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Muito se tem dito desta época histórica em que vivemos: época de mudança,
de secularização, de globalização, de pluralismo religioso e cultural, de relativis-
mo filosófico e moral, de redescoberta e revalorização da subjetividade, de cultura
em rede – onde cada ponto é um produtor de conhecimento–, de individualismo,
de sentimentos e relacionamentos líquidos... que gera uma sociedade hipercom-
plexa, marcada pelas Tecnologias da Informação9 e Comunicação (TICs)10.
Vivemos num mundo em tempo real, ou online, com novas sociabilidades e
sensibilidades, no qual o advento da Internet já se consolidou e colocou em curso
grandes transformações nas relações sociais.
A Internet molda a forma de vida do homem contemporâneo porque, como
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9
Informação em mídias digitais é qualquer dado novo, por menor e mais simples que seja, que
aparece em um sistema.
10
TICs correspondem a todas as tecnologias que interferem e medeiam os processos informacio-
nais e comunicativos dos seres. Ainda, podem ser entendidas como um conjunto de recursos tecno-
lógicos integrados entre si, que proporcionam, por meio das funções de hardware, software e tele-
comunicações, a automação e comunicação dos processos de negócios, da pesquisa científica e de
ensino e aprendizagem. Fonte: site TotLab (http://totlab.com.br/noticias/o-que-e-tic-tecnologias-
da-informacao-e-comunicacao/)
11
Cf. BAUMAN, Zigmunt. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011,
Carta 1.
16
estudo. Ele defende que o virtual é parte integrante do real12. Para o filósofo, vir-
tualidade não se opõe à realidade, mas à atualização. O virtual, portanto, é real.
um real digital: não físico, não atual, mas sempre real.
Neste capítulo apresentaremos algumas características da cultura que serve
de base para essa sociedade hipercomplexa: a cultura midiática digital, que gerou
uma estrutura social chamada de sociedade da informação13.Olhar essa nova reali-
dade é um passo essencial nesse estudo. Nos ajudará a compreender como a Igreja
poderá cumprir a sua missão de ser sal da terra e luz do mundo neste tempo histó-
rico, marcado por um novo paradigma, uma nova economia, uma nova cultura,
uma nova concepção de tempo e de espaço, uma nova identidade.
Iniciaremos explicitando o significado de cultura midiática para esta pesqui-
sa. Em seguida, veremos alguns aspectos da teoria de Castells. Ele cunhou a ex-
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12
LÉVY, Pierry. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 2003. Nesta obra, o autor explica que a "rea-
lidade virtual" é um ambiente que permite interações, onde os usuários recebem estímulos corpo-
rais/sensoriais, que permitem que o corpo real migre para um mundo de pura informação. Assim,
as tecnologias da "realidade virtual" nos permitem, não só olhar uma paisagem mas sentir como se
estivéssemos naquele lugar, dentro de um novo mundo.
13
A sociedade da informação está baseada nas tecnologias de informação e comunicação que en-
volvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios
eletrônicos, como a rádio, a televisão, telefone e computadores, entre outros. É informacional
porque organiza todo o seu sistema produtivo em torno do conhecimento, pelo desenvolvimento e
difusão de tecnologias de informação.
14
Cf. MARTINO, L. M, Sá. Teoria das Mídias Digitais. Linguagens, ambientes e redes. 2ª Edi-
ção. Rio de Janeiro: Vozes, 2015, p.103. Martino explica a expressão utilizada por Castells: "A
realidade, seja do mundo concreto quanto das representações e narrativas, é capturada e reorgani-
zada nas mídias digitais, tornando-se parte de um imenso universo de conexões, módulos e infor-
mações – e, principalmente, voltando a fazer parte da realidade de onde veio. Uma ligação contí-
nua entre real e virtual".
15
Ver nota 4, p. 6.
16
Cf. MARTINO, 2015, p. 21 e 27. O autor explica que o prefixo “ciber” é uma expressão que
agregada a outras palavras atribui a elas um sentido novo, atrelado à Internet e tecnologias digitais.
A noção original de cybernetics, “cibernética”, foi uma elaboração teórica da relação entre infor-
mação, comunicação e controle em sistemas específicos. A partir dessa idéia, Pierre Lévy vai
17
2.1
Comunicação e cultura
cunhar o conceito de “cibercultura” para designar a reunião de relações sociais, das produções
artísticas, intelectuais e éticas dos seres humanos que se articulam em redes interconectadas de
computadores multimídias, num espaço-tempo eletrônico, isto é, no ciberespaço.
17
É importante destacar, entretanto, que conceito de mídia como ambiência, começou a ser desen-
volvido bem antes de Sodré, por Herbert Marshall McLuhan, que afirmou que os meios são exten-
sões dos sentidos humanos e que a humanidade, desde o surgimento dos meios eletrônicos, estaria
numa aldeia global, um mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados. Ele afirmou
que toda tecnologia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo. Neste contexto, para
McLuhan, o meio é a mensagem. No entender do autor, a "mensagem" de qualquer meio ou tecno-
logia é justamente a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz
nas coisas humanas.
18
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade. 15ª Edição. Rio de Janeiro: Vozes, 2014, p.
35.
18
19
MORIN, Edgar. Cultura – conhecimento. In: MORIN, Edgar. O método 4. Tradução de Jure-
mir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2002. p. 19.
20
Por "aldeia global" McLuhan entende a sociedade moldada pelo advento e desenvolvimento
tecnológico dos novos meios de comunicação: o mundo estaria interligado completamente, geran-
do uma intensa troca cultural entre os diversos povos, que os aproximaria de forma irreversível a
ponto de se formar uma grande aldeia, inteiramente conectada.
19
mano. Para ele, toda tecnologia criada pelo ser humano é um mecanismo de ex-
tensão de suas capacidades cognitivas e sensoriais. Em se tratando de mídias, por
exemplo, o rádio para o autor é uma extensão da boca; a televisão, dos olhos e dos
ouvidos, e o computador, do cérebro.
Ao prolongar o corpo humano (seus sentidos, seus membros e o próprio sis-
tema nervoso de uma certa maneira), cada meio acaba por também configurar a
realidade. Por isso vemos que o uso dos meios de comunicação implicam em no-
vas formas de ação e interação, novos tipos de relacionamentos sociais e sistemas
de valores, independente do "conteúdo" de suas mensagens. Daí surge a célebre
frase de McLuhan: "o meio é a mensagem". Para entender o que ele quer dizer
com isso, podemos citar o exemplo das sociedades primitivas, de organização
tribal e perceber como a tecnologia foi mudando as relações em sociedade. A
forma de comunicação tribal era oral e as mensagens eram enviadas ao povo por
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2.2
A sociedade em redes
específicas na história para que uma transformação social aconteça 21. No primeiro
volume de seu livro "A sociedade em rede", ele afirma categoricamente que "a
tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada
sem suas ferramentas tecnológicas"22. Santaella complementa, afirmando que não
há como separar as culturas e o ser humano.Nós somos essas culturas e elas mol-
dam nossa sensibilidade e nossa mente23. Se isso acontece em geral com as cultu-
ras, ainda mais com a criada pelas tecnologias digitais, que são tecnologias da
inteligência humana.
A comunicação mediada por computadores gerou uma gama enorme de co-
munidades virtuais24 que existem e se relacionam em rede. Para o pesquisador,
assim como as redes de potência (redes energéticas) eram a base nas quais a soci-
edade industrial foi construída, as redes de comunicação digital sustentam a soci-
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edade em rede da atualidade. Elas são, segundo Castells, uma forma de organiza-
ção social mais flexível e adaptável.
Uma rede é um conjunto de nós interconectados. A formação de redes é uma práti-
ca humana muito antiga, mas as redes ganharam vida nova em nosso tempo trans-
formando-se em redes de informação energizadas pela Internet.25
Os nós interconectados são elementos que se comunicam entre si, constru-
indo por esse motivo uma estrutura complexa de comunicação, na qual acontecem
múltiplas ligações. Os nós podem ser qualquer coisa. Podem ser pessoas, podem
ser sites, ou um blog, ou uma plataforma de rede social (que constitui um "nó de
nós"). A Internet possibilitou o surgimento dessas novas redes e passou da condi-
ção de veículo transmissor de informações (meio), para assumir o status de ambi-
ente, novo continente, com cultura própria, no qual indivíduos em diversas partes
do mundo se tornam um ponto da rede mundial26, digitalizando as relações huma-
nas.
Castells em sua pesquisa deixa claro que a cultura digital, potencializada pe-
la Internet, está comprometida com a lógica do mercado e o consumismo. Outra
característica da revolução tecnológica para Castells é o fato de tudo tender a se
21
Cf. CASTELLS, 2001, p. 12.
22
CASTELLS, Manuel. A sociedade em redes. São Paulo: Paz & Terra, 1999, p. 43.
23
Cf. SANTAELLA, Lúcia. Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano.
Porto Alegre: Revista FAMECOS, nº 22, dezembro 2003, pp. 23-32.
24
Cf. CASTELLS, 1999, p. 57.
25
Cf. CASTELLS, 2001, p. 07.
26
SPADARO, Antonio. Ciberteologia. Pensar o Cristianismo nos tempos da rede. São Paulo:
Paulinas, 2012, p. 17.
21
27
Cf. MARTINO, 2015, p. 56.
28
MARTINO, 2015, p. 58.
22
2.3
Um novo ambiente
29
CASTELLS, 1999, pp. 108 e 109.
30
Cf. CASTELLS, 1999, p. 109.
31
MARTINO, 2015, p. 101.
32
Cf. GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias. Caput in PUNTEL, Joana. Cultura
Midiática e Igreja - Uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas/Sepac, 2005, p. 114.
23
Segundo Sodré, o bios é feito de afeto: sentir, ver, ouvir e o ethos é a atmos-
fera afetiva (emoções, sentimentos, atitudes) em que se movimenta uma determi-
nada formação social.
Da mídia para o público não parte apenas influência normativa, mas principalmente
emocional e sensorial, com o pano de fundo de uma estetização generalizada da vi-
da social, onde identidades pessoais, comportamentos e até mesmo juízos de natu-
reza supostamente ética passam pelo crivo de uma invisível comunidade do gosto,
na realidade o gosto "médio", estatisticamente determinado.33
para o homem de hoje. Quem ou o que não está na Internet não existe, não é reco-
nhecido. A interação entre as pessoas e as instituições passou a ser mediada pelas
mídias digitais.
O ethos midiatizado caracteriza-se pela manifesta articulação dos meios de comu-
nicação e informação com a vida social. Ou seja, os mecanismos de inculcação de
conteúdos culturais e de formação das crenças são atravessados pelas tecnologias
de interação ou contato. Passamos a acreditar naquilo que se mostra no espelho in-
dustrial35.
33
SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In MORAES, Dênis de
(Org.). Sociedade Midiatizada. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p. 23.
34
Cf. NUNES, Márcia Vidal; OLIVEIRA, Catarina Tereza Farias de. Cidadania e cultura digital:
Apropriações populares da Internet.Rio de Janeiro: e-papers, 2011, p. 87.
35
SODRÉ, Muniz. A interação humana atravessada pela midiatização. Entrevista à ihuonline.
Disponível em goo.gl/TDXk3m.
24
passa ali é real, mas não da mesma ordem da realidade das coisas"36. Aqui se en-
contra um dos aspectos mais desafiantes para o homem nascido na era analógica e
que hoje vive na era digital: compreender que o fato de algo não existir fisicamen-
te não significa que não exista realmente.
Ao falarmos de um outro bios e de outra ambiência, reconhecemos que o
mundo virtual é um espaço que precisa ser considerado, pois traz consigo um con-
junto de valores que "gera, administra, sustenta, desenvolve e ancora todos os
aspectos da vida/sociedade" que conhecemos37. Isto muda inteiramente o foco da
análise e da prática. Agora não se trata de estudar as técnicas que definem as for-
mas de uso dos meios de comunicação, mas sim a evangelização da cultura "da e
na comunicação" e "do e no mundo virtual" e a existência da Igreja nessa realida-
de virtual, onde o poder e o valor da imagem é superior ao da substância das coi-
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2.4
Sociedade midiatizada
36
SODRÉ, 2002.
37
Cf. PUNTEL, Joana. Cultura Midiática e Igreja– Uma nova ambiência. São Paulo: Pauli-
nas/Sepac, 2005, p.113.
38
PUNTEL, 2005, p. 111.
39
Cf. SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In MORAES, Dênis de
(Org.). Sociedade Midiatizada. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p. 20. O processo
de midiatização é aquele no qual as tecnologias, as técnicas, as lógicas, as estratégias e as lingua-
gens das mídias passam a fazer parte das dinâmicas dos vários campos sociais.
25
40
SODRÉ, 2002, p. 21.
41
Protocolo é o conjunto das informações, decisões, normas e regras definidas a partir de um ato
oficial. Mas "protocolos", na cultura digital, é a "língua" dos computadores, ou seja, uma espécie
de idioma que segue normas e padrões determinados. É através dos protocolos que é possível a
comunicação entre um ou mais computadores.
42
MARTINO, 2015, p.238.
43
MARTINO, L. M. Sá. Mídia, religião e sociedade – Das palavras às redes digitais. São Pau-
lo: Paulus, 2016, p.35.
44
SODRÉ, 2008, p. 20.
26
2.4.1
Comunicação circular/dialógica
2.4.2
Da posse ao acesso
45
PONTIFÍCIO CONSELHO PARA AS COMUNICAÇÕES SOCIAIS. Instrução Pastoral Ae-
tatis Novae. Vaticano: 1991, n. 2.
46
Feedback é um termo utilizado para designar a informação que o emissor obtém da reação do
receptor à sua mensagem, e que serve para avaliar os resultados da transmissão.
47
Cf. CASTELLS, 2001, pp.48-49.
27
2.4.3
Interatividade
48
SANTAELLA, Lúcia. Um novo mundo – da cultura das mídias à cibercultura: o advento do
pós-humano. In www.deus.com. Desafios da Teologia num mundo virtual. São Paulo: Loyola,
2003, p. 51.
49
ACEDO, Sara Osuna. Interatuantes e Interatuados na Web 2.0. In APARICI, Roberto (Org.).
Conectados no ciberespaço. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 158.
28
que ele, "usuário", pede através de um comando. A Internet permite acesso online
a qualquer tipo de informação armazenada em sua rede e a troca de mensagens
"um a um", "um a muitos", "muitos a um" e "muitos a muitos". A cultura da inte-
ratividade rompe, assim com a cultura da "transmissão" de conhecimento de um
centro forte para indivíduos passivos. A aprendizagem se constrói ativamente,
sendo mais fruto da pesquisa, da comunicação e do descobrimento, do que da con-
templação e reflexão.
Esta realidade tem influência prática em diversos campos da sociedade e da
educação e porque não dizer também, da religião. Podemos citar como exemplo a
forma como hoje a pessoa desenvolve a leitura de um texto. A forma tradicional,
linear e sequencial, foi substituída pela leitura em "T", ou seja, uma leitura hori-
zontal das primeiras informações, seguida de uma "olhadela" vertical no restante
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do texto. O leitor não é mais guiado linearmente pelo autor como acontece nas
mídias impressas, não mais acompanha uma história seguindo o caminho tradi-
cional: início, desenvolvimento e conclusão. Ele é guiado pelo hipertexto50, um
conjunto de nós ligados por conexões, que através de links colocados em nomes,
frases, datas, etc., leva o leitor a outros textos e sites com informações comple-
mentares sobre uma determinada realidade, mas que não necessariamente estão
relacionados ao tema do texto de origem. O hipertexto facilita a escrita não-
sequencial, na qual o leitor pode escolher seu próprio caminho através de um do-
cumento eletrônico. Funciona por associações, em que um item puxa outro item,
encadeando-se ao próximo item, formando uma grande rede de conexão 51. Se isso
oferece ao leitor a possibilidade de criar o seu próprio caminho, também pode
levar ao distanciamento do tema inicial que motivou a navegação pela rede.Para
Carr, isso prejudica a concentração, reflexão e contemplação, levando a perda da
capacidade de pensamento profundo52 do leitor/usuário.
50
Hipertexto é um conceito criado no início dos anos 60 por Theodore Nelson, para exprimir a
idéia de escrita/leitura não linear, em um sistema de informática.
51
Cf. LÉVI, Pierry. As tecnologias da Inteligência. O futuro do pensamento na era da infor-
mática. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993, p. 33. O autor explica: “Navegar em um hipertexto
significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possí-
vel. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.
52
Cf. CARR, Nicholas G. Op cit. em BRAVO, César Bernal; COSLADO, Ángel Barbas. Uma
geração de usuários da mídia digital. In APARICI, Roberto (Org.). Conectados no ciberespa-
ço. São Paulo: Paulinas, 2012, p. 126.
29
2.4.4
Inteligência Coletiva
2.4.5
O empoderamento do indivíduo (EU.COM)
53
LÉVI, Pierry. Cibercultura. 1ª edição brasileira. São Paulo: Editora 34, 1997, pp. 111-135.
30
com a participação de todos. Além disso, cada nó da rede pode receber ou pode
recusar a mensagem emitida livremente.
Com isso, aqueles que antes eram somente público passivo, passam a prota-
gonistas. Surge o "EU.COM": na rede social digital, importa ao indivíduo colocar
sua opinião, interagir e questionar diretamente – com a mediação da Internet–
produtores e gestores de conteúdo. Os antigos centros deixam de ser emisso-
res/produtores/gerentes de conteúdo e se transformam em gestores da informa-
ção/debate de ideias, que foge ao seu controle e posse no momento em que "cai"
na rede.
O cenário cultural para que o “EU.COM” se estabelecesse na sociedade, en-
tretanto, não nasce na cultura digital. Ele foi formado pelo humanismo moderno e
pelo relativismo, que tornou o homem medida de todas as coisas. As opiniões e as
histórias pessoais ganharam importância. O indivíduo ganhou liberdade e auto-
nomia frente às instituições. Paradoxalmente, na sociedade que possibilita uma
maior interação entre os indivíduos, cresce na mesma proporção o individualismo
e o hedonismo.
É nesta lógica individualista/hedonista que tudo o que acontece com o indi-
víduo vira notícia na rede social. Aquilo que antes ficava restrito ao ambiente fa-
miliar e a alguns poucos amigos pode hoje ser visto e compartilhado com todo o
mundo, literalmente e em tempo real. A notícia é a pessoa: o que ela fala, faz,
sente e pensa é muito importante.
31
2.4.6
Fragmentação e desterritorização
Igreja repense a estrutura paroquial para se inculturar nesse novo mundo. Será
necessário, por exemplo, adotar horários flexíveis para atendimento nas secretari-
as paroquiais, eliminar as reuniões longas, os encontros prolixos e as metodologi-
as sem interação; bem como adequar os horários das atividades pastorais às neces-
sidades das pessoas, mudar costumes e estilos, que visam mais a autopreservação
da paróquia do que a evangelização55.
Vemos, portanto, que a cultura midiática rompeu com conceitos fixistas e
estáveis, que altera o entendimento acerca dos limites paroquiais, que ficam sem
delimitação geográfica e temporal56. Por influência da cultura digital, neste con-
texto as relações em si são mais importantes que o território e determinam o senti-
do de pertença à comunidade. A comunidade de fé é ressignificada e segue a lógi-
ca do acesso: o pertencimento/participação da pessoa em uma comunidade não se
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define mais pela localização geográfica de sua residência e sim por uma ambiên-
cia fluída em que só faz parte dela quem a ela tem acesso. Ao analisar a questão,
Musso diz que "o ciberespaço dissolve o território, o corpo, mas também a memó-
ria e o estado"57, porque a velocidade com que as informações chegam até as pes-
soas dão a impressão que o planeta encolhe.
2.4.7
Destemporalização, senso de urgência e instantaneidade
55
Cf. CNBB. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. São Paulo: Paulinas, 2014, nn.
37 e 59.
56
Cf. CNBB, 2014, n. 38.
57
MUSSO, Pierre. Ciberespaço, figura reticular da utopia tecnológica. In MORAES, Dênis de
(Org.). Sociedade Midiatizada. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008, p. 205.
58
O conceito de "atual" substitui a noção de presente, passado e futuro. Antes da tecnologia digi-
tal, para se assistir a um programa de TV, por exemplo, era preciso estar diante do televisor na
hora determinada pela emissora para a transmissão dele. Hoje não. O conteúdo que foi transmitido
num determinado horário pode ser visto a qualquer hora, via Internet, pois está acessível no site da
33
Isto cria o que os estudiosos chamam de "ditadura do agora", que tira do ser
humano a capacidade de esperar ou de se submeter a uma programação imposta
pelo ambiente externo. Mais até do que o hoje, o agora é o timming da cultura
midiática digital: poder acessar tudo em tempo real e no momento em que quere-
mos. O tempo é agora e é imediato: compras pela Internet, bancos online, biblio-
tecas online, filmes, programas e shows em canais digitais ao alcance do usuário
num simples teclar do controle remoto ou do mouse.
Uma importante mudança comportamental provocada por essa realidade no
indivíduo contemporâneo é o estabelecimento de um certo "senso de urgência"
que "exige" que tudo seja postado/compartilhado imediatamente ao fato ocorrido,
muitas vezes sem a menor reflexão. Atualmente as pessoas sofrem consequências
pela postagem de informações e opiniões sem prudência, porque foram levadas a
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emissora ou num canal do YouTube. Quem determina o horário de assisti-lo é o espectador. Ar-
mazenado num espaço virtual, se torna "atual" no momento em que um indivíduo quiser.
59
AUGÉ, Marc. Sobre modernidade: do mundo tecnológico de hoje ao desafio essencial do
amanhã. In MORAES, Dênis de (Org.). Sociedade Midiatizada. 1ª reimpressão. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2008, p. 105.
60
AUGÉ, 2008, pp. 105.
34
nos sensibilizou e chocou num determinado dia, ser na semana seguinte uma lem-
brança distante, que já não move nossos sentimentos, nem desperta nossa atenção.
Guerras, crises econômicas, atentados, acidentes, catástrofes, violência... Não há
tempo para o engajamento em ações efetivas de combate a esses males, pois va-
mos cada vez mais rápidos rumo a algum lugar61.
2.4.8
Telepresença e ubiguidade
num local para participar de uma atividade. Ele pode estar digitalmente presente
em diversos lugares, pode interagir, ver, falar e agir à distância63, através de um
dispositivo móvel ligado à Internet. Esta possibilidade cria uma outra faceta dessa
cultura: a suposição de disponibilidade real sem limites. Ou seja, uma pessoa pode
ser contatada a qualquer instante, em qualquer lugar. Nesse mundo online, nin-
guém jamais fica fora ou distante; todos podem ser acessados ao toque da tela do
celular, através de um aplicativo de mensagens instantâneas, mesmo que estejam
dormindo.
O advento do celular tornou possível a situação de alguém estar sempre à inteira
disposição do outro; na verdade, trata-se de uma expectativa e de um postulado rea-
lista, uma demanda difícil de recusar, porque se supôs que sua satisfação, por fortes
razões objetivas, era impossível. Pelas mesmas razões, a entrada da telefonia móvel
na vida social eliminou, para todos os fins práticos, a linha divisória entre tempo
público e tempo privado; entre espaço público e espaço privado; casa e local de
trabalho; tempo de trabalho e tempo de lazer; “aqui” e “lá”. O proprietário de um
telefone celular está sempre e em toda parte ao alcance dos outros, está sempre “a-
qui”, sempre ao alcance da mão.64
61
Cf. AUGÉ, 2008, pp. 104 e 105.
62
BAUMAN, 2011, Carta 9.
63
MANOVICH, Levi. The Language of New Media. London /Massachusetts / Cambridge: MIT
Press, 200, p. 165.
64
Cf. BAUMAN, 2011, Carta9.
35
2.4.9
Fluidez dos relacionamentos e descompromisso
65
Cibercultura é "forma sociocultural que advém de uma relação de trocas entre a sociedade, a
cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônicas surgidas na década de 70, graças à con-
vergência das telecomunicações com a informática. A cibercultura é um termo utilizado na defini-
ção dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual." (Dicionário Infor-
mal: http://www.dicionarioinformal.com.br/cibercultura/).
66
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Zahar, 2003, p. 82.
36
Por esse motivo, é fácil uma pessoa acumular mais de dois mil “amigos” na sua
rede, assim como com a mesma facilidade pode-se desfazer a "amizade" com
qualquer uma dessas pessoas num clique. Basta,apertar um botão, excluí-la de seu
perfil, ou bloquear o seu acesso. E isso é feito sem o menor constrangimento, ou
necessidade de explicações, porque esse vínculo virtual não gera necessariamente
um vínculo físico ou afetivo, nem evoca um compromisso a longo prazo.
Essa característica é uma das que mais atrai o homem contemporâneo, mar-
cado por relacionamentos líquidos. "O outro lado da moeda da proximidade virtu-
al é a distância virtual: a suspensão, talvez até anulação, de qualquer coisa que
transforme a contiguidade topográfica em proximidade"67. As tecnologias suprem
a necessidade de companhia do indivíduo, ao mesmo tempo que o protege de es-
tabelecer vínculos muito próximos com as pessoas, permitindo que se mantenha
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na linha de conforto do seu individualismo. "A proximidade não exige mais a con-
tiguidade física; e a contiguidade física não determina mais a proximidade"68.
Esta característica também favorece a vivência de uma fé não institucional,
sem comunidade, voltada para a satisfação pessoal. Muitas pessoas acreditam em
Deus, declaram-se católicas, mas não se encaixam em nenhuma comunidade terri-
torial. A cultura digital não é totalmente ateia, mas também não é religiosa.
Apesar de se constatar muita religiosidade, especialmente por via midiática, evi-
dencia-se uma adesão parcial à fé cristã. Está em crise o sentimento de pertença à
comunidade e o engajamento na paróquia. Afetivamente, há pessoas mais ligadas a
expressões religiosas veiculadas por mídias católicas. [...] Embora seja indispensá-
vel o trabalho de religiosos católicos nas mídias, entra em questão o vínculo e a
pertença possibilitados por essa nova modalidade de viver a fé.69
Isto porque "estar conectado é menos custoso do que estar engajado."70Os
relacionamentos numa rede digital não exigem um ritmo específico, cada um es-
tabelece o seu ritmo não fazendo mais sentido estar preso a uma programação
estabelecida por uma instituição/autoridade. Pode-se “desconectar” sempre que se
achar necessário e só retornar o contato quando e se achar conveniente. Como os
vínculos são estabelecidos devido a necessidades de momentos, que podem mudar
num instante seguinte, aquele "comprometimento" anterior perde o sentido.
67
BAUMAN, 2003, p. 81.
68
BAUMAN, 2003, p. 81.
69
CNBB. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. São Paulo: Paulinas, 2014, n. 27.
70
BAUMAN, 2003, p. 82.
37
2.4.10
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Sentido de liberdade
71
BAUMAN, 2011, Carta 1.
72
BAUMAN, 2003, p. 78.
73
BAUMAN, 2003, p. 79.
38
2.4.11
Nova arena pública
O bios midiático é uma grande arena pública. Muitos problemas hoje en-
frentados pelas pessoas advém dessa verdade, nem sempre bem compreendida. A
Internet, com o advento das redes sociais, consolidou-se como um espaço onde o
público e o privado se confundem. Essa arena pública é um espaço onde todos
tem livre acesso, para entrar e sair. Na rede, tudo o que se vê, se escreve, se ouve,
a opinião que se dá, a foto ou vídeo que se posta, poderá ser visto por milhões de
pessoas em qualquer parte do planeta, desde que estejam ligados à sua rede de
relacionamentos ou à rede de um de seus contatos. Uma vez publicado algo, não
há como impedir que seja visto e compartilhado nesta arena, mesmo que se apa-
gue a postagem.
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2.5
WEB 3.0
74
FAXINA, Elson e GOMES, Pedro Gilberto. Midiatização – um novo modo de ser e viver em
sociedade. São Paulo: Paulinas, 2016, p. 22.
75
Como isso é feito? Sites de busca, como o Google, armazenam e comercializam todas as infor-
mações relativas aos acessos dos internautas, que deixam "rastros" na rede. Assim, os anúncios
exibidos para um usuário serão escolhidos com base nas consultas de pesquisas anteriores feitas
39
que for possível para entender nossos sentimentos e escolhas melhor ainda do que
nós mesmos. O autor explica que
se isso soa muito abstrato ou teórico, eis um exemplo: os aparelhos Kindle. Antes,
quando se queria escolher um livro para ler, ia-se à livraria. Ninguém sabia quem
você era nem lhe recomendava nada.Agora a Amazon faz isso por você, e vai se
tornar cada vez melhor nisso. Se você conectar um Kindle a um software de reco-
nhecimento facial ou a sensores biométricos no seu corpo, estaremos muito perto
do ponto em que a Amazon poderia saber o impacto emocional exato de cada sen-
tença que você ler no livro.Com esse conhecimento, ela será capaz de dizer não a-
penas o que fazer na vida, mas também pressionar seus botões emocionais e mani-
pulá-lo numa extensão muito maior que qualquer ditador com que pudéssemos so-
nhar.78
por eles, bem como nos vídeos que assistiu no YouTube e outras informações associadas à sua
conta, como faixa etária, estado civil, profissão, nacionalidade ou sexo.
76
Segundo teóricos da comunicação, como Lúcia Santaella, há três gerações da WEB: a 1.0, inici-
ada em 1990, marcada pela a digitalização, a convergência das mídias, a interface, o ciberespaço e
a interatividade, que criaram a cibercultura. Os sites dessa geração possuíam conteúdos estáticos,
produzidos majoritariamente por empresas e instituições, com pouca interatividade entre os inter-
nautas. A segunda geração, a WEB 2.0, é marcada pela blogosfera, pelos sites wick, pela interação
e pelas redes sociais digitais, que foram impulsionadas pela Internet móvel. Os conteúdos são
produzidos pelos próprios internautas e há maior interatividade online através de Blogs e sites
como o YouTube, Flickr. A terceira geração é a que estamos assistindo hoje o seu desenvolvimen-
to: a WEB 3.0, que será seguida pela Internet de lugares e das coisas.
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SANTAELLA, Lúcia. A comunicação a distância no mundo globalizado: mudanças para-
digmáticas. In Teologia e comunicação. Corpo, palavra e interfaces cibernéticas. São Paulo:
Paulinas, 2011, p. 140.
78
Entrevista ao jornal Folha de São Paulo de Yuval Noah Harari, sobre o seu novo livro: "Homo
Deus – Uma Breve História do Amanhã". Disponível em https://goo.gl/516W3q .
40
2.6
Nova religiosidade
à crise de valores e à carência de modelos em que nos encontramos hoje” 81. Fazer
esse tipo de questionamento e investigação, significa, necessariamente, voltar-se
para a única verdadeira questão religiosa: a que incide sobre o que os homens po-
dem autenticamente chamar de deus.
Sobre essa questão também a Igreja e os teólogos precisam se debruçar hoje.
Pois “a nova consciência religiosa” apresenta inúmeros desafios. Ela está mais
difusa e relacionada com a subjetividade existencial da pessoa do que nunca visto
antes na história. O ser humano quer ter acesso direto a Deus, sem mediação dou-
trinal ou hierárquica, rompendo com os modelos tradicionais. Os aspectos já cita-
dos da destemporalização, cultura do efêmero, descompromisso, desterritorização,
etc., desembocam em experiências religiosas diferentes das religiões históricas.
Neste contexto, vemos a religião se transformar a cada dia em assunto particular e
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Conclusão
81
BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. Experiência de Deus e pluralismo religioso no moderno
em crise. São Paulo: Loyola, 1993.
42
82
BAUMAN, 2003, p. 80.