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GEOGRAFIAS
da Direita religiosa). Neste são invisíveis pela
contexto, o livro se torna Prof. Dr. Rogerio Haesbaert da Costa (UFF) academia, além de
mais do que necessário execrados pela sociedade
para estimular a luta contra brasileira: as pessoas que se
as homogeneidades
discursivas, e, sobretudo,
para que a nova geração
de geógrafos e demais
mALDITAS
corpos, sexualidades e espaços
autodeclaram 'travestis'.
Com competência e
suporte teórico-conceitual
de ponta, esta publicação
pesquisadores sociais em inova o campo
diversos níveis possam refletir metodológico sobre este
sobre seus objetos de tema no país, ao mesclar as
investigação e sobre o linguagens política e
papel que lhes cabe como científica ao coloquial dos
pesquisadores do espaço sujeitos investigados. Sem
geográfico e da sociedade. GRUPO RENASCER medo de gerar uma 'heresia
International Geographical Union no santificado mundo da
Prof. Dr. Augusto Cesar
The World in Geography
ciência geográfica',
Pinheiro da Silva
Geografias
malditas:
corpos, sexualidades e espaços
TODAPALAVRA EDITORA
EDITOR
Hein Leonard Bowles
COEDITOR
José Aparicio da Silva
CONSELHO EDITORIAL
Dr. Alexandro Dantas Trindade (UFPR)
Dra. Anelize Manuela Bahniuk Rumbelsperger (Petrobrás)
Dr. Carlos Fortuna (Universidade de Coimbra)
Dra. Carmencita de Holleben Mello Ditzel (UEPG)
Dr. Christian Brannstrom (Texas A&M University)
Dr. Claudio DeNipoti (UEPG)
Dr. Constantino Ribeiro de Oliveira Junior (UEPG)
Dra. Divanir Eulália Naréssi Munhoz (UEPG)
Dr. Edson Armando Silva (UEPG)
Dr. Hein Leonard Bowles (UEPG)
Ms. José Aparicio da Silva (IFPR)
Dr. José Augusto Leandro (UEPG)
Dr. José Robson da Silva (UEPG)
Dra. Joseli Maria Silva (UEPG)
Dr. Kleber Daum Machado (UFPR)
Dr. Luis Fernando Cerri (UEPG)
Dra. Luísa Cristina dos Santos Fontes (UEPG)
Dr. Luiz Alberto Pilatti (UTFPR)
Dr. Luiz Antonio de Souza (UEM)
Dra. Manuela Salau Brasil (UEPG)
Dr. Marcelo Chemin (UFPR)
Dra. Maria José Subtil (UEPG)
Ms. Maria Zaclis Veiga (Universidade Positivo)
Dra. Patrícia da Silva Cardoso (UFPR)
Dr. Sérgio Luiz Gadini (UEPG)
Dra. Silvana Oliveira (UEPG)
Ms. Vanderlei Schneider de Lima (UEPG)
Dra. Vera Regina Beltrão Marques (UFPR)
Dr. Vitoldo Antonio Kozlowski Junior (UEPG)
Dr. Wolf Dietrich Sahr (UFPR)
Joseli Maria Silva
Marcio Jose Ornat
Alides Baptista Chimin Junior
Organizadores
Geografias
malditas:
corpos, sexualidades e espaços
© 2013 Todapalavra Editora
REVISÃO
Hein Leonard Bowles
CDD: 306.778
ISBN : 978-85-62450-29-7
Todapalavra Editora
Rua Xavier de Souza, 599
Ponta Grossa – Paraná – 84030–090
Fone/fax: (42) 3226–2569 / (42) 8424–3225
E–mail: todapalavraeditora@todapalavraeditora.com.br
Site: www.todapalavraeditora.com.br
Para a travesti negra e soropositiva
Scarlett O’Hara (em memória).
A sociedade lhe negou quase tudo,
e ela retribuiu na forma de luta, generosidade e
esperança de um mundo menos desigual.
SUMÁRIO
9 Prefácio
Jon Binnie
PARTE I
GEOGRAFIAS TRAVESTIS, POR ELAS MESMAS
Jon Binnie
Reader in Human Geography
School of Science and Environment
Manchester Metropolitan University
Chester Street
Manchester
M1 5GD
United Kingdom
10
Geografias malditas
PARA ALÉM DA APRESENTAÇÃO
DAS GEOGRAFIAS MALDITAS:
UMA ANÁLISE DA RESISTÊNCIA ÀS
DESCONTINUIDADES CIENTÍFICAS
NO CAMPO CIENTÍFICO DA
GEOGRAFIA NO BRASIL
Joseli Maria Silva
Marcio Jose Ornat
Alides Baptista Chimin Junior
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
1
Link: http://www.youtube.com/watch?v=rYp7mEytg9U. Vídeo postado sob o título
“Homofobia Mata e o silêncio também!”, em 17/12/2010, por Vinicius Cabral, pesquisador
do Grupo de Estudos Territoriais (GETE), com duração de 5 minutos e 46 segundos. Esta
produção é parte de um projeto de extensão chamado “Imagens de ausências e silêncios
da cidade: exclusão e subversão da heteronormatividade”.
2
Do total de comentários postados, 117 foram censurados pelo próprio site do YouTube
e, assim, a análise considerou apenas os 1.209 comentários disponíveis para visualização,
postados até 17/2/2013.
3
Foi mantida a forma original dos comentários postados no YouTube, com as expressões
em caixa alta e possíveis erros gramaticais.
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
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A categoria discursiva “sem sentido” foi desconsiderada para a elaboração do gráfico, a
partir do entendimento de que ela não contribui para a análise.
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
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Uma expressão recorrente nos comentários negativos sobre o vídeo é: “O salário do
pecado é a morte”. Ou seja, o grupo deve ser punido porque é considerado transgressor.
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
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Foi mantido o formato original do comentário postado na internet.
7
Idem.
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
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Trecho da avaliação recebida da revista [nome ocultado], em 6/5/2011.
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
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Binnie e Valentine (1999), em sua obra Geographies of sexuality: a review of progress,
analisam o crescimento do número de trabalhos associados à sexualidade e ao espaço,
falando dos limites de sua expansão. Afirmam que a temática é alvo de posicionamentos
homofóbicos dentro da academia. Valentine (1993) denuncia a presença da homofobia
nos ambientes científicos, afirmando que, neste universo, o preconceito e a negatividade
que são muitas vezes associados aos temas ligados às sexualidades dissidentes acabam por
não atrair pesquisadores ao campo de pesquisa, dificultando também o recrutamento de
participantes em projetos de investigação.
10
A trajetória laboral dos organizadores da obra esteve fundamentada na gestão e no
planejamento urbano, com experiências de coordenadoria na elaboração de planos
diretores e domínio de geotecnologias.
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
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A convivência científica e fraternal de mais de oito anos com o grupo de travestis nos
autoriza a fazer esta afirmação.
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior
REFERÊNCIAS
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corpos, sexualidades e espaços
PARTE I
Geografias travestis,
por elas mesmas
A GEOGRAFIA DE UMA
TRAVESTI É UMA BARRA,
É MATAR UM LEÃO
A CADA DIA1
Débora Lee
APRESENTAÇÃO
1
Este texto é a transcrição de um depoimento oral feito por Débora Lee.
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
ser casada com uma mulher, eu vivo vinte a quatro horas por dia vestida
de mulher. Então isso não interfere em nada, eu sou uma travesti. Eu acho
que travesti é aquela que vive vinte quatro horas vestida de mulher, e
tem vontade de viver vestida de mulher, independente se está com ho-
mem ou com mulher. Então eu me considero uma travesti.
Desde criança eu sentia que era diferente. Eu acho que eu tinha
de seis para sete anos. Eu já pensava diferente, eu não pensava como os
meus irmãos. Eram sete irmãos, comigo, e três irmãs. Eram dez filhos. E
eu era a criança caçula de todos, dos irmãos e das irmãs. Era diferente,
porque eu não gostava de me vestir como homem, eu não gostava de jo-
gar bola, eu não interagia com os meus colegas, com os meus irmãos. Eu
brincava com as minhas irmãs, de casinha, de boneca, de pintar, de fazer
comidinha, essas coisas, eu brincava com brincadeiras de menina.
Foi difícil todo esse processo de aceitação e transformação por-
que eu não tive o apoio da minha família. Eu me sentia afeminada, minha
mãe sabia que eu era afeminada, mas aos dez pra onze anos eu perdi a
minha mãe, a única pessoa que me dava apoio. Depois que eu perdi minha
mãe, eu tentei assumir o que eu era perante minha família, meu pai, meus
irmãos, e como resultado fui escorraçada de casa. Eu tive que estudar
em colégio de padre, de homenzinho, sempre fui homenzinho, eu nunca
mostrei que era gay, ou alguma coisa assim. Acho que, se a minha mãe
estivesse viva, e se eu tivesse o apoio da minha família, eu não teria caído
na prostituição, e talvez nem me tornado uma travesti. Eu acho que em
uma família conservadora, eu ia ficar reprimida e guardada, sendo ape-
nas um gay. Mas depois que eu fui expulsa de casa, eu não iria matar, eu
não iria roubar, eu não iria vender drogas. Minha escolha foi vender meu
corpo e me assumir.
Depois que eu perdi minha mãe eu morei com uma de minhas
irmãs em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, e com quatorze para os
quinze anos eu comecei a trabalhar em uma firma. Eu me sentia afemi-
nada, mas ainda trabalhava nesta firma como um homem. Com o tem-
po esta situação começou a ficar insuportável, devido ao convívio com
meus colegas de trabalho, por causa da pressão e dos deboches. Lá no Rio
Grande do Sul é muito deboche, chama, assim, seu barrão, seu gay, estas
coisas. Aí conheci uma travesti e resolvi me assumir, lá em Caxias do Sul.
Resolvi assumir minha identidade e minha sexualidade, isto com uns de-
zesseis anos, pois trabalhei dois anos e meio nesta firma.
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Geografias malditas
Débora Lee
2
O verbo “batalhar” e o substantivo “batalha” dizem respeito à atividade da prostituição.
3
Moderador de apetite, para emagrecer.
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Uma mulher ou uma travesti que vende clandestinamente serviços de aplicação de
silicone industrial nas travestis.
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corpos, sexualidades e espaços
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
gente ficava de dez a doze horas ligadas, sem precisar cheirar cocaína.
A gente cheirava cocaína, porque naquele tempo era só cocaína, a gente
cheirava e já passava. Com a bola, não, a gente tomava e ficava doze horas
chapada para enfrentar o frio da rua.
Eu penso que uma coisa marcante que aconteceu comigo, o que
mais me marcou mesmo foi um tiro que eu levei no pescoço, que quase
morri, em Caxias do Sul, um tiro de um cliente. Ali eu fiquei mais pra lá do
que pra cá. Ali eu fui ver o sentido da minha vida. Foi uma coisa que ficou
marcada. Disse: não quero isso. Tanto que as minhas amigas do meu tem-
po, todas já morreram. As únicas que se salvaram de Caxias do Sul, e isto é
fato, foram eu e a minha madrinha. O resto foi tudo assassinada, ou mor-
reu com o vírus da AIDS. Então isso me marcou muito, o tiro que eu levei.
Depois disto eu pensei: não é essa vida que eu quero, e eu vou embora
daqui. Eu saí de Caxias do Sul e fui para Santa Catarina, para trabalhar em
boate. Eu não tinha apoio, nem família, nem ninguém. Eu senti a morte,
e me senti uma pessoa sozinha naquele momento. O interessante é que o
apoio que eu não tive da sociedade, eu tive de uma travesti, a Cassandra.
Naquela época que eu trabalhava na firma, eu estava dentro de
um ônibus indo para o trabalho, e me deparei com uma travesti, e achei
ela muito linda. Eu pensei comigo: é isso que eu quero, me tocou por den-
tro. Ela estava de vestido, e como eu queria estar naquele vestido, queria
estar vestindo aquele sapato, queria me sentir assim, encarar a socieda-
de, dar a minha cara a tapa, e enfrentar o preconceito. Esta travesti era a
Cassandra.
Então, foi ela que me incentivou bastante, sabe, que me deu
aquele apoio. Que eu era uma pessoa infeliz. Dentro de mim eu era infe-
liz. Eu sorria para os outros, mas eu não era aquilo que eu passava. Por-
que eu não era realizada sexualmente. A partir do momento que eu tive
a força dela, que o primeiro dia que eu fui para a “zona”, ela me levou
no quartinho dela, me deu sapato para colocar, uma mini-saia que tinha
até o Mickey na frente, e uma camisetinha. E eu fui batalhar com aquela
roupa. Naquela noite eu fiz muitos programas. Eu disse: é isso mesmo. Eu
me senti bonita, os homens me elogiavam, diziam: você é muito bonita,
que pernas bonitas você tem. E aquilo foi um passo importante para mim,
pois a Cassandra me deu o apoio que a minha família não me deu.
Depois que a minha mãe morreu, que eu fui para esta casa da
minha irmã em Caxias do Sul, nunca mais eu tive contato com a minha
família, depois que eles descobriram que eu era homossexual. Eles eram
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Geografias malditas
Débora Lee
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corpos, sexualidades e espaços
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
eu tomava, fui presa, etc. Na época eu era menor de idade, fiquei uma se-
mana presa. Mas as minhas amigas que já eram mais velhas ficaram dois
anos presas. Não tive ajuda de ninguém, passei fome, frio, muita dificul-
dade. Isto tudo em Caxias do Sul. Em Caxias do Sul foi onde eu passei mais
dificuldade. E apanhei, dormi na rua, no relento. Em Caxias do Sul eu sofri
demais. Aí, depois que eu levei o tiro, logo depois que eu melhorei, eu fui
embora para Santa Catarina, para uma boate em Tubarão.
Este começo foi muito difícil. Eu conhecia apenas a Cassandra
Rios, e foi ela que me ajudou, lá na Avenida Dezoito do Forte, em Caxias
do Sul. Lá batalhavam mais de setenta travestis, de toda parte do Brasil.
Isto porque lá era uma cidade industrial, e que tinha um grande número
de pessoas, e dinheiro também. Quando eu caí na prostituição, as traves-
tis mais velhas me colocavam para roubar, e se eu não roubasse eu saía
do carro do cliente e apanhava delas. Então, eu era obrigada a fazer o que
elas mandavam. Na época que eu comecei na prostituição eu não tive re-
sistência. O que nós tínhamos que fazer é ser capacho delas. Se não fosse
capacho, não ficava.
Tinha que fazer o que elas queriam, batalhar e dar dinheiro
para o consumo da droga delas, ou beber, ou assaltar os clientes. Isso é,
pajear elas. Hoje não tem mais nada disso, hoje é só nas cidades grandes,
nas capitais que existe isso, e olhe lá. Nessa resistência eu apanhei muito
delas. Eu apanhei muito. Aí, de tanto apanhar, apanhar, apanhar e levar
na cara, elas me botaram na droga, eu comecei a tomar “bola”, inibidor
de apetite, isso em Caxias do Sul. Tomava um moderador de apetite com
“fogo paulista”, e ficava doida, me cortava. E, por fim, elas não estavam
me aguentando. Porque daí eu virei a bandida.
Aí eu batia até nas mais velhas, virando o feitiço contra o fei-
ticeiro. Nesta época eu já tinha uns dezessete anos, já tinha virado uma
mafiosa. Eu já entrava dentro do carro, já pedia o meu tempo, já roubava
o homem e nem queria fazer programa, por causa da droga. Ali eu já me
cortava, já cortava o homem. Aí elas foram me deixando: “Essa aí está
mais bandida que a gente!”. Elas não podiam com a minha vida. Aí cada
uma na sua. Assim, eu comecei a fazer o mesmo que elas, entrei no ritmo
delas. As que iam entrando tinham que “pagar pau”5 pra mim, porque eu
sofri, então as que iam entrando tinham que sofrer também.
5
Submeter-se.
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Geografias malditas
Débora Lee
Lá em Caxias do Sul tinha uma travesti que tinha por nome Mô-
nica. Esta Mônica era de São Paulo. Ela veio de lá para fazer a máfia em
Caxias do Sul, tanto que ela se matou. Porque ela usava muita droga, e
um monte de traficantes foi atrás dela, e ela se atirou em uma vitrine,
quebrou a vitrine. Ela era enorme, toda feita, uns peitão, toda plastifica-
da, tinha ido para a Itália e tudo, naquela época. E ela pegou um pedaço
de caco de vidro da vitrine e enfiou na barriga e abriu a barriga para não
ser morta pelos traficantes. Ela preferiu se matar do que os traficantes
matarem ela. Essa era tenebrosa, ela era bandida, desde carro ela rouba-
va e tudo. Fazia chantagem, saía com os homens e assaltava os clientes
que davam cheque. Naquele tempo não tinha isso, agora é mais seguro
esse negócio de cheque, elas iam no banco e eles davam o endereço do
homem, o telefone do homem. Eu cansei de fazer isso, de telefonar para o
cliente e fazer chantagem: − “Olhe, eu saí com você ontem, eu estou com
o teu cheque, assim, assim, assim, vou falar para a tua mulher que você
saiu com uma travesti.” − “Mas eu já te paguei!” − “Não! Agora eu quero
mais este tanto para ficar quieta.”
Na maioria das vezes as travestis mais novas, elas tinham que
entrar dentro do carro e dar voz de assalto. E muitas pegavam e se amas-
savam com o cliente. Eu cansei de fazer isso, o cliente deixa a gente ex-
citada, o cliente perguntava quanto que a gente cobrava um programa,
e a gente pedia um preço alto já para o cliente não ir. Aí ele falava que
estava muito caro. − “Então você vai pagar meu tempo, porque você dei-
xou meu pênis duro.” − “Não, eu não vou pagar!” − “Não, eu quero meu
tempo!” Aí nisso já vinha outra na janela para fazer a janela, que era a
Mônica, e as mais velhas. E ali já tinha a parte delas. Aí elas vinham e
roubavam tudo. Nós éramos as iscas, porque éramos as mais novas, ninfe-
tinhas. Essa Mônica tinha peitos muito grandes, que naquele tempo você
ia na bombadeira, jogava anel, relógio, corrente de ouro, e fazia o corpo
inteiro. Foi assim que ela se fez. Ela pegava e entrava dentro do carro do
cliente, jogava os peitos, e já saía com anel, corrente, relógio, tudo. Só de
amassar, só no dedo. Ela roubava quietinho, ela tirava anel, tirava tudo.
Ela jogava os peitos, começava a beijar o pescoço do homem, já tirava a
corrente, só de se esfregar. Mas depois que eu quase morri, mais de vinte
anos atrás, eu fui embora. E pensando, eu não morri mesmo porque eu saí
de lá, porque todas as minhas amigas das antigas já estão mortas. Até a
última vez que eu fiquei sabendo, todas estão mortas já, ou pelo HIV, ou
foram assassinadas.
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corpos, sexualidades e espaços
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
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Geografias malditas
Débora Lee
o normal é eu fazer sexo passivo e oral por trinta reais. Mas se o homem
quiser um completinho, ou seja, oral, passivo e ativo, um programa com-
pleto é cinquenta reais. Eu penso que isto é uma vantagem, porque ele
vem procurar em nós o que a mulher não tem. Daí o programa é mais
caro, porque ele quer coisa diferente. Então, o que a mulher tem, eu não
tenho, o que eu tenho, a mulher não tem.
Hoje as coisas são mais tranquilas. Antigamente era bem difícil,
porque os policiais chegavam agredindo. Neste tempo a prostituição era
vadiagem. Eles chegavam agredindo, com cachorro pastor alemão, atrás
da gente, a gente tinha que correr de uma avenida para outra. Mas as
coisas foram melhorando, porque foram também melhorando os direi-
tos humanos. Nesta época não existiam ONGs em Ponta Grossa. Tinha o
Reviver, que começou com as travestis, mas depois deixou as travestis
de lado, aí ficou sem instituição. Depois disso abriu o Renascer, que aí foi
melhorando, falando de direitos humanos, homofobia, preconceito, etc.
Eu já sabia da existência de ONGs, pois eu trabalhava como voluntária em
Caxias do Sul, no grupo Igualdade. Mas aqui na cidade não. Esta é uma ci-
dade muito católica e preconceituosa, que coloca aquela venda nos olhos
e só olha para a frente, não olha para os lados. Só que muita coisas mudou
aqui na cidade.
Perante tudo que eu vivi até hoje, e pensando sobre isto, eu vejo
que a rua, e, mais especificamente, a rua na prostituição em Ponta Grossa,
foi muito importante para mim. Que eu dei muito valor para o meu dinhei-
ro, que eu ganhei. Comprei a minha casa, graças a Deus, meu carro, tenho
minha vida social, assim, legal. Em outros lugares, nos outros anos que eu
vivi em boates, me ensinaram a dar valor para o meu dinheiro, foi um di-
nheiro mais sacrificado. Mas eu dei valor e soube investir, graças a Deus!
Hoje posso falar de peito aberto, eu consegui tudo que eu tenho,
a minha boa casa, meu bom carro, minha vida social, graças à rua. Eu
não tenho mais o prazer do close6. Eu dependo financeiramente da rua
porque eu tenho que sustentar minha família e minha casa. Mas eu não
desejo esta vida para ninguém. É um dinheiro amaldiçoado, porque, se a
gente não tiver o controle, entra por uma mão e sai pela outra. A gente
6
A palavra “close” (assim como a expressão “dar o close”) diz respeito a mostrar uma
aparência e desenvolver atitudes que são capazes de atrair olhares de admiração e desejo.
Além disso, significa demonstrar superioridade, em beleza e feminilidade, frente às
outras travestis.
35
corpos, sexualidades e espaços
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
tem que saber administrar. Outras travestis ainda têm o prazer do clo-
se. Têm porque a safra nova está naquela ilusão, do deslumbre, de andar
bem vestida, bem pintada, acha que tudo é luxo, ser desejada, mas não é.
Eu sempre falo para as travestis mais novas, vocês aproveitem a vida de
vocês agora, pra ver se vocês conseguem alguma coisa. Que é difícil, mas
para ver se vocês conseguem. Que, depois de velha, a maioria das traves-
tis vai virar doméstica, vai ter que limpar chão, sem ter carteira assinada,
sem nada. E acaba às vezes sozinha em asilo, às vezes em uma cama de
hospital, sem família, sem nada.
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Geografias malditas
Débora Lee
solicita ser chamada pelo nome social, não passamos mais pelo constran-
gimento de sermos chamadas pelos nossos nomes de batismo.
Outras coisas também melhoraram para as travestis aqui em
Ponta Grossa. A saúde é boa, ela aceita a gente, eu acho que vai de travesti
para travesti corrigir e cobrar o direito. Outra conquista é o respeito que
temos hoje enquanto ONG na Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Sin-
to-me feliz porque hoje, enquanto uma travesti, eu sou reconhecida, as
pessoas me respeitam, na área da saúde, nossos gestores, isso para mim já
é um grande passo. Mas, da mesma forma, outra conquista pessoal que te-
nho é a compra de minha casa. Me sinto feliz na minha casa, cuidando dos
meus bichos, da minha família, da minha mulher. Assim, sou muito feliz
tanto trabalhando na ONG Renascer quanto cuidando da minha família.
A prostituição tem seu lado perverso, mas também tem seu lado
de aprendizado. Tem seu lado econômico, pois precisamos sobreviver. A
gente não tem outra oportunidade de renda. Mas eu não acho importan-
te a prostituição. Eu acho importante para a gente crescer como pessoa.
Sair daquelas quatro paredes em que a gente só vê a família da gente,
ou até mesmo os vizinhos, e ver as pessoas de fora, o porquê de estarem
ali. Porque a gente tem uma história, a gente foi empurrada para aquela
esquina, esquina em que a gente fica à mercê. O que a gente aprende é
só sofrimento, é que a gente vê as dificuldades e tudo. Mas eu acho que
ninguém gostaria de aprender desse jeito.
O meu sonho, mesmo que seja visto como uma coisa mesquinha
em relação ao sofrimento que outras travestis têm, é poder parar de ba-
talhar. Esse é meu sonho. De eu não precisar vender o meu corpo. O meu
sonho é esse. Eu tinha o sonho de ter a minha casa, ter meu carro, mas já
realizei. Pelo meu lado ativista, minha expectativa para o futuro, depois
destes mais de dez anos de ativismo, lidando com o preconceito, discrimi-
nação e com a homofobia, é que diminua o preconceito e que a sociedade
comece a visualizar a travesti como um ser humano, pois cada um tem o
seu valor. Espero a abertura de mais campos de trabalho para a travesti,
e que a prostituição deixe de ser a única alternativa que ganhamos da
sociedade, pois, sem outras oportunidades de trabalho, a prostituição só
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corpos, sexualidades e espaços
A geografia de uma travesti é uma barra, é matar um leão a cada dia
tende a aumentar. Estas são minhas esperanças para o futuro. E isso de-
pende não apenas de mim, e esse sonho poderia ser um sonho de toda
sociedade, e só assim ele pode ser concretizado.
38
Geografias malditas
O QUE MAIS ME MARCOU NA VIDA
É SER BARRADA E NÃO PODER
ENTRAR NOS LUGARES: ESTA É
A GEOGRAFIA DE UMA TRAVESTI1
Leandra Nikaratty
APRESENTAÇÃO
Eu sabia desde criança que eu não era, entre aspas, muito nor-
mal. E mesmo que pareça estranho, desde os meus treze anos eu já sabia
1
Este texto é a transcrição de um depoimento oral feito por Leandra Nikaratty.
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
40
Geografias malditas
Leandra Nikaratty
fato de tirar a sobrancelha, não usar mais camisa e sapato. Calça jeans e
camiseta eu continuei usando, mas sapato e camisa eu usei apenas uma
vez, quando eu fiz a primeira comunhão, depois nunca mais. Quando eu
era adolescente, eu sempre usava calça jeans e camiseta, e de preferência
uma calça jeans com lycra, bem justinha. A minha mãe fingia que não via,
isto até uns treze anos, mas ela sabia. Ela sabia por que eu brincava de
boneca desde criança.
Quando eu era criança eu ganhava brinquedos de menino do
meu tio e do meu avô, que tinham mais posses que minha mãe. Aí quan-
do eu ganhava estes brinquedos, eu não brincava e dava eles para o meu
irmão. Eu preferia pegar um pedaço de madeira, enrolar com lã como
se fosse cabelo e brincar como se fosse boneca, ou pegava escondido as
bonecas da minha irmã. Só que ela não gostava. Eu tenho uma irmã mais
velha e um irmão mais novo e meus relacionamentos com eles sempre
foram tranquilos.
Apenas uma vez que ela me ofendeu muito. Uma vez eu pequei
a roupa dela, a roupa de menina que ela tinha, mas eu não peguei para
sair, eu me vesti para me ver no espelho, para me ver de menina. Só que
ela me encontrou no quarto vestida de menina, me xingou de viado e
falou que eu não poderia fazer isso. Em relação ao meu irmão, ele é mais
novo que eu, e penso que ele me respeita porque sempre o irmão mais
novo respeita o mais velho. A única vez que ele tocou neste assunto foi
quanto éramos quase adolescentes. Ele falou que eu podia, se eu quisesse,
me vestir de mulher, mas eu não podia pisar na esquina. Caso isto acon-
tecesse, ele ia me bater. Eu devia ter onze anos e ele uns sete ou oito anos.
Ele tocou neste assunto porque um dia antes nós estávamos
hospedando nosso tio, que morava na cidade de Botucatu − São Paulo.
Nós saímos passear com ele e passamos na rua Balduíno Taques, local
onde batalhavam2 várias travestis. Meu tio ficou caçoando das travestis e
meu irmão sabia o que estava acontecendo. Ele sabia que eu era diferente,
como aquelas travestis. Ele sabia, porque, toda vez que nós brincávamos,
ele era o Superman e eu era a Mulher Maravilha, ou ele era o guerreiro
e eu era a Cleópatra. Sempre brincávamos assim. E até hoje nós somos
muito unidos. Então ele sabia que eu seria diferente quando crescesse.
Mas de forma geral eu nunca tive atrito com a minha família.
Nunca tive problema com a minha mãe porque ela é uma pessoa muito
2
O verbo “batalhar” e o substantivo “batalha” dizem respeito à atividade da prostituição.
41
corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
educada. E meus irmãos também. A única coisa que meu irmão e minha
mãe falavam é que eu não poderia ir para a esquina, viver da prostituição.
Eu poderia ser travesti, mas longe da prostituição. Só que todo mundo via
que eu sofria. Eu não gosto de viver em sociedade. Eu prefiro ficar passan-
do frio na esquina do que ficar um minuto perto de uma pessoa maldosa,
preconceituosa.
Todos os meus familiares me aceitam. Um exemplo era meu
avô, que era ferroviário, uma pessoa bem machista, a ponto de bater na
esposa. Mas lembro que uma vez meu tio falou que eu era gay, e meu avô
corrigiu ele, falando que eu era homossexual e que eu merecia respeito.
Penso que eles me respeitavam porque todo mundo via que não era safa-
deza, que tinha alguma coisa diferente. Eu brincava com bonecas desde
os meus três anos de idade. Nunca brinquei de carrinho, não sei o que é
ser homem.
Mas apenas com dezoito anos que caiu a ficha que eu era de fato
uma travesti, porque até os dezoito anos eu pensava que eu era uma mu-
lher. Uma mulher diferente. Foi por este sofrimento em relação às outras
pessoas que me fechei para o mundo. Prova disto é que nunca namorei.
Não gosto de namorar. Na verdade eu queria ser travesti para ser o que eu
sou hoje, ter a aparência de uma mulher, com modéstia, bonita, ir numa
loja e comprar roupas bonitas. É isso que gosto. É essa a minha cabeça, ter
a aparência de uma mulher vaidosa. Poder entrar em uma loja e comprar
roupas bonitas.
Nesta época comecei a correr atrás de tudo. Com dezoito anos
comecei a correr atrás das informações que precisava, e continuei a es-
tudar, porque com dezenove anos ainda fazia Enfermagem. Saía só aos
finais de semana. Só que foi assim, comecei a me vestir de mulher, vestia
mini-saia e saía passear, não fazia programa, e os carros paravam para
mim. E eu rejeitava. Eu rejeitei durante uns oito meses, isto bem no início.
Mas já tinha amizade com as travestis, porque já sabia o que era silicone,
queria saber como que fazia para me tornar uma mulher.
A minha mãe frequentava uma reunião e eu ia com ela, uma
reunião de igreja. Quando nós voltávamos pela Balduíno Taques, eu via as
travestis. Era uns “negão loco de peruca”, mas eu achava a coisa mais lin-
da do mundo. Achava aquilo maravilhoso, achava lindo demais. Eu passa-
va à noite e via elas na Balduíno Taques. Daí comecei a ir, comecei a fazer
amizade, comecei a perguntar o nome dos hormônios, cheguei e comecei
a conversar: oi, tudo bom? Falei que não fazia programa e que nem queria
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Geografias malditas
Leandra Nikaratty
3
Uma mulher ou uma travesti que vende clandestinamente serviços de aplicação de
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corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
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Geografias malditas
Leandra Nikaratty
que passam sorrindo para as pessoas são motivo de riso. Eu nunca quis
isto para mim, eu nunca quis ser a palhaça da história. Eu sempre quis ser
uma mulher bonita e nunca uma palhaça.
Eu tento ser igual à minha mãe, eu não consigo, mas eu tento.
Ser uma pessoa boa e generosa, ter um bom coração, desejar o bem para
os outros, acreditar em Deus, mas é difícil, ainda mais sendo uma travesti.
As pessoas não nos obrigam a sermos ruins, mas sim a sermos esnobes.
Porque, quando eu saio de dia e faço uma cara de “sou poderosa”, “me
deixem”, eu não escuto nada. Quando eu estou mais aberta para conver-
sas, eu sempre escuto piadas. Então, quando eu faço uma aparência de
poderosa, olhando para as pessoas como se elas fossem lixo, eu não es-
cuto nada. Então, eu sou obrigada a fazer uma personagem, um escudo,
mas no meu normal, assim, o meu normal eu sou uma pessoa simples e
humilde. Mas, internamente falando, eu penso que nós travestis somos
mais mulheres, pois, pelo fato da vida ser grosseira conosco, nós acaba-
mos sendo grosseiras, com personalidade forte.
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corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
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Geografias malditas
Leandra Nikaratty
para a rua. Neste começo foi complicado, porque minha mãe sabia, mas
eu penso que ela não queria saber.
Eu saía apenas aos finais de semana e conseguia o dinheiro, cus-
teando o curso e finalmente conseguindo ser aprovada na disciplina de
Introdução à Enfermagem. Com o dinheiro da prostituição eu passei nas
disciplinas e consegui chegar na atividade do estágio. Pelo fato de não ir
a semana toda e ir apenas aos finais de semana, só após a meia-noite, as
travestis que iam embora cedo não me viam. Mas as travestis que eram
as mais ferozes e que chegavam apenas após a meia-noite, estas eu tinha
que conquistar.
As travestis que mandavam na rua eram quatro: a Cláudia, a
Priscila, a Farrá e a Jéssica. A Jéssica e a Farrá iam depois da meia-noite
para os bares da vida, e as outras, que se consideravam finas, mas que
não deixavam a gente ficar e que nos agrediam, iam embora à meia-noi-
te. Analisando esta conjuntura, eu construí as seguintes estratégias: eu
vou depois da meia-noite e vou conquistar as travestis ferozes, pagando
bebida para elas. Também não paguei tanta bebida, pois eu ia para a rua
apenas aos finais de semana.
Depois de um tempo, percebi que estava envolvida com a pros-
tituição, que estava gostando de ganhar “dinheiro fácil”. Não que seja um
dinheiro fácil, mas para quem está começando na prostituição, pensa que
é, como também para quem está fora. No começo eu pensei que era fácil
porque na minha cabeça tudo não passava de uma brincadeira. Minha
vida na noite relacionava-se a batalhar aos finais de semana, e, com esse
dinheiro, pagar o curso e as despesas, como ônibus, material, uniforme,
etc. Não era como hoje, que, se não batalhar, não come.
Quando eu conquistei a amizade das travestis que ficavam de-
pois da meia-noite, elas me adotaram. Lembro que elas falavam assim:
essa travesti é humilde, ela é simples. Para o grupo das travestis, a ação
de adotar é como se uma ou várias travestis escolhessem ser sua mãe de
rua. Naquela época a gente chamava mãe de rua, mas hoje tem pouco
disso, hoje em dia o respeito entre as travestis é menor. Por outro lado,
nós pagávamos a proteção que tínhamos de nossas mães pagando o que
elas pediam, um lanche, uma bebida. Mas a minha aceitação no grupo
não nasceu apenas dos lanches que eu pagava para elas. O fato de eu ser
educada também ajudou na minha aceitação. As travestis abriram assim
o grupo mais rápido, nisto eu tive sorte.
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corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
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Geografias malditas
Leandra Nikaratty
coisa que eu faço hoje eu não fazia quando eu comecei, pois antes eu agia
como se fosse um namoro, e eles pagavam para aquilo. Algumas coisas eu
não me submetia a fazer, porque eu não precisava cem por cento. O pri-
meiro programa que eu fiz precisando de dinheiro foi com um homem de
Kombi. E ele queria que eu fosse ativa. Só que eu dei muita risada porque
nunca eu pensei que uma travesti fazia isto. Na minha cabeça eu era uma
mulher. Eu peguei aquele dinheiro e pensei comigo: agora este dinheiro
é o da responsabilidade.
Contudo, a palavra responsabilidade não foi seguida muito ao
pé da letra. Quando eu caí na prostituição, eu conheci várias travestis
mais velhas que não eram muito certas. Elas eram “bagaceira”, loucas,
drogadas, ladronas. Elas paravam um carro e entravam em cinco para
roubar os clientes. E se eu queria ficar na rua, queria ser aceita pelo gru-
po, eu tinha que entrar na onda das piores, eu tinha que ganhar elas. Na
minha cabeça as travestis que falavam que eram as donas da rua, mas que
tinham medo de ficar batalhando depois da meia-noite, não eram donas
de nada. Hoje eu não madrugo, porque você corre muito risco, mas na-
quela época eu madrugava. Mas o que eu queria mesmo é me enturmar
com as ferozes. Já que vou, eu quero ir para o ninho das cobras.
Depois de tudo que passei junto com as travestis, elas começa-
ram a falar que eu era uma delas e que eu poderia ir batalhar à hora que
eu quisesse. Todavia, não foi isto que aconteceu. Pelo fato de ser nova,
eu comecei a “bater porta”, que é, assim, vamos dizer, fazer muitos pro-
gramas. Só que isto começou a incomodar as travestis, elas começaram
a ficar com inveja, e a que mais se incomodou comigo foi a Duda, que
Deus a tenha. Ela ficou tão irritada comigo que ligou para a minha mãe
falando que eu fazia programa por três, cinco reais, e que ela ia cortar o
meu rosto. Sei que, quando cheguei em casa, vi a minha mãe desligando
o telefone e falando o que ela tinha prometido para mim. Eu vi o quanto
ela era calculista no outro dia, quando eu cheguei na rua. Ela estava com
duas roupas, uma que ela estava usando para brigar comigo, e outra que
estava escondida no mato.
Quando a vi, atravessei a rua e fui cega nela. Eu ia apanhar dela,
só que, Deus é grande! Aliás, Deus não tem nada a ver com essa história,
né? A minha sorte foi grande. O que aconteceu é que, quando fui nela, eu
tropecei e caí sobre ela, derrubando ela sobre uma cerca viva que tem
bem na frente da Caixa Econômica Federal, que se chama “coroa-de-cristo”.
Sei que comecei a dar murros nela bem desajeitados. Só que, pelo fato de
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corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
ter caído sobre ela, eu a machuquei. Ela começou a gritar que eu podia
ficar e, depois disso, nós duas ficamos na rua, em esquinas diferentes.
Existiram outros conflitos, mas este é o principal, em que ganhei meu pri-
meiro respeito da maioria das travestis. Foi através disto que eu comecei
a conquistar de fato meu espaço.
Só que tive que ficar ainda três anos na frente da Caixa Econô-
mica. Só podia ficar ali. Se eu fosse algumas quadras em direção à Santa
Casa de Misericórdia, a Cláudia me tocava, se eu fosse para outra esquina,
a Michele e a Priscila me tocavam, se eu fosse para baixo, a Jéssica e a
Farrá me tocavam. Se eu tinha batido em uma travesti ali, era ali que eu
tinha que ficar, ali era o meu território. Hoje não tem mais quem mande,
hoje tem quem mais se garante. Tem as que se garantem, as que têm carta
verde. Carta verde é, tipo assim, eu posso abrir caminho para uma traves-
ti nova entrar na rua. Uma travesti nova não pode chegar na rua e, tipo
assim, cheguei! Não fica. As que têm carta verde são, tipo assim, as mais
antigas. E uma delas sou eu.
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O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
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corpos, sexualidades e espaços
O que mais me marcou na vida é ser barrada e não poder entrar
nos lugares: esta é a geografia de uma travesti
amiga, ela foi para a Itália e ficou oito meses. Ela voltou com um carro
importado, na época era um carrão, e um apartamento no Água Verde em
Curitiba. Ela não chegou a desfrutar o que ela conseguiu na Europa. Dois
meses depois, morreu de meningite, por causa da variação de tempera-
tura entre aqui e lá. Tudo ficou para a família dela, que tocou ela de casa
quando ela era adolescente. Valeu a pena ficar rica? Não valeu! Daí, no dia
do velório, a gente foi lá, daí a irmã dela perguntou para um cara: cadê o
carro da Melissa? Daí ele falou que estava ali. Daí a gente viu aquele Eclip-
se prata, com as rodas cromadas.
Foi triste saber que ela não pôde usufruir. E ela era outra pes-
soa maravilhosa, bonita por fora e por dentro. Essa Melissa é pouca coisa
antes de mim. Se eu caí em 1998, ela caiu em 1996. Só que ela ficou muito
pouco em Ponta Grossa, porque a família dela não queria ela aqui. Enfim,
é difícil ter sonhos com uma vida dessa como eu tenho.
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Geografias malditas
A VIDA DA TRAVESTI
É GLAMOUR, MAS
TAMBÉM É VIOLÊNCIA
EM TODO LUGAR1
Fernanda Riquelme
APRESENTAÇÃO
1
Este texto é a transcrição de um depoimento oral feito por Fernanda Riquelme.
A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
2
Sinônimo de pederasta.
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Fernanda Riquelme
3
No vocabulário das travestis, o nome de homem.
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A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
4
O verbo “batalhar” e o substantivo “batalha” dizem respeito à atividade da prostituição.
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Fernanda Riquelme
irmã brigava com os homens, com as mulheres, tudo por causa de mim.
Ela tentava me proteger do preconceito das outras pessoas.
Eu estudava à noite e, de lá, eu ia para a boate Gaiola. O [nome
ocultado], que era o dono do Gaiola, ia me buscar na frente do colégio de
carro, e me levava para o Gaiola. Eu estudava no colégio até as dez horas
e no Gaiola eu trabalhava a partir das onze da noite. Naquela época tinha
um restaurante, não é como agora, nós jantávamos primeiro, depois que
eu ia fazer o salão, trabalhar na boate. Eu aprendi a fazer show lá. Eu fa-
zia show, fazia programa, bebia com os clientes, nas mesas, como se diz,
acompanhava, e fazia programa. Só que o programa não acontecia lá, nós
íamos para o motel. Não fazíamos nada lá, o cliente pagava uma porcen-
tagem para o dono e nós saíamos com o cliente. Nesta época eu tinha de
dezesseis para dezessete anos.
Tenho na lembrança várias cenas da minha vida. Uma delas é
que tive uma namorada. Tive esta experiência para ver qual é que era.
A minha namorada era uma mulata muito bonita, inclusive ela é minha
amiga hoje em dia. Ela é casada, tem os filhos dela, me dou com ela, me
dou com o marido dela, é uma linda mulata, até hoje é muito bonita. É
que antigamente era assim, ou você tentava, ou você enlouquecia com
a pressão, com a cobrança da família. Mas, junto com esta namorada, eu
tinha um namorado, que ia comigo levar a minha namorada em casa. Na
volta eu vinha namorando ele no caminho.
Outra cena tem relação com meus primeiros anos de estudo.
Quando eu estudava no seminário de padre eu já tinha relações sexuais.
Porque os próprios seminaristas que estudavam no colégio, que davam
aula, que eram internos, já tinham relações. Então já era uma experiência
que eu estava tendo, sem saber o que estava fazendo. Mas minha pri-
meira relação homossexual consciente foi quando eu tinha nove anos. O
rapaz era vizinho. O homem que saía comigo era caminhoneiro e casado.
Foi a minha primeira relação consciente, para mim homossexual mesmo,
porque ele era adulto.
Quando eu era criança não tinha aquela coisa, era mais esfre-
gação. E lá no seminário, se eles descobrissem, nos batiam, nos deixavam
de castigo, nos proibiam de ter amizades. Mas quando eu tive a relação
sexual com aquele homem, eu já me apaixonei, aquele homem me le-
vava passear de caminhão, me levava viajar com ele quando a viagem
era perto, então tudo isso foi sendo experiência que eu fui tendo quando
eu era criança. Todas as experiências que tive na vida serviram para me
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A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
5
Uma mulher ou uma travesti que vende clandestinamente serviços de aplicação de
silicone industrial nas travestis.
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Geografias malditas
Fernanda Riquelme
6
Silicone industrial usado para vários fins, desde lubrificante de máquinas a motores
de avião. A especificação 1.000 equivale à viscosidade. Quanto maior o valor, maior a
viscosidade.
7
Centímetro cúbico.
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corpos, sexualidades e espaços
A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
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Geografias malditas
Fernanda Riquelme
das. Nos perguntavam o que tínhamos vivido, como tinha sido a nossa
história. As próprias travestis queriam saber o que tínhamos passado, o
que tínhamos encarado, se tínhamos estudado, como tínhamos vivido até
ali. Mas Ponta Grossa sempre foi e sempre vai ser uma cidade agressiva,
conservadora. Não adianta. O preconceito aqui é muito grande. Mas, se
o mundo começasse novamente, eu queria ser novamente outra travesti.
Eu queria voltar a ser o que eu sou, porque eu sou feliz assim. Mesmo
com todo o preconceito e discriminação, eu sou feliz assim, eu aprendi a
gostar de mim como sou.
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corpos, sexualidades e espaços
A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
aprende na louca mesmo. Hoje em dia você aprende vendo. Hoje em dia,
se você quer se transformar, você descobre o número da travesti que co-
loca silicone, vai lá e se enche de silicone. Mas na minha época não era
assim, elas faziam questão de te levar, para você melhorar o teu visual, o
teu físico. Para você realmente virar uma menina, uma mulher mesmo.
Caí na prostituição no tempo em que o glamour era muito gran-
de. Depois de batalhar em boates, fui para a rua. Como nas boates, a rua
também era o close8, o vestir-se bem, os vestidos longos, as plumas e pae-
tês. Tinha treze para quatorze anos quando caí na prostituição. Faz muito
tempo. Caí quando na cidade não tinha nada. Como minha falecida amiga
Jéssica falava, Ponta Grossa ainda era Tupiniquim. Também fui Miss Tra-
vesti, isto em 1982. Fui miss em uma época em que a palavra travesti era
pouco conhecida.
Comecei a batalhar na Avenida Balduíno Taques, bem na es-
quina do que é hoje o prédio do Mitaí. As outras travestis batalhavam
na Avenida Vicente Machado, perto do que é hoje a sede dos Correios.
Naquela época elas ficavam na frente da Casa Buri, isto em 1978, 1980.
Trabalhávamos em muitas travestis. Só que as travestis que ficavam nes-
tes dois locais não se davam muito bem. Para evitar brigas, sempre fui
batalhar depois da meia-noite. Primeiro fazia um rodízio nas lanchone-
tes, nos bares, em tudo que era “fervo” eu ia. Depois que as “executivas”
iam embora, porque elas se nomeavam de finas executivas, eu ia para a
rua, voltando para casa só pela manhã. Quando eu caí, as travestis não
faziam programa no escurinho, na rua. Só fazíamos programa em hotel.
Lembro que a Balduíno Taques inteira era tomada pelas travestis, desde o
antigo mercado Tuma até a Igreja dos Polacos. Na Balduíno Taques tinha
bar, tinha hotel, tinha tudo ali. Nós ficávamos todas juntas, porque anti-
gamente existia muita violência, tanto da polícia quanto da população no
geral. A gente ficava junto porque era mais seguro.
Mas quando você está nessa vida de prostituição, você tem que
rodar. Eu já batalhei no Paraná e em Santa Catarina. Aqui do Paraná já
batalhei em Londrina, Ponta Grossa, Cascavel, porque a travesti é assim,
quando você vira uma guria da noite, que você faz programas, você fica
um tempo num território que está te dando lucro. Se você fica um mês,
dois meses, você está se garantindo. Do terceiro mês em diante você já
8
Atitude que uma travesti tem em relação a outra travesti, considerando-se superiora em
beleza e feminilidade.
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Geografias malditas
Fernanda Riquelme
fica conhecida. Então, já não é tão procurada quanto no começo. Daí você
descobre outra cidade e é pra lá que você vai.
No litoral do Paraná, eu batalhei em Guaratuba e Matinhos.
Também batalhei em Guarapuava, mas em boate, não na rua. Eu dava um
tempo em cada cidade. De um a três meses é ótimo! Depois de três meses
já começa a fracassar, porque você começa a ficar conhecida demais. E
geralmente o cliente que está na rua, ele quer uma novidade, ele quer
uma coisa diferente, é isso que ele está procurando. Em Santa Catarina,
eu fui para Balneário Camboriú, Joinville, Blumenau, Rio do Sul, São Fran-
cisco do Sul. No Rio Grande do Sul, eu fui para Porto Alegre, Passo Fundo,
Vacaria e Lagoa Vermelha. Um dos estados em que as travestis têm mais
dificuldade para ficar é o Rio Grande do Sul. Você passa na esquina e vê a
travesti e fala: nossa, como elas são lindas! Mas você não sabe a agressi-
vidade que cada uma tem como arma para se defender. Para não deixar
você ficar na esquina, elas são muito violentas. No Rio Grande do Sul é
horrível para você ficar. Hoje em dia existem muitas travestis que fazem
isso, muitas. E não apenas no Brasil, como em toda a Europa. As travestis
querem ser assim, elas querem sempre ser novidade e, para ser novidade,
elas têm que ficar indo de um lugar para o outro, sempre rodando.
Mas não basta querer ir para uma cidade. Primeiramente temos
que ser aceitas pelas outras travestis. Quando você vai para uma cidade,
você tem que ir direto na casa da cafetina que é a chefe da cidade, a que
comanda a cidade. Em primeiro lugar, você tem que agradar ela, cumprir
as regras, porque geralmente toda a casa tem suas regras. Hoje em dia é
assim. Tem casa de cafetina que você não pode usar droga, você não pode
beber, etc. Isto acontece porque elas não querem chamar a atenção da
polícia, e aquela que está bem, faz mais dinheiro e dá mais dinheiro para
a cafetina.
Geralmente a dona da casa de travestis não mora na casa. Elas
vão durante o dia para receber a sua diária e ver como estão as coisas den-
tro da casa. Mas existem lugares que elas moram e lugares que elas não
moram. Dando um exemplo, eu estou em Ponta Grossa, na casa de uma
cafetina que manda na cidade. Daí eu quero ir para Curitiba. Aí, como ela
conhece a travesti que comanda em Curitiba, ela já me indica. Na maioria
das vezes as próprias donas de casas ligam e falam: olhe, estou mandando
uma filhinha minha para ficar um tempo com você. Então uma cafetina
indica para outra cafetina. É como se fosse uma rede, tem uma rede. Nós,
aqui no Brasil, temos uma rede nacional, igual à Europa. Na maioria das
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corpos, sexualidades e espaços
A vida da travesti é glamour, mas também é violência em todo lugar
vezes, as que vão com tudo pago para a Europa, estão com tudo certo,
onde vão morar, onde vão trabalhar, com segurança e tudo.
A cafetina, gostando da travesti, ela não quer perder essa filhi-
nha. Daí ela te leva em um cirurgião plástico que ela já tem acesso ou em
uma bombadeira de silicone. Aí a travesti faz uma dívida com ela. Ela
paga toda a transformação do corpo e a travesti vai poder sair da casa
dela apenas quando tiver pago o último tostão. Enquanto não pagar, tem
que ficar ali, é uma regra. A ideia é você responder a uma obrigação com
ela, mas também tem o respeito dela, o cuidado dela. E no fundo cada
travesti está pagando um serviço de hospedagem, com alimentação, rou-
pa, tudo que a gente quer, tudo isso. Como em Londrina, a maioria das
travestis são europeias, já estiveram na Europa e estão indo direto para
lá. Então, as que chegam diferente, as outras querem um sapato, uma
maquiagem, uma coisa de fora. Daí, aquela própria cafetina que está te
orientando também está te vendendo as coisas. Coisas que custam vinte
reais, elas te cobram oitenta, cem reais, e elas também lucram aí. Isso te
deixa finíssima, em uma semana você está linda, maravilhosa.
Só que isto tem consequências. Se uma travesti não paga o que
deve e foge, ela tem consequências, pois existe uma grande comunicação
entre as pessoas entre as cidades. Na mesma hora que você está viajando
no ônibus, a dona da casa já está no telefone, comunicando para a dona da
casa de outra cidade que a fulana saiu devendo dinheiro. Aí, quando você
chega neste lugar que já sabe disto, você não é aceita. E é por isso que as
coisas funcionam. Tem uma rede de poder que funciona na informalida-
de, mas funciona bem.
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Geografias malditas
Fernanda Riquelme
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corpos, sexualidades e espaços
VIDA DE TRAVESTI É LUTA!
LUTA CONTRA A MORTE,
LUTA CONTRA O PRECONCEITO,
LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA
E LUTA POR ESPAÇO1
Gláucia Boulevard
APRESENTAÇÃO
1
Este texto é a transcrição de um depoimento oral feito por Gláucia Boulevard.
Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
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Gláucia Boulevard
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corpos, sexualidades e espaços
Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
matar várias vezes. Sei que um dia eu estava dormindo na praça e apa-
receram algumas travestis que batalhavam na Avenida Brasil. Elas me
viram deitada e falaram: vamos ajudar essa bichinha aqui, este viadinho.
Daí, me levaram para morar na casa delas. Era uma casa em que elas pa-
gavam diária, era casa de cafetina. Diferente de todo mundo que me ex-
cluiu, elas me deram comida, me deram roupa, me deram hormônio e
tudo, me aceitaram como eu era.
A transformação do meu corpo começou a partir deste encontro,
pois comecei a ter peito, a ter um corpo mais definido, mais feminino. De-
pois disso, estas travestis falaram: agora você já está arrumadinha, está co-
meçando a crescer peitinho, agora vamos dar um jeito na tua vida, porque
não podemos ficar sustentando você para o resto da vida, pois temos a nossa
vida também. Daí, comecei a me prostituir. Foi mesmo na rua que eu perdi a
minha virgindade. Morava nesta casa da cafetina e batalhava à noite.
Só que nesta época existia muito roubo em Maringá. As traves-
tis mais velhas de rua estavam roubando, e eu já estava me enfiando no
roubo junto com elas. Já estava tão prática que eu pegava corrente de
ouro de cliente sem ele ver, tirava coisas de clientes, carteira e tudo, es-
tava profissional. Elas mandavam eu ficar batendo os dedos o dia inteiro
na parede para que eu ficasse com a minha mão leve, um treinamento, e
nessa eu fui ficando ligeira. Roubava corrente, relógio, pegava a carteira
e devolvia ela sem o dinheiro, e o cliente nem percebia. Eu deixava o
cliente me amassar, me beijar, pegava no pênis dele, e então eu limpava
o cara. Só que esse não é um bom caminho. Comecei a pensar comigo:
isso não é vida, eu não quero mais isto. Chegou num ponto que eu estava
ficando como as bandidonas.
Um dia, estava na casa da cafetina e apareceu um cafetão que
era dono da boate La Barca, aqui em Ponta Grossa, uma boate que fica-
va perto do Gaiola. O homem já é falecido, e o La Barca já foi demolido.
Ele estava procurando meninas e travestis para trabalhar na boate dele.
Aceitei o convite, peguei minhas coisas e vim embora com ele. E, na mi-
nha inocência, perguntei para ele: como que faz para pagar estas coisas,
como que eu vou pagar a viagem para o senhor, a comida e a estadia, o
senhor falou que daria tudo, mas como que eu vou pagar para o senhor?
Ele falou que ia pagar em bebida. Mas, como assim? Você bebe bastante
com os clientes na boate, que daí você já está pagando. Se é só beber,
então tá bom! Daí eu comecei a beber como uma louca, beber e fazer
striptease.
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Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
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Uma mulher ou uma travesti que vende clandestinamente serviços de aplicação de
silicone industrial nas travestis.
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Gláucia Boulevard
e o quadril. Mas eu não tinha o peito tão grande assim, ele era menor.
Eles eram de dois copos e meio. No quadril eu tinha meio litro, mas no
rosto ainda não tinha nada. Quando cheguei na casa da minha mãe, eles
ficaram me olhando de baixo a cima, comentavam muito. A minha mãe
chorou muito. Eu fui para lá porque eles haviam me avisado que o meu
pai havia falecido.
Mesmo que tivesse sofrido nas mãos do meu pai, eu fui para
Maringá pelo meu pai, que tinha falecido. Não deu tempo para ir no en-
terro dele. Quando cheguei lá, ele já havia sido enterrado. Sei que, quan-
do cheguei lá, eles começaram a comentar sobre minha transformação,
e minha mãe ia para o quarto chorar. Depois de algumas horas vivendo
este estranhamento, falei: olha só, vocês não me aceitam como eu sou, eu
já tentei, e vocês não me aceitam. Então, vou procurar viver a minha vida,
não vou ficar correndo atrás da senhora se a senhora não me aceita. Hoje
não tenho mais contato com eles. Há algum tempo atrás eu ligava para
a minha mãe, e ela ficava chorando no telefone. Só que, depois disto, eu
desisti. Não vou ficar correndo atrás de pessoas que não me querem, que
não me aceitam como sou.
Gosto muito do meu corpo, mas apenas da cintura para cima,
pois, quando estou nua, tenho muito estranhamento com meu pênis. Não
gosto de me ver nua com o pênis de fora, porque acho aquilo um absurdo.
Eu acho aquilo horrível, porque você não sabe se é uma mulher ou se é
um homem. É muito estranho ter peito, quadril, rosto de mulher, e um
pênis no meio das pernas, é uma coisa estranha. Hoje estou bem, graças a
Deus, de tanto pedir para Deus me ajudar. Então, já que eu me enfiei nesta
vida, então que Deus me ajude, eu peço que o meu psicológico aguente
isso.
Mesmo que as pessoas olhem para mim espantadas, eu estou
satisfeita com meu corpo. Eu acho que você tem que estar contente. As
mulheres me olham com inveja, pelo corpo que tenho, pois, quando eu
coloco um sutiã meia-taça, ficando com os seios como que em uma ban-
deja, junto com uma blusa degotada, eu sei que fico muito provocante, e
os clientes gostam. Então, eu passo batido por mulher, só quem conhece
mesmo uma travesti para falar que é. Eu procuro discrição quando saio
de dia, até mesmo porque eu sou casada, não quero que os vizinhos fi-
quem falando. Outra coisa é que não quero mais aquela vida de close3, eu
3
A palavra “close” (assim como a expressão “dar o close”) diz respeito a mostrar uma
75
corpos, sexualidades e espaços
Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
não preciso mais disso, não estou mais com idade para isto, eu quero que
me respeitem como uma senhora.
A única marca que tenho que denuncia contra a minha femini-
lidade é a marca dos pelos de barba, que ainda tenho um pouquinho. Este
é o meu único constrangimento. Todo dia eu tiro os pelos do rosto, me
cutuco tanto que chego a me machucar. Eu tiro com pinça, fio por fio, eu
não quero que pareça, tiro os pelos até do nariz. É constrangedor, porque
mulher não tem pelos no rosto. Nunca tive um modelo específico de fe-
minilidade para a minha transformação, apenas sempre quis ser muito
feminina. Mas almejava ter o peito maior do que eu tenho hoje. Sempre
falei para uma travesti que já é falecida, que queria comer com os peitos
no prato. Ela falava que eu estava louca, mas sempre gostei de mulheres
com seios fartos. Toda travesti almeja ter o corpo de uma atriz, com seus
belos corpos. Mas nenhum corpo é igual ao outro, nenhum corpo fica
igual ao outro. Por mais que você queira ter um peito igual ao meu, um
corpo igual ao meu, nunca você vai ter. O corpo que eu queria é o corpo
que tenho hoje.
aparência e desenvolver atitudes que são capazes de atrair olhares de admiração e desejo.
Além disso, significa demonstrar superioridade, em beleza e feminilidade, frente às
outras travestis.
76
Geografias malditas
Gláucia Boulevard
falecida Betina. Teve uma vez que ela me pegou atrás do Cemitério Mu-
nicipal e me ergueu um meio metro do chão, me pegou pelo colarinho e
falou: seu viadinho, você quer ser mulher? Então toma na cara! Você não
é mulher, é viado igual a todas nós! Eu falava que não estava pensando
que era mulher. Mas, mesmo assim, ela falava que eu estava me compor-
tando como uma, e que tinha que apanhar.
Penso que ela queria que eu me comportasse como ela, uma es-
candalosa. Eu era assim quando mais nova, mas, quando você vai ficando
com uma certa idade, você começa a se comportar, você vai vendo que
tem que se comportar, porque isto não combina com você. A Betina me
agredia por causa disso. Ela falava que viado muito mulher não dava mui-
to certo perto dela. Lá em Maringá foi mais tranquilo, porque as travestis
mais velhas me ensinavam como era ser uma travesti. Mas, quando eu
cheguei aqui em Ponta Grossa, a Betina já estava na rua. Alias, quando
eu cheguei, a Betina não estava na rua, quem estava na rua era a falecida
Cláudia. Depois da chegada da Betina que ela começou a mandar, passan-
do por cima da falecida Cláudia.
A falecida Betina era terrível! Teve um dia que queríamos bater
nela. Era eu, a Débora, a Michelly, a falecida Priscila e a falecida Cláudia.
Nos reunimos, e quem iria bater na Betina era a falecida Cláudia, a fale-
cida Priscila, a Débora e a Michelly. Só que eu saí “avoada”, saí correndo,
porque fiquei com medo. A gente queria bater nela, porque não aguentá-
vamos mais. Depois de tudo combinado, eu peguei uma carona e “voei as
tranças”, fui embora. Sei que o resultado da briga foi que a Michelly levou
uma chicotada no peito. A Betina pegou um chicote, não sei de onde que
ela conseguiu um chicote. Ela rodeava aquele chicote, e com ele chico-
teou a Michelly e a Cláudia. A única que enfrentou ela foi a Débora. A
Priscila acabou fugindo também na hora.
Ela ficou com raiva de todas as travestis, mas ficou com mais
raiva de mim. Isso porque eu combinei de surrar ela e, depois, ter fugido,
porque isso não é coisa certa. A Débora não apanhou porque chegou per-
to dela e falou: olha viado, você quer me bater, me bata! Mas quero deixar
claro que não tenho nada contra você. As bichas se reuniram para bater
em você e eu vim junto e não fujo. Então, se você quer me bater, me bata,
mas nós vamos rolar nesta rua! Sei que, depois disto, pelo que outras tra-
vestis comentaram, as duas conversaram e a Betina começou a respeitar
a Débora como pessoa e como travesti. As únicas travestis que ela respei-
tava eram a Débora e a Leandra. A Leandra tinha muita admiração pela
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corpos, sexualidades e espaços
Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
Betina. Até hoje, se comentamos sobre a Betina na frente dela, seus olhos
enchem de lágrimas. Ela sente muita falta dela. Todavia, a Betina vivia
correndo atrás de mim, vivia querendo me bater. Assim, como eu gosta-
ria dela? Não é porque ela morreu que vou sair por aí falando que eu gos-
tava dela. Só que, depois que a Betina morreu, a rua ficou uma maravilha.
Mas antes da Betina morrer, a vida no território da prostitui-
ção era difícil, pois vivia correndo ou me defendendo para não apanhar.
Mas continuei insistindo, até elas cansarem. A falecida Cláudia boquejava
comigo, e eu nem ligava, continuava na esquina. Saía daquele ponto e ia
para outra esquina. Ela ia atrás e novamente boquejava, e novamente eu
ia para outra esquina. Eu sempre falava para ela: olhe, me desculpe, mas
eu vou ficar porque eu preciso ganhar também, eu tenho aluguel para
pagar, tenho água, luz, tenho comida para comprar, então me desculpe.
Falava que ela conseguiria me tirar dali apenas se ela batesse em mim,
e, se ela fizesse isto, eu iria procurar meus direitos. Assim, fui ficando,
na teimosia. Não pedi para ninguém para ficar na rua, fui chegando, fui
chegando, fui me enfiando. Geralmente, as que pedem permissão são de
outras cidades. Não pedi porque eu já conhecia a falecida Cláudia e a fa-
lecida Priscila, conhecia antes de começar a batalhar na rua. Mas, se eu
tivesse chegado direto de Maringá para a rua em Ponta Grossa, eu tinha
que pedir permissão, não poderia chegar e ficar.
Antes da briga entre a falecida Cláudia e a falecida Betina, quem
mandava mesmo era a falecida Cláudia. Só que ela foi se cansando, ela
viu que não adiantava sua resistência, pois ninguém estava pedindo per-
missão para ela. Sei que ela perdeu tanto a moral, e ficou tão perturbada
com isso, que acabou cometendo suicídio. E, pensando sobre a vida dela,
antigamente eu era muito parecida com ela. Ela tinha preconceito com
ela mesma, não se aceitava. A falecida Cláudia virou travesti no impulso,
adorava transar com mulheres e com homens, era mais ativa que passiva,
e virou travesti.
Depois de um tempo, ela começou a frequentar outra ONG em
Ponta Grossa, que não era o Renascer nem o Reviver. Nesta ONG eles ti-
nham uma história de que as travestis deviam virar homem. Eles pertur-
baram demais a cabeça da coitada. Falaram que iam levar ela para São
Paulo, para tirar os peitos, drenar o silicone, drenar isso e aquilo, para ela
virar homem novamente. Com toda esta perturbação na cabeça, somado
ao fato dela não se aceitar, uma vez ela falou em uma conversa: olhe,
Gláucia, eu me arrependo de ter virado travesti. Mas por que Cláudia?
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Geografias malditas
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Porque eu não sou assim como vocês, eu não sou feliz. Eu não me sinto
bem, os outros me olham, eu já quero brigar. Mas Cláudia, eu não estou
nem ai! Se querem me olhar, que me olhem! Eu faço que não é comigo,
eu esnobo! Mas ela falou que tinha pouca paciência e que já queria brigar
quando as pessoas olhavam com preconceito para ela. A gente conhece
bem esse olhar. Sei que várias gotas d’água encheram este copo. Uma
destas situações é que ela tinha um namorado, ela amava este rapaz, e ele
saiu com outras travestis. Além disso, não ajudava ela, e, pelo contrário,
tirava o dinheiro que ela conseguia da prostituição. Ele não morava com
ela, e era casado ainda. Ele falava que ia se separar. Eles ficaram um bom
tempo juntos. Como resultado de tudo isto, ela ficou com depressão, co-
meçou a ficar calva e, para uma travesti, a calvície é o fim do mundo. Um
dia ela foi na varanda que ficava atrás de sua casa e se enforcou.
Com a morte da Cláudia, a Betina começou a mandar de fato. Só
que este reinado não durou muito tempo. Uma vez a Betina roubou mil
reais de um cliente. Ela roubou e voltou para a rua. O cliente voltou, que-
rendo o dinheiro dele, mas ela falou que não ia devolver, e foi para cima
dele. Só que ele estava armado e apontou um revólver nela. Ela começou
a correr e levou um tiro na perna. Todavia, ela era muito forte e, se levan-
tando, foi novamente em cima dele. O final desta história foi o tiro que ela
levou na testa. Hoje ninguém manda mais como antigamente, hoje o que
existe é respeito, muita coisa mudou de tempos para cá.
A vida de travesti é uma luta sem fim. Luta contra a morte, luta
contra o preconceito, luta pela sobrevivência. Acho que o direito de ser
quem você quer ser, de transformar o próprio corpo, é o que gera a neces-
sidade de lutar pelas outras coisas. Fico pensando por que não sou aceita
em uma escola, em um hospital, porque sou travesti? Afinal, continuo a
ser humana e tenho meu caráter e minha personalidade. Mas qualquer
qualidade que você possa ter cai por terra quando alguém olha para você
e estranha sua forma de ser. Ninguém te dá a chance de te conhecer. Mi-
nha luta foi sempre buscar o máximo de feminilidade e muitas vezes me
esqueço que sou uma travesti porque me comporto como uma mulher o
tempo todo e me lembro que ainda tenho uma parte de mim que é ho-
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corpos, sexualidades e espaços
Vida de travesti é luta! Luta contra a morte, luta contra o preconceito,
luta pela sobrevivência e luta por espaço
mem apenas quando vejo as marcas de barba em meu rosto, coisa que tiro
todo santo dia, e quando tenho vontade de fazer xixi e vejo meu pênis.
Só que ser uma travesti neste mundo não é uma coisa muito
boa, pois o preconceito que nós vivenciamos todo dia não é bom. É colo-
car o pé para fora de casa e começar a ouvir piadinha, ouvimos comen-
tários maldosos em todos os lugares que vamos. No lugar que moro, todo
mundo sabe quem eu sou, todo mundo olha, todo mundo comenta. Aqui
na vila eles olham, comentam. Tenho amizade com algumas pessoas, com
outras não tenho, tenho algumas falsas amizades, outros me respeitam.
Um dia destes estava no ponto de ônibus e passou um cara com sua espo-
sa. Daí eles ficaram me olhando, e eu cumprimentei. O cara ficou olhando
com cara de nojo para mim e disse: pouca vergonha isso daí! O preconcei-
to é grande em qualquer lugar que você vai e é preciso conquistar espaço
todo santo dia, porque nós não somos bem-vindas.
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
PARTE II
Trajetórias de
conhecimento conjunto
produzido pelo Grupo de
Estudos Territoriais
e as travestis
O CORPO COMO ELEMENTO
DAS GEOGRAFIAS FEMINISTAS
E QUEER: UM DESAFIO
PARA A ANÁLISE NO BRASIL
Joseli Maria Silva
Marcio Jose Ornat
Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar
Alides Baptista Chimin Junior
Juliana Przybysz
1
Ver a lista de revistas investigadas no Apêndice 1.
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Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
2
As palavras e segmentos de busca foram: “travesti”, “sexo”, “gay”, “lésbica”,
“homossexualidade”, “homoerotismo”, “sexualidade”, “LGBT”, “diversidade sexual”,
“raça e etnia”, “queer”, “prostituição”, “gênero”, “masculinidade”, “corpo” e “mulheres”.
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O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
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Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
3
A ideia de performatividade, com base em Butler (2003), diz respeito a normas
socialmente construídas que se impõem às pessoas e que são incorporadas por elas em
atos repetitivos no cotidiano.
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um desafio para a análise no Brasil
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por meio de cientistas que têm cor, gênero, corpo, sexualidade, posição
política, e assim por diante. A posicionalidade de quem questiona o mun-
do é fundamental para conceber as perguntas passíveis de serem formu-
ladas, e, sendo assim, os resultados de uma trajetória de pesquisa devem
conter a autoavaliação de como a posicionalidade da pessoa que investiga
influencia os resultados obtidos.
O corpo foi um elemento de difícil interpretação na teoria fe-
minista porque as diferenças físicas e materiais dos corpos de mulheres
e homens pareciam constituir um fato evidente e natural. A ideia de se-
parar sexo de gênero, sendo o primeiro concebido como um atributo do
corpo e, portanto, imutável, e o segundo, uma construção cultural e, as-
sim, cambiante, gerou várias polêmicas a respeito do corpo, notadamen-
te a sua relação com o sexo e o gênero na sociedade ocidental.
Thomas Laqueur (2001), baseado em relatos médicos conserva-
dos desde a era clássica, afirma que a organização binária dos sexos, tão
naturalizada na sociedade ocidental moderna, ocorreu apenas no século
XVIII.4 Antes da era moderna havia um discurso sobre os corpos que se
baseava na teoria de “um só sexo” (isomorfismo), e as diferenças ana-
tômicas entre homens e mulheres eram compreendidas apenas como
graus de perfeição dentro da concepção da “economia corporal genérica
de fluidos e órgãos”. Nessa concepção, homens e mulheres tinham uma
mesma raiz de criação, e os corpos dos homens representavam o máximo
da perfeição, enquanto os corpos femininos eram considerados menos
desenvolvidos, ou “homens imperfeitos”.
O conceito moderno de uma divisão da humanidade em “dois
sexos” (dimorfismo) surgiu no Ocidente no bojo de outras transforma-
ções sociais e culturais, notadamente o progressivo distanciamento da
vida doméstica da vida social. Enfim, foi na era moderna da sociedade
ocidental que se instituiu um modelo hegemônico em que as identidades
sexuais dos seres humanos foram diretamente vinculadas às formas das
genitálias, e, assim, o corpo acabou sendo sinônimo de sexo.
4
Segundo Laqueur (2001, p. 16-17), “nesse mundo, a vagina é vista como um pênis
interno, os lábios como prepúcio, o útero como escroto e os ovários como testículos”. O
corpo feminino não havia sido nomeado pela ciência médica, recebendo denominações
semelhantes ao corpo masculino, e o termo “vagina” apareceu apenas em 1700 nos
vernáculos europeus, com a seguinte definição: “tubo ou bainha na qual seu oposto, o
pênis, se encaixa e através da qual nasce o bebê”.
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um desafio para a análise no Brasil
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Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
5
Disponível em http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&vi
ew= article&id=1274:reportagens-materias&Itemid=39. Acesso em: 10 set. 2013.
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O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
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6
As palavras de busca foram: “travesti”, “sexo”, “gay”, “lésbica”, “homossexualidade”,
“homoerotismo”, “sexualidade”, “LGBT”, “diversidade sexual”, “raça e etnia”, “queer”,
“prostituição”, “gênero”, “masculinidade”, “corpo” e “mulheres”.
7
Ver os Apêndices 2 e 3.
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8
Disponível em http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds/#
9
É importante registrar que o banco de dissertações e teses da Capes disponibiliza dados
apenas a partir de 1987.
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As palavras de busca foram: “travesti”, “sexo”, “gay”, “lésbica”, “homossexualidade”,
“homoerotismo”, “sexualidade”, “LGBT”, “diversidade sexual”, “raça e etnia”, “queer”,
“prostituição”, “gênero”, “masculinidade”, “corpo” e “mulheres”.
11
Foram encontrados 101 artigos sobre gênero, sendo quatro sobre masculinidades, 97
sobre feminilidades e 35 sobre sexualidades. Houve ainda 14 artigos sobre raça/etnia que
não tinham relação com sexualidades e gênero, como pode ser visto no Apêndice 3.
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Para a elaboração desta figura, a escala de intensidade de publicação de artigos foi
estabelecida a partir de intervalos naturais dos dados. Destaque-se que, como as cidades
do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador concentram várias instituições a que diferentes
autores pertencem, o tamanho das esferas é resultado da somatória dos artigos publicados
em diferentes instituições localizadas nestas cidades.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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APÊNDICES
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A complexidade espacial
da exploração sexual
2008 - comercial infanto-juvenil
Almir Nabozny UEPG
Mestrado feminina: entre táticas e
estratégias de
in(visibilidade)
Território da prostituição
2008 -
Marcio Jose Ornat e instituição do ser traves- UEPG
Mestrado
ti em Ponta Grossa - PR
De casa para outras casas:
trajetórias socioespa-
2008 - Renata Batista ciais de trabalhadoras
UFG
Mestrado Lopes domésticas residentes em
Aparecida de Goiânia e
trabalhadoras em Goiânia
Por uma geografia do coti-
2008 - Benhur Pinós da
diano: território, cultura e UFRGS
Doutorado Costa
homoerotismo na cidade
2008 - Telma Fortes Geografia e gênero: um es-
UNIR
Mestrado Medeiros tudo no contexto escolar
O papel da mulher na
organização alternativa
2009 - Valkíria Trindade
do trabalho: um estudo no UEM
Mestrado de Almeida Santos
município de
Guaporema - PR
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Princesas do sertão: o
2010 - Matteus Freitas de universo trans entre o
UFBA
Mestrado Oliveira espelho e as ruas de Feira
de Santana - BA
Do Salto Luiz XV à Bota
2010 - Kelly Cristina da Bico de Ferro: o trabalho
UFG
Mestrado Silva feminino na empresa
Fosfertil de Catalão - GO
2010 - Marise Vicente de Sob o manto azul de Nossa
UFG
Doutorado Paula Senhora do Rosário
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um desafio para a análise no Brasil
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Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
sexualidades
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Rogério Botelho Territórios da pros-
IBGE/ Boletim
de Matos; Miguel tituição nos espaços
1995 Departamento Goiano de
Ângelo Campos públicos da área central
de Geografia Geografia
Ribeiro do Rio de Janeiro
Universidade de Espacios disidentes en
Xosé M. Santos
2003 Santiago de los procesos de Pegada
Solla
Compostela ordenación territorial
Constrangimentos
espaciais: a concepção
Universidade
legal de infância e as tá-
2007 Almir Nabozny Estadual de Terr@ Plural
ticas desconstrucionis-
Ponta Grossa
tas desenvolvidas pelas
profissionais do sexo
121
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O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Do território instituído
Universidade ao território instituinte
Marcio Jose Espaço e
2010 Estadual de do ser travesti: algumas
Ornat Cultura
Ponta Grossa reflexões teóricas e
metodológicas
Geografias das
interações culturais no
Revista
espaço urbano:
Universidade Latino-
Benhur Pinós da o caso das
2010 Federal de Santa Americana
Costa territorializações
Maria de Geografia
das relações
e Gênero
homoeróticas e/ou
homoafetivas
Revista
Universidade Geografias das Latino-
Benhur Pinós da
2010 Federal de Santa representações sobre o Americana
Costa
Maria homoerotismo de Geografia
e Gênero
Revista
Universidade Descortinando a cidade: Latino-
Juliana Frota da
2010 Federal do Ceará a ‘montagem’ da Americana
Justa Coelho
Fortaleza ‘babado’ de Geografia
e Gênero
122
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Demandas
habitacionais de
famílias monoparentais
com responsabilidade Revista
Juliana Thaisa Universidade feminina e as Latino-
2010 Rodrigues Estadual de Ponta políticas públicas Americana
Pacheco Grossa municipais de Geografia
desenvolvidas pela e Gênero
PROLAR entre 2004 e
2007 em
Ponta Grossa - PR
Revista
‘Não te prives’ - Aeminiumqueer, a
Latino-
Paulo Jorge Grupo de Defesa cidade armário:
2010 Americana
Vieira Dos Direitos quotidianos lésbicos e
de Geografia
Sexuais gays em espaço urbano
e Gênero
Revista
Desejos, conflitos e pre-
Universidade Latino-
Paulo Reis dos conceitos na constitui-
2010 Estadual de Americana
Santos ção de uma travesti no
Campinas de Geografia
mundo da prostituição
e Gênero
Geografia da diver- Revista
Escola Nacional
Rafael Chaves sidade: breve análise Latino-
de Ciências
2010 Vasconcelos das territorialidades Americana
Estatísticas -
Barreto homossexuais no Rio de de Geografia
ENCE/IBGE
Janeiro e Gênero
Revista
Atitude dos educadores
Universidade do Latino-
Rita de Cássia frente à expressão da
2010 Estado de Minas Americana
Costa Teixeira sexualidade da pessoa
Gerais de Geografia
com deficiência mental
e Gênero
A rua e o medo: algu- Revista
Universidade mas considerações so- Latino-
Thiago Barcelos
2011 Federal do Rio de bre a violência sofrida Americana
Soliva
Janeiro por jovens homossexu- de Geografia
ais em espaços públicos e Gênero
Territórios sexuais: Revista
Universidade análise de sociabilida- Latino-
2011 Bruno Puccinelli Federal de São des homossexuais no Americana
Paulo Shopping Gay de de Geografia
São Paulo e Gênero
123
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Revista
Processos rituais e
Guilherme Universidade Latino-
homossexualidade:
2011 Rodrigues Federal do Mato Americana
cultura, territórios e
Passamani Grosso de Geografia
representações
e Gênero
Revista
Sexualidade juvenil:
Universidade Latino-
Helaine Pereira vivências nas ocupa-
2011 Católica de Americana
Souza ções do Movimento dos
Salvador de Geografia
Sem Teto da Bahia
e Gênero
Miguel Angelo Revista
Dinâmica e espacialida-
Ribeiro; Rafael Universidade Latino-
de das saunas de boys
2011 da Silva Oliveira; Estadual do Rio de Americana
na cidade do Rio de
Gessé da Silva Janeiro de Geografia
Janeiro
Maia e Gênero
Liberdade, diversidade
Carlos Eduardo
Universidade e excessos sob as cores Boletim
Santos Maia;
2012 Federal de Juiz de do arco-íris: reflexões Goiano de
Raphaela
Fora sobre a rainbow fest Geografia
Granato Dutra
juizforana
Pequenas cidades e
diversidades culturais
Revista
no interior do Estado
Universidade Latino-
Benhur Pinós da do Rio Grande do Sul:
2012 Federal de Santa Americana
Costa o caso das
Maria de Geografia
microterritorializações
e Gênero
homoeróticas em Santo
Ângelo e Cruz Alta - RS
Pequenas cidades e
diversidades cultu-
rais no interior do Revista
Universidade Estado do Rio Grande Latino-
Benhur Pinós da
2012 Federal de Santa do Sul: o caso das Americana
Costa
Maria microterritorializações de Geografia
homoeróticas de Santa e Gênero
Maria, Bagé, Alegrete,
Uruguaiana e Itaqui
124
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Revista
Acorda Alice, aluga
Latino-
Helder Thiago Universidade um filme pornô: uma
2012 Americana
Cordeiro Maia Federal da Bahia leitura dos banheiros
de Geografia
masculinos da UFBA
e Gênero
Espaços interditos e a Revista
Universidade constituição das identi- Latino-
Marcio Jose
2012 Estadual de Ponta dades travestis através Americana
Ornat
Grossa da prostituição no sul de Geografia
do Brasil e Gênero
Martin Ignacio Los espacios urbanos Revista
Torres de sociabilización de Latino-
Universidade
2012 Rodríguez; Raul los transexuales en la Americana
Estadual Paulista
Borges ciudad de Santiago de de Geografia
Guimarães Chile e Gênero
As microterritorialida-
Universidade des nas cidades: refle-
Benhur Pinós da
2012 Federal de Santa xões sobre as convivên- Terr@ Plural
Costa
Maria cias homoafetivas e/ou
homoeróticas
Universidade Festividade e territoria-
Carlos Eduardo
2012 Federal de Juiz de lidades na parada LGBT Terr@ Plural
Santos Maia
Fora goianiense
raça e etnia
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Universidade
Canaã: o horizonte Estudos
1991 José Paulo Paes Estadual de
racial Avançados
Campinas
Instituto
Geográfico da Estudos
1991 Gerd Kohlhepp Espaço e etnia
Universidade de Avançados
Tübingen
Lilia Moritz Universidade de Espetáculo da Estudos
1994
Schwarcz São Paulo miscigenação Avançados
Fundação
A participação dos
André do Amaral Armando Estudos
1995 negros escravos na
de Toral Álvares Avançados
Guerra do Paraguai
Penteado
125
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Democracia
racial brasileira,
George Reid University of Estudos
1997 1900-1990: um
Andrews Pittsburgh Avançados
contraponto
americano
Comunidade
Gilmar Alves de Universidade Kalunga: trabalho e
2003 Avelar e Marise GEOgraphia
Vicente de Paula Federal de Goiás cultura em terra de
negro
Imaginário, espaço
Maurício Universidade de
2003 e discriminação GEOUSP
Waldman São Paulo
racial
Culturas da
juventude e a
mediação da Revista
University of Brasileira de
2008 Edgar Pieterse exclusão / inclusão Estudos Urbanos
Cape Town
racial e urbana no e Regionais
Brasil e na África
do Sul
Universidade
Rosemberg Leitura sobre o
de São Paulo /
Ferracini e negro na cidade de Boletim Goiano
2010 Universidade
Carlos Eduardo Goiás a partir da de Geografia
Santos Maia Federal de Juiz
capoeira Angola
de Fora
Dos territórios de
reforma agrária à
Karoline dos Universidade territorialização
Santos Monteiro
2010 Federal da quilombola: o caso Pegada
e Maria Franco
Garcia Paraíba da Comunidade
Negra de Gurugi,
Paraíba
Raça, etnia e
Universidade negritude: aportes
Patrício Pereira Ateliê
2010 Federal de Minas teórico-conceituais
Alves de Sousa Geográfico
Gerais para debates
etnogeográficos
126
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Trajetórias
socioespaciais
Talita Cabral dos militantes
Machado e Universidade Ateliê
2012 do Movimento
Alecsandro J. P. Federal de Goiás Geográfico
Ratts Negro na região
metropolitana de
Goiania
Cultura, trabalho
Maria do
Socorro Gomes Universidade e alimentação
de Araújo e Tecnológica em comunidades Ateliê
2012 Domingos Leite Federal do negras e Geográfico
Lima Filho Paraná quilombolas do
Paraná
gênero
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
As geografias da
modernidade:
Revista do
geografia e gênero,
Rosa Ester Universidade de Departamento
1998 mulher, trabalho e
Rossini São Paulo de Geografia
família. O exemplo
(USP)
da área de Ribeirão
Preto - SP
Setor de
O caminho
Relações
2000 Dulcinéia Pavan feminino para a Revista NERA
Internacionais
reforma agrária
do MST
Terezinha A questão de
Universidade
2001 Brumatti gênero sob a Pegada
Estadual Paulista
Carvalhal perspectiva sindical
127
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Mercado de traba-
Denise Leonardo
lho industrial e a
Custodio
Universidade questão do “gêne- Geografia
Machado de
2002 Estadual Paulista ro”: uma análise do (UNESP de Rio
Oliveira; Silvia
de Rio Claro trabalho feminino Claro)
Selingardi-
em indústrias de
Sampaio
Rio Claro, SP
O gênero como
Universidade
perspectiva de
María Franco Estadual Paulista
2002 análise na discussão Pegada
García de Presidente
sobre as
Prudente
localizações
A organização das
mulheres
Universidade
assentadas no
Renata Cristiane Estadual Paulista
2002 Pontal do Pegada
Valenciano de Presidente
Paranapanema:
Prudente
o caso da
OMAQUESP
Universidade A inserção da
Terezinha
Estadual Paulista mulher no mercado
2002 Brumatti Pegada
de Presidente de trabalho e a
Carvalhal
Prudente questão de gênero
128
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Gênero e trabalho:
Universidade a participação da
Terezinha
Estadual Paulista mulher nos
2002 Brumatti Pegada
de Presidente sindicatos de
Carvalhal
Prudente Presidente
Prudente - SP
El mercado laboral
Irma Escamilla Universidad
en México desde la
Herrera; Nacional
2003 perspectiva de Pegada
Clemencia Autónoma de
geografía del
Santos Cerquera México (UNAM)
género
Universidade
Gênero e geografia
Maria Franco Estadual Paulista
2003 no espaço do Pegada
García de Presidente
vir-a-ser
Prudente
Impactos da
Pontifícia reorganização
Renata Universidade de espacial dos
2004 Revista NERA
Gonçalves São Paulo novos modelos de
assentamentos nas
relações de gênero
Trabalho produ-
tivo a domicílio e
trabalho reprodu-
tivo doméstico em
Marechal Cândido
Universidade
Terezinha Rondon (PR):
Estadual Paulista
2005 Brumatti horizontalização do Pegada
de Presidente
Carvalhal capital e as novas
Prudente
expressões da dinâ-
mica territorial do
trabalho precari-
zado feminino no
século XXI
129
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
História de mulhe-
res: breve comen-
Josoaldo Lima
tário sobre o terri-
Rêgo; Universidade de
2006 tório e a identidade Agrária
Maristela de São Paulo
das quebradeiras
Paula Andrade
de coco babaçu no
Maranhão
Revista do
Desqualificação
Lúcia E. Tohoku Departamento
2006 profissional: nikkeis
Yamamoto University de Geografia
brasileiras no Japão
(USP)
Amor, paixão
Universidade e honra como
Joseli Maria
2007 Estadual de elementos da Espaço e Cultura
Silva
Ponta Grossa produção do espaço
cotidiano feminino
A condição
feminina na agri-
Universidade de Revista Agrária
2007 Laura De Biase cultura e a viabili-
São Paulo
dade da
agroecologia
O modo de
Universidade produção capitalis- Revista
2007 Silvia Correia
Estadual Paulista ta: o exemplo do Formação
trabalho feminino
O trabalho domi-
Universidade ciliar feminino
Terezinha
Estadual Paulista como estratégia de
2007 Brumatti Pegada
de Presidente sobrevivência e/
Carvalhal
Prudente ou imposição do
capital?
130
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Gênero e
Universidade
Joseli Maria sexualidade na
2007 Estadual de Geosul
Silva análise do espaço
Ponta Grossa
urbano
Lorena Raça e gênero sob
Francisco de Universidade uma perspectiva Boletim Goiano
2008
Souza; Alecsandro Federal de Goiás geográfica: espaço e de Geografia
J. P. Ratts representação
Espaço urbano:
do acesso pelos
Universidade
direitos formais à
2008 Almir Nabozny Estadual de RA’E GA
coerção velada da
Ponta Grossa
participação
política feminina
Redefinições do
mercado de tra-
balho na perspec-
Universidade tiva da dinâmica
Estadual Paulista geográfica da Revista
2008 Silvia Correia
de Presidente desterritorialização Formação
Prudente e reterritorialização
das trabalhadoras
domésticas de
Presidente Prudente
131
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Joseli Maria
Geografia e gênero
Silva; Alides
Universidade no Brasil: uma
Baptista Chimin Ateliê
2009 Estadual de análise da
Junior; Emilson Geográfico
Ponta Grossa feminização do
Peracetta Filho;
campo científico
Rodrigo Rossi
Maria Carla Glass ceiling and
Universidade de Cadernos
2009 Fontana Gaspar the Latin American
São Paulo PROLAM/USP
Coronel law firms
Geografia e gênero:
Almir Nabozny; Universidade da crítica à
2009 Marcio Jose Estadual de racionalidade à Mercator
Ornat Ponta Grossa aproximação
pós-estruturalista
Desafios à análise
Almir Nabozny;
Universidade do espaço urbano:
Joseli Maria
2009 Estadual de interpretando Terra Livre
Silva; Marcio
Ponta Grossa textos marginais do
Jose Ornat
discurso geográfico
132
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Articulando os
espaços privado e
Universidade
público: gênero e
2009 Juliana Przybysz Estadual de Terr@ Plural
famílias
Ponta Grossa
monoparentais
femininas
Espaço, atos
Alides Baptista Revista Lati-
Universidade infracionais e a
Chimin Junior; no-Americana
2010 Estadual de criação social dos
Joseli Maria de Geografia e
Ponta Grossa adolescentes em
Silva Gênero
conflito com a lei
A afirmação do
trabalho feminino
Luana Nunes
na trajetória
Martins; Ana
Universidade histórico-cultural Boletim Goiano
2010 Paula Fernandes
Federal de Goiás de Vila Boa de de Geografia
Lopes de Souza;
Goiás: uma perspec-
Gilda Guimarães
tiva para o planeja-
mento turístico
Empregadas
domésticas e
relações de traba-
Universidade Revista
2010 Silvia Correia lho nos loteamen-
Estadual Paulista Formação
tos fechados de
Presidente
Prudente - SP
La territorialización
de las mujeres
Universidad mapuches en la Revista Lati-
Daniela Franco;
Nacional de la ciudad de Trelew: no-Americana
2010 Julieta
Patagonia San sus tejidos como de Geografia e
Sourrouille
Juan Bosco forma de resisten- Gênero
cia que se imprime
al habitar la ciudad
133
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Centro de
Investigaciones El circuito espacial Revista
Geográficas de la violencia Latino-
2010 Diana Lan Facultad de domestica: análisis Americana de
Ciencias de casos en Geografia e
Humanas - Argentina Gênero
UNCPBA
Revista
A Geografia Cultural
Universidade Latino-
e as representa-
2010 Emerli Schlögl Federal do Americana de
ções simbólicas do
Paraná Geografia e
sagrado feminino
Gênero
Relações de gênero
Revista
e produção de
Faculdade Nobre Latino-
Jucélia Bispo dos cerâmica na Comu-
2010 de Feira de Americana de
Santos nidade Quilombola
Santana Geografia e
da Olaria, em Irará
Gênero
- Bahia
La maternidad ado- Revista
lescente: un caso de Latino-
UNICEN -
2010 Liliana Coronel exclusión socioter- Americana de
Argentina
ritorial en Lomas de Geografia e
Zamora Gênero
O lugar do gênero
Revista
na produção de
Latino-
Universidade de gentrificação e de
2010 Luís Mendes Americana de
Lisboa novas procuras re-
Geografia e
sidenciais no centro
Gênero
histórico de Lisboa
Rumo à construção Revista
de uma agenda de Latino-
Margarida Universidade de
2010 investigação Americana de
Queirós Lisboa
‘género e ambiente’ Geografia e
em Portugal Gênero
La violencia de género
Universidad en el territorio Revista
María Nacional del latinoamericano, a Latino-
2010 Magdalena Centro de la través de la ocur- Americana de
López Pons Provincia de rencia creciente de Geografia e
Buenos Aires los feminicidios en Gênero
la región
134
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Revista
Natália Cristina Universidade
Escala geográfica, Latino-
Alves; Raul Estadual Paulista
2010 câncer de mama e Americana de
Borges Júlio de
corpo feminino Geografia e
Guimarães Mesquita
Gênero
Roberta Análise da parti-
Revista
Carnelos cipação política
Universidade Latino-
Resende; María feminina nas as-
2010 Federal do Americana de
Alejandra sembleias legislati-
Paraná Geografia e
Nicolás; Larissa vas da região sul do
Gênero
Rosevics Brasil (1998-2006)
Geografia e gênero:
recuperando a
memória de uma
Revista
pesquisa sobre a
Latino-
Rosa Ester Universidade de força de trabalho
2010 Americana de
Rossini São Paulo na agricultura
Geografia e
canavieira na ma-
Gênero
croárea de Ribeirão
Preto (SP - Brasil)
1977-2008
Um olhar sobre as
Valkiria potencialidades Revista
Trindade Universidade produtivas locais Latino-
2010 Almeida; Márcio Estadual de para o desenvolvi- Americana de
Mendes Rocha Maringá mento: as artesãs Geografia e
do município de Gênero
Guaporema
Revista
Universidade do Espaço e educação Latino-
2010 Zeny Rosendahl Estado do Rio de feminina na Americana de
Janeiro Geografia Cultural Geografia e
Gênero
Criminalidade
feminina, perfil e
Karina Eugenia processo de
Universidade
Fioravante; re-inserção Revista da
2011 Estadual de
Joseli Maria socioespacial de ANPEGE
Ponta Grossa
Silva egressas do Sistema
Penitenciário de
Ponta Grossa - PR
135
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Mulheres
criminosas: uma
Karina Eugenia discussão sobre o
Universidade
Fioravante; perfil socioespa- Ateliê
2011 Estadual de
Joseli Maria cial de mulheres Geográfico
Ponta Grossa
Silva infratoras na cidade
de Ponta Grossa,
Paraná
Hygeia: Revista
A Saúde Pública e as
Secretaria Brasileira de
Aiane Mara questões de gênero:
Municipal de Geografia
2011 Silva; Maria reflexões para o
Saúde de Santa Médica e da
Isabel Silva enfrentamento da
Juliana Saúde
violência doméstica
Questões de gênero
Revista
e a situação de
Ana Luisa Latino-
Universidade de retorno de brasi-
2011 Campanha Americana de
São Paulo leiras e brasileiros
Nakamoto Geografia e
do Japão: algumas
Gênero
considerações
Anderson
Rodrigues Revista
Universidade Latino-
Corrêa; Letícia A escola em
2011 Federal do Rio Americana de
Fonseca diáspora Geografia e
Grande do Sul
Richthofen de Gênero
Freitas
136
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Revista
Socialização e
Catarina Latino-
Universidade de modos de ser jovem
2011 Malheiros da Americana de
Brasília em área rural na
Silva Geografia e
Bahia
Gênero
Candomblé no Bra-
sil: traçando uma Revista
Pontifícia
nova geografia so- Latino-
Estela Martini Universidade
2011 cial de gênero, raça Americana de
Willeman Católica do Rio
e classe, a partir de Geografia e
de Janeiro
uma proposta de Gênero
sociabilidade outra
Flavia Fernandes
Carvalhaes;
Marcio Alessandro
Territórios, ge-
Neman do Revista
rações & cultura:
Nascimento; Faculdade Latino-
(des)continuida-
2011 Marli Machado Pitágoras de Americana de
des das expressões
Lima; Livia Gon- Londrina Geografia e
de gênero entre
salves Toledo; Gênero
lésbicas
Roberta Duarte
Manhas; William
Siqueira Peres
Refazendo nós
Revista
numa terra ar-
Izabel Cristi- Universidade Latino-
rasada: a prática
2011 na dos Santos Federal do Americana de
ecológica em terra
Teixeira Tocantins Geografia e
sonâmbula, de Mia
Gênero
Couto
Dimensões políticas
e afetivas do con- Revista
Universidade ceito de espaço/ Latino-
Izabel F. O.
2011 Federal de lugar: reflexões a Americana de
Brandão
Alagoas partir de textos Geografia e
literários do século Gênero
XX
Revista
Jackeline Universidade Latino-
Feminicídio na
2011 Aparecida Estadual de Americana de
cidade
Ferreira Romio Campinas Geografia e
Gênero
137
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Cotidiano e ter-
João Carlos Revista Lati-
Universidade ritorialidade: um
Saldanha do no-Americana
2011 Federal do estudo de usos do
Nascimento de Geografia e
Espírito Santo tempo entre assen-
Santos Gênero
tado(a)s
Gênero e partici-
Karina Eugenia Revista Lati-
Universidade pação feminina no
Fioravante; no-Americana
2011 Estadual de tráfico de drogas
Joseli Maria de Geografia e
Ponta Grossa na cidade de Ponta
Silva Gênero
Grossa, Paraná
Revista Lati-
Luiza Simões Universidade de Género y cambio no-Americana
2011
Cozer Salamanca climático de Geografia e
Gênero
Trajetórias, formas
Revista Lati-
Maria das Graças Universidade de conjugalidade e
no-Americana
2011 Lucena de Federal do Rio relações sociais de
de Geografia e
Medeiros Grande do Norte gênero entre casais
Gênero
binacionais
Diáspora negra: Revista Lati-
Maria Inácia Universidade
desigualdades de no-Americana
2011 D’Avila Neto; Federal do Rio
gênero e raça no de Geografia e
Claudio Cavas de Janeiro
Brasil Gênero
Maria Luíza Geografia de gênero Revista Lati-
Faculdades
Oliveira e trabalho familiar: no-Americana
2011 Adamantinenses
de Francisco algumas conside- de Geografia e
Integradas
rações Gênero
Tecendo redes pela
igualdade: meninas
adolescentes de co- Revista Lati-
Telma Silva Low;
Universidade de munidades de baixa no-Americana
2011 Danielly Spósito
Valencia renda debatendo de Geografia e
Pessoa de Melo
sobre as relações de Gênero
gênero e a violência
contra as mulheres
138
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Revista
Pontifícia Repercussões do
Ana Paula Latino-
Universidade trabalho masculino
2012 Tatagiba Americana de
Católica do Rio nas instituições de
Geografia e
de Janeiro educação infantil
Gênero
Espaço carcerário,
Universidade
Karina Eugenia gênero e cinema: as Ateliê
2012 Estadual de
Fioravante imagens prisionais Geográfico
Ponta Grossa
em Leonera
A mulher e a
Emerlinda extração
Universidade de
2012 Lopes; Lucio clandestina de Mercator
Coimbra
Cunha inertes em Cabo
Verde
Andressa
Cristiane Trabalho e moradia:
Colvara Almeida; Universidade o caso das áreas de
2012 João Batista Federal do Rio expansão portuária RA’E GA
Flores Teixeira; Grande do porto do Rio
Susana Maria Grande - RS
Veleda da Silva
139
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Trabalho, moradia
Andressa e chefia familiar: o
Revista Lati-
Cristiane Universidade caso do processo de
no-Americana
2012 Colvara Almeida; Federal do Rio expansão portuária
de Geografia e
Susana Maria Grande no Bairro Getúlio
Gênero
Veleda da Silva Vargas -
Rio Grande (RS)
Las relaciones
Antoni Tulla;
de género en las Revista Lati-
Antonia Casellas; Universitat
políticas locales no-Americana
2012 Marta Autònoma de
y en el desarrollo de Geografia e
Pallares-Blanch; Barcelona
económico del Gênero
Ana Vera
Pirineo Catalán
Judeus de
Bruna Krimberg Pontifícia bombachas: marcas Revista Lati-
von Mühlen; Universidade de gênero na no-Americana
2012
Marlene Neves Católica do Rio imigração judaica de Geografia e
Strey Grande do Sul no Rio Grande Gênero
do Sul
Reestruturação
produtiva,
precarização e Revista Lati-
Carmen Lúcia Universidade feminização do no-Americana
2012
Costa Federal de Goiás trabalho docente de Geografia e
em Catalão, Gênero
Goiás: algumas
considerações
Las divergencias
Carme Miralles de género en las Revista Lati-
Universitat
Guasche; pautas de movilidad no-Americana
2012 Autònoma de
Montserrat en Cataluña, según de Geografia e
Barcelona
Martínez Melo edad y tamaño del Gênero
municipio
A relação generifi-
cada entre o zone-
Revista Lati-
amento urbano do
Clara Henrietta University of the no-Americana
2012 transporte público
Greed West of England de Geografia e
e as implicações
Gênero
para a provisão de
banheiros públicos
140
Geografias malditas
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat, Tamires Regina Aguiar de Oliveira Cesar,
Alides Baptista Chimin Junior e Juliana Przybysz
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Denise Pini Feminização
Rosalem da Pontifícia Revista Lati-
territorial e gestão
Fonseca; Inês Universidade no-Americana
2012 comunitária na
Maria Silva Católica do Rio de Geografia e
Maciel; Courtney Roupa Suja, Rio de
de Janeiro Gênero
Price Ivins Janeiro
‘Mulheres fortes e
com estilo’: prota-
gonismo musical Revista Lati-
Universidade
Diogo da Silva e territorialidades no-Americana
2012 Federal do Rio
Cardoso femininas no de Geografia e
de Janeiro
movimento Gênero
underground
cristão
Mujeres, barrio
e investigación:
ejercicio de Revista Lati-
Fábia University of autoreflexión desde no-Americana
2012
Díaz-Cortés Leeds una trayectoria de Geografia e
investigadora Gênero
y activista en
Geografía (2002-2011)
Juliana Freitas Questão ambiental
Revista Lati-
de Cerqueira Centro e gênero: algumas
no-Americana
2012 Guedes; Ihering Universitário aproximações ao
de Geografia e
Guedes Jorge Amado longo do tempo e
Alcoforado Gênero
do espaço
Articulando os
espaços público e
privado: transfor-
mações das espacia-
Revista Lati-
Juliana Universidade lidades vividas por
no-Americana
2012 Przybysz; Joseli Estadual de mulheres morado-
de Geografia e
Maria Silva Ponta Grossa ras de periferias
Gênero
pobres após a
dissolução conjugal
na cidade de Ponta
Grossa - PR
Maria Reflexões sobre
Medianeira identidade judaica Revista Lati-
Universidade
dos Santos; e gênero no seu no-Americana
2012 Federal do Rio
Paulo Roberto processo de (re) de Geografia e
Rodrigues Grande do Sul
territorialização no Gênero
Soares Rio Grande do Sul
141
corpos, sexualidades e espaços
O corpo como elemento das geografias feministas e queer:
um desafio para a análise no Brasil
Origem
Ano Autoria Título Revista
institucional
Los lugares de la
Maria Prats amistad y la vida Revista Lati-
Universitat
Ferret; Mireia cotidiana de chicas no-Americana
2012 Autònoma de
Baylina; Anna y chicos adolescen- de Geografia e
Barcelona
Ortiz tes en un barrio de Gênero
Barcelona
De escrava a em-
Revista Lati-
Universidade pregada doméstica:
Marise Vicente no-Americana
2012 Estadual de o fenômeno da (in)
de Paula de Geografia e
Goiás visibilidade das
Gênero
mulheres negras
Representações
sociais no território
Revista Lati-
de Elísio Medrado
Renilton da Silva Universidade do no-Americana
2012 marcadas pelas
Sandes Estado da Bahia de Geografia e
práticas de prosti-
Gênero
tuição das mulheres
‘rapa-bolso’
Un estudio de
género con enfoque
Revista Lati-
territorial: la parti-
Universidad de no-Americana
2012 Rossana Vitelli cipación femenina
la República de Geografia e
en pequeñas comu-
Gênero
nidades rurales de
Brasil y Uruguay
Universidade Revista Lati-
Mulheres infames
Tania Regina Estadual do no-Americana
2012 em notícias no
Zimmermann Mato Grosso de Geografia e
oeste do Paraná
do Sul Gênero
Mulher rima com
dor? Algumas con- Revista Lati-
Verônica
Universidade siderações sobre no-Americana
2012 Daminelli
Nova de Lisboa a nação do prazer de Geografia e
Fernandes
‘masculino’ e do so- Gênero
frimento ‘feminino’
Viviane
Abordagem sobre
Guimarães Revista Lati-
Universidade os processos suces-
Pereira; Liana no-Americana
2012 Federal de sórios do campe-
Sisi dos Reis; de Geografia e
Lavras sinato a partir das
Maria de Lourdes Gênero
relações de gênero
Souza Oliveira
142
Geografias malditas
ESPAÇO INTERDITO
E A EXPERIÊNCIA
URBANA TRAVESTI
INTRODUÇÃO
1
Ponta Grossa é uma cidade média do Paraná, com uma população urbana que gira em
torno de 270 mil habitantes, e está situada a uma distância de 100 quilômetros da capital
do estado, Curitiba. A cidade teve sua ocupação inicial ligada à tradicional sociedade
campeira, e, posteriormente, tornou-se um importante entroncamento rodoferroviário
do sul do Brasil, articulando importantes fluxos de mercadorias, bens e transportes. Sua
função articuladora atraiu grande fluxo populacional em trânsito, o que criou condições
para a emergência de um mercado sexual e a atração de uma importante parcela de
personagens deste mercado, as travestis.
2
Quero deixar claro meu agradecimento para Diamante, Pérola, Ametista, Topázio, Opala
e Safira. Sem seu brilho, coragem e solidariedade, jamais eu teria realizado esta pesquisa.
Com admiração, meu muito obrigado a todas. Embora todas se reconheçam em suas
falas aqui transcritas e autorizem a utilização de seus nomes originais, prefiro manter os
nomes fictícios – de pedras preciosas – adotados por mim para escrever este texto.
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
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Geografias malditas
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3
Tendo em vista a autoidentificação de gênero do grupo pesquisado, empregamos o
termo “travesti” no feminino.
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4
Os transgêneros podem ser masculinos que se transformam em femininos (M-F) ou
femininos que se transformam em masculinos (F-M).
5
Movimento que marca a organização da comunidade travesti brasileira, em 1993.
6
Informação disponível em: http://www.antrabrasil.com. Acesso em: 24 set. 2009.
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Geografias malditas
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Mas como? Eu passei uma vida inteira para saber que eu sou uma
travesti. E agora vem esse tal de... Como é mesmo o nome dele? Sei
lá! Vem dizer que eu não sou o que eu penso que eu sou? Eu vou
falar com ele, porque eu sou sim uma travesti e como eu faço pra
falar isso para ele?
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Eu sou uma travesti, claro, jamais poderia passar por homem, te-
nho o corpo transformado e tudo mais. Eu adoraria colocar mais
seios, mas a [nome da companheira] não aceita. Mas eu vivo com
ela e amo ela. E nossa relação é comum como todas as outras, en-
tre, digamos assim, um homem e uma mulher, eu penetro e eu me
sinto bem e realizada. E não é por isso que eu deixo de ser travesti.
Mas eu enfrento preconceito das outras travestis, que me criticam
por eu estar casada com uma mulher.
As outras ficam com essa de que a gente tem que ser só penetrada
pra estar com o marido da gente. Isso é tudo mentira. No rala e rola
é tudo misturado, um dia é você que come, um dia é o outro, e a
gente brinca com isso. Mas para as outras não pode ficar falando
isso assim, se não elas acham que você não pode ser travesti, sabe,
ou que está vivendo com bicha e não com um homem.
7
Do ponto de vista anatômico, corpo considerado socialmente como feminino.
8
Do ponto de vista anatômico, corpo considerado socialmente como masculino.
150
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9
O desejo das travestis pode ser dirigido a várias pessoas, como homens, mulheres, gays,
lésbicas, travestis, e assim por diante.
10
Apesar de haver um reconhecimento da importância de trabalhos precursores que
tinham como foco mapeamentos de espaços gays e lésbicos, geógrafos das sexualidades
insistiam na necessidade de superação das metodologias descritivas.
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11
O termo transgenders não é facilmente traduzido para a língua portuguesa como
“transgêneros”, que acaba por adquirir novos significados na cultura brasileira. Em nossa
cultura, o termo mais adequado para denominar o grupo social estudado pela autora é
“travestis”, entendidos como seres cujos corpos são biologicamente categorizados como
masculinos e que exercitam a identidade feminina de gênero.
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A decisão de manter a palavra conforme ela foi utilizada pela autora deve-se ao fato de
que sua tradução poderia trazer interpretações que não condizem com o significado da
palavra em língua inglesa.
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[...] sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não
se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer
um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual
da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que
fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se
reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que
não cessa de se modificar. Notaria apenas que, em nossos dias,
as regiões onde a grade é mais cerrada, onde os buracos negros
se multiplicam, são as regiões da sexualidade e as da política.
(FOUCAULT, 1971/1996, p. 9).
13
A mesma analogia pode ser feita com a ideia de Duncan (1990).
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No caso das travestis, uma dessas circunstâncias cuja expressão a sociedade ocidental
permite é o território da prostituição travesti como estudado por Ornat (2008).
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Geografias malditas
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vem ser excluídos. O espaço interdito é efeito das relações de poder que
são onipresentes e, assim, sua constituição é vista como algo natural, sen-
do incorporado por todos os que fazem parte do campo discursivo. Ele se
revela com toda sua força quando a ordem é desafiada, e as tentativas de
transgressão da ordem revelam os limites espaciais que não devem ser
ultrapassados para que a ordem se mantenha.
Na seção seguinte, as travestis tomam para si o lugar da enun-
ciação e relatam por si mesmas a constituição dos espaços interditos.
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PÉROLA: Sei lá, eu me fechei muito. Veja, tudo que é normal pra
qualquer pessoa pra mim é um sacrifício. Pegar um ônibus, por exemplo.
É horrível! As pessoas já ficam olhando e dando risada da cara da gente.
As pessoas me olham estranho. E eu fico pensando. Não é normal! Não
tem como dizer que é tudo normal, porque não é! Então, eu não luto por
uma coisa que eu sei que não vou conseguir, sabe? Eu mesmo penso no
meu corpo, em mim, penso em que é que eu sou. Travesti, o que será...
É um homem que quer ser mulher? Que coisa mais doida eu sou, e então
eu acho que não tem mesmo como as pessoas me aceitarem. Tem outras
horas que eu não penso nada, penso que sou normal. Eu acho que eu não
me penso como travesti. Eu me acho normal. [...] Falo pra você, de cora-
ção, não queria ser travesti. Queria ser um homem ou uma mulher. Se
eu pudesse voltar na barriga da minha mãe, eu não queria nascer assim!
Queria ser homem homem ou mulher mulher, tanto faz. Porque uma tra-
vesti não vive! Sofre bem mais na vida. A gente não tem nem força pra
viver. Pensa até em besteira de se matar e tem muitas na droga também,
ninguém aceita a gente, não tem lugar pra travesti nesse mundo.
DIAMANTE: Minha família já sofreu comigo porque já é difícil ter
um filho homossexual, e daí ainda virar uma travesti. Virar uma mulher e
colocar tudo que a gente põe no corpo pra virar mulher é difícil para eles,
sabe? Como eles vão pôr isso na cabeça, sabem que eu não sou uma moça de
verdade. Como minha mãe. Ela sabe que eu não sou mulher porque ela me
deu banho quando criança, trocava fralda, sabe que eu não sou uma mulher
de verdade. Eu não tenho rejeição com o meu pênis, já vi amigas que são
transexuais que rejeitam o pênis, mas eu não, sou travesti mesmo.
TOPÁZIO: Outro dia num programa de televisão, não sei se você
soube daquela gay que deu uma entrevista na televisão. Perguntaram pra
ela qual era a diferença entre homossexual e travesti e ele disse que tra-
vesti é o homossexual que se veste de mulher para roubar os clientes.
Veja, e ele é homossexual, o apelido dele é [nome da pessoa]. Querendo
ou não, a sociedade vê a gente assim.
AMETISTA: As pessoas não veem que isso eu não posso controlar.
É assim. Não sei por que, mas eu nasci assim. Eu só tenho chance de ser
diferente se eu nascer de novo. Não adianta. Eu posso ter o corpo de ho-
mem, mas eu tenho cabeça de mulher. Eu sou sensível, eu sou delicada,
eu sou como uma mulher. A única diferença é que eu tenho um pênis.
Eu sou uma mulher de pênis. [...] Mas é estranho porque quando eu era
uma gay eu não me sentia bem comigo mesma. Mas era mais bem tratada
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A ESCOLA
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vivia escondida. Eu me escondia num lugar que era tipo um vestiário que
os professores guardavam as bolas, as coisas de educação física. Eu ficava
lá durante o recreio todo. Depois, assim do pátio que eu ficava escondida,
outro tormento era o banheiro. Mas eu nunca fui no banheiro da escola.
Eu não fazia xixi a aula inteira, ficava me segurando. Eu nem sei como era
o banheiro dessa escola. Porque eu tinha medo, porque eu sabia, ou uma
ou outra. Ou eu vou apanhar, ou os meninos vão querer me fazer alguma
coisa. Eles me assediavam. Era essa a relação com os meninos: ou eles me
batiam ou me cantavam. Ou queriam se aproveitar ou me bater, era isso.
Nenhum menino foi meu amigo. Quando eu era piazinho, eu tinha amigas
mulheres. As meninas são muito legais. Só que, quando eu virei travesti,
as minhas amigas me cortaram. Na escola, eu acho que a figura da traves-
ti assusta, os professores não estão preparados para ensinar uma travesti.
Tudo bem, eu não ia para a escola para ter amigos. Então, se tinha gente
que não me aceitava, tudo bem, mas eu ia pra escola para estudar e os
professores não estavam preparados para lidar comigo.
PÉROLA (cont.): Eu ia pra escola pra estudar, mas não conseguia
por causa da violência. Eu nunca contava pra minha mãe. Eu tinha medo
dela sofrer. Quando eu contei pra ela que eu ia ser travesti ela chorou
muito, não por eu ser travesti, mas porque ela sabia que eu ia sofrer. Na
verdade, eu tinha uns dez anos e disse pra ela que eu não gostava de me-
nina, e ela sabia o que me esperava. Então, eu não contava pra ela o que
eu sofria na escola, porque eu não queria que ela chorasse, sofresse. Eu
fazia de conta que estava tudo bem, eu passava de ano, não sei como, mas
eu passava. Quando eu estava na quarta série, teve um professor que ia
dar uma aula de educação sexual. Ele apontou o dedo pra mim e disse:
você preste bem atenção no que eu vou te falar. Isso na frente de todos
os alunos. Disse assim: tem menino, assim, que fica andando com menino
e quando crescem, viram gay. Mas eu nem sabia o que era um gay. Sei lá,
eu nem podia virar um gay, porque talvez eu já fosse gay desde pequeno.
Sei lá, eu acho que a escola é importante e eu acho que eu estou na pros-
tituição por causa da escola.
PÉROLA (cont.): Se eu não sofresse tanto na escola, eu teria estu-
dado mais, seria mais culta, e vou te contar, meu verdadeiro sonho mes-
mo era ser auxiliar de enfermagem na África, assim, ajudar as pessoas, eu
adoro ajudar os outros. Esse é meu sonho, mexer com saúde, esse é o meu
dom! É isso que eu queria ser na vida. Teve uma vez que uma professora
tentou me defender. Mas veja. Me xingaram de bichinha! Bichinha! Daí a
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Espaço interdito e a experiência urbana travesti
professora disse: Parem, não falem isso, ele é homem! E olhou pra mim e
disse: Né que você é homem? Vamos, diga que você é homem! E eu fica-
va mal, porque eu não queria dizer que era homem. Porque eu nem me
sentia homem. Daí eu dizia: é, eu sou homem! Daí ela completava assim:
Viram? Ele é um homem. Só que ele é muito delicado, é assim, um homem
delicado! Então, veja como as professoras tratam disso. Eu vou te dizer,
pra mim não tem mais chance, eu não vou sair da prostituição. Prefiro
morrer do que viver em sociedade. Mas acho que outras crianças não pre-
cisam seguir esse caminho. Na aula de educação física, então, menino pra
cá e menina pra lá... Eu não fazia exercício nenhum, mas daí nessa época
eu já tava com quatorze anos e já era mais agressiva, me defendia. Mas
tudo na escola é ruim pra mim. Sabe, na aula de ciências, quando diziam
que os meninos iriam ficar com a voz grossa e coisa e tal, eu achava es-
tranho, eu achava que isso nunca ia acontecer comigo porque eu nem me
sentia menino. Sabe, demorou muito cair a ficha de que eu era menino.
Não é isso, mas não sei explicar, eu sabia que eu era piá, desde pequeni-
ninho, mas eu achava que quando crescesse meu pinto ia cair e que eu ia
ser uma mulher [risos].
TOPÁZIO: Tudo começa na escola, depois é no trabalho. E [...] o
preconceito começava assim pelos professores já quando percebiam mi-
nhas diferenças. Até meus dezessete anos de idade, eu achava que era
transexual, eu queria ser mulher e me operar. Eu tinha cabelo de mulher,
cara de mulher, tudo de mulher. Não tinha nada de homem. Minhas per-
nas eram diferentes, não tinha nada de pelo. Os professores, na educa-
ção física, então, era horrível! Eu tinha mil apelidos, como gilete. Gilete
porque eles diziam que eu depilava as pernas. Bombril feminino porque
eu tinha o cabelo enrolado por ser negra. Daí diziam: chegou o bombril
rosa. Sei lá, era horrível, sabe? Os professores não falavam nada, e, pelo
contrário, para os professores eu era o marginalzinho da escola, porque,
como eu sofria preconceito com os meus colegas, era muito raro quando
eu não surrava um ou outro na hora da saída da escola. Eu fazia questão
de dar assim na cara, dizendo: Agora quem é o viadinho, o bombrilzinho
feminino? Eu surrava mesmo e fazia questão de falar, olha você tá apa-
nhando do viadinho! Tá apanhando do bombrilzinho feminino! Eu era
muito mal-vista na escola. Literalmente, os professores não me aceita-
vam. Faziam questão de me expor e falar lá na frente, só pra ver como a
bicha se sai. Assim que foi minha escola. Teve só uma professora que foi
bem legal e perguntou se eu não queria fazer um tratamento psicológico,
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva
já que eu achava que era mulher e era homem. Eu falei pra ela que era
complicado porque minha mãe via uma moça na frente dela e jurava que
era homem. Minha mãe era uma tortura. Dizia para mim: vai fazer essa
barba pra ver se cresce logo. Então eu disse pra professora que eu não
tinha condições porque minha mãe não aceitava. Ela queria falar com
minha mãe e eu não aceitei, fiquei com medo. Agora, em matéria de que
os professores ficavam jogando minha diferença, viviam me expondo. Só
essa professora que falou que eu devia ir ao psicólogo para eu descobrir o
que eu realmente queria da vida.
TOPÁZIO (cont.): Dentro da escola tinha o banheiro, que era com-
plicado, porque eu tinha que ir ao banheiro dos meninos e lá não tinha,
assim, muita reserva, e eu sempre ia assim naquela parte do reservado.
Daí, me chamavam de cagão, porque pensavam assim: esse só caga né,
porque eu não queria fazer xixi na frente deles. E também no banheiro
masculino não tinha espelho e eu ficava louca porque não tinha espelho
no banheiro masculino. Era uma tortura, porque eu passava e os meninos
ficavam todos olhando. Eu levei duas advertências por usar o banheiro
feminino. Quando não tinha ninguém lá dentro, eu entrava lá, fazia as
necessidades. Me sentia bem mais à vontade lá dentro, me olhava no es-
pelho, passava um gloss, dava um close. Depois das advertências, eu me
obrigava a ir no banheiro masculino. Eu vivia me soqueando com os piás
dentro do banheiro, porque eles passavam a mão na gente, tipo assim, be-
liscava, diziam: oh! Gostosa, viadinho gostoso! Venha aqui! Vamo ali no
cantinho e tal. Isso não foi nem uma, nem duas, nem três! Foram muitas
vezes. Daí me atracava e saía rolando. E já vinha o inspetor e lá ia a bicha
pra diretoria. Eu vivia mais na diretoria. Eles me viam como marginal,
que gostava de brigar e agredir o povo, que eu estava na escola para fazer
o fervo no banheiro. Na educação física, então! Dava muita briga, porque
eu gostava de vôlei e eles queriam que eu jogasse futebol, e eu odiava
futebol. E vôlei não dava, porque o vôlei era para as meninas. Depois mu-
dou, começou a ser mais misto. Mas no começo não era assim. E eu odiava
futebol, tinha que colocar shortinho curto, e eu tinha perninha roliça de
mulher, e daí gritavam: olha a gostosa, chuta a bola pro gol, e foi a linda,
a bicha foi pro gol! Eles ficavam narrando em voz alta só pra provocar, e
eu odiava aquilo. Nunca atendiam meu pedido de não querer jogar. Só na
oitava série, tinha um professor que atendia tudo que eu pedia. Mas era
uma maricona safada e depois me cantava na hora da saída. Essa é que
é a verdade. Ele tinha uns quarenta anos e eu uns quatorze. Ele era um
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
pedófilo. Bem mais tarde, bem mais tarde, eu vi a maricona na rua. Daí eu
peguei a maricona safada e ele conseguiu o que queria [risos].
DIAMANTE: O banheiro da escola era horrível pra mim. Quando
eu comecei a me sentir mal, constrangida, eu não sabia muito bem por
que me sentia constrangida. Depois eu entendi. Eu não podia ir no ba-
nheiro feminino. Eu tinha sempre que ir no masculino, mas eu não me
sentia bem porque era todo aberto. Mas para eles tudo bem, porque eram
todos homens. Assim como no banheiro das mulheres são todas mulhe-
res, então tudo bem. Naquele tempo, chamavam a gente de mariquinha.
Aquele ali é menina, mariquinha. A gente se sentia mal, sabe? Agora isso
era em todo lugar, no banheiro, na sala de aula, e quando ficavam só os
alunos sem as professoras era ainda pior. As professoras tinham uma
orientação tão precária que nem as professoras tinham uma noção do
que a gente era, não sabiam o que eu era. As professoras sabiam que a
gente era afeminado. Acho que hoje em dia não, elas sabem, né? Depois
de adulta, eu fui estudar de novo. Eu fiz o segundo grau ali no [nome da
escola]. A diretora dali era homossexual também e foi ela que me pediu
para eu me retirar da escola. Eu estudava lá e depois ia trabalhar na boa-
te. Ela chegou pra mim e disse: olha, não é que você não seja bem-vindo,
mas você não tem uma orientação normal para viver no meio dos alunos.
Eu, como travesti, não podia ficar no meio dos alunos. Eu já me vestia
de mulher. Já era uma mulher. Eu sempre me achei feminina, e como
eu era uma mulher, eu não podia ficar ali. Ela me dizia: veja, para você
é ruim, porque na chamada você é chamada com nome de menino, mas
você está vestida de menina. Eu vou chamar você de [nome masculino].
Não posso chamar de outro nome. Ela continuou, dizendo: você deve se
retirar porque você vai ser muito maltratada aqui. Você vai ser o alvo de
todo mundo, vai ser melhor assim. Naquele tempo, chamavam a gente de
tudo! Ficavam tirando sarro, chamavam de boiola, viado, e não queriam
saber se você gostava ou não. Os professores, assim, na hora da chamada,
diziam: [nome masculino]. Daí era a morte, dava aquele mal-estar. Todo
professor se quiser tem aquele jeitinho de perseguir sem ninguém perce-
ber. Eu terminei o segundo grau, mas foi muito sofrido.
OPALA: A escola foi um sofrimento. Posso dizer, assim, que apa-
nhar feio, assim, nunca apanhei. Mas eu não podia chegar perto dos guri,
porque eles chamavam de tudo, de cabritinho, viadinho. Eu não gostava
de ir para a escola. Mas eu era obrigado, eu tinha que ir. Mas daí, eu não
ficava na aula. Eu ficava fazendo outra coisa, brincando sozinho, escon-
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Geografias malditas
Joseli Maria Silva
dido. [...] Dentro da escola, no pátio, na hora da educação física era hor-
rível, porque eu tinha que jogar aquelas coisas que eu não queria. Então,
porque era dividido menino e menina. E sempre queriam me colocar com
os meninos, e eu não queria. Eles queriam que eu jogasse futebol e eu não
queria. Depois, o professor me deixou de lado. No banheiro também era
horrível, porque lá os guris ficavam xingando de cabritinho, viadinho, e
no banheiro das meninas eu não podia entrar. Resultado, eu ficava me
segurando até chegar em casa pra ir ao banheiro. Eu ficava quatro horas
sem fazer xixi. Já aconteceu de um dia eu estar muito apertada e eu ir
no banheiro dos piás e brigar. Eles me batiam e eu saía chorando. Boca
aberta. Eles me batiam muito, mas, assim, nunca de me machucar pra
valer, entendeu? Daí eu parei de estudar. Depois de adulta eu consegui
terminar. Mas já como adulta, já era assumida travesti. Mas no período da
escola, eu chorava quase todo o dia e minha mãe também sofria. Ela ia na
escola e brigava, e dizia que eu era assim e coisa e tal, que tinha nascido
assim. Mas nunca adiantou.
AMETISTA: Na escola é quando você tem certeza que é diferente.
Porque a gente descobre que é diferente quando é pequeno. Com seis
anos, você já sabe que tem algo diferente. [...] Na escola era muito difícil
porque os piás esperavam na saída pra me pegar e gritavam: vamo pegá o
viado! Vamo pegá o viado! E eu corria, mas não adiantava. Então, no final
do expediente da escola, eu já me preparava e saía correndo feito uma
louca, como se tivesse feito algo errado. Como uma bandida! Às vezes,
minhas irmãs me defendiam. Elas ficavam na minha frente e diziam: no
meu irmão ninguém vai bater! Eu, às vezes, nem falava pra elas porque
eu ficava com pena delas. Pena de elas ter um irmão viado. Eles sempre
me pegavam em bastante assim, em cinco ou seis, assim. Nunca sozinhos.
Os professores não se metiam, deixavam pra lá. Para fazer xixi eu ficava
espiando, esperava o que eles tinham que fazer, ficava de olho, pra depois
eu entrar. Eu ia por último, ou quando não aguentava mais, eu ia atrás lá
num lugar atrás do colégio. Eu ficava muito constrangida. Imagina eu lá,
no meio de todos aqueles piás. Eu me sentia bem mesmo junto com as
meninas, mas eles não deixavam eu entrar no banheiro das meninas. Aí,
minha filha, você não sabe quanta dificuldade é fazer um xixi na escola.
Quando tinha menino e eu entrava no banheiro, eles diziam: o que você
tá fazendo aqui, viado! Teu lugar não é aqui, teu lugar é do outro lado.
Daí eu apressava e saía rapidinho. Porque eles ficavam ameaçando de ba-
ter. Era tudo terrível e tanto que eu parei de estudar, né? Porque sem-
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
pre aquela história, menina joga vôlei e menino joga futebol. Eu odiava
isso. Imagina, eu não queria jogar futebol com um monte de marmanjo,
iam quebrar minha canela e deixar minha perna toda roxa. E daí, quando
eu tinha que jogar com eles, eles quase me quebravam inteira. Então, eu
sempre ficava no banco, porque com as meninas eu não podia ir e com os
meninos, eles me detonavam, aproveitavam pra me bater. Então eu fica-
va sempre de lado, não tinha amigos. Eu nunca tive um amigo na escola.
HOSPITAIS/INSTITUIÇÕES DE SAÚDE
168
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
CLUBES/DANCETERIAS/RESTAURANTES
PÉROLA: Olha, eu quase não saio mais. Parei de sair, porque estou
cansada de ser barrada em muitos lugares, em danceterias. Agora mesmo
eu não saio, mas até os vinte e três anos eu ainda tentava. Fui barrada lá
no [nome de uma danceteria], porque eu era travesti. Eles me disseram
isso na cara. E veja que estranho, que um dos sócios de lá é gay. É o [nome
do sócio]. Pois é, ele é gay e tem preconceito com travesti. Ele era um dos
donos e ele é gay, não me conformo. Fui barrada também no [nome de
danceteria]. Tipo assim, dá pra contar nos dedos os lugares que eu não fui
barrada. Eu não fui barrada no [nome de danceteria], também no [nome
de danceteria] e no [nome de danceteria], e só. No resto, fui barrada. O
resto fui tudo barrada e é por ser travesti. Outras mulheres profissionais
do sexo entram lá, que eu via, mas eu não! Mas, sabe, Jô, em todo lugar
é assim. Dizem que aqui é mais conservador. Mas eu já trabalhei em São
Paulo e achei ainda pior. Lá tem boate de gay que travesti é proibida de
170
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
171
corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
perceber que eu era travesti, me barrou na porta e disse: você não pode
entrar porque você é travesti. E eu nunca quis ser uma travesti vulgar. Há
locais para tudo. Se eu vou numa boate, eu não vou escandalosa, vou com
calça jeans, blusinha. Eu dizia para ela, veja eu sou fina, discreta, por que
eu não posso entrar? Ela dizia: porque você é travesti. Declaradamente,
com todas as letras. Na [nome de danceteria] era assim: a gente entrava
normal, tomava drink, e ia pra casa, eu e meu marido. Mas depois teve o
sócio lá que disse que eu não entraria mais porque era homossexual e tra-
vesti. Disse assim, na minha cara: se você quiser entrar aqui pode entrar
de cabelo preso, sem maquiagem e de roupa masculina. Se você quiser, é
assim, vestido de homem. Daí eu dizia: mas veja, eu tenho meus direitos,
sou um ser humano e coisa e tal, e ele disse: então, me processe. Procurei
ajuda e não obtive. Daí eu liguei na rádio, naquele programa do padrão
de qualidade, e contei o que aconteceu comigo na rádio. Todo mundo
ouviu. [risos] Não adiantou nada, mas eu falei. [risos]. Depois, teve uma
vez na [nome da danceteria]. Primeiro, tentaram me barrar e eu disse
que ia chamar a polícia! Que iria dar queixa, porque eles estavam sendo
preconceituosos, e nada, não adiantou. Depois eu disse que ia entrar de
qualquer jeito. E entrei! Daí ele disseram: tudo bem, mas não pode usar
o banheiro feminino. E daí eu fui obrigada a usar o banheiro masculino.
E esse foi o maior constrangimento da vida naquele banheiro. Foi horrí-
vel. Eu fui amassada, pisoteada, beliscada. Só não fui rasgada porque o
segurança veio e ficava em volta de mim, mas eles davam tapa na minha
bunda, puxavam meu cabelo pra ver se era cabelo ou peruca. Foi terrível!
Foi humilhante! Daí, consegui sair e, quando fui para a pista dançar, fui
retirada pra fora porque alegaram que eu estava assediando não sei quem
lá dentro. Sem eu nem ter olhado para o lado! Acho que foi a pior coisa
que me aconteceu naquela noite lá na [nome da danceteria].
TOPÁZIO (cont.): Ah! Esqueci de te contar que eu tentei ir no ba-
nheiro feminino. Eu entrei e a mulher que cuida do banheiro não per-
cebeu que eu era travesti. Mas os seguranças já estavam orientados que
tinha uma travesti na casa. Ficavam de olho, e eles ficam assim [fez ges-
tos], literalmente, Jô, andando atrás de mim, observando, vigiando o que
eu estava fazendo. Quando eu entrei no banheiro, eu vi que o seguran-
ça estava me seguindo. Ele entrou e disse para a mulher que cuidava do
banheiro: olha, tem uma travesti no banheiro, a senhora bata na porta
ali e diga para ela sair. Daí ela disse: não vi nenhuma travesti entrar. O
segurança disse: era uma travesti de macacão jeans. A mulher disse: é,
172
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
tem uma moça vestida assim. O segurança disse: não é moça, é homem. E
daí ele disse: mulherada, dá licença que eu tô entrando! Daí ele bateu na
porta e disse: ô, cara, sai daí. Daí eu saí e perguntei: qual é o problema?
Ele disse: o problema é que você não pode usar esse banheiro, e me pegou
pelo braço e foi me tirando, me pegou pelo colarinho e foi me empur-
rando. Eu disse: tire a mão de mim, eu não sou marginal, não fiz nada de
errado. Eu fui no banheiro feminino porque fui agredida no masculino!
Eu passei esse constrangimento. O segurança, quando me tirou pra fora,
disse: nós estamos de olho em você. Eu disse, toda venenosa: é, eu percebi
que vocês não param de me olhar, porque eu sei, devo ser muito linda né?
[risos]. Daí, quando fui para a pista e comecei a dançar, logo eles vieram e
disseram que a direção da casa mandou me tirar. Eu perguntei: por quê?
Eles disseram que eu estava chamando atenção com a minha dança. E
eu disse: o quê? Mas eu sou uma mulher casada, de respeito. Daí eu não
aguentei mais, não resisti mais, saí, porque não queria sair dali arrastada,
porque é muito constrangedor.
OPALA: Faz uns seis meses eu fui barrada ali no restaurante do
posto. Eu fui lá, acho que já era umas quatro horas da manhã, pra com-
prar meu cigarro. Eu peguei minha garrafinha, meu litrinho de vinho e
fui. Chegou um guardinha, com um pedaço de pau, e deu assim [gestos] e
quebrou minha garrafa de vinho. Os cacos foram longe. Daí, eu pergun-
tei: o que foi? Tá louco? O cara disse: você não sabe que você não pode
entrar? Eu disse: ih! Não vi placa nenhuma de proibição! [risos]. Ele disse:
se arranque já daí! Só que o rapaz que tava servindo as mesas falou: hei!
Deixa ela, ela pode entrar. A gente conhece ela, faz ponto aqui perto, ela
paga direito, é comportada, pode deixar. O guardinha disse: não, a ordem
é que todas não podem entrar! Virou para mim e disse: se arranque, por-
que, se não sair, vou te dar uma surra. Eu disse: você não é homem pra
isso! Sabe, Jô, eu sou feminina, mas se precisar eu sei bater muito bem.
Mas depois pensei e fui embora. Os caminhoneiros ficaram falando alto:
nossa, pra que fazer isso, só porque ela é travesti! O dinheiro dela vale o
mesmo que o nosso! Os caminhoneiros ficaram revoltados e chamaram
a atenção do guardinha. No outro dia, o gerente do posto me chamou e
pediu desculpa, perguntando se eu ia dar queixa. Foi horrível!
173
corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
PENITENCIÁRIAS/DELEGACIAS DE POLÍCIA
174
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
fuga e depois não soube mais dele. Eu tive estas paixões dentro da prisão.
Mas amor mesmo eu tive um, lá dentro, mas ele só ficava comigo lá den-
tro. Nunca saiu para fora um dia passear ou visitar a família.
TOPÁZIO: Eu sou sempre abordada pela polícia. Sempre aborda-
da. Ih! Horrores! Eu sempre era apalpada por policial homem. Só depois
de muito tempo que eu descobri que agora a gente tinha direito de rei-
vindicar uma policial feminina para revistar. Agora eu não deixo o cara
pôr a mão em mim. Daí, nunca mais deixei pôr a mão em mim. Quando
tem blitz, eu já digo: pode olhar minha bolsa, mas pôr a mão em mim,
só se for mulher. Antes não! Eu não sabia e ficava quieta. Eles vinham e
davam chute nas pernas, mandavam calar a boca e colocar a mão na cabe-
ça. Depois que eu descobri que tinha direito de ser revistada por policial
feminina, quando eles param a viatura eu já digo: não põe a mão em mim!
Cadê a policial feminina? Se não tem mulher, só olha minha bolsa e me
libera! Mas pra delegacia eu nunca fui, evito entrar e nem mesmo dou
queixa. Quando tem briga na rua, a gente resolve ali mesmo, no braço, e
pronto. Briga ali, morre ali mesmo, não vai pra delegacia, não. Porque é
pior prestar queixa, porque daí a gente apanha mais.
OPALA: Quando eu fui presa, eu fiquei na parte masculina. Mas,
sabe, não foi tão sofrido, porque lá dentro eles me tratam como mulher.
Sabe, Jô, sabe que lá dentro você não pode se envolver com todo mundo,
tem que ser um só. Porque travesti na cadeia é assim, a gente é vendido
por um pouco de açúcar ou café. Por exemplo, acabou o café daquele,
ele te passa pra outro e pega o café, entendeu? Por exemplo, assim, eles
dizem: me dá o café que a loira vai com você. Mas eu já sabia que era
assim. Mas eu fiquei depois com um lá dentro que me protegeu. É assim,
os policiais, quando sabem que vem uma travesti que vai ser presa, eles
já vendem você pra alguém lá dentro, negociam o teu passe. Eu me apro-
ximei de um cara bem poderoso e fiquei com ele. Ele era o bandidão, e
todo mundo respeitava ele. Posso dizer que ele me sustentou lá dentro
e me protegeu também. Agora, ih! Policial, lá dentro, já viu, não querem
saber! Tratam a gente mal mesmo, fazem questão de tratar a gente como
homem mesmo. Aqui fora os policiais são melhores do que lá dentro.
AMETISTA: Batida de polícia é ruim. Sempre tem na rua e a gente
tá acostumada. Antigamente era pior, agora já melhorou um pouco. Mas
era horrível! Gritavam: mão pra cima! E vinham pegando na gente e se
aproveitavam. Hoje eles são mais respeitosos. Acho que as coisas estão
mudando com os policiais.
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
O EXÉRCITO
176
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
era ou não era mulher ou homem, mas eu queria mostrar que eu traria
as medalhas assim mesmo. Depois, quando eu tava na cozinha, eu passei
a sair com um coronel, que viu que eu era diferente. Quando a esposa
dele viajava, ele dizia: passe lá em casa depois. Quando eu chegava, ele já
estava lá, de cueca, me esperando. Um velho caindo aos pedaços. Eu não
namorei com ele, só comi. Na verdade, era uma espécie de troca de favo-
res. Na verdade, era tipo um programa. Porque eu queria ficar lá dentro
e o coronel me protegia, prometeu que faria isso. Eu virei o peixe dele.
[...] Teve um dia eu cheguei lá e tinha tomado umas. E o cara que te falei
que me perseguia disse: lembra que eu te disse que eu ia te tirar daqui?
Eu falei: lembro, mas e daí? Eu não dei motivo. E daí ele disse: agora tem!
Eu fui dormir e, no outro dia de manhã, todo mundo me olhava estranho.
Daí, o coronel me chamou e disse: você assediou o soldado [nome do sol-
dado]. Daí, eu disse: como? Ele tem testemunha? Ele disse: tem, o soldado
[nome de outro soldado]. Eu disse: Ah! O casalzinho! Então daí virou co-
mentário pelo batalhão inteiro e foi aberto uma sindicância. E daí aquele
coronel que me protegia foi transferido para a Bahia e veio um carrasco
homofóbico. Daí, por mais que eu provasse os meus horários, com que
eu falei e também o fato dele não ter acionado o segurança no momento
do problema, não adiantou. Mas, daí, veja o fato dele não ter acionado a
segurança; sim, porque isso era crime de pederastia lá dentro. O fato é
que ele tinha que ter acionado a segurança e não fez. Daí, eu provei que
o cara estava mentindo. Daí, ele, o outro namorado dele e eu fomos todos
mandados embora.
OPALA: Eu não tive que servir o exército, mas tive que me alistar.
Foi divertido. Eu fui lá com dezessete anos, mas eu já me transformei com
treze anos, eu era uma moça. Fui lá, fiz alistamento e exame de saúde.
Depois, tinha um negócio de jurar a bandeira. Tava todo mundo lá no tal
juramento. Eu cheguei atrasada, louca, mas eu tava me arrumando pra
ficar linda, né? Daí, quando cheguei, me apresentei para um coronel, e
ele disse: mas eu estou esperando um homem! Eu disse: sou eu mesma
quem você espera. Daí, ele me tirou de lado, meio sem jeito. Me deu um
papel para eu assinar e me dispensou, disse para ir embora e eu fui, feliz
da vida.
AMETISTA: Eu não tive condições psicológicas. Não servi o exér-
cito. Quando tive que me alistar, eles me dispensaram. Mas foi horrível,
porque na época eu já tava toda transformada. Você sabe que não tenho
minha carteira de reservista até hoje? É porque não tenho coragem de
177
corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
voltar lá para pegar, acredita? Eles ficavam dando risada da minha cara
e diziam assim: o que é que “isso” quer aqui! Eles me inibiram tanto que
depois eu tinha que voltar lá e não voltei. Fiquei com muita vergonha,
porque lá é cheio de homem e eles deixam a gente constrangida. Você
sabe que, quando eu virei as costas, eles riam e diziam: nós vamos é tirar
sua roupa e te deixar pelada junto com outros homens. Eu fiquei com
medo. Não voltei mais lá. Então, eu não tenho minha carteira de reservis-
ta por causa disso.
A IGREJA
178
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
179
corpos, sexualidades e espaços
Espaço interdito e a experiência urbana travesti
rência. Cada uma quer ser mais linda que a outra. Veja minha foto [mostra
fotos]. Olha como eu era, no início da carreira [mostra mais fotos]. Veja
agora, me reformei, sou assim, feminina, sem um pelo no rosto, isso dá
inveja. Sabe, no meio das travestis a beleza e a feminilidade conta muito.
OPALA: Agora, de dia eu evito sair, quase não saio em lugar ne-
nhum. Me sinto mal. De noite me sinto melhor e, como não sou uma santa
[risos], eu me defendo. Na rua, de noite, eu viro bandida, e ai de quem me-
xer comigo à noite, apanha. Porque a gente tem que se defender na noite.
Mas, sabe, pra falar bem a verdade, Jô, só na minha casa eu me sinto bem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
180
Geografias malditas
Joseli Maria Silva
REFERÊNCIAS
181
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182
Geografias malditas
A INSTITUIÇÃO DO
TERRITÓRIO PARADOXAL
NA ATIVIDADE DA
PROSTITUIÇÃO TRAVESTI
1
Uma parte dessa obra foi traduzida para o português por Antônio Carlos Robert Moraes,
em 1990, e publicada pela Editora Ática.
2
RAFFESTIN, Claude. Pour une géographie du pouvoir. Paris, 1980.
184
Geografias malditas
Marcio Jose Ornat
ído nas mais variadas escalas espaciais e temporais, podendo ainda ser
permanente ou cíclico.
A proposição de Souza (1995) foi adotada como modelo concei-
tual de território para guiar a análise da prostituição travesti em Ponta
Grossa (PR). Durante o trabalho de campo junto ao grupo de travestis, um
dos pressupostos da definição do referido autor foi tensionado, aquele
que diz respeito à organização binária entre os grupos considerados “de
dentro” (insider) e “de fora” (outsider) do território. É sobre o tensiona-
mento entre a teoria e a análise do referencial empírico que este texto é
construído.
Assim, na primeira seção será abordada a vivência espacial
cotidiana das travestis3, cujos elementos são de grande importância na
instituição de seus territórios na atividade de prostituição. Na segunda
seção serão analisadas a tensão das posições binárias propostas por Souza
(1995) e os limites desta perspectiva teórica para a compreensão do terri-
tório da prostituição travesti, trazendo para esta análise a proposição de
Rose (1993), pensada a partir de um território paradoxal.
3
Tendo em vista a autoidentificação de gênero do grupo pesquisado, empregamos o
termo travesti no feminino. Além disso, é importante esclarecer que os nomes das
travestis são fictícios, baseados nas figuras femininas da mitologia grega. Hera (rainha do
paraíso e guardiã do casamento), Atena (deusa da sabedoria e da guerra), Ártemis (deusa
da caça e dos animais selvagens), Afrodite (deusa do amor), Héstia (deusa do coração e
da chama sagrada), Deméter (deusa da agricultura), Eirene (personificação da paz para
os gregos), Eos (deusa que enunciava a chegada do Sol), Nike (deusa grega da vitória),
Pandora (doadora de todos os talentos divinos ou de todos os males da humanidade) e
Têmis (deusa da justiça).
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corpos, sexualidades e espaços
A instituição do território paradoxal na atividade da prostituição travesti
4
O percentual relacionado à espacialidade discursiva Outras espacialidades pulveriza-se
em: Boate, Casa de cafetina, Exército, ONGs, Rua, Trabalho e Vizinhança.
186
Geografias malditas
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5
Os tamanhos das esferas em todos os esquemas expressam as intensidades das evocações.
187
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A instituição do território paradoxal na atividade da prostituição travesti
6
Este termo é utilizado quando a travesti pratica sexo com alguém que a atrai e não cobra
pelo serviço prestado, mesmo que a pessoa ainda se enquadre na condição de cliente.
188
Geografias malditas
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uma “travesti fiel ao marido”, como aponta Cançado (2001). O papel com
que elas em geral se identificam em um relacionamento conjugal é o fe-
minino, que incorpora as normas de gênero da sociedade ocidental, tal
como visto em Rougemont (2003). Pelúcio (2005) afirma que, nas relações
amorosas das travestis, mesmo que não exista uma trajetória facilmente
identificada com os padrões de um casal de classe média heterossexual,
há influência dos códigos conjugais heteronormativos, e elas “almejam
uma vida conjugal nos moldes instituídos: casa, marido, homem de ver-
dade, tranquilidade financeira, trabalho normal” (2005, p. 236).
Nike e Hera evidenciam, nos trechos de relatos que se seguem,
a reiteração de um conjunto de normas convencionadas na sociedade
heteronormativa, mesmo que as travestis sejam vistas como um grupo
dissidente.
O maior diferencial disso tudo é fazer com amor, e fazer por di-
nheiro. Lá na esquina, no meu profissional, eu vou para a cama
com o cara, e obviamente que eu não vou por prazer. Vou apenas
pelo nosso trato ali. [...] faz quatro anos que eu sou casada, hoje em
dia na esquina, o que conta para mim é o dinheiro. Eu dou prazer,
mas não tenho prazer. [...] Com meu companheiro, faço com amor,
com carinho. Espero aquilo, sinto desejo daquilo, já fico pensando
como vai ser a próxima, que horas, quando. Já na esquina, não.
Se o cliente vai voltar ou não, não importa. Se o dinheiro dele vai
voltar, aí importa. (Acervo documental GETE / fontes orais − En-
trevista feita em Ponta Grossa, PR, com Nike, em 1/2/2007).
A diferença básica é que tem sentimento. É porque com o meu ma-
rido eu não faço sexo, eu faço amor. Esta é a diferença. E na rua
eu faço sexo, sexo por sexo. Uma coisa mecânica, bem comercial
mesmo. Sou estritamente profissional assim. (Acervo documental
GETE / fontes orais − Entrevista feita em Ponta Grossa, PR, com
Hera, em 28/3/2007).
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Geografias malditas
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A instituição do território paradoxal na atividade da prostituição travesti
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7
Segmento acrescentado, pelo autor deste ensaio, ao excerto de Corrêa (1995, p. 44).
193
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A instituição do território paradoxal na atividade da prostituição travesti
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Geografias malditas
Marcio Jose Ornat
nidade que lhes garante certo ganho financeiro, em virtude do desejo que
seus corpos despertam.
O processo de vinculação de cada travesti ao grupo se faz pelo
que é rememorado nas experiências de exclusão social e espacial. Além
disso, agregam-se outros elementos comuns ao grupo de pertença, que
apropriam áreas da cidade por meio da atividade da prostituição. Esse
processo é tema da próxima seção.
195
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A instituição do território paradoxal na atividade da prostituição travesti
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Geografias malditas
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Os que saem comigo falam que eu sou bonita, só que eles podem
falar isso pra mim como falam para os bagulhos. [gargalhada] [...].
Já as travestis novatas falam que queriam ter o meu corpo. As mais
antigas não falam nada. As que estão começando perguntam: como
que você conseguiu este corpo? O que tem que fazer para conse-
guir este corpo? [...] E, assim, eu nunca me inspirei em nenhuma
travesti, eu me inspirava em mulheres bonitas, Carla Peres, Feiti-
ceira, as da mídia e da televisão, porque pessoalmente eu nunca vi
uma mulher bonita. Sempre as da mídia e da televisão. Aquilo que
é mulher pra mim. E até hoje, pra mim, mulher é aquelas. E eu me
espelhei nelas. Seio grande, cintura fina, coxas grossas, era esse o
modelo de corpo que eu queria. As pessoas enquadram a travesti
como se todas fossem iguais, e não é. Cada uma tem uma persona-
lidade. Pro mundo a travesti é um homem que se veste de mulher
e que quer sexo. É isso que as pessoas pensam. Que é essa a vida da
travesti, se vestir de mulher, e ter bastante relação sexual. (Acervo
documental GETE / fontes orais − Entrevista feita em Ponta Gros-
sa, PR, com Afrodite, em 21/3/2007).
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8
Peres (2005), ao estudar o grupo de travestis, afirma que a sociedade não tem construído
possibilidades laborais para as travestis fora da atividade comercial sexual.
9
Benedetti (2000) aponta para a necessidade de não se associar a ideia de travesti à
de prostituição. Entretanto, e, infelizmente, no Brasil ainda são raras as travestis que
sobrevivem fora da atividade comercial sexual.
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Tipo ideal 1.
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REFERÊNCIAS
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TERRITÓRIO DESCONTÍNUO
PARADOXAL E PROSTITUIÇÃO
NA VIVÊNCIA TRAVESTI
DO SUL DO BRASIL
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Com o objetivo de proteger a identidade das fontes, decidimos utilizar nomes de figuras
femininas da mitologia grega e romana. Além disso, é fundamental destacar que os
nomes são femininos em respeito à identificação de gênero feminino que estas pessoas
expressam, ainda que seus corpos apresentem genitália masculina.
2
Catonné (2001) afirma que a prostituição, além de ser uma das mais antigas atividades da
humanidade, atualmente envolve milhões de pessoas em todo o mundo. Segundo Edlund
e Korn (2002), apoiados em estudos da Organização Internacional do Trabalho, estima-se
que entre 0,25% e 1,5% das populações de países como a Indonésia, Malásia, Filipinas e
Tailândia retiram seu sustento da atividade da prostituição. Esta atividade representa
entre 2% e 14% do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um desses países.
3
Entrevistas cedidas pela pesquisadora Joseli Maria Silva (Pós-Doutorado em Geografia e
Gênero na Universidade Complutense de Madrid, 2008).
4
Destaque-se que 23% das evocações discursivas deste universo foram desconsideradas
Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
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5
A tradição do território calcada no Estado-nação foi amplamente discutida na obra
clássica de Ratzel, Antropogeografia, publicada em 1882, que foi parcialmente publicada
por Moraes (1990). Além deste, Gottmann (1973) apresenta importante discussão sobre
o território.
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
6
Uma parte dessas pesquisas se apoiou na ecologia humana e em fatores biológicos para
compreender o comportamento humano, vertente que não será explorada aqui.
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Geografias malditas
Marcio Jose Ornat
desse espaço de prostituição seu território. É nesse espaço que elas po-
dem viver sua feminilidade e ser fonte de desejo. Para o autor, o território
de prostituição travesti também pode ser considerado um espaço de re-
sistência, na medida em que elas desenvolvem táticas e estratégias para
defendê-lo.
A complexidade que envolve a instituição do território da pros-
tituição travesti é formada por sentimentos de pertença, a partir de ex-
periências positivas, mas também de exclusão, a partir de experiências
negativas. Ao mesmo tempo em que constituem redes de amizade no co-
tidiano da prostituição, as travestis também praticam ações de competi-
ção e violência. Pode-se assim dizer que o território se faz por esses dois
elementos, que se contrapõem de várias maneiras.
Os espaços intraurbanos apropriados por travestis não se esgo-
tam em si mesmos. Eles dependem da mobilidade que as travestis prati-
cam entre diferentes municípios para oferecer “novidades” aos clientes,
que geram curiosidade e desejo. A rentabilidade da atividade da prosti-
tuição travesti na atualidade é produto da alta rotatividade das travestis,
ou seja, quando elas chegam a um local, conseguem atrair maior quanti-
dade de clientes, movidos pela fantasia de vivenciar novas experiências
sexuais. Os fluxos da mobilidade travesti entre os vários territórios de
prostituição localizados em diferentes municípios estabelecem conexões
entre eles e conformam uma configuração que Souza (1995) chama de
território descontínuo.
Para Souza (1995), o território descontínuo articula variadas es-
calas espaciais, e em todas elas se desenvolvem ações de controle e poder
que geram as fronteiras delimitadoras e os processos de inclusão ou exclu-
são de pessoas e comportamentos, visão esta que também é compartilhada
por Wastl-Walter e Staeheli (2004). Os elementos fronteira (limite delimi-
tador do território), excluídos (outsiders) e incluídos (insiders), tão presen-
tes nas teorias sobre o território, não podem se limitar a apenas uma in-
terpretação. Toda configuração depende de “qual é o ponto de partida”
ou da mirada com que se constrói a inteligibilidade do fenômeno. Ou seja,
um sujeito que observa a atividade de prostituição de fora daquela reali-
dade pode conceber uma determinada configuração territorial que muitas
vezes é diferente daquela percebida por sujeitos que olham o fenômeno a
partir de dentro da atividade. Assim, uma mesma realidade, dependendo
da posição de quem observa, pode compor diferentes configurações envol-
vendo fronteira, insider e outsider, ou seja, variados territórios.
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corpos, sexualidades e espaços
Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
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Geografias malditas
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7
A ideia de pessoalidade foi desenvolvida em Silva (2002) para evidenciar que o
conhecimento entre pessoas que compartilham um mesmo código de valores é um
elemento determinante nas relações sociais que se desenvolvem em espaços de
pequenas dimensões, sobrepondo-se, inclusive, às relações formais e neutras, típicas da
impessoalidade preponderante na grande cidade da moderna sociedade ocidental.
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
fixá-las. […] o poder não é uma instituição, não é uma certa potên-
cia de que alguns sejam dotados: é o nome dado a uma situação
estratégica complexa numa sociedade determinada. (FOUCAULT,
1988, p. 102-3).
[...] se eu fosse uma pessoa normal eu não saberia que isso exis-
tia, este outro mundo, que a sociedade sabe que tem, mas fecha
os olhos, dorme no seu travesseiro de pena de ganso e acha que o
mundo dele é outro. Dentro da cidade existem outros mundos, que
a pessoa sabe que existe, mas não sabe como funciona. Eu sei como
que funciona e eu vivo em um deles. (Entrevista feita com Pítia, em
Porto Alegre, RS, em 21/12/2010).
214
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
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corpos, sexualidades e espaços
Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
FATORES MOTIVACIONAIS DE
DESLOCAMENTO ENTRE LOCAIS NO
EXERCÍCIO DA PROSTITUIÇÃO TRAVESTI
8
Os 10% de evocações restantes são dispersos e não puderam constituir um eixo semântico
próprio.
9
Entrevista feita com Dine, em Londrina (PR), em 27/3/2009.
218
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corpos, sexualidades e espaços
Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
10
Os demais percentuais se relacionaram com os seguintes elementos: Repressão policial
e cafetinagem, Ajuda de travestis e cafetinas, Cidade Industrial, e, finalmente, Bons
relacionamentos familiares como elementos de não conectividade espacial.
220
Geografias malditas
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11
Cafetinagem, segundo a Lei 12.015, de 2009, é sinônimo de lenocínio, definido como
prática da exploração sexual, segundo qualquer forma, havendo relação direta ou
indireta com o retorno econômico da prostituição. Importante destacar que este sentido
de ilegalidade não foi reconhecido nos discursos das travestis.
12
A palavra “maternagem” diz respeito à construção da relação entre uma figura materna
e uma figura filial, sem, no entanto, compreender o fator biológico da maternidade.
13
Entrevista feita com Erínia, em Ponta Grossa (PR), em 30/7/2010.
A denominação “proprietária de pensão para travestis” é utilizada por muitas cafetinas
14
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
Eu montei minha casa, foi chegando uma, foi chegando outra, tan-
to que todas me consideram mãe, mãe daqui, mãe dali. Todos [os
benefícios], um sorriso, a alegria de uma delas, me faz mais do que
feliz. Esse reconhecimento de mãe é incrível. Porque eu acabo me
sentindo mãe delas de verdade. Porque se elas têm que chorar,
elas vêm chorar para mim. Se elas precisam de uma confidência,
eu ouço. Elas me procuram pra tudo. Pra pedir uma opinião, pra
pedir uma resposta, uma solução. E sem contar que é o meu traba-
lho, mas vai além do financeiro. (Entrevista feita com Afrodite, em
Curitiba, PR, em 31/7/2008).
[...] nós aqui temos um lazer muito bom, mesmo se, no dia do lazer,
se elas não tiverem dinheiro, eu empresto, elas vão me pagando
naquela semana. [...] Aí eu tenho uma amiga também que acabou
de me escovar, que coloca megahair nelas, aí, se tiver alguém pre-
cisando, eu coloco, elas vão me pagando aos pouquinhos. Eu tento
fazer elas bonitas, pra ir pra rua e se sentirem bem. Não ir pra rua
aquele cão feio, aquele homem vestido de mulher, mas tem que
ser feminina pra conseguir viver. (Entrevista feita com Atena, em
Balneário Camboriú, SC, em 26/5/2009).
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15
Entrevista feita em Ponta Grossa (PR), em 8/8/2008.
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16
Encontro Nacional de Travestis e Transexuais.
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Os 9% restantes das evocações não constituíram um eixo semântico e foram desprezados.
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[...] eu vim por um cafetão mesmo e tive que pagar dez mil euros.
[...] eu já sabia que, se eu viesse com dinheiro dos outros, ia ser
difícil. Que eu ia pagar muito caro por isso. A minha sorte é que
depois que paguei seis mil o cara foi preso [na Itália] e eu fugi pra
cá pra Espanha. [...] Quando eu vim, cheguei primeiro em Berga-
mo, no apartamento de um cafetão na Itália. A pessoa me pegou
no aeroporto e me levou direto pro apartamento. Sempre tem, né?
Ou já tem papéis porque tá bastante tempo aqui, ou tem alguém
do país mesmo. No meu caso, era um casal, e ela era italiana. [...]
Eu entrei por Milano, e tudo bem, sabe? Toda a minha papelada
quem arrumou pra mim foi uma cafetina no Brasil, e ninguém me
perguntou nada. Vim na pinta menina, até com dinheiro no bolso.
Depois eles pegam tudo da gente, mas cheguei na pinta, sabe? [...]
Mas o principal é encontrar uma pessoa certa que goste de ti e te
traga, sabe? Não é você que vai atrás. Veja, esse homem mesmo
que eu conversei com ele na segunda, na Itália, na terça, na quarta
eu já tava dormindo na casa da mulher dele pra vir pra cá. Você
tem que ter conhecimentos e amizades. Então, é sempre assim.
Por exemplo, tem uma travesti daqui que vai para o Brasil e tem
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Geografias malditas
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[...] se você vai ter que pagar ali pra ficar comercializando parte
do que é teu, então, eu já acho meio cruel esta exploração da pros-
tituição. Eu acho que a pessoa tem o direito de fazer o que bem
entender com o corpo dela [...]. (Entrevista feita com Selene, em
Sapiranga, RS, em 20/12/2010).
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
Por isso que a Afrodite fala que o que ela faz não é cafetinagem.
Mas ela é cafetina. […] uma travesti que fica na casa dela fica mais
fácil de descer na rua. Só que é uma coisa meio que camuflada.
[…] uma travesti que não tá na casa dela, não vai descer na rua,
jamais isso! (Entrevista feita com Hipólita, em Ponta Grossa, PR,
em 11/9/2008).
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18
É importante lembrar que a área de investigação é o sul do Brasil. Nesse sentido, é
esperado que a maior parte das cidades citadas nos deslocamentos realizados pelas
travestis esteja localizada na referida região.
19
As tendências não representam tipos ideais, necessariamente, que possam ser
utilizados para os deslocamentos de qualquer travesti, restringindo-se, portanto, ao
universo investigado. É importante salientar que duas das travestis entrevistadas não
fazem deslocamentos para desenvolver a atividade de prostituição, razão pela qual foram
desconsideradas.
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Território descontínuo paradoxal e prostituição na vivência travesti do sul do Brasil
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corpos, sexualidades e espaços
INTERSECCIONALIDADE E
MOBILIDADE TRANSNACIONAL
ENTRE BRASIL E ESPANHA NAS
REDES DE PROSTITUIÇÃO
O CONTEXTO DE CONSTRUÇÃO DA
PESQUISA E O CAMINHO METODOLÓGICO
1
Esta reflexão jamais seria possível sem a generosidade de algumas pessoas que
constituíram os nós das redes sociais que pudemos acessar no desenvolvimento da
pesquisa em Madri, com recursos provenientes da Capes. Nossos sinceros agradecimentos
a Isidro Garcia Nieto e Lola, do Programa de Informação aos Homossexuais e Transexuais
da Comunidade de Madri, a Joeli, do Colectivo de Lesbianas, Gays, Transexuales y
Bisexuales de Madrid (COGAM), e a July, bombadeira (termo que designa a pessoa que
injeta o silicone líquido no corpo das travestis para construir as formas femininas)
brasileira, falecida no início de 2011, em Curitiba (PR).
2
Ponta Grossa (PR).
3
Embora na língua portuguesa o termo “travesti” se reporte a sujeito masculino, este
texto o trata como feminino, em respeito à autoidentificação do grupo social pesquisado.
Interseccionalidade e mobilidade transnacional entre
Brasil e Espanha nas redes de prostituição
do sexual. Essa ideia era expressa como algo que poderia modificar suas
vidas definitivamente. Nomes de travestis classificadas de “europeias”,
bem como seus feitos, associados ao enriquecimento, eram lembrados com
profunda admiração e, por que não dizer, com certa inveja. Entre elas, era
comum o uso da locução “sou europeia, mona!”4, para expressar superio-
ridade. Iniciamos um projeto de investigação em 20075 sobre a imigração
ilegal de brasileiras para o comércio sexual na Europa e percebemos que a
Espanha ainda era um dos destinos preferenciais nos anos que iniciavam o
século XXI, conforme também evidenciado por Colares (2004).
O relato de que um de nós iria para a Espanha provocou uma
série de propostas de trocas de favores. Segundo elas, nós poderíamos fa-
cilitar sua entrada na Espanha e, em troca, elas poderiam “sustentar-nos”
com dinheiro que conseguiriam fazendo programas sexuais. Explicamos
que teríamos recursos do governo brasileiro e que nos tornarmos “pes-
quisadores cafetinas” não fazia parte de nossos planos. Essas propostas
acabaram ensejando várias brincadeiras, que revelaram a naturalidade
com que vários atos ilícitos − como a entrada na Espanha para viver ile-
galmente e o repasse de somas de dinheiro fruto da prostituição, em tro-
ca de hospedagem e proteção − eram vistos, ou seja, constituíam ações
perfeitamente condizentes com os códigos morais do grupo. Essa natura-
lização, como destacam Silva (2009) e Ornat (2009), se constitui a partir
de uma vivência cotidiana de exclusão, preconceito e violência que elas
sofrem por parte da família, da escola, do Estado e da sociedade brasileira
como um todo. São pessoas cujos direitos cidadãos são violados constan-
temente e, assim, não têm muito a perder aventurando-se em um outro
país em situação de ilegalidade.
A escolha do destino do deslocamento envolve uma conjuntura
que é avaliada pelas pessoas migrantes, julgando as perdas e ganhos entre
os países de origem e destino. O Brasil, nos anos 80 e 90, tinha a economia
estagnada, com salários corroídos por elevados índices inflacionários, e
apresentava altas taxas de desemprego.6 A Espanha, por outro lado, após
4
O termo “mona” é utilizado pelo grupo de travestis como uma forma de tratamento
entre si.
5
Projeto financiado pela Capes, em 2008, para a realização de estágio pós-doutoral na
Universidade Complutense de Madrid.
6
De acordo com os Indicadores Econômicos Consolidados do Banco Central do Brasil, a
taxa média de crescimento nas décadas de 80 e 90 foi de -0,56% e 0,95%, respectivamente
(http://www.bcb.gov.br/?INDECO)
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7
O PIB da Espanha, que apresentou índice médio de 3% entre os anos de 1986 e 2008
(exceto nos anos de 2002 e 2003), dobrou em apenas oito anos (2001-2008), passando de
U$ 677 bilhões para U$ 1,3 trilhão. (http://www.indexmundi.com/pt/espanha/produto_
interno_ bruto _% 28pib%29_taxa_de_crescimento_real.html)
8
Um interessante documento textual publicado em 2009 pela associação Médicos
del Mundo − España dá destaque a um número de travestis brasileiras em situação de
prostituição que são atendidas pela associação. Contudo, são estatísticas apenas parciais,
que estão longe de representar o grupo na Espanha.
9
McDowell (1999) tem argumentado que os corpos estão em constantes transformações,
considerando a idade cronológica, o adoecimento, as capacidades e aprendizados, inclusive
a plasticidade das modificações corporais em uma sociedade repleta de tecnologias
médicas. Assim, é preciso, segundo esta geógrafa, pensar em termos de corporalidade que
dá a ideia de movimento, ao invés de corpo que constrói a noção de um estado de fixidez.
10
http://www.travestiguide.com e http://www.rincontranny.com
11
El país e El mundo.
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Interseccionalidade e mobilidade transnacional entre
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12
Ruas paralelas à Gran Via, como Calle del Desengaño, La Puebla, Valverde, Fuencarral e
Paseo de la Castellana.
13
A denominação “piso” diz respeito a apartamentos privados em que são desenvolvidas
as atividades de prestação de serviços sexuais.
246
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14
A sigla utilizada pelos movimentos sociais na Espanha é LGBT (Lesbianas, Gays,
Bisexuales y personas Transgénero).
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nos. Assim, alguns elementos podem ser acionados com maior visibilida-
de para obter vantagens, enquanto outros podem ser camuflados.
O movimento de interseccionalidade explora a forma como os
elementos identitários vão sendo acionados nas diferentes relações, mar-
cadas por tempo e espaço. As travestis brasileiras que exercem atividades
de prostituição na Espanha acionam categorias sociais em um complexo
jogo de poder com outros grupos sociais, envolvendo a raça, a classe, o
gênero e a sexualidade. O espaço assim conformado pelas relações in-
terseccionais é dinâmico e a posição dos sujeitos confrontados é para-
doxal, superando a ideia que opõe sujeitos dominados e dominantes em
posições fixas. Pensar a vivência das travestis brasileiras que superam as
barreiras transnacionais em uma sociedade globalizada implica conceber
uma imaginação espacial complexa, tal qual Rose (1993) nos oferece em
sua teoria do espaço paradoxal.
O espaço enquanto entidade essencializada ou pré-discursiva
não existe. O que se convencionou chamar de espaço na Geografia nada
mais é do que criações humanas para a compreensão de nossa realidade
dentro de um campo específico de conhecimento. A palavra “espaço”,
que acabou se tornando um dos conceitos fundamentais da Geografia,
tem inúmeras interpretações, defendidas por diversos geógrafos − em di-
ferentes tempos e países −, afiliados em várias correntes filosóficas. Nes-
sa pluralidade de possibilidades interpretativas, a vivência travesti pode
ser compreendida por uma imaginação geográfica que desafia as ideias
hegemônicas e torna visível a resistência daqueles cujas identidades são
negadas.
Massey et al. (1999) sustentam que as identidades são perma-
nentemente instituídas por meio da construção/desconstrução de es-
paços. O espaço está em permanente processo de produção, e isso traz
um importante caráter de abertura para uma imaginação geográfica que
possa conceber o espaço enquanto praticado e relacional. Nessa linha de
raciocínio, Rose (1999) constrói a possibilidade de pensar o espaço como
a articulação de discursos, fantasias e corporeidades, o que o torna com-
plexo, contraditório e instável. Para Rose (1999), o espaço relacional não
se institui por meio da relação de pessoas preexistentes ou essenciali-
zadas, mas nas interações performáticas. Rose (1999) toma por base o
conceito de performatividade de Judith Butler, segundo a qual o gênero
é um fazer eterno, enquanto prática repetitiva, sendo, assim, performá-
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então, quando você ouve: Olha, a fulana foi pra Espanha e voltou
rica. Já viu, né? Às vezes nem é tão rica assim, às vezes tem uma
bolsa Dolce Gabbana porque ganhou de um cliente, mas a gente
pensa que tá podendo. Daí a gente pensa, ah! Vou também. Enten-
deu? É aquela mesma história da ilusão. (Entrevista com Moiras,
em Madri, em 15/5/2008).
A gente sempre sabe das outras né, e é por isso que quer vir. Só
que a gente vê a parte boa, quando elas voltam com dinheiro, com-
pram carro, sabe? O lado ruim ninguém conta e nem vai contar
porque não quer parecer que não deu certo, vai parecer fracasso.
(Entrevista com Andrômeda, em Madri, em 14/5/2008).
Olha, eu penso que tem muita ilusão com a Europa, sabe, que não
tem gente passando fome, passando mal na Europa. Na verdade,
não é assim. Claro, a Alemanha é diferente. Não posso comparar
com o Brasil, nem as pessoas, nem o formato e nada. Mas aqui na
Espanha, eu não vejo muita diferença do Brasil, não em termos
de violência, em termos de assalto, sabe? Inclusive na diferença
social. Nessa rua mesmo, se você vem de dia, tem gente fazendo
compra, gente fina, de puma, de carrão. Se você vem de noite, tem
puta, tem travesti, tem bêbado. Pra mim, o nível de vida da Espa-
nha é idêntico ao do Brasil. Em temos de violência, prostituição,
tudo. Eu pensava, assim como todos, que quem vive na Europa é
assim milionário. É verdade. As pessoas pensam assim. Dior, Dol-
ce Gabbana, principalmente viado. Cabeça de viado é assim meu
bem. Gosta de perfumes, maquiagens, roupas, na verdade gosta da
moda. E a televisão e o poder do marketing é muito grande. Então
as coisas que sabemos e conhecemos da Europa é tudo de bom,
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tro horas viajando por terra. Na Áustria tem que pegar um taxista,
tem que pagar o taxista pra cruzar pra não sei onde. Teve uma me-
nina que veio pela Itália, lá posou na casa de uma conhecida nossa
em Milão e só depois entrou aqui na Espanha. Porque os países que
fazem parte do mercado comum já não têm aduana e daí já é mais
fácil entrar por terra. Elas agora descem em países que não estão
visados pela imigração. Se vier direto para Madri, Barcelona, já no
avião já comunicam o pessoal no aeroporto. A Europa está mui-
to ruim para vir. O pessoal está vindo pela Holanda, mas também
fazem muitas perguntas por lá. As que vêm até Madri, são bem
femininas, humildes. Mas aquelas que vêm assim se mostrando,
com os peitos na bandeja, vestido rasgado e não sei o quê, têm que
voltar pra trás. É menina, é babado, um babado mesmo! Você tem
que ter aparência humilde. Ser humilde, mostrar que já tem um
hotel reservado. (Entrevista com Divina, em Madri, em 2/6/2008).
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relatos, o fato de serem travestis gera menos preconceito (28,5% das evo-
cações) do que o de serem brasileiras (71,5%). No trecho abaixo, Pandora
aponta a sociedade espanhola como mais evoluída no que diz respeito à
aceitação de sua orientação sexual.
Aqui fora eu não posso dizer que sofri preconceito por minha op-
ção sexual. Apesar que eu me esforço ao máximo para parecer
mulher, me esforço fazendo minhas cirurgias. Já fiz uma série de
cirurgias plásticas para isso. E como eu tenho uma aparência femi-
nina, as pessoas não notam muito. É raro alguém passar por mim
e já perceber que eu sou uma travesti. Às vezes me chama até de
senhora ou senhorita. Agora, no Brasil, a sociedade é muito atra-
sada com relação ao preconceito. Por incrível que pareça, se você
for fazer um balanço no mundo, eu acho que o lugar que mais tem
travesti e transexual é no Brasil. E é para mim o país mais precon-
ceituoso até o dia de hoje. Isso não me entra na cabeça. Não me en-
tra. É falta de cultura, de educação e de investimento do governo.
Agora, como brasileira, às vezes quando notam sua fala, depende
da região que você vai tem mais preconceito sim. (Entrevista com
Pandora, em Madri, em 16/9/2008).
15
Em português, “polla gorda” significa “pênis grande”.
16
Em português, “guapa” significa “bonita”.
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17
www.taiakashemales.com
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18
http://travestisbrasilenas.com
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A “PISTA” E A “PRAÇA”:
VIVÊNCIAS ESPACIAIS TRAVESTIS NA
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEXUAIS
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Brasil e Espanha nas redes de prostituição
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Geografias malditas
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Ela cuidava dele, ela lavava ele e cuidava muito dele, colocava ge-
linho quando ele usava muita maconha, cocaína. Porque você sabe
que é isso daqui é que manda, né? Hoje em dia é maconha e coca
e pastilhas de êxtase é que tá mandando nessa juventude, viu? É a
ordem do dia. A gente já viu muita coisa feia aqui, viu? Porque os
clientes, todos que vêm aqui, de hora em hora, eles querem chei-
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Interseccionalidade e mobilidade transnacional entre
Brasil e Espanha nas redes de prostituição
rar. Se você não tem, ele vai embora. Eu vou ser sincera. Eu não
tenho aqui, mas eu mando chamar. Eu não tenho porque Deus me
livre e guarde, não quero me complicar. Mas eu chamo quem tem
pra vender. E eles querem, procuram muito aqui pra isso, se dro-
gar. Se não tem, eles não ficam. Eles perguntam: tem festa branca?
Eu já digo, olha isso aqui não tem. A gente tem medo porque hoje
em dia os telefones são todos grampeados, sabe como é. A gente
tem medo, né? O ordenador tá controlado também. Tá controlado
até o ar que a gente respira. Aqui tem um ministro aqui no terceiro
edifício depois do nosso. Ali tem uns porteiros, que você pensa que
é porteiro, mas são guarda-costas do ministro. Eles ficam de olho.
Mas nós temos câmera também. Olhe ali. Nós podemos ver todo
mundo que chega no edifício. Sabemos se é cliente, se é cabelei-
reiro, maquiador, tudo. Quando você chegou, eu já sabia que era
você. Eu tenho câmeras em várias partes, lá no salão e lá na suíte,
lá eu ponho câmera. Porque tem o problema da violência. Aqui em
Madri, graças a Deus não houve nada muito grave, porque meu
anjo da guarda é forte. Mas no piso de Barcelona já houve coisa
séria com uso de droga, de o rapaz ficar doido e agredir todo mun-
do. Depois disse que alguém havia pego alguma coisa dele e ainda
depois de tudo queria se atirar pela janela. Foi horrível. Mas veja,
ele estava há dois dias metido na suíte usando droga. Imagina, dois
dias seguidos. Cheirando, cheirando, cheirando, dois dias. Daí cha-
maram o segurança, que segurou ele. Minha nossa senhora! Deus
me livre e guarde! Tem um outro árabe que vai lá que também
é bem problemático, viu? (Entrevista com Divina, em Madri, em
2/6/2008).
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NO ‘TRUQUE’:
ENTRE AS REDES DE PESSOALIDADE
E O TRÁFICO DE SERES HUMANOS
19
O termo “truque” é usado pelo grupo com o significado de enganar ou falsear alguma
coisa com o objetivo de tirar vantagem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Joseli Maria Silva
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ESPAÇO E MORTE
NAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DE TRAVESTIS
Vinicius Cabral
Joseli Maria Silva
Marcio Jose Ornat
INTRODUÇÃO
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Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
normativa, faz com que elas sejam alvos do poder que procura enquadrá-las
à norma ou ainda colocá-las fora de qualquer possibilidade digna de exis-
tência. Todo ser humano que escapa à linearidade entre sexo, gênero e
desejo deve ser submetido, punido, corrigido ou excluído. Afinal, para o
estabelecimento da normalidade social, é preciso que se crie o referente
do anormal ou daqueles que podem servir como o “mau exemplo” que
ninguém deve seguir. As travestis são consideradas seres humanos fora
da norma, estranhos, doentes e, em certa medida, criminosos, como visto
nas pesquisas de Ornat (2008) e Silva (2009), em que se evidencia a relação
entre sua condição de abjeção social e sua vivência espacial interdita.
Os corpos abjetos, segundo Butler (2002), são aqueles seres hu-
manos que não são considerados humanos, que não gozam do estatuto
de sujeitos e refletem as zonas inabitáveis da sociedade, simplesmente
porque fogem àquilo que é concebido como inteligível. As travestis, por
não estarem enquadradas na inteligibilidade social ocidental das regras
de gênero e de sexo, são consideradas pessoas cuja humanidade lhes é
negada constantemente por meio de vivências espaciais. A negação social
de sua existência não significa que elas sejam seres imateriais e que não
necessitam de habitação, alimentação, trabalho e, portanto, de espaço. O
fato é que sua abjeção se faz na medida em que a sociedade impede que
elas tenham acesso às condições de cidadania.
A noção de abjeção, por sua vez, pode ser interpretada median-
te a ideia de heteronormatividade de Butler (2003). Para ela, este termo
designa uma tendência do sistema contemporâneo ocidental de sexo-
gênero de considerar as relações heterossexuais como sendo a norma,
de modo que todas as outras formas de relações fora desse padrão são
vistas como desviantes. Se o padrão hegemônico é heterossexual, o es-
paço geográfico também incorpora esta característica. Valentine (1993)
argumenta que o espaço constrange as ações de sujeitos, com o objetivo
de alinhar seus atos com as configurações hegemônicas de sexo-gênero,
como é o caso da heterossexualidade. Como prática sociossexual domi-
nante na cultura ocidental moderna, a heterossexualidade não é definida
apenas pelos atos sexuais que ocorrem nos espaços privados, já que se
estabelece também a partir de relações de poder que operam em todos os
espaços cotidianos.
Embora os espaços cotidianos não sejam percebidos, de modo
imediato, como heteronormativos, eles são importantes componentes
desse poder, e a heteronormatividade espacial “naturalizada” torna-se
275
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
1
No contexto anglófono, o termo transgender designa travestis e transexuais.
276
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
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Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
AS INTERPRETAÇÕES ESPACIAIS
DE TRAVESTIS E A RELAÇÃO COM A
VULNERABILIDADE À MORTE
2
Para proteger as fontes, todos os nomes constantes neste quadro são fictícios.
279
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
A prostituição
Identidade Atua em
Nome Idade Ocupações é sua principal
de gênero³ ONG?
fonte de renda?
profissional
Lírio 20 travesti não sim
do sexo
profissional
Jasmim 26 transexual não sim
do sexo
profissional
Violeta 28 travesti não sim
do sexo
profissional
do sexo,
cabeleireira,
Azaléia 34 travesti sim manicure e sim
designer de
sobrancelhas
profissional
do sexo,
Íris 40 travesti sim
cabeleireira e sim
costureira
profissional
do sexo,
Tulipa 42 transexual sim
cabeleireira e não
massagista
profissional
do sexo,
cabeleireira,
Margarida 48 travesti sim não
manicure e
aposentada
profissional
Rosa 52 transexual sim casual do sexo e não
aposentada
3
Em resposta à pergunta de como se autoidentificavam, algumas das entrevistadas
usaram o termo “transexual”. Na verdade, algumas ora se definiram como “travesti”, ora
como “transexual”. No fim, diziam que a denominação “travesti” seria mais correta, a
partir do argumento de que ainda não tinham realizado a cirurgia de transgenitalização.
280
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
A CIDADE
281
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
4
A categoria Outros, que representa 20% do total das evocações sobre a cidade, apresenta
um padrão discursivo disperso, o que não permite construir um eixo semântico. Esta
categoria se relaciona com elementos como o acesso livre à cidade, a admiração que as
pessoas sentem em relação às travestis, a família, a injustiça, a transformação do corpo, o
reconhecimento e a militância.
282
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
[...] porque o simples fato de você passar na rua e uma pessoa dizer
“olha lá o viado sem vergonha, safado, olha lá a bicha, olha lá o
traveco”, cada forma de dizer horrível que eles têm com a gente
é violência. Não é só a violência física, agressiva, deles machucar
você de verdade. Mas é também a violência no sentido moral, de
palavras, é muito dolorido, você chegar num lugar e ser agredida.
(Entrevista feita com Margarida, em sua residência, em 6/8/2011).
283
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
284
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
[...] hoje em dia nós temos travestis aqui em Ponta Grossa que es-
tão na universidade, lá na SECAL. Ela tá estudando e não se pros-
titui. [...] É uma loira, muito bonita. Quer dizer, ela se prostituiu e
achou que não era o lance dela e encarou o povão. [...] Nós temos
uma transexual aqui em Ponta Grossa que é professora, a [nome
omitido]. Hoje em dia, ela trabalha dentro da Prefeitura, na ouvi-
dora da Prefeitura. Quer dizer que isto é uma conquista aqui em
Ponta Grossa. Nós temos poucas, mas em Curitiba, em Londrina,
em São Paulo, no Rio de Janeiro, tem travesti advogada, tem tra-
vesti dentista, tem travestis em profissões que você não acredita,
mas elas tão lá [...]. (Entrevista feita com Margarida, em sua resi-
dência, em 6/8/2011).
OS HOSPITAIS
5
A categoria Outros, que apresenta 9,1% do total de evocações sobre o hospital, foi criada
para reunir relatos que não se enquadram em um eixo semântico.
285
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
[...] geralmente eles não atendem. Quando eles verem que é uma
travesti, eles já falam “ai, é um viado”! Já vai todo mundo para
ver o viado ali. Quer dizer, em vez de atender, tentar ver qual é o
problema, medicar, não. Primeiro, todo mundo vem ver que é um
viado. A primeira palavra que você escuta “sem-vergonha tem que
morrer mesmo”. (Entrevista feita com Margarida, em sua residên-
cia, em 6/8/2011).
286
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
287
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
A CASA
Amizade 8,82%
Velhice 17,65%
Expectativa 8,82%
[...] que tem muita travesti que sai de casa. Isso porque a família
não admite ter uma travesti dentro de casa [...]. Mas, daí, no dia
6
Os relatos esparsos, que não puderam ser reunidos em eixos semânticos, foram
classificados como Outros (23,5%).
288
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
[...] Sei lá, vou estar velha, feia, sem dente [risos]. Mas eu quero es-
tar bem. Eu tô tentando construir uma coisa agora pra mim e estar
estabelecida no futuro. Eu corro atrás das coisas agora, eu trabalho
na rua, mas eu tenho um planejamento por detrás de tudo isto. Eu
sei que a beleza não dura pra sempre. (Entrevista feita com Viole-
ta, em sua residência, em 30/5/2012).
289
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
290
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
7
A este respeito, ver proposta de Silva (2009).
8
Na categoria Outros, houve várias evocações isoladas que não constituíram um eixo
discursivo, e, assim, não há como analisar esse grupo de informações de forma coerente.
Apesar disso, há um aspecto que merece especial atenção. Houve apenas uma evocação
que contemplou a expectativa de futuro fora do mundo da prostituição, o que sinaliza que
as travestis têm poucas esperanças com relação a isso.
291
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
292
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
[...] eu já fui estrupada. Faz anos já. Eu saí com um cara e ele tava
nestas bestas, carrão, tipo furgão. Daí eu achei que era só ele que
tava ali. Mas, quando eu fui ver, quando eu olhei pra trás, tinha
mais cinco. Daí eu tive que dar pros cinco. Eles me levaram lá no
centro de eventos, naqueles matos, bem pra lá. Daí eles fizeram o
que quiseram comigo, chegaram a me machucar. Até porque fi-
quei sangrando. A minha parte íntima sangrou. Eu tive que ir no
médico pra costurar. Rasgaram, até porque era um atrás do outro.
Daí me deixaram no meio da rua toda machucada, sangrando as
pernas, assim, foi horrível! (Entrevista feita com Tulipa, no Grupo
Renascer, em 7/12/2011).
[...] daí ele pegou a [nome omitido]. Ela foi estrupada por cinco.
Fizeram ela beber, daí foi estrupada. Duas horas eles ficaram tran-
sando com ela e fizeram ela beber e estragaram todo o carro dela.
Era o fusca que ela tinha na época. Abriram o negócio do fusca
atrás, e tiraram todos os fios. Ela fez isto para me proteger, porque
ela falou: vai [nome omitido], vai embora, que o fulano tá vindo.
Daí pegaram ela e não eu. (Entrevista feita com Tulipa, no Grupo
Renascer, em 7/12/2011).
293
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
9
O heterossexismo pode ser entendido como “um sistema em que a heterossexualidade
é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de
modo explícito ou implícito.” (RIOS, 2009, p. 62).
10
Bryant e Vidal-Ortiz (2008) lembram que o termo “homofobia” foi cunhado por George
Weinberg (1972), em seu livro Society and the healthy homosexual. Diz respeito a atitudes e
ações de exclusão promovidas por grupos, por causa da orientação sexual de outros. Além
disso, a homofobia pode ocorrer também dentro do grupo homossexual.
294
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
toda a minha vida. Ela veio me xingar, assim, e passou dando risa-
da, assim, só assim mesmo, uma vez que eu vi. Mais vezes que vi
foi homem. Jogam lixo, jogam ovos, jogam limão, passam xingan-
do, jogam pedras. Se bobear, eles descem do carro com pedaço de
pau pra dar em você. Todas as formas que você imaginar contra as
travesti eles podem fazer. (Entrevista feita com Tulipa, no Grupo
Renascer, em 7/12/2011).
[...] na rua, na rua com certeza. [...] Eu acho que é a rua porque a
gente fica mais à mercê, e ali a gente lida com todo tipo de gente.
Então, a gente não sabe qual o carro que a gente vai entrar. A gente
295
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
sabe que vai entrar, mas, se vai voltar, a gente não sabe. Então, é
uma corda bamba. (Entrevista feita com Íris, no Grupo Renascer,
em 7/12/2011).
[...] eu acho que na rua. Medo! Pavor! Agonia! (Entrevista feita com
Rosa, em sua residência, em 5/7/2012).
11
O termo “transfobia” tem o mesmo sentido da homofobia, como já esclarecido
anteriormente, mas é especificamente dirigido às travestis, como evidencia o trabalho de
Cabral, Ornat e Silva (2011).
296
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
[...] Tem uma aqui em Ponta Grossa que morreu assim. A falecida
[nome omitido]. [...] Ela era das antiga, já vai fazer uns oito anos
que ela morreu. Só que ela era muito respeitada aqui também. Com
a gente assim ela não era muito bruta, ela era de mexer com as no-
vinha. Se tivesse uma novinha, ela já começava. Mas, com o passar
do tempo, ela se acostumava com você e não mexia mais com você.
Mas de bater, de roubar, isto ela não aprontava. Era mais assim
com os cliente. Daí ela saiu com o cara, daí o cara na “entrevista”
achou que era mulher. Só que achou que ela era alta. Tem travestis
que você se confunde, mas ela tinha “três metros de altura”. Tem
travestis que têm rostos que confundem. Mas aquilo era desculpa,
que nem o Ronaldinho lá, saiu com a moça lá e achou que era mu-
lher? Não tem esta! Daí tá, ele saiu com ela, fez o programa lá. Só
que acho que ele sentiu falta da carteira dele, daí se pegaram os
dois no braço. Daí ele não conseguiu pegar a carteira dela, porque
no braço não tinha quem podia pra [nome omitido]. Ela já bateu
em dois policiais militares, para você ter ideia. Daí o cara não pôde
com ela. Voltou na casa, pegou um revólver e voltou, e, no que ele
voltou, ela tava sozinha na esquina. Ele pediu de novo a carteira,
ele não queria o dinheiro, queria a carteira por causa dos docu-
mentos. Daí, como ele sabia que não podia com ela no braço, ele
deu um tiro na perna, e outro na testa, que acabou matando ela.
Mesmo assim, não conseguiu a carteira. Acho que ele se apavorou
e foi embora sem a carteira. Daí ela foi pro IML. Daí, quando tira-
ram a roupa dela, a carteira dele tava dentro da luva dela, e foi a
partir dali que conseguiram o endereço dele. Tava ali, identida-
de, CPF, tudo ali dentro da luva. Daí, eles conseguiram o endereço
dele, chegaram em casa e ele tava dormindo ao lado da esposa. Ele
ficou preso três dias e já foi solto. Acho que pagaram uma fiança
de três mil reais. Acho que foi a mãe dele que pagou. Ela com dois
metros de altura e o cara que matou ela tinha a minha altura, de
um e cinquenta e seis. Mas ela era terrível! (Entrevista feita com
Jasmim, na casa de Violeta, em 30/5/2012).
297
corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
[...] Ah, são tantas! Tantas! Teve tantas, tantas, tantas! Tiveram
sim. Nossa! Tem várias travestis assassinadas com um tiro, que
tava na esquina, homem passava e dava tiro, ou mesmo apanha-
va até morrer, ou eram encontradas, corpo jogado. A última foi a
Margarida. A Margarida, aqui em Ponta Grossa. Esta barbaridade
que aconteceu com ela né, há uns três anos atrás. A última foi ela.
(Entrevista feita com Rosa, em sua residência, em 5/7/2012).
12
A travesti mais velha que vive em Ponta Grossa tem cinquenta e dois anos. As demais
travestis do grupo afirmaram que não conhecem travestis mais velhas que ela.
298
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
A sociedade empurra nós para onde? Pra rua, pra se prostituir. En-
quanto você tá bonita, tá se arrumando bem, que você não tá se
drogando, nossa, você é maravilhosa! Depois que chega vinte anos,
já tá bonitinha, remediada. Trinta anos, já começa o negócio ficá
meio... Daí aparece outras novas. Daí o que os clientes vão fazer?
Vão ficar com as novas e vão deixar as que têm uma idade mais
avançada de lado. Daí você não tem opção, daí você vai desaniman-
do, e vai desistindo de viver, porque é horrível. (Entrevista feita
com Margarida, em sua residência, em 6/8/2011).
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corpos, sexualidades e espaços
Espaço e morte nas representações sociais de travestis
[...] eu já saí com vários. Eu tô indo aí, mas eu fumo crack, posso ir
aí fumar? Pode vir, amor, só que eu não fumo. Você fica comigo,
faz o programa. [...] Outros que vêm e dizem: Oh Jasmim, eu trou-
xe você aqui, mas eu vou dar uma bola, quer experimentar? Não
obrigado, fique à vontade, nada contra. Mas, assim, do cara forçar
a fumar, isto nunca me aconteceu. (Entrevista feita com Jasmim,
na casa de Violeta, em 30/5/2012).
[...] quem morreu por último foi a [nome omitido]. [...] mas foi por
causa de drogas. Começou dar uns derrame. Daí, na terceira vez
deu uma parada nela. Daí ela já morreu. Mas por causa de droga.
Hoje em dia, elas tão usando drogas muito cedo. As que tão no co-
meço, começando a ser travesti, já estão começando a experimen-
tar o fim da carreira. Elas tão começando de trás pra frente. Não
que a gente no final da carreira vá usar, mas elas estão usando
muito cedo. Elas caem no mundo da prostituição e já começam a
usar drogas, são muito novas para isto. (Entrevista feita com Jas-
mim, na casa de Violeta, em 30/5/2012).
[...] a [nome omitido] usava muita droga, como tem muitas que
ainda usam aquilo na nossa cidade. Mas quem é a gente pra dizer:
você não pode ser assim, você não pode! Lógico que a gente acon-
300
Geografias malditas
Vinicius Cabral, Joseli Maria Silva e Marcio Jose Ornat
selha pra elas não usar. Eu já fui dependente química, já fui usuá-
ria. Hoje em dia eu não bebo. A única droga que eu uso é o cigarro.
Não sinto falta nenhuma. Eu vejo as pessoas perdidas e me cortam
o coração. Porque saber que o destino de todas é o mesmo, é a
morte, não adianta. Porque ou você fica devendo demais pro tra-
ficante, ou você vai roubar uma coisa e vai morrer, ou o traficante
vai te matar, porque você tá devendo demais. (Entrevista feita com
Margarida, em sua residência, em 6/8/2011).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
ARIÈS, Philippe. Sobre a história da morte no Ocidente desde a Idade Média. Lisboa:
Teorema, 1975.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BRYANT, Karl; VIDAL-ORTIZ, Salvador. Introduction to retheorizing homopho-
bias. Sexualities, v. 11, n. 4, p. 387-396, 2008.
BUTLER, Judith. Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos
del ‘sexo’. Buenos Aires: Paidós, 2002.
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ANEXO I
IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
1. Nome fictício:
2. Idade:
3. Atividade profissional:
4. Atua na atividade de prostituição? Como atividade principal de renda/
casual?
5. Autoidentificação de gênero:
6. Você participa de alguma instituição política, tipo ONG ou grupos de
direitos humanos?
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AVALIAÇÃO LIVRE
– Como você avalia a relação entre vida e morte de pessoas travestis?
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corpos, sexualidades e espaços
Para além da apresentação das Geografias Malditas: uma análise da resistência
às descontinuidades científicas no campo científico da Geografia no Brasil
308
Geografias malditas
PARTE III
Diversos espaços,
múltiplas realidades
trans
IDENTIDADES E CIDADANIA
EM CONSTRUÇÃO: HISTORIZAÇÃO
DO “T” NAS POLÍTICAS DE
ANTIVIOLÊNCIA LGBT NO BRASIL
INTRODUÇÃO
1
Entrevista com Gilmar, em 12/1/2011.
2
Texto original escrito para a seguinte obra: TAYLOR, Yvette; ADDISON, Michelle (Eds.).
Queer presences and absences: time, future and history. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2013.
Tradução de Bruna Wagner para o português. Basingstoke: Palgrave Macmillan. [no prelo].
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
3
Usamos o termo “trans” para designar pessoas que têm uma identidade de gênero
diferente daquela que lhe foi atribuída no nascimento e que expressam seu sexo por meio
da linguagem, roupas, acessórios, cosméticos e/ou modificações do corpo. Esta definição
inclui, entre várias outras, transexuais, transgêneros e pessoas queer, além de identidades
brasileiras locais, como travestis, transformistas, etc.
4
A pesquisa de Carrara et al. (2003), realizada em colaboração com o Grupo Arco-Íris
do Rio de Janeiro, foi um marco nessa vertente de pesquisa vitimológica. Os autores
apontam, por exemplo, que 16,6% das pessoas entrevistadas relataram agressão física,
e este universo apresentou predominância de pessoas trans (42%), seguidas de homens
homossexuais (20%) e lésbicas (10%).
5
Para detalhes a respeito do observatório de pessoas trans assassinadas, ver também:
<http://www.transrespect-transphobia.org/en_US/tvt-project/tmm-results.htm>.
Acesso em: 16 jan. 2013.
312
Geografias malditas
Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
313
corpos, sexualidades e espaços
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
6
Entendemos queer como um termo político e analítico que desafia as normas relativas a
sexualidade e gênero, juntamente com as relações de poder associadas, as quais tomam
forma no contexto histórico e espacial. Além do mais, queer sugere uma afirmação de
certas práticas, corpos e identidades que foram marcadas como desviantes, anormais
ou imorais (ver: HALBERSTAM, 2005; HUTTA, 2010a, p. 33-5; MUÑOZ, 1999). No Brasil, o
uso do termo queer tem se limitado a debates acadêmicos, ainda que, nos últimos anos,
alguns ativistas e artistas tenham começado a promover a sua utilização. Enquanto
nossa abordagem constitui uma “análise queer”, dizendo respeito a questões de gênero,
sexualidade e poder, as subjetividades que nos concernem aqui têm largamente desafiado
a sua integração ao universo semântico queer, insistindo em sua singularidade. Quando
usamos as expressões “pessoa queer” ou “identidades queer” em relação ao contexto
brasileiro, estamos, dessa maneira, fazendo uma tradução particular, convocando uma
noção de queer que não está amplamente moldada ainda.
314
Geografias malditas
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7
Usamos a palavra “agency” em inglês para denotar a capacidade de alguém agir e
intervir em sua própria condição de vida.
315
corpos, sexualidades e espaços
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
8
Para detalhes sobre o projeto de pesquisa TvT, ver também o website bilíngue: <www.
transrespect-transphobia.org>.
316
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9
Com exceção de Gilmar, Rogéria, Hanah Suzart e Keila Simpson, todos os nomes das
pessoas entrevistadas foram alterados por uma questão de anonimato.
317
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
10
Isso levou a uma espécie de êxodo de travestis brasileiras. Pouco depois de Rogéria e
outras travestis famosas irem para Paris, cerca de 200 travestis as seguiram. No final de
1970, até 500 travestis brasileiras viviam em Paris, aumentando de 1.000 para 2.000 na
década de 1980 (BALZER, 2007, p. 319-20).
318
Geografias malditas
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com quinze anos, deixou sua família por ser homossexual e travesti. Por
consequência, viveu nas ruas com outras travestis, tomando hormônios
femininos e aprendendo a fazer trabalhos sexuais. Em uma entrevista,
Rebecca explicou que começou a ser trabalhadora sexual porque não ti-
nha outra opção e não queria passar fome. Outro exemplo é Cora, uma
travesti do Rio de Janeiro que começou no trabalho sexual porque queria
vestir uma saia e ser independente. A maioria das pessoas entrevistadas
de Balzer que se assumiu durante a ditadura militar relatou histórias si-
milares de dificuldade.11 A própria família foi frequentemente parte do
problema e, às vezes, chegou a ser uma ameaça, como o relato poderoso
de uma travesti demonstra. Sendo colocada por seus pais em um mani-
cômio, ela foi tratada com drogas e “terapia de eletrochoque” “para per-
der a vontade de ser travesti”. No começo dos anos 80, quase no final da
ditadura, mais de 5.000 travestis viviam como trabalhadoras sexuais em
cidades brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro (BALZER, 2007, p. 315-
29; PENTEADO, 1980, p. 2; OLIVEIRA, 1994, p. 92).
Enquanto, no início dos 1960, trabalho sexual não era um papel
proeminentemente desempenhado por travestis, durante a ditadura pôde-
se observar a formação de um mercado sexual independente para elas. O
aumento de travestis no trabalho sexual está diretamente relacionado
à repressão da época da ditadura, de várias maneiras. Primeiramente,
performances de drag, a primeira profissão de travestis, foram proibidas,
e elas foram excluídas não apenas do mercado de trabalho, mas também
do mercado imobiliário, o que as levou à auto-organização da cena sexual
emergente. Esse desenvolvimento foi intensificado pela inclinação da
ditadura ao capitalismo internacional e à cultura de consumo, bem como
à promoção da urbanização, para projetar o Brasil no mercado mundial.
Com o desenvolvimento do mercado sexual para travestis, di-
nâmicas de oferta e demanda provocaram mudanças em suas identidades
e em seus corpos, elas próprias emaranhadas dentro de um consumismo
emergente e mudando seu imaginário sobre gênero e beleza. Por exem-
plo, para melhor atrair seus clientes, assim como também para satisfa-
zer seus próprios desejos, trabalhadoras sexuais travestis transformaram
seus corpos com hormônio feminino e injetaram silicone industrial, mas
11
Esta continuou a ser uma triste história, conforme explicou Cátia, uma ativista trans
que cuidava de menores travestis que deixaram suas famílias para viverem nas ruas
fazendo trabalho sexual. Entrevista com Cátia, em 6/2/2000.
319
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
12
Aqui é importante destacar que a cirurgia de transgenitalização era ilegal no Brasil até
1997 e que, em 1978, um cirurgião que realizava o procedimento foi sentenciado a dois
anos de prisão (ver: BALZER, 2007, p. 479-80; BALZER, 2010, p. 83, 89).
320
Geografias malditas
Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
13
Entrevista com Rebecca, em 16/12/2000.
321
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14
Entrevista com Hanah Suzart, em 30/1/2001.
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15
Entrevista com Rebecca, em 16/12/2000.
16
Gravação na Baixada Fluminense, em 2/8/2008.
323
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
17
Esta precariedade se tornou evidente em maio de 2008, quando Marcelly foi espancada
e gravemente ferida pelos seguranças de um centro de saúde onde ela tinha contatos
profissionais (o fato veio à tona através de um e-mail aberto enviado pela organização
LBGT SOMOS, de Porto Alegre, para o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul,
em 15/5/2008). Ver também Böer (2003), por conta do preconceito a que Marcelly foi
exposta por parte da polícia e de oficiais públicos depois de começar a dar cursos para a
Polícia.
18
Entrevista com Hanah Suzart, em 30/1/2001.
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Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
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Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
19
Entrevista com Hanah Suzart, em 30/1/2001.
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corpos, sexualidades e espaços
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
20
Inúmeros estudos podem ser acessados no site da ABGLT: <www.abglt.org.br/port/
pesquisas.php>. Acesso em: 20 jul. 2010.
21
A observação é baseada em especial na entrevista com a presidente da ANTRA, Keila
Simpson, em 8/12/2010.
328
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Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
22
Um projeto governamental da cidade do Rio de Janeiro voltado para assentamentos
irregulares e precários (SABREN), em 2010, listou 1.021 favelas, com base em imagens
recentes de satélites (SABREN, 2010). Nas últimas décadas, favelas e espaços formais da
cidade têm, no entanto, se tornado cada vez mais entrelaçados em termos sociais e de
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
330
Geografias malditas
Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
23
Nossa abordagem processual para a cidadania é inspirada na noção de Isin (2008) para
atos de cidadania (ver: HUTTA, 2010a, p. 30-1, 166-7).
24
Entrevista com Gilmar, em 12/1/2011.
331
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
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Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
CONCLUSÕES
25
Esta informação é parcialmente baseada na entrevista com a presidente da ANTRA,
Keila Simpson, em 8/12/2010. Ver também: ABGLT (2012).
334
Geografias malditas
Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
p. 19). Tendo em conta este fato, é surpreendente que somente nos últi-
mos anos − e em parte devido aos esforços da rede europeia Transgender
Europe − a situação de pessoas trans, bem como crimes transfóbicos e
homofóbicos de ódio, tenham sido devidamente reconhecidos em relató-
rios e estudos LGBT europeus por ONGs e instituições, como a ILGA-Euro-
pe, o DIHR (Instituto Dinamarquês de Direitos Humanos), a FRA (Agência
dos Direitos Fundamentais da UE), a OSCE (Organização para a Segurança
e Cooperação na Europa) ou o Comissário para os Direitos Humanos do
Conselho da Europa. Em nível nacional, em muitos países da Europa pes-
soas trans ainda estão lutando arduamente para se tornar visíveis no ati-
vismo LGBT de antiviolência e anticrime de ódio. Essa ausência pôde ser
exemplarmente observada no projeto Tracing and tackling hate crimes
against LGBT persons (Rastreamento e combate a crimes de ódio con-
tra pessoas LGBT), que foi conduzido em 2010 e 2011 em nove cidades
europeias. Nenhuma das ONGs LGBT participantes enviou ativista trans
para as conferências e reuniões de projeto, e a maioria das organizações
não incluiu a transfobia e a situação de pessoas trans no quadro local do
projeto.
Se o ativismo e as identidades trans brasileiros se moldaram,
sob a perspectiva internacional, em um contexto social e espacial de
constrangimento e violência, articulações políticas no Brasil têm, no
entanto, e talvez por isso mesmo, conseguido uma presença discursiva
e corpórea notável. Na década de 1990, a auto-organização começou a
tornar-se em parte profissionalizada, e, especialmente no fim dos anos
1990, a questão da violência transfóbica também foi abordada em vários
contextos dentro do ativismo LGBT. Ativistas trans formaram uma parte
integral de debates políticos, mesmo que a sua posição dentro do LGBT
continue ambivalente e precária.
REFERÊNCIAS
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corpos, sexualidades e espaços
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
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Geografias malditas
Jan Simon Hutta e Carsten Balzer
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corpos, sexualidades e espaços
Identidades e cidadania em construção: historização do ‘T’
nas políticas de antiviolência LGBT no Brasil
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Geografias malditas
GEOGRAFIAS
TRANS(ICIONAIS):
CORPOS, BINARISMOS,
LUGARES E ESPAÇOS1
Lynda Johnston
Robyn Longhurst
Universidade de Waikato
INTRODUÇÃO
1
Texto traduzido do inglês para o português por Silvana Pereira.
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
340
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
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corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
SARAH E CINDY:
COMPARTILHANDO HISTÓRIAS
2
Hines (2010) está interessada em mapear algumas especificidades das experiências trans
vividas no Reino Unido, e Rooke (2010) explora os espaços virtuais trans.
3
Ver: www.hamiltonpride.co.nz
342
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
4
Entrevista feita em 31/7/2009, com 1h40 de duração, transcrita na íntegra.
5
Pākehā é uma palavra do idioma maori (dos nativos da Nova Zelândia) que designa os
descendentes de europeus.
343
corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
6
Auckland é a maior área metropolitana da Nova Zelândia, com uma população de 1,5
milhão de pessoas. Embora Wellington seja a capital, Auckland é a cidade mais importante,
por ser a mais populosa e a capital financeira do país.
344
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Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
ximação continua lento com alguns membros da família, como sua filha
mais velha em Dunedin. A filha de Sarah escreveu para ela, dizendo: “Eu
não conheço Sarah, só conheço Bob. Eu não sei como Bob se sentiu man-
tendo este grande segredo por tantos anos das pessoas que ele amava e o
amavam”. Sarah pensa que ainda é um desafio trabalhar estas questões
com a filha.
Cindy também viveu por um período em uma pequena cidade,
com uma população de aproximadamente doze mil pessoas, quando ti-
nha entre treze e dezesseis anos. No final de 1949, início 1950, sua família
mudou-se para Hamilton. No entanto, o mundo de Cindy não se expan-
diu propriamente, até que ela descobriu a Internet. Isto permitiu a ela
se conectar com os outras pessoas em Auckland, a maior cidade da Nova
Zelândia.
346
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
Eu disse para um cara do meu clube, o Cubby Hole. Ele disse: “tudo
bem, você ainda é a mesma pessoa”. Eu ainda vou lá com absoluta
segurança e conforto. Eu acho que ele realmente me protege, na
verdade, eu sei que ele faz... Quando ele me vê com alguém novo,
ele verifica se eu estou bem. Eu tenho muita sorte.
347
corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
Eu tinha uma amiga que era lésbica... tivemos uma festa uma noite
e ela me agarrou e disse: “você vai descer toda vestida” e eu disse:
“Ok”. Então eu desci toda vestida... Era como caminhar na Antár-
tida. (Lynda: Foi gelado?) Estava muito frio lá! [risos] − Mas, hei,
eu tenho sido um membro por dez anos e aqui estou eu, andando
como uma mulher pela primeira vez e um monte de caras, claro,
nos conhecia, oh Deus! [risos].
348
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
Eu tenho ido lá por, talvez, seis ou sete meses e, como eu disse, hou-
ve grandes mudanças. Quando eu entrava lá no início, as pessoas me
olhavam de forma terrível sim e iam embora. Agora eles me dão um
sorriso, ou falam, mas pelo menos me dão um sorriso, agora mudou.
349
corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
Parece que não foram apenas Cindy e Sarah, que estavam en-
volvidas em um período de transição, mas também as pessoas que intera-
giram com os espaços e lugares de suas vidas cotidianas. No entanto, nem
todo mundo tem sido capaz de fazer essa transição. Cindy observa: ‘nós
temos algumas de nossas meninas que nem mesmo falam com a gente
enquanto estamos no Clube dos Operários’. Sarah acrescenta: ‘existem
caras que não chegam nem perto de nós’, ao que Cindy responde: ‘Um em
especial’. A conversa continua:
Sarah: Por que eles pensam que, se eles falarem conosco, as pessoas
vão pensar... que eles são parte de nós. Isso é terrível!
Cindy: Um é paranoico, especialmente um paranoico. O outro não
é tão ruim, ele vai vir e falar, como ele veio até mim. Mas este
outro, ele disse ‘você nunca fale comigo, nem sequer diga olá no
Clube dos Operários.’
Sarah: É uma discriminação primitiva, é assim que eu vejo.
Linda: Internalização, eles internalizam.
Cindy: Mas, como eu digo, a transição em Hamilton foi grande.
Lynda: Isso é incrível.
Cindy: Eu costumava andar com uma peruca. É claro que ela nunca
parecia certa, até que meu cabelo começou a crescer. Quando eu
fui para Phuket [Tailândia] depois que eu fiz a minha operação eu
fui e coloquei extensões e eu tinha um bonito cabelo longo mais
350
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
ou menos por aqui [gestos até um pouco abaixo dos ombros], e era
definitivo, e, claro, quando eu ia ao Clube dos Operários, eu sem-
pre amarrava e eu costumava ir ao cabeleireiro aqui, claro, even-
tualmente, eles caíam e o cabeleireiro não conseguia arrumá-los.
Ela está fazendo o meu cabelo por um bom tempo agora. Ela não
conseguia entender o quanto meu cabelo cresceu. Eu tinha uma
careca aqui em cima, bem grande, e ela está desaparecendo, quase.
Ainda há um pouco ali, mas está desaparecendo. Ela não conseguia
entender como, o cabelo ficou mais grosso e eu não consigo enten-
der. Eu estou com quase setenta e três e meu cabelo está crescendo
[risos].
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corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
CONCLUSÃO: A AGRICULTURA
FAMILIAR E RIFF RAFF
Susan Stryker (2006) aponta que ‘trans’ não diz respeito apenas
a questões de gênero. É também sobre sexo e sexualidade. É sobre como
corpos generificados, sexuados e sexuais problematizam e transgridem os
binarismos de espaços e lugares. Neste capítulo, contamos com as histórias
de Cindy e Sarah para transmitir algo da complexidade das vidas e expe-
riências trans. Nós não reivindicamos representar as muitas vozes de uma
gama diversificada de trans, mas, ao invés disso, tentamos nos aprofundar
nas experiências vividas de apenas duas pessoas que se dispuseram a con-
tar suas histórias sobre a transformação de um homem em uma mulher,
com clareza, convicção, inteligência e bom humor. Cindy e Sarah, apesar
de terem histórias separadas, também têm em comum o fato de que elas
experimentaram tanto a discriminação como o fortalecimento.
Kath Browne e Jason Lim (2010), com foco em Brighton, a “ca-
pital gay do Reino Unido”, argumentam que os lugares e as formas como
os imaginamos fazem a diferença na vida das trans. Curiosamente, nesta
pesquisa, Hamilton, como uma pequena cidade na Nova Zelândia, parece
suficientemente grande para que nem Cindy e nem Sarah se sentissem
apontadas pelas pessoas por conta de suas diferenças. Ao mesmo tempo,
pequena o suficiente para que elas ainda se sintam à vontade em apenas
algumas comunidades, como a organização Pride Hamilton e suas comu-
nidades em vários clubes.
Hamilton é um espaço que não determina os vários encontros
de Cindy e Sarah, mas certamente os influencia. É interessante observar
que Hamilton não tem apenas a estátua de uma família de agricultores
representando “valores familiares” coloniais (como mencionado an-
teriormente). Hamilton tem também a estátua de Riff Raff, um perso-
nagem que representa um mordomo travesti no filme e musical Rocky
Horror Picture Show7, escrito por Richard O’Brien, que cresceu em Hamilton
7
Ver: www.riffraffstatue.org
352
Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
REFERÊNCIAS
8
Em 20/11/2008.
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corpos, sexualidades e espaços
Geografias trans(icionais): corpos, binarismos, lugares e espaços
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Geografias malditas
Lynda Johnston e Robyn Longhurst
355
corpos, sexualidades e espaços
PRÁCTICAS SUBVERSIVAS
EN ESPACIOS INTERDICTOS,
EN LAS EXPERIENCIAS MÚLTIPLES
Y COTIDIANAS DE PERSONAS
TRANSEXUALES DE LA
CIUDAD DE SANTIAGO DE CHILE
Martin Ignacio Torres Rodríguez
Raul Borges Guimarães
INTRODUCCIÓN
Para realizar este capítulo fue necesario usar las entrevistas re-
alizadas en la investigación de 36 personas transexuales viviendo en la
ciudad de Santiago de Chile. Para esto la metodología abarca desde una
profunda lectura de la geografía del género, como también en lo que es la
visión del espacio, el cual se crea mediante simbolismos de la cultura que
prevalece en esa sociedad.
Generando así una discusión en autores de la Nueva Geografía
Cultural como Duncan (1990), Massey (2005), y para colocar al género
se utiliza Preciado (2002) y Butler (2005, 2006), discutiendo siempre lo
prohibido con Foucault (1998, 2000), mezclando a este último autor en
cada una de las aristas tanto del género como del espacio. Esta meto-
dología tiene como parte innovadora el hecho de ser una producción
de primera fuente, otorgando así un material inédito, el cual no es solo
comparativo sino que más bien produce un conocimiento nuevo, enten-
diendo que las entrevistas son un material obtenido gracias a la posicio-
nalidad privilegiada del autor en relación a la comunidad entrevistada,
dando así un carácter situacional y de localidad al conocimiento (ROSE,
1997), marcando además que la temática tocada es sin duda subversiva
en si para una academia que excluye materias y cuerpos poco estudiados,
generando de esta manera una producción de conocimiento que viene a
llenar enormes lagunas académicas en el área de la geografía, otorgando
un aporte a las geografías Latino Americanas, tan opacadas en las mate-
rias del género por las geografías Anglosajonas.
De esta forma este capítulo muestra una realidad Latino Ameri-
cana, tanto en la academia, como en los temas geográficos sociales, expo-
niendo una preocupación contingente la cual está en boga dado su carác-
ter de problema social. Se entiende que la transexualidad es una cuestión
social que afecta diversas ramas de la geografía humana; es lamentable
como ciencia social no dar la debida importancia a una situación que cada
vez cobra más vidas, arriesgando la calidad de vida (y la vida misma) de
las personas transexuales que habitan las ciudades de nuestra cultura oc-
cidental.
Para dar la debida importancia a este tema, es necesario hacer
un análisis escalar. Esto quiere decir lo siguiente. Las escalas son dimen-
siones de fenómenos que se manifiestan como exteriorizaciones de con-
flictos inherentes a las relaciones sociales que conforman lo instituido,
sea este el cuerpo, la familia inmediata por el, al mismo tiempo en que
se exponen contradicciones de lo global, tales como que son desnudados
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
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dad, dando a conocer como el Estado rige y controla los cuerpos que lo
habitan.
La geografía del género toca a la geografía cultural. Dado que
el género es meramente una expresión de las diferentes culturas, ser
hombre o ser mujer en culturas occidentales es muy distintito de serlo
en culturas orientales, es mas ser transexual en una cultura occidental
a una oriental, manifiestan inmensas diferencias. De esta misma manera
se puede colocar que ser transexual en una sociedad occidental como la
chilena, es sin duda diferente a ser transexual en una cultura occidental
de por ejemplo Inglaterra, la cual manifiesta una mayor apertura a las
comunidades LGBTTI, así también es diferente serlo en una cultura oc-
cidental brasileña, en donde según estadísticas se encuentran la mayor
cantidad de muertes por crímenes de odio no solo a la comunidad transe-
xual, sino que a toda la comunidad LGBTTI.
La cultura determina la visión de los géneros y como estos to-
maran y expresaran las performances (BUTLER, 2005) que decidan hacer
día a día. La cultura occidental es hegemónica en sus bases, ha sido re-
productora de un discurso heteronormativo y con cánones de cuerpos
binarios, dejando fuera a aquellos cuerpos que pasan a ser no acepta-
dos, abyectos socialmente (BUTLER, 2005), tales como lo son los cuerpos
trans, entendiendo como trans a todo aquello que envuelve a transexu-
ales, travestis, y transgéneros. En este sentido la cultura occidental se
manifiesta completamente patriarcal y machista.
Siguiendo esta línea se podría decir que la geografía del géne-
ro toca de manera tal vez impensada a la geografía económica, ya que
al ser esta sociedad basada en la hegemonía patriarcal, también es evo-
lucionista, siendo así como los binarismos y la heteronormatividad to-
man sentido económico, en la búsqueda constante de la reproducción
de mano de obra para mantener un sistema capitalista imperante en la
sociedad occidental. Es así como el discurso hegemónico de dispositivos
de la heterosexualidad (FOUCAULT, 1998) cobra fuerza en las lecturas de
Foucault (1998, 2000, 2003) al colocar que las sociedades en su afán por
reproducirse han generado un discurso repetitivo de en donde se intenta
naturalizar a las sexualidades heterosexuales y a los cuerpos binarios,
dejando como no naturales a aquellas sexualidades que se salen de una
norma heterosexual, y dejando como cuerpos no aceptados y sin duda
discriminados a aquellos que se fugan de la norma binaria de hombres o
mujeres. En este sentido el discurso hegemónico es imperante en las so-
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1
Al hablar del “autor” se refiere a James Duncan, en cuanto a su libro: La ciudad como texto.
En original: DUNCAN James. The city as text: the politics of landscape interpretation in the
Kandyan kingdom. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
Nacer así es algo tan difícil, es casi como aceptar que se padece de
algo grave por lo que se está condenado a depender de químicos,
como también es así con variada gama de enfermedades. Lamen-
tablemente esta sociedad “BABILONIA” no está hecha para que la
2
Es la fobia, o vale decir el miedo inexplicable, a las personas transexuales, manifestando
este miedo y/o rechazo, alejándose, no aceptando a las personas transexuales, como en
los casos más extremos manifestando agresivamente el rechazo, lo que puede ir desde
verbalmente hasta la agresión física, y en algunos casos el asesinato.
3
La palabra se aplica con la misma definición anterior, pero con respecto a las personas
homosexuales.
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Geografias malditas
Martin Ignacio Torres Rodríguez e Raul Borges Guimarães
gente sea feliz. Tan solo crea seres dispuestos a desligarse de sus
vidas y sucumbir a una muerte cuyo destino es caer en el pozo sin
fondo de un charco donde los que son más duros despiadados y
fuertes merecen flotar mientras que el resto se ahoga en la mierda
que comemos, vemos y disfrutamos a diario. (Sujeto n. 30)4
4
Así como este, todos los demás fragmentos de entrevista contenidos en el presente
texto figuran en: TORRES, Martin R. Vivencias de sujetos en procesos transexualizadores
y sus relaciones con el espacio urbano de Santiago de Chile. 2012. Dissertação (Mestrado em
Produção de Espaço Urbano) − UNESP de Presidente Prudente, 2012.
5
SILVA, Joseli Maria. A cidade dos corpos transgressores da heteronormatividade. In:
______. (Org.). Geografias subversivas: discursos sobre espaço, gênero e sexualidades. Ponta
Grossa: Todapalavra Editora, 2009.
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personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
Gráfico 2 – Pregunta n. 30: En general en su vida, ¿usted podría decir que ha sentido
discriminación en alguna de estas instituciones y/o lugares?
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6
Analogía que se hace referente al título de la obra Vigilar y castigar, de Foucault (2002),
del original en francés Surveiller et punir (1987).
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
oscuridad. Así son los casos de locales LGBTTI y marchas, en donde la co-
munidad se prepara anualmente para manifestarse una vez al año como
sus cuerpos “abyectos” pueden ser visibles en la sociedad. Lo cual al ser
aceptado es aceptar el paternalismo capitalista, y el discurso hegemóni-
co. Conformase con migajas del sistema heteronormativo.
Para el caso de la transexualidad, de los cuerpos, sexo, y sus
performances de género, las instituciones sociales no necesitan ser una
entidad concreta y/o visible. Sólo con el hecho de existir en el tiempo y
el espacio basta para que ésta sea entendida por una comunidad dado la
creación de sus simbolismos; las instituciones se han organizado de tal
manera que ejercen su presión social sin necesidad de que esta sea un es-
pacio material, la institución puede ser intangible, sin embargo esta será
perceptible de cualquier manera.
Esta institución puede ser simbólica, y esta puede estar en la
casa, el colegio, la calle, la universidad, el hospital, en fin, y sin duda
ejerce una presión, un control, el cual se transmite inherentemente a los
cuerpos y las psiques humanas ya que está en los imaginarios colectivos,
esta se transmite por la cultura de una generación a otra. El control insti-
tucional está fuertemente marcado para todo lo que tiene que ver con el
ámbito sexual (FOUCAULT, 1998), desde la primera infancia estos límites
son marcados en la casa, y vale decir también dentro del colegio, exis-
te una institución basada en la heteronormatividad que debe cumplirse.
Quien se salga de esa norma, queda catalogado inevitablemente como un
extraño, un queer.
Los mecanismos de control que tiene la sociedad y el sistema
capitalista en sí dentro de la sociedad occidental, son basados en pro-
pagandas hetero-sexistas, patriarcales y cargadas de machismos; la so-
ciedad está siempre siendo resguardada y controlada bajo situaciones y
estrategias para controlar los cuerpos de quienes habitan estos espacios
urbanos, por una sociedad que se supone “aceptada”. Estos mecanismos
tienen que ver con el poder, poder que es invisible, es un poder simbóli-
co, cargado de identidades culturales y reglas colocadas en las mentes e
imaginarios colectivos desde hace siglos.
Se generan así espacios interdictos, los cuales son aquellos es-
pacios que de forma tal vez simbólica son prohibitivos para la sociedad,
en este caso para la población trans, estos simbolismos están dados en
las miradas, en los comentarios, en las burlas, en el hecho de hacer notar
que no hay cabimiento para ellos y ellas. Otras veces la interdicción es
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
poca o nula, estas cirugías se vuelven de elite, además pasando por alto
que para llegar a esa instancia de cirugía se debe pasar primero por un
sinfín de exámenes que ratifiquen la veracidad de la transexualidad y así
poder acceder a la cirugía; y la segunda negación con esta contradictoria
exigencia de parte de la ley es que también es completamente negada e
invalidada cualquier posibilidad para que esa persona sea padre o ma-
dre, negando así el derecho de reproducción, o libre decisión de si quiere
o no realizar una cirugía.
Cualquier caso en donde se les escape a la sociedad una persona
transexual que ya luego de no poder ser obligada a “encausarse” en el
modelo que se le asignó al nacer, y ahora no desee cumplir a cabalidad el
modelo nuevo que la sociedad quiere asignar para ella, entonces es ahí,
cuando una persona transexual no desea realizar todas las cirugías esti-
puladas ahora por el modelo heteronormativo que intentará (ya que esta
persona no se “adecuó” al momento de nacer en el binarismo) hacer que
esta persona se encasille binariamente en su nuevo estereotipo. Quando
la persona trans decide que no realizará la cirugía para la infertilidad, y
aun mas no realizará la cirugía para mudar su sexo, entonces se produce
el desbalance social; esta es una persona potencialmente “riesgosa”, ya
que su performance de género no será acorde a lo binario estipulado para
su sexo.
Esta encrucijada genera que las personas trans también repro-
duzcan un discurso hegemónico, este está dado por experiencias de vida
marcadas por el dolor, es aquí donde lo binario cobra una real potencia,
creando dispositivos transexuales (BENTO, 2006).
Sin embargo cuando una persona transexual niega su transe-
xualidad y se clasifica como hombre, no parte de una diversidad sexual,
también está haciendo un juego de subversión de géneros, ya que para la
sociedad no es catalogado como heterosexual y éste sí lo sostiene, entran-
do así en una categoría de prácticas subversivas ya que no se identifica
con lo propuesto por el sistema y aunque el sistema le diga que es trans,
este se denomina hombre sin importar lo que diga su identificación al
nacer. En este sentido los trans que de alguna forma rehúsan lo no bina-
rio, también se enmarcan en posiciones que para la sociedad nunca serán
las heteronormativas, por ello decir que no son trans, sino sólo hombres,
y que además no son parte de una gama infinita de diversidad sexual, al
igual que proclamar su heterosexualidad, es una subversión en sí misma.
Por ejemplo cuando se expone el siguiente fragmento:
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Geografias malditas
Martin Ignacio Torres Rodríguez e Raul Borges Guimarães
Desde niño siempre sentí que no era mujer, sino hombre, incluso
como me habían enseñado a orar a Dios, yo a Él le preguntaba, ¿por
qué yo no tenía pene? Eso fue como de los 5 a 7 años. (Sujeto n. 1).
Siempre supe que era hombre, pero supe que era ser transexual a
los 20 años. (Sujeto n. 4).
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Prácticas subversivas en espacios interdictos, en las experiencias múltiples y cotidianas de
personas transexuales de la ciudad de Santiago de Chile
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7
Blondie es una discoteque de Santiago, conocida por ser un lugar diverso en donde se
permite todo tipo de tendencias en cuanto a la moda, sexualidades y corporalidades.
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Siempre supe que yo era hombre, desde que tuve uso de razón,
porque era lo que sentía, pero cuando más me di cuenta fue más
o menos a los 11 o 12 años… Más o menos a los 13 años supe que
existían los transexuales, a través de la tele e internet y me sentí
identificado inmediatamente. (Sujeto n. 10).
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CONCLUSIÓN
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REFERENCIAS
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SOBRE OS AUTORES
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Sobre os autores
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corpos, sexualidades e espaços
Geografias malditas: corpos, sexualidades e espaços foi organizado por
Joseli Maria Silva, Marcio Jose Ornat e Alides Baptista Chimin Junior e
editado por TODAPALAVRA Editora, em Ponta Grossa, Paraná,
no ano de 2013.
Dados técnicos
ISBN: 978-85-62450-29-7
Formato fechado: 160 x 230 mm
Fontes utilizadas: Gentium Basic, Dutch 801, Helvetica
Revisão por Hein Leonard Bowles
Capa, projeto gráfico e diagramação por Dyego Marçal
Impressão por Pallotti Gráfica e Editora
Distribuição: Todapalavra Editora
Tiragem: 500 exemplares
Miolo: com 400 páginas em papel ofsete 90 g/m²
Impressão 1x1 em cor preta
Capa: cartão supremo 240 g/m²
Acabamento: costurado, laminação fosca