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DA ORDEM AO DESIGN:

O KÓSMOS DE
LOUIS I. KAHN

Guilherme A. Mejias
[orientador Prof. Dr. Mário Henrique S. D’Agostino]

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO FAUUSP


SÃO PAULO | 2014
AGRADECIMENTOS

FAU:

às aulas e aos professores [em especial ao orientador


desta monografia e ao edifício do Artigas, que foram
nada menos que inspiração e ansiedade]

à biblioteca [em especial à estante 724, onde passei


grande parte da minha graduação]

aos colegas [em especial ao Pablo, Rick e Pedro, pelas


inesgotáveis discussões]

aos profissionais com os quais trabalhei, que comple-


mentaram imensamente minha graduação [em especial
à Mirtes e Vera, que confiaram tanto em mim]

e à minha família [em especial aos meus pais, pelo in-


condicional apoio ao longo dos anos]
A meio caminho entre a fé e a crítica está a estalagem
da razão. A razão é a fé no que se pode compreender sem
fé; mas é uma fé ainda, porque envolve pressupor que há
qualquer coisa compreensível.

Fernando Pessoa

Desde sempre e ainda hoje – e creio que assim será sem-


pre – o maior encanto da poesia reside no seu poder de
instaurar uma realidade própria a ela, de iluminar um
mundo que sem ela não existiria.

Jaa Torrano

O senso de maravilhamento é tão importante para nós


pois ele é anterior ao saber, anterior ao conhecimento.

Louis Kahn
INTRODUÇÃO 9

SOBRE ORDEM 21

SOBRE O MENSURÁVEL E
IMENSURÁVEL 45

SOBRE FORMA E DESIGN 67

SOBRE A BIBLIOTECA DA
PHILLIPS EXETER ACADEMY 97

CONCLUSÃO 129

TRECHOS ORIGINAIS 133

BIBLIOGRAFIA 145
INTRODUÇÃO

A maneira como Louis I. Kahn expressa seu


pensamento é sem dúvidas singular. Particularmente du-
rante o período abordado por esta monografia, que vai do
início da década de cinquenta até o fim de sua vida, em
1974. Durante esse quarto de século em que produziu sua
obra mais significativa, Kahn escreveu diversos artigos e
ministrou inúmeras palestras nas quais expunha sua cos-
movisão e seus pensamentos sobre arquitetura.

Kahn nasceu em 1901 na Estônia, mudando-se, ain-


da criança, com sua família para Filadélfia nos Estados
Unidos, onde morou até sua morte. Em 1920, recebendo
uma bolsa de estudos por sua habilidade já reconhecida
para o desenho, Kahn entra na Universidade da Pensil-
vânia para cursar a considerada melhor escola de arquite-
tura dos Estados Unidos. O programa de curso, como
todos os outros nos Estados Unidos, era baseado nos
métodos da Escola de Belas Artes de Paris. Tendo como
mentor o arquiteto Paul Cret, Kahn se forma em 1924.
(McCarter, 2009, p. 12-24)
9
Formado, Kahn escolhe como paradigma para sua
produção a arquitetura moderna, contrariando a tradição
de sua escola, mas sempre mantendo a arquitetura clás-
sica como uma refência. Em 1950 Kahn é seleciondo
para ser o arquiteto em residência da Academia Ameri-
cana em Roma, onde teve a oportunidade de estudar in
loco a arquitetura romana, além de ir para Grécia e Egito.
Quando perguntado, já no final de sua vida, o que fez em
Roma, Kahn responde ‘observei a luz’ (McCarter, 2009, p.
57). Após esse período, já de volta aos Estados Unidos, a
produção de Kahn se transforma radicalmente.

Marcante nos seus escritos e fala é a linguagem da


qual ele utiliza para expressar seu pensamento. Diferen-
temente da tradição moderna, Kahn opta pela linguagem
metafórica-poética, pela qual ficou conhecido entre seus
alunos em Yale, e estudantes e arquitetos por todo o mun-
do. Com um tom que beira o misticismo, Kahn expres-
sa pensamentos sobre o universo, a natureza, o homem...
chegando à arquitetura.

Temos que entender que essa linguagem não é


gratuita, muito menos arbitrária. Ela foi a maneira pela

10
qual Kahn descreveu seu pensamento teórico, e fixou
centro em questões que transcendem a racionalidade,
ou seja, em questões percebidas intuitivamente, como
descreve o arquiteto. E para expressar esse tipo de pensa-
mento Kahn se apoia em metáforas e linguagem poética.
Ao longo do período estudado Kahn utiliza em diversos
momentos quatro pequenas histórias (que serão aborda-
das nos momentos convenientes ao longo da monogra-
fia) para demonstrar de maneira poética aspectos de seu
pensamento teórico.

Aspecto autoral que se torna mais interessante


quando olhamos para sua arquitetura: construção ex-
tremamente refinada, exaustivamente desenhada, que
demonstra grande conhecimento técnico. A inteligên-
cia estrutural, o tratamento dos materiais, a riqueza de
detalhes, o encontro dos elementos arquitetônicos, são
aspectos dessa faceta tecnocrata do arquiteto.

Por outro lado, sua produção teórica, a justifi-


cativa de seus projetos e a busca pelo transcendental
demonstram um Kahn intimamente ligado às questões fi-
losóficas em arquitetura. Pode-se dizer que Kahn buscava

11
o contato com a essência da arquitetura.

12
Detalhe entrada de luz. Kimbell Art Museum. Fort Worth,
Texas. 1966-72.

13
Desta forma devemos ter em conta as especifi-
cidades de sua linguagem para fazermos uma interpre-
tação de sua teoria: Kahn escreve através de metáforas,
e como metáforas elas devem ser interpretadas, também
escreve em linguagem poética, e buscando a sabedoria
por trás das palavras é que se deve ler Kahn. De maneira a
procurar entender o que arquiteto tenta nos mostrar com
percepções que teve através de sua intuição, e como isso
é essencial para sua produção arquitetônica.

O esforço intelectual de Kahn, a criação de um


universo teórico, de uma cosmovisão, de uma filosofia ou
teoria parece ser um esforço em direção a compreender
o mundo ou natureza, estruturando sua produção ar-
quitetônica. Não necessariamente de maneira linear, mas
como uma movimento pendular entre os polos teóricos
e práticos de sua produção. Kahn estudava a natureza na
prática da arquitetura e também o fazia para desenvolver
sua arquitetura.

Esse esforço poderia se justificar pela vontade, ou


mesmo necessidade, de Kahn em fazer uma arquitetu-
ra coerente com o funcionamento do universo. Não por

14
ser especificamente arquitetura, mas sim por que toda
produção do homem deve visar tal coerência. Na última
palestra que Kahn ministrou antes de sua morte lhe per-
guntaram, “Por que arquitetura? Por que você não é um
filósofo ou um místico, um teórico?”, e Kahn responde,
“Por que qualquer coisa?”, e o estudante lhe responde de
volta, “Por que sim!”, resposta a qual o arquiteto concorda
inteiramente, “Exatamente”. (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 56)

O objetivo desta monografia será o de interpretar


e organizar o kósmos de conceitos criados pelo arquiteto
no último quarto de século de sua vida. Esses conceitos
se mostram coerentes entre si, embora tenham sido con-
cebidos ao longo de vários anos e de maneira aparente-
mente dispersa – Kahn nunca organizou seu pensamento
teórico de maneira holística, apresentando-o em artigos
pontuais e em palestras. Essa coerência aponta para a
possível existência, ainda que não materializada, de um
sistema teórico particular do arquiteto. Essa monografia
buscará delinear seu pensamento, cobrindo os apectos
centrais em vista de conceitos criados pelo arquiteto em
um sistema coerente. Para isso, enfrenta-se a dificuldade

15
de traduzir seu pensamento para linguagem outra da sua,
não temendo que no caminho reduções possam ocorrer,
mas espera-se que ao final o leitor tenha um panorama
amplo e inteligível da obra teórica de Kahn.

Para a produção desta monografia levou-se em


conta principalmente os textos e transcrições de pa-
lestras ministrados pelo próprio Kahn, buscando ter um
contato mais direto com o pensamento do arquiteto. Para
os excertos dos textos em inglês foram feitas traduções
livres dos originais, que constam ao final da monografia
devidamente referenciadas. Não obstante, outras referên-
cias, sobre tudo interpretativas sobre a teoria de Kahn,
foram utilizadas e constam na bibliografia.

No enfrentamento do estudo foram selecionados


os trechos que se apresentavam como os mais sintéticos
quanto às ideias mais relevantes de cada texto. Muitos
conceitos se repetem em diversos textos de diferentes
anos, o que evidencia a relevância deles e demonstra a co-
erência do pensamento teórico de Kahn. Uma vez tendo
esses trechos destacados, buscou-se identificar em cada
um deles o conceito, dupla de conceitos complementares,

16
ou ideia às quais o trecho se remetia. Assim chegou-se ao
elenco de 16 centralidades em sua teoria, sendo elas (em
ordem alfabética):

Arquitetura não existe

Beleza

Caráter dos espaços

Desejo de expressar

Espaço e Luz

Forma e Design

Inspiração

Instituições do Homem

Maravilhamento

Mensurável e Imensurável

Natureza

Ordem

17
Percepção

Presença e Existência

Silêncio e Luz

Vontade de Existência

Os conceitos acima apresentados serão, ao


longo desta monografia, destacados em itálico para
diferenciação de signifcados dos vocábulos como parte
do pensamento de Kahn.

Esta monografia se compõe de quatro partes, sendo


as três primeiras a tentativa de organizar o sistema teóri-
co de Kahn e a quarta uma análise de como esse sistema
se entrelaça com sua produção arquitetônica, a partir do
estudo de caso de um de seus edifícios mais representati-
vos, a Biblioteca da Philip Exeter Academy, localizada na
cidade de Exeter no estado de New Hampshire. As três
primeiras partes, sobre ordem, sobre o mensurável e imen-
surável e sobre forma e design, são organizadas partindo
inicialmente dos conceitos mais abstratos até se vincu-
larem mais intensamente ao âmbito específico da pro-
18
dução arquitetônica. Sendo que, internamente, cada parte
busca cobrir uma série de conceitos do sistema teórico
de Kahn, buscando explicá-los e ordená-los logicamente.
Em suma espera-se uma compreensão holística da teoria
do arquiteto.

19
SOBRE ORDEM

“Se você pensa em tijolo, por exemplo, e você con-


sulta as ordens, você considera a natureza do tijolo. Isso
é uma coisa natural. Você diz ao tijolo, ‘o que você quer,
tijolo? ’E o tijolo lhe diz, ‘Eu gosto de um arco.’ E você diz
ao tijolo, ‘Veja, eu também quero um, mas arcos são mui-
to caros e eu posso usar uma viga de concreto sobre você,
sobre uma abertura.’ E então você diz, ‘O que você acha
disso, tijolo?’ O tijolo diz, ‘Eu gosto de um arco.” (Kahn. In:
1973: Brooklyn, New York, 1973, p. 92) 1

Ordem é.

Essa é toda a definição que Kahn nos dá sobre


esse conceito tão importante em seu sistema teórico.

Somada a essa definição, Kahn escreve que mes-


mo se descrevesse a ideia de ordem em duas mil páginas,
ainda assim não seria o suficiente para elucidar seu sig-
nificado de maneira completa.

21
“Eu tentei descobrir o que é Ordem. Eu estava em-
polgado, e escrevi muitas, muitas palavras sobre o que Or-
dem é. Toda vez que escrevia algo, eu sentia que não era
suficiente. Se eu tivesse coberto, digamos, duas mil pági-
nas com palavras apenas sobre o que é Ordem, eu não es-
taria satisfeito com esse texto. Então eu parei não dizendo
o que é, apenas dizendo, ‘Ordem é’. E de alguma forma eu
não estava seguro se estava completo até que perguntei
a alguém, e a pessoa disse, ‘Pare bem aí. É maravilhoso;
pare bem aí, dizendo, Ordem é” (KAHN. In: Lobell, 1979,
p. 18) 2

Kahn afirmar que uma descrição tão extensa sobre


a noção de ordem, que nunca foi escrita, ainda não seria
suficiente nos instiga a pensar sobre qual é o significado
que o arquiteto atribui ao termo ordem, e por que este é
tão importante.

Partindo da afirmação de Kahn de que duas mil


páginas não dariam conta de descrever completamente
o conceito aqui discutido, podemos inferir, consideran-
do sua linguagem metafórica, que ordem é uma ideia in-
efável. Mesmo que seu significado não possa ser comple-

22
tamente verbalizado, iremos tentar nas páginas seguintes
compreender e expressar o que Kahn fala quando conce-
be a ideia de ordem.

Em seus textos e palestras, nos momentos nos


quais Kahn se refere a essa noção, utiliza de metáforas
e de outros conceitos pelos quais perpassam a ideia de
ordem. Kahn vê e descreve a ordem atuando, mas não a
ordem per se, embora essa ideia seja absolutamente estru-
turadora de todo seu pensamento.

Como inefável, não podemos falar diretamente


sobre ordem, mas podemos começar a entendê-la partin-
do da compreensão do por que desta ideia ser quase
intangível. Ordem não pode ser verbalizada porque é a
definidora de todas as coisas, inclusive do verbo. Ordem,
em si, não é um conceito, pois é o que define mesmo a
ideia de conceito, de alguma forma ordem é anterior a
qualquer coisa que possui existência. É a qualidade úni-
ca e permanente de tudo o que existe e de tudo o que
tem presença (esta dualidade, presença/existência, será
abordada de maneira mais extensa na segunda parte de-
sta monografia). É o princípio comum e último de todo o

23
universo, e neste sentido é também o princípio pelo qual
tudo existe e se torna presente. Ordem está para além das
noções de tempo, espaço e causalidade. Ao mesmo tempo
em que é anterior a tudo, está presente sempre: no passa-
do, no presente e no futuro. Para qualquer coisa existir,
em um sentido cósmico – abrangendo toda a existência
do universo – é preciso estar em ordem.

Esta ideia de Kahn ecoa em outros conceitos fi-


losóficos anteriores ao arquiteto. Podemos dizer que a
noção de ordem é muito próxima do termo grego Phýsis.
Este termo é definido por Marilena Chaui como: “força
originária criadora de todos os seres, responsável pelo
surgimento, transformação e perecimento deles. A phýsis
é o fundo inesgotável de onde vem o kósmos; e é o fundo
perene para onde regressam todas as coisas, a realidade
primeira e última de todas as coisas.” (Chaui, 2002, p. 509)
e engloba também o sentido do termo grego Kósmos: “(...)
princípio ordenador e regulador das coisas; ordem do
mundo e, por extensão, mundo. (...) refere-se à ordem e
organização da natureza ou mundo.” (Chaui, 2002, p. 504)

24
Hospital Nacional de Suhrawardhy. Dhaka, Bangladesh.
1962-74.

25
Retomando a citação no começo do texto, Kahn
pergunta ao tijolo, “o que você quer, tijolo?”, ao que este
responde, “eu gosto de um arco”, mas Kahn argumenta
que o arco é algo muito caro e pouco prático, e sugere
que ao invés do arco tenhamos uma viga de concreto sus-
tentando o vão, “o que você acha disso, tijolo?”, ao que o
tijolo responde, ”eu gosto de um arco.”

Com esta anedota, Kahn está nos dizendo que a


ordem do tijolo é o arco. Sua natureza, seu funcionamento
interno, sua essência diz, “sou um arco”. Ou seja, indepen-
dente de como utilizarmos um tijolo, existe nele a vontade
de conformar um arco: é a sua natureza. Um tijolo é assim
pela maneira como foi criado, está em sua memória. É sua
ordem.

Para Kahn, tudo na natureza, e portanto todos os


materiais, se remetem a uma pré existência intrínseca a
eles mesmos, uma verdade absoluta e ideal do que são as
coisas. Podemos dizer que, com essa ideia, Kahn intensifi-
ca o postulado moderno da verdade dos materiais.

Enquanto para os arquitetos modernos do começo


do século XX a ideia de verdade dos materiais se rela-
26
cionava com a noção de honestidade e dignidade, para
Kahn os materiais devem ser mais do que isso – devem
ser honrados.

“É importante que você honre o material que usa.


Você não flexibiliza ele como se dissesse, ‘Bom, nós temos
muito material, podemos fazer de um jeito ou podemos
fazer de outro’. Não é verdade. Você deve honrar e glorifi-
car o tijolo ao invés de modificá-lo e dar a ele um trabalho
inferior no qual ele perde seu caráter, como, por exemplo,
quando você o usa como um material para enchimento; o
que eu e você já fizemos.” (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 40) 3

Portanto os materiais devem ser honrados e glo-


rificados. Para Kahn, honrar um material parece ser uti-
lizá-lo conforme sua natureza, conforme seu propósito
ideal, da forma como foi criado, conforme sua ordem. Isso
quer dizer que suas utilizações devem ser coerentes com
o plano superior e ideal – o plano imensurável (conceito
que será tratado com mais profundidade na segunda par-
te desta monografia) – no qual o material é ainda apenas
vontade de existir de certa modo. Essa maneira vem da
forma como ele foi criado. Vem da memória do momento

27
exato no qual ele foi criado.

Kahn utiliza do exemplo do tijolo em muitos de


seus escritos e palestras, mas o pensamento contido nesse
exemplo seria válido para todas as coisas. Conforme foi
dito na introdução, Kahn utiliza de uma série de anedotas
como a do tijolo para ilustrar pensamentos que devem ser
entendidos como universais, em contraposição à singu-
laridade do exemplo, sendo essa uma das estratégias típi-
cas do arquiteto para transmitir suas ideias e pensamen-
tos, coerentemente com a linguagem metafórico-poética
que permeia seus escritos e palestras.

Segundo Kahn, devemos honrar todos os mate-


riais, ou seja, devemos utilizá-los conforme sua ordem, a
responsável pela geração de sua natureza. Expandindo
esse pensamento podemos dizer que ordem é a definido-
ra de toda a natureza. A natureza que criou todos os seres
e entes do mundo, o fez sob a influência estruturante da
ordem. Assim, tudo o que foi criado, e tudo o que se criará,
o faz a partir de certa ordem. Uma pedra, ou uma árvore,
ou um animal... e finalmente o homem. A ordem, neste
sentido, é uma espécie de força criativa/criadora de toda

28
a existência.

“Nós podemos também dizer que Ordem não é


apenas o princípio e qualidade última das coisas, mas
também uma criatividade ativa: é como as coisas vêm a
ser.” (Lobell, 1979, p. 63) 4

Nesta noção começa a se apresentar o problema


primeiro que Kahn parece enfrentar em sua produção: a
coerência. Como dito anteriormente na introdução, esse
enfrentamento com a coerência parece ser o que move
toda a produção teórica de Kahn. Isso se dá no sentido de
que se a natureza possui uma forma de se organizar e vir
a existência, o homem deve seguir essa mesma premissa
para suas criações.

“O que a natureza faz, ela faz sem o homem, e o que


o homem faz, a natureza não pode fazer sem ele.” (Kahn.
In: McCarter, p. 472) 5

Mesmo com a capacidade de trazer, seja o que for,


à presença de maneiras outras que a natureza e também,
mesmo tendo a capacidade de fazer o que a natureza não
pode, o adequado, segundo Kahn, é que a produção do ser

29
humano seja coerente com a forma de produção da na-
tureza. Para atingir essa coerência o homem deve buscar
a ordem, pois é este o princípio regulador da natureza e
de tudo o que é por ela criado.

Kahn sustenta que, de alguma forma, em tudo o


que é está gravado a maneira de como foi criado, em tudo
o que há na natureza existe a memória de sua criação.

“Em tudo que a natureza faz, a natureza imprime o


seu modo de fazer. Numa pedra, há a memória da pedra.
Num homem, há a memória da sua criação.

Quando compreendemos isso, nós compreendemos


as leis do universo.

(...)

Em nossa consciência está a consciência do senti-


do da natureza que nos criou.” (Kahn. In: Conversa com
estudantes, 2002, p. 20)

No homem está gravado a maneira como o homem


foi feito, pois todas as leis do universo estiveram pre-
sentes na criação do homem. E isso vale para qualquer
coisa; quando a natureza cria algo, todas as leis do univer-
30
so são invariavelmente seguidas, nenhuma é, ou mesmo
possui a capacidade de, ser quebrada. O funcionamento
da natureza é completo e pleno, assim sendo, tudo o que
é criado é coerente com a forma de funcionamento da na-
tureza. Sendo uma criação natural, nada mais esperado
que o seja perfeitamente segundo o funcionamento na-
tural. Desta forma Kahn dirá que não existe o caos na na-
tureza, apenas na mente, pois tudo o que a natureza cria
é válido uma vez que remete, sem exceções, a sua ordem.

A ideia de o caos existir apenas na mente – e exclu-


sivamente na mente humana – pode ser a raiz do espírito
criativo do homem, pois o caos propicia, ou até mesmo
induz, a capacidade de humana em não seguir a nature-
za, que por definição é perfeitamente ordenada. Assim o
homem, através do caos, garante seu livre arbítrio para
fazer e existir conforme suas vontades, em contraposição
à natureza que segue os caminhos exclusivos da ordem.

“Na rocha está gravada a criação da rocha. Todo


grão de areia em uma montanha é completamente válido.
Não existe o caos; isso está apenas na mente... mas nun-
ca na natureza.” (Kahn. In: Louis Kahn – Berkeley Lecture,

31
1966, p. 7) 6

Essa marca que está presente em nós, segundo


Kahn, pode ser percebida através da intuição, pois é uma
memória que remonta ao momento da criação e, portan-
to, à ordem que nos deu origem. Devemos entender que,
para Kahn, esse momento de criação, esse começo, está
fora da noção habitual que temos de tempo. Uma noção
similar de tempo pode ser encontrada na antiguidade ar-
caica grega, fazendo com que a ideia de origem proposta
por Kahn ecoe na Teogonia de Hesíodo, conforme inter-
pretada por Jaa Torrano.

“As Musas não nascem antes nem depois de Zeus


nem sequer simultaneamente com Zeus. Para que se
desse uma dessas três possibilidades seria necessário
que houvesse um tempo absoluto, preexistente por si mes-
mo, cujo decurso homogênio e incondicionado fosse pon-
tilhado por acontecimentos que não pudessem afetá-lo,
quaisquer que fossem as naturezas desses acontecimen-
tos. Somente esse tempo absoluto e preexistente poderia
estabelecer entre o nascimento das Musas e o de Zeus
uma relação de anterioridade, posterioridade ou simulta-

32
neidade; mas essa noção de tempo como pura extensão e
quantificabilidades absolutas é uma representação elab-
orada por nossa cultura moderna e exclusivamente nossa,
não há isso em Hesíodo nem em nenhuma parte a não ser
em nossas convicções culturais.” (Torrano, 1995, p. 70)

O momento de origem – o começo – para Kahn é


marcado, e possui especial importância por isso, por ser
o instante no qual o que foi criado existe em sua manei-
ra mais ideal, em contraposição à existência material que
é apenas circunstancial e, portanto, variável ao logo do
tempo. É a memória do instante de criação em particular,
do momento mais ideal da existência, que é gravada em
tudo o que existe.

“Eu honro começos. De todas as coisas, eu honro


começos. Eu acredito que o que foi sempre foi, e o que é
sempre foi, e o que irá ser sempre foi. Eu não acredito que
as circunstâncias ao longo dos anos e das eras são signif-
icativas, mas sim o que se tornou disponível para você ao
longo do tempo como instinto expressivo.” (Kahn. In: 1973:
Brooklyn, New York, 1973, p.98) 7

Para melhor compreensão da noção de ordem, uti-


33
lizando de uma comparação externa aos escritos de Kahn,
podemos dizer que sua percepção pode ser exemplifica-
da pela compreensão da harmonia musical: quando duas
notas soam, percebemos imediatamente, intuitivamente,
se se tratam de notas harmônicas ou dissonantes. Não é
preciso o estudo da teoria musical para isso, nem mesmo
um certo senso estético apurado... apenas percebemos.
Talvez no âmbito da música a percepção intuitiva de or-
dem seja mais facilmente atingida, pois se trata de um
objeto quase imaterial (o som), em contraposição a ma-
terialidade da produção arquitetônica, por exemplo. Sen-
do imediatamente evidente, sua conexão com o âmbito
do imensurável é mais clara, e, desta forma, aproxima-se
mais facilmente do ideal de ordem.

Pelo funcionamento da natureza e, portanto, pela


maneira como fomos criados, através de nossa consciên-
cia estamos conectados com a ordem, e o momento em
que sentimos/intuímos isso é um momento que Kahn de-
nomina maravilhamento.

“Então, da beleza veio o maravilhamento.


Maravilhamento não tem nada a ver com conhecimento.

34
É apenas uma espécie de primeira resposta ao intuitivo,
sendo este a odisseia, ou a gravação da odisseia de nossa
criação através dos bilhões, dos inumeráveis bilhões, de
anos de criação. Eu não acredito que uma coisa começou
em certo momento e outra coisa em outro momento. Tudo
começou, de certa maneira, ao mesmo tempo. E ao mesmo
tempo em nenhum momento; apenas estava lá. Então veio
o maravilhamento.” (Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York,
1973, p. 91) 8

A partir desta noção podemos compreender


maravilhamento como um fenômeno que surge a partir da
contemplação intuitiva da ordem. Percebemos o caminho
percorrido pela natureza do momento da criação até a
presença atual, e desta forma, compreendemos de manei-
ra intuitiva a ordem de certa coisa criada, pois entramos
em contato com a memória de sua criação. Essa memória,
levada à sua última causa, seria a memória da ordem que
originou determinada existência.

Essa proposição de Kahn pode ser relacionada


como análoga à teoria do conhecimento de Platão, a par-
tir do conceito de Anámnesis. Marilena Chaui define o

35
termo como:

“Ação de trazer à memória ou à lembrança; lem-


brança, recordação. Ver mnemosýne. Reminiscência.(...)
Platão faz da reminiscência o centro da teoria do conhe-
cimento, momento em que o intelecto se recorda de haver
contemplado a verdade ou as ideias que já se encontram
na alma como ideias inatas, isto é, ideias com que nasce-
mos e de que precisamos lembrar.” (Chaui. 2002, p. 494)

Para Platão, a ação de trazer à memória e contem-


plar a verdade inata presente na alma é a raiz do conhe-
cimento, sua origem. Em Kahn, o processo é semelhante,
pois entramos em contato com o primórdio da criação
e percebemos a ordem, o princípio originário de tudo.
Platão define a ascese da alma rumo à ideia – a verdade
última das coisas – como rememoração. Enquanto Kahn
parece entender o maravilhamento como percepção da
ordem, apropriação de uma memória que penetra a es-
sência atemporal das coisas. Em um ou outro caso o
conhecimento é ação depurativa que sucede ao êxtase
ou maravilhamento, e nunca será pleno pois o contato
com a ordem esta sempre preso às limitações do intelec-

36
to humano e às manifestações singulares da presença,
e jamais alcança a atemporalidade da existência fora do
devir da natureza – a essência que se impõe na infinitude
das manifestações singulares. Por ser anterior ao con-
hecimento, Kahn propõe que o maravilhamento é mais
importante do que o conhecimento.

“Do maravilhamento deve vir a percepção, pois na


marca de sua criação você passou por todas as leis da na-
tureza. É parte de você. Gravado em sua intuição estão
todos os grandes degraus e decisões da criação. Intuição
é o seu sentido mais preciso. É o sentido mais confiável. É
o sentido mais pessoal que uma singularidade possui, e
ele, não o conhecimento, deve ser considerado seu maior
talento. Se não for maravilhado, não precisa de atenção.”
(Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York, 1973, p. 91) 9

O maravilhamento que sentimos através da in-


tuição nos leva à ordem, por ser uma resposta imediata;
é a primeira evidência de possibilidade de verdadeiro
conhecimento. Se não for maravilhado, o conhecimento
não tem valor, pois o conhecimento, como tudo, surge a
partir da ordem, e se a resposta a percepção de ordem é

37
maravilhamento, então se não houve maravilhamento
não existirá conhecimento verdadeiro. Por esse motivo
Kahn coloca a intuição como nosso sentido mais apurado.

Kahn também nos diz que o maravilhamento surge


da beleza. Discorrendo sobre beleza Kahn propõe:

“Algumas palavras sobre beleza. Beleza é um total


senso de harmonia, dando surgimento ao maravilhamen-
to; dele, revelação. Poesia. Está na beleza? Está no mara-
vilhamento? Está na revelação?

Está no começo, no primeiro pensamento, no pri-


meiro senso dos meios de expressão.” (Kahn. In: The room,
the street, the human agreement, 2009, p. 485) 10

A beleza, a poesia, está para Kahn, em suas próprias


palavras, “está no começo, no primeiro pensamento, no
primeiro senso dos meios de expressão.” Ou seja, a beleza
vem da noção de ordem – para ser belo é preciso estar em
ordem. Outro trecho de Kahn que sustenta essa ideia é o
seguinte:

“É a completa harmonia que você sente sem saber,


sem escolha – apenas a beleza em sim, o sentimento de to-

38
tal harmonia. É como encontrar com seu criador, de certa
forma, pois a natureza, a criadora, é a criadora de tudo o
que é criado” (Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York, 1973, p.
91) 11

A ideia de beleza como total harmonia, para Kahn,


pode ser entendida como um conjunto ordenado, um
todo harmonioso. Harmonia esta que se percebe como
na música – portanto algo que está coerentemente se-
guindo sua ordem. Essa beleza sentimos sem saber, sem
escolha, pois não vem da racionalidade ou do conheci-
mento, mas sim da intuição. Essa intuição que percebe, a
partir da memória que está gravada em nós, a presença e
plenitude da ordem.

39
Salk Institute for Biological Studies. La Jolla, California.
1959-65.

40
Se, para Kahn, a beleza é percebida da mesma for-
ma que a harmonia musical, e não através do raciocínio
ou conhecimento, mas intuitivamente, isso quer dizer que
o arquiteto não vê a beleza como uma propriedade apli-
cada ao objeto, mas sim como a capacidade de tal objeto
em seguir e fazer ver sua natureza, externar sua ordem.
Ao nível material isso pode ocorrer de infinitas formas,
infinitas variações, pois basta que a ordem seja respeita-
da, e sendo ela um princípio ilimitado, sua manifestação
também o é.

“A beleza do que você cria surge se você honrar o


material pelo que ele realmente é” (Kahn. In: Lobell, 1979,
p. 40) 12

Considerando o trecho acima, Kahn propõe que a


beleza do que é criado emerge a partir do ato de honrar
o material. Entendendo honrar como o uso dos materi-
ais coerente com suas ordens, inferimos novamente que
a beleza surge, em última instância, sempre a partir da
ordem.

Conforme Kahn coloca, o sentimento de beleza dá


abertura ao senso de maravilhamento, o contato com a
41
noção de ordem. É deste contato, através mais uma vez
da intuição, que percebemos vontades de existência
presentes no imensurável. Essa capacidade, sendo carac-
terística particular do homem, é o que possibilita a criação
pelo homem, do que a natureza não pode fazer. Sobre a
questão das vontades ou desejos de existência trataremos
mais profundamente na segunda parte desta monografia.

Organizando visualmente esse raciocínio - acima


descrito - em um diagrama, podemos estabelecer o se-
guinte esquema:

BELEZA — MARAVILHAMENTO — INTUIÇÃO — PERCEPÇÃO

A ideia de ordem não está presente no esquema


acima, pois este é linear, e a concepção de ordem não se
adequa a essa organização. A noção de ordem, no esque-
ma acima poderia ser adicionada como um véu que co-
brisse os quatro termos.

A teoria de Kahn se coloca de maneira muito


lacônica, quase aforística. O esforço do texto acima vai
42
ao sentido de completar, de maneira interpretativa, as
brechas deixadas pelo arquiteto quando nos fala sobre a
noção de ordem. Espera-se que a descrição apresentada
seja suficiente para a compreensão dessa ideia tão im-
portante para a teoria de Kahn. A partir dela os conceitos
seguintes se desenvolvem, e portanto, sua compreensão
é prologal.

43
SOBRE O MENSURÁVEL E IMENSURÁVEL

Percorrendo os escritos de Kahn, começamos


a perceber uma certa forma de organização do seu
pensamento. Tipicamente poético-metafórico na ma-
neira de escrever, Kahn parece organizar seus conceitos
sempre em duplas, sendo um o contrário ou negação do
outro, ora um o complemento do outro. Podemos citar
como exemplos as díades forma e design, silêncio e luz,
pensamento e sentimento, entre outras.

Porém entre todas as dualidades do kósmos teóri-


co de Kahn uma se destaca: o mensurável e imensurável.
Esse destaque se dá pois é possível categorizar pratica-
mente todos os conceitos de Kahn como pertencentes ao
âmbito do mensurável ou do imensurável, conforme es-
quema abaixo.

45
MENSURÁVEL – IMENSURÁVEL

PENSAMENTO – SENTIMENTO

PRESENÇA – EXISTÊNCIA

LUZ – SILÊNCIO

DESIGN – FORMA

UMA ARQUITETURA – A ARQUITETURA

A divisão dos conceitos expressa acima será es-


clarecida ao longo desta segunda parte da monografia, na
qual se explicará o porque de determinado conceito estar
no âmbito do mensurável ou do imensurável.

Excessão a essa forma de organização do pensa-


mento de Kahn está a noção de ordem. Pois ordem, como
descrito na primeira parte da monografia, seria o princípio
originário de todas as coisas e a maneira pela qual tudo
existe e se torna presente. Nesse sentido podemos colo-
car ordem como o príncipio pelo qual o imensurável ex-
iste e também pelo qual chega a nós (ao mundo físico)
tornando-se mensurável.

46
Devemos entender que Kahn nos fala sobre
questões metafísicas e o faz através de linguagem poéti-
co-metafórica. Portanto devemos entendê-lo a partir de
suas próprias premissas, tendo em mente que sempre se
tratam de analogias e metáforas, que embora não con-
templem o significado preciso do que ele está dizendo,
nos auxiliam a compreender de forma intuitiva os con-
ceitos de sua arquitetura e sistema teórico. Kahn fala
sobre coisas que transcendem a racionalidade, mas que
considera absolutamente essenciais para a construção do
mundo material. Dentro deste contexto tentamos com-
preender a cosmovisão de Kahn e seus vínculos com sua
arquitetura, neste momento partindo das noções de men-
surável e imensurável.

Uma forma de se compreender os conceitos de


mensurável e imensurável é pensar na noção de poten-
cialidade. Se pensarmos em tudo o que já foi criado pela
natureza e pelo ser humano e em tudo que ainda irá se
criar, podemos dizer que de alguma forma o potencial
para a criação de todas as coisas sempre existiu. Podendo
apenas ainda não ter sido percebido, ou, embora percebi-

47
do, seja ainda tecnicamente inviável. Porém não podemos
dizer que tudo pode vir a existir, pois para isso o poten-
cial deve ser atravessado pela ordem, que ao mesmo tem-
po em que é ilimitada, é limitadora da existência em um
sentido cósmico. Um exemplo simples e em certo sentido
redutor: antes do desenho existia uma superfície e um
grafite. Pode-se dizer que antes do desenho surgir, existia
o potencial de presença daquele desenho.

Para ilustrar a existência no âmbito do imensu-


rável, Kahn muitas vezes utiliza do termo espírito. Isso
quer dizer que o potencial de alguma coisa não é esgota-
do quando ela se torna presente, pois o espírito da coi-
sa criada é sempre maior do que a potencialidade que é
uma realização específica. A realização, por sua vez, deve
evocar um determindo espírito – especificamente, se
bem sucedida, aquele que dá origem ao seu potencial de
realização.

Tudo que existe em potencial está no âmbito do


imensurável, pois ainda não possui materialidade ou
quaisquer qualidades físicas mensuráveis. Existe, como
Kahn descreve, como um desejo de existência, que tem

48
vista a alcançar a presença no mundo material. De forma
que tudo o que é no devir da natureza possui uma von-
tade de existir desta maneira específica que é. Em tudo
o que a natureza criou existiu anteriormente seu desejo
de existência – da rosa, ou do micróbio, usando exemplos
típicos de Kahn.

“(...) há essa vontade, mesmo na menor coisa viva,


de ser ela mesma. O micróbio quer ser um micróbio, (por
alguma razão obscura), a rosa quer ser uma rosa, e o
homem quer ser um homem... para expressar... uma certa
tendência, uma certa atitude, um certo quê que se move
em uma direção, e não em outra, manipulando a nature-
za para que ela forneça os instrumentos que tornem isso
possível.” (Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 28)

Portanto, o desejo de existência de certa coisa


se encontra no âmbito do imensurável e precede a sua
realização, ou seja, sua presença. Desta forma a existên-
cia de algo não possui medida e não pode ser delimitada
pois pode ser realizada de infinitas formas – “se move em
uma certa direção”. Porém, ao mesmo tempo que é ilimit-
ada (pois pode se realizar de infinitas formas), é também

49
limitada pelo desejo de existência original – “um certo
quê que se move em uma direção”. Isso quer dizer que
uma certa existência pode vir a presença de diversas for-
mas, porém sempre se remetendo a sua existência que é
única – “um mundo dentro de um mundo.”

“Há certas qualidades que serão sempre válidas. A


aparência de uma coisa poderá não ser a mesma, mas aq-
uilo a que ela responde sempre será. É um mundo dentro
de um mundo; isso é o que sempre será. Uma cerca pare-
cerá diferente do que é, mas sua essência será a mesma.”
(Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 42)

Temos então que tudo existe como potencial e


se encontra do âmbito do imensurável, sendo apenas
um desejo de existência, existe mas não possui pre-
sença, ou ainda, existe como espírito. E a partir des-
sa pré existência entramos no âmbito do mensurável,
send0 imprescindível, para a adequada criação de algo
pelo homem, que uma vez que se tem presença, o objeto
evoque suas qualidades imensuráveis, ou seja, que ele se
remeta ao seu desejo de existência inicial. Que o objeto,
uma vez em presença, carregue em si o espírito do imen-

50
surável, no qual e pelo qual possui existência.

A transição da existência para a presença – o


caminho do imensurável para o mensurável – se dá a par-
tir das leis da natureza. Desta forma, para que isso ocorra
é necessário a presença da ordem, uma vez que esta é a
determinadora da natureza, conforme descrito na primei-
ra parte da monografia. Portanto para se tornar presente,
certo desejo de existência passa necessariamente por to-
das as leis da natureza.

Dentro desta lógica está contido todo o mundo, to-


dos os seres que nele estão, e claro, também o ser humano.
O ser humano surgiu a partir de um desejo de existência
original, e para se tornar presente passou por todas as leis
da natureza e da evolução até chegar ao estado no qual
se encontra. A natureza nos trouxe à presença da mesma
maneira como trouxe todas as coisas.

Mas a diferença essencial e específica do ser hu-


mano em relação à outras criações da natureza é que ele
pode fazer o que ela não fez: o homem possui em si a ca-
pacidade de intuir desejos de existência do imensurável e
trazê-los para o mundo material. Assim, a visão de Kahn
51
sobre o homem parece ser a de uma ferramenta da na-
tureza. O homem existe para realizar desejos de existên-
cia que a natureza sozinha não pode.

“Essas realizações não são encontradas na nature-


za. Elas surgem da misteriosa faculdade que o homem
tem de expressar as maravilhas da alma que requerem
ser expressas.

A razão da vida está em expressar... expressar


ódio... expressar amor... expressar integridade e talento...
todos esses intangíveis. A mente é a alma, e o cérebro o
instrumento do qual extraímos nossa singularidade e ati-
tude.” (Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 20)

Kahn coloca essa capacidade do homem em um


nível ainda mais elevado e significativo dizendo a máxi-
ma: “Expressar é a razão para viver” (Kahn. In: The room,
the street, and the human agreement, 2009, p. 483). Assim
podemos concluir que a raiz da existência do homem é
o desejo de expressar – o desejo de existência no âmbito
do imensurável que deu origem ao homem foi o desejo de
expressar.

52
Para isso o homem possui as capacidades de
percepção e intuição, que por sua vez vem do senso de
maravilhamento, conforme descrito na primeira parte da
monografia. É através dessas capacidades que o homem
entra em contato com o imensurável e pode, desta forma,
trazer as vontades de existência para a presença.

“Então, com o senso de maravilhamento vem a per-


cepção – percepção, de alguma maneira nascida da intu-
ição de que alguma coisa deve ser. Definitivamente pos-
sui existência, embora você não possa ver. (...) Você então
distingue existência e presença, e quando você quer dar
presence a alguma coisa, você deve consultar a natureza.”
(Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York, 1973, p. 92) 13

Como Kahn diz no trecho acima, para trazer algo


à presença é necessário consultar a natureza. A natureza
em si, por lógica, já o faz conforme as suas próprias leis,
porém o homem, com a capacidade de fazer coisas que a
natureza não pode, possui a escolha de segui-la ou não.
Kahn distingue o homem da natureza com a díade lei e
regra; enquanto a natureza possui leis absolutas, que, por-
tanto, não podem ser quebradas, o homem cria suas re-

53
gras. As regras são feitas para mudarem – para evoluirem
– enquanto as leis não são mutáveis, de outro modo não
existiria ordem, mas apenas o caos. O homem se diferen-
cia da natureza na medida em que possui em si – em sua
mente – uma certa porção de caos, o que proporciona sua
capacidade de fazer e criar de maneiras outras do que a
natureza; o homem possui escolha.

“Existe uma distinção entre as leis da natureza e


nossas regras. Nós trabalhamos através de regras, mas
empregamos as leis da natureza para fazer algo. A regra é
criada para se transformar, mas a natureza não pode mu-
dar suas leis. Se pudesse, não haveria Ordem de nenhuma
maneira. Existiria o que entendemos como caos. As leis
da natureza nos dizem que a cor, o peso, a posição do cas-
calho na praia são inegáveis. O cascalho é posicionado lá
inconscientemente pelas interações das leis da natureza.
Uma regra é um ato consciente que necessita de circun-
stâncias para provar sua validade ou sua necessidade de
transformação.” (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 26) 14

Kahn predica que o homem deve buscar seguir a


natureza, fazendo com que suas criações se aproximem

54
o máximo possível do funcionamento natural – embo-
ra transcendendo ele, uma vez que sem o homem essas
criações não seriam possíveis – para que, desta forma,
possa trazer à presença desejos de existência conforme
suas respectivas essências encontradas no âmbito do
imensurável. De maneira que, uma vez em presença, es-
ses objetos criados evoquem os seus respectivos espíritos
do imensurável.

No percurso entre imensurável para o mensurável


o homem utiliza das técnicas e materiais que estão à sua
disposição na natureza. Os materiais devem ser utiliza-
dos conforme suas ordens – devem ser honrados – como
descrito na primeira parte da monografia. E as técnicas
são os meios pelos quais o homem torna presente certa
coisa. A técnica é a ferramenta pela qual os desejos de
existência chegam ao ambito do mensurável. Assim o
desenvolvimento da tecnologia, seja em qualquer área
do conhecimento, permite que novos desejos de exitência
venham ao mundo material adquirindo presença.

“As novas técnicas o ajudarão... elas apresentam


a você novos meios mensuráveis de fazer o que suas as-

55
pirações pedem, e é assim que você concebe as técnicas:
como meios mensuráveis de expressar cada vez mais
proximamente os desejos e a vontade de existência de as-
pirações.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 44)

Com a sensibilidade para perceber as vontades de


existência e a técnica para torná-las presentes o ser huma-
no cumpre a sua razão de viver, unindo harmoniosamente
o sentimento (sensibilidade de perceber esses desejos)
com o pensamento (técnica para trazê-los à presença) –
para Kahn “Pensamento é Sentimento na presença de Or-
dem” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 7).

Assim então o homem pode expressar suas aspi-


rações, ou mais especificamente, expressar o imensurável
ao qual aspira. Kahn diz ainda que quanto mais engaja-
do com o imensurável está alguma coisa, mais profundo
e duradouro será seu valor, pois está mais próximo das
existências absolutas.

A combinação desses fatores é o que Kahn en-


tende por inspiração.

“Para explicar inspiração, eu gosto de acreditar

56
que é o momento de possibilidade no qual o que deve ser
feito encontra os meios para ser feito.” (Kahn. In: The
room, the street, and human agreement, 2009, p. 483) 15

Ou seja, inspiração é quando uma vontade de


existência tem a possibilidade de se realizar através do
homem.

Kahn utiliza de anedotas para demonstrar suas


ideias centrais de maneira que a ilustração composta por
essas histórias possuem caráter generalista, como se fos-
sem apenas um dos vários exemplos que poderiam ter
sido escolhidos. Falando sobre percepção e inspiração, a
anedota a seguir se demonstra bem ilustrativa.

“É no domínio do inacreditável que se situa a mara-


vilha do surgimento da coluna. Do muro emergiu a coluna.
O muro fez bem ao homem. Com sua matéria e sua força,
ele o protegeu contra a destruição. Mas, logo o desejo de
olhar lá fora levou o homem a abrir ali um buraco, e o
muro, ferido então clamou: ‘O que você está fazendo comi-
go? Eu o protegi, eu lhe dei segurança, e agora você abre
um buraco em mim?’. O homem respondeu: ‘Mas eu olha-
rei lá fora! Eu vejo coisas lindas lá fora, e quero olhar!’. O
57
muro, porém, ainda se sentia muito triste. Mais tarde, não
contente com um buraco, o homem abriu ostensivamente
o muro, com o cuidado, porém, de revestir o vão com filetes
de pedra, colocando, ainda, um lintel sobre ele. E logo o
muro sentiu-se muito bem.

A ordem de construir muros revelou uma ordem de


construir muros com aberturas.” (Kahn. In: Conversa com
estudantes, 2002, p. 19)

Kahn descreve acima a percepção de um desejo


do homem – o de olhar para fora – e o momento de in-
spiração quando esse desejo encontra a maneira de se
realizar, cumprindo assim o homem seu desejo de se ex-
pressar – no caso, criar algo pelo qual se olha para fora
– criando a coluna.

O entendimento da capacidade de percepção do


homem é um ponto central na produção de Kahn, pois a
partir disso ele se propõe a trazer esses potenciais, esses
desejos, o imensurável, para a presença no mundo mate-
rial. O caminho da existência para a presença. E determi-
nante para isso é fazê-lo de maneira adequada, segundo
a ordem, sendo esse o maior enfrentamento de Kahn em
58
sua produção arquitetônica. Esse processo também seria
descrito por Kahn de maneira metafórica, já no fim dos
anos 60, próximo a sua morte, como a transição do silên-
cio para a luz.

A metáfora do silêncio e luz é sem dúvidas uma


das mais belas imagens poéticas que Kahn cria para
expressar seu pensamento. Ela começa com a impor-
tante noção de Kahn de que matéria é luz despendida.
Podemos dizer, visitando alguns desenhos de observação
de Kahn, que a percepção que deu origem a essa sua ideia
tenha vindo da prática de desenho. Kahn parece ter per-
cebido que quando um desenho é feito, na realidade se
desenham as sombras do objeto e não a luz. A luz seria o
papel em branco e para dar presença a algum objeto no
desenho o que o desenhista faz é na verdade retirar a luz
desse objeto. Logo, para o objeto existir é preciso que ele
consuma certa quantidade de luz, como se sua matéria
última fosse na verdade a luz em si, que foi despendida
para aquele objeto existir.

59
Capiteis de colunas egípicias em pastel.Louis Kahn, 1951.

60
A luz é a provedora de toda presença, pois
para algo se tornar presente é necessário que seja
materializado. Podemos observar pelo desenho acima
o caráter duplo que a luz opera no raciocínio de Kahn.
Ou seja, a luz ao mesmo tempo em que é provedora da
presença é também a matéria em si; as cores que Kahn
utiliza em sua ilustração são claramente não figurativas,
mas sim uma expressão da qualidade da matéria só ser
possível na presença da luz. As ideias de matéria e luz en-
tão se entrelaçam em um só conceito – são inseparáveis.

Tudo o que é material produz uma sombra, uma


ausência de luz, pois a luz que compõe aquela presença
foi despendida para isso, e o que resta é apenas a ausên-
cia de luz, ou seja, sua sombra, sendo esta pertencente à
luz.

Já o silêncio é a espera de algo que está por vir,


uma espécie de berço para alguma vontade de existên-
cia vir à presença. Portanto podemos entender luz como
provedora de presença e silêncio como pontencialidade,
ou seja, luz como pertencente ao âmbito do mensurável,
mais especificamente como definidora do mensurável

61
e silêncio como pertencente ao âmbito do imensurável,
mais especificamente como o receptáculo do mensurável.

“Agora isso veio das percepções que tive sobre a luz


e eu disse que toda a matéria da natureza, sendo, como
disse antes, as montanhas, os riachos e o ar e nós mesmos
somos feitos de luz que foi dispendida. E toda a matéria
é luz que se esgotou. E essa massa disforme chamada
matéria produz uma sombra. E a sombra pertence à luz.
Então a luz é na verdade a fonte de todo o ser. (...)

Agora, você diz, qual é a importância disso tudo?


É o movimento do silêncio, que de alguma forma é o berço
do mensurável, que é o desejo de expressar, se movendo
em direção aos meios de expressão, que é matéria feita
de luz.” (Kahn. In: 1973: Brooklyn, New York, 1973, p. 96) 16

Kahn também coloca que nesse movimento en-


tre o silêncio e a luz existe o limiar aurático no qual o
primeiro encontra o segundo. Esse limiar, que pode ser
descrito como uma imagetização do entendimento de
Kahn de inspiração é nomeado pelo arquiteto de o tesou-
ro das sombras. Neste limiar Kahn situa o que ele chama
de santuário da arte, o âmbito da linguagem única e es-
62
pecífica do homem. Este local que apenas o homem pode
encontrar, exclusivo dele em toda a natureza, de onde a
razão da existência do homem pode emergir, ou seja, da
onde o desejo de expressar se realiza.

“Luz é vida materializada. As montanhas, os ria-


chos, a atmosfera são luz dispendida.

Matéria, inconsciente, se movendo para o desejo;


desejo de expressar, consciente, se movendo para a luz se
encontram em um limiar aurático onde a vontade sente o
possível. O primeiro sentimento foi de beleza, o primeiro
senso foi de harmonia, do material incompreensível, men-
surável e imensurável, o criador de todas as coisa.

No limiar, o cruzamento do silêncio e da luz, está o


santuário da arte, a única língua dos homens. É o tesouro
das sombras. Tudo o que é feito de luz produz uma som-
bra. Nosso trabalho é de sombra; pertence à luz.” (Kahn.
In: The room, the street, and the human agreement, 1971,
p. 484) 17

Todas as considerações de Kahn até aqui discuti-


das são válidas para todo o funcionamento da natureza

63
e para toda a criação do homem, mas entrando especifi-
camente no âmbito da arquitetura, como uma forma de
exemplificar e direcionar a discussão para este tema mais
específico de sua obra, Kahn irá dizer que a arquitetura
não existe realmente.

Isto é, a arquitetura não existe no mundo mensu-


rável, o que se tem presença é uma obra de arquitetura.
Uma arquitetura em contraposição a a arquitetura. Ar-
quietura existe no âmbito do imensurável como um es-
pírito e o que tem presença no mundo material é apenas
uma oferenda para esse espírito, uma obra que evoca, se
competentemente realizada, as qualidades imensuráveis
da sua vontade de existência específica. Arquietura em
si não tem vontade de existência. Essa vontade compete
a algum espaço específico ou instituição do homem que
deseja existir de alguma forma (o conceito de instituição
do homem será abordado na terceira parte desta mono-
grafia). A arquitetura é um espírito, uma classificação de
certo gênero de coisa que se encontra no âmbito do imen-
surável. Essas coisas (instituições ou espaços singulares),
que pairam sob o epírito da arquitetura – e que, portanto

64
se remetem a ele e buscam evocá-lo – é que possuem
certo desejo de existência. A arquitetura espera pelo que
a traga à presença.

“O terceiro aspecto que se deve aprender é que a


arquitetura não existe realmente. O que existe é a obra de
arquitetura. A arquitetura existe, sim, na mente. Ao fazer
uma obra de arquitetura, o homem faz uma oferenda ao
espírito da arquitetura... um espírito que não conhece es-
tilos, não conhece técnicas, nem métodos. Um espírito que
apenas espera pelo que o traga à presença. Aí entra a ar-
quitetura, e ela é a incorporação do imensurável.” (Kahn.
In: Conversa com estudantes, 2002, p. 36)

Ainda pertencentes a classificação entre mensu-


rável e imensurável estão os conceitos de design e forma.
Essa é dualidade é de extrema importância para o siste-
ma teórico de Kahn pois é a entrada especifica ao âmbito
da sua produção arquitetônica. Sobre tudo, é através dela
que a teoria de Kahn se concentra prática projetual, se
mostrando como a chave para a compreensão de sua pro-
dução arquitetônica.

65
SOBRE FORMA E DESIGN

Forma e design é a dupla de conceitos do kósmos


teórico de Kahn que aproxima sua produção conceitual
da prática de projeto. A partir dessa dualidade, o plano
teórico de Kahn encontra sua produção arquitetônica. Es-
ses conceitos devem ser entendidos como complementa-
res, sendo que forma se encontra no âmbito dos conceitos
do imensurável e design no âmbito dos conceitos do men-
surável.

Talvez a melhor maneira de começarmos a com-


preender essa díade de conceitos de Kahn seja abordar a
questão semântica da palavra “forma”.

O dicionário Michaelis Online traz as seguintes


definições para o vocábulo:

1. figura ou aspecto exterior dos corpos materi-


ais

2. modo pelo qual uma coisa existe ou se manifesta

3. constituição, modo particular de ser

67
Se observarmos os dois primeiros significados da-
dos a palavra veremos que a ideia de forma, segundo seu
uso comum, pode se aproximar, ou ser um sinônimo, da
palavra formato. Das três definições de forma dadas pelo
dicionário, apenas a terceira se afasta da noção de forma-
to e se aproxima do significado apropriado por Kahn.

Para Kahn forma e formato possuem significa-


dos absolutamente diferentes, se encontrando neste fato
a primeira dificuldade de compreensão do significado
atribuído por Kahn para o conceito de forma. Na teoria
de Kahn, forma e formato são ideias contrárias, diame-
tralmente opostas. Desta maneira é preciso retirar todo
o conteúdo de significado de formato do espectro de sig-
nificados de forma. Assim, excluindo tudo o que for cir-
cunstancial, material, ou dimensional do conceito forma.
Segundo o próprio arquiteto, “um formato é a expressão
de uma forma” (Kahn. In: Architecture: silence and light,
1969, p. 475) 18. Portanto, forma pode ser entendida como
anterior a formato.

“Do senso de percepção vem a forma. Forma não é


formato, formato é uma questão de design, mas forma é

68
a percepção das partes inseparáveis do que é percebido.
Design é realizar o que a percepção, forma, nós mostra.”
(Kahn. In: Louis Kahn on learning, 1972, p. 41) 19

Forma, para Kahn, são as características que tor-


nam dado objeto ou instituição único e específico. São
suas partes inseparáveis, sua essência. A mesma forma
pode ter infinitas expressões, desde que mantenha suas
partes primordiais. Um exemplo elucidativo dado por
Kahn é a forma de uma colher: uma colher é composta
de uma haste e uma concha. Essas são suas partes in-
separáveis e que caracterizam a colher; qualquer colher
é composta por essas partes, não importando a maneira
circunstancial de como isso ocorre, o que está no âmbi-
to das questões relacionadas ao design da colher (Kahn.
In: Forma e Design, 2010, p. 9). Ou seja, as qualidades
definidoras de uma colher, ou de qualquer objeto, são per-
manentes, sempre válidas e absolutas.

“Há certas qualidades que serão sempre válidas. A


aparência de uma coisa poderá não ser a mesma, mas aq-
uilo a que ela responde sempre será. É um mundo dentro
de um mundo; isso é o que sempre será. Uma cerca pare-

69
cerá diferente do que é, mas sua essência será a mesma.”
(Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 42)

Não se encontram no espectro de significado do


conceito de forma os materiais de que são compostas as
colheres, nem seu formato específico. Estes pertencem ao
mundo material e mensurável, e portanto não fazem par-
te da essência de uma colher. A forma de determinada
coisa é sua essência, sua existência, no sentido atribuído
a esta palavra pelo arquiteto, conforme explicitado ante-
riormente. É de fato o objeto em contraposição a um ob-
jeto. Neste sentido o significado de forma se aproxima ao
conceito de ideia de Platão:

“(...) formas (eíde) incorpóreas e imateriais,


imutáveis e idênticas, ou seja, das ideias, conhecidas ex-
clusivamente pelo intelecto ou pela inteligência. A identi-
dade, imobilidade, perenidade e unidade das formas ima-
teriais é a marca das essências ou das idéias (...)” (Chaui,
2002, p. 241)

De fato a raiz grega utilizada por Platão para o


conceito de ideia é eîdos, a mesma raiz da palavra forma.
Chaui esclarece que eîdos pode significar tanto forma
70
sensível ou sensorial (matéria apreendida pelos sentidos),
como forma inteligível ou intelectual (essência apreendi-
da pelo pensamento) e que essa distinção entre o sensível
e o inteligível só acontece a partir Platão, com sua teoria
do conhecimento.

Forma está no âmbito do imensurável, possui


existência, mas não presença singular. A forma espera
pelo que a traga à presença. Um certo desejo de existência
que seja percebido e realizado em sua plenitude.

É neste momento em que o conceito design entra


em cena. Na maior parte das traduções de textos de Kahn
para o português, e também nesta monografia, o termo
design não é substituído pela palavra projeto, pois enten-
demos que o significado de design é mais amplo que o
conceito de projeto. Um design pode ser um desenho, um
projeto, ou um objeto; enfim, qualquer expressão material
de determinada ideia.

Neste sentido, design é a expressão material uma


forma, sua realização no mundo material. É o que traz a
forma à presença, do âmbito do imensurável ao âmbito
do mensurável. Forma é um conceito do imensurável e,
71
portanto, só pode ser atingida através da intuição. Tam-
bém nesse aspecto o pensamento de Kahn se aproxima
mais uma vez de Platão, que “chamará de intuição, um
contato intelectual direto e instantâneo com a essência
pura ou ideia pura da coisa procurada” (Chaui, 2002, p.
247). Isto é, a maneira de encontrarmos as formas descrita
por Kahn se aproxima da maneira como Platão descreve
a apreensão das ideias.

A apreensão da forma é a percepção de algo ima-


terial que possui determinada vontade de existência. Essa
vontade de existência se realiza através do design, que
por sua vez deve – se bem realizado – se remeter à sua
forma originária.

”Forma não tem configuração, nem dimensão. For-


ma simplesmente tem um caráter e uma qualidade. Suas
partes são inseparáveis. Se você retira alguma parte, a
forma se desfaz. Isso é forma. Desenho é uma tradução
material disso. Forma tem existência, mas não tem pre-
sença. Como a existência é uma construção mental, é o
desenho que a torna tangível.” (Kahn. In: Conversa com
estudantes, 2002, p. 47)

72
Design é “um mundo dentro de um mundo”, no
sentido de que pode se realizar de infinitas maneiras, en-
quanto a forma é única. O design, por ser circunstancial,
depende de diversos fatores materiais e variáveis con-
forme o tempo e o espaço onde está inserido (o primeiro
mundo), enquanto a forma (o segundo mundo) é imate-
rial e pertencente ao imensurável, e pertencedora do de-
sign: “(...) o design reflete sua verdade à forma.” (Kahn. In:
Forma e design, 2010, p. 9)

O design, por sua vez, na medida em que busca


trazer à presença uma forma, deve buscar se realizar se-
gundo a natureza, ou seja, buscar as ordens que atuam e
determinam o que quer que seja que está se realizando.
Kahn dirá que um edifício quer nos falar, “Veja, eu quero
lhe contar sobre como eu fui feito” (Kahn. In: The room,
the street, and the human agreement, 2009, p. 484) 20. Ou
seja, da mesma maneira que a natureza grava em tudo o
que criou a memória de sua criação, assim também de-
vem ser os designs para que eles evoquem suas formas.
Assim, um edifício deve seguir claramente as ordens que
lhe dizem respeito, de forma que elas sejam expressas e

73
inteligíveis pelo próprio design criado.

“Aqui é onde o design entra. A percepção é uma


percepção em forma, que significa natureza. Você percebe
que algo possui certa natureza. (...) Ao fazê-lo você deve
consultar as leis da natureza, e a consulta e aprovação
da natureza são absolutamente necessárias. Nela você
achará, descobrirá, a ordem da água, a ordem do vento, a
ordem da luz, a ordem de determinados materiais.” (Kahn.
In: Brooklyn, New York, 1973, p. 92) 21

Para ilustrar a natureza da produção arquitetôni-


ca, no que tange o respeito à ordem, Kahn utiliza de mais
uma de suas anedotas, comparando a arquitetura com
outras artes.

“Giotto era um grande pintor porque ele pintava os


céus de preto durante o dia, e pintava pássaros que não
podiam voar e cachorros que não podiam correr, e fazia
homens maiores que os batentes das portas, pois ele era
um pintor. Um pintor tem esse privilégio. Ele não tem de
responder aos problemas da gravidade nem às imagens
como as conhecemos na vida real. Como pintor ele expres-
sa uma reação à natureza e nos ensina através de seus
74
olhos e de suas reações à natureza do homem. Um escultor
é aquele que modifica os espaços com os objetos que ex-
pressam, novamente suas reações à natureza. Ele não cria
espaços. Ele modifica espaços. Um arquiteto cria espaços.

A arquitetura tem limites.

Quando nós tocamos as paredes invisíveis dess-


es limites, então sabemos mais sobre o que está contido
nelas. Um pintor pode pintar rodas quadradas em um
canhão para expressar a futilidade da guerra. Um escul-
tor pode esculpir as mesmas rodas quadradas. Mas um
arquiteto deve usar rodas redondas.” (Kahn. In: Forma e
design, 2010, pág. 20)

A partir desse entendimento Kahn dá origem à


sua produção arquitetônica. Essa aproximação da nature-
za de seu trabalho, para além do sentido prático decorre
de uma depuração do caminho entre o silêncio e a luz,
descrito no capítulo anterior. Assim Kahn propõe uma
abordagem que visa realizar o design a partir da forma:

“Design pela forma é a percepção da natureza de


algo que está aqui. É completamente silencioso, invisível,

75
e você se volta para a natureza para fazê-lo presente, a
partir da existência na mente.” (Kahn. In: Brooklyn, New
York, 1973, p. 93) 22

O ato de projetar para Kahn significa primeira-


mente buscar determinada forma; esse é o papel do ar-
quiteto e o que o diferencia do projetista pragmático e
o centro ideal da produção arquitetônica. O verdadeiro
desafio da arquitetura está em encontrar a essência do
espaço a ser criado, tentar entendê-lo – desvelá-lo através
da intuição do imensurável – conforme sua forma, para a
partir daí projetar de fato o objeto arquitetônico que re-
sponderá às necessidades específicas e essenciais dessa
forma.

“Na verdade eu busco a essência das coisas. Quan-


do eu estou projetando uma escola, eu tento resolvê-la
como ‘escola’, mais do que como ‘uma escola’. Em primeiro
lugar, há o que faz ‘escola’ ser diferente de qualquer outra
coisa.” (Kahn. In: Conversa com estudantes, 2002, p. 45)

Embora forma seja um conceito do âmbito do


imensurável, Kahn buscou uma maneira de traduzir uma
forma específica para os meios materiais. Para enfrentar
76
essa questão Kahn cria o que ele chama de desenho-for-
ma. Trata-se de uma espécie de diagrama que busca iden-
tificar as partes indissociáveis de determinado edifício
ou instituição. Não é um projeto de edifício e nem um
desenho com o qual o projeto terá alguma semelhança
formal necessariamente, mas apenas a expressão visu-
al do entendimento de uma certa essência. A ideia do
desenho-forma não aponta no sentido de se tornar uma
representação do design consolidado, mas sim ser o em-
brião desse design.

77
Exemplo de desenho-forma. Louis Kahn. “Desenho forma.
Não um design.”

78
O desenho acima é um exemplo repetido inúmeras
vezes na bibliografia sobre Kahn. Trata-se do diagrama
de desenho-forma para o projeto da Igreja Unitária em
Rochester, Nova York (1959-69). O projeto começa com
o diagrama acima que Kahn apresenta para seus clientes
após algumas horas de conversa, nas quais a comissão
estava tentando explicar a Kahn como era sua igreja.

Kahn então desenha na lousa da sala um diagrama


composto de um quadrado, dentro do qual se tem uma
interrogação, em volta do quadrado um anel circular en-
volto por um segundo anel. O quadrado, que continha o
ponto de interrogação era o centro da igreja, o santuário;
em volta dele um ambulatório (o círculo) para aque-
les que não estariam no culto; e o último anel a escola
(característica importante para a igreja Unitária). De for-
ma que a escola que tinha originado a pergunta do cen-
tro determinava o local do santuário. Embora o diagrama
acima não seja um desenho arquitetônico, é claramente
um diagrama em planta e a solução inicial desse projeto
se aproximava muito do desenho do diagrama.

Kahn tentara exprimir a essência da Igreja Unitária.

79
E o fez elencando seus espaços mais importantes e orga-
nizando-os hierarquicamente a partir de um diagrama em
planta, de maneira a expressar a forma daquele determi-
nado edifício.

”A primeira planta era quase uma tradução liter-


al da forma-desenho como eu a chamaria: forma-desenho
que representava, que apresentava partes inseparáveis do
que você chamaria um centro unitário ou lugar unitário.
Embora eu não soubesse os requisitos específicos, eu os
conhecia de um modo geral. Eu senti que uma declaração
direta, quase primitiva, era o meio de começar...” (Kahn.
In: Forma e design, 2010, p. 62)

Diferentemente do caso acima descrito, o desen-


volvimento do projeto não acontece necessariamente
de maneira linear, iniciando na forma e percorrendo um
caminho retilíneo até o design. Kahn abre espaço para
que designs também deem origem a formas, ou melhor
dizendo, ao descobrimento de novas formas, novas von-
tades de existência. Esse processo acontece de maneira
similar a um processo de pesquisa, de maneira menos
teórica do que empírica.

80
”Apesar de tudo o que foi dito, eu não quis implicar
um sistema de pensamento e trabalho que levasse à real-
ização da Forma para o Design.

Os designs também podem levar a realizações em


Forma.

Essa interação é o estímulo constante da Arquite-


tura.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 38)

A busca pela forma, no espectro específico da ar-


quitetura, trata, em outras palavras, da busca pela essên-
cia das instituições do homem: “Em arquitetura ela [for-
ma] caracteriza uma harmonia de espaços satisfatória
para certa atividade humana” (Kahn. In: Forma e design,
2010, p. 9). Uma instituição, de que fala Kahn, vem de al-
gum desejo do homem de realizar determinada atividade.
É, primeiramente, um acordo natural que surge a partir
de um senso de coletividade, uma inspiração para viver
coletivamente. Uma vez que essa atividade, ou conjunto
de atividades, se consolidam, elas se tornam uma certa
instituição, se institucionalizam pela coletividade huma-
na. E essas instituições demandam determinado espaço
tanto para acontecerem como para se afirmarem simboli-
81
camente.

“Instituições decorrem da inspiração para viver.


Essa inspiração ainda se expressa humildemente em nos-
sas instituições de hoje. As três grandes inspirações são
a inspiração para aprender, a inspiração para se encon-
trar, e a inspiração para o bem estar. Todas elas servem,
de fato, ao desejo de ser, de expressar. Essa é, você pode
dizer, a razão para viver.” (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 44) 23

A cidade, para Kahn, é o agrupamento dessas in-


stituições do homem em determinado lugar. Um conjunto
que disponibiliza ao homem uma série de espaços dedi-
cados a uma série de atividades institucionalizadas pela
coletividade de pessoas. Dessa forma, Kahn propõe como
parâmetro para avalizar a grandeza de uma cidade a me-
dida da grandeza de suas instituições.

Duas instituições do homem são recorrentemente


mencionadas por Kahn, devido à relevância delas: a es-
cola e a rua. A rua vem da inspiração para se encontrar
enquanto a escola vem da inspiração para aprender. Se-
gundo Kahn, a rua é um cômodo por consenso, as con-
struções são suas paredes e o céu sua cobertura, e sua
82
função é dedicada ao uso comum da cidade. Um local de
encontro e troca da comunidade.

“Em uma cidade a rua deve ser suprema. É a pri-


meira instituição da cidade. A rua é um cômodo por con-
venção, um ambiente comunitário, as suas paredes são
dos doadores, dedicadas à cidade para uso comum. Sua
cobertura é o céu.” (Kahn. In: Lobell, 1979, p. 46) 24

Já a escola é mencionada diversas vezes em uma


das típicas anedotas de Kahn, quando o arquiteto ilustra
seu conceito de forma:

“Eu penso em escola como um ambiente onde se é


bom aprender. As escolas começaram com um homem, que
não sabia que era professor, discutindo suas percepções
debaixo de uma árvore com uns poucos que não sabiam
que eram alunos. Os estudantes refletiram sobre a troca
de conhecimentos e sobre como era bom estar na presença
desse homem. Eles esperavam que seus filhos também o
escutassem. Em pouco tempo, espaços foram erguidos e
apareceram as primeiras escolas. O estabelecimento de
escolas era inevitável, porque fazia parte do desejo do
homem. Nosso amplo sistema de educação, hoje investido
83
em instituições, é proveniente dessas pequenas escolas – o
espírito do começo, porém, foi esquecido. As salas solic-
itadas por nossas instituições de ensino são estereotipa-
das e nada inspiradoras. As salas de aula uniformes, os
armários alinhados nos corredores e outras áreas e dis-
positivos chamados funcionais, requisitados pelo institu-
to, são certamente ajeitados em pacotes organizados pelo
arquiteto, que acompanha com atenção as áreas e seus
limites orçamentários de acordo com o que foi solicitado
pelas autoridades escolares. As escolas são boas para ol-
har; no entanto, são vazias em arquitetura, porque elas
não refletem o espírito do homem debaixo da árvore. Todo
o sistema escolar que se seguiu, desde o início, não teria
sido possível se a origem não estivesse em harmonia com
a natureza do homem. Pode-se também dizer que o desejo
de existência da escola estava lá mesmo antes do homem
debaixo da árvore.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 9)

Nesse trecho Kahn nos mostra alguns pontos im-


portantes que cercam o conceito de forma, sendo eles: (1)
uma inspiração; (2) um desejo de existência; (3) uma insti-
tuição do homem. Sendo a inspiração aquilo que levou o

84
cenário que Kahn descreve a existir, ou seja, a inspiração
para aprender que reuniu as pessoas embaixo da árvore
no primeiro momento. Nesse momento foi percebido um
desejo de existência do imensurável preestabelecido pela
natureza do homem, o desejo de existência da escola. E
por fim, a própria escola se concretiza como uma insti-
tuição do homem, se estabelecendo materialmente como
o local institucionalizado para se aprender, que deve se
remeter à inspiração inicial de aprender – o seu começo.

“Uma obra de arquitetura é uma oferenda ao es-


pírito da arquitetura e ao seu início poético.” (Kahn. The
room, the street, and the human agreement, 2009, pág.
485) 25

O que Kahn coloca é que essa instituição do homem


tem vontade de existir de certa maneira, da maneira inspi-
rada como em seu primeiro momento. Essa maneira é a
forma da escola.

É nesse ponto que o conceito de forma encontra


com a arquitetura. Para Kahn, a maneira correta de se
projetar qualquer coisa é fazê-lo de maneira que este siga
sua forma, pois assim é a natureza. Ele acredita ser dever
85
do arquiteto responder com seu projeto a esses desejos
de existência, estendendo essa ideia como o centro da
arquitetura, ou do trabalho do arquiteto – buscar a essên-
cia das instituições do homem, o que determinado espaço
quer ser. A ideia de Kahn de perguntar a um edifício o que
ele quer ser é amplamente conhecida e é central em sua
produção. De certa modo, se perguntar o que um edifício
quer ser é o mesmo que se perguntar qual é a forma desse
edifício.

“Um edifício é um mundo dentro do mundo. Ed-


ifícios que personificam lugares de culto, ou de habitação,
ou de outras instituições do homem devem ser fiéis ao seu
caráter.

Esse é o pensamento que deve permanecer; se ele


morrer, também a arquitetura morre.” (Kahn. In: Conversa
com estudantes, 2002, p. 31)

Kahn assim introduz a ideia de natureza e caráter


dos espaços, os quais o arquiteto deve compreender para
trazer à presença determinada forma. Segundo Kahn,
o arquiteto deve perceber que um ambiente pequeno é
diferente de um ambiente grande, ou de um ambiente
86
com ou sem uma lareira... e entender como usá-los para
criar espaços onde se é bom fazer determinada coisa.

Essa compreensão – embora possa parecer de cer-


to modo prosaica – quando é posta como central para a
arquitetura ganha uma força especial no ato de projetar,
que buscaria então, primeiramente, a caracterização dos
espaços, suas qualidades especificamente espaciais – pro-
priedade exclusiva da arquitetura – deixando em segun-
do plano outras questões que circundam a produção ar-
quitetônica. Apenas a partir da compreensão da natureza
e caráter dos espaços que o arquiteto tem a capacidade de
trazer à presença determinada forma. Entrando assim no
âmbito das questões específicas do design.

”Alguém pode dizer que a arquitetura é a criação


consciente de espaços. É, note, o preenchimento das áreas
prescritas pelo cliente. É a criação dos espaços que evoca
um sentimento de uso apropriado.” (Kahn. In: Forma e de-
sign, 2010, p. 25)

O caráter dos espaços não é descrito no pro-


grama de necessidades mas é central para a produção
arquitetônica, portanto é dever do arquiteto ir além do
87
programa para determinar as verdadeiras necessidades
de certo edifício – aquelas que se remetem diretamente a
inspiração que deu origem à instituição do homem, que,
por sua vez, gerou a necessidade de se erguer um edifício.
Especialmente no sentido de como os espaços devem ser,
em contraposição ao o que eles são. Assim a arquitetura
pode se compor buscando criar espaços verdadeiramente
adequados aos seus usos.

Desta forma, Kahn diz que o programa de necessi-


dades é insuficiente para a criação da arquitetura e deve
necessariamente ser questionado e reescrito no sentido
de buscar a forma do edifício a ser projetado.

“Mas ‘programa’ é uma palavra insuficiente. Tudo


isso é, sim, a compreensão do caráter de um reino compos-
to por espaços onde é bom fazer certa coisa.” (Kahn. In:
Conversa com estudantes, 2002, p. 30)

Para Kahn a arquitetura começa com um cômodo


– determinado espaço criado definido por elementos ar-
quitetônicos construídos e possuidor de certo caráter. E
um edifício é o conjunto de seus cômodos cada um com
seu determinado caráter. O caráter dos cômodos que con-
88
formam um edifício é o que o arquiteto deve buscar para
atender às verdadeiras necessidades de uma instituição.
Por isso a ideia do cômodo como o início da arquitetura;
fazer arquitetura, projetar, é pensar em cômodos adequa-
dos para determinadas funções, e a maneira como es-
ses cômodos se conectam. E para fazer isso é necessária
a compreensão de como os espaços são diferentes um
dos outros, e a influência desses diferentes espaços nas
pessoas que estarão neles. O cômodo, portanto, se apre-
senta para Kahn como o módulo mínimo do raciocínio
arquitetônico.
“Então o cômodo é terrivelmente importante. E se
você perceber que a planta é uma sociedade de cômodos,
então o grande cômodo e o pequeno, o baixo, um com uma
lareira, e outro sem, se tornam grandes eventos em sua
mente e você começa a pensar não nos requisitos, mas na
natureza dos elementos arquitetônicos que você pode uti-
lizar para criar o ambiente do local onde é bom aprender,
ou onde é bom viver, ou onde é bom trabalhar. Então você
está realmente no centro da arquitetura e não na atmos-
fera operacional do profissional.” (Kahn. In: 1973: Brook-
lyn, New Yor, 1973, p. 94) 26
89
Desenho ilustrando a importância do cômodo. Louis
Kahn. “Arquitetura vem da criação de um cômodo. A
planta - a sociedade de cômodos é um lugar bom para
viver trabalhar aprender. Um grande poeta americano

90
perguntou ao arquiteto ‘que fatia do sol seu edifício pos-
sui. Que luz entra em seu cômodo.’ Como se dissesse que
o sol nunca soube de sua grandeza até atingir a face de
um prédio. O cômodo é o lugar da mente. Em um cômo-
do pequeno não se fala o que se falaria em um cômodo
grande. Em um cômodo com apenas outra pessoa pode
ser que os vetores de cada um se encontrem. Um cômodo
não é um cômodo sem luz natural. Luz natural faz a hora
do dia e o humor das estações entrarem.”

91
Conforme descrito no capítulo anterior, para Kahn,
matéria é luz despendida. Isso implica que para configu-
rar um cômodo – determinado por seus elementos con-
struídos – é imprescindível a presença de luz. A luz, uma
vez despendida ao se tornar matéria, compõe os elemen-
tos que configuram o cômodo.Portanto um espaço só
pode existir na presença de luz – sem a luz resta apenas a
escuridão, um não-espaço.
“E eu penso, com grande interesse, que o modo
como um espaço é feito é quase feito com a consciência
de possibilidades de luz, porque quando você tem uma
coluna e você a vê, você está dizendo que a coluna está
lá porque a luz é possível. (...) Portanto, o significado de
produzir um espaço já implica que a luz está penetrando...
e a escolha que você faz do elemento da estrutura deveria
ser também a escolha do tipo de luz que você deseja... e eu
acho que isso é uma verdadeira exigência arquitetônica.”
(Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 59)
Exaltando a importância da luz para a arquitetura,
Kahn parafraseia o poeta americano Wallace Stevens, no
poema “Architecture”. O arquiteto segue o poeta dizen-

92
do: “que fatia do sol entra em seu cômodo? Qual espectro
anímico a luz oferece da manhã até a noite, de um dia para
o outro, de uma estação para outra e ao longo dos anos?”
E completa: “Stevens parece nos dizer que o sol não tinha
consciência da maravilha que é até que se deparou com a
face de um edifício.” (Kahn. In: The room, the street, and
the human agreement, 2009, p. 480) 27
Se a luz é a responsável pela composição de um
espaço, a produção arquitetônica deve se basear na bus-
ca pela luz adequada para determinar o caráter daquele
espaço. Seguindo esse raciocínio, Kahn percebe que a
estrutura de um edifício e de seus cômodos existem na
condição de, por igual, darem existência a luz compondo
assim os espaços que configuram o edifício.
Isso se dá pela constatação de que é a estrutura do
edifício, seu esqueleto – dentro do contexto da arquitetura
moderna da independência entre estrutura e vedação – a
responsável pela possibilidade do edifício ser permeável
ao externo. Essa noção é ilustrada de certa forma pela
anedota da coluna e da parede citada no capítulo anteri-
or. Assim Kahn chega à máxima: “a estrutura é a criadora

93
da luz” (Kahn. In: Architecture: silence and light, 2009, p.
475) 28
Portanto a estrutura de um cômodo é a responsável
primeira pelo caráter daquele espaço, uma vez que é a lim-
itadora da possibilidade de luz. Kahn sempre se refere, na
medida em que discorre sobre a composição de espaços,
à luz natural. A luz natural, para Kahn, é muito superior à
luz artificial. Em contraposição à luz artificial, que é ape-
nas uma luz estática, a luz natural possui uma série de
nuances, movimentos e variações que a torna inigualável,
produzindo efeitos inatingíveis artificialmente. Daí a im-
portância de se pensar os espaços a partir da luz natural
e não da artificial, pois o caráter e a qualidade do espaço
só atingirá sua máxima potência quando servidos de luz
natural.
“Uma planta de um prédio deveria ser vista como
uma harmonia de espaços na luz.
Até mesmo um espaço com pretensão de ser escuro
deveria ter luz suficiente, vinda de alguma abertura mis-
teriosa, para nos dizer o quanto ele realmente é escuro.
Cada espaço deveria ser definido por sua estrutura e pela

94
característica da sua luz natural. É claro que não estou fa-
lando sobre áreas menores que servem a espaços maiores.
Um espaço arquitetônico deve revelar a evidência de sua
criação por meio de seu próprio espaço. A luz artificial é
um pequeno e único momento estático na luz, é a luz da
noite e nunca pode se igualar às nuances de ânimos cri-
adas pela luz do dia e pelas maravilhas das estações.”
(Kahn. In: Forma e design, 2010, p. 25)
Exceção a esse paradigma – de que todos os es-
paços necessitam de luz natural – Kahn insere o que ele
chama de áreas ou espaços de serviço. O arquiteto es-
tabelece duas categorias de espaços em um edifício, as
áreas servidas e as áreas de serviço. Essa dualidade tem
importância superlativa em seu raciocínio projetual como
organizadora da planta. As áreas de serviço são as “áreas
menores”, as quais se refere na citação acima, que servem
às “áreas maiores”. Já estas são os espaços servidos que
são centrais ao edifício com um todo e determinam o seu
caráter: áreas de estar, salas de trabalho, de exposição...
em contraposição aos espaços de serviço como depósitos,
áreas técnicas, banheiros, etc. Estes últimos não pre-
cisam invariavelmente de luz natural pois não possuem a
95
necessidade de terem algum caráter, são apenas áreas de
suporte, para que os espaços servidos possam funcionar.
Concluindo, para Kahn a realização da forma é es-
sencial para a arquitetura; é um dever do arquiteto trazer
à presença os desejos de existência que fazem parte da
natureza do homem. Criando espaços arquitetônicos com
designs que reflitam suas formas, nos quais aquele desejo
de existência primordial se concretize – só aí reside a ver-
dadeira arquitetura.

96
SOBRE A BIBLIOTECA DA PHILIPS EXETER
ACADEMY

“Quantas coisas precisam acontecer e onde fica o


arquiteto? Ele fica logo aí. Ele é o homem que transmite a
beleza do espaço, que é o próprio propósito dos espaços,
dos espaços importantes. Todos são importantes. Você
cria um ambiente, e ele pode ser sua própria invenção.
Não precisa ser um protótipo. Simplesmente deve ser da
maneira como você entende um ambiente para o apren-
dizado, e não gerado a partir das instruções que você con-
segue nos livros de padrões. Aí fica o arquiteto.” (Kahn.
1973: Brooklyn, New York, 1973, p. 95) 29

97
Biblioteca da Phillips Exeter Academy. Exeter, New
Hampshire. 1965-72.

98
A encomenda do projeto para a biblioteca da
Philips Exeter Academy foi dada a Kahn em 1965 após
o comitê responsável pela construção do novo edifício
entrevistar grandes arquitetos como, I. M. Pei e Paul Ru-
dolph. A intenção do novo reitor da Philips Exeter
Academy era a de construir um marco arquitetônico
moderno no campus, em contraposição aos edifícios
neo-Georgianos existentes. Kahn se destacou e recebeu
o projeto após apresentar para o comitê sua visão de
como deveria ser uma biblioteca (McCarter, 2009, p. 305).
Já se formava neste momento os primeiros passos para
a definição da forma de uma biblioteca, que tentaremos
compreender ao longo desse capítulo.
“Você desenha uma biblioteca como se nenhuma
biblioteca houvesse existido.” (Kahn. In: McCarter, 2009,
p. 306) 30
A instituição da biblioteca para Kahn é de suma
importância para o homem, pois ele deve ser um lugar sa-
grado – um local do conhecimento, uma vez que “o mun-
do é posto em sua frente através dos livros” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 304) 31

99
“Um livro é tremendamente importante. Ninguém
nunca pagou pelo preço de um livro, todos só pagaram
pela impressão.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 304) 32
A biblioteca parece ser bom exemplo sobre análise
dos vínculos entre a teoria e prática projetual de Kahn
na medida em que é um edifício de programa relativa-
mente simples, no qual o arquiteto trabalha suas noções
abstratas sobre a concepção arquitetônica de maneira
expressivamente sensível.
Sem dúvidas o acontecimento arquitetônico mais
marcante da biblioteca é seu hall central, iluminado in-
diretamente pela cobertura, o qual originalmente não
constava no programa de necessidades recebido por
Kahn, mas que foi trabalhado como ápice tanto para or-
ganização espacial do edifício, quanto para a apreensão
do caráter – da aura – da biblioteca.
Pensando sobre a importância desse vão inserido
no núcleo do edifício, e na sua clara relevância para a de-
terminação do projeto da biblioteca, podemos especular
sobre a forma que Kahn tentou traduzir materialmente
no edifício. Tomando por base o desenho-forma que te-

100
mos em mãos – o diagrama de espaços essenciais e in-
separáveis para a Igreja Unitária, apresentado no capítu-
lo anterior – podemos especular que o mesmo raciocínio
foi utilizado para o entendimento da forma da biblioteca
de Exeter. Além desse exemplo de raciocínio traduzido
visualmente, podemos também tomar por base os de-
senhos finais do projeto da biblioteca de Kahn. Assim,
partindo de um princípio especulativo – inferido a partir
do diagrama da Igreja Unitária – somado ao projeto con-
sumado, buscamos qual poderia ser o entendimento de
Kahn sobre a forma de uma biblioteca.
Desta maneira pode-se chegar ao seguinte esque-
ma:

101
O diagrama acima deve ser entendido como a
representação das três possíveis partes indissociáveis da
biblioteca, sendo: o primeiro – o anel externo – o espaço
da leitura; o segundo – o anel intermediário – o espaço
dos livros; e o terceiro – o núcleo central – o espaço da
promessa.
Nessa espécie de redução eidética, busca-se espec-
ular, a partir do resultado final do projeto, qual o princípio
norteador do mesmo. Essa leitura é apoiada em evidên-
cias fornecidas pelo edifício tal qual se realizou, as quais
serão descritas partindo da periferia da biblioteca até
chegar ao seu centro.

102
Planta do segundo pavimento da biblioteca, no qual se
estabelece o hall central articulado com o térreo – com-
posto por áreas de serviço – pela escada circular. As três
partes do diagrama estão destacadas.

103
Corte da biblioteca passando pelo hall central. As três
partes do diagrama estão destacadas.

104
Analisando a biblioteca, as três partes componen-
tes definidas acima se apresentam por duas razões. Em
primeiro lugar, a maneira como se dá a organização dos
espaços do edifício, tendo como núcleo o hall central;
como espaço imediato à fachada os nichos de leitura; e
cercado pelos dois anteriores o espaço das estantes. Es-
tes três espaços compõem praticamente todas as àreas
servidas da biblioteca. Em segundo lugar, o modo como
esses edifícios são construídos, quase como três edifícios
articulados em um mesmo conjunto.

105
Diagrama de Florindo Fusaro demonstrando o uso de
quadrados rotacionados na configuração da planta. (In:
McCarter, 2009, p.444)

106
A planta do edifício – como sugere a leitura do
diagrama acima, de Florindo Fusaro (In: McCarter, 2009,
p. 444) – parece ser composta, em sua totalidade, pela ar-
ticulação de quadrados rotacionados. A partir desse pro-
cedimento formal de desenho da planta, Kahn estabelece
uma ordem oculta à organização dos espaços da bibliote-
ca – as três partes expressas no desenho-forma proposto
acima. Esse raciocínio parece apontar na direção de seu
pensamento sobre o funcionamento e a maneira como o
que é pelos homens criado deveria seguir princípio de
regularidade, quiça à maneira das criações da natureza.
Deste modo, a biblioteca de Kahn busca atingir um senso
de ordem intrínsico ao edifício.
No primeiro anel já se encontra um fator determi-
nante para a compreensão de Kahn sobre o desejo de
existência de uma biblioteca: a área reservada para a lei-
tura deve estar próxima da luz. Kahn inverte a tradicio-
nal tipologia de biblioteca na qual as estantes com livros
se encontram na periferia da planta, enquanto o espaço
de leitura acontece em seu centro. Essa percepção, tem
enorme relevância para a configuração do edifício, in-
fluenciando na organização dos espaços adjacentes, na
107
apreensão sensível do edifício ao seu uso e funcionali-
dade até chegar à composição das fachadas.
Esse primeiro “anel” é configurado como um
quadrado de aproximadamente 30 x 30 metros, dando ao
volume externo da biblioteca caráter cúbico. A realização
destes espaços parece emergir da noção de que o espaço
de leitura deve funcionar como um nicho, à maneira das
tradicionais conversadeiras, que aproveitavam da espes-
sura das paredes estruturais de pedra ou alvenaria para
a conformação, imediatos às aberturas das fachadas, de
espaços de estar.
“Então, através do menor espaço localizado na
própria construção, os maiores, e ainda maiores espaços
se desdobrariam...A construção em alvenaria portante
com seu nichos e vazios possuem a atraente ordem estru-
tural para prover, naturalmente, tais espaços.” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 305) 33
As fachadas da biblioteca, em alvenaria escu-
ra, embora não mimetizem as espessas fachadas das
construções antigas, conseguem atingir um caráter de
volume e espacialidade a partir das estruturas necessárias,

108
também em alvenaria, perpendiculares ao fino plano ex-
terno, que dão estabilidade à grande parede de tijolos que
compõem a fachada. Esse sistema estrutural quase con-
figura um edifício independente de alvenaria, envelopan-
do todo o conjunto da biblioteca.
Os espaços determinados pela estrutura em alve-
naria e que configuram as áreas de leitura são divididos
pelas paredes estruturais, perpendiculares à fachada, de
maneira que cada ambiente de leitura seja um retângu-
lo áureo em planta, de 6,2 m x 3,8 m (McCarter, 2009, p.
309). Essa proporção será utilizada em outros espaços do
edifício, como o hall central, demonstrando o esforço de
Kahn na busca pela criação de espaços harmônicos, e a
influência histórica em seu trabalho.
Os nichos que determinam os espaços de leitu-
ra são compostos de carvalho e preenchem os espaços
permeáveis da fachada proporcionados pela estrutura de
alvenaria. Essas aberturas são determinadas seguindo
uma refinada, e ainda tradicional, técnica construtiva em
alvenaria – ou ainda, seguindo a ordem do tijolo. Ao in-
vés de vigas de concreto, como Kahn utilizara em outros

109
projetos, na biblioteca de Exeter o arquiteto teve a opor-
tunidade de trabalhar os vãos das aberturas com arcos
abatidos, seguindo uma das tradições construtivas mais
antigas da humanidade e sendo coerente com o desejo
do tijolo – “eu gosto de um arco” – segundo a conhecida
anedota apresentada no início do primeiro capítulo.
Para os pilares Kahn também faz uso das proprie-
dades intrínsicas ao material com o qual trabalha. O pi-
lares, que começam com maior largura no embasamento
do edifício, onde as cargas são mais intensas, vão se afi-
nando a cada abertura na fachada, até chegarem ao topo,
demonstrando como as forças atuantes da estrutura estão
condicionadas à lei da gravidade. A diminuição da largu-
ra dos pilares se dá pela inclinação dos tijolos periféricos
em cada vão, resolvendo assim a interface entre os vãos
(que a cada andar se tornam maiores) e os pilares (que
a cada andar se tornam menores) de maneira extrema-
mente harmônica e natural. Assim os pilares do topo
parecem estar “dançando como anjos” em contraposição
aos do térreo, onde eles “estão grunhindo” (Kahn. In:
McCarter, 2009, p. 309)

110
Vista da estrutura em alvenaria. Pode-se observar o
detalhe da interface entre os arcos e os pilares que di-
minuem a cada andar.

111
O espaço de leitura determina a composição da
fachada de maneira serena e ordenada. Esses espaços
configurados pelo anel externo possuem pé-direito
duplo, dando a sensação de mezaninos para o anel con-
secutivo e proporcionando uma grande quantidade de
luz que caracteriza a periferia da biblioteca. Porém, essa
exuberância luminosa que compõe o caráter do espaço
como um todo é controlada nos nichos em si. Os vãos
das fachadas nos quais os nichos se inserem tomam todo
o pé direito duplo, e portanto, são muito grandes. Por
esse motivo o vazio da abertura é preenchido em duas
partes; dividido pela metade da altura, a parte superior
é inteiramente envidraçada, enquanto a parte inferior,
onde estão de fato os nichos, é composta de madeira com
pequenas aberturas articuláveis para o controle da ilumi-
nação na superfície de concentração no espaço de tra-
balho. A escolha da madeira para esses pequenos ambi-
entes também não parece casual. Sendo os nichos o local
do edifício com maior contato ao toque pelos usuários,
parece adequado a utilização de um material com as pro-
priedades sensíveis do carvalho – sua textura, tempera-
tura, cor... – sendo essa utilização também uma forma

112
de entendimento sobre a ordem da madeira. Também
demonstrando tal preocupação do projeto da biblioteca,
o piso em concreto, neste espaço de leitura, é coberto por
um carpete que se estende conectando-o com o ambiente
de armazenamento dos livros.

113
Nichos de leitura diretamente inseridos na fachada.

114
O anel periférico da biblioteca – o edifício de tijo-
los – além de compor os espaços de leitura também con-
figura um espaço de aproximação ao volume monolítico
inserido em um grande gramado. No térreo, logo abaixo
dos espaços de leitura, existe uma arcada por toda a
periferia da biblioteca, criando um espaço de transição
entre o jardim e a arquitetura. Para Kahn um espaço de
arcadas pertence tanto ao edifício quanto à paisagem.
“A arcada é um objeto da paisagem. Ela pertence
ao edifício, certamente, mas também pertence à entrada e
pertence ao terreno.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 310) 34

115
Interior da arcada que circuscreve o edifício.

116
Assim o arquiteto cria um espaço protegido das
intempéries que circunscreve o edifício, proporcionando
um caminho sombreado para as entradas da biblioteca
localizadas nos quatro lados do quadrado que compõe
seu perímetro. Nos quatro cantos do edifício, os chanfros
no volume fazem com que as fachadas do quadrado ga-
nhem a aparência de planos, suavizando a forte presença
volumétrica da biblioteca ao mesmo tempo em que pro-
porcionam uma superfície de entrada para a iluminação
natural nas escadas.
As escadas fazem parte do anel intermediário, e
embora possam ser consideradas uma área de serviço,
neste projeto Kahn faz questão de alimentá-las com luz
natural para lhes atribuir certo caráter. As escadas são as
áreas de transição entre os espaços dos livros e o de lei-
tura, dado que o dos livros possui pé-direito simples, en-
quanto os espaços de leitura possuem pé-direito duplos.
Assim a luz que entra nas escadas pela fachada chega,
pela abertura da entrada das escadas, até o ambiente dos
livros, insinuando um caminho até sua fonte. Ou seja,
o anel externo, os nichos – o espaço de leitura – de cer-
ta forma penetram o anel intermediário, convidando o
117
usuário que busca seu livro a caminhar até o espaço de
leitura, para apreciá-lo em um local adequado ao que o
livro oferece.
“Um homem com um livro vai até a luz. Uma biblio-
teca começa dessa forma. Ele não vai andar cinquenta pés
até uma luz elétrica.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 305) 35
O segundo anel é um edifício de concreto que in-
termedeia o hall central e o anel externo de tijolos. Sua
iluminação acontece a partir da luz direta dos nichos da
fachada e da luz difusa do hall central, dado que o espaço
de armazenamento de livros não é confinado, mas sim,
abre-se em varandas para os dois aneis que o cercam.
Além dessas entradas de luz natural, a iluminação é com-
plementada por lâmpadas frias, devido a necessidade de
iluminação constante e não danificadora aos livros, como
a luz do sol direta.
As escadas se encontram em dois dos cantos dos
dois quadrados que configuram o anel intermediário, sen-
do uma delas a circulação principal e a outra de serviço,
juntamente com dois elevadores. Nos outros dois cantos
estão as áreas de serviço com banheiros e salas de apoio.

118
Esse anel possui uma estrutura relativamente sim-
ples, utilizando do concreto em resposta às grandes car-
gas dos livros. No átrio central do edifício se veem as
colunas mais carregadas deste edifício de concreto. Estas
sim recebem certo tratamento estético, que tira partido
do funcionamento estrutural do concreto, configurando
uma estrutura expressiva quanto às forças que atuam so-
bre ela, ressaltando a dramaticidade do peso e da massa
do material com o uso de vigas de transição e pilares que
aumentam em seu embasamento. Demonstrando, a par-
tir de uma estrutura de clara leitura a maneira como o
edifício foi construído – é a biblioteca nos contando sobre
a maneira como ela foi feita.

119
PIlares e vigas de concreto no piso do hall.

120
Finalmente chegamos à terceira parte do diagrama
da forma do edifício, o espaço da promessa de biblio-
teca. Passando pela arcada de transição entre o jardim e
o edifício, o usuário chega ao piso térreo no interior da
biblioteca, dedicado a áreas de serviço em seu centro. Mas
rapidamente é levado para a escada de acesso ao hall cen-
tral, no segundo pavimento. Essa grande escada circular
de concreto se localiza em um espaço de pé direito triplo,
mostrando-se como um convite ao núcleo da biblioteca,
por sua amplitude e generosidade da luz que chega a ela
pela abertura zenital do átrio central, que complementa a
luz penetrada pela fachada.
A mesma preocupação com a sensibilidade tátil
dos nichos de carvalho se dá na escada de acesso ao hall,
que possui todas as partes sujeitas ao toque dos usuários
compostas de travertino, enquanto as que não estão su-
jeitas são mantidas em concreto aparente.
Ao final da escada chega-se ao hall, um espaço que
toma toda a altura do edifício em seu pé direito, configu-
rando em sua secção um retângulo de proporção áurea.
Em seu topo, duas grandes vigas de concreto formam

121
um X, que rebate, dada sua altura, a luz proveniente das
aberturas nos quatro lados da torre central levando-a para
baixo de maneira difusa, além de sustentar a cobertura do
edifício. Nas quatro faces desse ambiente veem-se os bal-
cões de carvalho do anel intermediário de armazenamen-
to de livros emoldurados por gigantescas circunferências
de concreto, que fazem o travamento da esbelta estrutura.

122
123
Vistas da cobertura e faces do hall central.

124
“Um glorioso e único espaço central, as paredes e
suas luzes deixadas em planos facetados, os formatos das
marcas de suas criações, entremeados com a serenidade
da luz de cima.” (Kahn. In: McCarter, 2009, p. 312) 36
Esse espaço, que marca o caráter da biblioteca, é
um espaço sem nome, não previsto no programa de ne-
cessidades do edifício. Mas mostra a maneira como Kahn
entende uma biblioteca. O hall além de marcar a insti-
tuição da biblioteca, nos coloca em contato com o imen-
surável, na medida em que ele é um espaço sem função,
de encontros espontâneos, para o que ainda não é. É um
espaço que contém em si certa presença de silêncio, um
receptáculo para que novos acontecimentos e percepções
se realizem.
“O livro é uma oferenda... a biblioteca te fala sobre
essa oferenda.” (Kahn. In: McCarter, 2009, 304) 37
Nesse sentido, o átrio convida o usuário a con-
hecer a biblioteca. Dele se veem os livros expostos no
anel intermediário como um convite ao conhecimento
contido neles. Assim, o hall é entendido por Kahn como
uma “arquitetura de conexão” (Kahn. In: McCarter, 2009,

125
p. 316), pois é um espaço de contemplação – o hall apre-
senta a biblioteca para o usuário, ele conecta o usuário
com a biblioteca como um todo – ao mesmo tempo em
que conecta os usuários entre si, tanto visualmente quan-
to como potencializador de acontecimentos espontâneos
entre as pessoas neste espaço. Pouco tempo após a con-
clusão do edifício foi colocado no hall um grande piano
de cauda, livre para ser tocado ou utilizado em pequenos
concertos, o que demonstra que a espontaniedade preten-
dida para esse espaço por Kahn se concretizou.
Para ilustrar a ideia de Kahn, McCarter cita o se-
guinte trecho da filósofa Hanna Arendt:
“Viver juntos no mundo significa essencialmente
que um mundo de coisas está entre aqueles que as tem em
comum, como uma mesa que está entre aqueles sentados
em sua volta; o mundo, como todo intermédio, relaciona e
separa os homens ao mesmo tempo.” (Arendt. In: McCar-
ter, 2009, 316) 38
Esse espaço, embora não estivesse no programa e
não possua nenhuma função (da forma como essa pala-
vra é geralmente utilizada, ou seja, nenhuma função prag-

126
mática), para Kahn esse espaço é essencial. É o local que
chama as pessoas ao seu encontro.
“Deve haver algo em sua [da biblioteca] estrutura
que diga, que lugar maravilhoso para se ir” (Kahn. In: Con-
versa com estudantes, 2002, p.64)
E nesse sentido o átrio da biblioteca cumpre uma
função central para o funcionamento da biblioteca, na
medida em que um edifício deve se relacionar com seus
usuários.
Podemos dizer que a biblioteca da Philips Exeter
Academy é um edifício esculpido pela luz por suas ne-
cessidades de caracterização dos espaços – vindas da
compreensão da forma de uma biblioteca – utilizando das
ordens dos materiais e organização espacial para dar pre-
sença a uma instituição do homem. Desejo de existência
no âmbito do imensurável, a biblioteca faz o silêncio en-
contrar a luz.

127
CONCLUSÃO

Trabalhamos ao longo desta monografia uma visão


sobre o pensamento de Kahn que buscava sistematizá-lo
de maneira coerente.
O foco do estudo esteve em percorrer os intermi-
tentes e obscuros caminhos de seus textos, mapeando os
pontos chave e traçando um percurso que se pudesse se-
guir da maneira mais clara possível. Isso não quer dizer
que o pensamento de Kahn não está sujeito a tensões ou
atritos internos, mas sim que para atingirmos uma com-
preensão profunda sobre o arquiteto, é preciso, primei-
ramente, formarmos uma imagem geral e minimamente
delimitadora de suas ideias.
Sendo um dos maiores arquitetos do século XX, a
a riqueza de sua obra ainda pode ser estudada por déca-
das. Ao longo dessa pesquisa a presença de autores dos
mais diversos contextos históricos pode ser percebida na
voz de Kahn. Trabalhar essas relações poderia trazer à luz
outros inúmeros textos, mas sentiu-se a necessidade de
primeiramente estabelecer qual era o seu pensamento.

129
A produção de Kahn é inesgotável.
“O homem é sempre maior do que o seu trabalho
porque ele nunca pode expressar completamente suas
aspirações. Porque é pelos meios mensuráveis da com-
posição e do design que ele se expressa na música ou na
arquitetura. A primeira linha já é uma medida do que não
se pode expressar completamente. A primeira linha no pa-
pel é menor.” (Kahn. In: Forma e design, 2010, p.7)

130
131
TRECHOS ORIGINAIS

1 “If you think of brick, for instance, and you con-


sult the orders, you consider the nature of brick. This is a
natural thing. You say to brick, ‘What do you want, brick?’
And the brick says to you, ‘I like an arch.’ And you say
to brick, ‘Look, I want one too, but arches are expensive
and I can use a concrete lintel over you, over an opening.’
And then you say, ‘What do you think of that, brick?’ Brick
says, ‘I like an arch.”
2 “I tried to find what Order is. I was excited about
it, and I wrote many, many words of what Order is. Every
time I wrote something, I felt it wasn’t quite enough. If I
had covered, say, two thousand pages with just words of
what Order is, I would not be satisfied with this statement.
And then I stopped by not saying what it is, just saying,
‘Order is’. And somehow I wasn’t sure it was complete un-
til I asked somebody, and the person I asked said, ‘You
must stop right there. It’s marvelous; just stop there, say-
ing, ‘Order is.”

133
3 “It’s important that you honor the material you
use. You don’t bendy it about as though to say, ‘Well, we
have a lot of material, we can do it in one way, we can do
it in another way’. It’s not true. You must honor and glo-
rify the brick instead of short-changing it and giving it
an inferior job to do in which it loses its character, as, for
example, when you use it as infill material, which I have
done and you have done.”
4 “We might also say that Order is, not only an un-
derlying principle and quality of things, but also an active
creativity: it is the way things come into being.”
5 “What nature makes, it makes without man, and
what man makes, nature cannot make without him.”
6 “In the rock is a record of the making of the rock.
Every grain of sand on a mountain is completely valid.
There is no such thing as chaos; that’s only in the mind…
but never in nature.”
7 “I honor beginnings. Of all things, I honor begin-
nings. I believe that what was has always been, and what
is has always been, and what will be has always been. I
don’t think the circumstantial play from year to year and

134
era to era means anything, but what has become available
to you from time to time as expressive instinct does.”
8 “Now from beauty came wonder. Wonder has
nothing to do with knowledge. It’s just a kind of first re-
sponse to the intuitive, the intuitive being the odyssey
or the record of the odyssey of our making through the
billions, the untold billions, of years in making. I don’t be-
lieve one thing started at one time, another thing at an-
other time. Everything was started in one way at the same
time. It was at no time, either; it just simply was there.
Then came wonder.”
9 “From wonder must come realization, because in
the record of your making you have gone through every
law of nature. It is part of you. Recorded in your intuitive
are all the great steps and momentous decisions of the
making. Intuition is your most exacting sense. It is the
most reliable sense. It is the most personal sense that a
singularity has, and it, not knowledge, must be consid-
ered your greatest gift. If it isn’t in wonder you needn’t
bother about it.”

135
10 “A word about beauty. Beauty is an all-prevail-
ing sense of harmony, giving rise to wonder; from it, rev-
elation. Poetry. Is it in beauty? Is it in wonder? Is it reve-
lation?
It is in the beginning, in first thought, in the first
sense of the means of expression.”
11 “It is the total harmony that you feel without
knowing, without choice – just simply beauty itself, the
feeling of total harmony. It is like meeting your maker, in
a way, because nature, the maker, is the maker of all that
is made.”
12 “The beauty of what you create comes if you
honor the material for what it really is.”
13 “So, with the sense of wonder comes realiza-
tion – realization, somehow born out of the intuitive, that
something must be so. It has definite existence though
you can’t see it. (…) You then make the distinction be-
tween existence and presence, and when you want to give
something presence you have to consult nature.”

136
14 “There is a distinction between nature’s laws and
our rules. We work by rules, but we employ nature’s laws
to make something. The rule is made to be changed, but
nature cannot change its laws. If it did, there would be no
Order whatsoever. There would be what we think is chaos.
The laws of nature tell us that the color, the weight, the
position of the pebble on the beach are undeniable. The
pebble is placed there non-consciously by the interplay
of the laws of nature. A rule is a conscious act needing
circumstances to prove its validity or its need for change.”
15 “To explain inspiration, I like to believe that it
is the moment of possibility when what to do meets the
means of doing it.”
16 “Now this came from the realizations I had
about light and I said that all material in nature – it being,
as I said before, the mountains and the streams and the
air and we – are made of light which has been spent. And
all material is light which has become exhausted. And
this crumpled mass called material casts a shadow. And
the shadow belongs to light. So light is really the source
of all being. (...)

137
Now, you say, where is the importance in all this?
It is the movement from silence, which is somewhat the
seat of the measurable, which is the will to express, mov-
ing toward the means to express, which is material made
of light.”
17 “Light is material life. The mountains, the
streams, the atmosphere are spent light.
Material, non conscious, moving to desire; desire
to express, conscious, moving to light meet at an aura
threshold where the will senses the possible. The first fell-
ing was of beauty, the first sense was of harmony, of man
undefinable, unmeasurable and measurable material, the
maker of all things.
At the threshold, the crossing of silence and light,
lies the sanctuary of art, the only language of man. It is
the treasury of shadows. Whatever is made of light casts a
shadow. Our work is of shadow; it belongs to light.”
18 “a shape is an expression of form”
19 “From the sense of realization comes form. Form
is not shape, shape is a design affair, but form is the real-

138
ization of the inseparable parts of what is in realization.
Design is to put into being what realization, form, tells
us.”
20 “Look, I want to tell you about the way I was
made”
21 “This is where design comes in. The realization
is realization in form, which means nature. You realize
that something has a certain nature. (…) In making it you
must consult the laws of nature, and the consultation and
approval of nature are absolutely necessary. There you
will find, discover, the order of water, the order of wind,
the order of light, the order of certain materials.”
22 “Design from form is a realization of the nature
of something which is in here. It’s completely inaudible,
unseeable, and you turn to nature to make it actually pres-
ent from existence in the mind.”
23 “Institutions stems from the inspiration to live.
This inspiration remains meekly expressed in our institu-
tions today. The three great inspirations are the inspira-
tion to learn, the inspiration to meet, and the inspiration
for well-being. They all serve, really, the will to be, to ex-

139
press. This is, you might say, the reason for living.”
24 “In a city the street must be supreme. It is the
first institutions of the city. The street is a room by agree-
ment, a community room, the walls of which belong to the
donors, dedicated to the city for common use. Its ceiling
is the sky.”
25 “A work of architecture is but an offering to the
spirit architecture and its poetic beginning.”
26 “Then the room is a terribly important thing.
And if you realize also that the plan is a society of rooms,
then the large room and the small room, the low room,
the one with fireplace, and the one without, become a
great event in your mind and you begin to think, not of
the requirements, but of the nature of the architectural
elements that you can employ to make the environment
a place where is good to learn or good to live or good to
work. Then you are really in the midst of architecture and
not in the operational atmosphere of the professional
man.”

140
27 “what slice of the sun enters your room? What
range of mood does the light offer from morning to night,
from day to day, from season to season and all through
the years?” E completa: “Stevens seems to tell us that the
sun was not aware of its wonder until it struck the side of
a building.”
28 “structure is the maker of light.”
29 “How many things must happen and where
does the architect sit? He sits right there. He is the man
who conveys the beauty of space, which is the very mean-
ing of spaces, of meaningful spaces. They’re all meaning-
ful. You invent an environment, and it can be your own
invention. It doesn’t have to be a prototype. It simply has
to be the way you see the environment for learning, and
not taken from all the directions that may be gotten from
your books of standards. Therein lies the architect.”
30 “You plan a library as though no library ever
existed.”
31 “The world is put before you through the books.”
32 “A book is tremendously important. Nobody

141
ever paid for the price of a book, they only paid for the
printing.”
33 “Then from the smallest characteristic space
harbored in the construction itself, the larger and still
larger spaces would unfold... Wall-bearing masonry con-
struction with its niches and vaults has the appealing
structural order to provide naturally such spaces.”
34 “The arcade is a landscape thing. It belongs to
the building, certainly, but it also belongs to the entrance
and belongs to the grounds.”
35 “A man with a book goes to the light. A library
begins that way. He will not go fifty feet away to an elec-
tric light.”
36 “A glorious central and single space, the walls
and their light left in faceted planes, the shapes of the
record of their making, intermingled with the serenity of
light from above.”
37 “The book is an offering… the library tells you of
this offering.”
38 “To live together in the world means essentially

142
that a world of things is between those who have it in com-
mon, as a table is located between those who sit around
it; the world, like every in-between, relates and separates
men at the same time.”

143
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FAUUSP | 2014

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