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NÃO HÁ MAIS QUE O NADA

“Human kind cannot bear very much reality”

Four Quartets

“April is the cruelest month, breeding


lilacs out of the dead land, mixing
memory and desire, stirring
dull roots with spring rain”

The Waste Land

T. S. Eliot

Durante uma estadia na cidade de Colônia em 2000, para reunião acadêmica sobre o
impacto da mída na memória social, tive a oportunidade de visitar duas exposições
que me marcaram profundamente: a Körperwelten (Mundos Corpóreos), organizada
por Gunther von Hagens, e um conjunto de pinturas anônimas no Römisch
Germanisches Museum, a retratar a Peste Negra do século XV. A partir do sentimento
aflorado, catalisando as emoções da morte de minha mãe cerca de dois anos antes
(algo que eu havia buscado negar), resolvi ofertar, em meu retorno ao Brasil, a
disciplina “Formas e Motivos na Literatura Brasileira” focada no tema da morte, a
partir de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa e vários
poetas (especialmente Álvares de Azevedo e João Cabral de Melo Neto), no Programa
de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual de Londrina.

Um tanto de recolha emotiva, um tanto de exploração crítica. A experiência acabou


por matizar demais a minha pesquisa sobre o assunto, enveredado na ficção de Jorge
Amado, Cornelio Penna e na poesia de Ivan Junqueira. Com o tempo, acabei por
transformar a disciplina em algo mais amplo: “A morte na literatura e nas artes”. Sinal
disso é um conjunto razoável de teses e dissertações que orientei sobre a
representação da morte na literatura e nas artes. Sobressai, claro, o presente livro, vez
que nele estão capítulos de vários de meus ex-alunos, já pensados de forma
independente. Assim, sinto-me particularmente honrado em tecer essas considerações
iniciais, bastante perfunctórias, vez que o bom e profundo tratamento do assunto está
nas páginas seguintes.

No conjunto dos motivos da morte, a matéria do suicídio é sobremaneira importante


no contexto literário, dado o elevado número de textos a tratar do assunto,
particularmente pela índole trágica e/ou romântica ou de escritores que cometeram o
suicídio. Mas, essa qualidade a atiçar nosso raciocínio, pelo enfrentamento voluntário
da morte, afasta muitos, pelo medo social imposto, a tornar o tópico uma proposição
de quase epidemia temível e temerável (muito em razão de Goethe e seu Werther
enquanto fundamentos do romantismo ocidental).
O jornal New York Times, em resenha tratando de texto basilar (The Savage God),
afirma que A. Alvarez consegue transformar o assunto em algo belo. Aqui, parece-me,
reside todo o fundamento de qualquer abordagem literária (seja criativa ou crítica) do
suicídio, como tema ou como circunstância. Em outros termos, considerar o tema tem
vantagens e desvantagens, especialmente, repito, pela aura do proibido ou tabu.
Assim, a presente coletânea, tanto em sua primeira parte sobre a conceituação do
suicídio, quanto na parte seguinte onde se discute a representação do suicídio ou as
marcas biográficas de um suicida em sua obra literária, permite que haja um olhar
mais cuidado nas questões do estudo escolar de tais obras e autores, nas concepções
do suicídio e seus efeitos emotivos e nos critérios de canonização historiográfica.

Em “Burnt Norton”, o primeiro dos “Four Quartets” de T. S. Eliot, na epígrafe a abrir


esse texto, um pássaro diz que a humanidade não pode suportar muito a realidade.
Afinal, o que é a realidade nesse ponto? Tanto o passado quanto o futuro estão ali
nessa fala, presentes enquanto uma única coisa: a inexplicabilidade da vida. Afinal, se
somos e temos certeza de que somos (cogito ergo sum), sabemos que não seremos
mais em algum ponto da vida. Isso é inaceitável! Daí, buscarmos o divertimento das
Pensées de Blaise Pascal, evitando saber que haverá a morte. Estar diante dela, sem
medo, sem apego, é o fundamento do suicídio, mesmo que para muitos seja uma fuga
da realidade, visão talvez por demais cristã, na esteira da imitação de Cristo. Negar a
vida acaba destruindo a nossa própria vontade de viver por sua inconsequência. Ou
não sermos mais que o pó que é e continuará a ser pó, sem marcamos nada. O suicida
parece ter consciência disso ou, pelo menos, podemos pensar assim, diminuindo nossa
culpa e a dele.

O tratamento do assunto, mesmo que interessante sob o aspecto da frase de Virgílio:


felix qui potuit rerum cognoscere causas1, causa bastante reserva, especialmente no
ambiente escolar. Vários são os escritos que buscam evidenciar o perigo da exposição
de textos sobre o suicídio ou histórias de suicidas, especialmente entre jovens. Não é
de outra sorte a série de advertências ditas pelos atores no início da série 13 Reasons
Why (transposição do romance de Jay Asher). Berman e Schiff (2000)2 relatam sua
preocupação com os estudantes, vez que enfrentar certos assuntos poderia alterar o
estado de sua saúde mental; tudo começa com a oferta em 1994 de “Literary Suicide”,
uma disciplina pós-graduada na University at Albany. Com efeito, tanto no mundo
escolar quanto naquele mediático, existe um temor da possível influência de qualquer
situação “perigosa” aos alunos e ao público leitor/espectador, assunto que tem
provocado várias polêmicas recentes nas universidades. A classificação etária de obras
artísticas e a preocupação do Estado na proteção de crianças e adolescentes, por

1
Verso 490 do Livro II das Geórgicas
2
BERMAN, Jeffrey; SCHIFF, Jonathan. “Writing about Suicide”. Anderson, Charles M., Ed.; MacCurdy,
Marian M., Ed. Writing and Healing: Toward an Informed Practice. Refiguring English Studies. Disponível
em https://eric.ed.gov/?id=ED436788
extensão aos alunos universitários, são formas de cuidado. Parece-me que tais
circunstâncias censórias estão fundadas em dois modelos a tratar da influência da
comunicação na sociedade: aquele do cultivo, pela gradual acumulação de fatos pelo
indivíduo, proposto por Gerbner3 (1967), e o modelo da agulha hipodérmica, proposto
por Schramm4 (1982), capaz de transtornar as percepções da realidade e
comportamentos da sociedade. Obviamente, há uma longa história de tentativas de
segredo sobre o suicídio, evidenciando a larga preocupação com o assunto.

Lidar com o suicídio e literatura, quer como tabu quer como negação dele, como é o
caso dessa coletânea, se insere na tradição brasileira recente de uma crítica literária de
índole temática. Claro está que os primeiros textos estavam mais fundados nas
questões da raça, da cor, da pobreza, ou talvez, em síntese, das origens e motivações
nacionais. Vários autores, desde o Modernismo, criaram uma esteira de observação
macroscópica do universo literário. Importa menos o autor ou o momento,
prevalecendo as relações de causa e efeito. Mais recentemente, algumas abordagens
também pinçaram a nossa condição subalterna ou subdesenvolvida, que tanto
preocupou o romance regionalista de 30, como é o caso de David Brookshaw e de
Roberto Schwarz. No advento de uma crítica universitária mais engajada e mais
provocativa, as figuras femininas e feministas, a literatura gay, a violência contra
negros e pobres (ou negros pobres), no conjunto, mostram análises e interpretações
ideologicamente marcadas. Por outro lado, surgem tentativas de destaque de
marginalidades mais distantes, como a loucura e os hospícios, os males da saúde
contemporânea, e, por fim, o suicídio.

A parte inicial desse livro, sob a tutela de William André, Gustavo Ramos de Souza, Ana
Cecília de Carvalho e Rodolfo Rorato Londero, organizam, nos limites possíveis, a
presença do suicídio na literatura, o contexto do escritor suicida e sua motivação
psicanalítica. Muito da discussão introdutória funda-se na obra seminal de A. Alvarez,
com pinceladas de Maurice Blanchot, Albert Camus, Jacques Derrida e Jacques
Rancière; não poderia ser de outra forma, dada a sua condição já estabelecida.
Interessantemente, André aponta as abordagens amplas a tratar de muitos autores e
obras, partindo para um leque de especificidades que chama de operadores de leitura,
a fazer um punctum em obras e autores específicos. De ordem mais técnica, salta aos
olhos o material intitulado “Sobre o Conceito do Suicídio”, a que voltarei mais adiante.

Recomendo, com particular destaque, a visitação feita por Ana Cecília Carvalho ao
cânone dos escritores suicidas. Escrever pode ser uma solução, criar é também existir
ou não morrer. Há um perigo, obviamente, tentar usar do texto para encontrar a

3
GERBNER, G. “An Institutional Approach to Mass Communications Research.” In: Lee Thayer, ed.
Communication: Theory and Research: Proceedings of the First International Symposium. Springfield, Ill.:
Thomas, 1967.
4
SCHRAMM, W.; PORTER, W. E. Men, Women, Messages and Media. 2ª ed. New York: Harper & Row,
1982
motivação do suicida, algo por demais denso e indevassável. Os argumentos de
Carvalho fundam-se na teoria freudiana da sublimação, tornando-se matéria de
dúvida, logo de conhecimento acerca da escrita criativa, mesmo que disfuncional. A
fazer um decalque de sua proposição final, escrever é um ato a provocar o término da
vida, pois que exaurida.

Londero trata de assunto tangente àquilo que busquei como primeiro ponto dessa
digressão: a escrita literária é menos poluente e mais explicativa da emoção? Se em
outras áreas, usamos da ficcionalidade como forma de viver algo sem ter de ser, o
fingimento pessoano, no suicídio é o silêncio a única saída, ou há de se tratar do
assunto, falar, discutir, desta forma sentir-se menos solitário e menos sozinho? É pela
percepção estética que nos conhecemos, entendemos quem somos, mesmo em face
de estados depressivos ou melancólicos.

A incomodar profundamente, o suicídio desperta em nós várias atitudes judicativas ou


tentativas de explicação da vontade de morrer. O material de André acerca do
conceito do suicídio lista e comenta as defesas e os ataques ao suicida. Aquele que
terminou sua vida pode ser um covarde, um bom cidadão ou alguém em quem a
felicidade inexiste, dentre as várias possibilidades. Bastante centrado na religião e seu
dogmático “não matarás”, o conceito do suicídio mostra-se um atentado ao ditame
social, um grito individual de liberdade e a suprema negação da vontade divina, na
mitologia ocidental. Em Melancholia, recente filme de Lars von Trier, em que a
imagem shakespeariana de Ofélia se mostra mais que significativa tanto pela pintura
de John Everett Millais quanto pela fluidez mimética da personagem Justine, o estado
de desespero diante da morte iminente provoca na personagem John um abandono,
uma saída, um controle de si mesmo, para morrer antes de morrer. Nesse aspecto,
ainda na sequência narrativa de Melancholia, como julgar aquele que decide sobre sua
própria morte?

Entretanto, em pequeno adendo, gostaria de tratar de duas figuras psicológicas afeitas


ao suicídio. Uma delas é a destruição de constructos familiares pelo suicídio, como
anotou Margaret Higonnet (2000)5, ou os sobreviventes do suicídio, como propôs
Jeffrey Berman6 no capítulo “Soul Mates and Silent Suffering”, retomando o problema
do estudo escolar de obras literárias onde há suicídio. Em outros momentos e escritos,
tenho defendido a existência de uma figura particular, aquela do “deixado”, que é
aquele morre junto com o morto, passando a ser um novo eu: o ser-que-vive-a-
carregar-o-ser-que-morreu.

Esse compromisso social, que remonta literariamente a Antígona de Sófocles, mostra a


experiência de ter em si a memória que se foi, que terminou, que não há mais, mas

5 HIGONNET, Margaret. “Frames of female suicide”. Studies in the Novel, vol. 32, n. 2, summer 2000, pp.
229-242.
6
BERMAN, Jeffrey. Surviving Literary Suicide. Amherst: University of Massachussets Press, 1999.
resilientemente se mostra no que se sente deixado. Somos todos deixados de uma
forma ou de outra por aqueles que se foram, daí o adágio pesado elegíaco do ubi sunt
qui ante nos fuerunt. Quando pensamos triste e saudosamente naqueles que se foram,
precisamos perceber que também fomos, deixamos de ser, nascemos com outra
figuração, aquela de carregar, como Teresa Batista ou Paulo Honório, os mortos. Nada
mais a propósito que a expressão em Lucas 9: 59-62 – que os mortos enterrem seus
mortos. Essa consciência de que há aqueles que se supõem vivos, entretanto mortos,
na fala de Cristo, nos agride frontalmente por termos aversão à noção de nossa
própria finitude. Entretanto, anotando a ilustração dada a mim por Orna Levin, não há
aí uma sobrevivência, em geral termo que denota a culpa daqueles que passaram por
circunstâncias absurdas, quer em acidentes quer em holocaustos, quando seguem
vivendo quando não mais deveriam viver. Insisto na figura do deixado pela sensação
do vazio provocado, na ordem natural das coisas, quando a primavera também resulta
na aceitação da morte do que não pode mais viver, como se lê no trecho de “The
Burial of the Dead”, a segunda epígrafe desse texto.

A outra figura psicológica importante, ainda que rara em termos literários, é daquele
que tenta o suicídio e não morre. Quer dizer, pária, caminha com o estigma do
insucesso e o pecado de ter atentado contra a própria vida e contra Deus, se aceito
esse último contexto. Essa culpa imensa, que vemos em alguns textos literários
daqueles que tentaram o suicídio várias vezes até ter sucesso, os transtorna, como
mortos que são e não são, distanciados da vida, marcados pela tristeza e pelo
abandono, inclusive e principalmente familiar.

A segunda e mais larga parte desse livro, com capítulos de Gabriel Pinezi, Lara Luiza
Oliveira Amaral, Renan Pavini, Gustavo Ramos de Souza, Ricardo Augusto Lima,
Adriana Soares de Almeida e Luzia Aparecida Berloffa Tofalini, é uma recolha e uma
visitação de autores e obras, alguns já muitas vezes citados por esse matiz, o do
suicídio como solução, mesmo que moralmente reprovável para muitos de nós. As
ilações e apontamentos, apesar do cânone, têm o poder de discutir a qualidade da arte
enquanto exercício de futurição, quer dizer, de enfrentamento da morte. Claro que há
novidades nas páginas seguintes, mas noticiá-las aqui significa talvez ler erroneamente
a sua capacidade significativa. Essa condição da visita feita pelos autores marca um
elemento historiográfico importante – a aura de orgulho e de admiração pelas obras
de escritores que cometeram o suicídio. Mais que a vida ceifada antes da hora, quando
diante de genialidades como foi o caso da doença de Álvares de Azevedo e do acidente
de Mário Faustino, o suicídio de escritores transtorna o cânone literário pela qualidade
singular, tanto pelo fim de vida inesperado, abrupto e devastador quanto pela
profundidade psicológica que muitos trouxeram para seus textos, com é o caso de
Cesare Pavese e Sylvia Plath.
Fico ao cabo com o título desse texto, não há mais que o nada, mas isso não quer dizer
que seja ruim – é uma conclusão, a vida com sentido seria vivida. Albert Camus (2010:
42) diz que “um homem sem esperança e consciente de sê-lo não pertence mais ao
futuro”7, aquela condição em que o homem se vê vazio. Talvez seja um argumento que
motiva a contemplação do suicídio como apenas um episódio, mas que dói demais em
nós que aqui estamos.

7
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: BestBolso, 2010.

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