1. INTRODUÇÃO - Conceito: conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda a legislação penal extravagante. - Nomenclatura: apesar da discussão existente, a denominação Direito Penal é, ainda, a mais difundida e utilizada, inclusive pela própria Constituição Federal, de 1988, v.g., no art. 22, inciso I. Embora façamos o estudo de um Direito Penal, não descartamos o uso do vocábulo criminal do nosso sistema jurídico. Por exemplo, o local onde tramitam ações de natureza penal chama-se Vara Criminal; o recurso interposto em virtude de uma decisão proferida por um juízo monocrático é dirigido e submetido ao crivo de uma Câmara Criminal; o advogado que milita na seara penal é conhecido como advogado criminalista. - O direito penal é um ramo do direito público, pois somente o Estado pode criar e regular as sanções aplicáveis no seu âmbito. 2. FINALIDADE DO DIREITO PENAL - Proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade. - Com o direito penal objetiva-se tutelar os bens que, por serem extremamente valiosos, não do ponto de vista econômico, mas sim político, não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do direito. Quando dissemos ser político o critério de seleção dos bens a serem tutelados pelo Direito Penal, é porque a sociedade, dia após dia, evolui. Bens que em outros tempos eram tidos como fundamentais e, por isso, mereciam a proteção do Direito Penal, hoje, já não gozam desse status. NUCCI: o direito penal possui a função de atuar, no cenário jurídico, quando se chega à última opção (ultima ratio), vale dizer, nenhum outro ramo do direito conseguiu resolver determinado problema ou certa lesão a bem jurídico tutelado. A finalidade e a função do direito penal confundem-se com a finalidade e a função da própria pena. a finalidade da pena é multifacetada, não possuindo um só desiderato. A função do direito penal, como última solução, é impor a pena para que o ilícito não se repita. 3. A SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICO-PENAIS - Sendo a finalidade do Direito Penal a proteção dos bens essenciais ao convívio em sociedade, deverá o legislador fazer a sua seleção. A Constituição Federal exerce, como veremos mais adiante, duplo papel. Se de um lado orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade, por outro, segundo a concepção garantista do Direito Penal, impede que esse mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos violadores de direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana, também consagrados pela Constituição. 4. CÓDIGOS PENAIS DO BRASIL - Após a proclamação da Independência, em 1822, e depois de ter- se submetido às Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, o Brasil editou, durante sua história, os seguintes Códigos: Código Criminal do Império do Brasil, de 1830; Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, de 1890; Consolidação das Leis Penais, de 1932; Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – cuja Parte Especial, com consideráveis alterações, encontra-se em vigor até os dias de hoje; Código Penal, Decreto-Lei nº 1.004, de 1969 – que permaneceu por um período aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado pela lei nº 6.578, de 11 de outubro de 1978, sem sequer ter entrado em vigor; Código Penal, Lei nº 7.209, de 1984 – com esta lei foi revogada, tão somente, a Parte Geral do Código Penal de 1940. - O nosso atual Código Penal é composto por duas partes: geral (arts. 1º a 120) e especial (arts. 121 a 361). Parte Geral: destinada à edição das normas que vão orientar o intérprete quando da verificação da ocorrência, em tese, de determinada infração penal. Ocupa-se de regras que são aplicadas não só aos crimes previstos no próprio Código Penal, como também a toda a legislação extravagante. Parte Especial: embora contenha normas de conteúdo explicativo, ou mesmo causas que excluam o crime ou isentem o agente de pena, é destinada, precipuamente, a definir os delitos e a cominar as penas. - Indicação marginal ou rubrica: quase sempre ao lado dos artigos, de forma destacada, encontramos determinadas expressões que se destinam à sua maior inteligibilidade. O próprio legislador preocupou-se em nos informar que aquele artigo seria destinado a tratar da matéria já por ele anunciada. Variará de acordo com cada infração penal ou instituto da Parte Geral ou Especial do Código, podendo também ser utilizada na legislação extravagante. 5. DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO - Direito Penal Objetivo: é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal, v.g., excluindo o crime, isentando de pena, explicando determinados tipos penais. NUCCI: O direito penal objetivo é o corpo de normas jurídicas destinado ao combate à criminalidade, garantindo a defesa da sociedade, mas também limitando o poder estatal, de modo a não afrontar, em demasia, as liberdades individuais. - Direito Penal Subjetivo: é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Poder Judiciário. É o próprio ius puniendi. Se determinado agente praticar um fato típico, antijurídico e culpável, abre-se ao Estado o dever-poder de iniciar a persecutio criminis in judicio, visando a alcançar, quando for o caso e obedecido o devido processo legal, um decreto condenatório. NUCCI: Embora alguns autores denominem direito penal subjetivo como o direito de punir (jus puniendi) do Estado, que surge após o cometimento da infração penal, parece-nos correta a visão de Aníeal Bruno ao sustentar que inexiste, propriamente, um direito penal subjetivo. O Estado não possui um direito de punir, mas o poder-dever de punir, sempre que o crime ocorre e é devidamente comprovado pelas vias legais. Logo, não se trata de um direito, exequível ou não, conforme critérios discricionários. 6. MODELO PENAL GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI - É sobre a hierarquia de normas, existente no chamado Estado Constitucional de Direito, que Luigi Ferrajoli vai buscar os fundamentos do seu modelo garantista. Num sistema em que há rigidez constitucional, a Constituição, de acordo com a visão piramidal proposta por Kelsen, é a “mãe” de todas as normas. Todas as normas consideradas inferiores nela vão buscar sua fonte de validade. Não podem, portanto, contrariá-la, sob pena de serem expurgadas de nosso ordenamento jurídico, em face do vício de inconstitucionalidade. A Constituição nos garante uma série de direitos, tidos como fundamentais, que não poderão ser atacados pelas normas que lhe são hierarquicamente inferiores. - Ferrajoli aduz que o “garantismo - entendido no sentido do Estado Constitucional de Direito, isto é, aquele conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa o único remédio para os poderes selvagens”. Distingue as garantias em duas grandes classes: “as garantias primárias e as secundárias. As garantias primárias são os limites e vínculos normativos (ou seja, as proibições e obrigações, formais e substanciais) impostos, na tutela dos direitos, ao exercício de qualquer poder. As garantias secundárias são as diversas formas de reparação (a anulabilidade dos atos inválidos e a responsabilidade pelos atos ilícitos) subsequentes às violações das garantias primárias. A magistratura, segundo a concepção garantista de Ferrajoli, exerce papel fundamental, principalmente no que diz respeito ao critério de interpretação da lei conforme a Constituição. O juiz não é mero aplicador da lei, mero executor da vontade do legislador ordinário. Antes de tudo, é o guardião de nossos direitos fundamentais. Ante a contrariedade da norma com a Constituição, deverá o magistrado, sempre, optar por esta última, fonte verdadeira de validade da primeira. - Segundo Salo de Carvalho, a teoria do garantismo penal se propõe a estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloca a ‘defesa social’ acima dos direitos e garantias individuais. 6.1. DEZ AXIOMAS DO GARANTISMO PENAL - A teoria garantista penal, desenvolvida por Ferrajoli, tem sua base fincada em dez axiomas, ou seja, em dez máximas que dão suporte a todo o seu raciocínio. São eles: Nulla poena sine crimine; Nullum crimen sine lege; Nulla lex (poenalis)sine necessitate; Nulla necessitas sine injuria; Nulla injuria sine actione; Nulla actio sine culpa; Nulla culpa sine judicio; Nullum judicium sine accusatione; Nulla accusatio sine probatione; Nulla probatio sine defensione. Por intermédio do primeiro brocardo (nulla poena sine crimine), entende-se que somente será possível a aplicação de pena quando houver, efetivamente, a prática de determinada infração penal, que, a seu turno, também deverá estar expressamente prevista na lei penal (nullum crimen sine lege). A lei penal somente poderá proibir ou impor comportamentos, sob a ameaça de sanção, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tidos como fundamentais ao nosso convívio em sociedade, em atenção ao chamado direito penal mínimo (nulla lex (poenalis) sine necessitate). As condutas tipificadas pela lei penal devem, obrigatoriamente, ultrapassar a pessoa do agente, isto é, não poderão se restringir à sua esfera pessoal, à sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibição de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros (nulla necessitas sine injuria), exteriorizados mediante uma ação (nulla injuria sine actione), sendo que, ainda, somente as ações culpáveis poderão ser reprovadas (nulla actio sine culpa). Os demais brocardos garantistas erigidos por Ferrajoli apontam para a necessidade de adoção de um sistema nitidamente acusatório, com a presença de um juiz imparcial e competente para o julgamento da causa (nulla culpa sine judicio) que não se confunda com o órgão de acusação (nullum judicium sine accusatione). Fica, ainda, a cargo deste último o ônus probatório, que não poderá ser transferido para o acusado da prática de determinada infração penal (nulla accusatio sine probatione), devendo ser-lhe assegurada a ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes (nulla probatio sine defensione). 7. PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PENAL - Muitos institutos penais e processuais penais foram criados mais sob o enfoque dos interesses precípuos da vítima do que, propriamente, do agente que praticou a infração penal. Essa influência da vítima no Direito e no Processo Penal fez com que alguns autores cunhassem a expressão privatização do Direito Penal, entendendo-a como uma outra via de reação do Estado. Ulfrid Neumann esclarece que “recentemente, a introdução da relação autor-vítima-reparação no sistema de sanções penais nos conduz a um modelo de ‘três vias’, onde a reparação surge como uma terceira função da pena conjuntamente com a retribuição e a prevenção”. 8. DIREITO PENAL MODERNO - Conforme lições de Edgardo Alberto Donna, o chamado Direito Penal moderno se encontra com um fenômeno quantitativo que tem seu desenvolvimento na parte especial. Não há código que nos últimos anos não haja aumentado o catálogo de delitos, com novos tipos penais, novas leis especiais e uma forte agravação das penas. O Direito Penal moderno segue as orientações político-criminais de um Direito Penal máximo, deixando de lado, muitas vezes, as garantias penais e processuais penais, sob o argumento, falso em nossa opinião, de defesa da sociedade.
1.3. DIREITO PENAL COMUM E ESPECIAL
Direito penal comum: é o conjunto de normas previsto no Código Penal, que traz as leis aplicáveis a todos os delitos em geral, sem qualquer fato específico. Direito penal especial: volta-se às leis penais especiais, contidas em leis editadas para vigorar fora do Código Penal, trazendo algum assunto específico. Exemplo de direito penal especial: direito penal militar, lei das contravenções penais, lei dos crimes tributários, econômicos e contra as relações de consumo, lei dos crimes ambientais etc. Em visão diferenciada, Bitencourt sustenta que o direito penal comum é aplicado pela Justiça comum, enquanto o direito penal especial fica a cargo de algum ramo da Justiça especial. Sob tal molde, seriam especiais somente o direito penal militar e o direito penal eleitoral. 1.4. DIREITO PENAL INTERNACIONAL E DIREITO INTERNACIONAL PENAL Direito penal internacional: disciplina jurídica que tem por finalidade determinar a norma aplicável à ação delituosa de um indivíduo quando afete a ordem jurídica de dois ou mais Estados. Direito internacional penal: ramo do direito internacional que trata da aplicação de penas a serem aplicadas aos Estados. - A utilização da expressão “direito penal internacional” não conta com o apoio unânime da doutrina. Cerezo Mir critica-a, dizendo que, na realidade, o que se chama de direito penal internacional não passa de um conjunto de normas de direito interno. Tal denominação necessitaria estar reservada à legislação penal de caráter internacional, emanada da comunidade internacional, que pudesse ser aplicada diretamente aos cidadãos de todas as nacionalidades. Seriam normas que tutelariam os interesses fundamentais da comunidade internacional, aplicadas por tribunais internacionais. Cremos ser pertinente a observação formulada. O correto seria reservar a expressão “direito penal internacional” para a aplicação de uma legislação penal universal, cabível a cidadãos de várias nacionalidades, que cometessem delitos de interesse global, afetando a ordem jurídica de várias nações. Quanto às normas de direito interno, determinando ser ou não aplicável a lei brasileira ao sujeito que praticou o delito fora das fronteiras nacionais ou àquele que deu início à execução do crime no exterior, findando-o no Brasil (ou vice-versa), devemos chamar apenas de “aplicação da lei penal no espaço”, mas sem a denominação de “direito penal internacional”. E continuar-se-ia a usar a expressão “direito internacional penal” para o contexto das nações que praticam crimes contra outras. 1.5. DIREITO PENAL MATERIAL (SUBSTANTIVO) E PROCESSUAL (ADJETIVO) Direito penal processual: o direito processual pode ser definido como o complexo das normas que regulam os modos e as formas mediante os quais se comprova, no caso concreto, positiva ou negativamente, o direito de punir. Preferimos denominar o direito penal como material e o processual penal como processual, instrumental ou formal. 1.8. CRIMINOLOGIA - É a ciência que se volta ao estudo do crime, como fenômeno social, bem como do criminoso, como agente do ato ilícito, em visão ampla e aberta, não se cingindo à análise da norma penal e seus efeitos, mas sobretudo às causas que levam à delinquência, possibilitando, pois, o aperfeiçoamento dogmático do sistema penal.