Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Reitor
Zaki Akel Sobrinho
Vice-Reitor
Rogério Mulinari
Conselho Editorial
Andrea Carla Dore
Cleverson Ribas Carneiro
Cristina Gonçalves de Mendonça
Lauro Brito de Almeida
Maria Auxiliadora Moreira dos Santos Schmidt
Mario Antonio Navarro da Silva
Nelson Luis da Costa Dias
Paulo de Oliveira Perna
Quintino Dalmolin
Sergio Luiz Meister Berleze
Sergio Said Staut Junior
Wilson da Silva
A Ginástica da Mente
© Wilson da Silva
A Ginástica da Mente
Coordenação editorial
Daniele Soares Carneiro
Revisão
Franciele Carmo Lemes e Simone Ap. Schiavinato
Revisão final
do autor
Projeto gráfico
Alessandro Dutra
ISBN 978-85-8480-012-4
Ref. 777
Direitos reservados à
Editora UFPR
Rua João Negrão, 280, 2.° andar, Centro
Caixa Postal 17.309
Tel.: (41) 3360-7489 / Fax: (41) 3360-7486
80010-200 - Curitiba - Paraná - Brasil
www. editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2014
APRESENTAÇÃO
O livro Xadrez para Todos, composto pelos capítulos “A
História do Xadrez”, “Metodologias para o Ensino do Jogo de
Xadrez nas Escolas”, “Noções Básicas de Xadrez” e “Xadrez e
Educação”, apresenta materiais relevantes para professores que
desejam explorar o potencial educativo do jogo de xadrez.
O capítulo “A História do Xadrez” aborda a evolução his-
tórica do jogo e cobre os períodos antigo (mais ou menos até
1500) e moderno (mais ou menos de 1500 até hoje). Cada perío-
do está dividido em cinco subperíodos que abarcam as grandes
transformações do xadrez nos seus 2 mil anos de história. Ao fi-
nal, o autor apresenta uma lenda sobre a origem do xadrez, que
pode ser utilizada pelos professores antes mesmo de abordar a
evolução histórica do jogo.
O capítulo “Metodologias para o Ensino do Jogo de Xadrez
nas Escolas” aborda três metodologias que se mostram eficien-
tes para o ensino do xadrez nas escolas: o Método Holandês, os
Jogos Pré-Enxadrísticos e as Partidas Temáticas. O Método Ho-
landês fundamenta-se na dificuldade que o aluno de xadrez tem
de assimilar o conceito de xeque-mate, e aborda esse conceito
exaustivamente. Os Jogos Pré-Enxadrísticos são jogos mais sim-
ples para ensinar o jogo de xadrez. As Partidas Temáticas visam
proporcionar aos alunos experiências específicas para temas es-
pecíficos do jogo, como por exemplo a utilização dos peões com
a atividade Batalha de Peões.
O capítulo “Noções Básicas de Xadrez” apresenta as regras
básicas do jogo, os conceitos de finalização xeque, xeque-mate e
afogamento, bem como os movimentos especiais chamados de
promoção, roque e en passant. Ao final desta parte o autor coloca
vários exercícios de fixação para todos os conceitos apresentados.
O capítulo “Xadrez e Educação” apresenta as principais
pesquisas sobre o jogo de xadrez, pesquisas estas que estão divi-
didas em dois campos: Xadrez Escolar e Psicologia Cognitiva. O
autor também fornece uma caracterização do xadrez abordando
a relação entre jogo e biologia, e jogo e cultura. Ainda nesse
capítulo o autor discute a complexidade presente no xadrez e
fornece um panorama bastante preciso sobre o desenvolvimen-
to da expertise no jogo.
Uma vez que o autor tem larga experiência com o ensi-
no do xadrez (aproximadamente 20 anos), e que a metodologia
apresentada já foi testada com sucesso em diversos cursos de for-
mação de professores de xadrez, recomendo a leitura desta obra.
Jaime Sunye
Grande Mestre Internacional de Xadrez
Para Virginia e Eduardo Roters da Silva
Sobre o Autor:
1995 a 1998 – Graduação em Peda- materiais didáticos para apoiar pesqui-
gogia. Universidade Federal do Para- sas com o jogo de xadrez realizadas
ná, UFPR, Curitiba, Brasil. pelo Departamento de Informática da
UFPR. Orientador: Prof. Dr. Alexandre
2001 a 2002 – Especialização em Psico- I. Direne.
pedagogia. Instituto Brasileiro de Pós-
-graduação e Extensão, IBPEX, Curiti- Autor do livro Meu primeiro livro de xa-
ba, Brasil. Título: Jogo, cognição e edu- drez: curso para escolares. 6. ed. Curiti-
cação: abordagem psicopedagógica do ba: Expoente, 2005.
jogo de xadrez. Orientadora: Ana Maria
Lakomy. Autor do livro Xadrez e Educação: contri-
buições da ciência para o uso do jogo
2002 a 2004 – Mestrado em Educa- como instrumento pedagógico. Curitiba:
ção. Universidade Federal do Paraná, Editora UFPR, 2012.
UFPR, Curitiba, Brasil. Título: Processos
cognitivos no jogo de xadrez. Orien- Atuação Profissional
tadora: Profª Dra. Tamara da Silveira
Valente. Coordenador do Clube de Xadrez Erbo
Stenzel, na Fundação Cultural de Curitiba.
2005 a 2010 – Doutorado em Educação.
Universidade Estadual de Campinas, Professor universitário:
UNICAMP, Campinas, Brasil. Título: • Centro Universitário Campos de
Raciocínio lógico e o jogo de xadrez: Andrade - UNIANDRADE
em busca de relações. Orientadora: Professor Adjunto: Jogos Intelecti-
Profª Dra. Rosely Palermo Brenelli. vos, Teorias do Conhecimento (Ed.
Física).
2010 a 2012 – Pós-Doutorado em In-
formática Educacional. Universidade • Instituto Superior de Educação
Federal do Paraná, UFPR, Curitiba, Nossa Senhora de Sion - ISE
Brasil. Título: Tecnologia educacional, Professor Adjunto: Jogos Intelec-
ludicidade e educação: a utilização das tivos na Educação, Psicologia e
tecnologias educacionais desenvolvidas Educação, Psicologia do Desenvol-
pelo Departamento de Informática da vimento (Pedagogia).
UFPR para o ensino e prática do xadrez
nas escolas públicas. Orientador: Prof. Professor de Pós-Graduação:
Dr. Alexandre I. Direne. • Instituto Brasileiro de Pós-Gradu-
ação e Extensão – IBPEX
2012 a 2014 – Pós-Doutorado em In- Professor Visitante: Aspectos Lú-
formática Educacional. Universidade dicos e Jogos, Cognição e Apren-
Federal do Paraná, UFPR, Curitiba, dizagem, Epistemologia Genética,
Brasil. Título: O desenvolvimento de Psicologia da Aprendizagem.
Sumário
Capítulo 1 – A História do Xadrez 15
Introdução 17
A História do Xadrez 25
Período Antigo (± até 1500) 25
Subperíodo Primitivo (± até 500 d.C.) 25
Subperíodo Indiano (± de 500 a 600) 26
Subperíodo Persa (± de 600 a 700) 28
Subperíodo Árabe (± de 700 a 1400) 29
Subperíodo Renascentista (± de 1400 a 1500) 31
Período Moderno (± de 1500 até hoje) 33
Subperíodo Romântico (± de 1500 a 1886) 33
Subperíodo Científico (± de 1886 a 1946) 36
Subperíodo Hipermoderno (± de 1916 a 1946) 42
Subperíodo Eclético (± de 1946 até hoje) 44
Subperíodo Informático (± de 1996 até hoje) 46
Referências 99
Referências 162
Referências 232
Capítulo 1
A História
do
Xadrez
Introdução
H
istoricamente o xadrez tem sido classificado como um
jogo de guerra (MURRAY, 1913; BELL, 1960). Em um
jogo de guerra típico, dois jogadores conduzem um
combate entre dois exércitos de força igual sobre um campo
de batalha de extensão delimitada que não oferece vantagem
inicial de território para cada lado. Os jogadores não têm ajuda
externa e só podem contar com suas faculdades de raciocínio,
e normalmente vence o jogador cuja capacidade estratégica é
maior, cujas forças estão colocadas de maneira mais efetiva,
e cuja habilidade para prever posições é mais desenvolvida
(MURRAY, 1913, p. 25). Nos quadros 1 e 2 pode ser vista uma
comparação entre o xadrez e a guerra.
A História do Xadrez 17
QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE O XADREZ E A GUERRA 1
18
QUADRO 2 – COMPARAÇÃO ENTRE O XADREZ E A GUERRA 2
Época Acontecimento Representante Palavra de ordem
de guerra no xadrez fundamental
XVI e XVII Campanhas italianas Grecco e Paolo Boi Assalto e ataque
XVIII Exército da revolução Phillidor O povo e os peões
Coordenação e combinação
XIX Napoleão Morphy
(guerra clássica 1)
Teoria da focalização do
XIX Clausewitz Steinitz
combate (guerra clássica 2)
Fim da era de movimentação.
1ª Guerra Mundial
XIX Tarrasch e Cluley Convergência para a noção de
(estrutura militar)
defesa (guerra clássica 3)
A História do Xadrez 19
Outras similaridades entre uma batalha e uma partida de
xadrez podem ser observadas no seguinte trecho em que Tzu
descreve os elementos da arte da guerra:
Tudo que é útil para o inimigo deve ser prejudicial para ti; tudo
o que é prejudicial para ele deve ser útil para ti. Quem está mais
atento na observação das movimentações e dos planos do inimigo e
se empenha mais no treinamento e na disciplina do exército será o
menos exposto ao perigo e terá mais motivos para esperar êxito de
seus empreendimentos. [...] Nenhum empreendimento tem mais
probabilidade de êxito do que aquele que se oculta do inimigo até
estar pronto para execução. [...] Se o general conhece perfeitamen-
te a própria força e a do inimigo, dificilmente fracassará. [...] Quem
é mais forte na infantaria do que na cavalaria, ou na cavalaria do
que na infantaria, deve escolher terreno compatível. [...] Não é fácil
evitar acidentes inesperados, porém os previstos podem ser facil-
mente evitados ou remediados (MAQUIAVEL, 2003, p. 185-187).
20
Os homens são criaturas de hábitos com uma necessidade insaciá-
vel de ver familiaridade nos atos alheios. A sua previsibilidade
lhes dá um senso de controle. Vire a mesa: seja deliberadamente
imprevisível. O comportamento que parece incoerente ou absurdo
os manterá desorientados, e eles vão ficar exaustos tentando ex-
plicar seus movimentos. Levada ao extremo, esta estratégia pode
intimidar e aterrorizar (GREENE; ELFFERS, 2000, p. 152).
A História do Xadrez 21
O primeiro se deu no século XV quando Gutenberg criou
o tipo móvel, possibilitando a impressão de livros, inclusive de
xadrez, como é o caso do Arte breve y introduccion muy neces-
saria para saber jugar el Axedrez (LUCENA, 1497), que é o livro
mais antigo sobre o xadrez moderno que chegou até os dias
de hoje. Ricardo Calvo (1997, p. 13), historiador do xadrez e
membro do grupo de historiadores do xadrez intitulado Gru-
po de Königstein, aponta que existem poucos exemplares desse
raro livro no mundo espalhados em algumas bibliotecas, sendo
que a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro é uma delas. Com
a proliferação dos livros de xadrez ocorreu a primeira mudança
no sentido de tornar o jogo de xadrez mais popular.
O segundo fato ocorreu na Europa do leste, já no início do
século XX, quando a recém-formada URSS adotou o jogo de xa-
drez como complemento à educação, tornando-se hegemônica
nesse esporte. Para se ter uma ideia do impacto que a escola so-
viética de xadrez exerceu no resto do mundo, desde a criação da
Federação Internacional de Xadrez (conhecida pelo acrônimo
FIDE do nome em francês Fédération Internationale des Échecs)
em 1924 até 2006, dos 17 campeões mundiais somente 4 não
vieram da URSS ou de sua área de influência. Nestes 82 anos
de existência da FIDE, por somente 10 anos não houve um cam-
peão mundial de xadrez da URSS. No artigo The Russian and So-
viet School of Chess, Botvinnik (1960, p. 12) afirma que algumas
características da escola soviética de xadrez podem ser encon-
tradas já no século XIX, com nomes como Petroff (1799-1867) e
Tchigorin (1850-1908). Shenk (2007, p. 168-169) assinala que
entre os revolucionários bolcheviques havia uma profunda ad-
miração pelo xadrez, sendo inclusive uma paixão do filósofo
da revolução russa Karl Marx. Arrabal (1988, p. 135-138) afir-
ma que Marx jogava muito bem xadrez, apresentando inclusive
uma partida anotada em que o filósofo vence um jogador cha-
mado Meyer. Fauber (1992, p. 294) informa que Lênin também
foi um apaixonado pelo xadrez:
22
O xadrez cresceu na Rússia pós-revolucionária por causa do amor
que Vladimir Lênin tinha pelo xadrez. Foi o lazer preferido de
Lênin. Quando ele foi exilado na Sibéria, jogou xadrez por corres-
pondência com o talentoso amador A. N. Khardin, em Samara. No
início, Lênin jogava com a vantagem de um cavalo a mais, e de-
pois esta vantagem caiu para um peão e um lance a mais. Quando
Lênin dirigiu o Partido Bolchevique do seu exílio na Suíça, ele
frequentemente jogava xadrez com uma atenção apaixonada e
muitas vezes repreendia-se depois de um jogo por negligenciar
as atividades revolucionárias. O escritor Maxim Gorky descreveu
o ardente jogo de Lênin e como ele reagia à perda, tornando-se
“desesperado como uma criança”. Em Genebra, ele foi acompa-
nhado por Alexander Ilyin-Zhenevsky, um jovem estudante, com
quem formou um vínculo estreito na véspera da Grande Guerra
(FAUBER, 1992, p. 294, tradução nossa).
A História do Xadrez 23
“Os motivos dos bolcheviques para promoverem o xa-
drez eram tanto ideológicos quanto políticos”, esclarece
o grande mestre britânico Daniel King. “Eles esperavam
que esse jogo lógico e racional pudesse curar as massas
da crença na Igreja ortodoxa russa. Mas também queriam
provar a superioridade intelectual do povo soviético so-
bre as nações capitalistas. Colocando em termos simples:
aquilo fazia parte da sua dominação mundial”. “Com o
xadrez”, prossegue King, “eles descobriram algo extrema-
mente vantajoso: o equipamento era barato de produzir;
os torneios, relativamente fáceis de organizar; e tudo se
fundamentava numa tradição já existente. Em pouco tem-
po já se viam clubes de xadrez nas fábricas, no Exército...
Aquele vasto experimento social rapidamente produziu
frutos.” (SHENK, 2007, p. 169, tradução nossa).
24
A História do Xadrez
A
pós esta introdução será abordada brevemente a his-
tória do xadrez focalizando algumas escolas de pensa-
mento, fatos e enxadristas mais importantes de cada
período. A seguir, pode ser visto o quadro 3, que apresenta a
história do xadrez dividida em períodos.
A História do Xadrez 25
A história do xadrez não pode ser estudada sem um conhecimento
adequado da história de outros jogos de tabuleiro. Em primeiro lu-
gar é necessário observar os jogos que existiam antes de o xadrez
surgir. Somente assim seremos capazes de compreender a origem e
as razões da origem do xadrez. A história dos jogos na antiga Índia
mostra que já existiam jogos mais simples antes do surgimento de
um complicado jogo de guerra. Em particular, o antecessor direto
foi asthapada – um jogo de corrida para quatro pessoas praticado
em um tabuleiro de 8x8, onde o movimento das peças era deter-
minado pelo lance de dados (AVERBAKH, 1999, tradução nossa).
26
infantaria (soldados a pé = os peões), cavalaria (os cavalos),
charretes (as torres) e elefantes (os bispos).
Conselheiro Dama
Elefante Bispo
A História do Xadrez 27
Na forma para quatro pessoas (MURRAY, 1913, p. 69; 76),
cada jogador possuía oito peças: um Rei, um Cavalo, um Elefan-
te (movia-se como Torre), um Navio (movia-se duas casas na
diagonal) e quatro Soldados (os Peões). A arrumação das peças
era feita como mostra a figura 2. O tabuleiro era monocromáti-
co e as peças dos quatro jogadores diferenciavam-se pelas cores
vermelha, verde, amarela e preta. A peça a ser movimentada era
definida por um lance de dados, embora uma variação sem os
dados também fosse praticada na época.
Amarelas Cavalo
Pretas Barco
Peão
Vermelhas Rei
Verdes Elefante
28
Calvo (1997, p. 68, tradução nossa) assinala que: “os pri-
meiros textos mostram que o jogo já estava bem estabelecido na
Pérsia por volta de 600 d.C.”.
A História do Xadrez 29
Três coisas foram inventadas na Índia, e não havia nada parecido
em nenhum outro lugar. Essas três coisas são: o jogo de xadrez, as
nove figuras que se podem contar até o infinito, e o livro de fábulas
Kalila e Dimna. Por outro lado, as descobertas na medicina e as-
trologia são discutidas pelos gregos e persas (CALVO, 1997, p. 73,
tradução nossa).
30
Os jogos de raciocínio como o xadrez, segundo Alfonso X,
levam vantagem sobre os esportes, pois:
[...] podem ser realizados tanto de noite como de dia, como podem
também ser praticados pelas mulheres – que não cavalgam e ficam
em casa –, pelos velhos e por aqueles que preferem ter suas distra-
ções privadamente para não serem incomodados, ou ainda pelos
que estão sob poder alheio em prisão ou cativeiro, ou viajando pelo
mar. E, para todos em geral, quando há mau tempo e não se pode
cavalgar, nem caçar, nem ir a parte alguma e forçosamente têm de
ficar em suas casas e procurar algum tipo de jogo com que se dis-
traiam, se ocupem e se reconfortem (LAUAND, 1988, p. 66).
A História do Xadrez 31
QUADRO 4 – DIVISÃO DA HISTÓRIA DO XADREZ EM PERÍODOS
32
Murray (1913, p. 777, tradução nossa) afirma que lamen-
tavelmente não é possível precisar a data e o local em que apa-
receu o xadrez moderno pela primeira vez: “Infelizmente, não
há registros sobre o início do novo xadrez do ponto de vista
histórico, e ficamos sem provas definitivas da data e local de sua
primeira aparição, sobre o motivo de sua invenção e a explica-
ção de sua rápida disseminação por toda a Europa.”
Murray (1913, p. 778-779) critica a hipótese de que o
novo xadrez tenha sido resultado do novo estilo de vida que a
invenção da imprensa e as descobertas geográficas do século XV
inauguraram, pois os outros jogos praticados na época perma-
neceram inalterados e não há razão para supor que isso teria
afetado somente o xadrez.
O sucesso do novo xadrez foi instantâneo, e na Itália e na
Espanha o velho xadrez que havia reinado por seis séculos já es-
tava obsoleto em todos os locais por volta de 1510. E em todos
os lugares o novo jogo substituiu o velho xadrez no tempo de
uma simples geração (MURRAY, 1913, p. 779-780).
A História do Xadrez 33
No entanto, antes de abordar essa escola, será feita uma breve
descrição dos eventos precursores do movimento romântico nos
séculos XV a XVIII.
Antes do surgimento da imprensa, em meados do século XV,
os livros eram escritos e copiados à mão, por monges, alunos e es-
cribas, sendo que cada livro demorava meses para ser finalizado,
o que tornava o seu preço elevadíssimo e inacessível para a maio-
ria das pessoas. Mas com a criação do tipo móvel, por Gutenberg,
livros de xadrez com análise de partidas estavam agora disponí-
veis para muitas pessoas (AGUILERA; PÉREZ, 1984, p. 11).
Entre os pioneiros do novo xadrez nos séculos XV e XVI,
podem-se destacar os seguintes nomes: Pedro Damiano (Por-
tugal, 1480-1544), Paolo Boi (Itália, 1528-1598), Ruy López
de Segura (Espanha, 1540-1580), Giovanni Leonardo da Cutri
(Itália, 1542-1587) e Alessandro Salvio (Itália, 1570-1640).
A forma de jogar nesta época era bastante simples e os
planos eram ingênuos como pode ser visto na obra de Lucena:
34
encontrava o rei adversário e, se preciso, utilizando brilhantes
sacrifícios de material (RÚA, 1973, p. 14-15).
O primeiro grande avanço qualitativo na planificação
ocorreu no século XVIII com o francês François André Danican
Philidor (1726-1795). Ele foi o primeiro jogador a conceber um
plano que abarcasse toda a partida, e, ao contrário dos seus con-
temporâneos, concebeu a partida como uma unidade na qual
características básicas e invariáveis governam diferentes tipos
de posições. Estas características eram basicamente formadas
pelos peões, sendo que a vitória ou a derrota dependeria intei-
ramente do seu bom ou mau arranjo no tabuleiro. Sua conheci-
da proposição de que os peões são a alma do xadrez reflete bem
a importância que atribuía a eles (FAUBER, 1992, p. 6-11).
Para Philidor, os peões, por serem mais fixos que as outras
peças, constituem elementos da estrutura da posição. A forma
com que se coloca o “esqueleto” de peões determina o caráter
de uma posição e, portanto, o plano apropriado para explorá-la.
Philidor demonstrou o valor do peão no lento manobrar com o
propósito de abrir linhas e de obstruir aquelas dominadas pelo
inimigo. Ensinou como assaltar uma posição sólida com o avan-
ço de uma falange de peões e com o apoio das peças colocadas
atrás deles (LASKER, 1997, p. 199).
Isto representou uma revolução para o xadrez, pois for-
neceu a ideia de que a partida é um todo integrado no qual a
realização de um conjunto de metas leva à realização de outros,
por estágios, até uma eventual vitória (FAUBER, 1992, p. 10).
Lamentavelmente, depois da morte de Philidor iniciou-se um
processo de abandono das suas ideias para retornar aos ideais
da tática, buscando desenvolver as peças rapidamente e concen-
trar forças sobre o rei adversário (RÚA, 1973, p. 23-24).
Os principais representantes do movimento romântico
no xadrez foram Adolf Anderssen (1818-1879), Paul Morphy
(1837-1884) e Joseph Henry Blackburne (1841-1924). Durante
este período a combinação foi a arma única e poderosa de com-
bate e não se jogava para ganhar, senão para fazer sacrifícios
brilhantes (AGUILERA; PÉREZ, 1984, p. 27).
Morphy foi o melhor jogador deste período e suas contri-
buições para o desenvolvimento do xadrez são indeléveis:
A História do Xadrez 35
As contribuições fundamentais de Morphy foram em
duas direções para o domínio da técnica de xadrez, ou
seja, a consciência posicional dos princípios que mais
tarde se popularizaram. O primeiro princípio [...] esti-
pula que cada jogada deve contribuir no possível para
o desenvolvimento; o segundo afirma que o bom desen-
volvimento é mais eficaz em posições abertas. Isso quer
dizer que o lado mais bem desenvolvido está interessado
em abrir o jogo e o mais mal desenvolvido buscará man-
tê-lo fechado sempre que possível (RETI, 1985, p. 22,
tradução nossa).
36
Morphy foi muito superior aos seus pares nas partidas abertas,
já que tinha descoberto o seguinte segredo: o rápido desenvolvi-
mento das peças é o ponto decisivo. As partidas fechadas eram
seu lado fraco, e nelas não superava os mestres da sua época. As
partidas que Morphy perdeu foram quase todas fechadas. Outro
jogador iria revelar novos conhecimentos neste campo: Wilhelm
Steinitz. Steinitz sabia que posições fechadas não dependiam
tanto do desenvolvimento das peças quanto de certas vantagens
posicionais duradouras. Estas são caracterizadas através do ma-
terial existente e da estrutura de peões (RETI, 1985, p. 27, tra-
dução nossa).
A História do Xadrez 37
A investigação de Steinitz começou partindo do princípio
de que o plano deve ter uma razão. Ele percebeu que o plano,
ao ser uma prescrição ou regra para alcançar êxito no tabuleiro
de xadrez, não podia basear-se na genialidade do jogador (como
se acreditava na sua época), mas sim deveria ser procurado na
posição das peças sobre o tabuleiro, e a ferramenta para este pro-
pósito deveria ser a avaliação (LASKER, 1997, p. 206).
Portanto, a base de um plano magistral deve ser sempre uma
avaliação. Embora valorizar, avaliar, julgar, estimar algo não pro-
porcione um conhecimento exato do que está sendo avaliado, este
conhecimento por estimativa, ainda que não seja exato, constitui
um guia eficaz para o jogador (LASKER, 1997, p. 208).
No núcleo da teoria de Steinitz encontra-se o conceito de
equilíbrio da posição, que pode ser expresso assim: se as vanta-
gens que um jogador possui são compensadas pelas vantagens
do seu adversário, a posição está equilibrada. Nestes casos não
se deve empreender nenhum ataque visando ganho imediato. A
ideia de equilíbrio é suficiente para convencer que em posições
equilibradas o melhor jogo de ambos os lados deve levar a posi-
ções equilibradas. Somente através de perturbações no equilíbrio
da posição, de modo que um jogador obtenha uma vantagem,
sem compensação para o adversário, pode-se atacar com intenção
de ganhar (LASKER, 1997, p. 231).
Uma vez que não se deve esperar nada grátis numa parti-
da bem jogada, o enxadrista deve jogar com vistas ao acúmulo
de pequenas vantagens, que, embora isoladas nada signifiquem,
consideradas no conjunto representam uma grande vantagem. A
grande vantagem surgida mediante a acumulação de pequenas
vantagens desemboca numa combinação vencedora (LASKER,
1997, p. 214-216).
No jogo prático, Steinitz esforçou-se por transformar as pe-
quenas vantagens, que desaparecem rapidamente, em pequenas
vantagens duradouras, para depois acumulá-las. Estas vantagens
duradouras eram: o isolamento de um peão inimigo; a maioria
de peões no flanco da dama longe do rei contrário; a debilitação
da estrutura dos peões adversários (em particular, os próximos ao
rei); um posto avançado que não pode ser atacado; o domínio de
linhas abertas (LASKER, 1997, p. 221).
38
Os princípios de Steinitz foram resumidos por Kotov (1989,
p. 33-34) em quatro regras: 1) O lado dominante deve atacar, e
deve fazê-lo, caso contrário correrá o risco de perder a vantagem.
Deverá atacar o ponto mais fraco da posição do adversário; 2) O
lado que está na defensiva deve continuar defendendo-se e fazer
concessões de tempos em tempos; 3) Em toda posição equilibra-
da os dois lados manobram procurando inclinar o equilíbrio a
seu favor. Mas uma posição equilibrada gerará outras também
equilibradas, se os jogadores jogarem com precisão; 4) A vanta-
gem pode ser grande e indivisível ou um conjunto de pequenas
vantagens. O lado superior deverá acumular pequenas vantagens
e transformar as vantagens variáveis em constantes.
De todos os grandes mestres que marcharam pelos caminhos
descobertos por Steinitz, foi Lasker o que chegou mais longe e
que, assimilando as ideias posicionais, revestiu suas atuações com
um selo pessoal tão luminoso e distinto, que se pode dizer que
constituiu um novo sistema (AGUILERA; PÉREZ, 1984, p. 143).
Como Steinitz, Lasker também procurou desvendar os prin-
cípios fundamentais que regem a conduta da partida de xadrez,
mas posicionou o escopo de sua análise tanto na técnica quanto
nas idiossincrasias do enxadrista. O seu estilo consistia em dese-
quilibrar a posição nem sempre realizando as melhores jogadas,
mas sim o lance mais desagradável para cada adversário.
Reti, ao analisar o estilo psicológico de Lasker, fez o interes-
sante comentário:
A História do Xadrez 39
Esta escola fundada por Lasker recebeu o nome de Escola
Psicológica. Kasparov escreveu o seguinte sobre Lasker:
40
QUADRO 5 – O ESTUDO DE KROGIUS SOBRE LASKER
Resultados totais de
Adversário Resultado da partidas subsequentes
de Lasker primeira Torneio contra
partida * os mesmos
oponentes
Nuremberg,
Maroczy 0,5 1896
Marshall 0 Paris, 1900
Bernstein 0,5 São Petersbur-
Rubinstein 0 go, 1909
42 em 63
Alekhine 0,5 São Petersbur- 66,7%
Capablanca 0,5 go, 1914
Bogoljibow 1
Mahrisch-Os-
Grunfeld 0,5 trau, 1923
Reti 1
Média do resultado da primeira partida: 4,5 em 9: 50%
* Pontos por partida: Vitória: 1; Empate: 0,5; Derrota: 0.
FONTE: Krogius (1976, p. 177).
A História do Xadrez 41
de as peças em jogo de tal forma que se perfilasse para si uma
indubitável superioridade, com frequência apoiada nas mais
inesperadas circunstâncias. Quando a vantagem alcançada era
claramente insuficiente para a vitória, Capablanca mantinha a
batalha com renovados temas de luta, de tal maneira que no
processo dessas manobras surgisse a ocasião para pôr em prá-
tica sua capacidade simplificadora, aumentando sua superiori-
dade com uma nova vantagem, dessa vez decisiva (AGUILERA;
PÉREZ, 1984, p. 23).
Para Capablanca cada partida era única e cada lance que
executava tinha significação particular. Ao contrário do princí-
pio de Morphy que estabelecia para a abertura o desenvolvi-
mento de uma peça em cada lance, sua ideia era que uma peça
deve ser jogada quando e onde seu desenvolvimento se encaixe
no plano de jogo que o enxadrista tem em mente. Kasparov dis-
se as seguintes palavras sobre Capablanca:
42
quando, para obter a vitória, os dogmas clássicos deveriam ser
sempre observados. Foi então que, na primeira metade do sé-
culo XX, surgiram jovens talentosos enxadristas que romperam
com os dogmas clássicos de Steinitz e desenvolveram a escola
de pensamento chamada Hipermodernismo.
Kasparov (2004, p. 286, 287) destaca que os pilares do
movimento eram Aaron Nimzowitsch (Letônia, 1886-1935), Ri-
chard Reti (Eslováquia, 1889-1929) e Gyula Breyer (Hungria,
1893-1921), e seus apoiadores foram o ex-campeão mundial
Alexander Alekhine (Rússia, 1892-1946), Efim Bogoljubow
(Ucrânia, 1889-1952), Savielly Tartakower (Rússia, 1887-1956)
e Ernst Franz Grünfeld (Áustria, 1893-1962). O Grande teóri-
co e inovador foi Nimzowitsch, que refinou substancialmente e
expandiu a aplicação dos princípios de Steinitz ao colocar em
prática várias ideias verdadeiramente revolucionárias. Reti as-
sim descreve o movimento:
A História do Xadrez 43
Em 1924, foi fundada em Paris a Fédération Internationa-
le des Échecs (FIDE), que conta hoje com 161 países membros.
Em junho de 1999, a FIDE foi reconhecida pelo International
Olympic Committee (IOC) como uma Federação Esportiva Inter-
nacional, sendo que realiza atividades enxadrísticas para mi-
lhões de jogadores ao redor do mundo.
Com a morte de Alekhine em 1946 o título mundial ficou
vago e a FIDE passou a regulamentar a disputa pelo título, sen-
do que a primeira aconteceu em 1948 e foi vencida por Mikhail
Botvinnik (Rússia).
44
Vantagens constantes: 1) superioridade material; 2) posi-
ção deficiente do rei contrário; 3) presença de um peão passa-
do; 4) peões fracos; 5) casas fracas; 6) debilidade na periferia;
7) “ilhas” de peões; 8) centro sólido de peões; 9) vantagem do
par de bispos; 10) posse de uma coluna aberta; 11) domínio de
uma diagonal aberta; 12) domínio de uma fila aberta.
Vantagens variáveis: 1) mau posicionamento de uma peça;
2) falta de harmonia na distribuição das peças; 3) superioridade
no desenvolvimento das forças; 4) pressão no centro exercida
por peças; 5) superioridade espacial.
Entretanto, estes dezessete elementos podem ser resumi-
dos em apenas quatro: 1) pontos e peões fracos; 2) colunas e
filas abertas; 3) centro e espaço; 4) peças bem situadas e pre-
ponderância na evolução delas quando a posição do rei contrá-
rio é deficiente, ou a disposição das peças do adversário carece
de harmonia, ou ainda uma das peças do adversário não está
bem situada (KOTOV, 1989, p. 34).
Por outro lado, Pachman (1967, p. 16) assinala que os
fatores que determinam o caráter da posição são: 1) relação ma-
terial, isto é, igualdade ou superioridade material de um lado;
2) o poder de cada peça; 3) a qualidade de cada peão; 4) a po-
sição dos peões, isto é, sua estrutura; 5) a posição dos reis; 6)
cooperação entre as peças.
A História do Xadrez 45
QUADRO 6 – OS CAMPEÕES MUNDIAIS DE XADREZ
N Nome * † País Período
1 Paul Morphy 1837 - 1884 EUA 1858-62
2 Wilhelm Steinitz 1836 - 1900 República Tcheca 1866-94
3 Emanuel Lasker 1868 - 1941 Alemanha 1894-1921
4 José Raul Capablanca 1888 - 1942 Cuba 1921-27
5 Alexander Alekhine 1892 - 1946 Rússia 1927-35
6 Max Euwe 1901 - 1981 Holanda 1935-37
5 Alexander Alekhine 1892 - 1946 Rússia 1937-46
7 Mikhail Botvinnik 1911 - 1995 Rússia 1948-57
8 Vasily Smyslov 1921 - Rússia 1957-58
7 Mikhail Botvinnik 1911 - 1995 Rússia 1958-60
9 Mikhail Tal 1936 - 1992 Letônia 1960-61
7 Mikhail Botvinnik 1911 - 1995 Rússia 1961-63
10 Tigran Petrosian 1929 - 1984 Geórgia 1963-69
11 Boris Spassky 1937 - Rússia 1969-72
12 Robert Fischer 1943 - 2008 EUA 1972-75
13 Anatoly Karpov 1951 - Rússia 1975-85
14 Garry Kasparov 1963 - Azerbaijão 1985-90
13 Anatoly Karpov 1951 - Rússia 1991-98
15 Alexander Khalifman 1966 - Rússia 1999-2000
20 Viswanathan Anand 1969 - Índia 2000-01
16 Ruslan Ponomariov 1983 - Ucrânia 2001-02
17 Rustam kasimdzhanov 1979 - Uzbequistão 2002-04
18 Veselin Topalov 1975 - Bulgária 2004-05
19 Vladimir Kramnik 1975 - Rússia 2005-07
20 Viswanathan Anand 1969 - Índia 2007-08
FONTE: Elaborado a partir de Kasparov (2004, p. 8-11); The World Chess Championship (2007).
Antes de 1948, o Campeonato do Mundo de Xadrez era regido por normas impostas pelo
campeão mundial, mas após a morte de Alekhine a FIDE passou a regulamentar o confronto
pelo título mundial. Portanto, os campeões mundiais de 1 a 6 são campeões pré-FIDE.
Em 1993, Kasparov e Short criaram a Professional Chess Association (PCA), por não
concordarem com as determinações da FIDE para o seu match pelo título mundial, recusando-
-se assim a jogarem sob a jurisdição da FIDE. Em decorrência desta cisão, no período de
1991 a 2005 houve dois campeões mundiais não reconhecidos pela FIDE: Kasparov (1991-
2000) e Kramnik (de 2000 a 2005, ano da unificação dos títulos mundiais da FIDE e PCA).
46
lizavam tarefas num inexplicável alto nível, muitos estavam dis-
postos a acreditar que a ciência e a tecnologia tinham tornado
isso possível, ao invés de duvidarem dos resultados da máquina
(ALLIS, 1994, p. 17).
Neste sentido, em 1769, o barão Wolfgang von Kempelen
apresentou ao mundo o Turco, seu autômato que jogava xadrez.
Esta foi a primeira máquina que criou a ilusão de possuir habili-
dades mentais: jogar xadrez em um nível elevado. Na verdade,
o Turco era uma fraude, pois no seu interior havia um enxadris-
ta escondido (FABER, 1983; STANDAGE, 2002).
O escritor norte-americano Edgar Allan Poe jogou contra o
autômato em 1835 e descreveu o funcionamento da máquina no
conto “O Jogador de Xadrez de Maelzel” (1978, p. 399-430). O au-
tômato também é o elemento central do romance histórico do es-
critor alemão Robert Löhr, intitulado A Máquina de Xadrez (2007).
Com o surgimento dos primeiros computadores surgiram
também os primeiros programas para jogar xadrez (KAPLAN,
1980; HARDING, 1981; PACHMAN; KÜHNMUND, 1986), o que
levou a um otimismo excessivo por parte de Herbert Simon em
1957 quando afirmou que dentro dos próximos 10 anos um
computador digital seria capaz de bater um Campeão Mundial.
Esta previsão levou 38 anos para se realizar e, em 10 de
fevereiro de 1996, o Campeão Mundial Garry Kasparov perdeu
uma partida em um match contra o supercomputador Deep
Blue, mas o resultado do match foi vitória de Kasparov com
3 vitórias, 2 empates e 1 derrota, num total de 6 partidas. O
“caderno Mais!” da Folha de S. Paulo (24/03/1996) estampou a
seguinte manchete: “Xeque-mate na razão”.
No encontro seguinte, em maio de 1997, Deep Blue derro-
tou Kasparov em um match de 6 partidas com resultado de 2 vi-
tórias, 3 empates e 1 derrota. O encontro teve ampla cobertura
da imprensa (capa da revista Veja de 07/05/1997) e, após a der-
rota de Kasparov, podiam-se ver manchetes como: “A humanida-
de em xeque” (Folha de S. Paulo de 18/05/1997), “Armagedon!,
Deep Blue wins 3,5-2,5” (revista Inside Chess de 09/06/1997).
A partir desta data marcante para o xadrez mundial, prati-
camente todos os jogadores de alto nível utilizam os recursos da
informática na preparação e análise dos seus jogos.
A História do Xadrez 47
A LENDA DO JOGO DE
XADREZ
N
ão se sabe ao certo a época
em que viveu e reinou na Índia um monarca chamado
Iadava, senhor da província de Taligana.
A guerra inquietou muito o espírito desse rei, que tinha o
dever de zelar pela tranquilidade de seus súditos. Então viu-se o
bom e generoso monarca forçado a empunhar a espada para re-
pelir um ataque brutal de Varangul, que se dizia príncipe de Cali.
O choque violento das forças trouxe consigo muitos mor-
tos nos campos de Dassima e tingiu de sangue as águas sagradas
do rio Sandhu. O rei Iadava possuía talento para a arte militar
e, sereno em face da invasão iminente, elaborou um plano de
batalha, tão hábil e feliz que venceu e aniquilou por completo
os perturbadores da paz do seu reino.
Porém o triunfo sobre o príncipe Varangul custou caro a
Iadava, que pagou com a morte de seu filho, príncipe Adjamir,
nos campos de batalha.
O rei Iadava, arrasado com a morte de seu filho, ao regres-
sar da batalha, proibiu todos os seus súditos de comemorarem a
vitória. Era costume festejarem os grandes feitos dos guerreiros.
Encerrado em seus aposentos, só aparecia para atender
aos ministros e sábios brâmanes quando algum grave problema
48
nacional o chamava a decidir, como chefe de Estado, no interes-
se e para felicidade de seus súditos.
Apesar do passar do tempo, as lembranças da penosa
campanha mais agravaram a angústia e a tristeza desse bondo-
so monarca, que não conseguia apagar a saudade do filho.
As peripécias da batalha em que pereceu o príncipe
Adjamir não lhe saíam do pensamento. O pobre monarca passa-
va longas horas traçando, sobre uma grande caixa de areia, as
diversas manobras executadas pelas tropas durante a batalha.
Com sulcos no chão indicava a marcha da sua infantaria;
outro traço mostrava o avanço dos elefantes de guerra; um pou-
co mais abaixo, representava com pequenos círculos, dispostos
em simetria, a cavalaria de um velho “radj”2 que se dizia sob
a proteção de Tchandra, a deusa da Lua. Ainda por meio de
gráficos esboçava a posição das colunas inimigas, colocadas em
desvantagem graças à sua estratégia no campo.
E assim ficou o rei a riscar na areia os planos de uma ba-
talha interminável.
Todos no palácio estavam muito preocupados com a so-
lidão do rei, e os brâmanes erguiam preces, queimavam raízes
aromáticas, implorando que os deuses amparassem o soberano
de Taligana.
Um dia, foi o rei informado de
que um moço brâmane — pobre e
modesto — solicitava uma audiência
que tinha pleiteado havia já algum
tempo. O rei nesse dia estava com boa
disposição e mandou que trouxessem
o desconhecido à sua presença.
O viajante foi conduzido à
grande sala do trono, para ser inter-
pelado pelo rei.
2
Chefe Militar.
A História do Xadrez 49
— Quem és, de onde vens o que dese-
jas daquele que, pela vontade de Vishnu3, é
rei e senhor Taligana?
— Meu nome — respondeu o jovem
Brâmane — é Lahur Sessa4 e venho da al-
deia de Namir, separada desta bela aldeia
por trinta dias de marcha. Chega até nosso
povo a notícia de que o nosso bondoso rei
arrastava os dias em meio de profunda tris-
teza, amargurado pela ausência de um filho
que a guerra viera roubar-lhe. Grande mal
será para o país, pensei, se o nosso dedicado
soberano se enclausurar, como um brâmane
cego, dentro de sua própria dor. Por minha
própria vontade inventei um jogo que pu-
desse distraí-lo e abrir em seu coração as
portas de novas alegrias.
É esse o humilde presente que desejo, neste momento,
oferecer ao nosso rei Iadava.
Como todos os grandes monarcas, o soberano hindu era
excessivamente curioso e logo quis ver o presente.
O que Sessa trazia ao rei Iadava consistia num grande
tabuleiro quadrado, dividido em sessenta e quatro quadradi-
nhos ou casas iguais. Sobre esse tabuleiro colocavam-se duas
coleções de peças que se distinguiam uma da outra, pelas cores
pretas e brancas, repetindo-se de maneira simétrica, permitindo
que se movimentassem de vários modos.
Sessa explicou pacientemente ao rei, aos vizires e corte-
sãos que rodeavam o monarca, em que consistia o jogo, ensi-
nando-lhes as regra essenciais:
— Cada um dos partidos dispõe de oito peças pequeninas
— os peões. Representam a infantaria que ameaça avançar ao
inimigo para desbaratá-lo.
3
Segundo membro da trindade bramânica.
4
Nome do inventor do xadrez. Significa “natural de Lahur”.
50
Secundando a ação dos peões vêm os Elefantes de Guerra5
representados por peças maiores e mais poderosas; a cavalaria,
indispensável no combate, aparece igualmente, no jogo, sim-
bolizada por duas peças que podem saltar, como dois corcéis,
sobre as coisas e, para intensificar o ataque, incluem-se – para
representar os guerreiros cheios de nobreza e prestígio – os “vi-
zires”6. Outra peça, dotada de amplos movimentos, mais efi-
ciente e poderosa do que as demais, defenderá o espírito de
nacionalidade do povo e será chamada “a rainha”. Completa
a coleção uma peça que isolada pouco vale, mas se torna mais
forte quando amparada pelas outras. É o rei.
O rei Iadava, interessado pelas regras do jogo, não se can-
sava de interrogar o inventor:
— E por que é a rainha mais forte e poderosa que o pró-
prio rei?
— É mais poderosa — argumentou
Sessa — porque a rainha representa, nes-
se jogo, o patriotismo do povo. A maior
força do trono reside, principalmente, na
exaltação de seus súditos. Como poderia
o rei resistir ao ataque dos adversários,
se não contasse com o espírito de abne-
gação e sacrifício daqueles que o cercam
e zelam pela integridade da pátria?
Dentro de poucas horas o monar-
ca, que aprendera com rapidez todas as
regras do jogo, já conseguira derrotar os
seus dignos vizires em partidas que se de-
senrolavam impecáveis sobre o tabuleiro.
Sessa, de quando em quando,
intervinha respeitoso, para esclarecer
uma dúvida ou sugerir novo plano de ataque ou de defesa.
5
Os elefantes foram mais tarde substituídos pelas torres.
6
São as peças chamadas de bispo. A rainha não tinha, a princípio, movimentos tão amplos.
A História do Xadrez 51
Em dado momento o rei notou, com grande surpresa, que
a posição das peças, pelas combinações resultantes dos diversos
lances, parecia reproduzir exatamente a batalha de Dacsina.
— Reparai — ponderou o inteligente brâmane — que para
conseguir a vitória, é indispensável, de vossa parte, o sacrifício
deste vizir! E indicou precisamente a peça que o rei Iadava, no
desenrolar da partida, queria defender e conservar. Sessa de-
monstrava, desse modo, que o sacri-
fício de um príncipe é, por vezes, im-
posto como uma fatalidade, para que
dele resultem a paz e a liberdade de
um povo. Ao ouvir tais palavras, o rei
Iadava, sem ocultar o entusiasmo que
lhe dominava o espírito, assim falou:
— Não creio que a inteligência
humana possa produzir maravilha
comparável a este jogo interessante e
instrutivo! Movendo estas simples pe-
ças aprendi que um rei nada vale sem
o auxílio e a dedicação constante de
seus súditos. E que, às vezes, o sacri-
fício de um simples peão vale mais,
para a vitória, do que a perda de uma
poderosa peça.
E, dirigindo-se ao jovem brâmane, disse-lhe:
— Quero recompensar-te, meu amigo, por este maravi-
lhoso presente, que tanto me serviu para alívio de velhas angús-
tias. Diz-me, pois, o que desejas, para que eu possa, mais uma
vez, demonstrar o quanto sou grato àqueles que se mostram
dignos de recompensa. As palavras do generoso oferecimento
não perturbaram Sessa. Sua fisionomia serena não demonstra-
va a menor agitação, a mais insignificante mostra de alegria ou
surpresa.
Todos olhavam atônitos diante dessa reação.
— Rei poderoso! — redarguiu o jovem com doçura —
pelo presente que hoje vos trouxe, outra recompensa não é
52
necessária, além da satisfação de ter
proporcionado ao senhor de Taligana
um passatempo agradável, que lhe vem
aliviar as horas de angústias vividas até
então. Sinto-me dessa forma já recom-
pensado, sem precisar mais de qual-
quer paga.
Sorriu, desdenhosamente, o bom
soberano ao ouvir aquela resposta, que
refletia um desinteresse tão raro entre
ambiciosos hindus. E não crendo na sin-
ceridade das palavras de Sessa, insistiu:
— Causa-me assombro tanto de-
sapego aos bens materiais, ó jovem! A modéstia, quando ex-
cessiva é como o vento que apaga a tocha, cegando o viajante
nas trevas de uma noite interminável. Para que possa o homem
vencer os múltiplos obstáculos que se depara na vida, precisa
ter o espírito que o impulsione a um ideal qualquer. Exijo, por-
tanto, que escolhas, sem mais demora, uma recompensa digna
de tua valiosa oferta. Queres uma bolsa cheia de ouro? Pensas
em possuir um palácio? Almejas a admiração de uma província?
Aguardo a tua resposta!
— Recusar o vosso oferecimento depois de vossas últimas
palavras — respondeu Sessa — seria desobediência ao rei. Vou,
pois, aceitar, pelo jogo que inventei, uma recompensa que cor-
responde à vossa generosidade. Não desejo, contudo, nem ouro,
nem terras ou palácios. Peço o meu pagamento em grãos de trigo.
— Grãos de trigo? — estranhou o rei, sem ocultar o es-
panto que lhe causava semelhante proposta — Como poderei
pagar-te com tão insignificante moeda?
— Nada mais simples — elucidou Sessa. — Dá-me um
grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro; dois pela segunda,
quatro pela terceira, oito pela quarta e, assim dobrando suces-
sivamente, até a sexagésima quarta e última casa do tabuleiro.
Peço-vos, ó rei, de acordo com vossa magnânima oferta, que au-
torizeis o pagamento em grãos de trigo, e assim como indiquei!
A História do Xadrez 53
Não só o rei como os vizires e venerados brâmanes pre-
sentes riram-se, ao ouvir a estranha solicitação do jovem. O
moço brâmane, que bem poderia obter do rei um palácio ou
uma província, contentava-se com grãos de trigo!
— Insensato! — clamou o rei — Onde foste aprender tão
grande desamor à fortuna? A recompensa que me pedes é ridí-
cula. Bem sabes que há, num punhado de trigo, números incon-
táveis de grãos. Devemos compreender, portanto, que com duas
ou três medidas de trigo eu te pagarei folgadamente, consoante
o teu pedido, pelas sessenta e quatro casas do tabuleiro. É cer-
to, pois, que pretendes uma recompensa que mal chegará para
distrair, durante alguns dias, a fome do último “pária” do meu
reino. Enfim, visto que minha palavra foi dada, vou expedir or-
dens para que o pagamento se faça imediatamente, conforme
teu desejo.
Mandou o rei chamar os algebristas mais hábeis da cor-
te e ordenou-lhes que calculassem a porção de trigo que Sessa
pretendia.
Os sábios calculistas, ao cabo de algumas horas de profun-
dos estudos, voltaram ao salão para submeter ao rei o resultado
completo de seus cálculos.
Perguntou-lhes o rei, interrompendo a partida que então
jogava:
— Com quantos grãos de trigo poderei, afinal, desobrigar-
-me da promessa que fiz ao jovem Sessa?
— Rei magnânimo — declarou o mais sábio dos matemáti-
cos — Calculamos o número de grãos de trigo que constituirá o
pagamento pedido por Sessa e obtivemos um número cuja gran-
deza é inconcebível para a imaginação humana. Avaliamos, em
seguida, com o maior rigor, a quantas ceifas corresponderia esse
número total de grãos e chegamos à seguinte conclusão: a porção
de trigo que deve ser dada a Lahur Sessa equivale a uma mon-
tanha que, tendo por base a cidade de Taligana, seria cem vezes
mais alta do que o Himalaia! A Índia inteira, semeando todos os
seus campos, não produziria, num século, a quantidade de trigo
que, pela vossa promessa, cabe em pleno direito ao jovem Sessa!
54
Como descrever aqui a surpresa e
o assombro que essas palavras causam
ao rei Iadava e a seus dignos vizires?
O soberano hindu via-se, pela primeira
vez, diante da impossibilidade de cum-
prir a palavra dada.
Lahur Sessa não quis deixar aflito
o seu soberano. Depois de declarar pu-
blicamente que abriria mão do pedido
que fizera, dirigiu-se respeitosamente
ao monarca e assim falou:
— Meditai, ó rei, sobre a grande
verdade que os brâmanes prudentes
tantas vezes repetem: os homens mais
avisados iludem-se, não só diante da
aparência enganadora dos números,
mas também com a falsa modéstia da-
quele que toma sobre os ombros o compromisso de uma dívida
cuja grandeza não pode avaliar. Mais avisado é o que muito
pondera e pouco promete! E, após ligeira pausa, acrescentou:
— Muito aprendemos com as lições de todo dia, que mui-
tas vezes desprezamos. O homem está sujeito a muitas inquie-
tações, acha-se ora triste, ora alegre, hoje fervoroso, amanhã
descrente, ativo, preguiçoso... Só o verdadeiro sábio, instruído
nas regras espirituais, eleva-se acima dessas vicissitudes e paira
por sobre todas essas alternativas!
Essas inesperadas e tão sábias palavras calaram fundo no
espírito do rei. Esquecido da montanha de trigo que, sem querer,
prometera ao jovem brâmane, nomeou-o o seu primeiro vizir.
E Lahur Sessa, distraindo o rei com engenhosas partidas
de xadrez e orientando-o com sábios e prudentes conselhos,
prestou os mais assinalados benefícios ao povo e ao país, para
maior segurança do trono e maior glória de sua pátria.
A História do Xadrez 55
O Problema do Jogo de
Xadrez7
“Aquele que deseja estudar ou exercer
a magia deve cultivar a matemática.” 8
Matila Ghyka
É
esse, sem dúvida, um dos problemas mais famosos nos lar-
gos domínios da matemática recreativa. O número total de
grãos de trigo, de acordo com a promessa do rei Iadava, será
expresso pela soma dos 64 primeiros termos da progressão geo-
métrica:
: : 1 : 2 : 4 : 8 : 16 : 32 : 64
S = 264 − 1
56
va prometeu, em má hora, ao não menos lendário Lahur Sessa,
inventor do jogo de xadrez.
Feito o cálculo aproximado para o volume astronômico
dessa massa de trigo, afirmam os calculistas que a Terra inteira,
sendo semeada de norte a sul, com uma colheita, por ano, só
poderia produzir a quantidade de trigo que exprimia a dívida do
rei no fim de 450 séculos!10
O matemático francês Etienne Ducret incluiu em seu livro,
bordando-os com alguns comentários, os cálculos feitos pelo fa-
moso matemático inglês John Wallis para exprimir o volume da
colossal massa de trigo que o rei da Índia prometeu ao astucioso
inventor do jogo de xadrez. De acordo com Wallis, o trigo pode-
ria encher um cubo que tivesse 9.400 metros de aresta. Essa res-
peitável massa de trigo deveria custar (naquele tempo) ao mo-
narca indiano um total de libras que seria expresso pelo número:
10
TOCQUET, R. Les calculateurs prodiges et leurs secrets. Paris: Ei. Pierre Amiot, 1959, p. 164.
11
DUCRET, E. Récréations mathématiques. Paris: [s.n.], [19__], p. 87. Convém ler também:
GHERSI, I. Matemática díllettevola e curiosa. Milão: [s.n.], 1912, p. 80.
12
Cf. TOCQUET, op. cit.
13
Veja a análise completa desse problema no livro Problemas famosos e curiosos da
matemática.
A História do Xadrez 57
Referências
AGUILERA, R.; PÉREZ, F. J. Ajedrez hipermoderno II. Madrid:
Club, 1984.
58
FAUBER, R. E. Impact of genius: 500 years of grandmasters
chess. Seattle: International Chess Enterprises, 1992.
KAPLAN, J. How to get the most from your chess computer. New
York: R. H. M. Press, 1980.
A História do Xadrez 59
PACHMAN, L. Estratégia moderna do xadrez. São Paulo:
Bestseller, 1967.
60
Capítulo 2
Metodologias para o
Ensino do Jogo de
Xadrez nas Escolas
Introdução
O
interesse pela utilização do jogo de xadrez em contex-
tos educativos vem crescendo nos últimos anos, a julgar
pela extensa lista de artigos disponíveis no site da Fe-
deração de Xadrez dos Estados Unidos (USCF, 2009), que pos-
sui um acervo com os principais artigos e pesquisas que versam
sobre esse tema. Esse interesse crescente se baseia, na maioria
das vezes, na premissa de que o estudo e a prática sistemática
do xadrez podem auxiliar na aprendizagem escolar dos alunos.
Esta questão já foi aventada em 1977 pelo psicólogo holandês
Adriaan De Groot:
1
É o maior jogador de xadrez brasileiro de todos os tempos. Teve seu auge no ano de
1977, quando foi considerado o terceiro melhor jogador do mundo, superado apenas
por Anatoly Karpov e Viktor Korchnoi (Disponível em: <http://www.chessgames.com/
perl/chessplayer?pid=16115>. Acesso em 18 fev. 2008).
2
Ver Grabner, Stern e Neubauer (2006, p. 11).
64
O xadrez tem tido sua prática incrementada apenas por
motivos competitivos lamentáveis. Pois é um jogo que
não melhora o ser humano para nenhuma outra prática,
não o leva a melhor relacionamento humano, não o tor-
na melhor cidadão no sentido de uma lição de vida ou
ação social, nem mesmo à melhoria da linguagem roti-
neiramente falada. O xadrez desenvolve apenas o tipo de
inteligência que leva o indivíduo a jogar melhor xadrez
(FERNANDES, 2005, p. 55).
66
mática intensa que exige uma maior frequência de níveis de
abstração refletida3. Esta afirmação de Brenelli é apoiada pela
descrição das características do pensamento do jogador de xa-
drez durante uma partida feita por Sunye (2004, p. 2):
3
Informação fornecida em comunicação pessoal.
M
inha experiência com o ensino do xadrez escolar tem
me ajudado a refletir sobre quais são os conhecimen-
tos necessários para ser professor de xadrez. Lasker,
no seu manual, diz: “o caminho para esta educação requer bons
professores – mestres de xadrez que sejam gênios do ensino.”
(LASKER, 1947, p. 350, tradução nossa).
Mas uma vez que este equilíbrio entre formação pedagógi-
ca e expertise no xadrez é difícil de encontrar, o que deveria ser
prioritário para o professor de xadrez: ser enxadrista sem for-
mação pedagógica ou ter formação pedagógica, mas com pouco
conhecimento de xadrez? As experiências no Paraná mostram
que geralmente quando enxadristas sem formação pedagógica
ensinam xadrez nas escolas, as aulas tornam-se elitizadas, pois
gradativamente voltam seu trabalho para os alunos que se des-
tacam. Dessa forma, os possíveis benefícios que o xadrez pode
trazer ficam restritos a um pequeno segmento da escola.
Assim, para que o ensino do xadrez nas escolas seja poten-
cializado, faz-se necessário que os professores sejam capacita-
dos adequadamente para exercer tal atividade. As capacitações,
que normalmente são organizadas pelas federações de xadrez,
muitas vezes são ministradas por bons jogadores, mas com pou-
ca ou nenhuma experiência pedagógica, o que ocasiona uma
exploração superficial do potencial educativo do jogo.
Também é necessário desenvolver metodologias que se-
jam adequadas para o xadrez escolar, pois a maioria das meto-
dologias existentes volta-se mais para o ensino em clubes e aca-
demias do que efetivamente para o ensino nas escolas, e ensinar
xadrez em uma sala de aula com muitos alunos (nem sempre
motivados a aprender), não é a mesma coisa que ensinar em
um clube, onde geralmente as aulas são particulares, de forma
individual ou em pequenos grupos, e todos estão interessados
em aprender.
Estes são alguns dos desafios que devem ser superados ao
68
se proporem aulas de xadrez nas escolas, para que o ensino des-
te jogo não fique restrito apenas aos dias de chuva, nas escolas
que não têm quadra coberta.
A seguir serão apresentadas três metodologias para o en-
sino do xadrez nas escolas: o método holandês, os jogos pré-en-
xadrísticos e as partidas temáticas.
O Método Holandês
Este método foi desenvolvido pelo holandês Berry Withuis
(1990) após a constatação de que seus alunos apresentavam
muitas dificuldades para assimilar o conceito de xeque-mate,
propondo assim a apresentação do xeque-mate tão logo seja pos-
sível. Dessa forma, o aluno aprende a mover o rei e a dama e já é
apresentado aos conceitos de xeque, xeque-mate e afogamento.
Veja no quadro a seguir a ordem em que as peças são apresenta-
das para o aluno, bem como os tipos de xeque-mate que podem
ser exercitados, que serão ilustrados nas figuras de 1 a 16.
+ x 1e2
+ x 3
+ x 4
+ x 5
+ x 6
+ + x 7
+ x 8
+ + x 9
+ + x 10
+ + x 11
+ x 12
+ + x 13
+ + x 14
+ + x 15
+ + x 16
70
Figura 10 Figura 11 Figura 12
Figura 16
72
Na figura 20 pode-se ver o xeque-mate “beijo mortal”, que
é aplicado colocando-se a dama a uma casa adjacente ao rei
adversário (por isso o nome “beijo”). Na figura 21 pode-se ver o
xeque-mate do “corredor”, que tem como característica o rei ad-
versário estar preso numa coluna ou fila (daí o termo corredor,
que neste caso é a fila 8, pois o rei branco domina as casas f7,
g7 e h7) e uma dama ou torre (figura 22) aplicar o xeque-mate.
Observe que a dama aplica tanto o xeque-mate do beijo quanto
o corredor, enquanto que a torre faz somente o corredor.
Os jogos pré-enxadrísticos
A experiência mostra que ensinar a jogar com todas as
peças do jogo pode confundir o aluno no início. Neste sentido,
pode ser interessante a utilização de jogos mais simples para
atuarem como coadjuvantes no ensino do xadrez.
Os jogos pré-enxadrísticos são todos os jogos que o educa-
dor inventar ou adaptar dos jogos existentes, com o intuito de
utilizá-los como facilitadores no processo de ensino-aprendiza-
gem do xadrez.
Como muitos jogos podem atuar como jogos pré-enxa-
drísticos, não é do escopo deste trabalho tentar esgotar o tema,
sendo que nos limitaremos a apresentar alguns exemplos desti-
nados a fixar o movimento das peças. Cada jogo é utilizado com
uma função específica no ensino do xadrez e podemos agrupá-
-los da seguinte forma:
74
QUADRO 2 – JOGOS PRÉ-ENXADRÍSTICOS E OBJETIVOS
Gato e rato
Este jogo faz parte da família de jogos classificados como
“Forças Diferentes”, no qual um jogador tem a quantidade (nes-
te caso, os gatos) e o outro tem a qualidade (o rato).
Este jogo pode ser ensinado antes de qualquer conteúdo
enxadrístico, pois seus princípios são facilmente assimiláveis e
exercitam conceitos que serão úteis no aprendizado do xadrez,
tais como a noção de cooperação que deve haver entre as peças;
a noção de como o peão captura as peças; e também noções
bastante elementares do que é xeque-mate.
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Peças: 4 Gatos e 1 Rato (Figura 29);
c) Os Gatos se movem de uma em uma casa pela
diagonal para a frente;
d) O Rato se move de uma em uma casa pela dia-
gonal para a frente e para trás;
76
Quadrado mágico
Este jogo objetiva explorar o tabuleiro de xadrez. Com
esta atividade, o aluno perceberá que o número de quadrados
existentes geralmente é maior do que o imaginado. Por exem-
plo, o aluno diz que no quadrado 4x4 há 16 quadrados, e o
professor responde que a resposta estaria correta se a pergunta
fosse quantas casas há neste tabuleiro. O aluno pensa mais um
pouco e diz que há 17 quadrados, percebendo que a borda do
tabuleiro também forma um quadrado. O professor informa que
há bem mais quadrados e pede para o aluno procurá-los.
Por intermédio desta atividade, o professor pode chamar
a atenção de que, tanto nesta atividade quanto no xadrez, de-
ve-se refletir bem antes de escolher uma resposta. Na tabela a
seguir mostra-se a solução do quadrado mágico para tabulei-
ros de até 8x8. No quadrado mágico com o tabuleiro de 4x4
há 30 quadrados.
Regras:
a) Pode-se começar utilizando-se um tabuleiro
de 16 casas (4x4), como mostrado na figura
32, e depois passar para um de 64 casas (8x8);
b) Fazer a pergunta: quantos quadrados existem
nele? Quem acertar vence.
Batalha naval
Este jogo é uma adaptação do jogo “batalha naval” tradi-
cional, que é jogado num tabuleiro 10x10 (100 casas), e objeti-
va conhecer um aspecto importante do tabuleiro: o sistema de
notação algébrica. Para uma explicação sobre a notação algé-
brica, ver o capítulo 3 sobre as noções básicas do xadrez nesta
obra.
Regras:
a) Utilizam-se dois tabuleiros de 64 casas (8x8)
sendo que um será o mapa de tiro (figura 33)
e o outro o seu esconderijo (figura 34);
b) Cada jogador possui 8 peças (quadro 4) que
deverão ser escondidas (ou seja, desenhadas)
sem que o adversário as veja, como mostra a
figura 34;
Submarino S 3
Destróier D 2
Porta-aviões P 1
Hidroavião H 2
78
c) Ao esconder suas peças os participantes não po-
dem colocá-las umas tocando as outras. Os des-
tróieres e o porta-aviões não podem ser formados
pelas diagonais, somente em colunas ou filas;
d) Ao iniciar a partida, deve-se disparar de três em
três tiros, usando as coordenadas algébricas, no
esconderijo do adversário, que responderá “água”
se os tiros acertaram ou não o alvo. Se o dispa-
ro acertar um alvo, o adversário informará o que
foi atingido, que será devidamente assinalado no
mapa de tiro do atirador. Isto fará com que o jo-
gador que acertou uma parte do alvo, na próxima
tentativa, busque afundar completamente o alvo,
buscando as casas vizinhas da casa atingida, se o
alvo for maior que um submarino, naturalmente.
b)
d)
c)
Duelo de monarcas
Este jogo tem por objetivo exercitar as particularidades do
movimento do rei, que nos finais de partida deve-se tornar uma
peça ativa, e também trabalhar o conceito de oposição, que é
fundamental nos finais de partida.
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Usam-se 2 reis que se movem como no xadrez e
são arrumados como mostra a figura 36;
c) O jogador com o rei branco, que joga no ataque,
inicia o jogo e vence se colocar seu rei em uma
das casas assinaladas (f8 ou h8);
d) O jogador com o rei negro, que joga na defesa,
vence se impedir o rei branco de atingir as casas
assinaladas;
e) Não se deve esquecer que o rei não pode se colo-
car em xeque (ou seja, ocupar uma casa contígua
ao outro rei).
80
Figura 36
(1) ganhar a oposição distante até que os dois reis estejam na coluna g; (2) se o rei preto for
para a coluna h, avançar uma fila pela coluna f; (3) se o rei preto for para a coluna f, avançar
uma fila pela coluna h; (4) ganhar a oposição próxima; (5) ganhar a oposição próxima com
o rei preto na casa g8 e o branco em g6; (6) ocupar uma das casas assinaladas na figura 36.
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Devem-se colocar 8 damas (podem-se utilizar
os 8 peões) sobre este tabuleiro de tal forma
que as damas não estejam ameaçadas umas
pelas outras.
82
Figura 40 - 7 damas Figura 41 - 8 damas
Jogo da velha
Este pré-jogo é uma adaptação do “jogo da velha” e pro-
porciona um ótimo exercício para os movimentos de torre, bis-
po e cavalo. Após algumas partidas, os alunos não encontrarão
mais dificuldades na movimentação destas peças.
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 9 casas (3x3) como
na figura 43, que pode ser feito separando-se um
setor do tabuleiro, como na figura 42;
b) Cada jogador possui três peças: torre, bispo e ca-
valo;
c) Os jogadores devem colocar as peças no tabulei-
ro, uma a uma, alternando as jogadas, tentando
formar “três em linha”, como mostra a figura 44.
Aquele que primeiro conseguir dispor suas peças
desta forma ganha o jogo;
d) Após colocar as peças, e não havendo fechado
“três em linha”, iniciam-se os movimentos alter-
nados das peças como no xadrez, e tenta-se fechar
a sequência “três em linha”. Não existe captura;
e) Também obtém a vitória o jogador que “imobi-
lizar” as peças de seu adversário, como mostra
a figura 45, onde o lance é das pretas que estão
bloqueadas, não podendo fazer nenhum lance.
Metodologias para o Ensino
do Jogo de Xadrez nas Escolas 83
Figura 42
84
Bispos contra peões
Este jogo, que é o desafio de quantidade (peões) contra a
qualidade (os bispos), encerra um grau de complexidade maior,
mas é muito eficiente no treino do movimento e captura do
bispo e do peão.
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 25 casas (5x5);
b) O jogador das brancas inicia com dois bispos e
o jogador das negras com cinco peões, que são
arrumados como na figura 46;
c) As brancas iniciam e os peões andam de uma
em uma casa;
d) O jogador das brancas vence se capturar os
peões;
e) A vitória será das pretas se um peão atravessar
o tabuleiro sem ser capturado, ou capturar os
bispos.
Figura 46
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 9 casas (figura 47);
b) Os cavalos brancos devem trocar de posição com
os pretos;
c) É um quebra-cabeça jogado individualmente,
portanto pode-se mover tanto os cavalos brancos
quanto os pretos, podendo-se também jogar com
o mesmo cavalo mais de uma vez seguidamente,
e não há captura. Também pode ser interessante
pedir para os alunos resolverem esta atividade
em pequenos grupos;
d) Durante a solução, o aluno deve registrar os mo-
vimentos para apresentar ao professor a sua so-
lução.
86
Corrida do cavalo
Esta atividade consiste em transportar o cavalo de um
ponto a outro do tabuleiro. Na figura 48 deve-se levar o cavalo
da casa a1 até h8 em 6 movimentos. O aluno deve perceber
que as portas de entrada para a casa h8 são as casas f7 e g6 e,
portanto, ele deve chegar a uma dessas casas em 5 lances, para
que no sexto lance alcance a casa h8.
Na figura 49 o aluno deve transportar o cavalo para cada
um dos 4 cantos do tabuleiro (casas a8, h8, h1 e a1), retornan-
do para o ponto de partida, sendo que todo o percurso deve ser
feito em 20 movimentos. Pode-se perguntar para o aluno: “Se
todo o trajeto deve ser feito em 20 lances, uma vez que são 4
cantos, quantos movimentos são necessários para chegar a cada
canto?”. Nas duas atividades, o aluno que ultrapassar o número
mínimo de lances deverá refazer o trajeto.
Estes dois desafios reforçarão a aquisição do movimento
do cavalo, exercitando no aluno a elaboração de um plano que
o ajudará na condução da partida.
Figura 48 Figura 49
Regras:
a) Utiliza-se um tabuleiro de 25 casas (5X5);
b) O jogador das brancas inicia com dois cavalos
e o jogador das negras com cinco peões, que
são arrumados como na figura 50;
c) As brancas iniciam e os peões andam de uma
em uma casa;
d) O jogador das brancas vence se capturar os
peões;
e) A vitória será das pretas se um peão chegar na
fila 1 sem ser capturado, ou capturar os cavalos.
Figura 50
88
As partidas temáticas
Além da utilização dos jogos pré-enxadrísticos, é pedago-
gicamente interessante proporcionar aos alunos atividades que
permitam experienciar não somente a propriedade cinética das
peças (o movimento), mas também situações-problema que
ajudem o aluno a compreender para onde mover as peças, e
não somente como movê-las. As atividades propostas a seguir,
chamadas de partidas temáticas, visam atingir este objetivo.
No quadro a seguir podem-se ver as partidas temáticas que
serão apresentadas.
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui oito peões que são arran-
jados como na figura 52;
c) O jogador com as brancas inicia o jogo e os
peões se movem como no xadrez, mas sem a
captura en passant;
d) Ganha a partida quem eliminar os peões do
adversário, ou fizer um peão chegar do outro
lado do tabuleiro, ou ainda imobilizar os peões
do adversário.
Figura 51 Figura 52
90
Partida com cavalos e peões
Esta atividade complementa a experiência adquirida por
intermédio do jogo pré-enxadrístico “cavalos x peões”. Esta par-
tida proporciona ao aluno experiências que o ajudarão a com-
preender que o cavalo é uma peça que transpõe obstáculos. O
aluno também perceberá que o cavalo possui a peculiaridade
tática de atacar muitos pontos ao mesmo tempo, sendo uma
peça com características ofensivas e defensivas importantes.
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui dois cavalos e oito peões,
que se movem como no xadrez, e são arruma-
dos conforme mostrado na figura 53;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que eliminar as peças do adver-
sário, ou chegar do outro lado do tabuleiro
com um peão sem ser capturado.
Figura 53
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui dois bispos e oito peões,
que se movem como no xadrez, e são arruma-
dos conforme mostrado na figura 54;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que eliminar as peças do adver-
sário, ou atravessar o tabuleiro com um peão
sem ser capturado.
Figura 54
92
Partida com torres e peões
Esta atividade visa exercitar como jogar com a torre, que
é uma peça ligeira, ou seja, pode atravessar o tabuleiro em uma
jogada, mas necessita de linhas abertas para efetivar seu raio
de ação.
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui duas torres e oito peões,
que se movem como no xadrez, e são arruma-
dos conforme mostrado na figura 55;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que eliminar as peças do adver-
sário, ou atravessar o tabuleiro com um peão,
sem ser capturado.
Figura 55
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui uma dama e oito peões,
que se movem como no xadrez, e são arruma-
dos conforme mostrado na figura 56;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que eliminar as peças do adver-
sário, ou atravessar o tabuleiro com um peão
sem ser capturado.
Figura 56
94
Partida com rei e peões
Esta atividade amplia as possibilidades trabalhadas pelo
jogo pré-enxadrístico “duelo de monarcas”, cujo objetivo era
apenas dominar o movimento do rei e exercitar o conceito de
oposição, que é muito importante nos finais onde há rei e peões.
Nesta atividade o aluno já está praticando o xadrez oficial, pois
são utilizados os conceitos de xeque, xeque-mate e afogamento.
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 64 casas (8x8);
b) Cada jogador possui um rei e oito peões, que
se movem como no xadrez, e são arrumados
conforme mostrado na figura 57;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que aplicar o xeque-mate.
Figura 57
Regras:
a) Joga-se em um tabuleiro de 30 casas (5x6);
b) Cada jogador possui uma torre, um cavalo, um
bispo, uma dama, um rei e cinco peões, que se
movem como no xadrez, e são arrumados con-
forme mostrado na figura 58. Os peões, neste
jogo, avançam somente uma casa;
c) O jogador com as brancas inicia a partida e
vence aquele que aplicar o xeque-mate.
Figura 58
96
Referências
BRENELLI, R. P. Uma proposta psicopedagógica com jogo
de regras. In: SISTO, F. F. et al. Atuação psicopedagógica e
aprendizagem escolar. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 140-162.
Noções
Básicas
de Xadrez
Introdução
M
eu primeiro contato com o jogo de
xadrez remonta ao ano de 1974
ou 1975, quando aprendi a jogar.
Tive o privilégio de aprender este jogo em
uma escola pública da periferia de Curitiba,
na 3ª ou 4ª série do Ensino Fundamental, no
Grupo Escolar Núcleo Social Yvone Pimentel
(hoje um Colégio Estadual), onde estudei de
1974 a 1979. Como não havia quadra espor-
tiva coberta na escola, nos dias de chuva o
professor de Educação Física ensinava teoria
dos esportes e, havendo tempo, ele nos deixava brincar com al-
guns jogos que ficavam guardados em um baú, no canto da sala.
Dos jogos que havia neste baú, o meu interesse voltou-se
para o xadrez, pois possuía peças que eram atrativas para mim:
Rei, Dama, Cavalo, etc. O professor então me ensinou os movi-
mentos básicos, pois era tudo o que conhecia, e comecei a pra-
ticar com meu irmão mais velho, que também aprendeu a jogar
na mesma escola. Durante o período de 1975 a 1985 não me
lembro de ter vencido nenhuma partida dele, sofrendo inúmeras
e amargas derrotas.
Em 1985 descobri o Clube de Xadrez Erbo Stenzel, clube
este que homenageia o artista plástico e campeão paranaense de
xadrez de 1959. Neste clube havia livros de xadrez (coisa que eu
desconhecia que existia até então) e também aulas que passei a
frequentar regularmente. Em 1988 ingressei na Fundação Cultu-
ral de Curitiba para ensinar xadrez para as crianças da periferia
de Curitiba, e posteriormente comecei a capacitar professores
para o ensino do xadrez nas escolas, no Projeto Xadrez nas Esco-
1
Disponível em: <www.wilsondasilva.com.br>.
102
Em 2005, fui convidado pelo MEC para atuar no Projeto
Nacional de Xadrez, efetuando a capacitação de professores em
5 capitais: Recife/PE, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS,
Teresina/PI e Rio Branco/AC. O livro Meu primeiro livro de xa-
drez: curso para escolares (TIRADO; SILVA, 2008)2, do qual sou
coautor, foi escolhido como material didático para ser utilizado
neste projeto.
Uma vez que a maioria dos projetos de xadrez escolar está
baseada na premissa de que o estudo e a prática sistemática do
xadrez podem auxiliar no desenvolvimento cognitivo do aluno,
mais especificamente nas questões ligadas ao raciocínio lógico,
após o término do mestrado decidi investigar estas possíveis re-
lações na pesquisa de doutorado intitulada Raciocínio lógico e o
jogo de xadrez: em busca de relações (SILVA, 2009)3, sob a orienta-
ção da Profª Drª Rosely Palermo Brenelli. Nesta pesquisa busquei
investigar as possíveis relações entre a expertise no xadrez e o
desempenho em tarefas que necessitam do pensamento formal.
A experiência com o ensino do xadrez escolar ajudou-me
a refletir sobre quais conhecimentos são necessários para ser
professor de xadrez. Lasker, no seu manual, diz: “el camino a
recorrer hacia esta enseñanza requiere buenos profesores, unos
maestros de ajedrez que sean al mismo tiempo unos genios de la
docência”. (LASKER, 1947, p. 350).
Mas, uma vez que este equilíbrio entre formação pedagó-
gica e expertise no xadrez é difícil de encontrar, o que deveria ser
prioritário para o professor de xadrez: ser enxadrista sem for-
mação pedagógica ou ter formação pedagógica, mas com pouco
conhecimento de xadrez? As experiências no Paraná mostram
que geralmente quando enxadristas sem formação pedagógica
ensinam xadrez nas escolas, as aulas tornam-se elitizadas, pois
gradativamente voltam seu trabalho para os alunos que se des-
tacam. Dessa forma, os possíveis benefícios que o xadrez pode
trazer ficam restritos a um pequeno segmento da escola.
2
Disponível em: <www.wilsondasilva.com.br>.
3
Idem.
Wilson da Silva
104
A natureza e os objetivos do
jogo de xadrez
O jogo de xadrez é disputado entre
dois oponentes que movem peças alterna-
damente sobre um tabuleiro quadrado de-
nominado “tabuleiro de xadrez”. O jogador
com as peças brancas começa o jogo. Diz-se
que um jogador “tem a vez de jogar” quando
a jogada do seu oponente tiver sido feita.
O objetivo de cada jogador é colocar o
rei do oponente “sob ataque” de tal forma que o oponente não
tenha lance legal. O jogador que alcançar esse objetivo diz-se
que deu xeque-mate no rei do adversário e venceu a partida.
Não é permitido deixar ou colocar o seu próprio rei sob ataque,
bem como capturar o rei do oponente. O oponente cujo rei so-
freu xeque-mate perdeu a partida.
A partida está empatada se resultar numa posição em que
nenhum dos jogadores tenha a possibilidade de dar xeque-mate.
(No item denominado “O término da partida”, essas ques-
tões serão explicitadas).
O Tabuleiro e a Posição
Inicial das Peças
O tabuleiro de xadrez é formado por um qua-
drado de 8x8 com 64 casas iguais, alternadamente
claras (as casas “brancas”) e escuras (as casas “pretas”).
O tabuleiro é colocado entre os jogadores de tal forma que
seja branca a casa do canto à direita de cada jogador (diagrama 1).
Casa
Casa
Diagrama 2
Diagonal
Coluna
Fileira
106
Diagrama 3
Rei 1
Dama 1
Torre 2
Bispo 2
Cavalo 2
Peão 8
O movimento das
peças
Não é permitido mover uma peça para uma casa já ocu-
pada por outra peça de mesma cor. Se uma peça move-se para
uma casa já ocupada por uma peça do oponente, esta última é
capturada e retirada do tabuleiro, como parte do mesmo movi-
mento. Diz-se que uma peça está atacando uma peça do opo-
nente se puder efetuar uma captura naquela casa.
Considera-se que uma peça ataca uma casa, mesmo se tal
peça está impedida de ser movida para esta casa porque, conse-
quentemente, deixaria ou colocaria o seu próprio rei sob ataque
(Veja os diagramas 24 e 25).
O Bispo
O bispo pode mover-se para qualquer casa ao longo da
diagonal em que se encontra. Se uma peça adversária encon-
trar-se no seu “raio de ação”, ou seja, nas suas linhas de mo-
vimentação, esta peça pode ser capturada conforme pode ser
108
visto no diagrama 6. A captura se dá ocupando a casa em que se
encontra a peça adversária e retirando-a do tabuleiro.
Diagramas 5 e 6
A Torre
A torre pode mover-se para qualquer casa ao longo da co-
luna ou fileira em que se encontra. Se uma peça adversária en-
contrar-se no seu raio de ação, poderá ser capturada conforme
pode ser visto no diagrama 8. A captura se dá ocupando a casa
em que se encontra a peça adversária e retirando-a do tabuleiro.
Diagramas 7 e 8
O Cavalo
O cavalo move-se duas casas na coluna ou na fileira em
que se encontra e então anda uma casa mais para sua esquerda
ou sua direita. Seu movimento forma sempre a letra L. É a única
peça que salta sobre as outras. A captura se dá somente no final
do movimento.
Acompanhe nos diagramas 11 e 12.
110
Diagramas 11 e 12
O Peão
a) O peão pode mover-se para uma casa, imediatamente à
sua frente, na mesma coluna, que não se encontre ocupada, ou;
Diagrama 13
Regra c
Regra a
Regra b
Diagrama 15
112
O Rei
Há duas formas diferentes de mover o rei:
a) movendo-se para qualquer casa vizinha não atacada por
uma ou mais peças do oponente. O rei não pode ocupar as casas
assinaladas com X, pois ficaria ameaçado (em xeque).
Diagramas 16 e 17
xxx
x
x
x
Roque
pequeno
Diagramas 20 e 21
Regra 1. a Regra 2. a (1)
Regra 1. b
Diagramas 22 e 23
Regra 2. a (3)
114
Xeque
Diz-se que o rei está em xeque se estiver atacado
por uma ou mais peças do oponente mesmo que tais pe-
ças estejam cravadas, ou seja, impedidas de sair daquela
casa, porque deixariam ou colocariam o seu próprio rei
em xeque. Nenhuma peça pode ser movida de modo que
exponha ou deixe o rei da mesma cor em xeque. Há três
formas de escapar do xeque: fugindo, blo- O círculo preto no canto
queando e capturando a peça agressora. superior direito do
diagrama indica que o lance
é das pretas. Não havendo
este símbolo, o lance
pertence às brancas.
Diagramas 24 e 25
Diagramas 26 e 27
Xeque-mate
O objetivo de cada jogador é colocar o rei do opo-
nente “sob ataque” de tal forma que o oponente não
Lance Legal :
É toda jogada de tenha lance legal. O jogador que alcançar esse ob-
acordo com as jetivo diz-se que deu xeque-mate no rei do adversá-
normas do jogo. rio e venceu a partida. Não é permitido deixar ou
Logo, uma jogada
ilegal é aquela colocar o seu próprio rei sob ataque bem como cap-
que contraria as turar o rei do oponente. O oponente cujo rei sofreu
normas do xadrez. xeque-mate perdeu a partida. Observe nos diagra-
Ex.: Colocar seu
rei em xeque. mas 28 a 33 algumas posições de xeque-mate.
Diagramas 28 e 29
116
Diagramas 30 e 31
Diagramas 32 e 33
A partida empatada
a) A partida está empatada quando o jogador que tem a
vez não tem lance legal e o seu rei não está em xeque. Diz-se
que a partida terminou com o rei “afogado”. Isso imediatamente
termina a partida desde que não tenha sido ilegal o lance que
produziu a posição de afogado. No diagrama 34 o lance corres-
ponde às pretas, que não estão em xeque, e não há lance legal
a ser feito. No diagrama 35 (lado esquerdo e direito) o lance
corresponde às brancas, que não estão em xeque, e não há lance
possível.
Diagramas 36 e 37
118
d) A partida pode estar empatada se uma posição idêntica
(de todas as peças no tabuleiro) está por aparecer, ou apareceu
pelo menos três vezes no tabuleiro (consecutivas ou não). No
diagrama 38, o rei branco levou xeque pela torre em d3, e deve
ir à casa e4. A torre preta irá à casa d4, dando xeque novamente,
o que fará o rei branco voltar à casa e3. A torre preta dará xeque
novamente na casa d3, o que fará a posição do diagrama 38
repetir-se pela 2ª vez. O diagrama 39 mostra a mesma posição
repetindo-se pela 3ª vez, o que caracteriza o empate.
Diagramas 38 e 39
120
Diagramas 42 e 43
Nas capturas...
Diagramas 44 e 45
Diagramas 46 e 47
122
Diagramas 48 e 49
No Roque
a) Se o jogador deliberadamente toca no seu rei e numa
de suas torres ele deve rocar nesta ala se o movimento for legal.
Diagramas 50 e 51
Tocou primeiro
no rei
Depois tocou
na torre
Diagramas 52 e 53
124
Diagramas 54 e 55
Na Promoção
d) Se o jogador promove um peão, a escolha da peça so-
mente está finalizada quando tiver tocado na casa de promoção.
No diagrama 56, as brancas avançaram o peão para a casa f8,
mas o lance somente estará completo quando o peão for troca-
do pela peça promovida (diagrama 57).
Diagramas 56 e 57
126
O Sistema Algébrico
1 Nesta descrição “peça” significa qualquer peça, exceto
peão;
4 Peões não são indicados por sua primeira letra, mas são
reconhecidos pela ausência dela. Exemplo: e5, d4, a5.
6 As oito fileiras (de baixo para cima para o jogador das bran-
cas e de cima para baixo para o jogador das pretas) são
numeradas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, respectivamente. Conse-
quentemente, na posição inicial as peças brancas são co-
locadas na primeira e segunda fileiras; as peças pretas são
colocadas nas oitava e sétima fileiras;
Diagrama 58
pretas
brancas
128
10.2 Se as duas peças estão na mesma coluna: por a) a
primeira letra do nome da peça; b) a fileira da casa
de saída, e; c) a casa de chegada.
10.3 Se as peças estão em diferentes colunas e fileiras, o
método (1) é preferível. No caso de uma captura,
um “x” é acrescentado entre (b) e (c).
Exemplos:
Há dois cavalos, nas casas g1 e e1, e um deles se move à casa f3:
ou Cgf3 ou Cef3, conforme o caso.
Há dois cavalos, nas casas g5 e g1, e um deles se move à casa f3:
ou C5f3 ou C1f3, conforme o caso.
Há dois cavalos, nas casas h2 e d4, e um deles se move à casa f3:
ou Chf3 ou Cdf3, conforme o caso.
Se uma captura acontece na casa f3, os exemplos prévios são
mudados pelo acréscimo de um “x”:
a) ou Cgxf3 ou Cexf3;
b) ou C5xf3 ou C1xf3;
c) ou Chxf3 ou Cdxf3, conforme o caso.
Exemplo de partida:
1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 Bb4 4.Bd2 0-0 5.e4 d5 6.exd5 exd5 7.cxd5 Bxc3
8.Bxc3 Cxd5 9.Cf3 b6 10.Db3 Cxc3 11.bxc3 c5 12.Be2 cxd4 13.Cxd4
Te8 14.0-0 Cd7 15.a4 Cc5 16.Db4 Bb7 17.a5 ... etc.
130
Exercícios
O Tabuleiro
a) Complete as casas que faltam nos diagramas 1 e 2.
1 2
Pretas Pretas
Brancas Brancas
3 4
Pretas Brancas
Brancas Pretas
5 - Exemplo 6 7
= a8 = f3 = c6 = = = = = =
8 9 10
= = = = = = = = =
11 12 13
= = = = = = = = =
132
d) Nos diagramas 15 a 22, localize no tabuleiro as casas
solicitadas.
14 - Exemplo 15 16
= f2 = g7 = c8 = a5 = e8 = h3 = a1 = d6 = c4
17 18 19
= h8 = d1 = c5 = g5 = e3 = b4 = f7 = b2 = d4
20 21 22
= g2 = e5 = b6 = d2 = h6 = f5 = g4 = f1 = a3
23 - Exemplo 24 25
26 27 28
29 30 31
134
Capturas: colocar a peça e ameaçar
a) Nos diagramas 33 a 40, coloque no tabuleiro a peça
que está ao lado de tal forma que esteja ameaçando
capturar a peça que se encontra no tabuleiro.
32 - Exemplo 33 34
35 36 37
38 39 40
41 - Exemplo 42 43
44 45 46
47 48 49
136
O Xeque: colocar uma peça e aplicar xeque
a) Nos diagramas 51 a 58, coloque no tabuleiro a peça
que está ao lado de tal forma que deixe o rei em xeque.
50 - Exemplo 51 52
53 54 55
56 57 58
59 - Exemplo 60 61
62 63 64
65 66 67
138
b) Nos diagramas 69 a 76, faça um movimento que deixe
o rei em xeque.
68 - Exemplo 69 70
71 72 73
74 75 76
77 - Exemplo 78 79
80 81 82
83 84 85
140
O Xeque-mate
a) Nos diagramas 87 a 94, coloque no tabuleiro a peça
que está fora dele de tal forma que deixe o rei em xe-
que-mate.
86 - Exemplo 87 88
89 90 91
92 93 94
95 - Exemplo 96 97
98 99 100
142
c) Nos diagramas 105 a 112, faça um movimento que
aplique xeque-mate.
144
e) Nos diagramas 123 a 130, faça um movimento com as
peças brancas que aplique xeque-mate em um lance.
O tabuleiro
1 2
Pretas Pretas
Brancas Brancas
3 4
Pretas Brancas
Brancas Pretas
6= = e7 = g8 = c3
7= = g4 = c2 = d5
8= = b2 = c5 = h5
9= = d6 = e3 = b7
10 = = d4 = f5 = c2
11 = = d5 = c1 = f6
12 = = d8 = e6 = g4
13 = = g5 = b4 = c6
146
d) Nos diagramas 15 a 22, localize no tabuleiro as casas solicitadas.
14 - Exemplo 15 16
= f2 = g7 = c8 = a5 = e8 = h3 = a1 = d6 = c4
17 18 19
= h8 = d1 = c5 = g5 = e3 = b4 = f7 = b2 = d4
20 21 22
= g2 = e5 = b6 = d2 = h6 = f5 = g4 = f1 = a3
a) Nos diagramas 24 a 31, assinale todas as casas por onde a peça pode se
deslocar.
Obs.: o círculo preto indica que o movimento pertence às pretas.
23 - Exemplo 24 25
26 27 28
29 30 31
148
Capturas: colocar a peça e ameaçar
32 - Exemplo 33 34
35 36 37
38 39 40
a) Nos diagramas 42 a 49, faça um movimento que ameace a peça que está
no tabuleiro.
41 - Exemplo 42 43
44 45 46
47 48 49
150
O Xeque: colocar uma peça e aplicar xeque
50 - Exemplo 51 52
53 54 55
56 57 58
a) Nos diagramas 60 a 67, faça um movimento que deixe o rei em xeque. Ha-
vendo mais de uma alternativa, todas serão assinaladas.
59 - Exemplo 60 61
62 63 64
65 66 67
152
b) Nos diagramas 69 a 76, faça um movimento que deixe o rei em xeque. Ha-
vendo mais de uma alternativa, todas serão assinaladas.
Obs.: o círculo preto indica que o movimento pertence às pretas.
68 - Exemplo 69 70
71 72 73
74 75 76
77 - Exemplo 78 79
80 81 82
83 84 85
154
O xeque-mate
a) Nos diagramas 87 a 94, coloque no tabuleiro a peça que está fora dele de
tal forma que deixe o rei em xeque-mate.
86 - Exemplo 87 88
89 90 91
92 93 94
95 - Exemplo 96 97
98 99 100
156
c) Nos diagramas 105 a 112, faça um movimento que aplique xeque-mate.
158
e) Nos diagramas 123 a 130, faça um movimento com as peças brancas que
aplique xeque-mate em um lance.
160
Capítulo 4
Xadrez
e
Educação
Introdução
N
os últimos anos tem havido um crescente interesse
pela utilização do jogo de xadrez em contextos escola-
res, interesse este que na maioria das vezes se baseia
na premissa de que o estudo e a prática sistemática do xadrez
podem auxiliar no desenvolvimento cognitivo do aluno, mais
especificamente nas questões ligadas ao raciocínio lógico. Para
exemplificar este interesse pedagógico no xadrez, vale a pena
destacar três projetos em andamento no Brasil: um de âmbito
municipal, outro estadual e outro federal.
Em Curitiba, a Secretaria Municipal da Educação possui,
desde a década de 1990, um programa de ensino de xadrez nas
escolas que atende 90 das 168 escolas públicas municipais, pro-
porcionando a prática do xadrez para 27.815 alunos1.
No Paraná, a Secretaria de Estado da Educação mantém
um projeto desde 1980 que atinge aproximadamente 300.000
crianças de 5ª a 8ª séries de 1.200 escolas2.
Em 2003, o Governo Federal, por intermédio dos Ministé-
rios do Esporte e da Educação e em parceria com os Governos
Estaduais, levou a experiência desenvolvida no Paraná para 4
capitais (Recife/PE, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS e
Teresina/PI) implantando um projeto piloto de xadrez em 39
escolas e buscando estabelecer os parâmetros para um projeto
que atendesse todo o país (BRASIL, 2004). Em 2006, o projeto
atingiu aproximadamente 400 mil alunos de 1.250 escolas em
25 estados, ficando de fora apenas São Paulo e Brasília3.
1
Informação fornecida pela ex-coordenadora do programa, professora Fabíola Martins
Dacol.
2
Informação fornecida pela professora Maria Inez Damasceno, ex-coordenadora do projeto.
3
Informação fornecida pelo Grande Mestre Internacional de xadrez Jaime Sunye,
coordenador nacional do projeto.
Avaliação do Piloto
Cursos Descentralizados
Secretaria do Esporte - PR
Municipalização
FUNDEPAR
Distribuição de Material
Seminário FIDE
Livro de Xadrex
Projeto FUNDEPAR
Projeto FUNDEPAR
Projeto FUNDEPAR
Universidade do Esporte
Servidor de Xadrez
CETEPAR
CEX
Seminário Internacional
CETEPAR / Capacitação PN
164
sociados ao xadrez, como por exemplo, a noção de que a apren-
dizagem do jogo é muito difícil. O projeto foi dirigido às escolas
públicas da periferia de Curitiba e iniciou com quatro escolas.
Em 1982 ocorreu a avaliação do piloto. Após um cresci-
mento acelerado do projeto piloto, que foi baseado num convê-
nio com a Federação de Xadrez do Paraná e contou com a uti-
lização de estudantes (estagiários) como instrutores de xadrez,
chegou-se ao limite. A avaliação – realizada numa parceria com
a Prefeitura Municipal de Curitiba, o Departamento de Matemá-
tica da UFPR e o Colégio Positivo – mostrou que era necessário
um modelo diferente para atender a todo o estado.
A avaliação apontou, dentre outras coisas, que no novo
modelo do projeto, os professores que atuavam nas escolas de-
veriam ser capacitados para o ensino do xadrez, em vez de levar
os enxadristas para ensinar xadrez nas escolas, pois seria mais
fácil ensinar xadrez para os professores do que ensinar didática
e metodologia de ensino para os enxadristas.
A partir de 1983, a Secretaria de Estado da Cultura e do
Esporte do Paraná realizou uma série de eventos enxadrísticos
motivadores e de exibição, o que contribuiu para uma mudança
na imagem do xadrez, que até então era visto como jogo de di-
fícil aprendizagem e destinado à elite.
A partir de 1987 ocorreu a municipalização do projeto,
onde algumas prefeituras, especialmente a de Curitiba, foram
incentivadas a desenvolver seus próprios projetos.
Em 1991 o projeto voltou para a Fundepar, agora na Di-
visão de Projetos Especiais, o que enriqueceu e aumentou ace-
leradamente o número de escolas que participaram do projeto.
Em 1992 iniciou-se uma grande distribuição de jogos de peças e
tabuleiros murais para as escolas.
Em 1993 ocorreu o Seminário Internacional de Xadrez Es-
colar promovido pela Federação Internacional de Xadrez (Fide),
e foi uma ótima oportunidade de conhecer e comparar os proje-
tos dos 13 países que participaram do evento.
Em 1994 foi lançada a metodologia oficial do projeto que
166
Pesquisas sobre xadrez
A
literatura que versa sobre o jogo de xadrez é muito
grande, sendo que as três maiores coleções em biblio-
tecas são: John G. White Chess and Checkers Collec-
tion, na Cleveland Public Library (EUA), com 32.568 volumes
sobre xadrez e damas4 (Cleveland Public Library, 2009); a Bi-
bliotheca Van der Linde-Niemeijeriana, na Koninklijke Biblio-
theek (Holanda) com aproximadamente 30.000 volumes de
xadrez e damas5 (Koninklijke Bibliotheek, 2009); e a Anderson
Chess Collection, na State Library of Victoria (Austrália), com
aproximadamente 12.000 itens, incluindo livros, relatórios de
torneios, revistas e panfletos6 (State Library of Victoria, 2009).
Dessa enorme quantidade de livros escritos, pode-se
destacar o poema manuscrito do século XV “Scachs d´amor”
(CALVO, 1999), que é o primeiro texto conservado sobre o xa-
drez moderno, ou um dos primeiros livros impressos de xadrez,
como é o caso do Arte breve y introduccion muy necessária para
saber jugar el Axedrez (LUCENA, 1497).
Apesar desta abundante literatura enxadrística, as obras
com enfoque na psicologia só começaram a surgir no final do
século XIX. A partir daí muitos pesquisadores tentaram com-
preender e descrever as peculiaridades de um bom jogador de
xadrez. Tendo por base a psicologia, realizou-se um número im-
portante de estudos para entender as diferenças existentes entre
os níveis dos enxadristas. Essas investigações se fixaram quase
sempre no processo cognitivo dos mestres: como observam o
tabuleiro, como pensam e como jogam. Tentou-se descobrir al-
guma chave que explicasse o alto nível que possuem no xadrez,
ou, em outras palavras, quais são os elementos do pensamento
4
Disponível em: <http://spc.cpl.org/?q=node/5>. Acesso em: 4 nov. 2009.
5
Disponível em: <http://www.kb.nl/vak/schaak/inleiding/geschiedenis-en.html>. Acesso
em: 4 nov. 2009.
6
Disponível em: <http://www.slv.vic.gov.au/collections/chess/index.html>. Acesso em: 4
nov. 2009.
7
Disponível em: <http://main.uschess.org/content/view/7866/131/>. Acesso em: 4 nov.
2009
168
of learning to play chess on cognitive, perceptual, and emotional
development in children (FRIED; GINSBURG [19--]).
Os critérios para a seleção dos estudos foram: a) ter pu-
blicado os resultados da investigação empírica sobre os efeitos
das aulas de xadrez em alguma habilidade ou comportamento
(tal como inteligência, aptidão para a escola, desempenho em
leitura, etc.); b) ter efetuado medição objetiva sobre os efeitos
do xadrez; e c) ter fornecido alguns detalhes sobre a metodolo-
gia usada.
Para assinalar os problemas metodológicos destas pesqui-
sas, Gobet e Campitelli (2006, p. 7) propõem o que chamam
de “experimento ideal” (veja o quadro 1) e comparam as pes-
quisas criticadas com esse experimento ideal. Segundo eles, a
educação, como a psicologia e a medicina, desenvolveram uma
variedade de técnicas para estabelecer se um dado tratamento
(neste caso, aulas de xadrez) afeta positivamente alguns com-
portamentos previamente estabelecidos, tais como desempenho
escolar, habilidade cognitiva, ou aptidão para a escola. Normal-
mente o grupo experimental é comparado a um grupo de con-
trole e possíveis diferenças são avaliadas por um pós-teste que
mede as variáveis de interesse.
Entretanto, dizem Gobet e Campitelli, está bem estabele-
cido em pesquisas científicas que o fato de simplesmente per-
tencer ao grupo experimental pode afetar o comportamento (o
chamado efeito placebo). Dessa forma, o delineamento experi-
mental deveria usar dois grupos de controle: o primeiro (o gru-
po placebo) recebe um tratamento alternativo, e o segundo não
recebe tratamento algum. Se o grupo experimental, mas não o
grupo placebo, mostrar avanços, pode-se concluir que o efeito
está relacionado a alguma característica do grupo experimental,
e não devido à participação em um experimento.
No entanto, continuam Gobet e Campitelli, isso não é o
bastante para estabelecer que o tratamento afeta o comporta-
mento. Deve-se assegurar que a seleção dos participantes é re-
170
QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE EXPERIMENTO IDEAL E DELINEAMENTO
EXPERIMENTAL UTILIZADO NOS SETE ESTUDOS SELECIONADOS
diferente na apli-
cação dos testes
Experimentador
Grupo controle
Grupo controle
o experimento
desconhecem
Participantes
tratamento)
I (placebo)
Pós-teste
Pré-teste
aleatória
Pesquisa
Seleção
II (sem
Experimen-
to ideal
Christiaen
(1976)
Frank ?
(1979)
Liptrap
(1998)
Ferguson 1 ? ?
Ferguson 2 ? ?
Margulies
Fried e ?
Ginsburg
FONTE: Gobet e Campitelli (2006, p. 11).
Mestrado
Área do Institu-
Autor Ano Orientador (M) Dou-
Conhecimento ição
torado (D)
Cardoso, A. 1987 Não Informado M Ciência Política UFMG
Assumpção, A. 1995 Frant M Educação USU/RJ
Netto, J. 1995 Rocha M Informática UFRJ
Wielewski, G. 1998 Otte M Educação UFMT
Baptistone, S. 2000 Penazzo M Psicologia USM/SP
Schafer, H. 2000 Direne M Informática UFPR
Ribeiro, S. 2001 Cavalcanti M Informática UFPB
Amorim, C. 2002 Tenório M Educação UFBA
Góes, D. 2002 Rosa M Eng. Produção UFSC
Neto, A. 2003 Miranda M Educação USP
Silva, W. 2004 Valente M Educação UFPR
Brum, P. 2004 Linhares M Administração FGV/RJ
Oliveira, F. 2005 Brenelli D Educação Unicamp
Hartmann, C. 2005 Direne M Informática UFPR
Feitosa, A. 2006 Direne M Informática UFPR
Martineschen, D. 2006 Direne M Informática UFPR
Alves, I. 2006 Brenelli M Educação Unicamp
Aguiar, F. 2007 Direne M Informática UFPR
Christofoletti, D. 2007 Schwartz M Ed. Física Unesp
Neto, A. H. 2008 Direne M Informática UFPR
Picussa, J. 2008 Garcia M Informática UFPR
Bueno, L. 2008 Direne M Informática UFPR
Teixeira, L. 2008 Takase M Psicologia Experimental UFSC
Barbieri, H. 2009 Direne M Informática UFPR
Ferreira, M. 2009 Direne M Informática UFPR
Rocha, W. 2009 Capel M História UCG/GO
Silva, R. 2009 Sá M Educação UnB
Freitas, A. 2009 Linhares D Administração FGV/RJ
Almeida, M. 2010 Sá M Educação UnB
Silva, W. 2010 Brenelli D Educação Unicamp
FONTE: Silva (2009, p. 11).
172
Conforme se pode ver no quadro anterior, foram encon-
trados trinta estudos de pós-graduação stricto sensu realizados
no Brasil que utilizaram o jogo de xadrez. Deve-se destacar que
o professor da UnB, Antônio Villar Marques de Sá, realizou na
França, de 1984 a 1988, uma importante pesquisa de doutora-
do sobre o jogo de xadrez e a educação (SÁ, 1988), sendo que
esta não consta no quadro anterior por agrupar somente pesqui-
sas realizadas no Brasil.
O espanhol Ferran García Garrido (2001), no livro Edu-
cando desde el Ajedrez, apresenta algumas capacidades que, se-
gundo ele, são exercitadas com a prática do xadrez (ver quadros
3, 4 e 5).
No quadro a seguir o autor assinala algumas capacidades
intelectuais que são exercitadas na prática do xadrez. O autor
destaca no jogo a representação espacial (o espaço físico onde
o jogo é praticado), a representação temporal (as jogadas bem
como o tempo do relógio de xadrez), e a transferência de estru-
turas ou estratégias (planejamento de tarefas cognitivas ou de
técnicas de estudo).
Característica Descrição
O espaço físico do jogo é um tabuleiro de 64 casas. Este
Representação espaço é a limitação; o movimento das peças é sua evolução
Espacial no espaço. Cada casa é individualizada por um sistema de
coordenadas cartesianas (números e letras).
O sentido de sucessão do tempo, bem como controlar
Representação
“instantes” do jogo. Estes dois itens formam os eixos do
Temporal
palco deste jogo.
Melhorar o planejamento de tarefas cognitivas ou de técni-
Transmissão de
cas de estudo a partir do momento em que se é capaz de
Estruturas ou
determinar as próprias vantagens ou debilidades. Sentir que
Estratégias.
as próprias atividades cognitivas decorrem, como no xa-
A análise
drez, entre dois eixos (espaço-tempo).
FONTE: Adaptado de Garrido (2001, p. 87).
Período Pré-operatório
Característica Resposta evolutiva com o jogo de xadrez
Dificuldade Relacionado com o valor relativo das peças. O valor inicial é nu-
para captar mérico e fixo, mas pode ter uma valoração abstrata em função da
transformações posição das demais figuras.
174
No próximo quadro, Garrido apresenta algumas capacida-
des emocionais que são exercitadas com a prática do xadrez. As
dez características estão divididas em cinco áreas: consciência
das próprias emoções, o autocontrole emocional, automotivação,
o reconhecimento das emoções dos outros, e o controle das rela-
ções com o outro. Garrido observa que em todas elas a prática do
xadrez pode ter uma influência benéfica.
176
localizar as publicações mais citadas referentes ao xadrez, e en-
controu o livro Thought and choice in chess (DE GROOT, 1946) e
o artigo “Perception in chess ”(CHASE; SIMON, 1973a).
O livro de De Groot acumulou 250 citações desde sua
primeira edição em inglês em 1965 até 1989, enquanto que o
artigo de Chase e Simon acumulou 350 citações no período de
1973 até 1989, sendo, portanto, duas citações clássicas: “um
prêmio de ‘citação clássica’ é geralmente atribuído quando uma
obra tem entre 100 e 400 citações, dependendo do tamanho
do campo de investigação, então estas duas obras podem segu-
ramente ser consideradas clássicas.” (CHARNESS, 1992, p. 4,
tradução nossa).
Antes de abordar os estudos no campo da psicologia cog-
nitiva, serão discutidas quatro pesquisas que influenciaram os
estudos cognitivos posteriores: Binet (1894), Cleveland (1907),
Diakov, Pietrovski e Rudik (1925)8 e De Groot (1946).
8
Citado em De Groot (1946, p. 8-10).
9
No xadrez às cegas, um jogador joga uma ou várias partidas sem ver o tabuleiro e
as peças, ou ter qualquer contato físico com eles, sendo os movimentos comunicados
através da notação enxadrística.
178
Cleveland e as fases na aprendizagem do xadrez
Outro estudo importante foi realizado por Cleveland
(1907), que analisou psicologicamente o jogo de xadrez, bem
como a sua aprendizagem.
Segundo Gobet e Charness (2006, p. 523), o estudo de
Cleveland foi um dos primeiros a identificar a importância de
unidades complexas, agora chamadas de chunks (pedaços) no
jogo de alto nível, e especulou que habilidades intelectuais po-
dem ser pobres para prognosticar a habilidade no xadrez.
O desenvolvimento da habilidade no xadrez, segundo Cle-
veland (1907, p. 293-296), passa por cinco estágios, conforme
pode ser visto no quadro a seguir.
Estágio Descrição
1 Fase inicial O iniciante aprende o nome e o movimento das peças.
Movimentos Visam o ataque e a defesa sem um objetivo definido a
2
individuais não ser capturar as peças do seu adversário.
Relação entre as O valor dos grupos e o valor de peças individuais
3
peças como parte de grupos particulares.
Desenvolvimento Capacidade de planejar conscientemente o desenvol-
4
sistemático vimento sistemático das suas peças.
Desenvolvimento enxadrístico homogêneo, resulta-
5 “Sentido posicional”
do da experiência em valorar diferentes posições.
FONTE: Adaptado de Cleveland (1907, p. 293-296).
180
Nesta partida, pode-se observar que os dois jogadores jo-
garam com bastante imprecisão. O primeiro erro grave (assi-
nalado com um sinal de interrogação) ocorreu no lance 11 das
brancas que perderam o cavalo. O erro mais grave (duas interro-
gações) ocorreu no lance 17 das brancas, que perderam a dama
ficando tecnicamente perdidas. No lance 18 as brancas erraram
novamente, pois deveriam ter seguido com ¥xe2, e a resposta
das pretas também foi equivocada, pois deveriam ter prossegui-
do com ¥xf2+. O lance 20 das pretas, erro gravíssimo, leva a
perder uma partida tecnicamente ganha, pois permite ao adver-
sário dar xeque-mate em dois lances. O lance correto seria ¢c8.
10
Estas fases serão abordadas mais detalhadamente na seção "As fases no planejamento
no xadrez segundo De Groot" (p.218)
182
Uma das ideias centrais do estudo foi bastante simples:
uma posição de partida jogada por mestres, mas desconheci-
da dos entrevistados, foi mostrada para classes diferentes de
jogadores por um curto espaço de tempo (variando de 2 a 10
segundos).
A posição era então removida e os entrevistados deveriam
reproduzi-la noutro tabuleiro. O número de peças colocadas
corretamente determinaria o desempenho da memória.
Peões
184
QUADRO 8 – MÉTODO DE PONTUAÇÃO USADO NA RECONSTRUÇÃO DA
POSIÇÃO
Pontos Descrição
+1 Cada peça colocada corretamente.
-1 Cada peça colocada errada, adicionada ou omitida.
-1 Inversão de duas peças
-1 Colocação de uma ou duas peças de uma coluna em outra
-2 Troca de três ou mais peças numa ala ou coluna
-1 Incerteza sobre peças colocadas corretamente (até 3)
Cada relação espacial lembrada corretamente (ex. distância de
+1 um salto de cavalo) entre duas ou mais peças colocadas incorre-
tamente ou não lembradas
Correto relato de balanço material numa posição pobremente
+2
recordada
Quase correto relato de balanço material numa posição pobre-
+1
mente recordada
FONTE: Adaptado de De Groot (1946, p. 323-324).
Fator Descrição
É baseado em possibilidades espaciais (bidimensional) no
Pensamento que tange aos movimentos. Portanto os mestres de xa-
esquemático drez deveriam conseguir altos resultados em testes nos
quais o fator espacial é preponderante.
O jogador se ocupa com movimentos e manobras no ta-
Pensamento
buleiro, com a dinâmica de capturas, ameaças e controle,
Não verbal
sem qualquer dependência sobre formulações verbais.
Capacidade de memória, entendida como conhecimento
Memória
e experiência.
O enxadrista deve ser capaz de aprender progressiva-
Abstração e mente pela experiência, ou seja, de refinar suas regras de
Generalização operação constantemente, fazendo novas regras baseadas
nas antigas.
As hipóteses A habilidade de abandonar rapidamente uma hipótese de
geradas devem ser evidência incompatível a fim de reajustá-la, modificá-la ou
testadas trocá-la por outra.
Além de ser capaz de continuamente gerar e modificar hi-
Afinidade para
póteses, ideias, regras, sistemas (no tabuleiro) e planos, o
investigação ativa
enxadrista deve estar amplamente motivado para fazê-lo.
Fatores São bastante específicos, como é o caso do “temperamen-
motivacionais to no xadrez”, definido como uma fusão entre pensamen-
to, jogo e paixão pelo combate.
Enorme concen-
Estudo das fraquezas do adversário. Regulação dos hábitos
tração sobre um
de vida de acordo com a manutenção de condições óti-
objetivo a vencer
mas. Nunca concordar com qualquer arranjo que diminua
juntamente com
suas chances de vitória. Em outras palavras: os mestres
as estratégias
são lutadores.
envolvidas
FONTE: Adaptado de De Groot (1946, p. 356-361).
186
O contraste dos termos bit e chunk também serve para des-
tacar o fato de que não é muito definido o que constitui
um pedaço de informação. Por exemplo, a capacidade da
memória de cinco palavras que Hayes obteve [...] poderia
muito apropriadamente ter sido chamada de um interva-
lo de memória de 15 fonemas, já que cada palavra tinha
cerca de três fonemas. Intuitivamente, é evidente que os
indivíduos foram recordando cinco palavras, e não 15 fo-
nemas, mas a distinção lógica não é imediatamente apa-
rente. Estamos lidando aqui com um processo de organi-
zação e agrupamento da entrada em unidades familiares
ou em pedaços e uma grande dose de aprendizagem para
a formação destas unidades familiares (MILLER, 1956, p.
93, tradução nossa).
r l rk
pp pl p
q np
p
p
(a) Posição mostrada para o entrevistado escolher um lance com as negras. O tempo para escolha foi de
1 minuto e 46 segundos, sendo o lance escolhido Te8. (b) Número de fixações (parte de cima da casa) e
o tempo em segundos (parte de baixo da casa). (c) Gravação do movimento dos olhos.
188
Parece que em cada ponto de fixação a questão é adqui-
rir informações sobre a localização das peças em ou perto
do ponto de fixação, juntamente com informações sobre
peças na visão periférica (dentro de, por exemplo, 7º de
arco) que leva a uma relação enxadrística significativa
(“ataque”, “defesa” “bloqueio”, “escudo”) para a peça no
ponto de fixação (SIMON; BARENFELD, 1969, p. 475, tra-
dução nossa).
11
O programa PERCEIVER incorporou conceitos da teoria da memória e da percepção
EPAM (Elementary Perceiver and Memorizer) formulada por Feigenbaum e Simon (1962;
1984).
190
Figura 9 — Posição Base Figura 10 — Chunk 1
12
O artigo de Chase e Simon (1973a) não faz menção, mas pode-se observar que o peão
que foi colocado na casa a3 no chunk 5 aparece misteriosamente em a2 no chunk 7.
192
Os principais processos do programa MAPP podem ser vis-
tos na figura 17.
O componente de aprendizagem está mostrado na parte superior da figura, enquanto que as três partes
do componente de desempenho estão na metade de baixo.
194
Caracterização do jogo de
xadrez
P
ara melhor compreender o que é o jogo de xadrez, será
desenvolvida a seguir uma caracterização desse jogo
que abordará cinco tópicos: 1) Jogo e Biologia, em
que serão traçados alguns paralelos entre a evolução biológica
e a evolução dos jogos; 2) Jogo e Cultura, em que será abor-
dada a transmissão de tipo cultural envolvida nos jogos; 3) A
Biblioteca de Caíssa, em que será discutida a complexidade
envolvida no xadrez; 4) O Plano no Jogo de Xadrez, em
que serão abordadas as particularidades do plano no xadrez, e
por fim, 5) A Expertise no Jogo de Xadrez, que descreverá
aspectos da maestria no xadrez.
Jogo e Biologia
Segundo Kraaijeveld (1999, 2000), os jogos de tabuleiro
como o xadrez podem ser vistos como seres vivos (plantas e
animais) que estão sujeitos às leis da evolução biológica assi-
naladas por Charles Darwin (1859, 1871), pois tanto em jogos
quanto em seres vivos é possível inferir uma descendência co-
mum a partir da observação de grupos similares. Jogos também
podem ser extintos e “fossilizados”, ou seja, jogos que se tornam
conhecidos (total ou parcialmente) a partir de fontes históricas,
mas que não são mais praticados atualmente.
É claro que no caso dos jogos a transmissão é de tipo cul-
tural e não genética como no caso da evolução biológica. Para
o biólogo evolucionista Richard Dawkins a transmissão de tipo
cultural é análoga à transmissão genética, sendo que esta envol-
ve unidades replicadoras chamadas genes, e naquela, as unida-
des replicadoras são os memes. Dawkins explica como cunhou o
nome que deu a estas unidades:
196
Em 1952 o físico Albert Einstein também expressou opi-
nião similar ao escrever algumas linhas após a morte de seu
amigo e ex-campeão mundial de xadrez Emanuel Lasker: “o xa-
drez prende tão fortemente a mente do mestre de xadrez que
a sua liberdade e independência ficam fortemente afetadas.”
(CALVO, 2003, p. 16-17, tradução nossa).
Conforme já foi destacado, a transmissão dos jogos de ge-
ração para geração é de tipo cultural, e não biológica. Neste
sentido, a seguir será abordada a relação entre jogo e cultura.
Jogo e Cultura
A relação entre jogo e cultura foi bem assinalada pelo his-
toriador e filósofo holandês Johan Huizinga, em 1938, no livro
Homo Ludens. Nesta obra o autor argumenta que o jogo é uma
categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quanto
o raciocínio (Homo sapiens) e a fabricação de objetos (Homo
faber). Então a denominação Homo Ludens quer dizer que o ele-
mento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da
civilização. No dizer de Huizinga:
198
Durante muitos anos, tem-se afirmado que o jogo de xadrez deve
ter um significado simbólico muito maior que um mero passatem-
po. Entre outras coisas, ele tem sido associado ao treinamento
mental, à estratégia militar, à mais complexa Matemática, à adi-
vinhação, à Astronomia e à Astrologia. [...] Em sua monumental
obra Science and Civilization in China, Joseph Needham afirma
que uma técnica quase astrológica teria surgido na China entre
os séculos I e II d. C., com a finalidade de determinar a condição
de equilíbrio entre as qualidades complementares do Yin e Yang.
Needham acredita que essa técnica adivinhatória era adotada pe-
los adivinhos militares, tendo talvez servido de base para o jogo
de tabuleiro que conhecemos como Chaturanga [o ancestral do
xadrez] (PENNICK, 1992, p. 209).
200
Figura 18 – Primeiro Lance 1 Figura 19 – Primeiro Lance 2
Cada peão pode mover uma ou duas Cada cavalo está restrito a 2 movi-
casas no seu primeiro lance. mentos no primeiro lance. 2 x 2 = 4
8 x 2 = 16 possíveis movimentos. movimentos.
2 4 6 8 10 12 14 16
1 3 5 7 9 11 13 15 17 18 19 20
202
Com o xadrez é possível, em princípio, jogar uma partida perfei-
ta ou construir uma máquina para fazer o seguinte: Considerar-
-se em uma determinada posição todos os movimentos possíveis e
assim todos os lances para o adversário, etc., até o fim do jogo (em
cada variação). O término deve ocorrer, pela regra do jogo, após
um número finito de movimentos (lembrar a regra dos 50 lances).
Cada uma dessas variações termina em perda, vitória, ou empate.
Ao trabalhar para trás a partir do final pode-se determinar se exis-
te uma vitória forçada, se a posição é um empate ou se é derrota.
É fácil demonstrar, no entanto, mesmo com a computação de alta
velocidade disponível em calculadoras eletrônicas, que esse cálcu-
lo é impraticável. Em posições típicas de xadrez há a ordem de 30
lances legais. O número se mantém relativamente constante até
que o jogo esteja quase concluído, conforme mostrado [...] por De
Groot [...]. Assim, uma jogada para as brancas e uma para as pre-
tas dá cerca de 103 possibilidades. Uma partida típica dura cerca
de 40 movimentos até o abandono por um dos jogadores. Isso é
moderado para o nosso cálculo, já que a máquina deveria calcular
até dar xeque-mate, sem considerar o abandono. No entanto, mes-
mo com este número, haverá 10120 variações a serem calculadas a
partir da posição inicial. A operação da máquina, à taxa de uma
variação por microssegundo, exigiria mais de 1.090 anos para cal-
cular o primeiro lance! (SHANNON, 1950, p. 4, tradução nossa).
5, 6, 7
11-15
16-20
21-25
26-30
31-40
41-50
Grupo de
51-...
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
Zi=
movimentos
Número de posi-
ções investigadas 36 34 36 40 40 40 40 40 23 21
(p)
Número médio
de movimentos 3,0 6,0 9,0 12,7 17,3 23,4 27,7 35,5 45,9 63,9
(Zi)
Maior número de
movimentos legais 38 47 50 52 57 65 50 43 42 36
(Kmax)
Terceiro quartil
31,5 37 39,5 43 46,5 42,5 41 35,5 28 26
de K (Q3)
Mediana de K 29 35 36 38,5 38 38 35,5 31 22 21
Número de movi-
29,1 34,3 35,8 37,1 39,4 38 34 29,1 23,1 20,3
mentos legais (K)
Primeiro quartil
28 31 30 32 33 32,5 29,5 22 14 13
de K (Q1)
Menor número
de movimentos 22 25 26 24 25 21 13 12 10 7
legais (Kmin)
FONTE: De Groot (1946, p. 21).
204
Para se ter uma ideia da magnitude do número de Shan-
non (10120) costuma-se compará-lo com o número de átomos
do universo observável14, que é determinado pelos físicos pelo
número 1080. Ou seja, o número total de posições legais e ilegais
no jogo de xadrez é maior que o número de átomos do universo.
Embora o xadrez seja um jogo de grande complexidade,
existem outros com complexidade muito superior, conforme
pode ser visto na tabela a seguir.
Número
Número Média de
Tamanho do total
total lances
Jogo Tabuleiro de posições
de posições na
(células) legais e
legais partida
ilegais
Jogo da velha 9 103 105 9
Dama (8x8) 32 1020 ou 1018 1031 70
Trilha (c/ nove peças) 24 1010 1050 (?)
Dama (10x10) 50 1030 (?) 1054 90
Reversi (Otello) 64 1028 1058 58
Go-Moku (15x15) 225 10105 (?) 1070 30
Xadrez 64 1050 10123 80
Gamão 28 1020 10144 (?)
Shogi 81 1071 10226 110 (?)
Go (19x19) 361 10171 10360 150
14
O cálculo é feito da seguinte forma: uma típica estrela tem massa de aproximadamente
2×1030 kg, que contém aproximadamente 1×1057 átomos de hidrogênio por estrela. Uma
galáxia típica tem aproximadamente 400 bilhões de estrelas, o que significa que cada galáxia
tem 1×1057 × 4×1011 = 4×1068 átomos de hidrogênio. No universo há possivelmente 80
bilhões de galáxias, o que significa que há aproximadamente 4×1068 × 8×1010 = 3×1079
átomos de hidrogênio no universo observável. O hidrogênio é o elemento químico mais
abundante, e constitui 75% da massa elementar do universo. No entanto, este cálculo
representa o limite inferior, e ignora muitas fontes possíveis de átomos (OBSERVABLE
UNIVERSE, 2008).
A importância do planejamento em
atividades complexas: o plano no jogo de
xadrez
Conforme foi visto, jogar bem xadrez é uma atividade bas-
tante complexa, pois o jogo possui um enorme espaço de pos-
sibilidades: 1.050 para o número total de posições legais e 30
alternativas para o número médio de lances legais disponíveis,
em cada jogada, sendo que dessas 30 alternativas somente duas
em média são boas.
Assim, para encontrar a agulha no palheiro por assim
dizer (2 lances em 30 possíveis), o jogador deve fazer uso de
instrumentos cognitivos que o auxiliem nesta seleção, e a elabo-
ração de planos tem essa finalidade. É como diz o velho adágio:
“um mau plano é melhor do que plano nenhum” (KASPAROV,
2007, p. 24).
Chi e Glasser (1992, p. 258-263) afirmam que o processo
de encontrar uma solução para um problema pode ser visuali-
zado como uma busca pelos trajetos no espaço do problema,
até um que leve ao objetivo ou estado desejado. Segundo estes
pesquisadores, existe uma grande variedade de estratégias para
realizar esta busca:
206
jeto até o fim. Se o estado não é o desejado, volta-se um nível
e recomeça-se novamente a busca, por um trajeto ainda não
tentado. Quando todos os trajetos, a partir de um determinado
estado, foram tentados, volta-se mais um nível e começa-se no-
vamente, e assim por diante. Este método é aplicável para pro-
blemas simples, mas impraticável para problemas complexos.
Análise meios/fins: busca de boas alternativas que levem
a um fim desejado. A ideia básica é descobrir que diferenças
existem entre o estado atual e o desejado e então descobrir ope-
rações que as reduzam. Havendo mais do que uma dessas ope-
rações, aquela que reduz a diferença mais ampla é aplicada em
primeiro lugar. Ou seja, deve-se encontrar o melhor meio de
atingir o fim desejado. A análise meios/fins pode ser usada não
apenas do estado inicial para o desejado (prospectivamente),
mas também do fim desejado para o estado inicial (retrospec-
tivamente). Métodos como este da análise meios/fins, também
chamados de métodos heurísticos, reduzem o número de alter-
nativas, mas não garantem sucesso em todas as situações.
Estabelecimento de subobjetivos: consiste em escolher
um estado intermediário no trajeto da solução, para alcançar
um objetivo temporário (veja a figura a seguir). Esta estratégia
208
FIGURA 21 – A UNIDADE TOTE
Saída
Testar (Exit)
(Test)
Congruência
Incongruência
Operar
(Operate)
Cabeça rente
Testar o
Prego
Começar a
Abaixado
bater
Levantado
Testar o Testar o
Martelo Martelo
Abaixado Levantado
Levantar Martelar
210
tação estratégica, e, por fim; 4) Plano como um fim em si mesmo.
O autor destaca que jogar xadrez envolve o plano de tipo 3:
214
Para o ex-Campeão mundial de xadrez Garry Kasparov
(KASPAROV, 2007, p. 25-26), o estrategista começa com um ob-
jetivo distante e trabalha em retrospecto até o presente. Kaspa-
rov afirma que o Grande Mestre faz os melhores movimentos
porque eles se baseiam na aparência que ele quer que o tabulei-
ro tenha dez ou vinte lances à frente. Isso não exige o cálculo de
incontáveis variações das vinte jogadas. Ele avalia as melhores
possibilidades de sua posição e estabelece objetivos. Em seguida,
continua Kasparov, elabora os lances passo a passo para alcan-
çar os objetivos. Na citação a seguir pode-se ver a descrição de
como Kasparov planeja suas ações numa determinada posição.
15
Informação fornecida em comunicação pessoal.
Tipo
Descrição geral Fases do planejamento Objetivos Exemplos
de plano
Conforme o tipo de captura utilizada, 1) Captura imediata: sempre que
A expressão material refere-se
pode envolver duas ou três fases: Visa o ganho de o adversário comete um erro que
às peças, com exceção do rei. Se
1) Captura imediata: a) identificação do peças, mas devem acarretará em perda instantânea de
todos os outros fatores estiverem
1 erro adversário; b) observação se não é ser observados material.
constantes, quanto mais material
Obter um sacrifício; os respectivos 2) Captura mediada: qualquer se-
um jogador tiver disponível, tanto
vantagem 2) Captura mediada: a) Tomada de cons- valores relativos quência de lances que resultará em
maior será seu poder de fogo.
material ciência da realidade; b) Projeções do ideal das peças: P=1, ganho de material. Geralmente en-
É realizada por meio de captura
buscado; N=3, L=3, volve temas táticos como eliminação
imediata (direta) ou mediada
3) O caminho para alcançar o ideal R=5, Q=9. de defesa, bloqueio, desvio, ataque
(indireta).
buscado. descoberto, cravada, etc.
Tem por obje-
Refere-se a uma superioridade na Os planos enquadrados nesta
Aqui também o planejamento envolve tivo obter uma
disposição das peças. categoria podem variar bastante,
três fases principais: posição superior
A vantagem posicional deve levar como desenvolver as peças,
2 a) Tomada de consciência da realidade; à do seu adver-
em conta a posição global das pe- dominar o espaço, ganhar tempo,
Obter sário, onde as
ças no tabuleiro, considerando-se enfraquecer a posição adversária
vantagem b) Projeções do ideal buscado; peças ocupam as
que, na prática, uma posição usual- tornando a estrutura de Peões débil,
posicional melhores casas e
mente contém algumas vantagens propor troca de peças de tal forma
c) O caminho para alcançar o ideal dominam pontos
e algumas desvantagens para cada que deixe o adversário em posição
buscado. vulneráveis na po-
jogador. inferior, etc.
sição adversária.
Continua
Conclusão
Além das três fases descritas anterior- Pode ocorrer com o Rei em relativa
Uma vez que o xeque-mate é o
mente, envolve ainda: Visa ganhar a par- segurança, com o roque efetuado,
objetivo final de toda partida de
1) Desenvolvimento de suas peças de tida por knockout, ou com o Rei vulnerável sem rocar.
xadrez, os jogadores terão de
forma rápida e harmoniosa; ou seja, desferir
3 elaborar planos visando atingir este 1) Rei sem rocar: ataque ao
2) Abertura de linhas que conduzam ao um ataque repen-
Atacar objetivo. ponto f7 com Q e L ou Q e N
Rei adversário e ocupação destas linhas tino e preciso que
o Rei O xeque-mate ocorre quando o conjugados.
com suas peças; conduza ao final
Rei encontra-se ameaçado, não
3) Posicionamento de suas peças em da partida por 2) Rei rocado (roque menor):
sendo possível fugir, bloquear ou
prontidão de assalto e eliminação das xeque-mate. ataque ao ponto g7 ou h7 com Q e
capturar a peça agressora.
peças adversárias que atuem na defesa. L ou Q e N conjugados.
Uma combinação que conduza ao
Neste caso o planejamento também Tem por objetivo
Muitas vezes um jogador que já afogamento ou a uma posição de
envolve três fases principais: escapar de uma
não tem mais condições de vencer xeque perpétuo. No afogamento
a) Tomada de consciência da realidade; posição eminen-
4 a partida pode evitar a derrota a partida termina com o Rei
temente perdida,
Empatar a forçando seu adversário a entrar não estando em xeque e não
b) Projeções do ideal buscado; com derrota cer-
partida numa sequência de movimen- havendo mais lances legais. No
ta, e conseguir o
tos forçados que conduzirão ao xeque perpétuo o jogador que
c) O caminho para alcançar o ideal empate por algum
empate. está perdendo se salva por aplicar
buscado. artifício legal.
xeques sucessivos no adversário.
FONTE: Elaborado pelo autor a partir de discussões com o Grande Mestre Internacional de xadrez Jaime Sunye.
Xadrez e Educação
217
As fases no planejamento no xadrez segundo
De Groot
De Groot (1946, p. 105) afirma que uma jogada possível
raramente é feita pensando somente no movimento isolado; ela
quase sempre está conectada com um objetivo mais geral ou um
plano que o jogador tem em mente. Assim sendo, a exploração
de um possível movimento não é um fim em si mesmo, mas
antes um meio possível para a realização de uma meta mais
ambiciosa no tabuleiro: por exemplo, para obter uma vantagem
material (através de uma combinação), para realizar um ataque
de mate, para consolidar a ala da dama, e assim por diante.
Esses objetivos gerais são conhecidos na literatura enxadrística
como planos e planejamento.
Para estudar as fases no planejamento, De Groot (1946,
p. 91) apresentou posições de partidas aos sujeitos que eram
convidados a pensar em voz alta (thinking aloud) e escolher a
melhor continua-ção para a posição. Após a análise dos protoco-
los, De Groot (1946, p. 267) definiu quatro fases no processo de
pensamento, conforme pode ser visto no quadro a seguir.
Fase Descrição
Orientação de possibilidades: o sujeito olha para as
Orienta-
1 consequências de movimentos e para as possibilidades gerais
ção
em certa direção.
Explora- Investigação de possibilidades de ação: o sujeito calcula uns
2
ção poucos movimentos.
Aqui há uma busca mais profunda e mais séria por
possibilidades que são quantitativamente e qualitativamente
Investiga-
3 melhor definidas. A investigação é mais dirigida e muito
ção
mais exaustiva: mais variantes são calculadas e com mais
profundidade.
O sujeito confere e recapitula, esforçando-se para provar;
os resultados obtidos são produzidos dentro de um
4 Prova
argumento convincente. O cálculo dos resultados é mais
completo, tanto para a parte positiva quanto para a negativa.
Fonte: Adaptado de De Groot (1946, p. 267).
218
A seguir, pode-se ver o protocolo de um dos quatro mes-
tres de xadrez que participaram da pesquisa, o sujeito Nico
Cortlever (M2), referente à posição B1 (figura 23).
(S contra os Peões) Difícil: esta é minha primeira e isso não é nada bom. Eu ficarei bem depois
impressão. A segunda é que estou com pouco 35 disso. Ele sempre pode jogar c3. Posso impedir
material, mas esta é uma posição agradável. Eu isso?
posso fazer muitas coisas, como sempre. Eu posso 1...Rb8 2.Rab1 e agora Ld2 – Lc3. Ou talvez
5 ir com minha Torre até a posição dele até os Peões. 1...Rb8 e então 2...Kf8, então ele ainda não pode
Nenhuma casa para a Torre dele ficar na coluna jogar b4, ou talvez 1...Rb8 2.Rab1 Kf8 3.c3.
e, exceto e7. E eu posso prevenir isso com Kf8. 40 Não, não me serve.
1... Kf8 não é possível. Por exemplo, se eu jogar Talvez alguma coisa ainda melhor; na ala do Rei:
1... Rb8; ele 2.Rab1 Ld5 então ele ainda pode 1...Lg5 ou qualquer outra coisa semelhante,
10 entrar. Eu posso tentar bloquear seus Peões; 2.Re5 f8 – não, estou fantasiando.
então eu não posso vencer, mas isso não será 1...h5 imediatamente, 2.gxh5 gxh5 ou 2...Kg7;
muito fácil de qualquer forma. Também procurar 45 não, então 3.Kg1 – nenhum dos dois vale a pena.
alguma coisa para fazer ao longo da coluna da 1...Rd8 e 2...Rd4 – também não é bom.
Torre: g5 – h5 – Kg7 – Rh8. Então ele pode jogar 1...Rb8 2.Rab1 h5 3.gxh5 Rb5 4.Kg1 – ou
15 alguma coisa como f3. Troca de Torres em geral 4.hxg8 – 4...Rxh5; e 5...Rh2. Talvez não seja
não é bom; tenho que evitar. loucura.
O primeiro movimento a considerar é 1...Kf8 50 1...Rb8 2.Rab1 h5 3.gxh5 – 3.f3 não é bom,
para manter a Torre afastada. Então 2.Re2 e então a Torre vai para Rb5 – assim 3.gxh5 Rb5
dobra elas. ...também não ajuda. Mas se então 4.hxg8. Eu estou ameaçando alguma coisa? Eu
20 avança com seus Peões: c4 – b4, ou algo assim; também posso jogar imediatamente 2...Rb5 e
então será difícil pará-los. Imediatamente não então h5.
funcionaria, depois 2.c4 então Rd8 e com Rd4 55 O Bispo pode fazer alguma coisa?
eu consigo bloqueá-lo. 1...Ld2 (2.Re7) Lb4. Um pouco lento. E os
1...h5, eu não gosto muito dessa ideia. Bispos estão bem posicionados. Sim, um pouco
25 Se imediatamente lento.
1...Rb8, então 2.Re7 é irritante. 1...a5 2.Re7 Re8 – troca as Torres; não,
Eu deveria jogar 60 aquilo não é nada.
1...Kf8, ou talvez Sim, eu começo com
1...Lg5. 1...Rb8.
30 Ah, não, (Fim do protocolo)
1...Rb8 2.Re7 não pode por causa de 2...Rxb2.
Consequentemente ele deve jogar 2.Rab1 ou
2.b3. Então talvez 2...Ld5; mas então vem 3.c4,
FIGURA 23 - Posição b1
h g f e d c b a
1 1
2 2
3 3
4 4
5 5
6 6
7 7
8 8
h g f e d c b a
Kf8 Rb8
Rab
Ld5
Kf8 Rb8 h5 K g5
Re2 c4 Rab e7 b3
c4 b4
220
FIGURA 26 - FASE DE INVESTIGAÇÃO (LINHAS 41 a 50)
c4 b4 hxg6 Kg
Rxh5
S.J.
Rh2
S.J. Rd8 Ld5 Ld2 Kf8 h5 Rb5 Rxb2 gxh5 Kg7 f6 Rd4 Lb4 Re8
c4 b4 hxg6 Kg S.J.
Rxh5 Rb5
S.J.
Rh2
* A declaração do sujeito M2 aqui foi: “3.f3 não é bom, então a torre vai para ¦b5”. Ao
invés dessa interpretação, M2 pode ter visualizado a posição depois de: 1...¦b8 2.¦ab1 h5
3.f3 hxg4 4.fxg4 ¦b5 5.(S.J.) ¦g5.
222
A expertise no jogo de xadrez
O termo expert é geralmente empregado para definir
alguém muito habilidoso e bem informado em algum campo
especial, ou para alguém amplamente reconhecido por seus
pares como uma fonte confiável de conhecimento, técnica ou
habilidade. Experts têm experiência prolongada ou intensa atra-
vés de prática e estudo em um campo particular. Expertise então
se refere às características, habilidades e conhecimentos que
distinguem experts de novatos e de pessoas menos experientes.
Em alguns domínios, como no jogo de xadrez, há critérios obje-
tivos para encontrar experts, que são consistentemente capazes
de exibir performance superior em tarefas representativas em
um domínio. (ERICSSON et al., 2006, p. 3).
Ericsson (1996, p. 6) destaca que a realização excepcional
e o desempenho são fenômenos sociais e que virtualmente cada
domínio maior da expertise está associado a uma organização
hierárquica baseada em critérios sociais, em que o nível de de-
sempenho é tipicamente descrito pelo nível apropriado de com-
petição envolvida (clube, estadual, nacional e internacional).
O número de indivíduos que são admitidos para competir em
um dado nível de competição torna-se menor à medida que o
nível aumenta. Até que no nível mais alto há somente um único
campeão mundial, conforme pode ser visto na figura a seguir.
224
Elo (1978, p. 104) também apresenta curvas hipotéti-
cas de desempenho baseadas na experiência e em capacidades
orgânicas, conforme pode ser visto na figura a seguir. Enquanto
que a curva de desempenho baseado na experiência somente
cresce ao longo da vida, uma vez que a experiência aumenta com
a idade, a curva de desempenho baseado em capacidades orgâ-
nicas tem, num primeiro momento, um crescimento baseado
em aspectos maturacionais, ocorrendo depois um declínio gra-
dativo com o aumento da idade.
226
anos promove um período de atividade maior e um declínio
mais tardio (KROGIUS, 1976, p. 239).
Krogius também pesquisou um segundo pico que ocorre
na carreira do jogador, dizendo que pode ocorrer em idades di-
ferentes, mas em média não ocorre depois dos 44 ou 45 anos.
Este segundo pico é uma fase muito curta na vida do jogador,
durando em média 1 ano, ou seja, 10 vezes menos que o perío-
do ótimo. O intervalo entre o segundo pico e o período ótimo
é de aproximadamente 6 anos, e como regra, depois do segun-
do pico um rápido declínio ocorre quando a força do jogador
tem uma queda expressiva. O segundo pico é observado prin-
cipalmente em jogadores que aprenderam o jogo relativamente
tarde, depois dos 12 anos, sendo que os jogadores que apren-
deram o jogo antes dos 9 anos normalmente não apresentam
o segundo pico. Krogius argumenta que a duração do período
ótimo não depende da aprendizagem precoce do xadrez, pois
métodos melhores de treinamento na adolescência podem igua-
lar os resultados da aprendizagem precoce (KROGIUS, 1976, p.
240-241).
Krogius destaca que outro fator importante na carreira de
um jogador é o momento da obtenção do primeiro resultado
significativo. Para pesquisar este assunto, Krogius dividiu no-
vamente os jogadores em dois grupos, de acordo com a idade
de aprendizagem do jogo, e então tabulou as idades em que os
jogadores alcançaram o primeiro resultado de Grande Mestre.
Os dados encontram-se na tabela a seguir.
Grupo 1 Grupo 2
começou a
começou a
Idade que
Idade que
Intervalo
Intervalo
1 resul.
1 resul.
Nome
Nome
jogar
jogar
GM
GM
Morphy 10 21 11 Blackburne 17 29 12
Zukertort 7 29 22 Chigorin 16 33 17
Spielmann 8 25 20 Lasker 12 24 12
Nimzowitsch 4 26 18 Maroczy 15 26 11
Capablanca 6 21 17 Pillsbury 16 23 7
Alekhine 7 22 15 Rubinstein 14 24 10
Euwe 5 26 21 Vidmar 15 26 11
Reshevsky 4 24 20 Flohr 14 23 9
Bondarevsky 9 27 18 Botvinnik 12 22 10
Keres 5 21 16 Lilienthal 15 25 10
Boleslavsky 9 26 17 Kotov 14 26 12
Smislov 6 20 14 Fine 12 22 10
Geller 7 27 20 Gligoric 12 28 16
Benko 8 30 22 Petrosian 12 23 11
Ivkov 8 22 14 Korchnoy 13 25 12
Larsen 7 21 14 Vasyukov 13 28 15
Tal 7 21 14 Polugayevsky 12 26 14
Spassky 5 18 13 Portisch 12 24 12
Fischer 6 15 9
Hort 7 21 14
Balashov 5 21 16
Karpov 5 19 14
228
Para o período anterior à criação do título oficial de Gran-
de Mestre, foi adotado como resultado GM as primeiras quatro
colocações em um forte torneio internacional, ou derrotar em
um match alguém que já obteve um resultado GM (KROGIUS,
1976, p. 240).
Krogius informa que esta tabela mostra uma diferença sig-
nificativa: os jogadores do segundo grupo (que aprenderam a
jogar 7 anos mais tarde) levaram 4.6 anos a menos para obter
um resultado de Grande Mestre, se comparados com os jogado-
res do primeiro grupo, o que fez diminuir o atraso do grupo 2
para somente 2.5 anos. Para interpretar estes resultados, Kro-
gius (1976, p. 242) cita as opiniões opostas de dois Grandes
Mestres de xadrez sobre a aprendizagem precoce do xadrez:
Nimzowitsch e Reti. Para Nimzowitsch representa uma desvan-
tagem em virtude da concretude do pensamento infantil, mas
para Reti, representa uma vantagem, pois contribui para a for-
mação e o desenvolvimento da intuição no xadrez.
Krogius argumenta que se Reti estivesse certo, deveria ser
encontrado um número maior de erros graves nas partidas dos
jogadores do grupo 2, pois a intuição desempenha um impor-
tante papel na avaliação da posição, imediatamente depois da
jogada do adversário. Krogius analisou então aproximadamente
1.500 partidas dos 40 Grandes Mestres selecionados da tabela
11 e encontrou erros em 4% delas. Krogius informa que os jo-
gadores do segundo grupo, que aprenderam a jogar mais tarde,
cometeram duas vezes mais erros do que os jogadores do grupo
1, que aprenderam a jogar xadrez antes (KROGIUS, 1976, p.
241-242).
Dessa forma, destaca Krogius, os jogadores que aprendem
a jogar com menos de 10 anos fazem significativamente menos
erros táticos óbvios que aqueles que aprendem mais tarde. Isto
significa que a aprendizagem do jogo precoce auxilia na obten-
ção de experiências concretas que, por sua vez, atuam na per-
cepção intuitiva da posição. Assim, conclui Krogius, podemos
inferir que a aprendizagem precoce do xadrez tem um efeito de-
finitivo para o desenvolvimento da intuição (KROGIUS, 1976,
p. 241-243).
230
ontwikkeling. Tijdschrift voor de Psychologie, v. 36, n. 8, p. 561-582,
1981.
ELO, A. The ratings of chess players: past and present. London: Batsford,
1978.
232
LIPTRAP, J. M. Chess and Standard Test Scores. Chess Life, p. 41-43.
March, 1998.
MILLER, G. The magical number seven, plus or minus two: some limits
on our capacity for processing information. The Psychological Review, v.
63, 1956.
234
Este livro foi composto em Charter BT, corpo 9, 10, 11, Gill Sans
MT, corpo 7, 8.5, 9, 9.5, 10, 12.5, 15, Serifa Blk BT, corpo 22,
Monotype Sorts, corpo 10, DIN 1451 Std, corpo 35, 40, Figu-
rineCB AriesSP, corpo 6, 8.5, 11, 12, DiagramTTBlindBlack, corpo
14, Trajan Pro, corpo 8, 10.5, impresso em papel offset 75 g/m²
para o miolo e papel cartão supremo 250 g/m² para a capa, com
tiragem de 500 exemplares, pela ICQ Editora Gráfica para a Edi-
tora UFPR, em fevereiro de 2015.