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Interações

ISSN: 1413-2907
interacoes@smarcos.br
Universidade São Marcos
Brasil

Peron, Paula Regina


Uma análise do conto "Os laços de família" de Clarice Lispector, segundo o recorte ecorte da
Psicansicanálise da família. Os laços entre Literatura e Psicansicanálise
Interações, vol. VI, núm. 12, julho-dezembro, 2001, pp. 107-116
Universidade São Marcos
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=35461206

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Uma análise do conto ““Os Os laços de família” de Clarice
Lispector
Lispector,, segundo o rrecorte
ecorte da P sicanálise da família.
Psicanálise
Os laços entr
entree Literatura e P sicanálise
Psicanálise
Resumo: A autora propõe uma leitura do conto “Laços de família”, de Clarice Lispector, PAULA
procurando iluminar aspectos que nos ajudam a compreender a dinâmica de uma família REGINA PERON
segundo pressupostos psicanalíticos. O conto mostra-nos com clareza fenômenos psico-
Mestre em Psicologia
lógicos originados em um grupo familiar, seus segredos, fantasias, desejos, defesas e
USM/SP
mitos, bem como o trânsito de conteúdos inconscientes que produzem e são produzidos
pela subjetividade de cada um dos membros do grupo. As crenças inconscientes e
fantasmáticas nascidas na família a partir do casal, transmitidas através de gerações por
meio da linguagem, defendem a integralidade e a coesão do grupo, resolvendo parado-
xos e conflitos familiares de forma a reduzir as diferenças presentes entre os membros. O
sistema familiar e suas tensões é perfeitamente representado neste conto.
Palavras-chave: Psicanálise e Literatura, segredos familiares, mitos familiares, trans-
missão psíquica.

An analysis of the short stor storyy “F amily ties” by Clarice Lispector


“Family Lispector,,
according the focus of family Psychoanalysis. The ties between
Literature and Psychoanalysis.
Abstract: The author proposes an analysis of the short story “Laços de família”
(Family bounds) by the Brazilian author Clarice Lispector, highlighting aspects which
are helpful to the understanding of the family’s dynamics according to psychoanalysis
basis. The short story shows clearly some psychological phenomena created in a family
group, its secrets, fantasies, wishes, defenses and myths as well as the flow of unconscious
contends, which are produced and also produce each member’s subjectivity. The
unconscious believes originated in the family starting from the couple are transmitted
for coming generations through language, working as defenses for the integrity and
cohesion of the group, working conflicts and contradictions out, so that differences
among members are reduced. The family system and its tensions are perfectly portrayed
in this short story. INTERAÇÕES
Key words: Psychoanalysis and Literature, family secrets, family myths, and psychical Vol. 6 — Nº 12 — pp. 107-116
transmission. JUL/DEZ 2001
108 “A arte literária é talvez o lugar onde o inconsciente se encena de forma
privilegiada, pois ela se faz e se constitui no seio mesmo da linguagem. Essa é sua
matéria-prima, possibilidade de corporificação, na superfície do texto, das imagens
segundo o recorte da Psicanálise da família
Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,

do impossível, que aí se alucinam”. (Brandão, 1996: 33)

O que poderia propor-se tendo, de um lado, um conto de Clarice


Lispector e de outro, um olhar psicanalítico? Certamente são diversas e
inúmeras as possibilidades de aproximação entre literatura e psicanálise.
Freud mesmo inaugurou tal combinação: analisou textos literários clás-
sicos, utilizou-se de personagens literários para exemplificar conceitos,
“colocou” autores da literatura no divã, recorreu à literatura para cons-
truções teóricas, enfim, inúmeras vezes promoveu a citada aproxima-
ção. A partir de então, muitas foram as combinações possíveis.
No entanto, em vista das várias possibilidades, deve-se marcar a
especificidade a que me proponho neste texto. Não pretendo aqui ana-
lisar o inconsciente da autora do texto escolhido, seus desejos e fantasias,
nem tampouco fazer uma análise literária deste belo conto. Intenciono,
basicamente, utilizar-me da riqueza descritiva e tensional que o consti-
tui para compreensão e ilustração de alguns dos fenômenos originados
no círculo de uma família.
Clarice Lispector é uma escritora de romances e contos nascida na
Ucrânia em 1925 e naturalizada brasileira. Passou sua infância no Nor-
deste brasileiro e viveu grande parte da vida no Rio de Janeiro, até sua
morte, em 1977. Por que escolhi Clarice Lispector para o propósito
apresentado? A meu ver, a temática de que trata usualmente em seus
livros é bastante parecida com aquilo de que nós, estudantes da psique
humana, tratamos. Os conflitos da alma humana: o autoconhecimento
e a expressão, a existência e a liberdade, a contemplação e a ação, lin-
guagem e realidade. Enfim, trata-se de uma temática marcadamente
existencial; não a existência abstrata, e sim aquela da banalidade do
cotidiano. Além disso, as relações familiares ocupam um lugar privile-
giado na obra de Lispector, bem representadas em seu cotidiano repres-
sivo e alienador. Tomo as palavras de Kon (Kon,1998: 26) para explicar
INTERAÇÕES minha escolha:
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JUL/DEZ 2001
“E não há dúvidas que as palavras de Clarice Lispector têm esta mesma 109
potência geradora de realidades invisíveis, permitindo a nossa visão, ou enfim, a
nossa criação, de aspectos insuspeitos de nós mesmos, mas que reconhecemos ou

segundo o recorte da Psicanálise da família


Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,
tornamos nossos, assim que ela os nomeia, assim que ela dá forma ao que, até então
não tínhamos condição de nos apresentar”.

Finalmente, é preciso deixar claro que esta é uma leitura bastante


pessoal, na qual está presente a minha forma de interpretação e leitura do
conto escolhido. Birman exprime bem a singularidade que caracteriza
uma leitura ao afirmar: “a leitura é o outro da escritura, condição de possibili-
dade de sua materialidade na ordem do sentido, a produção do sentido implica a
apropriação do texto pelo leitor, que imprime a sua singularidade na experiên-
cia da leitura” (Birman,1996: 54). Creio que qualquer aproximação entre
psicanálise e literatura leva a marca daquele que a realiza, pois o texto
literário é sempre um texto inacabado que assume uma forma a cada vez
que é lido, como nas palavras de Brandão (Brandão,1996: 36): “(...) pois
cada leitor lê com seus fantasmas, seus medos, suas paixões. A ele cabe parte dessa
criação que é o livro, e a sua leitura o enriquece sempre de novos sentidos.”
Além disso, também o olhar psicanalítico leva a marca singularizante
daquele que o possui, o sujeito que olha é marcado pela particularidade
de seus traços psicológicos.
O conto narra a partida de Severina, após uma visita à família de
sua filha Catarina, o marido Antônio e o filho do casal. Inicialmente,
Catarina acompanha Severina, de táxi, à Estação, onde então a última
embarca no trem. A filha, ao voltar para casa, resolve levar o filho a
passeio, para desapontamento do marido Antônio que, apesar de pre-
tender estar relaxado em sua leitura, preferia tê-los em casa.
Então, convido o leitor a acompanhar-me em minha análise, com
os limites e alcances que a delimitam e quem sabe, inspirar-se para fazer
o mesmo à sua maneira.

O conto e possíveis entendimentos


Em um primeiro momento do texto, mãe e filha vivem um clima INTERAÇÕES
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de tensão em sua viagem à Estação, determinado por, principalmente, JUL/DEZ 2001
110 três elementos: o incômodo entre Severina e Antônio antes da partida,
segundo o recorte da Psicanálise da família apaziguado na despedida; o incômodo de Severina em relação à magre-
Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,

za e nervosismo do filho do casal; e a sensação que têm, Severina e


Catarina, de que esqueceram alguma coisa.
Num ápice de tensão, quando Severina está embarcando, Catarina
tem uma súbita vontade de perguntar-lhe se fora feliz com seu pai,
acabando por dizer-lhe que mandasse lembranças à titia. Entendo que
esta passagem nos pode ser bastante reveladora na medida em que nos
transmite a sensação de um daqueles segredos familiares que nos inti-
midam e que circulam no inconsciente do grupo familiar: teria havido
algum problema na relação dos pais de Catarina? Não era claro se eram
felizes? Hipóteses à parte, há em Catarina um extremo desejo de saber
sobre sua origem: teria ela nascido do amor, da felicidade do casal ou
não? De que espécie de árvore era fruto? Fruto doce ou amargo? Que
espécie de marca carregaria?
Talvez esses fossem assuntos proibidos, um segredo de família, um
não-dito. Talvez daí nascesse parte da tensão entre mãe e filha e seu
medo de ter esquecido alguma coisa: haveria algo que devesse, ao con-
trário, ser de fato esquecido? “Também a Catarina parecia que haviam
esquecido de alguma coisa, e ambas se olhavam atônitas – porque se realmente
haviam esquecido, agora era tarde demais.(...) Que coisa tinham esquecido de
dizer uma à outra?” (p. 97).
Como é comum nos grupos familiares, há uma convergência de
conteúdos inconscientes, como fantasias, desejos e mitos que transitam
no aparelho psíquico desse grupo, produto e produtor da subjetividade
intrapsíquica de cada indivíduo. Um mito, por exemplo, é um conjun-
to de crenças inconscientes e fantasmáticas nascido na família a partir do
casal, sendo transmitido através de gerações por meio das diversas for-
mas de linguagem. Com uma função defensiva à integralidade do gru-
po, prestam-se à resolução de paradoxos e conflitos familiares ameaça-
dores da unidade psíquica, em uma tentativa de reduzir a distância,
tensão e diferença entre os indivíduos do grupo.
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Um segredo familiar, por outro lado, pode ser uma das origens dos
JUL/DEZ 2001 mitos familiares. Constitui-se através de um pacto inconsciente do gru-
po,0 que concorda em ocultar, velar, calar a respeito de um fato real com 111
um impacto específico e ameaçador da estabilidade psíquica desse grupo.

segundo o recorte da Psicanálise da família


Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,
Algo nos sugere, nessa mesma passagem, que também as manifes-
tações de amor foram veladas nessa família, como se o afeto existisse
somente como um afeto “calado, mudo, sem voz”, algo sempre esque-
cido, um mito familiar. Isso pode ser confirmado em outra parte do
texto quando a freada do táxi lança a mãe contra a filha, colocando-as
em contato, nomeado de “catástrofe”: “Catarina fora lançada contra Se-
verina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que
se tem pai e mãe. Apesar de que nunca se haviam realmente abraçado ou
beijado” (p. 96). O amor parece manifestar-se basicamente através de
preocupações, como no diálogo no momento da partida do trem, onde
a filha, pensando em dizer à mãe: eu sou sua filha, acaba por recomen-
dar-lhe que não pegue corrente de ar, como se essa fosse a única forma
de dizer-lhe sobre seu amor, um amor truncado, pesado, barrado, con-
forme retratado nesta passagem: “Ninguém mais pode te amar senão eu,
pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca
um gosto de sangue. Como se ‘mãe e filha’ fosse vida e repugnância. Não, não
se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso” (p. 97). A
preocupação como via de expressão de amor também fica patente nas
freqüentes observações da mãe de Catarina em relação ao neto – magro
e nervoso, mostrando-nos como determinados referenciais regem o gru-
po, regulando seus intercâmbios, atividades representacionais e circula-
ção de afetos.
Ao mesmo tempo, essa passagem nos mostra claramente a forma
como a mãe habita a filha, com violência e contundência. Severina “vive”
em Catarina (interessante até a coincidência das últimas quatro letras
dos nomes), machucando-a, de certa forma, impondo-lhe responsabili-
dades e marcando sua identidade, sua forma de ser, mesmo quando está
ausente: “sem a companhia da mãe, recuperara o modo firme de caminhar:
sozinha era mais fácil” (p. 98), mais fácil do que em sua presença real,
mas também difícil. Sua presença psicológica propicia vida a Catarina:
“parecia disposta a usufruir da largueza do mundo inteiro, caminho aberto
pela sua mãe que lhe ardia no peito”, (p. 99), ao mesmo tempo que lhe INTERAÇÕES
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causa repugnância, como se a impedisse de ser o que é. JUL/DEZ 2001
112 Esse trecho parece exemplificar bastante bem as contradições pre-
segundo o recorte da Psicanálise da família
sentes em vínculos familiares, a tensão que existe em um grupo entre
Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,

homogeneizar seus membros, fazê-los psicologicamente iguais e ao


mesmo tempo, permitir-lhes diferenciação. O trecho ilustra também
como investimentos objetais, sonhos e desejos parentais, afetos, fantasi-
as, vínculos, faltas, objetos perdidos, mecanismos de defesa são trans-
mitidos entre gerações, como uma herança psicológica après-coup que
marca o tempo presente de uma família, conferindo-lhe uma dimensão
temporal complexa, ampla e polissêmica.
Catarina, de fato, carrega a herança psicológica de sua família: em
sua casa as manifestações entusiásticas de afeto são banidas, assim como
para ela é também difícil mostrar-se afetuosa. Não podia rir mas seus
olhos estrábicos o faziam: “sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas
nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora
estrábica”(p. 95). Seu marido e ela viviam em uma harmonia morna,
defendendo-se do que tentavam encobrir, como expressam estas duas
passagens: “talvez de tudo isso tivessem nascido suas relações pacíficas, e
aquelas conversas em voz tranqüila que faziam a atmosfera do lar para a
criança” (p. 102); “Viviam tão tranquilos que, se se aproximava um momen-
to de alegria, eles se olhavam rapidamente, quase irônicos, e os olhos de ambos
diziam: não vamos gastá-lo, não vamos ridiculamente usá-lo” (p. 102).
No entanto, assim como a preocupação do esquecimento retorna e
perturba a relação mãe e filha, assim como o riso inevitavelmente retor-
na em seu estrabismo, também na casa de Catarina há algo que corpo-
rifica e denuncia aquilo que foi deixado de lado: o filho, como um
sintoma psíquico que denuncia algo. É ele que os lembra daquilo que
deixaram de fora de suas vidas, daquilo que sempre foi não-usual e até
proibido; a vibração, o afeto, o amor expresso. Interessante notar que o
menino não tem nome no conto, como se de fato nele habitasse algo
que sempre foi inominável para essa família, inconsciente e recalcado.
O marido pensa: “de onde nascera esta criaturinha [o filho] vibrante, se-
não do que sua mulher e ele haviam cortado da vida diária”. Sua frieza,
INTERAÇÕES distância e exatidão representavam aquilo que a família pretendera ser e
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JUL/DEZ 2001 cultivar; no entanto, esse ideal era retratado pelo menino como em uma
caricatura robótica, exageradamente sem afeto que, às vezes, “se irrita- 113
va, batia os pés, gritava sob pesadelos” (p. 102), retratando as contradições

segundo o recorte da Psicanálise da família


Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,
de uma fantasia inconsciente pertencente à família.
O menino era magro e nervoso, conforme as afirmações constantes
de Severina, falava desconexamente, comunicava-se pouco, era frio, exato
e distante. Parece ser a herança fiel amplificada do desejo familiar de
banir emoções e sentimentos. Podemos até conjeturar a respeito da esco-
lha do parceiro de Catarina: é um engenheiro, profissão exata, técnica,
além de ser um pai que “nunca se preocupara especialmente com a sensibili-
dade do filho” (p. 95). Entretanto, as contradições psicológicas permane-
cem: o que quer ser banido sempre insiste e ao mesmo tempo reforça o
seu oposto.
Ao retornar da Estação, Catarina dirige-se ao quarto para ver o
filho e ali demonstra seu carinho e amor de forma bastante distorcida e
indireta, como é regra inconsciente em sua família. Seu olhar terno,
aliviado e amoroso para com o menino termina em movimento brusco
de censura: “A mulher [Catarina] sentia um calor bom e gostaria de pren-
der o menino para sempre a este momento; puxou-lhe a toalha das mãos em
censura: este menino!” (p. 99). Em um dos momentos tensos do texto, o
menino chama-a de mamãe, sem pedir nada, gratuitamente, e ela sente
esse momento como um momento divino, inexplicável, inédito, simbó-
lico, onde manifestava-se uma emoção. Neste momento, quebra-se uma
barreira de silêncio sentimental, Catarina é lembrada dos sentimentos
que a habitam, como em um desafio à lei familiar e de fato emociona-
se: “com os olhos sorrindo de sua mentira necessária, e sobretudo da própria
tolice, fugindo de Severina, a mulher inesperadamente riu de fato para o
menino, não só com os olhos: o corpo todo riu quebrado, quebrado um invólucro,
e uma aspereza aparecendo como uma rouquidão” (p. 100). Mas o oposto é
reforçado, como acontece nas contradições, e então o menino chama-a
“feia”, acordando-a de seu momento simbólico de liberdade.
Catarina sai em companhia do filho e o marido assusta-se, como se
pressentisse o momento de liberdade que a mulher vivera: “quem sabe se
sua mulher estava fugindo com o filho da sala de luz bem regulada, dos móveis INTERAÇÕES
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bem escolhidos, das cortinas e dos quadros? fora isso o que ele lhe dera. (Apar- JUL/DEZ 2001
114 tamento de engenheiro)” (p. 101). Talvez soubesse que ela havia ultrapassa-
segundo o recorte da Psicanálise da família do uma barreira familiar, que havia se sentido intensamente amada pelo
Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,

filho, que ele [ o filho ] havia dito claramente que a amava e que os dois,
mãe e filho, pudessem viver além do silêncio, que se expressassem de
fato, que se amassem claramente, que sua mulher transmitisse essa liber-
dade ao filho: “via preocupado que sua mulher guiava a criança e temia que
neste momento em que ambos estavam fora de seu alcance ela transmitisse a seu
filho... mas o quê?”. Provavelmente, a liberdade de amar, de sentir, de dizer,
algo que inconscientemente tentaram banir do grupo familiar, repetindo
seus antepassados.
Parece-nos que o marido sentia essa liberdade como uma ameaça à
coesão do casal, da família, assim como qualquer manifestação de indi-
vidualidade por parte de Catarina. Preocupa-se com a harmonia da casa,
não pode haver momentos individuais de alegria: “ela está tomando o
momento de alegria – sozinha. Sentira-se frustrado porque há muito
não poderia viver senão com ela. E ela conseguir tomar seus momentos
– sozinha. Por exemplo, que fizera sua mulher entre o trem e o aparta-
mento? Não que a suspeitasse, mas inquietava-se” (p. 102). Em uma
tentativa de resolver essa tensão desarmônica, planeja um cinema para a
noite, procurando restabelecer o equilíbrio da casa, sua estabilidade ini-
cial rompida pelo desvio de Catarina.
E assim o conto termina, deixando-nos questões e interrogações a
respeito do futuro dos personagens, tamanha a intensidade de vida que
os compõem. Seria Catarina a mesma mulher depois dessa experiência?

Comentários finais
O sistema familiar e suas tensões é perfeitamente representado nes-
se conto. A forma como cada um dos membros influencia vitalmente os
outros, fazendo com que o grupo seja muito mais do que a soma de seus
membros e sim uma dinâmica constante de influências recíprocas, deter-
INTERAÇÕES minadas e determinantes, a tentativa constante de manter esse grupo em
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JUL/DEZ 2001 equilíbrio homeostático (principalmente por parte de Antônio), o méto-
do econômico encontrado para a solução de problemas da família (o sin- 115
toma no menino) e preservação de seus membros, as estruturações, regras

segundo o recorte da Psicanálise da família


Uma análise do conto “Os laços de família” de Clarice Lispector,
e padrões inconscientes, a identidade de seus membros entre si e em rela-
ção à família do passado, os conflitos extrapolando os problemas indivi-
duais para tornarem-se conflitos do grupo, os intercâmbios inconscientes,
as defesas contra desequilíbrio, cisão e desunião, os saberes inconscientes
derivando em sintomas e conflitos, a complexidade das relações familia-
res, as transmissões psíquicas entre gerações, as tensões derivadas das dife-
renças individuais no grupo (expressas por Catarina), as ligações psíqui-
cas entre os membros (como por exemplo a presença que Catarina sente
de sua mãe em si mesma, a impossibilidade de Antônio de viver sozinho,
sem Catarina), as alianças inconscientes (como parece haver entre Severi-
na e Antônio para conter Catarina e sua subjetivação).
Tudo isso é claramente estampado nas relações entre Severina, Ca-
tarina, Antônio, o menino e aqueles que o sucederam na família e nas
tensões e conflitos narrados no conto, ajudando-nos a compreender os
fenômenos familiares nomeados pela psicanálise.
Não pretendi esgotar a leitura desse conto (nem mesmo acredito
que isso seja possível), e sim fornecer algumas formas de olhar que
retratem um modo psicanalítico de entender os vínculos familiares.

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INTERAÇÕES
Vol. 6 — Nº 12 — pp. 107-116 Recebido em: mar/01
JUL/DEZ 2001 Aceito em: nov./02

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