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ATUALIDADE
TRIBUNA
As meias verdades
Independentistas catalães têm liberdade na Espanha para expressar suas
ideias e convicções. O que não podem fazer é transgredir a lei e cometer
um golpe de Estado, como tentaram em outubro de 2017
MARIO VARGAS LLOSA
FERNANDO VICENTE
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22/07/2019 As meias verdades | Atualidade | EL PAÍS Brasil
Premiê espanhol Catalunha”), que o PEN de Nova York acaba de publicar em seu
ironiza Bolsonaro ao
criticar extrema
boletim informativo. Infestado de meias verdades − mentiras
direita: “São os dissimuladas −, o texto exagera e distorce o que ocorre na Espanha
voxonaros da
com o movimento independentista catalão e dá a impressão de que
Espanha”
é um país no qual se restringe a liberdade de pensamento,
pisoteiam-se direitos democráticos elementares, impede-se o voto
dos cidadãos e onde juízes insones proíbem aos cantores e
comediantes as zombarias e os excessos toleráveis em todas as
sociedades abertas do resto do mundo.
O governo dos juízes Os autores do texto − Alyssa Edling e Thomas Melia − que o centro
nova-iorquino publica recordam que o PEN norte-americano “não
toma posição sobre o tema da independência catalã”, para depois
endossar todas as patranhas que o centro catalão do PEN (que eu
ajudei a ressuscitar durante minha presidência!) divulgou, como
órgão militante do movimento de independência, sem submetê-las à
mais mínima verificação, e, pior ainda, ocultando fatos básicos, de
atalunha celebra seu
Dia Nacional com modo que uma entidade de prestígio e de impecáveis credenciais
manifestação democráticas aparece difundindo pelo mundo o que são,
massiva pela
simplesmente, invenções e calúnias da propaganda política.
independência
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22/07/2019 As meias verdades | Atualidade | EL PAÍS Brasil
O texto sustenta que é uma “restrição inaceitável à expressão pacífica e livre” dos
catalães o fato de que tenham sido impedidos de votar naquela ocasião. Como se, desde
que a atual Constituição está em vigor (1978), não tivessem existido dezenas de
ocasiões em que catalães em particular, e espanhóis em geral, votaram em eleições
locais, nacionais e europeias! Mais uma vez, a astuta omissão – a de que aquele
referendo era delituoso − permite apresentar a Espanha como uma sociedade na qual
um Governo autoritário priva seus cidadãos da mais elementar garantia democrática.
Para o texto, os músicos e comediantes que foram processados (e, muitas vezes,
absolvidos de qualquer culpa, como aquele que limpou o nariz com uma bandeira da
Espanha) por iniciativa de organismos da sociedade civil ou por procuradores e juízes
(aqui tão independentes como nos Estados Unidos) são indícios dessa “tendência
preocupante” de privar os espanhóis da liberdade de se expressar e de exercer a crítica.
Para alguém que vive na Espanha como eu, tal caricatura tem pouco a ver com a
realidade deste país, que é um dos mais livres do mundo e permite em seu seio a crítica
e os protestos até extremos delirantes. Aqui são lançados panfletos contra o Rei e a
monarquia e insultados sem escrúpulo os líderes políticos, habitualmente submetidos a
uma vigilância implacável por seus adversários e por uma imprensa independente capaz
de invadir a intimidade a tal ponto que é possível afirmar que na Espanha o “privado” já
não existe. No domínio político, as razões e críticas se confundem frequentemente com
injúrias ferozes.
Trabalhei muito quando fui presidente do PEN Internacional com o centro nova-iorquino,
quando este era dirigido pela historiadora e ensaísta norte-americana Frances
Fitzgerald. Era uma época de ditaduras abundantes em toda a América Latina e fizemos
campanhas denunciando os crimes que eram cometidos pelos militares argentinos,
uruguaios, chilenos, brasileiros, et cetera, assim como contra a censura e os atropelos
da liberdade de expressão no resto do mundo. Como escritor e latino-americano, sei
muito bem os abusos que os regimes autoritários de esquerda ou de direita cometem e
fui vítima da censura em muitos lugares. Aqui, por exemplo, na Espanha, quando, na
época de Franco, foi publicado meu primeiro livro de contos, tive que levar o manuscrito
à censura, uma casinha anódina e sem nenhuma placa, onde se entregava o texto a um
sujeito anônimo e se passava, dias depois, para recolhê-lo. O censor tinha marcado com
um lápis vermelho as frases e palavras − às vezes capítulos − que deveriam ser
suprimidos ou emendados.
Daquela Espanha, felizmente, resta muito pouco. A transformação vivida por este país,
graças à Transição, assombrou o mundo por ter sido tão pacífica e profunda. Com o
colapso da ditadura de Franco, e encorajadas pelo rei Juan Carlos, todas as forças
políticas, de conservadores a comunistas, concordaram em acabar para sempre com a
Guerra Civil e coexistir em liberdade, em um regime democrático e sob uma
Constituição, a mais livre que a Península Ibérica já teve em toda sua história. Desde
então, a Espanha desfruta de uma liberdade que nunca conheceu antes e que muito
poucas sociedades no mundo têm.
O PEN de Nova York faria muito melhor se se preocupasse com os crimes contra
escritores e jornalistas cometidos debaixo de seus narizes na Venezuela, em Cuba ou na
Nicarágua – onde, além de jornais, rádios e estações de televisão serem fechados, são
presos, torturados e assassinados opositores − em vez de servir de caixa de ressonância
para as mentiras dos separatistas catalães.
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