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DIDÁTICA E TEORIAS DE
APRENDIZAGEM

Circulação Interna

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Ficha técnica do módulo: Didática e Teorias da Aprendizagem

Ementa: discutir as principais teorias da aprendizagem e os seus pressupostos teóricos:


interacionismo; sócioconstrutivismo; epistemologia genética; psicanálise; psicogenética;
pós-construtivismo. Os paradigmas no processo de aprendizagem. Mudanças e rupturas
na Educação. Linguagem, cognição, afeto e motivação na dinâmica do aprender.
Construção do conhecimento.

Objetivos
• Compreender as contribuições da psicologia educacional à educação;
• Caracterizar as correntes teóricas de aprendizagem.
• Construir uma visão crítico-reflexiva das teorias da aprendizagem, buscando
compreender o processo de aprendizagem.
• Diferenciar as teorias da aprendizagem.
• Reconhecer as possibilidades de aplicação dessas teorias no contexto escolar.

Metodologia: Será conduta de trabalho aplicar questões teóricas à prática, bem como
resgatar a experiência educacional dos alunos na atuação na Educação Infantil. Além
disso, será possibilitado ao aluno o contato com teóricos que defendem o trabalho
pedagógico para a Educação Infantil, de modo a romper com a visão assistencialista
para a escola infantil. Serão propostos textos para leitura e discussão, vídeos sobre as
temáticas; pesquisa de campo e/ou bibliográfica e a resolução de exercícios ao final de
cada unidade e ao final do livro.

Bibliografia Básica
COLL, C.; MARCHESI, Á.; PALÁCIOS, J. (org.) Desenvolvimento psicológico e
educação. 2. ed. 2. vol. Porto Alegre: Artmed, 2008.
CASTORINA, J. A. et al. Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. 6. ed.
São Paulo: Ática, 2010.
GALVÃO, I. Henry Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil.
Petrópolis: Vozes, 1999.

Bibliografia Complementar
MOREIRA, M. A. Teorias da aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.
COLL, C. (org.). O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2001.
GARDNER, H. Inteligências Múltiplas - A teoria na prática. Porto Alegre: Ed. Artes
Médicas, 1995.
LA TAILLE, I., OLIVEIRA, M. K. & DANTAS, H. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias
psicogenéticas em discussão, São Paulo: ed. Summus, 1992.
PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas - Problema central do
desenvolvimento. Trad. Marion Merlone dos Santos Penna. Zahar Editores, Rio de
Janeiro, 1975. Ciências da Educação.
PIAGET. J. A epistemologia genética: Sabedoria e ilusões d filosofia ; Problemas de
psicologia genética; traduções de Nathaniel C. Caixeiro, Zilda Abujamra Daeir, Célia E.
A. Di Piero. - São Paulo : Abril Cultural. 1978. (Os Pensadores)
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. [tradução Jeferson Luiz Camargo;
revisão técnica José Cipolla Neto]. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993.

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UNIDADE 1
PROCESSO DE APRENDIZAGEM PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS E
IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS - UMA BREVE ANÁLISE DAS TEORIAS DA
APRENDIZAGEM - INATISMO, AMBIENTALISMO E SÓCIO-
INTERACIONISMO.

Essas abordagens teóricas revelam diferentes concepções e modos de

explicar as dimensões biológicas e culturais do homem e a forma pela qual o sujeito

aprende e se desenvolve, e mais particularmente, as possibilidades de ação educativa.

Cada uma delas é marcada pelas características do momento e do contexto sócio-

histórico em que foi formulada e pelos diversos paradigmas e pressupostos filosóficos,

metodológicos e epistemológicos que as inspiram. Estas são as temáticas que

discutiremos na unidade 1.

1.1.ABORDAGEM INATISTA: TAMBÉM CONHECIDA COMO APRIORISTA

OU NATIVISTA

Tal abordagem tem seus fundamentos teóricos e filosóficos inspirados nas premissas da

filosofia racionalista e idealista se baseia na crença de que as capacidades básicas de

cada ser humano, personalidade, potencial, valores, comportamentos, formas de pensar

e de conhecer são inatas, ou seja, já se encontram praticamente prontas no momento do

nascimento. Enfatiza assim os fatores maturacionais e hereditários como definidores da

constituição do ser humano e do processo de conhecimento.

Esta teoria desconsidera as interações sócio-culturais na formação das estruturas

comportamentais e cognitivas da criança. Nessa visão o desenvolvimento é pré-requisito

para o aprendizado.

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Quanto aos aspectos pedagógicos, na educação escolar pouco ou quase nada altera as

determinações inatas. Os processos de ensino só podem se realizar na medida em que a

criança estiver "pronta", madura para efetivar determinada aprendizagem. Esse

paradigma promove uma expectativa significativamente limitada do papel da educação

para o desenvolvimento individual, na medida em que considera o desempenho do

aluno fruto de suas capacidades inatas.

Na prática escolar, podemos identificar as conseqüências da abordagem inatista, a

seguir:

• Não desafia, não instrumentaliza o desenvolvimento de cada indivíduo,

pois se restringe àquilo que ele já conquistou;

• Prática pedagógica espontaneísta, pouco desafiadora, na maior parte das

vezes, subestima a capacidade intelectual do indivíduo, na medida em que seu sucesso

ou fracasso depende quase exclusivamente de seu talento, aptidão, dom ou maturidade;

• Desconfia do valor da educação e do papel interveniente e mediador do

professor;

• Atuação se restringe ao respeito às diferenças individuais, aos desejos, aos

interesses e capacidades manifestadas pelo indivíduo, ao reforço das "características

inatas" ou ainda à espera de que processos maturacionais ocorram.

Tal postura filosófica pode trazer consequências ao desempenho das crianças na escola

que deixa de ser responsabilidade do sistema educacional. Nesta proposta terá sucesso a

criança que tiver algumas qualidades e aptidões básicas, que implicará na garantia de

aprendizagem, tais como: inteligência, esforço, atenção, interesse ou mesmo maturidade

de aprender. Assim, a responsabilidade está na criança (e no máximo na família) e não

na relação com o contexto social mais amplo, nem na própria dinâmica interna da

escola.

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1.2.CONCEPÇÃO AMBIENTALISTA: TAMBÉM CHAMADA DE

ASSOCIACIONISTA, COMPORTAMENTALISTA OU BEHA VIORISTA.

Tal modelo adota como fundamentos teóricos e filosóficos o pensamento empirista e

positivista que atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das características

humanas e privilegia a experiência como fonte de conhecimento e de formação de

hábitos de comportamentos. Assim as características individuais são determinadas por

fatores externos ao indivíduo. Nesta abordagem desenvolvimento e aprendizagem se

fundem e ocorrem simultaneamente.

Neste referencial teórico, o ensino é supervalorizado, já que o aluno é um receptáculo

vazio, a transmissão de um grande número de informações torna-se de extrema

relevância. A função primordial da escola é a preparação moral e intelectual do aluno

para assumir sua posição na sociedade, através da "transmissão da cultura" e a

"modelagem comportamental" das crianças.

No que se refere aos aspectos pedagógicos, os conteúdos e procedimentos didáticos não

precisam ter nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as

realidades sociais. O que predomina é a palavra do professor, as regras impostas e a

transmissão verbal do conhecimento. O educando assume uma posição secundária e

marcadamente passiva (imaturo, inexperiente), cabe ao aluno apenas executar

prescrições que lhes são fixadas por autoridades exteriores a ele.

Assim, na prática escolar, nesta teoria:

• Valoriza-se o trabalho individual, a atenção, a concentração, o esforço e a

disciplina, como garantias para a apreensão do conhecimento;

• Ensino centrado no professor, que monta programas a partir de uma

progressão de grau de complexidade da matéria;

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• O professor é o elemento central e único detentor do saber, é quem corrige,

avalia e julga as produções e comportamentos dos alunos, principalmente seus "erros e

dificuldades";

• O professor deve promover situações propícias para que se processem

associações entre estímulos e respostas corretas, pois o erro deve ser evitado;

• Neste paradigma a aprendizagem é confundida com memorização de um

conjunto de conteúdos desarticulados (da realidade), conseguida través da repetição de

exercícios sistemáticos de fixação e cópia e estimulada por reforços positivos (elogios,

recompensas) ou negativos (notas baixas, castigos etc);

• O método é baseado na exposição verbal, análise e conclusão do conteúdo

por parte do professor;

• A verificação da aprendizagem se dá através de periódicas avaliações

(vistas como instrumento de controle e de checagem da necessidade de reformulação

das técnicas empregadas);

• Uma faceta do espontaneísmo, baseado nesses pressupostos, se

fundamenta na convicção de que o desempenho e as características individuais do aluno

são resultantes da educação recebida em sua família e do ambiente sócio-econômico em

que vive. As dificuldades na escola são atribuídas aos fatores do universo social, tais

como: a pobreza, a desnutrição, a composição familiar, a crise econômica que o país

atravessa, ao ambiente em que vive, à violência da sociedade atual, à televisão etc.

Deste modo, já que a aprendizagem depende de fatores externos à escola, a

solução não está ao alcance dos educadores.

Exercício de reflexão:

Pense em sua sala de aula ou na realidade educacional em que você atua. De quais

maneiras você percebe que os pressupostos teóricos e filosóficos das teorias inatista e

ambientalista estão presentes na cultura escolar? Registre suas ideias a seguir:

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1.3.A ABORDAGEM SÓCIO-INTERACIONISTA DE VYGOTSKY

Os postulados de Vygotsky são radicalmente diferentes das concepções

expostas acima. Podemos considerá-lo representante de uma outra maneira de entender

a origem e evolução do psiquismo humano, as relações entre indivíduo e sociedade e,

como conseqüência, um modo diferente de entender a educação: a Concepção

Interacionista.

Este teórico defende sua teoria e seus fundamentos filosóficos, inspirado nos princípios

do materialismo dialético, considera o desenvolvimento da complexidade da estrutura

humana como um processo de apropriação pelo homem da experiência histórica e

cultural. Segundo ele, o organismo e meio exercem influência recíproca, portanto o

biológico e o social não estão dissociados. Nessa perspectiva, a premissa é de que o

homem constitui-se como tal através de suas interações sociais, portanto, é visto como

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alguém que transforma e é transformado nas relações produzidas em uma determinada

cultura. É por isso que seu pensamento costuma ser chamado de sócio-interacionismo.

Ao admitir a interação do indivíduo com o meio como característica definidora da

constituição humana,- Vygotsky refuta as teses antagônicas e radicais que

dicotomizavam o inato e o adquirido: as abordagens ambientalistas (pela exagerada e

exclusiva ênfase às pressões do meio) e nativista (pelo desprezo às influências externas

e pela supervalorização do aspecto hereditário maturacional). Suas proposições apontam

para uma superação das oposições consagradas no campo teórico da Psicologia, na

medida em que indicam novas bases para a compreensão da atividade humana.

Assim, é necessário ressaltar que na abordagem sócio-interacionista o que ocorre não é

o somatório entre fatores inatos e adquiridos e sim uma interação dialética que se dá,

desde o nascimento, entre o ser humano e o meio social e cultural que se insere. O

conceito de mediação é considerado um dos pilares das teses vigotskianas, também

revela grandes aproximações com a abordagem do materialismo histórico-dialético.

Vygotsky estendeu a noção de mediação homem-mundo pelo trabalho e o uso de

instrumentos ao uso de signos.

Nesta teoria, o papel da escola e do ensino na constituição do ser é de fundamental

importância. Para Vygotsky a escola tem um papel diferente e insubstituível na

apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada, por oferecer

conteúdos e desenvolver modalidades de pensamentos bastante específicos. Justamente

por isso ela representa o elemento imprescindível para a realização plena do

desenvolvimento dos indivíduos, já que promove um modo mais sofisticado de analisar

e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.

Na escola, as atividades educativas, são sistemáticas, têm uma intencionalidade

deliberada e compromisso explícito (legitimado historicamente) em tomar acessível o

conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto as crianças são desafiadas a

entender as bases dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus

próprios processos mentais.

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Ao interagir com o conhecimento, o ser humano se transforma: aprende a ler e a

escrever, obter o domínio de formas complexas de cálculos, construírem significados a

partir das informações descontextualizadas, ampliarem seus conhecimentos, lidar com

conceitos científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente

importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e

atuação em seu meio.

Para Vygotsky, o fato do indivíduo não ter acesso à escola significa um impedimento da

apropriação do saber sistematizado, da construção de funções psicológicas mais

sofisticadas, de instrumentos de atuação e transformação de seu meio social e de

condições para a construção de novos conhecimentos.

No entanto Vygotsky coloca que a freqüência constante da criança na escola não é

garantia de que o indivíduo se apropria do acervo de conhecimentos sobre áreas básicas

daquilo que foi elaborado por seu grupo cultural. O acesso a esse saber dependerá, entre

outros fatores de ordem social, política e econômica, da qualidade do ensino oferecido.

Nesse sentido, o pensamento de Vygotsky traz outra implicação: contribui para suscitar

a necessidade de uma avaliação mais criteriosa de como essa agência educativa vem

desempenhando sua tão relevante função. Vygotsky afirma que o bom ensino é aquele

que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que

estão em via de se completarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento

psicológico é de grande importância para a educação, pois permite a compreensão de

processos de desenvolvimento que, embora presentes no indivíduo, necessitam da

intervenção, da colaboração de parceiros mais experientes da cultura para se

consolidarem e, como conseqüência, ajuda a definir o campo e as possibilidades da

atuação pedagógica.

A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa abordagem, à capacidade de

promoção de avanços no desenvolvimento do aluno. Essa posição encontra fundamento

no conceito de zona de desenvolvimento proximal que descreve o "espaço" entre as

conquistas adquiridas pela criança, e aquelas que, para se efetivar, dependem da

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participação de sujeitos mais capazes. Esse princípio desestabiliza algumas crenças

bastante cristalizadas no âmbito pedagógico.

A escola desempenhará bem seu papel, na medida em que, partindo daquilo que a

criança já sabe (o conhecimento que ela trás do seu cotidiano, suas idéias a respeito dos

objetos, fatos e fenômenos, suas "teorias" a cerca do que observa do mundo), ela for

capaz de ampliar e desafiar a construção de novos conhecimentos, incidirem na zona de

desenvolvimento potencial dos educandos. Desta forma poderá estimular processos

internos que acabaram por se efetivar: passando a constituir a base que possibilitará

novas aprendizagens.

Vygotsky afirma que a escola deve ser capaz de desenvolver nos alunos capacidades

intelectuais que lhes permitam assimilar plenamente os conhecimentos acumulados. Isto

quer dizer que ela não deve se restringir a transmissão de conteúdos, mas

principalmente, ensinar o aluno a pensar, ensinar formas de acesso e apropriação do

conhecimento elaborado, de modo que ele possa praticá-las autonomamente ao longo de

sua vida. Essa é, segundo ele, a tarefa principal da escola contemporânea frente às

exigências das sociedades modernas.

No que se refere às práticas pedagógicas, de acordo com os postulados de Vygotsky

sugere-se a necessidade de redefinição da função do professor. Nessa abordagem o

professor deixa de ser visto como agente exclusivo de informação e formação dos

alunos, uma vez que as interações estabelecidas entre as crianças também têm um papel

fundamental na promoção de avanços no desenvolvimento individual. Assim:

• No cotidiano escolar o professor desempenha a função de mediador e

possibilitador das interações entre os alunos e estes com os objetos do conhecimento;

• A intervenção "nas zonas de desenvolvimento proximal" dos alunos é de

responsabilidade (ainda que não exclusiva) do professor visto como um parceiro

privilegiado, justamente porque tem maior experiência, informações e a incumbência,

entre outras funções, de tornar acessível ao aluno o patrimônio cultural já formulado

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pelos homens e, portanto, desafiar através do ensino os processos de aprendizagem e

desenvolvimento infantil;

• Mas que o professor possa intervir e planejar atividades que permitam

avanços, reestruturação e ampliação do conhecimento já estabelecido pelo grupo de

alunos é necessário que conheça o nível efetivo das crianças, ou melhor, suas

descobertas, hipóteses, informações, crenças, opiniões, enfim, suas "teorias" acerca do

mundo circundante. Este deve ser considerado o "ponto de partida". Para tanto, é

preciso que, no cotidiano o professor estabeleça uma relação de diálogo com seus

alunos e crie situações em que eles possam expressar aquilo que já sabem. Enfim, é

necessário que o professor se disponha a ouvir e notar as manifestações infantis;

• Explicações, demonstrações, justificativas, abstrações, questionamentos

do professor são fundamentais no processo educativo;

• O professor deve também promover situações que incentivem a

curiosidade das crianças, que possibilitem a troca de informações entre os alunos e que

permitam o aprendizado das fontes de acesso ao conhecimento.

• É oportuno que planejem que envolvam a observação, resolução de

questões específicas, propostas de estudos e preparação de seminários, palestras, ou

outras apresentações. Nesse sentido, a observação e o registro (diários, relatórios, etc)

das características do grupo (como produzem, de que modo interagem, como se

relacionam com os diversos objetos de conhecimento, suas descobertas, principais

dúvidas e dificuldades, interesses, como brincam etc) pode ser uma fonte preciosa para

o planejamento de atividades significativas e eficientes em termos de objetivos que se

quer alcançar.

Exercício reflexivo: ao final desta sessão, assista ao vídeo sobre a vida e a obra do

psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky. O programa apresentado pelo vídeo mostra como

o pensamento do autor influenciou a educação, principalmente no desenvolvimento da

linguagem.

Você acessará o vídeo pelo link: http://www.youtube.com/watch?v=YJla-2t-HRY

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Após assistir ao vídeo escreva sobre a importância das interações ao desenvolvimento

do sujeito e para a educação.

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1.4.Texto de apoio: A ABORDAGEM INATISTA-MATURACIONISTA

Todos nós já ouvimos ou dissemos coisas como: "Ele ainda não tem

maturidade para aprender a ler"; "Meu filho tem uma aptidão incrível para a

matemática"; "A Marina é tão inteligente! Puxou ao pai!".

Maturidade, aptidão, inteligência são temas tradicionalmente abordados pela

psicologia numa perspectiva que atribui um papel central a fatores biológicos no

desenvolvimento da criança. Essa perspectiva, que estamos denominando inatista-

maturacionista, parte do princípio de que fatores hereditários ou de maturação são mais

importantes para o desenvolvimento da criança e para a determinação de suas

capacidades do que os fatores relacionados à aprendizagem e à experiência.

Mas o que são esses fatores hereditários ou de maturação?

A hereditariedade pode ser entendida como um conjunto de qualidades ou

características que estão fixadas na criança, já ao nascimento. Ou seja, quando falamos

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em hereditariedade estamos nos referindo à herança genética individual que a criança

recebe de seus pais. Todos sabemos que traços como, por exemplo, a cor dos olhos e do

cabelo, o tipo sanguíneo, o formato da orelha e da boca já estão determinados

geneticamente quando nascemos.

A ideia de maturação refere-se a um padrão de mudanças comum a todos os

membros de determinada espécie, que se verifica durante a vida de cada indivíduo. O

crescimento do feto dentro do útero da mãe, por exemplo, segue um padrão de

mudanças biologicamente determinado. As transformações do corpo, o crescimento dos

órgãos, etc. acontecem de acordo com uma sequência predeterminada, que, a princípio,

não dependeria de fatores externos.

Você pode estar se perguntando o que essa história de cor dos olhos ou do

desenvolvimento do feto tem a ver com uma abordagem psicológica da maturidade, das

aptidões e da inteligência.

É que, na psicologia, teóricos da perspectiva inatista-maturacionista supõem

que, do mesmo modo que a cor dos olhos, aptidões individuais e inteligência são

características herdadas dos pais e, portanto, já estão determinadas biologicamente

quando a criança nasce. Ou então que, à maneira do crescimento das partes do corpo, o

desenvolvimento do comportamento e das habilidades da criança é governado por um

processo de maturação biológica, independentemente da aprendizagem e da experiência.

São essas concepções que estudaremos no decorrer deste capítulo.

A questão das diferenças individuais e a hereditariedade da inteligência: ''filho de


peixe, peixinho é?

Por que as pessoas são diferentes umas das

outras? Por que algumas crianças parecem mais inclinadas

para atividades artísticas, enquanto outras se saem melhor

com os números? Foram perguntas desse tipo que

orientaram, no começo do século, as primeiras investigações

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psicológicas sobre o problema da natureza hereditária das aptidões e da inteligência.

Interessados em saber por que uma pessoa é diferente da outra - quanto a traços de

personalidade, de habilidades, de desempenho intelectual, etc. -, pesquisadores

procuraram obterem dados que permitissem estabelecer comparações entre pessoas.

Eles constataram, então, que pessoas com uma aptidão especial (um artista, por

exemplo) normalmente tinham familiares que apresentavam o mesmo tipo de aptidão.

Ou, ainda, que gêmeos idênticos apresentavam aptidões e nível intelectual com um grau

de semelhança maior do que o encontrado entre irmãos não gêmeos. Por outro lado,

identificaram diferenças de aptidões e de traços mentais entre homens e mulheres ou

entre raças diferentes.

Essas constatações foram interpretadas como indicadoras de que os fatores inatos são

mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau em que estas podem

se desenvolver do que a experiência social e a educação. O papel do meio social,

segundo essa perspectiva inatista, se restringe a impedir ou a permitir que essas aptidões

se manifestem.

Assim, uma criança - filha, neta ou sobrinha de músicos - apresenta

inclinação e facilidade para aprender música porque herdou de seus familiares a aptidão,

o “dom” para aprender música porque foi educada num ambiente em que,

provavelmente, a música é valorizada e ensinada. Do mesmo modo, crianças brancas e

negras apresentam diferenças no desempenho de determinadas tarefas em razão da

herança genética de suas raças, e não de diferenças culturais ou de oportunidades.

Foi nessa linha da preocupação com as diferenças individuais que se

desenvolveram os primeiros estudos psicológicos com o objetivo de avaliar a

inteligência. Um dos pioneiros desses estudos, o pesquisador francês Alfred Binet,

interessou-se especialmente pela mensuração da inteligência através de testes.

Quem foi Binet?

Alfred Binet nasceu em 1857 e viveu até 1911. Formou-se em

Medicina, mas desde cedo interessou-se pela psicologia da criança

e do deficiente, área em que se tornou conhecido.

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Em 1904, quando era diretor do Laboratório de Psicologia

Fisiológica dai Universidade de Sorbonne, participou de um a

comissão de médicos, educadores e cientistas, nomeados pelo

ministro da Instrução Pública da

França, que tinha como objetivo estabelecer métodos e formular

recomendações para o ensino de crianças deficientes mentais.

Binet foi incumbido da tarefa de desenvolver um instrumento que

permitisse identificar as crianças mentalmente deficientes.

Como resultado de seu trabalho nessa comissão e de suas

pesquisas anteriores, ele publicou em 1905, com a colaboração de

Théodore Simon, a primeira escala para a medida da inteligência

geral. Essa escala, que se tornou conhecida como escala Binet-

Simon, passou por duas revisões: a primeira, em 1908, e a

segunda, em 1911, pouco antes da morte de Binet.

Pode-se dizer que o desenvolvimento dessa escala marcou o início

da medida da inteligência, tais como a conhecem hoje. Os testes

de Binet e Simon furam traduzidos e utilizados também em muitos

outros países e deram origem a inúmeras revisões, realizadas por

outros pesquisadores, bem como inspiraram. A elaboração de

outros testes de inteligência. No Brasil, seus estudos e testes foram

introduzidos em 1916 por educadores ligados ao Laboratório de

Psicologia Pedagógica do Rio de Janeiro.

Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não depende das

informações ou das experiências adquiridas no decorrer da vida do individuo. Segundo

ele, as principais características da inteligência seriam as capacidades de atenção, de

julgamento e de adaptação do comportamento a objetivos:

Parece-nos que na inteligência há uma faculdade fundamental... Esta

faculdade é o julgamento, também chamado bom senso prático, iniciativa, a faculdade

de adaptar-se às circunstancias. Julgar, compreender e raciocinar bem; estas são as

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atividades essenciais da inteligência. (Binet e Simon, O desenvolvimento da

inteligência nas crianças. Apud Bee, 11)

É importante compreender que, nessa perspectiva, a idéia de inteligência

não se confunde com os conhecimentos adquiridos pelo individuo durante sua vida.

Habitualmente, consideramos como muito inteligente uma pessoa que demonstra ter um

vasto conhecimento; ou seja, dizemos que os mais inteligentes (entre nossos colegas,

por exemplo) são os que sabem mais.

No entanto, o que define a inteligência de um individua não é a quantidade

de conhecimento que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e

raciocinar. Essa capacidade, segundo Binet, não pode ser aprendida, mas ao contrário,

são biologicamente determinadas. Assim, a inteligência é vista como um atributo do

individuo fixado pela hereditariedade e, com tal, variável de uma pessoa para outra.

Padrões de desenvolvimento: o que é próprio de cada cidade?

Mas, se as pessoas são diferentes umas das outras nas suas aptidões, traços

de personalidade ou de inteligência, existem também muitas semelhanças entre elas. A

maioria dos bebes, por exemplo, torna-se capaz de se sentar antes que possa se arrastar,

engatinhar e depois andar. Do mesmo modo, quando começa a falar, a criança primeira

diz apenas palavras isoladas, e só depois juntas duas ou mais palavras, formando frases.

Ou, então, antes de desenhar casas, animais ou carros, a criança rabisca traços e

círculos.

Essas sequências parecem se repetir sempre em relação à maioria das

crianças, o que sugere a existência de certo padrão de desenvolvimento humano. Esse

fato tem chamado a atenção de muitos pesquisadores desde as primeiras décadas deste

século. Um dos primeiros psicólogos a se interessarem por essa questão foi Arnold

Gesell, nos Estados Unidos. Ele se preocupou com a evolução da criança, do

nascimento aos 16 anos, e estudou as formas que seu comportamento vai tomando no

decorrer dessa evolução.

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Quem foi Gesell?

Pesquisador norte-americano que viveu entre 1880 e 1961,

Gesell foi o principal expoente das teorias do desenvolvimento que

dão maior ênfase ao papel da maturação: Desde muito cedo; logo que

formado na Escola Normal (Magistério), dedicou-se à carreira de

professor. Foi diretor de colégio e escreveu sua primeira tese sobre um

assunto ligado à pedagogia. Depois de doutorar-se em psicologia, Gesell retomou o seu

trabalho como professor em uma escola primária. Alguns anos depois, decidiu-se por

fazer ó curso de Medicina e assim que o concluiu foi nomeado professor de Higiene da

Criança na Escola de Medicina de Yale, cargo que ocupou até a sua aposentadoria.

Em 1915, Gesell passou a empregar a psicologia com vistas em proporcionar

ajuda pedagógica às crianças desadaptadas. Ele é, por isso, considerado o primeiro

psicólogo escolar norte-americano.

Preocupado com a criação de uma ciência do desenvolvimento humano que

integrasse todos os recursos da psicologia experimental, da biologia evolutiva e da

neurofisiologia, de 1920 a 1961 Gesell dedicou-se à pesquisa cientifica e à publicação

de livros e artigos.

Pode-se dizer que Gesell foi o primeiro teórico da maturação, uma vez que

defendia a prioridade dos fatores de maturação sobre os fatores de aprendizagem, ou de

experiência, na evolução do comportamento da criança. Para ele, o que explica a

existência de um padrão de desenvolvimento comum à maioria das crianças é o

processo de maturação biológica inerente às transformações por que passa o

comportamento da criança.

Assim, a evolução psicológica da criança seria determinada biologicamente,

do mesmo modo que o crescimento do feto no útero materno. Seus comportamentos e

formas de pensar tornam-se mais complexos à medida que ela cresce que seu sistema

nervoso, sua estrutura muscular, etc. se desenvolvem. O ambiente social e as influências

externas, de modo geral, limitam-se a facilitar ou dificultar o processo de maturação.

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Por exemplo, uma criança que raramente é tirada do berço e deixada à vontade no chão,

certamente/ai demorar mais para engatinhar ou andar. Em condições adequadas, seu

desenvolvimento se processaria no ritmo e na sequência determinados pela maturação.

Tanto Binet quanto Gesell, acreditando que a inteligência e o

desenvolvimento psíquico da criança são biologicamente determinados, preocuparam-se

em descrever comportamentos e habilidades típicos de cada faixa etária.

Binet estava interessado, como já dissemos, em medir e comparar a

inteligência das pessoas. Mas, se podemos medir a altura ou o tamanho do dedo de uma

criança simplesmente usando uma fita métrica, medir a inteligência é bem mais

complicado. Enquanto aptidão geral do indivíduo, a inteligência não pode ser medida

diretamente, mas apenas através de algumas de suas realizações. Por isso, para construir

um teste de inteligência, Binet precisava conhecer o que crianças são capazes de fazer

em cada idade.

Essa também foi uma necessidade experimentada por Gesell. Preocupado em

compreender a evolução da criança, ele procurou estabelecer escalas de

desenvolvimento que permitissem comparar os comportamentos de uma criança com

aqueles que eram esperados, ou considerados "normais", para sua faixa etária.

Mas como foram criados os testes de inteligência e estabeleci das às escalas

de desenvolvimento?

Essa é uma pergunta importante, porque sua resposta nos mostra um pouco

como o conhecimento é produzido na área da psicologia. Partindo do princípio de que a

hereditariedade e a maturação são os fatores mais decisivos na determinação da

inteligência e na evolução do comportamento da criança, tanto Binet quanto Gesell

dedicaram-se a pesquisas.

Pesquisando a criança: a construção dos testes de inteligência

Binet partiu da experimentação e da observação do que as crianças eram

capazes de fazer em idades variadas. Ele procurou selecionar problemas ou questões

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cuja solução envolvesse os efeitos combinados da atenção, do juízo e do raciocínio e

não dependesse de aprendizagens anteriores.

Essas questões eram organizadas em grupos por idade, de acordo com o

seguinte critério: se um teste era resolvido satisfatoriamente por 60% a 90% das

crianças de determinada idade estudadas, ele era considerado adequado para aquela

idade.

Um exemplo: se todas ou quase todas as crianças de 6 anos fossem capazes

de comparar dois pesos, essa tarefa era considerada muito fácil para essa idade; se 60%

a 90% das crianças de 5 anos estudadas resolvessem o problema de maneira correta, ele

era aceito como adequado para essa faixa etária. Do mesmo modo, se quase nenhuma

das crianças de 4 anos estudadas conseguisse copiar um quadrado, essa tarefa era

considerada difícil demais para essa idade.

Seguindo esse procedimento, Binet selecionava um número determinado de

tarefas, em ordem crescente de dificuldade, para cada idade. Assim, o seu teste de

inteligência geral, destinado a avaliar pessoas dos anos até a idade adulta, era composto

por vários conjuntos de problemas: um para as crianças de 3 anos, outro para as de 4

anos, outro para as de 5 anos, e assim sucessivamente.

Por meio desses testes, a inteligência é avaliada pelo desempenho nas

tarefas. O número de testes que a criança consegue resolver determina a sua idade

mental ou o seu quociente de inteligência (QI). Se ela conseguir resolver todos os testes

propostos para a sua idade, sua inteligência será considerada normal. Se ela também

resolver corretamente alguns dos testes propostos para crianças mais velhas, seu QI

estará acima da media. E se, ao contrário, ela acertar apenas questões propostas para

crianças mais novas, sua inteligência será considerada abaixo da média.

Você sabe o que é o QI?

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Embora confundido por muita gente com a própria inteligência, o QI (quociente

intelectual) é basicamente uma comparação entre a idade mental e a idade real da

criança (idade cronológica).

A idade mental é determinada pelo número de tarefas de um teste que a criança

consegue resolver corretamente. Por exemplo, se ela acerta todas as tarefas atribuídas

ao grupo de 10 anos, diz-se que ela tem idade mental de 10 anos, seja qual for sua

idade cronológica.

O QI é obtido quando se divide a idade mental de uma criança pela sua idade

cronológica. Suponhamos que uma criança de 8 anos consiga resolver todos os

problemas propostos para a idade de 10 anos, mas nada além desse nível. Diremos que

sua idade mental é de 10 anos e, para calcular o seu QI, dividiremos 10 por 8, o que dá

um resultado de 1,25. Por convenção, esse resultado é multiplicado por 100, para que o

QI possa ser expresso em números inteiros. Isso significa que, em nosso exemplo, a

criança tem um QI de 125, que é considerado acima da média.

QI = idade mental x 100

idade cronológica

Assim, a quando a idade mental e a idade cronológica forem às mesmas, o QI serão

sempre 100. Se a idade mental for inferior à idade cronológica, os resultados serão

sempre inferiores a 100, o que indicará um QI abaixo da média. Se, ao contrário, a

idade mental for superior à idade cronológica, o QI será sempre superior a 100, ou

acima da média.

Pesquisando a criança: a elaboração das escalas de desenvolvimento

À semelhança de Binet, Gesell também se utilizou da observação e da

experimentação com crianças para elaborar suas escalas de desenvolvimento. No

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entanto, ele introduziu uma importante inovação técnica na observação e no registro do

comportamento da criança: as câmeras cinematográficas.

Na Clínica do Desenvolvimento da Criança, criada por ele em 1930 na

Universidade de Yale, Gesell montou um observatório fotográfico, que era um

hemisfério de 4 metros de diâmetro e 2,5 metros de altura, equipado no alto e nas

paredes laterais com câmeras cinematográficas.

Enquanto Gesell submetia as crianças a vários testes – sempre voltados a

descobrir o que são capazes de fazer em cada idade – as câm eras rodavam, registrando

todas as reações que elas apresentavam.

Os filmes obtidos eram posteriormente analisados. Gesell procurava, então,

destacar diversos aspectos da evolução do comportamento da criança postura, a

locomoção, a ação de agarrar, os jogos, as condutas sociais, etc, eram minuciosamente

analisados e descritos com o objetivo de captar as formas que esses comportamentos

tomam no decorrer do desenvolvimento da criança.

A partir dessas análises, tornava-se possível estabelecer que

comportamentos eram típicos de cada faixa etária, como, por

exemplo, começar a engatinhar, colocar-se de pé e andar com

apoio, subir em cadeiras ou sofás e caminhar sozinha.

Engatinhar e andar sozinho: estágios


diferentes do desenvolvimento infantil

Essas pesquisas, baseadas na análise dos filmes,

foram denominadas por Gesell pesquisas normativas, já que visavam à apreensão do

ritmo e da seqüência "normais" do desenvolvimento. Assim, ao enumerar os

comportamentos considerados típicos de cada faixa etária, é esse ritmo e essa seqüência

que as escalas de desenvolvimento expressam.

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A questão dos comportamentos típicos

Tanto Binet quanto Gesell ocuparam-se em definir os comportamentos

típicos de cada faixa etária, embora a partir de perspectivas diferentes.

Como já apontamos Gesell não apenas destacava quais são os

comportamentos infantis comuns a determinada idade, mas também procurava retratar a

maneira como esses comportamentos evoluem, informam-se. É o caso, por exemplo, da

capacidade da criança de manter-se sentada sem apoio.

É possível observar, nas figuras a seguir, que a evolução desse

comportamento deve-se ao progresso do alinhamento das costas e do aumento do

controle da cabeça: gradativamente as costas do bebê (que, no recém-nascido, são

arredondadas) ficam mais alinhadas, e a criança torna-se capaz de manter a cabeça

levantada, podendo, então, permanecer sentada sem apoio.

Primeiras 4
Semanas de vida: o dorso do
bebê é uniformemente
arredondado, havendo falta de
controle da cabeça.

Entre 4 e 6
semanas o bebê
tem dorso
arredondado e a
cabeça é erguida
Por alguns
momentos

Entre 8 e 12
semanas o dorso
ainda é
arredondado e a
cabeça já se levanta
mais, porem o bebê
ainda tende a
pender o corpo

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Binet, por sua vez, preocupava-

se com aqueles comportamentos que, numa

determinada idade, pudessem ser tomados

como indicadores do nível de inteligência

da criança. A evolução ou o

desenvolvimento dos comportamentos

considerados típicos não o interessaram de

modo especial, mas sim a capacidade da

criança de realizá-los na idade tida como


Entre 16 e 20
adequada. semanas o bebê tem
o dorso mais
Mas, apesar das diferenças, alinhado e a
cabeça é mantida
podemos dizer que Binet e Gesell ereta sem
vacinação
estabeleceram padrões de comportamento

com a finalidade de avaliar a inteligência

Ou desenvolvimento da criança. O pressuposto de que os fatores biológicos

(hereditariedade e maturação) são os mais decisivos na determinação da inteligência e

do desenvolvimento leva a supor que tais padrões de comportamento são independentes

de fatores externos ou do contexto social em que as crianças vivem. Desse modo, não

importa o lugar e a época em que a criança viva ou as condições materiais e as

possibilidades educacionais a que tenha acesso: a criança "normal" deve apresentar tais

comportamentos.

No entanto, é importante lembrar que eles chegaram à definição dos padrões

de comportamento de cada faixa etária a partir de pesquisas realizadas nas primeiras

décadas do século, com determinados grupos de crianças (francesas e norte-

americanas). Logo, os comportamentos Considerados típicos foram aqueles

apresentados pela maioria das crianças que eles estudaram, e foi a partir daí que se

definiu o que é normal ou não.

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Esse procedimento é bastante coerente com os princípios teóricos pelos

quais Binel e Gesell se orientaram, Se o ritmo e a sequência do desenvolvimento são

biologicamente determinados, espera-se que certos comportamentos apareçam sempre

na mesma sequência e na mesma idade, quer se trate de crianças europeias de classe

média, quer de crianças do interior do Nordeste brasileiro.

As relações entre desenvolvimento e aprendizagem e as influencias do inatismo-

maturacionismo na escola

Se o ritmo e a sequência do desenvolvimento são biologicamente

determinados, qual a sua relação com os processos de aprendizagem?

Antes de responder a essa pergunta, é importante lembrar que os

pesquisadores da abordagem inatista-maturacionista não tinham como objetivo o estudo

da aprendizagem No entanto, ao destacar o papel de fatores internos na determinação da

inteligência e do desenvolvimento, essa abordagem considera que aquilo que a criança

aprende no decorrer da vida não interfere no processo de desenvolvimento.

De acordo com a perspectiva inatista-maturacionista, a aprendizagem é que

depende do desenvolvimento. Ou seja, o que a criança é capaz ou não de aprender é

determinado pelo nível de maturação de suas habilidades e do seu pensamento ou,

ainda, pelo seu nível de inteligência.

Essa concepção tem tido bastante influência na escola, desde sua elaboração.

Pode-se dizer que o inatismo-maturacionismo marca o começo da relação entre a

psicologia científica e a educação. Como vimos, a construção dos primeiros testes de

inteligência de Binet e Simon foi resultado de uma necessidade e4mergente nos meios

educacionais franceses da época: a de identificar as crianças mentalmente deficientes e

estabelecer métodos que tornassem o ensino acessível a elas. O trabalho de Gesell

também foi orientado por fins ligados à educação, especialmente a de crianças

consideradas desadaptadas.

No Brasil, as principais pesquisas psicológicas sobre crianças datam do início

do século. Educadores, geralmente vinculados às Escolas Normais (antigo nome dos

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cursos de Magistério), implantaram na década de 20, em suas escolas, laboratórios de

Psicologia Experimental e de Psicologia Pedagógica. Nesses laboratórios, as crianças

eram submetidas a exames destinados a medir suas reações psicofísicas (discriminações

visuais, auditivas, etc.), e foi através deles que se introduziram no país os primeiros

testes psicológicos. O primeiro teste para avaliar a prontidão de crianças para a

alfabetização foi desenvolvido por um educador, Lourenço Filho.

A idéia de que a criança é portadora dos atributos universais (biológicos) do

gênero humano produz ou justifica a crença de que caberia à educação fazer aflorar

esses atributos naturais, desenvolvendo as potencialidades do educando de modo

harmonioso, Tal concepção teve o mérito de chamar a atenção para as especificidades

da criança, para as características, habilidades e capacidades dos educandos, colocando

em destaque noções como prontidão, maturidade, aptidão, Mas, ao mesmo tempo que

atribuem à escola o papel de "cultivar" o indivíduo, de possibilitar o seu

desenvolvimento harmonioso, as propostas pedagógicas orientadas por essa perspectiva

consideram que para aprender os conteúdos escolares a criança precisaria já ter

desenvolvido determinadas capacidades, Isso acaba gerando a idéia de que existe uma

idade bem precisa para aprender certos conteúdos, Ou, ainda, que o proveito que a

criança tira das situações de aprendizagem depende de seu nível de prontidão ou

maturidade.

Essas noções, além de circularem entre os agentes do processo educacional,

influenciando, muitas vezes, o cotidiano da escola, também dão sustentação à prática de

utilização de testes psicológicos para avaliar as possibilidades educacionais da criança.

É fato bem conhecido que testes de prontidão (para a leitura, por exemplo) e

testes de inteligência têm sido amplamente utilizados para a avaliação de crianças em

idade escolar, penalizando muitas delas, Os resultados de tais testes têm, historicamente,

impedido que inúmeras crianças tenham acesso ao conhecimento e à própria

escolarização, ao fornecerem indicadores de sua "imaturidade" ou de seus "déficits" de

inteligência. Há crianças, por exemplo, que são retidas na pré-escola ou permanecem

nos exercícios preparatórios, às vezes um ano inteiro, porque "não estão prontas" para

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aprender a ler e escrever; outras são enviadas às classes especiais porque "não têm

condições" intelectuais de seguir o curso normal da escolaridade.

Exercício reflexivo: após a leitura do texto, sintetize abaixo as principais ideias do

autor sobre a teoria inatista.

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

UNIDADE 2

A TEORIA INTERACIONISTA E SUAS CONTRIBUIÇÕES AO

DESENVOLVIMENTO E À APRENDIZAGEM

Nesta unidade você estudará sobre a concepção interacionista e os principais teóricos

que discutiram desenvolvimento e aprendizagem sustentados nos pressupostos teóricos

e filosóficos desta vertente. Discutiremos sobre Jean Piaget, Lev Vigotsky e Henri

Wallon pelas notáveis contribuições que suas pesquisas trouxeram ao campo

educacional e à prática pedagógica.

2.1. Jean Piaget

Introdução

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Piaget é considerado, dentre os autores da Psicologia, como um dos mais importantes.

Ele já foi até chamado de Einstein da Psicologia. Não é exagerado dizer que os dois

maiores autores da Psicologia são Freud, por um lado, e Piaget, por outro. A

importância da obra de Piaget é decorrência de vários pontos. Primeiro, em decorrência

da influência desta obra durante o século XX inteiro, notadamente na Psicologia da

Inteligência. Por outro lado, a importância de Piaget vem também do volume de sua

obra: são por volta de setenta livros, inúmeros artigos, inúmeros temas relacionados à

inteligência, que foram abordados por ele. Então, digamos, o volume da obra de Piaget,

a consistência de sua obra também faz com que ela seja extremamente importante. E,

finalmente, diria que a obra de Piaget é essencial porque sendo a inteligência um tema

que se encontra em qualquer abordagem psicológica, e sendo a teoria dele muito

consistente em relação a este tema, acaba se utilizando Piaget não apenas na perspectiva

intrínseca da inteligência, mas também em outras, como a afetividade, moral e,

evidentemente, educação.

O que Piaget fez?


Basicamente a obra dele trata da questão do desenvolvimento da inteligência e da

construção do conhecimento. Inclusive, ele batizou sua teoria de Epistemologia

Genética.

Por que epistemologia? Porque epistemologia é filosofia da ciência, a parte que estuda o

fenômeno da ciência, do conhecimento. E genética significa uma epistemologia da

construção do conhecimento_ Genética deve ser entendida não no sentido habitual, de

cromossomos, mas de gênese, de evolução.

Então, a obra dele chama-se Epistemologia Genética e visa responder a uma pergunta

básica: como é que os homens constroem conhecimento? Isto é, com.o é que passam de

um nível de conhecimento x, para um nível de conhecimento x +1? Essa é a grande

pergunta que Piaget tentou resolver durante toda sua vida.

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Como a criança é o ser que mais evidentemente constrói conhecimento, ele fez,

essencialmente, pesquisa com crianças. Mas sua pergunta não é uma pergunta não é da

psicologia da criança. Sua pergunta é epistemológica, ou seja: como é que os homens,

sozinhos ou em conjunto, constroem conhecimentos? Por que processos? Por que etapas

conseguem fazer isto? Por isto que a obra dele é essencialmente baseada na inteligência

e na construção de conhecimento.

Para Piaget, inteligência deve ser definida como função, enquanto estrutura. Enquanto

função, a inteligência, para Piaget, é uma adaptação. Os processos da inteligência têm a

finalidade do sujeito sobreviver, adaptar-se ao meio, modificar o meio para adaptar-se

melhor a ele. Isso é a função da inteligência.

Do ponto de vista estrutural, a inteligência é uma organização. Ou seja, a inteligência é

uma organização de processos que permitem, se a organização for complexa, um nível

de conhecimento mais complexo, superior, e se for, evidentemente, um nível de

organização menos complexa, um nível de conhecimento inferior.

A inteligência é uma organização. E o crescimento da inteligência não se dá tanto pelo

acúmulo de informações, mas, sobretudo, por uma reorganização desta inteligência. Ou

seja, crescer é reorganizar a própria inteligência para ter mais possibilidades de

assimilação.

Principais conceitos da teoria:


Assimilação: A obra Piagetiana cunhou um número grande de conceitos. É bom

explicitar alguns, que são centrais. Começaria pelo conceito de assimilação. Piaget

retira o conceito de assimilação da Biologia e, em sua Psicologia, assimilação significa

que quando uma pessoa vai entrar em contato com o meio, com o objeto de

conhecimento, ela retira desse objeto algumas informações e essas informações, retidas,

e são essas e não outras, porque existe uma organização mental. Então, na verdade,

assimilação significa interpretação. Ou seja, ver o mundo não é simplesmente olhar o

mundo, mas interpretá-lo, assimilá-lo, tornar seus alguns elementos do mundo.

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Portanto, isso implica em, necessariamente, assimilar algumas informações e deixar

outras de lado.

Acomodação: outro conceito central na obra de Piaget é o de acomodação.

Acomodação significa que as estruturas mentais - entenda-se por estrutura mental a

organização que a pessoa tem para conhecer o mundo - é capazes de se modificar para

dar conta das singularidades do objeto. Portanto, se juntarmos agora a assimilação à

acomodação, vamos ter que conhecer o objeto é assimilá-lo, mas como esse objeto

oferece certas resistências ao conhecimento, à organização mental se modifica e a essa

modificação dá-se o nome de acomodação. Por isto que o processo de inteligência é

sempre um processo de assimilação e acomodação.

Equilibração: vem como seu nome indica de equilíbrio, ou seja: o sujeito que entra em

contato com um objeto novo, pode ficar em conflito com esse objeto, desequilibrado. Na

verdade, equilibração serve aqui de metáfora. Quer dizer, o objeto não se deixa conhecer

facilmente, tem algumas coisas de singulares, então o sujeito fica em conflito,

desequilibrado. Para conhecer este objeto, ele tem que se acomodar modificar-se para

dar conta desse objeto. E esse processo, digamos, é a busca do equilíbrio. Então, o

equilíbrio é a estabilidade da organização mental, que dá conta do conhecimento. Daí,

inclusive, o fato de o conceito de equilibração ser central, se dá pelo fato do crescimento

da inteligência se dá por desequilíbrio, equilibração, desequilíbrio, equilibração. É um

processo dinâmico. Por isso Piaget gosta da palavra equilibração e não equilíbrio.

Equilíbrio daria a impressão de algo estável e equilibração sugere algo móvel e

dinâmico.

Abastrações empíricas e reflexivas: Mais dois conceitos, acho, embora não tão

conhecidos de Piaget, essenciais. São os conceitos de abstração empírica e abstração

reflexiva. Isso é essencial em Piaget. A abstração empírica são as informações que eu

retiro do meu objeto do conhecimento. Então, por exemplo, olho um quadro e abstraio

desse quadro, ou desse pêndulo, dessa câmera, abstraio algumas informações. É uma

abstração empírica, porque estou tirando abstrações do objeto do conhecimento. Porém,

nesse processo de retirar abstrações do objeto do conhecimento, também posso pensar

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sobre minha maneira de me relacionar com esse objeto de conhecimento. Ou seja, com

as ações que faço sobre esse objeto de conhecimento.

As abstrações reflexivas são as informações que retiro, não do objeto, mas de minha

ação sobre o objeto. Por exemplo, se pego um livro e o sopeso, ou o comparo com outro

mais pesado ou menos pesado, tenho uma abstração empírica que é o peso dos livros.

Mas tenho uma abstração reflexiva que é estar comparando. Pensar sobre o meu agir.

Para Piaget, a construção do conhecimento se dá por abstração empírica e também por

abstração reflexiva. O desenvolvimento da inteligência se dá a partir do processo de a

criança pensar sobre o mundo e pensar sobre sua ação sobre o mundo. Ao que se chama

de abstração reflexiva.

Estágio: Mais um conceito extremamente importante em Piaget, que, aliás, é o conceito

mais famoso é o estágio. O conceito de estágio remete, em Piaget, a seguinte idéia. O

desenvolvimento da inteligência não é um desenvolvimento linear, ou seja, por acúmulo

de informação, mas é um desenvolvimento que se dá por saltos, por rupturas. Os

estágios representam, exatamente, uma lógica da inteligência que será superada

radicalmente por um estágio superior, apresentando uma outra lógica do conhecimento.

Então, os estágios significam que, por um lado, a inteligência dá saltos. Ou seja, a

inteligência muda de qualidade, cada estágio representa uma qualidade dessa

inteligência. Os estágios significam também que os estágios dessa inteligência

necessariamente passam por estes estágios e nenhum deles pode ser pulado.

Os estágios podem ser divididos, a rigor, de várias maneiras. Depende da fineza, da

complexidade que quisermos dar àquela questão, mas os grandes estágios que Piaget

definiu foram três: o primeiro chamado de sensório-motor (O a 24 meses); após este,

um outro estágio que se chama pré-operatório (2 a 7 anos); após este segundo estágio,

vem o terceiro, e último, chamado de estágio operatório (7 anos em diante). Dentro do

estágio operatório, Piaget fez uma divisão entre operatório concreto (7 a 12 anos) e

operatório formal (12 anos em diante), que é o mais evoluído.

Estágio sensório-motor: Antigamente se pensava que o bebê, a criança de zero a dois

anos, não apresentava nada de muito interessante do ponto de vista da inteligência e que

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a inteligência começava apenas com a linguagem. Essa é uma idéia que era muito forte e

que ainda é forte em algumas pessoas.

O que Piaget demonstrou, numa clareza muito bonita, é que esta fase de zero a dois anos

é extremamente rica e que a inteligência começa a se estrutura e a mostrar seu valor

muito antes da linguagem. Portanto, nestes dois anos de vida, uma série de conquistas,

praticamente cotidianas, são feitas, uma série de pequenos passos são dados, pequenos

passos e conquistas estas que justamente preparam a possibilidade da criança falar. O

que Piaget afirma é que quando a criança começava a falar, por volta dos dois anos de

idade, ela só tem sobre o que falar, sobre o mundo, porque ela construiu este mundo

antes. Se ela começasse a falar, sem antes ter construído este universo, ela não poderia

falar, porque não teria sobre o quê falar, não teria essa organização.

A inteligência é anterior à fala. Portanto é uma rase extremamente importante,

extremamente complexa, e quem se der ao trabalho de observar um bebê vai ver, a

olhos vistos, esse desenvolvimento fenomenal e também a afirmação evidentemente

importante, que é decorrência de tudo o que acabamos de falar, de que existe uma

inteligência pré-verbal. Uma inteligência sem representação, uma inteligência sem

linguagem, sem comunicação verbal com o outro, portanto, uma fase sui generis da

inteligência. Esse é um dos pontos essenciais da teoria de Piaget, essa é a contribuição

para a compreensão do ser humano. O período sensório-motor é o primeiro estágio,

período, que vai de zero a dois anos de idade, e também às vezes é chamado de

inteligência prática.

Inteligência prática por quê? Porque é uma fase no desenvolvimento da inteligência em

que a criança não emprega a linguagem, mas apenas suas ações e percepções. Ações

vêm daí a palavra motor; e percepções, daí a palavra sensória: sensório-motor. Então, é

uma inteligência prática, uma inteligência em ação, ou seja, ainda não-verbal, ainda não

representativa. Para Piaget, esses dois primeiros anos de vida são absolutamente

essenciais porque a criança percorre uma velocidade de evolução absolutamente

inimaginável. Para dar conta desta idéia, alguns conceitos são essenciais, notadamente o

conceito de objeto.

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Objeto: Tudo leva a crer, segundo os conceitos de Piaget, que quando a criança nasce

ela não tem clareza de que no universo no qual ela se encontra há objetos e que ela,

inclusive, é um objeto entre esses objetos. Por isso, ela precisa construir a noção de

objeto. Nesta construção existe uma fase essencial que se chama objeto permanente.

O que é objeto permanente? É aquele que, embora eu não veja, sei que de ainda existe.

Ou seja, há atribuição de existência do objeto, apesar de estar fora do meu campo

perceptivo. Isso a criança constrói por volta dos nove meses de idade.

Imaginem o salto de qualidade da inteligência. Num primeiro momento, é como se a

criança acreditasse que só existem as coisas que ela vê, que ela é o centro do universo,

de certa forma, e que o mundo existe em função de sua percepção e ela vai, pouco-a-

pouco, entendendo que o universo tem uma objetividade própria, e que independe da

sua percepção. Daí a compreensão de que, embora esse objeto não seja visto, ainda

existe e, portanto, posso procurá-lo. Outro conceito essencial para se entender esta fase

sensório-motor é o conceito de causalidade.

Causalidade: Entender que os objetos do mundo - e a criança como um objeto desse

mundo -, que esses objetos interagem entre si e causam efeitos entre si. A tendência da

criança até um ano, um ano e pouco, é a tendência que se chama de mágica. Ou seja, a

tendência a pensar que o objeto se move dependendo de suas próprias ações - da criança

- ou dos seus desejos. Fato que também Freud tinha reparado e chamado de onipotência

infantil. Então, a criança imagina, num primeiro momento, que ela tem as rédeas do

mundo e, pouco-a-pouco, ela vai entendendo que não, que existem leis de causalidade.

O universo tem leis, o universo tem algumas regras que são seguidas e estas se aplicam

à própria criança.

Então, a construção da idéia de causalidade, a construção de um objeto, também do

tempo e do espaço, que se dá nestes dois anos de vida, faz com que a criança consiga,

num primeiro momento, ter uma objetividade do universo. Essa objetividade depois será

reconstruída no nível da linguagem. Mas o período sensório-motor é essencialmente

construção do universo, construção do real, lidando com este real apenas através das

percepções e das ações.

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Meios e fins: Uma das conquistas importantes, por volta dos nove meses, aliás, na

mesma época da construção do objeto permanente, é a diferenciação entre meios e fins.

Imagine a seguinte situação: você mostra uma bola para a criança, ela quer pegar esta

bola, mas você a coloca atrás de um anteparo, portanto ela não pode pegar a bola

diretamente. Vejam que interessante. Essa criança que tem de cinco a seis meses sabe

bem pegar uma almofada, digamos que seja este o anteparo, e pegar a bola. Mas não lhe

ocorre à sequência que qualquer um de nós faria e que ela fará quando tiver nove ou dez

'meses: tirar a almofada da frente para pegar a bola que está atrás. Isto é que se chama

diferenciação entre meios e fins, Ou seja, retirar a almofada é o meio, cujo fim é pegar a

bola.

O que falta, então, à criança de cinco ou seis meses? Não é saber pegar a almofada, isso

ela já sabe; não é saber pegar a bola, isso ela também já sabe; mas é saber hierarquizar

estas duas condutas, associá-las. Por isso é que falamos que inteligência é organização.

A conquista da criança, quando ela vai descobrir a possibilidade de meios e fins, vai ser

uma nova organização da inteligência. Como se ela dissesse: posso pegar isto, para

depois pegar aquilo. Não é a habilidade que faltava, mas a compreensão para servir de

meio para outra que é fim.

Portanto, essa passagem que se dá entre os nove, dez meses, é muito importante para o

desenvolvimento da inteligência. Num exemplo agora ligado a espaço, a configuração

espacial, é, por exemplo, a criança perceber que um determinado objeto tem três

dimensões. Exemplo: quando a criança é bem pequena, por volta de dois, três meses, ela

sabe reconhecer uma mamadeira, ela já está acostumada a ela, Mas se você apresentar a

mamadeira pelo avesso, o fundo da mamadeira, não lhe ocorre virá-Ia, é como se ela

não a reconhecesse. E por volta de um ano de idade, embora ela veja a mamadeira

apresentada a ela pelo avesso, ela a reconhece e com um gesto a desvira. Ou seja, com

um gesto ela conseguiu situar o objeto dentro do espaço, ver que, dependendo da

posição, o que está na frente pode estar atrás e vice-versa.

Um outro exemplo também muito importante do ponto de vista da causalidade, à qual já

me referi um pouco, é justamente a idéia da mágica. Às vezes a criança pequena, no seu

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berço, com três, quatro meses, ela mexe alguma coisa e, por acaso, acende a luz,

totalmente por acaso, acende a luz, totalmente por aças. Ela tende a achar que foi sua

ação que fez com que a luz se acendesse e então ela irá repetir esta ação até cansar. A

criança pequena tende a achar que são suas ações que promovem que causam as

transformações do universo. Aos poucos ela irá entender que não, que esse universo é

regido por leis objetivas e ela vai situar-se, objetivamente, naquilo que ela realmente

causa e aquilo que ela não causa e, até, é causada.

Estágio pré-operatório: Com dois anos de idade há mudança de estágio. Como dito

anteriormente, a mudança de estágio significa que a qualidade da inteligência se

modifica. Piaget cunhou o estágio de pré-operatório, mas também poderíamos chamar

este estágio de estágio da representação. Então, o conceito essencial deste estágio é o de

representação.

O que é representação? Representação é a capacidade de pensar um objeto, através de

outro objeto. Por exemplo. Se eu falo a palavra casa, estou utilizando este som - casa -,

para remeter a algo que não é este som, evidentemente, mas que é o objeto casa. Isto é o

que se chama representação. Ou seja, apresento de novo um determinado objeto através

de um seu substituto.

Outro exemplo deste comportamento que aparece por volta de um ano e meio, dois anos

meio de idade. Um exemplo que Piaget não pesquisou, mas que é totalmente coerente

para entendê-lo: o reconhecimento no espelho, Uma criança por volta de um ano gosta

de se olhar no espelho, fica na frente dele, mas seus comportamentos nos levam a crer

que ela não se reconhece no espelho. Ela olha, ela vê uma imagem, que é a sua, como se

fosse uma imagem de uma outra criança, uma imagem que não diga respeito a ela

mesma. Tanto é verdade que se você fizer uma mancha de tinta na testa da criança, não

lhe ocorre passar a mão para retirar esta mancha.

Por volta de um ano e meio, dois anos, justamente na passagem do sensório-motor, para

o próximo estágio, pré-operatório, a criança se reconhece no espelho. E, veja bem, se

reconhecer no espelho é um comportamento relativamente complexo, porque, pensem:

reconhecer-se no espelho implica em pensar que esta imagem que vejo sou eu e não sou

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eu, ao mesmo tempo. Sou eu, porque me representa, mas não sou eu, porque estou aqui

e não ali. Então, na verdade, estou duplificado, se assim podemos dizer. Estou aqui e

estou em imagem.

Isso é que é representação. Conseguir pensar o mundo através de imagens deste mundo.

A criança, por volta de dois anos, entra neste mundo da representação, cujos

comportamentos são os desenhos, o brincar de fazer de conta, o reconhecimento no

espelho, a imitação.

A imitação que se chama imitação de Ferilo, você vê algo e o imita 24 horas depois, o

que mostra bem que aquilo ficou em imagem. A prova mais elaborada disso é a

capacidade de empregar a linguagem.

Realmente muda a qualidade de inteligência. E isso é essencial em Piaget, porque a

inteligência que antes era limitada às ações agora vai, ainda em ação, mas agora uma

inteligência de representação. A isso Piaget deu o nome de pré-operatório, porque

significa que a criança trabalha com representações, mas terá todo um trabalho de

assimilação, acomodação, equilibração e organizar essas representações num todo

coerente. E as operações significam a capacidade de organizar esse mundo das

representações de uma maneira coerente e estável. Isso só ocorrerá no período

operatório, que começa por volta de seis, sete anos de idade.

Na verdade Piaget - e isso é interessante - dá o nome de pré-operatório a essa fase,

insistindo, sobretudo, em sua obra, sobre as lacunas e as dificuldades dessa fase, que

serão superadas na fase operatória do que em suas características positivas. Isso é,

digamos, o sotaque da teoria de Piaget. Mas em termos de pontos essenciais, faríamos a

eleição dos seguintes temas:

1. Introdução à linguagem - a criança entra no mundo da linguagem e concebe uma

competência discursiva bastante grande durante toda essa fase. A linguagem é um

dos pontos mais importantes, porque permite uma socialização da inteligência,

como diz Piaget. Piaget atribui à socialização muito pouca eficiência no período

sensório-motor, mas agora na introdução à linguagem há uma socialização das

inteligências, porque a linguagem permite a comunicação;

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2. Introdução à moralidade - a entrada da criança no mundo da moralidade. É nesta

fase que a criança entra no mundo dos valores, das regras, das virtudes, do certo, do

errado. E isso é um ponto evidentemente importante, porque não se pode falar em

moral de uma criança de zero a dois anos, até três, mas, por volta dos quatro anos a

criança penetra no mundo da moralidade e isso é uma decorrência extremamente

rica e séria desta fase;

3. Egocentrismo - Piaget até se arrependeu de ter utilizado este termo. O conceito de

egocentrismo não significa que a criança está como se fosse altista, totalmente

centrada nela, mas significa que a criança tem dificuldade de perceber o ponto de

vista do outro. Ela vê o ponto de vista do outro centrado em seu ponto de vista, daí a

palavra ego+ centrismo. Exemplo: você pede a uma criança de cinco anos, a quem

você acabou de contar uma história nova, que ela conte esta história para uma outra

criança. Você verificará que a criança conta como se a outra criança já soubesse a

história.

Um exemplo caseiro. É freqüente você ver uma criança de três, quatro anos, chegar para

o pai ou para a mãe e dizer: cadê o meu carrinho? Ela tem quinhentos carrinhos, vários,

pelo menos dois, mas ela diz: cadê o meu carrinho? Para ela está claro de que carrinho

ela está falando. Mas como ela sabe de que carrinho que ela está falando, ela imagina

que o outro também saiba.

Enquanto uma criança um pouco mais velha não dirá cadê o meu carrinho, mas cadê o

meu carrinho amarelo, ou, estou procurando um carrinho, aquele que você me deu

aquele dia... Estes são exemplos de egocentrismo. São dificuldades de sair do próprio

ponto de vista e colocar-se num outro ponto de vista, no ponto de vista de uma outra

pessoas. Isto será um ganho do período operatório concreto.

Estágio Operatório: o que é interessante na teoria de Piaget é que ele vai chamar uma

fase de pré-operatória e a seguinte de operatória, portanto, a questão da operação é

central. E, como dito, Piaget vai ver na fase pré-operatória essencialmente o que falta

para a criança ser operatória. Por isto temos que definir o conceito de operação.

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O conceito de operação tecnicamente é uma ação interiorizada reversível. Ação

significa manipular o mundo, trabalhar e agir sobre o mundo. A ação existe desde o

nascimento. Mas é ação interiorizada. Portanto é ação através da representação. O que

significa? Agora vou mexer no mundo, mas através da representação deste mundo. Uma

coisa é pegar a câmera e colocar em outro lugar, isto é ação. Ação interiorizada será

imaginar colocar esta câmera em outro lugar, mas não colocar. É estar imaginando isto

através das imagens que tenho da câmera.

No sensório motor a criança tem ação, no pré-operatório à criança tem ação

interiorizada e no operatório ela tem ação interiorizada reversível. Reversível significa a

possibilidade, em imaginação, na cabeça, de forma interiorizada, pensar a ação e sua

anulação. Reversível significa: posso pensar o que fiz e voltar exatamente ao ponto de

partida, sem cometer contradições.

Uma criança no pré-operatório não consegue isso. Exemplo. Você pergunta para uma

criança de cinco anos de idade: daqui até Campinas tem quantos quilômetros?

Imaginando que ela saiba a resposta, ela diz, cem quilômetros. Ela não está indo até

Campinas, ela está parada pensando: de São Paulo a Campinas há cem quilômetros. Aí

você pergunta a ela sobre a reversibilidade.

Agora vamos pensar de Campinas até São Paulo. Evidentemente, em boa lógica, se de

São Paulo até Campinas são cem quilômetros, de Campinas até São Paulo também

haverá cem quilômetros. Nada mais do que fazer a volta. Só que a criança pequena dirá:

não sei.

Outro exemplo clássico da teoria de Piaget é a questão da parte do todo. Uma criança

pequena poderá entender que ela mora num bairro, digamos, Butantã; ela sabe que mora

em São Paulo, mas terá muita dificuldade em entender que Butantã é dentro de São

Paulo. Quando ela está pensando em Butantã é Butantã, quando está pensando em São

Paulo é São Paulo.

Nesta mesma linha. Se você pergunta para uma criança: tem mais rosas ou tem mais

margaridas? Digamos que tenham essas flores na frente dela e que tenha mais rosas. Ela

irá dizer, porque a percepção basta para isso, ela verá que têm mais rosas que

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margaridas. Mas aí você faz a seguinte pergunta para ela: o que tem mais, flores,

margaridas e rosas, ou rosas? Você está pedindo a ela para comparar o todo, que é juntar

margaridas e rosas, com a parte, que é separar margaridas e rosas e ficar apenas com as

rosas. A criança não sabe responder, ou então responde frequentemente, tem mais rosas.

Quer dizer, o pré-operatório é, sintetizando, ação interiorizada, mas ainda não reversiva.

Entenda-se não reversível como sem a organização lógica dessas representações.

O período operatório será a conquista dessa organização lógica do pensamento que

permite chegar à verdade sem contradições.

Um aspecto importante da passagem do pré-operatório para o operatório é o sentimento

de necessidade. Vamos dar um exemplo. Uma criança pode até aprender, decorar, que

se daqui a Campinas dá cem quilômetros, que de Campinas até aqui também dá cem

quilômetros. Só que no pré-operatório esse conhecimento é para ela apenas provável. Se

alguém disser para ela que não acha que seja cem quilômetros... Talvez não seja... Ela

tem a resposta correta, pensa a resposta corretamente, mas para ela isto não é uma

certeza. Mas, em compensação, esta mesma criança, quando estiver na fase operatória, a

partir de sete, oito anos de idade, aquilo será necessário para ela.

Uma das dicas do pensamento operatório para o pré-operatório é que no pré-operatório

as coisas são prováveis e no operatório elas serão necessárias. Necessárias,

evidentemente, se deduzidas a partir de um raciocínio.

Você pode até "enrolar" uma criança sobre coisas lógicas quando ela tem cinco ou seis

anos, mas não mais quando ela tem sete ou oito. Se você disser que daqui até Campinas

tem cem quilômetros e que de lá para cá tem menos, ela dirá: tem truque nisso.

Estágio operatório concreto e formal: Piaget diz que a criança, com seus seis, sete

anos de idade, a criança entra no estágio operatório. Já consegue organizar seu

pensamento através da lógica. Mas Piaget diz também que este estágio operatório é

dividido em dois: operatório concreto, operatório formal. Portanto tudo não está

acabado ainda por volta dos sete, oito anos de idade. A diferença entre operatório

concreto e operatório formal. Os dois são operatórios, os dois têm ação interiorizada

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reversiva. Só que no operatório concreto a criança faz uso dessa capacidade operatória,

apenas em cima de objetos que ela possa manipular e de situações que ela possa

vivenciar ou lembrar a vivência. Enquanto no período operatório formal ela trabalhará

com puras hipóteses. Ou seja, ela agora será capaz de aplicar sua lógica com objetos,

textos, que sejam puramente hipotéticos, por exemplo, um foguete na Lua, ou em

Marte, e também totalmente estranhos à sua vivência. Na verdade, a diferença é um

grau de abstração.

Um exemplo. A criança, do ponto de vista operatório concreto, chegará facilmente à

conclusão de que todos os planetas são redondos, a Terra é um planeta, logo a Terra é

redonda. E ela sabe, inclusive, que a Terra é redonda. Mas se você coloca para ela o

seguinte: todos os planetas são quadrados, a Terra é um planeta, logo... Em pura

hipótese, a Terra é quadrada, mas como ela sabe que a Terra não é quadrada, ela tem

muita dificuldade em aceitar, porque ela ainda está muito relacionada ao seu concreto, à

sua vivência.

O operatório formal é, na verdade, conseguir pensar de maneira lógica, reversível,

operatória, em cima de puras proposições, puras frases, puras hipóteses. A diferença é

esta.

Aqui no colégio tem uma tradução clara. Os problemas de Matemática que são

colocados às crianças de primeira à quarta série costumam ser complexos, mas sempre

concretos. É a criança que compra a banana, num preço x, num preço y. Ou seja, é a

Matemática aplicada em cima de objetos. Mas é preciso esperar a quinta séria, por volta

·de onze, doze anos, para que no colégio se introduza a Álgebra, a ideia de variável. O

que é variável? Variável é pura forma, o x, o y, é pura forma, isto é típico do operatório

formal.

O operatório formal é o último estágio daqueles identificados por Piaget, no

desenvolvimento da inteligência. Portanto, uma criança por volta de doze, treze anos

constrói este pensamento operatório formal que é o dos adultos. Claro, mais elaborado,

com mais conteúdo. Quer dizer, a criança de doze, treze anos é capaz de pensar, sem

cometer contradições, através de hipóteses, por hipóteses, e nós também.

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Desenvolvimento moral da criança

Embora Piaget tenha escrito um só livro a respeito da moral, chamado "O

juízo moral na criança", ele fez uma obra fundamental. As pesquisas e teorias deste

livro são até hoje atuais e deram base para uma série de pesquisas, notadamente nos

Estados Unidos. E um livro fonte de uma série de pesquisas e teorias. Neste livro Piaget

diz uma coisa nova para a época: assim como a inteligência, assim como conhecimento

evolui, a moral também evolui. Ou seja, existe um desenvolvimento moral na criança.

Por que isso é importante? Antes se pensava que a moral era uma mera interiorização

dos valores e das regras que estavam colocadas fora, quando os pais e professores

diziam faça isso, faça aquilo, os valores são esses, e a criança, pouco-a-pouco, os

interiorizava. O que Piaget demonstrou com pesquisas e mais pesquisas, é que há um

desenvolvimento moral na criança, há estágios. O primeiro estágio é a anomia - a

criança está fora do universo moral. O segundo estágio é justamente a entrada da

criança no mundo moral, e é chamado de heteronomia - significa, basicamente, que a

moral é baseada no respeito pela autoridade e pela obediência. E essa fase da

heterônoma depois é superada por uma fase chamada autonomia, onde a legitimação da

moral não se dá mais pelo respeito pela autoridade ou pela obediência, mas sim pelo

contrato, pelo respeito mútuo, pelas relações de reciprocidade.

Então, a importância desse livro foi mostrar que também a moral evolui e que existe

uma participação ativa da criança na construção de sua própria moral.

Vamos dar um exemplo. Você pergunta para uma criança de cinco a sei anos: quem é

mais culpado, alguém que quebrou dez copos sem querer, ou alguém que quebrou um

copo querendo. O que está em jogo aqui? O tamanho do dano material - dez copos

versus um copo -, e a intencionalidade - quem quebrou dez não tinha intenção, fez sem

querer, mas quem quebrou um, tinha a intenção de quebrar. Pergunta-se à criança: os

dois são culpados? A criança heterônima dirá sim, já que houve um dano material

cometido. E, depois, pergunta-se: qual o mais culpado? E a criança heterônima opta

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pelo autor da quebra dos dez copos, porque dez copos é mais que um copo. Ou seja, ela

se baseia no tamanho do estrago e não na intencionalidade. Você tem esse exemplo

também com a mentira. Quanto maior a mentira é pior, não é a intenção da mentira, mas

a distância entre a verdade e o que foi dito.

Como sempre em Piaget, há autonomia, portanto o estágio posterior será uma superação

do estágio anterior, em todos os exemplos que dei, a criança autônoma dirá: os dois não

são culpados, apenas é culpado aquele que teve a intenção de quebrar e quebrou um

copo. Ou seja, o fato de haver dez copos quebrados absolutamente não conta mais,

como na mentira o que vai contar não é o tamanho da mentira, mas a intenção enganar.

Piaget e a Educação
Às vezes acontece uma confusão, pensar que Piaget foi um educador, ou que Piaget

tenha uma obra pedagógica. E essa é uma confusão muito grave, porque pode fazer as

pessoas pensarem que vão encontrar em Piaget propostas ou preocupações pedagógicas.

Piaget se preocupou com Pedagogia como qualquer pensador, mas sua obra não é de

Pedagogia, é sobre a pergunta: como os homens constroem o conhecimento? E,

especificamente, como a criança constrói o conhecimento? Ele escreveu um texto ou

outro sobre Pedagogia, dizendo claramente para os professores que seu texto

pedagógico seria apresentar sua teoria sobre o desenvolvimento infantil e os educadores

que façam a tradução pedagógica desta minha teoria.

Por que Piaget é tão lido, tão estudado, na educação? Diria que há duas razões para isto.

A primeira é clássica. Assim como na Medicina é uma técnica ler Biologia, para saber o

que fazer e encontrar novas técnicas, a Pedagogia lê as teorias que tratam de seu aluno.

Portanto, todas as teorias que falam das crianças, notadamente as que tratam do

desenvolvimento do conhecimento, da inteligência, interessam à Pedagogia. Então,

como Piaget tem uma obra muito consistente, muito vasta sobre o desenvolvimento da

inteligência na criança, é natural que a Pedagogia se interesse por esses dados e os

traduza.

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A segunda razão pela qual Piaget é bastante lido na Pedagogia é de outro nível. Na

verdade, Piaget acaba sendo o autor em Psicologia que dá base teórica para movimentos

pedagógicos que foram, inclusive, anteriores a Piaget. Por exemplo, a Renovação

Pedagógica, e nisso se pode colocar a Escola Nova, Montessori, os educadores

encontram em Piaget uma teoria que, no fundo, lhes dá razão. Então, a Teoria

Piagetiana é uma teoria que se adapta a certa corrente pedagógica, notadamente aquela

que se opôs ao formalismo e ao verbalismo no ensino tradicional.

Então são por essas duas razões, o fato de estudar a criança e ter idéias sobre elas que

são coerentes com certa Pedagogia renovada.

Construtivismo
Piaget utiliza a palavra construção. Tem até um livro seu que se chama Construção do

Real. E ele diz que sua Psicologia e Epistemologia são construtivistas. Piaget cunha e se

considera um construtivista, mas, evidentemente, construtivista com todos os conceitos

piagetianos. Só que a palavra construção é também uma metáfora. Em Piaget ela tem

uma definição muito clara, mas ela pode ser utilizada como metáfora. Tanto é verdade

que, hoje, há muitas perspectivas construtivistas, que não são muito claramente

construtivistas, por um lado e, por outro lado, não necessariamente piagetianas. A

palavra construtivismo acabou ficando muito mais ampla que especificamente na teoria

piagetiana.

Então, hoje, você tem dentro da educação teorias construtivistas, que utilizam Piaget,

pode utilizar Wallon, pode utilizar Vygotsky, ou subáreas tipo Emilia Ferreiro etc.

Embora a palavra construtivismo tenha sido cunhada por Piaget, não é, necessariamente,

essa mesma definição de construtivismo que se vai encontrar nas escolas hoje.

Mitos
Como toda teoria complexa, algumas incompreensões acontecem. Só que, infelizmente,

algumas incompreensões acabam se tornando dominantes. E poderíamos chamar essas

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incompreensões dominantes de mitos. Eu veria basicamente dois mitos em relação à

teoria de Piaget. Mitos, no sentido de que são interpretações erradas da teoria de Piaget.

O primeiro mito seria o do maturacionismo. Como Piaget diz como sua definição de

construtivismo é que existe construção endógena, algumas pessoas dizem,

simplesmente, que Piaget é um maturacionista que acredita que, na verdade, as coisas se

dão de natureza interna, sem nenhuma relação com o contexto, sem nenhuma relação

com atividade. Isto é um erro grave. Piaget diz, textualmente, que as construções

internas endógenas se dão, em primeiro lugar, desencadeadas por demandas do meio,

portanto não se dão de maneira puramente isolada, e sobre as demandas do meio, com

os objetos do meio. Então, a teoria de Piaget não é, absolutamente, uma teoria

maturacionista, mas sim uma teoria interacionista, construtivista. Primeiro mito.

O segundo mito em relação a teoria de Piaget, que na verdade é uma decorrência do

primeiro, sobre o maturacionismo. Piaget negaria a importância do social no

desenvolvimento da inteligência da criança. É um mito, porque é falso. Devemos dizer

que é verdade que Piaget não fez estudos, não aprofundou esta. Questão. Então,

encontram-se poucas referências em Piaget em relação ao social no desenvolvimento.

Mas, veja bem, não aprofundar e não fazer pesquisas sobre um tema não é negar sua

importância. Piaget tinha 24 horas por dia, ele tinha que fazer determinadas opções. Na

teoria de Piaget a interação social tem um lugar bem claro, embora não aprofundado e

não pesquisado. E esse lugar diz claramente: se não houver interação social, se não

houver demanda do meio social, se não houver comunicação, não há desenvolvimento

cognitivo. Então, é um mito pensar que Piaget negava â importância do social, como é

um mito pensar que Piaget pensasse que a maturação, por si só, explicava o

desenvolvimento.

O método de pesquisa
Quanto ao método de Piaget, é basicamente um só. Ele cria situações-problemas,

situações que devem ser resolvidas. Ele coloca essas situações-problema a crianças de

várias faixas etárias, em geral de seis a doze, treze anos de idade, e verifica, por um

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lado, se as crianças conseguem resolver o problema, e, por outro, mais importante ainda,

quais são as dificuldades que elas encontram para resolver este problema. Diria que

90% da teoria de Piaget foram feito em cima deste tipo de experimento.

Ele também fez alguns estudos com seus próprios filhos, mas apenas com seus próprios

filhos, de zero a dois anos de idade, aí com observação. Portanto seria um erro pensar

que Piaget baseou toda a sua teoria na observação de seus próprios filhos, isso não é

verdade. Na verdade ele fez essas observações, mas todo o resto da sua obra, diria que

90%, com soluções, a procura de como as crianças resolvem os problema que ele lhes

coloca, em geral de seis a doze anos de idade.

Indicação de leitura
É uma teoria extremamente rica, extremamente importante, que inclusive nos permite

entender melhor filhos e alunos em geral. Portanto, acho que o professor tem muito a

ganhar estudando Piaget. É uma obra enorme: setenta livros. Que livros ler? É uma

opção pessoal. Mas diria que, para ler Piaget é preciso ir com paciência, não é um texto

que vá se entregar muito facilmente.

Sugeriria que o primeiro livro que se lesse sobre Piaget fosse O nascimento da

inteligência na criança, que fala do período sensório-motor, mas mesmo para alguém

que não se interessa, porque seu trabalho não é com crianças dessa faixa etária, é um

livro onde Piaget explicita muito claramente o seu construtivismo. Este seria o melhor

livro para se começar a ler Piaget. Após esse, diria dois outros, que formam a trilogia do

sensório-motor: A construção do real na criança, para entender a construção do

conhecimento nesta faixa etária e as idéias básicas de Piaget estão lá, e A formação do

símbolo da criança, que é justamente o estudo da passagem para a representação.

São três clássicos da Psicologia e acho absolutamente necessários para se entender

Piaget.

Além disso, indicaria a leitura de um livro árido, mas que também coloca muito

claramente a teoria piagetiana que o da lógica da criança à lógica do adolescente, texto

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de pesquisa, onde justamente ele verá como as crianças de cinco a doze anos resolvem,

à sua maneira, ou deixam de resolver, os mesmos problemas. Notadamente é um livro

que explicita muito bem o que é o operatório formal.

Não poderia deixar de indicar também O juízo moral na criança, um livro extremamente

rico, como disse, único na obra de Piaget, porque a moral não é seu tema, mas

extremamente produtivo em termos do pensamento nesta área durante o século XX.

Se me pedirem livros, digamos mais de resumo, aconselharia A Psicologia da criança. E

um livro muito simpático, muito simples, que em geral é de iniciação a Piaget, que é

Seis estudos de Psicologia. Existem muitos outros, mas esta lista é bem razoável.

Acho que a teoria de Piaget, notadamente para quem lida com criança, pode ser pai,

mãe, professor, ajuda muito a entender os comportamentos da criança. Às vezes você vê

coisas que poderia até desprezar, mas, tendo lido Piaget, será muito interessante.

Instrumentaliza para você entender a criança, não apenas do ponto de vista de sua

inteligência, mas também das decorrências do desenvolvimento de sua inteligência, sua

moral, personalidade. Acho que é uma teoria que, de fato, instrumentaliza para que você

entender e lidar com uma criança.

Ao final desta sessão, escreva a seguir os principais conceitos da teoria piagetiana e suas

contribuições para a organização dos estágios do desenvolvimento cognitivo: sensório

motor, pré-operatório, operatório-concreto e operatório-formal.

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3.2. Lev Vygotsky

Introdução
Na área da Psicologia da Educação Piaget tem sido nossa principal referência

historicamente. O aparecimento do Vygotsky trouxe uma alternativa, uma vez que

Piaget não é um autor que se preocupe particularmente com a escola, com o professor,

com a intervenção pedagógica. O aparecimento do Vygotsky atrai os educadores,

porque é um autor que fala da escola, fala do professor e valoriza a ação pedagógica e a

intervenção. É um autor que valoriza muito a escola, valoriza muito o professor, a

intervenção pedagógica, o papel do educador na formação do sujeito, quer dizer, o

sujeito que passa pela escola, tem na escola uma instituição fundamental para sua

definição, para seu funcionamento psíquico.

Biografia

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Nasceu em 1896, na Bielo-Rússia, país que fez parte da extinta União Soviética, e morri

em 1934, de tuberculose, aos 37 anos. Era membro de uma família com uma situação

econômica bastante confortável e uma das mais cultas da cidade. Formei-me em Direito,

trabalhei como professor e pesquisador, nas áreas de Pedagogia, Psicologia, Filosofia,

Literatura, Deficiência Física e Mental. Com Leontieve e Luria, formei um grupo de

jovens intelectuais da Rússia Pós-Revolução que buscavam uma nova Psicologia.

Embora minha produção não tenha sido um sistema explicativo completo, ela foi vasta.

Escrevi cerca de duzentos trabalhos científicos que foram pontos de partida para

inúmeros projetos de pesquisas posteriores. Os temas dessas publicações vão desde a

neuropsicologia até a crítica literária, passando por deficiência, linguagem, psicologia e

educação.

Planos genéticos de desenvolvimento


Uma forma muito interessante de entrarmos na concepção de Vygotsky sobre

desenvolvimento é uma questão que ele chamou de Planos Genéticos de

Desenvolvimento. É uma ideia de que o mundo psíquico, o funcionamento psicológico

não está pronto previamente, não é inato, não nasce com as pessoas, mas também não é

recebido pelas pessoas como um pacote pronto do meio ambiente. Então, Vygotsky é

um autor, como outros, como Piaget, Wallon, que é chamado de interacionista, porque

ele leva em conta coisas que vêm de dentro do sujeito vêm do ambiente. Mas a

postulação interacionista do Vygotsky ganha vida se prestarmos atenção nos Planos

Genéticos de Desenvolvimento que ele postula, porque ele fala em quatro entradas de

desenvolvimento que, juntas, caracterizariam o funcionamento psicológico do ser

humano.

Uma é a Filogênese, que é a história da espécie humana; outra é a Ontogênese, que é a

história do individuo da espécie; outra a Sociogênese, que é a história cultural, do meio

cultural no qual o sujeito está inserido; e a Microgênese, que é o aspecto mais

microscópico do desenvolvimento.

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Filogênese
A Filogênese diz respeito à história de uma espécie animal. Todas as espécies animais

têm uma história própria e essa história da espécie define limites e possibilidades de

funcionamento psicológico. Então, têm coisas que somos capazes de fazer e outras que

não somos capazes de fazer.

Por exemplo, somos bípedes, temos as mãos liberadas para outros tipos de atividades,

tem uma determinada conformação da mão, que permite movimentos finos, em pinça,

por exemplo, que é uma coisa particular da espécie humana, muito importante. Temos a

visão por dois olhos, que é a visão binocular. Então, temos uma série de características

do corpo humano, do organismo, que vão servir de fundamento para o funcionamento

psicológico depois.

Como dito, tem coisas que fazemos e outras que não fazemos. Andamos, mas não

voamos. E uma das características muito importantes da espécie animal humana é a

plasticidade do cérebro. Temos um cérebro extremamente flexível, que se adapta a

muitas circunstâncias diferentes. E isto está ligado ao fato de que nossa espécie é a

menos pronta ao nascer, quer dizer, o membro da espécie humana é o menos pronto ao

nascer. Então, porque temos uma parte do desenvolvimento tão em aberto é que temos

também um cérebro tão flexível, porque, dependendo do que o ambiente fornecer, o

cérebro vai se adaptando e funcionando de um determinado jeito.

O segundo plano genético de que Vygotsky fala é o chamado ontogênese, que significa

o desenvolvimento do ser, de um indivíduo, de uma determinada espécie. Em cada

espécie, o ser, o membro individual daquela espécie, tem um caminho de

desenvolvimento. Nasce se desenvolve, se reproduz, morre, num ritmo determinado de

desenvolvimento, com certa seqüência etc. e este plano genético da ontogênese está

muito ligado à filogênese, porque os dois são de natureza muito biológica, dizem

respeito à pertinência do homem à espécie. Somos membros de uma determinada

espécie e, por ser membro desta determinada espécie, passa por certo percurso de

desenvolvimento que é um determinado percurso e não outro. Por exemplo, a criança

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nasce e só fica deitada, depois ela aprende a sentar, engatinhar, andar, por exemplo,

nesta sequência, e assim por diante. Então, tem várias coisas que são determinadas pela

passagem daquele individuo da espécie por uma sequência de desenvolvimento.

Sociogênese
O terceiro plano genético postulado pelo Vygotsky é o chamado sociogênese, ou

história cultural, que é a história da cultura onde o sujeito está inserido, mas não a

história no sentido 11 da História do Brasil, a História do Mundo Ocidental, mas as

formas de funcionamento cultural que interferem no funcionamento psicológico, que

definem de certa forma o funcionamento psicológico.

Então, essa questão da significação pela cultura tem dois aspectos. Um que a cultura

funciona como um alargador das potencialidades humanas. Como já dito: o homem

anda, mas não voa, agora voa porque criou o avião. E um outro aspecto da história

cultural é como cada cultura organiza o desenvolvimento de um jeito diferente. Então, a

passagem pelas fases do desenvolvimento é relida também, lida e relida pelas diferentes

culturas de formas diferentes.

Quanto a isto, um exemplo bem importante é o da adolescência. A puberdade é um

fenômeno biológico, todos os seres humanos passam pela puberdade, amadurece

sexualmente, aparecem caracteres sexuais secundários, que possibilita a reprodução etc.,

mas a puberdade é compreendida historicamente de formas diferentes em cada cultura.

Então, o conceito de adolescência é um conceito cultural, embora esteja assentado sobre

um conceito biológico, que é a puberdade. Em nossa cultura, por exemplo, a

adolescência é um período bastante estendido.

Hoje ela é muito mais entendida que há trinta anos atrás. Hoje uma menina de nove

anos, embora esteja já preocupada em se arrumar, em ter namorado, pode morar com os

pais até os trinta anos e ter uma relação de filha, de adolescente.


Outro exemplo interessante é o da terceira idade, como categoria que a nossa cultura
criou há muito pouco tempo. Sempre tivemos o velho, sempre tivemos o idoso, mas a
categoria Terceira Idade, como uma categoria que tem produtos de mercado especiais

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para ela, tem atividades especiais, tem instituições que cuidam disso, e que é consumido
assim, é uma categoria claramente cultural. Ela não diz respeito ao envelhecimento do
corpo, ela diz respeito como a cultura olha o idoso.

Microgênese
A microgênese diz respeito ao fato de que cada fenômeno psicológico tem sua própria

história. Por isto é micro, no sentido, não necessariamente de pequeno, mas com foco

bem definido. Ao invés de pensarmos a História do Brasil, a história das famílias de

classe média em São Paulo, uma coisa maior... A micro é, entre saber uma coisa e não

saber, por exemplo, uma criança primeiro não sabe amarrar o sapato, depois ela sabe

amarrar o sapato. Ou seja, entre o saber e o não-saber algo, um tempo passou. Então

podemos, interessados em compreender o desenvolvimento, olhar de uma forma micro

para a história deste fenômeno. Como a criança aprendeu a amarrar o sapato, é a

microgênese do aprender a amarrar o sapato.

O que é bem interessante a respeito da microgênese, é que ela é a porta aberta dentro da

teoria para o não determinismo. Porque a filogênese e a ontogênese, de certa forma,

carregam certo determinismo biológico, ou seja, o sujeito está atrelado às possibilidades

da sua espécie, do seu momento, do seu desenvolvimento como ser daquela espécie etc.

Na sociogênese tem certa tinta determinista em termos culturais, a cultura está definindo

por onde você pode se desenvolver, está dando também limites e possibilidades

históricas de desenvolvimento.

A microgênese faz com que olhemos como cada pequeno fenômeno tem a sua história,

e como ninguém tem uma história igual ao do outro, é aí que vai aparecer a construção

da singularidade de cada pessoa e daí a heterogeneidade entre os seres humanos. Quer

dizer, não encontramos duas coisas iguais, mesmo coisas que podem parecer ser tão

parecidas resultam diferentes.

Temos duas crianças da sala de aula, as duas têm sete anos, as duas são de família de

classe média, as duas têm pais com ensino médio, as duas estão naquela escola, naquela

sala, moram naquele bairro, tudo tão parecido!, mas as crianças não são iguais. Por quê?

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Porque elas têm experiências diferentes, uma tem mais irmãos, outra menos; uma assiste

muita televisão, a outra não assiste; uma foi para a pré-escola, à outra não foi... Quer

dizer, tem fatos na história de cada um que vão definir a singularidade a cada momento

da vida do sujeito.

Mediação simbólica

A invenção e o uso dos símbolos como meios auxiliares para solucionar um dado

problema psicológico, tais como lembrar, comparar, relatar, escolher, é análoga à

invenção e ao uso de instrumentos. Só que agora, no campo psicológico. A ideia de

mediação é a ideia mesmo de intermediação: ter uma coisa interposta entre uma e outra

coisa. No caso do ser humano, a ideia básica do Vygotsky é que a relação do homem

com o mundo não é uma relação direta, mas é uma relação mediada. A mediação pode

ser feita através de instrumentos e de signos.

A mediação por instrumentos é o fato de que nos relacionamos com as coisas do mundo

usando ferramentas, ou instrumentos intermediários. Por exemplo, se vou cortar um

pão, uso uma faca; se vou cortar uma árvore, usa um machado, uma moto-serra. Então,

esses instrumentos da tecnologia estão fazendo uma mediação entre minha ação

concreta sobre o mundo e o mundo.

Os signos são formas posteriores de mediação, que fazem uma mediação de natureza

semiótica, ou simbólica. Fazem uma interposição entre o sujeito e o objeto do

conhecimento, entre o psiquismo e o mundo, o eu e o objeto, o eu e o mundo, de uma

forma que não é concreta, como fazemos com os instrumentos, mas de uma forma

simbólica.

Tem uma primeira forma de signos que ainda tem uma existência concreta. Por

exemplo, o banheiro masculino, feminino, nas portas de sanitários: um chapeuzinho

para homem e uma sombrinha para a mulher. Isso é um signo. Uma coisa que representa

a idéia de masculino e feminino, todo mundo compartilha dessa representação, quer

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dizer, os usuários do sistema sabem que aquilo quer dizer homem, que aquilo que dizer

mulher, e acertam a informação, tomam posse da informação de uma forma adequada.

O fato de eu mudar o anel de dedo para lembrar que tenho que telefonar para alguém,

por exemplo, não é o próprio ato de telefonar, não está ligado ao ato de telefonar, mas é

uma informação de natureza simbólica que está interposta entre a intenção de fazer

alguma coisa e a própria ação. Então ainda é concreto, ainda está visível por outros, está

marcado no mundo, fora de mim, mas não é de natureza instrumental, é de natureza

simbólica, no sentido de que não age concretamente sobre as coisas, mas age no plano

simbólico.

O outro plano em que aparecem os signos é o plano totalmente simbólico, internalizado,

as coisas são postas para dentro do sistema psicológico e funcionam como mediadores,

semióticos, ou simbólicos, dentro do nosso sistema psicológico. Para isso, aparece uma

característica que é tipicamente humana que é a possibilidade de representação mental,

a possibilidade de transitar por um mundo que é só simbólico.

Então, por exemplo, quando encontramos pela frente uma mesa, quando a vemos, não

estamos nos relacionando com ela de uma forma não mediada, direta, só a sentimos

perceptualmente, damos-lhe uma trombada, ou nos encostamos a ela e sentimos que ela

tem uma aresta pontuda, ou apoiamos coisas sobre ela, fisicamente só. Olhamos para

aquele objeto e vemos uma mesa, ela nos remete a uma coisa unicamente simbólica, que

está em nossa cabeça, que é o conceito de mesa, a ideia de mesa, a palavra de mesa, a

imagem de mesa. Aí depende de como vamos compreender essa forma de representação

na mente, mas seja qual for a forma, tem uma forma de representação das coisas do

mundo que está dentro de nós, que não são o próprio mundo, são representações do

mundo. E isso é uma coisa típica e exclusivamente humana, que permite o trânsito do

ser humano por dimensões do simbólico. Podemos transitar por dimensões de tempo,

pensar em coisas que já nos aconteceram, podemos antecipar coisas futuras, pensar

coisas que estão em outro espaço, tudo por meio desse trânsito simbólico desses

mediadores que fazem a intermediação entre nossa pessoa e o mundo.

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O ato de por o dedo na chama da vela e sentir dor, é o ato de relação direta com o
mundo, não mediada: tem o fogo, meu dedo, ponho o dedo no fogo e queima, pronto.
Não mediado. Numa segunda vez, numa próxima experiência, a criança pode ver a vela,
chegar com o dedo perto e tirar, antes de queimar, só por sentir o calor. A ação dela,
então, estará sendo mediada pela lembrança da experiência passada com a dor, ou pela
lembrança da mera visão da vela, ou quando ela começar a sentir o calor, ela vai
lembrar da dor e tirar o dedo. Na primeira vez, é uma relação direta: vela, criança. Na
segunda vez, é uma relação mediada, mediada pela experiência anterior.
A mãe que chega e fala: "não põe a mão na vela, porque queima". E a criança não põe,

obedecendo a mãe, ela tem uma relação mediada entre ela e a chama da vela, mas não

foi mediada pela própria experiência, pela dor sentida efetivamente, mas pela

informação que ela recebeu de uma outra pessoa. Isso é uma coisa que, em termos

educacionais, é extremamente importante.

Quer dizer, grande parte da ação do homem no mundo é mediada pela experiência dos

outros, não precisamos viver tudo em primeira mão. Isso é essencial para os processos

de crescimento e desenvolvimento histórico, senão cada ser humano estaria começando

tudo do zero.

Pensamento e linguagem
Na ausência de um sistema de signos, Linguísticos ou não, somente o tipo de

comunicação mais primitivo e limitado torna-se possível. Um ganso amedrontado,

pressentindo subitamente algum perigo, ao alertar o bando inteiro com seus gritos, não

está informando aos outros aquilo que viu, mas, antes, contagiando-os com seu medo.

Signos
Os signos são construídos culturalmente. Quer dizer, não é que o sujeito inventa signos

por si próprios, ele desenvolve a capacidade de representação simbólica, inserida numa

cultura que lhe fornece material para que desenvolva esse campo do simbólico. O

principal lugar cultural onde isso acontece é na língua. Todos os outros humanos têm

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uma língua e ela é o principal instrumento de representação simbólica que os seres

humanos dispõem.

Aqui é importante fazermos uma digressão. Falamos em linguagem. Na verdade,

quando falamos em linguagem, no pensamento de Vygotsky, nas relações pensamento e

linguagem, o termo melhor seria língua, porque não é de qualquer linguagem que ele

está falando, não é a linguagem da dança, a linguagem do gesto, a linguagem facial, mas

a língua mesmo, a fala, o discurso.

Como todos os grupos humanos têm uma língua, esta língua é um objeto de atenção

primordial do Vygotsky, vai ser muito importante para ele pensar o desenvolvimento do

pensamento.

Ele trabalha com duas funções básicas da linguagem. Primeira função é a de

comunicação. As pessoas primeiramente desenvolveram a língua para se comunicar,

para resolverem problemas de comunicação. Esse aspecto da língua está presente nos

animais. Os animais também se comunicam por algum tipo de linguagem, que é gestual,

ou sonora, com o objetivo explícito de comunicação, de troca entre os membros da

espécie. É assim que, também para o ser humano a linguagem nasce. Quer dizer, ela

nasce como forma de comunicação. Então, o bebê, a primeira coisa que ele faz é chorar,

é o primeiro ato de língua dele. Isso tem uma função comunicativa, e!e não tem uma

pretensão de transmissão de uma informação muito precisa, amarrada ou conceitual,

nenhum seria possível.

Uma segunda função da linguagem, que irá aparecer mais tarde no desenvolvimento, é o

que Vygotsky chama de pensamento-linguagem é muito forte. E o fato de que o uso da

linguagem implica numa compreensão generalizada do mundo, quer dizer, ao nomear

alguma coisa, estamos realizando um ato de classificação. Ao chamarmos o cachorro de

cachorro, o estamos colocando numa classe de objetos do mundo que são agrupáveis

com ele, todos os cachorros seriam colocáveis naquela mesma categoria, para a qual

posso usar o rótulo cachorro e, ao mesmo tempo, estamos distinguindo esta categoria de

todas as outras, um cachorro não é um gato, não é um girafa, não é um sapato, não é

uma cadeira. Então, se tivermos uma palavra, ela já serve para classificar o mundo em

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duas grandes categorias. Se tivermos a palavra copo, já tenho tudo o que é copo e tudo o

que é não-copo. O ato de nomear é o ato de classificar. Isto é uma coisa extremamente

importante, porque o grande salto qualitativo na forma de relação do homem com o

mundo é que somos capazes de abstrair, generalizar, classificar e isto só é possível

porque dispomos de um termo simbólico articulado, compartilhado, organizado por

regras, e, tal como a língua, que nenhuma outra espécie animal tem.

O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da

linguagem, que fica difícil dizer se trata de um fenômeno da fala ou do pensamento. Do

ponto de vista da Psicologia, o significado de cada palavra é uma generalização ou um

conceito. E como as generalizações e os conceitos são atos de pensamento, podemos

considerar o significado como um fenômeno do pensamento.

Para Vygotsky a relação entre pensamento e linguagem, ele vai postular como sendo

muito forte, muito tipicamente humana e muito importante para a definição do que é o

funcionamento do psicológico humano. Mas esta relação, que ele postula como tão

forte, não nasce com o sujeito, ela não aparece pronta, ela é uma coisa que se

desenvolve durante o desenvolvimento psicológico, tanto na história da espécie, na

filogênese, como na história do próprio indivíduo, na ontogênese.

Então, na filogênese, para começar por ela, primeiro há linguagem, existe linguagem, e

existem pensamentos separados. Então existe linguagem, com aquela função primeira

de comunicação, em todas as espécies animais. Mas peguemos como exemplo, o

chimpanzé, que é a espécie mais próxima do humano, onde podemos olhar melhor para

coisas que pertencem à história humana. Quer dizer, olhando os chimpanzés podemos

imaginar um pouco como foi o homem antes do momento atual de desenvolvimento

filogenético.

Os chimpanzés usam a linguagem para se comunicar, ela tem só a função comunicativa,

ela só tem aquela primeira função, de intercâmbio social. Tem comunicação ali, têm

gestos, têm expressões faciais, têm sons etc., só a linguagem separada. E tem alguma

coisa que poderíamos chamar de primórdio de pensamento, que é chamado na

Psicologia de inteligência prática. Os chimpanzés são capazes de resolver problemas no

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mundo concreto de uma forma. Já inteligente, no sentido de que ele atua sobre o

ambiente, ele resolve problemas, ele busca soluções, mas de uma forma inserida num

contexto perceptual imediato. Têm esses experimentos bem conhecidos na Psicologia. O

chimpanzé é capaz de empilhar alguns caixotes, para alcançar algumas bananas que ele

não alcança só com seu corpo, é capaz de pegar uma vara e puxar uma fruta que está

fora da jaula, com ajuda da vara. Quer dizer, ele está usando instrumento, está agindo

ativamente sobre o ambiente para solucionar um problema, então ele está usando uma

inteligência prática, que é assim chamada porque não tem nenhum componente

simbólico. Por exemplo, se o chimpanzé tiver a banana e a vara no mesmo campo

visual ele já não resolve o problema, ele não é capaz de imaginar que ele precisa, para

alcançar aquela banana, mais do que o próprio corpo, e ele vai à busca de uma solução.

Ele não é capaz de fazer isto. Isso é um indicador de que ele não está agindo num plano

simbólico, mas só num plano concreto.

Na criança, no bebê, também aparece isso. Aparece a comunicação com fins de

intercâmbio social, através de choro, gestual, outros tipos de sons, expressões faciais, e

aparece a construção de urna inteligência prática similar a do chimpanzé. A criança pré-

linguísitica, antes da aquisição da linguagem, tem uma ação no mundo parecida com a

que o chimpanzé tem Ela é capaz de pegar um banquinho para alcançar um brinquedo

que ela não alcança sozinha, ela é capaz de procurar uma bola que caiu atrás do sofá, de

usar uma coisa para puxar a outra. Quer dizer, ela age inteligentemente no ambiente,

resolvendo problemas, usando instrumentos e tal, num plano concreto, sem mediação

simbólica.

Então, tanto na história da espécie, como na história da criança, há um momento em que

existe linguagem com esta função primeira, de intercâmbio social, e existe pensamento,

ou primórdios de pensamento, que seria essa inteligência prática.

Num determinado momento do desenvolvimento, essas duas potencialidades se unem. E

daí pensamento e linguagem se atrelam e não se desatrelam mais e vão representar uma

parte substancial do funcionamento psicológico humano. Na história da espécie, isto

aconteceu num determinado momento do desenvolvimento da espécie, que significa o

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ingresso da espécie humana na espécie humana propriamente, o momento em que nasce

a espécie humana. Claro que espalhado ao longo de milhares de anos, mas o homem

passa a ser capaz de se comunicar pela linguagem, como um sistema articulado e a

inteligência dele passa a ser abstrata, podendo funcionar em planos simbólicos, como

falamos antes. Passa a ser capaz de circular por momentos e espaços ausentes do espaço

atual, perceptual presente, ele pode ser capaz de imaginar. Inventar, criar, recuperar

coisas que aconteceram no passado. Ele tem uma inteligência, ele passa a ter uma

inteligência, um pensamento de natureza simbólica, e isso é permitido pela linguagem.

Inicialmente por aquela função segunda da linguagem, que é de pensamento

generalizante, mas também por várias outras características da linguagem, que podemos

imaginar. Por exemplo, o fato de termos verbos do presente, passado, futuro, permitindo

que transitemos pelo tempo em termos simbólicos. O fato de possuirmos termos para

negação, permite que neguemos no discurso, que concebamos o não, a inexistência, o

zero, o nenhum, porque a língua permite isso. Na ausência da língua seria muito difícil

concebermos a ausência, a presença até sim, mas a ausência não.

A relação entre o pensamento e a palavra é o movimento contínuo de vai-e-vem do

pensamento para a palavra e vice-versa. O pensamento não é simplesmente expresso em

palavras. É por meio delas que ele passa a existir.

A língua é uma coisa que está fora da pessoa inicialmente. Quer dizer, quando a criança

nasce, ela nasce num meio falante, que já tem uma língua e que ela vai se apropriar

desta língua ao longo do seu desenvolvimento. Esse é um movimento que vai acontecer

de fora para dentro. Então, para Vygotsky, o primeiro uso da linguagem é o que ele

chama de fala socializada. Quer dizer, é a fala da criança com os outros, para os outros,

só do lado de fora dela, só com essa função comunicativa inicial. É na interface dela

com o outro que a língua aparece primeiro. E o ponto de chegada da língua, o mais

desenvolvido de todos, é o chamado discurso interior. É o fato de que incorporamos um

sistema simbólico no nosso aparato psicológico e somos capazes de ter, internamente,

esse plano simbólico do funcionamento psicológico com o suporte da língua, mas ele

está lá dentro de nós. Então, não precisamos falar alto. É como se nosso pensamento

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acontecesse, em grande medida, apoiado nas palavras, nos conceitos, certamente, mas

não precisamos externalizar isto, funciona dentro da nossa cabeça. Então, pensamos

sozinhos, com o suporte das palavras, com o modo de pensar de nossa língua, com as

possibilidades de trânsito pelo mundo do simbólico que a língua nos dá, mas tudo isso

dentro da nossa cabeça. Então, as coisas começam do lado de fora e acabam

internalizadas.

O Vygotsky propõe que, entre uma coisa e outra, entre o que acontece lá fora e o que

acontece dentro, ocorre um momento do desenvolvimento que é a chamada fala

egocêntrica. Que é - quem tem contato com criança sabe disto -, a fase da criança por

volta dos três, quatro anos, fala sozinha. Ela fala alto, mas está falando para ela mesma,

não precisa do interlocutor. Ela pode estar sozinha no ambiente e ela fala também. Este

fenômeno foi identificado pelo Piaget e o Vygotsky se apropria da idéia do Piaget para

discutir essa idéia. Mas eles a usam com concepções bem diferentes, justamente porque

o Vygotsky está trabalhando as coisas de fora para dentro e o Piaget de dentro para fora.

Então, para o Piaget existe fala egocêntrica, mas ela é um indicador de que o

desenvolvimento está saindo de dentro do sujeito e indo para fora. E no Vygotsky é

exatamente o oposto. A existência da rala egocêntrica indica que a rala está sendo posta

para dentro. Aquela comunicação que era entre as pessoas vai estar sendo internalizada

pelo sujeito, para se tornar um instrumento dele, interno. Então, essa fala egocêntrica,

esse ralar sozinho da criança, é como se ele estivesse usando um formato ainda

socializado da língua, que é falar alto, mas com uma função do discurso interior, que é a

"fala para mim". Quando a criança está fazendo uma tarefa, dizer: "ah, agora.0 vou

pegar o lápis azul... ah, vou pegar um brinquedo, mas não alcanço, então preciso de um

banquinho ... " É como se ela ficasse falando para ela mesma, explicitando para ela

mesma, passos de raciocínio, necessidades na seqüência da solução de problemas. A

linguagem egocêntrica aparece muito mais quando a criança está posta em situação de

dificuldade cognitiva, que evidencia o rato de que a linguagem é um instrumento de

pensamento. Então ela a está usando como suporte, usa a língua para ajudá-la a resolver

um problema.

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Desenvolvimento e aprendizagem
As relações entre desenvolvimento e aprendizagem são aspectos bem importantes da

teoria do Vygotsky, porque ele trabalha muito nesta área da Psicologia ligada à

educação. E por um postulado básico de sua teoria, que é o fato de que o

desenvolvimento se daria de fora para dentro, o desenvolvimento humano. Por causa da

importância da cultura, por causa importância da imersão do sujeito no mundo humano

em volta dele. A idéia de que o desenvolvimento se dá de fora para dentro para ele,

portanto a aprendizagem aparece como uma coisa extremamente importante para ele na

definição dos rumos do desenvolvimento. Para Vygotsky a aprendizagem é que

promove o desenvolvimento. É porque o sujeito aprende, porque ele faz coisas no

mundo que fazem com que ele aprenda é que ele se desenvolve. É como se

aprendizagem puxasse o desenvolvimento do sujeito e isto também está atrelado à idéia

de que o caminho do desenvolvimento está em aberto. Como a cultura, em grande

medida, vai definir por onde o sujeito vai e também a especificidade de cada sujeito vai

ser definida em sua interfase com o mundo, em suas experiências de aprendizagem, em

seus procedimentos micro-genéticos vistos anteriormente, o fato de aprender é que vai

definir por onde o desenvolvimento vai se dar.

É interessante pensarmos que esse é um ponto bem forte de contra ponto entre Vygotsky

e Piaget. Para Piaget, como o desenvolvimento se dá mais de dentro para fora, o motor

endógeno de desenvolvimento é que impulsionaria o desenvolvimento psicológico. Por

desenvolver-se é que o sujeito pode aprender. Ele aprende porque está em determinado

estágio de desenvolvimento.

Para Vygotsky é mais o contrário, ele se desenvolve porque ele aprende. Uma atividade

interessante de focarmos com relação a isto é o brinquedo, a brincadeira, ou o jogo

simbólico, ou o jogo de papéis, que é a brincadeira de faz-de-conta. Este jogo de papéis

para Vygotsky é muito importante, como um lugar de desenvolvimento, exatamente por

causa dessa relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Na brincadeira, no jogo de

papéis, a criança está, ao mesmo tempo, transitando pelo mundo do imaginário - ela é a

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professora, é claro não é uma professora de verdade, ela está brincando de ser

professora, então é imaginário -, mas ao mesmo tempo está regido por regras. Se ela vai

brincar de escolinha, ela está restrita pelas regras de funcionamento de uma escola, seja

uma escola verdadeira ou uma escola imaginária da criança, mas tem regras, não pode

ser qualquer coisa.

A imposição de regras é uma imposição que vem do funcionamento da cultura,

justamente como os jogos de papéis, jogos simbólicos, jogos de faz-de-conta. Ele é uma

mímica das atividades do mundo adulto, ele traz para dentro do mundo da criança as

regras de funcionamento do mundo adulto, é um jeito de realizar uma atividade

tipicamente infantil, que envolve aprendizagem e promove o desenvolvimento. É como

se a criança fosse puxada para adiante daquilo que ela é capaz de fazer como criança no

momento da brincadeira. Quer dizer, ela se aproxima do papel de mãe sem ser mãe em

sua vida cotidiana.

No brinquedo, a criança se relaciona com o significado das coisas e não com os próprios

objetos. Por exemplo, ela pode pegar um toquinho de madeira e fingir que é um

carrinho. Então, ela está se relacionando com o significado de carro e não com o objeto

toco de madeira. E isso promove para ela um descolamento do mundo perceptual

imediato e faz com que ela se relacione com o mundo do significado, o que também a

ajuda a entrar neste trânsito do mundo simbólico, das representações, da língua e das

relações. Aí entra pensamento e linguagem etc. O brinquedo é um bom exemplo de

como atividades realizadas do lado de fora, que constituem aprendizagem, promovem o

desenvolvimento num caminho tipicamente humano, definido por um percurso que está

atrelado à cultura.

Desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios para o desenvolvimento da

linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo

o complexo processo de transição de um tipo de linguagem para outro. Devem

acompanhar este processo através de seus momentos críticos. Até o ponto da descoberta

de que se pode desenhar não somente objetos, mas também a fala.

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Zona de desenvolvimento proximal


Um aspecto muito importante da teoria de Vygotsky com relação ao desenvolvimento é

a idéia dele de que o desenvolvimento deve ser olhado de uma maneira prospectiva e

não retrospectiva. Isto é, deve ser olhado para frente, aquilo que ainda não aconteceu.

Normalmente olhamos para aquilo que já aconteceu, que já passou. Normalmente

perguntamos: "seu filho já sabe amarrar sapato?, o bebê já senta?, essa criança já

aprendeu a ler e a escrever?". Então, nos referimos ao já, àquilo que já está consolidado,

que já terminou, que já está pronto na criança.

Mas aquilo que está em processo, que está por acontecer, é ali que vai acontecer a

intervenção pedagógica, a ação educacional de qualquer tipo e também é ali onde o

desenvolvimento está efervescente, está fervendo em termos de um fenômeno a ser

compreendido pelo estudioso do desenvolvimento. Então, para esta questão, esta idéia

básica do Vygotsky toma corpo, num conceito que é típico da teoria dele, que é muito

conhecido, que é o conceito de zona de desenvolvimento proximal, ou potencial. Para

explicar esta zona ele trabalha com dois outros conceitos, ele fala em nível de

desenvolvimento real, que é o nível de desenvolvimento até o qual a criança já chegou,

que é o tal do desenvolvimento passado, ou o olhar retrospectivo, ou seja, aquilo que ela

já tem. Na outra ponta teríamos aquilo que ele chama de nível de desenvolvimento

potencial, que é aquilo que a criança ainda não tem, mas que podemos imaginar que está

próximo de acontecer, que está num horizonte próximo, não muito longínquo.

Geralmente sabemos que está próximo, porque a criança consegue se relacionar com

aqueles objetos de conhecimento e de ação não autonomamente ainda, mas com ajuda,

com instrução do outro, com intervenção de um parceiro mais experiente. O fato de que

ela não faz sozinha, mas faz com ajuda, identifica que aquilo pertence a um plano de

desenvolvimento que está próximo de se consolidar. E daí, entre aquilo que já está

pronto e aquilo que está presente em semente, é que o Vygotsky localiza esta chamada

zona de desenvolvimento proximal. Que é um pedaço do desenvolvimento que permite,

quer dizer, que é o mais interessante em termos de desenvolvimento, que é onde o

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desenvolvimento está acontecendo agora, e é o que permite a intervenção. Quer dizer, é

ali que podemos colocar o dedo para operar transformações.

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não

amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Funções que amadurecerão,

mas que estão presentemente em estado embrionário.

Uma coisa que é bem importante de falar sobre isso é que esse conceito de Vygotsky é

um conceito que tem um valor explicativo dentro da teoria, mas ele não é um conceito

instrumental.

Não podemos pegar o conceito de zona proximal, entrar em uma sala de aula e querer

medir a zona proximal dos alunos, identificar as zonas proximais e tal, porque ele é um

conceito muito flexível e muito complexo, ele não é visível na prática. Quer dizer, ele

nos ajuda a entender o desenvolvimento, mas não é visível na prática, pois para cada

tópico de desenvolvimento, para cada criança, em cada micro-momento teríamos uma

zona. Então, se entramos numa sala de aula com quarenta alunos e vamos trabalhar

adição com reserva hoje, temos quarenta zonas proximais em movimento, porque cada

vez que falamos alguma coisa estou alterando a zona de cada criança, ou de uma parte

delas, pelo menos.

Intervenção pedagógica
Um aspecto muito peculiar da teoria do Vygotsky, muito central nas concepções dele

sobre desenvolvimento, aprendizagem, é a importância da intervenção das outras

pessoas no desenvolvimento de cada sujeito.

Aqui entra uma coisa bem importante para Vygotsky, que é a importância deste mundo

humano, desta cultura, do outro social, mas não em termos de um ambiente onde o

sujeito está simplesmente imerso, não é como se fosse um caldo onde tivéssemos posto

lá dentro e passivamente fosse absorvendo informações do ambiente. Ele coloca uma

posição muito ativa, primeiro para o próprio sujeito, quer dizer ele está se relacionando

com o mundo de informações, significados, modos de ser, rumos de desenvolvimento e

tal, onde ele também age, ele não é um ser passivo, que recebe passivamente a

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informação do mundo, mas a cada momento de sua história ele é um sujeito pleno, que

retroage, que age sobre o ambiente, que dialoga, que impõe significados, que traz sua

subjetividade, seu modo de ver o mundo, sua própria história, naquela relação de

aprendizagem que promoverá desenvolvimento.

E, além disto, a influência do ambiente também não está se dando de uma forma só por

imersão, o sujeito não absorve informações do ambiente de um ambiente que é passivo,

ele absorve informações de um ambiente que está estruturado pela cultura. Por exemplo,

um bebê brincando sozinho no berço, está brincando num ambiente cultural, estruturado

pela cultura, porque é dentro de um berço, não é numa esteira no chão, porque é com

aqueles brinquedos e não com outros, porque é sozinho e não acompanhado, porque é

num quarto de um determinado tipo, com determinado som em volta etc.

O Vygotsky ainda fala sobre um outro aspecto que extremamente importante que é o da

intervenção ativa das outras pessoas na definição dos rumos do desenvolvimento. Então,

para ele, a intervenção pedagógica é essencial na promoção do desenvolvimento de cada

indivíduo, de cada sujeito.

O sujeito não percorreria caminhos de desenvolvimento sem ter experiências de

aprendizagem, resultado da intervenção deliberada de outras pessoas na vida dele.

Interferir intencionalmente no desenvolvimento das crianças é importantíssimo na

definição de seu desenvolvimento.

Então, o sujeito depende dessa intervenção para se desenvolver adequadamente nos

rumos que aquela cultura supõe como os rumos adequados para o desenvolvimento.

Desenvolver-se numa sociedade que tem escola, é diferente de desenvolver-se numa

sociedade que não tem escola.

Então, escola, numa sociedade escolarizada é um lócus cultural extremamente

importante, para a definição dos rumos de desenvolvimento. E a intervenção pedagógica

é essencial na definição do desenvolvimento do sujeito.

Uma das originalidades dessa teoria, principalmente para a época em que foi feita, é

justamente essa tentativa de ver a criança de um modo mais integrado.

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E de fato nos parece que, hoje em dia, a complexidade dos processos educativos,

mesmo os vários estudos da criança, muitos apontam para a necessidade de não

dissociarmos campos que são indissociáveis. Por exemplo: a afetividade e a

inteligência.

Exercício reflexivo: ao final desta sessão enumere as contribuições da teoria de

Vygotsky à Educação.

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3.3. Henri Wallon

Introdução
O projeto teórico de WaIlon, em sua vertente de psicólogo, é a psicogênese da pessoa,

isto é, estudar a gênese dos processos que constituem o psiquismo humano. Por meio do

estudo da criança, concentrou seus estudos nas fases iniciais da infância, a intenção é

compreender como vai se embricando, articulando, a complexidade de campos e de

fatores que constitui o psiquismo humano, tendo ressalvado seu limite, que é estudar o

campo da consciência. Nessa tentativa de olhar a criança de um modo integrado, vai

delinear quatro campos, que são chamados campos funcionais, sobre os quais a teoria

vai fornecer mais elementos.

Biografia
Henri WaIlon nasceu na França, em 1879. Viveu toda a sua vida em Paris. Antes de

chegar a Psicologia e à Educação, passou pela Filosofia e pela Medicina. WaIlon viveu

num período marcado por muita instabilidade social e turbulência política.

Acontecimentos como as duas guerras mundiais, o avanço de Fascismo, no período

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entre guerras; as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias na

África, atingiram profundamente a França. Participou ativamente de movimentos contra

o fascismo e da resistência à ocupação nazista. Atuou como médico em instituições

psiquiátricas até 1931, atendendo crianças com deficiências neurológicas e distúrbios de

comportamento. Ele via a escola como um contexto privilegiado para o estudo da

criança. Acreditava que a Pedagogia oferecia campos de observação à Psicologia e

questões para investigação. A Psicologia, por sua vez, ao construir conhecimentos sobre

o desenvolvimento infantil ofereceria um importante instrumento para o aprimoramento

da prática pedagógica. Foi um dos autores do plano Le je vie WaIlon, um ambicioso

projeto de reforma de ensino. Faleceu em 1962.

A seguir, discutiremos os principais conceitos da teoria.

O Movimento
O movimento que é o primeiro sinal de vida psíquica que dá a criança ao nascer, e que é

uma dimensão que vai permear todas as idades e todos os campos. E é interessante

destacar que no estudo do movimento, Wallon discrimina duas dimensões do

movimento. Uma, é dimensão mais expressiva, que é o movimento que não significa

deslocamento necessariamente, mas que é a expressão que está na base das emoções. E

a outra dimensão do movimento que ele irá estudar, é a dimensão instrumental, isto é, é

um movimento mais comum ente estudado, que é de ação direta sobre o meio físico, o

meio concreto.

A Inteligência
Na teoria de Wallon tem vários elementos interessantes também para compreender o

desenvolvimento da inteligência. E da inteligência, que também é um campo

abrangente, ele vai destacar aquilo que ele chama inteligência discursiva: a inteligência

que se expressa e que se constitui por meio da linguagem, por meio da fala:

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Pessoa
O quarto campo é o campo que ele nomeia pessoa, que é, ao mesmo tempo, aquilo que

articula todos os demais, mas também é um campo independente? Ele vai mostrar,

portanto, como, ao longo do desenvolvimento, vai se construindo a noção, para cada

sujeito, de si mesmo, diferente do outra. A noção do eu, ou consciência de si, que é

como ele fala.

A relação entre esses quatro campos funcionais, portanto: o movimento, a emoção,

inteligência e pessoa, nem sempre são de harmonia. É uma relação também, que está

muito marcada pelo conflito, pelos antagonismos, embora cada um desses campos seja

inseparável um do outro.

Além de tentar ver a criança de forma integrada, esse olhar teórico vai buscar enfocá-la

de modo contextualizado. A pessoa inserido nos seus meios, nos seus contextos de

atuação. Portanto, a atitude teórica de Wallon vai sempre procurar compreender o

sentido de uma conduta, em função dos contextos dos quais essa conduta está inserido.

Ser e vir a ser


A perspectiva de Wallon vai olhar a infância, ao mesmo tempo, como estado provisório,

como uma fase de preparação para a vida adulta, e como uma fase que tem um sentido

em si própria. E difícil, na verdade, articular essas dimensões, o mais comum é

olharmos a criança somente como vir a ser. Ou seja, a infância só com uma fase de

preparação, que não tem um valor em si. Quando se olha assim à infância, tem-se muita

dificuldade em compreender as capacidades da criança, porque a veremos sempre como

um ser inacabado. Ou, então, vê lá só em seu estado atual, não levando em conta o fato

de que ela se transforma e que sua tendência é virar um adulto.

Perceberemos que só justificar as práticas, conteúdos etc., pelo futuro, não se sustenta,

porque temos que olhar a criança também no que ela é hoje, em suas demandas atuais, e

articular em termos das oportunidades essa dupla dimensão.

História

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Mas é evidente que a escola também não pode anular uma terceira dimensão temporal

que é historia da criança. Isto é, como trabalhar a criança como o que ela é hoje, com

perspectiva de vir, mas, ao mesmo tempo, sabendo que cada criança tem uma história

peculiar e única. Nenhuma criança chega na escola como uma tabula rasa. Cada uma

chega com uma bagagem, um repertório, que é o ponto de partida. Que é algo sobre o

qual a escola tem que buscar se articular. Então, é um desafio enorme esse de tentar

articular esse três tempos: a história da criança, suas demandas atuais e as perspectivas.

As Emoções
Wallon vai destacar um tipo específico de manifestação afetiva para estudar mais a

fundo, que são as emoções. Por que ele vai estudar as emoções? Justamente por serem

as emoções as primeiras manifestações afetivas que compõem, que estão presentes e

que se constituem na criança. Vai mostrar como as emoções são um fator fundamental

de interação da criança com o meio no qual ela está inserida.

Quando ele fala em estudo das emoções, está se referindo a um tipo específico de

manifestação afetiva. Portanto, as emoções se inserem num campo maior que é a

afetividade. São várias as peculiaridades das emoções, dentre elas serem manifestações

afetivas que se expressam, que são visíveis para o outro e que são mais claramente

identificáveis pelo próprio sujeito e têm uma variabilidade intensa e que com freqüência

vêm acompanhadas de modificações no próprio funcionamento orgânico do corpo.

Para compreender os sentidos das emoções no desenvolvimento humano é necessário

olhar os primórdios da vida humana, as primeiras situações, reações, do recém-nascido.

Ele é desprovido de capacidades que lhe possibilitem a agir diretamente sobre o meio

físico. Ele está no estado de imperícia, porque ainda não consegue pegar a mamadeira

sozinho etc.

Ao mesmo tempo, que ele tem essa imperícia, do ponto de vista das condutas, que

possibilitariam a ele agir diretamente sobre o meio físico. Ele é dotado de uma enorme

expressividade. Isto é, toda uma gestualidade, que no começo é disparatada,

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desintegrada, desarticulada, que parece sem sentido. O próprio choro, como uma

manifestação emocional de uma força intensa, tem uma expressividade muito grande.

Nesse sentido vemos como o bebê é eficaz, porque ele é capaz de mobilizar toda uma

família, com o seu choro, por exemplo. E essa mobilização dos outros que decorre

disso, explica-se segundo Wallon, pela natureza contagiosa, com a possibilidade de

contágio inerente às manifestações emocionais.

Olhando a emoção, nesses seus primórdios, ele vai perceber que a função das emoções é

principalmente uma função social, que, é justamente possibilitar a interação da criança

com o meio social. E, nesse sentido, o primeiro meio com o qual interage a criança não

é o meio físico dos objetos, mas é o meio das pessoas.

Então essa ligação profunda da criança pequena com as pessoas, com quem ela convive,

sobretudo com as pessoas das quais ela depende. Isto é: a relação de dependência da

criança com os parceiros mais experientes, mãe, pai, ou outro responsável, compõe

também este quadro em que essas manifestações expressivas têm essa função de

interação, de ligação com o outro.

Às emoções, portanto, são o primeiro recurso de interação da criança com o meio social,

por isso elas têm um papel fundamental. E o que permite ao recém nascido da espécie

humana se imergir no meio social e, desta forma, imerso, ter, por exemplo, acesso à

linguagem. E a linguagem que é o recurso fundamental de estruturação do pensamento,

de construção de si.

Mesmo quando a linguagem se consolida como recurso de interação social, as emoções

continuam como um tipo de manifestação muito presente e ainda muito fundamental nas

interações sociais. Porque, como disse no início, as emoções têm uma característica

importante extrema "contagiosidade" entre os indivíduos. E esse traço é um traço que

fica muito claro nessas situações de dinâmica de grupo, por exemplo. Quantas situações

em sala de aula não podem ser melhor compreendidas e a gente ver esse fator? Darei

dois exemplos.

Primeiras situações de turbulência, situações de alvoroço, que muitas vezes têm motivos

muitos concretos para ocorrerem. Motivos concretos e que estão nas bases das práticas

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educativas, que têm que ser ajustadas. Mas outras vezes, essa situação de turbulência e

alvoroço parecem não ter motivo concreto. Mas, ligado à organização da atividade,

podemos entendê-las melhor recorrendo a essa idéia das emoções. Então, muitas vezes,

é a excitação de uma criança, ou do próprio professor, que contagia as crianças, que

contagia o professor e acaba criando algumas situações, às vezes, de muito descontrole.

Mas essa mesma "contagiosidade" das emoções também está presente nas dinâmicas de

grupo de um modo muito positivo. Que é, por exemplo, aquilo que permite que o

professor, quando está entusiasmado com a sua atividade, entusiasmado com aquele

conhecimento, que ele quer partilhar com as crianças, consiga, por meio do seu

entusiasmo, que vai refletir no tom da voz, na expressão dos olhos, na postura de seu

corpo, consiga contagiar positivamente, as crianças tenderão a ficar igualmente

entusiasmadas por este conhecimento.

Dimensão expressiva do movimento


Na dimensão expressiva do movimento, encontramos elementos interessantes, no

sentido de podermos atentar mais como educadores para a "concretude" da criança, suas

posturas corporais, gestos, que nos sinalizam questões importantes que fazem parte da

criança como um todo.

Muitas vezes consideramos o movimento como algo que atrapalha. Quer dizer, é

comum, em sala de aula, acharmos que para a criança aprender ela tem que estar

imóvel, tem que estar paradinha, sentada etc. Se formos integrar essas questões mais

teóricas acerca do movimento, e mesmo se começarmos a afinar nosso olhar sobre o

movimento, veremos que é o contrário, muitas vezes é graças a essa dimensão mais

expressiva do movimento, pequenos gestos, interações com os colegas etc., que a

criança consegue aprender. Nesse sentido, muitas vezes, impedir a criança de se

movimentar, ao invés de favorecer que ela aprenda, pode impedir que ela aprenda.
O pensamento da criança, num primeiro momento, é muito sustentado no movimento.
Ela precisa se mexer de vários modos, para construir o fluxo do pensamento. Wallon vai
destrinchar o complexo processo pelo qual vai se construindo na criança a capacidade

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de controlar seu próprio movimento. Vai mostrar como isto é difícil, como é custoso e
gradual.

Aspectos fundamentais
Alguns aspectos têm que ficar bem claros.

Primeiro aspecto é essa dimensão mais expressiva do movimento como algo a ser

olhado pelo educador. O educador não compreende a criança só por meio da sua

produção escrita, mas também por meio de sua mobilidade, sua postura corporal, seu

gesto, sua instabilidade ou apatia. A inteligência também se apóia fortemente no ato

motor. Por exemplo, para a ilustrarmos isto, podemos nos lembrar dos primeiros faz de

conta da criança, onde ela faz um gesto que representa o objeto.

Então, esse gesto que representa uma idéia, ilustra o quanto à representação mental está

fortemente ligado ao movimento no início. A tendência é que, gradualmente, a

inteligência, o funcionamento mental, vá se descolando do movimento, mas esse é um

processo gradual e é um processo que nunca se completa totalmente. Basta cada um de

nós pensarmos o quanto movemos as mãos para falar, ou o quanto pensamos, melhor ou

pior, numa dada posição, num determinado movimento.

Sincretismo
Teremos um primeiro momento da inteligência infantil, que é caracterizado pelo

sincretismo. Isto é, a inteligência, ela tem uma característica que o Wallon vai definir

como central, como principal, que é esta de misturar muitas coisas. Sincretismo evoca

isso: mistura, globalidade, confusão.

O pensamento sincrético é um pensamento, por exemplo, em que a criança não separa a

qualidade da coisa. Por exemplo, uma situação que a criança tem dificuldade de aceitar.

Uma criança de dois ou três anos que briga com uma outra porque ela descobre que a

mãe tem o mesmo nome.

Nesta situação em que o menino briga com o outro que diz "minha mãe chama

Eliana”... “E o primeiro menino diz: "minha mãe também chama Eliana!"... "E não

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admite que a mãe do segundo possa ter o mesmo nome que a dele. Vemos um exemplo

de sincretismo, porque é como se o nome Eliana fosse colado à figura da mãe dele,

logo, impossível de haver outra mãe com o mesmo nome.

São várias as misturas que o pensamento sincrético faz e que está muito relacionada ao

próprio estado de fusão e de sincretismo em que ele encontra essa criança, a pessoa da

criança, na fase inicial do desenvolvimento.

Pensamento categorial
Então, a direção do desenvolvimento da inteligência é de um estado de total

“indiferenciação” para progressivos de diferenciação.

Esse estado que caracteriza a infância é chamado de sincretismo, ou pensamento

sincrético, como Wallon vai definir, e, conforme vão se processando diferenciações

fundamentais no sincretismo, a criança constrói algo que Wallon vai chamar de

pensamento categorial.

O pensamento categorial que nada mais é do que a possibilidade de pensar o real por

meio de categorias. Poderíamos até associar o pensamento categorial ao pensamento

conceitual. Que é a característica do pensamento adulto, que é aquilo que começa a se

consolidar no final da primeira infância, na idade escolar etc.

E para este desenvolvimento é fundamental a interação da criança com a cultura. Porque

a cultura - no sentido dos conceitos, dos valores, dos conhecimentos construiu dos pelas

gerações anteriores num dado contexto histórico social -, já operou muitas

diferenciações. E é por meio da interação da criança com os produtos da cultura que ela

também vai incorporando muitas dessas diferenciações e articulando isso com o seu

modo próprio de pensar. Portanto, a primeira infância é muito marcada ainda pelo

sincretismo.

A teoria de Wallon é muito prudente em definir um ponto terminal para o

desenvolvimento da inteligência. É uma teoria muito prudente em definir um estágio

final para o desenvolvimento da inteligência. Na verdade, ele não vai definir esse

estágio final, ele vai dizer que as diferenciações vão ser tão mais finas conforme as

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possibilidades oferecidas pela cultura. Logo, não há um tipo de pensamento próprio do

adulto. É o pensamento categorial, mas que permite variedades muito grandes entre

adultos de culturas diversas.

Neste sentido, fica mais claro entendermos isso, se pensamos, hoje em dia, por exemplo,

o acesso precoce que as crianças têm a um tipo de linguagem que no século passado

ainda não existia - quando Wallon fez a teoria não existia -, que é a informática, o

computador, a linguagem binária, simultaneidade, enfim, todo esse aceso da criança a

linguagem da informática, provavelmente deve ter algum impacto no modo de como se

desenvolve a inteligência infantil, no modo como se operam essas diferenciações do

pensamento sincrético. Temos poucos estudos, é precoce sabermos qual o efeito disso.

Mas é de se supor que terá efeito, e assim como a nossa época tem este elemento, outras

épocas terão outras linguagens que poderão ter um impacto.

Neste sentido é uma teoria prudente e está aberta as transformações da própria cultura.

Embora sejam valorizadas as conquistas do pensamento infantil na dimensão de maiores

diferenciações, portanto, valorizar a construção do pensamento categorial, que é o que

permite operações conceituais, elaboração de teorias etc., a perspectiva de Wallon vai

também valorizar o pensamento sincrético. Quer dizer, esse pensamento próprio da

criança, onde vários planos se misturam, onde qualidade e coisa aparecem coladas, onde

muitas vezes temos a idéia de uma confusão, este tipo de pensamento é fundamental e

vai estar sempre presente mesmo no adulto.

É fundamental, por exemplo, para as novas invenções, quer dizer, muitas vezes, essas

invenções as criações novas dependem de um momento provisório do sincretismo e de

confusão a partir do qual emergem novas categorias do pensamento.

Então sincretismo é algo há não ser eliminado totalmente, é algo que pode ser cultivado

e que pode ser compreendido neste contexto como algo importante para as criações e

para a atividade em campos, onde a conceitualização é menos importante.

Se pensarmos no campo da arte, por exemplo, o sincretismo é algo que possibilita

criações muito fundamentais. Deste ponto de vista, se pensarmos o currículo escolar, à

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luz da teoria do Wallon, no que diz respeito à inteligência, dá para dizermos que o

currículo deve valorizar a ciência, mas deve valorizar igualmente a arte.

Indivíduo
A pessoa é como se fosse a unidade na qual se articulam movimento, afetividade,

inteligência, mas é ao mesmo tempo uma unidade em si. Isto é, Wallon vai estudar

como se constrói na criança a consciência de si, a idéia de uma unidade subjetiva. Idéia

que não é dada deste o nascimento, porque no início, a criança, é dado que, inserido

neste contexto de fusão emocional, ela não se percebe como uma unidade diferenciada

do outro. Ela se percebe como que fundida, diluída, colada ao outro - quando dizemos

outro, falamos tanto das pessoas significativas, como das próprias condições mais

concretas onde ela está inserido -, e esta consciência de si, vai se construir gradualmente

por meio de processo interessantes.

Na perspectiva de Wallon, não se dirá que a criança se socializa conforme se

desenvolve, dirá o contrário, que no início da vida, o estado de socialização é máximo, é

tão grande que a criança é justamente confundida no outro. Portanto, o percurso de

desenvolvimento é um percurso de progressiva individuação. É um percurso no qual, a

criança vai tendo que se diferenciar do outro para poder construir-se como uma unidade,

como uma identidade diferenciada e com certa estabilidade.

Dentro dessa idéia, desse estado máximo de socialização no inicio e de um percurso de

individuação progressiva, teremos que, na construção da pessoa, a relação com o outro é

aspecto fundamental.

Nessa relação com o outro podemos identificar um duplo movimento. Um movimento

que é, por um lado, de incorporação do outro para constituição de si - quando falamos

de incorporação do outro, estamos nos referindo, por exemplo, às condutas de imitação.

A conduta de imitação que é algo muito presente na criança em várias fases da vida e

que se vê que a imitação é dirigido às pessoas que lhe são significativas. Nesta imitação,

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o que vemos? A criança incorporar o outro e; por meio desta incorporação, é como se

ela estivesse alargando as fronteiras do seu eu.

Só que, ao lado deste movimento de imitação, encontraremos o movimento com direção

oposta, que é o movimento de expulsão do outro, que se concretiza nas condutas de

oposição, que é quando a criança nega o outro, em suas propostas, em seus convites, em

suas opiniões e atitudes. E a oposição ao outro, uma conduta sempre recorrente, no

sentido de favorecer a diferenciação, mas uma conduta que vai aparecer em algumas

fases do desenvolvimento psíquico social, de modo concentrado.

São duas fases nas quais a oposição ao outro aparece de modo concentrado. Uma fase

no início da infância, que WaIlon situará por volta dos três anos, e que é a fase do

personalismo. A fase do personalismo é justamente onde a criança nega

sistematicamente o outro, opõe-se sistematicamente ao outro: recusa ajuda, briga pela

posse de objetos e afirma muito fortemente a independência do seu eu. E outra fase,

onde a oposição aparece de modo concentrado e com um papel fundamental na

construção da pessoa, é a adolescência. Quer dizer, na adolescência também, a oposição

sistemática do adolescente ao adulto, por exemplo, é algo que revela essa direção de se

diferenciar da do outro, ao dizer não as opiniões, as posições do adulto, é o modo do

adolescente estar dizendo sim as suas próprias posições, atitudes, convicções e por esse

movimento estar se constituindo.

Tal como ocorre no desenvolvimento da inteligência, podemos identificar no

desenvolvimento da pessoa a direção de uma progressiva diferenciação. Essa

diferenciação também nunca é total, isto é, o outro é sempre uma dimensão presente

para o eu, de modos diferentes, evidentemente, conforme a pessoa e conforme a

situação. Quer dizer, isso vai ser interessante, WaIlon mostrar que mesmo no adulto há

situações em que o próprio adulto se mistura mais ao outro perdendo a nitidez dos

contornos do seu próprio eu, Por exemplo, situações de cansaço ou situações de

enamoramento.

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Muitas vezes o adulto diante de oposições das crianças - estamos pensando o adulto o

educador, professor -, que são os alunos, sente se muito incomodado, muitas vezes

desafiado, desrespeitado etc. É claro que por trás das oposições das crianças, múltiplos

são os significados possíveis, e temos que olhar caso por caso, mas como mais um

recurso para compreender essas oposições, é interessante resgatarmos essa idéia da

oposição ao outro como elemento fundamental para constituição de si mesmo.

O papel da escola
A criança não é o resultado linear do meio no qual ela vive. Primeiro, porque Wallon

vai enfatizar a idéia de que a criança vive em vários meios, meios muitas vezes

conflitantes entre si. E que a sua construção vai se dar justamente na relação com esses

vários meios e relação de escolha e priorização que vão definir a construção do sujeito.

Quando falamos vários meios, estamos falando, por exemplo, do meio familiar, que é o

primeiro contexto social com o qual a criança interage; do meio escolar, que é um outro

contexto fundamental de educação e desenvolvimento da.criança. Estamos falando

também de meios não tão concretos, como, por exemplo, o meio dos valores que podem

ser diversos. A criança pode ter acesso aos valores da família, aos valores de uma outra

comunidade, na escola serem outros valores etc.

Essa idéia e importante porque quebra uma idéia muito fortemente presente na escola,

de que a criança é um resultado linear do seu meio familiar. Essa idéia está presente, por

exemplo, em falas freqüentes no contexto escolar que atribuem à família a

responsabilidade pela conduta da criança na escola. Por exemplo, a criança com

problemas de comportamento, de aprendizagem, é comum na escola explicarmos isso

por uma suposta família desestruturada na qual a criança estaria inserida. Esta fala,

torna-se completamente descabida se pensamos neste princípio. Por quê? É evidente que

o contexto familiar da criança interfere fortemente e a criança se constitui muito

fortemente cursando a sua historia de vida, das suas relações familiares. No entanto, a

escola, ao se constituir como um outro contexto de desenvolvimento, pode muito bem

criar outras relações para a criança que diferencie o tipo de relação que ela tem na

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família. E a criança, nas suas diferentes idades, logo aprende que agir diferente em

função de contexto. Vemos isso mesmo na família, que muitas vezes à criança se dirige

ao pai de um jeito e à mãe de outro jeito. Quer dizer, na escola é. A mesma coisa! A

escola pode muito bem construir relações com as crianças que tenha a ver com aquele

contexto e não só imaginar que a criança vai reproduzir na escola relações que ela tem

na família. É claro que ela traz isso, mas ela não se limita a isso! Porque faz parte dos

potencias do sujeito justamente articular-se diferentemente aos vários contextos aos

quais se insere.

Logo, isso quebra a suposição da escola de que para ter êxito em sua escalada educativa,

ela precisa ter uma total sintonia com a educação familiar. Não, muitas vezes justamente

a escola pode ser uma alternativa à educação familiar, e a criança lidar com isso! É claro

que estamos falando de modo generalizado, têm casos de mais dificuldades. Mas como

princípio, a escola tem esse potencial.

Isto é, de possibilitar para a criança um outro contexto e, neste outro contexto,

possibilitar que a criança ocupe lugares diferentes dos lugares que ela ocupa na situação

familiar.

Por exemplo, na família, determinada criança é o segundo filho. E um segundo filho que

tem um determinado tipo de relação com o pai, com a mãe, com os irmãos. Na escola,

essa mesma criança pode ser boa em matemática, pode ser ruim em português, pode

gostar' de ficar com determinados amigos numa situação x, estar com outros amigos

numa situação y. A escola, potencialmente, oferece lugares diferenciados para a criança

ocupar.

E este potencial da escola é algo muito rico! É comum na escola também colocar a

criança em um local único e cristalizado e, portanto, desperdiçar essa possibilidade

inerente ao seu contexto que é uma diversificação de maior de lugares, o que

evidentemente possibilita o enriquecimento maior da criança.

Diante de uma teoria tão complexa, apenas pincelamos alguns aspectos que apontam

para o interesse e a atualidade dessa perspectiva teórica, longe de esgotá-las. A idéia é

que cada um possa ir se aprofundando aos aspectos que interessarem mais.

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O que é importante destacar talvez, para concluirmos é a convergência desse olhar

teórico com preocupações muito atuais, que é como fazermos uma educação para todos

- aí a dimensão política da educação -, educação para todo mundo, independente da sua

origem social, lugar de nascimento etc. e, ao mesmo tempo, uma educação para cada

um. Que dizer, que a escola consiga dar conta de uma educação que responda a um

direito social, portanto a uma demanda social de uma sociedade que se quer mais

democrática, mais justa e, ao mesmo tempo, uma educação escolar que faça sentido para

cada um dos sujeitos que tenham acesso à escola.

Exercício reflexivo: assista ao vídeo sobre a vida e a obra de Henri Wallon pelo link

http://www.youtube.com/watch?v=5yBj9H3FFgI&feature=related

Após os estudos desta sessão e assistir ao vídeo escreva um texto dissertativo sobre o

tema:

A criança não é o resultado linear do meio no qual ela vive.

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UNIDADE 3

OUTRAS TEORIAS SOBRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM E

SUAS CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO

3.1. Burrhus Frederic Skinner

Biografia
Burrhus Frederic Skinner nasceu na Pensilvânia, em 1904, onde viveu uma infância

estável e plena de afeto, porém com rigorosa disciplina. Após uma frustrada carreira

como escritor e jornalista, fez doutorado em Psicologia na Universidade de Harvard.

Foi o mais famoso representante do Behaviorismo, corrente de Psicologia fundada pelo

também americano John Watson, que dominou o pensamento e a prática da Psicologia

em escolas e consultórios até os anos 50 e hoje compartilha espaço com outras

abordagens da Psicologia.

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No início de sua carreira Skinner dedicou-se a experiências com ratos e pombos,

paralelamente à produção de livros. Criou pequenos ambientes fechados, conhecidos

como "Caixas de Skinner", onde observava os animais de laboratório e suas reações aos

estímulos. Notabilizou-se como pesquisador original, desenvolvendo o conceito chave

de seu pensamento, o "Condicionamento Operante", um mecanismo que premia uma

determinada resposta de um indivíduo até ele ficar condicionado a associar a

necessidade à ação.

Em relação à educação, Skinner pregou a eficiência do reforço positivo, sendo contrário

a punições e esquemas repressivos. Skinner rejeitou noções como a do livre arbítrio e

defendeu que todo comportamento é determinado pelo ambiente, embora a relação do

indivíduo com o meio seja de interação e não passiva.

Foi autor de trabalhos controversos, nos quais defende o uso de técnicas psicológicas

para modificação do comportamento, com o intuito de melhorar a sociedade e tornar o

homem mais feliz. Skinner morreu em 1990. Publicou sua última obra, chamada

"Questões Recentes do Behaviorismo", onde fala de utopia, de amor, de Mitologia

Grega. Uma obra de um homem que começa em 1938, com ratos, e termina com

linguagem, com amor, corp utopia, não pode ser reduzida ao que ele publicou em 38.

Introdução
Skinner, na verdade, traz uma concepção de homem, uma concepção de mundo, que

quase inverte com a lógica tradicional da Psicologia até o momento em que ele se

apresenta. Skinner foi um dos três pensadores mais citados do Século XX, ao lado Freud

e Piaget. Uma das razões pelas quais ele é bastante citado é porque ele foi bastante mal

compreendido. Ele foi muito confundido com Watson. E Watson já teve um grande

impacto, porque ele propunha um estudo científico do homem. Enquanto o homem era

considerado um ser divino, centro do universo, do mundo, da natureza, impossível de

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ser estudado cientificamente, vem Watson, antes de Skinner, e propõe tornar o

comportamento humano um objeto de estudo científico.

E Skinner pega este gancho de Watson. Então ele é, erroneamente, confundido com

Watson. O grande erro de confusão é que Watson, ao propor este estudo científico, diz

que só estudará o que for observável, não se interessando por mais nada que não fosse

observável. Então, ele reduziu o homem e criou a "Psicologia SR". Watson, estímulo-

resposta.

Então aquela imagem de que Skinner propunha um modelo de homem autômato, que só

reage aos estímulos do ambiente, que só responde ao ambiente, que é a Psicologia SR,

não é a proposta de Skinner é a de Watson. Skinner, ao contrário, parte do objetivo de

Watson, que é estudar cientificamente o homem, mas concebe um homem como um ser

em constante construção de sua história, um ser único que não reage ao mundo, mas age

sobre ele, o modifica e é por ele modificado.

O grande erro, a grande rejeição a Skinner, embora ele seja o psicólogo mais citado do

Século XX, ele é muito mal compreendido, porque as pessoas, num primeiro momento,

o identificam com Watson, com a "Psicologia SR", com a "Psicologia dos Ratos", com

essa "Psicologia do condicionamento respondente" - o homem é condicionado, o

homem é como um rato, e não leem todo o resto e esquecem de ver a "virada de mesa"

que Skinner faz em relação a Watson. Ele diz que o homem não é - o que Watson

propõe -, como um ser que reage aos estímulos do meio ambiente e só nas partes

observáveis. Ele diz que o homem modifica o mundo e é por ele modificado, porque ele

é um ser em constante construção, ele é um ser único. Ele não reage só ao mundo, ele

não é um autômato, produz comportamento, comporta-se e atua, modifica e é pelo

mundo modificado.

Um dos problemas, que temos que reconhecer, é que ele começou estudando um ser

"muito querido" chamado rato, muito inferior ao ser humano., Mas, por quê? Porque ele

tinha uma preocupação, tal como Watson, de fazer um estudo cientifico do homem. E,

para isso, usou o raciocínio da analogia. Tentou verificar, através de um ser muito

inferior, que princípios de comportamento este ser, infra-humano, poderia ser sensíveis,

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poderia ser demonstrado. E vamos verificar se estes princípios do comportamento,

demonstrados com um ser pequeno, podem ser uma amostra, podem ser um modelo do

que ocorre com alguns comportamentos do homem. Foi aí que Skinner, seguindo uma

tradição de estudos científicos, fez estudos de laboratório com rato, onde ele descobre o

princípio do "Reforçamento Positivo".

Reforçamento positivo

Um princípio que é importante que seja bem entendido e bem explicado, que é aplicável

não só ao homem, mas a qualquer ser vivente no planeta terra. Nós somos, enquanto

seres vivos, sensíveis ao reforçamento. O que quer dizer isto? Nós somos sensíveis às

consequências do nosso comportamento. Atuamos, agimos e, a depender do que ocorre

depois da nossa ação, voltaremos a agir da forma como fizemos, ou não.

De onde Skinner tirou isto? Obviamente não foi do rato. Obviamente ele já tinha várias

ideias concebidas sobre o homem, só que estudou cientificamente e demonstrou

inúmeros princípios, durante vinte a trinta anos. Foi quando as pesquisas com os seres

humanos começaram, na "carona" dessa lógica de estudar cientificamente e os

princípios do reforçamento positivo, e inúmeros outros, foram igualmente demonstrados

com o homem.

As pessoas, acostumadas com a tradição judaico-cristã, se sentem ofendidas, porque é

uma perspectiva Darwinista. Uma perspectiva de que eu, ser humano, sou de alguma

forma continuidade de outros seres inferiores. Houve uma rejeição quase que religiosa

ao Behaviorismo, porque não podemos ser comparados a um animal muito inferior,

somos divinos. E Skinner desmistifica isso. Ele não diz que o ser humano é um rato,

muito pelo contrário, o ser humano tem uma complexidade ímpar, reitera isto inúmeras

vezes, o ser humano é único, em constante construção da sua história. Ele tem um livro,

que é o seu favorito, que é um livro sobre linguagem, que se chama "Comportamento

Verbal", onde ele diz que este comportamento é eminentemente humano. Aí ele vai

discorrer sobre toda a complexidade, percorre a literatura, percorre o humor, todas as

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complexidades da nossa linguagem, as complexidades do escrever, do ler, do comentar,

do romancear, e isso você não encontra em nenhum outro ser a não ser o homem.

Ao fazer os estudos iniciais, é que há uma diferença de quantidade e não de qualidade,

no sentido que não somos seres alienígenas e que têm princípios de comportamentos

radicalmente diferentes a outros seres. Somos sensíveis ao reforçamento positivo,

adaptamo-nos à comunidade, preocupamo-nos com a sobrevivência etc.

O ser humano
Para Skinner o ser humano é produto de três histórias. A história Filogenética, que é a

história da sua espécie. Portanto, muito do que faz é determinado pela Filogênese, pela

espécie a que pertence. A Ontogenética, que é a história de vida individual, de cada um.

E a Cultura, Estes são os três determinantes.

Ninguém pode acusar Skinner de ser reducionista, porque ele está o tempo inteiro,

falando que somos seres complexos, que aquilo que fazemos hoje é determinado por

nossa Filogênese, o que somos enquanto espécie. Somos incapazes de voar, por mais

que nosso professor, nosso educador, nos ensine a voar, literal ou subjetivamente,

chamais teremos asas, quer dizer, não-somos ave. A Ontogênese, que é como

construímos nossas vidas, nossas relações com nossos pais e mães, com os professores,

com os "amiguinhos" da infância. Nossa Ontogênese. E a Cultura.

A Cultura envolve nossas práticas culturais, que nos são transmitidas através do

comportamento verbal ou linguagem. A partir dessa concepção, Skinner tenta explicar

como essas histórias são construídas. Aí ele cria o "modelo de seleção pelas

consequências". Começam os primeiros princípios.

“O que fazemos é selecionado pelas consequências de nossa ação”. Como mostrou isto?

Começa nos estudos de laboratório, depois evolui do Behaviorismo para o estudo com

crianças, com crianças com atraso de desenvolvimento, com adultos normais, enfim,

com todas as dimensões, com todos os grupos étnicos, etários e de deficientes.

O grande princípio descoberto, o primeiro, foi o do "Reforçamento Positivo". O que é?

"É uma consequência específica que aumenta a probabilidade futura da ação que a

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precedeu". Por exemplo, se pedimos água para alguém e a pessoa lhe dá água, e

estávamos privados de água, a tomamos e ela mata nossa sede, tenderemos, no futuro, a

pedirmos água de novo para alguém da sua cultura, porque o nosso comportamento foi

reforçado positivamente. Ou seja, ele teve uma consequência que nos foi, de alguma

forma, agradável, que atendeu às nossas necessidades orgânicas - de acordo com nosso

exemplo, e isto aumenta a probabilidade futura de que assim nos comportemos, Aqui

tem um aspecto importante. Nem tudo que é um reforçador positivo é prazeroso.

Podemos, por exemplo, trabalhar feitos loucos para recebermos nosso salário no final do

mês, ainda que nosso trabalho seja desagradável. A ciência de Skinner, que é chamada

"Ciência do Comportamento Humano", propõe-se a mostrar o que ocorre. Não

necessariamente tem um cunho ideológico neste ocorrer. Skinner é um defensor dos

princípios de reforçamento positivo versus os da punição.

Os de punição, descobrimos, é um tipo de consequência - as consequências punitivas,

que chamamos "consequências aversivas que decresce a probabilidade futura da

resposta que a antecedeu". E, pior, geram respostas emocionais colaterais, ansiedade,

descargas de adrenalina, tensão, e são, lamentavelmente, usados na educação.

Não é simplesmente apresentarmos uma consequência que aumenta a probabilidade da

sua ação que foi a descoberta, mas: como fazer? O que é reforçador positivo para um

pode não ser para outro. A descoberta de que o ser humano é um ser individual que tem

seus próprios ritmos, suas próprias características. Então, embora tenhamos descoberto

princípios comuns, a Ontogênese de cada um é individual.

Por exemplo, apertarmos a bochecha de uma criança e dizermos "ai que lindo!",

podemos estar sobre a hipótese de que aquilo é agradável para a criança, que aquilo vai

aumentar a probabilidade de que ela se dirija a nós, ou que de nós se aproxime, mas não

necessariamente. O que é reforçador positivo para um pode ser aversivo para o outro,

pode ser punitivo para o outro. Agora, a grande "sacada" é que somos sensíveis a um

reforçamento positivo e é isso que nos move.

Dito numa linguagem leiga, Skinner descobriu que o homem é movido pela satisfação,

pelo prazer e pelas consequências de suas ações. Se elas forem punitivas, ele pára de

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fazer o que estava fazendo, até chegar numa supressão, que chamamos "Supressão do

Responder", que é o que conhecemos como repressão. No contexto escolar é o que se

conhece como evasão escolar.

Uma criança que nunca mais vai à escola, quando analisamos o que aconteceu, ela teve

uma trajetória de consequências aversivas e punitivas, que decresceram todo o

repertório comportamental dela, a ponto dele chegar a zero e ela dizer que nunca mais

voltaria àquela escola. Uma criança que se mantém indo à escola, que sorri quando está

lá, que brinca e faz perguntas para um professor, isto indica que aquela escola tem, no

arranjo de suas contingências - que é um termo técnico - o reforçamento positivo

ocorrendo ali. Contingências de reforçamento são uma das lentes do Behaviorismo,

diríamos mais, é um instrumental de análise.

Behaviorista Skinneriano, ao contrário de Watson, não olha só para os estímulos e para

as respostas, mas para o conjunto de respostas, ou de ações, para as conseqüências que

estas ações tiveram e estas díades - o responder e as conseqüências - não ocorrem num

vazio. Mas num contexto. Então, o Behaviorista Skinneriano olha para o contexto, que

são os estímulos antecedentes, para o responder - é um termo técnico - que são as ações,

e para as consequências dessas ações, o que chamamos de "Contingências Tríplices". O

analista de comportamento - que é um nome moderno e atual para os Behavioristas

Skinnerianos - sempre olha para o mundo a partir dessa lente, das contingências de

reforçamento.

Aprender
A aprendizagem é o grande foco do Behaviorismo Skinneriano. Ele tem um grande

livro, chamado "Tecnologia do Ensino", onde diz que uma das grandes descobertas da

Ciência do Comportamento foram os princípios de aprendizagem, os princípios de

comportamento que podem explicar o aprender. O que ele vai dizer é que, dadas as

condições adequadas, todo ser aprende. Não há aluno problema, não há professor

problema, há uma relação professor-aluno, há uma relação entre as condições de ensino,

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as características do aluno e as consequências arranjadas por este ensino que estão

inadequadas, que são problemáticas.

O objeto de estudo de Skinner é relacional. Ele diz que o aprender não é o aprender “do

aluno, é um aprender que está relacionado com as condições de ensino e com o manejo

de contingências”. Define que "ensinar é arranjar contingências de reforçamento".

Diz, por exemplo, que um ser para aprender a ler vai precisar de condições contextuais,

que são as condições facilitadoras, para que este ler ocorra e possa ser reforçado

positivamente, possa ser incentivado e possa ter consequências naturais.

Aqui há algo importantíssimo, é um grande aspecto. "O ideal do aprender é que o ser

aprenda e tenha consequências naturais deste aprender". Aprendemos a ler, somos

alfabetizados, quando lemos uma poesia e temos um imenso prazer em lê-la em voz alta

e imaginamos o que lemos, dissemos que temos uma habilidade cuja conseqüência é

natural. É o prazer da informação, o prazer de se ouvir, as relações entre as palavras,

relações com as histórias de nossas vidas, é o que chamamos de consequências naturais.

O ideal da educação é que ensinemos habilidades cujas consequências sejam naturais.

Porque a hora que ás consequências naturais ocorrerem, e forem positivas, elas se

encarregarão de naturalmente manter aquele comportamento.

Como o professor faz isto? Essa é a grande contribuição? Como professor, propicia

condições facilitadoras para o aprender, fornecendo arranjos de ensino. Uma das

descobertas de Skinner foi a "Modelagem". O que é Modelagem? São aproximações

sucessivas ao comportamento final desejado. Por exemplo, queremos que uma criança

leia uma poesia de Carlos Drumonnd de Andrade, sem silabar, com compreensão e

prazer. Esse é meu objetivo final. Mas, para que comecemos isso, o que precisamos

fazer? Arranjar estímulos, que são os códigos adequados da língua, as letras, as sílabas,

as sentenças, as frases, de um modo gradual, para que, diante de cada etapa, o responder

possa ocorrer sem grandes dificuldades. Têm pesquisas em nossa área demonstrando

que o aprendizado pelo ensaio e erro é extremamente aversivo.

Errar

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O errar, ao contrário do que outras abordagens defendem, pode ser importante para o

educador, porque na hora que o aluno erra, o educador está percebendo o que ele não

aprendeu e o que ele, educador, precisa reiterar. Mas para o aluno, para o aprendiz, errar

é extremamente punitivo, aversivo. E o ensino com muitos erros, com muita tentativa e

erro, de "alta complexidade", gera consequências aversivas e, ao fazer isto, diminui a

probabilidade das respostas.

Então, é o contrário do que a Escola Clássica pregava. A Escola Clássica em termos,

porque há muitas escolas, hoje, de São Paulo, que, ao entrarmos, lemos: "Pelo caminho

das pedras é que se atinge o estrelato". Novamente, nossa tradição judaica cristã

valoriza o sacrifício, a dor, a penalidade, como algo que tenha mérito. Skinner inverte

todo este raciocínio.

Skinner diz que "o aprender tem que ser suave, gostoso, agradável e gradual". Se

quisermos que um ser aprenda a ler, no exemplo que estamos usando, vamos

gradualmente, como se fosse uma brincadeira. Uma criança que é um ser que tem

condições de começar a ler, em torno de seus cinco, seis anos, no momento em que ela

está se expondo aos códigos arbitrários da língua, O que precisamos levar em conta?

Que aquele código arbitrário, por exemplo, a letra a, que só tem sentido para nós, que

somos alfabetizados, mas não para aquela criança, qual é a função disso na vida dela?

Na hora que ela decifra aquele código, ela terá acesso a inúmeras informações que ela

não tem hoje. Isso é relevante para ela? Essa é uma das grandes perguntas que um

Benaviorista faz: "O que quero ensinar é relevante para meu aluno?" Se é relevante para

a cultura, para que ele sobreviva, qual a forma de fazer? Gradual, que obtenha sempre

consequências naturais e reforçadores positivos.

O que, tecnicamente, tem sido descoberto? Que há alguns caminhos que são mais fáceis

que outros que produzem consequências reforçadoras positivas e alguns que produzem

punição. Um dos caminhos que produzem as consequências reforçadoras?-s positivas é

ir gradual. Pode-se perguntar: "Quão gradual, como definir a rapidez do ensino, o

ritmo?" Quem define é o aluno. Propomos a ele uma atividade inicial, experimentamos.

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Skinner tem uma grande frase que diz: "Nunca tenha verdades eternas. Experimente

sempre". Esta é uma de suas frases famosas. Ele é um pesquisador extremamente aberto

às verdades descobertas pelo experimentar.

O que não pode, e aqui fazemos um parêntese, é concebermos que este aprender

depende única e exclusivamente do ser que aprende e que depende, única e

exclusivamente, de uma estrutura de mente. Skinner abandona esta concepção,

negligencia, rejeita, condena e critica.

Ele diz que a concepção de que o ser que aprende é o único responsável por seu

aprender, que ele tem uma estrutura que o responsabiliza, é um conceito rejeitado e

denominado por ele como "Rejeição ao Mentalismo", que é uma concepção clássica na

Psicologia, que diz que temos uma estrutura de mente que é a responsável por aquilo

que fazemos. Skinner vai inverter esta concepção e dizer que somos seres que têm uma

Filogênese, temos um cérebro, uma bioquímica, um organismo, mas nosso aprender

dependerá da interface entre nossa Filogênese e as condições de ensino propiciadas pelo

professor, pela escola. Se essas condições forem inadequadas, no sentido de que elas

não são graduais, de que elas propiciam consequências aversivas, este ser não

aprenderá. E não aprenderá não porque ele seja incapaz, mas porque as condições são

inadequadas.

Avaliação
A avaliação assumiu um caráter em nossa escola eminentemente punitivo. Para o

analista do comportamento, para Skinner, avaliar o aluno significa só verificar se aquilo

que pensamos que ensinamos, ensinamos de fato. É simplesmente isto. É mais uma

etapa. E, na concepção do ser que aprende, naquela concepção de que o ser que aprende

é um ser único, em constante construção de seu aprender.

Quem disse que o aprender se dá em anos, que temos um ano para aprender a ler, outro

para aprender a fazer as operações fundamentais da Matemática? Isto, quem estabeleceu

foram códigos arbitrários das culturas. Skinner, junto com o professor Fred Keller,

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criou, a partir dos princípios comportamentais, o ensino individualizado. Aliás, Skinner

foi um dos precursores do computador na educação.

Porque o ensino individualizado pode ser favorecido pelo computador. Então, quando

acompanhamos individualmente nosso aluno, quando o vemos aprender passo a passo, a

avaliação é praticamente natural. Porque estamos ali, trabalhando, arranjando as

condições de sala de aula, propondo atividades em que damos o feedback, corrigimos, e

isto não é avaliação, estamos no calor do ensino, e, logo em seguida, damos uma

situação a ele, análoga a que trabalhamos, e medimos seu desempenho sem,

necessariamente, ter a sua correção, seu feedback imediato.

Então, a avaliação nada mais é para o Behaviorismo do que uma etapa do processo de

ensinar e de aprender, onde verificamos do modo mais natural possível, do modo menos

aversivo possível, se aquilo que achamos ter ensinado de fato o aluno aprendeu.

A palavra escola, a origem do termo é “o lugar onde se conversa”. Skinner diz que as

escolas do futuro serão muito diferentes do que elas são hoje. Ao invés de lugares

cinzentos, sombrios, serão lugares agradáveis, com um cheiro bom, onde terão coisas

bonitas, como uma loja, como lugares bonitos que visitamos. Serão lugares onde as

pessoas não serão avaliadas, porque as pessoas não gostam de conversar quando estão

sendo avaliadas. Ele retira da educação aquela avaliação com conotação aversiva, e com

a conotação de que nós estamos julgando o outro. Retira todo esse status de onipotência

da avaliação, como sendo um direito do professor e um recurso de poder, retira isto, e a

coloca como um momento técnico, que podemos, ou não, precisar de uma forma mais

formal. Se tivermos uma condição de ensino e uma infra-estrutura para que possamos

acompanhar nossos alunos individualmente, seja com a ajuda de monitores ou

computadores, a avaliação será um momento natural, onde a diferença entre ela e o

ensino, é simplesmente a diferença da nossa presença como professores, corrigindo e

dando um feedback imediato. A avaliação é um momento onde o aluno se comporta

sozinho, sem o nosso feedback imediato, este ocorrerá depois, para dizer-lhe se ele

acertou ou errou. Enquanto estamos ensinando, a cada comportamento dele dissemos

“não é assim”, “é desta forma”, quer dizer, o corrigimos e modelamos. A avaliação é o

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momento que retiramos isso para testarmos como ele é sozinho. É só isto, mais uma

etapa.

Na questão da avaliação, essa retirada do aspecto punitivo é porque a punição gera

respostas emocionais, colaterais, extremamente malévolas ao homem. A resposta é de

ansiedade, de apreensão, de fobia, de pânico, que são incompatíveis com o aprender. O

aprender tem que ser numa atmosfera extremamente agradável, como esse local que

estamos, gostoso, cheio de plantas, cheiros bons, atividades envolventes. A avaliação

perde, na análise de comportamento, aquele caráter ideológico de poder. E o professor,

ao avaliar, avalia o todo.

Temos um problema quando dizemos isto. Nós não avaliamos só o observável. O

problema que temos é: como medimos qual o nosso acesso? Como professores, diante

de vinte, trinta, quarenta alunos é difícil percebermos que o nosso aluno "Alfredo", os

pais se separaram ontem, estava chorando durante a avaliação. Se tivermos menos

alunos e os acompanhamos, perceberemos que o "Alfredo", sempre sorridente,

justamente no dia em que o colocamos numa situação de teste está tenso e choroso. Se

percebermos um momento de crise, obviamente levaremos em conta todos esses

aspectos, uma vez que tivemos algum recurso observável - as duas lágrimas caindo,

algumas dicas de tensão. Sempre precisamos do observável. Mas o analista de

comportamento não se atém a ele, estuda o que chamamos de "Eventos Encobertos",

são os pensamentos, as próprias emoções que ocorrem junto. O analista de

comportamento está sempre atento.

Um analista sempre pergunta a um aprendiz: "Você errou esta questão, não errou? O

que você pensou quando respondeu isto?" Onde o Behaviorista está indo agora? Está

indo para um evento interno, que é pensamento. Isto importa para um analista de

comportamento, importa para um Behaviorista Sknneriano, sim. E isto é um grande

escândalo, quando as pessoas sabem. O educador desconhece isto de um modo geral.

Ele diz: "Não, Skinner só estuda o observável e o ser humano é muito mais do que o

observável. Quero estudar este ser complexo". Ele acha que Skinner não se propõe a

isto.

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Um bom analista de comportamento quando vai avaliar um aluno, diz o seguinte para o

educador: "Tente buscar a maior amostra de repertórios comportamentais que você

puder. Não pegue só o escrito, mas o oral. Não pegue só o escrito e oral, mas as tarefas.

Não só as tarefas, pegue como dados o comportamento de estudar em casa, os materiais

que usa em sala de aula, as ideias, concepções, escritas espontâneas". A escola é muito

verbal, só mede a escrita e a fala e temos inúmeras outras formas de medir um

conhecimento: pelo desenho, pela criação de um texto espontâneo etc.

Achamos, então, que, basicamente há uma "virada de mesa", onde podemos dizer que

Skinner é extremamente pós-moderno em sua concepção de ensino. Ele foi um grande

progressista. Diríamos que ele foi um sábio trinta anos na frente do nosso tempo.

Sistema individualizado
Uma das grandes contribuições de Skinner, junto com seu grande companheiro Fred

Keller, foi a proposta de que as melhores condições de ensino são aquelas que respeitam

o ritmo individual do aluno, que é o chamado Sistema Individualizado. Esse sistema

tem algumas importantes características a nosso ver, porque são coadunastes com todos

os princípios Skinnerianos.

Primeira, a questão de que cada aluno tem em seu aprendizado no seu próprio ritmo.

Segunda característica: divida o curso em pequenas unidades, das mais simples às mais

complexas. Só deixe que o aluno passe para a seguinte na medida em que ele atingir

completamente os objetivos da anterior. É uma perspectiva de que o objetivo do nosso

ensino é o 100%. Se o aluno ainda não atingiu o objetivo, não tem porque ele passar

adiante. E essa passagem é natural. Atingiu 100% na pequena primeira unidade, ele

passa para a seguinte. Então, divida o curso em pequenas unidades; o aluno passa para a

seguinte só na hora que atinge os critérios da anterior...

A questão da nota. Se o aluno passou, ele tem 10. Um princípio que está por trás disto é:

dê nota 10 a todos os seus alunos, porque nosso objetivo como professores não é separar

o joio do trigo, ou classificar as pessoas, mas ensinar. Ou ensinamos, ou não ensinamos.

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Se ensinamos um pouco, é porque o aluno ainda não atingiu o objetivo, então ele fica.

Dê nota 10 a todos os seus alunos. Outra característica: diga aos alunos o que se espera

deles. Os objetivos educacionais, numa perspectiva do ensino individualizado, não são

apenas para os professores, não é algo escondido que só os professores saibam só o

diretor da escola sabe. o objetivo não é uma coisa que tenha uma importância

administrativa, ele tem importância didático-pedagógica-educacional. O aluno sabe o

que se espera dele. O ensino não fica uma "caixinha de surpresas".

Uma outra concepção do ensino individualizado: o mito da aula expositiva. A aula

expositiva é uma das piores condições de ensino. É uma situação em que o professor se

expõe. É um show, uma palestra, mas não temos a menor garantia de que o aluno está

aprendendo enquanto falamos. É incrível, é uma das piores condições de ensino. Já

fizemos várias pesquisas mostrando que a situação de grupo, de programas

individualizados via computador, ou via livros, ensina muito mais do que um professor

falando. Uma das concepções do ensino individualizado: dê aulas expositivas de vez em

quando. Não exija freqüência, os alunos podem optar por se preparar melhor para uma

outra atividade. Dê aulas expositivas, divirta-se, mas não espere uma grande platéia.

Isso é uma inversão total do que temos em relação à escola, que é o professor num

tablado, falando para trinta ou quarenta alunos, a maior parte do tempo. Na concepção

do ensino individualizado o aluno trabalha a maior parte do tempo, num material

cuidadosamente planejado por um professor que gastou inúmeras horas programando

aquilo. Ao contrário daquele professor que rapidamente prepara o seu "roteirinho", vai

lá, dá um show de cinqüenta minutos e o aluno depois tem que se virar sozinho para

estudar para a prova.

É uma inversão total. Uma inversão baseada em quê? Na descoberta dos princípios.

Sabe-se que se aprende melhor quando fazemos, quando pensamos, quando escrevemos,

discutimos, falamos, vemos, manipulamos, do que quando ouvimos simplesmente. No

ensino individualizado as aulas expositivas são raras, mas sabemos que o aluno gosta de

ouvir o professor, que ele precisa deste momento o professor é o maestro. Outra

característica do ensino individualizado: estejamos sempre disponíveis. Sempre, em

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todos os dias de aula estejamos ali, nós e nossos monitores, porque os alunos podem

precisar. O ensino individualizado requer um material escrito, planejado, situações de

aplicação planejadas com muito cuidado, e não dispensa a presença do professor.

Porque o ser humano é um ser social e gosta de aprender ao lado do outro, e gosta de

aprender ao lado daquele que está preparado para ensinar. O ensino individualizado foi

criado na década de 70, teve um boom, foi aplicado no mundo todo. No Brasil,

atualmente, temos algumas universidades revivendo; temos algumas adaptações no

ensino à distância; os computadores são os grandes aliados da viabilidade deste ensino.

Mas há um grande perigo. O perigo de se entender que não se precisa mais do professor,

que basta um aluno e uma tela de computador. Não é isto. No ensino individualizado,

como acabamos de dizer, o professor tem que estar presente sempre.

A escola ideal
Para Skinner, a escola ideal é aquela em que o aluno é atraído por ela não por receio e

medo de ficar longe dela, mas porque nela ele encontra as mais fortes razões para se

manter aprendendo, mesmo depois da escola.

Para Skinner, a educação é a chave de uma sociedade, porque é ela que vai fazer com

que o aprendiz busque e aprenda habilidades que o tornem independente, crítico,

consciente e autônomo.

E que, depois da escola, institucionalizado, se mantenha um ser que busque as

informações ao longo de sua vida, que é a grande estratégia de sobrevivência e de uma

vida em ascensão, de felicidade e sucesso profissional.

Uma grande contribuição de Skinner foi a concepção da forca que a educação tem. Ele

concebe que nós, educadores, podemos compor o que ele Chama de “Quarto Poder”,

“Quarta Força", ou "Quarto Estado". Porque ele considera que os três existentes, que

seria a Religião, a Economia e a Política têm interesses que dizem respeito à sua

sobrevivência imediata, e não à sobrevivência da espécie. E que são apenas os

educadores, intelectuais e cientistas que, por conhecerem a ciência do comportamento

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humano, por conhecerem o que move este ser humano, é que serão capazes de trabalhar

para a sobrevivência e manutenção da espécie humana.

Exercício reflexivo: após os estudos desta unidade, responda às questões à seguir:

1. De quais maneiras você percebe as práticas pedagógicas sustentadas nos

princípios behavioristas?

2. Qual o papel do reforçamento positivo nas práticas pedagógicas?

3. O que significa aprender para esta teoria?

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3.2.Carl Ranson Rogers

Num momento de desespero: "não conseguimos, uma situação dificílima, nunca

lidamos com crianças com esse nível de agressividade (...)”

Num dado momento, há uma festa na escola e o pessoal, do quarto ano, do antigo quarto

ano primário, então a quinta série, resolveu fazer uma música para a escola. Nesse

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momento a escola já funcionava normalmente, as crises, a violência, a agressividade,

tinha cedido. A letra nos surpreende, ela traduzia muito da abordagem. E foi assim, eles

foram escrevendo juntos, foi um produto do grupo. Era uma coisa assim:

"Essa escola é tão pequena, mas parece tão grande, de tanto que a
gente pode fazer tanta coisa que a gente pode fazer. Aqui as
professoras explicam mais de vinte vezes sem fazer 'cara'. Quando tem
que ralar que está errado, rala mesmo, mas também a gente pode falar
quando elas estão erradas, pode conversar. Quando a gente acaba a
lição antes, vai ao Clubinho da Criatividade e pode bolar um monte de
coisas. Um não fica cutucando o outro. Esta escola deixou uma marca
em mim, a gente quer deixar uma marca para ela: o nosso hino."

Conversando, posteriormente, com ele, relatamos que tínhamos uma preocupação muito

grande se estávamos fazendo certo. E ele disse que nunca havia trabalhado com criança

pequena e que tínhamos era uma influencia dele. Sentimos, então, que não se é

rogeriano, não se é igual ao outro nunca, mas são das influências que construímos uma

perspectiva, é da nossa leitura. Talvez, ele, fizesse completamente diferente, e chegasse,

pelos mesmos princípios, até a uma situação muito melhor.

Biografia
Carl Ransom Rogers nasceu em Oak Park, Illinois, em 1902. Faleceu em La Jolla, na

Califórnia, em 1987. Formado em História e Psicologia, aplicou à educação princípios

da Psicologia Clínica, área em que atuou por mais de trinta anos. Um desses princípios é

a chamada "Terapia Centrada no Cliente", utilizando técnicas de reformulação e

clarificação dos sentimentos, buscando uma atitude de maior aceitação dos sentimentos

do cliente por palie do terapeuta. Rogers é considerado um representante da corrente

humanista em educação. Concebe o ser humano como sendo bom e curioso, e que

precisa de ajuda para poder evoluir, daí a necessidade de técnicas de intervenção

facilitadoras. No Brasil, suas idéias se difundiram na década de 1970, em confronto

direto com as ideias comportamentalistas de Skinner. É nessa década que Rogers dirige

sua atenção de maneira prioritária à educação, propondo uma “Pedagogia Experiencial”,

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centrada no aluno. Acredita que os alunos aprendem melhor, são mais criativos e mais

capazes de solucionar problemas, quando os professores proporcionam um clima

humano e de facilitação.

Liberdade em sala de aula


Para Rogers, a liberdade em sala de aula é justamente a possibilidade de o aluno

descobrir a aprendizagem e poder refletir para o professor o que está sentindo, para

encontrar novos caminhos. Ou seja, a aula deixa de ser padronizada, idêntica para todo

mundo, há uma entrada do aluno nela, há uma participação ativa e real, onde a liberdade

dele está se expressando na vontade de aprender, ou dirigindo a própria aprendizagem.

Os insides, os grandes momentos de descoberta não são guardados para si, são

colocados no grupo e o professor tem que estar muito preparado, para acompanhar.

Porque senão, “a ditadura do conteúdo sufoca a liberdade do aprender”.

Escuta sensível
O professor, para trabalhar nesta abordagem, precisa desenvolver uma escuta sensível.

Sensível ao aluno, ao sentido da pergunta do aluno. Precisa ter certa paciência, um

compromisso com essa escuta. A escuta sensível é a escuta sem julgamento. É a escuta

capaz até, se for o caso de uma brincadeira, de uma falta de atenção, colocar o limite,

mas primeiro ouvir. Isso é extremamente importante, essa escuta que vai se fazendo

sensível ao ato de aprender e ao significado que essa aprendizagem vai ter na construção

dessa pessoa, Para Rogers, é uma pessoa em construção, não um aluno construindo

apenas comportamentos acadêmicos.

"Quando alguém exprime um sentimento, uma atitude ou uma opinião, nossa tendência

é quase de, imediatamente, sentir, 'está certo', 'que besteira', ou 'não é normal,

Raramente permitimos a nós mesmos compreender precisamente o que significa para

esta pessoa o que ela está dizendo”.

Pessoa interna pessoa inacabada

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A questão da pessoa é fundamental nesta abordagem. A pessoa é inacabada, se o

crescimento físico pára num determinado momento, o desenvolvimento da pessoa não

pára nunca, Então, não tem fim aprender a ser pessoa, estar aberto às transformações, a

tudo o que está acontecendo ao redor e no interior de si mesmo. E isso precisa ser

trabalhado na escola, porque senão luta-se para se defender contra as coisas que vão

aparecendo, as drogas, as brigas, a violência.

De novo a questão de trabalhar somente conteúdo, mais os conteúdos, os

comportamentos acadêmicos, como se pudéssemos dividir: há um aluno e não há uma

pessoa. A escola recebe uma pessoa inteira, com todas as suas nuances e as suas

dimensões, não recebe um aluno.

Facilitação
A facilitação significa uma situação em sala de aula em que o professor se coloca,

porque ele tem uma escuta sensível ao aluno como individuo e ao grupo como um todo

e, pela empatia, vai fazendo com que a aprendizagem seja conduzida de uma maneira

em que ele funcione não como aquele que ensina que cobra, que enche o pote do aluno

de conteúdo, para depois ele poder cobrar, mas é aquele que vai ensinado e vai

conduzindo de uma forma consciente, rigorosa e afetiva, o aluno a aprender e a entender

o significado, criar sentido, buscar sentido para aquilo que é novo para ele, fazendo uma

corrente na quais os aprendizados vão formando o conteúdo completo interior de cada

um, para o significado da própria vida.

A facilitação parece uma coisa muito difícil. Quando falamos com o professor, fica

sempre a questão de que são muitas pessoas, muitos alunos.

“Tive uma experiência diretamente com Rogers, na Universidade de San Diego, em

1980, marcante”. Tive um problema cirúrgico odontológico, e, enquanto Rogers falava

lá na frente, conduzia o Workshop, varias vezes sai para tomar aspirina, porque tinha

muita dor. Mesmo o pessoal que estava no pequeno grupo não percebia, achava que

tinha ido tomar água. E, de repente, numa de minhas saídas, Carl Rogers sai por outra

porta e me encontra tomando água, e me pergunta: ‘ O que há? Porque você tem um

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olhar e uma postura de dor’. Eu era praticamente uma estranha num grupo de oitenta e,

da frente, ele pode distinguir a dor que deveria estar visível em todos os meus gestos, E

eu estava de aluna super aplicada, tentando aproveitar ao máximo aquela situação. (Ana

Gracinda Queluz Garcia)

Aceitação
"Quando tento ouvir-me e estar atento ao que experimento no meu íntimo, quanto mais

procuro ampliar esta minha atitude de escutar os outros, mais respeito sinto pelos

complexos aspectos da vida. Sinto-me muito mais feliz simplesmente por ser eu mesmo

e por deixar os outros serem eles mesmos. Mas, paradoxalmente, na medida que cada

um aceita ser ele mesmo, descobre que não apenas muda, mas que as pessoas com quem

ele tem relações mudam igualmente".

Aceitar não é concordar, ela vem antes de tudo. Aceitar que as pessoas são diferentes.

Aceitar que as pessoas têm momentos que não estão idênticos aos nossos. O professor

está. Dando aula, ele tem certeza que está dando o máximo, mas o comportamento de

alguns alunos fere, porque os alunos não estão reconhecendo isso. Como é essa história

na cabeça dele? Só que há um momento em que se precisa compreender e aceitar que as

pessoas estão com seus outros conteúdos, dialogar aceitando o outro, olhando para o

outro, é diferente de concordar. Concordar pode ser um lavar as mãos: "Vocês não

querem aprender, dane-se!". Nunca, na abordagem seria isso.

Até podemos dizer para o aluno: “Entendo o que você está passando, mas não concordo

com a forma como você está manifestando. Isso deve ser muito difícil, isso deve ser

muito difícil para você, mas esse seu jeito de manifestar não posso concordar. Você não

pode agredir o outro”.

O professor
Concordamos que a profissão fique cada vez mais interessante e mais cheia de vida,

porque, em principio está se “professando a fé no ato de aprender do outro”. O grande

problema é que o professor precisa se preparar para um outro paradigma. Não de que o

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conteúdo é tudo, algumas pessoas aprendem ouvindo, outras pessoas precisam

conversar para aprender, precisam entender discutir, outros rabiscam, enfim, são

inúmeras formas de aprender que estão naquela sala com muitas pessoas.

A dificuldade do professor é, muitas vezes, querer passar o conteúdo de um jeito só.

Estamos usando uma fala comum: passar o conteúdo. Esse conteúdo não é para ser

absorvido tal como foi passado, é para ter um sentido, senão não vale a pena estar lá,

nem para o professor, nem para o aluno. Na medida em que o professor perde o medo

de errar, perde o medo de não saber o que o aluno perguntou, ele é real e verdadeiro

naquele momento, garante o respeito, se respeita também e, simplesmente, a profissão

ganha mais força. É essa questão que permeia essa construção do humano, até porque o

aluno também vai compreender o que é aprender, porque o professor está em situação

de aprendizagem. A hora que tem um ser que não está em situação de aprendizagem

mais, deu-se o ponto definitivo – é assim, e acabou. Não é, sabemos que não é assim. O

ensinar é uma conseqüência de colocar-se em aprendizagem. “Quem parou de aprender

também parou de saber ensinar”.

Poder pessoal
Um menino com uma dificuldade muito grande afetiva, uma criança muito complicada,

com muita dificuldade, então de conviver e de aprender. “Isso mostra que essas coisas

andam juntas: conviver e aprender”. Aos poucos, fomos trabalhando com ele, com a

mãe. Ele era um menino submetido a castigos muito grande, ajoelhar no milho, um

menino que não trabalhava muito bom as emoções, não chorava, não ria, sempre muito

fechado. Num trabalho dele junto com a mãe, conversando juntos, ela disse que

começaria a fazer o que fazíamos na escola, dialogar, colocar limites, e não ia mais

bater, se comprometeu. Ele teve uma atitude, pela primeira vez, de uma emoção forte,

de entender o que estava se passando com ele, de expressar. Com isto essa barreira foi

caindo, foi se aproximando e fazendo parte cada vez mais daquele grupo, daquela vida,

das coisa que aconteciam na pré escola.

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Depois ele foi para o primeiro grau. Um dia ele apareceu com a professora dele e a

apresentou: “Essa é a minha professora de agora, conta para ela como é que faz para dar

certo, para eu aprender!”.

"A experiência é, para mim, a suprema autoridade. Nenhuma idéia de


qualquer outra pessoa, nenhuma das minhas próprias idéias têm a
autoridade de que se reveste a minha experiência. Sinto que o único
aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o
aprendizado autodescoberto, auto-apropriado".

O poder pessoal é o poder que é só nosso, por isso é pessoal. É nos colocarmos no

mundo e dizer estamos aqui, precisamos disso, queremos isso. Não é um poder

ditatorial, não é hierárquico, não é atribuído pelo outro, dado, ele é conquistado, é um

direito, até. Ele é bom, é o poder do bem, o poder da pessoa. Da pessoa que é capaz de

lutar para se construir, para se descobrir, para fazer alguma coisa por ela mesma, sem o

exercício da violência. Aquele menino é um bom exemplo disso. Poder pessoal de

aprender, ele foi lutar por ele, da forma como ele viu seus professores anteriores

funcionando.

O exercício, a construção do poder pessoal é extremamente importante, porque, muitas

vezes, é tanto não, tanto corte, tanta punição em sala de aula, que ele só se manifesta na

agressão e na violência, não na construção de um futuro.

Congruência
O professor ser congruente faz parte de sua característica de facilitador. Não podemos

ser facilitadores se não nos conhecemos, se nossa atitude não é congruente com o que

sentimos, com o que estamos vivendo.

Em relação à criança pequena, na pré-escola, existe uma fala que não corresponde de

fato aos sentimentos do professor. É aquele excesso de “fofinho”, “queridinho” e, atrás

disto: “Olha, vou ficar triste se...”, há muita condição imposta. “Não gosto quando..”

“Só vai sair se...” O que nos assustava era a criança dizendo: “Eu sou quietinho, né? .

“Estou quietinho, né?” “Você gosta de mim...”. “Eu to quietinho, eu tava bonzinho...”

Parte da conversa, do diálogo, sob condições, colocando o aluno sob uma condição para

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ser aceito, para ser amado, para ter um lugar ali. Isso ensina, de alguma forma, a criança

a não ser verdadeira, nem congruente, porque o professor não está sendo. Na verdade,

ele pode dizer tranquilamente: “João, entendo que você esteja chateado, mas jogar o

livro do outro no chão, não pode”. “Pessoal, vamos parar de fazer barulho, com essa

bagunça eu não consigo trabalhar”. Ele pode dizer: “Eu não consigo trabalhar legal com

vocês neste meio, preciso de silêncio para trabalhar”. É ele que precisa de silencio, não

a turma.

Elas recebiam pratos feitos, todos iguaizinhos. Pedimos, então, que fosse dado a elas o

direito, a liberdade de escolher como montar este prato. A idéia é que eles fariam muita

bagunça, não comeriam as verduras. Organizamos a situação em mesas menores, com

os professores comento junto (por que não?), e as crianças começaram a manifestar

como eles gostavam que o prato fosse feito. Isso lhes deu uma alegria. Aquela coisa

confusa da hora do almoço, eles falavam que as crianças estavam ranhetas, criando

situações de birra, isso foi melhorando, porque eles não estavam comendo da maneira

que imaginavam que era melhor para eles, do jeito que gostavam, experimentando tudo

o que era novo. Sem problema nenhum. É um exercício pequeno, mas poderoso, de

respeito e de uma escolha que é tão simples, e que não faz diferença nenhuma. Um

pouco mais de trabalho? Pode ser. Mas não é muito trabalho para se construir uma

pessoa.
"Aprendi nas minhas relações com as pessoas que não ajuda, a longo
prazo, agir como se eu fosse alguma coisa que eu não sou. A
aprendizagem pode ser facilitada se o professor for congruente, se ele
for a pessoa que verdadeiramente é e se tiver consciência plena de
suas atitudes."

O Grupo
Inicialmente, Rogers, como terapeuta, começou a discutir a partir do indivíduo. Até se

falava muito que era uma abordagem que não dava conta do grupo, depois não, depois

Rogers começou a ser um precursor dos trabalhos em grupo, do pequeno grupo, do

grupo grande, da comunidade.

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Fiquei um pouco mais além do tempo do curso com ele, para conversar sobre nosso

trabalho, que era minha dissertação de mestrado sobre pré-escola, "A pré-escola

centrada na criança – uma influência de Carl R. Rogers”, e ele me chamou a atenção

para um fato que lhe deixava impressionado: a escola não gerar uma comunidade do

aprender. Isso me marcou muito e, no meu trabalho com as crianças, tive uma

demonstração muita clara da importância do grupo.

Tínhamos sempre, após as aulas, Um trabalho de grupo com os professores e as crianças

presente, até que os pais as buscassem. Ela viam os professores reunidos conversando

sobre o que acontecia no dia a dia e pediram uma vez à mesa para fazerem uma reunião

– que eles chamaram até de “runião”. Foi uma coisa muito interessante, porque nos

surpreendeu, aceitamos e ficamos, como elas, por ali – talvez do mesmo jeito deles,

curiosos. Elas discutiam com uma das crianças que não podia bater e chorar, porque o

menino batia e já chorava. Sempre parecia que ele era a vítima. E eles diziam que isso ia

acabar.

Outra situação, que me marcou demais, e foi também inesperada. Estavam a auxiliar, a

professora, eu estava no grupo também, porque fazia uma assessoria, acompanhava o

grupo de vez em quando, e, nesse dia, uma das cri ancas teve diarréia, um dos meninos,

no grupo e não deu tempo de ele sair. Ele se sujou todo e ficou constrangido. A auxiliar

o tirou, saiu com ele para trocar a roupa, e um dos meninos do grupo começou a chorar.

Aquele detalhe da escuta sensível, do olhar sensível: “Por que você está chorando?”. E

o menino disse: "Estou sentido uma coisa, porque ele ficou 'cagado' e ninguém riu dele!

Achei isso bom". Porque na expressão chula da criança, que repeti, fiz questão de

reproduzir exatamente sua fala, ele percebeu uma dimensão do respeito do grupo para

com o colega e que isso era diferente do que ele tinha vivido até então. Estava

percebendo isto: a situação foi colocada no grupo novamente, uma criança de cinco,

para seis anos, uma importante constatação.

Os grupos têm histórias próprias e a sala de aula é um grupo diferenciado. O que dá

certo em uma pode não dar em outra, a maior parte das vezes não dá. Acho que uma

contribuição muito grande que Rogers traz nesta questão de grupo é: "Que grupo é esse?

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Que vida é essa? Quais são as bases de construção dele? Qual é a ameaça que temem e

qual é o tamanho da ameaça que geram quando estão juntos?". (Ana Gracinda Queluz

Garcia)

Limites
O limite não é podar a pessoa, impedir, mas é aquele momento em que há uma parada

necessário. O limite protege e, com as crianças de pré-escola, percebemos uma

tendência à ausência de limites. Uma falsa idéia de poder que os pais acabam dando e

que os professores também.

Então, pode tudo e não pode nada. Pode tudo “desde que” entrar em contato com o que

esta se passando na cabeça das crianças. Ou então não pode nada, o que não é um limite.

O limite é um não necessário e não um festival de recusa. O limite tem sentido.

Diziam que as crianças não saíram da frente da televisão. Eu respondia: “Minha

senhora, tem um botão que desliga, é o mesmo que liga. Se foi ligada, é possível ser

desligada, é o mesmo botão”.

Uma vez, fiquei tão preocupada, a escola ficou tão preocupada, com as reclamações,

com os problemas em relação à alimentação, que fizemos uma mesa com tudo o que os

pais reclamavam das crianças – salsicha, doces... Primeiro convidamos os pais a

tomarem um lanche e fizemos uma observação, depois pedimos que eles dissessem

como haviam comido. A maioria havia comido desordenadamente, não obedeceu àquela

ordem que queriam. Possivelmente, não havia coerência, nem consistência na fala deles

dentro de casa. (Ana Gracinda Queluz Garcia)

Conteúdos
“Por aprendizagem significativa eu entendo aquela que é mais do que uma acumulação

de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no

comportamento do indivíduo, na orientação futura que escolhe, ou nas atitudes e

personalidade. Verifica-se mais facilmente uma aprendizagem significativa quando as

situações são percebidas como problemáticas”.

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Uma preocupação que existe em relação a esta abordagem, é ela ficar muito mais no

lado emocional, do comportamento, e deixar de lado os conteúdos importantes Dara que

os alunos tenham acesso às carreiras etc. Mas isso não é verdade. É uma condução de

um processo, de uma forma diferente, que “não diminui a importância do conteúdo,

apenas não deixa Que ele dite as normas”. E se ele não tem significado, é esquecido. Às

vezes o aluno diz uma coisa assim: “Você perguntou uma coisa do bimestre passado, eu

errei”. Ora, mas um bimestre e já errou? Ele quer saber se não vai cair a matéria do

outro bimestre, que ele já devolveu, que é a famosa “Educação Bancária”, do Paulo

Freire, que ele recebeu, já devolveu e já ficou vazio novamente, com vagas lembranças.

Isso não é uma educação de qualidade. Uma educação de qualidade é levar a pessoa

também a buscar na sua liberdade de aprender mais elementos para construir aquilo que

está sendo discutido, que está em pauta.

Nunca se falou tanto que a sociedade muda rapidamente e não tem mais um lugar no

futuro para ele predeterminado. É esse conteúdo que põe o aluno lá.

Falava com um educador que me disse que fez as melhores escolas, mas não sabia que

ia lidar com anorexia, drogas, violência, nesse nível, dentro da escola. "A escola é uma

surpresa também para os próprios educadores". Tem-se que encontrar caminhos. Não

digo que este é o caminho certo, mas que é preciso se definir caminhos, sim.

Como podemos ter certeza que o mercado receberá uma pessoa, porque tem

determinado conteúdo?

Acho que se ela tiver: - tolerância; - capacidade de lidar com frustração; - interesse em

aprender; - descobrir caminhos para realizar sua aprendizagem; - descobrir como se

viaja na internet, como se navega - buscar informações; - como se procura conhecer

pessoas, que contatos precisa ter com gente da profissão que lhe interessa, ou da sua

carreira - relacionar-se; como lida com suas emoções e principalmente com suas

frustrações, o que pode criar; - como ela se aglutina a um grupo, como pertencer ao

grupo; ela terá mais sucesso do que se ela só souber o conteúdo.

Recentemente na universidade, uma aluna que está fazendo especialização disse.

Taxativamente: “Venho aqui para pegar o conteúdo e levar lá na empresa e isso tem que

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dar certo”. Perguntei-lhe: “Se você mudar de empresa?”. Ela respondeu: “Aí,

complica”."Um professor que tive dizia, não seja um vagão de munições, seja uma

espingarda. Julgo que a maior parte dos educadores partilharia da opinião de que o

conhecimento existe principalmente para ser utilizado".

Quando saí de La Jolla, da Universidade de San Diego, ele me deu de presente um texto

dele e disse: "Olha, é um livro que vai sair e está ainda com minhas correções à tinta, a

lápis, mas acho que será útil para você neste momento em que você está escrevendo”.

Aquela confiança básica, ele tinha mesmo. Muitos autores não fariam isso, não

entregariam a um estranho um livro não publicado. É o jeito de ser dele.

Exercício reflexivo: após os estudos desta sessão sobre o pensamento de Carl Rogers

escreva sobre os temas a seguir:

• Liberdade em sala de aula;

• Aprendizagem significativa

• Ensinar é mais que transmitir conhecimento

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3.3.Howard Gardner

"Acredito em uma educação que privilegie a compreensão, o que


significa aprofundar-se em diferentes matérias. Tendo isso como
objetivo, Inteligências Múltiplas podem ser muito Úteis. Podemos
oferecer formas diferentes de fazer os estudantes interessarem-se, de
criar analogias e metáforas, e o mais importante: isso representa
diferentes formas de pensar sobre um tema. Um profundo conhecedor
é capaz de enxergar uma questão em vários aspectos, ele tem e usa
Inteligências Múltiplas. É o que deveríamos fazer com as crianças:
reconhecer suas competências: ajuda-las a encontrar opções que usem
essas competências, mas também ampliar sua compreensão para que
possam de muitas formas diferentes, utilizando as competências que
possam ter” (Howard Gardner).

Biografia

Howard Gardner nasceu em 1943. É professor da Harvard University e da Boston

University School of Motion. E diretor sênior do Projeto Zero de Harvard. Gardner é

autor de centenas de artigos e mais de vinte livros traduzidos em 22 línguas. Recebeu

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inúmeros prêmios e títulos honorários em vinte universidades, em diversos países.

Como psicólogo do desenvolvimento Gardner acreditava que suas pesquisas sobre a

inteligência teriam repercussão entre seus pares, mas o que ocorreu foi que sua teoria

das Inteligências Múltiplas tornou-o mundialmente conhecido e estudado,

principalmente por educadores.

Nos últimos anos Gardner tem se dedicado especialmente a estudar as implicações

educacionais de sua teoria. Quando conversamos a respeito das Inteligências Múltiplas,

uma das coisas mais essenciais é entender porque Gardner não chamou essas

inteligências de talentos. Ele opta não chamar de talentos, porque, disse, que achava

pouco, perto da grandiosidade que a inteligência tem. Para ele, a inteligência é um

potencial biológico, mas mais do que isto, para Gardner a inteligência está associada à

capacidade de resolver problemas, ter projetos, desenvolver coisas, projetos que sejam

socialmente, úteis e, mais do que sonhar, ir atrás de realizar esses projetos. Aí ele diz

uma coisa interessante, que para criar alguma coisa socialmente útil não temos uma

forma só de criação. Temos a criação na arte, na música, uma criação voltada para sua

profissão. Então, o que ele percebe estudando pacientes com danos cerebrais, estudando

diferentes pessoas, olhando para os alunos, é que temos múltiplas inteligências. E que

essa capacidade de resolver problemas de criar, pode acontecer em muitas áreas

diferentes do cérebro. É quando todas as pesquisas dele se juntam e ele diz, é quase nas

vésperas de publicar "Frames of Mind", não é para chamar de talentos é para chamar de

inteligências mesmo, são múltiplas.

Gardner sempre foi interessado pela arte e música, em particular. Tendo sido, inclusive,

pianista e professor de piano. Por que a arte raramente aparece nas pesquisas sobre o

funcionamento da mente humana? Aí está o início dos estudos que o levaram a teoria

das Inteligências Múltiplas.

Gardner passa a realizar pesquisas na área da Neurologia, estudando aonde estão

localizadas no cérebro algumas faculdades, como a fala ou a capacidade de ver. Essas

pesquisas são feitas a partir de pessoas que sofreram danos cerebrais e perderam parte

de uma faculdade. Então se pergunta: será que há um lugar especial no cérebro para as

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artes, ou para a linguagem, ou para questões que envolvam a lógica? Ao final de vinte

anos de estudos, Gardner tem um trabalho pronto a ser publicado, quando é procurado

pela Fundação Européia Bernard Van Leer, com um desafio: como essas pesquisas

sobre cognição podem auxiliar na educação? Após ampliar muito seus trabalhos,

publica seu livro "Frames of Mind" - Estruturas da Mente -, com as bases da teoria das

Inteligências Múltiplas.

Inteligências
A primeira versão da teoria das Inteligências Múltiplas tem setes Inteligências. Por que

sete? Número mágico! Não. Porque naquele momento eram as capacidades que Gardner

tinha identificado. Ele dizia que duas já estavam amplamente estudadas: a lógica

matemática e a lingüística. Então a lingüística, aquela inteligência associada àquelas

pessoas que escrevem e que falam, que lidam, criam, resolvem problemas, através de

múltiplas formas da linguagem, oral e escrita.

A inteligência lógico matemática, associada à capacidade de lidar com os números, mas

também de resolver problemas, de seguir encadeamentos lógicos de idéias. Aí vamos ter

os advogados, cientistas, todas as pessoas que, de alguma forma, precisam ou usam ou

têm uma grande capacidade de olhar de forma lógica para os problemas que têm para

resolver, para as coisas que precisam criar.

Além dessas duas, que o Gardner dizia terem sido amplamente estudadas, exatamente

porque o Piaget estudou amplamente a inteligência lógico matemática, Chomsky e

outros grandes pesquisadores da inteligência lingüística.

Temos a inteligência espacial. A inteligência espacial é ligada à capacidade de olhar

para o espaço. A inteligência corporal sinestésica, presente em todos aqueles, ou

manifesta em todos aqueles que fazem do corpo um veiculo para manifestação do

pensamento, da criação, da arte.

Também temos duas inteligências mais pessoais, no seguinte sentido, elas estão ligadas,

segundo Gardner, ao relacionamento com as pessoas.

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A inteligência interpessoal, aquela inteligência que me permite ver no humor do outro,

entender o outro, captar o outro na sua essência, presente muitas vezes nos vendedores e

nos comunicadores. É na sensação, na percepção, na captação do outro como um

legítimo outro.

A inteligência intrapessoal, que é uma inteligência muito ligada ao autoconhecimento,

ao autocontrole.

A inteligência musical, que é aquela inteligência que nos permite criar. Óbvio que o

Gardner, como musicista, dedicou-se muito a essa inteligência. E aí ele inclui a

capacidade musical, que é a sensibilidade a sons, a ritmos, a música como uma das sete

inteligências.

Quantas inteligências existem? Duas coisas são importantes de nós falarmos. A

primeira, é que Gardner já disse que infinitas não são. Porque depois de um tempo,

todas as inteligências - oito, nove -, que você conseguir mapear, elas serão suficientes

para explicar todas as capacidades humanas, todas as atividades humanas.

Mas ele diz também que não são só sete, eram sete naquele momento, de lá pra cá já são

quase 20 anos, ou 20 anos de pesquisas, e Gardner identifica mais uma, que é a

inteligência naturalista.

A inteligência naturalista seria uma inteligência muito fortemente presente nos

ambientalistas, nos estudiosos do ambiente, ou nos paisagistas. Pessoas que são capazes

de perceber no ambiente, mas o ambiente pensado como meio em que se vive e não

necessariamente todo o espaço, coisas que outras pessoas não percebem. Podemos

passar perto de uma árvore e ela ser só uma árvore. Mas, um naturalista, ele olha para

aquela árvore, diz: "essa folha é uma folha diferente, será que essa folha tem relação

com o tipo de pássaro que está aqui?”.

Existe outra inteligência, que Gardner diz que, por enquanto, ele prefere chamar de meia

inteligência, embora tenha uma briga bastante interessante aí. Que é a inteligência

espiritualista para alguns, ou existencialistas para outros. Essa é a inteligência que seria

mais transcendental, a capacidade de lidar com as questões de vida e morte, de

meditação, o autocontrole, a explicação do cosmos.

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Gardner diz que há comprovações neurológicas que a fé interfere, por exemplo, muito

na cura de doenças, na sua própria ajuda, a fé religiosa. Mas ele ainda não consegue

concordar com os argumentos de quem estuda a teoria existencialista ou espiritualista.

Ele diz que, por enquanto, ele nem refuta, mas ele também não diz que é.

Aqui no Brasil, alguns pesquisadores trouxeram uma outra possibilidade, que foi a

inteligência pictórica. Essa inteligência vem sendo estudada desde, mais ou menos,

1994, inicialmente pelos trabalhos do professor Nilson Machado, da USP. E, depois,

com a nossa colaboração, estudamos a possibilidade dessa inteligência que seria

inteligência para criar e resolver problemas no âmbito da imagem, da expressão

pictórica, do desenho. Isso também está em estudo, ela é muito validada aqui no Brasil,

mas o Gardner ainda não teve nenhum posicionamento a esse respeito.

Se, são sete inteligências, dez inteligências, nove inteligências, oito inteligências, não

são fundamentais.

Mas há coisas fundamentais. A primeira coisa fundamental é que as inteligências são

múltiplas. Por que isso é fundamental? Porque isso marca a diferença entre as pessoas.

As inteligências são múltiplas, são originais na sua forma de agir para cada pessoa,

como uma impressão digital. A teoria das inteligências múltiplas tem a sua importância

quando assumimos que todos os alunos são diferentes, que a aprendem de formas

diferentes e que, por isso, precisam ser considerados nas suas diferenças.

Inteligência fundamental
A inteligência fundamental é aquela que, na hora da criação ou da resolução do

problema, se manifesta para nós como inteligência que puxa a outra, numa combinação

de inteligências para poder criarmos, resolvermos problemas, para podermos aprender.

Mas veja, uma hora isso pode acontecer com a lingüística, outra hora pode ser espacial,

outra hora pode ser pictórica, outra hora a naturalista, vai depender do problema que

tivermos para resolver.

As inteligências são independentes

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As inteligências são independentes. Estão localizadas em pontos diferentes do cérebro,

mas elas trabalham juntas. Há um tempo atrás, tivemos a oportunidade de conversar

com uma jogadora de vôlei, e perguntamos-lhe: "como é que você explica as jogadas?".

E quando ela começou a explicar as jogadas foi interessantíssimo, porque ela diz assim:

"olha, quando estou na quadra, começo a olhar para quem está lá do outro lado. Então

começo ler os sinais: descubro quem está nervoso, descubro quem está desatento, leio

os sinais. E, aí, quando a bola vem para mim, elaboro o arremesso com a intenção de

fazer esse arremesso chegar àquela pessoa". Ao longo de toda a vida, as inteligências se

combinarão de formas muito originais e conversarão. Dificilmente teremos uma tarefa,

um problema, uma criação envolvendo um único tipo de inteligência.

Os potenciais de cada um
Todas as pessoas têm potencial para se desenvolver em todas as inteligências. O

desenvolvimento dependerá de vários fatores, mas, biologicamente, todos somos

competentes nas múltiplas inteligências. Se no nosso ambiente, na nossa escola, se os

problemas que tivermos que resolver durante a vida, exigirem uma a mais, outra

amenos, teremos um perfil final diferente. Mas elas se desenvolvem ao longo de toda a

vida, e se desenvolvem para todo mundo. Então, a teoria das Inteligências Múltiplas

invalida o trabalho de Piaget, invalida o trabalho de Vygotsky. Em hipótese alguma!

Aliás, Piaget e Vygotsky são dois autores muitíssimo utilizados e estudados por

Gardner. Vygotsky mais para as questões da linguagem, da inteligência lingüística.

E Piaget, Gardner faz uma única critica, que na verdade não é uma critica, é uma

observação entre teóricos, nem todo mundo concordou com Piaget, o próprio Vygotsky

discordava de algumas coisas em Piaget. Então Gardner, como um pesquisador também

se deu esse direito, de fazer uma única observação: ele diz que ninguém no mundo

estudou mais o desenvolvimento da inteligência lógico matemática do que Piaget. Mas

que Piaget não estudou o desenvolvimento da inteligência humana no sentido amplo,

mas no sentido lógico matemático.

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Emoção
Afinal de contas, a emoção é ou não é uma inteligência? Gardner tem posicionamentos

muito claros. Ele dirá que, assim como a moral, as emoções são produtos das

inteligências inter e intrapessoal, e não uma inteligência em si.

Críticas
É preciso dizer que teoria das Inteligências Múltiplas não é exatamente uma

unanimidade, veremos que ela é importante para nós que somos educadores, porque ela

responde muitas coisas a respeito da educação, mas as críticas, as perguntas, existem.

Uma das críticas que as pessoas fazem ao Gardner é que não se trata de uma teoria, por

ser empírica. E ela é mesmo empírica.

Eles costumam dizer, e a resposta é sim. É uma teoria empírica. O que significa isso?

Significa que ela foi feita com bases em observações, em leituras de indícios, em

leituras de sinais. Gardner e sua equipe tomaram todas as providências para que ela

efetivamente fosse uma teoria. Criaram oito critérios para definir se uma inteligência

pode ou não ser considerada assim; fizeram pesquisas com populações muito diferentes

- quando dizemos populações, estamos dizendo sujeitos que foram objetos de pesquisa;

se valeram dos estudos da Neurologia, da Psicologia Cognitiva, de estudos anteriores e

fizeram à teoria.

E Gardner diz que a vantagem dela é que ela é empírica. Por quê? Porque ela tem uma

base sólida, um núcleo sólido, que é a multiplicidade da inteligência e a partir daí ela

pode, ao longo do tempo, se atualizar, aprofundar-se, melhorar-se em função dos

estudos novos que vierem dessas mesmas áreas: da Antropologia, da Filosofia, da

Ciência Cognitiva, enfim, de tudo o que ele usou para as pesquisas.

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Como é que colocamos o que seria um talento como uma inteligência?, uma habilidade

como uma inteligência? É interessante, porque Gardner diferencia, diz: "é muito

diferente uma criança chutar uma bola, do que um atleta chutar uma bola".

Por quê? Porque a criança, quando chuta uma bola; pode não estar querendo nada, a não

ser chutar a bola, mas o atleta, quando ele arremessa uma bola, ou quando ele chuta uma

bola, ele tem uma intenção. Ele quer criar uma jogada com uma finalidade bastante

definida, ele tem um problema a resolver e por isso ele faz o arremesso. Ele não faz

o.arremesso a esmo. Ele não chuta de qualquer jeito. Ele faz com uma intencionalidarle,

e é como-, se o cérebro todo, naquele momento, tivesse disposto, ou espalhado ao longo

do corpo, para resolver aquela questão, para criar aquilo que naquele momento é

socialmente útil. Em crianças bem pequenas notamos que elas, às vezes, nem controlam,

elas não andam, mas colocamos uma música e elas balançam. Balançam por quê?

Porque o potencial biológico para a música está lá, o cérebro responde a isso. Isso é

bonito de uma teoria empírica, como essa teoria das Inteligências Múltiplas. Hoje,

vários estudos neurológicos, envolvendo musica e movimento, comprovam que Gardner

tinha razão. Então essa crítica é refutada exatamente por uma outra crítica, que vira uma

vantagem, a "empiricidade" da teoria.

Autocrítica
Atualmente, ele mesmo diz que uma crítica que faria à própria teoria é que, quando ela

foi lançada, ele dava muito mais importância à localização rígida das inteligências no

cérebro. Hoje sabe que isso é um pouco mais maleável, não deixa de existir, mas

exatamente pela alta capacidade cerebral de modificação, de adaptação, em função de

problemas e necessidades, ele hoje já "relativiza" essa posição fixa das inteligências no

cérebro.

Metodologia
A verdade é que não se transpõe uma teoria para a prática de forma imediata. Os

professores e educadores é que leram na teoria das Inteligências Múltiplas explicações

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para questões de sala de aula. Mas Gardner não fez uma metodologia, ele fez uma teoria

sobre cognição.

Então, se a teoria das Inteligências Múltiplas não tem uma pedagogia associada a ela; se

não é, necessariamente, uma forma pedagógica de conduzir a escola; se não fala sobre

tempo, se não diz sobre currículo, se não diz se é melhor ter mais aulas dessa disciplina

ou daquela disciplina, qual é o uso que se faz na escola?

Embora não seja um receituário pedagógico; embora a teoria das Inteligências Múltiplas

esteja na esfera da cognição, esteja ligada a procedimentos de investigação sobre o

desenvolvimento do cérebro; ela tem muitas pistas para a educação. Como diz Gardner,

foram os educadores os primeiros a perceber isso. Se tivermos alguns cuidados,

certamente veremos muitas vantagens e muitas possibilidades de uso dessa teoria na

prática da escola. O cerne da questão, diríamos, a coisa mais importante que esta teoria

tem para a escola é a educação personalizada.

Educação personalizada
Isso é o foco. Quer dizer, não significa que devemos ter um professor para cada aluno,

ou uma aula diferente para cada aluno, não vamos entender assim a educação

personalizada. Personalizar a educação, segundo a teoria das Inteligências Múltiplas,

significa olhar a iodos e a cada um ao mesmo tempo. Significa que, a todo o momento,

vamos nos preocupar tanto com aqueles que avançam sozinhos, pensando o que

podemos fazer para que eles avancem ainda mais, e com aqueles que ficam para trás.

Aliás, segundo a teoria das Inteligências Múltiplas, ninguém deveria ficar para trás,

exatamente porque temos uma educação personalizada.

Outro ponto da educação personalizada é entender que crianças, os jovens, as pessoas,

são diferentes. E se elas são diferentes, aprendem em tempos diferentes, e aprendem de

formas diferentes. Não temos como dizer que com uma boa aula todos aprenderão

simultaneamente, por isso a educação personalizada na escola nos remete a uma outra

implicação: o trabalho diversificado.

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O que é o trabalho diversificado na escola? Bom, ele pode ser entendido de varias

formas diferentes. Uma primeira forma, é termos algumas aulas, ou algum tempo, nas

quais os alunos estão em sala, todos juntos, mas fazendo coisas diferentes, atividades

diferentes, planejadas pelo professor, em função das necessidades dos alunos, ou

atividades de livre escolha – momentos ricos esses de livre escolha, porque o professor

pode perceber quais são as forças, quais são as necessidades, o que interessa mais a um

aluno ou a outro. E, depois, o que não interessa, que dificuldades eles têm. Quem é que

consegue levar um projeto sozinho, quem é que precisa de ajuda, que tipo de ajuda.

Então esse trabalho diversificado acompanhado de uma avaliação, de uma observação

atenta do educador, uma anotação sobre cada aluno, ele contribui para a educação

personalizada, ele contribui para que o professor possa planejar melhor a suas aulas de

acordo com as necessidades do aluno.

Outro ponto desse trabalho diversificado são momentos em que a escola reúne alunos de

séries diferentes, de idades diferentes para trocarem as suas experiências, para

aprenderem uns com os outros. Passamos a ter um olhar menos classificatório, menos

acusador, em relação ao aluno que não aprende. A avaliação, na perspectiva da teoria

das Inteligências Múltiplas, ela é uma lente para ajudar o professor a ensinar e o aluno a

aprender. Para ajudar o professor a entender porque que o seu aluno não aprende. E

acreditando que todos são capazes, buscar rotas alternativas, caminhos para fazer com

que todos aprendam.

Gardner diz que inteligência múltipla não se testa, em hipótese alguma, se observa, por

isso que é uma teoria empírica. E essa é a grande crítica. E ele diz assim, não estou

discordando que, para efeito de estudos, possa se dizer que tenha um fator geral de

inteligência, que estudamos uma capacidade que todo mundo poderia ter de forma

parecida, mas ela não é única. E, por isso, para Gardner todas as pesquisas que são

fundadas em teste de inteligência não cabem na teoria das Inteligências Múltiplas.

Escolas de inteligências múltiplas?


Ensinamos Matemática, então, estamos desenvolvendo inteligência Lógica Matemática;

damos aula de Educação Física, então, estamos ensinando, desenvolvendo inteligência

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corporal sinestésica. Minto. Não necessariamente. Por quê? Porque uma inteligência

não é a mesma coisa que uma disciplina. Uma inteligência é um potencial biológico,

psicológico, que está relacionado à nossa espécie humana. Uma disciplina é uma

construção social, com sua linguagem, suas manifestações.

Embora, para aprendermos uma disciplina, nós precisemos de uma inteligência, para

construir um conhecimento disciplinar, precisemos de uma inteligência, Matemática é

uma coisa, inteligência Lógico-Matemática é outra coisa. E, diríamos mais, um

professor que dá uma aula de qualquer disciplina onde o aluno não é colocado, ou

nunca, ou dificilmente é colocado como alguém que pensa, que cria, que resolve

problemas, não pode nunca achar que porque dá aula daquela disciplina tem uma

inteligência sendo desenvolvida naturalmente. Não funciona assim, porque são duas

coisas diferentes. Por exemplo, estou trabalhando na aula de Matemática, estou

ensinando tabuada. Dizemos, espera aí, temos que desenvolver a inteligência musical.

Então vamos cantar uma música de tabuada. Isso não é desenvolver inteligência

musical, isso é uma falsa aplicação da teoria das Inteligências Múltiplas. A melhor

aplicação, em que se tratando de atividades genéricas, é aquela que põe o aluno frente à

criação e frente à resolução de problemas.

Nenhuma escola é escola de Inteligência Múltipla, a inteligência está na pessoa. A

escola no máximo pode fornecer situações para que o jovem, a criança, o aluno, enfim,

desenvolvam as suas múltiplas inteligências. Vamos para a escola para aprender,

aprender Ciências, aprender Historia aprender Física, não necessariamente para ter aula

sobre inteligência múltipla. Tem um caso interessante de uma escola que anunciava que

se organizava pela teoria das Inteligências Múltiplas. Então, uma, ou duas vezes por

ano, os alunos visitavam a faculdade de música local. Bom, eles podem visitar! Vai ser

muito interessante, conhecerão os músicos, tomaram contato com um espaço importante

da comunidade, mas isso não significa inteligência musical.

Por quê? Repetimos sempre o foco: o que é inteligência para Gardner: resolver

problemas e criar projetos, e desenvolver projetos que sejam socialmente úteis. Em se

tratando da escola a questão é: o que a escola pretende, como é que ela pretende ensinar,

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como é que ela pretende fazer com que todos os alunos aprendam. Qual é o projeto que

ela tem para cada aluno que está ali. E, o que ela espera, como ela trabalha as

diferenças?

Experimentem fazer isso com seus alunos, perguntem a eles ao final de uma aula: "o

que vocês aprenderam?". E eles não conseguem dizer, só conseguem dizer o que foi que

fizeram. Isso não é uma escola que tenha a teoria das Inteligências Múltiplas como um

dos seus fundamentos. Porque a escola que tem a teoria nos seus fundamentos, é a

escola do pensar, não é a escola do fazer. Às vezes as escolas anunciam: teoria das

inteligências múltiplas no nosso currículo, eles tem aula de judô, balé, natação, aula de

jogos, enfim... Uma criança pode ter feito muitas dessas coisas e não ter movido nada

em relação a potencialização das suas inteligências.

Múltiplas formas de aprender


Não esquecer que assim como as inteligências são múltiplas as formas de aprender

também são múltiplas. Então, precisamos, ao planejar um tema de estudo, pensar quais

são os veículos que farão aquele tema chegar até os alunos. Será um vídeo? Será um

problema? Será um texto? Será um debate? Será chamar alguém para falar? Será qual

desafio? Qual é a porta de entrada para esse conhecimento? Qual é a porta de entrada

para toda a diversidade de aprendizagem que temos na sala, considerando que cada

aluno é único, segundo a visão da teoria das Inteligências Múltiplas.

E como é que educamos para a compreensão? Segundo a teoria das Inteligências

Múltiplas quando colocamos o aluno frente a questões que são desafiadoras, quando não

fugimos dos das dificuldades, quando não fugimos das questões difíceis. Escola é lugar

para pensar coisa diferentes, para ter opiniões diferentes, para vencer desafios, para

buscar uma questão que gere muita reflexão.

Por exemplo, há um tempo atrás fazendo um trabalho em uma escola vimos um caderno

de uma criança, e nesse caderno estava escrito exatamente assim: Separe as "sila bas to

ni cas e cla ssifique as palavras". E aí, paramos e pensamos, alguma coisa está errada.

Primeiro que se o aluno está estudando sílaba tônica como é que ele pode escrever

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"sílaba"? Segundo, se ele vai ter que separar as sílabas, com é que ele pode escrever

classifique: "cla, tracinho, ssi fique", nas outras duas linhas? Entendeu? Ele não estava

compreendendo nada! Ele tinha copiado uma atividade que precisava classificar a

palavra segundo suas sílabas tônicas e ele não entendeu nada.

Vamos ver outro exemplo!? Escravidão será que vale a pena trabalhar com nossos

alunos a crença de que a escravidão no Brasil acabou com a abolição da escravatura,

com a Lei Áurea, publicada pela princesa Isabel? Será que isso significa que eles vão

poder compreender melhor as relações de trabalho, as relações dos visitantes, ou dos

imigrantes no nosso país, nas nossas cidades. O que é educar para a compreensão? E

fazer o aluno perceber que quando ele aprende sobre escravidão, ele muda a forma de

pensar, quando ele aprende sobre a terra, ele não tem a visão ingênua de que no Brasil a

questão da terra é uma questão de bandidos e mocinhos. E com é que aprendemos à

compreensão? Como é que compreendemos? Quando pensamos sobre isso, quando

vemos diferentes opiniões, quando, na verdade, somos desafiados a nos posicionar

frente a uma questão.

Uma vez, em uma conversa, ele disse assim: "Se alguém me perguntasse professor

Gardner, em que escola você colocaria seus filhos? Eu responderia. Numa escola que

considera que as pessoas são diferentes, trabalham com as diferenças, e consideram o

conhecimento como um bem, e não como um conjunto de informações passageiras. Pos

isso uma escola adequada seria aquela que ajudasse o aluno a aprender com

compreensão".

Exercício reflexivo: após os estudos desta sessão “teste” suas inteligências múltiplas.

Leia o exercício que se segue e identifique quais das inteligências propostas por

Gardner você mais utiliza em seu dia a dia.

TESTE DE INTELIGÊNCIAS MULTIPLAS

by Howard Gardner

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Selecione as descrições com as quais você se identifica.

1º-Você lembra-se facilmente das frases, citações ou pensamentos de pessoas famosas e

aplica-as em suas conversas.

2º-Você percebe rapidamente quando alguém que está com você, está preocupado com

algo.

3º-Você é fascinado por questões filosóficas ou científicas do tipo:-”Quando o Tempo

começou?”

4º-Você consegue se localizar rapidamente em regiões ou vizinhanças estranhas.

5º-As pessoas acham que você tem movimentos corporais elegantes, ou tem um bom

ritmo ao dançar.

6º-Você consegue cantar com facilidade, lembrando-se das musicas e das letras.

7º-Você lê com regularidade nos jornais ou revistas artigos sobre ciência e tecnologia.

8º-Você percebe rapidamente erros gramaticais ou de palavras das pessoas que falam

com você.

9º-Você geralmente consegue descobrir como as coisas funcionam ou como consertar

rapidamente o que está quebrado, sem pedir ajuda.

10º-Você consegue imaginar rapidamente como outras pessoas agem com seu filtro

profissional ou familiar, e consegue se imaginar agindo com estes filtros.

11º-Você consegue lembrar-se com detalhes, das paisagens e das características dos

lugares que visitou em suas férias.

12º-Você curte música e os seus compositores(as) e cantores(as) favoritos.

13º-Você gosta de desenhar.

14º-Você gosta de praticar esportes.

15º-Você organiza bem as coisas do seu escritório, cozinha, banheiro, de acordo com

padrões e categorias.

16º-Você tem confiança de interpretar o que as outras pessoas fazem em função do que

elas sentem.

17º-Você gosta de contar histórias e é considerado um bom contador de histórias.

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18º-Você às vezes gosta de sons diferentes no seu ambiente.

19º-Quando você conhece pessoas novas, você geralmente estabelece associações entre

suas características com as das pessoas que você conhece.

20º-Você tem consciência do que você consegue e do que não consegue fazer.

RESPOSTA DO TESTE: Perguntas de nºs.:

1, 8 e 17 = Intel. Lingüística
6, 12 e 18 = Intel. Musical
3, 7 e 15 = Intel. Lógica-Matemática
4, 11 e 13 = Intel. Espacial
5, 9 e 14 = Intel. Cinestésico-Corporal
10, 16 e 20 = Intel. Intrapessoal
2, 10 e 19 = Intel. Interpessoal

Fonte: http://mscamp.wordpress.com/paginas-escritas/inteligencias-multiplas/

3.4.Edgar Morin

Biografia
Paris, 1921, nasce Edgar Nahum. Com dez anos, perde sua mãe Luna, esta perda o

marcará por toda a vida. Já na infância se interessa por Literatura e Cinema, o que vai

exercer forte influência em sua obra. Durante a segunda guerra mundial Edgar

interrompe seus exames na Sourbonne, e engajase na resistência francesa. Neste

período, substitui o sobrenome judaico "Nahum" por "Morin", após a guerra, trabalha

como redator em jornais ligados ao Partido Comunista francês.

Começa então seus primeiros atritos com os comunistas, por sua postura crítica. Já. Sem

emprego, é cada vez mais discriminado no partido comunista. Edgar Morin vive um

exílio interior. Começa a escrever o livro "O Homem e a morte", É na realização desta

obra que Morin forma a base de sua cultura transdisciplinar: Geografia Humana,

Etnografia, Pré-História, Psicologia Infantil, Psicanálise, História das Religiões,

Ciências das Mitologias, Histórias das Idéias, Filosofia...Começa a trabalhar no Centro

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Nacional de Pesquisa Científica, inicia a relação de seu livro “Autocrítica”, publicado

em 1959, onde faz o primeiro balanço de sua vida e de sua participação no meio cultural

e político do seu tempo. Faz uma longa viagem pela América Latina, quando se fascina

pelo mundo indígena e pelo mundo afro-brasileiro. Retorna a França onde publica o

“Espírito do tempo”, aprofunda seus estudos na área de Biologia e do pensamento

cibernético. Em 1968, envolve-se nos movimentos estudantis que começam a eclodir na

França. Volta ao Brasil, país pelo qual sente grande afeição, onde é recebido nos

aeroportos pelos estudantes em greve. Em 1969. é convidado pelo Instituto Salk a

passar um ano na Califómia. Lá conhece a revolução biológica genética, iniciada com a

descoberta da estrutura em dupla hélice da molécula do DNA. Inicia-se nas "Três

Teorias", que considera interpenetrantes e inseparáveis: a Cibernética, a Teoria dos

Sistemas e a Teoria da Informação. Volta a Paris, onde inicia a constituição de um

centro de estudos bioantropológicos e de antropologia fundamental, nesse processo de

reorganização dos princípios do conhecimento, começa a trabalhar uma da obras

fundamentais do Pensamento Complexo "O método". Publica, em seguida, os livros

"Introdução ao Pensamento Complexo" e "Meus Demônios". Em 1997, é convidado

pelo governo francês a apresentar um plano de sugestões e proposta, a partir de seu

pensamento transdisciplinar, para reforma do ensino secundário e universidade. Viaja

por mais de 30 países participando de atividades de debates com professores e

especialistas das mais diversas áreas sobre questões relativas à educação nas escolas e

universidades. Vem diversas vezes ao Brasil, onde se encontram importantes núcleos de

pesquisa e divulgação do pensamento complexo.

Reorganizações genéticas
Há uma característica comum em toda obra de Edgar Morin, que é uma articulação

muito grande entre a vida dele e as idéias que ele professou, e professa até hoje. Ele

denomina isso de reorganizações genéticas, que, na verdade, não são reorganizações

genéticas no sentido da Genética, mas reorganizações no estilo de seu pensamento.

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Nas obras de caráter mais biográfico, ele considera, sintetiza essas reorganizações em

três.

Uma primeira ocorrida por vota de 1941, logo no período antecedente à guerra – Edgar

Morin foi um membro da resistência francesa -, ele aprendeu, através dos autores que

estudava então, que as idéias avançam sempre no antagonismo, nas contradições. Isso

fez com que ele se dedicasse aos estudos de Engels e Marx, principalmente.

Um profundo conhecedor do marxismo, onde encontrou essa idéia de que a dialética era

uma união de contrários, que poderia levar a uma sociedade melhor. Marx defende uma

idéia do "homem genérico". O que é o homem genérico? É o homem que não separa a

natureza da cultura. Essa idéia de homem genérico impregnou muito as idéias futuras do

Morin, até hoje.

A Segunda Reorganização, o sistema de idéias dele, é uma penetração maior nas idéias

de Marx, mas desde que destituídas de qualquer forma de "prometeismo”. A idéia de

que viria um dia, no futuro, uma sociedade melhor. Embora Morin tenha acreditado

nisso, acho que a segunda reorganização colocou esse credo marxista em dúvida.

Posteriormente ele vai substituir a palavra dialética pela palavra dialógica, isso nos

escritos mais metodológicos.

A terceira reorganização ocorre dos anos 60 para frente. Morin teve uma grande

permanência nos EUA nesta época, e, lá, entra em contato com três formulações

teóricas que serão decisivas para a construção dos "Cinco Volumes do Método".

Entra em contato, então, com a Teoria da Informação, a Teoria dos Sistemas e a

Cibernética. Estes contatos teóricos que mudarão, redefinirão o que ele chama de

Terceira Reorganização, e que de certa maneira vai preparar o advento da

Complexidade. Quer dizer, é a construção das bases, digamos, epistemológica do

pensamento complexo.

Pensamento complexo
Nesse processo é muito importante termos sempre em mente as etimologias.

O que quer dizer complexo? Complexo vem do latin complexus, tem o seu verbo

complecteres, que simplesmente quer dizer: aquilo que é tecido em conjunto. A

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etimologia da palavra é exatamente essa, porque pode gerar certa confusão, porque

quando falamos em complexo, automaticamente pensamos em algo simples. Não se

trazer dessa oposição entre o simples e o complexo, mas trazer a etimologia que traduz

bem o espírito do Pensamento Complexo - aquilo que é tecido junto.

O que é tecido junto? Aprendemos, do século XVII em diante, com a Revolução

Iluminista, que nosso pensamento, nossas idéias, eram conduzidos exclusivamente pela

razão. Não foi por acaso que o século XVII foi entendido como o século do

racionalismo.

O que é a razão? Razão é aquilo que é produto de um cálculo, adequar alguns meios a

alguns fins. Isso é razão. Somos todos seres racionais, como primatas humanas que

somos. Somos racionais. Aprendemos que somos apenas racionais, somos Sapiens.

Hoje, 'se você disser que você é só Sapiens, você está se identificando aos nossos

primos, que são os primatas não humanos, ou seja, os gorilas, os chimpanzés, os

orangotangos etc. Por isso, ganhamos um segundo Sapiens. Somos Homo - do gênero

homo, hominídeo -, e somos Sapiens Sapiens.

Uma das primeiras considerações de Morin, que aparece nos primeiros livros, na língua

do homem, é que se você se define exclusivamente como Sapiens, você está sendo

sistemático demais.

O que significa isso? Que você é: ereto, que você fala, que você saiu das árvores, que

você se comunica, que você simboliza. Ou seja, cria representações, constrói

representações. Esse é o lado Sapiens. Com o segundo Sapiens permanecemos na

mesma coisa, sistemáticos demais.

O Pensamento Complexo considera que precisamos adicionar uma outra característica a

esta sistematização excessiva, que é o Demens.

O que é o Demens? É aquilo que nós somos também: descomedidos, loucos,

descontrolados, convivemos com a Hybris, e queremos afastar esse lado, como se ele

fosse algo mal, algo que deve ser recalcado. Nós somos, entretanto. E isso nos faz muito

mal, do ponto de vista histórico. Quer dizer, aceitarmo-nos como Sapiens-Demens. Ou

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seja, que todo sujeito humano é duplo, tem um pouco de "Sapientalidade" e também de

"demensialidade".

Então, uma definição mais atual da nossa condição seria: somos Homo Sapiens

Sapiensdemens. Portanto, aí está o primeiro entrelaçamento do Complexo. Ou seja,

Sapiensdemens.

Operadores da complexidade
A segunda idéia que está no Pensamento Complexo são os operadores da complexidade.

Operadores, como se fosse um operador de cinema. São três.

O primeiro, o operador dialógico, e não dialético, dialógico. O segundo, o operador

recursivo, ou da recursividade. E o terceiro, o operador do holograma, ou operador

hologramático. O operador dialógico, e não dialético, envolve a seguinte questão: o que

é a Dialogia? Dialogia significa juntar coisas, entrelaçar coisas que aparentemente estão

separadas. Por exemplo, a razão e a emoção, o sensível e o inteligível, o real e o

imaginário, a razão e os mitos, a ciência e a arte, as ciências humanas e a ciências da

natureza, tudo isso é dialogizar. Ou seja, juntar o que está aparentemente separado.

Não tem síntese! O Pensamento Complexo não é um pensamento de síntese! O segundo,

o operador recursivo - recursividade. O que significa isso? Significa dizer que uma

causa... Aprendemos, no velho paradigma, de que a causa a gera o efeito b, o

determinante a gera o determinante b. Alguma coisa que é definida como recursiva,

significa dizer que a causa produz o efeito, que produz a causa. Alguma coisa como se

fosse, um anel recursivo, um circuito recursivo, melhor dizendo. Um exemplo: somos

produzidos por uma união biológica de um homem e de uma mulher, portanto, somos

produto dessa união e, ao mesmo tempo, seremos produtores de outras uniões. Então,

somos recursivamente causa e efeito. Este é o segundo operador.

O holograma ou o principio, ou operador hologramático. Edgar Morin, às vezes, utiliza

essas palavras: principio operador, base, no sentido de que são operadores, que põem

em movimento o pensamento. O que é o operador hologramático? Você não consegue

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desassociar a parte do todo. Ou seja, a parte está no todo, da mesma forma que o todo

está na parte.

Essas são as três bases que modelam o Pensamento Complexo: juntar coisas que

estavam separadas; fazer circular a causa e o efeito e o efeito sobre a causa; e a terceira,

a idéia da totalidade - você não consegue dissociar parte do todo, o todo está na parte,

da mesma maneira que a parte está no todo.

Totalidade
Com esses três operadores vai se construir a noção de totalidade, mas os movimentos

dos operadores dizem que a totalidade nunca será igual à soma das partes. Estamos

acostumados a imaginar a palavra totalidade dessa maneira.

O que é a totalidade? A totalidade é juntar a, com b, com c, com d, e com e e se terá a

totalidade. Não. No Pensamento Complexo, ou no Pensamento da Complexidade, a

totalidade é sempre mais que a soma, podendo ser, eventualmente, menos que a soma,

porque as totalidades estão sempre abertas. Se elas forem totalidades fechadas, elas

serão sempre iguais à soma das partes. Essa idéia de totalidade como mais e menos que

a soma, é fundamental no Pensamento.

Homo complexus
Aprendemos, também, que somos seres que criamos culturas. Somos loculis, porque

falamos; somos fabri, porque fabricamos instrumentos; somos simbolicus, porque

simbolizamos. Criamos os mitos, as teorias, os ídolos, nossas mentiras, nossos

imaginários. Aprendemos. O que não aprendemos é que somos complexos, ou seja, que

estamos inscritos, que somos hoje o que somos, porque estamos inscritos numa longa

ordem biológica, que nos fez como somos agora. E também nós somos seres produtores

de cultura, ou seja, somos 100% natureza e 100% cultura.

Aprendemos, talvez pelas instituições escolares, a 'recalcar o lado da natureza. Não nos

percebemos também como seres, que somos uniduais (100% natureza e 100% cultura).

Talvez seja uma herança da razão, do racionalismo do século XVII, que nos gerou essa

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idéia de que, os imaginários, os mitos, as artes, não faziam parte da ciência. Tudo aquilo

que é ciência, ou considerado como científico, era determinado como racional.

"O conhecimento do ponto de vista do Pensamento Complexo não está


limitado à ciência. Há na literatura, na poesia, nas artes, um
conhecimento profundo. Podemos dizer que no romance há um
conhecimento mais sutil dos seres humanos do que encontramos nas
ciências humanas, porque vemos os homens em suas subjetividades,
suas paixões, seus meios etc. Por outro lado, devemos acreditar que
todas as grandes obras de artes contêm um pensamento profundo
sobre a vida, mesmo quando não está expresso em sua linguagem.”

Quando você vê as figuras humanas pintadas por Rembrandt, há um pensamento sobre a

alma humana. Portanto, eu creio que devemos romper com a separação entre as artes, a

literatura de um lado e o conhecimento científico do outro". (Edgar Morin).

Razão, racionalismo e racionalização


O que é a Razão? A razão é um cômputo. É um mecanismo da mente, do cérebro, que

se traduz por um conjunto de regras que você utiliza para conhecer determinadas coisas.

Usamos a razão em todas as nossas atividades. Muito bem, isso existe nos humanos

desde sempre, desde esses 130 mil anos, sempre fomos racionais. Em alguns momentos

alguns homens do planeta, foram considerados como seres que não tinham razão. Por

exemplo, no século XVIII os índios brasileiros, os Tupinambás, levados às cortes

absolutistas da França, para serem literalmente apalpados pelos membros da corte, para

ver se eles eram homens, porque eles eram considerados como primitivos, inferiores,

seres que não eram dotados de razão.

Isso foi uma grande incongruência que a própria ciência construiu sobre nós mesmo.

Sempre fomos racionais. Em decorrência disso criou-se o racionalismo, a idéia de que

tudo na vida é guiado pela razão.

Então, todos os imaginários presentes no cinema, nas artes, na literatura e nos mitos,

serão afastados como não científicos. Junto com essa noção está idéia de racionalidade.

O que é a racionalidade? É quando você adequa meios a fins. Pouco importa se você

minimiza os meios para maximizar fins, ou se faz o contrário, maximiza os meios para

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minimizar os fins. De qualquer maneira, a racionalidade é sempre isso, é sempre um

esforço de adequação entre meios e fins.

A racionalização, esse é o pior efeito da razão. Quando a razão se fecha nela mesma e

não quer saber de nada mais que faça parte desses conjuntos imaginários que estão

presentes nas artes, na literatura etc., afasta isso, e razão constrói um ídolo a respeito

dela mesma, ela se considera com a "razão ídolo". Esses são os obstáculos, criados à

idéia da "unidualidade".

Tetragrama organizacional
Algo que o Pensamento Complexo também considera, é de que qualquer atividade, de

qualquer sistema vivo - estamos falando aqui de homens, homens reais, Homo Sapiens

Sapiensdemens, poderíamos estender isso à sociedade dos animais, das formigas,

abelhas, nossos primos, os primatas não humanos. Enfim, qualquer atividade de sistema

vivo é guiada por uma tetralogia - tetra (quatro), ou seja, envolve relações de ordem, de

desordem, de interação e de reorganização.

Edgar Morin chama isso de o Tetragrama Organizacional. Qualquer sistema vivo

sempre tem ordem, regularidade, desordem, desavenças, emergência; interações, coisas

que começam a interagir, que não estavam previstas anteriormente; e reorganizações,

para onde o sistema vai.

O sistema sempre é algo que vive na irrupção da desordem, o que faz às vezes com

que... Edgar Morin às vezes define: o que é a terra?, O planeta Terra? O planeta Terra é

um mero planeta, muito pequeno no conjunto de todas as galáxias do universo e que

vive à deriva. Não se sabe exatamente para onde esse planeta esta indo.

Então, o tetragrama – ordem, desordem, interação, reorganização -, aliado aos

operadores da dialogia, do holograma e da recursividade, constitui o bloco forte, a base

fundamental do Pensamento Complexo.

Há uma frase de Marx, que o Morin sempre costuma usar como recurso explicativo. Há

uma passagem do Marx, nas teses do Foreman, que diz respeito à noção de educação e à

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reforma do pensamento. Diz o Marx o seguinte: "Qualquer reforma do ensino e da

educação deve antes de, mais nada, começar com a reforma dos educadores".

Ou seja, o que significa reformar dos educadores?

Significa reformar o pensamento. O que significa reformar o pensamento? O

pensamento, o homem sempre pensou com as mesmas condições, com o mesmo

aparato, por isso não há um pensamento que seja inferior a outro. Os índios do Brasil

não pensam de uma maneira inferior aos urbanoides de São Paulo. Todos pensamos

com os mesmos recursos, nosso cérebro é igual, pelo menos enquanto Sapiens Sapiens-

Demens.

Mas a razão cartesiana, foi atribuída ao Descartes essa frase, que talvez seja uma das

responsáveis por tudo isso. Disse Descartes: "Penso, logo existo" - Cogito ergo sumo E,

mais do que isso, a visão cartesiana separou o sujeito que pensa, chamado "Eras

Cogituns" da coisa pensada, chamada "Res Ecstences". Com isso se introduziu uma

ruptura entre o sujeito e o objeto, e, mais do que isso, a visão cartesiana nos impôs um

paradigma.

O que é o paradigma? O paradigma é um conjunto de regras, padrões, teorias, modelos,

visão do mundo que nós aprendemos que nos é legado inconscientemente. O paradigma

cartesiano nos ensinou a dividir, separar, a razão da "desrazão". A razão do mito, a

razão do imaginário, e, com isso, o sensível do inteligível, a ciência da arte, a física

quântica da antropologia e foi dividindo, separando.

A reforma do Pensamento é uma coisa indômita, que nós temos como se tivéssemos

que reaprender a pensar. Reaprender a pensar a religar todos esses continentes que

foram separados desde a visão cartesiana.

"É um problema paradoxal, pois, para reformar o pensamento, é


necessário, antes de tudo, reformar as instituições que depois
permitem esse novo pensar. Mas para reformar as instituições é
necessário que já exista um pensamento reformado. Portanto há uma
contradição lógica. Em geral, essa contradição lógica não pode ser
ultrapassada, a não ser que comecemos por movimentos marginais,
movimentos-piloto, pelas universidades, pelas escolas exemplares de

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formação. Porque o grande problema é a reeducação dos educadores.


Nenhum decreto, nenhuma lei pode decidir sobre ele. Trata-se de um
movimento bastante vigoroso entre os educadores que a reforma não
pode dar conta. Eu creio que os congressos, que as reuniões, que a
difusão dessas idéias desempenham um papel importante nesse
movimento entre educadores". (Edgar Morin).

Transdisciplinaridade
"A transdísciplinaridade significa mais do que disciplinas que colaboram entre elas em

um projeto com um conhecimento comum a elas, mas significa também que há um

modo de pensar organizador que pode atravessar as disciplinas e que pode dar uma

espécie de unidade. Por outro lado. a interdisciplinaridade é um pouco como as Nacões

Unidas, onde as disciplinas são separadas discutindo sobre seus territórios e

transversalidade ou transdisciplinaridade é qualquer coisa que é mais profundamente

integradora. Agora, para que haja transversalidade. é necessário um pensamento

organizador. É o que eu chamo de Pensamento Complexo. Se não há um Pensamento

Complexo, não pode haver transversalidade” (Edgar Morin).

Como nós aprendemos a separar as coisas, sempre fomos ensinados a isso, e que

sabemos que precisamos religar o que foi desligado, que foi separado. Poderíamos nos

perguntar a seguinte questão, como fazer isso?

Um dos efeitos da separação, da fragmentação, foi a distribuição do ensino em

disciplinas. A disciplina nada mais é do que um ramo do saber, do conhecimento

voltado para ele mesmo.

Hoje se fala muito nas palavras interdisciplinaridade, multidisciplinaridade,

transdisciplinaridade, evidente que o Pensamento Complexo aposta mais na visão

transdisciplinar.

O que é a visão transdisciplinar?

É simplesmente a construção de um meta ponto de vista. E não de um ponto de vista!

Mas de uma meta ponto de vista sobre a vida, a terra, o cosmo, a humanidade, o

homem, o conhecimento, as culturas adolescentes, as artes, isso que é construção de

meta ponto de vista. Ou seja, vai-se saber da Terra, juntando especialistas em biologia,

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em cosmologia, em antropologia, em física, em matemática, o poeta e o artista. Tudo

isso é valido para a vida, para o homem, para o conhecimento.

Você reunir, não como uma assembléia de diferenças, mas onde cada um está dando sua

contribuição para a construção de uma meta ponto de vista. O que é a vida? Respostas a

essas exigências.

Edgar Morin, quando assumiu o encargo de reformar o ensino médio na França,

começou o projeto exatamente reunindo os especialistas de várias ordens naquilo que

ele chamou de "Jornadas Temáticas".

O que era "Jornadas Temáticas"? Era simplesmente uma discussão sobre os meta

planos: terra, vida, culturas adolescentes, o homem, humanidade, cosmo etc. "O

verdadeiro problema não é fazer uma adição de conhecimento. O verdadeiro problema é

uma organização de conhecimentos e saber os pontos fundamentais que se encontram

em cada tipo de conhecimento ou em cada disciplina. Quer dizer, se permitir fazer uma

economia na adição de conhecimentos e se permitir poder se orientar em direção à

necessidade de conhecimento no qual até o momento não se pode penetrar, pois há

portas fechadas e fronteiras". ( Edgar Morin).

Os sete saberes necessários


Os sete saberes não devem ser entendidos como um credo, algo a ser aplicado nas

escolas. São inspirações, modalidades que excitariam o educador a redefinir a sua

posição na escola, na sua relação com os alunos, na sua relação com os currículos, na

sua relação com as disciplinas, na sua relação com a avaliação.

O erro e a ilusão

Erro
O primeiro saber diz respeito à idéia de erro. Por quê? Porque a ciência se acostumou a

sempre afastar o erro das suas concepções. Tudo aquilo que era considerado como erro

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devia ser afastado. Precisamos integrar os erros nas concepções para que o

conhecimento avance. Essa seria a essência do primeiro saber.

Conhecimento pertinente
O segundo saber diz respeito à idéia do conhecimento pertinente. O que é o

conhecimento pertinente? O que nos foi legado foi à idéia de fragmentação. Quanto

mais você fragmenta as disciplinas, melhor o conhecimento avança. Quanto mais você

separa a ciência da natureza da ciência da cultura, melhor. O conhecimento pertinente

vai na contramão dessa idéia. É preciso não aniquilar a idéia da disciplina, mas

rearticular a idéia da disciplina em outros contextos.

Já há ciências hoje no mundo que o fazem de uma maneira muito interessante, a

ecologia, por exemplo. A ecologia é uma ciência que junta áreas de conhecimentos as

mais variadas: um ecólogo tem que ser, simultaneamente, um biólogo, um antropólogo,

um filósofo. A idéia do conhecimento pertinente seria uma idéia defendida contra a

fragmentação, esse é o segundo saber.

Ensinar a condição humana


O terceiro saber diz respeito à condição humana. Quem somos nós? Aprendemos que

somos só culturais. Precisamos reaprender que somos também naturais, físicos,

psíquicos, míticos, imaginários. Então, o terceiro saber diz respeito a esse reaprendizado

da nossa própria condição, está expressa superlativamente na idéia do Sapiensdemens.

Terra pátria
Procurar o saber diz respeito à identidade terreno., identidade da Terra. O que é a Terra?

É nossa Terra pátria. Precisamos ensinar aos alunos que a Terra é um pequeno planeta,

que precisa ser sustentado a qualquer custo. A idéia da identidade terrena está ligada à

idéia da sustentabilidade. O que significa construir um planeta sustentável? Significa

simplesmente, ou complexamente, construir um planeta que seja viável para as futuras

gerações. Se não conseguirmos manter o planeta sustentável, o planeta certamente dará

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sinais de irritabilidade. Aliás, como já o vem fazendo. Ensinar, portanto, a identidade da

Terra, nossa Terra pátria.

Enfrentar as incertezas
A ciência cartesiana construiu a idéia de que tudo que é científico pertence ao reino da

certeza. Em 1927, Werner Heisenberg construiu seu famoso Princípio da Incerteza, por

isso ele foi agraciado com o Prêmio Nobel, na época. E o que diz o princípio da

incerteza?

Que o determinado elemento atômico pode se comportar simultaneamente como onda e

como partícula. Nós também, seres humanos, somos ondas e partículas, ou, melhor

dizendo, somos partículas e ondas. Somos partículas, enquanto um ser individualizado;

somos ondas, como seres portadores de muitas multiplicidades. Então, temos que

ensinar nas escolas a idéia da incerteza, que o conhecimento cientifico nunca é um

produtor absoluto de certeza, deve, ao contrário, ser crivado pela idéia da incerteza. A

incerteza seria aquilo que comanda o avanço do saber, a avanço da cultura, sem

certezas. Seria incorporar essa idéia nos ensinos de Química, Física, História, Geografia,

Línguas, Filosofias, produzir que tudo aquilo que foi criado pelo homem é crivado pela

idéia da incerteza.

Ensinar a compreensão
A compreensão deve ser um meio e o fim da comunicação humana. A comunicação

humana deve ser voltada para a compreensão. Se olharmos para nossas instituições de

ensino médio, superior, veremos que o que as caracterizam é a incompreensão. Ou seja,

disciplinas que brigam com as outras, departamentos que não se entendem com os

outros, áreas do conhecimento que não falam com as outras.

Então seria preciso introduzir o ensino da compreensão nas unidades de ensino em

qualquer nível que ela se exerça. Poderemos estender a idéia da compreensão, dizendo

que o planeta também precisa de mais compreensão. Hoje, olhando para o planeta Terra,

nossa Terra prática, verificamos que o que o caracteriza é a incompreensão.

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Incompreensão em todas as partes, incompreensão política, incompreensões

ideológicas, incompreensões econômicas.

Ética do gênero humano


O sétimo saber diz respeito à ética do gênero humano. Ética, uma palavra bastante

complexa.

O que é a ética? Poderíamos resumir, dizendo que a ética significa apenas não desejar

para os outros aquilo que você não deseja para si mesmo. A ética do gênero humano é

chamada de antropoética. Antropo, homem. O ensino da antropoética precisava ser re-

irltroduzido nas escolas e essa é intropoética ela está ancorada em três elementos: o

indivíduo, a sociedade, e a espécie. Precisaríamos arranjar uma antropoética que

religasse indivíduo, sociedade. Espécie e não os mantivessem separados como eles se

encontram nos dias atuais.

Os sete saberes na escola


A compreensão deve ser um o problema maior reside em como aplicar esses sete

saberes na reforma da educação. Quer dizer, não se trata de transformar os sete saberes

em sete disciplinas. Ao contrário disso, os sete saberes rejuntam as disciplinas.

O que poderia acontecer com isso na vida prática de uma instituição?, Fosse ela do

ensino médio ou do ensino superior: Uma redefinição total dos currículos.

Se pegarmos um desses saberes, o da condição humana, por exemplo, teríamos que

ensinar nas escolas, que o homem é, simultaneamente, biológico, psíquico e cultura.

Isso, traduzido numa grade curricular, implicaria que fossem dados elementos de

Biologia, elementos de Antropologia, elementos de Filosofia.

Não significa dizer que, se trata de currículos de generalidades, ao contrário, o objetivo

dessa reformulação seria exatamente religar a Biologia à Medicina, à Historia, à

Antropologia, e não mantê-las separadas. E claro que isso exige um novo tipo de

professor.

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Muitas vezes, pensa-se que Pensamento Complexo é um pensamento contra a

disciplina, não se trata disso! É o pensamento que abre a disciplina a outros campos. E,

se fosse introduzido minimamente nas escolas, certamente a educação iria para outros

rumos.

Recursos fundamentais
É claro que há pressupostos, é claro que há fundamentos, é claro que há recusas.

Algumas recusas são fundamentais, tem-se que recusar a separação entre a razão e a

emoção, por exemplo! Recusar a separação entre ciência e arte, ciência e mito, que está

incrustada no pensamento ocidental, pelo menos desde Descartes. Primeira recusa.

A segunda. Tem-se que assumir, e recusar, e assumir as implicações da recusa que entre

o singular e o universal, o local e o global, o sujeito e o objeto, há sempre uma relação

de tensão. Entre o local e o global não há nunca uma relação de total harmonia.

São opostos que se juntam, mas que precisam ser entendidos dessa maneira. Muitas

vezes nos tendemos a isolar os opostos, como os opostos que seriam irreconciliáveis.

O Pensamento Complexo nos ensina a assumir a tensão entre o cenário universal, entre

o global e o local, entre o individual e o coletivo. Assumir a tensão, mas tentar fazer

com que se estabeleça um canal de comunicação entre esses dois elementos. Em outras

palavras, o que era aparentemente considerado como oposto, pode dialogar entre si.

A terceira recusa, talvez seja a mais complicada, é aquela que diz que precisamos

recusar que o Estado é o único balizador do conhecimento científico. Há outras

instituições, que não seja o Estado, que o fazem, e por vezes o faz até muito melhor. O

Estado é regido por normas, padrões, religiosidades. Ou assumir, apenas, que o Estado

não é o único balizador dos movimentos do conhecimento científico. Junta-se essas três

modalidades, acopla-se essas três modalidades aos saberes, e serão produzidos

currículos muito mais criativos.

Poderia se pensar que não seria estranho, por exemplo, numa escola, ao invés de

Filosofia, ter uma disciplina denominada a Filosofia da Incerteza. Nada impede que se

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ensine, tenha-se uma disciplina com o nome Fundamentos da Condição Humana. Nada

impede que se tenha uma disciplina que diga Indeterminações da Terra Pátria Há um

poeta francês, conhecido do Morin, que esteve presente nas jornadas, que se chama

Yves Bonnefoy, o titulo da Comunicação nas Jornadas Temáticas, era o seguinte: é

possível ensinar a poesia nas escolas?

E esse poeta dizia como era importante, antigamente, quando os indivíduos da geração

dele tinham que aprender de cor um poema, porque senão não passavam de ano.

Aprender de cor um poema não era meramente ficar repetindo o poema como um

papagaio, diz esse poeta. É que cada vez que você recita um poema de cor, você abre

janelas para o mundo.

Da mesma maneira, podemos dizer a mesma coisa no que diz respeito às Línguas. Toda

vez que se aprende uma Língua nova, agregam-se conhecimentos, abrem-se janelas para

o mundo, ampliam-se os acontecimentos, amplia-se a "cosmo visão". Então, construir

um currículo multidimensional em todos os níveis - no ensino fundamental, ensino

médio, universidade-, seria a tarefa fundamental que o Pensamento Complexo obteria se

realmente fosse assumido como pressuposto por todos.


"Na minha opinião, as escolas mais recuadas no tempo são as menos
marcadas pela fragmentação disciplinar e pela separação de
disciplinas: Então, por exemplo, em outros países nos quais o ensino é
aparentemente mais avançado, há. uma reforma de pensamento, uma
reforma de escolaridade muito mais necessária. Mas não, eu não posso
medir o grau de atraso das escolas brasileiras em relação às escolas
francesas. Conheço, sobretudo, uma enorme vontade de um número
grande de educadores brasileiros, muito maior do que de educadores
na França." (Edgar Morin).

Exercício reflexivo: após os estudos desta unidade faça uma síntese sobre os principais

conceitos da teoria de Edgar Morin.

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UNIDADE 4

PSICANÁLISE: SUA CONTRIBUIÇÃO À EDUCAÇÃO

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Sigmund Freud, o fundador da psicanálise, foi um médico austríaco, nascido em 1856,

nas proximidades de Viena, onde estudou medicina especializando-se em neurologia.

Durante muitos anos, em Viena; Freud trabalhou com dedicação e persistência,

cuidando de doentes e observando pessoas sãs. Assim, Freud tornou-se um grande

conhecedor da mente humana. Então, publicou uma doutrina psicológica

completamente nova, explicando o funcionamento da mente e o desenvolvimento da

personalidade. Essa doutrina foi chamada psico-análise, hoje, psicanálise.

A doutrina freudiana difundiu-se por todo o mundo e influenciou vários, campos da

atividade humana, principalmente a psiquiatria (parte da medicina que trata das doenças

mentais). É grande, também, O número de psicanalistas dedicados a aplicar a

psicanálise à educação da infância.

Vejamos alguns pontos da teoria psicanalítica que ajudam pais e professores a

compreender melhor a infância, aumentando sua capacidade de previsão e controle do

comportamento de seus filhos e alunos.

Sigmund Freud (1856-1939) criou a escola de pensamento chamada psicanálise,

tornando-se, talvez, a figura mais famosa da psicologia. Esse médico vienense, durante

o dia, tratava doentes com distúrbios nervosos e, a noite, escrevia suas observações e

pensamentos. Freud concluiu dessas observações, que todo o comportamento é

motivado, e que os motivos estão geralmente escondidos do individuo, o que leva muito

comportamento a parecer irracional. A fonte básica desses motivos é a libido, ou

impulso de busca do prazer.

Freud descreveu a personalidade como resultado de três componentes: id, ego e

superego. Muito da ansiedade humana resulta do conflito interno entre esses três

componentes. Distúrbios da personalidade adulta podem ser estudados e mostrarem que

suas causas estão diretamente ligadas a ansiedade e traumas na infância.

Doutrina Freudiana
Libido: Observando seus pacientes, Freud constatou que, na maioria das vezes, a

doença mental é provocada por um problema sexual. Além disso, Freud também

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estudou pessoas normais e chegou à conclusão básica de sua teoria: o comportamento

humano orienta-se pelo impulso sexual.

Freud dá o nome de libido ao impulso sexual. Libido é uma palavra latina, feminina,

que significa prazer. A libido é uma força de grande alcance na nossa personalidade; é

um impulso fundamental ou fonte de energia.

Após alguns anos. Freud ampliou o sentido da palavra libido, abrangendo, também, o

impulso de agressão. Elementos da personalidade. Freud divide a personalidade humana

em três elementos: id, ego e superego.

Id: É a parte irracional ou animal, biológica, hereditária, que existe em todas as pessoas,

sempre procurando satisfazer a libido, os impulsos sexuais. Esses impulsos do id, na

maioria, são inconscientes, passam despercebidos.

Superego: Desde que nascemos, vivemos em um grupo social do qual vamos recebendo

influências constantes. Desse grupo vamos absorvendo, aos poucos, idéias morais,

religiosas, regras de conduta etc., Que vão constituir uma força em nossa personalidade.

A essa força, que é adquirida lentamente por influencia de nossa vida em sociedade,

Freud chama de superego.

O id e o superego são forças opostas, em constante conflito. O superego, quase sempre,

é contrário à satisfação de nossa natureza animal, enquanto o id procura satisfazê-la.

Essa luta entre id e superego, imperceptível na maioria das vezes, é inconsciente.

Ego: O que procura manter o equilíbrio entre essas forças opostas é a nossa razão, a

nossa inteligência, à qual Freud chama de ego. O ego tenta resolver o constante conflito

entre id e superego. Numa pessoa normal, o conflito é resolvido com: êxito.

Quando o ego consegue equilibrar as duas forças conflitantes, a saúde mental normal é

normal. Mas, no momento em que o ego não consegue mais manter essa harmonia,

aparecem os distúrbios mentais.

A teoria de Freud é que "nossa personalidade é dinâmica, e resulta de duas forças

antagônicas: o id e o superego".

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Níveis da vida mental: Ao apresentar a sua teoria, Freud explicou o que ele entendia

por inconsciente. Não foi ele, porém, que primeiro afirmou a existência de uma vida

mental inconsciente. Não foi ele, porém, que primeiro afirmou a existência de uma vida

mental inconsciente. Antes dele, já se falava nisso.

Freud explicou que a nossa vida mental se dá em três níveis consciente, pré ou

subconsciente e inconsciente.

Nível consciente. Há fenômenos mentais que e deles estamos tomando conhecimento,

imediato. Por exemplo: sei o que estou pensando, sei das percepções, das emoções que

estão ocorrendo agora em minha mente.

Nível pré-·consciente (ou subconsciente). Há fenômenos que não estão se passando

agora em minha mente, mas que são do meu conhecimento. Sei da existência dos

mesmos, posso chamá-los à minha mente quando quiser ou necessitar. Posso evocá-las.

Por exemplo: posso reviver, em certos momentos, muitos fatos que se passaram comigo,

nos quais não estou continuamente pensando: evoco lembranças, emoções etc. Esses

fatos, tanto os que estão acontecendo agora em minha mente como aqueles que eu

poderia evocar neste momento (conscientes e pré-conscientes), são fatos do meu

domínio, conheço-os. Tenho consciência deles.

Nível inconsciente. Para entender a teoria de Freud, é importante aceitar a existência dos

fenômenos mentais inconscientes. São fenômenos que se realizam em nossas mentes

sem que o saibamos. Eles nos passam despercebidos, nós os ignoramos.

Já se afirmava, antes de Freud, a existência da vida mental inconsciente. Ele, porém,

teve o mérito de:

 fornecer meios para conhecer a vida mental inconsciente: as técnicas

psicanalíticas (a associação livre, a análise dos sonhos e a análise dos atos falhos);

 afirmar que os fatos inconscientes têm grande influência na direção de

nosso comportamento, na orientação de nossas' ações. Por exemplo, podemos ignorar a

existência em nós de emoções, tendências e impulsos, os quais, na realidade, estão

influenciando fortemente as nossas vidas.

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Desenvolvimento psicossexual: Freud apresentou uma explicação psicossexual ao

desenvolvimento humano. Ele foi o primeiro a tratar da sexualidade infantil.

Segundo Freud, o impulso sexual já se manifesta no bebê – como e ser comprovado pela

observação direta de crianças e pela análise clínica de crianças e adultos, bem como

pela similaridade das manifestações do impulso sexual entre elas e o adulto: beijos,

carícias, olhares, exibições etc.

Em 1905, em seu livro três ensaios sobre a sexualidade, Freud descreveu a seqüência

típica das manifestações do impulso sexual, distinguindo cinco fases: oral, anal, fática,

de latência e a fase adulta, chamada genital. A transição de uma fase a outra é muito

gradual; as fases se superpõem e sua duração varia de um individuo para outro.

Fase oral (de 0 a 18 meses). Durante o primeiro ano e meio de vida, aproximadamente,

os lábios, a boca 'e a língua são os principais órgãos de prazer e satisfação da criança:

seus desejos e satisfações são orais. Essa afirmação baseia-se na análise clínica de

crianças de mais idade e de adultos; é possível também observar no dia-a-dia a

importância, para crianças dessa idade e mesmo mais velhas, de atos como sugar, pôr

coisas na boca e morder, como fontes de prazer. Se as necessidades forem satisfeitas, a

pessoa crescerá de maneira psicologicamente saudável; se não o forem, seu ego será

imperfeito. Por exemplo, se as necessidades orais forem frustradas durante esse período,

por desmame prematuro, por afastamento rigoroso de todos os objetos para sugar

(incluindo o polegar), o ego poderá ser incapaz de superar os desejos orais frustrados.

Alguns psicanalistas atribuem o alcoolismo, por exemplo, a frustrações na fase oral.

Fase anal (de 18 meses a 3 anos). No ano e meio seguinte, época em que a criança está

sendo ensinada a controlar as fezes e a urina, sua atenção se focaliza no funcionamento

anal. Por isso, a região anal torna·se o centro de experiências frustradoras e

compensadoras. Os pais aprovam e recompensam a criança por uma defecação no local

e no momento adequados, e procuram desestimular a mesma atividade em

circunstâncias inadequadas. Sensações de prazer e desprazer associam-se tanto com a

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expulsão como com a retenção das fezes, e esses processos fisiológicos, bem como as

fezes em si, são objeto do mais intenso interesse da criança. Esta é a chamada fase anal.

Se, durante este segundo estágio, sobrevierem muitas frustrações, devidas a um treino

excessivamente severo de controle dos esfíncteres, o ego poderá ser prejudicado em seu

desenvolvimento. Psicanalistas atribuem a avareza, a exagerada preocupação com a

limpeza e a meticulosidade (no adulto) a frustrações ocorridas fase anal. Esses traços

constituem a chamada personalidade anal. Avareza ou sovinice, isto é, o prazer no

acúmulo e guarda de bens, poderia ter-se originado do prazer que a criança

experimentou e reter as fezes. A exagerada preocupação com a limpeza e a ordem (tanto

no plano material quanto no mental) tem sido relacionada com exigências excessivas de

limpeza que os pais fazem às crianças nessa idade.

Fase fálica (de 3 a 7 anos). Por volta do final do terceiro ano de vida, o papel sexual

principal começa a ser assumido pelos órgãos genitais e, em regra, é por eles mantido

até a vida adulta. Essa fase do desenvolvimento sexual recebeu o nome de fálica (falo =

pênis), pois o pênis é o principal objeto de interesse para a criança de ambos os sexos.

Nesta fase, merecem menção algumas manifestações do impulso sexual. Uma delas é o

interesse pelas diferenças anatômicas entre os sexos. A criança deseja ver os genitais

das outras, bem como mostrar os seus. Sua curiosidade e exibicionismo, naturalmente,

incluem outras partes do corpo, bem como outras funções orgânicas. Durante esse

período, a criança se interessa também pelo papel que o pai desempenha na procriação,

pelas atividades sexuais dos pais, pela origem dos bebês - temas freqüentes de suas

fantasias. Nesse sentido, admoestações excessivas e punitivas sobre os interesses e

atividades sexuais teriam efeito negativo na posterior identificação sexual. De acordo

com a concepção freudiana, impotência sexual, frigidez, exibicionismo e

homossexualidade são considerados deficiências do ego derivadas do período, fâ1ico. É

ainda nessa fase que aparecem' os complexos de Édipo e de castração. Os, psicanalistas

chamam de complexo de' Édipo a atração da criança pelo progenitor do sexo oposto,

que ocorre aproximadamente dos 3 aos 5 anos. (O jovem príncipe Édipo, personagem-

título da tragédia grega Édipo rei, de Sófocles, assassina o pai e casa-se com a mãe.)

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Nesse período configura-se o fenômeno da identificação com o progenitor do mesmo

sexo. Os psicanalistas explicam os fatos do período fálico da seguinte maneira: a criança

ama o progenitor do sexo oposto; percebendo, porém, que este tem uma afeição especial

pelo progenitor do mesmo sexo que ela, procura assemelhar-se a este ultimo, identificar-

se com ele, para também merecer o amor do progenitor do sexo oposto. Uma menina,

portanto, gosta muito de seu pai e percebe que este tem especial afeição para com sua

mãe. Então, para merecer o amor do pai, procura identificar-se com a mãe, imitando-a

(usando sapato de salto alto, batom, ocupando-se das tarefas maternas etc.). Esta

menina, vivendo num lar harmonioso, tornar-se-á bem feminina. Transpondo, porém, a

mesma situação para um lar em que o marido deprecie a esposa, a filha deste casal – que

ama o pai e quer sua afeição – não procura identificar-se com a mãe, e quem não julga

bom modelo. Para evitar parecer-se com ela, poderá tornar-se uma personalidade com

características masculinas. A mesma situação repetir-se-á, analogamente, com o

menino: num lar normal, harmonioso, o menino procurará imitar o pai, para merecer a

afeição da mãe, a quem muito ama. Tornar-se-á bem masculino. Todavia, num lar em

que haja desavenças, em que a esposa deprecie e ridicularize o marido, o menino,

desejando o amor da mãe, não procurará imitar o pai. Ao evitar o modelo masculino,

poderá tornar-se uma personalidade com características femininas. É neste período que

cada um assumira sua identidade sexual para toda a vida. Segundo Freud, o complexo

de Édipo é reprimido no menino e convertido em angustia de castração. Na imaginação

infantil, o pai, inicialmente amado, passa a ser temido, pois o menino receia que, por

ciúme, seu genitor queira realmente tirar-lhe os órgãos sexuais. No final desta fase,

sobrevém a repressão da hostilidade para com o pai e do amor pela mãe. Freud, porém,

não explicou o desenvolvimento das meninas tão explicitamente quanto o dos meninos.

Todos nós sofremos uma amnésia infantil, isto é, comumente esquecemos, à medida que

crescemos os interesses sexuais de nossa infância. É mais exato dizer que as lembranças

de tais interesses são energicamente reprimidas, não aflorando ao nível da consciência.

Tanto nos meninos quanto nas meninas, outra consequência do período edipiano é o

desenvolvimento da consciência moral ou do superego. Ao identificar-se com os pais, a

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criança adquire seus padrões, seus valores. Ela aceita como regras de ação, fazer o que

os pais aprovam e evitar o que eles condenam. Quando a criança transgride essas regras

ou normas, uma “voz interior” condena-a e a faz sentir-se culpada. A obediência aos

padrões morais dos pais alivia seu medo de perder o amor deles, a mais séria das

ameaças.

A fase fálica apresenta grande tensão e muitas dificuldades para a criança, “Sua solução

é importante para o desenvolvimento normal, e os desvios em sua resolução estão atrás

de quase todas as dificuldades neuróticas dos adultos de nossa cultura.” (BALDWIN, A.

L. Teorias do desenvolvimento da criança. São Paulo, Pioneira, 1973, p. 344).

Para Freud e seus adeptos, aspectos extremamente significativos de nosso

desenvolvimento pessoal e emocional são determinados durante os primeiros sete anos

de nossa vida. Práticas inadequadas e educação das crianças resultarão em prejuízo para

o seu ajustamento quando adultos.

A personalidade adulta é grandemente afetada pelas experiências emocionais da

infância ou, em outras palavras, pela qualidade da alteração entre a criança e os adultos

significativos para ela. (A esse respeito, Freud afirmou: “a criança é pai do homem".)

Fase de latência (de 7 a 12 anos). Após as fases oral, anal e fálica, segue-se a de

latência, aproximadamente entre 7 e 12 anos. Esse período corresponde aos anos da

escola de primeiro grau, quando a criança estará voltada p,ara a aquisição de

habilidades, valores e papéis culturalmente aceitos.

Em relação à fálica - com tantas dificuldades e tensões – esta fase parece ser bem mais

calma. Ela é chamada de latência porque s impulsos são impedidos de se manifestar.

Nesta fase aparecem na criança barreiras mentais, impedindo as manifestações da

libido, barreiras essas que Freud identificou como repugnância, vergonha e moralidade.

O impulso sexual dirige-se para finalidades culturais: domínio Ia leitura, da escrita e de

muitas outras habilidades.

Esta é uma época de nítida separação entre meninos e meninas: de rivalidade entre os

dois grupos. Depois da puberdade (que ocorre aproximadamente dos 12 aos 4 anos para

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as meninas e dos 14 aos 16 para os meninos), começa a fase adulta, que: é conhecida

como genital.

Fase genital (idade adulta). Segundo Freud, nesta fase, a libido, através da atividade

sexual normal, é descarregado em um ser humano 'sexo oposto. É a fase dos interesses

heterossexuais. Mecanismos de defesa (ou “dinamismos" freudianos). Freud (afirma que

nossa personalidade é o resultado do conflito entre duas forças opostas: o id - força

biológica) natural) procurando satisfazer nossos pulsos sexuais - e o superego - força

social. Adquirida, procurando impedir a satisfação da libido. Nossa razão, ou nosso ego,

poderá harmonizar esse conflito de varias maneiras. Freud chama de mecanismos de

defesa do ego os modos de equilibrar essas duas forças opostas, alguns dos quais são:

repressão, conversão, sublimação etc.

Repressão. E o "dinamismo" que mais comumente usamos para acomodar a oposição

entre nossas tendências naturais e nossa consciência moral, que as julga más e

socialmente indesejáveis. Esse "dinamismo" consiste em não admitir a existência das

tendências o id, não pensar nelas, ignorá-las, tomá-las inconscientes ou recalcá-las. Por

exemplo, uma pessoa que tenha agressividade para com seu pai poderá reprimir esse

antagonismo, recalcá-lo; ela não admitirá a existência do mesmo, conseguirei torná-lo

inconsciente. Essa tendência não desaparecerá totalmente, mas continuará a existir e

procurará se manifestar no pensamento, procurará passar para o nível consciente. Os

impulsos reprimidos conseguirão se manifestar, algumas vezes, enquanto estarmos

adormecidos, através dos sonhos; outras vezes, quando estamos acordados, através dos

atos falhos; e, também, em estados de intoxicação por álcool ou outras drogas.

Conversão. Freud explicou que, muitas vezes, não conseguimos harmonizar os impulsos

do id com o superego por meio de outros mecanismos. Então, a luta, o conflito entre

essas duas forças vai se converter em um sintoma físico: paralisia, dores de cabeça,

perturbações digestivas etc. No século XX, a medicina mudou seu modo de encarar

certos problemas: os médicos, atualmente, não consideram o corpo isolado da mente.

Aceitam que o estado da mente influi no corpo e vice-versa. Existe uma inter-relação

entre corpo e mente. Antigamente, os estudiosos consideravam separadamente esses

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dois componentes· da pessoa. A medicina atual, porém, é psicossomática: corpo e

mente estão muito ligados; não podemos aceitar que: nosso corpo esteja bem quando

temos problemas emocionais. Por outro lado, a doença física faz a p1essoa pessimista,

deprimida etc. Corpo e mente são dois elementos que se interinfluenciam. Conversão é,

portanto, a transformação de conflitos emocionais em sintomas físicos. Diz o doutor

Arthur Ramos, no livro A criança problema que muitos dos problemas emocionais das

crianças podem se converter em· "tiques" (movimentos automáticos sem finalidade).

Sublimação. É a satisfação modificada dos impulsos naturais, em atos socialmente mais

aceitáveis. Os psicanalistas afirmam que uma pessoa pode satisfazer seus desejos

naturais entregando-se à arte, à religião, a obras sociais etc. A sublimação tem

importante papel, no desenvolvimento do homem civilizado e nas realizações culturais.

É o mecanismo de defesa mais recomendado em educação.

Psicanálise e Educação

Freud relacionava o comportamento apresentado pelo indivíduo adulto com episódios

de sua vida infantil. A importância atribuída pela psicanálise à infância das pessoas, sua

explicação sobre as características emocionais das diferentes fases da vida humana e

outras afirmações de Freud tiveram muita influência na educação.

Pais e professores, apoiados na psicanálise, ganharam maior

compreensão da infância e, portanto, maior capacidade de previsão e controle do

comportamento de seus filhos e alunos.

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Exercício reflexivo: a teoria de Freud foi ampla e discutiu vários temas relacionados ao

desenvolvimento humano. Eleja quais você entende que podem contribuir com a sua

prática na sala de aula.

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Bibliografia

BALDWIN, A. L, Temias do desenvolvimento da criança. São Paulo, Ed. Pioneira,


1973,

BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. Petrópolis, Ed.Vozes, 1978.

BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise. Rio de Janeiro, Ed. lmago. 973.

DORIN, E. Dicionário de psicologia, São Paulo, Ed. Melhoramentos, 1978.

FREUD, S. Três ensaios sobre a sexualidade. Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1973.

HALL, C. S. e LINDZEY, G. Teorias da personalidade. São Paulo, Ed. Herder, 1971.

CH, D. e CRUTCHFIELD, R. S. Elementos de psicologia. São Paulo, Ed. Pioneira,


1968.

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Avaliação

Ao final deste estudo você irá realizar um momento individual de avaliação. Você e o
conhecimento aprendido. Procure responder as questões sem o auxílio dos textos. Se
não conseguir, não desanime. Releia tudo e tente novamente. Lembre-se que o
compromisso em aprender deve ser a meta principal do seu esforço.

Boa sorte, Fé e força na busca de seus sonhos!

ATIVIDADES AVALIATIVAS

1) Faça uma síntese retratando os principais pontos das Teorias Inatistas,


Ambientalistas e Interacionista a respeito das Teorias de Aprendizagem.

2) Mostre o papel da escola e do ensino para Vygotsky.

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3) A cerca das Teorias de Aprendizagem, destaque os pontos principais das obras


de Piaget, Vygotsky, Wallon, Skinner, Rogers, Gardner e Morin.

4) Quem foi Freud? Situe-o no tempo e no espaço. O que Freud chama de libido?
O que é id, na teoria freudiana?

5) O que a psicanálise chama de superego? Qual é o papel do ego, na teoria


freudiana? O que são fenômenos mentais inconscientes? Qual o valor atribuído por
Freud ao inconsciente?

6) Enumere as fases pelas quais, segundo Freud, passa em nosso desenvolvimento


psicossexual, indicando a idade aproximada correspondente a cada uma delas.

7) Quais os principais órgãos de prazer e satisfação para a criança, na primeira


fase? Qual é o principal interesse da criança na fase fálica e como ele se manifesta?

8) Explique em que consistem os complexos de Édipo e de castração. Como se dá


a adoção do papel sexual para toda a vida, realizada pela criança, na fase fálica?

9) Descreva o chamado período de latência. Como é chamada a fase adulta do


nosso desenvolvimento psicossexual?

10) Que é repressão? Em que consiste a conversão? O que os psicanalistas chamam


de sublimação?

Não se esqueça de colocar nome, curso e cidade.

Bom trabalho!

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