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Aulas de História do Prof. W. B.

Gomes N4 25

História da Psicologia
William B. Gomes
Aula 4

OS ÚLTIMOS FILÓSOFOS DA ANTIGÜIDADE


E A PSICOLOGIA DOS TEÓLOGOS CRISTÃOS

Este capítulo está dividido em duas partes. Na primeira,


apresentam-se as últimas doutrinas filosóficas da Antigüidade:
epicurismo, estoicismo e o neoplatonismo. Na segunda, dedica-se ao
estudo dos dois mais importantes teólogos cristãos da época medieval:
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

PARTE I: Últimos Filósofos da Antigüidade

É bom lembrar um pouco da história antiga para facilitar nossa


compreensão de como as idéias vão se constituindo e se alterando de
tempos em tempos. Sabemos que os escritos de Homero - em torno de
700 AC - traziam a beleza e os mistérios do imaginário da Grécia
Antiga. Dois momentos importantes na expansão da civilização grega
foram a Atenas de Péricles (495-429), e o Reino da Macedônia de Filipe
II e Alexandre o Grande. Filipe II reinou entre os anos 359-336 AC e é
lembrado como um grande incentivador da cultura. Neste período
viveram o dramaturgo Sófocles, o historiador Heródoto, o escultor
Fídias, e o sofista Protágoras. Alexandre o Grande reinou entre os anos
336-323 AC. Viveram neste período: o dramaturgo Aristófanes e os
filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Aristóteles foi tutor de
Alexandre. Com a morte de Alexandre a Grécia envolveu-se em uma
disputa interna violenta que levou a divisão do reino. Nesta época, a
filosofia transfere-se de Atenas para Alexandria. No plano da filosofia, a
exigência racional por um critério objetivo de verdade e a preocupação
em conhecer a realidade do universo vão perdendo espaço para crenças
religiosas e místicas. Neste período, que vai até a aceitação do
Cristianismo como a religião do Estado Romano em 313 AD, encontra-
se as doutrinas do ceticismo, a escola dos epicuristas, a escola dos
estóicos, a filosofia de Cícero, e o último pensamento filosófico da
Antigüidade, a doutrina de Plotino.
Qual a importância destas últimas filosofias? Elas apresentam o
encontro do pensamento grego com o pensamento romano constituindo
assim a base do modo como pensamos hoje. Ao estudar estas teorias,
ainda que breve e simplificadamente, estamos revisitando as raízes do
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pensamento do mundo ocidental. Lembre-se que o nosso interesse


permanece o mesmo. Estamos interessados em resgatar os primeiros
esboços de uma teoria psicológica. Até o momento já sabemos o que é o
pensamento animista ou mágico (mitológico), já sabemos como surgem
a objetividade e a subjetividade e, também, ficamos sabendo de
Sócrates e de sua preocupação com o conhecimento de si mesmo.
Vamos agora ao estudo dos últimos filósofos da Antigüidade.

4.1 Os Céticos
Uma doutrina grega nem sempre incluída nos livros de História
da Psicologia é o ceticismo. Entende-se por ceticismo a dúvida radical
sobre o conhecimento verdadeiro. Deve-se, contudo, diferenciar o
ceticismo metodológico do ceticismo universal. O ceticismo
metodológico é um procedimento necessário para que se legitime o
conhecimento. Já o ceticismo universal preocupa-se com as
contradições insolúveis do conhecimento, com a relatividade do
conhecimento sensorial e com a falta de um critério suficiente de
verdade (Brugger, 1987).
A doutrina do ceticismo foi descrita por um filósofo chamado
Sexto, o Empírico que nasceu na Grécia e viveu em Alexandria e em
Roma (Século III d.C.). Sexto classificou as doutrinas ou seitas gregas
em três categorias: a) os dogmáticos, que acreditavam haver
descoberto a verdade, os exemplos são Aristóteles, os epicuristas e os
estóicos (os dois últimos serão tratados nos itens 4.2 e 4.3); os
acadêmicos, que acreditavam que a verdade não poderia ser
apreendida, referindo-se aos alunos da Academia de Platão; e os
céticos, que defendiam a busca incessante do conhecimento através da
investigação. Note que a distinção entre os dois tipos de ceticismo é
decorrente da definição apresentada na última categoria. De acordo
com Sexto, o principal representante do ceticismo foi Pirrón de Elis
(360-270, a.C.). Pirrón defendia que nossos juízos sobre a realidade são
convenções, pois são sempre baseados em sensações mutáveis. Desta
forma devia-se suspender o juízo e não se decidir por nenhuma crença
ou opinião. Um conceito importante que aparece com os céticos é o de
suspensão de juízos ou epoché. Na verdade o ceticismo não constitui
uma única doutrina mas várias correntes, e suas origens remontam ao
Século V antes de Cristo. Entre as idéias que de alguma forma parecem
ter influenciado o ceticismo, estão os gimnsofistas (gregos influenciados
por sábios hindus que levam vida austera), os cirenaicos que defendiam
o domínio completo de si mesmo e os sofistas que defendiam a
relatividade da verdade. Os principais alunos de Pirrón foram Filón de
Atenas e Nausifanes de Teos que foi o mestre de Epicuro (Mora, 1988).

4.2 Os Epicuristas
A escola do filósofo grego Epicuro ( 341-270 AC) radicaliza a
concepção materialista de Aristóteles e, por conseguinte, nega qualquer
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possibilidade de influências sobrenaturais ou de realidades incorpóreas.


Define o espaço humano como constituído da vida e seus próprios fins
e, também, da razão. O conceito de átomo de Demócrito é a base desta
filosofia. Os átomos eram considerados a única realidade existente. No
entanto, eles entendiam que o movimento dos átomos não era
determinado rigidamente. Para eles, havia na natureza certa
indeterminação e nesta indeterminação estava a possibilidade de uma
vida livre e de um controle sobre si mesmo. Alma e corpo são
entendidos como pertencentes a uma única substância. Assim, a alma
nasce, cresce, regozija-se, sofre, adoece e morre com o corpo. Tudo
que afetar a alma afetará o corpo e o tudo que afetar o corpo afetará a
alma.
Sendo materialista, eles afirmavam que a única possibilidade do
conhecimento humano era através das sensações. As informações
sensoriais eram apreendidas pela memória e eram confiáveis. Se erro
houvesse era devido a equívocos de interpretação.
A lógica epicurista é, na verdade, o reflexo da sua doutrina moral.
O grande atrativo desta filosofia era sua mensagem de eliminação do
sofrimento. Eles ensinavam que não havia nada a temer neste mundo,
pois não existia castigo de deuses, nem fogo eterno. Portanto, o que se
devia fazer era se concentrar através da imaginação, nos momentos
felizes que já foram vividos e fazer esta felicidade se prolongar
enquanto se vive. A força da imaginação é tão grande que pode superar
todas as tristezas e sofrimentos. Epicuro mostrou a força de sua crença
durante uma longa enfermidade que sofreu e que o levou a morte. Ele
atenuava seu sofrimento com a força de sua imaginação. Conta-se que
fez muitos discípulos e que sua doutrina chegou a concorrer, durante
certo tempo, com o Cristianismo.
A filosofia de Epicuro foi divulgada em Roma pelo poeta romano
Lucrécio (Lucretius 99-55 AC). No entanto, esta doutrina só encontrará
certa repercussão na época do renascimento. Alguns estudiosos
interpretam a doutrina epicurista como uma tentativa de distanciar-se
do sofrimento causado pela fragmentação e decadência da civilização
grega. Era um modo de encontrar paz e de estar bem consigo mesmo
apesar de estar vivendo em um mundo esfacelado e sem esperança
(Mueller, 1968). O epicurismo foi confundido como sendo defensor do
hedonismo sensual dos cirenaicistas (sec. IV AC) que sustentavam que o
conhecimento não é confiável e útil. Para eles a raça humana devia
assumir o controle de todas as circunstâncias e não se deixar guiar pelo
intelecto mas pelo prazer imediato

4.3 Os Estóicos
O estoicismo foi uma escola filosófica grega iniciada por Zeno de
Citium (336-265 AC) e teve muitos discípulos. Foi divulgado em
diferentes partes do mundo da época tendo exercido muita influência
sobre os romanos. Por exemplo, o imperador Marco Aurélio (121-80 AC)
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seguia a doutrina estóica. Conta-se que a escola recebeu o nome de


estóica porque Zeno ensinava sob o Pórtico (stoá) de Atenas. Para os
estóicos as preocupações éticas ganham prevalência sobre as questões
ontológicas, epistemológicas e lógicas. Mesmo assim recorreram a
lógica e a ciência natural para defender suas posições morais. No plano
ontológico eles entendiam que a realidade era material. Porém,
distinguiam a matéria, que era passiva, de um princípio ativo, o Logos,
que era a razão divina. Era o Logos que organizava e dirigia o
universo. Esse princípio ativo era constituído de uma matéria muito
refinada nos moldes do sopro ou do fogo no conceito de harmonia
cósmica de Heráclito. No plano epistemológico eles acreditavam que
uma razão universal deveria guiar a razão humana. Nesta razão
universal estaria a força para que os seres humanos erradicassem todas
as suas fraquezas e paixões, e aceitassem seu destino com resignação.
Para tanto eles anularam as diferenças propostas por Aristóteles entre
sensação e intelecto. A impressão (relação entre sensação e intelecto)
continha uma causa que levava a compreensão. O conhecimento
verdadeiro era a harmonia entre o homem e a realidade (a
compreensão). Esta combinação perfeita facilitava a aceitação do
destino que estava reservado para cada um. Os estóicos inovaram a
lógica do seu tempo através do silogismo hipotético. No entanto, a ética
era o ideal que dava consistência e unidade a doutrina estóica. Eles
falavam de uma liberdade interior que viabilizada por uma energia
disciplinadora era capaz de assegurar o domínio de si mesmo. Os
estóicos ensinavam que o bem não estava nas coisas e atrativos do
mundo exterior. O bem estava na alma, isto é, na sabedoria de afastar-
se das paixões e desejos que perturbam a vida quotidiana.
A filosofia estóica influenciou a concepção de lei para os romanos,
por causa de sua teoria da lei natural (todos são iguais perante a lei).
Também parece ter influenciado o cristianismo, pois vem dos estóicos a
ética de que todas as pessoas fazem parte de um espírito universal e
assim devem viver em irmandade ajudando uns aos outros. O
estoicismo era ensinado em Tarso onde São Paulo o Apóstolo
(aproximadamente 3-62 AD) nasceu e estudou retórica.

4.4 Cícero
Marco Túlio Cícero (106-43 AC) foi um importante orador e
estadista romano influenciado pelos ensinamentos de Platão e dos
estóicos. Ele recupera o conceito platônico de alma imortal e
incorpórea. A alma constituía-se de muitos poderes tais como memória,
criatividade, atenção e sabedoria. Para ele estes poderes não poderiam
ser explicados por teorias materialistas. A alma tem uma parte inferior
que se relaciona com o corpo e uma parte superior que é imortal.
Reconhece um conjunto de doenças da alma (animi medicina) que
corresponderiam a insanidade, deficiência mental, e demência. Estas
doenças deveriam ser curadas pela alma. Em outras palavras, ele está
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indicando que a vontade e a razão são poderes da alma que podem


afastar todos os males. O grande objetivo de vida seria buscar no
conhecimento, no estudo da filosofia, a força para enfrentar as
adversidades da vida.

4.5 Plotino
Plotino (204-270 DC) nasceu no Egito e seus pais eram romanos.
Foi educado em Alexandria e depois foi professor em Roma. Foi
influenciado pelas muitas tendências místicas que circulavam em
Alexandria, tendo conhecimento do pensamento hebreu e persa. No
plano das idéias sua doutrina representa o reencontro das filosofias de
Platão e de Aristóteles. Foi o último grande filósofo da Antigüidade.
Suas idéias serviram de intermediação entre o pensamento grego e
cristão.
A filosofia de Plotino tem como ponto de partida um princípio
cósmico chamado o Ser Absoluto, ou o Um. Assim, haveria uma alma
universal de onde emanariam todas as almas. Essa alma universal seria
o nous que é pura inteligência, dela emanaria a alma que faz fluir o
mundo que por sua vez faria fluir a alma dos homens e animais, até
chegar à matéria propriamente. Os seres humanos pertencem ao
mundo da inteligência e ao mundo dos sentidos. A noção de alma
assemelha-se as formulações de Platão. A alma habita o corpo e o corpo
é apenas um instrumento da alma. A alma é como um centro que está
ligado aos sentidos e apreende todas as percepções. É uma unidade que
atua em diferentes níveis e tem muitos poderes.
Plotino fala em um conhecimento de um mundo interior e também
o conhecimento de uma identidade individual. Ele dizia que o intelecto
percebe intelectualmente e que o intelecto vê intelectualmente. Faz
uma distinção entre a informação sensorial e a impressão que é
influenciada pela interpretação e pelo julgamento. Com isso, Plotino
parece reconhecer a existência de um mundo exterior e de um mundo
interior. A alma, mesmo habitando um corpo que não é seu, tem poder
para purificar a si mesma e libertar-se. Este poder não vem da ciência,
mas de um conhecimento intuitivo superior que culminará numa união
entre a alma individual e a alma universal. Este deve ser o grande
objetivo de todos os seres humanos.
O pensamento de Plotino exercerá grande influência em
Agostinho (354-430) um importante teólogo cristão. A seguir a teologia
cristã será a idéia dominante em um período que vai de 400 DC a 1450.

PARTE II: Psicologia dos Teólogos Cristãos

O Cristianismo foi um movimento que teve Jerusalém como


centro. As principais idéias do movimento originam em crenças místicas
da região da Galiléia anunciadas principalmente pela seita judaica dos
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essenos (arrependimento e batismo). Na verdade, havia na região do


Mar Mediterrâneo na época do surgimento do Cristianismo uma
preocupação popular com a situação da alma. As pessoas recorriam as
práticas religiosas para encontrar a purificação e a salvação de sua
alma. Neste clima conturbado o Cristianismo traz a mensagem de que
fim dos tempos está próximo. É chegado o momento de todos buscarem
o Reino de Deus através de uma conversão radical obtida pela fé.
Algumas passagens bíblicas ilustram a relação entre alma e corpo, e
também o diálogo entre os primeiros cristãos e os gregos.
A alma é considerada como o bem mais precioso do ser humano:
“Que aproveita ao homem ganhar a vida inteira e perder a sua alma?
Que daria um homem em troca de sua alma” (Marcos 8, 36-37). Todos
os seres humanos são igualmente importantes: “E quanto a vós outros
até os cabelos todos da cabeça estão contados” (Mateus 10, 30). O ser
humano é valorizado foi criado a imagem do Deus Altíssimo.
Os primeiros cristãos são judeus que entendiam a nova doutrina
não como alguma coisa completamente nova, mas como a continuidade
e o cumprimento da fé judaica. Era, portanto sua antítese e afirmação.
O primeiro grande teólogo cristão foi São Paulo, antes chamado Saulo
de Tarso, um judeu de cidadania romana e formação grega. Algumas
referências de Paulo aos gregos merecem atenção pelas diferenças que
vai estabelecendo entre os ensinamentos do Cristianismo e o
conhecimento grego. A primeira refere-se a diferença entre a sabedoria
dos gregos e a sabedoria de Deus: “Porque, como na sabedoria de Deus
o mundo não conheceu a Deus pela sabedoria, aprouve a Deus salvar os
crentes pela loucura da pregação. Porque os judeus pedem sinal e os
gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é
escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Porém para os que
são chamados, tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder
de Deus, e sabedoria de Deus” (I Cor. 1, 17-24). Em sua segunda
viagem, entre os anos 49-53, Paulo visitou Atenas onde falou ao povo e
debateu com os estóicos e com os epicuristas dizendo estar falando em
nome do Deus Desconhecido que era reverenciado em Atenas (Atos 17,
16-34).
Em síntese, o Cristianismo entende a alma como uma criação de
Deus. O conhecimento não pode fundamentar-se no critério grego da
evidência racional. Ele é possível através da fé que requer a superação
das “obras da carne”, a saber, “prostituição, impureza, lascívia,
idolatria, feitiçaria, inimizades, discórdias, invejas, bebedices,
glutonarias” (Gálatas 5, 20-21). O que não se pode saber através do
intelecto será conhecido pela graça de Deus. A prece e a meditação
substituem a observação e a análise. O amor é o fio condutor da ética e
é através do amor que aparecerão os frutos de uma vida virtuosa. Nos
próximos séculos a compreensão do comportamento humano e da
natureza da alma será decorrente de uma visão teológica de mundo
conforme revelação de Deus.
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Os livros de História de Psicologia destacam dois teólogos


cristãos. O primeiro deles é Santo Agostinho e o segundo é São Tomas
de Aquino.

4.7 Santo Agostinho


Santo Agostinho (354-430) nasceu na costa do Norte da África
(atualmente Argélia) filho de mãe cristã e pai pagão. Estudou retórica e
foi muito influenciado pela leitura do Tratado Hortensius de Cícero. Ele
disse que depois de estudar Cícero compreendeu que deveria estar
sempre em busca da verdade. Foi durante algum tempo um adepto de
uma seita persa chamada maniqueísmo. Esta seita pregava o princípio
da dualidade entre o Bem e o Mal e aconselhava a vida ascética. Logo
depois se tornou cético, pois não conseguia conciliar as contradições
doutrinárias dos maniqueístas. Por volta de 384, Agostinho vivia em
Milão onde lecionava retórica. Nesta cidade conheceu o neoplatonismo
de Plotino e influenciado por Santo Ambrósio converteu-se ao
Cristianismo.
Santo Agostinho esforçava-se muito para conhecer e entender a
vontade de Deus. O modo escolhido para concentrar-se neste seu
objetivo foi estudo da mais importante criação de Deus: o ser humano.
Foi um meticuloso observador da natureza humana fazendo algumas
observações que são descrições de estágios de desenvolvimento
psicológico. Por exemplo, sua descrição do crescimento da capacidade
de se concentrar da criança e de sua habilidade de comunicar o que ele
considerava ser muito mais uma força interna do que o resultado do
ensino dos pais. Deu muita importância ao conhecimento de si mesmo
com o argumento de que somente a alma era capaz de conhecer a
própria alma. É interessante notar que esta sua reflexão aparece em
sua autobiografia e em suas confissões. Ele dizia que a alma era capaz
de comandar o corpo sem muitas dificuldades, por exemplo, se a alma
manda o braço movimentar-se ele movimenta-se. No entanto, a maior
dificuldade da alma era obedecer a si mesma. Esta obediência só era
possível através da graça de Deus. O conhecimento de si mesmo
através da memória foi definido como sendo constituído de uma
realidade temporal e não espacial. Desta forma, entendia a vida interior
como uma experiência temporal.

O Cristianismo estabelece-se sofrendo muitas perseguições e


vendo seus lideres sendo martirizados. Gradativamente o número de
conversos foi crescendo e por volta do quarto século já era uma religião
com muitos adeptos. Atraiu inicialmente os pobres, contudo por volta
do século IV já era grande o número de adeptos entre as classes altas e
também entre as tropas do Império Romano. O imperador romano
Constantino impressionou-se com a unidade e o senso de universalidade
do Cristianismo e conseguiu implementar a união da Igreja com o
Estado. No entanto, os motivos que levaram a esta união ainda hoje são
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debate entre historiadores (Johnson, 1976). O que importa para nosso


estudo é que com o esfacelamento do Império Romano do Ocidente a foi
capaz de preservar os valores culturais romanos. Muitos bispos vinham
de famílias tradicionais romanas e assumiram as mais diversas funções
em suas cidades dioceses, tais como, administração, justiça e defesa.
Um problema comum em seitas ortodoxas é a dificuldade em
conviver com diferentes interpretações ou variações doutrinárias.
Diferenças interpretativas existiram no Cristianismo desde a primeira
reunião dos apóstolos em Jerusalém, como por exemplo, se a lei judaica
deveria ou não ser obedecida pelos gentios - conversos que não eram
judeus. A Igreja preserva sua tradição e unidade através dos bispos que
eram considerados como sucessores dos apóstolos. Interpretações
entendidas como divergente desta tradição eram consideradas heresias.
Naturalmente, o fortalecimento da Igreja resultou numa grande
perseguição de heresias e também de cultos pagãos. O ensino nas
escolas estava na mão de pagãos. Com a perseguição, os professores
foram desaparecendo e as escolas sendo fechadas. Foi o Imperador
Romano Justiniano que fechou em 529 a escola fundada por Platão que
ainda funcionava em Atenas. É chegada a idade das trevas, um período
que vai aproximadamente de 400 a 1450. Neste período a grande
referência para o pensamento cristão eram os escritos de Santo
Agostinho.
O conhecimento dos tempos helênicos foi preservado nos
mosteiros, no Império Romano do Oriente e pela civilização muçulmana
que já havia se espalhado pelo oriente. A religião Islã surge no século
VII DC e nos séculos VIII e VIX os escritos gregos eram estudados por
filósofos islâmicos. Os europeus só entraram em contato com o
pensamento oriental com as cruzadas que iniciaram no ano de 1097.
Foram estes contatos que possibilitaram o ressurgimento do
pensamento helênico na Europa. Nos séculos XII e XIII foram surgindo
universidades em Salerno, Bologna, Paris e Oxford. Nestas
universidades estudava-se literatura e antigos textos de Platão e
Aristóteles, a medicina de Galeno (129-199? - mais importante médico
da Antigüidade depois de Hipócrates e que terminou sua carreira
trabalhando em Roma), as leis de Justiniano, as Escrituras Sagradas e
os teólogos cristãos. A metodologia de estudo chamava-se escolástica e
consistia basicamente na análise verbal e na argumentação. Os
escolásticos eram cuidadosos com a terminologia, enfatizavam o estudo
sistemático e o raciocínio. No entanto, eram completamente
indiferentes aos fatos e a ciência.

4.8 Tomás de Aquino


Em 1259 um padre chamado Tomás de Aquino retornava de Roma
para Paris onde se envolveu em uma grande controvérsia. Em Paris
havia se formado um grupo de estudiosos de Aristóteles através das
traduções latinas que eram acompanhadas dos comentários de
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Averroës. A filosofia de Aristóteles mostrava a importância do


conhecimento empírico levando seus estudiosos compreender que
filosofia era independente da revelação. No entanto, tal posição entrava
em conflito com o pensamento ortodoxo da Igreja. A avaliação de
Aquino era de que não poderia ignorar a filosofia de Aristóteles e de
que não havia como combater os averronistas, como era chamado esse
grupo de filósofos. Restava a Aquino reconciliar os ensinos da origem
espiritual do homem de Agostinho com a autonomia do conhecimento
derivado dos sentidos de Aristóteles. Foi o que fez com elegância e
distinção.

Recapitulação

Neste ponto chamo atenção para os dois pontos centrais de nossa


leitura da história. O primeiro compõem-se das quatro perguntas de
trabalho que dão ao nosso estudo a perspectiva de como o
conhecimento vai sendo construído. A segunda chama atenção para os
ajustes que as idéias e teorias recebem para se conformar com outras
idéias e teorias. Assim, em vez de resumir a teoria de Aquino nos planos
ontológico, epistemológico, lógico e ético, vou oferecer uma análise de
quatro teorias: Platão, Aristóteles, Agostinho e Aquino. No final farei
alguns comentários sobre as contribuições de Aquino à psicologia. Para
análise a seguir baseio-me na História da Psicologia: Da Antiguidade
aos Nossos Dias de Fernand-Lucien Mueller (1968).
A diferença entre a “psicologia” dos filósofos gregos e dos
teólogos cristãos mostra-se claramente na definição de alma, nos modos
de conhecimento, nas justificativas lógicas e implicações éticas. O uso
do termo psicologia é pertinente tendo em vista que a definição de alma
corresponderá a uma concepção de psiquismo que, por sua vez,
determinará o modo de conhecimento, isto é, como ter acesso a esta
dada realidade, qual a coerência e consistência dos procedimentos de
acesso, e quais as prescrições práticas decorrentes.
Platão define a alma como reencarnável, incorpórea e
essencialmente moral. Assim, o verdadeiro conhecimento seria
alcançado através do afastamento do mundo sensível e do exercício de
uma capacidade de raciocinar que se manteria distante das sensações.
Essa capacidade seria atingível não através da matemática, que apesar
de possuir uma essência não se justifica a si mesma, mas por uma
habilidade de raciocinar dialeticamente (neste caso como um método de
dedução racional das formas). O esforço é necessário para chegar ao
conhecimento que preexiste na alma (as reminiscências).
Na psicologia de Aristóteles a alma é considerada o princípio da
vida animal e assume assim uma perspectiva biológica. Não é mais
entendida como algo independente, mas como uma função vital
(psiquismo) que coordena harmonicamente as diversas partes do corpo.
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A alma expressa todas as suas afecções (alegrias e tristezas, amor e


ódio) através do corpo e assim também o modifica. Temos então uma
condição metafísica em que a realidade psíquica constitui-se através de
um paralelismo entre alma enquanto substancialidade e corpo enquanto
instrumentalidade. Constrói-se o conhecimento (condição
epistemólogica) por intermédio das sensações corpóreas e do uso da
razão. A razão decodifica as qualidades reveladas pelos sentidos e
reúne-as em forma de conhecimento. Distingue-se o erro da verdade
(condição lógica), através de um exercício intelectivo que abrange a
informação sensorial, as representações da imaginação, os materiais
fornecidos pela memória e o raciocínio.
Agostinho e Aquino modificam estas psicologias para ajustá-las à
doutrina cristã. Agostinho, inspirado no neoplatonismo de Plotino,
valoriza a autonomia da alma não como algo reencarnado, mas como
dádiva do criador. Essa alma teria uma função vitalizante, sensitiva e
cognoscente e seria capaz, enquanto consciência imediata, de
apreender a si mesma. O conhecimento e suas produções intelectuais
como a arte, a literatura, a ciência e a política estariam ao alcance de
todos, mas sujeitos às flutuações da dúvida e dos equívocos. A
verdadeira sabedoria estaria não nas reminiscências da alma como
falava Platão, mas no desprendimento das seduções do mundo dos
sentidos e, principalmente, na purificação por iluminação divina (a fé
substituindo a lógica).
A construção do argumento epistemológico de Aquino reveste-se
de especial interesse para essa análise, desde que seu trabalho busca a
conciliação entre a filosofia naturalista de Aristóteles e a Teologia
Cristã de Agostinho. Aquino conceitua a alma como imaterial, unida ao
corpo sem intermediário e permanentemente orientada para o mundo
natural. Resolve o problema da primazia do mundo sensível
argumentando que se tratava de um mundo criado por Deus. Quanto ao
conhecimento, valoriza a razão como importante para decodificar e
apropriar-se das informações do mundo sensível, o que também não
seria problema pois a razão enquanto poder do intelecto era uma
dádiva de Deus.
As implicações práticas das definições metafísicas mostram-se
com mais clareza no plano axiológico. Platão, com a noção de uma alma
que contém em si mesma a sabedoria e a verdade, valoriza todo o
esforço no sentido de alcançar esta "via de libertação", que é o bem
absoluto e universal. Aristóteles, mais pragmaticamente, enfatiza a
importância do estudo da biologia, psicologia e política e define o bem
como um conceito racionalmente construído a partir da educação do
indivíduo. Agostinho coloca na ajuda do Criador todas as possibilidades
de uma vida virtuosa. E Aquino reconhece a importância da razão nas
decisões práticas, que devem estar baseadas nas leis naturais e nas leis
divinas, as quais complementam uma a outra. Adverte, todavia, que em
caso de conflito deve-se permanecer com a orientação da Igreja, que é
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infalível. O conflito existirá, segundo ele, por mau entendimento das


informações da ciência.
Fala-se muito da influência do helenismo no Cristianismo. Esta
análise exemplifica como o pensamento grego foi importante para abrir
as perspectivas e horizontes do mundo cristão.
Tomás de Aquino (1225-74), teólogo e filósofo italiano, foi
considerado o príncipe da escolástica. Vou destacar apenas uma
contribuição de Aquino que será muito importante para psicologias que
irão surgir no século XIX, trata-se do conceito de Intentio termo
emprestado de Avicena que quer dizer alcançar ou dirigir a mente para.
Aquino entendia que o conhecimento consiste na concordância da
forma do objeto com a forma da mente. Formula-se, assim o conceito de
intencionalidade ou referência. Na prática quer dizer que o intelecto
conhece a si mesmo não pela sua essência, mas pelos seus atos.
Apesar do esforço de Aquino foi impossível sustentar a escolástica
medieval. A verdade revelada parecia não mais atender as necessidades
emergentes e o conhecimento não poderia avançar apoiada unicamente
na reflexão e no raciocínio. Era necessário retornar ao mundo empírico,
observar a natureza e provar com evidências os argumentos oferecidos.
O mundo europeu estava aproximando-se de uma grande revolução.
Vislumbra-se ao longe o começo da era moderna. Não deixe de ler o
próximo emocionante capítulo da nossa história.

Esta aula foi baseada nos seguintes livros:


Brugger, W. (1987). Dicionário de Filosofia. São Paulo: E.P.U.
Hearnshaw, L. S. (1987). The shaping of modern psychology. London: Routledge.
Johnson P. (1976). A history of cristianity. London: Peguin Books.
Mora, J. F. (1988). Diccionario de Filosofia. Madrid: Alianza Editorial.
Mueller, J. B. (1968). História da Psicologia: Da antigüidade até aos nossos dias (Trad.
L. L. Oliveira,
M. A. Blandy & J. B. D. Penna). São Paulo: Companhia Editora Nacional.

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