Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
1. Não é demais lembrar que as consequências jurídicas do crime são tidas, amiúde, como
uma espécie de «parente pobre» da ciência do Direito Penal, não apenas no nosso país,
mas em outros Estados que partilham de idêntico substracto jurídico-cultural (1). Nas
palavras de NUVOLONE (2), «um facto simplesmente acessório, apesar de ser um dos
pilares do sistema». E isto não obstante os esforços de vários autores que,
como BONNEVILLE DE MARSANGY (3), sempre consideraram esta disciplina da dogmática
criminal, no contexto da «ciência conjunta do Direito Penal», como fundamental para a
«verdadeira utilidade social».
Se bem virmos, por certo em uma «unidade funcional» (adaptando a expressão de ZIPF,
usada em outro contexto), onde por vezes se não deslinda onde começa uma e acaba a
outra, a Rechtsfolg cumpre todas estas funções, sem excepção. Não apenas se exige um
conhecimento científico delas - e cada vez mais apurado, fruto dos desafios que a
globalização (4) coloca crescentemente ao nosso ramo de Direito -, o qual é essencial para
uma aplicação respeitadora de parâmetros constitucionais como a proporcionalidade e a
igualdade, com a plena juridificação da determinação da pena - até cerca do séc. XIX
considerada como uma «arte do julgador», uma tarefa que se achava excluída da
racionalidade jurídica e, por isso, da sua controlabilidade por via recursória -, como se
mostra essencial o estudo das consequências jurídicas da pena ou das medidas de
segurança para qualquer operador judiciário.
Com razão afirma FLETCHER (5) (e que aqui adaptamos) que, comparado o sistema
do common law com o do civil law, o papel da pena é de maior centralidade no primeiro.
Desde logo, toda e qualquer teoria sobre a legitimidade, legitimação, função ou funções e
finalidade ou finalidades do nosso ramo de Direito começa sempre pelo entendimento do
que seja a pena criminal, na medida em que ela é o centro gravitacional de qualquer
dessas magnas questões. Qualquer filosofia penal começa pela filosofia sancionatória e
não do sistema dogmático qua tale, em que parece entender a ciência penal alemã,
sobretudo, que o essencial se resolve. Donde, sendo diferente o ponto de partida, não é
de estranhar que as consequências jurídicas do facto ilícito venham ganhando, no espaço
anglo-saxónico, um relevo maior do que na Europa continental, bastando apontar os
estudos de HART, RAWLS, FEINBERG ou MORRIS.
O que vem de dizer-se não é contrariado pelo facto de, também na Alemanha, autores
existirem que reflectem esta importância do «pensamento do problema» sobre o do
«sistema» (6), como se dirá de seguida. Na verdade, ANDROULAKIS (7) salienta a
importância de uma concepção em que a pena assuma um primado sobre o conceito de
delito. Depois de verificar os enormes desencontros em termos da dogmática - em que não
há sequer unanimidade quanto à definição do conceito de crime (8) -, o autor sugere que
uma boa forma de melhor compreendermos o nosso ramo de Direito passa pela análise da
noção de «pena». Chega mesmo a propor uma formulação: «é um sofrimento previsto na
lei, ou seja, um tratamento estigmatizante e constrangedor, imposto a um dado sujeito pelo
Estado, como expressão da sua especial desaprovação pela violação de uma determinada
norma imposta contra um comportamento, para que seja percepcionado como tal» (9). O
segmento «expressão de especial desaprovação» é, para ANDROULAKIS, o cerne da noção
proposta - aquilo que designa por «função expressiva da pena» (expressive Funktion der
Strafe), uma verdadeira atitude de raiva e de indignação dirigida aos agentes dos delitos,
numa palavra, a institucionalização de tais emoções (10). Sendo exacto que a pena não é o
único meio de controlo social (muito ao invés, continuamos a insistir no seu cariz de ultima
ratio), enquanto ela for o principal meio de resposta ao crime já perpetrado, não pode
deixar de se reconhecer um primado do conceito de pena sobre o de crime (11).
3. Assim enquadrados, diremos, ab initio, que, apesar de a pena substitutiva ser uma pena
em si mesma, ela surge na sequência lógica e judicial de uma pena principal. Donde,
existe uma relação umbilical entre ambas, porquanto a primeira inexiste sem a segunda.
Por certo se não trata do mesmo tipo de relacionamento que intercede entre a sanção
principal e a acessória - já perfunctoriamente visto -, desde logo na medida em que esta
última é aplicada ao lado da primeira, para além dela, assim reforçando os seus efeitos.
Aqui, na pena de substituição, é esta mesma - e só ela - que deve ser adimplida, sem que,
não obstante, a sanção principal desapareça. Ela encontra-se em estado que poderíamos
qualificar de «reserva», de «quiescência», aguardando pelo modo como o condenado se
comportará em face da pena de substituição.
Nos casos de incumprimento, a pena principal não renasce propriamente, pois ela nunca
deixou de existir juridicamente, mas pura e simplesmente aplica-se com toda a
legitimidade político-criminal e dogmática de que estava desde o início investida (24). Há,
assim, um mecanismo similar ao de uma condição aposta à pena principal quando objecto
de substituição: ela só produz os seus efeitos se e na medida em que a sanção
substitutiva for inadimplida. Aproxima-se, pois, a pena principal, da condição suspensiva e
a pena de substituição da condição resolutiva (começa desde logo a produzir efeitos, os
quais cessam na hipótese de superveniência de um evento futuro e incerto - o respectivo
incumprimento).
Adentrando no conceito de uma pena de substituição, cumpre agora sublinhar que o efeito
de coisa julgada abarca a pena principal e a de substituição, havendo, logo na decisão, um
sistema de vasos comunicantes entre ambas, pois todos os sujeitos e intervenientes
processuais (e a comunidade em geral, por certo) sabem que a segunda se aplicará uma
vez falhado o cumprimento da primeira. Donde, existe, como aliás já tivemos ocasião de
referir em outro local (25), uma cláusula rebus sic stantibus aposta em todos os processos
em que o juiz decide pela aplicação de uma pena substitutiva. Dito de outro modo: a
sanção determinada em vez da principal mantém-se se tudo o mais se mantiver constante,
o que, aqui, vale por dizer, se a substituição for bem-sucedida. Não o sendo, sem qualquer
escolho do prisma do efeito de caso julgado, é a pena principal que se aplica, realizado
que seja o juízo de que os desideratos da sanção substitutiva não foram cumpridos pelo
condenado, atenta a circunstância de que - e bem - o nosso sistema não estabelece uma
revogação imediata e obrigatória da pena substitutiva.
Apesar de a pena de substituição dever observar uma série de características que lhe
permitam arvorar-se em satisfação das necessidades punitivas do Estado em vez da pena
principal, isso não importa que ambas sejam realidades iguais. Não o são nos respectivos
conteúdos, na forma como surgem na sequência de uma decisão judicial, no percurso
histórico e nas preocupações político-criminais a que cada uma delas teve e tem de dar
resposta. De jeito necessariamente resumido, pois esperamos que a verdadeira amplitude
fique clara: o conteúdo de uma pena substitutiva, podendo embora importar a privação de
liberdade (pense-se nos artigos 44.º a 46.º do CP (26)), não o faz da mesma forma que a
pena de prisão, já que assegura a manutenção do máximo de laços sociais, familiares,
laborais e económicos que sempre se partem em uma reclusão permanentemente
executada no tempo e o seu núcleo por excelência são as cumpridas na comunidade; as
penas substitutivas surgem logo determinadas na decisão judicial e são de aplicação
imediata, apenas sendo revogadas aberto um incidente processual de incumprimento, ao
passo que a sanção principal, também ela fixada pelo tribunal, importa que o juiz (ou
juízes), quando legalmente admissível, ponderaram a sua substituição por outras penas,
em regra menos gravosas para o agente, mas entenderam que elas não cumpririam as
finalidades punitivas; a história das sanções em análise e a sua intencionalidade político-
criminal ancoram-se nos efeitos criminógenos da pena de prisão e na luta contra as de
curta duração, exactamente por se considerar que as substitutivas correspondem a um
«ponto óptimo» mais conseguido face ao que, entre nós, determina o art. 40.º
Vejamos, agora, o que distingue as penas de substituição dos incidentes de execução da
pena.
Em primeiro lugar, o momento no iter decisório e no processo penal em que ambas
surgem. As penas substitutivas integram o momento da escolha da pena, uma vez
determinada a sua medida concreta - ou, antes disso, logo ao nível do tipo, nas hipóteses
de multa alternativa -, ao passo que o incidente de execução, como desde logo a
designação inculca, importa que se esteja já em fase pós-sentencial, havendo
necessidade de modificar algo aos exactos termos em que a sanção foi judicialmente
determinada. Como incidente, trata-se de um conjunto de actos processuais com uma
finalidade própria, que pode ou não ocorrer e que, não contendendo directamente com a
medida concreta da pena, afecta o respectivo cumprimento.
Por outro lado, e relacionado com o que vem de dizer-se, dogmaticamente, as penas
substitutivas constituem uma categoria autónoma, com uma intencionalidade político-
criminal específica, ao passo que o incidente de execução não é dotado dessa mesma
autonomia, desenrolando-se na dependência de uma sanção principal ou acessória.
Donde, se às penas substitutivas se apontam finalidades preventivas, no incidente de
execução da pena não são esses objectivos directamente chamados à colação. Do que se
trata, ao menos de jeito imediato, é de resolver um problema que surge na fase pós-
sentencial, determinado ou pelo inadimplemento do condenado das obrigações que a pena
principal ou acessória sobre si fazia impender, ou de, à luz de finalidades preventivas -
gerais e especiais, embora com maior relevo para estas últimas -, modificar o modo de
cumprimento da pena, quase sempre no que diz respeito ao locus da execução e ao
catálogo de obrigações que o condenado deverá adimplir.
Nas palavras de BELEZA DOS SANTOS (27), incidente de execução contende com «todas as
dúvidas de carácter contencioso acerca da interpretação, aplicação ou eficácia da
sentença condenatória», o que nos parece uma noção demasiado sintética e condensada
para nos habilitar hoje a compreender o que está em causa.
Por certo existem também semelhanças entre as realidades em estudo. O incidente pode
ocorrer tendo por base uma situação de cumprimento ou de incumprimento da pena
principal ou acessória. A sanção de substituição de per se, sendo determinada em vez da
principal, é fixada pelo juiz sob condição do respectivo cumprimento, sob pena de se
aplicar aquela que ela substitui. No que contende com as hipóteses de adimplemento, o
incidente de execução visa uma forma de cumprimento sancionatório mais favorável ao
condenado, i. e., implicando um menor quantum de sofrimento, tal como, em regra, nas
penas substitutivas, isso também sucede para o condenado. Nos casos de incumprimento,
em sede de incidente, a consequência desfavorável é o retorno ao modelo executivo
anterior, com outras eventuais desvantagens. Nas penas de substituição, o
inadimplemento conduz à aplicação da pena que se visava substituir. Donde, bem se pode
dizer que quando o incidente de execução ou a sanção substitutiva são determinados, a
intencionalidade que lhes preside é a de um regime mais favorável em sede de prevenção
especial, desde que tal não contenda com a função de asseguramento do limiar de
protecção do ordenamento jurídico.
Assim, p. ex., não se duvida que a liberdade condicional seja um incidente de execução da
pena de prisão, assim como as formas de liquidação da sanção pecuniária ou o
incumprimento das obrigações derivadas da falta de entrega do título habilitador de
condução na pena acessória do art. 69.o Em todos eles estamos já em fase pós-
sentencial, havendo, em muitas delas, uma mudança de lugar de cumprimento da pena -
que deixa de ser a prisão para passar a ser o domicílio do condenado ou outro local
adequado, ou até mesmo a sua restituição à liberdade, embora onerada com deveres,
regras de conduta e/ou regime de prova.
Existem consequências práticas na caracterização de uma dada realidade como pena de
substituição ou incidente de execução. De facto, quando uma pena de substituição não é
cumprida, deveria aplicar-se in totum a sanção principal, sem que houvesse qualquer tipo
de desconto ou de uma circunstância favorável ao agente pelo tempo em que os ditames
da pena substitutiva foram observados. Já nos casos de incidente de execução, de que é
exemplo a liberdade condicional, é ainda hoje discutido se se opera ou não tal desconto,
exactamente porque a pena continuou a ser cumprida, mas através de uma outra
modalidade (28). Nas penas substitutivas, atento o seu regime condicional, a pena principal
não está a ser cumprida no momento em que a substitutiva o está a ser. Um mês de
adimplemento das injunções impostas em sede de pena suspensa que, entretanto, é
revogada por incumprimento, não significa que a pena principal de prisão tenha sido já
cumprida em um mês e que haja, por isso, de proceder ao respectivo desconto. Muito pelo
contrário, atento o regime condicional a que está sujeita - repita-se -, a sanção substitutiva
só se acha cumprida no final quando, ponto por ponto, a mesma não tenha conhecido
incumprimentos ou, pelo menos, inadimplementos que o juiz entenda que possam
comprometer os desideratos que animaram a sua determinação. Donde, em apertada
síntese, para além do momento do trânsito em julgado, indagar sobre se a pena principal
está ou não a ser cumprida de uma outra forma e se esse período de tempo equivale, por
isso, a tempo efectivo de cumprimento, é, nas situações de maior dúvida, o critério
operativo que julgamos essencial para distinguir a pena substitutiva do incidente
executivo.
Se o critério distintivo fosse o que vem de propor-se, prima facie, então, para sermos
congruentes, não deveria existir, de iure condendo, qualquer desconto quando apenas
uma parte da pena de substituição fosse cumprida. Nem se diga, p. ex., que em hipóteses
como a da pena de PTFC, como se verá a seguir, o envolvimento do condenado é mais
forte que nas demais, o que justificaria um tratamento mais favorável. Por um lado, em
abstracto, a afirmação não é exacta, porquanto casos existem (pena suspensa com regime
de prova, todas as penas de substituição detentivas) em que outras sanções substitutivas
podem ser tão ou mais gravosas para quem a cumpre.
As diferenças práticas esbatem-se cada vez mais entre os incidentes de execução da
pena e a sanção substitutiva, ao ponto de julgarmos poder afirmar que a diferença central
entre ambos é, para além de o incidente ser pós-sentencial, a existência prévia ou não da
determinação judicial de uma sanção que se prevê seja cumprida totalmente através de
uma outra pena (de substituição), ao passo que nos incidentes de execução a pena
(principal ou acessória) não é substituída (29). Mais tarde, por via de norma legal, de um
incumprimento ou de outro motivo, tem de se abrir uma tramitação com uma
intencionalidade própria, mas que decorre no âmbito da pena principal ou acessória e na
sua estrita dependência.
1. Porventura um dos desafios mais prementes que se colocam à matéria de que curamos
contende com a manutenção das penas substitutivas como sendo percepcionadas pelos
operadores judiciários, pelos agentes de crimes, pelas vítimas e pela comunidade no seu
conjunto como verdadeiras penas e não como «simulacros». Isso mesmo é assumido pelo
legislador na exposição que acompanhou a Revisão de 1995 do CP, em que se verificava
que a prática judiciária de 1982 até aí apontava para um uso da pena suspensa em
domínios onde seria preferível lançar mão da multa, «gerando-se a ideia de uma «quase
absolvição», ou de impunidade do delinquente primário, com descrédito para a justiça
penal» (30). Na verdade, a umbilical relação delas à ressocialização reclama, como bem
refere, entre outros, DOLCINI, que as sanções em estudo sejam dotadas de um grau de
efectividade que se aproxime, normativamente, daquele que se atribui às penas principais
(31).
É nossa convicção que as penas substitutivas só cumprirão em absoluto o seu papel se e
na medida em que forem percepcionadas pelo agente e pela comunidade
como verdadeiras sanções e que, embora em termos normativos (e não naturalísticos) se
assemelhem às penas principais. Ora, tal importa que as mesmas sejam eficazes e fiáveis,
ou seja, que não sejam um arremedo de pena, um modo encapotado de descriminalização
ou de despenalização. De outro modo, elas arriscam-se a ser um simulacro de penas e,
com isso, um instrumento de net-widening. Ora, este é um risco muito considerável, como
vem sido apontado pela doutrina alemã. A coberto de uma maior influência da análise
económica do Direito, os fenómenos de diversão e, em outra direcção, também as penas
de substituição podem transforma-se em «uma capitulação dos esforços de uma
descriminalização de Direito substantivo» (32).
Elas não se traduzem - ou não devem traduzir-se - em uma lassidão do sistema criminal,
mas sim em uma opção racional entre alternativas que, normativamente, desempenham
as mesmas funções e que, assim sendo, cumprem de modo similar as finalidades da
intervenção penal. Nas palavras de VON HIRSCH, as sanções de que tratamos «devem ser
de forma a poderem ser auto-suportadas por uma pessoa com uma coragem razoável»
(33). Daí o sublinhado que temos dado à efectividade, certeza e eficácia das medidas
substitutivas. Por outras palavras, não é seguro que elas conduzam a menos Direito Penal,
mas sim a um diferente modo de intervenção criminal. É este o desafio central em toda a
matéria.
O ideal seria uma efectividade na proporcionalidade, seja a dita «efectividade
instrumental» (efeito de protecção), seja a «efectividade simbólica» (a qual apela e tenta
um efeito de coesão) ou a «efectividade pedagógica» (efeito de aprendizagem) (34).
Apesar de não resultar expressamente do elemento literal, cremos que é para aí que
apontam instrumentos de soft law (35).
Esta preocupação com a efectividade das penas substitutiva, que assumimos como
um Leitmotiv, tem conhecido eco relevante na jurisprudência que, de modo diríamos
unânime, tem negado provimento a recursos em que uma reacção de substituição
incumprida se deseja, depois, substituir uma vez mais, furtando-se o agente à pena
principal (36).
2. À luz destes que, para nós, são critérios-rectores em todas as penas substitutivas,
vejamos um pouco mais de perto o regime da multa a que se refere o art. 43.º, n.ºs 1 e 2.
O primeiro não estabelece um critério directo quanto à correspondência entre o número de
dias de prisão como pena principal e o número de dias de multa (37), o que tem suscitado
algum debate doutrinal e jurisprudencial quanto a saber se o critério deverá ser automático
(1 dia de prisão, 1 dia de multa) ou normativo. Sobre a questão, que aqui somente releva
para ilustrar a importância do juízo autónomo também sobre a multa de substituição, já se
debruçou o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 8/2013 (38), em termos que
merecem a nossa concordância.
A orientação tirada foi no sentido de que «a pena de multa que resulte, nos termos dos
atuais artigos 43.º, n.º 1, e 47.º, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não
superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 ao
artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para
a prisão substituída» (39). Ora, o dado saliente é o de que, ao remeter o juiz para um
critério normativo, em que o número de dias de multa pode ser superior ou inferior ao de
dias de privação de liberdade, tal como o mesmo art. 43.º, n.º 1 remete para o art. 47.º, tal
significa que, por seu turno, ordenando este último a aplicação dos «critérios estabelecidos
no n.º 1 do artigo 71.º», quanto à primeira fase de determinação da sanção pecuniária, há
uma remissão directa para a «culpa do agente e [as] exigências de prevenção».
Anote-se, de seguida, que, mesmo em face da redacção do art. 43.º, para medidas
concretas da pena até um ano, somos de parecer que inexiste uma preferência legislativa
(40) no sentido da aplicação da multa de substituição em face das demais sanções não
detentivas que ao caso cabem (pena de PTFC, pena suspensa, pena do art. 43.º, n.º 3, se
conexionados os crimes com a pena de substituição, art. 44.º, n.º 1). Poder-se-ia
argumentar, pelo contrário, que esta preferência pela reacção pecuniária se justificaria por
via do facto de a pena de multa ter sido vista, durante muito tempo, praticamente como a
única substituição à pena privativa de liberdade. Mais ainda, as suas vantagens em termos
de evitar a perda dos laços sociais do condenado, a que acrescem vantagens pecuniárias
para o Estado (seria farisaico omiti-las), terão contribuído para esta opção. Todavia, não
está demonstrado, do prisma político-criminal ou por intermédio de estudos criminológicos,
que a pena de multa importe mais benefícios quando comparada com outras sanções
substitutivas. E isto quer em termos de diminuição da taxa de reincidência - factor de
medida do sucesso directamente relacionado com o outcome da medida -, quer de um
prisma teorético em sede de vantagens mais pronunciadas da pena pecuniária. V. g., os
benefícios societais decorrentes da prestação de trabalho podem, ao invés, suplantar
aqueles que derivam de uma simples limitação do património do condenado que,
comparado com a pena de PTFC, não importa o quantum de maior esforço pessoal
daquele sobre quem impende a pena e que, por isso, de modo mais fundado, se espera
que a sinta como mais directa e imediatamente conexionada com o facto criminoso e com
a personalidade demonstrada na comissão. Uma última nota neste ponto: o legislador
partiu da diferença de limitação de direitos fundamentais em cada uma das penas
substitutivas, do seu conteúdo, portanto, e, a partir daí, desenhou o recorte de regime de
cada uma delas. Sucede, todavia, que se não pode, em abstracto, afirmar que um desses
conteúdos é mais gravoso que outro, tudo dependendo de um conjunto de factores
atinentes ao agente e ao facto. Assim sendo, não admira que seja difícil ao legislador,
como vimos, decidir sobre se o cumprimento parcial de uma pena substitutiva deve ou não
ser objecto de desconto, existindo regimes bastante diversos, como sublinhado, e, em
alguns aspectos, injustos. Assim, regras de conduta e/ou deveres no âmbito de uma pena
suspensa podem afectar esses direitos fundamentais em medida não despicienda e,
mesmo assim, não são descontados na pena principal se incumpridos in totum, ao invés
do que sucede, p. ex., com a pena de PTFC. Dir-se-á, nesta última, que o input favorável
desde logo do prisma da percepção comunitária conduziu a um tratamento
privilegiado. Limitação de direitos do condenado, efeito preventivo-geral e especial, são
esses os elementos a ter em conta na concreta modelação das reacções substitutivas e
que, visto nem sempre correrem em idêntico sentido, explicam a existência de irritações
intra-sistemáticas, tantas vezes de difícil explicação, impossibilitando, por outro lado, a
construção de uma verdadeira «teoria geral das penas de substituição». Parte-se do
específico conteúdo para a formulação de regras de regime, admitindo a maleabilidade
das medidas em estudo. Não se trata de algo necessariamente negativo, porquanto
confere ao juiz um amplo espaço de latitude no momento da escolha da pena, melhor a
adequando ao disposto no art. 40.º, sendo, ainda, o reconhecimento da existência de
vasos comunicantes entre as singulares penas, o que bem se compreende depois da
digressão histórica que fizemos e da análise dos seus pressupostos político-criminais.
O que vem de dizer-se não significa que, na questão essencialmente jurisprudencial de
saber se existe ou não uma hierarquia entre as penas substitutivas, nos pronunciemos em
sentido afirmativo. Muito ao invés, sob pena de criarmos um falso dever jurídico sem
adesão à realidade e, paradoxalmente, sem consequências jurídicas, é para nós exacto
que se não pode defender a existência de uma verdadeira hierarquia legal das penas
substitutivas (41). A plasticidade das construções normativas em que elas se precipitam
ficaria a perder no que tange à maleabilidade da sua aplicação judicativa se se
patrocinasse um tal espartilho. Por outras palavras, embora se possa dizer que, como
regra, as penas de substituição detentivas são mais gravosas para o condenado que as
não detentivas, em relação a todas as outras possíveis comparações, surge-nos como
quase impossível, em abstracto, estabelecer uma graduação. Por um lado,
o Tatbestand de cada uma das sanções não permite dizer, p. ex., que a multa é mais
grave que a pena de PTFC, desde logo porque mesmo analisando-a em perspectiva
económica, aquilo que representa um prejuízo para o condenado pode bem ditar uma
inversa ordem (42). Por outro lado, elaborando agora um juízo in concreto, mantendo-nos
no mesmo exemplo, uma pena de multa em valor elevado pode ser mais grave do que
uma prestação laboral ou do que uma suspensão do exercício de uma função que ao caso
eventualmente coubesse. A impossibilidade de apreender um mais grave conteúdo de
sofrimento para o agente do crime, em abstracto, leva-nos, por fim, como argumento
suplementar, a patrocinar a posição que nega a existência de uma hierarquia (legal) entre
as diferentes penas substitutivas.
2. Em súmula: temos por correcto o entendimento de que uma pena de prisão substituída
por multa, quando não liquidada, importa o cumprimento da totalidade da sanção privativa
de liberdade, sem que seja possível a prestação de trabalho (54). Não apenas o art. 43.º
depõe neste sentido, como se estaria a admitir uma substituição da substituição, que faria
inapelavelmente ressentirem-se as exigências de certeza e efectividade que defendemos
para a matéria em estudo (55). Sobre o mesmo tópico, com interesse, veja-se ainda o ac.
do TRP (56), onde se ressalta a autonomia doutrinal e sistemática da multa de substituição
por relação à multa como pena principal.
Este aresto é ainda importante pelo voto de vencido lavrado por PEDRO VAZ PATTO, que se
pronuncia no sentido de que devia aplicar-se o vertido no art. 49.º, n.º 2 ao art. 43.º por
razões de coerência do sistema, de respeito pelo princípio político-criminal de luta contra
as penas curtas de prisão e pela circunstância de que se preferem as reacções não
detentiva às detentivas. Permitimo-nos discordar desta posição, desde logo porque não
achamos que o legislador não tenha feito uma referência expressa ao art. 49.º, n.º 2 por
lhe ter parecido que tal seria redundante em face das preocupações político-criminais do
sistema. Trata-se da presunção de um sentido que, sendo exacto que é orientado do
prisma político-criminal de jeito correcto, esquece que também se deve presumir que o
legislador se soube exprimir nos termos mais acertados. Por outro lado - e sobretudo -,
não se pode esquecer a assinalada diferença dogmática entre as duas penas de multa e
que o incumprimento pelo agente importa o falhanço do juízo de prognose, o que deve
determinar o adimplemento da sanção inicial fixada, sob pena de a efectividade das penas
de substituição ficar comprometida. Na mesma linha de orientação, embora em matéria
não coincidente, mas também eivado de preocupações de garantia da confiança
comunitária nas penas de substituição, cf. o ac. do TRP (57): «II — Não é possível
substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, depois de revogada a
suspensão da execução da pena de prisão.». Ainda, o ac. do TRG (58), com razão
afirmando que, em caso de revogação da pena suspensa sujeita ao dever do art. 51.º, n.º
1, al. a), mesmo que a indemnização neste último prevista seja paga, nem por isso deixa
de se aplicar a pena principal.
Em uma palavra, embora com fundamentação não coincidente in totum, é nossa convicção
que a razão - recorrendo a uma hermenêutica teleologicamente fundada e fundante,
respeitadora das decisões do legislador e da diversa natureza e configuração jurídico-
dogmática das duas modalidades de pena pecuniária - assistia aos ilustres três
Conselheiros que votaram vencidos.
______________________________________
(1)Verifica-o, entre nós, p. ex., JOÃO LUÍS DE MORAES ROCHA, «Da brandura de costumes à
execução das penas», in: Ousar Integrar, 8, 4 (2011), p. 109, bem como NUNO
CAIADO/TERESA LOPES, «Inovar a execução das penas — a associação da vigilância
electrónica a novas formas de prisão domiciliária e de execução da liberdade condicional»,
in: Revista Portuguesa de Ciência Criminal (RPCC), 20, 4 (2010), p. 596. CARLOS PRAT
WESTERLINDH, Las consecuencias jurídicas del delito (análisis de la doctrina del Tribunal
Constitucional), Madrid: Dykinson, 2003, p. 68, fala na consequência do crime como «a
grande esquecida por parte do (…) legislador». E lembra bem que esta região normativa
só pode ser correctamente estudada quando apresentada em relação com as demais
áreas do Direito Penal (ibidem, p. 74) e, acrescentamos nós, com o Direito Processual
Criminal. Na Alemanha, também sucede algo de similar, concentrando-se o legislador,
sobretudo, na reforma da Parte Especial do Código Penal (cf. W INFRIED HASSEMER,
«Características e crises do moderno Direito Penal», in: Revista Síntese de Direito Penal e
Processual Penal, 18 (2003), p. 149). De modo claro e concordante, estranhando a falta de
estudos da doutrina sobre a matéria, W OLFGANG FRISCH, «Dogmática jurídico-penal
afortunada y dogmática jurídico-penal sin consecuencias», in: ALBIN ESER et al.
(coords.), La ciencia del Derecho Penal ante el nuevo milenio, Valencia: Tirant lo Banch,
2004, p. 200. No México, de jeito claro, LUIS DE LA BARREDA SOLÓRZANO, «Punibilidad,
punición y pena de los sustitutivos penales», in: JAVIER PIÑA Y PALACIOS (coord.), Memoria
del Primer Congreso Mexicano de Derecho Penal (1981), México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 1982, pp. 63-64.
(2) «Un congrès italien de Droit Pénal sur les peines et mesures alternatives à l’époque
actuelle», in: Cahiers de Défense Sociale (1977), p. 49.
(3) De la récidive, ou des moyens les plus efficaces pour constater, rechercher et réprimer
les rechutes dans toute infraction à la loi pénale, t. I, Paris: Librairie de Jurisprudence de
Cotillon, 1844, p. iv.
(4) As definições são multímodas. Pelo seu cariz impressivo, a do filósofo da educação
francês DANY-ROBERT DUFOUR, Le délire occidental et ses effets actuels dans la vie
quotidienne: travail, loisir, amour, Paris: Éditions Les Liens qui Libèrent, 2014, p. 13
merece referência: «o controlo regulado do mundo pela hiperclasse, anteriormente
designada por hiperburguesia financeira, transfronteiriça e pós-moderna, hedonista e
inculta, baseada na predação rápida e sistemática», com razão aludindo ao fim da vita
contemplativa e a uma passagem de «um mundo encantatório a um mundo operatório»
(ibidem, pp. 14-17).
(5) GEORGE P. FLETCHER, «La dogmática jurídico-penal alemana vista desde fuera»,
in: ALBIN ESER et al. (coords.), La ciencia del Derecho Penal ante el nuevo milenio,
Valencia: Tirant lo Banch, 2004, pp. 265-271.
(6) Vejam-se os conceitos em JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal. PG, 2.ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 28-33.
(7) NIKOLAOS K. ANDROULAKIS, «Über den Primat der Strafe», in: ZStW, 108, 2 (1996), pp.
300-332.
(8) A não ser verificar que o crime é tudo aquilo que o legislador, na sua discrição
(Gutdünken), proclame como tal (NIKOLAOS K. ANDROULAKIS, «Über den Primat…», p. 300).
(11) De modo muito claro, NIKOLAOS K. ANDROULAKIS, «Über den Primat…», p. 332.
(13) Para além dos Manuais de referência, veja-se PEDRO VAZ PATTO, Critérios de escolha
de pena não privativa da liberdade, em alternativa e em substituição da pena de prisão -
algumas questões, à luz dos fins das penas, comunicação apresentada no CEJ em
17/5/2013, disponível em http://www.cej.mj.pt, acedido em 12/6/2013, a que pertence esta
interessante reflexão: «[d]essa forma [por via de uma maior imaginação judicial em sede
do tema em estudo, que também advogamos] se evita aquele dilema com que muitas
vezes é confrontado quem tem de escolher uma pena em situações de fronteira: há um
profundo abismo entre uma pena de prisão efectiva, demasiado severa, e uma pena de
prisão suspensa na sua execução, demasiado benévola.». O que vai dito em texto é
sugerido por DOMINIQUE RAIMBOURG, Répression: d’une culture de l’enfermement à une
culture du controle, 2013, disponível em http://www.jean-jaures.org/Publications/Les-
notes/Repression-d-une-culture-de-l-enfermement-a-une-culture-du-controle, acedido em
20/7/2013. A autora refere mesmo que a prisão continua a ser, em França, de momento, a
única sanção de referência e que é entendida enquanto tal pela comunidade, salientando
que, para a direita, ela é «o alfa e o ómega da resposta à delinquência». Ademais, as
prisões estão a ser geridas em regime de parcerias público-privadas, com um custo de €
32.000 anuais por cada recluso.
Ao que vai dito em texto não obsta que, p. ex. em Itália, a pena suspensa seja considerada
como uma «causa de extinção da punibilidade» — assim, FRANCESCO
ANTOLISEI (colaboração de LUIGI CONTI), Manuale di Diritto Penale. Parte Generale, 15.ª
ed., Milano: Giuffrè, 2000, p. 781. No Direito alemão, estas dúvidas ainda se não acham de
todo eliminadas, pois autores existem que consideram o correspondente à nossa pena de
suspensão executiva como «modificação da execução da pena» ou como «forma de
execução de carácter autónomo» (vejam-se as referências
em JESCHECK/W EIGEND, Lehrbuch des Strafrechts. AT, 5. Auflage, Berlin: Duncker &
Humblot, 1996, p. 834, n. 3). E mesmo estes últimos autores (ibidem, p. 834) — para nós
de modo inconcebível em face do Strafgesetzbuch (StGB – Código Penal alemão), dado
dúvidas inexistirem de que se trata de uma pena de substituição e não «autónoma» (que
sempre importaria falar-se em «pena principal») - entendem a pena suspensa como uma
«sanção penal autónoma» (stellt die Aussetzung eine strafrechtliche Sanktion eigener Art
dar).
(14) Proc. n.º 75/05.6TACPV-A.S1, DR, I série, de 19/4/2013, SANTOS CARVALHO. Já antes,
escrevendo em uma época em que a Lei era expressa na correspondência aritmética,
criticando-a com toda a justeza e propendendo para uma correspondência «normativa»,
cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal português. As consequências jurídicas do
crime, reimp., Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp. 366-367.
(15) Não deixa de ser curioso, em perspectiva histórica, que, aquando da discussão na
Constituinte, o então deputado do Partido Comunista Português (PCP), VITAL MOREIRA,
tenha proposto algo de diametralmente oposto: «[a]s penas privativas da liberdade são
susceptíveis de transmissão», o que, se já na altura não vingou, hoje nos parece uma
vetusta excentricidade histórica. Também à época, o então deputado do Partido Socialista
(PS), OLIVEIRA E SILVA, afirmava que as penas de multa conferiam um verdadeiro crédito a
favor do Estado, cuja exequibilidade deveria seguir, assim, as regras do Direito Civil,
admitindo-se, pois, a transmissão por dívidas. É evidente que esta última concepção vai
também ao arrepio da sanção pecuniária como uma verdadeira pena criminal e, por isso,
não pode merecer a mínima aceitação. Vejam-se estes dados em VICTOR SILVA
LOPES, Constituição da República Portuguesa de 1976 (anotada), Lisboa: Editus, 1976, p.
61.
(16) Dando expressamente este exemplo, DAMIÃO DA CUNHA, «Anotação ao art. 30.º da
CRP», in: JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, t. I, Coimbra:
Coimbra Editora, 2005, p. 334.
(17) O mesmo sucede em França, p. ex., tal como se lê no documento «Avis sur les
“alternatives à la détention"», da COMMISSION NATIONALE CONSULTATIVE DES DROITS DE
L’HOMME, adoptado em 14/12/2006, disponível
em http://www.cncdh.fr/sites/default/files/06.12.14_alternatives_a_la_detention.pdf,
acedido em 15/4/2012.
Desde há muito a doutrina norte-americana tem chamado a atenção para este aspecto.
Entre vários, sublinhando a pouca «simpatia» da opinião pública quanto às penas de
substituição, por serem tidas como pouco severas, cf. RONALD P. CORBETT, JR./ELLSWORTH
A. L. FERSCH, «Home as prison: the use of house arrest», in: Federal Probation, 49 (1985),
p. 15. Já CESARE BECCARIA, Dos delitos e das penas, Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1998, p. 161, apesar de considerar que uma legislação progressivamente
mais conforme aos postulados iluministas faria com que o «direito de graça» fosse cada
vez menos necessário, era claro ao defender que esta é uma competência exclusiva do
legislador e que, de modo algum, pode ser transferida para a esfera de actuação do
julgador. Na explicação de ANTÓNIO MANUEL HESPANHA, «Da “iustitia" à “disciplina". Textos,
poder e política penal no Antigo Regime», in: ANTÓNIO HESPANHA (coord.), Justiça e
litigiosidade. História e prospectiva, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, pp. 316-
318, a graça era um hábil instrumento nas mãos do monarca que, de um passo,
demonstrava a sua severidade na aplicação do Direito Criminal e, por outro, a sua
misericórdia, tal como um pai que castiga e ama, assim incutindo nos seus súbditos o
hábito da obediência, do respeito e do medo. Pode bem dizer-se que essas medidas de
clemência eram um instrumento político com intencionalidade própria e bem definida.
(18) Dizemo-lo do prisma da opção político-criminal, pois se não ignora que a Constituição
apenas garante um grau de recurso. Por isso é que, em face do Direito constituído, o TC
proferiu, no seu ac. n.º 353/2010, de 6/10/2010, Proc. n.º 30/2010, MARIA LÚCIA AMARAL, a
seguinte decisão: «[n]ão julgar inconstitucional a norma constante da alínea e) do n.º 1 do
artigo 400.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a pena
suspensa não é uma pena privativa de liberdade.». Parece-nos evidente que a suspensão
executiva não é, pela sua natureza e em função da autonomia das penas de substituição
que vimos defendendo, de facto, uma sanção detentiva. Defender o contrário seria
patrocinar uma visão «compósita» das reacções em estudo, em que só por via da junção
da pena principal com a substitutiva esta última se compreenderia e atingiria todo o seu
rendimento dogmático. O que, sem prejuízo das relações entre ambas intercedentes, não
é assim, manifestamente.
(19) Ac. n.º 324/2013, Proc. n.º 87/12 (MARIA JOÃO ANTUNES), publicado no DR, 2.ª série,
n.º 145, de 30/7/2013.
(20) Sobre o tema, veja-se o nosso «"Nova penologia", punitive turn e Direito Criminal: quo
vadimus? Pelos caminhos da incerteza pós-moderna», in: MANUEL DA COSTA ANDRADE et
al. (coords.), Direito Penal: fundamentos dogmáticos e político-criminais. Homenagem ao
Prof. Peter Hünerfeld, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pp. 395-476.
(22) Assim, não andará longe do que sucede na prática, a assumpção do preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 375/97, de 24 de Dezembro, de acordo com o qual a pena de PTFC
desempenha as seguintes finalidades: «a) Reprovar o crime através de acções positivas
de prestação de trabalho; b) Reparar simbolicamente a comunidade, promovendo a
utilidade social do trabalho prestado; c) Facilitar a reintegração social do delinquente.».
(23) Veja-se JOSÉ CID MOLINÉ, «La política criminal europea en materia de sanciones
alternativas a la prisión y la realidad española: una brecha que debe superarse»,
in: Estudios Penales y Criminológicos, 30 (2010), p. 62.
(24) Daí que em sede de perdão de penas como manifestação do «direito de graça», a
mesma se aplique somente nas hipóteses de incumprimento da pena substitutiva,
porquanto aquela manifestação da vontade de não punir pelo Estado se dirige apenas e
tão-só às sanções principais - sejam elas imediatamente aplicadas na decisão judicial ou
encontrem-se elas sujeitas a uma condição, como sucede nas penas que aqui estudamos.
Neste sentido, correctamente, cf. o ac. do TRL de 5/12/2002, Proc. n.º 8095/02 (GÓIS
PINHEIRO), disponível em http://www.datajuris.pt, acedido em 29/9/2013, também publicado
em Colectânea de Jurisprudência (CJ), XXVII, V (2002), p. 140: «I — [o] perdão
estabelecido no artigo 1.º da Lei n.º 29/99, de 12/5, incide sobre penas de prisão, efectiva
e concretamente, aplicadas. II — No caso de pena de prestação de trabalho a favor da
comunidade, só quando revogada, e se tornar exequível a pena de prisão aplicada, é que
pode ter lugar o perdão concedido no artigo 1.º da Lei n.º 29/99.».
(26) Os incisos referidos sem indicação expressa do diploma de onde promanam devem
entender-se por previstos no CP.
(27) «Os tribunais de execução das penas em Portugal», in: Homenagem ao Doutor José
Alberto dos Reis, vol. I, sup. XV do BFD (1961), p. 292.
(29) Não obstante, existe doutrina na Alemanha que considera o equivalente à nossa pena
suspensa como «Modifikation der Freiheitsstrafvollstreckung», fundado, no essencial, em
objectivos especiais-preventivos (UDO EBERT, Srafrecht AT, 3. Auflage, Heidelberg: C.F.
Müller, 2001, p. 239).
(32) HEIKE JUNG, Was ist Strafe? Ein Essay, Baden-Baden: Nomos, 2002, p. 61: «die
Kapitulation im Bemühen um eine materiellrechtliche Entkriminalisierung».
(33) ANDREW VON HIRSCH, «The ethics of community-based sanctions», in: Crime &
Delinquency, 36 (1990), pp. 163-173, o que é considerado pelo UNITED NATIONS OFFICE ON
DRUGS AND CRIME, Handbook of basic principles and promising practices on alternatives to
imprisonment, New York: United Nations, 2007, p. 27 como um bom «ponto de partida»,
embora se diga também que é natural não ser tão facilmente identificável o elemento
punitivo nas sanções substitutivas, também designadas por bespoke sentences.
(35) P. ex., o ponto 22 da Rec (99) 22, do Comité de Ministros do Conselho da Europa,
destaca a eficácia das medidas substitutivas como essencial a que os magistrados do
Ministério Público (MP) nelas confiem.
(36) Entre muitos, cf. o ac. do TRP (sobre a pena suspensa) de 28/1/2015, Proc. n.º
7/12.5PTVNG.P1 (JORGE CARRETO) ou, do mesmo Tribunal, não autorizando a
substituição por outra reacção da pena de multa do art. 43.º, n.º 1, liquidadas, ademais, em
prestações, o ac. de 7/1/2015, Proc. n.º 166/12.7GAVLC-A.P1 (ERNESTO NASCIMENTO) –
todas as referências jurisprudenciais, salvo expressa indicação do contrário, foram obtidas
no sítio http://www.dgsi.pt e estavam disponíveis em Julho de 2016.
(37) O mesmo sucede na legislação penal brasileira, remetendo o legislador para aquilo
que o juiz entenda como necessário e suficiente. Na prática, o sistema tem conduzido a
penas pouco proporcionadas à gravidade do crime, em regra consistindo em uma «cesta
básica» de alimentos, uma vez que se admite o pagamento em géneros e não só em
dinheiro. Mais, tem sido usado pelo Judiciário, amiúde, contra legem, como forma de
redistribuição da renda entre quem mais tem e os que mais necessidades económicas
demonstram, assim se desvirtuando as finalidades punitivas. O «Projecto Modificativo do
Sistema de Penas» propôs a abolição desta sanção substitutiva, preferindo apostar no
correspondente à nossa pena de PTFC e à nossa prisão por dias livres (MIGUEL REALE
JÚNIOR, Instituições de Direito Penal. PG, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009, pp. 382-
384). Não se detecta este sentido crítico, porém, em LUIZ REGIS PRADO, Curso de Direito
Penal brasileiro, vol. I, 8.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 536-
538.
(38) Proc. n.º 75/05.6TACPV-A.S1, publicado no DR, 1.ª série, n.º 77, de 19/4/2013. No
mesmo sentido, de outro outros, cf. já o ac. do TRP de 10/12/2008, Proc. n.º 0845246
(PINTO MONTEIRO), em linha argumentativa próxima. Pela sua clareza, importa atentar na
seguinte passagem: «se se fizesse a correspondência automática, deparar-nos-íamos com
a seguinte situação: por um lado, a pena de multa correspondente a um ano de prisão teria
de ser de 365 dias, mas, por outro lado, o tribunal não podia fixar a pena de multa de
substituição naquele número de dias por a isso obstar o n.º 1 do artigo 47.º, que prevê que
o limite máximo da pena de multa é de 360 dias.». Em sentido oposto, antes do aresto de
fixação, cf., entre muitos, o ac. do TRG de 29/6/2009, Proc. n.º
488/06.6GAPTL.G1, CARLOS BARREIRA.
(40) Apesar de nos parecer algo dubitativa, julgamos ser esta a posição de ODETE MARIA DE
OLIVEIRA, «Penas de substituição», in: AA. VV., Jornadas de Direito Criminal: revisão do
Código Penal, vol. II, Lisboa: CEJ, 1998, p. 72. O que é distinto de afirmar a substituição,
como regra, da pena até ao limite estabelecido nesse inciso, o que é unanimemente
consagrado pela jurisprudência. Entre uma imensidão de arestos, cf. o ac. do TRL de
24/4/2002, Proc. n.º 0015253 (ADELINO SALVADO).
(41) Em sentido oposto, MARIA FERNANDA PALMA, «As alterações reformadoras da Parte
Geral do Código Penal na revisão de 1995: desmantelamento, reforço e paralisia da
sociedade punitiva», in: MARIA FERNANDA PALMA/TERESA PIZARRO BELEZA (orgs.), Jornadas
sobre a revisão do Código Penal, Lisboa: AAFDL, 1998, p. 31, com base na ideia de que
existiria uma preferência legal quanto à pena de PTFC, quer em sede da multa, por via do
art. 48.º, quer da prisão, que não vislumbramos. Também MARIA JOÃO
ANTUNES, Consequências jurídicas do crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 72 se
pronuncia em idêntico sentido, mas de modo menos claro, se bem entendemos, na medida
em que entende existir «uma certa “hierarquia legal das penas de substituição"», fundada
na preferência pelas de natureza não detentiva (art. 43.º, n.º 1) - o que é, por certo,
indiscutível - e, dentro destas, por esta ordem, pela do art. 44.º, n.º 1, al. a), 45.º e 46.º
(ibidem, pp. 72-73), no que também se afigura de meridiana clareza. As principais dúvidas
- e que tornam a questão problemática - contendem com a existência ou não de
uma hierarquia de entre as penas de substituição a cumprir na comunidade.
(42) Ao invés, todavia, cf. o ac. do TRL de 31/1/2012, Proc. n.º 104/11.4PTCSC.L1-
5, PAULO BARRETO: «[s]endo a prestação de trabalho a favor da comunidade uma pena
menos grave que a de multa, não faz sentido aplicar a mesma ao arguido depois de duas
insuficientes penas de multa.».
(43) Do mesmo passo, só decisões como, p. ex., o ac. do TRP de 18/3/2009, Proc. n.º
0817575, JOAQUIM GOMES, podem restaurar essa confiança, tal era, s.m.j., a incorrecção
técnico-jurídica da 1.ª instância: «[t]em de ser certa e determinada a quantia a cujo
pagamento se subordina a suspensão da execução da pena. De modo nenhum pode
condicionar-se a suspensão ao pagamento de montante indemnizatório a fixar pelos
tribunais civis.».
(44) Apenas algumas delas, note-se, o que também por esta via depõe no sentido de que
se trata de duas realidades dogmaticamente divergidas.
(45) O que importa, para além do mais, que a prisão sucedânea não altere a natureza
jurídica da multa principal não liquidada. Neste sentido, é correcta a decisão do ac. do
TRC de 25/3/2015, Proc. n.º 95/11.1GATBU, LUÍS TEIXEIRA, disponível
em http://jusjornal.wolterskluwer.pt/ e acedida em 5/5/2015, no sentido de, para efeitos de
declaração de contumácia, se não considerar tal conversão como pena de prisão, à luz do
disposto no art. 97.º, n.º 2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da
Liberdade. Por outro lado, é sabido que o regime legal alemão é bem mais gravoso que o
português, desde logo na medida em que a conversão se opera à razão de um dia de
multa principal por um dia de prisão, o que é tido - e bem - por excessivo, por grande parte
da doutrina. Veja-se, p. ex., TILMANN SCHOTT, «Abkehr von der 1:1 — Umrechnung von
Geld- und Freiheitsstrafe?», in: JR, 8 (2003), pp. 315-320, advogando o cariz paradoxal da
previsão de uma tão severa Ersatzfreiheitsstrafe, por um lado, e a luta contra as penas
curtas de prisão em que o StGB se diz empenhado. Para um conspecto, naquele país,
escrevendo em uma época em que a prisão sucedânea era relativamente elevada,
cf. THOMAS W EIGEND, «In Germany, fines often imposed in lieu of prosecution», in: MICHAEL
TONRY/KATE HAMILTON (eds.) Intermediate sanctions in overcrowded times, Boston:
Northeastern University Press, 1995, pp. 50-55. Algo de similar acontece na Suíça (art. 36,
1, do CP daquele país). Sobre a matéria, vide o nosso «Algumas considerações em torno
do art. 49.º, n.º 3, do CP. Anotação ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de
7/1/2015, Proc. n.º 55/13.8PDPRT-B.P1», in: Revista do Ministério Público, 142 (2015), pp.
184-186.
(46) ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de
trabalho a favor da comunidade», in: RPCC, 9, 4 (1999), p. 669.
(47) Na conclusão, cf. ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «A fase de execução das penas e
medidas de segurança no Direito português», separata do Boletim do Ministério da Justiça,
380 (1988), p. 44, n. 94.
(51) Neste sentido, entre tantos, veja-se o ac. do TRE de 3/3/2015, Proc. n.º
263/13.1GBSLV-A.E1, ALBERTO BORGES, ou o ac. do TRP de 15/2/2006, Proc. n.º
0516370, NGELO MORAIS). Porém, em sentido contrário, ODETE MARIA DE OLIVEIRA, «Penas
de substituição», p. 81 e, na jurisprudência, o ac. do TRP de 19/6/2013, Proc. n.º
28/09.5GDVFR-A.P1, ÉLIA SÃO PEDRO: «não se vê qualquer razão material para que as
penas de multa, quer sejam aplicadas a título principal quer como penas de substituição,
não tenham idêntico regime quanto ao seu cumprimento e possibilidade de substituição
por dias de trabalho.» (itálicos acrescidos).
(53) Do mesmo passo, só decisões como, p. ex., o ac. do TRP de 18/3/2009, Proc. n.º
0817575, JOAQUIM GOMES, podem restaurar essa confiança, tal era a incorrecção técnico-
jurídica da 1.ª instância: «[t]em de ser certa e determinada a quantia a cujo pagamento se
subordina a suspensão da execução da pena. De modo nenhum pode condicionar-se a
suspensão ao pagamento de montante indemnizatório a fixar pelos tribunais civis.».
(54) Em sentido contrário, porém, o ac. do TRL de 17/4/2013, Proc. n.º 418/09.3PASXL.L1-
3, MARGARIDA RAMOS DE ALMEIDA.
(55) O mesmo se diga de uma pena suspensa que, incumprida, não pode ser substituída
por outra — cf. o ac. do TRP de 28/1/2015, Proc. n.º 7/12.5PTVNG.P1, JOSÉ CARRETO.
Neste sentido, entre uma panóplia de decisões, vide os acórdãos do TRP de 22/6/2011,
Proc. n.º 1144/10.6GBAMT-A.P1, MARIA DEOLINDA DIONÍSIO, de 29/4/2009, Proc. n.º
117/07.0GAPFR.P1, JOSÉ CARRETO.