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O KÓSMOS DE
LOUIS I. KAHN
Guilherme A. Mejias
[orientador Prof. Dr. Mário Henrique S. D’Agostino]
FAU:
Fernando Pessoa
Jaa Torrano
Louis Kahn
INTRODUÇÃO 9
SOBRE ORDEM 21
SOBRE O MENSURÁVEL E
IMENSURÁVEL 45
SOBRE A BIBLIOTECA DA
PHILLIPS EXETER ACADEMY 97
CONCLUSÃO 129
BIBLIOGRAFIA 145
INTRODUÇÃO
10
qual Kahn descreveu seu pensamento teórico, e fixou
centro em questões que transcendem a racionalidade,
ou seja, em questões percebidas intuitivamente, como
descreve o arquiteto. E para expressar esse tipo de pensa-
mento Kahn se apoia em metáforas e linguagem poética.
Ao longo do período estudado Kahn utiliza em diversos
momentos quatro pequenas histórias (que serão aborda-
das nos momentos convenientes ao longo da monogra-
fia) para demonstrar de maneira poética aspectos de seu
pensamento teórico.
11
o contato com a essência da arquitetura.
12
Detalhe entrada de luz. Kimbell Art Museum. Fort Worth,
Texas. 1966-72.
13
Desta forma devemos ter em conta as especifi-
cidades de sua linguagem para fazermos uma interpre-
tação de sua teoria: Kahn escreve através de metáforas,
e como metáforas elas devem ser interpretadas, também
escreve em linguagem poética, e buscando a sabedoria
por trás das palavras é que se deve ler Kahn. De maneira a
procurar entender o que arquiteto tenta nos mostrar com
percepções que teve através de sua intuição, e como isso
é essencial para sua produção arquitetônica.
14
ser especificamente arquitetura, mas sim por que toda
produção do homem deve visar tal coerência. Na última
palestra que Kahn ministrou antes de sua morte lhe per-
guntaram, “Por que arquitetura? Por que você não é um
filósofo ou um místico, um teórico?”, e Kahn responde,
“Por que qualquer coisa?”, e o estudante lhe responde de
volta, “Por que sim!”, resposta a qual o arquiteto concorda
inteiramente, “Exatamente”. (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 56)
15
de traduzir seu pensamento para linguagem outra da sua,
não temendo que no caminho reduções possam ocorrer,
mas espera-se que ao final o leitor tenha um panorama
amplo e inteligível da obra teórica de Kahn.
16
ou ideia às quais o trecho se remetia. Assim chegou-se ao
elenco de 16 centralidades em sua teoria, sendo elas (em
ordem alfabética):
Beleza
Desejo de expressar
Espaço e Luz
Forma e Design
Inspiração
Instituições do Homem
Maravilhamento
Mensurável e Imensurável
Natureza
Ordem
17
Percepção
Presença e Existência
Silêncio e Luz
Vontade de Existência
19
SOBRE ORDEM
Ordem é.
21
“Eu tentei descobrir o que é Ordem. Eu estava em-
polgado, e escrevi muitas, muitas palavras sobre o que Or-
dem é. Toda vez que escrevia algo, eu sentia que não era
suficiente. Se eu tivesse coberto, digamos, duas mil pági-
nas com palavras apenas sobre o que é Ordem, eu não es-
taria satisfeito com esse texto. Então eu parei não dizendo
o que é, apenas dizendo, ‘Ordem é’. E de alguma forma eu
não estava seguro se estava completo até que perguntei
a alguém, e a pessoa disse, ‘Pare bem aí. É maravilhoso;
pare bem aí, dizendo, Ordem é” (KAHN. In: Lobell, 1979,
p. 18) 2
22
tamente verbalizado, iremos tentar nas páginas seguintes
compreender e expressar o que Kahn fala quando conce-
be a ideia de ordem.
23
universo, e neste sentido é também o princípio pelo qual
tudo existe e se torna presente. Ordem está para além das
noções de tempo, espaço e causalidade. Ao mesmo tempo
em que é anterior a tudo, está presente sempre: no passa-
do, no presente e no futuro. Para qualquer coisa existir,
em um sentido cósmico – abrangendo toda a existência
do universo – é preciso estar em ordem.
24
Hospital Nacional de Suhrawardhy. Dhaka, Bangladesh.
1962-74.
25
Retomando a citação no começo do texto, Kahn
pergunta ao tijolo, “o que você quer, tijolo?”, ao que este
responde, “eu gosto de um arco”, mas Kahn argumenta
que o arco é algo muito caro e pouco prático, e sugere
que ao invés do arco tenhamos uma viga de concreto sus-
tentando o vão, “o que você acha disso, tijolo?”, ao que o
tijolo responde, ”eu gosto de um arco.”
27
exato no qual ele foi criado.
28
a existência.
29
humano seja coerente com a forma de produção da na-
tureza. Para atingir essa coerência o homem deve buscar
a ordem, pois é este o princípio regulador da natureza e
de tudo o que é por ela criado.
(...)
31
1966, p. 7) 6
32
neidade; mas essa noção de tempo como pura extensão e
quantificabilidades absolutas é uma representação elab-
orada por nossa cultura moderna e exclusivamente nossa,
não há isso em Hesíodo nem em nenhuma parte a não ser
em nossas convicções culturais.” (Torrano, 1995, p. 70)
34
É apenas uma espécie de primeira resposta ao intuitivo,
sendo este a odisseia, ou a gravação da odisseia de nossa
criação através dos bilhões, dos inumeráveis bilhões, de
anos de criação. Eu não acredito que uma coisa começou
em certo momento e outra coisa em outro momento. Tudo
começou, de certa maneira, ao mesmo tempo. E ao mesmo
tempo em nenhum momento; apenas estava lá. Então veio
o maravilhamento.” (Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York,
1973, p. 91) 8
35
termo como:
36
to humano e às manifestações singulares da presença,
e jamais alcança a atemporalidade da existência fora do
devir da natureza – a essência que se impõe na infinitude
das manifestações singulares. Por ser anterior ao con-
hecimento, Kahn propõe que o maravilhamento é mais
importante do que o conhecimento.
37
maravilhamento, então se não houve maravilhamento
não existirá conhecimento verdadeiro. Por esse motivo
Kahn coloca a intuição como nosso sentido mais apurado.
38
tal harmonia. É como encontrar com seu criador, de certa
forma, pois a natureza, a criadora, é a criadora de tudo o
que é criado” (Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York, 1973, p.
91) 11
39
Salk Institute for Biological Studies. La Jolla, California.
1959-65.
40
Se, para Kahn, a beleza é percebida da mesma for-
ma que a harmonia musical, e não através do raciocínio
ou conhecimento, mas intuitivamente, isso quer dizer que
o arquiteto não vê a beleza como uma propriedade apli-
cada ao objeto, mas sim como a capacidade de tal objeto
em seguir e fazer ver sua natureza, externar sua ordem.
Ao nível material isso pode ocorrer de infinitas formas,
infinitas variações, pois basta que a ordem seja respeita-
da, e sendo ela um princípio ilimitado, sua manifestação
também o é.
43
SOBRE O MENSURÁVEL E IMENSURÁVEL
45
MENSURÁVEL – IMENSURÁVEL
PENSAMENTO – SENTIMENTO
PRESENÇA – EXISTÊNCIA
LUZ – SILÊNCIO
DESIGN – FORMA
46
Devemos entender que Kahn nos fala sobre
questões metafísicas e o faz através de linguagem poéti-
co-metafórica. Portanto devemos entendê-lo a partir de
suas próprias premissas, tendo em mente que sempre se
tratam de analogias e metáforas, que embora não con-
templem o significado preciso do que ele está dizendo,
nos auxiliam a compreender de forma intuitiva os con-
ceitos de sua arquitetura e sistema teórico. Kahn fala
sobre coisas que transcendem a racionalidade, mas que
considera absolutamente essenciais para a construção do
mundo material. Dentro deste contexto tentamos com-
preender a cosmovisão de Kahn e seus vínculos com sua
arquitetura, neste momento partindo das noções de men-
surável e imensurável.
47
do, seja ainda tecnicamente inviável. Porém não podemos
dizer que tudo pode vir a existir, pois para isso o poten-
cial deve ser atravessado pela ordem, que ao mesmo tem-
po em que é ilimitada, é limitadora da existência em um
sentido cósmico. Um exemplo simples e em certo sentido
redutor: antes do desenho existia uma superfície e um
grafite. Pode-se dizer que antes do desenho surgir, existia
o potencial de presença daquele desenho.
48
vista a alcançar a presença no mundo material. De forma
que tudo o que é no devir da natureza possui uma von-
tade de existir desta maneira específica que é. Em tudo
o que a natureza criou existiu anteriormente seu desejo
de existência – da rosa, ou do micróbio, usando exemplos
típicos de Kahn.
49
limitada pelo desejo de existência original – “um certo
quê que se move em uma direção”. Isso quer dizer que
uma certa existência pode vir a presença de diversas for-
mas, porém sempre se remetendo a sua existência que é
única – “um mundo dentro de um mundo.”
50
surável, no qual e pelo qual possui existência.
52
Para isso o homem possui as capacidades de
percepção e intuição, que por sua vez vem do senso de
maravilhamento, conforme descrito na primeira parte da
monografia. É através dessas capacidades que o homem
entra em contato com o imensurável e pode, desta forma,
trazer as vontades de existência para a presença.
53
gras. As regras são feitas para mudarem – para evoluirem
– enquanto as leis não são mutáveis, de outro modo não
existiria ordem, mas apenas o caos. O homem se diferen-
cia da natureza na medida em que possui em si – em sua
mente – uma certa porção de caos, o que proporciona sua
capacidade de fazer e criar de maneiras outras do que a
natureza; o homem possui escolha.
54
o máximo possível do funcionamento natural – embo-
ra transcendendo ele, uma vez que sem o homem essas
criações não seriam possíveis – para que, desta forma,
possa trazer à presença desejos de existência conforme
suas respectivas essências encontradas no âmbito do
imensurável. De maneira que, uma vez em presença, es-
ses objetos criados evoquem os seus respectivos espíritos
do imensurável.
55
pirações pedem, e é assim que você concebe as técnicas:
como meios mensuráveis de expressar cada vez mais
proximamente os desejos e a vontade de existência de as-
pirações.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 44)
56
que é o momento de possibilidade no qual o que deve ser
feito encontra os meios para ser feito.” (Kahn. In: The
room, the street, and human agreement, 2009, p. 483) 15
59
Capiteis de colunas egípicias em pastel.Louis Kahn, 1951.
60
A luz é a provedora de toda presença, pois
para algo se tornar presente é necessário que seja
materializado. Podemos observar pelo desenho acima
o caráter duplo que a luz opera no raciocínio de Kahn.
Ou seja, a luz ao mesmo tempo em que é provedora da
presença é também a matéria em si; as cores que Kahn
utiliza em sua ilustração são claramente não figurativas,
mas sim uma expressão da qualidade da matéria só ser
possível na presença da luz. As ideias de matéria e luz en-
tão se entrelaçam em um só conceito – são inseparáveis.
61
e silêncio como pertencente ao âmbito do imensurável,
mais especificamente como o receptáculo do mensurável.
63
e para toda a criação do homem, mas entrando especifi-
camente no âmbito da arquitetura, como uma forma de
exemplificar e direcionar a discussão para este tema mais
específico de sua obra, Kahn irá dizer que a arquitetura
não existe realmente.
64
se remetem a ele e buscam evocá-lo – é que possuem
certo desejo de existência. A arquitetura espera pelo que
a traga à presença.
65
SOBRE FORMA E DESIGN
67
Se observarmos os dois primeiros significados da-
dos a palavra veremos que a ideia de forma, segundo seu
uso comum, pode se aproximar, ou ser um sinônimo, da
palavra formato. Das três definições de forma dadas pelo
dicionário, apenas a terceira se afasta da noção de forma-
to e se aproxima do significado apropriado por Kahn.
68
a percepção das partes inseparáveis do que é percebido.
Design é realizar o que a percepção, forma, nós mostra.”
(Kahn. In: Louis Kahn on learning, 1972, p. 41) 19
69
cerá diferente do que é, mas sua essência será a mesma.”
(Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 42)
72
Design é “um mundo dentro de um mundo”, no
sentido de que pode se realizar de infinitas maneiras, en-
quanto a forma é única. O design, por ser circunstancial,
depende de diversos fatores materiais e variáveis con-
forme o tempo e o espaço onde está inserido (o primeiro
mundo), enquanto a forma (o segundo mundo) é imate-
rial e pertencente ao imensurável, e pertencedora do de-
sign: “(...) o design reflete sua verdade à forma.” (Kahn. In:
Forma e design, 2010, p. 9)
73
inteligíveis pelo próprio design criado.
75
e você se volta para a natureza para fazê-lo presente, a
partir da existência na mente.” (Kahn. In: Brooklyn, New
York, 1973, p. 93) 22
77
Exemplo de desenho-forma. Louis Kahn. “Desenho forma.
Não um design.”
78
O desenho acima é um exemplo repetido inúmeras
vezes na bibliografia sobre Kahn. Trata-se do diagrama
de desenho-forma para o projeto da Igreja Unitária em
Rochester, Nova York (1959-69). O projeto começa com
o diagrama acima que Kahn apresenta para seus clientes
após algumas horas de conversa, nas quais a comissão
estava tentando explicar a Kahn como era sua igreja.
79
E o fez elencando seus espaços mais importantes e orga-
nizando-os hierarquicamente a partir de um diagrama em
planta, de maneira a expressar a forma daquele determi-
nado edifício.
80
”Apesar de tudo o que foi dito, eu não quis implicar
um sistema de pensamento e trabalho que levasse à real-
ização da Forma para o Design.
84
cenário que Kahn descreve a existir, ou seja, a inspiração
para aprender que reuniu as pessoas embaixo da árvore
no primeiro momento. Nesse momento foi percebido um
desejo de existência do imensurável preestabelecido pela
natureza do homem, o desejo de existência da escola. E
por fim, a própria escola se concretiza como uma insti-
tuição do homem, se estabelecendo materialmente como
o local institucionalizado para se aprender, que deve se
remeter à inspiração inicial de aprender – o seu começo.
90
perguntou ao arquiteto ‘que fatia do sol seu edifício pos-
sui. Que luz entra em seu cômodo.’ Como se dissesse que
o sol nunca soube de sua grandeza até atingir a face de
um prédio. O cômodo é o lugar da mente. Em um cômo-
do pequeno não se fala o que se falaria em um cômodo
grande. Em um cômodo com apenas outra pessoa pode
ser que os vetores de cada um se encontrem. Um cômodo
não é um cômodo sem luz natural. Luz natural faz a hora
do dia e o humor das estações entrarem.”
91
Conforme descrito no capítulo anterior, para Kahn,
matéria é luz despendida. Isso implica que para configu-
rar um cômodo – determinado por seus elementos con-
struídos – é imprescindível a presença de luz. A luz, uma
vez despendida ao se tornar matéria, compõe os elemen-
tos que configuram o cômodo.Portanto um espaço só
pode existir na presença de luz – sem a luz resta apenas a
escuridão, um não-espaço.
“E eu penso, com grande interesse, que o modo
como um espaço é feito é quase feito com a consciência
de possibilidades de luz, porque quando você tem uma
coluna e você a vê, você está dizendo que a coluna está
lá porque a luz é possível. (...) Portanto, o significado de
produzir um espaço já implica que a luz está penetrando...
e a escolha que você faz do elemento da estrutura deveria
ser também a escolha do tipo de luz que você deseja... e eu
acho que isso é uma verdadeira exigência arquitetônica.”
(Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 59)
Exaltando a importância da luz para a arquitetura,
Kahn parafraseia o poeta americano Wallace Stevens, no
poema “Architecture”. O arquiteto segue o poeta dizen-
92
do: “que fatia do sol entra em seu cômodo? Qual espectro
anímico a luz oferece da manhã até a noite, de um dia para
o outro, de uma estação para outra e ao longo dos anos?”
E completa: “Stevens parece nos dizer que o sol não tinha
consciência da maravilha que é até que se deparou com a
face de um edifício.” (Kahn. In: The room, the street, and
the human agreement, 2009, p. 480) 27
Se a luz é a responsável pela composição de um
espaço, a produção arquitetônica deve se basear na bus-
ca pela luz adequada para determinar o caráter daquele
espaço. Seguindo esse raciocínio, Kahn percebe que a
estrutura de um edifício e de seus cômodos existem na
condição de, por igual, darem existência a luz compondo
assim os espaços que configuram o edifício.
Isso se dá pela constatação de que é a estrutura do
edifício, seu esqueleto – dentro do contexto da arquitetura
moderna da independência entre estrutura e vedação – a
responsável pela possibilidade do edifício ser permeável
ao externo. Essa noção é ilustrada de certa forma pela
anedota da coluna e da parede citada no capítulo anteri-
or. Assim Kahn chega à máxima: “a estrutura é a criadora
93
da luz” (Kahn. In: Architecture: silence and light, 2009, p.
475) 28
Portanto a estrutura de um cômodo é a responsável
primeira pelo caráter daquele espaço, uma vez que é a lim-
itadora da possibilidade de luz. Kahn sempre se refere, na
medida em que discorre sobre a composição de espaços,
à luz natural. A luz natural, para Kahn, é muito superior à
luz artificial. Em contraposição à luz artificial, que é ape-
nas uma luz estática, a luz natural possui uma série de
nuances, movimentos e variações que a torna inigualável,
produzindo efeitos inatingíveis artificialmente. Daí a im-
portância de se pensar os espaços a partir da luz natural
e não da artificial, pois o caráter e a qualidade do espaço
só atingirá sua máxima potência quando servidos de luz
natural.
“Uma planta de um prédio deveria ser vista como
uma harmonia de espaços na luz.
Até mesmo um espaço com pretensão de ser escuro
deveria ter luz suficiente, vinda de alguma abertura mis-
teriosa, para nos dizer o quanto ele realmente é escuro.
Cada espaço deveria ser definido por sua estrutura e pela
94
característica da sua luz natural. É claro que não estou fa-
lando sobre áreas menores que servem a espaços maiores.
Um espaço arquitetônico deve revelar a evidência de sua
criação por meio de seu próprio espaço. A luz artificial é
um pequeno e único momento estático na luz, é a luz da
noite e nunca pode se igualar às nuances de ânimos cri-
adas pela luz do dia e pelas maravilhas das estações.”
(Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 25)
Exceção a esse paradigma – de que todos os es-
paços necessitam de luz natural – Kahn insere o que ele
chama de áreas ou espaços de serviço. O arquiteto es-
tabelece duas categorias de espaços em um edifício, as
áreas servidas e as áreas de serviço. Essa dualidade tem
importância superlativa em seu raciocínio projetual como
organizadora da planta. As áreas de serviço são as “áreas
menores”, as quais se refere na citação acima, que servem
às “áreas maiores”. Já estas são os espaços servidos que
são centrais ao edifício com um todo e determinam o seu
caráter: áreas de estar, salas de trabalho, de exposição...
em contraposição aos espaços de serviço como depósitos,
áreas técnicas, banheiros, etc. Estes últimos não pre-
cisam invariavelmente de luz natural pois não possuem a
95
necessidade de terem algum caráter, são apenas áreas de
suporte, para que os espaços servidos possam funcionar.
Concluindo, para Kahn a realização da forma é es-
sencial para a arquitetura; é um dever do arquiteto trazer
à presença os desejos de existência que fazem parte da
natureza do homem. Criando espaços arquitetônicos com
designs que reflitam suas formas, nos quais aquele desejo
de existência primordial se concretize – só aí reside a ver-
dadeira arquitetura.
96
SOBRE A BIBLIOTECA DA PHILIPS EXETER
ACADEMY
97
Biblioteca da Phillips Exeter Academy. Exeter, New
Hampshire. 1965-72.
98
A encomenda do projeto para a biblioteca da
Philips Exeter Academy foi dada a Kahn em 1965 após
o comitê responsável pela construção do novo edifício
entrevistar grandes arquitetos como, I. M. Pei e Paul Ru-
dolph. A intenção do novo reitor da Philips Exeter
Academy era a de construir um marco arquitetônico
moderno no campus, em contraposição aos edifícios
neo-Georgianos existentes. Kahn se destacou e recebeu
o projeto após apresentar para o comitê sua visão de
como deveria ser uma biblioteca (McCarter, 2009, p. 305).
Já se formava neste momento os primeiros passos para
a definição da forma de uma biblioteca, que tentaremos
compreender ao longo desse capítulo.
“Você desenha uma biblioteca como se nenhuma
biblioteca houvesse existido.” (Kahn. In: McCarter, 2009,
p. 306) 30
A instituição da biblioteca para Kahn é de suma
importância para o homem, pois ele deve ser um lugar sa-
grado – um local do conhecimento, uma vez que “o mun-
do é posto em sua frente através dos livros” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 304) 31
99
“Um livro é tremendamente importante. Ninguém
nunca pagou pelo preço de um livro, todos só pagaram
pela impressão.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 304) 32
A biblioteca parece ser bom exemplo sobre análise
dos vínculos entre a teoria e prática projetual de Kahn
na medida em que é um edifício de programa relativa-
mente simples, no qual o arquiteto trabalha suas noções
abstratas sobre a concepção arquitetônica de maneira
expressivamente sensível.
Sem dúvidas o acontecimento arquitetônico mais
marcante da biblioteca é seu hall central, iluminado in-
diretamente pela cobertura, o qual originalmente não
constava no programa de necessidades recebido por
Kahn, mas que foi trabalhado como ápice tanto para or-
ganização espacial do edifício, quanto para a apreensão
do caráter – da aura – da biblioteca.
Pensando sobre a importância desse vão inserido
no núcleo do edifício, e na sua clara relevância para a de-
terminação do projeto da biblioteca, podemos especular
sobre a forma que Kahn tentou traduzir materialmente
no edifício. Tomando por base o desenho-forma que te-
100
mos em mãos – o diagrama de espaços essenciais e in-
separáveis para a Igreja Unitária, apresentado no capítu-
lo anterior – podemos especular que o mesmo raciocínio
foi utilizado para o entendimento da forma da biblioteca
de Exeter. Além desse exemplo de raciocínio traduzido
visualmente, podemos também tomar por base os de-
senhos finais do projeto da biblioteca de Kahn. Assim,
partindo de um princípio especulativo – inferido a partir
do diagrama da Igreja Unitária – somado ao projeto con-
sumado, buscamos qual poderia ser o entendimento de
Kahn sobre a forma de uma biblioteca.
Desta maneira pode-se chegar ao seguinte esque-
ma:
101
O diagrama acima deve ser entendido como a
representação das três possíveis partes indissociáveis da
biblioteca, sendo: o primeiro – o anel externo – o espaço
da leitura; o segundo – o anel intermediário – o espaço
dos livros; e o terceiro – o núcleo central – o espaço da
promessa.
Nessa espécie de redução eidética, busca-se espec-
ular, a partir do resultado final do projeto, qual o princípio
norteador do mesmo. Essa leitura é apoiada em evidên-
cias fornecidas pelo edifício tal qual se realizou, as quais
serão descritas partindo da periferia da biblioteca até
chegar ao seu centro.
102
Planta do segundo pavimento da biblioteca, no qual se
estabelece o hall central articulado com o térreo – com-
posto por áreas de serviço – pela escada circular. As três
partes do diagrama estão destacadas.
103
Corte da biblioteca passando pelo hall central. As três
partes do diagrama estão destacadas.
104
Analisando a biblioteca, as três partes componen-
tes definidas acima se apresentam por duas razões. Em
primeiro lugar, a maneira como se dá a organização dos
espaços do edifício, tendo como núcleo o hall central;
como espaço imediato à fachada os nichos de leitura; e
cercado pelos dois anteriores o espaço das estantes. Es-
tes três espaços compõem praticamente todas as àreas
servidas da biblioteca. Em segundo lugar, o modo como
esses edifícios são construídos, quase como três edifícios
articulados em um mesmo conjunto.
105
Diagrama de Florindo Fusaro demonstrando o uso de
quadrados rotacionados na configuração da planta. (In:
McCarter, 2009, p.444)
106
A planta do edifício – como sugere a leitura do
diagrama acima, de Florindo Fusaro (In: McCarter, 2009,
p. 444) – parece ser composta, em sua totalidade, pela ar-
ticulação de quadrados rotacionados. A partir desse pro-
cedimento formal de desenho da planta, Kahn estabelece
uma ordem oculta à organização dos espaços da bibliote-
ca – as três partes expressas no desenho-forma proposto
acima. Esse raciocínio parece apontar na direção de seu
pensamento sobre o funcionamento e a maneira como o
que é pelos homens criado deveria seguir princípio de
regularidade, quiça à maneira das criações da natureza.
Deste modo, a biblioteca de Kahn busca atingir um senso
de ordem intrínsico ao edifício.
No primeiro anel já se encontra um fator determi-
nante para a compreensão de Kahn sobre o desejo de
existência de uma biblioteca: a área reservada para a lei-
tura deve estar próxima da luz. Kahn inverte a tradicio-
nal tipologia de biblioteca na qual as estantes com livros
se encontram na periferia da planta, enquanto o espaço
de leitura acontece em seu centro. Essa percepção, tem
enorme relevância para a configuração do edifício, in-
fluenciando na organização dos espaços adjacentes, na
107
apreensão sensível do edifício ao seu uso e funcionali-
dade até chegar à composição das fachadas.
Esse primeiro “anel” é configurado como um
quadrado de aproximadamente 30 x 30 metros, dando ao
volume externo da biblioteca caráter cúbico. A realização
destes espaços parece emergir da noção de que o espaço
de leitura deve funcionar como um nicho, à maneira das
tradicionais conversadeiras, que aproveitavam da espes-
sura das paredes estruturais de pedra ou alvenaria para
a conformação, imediatos às aberturas das fachadas, de
espaços de estar.
“Então, através do menor espaço localizado na
própria construção, os maiores, e ainda maiores espaços
se desdobrariam...A construção em alvenaria portante
com seu nichos e vazios possuem a atraente ordem estru-
tural para prover, naturalmente, tais espaços.” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 305) 33
As fachadas da biblioteca, em alvenaria escu-
ra, embora não mimetizem as espessas fachadas das
construções antigas, conseguem atingir um caráter de
volume e espacialidade a partir das estruturas necessárias,
108
também em alvenaria, perpendiculares ao fino plano ex-
terno, que dão estabilidade à grande parede de tijolos que
compõem a fachada. Esse sistema estrutural quase con-
figura um edifício independente de alvenaria, envelopan-
do todo o conjunto da biblioteca.
Os espaços determinados pela estrutura em alve-
naria e que configuram as áreas de leitura são divididos
pelas paredes estruturais, perpendiculares à fachada, de
maneira que cada ambiente de leitura seja um retângu-
lo áureo em planta, de 6,2 m x 3,8 m (McCarter, 2009, p.
309). Essa proporção será utilizada em outros espaços do
edifício, como o hall central, demonstrando o esforço de
Kahn na busca pela criação de espaços harmônicos, e a
influência histórica em seu trabalho.
Os nichos que determinam os espaços de leitu-
ra são compostos de carvalho e preenchem os espaços
permeáveis da fachada proporcionados pela estrutura de
alvenaria. Essas aberturas são determinadas seguindo
uma refinada, e ainda tradicional, técnica construtiva em
alvenaria – ou ainda, seguindo a ordem do tijolo. Ao in-
vés de vigas de concreto, como Kahn utilizara em outros
109
projetos, na biblioteca de Exeter o arquiteto teve a opor-
tunidade de trabalhar os vãos das aberturas com arcos
abatidos, seguindo uma das tradições construtivas mais
antigas da humanidade e sendo coerente com o desejo
do tijolo – “eu gosto de um arco” – segundo a conhecida
anedota apresentada no início do primeiro capítulo.
Para os pilares Kahn também faz uso das proprie-
dades intrínsicas ao material com o qual trabalha. O pi-
lares, que começam com maior largura no embasamento
do edifício, onde as cargas são mais intensas, vão se afi-
nando a cada abertura na fachada, até chegarem ao topo,
demonstrando como as forças atuantes da estrutura estão
condicionadas à lei da gravidade. A diminuição da largu-
ra dos pilares se dá pela inclinação dos tijolos periféricos
em cada vão, resolvendo assim a interface entre os vãos
(que a cada andar se tornam maiores) e os pilares (que
a cada andar se tornam menores) de maneira extrema-
mente harmônica e natural. Assim os pilares do topo
parecem estar “dançando como anjos” em contraposição
aos do térreo, onde eles “estão grunhindo” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 309)
110
Vista da estrutura em alvenaria. Pode-se observar o
detalhe da interface entre os arcos e os pilares que di-
minuem a cada andar.
111
O espaço de leitura determina a composição da
fachada de maneira serena e ordenada. Esses espaços
configurados pelo anel externo possuem pé-direito
duplo, dando a sensação de mezaninos para o anel con-
secutivo e proporcionando uma grande quantidade de
luz que caracteriza a periferia da biblioteca. Porém, essa
exuberância luminosa que compõe o caráter do espaço
como um todo é controlada nos nichos em si. Os vãos
das fachadas nos quais os nichos se inserem tomam todo
o pé direito duplo, e portanto, são muito grandes. Por
esse motivo o vazio da abertura é preenchido em duas
partes; dividido pela metade da altura, a parte superior
é inteiramente envidraçada, enquanto a parte inferior,
onde estão de fato os nichos, é composta de madeira com
pequenas aberturas articuláveis para o controle da ilumi-
nação na superfície de concentração no espaço de tra-
balho. A escolha da madeira para esses pequenos ambi-
entes também não parece casual. Sendo os nichos o local
do edifício com maior contato ao toque pelos usuários,
parece adequado a utilização de um material com as pro-
priedades sensíveis do carvalho – sua textura, tempera-
tura, cor... – sendo essa utilização também uma forma
112
de entendimento sobre a ordem da madeira. Também
demonstrando tal preocupação do projeto da biblioteca,
o piso em concreto, neste espaço de leitura, é coberto por
um carpete que se estende conectando-o com o ambiente
de armazenamento dos livros.
113
Nichos de leitura diretamente inseridos na fachada.
114
O anel periférico da biblioteca – o edifício de tijo-
los – além de compor os espaços de leitura também con-
figura um espaço de aproximação ao volume monolítico
inserido em um grande gramado. No térreo, logo abaixo
dos espaços de leitura, existe uma arcada por toda a
periferia da biblioteca, criando um espaço de transição
entre o jardim e a arquitetura. Para Kahn um espaço de
arcadas pertence tanto ao edifício quanto à paisagem.
“A arcada é um objeto da paisagem. Ela pertence
ao edifício, certamente, mas também pertence à entrada e
pertence ao terreno.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 310) 34
115
Interior da arcada que circuscreve o edifício.
116
Assim o arquiteto cria um espaço protegido das
intempéries que circunscreve o edifício, proporcionando
um caminho sombreado para as entradas da biblioteca
localizadas nos quatro lados do quadrado que compõe
seu perímetro. Nos quatro cantos do edifício, os chanfros
no volume fazem com que as fachadas do quadrado ga-
nhem a aparência de planos, suavizando a forte presença
volumétrica da biblioteca ao mesmo tempo em que pro-
porcionam uma superfície de entrada para a iluminação
natural nas escadas.
As escadas fazem parte do anel intermediário, e
embora possam ser consideradas uma área de serviço,
neste projeto Kahn faz questão de alimentá-las com luz
natural para lhes atribuir certo caráter. As escadas são as
áreas de transição entre os espaços dos livros e o de lei-
tura, dado que o dos livros possui pé-direito simples, en-
quanto os espaços de leitura possuem pé-direito duplos.
Assim a luz que entra nas escadas pela fachada chega,
pela abertura da entrada das escadas, até o ambiente dos
livros, insinuando um caminho até sua fonte. Ou seja,
o anel externo, os nichos – o espaço de leitura – de cer-
ta forma penetram o anel intermediário, convidando o
117
usuário que busca seu livro a caminhar até o espaço de
leitura, para apreciá-lo em um local adequado ao que o
livro oferece.
“Um homem com um livro vai até a luz. Uma biblio-
teca começa dessa forma. Ele não vai andar cinquenta pés
até uma luz elétrica.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 305) 35
O segundo anel é um edifício de concreto que in-
termedeia o hall central e o anel externo de tijolos. Sua
iluminação acontece a partir da luz direta dos nichos da
fachada e da luz difusa do hall central, dado que o espaço
de armazenamento de livros não é confinado, mas sim,
abre-se em varandas para os dois aneis que o cercam.
Além dessas entradas de luz natural, a iluminação é com-
plementada por lâmpadas frias, devido a necessidade de
iluminação constante e não danificadora aos livros, como
a luz do sol direta.
As escadas se encontram em dois dos cantos dos
dois quadrados que configuram o anel intermediário, sen-
do uma delas a circulação principal e a outra de serviço,
juntamente com dois elevadores. Nos outros dois cantos
estão as áreas de serviço com banheiros e salas de apoio.
118
Esse anel possui uma estrutura relativamente sim-
ples, utilizando do concreto em resposta às grandes car-
gas dos livros. No átrio central do edifício se veem as
colunas mais carregadas deste edifício de concreto. Estas
sim recebem certo tratamento estético, que tira partido
do funcionamento estrutural do concreto, configurando
uma estrutura expressiva quanto às forças que atuam so-
bre ela, ressaltando a dramaticidade do peso e da massa
do material com o uso de vigas de transição e pilares que
aumentam em seu embasamento. Demonstrando, a par-
tir de uma estrutura de clara leitura a maneira como o
edifício foi construído – é a biblioteca nos contando sobre
a maneira como ela foi feita.
119
PIlares e vigas de concreto no piso do hall.
120
Finalmente chegamos à terceira parte do diagrama
da forma do edifício, o espaço da promessa de biblio-
teca. Passando pela arcada de transição entre o jardim e
o edifício, o usuário chega ao piso térreo no interior da
biblioteca, dedicado a áreas de serviço em seu centro. Mas
rapidamente é levado para a escada de acesso ao hall cen-
tral, no segundo pavimento. Essa grande escada circular
de concreto se localiza em um espaço de pé direito triplo,
mostrando-se como um convite ao núcleo da biblioteca,
por sua amplitude e generosidade da luz que chega a ela
pela abertura zenital do átrio central, que complementa a
luz penetrada pela fachada.
A mesma preocupação com a sensibilidade tátil
dos nichos de carvalho se dá na escada de acesso ao hall,
que possui todas as partes sujeitas ao toque dos usuários
compostas de travertino, enquanto as que não estão su-
jeitas são mantidas em concreto aparente.
Ao final da escada chega-se ao hall, um espaço que
toma toda a altura do edifício em seu pé direito, configu-
rando em sua secção um retângulo de proporção áurea.
Em seu topo, duas grandes vigas de concreto formam
121
um X, que rebate, dada sua altura, a luz proveniente das
aberturas nos quatro lados da torre central levando-a para
baixo de maneira difusa, além de sustentar a cobertura do
edifício. Nas quatro faces desse ambiente veem-se os bal-
cões de carvalho do anel intermediário de armazenamen-
to de livros emoldurados por gigantescas circunferências
de concreto, que fazem o travamento da esbelta estrutura.
122
123
Vistas da cobertura e faces do hall central.
124
“Um glorioso e único espaço central, as paredes e
suas luzes deixadas em planos facetados, os formatos das
marcas de suas criações, entremeados com a serenidade
da luz de cima.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 312) 36
Esse espaço, que marca o caráter da biblioteca, é
um espaço sem nome, não previsto no programa de ne-
cessidades do edifício. Mas mostra a maneira como Kahn
entende uma biblioteca. O hall além de marcar a insti-
tuição da biblioteca, nos coloca em contato com o imen-
surável, na medida em que ele é um espaço sem função,
de encontros espontâneos, para o que ainda não é. É um
espaço que contém em si certa presença de silêncio, um
receptáculo para que novos acontecimentos e percepções
se realizem.
“O livro é uma oferenda... a biblioteca te fala sobre
essa oferenda.” (Kahn. In: McCarter, 2009, 304) 37
Nesse sentido, o átrio convida o usuário a con-
hecer a biblioteca. Dele se veem os livros expostos no
anel intermediário como um convite ao conhecimento
contido neles. Assim, o hall é entendido por Kahn como
uma “arquitetura de conexão” (Kahn. In: McCarter, 2009,
125
p. 316), pois é um espaço de contemplação – o hall apre-
senta a biblioteca para o usuário, ele conecta o usuário
com a biblioteca como um todo – ao mesmo tempo em
que conecta os usuários entre si, tanto visualmente quan-
to como potencializador de acontecimentos espontâneos
entre as pessoas neste espaço. Pouco tempo após a con-
clusão do edifício foi colocado no hall um grande piano
de cauda, livre para ser tocado ou utilizado em pequenos
concertos, o que demonstra que a espontaniedade preten-
dida para esse espaço por Kahn se concretizou.
Para ilustrar a ideia de Kahn, McCarter cita o se-
guinte trecho da filósofa Hanna Arendt:
“Viver juntos no mundo significa essencialmente
que um mundo de coisas está entre aqueles que as tem em
comum, como uma mesa que está entre aqueles sentados
em sua volta; o mundo, como todo intermédio, relaciona e
separa os homens ao mesmo tempo.” (Arendt. In: McCar-
ter, 2009, 316) 38
Esse espaço, embora não estivesse no programa e
não possua nenhuma função (da forma como essa pala-
vra é geralmente utilizada, ou seja, nenhuma função prag-
126
mática), para Kahn esse espaço é essencial. É o local que
chama as pessoas ao seu encontro.
“Deve haver algo em sua [da biblioteca] estrutura
que diga, que lugar maravilhoso para se ir” (Kahn. In: Con-
versa com estudantes, 2002, p.64)
E nesse sentido o átrio da biblioteca cumpre uma
função central para o funcionamento da biblioteca, na
medida em que um edifício deve se relacionar com seus
usuários.
Podemos dizer que a biblioteca da Philips Exeter
Academy é um edifício esculpido pela luz por suas ne-
cessidades de caracterização dos espaços – vindas da
compreensão da forma de uma biblioteca – utilizando das
ordens dos materiais e organização espacial para dar pre-
sença a uma instituição do homem. Desejo de existência
no âmbito do imensurável, a biblioteca faz o silêncio en-
contrar a luz.
127
CONCLUSÃO
129
A produção de Kahn é inesgotável.
“O homem é sempre maior do que o seu trabalho
porque ele nunca pode expressar completamente suas
aspirações. Porque é pelos meios mensuráveis da com-
posição e do design que ele se expressa na música ou na
arquitetura. A primeira linha já é uma medida do que não
se pode expressar completamente. A primeira linha no pa-
pel é menor.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p.7)
130
131
TRECHOS ORIGINAIS
133
3 “It’s important that you honor the material you
use. You don’t bendy it about as though to say, ‘Well, we
have a lot of material, we can do it in one way, we can do
it in another way’. It’s not true. You must honor and glo-
rify the brick instead of short-changing it and giving it
an inferior job to do in which it loses its character, as, for
example, when you use it as infill material, which I have
done and you have done.”
4 “We might also say that Order is, not only an un-
derlying principle and quality of things, but also an active
creativity: it is the way things come into being.”
5 “What nature makes, it makes without man, and
what man makes, nature cannot make without him.”
6 “In the rock is a record of the making of the rock.
Every grain of sand on a mountain is completely valid.
There is no such thing as chaos; that’s only in the mind…
but never in nature.”
7 “I honor beginnings. Of all things, I honor begin-
nings. I believe that what was has always been, and what
is has always been, and what will be has always been. I
don’t think the circumstantial play from year to year and
134
era to era means anything, but what has become available
to you from time to time as expressive instinct does.”
8 “Now from beauty came wonder. Wonder has
nothing to do with knowledge. It’s just a kind of first re-
sponse to the intuitive, the intuitive being the odyssey
or the record of the odyssey of our making through the
billions, the untold billions, of years in making. I don’t be-
lieve one thing started at one time, another thing at an-
other time. Everything was started in one way at the same
time. It was at no time, either; it just simply was there.
Then came wonder.”
9 “From wonder must come realization, because in
the record of your making you have gone through every
law of nature. It is part of you. Recorded in your intuitive
are all the great steps and momentous decisions of the
making. Intuition is your most exacting sense. It is the
most reliable sense. It is the most personal sense that a
singularity has, and it, not knowledge, must be consid-
ered your greatest gift. If it isn’t in wonder you needn’t
bother about it.”
135
10 “A word about beauty. Beauty is an all-prevail-
ing sense of harmony, giving rise to wonder; from it, rev-
elation. Poetry. Is it in beauty? Is it in wonder? Is it reve-
lation?
It is in the beginning, in first thought, in the first
sense of the means of expression.”
11 “It is the total harmony that you feel without
knowing, without choice – just simply beauty itself, the
feeling of total harmony. It is like meeting your maker, in
a way, because nature, the maker, is the maker of all that
is made.”
12 “The beauty of what you create comes if you
honor the material for what it really is.”
13 “So, with the sense of wonder comes realiza-
tion – realization, somehow born out of the intuitive, that
something must be so. It has definite existence though
you can’t see it. (…) You then make the distinction be-
tween existence and presence, and when you want to give
something presence you have to consult nature.”
136
14 “There is a distinction between nature’s laws and
our rules. We work by rules, but we employ nature’s laws
to make something. The rule is made to be changed, but
nature cannot change its laws. If it did, there would be no
Order whatsoever. There would be what we think is chaos.
The laws of nature tell us that the color, the weight, the
position of the pebble on the beach are undeniable. The
pebble is placed there non-consciously by the interplay
of the laws of nature. A rule is a conscious act needing
circumstances to prove its validity or its need for change.”
15 “To explain inspiration, I like to believe that it
is the moment of possibility when what to do meets the
means of doing it.”
16 “Now this came from the realizations I had
about light and I said that all material in nature – it being,
as I said before, the mountains and the streams and the
air and we – are made of light which has been spent. And
all material is light which has become exhausted. And
this crumpled mass called material casts a shadow. And
the shadow belongs to light. So light is really the source
of all being. (...)
137
Now, you say, where is the importance in all this?
It is the movement from silence, which is somewhat the
seat of the measurable, which is the will to express, mov-
ing toward the means to express, which is material made
of light.”
17 “Light is material life. The mountains, the
streams, the atmosphere are spent light.
Material, non conscious, moving to desire; desire
to express, conscious, moving to light meet at an aura
threshold where the will senses the possible. The first fell-
ing was of beauty, the first sense was of harmony, of man
undefinable, unmeasurable and measurable material, the
maker of all things.
At the threshold, the crossing of silence and light,
lies the sanctuary of art, the only language of man. It is
the treasury of shadows. Whatever is made of light casts a
shadow. Our work is of shadow; it belongs to light.”
18 “a shape is an expression of form”
19 “From the sense of realization comes form. Form
is not shape, shape is a design affair, but form is the real-
138
ization of the inseparable parts of what is in realization.
Design is to put into being what realization, form, tells
us.”
20 “Look, I want to tell you about the way I was
made”
21 “This is where design comes in. The realization
is realization in form, which means nature. You realize
that something has a certain nature. (…) In making it you
must consult the laws of nature, and the consultation and
approval of nature are absolutely necessary. There you
will find, discover, the order of water, the order of wind,
the order of light, the order of certain materials.”
22 “Design from form is a realization of the nature
of something which is in here. It’s completely inaudible,
unseeable, and you turn to nature to make it actually pres-
ent from existence in the mind.”
23 “Institutions stems from the inspiration to live.
This inspiration remains meekly expressed in our institu-
tions today. The three great inspirations are the inspira-
tion to learn, the inspiration to meet, and the inspiration
for well-being. They all serve, really, the will to be, to ex-
139
press. This is, you might say, the reason for living.”
24 “In a city the street must be supreme. It is the
first institutions of the city. The street is a room by agree-
ment, a community room, the walls of which belong to the
donors, dedicated to the city for common use. Its ceiling
is the sky.”
25 “A work of architecture is but an offering to the
spirit architecture and its poetic beginning.”
26 “Then the room is a terribly important thing.
And if you realize also that the plan is a society of rooms,
then the large room and the small room, the low room,
the one with fireplace, and the one without, become a
great event in your mind and you begin to think, not of
the requirements, but of the nature of the architectural
elements that you can employ to make the environment
a place where is good to learn or good to live or good to
work. Then you are really in the midst of architecture and
not in the operational atmosphere of the professional
man.”
140
27 “what slice of the sun enters your room? What
range of mood does the light offer from morning to night,
from day to day, from season to season and all through
the years?” E completa: “Stevens seems to tell us that the
sun was not aware of its wonder until it struck the side of
a building.”
28 “structure is the maker of light.”
29 “How many things must happen and where
does the architect sit? He sits right there. He is the man
who conveys the beauty of space, which is the very mean-
ing of spaces, of meaningful spaces. They’re all meaning-
ful. You invent an environment, and it can be your own
invention. It doesn’t have to be a prototype. It simply has
to be the way you see the environment for learning, and
not taken from all the directions that may be gotten from
your books of standards. Therein lies the architect.”
30 “You plan a library as though no library ever
existed.”
31 “The world is put before you through the books.”
32 “A book is tremendously important. Nobody
141
ever paid for the price of a book, they only paid for the
printing.”
33 “Then from the smallest characteristic space
harbored in the construction itself, the larger and still
larger spaces would unfold... Wall-bearing masonry con-
struction with its niches and vaults has the appealing
structural order to provide naturally such spaces.”
34 “The arcade is a landscape thing. It belongs to
the building, certainly, but it also belongs to the entrance
and belongs to the grounds.”
35 “A man with a book goes to the light. A library
begins that way. He will not go fifty feet away to an elec-
tric light.”
36 “A glorious central and single space, the walls
and their light left in faceted planes, the shapes of the
record of their making, intermingled with the serenity of
light from above.”
37 “The book is an offering… the library tells you of
this offering.”
38 “To live together in the world means essentially
142
that a world of things is between those who have it in com-
mon, as a table is located between those who sit around
it; the world, like every in-between, relates and separates
men at the same time.”
143
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