Marcos
Hernandes, n.º 188, f. 23. DEOPS/SP.
822
Relatório n.o 31. Prontuário de Plínio Gomes de Mello, n.º 385. DEOPS/SP.
à prisão, passaram para a corrente defendida por "pasquins" como Radical, Plebe (jornais
libertários), indo para dentro do sindicato dos tecelões para dizer em discurso que o proletariado
devia apoiar o “ministério de tapeação, entrando na infame lei de sindicalização”. Quanto a
Sebastião Gaguinho, vendera-se a troco de um emprego dado pela polícia na estrada de ferro São
Paulo Railway; foi ele quem apontara à polícia diversos companheiros no período da luta armada de
1932. A demolição dos ex-companheiros era completa e seguia um estilo altamente virulento:

"(...) Este policial declarado (Sebastião Gaguinho) é o responsável de


imprensa do PC da JC e do SVI roubado pela polícia no golpe, esse bandido é
caso do camarada Iram Vistué, membro de grande responsabilidade na
região, entrou para a JC em junho, foi membro do Comitê de Zona do Belém,
depois membro do CR, sendo preso no período do golpe; quando solto foi
como delegado da região desenvolver um trabalho de verdadeiro
revolucionário, e, no entanto, quando voltou cometeu todos os meios de
sabotagem, sendo chamado pelo secretariado por escrito e pessoalmente
diversas vezes, e não ligou a mínima importância. (...) Não podemos tolerar
em nossas fileiras este companheiro, que é membro do CC, que faz toda a
sabotagem em nossas fileiras auxiliando assim a burguesia. O camarada
vidreiro, (...) apoiando a Federação Operária e metendo o pau na FSRSP,
dizendo que a União Soviética está caminhando para se tornar um país
imperialista, sendo este um trabalho de verdadeiro trotskista; então foi
chamado diversas vezes para se definir se estava com os anarquistas da
Federação Operária — que representa o braço esquerdo do governo de fome
e reação de Valdomiro de Lima —, ou se está com os verdadeiros dirigentes
do proletariado, declarando que o proletariado não quer nada e que a linha da
IC está errada, apresentando argumentos completamente falsos, nós vemos
que ele não quer é nada." 823

As disputas internas no partido traziam sempre o risco de cisões graves, levando a direção
a se prevenir com uma série de medidas antidissidências. Assim, a 1.ª Conferência Nacional do
PCB sobre organização levantou teses sobre o “combate às ideologias estranhas ao proletariado,
herdadas do passado astrojildista e prestista do PCB”.
As medidas adotadas desvelam as zonas de atrito entre stalinistas, trotskistas e demais
correntes revolucionárias ou reformistas existentes em São Paulo.
As primeiras tendências apontadas eram chamadas de direitistas-oportunistas. Elas
decorreriam da passividade e do medo da massa, e levavam muitos companheiros a esperar que
se fizesse a “revolução burguesa” para, à sua sombra, fazer a Revolução Proletária. Outros, “talvez
ainda mais numerosos”, estavam à espera de que “salvadores pequeno-burgueses” fizessem a
revolução. Portanto, havia a subestimação da radicalização das massas, em conseqüência da
situação objetiva, com que “muitos companheiros ainda querem esconder sua resistência a fazer
trabalho de massas, e sua falta de confiança no proletariado”.
No terreno sindical, as tendências de oportunismo de direita se manifestariam mais
claramente na subestimação da radicalização das massas e das possibilidades de trabalho
revolucionário no seio dos sindicatos ministerialistas.
Como “segundas tendências” identificavam-se “a sobrevivência das tendências de
esquerda, os restos da ideologia anarquista dos fundadores do partido — com sua teoria de 'poucos
e bons' —, e suas exteriorizações golpistas”. Com esses argumentos, muitos companheiros
procuravam encobrir sua resistência ao trabalho revolucionário de massas, apostando no
espontaneísmo — que subestimava o papel do partido e das organizações revolucionárias de
massas —, e consideravam o processo de radicalização e politização da massa como um processo
espontâneo. Dessa forma, concorriam para fortalecer o oportunismo de direita, chegando com ele
ao terreno de isolamento sectário do partido e da não participação nas lutas de massa.

823
Circular da Comissão da Juventude Comunista da Região de São Paulo. Prontuário de Noé Gertel, n.º
2.391, v. 3, f. 12. DEOPS/SP.
A conferência apontou para o fato de que “ultimamente” a luta de grupos no partido se
apresentava sob o pretexto da luta dos “novos” contra os “velhos” — luta que era repudiada pela IC
em todas as suas seções.
Os problemas de disputa interna ocupam as preocupações seguintes dos conferencistas. A
falta de uma luta apaixonada pela linha da IC e sua aplicação no Brasil havia engendrado as lutas
pessoais de caráter pequeno-burguês no seio do partido, e deformado a melhor arma do arsenal
bolchevique — a autocrítica. “O compadrismo pequeno-burguês, o liberalismo podre, o medo à
autocrítica, a política dos intocáveis” constituíam — entendia a conferência — as expressões
clássicas da ausência de uma luta real pela linha da internacional. Apontava-se a localização em
cada organismo dos “charlatães honestos, gente que gosta do Partido e de sua linha mas que
demonstram sua impotência frente à primeira dificuldade que surge para a sua realização”.
Para sanar a situação, o direito de crítica dos organismos de base aos organismos de
direção deveria ser amplamente assegurado, pois toda tentativa para restringi-lo, sob o pretexto da
disciplina, faria o partido voltar aos “antigos métodos dos intocáveis.” Aconselhava-se, igualmente, a
luta contra os “medalhões, contra aquela gente que invoca os méritos de seu passado para impedir
toda a crítica à sua atuação presente (Leôncio Basbaum, Marcos Júlio, etc.). Era urgente acabar
com as vaidades de grande senhor, “ilustrando-nos no caso de Marcos que, resistindo à menor
autocrítica de seus erros, chegou até a luta fracionista dos períodos mais difíceis da formação do
Partido”.
Por fim, não deveria existir o conceito falso que um bom militante deveria servir para
qualquer coisa. O pedido de um companheiro por uma tarefa específica, por achá-la de acordo com
suas aptidões, deveria ser acatado e não contrariado como acontecia freqüentemente, com o
argumento de que ninguém deveria escolher trabalho.824
De um e outro lado, a luta entre camaradas alimentava-se com ataques contínuos, como
a carta endereçada à redação de O Homem Livre por um anônimo que, “com muita propriedade”
—consideram os oposicionistas — assinava-se "Merda”. A Luta de Classe transcreveu na íntegra
esse documento, retirando apenas os nomes citados:

“Prezados senhores ' trotskistas' .


O fim desta é felicitar-vos pela vossa passagem definitiva para o campo do
capitalismo e da eficientíssima ação policial. Aí mesmo é que vos deveis estar
e com a coragem que agora tendes de confessar, aliados ao policial 'dr.' ...
vosso atual guia e teórico. Com ele é que vos deveis estar, pois sendo um
policial conhecido e zeloso (recebe mensalmente 600$ do Gabinete) é além do
mais casado com uma russa branca, filha de um russo branco expulso da
URSS como elemento pernicioso ao regime soviético. Há mais tempo vós
devíeis ter tido a franqueza que agora vos enobrece, colocando como
secretário do 'H. Livre' um dos vossos mais 'preciosos' elementos o
ingenuíssimo ... e fazendo rateio entre os burgueses e pequenos burgueses
vendedores de peles de São Paulo. Até o russo branco e bígamo ... é vosso
aliado, concorrendo com 100$ por mês para o vosso órgão de defesa
incondicional do capitalismo judaico de São Paulo. Agora sim. Estais sendo
honestos, estais declaradamente ao lado de uma fração do capitalismo! Muito
bem. Até que enfim terminastes com a mistificação que até então vínheis
fazendo com as massas operárias, principalmente na ... Com um mestre e
teórico como o 'dr.' ... que levado pelas vossas mãos já consegue,
acompanhado da sua rica esposa russa branquíssima, freqüentar e soltar os
seus bestialógicos em reuniões operárias, vós ireis longe, pois o ex-tenente do
vosso correligionário general Isidoro impedirá vossa prisão explicando à polícia
que vós sois dos 'nossos', isto é, que vós também sois policiais. No próximo

824
Teses da 1.ª Conferência Nacional do PCB sobre Organização. Tarefas do Partido, informante Miranda.
Questões de Organização, informante Martins. Autocrítica, melhor arma do arsenal bolchevique.
Prontuário da Frente Única Sindical ou Frente Única Popular, n.º 3.278, fls. 62-58. DEOPS/SP.
número da Classe Operária o caso ficará melhor esclarecido para bem e
governo do operariado.”825

Esses ataques eram respondidos, pois a existência de uma Oposição de Esquerda em São
Paulo implicava, aos seus aderentes, defender-se nos campos nacional e internacional dos ataques
dos stalinistas.
O L'Italia refere-se às dissensões políticas no seio do proletariado, lamentando: "E tutto ciò
mentre la borghesia compie a suo bellágio l’ópera affamata delle classi povere!" Aristides Lobo
responde ao diretor do jornal, usando argumentos esclarecedores da grande questão ligada à
unidade em geral e à unidade de classe do proletariado. Lobo considerava que era lamentável que
houvesse dissensões no movimento revolucionário, mas seria preciso compreender que se tratava
do inevitável. A questão da unidade não poderia ser apresentada abstratamente, por meio de
idealizações que nada tinham a ver com a luta de classe do proletariado. Também era lamentável
que a sociedade estivesse dividida em classes, "e não haverá crânio normal de homem honesto
que não considere infinitamente 'melhor' a época do socialismo, isto é, uma época onde terão
desaparecido as 'dissensões políticas' entre os homens e, com estas, a própria política: trata-se
precisamente da unidade 'social'. Mas isso só pode ser alcançado pela luta mais implacável e mais
terrível entre as classes existentes, e não pela pretensa 'colaboração' entre elas".
As divergências no campo proletário era — continua Lobo — o reflexo da luta entre o
proletariado e a burguesia. E, quando o proletariado se organizava para lutar pela sua
emancipação, era natural o surgimento, entre os próprios trabalhadores, das ideologias mais
diversas e mais contraditórias, pois:

"a dominação da burguesia não só lhe permite explorar a grande massa do


povo, como, para assegurar essa exploração, infiltrar a sua ideologia
reacionária no meio operário. Assim, as 'dissensões políticas' só encontrarão
seu termo quando a burguesia tiver desaparecido internacionalmente como
classe. A história tem as suas leis. É verdade que essas leis são muito
complexas e nem todos querem ou podem compreendê-las. Mas o
desenvolvimento histórico não se submete à vontade ou ao capricho dos
indivíduos. É a própria burguesia quem vai cavando o seu túmulo. O
proletariado não terá senão que lhe dar o tiro de misericórdia e sepultá-la. Os
acontecimentos lhe indicarão, no momento decisivo, a única via justa".826

A explicação para o público interno, isto é, para consumo nacional, era mais contundente.
Internacionalmente, invocavam-se a crise mundial do capitalismo e as grandiosas conquistas da
industrialização da URSS, que teriam contribuído para o reforçamento da ditadura do proletariado,
ameaçando, dessa forma, a ditadura pessoal de Stalin dentro da IC. Esse fato levara Stalin e o seu
grupo ao desespero, pois não poderiam suportar a simples idéia de que os "malditos trotskistas"
viessem a ser os dirigentes de fato do proletariado mundial. Os stalinistas, incapazes de discutir,
recorreram "às mentiras mais engenhosas e, a maioria das vezes, sem nenhum engenho, para
'desmoralizar' os 'trotskistas' ". Stalin dera essa ordem a todos os seus "marechais". Assim, era
natural que os números de 15 de abril e 1.º de maio do A Classe Operária se tivessem
transformado num "repositório degradante de desespero e de calúnias" contra os trotskistas. Sem
discutir o que eles chamavam "a imbecilidade dos argumentos" dos stalinistas, os opositores
alinharam respostas extremamente elucidativas sobre pontos que separavam ambas as facções do
PC no Brasil, nos primeiros meses de 1932.
A primeira resposta toca na situação sempre debatida da Constituinte: consideravam uma
"infâmia" dizer que na Espanha houvera, em qualquer época, Constituinte e ministros socialistas
apoiados pelo trotskismo, pois só conheciam uma ligação de comunistas com o governo espanhol:
a de Stalin com Lerroux, para impedir a entrada de Trotski na Espanha.

825
“Um documento que vale por atestado de moralidade revolucionária”. A Luta de Classe, Ano I, V, n.º
14. Rio de Janeiro, 29/7/33, p. 2.
826
Carta datilografada ao Diretor de L'Italia, em resposta a considerações feitas sobre carta, do mesmo
autor, enviada ao jornal no dia 19/12/31. São Paulo, 20/1/33.
A segunda resposta concerne à identidade ideológica dos aderentes da liga: a informação
de que o cônsul Josias Leão pertencia à OE seria tão verdadeira como a hipótese de que o general
Góes Monteiro fazia parte do comitê central stalinista. O cônsul Josias Leão, assim como o cônsul
Luís de Barros, irmão de João Alberto, nunca pertenceram, em qualquer época e em parte alguma,
à Oposição. O primeiro saíra diretamente do partido em São Paulo para o consulado; e o segundo,
diretamente da Juventude Comunista de Recife para o "samba militar de outubro e, mais tarde, para
o consulado na Itália fascista".
A terceira resposta cuida de questão mais substantiva. Os burocratas alegaram que os
trotskistas teriam distorcido o pensamento de Lenin, expresso em A doença infantil do comunismo
(traduzida por Aristides Lobo, então secretário da CE da liga). A falsificação consistiria em que a
situação que provocara o escrito de Lenin era diferente da vivida pelo Brasil. Os opositores de
esquerda responderam que sabiam disso perfeitamente, pois eram os stalinistas que viviam a
afirmar que o Brasil se parecia com a Rússia. Brandão chegara a afirmar, para fundamentar
premissas políticas, que o Brasil tinha até "identidades geológicas" com a Rússia, e os centristas
queriam a todo transe transformar o Brasil em um país de pequenos burgueses e de camponeses,
como a Rússia de antes da revolução. Eram "esses burocratas contra-revolucionários que querem
transformar milhões de proletários rurais em uma pequena burguesia reacionária — e para isso
inventaram a sua famosa revolução operária e camponesa, vulgo agrária e antiimperialista". Os
opositores citaram textualmente um pensamento de Lenin, que possuía um caráter de
generalização suficiente para permitir a sua utilização em outras circunstâncias e em outros países.
Se citar Lenin fosse falsificá-lo, só porque a situação sobre a qual escrevera era diferente, então
ninguém mais o poderia citar, pois Lenin escrevera sempre para uma situação concreta, para um
momento determinado. Os burocratas tentavam explicar o texto mencionado pelos opositores,
dizendo que com ele Lenin pretendia "forçar" a situação histórica, apressando o derrubamento da
ditadura pessoal de Kerenski. Segundo a Oposição de Esquerda, o argumento era verdadeiro mas
só a ela favorecia, uma vez que fora justamente baseados em tal argumento que, há mais de um
ano, haviam lançado a palavra de ordem de Assembléia Constituinte soberana. O intuito dos
opositores era, precisamente, "forçar" a situação, apressando o derrubamento do governo. O
momento era então o mais propício para isso, pois nenhuma fração da burguesia reclamava ou
podia reclamar a Constituinte, não estando a situação do novo governo ainda consolidada. Se o
partido se tivesse lançado, então, numa campanha por uma Constituinte soberana, teria arrastado
as massas atrás de si, teria conquistado a sua legalidade e não se estaria vendo uma grande fração
da burguesia bancando "demagogicamente de liberal, procurando afoitamente arrastar as massas e
fazendo agitação política contra o governo ditatorial". Os burocratas, "sob o estúpido pretexto de
que não queriam reforçar (?) o governo ditatorial e 'normalizar' a situação (?), o que fizeram foi dar
tempo a que a burguesia se aprumasse de novo no governo". Assim, as massas que por um
instante despertaram, saindo à rua, sacudidas pelos acontecimentos políticos, refluíram novamente
na ausência de uma vanguarda que as guiasse. O partido perdera a ligação com elas, isolara-se,
afundando na mais completa ilegalidade.
Ataques mútuos dessa natureza pontuaram a vida dos comunistas em São Paulo, nas alas
antitéticas do stalinismo e do trotskismo — ou do comunismo nacional e do comunismo
internacional, como diziam os oposicionistas.
No campo mais estrito da militância, a Liga Comunista considerava que a qualidade deveria
substituir a busca da quantidade de aderentes. O operário deveria ser convencido de que ingressar
para a LCI era o mesmo que ingressar para o partido, pois os oposicionistas não se consideravam
nova agremiação política, mas se viam como a ala mais revolucionária do PCB. Entretanto, o
caráter de fração do PC impunha uma tática especial, que deveria ser ajustada às relações dos
opositores com a organização oficial. Para tanto, eram tidos em conta elementos variados e, às
vezes, contraditórios: a ausência de tradições leninistas no domínio da política, e de tradições
revolucionárias no domínio social, no partido; a pobreza quantitativa e qualitativa dos efetivos
revolucionários; o atraso cultural das massas trabalhadoras em geral e dos membros do partido em
particular, "atraso que se constata não só no domínio da teoria revolucionária como também no
domínio da própria instrução primária geral"; "uma psicologia deformada, decorrente do pessimismo
que se generalizou logo após as grandes derrotas chefiadas pelos dirigentes anarquistas, por um
lado, e do sentimentalismo quase místico legado aos operários revolucionários pelos ex-anarquistas
da antiga direção do partido, por outro lado"; a presença de condições objetivas favoráveis à
formação e ao desenvolvimento de uma verdadeira vanguarda comunista; crise econômica e
política generalizada; miséria e descontentamento das massas trabalhadoras; desmoralização
crescente dos líderes liberais e reformistas; repercussão das lutas do proletariado dos outros
países, etc. Todos esses elementos permitiram que os opositores traçassem um plano de ação
junto ao partido, que, explicitado, fornece respostas claras à situação vivida pelos opositores de
esquerda e pelos comunistas "oficiais".
O trabalho da Oposição de Esquerda no seio das massas trabalhadoras era avaliado como
de importância excepcional, em virtude da pobreza numérica e qualitativa do partido, não permitindo
que os operários a ele filiados oferecessem resistência eficaz aos métodos de uma direção
corrompida, que contava com o apoio material da burocracia da IC. Só o apoio que as massas
dessem, no curso da luta, à linha política da liga, poderia contribuir para a vitória da Oposição
Internacional de Esquerda e a regeneração conseqüente do partido, ou para o nascimento de um
verdadeiro Partido Comunista.
Como tática essencial, as questões deveriam ser manifestadas de maneira que os atritos
com os burocratas não se verificassem na presença de operários ainda inexperientes e
deseducados, pois isso só serviria para decepcioná-los e espalhar entre eles a confusão e o
pessimismo. Seria necessário que as questões fossem apresentadas diretamente, "mas sem
alusão a pessoas, sem ataques diretos aos grupos de tendências contrárias, salvo quando as
próprias massas estejam inclinadas, por sua própria experiência, a reconhecer essas pessoas e
esses grupos como inimigos encobertos ou declarados do proletariado".
A exposição paciente e detalhada — desde o princípio, de todas as tendências — é que
daria aos operários a possibilidade de escolher a via justa e condenar, então, com a sua vanguarda,
todas as múltiplas manifestações de oportunismo, de arrivismo, de traição ao movimento operário
revolucionário. A liga não seria aceita pela imposição do seu ponto de vista, mas pela persuasão por
meio dos próprios acontecimentos, pela demonstração prática, dentro da luta, de que não havia
dois caminhos que conduzissem à vitória da classe operária e de que só ao proletariado, por sua
própria experiência, cumpria mostrar a superioridade real do único caminho acertado que existia.
Os militantes não deveriam ficar, em nenhuma circunstância, a reboque das massas, mas também
não poderiam pretender correr na frente sem elas.
A unidade do partido deveria ser preservada, a todo custo, para o público externo. Desse
modo, nas manifestações públicas em que os opositores aparecessem ao lado dos stalinistas, eles
deveriam se empenhar para que o partido aparentasse ser um partido único, e então exporiam o
ponto de vista da liga, "muito simplesmente, sem aludir a divergências, como um ponto de vista
comunista, não sendo necessário, em tais ocasiões, enunciar a nossa qualidade de fração". Essa
atitude era aconselhável no caso de uma manifestação de massa, mas não se devia confundir com
a legítima defesa dos opositores diante das "calúnias fabricadas pelos stalinistas", que deveriam ser
"pulverizadas" por meio de manifestos.
Os oposicionistas consideravam que a direção do partido deveria sofrer a pressão interna
de sua base. O maior problema era alcançar esse objetivo, uma vez que os stalinistas dirigentes
haviam expulsado os elementos suspeitos de trotskismo, haviam anulado a liberdade de discussão
e de crítica e estavam sempre vigilantes, à espera do momento em que algum aderente “saísse da
linha” para logo cobri-lo de injúrias e torná-lo vítima das sanções disciplinares. A tática
recomendada aos oposicionistas era para que agissem fora do partido, junto aos operários
influenciados pelos stalinistas, e penetrassem nas células do partido, realizando dentro delas o
trabalho da Oposição de Esquerda. Os membros da liga não deveriam perder de vista que eles
teriam que tratar com "operários ignorantes, inexperientes, envenenados por uma educação
defeituosa e endurecidos por uma concepção errônea da disciplina revolucionária". Junto a esses
operários, principiariam por demonstrar um interesse pelo bom andamento da atividade do partido,
sem fazer alusão aos burocratas, sem falar nas pessoas, sem abordar imediatamente as
divergências. Deveriam, em seguida, mostrar a necessidade de ligar estreitamente o estudo da
teoria revolucionária com a atividade prática, de modo que a cultura não continuasse a ser o
monopólio de um grupo reduzido de chefes. Deveriam, paralelamente, entrar no exame das
questões diárias, relacionando-as com a situação do país, e perguntar sobre as mesmas a opinião
dos interlocutores. Então, entrariam no exame sereno de suas opiniões, “argumentando como
marxistas e discutindo como camaradas, sem pose, sem aparentar 'superioridade' ”, sem a
preocupação de serem os depositários exclusivos da sabedoria e do bom senso.
Penetrar nas células do partido e realizar, dentro delas, o trabalho da OE — a mais difícil
das tarefas a que se obrigavam— exigiria o máximo de cuidado, de paciência e de sacrifício, para
que a empresa não fracassasse. Isso poderia ser feito indiretamente, por meio dos próprios
operários do partido que fossem conquistando e, diretamente, por meio da adesão ao partido de
elementos da oposição, ainda desconhecidos dos "burocratas". Nas assembléias das células seria
preciso, muitas vezes, fazer concessões, deixando para opinar francamente apenas nas questões
capitais que dissessem respeito à própria vida do partido. As questões de princípio mais gerais, que
não afetassem tão diretamente a situação brasileira (socialismo num só país, etc.) deveriam ficar
para segundo plano, em benefício de outras que interessassem mais de perto ao Brasil (revolução
operária e camponesa ou Revolução Proletária, imperialismo, Constituinte, sindicatos, etc.). Ao
emitirem opiniões dentro das células, os camaradas da liga deveriam fazê-lo sem paixão. Os
grupos da liga que tivessem um operário filiado ao partido deveriam orientá-lo na maneira de
proceder quanto à ordem do dia dos trabalhos.
Ao lado dessas questões figurava a do aparecimento da oposição, como tal, dentro do
partido. Para tanto, os oposicionistas deveriam agir por meio de manifestos e cartas especiais,
sempre que se apresentasse uma questão de importância vital para o partido, denunciando os
crimes políticos dos burocratas, defendendo a oposição das calúnias dos stalinistas, e indicando a
linha a seguir em face de determinada situação. Para a divulgação desse material nas fileiras do
partido, eram preferidos os operários do partido que não estivessem ainda inteiramente com a liga
aos membros da oposição. Isso serviria para acelerar a sua adesão definitiva à OE, pois não seriam
vistos com bons olhos pelos seus dirigentes, e teriam de arcar com as conseqüências da atitude
"desassombrada" que teriam assumido ao defender posições contrárias à direção.
Os opositores assumiam a contradição das tarefas práticas da liga, como fração de
esquerda do PC: por um lado, recomendavam o máximo de maleabilidade e de prudência aos
camaradas que enviavam ao partido, para que não caíssem, logo de início, vítimas da ira dos
burocratas, prejudicando assim a boa marcha do trabalho; e, por outro lado, escolhiam os operários
do partido que ainda não se haviam decidido pela oposição para realizar as tarefas mais perigosas,
de modo que a sua expulsão pelos burocratas os empurrassem mais depressa para dentro das
fileiras da LC. Acreditavam os opositores que a garantia de seu êxito se encontrava justamente
nesse processo contraditório.827
No início de 1933, a luta stalinismo versus trotskismo continuava acirrada em São Paulo.
Os trotskistas acusavam “nossos tristes lúmpen-burocratas” de terem se lançado a um novo e
vergonhoso empreendimento: divulgar as entrevistas “de Trotski”, manipuladas pelos redatores de
uma agência telegráfica do imperialismo francês. Os stalinistas estavam com a vontade irreprimível
de tomar a direção da UTG das mãos dos proletários que a mantinham firme em seus punhos: por
esse motivo, o n.º 1 do seu órgão sindical O Gráfico era quase que exclusivamente consagrado ao
combate ao trotskismo. A retórica contundente dos oposicionistas pode ser observada no trecho
abaixo:

“Essa confraria de burocratas irresponsáveis, que procura transformar a


massa do partido numa turba perigosa de iluminados e de fanáticos, não é
capaz de outras tarefas. Quando a situação internacional, em cujo seio se
encontra o glorioso proletariado alemão, exige de todos os militantes
revolucionários o máximo de atenção para os problemas que se apresentam,
o stalinismo só sabe contribuir para esfacelar cada vez mais o movimento
operário, dividindo-o em três, em quatro e em dez pedaços e servir de esterco
ao desenvolvimento da podridão anarquista. Quando, nacionalmente, o
Ministério do Trabalho, com a sua demagogia, com as suas manobras, com
os seus mil e um processos de tapeação, procura arrastar a massa
trabalhadora à cauda do Governo Provisório, os stalinistas só sabem abrir a
boca para vomitar veneno contra os militantes proletários que não rezam pelo
catecismo social-patriota do seu Sumo Pontífice. Quando, finalmente,
assistimos à confusão reinante no seio do proletariado, cujo estado de

827
Boletim da Oposição. Órgão da Liga Comunista do Brasil (Filiada à Oposição Internacional de
Esquerda), n.º 4, maio de 1932, em Prontuário n.º 2.030, fls. 24-28. DEOPS/SP. Mimeo.
desorganização e de miséria econômica e ideológica não é senão o resultado
dos crimes de sua vanguarda, o que vemos no campo stalinista é, não um
trabalho tenaz de esclarecimento e de concentração das forças dispersas,
mas justamente o avesso: o incentivo ao confusionismo, o despedaçamento
sistemáticos da classe operária, a sua redução à impotência, ao marasmo. (...)
Ao lado de todas as imbelicidades e sujeiras que os stalinistas derramam nas
colunas do seu órgão sindical (O Gráfico), existe ainda uma que merece certo
reparo. Alegam que Trotski viajou 'garantido pela polícia burguesa'. Ora, não
nos consta que, nos países por onde passou Trotski, exista uma outra polícia
capaz de oferecer certa garantia à vida dos cidadãos. Parece que o
proletariado europeu ainda não tomou o poder, para que seja uma 'polícia
proletária' aquela a não permitir que se enfie uma faca, sem mais nem menos,
na barriga de um cidadão que viaja.” 828

Sob o título: "Mais uma infâmia dos stalinistas”, Lucta de Classe declara “gastar um pouco
do espaço disponível do nosso pequeno jornal com os indivíduos conhecidos nos meios operários
do Brasil, como nos outros países do mundo, com o nome de 'chefes stalinistas' “. Estes haviam
dito que os “crumiros” eram trotskistas ou apoiados pelos trotskistas, nos fatos relacionados a dois
chefes amarelos das oficinas de A Nação. Assim fazendo, os stalinistas esconderam
“matreiramente” todo o resultado do inquérito levado a efeito pela UTG e que resultou na expulsão
dos gráficos aliciados por Abdianok. Na comissão de inquérito da UTG estava um trotskista. Entre
os elementos apontados como trotskistas apenas um pertencia, na ocasião, à liga. Foi o membro
trotskista que ao verificar surpreso que fora aliciado como “crumiro”, denunciou o fato. Entre os
membros aliciados por Abdianok, a liga declara ter tido notícia de que havia também alguns
stalinistas, porém, por uma questão elementar de ética proletária, não os denunciaria, pois eles não
eram policiais, como o chefe stalinista que escrevera a nota de A Classe Operária de 20 de
dezembro. Os chefes stalinistas aproveitar-se-iam dessa diferença de métodos para mais
folgadamente delatar vários gráficos, “no seu sujo jornaleco”, como trotskistas. No PC, “tapeando
miseravelmente alguns operários sem experiência política e de muito boa fé”, existiriam agentes
diretos da polícia. Esses agentes provocadores, pagos pela polícia, eram inimigos figadais da LC.829
A Classe Operária, de 2/7/35, não faz por menos, criticando asperamente os trotskistas, por
estarem contra a frente única nacional revolucionária — a ANL — de luta contra o imperialismo, o
“latifundismo”, e pelas liberdades democráticas do povo do Brasil. Comentários trotskistas
publicados no n.º 25, de 1/6/35, de A Lucta de Classe, diziam que o Partido Comunista Russo
negava o conteúdo proletário de classe do Estado Soviético, e pregavam abertamente a
necessidade de uma insurreição na própria URSS.
No Brasil — escreve A Classe Operária — os trotskistas eram formados por elementos
expulsos do PCB e que dentro das fileiras do PCB contribuíram para impedir o desenvolvimento da
revolução e, por diversas formas, continuavam procurando impedir o desenvolvimento da
Revolução Nacional Libertadora, contra o imperialismo, os senhores de terras e pelas liberdades
democráticas. Na campanha da Constituinte os trotskistas, partindo do princípio falso de que a
revolução democrático-burguesa estava realizada no Brasil, contribuíram para que as massas
tivessem ilusão na Constituinte, por um lado, como se esta pudesse concretizar as liberdades
democráticas e as promessas dos demagogos e, por outro lado, contribuíram para o isolamento
das massas da luta eleitoral e para o isolamento do proletariado das massas populares. Os
trotskistas haviam citado um trecho de Doença infantil do comunismo, de Lenin, em que se
justificava a necessidade da frente única nacional em países semicoloniais, como o Brasil, na luta
contra o imperialismo e o latifúndio. Entretanto, negaram a diferença que existia no proletariado e
nas massas populares, entre 1930 e 35, e o papel do proletariado no movimento nacional-libertador
e na ANL. Os trotskistas afirmaram, apesar das declarações claras da ANL, que o que declaravam
os aliancistas libertadores de 1935 era o mesmo que declaravam os aliancistas liberais de 1930.

828
“Os Stalinistas Organizaram uma Sucursal da Havas”. A Luta de Classe, Ano III, n.º 9, p. 2. São Paulo,
janeiro de 1933.
829
A Luta de Classe. Órgão da LCI (Bolchs-Lens.), Ano V, n.º19. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1934,
p. 3.
Prestes não poderia ser um militante revolucionário porque estava submetido à disciplina de uma
burocracia descontrolada, e porque, nunca tendo militado no Brasil, desligado da massa operária,
desconhecia concretamente as suas necessidades, e daí concluíram que Prestes poderia também
se transformar no pior dos reacionários.830
A posição contrária dos trotskistas à ANL fica esclarecida em centenas de documentos,
como o enunciado acima. Não obstante, Hilcar Leite informou a Robert Alexander que os trotskistas
admitiram tomar parte nos comitês da Aliança Nacional Libertadora, estabelecidos em todas os
locais do Brasil, apesar da oposição aos comunistas.831 Nada há na documentação que comprove
essa alegação de Hilcar Leite. Talvez este se referisse a alguns casos individuais, realizados ao
arrepio das resoluções da LCI.

5. A questão sindical.

De 1932 a 1934, as grandes discussões sindicais paulistas ligavam-se aos seguintes


problemas: autonomia sindical; táticas de luta adaptadas à ministerialização dos sindicatos e à lei de
férias; a formação de frentes únicas do proletariado; e os indefectíveis combates, travados pelas
correntes de esquerda, pelo controle das organizações operárias.
A FOSP era dominada pelos anarquistas. Os oposicionistas acusavam os stalinistas de
terem permitido o renascimento do anarquismo no movimento operário. A respeito, A Lucta de
Classe observa que, na Conferência Operária, realizada no 1.º semestre de 32, ocupando as
cadeiras reservadas aos delegados sindicais, alinhavam-se, como que ligados por um fio,

“aquelas velhas carcaças doentias, com seus bigodes alegóricos à


Bakunin, última reminiscência do anarquismo defunto. Havia, apenas, entre
esses respeitáveis anciões, quatro jovens representantes da oposição sindical
revolucionária. (...) Não havia senão resquícios do passado, notáveis apenas
como uma variedade de rabugem cômica a irritar o traseiro da classe operária.
Assim eram os anarquistas de 1930-31. (...) Vêem-se hoje, sob a direção
daquelas tristes múmias históricas, vários operários jovens, genuínos
proletários que, entre outras circunstâncias, poderiam estar muito bem à frente
dos seus batalhões, dirigindo a ofensiva revolucionária de sua classe. Os
stalinistas podem vangloriar-se de ter feito ressuscitar um cadáver. (...) O
apoliticismo anarquista é uma espécie de castigo imposto ao movimento
operário pela política criminosa da direção do Partido. (...) O seu desprezo por
tudo quanto escreveu Lenin sobre a tática dos bolcheviques é deveras
contristador na direção de um partido que deve dirigir, um dia, os destinos de
todo um povo”.

Os trotskistas apontavam as seguintes falhas na atividade stalinista nos anos de 1930-32:


a) em fins de 1930, abandonando o Comitê Operário de Organização Sindical, deixaram aos
anarquistas o campo livre para a criação da Federação Operária; b) em seguida, convocando uma
nova conferência sindical, em nome de um “falso” Comitê da CGT (“pseudônimo dos burocratas da
redação do jornal miguelista O Tempo”), incorreram no erro de fazer uma oposição puramente
formal, para efeito de publicidade, à Conferência Operária, permitiram que os anarquistas ficassem
em maioria e conseguissem, dessa forma, uma base sólida para o seu trabalho futuro; c) pouco
depois, fundando a Federação Sindical Regional, sem nenhuma base sindical, contribuíram para
reforçar a federação anarquista, para espalhar a confusão, para desmoralizar as fileiras comunistas,
para dividir em dois as forças sindicais proletárias.832

830
A Classe Operária, ano XI, n.º185. Prontuário de Caetano Scavone, n.º 273. DEOPS/SP.
831
Entrevista concedida no Rio de Janeiro, a 11/6/53. Apud: ALEXANDER, Robert J. Trotskysm in Latin
America. Stanford, Hoover Institution Press, 1973, p. 70.
832
“Anarquismo e Stalinismo”. A Luta de Classe, Ano III, n.º 9, p. 3. São Paulo, janeiro de 1933.
A prova mais flagrante do “caráter liquidacionista” da política dos stalinistas estava no
desenvolvimento da influência dos “amarelos” no movimento sindical do país. Só a ausência do
PCB — “esmagado pela nefasta centralização burocrática” — poderia dar ensejo à arrogância com
que os agentes patronais ligados ao Ministério do Trabalho se arvoravam em líderes do
proletariado. Para que a política sindical do PCB (sempre chamado pelo trotskistas de “nosso
partido”) se reajustasse, seria preciso que se reavivasse a atividade de seus núcleos sindicais e que
se acabasse “de uma vez por todas com o regime de seita que vem caracterizando a vida do
partido nestes últimos tempos”. Seria preciso restabelecer a democracia em suas fileiras e a
liberdade de crítica. Os comunistas opositores ou dissidentes não podiam continuar a ser expulsos
do partido pelo “crime de pretender discutir as diretivas do alto”, e o partido a ser “aniquilado,
esmagado, suplantado pela burocracia todo-poderosa”. 833
A liga afirmava que as críticas que fazia ao partido eram movidas por uma intenção de
cooperar, na medida de suas forças, para que a linha do partido fosse reajustada e capaz de
arrastar as massas no caminho da luta de classes, de organizá-las, forte, revolucionariamente. O
caminho que vinha trilhando a Federação Sindical Regional, desde o dia em que apareceu, tinha
sido o caminho do aventurismo e da irresponsabilidade. É a ela que cabia a culpa, numa “triste
parceria com os anarcóides da Federação Operária, do estado atual de divisionismo sindical em
que se encontra a classe operária de São Paulo”.834
O editorial do número de 5 de outubro de 1932 do A Luta de Classe proclamava que o PCB
tinha o dever de aumentar, tanto quanto possível, a sua influência no interior dos sindicatos, uma
vez que, no ano de 1932, a atividade sindical ficou muito reduzida e quase toda concentrada no
sindicato dos gráficos e dos comerciários, embora outros sindicatos, como o da Construção Civil de
Santos, continuassem no raio de atuação da LC. Nele foram observados, por um secreta, Aristides
Lobo e João de Oliveira em plena ação, em 11/2/32.835 Nesse ano, organizou-se um grupo de
simpatizantes estrangeiros e ministrou-se um curso teórico para jovens.
Na UTG realizavam-se reuniões das delegações das oficinas, no início de 32, que
procuravam atrair os sindicatos para um movimento de greve geral patrocinado pela Federação
Sindical Regional. Numa dessas reuniões, um reservado observou uma altercação violenta entre
Aristides Lobo e João da Costa Pimenta. Este afirmou que os sindicatos filiados à Federação
Operária podiam ter sido manobrados pela política da Confederação Geral do Trabalho, o que não
se fez em razão da precipitação de Aristides Lobo e de Plínio Melo. A decadência da UTG teria sido
causada pela ação desses dois líderes trotskistas.836
No início de 1932, a região do Rio propôs a questão sindical em geral como pauta de
discussão. Pedrosa defendia o ponto de vista de mudar a política sindical da liga de um modo
completo, agitando-se a palavra de ordem de reforma da lei de sindicalização. Essa posição foi
vencida e a liga continuou a agitar a palavra de ordem de sindicalização livre e revogação da lei de
sindicalização. O núcleo proletário mais importante do Brasil, que era São Paulo, estava ainda
imune à ação do Ministério do Trabalho quanto à constituição de sindicatos oficiais. Lobo, contra o
argumento de Pedrosa, de que era tendência do proletariado admitir a sindicalização oficial,
contrapunha a situação de São Paulo. Um ano depois, Aristides reconhecia que a situação havia
mudado para pior, e que o sindicalismo oficial se firmara. Os primeiros a aderir à ministerialização
foram os ferroviários.837
As turbulências no campo sindical provocavam atitudes conciliatórias de iniciativa de
trotskistas, como sempre empenhados na união da classe trabalhadora e de alguns anarquistas.
Assim, em 1932, foi aprovada proposta apresentada por Carlos Righetti pela qual os trabalhadores
abandonariam o sistema de ataques pessoais, com palavras ofensivas a representantes de
sindicatos ou entre partidos, grupos ou federações, para que se conjugassem esforços de todos os

833
Movimento Sindical. Liquidacionismo. (Carta do Rio). A Luta de Classe, Ano III, n.º 9, p. 3. São Paulo,
janeiro de 1933.
834
A Lição dos Tecelões e o Aventurismo. A Luta de Classe, Ano III, n.º 9, p. 4. São Paulo, janeiro de
1933.
835
Prontuário de Plínio Melo, n.º 385. DEOPS/SP.
836
Prontuário de Plínio Melo, n.º 385, doc. n.º 43. DEOPS/SP.
837
Ata da Reunião Ampliada da CE sobre a Questão Sindical. São Paulo, 7/1/33. Prontuário de José Neves,
n.º 2.863, f. 7. DEOPS/SP.
bem-intencionados, especialmente dos militantes, no sentido de se harmonizarem as diferentes
correntes, desde que o objetivo fosse lutar pela conquista das reivindicações proletárias. A posição
pacificadora do líder tecelão e anarquista foi considerada pela polícia como uma demonstração de
fraqueza diante da pressão que exerciam os comunistas sobre a sua pessoa e sobre outros
dirigentes proletários da classe.838
A liga analisava que a situação de marasmo em que jaziam as organizações de massa do
operariado de São Paulo deitava raízes na política liquidacionista da burocracia stalinista, e no
sectarismo dos remanescentes amarelecidos do anarquismo. Stalinistas e anarquistas, por
caminhos diferentes, chegaram ao mesmo objetivo comum — a liquidação do movimento sindical.
Os primeiros, em nome do dogma da "radicalização das massas", desprezaram sistematicamente o
trabalho nos sindicatos, esquecendo-se de conquistar as próprias massas. Os segundos, fundados
no dogma do “apoliticismo” dos sindicatos, esqueceram-se de tomar partido na luta de classe,
fazendo o jogo da burguesia. A LC, com o objetivo declarado de chamar o partido à prática da
verdadeira política revolucionária, concitou-o a abandonar o que chamava de "seu aventurismo
sindical". A política de frente única — preconizada pelos oposicionistas — não era senão a
aplicação do princípio marxista da combinação da luta pelas reformas com a luta pela revolução, e
constituía condição fundamental para que o partido conquistasse a hegemonia no movimento
operário. Conclamava, pois, mais uma vez os comunistas para a formação de um comitê
intersindical.839
Com o fim do movimento constitucionalista, a atividade sindical reanimou-se e a LC
conseguiu eleger a maioria dos membros da diretoria da União dos Trabalhadores Gráficos,
derrotando a chapa stalinista. Aderentes da liga faziam parte de mais cinco sindicatos (União dos
Operários em Fábricas de Tecidos, Sindicato dos Contadores, Sindicato dos Motorneiros, Sindicato
dos Comerciários e Sindicato da Construção Civil).
A política sindical da LC seguia um projeto de teses claramente destinado a servir ao
objetivo maior dos trotskistas, que era a unidade do operariado. Esse projeto afirma que o sindicato
representava para os operários sua organização típica de massa, onde todos eles se uniam, sem
distinção de idéias, nacionalidade, sexo, raça, credos políticos ou religiosos, para "lutar por um
pedaço de pão e por melhores condições de vida e de trabalho". Por sua vez, o partido é
apresentado como a organização da vanguarda consciente do proletariado, mas o sindicato —
proclama a tese — não deveria ficar subordinado organizatória e mecanicamente ao partido, sob
pena de se confundir a classe com a sua vanguarda consciente, perdendo o sindicato a sua
autonomia orgânica e administrativa, e transformando-se em simples apêndice do partido.840
A tese 3 do Boletim garante o regime da mais ampla democracia interna nos sindicatos,
respeitando o direito de fração a todas as tendências ideológicas, observadas, porém, as decisões
da maioria, a fim de evitar a ruptura da unidade sindical.
O Boletim, além de proclamar o partido como a vanguarda revolucionária da classe
proletária, apresenta uma política ativa de frente única, como o principal método da estratégia
sindical dos comunistas a fim de libertar os operários da influência reformista.841
Um relatório do Gabinete de Investigações de São Paulo reconhece a importância do PCB
“situacionista” e “oposicionista” nos sindicatos. Informa o relatório que o trabalho sindical do PCB
tinha por bases principais: 1.º) a organização das frações comunistas à testa dos sindicatos; e 2.º) o
seu agrupamento sob a direção de organismos comunistas. Em síntese, são estas as informações
prestadas pelo relatório, que dão a medida da relevância do pequeno grupo de trotskistas no meio
sindical:

“O trabalho de organização de frações vinha se desenvolvendo ativamente


no Estado de São Paulo desde 1930. Apesar da guerra sem tréguas que se
movem as duas facções comunistas, os situacionistas ligados à IC de Moscou
(stalinistas) e os comunistas da oposição (trotskistas), é inegável que a parte

838
Righetti colaborava com a polícia. Prontuário de José Righetti, n.º 282. DEOPS/SP.
839
A Luta de Classe. São Paulo, 5 de outubro de 1932.
840
Teses 1 e 2. Boletim de Discussão n.º 1. Abril de 1932, f. 1. (Cópia carbonata, em folhas de papel de
seda, numeradas de 1 a 9). Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.020, fls. 15-23. DEOPS/SP.
841
Doc. cit.
inicial desse trabalho se deve aos trotskistas. As ligações mais notáveis desse
grupo oposicionista se fizeram sentir de 1933 para cá, em relação aos
sindicatos dos bancários, contadores e comerciários. Já anteriormente a 1930,
uma fração que se apoderara dos gráficos (UTG), se passara para o
trotskismo (Aristides Lobo, Mário Pedrosa, Fúlvio Abramo, Manoel Medeiros),
colocando aquela associação de classe, posteriormente órgão sindical, sob o
controle da oposição comunista.
O Sindicato dos Bancários do Estado de São Paulo foi influenciado, a
princípio e durante bastante tempo, por elementos trotskistas que formavam a
Coligação dos Sindicatos do Estado de São Paulo (Lívio Xavier, Mário
Pedrosa, Paulo Sesti e outros), dele posteriormente se apoderando os
stalinistas, por intermédio da Frente Única Sindical. (...) Esta corrente
comunista (stalinista) tem melhor organização, mais combatividade e obedece
a uma direção única e inteligente, contra a qual a facção trotskista sempre
levou desvantagem, ao ponto de atualmente (o relatório é datado de 10/7/35)
constituir um elemento apagado e quase desaparecido.”842

Os gráficos, que constituíam numerosa classe, da qual saíram destacados militantes


comunistas (Mário Pedrosa, Aristides Lobo, Manoel Medeiros, Lívio Xavier, João da Costa Pimenta,
Astrojildo Pereira, Mário Grazini, Fúlvio Abramo, Hilcar Leite e outros), continuavam, por meio de
seu sindicato — a UTG —, a ser dirigidos ou influenciados por elementos trotskistas. Podia-se
mesmo afirmar que a UTG constituía em São Paulo o último reduto do trotskismo.843
Junto aos alfaiates o trabalho comunista vinha conseguindo sucesso entre os operários que
trabalhavam nas oficinas de roupas feitas, quase todas situadas no bairro do Bom Retiro, de
propriedade de israelitas, e cujo corpo operário era constituído, na sua quase totalidade, por
israelitas, lituanos, russos e poloneses. Toda a atividade da União dos Alfaiates e Anexos estava
intimamente ligada aos grupos idiomáticos.844
Contrariando, ainda uma vez, a tese de que a influência anarquista estava liquidada na
década de 30, os policiais relatam que as classes de vidreiros, padeiros, sapateiros, construção civil
e chapeleiros eram controladas pelo órgão anarco-sindicalista, a Federação Operária do Estado de
São Paulo.845
Um balanço do número de militantes ativos efetuado pelo Comitê Central do PCB acusa a
existência de mais de 3.000 membros ativos no Estado de São Paulo, em 1935. Três anos antes,
esse número, segundo os cálculos da delegacia, não ia além de 1.500. A avaliação da polícia é
altamente elogiosa ao trabalho do partido:

“Se considerarmos que Lenin avaliou em 240.000 o número de comunistas


militantes em 1917, na Rússia, em plena revolução; que o boletim da IC, de
7/3/24, após consolidada a revolução russa, calculava em 350.000 o número
de militantes do Partido; que São Paulo tem sete milhões e meio enquanto a
Rússia tem cerca de 140 milhões de habitantes, somos obrigados a concluir
que o número de militantes em São Paulo representa um alto esforço do
Partido, lutando ele, como até ainda há pouco lutou, subterraneamente, e
tendo de vencer todas as dificuldades inerentes a um trabalho conspirativo e
ilegal, tudo isso ainda apesar das expulsões, defecções, afastamentos e
desmantelo da organização na região de São Paulo, durante 1932.(...) Os
trabalhos policiais desenvolvidos durante a revolução paulista tiveram como
conseqüência a completa desorganização da direção e dos quadros do
Partido. Depois disso, o Comitê Regional foi refundido, os velhos dirigentes, já

842
Relatório sobre a “Propaganda Comunista no Estado de São Paulo”, elaborado pelo Gabinete de
Investigações de São Paulo, em 10/7/35, fls. 42-41. Prontuário do Sindicato dos Trabalhadores em
Transportes Terrestres, n.º 124. DEOPS/SP.
843
Loc. cit., f. 37.
844
Loc. cit., f. 38.
845
Loc. cit., f. 37.
muito conhecidos, foram substituídos por elementos novos, o trabalho de
organização dos comitês de fábrica e das células de empresa intensificou-se
(...).” 846

A unidade sindical, temidíssima pela reação, recebe atenção cuidadosa no relatório. A


primeira manifestação de “frente única” verificara-se com o aparecimento da "Coligação dos
Sindicatos Proletários de São Paulo”, que congregou os Sindicatos dos Contadores, Bancários,
Comerciários, Têxteis, Gráficos, Metalúrgicos, Ferroviários, Alfaiates e Barbeiros. De iniciativa
trotskista, foi logo “assaltada” por um trabalho intenso da Confederação Geral do Trabalho do Brasil
(CGTB), organização do grupo stalinista. A CGTB, dentro da coligação, logo se apoderou dos
comerciários, bancários e alfaiates. A luta então estabelecida entre as duas facções comunistas deu
em resultado o desaparecimento da coligação que, no entanto, perdurou até as eleições de 14 de
outubro, quando disputou eleições incorporada na legenda “Coligação Proletária e Partido Socialista
Brasileiro pela Emancipação dos Trabalhadores”. Não conseguindo fazer-se registrar no Superior
Tribunal Eleitoral, para a disputa nesse pleito, o PCB a ele concorreu também sob a legenda de
“União Operária e Camponesa”. O relatório observa — com a justeza que revela a ação dos
agentes infiltrados — que, comparecendo às urnas, o PCB visava menos à eleição de um candidato
seu que ao aproveitamento da plena liberdade de propaganda eleitoral para a pregação de suas
idéias.
Posteriormente às eleições para a Constituinte Paulista e Câmara Federal, rapidamente
havia desaparecido a “Coligação dos Sindicatos Proletários de São Paulo”, dando margem a
representantes da CGTB para a organização de nova frente única de sindicatos.
Esse trabalho — sempre segundo a polícia — fora exclusivamente do PCB e inteiramente
escoimado de quaisquer influências trotskistas.847 Coubera ao Sindicato dos Bancários, por meio de
sua fração comunista, o lançamento da “Frente Única Sindical de São Paulo”. Esse sindicato, por
meio de circulares e boletins assinados por seu presidente Álvaro Cecchino, convocou uma primeira
reunião para meados de novembro de 1934, na qual foi lançada a “Frente Única Sindical”. Esta
conseguiu, logo de início, a adesão dos mesmos sindicatos que integravam a coligação, exceção
feita de gráficos, contadores e barbeiros, sobre os quais — fica evidente — os trotskistas
mantinham o controle ainda em 1935. Os stalinistas haviam se apropriado da situação criada no
Sindicato dos Bancários pelos trotskistas, instituindo uma organização a eles sujeita. A extinta
coligação havia contado com um grande número de simpatizantes, entre os bancários e o partido
contava, no sindicato, com alguns militantes. Com tais dados positivos, o partido novamente tomou
a liderança ostensiva da “Frente Única Sindical”, em colaboração com os Sindicatos dos
Comerciários e Contadores.
A CGTB, organismo comunista surgido no Rio de Janeiro após a extinção do BOC, tomou
a direção oculta dos trabalhos da frente, surgida na capital paulista em fins de 1934.
A 1.ª reunião da Frente Única Popular — cuidadosamente relatada por um agente policial
— resolveu apoiar a Comissão Popular de Inquérito, que havia sido constituída no Rio para a
defesa de “presos idealistas, proletários e demais de outras tendências políticas”, assim como
denunciar às massas a ação das autoridades policiais. Mário Pedrosa, representando a LCI,
aconselhou a greve geral. Todos os oradores denunciaram a ação das autoridades policiais, e era
numeroso o elemento estrangeiro ali presente, sendo na sua maioria de lituanos, húngaros e
polacos. Lá também se encontravam o dr. Octavio Ramos e Carmello Chrispim, ambos do Partido
Socialista, em companhia de um grupo de comunistas trotskistas. Foram efetuadas detenções,
todas de estrangeiros.848
A Frente Única Sindical obedecia à corrente stalinista. Embora houvesse trotskistas nas
suas reuniões, a DOS foi informada de que não se verificara a adesão a ela “de outra corrente
trotskista, cujos ideais políticos diferem em quase todos os pontos de vista”.849 A foto de uma
reunião da FUS, promovida no Salão da Lega Lombarda, assinala os seguintes “agitadores”: Fúlvio

846
Loc. cit., f. 35.
847
Loc. cit., fls. 34, 33 e 31.
848
Informe Reservado, de 11/12/34. Prontuário da Frente Única Sindical ou Frente Única Popular, n.º
3.278, f. 21. DEOPS/SP.
849
Loc. cit., f. 42.
Abramo, Alfredo Godofredo, João Matheus, Víctor de Azevedo Pinheiro, Ladislau de Camargo e
Clóvis de Gusmão. 850
Em prosseguimento às negociações de “Frente Única” , que se vinham realizando entre os
partidos operários e as organizações sindicais e populares de São Paulo, realizou-se no dia 4/2/35
uma nova reunião à qual compareceram delegados de muitas organizações paulistas. Essa reunião
deliberou publicar uma carta aberta, dirigida ao PSB de São Paulo e à LCI, analisando o significado
da sua posição ao se afastarem das negociações para a realização de atos de Frente Única, e
convidando-os para uma assembléia.851
No entanto, as frentes únicas sindicais atravessavam uma crise terrível, conseqüente da
orientação que lhes fora imposta pela CGTB. Em São Paulo e Santos, além da tremenda confusão
e das dissidências, havia o terror policial.852
Em setembro de 1935 continuavam os preparativos para a organização da FUP. As
dificuldades, como acima ficou dito, ligavam-se tanto às disputas entre as diversas correntes de
esquerda para o controle da organização, como à ação policial que dispunha de numerosos
agentes infiltrados nas fileiras sindicais. Um desses agentes relata que a Frente Única era uma
organização puramente política e de combate exclusivamente ao fascismo, pois adviera da IC com
o fito de lançar agitação em todo o mundo e principalmente “nos países indígenas (coloniais), à cuja
frente se acham inconscientemente os chefes nacionalistas que pregam "Pão, Trabalho e
Liberdade” . O “secreta” analisa tacanhamente a participação dos negros na FUP:

"Entre os pretos faz-se uma propaganda de caráter racista, com o fim de


arregimentá-los contra o fascismo, tão a sabor dos comunistas. (...) Na
arregimentação dos negros, fala-se muito num tal Veiga dos Santos que é
comunista, mas não aparece como tal, e que é dos que estão à testa da
organização da sua raça. E caso venha a guerra ítalo-abissínia, os comunistas
farão uma agitação e manifestação monstro na rua com a tal Frente Popular,
em que entrarão socialistas, operários, todos os negros e todos os que são
contra a guerra.”853

Para terminar, um “note bem” do inspetor reservado responsável pelas informações lembra
ao Delegado da DOS uma promessa de pagamento ou uma gratificação do mês de junho, o mês
em que nada recebera.854
A liga lutava pelos sindicatos livres, mas era obrigada a atuar nos oficiais para impedir a
formação de “castas burocráticas”. Entendia que a lei de sindicalização preenchia a função de
subordinar toda a classe operária ao Estado. A representação de classes era um meio indireto de
submissão dos operários à burguesia e ao governo, pois corrompia a vanguarda sindical. No
entanto, os sindicatos livres estavam em crise e seria preciso lançar a palavra de ordem de
sindicalização oficial para todas as corporações.
Nesse sentido, Lobo e Pinheiro apresentaram uma proposta, em fevereiro de 1934,
argumentando que alguns camaradas temiam uma mudança de linha muito brusca, apenas porque
a liga era uma organização pequena e as resoluções por ela tomadas não tinham tido repercussão
externa. No entanto, a liga havia tomado resoluções consecutivas paralelas ao desenvolvimento da
sindicalização oficial. Seria preciso organizar o proletariado. Os conflitos entre os sindicatos oficiais
e o Ministério do Trabalho reformavam a própria Lei de Sindicalização. A revogação dessa lei só se
daria no fim do processo de organização do proletariado. Se a burguesia paulista chegasse ao
poder e revogasse a Lei de Sindicalização, os sindicatos oficiais se transformariam em
organizações livres. Se a liga não agisse imediatamente, ficaria com os princípios, mas separada da

850
Loc. cit., f. 82.
851
Informações à Superintendência de Ordem Política e Social. Prontuário do Sindicato dos Trabalhadores
em Transportes Terrestres, n.º 124, f. 28. DEOPS/SP.
852
Informe Reservado de 1/3/35. Prontuário da Frente Única Sindical ou Frente Única Popular, n.º 3.278,
f. 77. DEOPS/SP.
853
Relatório Reservado do inspetor Luiz Novaes. São Paulo, 2/9/35. Prontuário da Frente Única Sindical
ou Frente Única Popular, n.º 3.278, f. 91.
854
Loc. cit.
massa. O projeto não seria uma mudança de atitude, mas um plano estratégico. A lei de
sindicalização visava obter para os tenentes o apoio do proletariado e, ao mesmo tempo, tinha um
intuito fascista — impedir a organização da massa. O argumento principal do projeto era a defesa
da sindicalização livre. A organização oficial não seria automática; por algum tempo ainda haveria
lutas entre as duas formas de sindicalização.
Quanto à deputação de classe, em princípio Lobo e Pinheiro eram contrários a ela, mas
consideravam que a liga deveria apresentar candidatos próprios, como um meio para ir destruindo
os laços sindicais com o Ministério do Trabalho. Os oposicionistas deveriam ir ao plenário da FOSP
com o seu programa de ação, além de explicá-lo em A Lucta de Classe e lançarem um grande
manifesto nesse sentido. Lutariam sempre pela autonomia sindical, como bandeira, e pela reforma,
como tática.855
A grande repressão posterior a novembro de 1935 liquidou quase inteiramente o
sindicalismo revolucionário. Não obstante, uma relação de sindicatos com infiltração comunista,
datada de 13/10/37, dá conta da resistência das idéias plantadas pelos “extremistas” nos meios
proletários. Dos 15 sindicatos arrolados, onze foram considerados pela polícia como profundamente
influenciados pelos trotskistas, stalinistas e anarquistas, continuando, mesmo nas duríssimas
condições de 1937, a expressar esporadicamente posições revolucionárias.
O Sindicato dos Trabalhadores Gráficos — nota o relatório — fora viveiro de “comunistas
de larga atividade, tais como Aristides Lobo, João Matheus, Víctor de Azevedo Pinheiro e muitos
outros. Desse Sindicato têm saído as maiores agitações, tais como greves, manifestações públicas
contra os poderes constituídos, apoios a organizações extremistas, etc. Seu prontuário, na
Delegacia, é vasto e são inúmeras as informações nele existentes”.
O Sindicato dos Contadores era dirigido por Paulo Américo Sesti, Mário Pedrosa, Aristides
Lobo, Lívio Xavier e outros líderes comunistas-trotskistas. Havia dado sua adesão ao Congresso da
Juventude Estudantil e ao Congresso Sindicalista Municipal, ambos criados pelo PC. Apoiara a
Coligação dos Sindicatos Proletários de São Paulo, que depois havia concorrido às eleições de
outubro de 1934, com a denominação: “Partido Socialista Brasileiro e Coligação dos Sindicatos
Proletários de São Paulo — Pela emancipação dos Trabalhadores”. Efetuara, ainda, vários
comícios públicos, de parceria com organizações extremistas.
O Sindicato dos Condutores de Veículos, segundo o mesmo relatório, tomava parte em
todas as manifestações de caráter extremista, ora apoiando e auxiliando a Frente Única Sindical,
ora dando público apoio a comícios políticos. Era infiltrado por elementos do antigo Sindicato dos
Profissionais do Volante, do qual faziam parte trotskistas (“Tigre”, “Satan”, “Felin”...).
O Sindicato dos Marceneiros, Carpinteiros e Classes Anexas de São Paulo, em 8/11/35,
presidido por Francisco Bianchini, foi intimado a se desligar do Congresso Sindicalista Municipal, em
virtude das finalidades extremistas deste último. Era considerado comunista, ainda em 1937. Os
trotskistas exerceram militância ativa nesse sindicato.
O Sindicato dos Operários Metalúrgicos abrigava oposições de apoio à extinta ANL e a
vários movimentos de caráter comunista. Dele participavam elementos esparsos que faziam
propaganda comunista. Nesse sindicato atuaram os trotskistas.
O Sindicato dos Comerciários aderiu ao 1.º Congresso da Juventude Estudantil. O seu
núcleo aliancista era um dos mais importantes da ANL. Em sua sede foi realizada uma reunião da
Frente Única Antiintegralista. Com vários outros sindicatos, assinou um manifesto — de
responsabilidade da Liga Comunista — convidando os trabalhadores para uma reunião, na qual o
tema era: “Pelas liberdades”. Aderiu à Frente Única Sindical. A polícia nota que as organizações
citadas foram criadas por trotskistas, que detiveram, por anos, grande influência nessa associação,
e que Aristides Lobo era um dos comerciários mais ativos presentes nesse sindicato.
O Sindicato dos Empregados da Light fora cooptado pela polícia e exercia uma política
puramente sindical. O sindicato verdadeiramente extremista denominava-se "Sindicato dos
Operários em Tração, Luz e Força de São Paulo", que fora fechado em conseqüência de sua
provada atividade comunista.
O Sindicato dos Tecelões, uma das classes mais agitadas de São Paulo, havia se ligado
francamente ao PC. No passado, fora dominado pelos libertários e conhecera a militância dos
trotskistas.

855
Ata da Reunião Ampliada da CE, em 18/2/34. FLBX.
O Sindicato de Construção Civil, desde 1922 dera provas de sua atividade subversiva,
organizando grupos para atos de sabotagem nas obras. Em 1932, quando era aderente da
organização anarquista “Federação Operária de São Paulo”, fazia-se representar em todas as
comemorações anarquistas e datas comemorativas (1.º de maio, 23 de agosto, etc.). Ligara-se à
Frente Única Sindical, ao Congresso Sindicalista Municipal e a outras organizações comunistas. Em
sua sede, o Socorro Vermelho Internacional havia realizado uma reunião. Pertenciam a esse
sindicato todos os detidos em 1935, por ocasião do movimento revolucionário, em cujas casas
foram encontrados materiais explosivos, por eles mesmos fabricados. Havia uma minoria trotskista
nesse sindicato.
O Sindicato dos Empregados em Hotéis e Restaurantes, anteriormente a 35, emprestara
seu apoio a organizações extremistas. Nele atuavam os trotskistas, como minoria.
O Sindicato dos Bancários, até as vésperas do dia 7 de outubro de 1935, esteve sob a
influência trotskista, porém daí em diante passou a ser influenciado pelos stalinistas, por intermédio
de Álvaro Cechino e outros.
Sem antecedentes “subversivos” estavam os Sindicatos dos Ladrilheiros, dos Vassoureiros
e Vimes, dos Empregados em Açougue e o de Fumos e Cigarros.856

6. Organização partidária e militância (1932-1936).

A LC realizou um processo de autocrítica, em 1933, dando um balanço de sua atuação.


Este balanço reconhece que a constituição da Liga Comunista fora ditada mais pela pressão dos
grandes acontecimentos políticos da época, e pela impaciência dos militantes oposicionistas do que
pela análise objetiva da força que teriam eles sobre o movimento proletário. Ocorrera, então, um
processo de sobrestimação das forças e das possibilidades da OE, e esta se lançara em processos
de agitação de massa, recrutamento intensivo, publicação de dois órgãos — A Lucta de Classe e o
Boletim da Oposição — , agitação pela Constituinte, conquista da rua, editoriais, etc. Esses projetos
acabaram por não se realizar, pois a reação quase destruiu a LC e a maior parte dos recrutamentos
foi perdida. A LC entrara, então, numa fase que "quase foi o reverso da primeira", marcada pela
ausência de recrutamentos, publicações, atividades exteriores. As reuniões de grupos de base
variavam sempre de composição e interessavam quase só os elementos mais adiantados
ideologicamente. Só depois da Revolução Constitucionalista, a LC se reorganizara. A Conferência
Nacional então decidira concentrar seus esforços na publicação quinzenal de A Luta de Classe, na
organização de cursos — para a preparação e educação teóricas dos militantes —, e no trabalho
nos sindicatos, em torno dos núcleos que ali deveriam ser formados.857
A partir de 1933, como vimos, a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, facilitada pela
divisão causada no proletariado alemão pelo Partido Comunista da Alemanha — com a teoria do
social-fascismo —, fez com que os trotskistas reavaliassem a questão da III Internacional,
considerando-a perdida para a revolução. Lançaram, nesse sentido, a idéia da necessidade de uma
nova Internacional, a IV, que passou a ocupar grande parte da atenção dos trotskistas.
Erros e desvios stalinistas, como sempre, formam o pano de fundo das análises
revolucionárias da liga. A estratégia de tentar arrancar o PCB do stalinismo constituiu o eixo das
atividades teóricas e práticas da Oposição de Esquerda.
A Secretaria-Geral da liga, em razão das prisões e das perseguições contínuas que
atingiam Aristides Lobo, foi exercida esporadicamente por “Tapejara” (Plínio Melo) e "Spartacus"
(João Matheus). Com a grande repressão que ocorreu após o fracasso do Movimento de 32, a liga
passou a viver uma fase de evidente declínio: as reuniões, mais espaçadas, eram assistidas por
poucos militantes. À de 26 de maio de 1932 compareceram “Tigre”, Xavier, Lobo, Matheus, Manoel
Medeiros e “Guido”. Essa reunião continuou, provavelmente, uma outra realizada dois dias antes,
pois, de modo geral, os oposicionistas conseguiram reunir-se apenas uma vez por mês, nesse ano.
Na sessão de 26 de maio foi aprovada a ata relativa a 30 de abril, fato que vem a demonstrar o

856
Relação de Sindicatos com Infiltração Comunista. São Paulo, 13/10/37. Prontuário n.o 37, v. 2.
DEOPS/SP.
857
Relatório Apresentado pela Comissão Executiva à Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista,
assinada por "Miguel" (Mário Pedrosa), pela CE "passada". FLBX.
ritmo mensal das reuniões da liga. Nesse dia, o secretário começou a reunião propondo o
pagamento urgente das mensalidades, dada a precariedade das finanças da liga.
A fim de extrair experiência de um ano de atividade e reorganizar as atividades da liga, a
Comissão Executiva mobilizou-se para preparar a realização da Primeira Conferência Nacional,
traçando um programa de assuntos e problemas a discutir, tendo sido então indicados para
relatores das diversas teses “os camaradas mais responsáveis”. A não ser a tese sobre a situação
nacional, a cargo de Lívio Xavier, as demais teses foram lançadas em projeto, por camaradas
indicados, e discutidas, modificadas e aprovadas coletivamente pela CE. Na ausência de meios
para publicação das teses ou do jornal, resolveu-se mimeografá-las, sob a forma de boletins de
discussão interna, para uso dos camaradas e para a discussão em grupos, como preparação à
Conferência Nacional. As delegações deveriam ser eleitas diretamente pelos grupos, a fim de ser
dada à base a maior representação possível.858
Como parte das atividades da organização, o trabalho editorial prosseguiu mesmo durante
os períodos mais agudos da repressão. O Bolchevique, editado por João Matheus — secretário do
Comitê Regional do Rio de Janeiro —, enfocou a questão da Constituinte, mas foi criticado pelos
companheiros por não ter inserido uma única palavra de ordem "pela liberdade dos bolcheviques-
leninistas presos na URSS e pela reintegração no Partido", fato lamentável, “ainda mais por ser um
número comemorativo da data de 1.o de Maio”. O Comitê Regional foi também criticado por ter
editado o Bolchevique sem consulta prévia, e sem que se discutisse a necessidade daquela
publicação, pois o órgão oficial da liga não estava saindo em São Paulo por falta de recursos
financeiros. A atividade jornalística do Rio de Janeiro deveria manifestar-se por meio de A Lucta de
Classe e não de outros órgãos, que a liga não teria forças para alimentar juntamente com os que já
possuía. Além disso, era um "indício alarmante da falta de iniciativa e da negligência dos
camaradas" a CE ter recebido 30 exemplares por intermédio de um camarada recém-chegado ao
Rio, há muito tempo deportado, um mês e meio após a publicação do jornal.859
O Boletim mereceu crítica severa: ou ele tinha sido transformado em órgão interno,
fechado, e neste caso a inserção do manifesto anti-”cavaleiro” era inútil; ou, embora mimeografado,
continuava como um órgão aberto para o público, e neste caso era um absurdo o que se dizia “à 2.ª
página, de caráter estritamente secreto”. A resposta ao “cavaleiro” fora publicada no Diário da Noite,
mas isso não bastava, era preciso torná-la mais conhecida, publicando-a em forma de boletim, de
volante, para ser distribuída e afixada.860
Mais tarde, Aristides Lobo, o autor da crítica acima — escondido da polícia, ou “refugiado”
—, escreveu uma violenta catilinária contra a organização:

“Falemos claramente: a CE existe ou não existe? E a autorização para a


minha ida? Não vão depois, quando eu chegar aí, dizer que sou 'indisciplinado'
e outras coisas para uso externo. Escrevi não sei há quanto tempo! Não me
respondem. Isso é uma brincadeira ou o que é? Posso ou não seguir? Onde
devo deixar aí a minha mala? Irá alguém esperar-me? (...) O tempo corre e
nem resposta da CE veio até agora. É uma vergonha, é uma merda, é uma
imoralidade. Não sei em que dará isso. Acabo seguindo de qualquer forma,
empregando-me como qualquer miserável lixeiro, mergulhando nas camadas
mais inferiores do proletariado, desistindo das relações com vocês, tentando
começar tudo do princípio, com gente nova, que tenha consciência do que é
ser revolucionário." 861

A repressão "tremenda" dominante após a Revolução Constitucionalista aprisionou


Aristides Lobo, Víctor Pinheiro, Mário Pedrosa, Mary Houston, Manuel Medeiros, além de um
camarada inexperiente, que havia aderido dias antes à liga. Lívio Xavier foi obrigado a se esconder.
Com a neutralização dos quadros dirigentes, improvisou-se uma CE para manter ligação com os
membros restantes e continuar os trabalhos da organização. Ao terminar o levante paulista, a

858
Carta-Circular da CE aos Camaradas. São Paulo, 16/6/1932. FLBX. Ms.
859
Doc. cit.
860
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. 15/2/32. FLBX. Ms.
861
Carta de Aristides Lobo a Lívio Xavier. 15/2/32. FLBX. Ms.
atividade da LC estava reduzida a três ou quatro camaradas. A CE foi reorganizada provisoriamente
e resolveu concentrar toda a atividade na publicação de A Lucta de Classe, que não mais saíra
depois de maio de 1931. Conseguiu-se, assim, a publicação do número 8, em formato pequeno,
enquanto se tratava de conseguir meios para a saída regular do órgão oficial da LC. Foram
organizadas listas de subscrição permanente em São Paulo e no Rio. Um dos exemplares destas
listas permanece no Fundo Lívio Xavier e reúne 23 nomes de simpatizantes e militantes da
Oposição:

Lista de subscrição para publicação do jornal A Luta de Classe


Nome registrado Identificação Quantia
Oswaldo Andrade Oswald de Andrade 30.000
Gusmão Clóvis de Gusmão 30.000
Macedo Miguel de Macedo 30.000
Nabov ? 2.000
Vítor Víctor de Azevedo Pinheiro 30.000
Falcão ? -
Pintaúde Salvador Pintaúde -
Nelson ? -
Geraldo Geraldo Ferraz -
Freitas ? -
Luiz Schimidt Luiz Schmidt -
Thimóteo ? -
China ? -
Araújo ? -
Adour Jayme Adour da Câmara -
Figueiredo ? -
Carmo ? -
Marzagão ? -
Dimas ? -
Light - -
Bloem ? -
Graciotti ? -
Plínio Salgado Plinio Salgado862 -

Com a razia de 1932, a Conferência Nacional foi adiada, pois a LC estava quase acéfala,
com a deserção e o abandono de vários aderentes que não tinham resistido à prova da repressão,
e do nenhum resultado dado pela tentativa de discussão preparatória dos projetos de teses nos
grupos de base.863
A Revolução Constitucionalista constituiu o evento que maior impacto produziu nos
destinos dos oposicionistas — do desbaratamento de suas ralas fileiras à política que passaram a
adotar, dadas as novas circunstâncias da política local, nacional e internacional.
As atividades da LCI sujeitavam-se às circunstâncias do momento, isto é, ao possibilismo
da ação, sob a sombra ameaçadora da Superintendência da Ordem Política e Social.
Aristides Lobo e outros trotskistas foram feitos prisioneiros. Do Rio de Janeiro, Lobo
escreveu a Plínio Melo dizendo que a burocracia recuava no Rio, desmoralizada pela capitulação
dos stalinistas durante a greve de fome no presídio. Em São Paulo, corria a notícia que todos da liga

862
FLBX. Ms.
863
Editorial de A Luta de Classe, de 5 de outubro de 1932.
tinham sido fuzilados (Pedrosa, Xavier, Lobo).864 Melo consultou Pedrosa sobre a sua prisão e a
situação da liga, e pediu a Conferência Nacional.865
Em 5/11/32, realizou-se uma reunião à qual compareceram Medeiros, Xavier, Pedrosa,
Pimenta, Rossini e “Luga”. O encontro aprovou a proposta de Lobo pelo formação do núcleo na
UTG, rejeitando a proposta de o núcleo continuar na Associação dos Empregados do Comércio.866
Alguns dias mais tarde, essa posição foi modificada: em 3/12/32 a CE — com a presença de
Medeiros, Xavier, Matheus e Pedrosa — achou conveniente que Lobo não deixasse o sindicato “B”
(dos comerciários), e quanto à sua entrada no sindicato “A” (dos gráficos), resolveu entregar o caso
ao núcleo gráfico, sobre a conveniência ou não da sua entrada imediata.867
No dia 18/12/32, Xavier, Pedrosa, Matheus e dois camaradas do grupo idiomático
decidiram fazer uma reunião de mulheres.868
O movimento da tesouraria da LC efetuado em abril de 1933, tendo em vista a realização
da Primeira Conferência Nacional da organização, é um documento precioso para a avaliação da
militância dos opositores. Por ele, podemos verificar que as preocupações fundamentais dos
opositores repousavam no campo do debate teórico para a conscientização da classe operária.
Seus esforços concentravam-se na publicação de A Lucta de Classe, que consumia a maior parte
dos recursos duramente arrecadados pelos militantes. Acompanhemos abaixo os quadros de
receitas e despesas da liga:

Movimento de tesouraria da Liga. Novembro de 1932 a abril de 33. Receita.


Meses Mensalidades Vendas de Do Rio Listas de Donativos Total
jornais subscrição avulsos
Nov. 32 20$000 1$200 105$000 23$000 -- 150$000
Dez. 32 20$000 -- -- -- -- 20$000
Jan. 32 24$400 13$600 -- 165$000 22$200 225$000
Fev. 33 18$000 24$000 -- 25$000 -- 67$000
Mar. 33 16$000 20$000 (3) 146$400 -- -- 182$400
Abr. 33 -- -- 150$000 95$000 70$000 315$000
Total 98$400 58$800 401$400 308$800 92$200 959$600

João Matheus, o tesoureiro da liga, esclarece que as despesas foram feitas para a compra
de: papel, carbono, selos, envelopes; e películas, papel e tinta para mimeógrafo. A liga conseguira
10$000 pela venda de dois exemplares do livro Revolução e Contra-Revolução na Alemanha, na
UTG. Em “nota”, Xavier informa ter escriturado à parte o produto da venda de 15 exemplares do
folheto O que é a Revolução de Outubro, num total de 22$000, e as subscrições para os camaradas
alemães, que até o momento montavam a 409$000.869
Observe-se que a situação inicial da liga, já explicitada no capítulo anterior, mantém-se a
mesma — de novembro de 1932 a abril do ano seguinte. As dificuldades financeiras dos militantes
da OE explicam o pequeno montante das mensalidades arrecadadas, obrigando-os a se utilizarem
de artifícios diversos para o equilíbrio da receita. O resultado era fatalmente deficitário. Assim, a
receita total da LC, no semestre, fora de 959$600, acrescidos de um saldo de 30$100 do período
anterior, resultando em 989$700. Como a despesa montara a 1:103$100, restou um déficit de
113$400.
Mais da metade da arrecadação — 775$000 — empregava-se na publicação do jornal da
liga. Em ordem descendente, registram-se 85$000 para impressos, 80$000 para películas, papel e
tinta para mimeógrafo, 59$200 para despesas com o sindicato "A" (a UTG), 50$000 para publicação

864
Bilhete de Melo a Lobo, de 10/10/32. FLBX. Ms.
865
Bilhete de Melo a Pedrosa, de 10/10/32. FLBX. Ms.
866
FLBX.
867
FLBX.
868
FLBX.
869
FLBX.
no Diário de S. Paulo, 38$900 para papel, carbono, selos, envelopes, etc., e 15$000 de despesas
com um camarada do Rio.870
Com o objetivo de manter ligação mais estreita com os grupos de base, a CE resolveu
distribuir quinzenalmente um boletim de informações, destinado a circular exclusivamente dentro da
organização.
O número 1 desse boletim conta que haviam aderido à liga dois elementos vindos do PC,
os camaradas “Rumich” e “Vargas”, que foram designados para os grupos GB2 e GB1.
A vida mais do que espartana — que se depreende do balanço orçamentário da LC —
atingia limites extremos nas ocasiões freqüentes em que camaradas iam para a cadeia. Como as
comissões da prisão e o Socorro Vermelho Internacional estavam controlados pelos stalinistas, os
opositores de esquerda em São Paulo eram obrigados a realizar prodígios para acudir os
companheiros, vítimas da repressão. Meios materiais tiveram também que ser conseguidos para a
realização de quatro conferências nacionais da liga, que ficaram, em grau menor ou maior,
registradas nos arquivos.

7. As Conferências Nacionais da Liga Comunista.

A Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista aconteceu em São Paulo, de 6 a 10 de


maio de 1933. O objetivo principal da reunião foi o de discutir as resoluções da Pré- Conferência
Internacional da Oposição de Esquerda. Este foi o encontro mais importante da liga, realizado num
momento em que os oposicionistas passavam por um dilema crucial: deveriam continuar como
fração do Partido Comunista, integrados à 3.ª Internacional, ou deveriam se declarar como um
partido independente e, portanto, pensar na realização de uma nova Internacional?
Por uma dessas raras e felizes circunstâncias para a pesquisa histórica, a documentação
relativa à CN conservou-se na sua inteireza. O FLBX guarda as 54 páginas datilografadas das atas
das reuniões, além de numerosos estudos, relatórios e teses sobre os assuntos tratados, dando
conta do intenso sistema de trabalho dos oposicionistas, do universo de relações e das forças em
confronto no interior da LC. Os historiadores têm, pois, ocasião de verificar não apenas as coisas
que foram ditas no decorrer da CN, mas sobretudo a maneira como foram ditas. As discussões dos
camaradas denotam as reflexões, a atividade e a sociabilidade por eles mantidas — no âmbito da
liga e fora dela. O estilo é da oralidade e, inevitavelmente, polêmico. A conferência foi
estenodatilografada, preservando, portanto, os pormenores e a dinâmica das teses apresentadas.
As sessões foram lideradas por Aristides Lobo, secretário-geral da LC, e por Pedrosa — em geral
em campos opostos.
No primeiro dia da CN, foram contemplados os tópicos seguintes: situação internacional;
questão nacional; questão agrária; oposição e partido; questão sindical; URSS; imperialismo; jornal;
campanha eleitoral; relatório geral da atividade da LC e relatório sobre a tesouraria; estatutos;
eleição da CE; escolha do delegado à Conferência Internacional.
Pedrosa, designado como relator da situação internacional, discriminou vários tópicos, à luz
dos ensinamentos de Trotski. Na Espanha — disse Pedrosa — o partido não soube como portar-se
e as últimas notícias diziam que fora tentada uma fusão entre o Partido Comunista e o Partido
Socialista, contando com 3.000 e 4.000 aderentes, respectivamente. Na Inglaterra, uma ala
esquerda do Labour Party se radicalizara, tomando atitudes democráticas. As palavras de ordem da
2.ª Internacional estavam arrastando as massas. Por outro lado, existia o movimento fascista. Na
França, o PS estava demagogicamente entusiasmando multidões, e se apresentava como
substituto do PC. Na URSS, já se iniciara o movimento “termidoriano”, e a Oposição de Esquerda
deveria demonstrar seu apoio a movimentos insurrecionais que ali se produzissem. A questão da
URSS ocupou as preocupações dos camaradas. A respeito, Pinheiro manifestou-se contra a idéia
— que já havia sido formulada por Lobo — da existência de dois partidos sob o regime soviético.
Essa idéia, considerada “monstruosa” por Pedrosa e Pintaúde, foi explicada pelo seu autor:

“Os camaradas que classificaram de desvio monstruoso a minha opinião


sobre a existência de dois partidos na URSS não conseguiram me comover.

870
Doc. citado.
Quero chamar a atenção dos camaradas para o seguinte: estamos tratando
de uma questão muito séria, da qual dependem os destinos da Revolução por
muitos anos. Nós já estamos cansados da demagogia da burocracia, usando
de uma fraseologia revolucionária para esconder uma política contra-
revolucionária. Nós não somos fetichistas e sim marxistas. Numa carta que
dirigiu aos camaradas búlgaros, o camarada Trotski definiu a ditadura do
proletariado muito bem. Ele mostra a importância do Partido no que ele chama
uma cadeia que constitui o regime existente na URSS, e mostra que o
comprimento do elo — que é o partido — põe em perigo todo o regime. É
precisamente isso que está se dando na URSS agora. O partido não existe
como partido. Está minado por uma burocracia. Se é uma questão de palavra,
eu retiro a expressão de partidos paralelos. (...) O camarada Neif pergunta
qual é a contradição na URSS. Há um mundo de contradições. Nós sabemos
que a ditadura do proletariado é baseada na união dos proletários a
camponeses. Existe portanto o interesse dos camponeses. O camarada
Pedrosa reconhece que a burocracia stalinista está apodrecida e é contra-
revolucionária, mas acha que simplesmente porque ela tem nas mãos a
bandeira do comunismo, ela representa os interesses do proletariado. O PC
russo até agora representou os interesses do proletariado russo. Nós
podemos ter a idéia de um segundo partido, uma vez que a Oposição verificar
que o PC russo não representa os interesses do proletariado russo.”

Lobo continuou a sua exposição: na Alemanha, o stalinismo havia transformado a questão


social num caso de polícia. Esta, sem resistência nem luta, dissolveu e fechou as organizações
revolucionárias. A enunciação desse fato parecia tornar claro que uma guerra contra a Rússia era
um perigo mais imediato do que uma guerra civil, pois para consolidar o fascismo na Alemanha não
foi preciso nada mais do que a polícia. Logo, o perigo de guerra contra a URSS continuava na
Alemanha. No Extremo Oriente, pelo contrário, esse risco era improvável. Mas, em todo o mundo,
não se podia mais contar com a atuação da IC para a defesa da URSS contra agressões externas.
A “Questão da Internacional Comunista” compôs a pauta das discussões. Lobo ressaltou
que o que aconteceu em todo o mundo aconteceu na Alemanha, onde o partido era proletário:

“Mesmo ali, o partido já era um cadáver. A IC, hoje, é um vasto cemitério.


Cada PC é um cadáver. O que existe de vivo é a OE que foi amputada da IC
em todo o mundo. Se ainda não existe uma quarta internacional, é porque
existe a tradição revolucionária, que ainda se acha presa à Terceira. A vida do
proletariado está atada a essa tradição. Se se inverter o Estado Proletário, a
Terceira Internacional naufragará. A IC não é fator de ânimo, mas de
desânimo.”

Xavier pediu a Lobo que lesse o relatório que ele — Xavier — fizera sobre a questão
nacional. Esse relatório foi vivamente criticado por Pedrosa e Pintaúde, e defendido por Lobo. Em
resposta às críticas, disse o último que a superestrutura do Império correspondia ao esquematismo
de classe.
Na sessão de 7 de maio, Pinheiro apresentou um trabalho sobre a questão agrária no
Brasil, também criticado por Pedrosa e Pintaúde. Pinheiro respondeu que a sua intenção, ao
elaborar o relatório, fora a de caracterizar a questão agrária brasileira, tarefa não realizada pelo PCB
em virtude de suas teorias falsas sobre as “grandes massas camponesas”.
Lobo foi designado relator da questão referente à permanência da LC como fração ou a
sua transformação em partido. O relatório de Lobo considerou que para os comunistas o partido só
tinha valor como instrumento da Revolução Proletária. Fora daí, não apresentava nenhum
interesse. Se isto era verdade, os oposicionistas absolutamente não se poderiam impressionar com
o simples fato de um partido se chamar comunista. Uma vez que eles reconhecessem que ainda
existia na União Soviética a ditadura do proletariado, seriam obrigados a reconhecer que ainda
existia a 3.ª Internacional. Os oposicionistas se colocaram como fração dentro da IC, lutando para a
regeneração do partido, no sentido de se voltar ao regime de Lenin, isto é, ao centralismo
democrático. Eles tinham surgido na URSS justamente no momento em que não só uma política
errada reclamava essa atitude dos bolcheviques, como porque começava a ser destruído dentro do
partido o centralismo democrático. Isso ocorrera em 1923. No momento da Conferência,
constatava-se que os quadros do partido tinham sido renovados por depurações e por elementos
novos que entraram já não sob o signo do leninismo, mas sob o signo do stalinismo. Ademais, a
iminência do desmoronamento do Estado soviético estava coincidindo com o maior acontecimento
da história revolucionária depois da revolução russa — a derrota do proletariado alemão. Esses
fatos, uma vez que os oposicionistas reconheciam a existência do Estado proletário e uma vez que
ainda existia a 3.ª Internacional, poderiam indicar aparentemente que eles deveriam continuar com
a política de fração, lutando, como pretendia Trotski, pela democracia interna no partido. Entretanto,
seria um contra-senso admitir que a base do partido iria se manifestar pela Oposição de Esquerda,
ou reagiria contra a burocracia que a dominava. O proletariado revolucionário não mais podia se
manifestar dentro da IC como vanguarda. Não existia discussão, existia simplesmente execução de
ordens.
Lobo declarou-se contrário às críticas exageradas ao partido — o responsável pelo
lançamento da UTG na ilegalidade não fora o partido, mas a polícia. Também considerava que o
jornal dirigido à área sindical — decidido pela CN — não deveria ser sectário, porque a massa não
era comunista e por isso não seguiria um jornal que viesse diretamente de uma organização
comunista.
Na sessão de 8/5/33, Pedrosa observou que, em 1927, quando a oposição foi expulsa do
partido, a luta tinha-se travado entre a oposição — que queria acelerar a industrialização da URSS
— e a direita — que negava as possibilidades dessa industrialização, e fazia acordos com os
camponeses ricos. Mais tarde, o camponês teve bastante força para esconder o trigo, para que o
proletariado fosse rendido pela fome. Isso forçou a burocracia a usar de violência contra os
camponeses, e por isso ela ”arrancou algumas páginas da plataforma da oposição e fez o plano
qüinqüenal”. Com os sucessos alcançados nos primeiros anos, a burocracia conseguiu o apoio do
proletariado, durante o período de entusiasmo em que se queria alcançar e ultrapassar os países
capitalistas. Quando o primeiro plano qüinqüenal terminou, a burocracia percebeu que a massa
estava descontente, por causa da contradição entre o plano e os interesses do proletariado. Para
conter o povo, Stalin criara um Estado policial e pretendia resolver os problemas econômicos pela
força, recorrendo a expurgos nos quadros do partido. Pedrosa acusou Lobo de subestimar o papel
da Oposição de Esquerda na URSS. Ele (Lobo) reconhecia que fora a oposição que levara a
burocracia à industrialização, mas achava que no momento a oposição não mais exercia pressão
sobre o partido. Pedrosa, diversamente, achava que o partido deixara de existir, mas existia o seu
sucedâneo que era a relação entre a oposição e o aparelho.
Lobo respondeu que Pedrosa queria que a oposição continuasse como fração, apoiando os
candidatos do stalinismo e seguindo o partido em sua ação. Ele, pelo contrário, desejava a
transformação da OE num partido. Designado como relator, Lobo apresentou uma tese sobre a
transformação da liga em partido e a organização de uma IV Internacional, de acordo com as
considerações abaixo, que expõem as reflexões dos oposicionistas de esquerda sobre a URSS e a
3.ª Internacional:

“ a) a linha quebrada do centrismo stalinista, composta de inclinações cada


vez menos extensas à esquerda e cada vez mais profundas à direita, evolui no
sentido de sua retificação na linha de extrema direita;
b) a destruição do PC russo como partido torna utópica qualquer reação
pacífica da sua base proletária, asfixiada pela burocracia;
c) a burocracia stalinista prepara o terreno para a reação termidoriana e só
se utiliza da bandeira da IC para uma agitação demagógica que mascare essa
preparação;
d) a reação termidoriana na URSS significaria o aniquilamento da obra da
Revolução de Outubro e, conseqüentemente, a dominação ulterior imediata do
capital ;
e) os stalinistas acabam de coroar as suas traições ao proletariado mundial
com a capitulação diante do fascismo na Alemanha, capitulação que excedeu
as perspectivas mais sombrias da OE e que equivale a uma capitulação diante
da burguesia internacional;
f) já é tempo de considerar a burocracia stalinista como tendo rompido em
definitivo com o internacionalismo proletário e, por conseguinte, com a
Revolução Mundial;
g) a burocracia stalinista realiza, em nome do Estado proletário, uma
política internacional de colaboração de classes, de capitulação diante do
imperialismo;
h) só e só a OIE representa, hoje, a III Internacional e, por conseguinte, só
ela poderá convocar o VII.º Congresso Comunista Mundial;
i) o caráter de fração da OE não corresponde mais à nova situação criada
pelo acabamento da traição stalinista;
j) a OE, tendo começado a existir como um núcleo bolchevique-leninista
dentro da IC dirigida pela burocracia, desenvolveu-se até o ponto
culminante permitido por sua forma organizatória e se transformou,
afinal, embora não formalmente, na própria Internacional, com a qual
deixaram de ter os stalinistas qualquer ligação política”.

Como ocorreu com quase todas as propostas apresentadas por Lobo, Pedrosa votou
contra, sendo acompanhado pela maioria dos presentes. O desentendimento dessas duas
lideranças, que acabou por se exacerbar em outubro de 34, fica claro numa fala de Lobo, quando
ele explicou a retirada de sua proposta sobre a questão de fração e partido, dizendo: “porque sei
qual é o intuito do camarada que levantou essa questão”. O camarada era Pedrosa. Nenhum
esclarecimento a mais foi pedido pelos presentes.871
No debate sobre a questão eleitoral, Pinheiro disse que Pintaúde não tinha razão quando
alegava que a apresentação de candidatos sob uma legenda era uma questão de tática, porque o
que interessava à oposição não era o número de votos, mas levantar a bandeira do comunismo.
A respeito, apresentaram-se duas propostas. Uma, de Lobo, considerou que os
oposicionistas deveriam propor à Conferência Internacional a apresentação de candidatos próprios
nas eleições. Outra, de Pedrosa, achava que a proposta a ser dirigida à CI seria que não se
pusesse como uma posição de princípio a não-apresentação de candidatos da oposição diante dos
do partido.
A segunda proposta foi aprovada. No decorrer da conferência, patenteia-se a oposição de
Pedrosa a Lobo. Antes do encerramento da sessão, “Ruivo” (do grupo de Pedrosa) apresentou uma
proposta de censura a Lobo pelo seu mutismo. Pinheiro (do grupo de Lobo) manifestou-se contra
essa proposta, que acabou por ser retirada.
Sobre a campanha eleitoral, a conferência aprovou — em atenção “às condições
particularíssimas do momento” — a atitude do Comitê Regional da LC, que havia apresentado, para
retirar em seguida, a candidatura de Aristides Lobo para prestigiar os candidatos da União Operária
e Camponesa.
O dia 9/5/33 foi dedicado às “tarefas práticas” da organização. “Francisco” (Pinheiro) foi o
relator da ordem do dia, dedicada a discussões sobre a edição do jornal e a campanha eleitoral.
O relator enalteceu a função do jornal para a liga: ele fazia propaganda, educava novos
quadros, penetrava nos sindicatos, coordenava e ligava os quadros. Porém, a tiragem era pequena:
a circulação de A Lucta de Classe em São Paulo não excedia a 400 exemplares e havia grande
número de leitores estrangeiros, por possuírem estes um grau de cultura social muito mais elevado
do que os trabalhadores nacionais.
Por causa das dificuldades enfrentadas para a edição mensal do periódico, Lobo
apresentou uma proposta desdobrada em vários itens. Além da mensalidade regular, cada
aderente devia entrar com 1$000 por mês para o jornal. Nenhum exemplar seria fornecido
gratuitamente, inclusive para os membros da liga. Haveria, também, listas de subscrição mensal,
em caráter permanente e provisório, para simpatizantes.
O Lucta seria distribuído nos sindicatos e remetido para endereços de simpatizantes e
aderentes do PCB. O trabalho de divulgação e remessa seria distribuído entre os membros da liga.

871
Doc. cit., p. 34.
A matéria publicada seria dividida em: a) teoria e crítica; b) reivindicações imediatas; c) organização
sindical. Ainda se previa a criação de seções estrangeiras, de imediato, em italiano e em alemão. A
comissão de redação seria formada por três membros em São Paulo (Pedrosa, Xavier e “Ruivo”), e
três membros no Rio (Pintaúde, “Leão” e “Lopes”). Os oposicionistas também discutiram a
necessidade de publicar matéria escrita por operários, especialmente quando se tratasse de
assuntos sindicais.
Outro tema da sessão, “campanha eleitoral”, teve “Ruivo” por relator. O debate
estabelecido a respeito é elucidativo sobre alguns problemas surgidos entre a liga e o PC na
questão da Constituinte. Elucidativo, ainda, sobre as origens da cisão “Fernando-Alves“.
“Ruivo” historiou a questão: a liga continuara a agitar a palavra de ordem da Constituinte,
por ser a participação das massas operárias nas eleições uma prova do seu nível político. Nessa
empreitada, a organização tivera que lutar contra o partido que, baseado numa política errônea de
desinteresse completo do que acontecia no campo burguês, disse que a campanha eleitoral só
dizia respeito às frações burguesas em luta, e que o proletariado nada tinha a lucrar com a
Assembléia Constituinte.
Na reunião da CE ampliada nomeou-se uma comissão que devia estudar qual seria a
atitude da liga no período em que a campanha eleitoral entrasse na sua fase prática. Essa
comissão reuniu-se três vezes e, respeitando a resolução da CE, dirigiu uma carta ao partido,
acompanhada de um projeto de programa. O partido, “como sempre”, não respondeu, e continuou
se desinteressando pela campanha eleitoral. Depois, dando uma reviravolta de 180 graus, quando
já estava diante das eleições, requereu a sua inscrição. Mas como não tinha preparado as massas
para apoiá-lo, foi fácil à burguesia rejeitar a sua inscrição, sem levantar o menor protesto das
massas. O partido então “mascarou-se atrás de uma União Operária e Camponesa, incidindo no
erro já conhecido da política stalinista, que é o da criação de partidos paralelos e que só servem
para o oportunismo e para fazer confusão no seio do proletariado”. A liga, como já estava no
período de fechamento do registro, apresentou o camarada Aristides Lobo como candidato,
publicando uma propaganda nos jornais para dar incentivo à campanha. Porém, no último dia,
apareceu nos jornais a inclusão da União Operária e Camponesa. “Ruivo” sustentou a tese de que
os oposicionistas não estavam diante do PC, mas apenas de um partido paralelo, e por isso deviam
manter a candidatura da liga. Mas assim não resolveu a maioria da CE, achando que, quando o
partido participasse das eleições, a liga o apoiaria na propaganda e nas urnas. Com a apresentação
dos candidatos da UOC, a LC retirou a candidatura de Aristides Lobo, “aliás, com prejuízo da
bandeira do comunismo, porque, como quero frisar, é quase certo que o camarada Aristides Lobo
seria eleito, enquanto que os camaradas da UOC não o serão”.
“Ruivo” notou que a atuação da liga teve grande importância, pois dirigiu a campanha
eleitoral, apareceu como a verdadeira defensora do comunismo e substituiu o partido em toda a
linha. A luta entre trotskistas e stalinistas foi relembrada pelo relator. Quando os primeiros se
apresentaram num comício da União Operária e Camponesa para corroborar a campanha em prol
dos candidatos do comunismo, foram violentamente impedidos de falar e postos na rua com os
adjetivos mais fortes, mas conseguiram arrastar consigo mais da metade da assistência e
realizaram um comício fora.
Lobo pronunciou-se sobre o assunto. A candidatura da liga só deveria ser retirada depois
de uma manifestação oficial do PC declarando como seus os candidatos apresentados pela união.
Como o partido não se tivesse manifestado, a candidatura deveria ficar de pé. Até certo ponto,
diante do silêncio do partido, os oposicionistas haviam endossado a união como organização
paralela.
Na reunião do dia 10/5/33 foi apresentado o relatório da atividade da LC e do movimento de
tesouraria, dos grupos carioca e paulista.
O camarada “Lopes” informou que a região do Rio estava reduzida a um pequeno grupo de
apenas cinco aderentes, e desenvolvia uma atividade condizente com as suas forças, distribuindo
material e atuando nos sindicatos. José Matheus, da região do Rio, foi impedido de prosseguir nos
seus trabalhos em virtude de sua prisão, que durou mais ou menos um mês. No dia 7 de abril,
“Lopes” havia sido preso com o “camarada secretário”. Lopes ficou detido por sete horas e o
secretário por 25 dias. Como era este que guardava o arquivo da LC, constando de atas e outros
dados da militância dos oposicionistas, todo o material foi apreendido pela polícia. O primeiro
trabalho que teriam, quando chegassem ao Rio, seria coordenar a atividade e traçar um plano de
trabalho prático para a ação da liga.
Pintaúde, também aderente da região do Rio, continuou o relatório de “Lopes”. No tempo
do Grupo Comunista Lenine, quase toda a atividade da oposição ocorria no Rio. Em São Paulo
quase nada havia. Com o movimento de outubro de 30, por circunstâncias diversas, a maioria dos
camaradas se mudou para a região de São Paulo, o que foi uma grande vantagem, porque lá havia
melhores perspectivas para o trabalho. A região do Rio era topograficamente mais vasta do que a
cidade de São Paulo. Esta era mais concentrada, não só no sentido topográfico, como pelo
proletariado, o que facilitava as atividades. Com a mudança dos camaradas para São Paulo, o
grupo foi transformado em liga e a CE para lá se mudou. Com isso, a região do Rio passou a ser
dependente. O enfraquecimento da burguesia paulista, com a vitória do movimento de 30, fez com
que a situação em São Paulo fosse mais favorável às atividades oposicionistas. A região do Rio
ficou reduzida a uns elementos que se nuclearam e ficaram seguindo a orientação dada por São
Paulo. Logo no início, os poucos membros do Grupo Lenine se reuniram e muitos deles entraram
para a liga. Mas, com o tempo, verificou-se que muitos deles nada faziam pela organização, de
modo que foram automaticamente afastados. O primeiro trabalho dos oposicionistas era promover
a ligação com os membros do partido, realizar o trabalho sindical, distribuir o jornal e, conforme as
possibilidades, lançar um ou outro manifesto sobre os acontecimentos mais importantes. O trabalho
de ligação se fez, mas dispersamente. O resultado desse trabalho foi positivo, porque a repulsa que
os camaradas do partido sentiam para o que eles chamavam de “trotskismo” foi atenuada.
Camaradas que fugiam dos oposicionistas começaram a discutir com eles algumas questões, e
muitos já aceitavam os pontos de vista da liga. O partido, então, sentiu-se ameaçado e viu-se na
necessidade de proibir a simples conversa de seus aderentes com os oposicionistas. Aconteceu
que grande número dos camaradas afastados desse modo do partido ainda não estava
ideologicamente preparado para aderir à Oposição de Esquerda, e muitos camaradas
aproveitaram-se da situação para sair da luta. Na questão sindical, no Rio como em São Paulo, o
núcleo da liga começou na UTG, mas os camaradas eram poucos e a luta contra a UTLJ tomou
toda a sua atividade. O fato de ser o Rio sede do governo tornou esse trabalho extremamente
penoso, pois a corrupção era bastante acentuada. Outra circunstância era que os camaradas que
ficaram na região do Rio foram quase todos membros da Oposição Barbosista. Essa oposição
reunia diversas tendências, os camaradas ficaram muito tempo excluídos da base do partido, e
essas ligações tiveram de ser refeitas inteiramente. Em São Paulo existiam camaradas que haviam
ficado até mais tarde no partido e tinham mais ligações.
Outra crise, no Rio, surgiu por ocasião da deportação de Benjamin Pèret. A apreensão do
material da liga, que estava com ele, desconjuntou a organização. Quando a Liga começava a se
reorganizar, sobreveio nova crise. João Matheus estava no Rio, nessa ocasião, e havia um trabalho
encaminhado no terreno sindical. Matheus e “S.” começaram a fazer uma campanha contra a
sindicalização, aproveitando-se da atitude “infame” da Federação na greve dos sapateiros. Com
isso, conseguiram afastar a corrente que queria a sindicalização. Nessa ocasião, também a UTGB
facilitava o uso de sua sede aos trabalhadores em padarias, e o Sindicato dos Marceneiros
mantinha-se em ligação com os oposicionistas. Apoiado nesses sindicatos, chegou-se a formar um
comitê de frente única pelas reivindicações trabalhistas imediatas. Esse comitê, formado por cinco
membros, possuía dois membros da liga, um agente do Ministério do Trabalho e dois sem linha
política definida. O trabalho se encaminhava, mas “Silva” criou dificuldades, porque no momento em
que o comitê se tinha formado e os próprios membros desse comitê sentiam a necessidade de um
jornal, ele sabotou esse trabalho, levantando uma série de questões sobre a denominação e o
modo de formação do jornal. Após esse fato, ocorreu a prisão de João Matheus, que havia
estabelecido uma corrente de ligação com cerca de 50 membros que se tinham afastado do
partido. O camarada “Ogal” arrastou consigo, no primeiro momento, três ou quatro elementos da
liga, e Pintaúde foi suspenso nessa ocasião. A liga ficou reduzida a seis membros: três gráficos e
três intelectuais. Saíram: Ogal, “Silva”, dois operários gráficos e um sapateiro.
Em seguida, uma discussão “desordenada e confusa” envolveu a questão sobre o direito
de voto dos intelectuais dirigentes do partido. Com o grande barulho da discussão, houve suspeita
de que se tivesse chamado a atenção da polícia, pois vários camaradas ouviram pancadas na
porta. Depois de algumas averiguações, a sessão se reiniciou e Lobo sugeriu que, tendo em vista o
perigo iminente, a sessão fosse encerrada, depois de se proceder à eleição da nova CE, propondo
o aumento de seus membros para sete. Pedrosa apresentou uma proposta de composição da CE
por três aderentes. Aprovada esta proposta, foram eleitos: Pedrosa, Rosini e “Paulo”, como
membros titulares, e Lobo e “John”, como suplentes.
A última sessão da conferência assistiu à continuação do debate que empolgava os
oposicionistas, no momento: a questão da URSS. A discussão baseou-se no Sinal de Alarme e nas
conclusões das Teses sobre a URSS, ambos de autoria de Trotski. O relator designado, Pintaúde,
leu os documentos e a sua proposta.
Pinheiro notou, acompanhando o relator, que as desproporções econômicas haviam
liquidado quase todos os sucessos reais da economia e agravaram a situação política da URSS. A
análise da situação levava a concluir que a ditadura do proletariado oscilava sobre os seus próprios
alicerces. Ele tinha a dizer que Trotski não lançava palavras de ordem de acordo com essa análise,
mas repetia as mesmas lançadas desde a constituição da plataforma da OE, em 1927. A burocracia
soviética apoiava-se nas classes inimigas do proletariado e se isolava completamente das massas:
“houve a formação de uma panela mais concentrada e que tem no centro o cozinheiro de pratos
apimentados”. O partido estava espezinhado e na ilegalidade. Trotski, enfatiza Pinheiro, não
aconselhava uma tática de acordo com os perigos que apontava, mostrando-se, nesse ponto, um
oportunista.
Havia no Brasil — informa Pinheiro — uma tendência, liderada por Lobo, de lançar uma
palavra de ordem quase que insurrecional: a de greve geral, na URSS. O ponto de vista de Pinheiro
não se distanciava muito do de Lobo, exceto quanto ao lançamento dessa palavra de greve geral.
Mesmo no Brasil, a declaração de uma palavra de ordem de greve de uma corporação qualquer
exigia o exame de uma porção de condições. A questão de greve geral decorria imediatamente das
relações de fração na URSS, e era uma questão que não competia aos oposicionistas brasileiros
examinar, por estarem fora do teatro de atuação. Mas achava, mesmo assim, que seria preciso
perguntar: “A questão é a da reintegração da Oposição no Partido. Mas quem vai fazer isso? Será
possível que uma força misteriosa e estranha venha colocar o partido nos seus eixos?” Seria
impossível contar com as próprias forças do partido, pois os seus restos estavam dispersos. O
núcleo mais combativo estava amordaçado, sem movimento.
Pinheiro apresentou algumas sugestões que poderiam ser aproveitadas pelos camaradas
que achavam que as palavras de ordem deveriam ter um conteúdo mais combativo, a fim de criar
nas fileiras da oposição e na massa da URSS a vontade mais decisiva de luta contra a burocracia.
Ele achava que dizer que a oposição, assumindo um papel de ofensiva, estaria lutando com o
Estado operário era um “gracejo”, pois os oposicionistas partiam do princípio de que o partido era a
oposição. Assim, a liga deveria lançar as palavras de ordem: “Abaixo a camarilha de Stalin! Abaixo
a ditadura do aparelho! Viva a ditadura do proletariado!” Em seguida, convocar um congresso
extraordinário do partido, com a participação dos bolcheviques-leninistas e da oposição de direita,
com discussão honesta, à base da democracia soviética e, finalmente, convocar o 7.º Congresso da
Internacional Comunista, que não seria convocado por Stalin.
Lobo, por sua vez, lamentou que não tivesse tido tempo para consubstanciar o seu
pensamento numa tese, mas declarou-se tão sincera e formalmente convencido da justeza do seu
ponto de vista a respeito da posição que a OEI e a Oposição Russa deveriam tomar quanto ao
Estado proletário, que ele escreveria um trabalho para ser enviado à Conferência Internacional.
Lobo entendia que a IC já não mais existia como partido internacional do proletariado. Essa posição
fora assumida pela Oposição de Esquerda, que vivia na ilegalidade. O Partido Comunista Russo era
apenas um letreiro. O centralismo democrático estava completamente anulado nas fileiras da IC e
do PCR. A base proletária de todas as seções da IC estavam definitivamente impossibilitadas de
reagir. Durante dez anos, a tática da OE de lutar contra a burocracia stalinista e a favor do
centralismo democrático esteve certa. No momento, esse recurso estava esgotado. A base reagiu
até onde foi possível, e as conseqüências dessa posição já se tinham verificado. Todos os
melhores elementos já tinham sido expulsos e deportados. Nessas condições, seria idealismo
esperar que uma reação da base do partido pudesse derrubar a burocracia stalinista. Só quando se
desse a derrubada da burocracia poderia renascer a democracia interna. Seria preciso adotar uma
nova tática. A Rússia era o pivot da questão. A vida da IC estava intimamente ligada à vida do
Estado proletário. Sem partido proletário não existia ditadura do proletariado. A base política que
ligava todos os fios da ditadura não existia na Rússia, e a ditadura do proletariado estava
condenada à morte. Mas ainda existiam os restos do governo proletário: os sovietes e algumas
tarefas realizadas pela Revolução de Outubro. Era nesse sentido que os oposicionistas deveriam
aproveitar o que existia e encaixar o partido — isto é, a Oposição de Esquerda — novamente no
sistema do governo proletário. Mas isso só se conseguiria pela força. Não existia contradição entre
o reconhecimento de um Estado proletário e a insurreição armada. E isso era verdade
particularmente na URSS, na qual a ditadura se baseava na aliança entre o proletariado e a
pequena burguesia rural. Esse fato tornava possível uma reação termidoriana pacífica ou, em
outros termos, um movimento de caráter contra-revolucionário, mascarado embora por uma época
revolucionária. Os oposicionistas, como marxistas, não tinham somente o dever de analisar a
situação, mas tinham também o dever de discutir uma tática conseqüente. Não bastava dizer que o
Estado proletário caminhava para a derrocada. Era preciso dizer também o que deveriam fazer para
evitar essa derrocada. O próprio Trotski dizia que o partido não existia. Portanto, o proletariado não
podia derrocar a burocracia no partido, teria que derrubá-la como classe, e como classe o
proletariado, na situação em que estava a Rússia, só teria um meio: a greve geral. A análise de
Trotski constatava a existência na União Soviética do chomage voluntário, quer dizer, a recusa do
trabalho. O proletariado viu que o seu esforço para realizar o plano qüinqüenal não foi compensado.
Chomage voluntário significava greve individual, e era uma manifestação de descontentamento das
massas. Sabia-se que operários nas fábricas se recusavam a cumprir as ordens dos burocratas.
Odessa estava sendo patrulhada pelas forças do exército. A burocracia, diante do perigo, tinha
medo de qualquer manifestação da oposição. A má vontade do proletariado contra a burocracia que
dirigia o seu Estado revelava o crescimento formidável da oposição dentro da URSS.
Lobo rebateu as referências de outros camaradas sobre as dificuldades técnicas para a
preparação de uma greve na URSS, lembrando que ali ainda existia, apesar de muito degenerada,
uma ditadura proletária. E uma greve pelo proletariado num país de ditadura do proletariado era
uma tarefa muito mais fácil do que a formação de um partido comunista ilegal, num país onde
existia a ditadura fascista.
Outro camarada objetou que uma insurreição poderia provocar a intervenção do exterior e
trazer a derrota do Estado proletário. Lobo respondeu que se os oposicionistas fossem esperar a
certeza do sucesso para fazer qualquer coisa, nunca fariam nada. No caso da preparação de uma
greve dentro da URSS, a OE teria que agir como partido, embora não precisasse se chamar de
partido.
No respeitante à questão sindical, a conferência considerou que depois da impossibilidade
de se formar uma frente única colocava-se a questão da unidade sindical. Para tanto, seria preciso
um jornal sindical, sem cor sectária, para o debate e a divulgação dos problemas de interesse da
massa. Os oposicionistas deveriam também organizar socorros nos sindicatos, esportes operários,
conferências, etc.
Rosini ressaltou que, sem a organização de sindicatos fortes, não poderia haver luta
revolucionária. A LC teria que adotar uma política que fizesse com que a massa encontrasse
vantagens nos sindicatos. Ao contrário, os oposicionistas só tinham tido a preocupação de
enxergar, nos operários, uns tantos revolucionários abnegados que se sindicalizavam por
consciência de classe. Seria preciso prender os operários aos sindicatos por meio da criação de
cooperativas de produção e consumo, caixas de indenizações, etc. Apenas por meio de
organizações sindicais sólidas, os oposicionistas poderiam criar uma vanguarda numerosa. A
palavra de ordem de frente única, lançada pelos sindicatos livres, não daria certo, pois tanto a
federação anarquista como a “pseudofederação” stalinista impediriam qualquer trabalho. A LC
deveria terminar com a política de isolamento. Os sindicatos livres deviam penetrar na Federação
Operária para tornar possível a política de frente única, obtendo adesões lá dentro. Os
oposicionistas proporiam então à federação a convocação de um congresso de unidade sindical.
Pinheiro observou que há tempos lançara a idéia de se organizarem sindicatos agrícolas,
idéia que considerava excelente. Esses sindicatos existiam na Rússia. No Brasil, sua criação era
possível. Em Bariri existiam diversos sindicatos que congregavam trabalhadores do campo com os
da cidade. Ele estava de acordo com Rosini sobre a entrada da LC na federação.
Pintaúde tomou a palavra: eles falavam muito do proletariado revolucionário, esquecendo-
se de que eram muito poucos. Não seria mais possível falar em comitês de empresa, uma vez que
todos os sindicatos estavam caindo na federação amarela. A tese sobre o sindicalismo ressentia-se
de uma deficiência apresentada por toda a conferência: as questões de princípio eram aceitas, mas
as de tática eram insuficientes e deveriam ser renovadas. Num período em que era tão difícil
penetrar na federação anarquista a fim de expurgar a vanguarda revolucionária, a única solução era
fazer uma campanha por jornal, que deveria ser o da LC e não um específico para a área sindical.
Xavier, por sua vez, notou que os oposicionistas haviam subestimado as tendências do
movimento, acarretando, como uma das conseqüências, que as teses se encerrassem com
palavras de ordem utópicas.
Para as tarefas imediatas ligadas à questão sindical, os oposicionistas elegeram uma
comissão formada por “Lopes”, Lobo e Pedrosa.
A reunião — aumentada em dois dias, por proposta de Lobo — resolveu que deveria ser
realizada uma conferência sobre a questão agrária e sobre outras questões não suficientemente
aclaradas. O caráter de partido da LC foi aprovado em substituição à fração. Naturalmente, os
oposicionistas entenderam que a responsabilidade da cisão do comunismo recaía inteiramente
sobre a burocracia stalinista, que suprimira a democracia interna do partido.872
No dia 21/5/33 ocorreu uma reunião da LC que continuou a Primeira Conferência Nacional.
Compareceram a ela: Lobo, Pedrosa, Rosini, “John”, “Paulo”, “Neif”, e “Ruivo”. Pintaúde e “Lopes”
faltaram por terem voltado para o Rio, e Pinheiro e “Max”, por doença.
Nessa sessão foi apresentado um relatório, com quadros estatísticos, e se cuidou de
questões de organização.
Pedrosa e Lobo, aparentemente, resolveram os problemas que os separavam. As
propostas de Lobo, rejeitadas anteriormente, receberam votação favorável, e Pedrosa era o
primeiro a acatar as opiniões do camarada.
De início, discutiram-se os direitos autorais dos livros de Trotski e as relações da editora
com a LC. Pedrosa esclareceu que Xavier estava encarregado, pela organização, dessas ligações.
Quanto aos direitos autorais, a questão não podia ser ainda regularizada pela falta de uma
autorização ou procuração de Trotski, para que a OE pudesse reclamar juridicamente esses
direitos. Como a organização era ilegal, a liga havia proposto a Paris que a procuração fosse dada a
Xavier.
Pedrosa, autor do relatório, procedeu à sua leitura, após o que foram apontadas algumas
falhas no documento.
Lobo notou que o relatório não se referiu às modificações por que passara a CE e não
tocou no caso das relações da liga com a Federação Operária, não explicando os motivos porque a
UTG se havia retirado daquela organização. Também se esqueceu de falar na participação dos
oposicionistas nos comícios promovidos pelo partido, um dos quais fora aberto por eles. Da mesma
forma, o relatório não se referiu às ligações com a região do Rio, às ligações com os simpatizantes
e com o Secretariado Internacional, ao funcionamento dos grupos, etc.
“Neif” achou que o relatório devia ter exposto as causas da deserção de alguns camaradas,
sobretudo porque alguns desertores saíam fazendo campanha contra a LC e a antiga direção.
“John” lembrou que Matheus tinha sido membro da CE como tesoureiro e o relatório nada
falava sobre a sua atividade. Não era justo que a tesouraria, de abril para maio, não tivesse sido
feita.
Rosini considerou falho o relatório em todos os sentidos. Não falava da atividade política da
liga em 1931, e das punições de companheiros por motivos de divergências. Era preciso que o
relatório relembrasse todos esses processos. No Rio, por exemplo, não se tratou do caso de “Silva”.
Devia constar do relatório a atividade de cada membro, os erros individuais.
Pedrosa respondeu que as observações de “John” e Rosini não tinham razão de ser. Já as
de Lobo tinham mais cabimento.
A discussão foi encerrada e o relatório geral e financeiro aprovado, com o acréscimo de
dois pontos propostos por Lobo: a retirada da UTG da FOSP e a abertura de um comício do partido
por um membro da liga.
Os oposicionistas passaram à discussão dos estatutos da liga, relatados por Lobo, que
poderiam ser aceitos com algumas modificações, uma vez que depois dos quatro primeiros
congressos houve o desenvolvimento de certos pontos, trazidos pela oposição. Esses pontos foram
discriminados pelo relator. Um deles se relacionava com a necessidade de adotar comissões
idiomáticas, em vez de grupos, para o trabalho especial na colônia. Os camaradas estrangeiros não

872
Atas da Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista. São Paulo, 6-7-8-9-10 de maio de 1933.
Documento datilografado, 54 p.p. FLBX.
se reuniriam em grupo separado, mas trabalhariam misturados aos brasileiros, nos grupos locais.
Também a definição de centralismo democrático deveria ser mais clara, dando direito aos
camaradas, por ocasião das discussões internas, de se ligarem pelo mesmo ponto de vista numa
fração, como já se fazia no sindicato. A organização de uma tal fração facilitaria a discussão e as
decisões a serem tomadas.
Mais uma modificação referia-se às mensalidades e aos deveres dos militantes. Os
oposicionistas deveriam delimitar as funções de cada um, em “deveres dos membros” e “deveres
da CE”. Os camaradas da CE, que já viviam sobrecarregados de trabalho, não deviam pertencer
aos grupos de base. A CE devia ser considerada também como grupo dirigente.
A CE acabou por ser fixada em sete membros: Pedrosa, Rosini, “Paulo”, Lobo, “John”,
“Klassenkampf” e “Ruivo” como efetivos, e Xavier e “Lopes” como suplentes.
As propostas de emendas aos estatutos da liga, apresentadas por Lobo, foram aceitas com
algumas alterações. Pedrosa, por exemplo, sugeriu que o direito de formar frações para
encaminhar as discussões tivesse um caráter provisório. “John” propôs, para o nome da liga, a
adição de “Bolcheviques-Leninistas” entre parênteses, depois de “Liga Comunista, Seção Brasileira
da Oposição Internacional de Esquerda”.
Tendo em vista a realização da Conferência Internacional da LC, foi aprovada a indicação
de Pedrosa para representar a seção brasileira naquele evento. A CE ficou encarregada de estudar
oportunamente os meios financeiros para a viagem de Pedrosa.
Quanto às reuniões da CE e dos grupos, foi aprovada proposta de “Neif” pela qual a CE e
os grupos deveriam se reunir semanalmente, e o secretariado sempre que necessário.
Por proposta de Lobo, decidiu-se a mudança dos pseudônimos adotados pelos camaradas.
Lobo sugeriu que os quadros dos membros da LC fossem revistos, devendo-se levantar certas
exigências para os camaradas que estavam indecisos, como o caso de “L.” e “S.” do Rio, e
acentuou a necessidade de ser investigada a atividade de cada camarada. Pedrosa acrescentou
que deveria ser dado um prazo aos camaradas inativos para voltarem à atividade.873
Problemas ligados à derrota do proletariado alemão pelo nazismo, e a conseqüente criação
de um novo partido pela oposição de esquerda, além da denúncia de que a Terceira Internacional
deixara de ser o partido do proletariado mundial suscitaram a realização de uma Segunda
Conferência Nacional Extraordinária da liga, em 1.º de outubro de 1933, das 10h às 20h30, na
cidade de São Paulo. A ela compareceram: “Gustavo” (Lobo) e “Novela” (Xavier), da CE; “Abaeté”
(José Neves) do GB1-São Paulo; “Andrade” do GB2-São Paulo; “Eloy” (Leite); e os assistentes:
“Korvinus”, “Frederico”, “Red”, “Waldo” (Abramo), “Juliano” (Pedrosa) e “José” (Matheus).
A “ordem do dia” arrolou como temas: a discussão sobre a III Internacional — ligada à
necessidade de se estabelecer a Quarta Internacional; a “questão da URSS”; a mudança ou não
dos 11 pontos adotados pela Pré-Conferência Internacional; e a mudança do nome da organização.
Hilcar Leite (“Eloy”) secretariou essa conferência, presidida por “Red”. Ele dispôs de 30
minutos para apresentar seu relatório, e os demais, de 20, para intervirem.
Lobo (“Gustavo”) foi o relator da “Nova Internacional”. No quadro por ele levantado sobre o
assunto — para fundamentar a proposta de criação de um novo partido e declarar a falência da
Terceira Internacional — figuram os principais problemas internacionais do momento, dos pontos de
vista do partido e da oposição. A começar pelas questões do Partido Comunista Alemão, da
oposição e da Internacional Comunista. Segundo Lobo, a Oposição de Esquerda dizia que se o
PCA e a IC deixassem Hitler subir ao poder sem resistir teriam feito uma traição igual à da social-
democracia em 1914. E este fato tinha acontecido, com uma resistência mínima oposta pelo PCA.
Tinha sido uma capitulação completa e, então, quando na Alemanha se viu que Hitler tinha
esmagado completamente o proletariado alemão, lançou-se a palavra de ordem de um partido na
Alemanha, constatando-se que o PCA não existia mais como instrumento do proletariado. A
princípio houve oposição, mas depois os acontecimentos provaram que era uma atitude
perfeitamente justa. Com a morte do PCA, os camaradas alemães resolveram dizer que a IC
também estava liquidada. Gurov e Trotski — entre outros —, que se haviam manifestado a favor do
novo partido na Alemanha, consideraram que seria preciso esperar para constatar a falência da IC,
que se visse a maneira como ela reagiria em face do fascismo na Alemanha. O que se viu foi que a
IC continuava — como antes da subida de Hitler — a dizer que na Alemanha estava tudo muito

873
Ata da Reunião da LC. São Paulo, 21/5/1933. FLBX.
bem, que a política do PCA estava certa e que o proletariado não estava derrotado na Alemanha.
Nessas condições, os camaradas não podiam declarar liquidado o PCA, e ao mesmo tempo
declarar que a IC, que dirigiu a política desse partido e que a apoiava, não estava também
liquidada. Nessa ocasião, a oposição procurou fazer toda a pressão para que os partidos
comunistas nacionais reagissem contra a IC e convocassem um congresso internacional. Mas os
partidos comunistas nacionais apoiaram integralmente a política da IC, e a sua reação foi
desencadear uma campanha ainda maior de calúnias contra os oposicionistas, dizendo que eles
eram aliados de Hitler. De modo que a OE teve de romper com toda a IC.
Mas não só por isso ocorreu o rompimento. A derrota da Alemanha, podia-se dizer, foi a
maior que o proletariado já havia sofrido. Ora, quando se estava diante de uma derrota destas e
sabendo que ela foi devida à má direção, os oposicionistas tinham o dever de denunciar essa
política falsa aos olhos do proletariado, já não mais para provar o que ia acontecer, mas já
constatando um fato consumado. Se o proletariado alemão não chegasse a compreender as razões
porque houve aquela tremenda derrota, a sua sorte estaria selada. O Comintern fazia tudo para que
as massas não compreendessem as causas da derrota. Preferia que as massas achassem que
foram derrotadas porque o capitalismo era sempre mais forte. Com isso as massas caíam na apatia
e no desânimo. Para explicar os fatos, era preciso denunciar a IC como uma agência contra-
revolucionária, que preferia o prestígio dos burocratas aos interesses da revolução proletária. Com
uma nova internacional, podia haver até perspectivas de o proletariado tomar o poder na Europa.
Havia um fator que facilitava muito essa nova organização revolucionária, porque no tempo em que
tinha sido criada a 3.ª Internacional a social-democracia conseguia arrastar massas consigo com o
programa de reforma, mas no momento a burguesia não podia mais conceder reformas e por isso
lançava mão do fascismo. De um lado, a social-democracia estava afundando, e, do outro, a IC
também via todos os dias os seus partidos diminuírem e desaparecerem. E as massas já
percebiam que a Rússia não era o paraíso do proletariado. Os revolucionários sempre disseram
que a Rússia só podia se salvar se a revolução vencesse na Europa, senão cedo ou tarde teria de
cair. Os oposicionistas deveriam dizer, portanto, que a nova internacional tinha por objetivo defender
a Rússia contra o inimigo interno — que era a burocracia —, e o inimigo externo — que era o
imperialismo.
As discussões sobre a proposta de Lobo dividiram a CN. A maioria entendia que a LC não
deveria proclamar imediatamente a necessidade de uma 4.ª Internacional. O necessário para os
oposicionistas era ter uma ligação internacional, e isso já se verificava mesmo quando ainda eram
fração. Eles deveriam se transformar em partido de fato, rompendo com o stalinismo, mas só
deveriam apresentar a questão do nome quando a URSS deixasse de existir. Assim, era prematura
a proclamação de uma nova internacional, capaz de afugentar as massas, apegadas ainda às
propostas da Terceira.
“Korvinus” deu a sua opinião como “operário e comunista”, pedindo que não se esperasse
dele um “exposição teórica desenvolvida”. A sua fala é importante para mostrar a penetração das
exposições realizadas pelos intelectuais da LC na base operária:

“(...) Com a desagregação que houve na Alemanha, é possível que surja,


nos elementos melhores do proletariado em desespero, uma corrente muito
forte para o anarquismo. Para evitar isso, é preciso que se crie uma nova
organização, é preciso reunir todos os elementos proletários e revolucionários
capazes de criar novos quadros revolucionários. O nome desse novo partido
não tem importância, desde que ele siga uma política revolucionária.
Naturalmente, essa necessidade de um novo partido implica também a
necessidade de uma nova internacional, que é uma coisa que está ligada à
outra, mas é preciso condicionar essa nova internacional às relações de forças
existentes.”

Aristides Lobo retomou a palavra. A nova internacional era um elemento de defesa da


URSS e não de ataque. Neves alegava que os companheiros do Partido Comunista se afastariam
dos oposicionistas, porque a 3.ª Internacional era um fetiche. Ora, justamente por isso se tornava
necessário destruir esse fetiche. Aventurismo seria falar em organizar uma insurreição. “Red” dizia
que a nova Internacional não traria nada de novo. No fundo, não era algo novo de que precisavam
os oposicionistas, mas de uma direção internacional. Não se devia fazer como os brandlerianos que
consideravam a Internacional como uma soma de partidos nacionais isolados. No entanto, a
oposição trouxera um ponto de vista novo. Ela, que era uma organização muito fraca, havia se
fortalecido, pois havia conseguido arrastar o SAP e mais duas organizações de massa dispostas a
lutar com ela. Só assim poderiam sair do isolamento, pois isto traria a possibilidade de atrair as
massas para a luta.
Pedrosa interveio defendendo a regeneração e não a extinção da Terceira Internacional.
Esta mesma fora fundada prematuramente, pois a segunda ainda não estava morta e poderia ser
regenerada, tanto que ela conseguia arrastar grandes massas, quando a terceira já não existia.
Abramo acrescentou que a 4.ª Internacional seria a continuação dos quatro primeiros
congressos da primeira, enriquecidos pela experiência da oposição de esquerda na sua luta contra
o centrismo burocrático.
Terminada a discussão, por proposta de Lobo foi eleita uma comissão de resolução
formada por dois elementos da maioria e um da minoria, este encarregado de redigir uma resolução
exprimindo o ponto de vista da minoria. Lobo, “Korvinus” e “Frederico” foram eleitos. Suspensa a
reunião por 30 minutos, a comissão retornou e Lobo leu a resolução da maioria:

“A derrota do proletariado alemão, com a capitulação vergonhosa da 3.ª


Internacional diante de Hitler, mostrou que os fatos vieram confirmar o
prognóstico da Oposição de Esquerda sobre o destino ulterior do centrismo
stalinista.
Se a vitória do fascismo na Alemanha não foi capaz de despertar o PCA e
o Comintern de seu burocratismo sectário e de levá-los a uma nova vida
política, nada no mundo poderá mais regenerá-los.
O caminho da reforma, que foi o caminho trilhado pela Oposição de
Esquerda durante dez anos, chegou definitivamente ao seu termo.
Com a catástrofe do proletariado na Alemanha, o fascismo tornou-se uma
ameaça internacional iminente. Deixar as massas proletárias agora
desesperadas pela derrota continuar sob as velhas direções da social-
democracia e do comunismo stalinista é entregar de antemão o destino
imediato da revolução proletária mundial ao cutelo sanguinário do fascismo.
A tarefa fundamental imediata, de que depende a sorte do movimento
proletário internacional, consiste em tirar a experiência da derrota da revolução
proletária sofrida no país mais industrial da Europa.
É preciso, custe o que custar, fazer com que a classe operária da
Alemanha e dos outros países compreenda as causas da derrota. É preciso
demonstrar por todos os meios que estas causas não residem em nenhuma
pretensa fatalidade histórica com que se quer ocultar os erros cometidos.
É preciso que se mostre às massas que se elas não venceram o inimigo
de classe, a culpa disso não está no fato das relações de forças serem
favoráveis ao fascismo, ou no fato da situação econômica do capitalismo não
estar amadurecida para a conquista do poder pelo proletariado.
Todas as condições objetivas existiam para que a vitória tendesse para a
classe operária. As massas derrotadas precisam compreender que a única
cousa que faltou para a sua vitória foi uma direção política justa, isto é, uma
linha política verdadeiramente revolucionária.
Ora, quem diz direção política diz partido político, organização revolucionária
de vanguarda. Daí a necessidade absoluta que há em proclamar essas velhas
direções como traidoras e em criar novos quadros da vanguarda do
proletariado.
Mas esta nova organização revolucionária não pode ficar trancada dentro
das fronteiras nacionais de cada país.
Hoje, na época imperialista, assim como não se pode fazer o socialismo
num só país não pode haver também política comunista verdadeira senão
internacionalmente.
Para os direitistas, a internacional revolucionária é a soma dos partidos
nacionais sem centralização dirigente internacional. É a política dos
brandlerianos na Alemanha, que passam atestado de infalibilidade à política
de Stalin dentro da União Soviética, para que esta lhes conceda, em
compensação, plena liberdade de ação na Alemanha.
Os bolcheviques-leninistas nada têm de comum com este oportunismo. O
internacionalismo proletário não é um sentimento subjetivo, mas uma
necessidade histórica objetiva.
A organização de novos quadros revolucionários só pode, pois, ser
realizada em escala mundial e com uma direção internacionalmente
centralizada. Eis porque o problema dos novos partidos está estreitamente
ligado ao problema da criação de uma nova Internacional comunista.
Esta é a nossa tarefa histórica imediata. É preciso proclamar que a social-
democracia e o comunismo nacional estão aniquilados.
A 3.ª Internacional é cada vez menos uma organização de massas e cada
vez mais uma agência de perversão contra-revolucionária da burocracia
stalinista dentro do movimento operário.
Com a crise do capitalismo mundial e a vitória fascista na Alemanha,
surgem dentro deste movimento duas correntes contraditórias. De um lado,
uma parte numerosa de operários, sob o peso acabrunhador das derrotas, cai
no indiferentismo político ou no próprio campo fascista, quando não se ativa
ao desespero do anarquismo. Do outro lado, acelerando irremediavelmente o
processo de dissolução final da 2.ª Internacional, há um profundo
deslocamento das massas outrora reformistas para a esquerda. A cisão
ameaça atualmente todos os partidos socialistas do mundo. Organizações até
aqui independentes ou apenas desgarradas da social-democracia evoluem
nitidamente para o campo revolucionário do comunismo. Compete aos
bolcheviques-leninistas tudo fazer para apressar a evolução revolucionária
dessas massas. Para que esta evolução se complete, elas têm necessidade
de uma perspectiva clara e imediata — e essa perspectiva só poderá ser dada
pela formação de uma nova organização internacional do proletariado.
Ao lado da situação extremamente tensa da luta de classes no mundo, em
que de uma hora para a outra o campo do fascismo ou o campo do
proletariado pode baquear em escala internacional, existe a situação
profundamente difícil interna e externamente do Estado soviético.
Qualquer que seja a apreciação que se faça sobre o grau de
degenerescência do Estado soviético, uma coisa é clara e não pode mais
sofrer contestação: a burocracia stalinista, assim como levou a IC à derrota
final, encaminha inevitavelmente a União Soviética para a sua liquidação
completa.
A traição e a capitulação cada vez mais descarada da diplomacia soviética
em frente ao imperialismo não podem mais ser escondidas. Mussolini mesmo
já lança artigos em que proclama a necessidade dos países capitalistas ajudar
o governo soviético a sair do seu isolamento.
É preciso ter completa consciência de que o Estado operário está
completamente sem defesa tanto no interior como no exterior.
Só uma política revolucionária do proletariado europeu ou mundial, capaz
de contrapor um dique à reação imperialista e fascista, poderá salvar a União
Soviética do desastre irremediável e próximo. A nova Internacional Comunista
será pois a maior arma revolucionária que nas condições atuais pode ser
forjada para a defesa da URSS tanto contra a agressão imperialista como para
a regenerescência da ditadura do proletariado dentro das fronteiras soviéticas.
O dever dos bolcheviques-leninistas está assim claramente indicado por
toda a situação mundial. Trata-se agora de realizar uma gigantesca reviravolta
histórica: de reagrupar as massas proletárias para dirigi-las diretamente ao
assalto do capitalismo na hora em que este vacila sobre os seus alicerces. A
grandeza da tarefa nas condições particulares de depressão do movimento
revolucionário proletário indica porém que ela não pode ser efetuada por um
decreto da Oposição Internacional de Esquerda. Ela exige antes uma
preparação sistematizada e tenaz, até que possa tornar-se uma realidade
concreta.
Estamos agora apenas na primeira etapa desta tarefa histórica, na fase
inicial do trabalho de propaganda no seio da massa operária, da bandeira da
4.ª Internacional, que será historicamente a continuação dialética da
Internacional de Marx e da Internacional de Lenin, sob cujo signo nascerá e
terá que vencer.
O destino da revolução proletária mundial, o destino do primeiro Estado
operário, estão agora dependendo diretamente do êxito da realização dessa
nova tarefa histórica.”

“Frederico” leu a proposta consubstanciando o ponto de vista da minoria. Como tática


transitória, não deveria ser criada uma 4.ª Internacional, a fim de evitar que as massas, fiéis à 3.ª
Internacional enquanto o Estado proletário existisse, separassem-se da oposição por um longo
período histórico, anulando inteiramente as esperanças de regenerar a URSS.
A proposta de Lobo foi aceita por quatro votos a um.
Resolvida a questão da nova Internacional, os conferencistas passaram a examinar a
questão da URSS, sobre a qual, mais uma vez, foi aprovada a resolução de Lobo contra a de
“Frederico”. Trata-se de um texto que fala da usurpação do predomínio político da classe operária
no Estado Soviético pela burocracia stalinista, em conseqüência do isolamento do proletariado
russo e das derrotas do proletariado internacional. A única base que ainda existia, para caracterizar
o Estado soviético como um Estado operário, era a estrutura econômica constituída pelo caráter
socializado da propriedade. Para defender essa propriedade, os bolcheviques-leninistas deviam
recorrer a todos os meios políticos possíveis, inclusive os meios insurrecionais. A tarefa do novo
partido na URSS devia consistir precisamente no reagrupamento das forças da vanguarda
proletária para guiar as massas, tendo por objetivo derrubar a burocracia dominante e restaurar
politicamente a ditadura proletária.
O 3.º ponto da ordem do dia, a “mudança dos onze pontos”, deveria ser relatada por
“Leão”, mas este se desculpou por não ter tido a oportunidade de estudá-lo bem e propôs que se
designasse um outro relator. Aceita a proposta, foi escolhido Lobo, “por ser o secretário da
organização”. Este esclareceu que os 11 pontos eram o programa do comunismo, pois constituíam
a experiência dos quatro primeiros congressos da 3.ª Internacional, mas havia uma parte que dizia
respeito a partido e fração e à União Soviética, que precisava ser modificada para ficar de acordo
com a posição da LC. Lobo defendeu a mudança de nome, dizendo que Liga dos Comunistas tinha
uma tradição, pois foi o nome dado por Marx e Engels à primeira organização proletária marxista. O
adjetivo “internacionalista” servia para separar bem os opositores dos stalinistas. “Frederico” propôs
que se esperasse a resolução do Secretariado Internacional, para depois mudar o nome, o que foi
aceito por unanimidade.
Nos assuntos vários, Lobo propôs que se nomeasse uma comissão de redação para
corrigir o estilo das resoluções aprovadas e se lançasse um manifesto sobre o incêndio do
Reichstag, denunciando o crime do fascismo e a traição da 3.ª Internacional, que abandonou, sem
um protesto, os seus funcionários às garras de Hitler.
“Frederico” propôs que fosse dispensado o concurso da estenodatilógrafa que tomava parte
nas reuniões e conferências da liga e que as pessoas estranhas à organização fossem proibidas de
assistir às mesmas, a não ser que tivessem recebido convite especial prévio, em casos
excepcionais.874 Essa proposta — ao fornecer involuntariamente dados técnicos ligados ao registro
das atas — explica a razão de ter sido o registro da Segunda Conferência Nacional Extraordinária
da liga tão preciso.

874
Ata da Segunda Conferência Nacional (Extraordinária) da Liga Comunista (Seção Brasileira da
Oposição Internacional de Esquerda - Bolcheviques-Leninistas). Documento datilografado, 19 páginas.
FLBX.
No ano de 1934, os oposicionistas se reuniram na III Conferência Nacional e discutiram a
questão do centralismo democrático, considerada “stalinista” . Como a maioria dos presentes se
insurgiu contra a atitude da seção francesa da OEI, seguida pelo Comitê Central Provisório, este foi
destituído e substituído. Desse comitê faziam parte Wenceslau Escobar Azambuja e Hilcar Leite.
A IV Conferência Nacional da LC realizou-se em 31/3/35, com a presença dos delegados
das regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Nela, os oposicionistas examinaram as causas
da crise interna surgida em meados de 1934 em São Paulo, em virtude da qual “alguns aderentes
na região do Rio passaram para o campo do reformismo”.875
Existe um documento, dessa ocasião, produzido pelo Comitê Local de Santos e que fala
que naquela cidade existia um total de 100 membros da liga, organizados em dez células, e 70
aderentes da Juventude. Havia 14 núcleos da Aliança Nacional Libertadora e oito membros dessa
organização nas docas e um na estiva. Ainda contavam os liguistas com perspectivas de greve nos
moinhos e na construção civil.876

8. Reuniões e sociabilidade na LC.

O ano de 1933 foi marcado por problemas de saúde de vários trotskistas: Pinheiro,
Medeiros, Pedrosa e Abramo diminuíram suas atividades de militância, vitimados pela tuberculose.
As cartas que os comunistas internacionalistas trocavam constituem documentos vivos da
rotina revolucionária.
Pinheiro, de Bariri, a 10/1/33, diz-se satisfeito com as notícias sobre o sucesso oratório de
Pedrosa, as desvantagens dos stalinistas, o filme de Trotski, a atuação de Lívio em São Bernardo, a
brochura do Picarolo, etc. Estava redigindo o Correio de Notícias, para o qual traduzia o Trabalho
Assalariado e Capital, de Marx. Enviara alguns trabalhos para Pintaúde. Ainda possuía alunos
particulares, à noite, de francês, inglês, português e aritmética, que deveriam render mensalmente
100$000. Pinheiro termina sua carta pedindo que Nestor Reis877 receitasse alguma coisa para a
tosse.878
Em 27/4/33 Pinheiro escreve a Xavier sobre remessa de dinheiro para pagar a pensão dele
e a de Medeiros.879
Em 8/9/33, Medeiros agradece a Lívio pelo auxílio dado para a subsistência dele e da
família, pedindo-lhe que mostrasse a carta a todos os companheiros da liga.880
Em 16/6/33, Pinheiro expõe a sua situação: “Se não comia o que o médico mandava era
por falta de dinheiro. Em casa mal havia um feijão magro e um arroz tristonho. Recorrera a vários
dos amigos, mas não poderia sistematizar o peditório. Não sabia pedir.“ Pinheiro pergunta, na
mesma carta, sobre a conferência agrária de junho, ajuntando que Fontes deveria escrever a sua
contribuição e que a CE deveria formular uma tese agrária.881
No mês seguinte, Pinheiro pergunta pela saúde de Abramo e dos camaradas. Aristides,
depois de algumas cartas, havia silenciado. Ele não queria ser pessimista, mas o silêncio de
Aristides sempre o fazia pensar em coisas “ruins”. Pedia também notícia da Frente Única
Antifascista. Em nova carta, comenta que, em manifestação antifascista, a burocracia primara pela
ausência, e os anarquistas, pela burrice. Envia abraços ao “casal do Bosque”, ao “Loup”, a Nestor e

875
“Resolução sobre a Crise Interna na Liga Comunista Internacionalista”. Cópia de circular dos trotskistas,
doc. n.º 53, Prontuário de Mário Pedrosa n.º 2.030, fls. 105-103. DEOPS/SP.
876
Prontuário de Mário Pedrosa, n.o 2.030, fls. 102-101. DEOPS/SP.
877
Tratava-se de um médico especializado em moléstias pulmonares, socialista convicto e amigo de todos
os que lutavam contra a reação e o fascismo. Dispensava proteção e ajuda a todos os membros dos partidos
esquerdistas que se viam em dificuldades. Ele tratou de Mário Pedrosa, Plínio Melo, Victor Pinheiro,
Manoel Medeiros e Fúlvio Abramo quando estiveram acometidos por crises graves de tuberculose, como
também ajudou na sua manutenção. (Cf. com: ABRAMO, Fúlvio. Frente Única Antifascista. 1934-1984.
Cadernos CEMAP. Ano I, n.º 1, outubro de 84, nota de rodapé n.º 16, p. 71.
878
Carta a Aristides Lobo. FLBX.
879
Colônia de Abernéssia. Campos de Jordão. FLBX. Ms.
880
Colônia de Abernéssia. Campos de Jordão. FLBX. Ms.
881
Colônia de Abernéssia. Campos de Jordão. FLBX. Ms.
a todos os camaradas.882 Pinheiro fala ainda que corriam boatos de intentonas no país, para o fim
de julho, e pede exemplares de O Homem Livre.883 No último dia de agosto, Pinheiro informou sobre
a chegada de Medeiros, e que a parte traduzida por ele de Feurbach estava perdida. O original
italiano estava com Aristides, juntamente com outros livros vindos de Bariri.884
De 29/9/33 consta um documento interessante dirigido à CE sobre a situação dos doentes,
no processo organizatório da Liga Comunista:

“Os abaixo-assinados, elementos ativos da LC, um dos quais seu membro


fundador, licenciados presentemente em virtude de grave enfermidade
contraída nas prisões burguesas, não se conformam com o ato recente e
precipitado da CE, que, revogando decisão anterior, constante de circular
dirigida a todos os grupos, lhes cassou o direito de escolher representantes à
próxima conferência nacional.
Estranhando que os camaradas dirigentes, à última hora — quando já não
sobra aos abaixo-assinados tempo bastante para uma ação que invalide a
infeliz e arbitrária decisão tomada —, assumam uma atitude tão contraditória,
os abaixo-assinados se reservam o direito de considerar a conferência em
preparo uma simples reunião ampliada da CE. Nesse sentido, com a
compreensão de que foram postos à margem dos trabalhos e da discussão
que se projetam, os abaixo-assinados, não querendo prestigiar uma reunião
de que nem indiretamente participam, retiram o trabalho que apresentaram
sobre a questão da Nova Internacional e da situação na URSS.
Os abaixo-assinados esperam da honestidade dos camaradas que esta
declaração conste do expediente da reunião ampliada em apreço.”885

Ainda da Colônia de Abernéssia, Pinheiro comunicou a Xavier o pedido de Medeiros para


que lhe fossem enviados 100$000 de seu salário em A Cigarra, para despesas de viagem e outras.
Medeiros recebera um cartão da companheira, dizendo-lhe que a polícia o procurara na casa dos
pais dele. Pinheiro pergunta se os camaradas haviam recebido “um troço” dele sobre a questão da
IV Internacional, mandado por intermédio de Aristides. Ele ainda não começara a redação do
prefácio do Almirante Negro, pois o fôlego estava-lhe voltando aos poucos. Também pergunta a
Lívio se ele falara com Aristides sobre o Feuerbach. E termina, no jeito brincalhão do qual se
utilizavam bastante os trotskistas: “Pode dizer aos camaradas que estou numa posição difícil: com
68 quilos e 900 gramas. Na iminência, portanto, de fazer 69." 886
Poucos dias após, Medeiros pede a Lívio 150$000 para pagamento da pensão. Em sua
carta, fala sobre o "belo desastre que aconteceu na UTG" e indaga sobre a direção do Videiras na
CE, e qual o trabalho do pessoal da Zona 6 na UTG.887 Nova carta de Medeiros pede 100$000 para
voltar, dos seus ordenados, dizendo que até então "eu só tenho me mantido aqui fazendo prodígios,
pois entre pensão e várias despesas imprescindíveis eu gasto forçadamente 170$000 por mês". 888
A situação econômica dos camaradas se agravava. Pinheiro pergunta a Xavier sobre as
fontes de sustento dele, que considerava quase esgotadas. Preferia ficar em Campos até o outono
ou inverno, para evitar uma recaída. O Mário (Pedrosa) e o Nestor, que já tinham sido doentes,
saberiam a significação disso. Pedia que decidissem sobre a sua situação, pois não queria ser
pesado aos companheiros, mas também não era suicida.889
A 19/10/33, Pinheiro fala de suas inquietações sobre a demora em receber respostas às
suas cartas. O “Gomes” soubera, por intermédio de um camarada da UTG que lhe escreveu, que

882
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 7/7/33. FLBX. Ms.
883
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 27/7/33. FLBX. Ms.
884
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 31/8/33. FLBX. Ms.
885
FLBX.
886
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 20/9/33. FLBX. Ms.
887
Carta de Medeiros a Xavier. Abernéssia, 4/10/33. 4/10/33. FLBX. Ms.
888
Carta de Medeiros a Xavier. Abernéssia, 9/10/33. FLBX. Ms.
889
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 10/10/33. FLBX. Ms.
J.M. (João Matheus) e M.R. tinham sido “encanados à saída da oficina". Um camarada anarquista
do interior havia lhe transmitido o endereço de Frederico (Matheus), como sendo o de Lívio.890
Em fins de outubro, Pinheiro critica a decisão dos companheiros de que ele deveria voltar,
contrariando a opinião do médico que aconselhava que ele ficasse até fevereiro em Campos:

"Vocês decidem entretanto que eu devo voltar em dezembro, e para


trabalhar imediatamente, isto é, em plena força do verão. (...) Interpreto a
decisão da CE como a expressão de que, uma vez aí, eu me devo defender.
Muito bem. Assim sendo, prefiro voltar já. (...) Comerei em casa de minha mãe
e alugarei um quarto , que eu pagarei, nem que seja para pedir esmolas pelas
ruas. (...) Quanto a você, individualmente, eu lhe peço ver se a d. Ema me
quer alugar esse quarto sem exigir pagamento adiantado, ou então me
arranjar um canto que não feda muito para eu passar a noite em que eu
chegar aí."891

Finalmente, em 7/11/33, Pinheiro acusa o recebimento de 150$000 e pergunta sobre


tarefas práticas, se a conferência havia decorrido bem e se houvera “pancadaria da grossa”.
Também pergunta sobre o que decidiram sobre a sua sorte futura e se poderia voltar sossegado
em novembro ou deveria ficar até o próximo inverno.892
Os debates com os stalinistas continuavam acalorados. Eles eram acusados, entre outras
coisas, de não lutarem de fato contra a reação e o fascismo. Os trotskistas apontavam para “uma
diferença prática entre outras muitas de natureza teórica, entre o militante comunista e o militante
stalinista”. O primeiro servia ao movimento operário, segundo os métodos revolucionários, em todas
as suas manifestações e em todas as circunstâncias, sabendo conservar sempre, com uma linha
de princípios inspirada na luta de classes, a elasticidade de inteligência e o realismo materialista que
lhe permitiam mudar, com as mudanças de situação, a sua tática de luta. O stalinista servia “antes
de mais nada o seu amo e senhor Stalin, chefe de uma burocracia estatal que se diz revolucionária,
mas cujos instintos de conservação são muito fortes”. 893
Em 1934, a liga apresentou proposta de se realizar um comício a favor da liberdade de
Torgler. O Comitê Antiguerreiro propôs a realização de um comício para o dia 25/1/34 e convidou a
liga e outras organizações para participarem de uma Conferência ou Congresso Antiguerreiro e
Antifascista. A liga resolveu comparecer e ler a declaração de princípios lida nos Congressos de
Paris e Amsterdã, pelos camaradas daquelas cidades.
A atividade dos grupos idiomáticos era vista com entusiasmo. O “Grupo de Simpatizantes
A” aumentara os seus efetivos para mais de 50 membros. Esse grupo se criara no interior de uma
sociedade recreativa, por meio da luta contra os stalinistas, que pela violência e o amedrontamento
provocaram a cisão da sociedade. O Grupo A concorria de maneira eficiente para a propaganda da
LCI, mantendo ligação com grupos idiomáticos de vários países, distribuindo material de
propaganda e contribuindo com uma quantia fixa para o caixa da organização. O “Grupo de
Simpatizantes B” contava com uma quinzena de membros, todos operários, na maioria organizados
em sindicatos.894
Na reunião do GB1, de 1/1/34, os presentes tresandam otimismo: 20 novos camaradas
haviam comparecido a uma assembléia “de fundação” convocada uma semana antes. À reunião do
dia anterior compareceram 75 pessoas, a biblioteca havia recebido 20 livros novos, criara-se um
jornal sindical — Bandeira Sindical. Reconhecia-se a necessidade de fortalecer o sindicalismo, pois
os stalinistas, embora bastante desmoralizados, voltavam “a meter o nariz” nos sindicatos.
“Spartaco” declara encontrar dificuldades para vender o Lucta, porque os operários só pensavam
em futebol. Vinha discutindo com alguns “elementos ainda influenciados pelo stalinismo” e que
julgavam a URSS um ídolo intocável, que não poderia ser criticada. Hilcar Leite é elogiado por estar

890
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 19/10/33. FLBX. Ms.
891
Carta de Pinheiro a Xavier. Abernéssia, 26/10/33. FLBX. Ms.
892
FLBX. Ms.
893
A Luta de Classe. Ano IV, n.º 20. Rio de Janeiro, maio de 1935, p. 4.
894
Boletim Interno de Informação, n.º 1, 25/12/33. DEOPS/SP.
preenchendo “a verdadeira função de um jornal de massa” e desenvolvendo uma propaganda muito
útil no terreno antifascista.895
Rachel de Queiroz e seu marido, José Auto Cruz de Oliveira, participaram da LC em 1934.
Pedro de Barros Corrêa recebeu a incumbência de transmitir a ambos o realismo revolucionário,
principalmente sobre a vida do partido, sobre a qual eles ainda mantinham "certas ilusões".896
Em fevereiro e março de 1934, a LCI reuniu-se por duas vezes, discutindo o sindicalismo
livre e o ministerial. As preocupações continuavam centradas na ministerialização dos sindicatos.897
Mais um testemunho da militância dos oposicionistas encontra-se em 6/6/34, quando Mário
Pedrosa atacou o governo e a polícia, no Salão das Classes Laboriosas.898
Ainda nesse ano, os camaradas consideraram que deveria existir o máximo controle sobre
novos aderentes, pois no PC havia até policiais dirigindo células. Os stalinistas estavam fazendo
trabalho de provocação policial. Eles, os oposicionistas, nunca pretenderam dividir o partido, mas os
stalinistas lançaram mão da violência para expulsá-los. “Spartaco” observa que não existia
propriamente grupo idiomático, afirmação que contradiz o entusiasmo sobre o assunto manifestado
na reunião anterior. Spartaco trabalhava numa pequena oficina, onde a maioria dos operários era
alemã e refratária à organização. O movimento sindical continuava fraco e os stalinistas não tinham
mais nenhuma influência nos sindicatos. A organização sindical ainda estava na infância, pois os
anarquistas enterraram o sindicato com a sua política sectarista e os stalinistas completaram a obra
com seu aventurismo.899
A partir do segundo semestre de 1934, as atas da liga demonstram, quando comparadas
com as anteriores, que o grupo mais experiente encontrava-se afastado da direção dos trabalhos:
não existe pauta, a linguagem é deficiente, há pouco rigor nos dados e nas análises apresentados.
Ainda mais descuidadas são as atas dos tempos de Hilcar Leite — de novembro de 1935 a
maio de 1936 — das quais permaneceram alguns exemplares. Por estes se verifica que a pauta se
retraiu relativamente aos primeiros tempos da LC e que os assuntos se tornaram corriqueiros. As
decisões passaram a ser tomadas sem vozes discordantes, o que contrasta com o ambiente
polêmico que marcou as reuniões entre 1931-1934. Vemos, por exemplo, que o Grupo 2, composto
por seis camaradas, reuniu-se em 12/1/36, com a presença de Hilcar, Mário Abramo, Josephina
Gomes e Berenice Xavier (secretária do G2, que usava os codinomes de “Barbosa” e “Palmeira”).
Mário Abramo e “Preto” faltaram à reunião. Decidiu-se que cada camarada recrutasse um novo
elemento, num prazo de 15 dias. Foram organizados cinco grupos, num total de 60 pessoas. O G2
resolveu designar três dias por semana para pintura mural, escalando duas turmas. A primeira
delas, formada por Josephina e Mário Abramo, ficaria encarregada dos bairros do Brás, Mooca e
Belém. A segunda, integrada por Hilcar e Berenice, ficaria com o Cambuci, Bom Retiro, Liberdade e
Fábrica. Aprovou-se que os membros da LCI deveriam rasgar os cartazes da reação, e que a liga
entraria em entendimentos com o PC e o PS, para as eleições municipais de 15 de março.900
No mesmo dia, ocorreu reunião ampliada do Comitê Regional de São Paulo. Registraram-
se as presenças de Abramo, Salvestro, Leite e Berenice Xavier, e as ausências de “Castro” e
“Alvarenga”. Os camaradas resolveram propor um bloco eleitoral ao PC e ao PS. Leite comunicou
que “Alvarenga” o procurara para dizer que iria pedir demissão, visto que o momento exigia
dedicação e ele estava “bastante corrompido pela família”. Diante da situação consumada, o CR
resolveu expulsar Alvarenga da LCI, considerando o seu gesto como deserção política. Salvestro
comunicou que o Comitê Anticomunista estava pedindo informes e auxílios aos grandes
estabelecimentos, e a casa onde trabalhava dispusera-se a isso. Resolveu-se que Salvestro deveria
fazer tudo para sabotar essa ação. Hilcar levantou a questão das listas de contribuição ao
anticomunismo, ficando decidido que todos os membros da LCI deveriam fazer por evitar a
contribuição, só assinando para não se desmascararem e em último recurso.901

895
Papéis apreendidos com Lívio Barreto Xavier, prontuário n.º 300. DEOPS/SP.
896
Carta de Plínio Melo, sob pseudônimo de "João Soares". São Paulo, 21/2/33. Prontuário de Plínio
Gomes de Melo, n.º 385, doc. n.º 44.
897
Reunião Ampliada da CE, de 18/2/34; Reunião Extraordinária de 23/3/34. FLBX.
898
InformeReservado. Prontuário de Hermínio Marcos, n.º 188, f. 56. DEOPS/SP.
899
Ata de Reunião da Liga, sem data, apreendida entre os papéis de Lívio Barreto Xavier. DEOPS/SP.
900
Documento escrito a lápis. Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 198-198 v. DEOPS/SP.
901
Loc. cit., fls. 197-197 v.
A LCI estava evidentemente em retração, pois em 21/2/36 reuniu-se o grupo 1, acusando
as presenças de componentes do G2 — provavelmente extinto. Fúlvio Abramo, Ariston Russoliello,
Hilcar Leite e “Carlos” eram os camaradas presentes. Discutiu-se a posição da liga sobre as
eleições municipais de março de 36, com o abortamento da proposta de frente única, apresentada
pelo PCB. Abramo apresentou o assunto mais relevante: seria preciso proceder a uma crítica sobre
posições teóricas dos camaradas, pois estes lutavam por princípios equivocados, que punham em
risco a unidade ideológica da organização. Antes de implantar uma disciplina organizatória férrea,
seria preciso estabelecer uma discussão teórica que conduzisse à unidade de pontos de vista.
Entretanto — continua Abramo —, isso não se poderia fazer no grupo, “porque os camaradas
dormiam”. Os assuntos mais triviais tratados pelos trotskistas disseram respeito à proibição da
saída de Abramo e Russoliello no Carnaval, e à acusação de nacionalismo sobre Berenice Xavier,
acusação refutada pela maioria.902
Nos primeiros dias de maio de 1936, a LCI vivia seus últimos momentos. Mário Colleone,
“Martins”, solicitou a sua “irradiação” da liga, alegando que continuaria fiel à palavra de ordem de
uma nova Internacional, mas esperava servir à causa com mais afinco na fileira dos franco-
atiradores. Hilcar Leite resolveu, então, excluí-lo por inatividade, considerando que ele havia
liquidado a fração sindical do sindicato “B” (dos bancários), além de sempre se ter considerado igual
à organização, opondo-se várias vezes a esta e ocasionando diversas crises.903 Leite lembrou que
uma das causas da LCI não ter resistido nacionalmente à pressão do estado de sítio e de guerra
devia-se ao fato de a IV Conferência Nacional ter sido atrasada indefinidamente.904 Além disso, o
secretário regional autorizou o camarada “Lemos” a trabalhar em partido burguês, para “espionar,
sabotar e fracionar”.905 “Cristino”, por sua vez, foi admoestado por trabalhar há longo tempo em
jornada superior a oito horas diárias, prejudicando as reuniões do grupo e fazendo o jogo patronal
contra uma rudimentar conquista da classe operária.906
Hilcar Leite redigiu um quadro das dificuldades da LCI, que deveria ser enviado ao
Secretariado Internacional. Ele havia perdido toda ligação com o pessoal do Rio. A última notícia
recebida (carta de 29/1/36) era que Pedrosa estava refugiado, não tendo sido preso. Quanto aos
demais membros do Comitê Central Provisório, nada sabia. A organização regional contava com 13
elementos, dos quais dois húngaros e um israelita. Ela atuava nos sindicatos dos gráficos,
metalúrgicos e empregados no comércio e mantinha uma fração, com simpatizantes, no PS local,
além de editar um jornal mimeografado, O Proletário.907
A situação financeira da liga estava crítica, pois se via obrigada a prover a manutenção de
vários camaradas militantes na prisão e no refúgio, além do grande aumento das despesas para a
edição quinzenal do órgão regional e das atividades de agitação e propaganda.908
Um documento confiscado na casa de Hilcar Leite avisa aos “caros camaradas” do
Secretariado Internacional que a ligação entre o Comitê Central Provisório e o Secretariado
Regional de São Paulo fora restabelecida. Quanto ao movimento sindical de São Paulo, estava ele
morto desde novembro. A polícia havia fechado o Sindicato dos Trabalhadores da Light e a maioria
dos sindicatos de Santos. No Sindicato dos Bancários, “devido à vergonhosa capitulação dos
stalinistas”, a direção “antiimperialista” foi destituída e substituída por uma junta de “elementos
amarelos, policiais e fascistas”. Era nos sindicatos que o stalinismo vinha cometendo “os maiores
crimes”: em geral, “advoga que se deve deixar o Ministério do Trabalho tomar conta dos sindicatos
e que é preciso ir ao Ministério do Trabalho para evitar que os sindicatos sejam fechados e os
comunistas expulsos”. No Sindicato dos Comerciários, os stalinistas negociavam com o Ministério
do Trabalho e haviam dissolvido o antigo sindicato, que já tinha tradição de luta antiministerial, e

902
Loc. cit., fls. 196-194.
903
Certidões de documentos sobre política interna da LCI. Originais apreendidos pela polícia na casa de
Hilcar Leite. Prontuário n.º 4.143, fls. 190-190 v.
904
Loc. cit., f. 189. A IV Conferência Nacional, que expulsou vários camaradas, inclusive Hilcar Leite, foi
desautorizada pela LCI. Assim se explica a programação de uma conferência que, de fato, já havia ocorrido.
905
Loc. cit.
906
Loc. cit., f. 190.
907
Carta, a lápis, ao SI. Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 175-174 v.
908
“Circular pedindo dinheiro para a LCI. São Paulo, 10/2/36. Prontuário n.º 4.143, v. 3, f. 26.
DEOPS/SP.
fundaram, “sob a batuta” desse ministério, um novo sindicato. Os camaradas comerciários da liga
foram vítimas de uma campanha de terrorismo dos stalinistas. A muito custo, conseguiram forçar
uma reunião com os elementos mais ativos do sindicato, reunião que durou quatro horas e na qual
os stalinistas usaram de todos os processos para impedir a participação da liga na direção.
Quanto às forças de esquerda, o Partido Socialista estava na “maior apatia”, com quadros
completamente dispersos, sem ligação de núcleos do interior com o diretório central.
O anarquismo, que ainda contava com “relativas forças em São Paulo”, fora “quebrado pela
espinha”, com a prisão da totalidade dos dirigentes ainda em atividade, em fins de novembro. Na
época, os anarquistas dividiam-se em dois grupos, reunidos nos jornais A Plebe e A Lanterna, que
foram suspensos e proibidos após a Intentona. O grupo de A Plebe controlava vários sindicatos,
mantidos sob severa vigilância policial. Remanescentes do grupo A Lanterna conservavam ainda,
em pequena escala — limitada a um bairro —, a propaganda anticlerical. Não havia nenhuma outra
atividade visível dos anarquistas.
Apesar de o integralismo passar a ter grande influência em São Paulo, atingindo 4.000
votos, surgiam algumas formas de organização operária. Por exemplo, em conseqüência das
medidas tomadas pelo governo polonês, proibindo o ritual judaico no abate de animais, a colônia
israelita, bem considerável em São Paulo, mobilizou-se a fim de auxiliar os operários e
trabalhadores judeus na luta contra as medidas anti-semitas praticadas na Polônia. Formou-se,
assim, um amplo comitê, do qual a liga participava, ao lado do Bund e do Partido Sionista. Esse
comitê já angariara 1:000$000 (perto de mil francos), que seriam enviados para Varsóvia. O Partido
Comunista do Brasil foi o que mais sofreu com a reação. A fase aliancista do movimento operário
levara a confusão entre os quadros comunistas e os da Aliança Nacional Libertadora. Grande
número dos dirigentes nacionais encontrava-se preso, além dos representantes do Comintern e do
Bureau Latino. O principal chefe do PCB, Luís Carlos Prestes, “membro do Ekki”, assim como
vários membros dirigentes e de base, também se encontravam presos. A estrutura havia-se
conservado, e a vida ilegal continuava intensa. Segundo um dirigente regional, 35.000 impressos
foram lançados em janeiro, cifra que a liga considerava exagerada. No interior do estado, houve
maior coeficiente de perdas, com células inteiras caindo em poder da polícia. Tudo levava a crer —
prossegue o relatório — que havia uma grande infiltração policial dentro do PCB. Na capital, várias
células caíram e tinham sido apreendidos documentos de valor para as prisões posteriores. Em fins
de abril, foi apreendida a tipografia clandestina do PCB, no valor de 40 contos de réis. Após a prisão
quase em massa do CC do PCB, no Rio, São Paulo transformou-se no centro mais forte
organizatoriamente do partido, passando a editar, desde janeiro de 1936, A Classe Operária. A Liga
considerava que a vida interna do PCB ainda era bastante ativa, apesar dos métodos burocráticos
“infames e brutais”. Politicamente, o PCB continuava na mesma política aliancista e taticamente
defendia a necessidade de ação de minorias ativas, para “eletrizar a massa, isto é, continua no
mesmo aventurismo putschista”. Nas eleições municipais, o PCB entrara em negociações com a
liga para a formação de uma chapa comum, mas o acordo não se fizera. À última hora, acabou por
se aliar a uma chapa “sem conteúdo social”, da qual faziam parte “policiais conhecidos na cidade e
também chantagistas”. Essa chapa ficou em quarto lugar em votação, conseguindo cerca de 1.200
votos. O grosso dos efetivos do PCB em São Paulo era de pequenos-burgueses.909

9. Produção e divulgação da teoria revolucionária: livros, folhetos, jornais e cursos teóricos.

“Para ajudar as massas e conquistar o apoio e a simpatia das massas, —


ensina Lenin na Moléstia Infantil — não se deve ter medo das dificuldades,
das intrigas, das ciladas, dos insultos e das perseguições por parte dos
'chefes' (os quais, como oportunistas e social-patriotas, estão quase sempre
ligados, direta ou indiretamente, com a burguesia e com a polícia), mas
trabalhar a todo custo onde estão as massas. É preciso saber suportar todos
os sacrifícios, vencer os maiores obstáculos, para fazer a propaganda e a

909
Cópia de uma correspondência incompleta, manuscrita, encontrada entre os papéis apreendidos com
Hylcar Leite. Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 152-146. DEOPS/SP.
agitação, sistematicamente, tenazmente, constantemente, pacientemente, em
todas as instituições, ligas, uniões, por mais reacionárias que sejam, onde se
encontram massas proletárias ou semi-proletárias." (Aristides Lobo,
"Resolução". FLBX ).

O estudo da farta documentação existente sobre a Liga Comunista demonstra que os


dissidentes possuíam um quadro teórico bastante denso e utilizavam-se largamente da literatura
marxista disponível na época. Uma das obras centrais era La Révolution Permanente, ainda em
edição francesa, no ano de 1932, e que servia para a análise do caráter da revolução brasileira, nos
aspectos controvertidos da aliança com correntes liberal-democráticas. Dessa e de outras obras
marxistas, retiraram os oposicionistas o princípio teórico da tendência imanente da estrutura social
capitalista para ultrapassar os limites do Estado nacional. Analisava-se a economia mundial como
uma unidade dialética produzida pelo desenvolvimento das forças produtivas, na escala global, e
não como uma simples soma das economias nacionais isoladas. Na esteira de Lenin, os
oposicionistas conceituavam o imperialismo — última fase do capitalismo —, como uma época de
guerras e revoluções, que conduziria à revolução socialista pela instauração da ditadura do
proletariado. Entretanto — diziam —, os dirigentes da III Internacional pretendiam impor ao
desenvolvimento da revolução o programa eclético da escola stalin-bukhariniana, isto é, o interesse
particular de conservação do aparelho burocrático e a expressão política dos interesses das classes
inimigas da ditadura do proletariado. O programa aprovado pelo VI Congresso da IC, realizado
depois da amputação da Oposição de Esquerda do partido, dera forma teórica à reação contra as
tradições revolucionárias internacionalistas do bolchevismo, servindo-se de duas armas principais: a
teoria da construção do socialismo num só país e o combate à teoria da revolução permanente, dita
"trotskista". O stalinismo, como doutrina política, era irmão gêmeo do menchevismo: preparava e
organizava as derrotas do proletariado, estrangulava a revolução com a doutrina do socialismo
nacional — utopia reacionária, revestida de um internacionalismo abstrato. A distinção dada pelo
programa da IC entre países maduros e países não-maduros para o socialismo nada tinha de
marxista. Segundo Marx, a revolução permanente implicaria que cada etapa revolucionária estaria
contida em germe na etapa anterior e, por isso, o desenvolvimento da revolução não era
interrompido, e levaria diretamente à instauração da ditadura do proletariado. A classe operária não
poderia assegurar o caráter democrático de sua ditadura se não ultrapassasse o quadro do
programa democrático da revolução (assim dizia Trotski, em 1906, analisando a revolução de
1905).
O esquema stalinista reproduziria, a grandes traços, a análise menchevique das forças
motrizes da revolução russa, separando mecanicamente a ditadura democrática da ditadura
socialista, a revolução socialista nacional da revolução internacional. Para esse esquema, a
conquista do poder no quadro nacional representava o ato final da revolução e não o inicial; em
seguida, abria-se o período das reformas que caminhavam até a sociedade socialista nacional.
Para o caso brasileiro, a oposição afirmava que os resultados da ação do PC não
chegaram a se revestir do caráter "criminoso" da política stalinista na China, mas não porque a
direção dos burocratas da IC não se enquadrassem dentro do caráter geral da política centrista. Era
que as manifestações de massa da luta de classes haviam chegado apenas a um grau rudimentar
de desenvolvimento, e possuíam mais o cunho de manifestações espontâneas do movimento
operário. A fraqueza interna do movimento operário, sem expressão política ponderável, poderia ser
historicamente explicada, na medida em que decorreria das condições objetivas do
desenvolvimento capitalista enxertado numa economia colonial. Porém, não se poderia justificar a
falência do partido revolucionário em forjar, à base da teoria marxista, uma vanguarda proletária
capaz de guiar as massas exploradas em suas lutas. Se a direção do PCB concluísse — pela
análise das forças motrizes e do exame das tarefas imediatas da Revolução no Brasil— que a
conquista do poder pelo proletariado era uma perspectiva tão remota que se tornava desprezível,
teria

"ao menos o mérito de, assinando a sua própria sentença de morte como
organização revolucionária, ser lógica consigo mesma. Mas, mesmo
considerados objeto de discussão os retalhos coloridos de vermelho da
colcha com que os burocratas de Montevidéu cobrem a própria nudez
teórica, toda a atividade do PCB desenvolve-se sob o duplo signo da
confusão e da esterilidade. Da política oportunista da direção Astrojildo-
Brandão, com o seu Kuomintang brasileiro, o seu eleitoralismo, com sua
'coluna Prestes', e da qual se diz hoje, afinal, que foi uma política 'contra-
revolucionária', à irresponsabilidade da atual direção, a teoria da
'espontaneidade' da revolução é o característico das mil e uma 'análises' da
situação brasileira. (...) O raciocínio burocrático não vai além do silogismo: —
o partido bolchevista fez a revolução russa. — O PC brasileiro é filiado à III
Internacional nucleada pelo PCR (bolchevista). — Logo nós, a direção do
PCB, havemos de fazer a revolução no Brasil".910

A atividade do partido no Brasil limitava-se, em traços gerais, a esperar que o


desenvolvimento da crise econômica desencadeasse a "revolução agrária e antiimperialista", em
conseqüência da qual seria instituído um "governo operário e camponês", sob a hegemonia do
partido. Em São Paulo, a ditadura instaurada em 1930 falhara na criação de um apoio estável, fora
dos antigos quadros partidários que ressurgiram em frente única, mas para tentar recuperar o poder
central levantou a bandeira da Constituição e armou a "mazorca" de julho. A derrota do movimento
paulista pela ditadura neutralizara a força dos interesses políticos que uniam São Paulo a Minas e
ao Rio Grande do Sul. Vencida militarmente, a burguesia paulista tirara, porém, algumas vantagens
políticas da derrota. Além de terem sido afastadas do cenário as formações partidárias mais
reacionárias, que encarnavam o predomínio da grande lavoura do café, a fórmula encontrada pela
ditadura para conservar o controle do governo de São Paulo fora uma ditadura militar de caráter
bonapartista (governo Waldomiro Lima), que tentou conciliar os interesses do governo central com
aqueles da indústria e lavoura paulistas, por meio de um controle burocrático e de uma relativa
liberdade de organização sindical do proletariado, e política das classes médias na campanha
eleitoral.
A questão central que se punha aos comunistas, em 1930, era a participação independente
do proletariado no conjunto do movimento, que ainda se limitava à superestrutura política, pois os
governos estaduais, lutando por sua hegemonia particular na Federação, faziam-no em nome do
dogma constitucional da autonomia dos Estados. Para tanto, "pregar um rótulo imperialista, inglês
ou americano, nas costas de uma das frações burguesas em luta", como fizera a direção do PC,
era uma análise abstrata e inoperante politicamente, pois dela não decorria uma perspectiva de
ação política imediata para mobilizar as massas. As palavras de ordem stalinistas, conclamando o
povo à luta pelo "governo operário e camponês", pela "revolução agrária e antiimperialista",
repousavam no equívoco de uma análise falsa das forças em presença e eram determinadas pelas
conveniências do caudilhismo burocrático, que se articulava com os restos da Coluna Prestes
(direção Astrojildo — O Tempo — Miguel Costa) e tendia a esconder o partido sob suas asas
protetoras, num oportunismo típico. Entre 30 e 32, a política do partido enterrara as possibilidades
do desenvolvimento democrático de todo o movimento, permitindo, de um lado, o aparecimento de
ensaios de partidos intermédios (Legião Revolucionária, Partido Socialista) e, de outro, a
sobrevivência das antigas formações partidárias da reação, "que estariam por outra forma
impossibilitadas de agitar contra a ditadura o estandarte desonrado da democracia burguesa". O
traço característico da política, pós-30, era a união do tenentismo com a pequena burguesia urbana.
Esta teria o papel político de servir de instrumento de comunicação entre o proletariado e a grande
burguesia, isto é, de ser o fundamento da experiência socialista no Brasil, conquistando o
proletariado para formar a base de partidos intermédios. Portanto, nas condições brasileiras de
estabilização política da burguesia, o dever da Oposição de Esquerda era lutar pelas palavras de
ordem democráticas, ao lado das reivindicações de classe do proletariado, para salvaguardar a
posição estratégica fundamental — a união de todos os oprimidos sob a bandeira da revolução
socialista.911

910
Projeto de Teses sobre a Situação Nacional. Liga Comunista (1932), p. 2. FLBX.
911
Doc. cit., p.p. 7-9.
A ação pedagógica da LC manifestou-se explicitamente na montagem de uma "Escola
Proletária", encarregada de fornecer cursos teóricos para aderentes e simpatizantes. A organização
das “grades curriculares” de alguns desses cursos conservou-se, por mercê da ação policial.
Em meados de 1933, o professor particular José Neves começou a militar na liga, em São
Paulo. Foi preso em 7/3/34, com diversos pacotes de A Lucta de Classe. Na cadeia, declarou ter
sido comunista comunista há anos, mas que se retirara do partido por não concordar com o seu
programa. A pessoa que lhe entregara os pacotes com os quais fora encontrado, era membro da
LCI, mas Neves recusou-se a revelar o seu nome, por uma questão de princípio.912
José Neves lecionava na "Escola Proletária", instituída pela CE e que funcionava na sede
da UTG. Em 33, a classe compunha-se de 60 alunos. A identidade dos professores dessa escola
documenta a ação pedagógica desempenhada pela liga sobre o operariado paulistano, como se
apreende do quadro abaixo:

Disciplina Nome do professor


Português Aristides Lobo
Francês Mary Houston
Aritmética Fúlvio Abramo
Geografia José Neves
História José Neves
Filosofia Mário Pedrosa
Economia Lívio Xavier
Política Aristides Lobo
Sindicalismo Mário Pedrosa 913

Os 60 alunos da "Escola Proletária" apresentavam o seguinte perfil profissional:

Profissões Números de alunos


Operários gráficos 33
Tipógrafos 2
Encadernadores 2
Distribuidor tipogr. 1
Impressor 1
Metalúrgicos 2
Mecânico 1
Ferroviários 2
Construção civil 2
Sapateiro 1
Músico 1
Tecelões 2
Costureiras 3
Malharia 1
Domésticas 2
Comércio 1
Vendedor de 1
bilhetes

912
Declarações prestadas em 8/3/34. Prontuário de José Neves, n.º 2.863, fls. 33-36. DEOPS/SP.
913
Prontuário de José Neves, n.º 2.863, f. 49. DEOPS/SP.
Desocupado 1 914

Infere-se, do quadro acima, a influência hegemônica que a LC exercia sobre a UTG: 39 dos
discípulos dos opositores de esquerda eram gráficos. As mulheres estavam presentes às aulas,
embora como minoria. O pluralismo das profissões deixa entrever — de alguma forma — o ingente
esforço dos trotskistas para aumentar a sua influência sobre as mais diversas categorias
profissionais. E, por último, desmente a idéia generalizante de que a OE era assunto exclusivo de
um grupo de intelectuais.
O Boletim Interno de Informações n.º 1, de 25/12/33, publicou resolução da CE
aprofundando a atuação pedagógica da LC: as reuniões dos grupos de base deveriam começar por
uma discussão política e teórica sobre os princípios do comunismo. As razões dessa resolução
ligavam-se ao fato de serem poucos os oposicionistas e de nem todos estarem a par da verdadeira
linha política da liga, além do que precisavam conquistar novos adeptos, o que só seria possível se
soubessem explicar bem as divergências com o PC. Decidiu-se que os simpatizantes deveriam
participar das reuniões do grupo, e Fúlvio Abramo ficou encarregado de distribuir o programa —
organizado pelo secretário e o Agit-Prop — aos elementos do grupo. O curso tinha o título de
"História da Oposição Internacional da Esquerda na Internacional Comunista", e abrangia sete
capítulos, cujos temas reproduzem as divergências históricas entre trotskistas e stalinistas:

"1) As primeiras lutas da oposição russa a partir de 1923.


(A NEP, crise econômica de 1923, democracia interna do Partido, derrota
da Alemanha em 1923 e a necessidade da mudança da política da
Internacional Comunista na Europa, perspectivas faltas do V.º Congresso,
Zinovievismo).
2) A Internacional Comunista depois do II.º Congresso.
(O Comitê Anglo-Russo, a Revolução Chinesa, aliança com o Kuomintang,
partidos bipartidos, 'ditadura democrática operária e camponesa' contra
'ditadura proletária').
3) Industrialização.
(Socialismo num só país, industrialização, política com os kulaks,
burocracia e plataforma da Oposição Bolchevique Russa em 1927, expulsão
da Oposição do Partido).
4) O VI.º Congresso da Internacional Comunista.
(A industrialização atrasada, aventurismo burocrático, política do 'terceiro
período', criação da Oposição Internacional, 'revolução permanente' contra
'socialismo num só país', Revolução Espanhola).
5) A formação da Oposição no Brasil.
(Bloco Operário e Camponês, luta antiimperialista, prestismo, aventurismo
sindical, movimento de outubro de 1930, sectarismo e oportunismo político do
PCB, negação das palavras de ordem democráticas, boicote à Constituinte,
divisionismo sindical, anarquismo e stalinismo, política eleitoral e União
Operária-Camponesa).
6) Crise do capitalismo.
(Situação na Alemanha, social-fascismo, boicote à frente-única, plebiscito
vermelho, nacional-bolchevismo, revolução popular e libertação nacional,
plano qüinqüenal e propaganda burocrática, aventurismo industrial,
coletivização forçada, situação no Extremo Oriente, ofensiva do imperialismo
nipônico, diplomacia soviética).
7) Vitória do fascismo.
(Destruição do PCA e da social-democracia, capitulação da burocracia
diante do imperialismo, traição da diplomacia soviética, fim do plano
qüinqüenal, situação das massas russas, silêncio e decadência da IC — II.º
Congresso —, necessidade da nova internacional, perspectivas do movimento
revolucionário, perigo de guerra, ameaça de guerra contra a URSS, pacifismo

914
Prontuário citado, f. 52.
soviético e da IC, Congressos Antiguerreiros e antifascistas, tarefas dos
comunistas internacionalistas)."915

Cursos dessa natureza serviam para preparar os futuros aderentes da LC. Os candidatos
deveriam submeter-se a um exame de admissão, destinado a garantir um nível mínimo de
conhecimentos e capacidades de cada militante. A justificativa prendia-se à própria natureza da
organização: a duplicidade da luta — contra o capitalismo e o stalinismo — exigia de cada militante
um mínimo de conhecimentos políticos, tanto de educação marxista-leninista, como também de
“capacidades formais (talento oratório, conhecimento das formalidades de reunião, capacidade de
discussão, talento de organizar, etc., etc.)”.916
Para o público externo — operários, fundamentalmente — elaboravam-se textos que
forneciam noções sobre a luta de classe, como “Os inimigos da Revolução”, de autoria provável de
Mário Pedrosa. Numa retórica empolgada, o panfleto enumera os elementos constitutivos dos 10%
da população do Brasil que viviam “nababescamente” da exploração da massa, propositadamente
mantida na ignorância. As idéias são apresentadas nos possibilismos da consciência revolucionária
da massa trabalhadora, tantas vezes discutidos pelos oposicionistas. Acena-se com o nacionalismo:
as empresas estrangeiras imperialistas eram inimigas da Revolução, porque esta planejava a sua
nacionalização. Essas empresas tinham cúmplices entre os oportunistas que viviam das migalhas
dos exploradores; os políticos que viviam de negociatas; e os jornalistas comprados. Ao mesmo
tempo, criticava-se a exagerada proteção alfandegária, que encarecia a vida das populações,
identificando, pois, os industriais como inimigos da Revolução. Inimigos acompanhados por
parasitas ou intermediários, políticos negocistas, intelectuais a soldo de interesses suspeitos e
empregados categorizados.
Os políticos profissionais, os estudantes e os jornais também eram apontados como
inimigos, por estarem a soldo dos interesses da burguesia.
Os latifundiários formavam nas fileiras inimigas, pois viviam nas capitais à custa do
arrendamento de milhares de alqueires de terras, no interior, e a revolução combatia as grandes
propriedades improdutivas.
Faz-se uma referência indireta a julho de 32, ao citar, como inimigos da revolução, os
“separatistas, imbecis e ingênuos”.
Os comunistas, sinceros ou snobs ( a maioria), e a Buchenschaft (sociedade secreta
oligárquica) também não queriam a revolução, porque esta combatia um regime em desacordo com
o meio brasileiro.
Os inimigos da revolução estavam nos Automóveis Clubs, confortavelmente sentados,
atacando a "canalha das ruas"; nos clubes de jogo (sucursais do perrepismo), mandando
espingardear os empregados que pediam aumento de ordenado e esbanjando contos de réis no
pano verde; nos cabarés, estourando champanhe; nos antros suspeitos, corrompendo a sociedade
e tomando cuidado para “não deixar cair do bolso um discurso sobre a paz, a família, a ordem, e a
reconstrução econômico-financeira do país”.
Os revolucionários, ao contrário, estariam nos quartéis e navios de guerra, como oficiais e
soldados, ensinando a amar o Brasil; nos albergues noturnos; nas fábricas e nas oficinas, vertendo
o suor no trabalho rude; no campo, lavrando a terra.917
O apelo aos revolucionários brasileiros faz-se de forma mais explícita no original de um
discurso ou panfleto, apreendido com Mário Pedrosa, no qual se vê, com clareza, a perspectiva da
Revolução dos oposicionistas:

"Pelo esmagamento da burguesia, ‘Proletários de todos os países, uni-


vos!’

915
São Paulo, 25 de dezembro de 1933, in: Papéis encontrados por José Pedro Guimarães, a 24/12/35, no
escritório de Lívio Xavier, e por ele entregues ao "Dr. Gonzaga", que os remeteu à Superintendência de
Ordem Política e Social. Prontuário de Lívio Xavier, n.º 300. DEOPS/SP.
916
Proposta de Resolução Dirigido à Reunião da CE provisória da LC (Seção Brasileira da OIE).Outubro
de 32. FLBX.
917
Os Inimigos da Revolução. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 37, f. 58. DEOPS/SP.
Nesta hora de intensa agitação em todo o mundo os proletários de todos os
países, acossados pela fome e seguindo, para a conquista da sua liberdade, o
conselho contido no brado imortal de Karl Marx, unem-se política e
economicamente, em férreas organizações de classe, para enfrentar, numa
batalha decisiva, a burguesia dominante.
Na China, na Índia, na França, na Alemanha, na Argentina e no Brasil, em
toda a parte as grandes massas produtoras se levantam para reivindicar o pão
que o capitalismo lhes sonega, acumulando supervalores colossais.
E os povos oprimidos pelo imperialismo invasor fazem frente única com o
proletariado faminto, uma aliança formidável e indestrutível.
O regime capitalista baqueia em seus alicerces apodrecidos pelo cupim
das contradições. Não há força que o salve, nem obstáculo que o detenha em
sua queda fragorosa."918

A LCI continuava a investir em obras literárias para sensibilizar as massas no sentido


revolucionário. Muitas eram peças teatrais, encenadas ocasionalmente, mais ou menos às
escondidas. Dessa forma, podemos ler, na ficha policial de Afonso Schmidt, que em 11/6/34 foram
detidas várias pessoas que ensaiavam a peça Ao Relento, de autoria do acusado, na qual entrava o
hino A Internacional. Afonso Schmidt era ainda autor de um opúsculo intitulado Os negros, que
circulava muito entre os presos comunistas intelectuais. O Conto de Natal, assinado por Schmidt,
tem por tema um fazendeiro que toma dinheiro emprestado de John e Tom, numa analogia direta
ao Brasil, Inglaterra e Estados Unidos. No fim da peça, o fazendeiro pede a um anjo para dizer a
Jeová sobre a justiça do pagamento. Jeová responde ao anjo:

"Vá lá embaixo e diga ao Brasil que não seja besta. Mande a Inglaterra e a
América do Norte pentear macacos. Avise a esse trouxa que tirar o pão da
boca de seus filhos para alimentar esquadras e exércitos de seus
exploradores não é honestidade, é uma covardia que eu não perdôo."919

Documentos deixam ver que as estratégias da LCI, nos anos de 34-35, reproduziam as
usadas em anos anteriores. As dificuldades também se pareciam. As Edições Luta de Classe
combinaram com a Unitas a impressão de 2.000 exemplares — 1.000 para a LCI, em pagamento
do trabalho e dos direitos autorais, e os outros 1.000 para a Unitas, em pagamento do serviço
tipográfico, etc. Lobo considerava que o Pintaúde fizera uma besteira, pondo a Unitas como
distribuidora dos 2.000. Mais tarde, só havendo na Unitas a parte da liga, os trotskistas pediram ao
Pintaúde que a guardasse, para irem fazendo a distribuição aos poucos. Os exemplares da Unitas
seriam vendidos a 2$000, os da liga a 1$500. Este detalhe podia ser verificado na própria capa do
folheto. Ele soubera que haveria uma reunião dos credores de Pintaúde a 22 de novembro. Para
receber o dinheiro que lhe era devido, Lobo pede a Xavier: “Diga ao Pinta que eu ando com idéias
trágicas: ele pagará em três tempos."920 Em nova carta, Lobo comemora: havia recebido 340$000
do Petracone e só faltava receber de Pintaúde. Estava fazendo a tradução de um romance de
Tchekov.921
O esforço editorial dos trotskistas era ininterrupto. Traduções, edições circulam com os
mesmos nomes, na documentação. Assim lemos que Petracone prometera dar a Lobo “o número
exato de exemplares da Conferência de Copenhague”. Lobo o procurara e ele lhe dissera que era
justamente esse dado o que faltava na relação que possuía dos livros existentes na Unitas, que
Lobo acreditava seriam uns 800 exemplares.922
Sobre o destino da tradução do Eduardo VII, Lobo diz a Xavier nada poder informar. Com
ele não ficara. Deveria ter ficado com o José Auto. Este e a Rachel se encontravam em Maceió.923

918
Prontuário n.o 2.030. DEOPS/SP.
919
Prontuário de Afonso Schmidt, n.o 11. DEOPS/SP.
920
Carta de Lobo a Xavier. Rio, 23/10/34. FLBX.
921
Carta de Lobo a Xavier. Rio, 26/11/34. FLBX.
922
Carta de Lobo a Xavier. Rio, 24/10/34. FLBX.
923
Carta de Lobo a Xavier. Rio, 14/12/34. FLBX.
Com a saúde seriamente comprometida pelos períodos contínuos em que se viu preso e
pelas agruras da vida na clandestinidade, Aristides Lobo precisou submeter-se a uma cirurgia para
extrair um dos olhos. Por isso, a revisão do 3.º volume do Hegels teria que ser continuada por
Xavier, escreve Petraccone em 23/8/36.
As atividades ligadas à produção teórica continuaram muito depois que a LCI se extinguiu.
A “Nota dos Editores”, redigida por Aristides Lobo para a 3.ª edição do ABC, reproduziu as últimas
palavras de Bukharin: “Nós sofremos de uma degenerescência que nos trouxe a uma espécie de
fascismo pretoriano de camponeses enriquecidos.” 924

924
Carta a Xavier. São Paulo, 22/5/45. FLBX.
Capítulo VI. A sobrevivência dos trotskistas na revolução proletária.

“Sou um oposicionista de esquerda. Pertenço à fração leninista do Partido,


do qual sou aderente há sete anos. Colocado entre dois fogos, entre duas
polícias — a polícia oficial da burguesia e a polícia stalinista dos burocratas
dirigentes — devo resignar-me a esta imposição da História: lutar até o fim
contra a burguesia e os seus servidores conscientes ou inconscientes, diretos
ou indiretos. A burocracia stalinista vem mostrando, cada vez mais, a sua
corrupção moral.”
(Aristides Lobo. FLBX. CEDEM/UNESP).

1. "Rumo à IV Internacional": ingressismo e antiingressismo no PSB.

A Conferência Internacional, realizada nos dias 27 e 28 de agosto de 1933, em Paris, havia


reunido 14 partidos socialistas de esquerda e comunistas dissidentes, que se achavam fora da II e
da III Internacionais, a fim de examinar as questões relacionadas à necessidade de um novo
reagrupamento revolucionário da vanguarda do proletariado mundial. Foi esta reunião que
ocasionou a realização de duas conferências dos oposicionistas brasileiros, em setembro e em
outubro de 1933, analisadas no capítulo anterior. A Conferência Internacional decidiu abandonar a
IC e seguir nova orientação para a Quarta Internacional, e tomou a decisão de mudar o nome de
"Oposição de Esquerda" para o de "Liga Comunista Internacionalista". Para consubstanciar essas
posições de máxima importância, a Conferência de Paris historiou a trajetória da Oposição de
Esquerda Internacional.
Enquanto houvera esperança e possibilidade de fazer voltar a Internacional Comunista aos
princípios e à via traçados pelos primeiros congressos, a Oposição de Esquerda lutara no interior,
como fração, pela "regeneração e reforma da Internacional". Esta concepção, que fizera a força da
Oposição de Esquerda nos dez anos de sua existência, assegurou o futuro da LCI. A grande
antepassada, a Liga dos Comunistas, fundada por Marx, tinha sido a primeira a despertar na classe
operária a consciência internacional, fornecendo-lhe armas teóricas para a sua emancipação. O
parentesco entre as duas ligas basear-se-ia em princípios iguais: unir os proletários de todos os
países para a derrubada da burguesia e estabelecimento de uma nova sociedade sem classes e
sem propriedade privada.
Depois da fundação da primeira Liga dos Comunistas, o movimento operário internacional
passara por grandes derrotas e grandes vitórias. De início, depois da vitória, foi a derrota da
Comuna, que trouxe o desaparecimento da Primeira Internacional e das forças revolucionárias. Em
1914, a Segunda Internacional sucumbiu, vencida pelo oportunismo e pelo social-patriotismo
(socialismo nacional).
Após a Revolução de Outubro, a internacional ressurgiu sob a forma de uma Terceira
Internacional, a Internacional Comunista. Mas a Internacional Comunista, cuja tarefa era estender
pelo mundo a revolução, de estender a ditadura do proletariado, o poder dos sovietes do solo russo
aos outros países e, em primeiro lugar, aos outros países da Europa, falhara no desempenho dessa
tarefa por causa da degenerescência de sua direção, concentrada nas mãos da burocracia do
Estado soviético. A União Soviética adotara o princípio do "socialismo num só país", abandonando o
internacionalismo e se recolhendo às fronteiras e aos quadros nacionais. Assim, ocorreu a traição
da concepção internacionalista fundada pelo marxismo como instrumento necessário para
assegurar a vitória do proletariado e o estabelecimento de uma sociedade sem classes, de uma
sociedade verdadeiramente socialista. Mais uma vez, a internacional pereceu, vítima do reformismo
nacional.
Desse ponto de vista, era tarefa da liga restabelecer a direção internacional do proletariado,
em forjar o novo partido do proletariado, o partido da revolução mundial, o partido do comunismo
internacional.925
A organização oposicionista de esquerda, originada na URSS em 1923, no interior do
partido comunista russo, estendeu-se internacionalmente, e quando da Conferência de Paris
contava com 27 organizações e grupos e com uma imprensa que compreendia mais de 36 jornais e
revistas em todos os continentes.926 Essas organizações, na Conferência de Paris, agrupavam-se
em três tendências. A primeira estava representada pela LCI, SAP (Sozialistiche Arbeiter Partei,
Alemanha), RSP (Partido Socialista Revolucionário, Holanda) e OSP (Partido Socialista
Independente, Holanda). A segunda tendência, representada pelo PUP (Partido da Unidade
Proletária, França) e pelo Partido Operário Norueguês, afirmava que a força do proletariado seria
realizada pela unidade das organizações; foi apoiada por Steinberg e pelo representante romeno.
Os maximalistas tiveram para com os pupistas uma atitude favorável, mas declararam-se contra a
unificação das duas internacionais.
Entre essas duas tendências colocaram-se: o ILP (Independent Labour Party, Inglaterra),
que, embora criticando a 2.ª e a 3.ª Internacionais, considerou que ainda havia a possibilidade de
reerguimento da IC; o Partido Comunista Sueco, que criticou ambas as internacionais, mas não se
pronunciou por uma nova internacional; e a Federação Comunista Espanhola, que foi de opinião
que a questão de uma nova internacional ainda não deveria ser posta.
As quatro organizações, da primeira tendência, "com plena consciência das
responsabilidades históricas" que sobre elas pesavam, concordaram em trabalhar pela criação de
uma nova Internacional, nas bases do marxismo revolucionário e do leninismo927, tendo em vista a
regeneração do movimento revolucionário proletário na escala internacional. Como base de sua
atividade, as organizações adeptas da IV Internacional estabeleceram um decálogo, do qual se
destacam — em importância para a seção brasileira da LCI —, os princípios seguintes:

"1. A crise mundial do capitalismo imperialista, que suprimiu o terreno para


o reformismo (Social-democracia, II Internacional, burocracia sindical
reformista), apresenta imperiosamente a tarefa de romper com a política
reformista, de pôr na ordem do dia a luta revolucionária pela conquista do
poder e pela instauração da ditadura proletária como via única para a
transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista.
2. A tarefa da revolução proletária, na sua própria essência, tem um caráter
internacional. O proletariado só pode construir uma sociedade socialista
acabada na base da divisão internacional do trabalho e de uma colaboração
internacional. Os signatários repelem, pois, resolutamente, a teoria do
'socialismo num só país', que solapa as próprias bases do internacionalismo
proletário.
3. Decididamente, também, é preciso repelir de forma absoluta a teoria dos
austro-marxistas e dos reformistas e centristas de esquerda, que sob a capa
do caráter internacional da revolução socialista pregam a passividade e a
espera no seu próprio país, e assim atiram, na realidade, o proletariado aos
braços do fascismo. O partido proletário, que se esquiva, nas condições
históricas atuais, à tomada do poder, comete a pior traição. O proletariado
vitorioso num país isolado deve reforçar a sua ditadura nacional pela
edificação socialista, que continuará necessariamente incompleta e
contraditória enquanto a classe operária não conquistar o poder político ao
menos em alguns países capitalistas mais avançados. Ao mesmo tempo, a
classe operária vitoriosa num país deve dirigir todas as suas forças no sentido
de alargar a revolução socialista pelos outros países. A contradição entre o

925
O Secretariado Internacional da LCI. Paris, outubro de 1933, em: Rumo à IV Internacional!, folheto de
61 pp., edições Luta de Classe. São Paulo, janeiro de 1934, p.p. 53-54. Prontuário de Gofredo Rossini, n.º
173, f. 7.
926
Doc. cit., p. 54.
927
Doc. cit., p. 8.
caráter nacional da tomada do poder e o caráter internacional da sociedade
socialista só será resolvida pela ação revolucionária audaciosa.
4. A III Internacional (...) caiu vítima de uma série de contradições
históricas. O papel traidor da social-democracia, a juventude e a inexperiência
dos partidos comunistas acarretaram a derrocada do movimento
revolucionário de após-guerra no Ocidente e no Oriente. A situação isolada da
ditadura proletária num país atrasado deu à burocracia soviética conservadora
e nacionalmente limitada uma potência extraordinária. A dependência servil
das seções da IC para com os vértices soviéticos acarretou, por outro lado,
uma nova série de graves derrotas, a degenerescência burocrática da teoria e
da prática dos partidos comunistas, o seu enfraquecimento organizatório,
fazendo com que a IC se tornasse cada vez mais não só incapaz de realizar
as suas tarefas históricas, como um freio para o movimento revolucionário.
(...)
7. A situação do capitalismo mundial, a crise assombrosa que precipita as
massas populares numa miséria sem precedente, os movimentos
revolucionários das massas coloniais oprimidas, o perigo mundial do fascismo,
a perspectiva de um novo ciclo de guerras, que ameaça destruir toda a
civilização humana — tais são as condições que exigem imperiosamente o
agrupamento da vanguarda proletária numa nova internacional. Os signatários
se comprometem a contribuir com todas as suas forças para que essa
internacional se forme no mais breve prazo possível sobre os fundamentos
inabaláveis dos princípios teóricos e estratégicos lançados por Marx e Lenin.
8. Dispostos a colaborar com todas as organizações, grupos, frações, que
evoluem do reformismo ou do centrismo burocrático (stalinismo) para a
política do marxismo revolucionário, os signatários declaram ao mesmo tempo
que a nova Internacional não pode permitir nenhuma tolerância para com o
reformismo ou o centrismo. (...) Para realizar suas tarefas, a nova
Internacional não pode tolerar um desvio dos princípios revolucionários nas
questões da insurreição, da ditadura proletária, da forma soviética do Estado,
etc. (...) Precisamente a defesa revolucionária da URSS nos impõe o dever
imperioso de liberar as forças revolucionárias do mundo inteiro da influência
perniciosa do Comintern stalinizado e de construir uma nova Internacional
Comunista.
(...)
10. Condição indispensável para um desenvolvimento fundamental dos
partidos proletários revolucionários, não só na escala nacional como na escala
internacional, é a democracia do partido. Sem liberdade de crítica, de eleição
de funcionários de cima a baixo, sem controle sobre o aparelho pelos
aderentes, não há partido revolucionário verdadeiro. Asfixiando a democracia
interna, a burocracia stalinista asfixiou o Comintern. As exigências da
conspiração e as condições ilegais modificam necessariamente as formas da
vida interna do partido revolucionário, diminuindo ou suprimindo as
possibilidades de largas discussões e eleições.” 928

Esses princípios foram discutidos intensamente pelos oposicionistas de esquerda do Brasil,


comprovando que as seções nacionais da liga possuíam autonomia de decisão — o que, é bom
lembrar, não acontecia com os stalinistas. Na conferência extraordinária de setembro de 1933,
Aristides Lobo voltou a sustentar a opinião que apresentara em maio sobre a fundação de um novo
partido, e que antecipara, pois, a resolução internacional sobre o assunto. As divergências então
surgidas giravam, não mais em torno de uma questão de princípio, mas de uma questão puramente
tática. Lobo, achando que a burocracia soviética só podia ser derrocada por uma insurreição dirigida
pelos camaradas oposicionistas da URSS, aconselhou que a proclamação de uma nova
internacional permanecesse estreitamente ligada ao destino do Estado proletário. O seu

928
"I PARTE. PELA IV INTERNACIONAL”. Doc. cit., pp. 9-11.
pensamento pode ser assim resumido: os oposicionistas deveriam se transformar imediatamente
em partido, mas sem se declararem uma nova internacional e sem proclamarem mesmo a sua
necessidade. Era evidente que, se a burocracia stalinista fosse derrocada na URSS, cairia
automaticamente no resto do mundo, e então os oposicionistas aproveitariam a bandeira da IC. No
entender de Lobo, a importância dessa tática estava ligada ao fato de que, enquanto a URSS
continuasse como um Estado proletário, as massas dariam o seu apoio à III Internacional.
Como vimos, um mês depois dessa discussão a Segunda Conferência Nacional da Liga
Comunista pronunciou-se favorável à nova Internacional e ao novo partido na URSS. Restava aos
trotskistas cuidar da execução da proposta, o que eles fizeram — em reunião realizada no dia 30 de
dezembro de 1933 —, retomando reflexões anteriores. Para consolidar a discussão, os
oposicionistas leram os trabalhos de Trotski — Problemas do Regime Soviético e A teoria da
degenerescência e a degenerescência da teoria, publicados no Unser Wort e traduzidos por
Pedrosa.
O secretário-geral da liga — Aristides Lobo — retomou pontos da discussão sobre a IV
Internacional, travada na conferência de outubro.
Lobo achava que, embora degenerada, ainda existia ditadura do proletariado na URSS e,
enquanto ela existisse, os oposicionistas não deveriam apresentar a questão de uma nova
internacional. Seria preciso regenerar a 3.ª IC, com a subida da oposição ao poder na URSS.
Quanto às possibilidades técnicas de insurreição na URSS, ele havia lembrado o argumento
empregado por Gurov: seria preciso em primeiro lugar formular clara e corajosamente a tarefa
histórica e, em seguida, reunir as forças para a sua solução. Quanto ao argumento de que muitos
operários que saíram da II Internacional não vinham para a III porque viam que a burocracia
sabotava a revolução, isso não era suficiente para os oposicionistas fazerem uma IV Internacional,
porque o mais importante era conquistarem operários que há anos já vinham lutando pelo
comunismo. Evidentemente, a questão do rompimento com o stalinismo estava liquidada, mas era
preciso analisar a questão da forma desse rompimento. Lobo discordara de Pedrosa sobre uma
frente única com a burocracia no caso de uma invasão exterior na URSS. Seria preciso — pensava
— mostrar a incapacidade da burocracia em defender a URSS. No caso deveriam ser pela
transformação da guerra imperialista em guerra civil. Eles não poderiam separar a questão
internacional da questão da URSS. A sorte do proletariado mundial estava ligada à sorte da URSS e
não se podia abstrair uma da outra. Como a Conferência Nacional havia reconhecido, a chave da
situação internacional havia passado da Alemanha para a URSS.
Xavier, contrariando a análise acima, pronunciou-se por um novo partido e uma nova
internacional, sendo acompanhado por Abramo — o prestígio da IC estava desaparecendo e era
preciso criar um novo órgão que fosse um novo partido internacional e que tivesse a força de dar
ânimo ao proletariado mundial.
No mesmo sentido, pronunciou-se Pedrosa: desde a derrocada do partido na Alemanha, a
situação estava madura para a fundação de outro partido. As perspectivas de regeneração da
internacional, por meio da revolução na Alemanha, haviam desaparecido. A III Internacional só
existia na imaginação de alguns camaradas. Mesmo o partido francês estava numa completa
estagnação. Simultaneamente com essa derrocada, também a 2.ª Internacional caíra “de podre”. As
massas de operários do mundo inteiro estavam sem direção. Os oposicionistas deveriam preparar
o ambiente, o núcleo formador de um outro organismo internacional revolucionário, embora a
situação internacional fosse desfavorável. O centro da questão da IV Internacional era decidir se
havia ou não uma ditadura do proletariado na URSS. Trotski constatou o reforçamento da
burocracia na URSS como poder policial, em vez de significar o florescimento da democracia, como
pretendia o marxismo. Antes da subida do fascismo ao poder na Alemanha, a Oposição de
Esquerda esperava que a regeneração do partido se fizesse pela via pacífica, pela reforma.
Entretanto, desde que a Internacional não interveio, toda a oposição deveria concordar em formar
outro partido, porque a Internacional havia morrido. O programa comunista, adotado nos quatro
primeiros congressos, ficaria, como a obra histórica da 2.ª Internacional, integrado no movimento
operário. Como instrumento político, a IC falhou e não tinha mais força para as massas. O
stalinismo era uma forma de transmissão do poder do proletariado para a burguesia internacional.
No final da reunião, o secretário pôs em votação quatro itens:
“1.º) Quem é pela oposição como fração, com o fim de reformar
pacificamente a IC?
2.º) Quem é pelo rompimento completo e definitivo com o stalinismo?
3.º) Quem é pela 4.ª Internacional como forma desse rompimento?
4.º) Quem é pelo adiamento da questão de uma 4.ª Internacional até que
uma insurreição armada decida da sorte da URSS?”

Os dois primeiros itens foram aprovados por unanimidade. Houve divergências quanto aos
dois últimos, mas ganhou o 4.º.929
Como resultado, Lobo apresentou uma declaração política, imposta pelas novas condições
do movimento revolucionário mundial:

“A proclamação da IV Internacional é, hoje, um fato consumado. Não


discutamos se essa proclamação foi feita pelos processos regulares de toda
organização que adota o centralismo democrático como base do seu regime
interno, ou se teve de ser apressada por circunstâncias imperiosas que
obrigaram a Liga a passar por cima dos seus próprios estatutos. Tal discussão
não teria senão um caráter secundário, e talvez mesmo contraproducente, em
confronto com as imensas tarefas do movimento comunista na hora presente.
Constatemos, apenas, que a preparação da IV Internacional já passou
inteiramente do terreno da discussão para o terreno da prática revolucionária,
tornando-se em definitivo, e já de início, a forma do nosso rompimento com a
burocracia dirigente da IC. Nestas condições, continuar a sustentar a mesma
fórmula tática que eu preconizara e que, apesar de continuar a julgar
verdadeira em tese, só podia ter um interesse passageiro, significa romper,
praticamente, não só com a disciplina da organização, mas com o modo de
pensar e de agir leninista. Uma vez que todas as seções da Liga se
manifestaram, internacionalmente, pela proclamação da IV Internacional e que
essa idéia, mau grado a depressão sem exemplo do movimento operário
mundial, vem obtendo o apoio de importantes organizações socialistas de
esquerda, não nos resta outro caminho que o de nos resignarmos à vontade
exigente dos fatos e desfraldarmos conjuntamente a mesma bandeira.
Assim, pois, na luta implacável em que estamos empenhados, contra o
adversário de classe e contra os aliados de ontem, proclamemos, com firmeza
e decisão, não somente que somos um novo partido, não somente que o
stalinismo capitulou diante do fascismo e traiu, em conseqüência, os
interesses da Revolução em todo o mundo, mas ainda que a III Internacional
traiu, que a III Internacional está morta.
Viva a Liga Comunista Internacionalista! Viva a IV Internacional!”930

Portanto, a partir de janeiro de 1934, os opositores de esquerda do Brasil deixaram de se


considerar fração do Comintern, para se colocar "como o eixo de cristalização dos futuros
verdadeiros partidos comunistas internacionalistas e da futura Internacional revolucionária que há
de ser o instrumento histórico da revolução proletária mundial".
Os trotskistas analisavam positivamente a decisão histórica que tomaram: estavam
presenciando o reagrupamento da vanguarda revolucionária do proletariado, com a passagem:

"de várias correntes socialistas de esquerda, já desgarradas do casarão


em ruínas da 2.ª Internacional, para o campo do marxismo revolucionário,
arregimentando-se sob a bandeira da 4.ª Internacional. Por outro lado,
camadas ponderáveis e os melhores elementos do stalinismo, recompondo na
sua consciência a dolorosa experiência da derrota do proletariado alemão,
abandonam a Internacional que a burocracia stalinista prostituiu, para reerguer

929
FLBS. CEDEM/UNESP.
930
Declaração Política. São Paulo, 30/12/1933. FLBX. CEDEM/UNESP.
o pavilhão de Lenin, juntamente com os bolcheviques-leninistas. (...) A
bandeira da nova Internacional marxista-leninista será vitoriosa, ou a reação
fascista vencerá em toda a terra, e a humanidade descerá até o fundo
tenebroso da barbaria".

No mesmo documento, os oposicionistas afirmavam que o destino da União Soviética unia-


se naquele momento à 4.ª Internacional, pois a IC stalinizada era tão incapaz de defendê-la contra a
agressão imperialista quanto o PCA fora incapaz de defender o proletariado alemão das garras do
fascismo. Juntamente com a conjuntura política internacional, a situação do PCB foi assim
analisada:

“No nosso setor nacional de lutas, constata-se que o stalinismo está em


adiantado grau de putrefação. O ex-partido comunista está hoje transformado
numa seita obscura de desesperados e de lúmpen burocratas, que procuram
agora em Lampião (A Classe Operária, n.º 154, dezembro de 1933) o seu
último aliado, ainda mais distanciados do marxismo do que o eram os
'populistas' russos da fase terrorista. No Brasil não existe ainda o verdadeiro
partido revolucionário do proletariado. É a nossa tarefa imperiosa construir
este partido. O núcleo de bolcheviques-leninistas do Brasil é o embrião do
novo partido comunista. Em torno de seu programa, comprovado pela
experiência histórica e pelas lutas e acontecimentos do movimento proletário
internacional, como nacionalmente, a vanguarda da classe operária do Brasil
há de se organizar para cumprir a sua gigantesca missão histórica. Pelo novo
partido comunista internacionalista do Brasil, pela 4.ª Internacional!"931

A adesão ao comunismo internacional foi um dos pontos mais coerentes do primeiro


trotskismo no Brasil — verdade aparentemente acaciana, mas que acabou por ser um setor
dilemático para a Oposição de Esquerda, a partir da constatação de que o primeiro Estado
proletário do mundo convertera-se ao stalinismo-nacionalista. Esse dado agigantou as controvérsias
após as vitórias do fascismo internacional, nos anos de 33 e 34, que anunciavam a Segunda Guerra
Mundial. Pressionados pelos acontecimentos, os oposicionistas reuniram-se extraordinariamente
em 23/3/1934, para a discussão das teses sobre a “A IV Internacional e a Guerra”.
Nessa reunião, Lobo leu a crítica que fizera sobre o assunto, intitulada: “Contra uma Nova
Forma de Social-Patriotismo”.
A idéia inicial desse documento é que a política do socialismo num só país, segundo a qual
as contradições decorrentes do isolamento da URSS poderiam ser vencidas fora da arena da
revolução mundial do proletariado, havia de conduzir necessariamente, mais cedo ou mais tarde, a
uma política de colaboração da burocracia soviética com a burguesia exterior. Sem um partido
revolucionário dotado de uma justa direção, a contradição entre o caráter mundial da economia
capitalista e o desenvolvimento de um Estado socialista isolado só poderia encontrar uma resolução
dialética favorável ao sistema social dominante internacionalmente, isto é, à burguesia e não ao
proletariado.
A burocracia stalinista, pelo seu próprio caráter de casta parasitária dominante num Estado
proletário e ao mesmo tempo envolvida pelo universo capitalista, havia de determinar a sua política,
tendo em vista sempre a sua autoconservação, pelas variações da correlação das forças sociais,
isto é, pelos fluxos e refluxos do movimento revolucionário. Daí o empirismo da política centrista da
IC, cujas conseqüências foram as inumeráveis derrotas do proletariado em todo o mundo e, mais
particularmente, a vitória do fascismo na Alemanha. A derrocada fragorosa da IC e a extrema
degenerescência do regime soviético foram os resultados inevitáveis dessa política criminosa.
As teses sobre a “A IV Internacional e a Guerra”, justas em seu conjunto, chegaram a uma
conclusão contraditória e, a juízo de Lobo, errônea, quando examinaram a possibilidade de uma
guerra da URSS, aliada aos Estados Unidos, contra o Japão. Segundo as teses, mesmo que essa
hipótese se verificasse, a palavra de ordem de “defesa da URSS” deveria continuar de pé. Lobo
pensava que uma tal conclusão, levada à prática, viria quebrar a espinha dorsal do

931
"Prefácio" a Rumo á IV Internacional, p. 7.
internacionalismo revolucionário. Essa afirmação só poderia ser tomada, no mínimo, como uma
nova forma de social-patriotismo. Na hipótese da URSS aliar-se a um país imperialista contra outro,
ela perderia imediatamente o seu caráter de Estado proletário, porque seria um mero instrumento
de interesses imperialistas. Nesse caso, os comunistas internacionalistas deveriam responder que
não se tratava mais de defender a URSS, mas sim de passar à ofensiva revolucionária para a
construção de uma nova URSS, pela derrocada do governo russo “lacaio do imperialismo”, pela
“transformação da guerra imperialista em guerra civil”. Se o governo chefiado por Stalin se aliasse
externamente ao imperialismo, seria porque internamente essa aliança já era também um fato
consumado. A defesa da URSS só seria concebível com uma completa independência da
vanguarda internacional em relação à política da diplomacia soviética, com a completa liberdade de
desmascarar os seus métodos nacional-conservadores, que se chocavam com os interesses da
revolução internacional e, por isso mesmo, com os interesses da própria União Soviética.
As teses afirmavam que a defesa da URSS era, incontestavelmente, “o dever elementar e
imperioso de toda organização operária honesta”, asserção contestada por Lobo que considerava
que esse dever seria uma traição aos interesses da revolução internacional do proletariado.
Como conclusão, Lobo propôs que no caso de uma guerra da URSS isolada contra o
imperialismo, a palavra de ordem de defesa da URSS deveria estar ligada à propaganda e à
agitação de que a burocracia stalinista, como previra Trotski respondendo a Stalin, seria incapaz de
dirigir a batalha contra o imperialismo e, por isso mesmo, seria preciso derrocá-la. Os oposicionistas
deveriam ter, para com Stalin, a mesma atitude que Lenin aconselhou, em 1917, para com
Kerenski. Parodiando Lenin, diriam:

“Sem baixar de um só grau a nossa hostilidade para com Stalin, nós


declaramos que é preciso ter em conta o momento; que não nos
preocupamos, no momento, em derrubar Stalin, que o combatemos, então, de
uma outra maneira, patenteando ao proletariado internacional (que luta contra
o imperialismo) a fraqueza e as hesitações de Stalin.”

No caso de a URSS ser arrastada pela burocracia stalinista a uma aliança com o
imperialismo, os oposicionistas deveriam dizer aos trabalhadores do mundo inteiro:

“A política nefasta da III Internacional, exatamente como prevíramos, levou


o Estado proletário ao desmoronamento. A Rússia não passa, agora, de mero
instrumento do imperialismo. É preciso recomeçar tudo de novo. Não há
motivo para desânimo. Do mesmo modo que a experiência da Comuna serviu
de base à luta do glorioso partido bolchevique chefiado por Lenin, assim
também a recordação e a experiência da Revolução de Outubro viverão na
memória e nos corações dos trabalhadores de todos os países e servirão de
base à luta final que dará a vitória ao proletariado sobre a burguesia. Sob a
bandeira da IV Internacional, chefiada pelo camarada Trotski, os operários do
mundo inteiro saberão unir-se e marchar corajosamente para a conquista do
poder político. Pela transformação da guerra imperialista em guerra civil!”

Pedrosa retomou as idéias de Lobo: dentro das condições do movimento internacional do


proletariado, a guerra era inevitável, isto é, sem a restauração das forças revolucionárias, ela seria
dentro em pouco um fato consumado. Essa restauração, porém, só poderia ser conseguida com a
fundação da IV Internacional que, por sua vez, só poderia evitar a guerra por meio da revolução
proletária. O dever de todo marxista internacionalista era preparar-se para as piores eventualidades.
Ou a IV Internacional seria, dentro em pouco, uma realidade, ou a catástrofe seria irremediável —
este era o dilema que deveria ser posto com toda a clareza.
Essas circunstâncias faziam prever que a URSS não poderia isolar-se em caso de uma
guerra interimperialista. Mesmo que a guerra não se desencadeasse por uma agressão da “corja
militar japonesa” contra os sovietes, mas irrompesse em outro quadrante, além de seus limites, a
União Soviética seria envolvida no conflito. Ela teria de lutar, assim, ao lado de outros Estados
imperialistas.
Depois de alguma discussão entre Lobo, Pedrosa e Abramo, o primeiro apresentou uma
proposta de resolução, pela qual a Liga Comunista Internacionalista condenava os pontos das teses
que colocavam como posição de princípio, em relação à defesa da URSS, a possibilidade de esta
entrar numa guerra interimperialista sem modificação no conteúdo de classe do Estado soviético. O
segundo ponto da resolução propunha que a vanguarda comunista-internacionalista colocasse, na
propaganda e na agitação, a necessidade de uma frente única (governo de coligação) dentro da
URSS, no caso de guerra.
O primeiro item foi aprovado unanimemente. O segundo foi substituído por uma proposta
de Pedrosa: a LCI acatava uma aliança da IV Internacional com a URSS, no caso de guerra, como
única forma capaz de salvar o Estado proletário.932
As ameaças de guerra, no campo internacional, explicam o acirramento das posições dos
oposicionistas sobre a URSS.
A OE se impusera como tarefa desde o seu aparecimento "regenerar" a IC por meio da
crítica marxista e do trabalho fracional interno, lutando contra o que chamava de "caráter nefasto do
centrismo burocrático". Entretanto, deparou-se com o poder de repressão extraordinário do
stalinismo, o qual opôs com sucesso "às exigências do desenvolvimento histórico, os interesses e
preconceitos de sua casta". De acordo com a OE, as causas do desmoronamento da social-
democracia e do comunismo oficial não poderiam ser procuradas na teoria marxista, nem tampouco
na má qualidade das pessoas que a aplicaram, mas nas condições concretas do fato histórico. A
explicação do crescimento lento do grupo de oposicionistas, "cuja análise e previsões foram
confirmadas por toda a marcha do desenvolvimento", do mesmo modo deveria ser procurada "na
marcha geral da luta de classes". Esse fato não deveria desanimar os oposicionistas: era
justamente nas épocas de refluxo revolucionário que se formavam os quadros enrijados que depois
seriam chamados a conduzir as massas a novos sucessos.
As tentativas de se criar um "segundo partido" ou uma "quarta internacional" partiram, no
passado, das experiências sectárias de certos grupos e círculos "desiludidos” do bolchevismo. Por
esse motivo, sempre naufragaram. No momento, os opositores declaravam partir do curso objetivo
da luta de classes, não de seus "descontentamentos" e "desilusões" subjetivas. Todas as
necessidades de desenvolvimento da revolução proletária exigiam imperiosamente uma nova
organização de vanguarda e lhe forneciam as condições precisas.
Conforme análise posterior de Mário Pedrosa, a 1.ª e a 2.ª Internacionais morreram de
morte natural, mas a 3.ª fora morta propositalmente. De modo que a 4.ª herdou a tarefa de ser a
continuadora do Internacionalismo. Com exceção do trotskismo declarado, todos os outros
movimentos não-stalinistas não assumiram a tarefa da 4.ª Internacional. Assim, os trotskistas
ficaram isolados no mundo inteiro e essa foi a sua maior dificuldade: em toda parte, até nas prisões,
formavam um punhado execrado, “porque o stalinismo pôde canalizar as energias mais
importantes que existiam no mundo para destruir também o movimento trotskista. O movimento era
assim apenas um movimento de resistência, sem nenhuma vitória”. O argumento que mais pesou
no sentido de fundar a Internacional, foi o de que o objetivo da polícia e dos stalinistas era
exatamente o de que a IV não fosse fundada. Então os trotskistas resolveram fundá-la com data
marcada...933
Apesar de a fundação da IV Internacional, com um programa escrito por Trotski, ter-se
verificado apenas em setembro de 1938934, as discussões teóricas e práticas para a sua realização
ocuparam as atenções dos opositores de esquerda nacionais e internacionais durante o período de
34 a 38. Os argumentos usados pelos brasileiros eram recorrentes e estavam ligados à dissolução
da social democracia e ao desmoronamento da IC, verificados internacionalmente e nacionalmente.
Raciocinavam eles que por mais profunda que pudesse ser a reação no próprio proletariado,
centenas de milhares de operários em todo o mundo não poderiam renunciar a avaliar a questão do
caminho da luta ulterior e de uma nova organização das forças. Nessa situação, exigir dos operários
que reconhecessem a direção da burocracia stalinista — “a qual se mostrou incapaz não só de
aprender, como de esquecer o que quer que seja” —, não significaria outra coisa “senão fazer uma
quixotada e impedir a formação da vanguarda proletária".

932
FLBX. CEDEM/UNESP.
933
Entrevista de Mário Pedrosa. Em Tempo 94. 13 a 19 de dezembro de 1979. CEMAP/CEDEM/UNESP.
934
Entrevista de Pedrosa. O Trabalho, n.º 0. São Paulo, 1.º de maio de 1978. CEMAP/CEDEM/UNESP.
A liga aceitou o fato inevitável de encontrar incompreensão nas fileiras comunistas. Uma
parte se afastaria da orientação de uma IV Internacional, com "espanto e até com horror". Outra
trocaria a simpatia pela inimizade pelos oposicionistas. Porém, era necessário não se deixar guiar
"por considerações sentimentais e pessoais, mas pelo critério da massa".
O ponto de vista internacional continuava a receber ênfase especial e repetitiva. Sem a
revolução proletária no Ocidente, a URSS não poderia alcançar o socialismo, assim como os
bolcheviques-leninistas, pelas suas próprias forças, sem o renascimento de uma internacional
realmente proletária, não poderiam restabelecer o partido bolchevique e salvar a ditadura do
proletariado. Na boca da IC, a defesa da União Soviética tornara-se "uma frase de ritual, sem
conteúdo". A direção da IC se encobria atrás de "indignas comédias da espécie do Congresso
Antiguerreiro de Amsterdã". A entrada em cena e o desenvolvimento de organizações de oposição,
a sua luta pela União Soviética, sua constante disposição de entrar em frente única com os
stalinistas contra a intervenção e a contra-revolução — tudo isso teria uma formidável importância
para o desenvolvimento interno da República Soviética. A nova correlação de forças deveria
"enfraquecer a ditadura da burocracia, fortalecer os bolcheviques-leninistas no interior da URSS e
abrir para a república dos trabalhadores em conjunto uma perspectiva incomparavelmente mais
favorável."935
Ligada às discussões de uma nova Internacional, a política do “entrismo” expôs-se como
decorrência natural do afastamento de milhões de trabalhadores, sobretudo alemães, do
comunismo e do movimento dos sociais-democratas para a esquerda. Esses operários
considerariam a direção stalinista como irremediavelmente comprometida e desmoralizada,
objetando contra a OE a sua recusa em se separar da IC e a construir um novo partido
independente. Nessas circunstâncias, os bolcheviques-leninistas deveriam entrar em negociações
abertas com as organizações socialistas de esquerda, tendo como base de discussão os onze
pontos adotados pela Pré-Conferência, isto é, o documento programático da Oposição de
Esquerda, elaborado em fevereiro de 1933. Nas novas organizações, os oposicionistas mostrariam
que a intransigência nas questões de princípio nada tinha a ver com o isolamento sectário.
Mostrariam, ademais, que a política marxista significava atrair os operários reformistas para o
campo da revolução, e não empurrar os operários revolucionários ao campo do fascismo.
Os dissidentes declaravam-se obrigados à nova política revolucionária pela contradição
histórica entre o papel progressivo do Estado soviético e o papel reacionário da burocracia stalinista
— ilustração da "lei do desenvolvimento desigual". Os chamados "amigos" da União Soviética
(democratas de esquerda, pacifistas, brandlerianos, etc.) repetiam, seguindo os funcionários da IC,
que a luta contra a burocracia stalinista auxiliava a contra-revolução. Entretanto, o Partido
Comunista da União Soviética não passava de um aparelho de administração nas mãos de uma
burocracia descontrolada.

2. A cisão da LCI: o grupo “Fernando-Alves”.

Robert Alexander afirma que a expulsão de Aristides Lobo, Víctor de Azevedo Pinheiro,
João Matheus e outros da LC ocorreu após o enfrentamento da Praça da Sé de 7/10/34, por se
936
colocarem eles contra conflitos armados com os integralistas.
Os documentos apontam — contrariando a versão de Alexander — para o “tournant
francês” como fator responsável pela divisão da liga, embora divergências opusessem os
camaradas liguistas há tempos. Uma delas prolongou-se de julho a dezembro de 1933, e referiu-se
aos camaradas estrangeiros da LCI, liderados por “Corvinus”. Em reunião da CE, a 8/7/33, o
assunto foi levantado. Os camaradas estrangeiros reclamaram da falta de organização da liga,
porque queriam realizar um “trabalho concreto” e não podiam, pois as dificuldades de língua e sua
condição de operários não lhes permitia escrever, discursar, etc., como os outros militantes. Lobo,
em nome da liga, considerou que os estrangeiros tinham sido eleitos pela CN à CE, e que o fato de
não falarem português não tinha importância. Seria um ato de indisciplina se saíssem da CE.

935
Doc. cit., p.p. 15-18.
936
ALEXANDER, Robert J. International Trotskyism, p. 132.
“Corvinus” respondeu que os estrangeiros relutaram quando foram escolhidos para a CE, só
aceitando o cargo porque os camaradas brasileiros insistiram e para não darem demonstração de
indisciplina. O pedido de exclusão da CE feito por ”Red”, “Corvinus” e “Novela” não foi aceito, mas o
problema continuou.937 A 14/12/33 Corvinus escreveu uma carta, que, pelo tom e críticas feitas, foi
considerada pelos trotskistas (em reunião realizada em 20/12/33) como insultuosa à CE e a toda a
organização, configurando ato de indisciplina, agravado por Corvinus haver faltado a mais de três
reuniões seguidas, sem causa justificada. Corvinus acusara alguns membros da CE de
"burocratas", quando (diz a resposta) não havia burocratismo na organização. Nenhum dos
camaradas recebia alguma coisa pelo trabalho, ao contrário do que afirmava Corvinus. Igualmente
não era verdade que a LC não fizesse trabalho prático, como atestavam a organização da Frente
Única Antifascista, o trabalho nos sindicatos, a publicação de A Luta de Classe e O Homem Livre.
Da mesma forma, era mentirosa a afirmativa de Corvinus de que não se havia feito propaganda
pela 4.ª Internacional. No entanto, apesar da improcedência das acusações, tendo em vista que
Corvinus era um operário consciente, com sentimento revolucionário, a CE o convidava para voltar
à liga.938
No mesma ocasião, o camarada “Vézio” retirou-se da liga por não concordar com a
“opinião e mentalidade” da organização em julgar a Rússia. Essa oposição foi considerada uma
capitulação diante do stalinismo, decidindo o GB1 expulsá-lo.939
Anteriormente, a LC excluíra dois importantes quadros: Otaviano Galvão, em julho de 1932,
e Plínio Gomes de Melo, por ter-se retirado, indisciplinadamente, em janeiro de 1933.940
Em janeiro de 34, o CC resolveu dissolver a Região de São Paulo. Sobre o fato, “Flávio”
escreveu a Pedrosa — “de maneira que nós não mais somos da LCI” —, propondo ao amigo que
juntos redigissem um longo relatório “contando as coisas bem direitinho”. Ele garantia a Pedrosa a
honestidade absoluta da narração. No entanto, Pedrosa estava longe e “Flávio” precisaria de sua
autorização para assinar também o seu nome. Em linhas gerais, tratava-se de dividir as
responsabilidades, entregando a cada corrente o seu quinhão de culpas e virtudes. Pedrosa deveria
responder imediatamente, dizendo se concordava ou não em que fosse posto o seu nome.941
Essas divergências, porém, não tiveram conseqüências muito graves para a organização
oposicionista — foram resolvidas no plano individual, conservando-se a unidade da liga. No final de
outubro de 1934, porém, surgiu um problema muito mais profundo: tendo em conta a “nova
correlação de forças”, trazida pelas decisões da Conferência de Paris, a LCI optou pela tática do
“ingressismo” nos partidos socialistas. Esse ingresso passou a ser conhecido como o “tournant
francês”. Inconformado com essa posição, o grupo “Fernando-Alves” rompeu com a disciplina
internacional da organização, e denunciou o ingresso como uma adesão à Segunda Internacional,
como uma degenerescência social-democrática.942 O grupo alegava que os bolcheviques-leninistas
da França haviam se dissolvido na social-democracia, e enrolado a bandeira da revolução,
transformando-se em agentes social-democratas. Para os antiingressistas, seria possível praticar o
fracionismo no Partido Socialista Brasileiro — que apresentava uma ala que se radicalizava —, sem
ingressismo, seguindo o modelo de Naville, o chefe dos antiingressistas franceses. Entendimento
severamente criticado pelos ingressistas:

“Alguns antiingressistas, tentando em vão mostrar que a atitude de Navile,


o chefe dos antiingressistas franceses, ao entrar também, depois de romper
com a nossa organização internacional para o partido socialista não era a mais
completa condenação de sua própria posição anterior, afirmaram que Naville
não mudara, continuava aderente porque tinha ido formar uma 'fração' dentro
do Partido Socialista. Ora, Naville foi um dos fundadores e um dos elementos

937
FLBX. CEDEM/UNESP.
938
"Ao camarada Corvinus", do Secretário da CE da LC. São Paulo, 28/12/33. FLBX. CEDEM/UNESP.
939
Boletim Interno de Informações, n.º 1, 25/12/33. DEOPS/SP.
940
A Luta de Classe, Ano I, V, n.º 14. Rio de Janeiro, 29/7/33.
941
Carta de Flávio a Pedrosa. São Paulo, 5/1/34. FLBS. CEDEM/UNESP.
942
“Postefácio”, Pela Quarta Internacional. Boletim dos Bolcheviques-Leninistas do Brasil. Publicação da
Comissão Nacional de Agit. e Prop. da Seção Brasileira da LCI. Edições Luta de Classe. São Paulo, agosto
de 1935, n.º 1, p.p. 19-20. Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030. DEOPS/SP.
mais responsáveis e representativos da Liga em França, e, apesar disso, entra
para um partido centrista a fim de fazer ali uma fração. Isto é o mesmo que
conceber, por exemplo, o camarada Trotski aderindo ao partido stalinista para
fazer um trabalho fracional lá dentro, ou Marcel Cachin ingressando no partido
socialista com o mesmo objetivo!”943

Os antiingressistas — liderados por Aristides Lobo (“Fernando”) e Víctor de Azevedo


Pinheiro (“Alves”) — argumentavam que se conseguiriam os mesmos resultados criando uma
fração no bloco socialista.944 Esse argumento foi severamente julgado pelos ingressistas:

“(Para os antiingressistas) a bandeira da organização não é o programa e


as tradições políticas e ideológicas, mas o nome, isto é, o retângulo mesmo de
pano ou o pau da bandeira. Para eles, a coisa se punha assim: entremos
todos para o Partido Socialista ou outro qualquer, mas cada um por sua vez,
individualmente, mas conserve-se o nome, e, no caso concreto este lindo
nome — Liga Comunista de França — que deve permanecer pregado num
cartaz em letras vermelhas, e tremulando como um estandarte da sociedade,
do lado de fora”.

E terminam considerando que o tournant não precisava mais de defesa, pois os fatos aí
estavam: “atrevam-se a negá-los, se o podem, ou reconheçam o erro, numa submissão
revolucionária e honesta à disciplina bolchevique-leninista”. 945
A ala que apoiou o ingressismo — liderada por Mário Pedrosa, Hilcar Leite, Fúlvio Abramo
— alegava que, contrariamente ao que dizia o “Fernando-Alves”, a seção francesa da OEI
constituía, após a sua entrada no Partido Socialista, o centro de convergência dos elementos da
vanguarda contra o stalinismo e o reformismo, e seu aliado, o centrismo.
A posição ingressista de Mário Pedrosa, violentamente oposta ao antiingressismo de
Aristides Lobo, levou os dois camaradas a uma dissensão, que terminaria tempos depois, quando
novamente se uniram — numa amizade pessoal e política que perduraria pelo resto de suas vidas
— para a fundação de um “verdadeiro” partido socialista revolucionário”.
Os problemas relacionados com o “ingressismo” e “antiingressismo” no Partido Socialista,
seguindo as diretrizes da seção francesa, foram responsáveis pelas cisões ocorridas entre 1934 e
1935 na seção brasileira da LCI. Estas, portanto, não podem ser reduzidas a um mero choque de
personalidades, como querem alguns historiadores.
O Boletim de A Lucta de Classe explica a retirada do grupo “Fernando-Alves” da liga. A
situação cisionista criara-se na seção brasileira da LCI, “como reflexo do tournant, que as condições
de trabalho impuseram aos camaradas franceses, empenhados em dar corpo e vida à vanguarda
proletária e na luta pela Revolução Proletária. Um grupo de elementos, no Brasil, se colocou contra
essa política e não houve mais lugar para eles na LCI”.946
O Secretariado Internacional da LCI baixou uma resolução, esclarecendo este importante
ponto da história do trotskismo no Brasil:

“1) A decisão tomada pelo Plenum de outubro de 1934 sobre a entrada dos
b-1 da França da SFIO encontrou oposição, como é sabido, da parte do grupo
Naville em França e da parte de elementos como Bauer e outros. (...) A
tendência b-1 na SFIO se tornou a pedra-de-toque para os operários
franceses na luta contra o social-patriotismo dos Blum e dos chefes stalinistas.
(...) O tournant se transformou num excelente meio para se lutar pela IV
Internacional.

943
Doc. cit., p. 21.
944
Boletim dos Bolchevistas-Leninistas do Brasil. A Comissão Nacional de Agit-Prop. São Paulo, 30/8/35,
f. 2.
945
Loc. cit., f. 1 v.
946
Boletim de 27/6/35. Processo de Ariston Ruciolelli Lúcio Fragoso. Microfilme do Arquivo Nacional.
MR1, f. 20. FLBX. CEDEM/UNESP.
2) Os camaradas do grupo Naville (...) chegaram à aceitação de nossa
proposição de fusão. (...)
3) Bauer, depois de nos ter acusado de capitulação diante da social-
democracia, etc., refugiou-se sozinho na organização centrista SAP, onde está
completamente degenerado, fazendo o papel de cavalo manso dos
adversários da IV Internacional.
4) Não podem deixar de militar nesta experiência aqueles que, seguindo o
exemplo de Bauer, romperam com a organização internacional, como o grupo
Fernando-Alves do Brasil.
5) O Secretariado Internacional declara não tomar nenhuma
responsabilidade dos métodos e da política desse grupo. Condena o abuso
cometido por esse grupo atribuindo a si o nome da LCI (Bolcheviques-
Leninistas). Declarar-se LCI (B-L) significa aceitar a disciplina e as decisões
internacionais. Ora, o grupo Fernando-Alves, além de não se submeter à
disciplina, publicamente rompeu com ela, combatendo suas decisões, como
inimigos da LCI.
6) Por outro lado, o SI reconhece os esforços feitos pelo CCP a fim de
vencer qualquer estado de cisão e de desmoralização das fileiras dos b-1 do
Brasil e aprova o CCP. Ele recomenda ao CCP fazer todas as propostas úteis
ao restabelecimento da unidade da organização e para reforçá-la,
reagrupando todos os proletários da vanguarda sob a bandeira da IV
Internacional.”947

Refletindo esses problemas, a IV Conferência Nacional da LCI, de 31 de março de 1935,


realizou um expurgo nas fileiras da organização, baseada em crises internas sucessivas surgidas
no ano anterior. Uma dessas crises ocorreu em meados de 1934, em São Paulo, e fora ocasionada
pela comissão executiva da época, em face da questão do centralismo democrático, cujo desvio, na
região do Rio, verificou-se com a passagem de alguns aderentes para o campo que eles
chamavam de reformismo. Como resultado, por votação da maioria, foi destituído e substituído o
Comitê Central Provisório o qual, por sua vez, havia expulsado antigos militantes contrários à atitude
da seção francesa. A IV Conferência expulsou por “indisciplina, inatividade, desonestidade,
sabotagem, traição, abandono dos princípios bolcheviques-leninistas e adesão ao programa
reformista, Mário Pedrosa, Mary Houston, Fúlvio Abramo, Escobar Azambuja, Hilcar Leite, Fontes,
Ulysses, Guino, Riera, Antônio”.
Os aderentes Escobar Azambuja, Hilcar Leite e Ulisses foram também acusados de terem
efetuado “manobras e represálias vergonhosas” e realizado uma reunião “fraudulenta” do antigo
Comitê Central Provisório, indisciplinando-se contra a resolução tomada pela maioria de destituir os
dois primeiros dos cargos que ocupavam. Mary Houston e Fúlvio Abramo, por sua vez, sofreram a
penalidade de expulsão por assumirem atitude idêntica em São Paulo, cumprindo ordens de
Pedrosa. Fontes, Riera, Antônio e Guino foram expulsos por apoiarem ativa ou passivamente as
atitudes tomadas pelo grupo dissidente.
Além disso, — continua o arrazoado —, todas essas pessoas, ao verificarem a sua derrota
nas fileiras da liga, principiaram a freqüentar as rodas elegantes de "simpatizantes" e a denunciar a
vida interna da organização. Também, “sob o pretexto pueril de contarem com o apoio do Secretário
Internacional, que não passa, hoje, de mera agência da social-democracia, esses elementos
declaram, que, ‘o fato da maioria não tem importância’ e, com semelhante raciocínio, chegaram ao
ponto de falsificar um manifesto e atribuí-lo à LCI.”
Mário Pedrosa foi expulso por ter, “com palavras e com fatos”, manifestado o seu desprezo
pelas resoluções da III Conferência Nacional sobre a questão do centralismo democrático. E:

“(...) Depois de desrespeitar ostensivamente essas resoluções, acabou por


distribuir, com o nome da liga um manifesto aventurista e objetivamente
policial sobre a parada integralista de outubro em São Paulo, tendo se

947
Assinado por “Martin”, pelo Secretariado Internacional. Processo de Ariston Ruciolelli Lúcio Fragoso.
Microfilme do Arquivo Nacional, n.º MR1, f. 20. FLBX..
indisciplinado e assumido nos acontecimentos daquela data uma atitude
vergonhosa, mal disfarçada sentimentalmente pelo fato de ter sido ele ferido, o
que correspondia, aliás, ao seu ‘desejo de morrer’, de ‘acabar com tudo numa
aventura’, sendo essa aventura politicamente justificável, ‘porque a polícia,
para evitar perturbações da ordem, impediria de antemão que a parada
integralista se realizasse’, conforme declarações que, na véspera dos
acontecimentos, fez o próprio Mário a vários simpatizantes que punham em
dúvida o êxito da iniciativa stalinista”.

Além desse fato, Mário Pedrosa chegara “a defender, em palestras com camaradas da
organização, opiniões como a ‘eternidade’ do capitalismo, a transformação da burguesia sobre o
proletariado como classe revolucionária, a ausência do caráter proletário de classe do Estado
Soviético, sendo que, sobre esta última ‘descoberta’, chegou a escrever uma brochura jocosamente
intitulada — ‘A falta de caráter do Estado Soviético’ —, brochura que não chegou a publicar porque
o seu carreirismo, e sobretudo, o medo lhe deram melhor conselho”.
Pedrosa e seus seguidores foram também acusados de nunca terem desenvolvido a
menor atividade revolucionária, limitando-se às conversas “presunçosas nos círculos boêmios de
alguns intelectuais por eles considerados ‘simpatizantes’ ”, mesmo no tempo que pareciam aceitar o
programa da liga. Esses aderentes, “política e pessoalmente desmoralizados, já deveriam há muito
tempo ter sido expulsos da nossa organização, o que não se verificou em virtude de defeitos no
mecanismo organizatório que se desenvolveram graças à sua ação profundamente criminosa de
desagregação e de sabotagem”.
Finalmente, os expulsos foram acusados de sabotar a distribuição de três manifestos já
aprovados pela liga e relativos a questões do assassinato de Tobias Waschanwsky, da Lei de
Segurança Nacional, e da Aliança Nacional Libertadora, além de se aproveitarem dos cargos
diretivos para sabotar o aparecimento da liga nas grandes manifestações de massa.
A resolução acima foi assinada pelo Comitê Central da Liga Internacional e enviado às
organizações proletárias, com o objetivo de adverti-las “sobre os elementos expulsos da LCI, os
quais abusando do nome e do prestígio da organização, tentam lançar confusões e calúnias no seio
da massa. Outrossim, avisamos que os referidos elementos, cujos nomes se acham divulgados na
resolução inclusa, não têm absolutamente o direito de agir em nome da liga. Todos os documentos
legítimos da LCI serão assinados doravante por Roberto Alexandre, Secretário Geral.”948
Em abril de 1935, O PROLETÁRIO, órgão regional da LCI, publicou a expulsão de
Aristides Lobo das fileiras da LCI. Há meses, diz a nota, esse "ex-camarada" não vinha tendo
nenhuma atividade revolucionária e, nos acontecimentos de 7 de outubro, mantivera uma atitude
"completamente capitulacionista, tendo sido contra a manifestação antiintegralista no Largo da Sé e
tendo feito todo o possível para impedir que nela tomássemos parte ativa".
É preciso notar que em outubro de 1934 Lobo se encontrava no Rio de Janeiro, mas, de
fato, um grupo de oposicionistas de esquerda opunha-se à exposição da liga em ações julgadas
por eles de “provocação policial” ou destinadas a “martírios românticos”. No entanto, Lobo e seus
amigos — o grupo “Fernando-Alves” do final de 34 — foram os responsáveis pela fundação da
Frente Antifascista; como tais, participaram ativamente do combate ao integralismo, como
comprovam numerosos “informes reservados”.
As razões da expulsão de Lobo acusam ainda o ex-camarada de "ultimamente" ter-se
insubordinado às sanções disciplinares impostas pela organização, mantendo atitudes puramente
individuais e cometendo atos que visavam desorganizar e desmoralizar a LCI, "chegando ao ponto
de subtrair um objeto de valor pertencente à organização". Esse objeto, ficamos sabendo mais
tarde, era a máquina de escrever que estava em mãos de Aristides Lobo e que foi apreendida pela
polícia na casa de Hilcar Leite, em 16/5/36. A “nota” explica que a expulsão de Aristides era
tornada pública, para que todos soubessem que a LCI não tinha a menor responsabilidade pelas
atitudes assumidas por aquele camarada.949
Um boletim de agosto de 1935, endereçado “aos elementos que foram excluídos da seção
nacional da LCI por terem rompido com a disciplina interna na questão do 'tournant' francês", é

948
Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030, fls. 102-101. DEOPS/SP.
949
Ano 1, abril de 1935, p. 6. FLBX.
assinado por "Parker", secretário. Hilcar Leite esclarece, em declarações prestadas à polícia, que
“Parker” era o pseudônimo de Alice Figueiredo, que pertencera à União Feminina Brasileira, e que
residia na Rua Duque de Caxias, 127. 950
As atividades desenvolvidas pelo grupo “Fernando-Alves” podem ser acompanhadas por
meio de documentos esparsos sobre a atuação de seus componentes e de registros policiais, pois
os líderes do grupo estavam constantemente sob a ação dos “serviços reservados”. Por intermédio
de “relatórios reservados”, ficamos sabendo que Aristides Lobo, acompanhado especialmente por
João Matheus e Víctor Azevedo Pinheiro, continuou a freqüentar as áreas de sociabilidade e de
militância dos trotskistas em São Paulo, após o cisma de finais de 1934.
Em 3/12/35 Lobo foi preso com um grupo de indivíduos entre os quais figuravam
integrantes do “Fernando-Alves”: João Matheus, Víctor Pinheiro, Arthur Heládio Neves, Antônio
Víctor Paraná, Odilon Negrão, Oswaldo Villa Vella, João da Costa Pimenta, Feliciano Bernardo dos
Santos e João Della Déa. Todos pertenciam à União dos Trabalhadores Gráficos, e dedicavam-se
aos trabalhos de agitação nas organizações laborais e nas “frentes-únicas”.
Do Rio de Janeiro, em 15/11/34, Lobo comenta a apuração das eleições à UTG: a fraude
devia ter sido tremenda, pois ele não acreditava que o eleitorado da Coligação fosse tão
insignificante. Aliás, o voto dele no Medeiros não tinha sido computado, sem falar dos que lhe
deram os camaradas e simpatizantes. Houve, decerto, safadezas incríveis. Seu nome, mesmo com
a reclamação feita, continuou a aparecer como Aristides Ferreira Lobo. (F. Lobo). A situação
financeira de Lobo era “desesperante”. Se Lívio estivesse com o Salvador, deveria falar-lhe
novamente no que Aristides propusera. Se ele não pudesse remeter 350$000 mensalmente, que
mandasse 250$000 ou o que pudesse. 951
No mês de outubro de 35, verificamos que persistiam as preocupações de Lobo e seu
grupo sobre os avanços do fascismo em São Paulo. Ao mesmo tempo em que lutavam contra os
integralistas, desempenhavam atividades sindicais rotineiras e tentavam levar o Partido Socialista à
ação direta. Além do controle da UTG, a polícia constatou que o Sindicato dos Contadores de São
Paulo continuava com alguma influência trotskista, por meio dos trabalhos de Mário Pedrosa, Lívio
Xavier e Aristides Lobo.952 No dia 4, de acordo com o reservado Guarany, Aristides Lobo tinha sido
um elemento duro da oposição, na Associação Comercial.953
A violência da ação dos fascistas e antifascistas e a violência ainda maior da repressão
devem ter contribuído para o desbaratamento das frentes únicas. No entanto, os trotskistas
continuaram a agir contra os integralistas. No dia 3 de outubro de 1935, José Gomes informou ao
dr. Pinto de Toledo, delegado da DOPS, sobre uma reunião de elementos da colônia italiana,
ocorrida no dia anterior, na sede do Faccio, na Alameda Barão de Limeira, dizendo que no decorrer
da mesma nada de anormal se registrou, a não ser a presença do “extremista” Aristides Lobo, que
com muita atenção observara todos os atos e movimentos dos assistentes, bem como as suas
conversas. Terminada a reunião, Aristides Lobo fora à Agência Havas, na Rua Líbero Badaró,
depois à redação do A Platéa, de onde rumou para a sua casa. O inspetor, integrante da equipe
que acampanava Aristides, concluiu que “pelos ares apreensivos que demonstrava, presumia que
estivesse em atividade, convindo notar que apesar de pertencer à corrente trotskista, talvez tenha
hoje passado para a dos stalinistas, visto manter relações com os elementos pertencentes à
Platéa".954 Lobo, a essa altura, liderando com Pinheiro a cisão “Fernando-Alves” , continuava, pois,
a tentar a união do proletariado nas frentes únicas.
Em 8/10/35, após a dispersão de um comício no Largo da Concórdia, no Salão Cervantes,
em comemoração ao idealismo do estudante Décio Pinto de Oliveira, morto em 7/10/34, Aristides
Lobo e Víctor Pinheiro, com outros companheiros, foram à Rua Brigadeiro Machado, onde os
integralistas realizavam uma reunião em sua sede social. Depois dirigiram-se à sede do Partido
Socialista.955

950
Prontuário do PCB, n.º 4.143, v. 1, doc. 1, f. 1. DEOPS/SP.
951
Carta de Lobo a Xavier. FLBX. Ms.
952
Prontuário n.º 37, v. 1, f. 99. DEOPS/SP.
953
Prontuário n.º 1.691, de Caio Prado, doc. n.º 43. DEOPS/SP.
954
Prontuário n.º 37, v. 1. DEOPS/SP.
955
Informe reservado de José Gomes, prontuário n.º 37, v. 1. DEOPS/SP.
O inspetor Itagyba Cerri registrou, em 13/10/35, que Lobo foi o último orador (“tendo sido
bastante aplaudido”) de um comício do Partido Socialista Brasileiro, realizado no parque D. Pedro
II, no pátio do Palácio das Indústrias, perante uma assistência de cerca de 400 pessoas (“e não
1.500, como erradamente publicou A Platéa”). Segundo o inspetor, o comício tivera caráter
puramente comunista e não socialista, e os “conhecidos agitadores” Víctor de Azevedo e Aristides
Lobo incitaram os trabalhadores à revolução social. Aduz o policial que enquanto os oradores
falavam houve farta distribuição de boletins, um deles, “lamentavelmente”, redigido em idioma
estrangeiro.956
Em razão da retirada dos fracionistas e das condições de ilegalidade predominantes, os
estatutos da liga foram modificados, em 8/5/35.957
A cisão do grupo, provocada pelo tournant francês, aparece várias vezes em documentos
da liga, demonstrando que boa parte dos seus componentes se indispôs com o Comitê Central
Provisório. É dessa natureza um relatório de Abramo, elaborado entre março e abril de 1936. Era
necessário — diz ele — que o Socorro Internacional entrasse em negociações com as
organizações espanholas, para que fossem retirados, de bordo dos navios que os transportavam,
trabalhadores deportados para a Alemanha, Polônia, Iugoslávia, Bulgária-Romênia, Áustria-Hungria
e Itália. Esse processo de retirada deveria ser estabelecido junto às organizações da França,
Bélgica e Holanda. O stalinismo, segundo informes que chegaram à LC, estava fazendo com
sucesso essas retiradas. Proximamente, diz Abramo, seria deportado um membro da LCI do Brasil
que havia rompido com a organização, “em conseqüência do caso de França”. Tratava-se de um
“israelita polonês”.958
A cisão do grupo “Fernando-Alves” apresenta diversos problemas à análise histórica. O
primeiro deles prende-se ao fato de as suas lideranças principais  Lobo, Pinheiro, Matheus 
recusarem-se a fornecer qualquer informação à polícia sobre companheiros ou organizações de
esquerda. A análise sujeita-se, portanto, a fontes estranhas ao grupo, e, em princípio, suas
adversárias. Outro problema refere-se à efemeridade dessa cisão da LCI: fundada em fins de 1934,
desmantelou-se com a prisão de Matheus e Pinheiro, em 26/11/35, e a de Lobo, em 3/12/35.
Ademais, restaram poucos documentos explicativos do grupo. Um deles reúne informações
contidas numa carta-relatório:

“O grupo Fernando-Alves, reduzido aqui a Fernando somente pela prisão e


dispersão dos demais, acabou-se, pelo menos nestes meses. O principal
dirigente  Fernando  chegou a tentar influenciar elementos de nossa
organização para que ela permanecesse inativa durante a reação. O Fernando
trabalha para organizar um partido legal, para quando a reação terminar.
Através de antigos simpatizantes de Fernando, que passam agora para o lado
de nossa organização, o principal chefe do grupo dissidente da Liga
Comunista declara que deve ser agitada a palavra de ordem ‘de todo o poder
aos sindicatos’ em oposição e contradição a de ‘todo o poder aos sovietes!’
Fernando diz abertamente que ‘sovietes’ não têm sentido e que por isso deve
ser substituído por ‘sindicatos’. Esta informação é confidencial.”959

Portanto, Lobo  veteraníssimo em prisões , tentava evitar o suicídio político da liga,


aconselhando os camaradas a não se exporem inutilmente, de acordo com posição que defendia
desde 1931. É preciso notar que o grupo de Hilcar Leite, que ficou com a direção da liga,
compunha-se de pessoal muito jovem. Lobo, com 31 anos em 1936, fazia figura de velho diante de
Hilcar, com 24 anos, Fúlvio Abramo, com 26, Fuad de Mello, com 19, Fernando Salvestro, com 22.
De outro lado, Lobo aparentemente procurava adaptar a luta proletária às circunstâncias históricas
possíveis para a revolução brasileira. Daí a substituição de “soviete”, estranho ao operário, por

956
Prontuário n.º 37, v. 1. DEOPS/SP.
957
Processo de Ariston Ruciolelli e Lúcio Fragoso. Microfilme do Arquivo Nacional MR1, f. 37. CEMAP.
CEDEM/UNESP.
958
Loc. cit.
959
Relatório escrito por Fúlvio Abramo, a ser enviado ao Secretariado Internacional da LC. Prontuário n.º
4.143, v. 1, f. 146. Ms. DEOPS/SP.
“sindicato”, que a massa trabalhadora aprendera a respeitar como uma das únicas instâncias em
que poderia ser ouvida. A formação de um partido legal tinha seus precedentes no BOC.
A união de Pedrosa ao grupo de Hilcar Leite foi motivada, fundamentalmente, pela divisão
dos veteranos em ingressistas e antiingressistas. Entretanto, em pouco tempo, os novos aderentes
passaram à crítica direta ao grupo dos fundadores da LCI, como comprova uma carta de Leite, de
12/3/36, que ataca frontalmente “Georges”, isto é, Pedrosa. Este documento deixa claro que Leite,
secretário regional, pretendia tomar a direção nacional da LCI, destituindo o Comitê Provisório, fato
que ele narra num estilo confuso, que, em alguns trechos, roça pelo delírio:

“Surgem agora perspectivas de conquistar ligação com uma oposição dos


Tatás (gr. Grz.) (...) saberemos cumprir nosso dever. Nem que tenhamos de
cometer certas ações que poderão parecer desonestas (...) o grosso público
deve saber de nossa existência. (...) Vocês tudo fizeram para demonstrar que
não existimos nacionalmente. (...) Vocês falam da necessidade de depuração
(carta de Georges, 29/1/36), da necessidade de atividade prática intensa (...).
Vocês com a atitude que mantiveram e mantêm (...) perderam tudo e não
poderão continuar na direção. Revelaram-se incapazes para construir um
arcabouço da organização, revelaram impotência para sustentar uma diretoria
(...), revelaram incapacidade para adaptar a atividade às novas condições
surgidas após novembro último.
Com menos fabulosidade, revelamos mais qualidades. (...) Apertados
pelas dificuldades de todo jeito (financeiras, segurança, etc.) saberemos
mostrar que vocês não passam de vulgares dilettanti. Momentaneamente,
conseguimos resolver a situação angustiosa de Roberto e Eduardo960, o que
nos exigiu grande dispêndio de energia e irá nos custar grande soma de
dinheiro.(...) Vocês, pelo menos, nos prestem informações dos camaradas que
estão sofrendo a hospitalização.961 (...) Cinco anos de atividade comum, de
discussões, criam certas coisas, das quais só se consegue desembaraçar
com muito pesar. Vocês contribuíram para ‘manter’ o marxismo e educar os
quadros novos. A esses agora cabe a construção do arcabouço nacional e
desenvolver a luta pelo novo partido, executando as tarefas que vocês como
os educadores, aos quais somente se venera e nada mais. Agora, os jovens
são chamados a substituir os velhos e tudo. Poderemos errar, porque talvez
não sejamos tão cultos, e, mesmo, inteligentes, mas faremos tudo o que
vocês deixaram de fazer. Como vocês querem ‘disciplina’ (...) quando vocês
próprios, pela inatividade, pela displicência, liquidam a própria autoridade?
Como querem fazer que esta coisa cega, surda, muda e paralítica que é o
CCp tenha autoridade? (...)
Poderão também dizer que a situação obrigou os melhores a recolher-se,
ficando um ou dois. (...) Aqui (...) só um, disposto a tudo, é que ficou. O outro
teve de pirar. Entretanto o que ficou, mesmo com o material marca barbante
que encontrou, faz as coisas (...) tem tempo para formar uma militância bamba
que o substituirá.962 (...) Vocês são dilettanti e nós revolucionários.
Diariamente, mesmo nos que se pensava serem os melhores e os mais duros,
temos desilusão. (...) É que com essa marca barbante que temos que contar.
(...) Somos poucos, e então enquadremo-nos nos limites do número (...) Onde
está a cabeça de Georges?”963

Pouco tempo depois, Hilcar Leite conseguiu o seu objetivo de assumir plenos poderes na
liga. Diante da situação e das condições surgidas com a decretação do estado de guerra por Getúlio

960
Ariston Russoliello e Fúlvio Abramo, refugiados na casa de um tio do último.
961
Isto é, que estavam presos.
962
É uma auto-referência, evidentemente. O outro, que “pirou”, poderia ser Lobo.
963
Carta datilografada, dirigida a “meu caro”, que as circunstâncias do momento poderiam identificar a
Pedrosa. Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 173-172 v. DEOPS/SP.
— fundamentado nas resoluções do IV Congresso da IC e na base programática da LCI, que
asseguravam à direção em época de guerra civil ou reação tomar medidas dessa ordem —, o
Secretário Regional deliberou:

“1.º) Afastar “Lúcio” (Fernando Salvestro), membro do CR, de todas as


suas funções, por ter participado de uma agressão a fascistas à véspera da
eleição municipal, arriscando a organização.
2.º) Suspender as reuniões plenárias e ampliadas mensais do CR e as de
grupo, dada a pequenez da LCI, que não resistiria ao menor golpe policial.
3.º) Para manter a organização os camaradas deveriam opinar por escrito,
e a Folha Interna publicaria semanalmente essas opiniões.
4.º) O Secretário resolve concentrar todas as tarefas administrativas de
secretaria, tesouraria, agit-prop, sindical, Socorro, controle e ilegais.
5.º) Proíbe a ida de camaradas à residência dos dirigentes e isola
totalmente a residência de Rinaldo-Palmeira, que se pode tornar uma
armadilha.
Proíbe o passeio de camaradas a não ser em tarefas externas de agit-
prop. Camaradas só devem se conservar juntos para as ligações para
examinar o que deverá ser feito. Em cartas pessoais, não devem se referir a
terceiros.”964

Fúlvio Abramo elaborou um documento  em parceria com Hilcar Leite965  que traça com
paixão a luta entre os dois grupos em que a liga se dividiu. Dada a importância desse documento
para a apreensão do clima de disputas em que se moviam os aderentes da LCI, segue a sua
transcrição:

“À distância de um ano e meio da formação do grupo Fernando-Alves966


ocorre-nos fazer algumas observações à guisa de exame de nossa posição
daquela época e do estado atual da igrejinha montada pelo chefete
personalista967. Essas observações  que não têm a veleidade de esgotar o
assunto  são necessárias na fase atual da vida interna de nossa
organização, pois parece que certos camaradas se esqueceram da existência
do ‘grupo’  hoje dificilmente se pode dar mesmo este nome aos poucos
elementos que constituíram tempos atrás a célebre fração  e alguns estão
mesmo dispostos a se revoltarem contra as decisões da LCI quando esta
coloca em seu jornal regional de São Paulo uma nota avisando os operários a
se precaverem contra as manobras dos elementos expulsos. Refiro-me ao
camarada Benedito que, segundo vim a saber, recusou-se a distribuir o n.º 2
de O Proletário em virtude, precisamente, de conter o aviso citado. Quais as
razões dessa posição de Benedito? O argumento que ele apresenta é o de
que aquela nota representa a continuação de uma luta pessoal, entre os
velhos militantes da organização, com a qual os novos militantes nada têm a
ver. Parece incrível que depois de todas as provas públicas de que as
divergências entre o grupo Fernando-Alves e a LCI tinham e têm uma base
política claramente definida e reconhecida pelos próprios fracionistas (o artigo
publicado no penúltimo número de sua ‘Luta-de-Classe’ sobre a velha do SI é
uma prova disso) ainda haja elementos dispostos a prestarem ouvidos às

964
Folha Interna n.o 1. São Paulo, 17/4/36. Doc. datilografado, apreendido pela polícia. Prontuário n.º
4.143, v. 1, f. 188. DEOPS/SP.
965
No canto da f. 222, lê-se a anotação “Britscher e Moraes”, pseudônimos de Abramo e Leite,
respectivamente.
966
Abramo escreveu, provavelmente, em abril ou maio de 1936, do refúgio em que se achava, o que daria
como data de cisão da LCI outubro/novembro de 1934. O documento é redigido a lápis, com algumas
palavras grafadas a tinta.
967
Trata-se de referência a Aristides Lobo.
insinuações de Fernando, de que ele ‘expulsou’ certos ‘indesejáveis’ porque
eram inúteis. Parece incrível, pois esses elementos ‘verificaram’ com os
próprios olhos a atuação desse grupo e têm a obrigação de compreenderem a
necessidade de se continuar a luta contra eles, até a sua extinção, quer seja
esta realizada na forma de abandono do grupo quer seja pela evolução desses
elementos para outras organizações, inclusive a nossa. Mas voltemos os olhos
para os fatos passados para examinar a atividade do ‘grupo’ aludido. Depois
das lutas internas, conduzidas por Fernando, Alves com fraseologia tão
escandalosa e altissonante quanto vazia e chata e em que a tendência
direitista na questão da disciplina interna se ligava dialeticamente a um ultra-
esquerdismo inoperante na questão da entrada de nossa seção francesa na
SFIO, e, ainda, no academicismo próprio do espírito de passividade de
Fernando e Alves, depois das tentativas inúteis de desagregação interna da
LCI reorganizada, chegou o período em que esse grupo teve que se agüentar
sobre as próprias pernas. Esta fase se inicia com a passagem para a LCI do
camarada Mauro, que era quem sustentava o grupo na SR. A atitude desse
camarada está justificada em sua carta, em que ficou provada, pelo elemento
mais enérgico do grupo, a inatividade absoluta e a falta de objetivos e
perspectiva política deste. Vem em seguida a atitude dos elementos mais
característicos do grupo no sindicato A do Rio de Janeiro. A carta infame de
Fernando à diretoria desse sindicato, denunciando nossos camaradas à
diretoria amarela e policial, define, sem mais comentários, o seu ódio baixo e
servil e, ao mesmo tempo, a concepção política decisivamente stalinista de
Fernando e seu grupo. Depois disso, ficou o grupo sem outra atividade que da
publicação do seu jornal. Que dizer a respeito do abuso do nome da
organização e do título de seu órgão, por esses ex-camaradas? Não existe aí
a prova de uma falta de responsabilidade pelas próprias atitudes que supera
em gravidade a própria clássica irresponsabilidade stalinista? Durante a
publicação de seu jornal temos a registrar os seguintes pontos da evolução
política do grupo: 1.º) continuação da política de infâmias pessoais e
denúncias policiais de nossos camaradas (artigos sobre ‘os intelectuais’,
denúncia de nosso camarada “M”, etc.); 2.º) capitulacionismo (abandono das
posições no Rio de Janeiro e transferência dos nacionais do grupo para São
Paulo); 3.º) confusionismo político quanto à questão nacional (artigo sobre
esta questão); 4.º) posição errada, capitulacionista e direitista com relação à
ANL, corrigida depois, mediante aceitação tácita de nossas posições; 5.º)
aplicação do ‘freudismo’ como sistema ideológico do proletariado, etc.
Com a transferência do grupo a São Paulo, Fernando encontrou a nossa
região daqui em estado de crise, devido às causas apontadas na reunião de
reorganizações, com a presença do delegado do CC. Qual foi a atividade de
Fernando? Todos a conhecem. Todos sabem que Fernando continua na sua
política de desagregações da LCI, difamando os velhos elementos junto aos
novos, reforçando a ala direita do PS contra a nossa fração (ninguém ignora
que a ofensiva do PS contra a LCI coincidiu com a volta de Fernando do Rio,
embora não tenha sido essa a única causa), e assumindo nas reuniões de
Frente Única o papel de instrumento dos stalinistas e socialistas contra nós.
Alguém ignora isto? E o que é que nós defendíamos para que Fernando se
pusesse contra nós? A nossa defesa era a do comunismo contra o social-
patriotismo, e, no campo puramente organizatório, a da tática certa: contra o
capitulacionismo e legalismo stalino-socialista e contra o ultra-aventureirismo
dos ‘assaltos’ impossíveis. Quando Fernando diante dos resultados evidentes
da tática de nossa ação francesa, se convenceu que estava errado, o que fez
foi juntar um novo ato de capitulação a um novo ato de cinismo político e de
infâmia baixa. O artigo de Fernando no Luta de Classe do grupo, declarando
que eles se submeteriam ao SI porque este tinha ‘abandonado a fração e
aderido ao ponto de vista dele tornado assim internacionalmente vitorioso’, é o
cume a que pode chegar a falta de princípios políticos. E o artigo do número
seguinte em que Fernando falseia descarada e impudentemente o discurso de
Ricardo sobre as sanções, visando com isso criar uma intriga, segundo ele
mesmo declarou, entre a LCI do Brasil e o SI  é uma das melhores provas
do cinismo político desonrado de Fernando que o coloca no mesmo plano dos
stalinistas, nesse aspecto. Qual a outra atividade do ‘grupo Fernando’? Entre o
grupo idiomático B a existência de dois de seus membros e da tendência
conciliacionista facilitou a permanência de um estado de permeabilidade às
idéias de Fernando bastante vivo. Mas tal grupo foi incapaz de exercer ali,
evidenciando desta forma que apesar de todas as condições favoráveis, não
apresentava ele nenhuma perspectiva política concreta. Quanto ao trabalho
entre os ‘jovens’ estudantes, os elementos destacados para esse trabalho
apenas conseguiram fazer amizades pessoais. O bluff de Fernando no comitê
de organização do comício de 26 de outubro, declarando que ele podia se
encarregar da representação do Congresso da Juventude, tinha apenas a
frivolidade ... de bluff, como ficou sobejamente provado. Qual a posição atual
do grupo? Soubemos que os principais elementos, menos Fernando, foram
presos, e que um deles será expulso do território nacional. O grupo conta hoje,
na melhor hipótese, com três ou quatro elementos. Um deles, Bariri, tem uma
posição indecisa entre nós e Fernando. Outro, do grupo idiomático, tem
naturalmente a sua atividade restringida ao Socorro. Fernando, sem ligação
alguma com elementos da massa, continua a manter esporadicamente
algumas antigas ligações ‘amigáveis’ com simpatizantes e a ‘troca de idéias’
com os diretores mais infectos do PS. Sem dúvida esses poucos elementos,
excluindo com certeza Bariri, procuram Bariri para dar-lhe manifestos e ligá-lo
a nós. Continuam em sua política de deformação ‘pessoal’ dos militantes  na
verdade continuam a deformação política da LCI. Diante de todas essas
provas, recusou-se a distribuir um jornal simplesmente porque coloca um
aviso advertindo os operários a se precaverem contra as infâmias desses
elementos sem princípios nem espírito revolucionário, é dar prova de uma
imperdoável cegueira sentimentalóide. E é também aderir à posição anarco-
direitista de Fernando de que ele, Fernando, pode impor a sua vontade à
organização, quando bem entender.
O grupo Fernando-Alves é responsável por ter facilitado a luta contra a LCI
do PC e do PS. Benedito mesmo soube que alguns operários de sua
organização sindical se recusaram a ingressar nas fileiras da LCI por saberem
da existência da fração Fernando-Alves e por terem sido trabalhados no
sentido de não darem a sua confiança à LCI. Em um ano e meio de atividade,
toda vez que lhe foi possível, Fernando e Alves atravancaram o caminho da
LCI. E que fizeram eles na subida da política revolucionária? Enquanto a LCI
colocava seu ponto de vista com clareza diante de todas as questões mais
importantes da luta, em todos os setores, nos sindicatos, nas frentes únicas,
enquanto ela participava ativamente do movimento, que fizeram os elementos
do grupo senão dificultar o nosso caminho e se transformar em autênticos
cavalos de batalha dos stalinistas e dos socialistas? Agora, Fernando afirma
que ‘Barreto’968, o signatário da carta a Prestes divulgada pela imprensa
burguesa, aderiu ao ponto de vista dele, Fernando, e que isso mostra que ele
 Fernando  é ainda o chefe revolucionário. Nessa nova falsidade de
Fernando me parece perceber um perigo muito grande para nossa
organização, perigo que prestamente me fez dirigir as presentes observações.
É o perigo de perdermos para o grupo Fernando boa parte do nosso trabalho
de crítica, se nós não continuarmos diariamente a luta contra as infâmias e as

968
Heitor Ferreira Lima era o “Barreto”, que formava a ala de São Paulo do PCB, juntamente com
Hermínio Sacheta, Mário Grazini, Issa Maluf e Jacob Goldshmidt — “Xavier”. Essa ala dissentiu do grupo
Bangu-André do Rio de Janeiro, por ocasião da campanha da sucessão presidencial.
falsidades desses elementos. Poder-se-á objetar que eles já se demonstraram
incapazes de realizar qualquer trabalho concreto, e que esse perigo não existe
precisamente em virtude dessa incapacidade pessoal. Mas embora tenha
algum fundamento essa opinião, ninguém poderá jurar que um elemento ativo,
trabalhando contra nós por Fernando, que venha do stalinismo, não pode dar
uma vida nova ao grupo e atrasar nosso trabalho. Nesse sentido, julgo
necessário que os camaradas inscrevam em sua atividade diária o exame da
posição desse grupo e das falsidades que seus elementos assacam contra a
LCI, sob o disfarce de lutar contra Aparício, Ricardo, Eloy969 e Cia. Os
simpatizantes e os operários precisam ser informados dessa falsidade. É
necessário desenvolver no Socorro a mesma política. É necessário conquistar
posições no Socorro e desmascarar as falsidades dos elementos do grupo.
(...) É sobretudo necessário desenvolver atividade para que os operários
percebam que os bolcheviques-leninistas são os que estão arregimentados na
LCI do Brasil. (...) Declarar hoje que a luta entre a LCI e o grupo Fernando-
Alves é uma questão pessoal entre velhos ‘chefetes’970, por parte de qualquer
militante, é reconhecer a si próprio o direito de botar pela garganta afora os
mais inconseqüentes absurdos. E, politicamente, é uma prova de profunda
inconsciência do papel da LCI no movimento. Além de ser uma sabotagem
aos princípios e à atividade desta.”971

Em uma de suas cartas a Hilcar, Fúlvio pergunta se o companheiro não se enrubescera


com as mentiras de sua carta a ..... Ele sim, pois nunca havia inventado tantas mentiras. Mas seria
doloroso se não o fizesse e elas surtiram efeito. Ele havia escrito novo manifesto sobre Aristides
Lobo.972
O grupo “Fernando-Alves” publicou alguns números do órgão oficial da LCI, dos quais dois
se conservaram. Portanto, a biografia final da liga registrou dois Lutas: o de Hilcar Leite, com o título
A Lucta de Classe, e o do grupo dissidente, que seguindo opinião antiga de Aristides Lobo e de
outros camaradas, assumiu o nome de A Luta de Classes.
O número 22 do primeiro jornal, datado de 5/4/1935, previne os operários sobre o fato: um
grupo de indivíduos sem escrúpulos, expulsos da LCI, de acordo com as resoluções do Pleno do
Secretariado Internacional, pretendia publicar um jornal com o mesmo título do órgão oficial da
organização, apenas com um “s” adicionado. Hilcar Leite insiste no fato de os dissidentes terem
sido sabotadores do comício antifascista de 7/10/34. Os “mistificadores”, expulsos por indisciplina e
traição, manifestavam opiniões e idéias pessoais que pretendiam fazer passar como sendo da LCI
e se serviam, além disso, de intrigas e calúnias. Portanto, os militantes revolucionários e o
proletariado em geral eram avisados de que a única instância autorizada a falar, em São Paulo, em
nome da LCI, era o Bureau Regional. E o único órgão autorizado a falar em nome da liga, em São
Paulo, era O proletário.973
O número seguinte de A Lucta de Classe retoma o assunto, desta vez insistindo na questão
do ingressismo e antiingressismo. Os dissidentes haviam “tirado um lamentável pasquim”, no qual
davam a entender que a luta de classe não existia, e que não havia uma organização internacional
revolucionária do proletariado. Eles iriam formar uma nova organização internacional, com as
organizações e os grupos que discordaram do Secretariado Internacional da LCI na questão da
entrada da sua seção francesa para o PSF. Víctor de Azevedo Pinheiro, dirigente do grupo
antiingressista de São Paulo, que muitas vezes apareceu em público como representante da LCI,
falando em nome dela, publicamente conhecido em São Paulo como membro da LCI, acabou
entrando para o PSB, sem ter ao menos a desculpa de dizer que se tratava de um partido de

969
Pedrosa, Abramo e Leite, respectivamente.
970
Lobo e Pedrosa.
971
“A respeito do Grupo Fernando-Alves”. Observações de Britscher (Abramo). Ms., a lápis, apreendido
pela polícia entre os papéis de Hylcar Leite. Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 222-220v. DEOPS/SP.
972
Processo-crime contra Hylcar Leite e outros, n.º 296, v. 1, f. 269. TSN. Microfilme. Arquivo Nacional,
n.o 001-0-82-AMR-2. FLBX. CEDEM/UNESP.
973
A Lucta de Classe. Ano V, abril 1935, n.º 22, p. 4.
massa. Provavelmente, ele não pretenderia, apesar disso, renegar oficialmente o seu passado
(“que de fato ele já renegou há bastante tempo”), de modo que ficaria como um elemento dirigente
da pseudo-LCI antiingressista e ao mesmo tempo um membro do PSB.974
O ódio aos membros do “Fernando-Alves” era tão intenso, que Hilcar Leite escreveu à
Secretaria Internacional da LCI para denunciar um camarada:

“(...) os grupos b-1 de Brastilawa e Viena puseram-se em ligação com o


indivíduo Anthon Macek, expulso de nossa Organização Nacional, cuja única
preocupação é combater a linha da LCI na questão da guerra e fazer uma
campanha sistemática de calúnias e infâmias contra a LCI. (...) Anthon já uma
vez se apropriara de quantias arrecadadas para auxiliar as publicações
alemãs da LCI, ocasionando a desintegração de um grupo de simpatizantes
alemães e húngaros de nossa organização (...); por questões pessoais,
(Anthon) apresentou queixa à polícia contra um camarada da organização”. 975

Muito provavelmente, a discordância entre companheiros liguistas avolumou-se com a


traição de Hilcar Leite à candidatura de Aristides Lobo ao pleito municipal de 3 de maio de 1936. Os
fatos tiveram início com o abortamento da proposta de candidato único do PCB, LCI e PS, diante do
que o Grupo 1 resolveu, em 21/3/36, iniciar um processo de crítica contra as posições stalinista e
socialista e mandar votar num candidato operário, de confiança da organização. Esse candidato era
Aristides Lobo.
Tal decisão está transcrita na matéria: “As próximas eleições municipais. O Partido
Socialista ingressa na sendas das traições à classe operária”, publicada pelo O PROLETÁRIO, de
fevereiro/março de 1936, editado pelo Comitê Regional de São Paulo da LCI. A matéria denuncia o
Partido Socialista como responsável pelo fracasso da aliança da frente operária eleitoral, pois havia
condicionado imediatamente a sua participação a várias medidas de organização, entre as quais a
de que as organizações coligadas ficariam subordinadas a ele na propaganda, e os candidatos da
coligação só poderiam ser incluídos na chapa com o placet dos socialistas. E conclui,
enfaticamente:

“A vanguarda operária para que o movimento operário 'renasça' mais


vigoroso e possa tornar-se fator decisivo na arena política do Brasil,
encaminhando-se para a tomada do poder, precisa não só libertar-se do
stalinismo, como também do oportunismo vulgar dos vulgares 'socialistas'
marca Giraldes & Cia.” 976

Sobre o apoio a Aristides Lobo, a LCI lançou o seguinte boleto “ao proletariado”:

"Verificando a ausência do PC na campanha eleitoral, a Liga Comunista,


como fração bolchevique-leninista daquele partido, resolve escolher um dos
seus aderentes, o trabalhador gráfico Aristides da Silveira Lobo para candidato
do comunismo à Assembléia Constituinte."977

Entretanto, Hilcar Leite mudou de posição e na undécima hora desautorizou o apoio à


candidatura própria, aliando-se ao Partido Socialista, como podemos comprovar por um volante,
sempre dirigido "ao proletariado", assinado pela CE da liga. Esse documento informa que no Diário
de S. Paulo, do mesmo dia, a liga fizera publicar o nome de Aristides Lobo para representar o
comunismo nas eleições de 3 de maio, “por não haver, até ontem, candidatos comunistas na
presente campanha eleitoral”. Informada que os candidatos apresentados sob a legenda de União
Operária e Camponesa foram adotados como candidatos do PC, a liga, como fração daquele
partido, resolveu sustentar nas urnas aqueles candidatos, retirando, pois, a candidatura de Aristides

974
A Lucta de Classe. Ano V, 1.º de maio de 1935, n.º 23, p. 5.
975
Carta de Hylcar Leite à S.I. In: Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 175 v.
976
Prontuário n.º 4.143, v. 3, fls. 20-17. DEOPS/SP.
977
Prontuário n.º 4.143, v. 3. DEOPS/SP.
Lobo e concitando o proletariado a cerrar fileiras em torno dos candidatos comunistas Jonas
Trombini e Attila Borja Dias.978 A situação é apresentada enviesadamente, em análise sobre o
Partido Socialista:

“O Partido Socialista de São Paulo, legalmente autorizado a funcionar, que


vinha numa longa crise interna muito tempo antes do putsch de novembro de
1935, apesar de não ter sido fechado pela polícia, está completamente
desorganizado, em virtude da prisão de seus elementos mais ativos. Nas
eleições municipais realizadas a 15/3/36, o PS entrou numa fase de aparente
reorganização, apresentando três candidatos, cujo (sic) mais votado obteve
cerca de 400 votos, tendo a chapa obtido um conjunto de 600 votos. Deve-se
tão baixo coeficiente eleitoral ao fato do PS só dois dias antes do pleito iniciar
a propaganda e pela desorganização do próprio PS, que nada fez para
distribuir suas cédulas nos bairros operários. Em vista da impossibilidade total
de se concorrer às eleições, o Secretariado Regional resolveu apoiar um
operário gráfico, ativo militante sindical, que estava inscrito na lista do Partido
Socialista. Este foi o candidato mais votado. Nossa organização regional
lançou um volante, apelando para a votação no nome do operário candidato.
Entretanto, a fase de aparente reorganização do PS terminou imediatamente,
com a decretação do estado de guerra em 27/3/36.”979

Em 8/4/36, nova detenção de Lobo é registrada: o delegado de Ordem Social recebeu o


comunicado sobre a prisão “do conhecido militante comunista trotskista Aristides Lobo”. Por esse
comunicado ficamos sabendo que “ultimamente” Lobo estava em atividades constantes, e vinha
freqüentando assiduamente o Sindicato dos Gráficos. Levada a efeito uma busca na residência de
Lobo, situada na Rua da Glória, n.º 805, foram ali encontrados “inúmeros livros comunistas e de
outras questões sociais”. No inquérito n.º 82, de 22/5/36, Lobo declarou ter sido procurado por dois
inspetores de polícia que o convidaram a comparecer à delegacia a fim de prestar declarações e
que não estranhou esse convite, porquanto não apenas tinha idéias comunistas, como também
fazia propaganda dessas idéias, usando da palavra em praça pública.
Em 22/8/36, uma comunicação de presos informou que Aristides da Silveira Lobo,
comunista de larga atividade, havia sido preso, e que, em processo regular, ficara apurada toda a
sua atividade de agitador de massas. Nessa data, foi detido e processado como elemento da “Liga
Comunista Internacionalista”, com todos os seus companheiros, confirmando, pois, que os
prisioneiros  na maioria  pertenciam ao grupo “Fernando-Alves”.
Lobo  recolhido ao Presídio do Belém  prestou, em 7/10/36, as declarações seguintes:

"(Ele) ingressou no PCB em 1923; que se retirou do PCB em 1930; que


em 1931 fundou a 'Liga Comunista Internacional'; que desde 1934 tem estado
afastado de qualquer atividade prática, não porque tenha renunciado às suas
idéias, mas porque reconhece a impossibilidade prática de levá-las a efeito
sem uma preparação prévia das massas por meio da propaganda; que o
declarante é marxista-trotskista, repelindo portanto toda e qualquer idéia de
pátria e contrariando dessa forma o programa atual do PCB, que não é
contrário ao nacionalismo; que o declarante não esteve envolvido nem direta e
nem indiretamente em nenhum movimento subversivo, pelas razões já
expostas; que também não fez parte da 'Aliança Nacional Libertadora’, pelos
motivos já indicados; que a sua prisão só se pode justificar pelas suas idéias e
não pelas suas atividades; que, como prova do que afirma, cita o fato de só ter
sido preso em meados de agosto último, tendo atendido a todas as intimações
das delegacias de Ordem Política e de Ordem Social do período que vai de
novembro último até a data de sua detenção; que por ocasião de sua prisão
manifestou ao inspetor Apolônio o desejo de se entender com uma autoridade

978
Prontuário da LCI, v. 2, f. 121 v. DEOPS/SP.
979
Prontuário da LCI, n.º 4.143, v. 1, f. 152. DEOPS/SP.
responsável, não tendo sido, entretanto, atendido; que considera que a sua
prisão nessas condições não se explica senão como resultado de uma
perseguição pessoal do referido inspetor; e isso em virtude de ter o declarante,
anos atrás, quando chefe de polícia o general Miguel Costa, forçado à
realização de um comício anti-religioso que fora proibido, ao mesmo tempo
que se realizava uma procissão católica com guarda de honra da Força
Pública; que não foi preso, em novembro, por ter sido aceita pela autoridade a
alegação de que um regime presidiário poderia agravar seriamente a sua
saúde, então bastante abalada em conseqüência de uma intervenção cirúrgica
a que se submeteu o declarante; que o declarante limitava ultimamente toda a
sua atividade no movimento operário ao comparecimento diário ao sindicato
de sua profissão, fato esse conhecido da polícia."

Em dezembro de 1936, Aristides Lobo — da cadeia — figurou como um dos signatários do


manifesto intitulado: “Liberdade e Democracia”, dirigido ao povo de São Paulo.980

3. O cerco policial aos opositores de esquerda.

“Os suplicantes não precisam recordar o que são os xadrezes do Gabinete


de Investigações onde a delegacia de Ordem Social conserva os seus presos.
Sobre eles já se manifestou, entre outros, o próprio chefe de Polícia atual por
ocasião de sua visita ultimamente realizada. Em cubículos infectos, de
dimensões irrisórias, são amontoados dezenas de presos, políticos e comuns,
em condições que desafiam a imaginação mais fértil em inventar horrores.
Mas o que é pior, são os tratamentos infligidos a estes presos:
incomunicabilidade completa com o mundo exterior, mesmo com advogados e
pessoas de sua família, espancamentos e torturas contínuas. E isto quando
não são sumariamente condenados a trabalhos forçados (...). A Delegacia de
Ordem Social de São Paulo é uma reprodução fiel, em pleno século XX, do
famoso Tribunal do Santo Ofício. (“O presídio político da Ilha dos Porcos”. O
Homem Livre, 3/1/34, p. 3).

De setembro de 1931 em diante a liga viveu o paroxismo da primeira onda de prisões —


das diversas que enfrentou —, e que acabaram por levá-la ao aniquilamento. Os encarceramentos
dos liguistas ocorreram logo nos primeiros meses da existência da LC, como fica patente nesta
análise. Aristides Lobo, de 12/12/30 (data de seu retorno a São Paulo) a 12/9/31, esteve sujeito a
perseguições policiais e prisões contínuas. Referentes ao ano de 1931, estão registradas as prisões
realizadas nos dias 23 de março, 26 de maio, 4 de julho, 1.º de agosto e 12 de setembro. Além
dessas, a polícia informa que Lobo havia sido preso inúmeras vezes naquele ano.981 Victor Pinheiro
também foi aprisionado pelo menos por duas vezes, no ano inicial da existência da liga. Colega de
jornalismo de Víctor Pinheiro, Osvaldo Chateaubriand denuncia a situação desesperadora dos
prisioneiros políticos. O Diário da Noite de 11 de setembro transcreve o artigo "Como no tempo do
velho Cambuci", publicado no dia anterior pelo Correio da Tarde, cujo teor podemos acompanhar
abaixo:

“Há cerca de uma semana a polícia resolveu deter alguns rapazes


comunistas, creio que mais ou menos vinte, e em seguida os remeteu à
volúpia reacionária do dr. Batista Luzardo. Entre esses apóstolos de Lenin está
incluído um companheiro nosso, que se preza do seu credo e não faz mistério

980
Dossiê 30-K-69. DEOPS/SP.
981
Prontuário n.º 37, v. 2, doc. 142. DEOPS/SP.
de teoricamente cultivá-lo. Lê os seus livros, debate as suas idéias e trabalha
honradamente para ganhar o pão. Não me consta que ele seja um criminoso
de qualquer espécie. Arrebanhando-os clandestinamente e até com surpresa
(...) a polícia revolucionária, a que queria viver à vista de todo mundo, está na
obrigação de explicar os motivos por que conserva em prisão esses moços,
que lhe aparecem aos olhos vigilantes como famigerados instrumentos da
Rússia sonhadora. (...) Mas dirá o libertador reacionário da chefatura de polícia
carioca que estamos em plena ditadura e que o regime é o da madeira e do
braço forte. De fato, nada se opõe a esse argumento que é de natureza
irrespondível. (...) Perguntarão, todavia, os que ouviram o palavreado fofo do
dr. Luzardo no consulado Washington Luís, porque é que se quebrou em São
Paulo o Cambuci, porque se expuseram à visitação pública os seus
instrumentos de suplício e de que valeu o nosso protesto contra a prisão de
Antunes de Almeida, Josias Leão e Trifino Correa? Tudo foi uma farsa.
Quando o delegado Laudelino de Abreu trancafiou na enxovia aqueles
rapazes, não cometeu atentado maior à liberdade do que a que está
perpetrando o dr. Luzardo em relação a Vítor e os seus companheiros de
infortúnio. Não é de mais repetir ainda uma vez que o que não presta no Brasil
é justamente a raça, mofina e dissoluta." 982

Antônio Manoel Ribeiro, um tipógrafo agitador da greve dos gráficos, foi preso em 20/3/31,
quando distribuía o jornal Trabalhador do Brasil. Donos de bancas de venda de jornais subversivos
sofreram o mesmo destino. Do prontuário de Antônio Manoel Ribeiro consta informação reservada
sobre a "Lista de subscrição n.º 24" em favor de Manoel Medeiros, obrigado a fazer uma estação de
cura em Campos de Jordão, o que significou o afastamento de mais um valoroso membro da LC.983
Jayme Adour da Câmara, jornalista e diretor-gerente da Agência Brasileira Telegráfica, foi
apontado como o intelectual comunista que se informara previamente das prisões programadas
pelo Gabinete de Investigações, e que passara essa informação a Corifeu de Azevedo Marques.
Esse fato foi anotado em sua ficha, no dia 7/4/31, fato que prenunciava a sua prisão e a de seu
amigo. Provavelmente por tal motivo, Adour da Câmara refugiou-se na cidade de Duartina,
provocando a denúncia do padre Francisco de La Torre Lucena, no sermão da missa dominical, de
que existiriam comunistas naquele município.984 O inquérito aberto para verificar o informe
sacerdotal dá conta da situação de cerco na qual viviam os trotskistas.
A primeira testemunha a depor foi o integralista Arthur Pacífico Garbine. De fato  diz ele
 o padre La Torre mandou chamá-lo em sua casa, certa noite, a fim de lhe perguntar sobre a
filiação política do dr. Jaime. Garbine tinha visto na casa de Adour da Câmara uma porção de livros
comunistas, e também livros de Plínio Salgado, "porém intactos e sem terem sido lidos, apesar de
ter autógrafo de Plínio Salgado". Dos livros existentes em poder do denunciado, e escritos por
escritores russos, não chegou o declarante a examinar se eram de propaganda comunista ou
apenas de literatura.
La Torre prestou declarações: ele de fato havia verberado o comunismo, pois procurava
combater o comunismo em suas práticas, por mais de uma vez; porém, não podia precisar sobre a
existência do comunismo em Duartina, e nem individualizar qualquer comunista.
Manoel Salustiano Cavalcanti, outra testemunha, informou que na cidade de Duartina, no
mês de outubro, fora organizada uma comissão para cooperar com a Defesa Social Brasileira, em
repressão ao comunismo, comissão essa de que o depoente era presidente.
João Nunes Dias, também na qualidade de testemunha, declarou que não sabia da
existência de nenhum comunista praticante em Duartina, porque se soubesse o seu primeiro ato
seria procurar a delegacia de polícia, a fim de denunciar o fato.

982
"A Pedidos", transcrito do Correio da Tarde de 10/9/31(?). Diário da Noite, 11/9/? (31), recorte
constante do prontuário de Víctor Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. 2. DEOPS/SP.
983
Prontuário n.º 77, fls. 8-9. DEOPS/SP.
984
Portaria do Delegado de Polícia de Duartina. Prontuário de Jayme Adour da Câmara, n.º 7, f. 40.
DEOPS/SP.
A última anotação da ficha de Jayme Adour da Câmara refere-se ao ano de 1932, quando
foi entrevistado pela Folha da Noite na qualidade de feiticeiro-mor da Sociedade Pró-Arte
Moderna.985 Aparentemente, Adour da Câmara abandonou o trotskismo por lugares mais amenos,
diante da perspectiva de prisão iminente.
João da Costa Pimenta foi detido em 4/4/31.986 Corifeu de Azevedo Marques foi preso em
28/5/31, por ter provocado grande agitação entre os elementos do Bureau Regional do PC, do qual
era secretário, provavelmente seguindo a tática da liga de combater a "burocracia dirigente" no seio
do próprio partido. Em 1/8/31 foi novamente preso, com Aristides Lobo e Paulo de Lacerda, no
Largo da Concórdia. 987 Aproximadamente um mês depois  em 20/9/31  seguiu para o Rio
Grande do Sul, a bordo do navio Anníbal Benévolo.988
Em 4/7/31, Aristides Lobo e o "ex-gráfico Mário Dupont, que estava em sua companhia,
caíram na rede policial, durante batida realizada na casa de Olga Pandarsky"989. Olga e seu
"amante" Mark Pandarsky, agentes do Comintern, transferiram-se de Montevidéu para o Brasil, por
determinação do Bureau Sul-Americano.990 No Brasil, Olga tornou-se membro do Comitê Central do
PCB. Na residência dos Pandarsky, foi apreendido um registro com o nome das pessoas que
deveriam ser procuradas pelos "terríveis embaixadores", e algumas que precisavam ser evitadas.
Por esse registro, a polícia passou a guiar suas diligências e a efetuar muitas prisões, sobre as
quais mantinha "grande reserva".991 A polícia registrou que Olga deixara sua filha, de quatro anos,
com a mãe, na Rússia e que chegara ao Brasil em 27/1/31. É provável que seus contatos com
Aristides Lobo tivessem se iniciado em Montevidéu e que ela, já no Brasil, recebesse orientação
para se afastar do líder trotskista, pois em carta para o companheiro critica fortemente o partido — a
"família". Escreve ela que os dois representantes não valiam "nem um caralho": o mais importante
estava em luta com o partido, e o outro, um "mulatinho é um tipo perfeito de burocrata". É muito
provável que Olga se referisse a Aristides Lobo e a Mário Dupont. Além deles, Olga declara estar
em briga constante com Ramon Guerrero. Em sua carta, Olga Pandarsky refere-se às relações de
Mark com a "tia" (Internacional Comunista): "Enfim, tuas relações com a tia — 'eu vou cagar e tu
vais limpar', e é tudo, não me parece que podem dar bons resultados."992
João Menezes, um estucador negro, foi detido quando saía da residência de "Olga Iazikoff
Pandarsky, comunista que mantinha ligações com João Gerulaites e que após o movimento de 35
suspeitou-se de ser companheira de Prestes".993
Amplo noticiário jornalístico cobre a prisão dos Pandarsky: "Interrogada, a russa explodiu
com um palavreado que teria feito corar um frade de pedra. Esteve disfarçada em operária
bombardeando com pedras a Superintendência da Sindicância, chefiando um grupo de mulheres".
Os jornais também informaram que "a limpeza" começaria dentro da própria polícia, "onde se
suspeita que vivam elementos ligados diretamente à terrorífica associação de Moscou".994
Os registros do DEOPS/SP guardam a lembrança de outros detidos com os Pandarsky,
como Oscar Rodrigues da Silva, que em setembro de 1931 fora encarregado de manter ligações
com o casal russo, e nessa ocasião, no momento de sua detenção, alvejou a tiros de pistola os
policiais incumbidos de o deter.995

985
Prontuário citado, f. 39-37.
986
Prontuário n.º 217, DEOPS/SP.
987
Prontuário n.º 37, doc. n.º 23. DEOPS/SP.
988
Prontuário n.º 52. DEOPS/SP.
989
A respeito, ver: CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Estrangeiros e Ordem Social. São Paulo, 1926-1945.
Revista brasileira de História. Biografia, biografias. Órgão Oficial da Associação Nacional de História.
ANPUH/Ed. Unijuí, vol. 17, n.º 33, 1997, p.p. 201-238.
990
Prontuário de Olga Pandarsky ou Maria Rodrigues, n.º 888, v. 1, f. 112. DEOPS/SP.
991
Recorte do Diário Nacional, de 7/7/31. Prontuário citado.
992
Tradução da carta em espanhol, de "Maria" (o pseudônimo de Olga) a Mark. Prontuário citado, f. 2. O
original, manuscrito, a tinta, da carta, encontra-se no prontuário de Mark Pandarsky, n.º 895. DEOPS/SP.
993
Prontuário de João Menezes, n.º 1.030.
994
Folha da Noite, 6/7/31, p. 1. Prontuário citado.
995
Prontuário de Oscar Rodrigues da Silva, n.º 912.
Pouco mais de um mês após a prisão dos Pandarsky e dos trotskistas citados, o Delegado
da Delegacia de Ordem Política e Social relata ao Chefe do Gabinete de Investigação que no dia 1.º
de agosto, às 19h30, no Largo da Concórdia, "o comunista Aristides Lobo, subindo ao coreto ali
existente, tentou fazer uso da palavra, chamando em seu redor as pessoas que se encontravam no
local. Apenas havia pronunciado a palavra 'Trabalhadores', numeroso grupo aproximou-se do local.
Houve indivíduos que desfraldaram bandeiras vermelhas com dísticos e emblemas comunistas.
Com a intervenção da polícia, e em virtude de ordens superiores para a não realização de comícios
públicos, e o auxílio de praças de cavalaria, foi dispersado aquele grupo", com algumas detenções,
inclusive a do orador.996
Às 19h30, de 11 de setembro de 1931, o delegado da Delegacia de Ordem Política e Social
solicita ao Chefe da Seção de Identificação 12 fotos de Aristides Lobo.997 Um dia após, consta
ordem de remoção de Aristides Lobo e Mário Dupont para o Presídio Político da Imigração.998 A
prisão não deve ter sido longa, ou o prisioneiro se evadiu, pois em 12/9/31 o Comissário do DOPS
determinou ao Delegado de Polícia de Sorocaba que prendesse o líder comunista Aristides Lobo.999
Antônio Mendes de Almeida foi preso em 4/9/19311000, seguido, a 5/10/31, por Luciano
Raguna, sócio da UTG e membro da LC.1001
Augusto Pizzuti, um pespontador "moreno", amigo de Aristides Lobo e João Menezes,
desligado do PCB em 1929, foi detido em 10/10/31. À polícia declarou que se retirara do PC em
virtude de certas responsabilidades que lhe pesavam, e por ter de cuidar de sua família, ficando
apenas “simpático do mesmo". 1002
O jornalista Antônio Brites dos Santos, segundo a polícia um íntimo companheiro de
Aristides Lobo, a quem era muito ligado1003 — dado que o marcava como membro necessário da
Oposição de Esquerda —, foi detido em 30 e 32, como agitador de greves e propagandista
revolucionário ("sob a capa do trabalho, sob a aparência pacata que falsamente demonstram, esses
elementos perniciosos aproveitam o campo facilmente impressionável das classes rudes para
disseminação de suas idéias"1004). Brites havia sido preso duas vezes em 1929, ao propagar a greve
dos gráficos, e como redator de O Internacional. A última anotação de suas atividades de militante,
constante de seu prontuário, data de 25/10/32, quando a Superintendência de Ordem Política e
Social oficiou ao delegado de Santos que Antônio Brites iria para aquela cidade, a fim de pegar suas
malas e roupas, para, depois, retirar-se do Estado de São Paulo, "conforme é seu desejo".1005 Em
Santos, encontrava-se refugiado Aristides Lobo, residindo com o "comunista João de Oliveira".
Ambos estiveram numa reunião da Construção Civil daquela cidade, demonstrando que as
atividades políticas dos opositores de esquerda não cessavam, mesmo sob cerrado cerco
policial.1006
A ousadia dos revolucionários continuou, em 32, a facilitar a tarefa policial. Aristides Lobo
foi detido na madrugada de 21 de julho, na Associação dos Empregados do Comércio, onde, "a
noite anterior, havia feito propaganda comunista". Sua entrada naquela sede já havia sido proibida
pelos diretores da Associação, "em virtude da propaganda insistente de seus ideais naquele
recinto".1007 Os trâmites da detenção compreenderam uma ordem ao carcereiro da Delegacia de
Ordem Social para recolher preso Aristides Lobo,1008 seguida de uma outra que removia Aristides

996
Prontuário n.º 1.691, de Caio Prado Jr. e Antonietta Prado, doc. n.º 22, f. 63.
997
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 26, f. 66.
998
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 25, f. 65.
999
Loc. cit.
1000
Prontuário n.º 79. DEOPS/SP.
1001
Prontuário de Luciano Raguna, n.º 1.255, f. 10. DEOPS/SP.
1002
Prontuário de Augusto Pizzuti, n.º 47. DEOPS/SP.
1003
Comunicado dos inspetores Orestes Lascala e Joaquim A. Gentil. São Paulo, 15/11/29. Prontuário de
Antônio Brites dos Santos, n.º 58. DEOPS/SP.
1004
Ofício da Polícia de Santos, de 7/7/32. Prontuário citado.
1005
Prontuário citado.
1006
Relatório reservado de 11/2/32. Prontuário de Ramon Guerrero Simon, n.º 390. DEOPS/SP.
1007
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 37, f. 37.
1008
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 39, f. 78.
Lobo para o Presídio Político (em 29/7/32)1009. O ritual continua com a "apresentação" do prisioneiro
ao Diretor do Presídio Político, apoiada por um recibo pelo qual o preso Aristides Lobo, procedente
da Delegacia de Ordem Política e Social, às 20 horas de 30/7/32, permaneceria à disposição da
Delegacia de Ordem Social.1010
Uma batida efetuada na noite de 11 de agosto de 1932 deteve Mário Pedrosa, para
averiguações de "comunismo". Nos dias 12 e 31 do referido mês e ano, numa evidente operação de
fuga, Pedrosa foi identificado para obter passaporte sob n.º 636, a fim de viajar para a França,
Bélgica e Inglaterra, não sabendo a polícia se viajara ou não.1011 Mais uma importante defecção,
pois tratava-se de um dos membros-fundadores da liga. Com Pedrosa, foram pegos Mary Houston,
Víctor de Azevedo Pinheiro ("elemento de grande atividade e que há tempos foi remetido para o
Uruguai") e Mário Dupont. Dada a escuridão e a dificuldade do lugar, outros "elementos", que a
DOS não pôde identificar, conseguiram fugir naquela noite.1012
Mary Houston foi mais uma vez detida, em 1934, como “elemento suspeito de "trotskista",
mas não foi processada.1013
O intelectual comunista Cid Franco, preso em 1932, escreveu ao Chefe de Polícia uma
carta que teve o destino de ser citada numerosas vezes na propaganda anticomunista: "(...) Da
experiência da luta a que me dediquei com o maior desassombro, ficou-me, infelizmente, apenas
esta certeza: é que as baixezas e os horrores humanos da política se encontram nos dois lados,
tanto no proletariado, como na burguesia." 1014
Domitiliano Rosa, um gráfico negro, foi detido em 4/7/31, durante a conferência do Ministro
do Trabalho, por ter-se manifestado violentamente em seus apartes, juntamente com o grupo
trotskista.1015 O ferroviário Honório Pinto foi aprisionado nos dias 3/10/31 e 30/9/33. Havia sido
expulso do partido, por "simples fraqueza", como alegou.1016 Mais um simpatizante da LC, o garçon
espanhol Elias Garcia Sanchez, foi detido por quatro vezes entre 1930 e 1932. Era simpático às
idéias comunistas pelas conversas que mantinha com Corifeu Azevedo Marques, Henrique Covre e
Paulo de Lacerda.1017 Em 8/4/32, chegou a vez de Plínio Gomes de Melo ser trancafiado.1018 Da
prisão, pediu que lhe fossem enviados 20 ou 30$000 e a sua capa para o Gabinete de
Investigações. O bilhete manuscrito pelo prisioneiro deveria ser entregue ao "Dr. Lívio Xavier ou Dr.
Nabor Caires Brito ou Dr. Miguel de Macedo", ou, ainda "a qualquer redator do Diário da Noite ou
do Diário de S. Paulo”.1019
A polícia prendeu José Auto Cruz de Oliveira em sua residência, em 8/10/34. Na ocasião
ele era funcionário do Banco do Brasil, assim como Mário Barreto Xavier. Ambos foram
denunciados ao gerente do Banco do Brasil, pela DOS, em ofício no qual os bancários eram
apontados como comunistas-trotskistas, militando nos meios da Coligação dos Sindicatos
Proletários de São Paulo, organização ilegal, com funcionamento na capital paulista. José Auto
mantinha importantes ligações com Murillo Teixeira de Mello, na residência do qual a Ordem Social
encontrara, “há tempos”, importantes documentos de propaganda interna e externa do PC. Ambos
participavam de todas as manifestações públicas subversivas que havia. Para a polícia, José Auto
declarou ter vindo há dois meses da Bahia para São Paulo. Há um ano e meio consorciara-se com
Rachel de Queiroz, também pertencente ao PC. Em São Paulo conhecera Murillo Teixeira de Mello,
também comunista. Todos os boletins encontrados em sua residência, tinham lhe sido dados por
Lívio Xavier, com quem travara conhecimento por apresentação de um irmão desse, Mário Xavier,
colega de banco. Num dia de fevereiro, ao chegar em sua residência, com Rachel, teve
conhecimento de que Murillo havia trazido uma mala, a qual supunha achar-se repleta de material

1009
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 41, f. 37.
1010
Prontuário n.º 1.691, doc. n.º 40, f. 76.
1011
Prontuário de Mário Pedrosa, n.º 2.030. DEOPS/SP.
1012
Prontuário de Mary Houston Pedrosa, n.º 2.096, doc. n.º 6. DEOPS/SP.
1013
Loc. cit.
1014
Prontuário do PCB, n.º 2.431, v. 4, f. 120. DEOPS/SP.
1015
Prontuário de Domitiliano Rosa, n.º 1.046. DEOPS/SP.
1016
Prontuário de Honório Pinto, n.º 1.263. DEOPS/SP.
1017
Prontuário de Elias Garcia Sanchez, n.º 2.032. DEOPS/SP.
1018
Prontuário de Plínio Gomes de Melo, n.º 385. DEOPS/SP.
1019
Prontuário citado.
comunista, em virtude de Murillo ser comunista e somente conversar sobre esse assunto. José Auto
declarou-se simpatizante do ideal comunista, mas que não pretendia empregar meios de ação
prática ou propaganda. Quando detido negara dar o nome do proprietário da mala ou dizer onde
trabalhava, somente para defender um amigo. José Auto se comprometeu na Delegacia de Ordem
Social a nunca mais receber material comunista, para leitura ou para guardar. Declarou, ademais,
saber que sua esposa fora detida no Rio de Janeiro, sendo logo afastada pela polícia federal e
remetida para o seu Estado natal".1020
Em 6/11/34, Afonso Schmidt foi detido por estar com quatro exemplares do jornal Nossa
Bandeira, portanto no Partido Socialista como ocorreu com os camaradas ingressistas e, mais
tarde, com os antiingressistas da liga. 1021
A colaboração entre as polícias do Brasil, Argentina e Uruguai tornava ainda mais
espinhosa a vida dos membros da OE, pois estes, foragidos ou exilados nos países vizinhos,
continuavam ao alcance do DOPS paulista. Nesse sentido, Galeão Coutinho, jornalista de A
Gazeta, informou que o governo brasileiro fizera sentir aos governos do Uruguai e da Argentina o
perigo que representava para o Brasil as reuniões de políticos exilados em cidades daqueles
países, na fronteira do Brasil.1022
A repressão que se abateu sobre o movimento operário pós-35 mereceu longo relatório que
a liga enviou ao Secretariado Internacional.
Após a Intentona — diz o relatório — o movimento operário foi atingido pela mais profunda
e extensa fase de repressão. Os revolucionários em geral foram aprisionados, perdendo suas
ligações com a massa operária. Em março de 1936, os presos depredaram as divisões de madeira
do presídio Maria Zélia. Em 30 de abril, de novo se sublevaram, tendo sido dominados
imediatamente, depois de terem apedrejado a direção do presídio. Os motivos foram o mau
tratamento, as restrições e proibições existentes e, por fim, a suspensão das visitas aos presos.
Depois da sublevação, a polícia separou os prisioneiros mais ativos. Havia muitos tuberculosos que
eram enviados, para “estações” de 15 dias, à enfermaria do Presídio Paraíso, considerado pior que
o Maria Zélia. Cerca de 500 presos do Maria Zélia não tinham agasalhos, camas e alimentação
suficientes. Nessa situação a liga ficou sozinha na fundação de um novo Socorro Proletário, pois os
socialistas recusavam-se a contribuir até para auxílio de seus militantes. Assim, não conseguia
enviar aos presos mais de 100$000 por mês. Corriam boatos de que os stalinistas resolveram
liquidar o SVI (Mopr), conforme um encarregado dessa organização, numa colônia estrangeira,
informara à LC. Hilcar Leite, secretário-regional, resolveu então lançar a palavra de ordem: “anistia
ampla e imediata”. Getúlio Vargas, em discurso pronunciado numa manifestação popular, afirmou
que os comunistas seriam isolados em “colônias agrícolas”, para redução social. Instalara-se, pois,
o regime do campo de concentração no Brasil. Mas mesmo antes dessa declaração presidencial, o
governo estava enviando comunistas para as colônias correcionais da Ilha Grande e dos Porcos.
No seio da classe operária circulava que os estrangeiros deportados, especialmente dos países do
norte da Europa, não eram enviados para os seus países, mas sim entregues às autoridades
alemãs, em Hamburgo, às quais a polícia brasileira confiava a tarefa de desembarcá-los. A polícia
havia deportado Ristori, ativo combatente contra o fascismo na colônia italiana, para a Itália, o que
significava entregá-lo à vingança e ferocidade dos fascistas de Roma. Ristori — continua o relato —
deveria ser defendido, apesar de ser anarquista.1023
A LCI encetou uma campanha corajosa a favor dos presos políticos, especialmente os
estrangeiros, sujeitos à pena de extradição. Continuava, é óbvio, a culpar os stalinistas pelo
situação vivida pela vanguarda: um dia, a classe operária pediria contas ao stalinismo pelos seus
erros, desvios, capitulações e traições que resultaram em derrotas e fracassos da revolução.
Entretanto, diante da reação burguesa, “mesmo se tratando do nosso adversário mais acirrado — o
stalinismo” a liga (é Hilcar Leite a escrever) defendia com todas as suas forças os militantes
operários presos. O julgamento do pedido de habeas corpus a favor dos presos do “Pedro I”,

1020
Prontuário de José Auto Cruz de Oliveira, n.º 4.089. DEOPS/SP.
1021
Prontuário de Affonso Schmidt, n.º 11. DEOPS/SP.
1022
Informe reservado de Mário de Souza. São Paulo, 9/3/33. Prontuário de Salisbury Galeão Coutinho
(Dr.), n.º 163. DEOPS/SP.
1023
Manuscrito de autoria de Hylcar Leite, apreendido pela polícia. Prontuário da LCI, n.º 4.143, v. 1, fls.
149-148. DEOPS/SP.
andara de uma vara para outra, e a “justiça capitalista decidiu de acordo com as informações do
tira-mor, Filinto Muller”. Portanto, só a ação das massas poderia libertar os militantes operários
presos e evitar-lhes a sorte das deportações e dos maus tratos dos presídios capitalistas. A liga
denunciou a expulsão de José Vidal Geronymo, João Graatz, Fernando Gago Moreno, Moysés
Kalnias, Antônio Duarte, Alexandre Wainstein, e o fato de centenas e centenas de operários e de
militantes proletários jazerem nos calabouços sem nenhuma nota de culpa. Anarquistas, socialistas,
sindicalistas, nacional-libertadores, stalinistas e bolcheviques-leninistas deveriam unir suas forças
para libertar os militantes estrangeiros.1024
A situação dos revolucionários nas prisões mereceu diversas denúncias da OE, como a
citada acima. Multidões de prisioneiros encontravam-se em ilhas inóspitas da costa, nos presídios
longínquos e nas masmorras das delegacias de polícia, em pleno coração da cidade de São Paulo.
Acusados de professarem e propagarem idéias comunistas, anarquistas e socialistas, muitos
desses prisioneiros foram barbaramente espancados e alguns pereceram em conseqüência dos
ferimentos recebidos. A censura impedia os jornais de dizerem alguma coisa a respeito. Dezenas
de trabalhadores se encontravam amontoados nos fundos das masmorras frias, sofrendo fome,
suportando ultrajes sem nome, tombando mortos ou feridos em conseqüência dos espancamentos
contínuos. João Matheus, jornalista fundador da LC, foi enviado do Rio para São Paulo, com um
ferimento profundo na cabeça, depois de ter passado um mês nas grades da 4.ª Delegacia da Casa
de Detenção, onde o espancaram até que perdesse os sentidos. O mesmo estava acontecendo
com Hilcar Leite, com os operários José Medina e Pedro Correa, além de muitos outros. Os
operários deveriam saber de que espécie era o "socialismo da camarilha tenentista". Seria preciso
reagir, por todos os meios, "reagir pela força de homens de consciência contra a força do
banditismo organizado em Estado!" 1025
As explicações dessas prisões, além do alto grau de exposição a que se sujeitava o
pequeno número de oposicionistas, muitos deles envolvidos com uma militância quase suicida,
residem no sistema de agentes duplos largamente utilizado pela polícia. Agentes responsáveis por
traições a amigos íntimos. Não se tratava de policiais, pagos para isso, mas de pessoas comuns
que viviam nos círculos de sociabilidade dos "subversivos" que eles entregavam à polícia, anotando
minuciosamente as suas ações. Como observa Timothy Garton Ash, o efeito de ler esses
documentos pode ser terrível1026: os informantes traíam companheiros de trabalho e de partido,
vizinhos, parentes, por conta de benefícios reais ou imaginários. Alguns desses benefícios ficam
claros nos documentos: dinheiro, liberdade, convicções ideológicas, volúpia de trair... Uma dessas
personagens tétricas, como vimos, foi o lituano João Gerulaits, "comunista militante no Partido
Trotskista, em 1931"1027, sobre o qual consta a seguinte informação do Serviço Secreto:

"João Gerulaites, desde fins de 1931, quando, realmente, era comunista,


ligou-se a este Departamento (na época DOPS) e, nessa ocasião,
gratuitamente, prestou relevantes serviços à ordem social, o que permitiu a
desarticulação de importante núcleo comunista, dirigente, no setor estrangeiro,
bem como a apreensão de uma bem montada tipografia dos comunistas
lituanos. Desde essa época, e até a data presente, continuou ele a prestar
serviços a este Departamento, de maneira útil e proveitosa." 1028

Gerulaits foi cooptado pela repressão após a batida policial na casa de Mark e Olga
Pandarsky, na qual foram presos, com os donos da casa, Aristides Lobo e Mário Dupont. Em

1024
Boletim “Unamo-nos para Libertar asVítimas da Reação Capitalista1! Lutemos contra a Deportação
dos Operários Estrangeiros!”. Prontuário da LCI, n.º 4.143, v. 3, f. 53. DEOPS/SP.
1025
"O 'Liberalismo' do Governo". FLBX. CEDEM/UNESP.
1026
O dossiê Romeo. Arquivos secretos. Suplemento Mais! Folha de S. Paulo, 4/1/1998, p 3.
1027
Prontuário de João Gerulaits, n.º 888, 2 volumes. DEOPS/SP.
1028
Informação do Serviço Secreto n.º 30.068, de 29/1/52. Prontuário de João Gerulaits Filho, n.º 205.
DEOPS/SP. Portanto, durante 21 anos - no mínimo - João Gerulaits entregou seus companheiros às garras
da polícia, o que lhe confere inusitada longevidade como "agente reservado", categoria que só tinha
utilidade por dois ou três anos, segundo a opinião abalizada de Luiz Apollônio, que chefiava os
investigadores especialistas na caça aos subversivos.
declarações, Gerulaits disse freqüentar a casa dos Pandarsky, na qual se realizaram reuniões
comunistas, em companhia de Corifeu de Azevedo Marques, Henrique Covre, Plínio Melo e outros,
cujos nomes não se recordava no momento. Após a sua prisão, verificada a 4/7/31, comparecera
espontaneamente à DOS oferecendo seus serviços.1029 Portanto, a prisão dos representantes da
"Tcheca de Moscou" acarretou conseqüências nefastas para a Oposição de Esquerda, pois
conduziu à polícia João Gerulaites que se transformou num agente duplo, entregando seus
companheiros às forças da repressão.1030
O gráfico oposicionista Oscar Villa Bella informa sobre o processo de arregimentação de
"secretas". Ele havia trabalhado durante três anos na Light , na qualidade de motorneiro, onde
conseguiu grande prestígio entre os seus companheiros de trabalho. Por causa disso, a
superintendência da Light fez com que ele entrasse para o Sindicato de Tração Luz e Força, onde
se dizia que existiam atividades comunistas. Com isso, a Light queria utilizar-se do serviço de Villa
Bella como espião. Esse, não se agradando dessa situação, procurou aprender linotipia,
começando a praticar nas oficinas do Estado de S. Paulo e afinal conseguiu o lugar como suplente
entre os linotipistas da Imprensa Oficial.1031
Destino diverso foi o do italiano Vincenzo Guerriero, recrutado na mesma companhia Ligth,
que tentara inutilmente cooptar Villa Bella. Um episódio da vida de Guerriero esclarece muito sobre
a situação dos "krumiros"1032, "reservados" ou "secretas", tão justamente temidos pelos
revolucionários. Luiz Apolônio, o chefe dos investigadores encarregados da caça aos subversivos
paulistas, escreve longa carta ao delegado de Segurança Política e Social do Distrito Federal,
procurando defender-se de acusações de integralismo e de furto de dinheiro e de bens diversos
pertencentes a "seus" prisioneiros. Com a detenção de Enzo Silveira, ocorreram denúncias de que
Apolônio havia desviado dinheiro pertencente ao prisioneiro, denúncias que acabaram por motivar
um processo administrativo1033. Sigamos as explicações que o acusado forneceu a respeito.
Desde 1929 — esclarece Apolônio —, trabalhava na Delegacia de Ordem Política e Social.
Em 1932, por determinação superior, ligara-se a vários funcionários da Light and Power, com o fim
de obter informações "de elementos comunistas, anarquistas, integralistas e fascistas". Naquela
época, os primeiros é que "faziam sentir mais sua perniciosa atuação". Entre os que
"prazerosamente" se ligaram a Apolônio, estavam Vicente Guerriero, Sebastião Vieira de Carvalho,
Germano dos Santos e Antônio de Jesus. Desde aquela ocasião até pouco antes de escrever a sua
carta (11/11/39), todos se entendiam perfeitamente, "sem que uma única nota dissonante
houvesse. Vários e bons serviços os quatro referidos informantes prestaram à Polícia Política
Paulista e, conseqüentemente, à Nação, porquanto em 1935, na ocasião em que mais intensa era a
propaganda comunista no Brasil, os trabalhos realizados pelas polícias brasileiras evitaram que o
nosso querido Brasil se tornasse uma filial de Moscou".
Entretanto, nuvens começaram a surgir na fraternidade "reservada", quando Antônio de
Jesus foi promovido pela Light a chefe dos fiscais e inspetores, provocando "algum despeito" por
parte dos demais. Com o recrudescimento da campanha contra os integralistas e fascistas,
Apolônio declara ter pedido a Vicente Guerriero que lhe fornecesse notas a respeito. Ele as havia
fornecido, "pois ele era 'Reservado' desta Delegacia, e o foi até há um ano, mais ou menos, quando
se retirou por livre e espontânea vontade".
Apolônio continuou a ser amigo de todos e a eles declarou "que não desejava perder a
amizade dos mesmos", apesar de "já agora, os referidos funcionários não mais eram precisos em
suas informações, pois V. S. não ignora que um 'Reservado', após algum tempo de serviço, torna-
se quase inútil. Contra os quatro já existiam fortes suspeitas dos extremistas, tanto da esquerda
como da direita, de que os mesmos estavam a nosso serviço. Essas desconfianças motivaram um

1029
Prontuário citado.
1030
Foto publicada em jornal, ilustrando a expulsão de Olga, Mark e Gerulaite. Prontuário n.º 888.
1031
Declarações à polícia, em 27/12/35. Prontuário de Oscar Villa Bella, n.º 1440. DEOPS/SP.
1032
Designação dada a traidores da causa proletária, isto é, companheiros de luta que se "prostituíam" às
forças da reação. Cf. in: O Trabalhador Graphico. Órgão da União dos Trabalhadores Graphicos, ano III,
n.º 21. São Paulo, 28 de fevereiro de 1923, p. 1. Microfilme.Fundo ASMOB. CEDEM/UNESP.
1033
Infelizmente para a pesquisa histórica, esse documento desapareceu dos registros policiais, mas dada a
carreira posterior brilhante do denunciado, é de se intuir que os acusadores tenham passado à situação de
réus.
pedido de todos eles, a mim, há tempos, para andarem armados e com 'memoranda' da Delegacia,
pois diziam, temiam qualquer ação dos comunistas. Consegui-lhes o que desejavam, assim como
consegui-lhes um atestado do Sr. Dr. Inácio da Costa Ferreira, de quem foram 'Reservados' por
muito tempo, atestado esse cujo original deve estar em poder dos mesmos, e a cópia respectiva em
seus prontuários".
Apolônio, revoltado contra o "procedimento inqualificável" de seus subordinados, exclama
que Vicente Guerriero e Germano dos Santos "compilavam, entre outros relatórios, informações a
meu respeito; a respeito de outro funcionário desta Delegacia, Sr. José Gomes e, até, a respeito de
pessoas de minha Família!" Denúncias que não foram as primeiras. Houvera outras, continua
Apolônio, que partiram de "comunistas que, a todo transe, queriam ver-me afastado do cargo que
ocupo, pois certamente viam em mim e na pessoa do Sr. José Gomes, sérios impecilhos a sua
nefasta ação." O "Javert" ocasional termina com uma declaração auto-elogiosa, que dá conta do
caráter desse servidor da “ordem”:

"Fui sempre um funcionário que cumpri à risca o meu dever. Fui sempre
fiel aos vários Governos com os quais tenho trabalhado, assim como
continuarei a sê-lo com qualquer outro.
Como já tive ensejo de dizer, sou contra qualquer credo político importado,
seja ele verde, vermelho ou preto.
Poucos serviços tenho prestado, na verdade, em matéria integralista ou
fascista, e isso porque, como acontece na própria Polícia Federal, especializei-
me no assunto comunista. Mesmo assim, entretanto, tenho apresentado
muitos relatórios a meus superiores, referentes a certas atividades fascistas e
integralistas nesta Capital, relatórios esses dos quais alguns de autoria do
mesmo Sr. Guerriero e outros, de outro 'Reservado', lembrando-me, neste
momento, que nos mesmos citava os nomes daqueles que, hoje, o Sr. Vicente
Guerriero me acusa de ter ligações!"

Evidentemente, após 37, os ventos começaram a soprar contra os integralistas, que


exerciam grande influência na polícia. O ano da denúncia, 1939, deve ter sido considerado pelos
reservados de Apolônio como propício para abater o chefe. A época também ajuda a explicar a
profissão de fé do policial: fiel a todos os governos. Fidelidade recompensada. De simples inspetor,
Apolônio ascendeu ao todo poder de mando policial, como lemos num protesto do ano de 1936:

"A polícia (...) sob as ordens de Leite de Barros, Egas Botelho, Apolônio &
Cia. inicia a deportação dos militantes proletários, presos em conseqüência
dos acontecimentos armados de novembro último, em Natal, Recife e Rio de
Janeiro. As primeiras levas de operários revolucionários já estão sendo
enviadas para Santos, de onde embarcarão para a nefanda Ilha dos Porcos,
(...) onde eles encontrarão a fome, os trabalhos forçados, os maus tratos, os
espancamentos, as doenças e onde serão também assassinados a bala ou à
custa de sevícias.”1034

Mais tarde, o know-how de Apolônio foi aproveitado didatica e teoricamente: ele se tornou
professor da Escola de Polícia, ministrando cursos sobre anticomunismo e publicando obras sobre
o assunto, tais como: Métodos e táticas comunistas e Manual de Polícia Política e Social . De cima
dos seus 30 anos de prática contra-revolucionária pontifica Apolônio em seus escritos:

“O interrogatório é uma arte. Interroga-se com argúcia. (...) Antes de iniciar


o interrogatório propriamente dito, deve-se estudar o tipo do comunista que se
tem à frente; verificar seus pontos fracos; jogar com palavras astuciosas para
conseguir as contradições. Possuir boa memória para anotar estas e rebater,
depois, as alegações mentirosas do interrogado. Observar, em extensão e

1034
“Protesto Contra o Envio dos Militantes Operários para a Ilha dos Porcos!” LCI, 17/1/36. Prontuário
n.º 4.143, v. 3, f. 25. DEOPS/SP.
profundidade, as alterações fisionômicas do interrogado, anotando as diversas
contrações de seu semblante.” 1035

Apolônio escreve que a boa investigação é aquela que se consegue pelos meios de
infiltração — em coerência com a prática policial de empregar agentes duplos na “defesa da ordem
política e social”.
Guerriero foi reservado da Delegacia de Ordem Social desde 1931 até a data da denúncia,
1939.1036 Quantos companheiros ele e os demais secretas teriam entregue à polícia?
Ibrahim Nobre faz parte da imensa constelação de policiais que deixaram rastos de sangue
na memória operária. Como delegado de polícia de Santos ou da Ordem Social de São Paulo,
acompanhado por Luís Apolônio em ambas as cidades, a atuação de Ibrahim Nobre foi
caracterizada pela violência contra os prisioneiros. Uma das numerosíssimas acusações que
atingiram “o tribuno de 32” diz que ele havia recebido 300 libras para libertar o filho de um
negociante sírio, e que “muitas e muitas vezes” foi visto a matar dentro do presídio.1037
A derrubada dos trotskistas pelos "agentes da ordem" é assunto de numerosos registros. O
reservado José Gomes, por exemplo, observa que na Imprensa Oficial havia elementos
pertencentes à corrente trotskista, dentre os quais João da Costa Pimenta, José Carlos Boscollo e
Feliciano dos Santos eram os que mais se destacaram pela sua atividade até 1932.1038
Um dos mais ativos "agentes reservados" era "Guarany", que atuava nos meios intelectuais
paulistanos. Seus "informes" são inconfundíveis pelo estilo irônico, propenso a blagues e marcado
por pedantismos literários. Provavelmente é dele o comunicado, assinado pelo reservado “X-Z”:

“Para maior desgraça, ainda, de tudo que vemos, é, ou fizeram, secretário


do PC desta capital, o ferroviário Mário Scott, indivíduo que pelo seu modo de
se expressar demonstra não ter concluído nem o curso primário. Isto só serve
para que outros estrangeiros, que se encontram no Brasil, concluam que esta
terra não tem dono e que podem eles, agora, como ontem, saírem à rua,
gritando ‘nóss querrremos constituinte...’ Mário Scott, em seu discurso, falou
em ‘sartifação’, ‘poblema’, ‘curtura’, etc., etc.” 1039

Ou, ainda, sobre a conferência de Caio Prado, no Club dos Artistas Modernos, quando
Oreste Ristori “por oferecimento” falara após o conferencista: “Como sempre o faz, foi violentíssimo
em seu discurso, atacando a religião, as autoridades e tudo. Quando fala às massas esquece-se
Ristori da sua perna defeituosa e investe-se até contra Deus, numa linguagem baixa e imprópria de
gente que se preza.”1040

Outro informe reservado dá conta da eficácia e entusiasmo com que Guarany se entregava
às suas tarefas. Reinava grande confusão entre a Federação Operária de São Paulo e os operários
da Light, que se haviam desligado daquela organização. Assim, Guarany insistia para que o “chefe”
lhe arranjasse um emprego numa fábrica de tecidos. No mesmo comunicado, Guarany diz ao seu
superior hierárquico que, embora não tivesse “autonomia para aconselhá-lo”, não achava prudente
deixar Oiticica falar ao operariado de São Paulo".1041
As vítimas da repressão procuravam comunicar-se com seus companheiros em liberdade,
denunciando as condições subumanas em que se encontravam. Muitos bilhetes foram apreendidos
pela polícia, comprovando que a presença de traidores entre prisioneiros políticos não se tratava de
simples fantasia persecutória dos encarcerados. Com data provável de 1933, há um bilhete, escrito
a lápis numa caixa aberta de cigarros, com os dizeres abaixo:

1035
Manual de Polícia Política e Social, p. 258.
1036
Prontuário de Vincenzo Guerriero, n.º 444, fls. 20-10. DEOPS/SP.
1037
O Homem Livre, 14/8/33. CEDEM/UNESP.
1038
Comunicado reservado de 14/12/35. Prontuário de José Carlos Boscolo, n.º 263. DEOPS/SP.
1039
Relatório n.º 79, de 13/7/40. Dossiê 30-C-1, fls. 892 v.- 891. DEOPS/SP.
1040
Relatório do reservado Guarany de 6/9/33. Prontuário de Caio Prado Jr. e Antonietta Prado, n.º 1.691.
DEOPS/SP.
1041
Relatório do reservado Guarany de 6/4/33. Prontuário de José Oiticica, n.º 860. DEOPS/SP.
"Amigo Galeão Coutinho.
Encontramo-nos presos incomunicáveis na Emigração: Capitão Guarany,
diversos sargentos da 'Força', Florêncio Tejeda, preso por vender o livro de
Diogo Hidalgo editado pela 'Pax', João Freire de Oliveira da Editorial
'Marenglen' e mais 12 companheiros acusados de comunistas. Logo
iniciaremos a greve da fome, já fomos ameaçados de chibata, ninguém até
agora foi interrogado pelas autoridades. Pedimos em nome dos princípios
mais comezinhos de humanidade, protestar pela imprensa contra as nossas
prisões, alguns de nós têm família e diversos filhos para sustentar. Comunique
Motta Lima e demais jornalistas independentes. Esperamos ansiosos sua
intervenção pela imprensa, no sentido de obter a nossa liberdade. Muito
gratas, As vítimas."1042

O desespero dos prisioneiros evidencia-se a cada momento. Da prisão esperavam auxílio


material e jurídico dos companheiros em liberdade e se impacientavam com os revezes que
atingiam a todos, mas incidiam, obviamente, com maior força sobre eles:

“Não poderei ir amanhã, sexta-feira, ver o Hermínio. Irei sábado. Estive lá


ontem. (...) O Hermínio, aborrecido com a demora, escreveu uma carta-defesa
aos camaradas Trigo, Domingues e outros que por ele se têm sacrificado. Na
carta, dava a entender que o tal habeas-corpus era tapeação, que nada se
havia feito e que era melhor serem francos. O Trigo leu a carta para os
camaradas, rasgou-a e atirou-a fora, desculpando o Hermínio com o natural
estado de ânimo de pessoa presa há tanto tempo. Corri lá no dia seguinte e
expliquei tudo ao Hermínio assegurando-lhe que ele sairia na semana
atrasada. O Alvarenga assegurou-nos isso. Ora, qual a nossa surpresa
quando nos referiu o advogado que o Supremo não quis julgar o habeas-
corpus, por estar o nome do Hermínio metido num habeas-corpus do Socorro
Vermelho para os presos da Detenção! O Tribunal ia aguardar novas
informações do Ministro da Justiça! Comuniquei isso ao Hermínio. Achei-o
apreensivo porque a polícia estava deportando os companheiros sem atender
nem a habeas-corpus, nem a assinaturas de passaportes. Mandei o Trigo
avisar o advogado e, daqui a pouco, irei procurar o Trigo para saber do que
há. Ontem telefonei debalde ao Alvarenga. Não tenho tempo de procurá-lo.
Recebi a Lanterna e verifiquei ter aí um saldo de 20$000. Põe os 50$000
para o Hermínio na minha conta do Plebe ou como donativo.
Que me dizes das greves e do movimento de protesto aí? Os telegramas
são garrafais, porém tudo lá se faz em nome da frente única sindical, isto é,
vem tudo com fedor bolchevista. Será possível que pela primeira vez falem
verdade? (...)
A lei monstro virá. Não tenhamos ilusões. Estou arranjando o meio de
dar o fora antes que me apanhem. Vocês devem fazer o mesmo, não
acham?”1043

A terrível situação enfrentada pelos presos políticos — que era de domínio público — não
impedia as delações, que se utilizavam dos processos mais diversos. Vemos, por exemplo, José
Pedro Guimarães a entregar papéis que "encontrou" a 24/12/35 no escritório de Lívio Xavier ao "Dr.
Gonzaga", que os remeteu à Superintendência de Ordem Política e Social. Esse agente policial
residia na Rua do Lavradio, 100, Perdizes, onde ficava a sede do PC. A polícia anotou — o que
dirime qualquer dúvida sobre a traição — que José Pedro Guimarães compareceria à SOPS, às 23

1042
Prontuário de Salisbury Galeão Coutinho, n.º 163, f. 1. DEOPS/SP.
1043
Carta de José Oiticica a “Felipe”. Rio de Janeiro, 31/2/35. Prontuário n.º 860. Ms. DEOPS/SP.
horas, isto é, na calada da noite, certamente para fornecer outros informes. Os documentos
surrupiados relatam atividades da LC.1044
A repressão que se abateu sobre os comunistas, durante e após a Revolução
Constitucionalista, colocou nos mesmos xadrezes trotskistas e stalinistas. Estes, que dominavam os
"coletivos" dos prisioneiros, eram em maior número e dispunham do auxílio do Socorro Vermelho,
revelaram-se “verdadeiros algozes” dos oposicionistas.
A política do PCB relativa ao Socorro Vermelho recebeu denúncia grave. Os stalinistas, não
compreendendo ou não querendo compreender o que era o Socorro Vermelho, faziam a política do
burocratismo, impedindo que se respeitassem os seus estatutos e os interesses do proletariado,
impedindo que os oposicionistas de esquerda fizessem parte de seus quadros. Confundiam,
“lamentável e criminosamente”, uma organização de massa (Socorro Vermelho, Sindicato, Comitê
Antiguerreiro, Liga Antifascista, etc.), com a organização político-partidária, que possuía uma
ideologia a seguir, que obedecia a determinados princípios, dentro dos quais era preciso manter
absoluta intransigência. O Socorro estava fraco. Não angariava roupas, nem dinheiro. Não socorria
os presos, nem as suas famílias. Não promovia comícios, nem tinha forças para libertar os
operários, nem para qualquer outra coisa. Era uma organização esquelética. E concluíam: para que
os operários de quaisquer correntes ideológicas tivessem um aparelho de assistência, seria
necessário que os burocratas stalinistas, despindo o seu vestuário de sacristia, reorganizassem o
socorro, revisassem as exclusões, eliminassem, honesta e refletidamente, os detritos que o
infestavam. Tão vergonhosa estava sendo a atitude dos stalinistas, que muitos camaradas do
partido, por divergirem dela, não mais tiveram o auxílio do Socorro Vermelho.1045
Esta situação levou a LCI a criar um “Socorro Bolchevista-Leninista”, para “socorrer,
auxiliar, proteger e defender inicialmente os militantes bolchevistas-leninistas presos e em geral os
operários e trabalhadores vítimas da reação capitalista que não gozam dos auxílios do SUIC
(Mopr.)”. O socorro seria dirigido provisoriamente, até organização definitiva, por uma Comissão
Administrativa Provisória de três membros, escolhidos pelos delegados de grupos já formados, e
pelos responsáveis pelas “listas” de contribuintes. Era assegurada a mais ampla democracia
interna, garantindo-se às frações a livre discussão, a crítica e a defesa de suas posições perante o
conjunto. O SBL nortearia sua vida e seu desenvolvimento pelas teses e resoluções e estatutos
institucionais do Mopr, “antes de sua degenerescência stalinista”.1046
Ainda de acordo com os internacionalistas, o PCB denunciou à polícia, em manifesto da
Federação Sindical Regional, vários camaradas da Oposição de Esquerda, sob a alegação de um
"dever de apontar ao proletariado os trotskistas contra-revolucionários”. A polícia, porém, que não
via distinção entre um membro do partido e um aderente da Oposição de Esquerda, serviu-se da
delação dos stalinistas para prender também os "contra-revolucionários" cujos nomes lhe foram
fornecidos. A denúncia conta que Aristides Lobo, preso antes da delação que atingiu outros
camaradas, não só esteve no Gabinete de Investigações com os operários do partido, como foi
mesmo posto, apesar de doente, numa das celas de tortura ali existentes. Transferido, depois, para
o Presídio Político da Liberdade, foi obrigado a passar por todos os xadrezes do mesmo, pois os
stalinistas, quando não provocavam conflitos com o fim de obrigar as autoridades do presídio a
determinar o seu isolamento, como "truculento" ou "indisciplinado", chegavam mesmo a negociar
com os chefes da guarda a sua transferência de xadrez para xadrez.
Mário Pedrosa, cuja prisão fora conseqüência da ação policial dos “burocratas dirigentes”,
foi igualmente transferido do xadrez em que se encontrava, em virtude de um pedido feito aos
diretores do presídio por dois "chefetes stalinistas".
Durante todo o tempo da prisão dos trotskistas, os stalinistas não se limitaram "a recusar-
lhes auxílio transformando o Socorro Vermelho numa organização fechada, somente para os que
não hostilizam a 'linha geral': foram além, proibindo que os membros do Partido com eles
palestrassem e chegando mesmo, num dos xadrezes, a aliar-se a um russo branco, cuja
credencial, para merecer as boas graças dos burocratas e ingressar no 'coletivo', foi vomitar
calúnias contra o camarada Trotski".

1044
Prontuário de Lívio Xavier, n.º 300. DEOPS/SP.
1045
“O Socorro e a Oposição”. A Luta de Classe, Ano I, V, n.º 14. Rio de Janeiro, 29/7/33, p. 4.
1046
LOBO, Aristides. “Anteprojeto de Estatutos do Socorro Bolchevista-Leninista”, sem data, mas
provavelmente referente a 1933. Fotograma existente no CEDEM/UNESP.
Tudo isso — são os trotskistas a falar — os stalinistas faziam para evitar que os operários
do partido ficassem conhecendo a verdade sobre os seus dirigentes. Num dos xadrezes, entretanto,
não puderam "os dois burocratas que ali se encontravam evitar o corpo-a-corpo teórico que tanto os
apavorava". Os princípios e as idéias fundamentais da Oposição de Esquerda foram
detalhadamente expostos aos operários, as "calúnias grosseiras que diariamente se fabricam
contra nós foram convenientemente pulverizadas", e assim os trotskistas puderam se vangloriar de
terem conseguido uma brilhante vitória: num xadrez de 20 camaradas, onde só existiam cinco da
Oposição de Esquerda, conseguiram conquistar a simpatia da maioria, organizando o "coletivo" à
base dos estatutos do Socorro Vermelho. Os dois burocratas, abandonados pelos operários do
partido, isolaram-se inteiramente da maioria, demitindo-se do "coletivo".
A Oposição de Esquerda continua o seu relato discorrendo sobre uma decisão de greve da
fome:

"Em frente ao xadrez a que acima nos referimos, havia outro onde a
maioria dos presos, constituída de burgueses e pequeno-burgueses —
'simpatizantes', diziam eles —, era chefiada por esse insignificante místico
religioso cuja celebridade é ser filho do 'ministro' e irmão do 'grande tribuno':
referimo-nos ao ex-médico da Assistência Pública do Rio e não ao ex-
delegado de Polícia de Batatais.1047 Um dia, como protesto contra um castigo
infligido a um operário, resolveu o xadrez do importante burocrata, sem
consultar os demais, decretar a greve da fome. Solidarizamo-nos, embora não
fosse preestabelecido o tempo de duração da greve.
Pois bem. Enquanto sustentávamos a greve, o xadrez do burocrata-mor
decidiu, depois da recusa de uma refeição, abandoná-la, sem nos comunicar,
traindo miseravelmente, assim, os demais companheiros. Essa traição
contribuiu para que dois elementos mais fracos do nosso xadrez não
resistissem e pedissem transferência para o xadrez-refeitório. A greve foi
sustentada, apenas, por 18 camaradas, durante 30 horas, isto é, depois de
alcançado o seu objetivo, que era a suspensão do castigo que a diretoria do
presídio decidira infligir a um operário."

Para concluir, a matéria diz que seria necessário extrair algumas lições do que ocorrera: a
Oposição de Esquerda era quem representava de fato as tradições revolucionárias do partido,
sustentando teoricamente as suas idéias e defendendo praticamente os seus métodos de luta; os
burocratas dirigentes eram incapazes de discutir, de sustentar numa discussão livre as suas idéias;
e urgia, portanto, reagir contra a "casta infecta de lúmpen-burocratas que vêm minando o
organismo do partido".1048
Os líderes principais do grupo "Fernando-Alves" foram aprisionados logo após a Intentona.
Víctor Pinheiro foi recolhido ao Presídio Paraíso em 25/11/35, na companhia de João Matheus.
Poucos dias antes do movimento de 35, eles organizaram uma reunião do grupo com a presença
de vários companheiros, conforme ata que foi encontrada pela polícia em poder de João Matheus.
Essa ata anota a presença de Osório César, detido um pouco antes do movimento de novembro,
entre os oposicionistas.1049 A polícia nota que os prisioneiros mantinham constantes ligações com
Aristides Lobo e, nos dias que antecederam a Intentona, as mesmas tinham sido intensificadas "no
sentido de unirem-se as massas", como fala um relatório policial.1050
João Matheus confessou ser comunista e ter sido preso várias vezes, desde 1928, quando
ingressou no PCB. Em 1929 passou para a Oposição de Esquerda. Em 7/11/35 realizou uma
reunião ao ar livre, na qual instruiu os participantes sobre o papel de cada um, participantes cujo
nome recusou-se a declinar, por não desejar comprometê-los. Também não quis dizer quais foram
as instruções por ele dadas, pois eram “segredos da organização”. Seus companheiros Aristides

1047
Não são citados nomes de camaradas, mas é evidente que o jornal se refere, no caso, a Maurício de
Lacerda.
1048
A Luta de Classe. São Paulo, 5 de outubro de 1932.
1049
Prontuário de Osório César, n.º 1.936, v. 1, f. 110. DEOPS/SP.
1050
Prontuário de Víctor Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. não numerada. DEOPS/SP.
Lobo e Víctor Pinheiro eram, como ele, comunistas, e disse não poder garantir se continuaria ou
não na propaganda comunista, dependendo isso das circunstâncias. Matheus confessou, também,
que freqüentava os comícios da ANL e que os participantes das reuniões eram recrutados por ele
próprio.1051
Após 15 meses de prisão, Matheus e Pinheiro conseguiram evadir-se em companhia de
outros presos. Paulo Emílio de Salles Gomes, companheiro de prisão, avisara Pinheiro de que havia
um plano de fuga. Aderira ao plano, em virtude do Estado de Guerra em que se encontrava o Brasil,
situação em que estavam suspensas todas as garantias individuais. Corria o boato de que haveria
fuzilamentos. Dezoito presos conseguiram fugir por um túnel, de cerca de oito metros de extensão,
dando para um quintal próximo ao presídio. Recapturado, Pinheiro declarou-se à polícia como um
trotskista convicto, mas como se casara, assumindo encargo de família, não poderia mais se expor
às conseqüências de uma vida militante. Por uma questão de dignidade — disse ele —, não negava
absolutamente as suas idéias, porém afastara-se do terreno prático e não mantinha filiação ao
partido. Embora mantendo o seu ponto de vista, não voltaria à atividade para não prejudicar sua
esposa.1052
Intenções nada convincentes para o delegado de Polícia de Pederneiras, responsável pela
prisão de Víctor de Azevedo Pinheiro e sua companheira Silésia Ramos, encontrados na Fazenda
São Sebastião, município de Bariri. Pinheiro estava com 32 anos de idade e trabalhava na redação
do Diário da Noite. O revolucionário trotskista ocultara-se na residência de seu pai, funcionário da
prefeitura local. Segundo o delegado de Pederneiras, Víctor "vinha desenvolvendo uma campanha
tenaz em prol dos seus ideais, tornando-se por tal fato um elemento nocivo para esta cidade", cuja
população compunha-se, na sua quase totalidade, "de estrangeiros incultos, colonos das fazendas,
aqui existentes, e que pouco a pouco vão se aproximando do terrível indesejável". A coragem do
evadido registra-se na descrição policial, trazendo cores à visão esmaecida dos militantes
homiziados em cidades do interior:

"Em espetáculo pró-obras da Santa Casa, (Pinheiro) aproveitando-se de


uma oração sobre caridade, proferida pelo Promotor Público da Comarca,
tomou a palavra extra-programa e desancou as autoridades revolucionárias,
especialmente com relação ao caso do Rio de Janeiro, da deposição do ex-
intendente Octávio Brandão, obrigando-me a cassar-lhe em público a palavra
e conduzi-lo à delegacia, dizendo entre outras coisas que não estava longe o
triunfo do seu credo; este homem não pode aqui permanecer. (...) Víctor se
comunica constantemente com os elementos comunistas do Rio e São Paulo,
tem seu irmão diretor do Correio de Notícias, e cuja edição tive há pouco a
necessidade de apreender, pela linguagem virulenta contra as autoridades da
revolução; visita as fazendas sob o falso pretexto de amparar os colonos aqui
domiciliados e vai organizando com jeito a sua tenda de destruição (...)." 1053

Declarações de Víctor Pinheiro prestadas em 18/6/36, quando de sua prisão anterior,


traçam trajetória paradigmática de um membro dissidente da LCI — descontando-se,
evidentemente, os desvios provocados pelas circunstâncias em que prestava tais informações.
Tornara-se comunista em 1930, ingressando, um ano depois, como membro fundador, para a "Liga
Comunista Internacionalista (bolcheviques-leninistas)". Na liga, militou ao lado de Mário Pedrosa,
Aristides Lobo, João Matheus, Manoel Medeiros, Plínio Melo e alguns outros, obedecendo às linhas
políticas traçadas por Leon Trotski, das quais afirmou divergir em 1934, o que teria motivado a sua
exclusão da liga. Não deixou, porém, de exercer atividade de propaganda comunista, quase que
exclusivamente por conta própria. Para externar suas idéias e propagá-las, vinha fazendo discursos
em praça pública, os quais, entretanto, visavam especialmente ao combate ao integralismo e a uma

1051
Relatório policial: “História do Comunismo no Brasil”. Prontuário n.º 37, v. 1, fls. 126-117.
DEOPS/SP.
1052
Declarações ao delegado de polícia de Pederneiras, em 29/11/37, em: Prontuário de Victor de Azevedo
Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. 64. FLBX, CEDEM/UNESP.
1053
Apresentação à Delegacia de Ordem Social de Victor de Azevedo Pinheiro, pelo delegado de polícia de
Pederneiras. Doc. cit., v. 1, f. 54. DEOPS/SP.
ampla propaganda pelas liberdades democráticas. Um de seus últimos discursos foi feito no Parque
D. Pedro, em fins de 1935, em comício patrocinado pelo Partido Socialista Brasileiro. Acompanhara
as atividades da ANL, porém, como "frente única", participando do combate ao integralismo e
defesa da democracia. Achava que a "revolução proletária internacional", preconizada pela LCI,
resolveria a questão social no mundo. Uma das últimas reuniões da liga na qual tomou parte foi em
34, e nela usou o pseudônimo de "Alves". Pelo seu estado de saúde, tivera de limitar suas
atividades políticas. Como companheiros no grupo de oposição à liga, Pinheiro cita tão somente
Aristides Lobo e João Matheus1054, tática evidentemente combinada entre os três camaradas que
negam qualquer conhecimento afora o referente aos outros membros da “trinca”, como podemos
verificar nos seus prontuários. Nos últimos anos — diz Pinheiro — limitara-se a ser um agitador em
praça pública, participando de comícios, ora da ANL e ora do PSB, batendo-se pelas liberdades
democráticas, atacando os desmandos do regime. Batia-se por uma revolução imediata dos
proletários, embora julgasse que a ANL fora precipitada em tentar efetivar a revolução naquele
momento. Como trotskista, assim como os demais companheiros, não apoiou o movimento armado
de 35, pois não tinha conhecimento do mesmo, por não manter ligações conspirativas com os
aliancistas. Não ignorava que a ANL pretendia implantar no Brasil um Governo Popular Nacional
Revolucionário, com Prestes à frente. Como membro da liga, usava muitos pseudônimos e tinha
dois misteres: a propaganda legal, que se resumia em tomar parte em comícios públicos, e a ilegal,
que consistia em tomar parte em reuniões secretas, nas quais eram estudadas tarefas a serem
executadas no campo sindical e operário, tarefas que serviam para educar a massa para a
revolução proletária. 1055
Em 3/12/35, Aristides Lobo seguiu Matheus e Pinheiros à prisão, após ter sido acampanado
desde o mês de outubro, conforme vimos anteriormente.
Encarcerados os líderes do grupo "Fernando-Alves", a polícia prosseguiu suas diligências
contra a liga e seus componentes mais jovens, desconhecidos ou pouco conhecidos da polícia
paulista.
A 16/5/36, os policiais apreenderam "vastíssimo" material de propaganda trotskista, na casa
n.º 1 da vila situada na Rua Borges de Figueiredo, n.º 227, além de um mimeógrafo e uma máquina
de escrever usada. Nesse endereço residia Hilcar Leite. Só dois dias depois de apreendido o
material, a DOS deteve Hilcar, quando este voltava "a altas horas da madrugada" para sua casa,
depois de ter passado fora uma noite. Usava o nome de Antônio Monteiro. Alugara um quarto da
casa, há um mês, tendo vindo para a capital paulista em novembro de 1935, a fim de fugir a uma
possível prisão no Rio, e reorganizar a LCI em São Paulo. Vinha munido com as credenciais de
delegado do CC da liga. Em fins do ano de 1934, Hilcar chegara ao cargo de membro do CC.1056 Ele
estava atrasado no pagamento à dona da pensão, fato que expressa o grau de comprometimento
das finanças da LCI.
Hilcar Leite recorda-se diferentemente dos acontecimentos ligados à sua prisão:

“Foi uma corrida danada, me perseguiram vários dias. Na época me


disseram que eu era muito parecido fisicamente com o Prestes. Fui preso à
noite, no largo da Sé. Me cercaram, fui pego e levado à Ordem Política e
Social. Até conseguirem a minha identificação foi uma dificuldade, porque eu
estava com um nome diferente na carteira profissional. Mas pelas fichas
datiloscópicas acabaram descobrindo que o José da Silva não era o José da
Silva, era o Hilcar Leite.” 1057

O material de propaganda apreendido destinava-se a operários e intelectuais de São Paulo.


De acordo com a polícia, tratava-se de documentos que se utilizavam de "palavrório fácil, para
tentar convencer as massas operárias". Neles se fazia "um estudo profundo do marxismo, das

1054
Prontuário de Víctor Pinheiro, n.º 441, v. 1, f. 23. DEOPS/SP.
1055
Declarações prestadas à Delegacia de Ordem Social, em 2/12/31. Prontuário n.º 441, v. 1, f. 21.
1056
Prontuário da Liga Comunista Internacionalista, n.º 4.143, v. 1, f. 45. DEOPS/SP.
1057
Depoimento prestado entre janeiro e fevereiro de 1984, no Rio de Janeiro. In: GOMES, Angela de
Castro (coordenadora). Velhos Militantes. Depoimentos de Elvira Boni, João Lopes, Eduardo Xavier,
Hilcar Leite. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, p. 181.
táticas stalinistas" e críticas aos erros da política exercida pela IC, tentando pôr em primeira linha o
programa da LCI. Existia, além disso, correspondência trocada entre a liga e o PCB, com o fim de
ser conseguido um acordo para que ambas essas organizações concorressem ao pleito municipal
de março de 1936, e um relatório da liga dirigido ao Secretariado Internacional, citando os últimos
acontecimentos ocorridos no país, relatório que deveria ter sido redigido nos dois meses anteriores
à batida.1058 O "auto de verificação e apreensão" fala muito sobre o cotidiano dos militantes da LCI.
Foram arrolados um mimeógrafo, uma máquina datilográfica, uma caixa de papelão com diversos
lápis de cor preta, um revólver niquelado, uma caixa de madeira, com apetrechos para mimeógrafo,
uma mala-baú, outra de couro e uma valise de mão, além de um caixão de grandes dimensões. A
polícia apossou-se, na ocasião, de grande quantidade de documentos manuscritos referentes à
agitação e propaganda, pastas com correspondência sobre diversos assuntos comunistas, pastas
sobre finanças, pastas com relatórios sobre atividades da LCI, pacotes de papel-jornal, em branco,
formato para mimeógrafo, 26 papéis-stênceis, usados, entre os quais alguns legíveis, com os
seguintes dizeres iniciais: "O Proletário. São Paulo, 15/4/36, n.º 4. Preço $100. O Movimento
Operário e as Novas Tarefas da Vanguarda Proletária"; "Anistia"; "1.º/5/36. Sob o Tacão de Ferro da
Reação Capitalista", com os dizeres finais: "Viva a 4.ª Internacional".
Nas malas e caixotes estava boa parte da produção da LCI, especialmente referente aos
anos de 1935-1936. O arquivo dos anos anteriores da liga estava a cargo de Lívio Xavier e nunca
foi encontrado pela polícia.
A tabela abaixo arrola o que continha o arquivo da LCI, em poder de Hilcar Leite, atestando
a imensa capacidade de produção do reduzidíssimo grupo de seus membros, ainda mais notável
quando consideramos as precaríssimas condições materiais de existência daqueles trotskistas.

Documento Número de exemplares


"Operário. Que Ninguém da Tua Corporação Compareça ao 100
Congresso Sindical Integralista, etc."
A Luta de Classe, agosto de 1935 (Impresso) 320
Idem, maio de 1935 (Impresso) 50
O Proletário, fev./março de 1936 (Mimeografado) 342
Boletim: "Aos Trabalhadores" 1312
Cartões impressos de adesão à Liga Comunista. 816
Boletim: "Aos Operários Grevistas e aos Trabalhadores em Geral". 208
Folheto impresso, com 16 p.p.: "Os Objetivos do Proletariado na 138
Revolução", de V.I. Lenin
Boletim: "Aos Operários Grevistas" 131
Boletim: "Ao Povo". 63
Papeletas impressas: "Lista n.º ... Tesouraria do ... Ano de 19 ... LCI 48
Folheto: "Pela 4.ª Internacional" 47
Folheto: "Boletim do Sindicato dos Contadores". 5
Boletim: "Unamo-nos para Libertar as Vítimas da Reação Capitalista. 20
Lutemos contra a Deportação dos Operários Estrangeiros".
Boletim: "Pela Revogação do Estado de Guerra, em Defesa da Classe 22
Operária", 1/4/36.
Boletim: "A Todos os Padeiros, Gráficos e Empregados do Comércio". 26
Boletim: "Pão e Liberdade para os Operários". 20
Folheto: "A Oposição Comunista e as Calúnias da Burocracia". 123
Circulares datilografadas: "PSB de SP. Rua Passos n.º 23. Cx. Postal 44
2.799".
Boletim: "A Frente Única Proletária aos Trabalhadores Explorados e 4
Oprimidos"
Jornal alemão: Die Fahne des Communismus. 3
Boletim da Oposição. 22

1058
Prontuário da Liga Comunista Internacionalista, n.º 4.143, v. 1, fls. 45-43. DEOPS/SP.
Bulletin International de l'Oposition Communiste de gauche. 5
Folhetos em idioma russo. 4
Boletim: "Aos Elementos que Foram Excluídos da Seção Nacional da 16
LCI por Terem Rompido com a Disciplina Interna na Questão do
'Tournant' Francês", assinado por "Parker", secretário, e datado de
agosto de 1935.
Boletim impresso: "Carta Aberta aos Membros do Partido Comunista", 200
assinado por Aristides Lobo.
Boletim: "Em Socorro de Trotzky! Em Socorro de Rakovsky!" 117
Circular: "Sindicato dos Empregados do Comércio". 21
Boletim da Oposição. 29
Jornal O Reduto, Órgão Socialista. 7
Boletim: "Pela Assembléia Constituinte". 16
Jornal inglês: The militant. Weekly Organ of Communist. League of 16
America (Opposition).
Boletim do Bureau Sul Americano da Internacional. 5
Revista francesa: Contre le Courant. Organe de l' Oposition 7
Communiste.
Folheto alemão: Bewricht Ubser Die Lage In Deutschland. 1
Folheto: "Rumo à IV Internacional". 1
Revista: "L'Internationale Communiste". 1
Jornal: Isquierda (Semanário de la Isquierda Comunista), editado em 5
Santiago do Chile, setembro de 1935.
Jornal: A Platea. 61
Jornais: Voz do Trabalhador Gráfico, O Trabalhador Gráfico, La Verité, Diversos
Bulletin de la Gauche Communiste, O Trabalho, Internationale Bulletin,
Battaglié Sindicali, Avanguardia, El Trabajador Latino Americano.
Boletim italiano: "Salviamo il nostro paese dalla catastrofe (Apello del 1
Comitato Centrale del Partito Comunista d'Italia).
Cartaz de propaganda comunista, litografato, escrito em russo. 1
Folheto: "Manifesto politico de los exilados bolivianos". 2
Jornal espanhol: La Batalla, organo del Partido Obrero de Unificacion 3
Marxista. 1059

Os títulos acima arrolados demonstram a vinculação internacional da liga e os setores e


temas de sua predileção, especialmente no ano de 35 e no primeiro quadrimestre de 36. A LCI agia,
como sempre, na área sindical — gráficos, comerciários, padeiros — e estava envolvida com o
cenário político nacional. Hilcar Leite e Fúlvio Abramo foram responsáveis por quase toda a
produção de novembro de 1935 a maio do ano seguinte. Ao ser aprisionado, Hilcar Leite estava
com 24 anos de idade. Suas declarações, que se estendem por onze páginas, expõem
minuciosamente a sua atividade de militante e as suas ligações em São Paulo com os demais
indiciados no inquérito.1060 Em posteriores declarações, Hilcar Leite manteve-se firme: pretendia
permanecer fiel ao marxismo, continuando a ser militante "bolchevique-leninista" e "em qualquer
parte" onde estivesse continuaria em sua propaganda.1061
A história de Hilcar Leite remonta aos seus 11 anos de idade:

“(...) Como conseqüência da própria geração, além das conseqüências


morais do período post-guerra, é que vem formando sua mentalidade; que,
após seus estudos, que se iniciaram no Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro,
iniciou sua carreira de comunista; que tem parentes que sempre exerceram

1059
Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 3-2 v.
1060
Doc. cit., fls. 6-10.
1061
Declarações de Hilcar Leite. Prontuário n.º 4.143, f. 243. DEOPS/SP.
política, porém a chamada política burguesa, mas o declarante achou melhor
adotar a política proletária; que, em 1927 ou 1928, sendo estudante do mesmo
Colégio Pedro II, não lhe foi difícil, impulsionado pela idade e pelo próprio
movimento que naquela época se verificava, ingressar na Juventude
Comunista."1062

A origem "carioca" dos militantes da liga, em São Paulo, define-se ainda uma vez, assim
como o papel do Colégio Pedro II na arregimentação de novos comunistas.
Hilcar Leite recordava-se dos militantes Roberto Morena, Minervino de Oliveira, Octávio
Brandão e outros. Ficara na Juventude Comunista apenas como elemento de base, até 1931,
quando, por divergências surgidas no seio do antigo Bloco Operário e Camponês e questões
políticas de direção, passara para a LCI. Até 1934, ligara-se a diversos militantes trotskistas que
Hilcar enumerou:
1) Álvaro de Souza Abreu, que se encontrava, na ocasião das declarações de Hilcar, detido
no Rio de Janeiro.
2) Plínio Gomes de Melo, que "depois abandonou a liga".
3) Mário Pedrosa, que usava os vulgos de "Aparício" e "Georges" e residente num prédio
de apartamentos da Rua de Vivieux.
4) Alberto ou Carlos Silva, pseudônimo de "Gabriel", que trabalhava em O Jornal do
Comércio.
5) Alice de Figueiredo, pseudônimo de "Parker", que pertenceu à União Feminina Brasileira,
e residente à Rua Duque de Caxias, 127.
6) Antônio Teixeira ou Pedreira, pseudônimo de "Caio", gráfico, e que era compositor do
jornal A Nação.
7) Pompeu de Assis, pseudônimo de "Ferrão", estudante de direito da Universidade do Rio
de Janeiro.
8) Orlando de Oliveira, "Ariosto", que trabalhava no jornal A Nação.
9) "Trota", estudante de direito, irmão de Pompeu de Assis.
10) "José" ou "Marcos", que trabalhava na Perfumaria Avenida.
11) A jovem "Norma", irmã de "Ferrão", que servia como elemento de ligação.1063
Portanto, tratava-se do núcleo carioca da liga, excluindo alguns dos primeiros militantes, já
ausentes em 1934, quando se reorganizou a seção regional do Rio de Janeiro. Para tal
reorganização foram mobilizados diversos estudantes, provavelmente pertencentes à Juventude da
LCI, o que contrariava disposições anteriores da organização.
Em fins de 1934, Hilcar Leite passou a ser um dos elementos do Comitê Central da LCI, da
qual faziam parte Mário Araújo e Guilherme Aleixo Succar. Mário Araújo — informa Hilcar —, era
filho de uma família burguesa e residia numa travessa da Rua Voluntários da Pátria. Succar era um
ferroviário que abandonara a liga, passando para a ANL. Ele foi substituído no CC por Mário
Pedrosa, que se transferira para o Rio de Janeiro, após 7/10/34, por causa dos acontecimentos da
Praça da Sé. O CC funcionara regularmente no Rio, na residência de Hilcar Leite, na Avenida Mem
de Sá, 119-A, pelo espaço de um ano. As reuniões eram efetuadas na rua, e, em tempos chuvosos,
nas residências de Hilcar, Pedrosa ou Mário Araújo.
O Comitê Central encarregava-se de instruções e planos de organização e propaganda,
que eram remetidos aos Comitês Regionais, que os transmitiam aos grupos diversos, a cujo cargo
estava "a propaganda no meio da massa proletária". O CC correspondia-se com o estrangeiro,
endereçando ao Secretariado Internacional da Liga, com sede em Paris, todos os relatórios e
informações concernentes à atividade da LC no Brasil.1064 Em 1935, Hilcar havia acompanhado as
atividades da ANL no Rio de Janeiro, tomando parte em comícios, embora a LCI não tenha apoiado
a aliança, por ter verificado que era “um movimento sem caráter de classe, sem visar à revolução
proletária internacional”. No Rio, fora detido uma vez, em 1933. De novembro de 35 à data da sua

1062
Doc. cit., f. 9.
1063
Declarações de Hilcar Leite, prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 9 v, doc. n.º 2. DEOPS/SP.
1064
Doc. cit., f. 10.
prisão, em São Paulo, não se ocupara de nenhum trabalho, em virtude dos muitos afazeres a seu
cargo e como medida de segurança. Era a única pessoa a visitar os refugiados Fúlvio e Fraga.1065
Hilcar Leite declarou saber da existência de um CR em São Paulo, mas ignorava quem
eram seus componentes ou seus endereços, pois a correspondência estava a cargo de Mário de
Araújo.
Em novembro de 1935, Hilcar transferiu-se para São Paulo, a fim de reorganizar a liga,
estabelecendo contato com Fúlvio Abramo e Manuel Medeiros. Este último já era seu conhecido,
pois quando de sua deportação para o Uruguai teve a oportunidade de vê-lo no Rio de Janeiro. Na
capital paulista, Hilcar reativou O Proletário, que havia sido suspenso desde fevereiro de 1935, por
falta de mimeógrafo. Pelo fato de estarem todas as tipografias muito vigiadas pela polícia, a LCI
adquiriu um mimeógrafo usado e uma máquina datilográfica. Para tanto, Hilcar conseguiu 400$000
de sua família, "a título de prover a sua subsistência", e o restante conseguira com Pedrosa. Com a
prisão anterior de outros membros da liga, Hilcar responsabilizava-se, sozinho, pela impressão
mimeografada do jornal O Proletário e demais materiais de agitação. Também em virtude da
escassez de elementos, distribuía na rua o material de propaganda escrita. Em muitas noites, tivera
o ensejo de pintar algumas paredes da capital, com a assinatura da LCI, a foice e o martelo e
palavras de ordem, tais como: "Anistia", "Viva 1.º de Maio", "Viva o Comunismo", "Abaixo o Estado
Burguês", "Pela IV Internacional", "Viva a LCI" e "Libertação para os presos". Esta última frase não
pudera ser concluída, porque Hilcar tivera de fugir, em virtude da aproximação da polícia. Essas
ações, segundo o líder trotskista, tinham o efeito de "tornar conhecida a LCI e, ao mesmo tempo,
para, relativamente, limitada e condicionalmente, agitar a massa".1066
Mário Pedrosa, em 29/1/36, solicitara a Hilcar Leite — “oficialmente, em nome da família”
— que enviasse um endereço da “firma”, para o qual pudessem escrever sem código e enviar
“encomendas e amostras”. Para tanto, “seria preciso fazer uma revisão completa dos nossos
acionistas e botar para fora quem não se esforçar nem for capaz de iniciativa”. E continua, numa
linguagem codificada facílima de decifrar:

“As outras firmas congêneres tão cedo não se reerguerão. (...) A nossa,
por ser a menor, foi a que menos sofreu porque na verdade tinha menos o que
perder e menos superfície (...). Vou voltar dentro em pouco ao cargo de
diretor-secretário. A minha família acrescida de um jovem rebento, aliás,
rebenta.”1067

Em São Paulo, as reuniões não eram sistemáticas — realizavam-se de acordo com as


necessidades e possibilidades. Era Hilcar quem traçava os planos a executar; ele resolvera afastar
determinados elementos em razão da ação da polícia ter tornado dificultosa a situação da LCI.
Assim, Fúlvio Abramo estava escondido na casa de um tio, na Penha. Ariston Russoliello, durante
algum tempo, também foi pensionista do tio de Abramo. Josephina Gomes, tecelã, 29 anos,
pertencia a um grupo da liga e Hilcar havia-lhe entregue material de propaganda em novembro de
1935. Além das reuniões do CR e do Secretariado, realizavam-se as reuniões de "grupos",
formados por indivíduos que não tinham cargo de dirigentes e aos quais, constantemente, eram
ministradas aulas especiais de capacitação comunista. Essas aulas, também chamadas de cursos,
eram ministradas por Hilcar aos componentes dos grupos, e consistiam em lições teóricas sobre a
linha política da LCI. Dessas reuniões participavam "Barbosa", que era a mesma "Palmeira"1068, que
posteriormente passou para o Secretariado; "Barros", pseudônimo de Mário Abramo que,

1065
Declarações de Hilcar Leite, prestadas em 15/6/36, em aditamento às suas declarações de 19/5/36.
Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 13, fls. 29-28. DEOPS/SP.
1066
Doc. cit., fls. 7-7v.
1067
A última alusão refere-se ao nascimento da filha de Pedrosa. In: Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 170-169.
1068
“Palmeira” era Berenice Xavier, ou “Berê”, irmã de Lívio. Não há interesse da polícia em descobrir a
verdadeira identidade desse membro do Secretariado, o que não seria difícil pois Hilcar Leite, ao contrário
da maioria dos trotskistas, foi muito pródigo em fornecer informações à DOS, provavelmente vencido pela
tortura.
posteriormente, desligou-se da liga; "Veiga", de cujo nome não se lembrava; "Rota", que lhe parecia
ser a militante Josephina Gomes e alguns outros cujos nomes e pseudônimos não se lembrava.1069
A organização regional contava, na época de Hilcar, com 13 membros, dos quais três eram
estrangeiros (dois húngaros e um israelita), e mantinha, em São Paulo, um grupo de simpatizantes,
além de um outro grupo no interior do Estado. A sua atuação limitava-se ao sindicato dos gráficos,
metalúrgicos e empregados no comércio.1070
A existência do grupo no interior do Estado era uma estimativa otimista de Hilcar Leite, pois
se referia, certamente, a Pitangueiras, residência de Fuad de Mello, o qual confessou que inventava
nomes a fim de contentar os camaradas de São Paulo.
Em depoimento, Hilcar afirma nunca haver recebido dinheiro do exterior — a liga se
sustentava com as contribuições dos próprios militantes, além do dinheiro que conseguiam de suas
famílias, como acontecia com ele, que mandava pedir dinheiro à sua família, no Rio, e o empregava
na propaganda da organização.
A cargo da tesouraria, por ele administrada, estavam as despesas relativas ao material
para propaganda e agitação, composto por boletins, panfletos, jornais, num total de 100$000. As
despesas restantes consistiam na subsistência do declarante e dos refugiados da liga, e no socorro
aos presos, nas pessoas de João da Costa Pimenta, João Della Déa, Víctor Paraná, Victor Azevedo
Pinheiro, João Matheus e Feliciano dos Santos, que não mais militavam nos meios proletários, com
exceção de Víctor e Matheus que continuavam a atuar no Sindicato dos Gráficos. A arrecadação
mensal da LCI montava a 400$000 e era fruto de contribuições diversas de militantes. Desse total,
de seis em seis meses era retirada uma parte que era enviada ao Secretariado Internacional, à
camarada Marie Craipeau, em Paris, como contribuição da liga. Uma única vez fora remetido
dinheiro ao Partido Obrero de Unificación Marxista, com sede na Espanha, como pagamento de
fatura das publicações La Batalla e Nova Era, enviadas à liga. Para auxiliar a organização, fora feita
a rifa de um relógio, com cartões vendidos a 2$000 cada um, e alguns militantes venderam objetos
de uso particular. A situação financeira da liga, no momento, era precária, informa — um tanto
desnecessariamente — Hilcar Leite.
O boletim — Caros Camaradas — seria publicado pelo Boletim Internacional da Liga
Comunista Internacionalista (Bolcheviques-Leninistas), editado em Paris, em seis idiomas.
Além dessas atividades todas, Hilcar Leite recebia e respondia cartas do Secretariado
Internacional, elaborava documentos internos sobre o movimento operário, críticas, questões
internas da organização, cursos de capacitação política, etc. Muito organizado, os documentos
apreendidos pela polícia encontravam-se em pastas devidamente numeradas. Por exemplo, a
pasta n.º 2 abrigava uma proposta feita à liga e ao PS, pelo PCB, sobre as eleições municipais de
março de 1936, e a resposta negativa que a LCI dera a tal documento.1071 Hilcar Leite também
declarou (em 15/6/1936) que a liga imprimia o jornal A Lucta de Classes, em gráfica própria, na
cidade de Niterói.1072
Na polícia — declara Hilcar —, ele fora muito maltratado, como acontecia geralmente com
os presos comunistas. Foi “conservado preso, sentado com as costas para a parede, incomunicável
durante cerca de 28 dias e por ocasião de interrogatórios extenuantes havia pausas em que o
declarante ficava totalmente privado de reflexão, num estado de quase atonia; quando foi preso foi
agredido e foram-lhe aplicados nas mãos e nos pés pancadas contínuas de cassetete de borracha
maciça”.1073 Entende-se a situação à qual foi submetido Hilcar Leite, quando verificamos que Luís
Apolônio funcionou como escrivão ad-hoc, datilografando as declarações do prisioneiro, em
4/7/36.1074
Os autos processuais do Tribunal de Segurança Nacional afirmam que a confissão de
Hilcar Leite foi arrogante e precedida das acusações feitas aos seus “comparsas, esclarecendo a

1069
Doc. cit., f. 6.
1070
Processo-crime contra Hilcar Leite e outros, n.º 296, v. 1, f. 105. Tribunal de Segurança Nacional.
Microfilme. FLBX. CEDEM/UNESP.
1071
Doc. cit., f. 6v.
1072
Declarações prestadas em 15/6/36. Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 28. DEOPS/SP.
1073
Doc. cit.
1074
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 218.
atuação criminosa dos outros réus”. 1075 Leite foi condenado a três anos e seis meses de prisão
celular, reduzidos para dois anos e quatro meses. Foi recolhido à Ilha Fernando de Noronha.
Manoel Medeiros, membro veterano da liga, foi preso em 31/5/36. Em 3 de junho, esse
gráfico, de 36 anos, casado, com três filhos, narra a sua história, que se mistura à da etapa final da
liga.
Ele havia entrado para o PCB em 1925, por influência de Mário Grazzini. Em 1929 foi
excluído daquela organização em virtude de erros políticos cometidos por ele, e que, no seu
entender, consistiram na tentativa de organizar um sindicato de gráficos, a “União Beneficente dos
Trabalhadores Gráphicos”, fora da influência comunista.
Durante os quatro anos nos quais pertenceu ao PC, Medeiros tinha feito apenas trabalho
de agitação de massas, discursando diversas vezes em praças públicas.
No ano de 1932, a convite de Mário Pedrosa, Medeiros passou para a LCI e nela militou até
o momento de sua prisão. Tomava parte em reuniões dos grupos da liga, compostos por pessoas
suas conhecidas, entre as quais Fúlvio Abramo, Ariston Russoliello, Aristides Lobo. Essas reuniões
se prendiam, quase todas, à agitação e propaganda da LCI.
Medeiros, em 1935, somente tinha discursado em um comício do Partido Socialista, de
protesto contra a guerra ítalo-abissínia.
Em fins de 1935, Medeiros recebera um bilhete para se encontrar com Hilcar Leite no
Parque Jabaquara. Na reunião encontravam-se também Aristides Lobo, Mário Abramo e mais uma
pessoa que não conhecia.
Após algumas reuniões, formou-se em São Paulo o Comitê Regional da LCI, do qual
faziam parte Medeiros, Hilcar Leite e uma militante apenas conhecida por “Palmeira”.
O CR reunia-se periodicamente com o objetivo de efetuar o trabalho de críticas das táticas
comunista-stalinistas. Os trabalhos de instruções, agitação e propaganda aos demais membros da
liga estavam a cargo de Hilcar Leite.
Medeiros não mantinha ligações externas com outros elementos; recebia pacotes de
boletins e jornais de propaganda da liga, mas nunca os distribuía, queimando-os sempre.
Ariston Russoliello e Fúlvio Abramo encontravam-se refugiados, por conta da liga, que para
sustentá-los valia-se de contribuições dos próprios aderentes.
Entre as atas apreendidas pela polícia, encontrava-se o nome do grupo “Fernando-Alves”,
formado por dissidentes da LCI, e composto por Aristides Lobo, João Matheus, Víctor Azevedo
Pinheiro e alguns outros que Medeiros desconhecia. Esse grupo, embora afastado da liga,
continuava a fazer propaganda comunista, pois se dizia comunista-bolchevique-leninista.
A LCI era composta de poucos elementos e sua atividade em São Paulo era reduzida; o
dirigente máximo da liga, em São Paulo, era Hilcar Leite.1076
Em 16/6/36, Medeiros assinou este compromisso: “Manoel Medeiros (...) se compromete
perante a Delegacia de Ordem Social, em não mais adotar as linhas políticas traçadas por Trotski,
assim como não mais propagar o programa da ‘LCI’, ou de qualquer organização de esquerda.”
Em 30 de junho, Medeiros prestou novas declarações: como operário, não tinha um
conhecimento profundo do ideal comunista e menos ainda das nuanças desse partido, parecendo-
lhe que o seu ideal não se continha em nenhum daqueles programas, mas tão somente no
sindicalismo.
Em 17 de agosto, depois de fortes dores, sem nenhum atendimento médico, Manoel
Medeiros morreu na prisão. Muito provavelmente ele fora torturado, como já acontecera em prisão
anterior, quando a figura sombria do secreta “Guarany” testemunhou: “Conversei com Manoel
Medeiros, que disse das horas ‘de delícias’ que passou na prisão.”1077
A morte de Medeiros causou uma revolta entre os prisioneiros do “Maria Zélia”. Hilcar Leite
recorda-se do fato, embora confunda o nome do companheiro morto:

“Morreu um companheiro, o José Medeiros, por falta de assistência, e


resolvemos fazer um protesto que se tornasse público. Incendiamos os

1075
Processo Hilcar Leite e outros, n.º 296, v. 1, f. 401. Tribunal de Segurança Nacional. Microfilme do
Arquivo Nacional 001-0-82-AMR-2. FLBX. CEDEM/UNESP.
1076
Prontuário de Manoel Medeiros, n.º 177, doc. n.º 27. DEOPS/SP.
1077
Relatório do reservado “Guarany”, de 20/7/33. Prontuário n.º 177, doc. n.º 18. DEOPS/SP.
colchões e fizemos uma algazarra danada. Veio a polícia federal, que era
composta de antigos guardas brancos da Letônia, dos países bálticos, e nós
ainda lutamos de oito horas da noite até às cinco da manhã, impedindo que
eles entrassem. E eles jogavam bombas de gás. Defesa contra o gás
lacrimogêneo: papel celofane. Defesa contra os gases queimantes: pasta de
dentes. Contra os sufocantes: toalhas embebidas na água. (...) Ficou todo
mundo intoxicado, tiveram que levar as famílias até o presídio para ver que o
pessoal não tinha morrido...”1078

As prisões dos demais companheiros de Hilcar Leite permitem reconstruir o grupo trotskista
ainda em ação no ano de 1936.
José Neves foi detido em 19/5/36, com material trotskista, mas foi posto logo em liberdade.
Era solteiro, tinha 33 anos, e era professor particular, lecionando geografia na Escola Proletária. Ele
declarou que a pessoa que lhe entregara os pacotes com material da liga era sua conhecida, mas
não podia revelar o seu nome por uma questão de princípio, mas adiantava que a mesma fazia
parte da LCI. Há diversos anos pertencia ao PC, mas se retirou do mesmo por não concordar com
seu programa. Em São Paulo, em junho ou julho de 1933, começou a desenvolver atividade
comunista trotskista, tendo ingressado, mais ou menos na mesma data, na LCI. Tinha secretariado
algumas reuniões com o pseudônimo de Abaeté”.1079
Fúlvio Abramo, preso em 9/6/36, declarou fazer parte do grupo que se reunia na sede da
Agência Interamericana de Publicidade, S/A. Ele estava convencido que somente o comunismo
poderia resolver a questão social, estabelecendo uma nova forma de produção e desenvolvendo a
cultura sem nenhuma restrição de qualquer ordem. Não havia aderido à ANL, porque esta tinha um
caráter nacionalista e a LCI era de caráter internacionalista.
Abramo assumiu inteira responsabilidade pelos seus atos de militante e não denunciou
companheiros, além de confirmar sua opção política: pretendia “continuar na luta armada para a
emancipação do proletariado, dentro do programa comunista”. 1080
Fúlvio declarou-se comunista desde fins de 1932, quando ingressou na liga a convite de
Pedrosa. Pertenceu ao Comitê Executivo, até a transferência desse para o Rio de Janeiro. Depois
passou a pertencer ao Comitê Regional, até novembro de 35. Participara dos acontecimentos de
7/10/34, na Praça da Sé. Os planos da liga consistiam em defender e propagar a idéia da revolução
proletária e a necessidade da formação de uma nova organização internacional do proletariado: a IV
Internacional. Vinha participando de comícios, dois dos quais realizados na Liga Lombarda e outro
no Parque D. Pedro. CoIaborava no jornal O Proletário, de publicação “ilegível” e órgão do CR/SP,
da liga. De 32 a 34 fizera intensa propaganda e agitação em prol da liga. Foi autor de cartas
políticas e dos artigos: A Luta dos Operários Indochineses Contra a Revolução Capitalista e Os
acontecimentos de Brest e Toulon, com o subtítulo: O Stalinismo Calunia os Operários Franceses
para Salvaguardar a Aliança do Imperialismo de França com URSS, além de uma carta relatório ao
Secretariado Internacional sobre acontecimentos político-sociais verificados no Brasil. Após a prisão
de Hilcar Leite, tentou reorganizar a liga em São Paulo, mas constatou a inexistência de membros
em atividade e foi impedido de continuar em virtude de sua prisão.1081
Desde novembro de 35, Abramo vinha se refugiando em diversos hotéis, casas, pensões,
etc., e na casa de seu tio. Recebia 90$000 da liga em seu refúgio e mais 20$000 para cigarros. Não
mais havia membros da liga em liberdade.1082
O depoimento do tio de Abramo, Olindo Scarmagnan (casado, 38 anos, industrial químico),
fala sobre as condições degradantes — sociologicamente falando — dos ativistas políticos
perseguidos pela polícia:

1078
Entrevista concedida no Rio de Janeiro, janeiro/fevereiro de 1984. In: GOMES, Angela de Castro
(coordenadora). Velhos militantes. Depoimentos de Elvira Boni, João Lopes, Eduardo Xavier, Hilcar Leite.
Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, p.p. 181-182.
1079
Declarações prestadas em 8/3/34. Prontuário de José Neves, n.º 2.863, fls. 36-35. DEOPS/SP.
1080
Prontuário do PCB, n.º 2.431, v. 4, f. 36-34. DEOPS/SP.
1081
Declarações prestadas em 9/6/36. Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 24/23, doc. n.º 10. DEOPS/SP.
1082
Loc. cit.
“Há tempos que sabe que Fúlvio é comunista e que o mesmo tem feito
conferências em sindicatos e em comícios públicos; que tanto o depoente,
como toda a família de Fúlvio, têm reprovado o modo de pensar e de agir do
mesmo Fúlvio, mas tem sido inútil, pois ele não tem seguido esses conselhos;
que Fúlvio procurou a casa do depoente, a fim de esconder-se; que o
depoente, prevendo qualquer aborrecimento futuro, pois não ignorava que
sendo Fúlvio um comunista poderia ser preso, insistiu com ele para não
permanecer muito tempo em sua casa e que tratasse de arranjar outro lugar
para esconder-se, pois não queria comprometer-se; que, também, esteve
hospedado em sua casa um rapaz de nome Paulo, que procurou o depoente
na fábrica onde trabalha, e que para lá foi a mando de um tal Eloy Fonseca;
que o nome de Paulo era Ariston de Tal (...) que tanto Fúlvio como Ariston não
saiam de dia e sim somente à noite e o depoente notava que eles tinham
receio de sair.”1083

Os bastidores da situação exposta no depoimento do tio-hospedeiro podem ser vistos


numa carta enviada por Abramo a Leite:

“Desabafo não sentimental mas de rigor bolchevique.


Após a ligação, expus o caso ao C.2. Os opositores de esquerda em São
Paulo atuavam especialmente nos sindicatos, aos quais todos se deveriam
filiar, por princípio. (...) O resultado foi catastrófico. Ele me disse que eu já
estou sendo muito pesado (quanto ao dinheiro) e muito ‘perigoso’. Afirmou que
não poderá deixar cair sobre a família toda a responsabilidade e os prejuízos
de minha estadia aqui.(...) Concluiu dizendo que eu devo sair daqui, ao mais
tardar, no dia 15. (...) Desse dia para cá o mau humor da família alcançou um
nível enorme. Eu não levo isso em consideração mas para evitar que nosso
plano se esboroe, sou obrigado a fazer corpo mole, usando para com eles de
uma cortesia de aristocrata. ‘Obrigado’, ‘faz favor’, ‘não se incomode’, ‘chega
assim’, são os termos que usei nestes dias. De outro lado, uma absoluta frieza
de tratamento para com todos. Esta noite, dormi no divã, de calça e tudo,
porque a moça quis dormir na minha cama, coisa aliás que eu acho muito
natural. O resultado junto aos pais, dessa atitude de frieza e ao mesmo tempo
delicadeza fê-los envergonharem-se muito dos maus humores dos dias
anteriores, e hoje, C.2 me comunicou à hora mesmo em que eu pegava na
pena, que não lhe escrevesse sobre a mudança rápida, e que ele tinha falado
com a companheira, e tinham combinado que pudesse ficar mais alguns dias
até arranjar novo lugar.
(...) Falei em mau humor, etc. É preciso que você compreenda bem que
esse mau humor é uma imponderável que não pode ser levada em
consideração para o exame em conjunto da minha estadia aqui, pois nada
faltou-me, nem comida, nem jornais, nem cigarros. De maneira que aquele
imponderável só serve para mim, pessoalmente, e não deve ser levado em
conta organizatoriamente a não ser quando se torne ponderável
politicamente.(...) Sobre o caso Alberto: A coisa é grave. Parece-me que isso
não pode ser fruto de observação externa, mas de indiscrição interna. E essa
indiscrição, não hesito em dizê-lo, só pode ter duas fontes: o próprio Alberto ou
Fraga. Quanto ao primeiro, não custa investigar diretamente para saber.
Quanto ao segundo, a conduta dele permite levantar dúvidas (...).
Gasto aqui, semanalmente, 3$000 em cigarros e 4$700 de jornais, o que
perfazem 7$700 por semana, estando portanto com uma dívida de, no
mínimo, 12$800 para com eles (...). Diante da situação (o imponderável ganha

1083
Declarações prestadas em 11/6/36. Prontuário n.º 4.143, doc. n.º 9, v. 1, f. 27. DEOPS/SP.
a força e razão com essa dívida que aumenta sempre) acho que vocês me
deveriam fornecer 7$700 por semana.” 1084

Por decisão do Secretariado, a situação de refugiado foi estendida a Fraga. Ele também se
abrigou, a partir de 1/2/36, na casa do tio de Abramo1085, deteriorando ainda mais a situação do
núcleo doméstico, aumentado pelos agregados indesejáveis. Em 19/3/36, Abramo comunica a Leite
que seu tio José, “com sua indefectível cara-metade”, ameaçara queimar as malas de “Alberto”,
caso não fossem retiradas até o sábado seguinte.1086
Até mesmo os camaradas entendiam não ser fácil a acomodação de hóspedes
perseguidos pela polícia, como notou “Carlos”1087, em reunião de 21/2/36: duas pessoas eram
demais numa casa e eles já estavam há 22 dias refugiados (portanto, desde 31/1/36) e nada se
fazia. Ele não poderia mandá-los embora, mas duas pessoas determinavam uma posição
insustentável. “Carlos” aproveita para criticar o fato de os camaradas não terem simpatizantes ou
amigos em casa de quem se pudessem ocultar, quando necessário.
Em 21/3/36, Fraga acusou o recebimento de uma carta de Leite, além de roupa, dinheiro
para cigarros, papel, etc. Os sapatos enviados não lhe serviram, por não terem altura suficiente.
Era-lhe completamente impossível permanecer no refúgio, “tanto do ponto de vista revolucionário
como particular”. Aproveitou para elogiar a posição tomada por Leite nas eleições, apoiando um
operário gráfico e passando uma “esculhambada” nos socialistas em O Proletário. O PCB —
considera o missivista — não valia mais nada, pois nem mais nacionalista era. Como partido do
proletariado estava desmoralizado na massa, mas ainda dispunha de bons operários que viriam
para a liga.1088 Nova carta foi enviada alguns dias depois, contendo pedidos corriqueiros: um par de
sapatos, um lápis novo (pois estava escrevendo com um toco de quatro centímetros), dinheiro para
cigarros “porque aqui fechado não posso ficar sem fumar”, mas também informando sobre a
atuação da liga:

“No Sindicato B (dos bancários) foi muito bom vocês terem dado duro em
cima de Martins (Mário Colleone), para que ele forneça informações à
organização, e reconquiste as posições perdidas sobre os amarelos e
stalinistas.(...) Goes (Manoel Medeiros) como sempre gosta de pôr a sua
organização sindical (dos gráficos) acima da organização política. É preciso
dar duro em cima, para que ele deixe esta falha, muito prejudicial para a nossa
organização.(...) A luta teórica interna é ótima pois é o meio de os camaradas
novos se desenvolverem ideologicamente.(...) Sobre a organização em
conjunto eu acho o seguinte: 1.º) De acordo que você forme a direção nacional
provisória da LCI, que trate de rever todas as ligações internas e manter-se
em contato com o SI. 2.º) Que divida o trabalho nos três setores (...). 3.º) Que
o Secretariado permaneça como está e só faça funcionar os dois grupos, o G1
como está penso que está bem, e o G2 pôr Lúcio (Salvestro) para Secretário,
e assim obrigar aquela gente a trabalhar, principalmente o Joaquim, que não
quer fazer nada (...).”

Com Hilcar Leite e Fúlvio Abramo foram indiciados: Josephina Gomes, Fuad de Mello,
Manoel Medeiros, Fernando Salvestro e Ariston Russoliello ou Ariston Fraga.1089
O comerciante Fuad de Melo, também conhecido por Arlindo de Mello, declarou ter-se
entusiasmado com o movimento da liga, pois os seus componentes "prometiam muita coisa, como

1084
Prontuário n.º 4.143, v. 1, fls. 224-223 v. DEOPS/SP.
1085
Ordem de asilo, datada de 1/2/36. Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 219. DEOPS/SP.
1086
Loc. cit., f. 207.
1087
“Carlos” fazia parte do grupo 1. Era húngaro, casado, operário de construção civil, antigo membro da
LCI e ex-soldado do Exército Vermelho, que pertencera à organização comunista de seu país. In:
“Recenseamento organizatório”, confiscado pela polícia na casa de Hilcar Leite. Prontuário n.º 4.143, v. 1,
f. 192.
1088
Carta de Fraga a Hilcar, de 21/3/36. Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 204. DEOPS/SP.
1089
Prontuário de Fúlvio Abramo, n.º 712. DEOPS/SP.
por exemplo a vitória da revolução proletária e conseqüente melhoria de posição para o declarante
e demais membros". Usava os pseudônimos de Baptista, Celso e Marcus.1090
De Pitangueiras, em março de 36, Fuad escreveu a Hilcar declarando ter formado um
núcleo composto por elementos bons, revolucionários, integrantes do PC, anarquistas antigos, e a
maioria camponeses.1091 Ele é apontado, no processo, como “antigo militante” da LCI, apesar dos
seus verdes 19 anos.
As declarações de Fuad de Mello à polícia fornecem um quadro pitoresco do processo de
arregimentação de aderentes. Ele fora de Pitangueiras para São Paulo, em junho de 1935, para
continuar seus estudos, o que acabou por não fazer “por motivos particulares”. Na pensão em que
se hospedou, na Brigadeiro Luís Antônio, 69, conheceu Ariston Fraga, do qual se tornou amigo.
Fraga lhe falava em política trotskista, demonstrando os erros do PCB. Na mesma pensão,
conheceu Hilcar Leite, tendo os três almoçado e marcado um passeio. Para tanto, encontraram-se
na Praça da Sé, num domingo à tarde, tomando o ônibus “Parque Jabaquara”. No ponto final, eram
esperados por três ou quatro indivíduos, entre eles um rapaz com um defeito numa das vistas,
chamado Medeiros. Começaram todos a andar e Hilcar iniciou a conversação, discorrendo sobre
política internacional e sobre política trotskista, sendo que alguns davam apartes ou apoiavam o que
ele dizia. Andaram sempre a pé, pelo mato, e depois foram até a auto-estrada, ao ponto de bondes
da linha Santo Amaro. Aí terminou o passeio e eles, dois a dois, regressaram para a cidade.
Na percepção de Fuad, Hilcar Leite, Fúlvio Abramo e Manoel Medeiros eram os mais
entendidos em política. As reuniões da liga realizavam-se sempre ao ar livre e, na maioria das
vezes, em largos da capital, com cinco ou seis pessoas, no máximo. Compareciam a elas Hilcar,
Medeiros, Fraga, Abramo e um rapaz baixo, gordo, de nacionalidade estrangeira, chamado de
“judeu”. A chamado do pai, Fuad voltou para Pitangueiras. Nesta cidade, usava a máquina
datilográfica do pai para escrever a correspondência que enviava à liga. Também estava
doutrinando uma moça de Pitangueiras, Zilda de Almeida. Era obrigado, na maioria das vezes, a
mentir para a liga, pois a temia e tinha que mentir sobre a propaganda e novos adeptos que estava
obrigado a fazer.1092
Conclamados a depor sobre a “ovelha desgarrada” de Pitangueiras, que era, ademais, filha
do chefe político da cidade, as testemunhas locais construíram um vivo painel do Estado totalitário
de Vargas — acusando-se e desculpando-se reciprocamente —, visivelmente pressionadas pelo
medo.
Azulino Spinola de Mello preservou o chefe político local: Fuad sempre fora rebelde às
vontades paternas, e o dr. João Alcides de Avellar era o verdadeiro orientador das idéias
comunistas na região. As relações de Avellar com Francisco Freire, João Pinho Caetano e Joaquim
Inácio de Carvalho eram olhadas — continua o testemunho — de modo suspeito pela população de
Pitangueiras. Joaquim Inácio Carvalho tinha sido o presidente da Legião 5 de Julho da cidade.
Freire, Pinho e Ignácio haviam se apossado da direção da Loja Maçônica de Pitangueiras, “donde,
muitos elementos ponderados e conservadores se retiraram daquela loja, que se tornou assim
suspeita, pois que aqueles dirigentes são tidos como contrários à ordem atual das cousas e
divorciados do sentido geral do meio em que vivem. O povo de Pitangueiras tem aversão ao
comunismo, razão pela qual as pessoas acima citadas são olhadas com prevenção e pouca
simpatia”.
O advogado Joaquim Ignácio de Carvalho declarou ter militado no Partido Socialista de São
Paulo, mas que não pertencia mais a ele, porque o partido se esfacelara há meses.
João Alcides de Avellar, também advogado, disse que de há muito professava idéias
socialistas, convencido de que o regime sob o qual viviam tinha necessidade inadiável de reformas
que levassem o bem-estar ao operariado e às classes favorecidas, mas repudiava a violência do
marxismo. A base da doutrina que professava era o educacionismo. O seu ideal era a formação de
uma República Universal, derrubadas as barreiras alfandegárias e os exércitos. Pregava a paz
perfeita. Era maçom e fizera parte da Legião 5 de Julho e do Partido Socialista de São Paulo.

1090
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 39.
1091
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 211.
1092
Declarações de Fuad de Mello à Delegacia de Ordem Social. São Paulo, 2/6/36. Prontuário n.º 4.143, v.
1, doc. n.º 4, fls. 13-11v.
Chamado a depor, o sapateiro José Pereira Silva apontou Rogério Otton como comunista,
declarando que a sua mulher queria mesmo que fosse proibida a entrada deste na sapataria, por
causa de suas idéias.
Dessa forma denunciado, Rogério Otton Teixeira, jornaleiro, declarou não ser verdade que
professasse idéias comunistas, mas se considerava um vencido na vida e, pois, sem entusiasmo
para alimentar ideologias, sendo uma vítima de perseguições políticas.
Também envolto na rede de intrigas, Lauro Cardoso de Almeida, alfaiate, acusou Francisco
Jorge — seu colega de profissão—, de comunista.
O coronel Francisco de Queiroz Cattony, por sua vez, informou que a mãe de Arlindo vivia
chorando por causa das idéias do filho, que se havia “contaminado” com idéias comunistas, quando
residira em São Paulo.
Nicolau de Mello, pai de Fuad, declarou que seu filho, talvez em virtude de más
companhias, tinha andado com idéias socialistas. Em sua casa, professava-se o teosofismo, que
era contra a injustiça e a desigualdade, e baseava-se na fraternidade.1093
Todos os pitangueirenses denunciados por “comunismo” foram processados — e
inocentados —, por sentença de 25/5/38 do TSN, exceção feita a Fuad, condenado a um ano de
prisão.
O contador Fernando Salvestro — sob o nome de Frederico Schuman — dividiu com Hilcar
Leite o apartamento n.º 4 do prédio situado na Praça Júlio de Mesquita, n.º 106. Salvestro foi o autor
das cartas e recados enviados a Hilcar, assinados com os codinomes de Fred e Fritz. De acordo
com suas declarações, ele ingressara no PSB em 1935, a convite de membros da Comissão
Central do mesmo partido. Como secretário administrativo deste partido militou com Paulo Sesti e
Juvenal Lino de Mattos. Nesse tempo, por intermédio de Fúlvio e Hilcar, começou a receber
instruções sobre política. Aos poucos e à medida que recebia instruções mais completas de Hilcar
sobre a linha política a ser desenvolvida, foi “percebendo” que estava militando na LCI. Nesta
organização foi encarregado de arrecadar contribuições de Berenice Xavier, “Berê”, que era apenas
uma simpatizante. Ele próprio contribuía com 5$000 mensais para a LCI.1094 Também colaborava
como redator no jornal mimeografado da LCI, O Proletário. Nas atas das reuniões usava os
pseudônimos de Orlando e Lúcio. No Sindicato dos Contadores, do qual era sócio, era conhecido
como comunista trotskista.1095 Uma carta escrita por Salvestro — “Fritz” — a Hilcar, em 8/2/36, fala
numa crise pela qual passara, de cansaço, indecisão e um pouco de pessimismo, provocada, em
parte, por “uma lição de psicanálise” que ele recebera do camarada.1096 Em outra carta, Salvestro
graceja a respeito de Berenice Xavier:

“Caro mio: Fui visitar Berê. Resultado negativo, para o momento (...).
Mandou lembranças a todos, como se vocês pudessem fazer alguma coisa
com isso. Manifestou desejos de visitar Klasser Kampf (esperando
naturalmente que eu a acompanhasse — não te rias) mas eu, jeitosamente,
persuadi-a que agora não é época para tais visitas.”

Cartas de Hilcar Leite a Salvestro fornecem uma contrapartida curiosa ao “caso Berenice”:

“Quanto à última parte do teu bilhete, chocou-me. É preciso que saibas que
B. não é minha ‘amada’ e que te lembres que uma vez eu te disse que
precisava vingar-me de B. por ter-me abatido. A bon entendeur... Aliás, fiquei
profundamente aborrecido com a vinda de B. (...) Aquela cretina prejudicou
mais uma vez a organização. Se continuar assim, serei forçado a mandá-la à
Vila Maria. Quanto a não me favoreceres, agradeço-te. Tenho mais do que
ocupar-me. Conquistas fáceis não interessam a nenhum indivíduo. Depois B.

1093
Processo-crime contra Hilcar Leite e outros, n.º 296, v. 1, fls. 321-301. Tribunal de Segurança
Nacional. Microfilme 001-0-82-AMR-2. FLBX. CEDEM/UNESP.
1094
Declarações de Fernando Salvestro à Delegacia de Ordem Social. São Paulo, 6/6/36. Prontuário n.º
4.143, v. 1, doc. n.º 8, fls. 21-20.
1095
Prontuário n.º 4.143, v. 1, f. 37.
1096
Loc. cit., f. 208.
nada tem para apaixonar-me. Sou ainda muito jovem e com uma ‘educação’
que já sabes.” 1097

A depreciação de Berenice (“Palmeira”) continua, evidenciando claramente ciúmes entre


camaradas:

“Você precisa liquidar tua paixão por Palmeira. Ela é completamente idiota.
(...) Palmeira nada sente por você e creio que nunca virá a senti-lo (sic). Ela
despreza sentimentalmente você e todos os outros nossos camaradas. (...)
Você e os outros se inferiorizam e nenhuma mulher gosta, ama, apaixona-se
por indivíduos inferiores a ela, sobre os quais ela exerce todo o poder.
Palmeira dominou você e os outros e isto leva-a a desprezar a todos. (...)
Considere a mulher como tal, uma coisa que os homens utilizam enquanto
precisam e a abandonam quando não têm mais necessidade.” 1098

“Barbosa” ou “Palmeira” eram pseudônimos de Berenice Xavier, artista plástica e irmã de


Lívio, que participou do processo apenas na qualidade de testemunha. É interessante notar que não
houve preocupação da polícia em descobrir a sua identidade. Pelo contrário, essa identidade só
pôde ser comprovada, nesta pesquisa, por consulta a numerosos documentos. Além dos citados
acima, há um recenseamento organizatório da liga que tipifica “Palmeira” da forma seguinte:
“empregado no comércio, brasileiro, ingressou na LCI em 4/11/35; antigo simpatizante da LCI, ativo
no campo sindical (...); pertenceu ao Club dos Artistas Modernos, organização cultural dos
stalinistas; participou dos grupos e curso de simpatizantes de outubro a fevereiro; 25 anos, solteiro,
cooptado para o CR em janeiro de 1936”.1099 Hilcar Leite, por sua vez, declarou à polícia que
“Barbosa” era a mesma “Palmeira”, que “posteriormente passou para o Secretariado” 1100, não
1101
sendo concitado por seus interrogadores a precisar melhor o assunto.
Na qualidade de testemunha, Berenice Xavier declarou conhecer Hilcar, Fúlvio, Salvestro,
Medeiros e Ariston, como militantes da liga. Ela afirmou ter contribuído com algum dinheiro para a
organização, mas dela havia-se afastado posteriormente.1102
O jornalista Ariston Russoliello — ou Ariston Fraga — não foi encontrado pela polícia
paulista. Transferira-se para o Rio de Janeiro, onde, juntamente com Pedrosa, fazia propaganda da
LCI — e onde foi detido pela polícia. Em declarações prestadas a 29/10/36, Russoliello diz ter 22
anos de idade, ser natural da Bahia e trabalhar como revisor. Por indicação do Sindicato dos
Comerciários, fazia parte do Conselho Deliberativo do Instituto dos Comerciantes. Nesse sindicato
ele havia conhecido várias pessoas, entre elas, Aristides da Silveira Lobo e Claudionor de Azevedo
Marques, o primeiro dos quais era conhecido pelas suas idéias comunistas.
Após novembro de 1935 — certamente tangido pela repressão paulista —, Ariston
transferiu-se para a capital fluminense, ficando na casa de Helício Pacheco Machado, onde foi
procurado por Pedrosa, por indicação de uma carta de Abramo. No Rio, Ariston mantinha-se
recebendo pequenas quantias de Pedrosa, e alugara um quarto com esse dinheiro, que dividia com
Edmundo Moniz e José Martins Gomide.
Em poder do prisioneiro estavam duas atas de reuniões do grupo carioca da liga (de 7 e 8
de agosto de 1936) e “vasto material subversivo” .1103
As circunstâncias da prisão de Russoliello ficam esclarecidas no processo. Nilo Sarmento
de Castro, funcionário da Seção de Segurança Política da Polícia Civil do Distrito Federal, em fins
de 1935 passara a seguir Mário Pedrosa e Ariston Russolielo. Em suas diligências dera uma busca

1097
Carta de Hilcar Leite a Fernando Salvestro, 1936. FLBX, CEDEM/UNESP.
1098
Carta de Hilcar Leite a Fernando Salvestro, 1936. FLBX, CEDEM/UNESP.
1099
Loc. cit., f. 192.
1100
Declarações de 19/5/36. Loc. cit., f. 7 v.
1101
A respeito, ver: CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Mulher e Revolução em São Paulo, nos Anos 30.
Estudos de História. FHDSS/UNESP, v. 4, n.º 1, p.p. 32-33. Franca, 1997.
1102
Loc. cit., f. 33.
1103
Processo-crime contra Ariston Ruciolelli e Lúcio Fragoso, 2 v.v. Microfilme do Arquivo Nacional,
MR1, fls. 3-19. FLBX. CEDEM/UNESP.
na residência de ambos, arrecadando muitos documentos e material de propaganda. Pedrosa
conseguiu fugir.
Segundo a polícia carioca, os marxistas trotskistas eram “mais radicais, mais violentos,
mais extremados e mais virulentos” do que os stalinistas.
Sobral Pinto foi o advogado de Ariston Russolielo, que, em 30/1/44, requereu a
prescrição da pena a que fora condenado.

4. A “tremenda experiência do passado” e “o zero democrático”.

“E eu estou certo, agora, de que somos todos sentimentais, este minúsculo


grupo de socialistas. O sentimentalismo é, afinal, um sinal de humanidade e
decência. (...) Nossa filosofia, coitadinha, está muito abalada. O materialismo e
as religiões se equivalem pela tola pretensão de quererem tudo explicar. São
sistemas acabados demais para que eu me filie a qualquer deles.(...) Será que
você se considera deste mundo que com tantos sacrifícios procuramos
melhorar? Esta luta é a única significação de nossa vida. Você já me disse,
uma vez, que o ‘nosso’ socialismo é uma espécie de religião. (...) Como tem
sido duro este nosso progresso! Hoje, eu acho, e penso que você talvez antes
de mim, que a revisão do marxismo em matéria filosófica é absolutamente
indispensável. De minha parte, só permaneço inteiramente fiel à doutrina
econômica e a algumas gerais indicações de ordem política. Sejamos mais
modestos e não façamos com Marx o que os positivistas fizeram com Comte.
Tenho a certeza de que também esta é a sua bússola.”
(Carta de Aristides Lobo a Mário Pedrosa. São Paulo, 26 de junho de 1947.
CEMAP).

“Eu continuo moralmente estropiado, como se de fato me tivessem


arrancado um pedaço da alma. É por isso que não tenho escrito para a
“Vanguarda Socialista” e que os meus deveres de militante não estão sendo
cumpridos. Limito-me a pagar regularmente as mensalidades e a conversar de
vez em quando com os companheiros. Inscreveram-me, parece que sem
grandes dificuldades, no Partido Socialista. Vêm agora as eleições municipais
e eu devo, naturalmente, como sempre, fazer alguns discursos. Isso não pode
ser feito logo, de um dia para outro, porque ainda me falta o velho entusiasmo.
Mas sinto, aos poucos, que recupero as forças. Há muita coisa que dizer em
benefício do nosso futuro movimento.”
(Carta de Aristides Lobo a Mário Pedrosa. São Paulo, 19 de setembro de
1947).

Um elenco de trotskistas que “têm tido comunicação” com a Delegacia de Ordem Social,
datado de 26/4/37, funciona como uma espécie de réquiem da LCI. Dos dez trotskistas arrolados,
só três continuavam presos: Hilcar Leite, Fúlvio Abramo e Aristides da Silveira Lobo. Ariston
Russolielo não foi encontrado pela polícia. Manoel Medeiros faleceu no cárcere em 17/8/36. Fuad
de Melo fugiu da prisão a 10/2/37; dez dias depois, João Matheus e Víctor de Azevedo Pinheiro
fizeram o mesmo. Josefina Gomes e Fernando Salvestro foram soltos em 3/3/37.1104 Em princípios
de 37, o ministro da Justiça Macedo Soares decretou uma anistia temporária para os presos
políticos à espera de julgamento — chamada de “macedada”. Fúlvio Abramo, que havia
permanecido por onze meses no Presídio Maria Zélia, ao saber que seria condenado a dois anos,

1104
Informação do Delegado de Ordem Social ao Superintendente de Ordem Política e Social. São Paulo,
26/4/37. Prontuário n.º 37, v. 2, doc. n.º 114, f. 143. DEOPS/SP.
resolveu exilar-se e seguiu para a Bolívia. Acompanharam-no Fernando Salvestro, Inez e Marino
Besouchet.1105
Desmantelada a LCI, os trotskistas continuaram a carregar o projeto da revolução
proletária, propondo novos agrupamentos: POL, POUM, PSR, PSB, PORT ...
A LCI, enfraquecida pelo “racha” de 1934, no movimento de 1935 estava confinada,
principalmente, no Rio de Janeiro. Aí, em 3/1/37, os remanescentes do grupo, juntamente com
alguns militantes egressos do PCB — liderados por Febus Gikovate e Barreto Leite Filho —,
passaram a se denominar Partido Operário Leninista. Alguns historiadores afirmam que o POL se
formou em 1936 e foi o resultado “de uma cisão ocorrida no movimento trotskista internacional que
opôs aqui no Brasil duas importantes lideranças: Mário Pedrosa e Aristides Lobo. Mário Pedrosa
acabou levando a melhor, mas na realidade o POL não chegou a se transformar e a atuar como um
partido”. 1106 Há evidente confusão de fatos: os documentos atestam que foi o “tournant francês” o
responsável pela oposição de Mário Pedrosa e Aristides Lobo, resultando na formação do grupo
“Fernando-Alves” (em finais de 1934) — e não do POL, em 1936.
Um impresso existente no FLBX explica a fundação do “partido da revolução proletária”, o
POL, identificando-o como herdeiro da LCI: o Grupo Bolchevique-Leninista (antiga LCI), a Oposição
Comunista do PCB e outros grupos de militantes e intelectuais haviam constatado a necessidade
de reagrupar a vanguarda proletária sob nova bandeira, com a formação de um partido que fosse
realmente o herdeiro das tradições de luta dos trabalhadores do Brasil. A LCI, cuja justeza de linha
revolucionária vinha sendo comprovada por uma série de acontecimentos nacionais e
internacionais, transformou-se no Grupo Bolchevique-Leninista, como passo inicial no sentido do
reagrupamento da vanguarda revolucionária. Assim o GBL representou no momento histórico o
traço de união entre duas etapas distintas. O POL formara-se com a união de todos esses grupos.
1107

O POL continuou a publicar A Luta de Classe e Pela Quarta Internacional — este, sob o
título de Boletim de Informações Internacionais —, além de um novo jornal: Sob Nova Bandeira. O
órgão oficial da antiga LCI passou a ser editado pelo Comitê Central Provisório do Partido Operário
Leninista. Estilo e temário diferem pouco da primeira fase do Luta. O seu número de 25/12/37
expõe os objetivos do POL ao criticar o golpe bonapartista de 10 de novembro, que tivera como
objetivo fundamental restabelecer a “paz social” seriamente ameaçada pela campanha da
sucessão. Diz a matéria que, embora nessa campanha se empenhassem apenas as duas
correntes da burguesia, ela trazia em seu bojo o perigo de um amplo movimento de massas cujo
desenvolvimento e alcance não podia ser de antemão limitado. A massa trabalhadora, mobilizada
em grande escala em torno da demagogia de José Américo podia, de um momento para outro,
enveredar pelo caminho da luta em defesa de seus próprios interesses. Armando Salles media
todos os seus passos, e os políticos que cercavam José Américo, hesitando entre ele e Getúlio,
puxavam-no pela aba do casaco quando se excedia. Getúlio era movido pelo interesse pessoal de
continuar no poder e não levava muito a sério o perigo comunista, do qual se utilizara por diversas
vezes. Do partido comunista restava apenas “um grupo de republicanos, agarrados ao 16 de julho
(data da promulgação da Constituição de 34), que chorava o passado e fazia a campanha do ferro e
do petróleo. Era aos bolcheviques-leninistas, aos revolucionários agrupados no Partido Operário
Leninista sob a bandeira da 4.ª Internacional, que cabia a vez de penetrar na arena da luta. O
stalinismo e a ANL levaram as massas de derrota em derrota, deturparam os princípios da luta de
classe, prepararam o caminho para a reação e para o golpe bonapartista de Getúlio. Esta política de
suicídio levara-os para um beco sem saída e estavam se desagregando e descompondo a olhos
vistos. 1108
O PCB, seção brasileira da IC, “fiel à política de traição”, transformara-se em agência do
imperialismo americano e esforçava-se em preparar uma base de massa para o Estado Novo de
Getúlio. A sua atividade limitava-se à “propaganda de Getúlio, Aranha & Cia.” e a denunciar à

1105
ABRAMO, Lélia. Vida e arte. Memórias de Lélia Abramo. São Paulo: Ed. Fund. Perseu Abramo/ Ed.
Da UNICAMP, 1997.
1106
GOMES, Angela de Castro (coordenadora). Velhos militantes, nota de rodapé n.º 33, p. 204.
1107
“PELO PARTIDO DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA. PARTIDO OPERÁRIO LENINISTA”. FLBX.
CEDEM/UNESP.
1108
A Lucta de Classe. Ano VII. Belo Horizonte, 25/12/37, n.º 35, p.p. 1-2.
polícia, “por todos os meios a seu alcance, os militantes operários que rompem com os traidores e
permanecem fiéis ao povo trabalhador“. 1109
Embora o POL tenha apoiado simbolicamente Luís Carlos Prestes, durante a campanha
eleitoral de 37, o número de 25 de janeiro de 1938 critica duramente os stalinistas, analisando a
crise do PCB, iniciada em fins de 37. O POL coloca-se, inevitavelmente, a favor dos oposicionistas.
O comitê regional de São Paulo, onde os stalinistas ainda possuíam uma certa ligação com as
massas operárias, havia encabeçado a luta e exigido uma conferência nacional para discutir “os
últimos desastres políticos e examinar à luz dos mesmos a linha política do partido”. A direção
central do PC que, com exceção de dois elementos apenas, não tinha sido eleita por ninguém, “agiu
segundo o método há muito em voga em todas as seções da IC: recusou-se a convocar a
conferência, declarou que os oposicionistas eram traidores, contra-revolucionários, trotskistas, etc.
... e os expulsou imediatamente do partido”. Essa atitude da direção central levara o PC à cisão. O
comitê regional de São Paulo havia tomado, com o auxílio de várias regiões do centro e do sul do
país, a iniciativa de formar um comitê central provisório, cuja tarefa era convocar a conferência
nacional. O CCP destituíra de todas as funções os membros da direção central e A Classe Operária
passara a ser publicado por ele. Desde a Intentona de 35 surgira no PCB uma oposição “classista”,
que fora imediatamente expulsa. Os acontecimentos posteriores impediram a atuação dessa
oposição classista e seus componentes evoluíram para as posições da IV Internacional. A IC de há
muito só vivia em função da campanha antitrotskista, declarando “guerra de morte” à vanguarda
a
operária que tentava se organizar nas fileiras da 4 Internacional.
A análise continua a descrever a continuação do combate dos stalinistas aos trotskistas. O
epíteto de trotskista era atirado a todo aquele que procurasse tomar uma posição independente
dentro ou fora dos quadros da IC. A liquidação física era usada sempre que as circunstâncias o
permitiam. O POUM e o seu chefe André Nin, embora antitrotskistas, tinham sido vítimas da “sanha
stalinista”. Seguindo a linha internacional do stalinismo, o rótulo de trotskistas também fora lançado
aos oposicionistas, pelos “burocratas escalados” Bangu e André. Para se defenderem da acusação,
os cisionistas procuravam se salientar na campanha antitrotskista. Camargo havia capitulado e fora
levado imediatamente “a cometer a primeira infâmia  atacou, por meio de calúnias, os camaradas
da véspera, acusando-os de trotskistas. Da capitulação só parte uma estrada  a da infâmia”.
Diante da situação, restava uma única alternativa: levar a luta conseqüentemente até o fim, escapar
da atmosfera venenosa do stalinismo, reestudar as obras de Marx, Engels e Lenin. Também era
preciso investigar cuidadosamente as causas das derrotas do proletariado na Alemanha em 1924,
na China em 1927, na Alemanha novamente em 1932 e no Brasil em 1935 e 1937; analisar as
divergências surgidas na Internacional Comunista depois da morte de Lenin; meditar sobre o
problema da revolução permanente e o da construção do socialismo num só país.1110 Enfim,
continuar as discussões e a política rotineiras da extinta LCI.
Em 1938 os trotskistas voltaram ao noticiário. A polícia carioca, aparentemente muito
menos preparada do que a de São Paulo no assunto “oposição de esquerda” registrou de forma
atabalhoada a presença dos trotskistas num foco de propaganda extremista, uma “articulação
criminosa de divulgação subversiva e suas ramificações”, na Rua Buenos Aires. Pasquale
Petraccuone é apresentado como chefe do Socorro Vermelho do PC e representante no Brasil da
IV Internacional e de Trotski. Nessa qualidade, fundara a Livraria Editora Unitas. Do Rio, “irradiava”
para São Paulo as ordens “emanadas de Moscou a outro representante naquele Estado  o
comunista Aristides Lobo, figura conhecidíssima da polícia desta capital, especialmente da de São
Paulo”. Petraccuone era o distribuidor do dinheiro do "Socorro Vermelho" aos comunistas
desempregados e aos presos políticos “por questões sociais, pagando ainda os estafetas
empregados no serviço de ligação com elementos do referido partido”. A busca na Editora Unitas
arrecadou farta documentação, consistente em correspondência trocada com Aristides Lobo, o
representante de Petracuone em São Paulo. No círculo do dono da Unitas, só se contavam
comunistas: Aristides Lobo, Víctor de Azevedo Pinheiro, Francisco Leoni, todos fichados no Rio e
em São Paulo, por incessantes atividades sediciosas. Petracuone, “reverenciando o nome do
célebre comunista Líbero Battistelli, ultimamente morto em combate contra as forças nacionalistas
da Espanha, intentou, de parceria com o seu correligionário Aristides Lobo, promover uma

1109
A Lucta de Classe. Belo Horizonte, 3/6/39, p. 8.
1110
A Lucta de Classe. Ano VIII, n.º 37 (II). Belo Horizonte, 25/1/38, p.p. 1-5.
subscrição em todo o Brasil, encabeçada com o nome daquele 'leader' comunista, angariando,
assim, donativos para a 'Seção do Socorro Vermelho' (Ala Trotskista Auxiliar dos Combatentes da
Espanha Republicana).”
Portanto, segundo a polícia, o Socorro Vermelho passara para o controle dos trotskistas,
quando a maioria de seus quadros terminou de cumprir pena ou foi anistiada.
Na diligência da Rua Buenos Aires, vários militantes foram presos como membros do
Partido Operário Leninista, e entraram no noticiário de forma caótica.
Felippo Ferri foi indigitado como membro do Partido Socialista de Buenos Aires.
Carlos Alexandre Tamagni, como conhecedor de “todas as modalidades do PC, como o
Partido Operário Leninista (Ala Trotskista)”.
Hermenegildo Lobato, como um indivíduo “muito necessário ao PC do Trotskismo”.
Álvaro José de Souza Abreu, vulgo “Paes Leme”, também figura no rol dos trotskistas. Ele
— diz a notícia, com certeza de autoria policial — havia exercido atividades comunistas em São
Paulo. Desde outubro de 33, quando chegou do Rio, a polícia paulista vinha recebendo informações
sobre suas atividades. Em 1.º de outubro de 33, “Paes Leme” foi detido num ponto de encontro de
comunistas, entre os quais se achava “o terrorista” Guido Romano, chegado há poucos meses ao
Brasil, procedente do Uruguai. Na busca procedida na sua residência foram “arrecadados”
exemplares de A Luta de Classe, órgão oficial do Partido Operário Leninista. O prisioneiro mantinha
relações com membros do Socorro Vermelho, e declarou à polícia que a doutrina lançada pelo
Partido Operário Leninista poderia dar melhores resultados, atenta a anarquia reinante na Rússia,
sob a ditadura de Stalin.
Mary Houston Pedrosa compõe o noticiário, que a apresenta como elemento destacado da
ala trotskista do PC, com responsabilidade no Socorro Vermelho, onde a sua função primordial
consistia em angariar dinheiro para ser distribuído entre os comunistas foragidos e os que se
achavam presos. O jornal afirma que Mary fora presa duas vezes pela polícia paulista, e que
colaborava com o marido. Já residira em Niterói, “onde sua casa era o quartel-general dos
comunistas”. Aí, as reuniões processavam-se nos fundos da casa, sob a presidência de Mário
Pedrosa. Além disso, nos fundos da avenida onde estava localizada a casa existiam diversos
barracões, que eram ocupados por comunistas desempregados e foragidos, “sendo que até
assistência médica se lhes dava”.
Elias Mariano da Silveira Lobo, irmão de Aristides Lobo, também foi encarcerado como
pessoa de confiança do chefe do Socorro Vermelho, e vendedor da casa P. Petraccuoni & Cia., no
Rio de Janeiro e em São Paulo. A função de vendedor facilitava as ligações de Elias com todos os
componentes do Socorro Vermelho. Elias era funcionário municipal, e na repartição em que
trabalhava todos desconheciam as suas atividades subversivas, mesmo porque ele era um “homem
de poucas conversas, principalmente entre seus colegas de repartição”. A sua especialidade, na
questão das vendas da referida Casa Editora, era colocar no mercado principalmente as obras de
propaganda comunista. Com essa atividade Elias “tudo fazia para completar a sua ação
devastadora e completamente nefasta”. Elias era “muito sagaz, meticuloso e metódico nas suas
ações subversivas. Desta forma, granjeou sempre a simpatia e a confiança daqueles que têm a
responsabilidade e os encargos de dirigir a propaganda vermelha no Brasil”.
Todos os indivíduos presos eram brasileiros, e como tais incursos na Lei de Segurança
Nacional.1111
A derrubada do POL empolgou a polícia carioca. O Correio da Manhã de 23/4/38 volta a
historiar o assunto: meses antes de novembro de 37, comunistas postos em liberdade pelo TSN1112
reorganizaram-se com outros que haviam escapado e analisaram erros, propondo nova ação.
Como não chegassem a um acordo, formaram-se diversos grupos, que disputavam entre si a
primazia na direção. Alguns membros mais exaltados separaram-se do grupo central, formando um
novo partido, o Partido Operário Leninista (POL), composto de adeptos do trotskismo, que
obedeciam à orientação da IV Internacional Comunista.

1111
Diário da Noite, 13/1/38. DEOPS/SP.
1112
Em junho de 37 houve a chamada “macedada”. O governo federal, ainda sob a Constituição de 34,
nomeou José Carlos de Macedo Soares para o Ministério da Justiça. Este mandou libertar parte dos presos
políticos.
Os primitivos “próceres” dessa organização — tais como Mário Pedrosa, que se encontrava
em Paris representando o seu partido num congresso de operários trotskistas e Abramo e Salvestri
— haviam perdido o contato com seus companheiros. Em virtude desse estado de coisas, o CC do
partido, localizado em São Paulo, tomou o encargo de orientar os trabalhos de organização do CR
no Rio de Janeiro, enviando como sua representante Patrícia Galvão. A polícia carioca, cientificada
desses fatos (certamente pela ação de agentes infiltrados), conseguira localizar Pagu, que residia
na Rua do Chichorro, 99.
Pagu foi aprisionada, tendo resistido a tiros à ação policial. Pouco depois foi detida Odila
Nigro, por intermédio de quem pôde a polícia realizar os últimos trabalhos de desarticulação da
“importante célula comunista, e que culminaram com a diligência levada a efeito no quartel-general
da mesma”. Na noite de 11 de abril a polícia chegou à sede de todas as atividades dos
conspiradores. Era o apartamento n.º 9 da Rua Montenegro, 243, alugado por Odila Nigro.
Enquanto se processava a busca, um dos policiais “lobrigou um indivíduo de atitudes suspeitas que,
da rua, tudo observava através de uma das janelas. Dado o alarme imediato, seguiu-se uma fuga
desesperada do desconhecido. Guardas municipais acorreram e, finalmente, após uma louca
correria, cheia de peripécias, foi o indivíduo capturado”. Tratava-se de Hilcar Leite, que confessou
“cinicamente” toda sua atuação dentro da célula comunista. Era ele o responsável pela impressão
dos boletins expedidos em nome do POL, colaborando, às vezes, na sua elaboração, com o
pseudônimo de “Lino”. “Intimamente” ligado a Patrícia Galvão, ambos eram os encarregados da
organização do CR do POL no Rio. A polícia apreendeu com Hilcar Leite “um verdadeiro arsenal”:
mimeógrafo “moderníssimo”; farta coleção de publicações; uma valise para viagem cheia de
exemplares de A Lucta de Classe; um caixote atopetado de números da revista Sob Nova Bandeira;
revistas, jornais, livros marxistas, desenhos e alegorias, “cujo fundo era intencionalmente
revolucionário”.1113
Em 7/8/1938 o TSN relacionou os envolvidos no processo contra “Lúcio Carlos Aires
Fragoso e outros”: Patrícia Galvão (“Pagu” e “Maria”); Hilcar Leite (“Lírio” e “Heitor”); e Lúcio Carlos
Aires Fragoso (“Tasso”).
Uma lista de pessoas excluídas do processo merece algumas anotações policiais:
1. Mário Pedrosa (”Vidal” e “Gonzaga”), membro do CC da LCI e líder dos trotskistas em
São Paulo, encontrava-se na Europa.
2. Júlio Santos (“Roca”), desligado havia pouco do PCB e filiado à IV Internacional.
3. Odila Silva Jardim Nigro, “adotante” da ideologia marxista, mas sem filiação ao PC, nem
tomando parte em qualquer reunião para a nova organização filiada à IV Internacional.
4. Yara da Silva Jardim, naturista, inteiramente alheia ao comunismo.
5. Francisco Vaz, na mesma situação de Yara.
6. Hélio Melo de Almeida, trotskista.
7. Paulo Torres, trotskista.
8. José Rodrigues (“Melo”), trotskista.
9. Dr. Foebus Gikovate, trotskista.1114
A Lucta de Classe de 22 de novembro de 1938 comenta o julgamento dos dirigentes do
POUM (Partido Operário Unitário Marxista), ocorrido a 29 de outubro.
A sentença proferida pelo tribunal burguês tivera o mérito de desmascarar inteiramente as
“torpes calúnias” espalhadas em todo o mundo pelos stalinistas, que acusavam os militantes
revolucionários do POUM de serem agentes de Franco. No Brasil, a reação aumentava. Os juizes
do TSN tinham sido convidados pelo governo a ter mais em conta as declarações das autoridades
policiais e a se lembrar que o TSN julgava por convicção, isto é, inteiramente independente de
provas ou depoimentos. Uma vez que a polícia declarava que o acusado merecia tal ou qual
penalidade, só caberia ao TSN convencer-se de que realmente ele a merecia e condená-lo de
acordo. Assim é que o tribunal ficara reduzido a uma simples encenação, a um aparelho para
legalizar as arbitrariedades da polícia. E todos os processados antifascistas estavam sendo
sistematicamente condenados e embarcados para Fernando de Noronha, para dar lugar, nas casas
de Detenção e Correção, a outras levas de presos que iam diariamente para lá, aguardar processo.
Hilcar Leite, cujo estado de saúde era precaríssimo, já seguira para Fernando de Noronha, antes

1113
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23/4/38. Prontuário de Patrícia Galvão, n.º 1.053, f. 96. DEOPS/SP.
1114
Microfilme do Arquivo Nacional, MR1. FLBX. CEDEM/UNESP.
mesmo de ter sido o processo a que respondia julgado em última instância pelo TSN. Caneppo,
nomeado como diretor da prisão de Fernando de Noronha, exercera anteriormente esse mesmo
cargo na Colônia de Dois Rios, onde havia se celebrizado pelas suas crueldades: os presos tinham
uma única refeição por dia, além de um café ralo com um pedaço de pão duro, pela manhã e à
noite. Qualquer tentativa de reclamação era logo reprimida a pauladas. O regime a que estavam
submetidos os presos era de trabalho forçado pesadíssimo de sol-a-sol, sob a vigilância de fiscais,
armados de chibatas e incumbidos de fazer o trabalho render o mais possível. Hilcar Leite fora
condenado a sete anos de prisão. 1115
O tenente Caneppo comparece várias vezes ao noticiário. Um deles denuncia que o
Estado-Novo de Getúlio, entre outras “belezas”, dera aos revolucionários o carrasco da Colônia de
Dois Rios, que trouxera consigo para a Casa de Correção o bestial sistema de fome e terror que
aplicou durante muito tempo na Ilha Grande. Caneppo proibira o banho de sol e substituíra o café
por mate, além de estabelecer uma só refeição por dia, com a quantidade reduzida à metade. Os
pratos foram tirados, sendo substituídos por marmitas. Controle e vigilância sobre as visitas foram
grandemente aumentados. Proibidos de receber dinheiro, famintos e magros, os presos estavam
submetidos a um regime de fome e de terror.1116
A vida na prisão merece relatório de “L.”, que enfatiza os problemas entre trotskistas e
stalinistas. “L.” aprendera a lutar e formara a sua consciência de classe desde 1932, na JC. Ele e
seus companheiros haviam conseguido arrancar o Centro Cosmopolita das garras da polícia e
organizar o mais revolucionário dos sindicatos, lutando até fisicamente no sindicato da Rua da
Constituição contra as provocações policiais. Em 1936, na Casa de Detenção, onde se encontrava
há três anos, fora necessário que os presos políticos que se achavam na Seção Militar tomassem
medidas contra as miseráveis condições de vida que lhes eram impostas: péssima alimentação,
privados de banho de sol, de água suficiente, e de mantas e esteiras para dormir. Os prisioneiros
resolveram então protestar por uma greve de fome. Mas para que ela surtisse o efeito desejado
seria preciso que os presos que se encontravam no pavilhão dos primários dessem o seu apoio aos
grevistas. Por esse motivo, eles dirigiram-se aos chefes comunistas e aliancistas, que se limitaram
a dizer que só podiam dar-lhes apoio moral; quanto a trabalho nada podiam fazer. Com o fracasso
da greve, os stalinistas começaram a criticar os grevistas por terem aparecido “furadores”. Esse fato
evidenciaria até que ponto chegava a falta de solidariedade revolucionária daqueles que “só sabiam
ser chefes do proletariado nos momentos de baixar ordens e lançar proibições, tal como a de cantar
hinos revolucionários no presídio”. No pavilhão dos primários fora até proibido falar contra a
burguesia. “L.” ainda denuncia que os chefes se apossavam dos auxílios enviados pelo SVI,
vendendo-os àqueles aos quais eram destinados. Os trabalhadores conscientes eram caluniados,
abandonados doentes, passando fome, muitas vezes sem nenhum amparo, enquanto aos chefes
nada faltava, nem mesmo o dinheiro para jogo e bebidas alcoólicas. Essa situação levou “L.” a
acusar os chefes "de perseguirem trabalhadores conscientes que a reação golpeou no terreno da
luta, estando nesse caso a nossa companheira P. (Pagu), que sofre a mais visível perseguição, as
mais baixas provocações e até atentados”. Na mesma situação estava o jovem camarada João
Soares de Almeida que na Praça da Harmonia derramara o seu sangue pela causa proletária. A
menor discordância da política antiproletária dos chefes comunistas dava lugar a perseguição,
boicote, opressões e expulsões para os mais cruéis recantos do presídio.1117
Hilcar Leite publicou em 5/2/19401118 uma circular sobre o jornal Vanguarda Socialista, que
já vinha sendo editado há meio ano. Essa circular conta que o Vanguarda começara com seis a oito
companheiros e que, logo de início, o grupo tinha passado por uma série de crises de caráter
político e ideológico sobre o trotskismo. Estas questões tinham sido parcialmente superadas e o
perigo de cisão daquela base havia desaparecido.1119

1115
A Lucta de Classe. Belo Horizonte, 22/11/38, n.º 4, p.p. 1-8.
1116
A Lucta de Classe. Ano VII, n.º 35. Belo Horizonte, 25/12/37, p. 4.
1117
A Lucta de Classe. Partido Operário Leninista, Secção Brasileira do Partido Mundial da Revolução
Socialista (Quarta Internacional). Belo Horizonte, 3/6/39, p.p. 3-4.
1118
Hilcar Leite diz ter chegado em novembro de 38 e saído em fevereiro ou março de 42 da Ilha Fernando
de Noronha, o que indica que ele teria escrito enquanto cumpria pena. Cf. in: GOMES, Angela de Castro
(coord.). Velhos militantes, p. 184.
1119
FLBX. CEDEM/UNESP.
Pierre Naville arrola o POL em seu relatório das "organizações regularmente filiadas" na
nova Internacional, estimando em 50 o número de seus membros.
Mário Pedrosa, que fora para a clandestinidade após o movimento de 35, exilando-se em
37 na França, participou da secretaria do Comitê de Organização da IV Internacional, em 1938.
Nessa ocasião, Klement e outro camarada foram seqüestrados e assassinados pela GPU (polícia
política anterior à KGB). Pouco depois, de posse dos arquivos do comitê, Pedrosa deixou Munique,
dirigindo-se aos EUA. Neste país, por segurança, foi sediado o Congresso de Fundação da IV
Internacional, do qual Pedrosa participou ativamente, sob o pseudônimo de “Lebrun”, e na
qualidade de delegado brasileiro (aparentemente o único), representando o POL e as seções latino-
americanas. No congresso, Pedrosa assumiu seu posto no Secretariado da IV Internacional.
Em 1939, no curso de uma discussão sobre a necessidade de defesa incondicional da
URSS, Mário divergiu do secretariado, sendo dele afastado no ano seguinte. Sua exclusão se
deveu às posições por ele assumidas, ao se aliar à fração de Burham e Schachtman, do Socialist
Workers Party. Esta fração caracterizava a URSS como Estado imperialista e propunha uma
política que acabaria por isolá-la durante a II Guerra Mundial.1120 Note-se que Pedrosa defendeu
posição definida nas conferências nacionais da seção brasileira da LCI, sobre a questão da URSS,
conservando, pois, coerência com as antigas posições teóricas.
A cisão nas fileiras do SWP tivera início em 1940, quando o partido se dividiu sobre o fato
da invasão soviética na Finlândia. A maioria do SWP apoiou o endosso de Trotski à invasão. A
minoria liderada por Max Shachtman opôs-se a essa posição, formando um novo Workers Party.
Schachtman saiu do Comitê Executivo da Quarta Internacional, sendo acompanhado por Mário
Pedrosa, um dos poucos membros não-americanos daquela organização a apoiar essa retirada.1121
A posição de Pedrosa sobre a questão finlandesa refletiu uma cisão que já existia entre os
oposicionistas de esquerda brasileiros. Nas conferências nacionais da liga, como vimos, Trotski
chegou a ser acusado de oportunista, por não propor a tática necessária que a análise da situação
da URSS aconselhava. Em continuação aos debates de maio e outubro de 1933, o POL cindiu-se
em 1939 sobre a questão de ser ou não a URSS um "Estado operário".
Entretanto, uma nova cisão do PCB providenciou recrutas adicionais ao trotskismo
brasileiro. Essa cisão ocorreu em 36/37, sobre a posição do partido na eleição presidencial que se
supunha realizar no final de 37. Uma facção apoiava José Américo de Almeida, uma figura literária
e política do Estado da Paraíba, que era o candidato “oficial”. Este grupo era liderado por Lauro
Reginaldo da Rocha, o “Bangu”. A outra facção sugeriu que os comunistas lançassem a
candidatura simbólica de Luís Carlos Prestes, que estava na prisão. Embora a eleição nunca
tivesse ocorrido, em virtude do golpe de Estado de novembro de 37, o PCB saiu dividido desse
assunto. Os que se opuseram à candidatura de José Américo controlavam a organização paulista
do PCB e se recusaram a atender à determinação do Comintern. Finalmente expulsos do partido,
em 37, eles se reuniram na Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária, sob a
liderança de Hermínio Sacchetta. Esse grupo de dissidentes se uniu ao POL e fundou, em agosto
de 1939, em Guarulhos, o Partido Socialista Revolucionário (PSR)1122, após uma pré-conferência
dos dissidentes do PCB e do POL, efetuada em abril do mesmo ano.
No mês de sua fundação, o PSR liderou a Primeira Conferência Nacional da Quarta
Internacional, da qual participaram o POL e alguns sindicatos independentes. A reunião decidiu unir
em torno do programa da Quarta Internacional os debates sobre a situação internacional e aceitar
as recomendações de Trotski.1123 O jornal A Luta de Classe foi mantido como órgão central dos
trotskistas. No entanto, os antigos militantes não aceitaram o PSR como continuador da LCI,
considerando a iniciativa completamente sem sentido na época em que viviam, “depois da
tremenda experiência do passado”. Quem não havia compreendido que era preciso atingir ao “zero
democrático” para depois começar tudo de novo, tirando as lições da experiência, era porque queria

1120
ABRAMO, Fúlvio. “Pedrosa e a Quarta”. História. 9. O Trabalho, Ano IV, n.º 132. São Paulo, 18 a
24/1/81. CEMAP/UNESP.
1121
Alexander, Robert. The Trotskiysm in Latin America. Stanford, Hoover Institution Press, 1973, p. 76.
1122
O PSR continua a agitar a bandeira da Frente Antiguerreira. Em seu prontuário há um impresso sob o
título: “Lutemos contra a guerra imperialista” . Prontuário n.º 9.232. DEOPS/SP.
1123
Informações fundamentadas em ALEXANDER, Robert, op. cit., p. 133, o qual, aliás, reproduz quase
textualmente Dainis KAREPOVS, em Trotski n' A Luta de Classe.
fazer pose de revolucionário.1124 Patenteia-se, pois, que esses militantes continuavam fiéis à “tática
de entrismo” no PSB, tão discutida em 1934.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, o PSR perdeu o contato com a direção
internacional e com o seu líder, Leon Trotski, assassinado em agosto de 1940, em Coyocan, no
México.1125
A Lucta de Classe, de agosto de 1939, definido como “órgão do Partido Socialista
Revolucionário (Seção Brasileira do Partido Mundial da Revolução Socialista — Quarta
Internacional)” relata as circunstâncias da realização da Primeira Conferência Nacional dos
a
Militantes da 4 Internacional no Brasil.
A Conferência se destinou a unificar as fileiras dos partidários da 4.ª Internacional no Brasil
e a lançar as bases do novo partido revolucionário do proletariado no país. Representantes do
Partido Operário Leninista e do antigo Comité Regional do PCB, em São Paulo, que haviam
rompido com a 3.ª Internacional, reuniram-se juntamente com elementos vindos de outros setores
do movimento operário e, de comum acordo, depois de estudarem longamente todos os problemas
da revolução, resolveram unificar as suas fileiras na base do programa da 4.ª Internacional,
fundando o Partido Socialista Revolucionário, seção brasileira do Partido Mundial da Revolução
Socialista.
Argumenta A Luta que o simples fato de uma dezena de velhos e novos militantes
enfrentarem a situação ditatorial do Estado Novo, dispostos à luta sem tréguas contra o regime
capitalista e pela instauração de uma nova ordem social mais justa e mais humana constituía a
maior prova de que a revolução não estava morta. Portanto, a conferência propunha-se a forjar o
instrumento político capaz de reavivar o ideal revolucionário de uma sociedade sem classes. Os
trabalhos iniciaram-se pela aclamação de um presidente de honra, constituído pelos “camaradas
Trotski, Alberto Besonchet, Manoel Medeiros, Gonzaga, Lino, Paulo, Pagu e Lituano”, assinalando o
a
reconhecimento dos militantes da 4. Internacional no Brasil pela dedicação, firmeza e sacrifício
desses revolucionários — perseguidos, presos ou mortos pela reação. Manoel Medeiros morrera no
presídio Maria Zélia de São Paulo e o jovem revolucionário brasileiro Alberto Besonchet  chefe do
levante militar de Recife, em 1935  depois de combater durante dois anos ao lado dos
republicanos espanhóis, tinha sido fuzilado pelos stalinistas, na Catalunha. Lino, velho militante
bolchevique-leninista, dirigente do Partido Operário Leninista desde a sua fundação, encontrava-se
em Fernando de Noronha, “ânimo elevado, confiante na vitória da 4.ª Internacional que lhe abrirá as
portas da prisão”.
Preso há três anos e torturado pela polícia do Estado Novo, encontrava-se um jovem
lituano que, em vibrante apelo aos operários  publicado no n.º 44 de A Luta de Classe , tomou
posição ao lado da 4.ª Internacional, relatando as causas do seu rompimento com os stalinistas. Às
perseguições habituais por parte dos “beleguins da polícia” juntaram-se agressões por parte dos
burocratas que culminaram num espancamento brutal, levado a efeito pelos gangsters stalinistas.
Doente e cumprindo pena, imposta pela segunda vez pelo TSN, achava-se Pagu, que do
fundo das prisões getulianas enviou um manifesto de apoio ao Comitê Regional de São Paulo,
rompendo com a burocracia stalinista.
Nos cárceres paulistas encontrava-se “Paulo” (Hermínio Sacchetta), um dos dirigentes da
dissidência do PCB, que rompeu publicamente com a “política de traição e de infâmias da claque
bangusista”.
Os responsáveis pela fundação do novo partido, tendo legitimado historicamente o PSR,
resolveram pedir a sua filiação imediata ao Secretariado Internacional do Partido Mundial da
Revolução Socialista. O Comitê Central foi escolhido entre novos e velhos militantes do PCB, que
ficaram fiéis aos princípios de Marx e Lenin, recusando-se “a chafurdar na lama do oportunismo
stalinista e da 3.ª Internacional”. Os socialistas-revolucionarios, “de pé, braços encadeados,
entoaram juntos as estrofes vibrantes do hino imortal dos trabalhadores  A Internacional ,
erguendo vivas ao PSR, à IV Internacional e à próxima vitória da Revolução Proletária”. 1126

1124
MATHEUS, João. “Um trotskista sem aspas”. Vanguarda Revolucionária. São Paulo, 26/10/45, p. 2.
1125
Conferir em KAREPOVS, Dainis. Trotski n' A Luta de Classe, p.p. 2-3.
1126
A Lucta de Classe. Órgão do Partido Socialista Revolucionário (Secção Brasileira do Partido Mundial
da Revolução Socialista - Quarta Internacional). N.o, 45. Belo Horizonte, agosto de 1939, p.p. 1-3.
O entusiasmo manifestado no ato de fundação do PSR não conseguiu contagiar círculos
mais amplos do movimento operário brasileiro, e os membros da nova agremiação nunca passaram
de 200.
Em 1940 Mário Pedrosa retornou ao Brasil. Novamente não resistiu às perseguições
policiais, voltando aos Estados Unidos, onde permaneceu de 1941 a 1945. Durante esse período,
Pedrosa abandonou o trotskismo, estabelecendo relações amigáveis com muitos líderes do Partido
Socialista dos Estados Unidos, liderado por Norman Thomas. Quando Pedrosa uma vez mais
voltou ao Brasil, nos últimos meses da ditadura Vargas, havia se convertido num socialista
democrático e não teve mais relações com o trotskismo.1127
Muitos dos antigos companheiros de Pedrosa seguiram comportamento semelhante.
Dulles observa que em 1937 Aristides Lobo, que encabeçava os trotskistas de São Paulo,
mostrou-se interessado em colaborar no trabalho de organização do Partido Operário Leninista
(POL), para apoiar os trotskistas franceses na tentativa de estabelecimento da IV Internacional.1128
Porém, por considerar que as tentativas revolucionárias imediatas estavam fadadas ao fracasso —
tal qual decidiu a LCI em 1934 — Lobo e seus amigos persistiram na tática do ingressismo no PSB,
do qual deveriam se servir para preparar as massas para a revolução.
Assim, em 13/9/37 o agente reservado “R.H.” informou que haviam estado na sede do PSB
Aristides Lobo e João Matheus, na companhia de Francisco Giraldes Filho e de seu pai, além de
José Pinho de Athayde, Pedro Lafayette, Mathias Simão, Luiz Neves, João Monteiro e outros.
Nessa ocasião, o dr. Francisco Giraldes analisou a fundação do “Partido Radical” (obviamente o
PSR), dizendo que o mesmo não tinha caráter burguês, pois o general Miguel Costa não mais
atraía o elemento operário com as suas palavras. A respeito, decidiu-se que o PSB lançaria um
manifesto abordando os problemas brasileiros e distribuiria grande quantidade de boletins,
desmascarando o Partido Radical.1129
Em 1/10/37 Aristides Lobo e João Matheus continuavam presentes em reunião do PSB,
mas sempre como ouvintes, sem expressar qualquer opinião. Nesse dia Gastão Massari denunciou
que a trama comunista sobre a qual se falava não passava de uma farsa de Getúlio Vargas para
arranjar um pretexto a fim de se perpetuar no poder. Os dois candidatos liberais democráticos
ficariam “a ver navios”, pois não haveria sucessão, e os presídios Maria Zélia e Paraíso ficariam
novamente superlotados, principalmente de socialistas.1130
Lobo e Matheus compareceram a mais duas reuniões do PSB, conservando-se na
qualidade de observadores. Nelas ouviram as previsões sobre o golpe de 10 de novembro e os
trâmites para a propaganda partidária e o registro (frustrado, pois o partido não dispunha do mínimo
de 200 membros, exigido pelo Tribunal Eleitoral) do PSB.1131
Um livreto de 14 páginas, contendo os Estatutos do Partido Socialista Brasileiro, ajuda a
explicar as causas do interesse de muitos ex-militantes da liga pelo PSB:

"É (o PSB) uma organização civil de fins políticos e ação inspirada na


concepção científica da História, que, constatando a luta de classes, busca
extingui-la, com a implantação de um regime socialista, aceitando o atual
regime como campo de luta política e declarando que, uma vez atingido o
pleno poder, pela vontade da maioria, promoverá um novo ordenamento
jurídico da propriedade e um novo estatuto econômico da produção.” 1132

O Vanguarda Socialista analisa o interesse dos ex-liguistas pelo PSB, que eles chamam de
UDS (União Democrática Socialista). Eles haviam acreditado no desenvolvimento independente do
UDS no campo proletário, na luta contra a ditadura e a “traição prestista”. Viam no grupo de jovens

1127
Conforme entrevista que Pedrosa concedeu a Robert Alexander, a 14-8-53. In: Trotskiysm in Latin
America, p. 76.
1128
DULLES, J.F. O comunismo no Brasil, p. 126.
1129
Prontuário do Partido Socialista Brasileiro, n.º 40.664, f. 142. DEOPS/SP.
1130
Informe reservado de “R.H.”. São Paulo, 1/10/37. Prontuário n.º 40.664, f. 8. DEOPS/SP.
1131
Informes reservados de “R.H.”, de 6 e 11/10/37. Prontuário n.º 40.664, fls. 14 e 11. DEOPS/SP.
1132
Comissão executiva: João Stori, Gastão Massari, Marcelino Serrano, Francisco Giraldes Filho e Luiz
Neves. São Paulo, 11 de julho de 1937. FLBX. CEDEM/UNESP.
intelectuais que a compunham e que foram os primeiros a se levantarem contra a ditadura, a
corrente capaz de ajudar a parte melhor do proletariado a se refazer do “embrutecimento de oito
anos de Estado Novo e a se reeducar nos princípios democráticos”. Apoiaram a UDS nos comícios,
nos sindicatos sempre e enquanto manteve uma posição independente. Julgavam que muitos
líderes da UDS que conheciam de sobra a velha tática comunista de xingar de “trotskista” todos
aqueles que não obedecessem à vontade da “linha justa”, não se amedrontariam com a repetição
desse chavão. Mas a UDS e os seus líderes mais representativos não souberam manter a linha de
conduta até aí seguida de combate à ditadura e a seus “lacaios” no campo proletário. Não tiveram a
coragem de enfrentar a ira de “Júpiter Tonante” da “linha justa”. Naquela época, Prestes e os
comunistas já se tinham “chafurdado suficientemente na lama do Catete, tirando, desse modo, as
ilusões mais otimistas a seu respeito”. Os líderes do UDS diziam apoiar Prestes porque as massas
estavam com ele, e alguns dirigiam-se “humildemente” à sede do PC para justificar que a posição
do UDS não era trotskista. Isso porque já estava em vigor o “artigo 13”. Diante dessa situação, os
oposicionistas resolveram trabalhar isolados, na medida das suas possibilidades, até que surgisse o
momento propício para lançar os alicerces de um futuro partido, verdadeiramente socialista.1133
Nesse compasso de espera os oposicionistas de esquerda seguiram os seus destinos.
No ano de 1944 Victor Azevedo Pinheiro continuava a ser visto como “um “elemento
perigoso” e como “um dos mais ardorosos propagandistas” do comunismo trotskista. Era orador de
quase todos os comícios realizados pelo PSB e “Frentes Únicas Sindicais e Populares”, ocasiões
em que pregava a “máxima violência”.1134
O grupo do Vanguarda Socialista foi, aparentemente, o último reduto coletivo dos
oposicionistas de esquerda, a apresentar passável coesão doutrinária com a antiga LCI. A herança
dos primeiros trotskistas perdeu-se, em grande parte, para os trotskistas das décadas posteriores.
Vemos, desta forma, que um estudo sobre o POR dedica apenas dez das suas 400 páginas ao
“trotskismo no Brasil antes do POR”, e considera como a “primeira geração” os trotskistas de 1952-
1957. 1135 Em entrevista a Murilo Leal, Leôncio Martins Rodrigues refere-se a alguns dos primeiros
trotskistas com quem entrara em contato: Hermínio Sacchetta, Odila Silva Jardim, “uma intelectual
casada com um húngaro”, Víctor de Azevedo Pinheiro, Lívio Xavier e uma “simpatizante” Míriam
1136
Xavier, “sobrinha do Lívio, que também sabia alguma coisa e me contava”.
O Vanguarda que foi, poderíamos dizer, o segundo momento de atuação da primeira
geração dos trotskistas  ou prototrotskistas  tinha Mário Pedrosa no cargo de diretor do jornal e
contava com a colaboração assídua de antigos membros da LCI, tais como: Aristides Lobo, João
Matheus, Edmundo Moniz, Fúlvio Abramo, Hilcar Leite, Rachel de Queirós.
Esse grupo de redatores concedia ênfase às matérias teóricas e práticas sobre o
bolchevismo-leninismo, acentuando, obviamente, Trotski e seus seguidores. O primeiro número do
Vanguarda apresenta as diretivas do novo semanário: visava fazer a propaganda da idéia socialista
e preparar, sem imediatismo ou tempo marcado, quadros para o futuro. Não pertencia a nenhum
grupo político e não estava sujeito a nenhuma disciplina partidária; era um trabalho coletivo de
vários “companheiros” irmanados pelo mesmo ideal e mais ou menos estruturados pela mesma
base cultural marxista. O grupo de camaradas que se havia decidido a fundar o jornal sentira a
necessidade de se reorganizar o movimento socialista proletário — nacional e internacionalmente
— sobre novas bases. Tratava-se de construir tudo de novo. O grupo do Vanguarda propunha-se a
tentar desenvolver um trabalho de crítica e de construção relativamente ao passado do movimento
revolucionário ou reformista, comunista ou socialista, tal como evolvera até 1945. Esse trabalho
não aceitaria como explicação para os grandes acontecimentos do século XX nenhuma ideologia,
muito menos as oficiais. Para o grupo, por exemplo, a revolução russa foi o maior acontecimento do
século, e Lenin a sua figura culminante. Mas nem de um ou de outro falaria com “beatífica
admiração”. Também não trataria do ulterior desenvolvimento da revolução russa — ao que se

1133
Vanguarda Socialista, p. 2.
1134
Informe reservado. São Paulo, 10/6/44. Prontuário de Edgard Leuenroth, n.º 122. DEOPS/SP.
1135
Outras histórias. Contribuição à história do trotskismo no Brasil ¾ 1952/1966. O caso do POR
(Partido Operário Revolucionário). Dissertação de mestrado. FFLCH/USP, 1997. Mimeo.
1136
Entrevista concedida em 18/7/1995, em São Paulo. In: Op. cit., volume apensado à dissertação, p. 53 da
entrevista.
chamava de stalinismo — movido apenas por uma “justa indignação” de revolucionários que viam
os antigos ideais conspurcados pela dura realidade.1137
O número de 18/10/1946 do Vanguarda publica “definições e diretrizes” do grupo dos
antigos militantes da LCI. Aristides Lobo, encarregado da tarefa pelos companheiros, assina o
documento que traça normais gerais para o trabalho teórico e prático dos colaboradores do
Vanguarda. A linguagem desse documento demonstra claramente que os rebeldes continuavam
com a sua causa. Vanguarda Socialista apresenta-se como o agrupamento “ativo dos socialistas
que, fiéis ao internacionalismo revolucionário, pretendem conduzir o proletariado à sua
emancipação do jugo burguês, mediante a luta de classe pela democracia e pelo socialismo”.
A primeira atividade do Vanguarda, iniciada em 31 de agosto de 1945, era o jornalismo, em
que o grupo deveria desenvolver-se e realizar-se permanentemente. O jornal deveria ser o embrião
do movimento de idéias iniciado por Vanguarda Socialista, que deveria crescer em quantidade e
qualidade. Na enumeração dos itens relativos à qualidade, explicitam-se as preocupações teóricas
do grupo e a filiação delas ao pensamento da LCI. Entendia-se por qualidade:

“1.º) a procura da unidade ideológica;


2.º) a formulação científica dos problemas;
3.º) a clareza da exposição;
4.º) a simplificação possível da linguagem;
5.º) a oportunidade e a atualidade dos assuntos.”

O jornal procuraria tornar-se um reflexo impresso dos problemas da vida social em todos os
países, especialmente: econômica e política; no Brasil; e operária e socialista.
Todo militante do Vanguarda seria um “homem livre”. O grupo assegurava a cada um de
seus membros plena liberdade de opinião e de ação em prol dos objetivos comuns. Seriam
igualmente respeitados os pontos de vista e os votos vencidos. A maioria daria orientação e
realidade ao conjunto, mas não impediria que o militante agisse individualmente.
A análise das idéias gerais que ligariam os militantes entre si também são reveladoras das
posições teóricas e práticas dos antigos aderentes da LCI:

“1.º) luta permanente em prol dos interesses atuais e futuros do


proletariado universal;
2.º) só pelo socialismo a humanidade se libertará definitivamente da
miséria e da opressão;
3.º) o Estado será utilizado pela classe operária como meio de assegurar,
para toda a sociedade, a mais ampla democracia e a marcha para o
socialismo;
4.º) ‘as classes desaparecerão tão inevitavelmente quanto apareceram’;
5.º) ‘ao mesmo tempo que as classes, inevitavelmente, desaparecerá o
Estado’;
6.º) ‘a sociedade, ao reorganizar a produção sobre a base da associação
livre e igual de todos os produtores, relegará a máquina governamental ao
lugar que lhe convém: o museu de antiguidades, ao lado da roda de fiar e do
machado de bronze’;
7.º) a democracia é, antes de tudo, o regime onde a todos os homens se
garante a liberdade política de pensamento, imprensa, locomoção, reunião e
associação;
8.º) uma sociedade socialista jamais poderá existir, mesmo
temporariamente, dentro dos limites de um só país;
9.º) o regime capitalista caracteriza-se, economicamente, pela produção da
mais-valia e, politicamente, pela dominação multiforme da burguesia sobre o
proletariado;

1137
“Diretivas”. Vanguarda Socialista. Diretor: Mário Pedrosa. Ano I, n.º 1. Rio de Janeiro, 31 de agosto
de 1945, p. 1. ASMOB. CEDEM/UNESP.
10.º) o socialismo será o resultado final da luta de classes através da
história, devendo surgir, por conseguinte, como uma sociedade sem classes;
11.º) a revolução russa de 1917 foi uma heróica tentativa malograda de
libertar o proletariado num país retardatário;
12.º) a Rússia é o mais jovem dos países capitalistas, entre os quais,
entretanto, por excepcionais peculiaridades históricas de desenvolvimento, já
se enfileira como capitalismo de Estado em luta pelo mercado mundial e
dominado por uma burguesia imperialista e totalitária;
13.º) o bolchevismo tornou-se um movimento antiproletário e contra-
revolucionário, estando para a Rússia de Stalin como estiveram o fascismo
para a Itália de Mussolini e o nacional-socialismo para a Alemanha de Hitler;
14.º) stalinismo e trotskismo foram as duas principais tendências em que,
durante algum tempo, se dividiu o movimento bolchevista na Rússia, tendo-se
a primeira transformado vitoriosamente no próprio bolchevismo degenerado e
irregenerável, ao mesmo tempo que a segunda desapareceu como força
política ;
15.º) o trotskismo é apenas, em teoria, uma reminiscência histórica, e, na
prática, uma seita de antemão condenada à falência;
16.º) Marx, Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo, Trotski, Plekhanov, Kautski e
Bukharin são os oito grandes clássicos do socialismo científico;
17.º) os fins não justificam os meios, mas são condicionados por estes e
por estes se revelam na realidade objetiva;
18.º) ‘centralizando as organizações burguesas e fazendo delas as
engrenagens de uma só e única máquina, o capitalismo de Estado favorece o
poder formidável do capital ‘;
19.o) ‘unindo e organizando a burguesia, e aumentando assim o seu
poder, o capitalismo de Estado enfraquece a classe operária’;
20.º) ‘a ditadura da burguesia celebra verdadeiramente, com o capitalismo
de Estado, o seu triunfo’;
21.º) ‘o capitalismo de Estado não suprime, de modo algum, a exploração,
mas aumenta prodigamente o poder da burguesia’;
22.º) ‘ sob o domínio do capitalismo de Estado, os operários tornam-se
escravos brancos de um Estado de rapina’;
23.º) ‘o capitalismo de Estado significa um reforçamento formidável da alta
burguesia’;
24.º) ‘o princípio da defesa da pátria não passa, de fato, de cumplicidade
com a burguesia imperialista e conquistadora, uma traição ao socialismo’;
25.º) a fórmula proletariado-internacionalismo-socialismo resume e
determina a atividade política de todo militante socialista consciente.”1138

Estes 25 princípios ideológicos eram a identificação necessária de todo militante do


Vanguarda Socialista, embora pudessem pertencer a quaisquer organizações políticas ou
religiosas. O grupo reunir-se-ia ordinariamente uma vez por semana, e extraordinariamente de
acordo com as necessidades práticas do movimento e por iniciativa de qualquer dos seus
membros. Para esse fim procuraria manter uma sede em local acessível e, conforme indicassem as
circunstâncias e as conveniências, subvidir-se-ia em seções com base nos locais de residência ou
de trabalho de seus aderentes. O objetivo político imediato do Vanguarda Socialista era a fundação
de um “verdadeiro partido socialista no Brasil”, o qual poderia resultar do crescimento do próprio
grupo, como um desenvolvimento autônomo e com esse mesmo nome, ou indiretamente, como
aproveitamento de alguma iniciativa externa.1139

1138
Item VII de “Definições e diretrizes”. Aristides Lobo observa que os trechos entre aspas são: de Engels,
Anti-Duhring (VII, 4.ª, 5.ª e 6.ª); de Bukharin, ABC do Comunismo (VII, 18.ª, 19.ª, 20.ª, 21.ª, 22.ª e 23.ª); e
de Lenin A Revolução Proletária e o Renegado Kautski (VII, 24.ª). São Paulo, 9/10/1946. In: Vanguarda
Socialista, 18/10/46, p. 4. ASMOB. CEDEM/UNESP.
1139
Doc. citado.
Mesmo antes da elaboração desses princípios, a luta contra o stalinismo, nas páginas da
Vanguarda, continuou a tradição da antiga LCI. O chefe nacional do partido é fortemente criticado,
fundamentalmente sobre o apoio que concedera a Vargas. Prestes e o “queremismo” são assuntos
que envolvem as preocupações dos oposicionistas em 1945, quando se temia a continuação de
Vargas no poder. Segundo eles, Prestes representava no Brasil o desastre que fora para a
revolução proletária internacional a ascensão de Stalin ao poder na URSS. Nos ataques ao
secretário-geral do PCB embutiam-se posições teóricas e estratégicas dos opositores de esquerda,
ligadas à luta de classes, internacionalismo, necessidade de uma vanguarda revolucionária, repúdio
à ditadura partidária. De fato, não há muita novidade relativamente ao ideário de 1931, a não ser a
adaptação tática às condições objetivas da História.
Como as críticas a Prestes apresentam o quadro vivo da Oposição de Esquerda
confrontada com o stalinismo do PCB — isto é, a identidade do trotskismo nacional — reproduzo
abaixo alguns pontos deste grande debate, na óptica dos “vanguardistas”.
Pagu, responsável pela “crítica literária” do Vanguarda, critica Vida de Luís Carlos Prestes,
de Jorge Amado. A literatura deste, surgida nos idos da revolução de 30, embarcara na canoa da
moda “socializante” que em 31, 32 e 33 por diante tinha a “pitoresca denominação de “literatura
proletária”. Na novela sobre Prestes, Jorge Amado procurava abarcar o Brasil com as pernas,
apresentando-se como legítimo representante de literatura moderna ao mesmo tempo que da
social, política, interessada e revolucionária”. Com a biografia de Prestes, Jorge Amado dizia pagar
uma dívida de toda uma geração de escritores para com um líder do povo. Segundo ele, essa
dívida fora contraída desde os movimentos de 1922, 24, 26, 30 e 35, por ter sido Prestes a figura
máxima desses movimentos. Diz Pagu:

“Era de fato uma grande dívida e o romancista se apressou em pagá-la,


colocando em novela o personagem até agora à procura de autor. (...) Se não
tem outro mérito, a novela do sr. Jorge Amado descobre para a história
literária do país essa preciosa gema, escondida durante os nove anos em que
esteve na sombra.”1140

Uma matéria  “Do Vocabulário ‘Prestes’ e seus derivados”  apresenta jocosamente a


personalidade política do “Cavaleiro”, na óptica de seus adversários:

“Prestação — Cumprimento parcial de uma obrigação.


Prestadio — Serviçal.
Prestamista — Pessoa que recebe juros de títulos da dívida pública.
Prestativo — Aquele que se presta. Prestadio.
Prestemente — Prestesmente.
Prestes — Que está quase a ponto de ...
Presteza — Prontidão, ligeireza.
Prestidigitação — Arte de produzir ilusões pela destreza das mãos.
Prestidigitador — Escamoteador.
Prestigiação — Bruxaria.
Prestigiador — Feiticeiro.
Prestigiar — Dar prestígio a.
Prestígio — Ilusão produzida por artifício, por sortilégio.
Prestigioso — Que é da natureza dos prestígios.
Prestimano — O mesmo que prestidigitador.
Préstimo — Serviço, auxílio.
Prestimonial — Relativa a prestimônio.
Prestimônio — Pensão ou bens destinados à sustentação de um padre.
Préstito — Procissão, cortejo, saimento.
NOTA — Qualquer semelhança com pessoas ou situações não passará de mera
coincidência.”1141

1140
“O carinhoso biógrafo de Prestes”. Vanguarda Socialista, 31-8-45, p. 2.
1141
Vanguarda Socialista. São Paulo, 5/10/45. ASMOB. CEDEM/UNESP.
Aristides Lobo discorre sobre “O Partido Comunista em Apuros”, colocado pelo seu próprio
oportunismo entre “a cruz e a caldeirinha”:

“Nisso haveria de resultar, forçosamente, a série de ‘táticas’


desmoralizantes de que Prestes se fez campeão e arauto.
Perguntemos, agora, aos rapazes bem-intencionados desse partido: De
que valeu todo o esforço para cantar o hino nacional ainda melhor do que os
integralistas? Para defender a pátria? Para descobrir ‘inclinações
democráticas’ no ditador Getúlio Vargas? Para achar ‘parecidos’ o general
Dutra e o brigadeiro Eduardo Gomes? Para considerar reacionários os
esquerdistas de ‘todos’ os matizes? Para condenar o golpe militar de 29 de
outubro? Para manter a Ordem? Para prestigiar (não é trocadilho) o sr. Iedo
Fiúza? (...) Para atacar homens moralmente inatacáveis como Silo
Meireles?(...) Para negar a possibilidade do socialismo no Brasil?(...)
Eles dirão que obtiveram ao menos alguns meses de legalidade para o
Partido Comunista. Desmoralizaram-se, é verdade, mas em compensação
ganharam ‘algo’, como se este ‘algo’ pudesse interessar ao proletariado e,
particularmente, à luta pela sua emancipação do capitalismo.
(...) O oportunismo de Luís Carlos Prestes oscila entre a imoralidade e a
inépcia, quando não é a combinação inconsciente de ambas. Assim, depois de
pregar o patriotismo e de se esgoelar no solfejo do hino nacional, Prestes não
resiste a uma nova crise de inteligência: declara ao inimigo, com antecipação,
que, em caso de guerra, pegará em armas pela pátria russa contra a pátria
brasileira. Poucos idiotas têm alcançado maior sucesso.
Outra manifestação de inépcia catastrófica, compartilhada, aliás, por todos
os partidos da oposição, foi a luta ‘a posteriori’ contra o papelucho getuliano de
1937, graças à qual o referido papelucho conseguiu, pior do que por acaso,
transformar-se numa verdadeira Constituição, sagrada pelo voto da
Assembléia Constituinte. Seres medianamente inteligentes teriam ocupado o
tempo em exigir a elaboração rápida da Constituição democrática, como quem
lança um balde d’água à imundície, em lugar de ficar esbravejando contra o
mau cheiro.
Poder-se-ia, também, ter demonstrado que o golpe fascista de 1937
representou, na realidade, a interrupção de nossa vida jurídica e
constitucional, de maneira que as forças armadas, como autoras da reviravolta
de 29 de outubro, tinham o dever de reanimar imediatamente a Constituição
de 1934, até a elaboração de uma nova. Infelizmente, no Brasil, imagina-se
que a política seja um jogo de palavras e capoeiragem contra o adversário.
O Partido Comunista, a despeito de todo o seu fascismo medular, mas não
percebido suficientemente, sofre agora a ameaça de ser fechado de um
momento para outro. Nosso ponto de vista, tantas vezes afirmado e
reafirmado, baseia-se na convicção mais arraigada e no sentimento mais
sincero de que a liberdade não deve ser retirada a nenhuma organização
política, inclusive as mais escandalosamente reacionárias, como é o caso do
Partido Comunista e da Ação Integralista.
Mas, como a Ação Integralista em 1938, eis que semelhantemente o
Partido Comunista, em 1946, encontra-se sob a ameaça de fechamento. Será
uma violência contra a qual deixamos aqui o nosso protesto, e uma injustiça
tanto maior quanto é certo que, não apenas em palavras, mas principalmente
como resultado de suas ‘táticas’, o Partido Comunista foi o realizador das
ambições da corrente que apoia o general presidente da República.
Com sua linha ‘justa’, na realidade oportunista e conservadora, o Partido
Comunista sofrerá o risco de não resistir a seis meses de clandestinidade. (...)
Os membros do Partido Comunista que ainda acreditam nas ‘táticas’ do seu
chefe pequeno-burguês  agora transformado num furioso ‘trotskista’
partidário da defesa da URSS — aprenderão com a experiência e o
abandonarão. Se houver prisão e exílio, eles verificarão como é decepcionante
cair nas insídias dos seus compatriotas burgueses, só por os considerarem
‘progressistas’ e se considerarem a si mesmos, apesar de tudo, como os
verdadeiros, legítimos e genuínos patriotas. (...)
Aqueles mais inteligentes, dentre os homens honestos do Partido
Comunista, já devem estar vendo que Prestes lhes impingiu uma ‘linha justa’
que, mesmo sem trocadilho, só pode ‘ajustar-se’ aos objetivos, aos métodos e
aos hábitos da burguesia, da reação, do fascismo. (...) O que é preciso é
abandonar de vez esse partido reacionário, que em outra coisa não se
transformou o outrora valoroso Partido Comunista. Isso acontecerá com
absoluta certeza, mas é necessário que os mais inteligentes, que não estejam
apodrecidos pela submissão, tratem de encurtar os prazos.
Repetimos: Luís Carlos Prestes colocou o Partido Comunista entre a cruz
e a caldeirinha. Ele desmoralizou dezenas de milhares de trabalhadores. Ele
humilhou-se diante de Getúlio Vargas e fez que o rebanho comunista também
se humilhasse. Ele é o responsável pela reação que o seu movimento
encorajou. Ele é o incurável caudilho pequeno-burguês, vaidoso e incapaz de
orientar-se politicamente, oscilante entre as posições de mando e a
popularidade. É um oportunista acabado, com todos os defeitos normais do
oportunista e sem nenhuma de suas qualidades intelectuais. Já em 1931,
embora comprometido publicamente com o Partido Comunista, Prestes
escrevia a um dos seus amigos prestistas de São Paulo uma carta com esta
recomendação tão desleal quanto sintomática: 'Toda a propaganda deve ser
feita em nome do Chefe’. Chefe com letra maiúscula, quando não era chefe
de coisa nenhuma, e sim o ‘aspirante a ditador’, cuja psicologia Silone define
tão claramente em A Escola dos Ditadores. Nunca teve Prestes maior
preocupação: ser chefe, mesmo sem os atributos indispensáveis.
Perguntamos: Que tem a classe operária que ver com a paranóia
pequeno-burguesa, mesmo quando esta eventualmente se ilumine com uma
auréola de martírio? É triste, mas o que importa não é choramingar sobre as
infelicidades individuais: é transformar o regime que determina milhões de
infelicidades mais lamentáveis. O sofrimento anônimo dos trabalhadores, que
não querem ser ‘chefes’, mas somente livrar-se da miséria, é infinitamente
mais respeitável do que todas as gloriosas tragédias pessoais. Saibam
compreendê-lo os militantes comunistas honestos. Operários do Partido
Comunista, quando chegará para vós o dia da compreensão?”1142

Vanguarda Socialista tece outras considerações sobre Prestes. Desta vez, o líder
comunista sabatinado em Porto Alegre fora obrigado a responder a uma pergunta sobre o período
de colaboracionismo que o PC estava vivendo. Um trabalhador perguntou-lhe se nas novas
condições em que vivia o mundo, os comunistas ainda visavam estabelecer a ditadura do
proletariado. Prestes, “com aquelas razões de cabo de esquadra que o celebrarão para sempre nos
anais da confusão rasgada”, disse que a ditadura foi necessária na Rússia de 1917 por condições
históricas, “porque o proletariado soviético foi atacado por 14 nações e precisava defender-se
contra seus inimigos”. Depois, “a explicação tresandou a rosas frescas de otimismo: ‘Hoje, disse
Prestes, o socialismo está vitorioso no mundo e por isso não precisamos temer a democracia.
Somente os reacionários é que a temem, provocando desordens e a guerra civil. Ao socialismo
vitorioso só interessam a ordem e a tranqüilidade”. O Vanguarda comenta: “É verdade que Prestes
pensa assim, mas Lenin e Marx pensavam diferente...Lenin, por exemplo, em um dos seus livros
mais conhecidos O Estado e a Revolução tem um capítulo que o capitão Prestes lucraria muito se
lesse, capítulo esse que versa precisamente sobre a ‘transição do capitalismo ao comunismo’, no
qual Lenin cita logo de início Marx. (...) Para Marx, Engels, Lenin, a ditadura do proletariado era a
forma mais superior de democracia, inclusive a política com partidos e oposições organizadas, etc.

1142
LOBO, Aristides: Vanguarda Socialista, 5/4/1946, p. 5. ASMOB. CEDEM/UNESP.
Por circunstâncias especiais, na Rússia a ditadura proletária não pôde desabrochar e acabou na
ditadura e por fim na ditadura pessoal do chefe”.
O artigo cita trechos de Marx, Engels e Lenin para demonstrar que o marxismo-leninismo
não se aplicava ao “socialismo rosado” de Prestes e ao socialismo que o PC dizia ostentar em seu
programa. Prestes  continua a Vanguarda  estava num mundo imaginário, onde o socialismo
era vitorioso. Onde estaria esse mundo? A resposta deveria ser dada pelas multidões do mundo
“pertencentes aos países derrotados na última guerra imperialista e que agora vão entrar no maior
período de fome que a história registra, tanto na Europa quanto no Extremo-Oriente, pelas
determinações que os vários comandos aliados estão publicando. Nesse mundo do socialismo
vitorioso do eufórico capitão das sabatinas determina-se que sejam abertas as covas comuns antes
do inverno na Europa, e que os japoneses se alimentem de gafanhotos, e isso mesmo
racionadamente. (...) Mundo do socialismo vitorioso ao qual só interessam ‘a ordem e a
tranqüilidade’, como ainda longe de qualquer dado real a cabeça-líder do PCB! Mas por que não se
dá um paradeiro a essas estúpidas sabatinas de Luís Carlos Prestes?” 1143
Edmundo Moniz, mais um companheiro das lutas renhidas da extinta LCI, integra o coro de
críticas a Prestes, em torno do qual (diz ele) sempre pairaram dúvidas, sobretudo depois que ele
saiu da cadeia e traçou a sua linha doutrinária e política: “Seria Prestes um impostor ou
simplesmente um fanático? Estaria convicto de que representava o pensamento de Marx e de
Lenine, ou não passava de um aventureiro que as vicissitudes históricas mascararam,
ocasionalmente de herói e de mártir?”
Moniz argumenta que o “informe político” de Prestes, publicado em 13/1/46, respondia a
essa questão. Nesse documento Prestes focalizava a situação internacional e nacional à luz do
“marxismo-leninismo-stalinismo” e proclamava a vitória universal da “linha justa”. Impostor ou
fanático, havia um fato indiscutível: sua mediocridade intelectual e seu espantoso desconhecimento
do socialismo científico. Prestes dissera numa entrevista que aqueles que ainda aceitavam a “teoria
do colapso”, ou seja, da “transição catastrófica do capitalismo para o socialismo”, pretendiam “impor
aos fatos a camisa de força de uma teoria morta, dogmática, que nada tem a ver com o marxismo”.
Ora, responde Moniz, a teoria da “transição catastrófica” foi enunciada pelo próprio Marx, está
largamente exposta no capítulo XXIV do primeiro livro de O Capital, e Lenin não se cansou de
afirmar que a essência do reformismo reside na recusa ou no escamoteamento desta proposição
fundamental. Acrescenta Moniz:

“Qualquer conhecedor da doutrina marxista endoideceria se fosse levar a


sério as sandices quase diárias de Luís Carlos Prestes. Ninguém, é verdade,
tem culpa de ser obtuso e asneirento. Mas é realmente revoltante quando se
alia à obtusidade e à ignorância a falta de escrúpulo e a intenção de explorar a
credulidade das massas operárias”.

Para Moniz Prestes era um mentiroso vulgar que procurou, como Hugo Borghi na
campanha política de 1945, prolongar indefinidamente a ditadura de Vargas, recorrendo ambos aos
mais abjetos processos. Borghi havia inventado a mentira dos marmiteiros para comprometer
Eduardo Gomes perante as massas populares. Prestes adotou e explorou essa mentira em
benefício do “Rato Fiúza”. Prestes procurou por todos os meios evitar a queda do Estado Novo.
Aliado aos continuístas conspirou no golpe que deveria adiar indefinidamente as eleições
presidenciais com a convocação de uma constituinte queremista. Assim se explicava a análise
amarga que ele fez sobre o pronunciamento militar de 29 de outubro que havia derrubado Vargas:

“É evidente que o golpe militar aparentemente dirigido contra Getúlio


Vargas e seu governo foi desfechado contra o povo e a democracia, contra o
proletariado e suas organizações e antes de tudo contra o partido da classe
operária e seus dirigentes. (...) Graças à nossa luta por ordem e tranqüilidade
foi possível evitar, na noite de 29 de outubro, o banho de sangue já previsto e
preparado pelos mais ferrenhos inimigos do nosso povo”.

1143
“Prestes pensa assim... Mas Lenine e Marx pensavam diferente. E nós também temos nossa maneira de
pensar.” In: Vanguarda Socialista, 19/10/45. ASMOB. CEDEM/UNESP.
Essa afirmativa era mentirosa, explica Moniz. A verdade sabida por todo mundo era que a
demissão de João Alberto da chefatura de polícia constituiria o primeiro passo para o golpe
continuísta de Vargas, preparado de acordo com Prestes. Na tarde da nomeação de Benjamin
Vargas para substituir João Alberto, os “capangas” de Prestes estavam à espera do momento para
ajudar a polícia de Getúlio a ajustar contas com os adversários da ditadura. Foi o pronunciamento
militar que impediu o “banho de sangue” dirigido por Prestes e seus partidários a fim de sustentar
Getúlio Vargas. Prestes, aliás, não se cansou de avisar publicamente aos seus partidários que
estivessem preparados para pegar em armas ao primeiro sinal e defender o governo. O minucioso
“informe” de Prestes não dizia, objetivamente, qual foi a sua ação para “acalmar a ira sanguinária
dos militares que chefiaram o golpe”, declarando que o novo governo marchou para a democracia
“graças ao apoio popular à luta dos comunistas pela legalidade do movimento operário e
comunista”. Essa afirmação poderia ser proveniente do narcisismo de Prestes, do seu delírio de
grandeza. Mas foi feita para enganar o proletariado, para dar-lhe a ilusão da fortaleza do Partido
Comunista, e disfarçar a derrota sofrida com o desmoronamento do movimento continuísta. Desde
que saíra da prisão, Prestes só fizera “a política do embuste, da mentira, da falsificação. Não passa
de um aventureiro medíocre, atrasado elementar, excelentemente utilizado pelo aparelho stalinista
ao qual, em parte, deve o seu prestígio atual e o retardamento do repúdio operário que
inevitavelmente virá”. 1144
Outra posição defendida pelos “vanguardistas” consistia no repúdio às Internacionais, por
considerarem que os organismos desse tipo viviam somente para frear os movimentos
revolucionários nos diferentes países e para solapar a solidariedade internacional dos
trabalhadores. O internacionalismo não precisaria de órgãos centralizados para realizar-se, como
deixaram evidente quatro experiências dolorosas no movimento operário: a de Marx, a de Engels, a
de Lenin e a de Trotski. Esta última tinha sido a síntese, felizmente abortada, dos erros acumulados
por suas antecessoras. Embora fosse absurdo negar que todas as internacionais tiveram um ativo
de bons serviços, nem de longe suas realizações teriam compensado os erros e as tragédias. Tudo
isso era proveniente do fato de que a centralização inevitável tendia a crescer, a tornar-se cada vez
mais fechada e mais imperiosa, a anular a periferia de milhões de trabalhadores e a destruir a
solidariedade espontânea do proletariado mundial. Era “uma espécie de expansão imperialista
totalitária no campo proletário da luta de classes”. Os organismos internacionais, como que por
efeito de um paradoxo, geralmente se transformavam em estimuladores de nacionalismos. No caso
da III Internacional Stalin chegara a afirmar que “a Internacional Comunista somos nós”. O “nós”
significaria a Rússia, a mãe-pátria, o capitalismo de Estado, a burguesia totalitária, o fascismo russo
mascarado, a “Tcheca”, isto é, a “Guepeu”, isto é, a “NKVD”. “Nós” implicaria, ainda, os coveiros da
revolução socialista, os supertraidores do proletariado mundial. E quando a III Internacional se
transformou em racismo eslavo bastou anunciar ao mundo a sua “dissolução”, ou a sua resolução
dialética no mais “pérfido e mais sórdido dos nacionalismos do qual Luís Carlos Prestes não passa
de mísero lacaio e espião. Não é por acaso, mas pelo auto-reconhecimento de sua desprezível
função social e política, que os molambos do stalinismo no Brasil procuram disfarçar-se com as
cores mais berrantes do patriotismo crioulo.” O internacionalismo repelia papas infalíveis que
ditassem as suas palavras de ordem de alguma grande capital. Os maiores movimentos proletários
surgiram sempre, em cada país, à revelia dos “sábios” e dos “gênios” que os analisam a
quilômetros de distância. A matéria termina com uma profissão de fé no caráter internacionalista da
revolução proletária:

“A revolução social, permanente e internacional, tem o movimento das


ondas do mar, através de fluxos e refluxos que todos se ligam e constituem
a força e a grandeza do conjunto. Não quebremos essa harmonia, mas, ao
contrário, saibamos aproveitá-la, navegando graças a ela com os nossos
barcos socialistas. (...) O internacionalismo é o oceano sem fronteiras, que
se impõe concretamente, sem estar sujeito a nenhuma lei de autoria dos

1144
“A hora dos impostores”. Vanguarda Socialista, 1/2/46, p. 1. ASMOB. CEDEM/UNESP.
homens. Podemos favorecê-lo e beneficiarmo-nos dele, mas jamais criá-lo
artificialmente.” 1145

1145
LOBO, Aristides. “Contra as Internacionais”. Vanguarda Socialista, 24/1/1947, p. 2. ASMOB.
CEDEM/UNESP.
Conclusões.

O mesmo ano de 1923, que marcou o aparecimento da Oposição de Esquerda


Internacional, assistiu à fundação da seção paulista do PCB. E foi justamente em São Paulo que
se criou e se manteve o grupo mais aguerrido dos opositores de esquerda — os primeiros
trotskistas brasileiros. Eles agiram como fração do Partido Comunista de 1928 a 1933, tentando
restabelecer a linha de luta de classe, perdida por desvios e erros oportunistas de uma direção
burocrática, que substituíra a ditadura do proletariado pela ditadura do partido — conforme
pensavam. Em 1933, premidos por circunstâncias históricas internacionais, os oposicionistas
formaram um partido independente: a “Liga Comunista Internacionalista (Bolcheviques-
Leninistas)”.
A vida desses homens foi tributária de acontecimentos que passaram por filiações
internacionais, mas que deve ser entendida em quadros mais amplos da História — de São
Paulo, do Brasil, dos movimentos operários e do Partido Comunista.
No entanto, a Oposição de Esquerda no Brasil — mais conhecida como “trotskismo” —
não mereceu o tratamento adequado da historiografia. Rareiam obras que cuidem do assunto
como uma das faces legítimas da história da revolução no Brasil, nas décadas de 20 e 30.
Alguns autores, no entanto, têm quebrado esse silêncio: Fúlvio Abramo, José Castilho Marques
Neto, Dainis Karepovs e Murilo Leal Pereira Neto preocuparam-se com o tema no período visado
por esta análise ou nos tempos subseqüentes. No âmbito internacional, os esforços mais
conseqüentes pertencem a Robert Alexander e a Foster Dulles — este último integrando os
trotskistas à história do PCB, por reconhecer a insuficiência das abordagens do partido que não
levem em conta os seus oposicionistas.
O desconhecimento total ou parcial das dissidências do PCB acarretou equívocos
severos na interpretação dos movimentos operários em São Paulo, especialmente nas questões
concernentes às suas lideranças. Esses equívocos transitam de posições que vêem um pretenso
desconhecimento ou descaso pela teoria marxista dos primeiros líderes operários a outras
ligadas ao papel de São Paulo nas tentativas revolucionárias dos primeiros anos de formação
dos partidos proletários brasileiros — nos seus quadros estratégicos e conceituais. Ademais, a
não-visão dos principais interlocutores do partido significou a construção de uma imagem
distorcida dos comunistas brasileiros, na sua organização nacional e nos seus desdobramentos
internacionais. Portanto, o estudo documentado do trotskismo apresenta-se essencial para o
entendimento de sua corrente antitética — o stalinismo.
A militância dos trotskistas verificou-se especialmente nos sindicatos de classe, dos
quais dominaram alguns setores, como a poderosa União dos Trabalhadores Gráficos. Essa
militância foi marcada por tentativas de unir a classe operária, para que esta pudesse enfrentar a
sua inimiga histórica, a burguesia. Neste intuito, estiveram presentes em todas as iniciativas de
união sindical e de frentes-únicas que houve em São Paulo. Os combates operários constituíram
a caixa de ressonância da organização da esquerda paulista. Grande parte das divergências
entre stalinistas e trotskistas desenvolvia-se no campo das suas intervenções na chamada
“questão social”, expressão que designava, na linguagem da época, um conjunto de problemas
políticos, sociais e econômicos provocados pela afirmação da classe operária na sociedade
capitalista, e ligados à existência da pobreza. No ambiente de greves que marcou São Paulo nos
trinta primeiros anos deste século, as lideranças do movimento operário firmaram-se como
revolucionárias ou reformistas. As primeiras estavam representadas principalmente por
anarquistas — mormente na versão anarco-sindicalista —, socialistas e comunistas.
O grupo anarquista do Rio de Janeiro — composto por José Oiticica, Roberto Morena,
Afonso Schmidt, Octávio Brandão, Astrojildo Pereira, Everardo Dias e outros —, responsável pela
criação do Grupo Comunista de 1921-22 e pelo Partido Comunista, transferiu-se quase todo para
São Paulo. Em 1923, meia dúzia de pessoas, sob a presidência de Astrojildo Pereira, fundou a
seção paulista do PCB. Desde então os meios revolucionários de São Paulo dividiram-se entre
adeptos e adversários da Revolução Russa. Entre 1923-25, João da Costa Pimenta, Mário
Grazzini e Aristides da Silveira Lobo foram enviados do Rio de Janeiro para organizar a seção
paulista do partido, e lutar contra a influência libertária nos sindicatos. Em 1930-31, expulsos do
partido por “delito de opinião”, integraram a Oposição de Esquerda, fundando a Liga Comunista,
sucessora do Grupo Comunista Leninista, do Rio de Janeiro. Os oposicionistas afirmaram-se
como herdeiros da obra e do pensamento de Lenin, que consideravam igual ao pensamento de
Trotski, e assumiram a missão de reconduzir o partido da classe trabalhadora ao seu destino
revolucionário.
Os primeiros trotskistas eram sobretudo jornalistas e gráficos: Mário Pedrosa, Rodolfo
Coutinho, Edmundo Moniz, Aristides da Silveira Lobo, Lívio Barreto Xavier, João Matheus, Víctor
de Azevedo Pinheiro, João da Costa Pimenta, Manoel Medeiros, Plínio Gomes de Melo, Fúlvio
Abramo, Hilcar Leite. Aristides Lobo foi o secretário-geral da liga, da data de fundação
(21/1/1931) a 1934, com as interrupções ocasionadas pelas suas repetidas prisões e exílios.
Hilcar Leite tornou-se o seu dirigente principal nos anos de 1935 e 1936. Nos momentos áureos
da militância, a LC possuiu aproximadamente 50 membros, que compensavam a sua quantidade
reduzida pelo prestígio de que gozavam os seus quadros no meio sindical.
As reuniões da LC realizavam-se duas vezes por semana. Eram os “Grupos de Bairro”
(GB-1, GB-2 e GB-3, em São Paulo; GB-1 e GB-2, no Rio de Janeiro) que formavam a base da
liga. Existiam ainda as reuniões ampliadas e as conferências nacionais. Três aderentes
compunham a Comissão Executiva: o secretário-geral, o tesoureiro e o responsável pela
agitação e propaganda (agit-prop.). Em meados de 1931 —como conseqüência do movimento de
30 — houve um agravamento do cerco policial sobre a liga: muitos de seus aderentes
estrangeiros foram deportados e os nacionais presos. No final do ano, com um relativo
abrandamento da reação policial, os camaradas da liga, deportados ou foragidos, voltaram a São
Paulo e recomeçaram o trabalho organizatório.
Mais tarde, a liga reconheceu que havia sobrestimado suas forças e possibilidades,
lançando-se em processos inexeqüíveis — pela modéstia de seus recursos humanos e materiais —
de agitação de massa, recrutamento intensivo, publicação de dois órgãos — A Luta de Classe e o
Boletim da Oposição —, agitação pela Constituinte, conquista da rua, editoriais, etc. Esses projetos
acabaram por não se realizar, pois a reação quase destruiu a LC e a maior parte dos recrutamentos
foi perdida. A LC entrara, então, numa fase de quase anomia, marcada pela ausência de
recrutamentos e pelo pequeno número de publicações e atividades externas.
A Revolução Constitucionalista constituiu o evento que maior impacto produziu nos
destinos dos oposicionistas — do desbaratamento de suas ralas fileiras à política que passaram a
adotar, dadas as novas circunstâncias da política local, nacional e internacional.
A Primeira Conferência Nacional da Liga Comunista aconteceu em São Paulo, de 6 a 10 de
maio de 1933. O objetivo principal da reunião foi o de discutir as resoluções da Pré- Conferência
Internacional da Oposição de Esquerda. A partir de 1933 a ascensão de Hitler ao poder na
Alemanha, facilitada pela divisão causada no proletariado alemão pelo Partido Comunista da
Alemanha — com a teoria esquerdista do social-fascismo —, fez com que os trotskistas
reavaliassem a questão da III Internacional, considerando-a perdida para a revolução. A
Primeira Conferência Nacional decidiu que para os comunistas o partido só tinha valor como
instrumento da Revolução Proletária e, portanto, não se poderiam impressionar com o simples fato
de um partido se chamar comunista. Os oposicionistas haviam aparecido como fração dentro da IC,
lutando para a regeneração do partido, no sentido de se voltar ao centralismo democrático, em
1923. No momento da conferência, eles constaram a iminência do desmoronamento do Estado
soviético, coincidindo com o maior acontecimento da história revolucionária depois da revolução
russa — a derrota do proletariado alemão.
Baseados nessa análise e considerando que a OE havia-se desenvolvido até o ponto
culminante permitido por sua forma organizatória e se transformado, afinal (embora não
formalmente), na própria Internacional — com a qual deixaram de ter os stalinistas qualquer ligação
política —, os trotskistas propuseram a formação de um novo partido e a organização de uma IV
Internacional.
Uma Conferência Internacional, realizada nos dias 27 e 28 de agosto de 1933, em Paris,
reuniu a Oposição de Esquerda Internacional a fim de examinar as questões relacionadas à
necessidade de um novo reagrupamento revolucionário da vanguarda do proletariado mundial.
Esse congresso decidiu abandonar a IC e seguir nova orientação para a Quarta Internacional,
tomando a decisão de mudar o nome de "Oposição de Esquerda" para o de "Liga Comunista
Internacionalista". Dessa forma, a Oposição Internacional dizia se adaptar ao fato, historicamente
verificado, de ter sido demonstrado, depois da derrota da revolução alemã e do triunfo do hitlerismo,
a falência total e irremediável da Terceira Internacional, servilizada pela burocracia stalinista, isto é,
pela teoria e pela prática do socialismo num só país.
A seção nacional da liga adotou a mudança de nome prevista pela Oposição Internacional,
passando, pois, a se chamar Liga Comunista Internacionalista, com o adendo aprovado pela
Segunda Conferência de “Bolchevistas-Leninistas”.
No ano de 1934, os oposicionistas se reuniram na III Conferência Nacional e discutiram a
questão do centralismo democrático, considerada “stalinista” .
A IV Conferência Nacional da LC realizou-se em 31/3/35, com a presença dos delegados
das regiões de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. Nela, os oposicionistas examinaram as causas
da crise interna surgida em meados de 1934, em São Paulo.
As proposições fundamentais do trotskismo — a teoria da revolução permanente, a
teoria do desenvolvimento combinado e desigual e a teoria das demandas transitórias —
ocupavam as preocupações teóricas dos oposicionistas. Outro argumento teórico que
caracterizou a política trotskista em geral foi a insistência em considerar a União Soviética como
um Estado operário — mas esta posição nunca foi unânime entre os trotskistas e foi abandonada
definitivamente pela Segunda Conferência Nacional da liga, realizada em outubro de 1933.
Os elementos do pensamento de Lenin, enfatizados por Trotski e seus seguidores no
Brasil, foram os conceitos do partido de vanguarda, do centralismo democrático e da ditadura do
proletariado.
Esses pontos do pensamento trotskista, convenientemente adaptados às condições
históricas brasileiras, constituíram o substrato teórico das posições que a LC assumiu na defesa
da revolução, contrariando, em geral, o pensamento e a ação do PCB. Foi este o caso da defesa
da Assembléia Constituinte, a palavra de ordem que mais empolgou os oposicionistas de São
Paulo.
Como militantes de um projeto de mudança social que unia a teoria à prática
revolucionária, os trotskistas lutaram denodadamente para entender e transmitir à classe
operária os pontos fundamentais do marxismo. Tradutores e editores de obras do socialismo
científico (especialmente dos oito grandes clássicos que reconheciam — Marx, Engels, Lenin,
Rosa Luxemburgo, Trotski, Plekhanov, Kautski e Bukharin), e de outras obras ligadas à idéia da
revolução, os aderentes da Liga Comunista expressaram-se por meio do jornal A Lucta de
Classe, de boletins, boletos, folhetos, cartas-abertas, circulares, etc. Os conceitos eram
didaticamente transmitidos aos operários por meio de conferências, seminários, comícios,
debates, cursos de formação e publicações adaptadas à leitura popular.
A exposição exagerada no movimento revolucionário — facilitada pela existência de
agentes duplos e de denúncias operadas pelos stalinistas — levou os oposicionistas a enfrentar
prisões constantes, fugas da polícia, exílios internos ou externos, deportações.
Em lutas constantes contra a polícia e os stalinistas, os aderentes da liga logo sofreram
as primeiras dissidências internas. Um dos primeiros problemas surgiu na região do Rio, que
revelava perigosa autonomia em relação aos dirigentes da organização. Outro problema referiu-
se aos “surrealistas revolucionários”, que acabaram por ser expulsos das fileiras da Oposição de
Esquerda, determinação que afetou, no Brasil, a Benjamin Pèret, fundador da liga e secretário da
região do Rio de Janeiro.
Essas divergências não tiveram conseqüências muito graves para a organização
oposicionista — foram resolvidas no plano individual, conservando-se a unidade da liga. No final de
outubro de 1934, porém, surgiu um problema muito mais profundo: tendo em conta a “nova
correlação de forças” trazida pelas decisões da Conferência de Paris, a LCI optou pela tática do
“ingressismo” nos partidos socialistas. Esse ingresso passou a ser conhecido como o “tournant
francês”. Inconformado com essa posição, o grupo “Fernando-Alves” rompeu com a disciplina
internacional da organização, e denunciou o ingresso como uma adesão à segunda internacional,
como uma degenerescência social-democrática. O grupo alegava que os bolcheviques-leninistas de
França haviam se dissolvido na social-democracia e enrolado a bandeira da revolução,
transformando-se em agentes da social-democracia. Ademais, para os antiingressistas seria
possível praticar o fracionismo no Partido Socialista Brasileiro — que apresentava uma ala que se
radicalizava —, sem ingressismo, seguindo o modelo de Naville, o chefe dos antiingressistas
franceses.
Os antiingressistas — liderados por Aristides Lobo (“Fernando”), Víctor de Azevedo
Pinheiro (“Alves”) e João Matheus — argumentavam que se conseguiriam os mesmos resultados
criando uma fração no bloco socialista.
A ala que apoiava o ingressismo — liderada por Mário Pedrosa, Hilcar Leite, Fúlvio Abramo
— alegava que, contrariamente ao que dizia o “Fernando-Alves”, a seção francesa da OEI
constituía, após a sua entrada no PS, o centro de convergência dos elementos da vanguarda contra
o stalinismo e contra o reformismo, e seu aliado, o centrismo.
Os problemas relacionados com o “ingressismo” e “antiingressismo” no Partido Socialista,
seguindo as diretrizes da seção francesa, foram responsáveis pelas cisões ocorridas entre 1934 e
1935 na seção brasileira da LCI. E não um mero choque de personalidades, como querem alguns
historiadores.
Assim divididos, os oposicionistas não resistiram à grande repressão que acompanhou a
Intentona de 1935. Feitos prisioneiros nos últimos meses de 1935 e nos primeiros de 1936, os
trotskistas enfrentaram o Tribunal de Segurança Nacional, recebendo penas que variaram de
dois a seis anos de reclusão.
Nos finais de 30, beneficiados pela “macedada”, os oposicionistas de esquerda tentaram
organizar novos grupos revolucionários — o Partido Operário Leninista (POL) e o Partido
Socialista Revolucionário (PSR).
Com o fim da ditadura Vargas e o retorno de Pedrosa ao Brasil, os remanescentes da
extinta LCI participaram do grupo “Vanguarda Socialista”, responsável por um jornal de mesmo
nome que durou até 1948, publicando os últimos combates travados pelo grupo pela revolução e
contra a ditadura do partido.
Uma das posições defendidas pelos “vanguardistas” consistia no repúdio às internacionais,
por considerarem que os organismos desse tipo viviam somente para frear os movimentos
revolucionários nos diferentes países e para solapar a solidariedade internacional dos
trabalhadores. Tudo isso era proveniente do fato de que a centralização inevitável tendia a crescer,
a tornar-se cada vez mais fechada e mais imperiosa, a anular a periferia de milhões de
trabalhadores e a destruir a solidariedade espontânea do proletariado mundial. Era “uma espécie de
expansão imperialista totalitária no campo proletário da luta de classes”. Os organismos
internacionais, como que por efeito de um paradoxo, geralmente se transformavam em
estimuladores de nacionalismos.
Outra posição, provocada pela “tremenda experiência histórica do passado”, ligava-se à
descrença na possibilidade de formação de um partido capaz de conduzir a revolução proletária,
antes de uma preparação prévia da massa trabalhadora. Seria preciso partir do “zero
democrático”, isto é, da união de todas as correntes de esquerda — reformistas ou
revolucionárias. Crença e militância continuavam: os vanguardistas apresentavam-se como um
agrupamento ativo dos socialistas que, fiéis ao internacionalismo revolucionário, pretendiam
conduzir o proletariado à sua emancipação do jugo burguês, mediante a luta de classe pela
democracia e pelo socialismo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA.

FONTES.

1146
I. DOCUMENTOS INTEGRANTES DO FUNDO DOCUMENTAL DEOPS/SP (ARQUIVO DO
ESTADO DE SÃO PAULO) E DO CEMAP (CEDEM/UNESP).

1. PRONTUÁRIOS INSTITUCIONAIS (DEOPS/SP).

ALIANÇA AUTOPROTETORA DE BENEFICÊNCIA DOS LITUANOS NO BRASIL OU CLUB


ESPORTIVO LITHUANIA. Prontuário n.º 51.
CLUB RECREATIVO TROVATO OU SOCIEDADE AMIZADE HÚNGARA DE SÃO PAULO.
Prontuário n.º 538.
CLUB LITHUANO CULTURA DE VILLA ZELINA. Prontuário n.º 539.
CONFEDERAÇÃO GERAL DO TRABALHO DO BRASIL. Prontuário n.º 532.
FEDERAÇÃO REGIONAL SINDICAL. Prontuário n.º 880, 2 v
FEDERAÇÃO COMMUNISTA LIBERTÁRIA. Prontuário n.º 258.
FRENTE POPULAR PELA LIBERDADE. Prontuário n.º 235.
FRENTE ÚNICA SINDICAL OU FRENTE ÚNICA POPULAR. Prontuário n.º 3.278.
LIGA COMUNISTA INTERNACIONALISTA. Prontuário n.º 4.143, 3 vols.
LIVRARIA ODEON. Prontuário n.º 278.
MOVIMENTO SYNDICAL”. Prontuário n.º 126.
PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL. Prontuário n.º 2.431, 16 vols.
PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO. Prontuário n.º 40.664.
PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO. Prontuário n.º 1.009, 2 vols.
PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO, Prontuário n.º 67.
PARTIDO SOCIALISTA REVOLUCIONÁRIO. Prontuário n.º 9.232.
PRESÍDIO POLÍTICO “MARIA ZÉLIA”. Prontuário n.º 5.229. SINDICÂNCIA REFERENTE À
DEPREDAÇÃO DO PRESÍDIO PELOS PRESOS, NO DIA 30 DE ABRIL DE 36.
SOCIEDADE DOS UKRANIANOS. Prontuário n.º 238.
SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES TERRESTRES. Prontuário n.º 124.

2. PRONTUÁRIOS PESSOAIS (DEOPS/SP).

AFFONSO SCHIMIDT. Prontuário n.º 11.


AGOSTINHO FARINA. Prontuário n.º 848
AMÉRICO PAULO SESTI. Prontuário n.º 180.
ANTONIETA PRADO. Prontuário n.º 1.691.
ANTÔNIO BRANDÃO. Prontuário n.º 57.
ANTÔNIO BRITES DOS SANTOS. Prontuário n.º 58.
ANTÔNIO DO PINHO, VULGO “PINHEIRO” . Prontuário n.º 1.932.
ANTÕNIO MANOEL RIBEIRO. Prontuário n.º 77.
ANTÔNIO MENDES DE ALMEIDA. Prontuário n.º 79.
ANTÔNIO PAREJA. Prontuário n.º 1.166.
ANTÔNIO VICTOR PARANÁ. Prontuário n.º 3.644.
ARISTIDES DA SILVEIRA LOBO. Prontuário n.º 37, 2 vols.
ARISTON RUSCIOLLELLI OU ARISTON FRAGA. Prontuário n.º 260.

1146
Documentos que se encontram em prontuários pessoais ou temáticos. O termo dossiê não é aplicado pelos
registros policiais. Boa parte dos processos não possui folhas numeradas, dificultando a sistematização das
citações.
ARNALDO MAZANELLO PETTINATI. Prontuário n.º 2878.
ARSÊNIO PALÁCIOS. Prontuário n.º 1.507.
ARTHUR PICCININI. Prontuário n.º 4.975.
ARTHUR HELÁDIO NEVES. Prontuário n.º 220.
ASTROJILDO PEREIRA DUARTE SILVA. Prontuário n.º 44.
AUGUSTO PINTO. Prontuário n.º 933.
AUGUSTO PIZZUTTI. Prontuário n.º 47.
BRASIL GERSON WANDER HEYDEN GORRESEN. Prontuário n.º 3.096.
CAIO PRADO JR. E ANTONIETA PRADO. Prontuário n.º 1.691.
CHRISTOVAM ALBA. Prontuário n.º 52.
CLODOMIRO SESTI. Prontuário n.º 183.
CLÓVIS DE GUSMÃO. Prontuário n.º 67.
CORIPHEU DE AZEVEDO MARQUES. Prontuário n.º 52.
DOMINGOS TROMBELLI OU TAVEIRA. Prontuário n.º 1.253.
DOMITILIANO ROSA. Prontuário n.º 1.046.
EDGARD LEUENROTH. Prontuário n.º 122, 2 vols.
EDUARDO RIBEIRO XAVIER. Prontuário n.º 358.
ELIAS GARCIA SANCHEZ. Prontuário n.º 2.032.
EVERARDO DIAS. Prontuário n.º 136.
FERNANDO DE LACERDA. Prontuário n.º 780.
FERNANDO SALVESTRO. Prontuário n.º 4534.
FRANCISCO FROLA. Prontuário n.º 152.
FRANCISCO GIRALDES FILHO. Prontuário n.º 3.117, 2 v.
FRANCISCO QUESADA. Prontuário n.º 217.
FÚLVIO ABRAMO. Prontuário n.º 712.
GALEÃO COUTINHO. Prontuário n.º 163.
GOFFREDO ROSINI. Prontuário n.º 173.
HEITOR FERREIRA LIMA. Prontuário n.º 3.225.
HENRIQUE MESQUINO COVRE. Prontuário n.º 358.
HERMÍNIO MARCOS HERNANDES. Prontuário n.º 188.
HERMÍNIO SACCHETTA. Prontuário n.º 3.196, 2 vols.
HIGINO ALONSO DELGADO. Prontuário n.º 192.
HONÓRIO DE FREITAS GUIMARÃES. Prontuário n.º 358.
HONÓRIO PINTO. Prontuário n.º 1.263.
HYLCAR LEITE. Prontuário n.º 3.815.
ÍSIS DE SÍLVIO. Prontuário n.º 196.
JAYME ADOUR DA CÂMARA. Prontuário n.º 7.
JOÃO CABANAS, CORONEL. Prontuário n.º 122.
JOÃO DA COSTA PIMENTA. Prontuário n.º 217.
JOÃO GERULAITS. Prontuário n.º 888, 2 vols.
JOÃO MATHEUS. Prontuário n.º 53.092.
JOÃO MENEZES. Prontuário n.º 1.030.
JOÃO SANCHES. Prontuário n.º 133.
JOAQUIM CAMARA FERREIRA. Prontuário n.º 358.
JOSÉ ALVES DE BRITO BRANCO. Prontuário n.º 170.
JOSÉ AUTO DA CRUZ DE OLIVEIRA. Prontuário n.º 4.089.
JOSÉ CARLOS BOSCOLO. Prontuário n.º 263.
JOSÉ MARIA CRISPIM. Prontuário n.º 46.537. 2 v.
JOSÉ NEVES. Prontuário n.º 2.863.
JOSÉ OITICICA. Prontuário n.º 860.
JOSÉ RIGHETTI. Prontuário n.º 282.
JOSÉ STANCHIM OU STACCHINI. Prontuário n.º 3.005.
JOSIAS MARTINHO OU ARISTIDES MENDES. Prontuário n.º 1.694.
LADISLAU DE CAMARGO OU DE ARRUDA CAMARGO. Prontuário n.º 3.434.
LAURO CARIBÉ DA ROCHA. Prontuário n.º 45.707.
LÉLIO ABRAMO. Prontuário n.º 2.238.
LÍVIO ABRAMO. Prontuário n.º 2.238.
LÍVIO XAVIER OU LÍVIO BARRETTO XAVIER. Prontuário n.º 300.
LUCAS GABRIEL. Prontuário n.º 97.772.
LUCIANO RAGUNA. Prontuário n.º 1.255.
MANOEL MEDEIROS. Prontuário n.º 177.
MÁRIO DUPONT. Prontuário n.º 331.
MÁRIO GRAZZINI. Prontuário n.º 333.
MÁRIO PEDROSA. Prontuário n.º 2.030.
MÁRIO SCOTT. Prontuário n.º 57.700.
MARY HOUSTON PEDROSA. Prontuário n.º 2.096.
NOÉ GERTEL. Prontuário n.º 2.391.
OLGA PANDARSKY OU MARIA RODRIGUES. Prontuário n.º 888, 2 vols.
OSCAR VILLA BELLA. Prontuário n.º 1.440.
OZÓRIO CÉZAR. Prontuário n.º 1.936.
PASQUALE PETRACCONE. Prontuário n.º 5.252.
PATRÍCIA GALVÃO. Prontuário n.º 1.053.
PEDRO MOTTA LIMA, n.º 511.
PLÍNIO GOMES DE MELLO. Prontuário n.º 385.
RAMON GUERRERO SIMON. Prontuário n.º 390.
SALISBURY GALEÃO COUTINHO (DR.). Prontuário n.º 153.
VICENTE DA COSTA E SILVA OU ROBERTO MORENA OU ADALBERTO RODRIGUES.
Prontuário n.º 1.696.
VÍCTOR AZEVEDO PINHEIRO. Prontuário n.º 441, 2 vols.
VINCENZO GUERRIERO. Prontuário n.º 444.
WALDEMAR BELFORT DE MATOS. Prontuário n.º 960.

3. PROCESSOS-CRIME (CEMAP).

PROCESSO-CRIME CONTRA HYLCAR LEITE E OUTROS. N. º 96, 2 vols. Tribunal de Segurança


Nacional. Microfilme. 001-0-82-AMR-2. CEMAP/CEDEM/UNESP.

PROCESSO-CRIME CONTRA ARISTON RUCIOLELLI E LÚCIO FRAGOSO. Microfilme do Arquivo


Nacional. MRI. CEMAP/CEDEM/UNESP.

4. RELATÓRIOS, INFORMES RESERVADOS, MATERIAL PRODUZIDO PELA POLÍCIA


POLÍTICA OU PELA REAÇÃO EM GERAL (DEOPS/SP).

A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE SÃO PAULO. HISTÓRICO. Prontuário


n.o. 2.431, v. 9.
AUTO DE VERIFICAÇÃO E APREENSÃO NA CASA DE HYLCAR LEITE. Prontuário n.º
4.143, v. 1, doc. n.º 1.
ASSEMBLÉIA NA RUA DO CARMO, 25, PARA A ORGANIZAÇÃO DE UM COMITÊ
ANTIFASCISTA, TENDO À FRENTE OS ANARQUISTAS. Prontuário n.o 2.431, v. 1, doc. n.º 75.
CAMPANAS A ARISTIDES LOBO. Prontuário n.º 37.
CAMPANAS A MÁRIO GRAZZINI. Prontuário n.º 333.
CARTA CONFIDENCIAL DE DIVERSOS INDUSTRIAIS DE CALÇADOS AO DELEGADO
DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL. São Paulo, 6/5/1932. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 45.
CARTA DE ANTÔNIO GHIOFFI AO DELEGADO DA OS. São Paulo, 28/5/31. Prontuário
n.º 880, v. 1.
COMUNICADO CONFIDENCIAL DA EMBAIXADA DO BRASIL EM BUENOS AIRES,
INFORMANDO DE ATIVIDADES DE COMUNISTAS EM SP. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. 30.
COMUNICAÇÃO DE SERVIÇO. 29/1/26. Prontuário n.º 152.
COMUNICAÇÃO DE SERVIÇO. 1/12/26. Prontuário n.º 152.
DECLARAÇÕES DE AGOSTINHO FARINA. Prontuário n.º 848.
DECLARAÇÕES DE ARISTIDES DA SILVEIRA LOBO. Dossiê 30-K-69.
DECLARAÇÕES DE OSCAR VILLA BELLA. Prontuário n.º 1.440.
DECLARAÇÕES DE EVERARDO DIAS. Prontuário n.º 136.
DECLARAÇÕES DE FÚLVIO ABRAMO. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 16.
DECLARAÇÕES DE HYLCAR LEITE. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 13.
DECLARAÇÕES DE MANOEL MEDEIROS. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 6.
DECLARAÇÕES DE SALVESTRO. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 8.
DECLARAÇÕES DE FUAD DE MELLO. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 4.
DECLARAÇÕES DE JOÃO DA COSTA PIMENTA. Prontuário n.º 217.
DECLARAÇÕES DE JOSÉ NEVES. Prontuário n.º 2.863.
DECLARAÇÕES DE JOSEPHINA GOMES. Prontuário n.º 4.143, v. 1, doc. n.º 3.
DECLARAÇÕES DE VÍCTOR DE AZEVEDO PINHEIRO. Prontuário n.º 441, v. 1.
DECLARAÇÕES DO DELEGADO DE POLÍCIA DE PEDERNEIRAS. 29/11/37. Prontuário
n.º 441, v. 1.
DEMONSTRAÇÃO PÚBLICA DOS SEM TRABALHO. 15/8/31. Prontuário n.º 2.431, v. 1,
doc. n.º 12.
DENÚNCIA ANÔNIMA. Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 295.
DENÚNCIA. 18/4/31. Prontuário n.º 2.431, v. 8.
DENÚNCIA ANÔNIMA SOBRE CONVERSA DE TEOR COMUNISTA. 3/10/32. Prontuário
n.º 2.431, v. 8.
DENÚNCIA ANÔNIMA SOBRE REUNIÕES COMUNISTAS. 21/9/32. Prontuário n.º 2.431,
v. 8.
INFORMAÇÃO SOBRE ESPIONAGEM E ESPIÕES. Prontuário n.º 2.431, v. 4.
INFORMAÇÃO SOBRE A NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO SECRETA. Prontuário n.º
2.431, v. 4.
INFORMAÇÃO DO DELEGADO DE OS AO SUPERINTENDENTE DE OPS. SP, 26/4/37.
Prontuário n.º 37, v. 2.
INFORMAÇÃO SOBRE TROTSKISTAS QUE “TÊM TIDO COMUNICAÇÃO” COM A DOS.
São Paulo, 26/4/37. Prontuário n.º 37, v. 2.
INFORME RESERVADO SOBRE ACORDO ASSINADO ENTRE ARISTIDES LOBO,
MÁRIO PEDROSA E JOSÉ PINHO DE ATHAYDE SOBRE REALIZAREM JUNTOS OS COMÍCIOS
DA LCI E DO PSB. 9/3/33. Prontuário n.º 2.431, v. 3.
INFORME RESERVADO SOBRE A ADESÃO DO GRUPO SOCIALISTA “GIACOMO
MATTEOTTI” TER ADERIDO AO PSB. Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE ALA PROGRESSISTA OU COLABORACIONISTA DO
PC. 1933. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 61.
INFORME RESERVADO SOBRE ALIJAMENTO DE AGITADORES DA UTG. 1931.
Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 301.
INFORME RESERVADO SOBRE ANARQUISTAS. 24/12/1934. Prontuário n.º 860.
INFORME RESERVADO SOBRE ASSEMBLÉIA DA UNIÃO DOS OPERÁRIOS EM
FÁBRICAS DE TECIDOS. 28/5/31. Prontuário n.º 880, v. 1.
INFORMAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DE ARISTIDES LOBO. 13/7/1925. Prontuário n.º
712.
INFORMAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DE VICENTE DA COSTA E SILVA. Prontuário n.o.
2.431, v. 1. Doc. n.º 45.
INFORME RESERVADO SOBRE A ASSOCIAÇÃO AMIGOS DA RÚSSIA. São Paulo,
23/2/31. Prontuário n.º 2.431, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE ATIVIDADES DO PC E DEMONSTRAÇÃO
COMEMORATIVA DA MORTE DE ROSA LUXEMBURGO E CARLOS LIEBENICK. 3/11/31.
Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 19.
INFORME RESERVADO SOBRE ATIVIDADES EXERCIDAS POR BRASILEIROS E RAÇA
LATINA; SÓ RESTARAM ALGUNS JUDEUS E OS LITUANOS FICARAM SEM OS CHEFES.
15/4/32. Prontuário n.º 2.431, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE A ATIVIDADE DOS COMUNISTAS DISSIDENTES.
25/2/31. Prontuário n.º 382, doc. n. 8.
INFORME RESERVADO SOBRE ATRITOS ENTRE SINDICALISTAS E COMUNISTAS.
30/7/31. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 7.
INFORME RESERVADO SOBRE BANGUSISTAS E TROTSKISTAS EM SP. 15/3/44.
Prontuário n.º 30-C-1.
INFORME RESERVADO SOBRE CANDIDATURA DE ARMANDO SALES DE OLIVEIRA.
15/10/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE COMEMORAÇÃO NO HISPANO-AMERICANO PELO
ANIVERSÁRIO DE LUIZ CARLOS PRESTES. 3/1/1946. Prontuário n.º 30-C-1, f. 973.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO PRÓ SACCO-VANZETTI. JULHO DE 1927.
Prontuário n.º 122, doc. n.º 31.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO DE 7/11/1929. Prontuário n.º 79.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO DE PROTESTO PROMOVIDO PELO
COMITÊ DA GREVE DOS GRÁFICOS. Largo da Concórdia. Prontuário n.º 258-A.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO DO COMITÊ PRÓ-LIBERDADE DE
CONSCIÊNCIA. 7/5/31, no Largo da Concórdia, contra o ensino religioso nas escolas públicas e
particulares. Prontuário n.º 382.
INFORME RESERVADO SOBRE UMA CONFERÊNCIA NA LEGA LOMBARDA SOBRE A
REVOLUÇÃO ESPANHOLA. 18/5/31. Prontuário n.º 136.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO NO LARGO 13 DE MAIO. Prontuário n.º 30-K-
69-11.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO DE 1.º DE MAIO. 29/4/31. Prontuário n.º 880,
v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO NA MATARAZZO. 20/6/31. Prontuário n.º 441,
v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO ANTI-GUERREIRO, NO LARGO SÃO
PAULO, 13/10/35. Prontuário n.º 1.009, v. 1, doc. n.º 70.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO NO PARQUE D. PEDRO II DE PROTESTO
CONTRA O FASCISMO E A GUERRA DA ABISSÍNIA. Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIO DO PSB COM ATAQUES AO
INTEGRALISMO E À POLÍCIA. Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE COMÍCIOS PROMOVIDOS POR UMA CARAVANA DE
INTELECTUAIS NO INTERIOR DO ESTADO, PARA ALERTAR O POVO ATITUDES A TOMAR
FRENTE AO MOMENTO NACIONAL. 11/10/1935. (PSB).
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA NO SALÃO LUSO-BRASILEIRO.
Prontuário n.º 152.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA NO SALÃO ITÁLIA FAUSTA. Prontuário
n.º 152.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIAS DE JOSÉ OITICICA. 20/6/31.
Prontuário n.º 860.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA DE JOSÉ OITICICCA. 27/6/33.
Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 74.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA ANTI-GUERREIRA. 9/2/32. Prontuário
n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 47.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA DE CAIO PRADO JR.: “A RÚSSIA DE
HOJE”. 6/9/33. Prontuário n.º 1.691.
INFORME RESERVADO SOBRE CONFERÊNCIA ANARQUISTA. 2/10/48. Dossiê n.º 30-
J-38.
INFORME RESERVADO SOBRE O CONGRESSO DA UNIDADE SINDICAL. 18/9/31.
Prontuário n.º 880, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE O CONGRESSO DA UNIDADE SINDICAL. 22/9/31.
Prontuário n.º 880, v.1.
INFORME RESERVADO SOBRE O CONGRESSO OPERÁRIO. 13/3/31. Prontuário n.º 37,
doc. n.º 9.
INFORME RESERVADO SOBRE A GRANDE DISSENSÃO EXISTENTE ENTRE
COMUNISTAS E ANARQUISTAS. 21/1/32. Prontuário n.º 385, doc. n.º 32.
INFORME RESERVADO SOBRE A GREVE DOS GRÁFICOS DE 1929. Prontuário n.º 217.
INFORME RESERVADO SOBRE A FEDERAÇÃO OPERÁRIA. 14/2/31.
INFORME RESERVADO SOBRE A FEDERAÇÃO OPERÁRIA DE SP E SOBRE A
TENTATIVA DE CONQUISTA DOS GRÁFICOS PELO PC. 10/8/31. Prontuário n.º 385, doc. n.º 25.
INFORME RESERVADO SOBRE DOIS FESTIVAIS OPERÁRIOS. 19/10/31. Prontuário n.º
2.431, v. 1, doc. n.º 14.
INFORME RESERVADO SOBRE A FRAÇÃO DISSIDENTE COMUNISTA. 28/2/31.
Prontuário n.º 2.431, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE A FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA ESTAR SOB A
DIREÇÃO DA OPOSIÇÃO COMUNISTA. 15/7/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 73.
INFORME RESERVADO SOBRE A FUNDAÇÃO DA REVISTA SOCIALISMO. Prontuário
n.º 2.431, v. 2, doc. n.º 57.
INFORME SOBRE HOSTILIDADES QUE O PCB VINHA INFRINGINDO AOS
TROTSKISTAS . Prontuário n.º 30-K-69-11.
INFORME RESERVADO SOBRE A INFILTRAÇÃO COMUNISTA NA UTG. 25/4/31.
Prontuário n.º 382, f. 21.
INFORME RESERVADO SOBRE A INFILTRAÇÃO DE LUÍZA BRANCO JUNTO AOS
OPERÁRIOS DA ÍTALO BRASILEIRA. Prontuário n.º 170.
INFORME RESERVADO SOBRE INSULTOS AOS PADRES, DURANTE O CONGRESSO
EUCARÍSTICO. 14/10/42. Prontuário n.º 30-A-O.
INFORME RESERVADO SOBRE A LCI E A CONSTITUINTE. 23/2/32. Prontuário n.º
4.143, v. 2.
INFORME RESERVADO SOBRE LIGAÇÃO DE ELEMENTOS DO PC E DA LEGIÃO
REVOLUCIONÁRIA. 15/8/31. Prontuário n.º 2.431, v.1, doc. n.º 12.
INFORME RESERVADO CONTRA A LUTA DOS TROTSKISTAS CONTRA A
MINISTERIALIZAÇÃO DOS SINDICATOS. Prontuário de Pedro Motta Lima, n.º 511.
INFORME RESERVADO SOBRE MANIFESTAÇÃO ANTIFASCISTA. Prontuário n.º 1.691,
doc. n.º 56.
INFORME RESERVADO SOBRE MANIFESTAÇÃO ANTIFASCISTA. Largo da Concórdia.
25/1/33. Prontuário n.º 1.009.
INFORME RESERVADO SOBRE MANIFESTO COMUNISTA DESMASCARANDO OS
ANARQUISTAS. 30/6/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 79.
INFORME RESERVADO SOBRE UM MANIFESTO DA LCI, DISTRIBUÍDO POR PLÍNIO
MELLO E MÁRIO DUPONT NO SALÃO ITÁLIA FAUSTA. 3/9/31. Prontuário n.º 4.143, v. 2.
INFORME RESERVADO DE “X-Z” . Sobre Mário Scott ter sido feito secretário-geral do PC
em SP. 13/7/40. Prontuário n.º 30-C-1.
INFORME RESERVADO SOBRE A NECESSIDADE DE LUTAR CONTRA ANARQUISTAS
E COMUNISTAS NOS SINDICATOS. 17/2/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 48.
INFORME RESERVADO SOBRE MANIFESTO DA LIGA COMUNISTA DE CRÍTICA À LEI
DE SINDICALIZAÇÃO. 15/4/31. Prontuário n.º 4.143, v. 2.
INFORME RESERVADO SOBRE MOVIMENTO DE FUSÃO ENTRE ANARQUISTAS E
SOCIALISTAS. 2/10/48. Prontuário n.º 30-J-38.
INFORME RESERVADO SOBRE A OPOSIÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA. 4/3/31.
Prontuário n.º 382, doc. n. 9.
INFORME RESERVADO SOBRE PARADA DA FOME. PROGRAMADA PARA 15/8/31.
Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 12.
INFORME RESERVADO SOBRE PASSEATA PÚBLICA PARA FESTEJAR O 5 DE
JULHO, PROMOVIDA PELO PS. 27/6/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 74.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB. 11/9/37. Prontuário n.º 40.664, f. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE O PARTIDO SOCIALISTA DO BRASIL. 13/9/37. Prontuário n.º
40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB. 22/9/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB, DIVIDIDO EM DUAS CORRENTES. 7/2/33.
Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE ESTAR O PSB SE TORNANDO CADA VEZ MAIS
COMUNISTA. 17/8/35. Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB. 1/210/37. ELEIÇÕES E FORJAMENTO DA
TRAMA COMUNISTA POR VARGAS. 1/10/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB, COM ANÁLISE SOBRE O GOLPE DE VARGAS
NAS FUTURAS ELEIÇÕES. 2/10/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB E A CANDIDATURA DE JOSÉ AMÉRICO.
2/10/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PSB, COM A PRESENÇA DOS TROTSKISTAS
ARISTIDES LOBO E JOÃO MATHEUS. 6/10/37. Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE A PRESENÇA DE TROTSKISTAS NO PSB. 7/10/37.
Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE A PRESENÇA DE TROTSKISTAS NO PSB. 11/10/37.
Prontuário n.º 40.664.
INFORME RESERVADO SOBRE O PLANO DE SE UNIREM PARTIDOS E
ORGANIZAÇÕES DE ESQUERDA NUM BLOCO CONTRA O INTEGRALISMO. Prontuário n.º
2.431, v. 3, doc. n.º 305.
INFORME RESERVADO SOBRE A PREDOMINÂNCIA DE INTELECTUAIS NA UTG.
11/2/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 47.
INFORME RESERVADO SOBRE A PROIBIÇÃO FEITA PELOS DIRIGENTES
COMUNISTAS DE CAMARADAS LEREM A “LANTERNA”, JORNAL ANARQUISTA. Prontuário n.º
30-C-1.
INFORME RESERVADO SOBRE A PROPAGANDA SOCIAL EM SP. 25/2/31. Prontuário
n.º 382, doc. n. 8.
INFORME RESERVADO SOBRE RECADO DE PRESO À FEDERAÇÃO OPERÁRIA.
Fevereiro de 1931. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. 3.
INFORME RESERVADO SOBRE A REORGANIZAÇÃO DO PC POR ASTROJILDO
PEREIRA. 31/1/31. Prontuário n.º 382, doc. n. 7.
INFORME RESERVADO SOBRE REPRESSÃO À COMEMORAÇÃO DE PRIMEIRO DE
MAIO E INFILTRAÇÃO COMUNISTA NA POLÍCIA. 29/4/31. Prontuário n.º 533.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DE COMUNISTAS NA CASA DE OSWALD
DE ANDRADE. 5/8/31. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 10.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO ANARQUISTA DEDICADA A TODOS OS
TRABALHADORES. Prontuário n.º 122, doc. n.º 8.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO ANTI-CLERICAL NO SALÃO DAS CLASSES
LABORIOSAS, 4/11/33. Prontuário n.º 122, doc. n.º 12.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DA RÚSSIA,
5/5/31. Prontuário n.º 382.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DO COMITÊ ANTI-GUERREIRO. 27/7/33.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DO COMITÊ ANTI-GUERREIRO. 29/3/33.
Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 30.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO PROMOVIDA PELO CENTRO ESTUDANTIL
ANTI-GUERREIRO DE SP, em 3/11/33. Prontuário n.º 122, doc. n.º 13.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO ANTI-GUERREIRA, DE 8/2/34. Prontuário n.º
2.030, doc. n.º 26.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DA FRENTE ÚNICA ANTIFASCISTA.
14/7/33. Prontuário n.º .2431, v. 1, doc. n.º 73.
INFORME RESERVADO DANDO CONTA DE REUNIÕES EM SINDICATOS, COM A
PARTICIPAÇÃO DA CORRENTE TROTSKISTA. 21/8/33. Prontuário n.º 1.691.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DE PROTESTO PELA MORTE DE
HERCULANO DE SOUZA E OUTROS CAMARADAS E PELAS TORTURAS E
DESAPARECIMENTO DE GENNY GLEISER. 24/8/35.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DE PROTESTO CONTRA A MORTE DO
ESTUDANTE DÉCIO PINTO DE OLIVEIRA. SALÃO CERVANTE, LARGO DA CONCÓRDIA.
7/10/35. Prontuário n.º 1.009, v. 1, doc. n.º 67.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO DA ANL NO RINK-SP. 8/7/35. Prontuário n.º
2.431, v. 5.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO NO SINDICATO DOS VIDREIROS. Prontuário
n.º 37.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO NA SEDE DA “LEGA LOMBARDA”, DE
COMUNISTAS. Prontuário n.º Everardo Dias.
INFORME RESERVADO SOBRE REUNIÃO NO COMITÊ MUNICIPAL DO PCB, 9/12/45,
NO QUAL AS MASSAS FORAM PREVENIDAS DE QUE TROTSQUISTAS E 5.ª COLUNISTAS
PRETENDIAM PROVOCAR AGITAÇÕES PARA COLOCAREM O PCB NA ILEGALIDADE.
Prontuário n.º 30-C-1.
INFORME RESERVADO SOBRE POLICIAIS SUSPEITOS DE COMUNISTAS. 1933.
Prontuário n.º 1.009, v. 1.
INFORME RESERVADO SOBRE A SAÍDA DA UTG DA FO. 21/5/31. Prontuário n.º 77.
INFORME RESERVADO SOBRE SESSÃO DE PROPAGANDA DO PC, NA QUAL
FALARAM ANTÔNIO LUIZ FERREIRA E CORIPHEU DE AZEVEDO MARQUES. 14/5/31.
Prontuário n.º 2.43l, v. 1, doc. 6.
INFORME RESERVADO SOBRE A LEI DE SINDICALIZAÇÃO. 3/5/34. Prontuário n.º
2.431, v. 4.
INFORME RESERVADO SOBRE SINDICATOS. Prontuário n.º 4.243, v. 2.
INFORME RESERVADO SOBRE SINDICATOS. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 27.
INFORME RESERVADO SOBRE STALINISTAS E TROTSKISTAS. 11/10/34. Prontuário
n.º 2.431, v. 4.
INFORME RESERVADO SOBRE TEREM OS COMUNISTAS MAIS DIREITO DE
REUNIÃO DO QUE O ANARQUISTAS, POR SEREM NACIONAIS E OS ANARQUISTAS
ESTRANGEIROS. 9/3/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 57.
INFORME RESERVADO SOBRE TIPOGRAFIA DO PCB. 19/2/31. Prontuário n.º 2.431. v.
1.
INFORME RESERVADO SOBRE OS TROTSKISTAS PLÍNIO DE MELLO, JOÃO DA
COSTA PIMENTA E ARISTIDES LOBO TEREM DELIBERADO INICIAR A PROPAGANDA DA
CONVOCAÇÃO DAS ELEIÇÕES E DA CONSTITUINTE. 26/2/31. Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. 3.

INFORME RESERVADO SOBRE TROTSKISTAS QUEREREM SE APODERAR DA


ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DO COMÉRCIO. Prontuário n.º 1.691.
INQUÉRITO POLICIAL DA LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 1.
INQUÉRITO SOBRE JOSÉ MARIA CHRISPIM, MÁRIO BARBATI, FRANCISCO FERRAZ
DE OLIVEIRA, DAVINO FRANCISCO DOS SANTOS. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
LISTA DE ELEMENTOS RECONHECIDAMENTE COMUNISTAS E AGITADORES DA
SOCIEDADE ANÔNIMA MOINHO SANTISTA INDÚSTRIAS GERAIS, DE SANTO ANDRÉ.
Prontuário n.º 89.009.
OFERECIMENTO DE SERVIÇOS CONTRA COMUNISTAS. 29/9/26. Prontuário n.º 2.431,
v. 4.
PROPAGANDA COMUNISTA PELA ARTE. Prontuário de Salisbury Galeão Coutinho, n.º
163.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS DA MASSA FALIDA DA GRÁPHICA EDITORA
UNITAS LTDA. Prontuário n.º 278.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS NA CASA DE WALDEMAR BELFORT DE MATTOS.
Prontuário n.º 960.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS DE VÍCTOR DE AZEVEDO PINHEIRO. Prontuário n.º
441. v. 1.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS COM HILCAR LEITE. Prontuário n.º 4.143, v. 1.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS COM JOSÉ AUTO CRUZ COSTA. Prontuário n.º
4.089.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS COM MÁRIO PEDROSA. Prontuário n.º 2.030.
LISTA DE LIVROS CONFISCADOS COM HERMÍNIO SACHETTA. Prontuário n.º 3.196, v.
2.
RELAÇÃO DE COMUNISTAS MAIS EM EVIDÊNCIA. Prontuário n.º 2.431, v. 5, doc. n.º 40.
RELAÇÃO DE ELEMENTOS QUE FAZEM PARTE DO PC E DE EXTREMISTAS AMIGOS
DOS BOLCHEVISTAS. Prontuário de Domingos Trombelli ou Taveira, n.º 1.253.
RELAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES SUBORDINADAS À INTERNACIONAL COMUNISTA.
Prontuário n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 22.
RELAÇÃO DE SINDICATOS COM INFILTRAÇÃO COMUNISTA. SP, 13/10/37. Prontuário
n.º 37, v. 2.
RELAÇÃO GERAL DOS EXTREMISTAS DETIDOS PELA SOPS/SP, PELAS SUAS
ATIVIDADES SUBVERSIVAS RELACIONADAS COM OS ÚLTIMOS MOVIMENTOS SEDICIOSOS
VERIFICADOS NO PAÍS. Novembro e dezembro de 1935. Prontuário n.º 2431, v. 9.
RELATÓRIO SOBRE O MOVIMENTO SINDICAL EM SP. 10/10/31. Prontuário n.º 880, v. 2.
RELATÓRIO SOBRE A ESTRUTURA ORGÂNICA, MÉTODOS E TÉCNICAS DO PCB.
Prontuário n.º 2.431, v. 4, doc. n.º 425.
RELATÓRIO DO DOPS SOBRE: “O BOLCHEVISMO NA AMÉRICA DO SUL E SEUS
FINS”. Prontuário n.º 2.431, v. 4, f. 65 ... 29/9/26.
RELATÓRIO SOBRE A VIDA ASSOCIATIVA DAS ORGANIZAÇÕES OPERÁRIAS,
PRISÃO DE ANARQUISTAS, DE INTIMAÇÃO DE COMUNISTAS E DA PRISÃO DE ARISTIDES
LOBO. 4/8/27. Prontuário n.º 382, doc. n.º 1.
RELATÓRIO SOBRE A ATIVIDADE COMUNISTA NO ANO DE 1929. Prontuário n.º 2.431,
v. 4.
RELATÓRIO SOBRE A AÇÃO DA DOPS NA REPRESSÃO AO COMUNISMO. Prontuário
n.º 2.431, v. 1, doc. n.º 34.
RELATÓRIO SOBRE A ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA RÚSSIA. Prontuário n.º 163.
RELATÓRIO SOBRE ASSEMBLÉIA DOS GRÁFICOS, CUIDANDO DA LEI DE FÉRIAS E
A DE OITO HORAS. 29/3/33. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 30.
RELATÓRIO SOBRE O PCB EM SP, DESTACANDO STALINISTAS E TROTSKISTAS.
2/10/34. Prontuário n.º 2.431, v. 4.
RELATÓRIO SOBRE O PCB ATÉ NOVEMBRO DE 1935. Prontuário n.º 2.431, v. 8.
RELATÓRIO SOBRE A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE SP. 10/7/35.
Prontuário n.º 2.431, v. 9.
RELATÓRIO DO DELEGADO DE ORDEM SOCIAL SOBRE DETENÇÕES. 30/3/36.
Prontuário n.º 2.431, v. 5.
RELATÓRIO SOBRE A OPOSIÇÃO DE ESQUERDA. Prontuário n.º 177. 22/6/36.
RELATÓRIO SOBRE A LIGA COMUNISTA INTERNACIONALISTA. 24/6/36. Prontuário n.º
4.143, v. 1.
RELATÓRIOS SOBRE O PCB APRESENTADOS AO GOVERNO DE JULHO A
SETEMBRO DE 37. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
RELATÓRIO DO DELEGADO ADJUNTO DE SANTOS. 12/2/37. Prontuário n.º 3.005.
RELATÓRIO SOPS SOBRE O PCB. 10/2/38. Prontuário n.º 333.
RELATÓRIO INFORMATIVO SOBRE O SISTEMA DE ORGANIZAÇÃO DO OGPU.
Prontuário n.º 2.43l, v. 3, doc. n.º 311.
RELATÓRIO: HISTÓRIA DO COMUNISMO NO BRASIL. Prontuário n.º 37, v. 1.
RELATÓRIO DO DOPS SOBRE A OPOSIÇÃO DE ESQUERDA. Prontuário n.º 712.
RELATÓRIO SOBRE DISSIDENTES E BANGUSISTAS. 31/5/40. Do chefe do Serviço
Reservado. Prontuário n.º 30-C-1.
RELATÓRIO SOBRE AS DUAS ALAS DO PC: “PAULO” , “BARRETO” e “XAVIER” e
“BANGU” e outros. Prontuário n.º 30-C-1.
RELATÓRIO SOBRE A PRISÃO DE HERMÍNIO SACCHETTA E HEITOR FERREIRA
LIMA, COM INFORMAÇÕES SOBRE A DISSIDÊNCIA DO PARTIDO. 3/6/38. Prontuário n.º 2.431,
v. 7.
RELATÓRIO SOBRE A PRISÃO DE 20 COMUNISTAS, A QUEDA DO CC DO RIO E O
DESBARATAMENTO EM SP DO PCB. 1940. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
RELATÓRIO DE ATIVIDADES COMUNISTAS. 13 a 19/7/40. Prontuário n.º 30/C.1.
RELATÓRIO SOBRE O PCB EM 1941. Prontuário n.º 1.431, v. 1.
RELATÓRIO SOBRE A PROPAGANDA COMUNISTA NO ESTADO DE SÃO PAULO. São
Paulo, 10/7/35. Prontuário n.º 124.
RELATÓRIO DE TRABALHOS REALIZADOS PELA SEÇÃO DE ORDEM SOCIAL
DURANTE O MÊS DE SETEMBRO DE 1941. Prontuário n.º 2.431, v. 7.
RELATÓRIO SOBRE COMUNISTAS. Prontuário n.º 30-Z-93.
RELATÓRIO DA SSPS/SP SOBRE O COMUNISMO. Prontuário n.º 2431, v. 6.
RELATÓRIO SOBRE STALINISMO E TROTSKISMO NA URSS. DOPS/SP. 18/10/39.
Prontuário n.º 4.143, v. 3.
RELATÓRIO SOBRE O PC. 1941. Prontuário n.º 2431, v. 1.
VOTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL ELEITORAL CASSANDO O REGISTRO DO PCB.
DECLARAÇÕES DE VOTOS. 1947. Prontuário n.º 2.431, v. 15.

5. DOCUMENTOS PRODUZIDOS PELO PCB E POR ÓRGÃOS SINDICAIS (DEOPS/SP).

ATA DA SESSÃO DE ENCERRAMENTO DA 3.ª CONFERÊNCIA OPERÁRIA DE SÃO


PAULO. Prontuário da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil. Prontuário n.º 532.
ATA DA CÉLULA DO BOM RETIRO. 11/10/29. Prontuário n.º 2.431, v. 3.
ATA DA CÉLULA DO BOM RETIRO. 28/10/29. Prontuário n.º 2.431, v. 3.
ATA DA REUNIÃO DO COMITÊ REGIONAL PROVISÓRIO DE SP. 29/12/29. Prontuário
n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 330.
ATA DO CRP/SP, DE 29/12/29. Prontuário n.º 2.431, v. 3.
ATA SOBRE ERROS DE CAMARADAS. CRP/SP. Prontuário n.º 2431, v. 3, doc. n.º 304.
ATA DA REUNIÃO DO COMITÊ REGIONAL DE S. PAULO, de 2/1/32. Prontuário de
Fernando de Lacerda, n.º 780
ATA DA REUNIÃO DO COMITÊ REGIONAL DE S. PAULO, de 30/1/32. Prontuário de
Fernando de Lacerda, n.º 780.
ATA DA REUNIÃO DO COMITÊ REGIONAL DE S. PAULO, de 7/2/32. Prontuário de
Fernando de Lacerda, n.º 780, fls. 48-47. DEOPS/SP.
ATA DA REUNIÃO DO COMITÊ REGIONAL DE S. PAULO, de 21/2/32. Prontuário de
Fernando de Lacerda, n.º 780.
ATA DA REUNIÃO DO SECRETARIADO, realizada em São Paulo, em 8/3/32. Prontuário
de Fernando de Lacerda, n.º 780.
AUTOCRÍTICAS DE ASTROJILDO PEREIRA. 1931. Prontuário n.º 44.
AUTOCRÍTICA DE EVARISTO, SOBRE O RENEGADO ASTROJILDO. Prontuário n.º
2.431, v. 6.
BOLETIM: “LUTA CONTRA A PROVOCAÇÃO E A ESPIONAGEM”. Prontuário n.º 2.431, v.
6.
BOLETIM DE COMBATE AOS TROTSKISTAS. Dezembro de 37. Rio. Prontuário n.º 2.431,
v. 7.
BOLETIM DO PCB. Prontuário n.º 192.
BOLETIM DO CC/SP DO PCB. Prontuário n.º 192.
CARTA A TODOS OS MEMBROS DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL NA REGIÃO
DE S. PAULO (ler com a máxima atenção). 25/3/1930. Prontuário n.º 57.
CARTA AOS OPERÁRIOS COMUNISTAS E SIMPATIZANTES. Prontuário n.º 44.
CARTA DA FEDERAÇÃO OPERÁRIA AO JORNAL O TEMPO. 19/2/31. Prontuário n.º 497.
CARTA DE ASTROJILDO PEREIRA A ARISTIDES LOBO. Prontuário n.º 37.
CARTA DE EVERARDO DIAS. Prontuário n.º 136.
CARTA AOS COMUNISTAS DE PASSO FUNDO CONTRA O PRESTISMO, POR
ASTROJILDO PEREIRA. Prontuário n.º 44, doc. n.º 9.
CARTA DE ASTROJILDO PEREIRA SOBRE O FRACASSO DO SOCORRO VERMELHO.
Prontuário n.º 44.
CARTA DE ASTROJILDO PEREIRA AOS CAMARADAS DO B.P. DE 19/1/32,
REAFIRMANDO TERMOS DA CARTA ANTERIOR QUANTO À AUTOCRÍTICA. Prontuário n.º 44.
CARTA DE ASTROJILDO PEREIRA AO B.P. DE 22-25/1/32, DEFENDENDO-SE DAS
ACUSAÇÕES DE DESVIOS. Prontuário n.º 44.
CARTA-ABERTA DE LADISLAU DE CAMARGO AOS SOCIALISTAS INFORMANDO
SOBRE A NECESSIDADE DE FRENTE ÚNICA DAS MASSAS PROLETÁRIAS. Janeiro de 35.
Prontuário n.º 1.009, v. 1.
CARTA DO PCB AO PSB DE SP E À LCI SOBRE O PLEITO MUNICIPAL, PROPONDO
FRENTE ÚNICA ENTRE ANL, PCB, LCI, PSB. Prontuário n.º 4.143, v.1.
CARTA DE MARTHA SOBRE DISSIDÊNCIA DO PSB E LIGAÇÕES COM MIGUEL
COSTA. 30/7/37. Prontuário n.º 1.009, v. 1.
CARTA DIRIGIDA A UM CAMARADA, PEDINDO A CONCORDÂNCIA TOTAL, A FIM DE
PRESCINDIREM DOS INTELECTUAIS E DE SE DESEMBARAÇAREM DA AÇÃO DO
PACIFISMO. 5/7/45. Prontuário n.º 30-K-69-11.
CARTA-CIRCULAR SOBRE A GRANDE REPRESSÃO DE 35 E ESTRATÉGIAS DE
DEFESA DOS COMUNISTAS. 25/5/36. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
CIRCULAR DA COMISSÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA DA REGIÃO DE SP.
Prontuário n.º 2.391, 3 vols.
CIRCULAR DO PCB/SP, assinada por A. Costa. Prontuário de Antônio Brandão, n.º 57.
CONFERÊNCIA ANARQUISTA REALIZADA NO CENTRO DE CULTURA SOCIAL,
2/10/48. Prontuário n.º 30-J-38.
CRÔNICA POLÍTICA SOBE O TSN. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
DECLARAÇÃO AUTO-CRISE: “CONTRA O OPORTUNISMO. PELA LINHA DO
PARTIDO”. Prontuário n.º 2.431, v. 6.
DISCURSO DO CAMARADA MARQUES. Prontuário n.º 44.
ENSAIO SOBRE A SITUAÇÃO ECONÔMICA FINANCEIRA /.../ APRESENTADO À
PRIMEIRA CONFERÊNCIA DA ZONA DE SANTOS. Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 371.
NOTAS SOBRE O 7.º CONGRESSO INTERNACIONAL COMUNISTA REALIZADO EM
MOSCOU EM JULHO DE 1935. Prontuário n.º 44.
PLANO DE AÇÃO COMUNISTA. Prontuário n.º 2.431, v. 7.
PLANO DE TRABALHO PARA A REGIÃO DE SP, PARA SER ESTUDADO POR TODOS
OS MEMBROS DO PARTIDO ... Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 309.
PROCLAMAÇÃO DO CC DO PCB. Rio, 20/3/31. Prontuário n.º 2.030.
PROGRAMA DE AÇÃO DO PARTIDO. Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 317.
RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO CONTINENTAL, INTERNACIONAL E NACIONAL EM
1930. Prontuário n.º 2.431, v. 3, doc. n.º 325.
RELATÓRIO SOBRE O CONGRESSO DA FO. 10/10/31. Prontuário n.º 880, v. 2.
RESOLUÇÕES ADOTADAS PELO 5.º PLENUM DO PCB. Rio de Janeiro: Editorial
SOVIET, agosto de 32. Prontuário n.º 192.
RESOLUÇÕES DO PLENO DO COMITÊ MUNICIPAL DE SP DO PCB. 16 e 17/12/45.
Prontuário n.º 30-C-1.
SITUAÇÃO DOS OPERÁRIOS FRENTE AO GOLPE DE OUTUBRO DE GETÚLIO.
Prontuário n.º 385.
TESES DA 1.ª CONFERÊNCIA NACIONAL DO PCB SOBRE ORGANIZAÇÃO. Prontuário
n.º 3.278.
TEXTO SOBRE A REPRESSÃO, DE ASTROJILDO PEREIRA. 1931. Prontuário n.º 44.

II. DOCUMENTOS PRODUZIDOS PELOS OPOSICIONISTAS DE ESQUERDA.

1. CORRESPONDÊNCIA PESSOAL (FUNDO LÍVIO BARRETO XAVIER, CENTRO MÁRIO


PEDROSA E DEOPS/SP).

MÁRIO PEDROSA A LÍVIO BARRETO XAVIER. Rio de Janeiro, 5/1/27. FLBX.


IDEM. Paraíba, 1927 (?).FLBX.
MARIO PEDROSA E PLÍNIO MELO A LÍVIO XAVIER E ANTÔNIO BENTO. São Paulo,
1927. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Alemanha, 1928. FLBX.
PLÍNIO MELO A LÍVIO XAVIER. São Paulo, 7/5/1928. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 14/5/1928. FLBX.
IDEM. Paris, 6/4/29. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 20/12/1929. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro , dezembro de 1929 ou janeiro de 1930. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 8/12/30. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, janeiro ou fevereiro de 30. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 3/2/1930. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 25/2/1930. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 26/2/1930. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 12/3/1930. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, março de 1930. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. São Paulo, 15/5/30. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 31/5/1930. FLBX.
MARIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, julho de 1930. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, junho ou julho de 1930. FLBX.
CARTA A AZEVEDINHO. Milão, 3/7/30. Prontuário n.º 441, v. 1. DEOPS.
PLÍNIO MELO A LÍVIO XAVIER. Santos, 15/7/1930. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO, ELSIE E PÈRET. Buenos Aires, 5/8/1930. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 20/8/30. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. São Paulo, 20/9/30. FLBX.
RODOLFO COUTINHO A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1930. FLBX.
MARY HOUSTON A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 2.º semestre de 1930. FLBX.
ARISTIDES LOBO AOS CAMARADAS DA OPOSIÇÃO DE ESQUERDA. Buenos Aires,
2/10/1930. (CEMAP).
MARY HOUSTON A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 25/11/1930. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 8/12/30. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, final de 1930. FLBX.
EDMUNDO MONIZ A LÍVIO XAVIER. Ribeirão Preto, 1930 ou 1931. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 5/2/31. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 21/2/31. FLBX.
ARISTIDES LOBO AO CORREIO DA TARDE. 17/3/31. FLBX.
JOSÉ DE AZEVEDO PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 4/4/31. FLBX.
WALTER A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 20/4/31. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 8/6/31. FLBX.
IDEM. Bariri, 27/6/31. FLBX.
IDEM. Bariri, 21/7/31. FLBX.
IDEM. Bariri, 23/7/31. FLBX.
IDEM. Bariri, 31/7/31. FLBX.
IDEM. Bariri, 5/8/31. FLBX.
CARLOS DE OLIVEIRA PINTO À LC. Bauru, 23/8/31. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Montevidéu, 31/10/31. FLBX.
PLÍNIO MELO E MÁRIO PEDROSA À CE DA LC. São Paulo, 21/11/31. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 23/11/31. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Botucatu, 2/12/31. FLBX.
IDEM. 7/12/31. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 11/12/31. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Botucatu, 12/12/31. FLBX.
IDEM. Botucatu, 12/2/31. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 22/12/31. FLBX.
GOFREDO ROSINI A LÍVIO XAVIER OU MÁRIO PEDROSA. Montevidéu, s/d. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 15/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 17/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 21/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 23/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 26/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 28/1/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 1/2/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 3/2/32. FLBX.
MÁRIO PEDROSA A LÍVIO XAVIER. 5/2/31. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Bariri, 10/2/32. FLBX.
IDEM. Bariri, 15/2/32. FLBX.
BENJAMIN PÈRET À LC. Paris, 19/3/32. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A PÈRET. São Paulo, 20/4/32. FLBX.
ITAGIBA A LÍVIO XAVIER. Batatais, 19/5/32. FLBX.
JOÃO MATHEUS A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 26/5/32. FLBX.
PLÍNIO MELO A ARISTIDES LOBO. 10/10/32 (Bilhete). FLBX.
PLÍNIO MELO A PEDROSA. 10/10/32 (Bilhete). FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A ARISTIDES LOBO. Bariri, 10/1/33. FLBX.
ARISTIDES LOBO AO DIRETOR DO JORNAL L’ ITALIA. São Paulo, 20/1/33. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Abernéssia, 27/4/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 16/6/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 7/7/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 27/7/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 31/8/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 20/9/33. FLBX.
MANOEL MEDEIROS A LÍVIO XAVIER. Abernéssia, 4/10/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 9/10/33. FLBX.
VÍCTOR PINHEIRO A LÍVIO XAVIER. Abernéssia, 10/10/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 19/10/33. FLBX.
IDEM. Abernéssia, 20/10/33. FLBX.
FLÁVIO A MÁRIO PEDROSA. São Paulo, 5/1/34. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 24/10/34. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 29/10/34. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 15/11/34. FLBX.
IDEM. Rio de Janeiro, 14/12/34. FLBX.
HILCAR LEITE A FERNANDO SALVESTRO. São Paulo, 1936. DEOPS.
FERNANDO SALVESTRO A HILCAR LEITE. São Paulo, 8/2/36. DEOPS.
FÚLVIO ABRAMO A HILCAR LEITE. São Paulo, 19/3/36. DEOPS.
ARISTON FRAGA A HILCAR LEITE. São Paulo, 21/3/36. DEOPS.
FUAD DE MELO A HILCAR LEITE. Pitangueiras, março de 1936. DEOPS.
IDEM. São Paulo, março de 1936. DEOPS.
FÚLVIO ABRAMO A HILCAR LEITE. São Paulo, s/d. DEOPS.
PETRACCONE A LÍVIO XAVIER. Rio de Janeiro, 10/8/38. FLBX.
ARISTIDES LOBO A LÍVIO XAVIER. São Paulo, 22/5/45. FLBX.

2. ESTUDOS E DOCUMENTOS EM GERAL (FLBX, CEMAP, ASMOB, DEOPS/SP).

A CONFERÊNCIA REGIONAL DE SÃO PAULO, DE 17 E 18 DE AGOSTO DE 1929.


Prontuário n.º 2.431, doc. n.º 375. DEOPS.
ANTEPROJETO DE ESTATUTOS DO SOCORRO BOLCHEVISTA-LENINISTA, por
Aristides Lobo. FLBX.
AOS OPERÁRIOS GREVISTAS E AOS TRABALHADORES EM GERAL, pela CE da Liga
Comunista. Prontuário n.º 4.143, v. 2. DEOPS.
AS PRIMEIRAS LUTAS DA OPOSIÇÃO RUSSA A PARTIR DE 1923. FLBX.
A SITUAÇÃO NAS LAVOURAS E QUESTÃO AGRÁRIA (APONTAMENTOS), por Víctor
Pinheiro. FLBX.
À CE DA LC, de Tapejara e Cunha (Melo e Pedrosa). 21/11/31. FLBX.
ANTEPROJETO DE ESTATUTOS DO SOCORRO BOLCHEVISTA-LENINISTA, por
Aristides Lobo. FLBX.
ATA DE REUNIÕES DA LCI. 1933. Prontuário n.º 300. DEOPS.
ATAS DE REUNIÕES DA LCI, APREENDIDAS COM HYLCAR LEITE. Prontuário n.º 4.143,
v. 1. DEOPS.
ATA N.º 1 DA LC. 21/1/31. FLBX.
ATAS DE REUNIÕES DA LC DOS DIAS: 22/1/31; 25/1/31; 31/1/31; 1/2/31; 8/2/31; 15/2/31;
22/2/31; 1/3/31. FLBX.
ATAS DAS REUNIÕES DO GB-2 DOS DIAS 30/4/32 e 5/6/32. FLBX.
ATAS E ANOTAÇÕES. Caderneta de Aristides Lobo. FLBX.
ATAS DA PRIMEIRA CONFERÊNCIA NACIONAL DA LIGA COMUNISTA. São Paulo, 6 a
10 de maio de 1933. FLBX.
ATA DA REUNIÃO DA LC. SP, 21/5/33. FLBX.
ATA DA SEGUNDA CONFERÊNCIA NACIONAL DA LIGA COMUNISTA. FLBX.
ATA DA SEGUNDA CONFERÊNCIA NACIONAL (EXTRAORDINÁRIA) DA LIGA
COMUNISTA. FLBX.
ATA DA REUNIÃO DO GB1, DE 1/1/34. Prontuário n.º 300. DEOPS.
ATA DA REUNIÃO AMPLIADA DA CE. 18/2/34. FLBX.
ATA DA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA CE. 23/3/34. FLBX.
ATA DA REUNIÃO AMPLIADA DA CE SOBRE A QUESTÃO SINDICAL. São Paulo, 7/1/33.
Prontuário n.º 2.863. DEOPS.
ATA DO COMITÊ PROVISÓRIO DE SP. 1/11/29. Prontuário n.º 2.431, v. 3. DEOPS.
ATAS DE REUNIÕES DA LCI DOS DIAS 7 E 8 DE AGOSTO DE 1936, APREENDIDAS
COM ARISTON RUSSOLIELLO. Microfilme do Arquivo Nacional, MR1. CEMAP.
AUTO DE ACAREAÇÃO. MEMBROS DA LCI. 16/6/36. Prontuário n.º 4143, v. 1, doc. n.º
14. DEOPS.
A ÚLTIMA AGITAÇÃO POLÍTICA E AS NOVAS POSIÇÕES DO IMPERIALISMO, por
“LYON” (Xavier). A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30, ano I, n.º 3, p. 2.
BILHETE A GUILHERME. A LUTA DE CLASSE., Rio de Janeiro, 1930, n.º 4, p. 4.
BOLETIM DE DISCUSSÃO N.º 1. Abril de 1932. FLBX.
BOLETIM DE DISCUSSÃO DA OEI, de junho de 1932, para ser apresentado à Conferência
Nacional de abril de 1933. FLBX.
BOLETIM DO PSB/SP. 6/11/33. Prontuário n.º 1.009, v. 1. DEOPS.
BOLETIM CONTRA A LEI DE SEGURANÇA NACIONAL. Prontuário n.º 4.143, v. 2.
DEOPS.
BOLETIM INFORMANDO A LUTA COM INTEGRALISTAS E AÇÃO DA POLÍCIA.
Novembro de 35. LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 2. DEOPS.
BOLETIM CRITICANDO O MOPR POR SÓ AUXILIAR PRESOS STALINISTAS. Prontuário
n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
BOLETIM CONTRA OS BANDIDOS DO INTEGRALISMO. LCI. 25/2/35. Prontuário n.º
4.143, v. 2, doc. n.º 67. DEOPS.
BOLETIM DA COMISSÃO NACIONAL DE AGIT.-PROP. DA LCI: “PELA IV
INTERNACIONAL” . 30-8-35. Prontuário n.º 4.143, v. 2, doc. n.º 70. DEOPS.
BOLETIM DIRIGIDO ÀS MASSAS TRABALHADORAS, pelo CR da LCI. Setembro de 34.
Prontuário n.º 4.143, v. 3. DEOPS.
CARTA DE ARISTIDES LOBO SOBRE POLÍTICA SINDICAL. Prontuário n.º 880. DEOPS.
CARTA DE MÁRIO PEDROSA AOS CAMARADAS DO PC. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º
10. DEOPS.
CARTA ABERTA SOBRE A CÉLULA 4-R À DIREÇÃO DO PARTIDO, por Aristides Lobo.
FLBX.
CARTA ABERTA AOS MEMBROS DO PARTIDO COMUNISTA, por Joaquim Barbosa. Rio
de Janeiro, 1928. CEMAP.
CARTA DE PLÍNIO GOMES DE MELO A PEDRO DE BARROS CORRÊA. São Paulo,
21/2/33. Prontuário n.º 385. DEOPS.
CARTA DE ANTÔNIO MACHADO AOS CAMARADAS DA FEDERAÇÃO OPERÁRIA DE
SP. 7/3/33. Prontuário n.º 2.431, v. 1. DEOPS.
CARTA DE PLÍNIO DE MELO RESPONDENDO A PRESTES. Prontuário n.º 382. DEOPS.
CARTA DE JOSÉ OITICICA. 11/5/31. Prontuário n.º 860. DEOPS.
CARTA ABERTA DO BLOCO OPERÁRIO E CAMPONÊS AO CHEFE DE POLÍCIA DE SP,
CONTRA ARBITRARIEDADES POLICIAIS E PRISÕES. 28/2/28. Prontuário n.º 382. DEOPS.
CARTA ABERTA AOS MEMBROS DO PCB. Liga Comunista. Rio de Janeiro, fevereiro de
1933. FLBX.
CARTA DO BUREAU POLÍTICO DO COMITÊ CENTRAL AOS MEMBROS DO PC. São
Paulo, 5/10/33. FLBX.
CARTA DO SECRETÁRIO-GERAL DA CE DA LC À DIREÇÃO DO PC. São Paulo, 6/3/31.
FLBX.
CARTA AOS CAMARADAS DA REGIÃO DO RIO. São Paulo, 12/6/32. FLBX.
CARTA DA LCI AO PCB E AO PSB. Prontuário n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
CARTA EXPONDO A CISÃO DA LCI. 12/3/36. Prontuário n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
CARTA-CIRCULAR DO SECRETÁRIO DA CE DA LC AOS CAMARADAS. São Paulo,
16/6/32. FLBX.
CARTA-CIRCULAR DO SECRETÁRIO-GERAL DA CE SOBRE A SITUAÇÃO DO GB-2.
São Paulo, 23/6/32. FLBX.
CARTA-CIRCULAR AOS CAMARADAS DO GB-1. São Paulo, 7/7/32. FLBX.
CARTA-CIRCULAR SOBRE A CONSTITUINTE, de Aristides Lobo. 27/1/32. FLBX.
CARTA-CIRCULAR SOBRE A OPOSIÇÃO DE ESQUERDA. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º
35. DEOPS.
CARTA-CIRCULAR DA LCI, REFERINDO-SE A ERROS DO PARTIDO E PEDINDO
DONATIVOS PARA SOCORRO AOS PRESOS E SUAS FAMÍLIAS. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º
34. DEOPS.
COMO SE ARGUMENTA CONTRA NÓS. A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30,
ano I, n.º 3.
COMUNICADO DA LC AOS JORNAIS SOBRE A PALAVRA DE ORDEM DA
CONSTITUINTE. 1931. FLBX.
CONTRA OS MISTIFICADORES, folheto da LAR escrito por Aristides Lobo, mas assinado
por Luís Carlos Prestes. FLBX.
“DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE”. Texto de Aristides Lobo, outubro de 30. FLBX.
DECLARAÇÃO POLÍTICA SOBRE A IV INTERNACIONAL, por Aristides Lobo, 30/12/33.
FLBX.
DEFINIÇÕES E DIRETRIZES, por Aristides Lobo. Vanguarda Socialista. 18/10/46. ASMOB.
DIRETIVAS. Vanguarda Socialista, Ano I, n.º 1, p. 1. Rio, 31/8/45. ASMOB
DOCUMENTO-CÍRCULO, BALANÇO DE FORÇAS, PARA SER APRESENTADO À CN DE
ABRIL DE 1933. FLBX.
“ESCOLA PROLETÁRIA”. PROGRAMA, DISCIPLINAS E ALUNOS. Prontuário n.º 2.863.
DEOPS.
“ESTRATÉGIAS DE GANHAR A MASSA”. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 50. DEOPS.
ESTUDO HISTÓRICO SOBRE O SOCIALISMO. Prontuário n.º 2.431, v. 4. DEOPS.
“FRENTE VERMELHA” , POEMA SURREALISTA DE ARAGON. Prontuário n.º 2.030, doc.
n.º 42. DEOPS.
FUNDAÇÃO DA LIGA ANTI-IMPERIALISTA, COM EXPLICAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O
IMPERIALISMO. Prontuário n.º 2.431, v. 4. DEOPS.
LIVRO-CAIXA DA LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
LISTA DOS 51 ADERENTES (IDENTIFICADOS POR PSEUDÔNIMOS) DA LC EM SÃO
PAULO E NO RIO DE JANEIRO. FLBX.
LISTA DE SUBSCRIÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE A LUCTA DE CLASSE. FLBX.
MANIFESTO SOBRE A CONSTITUINTE, por Aristides Lobo. 8/11/31. FLBX.
MANIFESTO POR UMA CONSTITUINTE REVOLUCIONÁRIA, POR PLÍNIO MELLO.
Prontuário n.º 4.143, v. 2, doc. n.º 63. DEOPS.
MANIFESTO-PROGRAMA DO PARTIDO LIBERAL SOCIALISTA DE S. PAULO.
Prontuário n.º 3.117, v. 1, doc. n. n.º 35. DEOPS.
MEMORIAL AO 3.º CONGRESSO, in: A Lucta de Classe. Rio de Janeiro, julho de 30, ano I,
n.º 3, p. 1.
MOVIMENTO DE TESOURARIA DA LIGA DE NOVEMBRO DE 1932 A ABRIL DE 1933.
FLBX.
O CARINHOSO BIÓGRAFO DE PRESTES, por Patrícia Galvão. Vanguarda Socialista,
31/8/45, p. 2. ASMOB.
O DISCURSO DE GETÚLIO VARGAS. PLATAFORMA DE LUTA DA REAÇÃO CONTRA
O COMUNISMO! Publicação da Comissão Agit-Prop da LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 3. DEOPS.
O PARTIDO COMUNISTA EM APUROS, por Aristides Lobo. Vanguarda Socialista,
5/10/45. ASMOB.
“PELO PARTIDO DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA. PARTIDO OPERÁRIO LENINISTA”.
FLBX.
PROCLAMAÇÃO DA “BANDEIRA DOS DEZOITO” ÀS CORRENTES
REVOLUCIONÁRIAS DO BRASIL! Prontuário n.º 192. DEOPS.
PROCLAMAÇÃO: UNAMO-NOS PARA LIBERTAR AS VÍTIMAS DA REAÇÃO
CAPITALISTA! LUTEMOS CONTRA A DEPORTAÇÃO DOS OPERÁRIOS ESTRANGEIROS!
Prontuário n.º 4.143, v. 3. DEOPS.
PROGRAMA ELEITORAL PARA A ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE. Boletim assinado pelo
CR da LCI. Setembro de 1934. FLBX.
PROJETO DE TESES SOBRE A SITUAÇÃO NACIONAL. LC, 1932. FLBX.
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DIRIGIDO À REUNIÃO DA CE PROVISÓRIA DA LC.
Outubro de 32. FLBX.
PROPOSTA SOBRE A PALAVRA DE ORDEM DA CONSTITUINTE, por “Fritz”. FLBX.
PROTESTO CONTRA O ENVIO DOS MILITANTES OPERÁRIOS PARA A ILHA DOS
PORCOS! LCI, 17/1/36. FLBX.
RECENSEAMENTO ORGANIZATÓRIO DA LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
RELAÇÃO DOS SÓCIOS DA AAR. 31/3/31. FLBX.
RELATÓRIO APRESENTADO PELA COMISSÃO EXECUTIVA À PRIMEIRA
CONFERÊNCIA NACIONAL DA LIGA COMUNISTA. FLBX.
RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO NACIONAL, Fúlvio Abramo. 1936. Prontuário n.º 4.143.
DEOPS.
RELATÓRIO “A RESPEITO DO GRUPO FERNANDO-ALVES”, por Fúlvio Abramo e Hilcar
Leite. Prontuário n. º 4.143, v. 3. DEOPS.
RELATÓRIO SOBRE PARTIDOS E ATIVIDADES DAS ESQUERDAS, ENVIADAS POR
HYLCAR LEITE À SEÇÃO INTERNACIONAL DA LCI. Prontuário n.º 4.143, v. 1. DEOPS.
RESOLUÇÃO SOBRE ESTRATÉGIA DE LUTA, por Aristides Lobo. 1931. FLBX.
RESOLUÇÃO SOBRE A CRIAÇÃO DE “COMITÊS PRÓ-REVOLUÇÃO ESPANHOLA”,
de Aristides Lobo. São Paulo, 20/9/31. FLBX.
RESOLUÇÕES SOBRE A CRISE INTERNA NA LIGA COMUNISTA
INTERNACIONALISTA. Prontuário n.º 2.030, doc. n.º 53. DEOPS.
RESPOSTA A LUÍS CARLOS PRESTES, por Aristides Lobo. Boletim da Oposição, abril de
1931. FLBX.
RETIRADA ESTRATÉGICA, por Plínio Gomes de Melo. Prontuário n.º 37, v. 1. 1928.
DEOPS.
SOBRE A QUESTÃO SINDICAL, por Aristides Lobo. FLBX.
TESES SOBRE A ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE. Boletim da Oposição n.º 4, de maio
de 1932.
TEXTO SOBRE A QUESTÃO SOCIAL, por “José Américo”. Ms. FLBX.
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26/10/45, p. 2. ASMOB.

III. JORNAIS, REVISTAS, BOLETINS.

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abril de 1935; 1/5/35; 25/12/37; 25/1/38; 22/11/38; 3/6/39; agosto de 1939;
A NAÇÃO. Edição: 12/8/1927.
A PLEBE. Edições: 9/10/1919; 11/9/1919; 4/12/1919.
AVANTI. Edições: 16-17/3/1901; 2-3/3/1901; 27-28/7/1901; 12-13/10/1901; 28/8/1914;
12/9/1914.
BOLETIM INTERNO DE INFORMAÇÕES. Edição: 25/12/33.
BOLETIM DA OPOSIÇÃO. Edições: abril de 1931; maio de 1932.
BOLETIM DE DISCUSSÃO. Edição: abril de 1932.
BOLETIM DO DEPARTAMENTO ESTADUAL DO TRABALHO. Anno I, n.º 4, 3.º trimestre
de 1912.
BOLETIM DOS BOLCHEVISTAS-LENINISTAS DO BRASIL. Edições: 27/6/35; 30/8/35.
CORREIO DA MANHÃ. Edições: 15/1/1926; 1/3/1930; 23/4/38.
CORREIO DA TARDE. Edição: 10/9/31
CORREIO PAULISTANO. Edições: 16/5/1891; 19/5/1891; 14/1/1903; 19/2/1905; 20/7/1905;
29/5/1906; 1/5/1906; 4/12/1907; 12/2/1908; 19/9/1908; 26/9/1908; 15/9/1909; 19/9/1909;
20/11/1910; 14/2/ 1912; 16/5/1912; 15/6/1912; 21/4/1913; 6/5/1913; 11/10/1913; 26/8/1914;
27/8/1913; 15/7/1915.
DIÁRIO DA NOITE. Edições: 24/3/1931; 11/9/31; 13/1/38.
DIÁRIO NACIONAL. Edição: 7/7/31.
FOLHA DA MANHÃ. Edição: 11/11/1968.
FOLHA INTERNA. Edição: 17/4/36.
GERMINAL. Edições: 16/3/1913; 1/5/1913.
JORNAL DO COMÉRCIO. Edição: 4/8/1918.
LA BATAGLIA. Edições: 4/3/1906; 28//7/1907; 24/11/1907; 15/12/1907; 30/9/1908;
13/8/1911; 26/5/1912; 25/8/1912; 24/9/1911; 3/10/1914.
O AMIGO DO POVO. Edições: 22/11/1902; 22/11/1902.
O COMBATE. Edição: 2/8/1927.
O ESTADO DE S. PAULO. Edições: 28/11/1889; 1/12/1889; 13/12/1889; 13/2/1897; 1/7/79;
20/6/1917; 30/6/1917; 5/7/1917; 6/7/1917; 7/7/1917; 1/5/1919/ 3/5/1919.
O ALFAIATE. Edição: 18/7/1928.
O HOMEM LIVRE. Edição: 14/8/33. 20/11/33; 2/7/34.
O JORNAL. Edições: 2/8/30;
O PROLETÁRIO. Edição: 7/10/31.
O TEMPO. Edição: 3/8/1931.
O TRABALHADOR GRAPHICO. Edição: 28/2/23.
SPÁRTACUS. Edição: 10/1/1920.
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