Sei sulla pagina 1di 452

A m agnífica série de treze program as

de televisão d a BBC, A E scalada d o


H o m e m , realizada pelo Dr. Bronowski,
traçou nosso surgim ento quer com o es­
pécie, quer com o artífices de nosso am ­
biente e nosso futuro. O livro escrito a
partir desses program as trata d a histó­
ria d a ciência, m as da ciência no seu
sentido m ais abrangente. Invenções, des­
de os utensílios de pedra até a geom e­
tria, do arco até a teoria d a relativida­
de, surgem com o expressões da capaci­
dade específica do hom em para enten­
der e controlar a natureza.
O Dr. Jacob Bronowski nasceu na
Polônia em 1908 e m orreu em 1974. Sua
fam ília havia se estabelecido n a Ingla­
terra e ele se educou na Universidade de
Cam bridge.
Além de cientista renom ado, foi au ­
tor de vários livros e de program as de
rádio sobre Artes. Também escreveu pe­
ças para rádio, um a das quais conquis­
tou o Ita lia P rize.
O Dr. Bronowski era Fellow honorário
do Jesus College, em Cam bridge. Em
1964 passou a viver e trabalhar nos Es­
tados U nidos, n a qualidade de S e n io r
■ F ellow e D iretor do Council for Biology
in H um an Affairs, no Salk Institute for
Biological Studies, San Diego, California.
A
ESCALADA
DO
HOMEM
A
ESCALADA
DO
HOMEM
TRADUÇÃO:
NÚBIO NEGRÁO

1. BRO N O W SKI

M a rtin s Fo n tes
São Paulo — 1992
Título original:
THE ASCENT OF MAN
© Copyright by Science Horizons Inc., 1973
© Copyright by Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
através de acordo com the British Broadcasting Corporation,
para a presente edição
3.“ edição brasileira: abril de 1992
Produção gráfica: Geraldo Alves
Composição: Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
Capa: Alexandre Martins Fontes
Impressão e acabamento:
Gráfica Brasiliana

Dados Inlernaciunais de Calalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bronowski, Jacob, 1908-1974.
A escalada do homem / J. Bronowski : tradução de
Núbio Negrão. — São Paulo : Martins Fontes, 1992.
ISBN 85-336-0059-9
I. Ciência — Filosofia 2. Ciência — História
3. Homem I. Titulo.
92-0767 CDD-501
índices para catálogo sistemático:
I. Ciência : Filosofia 501

Todos os direitos para o Brasil reservados à


LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 — Tel.: 239-3677
01325 — São Paulo — SP — Brasil
SUMÁRIO

Prefácio........................................ .......................................... 13
Capítulo 1 —AbaL'(o dos Anjos.......................................... 19
Adaptação animal - A alternativa humana - Início na Africa - O dom da
antevisão - Evolução da cabeça - O mosaico do homem - As culturas do
caçador - A través das glaciações - Culturas transumânticas: os lapões -
Imaginação na arte rupestre.
Capítulo 2 —As Colheitas Sazonais................................... 59
O passo da evolução cultural - Culturas nómades: os bakhtiari - Primórdios
da agricultura: o trigo - Jericó - Região dos tremores de tetra - Tecnologia
na aldeia - A roda - Domesticação de animais: o cavalo - Jogos de guera:
Buz Kashi - Civilização sedentária.
Capítulo 3 —A Textura da Pedra....................................... 91
O Novo Mundo - Evidência de migrações na distribuição dos grupos sanguíneos
- As ações de moldar e de juntar - Estrutura e hierarquia - A cidade: Machu
Picchu - Arquitetura de ângulos retos: Paestum - O arco romano: Segóvia -
A aventura gótica: Rheims - A arquitetura como ciência - A imagem oculta:
de Michelangelo a Moore - O prazer de construir - A estrutura oculta à visão.
Capítulo 4 —A Estrutura Invisível..................................... 123
Fogo, o elemento transformador - Extração de metais: cobre - A estrutura
das ligas metálicas - A obra de arte no bronze - Do fe r o ao aço: a espada
japonesa - Ouro - O incorruptível - A teoria alquímica do homem e da
natureza - Paracelsus e o surgimento da química - Fogo e ar: Joseph Priestley
- Antoine Lavoisier: combinações podem ser quantificadas - Teoria atómica
de John Dalton.
Capítulo 5 — A Música das Esferas.................................... 155
A linguagem dos números - A chave à harmonia: Pitágoras - O triângulo
retângulo - Euclides e Ptolomeu em Alexandria - Ascensão do Islamismo -
Números arábicos - O Alhambra: padrões de espaços - Simetrias nos cristais -
Alhazen - Movimento no tempo, a nova dinâmica - A matemática da trans•
formação.
Capítulo 6 — O Mensageiro Sideral.................................... 189
O ciclo das estações - A falta de um mapa dos céus: a Ilha de Páscoa - O
sistema ptolomaico no relógio de de Dondi - Copérnico: o Sol no crntro - O
telescópio - Galileo inaugura o método científico - Proibição ao sistema de
Copérnico - Dialogo sobre os dois sistemas - A Inquisição - A retrataçda de
Galileo - A revolução científica se desloca para o norte.
Capítulo 7 — O Relógio Majestoso.................................... 221
Leis de Kepler - O centro do mundo - A s i novações de Isaac Newton: os fluxi°ns
_ A descoberta do espectro - A gravitação e o Principia - O ditador intelectual
_ O desafio em sátiras - O espaço absoluto segundo Newton - O tempo
absoluto - Albert Einstein - O viajante leva consigo seus próprios espaço e
tempo - A relatividade é confirmada - A nova f il owfia.
Capítulo 8 — Em Busca de Poder....................................... 259
A Revolução Inglesa - Tecnologia doméstica: James Brindley - A revolta
contra os privilégios - Fígaro - Benjamin Franklin e a Revolução Americana
- Os novos homens: os mestres ferreiros - A nova concepção: Wedgwood e a
Sociedade Lunar - A fábrica em movimento - A nova preocupação: energia -
A cornucópia de invenções - A unidade da natureza.
Capítulo 9 — Os Degraus da Criação.................................. 291
Os naturalistas - Charles Darwin - Alfred Waliace - O impacto da América
do Sul - A multiplicidade de espécies - Wallace perde sua coleção - Concepção
da Seleção Natural - A rnntinuidade da evolução - Louis Pasteur: dextrogiros,
levogiros - Constantes químicas na evolução - A origem da vida - A s quatro
bases - Seriam possíveis outras formas de vida?
Capítulo 10 — Um Mundo Dentro do Mundo................... 321
O cubo do sal - Seus elementos - O jogo da paciência de Mendeleiev - A
tabela periódica - J. J. Thomson: o átomo dividido - A estrutura na nova arte
- A estrutura do átomo: Rutherford e Niels Bohr - O ciclo de vida de uma
teoria - O núcleo dividido - Os neutrinos: Chadwick eFermi -Evolução dos
elementos - Estatística, a segunda lei - Estabilidade estratificada - Imitando
a física da natureza - Ludwig Boltzmann: o átomo é uma realidade.
Capítulo 11 — Conhecimento ou Certeza.......................... 353
Não há conhecimento absoluto - O espectro de radiações invisíveis - O refina­
mento dos detalhes - Gauss e a idéia da incerteza - A subestrutura da realidade:
Max Bom - O Principio da Incerteza de Heisenberg - O Princípio da Tolerância:
Leo Szilard - A ciência é humana.
Capítulo 12 — Geração Após Geração.............................. 379
A voz da insurreição - O naturalista hortelão: Gregor Mendel - Genética da
ervilha - Esquecimento instantâneo - O modelo tudo-ou-nada da hereditarie•
dade - O mágico número dois: sexo - O modelo do ADN de Crick e Watson -
Replicação e crescimento - Clonação de formas idênticas - Seleção sexual na
diversidade humana.
Capítulo 13 — A Longa Infância....................................... 411
Homem. o solitário social - Especificidade humana - Desenvolvimento especí­
fico do cérebro - Habilidade da mão - As áreas da faia - O postergar de
decisões - A mente no papel de instrumento de preparação - Democracia do
intelecto - A imaginação moral - O cérebro e o computador: John von
Neumann - A estratégia dos valores - O conhecimento é o nosso destino - O
compromisso do homem.
Bibliografia............................................................................. 440
índice Remissivo.................................................................... 443

6
ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES

1 Dança da desova do grunion (National Geogra- 24 Trigo selvagem, de Jaubert e Spach, Plantas Ori­
phic). 18. entais (British Museum, NaturalHistory), 68,69.
2 Exercício de perspectiva do Renascimento gera­ 25 Objetos do sítio de Jericó: tijolo de barro seco,
do no computador e espiral do ADN. 2. 3, 21. British Museum; amantes de quartzo, Ashmolean
3 lmpala (Ed Ross) 22. Museum; crânio decorado, Ashmolean Museum,
Manada de Topi (Simoll Trevor. Bntce Colemall 70, 71.
LtcL). 23. A torre de Jericó (Dave Brinicombe), 71.
4 O leito do Omo (Yves Coppens), 25. 26 Carpinteiro. Museu Nacional, Copenhagem; pino
5 Chifres moderno e fóssil de nyala. Musée de de cerâmica decorada, forno de padeiro, brinque­
I'Homme, Paris (Yves Coppens), 27. do grego, velho com uma prensa de vinho, todos
6 Crânio da criança de Taung, Universidade de do British Museum, Londres, 72, 73.
Witwatersrand, Johannesburg (Alull R. Hughes, 27 Arando com bois ajoujados, Museo Civico, Bo-
com permissão do prof. P. V. Tobias), 28. logna (C. M. Duon), 74, 75.
7 Ossos de dedos e do polegar do A ustralopithecus 28 Modelo de cobre de um carro de guerra, Museu
(M ar Waldron), 28. de Bagdá (Oriental Institute, University o f
8 Criança de quatorze meses de idade (Geny Cra- Chicago), 76.
nham), 30, 31,32, 33. 29 Carpinteiros trabalhando com torno-de-arco
9 Saltador de salto-com-vara em ação (Geny Cra- (índia Office Library), 78.
nham), 34, 35. 30 Cavalaria mongol e tropa cruzando rio, do
10 Imagem gráfica de computador dos estágios Jamial-Tawarikh (Edinburgh University Libra­
da evolução da cabeça, 36, 37. ry), 78.
11 Machado de pedra aqueu (Lee Boltin), 39. 31 Pintura de vaso grego, British Museum, Londres
12 Grupo de índios caçadores wayana (Cornell (Raynon Raikes), 83.
Capa, Magnum), 42,43. 32 Buz Kashi, Afganistão (DavidStock), 84, 85.
13 Um lemurídeo moderno (EdRoss), 44. 33 Dedicação a Oljeitu Khan em um manuscrito do
O esqueleto de um galago (Jonathan Kingdon, Alcorão, British Museum, Londres, 86.
cortesia da Academic Press), 45. O túmulo de Oljeitu Khan (DaveBrinicombe), 87.
14 Harpão magdaleniano de chifre de rena, Ashmo- 34 Página de rosto da Europa de William Blake
lean Museum, Oxford, 46. (John Freeman), 90.
Ponteira decorada, National Gallery of Art, 35 “A Casa Branca”, Canyon de CheUy, Arizona,
Washington (Hugo Obermaier), 47. em 1873 (T. H. O'Sullivan), 93.
Pintura em rocha (Erwin O. Christensen, por 36 Pote pueblo em forma de coruja, British Museum,
cortesia de Bonanza Books), 47. Londres (C. M. Dixon), 94.
15 Manadas de renas dos lapões, 1900 (Norsk Fol- Pote pueblo, Museu da Universidade do Colora­
kemuseum, Oslo), 48, 49. do, Boulder, 95.
16 Mulher lapã (Norsk Folkemuseum, Oslo), 51. 37 Construção inca em Machu Picchu (H. Ubbeloh-
Manada de renas selvagens (Gunnar Ronn), 51. de Doering), 97.
17 Lapões em marcha, desenhos de Johan Turi, Machu Picchu (Georg Gerster, John Hillelson
1910 (Norsk Folkemuseum, Oslo), 52, 53. Agency), 98, 99.
18 Bisão deitado, Altamira (Michael Holford), 54, 38 Quipu inca, Museum of Mankind, Londres
55. (Raynon Raikes), 100, 101.
19 Contornos de uma mão, Santander (Achile B. 39 Templo de Poseidon, Paestum (Cario Bevilac-
Welder), 57. qua), 102, 103.
20-21 Migração da primavera dos bakhtiari (Anthony 40 Modelos fotoelásticos mostrando tensão nos ar­
Howardpara a Daily Telegraph Colour Library), cos (Sharples Photomechanics Ltd.), 105.
58,62,63. 41 “EI Puente dei Diablo." Segóvia (A. F. Kers-
22 Foice curvada, Ashmolean Museum, 65. ting), 106, 107.
23 Variedades de trigo, nova e antiga (Tony Evans, 42 A Grande Mesquita, Córdoba (A. F. Kersting),
Marcel Sire), 66,67. 107. 7
43 Nave e aléia, Catedral de Rheims (Wim Swaan), Terra, ar e fogo, por Paracelsus (S. Karger), 138,
108. 139.
44 Pedreiros trabalhando, 13.0 século, do Livro de A Teoria Alquímica da Natureza: de Limbourg,
Saint Alban (The Board of Trinity College, Du­ “L'homme anatomique”, de Les Tres Riches
blin), 110. Heures, Musée Condé, Chantilly (Giraudon), 139.
45 Arcobotante, Catedral de Rheims (Wim Swaan), 59 Entalhe em madeira de Paracelsus, Opus Chy-
111. rurgieum (The Wellcome Trustees), 140, 141.
46 Desenho de Nervi para o Palazzetto dei Sport, 60 Paracelsus, atrib. a Quentin Metsys, Louvre,
Roma (Cement and Concreíe Association, Lon­ Paris, 143.
dres), 112, 113. 61 Joseph Priestley, por Ellen Sharples, National
47 “Brutus” de Michelangelo, Bargello, Florença Portrait Gallery, Londres, 145.
(Scala), 114. 62 Reconstrução do experimento de Lavoisier
48 Moore, “Knife-edge-Two-piece”, coleção parti­ (Paul Buerly e Michael Freeman, por cortesia
cular (Henry Moore), 117. de Charles Moore, Science Museum, Londres),
49 Mosaico da Watts Towers, Los Angeles (Roberí 146, 147.
Graní), 119. 63 Gigantesca lente de aquecimento de Lavoisier
Watts Towers (Charles Eames), 120, 121. (Science Museum, Londres), 150.
50 De la Tour, “Le Souffleur á la Lampe”, Musée 64 John Dalton, por J. Stephenson (Science Mu­
des Beaux-Arts, Dijon (Giraudon), 122. seum, Londres), 150.
Fénix de Conrad Lycosthenes, Prodigiorum ac 65 Símbolos para os elementos de Dalton (Science
Ostentorum (Biblioteca de Pinturas de Roma), Museum, Londres), 152.
124. Gravura de Thomas Bewick (British Museum),
51 Adelgaçamento de um arame de cobre. (The 153.
Briíish Non-Fe"ous Metais Association) , 125. 66 Cordas vibrantes (Charles Taylor), 154.
52 Jarra de vinho em forma de coruja, Victoria and Harpista cego, Rijksmuseum, Leiden, 156.
Albert Museum, Londres (RaynonRaikes), 127. Fragmentos da mão de um harpista, Ashmolean
53 SiAo de bronze fundido, Victoria and Albert Museum, Oxford, 157.
Museum, Londres (Raynon Raikes/, 128, 129. 67 A prova pitagórica (John Webb) , 159.
54 A forja de urna espada (National Geographic), 68 Urna versão árabe do teorema de Pitágoras
130, 131. (British Museum), 161.
55 Marcas de resfriamento em urna espada do Século Gravura chinesa do teorema de Pitágoras (Bri-
XIX, Victoria and Albert Museum, Londres tish Museum), 161.
(Raynon Raikes), 132, 133. 69 Página da tradução de Euclides por Adelard de
Estampa, em bloco de madeira, deumSamurai Bath (British Museum), 163.
(H. Roger-Viollet), 133. 70 Ilustração de um manuscrito provençal do Século
56 Máscara de um rei aqueu, Museu Arqueológico XIV (British Museum), 164, 165.
Nacional, Atenas (C. M. Dixon), 135. 71 Astrolábio islâmico, Museum of the History of
Moeda de Creso, Museu Britânico, Londres (Mi- Science, Oxford, 166.
chael Holford), 135. Astrolábio gótico, Museum of the History of
Onça mochica, Coleção Mojico Gallo, Lima (Mi- Science, Oxford, 166.
chael Hoford), 135. Computador astrológico de cobre, British Mu­
Escudo peitoral de um chefe africano, Victoria seum, Londres, 167.
and Albert Museum, Londres (Raynon Raikes), Extraído de Kushyar ibn Labban (University
135. of Wisconsin Press), 168.
Receptor de entrada central em uma calculadora 72 A Serra Nevada e o Alhambra, Granada (Wim
de bolso (Paul Brier/y), 135. Swaan, Camera Press), 170.
57 Saleiro esculpido por Cellini, Kunsthistorisches 73 Galeria dos músicos e banhos do harém no
Museum, Viena, 137. Alhambra (Mas), 171.
Gargalheira irlandesa, Museu Nacional da Irlanda, 74 Cristais naturais (Institute o f Geological Scien­
137. ces), 174, 175.
58 A fornalha do corpo, por Paracelsus (The Well­ 75 Alfonso, o Sábio, ditando para Scholars, El Es­
come Trusíees), 138. coriai (Michael Holford), 176, 177.
76 Afresco de Florença, c. 1350, Orfanotrofio dei 92 Mural em um ático emRoma (Umberto Galeasi),
Bigallo, Florença (Scala), 178. 203.
77 Cone de raios de Alhazen, do Opticae TheSilurus 93 Desenhos das fases da Lua, por Galilelo, Biblio­
Alhazeni (British Museum). 179. teca Nacional, Florença (Scala), 202.
78 Carpaccio, “Santa Ürsula e seu Pretendente”, 94 Páginas-título dos trabalhos de GaWeo, 204, 205.
Accademia, Veneza (Osvaldo Bohn), 180. 95 O autor no Vaticano (DavidPeterson), 207.
79 Desenho de Dürer de um nu reclinado. Staatliche 96 Bernini, Urbano VIII, Galeria Nacional, Roma
Museen Preussischer Kulturbesitz Kupferstichka- (de Antonis), 206.
binett, Berlim, 181. 97 Sacchi, Um teto no PaUazzo Barberini, Roma
Dürer, Diagrama da construção de urna elipse, (de Antonis), 210.
do Unterweisung der Messung, 181. 98 Guache de Urbano VIII, coleção particular,
80 Dürer, “A Adoração dos Magos”, Uffízi, Flo­ (WarbugInstitute). 212.
rença (Scala), 182. 99 Mural em uma casa particular em Roma (Umber­
Ucelío, “A Enchente”, S. Maria Novelía, Flo­ to Galeasi), 215.
rença (Scala), 183. 100 O documento no julgamento de GaWeo, Biblio­
Ucello, Análise da perspectiva de uma taça, Ga- teca do Vaticano, 217.
binetto Disegni, Florença (Scala), 183. 101 A Terra vista da Lua (NASA), 219.
81 Da Vinci, desenho da trajetória de balas de mor­ 102 Wright of Derby, “The Orrery” (planetário me­
teiro, Biblioteca Ambrosiana, Milão, 184, 185. cânico), Derby Museum e Art Gallery, 220.
Gotas de água (Oskar Kreisel). 184, 185. 103 A Mansão de Woolsthorpe (RoyalSociety), 223.
82 Semente de pinheiro (Marcel Sire); pétala de 104 Isaac Newton em 1689, por Godfrey Kneller,
rosa (Cambridge ScientificInstruments); concha coleção particular (Mansell Collection), 225.
(British Museum. Natural History); margarida 105 Desenho do Trinity College, feito por Wren (The
(Marcel Sire), 186. Warden and Fellows o f Ali Souls College,
83 Trajetória de partículas subatômicas (Paul Brier- Oxford), 228, 229.
ly), 187. 106 Experimentos ópticos de Newton de 1672 (Paul
84 Peça “Q” do altar, Copan (British Museum). 188. Brierly), 230, 231.
85 As trajetórias dos planetas (Aldus Books), 190. 107 Isaac Newton em 1702, por Godfrey Kneller,
Os movimentos de Mercúrio, Vênus, Marte, Jú­ National Portrait Gallery, Londres, 232.
piter e Saturno (Erich Lessing, Magnum), 191. 108 Carta de Halley a Newton de 29 de junho de
86 Estátuas da Ilha da Páscoa (Camera Press), 192, 1686 (King's College Library, Cambridge),
193. 232.
87 Páginas do manuscrito de de Dondi (MS Laud. 109 Busto de Isaac Newton, por John Rysbrack,
Misc. 620, ff. 87v-88, BodleianLibrary, Oxford), Victoria and Albert Museum, Londres (Crown
194. 195. Copyright), 235.
Reconstrução do relógio astronômico de de 110 Caricatura satirizando a teoria da gravidade de
Dondi, Smithsonian Institution, Washington, Newton (British Museum), 237.
195. 111 Rysbrack, baixo-relevo do monumento de
As faces do relógio (Wellcome Trustees). 196. Newton, Abadia de Westminster (A. F. Kersting),
88 Nicolaus Copernicus (Polish Cultural Institute, 238, 239.
Londres), 197. 112 Gráfico gerado por computador da inversão de
Páginas do De Revolutionibus Orbium Coeles- uma esfera, 240, 241.
tium, 197. 113 Griffier, Vista geral de Greenwich (Dept. Envi-
89 De Barbari, entalhe em madeira de Veneza (de­ ronment, Crown Copyright), 241.
talhe), British Museum, Londres (John Freeman), 114 O primeiro marcador de tempo marítimo de
199. John Harrison, National Maritime Museum,
90 Galileo Galilei, por Octavio Leoni, Biblioteca Londres, 243.
Maruceliana, Florença, (Scala), 199. 115 Detalhe do Teto Pintado, Royal Naval College,
91 Balança hidrostática, Museu da Ciência, Florença Greenwich (Dept. o f Environment, Crown Co­
(Scala), 200. pyright), 242.
Telescópio de GaWeo, Museu de História da Ci­ Ilustrações de um manual de navegação (Bri­
ência, Florença, 201. tish Museum), 243.
116 Torre do relógio de Berna (Dave Brinicombe), Josiah Wedgwood, por George Stubbs, Wedg­
244. wood Museum, Stoke-on-Trent, 279.
Marcador de tempo n.0 4 de John Harrison, Token estampado com a máquina a vapor de
Science Museum, Londres, 244, 245. Watt (Birmingham City Museum), 280.
117 Albert Einstein em 1905 (Trustees o f the Estate 135 Apólice de seguro de trabalho mostrando a
ofA lbert Einstein), 245. Soho Foundry de Boulton e Watt (Birmingham
118 Einstein aos 14 anos (Einstein Trustees), 246. Assay Office). 281.
119 Aplicação para patente em 1904 (Amt fiir 136 Interior de um casebre de 1896 (RTHPL), 281.
GeistigesEigentum, Berna), 248, 249. 137 Uma mina, c. 1790, Walker Art Gallery, Liver-
120 A Teoria da Relatividade, desenho de Nigel pool,283.
Holmes, 250, 251. 138 O Zoetrópio (Science Museum); plataforma de
121 Artigo de Einstein de 1905, 252. elevação; mobília de quarto dobrável, 284, 285.
Anotações no quadro-negro feitas por Einstein 139 Richard Trevithick, Science Museum, Londres,
(Museum o f the History o f Science, Oxford), 287.
252, 253. 140 A queda d'água de Solanches, ChaqlOnix (Dave
122 Albert Einstein e Niels Botr em 1933 (Einstein Brinicombe), 289.
Trustees), 256, 257. 141 Árvore florida na floresta (Michael Freeman),
123 Hill, “O Viaduto da Amêndoa” (detalhe), Muse­ 290.
um ofTransport, Glasgow (Rupert Roddam), 258. 142 Alfred Russel Wallace (por cortesia de Mrs. D.
124 Uma das primeiras fotografias da vida doméstica Wallace), 292.
rural, da Vistas da Inglaterra de Grundy, Charles Darwin, 292.
(RTI/PL), 261. Diagramas de um manual de caça de besouros
125 Aqueduto de Telford junto à Pont-Cysyltau (British Museum), 294.
(Peter Carmichael, Reflex), 263. 143 Pinturas de pássaros de Darwin, por John Gould
126 Caricatura de uma reunião de acionistas feita (British Museum, Natural History), 295.
por Cruikshank (Eric de More), 264. 144 Um alagado no Amazonas (Michael Freeman),
James Brindley (Science Museum), 264. 297.
Wedgwood, Medalhão do Duque de Bridgewater, 145 Um tucano de bico vermelho, urubus e uma rã
National Portrait Gallery, Londres, 265. arborícola (MichaelFreeman), 298, 299.
127 As mãos do escritor e mecanismos em um autô­ 146 Garoto índio akawaio (Michael Freeman), 301.
mato de Jacquet-Droz. Museu Histórico, Neu- 147 Gravura de índios fueguinos, in Nanatives o f
châtel, 266. the Surveying Voyages o f HMS Adventure and
Retrato de Jacquard tecido em seda, Science Beagle, 302, 303.
Museum, Londres, 266. Fotografia antiga de um fueguino (Royal Geo-
Cruikshank, “Naldi em Figaro”, Victoria and graphic Society), 303.
Albert Museum, Londres, 267. 148 Escritório de Darwin na Downe House (Country
128 Benjamin Franklin coloca uma coroa na cabeça Life, por cortesia de Sir Hedley Atkins), 305.
de Mirabeau, Burndy Library, Norwalk, Conn., 149 Darwin nos seus últimos dias, fotografado em
268,269. Downe (Mansell Collection), 306.
129 Benjamin Franklin, por Joseph Duplessis, 150 Mimetismo protetivo em uma espécie de borbo­
Natural Portrait Gallery, Londres, 270. leta (Michael Freeman), 307.
Um pára-raios, Franklin Institute, Philadelphia, 151 Caricatura de Darwin, tirada do “Hornet”, 308.
271. Wallace em 1805 (British Museum, Natural His­
130 Tom Paine satirizado (British Museum), 273. tory), 309.
131 Um token (vale) de Wilkinson, British Museum, 152 Laboratório de Pasteur (Snark International),
Londres, 274. 310.
132 A pequena ponte de Coalbrookdale (Michael 153 Caldo de uva em fermentação (PaulBrierly), 311.
Holford), 275. 154 Pasteur com um amigo em 1864 (Institut Pas­
133 Louça de Wedgwood (Wedgwood), 276. teur), 312.
Pirômetro de Wedgwood (Wedgwood), 277. Uma página de anotações de Pasteur sobre o
134 Padrões de jasper de Wedgwood para testes de estudo dos cristais (Bibliothèque Nationale,
10 cor e de brilho (Wedgwood), 278. Paris), 312.
Modelos de madeira de Pasteur dos cristais de 177 Placa original de raios X de Rontgen (Deutsches
tartarato, Institut Pasteur, Paris. 313. Museum, Munique, 356.
155 Leslie Orgel com Robert Sanchez (Jon Brenneis) 178 Padrão de difração de raios X de um cristal de
315. ADN (Prof. 11 H. F. Wilkins, Kings College,
156 Detector de proteína (David Paterson), 319. Londres), 357.
157 A formação da adenina (D. K. Miller, Salk Insti- 179 Karl Friedrich Gauss (Staastsbibliothek, Berlim),
tu te) , 318. 359.
158 Niels Bohr e Albert Einstein em 1933 (Einstein 180 Max Bom em 1924, 361.
TTrustees), 320. 181 Garota com o ganso, Gottingen (David Paterson),
159 Cristais cúbicos do sal de cozinha (Instiwte o f 363.
Geological Sciences), 322. 182 Coleção de crânios de Blumenbach, Gottingen
160 Dmitri Mendeleiev em seus últimos anos (Novosti (Hans Wilder, Werbe-Foto), 366.
Press Agency), 323. 183 Leo Szilard (Argonne National Laboratory),
161 Um dos primeiros esquemas da Tabela Periódica 369.
de Mendeleiev (por cortesia do prof. J. W. Van 184 Carta dos cientistas ao Presidente Roosevelt
Spronsen), 325. (Argonne National Laboratory, por cortesia da
162 Mendeleiev em Manchester (Manchester Literary Franklin D. Roosevelt Library), 371.
and Philosophical Society), 326, 327. 185 Ruínas de Hiroshima (Shumkichi Kikichi, John
163 A primeira Solvay Conference, 1911 (Benjamin Hillelson Agency), 372, 373.
Couprie), 328. 186 O autor em Auschwitz, extraído do filme da
A quinta Solvay Conference, 1927 (Benjamin BBC,375.
Couprie), 329. 187 O crematório de Auschwitz (Elliot Erwitt, Mag-
164 Seurat, “Moça com Esponja de Pó” (detalhes), num), 376,377.
Courtald Institute, Londres, 330, 331. 188 Apresentação do pavão (S. C. Bisserot, Bruce
165 Baila, “Planeta Mercúrio passando diante do Coleman Ltd.), 378.
Sol”, Museu Nacional de Arte Moderna, Paris, 189 Gregor Mendel em 1865 (DavidPaterson), 381.
332, 190 Os caracteres analisados por Mendel, pintura de
Boccioni, “Dinamismo de um Ciclista”, coleção Margaret Stones, 382.
particular, 333. Uma página de cálculos das anotações de Mendel
166 Ernest Rutherford (Cavendish Laboratory), 335. (DavidPaterson), 383.
167 Espectro do Hidrogênio e estrutura do átomo, 191 Microfotografia eletrônica de pólen de ervilha
338. (British Museum, Natural History), 384.
168 H. G. J. Moseley em 1910 (Museum o f History 192 Ovulos de ervilha (Marcel Sire), 386, 387.
ofScience, Oxford), 339. 193 Corte de elefantes e de cormorants (Black Star/
169 Reator de alto fluxo, Oak Ridge, Tenn. (Oak Eric Hosking), 389.
Ridge National Laboratory), 342. 194 Cromossomos grandes de células da casca da
170 O Sol (Culgoora Solar Observatory e CSIRO, cebola (Brian Bracegirdle), 391.
Austrália), 344. 195 Seqüência gráfica gerada em computador da
Mancha solar (Jay Pasachoff,, Big Bear Solar Ob­ espiral dupla do ADN, 392.
servatory, Calif) , 345. 196 Estágios do desenvolvimento de um embrião
171 Torre exponencial grafite-urânio (Argonne Na­ de galinha dentro do ovo (Oxford Scientific
tional Laboratory), 346. Films, Bruce Coleman Ltd.), 394.
172 Enrico Fermi em 1947 (Argonne National Labo­ 197 Rainha e abelhas obreiras (Ed Ross), 397.
ratory), 346. 198 Axolotles (Indiana University), 398; desenho de
173 Ludwig Boltzmann (DavidPaterson), 348. Scan Milne, 399.
174 A Grande Nebulosa M42 de Orion (University 199 Andrea Pisano, “A Criação da Mulher”, Campa-
ofNewcastle-upon-Tyne), 350. nile dei Duomo, Florença (Alinari), 401.
175 Stephan Borgrajewicz, por Feliks Topolskk 200 Células de Spirogyra (ArthurM. Siegelman),402.
352. 201 Gorilas (George Schaller, Bntce Coleman Ltd.),
176 Fotografia de radar do aeroporto de Londres 403.
(Decca), 354. 202 Van Eyck, “Retrato dos Arnolfinis” (detalhe)
Átomos de Tório (Dept. o f Metalhvrgy) , 355. National Gallery,Londres, 405. lí
203 Chagall, “O Casamento” Galeria Tretyakov, 210 A corte do pombo de colar preto, desenhado
Moscou (Novosti Press Agency), 407. por Maurice Wilson, 418.
204 Cientistas e suas mulheres. Daniel Lehrman (D. K. Mil/er, Salk Institute).
James e Elizabeth Watson (Waggaman/Ward); 419.
Louis e Marie Pasteur (/nsritut Pasteur),' Marie e 211 O autor com seu neto (Tony Evans). 420.
Pierre Curie (Royal /nstitution); Albert e Elsa 212 A zona motora do córtex do cérebro humano,
Einstein (RTHPL); Ludwig e Henrietta Boltz- desenhado por Nigel Holmes, 422.
mann (Boltzmann Trustees); Niels e Margrethe 213 Uzbeki pai e filho (David Stock). 426.
Bohr (Danish Radio); Max e Hedwig Bom; Jolm 214 Desiderius Erasmus. por Quentin Metsys,
e Klara von Neumann (Associated Press). 408, Galeria Nacional, Roma (Anderson-Giraudon).
409. 427.
205 Da Vinci, “A Madona das Rochas”, Louvre, Pa- 215 Um trabalho de Erasmus e a Anatomia de Vesa-
ris (Scala), 410. lius, 428.
206 Os doze discípulos, cruz do século IX, Moone, 216 A cidade velha de Jerusalém (Georg Gersta, John
Co. Kildare (Belzeaux-Zodiaque), 413. Hi/lelson Agency). 430, 431.
207 Da Vinci, “Criança no Útero”, Royal Library, 217 John von Neumann (Charles Eames), 433.
Windsor (Por graciosa permissão de S. M A Página de anotações de Neumann (Charles
Rainha), 414. Eames). 432, 433.
208 O autor em sua casa com o molde de Taung 218 O jogo da Morra, desenhado por Nigel Holmes,
(D. K. Miller, Salk Institute). 415. 434.
209 Dürer, “Auto-Retrato”, Lehrman CoUection. 219 Página de rosto de Songs o[ Experience. de
Nova Iorque, 417. William Blake (British Museum). 439.

12
PREFACIO

O primeiro esboço da A E sc a la d a d o H o m e m foi escrito em julho de


1969 e as últimas cenas filmadas em dezembro de 1972. Um
empreendimento de tal monta, embora maravilhosamente gratifi-
cante, não pode ser realizado como uma simples distração. Assim,
eu precisava estar seguro de poder manter com prazer o tono
intelectual e físico que sua continuidade exigia; por exemplo, tive
de postergar pesquisas já iniciadas. Diante disso, tentarei explicar a
razão pela qual assumi a responsabilidade desse trabalho.
Os últimos vinte anos assistiram a uma mudança no escopo da
Ciência; o foco da atenção se deslocou das ciências físicas para as
ciências da vida, resultando daí uma preocupação cada vez maior
com o estudo da individualidade. Mas o espectador interessado
dificilmente consegue perceber nessa transição os efeitos duradou­
ros que poderão ser inscritos na imagem do homem que a ciência
molda. Mesmo a mim, matemático com formação em Física, eles
teriam passado despercebidos se, num dado momento de minha
existência, não tivesse sido envolvido em uma série feliz de eventos
que me levaram para o mundo das ciências da vida. Dessa maneira,
senti-me em débito com a fortuna que me fez entrar em contato,
no transcorrer de uma só vida, com dois campos fecundos da
atividade científica; e como não consegui determinar a quem a
dívida tinha de ser paga, concebi A E sc a la d a d o H o m e m como gra­
tidão à minha boa sorte.
No convite da B r itis h B r o a d c a s tin g C o r p o r a tio n a mim endere­
çado havia a sugestão de que realizasse uma série de programas de
televisão mostrando o desenvolvimento científico à semelhança da
série apresentada por Lorde Clark em C iv iliza ç ã o . A televisão
constitui um admirável meio para exposição, por diversas razões:
imediata e marcante aos olhos, capaz de levar ao espectador,
ao vivo, os lugares onde os processos são descritos, e suficiente­
mente coloquial, de modo a dar a consciência de se estar tratando
não com meros fatos mas sim com gente em ação. Este último
aspecto é, para mim, o mais importante, e aquele que acabou me
compelindo a traçar uma biografia pessoal de idéias na forma de
ensaios para a televisão. O problema se reduz ao fato de que o
conhecimento em geral, e a ciência em particular, não consiste em
abstrações, mas em idéias de homens concretos, desde os seus
primórdios até seus idiossincráticos modelos hodiernos. Portanto, 13
A Escalada do Homem

os conceitos subjacentes ao desvendamento da natureza devem ser


mostrados como surgindo muito cedo nas culturas mais simples, a
partir do exercício de faculdades básicas e específicas do homem.
Além disso, o desenvolvimento da ciência, que vai agregando
aqueles conceitos em conjunções cada vez mais complexas, deve
ser mostrado como uma produção igualmente humana; as desco­
bertas são efetuadas por homens e não apenas por mentes, estando,
dessa forma, impregnadas de individualismos. Se a televisão não
for usada, para tornar concretos esses pensamentos, estaríamos
desperdiçando-a.
A revelação de idéias é, em qualquer circunstância, um empreen­
dimento íntimo e pessoal, e isso nos situa na seara comum à televisão
e ao livro impresso. Contrastando com uma conferência ou com
uma película cinematográfica, a televisão não se endereça a multi­
dões. Dirige-se a duas ou três pessoas reunidas em uma sala, como
numa conversa - uma espécie de monólogo, na maioria das vezes,
tal como o livro; conversa, porém, despretensiosa e socrática. Para
mim, que estou absorvido nos aspectos filosóficos do conhecimento,
é essa a maior vantagem da televisão, que pode tornar-se uma força
intelectual tão persuasiva quanto o livro.
O livro impresso goza de um grau de liberdade adicional: diferente
do discurso falado, ele não está inexoravelmente atado à marcha
progressiva do tempo. O leitor pode fazer pausas e refletir, voltar
páginas e cotejar argumentos, comparar fatos e, em geral, examinar
detalhes das provas apresentadas, coisas que o espectador ou o
ouvinte não podem fazer. Assim, aproveitando os benefícios daquela
maneira mais calma de ocupar a mente, sempre que pude, passei
para o papel aquüo que ia dizendo em primeira mão através do
vídeo. O que era dito tinha sempre exigido um grande volume de
pesquisas, que revelavam muitas associações e peculiaridades, de
modo que seria pena não registrá-las na forma de livro. Minha ten­
dência natural era de fazer mais, incluindo no texto escrito as
informações pormenorizadas das fontes e das citações utilizadas;
entretanto, se assim procedesse, o livro iria interessar ao estudioso,
e não ao público leitor.
Ao redigir o texto usado na televisão mantive o estilo coloquial
por duas razões: em primeiro lugar, queria preservar a espontanei­
dade dos pensamentos do discurso, algo de que tentei não descurar
ao longo de toda a série (a mesma razão me levou a escolher ir a
lugares tão novos para mim quanto para o espectador). Em segundo
14 lugar, e mais importante, queria guardar a espontaneidade da
Prefácio

exposição. Um argumento falado é informal e heurístico; ele se


dirige ao coração do problema, e mostra o que há de novo e
crucial; dá as indicações e o caminho para sua eventual solução que,
embora simplificadora, não deixa de estar logicamente correta. Esta
forma de argumentação filosófica é o alicerce da ciência, e, para
mim, nada deveria obscurecê-la.
A matéria abarcada nesses ensaios é, na verdade, mais ampla do
que o campo coberto pela ciência, e não os teria chamado A
Escalada do Homem se não tivesse tido em mente incluir alguns
outros degraus de nossa evolução cultural. Minha ambição aqui foi
a mesma que norteou meus outros livros, tanto de literatura como
de ciência: criaruma füosofia global para o século vinte. Como eles,
estes ensaios encerram mais uma filosofia do que uma história,
uma filosofia da natureza mais do que da ciência. O contexto deles
é uma versão contemporânea daquilo que se costumava chamar
Filosofia Natural. Em minha maneira de ver, nossas mentes estão
hoje muito mais aptas a conceber uma filosofia natural do que
estiveram as mentes humanas nos últimos trezentos anos. Os
fundamentos dessa abertura vamos encontrá-los nas descobertas
recentes da biologia humana, impressoras de uma nova direção ao
pensamento científico - do deslocamento do geral para o individual
- inaugurada pela primeira vez desde que o Renascimento abriu as
portas ao mundo natural.
Sem humanismo não pode haver filosofia, nem mesmo ciência
decente. Essa afirmação básica, espero, está manifesta neste livro.
Pois, para mim, o entendimento da natureza tem sua finalidade
dirigida ao entendimento da natureza humana, e da condição
humana enquanto natural.
A oportunidade de apresentar uma visão da natureza nestas
séries constituiu tanto uma experiência como uma aventura, e
estou grato àqueles que a tornaram possível. Minha primeira
dívida é com o Salk Institute for Biological Studies, que há longo
tempo vem financiando meus estudos sobre a especificidade huma­
na, proporcionando-me um ano sabático para a filmagem dos
programas. Sou grato também à British Broadcasting Corporation
e suas associadas, e a Aubrey Singer, em particular, que inventou o
tema e insistiucomigo durante dois anos até conseguir convencer-me.
A relação daqueles que colaboraram nos programas é tão longa
que decidi dedicar-lhes uma página à parte, podendo, assim, a^a-
decer-Ihes em conjunto; foi um prazer tê-los como companherros
de trabalho. Contudo, não posso deixar de fazer uma menção 15
A Escalada do Homem

àqueles que encabeçam essa lista, Adrian Malone e Dick Gilling,


cujas idéias imaginativas transubstanciaram a palavra em carne e
sangue.
Duas colaboradoras minhas neste trabalho fizeram muito mais
do que o ofício exigia - são elas Josephine Gladstone e Sylvia
Fitzgerald - ; é uma felicidade poder agradecer-lhes aqui a longa
dedicação. Josephine Gladstone encarregou-se de todas as pesquisas
exigidas pela série desde 1969 e Sylvia Fitzgerald auxiliou-me no
planejamento e na preparação dos scripts em cada um dos estágios
sucessivos. Eu não poderia ter tido colegas mais estimulantes.
J. B.
L a jo lla , Califórnia
A gosto de 1973.

16
A ESCALADA
DO HOMEM
Editor da Série:
Adrian Malone
Produtor:
Richard Gilling
Equipe de Produção:
Mick Jackson
David John Kennard
David Paterson
Assistentes de Produção:
Jane Callander
Betty J owitt
Lucy Castley
Philippa Copp
Fotografia:
Nat Crosby
John Else
John McGlashan
Som:
Dave Brinicombe
Mike Billing
John Tellick
Patrick Jeffery
John Gatland
Peter Rann
Editores do Filme:
Roy Fry
Paul Carter
Jim Latham
John Campbell
1 ABAIXO DOS ANJOS

O homem é uma criatura singular. Possui um conjunto de dons que


o torna único entre os animais: diferentemente destes, não é apenas
uma peça na paisagem, mas um agente que a transforma. Este animal
ubiqüitário, usando seu corpo e sua mente na investigação da
natureza, construiu seu lar em todos os continentes, mas, na reali­
dade, não pertence a nenhum lugar determinado.
Conta-se que, em 1769, os espanhóis que, atravessando o conti­
nente, chegaram à costa do Pacífico encontraram, na Califórnia,
indígenas que lhes diziam virem os peixes, na lua cheia, dançar na
areia das praias. E isso é verdade; uma espécie local de peixes, o
grunion (Leurestes Tenuis) deposita seus ovos na areia além da
linha da preamar média. As fêmeas se enterram, elas próprias, na
areia, ficando apenas suas cabeças para fora, enquanto os machos
girando em torno delas vão fertilizando os ovos, à medida que estes
vão sendo postos. A lua cheia é importante, porque, assim, os ovos
dispõem do tempo necessário para uma incubação tranqüila na
areia, até que, de nove a dez dias depois, nova preamar igualmente
alta arrasta para o mar os peixi:1.h o s recém-saídos.
Qualquer região do mundo está repleta dessas adaptações belas e
precisas, através das quais os animais se integram em seus ambientes,
como os dentes de duas engrenagens. O ouriço, em seu longo sono,
espera pela primavera e, então, ativa seu metabolismo para a exis­
tência desperta. Os beija-flores golpeiam o ar e mergulham seus
bicos afilados nas flores pendentes. Borboletas mimetizam folhas,
e mesmo criaturas nocivas, a fim de ludibriar seus predadores. Em
seu vai-e-vem perseverante e monótono a toupeira escava túneis
como se fosse um dispositivo mecânico.
1 Assim, milhões de anos de evolução moldaram o grunion de
Milhões de anos maneira que ele conforma e ajusta perfeitamente seu comporta­
de evolução
moldaram o grunion
mento ao ritmo das marés. Mas a natureza - ou seja, a evolução
de maneira que biológica - não moldou o homem de modo que ele se ajuste a
ele confonna e
ajusta perfeitamente
nenhum ambiente em particular. Pelo contrário, comparado ao
seu comportamento grunion, ele vem ao mundo trazendo um equipamento de sobre­
ao ritmo das vivência muito rudimentar; no entanto - e esse é o paradoxo da
marés. condição humana - essa desproteção propicia-lhe a adaptação a
Dança do desova
do primavera todos os ambientes. Entre a multidão de animais que ao nosso redor
do grunion, praias
de La folia na
brinca, voa, escava e nada, o homem é o único que não está encer­
costa do Califórnia. rado em seu habitat. Sua imaginação, sua razão, sua sutileza 19
A Escalada do Homem

emocional e robustez, representam condições fundamentais que


lhe permitem transformar o meio antes de o aceitar como tal. E a
série de invenções através das quais, de tempos em tempos, o homem
reconstituiu seu habitat, se configura em um tipo diferente de
evolução —não mais biológica, mas,sim, cultural. A essa esplêndida
seqüência de picos culturais eu chamo A Escalada do Homem.
A palavra escalada é aqui usada com um significado preciso. O
homem se diferencia dentre os outros animais por seus dons de
imaginação. Seus planos, invenções e descobertas surgem de uma
combinação de diferentes talentos, e suas descobertas se tornam
mais elaboradas e penetrantes à medida que aprende a combiná-las
em formas mais complexas e intrincadas. Dessa maneira, descobertas
tecnológicas, científicas e artísticas de diferentes épocas e de
diferentes culturas exprimem, no seu desenrolar, conjunções cada
vez mais ricas e mais íntimas de faculdades humanas, tecendo a
treliça ascendente de seus dons.
É claro que nos sentimos tentados —o cientista mais fortemente
— a esperar que as conquistas mais originais da mente sejam as
mais recentes. Na verdade, muitos trabalhos modernos nos causam
orgulho. Pensem na descoberta do código genético, na espiral do
ADN ou nos trabalhos avançados sobre faculdades especiais do
cérebro humano. Pensem na intuição filosófica que examinou a
Teoria da Relatividade ou do microcomportamento da matéria no
interior do átomo.
Contudo, o admirarmos nossos sucessos somente, como se eles
não tivessem um passado (e um futuro assegurado), redundaria em
uma caricatura do conhecimento. Isto porque as conquistas huma­
nas, e as científicas em particular, não são um museu de obras Cada2
época exibe
acabadas. Representam, sim, um progresso no qual os primeiros um ponto de
experimentos dos alquimistas e a requintada aritmética que os maneira
inflexão, uma nova
astrônomos Maias da América Central inventaram sozinhos, inde­ arirmar adecoerência
ver e
pendentemente do Velho Mundo, preenchem um papel formativo. Exercício
do mundo.
Os trabalhos em pedra de Machu Picchu nos Andes e a geometria renascentista de
do Alhambra na Espanha mourisca se nos apresentam como exce­ cálicecomo desenhar um
em
lentes exemplares de arte decorativa. Entretanto, se não forçarmos perspectiva ea
nossa apreciação um pouco além desse ponto, deixaremos de rotação da espiral
entender a originalidade das duas culturas que deram origem a domolecular
ADN, a base
da
esses trabalhos. Em seus respectivos tempos, representam elabora­ hereditariedade,
ções tão espetaculares e importantes para seus povos quanto a um mostrada através de
terminal de
20 arquitetura do ADN para nós. computador.
3
As savanas secas
tomararn-se uma
armadilha tanto no
tempo como no
espaço.
Impala.
Manada de Topi.

"% j

f•*•

p ' <-w

mm*
A Escalada do Homem

Cada época exibe um ponto de inflexão, uma nova maneira de


ver e afirmar a coerência do mundo. Isto se estampa na imutabili­
dade das estátuas da Ilha da Páscoa e dos relógios medievais da
Europa que, por um momento, pareceram dizer a última palavra
sobre os céus, e para sempre. Quando uma cultura é transformada
por uma nova conceituação, ou da natureza ou do homem, ela tenta
eternizar a visão alcançada naquele momento. Mas, retrospectiva­ 4
mente, vemos que nossa atenção é igualmente atraída pelas conti- Esta é uma área
possível para a
nuidades - pensamentos que passam e ressurgem de uma civilização origem do homem.
para outra. Para a química moderna, nada foi mais surpreendente Extensão
camada nos
de
do que a obtenção de ligas metálicas com propriedades novas; essa barnancos do leito
técnica foi descoberta depois do nascimento de Cristo, na América doinferior
Omo: o nivel
data
do Sul, e, muito antes, na Ásia. Conceitualmente, tanto a quebra de quatro milhões
como a fissão do átomo derivam de uma descoberta levada a cabo de anos. Restos
na pré-história: pedras ou qualquer matéria apresentam planos de deprimitivos
hominideos
clivagem que permitem a obtenção de diferentes peças e rearranjos encontradossãoentre
em novas combinações. Invenções biológicas foram conseguidas camadas que
datam de muito
igualmente cedo pelo homem: a agricultura - a domesticação do mais de dois
trigo selvagem, por exemplo - e a idéia improvável de amansar e, milhões de anos.
então, usar o cavalo como animal de sela.
Ao seguir os pontos de inflexão e as continuidades da cultura,
- —t

obedecerei a uma ordem geral, que não é estritamente cronológica,


porque o meu interesse é a história da mente humana, revelada pelo
“desdobramento” dos seus diferentes talentos. Idéias serão relacio­
nadas, as científicas particularmente, às suas origens, nos dons de
que a natureza proveu o homem. Minha apresentação reflete um
fascínio de longos anos pela capacidade das idéias do homem
exprimirem aquilo que há de essencialmente humano em sua
natureza.
Assim, estes programas ou ensaios se constituem em um passeio
através da história intelectual, uma vista pessoal aos pontos mais
altos do aprimoramento humano. O homem ascende através da
descoberta da plenitude de seus próprios dons (seus talentos ou
faculdades), e nessa trajetória suas criações são monumentos aos
estágios do seu entendimento da natureza e do eu —monuments
ofanageing intelect, nas palavras do poeta W. B. Yeats.
por onde se deveria começar? Pela Criação — pela criação do
próprio homem. Charles Darwin abriu o caminho, em 1859, com
A Origem das Espécies, que foi seguida, em 1871, por A Descen­
24 dência do Homem. Atualmente tem-se como quase certo a origem
Abaixo dos Anjos

do homem na África, perto do equador. Sua evolução deve ter-se


iniciado nas savanas que se estendem do norte do Quênia ao
sudoeste da Etiópia, nas proximidades do lago Rudolf. Este lago
ocupa uma longa faixa na direção norte-sul, paralela ao Great
Rift Valley, rodeado, há mais de quatro milhões de anos, por uma
espessa camada de sedimento, depositado na bacia do que outrora
havia sido um lago muito maior. A maior parte de suas águas vêm
do serpenteante e pachorrento Orno. Eis aqui uma região possível
para o aparecimento do homem: o vale do rio Orno, na Etiópia,
nos arredores do lago Rudolf.
As histórias antigas costumavam localizar a criação do homem
em uma idade de ouro, tendo como fundo um cenário maravilhoso
e legendário. Segundo o que diz o Gênese, eu estaria aqui no Jardim
do Éden. E é claro que isto não é o Jardim do Éden. Entretanto, é
aqui o umbigo do mundo, o berço do homem, aqui no Rift Valley
oriental africano, junto ao equador. O terreno acidentado da bacia
do rio Orno, a erosão, o delta infértil, registram o passado histórico
do homem. Ora, se isto algum dia foi o Jardim do Éden, há milhões
de anos q ue secou.
A Escalada do Homem

Escolhi este lugar por sua estrutura excepcional. Neste vale Os5 animais nos
foram-se acumulando, nos últimos quatro milhões de anos, camada surpreendem pelo
após camada, lava entremeada com enormes placas de piçarra e fato de terem
lama. O profundo depósito foi formando, em épocas diferentes, um mudado tão pouco.
Chifres de um
estrato após o outro, visivelmente separados, deacordo com a idade: nyaia moderno e de
quatro milhões de anos, três milhões de anos, mais de dois mühões doum Omo.
fóssil da bacia
Os
de anos, um pouco menos de dois milhões de anos. E, então, o chifres fósseis
Rift Valley os ergueu por uma ponta de modo que agora formam dois datam de mais de
mühões
um mapa do tempo, estendendo-se na distância e no passado. Esses de anos.
registros do tempo - as camadas - que normalmente jazem enter­
radas, erguem-se formando os penhascos das margens do Orno,
dispostos como varetas de um leque.
Esses penhascos são os estratos em pé: no primeiro plano, o
fundo, com seus quatro milhões de anos; logo em seguida, uma
camada vizinha, com mais de três milhões de anos. Os restos de
uma criatura semelhante ao homem aparecem um pouco além,
acompanhados por restosde animais que lhe foram contemporâneos.
Os fósseis animais nos intrigam, uma vez que constatamos terem
eles mudado tão pouco. Quando, nos escombros de dois milhões
de anos de idade, encontramos um fóssil de uma criatura destinada
a tornar-se o homem, surpreendemo-nos com as diferenças marcan­
tes entre esse esqueleto e o nosso - no desenvolvimento do crânio,
por exemplo. Assim, é natural que esperássemos terem os animais
da savana mudado igualmente. Mas os fósseis africanos mostram
que isso não é verdade. Considere o antílope Topi. O ancestral do
homem que caçou o ancestral dele reconheceria o Topi moderno
imediatamente; o mesmo não ocorreria em relação ao seu próprio
descendente, fosse ele preto ou branco.
Contudo, não foi a caça por si só (ou qualquer outra atividade
isolada) a causa da transformação do homem. Entre os animais, o
predador mudou tão pouco quanto a presa.. O gato ainda é forte na
perseguição e o pardal ainda é ligeiro no vôo; ambos perpetuaram
as mesmas relações entre suas espécies. A evolução humana começou
quando o clima africano se tornou seco: os lagos desapareceram, a
floresta se atrofiou na forma de savana. Evidentemente, foi bom
que o ancestral do homem não estivesse bem-adaptado a essas
condições climáticas. Por quê? Porque o meio cobra um preço para
a sobrevivência do mais apto; ele o aprisiona. Animais que se adap­
taram à savana seca, como foi o caso da zebra, ficaram aí confinados
26 no tempo e no espaço; praticamente não evoluíram. O animal mais
A Escalada do Homem

graciosamente adaptado de todos esses é certamente a gazela. de Como foi realmente a


Grant; contudo, seus lindos saltos não conseguiram tirá-la da savana. vida daquela criança
Foi numa paisagem africana árida como a do Omo que o homem de Taung, podemos
apenas imaginar;
firmou os pés na terra pela primeira vez. Esta pode parecer uma entretanto, para mim,
maneira um tanto quanto prosaica de iniciar a Escalada do Homem; ela se constitui no fato
primordial de onde
toda a aventura
humana se desenvolveu.
Crânio da Criança de
Taung.

entretanto, ela é crucial. Há dois milhões de anos o primeiro ances­ 7


O ancestral do
tral do homem firmou-se sobre um par de pés que é quase idêntico homem tinha o
ao do homem moderno. O fato é que, ao firmar os pés na terra e polegar curto
andar na posição ereta, o homem assumiu um compromisso com e, portanto, era
incapaz de atos
um novo tipo de integração de vida, e daí, também, de seus membros. manipulatórios
Concentraremos nossa atenção na cabeça, é claro, uma vez que, delicados.
Espécimes de ossos
de todos os órgãos humanos, ela sofreu as transformações mais de um dedo e
importantes. Ao contrário das partes moles, a cabeça deixa um do polegar de um
Australopithecus,
ótimo fóssil, que, embora não tão informativo quanto gostaríamos encontrados nas
que fosse a respeito do cérebro, permite uma boa avaliação do seu camadas
inferiores do leito
tamanho. Nos últimos anos foram encontrados, no sul da África, do Olduvai.
fósseis de crânios cujo estudo permitiu determinar a estrutura superpostos sobre
os ossos da nião de
característica da cabeça, quando ela se tornou homínida. A figura um homem
6 mostra um espécime de dois milhões de anos. É um crânio histó- moderno .
28 rico, encontrado ao sul do equador, em uma localidade chamada
Abaixo dos Anjos

Taung, e, portanto, não em Orno, pelo anatomista Raymond Dart.


Trata-se de uma criança entre cinco e seis anos de idade e, como se
pode ver, embora a face esteja completa, parte do crânio, infeliz­
mente, está faltando. Como primeiro achado de seu tipo, em 1924,
ele se constituiu em um quebra-cabeça, aceito com grande reserva,
a despeito do trabalho pioneiro de Dart.
Entretanto, Dart logo reconheceu duas características. Uma é
que a orientação do Foramen magnum (isto é, a abertura no crânio
que dá passagem à medula espinal) indicava tratar-se de uma criança
capaz de manter sua cabeça na posição ereta. E essa é uma caracte­
rística humana, pois, nos macacos e nos antropóides, a cabeça
pende para a frente em relação à espinha, não se mantendo verti­
calmente. A outra, é dada pelos dentes. Os dentes são sempre bons
informantes. Neste caso são pequenos, quadrados - os dentes-de-
-leite de uma criança - e, portanto, muito diferentes dos ameaça­
dores caninos dos antropóides. Isto significa que essa criatura
usava muito mais as mãos do que a boca para partir seus alimentos.
Os dentes também revelam especialização para mastigar carne,
carne crua; assim, esse manipulador certamente também era capaz
de fabricar ferramentas, tais como pontas de lança e facas de pedra
para caçar e dividir a carne.
Dart deu-lhe o nome de Australopithecus. Esse nome não me
agrada; significa Antropóide do Sul, simplesmente, mas é impreci­
so, na medida em que designa uma criatura africana recém-liberta
de sua condição de macaco antropóide. De minha parte, suspeito
de um certo bairrismo na escolha de Dart; ele nasceu na Austrália.
Transcorridos dez anos vários outros crânios foram encontrados
— crânios de adultos, agora - e somente em 1950 se esclareceu
substancialmente a história do Australopithecus. Começou na
África do Sul, moveu-se para o norte, na Garganta de Olduvai da
Tanzânia, e, mais recentemente, os mais importantes achados de
fósseis e artefatos se deram na bacia do lago Rudolf. Essa história
representou uma das coqueluches científicas do século. Em todo o
seu desenrolar é tão excitante quanto as descobertas da Física
antes de 1940, e as da Biologia desde 1950; é, também, igualmente
compensadora, pois esclareceu as origens de nossa natureza humana.
De minha parte, estou pessoalmente ligado a essa criança
Australopithecus. Em 1950, quando ainda pairavam sérias dúvidas
sobre sua humanidade, foram-me solicitados alguns cálculos mate­
máticos. Minha tarefa seria a de tentar encontrar um índice que
representasse a correlação entre tamanho e forma dos dentes da 29
A Escalada do Homem

criança de Taung, de tal forma a tornar possível diferenciá-los dos


dentes dos antropóides. Eu jamais havia tocado em um crânio
fóssil e, muito menos, era especialista em dentes. Mas o mister se
cumpriu; e, neste momento, revivo o impacto da emoção em mim
suscitada por esse trabalho. Tendo dedicado toda uma vida à
elaboração de cálculos abstratos sobre as formas das coisas, de
repente, com mais de quarenta anos de idade, surpreendi meu
conhecimento como se fosse um feixe de luz se projetando mühões
de anos para trás, e iluminando a história do homem. Foi extra­
ordinário!
A partir daquele momento entreguei-me totalmente ao pensa­
mento de como o homem chegou ao que é: os trabalhos científicos
que realizei, a literatura escrita desde então, e esta série de progra­
mas tiveram todos a mesma intenção. Quais foram os caminhos
percorridos pelos hominídeos até o homem: destro, observador,
racional, apaixonado, capaz de trabalhar em sua mente os símbolos
da linguagem e da matemática, criar a arte e a geometria, a poesia
e a ciência? Como, em sua escalada, partindo do animal que era,
acabou por atingir esse alto grau de indagação sobre a natureza,
essa atração pelo conhecimento, do qual estes ensaios são exem­
plos? Como foi realmente a vida daquela criança de Taung, pode­
mos apenas imaginar; entretanto, para mim, ela se constitui no
fato primordial a partir de onde toda a aventura humana se desen­
volveu. A criança, o ser humano, é um mosaico de animal e anjo.
Por exemplo, ainda no útero, um reflexo é a causa do pontapé do
feto - toda mãe sabe disso - , o que é comum a todos os vertebra­
dos. O reflexo é inato, mas se constitui na condição necessária para
Abaixo dos Anjos

o desenvolvimento de atos mais elaborados, os quais têm de ser pra­


ticados para se tornarem automáticos. Aos onze meses aparece
uma urgência para que o bebê engatinhe. Esse ato suscita outros
movimentos e, assim, se formam e se consolidam novas vias neurais
no cérebro (especialmente no cerebelo, onde são integrados ação
muscular e equilíbrio), formando um repertório de movimentos
sutis e complexos, que se tornam uma segunda natureza para ele.
Assim, o cerebelo assume o comando. Agora, tudo o que a mente
consciente tem de fazer é dar uma ordem. E, aos quatorze meses, a
ordem é “Ande!”. A criança assumiu a condição humana de andar
ereta.
Cada ação humana retém pelo menos parte de sua origem animal;
seríamos criaturas frias e solitárias se tivéssemos sido separados
dessa corrente sangüínea de vida. Contudo, é justo que se tente
distingui-las: quais as características físicas que o homem deve ter
em comum com os animais, e quais as características que o tornam
diferente? Tome-se qualquer exemplo, quantomais explícito melhor
— digamos, a ação simples de um atleta ao correr e saltar. O corre­
dor ouve o tiro e sua resposta de partida é a mesma da de fuga de
uma gazela. A freqüência cardíaca aumenta; ao atingir a velocidade
máxima o coração estará bombeando cinco vezes mais sangue do
que normalmente, e noventa por cento dele se destina aos músculos.
Agora ele precisa de noventa litros de ar por minuto, a fim de oxi­
genar seu sangue na medida das necessidades dos músculos.
A Escalada do Homem

O aumento explosivo da velocidade do sangue e da tomada de ar


pode ser visualizado na forma de calor, através de fotografias com
filme sensível ao infravermelho. (As bandas azuis ou claras são as
mais quentes e as vermelhas ou escuras as menos quentes.) O rubor
que pode ser visto, e que é analisado pela câmera de infravermelho,
é um subproduto sinalizador do limite da ação muscular. A ação
química principal consiste na obtenção de energia por parte dos
músculos através da queima de açúcares; mas, três-quartos dessa
energia é perdida sob a forma de calor. Há, ainda, um outro limite,
tanto para o corredor como para a gazela, o qual é mais estrito. A
uma tal velocidade, a queima química nos músculos é muito rápida
para ser completa. Os subprodutos dessa queima incompleta, o ácido

8
A criança assumiu a
condição humana
de andar ereta.
Criança de
catorze meses de
idade começando
a andar.
II-**
0 JT ' A
m ;. j1 >■
1’ W
Abaixo dos Anjos

lático principalmente, acabam invadindo a corrente sangüínea. Essa


é a causa da fadiga e do bloqueio da ação muscular, removíveis
apenas pela ação do oxigênio.
Até aqui nada há que distinga o atleta da gazela - tudo isso, de
uma forma ou de outra, compõe o metabolismo normal de um
animal em fuga. Mas, uma diferença é cardinal: o corredor não está
fugindo. O tiro desencadeador de sua corrida veio do revólver do
juiz e ele sente, deliberadamente, não medo, mas, sim, exaltação.
O corredor age como uma criança brincando; suas ações são uma
aventura em liberdade, e o único propósito de ter chegado a esse
estado ofegante é o de explorar o limite de sua própria força.

9
Não sendo um
exercício d ^^d o ao
presente, as ações
do atleta se
apresentam como
que destituídas
de objetividade.
Mas, acontece que
sua mente se fixa
no futuro, e
seu objetivo é
aprimorar sua
habüidade; assim,
em sua imaginação,
da um salto no
futuro.
Atleta no clír^K da
ação de saltar.
Fotografia com
infravermelho da
cabeça e do torso de
um atleta fatigado.
A Escalada do Homem 10
A cabeça é a mola que im­
pulsiona a evolução cultural.
Gráfico dos estágios da
evolução da cabeça, obtido
através de computador.
Certamente há diferenças físicas entre o homem e os outros
animais, e mesmo entre o homem e os macacos antropóides. N°
salto-com-vara o atleta a segura numa pega que nenhum antropóide
pode igualar. No entanto, essa diferença é secundária comparada
àquela representada pelo fato do atleta ser um adulto cujo com­
portamento não é determinado pelo seu ambiente imediato, como
seriam as ações de outros animais. Não sendo um exercício dirigido
ao presente, as ações do atleta se apresentam como que totalmente
destituídas de objetividade. Mas acontece que sua mente se fixa
no futuro, e seu objetivo é aprimorar sua habilidade; assim, em sua
imaginação, dá um salto no futuro.
As posturas desse atleta representam uma cápsula de habilidades
humanas: a pega da mão, o arqueamento do pé, os músculos do
ombro e do quadril - a própria vara, na qual energia é armazenada
e liberada, à semelhança de um arco disparando uma flecha. O
ponto culminante desse complexo é represe'l1 tado pelo planejamen­
to, isto é, a habilidade de escolher um objetivo futuro e manter-a
atenção fixa no mesmo, rigorosamente. O desenvolvimento do
atleta revela um planejamento continuado; a invenção da vara, em
um extremo, e a concentração mental de antes do salto, no outro,
atestam sua humanidade.
A cabeça representa mais do que uma imagem simbólica do
homem; é a sede do planejamento e, assim, a mola propulsora da
evolução cultural. Portanto, ao me propor a traçar a escalada do
homem a partir de suas origens animalescas, minha intenção tem
de se concentrar na evolução da cabeça e do crânio. Infelizmente,
dos cinqüenta milhões de anos ou mais de que vamos tratar,
apenas seis ou sete crânios podem ser tomados como marcos dessa
evolução. Escondidos nos registros fósseis, muitas outras etapas
intermediárias devem estar à espera de quem as encontre. Até que
isso aconteça temos de nos contentar com uma reconstrução
conjectural do passado, de modo a preencher os vazios entre os
fósseis conhecidos. O computador se apresenta como o melhor
instrumento no sentido de calcular transições geométricas de
crânio para crânio; para determinar continuidades basta apresentar
os crânios ao computador que os ordena e nos mostra, na tela,
essa seqüência.
C°mecemos há cinqüenta milhões de anos atrás com um pequeno
arborícola, um lemuróide; esse nome, para os romanos, designava
36 o espírito dos mortos. Este fóssil, encontrado em depósitos
Abaixo dos Anjos

calcários dos arredores de Paris, pertence à família Adapis dos


lemuróides. Virando-se o crânio de cabeça para baixo pode-se ver
a localização bem posterior do Foramen magnum — nesta criatura,
portanto, a cabeça pende da espinha, em vez de ser sustentada por
ela. É bastante provável que sua alimentação incluísse tanto frutas
como insetos; ele exibe mais dentes do que os trinta e dois da
maioria dos primatas atuais.
O fóssil lemuróide apresenta marcas essenciais dos primatas,
isto é, a família dos macacos, dos antropóides e do homem. A
análise de peças do esqueleto nos permite saber que ele tem unhas,
e não garras. O polegar se opõe, pelo menos em parte, à palma da
mão. E, em seu crânio, duas marcas revelam os primórdios do
homem. O focinho é curto; os olhos são grandes e bem separados.
Isso indica que a seleção favoreceu a visão em detrimento da
olfação. As órbitas ainda são um pouco lateralizadas, mas, compa­
rados aos olhos de outros insetívoras, os do lemuróide começaram
a se mover para o centro, aumentando o campo de visão estereos­
cópica. Notam-se, também, pequenos sinais de desenvolvimento
evolutivo no sentido da estrutura requintada da face humana: o
homem começou a partir daí.
Em números redondos, isso aconteceu há cinqüenta milhões de
ã.nos. Nos vinte milhões de anos seguintes, na linha que leva aos
macacos, surge um ramo colateral na direção dos antropóides e
do homem. Há trinta milhões de anos a próxima criatura na linha
principal é representada por um crânio fóssil encontrado no Faium
no Egito e denominado Aegyptopithecus. Exibe um focinho mais
curto do que o do lemuróide, seus dentes são mais próximos dos
dos antropóides e é mais corpulento - contudo, ainda vive em
árvores. Entretanto, daqui para a frente os ancestrais dos antro­
póides e do homem vão realizar no solo pelo menos uma parte de
suas atividades.
Dez milhões de anos depois, ou seja, há vinte milhões de anos,
encontramos no leste da África, na Europa e na Ásia o que já se
poderia chamar macacos antropóides. Um achado clássico de
Louis Leakey, dignificado pelo nome de Procônsul, aponta para a
existência de pelo menos mais um gênero bastante disseminado, o
Dryopithecus. (O nome Procônsul é um gracejo antropológico; foi
dado, em 1931, com a intenção de sugerir tratar-se de um ancestral
de um famoso chimpanzé do zoológico de Londres, cujo apelido
era Cônsul.) O cérebro é bem maior e os olhos se colocam em
posição para visão estereoscópica completa. Esses desenvolvimentos 37
A Escalada do Homem

mostram o sentido da transformação da linha principal antr°póide-


-homem. Mas, presumivelmente, essa linha já havia dado outra
colateral, e, no tocante à evolução do homem, aquela criatura
ocupa essa colateral - a linha dos antropóides. Os dentes revelam
tratar-se de um antropóide, uma vez que grandes caninos cerram a
mandíbula de uma forma não-humana.
Diferenças nos dentes sinalizam a separação da linha em direção
ao homem. O prenuncio nos é dado pelo Ramapithecus, encontrado
no Quênia e na índia. Esta criatura tem quatorze milhões de anos,
e dela possuímos apenas uns fragmentos da mandíbula. Mas, está
claro serem os dentes alinhados e mais humanos. Evidentemente
estamos próximos de uma bifurcação da árvore evolucionária e
isso é atestado pela ausência dos grandes caninos dos antropóides
e pela menor proeminência da face; um tanto quanto ousadamente,
os antropologistas colocam o Ramapithecus entre os hominídeos.
Há, agora, uma descontinuidade dos registros fósseis de dez milhões
de anos. Inevitavelmente, essa falha esconde a parte mais interessan­
te da história, qual seja, a da separação definitiva da linha homínida
daquela dos antropóides modernos. Entretanto, registros inequívo­
cos ainda não foram encontrados a esse respeito. Assim, há cinco
milhões de anos, encontraríamos parentes próximos do homem.
Um primo do homem, em uma linha colateral à nossa, é o vege­
tariano Australopithecus. O Australopithecus robustus é semelhante
ao homem e sua linhagem termina aí; simplesmente extinguiu-se.
Novamente são os dentes o testemunho deseus hábitos alimentares,
e a evidência é bastante direta: os dentes apresentam ranhuras
devido à ação dos abrasivos mastigados juntamente com as raízes
que comia.
Na linha do homem, seu primo é menos corpulento —o que é
evidente pelas mandíbulas — e, provavelmente, carnívoro. Nada
mais próximo dele pode ser apresentado como sendo, na antiga 11
O uso continuado
denominação, o “elo perdido”. O Australopithecus africanus, da mesma
representado por uma fêmea adulta, acha-se entre um numero de ferramenta por tão
longo tempo dá uma
crânios fósseis encontrados em Steikfontain no Transvaal, e em mostra da força
outros locais da África. A criança de Taung, com a qual começ amos, dessa invenção.
teria, se tivesse crescido, se tornando um adulto como essa fêmea: Qualquer animal
deixa sinais do que
completamente ereta, andando, e com um cérebro de certa forma foi; mas só o
maior, pesando entre quinhentos e setecentos e cinqüenta gramas. homem deixa as
marcas de sua
38 Isso representa mais ou menos o peso do de um antropóide grande inventividade.
A Escalada do Homem

atual; mas essa criatura era baixa, medindo por volta de um metro
e vinte. Na realidade, achados recentes de Richard Leakey sugerem
que, há dois milhões de anos, o cérebro seria até mesmo maior.
Com seus grandes cérebros, os ancestrais do homem chegaram a
duas importantes invenções, das quais uma deixou evidências
observáveis, e a outra, pelo menos, dedutíveis. Vejamos as obser­
váveis em primeiro lugar. Há dois milhões de anos o Australopi-
thecus fabricou ferramentas rudimentares, conseguindo lâminas
cortantes mediante a aplicação de simples golpes entre duas
pedras. No milhão- de anos seguinte o homem não inovou essa
técnica. A invenção fundamental havia sido feita: o ato proposital
de preparar e guardar uma pedra para utilização futura. Através
desse passe de habilidade e antecipação, ato simbólico da desco­
berta do futuro, ele cortou as amarras com as quais o ambiente ata
todas as outras criaturas. O uso continuado da mesma ferramenta
por tão longo tempo dá uma mostra da sua força. Era segura
mantendo a parte romba contra a palma das mãos (essa pega era
firme porque, embora esses ancestrais do homem apresentassem
polegares curtos, estes estavam em completa oposição aos outros
detlos). Tratava-se, certamente, de ferramenta de comedor de
carne, destinada a golpear e cortar.
A outra invenção é social, e chegamos a ela por meio de uma
aritmética mais sutil. Os crânios e esqueletos dos Australopithecus,
encontrados agora em número relativamente grande, mostram que
a maioria deles morreu antes de completar vinte anos. Isso significa
que devia haver muitos órfãos. Uma vez que o Australopithecus
devia ter uma infância prolongada, como é o caso de todos os
primatas, aos dez anos, digamos, os sobreviventes eram todos
crianças. Dessa maneira, alguma forma de organização social
deveria se encarregar dos cuidados com as crianças, sua adoção
(se fosse o caso), sua integração na comunidade e, de uma forma
geral, sua educação. Eis aí um grande passo na evolução cultural.
Em que ponto teriam os precursores do homem se tornado
verdadeiramente humanos? Essa questão é delicada posto que tais
mudanças não se dão do dia para a noite. Seria tolice tentar fazê-las
parecer mais bem-demarcadas do que o foram na realidade - fixar
uma transição abrupta ou argumentar em torno de nomes. Nós
ainda não éramos homens há dois milhões de anos. Mas, há um
milhão de anos, já o éramos, e aqui aparece o primeiro represen-
40 tante do Homo - o Homo erectus. Este se espalhou para muito
Abaixo dos Anjos

além da África. O achado clássico do Homo erectus se deu na China.


Trata-se do homem de Pequim, o qual, com seus quatrocentos mil
anos de história, é a prmieira criatura a fazer uso do fogo.
As transformações sofridas pelo Homo erectus até chegar ao
homem atual foram substanciais nesse milhão de anos, mas, com­
paradas às anteriores, podem ser consideradas graduais. O sucessor
mais conhecido foi encontrado na Alemanha; outro fóssil clássico
é representado pelo homem de Neanderthal, portador de um
cérebro com mil e trezentos gramas, tão grande quanto o do homem
moderno. Provavelmente algumas linhagens de homens de Nean­
derthal se extinguiram; mas, aparentemente, uma linhagem do
Oriente Médio foi a precursora direta do Homo sapiens.
Em um determinado momento, há cerca de um milhão de anos,
o homem conseguiu realizar uma mudança qualitativa em suas
ferramentas — presumivelmente isso indica um refinamento bioló­
gico da mão nesse período e, principalmente, das estruturas nervosas
que controlam o uso da mão. A criatura mais requintada (biológica
e culturalmente) dos últimos quinhentos mil anos era já capaz de
ir muito além do simples copiar o ato do lascador de pedra anterior
ao Australopithecus. Suas ferramentas requereram uma manipula­
ção muito mais refinada, tanto no fabrico como no uso.
O domínio de técnicas refinadas como essas e o uso do fogo não
foram fenômenos isolados. Ao contrário, devemos ter sempre em
mente que o conteúdo real da evolução (tanto biológica como
cultural) consiste na elaboração de novos padrões de comporta­
mento. Na ausência de fósseis comportamentais, não nos resta
senão buscar correlatos, em ossos e dentes. Mesmo para as criaturas
às quais pertencem, ossos e dentes não são muito interessantes em
si mesmos; representam equipamentos para a ação — eles nos
interessam na medida em que, como equipamentos, revelam as
ações para as quais foram destinados, e alterações em suas estrutu­
ras atestam mudanças comportamentais e de utilizaçã°.
Assim, podemos inferir que as transformações do homem
durante sua evolução não se deram aos blocos. A articulação da
mandíbula de um primata no crânio de outro não é a forma de
reconstruir a estrutura física do homem —essa concepção é muito
ingênua para adquirir foro de verdade, e só pode acabar como no
blefe do crânio de Piltdown. Qualquer ani mal, e o homem especial­
mente, é uma estrutura altamente integrada, e mudanças compor-
tamentais alteram todas as partes harmoniosamente. A evolução
do cérebro, da mão, dos olhos, dos pés, dos dentes, enfim, de toda 41
A Escalada do Homem

a figura humana, compôs um mosaico de dons especiais —e, em


um certo sentido, cada um destes capítulos representa ensaios
sobre alguns desses dons especiais do homem. Eles fizeram do
homem o que ele é, mais rápido na evolução e mais plástico no
comportamento do que qualquer outro animal. Diferentemente de
outras criaturas (alguns insetos, por exemplo) que permaneceram
imutáveis por cinco, dez ou mesmo cinqüenta milhões de anos,
nessa escala de tempo ele mudou a ponto de não mais se reconhecer
nos seus ancestrais. O homem não é a mais imponente das criaturas.
Mesmo antes dos mamíferos, os dinossauros eram colossais. Mas,
dele é o que nenhum outro animal possui: uma tal conjunção de
faculdades que, ela apenas, em mais de três bilhões de anos de
vida, se constituiu no substrato para o aparecimento da criatividade.
Qualquer animal deixa sinais do que foi; mas só o homem deixa as
marcas de sua inventividade.
Ao longo do quase inimaginável espaço de tempo de cinqüenta
milhões de anos, variações nos hábitos alimentares são importantes
para uma espécie em transformação. Nos primeiros estágios da linha
que levou ao homem, encontramos criaturas de olhos ágeis e dedos
delicados, comedores de frutas e insetos, que se assemelham aos
lemuróides. Antropóides e hominídeos primitivos, do Aegyptopi-
thecus e Procônsul ao pesado Australopithecus, são tidos como
basicamente vegetarianos. Mas o Australopithecus ágil quebrou
esse hábito milenar.
No Homo erectus, no homem de Neanderthal e no Homo sapiens
persite a dieta onívora. Do ancestral e ágil Australopithecus em
diante, a família do homem passou a comer carne: pequenos ani­
mais de início, e grandes animais posteriormente. A carne apresenta
uma maior concentração de proteínas do que os vegetais, e sua
ingestão diminui a dois-terços tanto a quantidade como o tempo
gasto em alimentação. As conseqüências para a evolução do
homem foram enormes. Ele passou a dispor de mais tempo livre,
e assim a poder dedicá-lo ao desenvolvimento de formas mais
indiretas de obtenção de fontes de alimentos (grandes animais, por
exemplo), que a fome e a força bruta combinadas não haviam
realizado. Evidentemente, tal fato colaborou no aparecimento (por
seleção natural) da tendência de todos os primatas interporem um
intervalo de tempo aos processos cerebrais que medeiam estímulo
e resposta, até que isso se consolidasse na habilidade estritamente
42 humana de pospor a satisfação de uma necessidade.
12
A caça é uma atividade comunal,
na qual o abate representa o
clímax, mas apenas isto.
Gnipo de índios wayana
caçadores do Amazonas durante
uma refeição coletiva
antes da caça.
A b a ix o dos A n |o s

S n tr e ta n t o , o c fe ito m a rc a n te de u m a e s tra te g ia in d ire ta d o


a p e r fe lç o a m e nt o d a o b te n ç ã o de c o m id a é o d e a tiv a r a in te ra ­
ção so ial e a c o m u n ic a ç ã o . U m a c ria tu ra le n ta c o m o o h o m e m
p o d e d ef ro n ta r, p e rse g u ir e e n c u rra la r u m an im al d e g ran d e p o rte
das s a v a n a s a d a p ta d o à fu g a, s o m e n te q u a n d o tra b a lh a em c o o ­
p e ra ç ã o c o m o u tro s . A caça re q u e r p la n e ja m e n to c o n s c ie n te e
c o m u n ic a ç â o p o r m e io de lin g u a g e m , assim c o m o o uso de ar ­
m a esp eciais. N a rea lid a d e , a lin g u a g e m , n a fo rm a em q u e a u ti-
llz a m o s , g u a rd a s e m e lh a n ç a c o m as c a ra c te rís tic a s d e u m p la n o
d e c a ç a d a , n a q u a l (d ife re n te m e n te d o s a n im a is), n o s in s tru ím o s
m u tu a m e n te a tra v é s de s e n te n ç a s c o n tru íd a s p e lo in te rc â m b io
d e u n id a d e s m ó v eis. A c a ç a é u m a a tiv id a d e c o m u n a l, n a q u al
o a b a te re p re s e n ta o c lím a x , m as a p e n a s isto .
A caç a n ã o p o d e p r o v e r u m a p o p u la ç ã o em c re s c im e n to em u m
13 lo c al c irc u n s c rito ; a d e n s id a d e d e m o g rá fic a p o ssív el p a ra a so ­
As criatura mais
primilivas na sequência b re v iv ê n c ia n as sav an as n ã o ia além d e d u as p esso a s p o r d o is e
que levou ao homem m e io q u ilô m e tr o s q u a d ra d o s . A essa d e n s id a d e , a su p e rfíc ie t o ­
eram comedores de tal d a te r r a seria s u fic ie n te ap en as p a ra a lim e n ta r a p o p u la ç ã o
insetos ou frutas, de
olhos ágeis e dedo a tu a l d a C a lifó rn ia , d e c e rc a d e v in te m ilh õ e s, m as n ã o a p o p u ­
delicados como os lação d a G rã -B re ta n h a . P a ra os c a ç a d o re s, a e sc o lh a e ra im p la c á ­
lemuróides.
Lemuróide moderno de vel: o u a fo m e o u o n o m a d is m o ,
Madagascar e esqueleto A ssim , eles c o b rira m d istâ n c ia s p ro d ig io sa s. H á u m m ilh ã o de
de um gólago da África a n o s e sta v a m n o n o rte d a Á frica. H á se te c e n to s m il an o s o u m es­
Ocidental, parente
próximo do lemuróide. m o a n te s , a tin g ira m Ja v a . P o r v o lta de q u a tr o c e n to s m il a n o s
(Note-se a estrutura da a trá s h a v ia m -se e p a lh a d o d e tal fo rm a a a lc a n ç a r a C h in a , ao
mão e das unhas.;
n o r te , e a E u ro p a , a o este. E ssa in a c re d itá v e l e x p lo sã o m ig ra tó ­
ria d is p e rs o u a m p la m e n te a esp écie h u m a n a , a d e s p e ito d o fa to
d e la c o n ta r n o s seu s p rim ó rd io s c o m um n ú m e ro p e q u e n o de
in d iv íd u o s — um m ilh ã o , ta lv e z .
A in d a m ais te m e rá ria fo i a m ig ra ç ã o p a ra o N o r te ju s ta m e n te
q u a n d o a re g iã o e ta v a se to r n a n d o g elad a. N e ssa e ra o g elo c ° -
m o q u e b r o ta v a d a te rra , O c lim a d o N o r te h a v ia sid o te m p e ra ­
d o d u r a n te e ra s im e m o ria is — lite ra lm e n te , p o r v árias ce n te n a s
d e m ilh õ e s d e an o s. M e s m o a ssim , an tes d o H o m o e re c tu s se es­
ta b e le c e r n a C h in a e n o n o r te d a E u ro p a , teve in íc io u m a se-
q ü ê n c ia d e trê s g laciaçõ es.
A p r im e ira já h a v ia a m a in a d o h á q u a tro c e n to s m il a n o s, é p o ca
em q u e o h o m e m de P e q u im v iv ia em c a v e rn as. N ã o é de to d o
s u rp r e e n d e n te e n c o n tr a r, p ela p rim e ira v ez, o u so d o fo go nessas
h ab ita ç õ e s. O g elo se m o v e u p a ra o Sul e se re tra iu trê s v ezes, 45
A Escalada do Homem

mudando o terreno em cada deslocamento correspondente. As


maiores crostas de gelo continham tamanha quantidade de água
que chegou a causar o abaixamento de cento e vinte metros no
nível dos oceanos. Após a segunda glaciação aparece o homem de
Neanderthal, há uns duzentos mil anos, que, com seu enorme
cérebro, vai-se tornar importante na última glaciação.
Durante a glaciação mais recente, dentro dos últimos cem ou
cinqüenta mil anos, é que se começa a reconhecer traços distintos
de diferentes culturas humanas. É quando são encontradas ferra­
mentas elaboradas, sugerindo a prática de formas requintadas de
caça: o lançador de flecha, por exemplo, e um bastão que devia
servir para retificar outras ferramentas; o arpão farpado; e, é claro,
as ferramentas do artesão da pedra, necessárias para a fabricação
das armas de caça.
É claro que, à semelhança do que ocorre atualmente, naquela
época as invenções podiam ser raras, mas se espalhavam rapida­
mente através de uma cultura. Por exemplo, o arpão foi inventado
pelos caçadores magdalenianos do sul da Europa há quinze mil anos
atrás. No início, os arpões magdalenianos eram lisos; logo após já
ostentam uma única fileira de farpas e, no fim do período, quando
houve o florescimento da arte das cavernas, apresentam-se comple­
tos, com duas fileiras de farpas. Os caçadores do Magdaleniano
tinham o hábito de decorar suas ferramentas feitas de ossos,
e o exame do estilo dos desenhos permite determinar precisamente
o período e a localização geográfica de origem do artefato. De uma
certa forma, representam fósseis que, em progressão ordenada,
recontam a evolução cultural.
O homem sobreviveu ao duro teste das glaciações porque sua
flexibilidade mental permitiu a valorização de invenções e a incor­
poração delas à propriedade comunal. Evidentemente, as glaciações
marcaram profundamente a forma davida humana. Elas forçaram-na
a depender menos de plantas e mais dos animais. Os rigores da
caçada nas margens do gelo também influenciaram as estratégias.
Tornou-se menos atraente defrontar animais isolados, por maiores
que fossem. Uma melhor alternativa era oferecida pela perseguição
de manadas e, para não perdê-las, aprender como antecipar seus
hábitos, acabando mesmo por adotá-Ios, incluindo, entre eles, suas
migrações. Esta adaptação é muito peculiar. É a vida sem paradeiro
certo, a transumância. O novo estilo de vida conserva algumas
46 características da caça, pois ainda se trata de uma perseguição (mas,
14
Progressão de fósseis
que reconstroem
a evolução cultural
do homem.
Arpão magdaleniano
de chifre de rena.
As farpas no arpão
mudaram de uma
única fileira para
duas fileiras
durante a última
glaciação. Ponteira
perfurada e
decorada com
cabeças de corças,
Santander, Espanha.
Pintura rupestre
representando a
caça de rena,
Caverna de Los
Caballos,
Castellon, Grota de
Valtorta, leste da
Espanha.
A invenção do arco
e da flexa se deu
ao fim da última
glaciação.
15
Contam trinta mi*
.
A Escalada do Homem pessoas e seu ,
modo de vida esta
em extinção.
Lapões em um
ncampamento em
Finnmark, 1900.
onde os caminhos e o passo são determinados pelo animalde abate)
e prenuncia algumas do pastoreio, umavez que o rebanho é vigiad°
como se fosse um estoque móvel de alimento.
Hábitos transumantes sobrevivem hoje como fósseis culturais °
único povo ainda vivendo dessa maneira é constituído pelos lapões
do extremo norte da Escandinávia, os quais, como acontecia
durante as glaciações, continuam seguindo os rebanhos de renas.
Os ancestrais dos lapões devem ter atingido o norte a partir da
região das cavernas franco-cantábricas dos Pireneus, ao acompa­
nharem as renas de doze mil anos atrás, quando a última crosta de
gelo se retraiu do sul da Europa. Esse estilo de vida, atualmente em
extinção, reúne trinta mü almas e trezentas mil renas. Em sua
migração, os rebanhos cruzam fiordes, de uma pastagem gelada de
liquens para outra, tendo os lapões ao seu encalço. Mas os lapões
não são pastores; eles não controlam as renas, pois nunca as domes­
ticaram; simplesmente acompanharam os movimentos do rebanho.
A despeito do fato dos rebanhos de renas ainda serem selvagens,
os lapões, da mesma forma que outras culturas, descobriram meios
de controlar animais individualmente: por exemplo, eles castram
alguns machos a fim de torná-los mais dóceis e serem usados como
animais de tração. É um relacionamento estranho. Os lapões são
inteiramente dependentes das renas —comem a carne, meio quilo
por cabeça, por dia; usam os tendões, os pêlos, os couros e os
ossos; bebem o leite e utilizam os chifres também. Contudo, os
lapões são mais livres do que as renas, pois sua adaptação é cultural
e não biológica. Essa adaptação, isto é, o estilo de vida transumante
através de uma superfície gelada, é uma escolha que pode ser
mudada; não é irreversível como o são as mutações biológicas.
Uma adaptação biológica implica uma forma inata de comporta­
mento, enquanto que uma cultura representa um comportamento
aprendido —uma preferência que, à semelhança de outras invenções,
foi adotada por toda uma sociedade.
Aí se encontra a diferença fundamental entre adaptações cultu­
rais e biológicas; e ambas podem ser demonstradas nos lapões. A
construção de tendas com peles de renas é uma adaptação que os
lapões podem mudar amanhã —a maioria deles já o fez. Por outro
lado, os lapões, ou linhas humanas ancestrais deles, também
sofreram algumas adaptações biológicas. Estas, no Homo sapiens,
não foram de grande monta; somos uma espécie bastante homogênea
48 porque nos espalhamos rapidamente para todos os cantos do globo,
A Escalada do Homem

a partir de um único centro. Entretanto, como sabemos, há algumas


diferenças biológicas entre grupos humanos. Damos-lhes o nome
de diferenças raciais, significando não poderem ser alteradas
mediante simples mudanças de hábitos ou de habitats. A cor da
pele é um exemplo. Mas, por que os lapões são brancos? O homem
começou com pele escura; os raios solares sintetizam vitamina D
na pele e, assim sendo, na África, uma pele clara sintetizaria dema­
siadamente. Mas, ao Norte, o homem precisa de toda a energia
solar que possa penetrar em sua pele a fim de sintetizar uma
quantidade de vitamina D suficiente para suprir seu metabolismo.
Assim, a seleção natural favoreceu aqueles com peles mais claras.
As diferenças biológicas entre diferentes comunidades são medi­
das nessa escala modesta. Os lapões não subsistem por adaptação
biológica, mas sim, pela inventividade: pelo uso imaginativo dos
hábitos das renas e de todos os seus produtos; por torná-las animais
de tração e pela criação de artefatos e do trenó. A sobrevivência
no gelo não dependeu apenas da cor da pele; não só os lapões, mas
todos os homens atravessaram as glaciações às custas de uma
invenção suprema —o fogo.
O fogo é o símbolo do lar, e ao tempo em que o Homo sapiens
começou a deixar as marcas de suas mãos nas cavernas, há trinta
mil anos passados, a caverna era o lar. Ao longo de pelo menos um
milhão de anos, o homem, por formas relativamente bem evidentes,
obteve seu alimento ou como forrageador ou como caçador. Esse
imenso período de pré-história, muito mais longo do que qualquer
história registrada, quase não nos deixou monumentos. Somente
no seu final, às margens da camada de gelo européia, vamos encon­
trar em cavernas, como a de Altamira (e em outras localidades na
Espanha e no sul da França), testemunhos do que ocupava a mente
do caçador. Vemos aí a trama do seu mundo e suas preocupações.
As pinturas rupestres de há vinte mil anos imortalizaram um
momento dessa cultura, sua base universal representada pelo 16 lapa sueca
conhecimento, adquirido pelo caçador, do animal que lhe fornecia Mulher
com seus filhos
alimento, e o qual tinha de enfrentar. durante uma
A princípio se nos afigura estranho o aparecimento relativamente para
migração de verão
as ilhas
tardio e a raridade das pinturas rupestres, uma arte tão vívida já na costeiras da
sua primeira manifestação. Por que não há tantos monumentos da Noruega,
e manada de
1925,
imaginação visual do homem como os há de suas invenções? Con­ renas selvagens
tudo, ao refletirmos sobre esse fato, o que mais nos surpreende confinada
pastagem de
em uma
50 não é o pequeno número de tais monumentos, mas, sim, a própria inverno.
17
Vida transumante em uma paisagem de gelo.
Desenhada pelo lapão Johan Turi
como ilustração de sua história escrita
sobre a vida de seu povo. Os animais de
carga se movem em fila ao longo do
rebanho. O líder da manada é
puxado por um homem
usando esquis.
A Escalada do Homem

existencia dos mesmos. O homem é um animal franzino, lent°,


desajeitado, inerme, que em sua evolução teve de inventar a
atiradeira, a pedra de fogo, a faca, a lança. Mas por que, ainda
nessa primitividade, teve de acrescentar àssuas invenções científin^
essenciais como tais à sua sobrevivência, uma produção artística
que nos confunde: decorações com formas animais? Acima de
tudo, qual a razão por que, embora vivendo em cavernas, não
decorou seu lar, mas escolheu lugares escuros, secretos, remotos e
inacessíveis para aí registrar os produtos de sua imaginaçã°?
Nesses locais o animal se tornava um ente mágico, é a resposta
óbvia. Não se duvida de sua exatidão; mas, magia é apenas uma
palavra, e não constitui resposta. Por si mesma, magia nada explica.
Ela permite inferir-se que o homem acreditava possuir algum poder;
Mas que forma de poder? Ainda hoje gostaríamos de saber que
poder os caçadores acreditavam emanar daquelas pinturas de
animais.
Posso apenas dar-lhes minha opinião pessoal. O poder lá expresso
pela primeira vez é o poder da antecipação: a imaginação do futuro.
Através dessas pinturas o caçador não só se familiarizava com os
perigos da caça, mas também podia antecipar as situações a serem
enfrentadas. Quando, pela primeira vez, um caçador era levado até
esses lugares secretos e obscuros, e a luz projetava-se bruscamente
naquelas figuras, ele via o bisão a ser enfrentado, o veado em
carreira, a investida do javali. E o jovem caçador sentia-se tão sozi­
nho diante deles como em uma caçada real. Era a iniciação ao
medo; a postura com a lança tinha de ser aprendida, e o temor
dominado. O pintor imortalizara o momento do medo, e o caçador
o vivia através das pinturas.
A arte rupestre, tal qual um lampejo histórico, recria o modo
de vida do caçador; através dela descortinamos o passado. Mas,
para aqueles que a criaram, foi mais uma fresta para olhar o futuro. 18
Em cavernas como a
Em qualquer direção, essas pinturas são uma espécie de telescópio de Altamira
para a imaginação: eles dirigem a mente do percebido ao inferido e encontramos
registros daquilo
à conjectura. Na verdade, a ação sugerida em uma pintura é isso que dominava a
mesmo: por mais elegante que seja, uma tela significa alguma coisa mente do homem
caçador. Para mim,
aos olhos somente na medida em que a mente é capaz de completá-la o poder aqui
em forma e movimento, uma realidade por inferência, onde a expresso pela
primeira vez é o
imaginação substitui a sensação. poder da
Arte e ciência são ações exclusivamente humanas, fora do alcance antecipação: a
de qualquer outro animal. E uma e outra derivam de uma só facul­ imaginação
projetada no futuro.
54 dade humana: a habilidade de enxergar no futuro, de antecipar um Bisão deitado.
A Escalada do Homem

acontecimento e planejar a ação adequadamente, representando-o


para nós mesmos em imagens projetadas ou dentro de nossas
cabeças, ou em um quadrado de luz nas paredes escuras de uma
caverna, ou, ainda, no vídeo de uma televisão.
Nós também estamos olhando através do telescópio da imagina­
ção; a imaginação é um telescópio no tempo e o que vemos é uma
experiência no passado. O homem que pintou essas figuras e os
homens que ali estavam presentes olhavam para uma experiência
no futuro. Eles olharam na linha da escalada do homem porque o
que chamamos evolução cultural é, essencialmente, o crescimento
e a expansão contínua da imaginação humana.
Os homens que fabricaram as armas e aqueles que pintaram as
figuras estavam realizando a mesma coisa - antecipando um evento
futuro de tal maneira como apenas o homem é capaz, isto é,
realizando o futuro nopresente. Muitos são os dons exclusivamente
humanos; mas, no centro de todos eles, constituindo a raiz que dá
força a todo conhecimento, jaz a capacidade de tirar conclusões
que levam do visto ao não-visto, que levam a mente através do
tempo e do espaço e que levam ao reconhecimento de um passado,
um degrau na escalada para o presente. A mensagem das mãos
impressas em todos os recônditos dessas cavernas é inequívoca:
“Esta é minha marca. Eu sou o homem”.

19
Nas cavernas, a mão
impressa diz: “Esta
é minha marca. Eu
sou o homem".
Pintura de uma
mão , El Castillo,
Santander, Espanha.
2 AS COLHEITAS SAZONAIS

A história do homem é dividida em períodos desiguais. Inicia-se


com sua evolução biológica: todos os degraus que nos separam
de nossos ancestrais antropóides. Degraus que se estenderam por
milhões de anos. Segue-se a história cultural: o longo fermentar
da civilização que nos separa de umas poucas tribos de caçadores
sobreviventes na África ou dos forrageadores da Austrália. E
todo este segundo período, este hiato cultural, se comprime em
alguns milhares de anos. Data de cerca de doze mil anos - um
pouco mais de dez mil anos, mas certamente, muito menos de
vinte mil anos. No que se segue estarei sempre me referindo a
esses doze mil anos que encerram toda a escalada do homem até
nós, como nos concebemos. Contudo, é tão grande a diferença
entre esses dois números, isto é, entre as escalas biológica e
cultural, que não posso deixar o assunto sem antes tecer alguns
comentários retrospectivos.
Foram necessários pelo menos dois milhões de anos a fim do
homem se transformar, do ser pequeno e escuro com uma
pedra na mão (Australophitecus da África Central), na sua
forma moderna (Homo sapiens). Este é o passo da evolução
biológica - a despeito da evolução do homem ter sido mais
rápida do que a de qualquer outro animal. Entretanto, em
muito menos de vinte mil anos o Homo sapiens se tornou a
criatura que hoje aspiramos ser: artista e cientista, construtor
de cidades e planejador do futuro, leitor e viajante, explorador
audaz do fato natural e das emoções humanas, muito mais rico
em experiência e mais ousado na imaginação do que qualquer
outro de nossos ancestrais. Este é o passo da evolução cultural;
uma vez em marcha ela segue segundo o quociente daquela
dois números, pelo menos cem vezes mais rapidamente d° que
a evolução biológica.
Uma vez em marcha: esta é a frase crucial. Por que as trans­
20
O brotamento da formações culturais que levaram o homem a se tornar o senhor
civilização está da terra iniciaram-se tão recentemente? Em todas as partes do
comprimido em mundo atingidas pelo homem de vinte mil anos atrás seu com­
alguns milhares de
anos. portamento era de forrageador e caçador, sua técnica mais
Migração da avançada sendo a de ligar-se a um rebanho em movimento,
primavera dos
bakhtiari, Montes
como os lapões fazem ainda hoje. Há dez mil anos isso havia
Zagros, Pérsia. mudado, surgindo, em algumas regiões, a domesticação de 59
A Escalada do Homem

animais e o cultivo de algumas plantas. E este é o ponto de


partida da civilização. É extraordinário pensar que apenas os
últimos doze mil anos assistiram ao nascimento da civilização.
Deve ter havido uma grande explosão por volta de 10000 a.C.
- e houve mesmo. Mas, esta foi uma explosão silenciosa, mar­
cando o final da última glaciação.
Podemos ter uma idéia dela e, mesmo, por assim dizer, fare­
já-la em algumas regiões glaciais. Na Islândia, a primavera se
renova a cada ano; mas, em um certo período, ela se perpetuava
na Europa e na Ásia, quando o gelo se retraiu. E o homem, que
havia passado por provações incríveis, pois, vindo da África,
tinha vagueado para o norte nos últimos milhões de anos e
lutado através das glaciações, repentinamente, viu os campos
floridos, e os animais à sua volta; aí, então, iniciou um tipo de
vida diferente.
Comumente ela é chamada “revolução agrícola”. Mas eu a
considero muito mais ampla; uma revolução biológica. Numa
sucessão indeterminada o cultivo de plantas foi entremeado com
a domesticação de animais. E, subjacente a isso, a conscientização
do homem de se ter imposto como senhor de seu ambiente, no
aspecto mais importante, não simplesmente físico, mas, sim, no
nível das coisas viventes — plantas e animais. Uma revolução
cultural igualmente poderosa deriva desses acontecimentos.
Agora se tornara possível —mais que isso, se tornara necessário
— o sedentarismo. Após um milhão de anos de andanças ele
chega à escolha crucial: abandonar o nomadismo e tornar-se
aldeão. Temos o registro antropológico de um povo que assim
se' decidiu: o documento é a Bíblia, o Velho Testamento. Eu
acredito que a base da história civilizada se apóia nessa decisão,
uma vez que apenas uns poucos sobreviventes existem daqueles
que não optaram. Ainda há algumas tribos nômades, empreen­
dendo longas viagens transumantes de pastagem em pastagem:
os bakhtiari na Pérsia, por exemplo. Acompanhando-se e parti­
cipando da vida de uma dessas tribos, chega-se ao entendimento
da impossibilidade do nomadismo originar civilização.
Tudo na vida nômade é imemorial. Os bakhtiari sempre viajaram
sozinhos, quase ocultos. À semelhança de outros nômades, eles
se consideram uma única família, descendentes de um único
fundador. (Da mesma forma os judeus se autodenominavam
60 filhos de Israel ou de Jaco.) Os bakhtiari derivam seu nome do
A s C o lh e ita s S a zo n a is

de Bakhtyar, um pastor legendário do tempo dos mongóis. A


lenda de suas origens, contada por eles mesmos, começa assim:
E o pai de nosso povo, o homem das colinas, Bakhtyar, surgiu, em tempos
remotos, dos redutos das montanhas do sul. Suas sementes foram tão
numerosas quanto as pedras das montanhas, e seu povo prosperou.

O eco bíblico soa repetidamente à medida que a história se


desenrola. O patriarca Jacó possuía duas esposas, e para cada
uma delas havia trabalhado sete anos como pastor. Atente para
o patriarca dos bakhtiari:
A primeira esposa de Bakhtyar gerou sete filhos, pais das sete linhagens
irmãs de nosso povo. Sua segunda esposa gerou quatro filhos. E, para não
dispersarmos nossos rebanhos e nossas tendas, nossos filhos tomarão como
esposas as flhas dos irmãos dos seus pais.

Da mesma forma que para os filhos de Israel, os rebanhos eram


de suma importância; em nenhum momento o contador da
história (ou o conselheiro nupcial) os afasta de sua mente.
Anteriormente a 10000 a.c. os nômades costumavam seguir
as reses selvagens nas suas migrações naturais. Mas ovelhas e
cabras não apresentam migração natural. A domesticação destas
se deu por volta de dez mil anos - antes delas, apenas o cão era
seguidor de acampamentos. A domesticação enfraqueceu os
instintos naturais delas, e o homem teve de assumir a responsa­
bilidade de guiá-las.
A função das mulheres em tribos nômades é definida precisa­
mente. Acima de tudo estão encarregadas da produção de filhos
machos - o aumento do número de fêmeas representa um
infortúnio imediato, uma vez que, a longo prazo, isso é uma
ameaça de desastre. Além disso, suas obrigações incluem a pre­
paração de alimentos e vestuário. Por exemplo, entre os bakhtiari,
as mulheres fazem o pão - da maneira como é descrito na
Bíblia, assando bolos não fermentados em pedras aquecidas.
Mas as meninas e as mulheres não os comem antes que os
homens o tenham feito. Da mesma forma que a dos homens, a
vida das mulheres gira em torno do rebanho. Elas ordenham,
fabricam coalhada seca espremendo o coalho por meio de uma
pele de cabra montada em uma armação primitiva de madeira. 61
A Escalada do Homem

São possuidores de uma tecnologia simples, capaz de ser trans­


portada nas mudanças diárias. A simplicidade romântica é mera
questão de sobrevivência. Tudo tem de ser leve a fun de ser
transportado, montado cada tarde e desmontado cada manhã.
O fabrico de fios de lã pelas mulheres, usando métodos muito
simples e antigos, é para consumo imediato, isto é, reparos
essenciais durante a viagem, nada mais que isso.
Na vida nômade normal não é possível fabricar objetos que
não sejam utilizáveis a curto prazo. De outra forma não poderiam
ser carregados. De fato, os bakhtiari não os fabricam. Se necessi­
tam de potes de metal, estes são barganhados em vilas ou em
acampamentos ciganos. Pregos, estribos, brinquedos, sininhos
para crianças, tudo isso é obtido através de trocas fora da tribo.
A vida dos bakhtiari é muito limitada para propiciar tempo para
desenvolvimento de habilidade ou especialização. Na movimen­
tação constante não há tempo para inovações. Entre a parada da
tarde e o reinício da caminhada pela manhã, os instrumentos, os
pensamentos e mesmo as canções são sempre os mesmos. Apenas
os velhos hábitos permanecem. A ambição do filho é ser igual
ao
É uma vida sem contrastes. Cada noite é o fim de um dia igual
ao anterior e cada manhã inicia um dia igual ao anterior. Ao
romper do dia um único pensamento ocupa as mentes de todos:
Conseguiremos levar o rebanho através do próximo despenha-
deiro? Haverá um dia em que se terá que passar pelo desfiladeiro
mais alto. É o passo de Zakedu, a três mil e seiscentos metros,
no Zagros, que o rebanho tem de atravessar ou contornar em
seus pontos mais elevados. A tribo não pode parar, novas pasta­
gens precisam ser alcançadas todos os dias, pois em tais altitudes
elas se esgotam em um único dia.
Cada ano, ao partir, os bakhtiari cruzam seis cadeias de mon­
tanhas e, depois, voltam pelo mesmo percurso. Atravessam neve
e torrentes da primavera. Em apenas um aspecto suas vidas dife­
rem daquela de dez mil anos atrás; os nômades daquela época
viajavam a pé, carregando suas bagagens às costas, mas os
bakhtiari possuem animais de carga - cavalos, jumentos, mulas
que foram sendo domesticados desde aquela época. Nada mais
em suas vidas é novo. Nem memorável. Os nômades não têm
monumentos, nem mesmo túmulos para os mortos (onde foram
enterrados Bakhtyar, ou mesmo Jacó?). Os únicos amontoados
62 de pedras são construídos com a finalidade de sinalizar o cami-
21
Tribos nômades ainda realizam longas viagens
transumânticas, indo de uma pastagem para outra.
Possuem apenas uma tecnologia simples, que pode ser
transportada em suas viagens diárias, de um lugar para outro.
Rebanhos de carneiros e cabras empreendendo a migração
da primavera e uma anciã bakhtiari frabricando fios de Iõ.
A Escalada do Homem

nho em lugares tais como o Passo das Mulheres, local traiçoeiro,


mas melhor para os animais do que os desfiladeiros mais altos.
A migração da primavera dos bakhtiari é uma aventura heróica,
embora eles não sejam tão heróicos quanto estóicos. A resigna­
ção vem do fato da aventura não levar a nada. As próprias
pastagens de verão se apresentam como apenas outro local de
parada - diferentemente dos filhos de Israel, para eles não há
terra prometida. O cabeça da família trabalha sete anos, tal qual
Jacó, para conseguir um rebanho de cinqüenta ovelhas e cabras.
Dez delas serão perdidas durante a migração, se as coisas correrem
bem. Na pior das hipóteses quase a metade não chegará ao fim.
Esses são os agravantes da vida nômade - ano após ano. Apesar
disso tudo, ao fim da jornada não restará senão uma imensa,
tradicional, resignação.
Quem poderá dizer, em um ano qualquer, se o ancião poderá,
após ter cruzado todos os passos, se submeter ao teste final: a
travessia do rio Bazuft? Três meses de degelo engrossam a cor­
renteza. Os homens, as mulheres, os animais de carga e o rebanho
estão exaustos. Durante todo um dia o rebanho é carregado
através do rio. Ainda, este é o dia do teste. Hoje os rapazes se
tornam homens porque a sobrevivência do rebanho e da família
depende de suas forças. Cruzar o Bazuft é como cruzar o Jordão;
é o batismo da virilidade. Para os jovens é a vida que renasce.
Para os velhos - para os velhos ela se extingue.
O que acontece com os velhos que não conseguem cruzar o
último rio? Nada. Eles ficam para trás para morrer. Somente o
cão aparenta surpresa ao ver um homem abandonado. O homem
aceita o costume nômade; ele chegou ao fim de suajornada, e o
fim não é lugar algum.
O passo mais importante na escalada do homem é a mudança do
nomadismo para a agricultura de aldeia. O que tornou isso
possível? Um ato de vontade por parte do homem, seguramente;
mas, com ele, um ato estranho e secreto da natureza. Ao final
das glaciações, no desabrochar da nova vegetação, aparece uma
espécie híbrida de trigo no Oriente Médio. Isso aconteceu em
diversos lugares; e um deles, típico, é o oásis de Jericó.
Jericó é mais antiga do que a agricultura. O primeiro povo
a chegar aqui e a se estabelecer ao redor da fonte incrustada
64 nesta região desolada veio para colher trigo nativo, pois, então,
ainda não sabiam como plantá-lo. Sabemos disso pelo fato de esses
homens terem desenvolvido ferramentas para a colheita do trigo
22 silvestre, e tal fato representou um adiantamento extraordinário.
A população que
prúnetro chegou a Eles fizeram foices de pedra que sobreviveram; foram aí encon­
Jericó colhia trigo, tradas em 1930, em escavações levadas a cabo por John Gastang.
mas não sabia como
plantá-lo. Esses
A lâmina dessa foice primitiva deve ter sido encaixada em peça
homens fabricaram de chifre de gazela ou de osso.
ferramentas para a
colheita silvestre.
Não há sobrevivente, entretanto, quer no topo das colinas ou
Alfanje curvo, em suas fraldas, da variedade de trigo selvagem colhida pelos
4.o milênio a. C., habitantes primitivos:' Mas as gramíneas que ainda podemos
Israel. As lâminas
dos alfanjes de encontrar nesse local devem se parecer muito com o trigo que
pedra eram fixadas esse povo apanhava aos maços e cortava, iniciando o movimento
com a ajuda de
betume em cabos de
de serrar com a foice que os agricultores vêm repetindo nesses
ossos. últimos dez mil anos. Essa se constituiu na civilização pré-agrícola
natufiana. E, evidentemente, não poderia durar, mas estava às
portas de se tornar agricultura. Isso aconteceu também em Jericó,
logo em seguida.
A disseminação da agricultura no Velho Mundo se deveu,
quase que certamente, ao aparecimento de duas formas de trigo
com espigas grandes e muitas sementes. Antes de 8000 a.C. o
trigo não era a planta luxuriante que hoje conhecemos; era
apenas uma entre as muitas gramíneas espalhadas por todo o
Oriente Médio. Por algum acidente genético o trigo silvestre se
cruzou com uma grama de bode qualquer, resultando daí um
híbrido fértil. Acidente desse tipo deve ter acontecido muitas
vezes na explosão vegetal que se deu após a última glaciação.
Em termos de maquinaria genética que determina o crescimento,
houve a combinação de quatorze cromossomos do trigo süvestre
com os quatorze cromossomos do capim de bode produzindo o
Emmer com vinte e oito cromossomos. Isto é que torna o Emmer
muito mais polpudo. O híbrido se espalhou naturalmente pelo
fato de, estando as sementes envolvidas pela palha, poderem ser
facilmente carregadas pelo vento. 65
23
A implantação da agricultura em todo o Velho Mundo se deveu quase que
certamente à ocorrência de duas formas híbridas de trigo.
Trigo emmer em casca e trigo de pão descascado; espiga de trigo maduro;
e, a palha sendo removida do grão.
24

A Escalada do Homem Antes de 8000 a.C. o trigo


era apenas umas das
muitas variedades de
gramíneas süvestres.
Trigo silvestre, Triticum
monococcum.
O aparecimento de um híbrido fértil é uma raridade vegetal,
mas não é fato único; porém, a história da rica vida vegetal que
seguiu a glaciação torna-se muito mais surpreendente. Aconteceu
um segundo acidente genético que provavelmente se deveu ao
fato de o Emmer já ser cultivado. Este se cruzou novamente com
outro capim de bode produzindo um híbrido com quarenta e
dois cromossomos, o trigo de nossos pães. Esse cruzamento, por
si só, já era bastante improvável, mas hoje sabemos que o trigo
atual só se tornou fértil em razão de uma mutação genética
específica em um cromossomo.
Contudo, há ainda um evento mais estranho. Esse híbrido
ostenta agora uma linda espiga, mas esta jamais se espalhará
por ação do vento, posto que, muito compacta, não se debulha.
Mas, se a espiga for quebrada, as hastes se soltam e os grãos
caem exatamente onde cresceram. Permitam-me lembrá-los de
que isto não ocorria com o trigo silvestre, nem com o Emmer.
Nestas formas primitivas a espiga é muito mais aberta e, ao se
quebrar, tem-se efeito distinto - os grãos voam com o vento.
O trigo de pão perdeu essa característica. De repente, homem e
planta se encontram. O homem tem no trigo o seu sustento e o
trigo, no homem, um meio de se propagar. Sem ajuda o trigo de
pão não se multiplica; assim, a vida de cada um, do homem e da
planta, depende uma da outra. É um verdadeiro conto de fadas
genético, como se o despertar da civilização tivesse visto a luz
com as bênçãos do abade Gregor Mendel.

Conjunções bem-sucedidas de eventos naturais e humanos inau­


guraram a agricultura. No Velho Mundo isso aconteceu há dez
mil anos, no Crescente Fértil do Oriente Médio. Mas, certamente,
não foi um evento isolado. É mais do que provável que a agricul­
tura tenha surgido independentemente no Novo Mundo - ou
assim acreditamos, baseados na evidência atual de que o milho
dependeu do homem tanto quanto o trigo. No Oriente Médio
a agricultura se espalhou aqui e ali ao longo de suas colinas, das
quais a elevação do Mar Morto até a Judéia (os arredores de
Jericó), representa, na melhor das hipóteses, um exemplo típico
e nada mais do que isso. Literalmente, a agricultura assistiu a
vários começos no Crescente Fértil, alguns deles anteriores a
68 Jericó.
As Colheitas Sazonais

Entretanto, Jerico exibe vanas características que a tornam


historicamente ímpar, conferindo-lhe um status simbólico
próprio. Diferentemente de outras povoações esquecidas, ela é
monumental, mais velha que a Bíblia, camada sobre camada de
história, uma verdadeira cidade. A antiga cidade de Jericó, com
água potável, era um oásis à beira do deserto; sua fonte, já
existente em tempos pré-históricos, continua jorrando na
moderna cidade de hoje. Água e trigo encontraram-se aqui e,
assim, aqui se iniciou a civilização do homem. Para aqui também
chegaram os beduínos vindos do deserto com suas faces escuras
e veladas, olhando cobiçosamente o novo estilo de vida. Esta foi
a razão por que Josué conduziu por aqui as tribos de Israel em
sua caminhada para a Terra Prometida —trigo e água faziam a
civilização: encerram a promessa de uma terra donde brotam
leite e mel. Água e trigo transformaram aquela encosta desolada
na primeira cidade do mundo.
Jericó foi transformada repentinamente. Os povos que a ela
chegaram logo se tornaram objeto de inveja dos vizinhos, de tal
forma que ela teve de ser protegida; assim, Jericó foi cercada
por muros e sua torre de espreita data de nove mil anos. A base
da torre mede nove metros de largura por quase essa medida de
profundidade. Subindo os degraus da escavação, contornando a
torre, camada após camada de civilização vai se revelando: o
homem antigo da era pré-cerâmica, o próximo homem da era
pré-cerâmica, o aparecimento da cerâmica há sete mil anos;
cobre antigo, bronze antigo, bronze m édio. Cada uma dessas
civilizações chegou, conquistou Jericó, enterrou-a e construiu
por cima. Assim, de certa maneira, a torre não se encontra a
treze metros e meio abaixo do solo, mas a essa profundidade de
civilizações acumuladas.
Jericó representa um microcosmo de história. Outros locais
serão encontrados nos próximos anos (alguns muito importante
já exástem agora) e isso vai mudar a imagem dos primórdi° s da
civilização. Ainda assim, estar aqui neste lugar, contemplando
as reminiscências da escalada do homem, confere-nos um poder
proÇundo, tanto ao raciocínio quanto à emoção. Quaimojovem,
pensava na supremacia do homem como uma consequencia de
seu domínio do ambiente físico. Agora aprendemas que tal
supremacia vem do entendimento e da manipulação do meio
vivente. Não foi de outra maneira que o homem começou no 69
A Escalada do Homem

Crescente Fértil, ao pôr suas mãos nas plantas e nos animais,


aprendendo a viver com eles, transformando o mundo às suas
necessidades. Ao redescobrir a torre nos anos cinqüenta, Kathleen
Kenyon encontrou-a vazia; para mim essa escada tem o significado
de uma raiz axial, de um olheiro de entrada para as bases
rochosas da civilização. E esta base sólida da civilização são os
seres viventes, não o mundo físico.
Por volta de 6000 a.C., Jericó era um grande agrupamento
agrícola. Na estimativa de Kathleen Kenyon contava três mil
habitantes e, dentro de suas muralhas, estendia-se por cerca de
quatro hectares. As mulheres moíam trigo utilizando pesados
implementos de pedra que caracterizavam hábitos de uma
comunidade sedentária. Os homens moldavam barro para o
fabrico de tijolos, que estão entre os primeiros a serem conheci­
dos. As impressões dos polegares dos oleiros arnda podem ser
observadas. Tanto o homem como o trigo de pão estão agora
fixados em seus lugares. Uma comunidade sedentária também
estabelece diferente tipo de relação com seus mortos. Dos
habitantes deJericó restaram alguns crânios que eram preservados
e cobertos com elaboradas decorações. Não se conhece a razão
dessa prática, que talvez fosse um ato de reverência.
Agora, nenhuma pessoa educada sob a influência do Antigo
Testamento, como é o meu caso, pode deixar Jericó sem formu­
lar duas perguntas: Josué realmente destruiu esta cidade? E, terá
ocorrido o desabamento das muralhas? Essas são as perguntas
gue atraem gente a este local e que o tornam uma lenda viva. Jericó
25 , é, monumental,
A primeira pergunta a resposta é fácil: Sim. As tribos de Israel mais antiga do que a
lutavam para aniquilar o Crescente Fértil que se estende ao longo Bíblia, uma
da costa do Mediterrâneo, bordeja as montanhas da Anatólia e superposição de
camadas de história,
uma cidade.
Do sítio de Jericó:
tijolo de bano seco;
entalhe de amantes em
quartzita; crânio
decorado com massa e
incrustado com
conchas.
A tone de espreita de
Jericó. Construída de
pedra trabalhada e
pré•7000 a. C.
A grade modema cobre
a parte oca central
70 no interior da tone.
A Escalada do Homem

desce na direção do Tigre e Eufrates. E Jericó era uma posição


estratégica, bloqueando o acesso às montanhas da Judéia e às Uma 26 cornucópia de
terras férteis do Mediterrâneo. Assim, a cidade tinha de ser objetos pequenos e
conquistada, o que aconteceu por volta de 1400 a.c. - há cerca para
sutis, tão importantes
a escalada do
de três mil e trezentos a três mil e quatrocentos anos. Como a homem como
história bíblica não foi escrita senão, talvez, até 700 a.c., o qualquer equipamento
registro literário data de pelo menos dois mü e seiscentos anos. daCarpinteiro
física nuclear.
trabalhando
Mas, e as muralhas, realmente desmoronaram? Não sabemos. uma peça de madeira
Nenhum indício arqueológico neste local sugere ter havido uma com uma sena. Grego,
6.0 século a.C. Prego
queda abrupta e simultânea, em um só dia, de um conjunto de recoberto por cerâmica,
paredes. Entretanto, isso certamente aconteceu em diferentes Forno
sumeriano, 2400 a.C.
épocas, e várias vezes. Em um período da era do bronze, um dentro.deModelo assar com pão
de
mesmo segmento da fortaleza foi reconstruído pelo menos cerâmica. Ilhas gregas,
7.0 século a. C.
dezesseis vezes. Note-se que esta é uma região de tremores de Brinquedo grego
terra. Ainda hoje os abalos são diários aqui; em um século ocor­ representando
macaco
um
amassando
rem quatro grandes terremotos. Apenas nos últimos anos azeitonas em um
chegamos a um entendimento do porquê dessa alta freqüência almofariz. Ancião com
de abalos sísmicos ao longo deste vale. O Mar Vermelho e o Mar Modelo
uma prensa de vinho.
em tenacota,
72 Morto se alinham em continuação ao Rift Valley Oriental período romano.
As Colheitas Sazonais

africano. Aqui, duas das plataformas que carregam os continentes,


flutuando nas camadas mais densas da terra, são contíguas. Ao
longo desta depressão, os encontros das plataformas produzem,
na superfície da terra, ecos dos choques ocorridos nas profundi­
dades. Como resultado disso, os terremotos sempre ocorrem ao
longo do eixo do Mar Morto. Em minha opinião isso explica
a recorrência de tantos müagres naturais nas descrições bíblicas:
inundações, desaparecimento das águas do Mar Vermelho ou do
Jordão e a queda das muralhas de Jericó.
A Bíblia é uma história curiosa, em parte folclórica, em parte
documentária. A história é, evidentemente, contada pelos vence­
dores, e os israelitas ao irromperem nesta região se tornaram os
depositários da história. A Bíblia é a história de um povo que
teve de optar, e o fez, abandonando o nomadismo pastoral pela
agricultura tribal.
Agricultura e pecuária parecem-me atividades elementares, mas,
note-se que o alfanje natufiano é uma indicação de que elas não
permanecem estáticas. Cada estágio da domesticação de plantas 73
A Escalada do Homem 27
Dê-me uma alavanca e
eu alimentarei a Terra.
Arando com bois
ajoujados, Egito.
e de animais requer invenções, as quais surgem como inovações
técnicas e acabam dando fundamento a princípios científica.
Os instrumentos básicos da mente-de-dedos-ágeis estão espalha­
dos, despercebidos, em todas as povoações, em qualquer lugar
do mundo. Formam uma cornucópia de artefatos modest°s e
despretensiosos, mas tão engenhosa, e, em um sentido profundo,
tão importante na escalada do homem, como qualquer equi­
pamento da física nuclear: a agulha, a sovela, o jarro, o braseiro,
a pá, o prego e o parafuso, a linha, a laçada, o tear, o arreio,
o anzol, o botão, o sapato —poder-se-ia enumerar uma centena
em um fôlego só. A riqueza deriva da interação entre invenções;
a cultura é uma multiplicadora de invenções, na qual o surgi­
mento de um novo artefato aperfeiçoa e amplia o poder dos
outros.
A agricultura sedentária gera a tecnologia básica para o desen­
volvimento da física e de toda a ciência. Isso pode ser ilustrado
estudando o aperfeiçoamento do alfanje. Observados superficial­
mente não há diferenças evidentes entre o alfanje de há dez mü
anos, usado pelos forrageadores, e o de há nove mil anos, quando
o trigo já era cultivado. Mas examinemo-los mais atentamente. O
usado na ceifa do trigo de cultivo apresenta o fio serrilhado: isto
porque se o trigo é golpeado os grãos caem no solo, mas se as
hastes são cuidadosamente serradas os grãos permanecem nas
espigas. Desde aí os alfanjes de segar trigo têm sido construídos
dessa maneira — na minha infância, durante a Primeira Guerra
Mundial, o alfanje curvo ainda era a ferramenta usada na ceifa
do trigo. Tais aquisições tecnológicas e seus conhecimentos
físicos subjacentes nos chegam de tantas partes da vida agrícola
que, até, somos tentados a ponderar se não seriam as idéias a
descobrirem os homens, em vez do contrário.
A invenção mais poderosa da agricultura é, sem dúvida, o
arado. Uma lâmina sulcando a terra, essa é nossa concepção do
arado. A lâmina, por si só, é uma invenção mecânica antiga e
importante. Entretanto, o arado é mais do que isso, e esse mais
é fundamental: é uma alavanca que revolve o solo, e nesse sentido
uma das primeiras aplicações desse princípio. Muito tempo
depois, quando Arquimedes explicava o princípio da alavanca
aos gregos, afirmou que com um ponto de apoio e uma alavanca
moveria a Terra. Mas, milhares de anos antes, o agricultor do
Oriente Médio já havia dito: “Dê-me uma alavanca e eu alimen­
74 tarei a Terra”.
s\
V *
As Colheitas Sazonais

Mencionei acima o fato da agricultura ter sido inventada, pelo


menos uma vez mais, muito mais tarde, na América. Mas o
arado e a roda não o foram, uma vez que dependem de animais
de tração. E o passo seguinte no desenvolvimento da agricultura
do Oriente Médio foi justamente a domesticação de animais de
tiro. Não tendo ensaiado esse passo biológico, o Novo Mundo
ficou para trás, no nível do semeio de vara e da trouxa às costas;
nem mesmo chegaram perto da roda do oleiro.
A existência da roda foi atestada, pela primeira vez, antes de
3000 a.c., no que agora é chamado Sul da Rússia. Esses primeiros
achados consistem em sólidas rodas de madeira ligadas a platafor­
mas mais antigas, usadas para arrastar cargas, transformada assim
em um carro. Daqui para a frente a roda e o eixo tornam-se os
pivôs de crescimento de todas as invenções. Por exemplo: aparece
um instrumento para moer o trigo, usando para tal as forças
naturais: primeiro animais e depois o vento e a água. A roda se
torna o modelo de todos os movimentos de rotação, a norma de
explanação e o símbolo supra-humano de poder, nas ciências e
nas artes. O Sol é uma biga, o próprio céu é uma roda, desde os
tempos em que os babilônios e gregos mapearam o movimento do
firmamento estrelado. Para a ciência moderna o movimento natu­
ral (movimento não perturbado) segue uma trajetória retilínea;
mas para a ciência grega o movimento natural (isto é, inerente à
natureza), e portanto perfeito, seguia a trajetória do círculo.
Ao tempo em que Josué ameaçava Jericó, por volta de 1400
a.c., os engenheiros mecânicos da Suméria e da Assíria adapta­
ram a roda à forma de polia de puxar água. Ao mesmo tempo
desenvolveram grandes projetos de irrigação. Suas torres de ele­
vação ainda sobrevivem tais quais pontos de exclamação na
paisagem da Pérsia. Elas atingem noventa metros de profundi­
dade, onde alcançam os qanats ou rede de canais subterrâneos,
em um nível em que o lençol de água natural está protegido da
28 evaporação. Três mil anos após sua construção as mulheres da
A roda e o eixo vila de Khuzistan ainda obtêm dos qanats as quotas de água que
representam a raiz
dupla da qual
lhes vão permitir levar a cabo os mesmos afazeres domésticos
nascem as invenções. das antigas comunidades.
Modelo de cobre de Os qanats são construções que representam o produto.de uma
um carro de guerra.
Mesopotâmia. civilização urbana e, portanto, subentendem a existência de leis
c. 2800 a. C. regulando os direitos de uso da água, de posse da terra e outras
Mosaico romano
exibindo um carro
relações sociais. Em uma comunidade agrícola (as grandes fazen­
com rodas sólidas. das coletivas da Suméria, por exemplo), o sentido da lei tem 77
A Escalada do Homem

caráter diferente daquele de uma lei nômade sobre o roubo de


cabras e ovelhas. Agora, a estrutura social é mantida através de
leis dirigidas a assuntos que afetam a comunidade como um todo:
o acesso à terra, a concessão e o controle do direito de uso da
água, o direito de usar e trocar aquelas preciosas construções das
quais dependem as colheitas sazonais.
A esta altura o artesão já conquistou o status de inventor. Ao
incorporar princípios mecânicos básicos em ferramentas elabo­
radas cria, de fato, as precursoras das máquinas. Exemplos destas
são tradicionais no Oriente Médio. O torno-de-arco, por exemplo,
usa um esquema clássico de transformação de movimento linear
em rotatório. A engenhosidade do esquema consiste no enrolar
um cordão em um tambor e amarrar suas pontas às extremidades
de uma espécie de arco de violino. A peça de madeira a ser
trabalhada é fixada ao tambor que gira de acordo com os
movimentos ritmados do arco, enquanto a madeira é cortada
com o auxílio de um formão. O instrumento data de alguns
milhares de anos, mas eu o vi sendo usado por ciganos, no fabrico
78 de pernas de cadeiras, em um bosque inglês em 1945.
As Colheitas Sazonais

29 A máquina c um dispositivo que aproveita o poder da natureza.


0 torno-de-arco Isto c verdade tanto para o simplcrrimo fuso usado pelas mulheres
representa um dos
esquemas clássicos bakhtiari, como para o histórico primeiro reator nuclear e toda
no sentido de a sua progênic. Contudo, à medida que a máquina foi utilizando
transformar um
movimento linear fontes de energia cada vez mais poderosas, ela foi-se desvin­
emrotatório. culando de sua utilidade natural. Como, em sua forma atual, a
Carpiiifeiros de
meados do século máquina passou a representar uma ameaça para nós?
dezenove.
trabalhando com
O fulcro dessa questão está na escala do poder que a máquina
torno-de-arco. pode gerar. Coloquemos o problema em forma de alternativas:
índia Central. o poder da máquina está dentro da escala de trabalho para a qual
foi designada ou, então, c aquele tão desproporcional a ponto
dela poder dominar o usuário e distorcer sua utiiidade? Assim
enunciada, a questão tem suas origens em um passado longínquo;
tudo começou quando o homem disciplinou uma força muito
maior que a sua própria: a força animal. Toda máquina c uma
espécie de animal de tiro —mesmo o reator nuclear. Ela aumenta
o rendimento que o homem vem obtendo da natureza desde os
primórdios da agricultura. Portanto, cada máquina reaviva o
dilema original: a produção de energia responde à demanda da
sua utilização específica, ou sua disponibilidade excede os limites
da sua utilização construtiva? O conflito dessas escalas de poder
já estava presente na gênese da história humana.
A agricultura representa uma parte da revolução biológica; a do­
mesticação e o treino de animais, a outra. A domesticação se
desenvolve em uma seqüência ordenada. O cão foi o primeiro,
talvez mesmo antes de 10000 a.C. Depois vieram os animais de
abate, começando pelas cabras e ovelhas. Seguiram-se os animais
de carga, representados por espécies de jumentos selvagens. Os
animais aumentam a produção muito além do que consomem.
Mas isso é verdadeiro apenas na medida em que os animais
permanecem modestamente nas funções produtivas a eles desti­
nadas, isto é, como servos no trabalho agrícola.
À primeira vista não era esperado que os animais domésticos
representassem, eles mesmos, uma ameaça às reservas de grãos,
essencial à sobrevivência de uma comunidade sedentária. Isso c
surpreendente porque são justamente o boi e o jumento que
permitiram acumular essas reservas. (O Velho Testamento reco­
menda cuidadosamente que lhes sejam dispensados bons tratos;
por exemplo, proíbe ao camponês atrelar boi e jumento a um
mesmo arado, uma vez que esses animais trabalham em passos
A Escalada do Homem

diferentes.) Mas, em torno de cinco mü anos atrás surge um As 30 hordas móveis


,
outro animal de tração - o cavalo. Este último é desproporcio­ transformaram a
nalmente mais rápido, mais forte e mais dominador do que todos organização da
os seus antecessores. E, daqui para a frente, vai se constituir na batalha.
Cavalaria mongol de
ameaça aos estoques alimentares da comunidade. Jami’al-Tawarikh,
Tal qual o boi, o cavalo começou puxando carros de rodas - Conquistador
"A História do
mas, logo ganhou em esplendor ao ser atrelado a charretes nas Mundo ", do
paradas reais. Então, mais ou menos em 2000 a.c., o homem 1306 completada em
aprendeu como montá-lo. No seu tempo essa invenção deve ter Rashida.C.alDin, por
vizir
parecido tão surpreendente quanto a das máquinas voadoras. eOljeitu escriba junto à
Inicialmente o cavalo era um animal pequeno e, como o lhama Tropas Khan. atravessando
da América do Sul, não agüentava carregar um homem em seu invasão um rio durante a
lombo por muito tempo. Portanto, foi preciso desenvolver uma Índia. mongol da
variedade maior e mais robusta. O uso regular do animal de sela
começa em tribos nômades criadoras de cavalos. Eram homens
da Ásia Central, Pérsia, Afganistão e além; no Ocidente eram
chamados citas, denominação coletiva para uma criatura desco­
nhecida e aterrorizadora, um fenômeno da natureza.
Note-se que, para o espectador, o cavaleiro é mais do que um
homem: ele olha altaneiro para os outros e se movimenta com
um poder impressionante, deixando à margem o mundo vivente.
Tendo domado plantas e animais para seu uso, ao montar o cavalo
o homem realizou muito mais do que um simples gesto, ele esta­
beleceu um símbolo de domínio sobre toda a criação. Em tempos
históricos temos um exemplo desse fato representado pelo pavor
e desconcerto causado nos exércitos do Peru pelos cavaleiros
espanhóis que os conquistaram em 1532. Assim, muito antes, os
citas haviam representado esse terror, vencendo os povos ainda
desconhecedores da técnica de montar. Para os gregos o cavaleiro
cita era uma só criatura (sintetizando homem e cavalo), e daí
surge a lenda do centauro. Na verdade, aquele outro híbrido
humano da imaginação grega, o sátiro, era, originalmente, não
meio bode, mas, sim, meio cavalo; tão profundo foi o impacto
do tropel dessas criaturas vindas do Leste.
Não nos é possível, hoje, reconstruir o terror que o cavalo
montado imprimiu, em sua primeira aparição, nos povos do
Oriente Médio e do Leste Europeu. Há aí uma diferença de escala
que só pode ser comparada à chegada dos tanques na Polônia
em 1939, arrasando tudo que encontravam pela frente. De minha
parte, acredito que a importância do cavalo na história européia
80 tem sido subestimada. Em um certo sentido, a guerra como uma
Vf-LJi»?4^iu iLa
g.-at-:.
A Escalada do Homem

atividade nômade foi iniciada com o cavalo. Essa foi a contribui­ Ao31
ção dos hunos, depois dos frígios e, ainda depois dos mongóis, citas,verososgregos
cavaleiros
até atingir um clímax muito mais tarde sob a égide de Genghis tomaram cavalo e
cavaleiro como
Khan. As hordas móveis transformaram particularmente a orga­ fonnando um ser
nização da batalha. Eles concebiam a estratégia de guerra de único; a partir desse
forma diferente - uma estratégia semelhante a disputas ou jogos fato é que
inventaram a lenda
guerreiros; e como os guerreiros gostam de jogar! do centauro.
A estratégia das hordas móveis depende de manobras, de co­ decorado,
Vaso grego
municações rápidas, e de deslocamentos táticos estudados, os Centauros c.560 e uma
a.C.
quais podem ser organizados em diferentes seqüências, mantendo formação armada.
a surpresa dos ataques. Os resquícios dessa prática permanecem
representados nos jogos bíblicos de origem asiática, ainda hoje
apreciados, como o xadrez e o pólo. Para os vitoriosos a estratégia
de guerra é sempre tomada como uma espécie dejogo. Ainda hoje
é praticado no Afganistão um jogo, o Buz Kashi, que tem suas
origens nas competições eqüestres introduzidas pelos mongóis.
Os homens que participam do jogo do Buz Kashi são profissio­
nais - o que significa que são empregados, e tanto eles como os
cavalos são treinados e mantidos unicamente para as glórias da
vitória. Em grandes ocasiões cerca de trezentos homens, de dife­
rentes tribos, participavam da competição;já fazia vinte ou trinta
anos que isso não acontecia, até que nós organizamos uma.
Os participantes do Buz Kashi não formam equipes. A finali­
dade da competição não é confrontar grupos, mas, sim, consagrar
um campeão. Há campeões famosos do passado que são reveren­
ciados. O presidente desta competição foi um campeão no
passado. Ao presidente compete transmitir as ordens através de
um imediato, que pode ser um beneficiário do jogo, embora
menos importante. Esperaríamos ver uma bola, mas, fazendo as
vezes dela, o que encontramos é um bezerro decapitado. (Essa
brincadeira macabra diz alguma coisa a respeito do caráter do
jogo: é como se os cavaleiros estivessem se divertindo com o
alimento dos camponeses.) A carcaça pesa uns vinte quilos, e deve
ser arrebatada e defendida contra as investidas dos outros, à
medida que é levada através de dois estágios. O primeiro consiste
em levar a carcaça até a haste de uma bandeira às margens do
campo e contorná-la. O estágio crucial é a volta; constantemente
assediado, o cavaleiro tem de atingir o gol, que é um círculo
marcado no centro do campo, bem no meio da confusão.
O jogo é ganho quando o primeiro gol é marcado, assim, não
82 há tréguas. fito não chega a ser um evento esportivo;asregras não
32
Ainda hoje é praticado no
Afganistão um jogo, o Buz
Kashi, que tem suas origens
nas competições eqüestres
introduzidas pelos mongóis.

>1 Â
i.
toãi '
1
ÈÊLm
A Escalada do Homem

tocam em lealdade e respeito entre competidores. As táticas são li


essencialmente mongóis; uma disciplina de truques: o aspecto
surpreendente desse jogo foi o mesmo que confundiu os exércitos
inimigos dos mongóis; aquilo que mais parece um tropel bárbaro
e indisciplinado é, na realidade, cheio de manobras e termina em
um repente, quando o vencedor dispara desimpedido para o
círculo central.
Tem-se a impressão de que o envolvimento emocional, toda a
excitação, vem da platéia e não chega a atingir os cavaleiros. Estes
se mostram atentos mas frios; cavalgam de forma brilhante mas
rude, e estão absorvidos não nojogo mas, sim, na vitória. Termi­
nado o jogo, o campeão se deixa envolver pela excitação geral. Ele
. deve solicitar a confirmação do gol ao presidente, uma vez que,
mesmo nessa confusão, o esquecimento dessa atitude cavalhei­
resca pode invalidar o gol. Felizmente o presidente confirma o
resultado.
O Buz Kashi é um jogo guerreiro. O que o torna eletrizante é
a ética eqüestre: cavalgar como num passe de guerra. Expressa a
cultura monomaníaca da conquista; o predador se portando
como herói porque ele cavalga o redemoinho. Mas o vento é
vazio. Cavalo ou tanque, Genghis Khan ou Hitler ou Stalin só
podem existir montados no trabalho de outros homens. Em seu
papel histórico de guerreiro o nômade ainda é um anacronismo, 33
e pior que isso, em um mundo que descobriu, nos últimos doze Platô de Sultaniyeh
mil anos, ser a civilização uma obra de povos sedentários. na Pérsia, alto,
castigado pelo vento
e inóspito, onde se
Subjacente a toda a extensão deste ensaio esteve sempre presente frustrou a última
tentativa de se
o conflito entre nomadismo e sedentarismo como estilos de vida. estabelecer a
Assim, à guisa de epitáfio, seria apropriado irmos até o alto, inós­ supremacia do
pito e castigado pelo vento platô de Sultaniyeh na Pérsia onde modo devida
nômade.
se frustrou a última tentativa da dinastia mongol de Genghis Khan Túmulo de Oljeitu
de consolidar a supremacia da vida nômade. Deve-se notar que a Khan, quinto na
linhagem de
invenção da agricultura há doze mil anos, por si só, nem estabe­ Genghis Khan,
leceu e nem confirmou a vida sedentária. Ao contrário, a domes­ governador das
terras persas de
ticação de animais, que foi um produto da agricultura, contribuiu 1304 a 1316 sob o
para revigorar a economia nômade: a domesticação de cabras e império mongol.
A página mostrada é
ovelhas e depois, mas principalmente, a domesticação do cavalo. uma dedicatória a
Este animal deu a base do poder às hostes mongóis de Genghis Oljeitu em um
manuscrito do
Khan, e possibilitou a organização para conquistar a China, os Alcorão, datado
86 Estados islâmicos e chegar às portas da Europa Central. de 1310.
A Escalada do Homem

Genghis Khan era um nômade e inventor de uma poderosa


máquina de guerra —essa conjunção pode esclarecer muita coisa
sobre as origens da guerra na história humana. É claro que pode­
mos cerrar os olhos à história e ir especular sobre algum instinto
animal como responsável pela gênese desses conflitos: como se
nós, à semelhança do tigre, ainda tivéssemos de matar para viver
ou, tal qual o sabiá-laranjeira, defender o território do ninho. Mas
a guerra, a guerra organizada, não é um instinto humano. Ela
representa muito mais uma forma altamente organizada de coope­
ração para o roubo. E essa forma de roubo se iniciou há dez mil
anos quando os agricultores acumularam reservas de alimentos,
e os nômades assomaram do deserto com o objetivo de conseguir
aquilo que, por eles mesmos, não podiam produzir. Evidência
para isso encontramos nas muralhas de Jericó e em sua torre
pré-histórica. Esse foi o começo da guerra.
Genghis Khan e sua dinastia mongol trouxeram até o nosso
milênio a pilhagem como meio de vida. De 1200 e 1300 d.C.
viu-se a última tentativa de se estabelecer o domínio do salteador
que nada produz sobre o camponês que não tinha para onde
fugir. Em seu modo irresponsável, o nômade vinha apropriar-se
das reservas acumuladas da agricultura.
Entretanto, a tentativa falhou. Falhou principalmente porque
os mongóis nada puderam fazer senão assimilar os costumes dos
povos por eles conquistados. Tendo dominado os muçulmanos,
eles próprios se converteram ao islamismo. Acabaram por se
estabelecer em comunidades porque a pilhagem, a guerra, não
são estados permanentes que possam ser mantidos. É fato que
os ossos de Genghis Khan ainda foram espalhados entre seus
seguidores através dos campos. Mas seu neto, Kublai Khan, já
era um construtor e monarca estabelecido na China; vocês se
lembram do poema de Coleridge;
Em Xanadu, de fato, Kublai Khan
Majestosa mansão mandou construir.

O quinto dos sucessores de Genghis Khan foi o sultão Oljeitu,


que veio a este tenebroso planalto pérsico a fim de construir
uma nova cidade-capital, Sultaniyeh; o que resta de seu próprio
mausoléu foi, mais tarde, modelo para grande parte da arquite­
tura islâmica. Oljeitu era um monarca liberal e para cá trouxe
88 homens de todas as partes do mundo. Era inicialmente cristão,
As Colheitas Sazonais

tornou-se budista e, mais tarde, maometano e tentou, realmente,


criar as condições para que sua corte fosse internafional. Essa
foi uma contribuição importante dos nômades para a civilização;
recolheram culturas dos quatro cantos do mundo, juntaram-nas,
misturaram-nas e então, mandaram-nas de volta para fertilizar a
terra.
A ironia da derradeira proposição dos nômades mongóis para
o poder está no fato de, ao morrer, Oljeitu ser conhecido como
Oljeitu, o Construtor. A agricultura e o modo de vida por ela
criado formavam agora um degrau sólido da escalada do homem,
instalando uma nova forma de harmonia entre os homens, que
iria frutificar no futuro: a organização urbana.

89
3 A DA PEDRA

Na mão
Tomou o compasso dourado, da fábrica
Eterna de Deus, para circunscrever
O Universo, e todas as coisas criadas:
Uma ponta pousou, e a outra girou
À volta da vasta escuridão profunda,
E disse: eis a tua extensão, os teus limites,
Seja esta a tua Circunferência, Ó Mundo.
Milton, Paraíso Perdido, Livro VII

John Milton descreveu e William Blake desenhou a formação da


Terra por um único movimento rápido do Compasso de Deus.
Mas essa é uma imagem excessivamente estática dos processos
naturais. A existência da Terra data de mais de quatro bilhões
de anos. Ao longo desse tempo ela tem sido plasmada e transfor­
mada por dois tipos de ações. Forças ocultas no interior da terra
têm consolidado as camadas, elevado e deslocado as massas
rochosas. Na superfície, a erosão da neve, da chuva, da tempes­
tade, dos rios e dos oceanos, o sol e o vento, esculpiram a
arquitetura natural.
O homem também acabou se tornando arquiteto do seu meio
ambiente, mas ele não comanda forças tão poderosas quanto as
da natureza. Seu método tem sido seletivo: uma abordagem
intelectual na qual a ação depende do entendimento. Eu escolhi
acompanhar sua história tomando por base as culturas do Novo
Mundo, que são mais recentes do que as da Europa e da Ásia.
34 Meu primeiro ensaio teve como objeto a África Equatorial,
John Milton porque foi aí que o homem começou; e o segundo ensaio sobre
descreveu, e William o Oriente Médio, porque aqui nasceu a civilização. Entretanto,
Blake desenhou, agora, já é tempo de lembrar ter o homem alcançado outros
a formação da
Terra por ^ único
movimento rápido
continentes em sua longa caminhada através da Terra.
do Compaso de O Canyon de Chelly que, sem interrupção, desde o nascimento
Deus. de Cristo, tem sido habitado por uma tribo de índios após °utra,
AqtUilela de
Wil m Blake de mostra os mais antigos vestígios da presença humana na América
1794 para o do Norte. Na frase espirituosa de Sir Thomas Browne: “Enquanto
frontispício de
Europa, uma
na A mérica os caçadores estão acordados, na Pérsia, já passaram
profecia. pelo primeiro sono”. Por volta do nascimento de Cristo os 91
A Escalada do Homem

caçadores estavam se preparando para a agricultura no Canyon


de Chelly, ensaiando os mesmos passos já percorridos no Cres­
cente Fértil do Oriente Médio, ao longo da escalada do homem.
Qual a razão do grande atraso para o início da civilização no
Novo Mundo em relação ao Velho? Evidentemente porque o
homem chegou mais tarde ao Novo Mundo. Chegou antes da
invenção do barco; o que implica uma travessia por terra,
através dos estreitos de Bering, quando estes ainda formavam
uma extensa ponte de terra durante a última glaciação. Indícios
glaciológicos apontam dois períodos possíveis para a caminhada
do homem, desde os promontórios do extremo leste do velho
Mundo, para além da Sibéria, até a desolação rochosa do Oeste
do Alaska, no Novo. Um período entre 28000 a.c. e 23000 a.C.,
e o outro entre 14000 a.c. e 10000 a.C. Depois disso, as
torrentes do degelo da última glaciação novamente elevaram o
nível do mar uma centena de metros, fechando, assim, a porta
às migrações para o Novo Mundo.
Dessa maneira, o homem veio da Ásia para a América entre
trinta e dez mil anos atrás, e essa transferência não se deu,
necessariamente, de uma só vez. Há sinais arqueológicos (locais
pré-históricos e ferramentas) de que duas correntes distintas de
cultura chegaram à América, Além disso, e parece-me ainda
mais significativo, há indícios biológicos sutis, mas persuasivos,
que só posso interpretar como significando que o homem veio
em duas pequenas migrações sucessivas.
As tribos indígenas das Américas do Norte e do Sul não são
portadoras de todos os grupos sangüíneos encontrados em
outras populações. Esse inesperado capricho biológico pode
revelar-nos algo sobre a ascendência dessas tribos. A natureza
da transmissão genética dos grupos sangüíneos é tal que, anali­
sada em uma grande população, pode fornecer dados sobre o
passado genético. A ausência total do grupo sanguíneo A em
uma população implica, com certeza quase absoluta, a não- 35
-existência de ancestrais portadores desse grupo sangüíneo; o OCheUyCanyon de
mesmo acontece em relação ao grupo sangüíneo B. Na América ^Arizonanoé um vale
isto é o que de fato acontece. As tribos das Américas Central e secretivo e
do Sul (do Amazonas, dos Andes e da Terra do Fogo) pertencem Fotografio de T. H.
inteiramente ao grupo sangüíneo O; o mesmo acontece com Sullivan de 1873
algumas tribos da América do Norte. Outras tribos, entre elas dedenominada
ruínas pueblas,
92 os sioux, os chippewa e os pueblos, são portadoras de grupo “A Casa Branca”.
-S |F '^ ~ 7 *^ ã
i I c í» + .''# à ? * * |J . ^
- ' t \ , \ , ■
1 - J K i'M .^ \ B Tr '■ v~
^ -'U
. '•'
j •'.- - - -^S. trí - TÍJ^*«
^
A Escalada do Homem

sanguíneo O, com uma mescla de dez a quinze por cento de


grupo sangüíneo A.
Em resumo, a evidência é a de que não há grupo sangüíneo
B representado na América, como acontece em outras partes
do mundo. Nas Américas Central e do Sul toda a população
indígena original é do grupo sangüíneo O. Na América do
Norte estão representados os grupos sangüíneos O e A. Não me
ocorre nenhuma outra forma sensata de interpretar esses achados,
a não ser supondo uma primeira migração de um grupo modesto
e aparentado (todos de grupo sangüíneo O) que, chegando à
América se multiplicou, espalhando-se em direção ao Sul. Uma
segunda migração, ainda de pequenos grupos, mas, agora, de 36
A Natureza esconde
portadores de grupos sangüíneos A somente, ou de A e O. Estes seus segredos ao
últimos se fixaram na América do Norte apenas, e, por assim homem quando ele
lhe impõe essas
dizer, seriam mais recentes. formas cálidas,
A agricultura do Canyon de Chelly reflete essa chegada tardia. roliças, femininas e
artísticas.
Embora o müho já fosse cultivado há muito tempo nas Américas Pote pueblo em
Central e do Sul, aqui ele só aparece no início da era cristã. O forma de coruja.
povo é muito despojado, não tem casas e vive em cavernas. Por Período cesteiro,
século VIII.
volta de 500 d.C. aparece a cerâmica. As choças eram cavadas Pote pueblo,
nas paredes das cavernas, tendo por cobertura tetos de barro século VIU.
moldado ou de adobe. Até cerca do ano 1000 d.e. o Canyon
permaneceu imutável nesse estágio, quando a grande civilização
pueblo chega com os tijolos de pedra.
Note-se que estou traçando uma nítida linha separando a arqui­
tetura baseada na moldagem e aquela resultante de ajustamento
de partes distintas. Essa distinção pode parecer simplória, entre
casa de barro e casa de tijolo de pedra. Na realidade isso repre­
senta uma diferença intelectual fundamental, e não apenas
tecnológica. Sempre que o homem a conseguiu, essa distinção
representou o mais importante passo na sua evolução: trata-se
aqui de diferenciar a ação manipulatória da mão da sua capacidade
de dividir e analisar partes de um todo.
Tomar uma quantidade de barro e moldá-lo na forma de uma
bola, de uma estátua, de uma caneca ou de uma choupana,
parece-nos a coisa mais natural do mundo. À primeira vista
poderíamos pensar que esse molde foi tirado de uma forma da
natureza. Entretanto, isso não é verdade. O molde veio do
homem. O pote não representa senão a concavidade da mão em
94 concha; a choupana reflete a ação modeladora do homem. E a
A Textura da Pedra

natureza esconde seus segredos ao homem quando ele lhe impõe


essas formas cálidas, roliças, femininas e artísticas. Nada mais é
refletido do que a forma da própria mão.
Uma outra ação da mão humana é diferente e oposta. Acontece
quando ela racha madeira ou quebra pedra; essas ações (com
ajuda de ferramentas) exploram além da aparência superficial
das coisas e, portanto, se tornam instrumentos de descobertas.
Há um grande avanço intelectual no ato de rachar um pedaço
de madeira ou de rocha, desnudando à análise a forma que a
natureza lhes havia imposto. Os pueblos deram esse passo nos
penhascos de rocha vermelha que se elevam a trezentos metros
nas construções do Arizona. Os estratos tabulares ali estavam
para serem cortados e os blocos foram assentados em planos
semelhantes àqueles do Canyon de Chelly.
Desde tempos remotos o homem vinha trabalhando diferentes
tipos de rocha no fabrico de ferramentas. Algumas vezes a rocha
tinha uma textura natural; algumas vezes o ferramenteiro, apren­
dendo a maneira exata de golpear a pedra, criava as linhas de
clivagem. A idéia deve ter surgido, em primeiro lugar, do trabalho
de rachar madeira, porque esta tem uma estrutura visivelmente
fácil de ser aberta no sentido longitudinal das fibras, mas difícil
de lascar no sentido transversal. Assim, a partir desse modesto
começo, o homem é agraciado com uma visão reveladora das
leis da composição das estruturas. A mão já não mais se impõe
às formas das coisas. Pelo contrário, ela se torna um instrumento
que à descoberta alia o prazer, no qual a ferramenta transcende
o seu uso imediato, penetrando e arrancando do material os
segredos das qualidades que estavam ocultos no seu bojo. À
semelhança do lapidador que trabalha o cristal, descobrimos as
leis secretas da natureza na estrutura interna da matéria.
A descoberta de uma ordem subjacente à estrutura da matéria se
constitui no conceito humano básico para posteriores explorações
da natureza. A arquitetura das coisas revela uma estrutura sob a
aparência, uma textura que, quando desnudada, torna possível
isolar as diferentes conformações naturais e reagrupá-las em
múltiplas combinações. Na escalada do homem isto representa
para mim o passo que marca o início da ciência teórica. Tal aqui­
sição é pertinente tanto à maneira pela qual o homem concebe
sua própria comunidade como ao seu conceito da natureza. 95
A Escalada do Homem

37
Nós, seres humanos, somos agrupados em famílias, as famílias Ruas
em grupos de parentesco, os grupos de parentesco em clãs, os cidadedeuma que
clãs em tribos e as tribos em nações. O senso de hierarquia, de jamais
nenhum de nós
uma pirâmide na qual uma camada se superpõe à outra, manifes­ culturaviu, que
em uma
ta-se no modo como olhamos a natureza. As partículas elemen­ desapareceu.
tares formam núcleos, os núcleos se agrupam em átomos, os Junções sem
argamassa e faces
átomos em moléculas, estas em bases amídicas e as bases dirigem almofadadas
a combinação de ácidos aminados que, por sua vez, se combinam construções
caracterizam as
para formar proteínas. Encontramos de novo, na natureza, algo pedra incas. de
que parece corresponder profundamente à maneira pela qual Página seguinte:
nossas relações sociais nos congregam. Machu Picchu, Vale
Urubamba, Andes
O Canyon de Chel1y é uma espécie de microcosmo de culturas, Orientais, Peru.
e seu clímax foi atingido quando os pueblos construíram as aoO pico montanhoso
fundo, Huayna
grandes estruturas, pouco depois do ano 1000 d.C. Elas repre­ Picchu alcança 4.500
sentam, não apenas um tremendo conhecimento da natureza do metros.
trabalho com a pedra, mas, também, de relações humanas; tanto
aqui como em outras localidades, os pueblos construíram cidades
em miniatura. As habitações nos penhascos às vezes se sobrepu­
nham em cinco ou seis andares, os pisos superiores apresentando
recessos em relação aos inferiores. O bloco frontal acompanhava
o plano do penhasco, mas os fundos se insinuavam para dentro
da rocha. Esses grandes complexos arquitetônicos chegavam a
atingir uma área construída de dez a quinze mil metros quadrados,
abrigando quatrocentos ou mais aposentos.
Pedras constroem paredes, paredes constroem casas, casas
formam ruas e ruas, cidades. Uma cidade é pedra e gente; mas
não é apenas pedras empilhadas e gente amontoada. Na passagem
da vila para a cidade surge uma nova organização comunal,
baseada na divisão de trabalho e em hierarquias de comando. Ao
andarmos pelas ruas de uma cidade desconhecida, de uma cultura
extinta, essa noção aflora claramente.
Na América do Sul, nas partes mais elevadas dos Andes, Machu
Picchu se encima a dois mil e quinhentos metros de altura. Foi
construída no auge do Império Inca, por volta de 1500 (quase
exatamente ao tempo em que Colombo tocava as Índias Ociden­
tais), quando o planejamento urbano representava uma de suas
maiores conquistas. Ao conquistar e saquear o Peru em 1532, os
espanhóis, por assim dizer, não tomaram conhecimento de
Machu Picchu e suas cidades irmãs. Passaram, então, quatrocentos
96 anos de esquecimento até que, no inverno de 1911, Hiram
A Escalada do Homem

Bingham, um jovem arqueólogo da Universidade de Yale, tro­


peçou em suas ruínas. Os séculos de abandono a haviam despo­
jado a ponto de parecer restos de um esqueleto. Mas esse esqueleto
de cidade contém a estrutura fundamental de toda a civilização
urbana, em todas as eras e em todos os cantos do mundo.
Uma cidade pressupõe a existência de uma infra-estrutura de /
t
terra que lhe garanta a subsistência através de uma rica produção
agrícola; assim, a infra-estrutura visível da civilização inca era o
cultivo de terraços. É claro que atualmente esses terraços raspados
nada mais produzem senão capim; mas, aqui, já se cultivou a
batata (que é nativa do Peru) e o milho, que agora nativo, tinha
sido trazido do norte. Além disso, como esta era uma cidade
destinada a cerimônias, certamente muitas especiarias tropicais
eram cultivadas para a estada dos incas que para aqui acorriam.
Entre elas está a coca, uma espécie de erva inebriante que só à
aristocracia inca era permitido mascar e da qual extraímos a
cocaína.
O coração de uma cultura em terraços é o sistema de irrigação.
E isso foi desenvolvido pelos impérios pré-incaico e inca; ele
percorre os terraços através de canais, aquedutos e profundas
ravinas, em direção ao Pacífico, pelo deserto afora, fazendo-o
florescer. O solo é tão fértil quanto o do Crescente Fértil e,
portanto, a sua produtividade dependia do controle sobre a
fonte de água. Assim, aqui no Peru, a civilização inca foi cons­
truída sob a égide do controle da irrigação.
Um sistema de irrigação que se estende por todo um império
requer uma forte autoridade central. Foi assim na Mesopotâmia.
Foi assim no Egito. Foi assim no Império Inca. Isso significa que
esta cidade e todas as cidades da região possuem uma base de
comunicação invisível por meio da qual a autoridade podia estar
presente e audível em toda parte, de modo a enviar ordens do
centro para a periferia e receber informações no sentido inverso.
Três invenções sustentaram a organização autoritária: as estradas,
as pontes (numa região selvagem como esta), as mensagens. Ao
inca elas chegavam e dele elas irradiavam. Esses são os laços que
mantêm a ligação de qualquer cidade com outra, mas, aqui, nesta 38
cidade, notamos, imediatamente, a existência de diferenças. As mensagens
Em um grande império, estradas, pontes e mensagens consti­ sob a formaao deinca
chegavam
tuem sempre invenções avançadas, posto que, uma vez interrom­ dados numéricos
pidas, a autoridade se desorganiza e desaparece - em tempos marcados em
pedaços de cordões
100 modernos elas têm sido os alvos preferidos dos revolucionários. chamados quipus.
A Textura da Pedra

Sabemos que os incas dispensavam grandes cuidados a elas.


Entretanto, nas estradas não havia carros, sob as pontes não se
notavam arcos e as mensagens não eram escritas. A cultura
incaica ainda não tinha feito essas descobertas no ano 1500. Essas
são as razões por que a civilização na América se iniciou com um
atraso de alguns milhares de anos, e foi conquistada antes de
poder realizar todas as invenções do Velho Mundo.
É estranho o fato de uma civilização capaz de transportar
enormes blocos de rocha para construções, rolando-as sobre
toras de madeira, não ter inventado a roda; nós nos esquecemos
de que o fundamental a respeito da roda é o eixo fixo. Além
disso, também é de se estranhar a construção de pontes suspensas
sem o auxílio de arcos. Mas, mais estranhável ainda, é a existência
de uma civilização que mantinha cuidadosos registros de infor­
mações numéricas e, no entanto, não chegou a escrevê-las - o
inca era tão analfabeto quanto os mais pobres dos seus cidadãos
ou os aventureiros espanhóis que os destruíram.
As mensagens chegavam ao inca sob a forma de dados numé­
ricos marcados em pedaços de cordões chamados quipus. O
quipu registra apenas números (na forma de nós, em um arranjo
semelhante ao nosso sistema decimal) e eu, sendo matemático,
sinceramente gostaria de poder dizer que os números são um
simbolismo tão humano e informativo quanto as palavras; mas
eles não o são. Os números que descreviam a vida de um homem
no Peru eram coletados em uma espécie de cartão perfurado ao
reverso, um cartão de computador em braille, organizado sob a
forma de nós em um barbante. Quando casava, seu cordão era
ajuntado a um outro chicote familiar. Todo tipo de coisas
pertencentes aos exércitos incas ou estocados em seus silos e
despensas eram registradas nos quipus. O fato é que o Peru já
personificava a terrificante metrópole do futuro, o armazém de
memória no qual o Império organiza os atas de cada cidadão,
mantém-no, atribui-lhe tarefas, e registra tudo impessoalmente,
através de números.
Era uma estrutura social extremamente fechada. Cada um
tinha seu lugar; cada um recebia sua subsistência; e cada um -
camponês, artesão ou soldado - trabalhava para um homem, o
Inca supremo. Este, era o chefe civil do Estado e também a
encarnação religiosa da divindade. Os artesãos que graciosamente
esculpiram a pedra a fim de representar a aliança simbólica
entre o Sol e seu deus e rei, o Inca, trabalhavam para o Inca. 101
A Escalada do Homem

Assim sendo, tratava-se, necessariamente, de um império 39 acabamento dos


extraordinariamente frágil. Em menos de cem anos, a partir de No
1438, os incas conquistaram quatro mil e oitocentos quüômetros templos gregos estão
presentes os ângulos
de costa, em quase toda a extensão entre o Pacífico e os Andes. retos e os pórticos
quadrados.
A despeito disso, em 1532, um aventureiro espanhol semi-anal­ Templo de Poseidon
fabeto, Francisco Pizarro, cavalgou para o Peru com não mais dano Itália.
Paestum, ao sul
A
do que sessenta e dois terríveis cavalos e cento e sessenta soldados sobreposição de
a pé, e, da noite para o dia, conquistou o grande império. Como? artifício
colunas é um
Simplesmente capturando o Inca e, assim, decapitando a pirâmi­ leveza à para dar
estru tura.
de. A partir desse momento o império ruiu, e as cidades, as lindas
cidades, se quedaram inermes à mercê dos pilhadores de ouro e
dos abutres.
A Textura da Pedra

Mas, certamente, a cidade representa mais do que uma autori­


dade central. O que é uma cidade? Uma cidade é povo. Uma
cidade tem vida. Representa uma comunidade sustentada por
uma infra-estrutura agrícola, mas muito mais rica do que uma
vila, a tal ponto que pode prover todas as categorias de artesãos
e torná-los especialistas em suas profissões.
Os especialistas desapareceram, suas obras foram destruídas.
Os construtores de Machu Picchu - o ferreiro, o artesão de cobre,
o tecelão, o oleiro - foram roubados. Os tecidos apodreceram,
o bronze pereceu e o ouro foi levado. O que restou foi o trabalho
dos pedreiros, o lindo artesanato dos homens que construíram a
cidade - pois a cidade nasceu das mãos dos artesãos e não da
A Escalada do Homem

dos incas. Mas é natural que, se você trabalha para o Inca (ou As40 limitações físicas
para qualquer outro homem), as idiossincrasias dele dirijam seus da pedra não
atos, e você nada inventa. No ocaso do império, esses homens puderam ser
superadas senão
ainda utilizavam os dormentes; eles não chegaram a inventar a através
arcada. J:,sta é a medida do atraso entre o Novo e o velho Mundo, invenção.de uma nova
uma vez que esse é exatamente o ponto atingido dois mil anos fotoelásticos
Modelos
antes pelos gregos, que aí também pararam. mostrando linhas
de igual tensão nas
colunas^com^
No Sul da Itália, Paestum foi uma colônia grega cujos templos -travessa e nos arcos.
A tensôo aumenta
são mais antigos do que o Partenon: cerca de 500 a.c. Seu rio abruptamente na
foi-se sedimentando, e hoje monótonas bacias de sal separam-no face interna dil
travessa. N o arco a
do mar. Mas sua glória ainda é espetacular. A despeito de ter tensôo é
sido saqueada pelos piratas sarracenos no século IX e pelos distribuída de
cruzados no XI, Paestum, em ruínas, é uma das maravilhas da maneira mais
uniforme.
arquitetura grega.
Paestum é contemporânea ao surgimento da matemática grega;
exilado, Pitágoras ensinou em Crotona, uma outra colônia grega
não muito longe daqui. À semelhança da matemática peruana de
dois mil anos mais tarde, no acabamento dos templos gregos estão
presentes os ângulos retos e os pórticos quadrados. Os gregos
também não inventaram a arcada, e, dessa maneira, seus templos
são avenidas congestionadas de pilares. A aparência de amplidão
surge com as ruínas, mas, na realidade, são monumentos com
pouco espaço de circulação. Isto se deve ao fato de a ampliação
se dar pela adição de travessas retas e, neste caso, cada vão é
limitado pelo comprimento da viga e pelo peso que ela pode
suportar.
Tendo-se uma viga apoiada em duas colunas, a análise compu­
tacional mostra que a tensão na viga aumenta à medida que
afastamos uma coluna da outra. Quanto mais longa for a viga,
maior será a compressão que seu peso produz na face superior e
maior a tensão na face inferior. E pedra suporta pouca tensão;
as colunas não se partem porque são comprimidas, mas as vigas
se partem quando a tensão se torna demasiada. É a face inferior
que arrebenta primeiro, a não ser que as colunas sejam mantidas
bem próximas.
A engenhosidade dos gregos se manifestava no sentido de
tornarem a construção mais leve, por exemplo, superpondo
colunas. Mas isso era apenas um artifício; fundamentalmente, as
104 limitações físicas da pedra não podiam ser superadas senão por
A Escalada do Homem 41
O arco é_ a descoberta de
uma cultura pragmática
e plebéia.
"EI Puente dei Diablo”,
aqueduto de Segóvia.
uma nova invenção. Tendo-se em conta a fascinação grega pela
geometria, o fato deles não terem concebido o arco é curioso.
Acontece, porém, que o arco é uma invenção da engenharia, e,
assim, apropriadamente, foi a invenção de uma cultura muito
mais plebéia do que as do Peru e da Grécia.

O aqueduto de Segóvia na Espanha foi construído pelos romanos,


por volta do ano 100 de nossa era, sob o reinado do imperador
Trajano. Canaliza as águas do Rio Frio, que desce de suas
nascentes na Sierra, numa distância de dezesseis quilômetros. O
aqueduto corta o vale numa extensão de uns oitocentos metros,
com mais de uma centena de arcos com pilares sobrepostos, feitos
de blocos toscos de granito lascado, assentados sem argamassa
ou cimento. Suas proporções colossais de tal forma impressiona­
ram os cidadãos espanhóis e mouriscos de eras posteriores, e
também mais supersticiosas, que hoje é alcunhado El Puente dei
Diablo.
A prodigalidade e o esplendor dessa estrutura podem parecer
desproporcionais para uma simples rede de água. Entretanto,
esquecemos os enormes problemas de uma civilização urbana,
dada a facilidade com que obtemos água pelo simples abrir de
uma torneira. Mas, qualquer cultura avançada, que concentra os
melhores de seus homens nas cidades, depende do tipo de facili­
dades e organização representadas pelo aqueduto romano de
Segóvia.
A invenção romana do arco não apareceu primeiramente em
pedra, mas, sim, em uma forma de concreto moldado. Estrutu­
ralmente, o arco é um método de ampliar o vão, de modo a não
sobrecarregar o centro mais do que as extremidades; a tensão se
distribui de forma mais homogênea. Ainda mais, o arco pode ser
montado a partir de partes separadas: os blocos de pedra que a
carga vai comprimindo. Nesse sentido, o arco representa um
triunfo do método de dividir as formas naturais e recombiná-las
em novos arranjos mais poderosos.
Os arcos romanos são sempre semicirculares; chegaram a uma
forma matemática que funcionava bem e não se inclinaram a
inová-la. O círculo ainda permaneceu como a base da construção
do arco, mesmo quando os árabes o utilizaram na produção em
massa de suas obras arquitetônicas. Tal fato é evidente na arqui­
106 tetura religiosã dos mosteiros árabes: por exemplo, na grande
42 ,
O círculo permaneceu a base do
arco nas constrHções em massa
dos países árabes.
A Grande Mesquita, Córdoba.
43
A decisão de construir as
catedrais dependia do
consenso dos cidadãos de
uma localidade, os quais
conf iavam as obras a
pedreiros locais.
Nave e aléia da
(Catedral de Rheims.
mesquita de Córdoba, também na Espanha, construída em 785,
depois da conquista árabe. Embora seja uma estrutura muito
mais espaçosa que o Paestum grego, aparentemente se defrontou
com dificuldades semelhantes; isto é, a grande quantidade de
blocos isolados que não podiam ser dispensados, a não ser por
uma nova invenção.
Descobertas teóricas com conseqüências radicais são rapidamente
reconhecidas como originais e revolucionárias. Mas, descobertas
práticas, mesmo quando se tornam de grande alcance, freqüen-
temente se apresentam como mais modestas e menos memoráveis.
Assim, a inovação estrutural que veio remover as limitações do
arco romano chegou, provavelmente de fora da Europa, quase
que clandestinamente. A invenção se constitui em uma nova
forma de arco baseada não mais no círculo, mas, sim, na elipse.
Embora pareça uma modificação de somenos importância, seu
impacto na articulação das construções foi espetacular. Eviden­
temente, um arco pontiagudo e mais alto permite a ampliação
do espaço e melhor iluminação. Entretanto, a contribuição mais
importante do arco gótico foi a de uma nova concepção no apro­
veitamento do espaço interno, como se pode ver na Catedral de
Rheims. As paredes são liberadas da carga, e assim podem
ostentar janelas e vitrais; o efeito do conjunto é o de uma gaiola
suspensa pelas arcadas do teto, uma vez que o esqueleto é externo.
John Ruskin descreve admiravelmente o efeito do arco gótico.
As construções egípcias e gregas, na sua maior parte, se mantêm devido ao
próprio peso e massa, cada bloco segurando o adjacente; mas, nas abóbadas
góticas e suas ornamentações, há uma solidez semelhante ao esqueleto
ósseo de um membro ou às fibras de uma árvore; uma tensão elástica e
comunicação de força de parte a parte e, também, uma deliberada expressão
do conjunto em cada linha visível do prédio.
Entre todos os monumentos da audácia humana nenhum pode
ser comparado a essas torres de ornamentação e vidro que bro­
taram ao norte da Europa antes do ano 1200. A construção
desses gigantescos e imponentes monstros representa um enorme
feito da previsão humana - ou, mais apropriadamente, eu diria
que, tendo sido construídos na ausência de conhecimentos
matemáticos capazes de calcular as forças neles envolvidas, são
obras da intuição humana. É claro que isso não aconteceu sem 109
A Escalada do Homem

ter havido erros e mesmo consideráveis fracassos. Mas o que o


matemático deve notar em relação às catedrais góticas é o fato
de, a partir de uma intuição fecunda, haver um desenvolvimento
tão harmonioso e racional a partir de cada uma das experiências
com as estruturas sucessivas.
A decisão de construir as catedrais dependia do consenso dos
cidadãos de uma localidade, os quais confiavam as obras a
pedreiros locais. Elas não guardam nenhuma relação com a
arquitetura utilitária da época, mas as improvisações que tais
obras exigiam multiplicavam-se em invenções de toda sorte. No 44
que diz respeito à mecânica, o desenho havia trocado o arco Os pedreiros
semicircular romano pelo arco gótico, pontiagudo e elevado, de carregavam
um conjunto
consigo
de
tal forma que as tensões se distribuem através dos arcos para ferramentas leves.
pontos no exterior da construção. No século XII surgiu o semi- Amantidavertical era
com o
-arco, outra inovação revolucionária que introduziu o arcobo- auxilio de uma
tante. Neste, a tensão se distribui na coluna, da mesma forma linha-de-prumo e a
que se distribui em meu braço, quando levanto a mão e empurro horizontal não por
meio de um nível
contra a parede, como se a estivesse apoiando - onde não há de bolha, mas,
tensão não há necessidade de tijolos. Nenhum princípio básico linha-de-prumo
sim, através de uma
em arquitetura foi acrescentado a esse realismo, até a invenção atada a um ângulo
do aço e dos prédios de cimento armado. reto.
Pedreiros
Tem-se a impressão de que os homens que conceberam essas trabalhando,
elevadas construções estavam alucinados pelo recém-descoberto século XIII.
domínio da força na pedra. De que outra forma se pode explicar
a proposição de construir abóbadas de 40 e 45 metros de altura,
em uma época em que não havia meios de se calcular a distribui­
ção de forças? Pois bem, a cúpula de 45 metros - construída
em Beauvais, a menos de cento e cinqüenta quilômetros de
Rheims — ruiu. Mais cedo ou mais tarde, os seus construtores
inevitavelmente tinham que deparar com algum tipo de desastre.
Há um limite físico para o tamanho, mesmo em se tratando de
catedrais. E este aconteceu com o desmoronamento do teta de
Beauvais, em 1284, apenas alguns anos após ter sido terminada.
A partir daí, a aventura gótica tornou-se mais modesta, e nenhuma
outra estrutura tão alta foi projetada. (Contudo, a planta empírica 45
pode ter sido correta; provavelmente o solo de Beauvais não era A tensão é aliviada
suficientemente firme e cedeu sob o peso da estrutura.) Mas, em construção
das paredes e a
fica
Rheims, a cúpula de 40 metros manteve-se firme, e desde 1250 como que uma
tem-se constituído em um centro artístico da Europa. gaiola suspensã a
O arco, as escoras, a abóbada (que é uma espécie de arco de Arcobotante,
partir da abóbada.
110 rotação) ainda não constituem a última etapa de nossa capacidade Catedral de Rheims.
46
A Escalada do Homem A abóbada é uma espécie
de arco em rotação.
Desenho de Pier Luigi
Nervi para o Palazzetto
dello Sport, Roma.
de modificar a textura da natureza emnosso proveito. Mas o que
nos espera deve ter uma tessitura mais delicada, devemos olhar
para os limites dos próprios materiais. É como se a arquitetura
acompanhasse a física na sua mudança de enfoque, isto é, indo
examinar a matéria no seu nível microscópico. De fato, moder­
namente o problema não é tanto o de projetar uma estrutura a
partir dos materiais disponíveis, mas, sim, o de projetar os
materiais para uma determinada estrutura.
Os pedreiros traziam em suas cabeças um estoque, não tanto de
formas como de idéias, que se desenvolvia com a experiência, à
medida que se deslocavam de uma obra para a outra. Suas
bagagens incluíam conjuntos de ferramentas leves. Os compassos
serviam para marcar as formas ovais das abóbadas e os círculos
as rosáceas das janelas. Intersecções eram determinadas com o
uso de compassos de calibre, podendo assim alinhar as peças de
modo a ajustá-las para a reprodução de padrões. Verticais e
horizontais eram obtidas com o auxílio da régua em T que, à
semelhança da matemática grega, utilizava o ângulo reto (veja-se
pág. 157). Isto é, a vertical era alinhada por meio de um prumo,
e para a horizontal, emvez de nível de bolha, usava-se outra linha
de prumo perpendicular à vertical.
Os construtores itinerantes constituíam uma aristocracia inte­
lectual (à semelhança dos relojoeiros de quinhentos anos mais
tarde) e, certos de encontrarem trabalho e de serem bem recebi­
dos, deslocavam-se para todos os cantos da Europa. Já no século
XIV esses homens se auto-intitulavam freemasons (pedreiros
livres). A habilidade de suas mãos e de suas mentes passou a
representar tanto um mistério como uma tradição, uma congre­
gação secreta de conhecimentos que se manteve à margem do
formalismo estéril do ensino magistral oferecido pelas universi­
dades. No século XVII, quando o trabalho dos freemasons já
estava minguando, eles passaram a admitir membros honorários,
os quais gostavam de atribuir ao tempo da construção das
pirâmides as origens dessa atividade. Na realidade, essa lenda
não os enaltecia, uma vez que as pirâmides foram construídas
dispondo-se de uma geometria muito mais primitiva do que a
das catedrais.
Há alguma coisa na visão geométrica que é universal. Quero
explicar por que me interesso pelas belas obras arquitetônicas
112 —tais como a Catedral de Rheims. O que tem a ver a arquitetura
A Textura da Pedra

com a ciência? Particularmente, o que tem ela a ver com a


ciência da maneira como concebíamos esta, no ínico deste
século, quando a ciência era toda números - o coeficiente
de expansão deste metal, a freqüência daquele oscilador?
O ponto que desejo destacar é o de que nosso conceito de
ciência, atualmente, no final do século XX, mudou radicalmente.
Agora vemos a ciência como uma maneira de descrever e explicar
as estruturas subjacentes às coisas; assim, palavras tais como
estrutura, padrão, plano, arranjo, arquitetura nos ocorrem
constantemente em toda tentativa de descrição. Por coincidência,
esse problema tem acompanhado toda a minha vida, e me
proporcionado um prazer especial; desde a infância tenho
trabalhado com matemática geométrica. Entretanto, isso já não
é mais uma questão de preferência pessoal ou profissional,
porque é essa a linguagem hodierna do discurso científico.
Falamos sobre as formas de combinação dos cristais, da maneira
como partículas elementares formam átomos - e, acima de
tudo, falamos sobre as partes constituintes da matéria viva. No
ano passado, a estrutura helicoidal do ADN passou a representar
a imagem viva da ciência. Essa mesma vida se reflete na trama
imaginosa daqueles arcos.
Mas, afinal, qual o feito dessa gente que construiu esta catedral
e outras semelhantes a ela? Simplesmente tomaram uma pilha
de pedras sem vida, que não é uma catedral, e a transformaram
numa obra de arte ao explorar as forças naturais da gravidade,
da maneira pela qual os blocos de pedra se assentam naturalmente
nos planos de construção, a brilhante invenção dos arcobotantes,
do arco, enfim, e assim por diante. A estrutura por eles criada
se desenvolveu a partir da análise da natureza para atingir uma
síntese majestosa. O mesmo tipo de homem que hoje se inte­
ressa pela arquitetura da natureza foi o artífice dessa obra de
oitocentos anos passados. Há um dom humano que é só de^
do homem, entre todos os outros animais, e esse dom se mostra
por toda parte na arte gótica: o imenso prazer do exercício e
aprimoramento de suas próprias habilidades.
Um clichê popular da Filosofia diz que a ciência é análise pura ou,
reducionismo, como o que separa as listras do arco-Íris; e arte,
síntese pura, reconstruindo o arco-Íris. Tal concepção não é ver­
dadeira. Toda imaginação começa a partir de uma análise da natu­
reza. Michelangelo disse-o vivamente, por implicação, em suas
A Textura da Pedra

esculturas (° que é particularmente claro em suas obras inacaba­


das) e, explicitamente em seus sonetos sobre o ato da Criação.
“Quando o que em nós é divino tenta
Moldar uma face, cérebro e mão se unem
Para dar, de um modelo fugidio,
Vida à pedra através da energia livre da arte.”
Cérebro e mão unidos”: o material toma forma através da mão
e assim prenuncia o escopo do trabalho para o cérebro. O escufl
tanto quanto o pedreiro, perscruta a forma no seio da
natureza onde, para ele, elajá se encontra perfeita. Esse princípio
é uma constante.
“O melhor dos artistas nem pensou em mostrar
Aquilo que a pedra bruta sob a carapaça
Esconde: a magia do mármore quebrar
É mister da mão, que o cérebro realiza.”
Ao tempo em que Michelangelo esculpiu a çabeça de Brutus
outros homens extraíam o mármore para ele. Mas o artista
iniciou sua vida como escavador de mármore em Carrara, e
sentia que o martelo em suas mãos, tanto agora como antes,
tateava na pedra à procura de formas nela escondidas.
Agora, os escavadores de mármore trabalham em Carrara
para os escultores modernos que aí chegam — Marino Marini,
Jacques Lipchitz e Henry Moore. Descrevendo seus próprios
trabalhos, eles não são tão poéticos quanto Michelangelo, mas
o sentimento é o mesmo. As reflexões de Henry Moore são
particularmente relevantes, uma vez que se dirigem ao gênio
de Carrara.
No princípio, como um jovem escultor, não podia pagar por pedras caras,
de modo que as obtinha revirando os estoques até encontrar o que era
chamado “bloco de descarte”. A partir daí, então, tinha de pensar de
modo semelhante ao que Michelangelo talvez fizesse, que consistia em
esperar até surgir uma idéia adequada para a forma da pedra, e essa idéia
4/ era vista no próprio bloco.
“A m^da do
mármore quebrar é É claro que não se deve entender literalmente que o que o
mister da mão, que escultor imagina e esculpe já se encontra escondido no bloco.
o cérebro realiza.”
Cabeça de Brutus, Contudo, a metáfora revela a verdade sobre a relação da desco­
Michelangelo,
Museu Borgello, berta existente entre o homem e a natureza; e é característico o
Florença. fato de filósofos da ciência (Leibniz, em particular) terem usado 115
A Escalada do Homem A48mão é_ a llâmina afiada
da mente.
"Knife-edge-two-piece’’
de Henry Moore, 1962.
a mesma metáfora da mente instigada por um veio no mármore.
Em um certo sentido, tudo o que descobrimos já existia: uma
figura esculpida e uma lei natural estão ambas escondidas na
matéria virgem. Em outro sentido, o que o homem descobre é
descoberto por ele; não teria exatamente a mesma forma nas
mãos de um outro - nem a figura esculpida, nem a lei natural
se apresentariam como cópias idênticas, quando produzidas
por duas mentes diferentes, em duas épocas distintas. Descoberta
é uma relação recíproca de análise e síntese. Como análise,
investiga o existente; mas, então, como síntese, rearranja as
partes de tal maneira que a criação mental transcende os limites,
o esqueleto, mostrados pela natureza.
A escultura é uma arte sensual (os esquimós fazem pequenas
esculturas que não se destinam a ser olhadas e, sim, manipula­
das). Assim, deve parecer estranho o fato de eu tomar como
modelo para a ciência, usualmente tida como atividade abstrata
e fria, as ações físicas, alegres, da escultura e da arquitetura. E
o fato é que isso está correto. Temos de aprender que o conheci­
mento do mundo nos é revelado através da ação, e não da
contemplação. A mão é mais importante do que o olho. Não
pertencemos às civilizações resignadas e contemplativas do
Extremo Oriente ou da Idade Média, para as quais o mundo
tinha apenas de ser visto e pensado, e não praticavam nenhuma
forma de ciência do modo como a concebemos. Nós somos
ativos; e entendemos (veja-se pág. 417), como algo mais impor­
tante do que um mero acidente simbólico durante a evolução
do homem, que a mão orienta o subseqüente desenvolvimento
do cérebro. Hoje encontramos ferramentas construídas por
homens antes de se tornarem homens. Em 1778, Benjamin
Franklin chamou o homem de “animal fabricante de ferramen­
tas”, o que é correto.
Descrevi a mão usando uma ferramenta como instrumento de
descoberta; esse é o tema deste ensaio. Observamos o fato cada
vez que uma criança aprende a ajustar a mão à ferramenta —
amarrar os sapatos, enfiar uma agulha, soltar um papagaio ou
soprar um apito. A ação prática implica uma outra, que é o
prazer pela própria ação — na manipulação que se aperfeiçoa,
o aperfeiçoamento ocorre pelo prazer que causa. No fundo,
isso responde por toda obra de arte, e científica também: nossa
116 apreciação poética sobre o que os seres humanos fazem existe
A Escalada do Homem

porque eles são capazes de fazer. E a maior exaltação que vem 49


disso é porque o uso poético encerra, em última instância, o Monumentos
construídos por um
significado mais profundo. Mesmo na pré-história o homem ho!Ilem cujos
equipamentos
construía ferramentas com corte mais afiado do que era neces­ científicos
sário. O corte mais fino, por sua vez, destinou a ferramenta a melhores donãoqueeram os
um uso mais delicado, um refinamento prático e uma extensão góticos.dos pedreiros
de uso para a qual a ferramenta não havia sido construída. Watts Towers, Los
Henry Moore chama de The Knife Edge a esta escultura. A Angeles.
mão é a lâmina cortante da mente. Civilização não é uma Detalhes mosaico com
de um
coleção de artefatos acabados mas, sim, a elaboração de processos. impressões de
Enfim, a escalada do homem é representada pelo refinamento ferramentas e (à
página seguinte)
da mão em ação. as torres.
O incentivo mais poderoso na escalada do homem é o prazer
que ele extrai de sua própria habilidade. Compraz-se com aquilo
que faz bem e, obtendo esse resultado, delicia-se em aperfeiçoá-lo.
Vê-se isso na ciência. Vê-se também na magnificência das escul­
turas e construções humanas, no carinho, na exuberância, na
audácia. Os monumentos pretendem homenagear reis e religiões,
heróis, dogmas, mas, ao final, o que realmente homenageiam são
os construtores.
Assim, a grande arquitetura religiosa de cada civilização
exprime a identificação do indivíduo com a espécie humana.
Chamá-Ia de veneração aos ancestrais, como na China, é pouco.
A questão é que o monumento fala em nome dos mortos para
os vivos e, assim, estabelece um sentido de permanência que é
uma visão caracteristicamente humana: o conceito de que a vida
humana forma uma continuidade que transcende e flui através
do indivíduo. O homem sepultado a cavalo ou venerado em seu
navio Sutton Hoo torna-se, nos monumentos de pedras de eras
subseqüentes, um arauto da crença de que há uma entidade
chamada humanidade, da qual cada um de nós é um representante
—na vida e na morte.
Não poderia terminar este ensaio sem falar de meus monu­
mentos favoritos, construídos por um homem tão pobremente
equipado quanto os pedreiros góticos. Trata-se das Watts Towers
de Los Angeles, construídas pelo italiano Simon Rodia. Este
veio da Itália para os Estados Unidos com a idade de doze anos.
Então, aos quarenta e dois anos, depois de ter trabalhado como
pedreiro e mestre de obras, decidiu construir em seu quintal
118 essas tremendas estruturas, usando tela de galinheiro, pedaços
A Escalada do Homem

de dormentes, hastes de aço, cimento, conchas, cacos de vidro e,


é claro, azulejos — enfim, tudo o que encontrasse ou que os
garotos da vizinhança pudessem trazer. Passaram-se trinta e três
anos até o término da construção. Ninguém o auxiliou, princi­
palmente porque, em suas próprias palavras, “na maior parte do
tempo eu mesmo não estava certo do que iria fazer”. A obra se
completa em 1954 e ele contava setenta e cinco anos. Então,
doou a casa, o jardim e as torres a um vizinho e, simplesmente,
abandonou tudo.
O que Simon Rodia pensava a respeito de sua obra foi assim
expresso: “Eu tinha em mente realizar alguma coisa grande. E o
fiz. A gente tem de ser ou muito bom ou muito ruim para ser
lembrado”. Ele aprendeu sua engenharia empiricamente, à
medida que ia fazendo, e extraía prazer de sua realização. Como
era de se esperar, o Departamento Municipal de Obras considerou
que as torres não apresentavam segurança e conseqüentemente,
em 1959, realizaram nelas os testes adequados. Esta é a torre
que o Departamento tentou pôr abaixo. Para minha felicidade
não se conseguiu o intento. Assim, as Watts Towers sobreviveram;
o trabalho das mãos de Simon Rodia, um monumento no século
XX a nos reportar à habilidade simples, feliz e fundamental da
qual se originaram todos os nossos conhecimentos das leis da
mecânica.
A ferramenta que amplia a mão humana é igualmente um ins­
trumento de visão. Revela a estrutura das coisas e permite sejam
elas rearranjadas em novas e imaginativas combinações. Mas, é
claro, a estrutura revelada não é a única existente no mundo.
Sob ela há uma outra estrutura mais delicada. Assim, a etapa
seguinte na escalada do homem vai consistir na descoberta de uma
ferramenta que permite expor a estrutura invisível da matéria.

120
4 A ESTRU^TURA INVISÍVEL

E c°m o fogo que o ferreiro subjuga o ferr0


Em limpa à imagem de seu pensament0:
Sem o fogo como pode o artista dar
Ao ouro sua imaculada pureza de cor.
Nem a fênix fabulosa reviveria
Sem se queimar.
Michelangelo, Soneto 59
Tudo o que o fogo produz é alquimia, quer na retorta, quer no fogão da
cozinha.
Paracelsus
Há mistério e fascínio na relação entre o homem e o fogo, o único
dos quatro elementos dos gregos que não admite habitante
animal (nem mesmo a salamandra). As ciências físicas modernas
se dedicam muito à estrutura fina e invisível da matéria, e esta é
revelada em primeira mão pela lâmina afiada desse instrumento
que é o fogo. Embora essa maneira de análise de processos práti­
cos (extração de sais e metais, por exemplo) tenha se iniciado há
milhares de anos, ela certamente se afirmou pela magia que emana
do próprio fogo: a crença alquímica de que substâncias podem
ser transformadas de maneiras imprevisíveis. É essa qualidade
luminosa que parece fazer do fogo uma fonte de vida e uma coisa
vivente a nos levar através do mundo oculto e misterioso das
entranhas da matéria. Muitas receitas antigas expressam essa idéia.
Agora a substância do cinabre se apresenta de tal forma que quanto mais é
aquecido, mais admiráveis são as suas sublimações. O cinabre se faz mercúrio,
e através de uma série de outras sublimações, volta, novamente, a ser cinabre.
Dessa forma, ele permite que o homem se beneficie da vida eterna.
Em toda a parte, da China à Espanha, essa é a experiência
clássica com que os alquimistas da Idade Média arrancavam
50 admiração de todos aqueles que a presenciavam. Eles tomavam
A misteriosa
qualidade que parece
o pigmento vermelho, cinabre, que é sulfeto de mercúrio, e
fazer do fogo uma aqueciam-no. O aquecimento elimina o enxofre e deixa uma
fonte de vida. magnífica pérola do metal líquido, mercúrio prateado para
"Le Soulfleur à la
Lampe " por
espanto e admiração do espectador. Ao ser aquecido em presença
Georges de la Tour. do ar , o mercúrio se oxida e se transforma, não em cinabre 123
A Escalada do Homem

(como ensinava a receita), mas em um óxido de mercúrio, igual­


mente vermelho. Entretanto, a receita não era de todo errada; o
óxido pode transformar-se novamente em mercúrio, de vermelho
para prateado, e o mercúrio em seu óxido, de prateado para
vermelho, sempre pela ação do fogo.
O experimento não apresenta grande importância em si mesmo,
embora acontecesse que os alquimistas de antes de 1500 d.C.
considerassem o enxofre e o mercúrio como os dois elementos
dos quais o Universo era composto. Mas, em todo caso, ele mostra
uma coisa importante: o fogo sempre foi considerado um ele­
mento de transformação, e nunca de destruição. Essa tem sido a
magia do fogo.
Lembro-me de Aldous Huxley, conversando longamente
comigo durante toda uma noite, suas mãos claras suspensas junto
ao fogo, dizendo: “Este é o que transforma. Estas são as lendas
que o mostram. Acima de tudo, a lenda da Fênix que renasce do
fogo, e vive, vez por outra, geração após geração”. O fogo é a
imagem da juventude e do sangue, a cor simbólica do rubi e do
cinabre, e do ocre e da hematita, com as quais os homens se
pintavam em cerimoniais. Quando, segundo a mitologia grega,
Prometeu trouxe o fogo ao homem, deu-lhe vida e tornou-o
semideus — por essa razão Prometeu foi punido pelos deuses.
Pensamos que, de uma maneira mais prática, o fogo foi conhecido
pelo homem primitivo há quatrocentos mil anos. Esse fato implica
o conhecimento do fogo pelo Homo erectus; como já enfatizei,
há certamente vestígios dele nas cavernas do homem de Pequim.
Desde essa época, toda cultura usou o fogo, embora não esteja
claro se todas elas sabiam como fazer fogo; os pigmeus (tribo
descoberta em tempos históricos, habitantes da floresta tropical
das ühas Andaman, ao sul de Burma) não possuem tecnologia 51
Submetido à. tensão
para fazer fogo, de forma que dispensam os maiores cuidados o cobre, na forma
alimentando os fogos surgidos espontaneamente. de arame, por
De maneira geral, diferentes culturas têm usado o fogo para exemplo, começa
imediatamente a se
finalidades semelhantes: aquecer, afugentar predadores, limpar adelgaçar.
terreno, e levar a cabo as transformações comezinhas do dia a dia O adelgaçamento de
um arame de cobre
— cozinhar, secar e endurecer madeira, aquecer e partir pedras. ocorre por
Contudo, é claro que a grande transformação plasmadora de deslizamento
interno dos cristais,
nossa civilização é muito mais penetrante: é o uso do fogo reve­ antes de aparecer o
lando uma classe inteiramente nova de materiais, os metais. Este ponto de fratura.
Magnificação de
124 constitui um dos altíssimos degraus, um salto na escalada do 15 x.
A Estrutura Invisível

homem, o qual se emparelha à invenção mestra das ferramentas


de pedra, posto ter ela surgido da descoberta de ser o fogo uma
ferramenta muito mais sutil na tarefa de dividir a matéria. A física
é a faca que separa a textura da natureza; o fogo, a espada fla­
mejante, na pedra, corta além da estrutura visível.
Há quase dez mil anos, logo depois do estabelecimento de
comunidades sedentárias na agricultura, no Oriente Médio, o
homem já usava o cobre. Mas a utilização dos metais não se
generalizou senão após terem-se encontrado processos sistemá­
ticos de extraí-los. Como sabemos agora, a extração de metais
de suas escórias iniciou-se há mais de sete mil anos , na Pérsia, e
no Afganistão, por volta do ano 5000 a.C. No U:ício, peru'as
verdes de malaquita eram colocadas diretamentc no fogo e delas
fluía o metal vermelho do cobre —uma feliz coincidência, posto
que o cobre se desprende a uma temperatura relativamente baixa.
Os homens reconheciam o cobre porque esse metal era encon-
tradiço na superfície, em blocos e, nesta forma, vinha sendo
martelado e moldado por mais de dois mil anos.
O Novo Mundo também trabalhava o cobre, e já o fundia pelo
tempo de Cristo, mas parou por aí. Apenas no Velho Mundo o
metal chegou a se constituir no esqueleto da vida civilizada. De
repente, a gama de controles exercidos pelo homem aumentou
imensamente. Tem agora em suas mãos um material que pode
ser moldado, estirado, amassado, fundido em moldes; o qual
pode ser transformado em ferramenta, ornamento ou utensílio;
e, além de tudo, pode ser novamente atirado ao fogo e reapro-
veitado. A sua única desvantagem: o cobre é um metal mole.
Sob tensão oferece pequena resistência. Isso é devido ao fato
como outros metais puros, o cobre ser formado de camadas de
cristais. Os átomos do metal se dispõem em arranjos regulares
nas camadas, as quais deslizam umas em relação às °utras até °
ponto de ruptura. Quando um arame de cobre estirado começa
a se adelgaçar (isto é, desenvolvendo pontos de fraqueza), não é
tanto por uma falha na sua tensão, mas, sim peta deslizamento
interno.
É claro que o trabalhador do cobre não pensava dessa
há seis mil anos atrás. Ele enfrentava um problema mais
isto é, o cobre não se prestava ao fabrico de instrumentos de corte.
Por um curto período de tempo a escalada do homem se manteve
na expectativa da etapa seguinte: conseguk um metal duro com
borda cortante. Se isso podesugeril-umaimportanciamuito grande
A Escalada do Homem

para um avanço tecnológico, vejamos como foi bela e paradoxal


a descoberta da etapa seguinte.
Considerado em um contexto moderno, o que deveria ser feito
nessa etapa seguinte parece óbvio. Como já foi dito, o cobre, na
sua forma metálica pura, é mole porque seus cristais se dispõem
em planos paralelos que deslizam facilmente uns em relação
aos outros. (Pode-se endurecê-lo um pouco molhando-o, de
forma que, ao quebrarem-se os cristais maiores, a estrutura se
torna mais compacta.) Assim, se conseguirmos introduzir alguma
coisa áspera nos cristais, tal manobra pode impedir o deslizamento
das camadas e endurecer o metal. Evidentemente, em se tratando
do nível fino de estrutura ao qual estou me referindo, a coisa
áspera tem de ser uma outra espécie de átomo substituindo
átomos de cobre nos cristais. Temos de conseguir uma liga cujos
cristais sejam mais rígidos porque os átomos de suas estruturas
não são todos da mesma espécie.
Esta é a abordagem moderna; apenas nos últimos cinqüenta
anos é que viemos a entender serem as propriedades especiais
das ligas metálicas atribuíveis às suas estruturas atômicas. No
entanto, por sorte ou por experimento, os antigos forjadores
encontraram a solução: adicionando ao cobre um outro metal
ainda mais mole, o estanho, consegue-se uma liga mais dura e
mais durável que qualquer um dos dois - o bronze. O golpe de
sorte talvez venha do fato de que, no Velho Mundo, os minérios
de cobre e de estanho sejam encontrados nas mesmas localidades.
Por outro lado, qualquer metal puro é mais fraco e muitas impu­
rezas têm o efeito de torná-lo mais rígido. A função do estanho
nessa liga nada tem de especial;representa uma propriedade geral
de adicionar ao material puro um tipo de abrasivo atômico —
pontos de grande coeficiente de atrito que aderem às malhas do
cristal, impedindo os deslizamentos.
Esforcei-me para dar uma descrição científica da natureza do
bronze porque ela constitui uma descoberta maravilhosa. Maravi­
lhosa, também, como uma revelação para aqueles que a manipu­ 52
lam, do potencial criado e suscitado por um novo procedimento. Vasos para vinho
O trabalho no bronze atingiu sua refinação máxima na China. epartealimento - em
ornamentais e
Certamente o bronze chegou aí através do Oriente Médio, aonde em parte divinos.
foi descoberto em 3800 a.C. O auge da era do bronze na China naVasoformapara vinho
de coruja.
coincide com o início da civilização chinesa, na forma que a Bronze chinês,
126 concebemos —a dinastia de Shang, antes de 1500 a.C. 800 a.C.
A Escalada do Homem

A dinastia Shang governou um grupo de domínios feudais no


vale do Rio Amarelo, e, pela primeira vez, criou uma forma de
cultura e estado unitário na China. Em todos os sentidos trata-se
de um período formativo, quando a cerâmica também se desen­
volve e a escrita se estabelece (é a caligrafia, tanto na cerâmica
como no bronze, que nos surpreende). Os objetos de bronze do
período alto foram feitos com uma tal preocupação oriental do
detalhe que, em si mesmos, são fascinantes.
Os chineses construíam os moldes para os objetos de bronze
fundido colando cintas de argila em torno de um cerne de cerâ­
mica. Como essas cintas ainda podem ser encontradas, podemos
determinar a seqüência do procedimento: a preparação do cerne
central, o entalhamento dos desenhos e, particularmente, as
inscrições nas cintas apostas ao bloco central. Nesses moldes as
cintas constituem a face externa, a qual é cozida de modo a poder
receber o metal fundido. Podemos mesmo acompanhar a prepa­
ração tradicional do bronze. As proporções de cobre e estanho
usadas pelos chineses são quase exatas. Bronze pode ser obtido a
partir de qualquer proporção de estanho, entre cinco e vinte por
cento, adicionado ao cobre. Os melhores objetos de bronze Shang
contêm quinze por cento de estanho, e nesses a fidelidade da
reprodução é perfeita. Nessa proporção, o bronze é cerca de três
vezes mais duro do que o cobre.
Os bronzes Shang são objetos litúrgicos, divinos. Para a China,
eles representaram objetos monumentais de adoração, equiva­
lentes na Europa a Stonehenge, constituída na mesma época.
Daqui para a frente o bronze se torna matéria-prima para todos
os propósitos, um verdadeiro plástico do seu tempo. Encontra­
mos-lhe essa qualidade universal tanto na Europa como na Ásia.
Entretanto, no clímax do artesanato chinês, o bronze é porta­
dor de um significado mais rico. O encanto desses trabalhos
chineses, vasos para vinho e comida - em parte decorativos e
em parte divinos - está no fato deles constituírem uma arte
brotada espontaneamente a partir de suas habilidades tecnológi­
cas. O artífice é orientado e dirigido pelo material; na forma e
no relevo o desenho flui com o processo. A beleza criada, a O53trabalho no
bronze atingiu sua
maestria revelada, nascem da devoção ao ofício. expressão mais
requintada naChina.
Sino de bronze
O conteúdo científico dessas técnicas clássicas é bem definido. fundido, 800 a.C.
Detalhe da caligrafia
Com a descoberta de que o fogo funde metais aparece no seu inscrita no topo do
128 devido tempo a descoberta mais sutil: ele pode fundi-los conjun- sino.
54
Aforja da espada, como acontecia com toda a metalurgia antiga,
obedece a um ritual.
Mestre cuteleiro Getsu em seu trabalho. O tempero e o polimento da lâmina
é levado a cabo na oficina do Templo de Nara, Japão.
A Estrutura Invisível

tamente, surgindo ligas que ostentam novas propriedades. E isto


vale igualmente para o ferro e para o cobre. Na realidade, o
paralelismo da história da utilização dos dois metais se revela em
todos os estágios. O ferro também foi primeiramente usado em
sua forma natural; ferro bruto chega à superfície da Terra por
meio de meteoros, razão pela qual seu nome sumeriano é “metal
dos céus”. Quando o minério de ferro foi fundido mais tarde , o
metal pôde ser reconhecido, uma vez que já havia sido usado. Os
índios da América do Norte utilizavam ferro de meteoro, mas
não chegaram a fundir o minério.
Dada a maior dificuldade da extração do ferro a partir de seu
minério, a fundição desse metal se constitui em invento posterior
ao do cobre. A primeira evidência positiva de seu uso prático é
representada por um fragmento de ferramenta cravada em umas
das Pirâmides; isso lhe confere uma idade anterior a 2500 a.C.
Entretanto, o uso generalizado do ferro se iniciou com os hititas,
nos arredores do Mar Negro, por volta de 1500 a.C. —justamente
ao tempo dos mais finos bronzes da China, tempo, também, de
Stonehenge.
Da mesma forma que a importância do cobre se deveu à
obtenção de uma liga, o bronze, a importância do ferro marcou
época com o aparecimento do aço. Por volta de 1000 a.C., em
quinhentos anos portanto, o aço é produzido na Índia, e as mara­
vilhosas propriedades dos diferentes tipos de aço passam a ser
conhecidas. No entanto, o aço permaneceu como um material
para usos especiais, e de certa forma raro, até muito recentemente.
Há apenas duzentos anos a indústria de aço de Sheffield ainda
era modesta e atrasada, a tal ponto de o quaker Benjamin
Huntsman, necessitando uma mola de relógio de precisão, ter-se
visto na contingência, ele próprio, de se tornar metalúrgico e
descobrir como fazer o aço de que necessitava.
Uma vez que dirigi minha atenção para o Extremo Oriente
quando quis ilustrar o aperfeiçoamento do bronze, tomarei agora
um exemplo oriental de como evoluíram as técnicas de produção
dos diferentes tipos de aço. Para mim, o auge dessas técnicas foi
atingido com a confecção da espada pelos japoneses, a qual, de
uma forma ou de outra, vem se continuando desde 800 d.C. A
forja da espada, como acontecia com toda a metalurgia antiga,
obedece a um ritual, mas há uma razão evidente para isso. Quando
não se tem linguagem escrita ou mesmo nada próximo do que se 131
55
As duas propriedades são
A Escalada do Homem finalmente combinadas no
acabamento da espada.
Marcas de água em uma
espada feita por
Nobuhide, no século XIX.
para o Imperador Meiji.
podería chamar uma fórmula química, um cerimonial estrito
fixa exatamente a seqüência das operações, de modo a tornar
possível sua reprodução sem alterações indesejáveis.
Assim, há uma forma de reverência, de sucessão apostólica,
através da qual uma geração dá graças e transmite os materiais à
seguinte, abençoa o fogo, e abençoa o cuteleiro. O homem
fazendo a espada da foto porta o título de “Monumento Cultural
Vivente” formalmente atribuído aos mestres proeminentes das
artes antigas pelo governo japonês. Seu nome é Getsu. E, em um
sentido profissional, considera-se descendente direto de Masa-
mune, que aperfeiçoou o processo no século XIII —a fim de
ajudar a repelir os mongóis. Ou pelo menos assim reza a tradição;
certamente, sob o comando de Kublai Khan, neto de Genghis
Khan, os mongóis devem ter repetidamente tentado invadir o
Japão, a partir de suas bases na China.
O ferro é uma descoberta mais recente do que o cobre porque
em todos os estágios ele requer maior aquecimento —na fusão,
na moldagem e, obviamente, no processamento de sua liga, o
aço. (O ponto de fusão do ferro está em torno de 1500oC, quase
500oC mais alto do que o do cobre.) Além disso, tanto no.
tratamento pelo calor como na sua reação com elementos adicio­
nados, o aço é material infinitamente mais caprichoso do que o
bronze. O aço é produzido pela adição ao ferro de pequenas
quantidades de carbono, usualmente menos de um por cento, e
variações nesta determinam as suas propriedades especiais.
O processo envolvido na fabricação da espada ilustra a neces­
sidade do controle delicado do carbono e do aquecimento, no
sentido de se obter um objeto de aço perfeitamente adequado às
finalidades de sua utilização. Mesmo a parte de aço do cabo não
se consegue simplesmente, uma vez que a espada tem de combinar
duas propriedades diferentes e incompatíveis dos materiais. Tem
de ser flexível, mas, ao mesmo tempo, dura. No mesmo objeto
essas duas propriedades só podem ser combinadas quando ele é
constituído pelajustaposição de camadas. O método para se obter
o cabo consiste em, após tê-lo aparado, dobrá-lo sobre si mesmo
inúmeras vezes, conseguindo, assim, a justaposição de muitas
superfícies internas. Em sua técnica, Getsu dobra o cabo quinze
vezes. Isso significa que se tem aí 215 camadas de aço, bem mais
do que trinta mil. Cada camada tem de ser ligada à adjacente, a
qual apresenta diferentes propriedades. É como se ele estivesse
132 querendo combinar a flexibilidade da borracha com a dureza do
A Estrutura Invisível

vidro. Enfim, a espada é um imenso sanduíche dessas duas


propriedades.
No último estágio a espada é recoberta com argila em camadas
de diferentes espessuras, de modo que ao ser aquecida, e então
mergulhada na água, o arrefecimento não seja uniforme. Neste
momento final, a temperatura do aço tem de ser avaliada exata­
mente, e isso é conseguido através de longa prática, ao ponto de
se perceber a espada resplandecendo nas cores do sol matinal, o
que, nesta civilização, dispensa métodos mais objetivos de
medida. A favor destes artesãos, tenho de relatar o uso generali­
zado da determinação de matizes de cores na fabricação de aço
na Europa: ainda no século XVIII,o estágio preciso para temperar
o aço era quando ele se tornava amarelo-palha, ou púrpura, ou
azul, de acordo com o tipo de aço desejado.
O auge, não tanto da encenação mas da química, está no arre­
fecimento, que endurece a espada e confere as diferentes
propriedades às suas partes. Cristais de diferentes formas e tama­
nhos são produzidos por diferentes gradações de resfriamento:
cristais grandes e suaves no cerne flexível da espada, e pequenos
e denteados no fio cortante. As propriedades da borracha e do
vidro são finalmente fundidas na espada, e reveladas na aparên­
cia da sua superfície — um brilho de seda furta-cor altamente
valorizado pelos japoneses. Entretanto, o teste da espada, o
teste de uma técnica empírica, o teste de uma teoria científica
se resume no seguinte: ela funciona? Pode ela cortar o corpo
h umano segundo o formalismo descrito no ritual? Os talhos
tradicionais são mapeados tão cuidadosamente quanto os cortes
de carne em livros de culinária: “Talho número dois — o O-jo-
-dan”. Nos dias de hoje o corpo humano é substituído por um
boneco de palha, no que tange ao teste da espada. Tempos
houve, entretanto, em q ue a espada era testada literalmente, isto
é, na execução de prisioneiros.
A espada era a arma dos Samurais. Com ela, sobreviveram a
intermináveis guerras civis que dividiram o Japão a partir do
século XII. Esses homens estavam pejados de delicados objetos
de metal: a armadura flexível construída com fitas de aço, os
arreios das montarias, os estribos. No entanto, os Samurais eram
totalmente ignorantes em relação às técnicas através das quais
esses objetos eram feitos. À semelhança dos cavaleiros de outras
culturas, eles viviam pela força, mas, mesmo para suas armas,
dependiam da habilidade de aldeãos, os quais eram, alternada-
A Escalada do Homem

mente, protegidos e roubados pelos Samurais. Estes acabaram-se O56ouro se constitui


transformando em um bando de mercenários que vendiam seus no prêmio universal
serviços a peso de ouro. em todos os países,
em todas as culturas,
Nosso entendimento de como o mundo material é organizado a eOuro em todas as eras.
grego: máscara
partir de unidades elementares vem de duas fontes. Uma delas já de um rei aqueu,
foi comentada e constitui o desenvolvimento de técnicas de deMicenas, um túmulo em
obtenção de metais úteis e suas ligas. A outra é a alquimia, e e$ta 16.0 século a.C.
apresenta características diferentes. Trabalha em pequena escala, doOuroReipersa:
Creso,
moeda
não é dirigida a objeto de uso diário, e se insere em um corpo de século VII.
teoria especulativa. Por razões obscuras, mas não acidentais, a Mochica
Ouro peruano:
alquimia ocupou-se muito com outro metal, o ouro, que é virtu­ estampadopuma, com
almente inútil. Contudo, o ouro tem fascinado tanto as sociedades serpentes
desenhos de
humanas que seria perversidade minha não tentar apontar as cabeças. de duas
propriedades que lhe deram poder simbólico. Ouro africano:
escudo peitoral de
O ouro se constitui no prêmio universal em todos os países, um Chefe, impresso
em todas as culturas e em todas as eras. Uma coleção representa­ com padrões de
tiva de objetos de ouro pode ser lida tal qual uma crônica da semente de cacau,
Ghana, século XIX.
civilização. Rosário de ouro esmaltado, século XVI, inglês. Broche Ouro moderno:
representando uma serpente de ouro, 400 a.c., grego. Coroa tripla receptor
entrada,
central de
de ouro de Abuna, século XVII, abissiniana. Bracelete de ouro minicalculador de
em forma de cobre, romano antigo. Vasos rituais de ouro aqui- Edinburgh,
bolso Concorde.
século
menídeo, século VI a.C., persa. Tigela de beber de ouro Malik, XX.
século VIII a.c., persa. Cabeças de boi de ouro.. . Faca cerimonial
de ouro, Chimu, Pré-inca, peruano, século IX. . .
Saleiro de ouro esculpido, Benvenuto Cellini, estatuetas do
século XVI, encomendadas pelo rei Francisco I. Cellini registrou
as palavras de seu patrão francês a respeito de sua obra:
Quando expus o trabalho perante o rei, ele perdeu o fôlego, maravilhado;
não conseguia tirar os olhos da peça. Então, exclamou cheio de admiração:
“ Isto é cem vezes mais divino do que eu jamais poderia ter pensado! Que
ser extraordinário é o homem!”
Os espanhóis saquearam o Peru por seu ouro, o qual a aristo­
cracia inca coletava como nós colecionaríamos selos, com um
toque de Midas. Ouro da avareza. Ouro do esplendor, ouro do
adorno, ouro da reverência, ouro do poder, ouro sacrificial, ouro
da vivificação, ouro da ternura, ouro do barbarismo, ouro da
volúpia. . .
Os chineses descobriram a qualidade que torna esse metal
irresistível. Assim falou Ko-Hung: “Ouro amarelo, mesmo
134 fundido uma centena de vezes, nunca se deteriora”. Através dessa
Plr

1
\l
£
1,1

j1l* Qhor»»
.*»J
TÉ |i
I1
' w!Íl
' íi

MTv í '
>i^vv J& ^ A
B - BllfBI A-««
,r » T víwm

§92f iVVtójí fíü fy .
fàiw k * •i
-jp

*a_- ^

rlü ^ í ^ »
P : 11
â m m
\ \ v íé/v H(í >b ■'tfvm â M;k
W J rm

m m m
A Escalada do Homem

frase tomamos conhecimento de uma propriedade física que Ouro 57


torna o ouro singular, a qual pode ser testada ou experimentada saleirorenascentista:
de ouro
na prática, e demonstrada em teoria. moldado e
esmaltado, feito por
Benvenuto Cellini,
É fácil ver que o homem encarregado da feitura de artefatos de representando
ouro não era um simples artesão, mas sim um artista. Igualmente Netuno e Vênus,
oferecido ao Rei
importante, mas menos fácil de reconhecer é que o homem Francisco I da
encarregado da experimentação com o ouro também era mais França, 1543.
Ouro irlandês:
do que um simples técnico. Para ele, o ouro era um elemento gargalheira de ouro.
científico. Dominar uma técnica é útil; mas como qualquer outra C. Clare, século IX.
habilidade, o que lhe dá força e importância é sua posição em
um esquema natural geral - numa teoria.
Os homens que tentaram e refinaram o ouro colocaram a
descoberto uma teoria da natureza: uma teoria pela qual, embora
o ouro seja único, ele pode ser obtido de outros elementos. Essa
é a razão pela qual grande parte da antigüidade despendeu seu
tempo e engenhosidade elaborando maneiras de testar a pureza
do ouro. No início do século XVII Francis Bacon definiu a
questão claramente.
O ouro apresenta essas naturezas —grandeza do peso, intimidade de partes,
fIxação, maleabilidade ou maciez, imunidade à ferrugem, cor ou tintura
amarela. Se alguém conseguir fazer um metal com todas essas propriedades,
deixemos que os homens discutam se se trata ou não de ouro.
Entre os vários testes clássicos de pureza do ouro, um deles
apresenta mais visivelmente suas propriedades diagnosticas. Tra­
ta-se do teste pela cupelação. Um pote de cinza de osso, o cadinho
(cupel), é aquecido em fornalha a uma temperatura muito mais
alta do que a do ponto de fusão do ouro puro. Colocado no
cadinho, o ouro contaminado por escória se funde. (O ouro
apresenta ponto de fusão bastante baixo, pouco acima de
1000°C, quase igual ao do cobre.) O que acontece então é que
a escória se desprende do ouro e é absorvida nas paredes do
cadinho: assim, repentinamente, acontece a separação visível,
como se fosse entre a impureza do mundo e a pureza oculta do
ouro. O sonho dos alquimistas de fabricar ouro sintético tinha
que passar pelo teste concreto da sobrevivência da pérola de
ouro no fundo do cadinho.
A capacidade do ouro resistir ao que erachamado degeneração
(e nós a chamaríamos ataque químico) era ímpar, e, portanto,
136 valiosa. e diagnóstica. Implicava, também, um poderoso simbolis-
A Escalada do Homem

mo, explícito mesmo nas fórmulas mais antigas. A primeira


referência escrita à alquimia data de dois mil anos e é chinesa.
Relata um método de obtenção de ouro e seu uso para prolongar
a vida. Para nós, essa é uma conjunção extraordinária. Em nossa
civüização o ouro é precioso pela sua raridade; mas para os
alquimistas de todo o mundo o ouro era precioso por ser incor­
ruptível. Nenhum ácido ou álcali conhecido naquele tempo o
atacava. Essa, aliás, era a maneira pela qual o ourives do imperador
atestava a pureza do ouro; o tratamento com ácido era muito
menos laborioso do que o da cupelação.
Em um tempo em que a vida era considerada (e para a maioria
o era de fato) solitária, pobre, desagradável, brutal e curta, o ouro
representava para o alquimista a centelha eterna no corpo huma­
no. A procura da fórmula para conseguir ouro e o elixir da vida
era uma só. O ouro simboliza a imortalidade —mas devo dizer
que para o alquimista não era símbolo, mas, sim, a expressão, a
materialização da incorruptibilidade, nos mundos físico e vivente.
Assim, ao tentar a transmutação de metais básicos em ouro, o
alquimista buscava, com a ajuda do fogo, transformar o corrup­
tível no incorruptível; tentava extrair a qualidade de permanência
a partir do cotidiano. E tal empresa era afim da busca da eterna
juventude: todas as poções destmadas a combater o mal da velhice
contjnhai1J. ouro, ouro metálico como mgrediente essencial, e
uma recomendação para que fosse bebida em taça de ouro, para
prolongar a vida.
A alquimia representa muito mais do que um simples conjunto
de truques ou uma crença vaga em uma magia benigna. Desde
seus primórdios se constitui em uma teoria de como o mundo
se relaciona com a vida humana. Em uma era em que não se fazia
distinção clara entre substância e processo, e elemento e ação,
os elementos alquímicos eram também aspectos da personalidade
humana — da mesma forma que os quatro elementos dos gregos
representavam humoresque o temperamento humano combmava.
Portanto, subjacente ao trabalho deles havia uma teoriaprofunda:
derivada micialmente das idéias gregas sobre os quatro elementos,
evoluiu na Idade Média tomando uma forma nova e muito
importante.
Para o alquimista havia uma afinidade entre o microcosmo do
corpo humano e o macrocosmo representado pela natureza. Um
138 vulcão era uma chaleira emgrande escala; uma tempestade seguida
A Estrutura Invisível

58 de chuva torrencial equivalia a um acesso de choro. Sob essas


O Universo e o analogias superficiais jaz um conceito mais profundo: o de que o
corpo são feitos dos
mesmos materiais Universo e o corpo são feitos dos mesmos materiais, ou princípios,
ou princípios ou ou elementos. Havia dois desses princípios para o alquimista.
elementos.
Representação da
fornalha do corpo,
Um era o mercúrio, representando tudo que fosse denso e per­
segundo desenho de manente. O outro era o enxofre, representando tudo o que fosse
Paracelsus, com uma inflamável e fugaz. Todos os corpos materiais, incluindo o corpo
régua para o estudo
do urina no humano, eram feitos a partir desses dois princípios, e também
diagnóstico de podiam ser refeitos a partir deles. Por exemplo, os alquimistas
doenças, retirado de
"Aurora acreditavam que todos os metais cresciam no seio da terra a
Thesaurusque partir do mercúrio e do enxofre, da mesma forma que os ossos
philosophorum ”,
Basiléia, 1577.
crescem no embrião a partir de um ovo. Para eles essa analogia
Desenho de
Paracelsus
representando os r_f no ia u^innmis. Imu 'díini5. iiirgo.f.iiMromiis.
três elementos, tetra, J~L ütiAiírfira roíimr.i ímirftigiíi tríw.\ mtuiuo
ar e fogo. iruíiiiiinJ Onoir.Ku inaftinumii. antmcjlu ■
A cotrespondência
de formas
anatômicas e
astronômicas
segundo a teoria
alquimista do
natureza.

/ aqiuniis\ , -
uou.OiiirWiIUlt *
'5
'
. .( l d«llT.fO'
Apiut.pi(f/S.
'íunrfngllU rrtmitii

ii<i.éfjlirnmoifdiia.'
JUIUIIIUm.ifmíiu.i tu ftnmiunr.1 tOliim
Ugtmica.ivrniioiuIU

139
A Escalada do Homem

era concreta e ainda permanece no simbolismo da medicina de


hoje. Ainda usamos o símbolo alquímico do cobre para a fêmea,
isto é, o que é tenro: Vênus; para o homem o símbolo alquímico
do ferro, isto é, o que é duro: Marte.
Hoje, isso tudo pode parecer uma teoria infantil, uma mistura
de fábulas e falsas comparações. Entretanto, nossa química irá
parecer infantil daqui a quinhentos anos. Toda teoria se apóia
em algum tipo de analogia e, mais cedo ou mais tarde, a teoria
falha porque a analogia se mostra falsa. No seu tempo, uma teoria
auxilia a solução dos problemas cotidianos. E todos os problemas
médicos permaneceram insolúveis até cerca de 1500 devido à
crença de que as curas deviam vir ou de plantas ou de animais —
um tipo de vitalismo incapaz de admitir o pensamento de que os
elementos químicos do corpo são iguais aos outros, confinando,
assim, a medicina à procura de curas por ervas.
Então, os alquimistas introduzem o uso de minerais na
medicina. O sal, por exemplo. foi uma substância chave nessa 59
virada conceituai, e um teórico da alquimia elevou-o à categoria Omédico se
de terceiro elemento. Esse mesmo homem desenvolveu um comportava como
umerudito,
método de cura bastante característico para uma moléstia que academicamente
se alastrava por toda a Europa por volta de 1500, o flagelo da treinado emantigos
textos, administrava
sífilis, até então desconhecida. Ainda não sabemos de onde a tratamentos ao
sífilis apareceu. Pode ter sido trazida através dos marinheiros pobre doente por
que acompanharam Colombo; ou ter-se expandido a partir do intermédio de um
assistente, que
Oriente durante a conquista mongol, ou simplesmente não era, nada mais fazia do
antes dessa época, reconhecida como entidade mórbida isolada. que aplicar
passivamente as
Mas a sua cura veio a depender do uso do mais poderoso elemento instruções recebidas.
alquímico, o mercúrio. O homem que fez essa descoberta é um Três médicos em
conferência,
marco na transição da velha alquimia para a nova, a caminho da enquanto a perna de
química moderna: iatroquímica. bioquímica, a química da vida. um paciente é
amputada. Entalhe
O seu descobridor batalhou na Europa durante o século XVI. O em madeira,
lugar, Basiléia, na Suíça. O ano, 1527. retirado de um
tra balho sobre
prática cirúrgica.
Há instantes na escalada do homem em que ele emerge do país Frankfurt, 1465.
das sombras dos conhecimentos secretos e anônimos para um
novo sistema de descobertas públicas e pessoais. Para simbolizar
esse passo, escolhi um homem batizado com o nome de Aureolus
Phillipus Theophrastus Bombastus von Hohenheirn. Felizmente
ele próprio escolheu para si o nome mais compacto de Paracelsus,
a fim de tornar pública sua discordância em relação a Celsus e
140 °utros autores que, embora mortos há mais de mil anos, ainda
A Estrutura Invisível

eram considerados autoridades através de seus textos médicos


amplamente difundidos na Idade Média européia. Em 1500 os
trabalhos dos autores clássicos ainda eram tidos e aceitos como
fonte de sabedoria inspirada em uma época de ouro da medicina,
das ciências e das artes também.
Paracelsus nasceu perto de Zurique em 1493 e morreu jovem,
com apenas quarenta e oito anos, em 1541, em Salzburg. Sua
atividade era uma perpétua ameaça a tudo que fosse acadêmico:
por exemplo, foi o primeiro homem a reconhecer uma moléstia
industrial. Na corajosa batalha travada por Paracelsus contra as
idéias tradicionais e a prática da medicina de seu tempo, contam­
-se episódios tanto grotescos como ternos. Sua cabeça era fonte
perpétua de teorias, muitas das quais contraditórias, a maioria
delas ultrajantes. Portador de um caráter indomável, picaresco,
rabelaisiano, bebia com estudantes, dava em cima de mulheres,
viajava muitíssimo através do Velho Mundo, e, até recentemente,
figurou na história da ciência como um charlatão. Mas isso ele
certamente nunca o foi. Era um homem dispersivo, mas profun­
damente genial.
Acontece que Paracelsus era o que hoje chamaríamos de uma
figura. Descobrimos nele, talvez pela primeira vez, de uma forma
por assim dizer transparente, que uma descoberta científica flui
a partir de uma personalidade e é vivificada na medida em que a
identificamos com o homem que a trouxe à luz. Paracelsus era
um homem prático, entendia a importância do diagnóstico
correto no tratamento de um paciente (ele próprío era um exce­
lente propedeuta) e a aplicação direta do remédio pelo próprio
doutor. Ele quebrou a tradição do médico se comportar como
um erudito, academicamente treinado em antigos textos, admi­
nistrando tratamentos ao pobre doente por intermédio de um
assistente que nada mais fazia senão aplicar passivamente as
instruções recebidas. “Não pode haver cirurgião onde não haja
também um médico”, escreveu Paracelsus. “Quando o médico
não consegue ser também um cirurgião, ele não passa de um
ídolo, mera pintura de um macaco.”
Tal aforismo não conquistou as boas graças de seus rivais, mas
atraiu para sio interesse de outras mentes independentes da época
da Reforma. Assim, aconteceu dele ter sido trazido a Basileia
para gozar um único ano de triunfo em sua desastrada carreira
mundana. Nessa cidade, no ano de 1527, o emmente protestante
c editor humanista J ohann Frobenius padecia de seríssima 141
A Escalada do Homem

infecção na perna, a ponto dela estar para ser amputada. Em


desespero, apelou para amigos do novo movimento, os quais lhe
enviaram Paracelsus. Este enxotou os acadêmicos do quarto do
paciente e salvou-lhe a perna, efetuando uma cura que ecoou
por toda a Europa. De Erasmo ele recebeu as seguintes palavras:
“Do país dos mortos trouxestes de volta Frobenius, a quem
pertence metade de minha vida”.
Não constitui apenas uma coincidência o fato de idéias novas
e iconoclásticas em medicina e na terapêutica química terem
aparecido ligadas, no tempo e no espaço, à Reforma iniciada por
Lutero em 1517. Basiléia era o foco desse momento histórico.
Aqui havia florescido o humanismo, mesmo antes da Reforma.
A universidade mantinha uma tradição democrática, que tornou
possível ao Conselho Municipal conceder licença e garantir a
Paracelsus o direito de aí ensinar, a despeito dele ser olhado de
esguelha pelos seus colegas. A família Frobenius editava livros,
entre eles os de Erasmo de Roterdã, espalhando a nova concepção
por todos os lugares e sobre todos os campos do conhecimento.
Um vento de mudança sacudia a Europa, muito mais forte
talvez que a própria reformulação religiosa e política iniciada
por Lutero. Aproximava-se o ano que se tornaria o seu símbolo,
1543. Neste ano foram publicados três livros que mudaram a
mentalidade da Europa: o atlas anatômico de Andreas Vesalius;
a primeira tradução, do grego, da matemática e da física de
Arquimedes; e o livro de Nicolau Copernicus, Das Revoluções
do Orbe Celeste que, ao colocar o Sol no centro do céu, iniciou
o que hoje conhecemos como Revolução Científica.
Toda essa batalha entre o passado e o futuro foi resumida
profeticamente por um simples ato realizado em Basiléia. Para­
celsus atirou à tradicional fogueira dos estudantes um exemplar
do livro de Avicena, um clássico texto de medicina do discípulo
árabe de Aristóteles.
Há um simbolismo oculto naquele gesto junto à fogueira de
meio-verão que tentarei trazer para o presente. O fogo é o ele­ 60
mento alquímico com o qual o homem penetra profundamente Paracelsus era
na estrutura da matéria. Então, seria o próprio fogo uma forma portador de um
de matéria? Tomando essa asserção como verdadeira, teríamos caráter indomável,
picaresco,
de lhe atribuir toda sorte de impossíveis propriedades — tais rabelaisiano.
como, ser ele mais leve do que nada. Ainda em 1730, duzentos Retrato de
Paracelsus, atribuído
142 anos depois de Paracelsus, os químicos tentaram, com a teoria a Quentin Metsys.
P á r e s i l s v s
A Escalada do Homem

de flogisto, vestir o fogo com uma última roupagem material.


Entretanto, viu-se que a substância flogística, da mesma forma
que o princípio vital, não podia ser demonstrada - o fogo não é
matéria, e a vida não é matéria. O fogo é um processo, transfor­
mação e mudança, através do qual elementos materiais são
reagrupados em novas combinações. A natureza das reações
químicas só pôde ser entendida quando o fogo foi compreendido
como um processo.
Aquele gesto de Paracelsus dizia: “A ciência não pode ficar
presa ao passado. Nunca existiu uma Idade de Ouro”. Duzentos
e cinqüenta anos depois do tempo de Paracelsus, um novo ele­
mento foi descoberto, o oxigênio, o que propiciou a explicação
da natureza do fogo e arrancou a química do atoleiro da Idade
Média. O fato insólito em relação a essa descoberta é que Joseph
Priestley não estudava a natureza do fogo quando descobriu o
oxigênio; sua inquirição se dirigia a um outro elemento dos gregos,
o ar, invisível e onipresente.
Quase tudo do que resta do laboratório de Joseph Priestley
encontra-se na Smithsonian Institution em Washington, capital
dos Estados Unidos. Mas, estando aí, está deslocado. Esse equi­
pamento deveria ser exposto em Birmingham, na Inglaterra, o
centro da Revolução Industrial, onde Priestley realizou a maior
parte de seu esplêndido trabalho. E por que, então, esse desloca­
mento? Porque em 1791 uma corja expulsou Priestley de
Birmingham.
Este evento é um outro exemplo característico do conflito
entre originalidade e tradição. Em 1761, aos vinte e oito anos,
Priestley foi convidado a lecionar línguas modernas em uma das
universidades dissidentes (ele era unitariano) as quais se ofereciam 61
àqueles estudantes discordantes da orientação das universidades Priestley era um
controladas pela Igreja da Inglaterra. Dentro de um ano, entusias­ homem difícil,
irascível, frio,
mado com as conferências sobre ciências de um colega seu, preciso, afetado e
começou a escrever um livro sobre eletricidade; e, esse foi o puritano.
Joseph Priestley,
primeiro passonocaminhoque o levou à experimentação química. desenhado pela
Tornou-se, também, admirador da Revolução Americana senhora Ellen
Sharples em 1794,
(Benjamin Franklin o havia encorajado) e, mais tarde, da Revo­ ao tempo em que
lução Francesa. Por essa razão^o segundo aniversário da queda viveu na América,
depois de sua casa e
da Bastilha, cidadãos leais à realeza atearam fogo ao laboratório laboratório terem
que Priestley descreveu como um dos mais cuidadosamente sido destruídos por
uma corja de
equipados da Europa. Emigrou, então, para a América mas não fanáticos em
144 foi bem recebido. Apenas seus pares intelectuais o apreciavam; Birmingham.
62
Lavoisier repetiu um experimento de Priestiey que
consistia emquase uma caricatura deumdos experimentos
clássicos da alquimia.
O cadinho alquimico continha glóbulos puros do líquido
prat eado do mercúrio sublimado a partir de cinábrio.
Reconstrução, utilizando equipamento moderno, do
experimento de Lavoisier. E mostrado o estágio seguinte
do experimento no qual o mercúrio é aquecido na presença
de oxigênio.
A baixo: mercúrio em um frasco.
Na página oposta: o mercúrio aquecido se combina com
oxigênio. O volume do oxigênio absorvido é medido pela
queda na coluna de líquido.
O equipamento completo: o experimento é, então,
revertido mediante a continuação do aquecimento do
óxido de mercúrio.

< *
v
A Escalada do Homem

já Presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson assim se


dirigiu a Priestley: “A sua é uma das poucas vidas preciosas para
a humanidade”.
Eu gostaria de dizer-lhes que a turba que destruiu a casa de
Priestley em Birmingham destroçou o sonho de um belo homem,
amável e encantador. Mas receio que isso não seja verdade. Não
creio que Priestley fosse amável, não mais do que Paracelsus.
Minha suspeita é de que se tratava de um homem difícil, irascível,
frio, preciso, afetado e puritano. Mas a escalada do homem não
é feita por gente amável. É feita por pessoas que têm duas quali­
dades: grande integridade e, pelo menos, um pouco de genialida­
de. Priestley reunia as duas.
Sua descoberta consistiu em mostrar que o ar não era uma
substância elementar: compunham-no vários gases, entre os quais
o oxigênio —chamado por ele “ar desflogisticado” —este sendo
essencial para a vida dos animais. Priestley era um bom experi-
mentador, de modo que avançou cautelosamente em várias
etapas. No dia primeiro de agosto de 1774 conseguiu isolar um
pouco de oxigênio e, maravilhado, observou o.intenso brilho de
uma chama queimando nele. Em outubro do mesmo ano, foi a
Paris onde comunicou seu achado a Lavoisier e outros. Entre­
tanto, só aconteceu depois de seu retorno, no dia 8 de março de
1775, dele ter a idéia de manter um camundongo no oxigênio e,
em seguida, verificar como era fácil a respiração em uma atmos­
fera desse gás. Um ou dois dias depois escreve uma deliciosa carta
na qual comunica a Franklin que “Até esta data, apenas dois
camundongos e eu próprio tivemos o privilégio de respirá-lo”.
Também é de Priestley a observação dequeas plantas eliminam
oxigênio quando üuminadas pelo sol, contribuindo, assim, para a
manutenção da vida animal. Nos cem anos seguintes constatou-se Dr;ssEiv
d"
t.ULp('l,i
fdeiume tdiumm. pó/' .AfV" de Rt*nu
tratar-se de fenômeno crucial; o reino animal não teria existido jitu- tie-ifi-tl de.um H li
sota.) iif)'I(1on,ri.Uir DE / ■ " ;
se as plantas não tivessem produzido oxigênio. Mas, no fim da La. MunJitrea. ède co/í
década de 1770 ninguém ainda havia pensado nesse assunto.
A importância fundamental da descoberta do oxigênio atingiu
sua exata dimensão graças à mente clara e revolucionária de
Antoine Lavoisier (o qualfoi executado pela Revolução Francesa).
Lavoisier repetiu um experimento de Priestley que consistia em
quase uma caricatura de um dos experimentos clássicos da
alquimia, já descrito acima (p. 123) neste ensaio. Os dois homens
148 aqueceram o óxido vermelho de mercúrio, usando uma lente de
tK im rt v de I
L a u u ú m '_ t \ w < , 1 H _ V L , X ,

F rtif,. J .m ttU e p o u r rit.j.rrm ller fe.t r a io u . p h t" p r,',, ,


(<•”/,,* d , «!(»(«'*'»«,/ /" '... !■ "«'(/ 1jl/fachín,. .
.Iíw « i,./lf <í ttn p rin lerI, n \ 111111rm.
,r,.rm tn t,i w i f n m n Ir m o u u rm rn t p ia r I, m o tm íl.i 1 .
Ir.i Pp p,.
r a p ! p tm r ,.l 11ti/n c r d r la ^ y r a n tir L ü u p ,. la L r n h lh ’ ntt
/., ritfif> rov/irr .
oh/,.* tiiii/tl I" m o ti 11,.m ,.n t th ’ /itu it d e /J".i "fi h<>ut
in
i rl d i n' t‘ m
‘a 11ir " t ’t u lr r p u l emen i
a r l ell t t I" ,fr

r Ir 1/u f . I'1 d,.

11n ri
il frèilu
í'lia r / 11*011 P í a t f . . - / a r m
-
U tleil
e
.
lil,Jt* "
t
a ,. -
tuam* / ,
p o r hnl to u tr la fr.i
M mm> <f11 l lrn d a n tt’0rtu ('antro de fm t-
,'1 7d»/a«/<'.i •i«/' ,(«‘.i InindiM d ,. //'/' .»*///' 1111,.

»rnlt'epa- R J< J pu diam tl!idetiO,.4C11kNi If, Ia Jf..nU!P,.lur,.KdeuU S Gobin. co11rl>efAd


^ilúur tk.1 PontJ et "Phaurjdea. et ,.n.ruif,."Pp»,rê,..t 11111,...* 11111*,.,. p'" toneamU . ú/duulau-,.. fu Vu
2

et ph/t:dt: Ú pau,. ■itrpai.r.rrai 1111 ,.(In * ,.,.Í,.* U Limpe a ,.*,.,.nu.rh


iT ,. Je f,.lk .4,ad,.m4! ,rou.) h ,).. i/r u.r de ..V,.t!J.ri,.lO',r J ,. .\ioub::;-p.V,.\la(•qUÍ*l^ H r iflb ll, Trtílet r t L avoisici*. w w « i ú ( \ ,11un úsair Y!J par t _4c11d ,.'>",. ■
fe-B^erniere, perftriwnnre t't pta ('df^rpOTlioi*, luunJ/Ir ri /rr.t Cõe-111111ir,iu lieti.t Immrf . I, '-,*. 1(

63
O aquecimento usando
lente de aumento estava
na moda naquela época,
A gravura mostra a
gigantesca lente de
aquecimento construída
por Lavoisier, para a
Academia Real de
Ciências, nos arredores de
Paris, em 1 777..
64
“Ao que se sabe,
nenhum homem
conseguiu dividir o
átomo.”
Retrato de John
Dalton.
aumento para focalizar energia solar (que estava na moda naquela
época), dentro de um recipiente no qual podiam ver o gás sendo
formado e coletá-lo. O gás era o oxigênio e a demonstração era
qualitativa. Entretanto, para Lavoisier, tal evento se constituiu
na imediata sugestão de que a decomposição química era
quantificável.
A idéia era simples e radical; realizar o experimento alquímico
nos dois sentidos e, então, medir exatamente as quantidades
permutadas. Primeiramente, em um sentido direto: queimar
mercúrio (de modo que ele absorva oxigênio) e medir exatamente
a quantidade de oxigênio gasta no vaso selado, entre o início e o
fim da queima. Em seguida, o processo é revertido: toma-se o
óxido de mercúrio obtido, aquecendo-o vigorosamente de forma
que liberte novamente o oxigênio. O mercúrio é deixado no
fundo, o oxigênio flui para dentro de um vaso, e a questão crucial
é: “Mas, quanto?” Exatamente a quantidade gasta anteriormente.
De repente, o processo se revela como na realidade ele é, nada
mais do que o acoplamento e o desacoplamento de quantidades
150 fixas de duas substâncias. Essências, princípios, flogistos, todos
A Estrutura Invisível

desaparecem. Dois elementos concretos, oxigenio e mercUio,


foram realmente demonstrados como podendo se combinar e
descombinar.
Pode parecer desvario querermos, partindo do processo primitivo
dos primeiros forjadores do cobre e das especulações mágicas dos
alquimistas, atingir a idéia mais poderosa da ciência moderna: a
idéia do átomo. No entanto, o caminho, o caminho daqueles que
pisam em brasas, é direto. Apenas um degrau se interpõe entre a
noção de elemento químico quantificada por Lavoisier e sua
expressão em termos atômicos pelo filho de um artesão em tece­
lagem de Cumberland, ao noroeste da Inglaterra, na fronteira
com a Escócia, John Dalton.
Depois do fogo, do enxofre e do mercúrio em chamas, era
inevitável que o clímax da história acabasse por acontecer na
fria umidade de Manchester. Aqui, entre 1803 e 1808, um
mestre-escola quaker chamado John Dalton transformou o vago
conhecimento das combinações químicas, ainda que iluminado
brilhantemente por Lavoisier, e isto de uma hora para a outra,
no preciso conceito moderno da teoria atômica. Foi um tempo
de descobertas espetaculares na química —naqueles cinco anos,
dez novos elementos foram encontrados; ainda assim, o interesse
de Dalton estava muito longe de tudo isso. Para dizer a verdade,
ele era, por assim dizer, um homem apagado. (Cego para cores,
ele era de fato, e o defeito genético de confundir vermelho com
verde, que ele descreveu a partir de si mesmo, foi chamado, desde
então, “daltonismo”.)
Dalton era homem de hábitos regulares. Todas as tardes de
quintas-feiras andava até os arredores para jogar criket. Além
disso, as coisas que prendiam seu interesse eram aquelas encon­
tradas no campo e que ainda caracterizam a paisagem de Man­
chester: água, gás dos pântanos, dióxido de carbono. Dalton
dirigiu a si próprio questões muito concretas a respeito de como
os elementos se combinavam em peso. Por que razão, sendo a
água composta de oxigênio e hidrogênio, sempre acontece das
mesmas quantidades desses elementos se combinarem a fim de
produzir uma certa quantidade de água? Por que razão isso
acontece na formação do dióxido de carbono, do metano? Por
que essas constâncias de peso?
Dalton passou todo o verão de 1803 trabalhando nessas ques­
tões. Seu relato é o seguinte: “O inquérito sobre os pesos relativos 151
A Escalada do Homem

das partículas elementares é, até onde vai meu conhecimento,


inteiramente novo. Ultimamente tenho prosseguido nesse inqué­
rito com inusitado sucesso”. A partir daí, chegou à conclusão de
que, sim, a antiga teoria atômica dos gregos, de há muito
abandonada, era verdadeira. Mas o átomo não é apenas uma
abstração; em um sentido físico ele possui um peso que carac­
teriza este ou aquele elemento. Os átomos de um elemento
(Dalton chamava-os “partículas essenciais ou elementares”) são
todos iguais e diferentes das do átomo de um outro elemento; e,
fisicamente, essa diferença se manifesta na diferença entre os
respectivos pesos. “Eu entenderia a existência de um número
considerável do que se deveria propriamente chamar partículas
elementares, as quaisjamais se metamorfoseassem umaemoutra.”
Em 1805, Dalton publica, pela primeira vez, suas idéias sobre
a teoria atômica que, resumidamente, exprimia o seguinte: se uma
quantidade mínima de carbono, um átomo, se combina para
formar dióxido de carbono, ela o faz, invariavelmente, com uma

Q©Q
determinada quantidade de oxigênio —dois átomos de oxigênio.

Se água se torma com dois átomos de oxigênio, cada um com­


binando com a quantidade necessária de hidrogênio, teremos
uma molécula de água a partir de um átomo de oxigênio e outra

000 000
molécula de água a partir de outro átomo de oxigênio.
65
Símbolos usados
por Dalton para os
elementos.
Os pesos estão corretos: o peso de oxigênio que produz uma
molécula de dióxido de carbono irá produzir duas moléculas de E L E M E N T S

água. E para um composto que não apresenta oxigênio em sua Ç ) /


Hyd,o5 ™ S lr o iit ia n tf

uh
molécula, estariam os pesos igualmente corretos? Para o gás dos (D '
B d iy t c s

J, 0 Iro n 4?
pântanos ou metano, por exemplo, resultante da combinação
C -r H n

0 kv&cu ; ( 7 ) Z m c M
direta do carbono com o hidrogênio, estariam corretos os pesos? O
( J ) Pk»fk.r„, J) C o o p e r sá
Sim, exatamente. Removendo-se os dois átomos de oxigênio de 0 )» © L ead ç»
uma única molécula de dióxido de carbono e os dois átomos de
S u lp liu r

( T ) Mijin-êi.i S ilv o
oxigênio de duas moléculas de água, o equilíbrio é perfeito: têm-se L im e 24 © G u ld lyo
as quantidades corretas de hidrogênio e de carbono para formar S o dd 18 P la tin a tfo

152 metano. (J^ ) P o tasl» yft M rrc u ry !Í]


A Estru tura Invis ível

0 -0
0^0
As quantidades, expressas em peso, dos diferentes elementos
que se combinam entre si, exprimem, através de suas constâncias,
um esquema subjacente à combinação entre seus átomos.
A aritmética exata dos átomos faz da teoria química a base
fundamental da moderna teoria atômica. Esta se constitui na
primeira lição penetrante, a emergir de toda aquela multitude
de especulações sobre o ouro, o cobre e a alquimia, vindo alcançar
seu cume com Dalton.
Uma outra lição se dirige à questão do método científico.
Dalton era homem de hábitos regulares. Durante cinqüenta e sete
anos, todos os dias, percorria os arredores de Manchester medindo
a quantidade de precipitação de água e a temperatura - empresa
particularmente monótona, em se tratando desse clima. Mas
desse enorme volume de dados nada brotou. Entretanto, naquela
busca, nascida de uma pergunta quase infantil sobre o significado
dos pesos que entram na composição de algumas moléculas
simples - naquela busca, encontrou a moderna teoria atômica.
Tal é a essência da ciência: faze uma pergunta impertinente e
estarás no caminho de receber uma resposta pertinente.
A MÚSICA DAS ESFERAS

A matemática é, sob muitos aspectos, a mais elaborada e requin­


tada das ciências - ou pelo menos a mim me parece, sendo eu
matemático. Assim, a despeito do prazer, há um certo constran­
gimento em minha tentativa de descrever os progressos da
matemática, na medida em que esta tem sido objeto de tanta
especulação humana: uma escada tanto para o pensamento
místico como para o racional, na escalada intelectual do homem,
Entretanto, alguns conceitos têm de figurar, necessariamente,
em qualquer exposição sobre o que a matemática representa: a
idéia lógica de prova, a idéia empírica das leis exatas da natureza
(de espaço, particularmente), a emergência do conceito de
operações, e a evolução, dentro da matemática, da descrição
estática para a descrição dinâmica da natureza. Esses conceitos
constituem o tema deste ensaio.
Mesmo povos muito primitivos possuem um sistema numérico;
podem não saber contar além de quatro, mas sabem que dois de
uma espécie mais dois da mesma espécie perfazem quatro, não
apenas algumas vezes, mas, sempre. A partir desse passo funda­
mental, muitas culturas desenvolveram sistemas numéricos
próprios, freqüentemente na forma de uma linguagem escrita,
66 com convenções semelhantes. Os babilônios, os maias e o povo
Pitágoras encontrou da índia, por exemplo, inventaram essencialmente a mesma
uma relação maneira de escrever grandes números, organizando-os na seqüên-
fundamental entre cia de dígitos por nós utilizada, isso apesar desses povos terem
harmonia musical e
matemática. existido isolados uns dos outros, no espaço e no temp°.
Corda vibrando na Dessa maneira, não irei encontrar nem um local, nem um
nota fundomental.
Com o nó no meio a momento histórico para o qual possa apontar e dizer “A aritmé­
corda vibra em
uma nota uma
tica começa aqui, agora”. Contar e falar são duas atividades
oitava mais alta. identificadas em todos os povos, em todas as épocas. A aritmética,
O nó sendo
deslocado, para um
como a linguagem, começa como lenda. Mas as matemátik^ no
terço do sentido que lhe emprestamos, raciocínio com números, é matéria
comprimento, a diferente. Assim, na esperança de maiores esclarecimentos sobre
cardo irá tocar a um
quinto acima; com a origem destas, isto é, do encontro entre lenda e história,
um quarto do velejei até a Ilha de Samos.
comprimento, irá
tocar a um quarto,
uma oitava mais Em tempos lendários, Samos era o centro da adoração grega
alto; a um quinto do
comprimento, um
da deusa Hera, a Rainha dos Céus, esposa legítima (e ciumenta)
terço mais alto. de Zeus. O que resta de seu templo, o Heraion, data do século 155
A Escalada do Homem

VI antes de Cristo. Por essa época, em torno de 580 a.C., nasceu


em Samos o primeiro gênio e fundador da matemática grega,
Pitágoras. Em seu tempo a ilha foi tomada por um tirano, Polí-
crates. E a tradição conta que, antes de fugir, Pitágoras ensinou,
oculto em uma caverna branca da montanha, ainda hoje mostrada
àquele que queira acreditar.
Samos é uma ilha mágica. No ar sente-se o mar, as árvores, a
música. Muitas outras das ilhas gregas seriam palco apropriado
para The Tempest, mas, para mim, esta é a ilha de Próspero, a
praia onde o acadêmico se transformou no mágico. Pode ser que
também Pitágoras fosse uma espécie de mágico para seus segui­
dores; ele não ensinou ser a natureza comandada pelos números?
Há uma harmonia, disse ele, uma unidade em sua variedade, e
uma linguagem apropriada: os números são a linguagem da
natureza.
Pitágoras encontrou uma relação básica entre harmonia musical
e matemática. A história dessa descoberta tal qual uma lenda
popular está envolta em mistério, mas a descoberta em si foi
precisa. Uma única corda, ao vibrar, produz ■uma nota básica. Os
harmônicos dessa nota são produzidos por cordas obtidas por
divisões daquela corda em números exatos de partes: exatamente
duas, três, quatro partes, e assim por diante. No caso do ponto
fixo da corda, o nó, não coincidir com uma dessas divisões, o
som será distoante.
Ao se deslocar o nó ao longo da corda, as notas harmônicas são
reconhecidas quando aquelas divisões são atingidas. Comecemos
com a corda inteira: essa é a nota básica. Movamos o nó para o
ponto médio: essa é a oitava acima dela. Movamos o nó a um
terço do comprimento: essa é a quinta acima dela. Movamos,
agora, o nó para um quarto do comprimento: essa é a quarta ou
outra oitava acima. E, ao movermos o nó, para um ponto a um
quinto ao longo do comprimento, esta será (a qual Pitágoras não
alcançou) a terça maior acima.
Pitágoras descobriu serem as notas cujos respectivos sons
agradam aos ouvidos —aos ouvidos ocidentais —aquelas obtidas
por divisões da corda por números inteiros. Aos pitagóricos essa
descoberta adquiriu o significado de uma força mística. O acordo
entre natureza e números era tão perfeito, a ponto deles se per­
suadirem de que, não apenas os sons naturais, mas todas as suas
dimensões características, deveriam ser números representando
156 harmonias. Por exemplo, Pitágoras ou seus seguidores acredita-
A Música das Esferas

vam ser possível calcular as órbitas dos corpos celestes (condu­


zidos ao redor da Terra em esferas de cristal, segundo a concepção
grega) relacionando-as aos intervalos musicais. Para eles, todas as
regularidades naturais eram musicais. Assim, os movimentos
celestes representavam a música das esferas.
Essas idéias conferiram a Pitágoras uma posição de vidente na
filosofia, quase um líder religioso, cujos seguidores formavam
uma seita secreta, e talvez revolucionária. É provável que muitos
dos seguidores mais tardios de Pitágoras fossem escravos; acredi­
tavam na transmigração das almas, o que poderia representar
uma maneira de garantir a esperança de uma vida mais feliz após
a morte.
Embora venha falando sobre a linguagem dos números, que é a
aritmética, em meu último exemplo foram referidas as esferas
celestes, as quais representam formas geométricas. A transição
não é acidental. A natureza se nos apresenta através de formas:
uma onda, um cristal, o corpo humano, e compete a nós sentir
e encontrar as relações numéricas nelas contidas. Pitágoras foi
um pioneiro no estudo das correspondências numéricas da
geometria, e tendo sido essa minha escolha dentro das matemá­
ticas, acho pertinente analisar o que ele fez nesse campo.
Pitágoras havia provado que o mundo dos sons é governado
por números exatos. Assim, dirigiu sua pesquisa no sentido de
verificar se o mesmo ocorria no mundo das imagens visuais. E
nisso há um feito extraordinário. Olho ao meu redor: aqui estou
nesta paisagem grega, colorida e maravilhosa, entre formas
rústicas naturais e grotões órficos e o mar. Onde, sob este lindo
caos, poderia ser encontrada uma estrutura simples, numérica?
A questão nos reporta às mais primitivas constantes de nossa
percepção das leis naturais. Para encontrar a resposta é claro que
devemos partir de dados universais da experiência. Há duas
experiências nas quais nosso mundo visual se baseia: a gravidade
é vertical e o horizonte é ortogonal à primeira. Essa c°njunçã°,
esse cruzamento de linhas no campo visual fixa a natureza
do ângulo reto; assim, se eu girasse esse ângdo reto sensorial
(o sentido de “para baixo” e o sentido de “para oü lados”)
quatro vezes, voltaria ao cruzamento da gravidade com o
horizonte. O ângulo reto é definido por essa operaçao em
quatro estágios, e, através dela, diferenciado de qualquer outro
ângulo arbitrário. 157
A Escalada do Homem

Então, no mundo visual, na imagem do plano vertical que nos


é apresentada pelos nossos olhos, um ângulo reto é definido por
sua rotação em quatro estágios sobre si mesmo. A mesma defini­
ção é válida para o plano horizontal percebido, no qual, na
realidade, nos movemos. Considerem esse mundo, o mundo da
Terra plana dos mapas e dos pontos cardeais. Nele me encontro
olhando através dos estreitos, de Samos para a Ásia Menor, na
direção Sul. Tomo um sarrafo triangular e aponto-o naquela
direção: sul (com o sarrafo triangular pretendo ilustrar as quatro
rotações sucessivas do ângulo reto). Girando o sarrafo, de um
ângulo reto, ele irá apontar para o oeste; mais uma rotação de
um ângulo reto e estará apontando para o norte; numa terceira,
o ponto apontado será leste; e, na quarta, e última volta, a apon­
tar para o sul, para a Ásia Menor, nosso ponto de partida.
Não somente o mundo natural de nossa percepção, mas tam­
bém o mundo por nós construído, obedece a essas relações. Tem
sido assim desde os tempos em que os babilônios construíram
os Jardins Suspensos, e mesmo antes, no tempo da construção
das pirâmides pelos egípcios. Em um sentido prático, essas cul­
turas já tinham conhecimento de um arranjo quadrado de
construção, no qual as relações numéricas revelavam e formavam
ângulos retos. Os babilônios conheciam muitas delas, talvez
centenas dessas fórmulas, por volta de 2000 a.C. Os indianos e
os egípcios conheciam algumas. Parece que estes últimos quase
sempre usavam o arranjo quadrado, como os lados do triângulo
constituídos de três, quatro ou cinco unidades. Não foi senão
por volta de 550 a.c., que Pitágoras recuperou esse conhecimento
do mundo dos fatos empíricos para o universo daquilo que hoje
chamaríamos de prova. Isto é, ele formulou a pergunta: “De que
maneira os números que representam o triângulo dos construtores 67
Pitágoras elevou esse
derivam do fato de um ângulo reto ser aquele que tem de ser conhecimento do
girado quatro vezes para voltar a apontar na mesma direção?”. mundo dos fatos
Sua prova, imaginamos, era mais ou menos a seguinte (não é empíricos para o
aquela que aparece nos livros escolares). Os quatro pontos mundo do que
agora chamamos de
cardeais —Sul, Oeste, Norte e Leste —, dos triângulos que formam prova.
A prova pitagórica,
os cruzamentos na bússola, representam os cantos de um descrita no texto, de
quadrado. Deslizo os quatro triângulos de tal modo que o lado que, em um
triângulo retângulo,
mais longo de cada um coincide com o ponto cardeal formado o quadrado do
pela justaposição ao vizinho. Assim, acabei por construir um hipotenusa é igual a
quadrado cujos lados são iguais ao maior lado do triângulo reto soma dos quadrados
dos outros dois
158 —a hipotenusa. A fim de que se possa melhor identificar a área lados.
A Escalada do Homem

interna, formada por aquilo que não lhe pertence, vou preencher
o pequeno quadrado interno com outro pedaço de sarrafo. (Faço
uso de sarrafos porque muitas de suas formas, em Roma e no
Oriente, derivam desse tipo de casamento entre relações matemá­
ticas e pensamento sobre a natureza.)
Temos, então, um quadrado pela hipotenusa e, é claro, por 68
meio de cálculos, podemos relacioná-lo aos quadrados através Pitágoras provou um
dos lados menores. Mas essa operação iria ocultar a estrutura teorema geral não
natural da figura. Nenhum cálculo é necessário; podemos dis­ apenas para o
triângulo 3:4:5 dos
pensá-lo. Uma pequena brincadeira, dessas apreciadas por egípcios ou
crianças e matemáticos, revelará muito mais do que cálculos. qualquer outro
triângulo particular
Transponham-se dois triângulos para novas posições. Assim. dos babilônios, mas,
Mova-se o triângulo que apontava para o sul, de modo que seu sim, para qualquer
lado mais longo se justaponha ao lado correspondente do triân­ triângulo que
contiver um ângulo
gulo que apontava para o norte. Repita-se a mesma operação reto.
Página de uma
com os triângulos que apontavam, respectivamente, para o leste versão árabe do
e para o oeste. ano 1258 e uma
impressão chinesa
Dessa maneira construímos uma figura em forma de L, com a do teorema,
mesma área (evidentemente, uma vez que composta das mesmas associada à história
peças), em cujos lados podemos identificar de pronto os lados da China pelo
contemporâneo de
menores do triângulo reto. Vejamos um meio de visualizar a Pitágoras, Chou Pei.
composição da figura em forma de L: isto se consegue colocan­
do-se uma divisão ao nível superior do segmento horizontal do
L. E então? Não fica claramente demarcado, na parte superior,
um quadrado com lado igual ao lado menor do triângulo? E a
parte inferior, não forma um quadrado, incluindo o ângulo reto,
com lado igual ao lado maior do triângulo?
Dessa forma, Pitágoras provou um teorema geral, válido não
apenas para o triângulo 3:4 :5 egípcio ou para um dos triângulos
babilônicos, mas para qualquer triângulo que contenha um ângulo
reto. Isto é, desde que um triângulo contenha um ângulo reto,
o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos
catetos (ou lados menores do triângulo). Por exemplo, lados
na proporção 3:4:5 formam um triângulo retângulo uma vez que
52 = 5x5 = 25
= 16 + 9 = 4x4 + 3x3
= 42 + 32.
O mesmo acontece com os triângulos encontrados pelos
babilônicos, tanto o simples 8:15:17, como o inacreditável
3367:3456:4825 o que não deixa a menor dúvida em relação ao
160 fato deles terem sido ótimos em aritmética.
)

\
1 1
\

Até hoje o teorema de Pitágoras permanece sendo o teorema


simples mais importante de toda a matemática. Embora ousada,
essa afirmação não é extravagante. Pitágoras estabeleceu a carac­
terização do espaço no qual nos movemos e, também, pela
primeira vez, traduziu-a em números. E a adequação dos números
descreve as leis exatas que unem o Universo. De fato, os números
componentes do triângulo retângulo foram propostos para
servirem de mensagens intergalácticas como uma forma de
sondarmos a existência de vida racional em outros mundos.
Na forma em que o demonstrei, o teorema de Pitágoras escla­
rece a simetria do espaço plano; o ângulo reto é o elemento da
simetria que divide o plano quatro vezes. Se o espaço plano
apresentasse outro tipo de simetria, o teorema não seria verda­
deiro; a verdade estaria em alguma outra relação entre os lados
de outros triângulos particulares. E, note-se, o espaço é parte
fundamental da natureza, tanto quanto o é a matéria, mesmo
sendo (como o ar) invisível; nessa dimensão está a essência da
geometria. A simetria não representa apenas uma sofisticação
descritiva; à semelhança de outros pensamentos pitagóricos, ela
busca a harmonia da natureza. 161
A Escalada do Homem

Em agradecimento à inspiração, depois de provar o grande


teorema, Pitágoras ofereceu uma centena de bois às Musas. For
um gesto ao mesmo tempo de orgulho e humildade, equivalente
ao sentimento experimentado por todo cientista ao ver os
números se encaixarem e murmurar: “Eis aí um caminho, uma
chave para desvendar a estrutura da natureza”.
Pitágoras era tanto um filósofo como uma espécie de líder
religioso para seus seguidores. Nele também havia qualquer coisa
de influência asiática, que pervaga toda a cultura grega, e que
tendemos a não levar em conta. Para nós, a Grécia é parte do
Ocidente; mas .Samos, no extremo da Grécia clássica, fica a dois
quilômetros da costa da Ásia Menor. Daqui fluiu grande parte
dos pensamentos inspiradores da Grécia; nos séculos seguintes
eles se refletiram de volta para a Ásia, muito antes de chegarem
à Europa Ocidental.
O conhecimento realiza viagens prodigiosas, de forma que o que
a nós parece um salto no tempo se constituiu em uma demorada
progressão de um local para outro, de cidade em cidade. Junta­
mente com suas mercadorias, as caravanas transportaram métodos
de comércio de seus países —os pesos e as medidas, os métodos
de contabüização —, assim, através da Ásia e do Norte da África,
por onde quer que fossem, divulgavam técnicas e idéias. Como
um exemplo entre muitos, a matemática de Pitágoras não chegou
até nós diretamente. Ela incendiou a imaginação dos gregos, mas
foi numa cidade do Nilo, Alexandria, onde recebeu a forma de
um sistema ordenado. O responsável por esse feito foi, nada
menos, do que o famoso Euclides que, provavelmente, chegou a 69
Alexandria por volta de 300 a.C. Os Elementos de
Geometria foram,
Euclides evidentemente pertencia à tradição pitagórica. Conta­ até os tempos
-se, certa feita, que ao ser questionado por um ouvinte a respeito modernos,
do uso prático de um teorema, teria ele respondido, desdenhosa- traduzidos e
copiados mais do
mente, dirigindo-se ao seu escravo: “Ele quer ter lucro com o que qualquer outro
conhecimento; dê-lhe uma moeda”. Essa frase provavelmente livro, comexceção
da Bíblia.
foi adaptada a partir de um moto da fraternidade pitagórica, o Página da tradução
de Euclides, feita no
qual pode ser livremente traduzido por “Um diagrama e um século XII por
degrau, nunca um diagrama e um tostão”. “Um degrau” sendo Adelard de Bath e
desde então
degrau de conhecimento ou o que chamei Escalada do Homem. reiteradamente
O impacto de Euclides como modelo de raciocínio matemático copiada. Esta cópÜl
foi fortíssimo e duradouro. Seu livro Elementos de Geometria foi feita na Itália,
nos fins do século
162 foi copiado e traduzido muito mais do que qualquer outro livro, XV.
ç I mlttiu » i«<i i|«if . *
Y>if7iií rf/ mui: jiifs tum c*f/. ] tucAcií Imt^jtvdt rr»‘ h
( m i Í M t t u d m c i ' , w i j i j t u i i ô c n r t H i t i it iv íi i u o f r i t à i f*
l-*W c A 'V trflA cf< < ib r t u v 'ju t fit/ v w 4 l u u l y u t i W '’ " t \ t i n
( m r x f i m i i M r r -■ ■fttéi* t i t t i t i f n - r . « r d p i o j * . S i w f m t r ft / j
"Jfuu ■ ;•! w ,í

[u u c ■
i p u g n u íi f t H <l U f i t n A n u M t it u b,il*\. m m * n r /!n t | fu 1
y l u i t i t f/ t lm t i.i Im o i , u ( .i h ,i r u rK trt.fro tu r u i i
AnjMtltf
■ rf '«»-<• I n£ i « I|H flfrffjff t f } lu A <11
..t f
i u u H n - ijtu ir- n c fx m fic J u j m f u p p n n u if p t d o í j n o d m H t
( i j i . f » <(c .p d w m U i i c t i n t i a t n u U v r r H t t i J t n f i n t í i S h im r n - ,v t
p ulw - th fu .tC iin Q j lf n * l l w M j t t p U U > r (»»«ÍW ■ IjlM fK f íitio .j
S n f i f i f ii/ t y h q f t i m i K p jt t.t lr r r c »m M i • 1 Iw n
f '•{<■ " t ' ' ' 1” f tf • / T/. *í < • \>U» ' HO ii ■

l k r>rt<Ctrfi il í M p t v, *|" ^ J r *i >i » f.. , » «< f « r ’ ( ■

lu t l it t r n • tf tftic t . /| p (fi ItPMf.t-r)-' ''I ■ " 1


.tlipnUff
v t t i i i l u * (ft fiç n in fl ii t i .i " u 1 íj /m/m

i;.
uct f n » 'iu ‘ ú ' i r t i t r i i i t »ií
(jttc n u u frn u fi.1 i/oi.tms \u cihu* inuiw j joí^ím- tfí .i<p/fr
1*1*1< m
li I
« td r t jt f , i . m !'n i : v
I |».o / ' i »
p lh iu u it r f u u t i ;■ ’ <> V th n
' :rt '
I i í ■• P V C ft tll
+nnr.tmlut-
Om •■ <*» . ?
* " " <■<* m i ...................... ( Sm ! J <f t ■

», [•• • i <t f n>e n t i t i f r u i i i u rn» M / h n ic m n lp q n iiit »rtt m u õ i


M iO H ih in R c*kf t i t t it t p p U ) f i m i tju f■»n*h< t t t u n m u f u i c u u t ■ > íj
tj u r J ,i n r f .H t f i , f v N i ‘ n S n - l t f t K t ju u íW jn < u {ftfo in r / fJ t M m u n nV
t » U uci* • t p .iv h w n l n l u u n plm ib n + fq it-u n u Jt t r f f t * 't u e ' t w t i r f * <
f}v*«r*í
I -Mb; lí 'l■llíffrtií 1
f i p i i M i n i U / r u n . th ,i cf/ n a u g n h t- - I\ t b o i* o jiii lt 4 i t t a . i U it t t
i { n v I b d n i f í< |rM ?i4 */fÍM ri7 /f» /ç*íti.'- f» i/ íu c / p t- ih ti I t i n m t r
I »<r f .« Ii4 c ji oirti/uuniui Ufi«w/ fT<lu*\ u t h i
/ ■ •
lu ib n * » ‘
r *fjvT»iiwi
t« r .lo if i íi; '» t* n«. .»/(,! c f i Hii>uUíUu'
, fu ih m u u ij ir t r .u if ''" .il t .t i// i , f» tç'»< r "• t f í f f p '» ’
,.>Mi j> U SfddtiA rjltiin iM b m jijHiWrífii 1 ' Tm i j •
ii , i »p » ■ t <»». •» r i ‘ » • i / jw L u n d u i
• ( • ■, ' i i ' 1 «> • I
d tff.iftt r * 'it m fitt/f tu r .ld f t f v f f < < ’ V 7 i .ir»p i*» »{n
p rrm f*ti rt »<•.'; mi**/ i r u m u i n f rfM in n f t w r t n tj ft t in iu
P I TTfif /| ;■ <»(// tfr/JUclllxK " tlhlf» ( h > .< í.triffi 'iiir *•£«£• inr^iW t»
v Y t u u IfU O W i J t i r r r i .iíip/fM M #; It / t u t r u t tu r n n u u u tr<
j r • ik '«K \ p .T » i / ht »
i i »i ' ’ n iic ftc u / in
m| rrnoV » j i * *-»MiVv f ■ .f<n>»■■■ '»í\ •
O t n f - ir M f r U U f t t / lc * ft h t t u y
■" j ' "
tu n r-j
‘f
I i»irrru'*r^'
I, >i '<i r f »it -f | tp ‘ t.r< •»•>.* » : (■ «< ' ^ ih io j »
iitM jMffr i v, t ci,'fun i < ILi‘- 1 i * (
i »i cai» »•; i ^ i.f» u ' í _. • u n tr> • » u v tir '

rtu *
t •/
A Escalada do Homem

com exceção da Bíblia. Minhas primeiras noções de matemática,


aprendi-as com um homem que ainda citava os teoremas da
geometria pelos números a eles atribuídos por Euclides; esse
modo de referência era o adotado no passado, sendo comum há
cinqüenta anos atrás. Quando, por volta de 1680, John Aubrey
escreveu seu relato sobre como, já à meia-idade, Thomas Hobbes
“se apaixonou” pela geometria, e daí pela filosofia, explica o
acontecimento pelo fato de Hobbes ter encontrado, “na biblio­
teca de um cavalheiro, os Elementos de Euclides aberto no
47 Element Libri / ”. A proposição 47 do Livro 1 dos Elementos
de Euclides é o famoso teorema de Pitágoras.
A outra ciência praticada em Alexandria, nos séculos próxi­
mos ao nascimento de Cristo, era a astronomia. Mais uma vez
podemos descobrir o tecido da história nas malhas da lenda:
quando a Bíblia afirma que três sábios seguiram uma estrela até
Belém, na narrativa distinguimos o eco de uma era em que os
homens de conhecimento observavam as estrelas. O segredo dos
céus, procurado pelos sábios da antigüidade, foi desvendado pelo
grego Claudius Ptolomeu, em Alexandria, cerca do ano 150 de
nossa era. Seu trabalho chegou à Europa através de textos árabes,
uma vez que as edições manuscritas do original grego se perderam,
algumas na pilhagem da grande biblioteca de Alexandria, por
fanáticos cristãos, no ano 389, outras nas guerras e invasões que
agitaram o Mediterrâneo Leste durante a Idade Média.
O modelo celeste construído por Ptolomeu é maravilhosa­
mente complexo, mas parte de uma analogia simples. A Lua gira
em torno da Terra, obviamente; assim, para Ptolomeu, nada mais
evidente do que considerar que o Sol e os outros planetas fizessem
o mesmo. (Para os antigos, o Sol e a Lua eram planetas.) A forma
perfeita de movimento para os gregos era o movimento circular; 70
assim, Ptolomeu fez com que seus planetas girassem em círculos. Osistema
ptolomaico era
Hoje, consideramos esse esquema de ciclos e epiciclos ingênuo construído a partir
e artificial. Entretanto, o sistema constituía uma invenção de círculos, ao
longo dos quais o
igualmente bela e funcional, tendo se tornado objeto de fé, tempo transcorria
para árabes e cristãos, por toda a Idade Média. Sobreviveu uniforme e
mil e quatrocentos anos, portanto, muito mais tempo do que imperturbavelmente.
Ilustração tirada de
qualquer teoria moderna pode aspirar, sem sofrer modificações um manuscrito
provençal do século
radicais. IV. Os anjos giram
Torna-se pertinente, nesta altura, fazer algumas reflexões manivelas que
sobre as razões que levaram a astronomia a um desenvolvimento movem uma esfera
celeste ao redor da
164 tão precoce e elaborado, de forma a se firmar como arquétipo Tetra.
A Música das Esferas

das clencias físicas. Por si próprias, as estrelas devem ser os


objetos com a menor probabilidade de despertar a curiosidade
humana. O corpo humano deveria ter sido um candidato muito
mais natural como objeto de investigação sistemática. Então,
p°r que a astronomia avançou, como ciência, na frente da
medicina? Por que a própria medicina se voltou para as estrelas
em busca de presságios, a fim de determinar condições favoráveis
ou desfavoráveis para a vida do paciente? - e não seria o apelo à
astrologia uma abdicação da medicina como ciência? Em minha
opinião isso se deveu ao fato de se terem tornado possíveis
cálculos sobre os movimentos das estrelas, a partir de tempos
rem°tos (talvez 3000 a.c. na Babilônia), e daí assentado as bases
para a matemática. A preponderância da astronomia se estabele­
ceu por ser possível tratá-la matematicamente; assim, os pro­
gressos da física, e, mais recentemente, os da biologia, se ligam à
procura de formulações de suas leis, de tal forma que possam ser
arranjadas em modelos matemáticos.
Muito freqüentemente, a vulgarização de uma idéia depende de
um novo impulso. O aparecimento do islamismo, seiscentos anos
depois de Cristo, foi um novo e poderoso impulso. Iniciou-se
como um movimento local, ainda incerto de seu destino, mas,
depois da conquista de Meca por Maomé, no ano 630, atingiu
toda a parte Sul do mundo daquela época, como se fosse uma
tempestade. Em uma centena de anos o islamismo capturou
Alexandria, estabeleceu uma fabulosa cidade de conhecimento
em Bagdá, e estendeu suas fronteiras para além de Isfahan, na
Pérsia. No ano 730, o império maometano englobava desde a
Espanha e sul da França até as fronteiras da China e da índia:
um império de força e beleza, enquanto a Europa permanecia
mergulhada na escuridão da Idade Média.
Essa religião prosélita assimilava com avidez cleptomaníaca a
ciência dos povos conquistados. Ao mesmo tempo, propiciava a
liberação de atividades artesanais simples, locais, que de há muito
vinham sendo desdenhadas. Por exemplo, as primeiras mesquitas
abobadadas foram constru ídas com equipamentos não mais
requintados do que o conjunto de esquadros dos pedreiros -
ainda hoje em uso. O Masjid-i-J omi (Mesquita da Sexta-feira),
em Isfahan, representa um dos monumentos dos primórdios do
islamismo. Em centros como esse, os conhecimentos gregos e
orientais eram reverenciados, absorvidos e d iv e ^ t^ ^ s . 165
—*»\

Em Maomé havia a convicção firme de que o Islamismo não


deveria se tornar uma religião de milagres; no seu conteúdo
intelectual se afirmou como padrão de contemplação e análise.
Os escritores maometanos despersonalizaram e formalizaram o
divino; o misticismo islâmico não é sangue e vinho, carne e pão,
mas, sim, um êxtase imaterial.
Alá é a luz dos céus e da terra. Sua luz pode ser comparada ao nicho que
abriga uma lâmpada, a lâmpada no interior de um cristal de radiação estelar,
luz sobre luz. Nos templos que Alá escolheu para serem construídos, para
que seu nome seja reverenciado, os homens que a Ele dão graças de manhã
e à noite são homens cuja atenção nem comércio nem lucro podem desviar
de Sua lembrança.
Uma das invenções gregas elaborada e divulgada pelo islamismo
foi o astrolábio. Como dispositivo de observação ele é primitivo;
mede apenas a elevação do sol ou de uma estrela, e mesmo isso O71astrolábio
grosseiramente. Mas, pela combinação dessa observação simplista representava o
com um ou mais mapas de estrelas, o astrolábio também permitia relógio de bolso e a
régua de cálculo do
a elaboração de um esquema computacional capaz de determinar mundo.
latitudes, horas do nascer e pôr do sol, horas de orações, e a Face de um
astrolábio islâmico
direção da Meca para o viajante. Sobre o mapa estelar, o astrolá­ do século IX, de
bio era decorado com detalhes religiosos e astrológicos, para Toledo.
Face posterior de
maior conforto místico, evidentemente. um astrolábio gótico
Durante longo tempo o astrolábio foi o relógio de bolso e a de 1390, do tipo
descrito por
régua de cálculo do mundo. As instruções para usar o astrolábio, Chaucer.
escritas em 1391 pelo poeta Geoffrey Chaucer, e, endereçadas Computador
astrológico de
ao seu filho, foram copiadas das de um astrônomo árabe do cobre. Baghdad,
166 século VIII. 1241.
A Escalada do Homem

O c á lc u lo se c o n s titu ía em d eleite in e sg o tá v e l p ara o a c a d ê m ic o


m o u r isc o . C u ltiv a v a m p r o b le m a s, d e lic ia n d o -se em en con trar
m éto d o s en gen h osos de so lu ç ã o , os q u a is, m u ita s vezes, eram
em p regad os para a con stru çã o de d isp o sitiv o s m e c â n ic o s. U m
c a lc u la d o r m a is e la b o r a d o d o que o a str o lá b io é rep resen ta d o
p e lo c o m p u ta d o r a str o ló g ic o ou a str o n ô m ic o , se m e lh a n te a u m
c a le n d á r io a u to m á tico , fe ito n o C a lifa d o de B agdá, n o séc u lo
X III. Suas op erações não são m u ito p o d ero sa s, c o n sistin d o de
a lin h a m e n to s de p o n te ir o s para fin s p r o g n ó s tic o s ; n o en tan to,
a p resen ta -se c o m o testem u n h o d a h a b ilid a d e m e c â n ic a d a q u e le s
q u e o c o n stru íra m h á sete c e n to s a n o s, b e m c o m o d a a p a ix o n a n te
a tra çã o q u e os n ú m ero s ex e r c ia m sob re suas m en tes.
A in o v a ç ã o iso la d a m a is im p o r ta n te o fe r e c id a p e la sa g a c id a d e ,
irriq u ietu d e e to le r â n c ia d o pensador árabe fo i a m a n eira de
escrever os núm eros. N a E u rop a, a n o taçã o a d o ta d a a in d a era a
r o m a n a , n a q u a l o s n ú m e r o s sã o e sc r ito s p o r sim p le s a d iç ã o d e
p a rtes in d ep en d en tes: p o r e x e m p lo , 1 8 2 5 é esc r ito M D C C C X X V ,
p o rq u e rep resen ta a so m a d e M = 1 00 0, D = 500, C + C + C =
1 00 + 1 00 + 100, X + X = 10 + 10 e V = 5 . O isla m ism o a
s u b s titu iu p e la n o t a ç ã o d e c im a l q u e u s a m o s , e p o r isso é c h a m a d a
n o taçã o “ a rá b ica ” . À m argem de u m m a n u sc r ito á ra b e (rep ro ­
d u z id o a b a ix o ) o s n ú m e r o s n a lin h a su p e r io r s ã o 18 e 25. Para
se'escrev er 1 82 5, os n ú m e r o s seria m a lin h a d o s ju s ta m e n te na
fo r m a q u e a í a p a recem , u m a v ez q u e o im p o r ta n te , n essa n o ta ç ã o ,
é a p o siçã o e m que o n ú m e r o a p a r e c e n a se q ü ê n c ia , sin a liz a n d o
m ilh a r e s, c e n te n a s , d e z e n a s e u n id a d e s.
E n treta n to , e m u m siste m a e m q u e a m a g n itu d e é sin a liz a d a
p ela p o siç ã o em se q ü ê n c ia , há de se p o d er d isp o r d e p o siç õ e s
v a z ia s. A n o taçã o a rá b ica e x ig iu a in v e n ç ã o d o zero . O s ím b o lo
para o zero ocorre duas vezes n essa p á g in a , e m u ito m a is na
seg u in te , p a r ec e n d o -se b a sta n te co m a n o s s a . A s p a la v r a s z e r o e
c ifra são de o rig em árabe, d o m esm o m o d o que o sã o á lg e b ra ,
a lm a n a q u e , e z é n ite e u m a d ú z ia d e o u tra s u sa d a s em m a te m á tic a
e a str o n o m ia . O siste m a d e c im a l fo i tra zid o d a ín d ia p e lo s ára b es,
por v o lta d o an o 7 50 , m as esse n ã o se e sta b e le c e u na E uropa
se n ã o q u in h e n to s a n o s d e p o is.

~ H j t* ^— ' ,A N o manuscrito ilustrado


à esquerda vê-se que,
c 'V i- já muito cedo,
aparecem os números
£ 1 /C U 'j >>/! de 1 a 9. Estes são lidos
da direita para a
168 <V & I.. . .C â ü iJ L l' x esquerda.
A Música das Esferas

A grande extensã° do Império Mourisco talvez seja a responsáVel


por ele ter-se tornado uma espécie de bazar do conhecimento,
cujos intelectuais incluíam desde os heréticos cristãos nesto-
rianos do Oriente, até os judeus infiéis do Ocidente. Havia,
também, uma qualidade na religião islâmica, a qual, embora
empenhada em converter as pessoas, jamais desprezava o conhe­
cimento delas. A leste, a cidade persa de Isfahan é o seu monu­
mento. A oeste, ainda sobrevive o Alhambra , no sul da Espanha,
como exemplo de um de seus mais extraordinários postos
avançados.
Visto do exterior, o Alhambra aparece como uma fortaleza
quadrada, bruta, sem a menor indicação de se tratar de uma
construção árabe. Por dentro, vê-se não se tratar de uma fortaleza,
mas, sim, de um palácio, e de um palácio deliberadamente
planejado para representar, na terra, as delicadezas do céu. O
Alhambra é uma construção tardia. Tem a lassidão de um império
em declínio, que perdeu o espírito aventureiro e se julga estável.
A religião da meditação torna-se sensual e acomodada. Ela ressoa
com a música da água, cujas frases sinuosas permeiam todas as
melodias árabes, mas se encaixam perfeitamente na escala pita-
górica. Cada recanto ecoa a memória de um sonho, no qual o
sultão flutua (pois já não andava mais —era carregado). Alhambra
se pretende uma réplica do Paraíso descrito no Alcorão.
Abençoada seja a recompensa daqueles que trabalham pacientemente e
confiantes em Alá. Aqueles que abraçam a verdadeira fé e produzem boas
obras serão hóspedes eternos das mansões do Paraíso, onde rios correrão
aos seus pés. . . e honrados serão nos jardins das delícias, na maciez das
almofadas. De uma fonte uma taça será passada entre eles, límpida, delicio­
sa, àqueles que bebem. . . Suas esposas, em macias almofadas verdes, e em
lindos tapetes, teclinar-se-ão.
O Alhambra representa o último e mais curioso monumento
da civüização árabe na Europa. Aqui governou o último rei
mourisco até 1492, ao tempo em que Isabel de Espanha financiava
a aventura de Colombo. Forma uma colméia de quadras e apo­
sentos, e a Sala de las Camas é o recanto mais secreto do palácio.
Para aqui se dirigiam as donzelas do harém, onde, depois do
banho, se reclinavam nuas. Músicos cegos tocavam na galeria, e
os eunucos se agitavam à volta. O sultão contemplava altaneiro,
até enviar uma maçã, a mensagem de sua escolha, àquela que
seria sua companheira da noite. 169
72
Visto de fora o Alhambra
é uma fortaleza quadrada,
brutal.
Vista da Sena Nevada e
do Alhambra em Granada.

O73Alhambra representa o
último e mais requintado
monumento da
civilização árabe na
Europa.
Galeria dos músicos
e sala de banhos do
harém.
♦♦♦♦<
A Escalada do Homem

Em uma civilização ocidental, um aposento desse tipo estaria


certamente decorado de maravilhosas pinturas eróticas de formas
femininas. Mas, aqui, não. A representação do corpo humano era
proibida ao maometano. Mesmo o estudo da anatomia era proibi­
do, o que acabou sendo um fator de atraso na ciência muçulmana.
Assim, a decoração se vale de cores, mas em desenhos de formas
geométricas extraordinariamente simples. Na civilização árabe, o
artista e o matemático se confundem. E isso, reafirmo, se deu
literalmente. Os padrões do desenho representam o resultado
final da exploração, pelos árabes, das sutilezas e simetrias do
espaço; do espaço plano, bidimensional, daquilo que agora cha­
mamos plano euclidiano, cuja caracterização coubera a Pitágoras.
Dentre uma grande riqueza de padrões, escolhi começar por
um que é simples, mas representativo. Neste, um par de formas,
uma horizontal e escura e a outra vertical e clara, se repete e se
imbrica. As simetrias óbvias são representadas por translações
(isto é, deslocamentos paralelos do padrão) ou reflexões, tanto
verticais como horizontais. Mas há um ponto mais delicado que
deve ser notado. Os árabes preferiam desenhos nos quais as
formas claras e escuras do padrão fossem idênticas. Assim sendo,
desconheçam as cores por um momento e vejam que, através da
rotação de um ângulo reto, uma forma escura ocupa o lugar de
uma clara. Continuando a rotação no mesmo sentido, acabamos,
após três passos, voltando à posição inicial; mas, observemos,
também, que todo o padrão obedece ao mesmo sentido de
rotação, de tal forma que cada figura acaba ocupando a posição
de qualquer outra, independentemente da distância dos centros
de rotação em que se encontrem.

1 72
A Música das Esferas

Tanto a reflexão na linha horizontal como na vertical apre­


sentam pares simétricos dos padrões coloridos. Mas, ignorando
as cores, vemos que a simetria é quádrupla. Esta aparece impon-
do-se uma rotação, em etapas de ângulos retos repetidos quatro
vezes, que é uma operação semelhante àquela por mim utüizada
na demonstração do teorema de Pitágoras; dessa maneira, os
padrões não coloridos equivalem, em simetria, ao quadrado
pitagórico.
Vejamos, agora, um padrão muito mais sutil. Esses triângulos,
em forma de catavento, e apresentados em quatro cores, mostram
apenas um tipo puro de simetria em duas direções. O padrão
passa a ocupar posições idênticas, quando deslocado horizontal
ou verticalmente. A forma de catavento não é irrelevante. É
incomum encontrar sistemas simétricos que não permitam refle­
xões. Entretanto, esses triângulos em forma de catavento não o
são, não se pode refletir uma figura sem torná-la sua imagem
especular.
Suponhamos, agora, que as cores desapareceram e o verde, o
amarelo, o preto e o azul-real passem a ser identificados apenas
como triângulos escuros e claros. Ainda assim, permanece uma
simetria de rotação. Fixemos nossa atenção em um ponto de
junção: aí há confluência de seis triângulos, alternando-se escuros
e claros. Um triângulo escuro pode ser rodado para a posição
dos triângulos escuros seguintes, voltando, na terceira vez, a
ocupar sua posição original - essa simetria tripla roda todo o
padrão.
Na realidade, as simetrias possíveis não param aí. Desconhe­
cendo as cores por completo aparece uma outra rotação possível,

173
74
Simetrias impostas
pela natureza do
A Escalada do Homem espaço emque vivemos.
Cristais naturais de
jluorita púrpura,
rombóides da
Islând ia e cubos de
pirita.
fazendo-se um triângulo escuro ocupar o lugar de um claro, uma
vez que são idênticos em suas formas. Esta operação de rotação
levando de um escuro a um claro vairevelar uma simetria sêxtupIa
que também gira todo o padrão. Este padrão de simetria nós
conhecemos bem - é o apresentado pelos cristais de neve.
A esta altura, o não-matemático tem o direito de perguntar: “E
daí?”. É essa a preocupação principal da matemática? Será que
os professores árabes e os matemáticos modernos gastam seu
tempo com essa espécie de jogo elegante? A resposta é, talvez,
inesperada: Bem, não se trata propriamente de um jogo. Ele nos
coloca face a face com algo difícil de lembrar, isto é, que vivemos
em um tipo especial de espaço — tridimensional, plano —cujas
propriedades são inextrincáveis. Assim, procurando saber que
operações podem reverter um padrão de figuras de volta a ele
mesmo, estamos no caminho da descoberta das leis invisíveis
que governam nosso espaço. E este comporta apenas alguns tipos
de simetria, tanto para os desenhos feitos pelo homem como
para as regularidades que a própria natureza impõe às suas estru­
turas atômicas fundamentais.
As estruturas que, por assim dizer, simbolizam os padrões
naturais de espaço são representadas pelos cristais. Quando se
olha para um exemplar que jamais foi tocado pela mão humana
— por exemplo, um cristal da Islândia — experimenta-se uma
inesperada surpresa ao perceber não ser intuitiva a noção de que
suas faces sejam regulares. Mesmo o fato de suas faces serem
planas não é intuitivo. Assim são os cristais; estamos habituados
com o fato de eles serem regulares. Mas, por quê? Não foi o
homem quem os criou e sim a natureza. A superfície plana é a
forma pela qual os átomos se juntam uns aos outros. O espaço
impõe a superfície plana e a regularidade à natureza com a
mesma irrevocabilidade com que deu simetria aos motivos
mouriscos por mim analisados.
Tomemos um belo cubo de pirita. Ou o que, para mim, é o
mais interessante de todos os cristais, o octaedro da fluorita (o
cristal de diamante tem esta mesma forma). Suas simetrias são
imposições do espaço no qual vivemos — as três dimensões, a
superfície plana na qual nos movimentamos —, e nenhuma agre­
gação de átomos pode-se desviar dessa lei crucial da natureza. À
semelhança das unidades componentes de um padrão, no cristal
174 os átomos se empilham em todas as direções. Dessa maneira,
A Escalada do Homem

imitando o que vimos para o padrão, o cristal tem de apresentar


uma forma que possa ser entendida ou replicada indefinidamente .
Por essa razão as faces de um cristal apresentam apenas algumas
formas definidas; isto porque os padrões de simetria têm de ser
mantidos. Por exemplo, as únicas rotações possíveis para turnos
completos se compõem de repetição de dois e de quatro, de três
e de seis, e só. Repetições de cinco nunca aparecem. Não se
consegue agregar átomos de modo a formarem triângulos que se
ajustem, cinco de cada vez, mantendo uma regularidade espacial.
Pensar sobre as formas desses padrões, esgotando na prática
as possibilidades de simetria espacial (pelo menos em duas di­
mensões) , foi o grande feito da matemática árabe. E seu propósito
é maravilhoso, a despeito de seus mil anos. O rei, as mulheres
nuas, os eunucos e os músicos cegos compunham um esplêndido
padrão formal no qual se podia atingir a perfeição na exploração
do que existia, sem pretensões de buscar nenhuma inovação. Aqui
não há nada de novo na matemática, porque nada de novo há no
pensamento humano, até que a escalada do homem arranque em
busca de uma nova dinâmica.
A cristandade começou a ressurgir no norte da Espanha por volta
do ano 1000 em focos de resistência jamais conquistados pelos
mouros, como a vila de Santilhana e outras localidades espalhadas
na faixa costeira. Aqui, a religião estava arraigada às coisas simples
da vida do campo — o boi, o jumento, o Cordeiro de Deus —
imagens animais eram inconcebíveis na adoração muçulmana —
mas muito mais que imagens animais se permitiam representar o
Filho de Deus na forma de uma criança. A mãe desta criança era
uma mulher depositária de adoração pessoal. Ao ser carregada
em procissão, a Virgem compõe um universo diferente de visão:
não mais de padrões abstratos mas, sim, de vida exuberantemente
expressiva.
Na reconquista da Espanha pela cristandade, as fronteiras
foram palco da luta mais intrigante. Mouros, cristãos e também
judeus se mesclaram em uma extraordinária cultura tecida de
diferentes credos. Em 1085 Toledo foi por algum tempo o centro 75
de tal cultura. A cidade de Toledo se constituiu no porto de A famosa escola de
entrada para a Europa cristã de todos os clássicos recolhidos pelos tradutores de
Toledo.
árabes da Grécia, do Oriente Médio e da Ásia. Ilustração de
Para nós a Itália representa o berço do Renascimento. No Alfonso, o Sábio,
fazendo um ditado
176 entanto, sua conceituação vamos encontrá-la na Espanha, no para acadêmicos.
século XII, simbolizada e expressa nos trabalhos da famosa escola
de tradutores de Toledo, onde os textos antigos eram vertidos
do grego (que a Europa havia esquecido), através do árabe e do
hebraico, para o latim. Entre outros avanços intelectuais, em
Toledo foram compostas algumas séries de tabelas astronômicas
na forma de uma enciclopédia da posição das estrelas. As tabelas
são cristãs, mas a numeração é arábica, fato esse que caracteriza
a cidade e a época, ainda hoje se nos apresentando reconhecida­
mente atuais.
Geraldo de Cremona foi o mais famoso dos tradutores de
Toledo, e o mais brilhante também. Veio da Itália especialmente
em busca de uma cópia do Almagesto, o livro de astronomia de
Ptolomeu, mas acabou permanecendo na cidade e traduzindo
Arquimedes, Hipócrates, Galeno, Euclides - os clássicos da
ciência grega.
Contudo, para mim, a tradução mais importante e gue
acabou tendo uma influência duradoura não foi a de um grego.
Isso tem a ver com meu interesse pela percepção de objetos no
espaço. Aliás, este é um assunto sobre o qual os gregos se
equivocaram redondamente. Mas tal fato foi compreendido,
pela primeira vez, por volta do ano 1000, como produto do
trabalho de um matemático excêntrico, ao qual chamamos
Alhazen, a única mente realmente científica produzida pela 177
Is praoftenfisjteremos ciVmlum,
H ne*,& dubuenwr hter-;c.Sit ergn
. mQilineam dq: & fitdbztju^
Cc compar libi m prima figura: & (itnilitci
perô.ciera circuli ( p u u p u ] &ílr J >- s
(per jd u) &circulus, quem f»cit h d q in
refle«»tur:&: eritarcus, quc,n tneníuraiW
6: quiauierqueíubtenditang lumreSu
punâis b.f.redcftcnturduo punéb linea
n imllgo u. Et exirahatnus u: u perpcndii
(pcriipi] &dinue: lIdirdccntram:ki:
ncamzueinduobuspunftís: fquia pun
altiasellpunA:", u, cx prima fecct
z, c: &-firarcuszo e: &. continuemus dz.
cxtrahamus cxtracirculuin: &; à d Icin í ■
dine dq facíamusllrcum tfJ: Iccabiterg
lincis d -z., dei nt. k: &.contiQuemus t k:
ereo fincam d q io L Quia ergo h d cít péf
. _j -j,:. ;pffr fuperficicmcirculi: uferqo»
Jns hdr.hdkeritreftus: [petjdll] &tu
fuperficies hdt, h d k faciet infuperficie
li lircufum [per ith.ifpha:r.'&arcos,qtt
urduas lineu h d,dt entequalis m u i,
inierduaslincas h d, d u í ;?
eitinterduas liDeas h ki&utreqoe í-
decttzquali* lincçd o [perijdi,] í-yo
arcusíuntliuiufmodi, quod
íecundum angulossqu.Jeídüo
dcmontlratumell q S'J &duz lince ■:
(pertfdi.] Erg
duin teftímago eÁitIsgoe. Ei i
nez d t,d q. dkf"ciit:tqualcs; &1ínc*<J
de Cunt xquales: cm ^.5 ?fp j]proportí(
cJz, Gcut proportio q <. "d d 0 ,&íicut m
kd ad d e . ScJ pr poníoqd add o, utin
figurarprxccdint;s numeri J prtollcDi
orpropurtione ■ . ; i
tiodt ad d 2 cltinaior,.-
limiliterkd ad d e.
It'quales,&duçlioe* ' I. dkíuntII'qudei
neatkequidi(bMzc {pcrzp6:ellemn
psdcadJz.ficutdkad’«/e:&peri 7 ^S'.8'
't.d,fickeaded.JErgo [pcríp6-iKpfJ
proportio dtad d 2 ,&kdad
o Iti ad J u. Ergo proponioldad d j
linea n d [per io ps.J Ergon eft inter l,u. ;
go imago lineczue rcttz,eft lineainnfí ■
eficonucI'l. Ex quibus patet, quôdlin•
quibuflÍamCtibuS.

76
Em um afresco de
Florença, pintado
por volta de 1350,
não há nenhuma
intenção de
perspectiva, porque
o pintor se pensava
registrando as coisas
não da maneira
como elas se
apresentavam, mas
como elas eram.
dfinonft'ation< in,ne multiplic^ntur Se U*
in fccund.. ú^un a bg: Seccncrum d: &:nru.ha.
,nafi);ura: &J o) xqums d o in pnma iig,uta:&d q
d q pcfptndiculartin íl.per Tu­
bi in prima tu,-;• j Anguluscr;ohd qenirctn.s:
A Música das Esferas
.ci-ü e.":'t!f, u i t ex quibus to.-nia punflof'Ulh o, u
J,d q, 1tq u^is arcu» ii gin pnmo circulo: [puH p
duobuspundis illius U'ct;$,compuibusduobu$
n a
luperfcic circuliabg.Tuperiineam j 4
üd;>K dohcia&Dus arcum circuJi: fecabit ergo b-

cultura árabe. Os gregos pensavam que a luz ia dos olhos para o


objeto. Alhazen foi o primeiro a reconhecer que a visão de um
objeto se deve à reflexão e direcionamento, para os olhos, de
raios de luz incidindo em cada ponto do mesmo objeto. A con-
ceituação grega não permitia explicar a mudança de forma
aparente de um objeto; de minha mão, por exemplo, quando
em movimento. Na explanação de Alhazen, fica perfeitamente
esclarecido que o cone de raios emergentes do contorno e da
forma de minhas mãos diminui de diâmetro à medida que o
afasto dos olhos de um observador. Aproximando minha mão
dos olhos desse mesmo observador, o cone de raios, entrando
nos olhos dele, aumenta de diâmetro, subentendendo, dessa
maneira, um ângulo maior. E isso, e apenas isso, dá conta da
diferença de tamanho percebida. A noção é tão incrivelmente
• ^r :1' 0 F'o n '"*? r dadd «vítpu line:a ídclt maior simples que é de se admirar como os cientistas não lhe deram
:í l >ma;ou.:&duo punda r,k lun rimagmesz.e. Er
, p-uvih, tnk: Sellnca, quzttanfirperbxcptrnth. atenção (Roger Bacon foi uma exceção) durante seiscentos anos.
concawa quo.ndoqueuideturconucxain
Entretanto, artistas levaram-na em conta muito antes, e o fize­
ram de uma forma prática. A idéia do cone de raios que vai do
77 objeto para o olho se constitui no fundamento da perspectiva. E
^Alhazen foi o a perspectiva é a nova idéia que revivifica a matemática.
primeiro a A perspectiva foi incorporada à arte no norte da Itália, em
reconhecer que Florença e Veneza, no século XV. Na Biblioteca do Vaticano há
vemos um objeto
porque cada ponto uma cópia manuscrita de uma tradução da Optica de Alhazen,
do mesmo dirige e anotada por Lorenzo Ghiberti, autor da famosa perspectiva em
reflete um raio de bronze das portas do Batistério de Florença. Mas este não foi o
luz para dentro
de nossos olhos. pioneiro da perspectiva - Filippo Brunelleschi é um candidato
O conceito de um mais provável - e, na realidade, pode-se identificar um número
cone de raios do
objeto para os deles, a tal ponto de formarem uma escola de Perspectivi. Era
olhos vai-se uma escola de pensadores, uma vez que se propunham, não apenas
constituir no
fundamento da imprimir vida às suas figuras, mas, também, criar a impressão de
perspectiva. seus movimentos no espaço.
O movimento se apresenta evidente, mesmo em uma rápida
confrontação de um trabalho de um dos Perspectivi com outro,
anterior a eles. A “Santa Ursula” de Carpaccio, representando
uma figura feminina se afastando de um porto veneziano vaga­
mente delineado, foi pintada em 1495. O efeito pretendido é o
de dar uma terceira dimensão ao espaço visual, à semelhança da
nova profundidade e dimensão das harmonias então recentemente
introduzidas na música européia. Mas o efeito buscado não era
tanto profundidade como movimento. Na música e na pintura,
os habitantes possuem mobilidade. Acima de tudo, temos a 179
A Escalada do Homem

impressão de que os olhos do pintor estão em movimento 78


contínuo. Opintor da
Examinemos, agora, um afresco florentino pintado há uma perspectiva é
imbuído de uma
centena de anos anteriormente, por volta de 1350. Reproduz intenção diferente.
uma visão da cidade, tomada de fora dos muros, o pintor olhando A pintura e seus
ingenuamente por cima destes e dos telhados, como se fossem habitantes são
móveis.
dispostos em andaimes. Entretanto, esse quadro não reflete uma '"Santa Orsula e
seu pretendente
habilidade ou falta dela, mas, sim, uma intenção. A perspectiva despedindo-se de
não é considerada, porque o pintor se pensa a si próprio como seus pais” de
Vittorio Carpaccio.
um reprodutor das coisas como elas são, e não como elas parecem Academ ia, Veneza,
ser: uma visão do olho de Deus, um mapa da verdade eterna. 1495.
O pintor da perspectiva é portador de uma intenção diferente.
Qualquer visão absoluta ou abstrata é deHberadamente afastada.
A M ú sica d as E sfera s

o r e p r ° d u z id o n ã o é u m lu g a r , m a s u m m o m e n t o , e u m m o m e n t 0
fu g az: u m p o n t o d e v ista n o te m p o , m a is d o q u e n o e sp a ç o . T u d o
isso fo i c o n q u ista d o a tra v és d e m é to d o s e x a to s, m a te m á tic o s. O
e q u ip a m e n to en tão u tiliz a d o f o i c u id a d o s a m e n t e d e s c r ito e ilu s­
trad o p e lo a rtista a le m ã o A lb rech t D ürer, que foi à Itá lia e m
1 5 0 6 a fim d e a p r e n d e r a “ a rte sec r e ta d a p e r s p e c tiv a ” . O p r ó p r io
D ü rer fix o u u m m o m en to no tem p o ; se r e c r ia r m o s sua c e n a ,
v e r e m o s o a rtista e m b u s c a d o m o m e n t o d r a m á tic o . E le p o d e r ia
ter in te r r o m p id o m a is c e d o su a in s p e ç ã o à v o lta d o m o d e lo . U m
m o m e n to m a is ta r d e p o d e r ia ig u a lm e n te ter sid o e sc o lh id o p a ra
ser fix a d o n a te la . M a s, a c o n t e c e q u e e le d e c id iu a b r ir o s o lh o s ,
tal q u a l o d ia fr a g m a d e u m a c â m e r a , e isso c o m p r e e n siv e lm e n te ,
n o in sta n te ex a to em que o m o d elo se m o stro u p o r in teiro . A
79
Dürer ftxou um p e r s p e c tiv a n ã o r e p r e s e n ta a p e n a s u m p o n t o d e v ista ; n a q u ilo q u e

momento no tempo. to c a a o p in to r é u m tr a b a lh o a tiv o e c o n tín u o .


‘‘Interponha uma N o s p r im ó rd io s da p ersp ectiv a c o stu m a v a -se usar u m v iso r e
tela de malhas de
fios entre seus olhos u m a grade co m o a ju d a p a r a fix a r o m o m e n t o n a te la . O e q u ip a ­
e o modelo nu a ser m e n t o d e o b se r v a ç ã o v in h a d a a str o n o m ia , e o p a p e l q u a d r ic u la d o
representado e
desenhe os quadros n o qual a cen a era d esen h ad a c o n stitu i, h o je, u m d isp o sitiv o
conespondentes no a u x ilia r da m a te m á tic a . T o d o s os d e ta lh e s n a tu ra is nos q u a is
papel. Coloque D ü r e r se d e lic ia são e x p r e ssõ e s d a d in â m ic a d o te m p o : o b o i e o
uma marca na
tela de modo que asno, o c o r a d o ju v e n il n a fa c e d a V irg em . A te la é A A d o ra çã o
sirva como ponto d o s M agos. O s três sá b io s d o L este e n c o n tr a r a m a e strela , e e sta
fixo de referêncla."
Esta é a maneira a n u n c ia v a o n a s c im e n to d o te m p o .
pela qual da Vinci
descreve o uso
de uma tela A taça , n o cen tro d a p in tu r a d e D ü rer, era u m a p e ç a -c h a v e n o
semelhante a esta. e n sin o d a p e r sp e c tiv a . P o r e x e m p lo , t e m o s a a n á lise d e U c c e llo
Diagrama da so b r e as m a n e ira s d e se ver e d e sen h a r u m a taça; h o je, p o d e m o s
construção de uma
elipse por Dürer. e n tr e g a r e ssa ta r e fa a u m c o m p u ta d o r . M a s o a rtista d a p e r sp e c tiv a 181
80
O boi e o asno, o rosado
ju v en il na fa c e da
V irgem .
Dürer: "A Adoração dos
Magos", (detalhe).
Uffizi, Florença.
’* •
Um momento como um
risco no espaço.
"A Enchente’’, de
Paolo Uccello e sua análise
em perspectiva de um
cálice.
81
A tra jetó ria d e u m p r o jétil. . . s e q u ê n c ia n a f o r m a ç ã o d e
u m a g o ta de líq u id o . •
Desenho
Formaçãodeedaquediz
Vincidedizsumatrajetórias de balas
gota de água sobdeaação
morteiro.
dagravidade.
trabalhava intensamente; seus olhos giravam tal qual uma mesa
giratória, a fim de explorar a forma cambiante do objeto, a
elongação dos círculos em elipses e, então, apanhar um instante
no tempo, na forma de uma pincelada no espaço.
Analisar as variações dos movimentos de um objeto, como eu
posso fazer com a ajuda de um computador, era uma atividade
totalmente estranha às mentes dos gregos e dos muçulmanos.
Estes procuravam sempre o imóvel, o estático, um mundo in-
temporal de perfeita ordem. Para eles, a forma perfeita era
representada pelo círculo. O movimento tinha de progredir, suave
e uniformemente, em círculo; aí estava a harmonia das esferas.
Essa é a razão pela qual, no sistema de Ptolomeu, as órbitas
eram circulares, pois, assim, o tempo podia transcorrer uniforme
e imperturbavelmente. Acontece, porém, não existirem movi­
mentos uniformes no mundo real. Velocidade e direção variam a
cada instante, de modo que só puderam ser analisadas quando se
criou uma matemática na qual o tempo era uma variável. Este
problema pode ser teórico tratando-se dos céus, mas é prático e
de aplicação imediata na terra - na trajetória de um projétil, no
crescimento explosivo de uma planta, no simples cair de uma
gota de líquido, passando por variações abruptas de tamanho e
direção. A Renascença não dispunha de equipamento capaz de
fazer parar, de instante a instante, a imagem de uma cena em
movimento. Mas a Renascença havia conquistado o equipamento
intelectual: o olho penetrante do pintor e a lógica do matemático.
Dessa maneira, depois do ano 1600, Johannes Kepler se con­
venceu de que o movimento de um planeta não é nem circular
nem uniforme. A órbita é uma elipse que o planeta percorre em
velocidades variáveis. Isso significava que a velha matemática dos
padrões estáticosjá não era mais suficiente; nem a matemática do
movimento uniforme. Havia a necessidade de uma matemática
capaz de definir e operar com movimentos instantâneos.
A matemática do movimento instantâneo foi inventada por duas
mentes privilegiadas do fim do século XVII - Isaac Newton e
Gottfried Wilhelm Leibniz. A nós nos parece tão familiar que
tendemos a considerar o tempo como um elemento natural na
descrição da natureza; mas isso não foi sempre assim. Foram
eles que criaram a idéia de tangente, a idéia de aceleração, a
idéia de inclinação, a idéia de infinitesimal, de diferencial. Há
184 uma palavra, já agora esquecida, mas que representa a melhor
u
A Música das Esferas

82 descrição para aquele fluxo de tempo o qual Newton fez parar


Ocrescimento como que com um golpe de guilhotina: Fluxions. Este era o
explosivo de uma
planta. nome dado por Newton ao que, depois de Leibniz, passou a ser
Um cone de chamado cálculo diferencial. Considerá-lo sob o aspecto de
pinheiro, a
superfíc ie de uma apenas mais uma técnica avançada equivaleria a não entender o
pétala de rosa, uma
concha e uma seu significado real. Com ele a matemática se torna uma maneira
margarida. dinâmica de pensamento, e essa conquista representa um enorme
salto mental na escalada do homem. O conceito técnico subja­
cente a toda a sua aplicação é, por estranho que isso possa
parecer, o de um deslocamento infinitesimal; e o avanço intelec­
tual consistiu em se ter atribuído um rigoroso significado ao
mesmo. Mas podemos deixar o conceito técnico aos profissionais,
e nos contentarmos em chamá-la matemática das variações.
As leis da natureza têm sido sempre formuladas através de
números, desde que Pitágoras os considerou a linguagem da na­
tureza. Entretanto, agorajá se tornava necessário que a linguagem
da natureza incluísse números capazes de descrever o tempo. As
leis naturais tornam-se leis do movimento, e a própria natureza
já não é mais uma seqüência de quadros estáticos, mas, sim, um
processo em movimento.

83
Amatemática se
transforma em uma
maneira dinâmica
de pensamento, e
esse fato constitui
um dos grandes
passos na
escalada do homem.
Curva gerada por
computador da
trajetória de
partículas
subatômicas.
o MENSAGEIRO SIDERAL

Em um sen tid° modemo,a primeira ciência a aflorar da civilização


mediterrânea foi a astronomia. Podemos ir da matemática para a
astronomia quase que diretamente porque, afinal de contas, a
astronomia se desenvolveu primeiro, e tornou-se modelo para as
outras ciências, justamente por ter sido possível expressá-la atra­
vés de números exatos. E isso não é uma idiossincrasia minha.
Mas certamente, uma idiossincrasia poderá ser identificada no
fato de eu começar a exposição do drama da primeira ciência
mediterrânea pela sua manifestação no Novo Mundo.
Rudimentos de astronomia existem em todas as culturas, de
forma que podemos inferir fazerem parte das preocupações de
todos os povos primitivos do mundo. Uma das razões se mostra
claramente. A astronomia é um conhecimento importante para
nos guiar através dos ciclos das estações — por exemplo, pelo
movimento aparente do sol. Dessa maneira, o homem pode fixar
uma época de plantio, de colheita, de rodízio do rebanho, e assim
por diante. Portanto, todas as culturas sedentárias acabaram por
desenvolver um calendário para orientar seus planos. Tal aconte­
ceu no Novo Mundo, da mesma forma que nas bacias fluviais da
Babilônia e do Egito.
Podemos tomar a civilização maia como exemplo. Considerada
84 a mais avançada das culturas americanas, floresceu, antes do ano
O ritu a l m a ia era
1000 d.C., no istmo da América Central, entre os oceanos Atlân­
o b sessivo em
rela çã o à p a ssa g em tico e Pacífico. Os maias possuíam uma linguagem escrita,
d o te m p o , e essa conhecimentos de engenharia e artes originais. Seus templos,
preocupação
d o m in a v a sua construídos em forma de pirâmides íngremes, abrigavam alguns
a stro n o m ia . astrônomos; de um grupo deles nos ficaram os retratos gravados
Peça “Q " do altar
Copan em um amplo altar de pedra. O altar foi erigido em comemoração
comemorando o a um antigo congresso astronômico que teve lugar no ano 776.
encontro de
astrônomos maias
Dezesseis matemáticos aqui se reuniram, nesse famoso centro da
para corrigir a cultura maia, a cidade sagrada de Copan, na América Central.
diferença de tempo
entre os dois
O sistema aritmético maia era mais adiantado do que o euro­
calendários maias. peu; por exemplo, eles já tinham um símbolo para o zero. Eram
N o topo estão
registradas as datas
excelentes matemáticos; contudo, não chegaram a mapear os
das luas novas do movimentos das estrelas, a não ser os mais simples. Por outro
século VIII. A data lado, seus rituais revelavam uma preocupação obsessiva com a
do encontro aparece
entre as cabeças dos passagem do tempo, refletindo-se na astronomia, na poesia e nas
astrônomos. lendas. 189
A Escalada do Homem

Q u a n d o a g ra n d e c o n fe r ê n c ia r eu n iu -se e m C o p a n o s sa c e r d o te s
a s tr ô n o m o s m a ia s e sta v a m e m d ific u ld a d e . P o d e r ia m o s su p o r q u e
a co n v o c a ç ã o d esses h o m e n s d e c o n h e c im e n to , rep resen ta n tes d e
d ife r e n te s c e n tr o s , te r ia o c o r r id o p a r a a d is c u s s ã o d e u m p r o b le m a
real de observação - m as, não. O con gresso foi co n v o c a d o para
so lu c io n a r u m p r o b le m a d e c á lc u lo a r itm é tic o q u e , d e h á m u ito s
a n o s, v in h a p r e o c u p a n d o o s g u a r d iã e s d o c a le n d á r io . H a v ia d o is
c a le n d á r io s; u m sag ra d o e o u tro p ro fa n o , n ã o to ta lm e n te c o in c i­
d en tes; e le s d espenderam tod a a sua e n g e n h o sid a d e ten tan d o
im p e d ir o d e s c o m p a s s o e n tr e e le s. O s a s t r ô n o m o s m a ia s p o s s u ía m
a p e n a s a lg u m a s regra s in g ê n u a s p a ra seg u ir o s m o v im e n to s p la n e ­
tá rio s, e n e n h u m c o n c e ito geral so b re o s seu s m e c a n ism o s. P ara
e le s, a a s t r o n o m ia e ra u m a c iê n c ia fo r m a l, u m m e io d e m a n ter a
c o r r e ç ã o d o c a le n d á r io . E fo i isso q u e se fe z n a q u e le a n o d e 7 7 6 ,
q u an d o os d e leg a d o s o rg u lh o sa m e n te posaram para serem re­
trata d os.

M as a a str o n o m ia n ã o se esg o ta c o m o c a le n d á r io . U m o u tro uso,


e m b o r a n ã o u n iv ersa l, p o d e ser id e n tific a d o e n tr e o s p o v o s p r i­
m itiv o s. O s m o v im en to s dos a stros no céu n o tu rn o tam b ém
p o d em se r v ir de g u ia ao v ia ja n te , p r in c ip a lm e n te ao v ia ja n te
m a r ítim o , que não p od e co n ta r com ou tro tip o de p o n to de
r e fe r ê n c ia . N o V e lh o M u n d o , esta era a im p o rtâ n cia d a a str o n o ­
m ia p ara o n a v e g a d o r m e d ite r r â n e o . N o N o v o M u n d o , a té o n d e
p o d em o s sa b e r , a a s tr o n o m ia n ã o fo i u tiliz a d a co m o u m m e io
c ie n tífic o d e o r ie n ta r v ia g e n s p o r terra o u p o r m a r. S e m a a ju d a
d a a str o n o m ia é rea lm en te im p o ssív e l a o rien ta çã o a tra v és de
lo n g a s d istâ n c ia s, o u m e s m o d e s e n v o lv e r q u a lq u e r tip o d e te o r ia
sobre a form a da Terra, in c lu in d o seus a cid en tes g e o g r á fic o s
terrestres e m a r ítim o s. C o lo m b o d isp u n h a de um a a str o n o m ia 85
a n tiq u a d a e r ú stic a p a ra n o ss a s m e n te s , q u a n d o v e le jo u te n ta n d o R ep resentação dos céus
m o v en d o -se em torn o de
a tin g ir o o u t r o la d o d o m u ndo: p o r e x e m p lo , p a ra e le , a T e r r a u m eix o , e o e ix o era a

Odiagrama mostraa traje­


era m u ito m enor do que n a r e a lid a d e é. M e s m o a ssim , o N o v o Terra redon da.

M u n d o fo i d e sco b e r to . N ã o é m e r o a cid en te q u e o N o v o M u n d o tória perconida pelos


planetasquandoobservados
nunca tiv e ss e p e n s a d o q u e a T e r r a fo sse r e d o n d a e n u n c a tiv e sse
apartir do Terra. A teoria
sa íd o à procura do V e lh o M u n d o. F oi o V elh o M u n d o que ptolomaica tentou explicar
essas observações. A foto­
en fu n o u su a s v ela s ao red or da Terra para d e sco b r ir o N o v o.
grafiamostraos movimen­
A a str o n o m ia n ã o rep r e se n ta n e m o c u m e d a c iê n c ia , n e m da tos de Mercúrio, Vênus,
MtlTte, Júpiter e Saturno
in v en çã o . E n treta n to , p od e ser u m teste d o p e r fil d o tem p era­
registrados por meio de
190
m en to e da m e n ta lid a d e su b jacen tes a um a cu ltu ra . D esde os
exposição prolongado no
te m p o s d o s g reg os, o s n a v eg a d o res m ed iterrâ n eo s era m im b u íd o s Planetário de Munique.
86
U m p a r a íso terrestre n ã o se
A E sca lad a d o H o m e m c o n s t r ó i a tr a v é s d e u m a v azia
rep etiçã o .
Umafileira de cabeças escul­
pidas em pedrajunto àBaía de
Moais, Ilha diJPáscoa.
de u m tip o e sp e c ia l d e c o g ita ç ã o , o n d e a a v e n tu r a se u n ia à ló g ic a
— o e m p ír ic o a o ra cio n a l - em u m a fo r m a u n ific a d a d e in q u ir i­
çã o . T a l n ã o se d eu n o N o v o M u n d o .
E n tã o o N o v o M u n d o n ã o co n trib u iu c o m n e n h u m a in v en çã o ?
É c la r o q u e c o n tr ib u iu . M e s m o u m a c u ltu r a p r im itiv a c o m o a d a
Ilh a d a P á s c o a r e a liz o u u m a g r a n d e in v e n ç ã o , r e p r e s e n ta d a p e la
e sc u ltu r a d e e stá tu a s g ig a n te sc a s e u n ifo r m e s . N a d a d e s e m e lh a n te
e x iste n o resto d o m u n d o , d e fo rm a q u e, c o m o sem p re a co n tece,
as in d a g a çõ es m a is d isp a ra ta d a s e irr e le v a n te s aparecem em
r e la ç ã o a e la s. P o r q u e fo r a m d is p o s ta s d e s s a fo r m a ? C o m o fo r a m
tran sp o rtad a s? C o m o fo ra m c o lo c a d a s n o s lo c a is o n d e a g o r a se
en con tra m ? M as esses p r o b le m a s n ã o sã o s ig n ific a tiv o s. S to n e -
h en g e, q u e d a ta d e u m a c iv iliz a ç ã o m u ito m a is a n tig a , a p r e s e n ­
tou m a io r e s d if ic u ld a d e s p a r a s e e r ig ir ; o m esm o a co n tece co m
A veb u ry e m u ito s o u tro s m o n u m e n to s. O fa to é q u e as cu ltu ra s
p r im itiv a s ach am seus c a m in h o s, passo a passo, a tra v és de
e n o r m e s e m p r e e n d im e n to s c o m u n itá rio s.
Por que razão fora m fe ita s to d a s i g u a i s ?. E s t a é a p ergu n ta
c r ític a a se endereçar a essas está tu as. Lá estã o e la s, tal q u a l
D ió g e n e s em s e u s b a rris, o lh a n d o o c é u co m seu s o lh o s v a z io s,
observando o S o l e as estrela s p a ssa r e m so b r e su a s c a b eç a s, se m
a m e n o r in te n ç ã o d e p e lo m e n o s ten ta r e n te n d ê -lo s. Q u a n d o , n o
d o m in g o de P áscoa de 1 77 2, os h o la n d e se s d esco b rira m essa
ilh a , e la foi d e scr ita co m o um a r é p lic a d o p a ra íso na terra.
C o n tu d o , isso n ã o p o d e ser v erd a d e. U m p a r a íso terrestre n ã o se
c o n s t r ó i p e la r e p e tiç ã o d e s s a s fig u r a s v a z ia s , c o m o se f o s s e m um a
im a g e m do v a iv é m de u m a n im a l e n ja u la d o , a m o n o to n ia de
chegar e p a rtir sem pre dos m esm os p o n tos. E ssas exp ressões
im ó v e is , e ssa s fig u r a s c o n g e la d a s d e u m film e q u e ch eg a a o fim
d o r o lo , rep resen ta m u m a c iv iliz a ç ã o que não ch egou a dar o
p r im e ir o passo na e sc a la d a do c o n h e c im e n to r a cio n a l. A í se
m a n ifesta o in su cesso d a s c u ltu r a s d o N o v o M u n d o , m o r ta s e m
su a s p r ó p r ia s er a s g la cia is s im b ó lic a s.
A Ilh a da P á sc o a d ista u n s m il e q u in h e n to s q u ilô m e tr o s d a
ilh a h a b it a d a m a is p r ó x im a , a ilh a d e P itc a ir n , a o e s te . A o u tra
ilh a m a is p r ó x im a fic a a c e r c a d e d o is m il e q u in h e n to s q u ilô ­
m etro s a leste , as ilh a s de Juan F ernandez, on d e, em 170 4,
A le x a n d e r S e lk ir k , o R o b in s o n C r u so e , e n c a lh o u . D is tâ n c ia s d essa
ord em não p od em ser v e n cid a s a n ã o ser q u e se d isp o n h a d e u m
tip o de m o d elo dos céus ou da p o siçã o d a s e strela s, a tr a v é s d o
1 92 q u a l as rota s p o ssa m ser traça d as. D e q u e m a n eira o s h a b ita n te s
A Escalada do Homem

da Ilh a da P áscoa acabaram ch egan d o a té e la é u m a p ergu n ta


freq ü en tem en te fo r m u la d a . A r e sp o s ta é ó b v ia , e s o b r e e la n ã o
se p o d e a lim e n ta r a m e n o r d ú v id a : p o r a c id e n te . M a s, e n tã o , p o r
que não c o n se g u ir a m v o lta r para o lu g a r d e o n d e v ie r a m ? S i m ­
p lesm en te por n ã o con h ecerem o s m o v i m e n t o s d a s e s t r e la s , os'
q u a is te r ia m p e r m itid o r e tr a ç a r e m su a s r o ta s.
E por que não? U m a das razões está na a u sên cia d e um a
E strela P o la r n o c é u d o h e m is f é r io su l. S a b e m o s d e s u a i m p o r ­
tâ n cia p elo papel que d e s e m p e n h a n a m ig r a ç ã o d a s aves. T a lv ez
isso ta m b é m e x p liq u e p o r q u e a m a io r ia d a s m ig r a ç õ e s d o s p á ssa ro s
se d ê n o h e m is f é r io n o r te e n ã o n o su l.
A a u sê n c ia de u m a E stre la P o la r p od e ter s id o sig n ific a tiv a
para o h em isfério su l, m as não para tod o o N o v o M u n d o. A
A m é r ic a C e n tr a l, o M é x ic o , e tod a um a série de lu g a res que
n u n c a d e se n v o lv e r a m u m a a str o n o m ia , fic a m a c im a d o E q u a d o r .
O q u e h a v ia d e e r r a d o a í? N in g u é m s a b e . A c r e d it o q u e e le s n ã o
d isp u n h a m d a q u e la grande im a g e m d in â m ic a , tão co m u m no
v e lh o M u n d o - a roda. A r o d a n u n c a p a sso u a lé m de u m b rin ­
q u ed o no N o v o M u ndo. E n treta n to , n o v e lh o M u n d o, sua
im a g e m d o m in a v a a p o e sia e a c iê n c ia ; tu d o e n c o n tr a v a n e la seu
fu n d a m en to . A co n cep çã o d os céu s m o v en d o -se em to rn o de u m
e ix o in sp ir o u C r istó v ã o C o lo m b o em su a a ven tu ra d e 1 4 9 2 , e o
cen tro da id é ia era a e sfe r ic id a d e da T erra. O s gregos h a v ia m
fo r n e c id o a p ista c o m su a s e str e la s d e e sfe r a s fix a s a p r o d u z ir e m
m ú s ic a à m e d id a q u e g ir a v a m . R o d a s n o in te r io r d e r o d a s. A s s im
era o s is te m a d e P to lo m e u , u m a e x p lic a ç ã o a d e q u a d a p o r m a is
d e m il a n o s.

M a is de cem anos a n tes da p a rtid a d e C ristó v ã o C o lo m b o , o


v e lh o M u n d o tin h a sid o c a p a z d e p r o d u z ir u m e x c e le n te r e ló g io
d o s céu s. S eu c o n str u to r f o i G io v a n n i d e D o n d i, e o tr a b a lh o fo i
r e a liz a d o e m Pádua em 1 35 0. A obra lev o u d e z e sse is a n o s p ara
ser c o m p le ta d a e, in fe liz m e n te , o m o d e lo o rig in a l n ã o fo i c o n s e r ­
v ad o . E n tr e ta n to , v a len d o -se d e seu s d e sen h o s, fo i p o ssív e l r e c o n s­
tr u ir e s s e m a r a v ilh o s o m o d e l o d a a s tr o n o m ia c lá ssic a , q u e h o je
se en co n tra e x p o sto n o S m ith s o n ia n I n stitu tio n d e W a sh in g to n .
O m o d e lo rep resen ta m u it o m a is d o q u e u m a p e ç a d e e n g e-
n h o sid a d e m e c â n ic a ; é a c r ista liz a ç ã o in te le c tu a l d a s id é ia s d e
A r istó te le s, d e P to lo m e u , e d e to d o s o s g reg o s. A tr a v é s d o r e ló g io
de D e D o n d i v isu a liz a m o s su a s c o n c e p ç õ e s d e c o m o o s p la n e ta s
194 se c o m p o r ta v a m q u a n d o v is to s a p a rtir d a T e rra . A q u i se d istin -
O Mensageiro Sideral

g u ia m se te p la n e tas - o u a ssim o s a n tig o s p e n sa v a m , u m a v e z q u e


o So1 era c o n ta d o en tre o s p la n eta s d a T erra. D e ssa m a n eira , o
r eló g io é p o rta d o r de sete faces o u m o stra d o res, e em cada u m a
d e la s c o r r e u m p la n e ta . A tr a je tó r ia d o p la n e ta e m seu m o stra d or
é (a p r o x im a d a m e n te ) a tr a je tó r ia o b s e r v a d a a p a r tir d a T e r r a —

87
O m ^ r n f i c o r eló g io d o s

Reconstrução do
céu s estrelad o s.

relógio astronômico de
Giovanni de Dondi de
PddUl, e uma cópia
tardia, datada do
século XV, de duas
páginas do
manuscrito de
De Dondi, mostrando
o mecanismo do
relógio.
A Escalada do Homem

o r e ló g io é q u a se tã o p r e c iso q u a n to o e r a a o b se r v a ç ã o n o te m p o
em q u e fo i c o n s t r u íd o . Q u a n d o a tr a je tó r ia a p a r e n te e r a c ir c u la r ,
e la a s s im se m o str a v a n a fa c e d o r e ló g io ; tal r e p r e se n ta ç ã o não
c o n s titu ía d ific u ld a d e . E n tr e ta n to , q u a n d o a tr a je tó r ia a p a r e n te
d o p la n eta era ex cên trica , D e D o n d i la n ç o u m ã o d e u m a c o m b i­
nação de c ír c u lo s os q u a is r e p r o d u z ia m os e p ic ic lo s (isto é, a
c o m b in a ç ã o de c ír c u lo s g ir a n d o d e n tr o d e c ír c u lo s) ou seja, as
ó r b ita s p la n e tá r ia s d e sc r ita s p o r P to lo m e u .
E n tã o, em p r im e ir o lu g a r , o S o l: u m a tr a je tó r ia c ir c u la r , a s s im
co m o lh e s p a recia . A seg u n d a fa ce a p resen ta M arte: n o te -se q u e
seu m o v im e n to d ep en d e de u m m e c a n is m o d e r e lo jo a r ia m o v e n d o
u m a r o d a n o in ter io r d e o u tra . E m se g u id a J ú p ite r : u m a m a io r
c o m p le x id a d e de rod as d en tro d e rod as. E n tã o , S a tu rn o: rodas
d en tro de rod as. D e p o is v e m a L ua - é in teressa n te a m a n eira
co m o D e D o n d i a rep resen to u . Seu m o str a d o r é sim p le s, p o sto
que e la é v e r d a d e ir a m e n te u m p la n e ta d a T e r r a , e su a tr a je tó r ia
é c ir c u la r . F in a lm e n t e , v a m o s e n c o n tr a r o s m o s tr a d o r e s d e d o is
p la n e ta s q u e se in te r p õ e m e n tr e n ó s e o S o l: M e r c ú r io e V ê n u s .
E a q u i, m a is u m a v e z , a fig u r a se r e p e te : a r o d a q u e tran sp o rta
V ê n u s g ir a n o in te r io r d e o u tr a h ip o té tic a r o d a m a io r .
A con cep çã o in tele c tu a l é m a r a v ilh o sa ; sua c o m p le x id a d e
im p r e ssio n a - m a s isso serv e a p e n a s a o p r o p ó s ito d e n o s m a ra v i­
lh a r a in d a m a is com o fa to d e os gregos, n ã o m u ito d e p o is d o
n a sc im e n to de C risto , n o ano de 1 50 , terem sid o capazes de
c o n c e b e r e dar u m a fo r m u la ç ã o m a te m á tic a a essa su r p r e en d e n te
co n stru çã o . M as, m e sm o a ssim , e la a p r e s e n ta u m a im p e r fe iç ã o .
U m d eta lh e ap en as: p ara ca d a p la n eta h á u m m o str a d o r in d e p e n ­
d en te, sete ao tod o - e os céus só p o d em ter u m a m a q u in a ria ,
e não sete. E ssa m a q u in a ria ú n ica só fo i e n c o n tr a d a em 1 54 3,
q u a n d o C o p érn ico c o lo c o u o S o l n o cen tro d os céu s.

N ico la u C o p é r n ico era u m c lé r ig o , e m in e n te e d istin g u id o in te ­


lectu a l h u m a n ista , n a sc id o n a P o lô n ia e m 1 4 7 3 . E stu d ou leis e
m e d ic in a n a Itá lia , a s s e s s o r o u o g o v e r n o d e seu p a ís n a r e f o r m u :
la ç ã o m o n etá ria e, a p e d id o d o P ap a, co la b o r o u na reform a d o Faces do relógio de
DeDondi mostrando
c a le n d á r io . p e lo m en o s v in te e c in c o anos de sua v id a fora m
os movimentos do
d ed ica d o s à p r o p o siç ã o m od ern a de que a N a tu reza d e v ia ser Sol, de Marte e
s im p le s . P o r q u e as tr a je tó r ia s d o s p la n e ta s se a p r e s e n ta v a m tão de Vênus.
c o m p lic a d a s? E m sua resp o sta a tr ib u i a c o m p le x id a d e ao fato
d e o lh a r m o s o s p la n e ta s d o lu g a r o n d e n o s e n c o n tr a m o s, isto é,
196 d a T erra. À s e m e lh a n ç a d o q u e fiz e r a m o s p io n e ir o s d a p e r sp e c-
O Mensageiro Sideral

tiv a , C o p é r n ic o d e c id iu o lh á -lo s a p a rtir d e u m o u tr o lo c a l. H a v ia


b o a s r a z õ e s r e n a sc e n tista s, m u ito m a is e m o c io n a is d o que in te ­
le c tu a is, p a ra q u e o d o u r a d o S o l fo s s e o lu ga r e sc o lh id o .

No meio de tudo está entronizado o Sol. Poderia haver, nesse templo mara­
vilhoso, melhor localização de onde ele pudesse iluminar tudo ao mesmo
tempo? Ele é chamado com razão A Lâmpada, A Mente, O Senhor do
Universo: Hermes Trismegistus o chamadeDeus Visível; Electra,de Sófocles,
chama-o O que tudo vê. Dessa maneira, vemos que o Sol se mantém como
que no seu trono real, governando seus filhos - os planetas - que giram
em torno dele.
S a b em o s q u e C o p é r n ico h a v ia p e n s a d o já h á lo n g o te m p o e m
c o lo c a r o S o l n o c e n tr o d o U n iv e r s o . É p r o v á v e l q u e su a p r im e ir a
ten ta tiv a , os d e lin e a m e n to s n ã o -m a te m á tic o s de seu esq uem a,
88 ten h a sid o escrita a n tes de ter c o m p leta d o q u a ren ta an os de
Copérnico colocou id a d e . E n tr e ta n to , essa p r o p o s iç ã o n ã o p o d e r ia ser fe ita le v ia n a ­
o Sol no centro
dos céus em 1543. m en te em um a ép o ca d e c o n v u lsõ e s r e lig io sa s. F o i apenas em
O jovem Nicolau
Copérnico em torn o de 1 5 4 3 , já p r ó x im o d os seten ta a n os, q u e C o p é r n ico se

Tomn, Polônia. se n tiu segu ro de dar ao p ú b lic o su a d e scr iç ã o m a te m á tic a d o s


céus, a qual receb eu o n om e de D e R e v o lu tio n ib u s O rb iu m
C o e le stiu m (A R e v o lu ç ã o d a s Ó r b ita s C e le ste s), o n d e u m siste m a
u n itá rio te m o S o l c o m o c e n t r o . ( A t u a lm e n t e , a p a la v r a “ r e v o lu ­
ção ” tem u m a co n o ta çã o que nada tem a ver co m a a str o n o m ia ,
m as isso n ão a co n teceu a c id e n ta lm e n te . Sua o rig em s e lig a a o
^Duaspáginas do tem p o em que este tó p ic o se d e s e n v o lv e u .) C o p é r n ic o m o r r e u
De Revolutionibus n o m esm o ano. C o n ta -se q u e a p en as u m v e z e le p ô d e v er u m a
Orbium Coelestium.
c ó p ia d e s e u liv r o , e e s t a te r ia s id o p o s ta e m suas m ã o sjá e m seu
leito d e m o r te .

toar Vtnu* m-wcocai» rcdoámr. btuum j


do^xnn pa**ri.Hi«nImluam^^ ocrtm.Müjiuc
^ . -----------— -..m relida boi. ia cmm io hoc ccr<c.mrmpLuu>,cu>m»iOtuilaoc proprWTa»&rrgrtílta ép«
pirai nuimmSaturno.flt mvtor quim ui NUnc u mrfu»nu

j
tot inVoim q.. co Qooda^..nntimrl^^'
ln
Nbm,OCInV(^ncn,qul,n_ M^^o.P^^ra ^quGds.cw-
nui,ljpcáR.flf Jloim anyA prOpcnqummi On: Mrre.quifn
i um
Ioocib
aatrwilllJiíauKdu^tgli^r «gnicadl*
| Q.aewtorIlAacadmlMÍ&rocnI«.qu ionUvm«Ún»>
I..^Qu6d<lXcmruhilnnliiiipptmni 116..^--&n
^^j> c<lIRUAmm,qu*f.-du ural ntotui
nua Im
piAldjnrnidiftjcoiJt hibcia llquasn, ulm q<MHoonaanpJicu
£#ttau«,t0j^Mfilinni>ii>OpiK>t.^^M^tai (ufvrao
min,,,",s.U^tdfinna n
iira,/CI>DOdku dkutrrah>m»u Joallhui^ia ladvcom
iccrwdil«TTOn»W i ptíiHOc incrrcnua ti nemme».

ín»[iouI meliorilocopo
unctenxumfímul poún iQ^mW^cquidm» noo
mnndi,« I » I!lreflomo o*
omnmooponaajmiirtrt. Pnmum quem diun*u " W * —■
^i.Iupcolb{lQunqoa,"",CollorrgiHSotKr>dmn^ra
•govem gaA xm v A n rá n fm fa n rib im .T d lu a o u o ^ ctunlmc
&
n^wunO L
(■ ;;:! AnflOTctadc::*^1*
^Ul.Conopo1
1 iGrnuuocri.d.d otODItqora,IrunJK
dui
^nonllÜl..uid^cmdl^M,lnucanlaú&"u^^^^» Ij*w®
| 197
A Escalada do Homem

O su r g im e n to e x p lo siv o d a R e n a s c e n ç a — n a r e lig iã o , n a sa r te s,
n a lite r a tu r a , n a m ú sic a e n a s c iê n c ia s m a te m á tic a s — r e p r e s e n to u
u m a c o lisã o fro n ta l c o m a to ta lid a d e d o s iste m a m e d ie v a l. P ara
n ós, a c o e x istê n c ia d a m e c â n ic a d e A r istó te le s e d a a str o n o m ia
d e P to lo m e u c o m o siste m a m e d ie v a l p a r ec e a p e n a s u m a cid en te.
C o n tu d o , aos co n tem p o râ n eo s de C o p é r n ico e la s e x p r i m i a m a
ord em n a tu ra l e v isív e l d o m u n d o . A ro d a , o s ím b o lo g r e g o p ara
o m o v im e n to p e r fe ito , h a v ia se to r n a d o u m d e u s p e tr ific a d o , tã o
r íg id o com o o c a le n d á r io m a ia o u a s fig u r a s d e p e d r a d a I lh a d a
P áscoa.
M esm o co m os p la n e ta s g ir a n d o em c ír c u lo s, o siste m a de
C o p é r n ico não p o d ia ser to m a d o c o m o n atu ral p ara as m e n te s
d essa ép o ca (cou b e a u m c ie n tista m a is jo v e m , J o h a n n e s K e p ler ,
tr a b a lh a n d o em Praga, m o stra r ser e m as ó rb ita s e líp tic a s ). M a s
não era essa a p reocu p ação do h o m em na rua ou n o p ú lp ito .
P ara e le s a r o d a era o s c é u s, e se u s h a b ita n te s tin h a m d e g ir a r e m
to rn o da T erra. T a l era o a to d e fé, c o m o se a Igreja h o u v e s se
89
d e c id id o q u e o siste m a d e P to lo m e u n ã o tiv e sse s id o a o b r a d e Em 1600 o
u m g r e g o le v a n tin o , m a s, sim , d a p r ó p r ia M a g n ific ê n c ia C e le ste . M ed iterrân eo era o
centro do m u n d o
M as, n este a ssu n to, p o d e-se ver c la r a m e n te q u e a c o n tr o v é r sia
e V e n ez a o seu
in ter e ssa m e n o s à d o u tr in a d o q u e a a u to r id a d e . A s s im , s e te n ta coração.
Detalhes de um
an os m a is ta rd e, e m V en eza, v am o s en con tra r u m a cab eça na
entalhe em
q u a l e s te p r o b le m a se m a te r ia liz o u . madeira
representando
Veneza, por
N o a n o d e 1 5 6 4 n a sc e r a m d o is g ra n d e s h o m e n s : W illia m S h a k e s- Jacopo de'Barbari,
p e a r e n a I n g la te r r a e G a lile o G a lile i n a Itá lia . A o a b o r d a r o t e m a dotado de 1500.
d o p od er em su a ép o ca , S h a k esp ea re o faz, p o r d u a s v ezes, to ­
m an d o c o m o ce n á r io a R e p ú b lic a d e V e n e z a : e m O M erca do r d e
V en eza e em O te lo . Isto se d ev e a o fa to d e, em 1 6 0 0 , o M ed iter­
râneo a in d a se c o n stitu ir n o cen tro d o m u n d o e V en eza n o seu
e ix o . A lib e r d a d e d e c r ia ç ã o p e r m itid a a q u i a tr a ía o s m a is a m b i­
c io so s: m ercadores, a v e n tu r e ir o s, in tele c tu a is, e a ssim com o
aco n tece a in d a h o je , u m a m u ltid ã o d e a rtista s e a r te s ã o s c o n g e s ­
tio n a v a su a s ruas.
O s v en ez ia n o s era m co n sid era d o s u m p o v o d isc r e to e d issim u ­
la d o . V e n e z a era o q u e se p o d e r ia c h a m a r u m p o r to -liv r e , e n v o l­
v id a n a q u e la a tm o s fe r a d e c o n s p ir a ç ã o d a s c id a d e s n e u tr a s; c o m o
a co n tece em L isb o a e T ânger de n ossos d ia s. F o i em V en eza
que, em 1 59 2, u m fa lso b e n feito r ilu d iu G io rd a n o B runo e o
en trego u à I n q u is iç ã o p a ra ser q u e im a d o , o ito a n o s m a is ta r d e ,
198 em R om a.
90 .
G a W e o era b a ix o , r e ta c o ,
um h o m e m a tivo de

Retrato de Galileo,
c a b e lo s ruivos.

realizado oito anos antes


de seu julgamento, por
Ociavio Leone.
A Escalada do Homem

E n tr e ta n to , o s v e n e z ia n o s e r a m p r á tic o s. E m P isa , G a lile o h a v ia


tr a b a lh a d o p r o fu n d a m e n te e m m a té r ia fu n d a m e n ta lp a r a a c iê n c ia ,
m as o que certam en te a tr a iu a a te n ç ã o d o s v e n e z ia n o s , q u a n d o
o c o n tr a ta r a m p a r a e n sin a r m a te m á tic a e m P á d u a , fo i seu ta le n to
p a r a in v e n ç õ e s p rá tica s. A lg u m a s d ela s a in d a s o b r e v iv e m na c o le ­
ç ã o h istó r ic a d a A c c a d e m ia C im e n to d e F lo r e n ç a , e s ã o e la b o ra d a s
tan to na co n cep çã o com o n a e x e c u ç ã o . E n tr e e la s e n c o n t r a m o s
o a p a r e lh o d e v id r o c o n v o lu to para a m e d id a da exp an são de
Um instrumento do
líq u id o s, se m e lh a n te ao term ô m etro , e a b a la n ç a h id r o s tá tic a ,
tipo que Galileo
b a s e a d a n o p r in c íp io d e A r q u im e d e s , d e s tin a d a a a v a lia r a d e n s i­ fabricava: uma
delicada balança
d a d e d e o b je to s p r e c io so s. H á , ta m b é m , u m in str u m e n to a o q u al
hidrostática
G a lile o deu o n o m e de “ B ú s so la M ilita r ” q u e, n a r e a lid a d e , se destinada a medir a
densidade de
p arece m u ito co m u m a r é g u a d e c á lc u lo . O in te r e ssa n te n o c a so
objetos preciosos,
é q u e isso rev ela o tin o c o m e r c ia l d esse c ie n tista , p o is o in str u ­ e baseada no
princípio de
m e n t o era fa b r ic a d o e v e n d id o e m su a p r ó p r ia o fic in a , e o m a n u a l
d e in str u ç ã o p a ra u so d e su a “ B ú sso la M ilita r ” fo i u m a d e su a s
Arquimedes.
p r im e ir a s p u b lic a ç õ e s . O s v e n e z ia n o s o a d m ir a v a m p o r isso . E ssa
u tiliz a ç ã o p rá tica d o c o n h e c im e n to c ie n tífic o esta va b em de
acord o com a ín d o le d eles.
S en d o c o m o era, a R e p ú b lic a d e V e n e z a fo i o lo ca l n a tu ra l d e
e sc o lh a para a c o m e r c ia liz a ç ã o d e u m tip o p r im itiv o d e lu n eta
in v en ta d a p o r u n s fa b rica n tes d e ó c u lo s d e F la n d res. Isso a c o n ­
teceu em 1 6 0 8 . M a s a m e sm a R e p ú b lic a d e V e n e z a tin h a a seu
se r v iç o , n a p e s s o a d e G a lile o , u m c ie n tista e m a te m á tic o im e n s a ­
m e n te m a is p o d e r o s o d o q u e q u a lq u e r o u tr o d o n o r te d a E u r o p a .
À sua m en te p r iv ile g ia d a e le a lia v a g osto e h a b ilid a d e para a
p u b lic id a d e , d e tal f o r m a q u e , q u a n d o c o n s t r u iu seu t e le s c ó p io ,
carregou tod o o S e n a d o V e n e z ia n o p a ra o t o p o d o C a m p a n á r io ,
a fim d e e x ib ir o in str u m e n to .
G a lile o era b a ix o , r e ta c o , a tiv o , o s te n ta n d o u m a c a b ele ir a v er ­
m e lh a e m u ito m a is filh o s d o q u e u m s o lte ir ã o se d e v ia p e r m itir .
C o n ta va q u a ren ta e c in c o a n o s d e id a d e q u a n d o o u v iu fa la r d a
in v en çã o d o s fla m e n g o s , e iss o o e le tr iz o u . E m u m a ú n ica n o ite
e le r e c r io u o in str u m e n to , fa b rica n d o e m seg u id a u m o b jeto de
o b se r v a ç ã o c a p a z d e u m a a m p lia ç ã o d e três v ez e s — o q u e e q u i­
v a le m a is ou m en o s a um bom b in ó c u lo d e óp era. E n treta n to ,
a n te s d e su a d e m o n s tr a ç ã o n o C a m p a n á r io d e V e n e z a e le já h a v ia
e le v a d o o p o d er d e a m p lia ç ã o de seu in str u m e n to para o ito ou
d e z v e z e s — o q u e e q u iv a le a u m v er d a d e iro te le s c ó p io . A ssim , n o
a lto d o C a m p a n á r io , d e o n d e o h o r iz o n te se d e sc o r tin a v a a u n s
2 00 tr in ta q u ilô m e tr o s de d istâ n c ia , os n a v io s n ão só p o d ia m ser
91
G a lileo a u m e n to u o
poder de
m a g n ifica çã o para
o ito o u d ez vezes,
o b te n d o , dessa
m a n eira , u m
v erd a d eiro
telescó p io .
Otelescópio
provavelmente
mostrado por
Galileo à Signoria
em 1609.

ob servad os no m ar c o m o tam b ém seg u id o s por um a d istâ n c ia


e q u iv a le n te a duas horas de navegação. E isso v a lia u m b om
d in h e ir o p ara o s n e g o c ia n te s d o R ia lto .
E m carta d a tad a de 29 de a go sto de 1 6 0 9 , G a lile o d escrev e
esses even to s ao seu cu n h a d o em F lo r e n ç a :
92
Como você já deve saber, há uns dois meses espalhou-se a notícia de que, O b rin q u ed o de
em Flandres, foi apresentada ao Conde M aurício uma luneta construída de F la n d res a c a b o u se
tran sform an d o em
tal maneira que objetos muito distantes parecem, através dela, muito pró­ u m in stru m en to de
ximos, de modo que um homem a uns três quilômetros pode ser visto
Mural do ático da
p e sq u isa.
distintamente. Essa possibilidade me pareceu tão maravilhosa que tomou casa de um membro
conta de meus pensamentos; para mim, o efeito só poderia ser baseado na daSociedade
ciência da perspectiva, o que me deu matéria para pensar sobre os meios de Lineana de Roma,
sua fabricação; estes, fmalmente, os encontrei, e a qualidade do meu instru­ mostrando a moda
da observação
mento supera de muito aquela atribuída ao construído pelos flamengos. A através de telescópio
notícia de que eu havia construído um se espalhou por Veneza, e há seis que a demonstração
dias atrás fui convocado pela Signoria, a quem eu o deveria demonstrar em de Galileo
companhia de todo o Senado, para infinita surpresa de todos eles; e houve
desencadeou.
numerosos cavalheiros e senadores que, embora de idade avançada, subiram
por mais de uma vez as escadarias do campanário mais alto de Veneza a
fun de observarem as velas no mar aberto e os navios tão distantes que, se
se aproximassem a toda velocidade do porto, seriam precisas duas horas ou
mais para serem vistos sem o aux í lo de minha luneta. De fato, o efeito do
instrumento é o de representar um objeto, por exemplo, que esteja a trinta
quilômetros de distância, como se estivesse a apenas cinco.
G a lile o é o c r ia d o r d o m éto d o c i e n t í f i c o fo1 odern o. E iss o e le
r e a liz o u seis m e s e s a p ó s o tr iu n fo n o C a m p a n á r io , o q u a l te r ia sid o
o b a sta n te p ara q u a lq u e r o u tra p e sso a . A e le o c o r r e u a id é ia d e

93
“ A co n tem p la çã o
do corpo da Lua
o ferece u m a das
v ista s m a is lin d a s e

Pinturas de Galileo,
d elicio sa s.”

representando as
fases da Lua, vista
através de seu
telescópio de 1610.
Ifíàf

JV''5
• [ 1T* ri :
■ r -|'- TP 'Tifci,
•/ ^
A Escalada do Homem

q u e o b r in q u e d o fla m e n g o p o d ia , n ã o só ser tr a n sfo r m a d o e m u m


in str u m e n to para a navegação m a r ítim a , m as, e isto era to ta l­ •.V sqt cixr.\>èvniTi iLT\~
•i
'
fcil|
5 pi
■; < r»«iar *-r-_K.
m en te o rig in a l p ara su a é p o c a , ig u a lm e n te em u m in stru m en to C A I 11, [ o " G A L Í l V o
de p e sq u isa . O p o d e r d e a m p lia ç ã o d o te le sc ó p io fo i e le v a d o a .
VAT
fkksncfmi
1
R T I O F L O R ! N TINO
girjO.r <£lí.ll|-_ .

tr in ta e en tão d ir ig id o às e strela s. D e s sa m a n e ir a , p e la p r im e ir a
tít-•*
Q J A T V O i. H U M i s
, • - .
v e z , se c o n s u m o u d e fo r m a c o m p le ta a q u ilo q u e c h a m a m o s c iê n ­
m e d i c e a s í d e r a
N'VM VPANOOS ÍJECKEVir
c ia a p lic a d a : c o n s tr u ç ã o d o e q u ip a m e n t o , r e a liz a ç ã o d a e x p e r iê n ­
c ia e p u b lic a ç ã o dos resu lta d o s. Isso tu d o f o i r e a liz a d o en tre
setem b ro de 1 6 0 9 e m arço de 1 6 1 0 , d a ta da p u b lic a ç ã o , e m
V e n e z a , d e s e u e s p lê n d id o liv ro S id e r e u s N u n c iu s ( O M e n s a g e ir o
S id era l), que a p resen ta va um r e la to ilu str a d o de suas, en tão
r e c e n te s, o b se r v a ç õ e s a str o n ô m ic a s. V e ja m o s o q u e e le d iz: D I S C O R .S O
A L S E R E N ÍSSIM O
[Eu tenho visto] miríades de estrelas, as quais jamais foram vistas antes, D O N C O S I M O II
GRAN ove,," Dl TOSCANA
que ultrapassam em número as anteriorm ente observadas, em mais de dez ntornosllc cofeche Srmno iii sulacquj»o ehc
mquclb fi muon°no»
vezes. Df G A L l l E O G A L Í L E I
Elltdefa,t MalcmtútodttiuMrdtpm*
Entretanto, aquilo que provocaria a maior admiração e q u e de fato, me J oAl.Z2.oA StRENISSIM.A.
levou a chamar a atenção de todos os astrônomos e filósofos, é que descobri
quatro planetas, nem conhecidos, nem observados por nenhum dos astrô­
nomos que me precederam.
E sses eram o s sa té lite s d e J ú p ite r . O M e n sa g e iro S id e ra l ta m ­ IN FIRENZE,
Apprfo CoíimoCiumi. M DCXII.
b ém c o n t a c o m o f o i q u e e le d ir ig iu o t e le s c ó p io e m d ir e ç ã o à L u a . C« ii SufmtH,
G a lile o fo i o p r im e ir o h o m e m a p u b lic a r m a p a s s o b r e a L u a . N ó s 1ST O R IA
E DI M O ST R A Z IO N I
p o s s u ím o s s u a s a q u a r e la s o rig in a is.
E LORO AC C I OE NT I
COMfRESE IN TRÉ LBTTEKB SCR/TTí
É uma visão linda e deliciosa contemplar o corpo da lua. . . (Ela) certamente M A R C O V E L S E R I LINCEO
DVVMVIRO D' A VGVSTA
não possui uma superfície lisa e polida, mas, sim, acidentada e irregular, e, C A L IL EO:f:C A U L E I LIN C E O
justam ente como a superfície da própria terra, mostra grandes protuberân-
cias por toda parte, fendas profundas e sinuosidades.
O e m b a ix a d o r b ritâ n ico ju n to à corte d o D u q u e de V en eza
escreveu o s e g u in te r e la to a o s s e u s s u p e r io r e s n a In g la terra , n o
d ia d a p u b lic a ç ã o d e O M e n s a g e ir o S id e ra l:

O professor de matemática em Pádua . . . descobriu quatro novos planetas


girando em torno da esfera de Júpiter, além de muitas outras estrelas fixas
desconhecidas; da mesma forma. . . que a Lua não é esférica, mas portadora
de muitas proeminêricias . . . O autor está destinado a se tornar ou excessi­
vamente famoso ou excessivamente ridículo. Pelo próximo navio Sua
Nobreza irá receber, como um presente de minha parte, um desses instru­
mentos [ópticos], na versão aperfeiçoada por esse homem.
A n o tíc ia era sen sa c io n a l. S e u p r e stíg io f o i e le v a d o m u ito m a is
2 04 a lto d o que q u an d o d o tr iu n fo ju n to à c o m u n id a d e d e c o m e r c i-
O Mensageiro Sideral

O BSER \'AT. S I D E R E A E
antes. Contudo, a acolhida não foi totalmente favorável , uma vez
O1," -O * Occ. que a observação de Galüeo vinha mostrar que o sistem a ptolo-
Sk Hi occidatalioti m1ior. ambz timm v..Ide con.
jpiiur, ai: fp lendiJx: vtraquõI' Jiftjbat j louc Lrupit.. maico simplesmente não mais podia ser defendido. A poderosa
pritmsduobus. remi quoquc SteJJula app.rcrcf-
pirbor,), tcrcu pnus minim:-coulpc.:.la. qux ex parte intuição de Copérnico havia-se provado correta, e agora aparecia
oricnu.li louem feri: uogcbat, CTacque admoduIIi c-
»gua. Omncs fuCTunr in cadcm rcâa, &- Iccuodutii
Eaypncx tonguuitiium coordinat.l'.
à luz clara, revelada. Da mesma forma como aconteceu com
Die Jccimatcrcu primum j me: quacuor con!p(\.C(;!:
fuc::unt:;'tdIul;r in hic aúloucmcoDiflirutionc. E-ant muitos outros resultados científicos mais recentes, aquele não foi
tres o cudm uls, & voa oncntllis. ImcJQi promuc
absolutamente do agrado das autoridades do seu tempo.
O íl • Q .« , O:c. Galileo imaginou que bastava mostrar que Copérnico estava
ro/bm cooftiiac^nt, media cnim occidéntium ('lu-
lalumà rc.:t"a bcptcoaioDCmvafus drf^feb.lt. Abc- certo, e todo mundo o ouviria. Esse foi seu primeiro erro: a má
u t oiicatlior louc: mioua duo: rc:l.Jq^u.um,&
louis i o e r c j p c J m C f G n ^ l x \"ruus nmum mi- avaliação das intenções de outras pessoas, a todo passo comum
□ uti. br.Uc omncscandan przlct\:rcb.nt nu-nnu-
dmi:iD .itli.ct oi^uam . lua^Jlilimr r.unen ajn t,jc
h
c ilUno magnicuJi ú n l.jugo. Í|J_.jrci aos cientistas. Imaginou, também, ser agora sua reputação sufi­
Dic dcor.j'Iu;lrtu nubiiOlJ. tuit th."f1)p c n .u .
DicJecimaquiuu, hou tcitu 10 proximc cientemente bem estabelecida de modo a lhe permitir retornar à
dcpih fucruDt hlbitudioc quulOl' St^^ 3d l o u c : .
sua Florença natal, abandonando, assim, a estéril atividade
OtL O * • * *
didática em Pádua, a sobrecarga que ela lhe trazia e, com isso, a
occiJrn^t.ak-somDes: ac eaJcm proxi.m rcâj Iinca
d:lpo5(Xj qu.J: I(1 1 D tatU. ;i. touc oUD.lc^tll p.l^ proteção, essencialmente anticlerical, de sua segura República
U ..a
de Veneza. Este foi seu segundo erro, aliás, fatal.
Os sucessos da Reforma Protestante no século XVI instigaram a
[greja Católica Romana a organizar uma Contra-Reforma feroz.
A reação contra Lutero alcançava seu auge; na Europa, a luta era
pela autoridade. A Guerra dos Trinta Anos começou em 1618.
Em 1622 a Igreja instituiu o movimento para a propagação da fé,
que é de onde a palavra propaganda se originou. Católicos e
protestantes estavam envolvidos naquilo que hoje chamaríamos
94 guerra-fria, na qual —se pelo menos GaWeo tivesse percebido! —
“ O p ro fesso r de não havia contemplação para com homens, fossem eles grandes
m a te m á tic a de
ou pequenos. O julgamento era bastante simples, de ambos os
P ádua d esco b riu
quatro n o v o s lados; quem não concorda conosco é um herege. Mesmo um
p la n eta s g ira n d o intérprete da fé tão desprendido como o Cardeal Beíarmino havia
e m to r n o da esfera
de J ú p ite r .” considerado as especulações astronômicas de Giordano Bruno
Página de O intoleráveis, a ponto de mandá-lo para a fogueira. A Igreja repre­
M en sa g eiro S id eral,
mostrando a posição sentava um grande poder temporal e naqueles tempos amargos
das órbitas das
luas de Júpiter.
estava envolvida em uma luta em que todos os meios eram justi­
Páginas de rosto de ficados pelo fim —a ética do estado policial.
algumas das obras
cientificas
A mim me parece estranha a inocência de Galileo a respeito
pu blicadas por do mundo da política, inocência essa que se tornou mais desas­
Galileo entre trosa por ter, confiante em sua própria sagacidade, pensado em
1606 e 1630 em
Veneza, Pádua, poder ludibriá-lo. Ao longo de vinte anos ou mais, ele trilhou um
Fiorença e Roma. caminho que o levou inevitavelmente à sua condenação. Não foi
"II Saggiatore ” foi
dedicado ao Papa
fácil vencê-lo; mas, desde o inicio, não podia pairar a menor
Urbano VIII. dúvida de que Galüeo seria silenciado, pois o desacordo entre ele 205
e as a u to r id a d e s era a b so lu to . E la s a c r e d ita v a m no d o m ín io da
fé; G a lile o , n a p e r su a sã o d a v erd a d e.
O ch o q u e en tre p r i n c íp i o s e, e v i d e n t e m e n t e , e n t r e p e r s o n a li ­
dad es, v eio a p ú b lic o d u ra n te seu ju lg a m e n to em 1 6 3 3 . E n tre­
ta n to , t o d o j u lg a m e n t o p o lít ic o é p r e c e d id o d e u m a lo n g a h istó r ia
secreta , travad a nos b a stid o res que, n este caso, se en co n tra
2 0 6 tr a n c a fia d a nos A r q u iv o s S ecretos d o V a tic a n o . N o m e io de
O Mensageiro Sideral

to d o s esses corred ores d e d o cu m en to s há um cofre m o d esto n o


qual o V a tic a n o m a n tém a q u ilo q u e é c o n sid era d o d o cu m en to
c r u c ia l. A q u i, p o r e x e m p lo , se e n c o n tr a o p e d id o d e lic e n ç a p a ra
o d iv ó r cio d e H e n r iq u e V III - a recusa d o q u al tro u x e a R efo rm a
à In g la te r r a , te r m in a n d o , a ssim , as lig a ç õ e s d e sta com R om a. O
ju lg a m e n to d e G io r d a n o B ru n o n ão d e ix o u m u ito s d o c u m e n to s,
p o is a m a io r p a rte f o i d e str u íd a ; m as o q u e resto u ta m b ém se
e n c o n t r a a q u i.
O C o d ex 1 1 8 1 , P ro c e sso s c o n tra G a lile o G a lile i, n ã o p o d e r ia
esta r em o u tr o lo ca l. O ju lg a m e n to se d e u e m 1 6 3 3 . A s surpresas
co m eça m lo g o a o se c o n sta ta r as d a ta s d o s d o c u m e n to s. E m 1611,
n o m o m e n to em q u e G a lile o a lc a n ç a v a seu tr iu n fo e m V en eza,
in fo rm a çõ es se c r e ta s v in d a s a F lo r e n ç a e R o m a eram apresen­
tad as co n tra e le p eran te o S a cro C o lé g io d a I n q u isiç ã o . P ro v a s
ap resen tad as em d o c u m e n t o s m a is a n tig o s , q u e n ã o p e r te n c e m a
e ste s a rq u iv o s, in d ic a m te r sid o o C a r d e a l B e la r m in o o in stig a d o r
d o s in q u é r ito s c o n tr a e le . O u tr o s r e la to s sã o a r q u iv a d o s n o s a n o s
95
H á u m cofre 1 6 1 3 , 1 6 1 4 e 1 6 1 5 . P o r e s ta é p o c a , o p r ó p r io G a lile o já s e a la r ­
m o d esto no qual o m ara. Por s u a liv re in ic ia tiv a se d ir ig e a R o m a , a fim d e ten tar
V a tica n o guarda
a q u eles d o c u m e n to s p e r su a d ir a m ig o s e n tr e o s c a r d e a is, n o s e n tid o de q u e estes n ão
co n sid era d o s p r o íb a m o sistem a d e C o p é r n ic o .
cru cia is.
Oautor nos E n treta n to , ch ega tard e. E m fev ereiro de 1 61 6 a sen ten ça
Arquivos Secretos
do Vaticano,
fo rm a l já aparece rascunhada no C o d ex e, em um a trad u ção

examinando os liv re , é a s e g u in te :
documentos do
julgamento de Proposições a serem proibidas:
Galileo. que o Sol é imóvel no centro do Universo;
que a Terra não esteja no centro dos céus e não seja imóvel,
mas se mova com dois tipos de movimentos.
96
A p aren tem en te, G a lile o não sofreu n en h u m tip o de censu ra
E m 1623 um
cardeal in telectu al severa. E m tod o caso fo i c h a m a d o p e lo p o d e r o s o C a r d e a l B e la r ­
f o i e leito Papa: m in o , q u e d o c u m e n t a e m ca rta o fa to d e G a lile o ter-se c o n v e n c id o
M a ffe o B arb erini.
Busto do Papa de n ão d efen d er o S iste m a P la n etá r io de C o p é r n ico - m as o
recém-eleitopelo
escultor e arquiteto d o c u m e n t o p á ra a í. I n fe liz m e n te , há u m o u tr o d o c u m e n t o r eg is­

que ele mais tra d o q u e esten d e esse a ssu n to, e sobre o q u a l o ju lg a m e n to vai
estimava,
GianlorenzoBemini, se b a sea r. M a s isto a c o n te c e u d e z e s s e te a n o s d e p o is .

e quem já havia N esse m e io t e m p o , G a lile o r e to r n a a F lo r e n ç a im a g in a n d o ter


iniciado trabalhos a p r e n d id o d u a s co isa s. A p r im e ir a é a d e q u e o te m p o d e d e fe n d e r
do decoração da
Catedral de São C o p é r n ic o p u b lic a m e n te a in d a n ã o h a v ia c h e g a d o . A s e g u n d a é a
207
Pedro em 1626. de q u e esse tem p o c h e g a r ia . S eu acerto se lim ito u à p r im e ir a
A Escalada do Homem

p r o p o siç ã o . D e q u a lq u e r fo r m a , e sp e r o u seu te m p o a té q u e u m
c a r d e a l in te le c tu a l se e le g e u P a p a : M a ffe o B a rb erin i.

O e v e n to a c o n te c e u e m 1 6 2 3 , q u a n d o M a ffe o B a rb erin i se to r n o u
o P a p a U r b a n o V III. O n o v o P a p a era a m a n te d a s a rtes. A p r e c ia ­
d o r d a m ú sic a , e n c o m e n d o u a o c o m p o s ito r G r e g ó r io A lle g r i u m
M iserere para nove vozes q u e , m u ito tem p o d e p o is, to r n o u -se
e x c lu siv o do V a tic a n o . A m an te da a r q u ite tu r a , d e se ja v a tr a n s­
fo rm a r S ã o P e d r o n o p o n to c en tra l d e R o m a . A ssim , o e sc u lto r
e a r q u ite to G ia n lo r e n z o B e r n in i fo i e n c a r r e g a d o d e c o m p le ta r o s
in ter io r e s d a B a sílic a d e S ã o P e d r o ; o lo n g o B a ld a c c h in o (d o sse l
d o tro n o p a p a l) p o r e le desen hado é a ú n ic a a d iç ã o d e v a lo r à
o b r a o r ig in a l d e M ic h e la n g e lo . Q u a n d o m a is j o v e m , o p a p a in t e ­
le c tu a l era d a d o a escrev er p o e sia ; u m d e seu s s o n e to s f o i d e d ic a d o
a o s e sc r ito s a str o n ô m ic o s d e G a lile o , e m to m d e c u m p r im e n to .
U r b a n o V III tin h a -se a si p r ó p r io n a c o n ta d e u m in o v a d o r . D e
q u a lq u e r fo r m a , era p o ss u id o r d e u m a m e n te c o n fia n te , se b e m
q u e o r ig in a lm e n te im p a c ie n te :

Sei melhor do que todos os cardeais juntos! Um decreto de um Papa vivo


vale mais do que todos os decretos de uma centena de Papas mortos,
d isse p e r e m p tó r io . E n tr e ta n to , c o m o P a p a , B a rb e rin i fo i s im p le s ­
m en te g ro tesco : d a d o a o n e p o tism o , ex tra v a g a n te, d o m in a d o r ,
in co n sta n te em seus p r o p ó sito s, e to ta lm e n te surdo às id é ia s
a lh e ia s. C h e g o u a o p o n to d e ord en ar a m a ta n ça d e to d o s os pás­
sa r o s d o s ja r d in s d o V a t ic a n o s o b a a le g a ç ã o d e q u e e ssa s c r ia tu r a s
o p ertu rb a va m .
O tim ista , G a lile o v e io a R o m a e m 1 62 4, e em p a sse io s p e lo s
ja r d in s e n tr e te v e seis lo n g a s c o n v e r sa s c o m o P a p a r e c é m -e le ito .
E ra sua esp eran ça que o Papa in telectu a l a n u la sse ou, p e lo
m enos, fiz e sse v ista grossa ao d ecreto de 1 6 1 6 p r o ib in d o a
d iv u lg a ç ã o d a c o n c e p ç ã o d e m u n d o d e C o p é r n ic o . N a r e a lid a d e ,
U rb ano V III não se com oveu. M as G a lile o a in d a a lim e n ta v a
esp eranças de - e o s d ig n itá rio s d a c o r te p a p a l e sp e r a v a m - ser
a in ten çã o d o P a p a d e ix a r q u e a s n o v a s id é ia s c ie n tífic a s se in si­
n uassem s ile n c io sa m e n te n a Igreja, a té q u e , im p e r c e p tiv e lm e n te ,
su b stitu ísse m as v elh a s c o n c e p ç õ e s. A fin a l d e c o n ta s, e ssa tin h a
s id o a fo r m a p e la q u a l id é ia s p a g ã s c o m o a s d e A r is tó te le s e P to -
lo m e u a c a b a r a m f a z e n d o p a r te d a D o u t r in a C ristã . A s s im s e n d o ,
G a lile o p a s s o u a c o n ta r o P a p a e n tr e seu s a lia d o s - d en tro d o s
2 08 lim ite s, é c la r o , d a s r e sp o n s a b ilid a d e s q u e o cargo im p u n h a - ,
O Mensageiro Sideral

a té que a h o r a d a v er d a d e c h e g o u . A s p r e v isõ e s d o sá b io m o str a ­


ram -se p r o fu n d a m e n te in fu n d a d a s.
D esd e o in íc io seus p o n tos de v ista eram in tele c tu a lm e n te
ir r e c o n c iliá v e is. P a ra G a lile o u m a te o r ia s ó a d q u ir ia fo r o d e v e r ­
d a d e q u a n d o testa d a c o n tr a a n a tu reza .

Penso que discussões sobre problemas da Física devem tomar como ponto
de partida não a autoridade de passagens das Escrituras, mas, sim, experi­
ências sensíveis e suas necessárias demonstrações. . . Deus não é revelado
com menor excelência nos atos da Natureza do que nas afirmações sagradas
da Bíblia.
P a ra U r b a n o V III o s d e s íg n io s d e D e u s d isp e n s a v a m q u a lq u e r tip o
de te s te , e is s o , e le in sistia , d e v ia fig u r a r n o liv r o d e G a lile o .

Seria uma irreverência extravagante permitir a qualquer um se dar ao luxo


de lim itar ou confinar o poder e a sabedoria Divmas ao saber de conjecturas
pessoais.
T a l e stip u la ç ã o era p a r tic u la r m e n te q u erid a a o P apa. C o m e fe ito ,
b lo q u e a v a a G a lile o a p o ssib ilid a d e d e e x p r im ir q u a lq u e r c o n c lu ­
sã o d e fin id a (m e s m o a c o n c lu s ã o n eg a tiv a d e q u e P to lo m e u esta v a
errad o ), u m a v ez que s e m p r e a c a b a r ia p o r in frin g ir o d ir e ito d e
D eu s governar o U n iv e r s o a tr a v é s d e m ila g r e s , liv re d o r e s p e ito
às leis n a tu r a is.
A hora da verdade ch ego u em 1 6 3 2 , a n o n o q u a l G a lile o fin a l­
m en te im p r im iu s e u liv r o : D is c u r s o s s o b r e o s G r a n d e s S is te m a s
d o M u n d o . U r b a n o V III c o n sid e r o u -se in su lta d o g r o sse ir a m e n te .

Seu Galileo aventurou-se a amealhar matéria indevida, cuja importância torna


extremamente perigoso qualquer debate sobre a mesma em nossos dias,
a ssim se ex p re sso u em c a r ta d ir ig id a a o e m b a ix a d o r to s c a n o , d a ­
tad a d e 4 d e s e te m b r o d a q u e le a n o . N o m e s m o m ês v e io a o r d e m
fa ta l:

Sua Santidade encarrega o Inquisidor junto a Florença de informar Galileo,


em nome do Santo Ofício, que ele deve comparecer o mais brevemente
possível, no decurso do mês de outubro, a Roma, perante o Comissário-
-Geral do Santo Ofício.
O Papa, o a m ig o M a ffeo B a rb erin i, U rb an o V III, en trego u -o
p e sso a lm e n te nas m ãos d o S a n to o fíc io d a In q u isiç ã o , p r o c e sso
irr e v e r sív e l.

A S a n ta In q u isiç ã o R o m a n a e U n iv e r sa l tin h a su a s in sta la ç õ e s


n o m o s t e i r o d o m i n i c a n o d e S a n t a M a r ia S o p r a M in e r v a , e a li e r a m
ju lg a d o s to d o s a q u e le s c u ja fid e lid a d e fo sse q u e stio n a d a . H a v ia 209
O Mensageiro Sideral

sid o c r ia d a p e l° Papa P a u lo III em 1 54 2 co m a fin a lid a d e d e


e s c o r a r a lu ta co n tra a p r o p a g a ç ã o d as D o u tr in a s R e fo r m ista s e,
e s p e c ia lm e n te , “ c o n tr a a d e p r a v a ç ã o h e r é tic a d e to d a a C o m u n i
d a d e C ristã ” . A p a rtir d e 1 5 7 1 a d q u ir iu t a m b é m o p o d e r d e j u lg a r
as d o u tr in a s e sc r ita s, te n d o , e n tã o , in s titu íd o o I n d e x d e L iv ro s
P r o ib id o s. O reg u la m e n to p ro cessu a l era estrito e e x a to . F o r m a ­
liz a d o s em 1 5 8 8 , esta va m lo n g e d e seg u ir o s p r o c e d im e n to s d e
u m jú r i. O p r isio n e ir o n ã o tin h a a c e sso a o c o n te ú d o d a a c u sa ç ã o
c o n tr a e le ; t a m b é m n ã o tin h a d ir e ito à d e fe sa c o n stitu íd a .
N o j u lg a m e n t o d e G a lile o fig u r a v a m d e z ju íz e s , to d o s c a r d e a is
e tod os d o m in ic a n o s. U m d eles era irm ã o e o u tr o so b r in h o do
Papa. O ju lg a m en to foi c o n d u z id o p elo C o m issá rio G eral da
In q u isiç ã o . O sa lã o o n d e G a lile o fo i ju lg a d o fa z p a rte, h o je, d o
p r é d io d o s C o r r e io s d e R o m a , m a s p o d e m o s ter u m a id é ia d e sse
a m b ien te em 1 6 3 3 : u m a sa la d e r e u n iõ e s fa n ta s m a g ó r ic a , e m um
c lu b e p a ra c a v a lh e iro s.
P o d em o s tra ça r p e r fe ita m e n te a tr a je tó r ia q u e le v o u G a lile o a
essa p assagem . In ic io u -se n a q u e la s c a m in h a d a s a tr a v é s d e a lé ia s
a ja r d in a d a s e m c o m p a n h ia d o n o vo Papa em 1 6 2 4 . E s ta v a c la r o
que este não iria p e r m itir a d is c u s s ã o p ú b lic a d a s d o u tr in a s d e
C o p é r n ico . M as G a lile o en vered ou p o r u m a v ia a lte r n a tiv a ; n o
ano seg u in te c o m eço u a escrever, e m ita lia n o , o s D iá lo g o s s o b r e
o s G ra n d es S istem a s d o M u n d o , n o s q u a is u m in ter lo c u to r fo r ­
97
C o m o Papa, m u la v a ob jeçõ es à te o r ia , as q u a is eram r e sp o n d id a s por d o is
B a rb erin i m o str o u o u t r o s , m a s m u it o m a is in te lig e n te s e sa g a z e s.
sua fa c e barroca: T a l era, a té certo p o n to , n e c e ssá r io , u m a v ez q u e a te o r ia d e
descarad am en te
n e p ó tic o , C o p érn ico não p o d ia ser a p r e e n d id a in tu itiv a m e n te . N ão é de
extravagan te, to d o c la r o c o m o p o d e r ia a T e r r a g ir a r e m torn o d o S o l u m a vez
d o m in a d o r , in stá vel
por ano, e em to rn o d e seu p r ó p r io e ix o um a vez p o r d ia , sem
Um dos tetos do
em seus p lan o s.

Palazzo Barberini, que tu d o e m su a s u p e r fíc ie fo s s e a r r e m e ssa d o a tra v és d o s e sp a ç o s.

pintado em T a m b ém n ã o é fá cü c o n ce b er c o m o u m p e so c a in d o d e u m a torre
1629-33 por Andrea pode m a n ter u m a tr a je tó r ia v er tic a l e m u m a T erra em rota ção .
Sacchi. Os temas
alegóricos ilustram A s r e sp o s ta s a ta is o b je ç õ e s G a lile o as d e u , p o r a ssim d izer, e m
uma passagemdil n o m e de C o p é r n ico , de há m u ito d e sa p a recid o . D e u m a c o isa
S a b ed oria de
S a l o m ã o . As
ja m a is n o s d e v e r ía m o s e sq u e c er : G a lile o d e s a fio u a san ta a u to r i­

tranqüilas servas dade d efen d en d o u m a te o r ia que n ã o era su a, m a s, sim , d e u m


da Sabedoria estão
identificadils pelas h o m e m m o rto h á lo n g o te m p o , s im p le s m e n te p o r q u e a cr e d ita v a

constelações. No n a v e r d a d e n ela c o n tid a .


seio da Sabedoria C o n tu d o , a fa v o r d e G a lile o , n o ta m o s q u e a o lo n g o d e to d o o
pode ser distinguida
a timidiJ face seu liv r o p a ir a a q u e le sen tid o c ie n tífic o q u e já e s ta v a e v id e n te
211
do Sol. n a s u a j u v e n tu d e , e m P isa , q u a n d o , a o c o n te m p la r o s m o v im e n t o s
de um p ê n d u lo , a c o m p a n h o u -o s p a lp a n d o os b a tim en to s d e seu 98
E ram d ez ju ízes.
p r ó p r io p u lso . É a p e r c e p ç ã o d e q u e a s leis v ig e n te s a q u i n a te r r a
U m d eles ^ m ã o
se e ste n d e m a o u n iv e r s o in fin ito , a tr a v e s sa n d o a s e sfe r a s d e c r is­ e o u tro sob rin h o d o

Guache de Urbano
Papa.
ta l. Sua p r o p o siç ã o a firm a ser e m d e u m a só n a tu reza as força s
d o s c é u s e d a terra; a ssim , as e x p e r iê n c ia s m e c â n ic a s r e a liz a d a s VIII dando bênçãos.
Seu irmãoAntonio
aqui nos dão in fo r m a ç õ e s so b r e as estrela s. A o d ir ig ir s e u t e le s ­
seguraa velapara
c ó p io p a ra a L u a, p ara J ú p ite r e p a ra as m a n c h a s so la res, d e str u iu ele. Oterceiro
cardeal é seu
a id e o lo g ia c lá ssica b a se a d a n a p e r fe iç ã o e im u ta b ilid a d e d o s c é u s;
sobrinho Francesco,
tam b ém estes, à sem e lh a n ç a d a T erra, fo r a m c o lo c a d o s à su je iç ã o o qual se absteve
de votar no
d a lei d a tr a n s fo r m a ç ã o .
julgamento de
O liv ro fo i t e r m in a d o e m 1 6 3 0 , m a s n ã o fo i fá cil o b te r lic e n ç a Galileo.
p ara su a p u b lic a ç ã o . O s c e n so r e s se m o str a v a m b en ev o len tes, o
que d e p o u c o a d ia n ta v a , u m a v ez q u e fo r ç a s p o d e r o s a s se o p u ­
nham ao liv ro . E n treta n to , G a lile o acab ou c o n se g u in d o não
m en o s do que q u a tro Im p rim a tu r, e o liv ro fo i p u b lic a d o , e m
F lo r e n ç a , n o in íc io d e 1 6 3 2 . O su c e sso in sta n tâ n e o d a p u b lic a ç ã o
se r e v e lo u u m d esa stre in sta n tâ n e o p ara G a lü e o . D e R o m a v eio a
ordem : su sp en d am a im p ressã o . R e c o lh a m to d a s as c ó p ia s - que
na r e a lid a d e já h a v ia m se esg ota d o . G a lile o tem d e ir a R o m a
dar co n ta de seu a to . N e n h u m a d a s d e s c u lp a s p o r e le a p r e s e n ­
tad as fora m co n sid era d a s r e le v a n te s: sua id a d e (agora p erto
dos seten ta a n os), su a e n fe r m id a d e (q u e era rea l), a p ro teçã o
do G rão -D u q u e da T oscana, nada a d ia n to u . E le tem de ir a
R om a.
E v id e n te m e n te , o P a p a se se n tia p r o fu n d a m e n te o fe n d id o c o m
a p u b lic a ç ã o d o liv ro . P e lo m e n o s u m a p a s s a g e m s o b r e a q u a l e le
h a v ia in s is tid o p a r tic u la r m e n te a li e s ta v a e x p líc it a , m a s , n o d iá ­
lo g o , d e fe n d id a por um a personagem ir r ita n te m e n te sim p ló r ia .
212 A C o m issã o P r e p a r a tó r ia para o ju lg a m e n to d iz isso , p r e to no
O Mensageiro Sideral

branco: a estip u la çã o p o r m im c ita d a , tã o q u e r id a d o Papa, foi


p o s t a “ in b o c c a d i u n s c i o c c o ” - o d e fe n so r d a tra d içã o a q u e m
G a lile o h a v ia c h a m a d o “ S im p lic iu s” . P o d e ser q u e o P ap a ten h a
to m a d o S im p lic iu s co m o u m a ca rica tu ra de si m esm o; a ssim
sen d o, o in su lto era d ir e to . P a ra e le , G a lile o h a v ia tr a p a c e a d o e
seu s p r ó p r io s c e n so r e s o h a v ia m tr a íd o .
D esse m o d o , a 12 d e a b r il d e 1 6 3 3 , G a lile o fo i tra zid o a essa
sa la o n d e , s e n ta d o j u n t o a u m a m e s a , r e s p o n d e u às p e r g u n ta s d o
In q u isid o r . A s p e r g u n ta s e r a m fo r m u la d a s c o r te s m e n te , d e a c o r d o
com a a tm o sfera in tele c tu a l que r e in a v a na I n q u isiç ã o — em
L a tim , n a te r c e ir a pessoa. C o m o e le c h e g o u a R o m a ? É e ste se u
liv r o ? P o r q u e r a z ã o o h a v ia e s c r ito ? D o q u e tr a ta o liv ro ? T o d a s
essas p ergu n tas eram esp era d a s, e G a lile o p r e te n d ia d e fe n d e r seu
liv ro . M a s, e n t ã o , e is q u e s u r g e u m a p e r g u n ta in e s p e r a d a .

Inquisidor: Havia ele estado em Roma, precisamente no ano de 1616, e


com que propósito?
Galileo: Estive em Roma no ano de 1616 em função do fato de ter ouvido
dúvidas expressas a respeito das opiniões de Nicolau Copérnico; assim,
pretendia saber que interpretação seria adequada manter-se.
Inquisidor: Deixemos que ele mesmo relate o que foi decidido e lhe foi
dado a conhecer nessa ocasião.
Galileo: No mês de fevereiro de 1616, o Cardeal Belarmino me assegurou
que aceitar a opinião de Copérnico como um fato provado ia de encontro
às Sagradas Escrituras. Portanto, não podia nem ser aceita e nem defendida;
mas poderia ser utilizada como hipótese. Como prova disso, tenho um cer­
tificado do Cardeal Belarmino, datado de 26 de maio de 1616.
Inquisidor: Haveria algum outro preceito que lhe havia sido esclarecido
então?
Galileo: Não me lembro de mais nada que me tenha sido dito ou de mim
exigido.
Inquisidor: Se a ele fosse dito que, na presença de testemunhas, lhe foi
recomendado não albergar ou defender a dita opinião, ou ensiná-la de qual­
quer maneira, seria ele capaz de se lembrar?
Galileo: Lembro-me de que a instrução era para que eu nem albergasse
nem defendesse a dita opinião. Os outros dois quesitos: nem ensinar e nem
considerá-la de nenhuma forma não estão explícitos no certificado no qual
baseio minha afirmação.
Inquisidor: Após ter ficado ciente do preceito acima citado, procurou ele
obter permissão para escrever o livro?
Galileo: Eu não pedi autorização para escrever este livro, simplesmente
porque não me considerava desobedecendo as instruções recebidas.
Inquisidor: Ao solicitar permissão para a impressão do livro, revelou ele a
ordem da Sagrada Congregação sobre o que acabamos de falar?
Galileo: Nada disse ao buscar autorização para publicar, uma vez que no
livro nem alberguei, nem defendi a dita opinião. 213
A Escalada do Homem

G a lile o p o ss u ía u m d o c u m e n to n o q u a l e sta v a e x p r e ssa a p r o i­


b iç ã o d ele a lb e r g a r ou d efen d er a teo ria de C o p é r n ico , o que
sig n ific a v a , p o r a ss im d iz er , u m fa to c o m p r o v a d o . E ra u m a p r o i­
b iç ã o im p o sta a tod o c a tó lic o d a q u e le tem p o . A In q u isiç ã o
a r g u m e n ta h a v er u m d o c u m e n t o p r o ib in d o a G a lile o , e a G a lile o
so m en te, e n sin a r sob q u a lq u e r fo r m a — isto é, m esm o sob a
form a de d isc u ssã o , e sp e c u la ç ã o o u m e r a h ip ó te se . A In q u isiç ã o
não se v ia n a o b r ig a ç ã o d e a p r e se n ta r tal d o c u m e n t o ; isso n ã o
fa zia p a rte d a s reg ra s d o ju lg a m e n to . E n tr e ta n to , o d o cu m en to
e x iste - e n c o n tra -se n o s A r q u iv o s S e c r e to s, e é m a n ife s ta m e n te
u m a fa lsific a ç ã o - o u , m a is c o n d e s c e n d e n te m e n te , u m rascunho
de a n o ta çõ es sobre u m p reten so en co n tro , o qual foi n egad o. N ã o
c o n t é m a a ss in a tu r a d o C a r d e a l B e la r m in o . N ã o traz a s s in a tu r a d e
te ste m u n h a s. N ã o é a ssin a d o p o r escriv ã o . E , p r in c ip a lm e n te , n ã o
m o s tr a a a ssin a tu r a d e G a lile o , c o m o p r o v a d e le o te r r e c e b id o .
N ã o n o s .p a r e c e estra n h o o fato d e a In q u isiç ã o ter la n ç a d o
m ã o de m anobras leg a lista s g ir a n d o em to rn o de irr e le v â n c ia s
c o m o “ a lb e r g a r o u d e f e n d e r ” , o u “ e n sin a r s o b q u a lq u e r f o r m a ” ,
e, a lé m d isso , ter-se e s c o r a d o e m u m d o c u m e n to cu ja a u te n tic i­
dade seria q u e stio n a d a em q u a lq u e r tip o de fó ru m ? S im , é
e s tr a n h o , m a s , n a r e a lid a d e , n a d a m a is se p o d e r ia fa z e r . O liv r o
já h a v ia s id o p u b lic a d o , e c o m o aval d e m u ito s c e n so r e s. C o n s u ­
m a d o co m o esta va , o Papa p o d ia fa z e r d e s c e r su a ira s o b r e os
c e n s o r e s — a rru in a r, p o r e x e m p lo , s e u p r ó p r io S e c r e tá r io p o r te r 99
N o sja rd in s,
s id o fa v o r á v e l a G a lile o . E n tr e ta n to , p a r a c o n d e n a r o liv r o , n e s ta o o tim ista G a lileo
a ltu r a , a lg u m a . ju s tific a tiv a p ú b lic a , e d e g r a n d e e f e it o , tin h a d e e n t r e t e v e seis
con versas c o m o
ser e n c o n tr a d a . E fo i. P e r m a n e c e u n o I n d e x p o r c e r c a d e d u z e n to s P a p a recém -eleito .
Mural representando
anos, sob a a le g a ç ã o d e: A t o s F a lto s o s C o m e tid o s p o r G a lile o .
um passeio de um
E ssa a razão p ela qual o ju lg a m e n to e v ito u en trar e m q u a lq u e r
Cardealjunto à
Fonte de Tritão,
construída por
tip o d e d isc u ssã o su b sta n c ia l o u so b r e o liv r o o u so b r e C o p é r n ic o ,
e se in c lin o u para a co n sid era çã o de fó r m u la s e d o cu m en to s.
Bemini. O Cardeal
G a lile o tin h a d e ser a p r e se n ta d o c o m o u m tr a p a c e ir o d e lib e r a d o lê uma passagem
do Texto Sagrado
em r e la ç ã o a o s c e n so r e s, a g in d o n ã o só d e m a n e ir a c o n te s ta tó r ia
para um acadêmico
m a s, ta m b ém , d eson esta. penitente. Este
mural, em uma
residência particular
Para n ossa su rp resa , a c o r te n ã o se reu n iu n o va m en te; o ju lg a ­ emRoma, deve
datar de um período
m e n t o t e r m in o u a í. I s to é , G a lile o fo i tr a z id o m a is d u a s v e z e s a o
entre 1620 e 1630,
sa lã o , m a s a p e n a s p a ra p resta r te s te m u n h o e m s u a p r ó p r ia d e fe sa ;
quando o resultado
da defesa de
Galileo da teoria
en tretan to , n en h u m a o u tr a p e r g u n ta lh e fo i d ir ig id a . O vere d ito

214
fo i la v ra d o e m u m a sessão da C on g reg a çã o d o S a n to O fício pre­
de Copérnico ainda
sid id a p elo Papa. O c ie n tista d issid e n te tin h a d e ser h u m ilh a d o ; não era conhecido.
v
A Escalada do Homem

não só em a çã o m as, tam b ém , em in te n ç ã o . G a lile o tin h a d e se


retra ta r; a e le d e v ia m ser m o str a d o s os in str u m e n to s d e to rtu ra
c o m o se a in te n ç ã o fo sse a d e u sá -lo s.
O sig n ific a d o d e u m tal tr a ta m e n to p a ra u m h o m em q u e h a v ia
in ic ia d o sua ca rreira com o m é d ic o pode ser a q u ila ta d o p e lo
testem u n h o de u m co n tem p o râ n eo que, ten d o sid o s u b m e tid o
ao m esm o, so b r e v iv e u . T r a ta -se d e w illia m L ith g o w , u m in g lê s
to r tu r a d o p e la In q u isiç ã o E sp a n h o la .
Fui trazido para uma plataforma de madeira e colocado sobre a mesma.
Esta era formada pela justaposição de três pranchas maciças, nos vãos entre
as quais minhas pernas foram presas, sendo os tornozelos atados por meio
de cordas. Ao girarem as alavancas, a força exercida sobre meus joelhos
contra as duas pranchas acabou arrebentando todos os ligamentos de minhas
pernas, ao mesmo tempo que minhas rótulas eram esmagadas. Meus olhos
se esbugalharam, minha boca espumava e exsudava, meus dentes batiam
como baquetas rufando sobre tambores. Meus lábios tremiam, meus gemidos
eram veementes, e sangue brotava de meus braços, dos tendões arrebentados
das mãos e dos joelhos. Ao ser aliviado dessa dor cruciante, fui depositado
no solo, sem que cessasse a constante injunção: “Confesse! Confesse!” .
G a lile o n ã o fo i to r tu r a d o ; a p e n a s fo i a m e a ç a d o , p o r d u a s v ezes.
S u a im a g in a ç ã o p o d ia se en carreg ar d o resto . T a l era o o b je tiv o
d o ju lg a m e n to , m o stra r a h om en s de im a g in a ç ã o q u e e le s n ã o 100
eram im u n e s ao p rocesso p r im á r io , irr e v e r sív e l, d o m ed o pura­ O ju lg a m e n to evitou
entrar para
m en te a n im a l. M a s e le já h a v ia c o n c o r d a d o em se retrata r. con sid erações
Eu, Galileo Galilei, fIlho do falecido Vicenzo GaWei, florentino, com setenta im p o rta n tes, tan to
anos de idade, arrolado pessoalmente diante deste tribunal, de joelhos so b re o liv ro c o m o
sobre C o p érn ico ,
perante os mais Eminentes e Reverendos Senhores Cardeais, Inquisidores in clin an d o -se a
Gerais contra a depravação herética por toda a República Cristã, tendo m a n ip u la r fó r m u la s
diante de meus olhos e tocando com minhas mãos os Santos Evangelhos,
O documento no
e d ocu m en tos.
juro ter sempre acreditado, acreditando agora, e com a ajuda de Deus irei qual a Inquisição
acreditar no futuro, em tudo o que é admitido, pregado e ensinado pela baseou sua acusação
Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Entretanto, uma vez que uma contra Galileo.
injunção foi judicialmente sentenciada à minha pessoa por este Santo Pretensamente
Ofício, no sentido de que eu deva, de uma vez por todas, abandonar a opi­ registra uma
nião falsa de que o Sol seja o centro do mundo e imóvel, e de que a Terra proibição imposta a
Galileo aos 26 de
não seja o centro do mundo e se mova, e de não poder sustentar, defender fevereiro de 1616 na
ou ensinar, sob qualquer forma que seja, verbalmente ou por escrito, a dita presença do
doutrina e, ainda, que eu, mesmo após ter sido notificado de ser a dita Cardeal Belarmino
doutrina contrária às Santas Escrituras, tenha escrito e feito publicar um e outras
testemunhas, mas
livro no qual essa doutrina, de antemão condenada, é, não só discutida, não está assinado
como, também, fortalecida com argumentos de grande coerência em favor por eles. Galileo
da mesma, sem, no entanto, apresentar nenhuma solução para os mesmos; exibiu uma carta
e, assim, por esta causa eu tenha sido pronunciado pelo Santo Ofício como bem mais liberal,
escrita e assinada
216
altamente suspeito de heresia, isto é, de ter sustentado e acreditado ser o Sol por Belarmino em
o centro do mundo e imóvel, e não ser a Terra o centro e se mover. 26 de maio de 1616.
O Mensageiro Sideral

Portanto, desejoso de remover das mentes de Vossas Eminências, e de


todos os fiéis cristãos, esta forte suspeita, razoavelmente concebida contra
mim, com sinceridade no coração e inquebrantável fé eu abjuro, rejeito e
detesto os erros e heresias acima mencionados e, de modo geral, qualquer
outro erro ou seita de qualquer espécie contrários aos ditames da Santa
Igreja; e juro nunca mais dizer ou inferir, verbalmente ou por escrito, qual­
quer coisa que dê ensejo para que novamente se levante tal suspeita em
relação a mim; e, além disso, se vier a tomar conhecimento de algum herege,
ou pessoa suspeita de heresia, eu a denunciarei ao Santo Ofício, ou ao In­
quisidor ordinário do lugar onde quer que me encontre. Da mesma forma
juro, e prom eto observar e cumprir todas as penitências que foram ou serão
impostas à minha pessoa pelo Santo Ofício. E, na eventualidade de eu vir a
desobedecer (que Deus não mo permita!) a qualquer uma dessas promessas,
protestos e juram entos, submeto-me a todas as dores e penalidades impostas
e promulgadas nos cânones sagrados e outras constituições, gerais e parti­
culares, contra tais delinquentes. Assim, valha-me Deus, e estes seus sagrados
mandamentos que toco com minhas mãos.
Eu, o dito Galileo Galilei, tendo abjurado, jurado, prometido e me sub­
metido na forma acima exposta; e, em testemunho da verdade, tenho por
bem, com minhas próprias mãos, subscrever o presente documento de minha
abjuração, e lê-lo em voz alta, palavra por palavra, em Roma, no Convento
de Minerva, neste vigésimo-segundo dia de junho de 1633.
Eu, Galileo GaWei abjurei da forma acima exposta com minhas próprias
mãos.
I
1 '’

f c .. .*>
-------* r / r ------- ----- ■ c |» V
vvir,.
r '.l n ü.
y' -- "~V ,

li ͣZ >^
„ ___ -tf* - —-* »
■-

‘X t.U.IfS I,. C£!t-~


„ *1 •í>- -V «0?-&
l í «• vir*-- r ' — c . --- D •iUtfjr -*•
- . í t—'
J*mf(»,
f**1 _

íí
A Escalada do Homem

G a lile o fo i co n fin a d o p e lo resto d a v id a e m s u a v ila e m A r c e tr i,


p erto de F lo r e n ç a , s o b estrita p risã o d o m ic ilia r. O Papa p erm a­
n eceu im p la c á v e l. A b so lu ta m e n te nada d e v ia ser p u b lic a d o . A
d o u tr in a p r o ib id a não p o d ia ser d isc u tid a . G a lile o não p o d e r ia
sequer fa la r co m p ro testa n tes. O r e su lta d o d isso fo i o silê n c io
en tre os c ie n tista s c a tó lic o s d a í p o r d ia n te . O m a is im p o r ta n te
co n tem p o râ n eo de G a lile o , R en é D esca rtes, in terro m p eu suas
p u b lic a ç õ e s n a F r a n ç a e, fin a lm e n te , tr a n sfe r iu -se p a r a a S u é c ia .
G a lile o h a v ia d e c id id o r e a liz a r um a c o isa . E sc r e v e r ia o liv r o
que o ju lg a m e n to h a v ia in terro m p id o : o liv ro v e r sa n d o sobre
N o v a s C iê n c ia s, as q u a is e r a m e n te n d id a s p o r e le c o m o a física ,
não das estrela s, m as in teressa n d o a m a té r ia aqui da terra . O
liv ro f o i t e r m in a d o e m 1 6 3 6 , isto é, três a n o s a p ó s o ju lg a m e n to ,
por u m a n c iã o d e se te n ta e d o is a n o s. E v id e n te m e n te n ã o te r ia
c o n se g u id o p u b lic á -lo , n ã o fo s s e m o s p r é stim o s d e a lg u n s h o la n ­
deses de L eyd en , que o im p r im ir a m d o is a n o s m a is ta rd e. N e ssa
ép o ca G a lile o já esta va co m p leta m en te cego. E m u m r e la to
so b r e si m e s m o :
Ai de mim!. . . Galileo, seu devoto amigo e servo, há um mês se encontra
total e incuravelmente cego; de maneira que este céu, esta terra, este uni­
verso, os quais através de minhas notáveis observações e claras demonstrações
foram expandidos uma centena, ou melhor, um milhar de vezes além dos
limites universalmente admitidos pelos sábios de todas as eras precedentes,
se encontram, agora, para mim, confinados aos limites de minhas próprias
sensações corporais.
E n tre a q u e le s que v isita r a m G aW eo em A rcetri fig u r a v a o
jo v em p o eta in g lês J o h n M ilto n , preparando um p o e m a é p ico
que seria o tr a b a lh o d e su a v id a . Ir o n ic a m e n te , q u a n d o M ilto n
se e n tr e g o u à c o m p o s iç ã o d e s e u g ra n d e p o e m a , tr in ta a n o s m a is
ta r d e , e le tam b ém estava c o m p le ta m e n te ceg o , e d e p e n d e n te d e
seu s filh o s p ara te r m in á -lo .
N o fim de sua v id a , M ilto n se id e n tific o u a S an são, San são
e n tr e o s filiste u s,
Cego em Gaza, junto ao Mó com escravos,
o s q u a is d e s t r u ír a m o im p é r io filis te u n o m o m e n t o d e su a m o r t e .
T a l fo i o d e s t in o d e G a lile o , c o n tr a su a p r ó p r ia v o n ta d e . A c o n -
se q ü ê n c ia d o ju lg a m e n to e d a p risã o fo i a d e te r m in a r , d e fin iti­ 101
v a m en te, a tr a d iç ã o c ie n tífic a d o M ed iterrâ n eo . D aq u i para a “ O U n iv e r s o se
e n c o n tr a agora, para
fren te, a R e v o lu ç ã o C ie n tífic a se tran sfere para o N o rte da m im , co n fin a d o aos
E uropa. A o m orrer em 1 6 4 2 , G a lile o a in d a era m a n tid o p r isio ­ lim ites d e m in h a s
p r ó p r ia s sen sa ç õ e s
n eiro em sua p r ó p r ia casa. N o d ia d e N a ta l d o m esm o ano, na
218 In g la terra , n a sc ia Isa a c N e w t o n . A TerravistadaLua.
corp o rais. ”
7 O RELOGIO MAJESTOSO
A o escrever as p á g in a s in tr o d u tó r ia s de seu D iá lo g o s sobre os
G ra n d es S iste m a s d o M u n d o , em 1 6 3 0 , G a lile o c h a m o u a a te n ç ã o ,
em d u a s o p o r tu n id a d e s , p a ra o p e r ig o q u e a c iê n c ia (e o c o m é r c io )
ita lia n o s co rria m de serem su p erad os por seu s con co rren tes d o
N o rte. Sua p ro fecia fo i a b so lu ta m e n te v erd a d eira . O h o m em a
q u em d a v a a te n ç ã o p a rticu la r era J o h a n n e s K e p ler , o a s tr ô n o m o ,
q u e ch eg o u a Praga em 1 6 0 0 , a o s v in te e o ito a n o s, e a í v iv e u se u s
anos m a is p r o d u tiv o s. S u a s tr ê s leis tr a n s fo r m a r a m a d e scr iç ã o
geral d o Sol e dos p la n eta s d e C o p é r n ico em u m a fo r m u la ç ã o
m a t e m á t ic a p r e c isa .
E m p r im e ir o lu g a r, K e p le r m o s tr a q u e a ó r b ita d e u m p la n e ta
é a p e n a s a p r o x im a d a m e n t e c ir c u la r ; tr a ta -se d e u m a e lip s e n a q u a l
o S o l se en c o n tra lig e ir a m e n te e x c ê n tr ic o e m u m d os foco s. E m
segu n d o lu g a r, u m p la n eta não se m o v im en ta em v elo cid a d e
con sta n te; o que é con sta n te é a v elo c id a d e co m q u e a lin h a
u n in d o o p la n eta a o S o l v a rre a á rea e x is te n te e n tr e su a ó r b ita e
a d o S o l. E, e m te r c e ir o lu g a r, o t e m p o g a s to p o r u m d e te r m in a d o
p la n e ta p a r a p e r c o r r e r su a p r ó p r ia ó r b ita - seu an o - a u m en ta
c o m a s u a d is tâ n c ia (m é d ia ) d o S o l, d e m a n e ir a b a s ta n te p r e c isa .
E sse era o esta d o d e co isa s p o r o ca siã o d o n a sc im e n to d e Isaac
N ew to n em 1 6 4 2 , n o d ia d e N a ta l. K e p ler h a v ia fa le c id o há d o z e
a n o s e G a lile o n o a n o p r e se n te . N ã o s ó a a str o n o m ia , m a s a c iê n ­
c ia p e r m a n e c ia n o lim b o : esp era va -se u m a n o v a m e n te c a p a z d e
d iv isa r o d e g r a u fu n d a m e n ta l e n tr e o tr a b a lh o p io n e ir o d a s d e scr i­
ç õ e s d o p a ss a d o e o d in a m is m o d a s e x p la n a ç õ e s c a u sa is d o fu tu r o .

Por v o lta d o ano 1 6 5 0 , o cen tro d e g ra v id a d e d o m u n d o c iv i­


liz a d o h a v ia -se t r a n s f e r id o d a I tá lia para a E uropa d o N o rte. A
cau sa ó b v ia p o d ia ser e n c o n tr a d a na m u d an ça das rota s c o m e r­
c ia is d o m u n d o de en tão , a ca rretad a p e lo d esco b r im e n to e
e x p lo r a ç ã o d a A m é r ic a . O M e d it e r r â n e o já h a v ia d e ix a d o d e ser
o que seu n o m e im p lic a , o m e io c a m in h o d o m u n d°. ° m e io
c a m in h o se d e slo c o u para o N o rte, co m o G a lile o p rev ir^ à s
1 02 m arg e n s d o A tlâ n tic o . A c o m p a n h a n d o a n o v a fo r m a d e c o i ^ d d ^
Novas idéias e novos s u r g iu u m a n o v a v is ã o p o lític a , e n q u a n t o a Itá lia e o M e d ite r r â n e o
princípios agora
começam a se p erm an eceram p r e so s às su a s a risto cra cia s.
impor. Id é ia s novas e n o vo s p r in c íp io s agora se d e s e n v o lv ia m nas
"The O n eiy" por n ações en tregu es ao m e r c a n tilism o m a r itim o : a |n g la te r r a e a
Joseph Wright
de Derby. H o la n d a . A In g la te r r a ia -se t o r n a n d o r e p u b lic a n a e p u r ita n a . O s 221
A Escalada do Homem

h o la n d e se s su r g ir a m n o M a r d o N o r te a fim d e d r e n a r e m as terras
b a ix a s da In g la terra ; p â n tan o s fora m tran sform ad o s em terra
fir m e . U m e sp ír ito d e in d e p e n d ê n c ia to m a v a c o r p o n as p la n íc ie s
e n a n e b lin a d e L in c o ln sh ir e , o n d e O liv e r C r o m w e ll r e c r u to u seu s
I r o n s id e s . E m 1 6 5 0 a In g la terra era u m a r e p ú b lic a que h a v ia
corta d o a ca b eça d e seu m o n a rca .

O n a sc im e n to de N ew to n teve lu g a r na casa de sua m ãe, em


W o o lsth o rp e; s e u p a i h a v ia m o r r id o a lg u n s m e s e s a n te s . D e n tr o
de p o u co tem p o sua m ãe v o lto u a se casar e o p eq u en o foi
en tregu e aos cu id a d o s d e u m a d as a v ó s. E le n ã o era e x a ta m e n te
u m a c r ia n ç a s e m la r, m a s n ã o tin h a a s e g u r a n ç a q u e o s p a is d ã o .
P o r to d a a su a v id a d e ix a a im p ressã o d e a lg u é m q u e n u n ca foi
am ad o. N ã o se c a s o u ; parece n u n ca ter c o n s e g u id o d e m o n s t r a r
o e n tu sia sm o q u e to r n a o su c e sso u m r esu lta d o n a tu ra l d o p e n ­
sa m en to , que se e la b o ra em co n ta to co m o u tra s p esso a s. P elo
c o n tr á r io , as c o n q u ista s d e N e w t o n fora m to d a s so litá r ia s, e e le
sem p re tev e m e d o q u e o u tr o s lh a s r o u b a sse m c o m o (ta lv e z p e n ­
sasse e le ) tin h a m -lh e rou b ad o a m ãe. D e su a v id a , e n q u a n to
fr e q ü e n to u a e s c o la p rim á ria e o s p r im e ir o s a n o s d a u n iv e r s id a d e ,
q u a se n a d a se sabe.
O s d o is a n o s q u e se seg u ir a m à graduação de N e w to n fora m
os a n o s d a P este, 1 6 6 5 e 1 6 6 6 ; a u n iv e r sid a d e e sta n d o fe c h a d a ,
e le perm an eceu em casa. S u a m ã e p e r d e u o se g u n d o m a r id o e
esta va d e v o lta a W o o lsth o r p e . N e ste lo ca l, d e sco b r iu sua m in a
de ouro: a m a te m á tic a . A g o r a q u e seu s c a d e r n o s d e a n o ta ç õ e s
fo r a m lid o s, p o d e -se c o n sta ta r q u e N e w to n n ã o r e c e b e u u m b o m
e n sin o in ic ia l e tev e que apren der so z in h o a m a io r p a rte da
m a te m á tic a . D a í, p a r tiu para d esco b ertas o r ig in a is. In ven to u
o s jlu x io n s , que' h o je c o n h e c e m o s p o r c á lc u lo . N e w t o n m a n te v e
o s jlu x io n s c o m o a rm a secreta ; su a s d e s c o b e r ta s e r a m a lc a n ç a d a s
g ra ça s à u tiliz a ç ã o d e les, m a s o s r e su lta d o s e r a m tr a n sc r ito s e m
m a te m á tic a c o n v e n c io n a l.
N este m esm o lo c a l N e w t o n con ceb eu a id é ia da g ra v ita ç ã o
u n iv ersa l, testa n d o -a im e d ia ta m e n te no c á lc u lo d o m o v im en to
da L ua em to rn o da T erra. A L u a rep resen ta va u m sím b o lo p o ­
d eroso p a r a e le . S e e la s e g u e s u a ó r b ita d e v id o à a tra çã o q u e a
T e r r a e x e r c e s o b r e e la , e n t ã o a Lua é co m o u m a b o la (ou u m a
m a ç ã ) a tira d a c o m m u it a fo r ç a — e m b o r a t e n d a a c a ir e m d ireçã o
à T erra , v a i tã o r á p id o q u e c o n s ta n te m e n te p e r d e o a lv o — m o v i­
m en ta -se e m c ír c u lo s p o r q u e a T erra é red on d a. Q u a l d ev e ser a
2 22 m a g n itu d e d a fo r ç a d e a tra çã o ?
1 03
1665 e 1666 foram
os anos da Peste,
e, a Universidade
estando fechada,
Newton permaneceu
em casa.
A casa em
W o o lsth o r p e .
D esen h o d o
c o m e ç o d o s é c u lo
X V III, fe ito p o r
W i ll ia m S t u k e l e y , d a
casa da m ã e d e •
N e w to n .

Deduzi serem as forças que mantêm os planetas em suas órbitas a recíproca


do quadrado das distâncias entre os centros em torno dos quais eles giram;
assim, comparei a força requerida para manter a Lua em sua órbita com a
força da gravidade na superfície da Terra; encontrei-as quase coincidentes.
A su b e stim a de seu s p r ó p r io s d a d o s é u m a d a s c a r a c te r ístic a s d e
N ew to n ; s e u s p r im e ir o s c á lc u lo s a p r o x im a d o s , n a r e a lid a d e , fo r ­
n eceram v a lo res p r a tic a m e n te ex a tos d o p e r ío d o lu n a r , isto é,
2 7 í4 d ia s.
Q u a n d o os d a d o s se e n c a ix a m co m tal p e r fe iç ã o , fic a -se s a b e n ­
d o , à se m e lh a n ç a d o q u e o co rreu c o m P itá g o ra s, q u e u m segredo
na n a tu reza foi d esv en d a d o e está seg u r o , a o a lc a n c e das m ãos.
U m a lei u n iv e r s a l r e g e o m a j e s t o s o r e ló g io d o c é u , n o q u a l o m o ­
v im e n to da L ua é u m even to h a r m o n io so . É co m o se a ch a v e
correta tiv e sse sid o in tro d u z id a n a fech a d u ra e, a o ser g ir a d a , a
n a tu reza d esp ejasse em n ú m e r o s a c o n fir m a ç ã o d e su a estru tu ra .
E n treta n to , sen do N ew to n q u em era, esses dados não fora m
p u b lic a d o s.
D e v o lta a C a m b rid g e, e m 1 6 6 7 , N ew to n foi n o m e a d o /e íío w
d o T r in ity C o lle g e . D o is a n o s d e p o is o seu p r o fe sso r se d e m itiu
d a c a d e ir a d e m a te m á tic a . P o d e ser q u e isso n ã o ten h a sid o fe ito
e x p lic ita m e n te em fav or de N ew to n , co m o se pensava, m as o
resu lta d o foi o m esm o - N ew to n o cu p o u e ss e lu g a r. C o n ta v a ,
e n tã o , v in te e seis a n o s.

A p r im e ir a p u b lic a ç ã o d e N e w t o n fo i s o b r e ó p tic a . E s ta fo i c o n ­
c e b id a , c o m o to d a s a s su as g r a n d e s id é ia s, “ n o s a n o s d a P e ste d e
1 6 6 5 e 1 6 6 6 , p orque, n e sse s d ia s, e u esta va n o v ig o r d e m in h a
c a p a c id a d e de in v en çã o ” . Q u a n d o a P este abrandou, N ew ton ,
d u ra n te u m cu rto esp aço de tem p o , d e ix o u s u a c a s a p a r a v iv er
n o T r in ity C o lle g e , e m C a m b rid g e. 223
A Escalada do Homem

D e certa fo r m a p a rece-n o s in só lito o fa to d o m estre d a e x p la ­ 104


N ew to n em
nação d o u n iv e r s o m a te r ia l in ic ia r su a c a r r e ir a c o m um tr a b a lh o
C am b rid ge.
sobre a lu z . E n tr e ta n to , d u a s r a z õ e s o ju s tific a m . E m p r im e ir o Retrato de Isaac
Newton com sua
lu g a r , n ã o esq u eça m o s esta rm o s em u m m u n d o d o m in a d o p ela
cabeleira natural,
v id a n o m a r, n o q u a l to d a s as m e n te s b r ilh a n te s d a In g la terra se pintado em
Cambridge por
ocu p avam com o s p r o b le m a s su sc ita d o s p ela n a v e g a ç ã o m a r ítim a .
Godfrey Kneller
H o m e n s c o m o N e w t o n n ã o se in ter e ssa r ia m p o r p e sq u isa té c n ic a , em 1689.
n a tu r a lm e n te ; e s s a seria u m a m a n e ir a m u it o in g ê n u a d e e x p lic a r
se u in teresse p e lo a ssu n to . H o m e n s c o m o esses a ca b a m se en v o l­
ven do em a s s u n to s s o b r e o s q u a is o s g r a n d e s m e s tr e s d is c u te m —
a liá s, co m o sem pre tem a co n te c id o c o m os jov en s de to d o s os
tem p o s. O te le sc ó p io se c o n stitu ía em p r o b le m a im p o rta n te
n a q u e le te m p o ; a ss im , a o p o lir as le n te s p a ra a c o n s tr u ç ã o d e s e u
p r ó p r io te le sc ó p io , N e w to n to m o u c o n sc iê n c ia d o p r o b le m a d a s
c o r e s n a lu z b ra n ca.
M a s, é c la r o q u e, s u b ja c e n te a essa , v a m o s e n c o n tr a r o u tr a r a z ã o
m u ito m a is fu n d a m e n ta l. O s p r o b le m a s fís ic o s s e m p r e r e su lta m
d e in te r a ç õ e s d e e n e r g ia e m a té r ia . A lu z n o s p e r m ite v er a m a t é ­
ria ; e t o m a m o s c o n h e c i m e n t o d a lu z p o r q u e e la é in te r c e p ta d a
p o r m a té r ia . E sse p e n s a m e n to c o n s titu i o m u n d o d e to d o g r a n d e
fís ic o , p o is e le s s a b e m ser im p o s s ív e l a p r o fu n d a r o c o n h e c im e n to
d e u m a , iso la d a m e n te d a o u tra .
E m 1 66 6 N ew to n c o m e ç o u a p en sa r so b r e a ca u sa d a s fran jas
c o lo r id a s n as b o rd a s d a s le n te s, a n a lisa n d o esse e fe ito a tra v és d e
sim u la ç õ e s c o m o a u x ílio d e p rism a s. T o d a b o r d a d e le n te c o n s ­
titu i u m p eq u en o p rism a , e o fa to d e ste d isp o sitiv o fo r n e c e r lu z
c o lo rid a já era c o n h e c id o , p e lo m en os, desde os tem p o s de
A r istó te le s. Ig u a lm e n te v elh a era a e x p lic a ç ã o d isp o n ív e l p ara o
fen ô m en o , u m a vez que a q u a lid a d e da lu z não era a n a lisa d a .
A s s im , a ce ita v a -se q u e a lu z b ra n ca , a o a tr a v e ssa r v id r o s d e e s p e s ­
su r a s c r e sc e n te s , p r o d u z ia e m s u a s b o r d a s a fila d a s, d e v id o ta m b é m
a u m p ro cesso d e e scu recim en to p r o g r e ssiv o , lu z e s d e c o r e s v er ­
m e lh a , v e r d e , a z u l, e a ss im p o r d ia n te . I n g e n u id a d e s im p le s m e n te
m a r a v ü h o sa , p o s to q u e , n a d a e x p lic a n d o , s o a p la u sív e l. C o n tu d o ,
p e r m a n e c ia in e x p lic a d o u m fa to ó b v io , p a r a o q u a l N e w t o n já
h a v ia c h a m a d o a a te n ç ã o , fa to q u e se r e v e lo u c o m p le ta m e n te n o
m o m en to em q u e e le , r e str in g in d o u m fe ix e d e lu z so la r c o m o
a u x ílio de um a n tep a ro p o rta d o r d e um o r ifíc io , fe z c o m que
esse fe ix e a tra v essa sse s e u p rism a . O resu lta d o fo i o seg u in te : a
lu z so la r in c id e n te segu n d o u m a c o n fig u r a ç ã o c ir c u la r , e m e r g e
2 24 num a form a a lo n g a d a . O ra, que o esp ectro se a p resen ta va
A Escalada do Homem

a lo n g a d o e r a s a b id o h á p e lo m e n o s u m m ilh a r d e a n o s , a q u a lq u e r
u m qu e se tiv e sse d ad o ao tra b a lh o de o b se r v á -lo . A co n tece,
e n tr e ta n to , q u e é p r e c iso a p a r e c e r u m a m e n te p o d e r o s a c o m o a
de N ew to n que se d is p o n h a a q u e b r a r a c a b e ç a n a ten ta tiv a de
e x p lica r o ó b v io . E o ó b v io , s e g u n d o e le m o s tr o u , é q u e a lu z
n ã o se m o d ific a e sim q u e a lu z p o d e ser fisic a m e n te sep a ra d a .
E ssa id é ia fo i fu n d a m e n ta lm e n te o rig in a l na e x p la n a ç ã o c ie n ­
tífic a , se n d o p r a tic a m e n te in a c e ssív e l a o s seu s c o n te m p o r â n e o s .
A ssim se n d o , a c o m e ç a r p o r R o b e r t H o o k e , p r a tic a m e n te físic o s
d e to d a s as te n d ê n c ia s reu n ira m a rg u m en to s co n tra a n o v a c o n ­
c e p ç ã o . E ssa p o lê m ic a e s te n d e u -s e a tal p o n t o , q u e N e w t o n a ssim
exp ressou seu a b o r r e c im e n to em u m a c a r ta d ir ig id a a L e ib n iz :

Eu fui de tal forma perseguido por discussões suscitadas pela publicação de


minha teoria sobre a luz, que não posso senão culpar minha própria impru­
dência em abandonar uma bênção tão substancial como a minha quietude,
em troca de uma corrida no encalço de uma sombra.
A p a rtir dessa é p o c a , e le passou a recu sar term in a n te m e n te
tod a form a d e d eb a te - m o rm en te co m arg u m en tad o res c o m o
H o o k e . S e u liv r o s o b r e ó p t ic a s ó fo i p u b lic a d o e m 1 7 0 4 , tim a n o
a p ó s a m o r te d e H o o k e , e a v iso u o p r e sid e n tè d a R o y a l S o c ie ty :
É minha intenção não atender a solicitações de nenhuma espécie sobre
questões de Filosofia; assim, espero que você não leve a mal o fato de eu
não me afastar nunca dessa resolução.
M as, m elh o r seria com eçar p elo co m eço e, p o r ta n to , d e ix a r
que N ew to n se ex p resse com su a s p r ó p r ia s p a la v r a s. N o an o de
1666
obtive um prisma triangular de vidro, a fim de com ele tentar reproduzir
os Fenôm enos das Cores. De modo a poder realizar o experimento, havia
escurecido meu quarto, feito em uma das folhas da janela um pequeno
orifício que deixasse passar uma quantidade conveniente de raios do Sol,
colocando o prisma na entrada da luz, de forma que esta pudesse ser
refratada na parede oposta. Inicialmente, esse arranjo propiciou-me um
divertimento agradável, dado pela contemplação das cores vivas e intensas
produzidas dessa forma; mas, depois de um certo tempo, forçando-me a
examiná-las mais seriamente, notei, para minha surpresa, uma forma
oblonga na disposição das cores. Entretanto, se fôssemos interpretar o
fenômeno de acordo com as leis aceitas da Refração, a forma obtida tinha
de ser circular.
Além disso eu vi. . . que a luz na extremidade de uma das bordas da
Imagem sofria Refração de maior magnitude do que na outra extremidade.
Assim, a verdadeira causa da extinção daquela Imagem não podia ser outra
senão a da existência de Raios de L u z diferentem ente refratáveis, os quais,
2 26 independentemente de qualquer diferença em suas respectivas incidências,
O Relógio Majestoso

eram, de acordo com seus graus de refratabilidade, transmitidos a diferentes


partes da parede.
O a lo n g a m e n to d o e s p e c tr o e sta v a e x p lic a d o ; era c a u sa d o p ela
sep aração e d iv erg ên cia d os ra io s lu m in o so s co m p o n en tes das
d iferen tes cores.

Então coloquei um outro Prisma. . . de modo que a luz. . . pudesse passar


através dele também, e ser refratada uma vez mais, antes de atingir a parede.
Feito isto, tom ando o primeiro Prisma em minha mão, imprimi a ele movi­
mentos lentos, alternados, em torno de seu Eixo, de maneira a permitir
que as diferentes partes da Imagem. . . sucessivamente passassem através
dele . . . e eu pudesse observar em que lugares na parede o segundo Prisma
as refratava.
Quando qualquer tipo de Raio podia ser nitidamente separado dos
outros, sua cor era obstinadamente mantida, a despeito de tudo que eu
tentasse fazer no sentido de alterá-la.
E ssa d em o n stração a rru in a v a a co n cep çã o tr a d ic io n a l; a ssim ,
fosse a lu z m o d ific a d a p e lo v id r o , o s e g u n d o p r ism a d e v er ia p r o ­
d u z ir n o v a s c o r e s, p o r e x e m p lo , tr a n sfo r m a r v e r m e lh o e m verde
o u a z u l. N e w t o n o c h a m o u d e e x p e r im e n t o c r ític o ; u m a v e z q u e
as c o r e s sã o sep a r a d a s p ela r e fr a ç ã o , n ã o p o d e m m a is ser a lte r a d a s.

Eu a refratei com auxilio de Prismas, e a refleti usando corpos que, à luz


do di , se apresentavam de outras cores; interceptei-a com o fUme colorido
de Ar retido entre duas placas de vidro; fi-la transmitir através de Meios
coloridos, e através de Meios irradiados com outros tipos de Raios, e várias
outras manipulações até desistir. Nenhuma dessas manobras foi capaz de
alterar a cor originalmente escolhida.
Mas a composição mais surpreendente e maravilhosa foi a da Brancura.
Não há nenhum tipo de Raio que, isoladamente, possa exibi-la. Ela é sempre
composta e, para se manifestar, é preciso que se componham todas as assim
chamadas Cores primárias, misturadas em proporções adequadas. Com
freqüência pude contemplar, em estado de admiração, que fazendo-se con­
vergir todas as Cores produzidas pelo Prisma, recombinando-as portanto,
reproduzia-se luz, inteira e completamente branca.
Assim, do acima exposto, resulta que a Brancura é a cor ordinária da
L uz; porque Luz é um agregado confuso de toda sorte de Raios de diferentes
Cores, adquiridas na medida em que são indiscriminadamente emitidos a
partir das diferentes partes de corpos luminosos.
E ssa ca rta f o i d ir ig id a à R o y a l S o c ie ty , lo g o a p ó s N e w t o n ter
sid o e le ito um de seus m em b ro s, em 1 6 7 2 . E le h a v ia -se r e v e la d o
um n ovo tip o d e e x p e r im e n ta d o r , q u e sa b ia c o m o fo r m u la r u m a
te o r ia e te stá -la e x a u s tiv a m e n te c o n tr a a lte r n a tiv a s p o ss ív e is . T a l
c o n q u is ta lh e era cara, m o tiv o e sp e c ia l d e o rg u lh o . 227
A Escalada do Homem

Um naturalista dificilmente esperaria ver a ciência dessas cores ser formulada 105
matematicamente, mas, no entanto, eu arriscaria afirmar que ela é portadora N o P á tio d c
de tanta certeza quanto sepode encontrarem qualquer outra parte da Óptica. N cv ille a g ra n d e
b ib lio teca W ren
estava sen d o
O ren om e de N ew to n ia -se a fir m a n d o , tan to em L ondres co m o
Desenho de Wren da
con stru íd a.
na U n iv e r sid a d e ; u m a co n sciên cia da cor parece tom ar co n ta
biblioteca do
d a q u e le m u n d o m e tr o p o lita n o , c o m o se o e s p e c tr o tiv e sse e s p a ­ Trinity College.
lh a d o su a s lu z e s p ela s se d a s e e sp ec ia r ia s tra z id a s à c a p ita l p e lo s
m ercadores.
A p a le ta d o s p in to r e s se e n r iq u e c e , su r g e u m a p r e fe r ê n c ia p e lo s
o b je to s v iv a m e n te c o lo r id o s d o O r ie n te , e o e m p r e g o d e m u ita s
p a la v r a s d e s ig n a n d o cores torn o u -se co m u m . I sto se m o s tr a c la ­
r a m e n te n a p o esia d a é p o c a . A le x a n d r e P o p e , q u e c o n ta v a d e z e s ­
se is a n o s q u a n d o N e w t o n p u b lic o u s u a O p tic k s , e r a p o e ta m u it o
m e n o s se n su a l d o q u e S h a k e sp e a r e , c o n tu d o , a q u e le u sa d e três
a q u a tr o v e z e s m a is p a la v r a s p a r a d e s ig n a r c o r e s d o q u e este, e
em um a fr e q ü ê n c ia d ez v e z e s m a io r . C o m o e x e m p lo , v eja m o s a
d e scr iç ã o de P o p e d os p e ix e s d o T â m isa ,

A Perca de olhos brilhantes e nadadeiras de púrpura de Tiro,


A Enguia prateada rolando em espumas brilhantes,
A Carpa amarela, com escamas salpicadas de ouro,
Céleres Trutas, decorando o quadro com seus matizes de
carmeSlm.
q u e seria in e x p lic á v e l, a n ã o ser c o m o u m e x e r c íc io s o b r e as c o r e s .
Ser fa m ò so na m etró p o le sig n ific a v a , in e v ita v e lm e n te , n o v a s
c o n tr o v é r sia s. O s r e su lta d o s c o n fid e n c ia d o s a c ie n tista s lo n d r in o s

22 8
O Relógio Majestoso

atrav és de cartas alcan çav am g ran d e circu lação . Foi assim que
co m e ç o u , d ep o is de 1676, u m a longa e am arga d isp u ta com
G o tttrie d W ilhelm L eibniz so bre qu em teria a p rio rid ad e na in­
v en ção do cálcu lo d iferen cial. N ew to n não q u eria acred itar que
L eib n iz, tam b ém g ran d e m a te m á tic o , pudesse ter co n ceb id o
so zin h o esse cálcu lo.
N ew to n p en so u em se a p o se n ta r d e fin itiv a m en te d a vida cien ­
tífic a , re tiran d o -se p ara seu m o ste iro em T rin ity . O G reat C o u rt
era su fic ie n te m e n te esp aço so e co n fo rtáv el p ara um sc h o la r
a b a sta d o ; ele d isp u n h a de seu p e q u e n o la b o ra tó rio e de um jard im
p rivativ o . A g ran d e b ib lio teca de W ren estava sendo c o n stru íd a
em N eville. N ew to n c o n trib u iu com q u a re n ta libras. Parecia que
ele en carav a a p o ssib ilid ad e de levar u m a vida acadêm ica ex clu si­
v a m e n te v o lta d a p ara estu d o s de interesse p articu lar. E n tre ta n to ,
a sua im p o rtâ n c ia era de tal o rd em q u e, d ia n te de um a recusa de
m arcar p resen ça e n tre os cien tistas de L o nd res, estes iam até
C am b rid g e ap resen tar-lh e suas idéias.
N e w to n c o n ceb eu a idéia da g rav itação universal d u ran te o ano
da Peste de 1 6 6 6 , e usou-a com g ran d e sucesso na ex p licação do
m o v im e n to da L ua em to rn o da T erra. Parece e x tra o rd in á rio que
d u ra n te os q u ase v in te an o s q ue se seguiram ele não tivesse feito
p ra tic a m e n te n e n h u m a te n ta tiv a p ara p u b licar q u alq u er coisa
so b re o p ro b le m a m aio r a resp eito d o m o v im en to da T erra em
to rn o do Sol. As razõ es desse b lo q u eio não são claras, m as os
fato s são cristalin o s. N o ano de 1684 surgiu em L o n d res um a
r —im

229
106
“Obtive um prisma triangular de vidro.''Cinco dos experimentos ópticos de Newton, de 1672:
“Coloquei meu Prisma à entrada da luz, de tal forma que ela pudesse ser refratada na parede
oposta.”

“Então coloquei um outro Prisma. . . de modo “Quando qualquer tipo de Raio podia ser
que a luz. . . pudesse passar através dele nitidamente separado dos outros, sua cor era
também, e ser refratada uma vez mais, antes obstinadamente mantida.”
de atingir a parede. Feito isto, tomando o
primeiro Prisma em minha mão, imprimi a ele
movimentos lentos, alternados, em tomo de
seu Eixo, de maneira a permitir que as
diferentes partes da imagem., . sucessivamente
passassem através dele.. . e eu pudesse
observar em que lugares na parede o segundo
Prisma as refratava.”

"Tenho transmitido [luz] através de Meios “Com freqüência pude contemplar, em


coloridos e extinguido das mais diferentes estado de admiração, que fazendo-se convergir
maneiras; mesmo assim jamais consegui todas as Cores produzidas pelo Prisma,
obter nenhuma outra cor a partir dela.” recombinando-as portanto, reproduzia-se luz,
inteira e completamente branca.”
107

Retrato de Newton usando


N e w to n na Casa da M oeda.

peruca longa, de maneira


que assimo viu Godfrey
£ + b * " ü r frfo rf- f -r t < , í» * A - < t~ y <CU
Kneller em 1702.
U íj-to toa noterl < l» t* eo r* itirv + p /, i r b t o f jJe- / > " < ; to —.J Á
O—•ffZ^l- oytp-(+€.m.l\oy' /*■ C*! oo*)t —^t—oo.1^ZJlÁto toeK u- 108
J l n»*x fviW tf re<
i / C> £*■ * D-^y £<KAr± (K t+A+Jf*-*-U*+* £» (tir N e w t o n lev o u três a n os, de

<" ntri* ' ~ 6-p*.;U*t-


h < m o -n ^ r

S^y^Jfr
AC,
fr U&í c- Ç7+nfaj
'\-*f'S* *v-rr}£y
»*+nfa„ nw
ck.
1 6 8 4 a 1 6 8 7 , para escrever
a d em o n stra çã o com p leta .
H a lley a n im o u , in cen tiv o u
/• ,*=»-//* > " rf “jfye~t- &r£,>r£hr—ft* yt^teeUm tf , Principia.
e até m e s m o fin a n c io u o s
l'P<rc^TK> ^ /^ V rp\^-xryy t r f C s r ^ r k , « O fa r+ rJ? . !
^nS- i (nr^i 'í^,aí ^5 í.V^^y >\t£m4t jKnv/trvr/t; en*jpÂt Carta deHalley aIsaac
&0 C***ojeyJ l^t hn.^C b i*fn)lv~tV-a^ct+jy{%dÓ- 1/0 j^tnÀ Newton quando este
ameaçouabandonaro livro,
h n tt e*.£C. t^C^y. >9~fo-bi f>&\. ^ > •^ ^ ^ ^ .,' w \l£(r*Á. }f\tc{b*^+ .i% ( k j f xyfijck ,tyih vendo-se coagido areco­
*y /. //O 7y-0-etlâ^r u . nhecer algum mérito em
‘ti, Robert Hooke, escrita em
tltf>0 prrv* * W-*~ (¥ l nm *.Í //-T- ftfi^lJ-r-.J}- t '«■ J/\ m u *
29 de junho de 1686.
'A y ^ v '- - 'í / y <iy //C>- "Senhor, eu volto alhe
implorarque não deixe se
' I lío e to Q J itX f r — .' l— . t t ." f Á ij rÇ b tv \

C “/A »»>il', >CÍ- — U/ee%: yc U jPrt^S — f U J l<■ -</-, fe tjjp £ jf 'jy-.c—fí.e


tomar tãofortemente de
Itttt- S / if t e y ^ f 7~-t ^ . / v + c y n W ^ t ^ , / , ffC ) « „ 7 ■'■•.. L fHírvT^" e / le u r t / t - , t f
ressentimentos aponto
it p t b —i r f e t í U b ttr t-
riJtmyjyfj- ert/f i /X’>„ ^
to f
(Jyytr f/y //*.. HónJ-
< f » '1 / Í ' / « ; k b —t m tX T l f ca— ^ ' e y t / - .
de nos privardo seu
y^x*. (l~v+- t+jti t*f. . . terceiro livro. Com sua
■ r ■a „ j aprovação quanto aos tipos
e o papel, eu passarei a
/iT»-~' ^ U/o i r fncyf pm /fi /u m pressionar vigorosamente
TtU^
Çjrfttx^- ^
1 ^
P ^ *
- y------v, —« / / parao termos editado. "
^ *- - ,‘v'" "Bal % fjUM
O Relógio Majestoso

c o n tr o v é r sia e n v o lv e n d o S ir C h r is to p h e r W ren , R o b e r t H o o k e e
o jov em a strô n o m o E d m o n d H a lle y , em fu n çã o d a q u a l H a lley
fo i a té C a m b r id g e , à p ro cu ra d e N e w to n .

D e p o is d e e sta r e m ju n t o s p o r a lg u m te m p o , o d o u to r [H a lle y ] p e r g u n to u
q u a l era a o p in iã o d e le a re sp e ito d a fo r m a d a cu rva d escrita p e lo s p la n eta s,
s u p o n d o q u e a fo r ç a d e a tra çã o e m d ir eç ã o ao S o l fo sse a r e c íp r o c a d o
q u a d r a d o d a s d is tâ n c ia s e n tr e e le s. S ir Isa a c r e s p o n d e u p r o n t a m e n t e q u e se
tr a ta r ia d e u m a e lip se . O d o u to r , t o m a d o d e a le g r ia e a d m ir a ç ã o , q u is sa b e r
c o m o é q u e e le s a b ia . “ P o r q u e ” , d is s e ele , “ e u a c a l c u le i ” . D i a n t e d is s o , o
D r . H a l l e y q u is v e r s e u s c á l c u l o s i m e d i a t a m e n t e . Sir I s a a c p r o c u r o u - o s e n t r e
seu s p a p é is, m a s s e m n e n h u m su cesso , fic a n d o , e n tr e ta n to , a p r o m e ssa d e
q u e e le s lh e s e r ia m r e m e tid o s lo g o q u e f o s s e m e n c o n tr a d o s .

N ew to n lev o u três a n o s , d e 1 68 4 a 1 6 8 7 , para escrever a d e­


m o n stra çã o qu e fic o u tã o lo n g a c o m o o s P r in c ip ia . H a lle y a n i­
m o u , in c e n tiv o u e a té m e s m o f in a n c i o u o s P r in c ip ia q u e S a m u e l
P epys, na q u a lid a d e de p resid en te da R o y a l S o c ie ty , a ceito u
em 168 7.
C o m o u m s is te m a d o m u n d o é c la r o q u e c a u s o u s e n sa ç ã o d e sd e
o m o m e n t o d a p u b lic a ç ã o . R e p r e s e n ta u m a d e s c r iç ã o m a r a v ilh o sa
d o m u n d o su b o r d in a d o a u m ú n i c o c o n j u n t o d e leis. M a s, m u it o
m a is d o que isso , e sta b e le c e u m m arco na e v o lu ç ã o d o m éto d o
c ie n tífic o . P e n s a m o s a c iê n c ia c o m o se fosse a a p resen ta çã o de
séries de p r o p o siç õ e s, um as após as o u tr a s, to d a s d e r iv a d a s d a
m a t e m á t ic a d e E u c lid e s . E isso é v e r d a d e . E n tr e ta n to , fo i s o m e n te
após N ew to n as ter tr a n sfo r m a d o em um siste m a físic o , e m p r e s­
tan d o p r o p r ie d a d e s d in â m ic a s à m a te m á tic a , que o m éto d o
c ie n tífic o r e a lm e n te a d q u ir iu o r ig o r q u e h oje c o n h e c e m o s.
E n o liv ro en con tra m o s os e m p e c ilh o s que o im p ed ia m de
a v a n ça r d e p o is d o s u c e sso d a e x p lic a ç ã o s o b r e a ó rb ita d a L u a .
P o r e x e m p lo , esto u ce r to d e q u e u m a ra zã o forte fo i rep resen ta d a
p elo fato d ele não p o d e r e n c o n tra r u m a so lu çã o razo áv el para o
p r o b le m a d iscu tid o na S e c ç ã o 12: “ C o m o u m a e sfe r a a tra i u m a
p a r tíc u la ? ” . E m W o o lsth o r p e , h a v ia fe ito c á lc u lo s a p r o x im a ­
d o s, tra ta n d o a T erra e a L u a c o m o se fo ssem p a rtícu la s. A c o n ­
tece q u e os a stros (o Sol e os p la n e ta s) são en orm es esferas;
sen d o a ssim , p o d e r ia a a tr a ç ã o g r a v ita c io n a l e n tr e e le s ser a d m i­
tid a c o m o d e v id a à a tra çã o de seus cen tro s? S im , m as apenas
(r ev elo u -se ir o n ic a m e n te ) para o c a so d e a tra çõ es q u e fic a m fora
do q u ad rad o das d istâ n c ia s. P or aí se p od e ter um a id é ia das
im e n sa s d ific u ld a d e s q u e e le teve de en fren tar a n tes d o liv ro
esta r p r o n to p ara p u b lic a ç ã o . 233
A Escalada do Homem

A o ser p ressio n ad o a re sp o n d e r q u estõ es tais co m o : “ V o cê n ã o


re sp o n d e u ao p o rq u ê d a a ç ã o d a g rav id ad e” , “ V ocê n ão ex p lico u
co m o u m a ação p o d e ser e x ercid a à d istâ n c ia ” , ou m esm o , “ V ocê
n ão ex p lico u p o r q u e os raios de luz se c o m p o rta m dessa m an ei­
r a ” , sua resp o sta era sem pre nos m esm os term o s: “ E u n ão elab o ro
h ip ó te se s” . P ara ele essa frase significava: “E u n ão m e envolvo
em esp ecu laçõ es m etafísicas. U m a lei fo i d escrita, e a p a rtir dela
eu d ed u z o fe n ô m e n o s” . Isso c o rresp o n d e e x a ta m e n te ao que ele
havia d ito em seu tra ta d o so bre ó p tic a , e era e x a ta m e n te aq u ilo
q u e n ão p o d ia ser e n te n d id o pelos seus c o n te m p o râ n e o s, isto é,
u m a ab o rd ag em d iferen te d o s p ro b lem as d a ó p tica.
P o r o u tro lad o , tivesse sid o ele u m h o m em sim ples, m u ito te i­
m o so e terra-a-terra, tu d o isso seria facilm en te explicável. M as
vou m o strar-lh es q u e esse n ão e ra o caso. N e w to n era, n a v erd ad e,
p o ssu id o r de u m te m p e ra m e n to d o s m ais e x tra o rd in a ria m e n te
im previsíveis. P raticav a a alq uim ia. E m segredo, escreveu v o lu m es
im ensos so b re o L iv ro da R evelação. E stava co n v en cid o de q u e a
lei d o inverso dos q u a d ra d o sjá p o d ia ser e n c o n tra d a n o s trab alh o s
de P itágoras. O ca rá te r in escru táv el de N ew to n se ex p rim e de
m an eira ex tra o rd in á ria n o fato desse h o m em — q u e em segredo
vivia im erso em esp ecu laçõ es m etafísicas e m ísticas — te r o to p e te
de d izer em p ú b lico : “ E u não elab o ro h ip ó te se s” . N o seu P re lú ­
d io , W illiam W o rd sw o rth e n c o n tro u um a frase felicíssim a
N e w to n , c o m seu p rism a e su a f a c e silen cio sa
que o d efin e p erfeitam e n te.
N o e n ta n to , su a im agem p ú b lica revelava g rande sucesso. É
claro q u e N ew to n não co nseguia p ro m o ç ã o na U n iv ersid ad e, m as
isso se p ren d ia ao fa to d ele ser u m U n ita ria n , n ão ac e ita n d o a
d o u trin a d a T rin d ad e, a q u al, na v erd ad e, se c o n s titu ía em um 109
p o n to sensível p ara to d o s os cien tistas de seu te m p o . P o rta n to , E m s e u s e s c r i t o s
n ão p o d e ria chegar a P a sto r, e ta p a necessária p ara galgar o p o sto nÍ nã toi me roas ,t ãNoe w t o n
de M estre de u m C olégio U n iv ersitário. D essa m an eira, em 1696 a r r o g a n t e c o m o e m
ele se tran sferiu p ara L o n d res, ligando-se à C asa d a M oeda, d a ts ãu oa pf roesqt uü re an tpe ú eb l i c a ,
q u al acab o u sen d o p resid en te. D ep o is d a m o rte d e H o o k e ele d i v e r s a m e n t e
a c e ito u a p resid ên cia da R o y a l S o c ie ty em 1 7 03 . E m 17 05 fo i Diferentes
representada.
ângulos
sagrado par d o rein o pela R a in h a A na. A o m o rre r, em 1 7 2 7 , já do busto em
terracota deNewton
d o m in av a co m p le ta m e n te o a m b ien te in te le c tu a l de L o n d res. O que se/1ilu de
g a ro to p ro v in cian o ascen d eu na vida. modeloparaJohn
E m sua h istó ria h á, p ara m im , u m p o n to triste: ju lg a d o pelos Rysbrack construir
p ad rõ es d o século X V III ele, sem d ú v id a, alcan ço u g ran d e sucesso Abadia o monumento na
de
234 social, m as, seg u nd o os seus p ró p rio s p ad rõ es, ach o que n ão . Westminster.
A Escalada do Homem

In fe liz m e n te , a fim de se torn ar u m d ita d o r n o s c o n se lh o s d o


P oder C o n stitu íd o , a ssim ilo u os c r ité r io s d a q u e la s o c ie d a d e e
c o n s id e r o u tal s it u a ç ã o u m a c o n q u is t a p e s s o a l.
U m d ita d o r in tele c tu a l não é u m a fig u r a a g r a d á v e l, m e s m o
q u a n d o te n h a o rig e n s h u m ild e s. C o n tu d o , e m s e u s e sc r ito s m a is
ín tim o s N e w to n n ã o se m o s tr a a fig u r a a rr o g a n te , tã o fr e q ü e n te
e d iv ersa m en te rep resen ta d a e m su a v id a p ú b lic a .

Explicar toda a natureza é uma tarefa m uito difícil para um homem ou


mesmo para uma era. Muito melhor é fazer um pouco com segurança, dei­
xando o resto para outros que venham depois de você, do que tentar tudo
de uma só vez.
E m um a o u tra passagem , m a is fa m o sa , e le d iz a m e s m a c o isa ,
m as em u m c o n te x t o m a is c o m p a ssiv o .

Não sei que tipo de imagem o mundo faz de mim; mas, eu me sinto como
se tivesse sido apenas um garoto brincando à beira do mar, contente em
achar aqui uma pedrinha mais lisa, ali uma concha mais atraente do que de
ordinário, tendo sempre diante de mim, ainda por descobrir, o grande
oceano da verdade.
A os seten ta anos N ew to n p resid ia u m a R o y a l S o c ie ty onde se
r e a liz a v a m u ito p o u co tr a b a lh o c ie n tífic o de v a lo r. S o b os
G e o r g e s, a In g la terra e sta v a m u ito m a is p r e o c u p a d a c o m d in h e ir o
(estes era m o s a n o s d a E x a lta ç ã o d o s M a res d o S u l), c o m p o lític a
e com e sc â n d a lo s. N o s c a fé s, á g e is h o m e n s d e n e g ó c io s o r g a n iz a ­
vam c o m p a n h ia s a fim de e x p lo ra r e m in v e n ç õ e s fic tíc ia s. O s
e sc r ito r e s r id ic u la r iza v a m o s c ie n tista s, e m p a rte p o r d e s p e ito e
em p a rte p o r m o t iv o s p o lít ic o s , u m a v e z q u e N e w t o n era fig u r a
im p o rta n te d o g ov ern o.
N o in v e r n o d e 1 7 1 3 u m g r u p o d e esc r ito r e s d o P a r tid o C o n ­
serv a d o r (e n tã o T o ry ) c o n stitu iu u m a s o c ie d a d e lite r á r ia . A t é a
m o rte d a R a in h a A n a , n o v e r ã o s e g u in te , e le s se r e u n ia m regu­
la r m e n te no P a lá c io d e S t. J a m e s , s o b o p a tr o c ín io d o m é d ic o
da m on arca, D r. J o h n A r b u th n o t. E ssa so c ie d a d e , q u e a d o to u o
n om e d e S c r ib le r u s C lu b , se e n tr e g o u a o m is te r d e r id ic u la r iza r
as a g rem ia çõ es cu ltu ra is da época. O a ta q u e d ir ig id o co n tra a
110
co m u n id a d e c ie n tífic a por J on a th an S w ift n o te r c e ir o liv ro d as A nós soa c o m o
irrev erên cia u m a
V ia g e n s d e G u lliv e r , b ro to u das d iscu ssõ es desse grupo. E sses
sátira a N e w t o n fe ita
T o r ie s que m a is tard e a ju d a ra m John G ray em sua sá tir a do p o r seus

Caricatura
co n tem p o râ n eo s.
governo em T h e B e g g a r ’s O p e r a ( A Ó p e r a d o s M e n d ig o s ) t a m b é m
o assessoraram em 1 71 7 a o e sc r e v e r a p e ç a T h re e H o u rs A fte r contemporânea
satirizando a
M a r r ia g e ( T r ê s H o r a s A p ó s o C a s a m e n to ) . N e s t a , o a lv o d a s á tir a
gravitação de
2 36 é rep resen ta d o por u m c ie n tista id o s o , c h e io d e p o m p a , o sten - Newton.
A Escalada do Homem

ta n d o o n o m e de D r. F o ssile . A b a ix o r e p r o d u z im o s a lg u m a s 111
“ £ m elh o r fazer u m
p a ss a g e n s n a s q u a is c o n tr a c e n a m o D r. F o ssile e u m a v e n tu r e ir o , p o u c o c o m certeza,
P lo tw e ll que, n o m o m e n to , en tretém u m caso a m oro so co m a e d eixa r o resto
para os outros q u e
d o n a d a casa.
virão d e p o is d e n ó s,
Fossile: Prometí minha “pedrinha” a Lady Longfort. A pobre senhora está d o q u e tentar
exp lica r tu d o .”
prestes a abortar, mas acho que isso irá impedir. Ah! Quem está aqui! Não P u t t i r e a liz a n d o
me agrada o aspecto do sujeito. Em todo caso não serei demasiadamente e x p e r im e n to s c o m o
severo. te le s c ó p io d e
N e w to n , seu
P lotw ell: Illustrissime domine, huc adveni - u n iv e r s o , s e u s
Fossile: Illustrissime domine - non usus sum loquere Latinam - se você p ris m a s , su a s m o e d a s
não falar inglês não poderemos entreter nenhuma conversação verbal. e s u a fo r n a lh a .
B a ix o ^ r e le v o d e
Plotw ell: Eu poder falar só um pouco englese. Eu tenho ouvido muito do R ysb rack d o
fama do grande luminário de todos os artes e ciências, o ilustrado doutor m o n u m e n to a
Fossile. Eu gostar de fazer comutações (como dizer isso?). E troca alguns N e w to n na
A b a d ia d e
de meus coisas por alguns de seus coisas. W e s tm in s te r .

N a tu ra lm en te, o p r im e ir o tó p ic o da b r in c a d e ir a g ir a e m to rn o
d a a lq u im ia ; o ja r g ã o é b a sta n te p r e c iso a o lo n g o d e to d o o te x to .

Fossile: Por favor, meu senhor, qual a sua universidade?


Plotw ell: O famosa universidade de Cracow. . .
Fossile: . . .mas de que arte Arcana o senhor é mestre?
Plotw ell: Vê aqui, senhor, este caixa de rapé.
Fossile: Caixa de rapé.

238
O Relógio Majestoso

P lotw ell: Certo. Caixa de rapé. Este ser o verdadeiro ouro.


Fossile: Mas, afinal, o que isso significa?
P lotw ell: Significar? Eu fazer aquele ouro eu mesmo, do chumbo do grande
Igreja de Cracow.
Fossile: Através de que operações?
P lotw ell: Por calcinação; reverberação; purificação; sublimação; amalgama-
ção; precipitação; volatilização.
Fossile: O senhor deveria ser mais cuida<k>so em suas afirmações. A volati­
lização do ouro não é um processo óbvio. . .
P lotw ell: Eu não precisar ensinar o ilustroso Dr. Fossile que todo metal não
ser senão ouro ainda verde.
Fossile: O senhor se expressou tal qual um filósofo. No entanto, ainda acho
que o parlamento deveria exarar um ato proibindo a mineração do chumbo,
assim como a derrubada de árvores jovens.
E m s e g u id a , r e fe r ê n c ia s c ie n t íf ic a s s ã o d e s p e ja d a s r á p id a s e m a l-
d o sa m en te: o s p r o b le m a s e m fo co se referem ao tra b a lh o e sp i­
n h o so d a d ete r m in a ç ã o das la titu d e s n o o c e a n o , à in v e n ç ã o d o s
flu x io n s o u c á lc u lo d ife r e n c ia l.

Fossile: No m om ento não estou disposto para experimentações.


P lotw ell: O senhor mexe com latitudes?
Fossile: Eu não me ocupo com impossibilidades. Apenas procuro o grande
elixir.

239
A Escalada do Homem

Plotw ell: O que pensar o senhor sobre o novo m étodo dos fluxions?
Possile: Não conheço nenhum outro a não ser através do mercúrio.
Plotw ell: Há, há, mim dizer flu x io n s de quantidade.
Possile: A maior quantidade jamais vista por mim foram três quartos por
dia.
Plotw ell: Haver algum segredo em hidrologia, zoologia, minerologia, hi­
dráulica, acústicas, pneumáticas, logaritimia, sobre o qual querer você saber?
Possile: Estão todos fora de meu campo de interesse.

A n ó s p a r e c e u m a g r a n d e ir r e v e r ê n c ia e ss a sá tir a a N e w t o n ; m e s m o
u m a c r ític a séria p o r p a r te d e s e u s c o n t e m p o r â n e o s o p a r e c e r ia .
O fa to é q u e to d a te o r ia , p o r m a is m a je sto sa q u e seja, s u b e n te n d e
su p o siç õ e s ab ertas à co n testa çã o e, na r e a lid a d e , terão de ser
s u b stitu íd a s n o te m p o d e v id o . A c o n te c e u o m e s m o c o m a teo ria
de N ew to n , a d e sp e ito de sua m a r a v ilh o sa a p r o x im a ç ã o dos
fen ôm en o s n a tu ra is. N e w t o n c o n fe s s o u -o . A s u p o s iç ã o p rim á ria
d e N e w to n , e n u n c ia d a d e sd e o in íc io , fo i a seg u in te : “ C o n sid e r o
o esp aço co m o sen d o a b so lu to ” . C o m isso q u eria d izer ser o
esp aço sem pre p la n o e in fin ito , d a fo r m a q u e o e n te n d e m o s e m
n o ss a p r ó p r ia v iz in h a n ç a . D e s d e o in íc io , e ssa s u p o s iç ã o f o i c r iti­
cada por L e ib n iz , e correta m en te. A fin a l de c o n ta s , e la não é
sequer provável em n o ssa e x p e r iê n c ia o r d in á r ia . E m b o r a e s te ja ­
m o s h a b itu a d o s a v iv er e m u m e sp a ç o p la n o , b a sta o lh a r m o s a o
la rg o p a ra n o s c o n v e n c e r m o s d e n o sso erro .
A T e r r a é e sfé r ic a ; a ssim , u m p o n to lo c a liz a d o n o P ó lo N o r te
p od e ser m ira d o por d o is ob servad ores co lo ca d o s na lin h a d o
E q u a d o r , m a s se p a r a d o s p o r g r a n d e d istâ n c ia , e o s d o is a fir m a r e m
estar o lh a n d o em d ir e ç ã o N o r te . T a l a rr a n jo seria in c o n c e b ív e l
para u m h a b ita n te d e u m a terra p la n a , o u p a r a q u a lq u e r p e s so a /---------- A
a cred ita n d o que a p la n u ra d e su a v iz in h a n ç a se e ste n d e p o r to d a
a su p e r fíc ie d a T erra. D e ssa m a n eira , N e w to n e sta v a se c o m p o r ­
tan d o co m o um h a b ita n te de u m a terra p la n a em u m a e sc a la
c ó s m ic a : v ia ja n d o a tr a v é s d o U n iv e r so , te n d o a tr e n a e m um a das l----------li
m ã o s e o r e ló g io d e b o lso n a o u tra , m a p e a n d o o e sp a ç o c o m o se
este fosse, lá fora, sem e lh a n te ao p e r c e b id o a q u i. N e c e ssa r ia ­
m e n te , tal s u p o s iç ã o n ã o é v er d a d e ira .
N ão se trata m e s m o de o esp aço ser u n ifo r m e m e n te esférico
— is t o é, q u e d e v a ter u m a d e t e r m in a d a c u r v a tu r a . P o d e a c o n t e c e r
d ele se r a r q u e a d o o u o n d u la d o . A e x istê n c ia d e lo c a is d e d e p r e ssã o
n o e s p a ç o é p o s s ív e l, p a r a e le s d e s liz a n d o c o r p o s e m m a io r p r o ­
p o r ç ã o d o q u e p a ra o u tr o s. É c la r o , e n tr e ta n to , q u e o s m o v im e n -
2 40 to s d o s c o r p o s c e le ste s d e v e m perm anecer os m esm o s — n ossas
O Relógio Majestoso

e x p la n a ç õ e s têm de ser c o e re n te s co m a m an eira pela q u al eles


se no s a p re se n ta m . M as, p ara cad a co n c e p ç ã o há u m a ex p lan ação
a d e q u a d a . E n tã o , seg u n d o o ú ltim o caso co n sid era d o , a L ua e os
p la n e ta s o b e d e c e ria m leis g eo m étricas e n ão gravitacionais.
N aq u ele te m p o to d a s essas co n sid era çõ es eram especu laçõ es
fu tu ra s e, m esm o q u a n d o fo rm u lad as, a m a te m á tic a da ép o ca não
o ferec ia co n d iç õ e s p ara lhes d ar tra ta m e n to fo rm al. N o e n ta n to ,
u m tip o d e e sp a ç o às m e n tes in q u irid o ra s e filo só ficas, n ão tin h a passado d e sp e r­
con ten d o zon as c e b id o o fa to de q u e, ao e ste n d e r o esp aço co m o se fo ra u m a
d e estreitam en to.
Gráficogerado g rad e a b so lu ta , N e w to n havia d a d o u m a sim p licid ad e irreal à
em computador p e rc e p ç ã o das coisas. C o n tra s ta n d o co m esse m u n d o de idéias,
mostrando a L eibn iz havia p ro n u n c ia d o as p alav ras p ro féticas: “ Para m im ,
inversão de uma
esfera afim de esp aço , da m esm a fo rm a q u e te m p o , são en tid ad es p u ram e n te
produzir uma re la tiv a s’ .
curvatura negativa.
O te m p o é um o u tro a b so lu to no sistem a n ew to n ian o . O te m p o é
fu n d a m e n ta l no m a p e a m e n to dos céus: em p rim eiro lugar, não
sab em o s a que d istân cia as estrelas se e n c o n tra m de nós, sabem os
ap en as o m o m e n to que elas p assam pelo nosso cam po de visão.
D essa m a n e ira , p ara a p erfe iço ar os co n h e c im e n to s m a rítim o s,
d o is in s tru m e n to s e ra m fu n d am en tais: o telescó p io e o relógio.
O a p e rfe iç o a m e n to do s telescó p io s veio em p rim eiro lugar, e
ag o ra já se e n c o n tra v a m in stalad o s no O b serv ató rio R eal de
G reen w ich . O u b iq ü itá rio R o b e rt H o o k e o havia p lan ejad o ao
113
O m a rin h eiro e m
te m p o em que ele e Sir C h risto p h e r W ren re c o n stru ía m L o nd res
u m a p ra ia r e m o t a d ep o is d o G ra n d e In cên d io . De ag o ra em d ia n te o m arin h eiro ,
p o d ia com p a ra r su as ao fix ar sua p o sição — la titu d e e lo n g itu d e — em um local
leitu ras das
estrela s c o m a q u ela s d ista n te da te rra , p o d ia co m p arar su as leitu ras das estrelas com
d e G reen w ich . a q u elas de G reen w ich . O m e rid ian o de G reen w ich torna-se,
Vista panorâmica de
Greenwich, pintada e n tã o , um m arco fix o no m u n d o te m p e stu o so de q u alq u er
em 1750 por m a rin h e iro : o m e rid ian o e o T em p o M édio de G reen w ich .
R. Griffier.
O Relógio Majestoso

E m se g u id a o r e ló g io tin h a d e ser a p e r fe iç o a d o , d e fo r m a a ser


u m a a ju d a n a d e te r m in a ç ã o d e p o siç õ e s. E sse in str u m e n to to r n a ­
-se o p r o b le m a da ép oca, um a v e z q u e , a fim d e se u tü iza rem
p r a tic a m e n te as te o r ia s d e N e w t o n p a ra a n a v e g a ç ã o m a r ítim a , era
im p e r io s o o d e s e n v o lv im e n to d e u m r e ló g io c a p a z d e m a rca r h o r a
c e r ta n o s n a v io s. O p r in c íp io é b a sta n te sim p le s. D e s d e q u e o S o l
c o m p leta o se u c ic lo e m to r n o d a T erra e m v in te e q u a tr o h o ras,
cada u m d os 3 6 0 graus de la titu d e ocu p a q u atro m in u to s de
te m p o . A ssim , u m m a r in h e ir o c o m p a r a n d o m e io -d ia e m se u n a v io
(a p o siç ã o m a is e le v a d a do S o l) c o m m eio -d ia m arcado em um
r e ló g io q u e m a n t e n h a a h o r a d e G r e e n w ic h , p o d e r á fic a r s a b e n d o
que cada q u a tro m in u to s de d ife r e n ç a e n tr e as d u a s leitu r a s o
c o lo c a m u m grau a fa sta d o d o m e r id ia n o d e G r e e n w ic h .

114 O g ov ern o o fereceu u m p r ê m io d e v in te m il lib r a s p a r a o m a r ­


O s relo jo eiro s d e cador de tem p o que p r o v a ss e su a p r e c isã o , c o m erro m ín im o de
en tão eram
aristocratas en tre o s m e io grau, em u m a v ia g e m d e seis s e m a n a s . E v id e n te m e n te , u m

Primeiro mafcador
trab alh ad ores. tal p r ê m io acen d eu a c o m p e tiç ã o e n tr e o s r e lo jo e ir o s lo n d r in o s

de tempo marítimo (a d e J o h n H a rr iso n , p o r e x e m p lo ) o s q u a is c o n s tr u ía m r e ló g io s


de John Harrison. cada vez m a is en gen h osos, ten tan d o com pensar, por m e io da
c o m b in a ç ã o d e p ê n d u lo s, o s d istú r b io s c a u sa d o s p e lo s m o v im e n ­
to s d o s n a v io s.
115
U m n a vio é u m a E sses p r o b le m a s té c n ic o s deram o rig e m a u m a e x p lo sã o de
esp écie d e in v e n ç õ e s e c r ia r a m a p r e o c u p a ç ã o c o m a m e d id a d o te m p o , q u e
m o d elo de u m a
v e io a d o m in a r a c iê n c ia e a v id a c o tid ia n a a té n o s s o s d ia s. N a r e a ­
estrela.
Manual de lid a d e , u m n a v io p o d e ser c o m p a r a d o a u m a estr e la . D e q u e m a n e i­
Navegação roubado
ao grande impressor ra u m a estrela se d e slo c a n o esp a ço e c o m o p o d e m o s d e term in a r

holandês Blaeu de o tem p o g asto em suas d e slo c a ç õ e s? O n a v io se a p r e se n ta co m o


Amsterdam por
John Joynson u m p o n t o d e p a r tid a p a r a se p e n sa r n a r e la tiv id a d e d o te m p ° .

“dwelling at the
Waterside by the
OldBridge at
the sign of the
SeaMappes".
Vêem-se navegadores
trabalhando com
seus mapas
enquanto a frota
holandesa levanta
âncoras.
O Astrônomo real
John Flamsteed e
seus assistentes
enquanto se
ocupam de 243
observações.
Pintura no teto do
Royal Naval
College, Greenwich.
A Escalada do Homem

O s r e lo jo e ir o s d e ssa é p o c a p a ssa r a m a fo r m a r a e lite d o s tra b a ­


lh a d o r e s, à s e m e lh a n ç a d a c o n fr a r ia d o s p e d r e ir o s d a Id a d e M é d ia .
O m a rca p a sso a m a rra d o e m to r n o d e n o sso s p u lso s, o d ita d o r d o s
te m p o s m o d e r n o s, fo i; d e s d e a Id a d e M éd ia , e m b o r a , n e sta é p o c a ,
d e in ter e sse a p e n a s d ile ta n te , u m s o n h o in trig a n te , q u e e stim u la
a h a b ilid a d e d o s a r te s ã o s. N e s s e s d ia s, p o r é m , o r e lo jo e ir o p r e t e n ­
d ia , n ã o p r o p r ia m e n te a c o m p a n h a r as h o r a s d o d ia , m a s, sim , o
m o v im e n to d as estrela s d o c é u .

O u n iv e r so d e N e w t o n m a n te v e s e u tiq u e -ta q u e in in te r r u p to p o r
c e r c a d e d u z e n to s a n o s. V ie ss e seu fa n ta sm a à S u íç a , e m q u a lq u e r
tem p o a n tes de 1 90 0, to d o s os r e ló g io s c a n ta r ia m a le lu ia , e m
u n ísso n o , em seu lo u v o r. E n tr e ta n to , lo g o a p ó s 1 9 0 0 , e m B erna,

116
O un iverso de
N e w to n m anteve
seu tiq u e -ta q u e
in in terru p to p o r
cerca de d u zen to s
anos. V iesse seu
fa n ta sm a à S u íça ,
e m q u a lq u er
tem p o antes de
1 9 0 0 , tod os os
r e ló g io s ca n ta ria m
a lelu ia , e m u n ís s o n o ,
e m seu lou v or. L u z
e tem po com eçaram
a se d issociar
ju stam en te por
volta dessa ép o ca .
Torredo relógio
244 de Berna.
O Relógio Majestoso

a u n s d u z e n to s m e tr o s d a a n tig a to rre d o r e ló g io , su rg e o jo v e m
q ue, em tem p o , v a i tir a r m u i t o d o e n tu sia sm o d a q u e la a le lu ia :
A lb e r t E in ste in .
L uz e tem p o com eçara m a se d isso cia r, e x a ta m e n te p o r v o lta
d essa ép oca. E m 1 8 8 1 A lb e r t M ic h e ls o n r e a liz o u u m ex p erim en to
(r e p e tid o p o ste r io r m e n te c o m a c o la b o r a ç ã o d e E d w a r d M o r le y ),
n o q u a l, p r o je ta n d o fe ix e s lu m in o s o s e m d ife r e n te s d ir e ç õ e s, te v e
a esto n tea n te su r p r e sa d e v e r ific a r q u e , in d e p e n d e n t e m e n t e d o s
m o v im e n to s im p resso s ao a p a r e lh o , a lu z m a n tin h a sem pre a
m e sm a v elo c id a d e . E sse fa to n ã o p o d ia ser e s p e r a d o a p a rtir d a s
leis d e N e w t o n , e, d e ssa m a n e ir a , fo i a q u e le p r im e ir o ru íd o no
coração da física , q u e , e m 1 9 0 0 , co m eço u a provocar u m certo
p â n ic o n o s c ie n tista s d e e n tã o .

Omarcadorde
tempo n.° 4
premiadode
John Harrison.

117
S e u trab a lh o
c o m o fu n cio n á rio
d o E scritório de
P aten tes da S u íça.
Albert Einstein
junto à sua mesa de
trabalho no
Escritório de
Patentes em 245
Berna, 1905
1 18
" C o m o se m e
a p resen taria o
m u n d o se eu O R e ló g io M a jesto so
p u d e s s e via ja r e m
u m raio d e lu z ? ”
Albert Einstein aos
catorze anos.
N ã o se sabe ao ce r to o q u a n to o jo v e m E in ste in esta va a par
desse p r o b le m a , u m a v ez q u e n ã o era e stu d a n te m u ito a p lic a d o .
E m tod o caso, ao tem p o d e su a ch ega d a a B erna, su a m en te de
a d o le s c e n te d e h á m u ito h a v ia p la n te a d o p a ra si m e s m a a q u e s tã o
de co m o seria n o ssa c o n c e p ç ã o d o m u n d o se e la fo s s e e n c a r a d a
d o p o n t o d e v ista d a lu z.

A r e sp o s ta a e ssa p e r g u n ta é r e p le ta d e p a r a d o x o s, o q u e a to r n a
m trin ca d a . E, co m o a co n tece com t o d o p a r a d o x o , o m a is d ifíc il
não é e x p lic á -lo , m a s, sim , c o n c e b ê -lo . A g e n ia lid a d e d e h o m e n s
ta is c o m o N ew to n e E in stein tem a í sua b ase; e le s fo r m u la m
p ergu n tas tran sp a ren tes, in o cen tes, m as, cu jas resp o sta s são
c a ta str ó fic a s. O p o e ta W illia m C o w p e r c h a m o u a N e w t o n o “ s á b io
in fa n til” , te n d o em c o n ta e ss a q u a lid a d e , q u e d e s c r e v e p e r fe ita -
m en te o ar d e su rp resa em r e la ç ã o a o m u n d o , m a r c a n d o in d e le -
v elm e n te a face que co n h ecem o s de E in ste in . Q u e r e le fa la sse
sobre u m a v ia g e m em u m ra io d e lu z o u u m a q u ed a no esp aço,
E in stein sem pre ilu str a v a e ss e s p r in c íp io s c o m lin d o s e x e m p lo s ;
a ssim , vou arrancar u m a p á g in a ao seu liv ro , d ir ig in d o -m e ao
su b so lo d a torre d o r e ló g io e tom a n d o o m esm o b on d e d o qual
se s e r v ia t o d o s o s d ia s p a r a c h e g a r a o s e u tr a b a lh o , o n d e era fu n ­
c io n á rio d o E scritó rio d e P a te n te s d a S u íç a .

O p en sam en to qu e ocorreu à m e n te d o a d o le sc e n te E in ste in fo i


o seg u in te: “ C o m o se m e a p resen ta ria o m u n d o se eu pudesse
v ia ja r e m u m ra io d e lu z ? ” . S u p o n h a m o c a so d e ste b o n d e estar
se a fa sta n d o d a q u e la torre do r e ló g io , m o n t a d o n o m e s m o r a io
de lu z q u e u sam os para en x erg á -lo . O r e ló g io e sta r ia c o n g e la d o
em u m a p o siçã o . E u, o b o n d e, esta c a ix a ca v a lg a n d o o ra io d e
lu z , e s t a r ía m o s f ix o s n o t e m p o . O t e m p o te r ia d e p a rar.

A n a lis e m o s e ssa p r o p o s iç ã o m a is p o r m e n o r iz a d a m e n te . S u p o ­
n h a m o s q u e o r e ló g io q u e e stá fic a n d o p a ra trás m a r q u e m e io -d ia ,
q u a n d o eu p a r to . A g o r a , e u e sta r ia v ia ja n d o à v e lo c id a d e d a lu z ,
a 2 9 7 .6 0 0 q u ilô m e tr o s d e d istâ n c ia d e le; isso to m a r ia u m s e g u n d o
d e te m p o . E n tr e ta n to , o r e ló g io , c o m o o v ejo , a in d a m a r c a “ m e io ­
-d ia ” , u m a v ez q u e o fe ix e d e lu z e eu n o s a fa s ta m o s ju n ta m e n te
d o r e ló g io . D a m e s m a fo r m a q u e p a ra o r e ló g io , a c o n te c e c o m o
u n iv e r so d e n tr o d o b o n d e : a o m e m a n te r à v e lo c id a d e d a lu z fic o
in d ife r e n te o u in d e p e n d e n te d a p a ssa g em d o tem p o .

E sse p a r a d o x o é ex tr a o r d in á rio , m a s v a m o s d eix a r d e la d o su as


im p lic a ç õ e s, o u o u tra s c o m as q u a is E in ste in e sta v a p r e o c u p a d o . 247
A Escalada do Homem

C o n cen trem o -n os, p orém , em u m p o n to: a o v ia ja r e m u m ra io


d e lu z , o t e m p o d e ix a d e te r s ig n ific a d o p a r a m im . Isso d e v e sig ­
n ific a r que, ao m e a p r o x im a r d a v e lo c id a d e d a lu z (o que vou
sim u la r a q u i n e ste b o n d e ), esta rei fic a n d o s o z in h o e m m eu c o m ­
p a r tim e n to d e te m p o e e sp a ç o , e p r o g r e ssiv a m e n te m e a fa s ta n d o
d a s n o r m a s d a q u ilo q u e m e cerca.
E sse s p a r a d o x o s r e v e la m d o is p o n to s c la r a m e n te . U m d eles é
ó b v io : não há um tem p o u n iv ersa l. O o u tro é m a is su til: são
d iferen tes as e x p e r iê n c ia s d a q u e le s que v ia ja m e d a q u e le s q u e
fic a m , e, a ssim , para cad a u m de nós em seu c a m in h o . M in h a s
p ercep ções d en tro d este b on d e são coeren tes: as leis p o r m im
d esco b ertas em r e la ç ã o a o te m p o , d istâ n c ia , v e lo c id a d e , m a s sa e ‘ 1 1 9
fo r ç a s e r ã o ig u a is às d e q u a lq u e r o u tr o o b s e r v a d o r . M a s o s v a lo r e s Para d izer a
v erd a d e, a m a io ria
n u m é r ic o s p o r m im a tr ib u íd o s a o te m p o , à d istâ n c ia , e a ss im p o r
d o s p ed id os de
d ia n te , n ã o serã o o s m e s m o s ig u a lm e n te a tr ib u íd o s p o r p a rte d e registro se n os
apresentam agora
u m o b se r v a d o r q u e p e r m a n e c e n a ca lça d a .
c o m o bastante
E sse é o c e r n e d o P r in c íp io d a R e la tiv id a d e . E n tr e ta n to , a í fic a
Pedido de
id io ta s.
u m a q u estão ó b v ia : B em , e o q u e m a n tém n o sso s c o m p a rtim en ­
registro de
to s, o seu e o m e u , lig a d o s? A passagem d a lu z: a lu z ca rreg a a patente de 1904.
in fo r m a ç ã o q u e n o s u n e. E ssa ta m b é m é a ra zã o p ela q u a l o fa to
e x p e r im e n ta l c r u c ia l v in h a d e s n o r te a n d o a s p e s so a s d e s d e 1 8 8 1 :
q u an d o tro ca m o s sin a is, d e s c o b r im o s q u e n ã o m ed im o s tem p o
d u r a n te a p e r m u ta d e in fo r m a ç õ e s ; te m o s s e m p r e o m e s m o v a lo r
p a ra a v e lo c id a d e d a lu z . A s s im s e n d o , t e m p o , e sp a ç o e m a s s a tê m
d e ser d ifer e n te s p a ra c a d a u m d e n ó s, p o r q u e as leis d e le s e x tr a Í ­
d as d e v e m ser c o n siste n te s, ta n to p ara m im a q u i d e n tr o d o b o n d e ,
co m o para o h o m e m lá f o r a n a c a l ç a d a - m a n ten d o , en tretan to ,
o m e s m o v a lo r p a r a a v e lo c id a d e d a lu z .
A lu z e a s o u tr a s r a d ia ç õ e s s ã o s in a is q u e se e s p a lh a m a p a rtir
de u m even to , c o m o se fo ssem o n d u la ç õ e s a tra v és d o U n iv e r so ,
não h aven d o nen h u m a p o ssib ilid a d e de in fo r m a ç ã o d a q u e le
e v e n to tr a fe g a r a u m a v e lo c id a d e m a io r . A lu z o u a s o n d a s d e r á d io
e o s ra io s X sã o v e íc u lo s d e m e n sa g e n s p o r e x c e lê n c ia , e fo r m a m
u m a r e d e b á s ic a d e in fo r m a ç õ e s , a s q u a is m a n t ê m in te r lig a d o o
u n iv erso m a te r ia l. M esm o que a m en sagem a ser e n v ia d a seja
sim p le s m e n te te m p o , n ã o p o d e m o s o b tê-la , in d o d e u m lo c a l p a ra
o u tr o , m a is r a p id a m e n te d o que a lu z o u a o n d a d e r á d io q u e a
tr a n sp o r ta . N ã o há te m p o u n iv ersa l p a ra o m u n d o , n e n h u m sin a l
e m itid o a p a rtir d e G r e e n w ic h , p a r a q u e a c e r t e m o s n o s s o s r e ló ­
g io s, está isen to de su a lig a ç ã o in e x tr in c á v e l c o m a v elo cid a d e
248 d a lu z .
O Relógio Majestoso

N e sta d ic o to m ia , u m a d essa s m a n ifesta ç õ e s te m d e ser p rim o r­


d ia l. N o te -s e q u e a tr a je tó r ia d e u m ra io d e lu z (d a m e s m a fo r m a
que a tr a je tó r ia d e u m p r o jé til) n ã o se a p r e s e n ta ig u a l a u m o b ­
servador casual e ao h o m e m q u e o d isp a ro u . A tr a je tó r ia p a r e c e r á
m a is lo n g a a o e s p e c ta d o r ; e, a ssim , o t e m p o e m q u e a lu z p e r m a ­
nece na tr a je tó r ia ta m b ém parecerá m a is lo n g o p a r a e le , p o s t o
q u e e le to m a o m e s m o v a lo r p a ra a v e lo c id a d e d a lu z .
Isso é rea l? S im . N o s s o s c o n h e c im e n to s a tu a is s o b r e p r o c e s s o s
c ó s m ic o s e a tô m ic o s n o s a u to r iz a a d izer q u e , p ara g ra n d e s v e lo ­
c id a d e s, o fen ô m en o ocorre. Se eu e stiv e sse v ia ja n d o a u m a
v elo c id a d e ig u a l à m e ta d e d a v e lo c id a d e d a lu z , e n tã o , n o s três
m in u to s e u m p o u co m a is m a r c a d o s e m m eu r e ló g io , a v ia g e m
de b o n d e d e E in s te in p a r ec e r ia m e io m in u t o m a is lo n g a p a ra u m
h o m e m o b se r v a n d o -o d a ca lça d a .
T o m e m o s , agora, a v elo cid a d e d o b onde co m o se n d o ig u a l à
d a lu z , p a ra v er o q u e a c o n te c e . O e fe ito d a r e la tiv id a d e fa z c o m
q u e as co isa s m u d e m su a s a p a r ê n c ia s. (A s v a r ia ç õ e s d e c o r o b se r ­
vadas não são d e v id a s à r e la tiv id a d e .) O s to p o s dos e d ifíc io s
p arecem en vergar para d en tro e p a r a a fr e n te . O s p r ó p r io s e d ifí­
c io s p arecem se a p r o x im a r uns dos o u tro s. M in h a v ia g e m é
h o r iz o n t a l , e, p o r t a n t o , d is t â n c ia s no p la n o h o r iz o n ta l p a r e c e m
m a is cu rta s; m a s a s a ltu r a s p e r m a n e c e m a s m e s m a s . A u t o m ó v e is
e p essoas a p resen ta m d isto r çõ e s n esse m e s m o p a d rão : e streito s e
a lto s. A lé m d isso , o q u e é v er d a d e ir o p ara m im q u e e sto u o lh a n d o
p ara fora , ta m b é m o é a o h o m e m o lh a n d o p ara d en tro . O m u n d o
de r e la tiv id a d e de A lic e n o P a ís d a s M a r a v ilh a s é s im é t r i c o . O
observador vê o b o n d e co m o se e ste tiv e sse s id o c o m p r im id o :
fin o e a lto .
E v id e n te m e n te , essa se co n stitu i em u m a v isã o d o m u n d o
c o m p le ta m e n te d ifer e n te d a q u e la d a d e N e w to n . P ara este, e sp a ç o
e tem p o fo rm a v a m u m a estru tu ra a b so lu ta , d en tro da qual os
even to s d o m u n d o m a te r ia l se s u c e d ia m em um a ord em im p er­
tu rb á v el. S u a v is ã o d o m u n d o era se m e lh a n te à d e D eu s: im u tá v el
ao observador, in d ep en d en te de sua p o siçã o e d o m e io a tra v és
d o q u a l e le se d e s lo c a . P o r o u t r o la d o , E in s te in o lh a o m u n d o c o m
os o lh o s do h o m e m , isto é, v a r ia d e p e n d e n d o d a p o s iç ã o d o o b ­
servador e d o tip o e q u a lid a d e d os d e slo c a m e n to s d u ra n te a
ob servação - p o r ta n to , in flu e n c ia d o p e lo te m p o e p ela v e lo c id a d e .
E e ssa r e la tiv id a d e n ã o p o d e d e sa p a r e ce r . N ã o p o d e m o s c o n h e c e r
o m u n d o c o m o e le é e m si m e s m o ; c o n s e g u im o s a p e n a s c o m p a r a r
a s d ife r e n te s m a n e ir a s p e la s q u a is e le se a p r e s e n ta a m im e a você, 249
120 c= f
N ão há t e m p o u n i v e r s a l p a r a o m u n d o , n e n h u m s in a l d e G r e e n w i c h a t r a v é s d o q u a l p o s s a m o s
a c e r ta r n o s s o s r e ló g i o s s e m q u e a v e l o c i d a d e d a lu z e s t e j a i n e x t r i n c a v e l m e n t e lig a d a a ele.
O observador na calçada vê o bonde parado àesquerda semnenhuma distorção. Ele vê os
dois outros bondes altos e finos porque estes viajamaaltas velocidades. Um bonde apresenta-se
azul por estar se movendo em direção ao observador, e o outro avermelhado porque se
afasta dele; mas estes efeitos não são devidos à relatividade. Oobservador no bonde parado
vê as casas sem distorção. No bonde em movimento ele as vê altas e finas.
3. Z u r E le k tr o d y n a m ik b ew eyter Kbih'per;
von Â. E i n s t e in .

DaS die Elektr°dyDamik Maxwells — wie dieselbe gegen-


wSrtig aufgefaBt tu werdea pflegt — in ihrer Aoweoduiig au!
bewegl:« KOrper tu Asymmetrien (Qhrt, weiche deu Phãnomenen
Dicht anzuhafteo acheinao, íat bekanot. Man denke z. B. au
die elektrodyoamische Weehaelwirkung zwiachen eioem Mag-
neten and einem Leiter. Das beobachthare PhâDomeD hlingt
bier d u ab von der Relativbewegung von Leiter und Magnet, 121
wllhrend nach der Qblichen A^^usung die heiden Filie, daB N o d ecu rso de sua
der eine oder der andare dieser Kõrper der bewegte sei, atreng
\'ooeÍDander zn trenoeo aind. Bewegt aich Dll.m.lich der Magnet v id a E in stein
und ruht der Leiter, so entateht in der Umgebnng des MagDeten lig o u lu z a te m p o
ein elelrtrisches Feld voo gewissem Energieverte, weichea an
den Orten, —o aich Teiie des Leitera befinden, einen SUom e tem p o a esp aço;
erzeugt. Ruht aber der Magnet und bewegt aicb der Leiter, e n e r g ia a m a téria ,
so enUtebt in der Umgebung des Magneten kein elektriaches
Feld, dagegen im Leiter eine eiektromotoriache Kraft, welcher m a té r ia a e sp a ç o e
an sich keine Energia entapricht, die aber — Gieichheit der espaço a
Relati,beweguDg hei den beiden ins Aoge gefa8ten FlI.Hen
gra vitaçã o.
'l'orausgesetzt — zo elektrischen Strõmen voq derselben Grõ8e
und demselben Verlaufe Veranlaaaung gibt, wie im ereten Faiie Ogrande trabalho
die elektriachen Krilfte.
de 1905.
Beiapiele Ihnlicher Art, sowie die mi81ungenen Versuche,
eine Bewegnng der Erde relati, zom ,,Licbtmedium“ zu kon Oquadro^negro
statieren, fü.hreD za der Vermutung, daB dem Begriffe der
usado por Einstein
ahsoiuten Riibe oicht nur in der Mechanik, aondera auch 10
der Eiektrodyna.mik keine Eigenschaften der Erscheinungen enU na segunda das
sprechen, sondern daS vielmehr fllr alie Koordinstensysteme, três conferências
ílir weiche die mechanischen Gleichungen gelten, auch die
gleichen elektrodynamischen und optischen Gesetze geilen, wie sobre relatividade
diea für die Grõ8en erster Ordnung bereita erwiesen ist. Wir proferidas em
wollen dieae Vermntung (deren Inbalt im folgenden ,,Prinzip
der RelativitAt“ genannt werden wird) zur Voraussetzung er-
hehen und auBerdem die mit ihm nur scheinbar un'l'ertriigliche
Oxford em 1931.
a tra v és de p erm u ta de in fo r m a ç ã o e n tr e n ó s d o is. E u em m eu
b on d e e você em su a ca d eira n ã o te m o s n e n h u m a p o ssib ilid a d e
d e c o m u n g a r u m a v i s ã o d i v i n a , i n s t a n t â n e a , <do m u n d o d o s e v e n ­
tos - esta m o s lim ita d o s a c o m u n ic a r n o ssa s im p r e ssõ e s u m ao
o u tro . N o te-se q u e a c o m u n ic a ç ã o n ã o se dá in sta n ta n e a m e n te ;
d ela não p o d em o s d isso cia r o a tra so e x p e r im e n ta d o por to d o s
o s s m a is , tr a fe g a n d o à v e lo c id a d e d a lu z .

C o n tu d o , o b o n d e n ã o a tin g iu a v e lo c id a d e d a lu z ; a o c o n tr á r io ,
e le parou, ca lm a m e n te , em fren te d o E scritó rio de P a ten tes.
E in stein d e sce u , c u m p r iu su a jo r n a d a d e tr a b a lh o e, c o m o a c o n ­
te c ia fr e q ü e n te m e n te , à s a íd a d á u m a p a ssa d a p e lo C a fé B o llw e r k .
O tra b a lh o n o E scritó rio d e P a te n te s n ã o era m u ito d ifíc il. P a ra
d izer a verdade, v ista s agora, a m a io r p a rte das s o lic ita ç õ e s
parecem bem id io ta s: r e g istr o d e u m tip o a p e r fe iç o a d o d e e sp in ­
g ard a d e p ressã o ; reg istro d e u m c o n tr o la d o r d e c o r r e n te a lte r ­
n a d a , a o s q u a is E in s te in a p u n h a a o b s e r v a ç ã o su c in ta : “ I n c o r r e to ,
im p r e c iso e c o n fu s o ” .
A s ta r d e s , n o C a fé B o llw e r k , e le iria d is c u tir u m p o u c o d e fís ic a
com seu s co leg a s, e n q u a n to b e b ia c a fé e fu m a v a c h a ru to s. E n tr e ­
tan to, sem p re foi u m h o m em in tro sp e ctiv o , in d o d ir e ta m e n te a o
cerne dos p r o b le m a s, c o m o p o r e x e m p lo : “ D e q u e m a n e ira os
seres h u m a n o s em g er a l, e n ã o a p e n a s o s f ís ic o s , se c o m u n i c a m
en tre si? Q u e tip o s d e sin a is e n v ia m o s u n s a o s o u tr o s ? C o m o o
c o n h e c i m e n t o é a d q u ir id o ? ’’. N e s s a s p e r g u n t a s e n c o n t r a m a s a tr i­
lh a seg u id a em to d o s o s seu s escrito s; p éta la s a rra n ca d a s u m a a
2 52 u m a co m o os véu s que nos separam d o co ra çã o d o c o n h e c im e n to .
íL ' 1 • i
«*»•***» y / D

C it c . , t. , . ,
/
I V - p 1
^ iMM« »1 »«l »« ' ,11 J |^ ^
? ?
i ?h C ^

1 Tc
i - sl
i r ,
f I /

/
- Ha
^ Ú
1l i j

r
i* > 7/
> V 'i
j - l ,

■lQ< (j{A
n

\ y J 0
A Escalada do Homem

A ssim , o m a g n ífic o a rtig o d e 1 9 0 5 n ã o tr a ta a p e n a s d a lu z o u ,


co m o s e u t ít u lo d iz : E le tr o d in â m ic a d o s C o r p o s e m M o v im e n to .
E le c o n tin u a e m u m p ó s-escrito d o m e s m o a n o c o m a a firm a çã o
de que en erg ia e m a ssa sã o e q u iv a le n te s: E = m c 2 . Para nós, é
d ig n o d e n o ta q u e a p r im e ir a e x p lic a ç ã o d a r e la tiv id a d e d e v e s s e
in sta n ta n ea m en te a ca rretar a p red içã o p rá tica e d e v a sta d o r a d a
en erg ia a tô m ic a . P ara E in ste in , era a p en a s u m m e io d e a lc a n ça r
o en ten d im en to d a u n id a d e d o m u n d o ; a e x e m p lo d e N e w to n e
o u t r o s p e n s a d o r e s c i e n t í f i c o s , e le e r a , n o f u n d o , u m u n ita ria n o .
T a l v isã o se estrib a e m u m a p r o fu n d a in tu iç ã o so b r e o s e n tid o d o s
processos n a tu ra is, p a r tic u la r m e n te n a s r e la ç õ e s e n tr e h o m e m ,
c o n h e c im e n to e n a tu reza . A físic a n ã o s e c o m p õ e d e e v e n to s m a s
sim d e o b se r v a ç õ e s . M u ito s a n o s d e p o is e le a ssim se ex p resso u ,
d ir ig in d o -se ao m eu a m ig o L eo S z ila rd : “ F oram o s a n o s m a is
fe liz e s d e m in h a v id a . N in g u é m esp erava q u e eu p u sesse o v o s de
o u r o ” . N a r e a lid a d e e le m a n te v e a q u a lid a d e d e su a p r o le : e fe ito s
q u â n tic o s , r e la tiv id a d e g e r a l, te o r ia d o s c a m p o s . C o m e la v e io a
co n fir m a ç ã o dos p r im e ir o s tra b a lh o s de E in stein e a m esse de
su a s p re d içõ e s. E m 1 9 1 5 e le p r e d isse , n a T e o r ia G e r a l d a R e la ti­
v id a d e , que o cam p o g ra v ita cio n a l nas p r o x im id a d e s d o Sol
c a u sa r ia a d e fle x ã o d e u m r a io d e lu z — c o m o se fo s s e u m a d isto r ­
ç ã o d o e s p a ç o . D u a s e x p e d iç õ e s d a R o y a l S o c ie ty , u m a a o B ra sil
e o u tra à costa o este da Á fr ic a , te s ta r a m a p rev isã o d u ra n te a
e c lip se d e 2 9 d e m a io d e 1 9 1 9 . S e g u n d o r e la to d o p r ó p r io A r th u r
E d d in g to n , en ca rreg a d o d a e x p e d iç ã o a fr ic a n a , as p r im e ir a s m e ­
d id a s e f e t u a d a s a p a r tir d a s fo to g r a fia s lá o b t id a s p e r m a n e c e r a m
em sua m e m ó r ia , fix a n d o o m o m en to m a is im p o r ta n te d e su a
v id a . M e m b r o s d a R o y a l S o c ie ty s o fr e g a m e n te p a ss a v a m a n o t íc ia
d e u n s p a ra o s o u tr o s; E d d in g to n , p o r te le g r a m a , a o m a te m á tic o
L ittle w o o d , e este, e m u m a n o ta a p r e ssa d a , a B e r tr a n d R u sse l,
Caro Russel:
A teoria de Einstein foi totalmente confirmada. O deslocamento previsto
era de 1”’72 e o observado foi de 1” -75 ± 0,06.
Do seu,
J.E.L.
A r e la tiv id a d e a d q u ir ia fo r o s d e u m fa to , n a teo ria e sp ec ia l e
na g er a l. E = m c 2 acabou sen d o co n firm a d a , e v id e n te m e n te .
M esm o a q u e stã o a resp eito d o s r e ló g io s se a tr a sa n d o fo i fin a l­
m en te iso la d a p o r u m a ssim d izer d e stin o in e x o rá v el. E m 1 90 5
E in ste in h a v ia d e s c r ito u m e x p er im e n to , e m to m q uase jo co so ,
2 54 c o m o o m e io id ea l p a ra testa r o e fe ito .
O Relógio Majestoso

Se tivermos dois relógios sincronizados em A, sendo que um deles se move


em curva cerrada à velocidade constante v até seu retorno a A, desloca­
m ento esse que supomos ter gasto o tempo de t segundos, então este relógio
ao chegar a A se atrasou em xh t (v/c)2 segundos em relação ao relógio
que permaneceu estacionário. Daí concluímos que um relógio fixo junto
ao Equador terrestre andará mais lentamente, por uma pequena fração, do
que um relógio idêntico mas fixo junto a um dos pólos da Terra.
E in stein m o rre u em 1 9 5 5 , c in q ü e n ta anos ap ó s a p u b licação do
artigo de 1 9 05 . Mas ag o ra o te m p o p o d ia ser m ed id o com a p re­
cisão de m il m ilio n ésim o s de seg u n d o ; e, p o rta n to , já era possível
pensar-se na e stra n h a p ro p o siç ã o de “ D ois h o m en s na T erra, um
n o P ó lo N o rte e o u tro n o E q u ad o r. E ste ú ltim o está se d eslo can d o
m ais ra p id a m e n te d o q u e seu c o m p a n h e iro n o Pólo N o rte; assim ,
seu reló g io p erd erá a c o rrid a ” . As coisas se co n firm aram ex a ta ­
m e n te d essa m an eira.
O e x p e rim e n to fo i lev ad o a ca b o p o r um jo v em ch am ad o H. J.
H ay em H arw ell. Im ag in o u a T e rra a c h a ta d a na fo rm a de um
d isco , de m o d o q u e o P ó lo N o rte estivesse n o c e n tro e o E q u a d o r
na b eirad a. C o lo co u u m reló g io ra d io a tiv o n o c e n tro e o u tro na
b o rd a d o d isco e pôs este a girar. Esses relógios m edem tem p o
p o r p ro c e sso e s ta tís tic o , c o n ta n d o o n ú m ero de d esin teg raçõ es
dos á to m o s rad io ativ o s. O resu ltad o fo i o p revisto: o relógio da
b o rd a d o disco de H ay se a tra so u em relação ao d o c en tro . E isso
é v erd ad eiro p ara q u a lq u e r disco q u e gire, o u m esm o p ara q u al­
q u e r toca-d isco s. A ssim , n este m o m e n to , em q u a lq u e r disco de
v itro la que esteja sen d o to c ad o , o c e n tro está en v elh ecen d o , em
cad a rev o lu ç ão , m ais d ep ressa d o que a p eriferia.
A c o n trib u iç ã o de E in stein fo i m u ito m ais filo só fica d o que m a­
te m á tic a . S eu g ên io co n sistiu em e n c o n tra r idéias filosóficas que
p e rm itia m re in te rp re ta r a ex p eriên cia p rática. Sua ab o rd ag em da
N a tu re z a não era do p o n to de vista de D eus, m as, sim , a de um
guia, isto é, de um h o m em im erso no e m a ra n h a d o dos fen ô m en o s
n atu rais, que acre d itav a e x istir um p a d rã o visível na o rg an ização
d o s m esm o s, passível de ser e n c o n tra d o desde que fosse b u scad o
sem p re c o n c e ito s. N o seu O M u n d o c o m o o V ejo ele escreveu:
Nós nos esquecemos das propriedades do mundo das experiências respon­
sáveis pela formação de conceitos (pré-científicos); assim, é com grande difi­
culdade que representamos o mundo da experiência para nós mesmos, se não
contamos com a concorrência de interpretações conceituais firmemente
estabelecidas. Uma outra dificuldade é apresentada pela nossa linguagem,
compelida a trabalhar com palavras as quais são inseparavelmente ligadas
àqueles conceitos primitivos. Tais são os obstáculos encontrados ao tentar­
mos descrever a natureza essencial dos conceitos pré-científicos de espaço. 255
122
" B asta d e d izer
A Escalada do Homem a D eus o que
E le d ev e fa z e r .”
A lb e r t E in s te in e
N ie ls B o h r n a
S o lv e y C o n feren ce
de 1933.

N o d e c u r s o d e su a v id a E in stein lig o u lu z a te m p o e te m p o a
e sp a ç o ; e n e r g ia a m a té r ia , m a té r ia a e s p a ç o e e s p a ç o a g ra v ita ç ã o .
A o fim d e su a v id a a in d a tr a b a lh a v a n o s e n tid o d e te n ta r d e s c o ­
b rir a u n id a d e su b ja c e n te à g ra v ita çã o e às fo r ç a s m a n ife sta d a s
n a e le tr ic id a d e e n o m a g n e tism o . L e m b ro -m e d ele n e ssa fa se d e
sua a tiv id a d e, lec io n a n d o n a S e n a te H o u s e e m C a m b rid g e, tra­
jan d o seu v elh o su é ter e c a lç a n d o p a n tu fa s, s e m m eia s, te n ta n d o
nos co lo ca r a par d o tip o de r e la ç õ e s q u e h a v ia e n tr e a q u e la s
forças, b em co m o das d ific u ld a d e s q u e v in h a e n c o n tr a n d o em
e sta b e le c ê -la s.

O su é ter , as p a n tu fa s, a o je r iz a p a ra c o m m eia s e su sp en só rio s


n ã o c a r a c te r iz a v a m u m a a fe ta ç ã o . A n te s , a o v ê -lo a ssim trajad o,
n o s o c o r r ia à m e m ó r ia u m a rtig o d e fé d e w illia m B la k e: “ M a ld i­
tos s u s p e n s ó r io s ; a b e n ç o a d o r e la x a m e n t o ” . E le se a ju sta v a m a l
a, e m a l c o m p r e e n d ia , o su c e sso m u n d a n o , a r e sp e ita b ilid a d e e o
c o n f o r m i s m o ; a m a io r p a r te d a s v e z e s e le n ã o t in h a a m e n o r n o ç ã o
d o q u e se esp era va d e u m h o m em e m in e n te c o m o e le . O d ia v a a
g u erra , a c r u e ld a d e e a h ip o crisia ; m a s, a c im a d e tu d o , o d o g m a
lh e era in to le r á v e l — n o te -s e q u e ó d io é u m a p a la v r a im p r ó p r ia
para e x p rim ir a rep u lsã o e tr is te z a p o r e le e x p e r im e n ta d a s e m
r e la ç ã o a e ssa s c o isa s, u m a v e z q u e o p r ó p r io ó d io era, s e g u n d o
en te n d ia , u m a fo r m a d e d o g m a . R e c u so u -se a ser p resid en te d o
E s ta d o d e Israel s o b a a le g a ç ã o d e n ã o sa b er trata r d o s p r o b le m a s
h u m a n o s ; c r ité r io m o d e s to q u e, a d ota d o por o u tr o s c a n d id a to s
à p r e sid ê n c ia , d e ix a ria m u ito p o u c o s e le g ív e is.

F a la r sobre a e sc a la d a d o h o m em na presen ça de N e w to n e
E in ste in c h e g a a ser u m a im p e r tin ê n c ia : e le s c a m in h a m c o m o se
fossem d euses. D os d o is, N e w t o n rep resen ta o deus d o V e lh o
T esta m en to . E in stein é m a is um a p ersonagem d o N o v o T esta ­
m en to : h u m a n o , c o m p a s s iv o , irr a d ia n d o e n o r m e s im p a tia . P a ra
e le a n a tu r e z a é v is ta c o m o se u m ser h u m a n o estiv esse n a p re­
sen ça de u m deus. A d ora va fa la r sobre D eu s: “ D eu s n ão jo g a
d a d os” , “ D eu s não é m a lic io so ” , a tal p o n to que N ie ls B ohr
ch egou a lh e d ir ig ir a seg u in te observação: “ B a sta de d izer a
D e u s o q u e E le d e v e f a z e r ” , q u e , a b e m d a v e r d a d e , n ã o f o i m u it o
ju sta . E in ste in era h o m e m c a p a z d e fo r m u la r q u e s tõ e s e x tr e m a ­
m en te sim p le s, m o s tr a n d o a tra v és d e su a v id a e d e se u tr a b a lh o
que, quando as r e sp o sta s sã o ig u a lm e n te sim p le s, e n tã o o u v e -se
256 o p en sam en to d e D eu s.
8 EM BUSCA DE PODER

R e v o lu ç õ e s n ã o sã o c a p r ic h o s d o d e s tin o e sim r e a liz a ç õ e s d e h o ­


m e n s ; a lg u m a s v e z e s d e h o m e n s s o litá r io s , g en ia is. M a s as g r a n d e s
r e v o lu ç õ e s d o séc u lo X V III p o d em ser a tr ib u íd a s a h o m en s
com u n s cu jas força s fora m a p lic a d a s n u m a m esm a d ireçã o ; e
essa fo rça esta va baseada' na c o n v icçã o d e q u e c a d a ser h u m a n o
é s e n h o r d e su a p r ó p r ia sa lv a çã o .
A tu a lm e n te , a r e sp o n s a b ilid a d e so c ia l d a c iê n c ia e stá im p líc ita
em su as p r o p o s iç õ e s . E n tr e ta n to , essa id é ia e sta v a c o m p le ta m e n te
a u s e n t e d as c o g it a ç õ e s d e N e w t o n o u d e G a lile o . P a ra e le s, c iê n c ia
rep resen ta va u m a form a d e o r g a n iz a ç ã o d o c o n h e c im e n to , e su a
ú n ic a fu n ç ã o era a de e x p o r a v e r d a d e . A id é ia d e c iê n c ia c o m o
em p r e e n d im e n to so c ia l é recen te, su rg id a com a R e v o lu ç ã o
In d u stria l. A su rp resa q u e e x p e r im e n ta m o s a o n ã o en co n tra r esse
s e n tid o so c ia l a n te r io r m e n te , d e c e r ta fo r m a se p r e n d e a o fa to d e
e s ta r m o s p r o p e n s o s a o lh a r a R e v o lu ç ã o In d u stria l c o m o a c u l­
m in â n c ia d e u m a é p o c a áu rea.
C o n tu d o , a R e v o lu ç ã o In d u stria l se form a em um encadea-
m en to de m u d a n ç a s in ic ia d a s por v o lta d e 1 7 6 0 . E n ã o fo i u m a
tran sform açã o iso la d a : co m e la , d u a s o u tr a s r e v o lu ç õ e s fo r m a m
u m a tr ía d e so lid á r ia : a R e v o lu ç ã o A m e r ic a n a , in ic ia d a e m 177 5
e a R e v o lu ç ã o F r a n c e sa , in ic ia d a em 1789. P ode p arecer in a d e ­
q u a d o am arrar em um m e s m o p a c o te u m a r e v o lu ç ã o in d u str ia l e
duas r e v o lu ç õ e s p o lític a s; m as, na verdade, tod as três foram
r e v o lu ç õ e s so c ia is. A R e v o lu ç ã o In d u str ia l n ã o fo i s e n ã o a m a n e ir a
123 in g le sa de p rocessar tran sform açõ es so c ia is; ch a m o -a de R evo­
A m arca
p ecu lia rm en te lu ç ã o In g lesa .
in glesa da R e v o lu ç ã o O q u e a to r n a in g le sa ? O b v ia m e n te te v e s e u in íc io n a In g la terra ,
In d u strial é d a d a
n a ç ã o q u e já lid e r a v a a in d ú str ia m a n u fa tu r e ir a . E esta, em seu
p elas suas r a íz e s
p ro vin cia n as. in íc io , se c a r a c te r iz a v a por ser um a a tiv id a d e c a se ir a ; a ss im , a
" V ia d u to d a R ev o lu çã o In d u str ia l nasce nas v ila s. Seus p ro m o to res fora m
A m ê n d o a ”, p in ta d o
em 1844 p o r artesão s: m o le ir o s , r e lo jo e ir o s , c o n s t r u t o r e s d e c a n a is, fe r r e ir o s.
D a v id O c ta v iu s A m arca p e c u lia r m e n te in g lesa da R ev o lu çã o In d u stria l é d a d a
H iU , q u e
p o r su as r a íz e s p r o v in c ia n a s.
p o s te r io r m e n te se
to r n o u u m d o s D u ran te a p r im e ir a m eta d e d o séc u lo X V III, na v elh ice de
p io n e ir o s d o
N e w t o n , e n o d e c lín io d a R o y a l S o c ie ty , a In g la terra se a b a s te c e u
fo to & a fa ; m o s tr a a
p o n te d e s tin a d o a na ú ltim a flo r a d a d a in d ú str ia p r o v in c ia l e n o c o m é r c io u ltr a m a ­
s u p o r ta r a e s tr a d o r in o de m e r c a d o r e s a v e n tu r e ir o s. A flo r a d a e s tio lo u . N o c o m é r ­
d e f e r r o E d in b u r g h -
-G la s g o w . c io , a c o m p e tiç ã o c r escia . A o fim d o séc u lo as n e c e ssid a d e s 259
1 2 4

A Escalada do Homem O s tr a b a lh a d o r e s v iv ia m n a
p o b r e z a e n o o b scu ra n tism o .
A s p r im e ir a s f o to g r a fia s d a
v id a lU r a l c a u s a r a m c h o q u e .
E la s n e g a v a m to d o o
id ílio d a lU s tic id a d e .

in d u stria is e r a m p rem en tes. A o r g a n iz a ç ã o fa m ilia r d o tra b a lh o


já era im p r o d u tiv a . E m d u a s g e r a ç õ e s, m a is o u m e n o s e n tr e 1 7 6 0
e 1 8 2 0 , m u d a r a m -se a s n o r m a s c o m u n s d a a d m in istr a ç ã o in d u s­
tr ia l. A n ter io r m e n te a 1 76 0, os p ro d u tos eram en com en d a d os
a o s tra b a lh a d o r e s e m su a s p r ó p r ia s ca sa s. P o r v o lta de 1 8 2 0 , os
tr a b a lh a d o r e s já h a v ia m sid o tr a z id o s p a ra as fá b rica s, o n d e su a
a tiv id a d e era su p e r v isio n a d a .

S o n h o s , s o n h o s n o s s o s so b r e a v id a id ílic a d o cam p o d o sécu lo


X V III, u m p a r a íso p erd id o , co m o o d e scr ito p o r O liv e r G o ld -
sm ith , e m 1 7 7 0 , na obra A V ila D e s e r t a .

Auburn, a mais encantadora vila da planura


onde se alegra o campônio com saúde e fartura.
Feliz aquele que coroa, à sombra dessa vila,
A faina da juventude com velhice tranqüila.
E sse q u a d r o era u m a farsa. G e o r g e C r a b b e , s e n d o e le p r ó p r io u m
p a sto r p r o v in c ia l e, p o r ta n to , c o m u m c o n h e c im e n to d e p r im e ir a
m ã o d a v id a d o s h a b ita n te s d o s v ila r e jo s, e x p r e s s o u -s e a c r e m e n te ,
em u m a r e s p o s ta r e a lista , n a f o r m a d e u m p o e m a n o q u a l tran s­
p a rece a in d ig n a ç ã o p o r e le e x p e r im e n t a d a a o deparar co m ta is
d isto r çõ e s ro m â n tica s.

Pois é, as Musas cantam felizes camponeses


Porque nunca experimentaram os seus revezes.
Vencidos pelo trabalho e prostrados sob a dura sina
Quem se comove com a estéril bajulação de uma rima?
O cam p o e r a lu g a r d e tr a b a lh o d e s o l a so l, m a s o c a m p o n ê s
não d esfru ta v a de su a lu z e sim das so m b ra s da p o b reza . A s in o ­
v a ç õ e s p r o g r e ssista s d o tr a b a lh o a g r íc o la e r a m im e m o r ia is , c o m o
o m o in h o , já a n tig o n a é p o c a d e C h a u c e r (p o e ta in g lê s d o sé c u lo
X II). E a R e v o lu ç ã o In d u stria l c o m e ç o u c o m essa s m á q u in a s; o s
m o le ir o s seria m os e n g en h e ir o s d os tem p os v in d o u r o s. J a m e s
B r in d le y d e S ta ffo r d sh ir e n a sc e u e m u m a fa m ília p o b r e d o v ila ­
rejo e, e m 1 7 3 3 , a o s d e z e s s e te a n o s , in ic io u su a ca rreira c o n s e r ­
ta n d o ro d a s d e m o in h o .
A s c o n tr ib u iç õ e s d e B r in d le y fo r a m p rá tica s: a p r im o r a m e n to
e a u m e n t o d a p o t ê n c i a d a r o d a d ’á g u a , q u e f o i a p r i m e i r a m á q u i n a
a ser u tiliz a d a c o m u m a v a r ie d a d e d e p r o p ó s ito s p e la in d ú str ia
n a scen te. Por e x e m p lo , B r in d le y a p e rfe iç o o u a q u a lid a d e das
pedras de tr itu r a ç ã o , as q u a is c o n tr ib u ír a m para o d e sen v o lv i­
260 m e n to d a in d ú str ia d e lo u ça s.
A Escalada do Homem

A in d a a ssim , em 1 75 0, p a ir a v a no ar u m o u tro m ° v im e n t°
m a io r . A água h a v ia -se c o n v e r tid o n o e le m e n to p o r e x c e lê n c ia
d a e n g e n h a r ia , e h o m e n s ta is c o m o B r in d le y e s ta v a m fa sc in a d o s
por e la . Por tod o o cam p o e la o u jo r r a v a o u co rria a tra v és d e
ca n a is. N ã o era ap en as u m a fo n te d e força , era u m a n o v a o n d a
d e m o v im e n to . J a m e s B r in d le y foi um p io n e ir o na arte d a c o n s ­
tru ção de ca n a is, o u “ navegação” , co m o era en tão cham ada.
(T r a b a lh a d o r e s e m p r e g a d o s n a a b e rtu ra d e v a le ta s o u c a n a is a in d a
h o j e s ã o c h a m a d o s n a v ie s , e i s s o p o r q u e B r in d le y n ã o c o n s e g u i a
p r o n u n c ia r a p a la v r a n a v ig a to r . )
B r in d le y , por in ic ia tiv a p r ó p r ia , d e sin te r e ssa d a m e n te , h a v ia
c o m e ç a d o a fazer u m lev a n ta m e n to d a s v ia s h íd r ic a s , c o le t a n d o
d ad os em su a s a n d a n ç a s o b r ig a tó r ia s, a o p e r c o r r e r o s p r o je to s d e
e n g en h a r ia d e m o in h o s e m in e r a ç ã o . A c o n te c e , e n tã o , q u e , certa
fe ita , o D u q u e d e B r id g e w a te r o en ca rreg a d a c o n str u ç ã o d e u m
can al a ser u tiliz a d o p ara o tra n sp o rte d e carv ão , d e su as m in a s
a té a c id a d e n a sc e n te d e M a n ch ester. F o i u m p r o je to arro jad o ,
co m o se p od e co n sta ta r p ela d escriçã o dada em u m a carta a o
M e r c ú r io d e M a n c h e s te r e m 1763.
U l t im a m e n t e t e n h o c o n t e m p la d o a s m a r a v ilh a s a rtific ia is d e L o n d r e s e as
m a r a v ilh a s n a tu ra is d o P e a k , m a s n e n h u m a d a s d u a s m e d e u ta n to p r a z e r
c o m o a c o n te m p la ç ã o d o s c a n a is d e n a v e g a ç ã o d o D u q u e d e B r id g e w a te r .
O seu id e a liz a d o r e c o n str u to r, o e n g e n h o s o Sr. B rin d le y , d e tal m a n e ira
a p e r fe iç o o u essa arte, q u e n ã o p o d e m o s d e ix a r d e n o s su r p r e en d e r c o m o s
r e su lta d o s. E m B a r to n B rid g e e le c o n s tr u iu u m ca n a l n a v e g á v e l s u s p e n s o
n o ar, à a ltu r a d o s to p o s d as árvores. E n q u a n to in sp e c io n a v a o s ca n a is e m
u m esta d o de p ra zero sa a d m ira çã o , q u a tro e m b a r c a ç õ e s p a ssara m p o r m im
n o e sp a ç o d e três m in u to s, d u a s d e la s e n g a ta d a s u m a à o u tra , e p u x a d a s
p o r u m a p a relh a d e cav alos, m a r c h a n d o n o c a n te ir o às m a r g e n s d o can al,
p a ra o n d e , a m u it o c u s to m e a v e n tu r e i. . . a a n d a r, u m a v e z q u e q u a se p e r d i
o e q u ilíb r io a o c o n te m p la r o c a u d a lo s o r io Irw e ll c o r r e n d o s o b m e u s p és.
125
N a ju n ç ã o d o C o r n e b r o o k e c o m o can al d o D u q u e . . . cerca d e u m a m ilh a
O s can ais eram
d e M an ch ester, os agen tes d o D u q u e c o n stru íra m u m d e sem b a rca d o u ro
artérias de
on d e v en d em carvão a três pences e m eio
a c e sta . . . N o p r ó x i m o v e r ã o e le s com u n icaçã o: não
p la n e ja m estar e n tr e g a n d o e m (M a n c h e ste r ). eram con stru íd os
para b a r co s d e lazer,
Em seg u id a , B r in d le y se en trego u à lig a ç ã o de M a n ch ester a m a s, sim , para
L iv e r p o o l, em u m p r o je to a in d a m a is a r r o ja d o , q u e se d e s d o b r o u barcaças. Era u m
c o m é r c io p ro v in cia l
na con stru çã o de quase seiscen to s e c in q ü e n ta q u ilô m e tr o s d e Aqueduto junto à
exten são de ca n a is, c o n s titu in d o u m a rede que c o b ria tod a a Pont-Cysyltau, que
sustenta o canal
In g la terra . de Llangollen sobre
N a c r ia ç ã o d o siste m a in g lê s d e c a n a is d e s ta c a m -se d o is a s p e c to s o vale do rio Dee.
Desenhado por
típ ic o s d a R e v o lu ç ã o In d u stria l. O p r im e ir o m o s tr a q u e o s h o m e n s
Thomas Telford
262 r e sp o n sá v e is p e la r e v o lu ç ã o e r a m e m in e n te m e n te p r á tic o s . C o m o em 1 795.
w
....« r r f .«fímPlTin

íiiiiíd iiiiiiH
tfrV '
I
!
Em Busca de Poder

B r in d le y , n ã o e r a m m u it o in s t r u íd o s e, a liá s, a e s c o la tal c o m o era


en tã o só p o d e r ia em b o tar a c r ia tiv id a d e . L e g a lm e n te , a e sc o la
e le m e n ta r s ó e s ta v a a u to r iz a d a a e n s in a r a s m a té r ia s c lá ssica s, q u e
eram seu o b jetiv o o rig in a l. D a m esm a form a, a s u n iv e r sid a d e s
(h a v ia a p e n a s d u a s: O x fo r d e C a m b r id g e ) p o u c a a te n ç ã o d isp e n ­
savam a estu d os m o d ern o s o u m e s m o c ie n tífic o s , a lé m de serem
fe c h a d a s a o s n ã o -a d e p to s d a Igreja d a In g la terra .
O segu n d o asp ecto é n o rtea d o p ela c o n s ta ta ç ã o d e q u e to d a s
M e d a lh ã o d o D u q u e as n o v a s in v e n ç õ e s eram para u so im e d ia to . O s ca n a is r e p r e se n ­
d e B r id g e w a te r ,
tav am a rtéria s de c o m u n ic a ç ã o : esta v a fo ra d e seu s p r o p ó sito s
p o r J o s ia h
W edgw ood. s e r v ir e m d e le it o p a r a b a r c o s d e la z e r . A lé m d isso , as b a rca ça s n ã o
eram d e stin a d a s a o tran sp o rte de o b jeto s de lu x o , m a s , sim , d e
p o te s , p a n e la s, te c id o s , c o r d a s, e n fim , to d a s as c o isa s o rd in a r ia ­
m en te com p rad as n o v arejo p elo p o v o . E ssa s co isa s e r a m m a n u ­
fatu ra d a s n os v ila r e jo s, agora tom an d o p r o p o r ç õ e s d e c id a d e s,
a fa sta d a s de L on d res, e sta b e le c e n d o , dessa m a n eira , um a rede
d o c o m é r c io p r o v in c ia l.

N a In g la terra a te c n o lo g ia era u tü iz a d a n o in terio r, e m tod os os


q u a d r a n te s d o p a ís , m a s in d e p e n d e n te d a c a p ita l. T a l fa to e x p lic a
p o r q u e a te c n o lo g ia n ã o h a v ia s e n sib iliz a d o o s s o m b r io s r e c ô n d i­
tos d a s c o r te s e u r o p é ia s. Por e x e m p lo , o s fra n ceses e o s su íç o s
eram tão in telig e n te s q u a n to o s in g le se s (e m u it o m a is e n g e n h o ­
sos) na fa b rica çã o d e b r in q u e d o s c ie n tífic o s; m a s in te lig ê n c ia e
e n g e n h o s id a d e g a sta s na s o fis tic a d a a rte r e lo jo e ir a fo ra m d esp en ­
d id a s na m o n ta gem de b rin q u e d o s para d iv ersã o de c lie n te s
a b astad o s o u da fa m ília rea l. O s a u t ô m a t o s , n o s q u a is g a s ta v a m
a n o s d e tr a b a lh o , a in d a h o je c o n s t itu e m m o d e lo s d e c o o r d e n a ç ã o
de m o v im e n to s d os m a is r eq u in ta d o s de que se tem c o n h e c i­
m e n to . O s fran ceses fora m o s in v e n to r es da a u to m a ç ã o : isto é,
126 d a id é ia d e fazer c o m que u m a eta p a , u m a se q ü ê n c ia d e m o v i­
A á g u a j o r r a v a e se
esp alh ava por m en to s, c o n tr o le a seg u in te . M esm o o c o n tr o le m o d ern o de
tod o o cam p o . m á q u in a s p o r m e io d e c a r t õ e s p e r f u r a d o s já h a v ia s id o in v e n t a d o
C a r ic a tu ra f e i t a p o r
G e o r g e C r u ik s h a n k por J osep h Jacquard, por v o lta de 1 8 0 0 , p ara u so n o s teares d e
r e p r e s e n ta n d o u m a sed a de L y on , p erm a n ecen d o lim ita d o a esse e m p r e g o de lu x o .
r e u n iã o d e
A n tes d a r e v o lu ç ã o , h a b ilid a d e s r e q u in ta d a s c o m o essas p ro ­
a c io n is ta s d u r a n te
o boom de m o v ia m os h o m en s na França. O r e lo jo e ir o P ierre C a r o n , in v e n ­
c o n s tr u ç ã o d e c a n a is
ta n d o u m n o v o tip o d e m e c a n is m o d e b a la n c e a m e n to p a ra r e ló g io
n o fin a l d o s é c u lo
X V III. J a m es que agrad ou à R a in h a M a r ia A n to n ie ta , prosp erou na corte a
B r in d le y , o p o n to de torn a r-se o C on d e de B ea u m a rch a is. E ste h o m e m era
e n g e n h e ir o
a u to d id a ta , 1 7 7 0 . ta m b ém p o ssu id o r d e o u tro s ta le n to s , m u s ic a is e lite r á r io s, p o r 265
Em B u s c a de P o d e r

e x e m p lo . É d e su a a u to ria a peça n a q u al M o z a rt b aseo u a ó p e ra


A s b o d a s d e F íg a ro . E m b o ra u m a c o m é d ia p o ssa p a re c e r u m a
f o n te im p ro v á v e l d e o n d e se e x tra ia m fa to s d a h is tó ria so cial,
as in trig a s e x p o sta s n a q u e la p eça, e as g e ra d a s e m to r n o d ela,
d ã o u m a idéia d o tip o d e o c u p a ç ã o a q u e se e n tre g a v a m os
ta le n to s d as c o rte s e u ro p é ia s .
À p rim e ira v ista, A s b o d a s d e F íg a ro é u m a p e ç a fran ce sa p a ­
ra m a rio n e te s , re p le ta de secretas m a q u in a ç õ e s, m as, n a re a li­
d a d e , r e p r e s e n ta u m s in a l p r e c u r s o r d a te m p e s ta d e
re v o lu c io n á ria . B e a u m a rc h a is p o ssu ía u m fa ro p o lític o a p u ra ­
d o , c a p a z d e p e rc e b e r o q u e e stav a se n d o c o z in h a d o , de fo rm a
q u e p r o c u r o u c o m e r co m c o lh e r de c a b o lo n g o . E ra testa-de-
fe rro de v á rio s m in is tro s reais em u m a v aried ad e de tran saçõ es,
e n tre elas, a v e n d a secreta de a rm a s ao s re v o lu c io n á rio s a m e ri­
c a n o s em lu ta c o n tr a os ingleses. A o s o lh o s d o R ei, ele p o d e ­
ría estar re p re s e n ta n d o u m p a p e l de M a q u iav el, cujas
m a q u in a ç õ e s p o lític a s n ã o p assav am de a rtig o de e x p o rta ç ã o .
E n tr e ta n to , B e a u m a rc h a is e ra m u ito m ais sen sív el e a s tu to , e
re a lm e n te s e n tia a c h e g a d a da re v o lu ç ã o . A ssim , a m en sag em
tra n s m itid a a tra v é s d o serviçal F íg a ro é re v o lu c io n á ria .
Signor Naldi no pape/ de B rav o , S ig n o r P a d ro n e —
Fígaro. Estampa de teatro, A g o r a e s t o u c o m e ç a n d o a e n t e n d e r t o d o esse m is té r io , e p e r c e b e r suas g e n e r o sa s
feita por George Cruikshank
para o ' TheStage”, em 1818.
in ten çõ es. O R ei o n o m e ia E m b a ix a d o r em L on d res, eu o acom panho com o m en­
sag eiro, e m in h a S u sa n a c o m o a ssesso ra c o n fid e n c ia l. N ã o . M a c a c o s m e m o r d a m
127 se ela f o r - F íg aro n ã o c o n co r d a .
O s franceses e s u íç o s
d e s p e n d e r a m in t e l ig ê n c ia e A fa m o s a á ria d e M o z a rt, “ C o n d e , m e u C o n d e z in h o , vo cê
e n g e n h o s id a d e na fa b r i c a ç ã o
d e m e c a n is m o s d e r e lo j o a r ia
p o d e ir d a n ç a n d o , m a s q u e m faz a m ú s ic a so u eu ” (S e v u o l
p a r a c lie n te s a b a s t a d o s o u d a b a lla re , S ig n o r C o n tin o ...) é u m a am eaça. N a s p alav ras de B eau ­
fam ília real.
A utomatos construídos por m a rc h a is ela ap a re c e assim :
pai e fi/ho Jacquet-Dro;; em N ã o , m e u s e n h o r C o n d e , o s e n h o r n ã o p o d e fica r c o m ela , n ã o p o d e . P o r q u e o
1774; eram apreciados pelas s e n h o r é u m g r a n d e fid a lg o , p e n s a ser u m g r a n d e g ê n io . N o b r e z a , r iq u e z a , h o n r a ­
cortes reais do mundo todo. A
mão do escritor e mecanismos. r ia s , e m o l u m e n t o s ! T u d o i s s o t o r n a u m h o m e m t ã o o r g u l h o s o ! O q u e ° s e n h o r
Até m esm o o m o d ern o f e z p a r a a d q u i r i r t a n t o s p r i v i l é g i o s ? D e u - s e a o t r a b a l h o d e n a s c e i% n a d a m a i s . F o r a
c o n tr o le de m á q u i n a s a tr a v é s isso , o se n h o r é u m tip o b a sta n te o rd in á rio .
de c a r t õ e s p e r f u r a d o s foi Irr o m p e u u m d eb a te p u b lic o sob re a n a tu reza da f o r ^ n ^ e , c o m o n ã o é n e­
c o n c e b id o p o r J o s e p h M a r ie
cessá rio p o s s u ir a coisa a fim d e d iscu tir s o b r e a m e s m a , e s ta n d o , na r e a lid a d e,
J ac q u a r d , e m t o r n o d e 1 80 0, e
u s a d o n o s te ares d e s e d a de s e m to stã o , e screv i a r e sp e ito d o d in h e ir o e d e su a a p lic a ç ã o . Im e d ia ta m e n te ,
Lyon. Jacquard, retrato tecido e n c o n t r e i - m e c o n t e m p l a n d o . . . a p o n t e l e v a d i ç a d e u m a p r i s ã o ... B o b a g e n s i m p r e s ­
em seda cinza em um de seus sas s ã o p e r ig o s a s a p e n a s e m p a íses o n d e a liv re c ir c u la ç ã o é c o n tr o la d a ; s e m o d i­
teares. Os cartões de r e it o d e c r í t i c a , r e c o n h e c i m e n t o e a p r o v a ç õ e s p e r d e m o v a | o r .
Jacquard, mostrados no
detalhe, dividem as 400 fi/eiras T a is e ra m os s u b te rr â n e o s d a a tm o s fe ra c ° rte sã d a so c ie d a d e
de pinos em padrões
oré-programados. f ra n c esa, tã o fo rm a l q u a n to o s ja rd in s d o C h âteau de V ü la n d ry.
128
O filho da natureza vindo da
A E s c a la d a do H o m e m
floresta, Benjamin Franklin
coloca a coroa da liberdade: na
cabeça de Mirabeau,

A tu a lm e n te p a re c e in c o n c e b ív e l q u e a c e n a d o ja rd im d e A s
b o d a s d e F íg a ro , a á ria n a q u a l F íg a ro se re fe re ao seu s e n h o r
c o m o “ S ig n o r C o n t in o ” , C o n d e z in h o , te n h a sid o c o n s id e ra ­
d a re v o lu c io n á ria . M as é p re c is o n ã o e s q u e c e r a ép o c a em q u e
foi escrita. B e au m arc h a is te rm in o u de escrev er a p e ç a em 1780.
M ais q u a tr o a n o s de lu ta s c o n tr a u m a m u ltid ã o d e c e n s o re s
(e n tre eles o p r ó p r io L uís X V I) fo ra m n e c e ssá rio s p a ra tê-la
re p re s e n ta d a . A e n c e n a ç ã o e s c a n d a liz o u a E u ro p a . P a ra p o -
, d e r a p re se n tá -la em V ie n a , M o z a rt a tr a n s fo rm o u em ó p e ra .
M o z a rt c o n ta v a e n tã o trin ta an o s; e ra 1786. T rê s an o s m ais
ta rd e , 1789 — a R e v o lu ç ã o F ra n c e sa .
A q u e d a de L u ís X V I e su a d e c a p ita ç ã o te ria m sid o c a u sa ­
das p o r As b o d a s d e F íg a r o ? É c la ro q u e n ão ! A s á tira n ã o é
d in a m ite so cial. M as é u m te r m ô m e tr o so cial: m o s tra q u e u m
n o v o tip o d e h o m e m e stá b a te n d o à p o rta . O q u e le v o u N a 1
p o le ã o a c o n s id e ra r o ú ltim o a to d a p eça c o m o “ a re v o lu ç ã o
e m a ç ã o ” ? F o i o p r ó p r io B e a u m a rc h a is q u e , n a p e sso a de F í­
g a ro , a p o n ta p a ra o C o n d e e e x clam a : “ P o rq u e o s e n h o r p er-,
te n c e à a lta n o b re z a , o s e n h o r se p e n sa um g ê n io . A su a m a io r
re a liz a ç ã o n ã o foi se n ã o a d e n a s c e r” .
B e a u m a rc h a is re p re s e n ta v a u m a a ris to c ra c ia d ife re n te — a
dos tra b a lh a d o re s de ta le n to : os re lo jo e iro s d e su a é p o c a , os
p e d re iro s d o p assad o , os tip ó g ra fo s . P o r q u e ra z ã o M o z a rt se
e n tu s ia s m o u p e la peça? O a r d o r re v o lu c io n á rio re p re s e n ta d o
p elo m o v im e n to m a ç ô n ic o ao qual estav a filia d o , e p o r ele
g lo rific a d o n ’ A F la u ta M á g ic a . (A M a ç o n a ria e ra , e n tã o , u m a
so c ie d a d e s e c re ta em ascen são , c o m te n d ê n c ia s lib e ra is e an ti-
clericais, o q u e c u s to u ao s a m ig o s de M o z a rt, p o rq u e su a fi­
liação e ra c o n h e c id a , g ra n d e d ific u ld a d e e m tr a z e r u m p a d re
p a ra ju n to de seu le ito d e m o rte em 1791.) N o te -s e q u e o m a-
ç o m m ais e m in e n te d a q u e la é p o c a e ra o tip ó g ra fo B e n ja m rn
F ra n k lin , em issário a m e ric a n o ju n to à c o rte de L u ís X V I, q u a n ­
d o A s b o d a s d e F íg a ro fo i e n c e n a d a p e la p rim e ira v ez. E ele,
m a is d o q u e q u a lq u e r o u tr o , re p re s e n ta a q u e la c a te g o ria d e
h o m e n s p ro g ressistas, ten azes, c o n fia n te s, p e rsiste n te s, re s p o n ­
sáv eis p ela c o n s tru ç ã o d a n o v a era.
E m p rim e iro lugar, B en jam in F ra n k lin tin h a u m a tre m e n d a s o r-
te. Q u a n to ia a p resen tar suas credenciais à C o rte F ran cesa em 1778,
a p e ru c a e as ro u p a s p ro to c o la re s e ra m p e q u e n a s d em a is p a ra ele.
A rro ja d a m e n te a p resen to u -se d e cab eça d esco b erta, e foi im ediata-
268 m e n te ac la m a d o c o m o o filh o d a n a tu re z a v in d o d a flo re sta .
129
B e n ja m in F r a n k lin r e p r e se n ta a q u ela c a teg o ria d e h o m e n s p ro gressistas,
te n a z e s , c o n fia n te s , p ersisten tes, r e sp o n sá v e is p ela c o n str u ç ã o
da n o v a era.
B e n ja m in F r a n k lin . p o r J o s e p h D u p le s s is , p in t a d o e m P a r is e m 1 7 7 8 .
Em Busca de Poder

T o d a s as su a s a ç õ e s tr a z ia m a esta m p a de u m h o m em que nã0


só c o n tr o la sua m en te, co m o sabe c o m o e x p r e ssá -la . S e u P oor
R i c h a r d ’s A l t n a n a c k , p u b lic a d o a n u a lm e n te , c o n té m a m a té r ia ­
-p r im a p a ra o s fu tu r o s p r o v é r b io s : “ F o m e n ã o c o n h e c e p ã o r u im ” .
“ Se você q u iser sa b er o v a lo r d o d in h e ir o , te n te p e d i-lo e m p r e s ­
ta d o .” A r e s p e ito d e su a p u b lic a ç ã o , F r a n k lin e sc r e v e u :

M eu Almanaque foi publicado pela primeira vez em 1732. . . empreendh


mento por mim continuado durante cerca de 25 anos. . . Pretendi mantê-l0
tão interessante quanto útil, o que aparentemente foi conseguido, a julgar
pela aceitação e conseqüente lucro obtidos; perto de dez mil exemplares
eram vendidos anualmente. . . praticamente todas as comunidades da pro­
víncia o conheciam. Era o veículo adequado à transmissão de instruções
ao povo que não comprava nenhum outro livro além desse.
A os c é tic o s em r e la ç ã o à u tilid a d e das novas in v e n ç õ e s (a
o ca siã o foi p r o p ic ia d a d u ra n te a su b id a d o p r im e ir o b a lã o de
h id r o g ê n io , em P a r is, n o an o de 1 78 3), F r a n k lin resp o n d ia :
“ Q ual a u tilid a d e de um bebê recém -n a scid o ? ” . S eu caráter se
ex p rim e n essa resp o sta : o tim ista , terra-a -terra, p ie d o s o e m e m o ­
rável o b a sta n te a p o n to d e ser n o v a m e n te r e p e tid o , n o sé c u lo
seg u in te, p o r u m c ie n tista m a io r , M ic h a e l F a r a d a y . F r a n k lin e sta ­
va sem pre a ten to à m a n eira p ela qual os p en sam en tos eram
exp ressos. F ez, para seu p r ó p r io uso, o p r im e ir o par de len tes
b ifo c a is , se r r a n d o su a s le n te s p ela m e ta d e , p o r q u e n ã o c o n se g u ia
e n te n d e r o fran cês n a co rte a n ã o ser q u e a co m p a n h a sse a ex p res­
sã o fa cia l d e q u e m fa la v a .
H o m en s d o tip o de F r a n k lin são a p a ix o n a d o s p e lo c o n h e c i­
m en to ra cio n a l. I n v e n ta r ia n d o a m o n ta n h a d e r e a liz a ç õ e s c o n s e ­
g u id a s d u ra n te sua v id a , e sp a lh a d a s em p a n fle to s, ca rica tu ra s,
tip o s de im p ressã o , c o n sta ta m o s a a m p lid ã o e a r iq u e za d e su a
m e n t e c r ia d o r a . A d iv e r s ã o c ie n tífic a d a m o d a era a e le tr ic id a d e .
F r a n k lin era b r in c a lh ã o (se n d o m e s m o im p e r tin e n te ), m a s to m o u
a sér io a e le tr ic id a d e , r e c o n h e c e n d o -^ c o m o u m a fo r ç a n a tu ra l.
P ropôs q u e o ra io d o tr o v ã o era d e v id o à e le tr ic id a d e e o p r o v o u
em 175 2. Q ue e x p e d ie n te u m h o m em co m o e le u sa ria p a ra tal
fim ? — sim p le sm e n te d ep en d u ran d o u m a c h a v e e lé tr ic a e m um
p a p a g a io e m p i n a d o d u r a n t e u m a t e m p e s t a d e . S e n d o ele F r a n k lin ,
a so r te lh e fo i b e n é v o la : o e x p e r im e n to n ã o o m a to u , m a s a p en a s
à q u e le s q u e ten ta ra m r e p e ti-lo . E v id e n te m e n te , p r o v a d ° ° f e n ô ­
m e no, este fo i lo g o tran sform ad o em u m a in v e n ç ã o p r á tica — o
p á ra -ra io . C o n tr ib u iu ta m b ém co m im p o r ta n te e sc la r e c im e n to 271
A Escalada do Homem

p ara a te o r ia d a e le tr ic id a d e , n o s e n tid o d e m o str a r su a u n ifo r ­


m id a d e, d e sm e n tin d o a c r e n ç a d a e x istê n c ia d e d o is flu id o s.
P o d e m o s o b serv a r m a is u m a v e z , a p r o p ó s ito d a in v e n ç ã o d o
p á ra -ra io s, que a h istó r ia so c ia l p od e se escon d er em lu g a r es
in esp era d o s. F r a n k lin r a c io c in o u correta m en te que o p á ra -ra io s
seria m a is e fic ie n te se tiv e ss e a p o n t a a g u d a . I sso f o i c o n t e s t a d o
p o r a lg u n s c ie n tista s fa v o r á v e is a u m a p o n ta esfé r ic a ; e a R o y a l
S o c ie ty d a In g la terra fo i e n c a r r e g a d a d e ssa a rb itr a g e m . E n tr e ta n ­
to, a q u estão fo i r e so lv id a e m in stâ n c ia m a is p rim á ria , e m b o r a
m a is e m in e n te : O R e i G e o r g e III, fu r io s o c o m a r e v o lu ç ã o a m e ­
r ic a n a , o r d e n o u q u e a s p o n ta s d o s p á r a -r a io s d o s e d ifíc io s r e a is
fossem esférica s. In te rfe r ê n c ia s p o lític a s na c iê n c ia são quase
s e m p r e tr á g ic a s: e sse e p is ó d io c ô m ic o r iv a liz a c o m a q u e le d e s c r ito
em A s V ia g e n s d e G u lliv e r s o b r e a g u e r r a e n t r e o s “ d o is g r a n d e s
I m p é r io s d e L illip u t e B le fu s c u ” p o r q u e b r a r e m o s o v o s, n o café
d a m a n h ã , u n s p ela p o n ta lo n g a , o u tr o s p e la r o m b a .
F r a n k lin e seu s a m ig o s v iv ia m a c iê n c ia ; e la e sta v a c o n s t a n t e ­
m en te em seus p en sam en tos e, m a is freq ü en tem en te, em suas
m ãos; para e le s, en ten d er a n a tu reza era u m p ra zer p rá tico e
in ten so . E ram h o m en s so c iá v eis: F r a n k lin a g ia sem pre co m o
p o lític o , quer im p r im in d o p a p e l-m o e d a , quer e d ita n d o seus
in te r m in á v e is e e sp ir itu o so s p a n fle to s. E su a p o lític a era tã o d ireta
q u a n to seu s e x p e r im e n to s. E lim in o u o s flo r e io s d a a b ertu ra d a
D e c la r a ç ã o d a In d e p e n d ê n c ia , to r n a n d o -a u m a a fir m a ç ã o sim p le s
d e c o n fia n ç a : “ E n t e n d e m o s e ss a s v e r d a d e s c o m o a u to -e v id e n te s ,
q u e to d o s o s h o m e n s sã o c r ia d o s ig u a is” . A o e c lo d ir a g u erra e n tr e
o s r e v o lu c io n á r io s a m e r ic a n o s e a In g la terra , e sc r e v e u a b e r ta m e n ­
te a u m p o lít ic o in g lê s, q u e tiv e r a p o r a m ig o , a s s e g u in te s p a la v r a s
fla m e ja n te s:
130
T o m P a in e, u m
con testad or na
Vocês começaram a incendiar nossas cidades. Reparem em suas mãos: elas A m érica e na
estão manchadas com sangue de parentes seus. In glaterra,
p ro ta g on ista d e
A s irr a d ia ç õ e s v er m e lh a s d o b ra seiro in c a n d e sc e n te torn a m -se, O s D ir e ito s d o
H om em .
n a In g la terra , a im a g e m d a n o v a era — p resen te n o s ser m ã o s d e P a in e f o i s a tir iz a d o
Joh n W e sle y e na fo rn a lh a d os céus da R e v o lu ç ã o In d u stria l, p o r J a m e s G illr a y
p o r te n ta r v e s tir a
c o m o d a p a isa g e m fla m e ja n te d e A b b e y d a le e m Y o r k sh ir e , c e n tr o B r ita n n ia c o m a
p io n e ir o n o s n o v o s p r o ce sso s d e fa b rica çã o d e ferro e d e a ço . O s in d u m e n tá r ia d a
R e v o lu ç ã o F ran cesa.
s e n h o r e s d a in d ú str ia e r a m o s m e s tr e s-fe r r e ir o s : fig u r a s p o d e r o s a s , (O p a i d e P a in e tin h a
quase so b ren a tu ra is, d e m o n ía c a s que, com razão, d avam aos s id o fa b r ic a n te d e
c o r p e te s d e
g o v e r n a n te s a im p r e ssã o d e q u e a cr e d ita v a m r e a lm e n te q u e to d o s
272 os h o m en s nascem ig u a is. O s tr a b a lh a d o r e s n o n o rte e n o o este
T h e tfo r d em
N o r fo lk .)
A Escalada do Homem

já n ã o e r a m la v ra d o res, fo r m a v a m a g o r a u m a c o m u n id a d e in d u s ­ 131
M estres-ferreiros
tr ia l. T i n h a m de ser p a g o s e m m o ed a e não em esp écie; en tre-
com o John
m en tes, o govern o cen tral em L ondres d e sco n h e c ia o se n tid o W ilk in so n cu n h a va m
seu s p ró p rio s vales
d e ssa tr a n sfo r m a ç ã o . R e c u sa v a -se , p o r e x e m p lo , a c u n h a r m a io r
salariais,
q u a n tid a d e d e m o e d a s, d e m o d o q u e m estres-ferreiro s c o m o J o h n e sta m p a n d o n eles
W ü k in so n p assaram a c u n h a r s u a s p r ó p r ia s m o e d a s - v a le sa la r ia is, su as fa c e s p leb éia s.
T o k e n d e W i lk in s o n ,
tra zen d o im p ressa s n ela s suas fa c e s p le b é ia s. O a la r m e c h e g a a 1788.
L ondres: ser ia isso in d íc io d e u m c o m p lô . M as não é m e n o s ver­
dade que in v e n ç õ e s r a d ic a is se o r ig in a m e m c é r e b r o s r a d ic a is. O
p r im e ir o m o d e lo d e estru tu ra d e ferro p ara p o n te s, e x ib id o e m
L o n d res, foi p r o p o sto p or T o m P a in e , c o n te s ta d o r n a A m é r ic a e
n a In g la te r r a e p r o ta g o n is ta d e O s D ir e ito s d o H o m e m .
N esse Ín terim , o ferro fu n d id o e sta v a s e n d o u s a d o d e m a n e ir a
r e v o lu c io n á r ia p o r m estres-ferreiro s com o J oh n W ilk in so n . E ste 1 32
O s m o n u m e n to s da
c o n str u iu o p r im e ir o barco de ferro e m 1 7 8 7 , v a n g lo r ia n d o -se R e v o lu ç ã o In d u strial
de que n e le seria c a r r e g a d o s e u c a ix ã o q u a n d o m o r r e ss e . N a v e r ­ osten tam um a
g ra n d io sid a d e
d ad e, fo i en terrad o e m c a ix ã o d e ferro e m 1 8 0 8 , e o barco nave­ rom ana, um a
gou sob u m a p on te de ferro a q u a l W ilk in so n h a v ia a ju d a d o a g ra n d io sid a d e
r e p u b lica n a .
co n stru ir, em 1 77 9, nos arredores da c id a d e la de S h ro p sh ire; A p eq u e n a p o n te
a in d a h o je a p o n te é c h a m a d a Iro n b rid g e (P o n te d e F erro ). ju n to à
C o a lb r o o k d a le , a
M a s, c h e g o u a a r q u ite tu r a d o fe r r o a r iv a liz a r a a r q u ite tu r a d a s p r im e ir a g r a n d e
C a ted ra is? S im . E ssa ép o ca fo i h e r ó ic a . T h o m a s T e lfo r d se n tiu e x te n s ã o d e fe rr o a
s e r e rig id a s o b r e
isso , a o a m p lia r a p a is a g e m c o m ferro . N a s c id o p a sto r d e o v e lh a s
o S evern , e n tre
e p o b r e , tr a b a lh o u d e p o is c o m o p e d r e ir o d ia r ista e, p o r in ic ia tiv a 1 7 7 5 e 1 779.
Em Busca de Poder

p r ó p r ia , to r n o u -s e e n g e n h e ir o d e e str a d a s e ca n a is, e a m ig o d o s
p o eta s. O g ra n d e a q u e d u to q u e s u ste n ta o c a n a l L la n g o lle n so b r e
o r io D e e , p o r e le c o n s t r u íd o , a te s ta s u a m a e str ia n o u s o d o fe r r o
fu n d id o em larga e sc a la . O s m o n u m e n t o s d a R e v o lu ç ã o In d u stria l
e x ib e m um a g r a n d io sid a d e r o m a n a , g r a n d io s id a d e r e p u b lic a n a .
Em Busca de Poder

O s co n stru to res da R ev o lu çã o In d u stria l sã o p in ta d o s c o m o im ­


p e rtu rb á v eis h o m e n s de n e g ó c io , se m n e n h u m a o u tra m o tiv a ç ã o
senão o p r ó p r io in ter e sse . C erta m en te, isso n ã o é c o r r e to . P or
u m la d o , p o r q u e m u ito s d eles e r a m in v e n to r es q u e en tra ra m para
o s n e g ó c io s p o r e s s a v ia , e p o r o u t r o la d o p o r q u e a m a io r ia d e le s
n ã o p e r te n c ia à Ig reja d a I n g la te r r a e, s im , a u m a tr a d iç ã o p u r ita n a
d o tip o U n it a r ia n o o u sim ila r . J o h n W ilk in s o n e s ta v a s o b a fo r te
in flu ê n c ia de seu cu n h a d o Josep h P riesd ey , qu e se to r n o u um
q u ím ic o fa m o s o , m a s era, a n te s d e tu d o , M in istro U n ita r ia n o e
p r o v a v e lm e n te p io n e ir o d o p r in c íp io “ m a io r fe lic id a d e para o
m a io r n ú m e r o ” .
Josep h P riesd ey por sua vez era c o n se lh e ir o c ie n tífic o de
J o sia h W ed g w o od . P o is b em , W ed g w o od é h a b itu a lm e n te le m ­
brado co m o o fa b rica n te d e m a r a v ilh o s o s ser v iç o s d e lo u ç a p a ra
a a risto cra cia e r ea leza , o q u e e le r e a lm e n te fez, m as e m raras
o ca siõ es, q u a n d o r e c e b ia en com en d a s. Por e x e m p lo , em 1774
fa b ric o u u m co n ju n to d e lo u ç a d e c e r c a d e m ü p e ç a s r ic a m e n te
decoradas para C a ta rin a a G r a n d e , d a R ú ssia , q u e c u s to u d u a s
m il lib r a s — e n o r m e q u a n tia d e d in h e ir o p a r a a é p o c a . E n tr e ta n to ,
a base d a q u e le s o b jeto s de m esa era sua c e r â m ic a o rd in á r ia ,
crea m w a re; sem a d e c o r a ç ã o , as m il p e ç a s c u sta r ia m m en o s de
c in q ü e n ta lib r a s, com as m esm as form as e q u a lid a d e das de
P ir ô m e tr o d e
C a ta rin a a G ran de, m as sem os crom os id ílic o s. O crea m w are
J o s ia h W e d g w o o d ,
q u e lh e v a le u a qu e o torn o u fam oso e próspero não era p o r c e la n a e sim u m a
e le iç ã o p a r a F e l l o w
a rg ila b r a n c a p a r a c e r â m ic a , d e u s o co m u m . O h o m em das ruas
d a S o c ie d a d e R e a l
d e L o n d res. p o d ia com p rar essas peças por cerca de u m s h illin g cada um a.
C o m o tem p o , fo i isto que tran sform ou as c o z in h a s d a c la sse
tr a b a lh a d o r a d a R e v o lu ç ã o In d u stria l.
W e d g w o o d era u m h o m e m ex tra o rd in á rio : in v e n tiv o , e m sua
p r o fis s ã o , é c la r o , e t a m b é m em to d a s as té c n ic a s c ie n t íf ic a q u e
p u d essem a p erfeiço a r sua a rte. In ven to u u m m e io de m ed ir a
t e m p eratu ra no in ter io r do fo r n o , u s a n d o u m a e s p é c ie d e e sc a la
d e sliza n te por exp an são , na qual um a p e ç a -te ste d e c e r â m ic a se
m o v ia . A m e d iç ã o d e a lta s te m p e r a tu r a s era u m p r o b le m a a n tig °
133 e d e d ifíc il s o lu ç ã o q u e in ter e ssa v a s o b r e m a n e ir a as in d ú s tr ia d e
O crea m w a re que
torn o u W e d g w o o d m e ta l e c e r â m ic a ; p o rta n to (d en tro d o co n tex to d a é p o c a ), foi
fam oso tra n sfo n n o u j u s t a a e le iç ã o d e W e d g w o o d p a ra a R o y a l S o c ie ty .
as cozin h a s da
J o s ia h W e d g w o o d n ão e ra e x c e ç ã o , h a v ia d e z en a s d e h o m e n s
classe tr a b a lh a d o r a
na R ev o lu çã o c o m o e le . N a r e a lid a d e , fa z ia p a r te d e u m gru p o de cerca de d o ze
Industrial.
h o m e n s, a S o c ie d a d e L unar de B ir m in g h a m (B ir m m g h a m a in d a
L o u ça d e cerca
de 1780. era u m a g lo m er a d o de d istr ito s in d u stria is), a ssim ch am ad a por 277
Em Busca de Poder

e le s p r ó p r io s d e v id o ao fato de os en con tro s se darem n a lu a


c h e ia . Para h o m en s c o m o W ed g w o od , que v in h a m de lu ga res
r e la tiv a m e n te a fa sta d o s d e B ir m in g h a m , essa era u m a m e d id a d e
s e g u r a n ç a , p o is p o d ia m c r u z a r e str a d a s d e so la d a s, p e r ig o sa s,.e m
n o ite s escu ra s.
N o en ta n to , W ed g w o o d n ã o e r a o in d u s tr ia l m a is im p o r ta n t e
da reg iã o : essa d istin ç ã o c a b ia a M a tth e w B o u lto n , q u e tr o u x e
J am es W att para B irm in g h a m p orq u e aí p o d e r ia m co n stru ir a
m á q u in a a v a p o r. B o u lto n adorava con versar sobre m éto d o s de
m e d id a ; d iz ia q u e a n a tu r e z a o h a v ia d e s tin a d o à e n g e n h a r ia a o
fa z ê -lo n a sc e r n o a n o d e 1 7 2 8 , s e n d o e sse o n ú m e r o d e p o le g a d a s
W edgw ood, p o r c ú b ica s em u m p é c ú b ic o . A m e d ic in a ta m b é m ocu pava u m lu ga r
G e o rg e S tu b b s .
im p o r ta n te n a q u e le gru po, p o sto q u e g ra n d es a v a n ço s esta va m
sen d o c o n se g u id o s n esse c a m p o . O D r. W illia m W ith er in g d e s c o ­
b riu o u so d os d ig itá lic o s em B irm in g h a m . U m o u tro m éd ico ,
p e r te n c e n te à S o c ie d a d e L u n a r e cu ja fa m a p ersistiu , f o i E ra sm u s
D a r w in , a v ô d e C h a rles D a r w in . O o u tr o a v ô ? J o sia h W e d g w o o d .
S o c ie d a d e s ta is c o m o a S o c ie d a d e L u n a r r e p r e se n ta m o e sp ír ito
d os con stru to res da R e v o lu ç ã o In d u stria l (u m e sp ír ito m u ito
in g lê s) d e q u e e le s tin h a m r e s p o n s a b ilid a d e s so c ia is. A o c h a m á -lo
e sp ír ito e sse n c ia lm e n te in g lê s c o m e te -s e u m a in ju stiça ; a S o c ie ­
dade L unar so fr ia grande in flu ê n c ia da p a rte de B e n ja m in
F r a n k lin e d e o u t r o s a m e r ic a n o s a e la a s s o c ia d o s . O q u e a m a n t i­
nha era u m a to s im p le s d e fé: u m a b o a v id a c a r a c te r iz a -se p o r
a lg o m a is d o q u e d e c ê n c ia m a t e r ia l; m a s u m a b o a v id a d e v e e s ta r
b a s e a d a n a d e c ê n c ia m a te r ia l.

P a ssa ra m -se cem an os a té que o s id ea is d a S o c ie d a d e L unar se


torn assem r e a lid a d e na In g la terra v ito r ia n a . Q u a n d ° ch eg ° ^ a
r e a lid a d e p a r ec ia lu g a r-co m u m , m esm o c ô m ic a , tal q u a l um a
p in tu r a v ito r ia n a em u m cartã o p o sta l. É c ô m ic o p e nsar q ue
134
J o sia h W e d g w o o d rou p as ín tim a s de a lg o d ã o e o sabão cau saram tão p ro fu n d a
era um h o m em tra n sfo rm açã o na v id a da p o p u la ç ã o pobre. C o n t u d o , c o isa s
extraord in ário:
in ven tivo , e m sua sim p les c o m o essa s, e m a is, ca rv ã o em fo g ã o d e fe r r o v id r o n a s
p ro fissã o, é cla ro , e ja n ela s, a lim e n to s à e sc o lh a , sig n ific a r a m um a m a r a v ilh o sa e le ­
ta m b ém em tod as
vação n o s p a d r õ e s d e v id a e d e s a ú d e . J u lg a d o s s e g u n d o c r ité r io s
as técn ica s
cien tífica s q u e a tu a is, os d istrito s in d u str ia is eram fa v e la s, m as p ara a q u eles
pudessem
e g resso s d e p a lh o ç a s, u m a casa r e p r e se n ta v a lib e r ta ç ã o d a f o m e ,
a p e rfe iç o a r su a arte.
C u id a d o sa c o le ç ã o d a su j e ira e das d oen ças; e la o ferecia u m a in fin id a d e d e n o v a s
de p ad rõ es d e cores o p o r tu n id a d e s. O q u a r to d e d o r m ir c o m u m t e x t o r e lig io so p e n ­
d e J o s ia h
W edgw ood, 1 776. d u rad o na p ared e p o d e n os p arecer en g ra çad o o u m e sm o p a té tic o , 2 7 9
A Escalada do Homem

m as para a d o n a-d e-ca sa da c la sse tra b a lh a d o ra rep resen ta va a


p r im e ir a e x p e r iê n c ia d e v id a p riv a d a d e c e n te . P r o v a v e lm e n te , a
cam a co m estra d o de ferro sa lv o u m a is m u lh e r e s d e in fe c ç õ e s Token de uma
p u e r p e r a is d o q u e a m a la p r e ta d o d o u to r , p o r si só , u m a in o v a ­ fábrica, mostrando a
máquina a vapor
ção m é d ic a d a ép o ca . de Watt, 1786.
E sse s b e n e fíc io s v ie r a m co m o c o n se q ü ê n c ia d a p ro d u ç ã o em
m a s s a d a s fá b ric a s. E o s is te m a fa b ril e r a h o r r e n d o ; o s m a n u a is
e sc o la r e s o descrevem c o r r e ta m e n te . M a s o h o r rív el fo i h e r d a d o
135
de o u tro s siste m a s tr a d ic io n a is. A s m in a s e o fic in a s e r a m in sa ­ M a tth ew B o u lto n
lu b r e s, s u p e r lo ta d a s e tir â n ic a s, m u ito a n te s d a R e v o lu ç ã o I n d u s ­ con stru iu u m a
fáb rica lu x u o sa .
tr ia l. A s fá b ric a s sim p le sm e n te m a n tiv era m o padrão, de há "A qui eu vendo,
m u ito v ig en te nas in d ú str ia s p r o v in c ia is, d e d e s c a s o im p ie d o s o m e u s e n h o r , a q u ilo
que tod o o m u n d o
para com a q u e le s q u e n e la tr a b a lh a v a m .
deseja p o ssu ir -
A p o lu iç ã o cau sada p ela s fá b rica s tam b ém não era a ssu n to p o tên c ia .”
novo; m in a s e o fic in a s tr a d ic io n a lm e n te degradavam os seus
A famosa Soho
Foundry de
r e sp e c tiv o s a m b ien tes. P en sam os em p o lu iç ã o a m b ien ta l c o m o Matthew Boulton
se fosse u m a desgraça m oderna, m as essa é ap en as u m a o u tra e James Watt em
Birmingham: "Da
fo r m a d e m a n ifesta çã o d a só r d id a in d ife r e n ç a p a ra c o m a saúde Arte, da Indústria e
e a d e c ê n c ia , q u e n o s sé c u lo s p a ssa d o s c o n v id a v a m a P este para da Sociedade fluem
Grandes Bênçãos”.
su a v isita a n u a l.
Certificado de
! E n tr e ta n to , o h o r rív el d a fá b rica fo i a in tr o d u ç ã o d e u m m al Seguro de Trabalho
mostrando o prédio
i d e o u tra o rd em : a su b o rd in a çã o d o h o m e m
n as. P ela p r im e ir a v e z , o s tr a b a lh a d o r e s e r a m c o n d u z id o s s o b as
a o r itm o d as m á q u i­
da fábrica.
ordens de u m r e ló g io im p e sso a l: p r im e ir o d a e n e r g ia h id r á u lic a ,
e d e p o is d a d o v a p o r . A n ó s n o s p a r e c e d e sv a r io (e e ra u m desva-
rio ) o f a t o d e o s o p e r á r io s s e r e m i n t o x ic a d o s p e lo s c o n t í n u o s j a t o s
de vapor das c a ld e ir a s. P reg av a-se u m a n ova é tic a na qual o
p e c a d o c a p ita l n ã o era m a is o v íc io ou a c r u e ld a d e m a s, sim , a
p r e g u iç a . A té as e sc o la s d o m in ic a is a d v e r tia m as c r ia n ç a s d e q u e
S a tã sem p r e e n co n tra m a le fíc io s
P a ra m ã o s d e s o c u p a d a s re a liz a r e m .
136
A m u d a n ç a d a e sc a la d o t e m p o in tr o d u z id a p e la s fá b ric a s fo i P assaram -se c e m
c r u e l e d e stru tiv a , m a s a m u d a n ç a d a e sc a la d e p o d e r a b r iu c a m i­ a n o s a té q u e o s
id eais d a S o c ie d a d e
n h o para o fu tu ro . P o r e x e m p lo , o M a tth e w B o u lto n d a S o c ie d a d e L u n a r se torn a ram
L unar c o n stru iu u m a fá b rica lu x u o sa , u m a vez que o tip o de rea lid a d e n a
In glaterra v itorian a.
tra b a lh o e m m e ta l p o r e le p r o d u z id o d e p e n d ia d a h a b ilid a d e d e Q u a n d o isso
artesão s. E foi aí que J a m es W att v e io c o n str u ir o d eu s-so l de aconteceu, a
realid a d e se
tod o o p o d er, a m á q u in a a v a p o r, ú n ico lu ga r o n d e p o d e r ia e n ­
apresentou co m o
c o n tr a r p a d r õ e s d e p r e c isã o n e c e ssá r io s a o s a ju ste s d e seu in v e n to . u m lu ga r-co m u m ,
cô m ic a m esm o .
E m 177 6 M atth ew B o u lto n e x u lta v a d e e n tu sia sm o p e la su a
Interior de um
280 a sso cia çã o co m J a m e s W a tt. N e s s e m e s m o a n o d e c la r o u g ra n d i- chalé em 1896.
' «llUKbfl
./■ mu

|r JJ*> •.»)j i j o v :
\{ im i!^ ü |su p u | i j y i n i u j
V a s\,

■ **.*3 »
1 37 .
O n o v o con ceito da
A Escalada do Homem natureza c o m o fo n te d e
en ergia c o lh e u -o s
c o m o u m a tem p estad e.
U m a f o r n a lh a , c e r c a
d e 1 790.

lo q ü e n te m e n te a o b ió g r a fo J a m e s B o sw e ll: “ A q u i e u v e n d o , m e u
se n h o r , a q u ilo que to d o o m u n d o d e seja p o ssu ir - p o tê n c ia ” .
L in d a frase! E v erd a d eira ta m b é m .

P o tê n c ia torn a -se u m a n o v a p r e o c u p a ç ã o , e m u m c e r to sen tid o ,


u m a n o v a id é ia d a c iê n c ia . A R ev o lu çã o In d u stria l, a r e v o lu ç ã o
in g le sa , rev e lo u -se u m a g ra n d e d e sc o b r id o r a d e fo n te s d e p o tê n ­
c ia . F o n tes de en e r g ia eram buscadas na n a tu reza : v e n to , so l,
á g u a , v a p o r , ca rv ã o . R e p e n tin a m e n te u m a p e r g u n ta se c o n cretiza :
P o r q u e r a z ã o to d a s e la s f a z e m a m e s m a c o isa ? Q u e r e la ç ã o e x is t e
en tre e la s, en tão ? E ssa p e r g u n ta ja m a is h a v ia sid o fo r m u la d a
a n terio rm en te. A té aqui a c iê n c ia h a v ia -se p reocu p ad o c o m a
n a tu reza , m as a p en a s e x p lo r a n d o sua c o n stitu iç ã o . M a s, a g o ra , a
co n cep çã o m od ern a de se p o d e r tra n sfo rm a r a n a tu reza , a fim
d e e x tr a ir d ela e n e r g ia , e m u d a r u m a f o r m a d e e n e r g ia e m o u tra ,
a tin g ia as fr o n te ir a s d o p en sam en to c ie n tífic o . E m p a rticu la r,
to r n o u -s e c la r o q u e o ca lo r era u m a fo r m a d e e n e r g ia , tra n sfo r-
m ável em ou tra s, segu n d o p rop orções fix a s. E m 1 8 2 4 , Sadi
C a rn o t, e n g en h e ir o fran cês, e x a m in a n d o as m á q u in a s a vapor,
escreveu u m t r a t a d o s o b r e o q u e e le c h a m o u la p u is s a n c e m o tr ic e
d u fe u , n o q u al fo i fu n d a d a , e m e ssê n c ia , a c iê n c ia d a te r m o d i­
n â m ic a — a d in â m ic a d o ca lo r. E n e r g ia h a v ia -se to r n a d o c o n c e it o
c ie n tífic o fu n d a m e n ta l p a ra a c iê n c ia ; a ssim , a in d a g a ç ã o p r in c ip a l
da c iê n c ia p assa a ser sobre a u n id a d e da n a tu reza , d a q u al a
e n erg ia c o n stitu i o cern e.
E ssa in d a g a ç ã o não a tin g ia apenas a c iê n c ia . Para surpresa
n ossa, v am o s e n c o n tr á -la ig u a lm e n te n a s a rtes. E n q u a n to tu d o
isso se p assa, o que esta va a co n tecen d o n a lite r a tu r a ? O su rg i­
m e n to d a p o esia r o m â n tic a , e m to rn o d e 1 8 0 0 . M as c o m o p o d ia m
os p o eta s ro m â n tic o s estar in teressa d o s na in d u str ia liz a ç ã o ?
M u ito sim p le sm e n te : o n o v o c o n c e ito d a n a tu r e za c o m o fo n te d e
e n erg ia c o lh eu -o s tal q u a l u m a te m p e s ta d e . E les s im p le s m e n te
adoravam a p a la v r a “ t e m p e s t a d e ” , c o m a c o n o ta ç ã o d e e n erg ia ,
em fr a se s ta is c o m o S tu r m u n d D ra n g, “ tem p esta d e e im p u lso ” .
O c lím a x d e R im e o f th e A n c ie n t M a r in e r ( R im a s d o V e lh o M a ­
r in h e ir o ) d e S a m u e l T a y lo r C o le r id g e é c o n s e g u id o la n ç a n d o m ã o
d e u m a tem p esta d e q u e b r a n d o u m a c a lm a m o r tiç a e lib e r ta n d o
a v id a n o v a m e n te .

Os ares, de repente, se animaram!


Flâmulas de fogo, às centenas, brilhavam
como que agitadas de cá pra lá!
De cá pra lá, acendendo e apagando,
Pálidas estrelas também dançavam.
138
D essa m a n eira fo i
p ro d u zid a u m a
p a rafern ália d e id éia s
ex cên trica s p ara entreter as
tardes de s á b a d o d a s
fa m ília s d a s cla sses

Ozootrópico; uma
trab a lh ad o ras.

plataforma elevadiça; e
uma mobília retrátil para
quarto de dormir.
O v e n to fo r te n ã o a tin g iu o b a rco ,
N o e n ta n to , o b a r co , agora, se m o v ia '
S o b o s r e l â m p a g o s e à luz d a lu a ,
O g e m id o d o s m o r to s se o u via.

lu sta m e n te p o r essa ép o ca, 1799, um jo v em filó so fo alem ão,


F ricd rich von S chelling, in au g u ro u um a nova fo rm a de filosofia
que crio u raízes p ro fu n d a s na A lem an h a, N a tu r p h ilo s o p h ie —
filo so fia da n atu reza. A través de C oleridge ela chegou à Ingla­
terra, to rn a n d o -se , assim , c o n h ecid a pelos L a k e P o e ts (p o etas do
D istrito de L ake) e pelos W edgw oods, am igos e tam b ém p a tro ­
nos do p o e ta , u m a vez gue lhe d estinavam um estip ên d io
an u al. P o etas e p in to re s fo ram rap id am en te envolvidos pela idéia
de q u e a n a tu re z a é u m a fo n te de poder, cujas d iferen tes form as
n ad a m ais são d o q u e d ife re n te s m an ifestaçõ es de um a única
fo rça c e n tra l, isto é, a energia.
E n ão ap en as a n atu reza. A poesia ro m â n tic a se afirm a com
clareza m erid ian a de um a energia divina ou, pelo m enos, n atural.
A R e v o lu ç ã o In d u strial c rio u lib erd ad e (na prática) para que,
q u e re n d o , os h o m en s p udessem realizar aq u ilo que clam ava por
se ex p ressar dc d e n tro deles m esm os — tal co n c e ito era in co n ce­
b ív el u m a c e n te n a de an o s an tes. A ssim , o p en sam en to ro m â n tico
in sp iro u aq u eles h o m en s a tra n sfo rm a re m suas liberdades indivi­
d u ais em um n o v o se n tid o , cm um a p erso n alid ad e n atural.
W illiam B lake, o m aio r d o s p o etas ro m â n tico s, d efin iu esse p o n to
m a g istralm en te: “ E nergia é P razer E te rn o ” .
A palavra-chave é “ p ra z e r” e o co n ceito -ch av e é “ lib eração " -
um s e n tim e n to dc alegria, um d irc ito h u m an o . N atu ralm en te, os
h o m e n s da lin h a dc fren te da ép o ca ex p ressaram esse im p u lso
em inv en çõ es, p ro d u z in d o u m a in fin id ad e dc idéias ex cên tricas
p ara aleg rar as tard es de sáb ad o das fam ílias trab alh ad o ras. (A
p a rtir d e e n tã o , a m aio ria dos p ed id o s de reg istro d e p aten tcs,
a b a rro ta n d o os escritó rio s de p a te n te s, beiram a insan id ad e,
c o m o a c o n te c e co m seus p ró p rio s au tores.) P o d eriam o s pavi­
m e n ta r u m a avenida, in d o d aq u i até a Lua, com tais lou cu ras; e
isso seria tã o in ú til ou tão en g en h o so q u a n to chegar até o satélite.
V eja-se, p o r e x em p lo , a idéia d o z o o tró p ic o , q ue consiste em um
ta m b o r circu lar p ara a an im açã o de um q u a d ro cô m ico v ito rian o ,
p o r m eio de g rav u ras p ro je ta d a s su cessivam ente em um visor. E
q u ase tão d iv e rtid o c o m o u m a sessão de cin em a, tra n sm itin d o a
m ensagem de fo rm a b a sta n te d ircta . Ou a o rq u e stra au to m á tic a , 285
A Escalada do Homem

co m a v an ta gem de u m r e p e r tó r io restrito . T u d o isto e m pac° te


g ro sse ir o , s e m q u a lq u e r to q u e d e b o m g o sto , m a s c o n se g u in d °
se im p o r . P ara c a d a in v e n ç ã o su p é r flu a d e u s o d o m é s tic o - c° m °
a d o c o r ta d o r d e le g u m e s — h á u m a o u tra , e x tra o rd in á ria , c o m o
a d o te le fo n e . F in a lm en te, fech a n d o a a v en id a d os prazeres,
d ev eria m o s co lo ca r a m á q u in a r e p r e se n ta tiv a da e ssê n c ia da
m a q u in a ria : a q u e n ã o faz a b so lu ta m e n te n a d a!
O s h o m en s r e sp o n sá v e is p e la s in v e n ç õ e s tr e slo u c a d a s e p ela s
d e g ra n d e v a lo r v ê m do m esm o c a ld o d e c u ltu r a . C o n s id e r e m o s
a estra d a d e ferro, in v en çã o d erra d eira d a R e v o lu ç ã o In d u stria l;
le m b r e m -se q u e esta se in ic io u c o m a c o n s tr u ç ã o d e ca n a is. P o is
b e m , a e stra d a d e ferro to r n o u -s e r e a lid a d e p ela a ç ã o d e R ic h a r d
T r e v ith ic k , o r ig in a r ia m e n te fe r r e ir o e m C o rn w a le; este h o m e m
fo r tíssim o , lu ta d o r de lu ta -liv re , fe z da m á q u in a a vapor u m a
u n id a d e m ó v e l d e p o tên c ia a o tra n sfo rm a r o in v e n to d e W a tt e m
u m a m á q u in a d e a lta p r e s s ã o . F o i u m a to v iv ific a n te , e sta b e le ­
cen d o u m a rede a rteria l d e c o m u n ic a ç ã o em u m m u n d o cu jo
c o r a ç ã o p a s s o u a s e r a In g la terra .

E sta m o s a p en a s a m e io curso da R ev o lu çã o In d u stria l; e, a in d a


b e m , p o is te m o s m u ito a d iz e r s o b r e e la , q u e fe z o m u n d o m a is
r ic o , m en or e, p ela p r im e ir a vez, nosso. L ite r a lm e n te , nosso
m u n d o , o m u n d o de to d o s nós.
E m seus p r im ó r d io s, q u a n d o a in d a d e p e n d e n te d o poder da
água, a R e v o lu ç ã o In d u stria l foi cru el para co m a q u e le s cu ja s
v id a s o u m e io s d e v id a e r a m p o r e la u ltr a p a ss a d o s. T o d a s as r e ­
v o lu ç õ e s o sã o — faz p a rte d e su as n a tu reza s, u m a v ez q u e , p o r
d e fin iç ã o , as r e v o lu ç õ e s v ã o m u ito d ep ressa p a ra a q u e le s a tin g id o s
por e la s. C o n tu d o , a ca b o u -se torn a n d o um a r e v o lu ç ã o so c ia l,
e s ta b e le c e n d o a ig u a ld a d e so c ia l, a ig u a ld a d e d e d ir e ito s, e, p rin ­
c ip a lm e n te , a ig u a ld a d e in te le c tu a l, d a s q u a is to d o s n o s b e n e fi­
c ia m o s. O n d e e sta r ia u m h o m em co m o eu ou co m o v o c ê , se
tiv é ss e m o s n a sc id o a n te s d e 1 8 0 0 ? C o m o a in d a e s ta m o s v iv e n d o
no b o jo da R e v o lu çã o In d u stria l é-n os d ifíc il ver c la r o suas
im p lic a ç õ e s , m a s , s o b r e e la , o f u t u r o d irá te r s id o u m p asso, u m
sa lto m e s m o , n a e sc a la d a d o h o m e m , tã o im p o r ta n te q u a n to o
foi a R en a scen ça . A R e n a sc e n ç a e sta b e le c e u a d ig n id a d e d o h o ­
139
m e m . A R e v o lu ç ã o In d u stria l e sta b e le c e u a u n id a d e d a n a tu r e za . R ic h a rd T revith ick
M o ld o u -se d e v id o à a tiv id a d e d e c ie n tista s e p o e ta s r o m â n tic o s tran sform ou a
m á q u in a a vapor em
q u e v i r a m o v e n t o , o m a r , o s c u r s o s d ’á g u a , o v a p o r c o m o c r i a ç ã o
286
u m a u n id ad e m óvel
d o ca lo r d o so l, e o p r ó p r io c a lo r c o m o u m a fo r m a d e e n erg ia . de p o tên cia .
Em Busca de Poder
M u ito s h o m en s pensaram so b r e isso , m a s, u m d e le s, m a is d o q u e
to d o s os o u tro s, foi o resp o n sá v el p e lo e sta b e le c im e n to dessas
r e la ç õ e s - J am es P resco tt J o u le , de M a n ch ester. N a scid o em
1 8 1 8 , a p a rtir d o s v in te a n o s d e d ic o u su a v id a à e x p e r im e n ta ç ã o
in tr in c a d a e d e ta lh a d a d a d e te r m in a ç ã o d o e q u iv a le n te m e c â n ic o
A Escalada do Homem

do ca lo r — isto é, do e sta b e le c im e n to da p ro p orçã o exa ta em 140


“ O s grandes a gentes
q u e a en erg ia m e c â n ic a se tr a n sfo r m a e m c a lo r. P a r e c e n d o e sse
da n atureza são
u m em p reen d im en to u m tan to q u a n to a ca d ê m ic o e c a n sa tiv o , in d e str u tív e is.”
p r e fir o c o n ta r u m a h istó r ia e n g r a ç a d a a s e u r e sp e ito . Q u e d a d ’á g u a d e
S o lla n c h e s ,
N o v e r ã o d e 1 8 4 7 , o j o v e m W illia m T h o m p s o n (q u e p o ste r io r ­
C h a m o n ix .
m en te se to r n o u o g ra n d e L o r d K e lv in , a p r im a -d o n a d a c iê n c ia
b ritâ n ica ) esta v a c a m in h a n d o - e o n d e , n o s A lp e s, p o d e r ia u m
c a v a lh eiro b ritâ n ico esta r andando? - de C h a m o n ix ao M ont
B la n c. A í e n c o n tr o u - e q u em p o d e r ia u m a c a v a le ir o b r itâ n ic o
en co n tra r n o s A lp es? - u m in g lês e x c ê n tr ic o : J a m e s J o u le , carre­
gando u m enorm e term ô m etro e acom p an h ad o, à p eq u en a
d istâ n c ia , p o r s u a e sp o s a e m u m a c a rru a g em . J o u le s e m p r e q u is
fervo rosam en te d em o n strar q u e a águ a, c a in d o de 2 6 0 m etro s,
a u m en ta sua tem p era tu ra e m u m grau F a h ren h eit. A ssim , a p r o ­
v eita n d o sua lu a -d e -m el, v ia u m a o p o r tu n id a d e d e ju stific a r a
v isita a C h a m o n ix (m a is ou m e n o s p ela m e s m a r a z ã o q u e lev a
ca sa is a m e r ic a n o s a v isita r e m N ia g a ra F aU s) e d e ix a r a n a tu r e z a
se encarregar do ex p er im e n to . A queda d ’á g u a era id e a l. N ão
a tin g ia o s 2 6 0 m e tr o s , m a s e le se c o n te n ta r ia c o m a e le v a ç ã o d e
a p en a s m e io grau F a h r e n h e it. A títu lo d e in fo r m a ç ã o , p o ss o d izer
q u e e le — e v id e n t e m e n t e — n ã o fo i b em -su ced id o ; n a q u ed a , as
c o lu n a s d e á g u a se q u eb ra m e e sp ir r a m m u ito , to r n a n d o im p o s ­
sív e l a m e d id a .
A a n ed ota do ca v a lh e iro b r itâ n ic o le v a n d o a sério su a s e x c e n ­
tr ic id a d e s não é irr e le v a n te . A esses h om en s d evem os a v isã o
r o m â n tic a d a n a tu reza ; o M o v im e n to R o m â n tic o d a p o esia seg u iu
su a s p eg a d a s. C o n s ta ta m o s isso e m u m G o e th e (q u e era c ie n tista
tam b ém ) e em m ú sic o s ta is co m o B eeth ov en . M as foi com
W ord sw orth que a m a n ifesta çã o c la r a se rev elo u p e la p r im e ir a
vez: a v isã o da n a tu reza se n tid a co m o u m a n ova v ib r a çã o d o
e sp ír ito , porque a u n id a d e d a n a tu r e za é a p r e e n d id a im e d ia ta ­
m en te p e lo c o r a ç ã o e p e la m e n te . W o r d sw o r th h a v ia a tr a v e ssa d o
o s A lp es em 1 7 9 0 , a tr a íd o a o C o n tin e n te p ela R e v o lu ç ã o F r a n ­
cesa. E m 179 8, em T in te r n A b b ey, e le se e x p r im iu m elh o r d o
q u e q u a lq u e r o u tr o p o d e r ia ter c o n se g u id o .
A n a tu r e za era. . .
Para m im , tu d o em tu d o — n ã o co n sig o saber
O q u e e n tã o eu era. A s o n o r id a d e d a cata rata
M e e n v o lv ia corn o urna p a ix ã o .

“ P ara m im , n a tu r e za era tu d o em tu d o .” J o u le ja m a is c h e g o u a
d izê-lo tão b em , m as o que d isse: “O s p od erosos a gen tes da
n a tu r e z a s ã o in d e s tr u tív e is ” sig n ific a a m e s m a co isa .
(
^ OS DEGRAUS DA CRIAÇÃO
A teo ria d a e v o lu ç ã o p ela se le ç ã o n a tu ra l fo i p r o p o sta na d é c a d a
de 1 8 5 0 , in d ep en d en tem en te, por d o is h om en s. U m d eles foi
C h a r le s D a r w in ; o o u tro A lfr e d R u ss e l W a lla c e . A m b o s era m por­
tad ores de um a certa form a çã o c ie n tífic a , m a s, p o r in c lin a ç ã o ,
eram n a tu r a lista s. D a r w in freq ü en to u o curso de m e d ic in a da
U n iv e r sid a d e de E d in b u rg h por d o is anos, a té que seu p a i, o
próspero d o u to r , d e c id iu fa zer d ele u m sacerd ote, m a n d a n d o-o
p a ra C a m b r id g e . W a lla ce v in h a d e fa m ília p o b r e ; te n d o a b a n d o ­
n a d o a e s c o la a o s q u a to r z e a n o s, fr e q ü e n to u m a is ta r d e c u r so s n o s
In stitu to s p ara T ra b a lh a d o res d e L o n d r e s e L e ic e ste r , e n q u a n to
a p r e n d iz d e a g r im e n su r a o u m e str e -e sc o la .
O fa to é q u e há d u a s tr a d içõ es d e e x p la n a ç ã o sem p re m a r c h a n ­
d o la d o a la d o n a e s c a la d a d o h o m e m . U m a in te r e s sa à a n á lise d a
estru tu ra d o m u n d o. A o u tra , a o estu d o d o s p r o c e s s o s d a v id a :
su a fr a g ilid a d e , su a d iv e r sid a d e , a r e c o r r ê n c ia d o s c ic lo s, d e s d e o
n a scim en to a té a m o rte d os in d iv íd u o s e das esp écies. C o m a
teo ria da e v o lu ç ã o e ss a s d u a s tr a d iç õ e s se e n c o n t r a m ; a té e n t ã o
a v id a era u m p a r a d o x o in so lú v e l.
O p arad oxo d a s c iê n c ia s d a v id a , q u e a s c o lo c a e m u m a cate­
g o r ia d iferen te da das c iê n c ia s físic a s, é en con tra d o em cada
d e ta lh e d a n a tu reza . E stá à n o ssa v o lta n o s p á ssaro s, nas árvores,
n a g ra m a , n o s ca ra m u jo s, e n fim , e m to d a c r ia tu r a v iv e n te . P o ss o
e x p r im i-lo a ssim : as m a n if e s t a ç õ e s d a v id a , su a s fo r m a s d e ex ­
p ressão, são tão d iv ersa s q u e d e v e m co n ter e m g r a n d e e sc a la u m
e le m e n t o a c id e n ta l. M a s, p o r o u tr o la d o , a n a tu r e z a d a v id a é tã o
u n ifo r m e que deve esta r d e te r m in a d a p o r m u ita s n e c e ssid a d e s.
D e s sa m a n e ira , n ã o é d e su r p r e e n d e r o fa to d a b io lo g ia , d a fo r m a
que h o je a e n t e n d e m o s , s ó ter a p a r e c id o c o m o s n a tu r a lista s d o s
sé c u lo s X V III e X IX : a m an tes d o ca m p o , o b servad ores de pás­
saros, c lé r ig o s, d o u tores, sen hores em fé r ia s em suas casas de
c a m po. S o u te n ta d o a c h a m á -lo s sim p le sm e n te “ ca v a lh eiro s d a
141
O paradoxo das In g la terra v ito r ia n a ” , p o r q u e não p od e ter sid o m er° acas° °
c iê n c ia s d a v id a se fato d a teo ria d a e v o lu ç ã o ter s id o c o n c e b id a d u a s v e z e ^ p o r d o is
apresenta e m cad a
m a n ifestaçã o da h o m en s v iv e n d o ao m esm o tem p o e na m esm a c u ltu ra — a
natureza. c u ltu r a d a R a in h a V itó r ia d a In g la terra .
UTrIil ú n i c a á r v o r e
f l o r i d a e m uTrIil
flo r e s ta d e C h a r le s D a r w in c o n ta v a v in te e p o u c o s a n o s q u a n im o A lm ira n -
v e g e ta ç ã o t a d o d e c i d i u e n v ia r u m n a v i o c h a m a d o B e a g le c o m a f in a lid a d e d e
e x u b e r a n te .
M a n a u s , B r a s il . m a p e a r a s c o s ta s d a A m é r ic a d o S u l; a e le c o u b e o c a r g o n ã o -r e m u - 291
I

.
!.
O s D e g r a u s da C r ia ç ã o

142 nerad o de n a tu r a lista . O c o n v ite lh e fora fe ito a tra v és d e u m a


A teoria da
e v o lu çã o fo i in d ic a ç ã o d e seu p ro fesso r d e b o tâ n ic a e m C a m b rid g e, d e q u e m
co n ceb id a duas h a v ia se torn ad o a m ig o , e m b o r a d u ra n te esse p e r ío d o estiv esse
vezes, p o r d o is
m u it o m a is in te r e s sa d o e m c o le c io n a r b e s o u r o s d o q u e e m p la n ta s.
h o m en s v iv en d o na
m esm a época, e D a r e i u m a p ro v a d e m e u z e lo : c e r to d ia , p u x a n d o a c a sc a d e u m a v elh a
na m e s m a cu ltu ra.
árv ore, v e n d o d o is b e s o u r o s raros, seg u r e i-o s u m e m ca d a m ã o; en tã o , vi
A lfr e d R u sse l
W a lla c e a o s t r i n t a u m te r c e ir o , d ife r e n te d o s o u tr o s d o is, q u e e u n ã o q u eria p erd er d e fo r m a
an os. a lg u m a ; a ssim , n ã o titu b e e i e m g u a rd a r u m d eles e m m in h a b o c a .
C h a r le s D a r w in .
S eu pai se o p ô s à v ia g e m e o c a p i t ã o d o B e a g le n ã o t o le r a v a a
form a de seu n a r iz , m a s o avô W ed g w o od se e m p e n h o u em seu
fav or e e le fo i. O B e a g le lev a n to u suas âncoras no d ia 27 de
d ezem b ro de 1 83 1.
O s c in c o an os passados n o n a v io o tr a n sfo r m a r a m . A té e n tã o
h a v ia sid o u m a p recia d o r e observador a ten to de p ássaros, de
flo r e s, d a v id a d o c a m p o ; m a s, a A m é r ic a d o S u l fe z c o m q u e essa
a titu d e e x p lo d isse n ele em form a d e p a ix ã o . V o lto u para casa
c o n v e n c id o de que q u a n d o iso la d a s u m a s d a s o u tra s as e sp é c ie s
seg u em d ife r e n te s d ir e ç õ e s; as e sp é c ie s n ã o sã o im u tá v e is. E n tr e ­
tan to, n ã o lh e o c o r r ia n e n h u m m e c a n is m o q u e p u d e s se rev e la r a
ca u sa d essa d ifer e n c ia ç ã o . E stá v a m o s em 183 6.
D o is an os m a is ta r d e e le e n c o n tr o u u m a e x p lic a ç ã o p o ssív e l
para a e v o lu ç ã o d as e sp éc ie s, m a s r e lu to u e m p u b lic á -la s. T a lv e z
n ã o tiv e sse c h e g a d o a fa z ê -lo e m to d a su a v id a se u m o u tr o h o m e m ,
d iferen te d ele, não tiv e sse seg u id o q u ase as m esm a s etap a s de
e x p e r iê n c ia e p e n s a m e n t o , e c h e g a d o à m e s m a teo ria . E s te h o m e m
é a p erson agem e s q u e c id a , e m b o r a v ita l, n a te o r ia d a e v o lu ç ã o
p e la s e le ç ã o n a tu ra l.

Seu n o m e era A lfr e d R u ss e l W a lla ce, u m g ig a n te d e h o m e m com


u m a fa m ília d ic k e n se n ia n a tão c ô m ic a q u a n to a d e D a rw in era
e m p e r tig a d a . À q u e le t e m p o , 1 8 3 6 , W a l1 a ce era u m g aroto em sua
a d o le sc ê n c ia ; n a sc id o e m 1 8 2 3 , era, p o r ta n t o , q u a to r z e a n o s m a is
jo v em d o q u e D a r w in . M e sm o n e s ta é p o c a a v id a d e W a l1 a ce n ã o
e r a n a d a fá c il.

S e m e u p a i tiv e s s e s id o m o d e r a d a m e n t e r ico . . . to d a m in h a v id a teria sid o


d ife r e n te , e, e m b o r a p u d e s s e , s e m d ú v id a , ter d e d ic a d o a lg u m a a te n ç ã o à
c iê n c ia , c o n s id e r o p o u c o p r o v á v e l q u e tiv e ss e sid o t e n t a d o a e m p r e e n d e r . . .
u m a v ia g e m a flo r e sta s, q u a se q u e to ta lm e n te d e s c o n h e c id a s , d o A m a z o n a s,
a fim d e o b se r v a r a n a tu r e z a e lev a r a v id a d e u m c o le c io n a d o r .

E s s e é o r e la t o d e W a l1 a ce s o b r e o s p r im e ir o s t e m p o s d e su a v id a ,
q u a n d o tin h a d e g a n h á -la n a s p r o v ín c ia s in g le sa s. A d o t o u a p ro fis-
A Escalada do Homem í■

s ã o d e a g r im e n so r , p a r a a q u a l n ã o era e x ig id a fo r m a ç ã o u n iv e r sitá ­
r ia , p o d e n d o a p r e n d ê - la c o m s e u ir m ã o . E s t e m o r r e u e m 1 8 4 6 de
u m r esfria d o c o n tr a íd o a o v o lta r p a ra c a sa e m um a carruagem
a b erta , d e p o is d e ter p a r tic ip a d o d a r e u n iã o d e u m c o m itê d a C o ­
m issã o R ea l so b r e d isp u ta s e n tr e c o m p a n h ia s d e e str a d a s d e ferro .
E v id e n te m e n te , v iv ia m u m a v id a a o a r liv re , e W a lla c e a c a b o u
se in te r e ssa n d o por p la n ta s e in se to s. E n q u a n to tra b a lh a v a e m
D ia g r a m a r e tir a d o
L e ic e ste r e n c o n tr o u u m o u tr o h o m e m c o m o s m e s m o s in teresses, de um m anual de
m a s m u ito m a is in s tr u íd o d o q u e e le . S e u a m ig o s u r p r e e n d e u -o caça d e b e so u ro d e
1 8 4 0 , s e m e lh a n te
f a z e n d o - o v e r q u e , a d e s p e it o d e te r c o l e t a d o v á r ia s c e n t e n a s d e à q u e l e q u e W a lla c e
esp écies de b esouros, h a v ia m u ita s a in d a a serem d esco b ertas. e B a te s te r ia m
u sa d o e m su as
S e m e fo sse p e r g u n ta d o a n tes q u a n ta s esp écies d e b e s o u r o s p o d e r ía m ser e x c u r s õ e s d e c o le ta
e m L e ic e ste r e
en con trad as em u m d istr ito p e r t o d e u m a c id a d e , e u p r o v a v e lm e n t e te r ia
S u l d e G a le s .
a rrisca d o d izer c in q ü e n ta . . . m a s a g o ra h a v ia a p r e n d id o . . . q u e d e n tr o d e
u m r a io d e d e z m ilh a s h a v ia m ilh a r e s d elas.

F o i u m a r e v e la ç ã o p a ra W a lla c e , e isso d e fin iu su a v id a e a d e seu


a m ig o . E ste era H en ry B a te s , m a is ta r d e f a m o s o p e lo s seu s tra ­
b a lh o s s o b r e m im e tis m o e m in seto s.
E n trem en tes, o jo v em t in h a d e ir t r a b a l h a n d o p a r a v iv e r . F e l i z ­
m e n te , a é p o c a era fa v o r á v e l p a ra a a g r im e n su r a , d e v id o à e x p a n ­
sã o d a s estra d a s d e ferro d a d é c a d a d e 1 8 4 0 . W a lla ce f o i c o n tr a ta ­
d o p a ra fa zer o le v a n ta m e n to d e u m a p o s s ív e l r o ta p a ra u m a lin h a
n o V a le N e a th n o S u l d e G a le s. E le era u m té c n ic o c o n s c ie n c io s o ,
c o m o seu ir m ã o h a v ia sid o , e c o m o e r a m to d o s o s v ito r ia n o s , m a s
lo g o p e r c e b e u ser u m p e ã o n o jo g o d o s p o d e r o so s. A m a io r ia d o s
lev a n ta m en to s era m r e a liz a d o s c o m a fin a lid a d e d e ju s tific a r e m
d ir e ito s d e p r o p r ie d a d e c o n tr a in v e stid a s d e r o u b o p o r p a rte d e
o u tr o b a r ã o d e e str a d a d e fe r r o . W a lla c e c a lc u la r a q u e a p e n a s u m 143
E le retorn o u
d é c im o d a s lin h a s lev a n ta d a s n a q u e le a n o p o d e r ia m ja m a is ser con ven cid o de que
c o n str u íd a s. as e sp é c ie s se
d iferen ciam q u a n d o
A p a isa g e m c a m p e str e d e G a le s era u m a d e líc ia p a ra u m n a tu ­
iso la d a s u m a s
r a lista d e fim d e s e m a n a , tã o fe liz e m su a c iê n c ia c o m o u m p in to r das outras.
I lu s tr a ç õ e s d e J o h n
d e fim de sem an a em su a a rte. A g o r a W a lla ce o b se r v a v a e c o le ­
G o u ld d e p á ssa ro s
c io n a v a p a ra si m e s m o , c a d a v e z m a is e n tu s ia s m a d o c o m a v a r ie ­ c o le ta d o s p o r
dade da n a tu reza , q u e g u a rd o u a fe tu o sa m e n te n a m e m ó r ia por D a r w in e m
d i f e r e n t e s i lh a s
to d a a su a v id a . d e G a lá p a g o s , e p o r
e s te p u b lic a d a s e m
M e s m o q u a n d o tín h a m o s m u ito tra b a lh o , m e u s d o m in g o s e r a m to ta lm e n te seu r e to r n o e m
liv res, e in t e g r a lm e n t e u s a d o s e m l o n g a s c a m in h a d a s n a s m o n t a n h a s c o m 1 83 6, co m o The
Z o o lo g y o f the
m in h a c a ix a d e co leta r, a q u a l v o lta v a sem p r e r e p le ta d e te so u r o s. . . A esse
V o y a g e o f H .M .S .
2 94 t e m p o d e s c o b r i a a leg ria q u e a d e s c o b e r t a d e u m a n o v a f o r m a d e v id a p r o - B ea g le.

-
6 &
A Escalada do Homem

p icia a o a m a n te d a n a tu r e za , q u a se ig u a l a o s a r r e b a ta m e n to s d ° s s e n tid o s
q u e e x p e r i m e n t e i a c a d a c a p t u r a d e u m a n o v a b o r b o l e t a n o A m i z ° n as.

E m u m d e s e u s fin s d e se m a n a , W a lla ce e n c o n tr o u u m a c a v er n a
na qual u m r io c o r r ia s u b te r r â n e o e d e c id iu a c a m p a r a li a q u e la
n o ite . E ra c o m o u m a p rep a ra çã o in c o n s c ie n te p a ra u m a v id a d e
e x p lo r a d o r .
Q u e r ía m o s e x p e r im e n ta r p o r u m a v ez o q u e seria d o r m ir a o rele n to e sem
ca m a , c o m a p e n a s o q u e a n a tu r e za p u d e sse p ro v e r . . . P e n s o q u e , p r o p o si-
t a d a m e n t e , t ín h a m o s e v it a d o q u a lq u e r tip o d e p r e p a r a ç ã o , d e f o r m a q u e
era c o m o se, a c id e n ta lm e n te , tiv é sse m o s d e e sc o lh e r u m lo c a l e m u m p a ís
d e s c o n h e c id o , sen d o c o m p e lid o s a d o rm ir a í m e s m o .

N a r e a lid a d e , e le p o u c o d o r m iu n e s s a o c a siã o .
A os v in te e c in c o a n o s W a lla ce d e c id iu d ed ica r-se in te ir a m e n te
a o n a tu r a lis m o . E ra u m a e str a n h a p r o fissã o v ito r ia n a . S ig n ific a v a
g a n h a r a v id a c o le ta n d o e sp éc im e s e m p a íse s e str a n g e ir o s e v e n ­
d en d o -os a m u seus e c o le c io n a d o r e s in g leses. B a te s o a c o m p a ­
nhava. A ssim , os d o is se a sso cia ra m em 1 84 8 co m um c a p ita l
co n ju n to de 1 0 0 lib r a s. V e le ja r a m e n tã o a té a A m é r ic a d o S u l,
s u b in d o c e r c a d e m il m ilh a s p e lo A m a z o n a s a c im a , a té M a n a u s,
na d e sem b o c a d u r a d o R io N eg ro.
E m b o r a a n te s n ã o tiv e sse id o m a is lo n g e d o q u e G a le s, W a lla c e
não se d e ix o u em b a sb a ca r p elo e x ó tic o ; desde o m o m en to em
que d esem b a rca ram , seu s co m e n tá r io s fo ra m c la r o s e se g u r o s. A
r e s p e ito d a s a v e s d e r a p in a , p o r e x e m p lo , s e u s p e n s a m e n t o s e s tã o
r e g is tr a d o s n a s N a r r a tiv e o fT r a v e ls o n th e A m a z o n a n d R io N e g r o
(N a r r a tiv a s d e V ia g e n s a o A m a zo n a s e R io N e g r o ), p u b lic a d a s
c in c o a n o s d e p o is.
O s u r u b u s p r e to s c o m u n s era m a b u n d a n te s, e p o r isso o a ijm e n to era esc a sso
p a ra eles, o q u e o s o b rig a v a a c o m e r fr u to s d e p a lm e ir a s n a s flo r e s ta s q u a n ­
d o n a d a m a is c o n se g u ia m .
E s to u c o n v e n c id o , p o r o b s e r v a ç õ e s r e p e tid a s, q u e as a v e s d e r a p in a se
v a le m in te ir a m e n te d a v isã o , e n ã o d o o lfa to , q u a n d o b u s c a m a lim e n to .

O s d o is a m ig o s se separaram em M a n a u s, W a lla ce e m p r e e n ­ 144


In evitav elm en te,
d e n d o a s u b id a d o R io N e g r o . P r o c u r a v a lu g a res a in d a n ã o m u ito
en tre a fain a e o s
e x p lo r a d o s p o r n a tu r a lista s; p a r a g a n h a r a v id a c o m o n a tu r a lista p ra zeres d a flo resta ,
se v ia o b r ig a d o a co leta r e sp éc ie s n o v a s o u , p elo m e n o s , raras. a m ente aguda de
W allace c o m e ç o u a
C o m o o r io h a v ia tr a n s b o r d a d o d e v id o à s c h u v a s , W a lla c e e s e u s fla m eja r c o m u m a
ín d io s p u d e r a m le v a r a c a n o a a té a flo r e sta . O s g a lh o s d a s á rv o r e s in trig a n te p ergu nta.
C o m o p o d eria
p e n d ia m quase toca n d o a água. D e in íc io , W a lla ce se e sp a n to u ter su rgid o to d a
com a e s c u r id ã o a li r e in a n te , m a s t a m b é m m a r a v ilh o u -se c o m a e ssa v a ried a d e?
R a íz e s c o n to r c id a s
r ic a v a r ie d a d e d a flo r e sta , o q u e o le v o u a e s p e c u la r s o b r e c o m o
e m u m a la g o a
e la se a p r e se n ta r ia se v ista d o a lto . no A m a zo n as.
145
T ã o s em elh a n tes na
a p a r ê n c i a e,
con tu d o, tão
d iferen tes n o s
d etalh es.
U m tu c a n o d e b ic o
v e r m e lh o , u r u b u s e
u m a r ã a r b o r íc o la .

I
A Escalada do Homem

O q u e p o d e m o s d iz er c o m ju stiça a resp eito d a v eg e ta ç ã o trop ical é q u e há


u m n ú m e r o m u ito m a io r d e e sp éc ie s, e u m a m a io r v a r ie d a d e d e fo r m a s, d o
q u e nas z o n a s tem p era d as.
T a lv e z n e n h u m a o u tr a r e g iã o d o m u n d o c o n te n h a tal q u a n tid a d e d e m a ­
téria v e g e ta l e m su a s u p e r fíc ie c o m o o v a le d o A m a z o n a s . T o d a a su a
e x te n s ã o , e x c e to e m p e q u e n a s p o r çõ e s, é c o b er ta p o r flo resta a n tiq ü íssim a ,
a lta e d e n s a , a m a is e x t e n s a e c o n t í n u a n a f a c e d a T e r r a .
O e s p le n d o r d e ssa flo resta só p o d e r ia ser a p r e c ia d o e m su a p le n itu d e se
se v ia ja sse e m u m b a lã o , a c im a d e s u a s u p e r f íc ie su p e r io r , o n d u la n t e e f lo ­
rid a : ta l r e g a lo t a l v e z e s t e j a r e s e r v a d o a o v ia j a n t e d e u m a é p o c a v i n d o u r a .

E m seu p r im e ir o c o n ta to c o m u m a a ld e ia in d íg e n a e x p e r im e n ta
um m isto d e e x c ita ç ã o e m e d o , m a s, c o m o sem p re a co n te c ia c o m
W a lla ce, s e u ú ltim o s e n tim e n to é d e p ra zer.

A . . . m a is in e sp e r a d a s e n s a ç ã o d e su rp resa e s a tisfa ç ã o f o i a d e c o n v iv e r
c o m h o m e n s v iv e n d o e m esta d o n atu ral - selv a g en s a b so lu ta m e n te n ã o -
-c o n ta m in a d o s! . . . O cu p a v a m -se d e tra b a lh o s e p ra zeres q u e n a d a tin h a m a
ver c o m o s d o h o m e m b r a n c o ; a n d a v a m d e s p r e o c u p a d o s c o m o s e n h o r e s
liv re s d a flo r e sta o n d e h a b ita v a m e . . . n ã o n o s d e d ic a v a m a m e n o r a te n ç ã o ,
a n ó s estra n geiros d e u m a raça d iferen te.
E m c a d a p o r m e n o r e r a m o rig in a is e a u to -s u fic ie n te s , tal c o m o o s a n im a is
s e lv a g en s d a s flo r e sta s, a b s o lu ta m e n te in d e p e n d e n te s d a c iv iliz a ç ã o , v iv e n d o
su a s v id a s à s u a p r ó p r ia m a n e ir a , d a m e s m a f o r m a q u e v in h a m f a z e n d o
atra vés d e in c o n tá v e is g e r a ç õ e s a n te s d a A m é r ic a ter sid o d e s c o b e r ta .

A co n teceu que o s ín d io s a ca b a ra m sen d o m u ito m a is p resta -


tiv o s que te m ív e is. A ssim , W a lla ce os in tro d u z iu na tarefa de
c o leta r e sp éc im e s.

D u r a n t e m in h a e s ta d a a q u i (q u a r e n ta d ias) c o n s e g u i p e lo m e n o s q u a r e n ta
e sp é c ie s d e b o r b o le ta s, to d a s n o v a s p a ra m im , a lé m d e c o n sid e r á v e l c o le ç ã o
d e o u tr a s c la sses.
U m d ia f o i tr a z id o a té m im u m c u r io s o ja c a r e z in h o d e u m a e s p é c ie rara,
a p r e s e n ta n d o n u m e r o s a s p r o tu b e r â n c ia s e tu b é r c u lo s c ô n ic o s (C a im a g ib b u s ),
d o q u a l tirei a p e l e e e m b a l s a m e i , p a r a a e s t u p e f a ç ã o d o s í n d i o s , m e i a d ú z i a
d o s q u a is a c o m p a n h a r a m a te n t a m e n t e to d a a o p e r a ç ã o .

I n e v ita v e lm e n te , e n tr e a fa in a e o s p ra zeres d a flo r e sta , a m e n te


aguda de W a lla ce co m eço u a fla m e ja r c o m u m a in trig a n te per­
g u n ta. C o m o p o d e r ia ter s u r g id o to d a essa v a r ie d a d e , tã o s e m e ­
lh a n te n o esq uem a b á sico , m a s tã o m u tá v e l e m seu s d eta lh es? À
s e m e lh a n ç a d o q u e h a v ia a c o n t e c id o c o m D a r w in , W a lla ce e sta v a
in tr ig a d o c o m a ex istên cia d e d ife r e n ç a s e n tr e e s p é c ie s v iz in h a s,
e, co m o D a rw in , co m eço u a procurar u m a e x p lic a ç ã o para
ta n ta s d ifer e n ç a s d e d e s e n v o lv im e n to s .

N ã o h á n a d a d e m a is in te r e s sa n te e in s tr u tiv o n a h istó r ia n a tu r a l d o q u e o
3 0 0 e s tu d o da d istr ib u iç ã o g e o g r á fic a d o s a n im a is.
146
Os ín d io s eram
m u ito m a is
p resta tiv os d o q u e
tem íveis.
M e n in o a k a w a io
c o r ta n d o fo lh a s d e
u m a p a lm e ir a ,
N o r te d o A m a z o n a s .

L o c a is d i s t a n d o n ã o m a is q u e c in q ü e n t a o u c e m m ilh a s a b r ig a m e s p é c ie s
de in seto s e aves en co n tra d a s em u m , m a s n ã o n o o u t r o . D e v e h a v e r a l­
gum a fro n teira d e fin in d o o te r r itó r io de d istr ib u iç ã o de cada esp écie;
a lg u m a p e c u l ia r id a d e e x t e r i o r d e m a r c a n d o a lin h a q u e n ã o d e v e ser c r u ­
zada.

P r o b le m a s d e g e o g r a fia s e m p r e o a tr a ír a m . M a is ta r d e , tr a b a lh a n ­
d o n o a r q u ip é la g o d e M á la g a , f o i c a p a z d e m o s tr a r a p r o v e n iê n c ia
a siá tica d o s a n im a is d a s ilh a s a o e s te , e a u str a lia n a , d a q u e le s d as
ilh a s a leste : a lin h a d iv id in d o esses d o is g ru p am en tos a in d a
m a n tém o n om e de L in h a d e W a lla ce.

W a lla ce era o b se r v a d o r tã o a r g u to d o s h o m e n s c o m o d a n a tu ­
reza, e co m o m esm o in teresse v o lta d o p a ra a o rig em d as d ife ­
renças. E m u m a era em q u e o s v ito r ia n o s a p u n h a m a d e n o m in a ç ã o
“ s e lv a g e m ” à p o p u la ç ã o d o A m a z o n a s , e le m a n ife sta v a u m a rara
sim p a tia em r e la ç ã o às su a s c u ltu r a s. C o m p r e e n d e u o que para
e la s sig n ific a v a m lin g u a g e m , in v en çõ es e costu m es. E le ta lv ez
ten h a sid o o p r im e ir o a se a p erceb er do fato d e q u e a d istâ n c ia
c u ltu r a l e n tr e a c iv iliz a ç ã o d e les e a n o ssa é m u ito m e n o r d o g u e
se p e n sa c o m u m e n te . D e p o is d e le c o n c e b e r o p r in c íp io d a sele ç ã o
n a tu ra l isso lh e pareceu não s o m e n te v erd a d eiro , m a s b io lo g ic a ­
m e n te ó b v io .
A s e le ç ã o n a tu r a l p o d e r ia a p e n a s ter d o ta d o o h o m e m selv a g em c o m u m
c é r e b r o a lg u n s g r a u s su p e r io r es a o d o m a c a c o a n tr o p ó id e , e n q u a n to , na 301
A Escalada do Homem

rea lid a d e, e le é u m p o u q u in h o in fer io r a o d e u m filó s o fo . C o m o n o s s o


a d v e n to , p a sso u a existir u m ser n o q u a l a q u e la fo r ç a su til p o r n ó s c h a m a d a
“ m e n t e ” to r n o u -se d e im p o r tâ n c ia m u ito m a io r d o q u e a m era estru tu ra
corp o ral.

H a v ia d e v o ta m e n to em seu in teresse e m r e la ç ã o a o s ín d io s , o
q u e o le v o u a e sc r e v e r u m a n a r ra tiv a id ílic a s o b r e a v id a n a a ld e ia
d e T a v ita , o n d e este v e e m 1 8 5 1 . N e sse p o n to o d iá r io d e W a lla ce
irro m p e e m p o esia - o u m elh o r, e m versos.
H á u m a a ld e ia ín d ia ; a to d a v o lta ,
A so m b r ia , e te r n a flo r e sta s e m lim ite s e sp a lh a
S u a r a m a g e m v a ria d a .

A q u i d e p a ssag em , ú n ico h o m e m b ra n co
E n tr e , ta lv ez, d u a s c e n te n a s d e a lm a s v iv en tes.

C a d a d ia u m a tarefa os o cu p a . A g o r a v ão
A fr o n ta r a o r g u lh o s a flo r e sta , o u e m c a n o a s,
C o m s e u a n z ó is, fle c h a s e a rc o s a p a n h a r p e ix e s ;

U m .. esteira d e fo lh a s d e p a lm e ir a dá
P r o te ç ã o c o n tr a te m p e s ta d e s in v ern a is e c h u v a .

M u lh e r e s d e sen ter r a m r a íz e s d e m a n d io c a
Q u e d e p o is d e m u ita la b u ta se tr a n sfo r m a m e m p ã o .

T o d a s se b a n h a m , m a n h ã s e tard es, n as co r r e n te s,
B r in c a n d o c o m o se fo s s e m sereia s n as o n d a s m a ru lh a n tes.

A s c r ia n ç a s p e q u e n a s a n d a m n u as.
M en in o s e h o m e n s u sa m u m co rd ã o apenas.
Q u e p razer c o n te m p la r esses c o r p o s nus!
P e r n a s b e m fe ita s, p e le m a c ia , lu z id ia e b r o n z e a d a ,
M o v im e n t o s c h e io s d e g ra ç a e v ig o r;
V e n d o - o s c o r r e r , g r ita r e salta r,
N a d a n d o e m er g u lh a n d o n a co rren teza ,

T e n h o p e n a d o s m e n in o s in g leses,
A s p e r n a s á g e is p resa s e m r o u p a s a p erta d a s.

E m u ito m a is p e n a te n h o das m e n in a s
d e cin tu ra , tó r a x e b u s to c o n fin a d o s
n o in str u m e n to d e tortu ra q u e é o co r p e te !

E u b e m q u e seria ín d io a q u i, c o n t e n t e
A caçar e pescar na m in h a can oa,

V e n d o m e u s filh o s c r e sc e r e m q u a is p o tr o s selv a g en s
d e c o r p o sa d io e e s p ír ito tr a n q ü ilo ,
302 R ic o s s e m r iq u e za s e fe liz e s s e m o u r o !
O s D e g r a u s da C ria çã o

M u ito d iferen te foi o se n tim e n to ex p erim en ta d o por C h a rles


D a r w in a o en trar em co n ta to c o m ín d io s su l-a m e r ic a n o s. O s n a ti­
v o s d a T erra d o F o g o h o r r o r iz a r a m -n o : essa im p r e ss ã o é reg istra d a
em su a s p r ó p r ia s p a la v r a s e n o s d e s e n h o s d e s e u liv r o T h e V oyage
o f th e B e a g le ( V ia g e m d o B e a g le ). E v i d e n t e m e n t e , a i n c le m c n c i a
d o c lim a in flu e n c io u o s c o s tu m e s d o s fu e g u in o s, m a s as fo to g r a ­
fia s d o séc u lo X IX não con seg u em m o s tr a r n e le s a b e stia lid a d e
d e scr ita p o r D a r w in . E m su a v ia g e m d e v o lta D a r w in p u b lic o u u m
p a n fle to em co la b o r a çã o com o c a p i t ã o d o B e a g le , c o m a fin a li­
d a d e de, na C id a d e d o C a b o , a p ro v a r o tra b a lh o d e se n v o lv id o p or
m is s io n á r io s e m p e n h a d o s n a t r a n s fo r m a ç ã o d a v id a d o s se lv a g e n s.

D ep o is de ter v iv id o q u a tr o a n o s na b a c ia d o A m a z o n a s W a lla c e
e m p a c o to u su a c o le ç ã o e v o lto u para casa.

F e b r e e t r e m o r e s m e a ta c a r a m n o v a m e n t e , d e m o d o q u e p a sse i v á r io s d ias
e m g r a n d e d e s c o n f o r t o . C h o v ia q u a s e in in t e r r u p t a m e n t e ; a ssim , c u id a r d a s
m in h a s n u m e r o s a s a v es e a n im a is era u m g ra n d e a b o r r e c im e n to , d a d o o
e s ta d o s u p e r lo ta d o da c a n o a , e a im p o ss ib ilid a d e d e lim p á -lo s a p ro p ria d a ­
m e n te e n q u a n to ch o v ia . M o rtes o co rria m to d o s o s d ia s, e e u q u ise r a n a d a

147
D arw in fic o u
h orrorizad o q u a n d o
en con trou os
h a b ita n tes da
Tierra dei F u e g o .
G ra vu ra d e u m
fu e g u in o j u n to d e
su a c h o ç a . E le t e m
u m a fie ir a d e
p e ix e s n a m ã o e e s tá
u san d o um a cap a
d e g u a n a c o , su a
ú n ic a p r o te ç ã o
c o n tr a o s v e n t o s
d e s s a s p r a ia s ú m i d o s
e in c le m e n te s .
D esen h a da p e lo
p red ecesso r de
F itz r o y , C a p itã o
P . P a r k e r K in g .
F o to g r a fia a n tig a d e
u m fu e g u in o
e x p e r im e n ta n d o u m
c ig a n o à b o r d o d o
n a v io b a l e e i r o ,
M o resb y S o u n d ,
T ie n a d e i F u e g o .
303
A Escalada do Homem

m a is te r a v e r c o m ele s, m a s , d e s d e q u e o s h a v ia t o m a d o s o b m e u s c u id a d o ^ 148
d e c id i p reserv á-los. “ A c a b e i d e term in ar
D e u m a c e n te n a d e a n im a is q u e e u h a v ia c o m p r a d o o u g a n h ° , r e sta v a m o m a n u scrito de
m in h a teoria das
a p e n a s trin ta e q u a tr o . esp écies” , escreveu
em 5 de ju lh o de
A v ia g e m d e v o lta fo i d esa stra d a d e sd e o in íc io . A m á sorte s e m ­
1844, em D ow ne.
p r e a c o m p a n h o u W a lla ce. C a n t o d a s a la
d e e s tu d o s d e
N o d ia 10 d e ju n h o p a r tim o s [d e M a n a u s], in ic ia n d o , para m im , u m a v ia g e m D a r w in n a D o w n
d e s a fo r tu n a d a ; lo g o a o su b ir a b o r d o , a p ó s ter d ito a d e u s a o s m e u s a m ig o s, H o u se . U m r e tr a to
vi q u e m e u tu c a n o tin h a d e sa p a r e cid o . S e m ser n o ta d o , ele d e v e ter c a íd o d o a v ô E r a s m u s e s tá
d ep en d u ra d o à
p a ra fora d o b a rco e se a fo g a d o .
d ir e i ta d a ja n e la ,
S u a e sc o lh a d o n a v io ta m b é m f o i d a s m a is in fe liz e s; a ca rg a era a o II1 d o d a c a d e i r a
d e r o d a s d e D a r w in .
c o n stitu íd a de resin a in fla m á v e l e, três se m a n a s d e p o is , a 6 d e
a g o sto , se in c e n d io u .

D e s c i a té à ca b in a , a go ra s u fo c a n te d e c a lo r e fu m a ç a , a v er o q u e p o d e r ia
ser sa lv o . P e g u e i m e u r e ló g io e u m a p e q u e n a c a ix a d e z in c o c o n t e n d o a lg u ­
m a s ca m isa s e d o is v elh o s c a d e r n o s d e a n o ta ç õ e s , q u e c o n tin h a m d e s e n h o s
d e p la n ta s e a n im a is, e, c o m e le s , m e a rr e m e sse i p a ra o c o n v é s . M u ita s r o u p a s
e u m g ra n d e p o r ta -fó lio c o m d e s e n h o s e e sq u e m a s p e r m a n e c e r a m e m m e u
catre, m a s n ã o te n te i d escer p ara recu p erá-los, to m a d o q u e m e e n c o n tr e i
d e tal a p a tia , a té h o je in c o m p r e e n s ív e l p a ra m im .
O c a p itã o a c a b o u m a n d a n d o to d o s p ara o s b o te s , e le m e s m o d e ix a n d o o
n a v io e m ú l t im o lu ga r.
C o m q u e d e s v e lo e u h a via c u id a d o d e c a d a u m d o s in s e to s ra ro s o u c u r io ­
sos d e m in h a c o le ç ã o ! Q u a n ta s vezes, m e sm o q u a n d o q u a se in u tiliz a d o
p e lo s tr e m o r e s , h a v ia m e a r r a sta d o a tr a v é s d a flo r e s ta , p a r a lá ser r e c o m p e n ­
s a d o c o m u m a n o v a esp éc ie ! Q u a n to s lu ga res, ja m a is to c a d o s p o r p é s
e u r o p e u s a n ã o ser o s m e u s, p e r m a n e c ia m n o s r e c ô n d ito s d e m in h a m e m ó r ia ,
lig a d o s q u e fica ra m a o s raros p á ssaro s e in se to s d e m in h a c o le ç ã o !
E a g o ra , t u d o p e r d id o ; n e n h u m e s p é c im e p a ra ilu stra r a s terras d e s c o ­
n h e c id a s q u e p e r c o r r i o u e v o c a r as c e n a s silv estres p r e se n cia d a s! E n tr e ta n to ,
c o m p r e e n d ia a in u tilid a d e d e s s a tr iste z a , d e m o d o q u e te n te i e s q u e c e r o
p a ssa d o e m e o cu p a r das coisa s no seu e sta d o d e ex istê n c ia .

D a m e s m a fo r m a q u e D a r w in , A lfr e d W a lla ce r e to r n o u d o s tr ó ­
p ic o s c o n v e n c id o de que as e sp écies d iv e r g e m a p a rtir d e u m
n ú c le o com u m , e p e r p lex o q u a n to ao p o r q u ê d a s d iv erg ên cia s.
M a s o q u e W a lla ce n ã o sa b ia era o fa to d e D a r w in já ter e n c o n ­
trad o a e x p lic a ç ã o d o is an os d e p o is de ter retorn a d o de sua
v ia g e m n o B e a g le . D a r w i n r e la ta q u e , e m 1 8 3 8 , len d o o E ssa y o n
P o p u la tio n (E n s a io so b re P o p u la ç ã o ) d o R everen d o T h o m a s
M a lth u s (“ para se d istr a ir ” , e n fa tiz a D a r w in , in d ic a n d o , a ssim ,
n ã o ser e ssa o b r a p a r te d e su a s leitu r a s sér ia s), fo i s u r p r e e n d id o
por um p en sam en to exp resso no tr a b a lh o . M a lth u s d iz ia q u e a
3 04 p o p u la ç ã o c r e sc e m a is r a p id a m e n te d o q u e a s fo n te s d e a lim e n to .
S e isso era v e r d a d e , e n tã o o s a n im a is tin h a m d e c o m p e tir en tre
si a fim d e g a r a n tir s u a s r e s p e c tiv a s s o b r e v iv ê n c ia s: a ss im , a n a tu ­
reza deve a g ir na q u a lid a d e d e u m a fo r ç a sele tiv a , m a ta n d o os
m a is fr a c o s, e fo r m a n d o n o v a s e sp é c ie s c o m o s so b r e v iv e n te s q u e
m a is se a d a p ta m a o m e io .
“ A q u i, fin a lm e n te , en con tra va eu u m a teo ria sobre a qual
p o d ia tr a b a lh a r ” , c o m e n ta D a rw in . E ra d e se esp era r q u e , c h e g a d o
a e s s a c o n c l u s ã o , ele passasse im e d ia ta m e n te a o tr a b a lh o , e sc r e ­
v e n d o , fa z e n d o c o n fe r ê n c ia s . M a s e le n ã o fe z n a d a d isso . P o r c in c o
a n o s D a r w in n e m m e s m o r eg istro u su a te o r ia e m p a p e l. S o m e n t e
em 1 8 4 2 é que escreveu u m p r im e ir o r a s c u n h o , a lá p is, d e tr in ta
e c in c o p á g in a s; e, d o is a n o s m a is ta r d e , o e s te n d e u a d u z e n ta s e
tr in ta p á g in a s, a g o r a à tin ta . E ste m a n u s c r ito fo i p o r e le g u a r d a d o ,
ju n ta m en te com a lg u m d in h e ir o e in str u ç õ es para q u e su a esp o sa
o p u b lic a sse , n o c a s o d e le m o rrer.
“ T e r m in e i o m a n u s c r ito d e lin e a n d o m in h a teo ria d a s e sp é c ie s ” ,
e sc r e v e u -lh e , em u m a carta fo rm a l, d a tad a de 5 de ju lh o de
1 8 4 4 , esta n d o em D o w n e , e prossegue:

P o rta n to , escrev o para, n o c a s o d e ser a c o m e t i d o d e m o r t e s ú b it a , fica r


c o m o m e u p e d id o m a is s o le n e e ú lt im o , a o q u a l, e s to u c e r to , v o c ê c o n s id e ­
rará c o m o se fo s s e p a rte d e m e u t e s t a m e n t o leg a l, q u e seja d e s tin a d a a
im p o r tâ n c ia d e 4 0 0 lib r a s para c o b r ir d e s p e s a s c o m a p u b lic a ç ã o e, a in d a ,
q u e v o c ê se o c u p e d a d iv u lg a ç ã o , p e s so a lm e n te o u c o m a a ju d a d e H en sle ig h 3 05
A Escalada do Homem

(W e d g w o o d ). É m e u d e s e jo q u e e s te m a n u s c r ito seja e n tr e g u e a u m a p e s so a
c o m p e t e n t e , b e m c o m o e ss a s o m a e m d in h e ir o p a r a q u e o m a n u s c r it o seja
co rrig id o e a m p lia d o .
E m r e la ç ã o a e d ito r e s , M r. (C h a r le s) L y e ll seria a m e lh o r e s c o lh a , n o c a s o
d e le v ir a a c e ita r ; a c r e d i t o q u e e le a c h a r á o t r a b a l h o a g r a d á v e l, a o m e s m o
t e m p o q u e terá o p o r tu n id a d e d e to m a r c o n h e c im e n to d e a lg u n s fa to s n o v o s.
O D r. U o s e p h D a lto n ) H o o k e r seria , ta m b é m , m u ito b o m .

D a rw in n o s d á a im p r e ssã o d e ter p r e fe r id o v er o tr a b a lh o p u ­
b lic a d o a p ó s su a m o r te , d e sd e q u e a p r io r id a d e lh e fo s s e a sse g u ­
rada. N ão resta d ú v id a d e q u e era u m ca rá ter e str a n h o . R e v e la 1 49
D a rw in n o s dá a
u m h om em p e r fe ita m e n te co n scien te d o fato de estar d iz e n d o im p r e s s ã o d e ter
a lg o p r o fu n d a m e n te c h o c a n te p a ra o p ú b lic o (m a is c h o c a n te a in ­ p referid o v er o
trab a lh o p u b lica d o
d a p a r a s u a e s p o s a ), e, a té c e r to p o n t o , c h o c a n t e p a r a e le m e s m o .
ap ós sua m orte,
A h ip o c o n d r ia (e m b o r a tiv e sse c o m o d e s c u lp a a lg u m a s in fe c ç õ e s desde que a
c o n tr a íd a s nos tró p ico s), os v id r o s de r e m é d io s, a a tm o sfera p r io r id a d e lh e fosse
assegurada.
r e c lu sa e d e c e r ta fo r m a s u fo c a n te d e su a ca sa e sa la d e e s tu d o , C h a r le s D a r w in n o s
os c o c h ilo s v e sp e r tin o s, a r e lu tâ n c ia em escrever, a recu sa ao s e u s ú l t i m o s d ia s , d e
u m a fo to g r a fia
d eb a te p ú b lic o : tu d o isso c o m p õ e o q u a d r o h u m a n o d e a lg u é m
tir a d a e m D o w n e .
q u e n ã o q u eria e n fr e n ta r o s o u tro s.
N o jov em W a lla ce, e v id e n te m e n te , n e n h u m a d essa s in ib iç õ e s
en con tra va m g u a r id a . A d e sp e ito de to d a s as a d v e r sid a d e s se 1 50
la n ço u im p etu o sa m en te em d ireçã o ao E x trem o O r ie n te em H e n r y B a tes
r ea lizo u im p o r ta n te s
1 8 5 4 , v ia ja n d o , n o s o ito a n o s s e g u in te s, p o r t o d o o a r q u ip é la g o estu d os sobre
M a la io em busca de esp écim es da v id a selv a g em para serem m im etism o nos
in seto s.
v e n d id o s n a In g la terra . A g o r a já se c o n v e n c e r a d e q u e as e s p é c ie s M im e tism o
n ão eram im u tá v e is: em 1855 p u b lic a u m en sa io O n th e L a w p r o te tiv o e m u m a
e s p é c ie d e b o r b o le ta .
w h ic h has r e g u la te d th e I n tr o d u c tio n o f N ew S p e c ie s (S o b r e a
A pequ en a
L ei qu e te m r e g u la d o a I n tr o d u ç ã o d e N o v a s E s p é c ie s ). D a í e m D ism o rp h ia d o
A m a z o n a s é c o m id a
d ia n te “a q u estão de co m o as e sp écies v a r ia v a m , ra ra m en te
p e lo s p á ssa ro s, m as
abandonava m eu p en sa m en to ” . m im e tiz a trê s
E m fev e r e ir o d e 1 8 5 8 e n c o n tra v a -se e n fe r m o e m u m a p eq u en a e s p é c ie s d ife r e n te s
q u e s ã o r e je ita d a s
ilh a v u lc â n ic a d a s M o lu c a s , Ilh a T e r n a te d o co n ju n to d a s Ilh a s p o r e le s . A e s p é c i e
S p ic e , en tre N o v a G u in é e B o rn é u . S u a feb re in te r m ite n te , c o m D i s m o r p h i a e stá
m o s tr a d a n a c o lu n a
c a lo r e s e ca la frio s a lte r n a n d o -se , to r n a v a e s p a s m ó d ic o s se u s p e n ­ d a d ir e ita : d e c im a
s a m e n to s . E a q u i, e m u m a n o ite d e feb re, le m b r o u -se d o m e s m o p a r a b a ix o ,
D ism o rp h ia
liv ro d e M a lth u s e a m e s m a e x p lic a ç ã o r e la m p e jo u e m sua m en te,
a m p h ion e egaena,
ig u a l a o q u e h a v ia a c o n t e c id o c o m D a r w in . D ism o rp h ia th eon e
e D is m o r p h ia orise.
O correu -m e fazer a seg u in te p ergu n ta: P o r q u e a lg u n s m o r r e m e o u tr o s A s e s p é c ie s
so b r e v iv em ? E a r e s p o s ta f o i c la ra : n o c o n j u n t o , o m a is b e m - e q u ip a d o s o ­ m im e tiz a d a s p o r
e la s s ã o M e c h a n i ti s ,
b revive. A c o m e t id o s p o r d o e n ç a s , o s m a is s a d io s r e siste m ; p e r se g u id o s p o r
306 in im ig o s, o s m a is fo r te s, o s m a is á g e is, o s m a is e sp e r to s; p e la fo m e , o s m e -
O lerea e
X a n th o cleis.
A Escalada do Homem

lh o r e s c a ç a d o r e s o u a q u e le s c o m m e lh o r c a p a c id a d e d ig e stiv a , e a ssim p o r
d ia n te.
E n tã o e u p e r c e b i im e d ia ta m e n te q u e a in te r m in á v e l v a r ia b ilid a d e d e
to d a s as c o is a s v iv e n te s fo r n e c ia o m a te r ia l a tr a v é s d o q u a l, p e la s im p le s
e lim in a ç ã o d o s m e n o s a d a p ta d o s às c o n d iç õ e s v ig en tes, a p e n a s o s m a is
e q u ip a d o s d a v a m c o n tin u id a d e à raça.
A li, n a q u e le m e s m o m o m e n t o , a id é ia d a s o b r e v iv ê n c ia d o m a is b e m -
-d o ta d o se r e v e lo u à m in h a m e n te .
Q u a n t o m a is p e n sa v a s o b r e o a ss u n to m a is m e c o n v e n c ia d e q u e h a via,
fin a lm e n te , e n c o n tr a d o a lei n a tu ral h á ta n to t e m p o p r o cu r a d a , a tra vés da
q u a l p o d ia reso lv er o p r o b le m a d a O r ig e m d a s E s p é c ie s. . . A n s io s a m e n te
esp erei p e lo té r m in o d o a c e s so d e feb re, a im i d e q u e p u d e s se to m a r a lg u m a s
n o ta s para ser e m u sa d a s n a e la b o ra ç ã o d e u m fu tu r o trab a lh o so b re esse
a s s u n to . N a m e s m a ta r d e e u o fiz, c a b a lm e n te , e n a s d u a s ta r d e s s u b s e q ü e n -
te s esc r e v i-o c u id a d o s a m e n te , c o m o in tu ito d e e n v iá -lo s a D a r w in , a p r o v e i­
ta n d o a m a la p o s t a l q u e p a rtiria d e n t r o d e u m o u d o is d ias.

W a lla ce sa b ia d o in ter e sse d e D a r w in p e lo a ss u n to e su g eriu q u e


esse m o stra sse o tr a b a lh o a L y e ll, n o c a s o d e s te v er n e le a lg u m
v a lo r.
Q u a tr o m e se s d e p o is, e m 18 d e ju n h o d e 1 8 5 8 , D a rw in r eceb eu
o tr a b a lh o d e W a lla ce e m se u e scritó rio na D o w n H o u se. F ic o u
sem saber o q u e fa zer. D u r a n te v in te a n o s e le h a v ia c u id a d o s a ­
m e n t e a c u m u la d o fa to s a fa v o r d e su a te o r ia , e e is q u e ta l q u a l u m
r a io , c a i e m su a m e s a u m tr a b a lh o so b r e o q u a l e le la c o n ic a m e n te
e s c r e v e u n o m e s m o d ia :

J a m a is v i t a m a n h a c o in c id ê n c ia ; se W a lla c e tiv esse c o n h e c i m e n t o d e m e u


M S . (m a n u s c r ito ) e m 1 8 4 2 , ele n ã o p o d e r ia ter fe ito m e lh o r r e s u m o d o
m esm o!

E n treta n to , a m ig o s r e so lv e r a m o d ile m a e m q u e D a rw in se e n ­
co n tra v a . L y ell e H ooker, que por essa é p o c a já tin h a m tid o
acesso a p a rtes d o tra b a lh o d ele, p r o v id e n c ia r a m para que, na
a u sê n c ia d o s d o is - W aU ace e D a rw in - u m tr a b a lh o d e c a d a u m
fo sse lid o , n o m ê s se g u in te , e m u m a r e u n iã o d a S o c ie d a d e L in e a n a .
O s tra b a lh o s n ã o provocaram a m e n o r a g ita çã o . N o en tan to,
D a r w in sen tiu -se forçad o a to m a r u m a a titu d e. W a lla c e era,
segu n d o d escriçã o de D a rw in , “gen eroso e n o b r e ” . A ssim , a
O r ig e m d a s E s p é c ie s fo i escrita . S u a p u b lic a ç ã o , em 1 8 5 9 , se
c o n stitu iu e m se n sa ç ã o im e d ia ta e su c e sso d e v e n d a g e m .

A teo ria d a e v o lu ç ã o p ela se le ç ã o n a tu ra l fo i, s e m a m e n o r d ú v id a ,


a in o v a ç ã o c ie n tífic a d e m a io r im p o r tâ n c ia d o s é c u lo X I X . P a ssa d a
3 08 to d a a o n d a d e c o m e n tá r io s jo c o s o s p o r e la su sc ita d a , o m im d o
Os Degraus da Criação

151 d o s ser e s v iv o s fic o u d ifer e n te , porque agora era u m m u n d o em


Passada to d a a m o v im e n t o . A c r ia ç ã o n ã o é e stá tic a , v a r ia n o te m p o , e m c o n tra ste
onda de
com en tários jo c o so s com o s p r o c e s s o s f ís i c o s . H á d e z m i l h õ e s d e a n o s o m u n d o f í s ic o
p o r ela s u s c it a d a , se a p resen ta va tal qual o c o n h e c e m o s h o je , e s u a s leis e r a m as
o m u n d o d os seres
v iv o s fic o u diferen te. m esm as. M as o m u n d o dos seres v iv o s não era o m esm o; por
C a ric a tu ra d e e x e m p lo , h á d e z m ilh õ e s d e a n o s n ã o h a v ia seres h u m a n o s c a p a z es
C h a rle s D a r w in n o
d e d isc u ti-lo . D ife r e n te m e n te d o que ocorre co m a f ís ic a , q u a l­
“H o r n e t ", 2 2 d e
m a rço d e 1 8 7 1 . q u er g en er a liz a ç ã o em b io lo g ia r e p r e se n ta u m co rte n o tem po; e
a e v o lu ç ã o é o a gen te c r ia d o r d a o r ig in a lid a d e e d a n o v id a d e n o
U n iv e r so .
A ssim sen do, cada u m de nós traça sua p r ó p r ia c o n s tr u ç ã o
desd e o s p r o c e s s o s e v o lu c io n á r io s p r im o r d ia is d o a p a r e c im e n to
d a v id a . D a r w i n , é c la r o , e W a l l a c e e x a m i n a r a m c o m p o r t a m e n t o s,
m ed ira m e s q u e le to s n a s fo r m a s a g o ra a p r e se n ta d a s, e fó sseis nas
fo r m a s q u e tin h a m , a fim d e r e c o n s tr u ir o s p o n t o s d a v ia p e r c o r ­
r id a por v ocê e por m im . E n treta n to , com p o rta m en to , ossos,
F o to g r a fia d e fó s s e is já r e p r e s e n t a m f o r m a s c o m p l e x a s d e m a n if e s t a ç ã o d e v id a ,
W a l/a c e a d m i r a n d o o r g a n iz a d a s a p a rtir d a c o m b in a ç ã o d e u n id a d e s m e n o r e s , m a is
um Erem urus
rob u stu s flo r id o , e m sim p le s, q u e d ev em ser m a is a n tig a s. C o m o d e v er ia m ser a s p ri­
seu ja r d im , e m 1 9 0 5 . m e ir a s u n id a d es sim p le s? P r e s u m iv e lm e n te m o lé c u la s sim p le s
co m c a r a c te r ís tic a s d e v id a .
D e m a n e ir a q u e , a o p r o c u r a r m o s v islu m b r a r a o r ig e m co m u m
d a v id a , h o je tem o s de o lh a r , a in d a m a is p r o fu n d a m e n te , p a r a a
estru tu ra q u ím ic a c o m u m a to d o s nós. O sa n g u e, flu in d o n este
m o m e n to em m eu dedo, v eio , a tra v és d e m ilh õ e s d e etap a s, a
p a r tir d as m o lé c u la s p r im o r d ia is c a p a z e s d e se r e p r o d u z ir e m ao
lo n g o d e m a is d e três b ilh õ e s d e a n o s. T a l é o c o n c e ito d e e v o lu ç ã o
em s u a f o r m a c o n t e m p o r â n e a . O s p r o c e s s o s a tr a v é s d o s q u a is e la
se d e se n v o lv e d ep en d em , em p a rte, d a h e r e d ita r ie d a d e (a q u a l
n em D a r w in , n e m W a lla c e c o m p r e e n d e r a m ) e, t a m b é m , e m p a r te ,
da estru tu ra q u ím ica (a q u a l, n o v a m e n t e , e r a f e u d o d a c iê n c ia
fr a n c e s a , e n ã o d e n a tu r a lista s b r itâ n ic o s ). A s e x p lic a ç õ e s e m a n a m
c o n j u n t a m e n t e a p a r tir d e d if e r e n t e s c a m p o s , m a s t e n d o e n t r e e la s
um p o n to e m c o m u m . R e p re se n ta m a sesp écies sep ara n d o-se u m as
das o u tras em e stá g io s su c e ssiv o s — im p lic a ç ã o n e c e ssá r ia a o se
a c e ita r a t e o r ia d a e v o lu ç ã o . A s s im , a p a rtir d e s s e m o m e n t o , n ã o
^rn;:tis e r a p o s s í v e l a c r e d i t a r n a p o s s ib ilid a d e d a v id a ser r e c r i ^ ^
d e n o v o , a q u a lq u e r m o m e n to .

A im p lic a ç ã o da teo ria da e v o lu ç ã o d e q u e a lg u m a s e sp écies


a n im a is apareceram d e p o is d e o u tra s era co n te sta d a p o r a lg u n s 3 09
-
Os Degraus da Criação

152
A p ed id o d o d e seus c r ític o s c o m c ita ç õ e s d a B íb lia . A lg u n s a c r e d ita v a m que
Im perador da o So1, ag in d o so b r e a la m a d o N ilo , p o d ia g era r c r o c o d ilo s. C a-
França, foi
encarregado de m u n d on gos p o d ia m b ro ta r e sp o n ta n e a m e n te d e m o n te s d e tra­
estudar a s ca u sa s das p os; e, o b v ia m e n t e , v a r e je ir a s se o r ig in a v a m d e ca rn e estragad a.
d ificu ld a d es q u e
L arvas d e v ia m ser c r ia d a s n o in ter io r d e m a çã s - fo sse d e ou tra
v in h a m s e n d o
exp erim en ta d as c o m form a, c o m o p o d e r ia m ter e n tr a d o ? T o d a s e ss a s c r ia tu r a s e r a m
a ferm entação do s u p o sta s su r g ir em e s p o n ta n e a m e n te , sem o c o n c u r so d e p ro g en ia .
v in h o .
L a b o r a tó r io d e A s fá b u la s tr a ta n d o d e c r ia tu r a s g e r a d a s e s p o n ta n e a m e n te sã o
P a ste u r . a n tiq ü íssim a s, e a in d a a c r e d ita d a s , a d e s p e ito d e L o u is P a steu r
ter c la r a m e n te ex p o sto a fa lá cia dessa c r e n d ic e na d écad a de
1 8 6 0 . A m a io r p a rte d o seu tra b a lh o f o i r e a liz a d o n a casa n o
J u ra fr a n c ê s o n d e h a v ia v iv id o d u r a n te su a in fâ n c ia , e p ara a q u a l
a d o r a v a v o lta r t o d o s o s a n o s. E le já h a v ia tr a b a lh a d o e m ferm en ­
ta ç ã o a n tes d isso , p a r tic u la r m e n te so b r e a fe r m e n ta ç ã o d o leite
(a p a la v r a “ p a s te u r iz a ç ã o ” n o s fa z le m b r a r d isso ). M a s, e m 1863,
e le v iv ia o auge d e seu p o d e r c r ia tiv o (c o n ta v a q u a r e n ta a n o s)
q u a n d o fo i en ca rreg a d o , a p e d id o d o Im p erad or, d e estu d ar as
cau sa s d as d ific u ld a d e s q u e v in h a m sen d o e x p er im e n ta d a s c o m a
ferm en ta çã o d o v in h o . O p r o b le m a fo i r e so lv id o e m d o is a n o s .
N o te-se que, p o r -ir o n ia , a q u e le s f o r a m d o is d o s m e lh o re s a n o s
p ara a p r o d u ç ã o d e v in h o ; a té h o je, a safra d e 1 8 6 4 é c o n sid e r a d a
I
c o m o sem r iv a l.
“ O v in h o é u m o c e a n o d e o r g a n is m o s ” d isse P a steu r. “ A lg u n s
lh e co n ferem v id a e o u tr o s o d e s t r o e m .” D o is p o n to s sã o fu lm i­
n a n tes n esse p en sam en to. O p r im e ir o d á c o n h e c im e n to d e o rg a ­
n ism o s c a p a z e s d e v iv er n a a u s ê n c ia d e o x ig ê n io . N a q u e le t e m p o
isso era a p e n a s u m a b o r r e c im e n to p ara o s p r o d u to r e s d e v in h o ,
m as, co m o t e m p o , se to r n o u m a is im p o r ta n te p a ra a c o m p r e e n s ã o
153 d a o rig e m d a v id a , s im p le s m e n te p orq u e, em seu s p r im ó rd io s, a
A çú car d e uva T erra n ão d isp u n h a d e o x ig ê n io . O se g u n d o p o n to a testa o fa to
fe rm e n ta n d o n a
p re sen ça d e fu n g o s. d e q u e P a steu r d isp u n h a d e u m a té c n ic a p o d e r o sa , ca p a z d e id e n ­
tific a r a presen ça de tr a ç o s d e v id a n o in terio r d e líq u id o s. A o s
v in te a n o s tin h a fic a d o c o n h e c id o p o r ter m o str a d o a e x istê n c ia
d e m o lé c u la s p o r ta d o r a s d e fo r m a s c a r a c te r ístic a s. E, d e s d e e n tã o ,
a c u m u la r a in d íc io s n o s e n tid o d e m o str a r q u e isso se d e v ia às su a s
o r ig e n s , a p a rtir d e p r o c e s s o s v ita is. E ssa d e s c o b e r t a p a s s o u a ter
u m sig n ific a d o tão p r o fu n d o , e a té h o je d e certa fo r m a e n ig m á ­
tic o , q u e não p o d em o s d eix a r d e ir a t é o l a b o r a t ó r i o d e P a s t e u r
e rev e r se u p r ó p r io r e la to .
Q u a l seria a m e lh o r c o m p a r a ç ã o p a ra d ar c o n ta d o q u e a c o n te c e c o m °
Vin h a ç o n o in terio r da cu b a ? M assa de p ã o d e ix a d a crescer, a z e d a m e n to d o 311
{<««#!
cniV>«^ Ç#v*l' W~ví*^~ %i**~jji\»y ^ A(VtA*K. i \o ^ 4 u ^ ~ a ffr*ibíj +t ~
t i. - tf » J -* i-Uf1 ér4-------- ff r r
Í~--- ^ ,-
C o C ^ ^ ^ Í Co & ^ p t^ % 4W« tAC
^ 3 V . '?'»-'v^**l.. i ^ ('u ik j 2)< <M V / J J ~ fc“'4-
<r^ ^vi*»^, tr^-/ — ^o c~*_ v íl#/.«^r ^ ?/ r},
V
* \ j \ (u
ÍV 1 .'Tv»**A**'-5r*'5 . 4 r 4**. *&*•-» ^ ^Zi~~3 c . v ~*Ja.Jt-
y ^ ' ^ l ’J ° } ^
Os Degraus da Criação

leite se tr a n sfo r m a n d o e m co a lh a d a , o u o a p o d r e c im e n to d e fo lh a s m o r ta s
se tr a n s fo r m a n d o e m h ú m u s? D e v o c o n fe s sa r q u e m in h a s p e sq u isa s tê m
sid o , d e s d e lo n g a d a ta, d o m in a d a s p ela id é ia d e q u e as estru tu ra s das
s u b s tâ n c ia s , t o m a d a s d o p o n t o d e v ista d e s u a s c o n fo r m a ç õ e s lev o g ir a e
d e x tr o g ir a (se t u d o m a is fo r ig u a l), d e s e m p e n h a m p a p el im p o r ta n t e n as
m a is Í n t im a s leis d a o r g a n iz a ç ã o d o s s e r e s v iv o s, in t e r e s s a n d o a o s r e c ô n d it o s
m a is o b s c u r o s d e su a s fIsio lo g ia s.

D e x t r o g ir o , le v o g ir o ; e s s e f o i o v e io fé r til s e g u id o p o r P a s te u r
em su a s p e s q u is a s s o b r e a v id a . O m u n d o e stá r e p le to d e e x e m p lo s
d e estru tu ra s q u e se a p resen ta m aos pares, c o m o im a g en s e sp e ­
cu la res u m as das o u tra s, o n d e as p r o p r ie d a d e s de um a d ela s,
e s q u e r d a , s ã o d ife r e n te s d a o u tr a , d ir e ita . S a c a r r o lh a p a ra a d ir eita
e sa c a r r o lh a para a esq uerda; cara m u jo s co m e sp ir a is p a ra a e s ­
q u e r d a o u p a ra a d ireita . A c im a d e tu d o , as d u a s m ã o s ; c a d a u m a
e sp elh a a im a g e m d a ou tra , m as n ã o p o d e m ser in te r c a m b iá v e is.
M e s m o n o te m p o d e P a steu r se sa b ia d a o c o r r ê n c ia d o fe n ô m e n o
em a lg u n s c r ista is, cu ja s faces são a rra n jad as se g u n d o im a g e n s
e sp e c u la r e s, d e u m para ou tro .
P a steu r co n stru iu m o d e lo s d e m a d e ir a d e s se s c r ista is (era h a ­
b ilid o so com as m ã o s e e x ím io d e se n h ista ), q u e e r a m so b r e tu d o
m o d elo s in telectu a is. N a p r im e ir a fa se d e su a s p e sq u isa s c h e g o u
à n o çã o de que h a v ia m o lé c u la s cu ja s e str u tu r a s e r a m im a g en s
e sp e c u la r e s d e o u tra s; a ss im , se isso er a v e r d a d e p a ra o s c r ista is,
e sse a rra n jo d ife r e n te d e v ia im p lic a r d ife r e n te s p r o p r ie d a d e s p ara
as m o lé c u la s ta m b é m . E isso d e v ia ser d e m o n s tr á v e l a tr a v é s d o
154
D ex tro g iro , lev og iro ; co m p o rta m en to d a s m o lé c u la s, e m s itu a ç õ e s d e d issim e tria . P o r
essa fo i a im p o r ta n te e x e m p lo , se e m um a so lu ç ã o se fiz e r a tra v essa r u m fe ix e d e lu z
pista seg u id a p o r
P asteur n o e s tu d o p o l a r i z a d a ( i s t o é , a s s i m é t r i c a ) , a s m o l é c u l a s d e u m t i p o ( d i g a m o s,
d a vid a . as d ex tro g ira s) d ev em im p o r u m a ro ta çã o d o p la n o d a lu z p o l a ­
M o d e lo s d e m a d e ir a
riz a d a para a esq uerda. U m a so lu ç ã o de c r ista ix to d o s de u m
d o s c r is ta is
d e x tr o g ir o e m e sm o tip o , irá se c o m p o r ta r a ss im e tr ic a m e n te e m r e la ç ã o a u m
le v o g iro d o ra io de lu z a ssim é tr ic o o b tid o p or m e io d e u m p o la r íim e t r ° . A o
ta r ta r a to , f e i t o s
p o r P a ste u r . se g irar o d isc o d e p o la r iz a ç ã o , a s o lu ç ã o a p a r e c e r á e scu ra e c la r a ,
P á g in a o p o s t a : e e s c u r a e c la r a n o v a m e n t e .
P a ste u r c o m u m
O fa t o im p o r ta n te é q u e s o lu ç õ e s q u ím ic a s d e c é lu la s v iv a s se
a m ig o d o J u r a , a o
te m p o q u e c o m p o rta m d a m e s m a m a n e ir a . A in d a n ã o s a b e m o s p o r q u e a v id a
in v e s tig a v a a ap resen ta essa estra n h a p r o p r ie d a d e ; m a s essa p r o p r ie d a d e e sta ­
fe r m e n ta ç ã o d o
b e le c e q u e a v id a é p o r ta d o r a d e c a r a c te r ís tic a s q u í m ica s e s p e c í­
v in h o e m 1 8 6 4 .
P á g in a c r u c i a l d o fic a s , m a n tid a s d u ra n te to d o o p rocesso da e v o lu ç ã o . P e la
p r o to c o lo d e p r im e ir a v ez, P a steu r lig o u to d a s a s f o r m a s d e v id a a u m tip o d e
P a ste u r s o b r e a
e str u tu ra q u ím ic a . A p a rtir d e s se p o d e r o s o p e n s a m e n to s e g u e-se
e s tr u tu r a d o s
c r i s t a is , 1 8 4 7 . q u e p o d e m o s lig a r a e v o lu ç ã o à q u í i m c a . 313
A Escalada do Homem

A teoria da evolução deixou de ser um campo de batalha. Isto


porque as evidências a seu favor são hoje muito mais ricas e
variadas do que eram na época deDarwin eWallace. E aevidência
mais interessante e moderna é fornecida pela química de nosso
corpo. Vejamos um exemplo prático: sou capaz de mover minha
mão neste momento porque os músculos contêm uma reserva de
oxigênio, aí mantida graças àexistência deuma proteína chamada
mioglobina, composta de cento ecinqüenta ácidos aminados. Este
número é o mesmo em mim e em todos os animais possuidores
de mioglobina, embora os ácidos aminados possam apresentar
pequenas diferenças. Entre a minha e a do chimpanzé há apenas
uma diferença emumácido aminado; entre a minha e a do musa­
ranho (que é um primata primitivo) há várias diferenças entre os
ácidos aminados; e, enfim, entre a minha e a do carneiro ou do
camundongo, o número de diferenças aumenta. A medida da
distância evolucionária entre mim e os outros mamíferos é dada
pelo número de diferenças entre os ácidos aminados.
É evidente que devemos buscar o processo evolucionário da
vida na estruturação das moléculas químicas. E essa estruturação
deve ter começado nas matérias que ferviam na Terra em forma­
ção. Para falar sensatamente sobre o início da vida devemos
adotar uma atitude bastante realista. A pergunta a ser formulada
é histórica. Como eram a superfície da Terra e sua atmosfera há
quatro bilhões de anos, antes do aparecimento da vida?
Muito bem, temos uma resposta aproximada. A atmosfera era
expelida a partir do interior da Terra, e, portanto, devia ser se­
melhante à vigente nas imediações de um vulcão em atividade -
uma mistura de vapor, nitrogênio, metano, amônia e outros gases
redutores, assim como umpouco de dióxido de carbono. Um gás
não está presente: nãohá oxigênio livre. Este pormenor é crucial,
uma vez que o oxigênio é produzido pelas plantas e não existia 1 55
em sua forma livre antes do aparecimento da vida. O s á c id o s a m in ad o s
Fracamente solúveis no oceano, esses gases formavam uma sã o as unid ad es
e l e m e n t a r e s d a v ida.
atmosfera redutora. Como, então, reagiriam sob a ação de raios, L e s lie O rg e l e
descargas elétricas e, particularmente, sob a ação da luz ultravio­ R o b e rt Sanchez
o bservam um a
leta - a qual ocupa lugar de importância em qualquer teoria d e sc a rg a e lé tr ic a e m
da vida, uma vez que pode penetrar na ausência de oxigênio -? u m a p a r e lh o n o
I n s t i t u t o S a lk .
Essa pergunta foi respondida nos Estados Unidos, na década de N o f r a s c o d e M i ll e r
1950, por meio deumelegante experimento realizado por Stanley a p a r e c e m r u ía
Miller. Tendo colocado a atmosfera em um frasco - metano, h o m ú n c u lo s , m a s,
314 amôni^ água eassimp°r diante —passou a, dia após dia, aquecê-
s im , á c id o s
a m in a d o s .
A Escalada do Homem

-la e s u b m e t ê - la a d e s c a r g a s e lé t r ic a s ( s i m u l a n d o r a io s ) e a o u t r a s
fo r ç a s v io le n ta s. A m istu ra torn o u -se m a is e scu ra . P o r q u ê ? N o s
te ste s p ô d e -se m o str a r q u e á c id o s a m in a d o s h a v ia m -se fo r m a d o
n o seu in terio r. E ssa v e r ific a ç ã o se c o n stitu iu em u m grande
avanço, um a vez que o s á c id o s a m in a d o s sã o o s tijo lo s c o m os
q u a is a v id a é c o n s tr u íd a . A p a rtir d e le s a s p r o te ín a s s ã o f o r m a ­
d a s , e e s ta s s ã o c o n s t itu in t e s d e to d a s a s c o is a s v iv a s.

A té h á p o u c o s a n o s a trá s p e n s á v a m o s q u e a v id a s ó p o d e r ia ter-se
in ic ia d o s o b c o n d iç õ e s d e a q u e c im e n to , v a p o r e s e d e sca r g a s e lé ­
tr ic a s. A o s p o u co s, en tretan to , foi fic a n d o c la r o na m en te de
a lg u n s c ie n tista s que o u tro tip o de c o n d iç õ e s extrem as eram
ig u a lm e n te poderosas: isto é, a p resen ça d e g elo . É u m pensa­
m e n to e str a n h o ; m a s o g e lo a p r e se n ta d u a s p r o p r ie d a d e s m u ito
in ter e ssa n te s p a ra a fo r m a ç ã o d e m o lé c u la s sim p le s, b á sica s. E m
p r im e ir o lu g a r, o p r o c e s so d e r e sfr ia m e n to c o n c e n tr a m a te r ia l,
q u e, n o in íc io d o s te m p o s, d e v ia se a p r ese n ta r s o b fo r m a b a sta n te
d ilu íd a n o ocean o. E , em s e g u n d o lu g a r, p o d e a c o n te c e r q u e a
estru tu ra c r ista lin a do g elo torn e p o ssív e l a o r g a n iz a ç ã o d e se-
q ü ên cia s de m o lé c u la s , as q u a is são certam en te im p o rta n tes a
c a d a e s tá g io d a v id a .
S eja co m o for, L eslie O rg el r e a liz o u u m a série d e e le g a n te s
e x p e r im e n to s d o s q u a is d e s c r e v e r e i o m a is s im p le s . T o m o u a lg u n s
dos c o n s titu in te s fu n d a m e n ta is o s q u a is d e v ia m estar p resen tes
na a tm o sfera da T erra e m q u a lq u e r e stá g io d o s te m p o s p r im o r ­
d ia is: o á c id o c ia n íd r ic o é u m d eles; a a m ô n ia é o u tr o . D e p o is d e
preparar um a so lu ç ã o d ü u íd a d esses com p o n en tes, c o n g e lo u -a
d u ra n te v á r io s d ia s. C o m o resu lta d o ob servou que o m a te r ia l
co n cen tra d o era em p u rra d o para a su p e r fíc ie , a í p e r m a n e c e n d o
sob a f o r m a d e m in ú s c u lo s ic e b e r g s e a p r e s e n ç a d e c o lo r a ç ã o ,
a in d a q u e p á lid a , r e v e la n d o a fo r m a ç ã o d e m o lé c u la s o r g â n ic a s.
A lg u n s á c id o s a m in a d o s, se m d ú v id a ; m a s , p r in c ip a lm e n te , O r g e l
c o n sta to u a fo r m a ç ã o d e u m d o s q u a tro c o n stitu in te s fu n d a m e n ­
ta is d o a lf a b e to g e n é t ic o , d o q u a l d e p e n d e m to d o s os p rocessos
v ita is. H a v ia s in t e t iz a d o a d e n in a , u m a d a s q u a tr o b a s e s d o A D N
(v. p á g. 3 9 0 ) . A s s im , é p o s s ív e l q u e o a lf a b e to d a v id a n o A D N
se ten h a fo r m a d o n essas c o n d iç õ e s, e n ã o , c o m o se p en sa v a , e m
c o n d iç õ e s tro p ica is.

O p r o b le m a d a o rig em d a v id a g ir a e m to rn o , n ã o d as m o lé c u la s
3 1 6 m a is c o m p le x a s , m a s , s im , d a s m a is s im p le s , c a p a z e s d e se r e p r o -
Os Degraus da Criação

d u z ir em . A c a p a c id a d e de r e p r o d u z ir c ó p ia s a tiv a s da m esm a
m o lé c u la é a c a r a c te r ís tic a d a v id a ; e a q u e s tã o d a o r ig e m d a v id a
é, p o r t a n t o , a q u e s t ã o d e se s a b e r se as m o lé c u la s b á sica s id e n ti­
fic a d a s n o s tra b a lh o s d a p resen te g era çã o d e b ió lo g o s p o d e r ia m
ter sid o form a d a s a tra v és de p rocessos n a tu r a is. A r esp eito da
o rig em da v id a , s a b e m o s m u ito b em o q u e esta m o s procu rando:
m o l é c u l a s s im p le s , e l e m e n t a r e s , ta is q u a is a s a s s im c h a m a d a s b a s e s
(a d e n in a , tim in a , g u a n in a , c ito s in a ) c o m p o n e n t e s d a s e sp ir a is d o
A D N , as q u a is se r e p r o d u z e m a si p r ó p r ia s d u r a n te a d iv isã o d e
q u a lq u e r c é lu la . O c u r so su b se q ü e n te , a tra vés d o qual os orga­
n ism o s to rn a ra m -se m a is e m a is c o m p le x o s , en v o lv e um o u tro
tip o de p r o b le m a , o e sta tístic o : isto é, a e v o lu ç ã o d a c o m p le x i­
d a d e p o r m e io d e p r o c e s so s e sta tístic o s.
É ju sto que se p erg u n te se as m o lé c u la s a u to m u ltip lic a d o r a s
fora m fo r m a d a s m u ita s v e z e s, e m d ife r e n te s lo ca is. E ssa q u e stã o
só p o d e ser r e sp o n d id a p o r in fer ê n c ia s b a sea d a s e m in ter p re ta ç õ e s
fo r n e c id a s por in d íc io s c o lh id o s ju n to aos seres v iv o s a tu a is.
A tu a lm e n te , a v id a é c o n tr o la d a p o r u m a s p o u c a s m o lé c u la s -
as q u a tro bases do A D N . E la s e n c e r r a m a s m e n s a g e n s d a h e r e d i­
ta r ie d a d e em cada u m a de tod as as c r ia tu r a s c o n h e c id a s; da
b a ctéria ao e le fa n te ; d o v ír u s à r o sa . U m a c o n c lu s ã o p o ssív e l,
ten d o em v ista a u n ifo r m id a d e d o a lf a b e to d a v id a , é a d e q u e
esses são os ú n ic o s arran jos a tô m ic o s capazes de m a n te r a se-
q ü ê n c ia d e a u to -r e p r o d u ç ã o .
C o n t u d o , h á a p e n a s a lg u n s b ió lo g o s fa v o rá v eis a e ss a h ip ó te se .
A m a io r ia p refere pensar que a n a tu r e z a seja c a p a z d e in v e n ta r
o u tro s a rran jos a u to m u ltip lic a d o r e s; as p o ssib ilid a d e s segura­
m en te seria m m a io r e s d o q u e as q u a tr o m e n c io n a d a s. S e isso fo r
c o r r e to , e n t ã o , a r a z ã o p e la q u a l a v id a , tal c o m o a c o n h e c e m o s ,
é d ir ig id a p ela s m e s m a s q u a tr o b a ses, é q u e s im p le sm e n te a c o n ­
te c e u d a v id a ter c o m e ç a d o com e la s. S o b e s s a in te r p r e ta ç ã o , a s
b a se s sã o p r o v a d e q u e a v id a só c o m e ç o u u m a v ez . D e p o is d isso ,
q u a n d o su rg ia q u a lq u e r o u tr o a r r a n jo , n ã o c o n s e g u ia lig a r -se às
fo r m a s d e v id a já e x is te n te s . E v id e n te m e n te , n in g u é m m a is p e n s a
q u e a v id a a in d a e ste ja s e n d o c r ia d a d o n a d a a q u i n a T erra.

A b io lo g ia teve a fortu n a d e d esco b rir, n o e sp a ç o de tem p o de


um a cen ten a de a n o s , d u a s g r a n d e s id é ia s fe c u n d a s. U m a foi a
da teo ria d a e v o lu ç ã o p e la s e le ç ã o n a tu ra l, d e D a r w in e W a lla ce.
A o u tra fo i a d e sc o b e r ta , p o r p a rte d e n o sso s c o n te m p o r â n e o s ,
de c o m o e x p r e ssa r o s c ic lo s d a v id a n u m a fó r m u la q u ím ic a q u e
o s v in c u la à n a tu r e z a c o m o u m tod o. 317
A Escalada do Homem

156
S e r ia m a s su b stâ n c ia s, p r e se n te s a q u i n a T erra , e n q u a n to a v id a
S e r ia m p ecu lia res
se fo r m a v a , e x c lu siv a s d e n o ss o p la n eta ? C o s tu m á v a m o s pensar apenas à Terra
as su b stân cias
q u e sim , m a s o s in d íc io s m a is r e c e n te s m o s tr a m o c o n tr á r io . N o s
aqui p resen tes
ú ltim o s anos tem -se en con tra d o , nos esp aços in te r e ste la r e s, q u a n d o a v id a
com eçou?
tr a ç o s e sp ec tr a is d e m o lé c u la s , as q u a is p e n s á v a m o s ja m a is p o d e ­
D is p o s itiv o c o m
rem -se form ar n essas fr íg id a s reg iõ es: á cid o c ia n íd r ic o , c ia n o - p o n ta d a p ro v a para
-a c e tile n o , fo r m a ld e íd o . N ã o se su sp eita v a p udessem ta is m o lé ­ te s ta r a p o s s ív e l
p resen ça d e
c u la s e x istir fora da T erra, o q u e ap on ta p a ra o fa to d e a v id a s u b s tâ n c ia s
p o d er-se m a n ifesta r e m c o m e ç o s e fo r m a s v a r ia d a s, m a s n ã o n o s o rg â n ic a s e m u m a
a te r r iz a g e m s e re n a
a u to r iza a supor que a v id a d e s c o b e r ta e m o u tr o s p la n eta s (se e m M a rte .
ta l c h e g a r a a c o n te c e r ) te n h a se g u id o o s m e s m o s e stá g io s e v o lu -
c io n á r io s d a n o ssa . N ã o é m e s m o n e c e ssá r io q u e a r e c o n h e ç a m o s
n a q u a lid a d e d e v id a c o m o tal - o u q u e e la n o s r e c o n h e ç a .

157
O m a teria l
con cen tra d o é
em p u r ra d o para a
su p e r fíc ie s o b a
form a de
m in ú scu lo s
ic e b e rg s.
F o rm a çã o d e
a d e n in a a p a r tir d e
u m a s o lu ç ã o
318 c o n g e la d a d e c ia n e to
e a m ó n ia .
10 U M M^UNDO DE^NTRO DO MUNDO

H á, na n a tu reza , sete f o r m a s b á s ic a s d e c r ista is e u m a m u lt id ã o


de cores. F orm as sem pre fa sc in a r a m o s h o m e n s , t a n t o c o m o fi­
guras n o esp aço co m o d escriçõ es da m a té r ia ; para os gregos, os
e le m e n to s fu n d a m e n ta is eram d o ta d o s d e fo r m a , à se m e lh a n ç a
dos só lid o s reg u la res. E m term o s m o d ern o s ta m b ém é verdade
que o s c r ista is n a tu r a is e x p r e s s a m a lg u m a c o isa so b r e o a rra n jo
d o s á to m o s que os co m p õ em ; isso a u x ilia a c la ssific a ç ã o dos
á to m o s em fa m ília s. E d isto se o c u p a a F ís ic a d e n o ss o séc u lo ,
o s c r ista is r e p r e se n ta n d o a p o r ta d e e n tr a d a p a ra esse m u n d o .
E n tre tod a a v a r ie d a d e d o s c r ista is, o m a is m o d e s t o é o c u b o
sim p le s, in c o lo r , d o sal d e co zin h a ; m a s n e m p o r isso d e ix a d e
ser u m d o s m a is im p o r ta n te s. H á c e r c a d e m il a n o s o sal te m sid o
e x tr a íd o da grande m in a d e sal d e W ie lic z k a , p e r to d e C r a c ó v ia ,
a n tig a c a p ita l p o lo n e sa , onde a in d a são con servadas a lg u m a s
estru tu ra s de m a d eira e m á q u in a s tr a c io n a d a s por c a v a lo s do
séc u lo X V II. O a lq u im ista P a ra celsu s d e v e ter p a ssa d o por aqui
em su a s v ia g e n s em d ir e ç ã o a o leste . A e le se d e v e u m a in o v a ç ã o
na a lq u im ia , por a firm a r que en tre o s e le m e n to s com p o n en tes
d o h o m e m e d a n a tu reza o sal tem d e ser c o n ta d o . O sal é e ssen ­
c ia l para a v id a e to d a s as c u ltu r a s s e m p r e lh e a tr ib u ír a m um a
q u a lid a d e sim b ó lic a . À s e m e lh a n ç a d o s r o m a n o s , a in d a c h a m a m o s
“ sa lá r io ” à q u a n tia d e d in h e ir o paga a u m h o m e m , e m b o r a isso
sig n ifiq u e “ d in h e ir o d o sa l” . N o O r ie n te M é d io as barganhas
a in d a s ã o s e la d a s c o m sa l, à m a n e ir a d o q u e é c h a m a d o , n o V e lh o
T esta m en to , “ u m acord o co m sal é para se m p r e ” .

P a ra celsu s erro u em u m p o n to : o sal n ã o é u m e le m e n to n o sen ­


tid o m o d ern o d o term o . É co m p o sto p o r d o is e le m e n to s: só d io
e c lo r o . O só d io é u m m e ta l b r a n c o , e fe r v e sc e n te , e o c lo r o , u m
gás a m a r e la d o , v e n e n o s o ; m a s o in ter e ssa n te é q u e, d a u n iã o d o s
d o is, re su lta um a estru tu ra e stá v el, o sal c o m u m . A lé m d isso , o
só d io e o c lo r o p erten cem a fa m ília s q u ím ic a s d ifer e n te s. C a d a
158 fa m ília ap resen ta u m a gradação ord en ada d e p r o p r ie d a d e s sim i­
0 m o d elo d o á to m o la r e s: o só d io p e r te n c e à fa m ília d o s m e ta is a lc a lin o s e o c lo r o à
p recisa v a d e u m
n o vo r efin a m en to . d o s h a lo g ê n io s a tiv o s . O s c r ista is p e r m a n e c e m im u tá v e is, q u a d r a ­
N ie ls B o h r e A l b e r t dos e tran sp a ren tes, à m e d id a q u e m em b ros da m esm a fa m ília
E in s te in a n c fa n d o
são troca d os uns p e lo s ou tro s. Por e x e m p lo , o só d io pode ser
n a s ru a s d e B r u x e la s ,
o u tu b r o d e 1 9 3 3 . p e r fe ita m e n te s u b stitu íd o p e lo p o tá ssio , d a n d o , a g o ra , o c lo r e to 321
A Escalada do Homem

159
O q u e d eten n in a o
agrupam ento dos
elem en to s em
fa m ília s?
C u b o n a tu r a l d o
c r is ta l d o sa l d e
c o z in h a ( c lo r e to d e
s ó d io ), in d is tin g u ív e l
d e o u tr o s s a is
h a lo g e n a d o s d e
m e t a i s a lc a l in o s .

de p o tá ssio . Ig u a lm e n te , o c lo r o p o d e ser s u b stitu íd o p elo seu


e le m e n to irm ã o , o brom o, d ando o b ro m eto d e só d io . A in d a
p o d e m o s, e v id e n te m e n te , p r o ce d er a u m a d u p la troca: flu o r e to
d e lítio , n o q u al o s ó d io é su b stitu íd o p e lo lítio e o c lo r o p e lo
flú o r . M e s m o a s s im , o s c r ista is m a n t ê m a m e s m a a p a r ê n c ia v isu a l.
.O q u e d e te r m in a o a g r u p a m e n to d o s e le m e n to s e m fa m ília s?
N a década de 1 8 6 0 tod o m u n d o coçava a cabeça à procura de
so lu çã o para esse p r o b le m a , e v á r io s c ie n tista s acabaram por
a p resen ta r s o lu ç õ e s b a sta n te c o in c id e n te s. E n tr e ta n to , a r e sp o sta
tr iu n fa l fo i d a d a p o r u m j o v e m r u sso c h a m a d o D m itr i I v a n o v ic h
M e n d e le ie v , o q u a l h a v ia v isita d o a m in a d e W ie lic z k a e m 1 85 9.
C o n ta va , e n tã o , v in te e c in c o anos, sen d o p o b r e , tra b a lh a d o r e
b r ilh a n te . C a ç u la d e u m a fa m ília d e p e lo m e n o s q u a to r z e ir m ã o s,
tin h a sid o o q u e r id in h o de sua m ãe v iú v a que, a m b ic io n a n d o
p a r a e le u m fu tu r o ilu str e, e n c a m in h o u -o p ara a c iê n c ia .
M e n d e le ie v n ã o se d istin g u ia a p e n a s p e lo g ê n io , m a s, ta m b é m ,
por um a p a ix ã o g e n u ín a p e lo s e le m e n to s. F e z d e les se u s a m ig o s
p esso a is, c o n h e c ia c a d a c a p ric h o e p o r m e n o r d e seu s c o m p o r ta ­
m e n to s . O s e le m e n to s só se d istin g u ia m e n tr e si p o r u m a p r o p r ie ­
d a d e b á sica , a q u e la o r ig in a lm e n te p r o p o s ta p o r J o h n D a lto n e m
1 8 0 5 : c a d a e le m e n to é c a r a c te r iz a d o p o r u m p e so a tô m ic o . M as,
co m o é q u e as p r o p r ie d a d e s q u e o s to r n a m s e m e lh a n te s o u d ife-
3 2 2 r e n te s d e c o r r ia m d esse ú n ico d a d o co n sta n te o u p a râm etro ? F o i
Um Mundo Dentro do Mundo

nessa q u estão que M e n d e le ie v em p en h o u seu ta len to . T en d o


escrito o n o m e d o s e le m e n to s e m c a r tõ e s, o r g a n iz a v a -o s e m um a
e s p é c i e d e j o g o q u e s e u s a m i g o s c h a m a v a m P a c iê n c ia .

N o s seus cartõ es escreveu tam b ém o s p eso s a tô m ic o s d o s e le m e n ­


tos, d isp o n d o -o s em c o lu n a s v ertica is, em ord em crescen te o u
d ecrescen te, co n fo rm e fo sse o ca so . R e a lm e n te n ã o sa b ia o q u e
fazer c o m o m a is le v e , o H id r o g ê n io ; a ssim , d e ix o u - o fo r a d e se u
esq u em a. O p r ó x im o , na o rd em d o s p e s o s a tô m ic o s , era o H é lio ,
m a s M e n d e le ie v n ã o p o d ia sa b e r d e le , u m a v e z q u e a in d a n ã o tin h a
sid o id e n tific a d o n a fa c e d a T erra - a in d a b e m , p o r q u e , d e o u tr a
fo r m a , te r ia f ic a d o v a g u e a n d o s o z in h o a té q u e se u s ir m ã o s fo s s e m
d e s c o b e r to s m u ito t e m p o d e p o is.
D e s s a m a n e ir a , M e n d e le ie v e n c a b e ç o u su a p r im e ir a c o lu n a c o m
o e le m e n to L ítio , u m d o s m e ta is a lc a ló id e s. A ssim , fic o u o L ítio
(o e le m e n to m a is lev e d e p o is d o H id r o g ê n io ), em seg u id a o
B e r ílio , e n tã o o B o r o , s e g u in d o -s e o s e le m e n t o s m a is fa m ü ia r e s:
C a r b o n o , N itr o g ê n io , O x ig ê n io e, p o r fim , o sé tim o d e su a c o lu ­
na, o F lú o r. A in d a na ord em dos pesos a tô m ico s, o p ró x im o
160
M e n d e le ie v se
distin gu ia n ão
apenas por seu g ên io ,
m as, ta m b é m , pela
su a p a ix ã o p elo s
elem en to s.
D m itr i I v a n o v ic h
M e n d e le ie v .

323
A Escalada do Homem

e le m e n to é o S ó d io , e c o m o e ste a p r ese n ta v a a lg u m a s a fin id a d e s


co m o L ítio , M e n d e le ie v d e c id iu in ic ia r c o m e le u m a n o v a c o lu n a ,
p a r a lela à p r im e ir a . N e s ta , e n c a d e a v a m -s e u m a sér ie d e e le m e n t o s
fa m ilia r e s: M a g n é s io , A lu m ín io ,S ilíc io , F ó s f o r o , E n x o f r e e C lo r o .
E e is que, n o va m en te, c o n stitu e m u m a o u tra c o lu n a c o m p le ta
de sete e le m e n to s, se n d o que o ú ltim o , o C lo ro , se a lin h a n a
m e s m a fila h o r iz o n ta l d o F lú o r.
E v id e n te m e n te , h á a lg u m a c o isa n a se q ü ê n c ia d o s p e s o s a tô ­
m ic o s , n ã o a p e n a s a c id e n ta l, m a s s is te m á tic a . N a te r c e ir a c o lu n a
v a m o s e n c o n tr a r n o v a m e n te a m e s m a o rg a n iz a ç ã o . O s e le m e n to s
que se se g u e m ao C lo ro , n a o rd em dos p esos a tô m ic o s, são o
P o t á s s io e d e p o is o C á lc io . A s s im , a té a q u i, a p r im e ir a fila c o n t é m

J o g o d a P a c iê n c ia
d e M e n d e le ie v .
í ,. L M A s c a r ta s e s tã o
a rr a n ja d a s n a o r d e m
d os pesos
a tô m ic o s : o s
e le m e n to s se
■! M g í agru pam em

l__! 1 )
fa m ü ia s .

[ M s ? I

j ^ (Si I )
| M j s

í^ \ | Cta /J S

o ^ f i ^ o S ó d io e o P o tá ssio , to d o s m e ta is a lc a lin o s; e a s e g u n d a
fila c o n té m o B e r ílio , o M a g n é s io e o C á lc io , to d o s m e ta is c o m
a f i n i d a d e s f a m il ia r e s. O fa to é q u e a d isp o siç ã o h o r iz o n ta l n esse
3 24 a rra n jo faz se n tid o : agrupa e le m e n to s de u m a m esm a fa m ília .
Um Mundo Dentro do Mundo

M e n d e le ie v h a v ia d e s c o b e r to o u , p e lo m e n o s , e n c o n tr a d o in d íc io s

$* ts *■ •&? r. d a e x istên cia


d en a n d o-o s
de
p e lo s
um a
seus
ch a v e m a te m á tic a
resp ectiv o s pesos
en tre o s e le m e n to s. O r­
a tô m ic o s, cada sete
t f * & .~ S S < $ » ./
•Ac» <*•* A ~ 9 -' 4*/y e s tá g io s c o n s t it u e m u m a c o lu n a v e r tic a l, in ic ia n d o o u tr a e m seg u is
^-s> <*4* <*■•
«. ■t f-» o- * /. wr
da, m a n te n d o a se q ü ê n c ia d o s p e so s a tó m ic o s. U sa n d o esse p r o ce ­

-»-•* A»**^** A.OL ,t-*-
C -* S Jt J t^ f
d im e n t o , as fa m ília s se r ã o e n c o n tr a d a s n o s a rra n jos h o r iz o n ta is.
, <“- * ***« W VV W A
*•* A té este p o n to , o e sq u e m a d e M e n d e le ie v p o d e ser a c o m p a n h a d o
.' * J b « 2 k* * lb ^ 0 lm M

mi* * &«*# *’H sem d ific u ld a d e , e a ssim e le o tin h a o r g a n iz a d o e m 1 8 7 1 , d o is


a n o s d e p o is d e te r a p r im e ir a id é ia n e sse s e n tid o . T u d o se a ju sta
. ç tS B T S
V V Í» .*= * íL í t p e r fe ita m e n te b em a té ch egarm os à te r c e ir a c o lu n a - en tão ,
£ Z \\ _ ■«»■ '••*-
v .T í
•» 94» in e v ita v elm e n te , su rge o p r im e ir o p r o b le m a . P o r q u e in e v ita v el­

; . «Tf m en te? P orq u e, c o m o se v iu para o caso d o H é lio , M e n d e le ie v


sa&
n ão d is p u n h a d e to d o s o s e le m e n to s . D o s n o v e n ta e d o is, a p e n a s
sessen ta e três e r a m c o n h e c id o s ; d e ssa fo r m a , m a is c e d o o u m a is
Ê ü /i^ Í # r V V 1I ,
ta r d e te r ia m d e a p a r e c e r as fa lh a s. E u m a d ela s a p a r e c e u ju s ta m e n ­
161 te o n d e h a v ía m o s p a rad o - n o te r c e ir o lu g a r d a te r c e ir a c o lu n a .
A seq ü ên cia d o s
D isse q u e M e n d e le ie v h a v ia id e n tific a d o um a fa lh a , m a s e ssa
pesos a tô m ic o s n ã o
é a cid en ta l, m a s, fo r m a a b r e v ia d a d e e x p r e s sã o escon d e o q u e h a v ia d e m a is fo r ­
sim , sis tem á tic a . m id á v el e m seu r a c io c ín io . N o te r c e ir o lu g a r d a te r c e ir a c o lu n a
U m a d a s p r im e ir a s
v e rs õ e s d a T a b e la M e n d e le ie v en con tro u -se fren te à fren te c o m u m a d ific u ld a d e ,
P e r ió d ic a d e r e so lv e n d o -a a tra v és d e u m a in te r p r e ta ç ã o d e q u e a li fa lta v a u m
M e n d e /e ie v , d e
1869. e le m e n to . E ssa e sc o lh a se d e v e u a o fa to d e o p r ó x im o e le m e n to
c o n h e c id o , o T itâ n io , sim p le sm e n te n ã o e x ib ir as p r o p r ie d a d e s
que o c o lo c a r ia m na m esm a fa m ília (fila h o r iz o n ta l) d o B oro e
d o A lu m ín io . ‘ O e le m e n to a o cu p a r essa p o siçã o não é c o n h e c i­
d o, m as q u a n d o o for, seu p eso a tó m ic o o c o lo ca rá a n tes d o
T itâ n io . A ssim , d e ix a n d o essa p o siç ã o ab erta , o T itâ n io se
a lin h a , n a q u a r ta fila , c o m o s e le m e n to s d e su a fa m ília : C a r b o n o
e S ilíc io .” N a r e a lid a d e fo i isso q u e a co n teceu n o esq u em a
b á sico .
A co n cep çã o d a s fa lh a s o u e le m e n to s a u se n te s fo i u m a in sp i­
ração c ie n tífic a . E m term o s p rá tico s exp ressava a q u ilo que
F r a n c is B a c o n h a v ia fo r m u la d o e m t e r m o s g er a is h á m u it o t e m p o
a trá s, o u seja , q u e n o v a s a p lic a ç õ e s d e u m a lei n a tu r a l p o d e m ser
p ro p ostas ou in d u z id a s a p a r tir d a s a n tig a s c o n h e c id a s . N a v e r ­
d a d e , M e n d e le ie v d em o n stro u ser a in d u ç ã o u m p ro cesso m u ito
m a is su til nas m ã os de u m c ie n tista d o que B acon e o u tro s
filó so fo s h a v ia m su p o sto . E m c iê n c ia não m a r c h a m o s sim p le s­
m e n t e s e g u in d o u m a p r o g r e ss ã o lin e a r - d os ev en to s c o n h e c idos
p ara os d esco n h ecid o s. M a is d o que isso , tr a b a lh a n d o p o m o se
e stiv é sse m o s d ia n te de u m p r o b le m a d e p a la v r a s c r u z a d a s , s e g im 325
A Escalada do Homem

m o s d u a s p ro gressõ es in d e p e n d e n te s n a p ro cu ra d o p o n to o n d e
e la s se in t e r c e p t a m : aí é qu e d evem ser e n c o n tr a d o s o s e s c o n d e ­
r ijo s d o s e v e n t o s d e s c o n h e c id o s . M e n d e le ie v s e g u iu a p r o g r e s s ã o
d o s p e so s a tô m ic o s n a s c o lu n a s e a d a fa m ília d e a fin id a d e s n as
h o r iz o n ta is, a fim d e id e n tific a r o s e le m e n to s fa lta n te s n a s in te r ­
cep ções. A g in d o a ssim , c o n s e g u iu e la b o ra r p red içõ es p rá tica s,
a lé m d e to r n a r e x p líc it o (o q u e a in d a h o je é m a l c o m p r e e n d id o )
o u s o d o p r o c e s so in d u tiv o n o r a c io c ín io c ie n tífic o .

M u ito b e m : o s p o n to s d e m a io r in teresse e stã o r e p r e se n ta d o s


p e la s fa lh a s e x is te n te s n a s te r c e ir a e q u a r ta c o lu n a s. E m b o r a eu
n ã o p r e te n d a c o n tin u a r n o p r o c e sso d e c o n str u ç ã o d a ta b ela a lé m
d e s se p o n t o , g o sta r ia d e c h a m a r a a te n ç ã o p a ra o fa to d e q u e , se
c o n ta r m o s as fa lh a s e s e g u ir m o s a d ia n te , a c o lu n a te r m in a o n d e
d ev eria , no B rom o, na fa m ília d o s h a lo g ê n io s. H a v ia u m certo
n ú m e r o d e fa lh a s e M e n d e le ie v a p o n to u tr ê s d ela s. À p r im e ir a já
nos r e fe r im o s: a da te r c e ir a co lu n a na te r c e ir a fila . A s o u tr a s
d u as esta va m n a q u a r ta c o lu n a , te r c e ir a e q u a r ta fila s. S o b r e e la s
M e n d e le ie v p r o fe tiz o u que, u m a vez d esco b erto s, os e le m e n to s
que as preenchessem , a p r ese n ta ria m n ão só os p eso s a tô m ic o s
c o r r e sp o n d e n tes às su as p o siç õ e s n as co lu n a s, m a s, ta m b é m , a fi­
n id a d e s f a m ilia r e s à s s u a s p o s i ç õ e s n a s fila s.
P o r e x e m p lo , a p r e v isã o m a is fa m o s a d e M e n d e le ie v , e a ú ltim a
a ser co n firm a d a , fo i a r e la tiv a à te r c e ir a - o qu e e le c h a m o u
I E k a -silíc io . E le e n u n c io u as p r o p r ie d a d e s d e sse e le m e n t o e str a n h o
i e im p o r ta n te , q u e só v in te a n o s d e p o is fo i d e s c o b e r to n a A le m a ­
n h a ; n o n o m e d a d o a esse e le m e n t o n ã o fic o u sin a l d e h o m e n a g e m
a M e n d e le ie v , p o is se c h a m o u G e ir m â n io . P a r t in d o d o p r in c íp io
de que o “ E k a -silíc io a p resen ta ria p r o p r ie d a d e s in ter m e d iá r ia s
e n tr e o S ilíc io e o Z in c o ” p r e d isse q u e seria 5 ,5 v e z e s m a is p e s a d o
d o q u e a água: e isso v e rific o u -se ser co rreto . T a m b é m d e te r m in o u
que seu ó x id o se r ia 4 ,7 v e z e s m a is p e s a d o d o q u e a á g u a ; ig u a l­
m en te correto . E a ssim p o r d ia n te, em r e la ç ã o às p r o p r ie d a d e s
q u ím ic a s e o u tras.
E ssas p r e v isõ e s o torn a ram fa m o so p or tod a p a rte - ex ceto
na R ú ssia : lá e le n ã o e r a u m p r o fe ta , m a s , sim , u m h o m e m de
id é ia s lib e r a is, e o T sa r n ã o g o s ta v a d isso . A d e s c o b e r ta p o s te r io r ,
na In g la terra , d e t o d a u m a n o v a fila d e e le m e n t o s , c o m e ç a n d o
co m o H é lio , N e ô n io , A r g ô n io , a m p lio u seu tr iu n fo . N ã o c o n s e ­
g u iu se e le g e r p a ra a A c a d e m ia R u ss a d e C iê n c ia s, m a s, n o r e sto
326 d o m u n d o , seu n o m e p a sso u a ter u m se n tid o m á g ic o .
162
M en d eleiev era f a m o s o n o m u n d o in te ir o - e x c e t o n a R ú ssia .
F o to g r a fia e m g r u p o tir a d a e m u m a d a s v is ita s d e M e n d e le ie v a M a n c h e s te r .
M e n d e le ie v a p a r e c e n o c e n t r o d a f o t o g r a f ia , J a m e s P r e s c o t t J o u le a p a r e c e
e m p é n a e x tr e m id a d e d ir e ita .
163
A q u i se d á a a b ertu ra d a g ra n d e era. N e s te s d ias a fís ic a se tra n sfo r m a n °
g ra n d e tr a b a lh o d e arte c o le tiv a d o s é c u lo v in te.
D u a s c o n fe r ê n c ia s d o s r e s p o n s á v e is p e la n o v a F ís ic a A tô m ic a :

P r im e ir a S o lv a y C o n f e r e n c e d e 1 9 1 1 . S e n ta d o s , à e s q u e r d a , a p a r e c e m
R u t h e r f o r d n o s e g u n d o e J . J . T h o m s o n n o q u a r t o lu g a r . E i n s t e i n é o d é c i m o
p r im e ir o e M a r ie C u r ie a d é c im a s é tim a , a p a r ti r d a e s q u e r d a , n a
file ir a e m p é .

328
F o to g r a f i o . d a q u i n t a c o n f e r ê n c i a - d e 1 9 2 7 . E i n s t e i n e M a r i e C u r i e
p a s sa ra m p a r a a f il e ir a d a f r e n t e ( e le e s tá n o c e n t r o e e la é a te r c e ir a a p a r ti r
d a e s q u e r d a ). A n o v a g e r a ç ã o o c u p a a f i l e i r a d e trá s. L o u is d e B r o g lie ,
M a x B o m e N ie ls B o h r s ã o o s ú ltim o s tr ê s à d ir e ita n a s e g u n d a f ile ir a , e n q u a n to
q u e S c h r o d in g e r é o s e x to a p a r tir d a e s q u e r d a e H e is e n b e r g o te r c e ir o a
p a r tir d a d ir e ita , a m b o s n a ú ltim a f ile ir a .

329
A Escalada do Homem

Q u e o padrão su b ja c e n te a o arra n jo d o s á to m o s era n u m é r ic o ,


e sta v a fo r a d e d ú v id a . C o n t u d o , is s o n ã o e n c e r r a a h istó r ia ; a lg u ­
m a c o is a d e v ia e sta r f a lta n d o . N ã o te r ia s e n t id o a lg u m a c r e d ita r
que to d a s as p r o p r ie d a d e s dos e le m e n to s esteja m co n tid a s e m
u m n ú m e r o , o p e s o a tô m ic o : o q u e e s tá e s c o n d id o a í? O p eso de
u m á to m o p o d e ser a m e d id a d e su a c o m p le x id a d e . S e a ssim for,
e le d e v e o cu lta r u m a o r g a n iz a ç ã o estr u tu r a l in ter n a , a lg u m a fo r ­
m a de co erên cia física , r e sp o n sá v e l p ela s p r o p r ie d a d e s d os e le ­
m en to s. E n tr e ta n to , essa id é ia era in c o n c e b ív e l, n a m e d id a e m
q u e se a cr e d ita v a n a in d iv isib ilid a d e d o á to m o .

D essa m a n eira , a d esco b erta do e lé tr o n por J. J. T h o m s o n ,


tr a b a lh a n d o e m C a m b rid g e e m 1 8 9 7 , ca u sa u m a r ev ira v o lta n a s
c o n c e p ç õ e s física s. S im , o á t o m o t e m p a rtes c o n stitu in te s; n ã o é
in d iv isív e l com o seu n o m e grego im p lic a . O e lé tr o n r e p r e se n ta
u m a p e q u e n íssim a p a rte de sua m assa ou peso, m as é um dos
se u s c o m p o n e n t e s r ea is, p o r ta d o r d e u m a ca rg a e lé tr ic a u n itá ria .
C a d a e le m e n to é c a r a c te r iz a d o p e lo nú m ero de e lé tr o n s e m seu
á to m o . A in d a m a is, os se u s n ú m e r o s s ã o e x a ta m e n te ig u a is a o
n ú m e r o d o lo c a l, n a ta b ela d e M e n d e le ie v , o c u p a d o p o r a q u e le
e le m e n to q u a n d o o H id r o g ê n io e o H é lio sã o c o lo c a d o s n o p r i­
m e ir o e n o s e g u n d o lo c a l, r e sp e c tiv a m e n te . Isto é, o L ítio p o ssu i
três e lé tr o n s, o B e r ílio q u a tr o , o B o r o c in c o , e a ssim p o r d ia n te ,
a té o fim d a ta b ela . O lo c a l d a ta b ela o c u p a d o p o r u m e le m e n to
|
é ch am ad o seu n ú m ero a tô m ic o , agora co m fo r o d e r e a lid a d e

i fís ic a d e n tr o d o á to m o — d a d a p e lo n ú m e r o d e e lé tr o n s. A ê n fa se
se tr a n sfe r ia d o p e s o a tô m ic o p a ra o n ú m e r o a t ô m ic o , o q u e s ig ­
n ific a , n a e ss ê n c ia , p a ra a e str u tu r a a tô m ic a .

A físic a m o d e r n a n a sc e u c o m e ssa c o n q u ista in telectu a l. U m a


g r a n d e é p o c a se in ic ia . N e s t e s a n o s , a fís ic a r e ú n e a m a io r s o m a
d e tr a b a lh o c o le tiv o d a c iê n c ia — n ã o , m u it o m a is d o q u e isso : o
g ra n d e tr a b a lh o a r tístic o c o le tiv o d o sé c u lo X X .

D ig o “ tra b a lh o d e a r te ” p o r q u e a n o ç ã o d e q u e h á u m a e stru tu ra
su b jacen te, u m m u n d o d en tro d o m u n d o d o á to m o , ca p to u im e ­
d ia ta m e n te a im a g in a ç ã o d o s a rtista s. A a rte p o ste r io r a 1 9 0 0 é
d ife r e n te d e to d a a arte q u e a p r e c e d e u , c o m o p o d e ser c o n s t a t a d o
em q u a lq u e r p in to r o rig in a l d a é p o c a : e m U m b e r to B o c c io n i, p o r
e x e m p lo , n o A s F o rça s d e u m a R u a ou n o D in a m is m o d e u m
C ic lis ta . A arte m o d e r n a e a físic a m o d e r n a n a sc e r a m a o m e s m o
3 30 te m p o , p o r q u e a m e s m a id é ia lh es d e u o rig em .
164
O p i n t o r v i s i ve l m e n t e d i v i d e e r e c o n s t r ó i o m u n d o e m u m a m e s m a t e l a P o d e -s e s e g u i r
seu p e n s a m e n to e n q u a n t o ele faz iss o . 1 ' e se seguir
D e ta lh e d e m o v e m c o m E s p o n j a d e P Ó " d e G e o r g e s S e u r a t, p in ta d o e m 18 8 6
D is tr ib u in d o a s u m u s e m u m m o ü c n c o d e p e q u e n o s p o n t o s c o lo r id o s
S e u r a t p r e t e n d rn a u m e n t a r a l u m i n o s i d a d e d o q U a d r o .

A p a r tir d a O p tic k s d e N e w t o n o s p in to r e s d esco b rira m a face


c o lo r id a d a s co isa s. O séc u lo X X m u d ou o o b jeto d e seu s in te ­
resses. A se m e lh a n ç a d o q u e fa z e m o s ra io s X d e R o n tg e n , p a ssa ­
ram a buscar o s o sso s p o r b a ix o d a p e le , e a s e str u tu r a s só lid a s
p ro fu n d a s, q u e, d e d en tro para fora , su p o rta m a fo rm a tota l de
u m o b jeto ou de u m c o r p o . P in to r e s ta is c o m o J u a n G r is e s tã o
en g aja d os na a n á lise da estru tu ra , tan to em se trata n d o de
f o r m a s n a tu r a is e m N a tu r e z a M o r ta , c o m o d o c o r p o h u m a n o e m
P i e r r o t. 331
A Escalada do Homem

O s p in to r e s c u b ista s, p o r e x e m p lo , o b v ia m e n te se in sp ir a m
n a s f o r m a s d o s c r ista is. N e la s e le s v ê e m a fo r m a d e u m v ila r e jo
co n stru íd o em u m a en costa, co m o o fez G eorg es B raq ue em sua
C a sa s e m L ’E s t a q u e , o u u m g r u p o d e m u lh e r e s, c o m o P ic a sso as
p in to u em A s D o n z e la s d e A v ig n o n . N o seu fam oso c o m eço da
p in tu ra c u b ista , P a b lo P ica sso - a sim p le s face, o R e tr a to d e
D a n ie l-H e n r y K a h n w e ile r — d e s v ia a a t e n ç ã o d a p e le e d a fisio ­
n o m ia para a g eo m etria su b jacen te. A cab eça fo i r e so lv id a e
d isso c ia d a em form as m a te m á tic a s, e, e n tã o , r e c o n str u íd a , e m
u m a r e c r ia ç ã o , d e d e n tr o p a ra fo ra .
E ssa n o v a p ro cu ra d a e stru tu ra o c u lta é m a r c a n te n o s p in to r e s
da E u ro p a d o N orte: F ra n z M arc, p o r e x e m p lo , a o rep resen ta r
165
um a p a isa g e m n a tu ral e m C o is a na F lo r e s ta ; e tam b ém (este
O s p in tores
fa v o r ito dos c ie n tista s) o cu b ista Jean M e tz in g e r , c u ja M u lh e r fu tu rista s
esco lh era m tem a s
em u m C a v a lo fo i com prad a p o r N ie ls B o h r p ara a c o le ç ã o de
q u e estavam
q u a d ros d e su a casa em C o p en h a ge. ocu p an d o a m en te
d o s físico s. E m
E x iste m duas d iferen ça s n ítid a s en tre um a obra de a rte e u m s e u m a n i f e s t o eles
afirm a m : “ o b jeto s
e scrito c ie n tífic o . A p r im e ir a é que na obra. de a rte o p in to r e m m o v i m e n t o se
d iv id e o m u n d o em p ed a ços e o reco m p õ e n o va m en te, em u m a m u ltip lica m e
sofrem d istorções
m e s m a te la . A s e g u n d a é d a d a p e lo f a t o d e p o d e r m o s a c o m p a n h a r
sem elh a n tes as das
seus p en sam en tos en q u a n to tra b a lh a . (P o r e x e m p lo , G eorges v ib ra çõ es
propagando-se
S eu ra t d isp o n d o p e q u e n a s m a n c h a s d e d ifer e n te s c o r e s a té ch eg a r
atra vés d o e s p a ç o ” ,
ao e fe ito tota l em J o vem co m E s p o n ja d e P ó ou em O B ic o .) O 1912.
e sc r ito c ie n tífic o é d e fic ie n te n essa s d u a s a trib u iç õ e s. F r e q ü e n te - U m b e r to B o c c io n i:
"D i n a m i s m o d e
m en te é apenas a n a lític o ; e, q u a se in v a r ia v e lm e n te , e s c o n d e o u m C ic lis ta ", d e
p rocesso d o p en sam en to em sua lin g u a g e m im p esso a l. 1 9 1 3 ( a c i m a ) . B a ila :
" P la n e ta M e r c ú r io
E s c o lh i fa la r s o b r e u m d o s p a is d a f ís ic a d o s é c u lo X X , N ie ls P a s s a n d o D ia n t e
B ohr, p o r q u e e le era u m a rtista c o n s u m a d o n e sse s d o is a sp e c to s. d o S o l" .
N u n ca tin h a r e sp o s ta s p r o n ta s. S u a s a u la s e r a m s e m p r e in ic ia d a s
p e la frase in tr o d u tó r ia : “ C a d a s e n te n ç a m in h a d e v e ser in te r p r e ­
tad a p or v o cês n ã o c o m o u m a a fir m a tiv a , m a s, sim , c o m o u m a
p e r g u n ta ” . S e u q u e s tio n a m e n to e r a d ir ig id o à e str u tu r a d o m u n ­
do, e a q u e le s que co m e le tra b a lh a v a m , m o ç o s o u v e lh o s (e le
a in d a esta va en tran d o em seu s seten ta a n os), ta m b é m esta va m
quebrando o m u n d o em p ed aços, rep en san d o -o e torn a n d o a
r e c o n str u í-lo .
A o s v in te a n o s d e id a d e B o h r fo i tra b a lh a r c o m J. J. T h o m s o n
e o a n tig o e stu d a n te d e ste , E r n e st R u th e r fo r d , o q u a l, p o r v o lta
de 1 9 1 0 , era o m a is im p o r ta n te fís ic o e x p e r im e n ta l d o m u n d o .
332 (T an to T h o m so n c o m o R u th erfo rd h a v ia m sid o in d u z id o s à
Um Mundo Dentro do Mundo

ca rreira c ie n tífic a p e lo s d e s e jo s d e s u a s r e s p e c tiv a s m ã e s v iu v a s ,


tal q u a l h a v ia s id o o c a s o d e M e n d e le ie v .) R u th e r fo r d era e n tã o
p ro fesso r ju n to à U n iv e r sid a d e d e M a n ch ester. E m 1911 h a v ia
p ro p osto u m n ovo m o d e lo para o á to m o , no qual rep resen ta va
p r a tic a m e n te tod a a m assa co n cen tra d a em u m n ú c le o p esa d o
ou cerne c e n tr a l, e o s e lé tr o n s g ir a n d o e m ó rb ita s a o red o r, e m
m o v im e n to s sem e lh a n te s aos dos p la n eta s em r e la ç ã o ao S o l.
Era um a co n cep çã o b r ilh a n te — e u m a b e la iro n ia d a h istó r ia o
fato de, em três c e n te n a s d e a n o s , a id é ia u ltr a ja n te d e C o p é r n ic o ,
G a lile o e N ew to n ter-se a fir m a d o c o m o o m o d e lo m a is c o m u m ,
a ce ito p o r q u a lq u e r c ie n tista . Isso a c o n te c e fr e q ü e n te m e n te e m
c iê n c ia : a teo ria in a c e itá v e l d e u m a é p o c a to rn a -se u m a im a g e m
c o tid ia n a para su as su cesso ra s.
A Escalada do Homem

E n treta n to , n e m tu d o ia b e m co m o m o d e lo d e R u th erfo rd .
Se o á to m o fosse u m a p e q u e n a m á q u in a , e n tã o o q ue, em sua
e str u tu r a , seria r e sp o n s á v e l p e lo fa to d ele n unca parar - sen do
u m a p e q u e n íssim a m á q u in a , nessas c o n d iç õ e s r e p r e se n ta r ia o
ú n ic o e x e m p lo c o n h e c id o de m o v im e n to p e r p é tu o ? O s p la n eta s,
à m ed id a q u e p erco rrem su a s ó rb ita s, p e r d e m e n e r g ia , e, a ssim ,
su as ó rb ita s se to r n a m c a d a v e z m e n o r e s - u m a q u a n tid a d e d e s­
p r e z ív e l, se co n sid era d a d e a n o para a n o, m a s q u e, fa ta lm e n te ,
o s le v a r á a ir d e e n c o n t r o a o S o l. D e s s a m a n e ir a , s e o s e lé t r o n s
se c o m p o r ta r e m à s e m e lh a n ç a d o s p la n e ta s, e le s se p r o je ta r ã o n o
n ú c le o , d o n d e se c o n c lu i q u e a lg u m a c o isa d e v e esta r im p e d in d o
a p erd a co n tín u a d e en erg ia p o r p a r te d o s e lé tr o n s. T a l c o n s id e ­
r a ç ã o r e q u e r ia a e x istê n c ia d e u m n o v o p r in c íp io fís ic o c a p a z d e
lim ita r a v a lo r e s fix o s a e n e r g ia p e r d id a p o r u m e lé tr o n . E s sa seria
a ú n ic a m a n eira d e a ceita r u m a m e d id a , u m a u n id a d e d e fin id a ,
q u e m a n tiv e sse o s e lé tr o n s e m ó r b ita s d e d im e n s õ e s in v a r iá v e is.
N a busca dessa u n id a d e , N ie ls B ohr fo i e n c o n tr á -la em um
tra b a lh o p u b lic a d o p o r M a x P la n ck e m 1 9 0 0 . P la n c k h a v ia m o s ­
trad o , u m a d e z e n a d e a n o s an tes, q u e e m u m m u n d o no qual a
m a té r ia se a p r e se n ta e m fo r m a d e p e d a ç o s o u p a c o te s, a en erg ia
tam b ém deve se ap resen tar em p a cotes o u q u a n ta . E m retros­
p e c tiv a , essa id é ia n ã o n o s p a r e c e e str a n h a . M a s P la n c k a r e c o ­
nheceu co m o r e v o lu c io n á r ia d e sd e o d ia e m que a con ceb eu , o
que é ilu s t r a d o p o r e le te r c o n v i d a d o s e u p e q u e n o f il h o p a r a u m
d e s se s p a ss e io s p r o fe s so r a is, t ã o fa m ilia r e s a to d o s o s a c a d ê m ic o s
d o m u n d o, e, d u ra n te o q u a l, a s s im se exp ressou: “ H o je m e
ocorreu u m a id é ia tão r e v o lu c io n á r ia e tão grande co m o a de
N e w to n ” . E era m esm o.
É c la r o que agora, em u m certo sen tid o , a tarefa de B ohr
e sta v a fa c ilita d a . E m u m a d a s m ã o s tin h a o á to m o d e R u th e r fo r d
e, na o u tr a , o q u a n tu m . O q u e h a v ia d e tã o m a r a v ilh o so n o tra ­
b a lh o d e u m jo v e m c ie n tista d e v in te e sete a n o s, e m 1 9 1 3 ju n ta r
os d o is e sa ir-se c o m a im a g e m m od ern a d o á to m o ? N a d a m a is 166
Por volta de 1 9 1 0
d o q u e a m a r a v ilh o sa e x p lic ita ç ã o d e u m p r o c e sso d e p e n sa m e n to :
E rnest R u th erford
n a d a m a is d o q u e u m esfo rço d e sín te se . A lé m d isso , ta m b é m a era o físic o
e x p e r im e n ta l m a is
i d é i a d e ir b u s c a r o dado n o lu g a r e x a t o on d e e le p o d ia ser e n ­
im p o rta n te d o
co n tra d o : n a im p r e ss ã o d ig ita l d o á to m o , n o e s p e c tr o a tra v és d o m undo.
qual seu com p o rta m en to se fa z v isív e l p a ra n ó s , q u a n d o o lh a d o R u th e r fo r d d e p o is
d e su ceder J J .
d e fora . T h om son no
A m a r a v ilh o sa id é ia de B ohr foi ju sta m en te essa. O in te r io r L a b o r a tó r io

334 do á to m o é in v isív e l, m a s h á u m a ja n e la p o r o n d e se o lh a r , u m a
C a v e n d ish ,
C a m b r id g e .
A Escalada do Homem

ja n ela de v id r o co lo rid o : o esp ectro d o á to m o . C a d a e le m e n to


tem seu p r ó p r io e s p e c tr o , o q u a l n ã o se a p r e se n ta c o n tín u o c o m o
a q u e le d e scr ito p o r N e w to n p ara a lu z b ra n ca , m a s , sim , m o str a
um a série de fa ix a s ou bandas b r ilh a n te s c a r a c te r ístic a s. Por
e x e m p lo , o H id r o g ê n io a p r e s e n ta tr ê s b a n d a s m u it o v iv a s n o s e u
e s p e c tr o v isív e l: u m a b a n d a v e r m e lh a , u m a b a n d a a z u l-e sv e r d e a d a
e u m a b a n d a a zu l. B o h r e x p lic o u o s ig n ific a d o d e c a d a u m a d e la s
co m o sen do o r e su lta d o d a lib e r a ç ã o d e e n e r g ia p o r p a r te d e u m
ú n ic o e lé tr o n , q u an d o este sa lta de u m a ó r b ita extern a para
o u tra s m a is in tern a s.
N e n h u m a e n e r g ia é lib e r a d a p e lo e lé tr o n d o á to m o d e H id r o ­
g ê n io se e le p e r m a n e c e r n a m e s m a ó rb ita . E n tr e ta n to , to d a v e z
q u e e le sa lta r d e u m a ó r b ita e x te r n a p a r a o u tr a ó r b ita in te r n a , a
d ife r e n ç a d e e n e r g ia e n tr e as d u a s será lib e r a d a so b a form a de
em issã o de u m q u a n tu m de lu z. A s em issõ es sim u ltâ n e a s de
b ilh õ e s d e á to m o s se m a n ife s ta m n a q u ilo q u e e n x e r g a m o s c o m o
u m a banda c a r a c te r ístic a d o H id r o g ê n io . A b a n d a v e r m e lh a é
p r o d u z id a p o r sa lto s e le tr ô n ic o s d a te r c e ir a ó r b ita para a s e g u n d a ;
e a banda a z u l-e sv e r d e a d a q u an d o o e lé tr o n sa lta da q u a rta
ó rb ita p ara a seg u n d a .
O a rtig o de B ohr: O n th e C o n s titu tio n o f A to m s a n d M o le -
c u le s (S o b re a C o n s titu iç ã o d o s Á to m o s e d a s M o lé c u la s ) to r ­
n o u -se um c lá ssico im e d ia ta m e n te . A estru tu ra d o á to m o era,
agora, tão m a te m a tic a m e n te d eterm in a d a com o o u n iv erso de
N ew ton . C o n tu d o , in c lu ía o p r in c íp io a d ic io n a l d o q u a n tu m .
N ie ls B o h r a ca b a ra d e c o n str u ir u m m u n d o n o in ter io r d o á to m o ,
avançando a físic a do seu tem p o para a lé m de on d e e la h a v ia
p e r m a n e c id o , p o r d o is sé c u lo s, d e p o is d e N e w to n . E m tr iu n fo ,
retorn o u a C openhage. A D in a m a r c a e r a s e u la r n o v a m e n t e , u m
n ovo lu g a r onde tr a b a lh a r. E m 1 9 2 0 c o n stru íra m para e le o
In stitu to N ie ls B o h r , e m C openhage. E ste torn o u -se um cen tro
p r o c u r a d o p o r jo v e n s d a E u r o p a , A m é r ic a e O r ie n te , o n d e p o d ia m
d isc u tir a fís ic a d o s q u a n ta . W e r n e r H e is e n b e r g e r a u m freq ü en -
ta d o r a s s íd u o , e a li m e s m o f o i in c it a d o a d e s e n v o lv e r a lg u m a s d e
su a s id é ia s f u n d a m e n ta is : B o h r j a m a is p e r m itia a a lg u é m e sta c io ­
nar em u m a id é ia in a c a b a d a .

R e c o n stru ir as e sta p a s d a h istó r ia d a c o n fir m a ç ã o d o m o d e lo d o


á to m o d e B o h r é u m a ta r e fa in te r e s sa n te u m a v e z q u e e la s e s p e ­
lh a m a r e c a p itu la ç ã o d o c ic lo d e v id a d e q u a lq u e r te o r ia c ie n tí-
3 36 fic a . E m p r im e ir o lu g a r v e m o a r tig o . N e s te , r e s u lta d o s c o n h e c id o s
Um Mundo Dentro do Mundo

são utilizados na validação do modelo; assim, mostra-se que o


espectro do Hidrogênio em particular possui bandas, de há muito
conhecidas, cujas posições correspondem a transições quânticas
do elétron de uma órbita para outra.
A etapa seguinte consiste em estender aquela confirmação a
um novo fenômeno: neste caso, as bandas no espectro de energia
mais alta dos raios X, embora invisíveis ao olho, são igualmente
formadas por saltos de elétrons. Este trabalho estava sendo de­
senvolvido no laboratório de Rutherford em 1913, e acabou
fornecendo lindos resultados, confirmando fielmente as previsões
de Bohr. O responsável pelo trabalho foi Henry Moseley, então,
contando vinte e sete anos, mas cuja carreira brilhante foi inter­
rompida por sua morte no malfadado ataque britânico aGallipoli
em 1915 —essa campanha ceifou, indiretamente, outras vidas
jovens e promissoras, entre elas a do poeta Rupert Brooke. À
semelhança do trabalho de Mendeleiev, o de Moseley também
apontava para a existência de alguns elementos desconhecidos,
e um deles foi descoberto no laboratório de Bohr, recebendo o
nome de Háfnio, em homenagem a Copenhage, através de sua
denominação latina. A descoberta foi anunciada, a propósito,
por Bohr, no discurso de recebimento do Prêmio Nobel em
1922. O tema do discurso é memorável, uma vez que, nele, Bohr
descreve pormenorizadamente aquilo que, quase poeticamente,
foi por ele mesmo resumido em outra ocasião: a maneira pela
qual o conceito do quantum tinha
le v a d o g r a d u a lm e n te a u m a c la ss ific a ç ã o sistem á tic a d o s tip o s d e lig a çõ es
esta c io n á r ia s d e q u a lq u e r e lé tr o n e m u m á t o m o , o f e r e c e n d o , a ssim , u m a
e x p la n a ç ã o c o m p le t a d a s n o tá v e is r e la ç õ e s en tr e as p r o p r ie d a d e s física s e
q u ím ic a s d o s e le m e n to s , d a m a n e ir a c o m o e le s a p a r e c e m na fa m o s a ta b ela
p e r ió d ic a d e M e n d e le ie v . U m a ta l in te r p r e ta ç ã o d a s p r o p r ie d a d e s d a m a té r ia
su rgiu com o a r e a liz a ç ã o , u ltr a p a ssa n d o os sonhos d o s p ita g ó rico s, d o
a n t i g o id e a l d e p o d e r r e d u z ir a f o r m u l a ç ã o d a s leis d a n a t u r e z a a c o n s i d e ­
raçõ es d e n ú m e r o s puros.

Entretanto, neste mesmo momento, quando tudo parecia


deslizar suavemente, sente-se, de chofre, que a teoria de Bohr se
encontra, como mais cedo ou mais tarde acontece com qualquer
teoria, no limite daquilo que pode realizar. Começa a emperrar
em algumas fraquezas, uma espécie de dor reumatica. E esse
estado de coisas nos revela claramente que de forma nenhuma
tinha sido resolvido o problema real da estrutura do átomo. 337
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/
/

167
O in terior do
á t o m o é invisível,
m as há um a
j a n e l a , u m a jan ela
d e vid ro colorid o: o
e s p e c t r o d o átom o.
O e s p e c tr o d o gás
H id r o g ê n io ; ban das
in te r p r e ta d a s p o r
N ie ls B o h r c o m o
s e n d o d e v id a s
a s a lto s d e
e lé tr o n s d e u m a
ó r b i t a p a r a o u tr a ,
1913.
L o u i s d e B r o g lie
i n t e r p r e t o u e ss a s
ondas com o
sen d o bandas de
o n d a s r e s s o n a n te s ,
n a s q u a i s a s ó r b ita s
s ã o lu g a re s o n d e
n ú m e r o s in te ir o s ,
e x a to s , d e o n d a s
c ir c u n d a m o
n ú c le o .
168
H . G. J . M o s e l e y , A p e n a s a c a s c a h a v ia s id o p a rtid a . M a s, d e n tr o d a ca sca , o á to m o
q u a n d o e stu d a n te , se rev ela u m ovo, com g e m a , o n ú c le o ; e, m e s m o o n ú c le o , tin h a
n o s la b o r a tó r io s
d e q u ím ic a e m a p en a s c o m e ç a d o a ser e n ten d id o .
O x fo rd , 1 9 1 0 .

N ie ls B o h r era p e s s o a a fe ita à c o n te m p la ç ã o e a o la zer. A o g a n h a r


o P r ê m io N o b e l g a sto u o d in h e ir o c o m p r a n d o u m a casa n o c a m ­
po. S eu g osto p e la s a rtes in c lu ía a p o e sia . D e certa fe ita , d isse a
H e ise n b e r g : “ A o c o n sid e r a r o s á to m o s , a lin g u a g e m só p o d e ser
usada c o m o em p o esia . T a m b é m o p o e ta n ã o está , n em d e lo n g e ,
in ter e ssa d o em descrever fato s, m as, sim , em c r ia r im a g en s” .
E sse é u m p en sa m en to in esp era d o : e m se trata n d o d e á to m o s, a
lin g u a g e m n ão está d escreven d o fa to s, m a s, c r ia n d o im a g e n s. E
a ssim é. A lé m d o m u n d o v isív e l está sem p r e o im a g in á r io , lite - 3 39
A Escalada do Homem

ra lm e n te : u m j o g o d e im a g en s. N ã o h á n e n h u m a o u tr a fo r m a d e
se fa la r sobre o m u n d o in v isív e l - na n a tu reza , na arte e na
c iê n c ia .
A o cruzarm os a ca n cela d o á to m o , en con tra m o -n o s em um
m u n d o n o q u a l n o sso s sen tid o s n ã o n o s p o d e m v a ler. A li e x is te
u m a nova a r q u ite tu r a , u m a m a n eira de o rg a n iz a r as c o isa s, a
q u a l n ã o p o d e m o s c o n h e c e r : a p e n a s te n ta m o s a p r ee n d ê -la a tra v és
d e a n a lo g ia s, n o v a m e n te u m a to d a im a g in a ç ã o . A s im a g e n s a r­
q u itetu ra is sã o ca lca d a s n o m u n d o c o n c r e to d e n o sso s se n tid o s,
porque esse é o ú n ico m u n d o p a ssív e l d e d e s c r iç ã o a tr a v é s d e
p a la v r a s. A o d escrev er o m u n d o in v isív e l se m p r e a c a b a m o s e m
m e tá fo r a s, se m e lh a n ç a s to m a d a s d e e m p r é s tim o a o m u n d o m a is
a m p lo d o s o lh o s, d o s o u v id o s e d o ta to .
D esd e que d esco b rim o s n ã o ser e m o s á to m o s o s tijo lo s c o m
o s q u a is a m a té r ia se c o n s tr ó i, só n o s r e sta fa z e r m o d e lo s m o s ­
tran d o a m a n e ir a p e la q u a l e sse s tijo lo s se a g r u p a m e agem em
co n ju n to . M o d e lo s p reten d em m o stra r, a tra v és de a n a lo g ia s, a
c o n stitu iç ã o da m a té r ia . A s s im , a o te sta r o s m o d e lo s t e m o s d e
fr a g m e n ta r a m a té r ia , c o m o se fô s s e m o s la p id a d o r e s d e d ia m a n te
em b u s c a d a e s tr u tu r a d o c r ista l.
A e sc a la d a d o h o m e m se c o n str ó i n u m a su c e ssã o d e sín te se s
cada v e z m a is r ic a s, m a s c a d a d e g r a u r e p r e s e n t a u m esfo rço d e
a n á lise : d e a n á lise m a is p ro fu n d a , m u n d o s d e n tr o d e m u n d o s.
A o ser m o stra d a a d iv isib ü id a d e d o á to m o , restava u m cen tro
in d iv isív e l, o n ú cleo . M as, p or v o lta de 1 9 3 0 co n sta to u -se q u e
esse m o d e lo p r e c isa v a s e r r e v isto . N o c e n tr o d o á to m o , o n ú c le o
ta m p o u c o rep resen ta va o fr a g m e n to ú ltim o d a r e a lid a d e .

N o fin d a r d o s e x t o d ia d a C r ia ç ã o , d iz e m os co m en tad ores he­


b r a ic o s do V e lh o T esta m en to , D eu s p resen teo u o h o m em com
um certo n ú m ero d e fe r r a m e n ta s, q u e lh e c o n fe r ia m o poder de
c r ia r t a m b é m . S e e s s e s c o m e n t a d o r e s p u d e s s e m r e a p a r e c e r h o j e ,
e le s d ir ia m : “ E D e u s c r io u o n e u t r in o ” . E i-Ia , a q u ie m O a f e R id g e ,
n o T e n n e s s e e , a c in tilâ n c ia a zu l, a te s ta n d o a e x is tê n c ia do n eu ­
tr in o : o d ed o v isív e l d e D e u s t o c a n d o A d ão, co m o n o quadro
d e M ic h e la n g e lo , n ã o c o m a le n to , m a s c o m poder. '
N ão. Eu não vou retroced er ta n to no te m p o . C o m e c e m o s já
em 193 0. N esta ép o ca o n ú c le o d o á to m o a in d a p a recia tão
in v u ln e r á v e l c o m o o á to m o p a r ec e r a o u tro r a . A d ific u ld a d e e sta v a
em não se c o n se g u ir u m a d iv isã o e lé tr ic a d o n ú c le o : o s n ú m e r o s
3 4 0 sim p le s m e n te n ã o se a ju sta v a m . O n ú c le o é p o rta d o r de u m a
Um Mundo Dentro do Mundo

ca rg a p o sitiv a (e q u ilib r a n d o -se com o s e lé tr o n s d o á t o m o ) ig u a l


ao n ú m ero a tô m ic o . C o n tu d o , a m assa d o n ú c le o n ã o é u m m ú l­
t ip lo c o n s t a n t e d a c a r g a : v a r ia d e s d e ' a i g u a ld a d e ( n o H i d r o g ê n i o )
a m u ito m a is d o que d u a s v e z e s o v a lo r d a ca rg a (n o s e le m e n to s
p esad o s). T al fato era in e x p lic á v e l, u m a vez que to d o m u n d o
esta v a c o n v e n c id o d o fa to d e a m a té r ia só p o d er ser c o n str u íd a
a p a rtir d a e le tr ic id a d e .

D e v e m o s a J a m e s C h a d w ic k a d e s tr u iç ã o d e s s a id é ia a rr a ig a d a
na m en te d o s físic o s, q u a n d o , e m 1 9 3 2 , p ro v o u a e x istê n c ia de
d o is tip o s de p a rtícu la s na c o m p o siçã o d o n ú cleo : o p ró to n ,
e le tr ic a m e n te p o sitiv o , e o n ê u tr o n , p a r tíc u la d e stitu íd a d e carga
e lé tr ic a . A s m a s sa s d e s sa s d u a s p a r tíc u la s s ã o q u a s e ig u a is, n o m i ­
n a lm e n te ig u a is (a p r o x im a d a m e n t e ) ao p eso a tô m ico d o H id r o ­
g ên io . A p enas, o n ú c le o d o H id r o g ê n io não co n tém n êu tron s,
sen d o form ad o por u m p ró to n so m en te.

P o rtan to , o n êu tro n se o fe r e c ia c o m o u m n o v o tip o d e ferra ­


m en ta , um a esp écie de ch am a a lq u ím ic a , porque, não sen d o
p o r ta d o r d e c a r g a e lé tr ic a , p o d ia ser p ro jeta d o de en con tro aos
n ú c le o s dos á to m o s, sem o p e r ig o de provocar p ertu rb a çõ es
e lé tr ic a s, m as im p o n d o a lte r a ç õ e s nos m esm os. O a lq u im ista
m o d ern o , o h o m e m q u e m a io r v a n ta g e m c o n se g u iu c o m a m a n i­
p u la çã o dessa nova arm a, está rep resen ta d o na fig u r a d e E n r ic o
F e r m i, tr a b a lh a n d o e m R om a.

E n r ic o F e r m i era u m a c r ia tu r a p e c u lia r . C o n h e c i-o m u ito m a is


ta rd e p o r q u e , c o m o é sa b id o , e m 1 9 3 4 R o m a esta va nas m ã o s de
M u sso lin i, B e r lim n a s d e H itle r , e h o m e n s c o m o e u n ã o iria m se
m eter n essas p aragen s. E n treta n to , a o v ê-lo m a is ta r d e e m N ova
Io r q u e , fiq u e i in trig a d o : era o h o m e m m a is in te lig e n te q u e m e u s
o lh o s h a v ia m v isto - bem , ta lv ez o m a is in te lig e n te , c o m u m a
ú n ic a e x c e ç ã o . E ra só lid o , p e q u e n o , p o d e r o s o , p e n e tr a n te , m u ito
i n f o r m a l , e s e m p r e s e n h o r d e si, t u d o c o n t r o l a n d o e m su a m e n te
c la r a , d a n d o a im p ressã o d e p o d er en x erg ar n o fu n d o d as co isa s.

F e r m i d isp a ro u n êu tro n s em to d o s o s e le m e n to s q u e e sta v a m


ao seu a lc a n c e , e a fá b u la da tr a n s m u ta ç ã o se t ° rn ° u u m a rea li­
d ade em su a s m ã o s . O s n ê u tr o n s u s a d o s p o r e le p o d e m ser v isto s
e s p ir r a n d o p ara fora d o rea to r, u m a v e z q u e se serv ia d e u m v u l­
g arm en te ch a m a d o r e a t o r d e '.‘ p i s c i n a ” , p o r q u e a v e l o c i d a d e d o s
n ê u tr o n s era d im in u íd a p ela á g u a . M a s e u d a rei o n o m e co rreto :

341
t r a t a -s e de u m R ea tar de Isó top o de A lto F lu x o , d e se n v o lv id o
em O a k R id g e , n o T e n n e s s e e .
Um Mundo Dentro do Mundo

A tra n sm u ta çã o , está c la r o , era u m son h o a c a le n ta d o h á era s.


N o en ta n to , para um a m en te com te n d ê n c ia s teó rica s c o m o a
m in h a , a c o n tr ib u iç ã o m a is e stim u la n te d a d é c a d a d e 1 9 3 0 fo i a
ab ertu ra do c a m in h o à e v o lu ç ã o d a n a tu r e z a . E x p lic o e sta frase.
C o m e c e i e sta e ta p a c ita n d o o d ia d a C r ia ç ã o , e o fa rei n o v a m e n te .
P or o n d e p r in c ip io ? O a rc e b isp o J a m e s U ssh er, h á m u ito te m p o
a trá s, e m 1 6 5 0 , a fir m o u ter sid o o U n iv e r so c r ia d o n o a n o 4 0 0 4
a .C . E n tr in c h e ir a d o co m o esta va n o d o gm a e na ig n o r â n c ia ,
n in g u ém o c o n t e s t o u ; o u e le o u o u t r o c lé r ig o q u a lq u e r s a b ia m o
a n o , o d ia d o m ê s , o d ia d a s e m a n a e a h o r a , d o s q u a is , a fo r tu n a -
d a m en te, m e e sq u e c i. M as o e n ig m a d a id a d e d o m u n d o p e r m a ­
n eceu in d e c ifr a d o , e c o m e le u m p a r a d o x o , a té o sécu lo X X :
co n q u a n to se a d m itisse a id a d e d a T erra e m m ilh õ e s e m ilh õ e s
d e a n o s , n ã o se c o n s e g u ia c o n c e b e r q u a l fo sse a fo n te d e en erg ia
d o S o l e d e o u tr a s estr e la s, q u e o s m a n tê m a tiv o s h á ta n to te m p o .
T in h a -se , é c la r o , a e q u a ç ã o d e E in stein m o stra n d o q u e a p erda
d e m a té r ia p r o d u z ia e n e r g ia . E a m a té r ia , c o m o era reo r g a n iz a d a ?
M u ito b e m : e ssa é r e a lm e n te a q u e s tã o e sse n c ia l so b r e a en erg ia
e fo i a p o rta do c o n h e c im e n t o a b e r ta p ela d e s c o b e r ta d e C h a d -
w ic k . T r a b a lh a n d o n a U n iv e r sid a d e C o m e U , H a n s B e th e e x p lic o u ,
p e la p r im e ir a v e z , e m 1 9 3 9 , em te r m o s p r e c iso s, a tr a n s fo r m a ç ã o
d o H id r o g ê n io em H é lio n o in te r io r d o S o l. A tr a v é s d ela , a p e r d a
de m assa escoa p a ra n ó s s o b a fo r m a d e u m a d á d iv a p r e c io sa d e
e n erg ia . É c o m p a ix ã o q u e fa lo so b r e esse a ssu n to , p o r q u e , para
m im , ele é p o r t a d o r d a q u a lid a d e , n ã o d a m e m ó r ia , m a s d a e x ­
p e r iê n c ia . A e x p la n a ç ã o d e H a n s B e th e se m e a p r e se n ta tã o v ív id a
c o m o o d ia d e m eu c a sa m e n to , e as etap as su b se q ü e n te ^ c ° m °
as d o s n a s c im e n to s d e m e u s filh o s. Isto p o r q u e , n o s a n o s s e g u in ­
tes, t o m a m o s c o n h e c im e n to (e f in a lm e n t e c o n fir m a d o , n a q u Uo
que c o n s id e r o a a n á lise d e fin itiv a , e m 1 95 7) de q u ^ em to d a s as
e s t r e la s, h á p r o c e s s o s e m c u r so r e sp o n sá v e is p ela c o n str u ç ã o , u m
a p ó s o u tr o , d e á to m o s d e e str u tu r a s c a d a v e z m a is c o m p le x a s . A
p r ó p r ia m a t é r ia e v o lu i. A p a la v r a fo i c u n h a d a p o r D a r w in e p ela
b io lo g ia , m a s f o i e la q u e t r a n s f o r m o u a f ísic a d o s m e u s d ia s.
A p r im e ir a etap a na e v o lu ç ã o dos e le m e n to s tran scorre nas
169
e s tr e la s jo v e n s , ta is c o m o o S o l. É a p a ssa g e m d o H id r o g ên io a o
A lu m in escên cia
azul q u e in d ic a H é lio , r e q u e r e n d o o g r a n d e c a lo r in te r io r; a q u Üo q u e o b s e r v a m o s
a presen ça d e n a s u p e r fíc ie d o S o l sã o a p e n a s te m p e s ta d e s p r o d u z id a s p c* essa
neu trin os.
R e a to r d e a tiv id a d e. (O H é lio fo i id e n tific a d o p ela p r im e ir a v e z a tr a v é s d e
A lto F l u x o e m u m a b a n d a e sp ec tr a l o b se r v a d a d u ra n te o e c lip se d o So1 d e 1 8 6 8 ;
O a k R id g e ,
T en n essee, E U A . d a í a r a z ã o p e la q u a l f o i c h a m a d o h e liu m , p o is n e s s a é p o c a a in d a
A Escalada do Homem

n ã o era c o n h e c id o n a T e r r a .) E fe tiv a m e n te , o q u e a c o n te c e , d e
tem p o s em tem p o s, é a fu são de d o is á to m o s de H id r o g ê n io
p esad o , d a n d o o rig em a u m n ú c le o d e H é lio .

L en ta m en te, o S o l acab ará c o n stitu íd o d e H é lio ap en as. A í,


en tão , se tran sform ará em u m a e strela m a is q u en te, on d e os
n ú c le o s irã o c o lid ir e fo r m a r á to m o s m a is p e s a d o s. O C a r b o n o ,
p or e x e m p lo , é fo rm a d o e m u m a estrela se m p r e q u e três n ú c le o s
d e H é lio c o lid e m em u m p o n to , d e n tr o d e u m in ter v a lo d e te m p o
m en or d o q u e u m m ilio n é sim o d e u m m ilio n é sim o d e seg u n d o .
T o d o á t o m o d e C a r b o n o p r e s e n te n o c o r p o d e q u a lq u e r c r ia tu r a
é fo rm a d o c o m o r e su lta d o d essa c o lisã o tã o fa n ta stic a m e n te im ­
p ro v á v el. D e p o is d o C arbono são form ad os O x ig ên io , S ü íc io ,
E n x ofre e o u tro s e le m e n to s m a is pesados. O s e le m e n to s m a is
e stá v e is s ã o a q u e le s q u e o c u p a m p o s iç õ e s m a is c e n tr a is n a ta b ela
d e M e n d e le ie v , a p r o x im a d a m e n te en tr e o F e r r o e a P ra ta. C o n ­
tu d o , o p r o c e sso d e fo r m a ç ã o d o s e le m e n to s v a im u it o a lé m d eles.

P o r q u e ra zã o a n a tu r e za in ter r o m p e e m u m p o n to a fo r m a ç ã o
d e e le m e n to s , se e le s s ã o c o n s tr u íd o s u n s e m seg u id a a o s o u tro s?
Por que te m o s a p e n a s n o v e n ta e d o is e le m e n to s , o ú ltim o s e n d o
rep resen ta d o p elo U r â n io ? E v id e n te m e n te , s ó p o d e m o s r e so lv e r
essa q u e stã o se p u d e r m o s c o n stru ir e le m e n to s a lé m d o U r â n io , e
p ro v a r q u e , a o se to r n a r e m m a io r e s, o s e le m e n to s se to r n a m m a is
co m p lex o s e ten d em a se quebrar em frag m en to s. E n treta n to ,
a o p r o c e d e r m o s d e ssa m a n e ira , n ã o só ir e m o s p r o d u z ir e le m e n to s
n o v o s, m a s, ta m b é m , fa zer a lg u m a c o isa p o te n c ia lm e n te e x p lo s i­
va. O e le m e n to P lu tô n io , c o n se g u id o por F erm i no p r im e ir o e
h istó r ic o R e a to r G r a fite (n ó s o c h a m á v a m o s a “ P ilh a ” n a q u e le s
v e lh o s te m p o s c o lo q u ia is), fo i o e le m e n to fe ito p e lo h o m e m que
d em o n strou isso ao m u n d o in teiro . E m p a r te , e le é u m m o n u ­
m en to ao g ên io de F e r m i; m a s p r e fir o p e n sá -lo com o se fosse
um tr ib u to ao deus das trevas, P lu tã o , que deu seu n o m e ao
e le m e n to , q u an d o p en so nas q u a ren ta m il p e sso a s m ortas em
N a g a sa k i, so b a a çã o d a b o m b a d e p lu tô n io a í d esp eja d a . E s ta m o s
em u m o u tro tem p o d a h istó r ia d o m u n d o , e m q u e um m o n u ­
m en to rev eren cia u m grande h o m em e m u ito s m o r to s, c o n ju n ­
ta m en te.

1 70
N esta a ltu r a , ten h o de retorn ar à m in a de W ie lic z k a a fim de A p ró p ria
m a té r ia e vo lu i.
e x p lic a r um a c o n tr a d içã o h istó r ic a lá in ic ia d a . E m b o r a o s e le ­
344 m en to s esteja m sen d o fo rm a d o s con sta n tem en te nas estrela s,
O Sol e um a
m a n c h a s o la r .
Um Mundo Dcntro do Mundo

c o stu m á v a m o s pensar no U n iv e r so sob u m processo co n tín u o


d e d esga ste. P or q u ê? O u c o m o ?
A id é ia d o d esga ste d o U n iv e r so v e m d a sua co m p a ra çã o co m
a s m á q u in a s o r d in á r ia s. T o d a m á q u in a c o n s o m e m a is e n e r g ia d o
q u e fo r n e c e . U m a p a r te d ela é g a sta e m a tr ito , e a o u tra p elo u so.
E m a lg u m a s m á q u in a s , m a is r e q u in ta d a s d o q u e a s a n tig a s e n g r e ­
n a g e n s d e m a d e ir a d e W ie lic z k a , as p erd a s se d ã o , n e c e ssa r ia m e n ­
te, p o r o u tra s fo rm a s - p o r e x e m p lo , a tra v és d e a m o r te c e d o r e s
171 e a tr a v é s d e r a d ia d o r e s. T o d o s esses sã o m e io s a tra v és d o q u a is
0 h istó rico
p rim eiro r e a to r h á d e g r a d a ç ã o d e en erg ia . E x iste sem p r e u m a q u a n tid a d e in a c e s­
de g ra fite. sív e l d e e n e r g ia n a q u a l, p a ra to d a e n e r g ia fo r n e c id a , u m a p a r te
P i lh a e x p o n e n c i a l d e
g r a f i t e - U r â n io , se p erd e in e x o r a v e lm e n te , sem p o ssib ilid a d e d e re c u p e r a ç ã o .
d e s e n v o lv id a p e l o E m 1 8 5 0 , R u d o lf C la u siu s o r g a n iz o u esse p r o b le m a n a fo r m a
g ru p o so b a
de u m p r in c íp io e le m e n ta r . P a ra e le h a v ia en e r g ia d isp o n ív e l e
o r ie n ta ç ã o d e
E n r ic o F e r m i, e q u e e n e r g ia r e sid u a l in a c e ssív e l. A e sta ú ltim a c h a m o u e n tr o p ia e fo r ­
e n tro u e m o p e r a ç ã o m u lo u a fa m o sa S egu n d a L e i d a T e r m o d in â m ic a : a e n tr o p ia au­
em 2 d e d eze m b ro
d e 1 94 2, em um m e n ta c o n tin u a m e n te . N o U n iv e r so , o ca lo r d ren a para u m a e sp é ­
cam po de c ie d e la g o d a ig u a ld a d e , d e o n d e n ã o p o d e m a is ser r e c u p e r a d o .
squash, W est S ta n d s,
C em a n o s a trá s, e ssa era u m a b e la id é ia , u m a v e z q u e o c a lo r
S ta g g F ie ld ,
U n iv e r s id a d e d e a in d a era c o n s id e r a d o ser u m flu id o . M a s c a lo r já n ã o m a is p o d ia
C h ic a g o . ser c o n sid e r a d o c o m o sen d o m a is m a te r ia l do que o fo g o , o u
m e s m o d o q u e a v id a . C a lo r é u m m o v im e n to casu al d os á to m o s.
A ssim , foi L u d w ig B o ltz m a n n , na Á u str ia , q u e m apreendeu a
id é ia b r ilh a n te m e n te , d a n d o a ela o p o d e r d e i n t e r p r e t a ç ã o s o b r e
o q ue o c orre em u m a m á q u in a co m u m , em um a m á q u in a . a
v a p o r , e n o U n iv e r so .
Q u a n d o e n e r g ia é d e g ra d a d a , d isse B o ltz m a n n , o á to m o p assa
a um esta d o d e m a io r d e s o r d e n a ç ã o , e a e n tr o p ia é u m a m e d id a
d e s s a d e s o r d e m : e s s a f o i a c o n c e p ç ã o p r o fu n d a g e r a d a p e la n o v a
172 in te r p re ta ç ã o d e B o ltz m a n n . E stra n h a m e n te , a d e so r d e m p ° d e ser
M a is u m a v e z n a
histó ria d o m ed id a ; rep resen ta a p ro b a b ü id a d e de u m e s ta d o p a r ticu la r —
m undo um a q u i d e fin id o c o m o o n ú m e r o d e m a n e ir a s c a p a z e s d e ser o r g a n iz a ­
m on u m en to
reveren cia u m d o a p a rtir d e seu s á to m o s . A r e la ç ã o fo i d e fin id a p r e c is a m e n te ,
grande h o m e m e
m u ito s m o r to s , S = K lo g W ;
con ju n tam en te.
F e rm i (se g u n d o à S , a e n tr o p ia , é r e p r e s e n ta d a c o m o sen d o p r o p o rc io n a l a o lo g a ­
d ir e ita ) n o rit m o d e W , a p r o b a b ilid a d e d e u m d e te r m in a d o e sta d o (K sen d o
d e s c e tr a m e n to d a
u m a c o n sta n te d e p r o p o r c io n a lid a d e , a g o ra c h a m a d a c o n sta n te
p la c a c o m e m o r a t i v a
d a p r i m e i r a fis s ã o d e B o ltz m a n n ).
n u c le a r c o n tr o la d a , E v id e n te m en te, os esta d o s d e s o r d e n a d o s sã o m u ito m a is p r o ­
2 de dezem bro
d e 1 9 4 7. v á v e is d o q u e o s e s ta d o s o r d e n a d o s , d e s d e q u e q u a lq u e r c o n ju n t o '4 7
A E s c a la d a do H o m e m

ao acaso d e á to m o s será d e so rd e n a d o ; assim , d e m a n e ira g eral,


q u a lq u e r a rra n jo o rd e n a d o te n d e a se d e so rg a n iz a r. M as “ de
m a n e ira g e ra l” n ã o sig n ifica “ s e m p re ” . N ã o é v e rd a d e q u e os
sistem as o rd e n a d o s te n d a m c o n tin u a m e n te a se d e so rg a n iz a r.
É u m a lei estatística, p o s tu la n d o q u e a o rd e m te n d e a d e sa p a re ­
cer; m as, a estatística n u n c a a firm a “ s e m p re ” . A e sta tístic a p e r­
m ite a fo rm a ç ã o de sistem as o rd e n a d o s em alg um as ilh as d o
U n iv e rs o (aqui n a T e rra , e m v o cê, e m m im , n as estrelas, em
to d a s o rte de lugares) e n q u a n to a d eso rd em d á c o n ta d o restan te .
A c o n c e p ç ã o é lin d a , m as a in d a fa lta u m a q u e stã o a ser re s o l­
vida. Se é v e rd a d e q u e fo i a p ro b a b ilid a d e q u e n o s p e rm itiu
e x istir, n ã o p o d e ria ela s e r tã o b a ix a a p o n to d e n ã o te rm o s
o d ire ito à ex istên cia?
A s p esso as p re o c u p a d a s c o m essa q u e s tã o fo rm u la m -n a d a 173
m a n e ira q u e se segue. C o n sid e re -se o c o n ju n to d e to d o s os Ld euvdewmigo s Boo ltzfa mtoa nden , oa áquem
á to m o s q u e n e ste m o m e n to e stã o c o n s titu in d o n o ss o c o rp o . t ã o real para nós c o m otonosso m o ser

S e ria in c riv e lm e n te im p ro v á v e l eles v ire m to d o s a este lo c al p r ó p r io m u n d o .


e, n e ste in s ta n te , fo rm a re m m e u c o rp o . R e a lm e n te , se as c o i­ Busto de Boltzmann em seu
túmulo em Viena.
sas se p assassem d essa m a n e ira n ã o se ria ap e n a s im p ro v á v e l
— s e ria v irtu a lm e n te im p o ssív e l.
E n tre ta n to , a n a tu re z a n ã o age d essa fo rm a . O s á to m o s fo r ­
m a m m o lécu las, as m o lécu las fo rm a m bases, as bases d irig e m
a fo rm a ç ã o d e ácid o s a m in a d o s, os ácid o s a m in a d o s fo rm a m
as p ro te ín a s , e estas se o rg a n iz a m n a fo rm a ç ã o de célu las. A s
célu las d ã o e x istê n c ia ao s a n im ais m ais sim p le s e m p rim e iro
lu g ar, em seg u id a ao s m ais c o m p le x o s , e, assim p o r d ia n te , e ta ­
p a ap ó s etap a. A s u n id a d e s estáv eis, c o m p o n d o um n ív el o u
e s tra to , c o n s titu e m m a té ria -p rim a p a ra e n c o n tro s o casio n ais,
d a n d o o rig e m a co n fig u ra ç õ e s m ais c o m p le x a s, alg u m as das
qu ais tê m a o p o rtu n id a d e de ser estáveis. A ssim , desde q u e reste
u m p o te n c ia l de e stab ilid a d e a in d a n ão c o n c re tiz a d o , a m a n i­
festação de u m e v e n to o c a sio n a lm e n te te m o u tr a f o rm a c o m o
se e x p rim ir. A ev o lu ç ã o re p re s e n ta u m a escalad a q u e vai d o
sim p les p a ra o c o m p lex o , d eg rau p o r deg rau , to d o s eles estáveis.
C o m o esse é m eu c a m p o de tra b a lh o , te n h o u m n o m e p a ra o
p ro cesso: c h am o -o E sta b ilid a d e E stra tific a d a . A v id a su rg iu a tra ­
vés dele, em passos le n to s, m as s u b in d o c o n tin u a m e n te os d e­
g rau s d a c o m p le x id a d e — os q u ais c o n s titu e m o p ro b le m a e a
m a n e ira de p ro g re d ir essenciais d a e v o lu çã o . E, ag o ra, sab em o s
q u e tal é v e rd a d e , n ã o só p a ra a v id a, m as, ta m b é m , p a ra a
348 m a té ria . Se as estrelas tiv essem de fo rm a r u m e le m e n to p e sa d o
Um M u n d o D e n tro do M u n d o

c o m o o F e r r o , o u o u tr o m a is p e sa d o a in d a c o m o o U râ n io ,
p e la c o m b in a ç ã o in s ta n tâ n e a d e to d a s as su as p a rte s , isso seria
v ir tu a lm e n te im p o s sív e l. M as n ã o . U m a e s tre la fo rm a H é lio
a p a r tir d e H id r o g ê n io ; e n tã o , e m u m o u tr o e stá g io , e m u m a
e s tre la d ife re n te , o H é lio se c o m b in a n a fo rm a ç ã o de C a r b o ­
n o , d e O x ig ê n io e d o s o u tr o s e le m e n to s m ais p esad o s; e as­
sim p o r d ia n te , estág io ap ó s estág io , até a fo rm a ç ã o d o s n o v e n ta
e d o is e le m e n to s n a tu ra is .

N ã o p o d e m o s r e p r o d u z ir in te ira m e n te os p ro c e sso s estela res


p o r q u e n ão d is p o m o s d as e le v a d íssim a s te m p e ra tu ra s n e c e s­
sá ria s à fu s ã o d a m a io ria d o s e le m e n to s , m as já c o m e ç a m o s
a firm a r o s p és n o p r im e ir o d e g ra u d a escad a: c o n s e g u im o s
o b te r H é lio a p a r tir d o H id r o g ê n io . E m o u tr o s e to r d e O a k
R id g e te n ta -se a fu sã o d o H id r o g ê n io .
E v id e n te m e n te , n ã o é fácil re c ria r a te m p e ra tu ra d e d e n tro d o
S o l — s u p e rio r a d ez m ilh õ e s d e graus c e n tíg ra d o s. A in d a m ais
d ifícil é c o n s e g u ir u m tip o d e m a te ria l cap az de s o b re v iv e r a u m a
tal te m p e ra tu ra , m a n te n d o -a p o r u m a fra ç ã o de se g u n d o q u e se­
ja. N ã o h á esse tip o de m a te ria l; u m c o n tin e n te p a ra u m gás n es­
se e sta d o v io le n to só p o d e te r a fo rm a de u m a a rm a d ilh a
m a g n é tic a . E e sta d á o rig e m a u m n o v o tip o de física: a F ísica
d o s P lasm as. E s tim u la , sim , e é im p o rta n te p o r se tra ta r d a física
d a n a tu re z a . P o r u m a v e z , p e lo m e n o s, os re a rra n jo s realizad o s
p e lo h o m e m n ã o v ão c o n tr a a n a tu re z a , m as, sim , re p ro d u z e m
o m e s m o c a m in h o p o r ela seg u id o , n o Sol e nas estrelas.
T e r m in o este en saio c o n tra s ta n d o im o rta lid a d e e m o rtalid a d e .
A física d o sécu lo v in te é um tra b a lh o im o rta l. A im ag in ação h u ­
m a n a e m seu tra b a lh o c o m u n itá rio jam ais p ro d u z iu m o n u m e n ­
to q u e a igualasse, n em as P irâm id e s, n em a I lía d a , n em as baladas
e n e m as ca te d ra is. O s h o m e n s resp o n sáv eis, uns ap ó s os o u tro s ,
p o r essa c o n c e p ç ã o são os h e ró is p io n e iro s de n o ssa era. M en d e-
leiev a rr u m a n d o o s cartõ es; J. J. T h o m s o n d e rru b a n d o a cren ça
g reg a d a in d iv isib ilid a d e d o áto m o ; R u th e rfo rd tra n s fo rm a n d o -o
em u m sistem a p la n e tá rio ; e N ie ls B o h r o ferec en d o c o n d içõ es p a­
ra q u e o m o d e lo fu n cio n asse. C h a d w ic k d e sc o b rin d o o n ê u tro n e
F e rm i u s a n d o -o p a ra a b ir e tra n s fo rm a r o n ú cle o . E, à fre n te de
to d o s eles, o s ic o n o c la sta s: M ax P la n c k , qu e d eu à e n e rg ia u m a
c a ra c te rís tic a a tô m ic a , à s e m e lh a n ç a d a m a té ria ; e L u d w ig
B o ltz m a n n , a q u e m d e v e m o s, m ais d o q u e a q u a lq u e r o u tro ,
o fa to de o á to m o — o m u n d o n o in te rio r d o m u n d o — se 349
Um Mundo Dentro do Mundo

174
U m a estrela f o r m a to r n a r tã o r e a l p a ra n ó s c o m o tã o r e a l é o n o ss o p r ó p r io m u n d o .
H élio a p artir d e
H id rog ên io ; d e p o is, Q u em p o d e r ia im a g in a r q u e c h e g á s s e m o s tã o lo n g e , se, a in d a
em u m ou tro em 1 9 0 0 , era tr a v a d a u m a b a ta lh a , d ig a m o s , d e m o r te , e n tr e p a rti­
estágio, e m u rn a
d á r io s d a r e a lid a d e e d a irr e a lid a d e d o á to m o . O g r a n d e filó s o fo
o u tra estrela, os
á to m o s d e H élio a le m ã o E rnst M ach d iz ia : não tem r e a lid a d e . O m esm o o fez o
se c o m b i n a m g rande q u ím ic o w ilh e lm O stw a ld . N o e n ta n to , n a q u e la c r ític a
form and o C a rb o n o,
O x ig ên io , e os v ir a d a d o séc u lo , u m h o m e m m a n tev e-se co n v icto , b a sea d o em
e le m e n to s m a is d ad os teó r ic o s fu n d a m e n ta is, da r e a lid a d e d o á to m o . E ste
pesados.
A G ra n de h o m e m foi L u d w ig B o ltz m a n n , a o pé de cu jo tú m u lo eu lh e
N e b u lo s a M 4 2 ren d o h o m en a gem .
e m O r ío n ,
B o ltz m a n n era ira sc ív e l, ex tra o rd in á rio , d ifíc il, u m d o s p ri­
fo to g r a fa d a a tr a v é s
d o te le s c ó p io d e m e ir o s seg u id o r e s d e D a r w in , b r ig u e n to e en ca n ta d o r, e tu d o o
2 0 0 " d e M o n te m a is q u e q u a lq u e r ser h u m a n o d e v er ia ser. A e sc a la d a d o h o m e m
P a lo m a r .
A n e b u lo s a e s tá o sc ilo u em u m tên u e e q u ilíb r io in tele c tu a l n a q u e le m o m e n to ,
a 1 5 0 0 a n o s -lu z e u m a v e z q u e , tiv e sse m a s d o u tr in a s- a n ti-a tô m ic a s v e n c id o a b a ta ­
m u ita s e s tr e la s
v a r iá v e is t ê m lh a n a q u e le s d ia s, n o s s o p r o g r e s s o te r ia s id o a tr a s a d o d e m u ita s
s id o o b s e r v a d a s d é c a d a s o u , ta lv e z , d e c e n te n a s d e a n o s. N ã o a p e n a s o a v a n ç o d a
fo r m a n d o -s e a p a r tir
físic a te r ia sid o c o r ta d o , p o is a b io lo g ia d e p e n d e fu n d a m e n ta l­
d e H id r o g ê n io
i n te r e s t e l a r . m en te d essa co n cep çã o .
B o ltz m a n n apenas a rg u m en tou ? N ã o . E le v iv e u e m orreu
a q u e la p a ix ã o . E m 1 9 0 6 , a o s se s s e n ta e d o is a n o s d e id a d e , s e n ­
tin d o -se so litá rio e d e r r o ta d o , n o e x a t o m o m e n t o e m qu e a d o u ­
t r in a a t ô m i c a ia v e n c e r a d is p u t a , a v a lio u m a l e p e n s o u t u d o e s ta r
p e r d id o . S u ic id o u -se . R e s to u su a fó r m u la , u m a e te r n a h o m e n a g e m
à su a in te lig ê n c ia ,
S = K lo g W ,
gravada em se u tú m u lo .
N ã o ten h o, de m in h a , n en h u m a frase que p o ssa fazer ju s à
frase c o m p a c ta , d e p e n e tr a n te b e le z a d e B o ltz m a n n ; a ssim , c ita ­
rei o p o e ta W illia m B la k e , d a n d o o s v e r so s in ic ia is d e s e u A u g u rie s
o f I n n o c e n c e ( A u g ú r io s d a I n o c ê n c ia ):

V er o M u n d o e m u m G r ã o d e A reia
E u m C é u e m u m a F lo r S ilv e str e
T o m a r o In fin ito e m su a m ã o
E a E te r n id a d e e m u m a hora.

351
11 CONHECIMENTO OU CERTEZA

U m d o s o b jetiv o s das c iê n c ia s física s era o d e dar u m a d e scr iç ã o


e x a ta d o m u n d o m a te r ia l. A c o n q u is ta d a físic a d o s é c u lo X X foi
m o str a r q u e esse o b je tiv o é in a tin g ív el.
T o m e-se u m o b jeto b a sta n te con creto co m o a face h u m a n a .
E stou o u v in d o u m a m u lh e r c e g a , e n q u a n t o e la c o r r e s e u s d e d o s
p e la s fa c e s d e u m h o m em d e sco n h e c id o , p en sa n d o e m v o z a lta :
“ E u d ir ia q u e e le é i d o s o . P e n s o , o b v i a m e n t e , n ã o ser e le in g lê s .
S u a fa c e é m a is a r r e d o n d a d a d o q u e a d a m a io r ia d a d o s in g leses.
D ir ia m e s m o se r e le e u r o p e u ; e a té m a is: d o L e s te d a E u r o p a . A s
lin h a s de seu rosto parecem d e s o fr im e n to . A p r in c íp io pensei
trata r-se d e c ic a tr iz e s. N ã o é u m a fa c e fe liz ” .
O rosto era o d e S te p h a n B o rg r a je w ic z , q u e , c o m o e u , era p o ­
lo n ê s. N a fig u r a 1 75 e le p od e ser v isto se g u n d o a c o n c e p ç ã o d o
a rtista p o lo n ê s F e lik s T o p o ls k i. S a b e m o s q u e essa s p in tu ra s n ã o
so m en te retratam um a fa ce c o m o tam b ém a a n a lisa m ; o a rtista
d e lin e ia o s d eta lh es d e tal fo r m a que p a rece o s estar to c a n d o ; e
que cada lin h a a d ic io n a d a r e fo r ç a o r e tr a to , sem nunca chegar a
te r m in á -lo . N ó s o a c e it a m o s c o m o o m é t o d o d o a rtista .
M as a físic a ta m b ém ch ego u ao p o n to d e m o stra r ser esse o
ú n ic o m é t o d o d e c o n h e c im e n to . N ã o há c o n h e c im e n to a b so lu to .
E o s d e fe n s o r e s d e ste, q u e r c ie n tista s, q u e r d o g m á tic o s , n a d a m a is
fazem d o q u e a b r ir a p o r ta à tr a g é d ia . T o d a in f o r m a ç ã o é im p e r ­
fe ita . A s s im , d e v e m o s tr a tá -la c o m h u m ild a d e ; essa é a c o n d iç ã o
h u m an a e é o p o s tu la d o d a F ísic a Q u â n tic a . E sta a fir m a ç ã o n ã o
é r e tó r ic a : d e v e ser t o m a d a a o p é d a letra .

O b se r v e m o s esse ro sto su b m e tid o à ca d a fa ix a d e to d o o e sp ec tr o


e le tr o m a g n é tic o . O p o n to ao qual q u ero chegar é este: quão
m in u c io s o e q u ã o e x a to é o d eta lh e d esse ro sto , q u e p o d e m o s ver
c o m os m e lh o re s in stru m en to s d o m u n d o — m e sm o q u e fosse u m
in str u m e n to p e r fe ito se é q u e p o d e m o s c o n ce b ê-lo ?
A lé m d isso , v er o s d e ta lh e s n ã o e stá c o n fin a d o a v ê-lo s a tra v és
175
de lu z v isív e l. E m 1 8 6 7 J a m e s C lerk M a x w e ll propôs ser a lu z
O s retratos m a is
e x p lo ra m a f a c e d o um a v ib r a ç ã o e le tr o m a g n é tic a , e as e q u a ç õ e s p o r e le m o n ta d a s
que a fIx a m .
para d e m o n str á -lo in d ic a r a m ex istir o u tra s. O esp ectro de lu z
R e tr a to d e
S te p h a n v isív e l, d o v e r m e lh o a o v io le ta , é s o m e n te u m a o ita v a , o u m a is
B o r g r a je w ic z , p o r o u m e n o s isso , n o c o n t ín u o d a s r a d ia ç õ e s in v isív e is. H á t o d o u m
F e lik s T o p o ls k i,
L o n d res, 1 9 7 2 . te c la d o de in fo r m a ç ã o , d esd e o s c o m p r im e n t o s m a is lo n g o s d a s 3 53
A Escalada do Homem

o n d a s d e r á d io (n o ta s g ra v e s), a té o s c o m p r im e n t o s d e o n d a m a is
c u r to s d o s r a io s X (n o ta s m a is a g u d a s). V a m o s ilu m in a r u m a fa c e
h u m an a co m ca d a u m a dessas on d as.
A s o n d a s m a is lo n g a s d o e s p e c tr o in v isív e l sã o r e p r e se n ta d a s
p e la s o n d a s d e r á d io , c u ja e x is tê n c ia f o i p r o v a d a h á c e r c a d e c e m
anos, em 1 88 8, por H e in r ic h H ertz, c o n firm a n d o a teo ria de
M a x w e ll. S e n d o as m a is lo n g a s sã o , t a m b é m , as m a is g ro sse ir a s.
U m a v a rred u ra d e rad ar, tr a b a lh a n d o c o m o n d a s d e a lg u n s m e ­
tros, n ã o acu sa rá o r o sto , a n ã o ser q u e se trate d e u m rosto de
a lg u n s m e tr o s d e la rg u ra , c o m o o s d a s e sc u ltu r a s m e x ic a n a s . S o ­
m en te q u an d o u s a m o s o n d a s m a is cu rta s é q u e v a m o s p e r c e b e r
a lg u m d e ta lh e n e ssa c a b e ç a g ig a n te sc a : se a o n d a fo r in ferio r a
u m m etro , as o relh a s. E p r a tica m en te no lim ite das ondas de
r á d io , de a lg u n s c e n tím e tr o s, d etectam os o p r im e ir o traço de
u m a fig u r a h u m a n a a o la d o d a e s tá tu a .
E m seg u id a , o lh a m o s a fa ce, a fa c e d o h o m e m , a g o r a , a tra v és
de u m a câm era sen sív e l à banda seg u in te de r a d ia ç õ e s, co m
c o m p r im e n to de onda m en or do que u m m ilím e tr o , os r a io s
in fr a v e r m e lh o s. E stes fo ra m d esco b ertos em 1 8 0 0 p e lo a str ô n o ­
m o W illia m H ersch el, a o n o ta r o ca lo r p r o d u z id o q u a n d o fo c a li­
zava seu te le sc ó p io p ara a lé m d a lu z v er m e lh a : o s ra io s in fra v er ­
m e lh o s s ã o r a io s d e ca lo r. A c h a p a d a c â m e r a tr a n s la d a a im a g e m
dos r a io s in fra v er m e lh o s para a lu z v is ív e l s e g u n d o um c ó d ig o

176
Q u ã o fin o s e
q u ã o e x a to s são
o s d etalh es que
p o d e m o s ver
c o m o s m elh o res
in stru m en tos
do m undo?
F o to g r a fia , p o r
m e io d e ra d a r, d o
354 A e r o p o r to d e
L o n d res.
C o n h e c im e n to ou C erteza

u m ta n to a r b itr á r io : o s ra io s m a is q u e n te s a p a r e c e m em azul e
os m a is fr io s em v e r m e lh o ou sim p le sm e n te escuro. P od em os
p e r c e b e r o s a c id e n te s m a is s a lie n te s d a face: o s o lh o s, a b o c a , o
n a r iz - v em o s, ta m b ém , a n u v em d e v a p o r s a in d o d a s n a r in a s.
N ão h á d ú v id a de que a p r e n d e m o s a lg u m a s c o isa s n o v a s so b r e a
fa ce h u m a n a , m as isso s e m n en h u m d eta lh e.
N o s lim ite s in ferio res de seu c o m p r im e n to d e onda, a lg u n s
c e n té s im o s d e m ilím e tr o o u m e n o s , h á u m a tra n siçã o g ra d u a l d o
in fr a v e r m e lh o p a ra o e s p e c tr o v isív e l. O film e a g o ra u sa d o é s e n ­
s ív e l a a m b o s , e a fa c e a d q u ir e v id a . N ã o é m a is a p e n a s a f a c e d e
u m h o m em , m as, sim , d o h o m em que con h ecem os: S tep h a n
B o r g r a je w ic z .
A lu z b r a n c a o r ev ela v is iv e lm e n te a o o lh o e m d e ta lh e s: a p e n u ­
g e m , o s p o r o s d a fa c e , u m a p e q u e n a m a n c h a a q u i, u m a v e ia z in h a
a ii. A lu z b ra n ca é fo r m a d a d e u m a m istu ra d e c o m p r im e n to d e
on d a d o v e r m e lh o , d o la r a n ja , d o a m a r e lo , d o v e r d e , d o a z u l e,
fm a lm e n te , d o v io le ta , as o n d a s v isív e is m a is cu rta s. O s d e ta lh e s
d e v e r ia m a p a r e c e r m a is f in a m e n t e q u a n d o o b s e r v a d o s a tr a v é s d e
lu z v io le ta d o q u e q u a n d o a tr a v é s d e lu z v e r m e lh a , m a s, n a p r á tic a ,
d e n tr o d e m a is o u m e n o s u m a o ita v a , n ã o h á g ra n d e s d ife r e n ç a s.

O p in to r a n a lisa a fa c e , iso la su a s p a rtes, sep a ra as c o r e s, a m p lia


a im a g e m . A ssim , p o d em o s p ergu n tar: N ão d e v er ia o c ie n tista
usar u m m icro scó p io p a r a iso la r e a n a lisa r o s tr a ç o s m a is d e lic a ­
d o s? S im , d ev eria . E n tr e ta n to , d e v e m o s ter p r e se n te q u e e m b o r a
o m ic r o sc ó p io a m p lie a im a g e m ele não a m e lh o ra : a n itid e z d o
d eta lh e é d e te r m in a d a p e lo c o m p r im e n to d e o n d a d a lu z. D e s sa
m a n eira , p a ra q u a lq u e r c o m p r im e n t o d e o n d a , o s r a io s d e lu z só
p o d em ser in te r c e p ta d o s p o r o b je to s m a is o u m e n o s d a s m e s m a s
d im e n s õ e s d o c o m p r im e n t o d e o n d a d o s ra io s; u m o b jeto m en or
s im p le s m e n te n ã o p r o d u z ir á so m b r a .
U m a a m p lia ç ã o de m a is de d u zen ta s vezes p od e iso la r u m a
ú n ic a c é lu la d a p e le, q u a n d o o lh a d a com lu z b r a n c a . M a s, p ara
M ic r o fo to g r a fia d a
s u p e r fíc ie d a o b ter m a io r d e ta lh e , p r e c is a m o s d e lu z d e m e n o r c o m p r im e n to
p e le h u m a n a , 5 0 x . de onda. O p r ó x im o p a s s o seria , e n tã o , a lu z u ltr a v io le ta , c o m
M ic r o fo to g r a fia d e
c o m p r im e n to de on d a de um m ilio n é sim o d e m ilím e tr o o u m e ­
u m c o r te d e p e le h u m a n a ,
m o s tr a n d o g lâ n d u la s nos - m a is c u r to p a ra m a is d e d e z v e z e s d o q u e a lu z v isív e l. S e
seb á cea s, 2 0 0 x .
n o sso s o lh o s fo ssem cap azes de enxergar co m lu z u ltra v io le ta , o
O m ic r o s c ó p io d e r a io s
u ltr a v io le ta s o lh a p a r a q u e v e r ía m o s seria u m a p a is a g e m fa n ta s m a g ó r ic a d e flu o r e sc ê n c ia .
d e n tr o d a c é lu la a o n í v e l O m icro scó p io de lu z u ltr a v io le ta o lh a , a tra vés de u m a lu z
d os cro m o ssom o s.
Á to m o s d e T ó rio . trem elu zen te, o in ter io r da c é lu la , a m p lia d a d e três m il e q u i- 355
A Escalada do Homem

n h en tas v ezes, ao n ív el d o s c r o m o s so m o s. M a s esse é o lim ite :


n e n h u m a lu z irá v er o s g e n e s d e n t r o d o s c r o m o s s o m o s .
U m a vez m a is, q u eren d o ir m a is p ro fu n d a m en te, tem o s de
en cu rtar o c o m p r im e n to de onda: o p ró x im o são os r a io s X .
E n treta n to , estes são tã o p en etra n tes, a p o n to de não p od erem
ser fo c a liz a d o s p o r n e n h u m tip o d e m a te r ia l; n ã o se p o d e c o n s ­
tr u ir u m m ic r o s c ó p io d e r a io s X . A s s im , t e m o s d e n o s c o n te n ta r
em p r o je tá -lo s em u m a face e o b ter u m a esp écie de som bra;
os d e ta lh es d ep en d em , agora, de sua p en etraçã o. V em o s o
c r â n io sob a p ele - por e x e m p lo , v e m o s que o h o m em h a v ia
p erd id o os d en tes. E sta c a p a c id a d e d e e scru tin a r o corp o
co n fe r iu g ra n d e in te r e sse a o s r a io s X im e d ia ta m e n te a p ó s te r e m
sid o d esco b ertos por w ü h e lm K onrad R o n tg en em 1 89 5; aqui
esta va u m a c h a d o d a físic a q u e p a r ec ia ter s id o d e s tin a d o p ela
n atu reza ao ser v iç o da m e d ic in a . A d esco b erta d eu a R o n tg en
u m ar d e b e n é v o la fig u r a p a te r n a l e o p r im e ir o P r ê m io N o b e l e m
190 1.
A lg u m a s v ezes, u m fe liz a c a so n o s le v a a u m resu lta d o in e sp e ­
r a d o q u a n d o , p o r in fer ê n c ia , d e s c o b r im o s a lg o q u e n ã o p o d e ser
v isto d ir e ta m e n te . O s ra io s X n ão m o stra m os á to m o s, u m a vez
q u e e ste s s ã o a in d a m u ito p e q u e n o s p a ra p r o d u z ir s o m b r a s , m e s ­
m o so b esse d im in u to c o m p r im e n to d e o n d a . C o n tu d o , p o d e m o s
m ap ear os á to m o s, em u m c r ista l, p o r q u e s e u s e s p a ç a m e n t o s s ã o
reg u la res, d e m a n e ir a q u e o s ra io s X p r o d u z ir ã o u m p a d r ã o reg u la r
de ondas, a p a rtir das q u a is a p o siç ã o d os á to m o s o b stru to res
p o d e ser in ferid a . E ste é o p a d r ã o d o s á to m o s e m u m a e sp ir a l d o
A D N : rep resen ta u m retra to d e u m g en e. O m é to d o fo i in v e n ta d o
em 1 9 1 2 por M ax von L a u e, e co n sistiu em u m g o lp e d u p lo d e
e n g e n h o sid a d e , um a vez que fo i a p r im e ir a p r o v a d a r e a lid a d e
d o s á to m o s, e, ta m b é m , a p r im e ir a p r o v a d a n a tu r e z a e le tr o m a g ­
n é tic a d o s ra io s X .
A in d a p o d e m o s d a r m a is u m p a sso n esse se n tid o e chegar ao
m ic r o s c ó p io e le tr ô n ic o , o n d e o s ra io s sã o d e tal m a n e ir a c o n c e n ­
trad os, a p o n to d e n ã o m a is p o d e r m o s d iz er se tra ta r d e o n d a s
ou de p a rtícu la s. O s e lé tr o n s sã o d isp a r a d o s c o n tr a u m o b jeto
177
d e m a n e ira a traçar o s c o n to r n o s d e ste , à s e m e lh a n ç a d o q u e fa z A ex p lo ra çã o d o corpo
um a tira d o r d e fa ca s e m um c ir c o . O m e n o r o b je to id e n tific a d o h u m a n o a t r a v é s d o s r aios
X se in ic io u tã o p ro n to
por esse m é to d o fo i u m á to m o iso la d o d e T ó rio . Isso é e sp eta ­ R o n t g e n o s descob riu .
cu la r. N o en ta n to , a im a g em in d e fin id a c o n fir m a o fa to d e q u e , C h a p a o r ig in a l d e R o n tg e n
m o stra n d o u m h o m em
co m o a co n tece co m as faca s d e lin e a n d o a fig u r a d a j o v e m d o
c o m seu s s a p a to s e ch aves
3 5 6 c ir c o , m e s m o o s e lé tr o n s m a is d u r o s n ã o p r o d u z ir ã o u m a im a g e m n o s b o l s o s t r a s e i r o s d a s calças.
178
O s raios X f o r m a i u m p a d r ã o reg u la r d e fra n ja s,
através d o q u a l a p o s i ç ã o d o s á t o m o s i n t e r c e p t a d o s
p o d e ser in ferid a.
P a d rã o d e d ifr a ç ã o d e r a io s X p a s s a n d o a tr a v é s d e
u m c rista l d e A D N .
A Escalada do Homem

n ítid a . A im a g em p e r fe ita p e r m a n e c e a in d a tã o d ista n te c o m o a


d a s e s tr e la s m a is r e m o t a s .

N este p o n to n o s d efro n ta m o s face a fa c e c o m o p arad oxo fu n ­


d a m en ta l d o c o n h e c im e n to . A n o a p ó s a n o d iv isa m o s in str u m e n ­
to s m a is p r e c is o s a fim d e o b se r v a r a n a tu r e z a c o m m a io r p r e c is ã o ,
m a s, a o e x a m in a r m o s as im a g e n s o b tid a s fic a m o s d e c e p c io n a d o s
a o co n sta ta r serem e la s a in d a m u it o in d e fin id a s, tr a z e n d o -n o s a
sen sação de que a in certeza é tão grande c o m o sem pre fo i. É
co m o se e stiv éssem o s p e rseg u in d o um o b jeto que fog e para o
in fin ito n o m o m e n to m e s m o em q u e o a v ista m o s.
O p arad oxo d o c o n h e c im e n to n ã o está c o n fin a d o à d im in u ta
e sc a la a tô m ica ; p e lo c o n tr á r io , e stá ta m b é m p resen te n a e sc a la
d o h o m e m , e m e s m o n a d a s estrela s. V a m o s c o lo c á -lo n o c o n t e x t o
d e u m o b se r v a tó r io a str o n ô m ic o . O o b se r v a tó rio d e K arl F r ie d r ic h
G au ss em G o ttin g en foi c o n str u íd o em 1 80 7. D esd e en tão , os
in stru m en to s a str o n ô m ic o s têm sid o a p erfeiço a d o s. A o e x a m i­
n a r m o s a p o s iç ã o d e u m a e s tr e la , tal c o m o fo i d e te r m in a d a n a ­
q u ele tem p o e a g o ra , te m o s a im p r e ssã o d e e sta r m o s c h e g a n d o
p e r to d e d e te r m in a r e x a t a m e n t e o n d e e la se e n c o n tr a . E n t r e t a n to ,
a o c o m p a r a r m o s n o ssa s p r ó p r ia s o b s e r v a ç õ e s in d iv id u a is n o ta m o s ,
co m p e sa r , q u e e la s n ã o c o in c id e m ; e s p e r á v a m o s e lim in a r o s e r r o s
h u m a n o s e ser m o s, n ó s m e s m o s, d o ta d o s d a V is ã o D iv in a ; m a s o
fa to é q u e não há o b serv a çã o sem e r r o . E , n o t e - s e , tal c o n t i n g ê n ­
c ia é v á lid a ta n to quando o b se r v a m o s e strela s o u á to m o s , c o m o
g u an d o o lh a m o s u m a face h u m a n a , o u q u an d o o u v im o s co n ta r
o q u e o o u tr o fa lo u . 179
O paradoxo do
G au ss recon h eceu esse fa to c o m a q u e le g ê n io m aravü h oso e co n h ecim en to não
b r in c a lh ã o q u e sem p r e o a c o m p a n h o u a té sua m o r te , a o s o ite n ta está co n fm a d o à
m in ú sc u la esca la
a n o s d e i d a d e . C o n t a n d o a p e n a s d e z o i t o a n o s , a o v ir p a r a G o t t i n - a tô m ica ; ao
gen, em 1 7 9 5 , a fim d e in g ressa r n a u n iv e r s id a d e ,já h a v ia r e so lv id o co n trá rio , ele é
ig u a lm en te
o p r o b le m a d a m e lh o r e stim a tiv a p a ra u m a série d e o b s e r v a ç õ e s m a n i f e s t o n a esca la
p o r ta d o r a s d e erro s in ter n o s. S e u r a c io c ín io d e e n tã o era o m e s ­ do hom em , e
m e sm o das
m o q u e o s e sta tístic o s c o n tin u a m u tiliz a n d o h o je.
estrelas.
A o o lh a r p a ra u m a e strela , u m o b serv a d o r sab e ex istirem m ú l­ K a r l F r ie d r ic h G a u ss.
tip la s c a u sa s d e e r r o s. D e s s a m a n e ir a , e le a n o ta v á r ia s o b s e r v a ç õ e s A C u r v a d e G a u ss.

na esp eran ça de, n a tu ra lm en te, en con tra r, n a m é d ia , a m e lh o r


e stim a tiv a da p o siçã o da estrela — o cen tro da d isp ersã o dos
p o n to s . A té a q u i, o ó b v io . E n tr e ta n to , G a u s s f o i a lé m , e p e r g u n ­
t o u q u a l s e r ia o s ig n if ic a d o d e ta l d is p e r s ã o . O r e s u lt a d o a p a r e c e u
358 n a fo r m a d o g u e h o je é c o n h e c id o c o m o cu rv a g a u ssia n a , n a q u a l
A Escalada do Homem

1 80
a d isp e r sã o é rep resen ta d a p e lo d esv io , o u esp a lh a m e n to , da M ax Bom .
curva. A p a rtir d a í v e i o u m a id é ia d e lo n g o a lc a n c e : a d is p e r s ã o B o m c o m s e u filh o
e m G õ ttin g e n , em
rep resen ta u m a área d e in certeza , u m a v e z q u e n ã o p o d e m o s esta r
1 9 2 4 , a p ó s te r
c e r to s d e q u e a p o siç ã o real esteja lo c a liz a d a n o c e n tr o . T u d o o s id o in d ic a d o p a ra
a c á te d r a d e
que p o d e m o s d iz e r é q u e a p o s iç ã o se e n c o n tr a n a á re a d e in c e r ­
F ís ic a T e ó ric a ju n to
te z a , á re a e sta p a ss ív e l d e ser c a lc u la d a a p a rtir d a d is p e r s ã o d a s à U n iv e r s id a d e d e
G õ ttin g e n .
o b s e r v a ç õ e s in d iv id u a is.
E le f o i e x o n e ra d o
P o r ta d o r d e s sa v is ã o su til d o c o n h e c im e n t o h u m a n o , G a u ss se d e seu c a rg o
s e n tia p a r tic u la r m e n te irrita d o c o m a q u e le s filó s o fo s q u e a fir m a ­ e m 2 6 d e a b r il
de 1933.
vam p o ssu ir u m a ce sso a o c o n h e c im e n to m u it o m a is p e r fe ito d o
que o fo rn ecid o p ela o b se r v a ç ã o . D e n tr e m u ito s e x e m p lo s e s c o ­
lh erei a p e n a s um . H á u m filó so fo ch am ad o F r ie d r ic h H eg el, a
q u e m , d ev o co n fessa r, d e te sto em esp ecia l, m a s c o m c e r to sen ti­
m e n to d e fe lic id a d e p o r c o n sta ta r ser esse s e n tim e n to c o m u m ao
de u m grande h o m em c o m o G auss. E m 1 8 0 0 H eg el a p resen to u
u m a tese, p ro va n d o q ue, em b ora a d e fin iç ã o d e p la n eta ten h a
m u d a d o d e sd e o s A n tig o s, a in d a p o d e r ia m ex istir , filo s o fic a m e n te ,
s o m e n te se te p la n e ta s. O r a b e m , n ã o a p e n a s G a u s s sa b ia r e sp o n d e r
a isso ; S h a k e sp e a r e já h a v ia r e s p o n d id o h á m u it o te m p o . N a m a ­
r a v ilh o sa p a ss a g e m d o R ei Lear, o n d e, q u em m a is p o d e r ia d iz er ,
s e n ã o o B o b o , d ir ig in d o -se a o R e i: “ A r a z ã o p o r q u e a s s e te e s tr e ­
la s n ã o s ã o m a is d o q u e s e te é u m a r a z ã o g o z a d a ” . O R ei acena
a s tu ta m e n te e d iz: “ P o r q u e e la s n ã o s ã o o i t o ” . E o B o b o r e p lic a :
“ S im , isso m e s m o , e v o c ê d a r ia u m ó tim o b u fã o ” . H egel ta m b ém
d a r ia . N o d ia p r im e ir o d e ja n e ir o d e 1 8 0 1 , a n tes d e ter h a v id o
tem p o para secar a tin ta da d isserta çã o de H eg el, u m o ita v o
p la n e ta f o i d e sc o b e r to — o p la n eta C eres.

A h istó r ia e stá r e p le ta d e iro n ia s. N a c u r v a d e G a u ss e sta v a e s c o n ­


d id a u m a b o m b a -r e ló g io , q u e e x p lo d iu ap ós a sua m o rte, a d o
d e sco b r irm o s que não te m o s v isã o d iv in a . O s erro s e stã o in e x -
tr in c a v e lm e n te lig a d o s à n a tu reza d o c o n h e c im e n to h u m an o.
Ir o n ic a m e n te , e ssa d e s c o b e r ta fo i fe ita e m G õ ttin g en .
A s c id a d e s u n iv e r sitá r ia s a n tig a s s ã o m a r a v ilh o s a m e n te p a r e c i­
d a s e n t r e si. G õ t t i n g e n é s e m e l h a n t e à C a m b r i d g e d a I n g l a t e r r a
ou à Y a le d o s E sta d o s U n id o s: m u ito p r o v in c ia n a s, a fa sta d a s d a s
r o ta s p a ra q u a lq u e r o u tr o lu g a r — n in g u é m se d ir ig e a e ssa s p a r a ­
g en s esta g n a d a s a n ã o ser p ara d esfru ta r d a c o m p a n h ia d e p r o fe s ­
sores. M as o s p ro fesso res estã o certos d e o c u p a r e m o cen tro d o
m u n d o . A q u i, h á u m a in s c r iç ã o n o R a th s k e lle r , o n d e se lê , “ E x tr a
3 6 0 G õ ttin g en n on est v ita ” , “ F o r a d e G õ ttin g e n n ã o h á v id a ” . E ste
!
A Escalada do Homem

ep ig ra m a , o u d ev eria c h a m á -lo e p itá fio , n ã o é le v a d o tã o a sério


p e lo s e stu d a n te s c o m o o é p e lo s p ro fesso res.
O s ím b o lo d a U n iv e r sid a d e é r e p r e se n ta d o p e la e stá tu a d e ferro
n a p o r ta d o R a th s k e lle r , d e u m a m e n in a c o m um ganso, que cada
estu d an te tem d e b eija r e m su a g r a d u a ç ã o . A U n iv e r s id a d e é u m a
M eca, a qual os estu d an tes b uscam co m a lg o m e n o s d o q u e a
p e r fe ita fé. E é im p o r ta n te q u e o s e stu d a n te s seja m im b u íd o s de
u m a c e r ta ir r e v e r ê n c ia e m s e u s e stu d o s ; e le s n ã o e s tã o a q u i p a ra
a d o ra r, e, sim , p a r a q u e s tio n a r o q u e é c o n h e c id o .
À s e m e lh a n ç a d e to d a c id a d e u n iv e r sitá r ia , G o tt in g e n t e m suas
lo n g a s a la m e d a s q u e sã o c e n á r io s p ara as c a m in h a d a s q u e o s p r o ­
fessores fa zem d e p o is d o a lm o ç o , às v e z e s a c o m p a n h a d o s d e e s­
tu d a n tes e x tá tic o s, q u a n d o a g ra cia d o s c o m a d e fe r ê n c ia de u m
co n v ite. N o p assad o, G o ttin g en deve ter sid o p a ch orren ta . A s
p e q u e n a s c id a d e s u n iv e r sitá r ia s a le m ã s s ã o a n te r io r e s à u n ific a ç ã o
d o p a ís (G o ttin g en , por e x e m p lo , foi fu n d a d a por G eorge II,
q u an d o a in d a Senhor de H a n o v e r ), e , a ssim , e x ib e m u m ar d e
b u r o c r a c ia lo c a l. M e s m o d e p o is d e te r m in a d o o d o m ín io m ilita r
c o K a ise r te r a b d ic a d o e m 1 9 1 8 , e la s c o n tin u a r a m m a is c o n f o r ­
m ista s d o q u e as u n iv e r sid a d e s d e fo r a d a A le m a n h a .
A lig a ç ã o e n tr e G o ttin g e n e o m u n d o e x te r io r era fe ita a tra v és
d e u m a e s tr a d a d e fe r r o . P o r e ss a v ia c h e g a v a m o s v isita n te s d e
B e r lim , e d e o u tr a s c id a d e s, a n sio s o s p o r tr o c a r id é ia s s o b r e as
q u e stõ e s m o m e n to sa s d a físic a q u e e stiv e sse m a g ita n d o o m u n d o
lá fo r a . E m G o ttin g e n , c o stu m a v a -se d izer q u e a c iê n c ia g a n h a v a
v id a n o trem p a ra B e r lim , u m a v e z q u e a q u i era o n d e a s p e s so a s
a r g u m e n ta v a m , e r a m q u e s tio n a d a s , e tin h a m n o v a s id é ia s. E o n d e
n o v a s id é ia s e r a m c o n te s ta d a s ta m b é m .
N o s a n o s d a P rim eira G u e r r a M u n d ia l a c iê n c ia e m G o ttin g en ,
co m o em tod a p a rte, era d o m in a d a p ela R e la tiv id a d e . M a s, n o
ap ós-gu erra, e m 1 9 2 1 , a C á ted ra d e F ísic a fo i o c u p a d a p o r M a x
B o m o q u a l, c o m se u s se m in á r io s, p a sso u a a tr a ir a a t e n ç ã o da
co m u n id a d e d o s físic o s a tô m ic o s. in teressa n te n o ta r q u e M a x
181
B o m fo i g u in d a d o à c á te d r a q u a n d o c o n ta v a já p e r to d e q u a r e n ta E les estão aqui
a n o s , fa t o in c o m u m , p o is q u e , d e m a n e ir a g er a l, o s f ís ic o s r e a li­ n ã o para
reveren ciar o q u e
zam seu s m e lh o r e s tr a b a lh o s a n te s d o s tr in ta a n o s (m a te m á tic o s já é c o n h e c i d o ,
a in d a m a is c e d o e b ió lo g o s ta lv e z u m p o u c o m a is ta r d e ). E n tr e ­ m a s, sim , para
q u estio n á -lo .
tan to, B o m era d o tad o de u m ex tra o rd in á rio d o m so crá tico ,
A fo n te d e b ro n ze
m u ito p e sso a l. A tr a ía o s jo v e n s , e stim u la v a -o s , e as id é ia s d is c u ti­ d a m e n in a c o m
o gan so, P raça d o
d a s e c o n te s ta d a s e n tr e e le s c o n s titu ír a m o m e lh o r d o seu trab a­
362 lh o . D en tre um a m u ltid ã o de n om es, qual d eles d ev eria eu
M ercado de
G o ttin g e n .
A Escalada do Homem

e sc o lh e r ? W ern er H e ise n b e r g , o b v ia m e n te , q u e r e a liz o u a q u i, c o m


B o m , o seu m e lh o r tr a b a lh o . Q u a n d o E r w in S c h r o d in g e r p u b li­
cou um a fo r m a d ife r e n te d e físic a a tô m ic a b á sica , fo i ta m b é m
aqui on d e ocorreu o p r in c ip a l d e b a te , a tr a in d o g e n te d e t o d o o
m u n d o.
P od e parecer in a d eq u a d o fa la r n e sse s te r m o s so b r e u m a a ti­
v id a d e q u e m a is p a r ec e b r o ta r c o m o r e su lta d o d e v ig ília s n o tu r n a s
à lu z m o r tiç a d e la m p iõ e s . A s s im , te r ia m e s m o a f ís ic a d a d é c a d a
dos 20 c o n sistid o e m a r g u m e n to s , se m in á r io s, d isc u ssõ e s e d e b a ­
tes? S im , co n sistiu . E a in d a c o n siste. A s pessoas que a q u i se
r e u n ia m , as p e s so a s q u e a in d a se r e ú n e m e m seu s la b o r a tó r io s , s ó
d ã o se u s tr a b a lh o s p o r te r m in a d o s q u a n d o c o n s e g u e m e x p r e ssá -lo s
em fo r m u la ç õ e s m a te m á tic a s. C o m e ç a m te n ta n d o r e so lv e r e n ig ­
m as c o n ce itu a is. O s e n ig m a s d as p a r tíc u la s su b a tô m ic a s - dos
e lé tr o n s e d o r e sto - r e p r e se n ta m e n ig m a s m e n ta is.
P ensem no q u eb ra -cab eça q u e o e lé tr o n r e p r e se n ta v a n a q u e le
tem p o. O s p r o fe sso r e s a té d iz ia m b r in c a n d o (d e v id o à m a n e ira
p e la q u a l o s h o r á r io s d a s u n iv e r s id a d e s sã o o r g a n iz a d o s ) que às
seg u n d a s, q u a rta s e se x ta s o s e lé tr o n s se c o m p o r ta v a m c o m o se
fo ssem p a r tíc u la s e às terças, q u in ta s e sá b a d o s, c o m o se fo s s e m
ondas e le tr o m a g n é tic a s. C o m o se p o d e r ia m c o n c ilia r e sse s d o is
a s p e c to s , to m a d o s à e sc a la m u ito m a is a m p la d o m u n d o e x te r io r ,
e socad os nesse m u n d o lilip u tia n o do in ter io r d o á to m o ? O s
a r g u m e n to s e e s p e c u la ç õ e s d e e n tã o g ir a v a m n e sse tip o d e r o d a .
A fim d e r e so lv ê -lo s e r a m n e cessá rio s n ã o a p e n a s c á lc u lo s, m a s,
sim , in sp ir a ç ã o , im a g in a ç ã o - m e ta físic a , se vocês q u iserem .
L em b ro -m e d e u m a frase d e M a x B o m , u sa d a p o r e le q u a n d o ,
m u ito s a n o s m a is ta r d e ,v e io p a r a a In g la terra , e q u e e stá reg istr a d a
em su a a u to b io g r a fia : “ E s to u c o n v e n c id o d e q u e físic a te ó r ic a é,
n a r e a lid a d e , filo s o fia ” .
M ax B o m en ten d ia q u e as n o v a s id é ia s d a fís ic a e r a m en d ere­
ça d a s a u m a v isã o d ife r e n te d a r e a lid a d e . O m u n d o n ã o é im u tá ­
v el, n ã o c o n s is t e e m u m a rran jo fix o d e o b je to s e x te r n o s, e n ã o
p o d e ser in te ir a m e n te sep a r a d o d a p e r c e p ç ã o q u e te m o s d e le. E le
se tr a n s fo r m a s o b n o s s o o lh a r , e le in te r a g e c o n o s c o , e o c o n h e c i­
m e n t o d aí d e r iv a d o te m d e ser p o r n ó s in te r p r e ta d o . N ã o h á m e io
p o ssív e l d e tr o c a r in fo r m a ç õ e s se m a c o n c o r r ê n c ia d e ju lg a m e n ­
tos. S e r ia o e lé tr o n u m a p a rtícu la ? C o m p o r ta -s e co m o tal n o
m o d e lo de B oh r, m a s em 1 9 2 4 , d e B r o g lie (fig u r a 1 6 7 ) c o n s tr u iu
u m lin d o m o d e lo d e o n d a s , n o q u a l as ó r b ita s e s tã o r e p r e se n ta d a s
3 6 4 p o r p o siçõ es o n d e t o d o u m n ú m ero e x a to d e o n d as se co n cen tra m
Conhecimento ou Certeza

em to r n o d o n ú c le o . M a x B o m im a g in o u u m tr e m d e e lé tr o n s n o
qual cada u m d eles esta v a p reso a u m a m a n iv ela , d e fo r m a q u e,
em co n ju n to , c o n stitu ía m u m a sér ie d e cu rv a s g a u ssia n a s, u m a
o n d a d e p r o b a b ilid a d e s. U m a n o v a c o n c e p ç ã o esta v a se n d o g era ­
da n o trem p ara B e r lim e n as c a m in h a d a s p ro fesso ra is p e lo s b o s ­
q u e s d e G o ttin g e n : q u a isq u e r q u e fo s s e m as u n id a d es fu n d a m e n ­
ta is a p a rtir das q u a is o m u n d o se co n stru ía , e la s eram m a is
d e lic a d a s m a is fu g id ia s, m a is lé p id a s d o q u e a q u ilo que con se­
g u im o s a p a n h a r n a r ed e d e ca ça r b o r b o le ta s d e n o sso s se n tid o s.

T o d a s e ssa s c a m in h a d a s p e lo s b o s q u e s e c o n v e r s a ç õ e s a tin g ir a m
u m c lím a x em 1 9 2 7 . N o in íc io d esse a n o W ern er H e ise n b e r g d eu
u m a n ova c a r a c te r iz a ç ã o a o e lé tr o n . S im , trata -se d e u m a p a r tí­
c u la , d is s e e le , m a s u m a p a r tíc u la c a p a z d e tr a n sm itir a p e n a s u m a
q u a n tid a d e lim ita d a de in fo rm a çã o . Isto é, p o d e -se e sp ec ific a r
o n d e e la se en c o n tra n este in sta n te , m a s, a o se d e slo c a r , n ã o se
con seg u e im p o r a e la v e lo c id a d e e d ir e ç ã o e s p e c íf ic a s . O u , p o s t o
d e o u tr a fo r m a , se in s is tim o s e m d isp a r á -la a v e lo c id a d e e d ir e ç ã o
d e te r m in a d a s, torn a -se im p o ssív e l e sp e c ific a r exa tam en te seu
p o n to de p a r tid a , e, c o n s e q ü e n te m e n te , seu p o n to de chegada.
E ssa c a r a c te r iz a ç ã o p o d e p a r e c e r m u it o g ro sse ir a . M a s n ã o é.
H e ise n b e r g to rn o u -a p ro fu n d a a o fa z ê -la p r e c isa . A in fo rm a çã o
da qual o e lé tr o n é p o r ta d o r é lim ita d a em sua to ta lid a d e . Isto
quer d izer q ue, por e x e m p lo , sua v elo cid a d e e sua p o siçã o se
a ju s ta m de tal form a a esta rem c o n fin a d a s p ela to le r â n c ia do
q u a n tu m . A í e stá a id é ia p r o fu n d a : u m a d a s g r a n d e s id é ia s c ie n ­
tífic a s , n ã o s ó d o s é c u lo X X , m a s , d a h istó r ia d a c iê n c ia .
A essa fo r m u la ç ã o H e ise n b e r g d eu o n o m e de P r in c íp io d a
In certeza . E m u m c e r to se n tid o , rep resen ta u m só lid o p r in c íp io
d o d ia a d ia . S a b e m o s não p od erm os p ed ir a o m u n d o para que
seja exa to. Se u m o b jeto (u m a face c o n h e c id a , por e x e m p lo )
tiv e sse d e ser s e m p r e e x a ta m e n te o m esm o para q u e o p u d ésse­
m o s r e c o n h e c e r , n ã o seria p o s s ív e l id e n tific a r u m a m e s m a p e s so a
d e u m d ia p a ra o o u tr o . R e c o n h e c e m o s o m e s m o o b je to e m d ife ­
ren tes o ca siõ es p orq u e e le p erm an ece o m esm o e não porque
p erm a n ece ex a ta m en te o m esm o ; as c o isa s p e r m a n e c e m to lera -
v elm en te se m e lh a n te s a si m e s m a s. N o a to d o r e c o n h ec im e n to
en tra u m ju lg a m e n to — u m a á rea d e to lerâ n cia o u d e in c er te z a .
D essa m a n eira , o p r in c íp io d e H e ise n b e r g p o stu la que n en h u m
even to , n em m esm o js even to s a tô m ic o s, p o d e ser d e scr ito
com certeza, isto é, c o m to lerâ n cia zero. A p r o fu n d id a d e do 365
’»'r 7> > f '
» *■ r * i - T f f > /D*T ■í |
Conhecimento ou Certeza

p rin c íp io se dev eu ao fa to de H eisenberg ter p o d id o especificar


o grau de to le râ n c ia que p o d e ser alcan çad o . E a u n id ad e de
m e d id a é d ad a pelo q u a n t u m de M ax P lanck. No m u n d o d o á to ­
m o , a área de in c e rte z a é sem p re m ap ead a através do q u a n t u m .
C o n tu d o , P rin c íp io d a In c e rte z a é u m n o m e infeliz. Em ciência
e fo ra d ela n ão estam o s in c erto s: m e ra m e n te n o sso c o n h ecim en to
está c o n fin a d o d e n tro de u m a c e rta to lerâ n c ia. P o rta n to , deveria
ser ch a m a d o P rin c íp io da T o lerân cia, e esta m in h a pro p osição
im p lica dois sen tid o s. O p rim eiro , um p rin c íp io de engenharia.
A ciên cia tem p ro g red id o d eg rau após degrau, o em p reen d im en to
m ais b e m -su ce d id o na escalada d o h o m em , p o rq u e ela co m p re­
e n d e u ser a tro c a de in fo rm a ç ã o e n tre o h o m em e a n a tu re z a , e
d o s h o m en s e n tre si, p o ssív el so m en te se se trab alh a d en tro de
u m a c e rta m arg em de to lerâ n c ia. O seg u nd o sen tid o é afetiv o, e
in te re ssa ao m u n d o real. T o d o c o n h e c im e n to , to d a inform ação
e n tre seres h u m a n o s só p o d e ser neg o ciada to le ra n te m e n te . T al
assertiv a é v erd ad eira, quer se tra te de ciência, de lite ra tu ra , de
relig ião , de p o lític a e m esm o de q u a lq u e r fo rm a de p en sam en to
q u e p re te n d a ser dogm a. A g ran d e trag éd ia d o m eu te m p o e do
de vocês co n sistiu ju s ta m e n te n o fato de q u e, e n q u a n to aq u i em
G o ttin g e n os cien tistas estav am a p u ra n d o ao m áxim o o P rin cí­
pio da T o lerân cia , se esq u eceram do m u n d o à sua v o lta e não
p erceb eram esta r a to le râ n c ia sendo d estro ç ad a, a p o n to de não
m ais p o d e r ser rep ara d a .
N uvens so m b rias co b riam o céu d a E u ro p a. M as G o ttin g e n
tin h a u m a nuvem p a rtic u la r, en so m b rean d o -a há u m a cen ten a
de anos. P o r v o lta de 1 8 0 0 J o h an n F ried rich B lu m enb ach orga­
n iz o u u m a co leção de crân io s, co n seg u id o s através de cavalheiros
e m in e n te s esp alh a d o s p o r to d a a E u ro p a e com os quais se c ° r-
re s p o n d ia . N o tra b a lh o de B lu m enb ach não havia n e n h u m a
182 su g e s tã o de q u e aq u eles crân io s iriam d a r su p o rte a u m a divisão
Por volta de 1 8 0 0
B lu m e n b a c h h avia ra c ista d a h u m a n id a d e , e m b o ra ele usasse m edidas a n a tô m icas
reu n id o u m a com a fin alid ad e de classificar as d ife re n te s fam ílias h u m an as. De
coleção d e crân ios,
c o n se g u id o s atra vés q u a lq u e r fo rm a, a p a rtir d a m o rte de B lu m e n b ach em 1 8 4 ° , a
d e cavalh eiros c o le ç ã o f oi se a m p lia n d o até se to rn a r o cerne da te o ria racista
c o m o s q u a is se
corresp on d ia e m
p an g erm â n ica, sa n c io n a d a p elo P a rtid o N acio n al-S o cialista q u a n ­
tod a a E u ro p a . do este to m o u o p o d e r.
C o le ç ã o d e c r â n i o s
d e B lu m e n b a c h ,
O a p a re c im e n to de H itler em 1 9 3 3 p ro v o c o u , q u ase que da
D e p a r ta m e n to d e n o ite p ara o dia, o e sface lam en to de to d a a tra d ição acad êm ica
A n a to m ia , ale m ã. A gora, o tre m p ara B erlim sim b o lizav a fu ga. A E u ro p a já
U n iv e r s id a d e d e
G ò ttin g e n . n ão e ra m ais u m lug ar h o sp ita le iro à im ag in a ção - e não apenas 367
à im a g in a ç ã o c ie n tífic a . T o d a u m a c o n c e p ç ã o d e c u ltu r a b a tia e m
r e tir a d a : a c o n c e p ç ã o d e q u e o c o n h e c im e n to h u m a n o é p esso al
e r e sp o n sá v e l, u m a a v e n tu r a s e m lim ite s às fr o n te ir a s d a in c er te z a .
C erro u -se a co rtin a do silên cio , c o m o h a v ia a c o n te c id o d e p o is
d a c o n d e n a ç ã o d e G a lile o . O s g ra n d e s h o m e n s fu g ir a m , m a s p a ra
u m m u n d o am eaçado. M ax B o m . E rw in S c h r o d in g e r . A lb ert
E in stein . S ig m u n d F r e u d . T h o m a s M a n n . B e r to lt B r e c h t. A r tu r o
T o s c a n in i. B r u n o W a lter. M a r c C h a g a ll. E n r ic o F e r m i. L e o S z ila r d ,
chegando fin a lm e n te , d e p o is d e m u ito s a n os, a o I n s titu to S a lk
n a C a lifó r n ia .

O P r in c íp io da In certeza o u , em m in h a versão, O P r in c íp io d a
T o le r â n c ia , c o n sa g r o u de um a vez p or to d a s o e n te n d im e n to de
que to d o c o n h e c im e n to é lim ita d o . Iro n ica m en te, ao m esm o
te m p o q u e e ste e sta v a se n d o fo r m u la d o , a v o lu m a v a -se so b o ju g o
d e H itle r n a A le m a n h a , e d e o u tr o s tir a n o s e m o u tro s p a íse s, a
su a co n tra p a rtid a : o p r in c íp io d a m o n s tr u o s a ce r te z a . A n a lisa d a
r e t r o s p e c t iv a m e n t e , a d é c a d a d o s 3 0 irá s e a p r e s e n t a r à s g e r a ç õ e s
fu tu ras c o m o u m p a lc o o n d e se c o n fr o n ta r a m d u a s cu ltu ra s: u m a
é a q u e la so b r e a q u a l v e n h o d isc o r r e n d o , a e sc a la d a d o h o m e m ,
e a o u tra , a d a c r e n ç a d e sp ó tic a d a p o sse d a c e r te z a a b so lu ta .
E n tr e ta n to , to d a s e ssa s a b str a ç õ e s p r e c isa m ser c o lo c a d a s em
te r m o s c o n c r e to s, e e u lh e s d a r ei v id a n a fo r m a d e u m a p e r so n a ­
lid a d e . L eo S z ila r d as v iv ia in ten sa m e n te , e, d u ra n te o ú ltim o
ano de su a v id a , m u ita s d e m in h a s ta r d e s fo r a m d ed ica d a s, e m
su a c o m p a n h ia , à d isc u ssã o d a q u e la s a b str a ç õ e s, e m seu lab o ra-
3 68 tó r io n o I n s titu to S a lk .
183
A E u ro p a já n ã o
era m a is u m a
hospedeira da
im ag in açã o.
L e o S z ila r d
(à e sq u e rd a ).
E n r ic o F e r m i

L eo S z ila r d era h ú n g a ro , m as sua v id a a c a d ê m ic a tr a n s c o r r e u


n a A lem a n h a . E m 1 9 2 9 h a v ia p u b lic a d o u m im p o r ta n te tr a b a lh o
sobre o q u e a tu a lm e n te se c o n h e c e c o m o T eo ria d a In fo rm a çã o ,
trata n d o das r e la ç õ e s en tre c o n h e c im e n to , n a tu reza e h o m e m .
M as, nessa ép oca, S z ila rd já esta va co n v e n c id o de que H itler
c h e g a r ia a o p o d e r e a g u e r r a seria in e v itá v e l, d e fo r m a q u e , d e s d e
e n tã o , m a n te v e d u a s m a la s p r o n ta s e m s e u q u a r to e, e m 1 9 3 3 , e le
a s f e c h o u e a s le v o u p a ra a In g la terra .
E m setem b ro de 1 9 3 3 , L o r d e R u th e r fo r d , d ir ig in d o -se a u m a
r e u n iã o d a A sso c ia ç ã o B r itâ n ica , e x p r e s s o u a lg u m a s d ú v id a s s o ­
b re a v ia b ilid a d e d e u tiliz a ç ã o d a en e r g ia a tô m ic a . M a s a c o n te c e
q u e L e o S z ila r d p e r te n c ia ju s ta m e n te à q u e la e s p é c ie d e c ie n tista ,
ta lv ez à q u e le tip o de h o m em in q u ie to e b em -h u m o rad o , que
d etesta q u a lq u e r t ip o d e a fir m a ç ã o c o n t e n d o a p a la v r a “ n u n c a ” ,
p a r tic u la r m e n te q u a n d o e m itid a p o r u m c o le g a e m in e n te . A ssim ,
e le se d e c id iu a pensar sobre o p r o b le m a . A h istó r ia é c o n ta d a
por e le m e s m o , n a q u e la m a n eira q u e to d o s n ó s q u e o c o n h e c ía ­
m os p o d e m o s im a g in a r p e r fe ita m e n te . E sta v a v iv e n d o n o S tr a n d
P a la c e H o te l — e le a d o r a v a v iv e r e m h o té is . C e r to d ia , c a m in h a n ­
d o em d ireçã o ao H o sp ita l B a rt, on d e tra b a lh a v a , a o c h eg a r a
S o u th a m p to n R ow parou d ia n te d o sin a l v e r m e lh o . (E sta é a
ú n ic a p a r te d a h istó r ia a q u a l c o n sid e r o im p r o v á v e l: j a m a is tiv e
n o t íc ia d e S z ila r d ter r e s p e ita d o u m sin a l v e r m e lh o .) E n t ã o , a n t e s
m esm o d o sin a l te r m u d a d o p a ra v e r d e , o c o r r e u -lh e c la r a m e n te
a id é ia de q u e, se u m á to m o fo sse a tin g id o por u m n êu tro n e,
r o m p e n d o - s e , lib e r a s s e d o is á t o m o s , o q u e e s ta r ia o c o r r e n d o seria
u m a reação em c a d eia . D ia n te d isso , e screv eu as e sp ec ific a ç õ e s 369
A Escalada do Homem

184
p a r a u m a p a te n te , n a q u a l a p a r e c ia o te r m o “ r e a ç ã o e m c a d eia ” ,
F i n a lm e n t e , S zila rd
r e g istra d a e m 1934. esc r e v e u u m a carta,
A g o ra , d e s v e n d a r e m o s u m a fa c e ta d a p e r so n a lid a d e d e S z ila rd q u e E in stein
a ssin o u , e a e n v io u
que, em b ora co m u m a m u ito s c ie n tista s d a q u e la é p o c a , n ele se ao P resid en te
exp ressava de form a c la r a e g rita n te. Q u e r ia m a n ter secreta a R oosevelt.
T e x to d a c a r ta
p a ten te, em u m a ten ta tiv a d e im p ed ir o u so in d e v id o d e d e sc o b e r ­ d e 2 d e a g o sto d e
tas c ie n tífic a s. A s s im o fez, c o n fia n d o -a à g u a r d a d o A lm ir a n ta d o 1 9 3 9 a o P r e s id e n te
d o s E s t a d o s U n id o s .
B r itâ n ico , d e fo r m a q u e só f o i p u b lic a d a d e p o is d a g u erra .
E n trem en tes, a g u e rr a se to r n a v a c a d a v ez m a is a m e a ç a d o r a .
A m a r c h a d o p r o g r e sso d a F ísic a N u c le a r e a m a r c h a d e H itler
avançavam passo a p asso, eta p a co b rin d o etap a , d e u m a form a
q u e h o je ten d em o s a n os esq uecer. N o in íc io d e 1 9 3 9 , S z ila rd
e sc r e v e u a J o lio t-C u r ie p e r g u n ta n d o se era p o ss ív e l p r o ib ir u m a
p u b lic a ç ã o . E stava ten ta n d o im p ed ir a p u b lic a ç ã o d o tr a b a lh o
d e F e r m i. M a s, e m a g o s t o d e 1 9 3 9 , e le e s c r e v e u u m a c a r ta a q u a l
E in stein a ssin o u e e n v io u ao P r e sid e n te R o o sev elt, d izen d o
(a p r o x im a d a m e n te ): “A E n e r g ia N u c le a r está a q u i. A guerra é
in ev itá v el. F ic a a ca rg o d o Sr. P r e sid e n te d e c id ir o q u e o s c ie n ­
tis ta s d e v e m fazer a esse r e sp e ito ” .
E n t r e t a n t o , S z ila r d n ã o p a r o u a í. E m 1 9 4 5 , a g u erra e u r o p é ia
já te n d o s id o g a n h a , sa b e n d o a im in ê n c ia d o u so d a b o m b a a tô ­
m ic a s o b r e o J a p ã o , e le p r o te s to u q u a n to p ô d e . E s c r e v ia m e m o ­
r a n d o s a trá s d e m e m o r a n d o s . U m dos m em oran d os, en d ereçad o
a o P r e sid e n te R o o se v e lt, só n ã o c h e g o u a o seu d e stin a tá r io d e v i­
do à m o rte d este no m esm o tem p o em que S z ila rd o esta va
r e d ig in d o . S z ila rd lu ta v a p a ra q u e a b o m b a fo s s e te sta d a a b e r ta ­
m en te p eran te o s ja p o n e s e s e u m a a ssistên c ia in te r n a c io n a l, d e
m o d o q u e o g o v e r n o ja p o n ê s c o n h e c e sse seu p o d e r d e d e str u iç ã o
e se r e n d e sse , a n te s d o p o v o ser sa c r ific a d o .
C o m o t o d o s s a b e m , S z ila r d fa lh o u , e c o m e le t o d a a c o m u n i­
dade dos c ie n tista s. F ez o que u m h o m em ín te g r o d e v e r ia ter
fe ito . A b a n d o n o u a físic a e se in te r e sso u p ela b io lo g ia — e essa
fo i a r a z ã o q u e o t r o u x e a o I n s titu to S a lk — , c o n v e n c e n d o o u t r o s
a fazerem o m esm o. A físic a tin h a sid o a p a ix ã o d o s ú ltim o s
c in q ü e n ta anos, e tam b ém a o b ra -p rim a d essa é p o c a . C o n tu d o ,
sa b ía m o s, a go ra , e sta r m a d u r o o te m p o d e trazer a o e n te n d im e n to
d a v id a , d a v id a h u m a n a e m p a rticu la r, a m e s m a u n id a d e d e m e n te
185
q u e h a v ía m o s c o n fe r id o a o e n te n d im e n to d o m u n d o físic o .
P ágin a seg u in te:
A p r im e ir a b o m b a a tô m ic a fo i d e to n a d a e m H ir o sh im a n o d ia "É u m a tragéd ia
para a h u m a n id a d e.”
6 d e a g o sto d e 1 9 4 5 , às 8 e 1 5 d a m a n h ã . P o u c o d e p o is d e m in h a
R u ín a s d e
3 7 0 v o lta d e H ir o sh im a , o u v ia lg u é m d iz er , n a p r e s e n ç a d e S z ila r d , ser H iro sh im a .
Al.bert BinetelD
Old Orove !1.d.
Uaeeau Point
Peoonio, Long Ieland
Auguet 2nd, 1939
F.D. Rooeevelt.
P reslJ ent of the United S ta tes .
i'Thite House
Washington, D.C.

Sone recent l'ork by E.Fernl and L. Szila rd, whlch hae been oom-
municatea. to rne ln m:uiuscript, leade me to expect that the element uran-
lum 'CIay be turned into a new and itnportant eource of energy ln the lm-
•ae':liate fu ture. Certain aspeots of the e ltu a tlo n which hae arisen seem
to c a l l for ..atchfulnese and. i f necessary. quick action on the part
o f the Adrninlstratlon. I b e l íe v e therefore that i t le oy eluty to brins:
to your a tte n tlo n the follo" 7 in,; fa c ts and recolVlendatione:
In the couree of the l a s t fou!" rnonths l t hae been nado probable .
through the ";ork o!" J o l lo t in -:o"rance o.s '\"I'ell o.e "erml and Szila rd ln
"o.erica - that i t mo.y become p o ss ib le to set up a nuclear chein reaction
in a l a r g e mase of uranium,by which vast OPIounts of power and lar ge quant-
i t i e s o!" new radiura-like elemente \Vould be generated. Uo'IV lt appeare
almost c e r ta in that t h i s could. be achieved in the immedlate future.
n u e new phenonenon would aleo lead to th e conetruction o f bomba,
anel l t is con ceivable - though !!Iuch l e s s certain - that extreraely power-
f u l bombe of a new type mo.y thue be con etructed. A ein gle bol!lb of thie
t.ype. carriecl by boat and exploded in a port. might very well deetroy
the whole jJort together 1'J itb eooe of the surrounding te r r lto r y . Howey,er,
such bo!:bs o ig h t very w e l l prove to be too heavy for traneportation by
a ir .

rbe Unlted Statee h a s only very ooor oree o f uranlum lu moderate


q u a o t l t le e . There ie eome good ore ln Canada and tbe tormer Czecboelo vUla ,
w b li e tb e o o e t important eource o f uranlum ie Belgian Congo.
Io vlew oC thia eitu a tio n you may thln.k i t (leeirable to bave aome
pe^roanent con tact maintained between tbe Adminietration and the grouo
o f p h y e lc le te worklng on chaln reactlons ln <Az:terlca. One poeeible way
o f a cble viog tbie mi.Jht be fo r you to entruet r.lth thie t u k a pereon
1t"ho b.c.s your confidence and who could perhaoe e e n e in an l n o f f l c i a l

c ap ac lty . Hie taek r.tl.;ht conpriee the follo wing:


a) to approacb Oove^rtl.l!lent Departrnenta, keep them informed of the
furthcr dcvelopment, and put fornard recotMIendatlone for Covernrnent aotion,
,;1vino; p a rticular a tt e n t i o n to th e problem of eecuring o. eupply of uran-
ium ore f o r tbe United Statee;
b) to epeed uc the experimental v/ork ,TJbich is at preeent belng car-.
ried on 1'J ltbln the lim i t e of the budcrets of Univeraity labo rato riee, by
p ro vil.lni funde, l f sueh funda be required. through h is contacte witb
p r iv a te persons wbo are w i ll in g to ma.ke eon trlbutione fo r thie cause.
and perha?e a ls o by obtalnln.; the co-operation of induetrio l laborat.orlee
whicb have the neceesary equlpment.
I underetand t M t Gemany M s actually stooped the eale of uraniuo
from tbe Czechoslovakian nines which ebe M e taken over. That ebe ehould
have taken euch early Ilction might perhape be underetood on tbe ground
that tbe eon of the German Under-Secretary of State, von "ReizB.i.cker, is
attached to the K aieer-'V ilhelm -Institut in Berlin where some of tbe
AlDerlcan work on uranlum ie now being repeated.
Youre very t r u ly •
(Albert Einstein)
'Ü&ff '«■
*** 1

[ f Lu i
A Escalada do Homem

186
a q u ilo u m a tr a g é d ia p a ra o s c ie n tista s, o fa to d e s u a s d e s c o b e r ta s “ E u lh e im p lo ro ,
s e r e m u s a d a s p a ra a d e str u iç ã o . “ É a tr a g é d ia d a h u m a n id a d e ” r e ­ p elas en tra n h a s d e
C risto , e m p en sar
p lic o u S z ila r d , a u to r iz a d o c o m o n e n h u m o u t r o p a r a ta l d e s a b a fo .
p elo m en o s na
p o ssib ilid ad e
O d ile m a h u m a n o se d iv id e e m d u a s p a rtes. U m a d e la s é a c r e n ç a d e v o c ê p o d e r estar
e r ra d o .”
de q u e o fim ju stific a o s m e io s. É a filo s o fia d o s a p e r ta d o r e s d e O a u to r ju n to à
b o tõ e s , d o s d e lib e r a d a m e n te su r d o s a o s o fr im e n to q u e gerou o la g o a d o c a m p o d e
c o n c e n tr a ç ã o d e
m o n stro d a m á q u in a d a guerra. A o u tra , é a tra içã o d o e sp ír ito A u s c h w itz .
h um ano: o d ogm a que o b tu ra a m en te e tran sform a u m a n a ção
ou u m a c iv iliz a ç ã o e m u m re g im e n to de fan tasm a s — fan tasm a s
o b e d ie n te s, o u fa n ta sm a s to rtu ra d o s.
D iz -se q u e a c iê n c ia a ca b a rá p o r d e su m a n iz a r as p e sso a s, tr a n s­
fo rm a n d o -a s em sim p le s n ú m e r o s. Isso é fa lso , tr a g ic a m e n te fa lso .
T o m e cu id a d o . V ê-se a q u i o c a m p o d e co n cen tra çã o e o crem a ­
tó r io d e A u sc h w itz . N e ste lo c a l é q u e as p esso a s era m tran sfor­
m adas em núm eros. E sta la g o a recebeu as descargas c o n te n d o
as c in za s d e u n s q u a tr o m ilh õ e s d e p e sso a s. E n ã o fo i u m a o b r a
d o g á s. F o i o b r a d a a rr o g â n c ia . F o i fe ito p e lo d o g m a . F o i fe ito
p ela ig n o r â n c ia . Q u a n d o as p e sso a s a c r e d ita m esta r p o ss u íd a s d o
c o n h e c im e n to a b so lu to , s e m n e n h u m a b a se n a r e a lid a d e , e la s se
c o m p o r ta m d e ssa m a n eira . Isto é o q u e o h o m e m r e a liz a q u a n d o
p r e te n d e ter a c iê n c ia d e d e u s e s.
A c iê n c ia é u m a fo rm a de c o n h e c im e n to e sse n c ia lm e n te h u ­
m an o. Sem p re nos en con tra m o s à b eira d o c o n h e c id o , sem p re
s e n tim o s por a n tec ip a çã o a q u ilo qu e p o d e ser esp era d o . T o d o
ju lg a m e n to c ie n tífic o se e q u ilib r a n a s m a r g e n s d o e r r o , e é p e s ­
so a l. A c iê n c ia é u m tr ib u to à q u ilo que p o d em o s con h ecer,
em bora seja m o s fa lív e is. N o fim , a s p a la v r a s fora m d ita s por
O liv e r C r o m w e ll: “E u lh e im p lo r o , p e la s en tran h as d e C risto ,
p e n s e p e lo m e n o s n a p o ssib ilid a d e d e v o c ê p o d e r esta r e r r a d o ” .
N a q u a lid a d e d e c ie n tista , o m e u dever para co m m e u a m ig o
L eo S zü a rd ; n a q u a lid a d e d e ser h u m a n o , o m e u d e v e r p a ra c o m
o s m u ito s m e m b r o s d e m in h a fa m ília , m o r to s a q u i em A u sc h w itz ,
é esta r a q u i à b e ir a d e sta la g o a , c o m o so b r e v iv e n te e te s te m u n h a .
D ev em o s nos curar d o p ru rid o d o c o n h e c im e n to e d o poder
a b s o lu to s . T e m o s d e e lim in a r a d istâ n c ia e n tr e o a p erta r o b o tã o
e o a to h u m a n o . T e m o s d e en trar e m co n ta to co m as pessoas. 187
P ágina segu in te:
C r e m a tó r io d e
A u s c h w itz , o n d e
p esso a s era m
tr a n s fo r m a d a s
em n ú m eros.
12 GERAÇÃO APÓS GERAÇÃO

N o s é c u lo X l X a c id a d e d e V ie n a era a c a p ita l d e u m im p é r io q u e
a lb e r g a v a e m su a s fr o n te ir a s u m grande n ú m ero de n ações e de
lín g u a s. E r a u m c e n t r o f a m o s o d a m ú sic a , d a lite r a tu r a e d a s a rtes.
A C iê n c ia era o lh a d a co m su sp eita na con servad ora V ien a , as
c iê n c ia s b io ló g ic a s e m p a r ticu la r. E n tr e ta n to , in e sp e r a d a m e n te ,
a Á u str ia se to r n a se m e n te ir a p a ra u m a id é ia c ie n tífic a (n o c a m p o
d a b io lo g ia ) q u e se to r n o u r e v o lu c io n á r ia .
A v e lh a U n iv e r sid a d e d e V ie n a d e u a o fu n d a d o r d a g en ética , e,
p o rta n to , de tod as a s c iê n c ia s m od ern as da v id a , o reverendo
G r e g o r M e n d e l, to d a a p o u c a e d u c a ç ã o u n iv e r sitá r ia q u e e le p o s ­
su ía . C h e g o u a q u i e m u m a é p o c a q u a n d o se d e f r o n ta v a m a tir a n ia
e a lib erd a d e de p en sam en to. E m 1 8 4 8 , lo g o a p ó s su a ch ega d a ,
d o is jo v e n s a c a b a v a m d e p u b lic a r , n a L o n d r e s d ista n te , u m m a n i­
f e s t o e s c r ito e m a le m ã o , q u e c o m e ç a v a c o m a s e g u in te frase: “ E in
G esp en st g eth u m E u r o p a ” , “ u m e sp ec tr o está r o n d a n d o a E u r o ­
p a ” , o esp ectro d o co m u n ism o .
E v id e n te m e n te , K arl M arx e F r ie d r ic h E n g e ls n ã o c r ia r a m a
r e v o lu ç ã o na E u rop a co m O M a n ife s to C o m u n is ta ; m as e le s
lh e deram v o z . A v o z d a in su r r e içã o . O v en d a v a l d e d e s c o n te n ta ­
m en to q u e v a r r ia a E u r o p a e r a d ir ig id o c o n tr a o s B o u r b o n s , o s
H a b s b u r g o s e o s g o v e r n o s d e m a n e ir a g er a l, e m to d a p a rte. E m
fev ereiro de 1 8 4 8 P a r is en tra em e b u liç ã o e V ie n a e B e r lim a
segu em . A ssim , em m arço de 1 8 4 8 h ou ve p r o te sto s estu d a n tis
e lu ta co n tra a p o líc ia na Praça d a U n iv e r sid a d e e m V ien a . O
Im p é r io A u stría co , à s e m e lh a n ç a de ta n to s ou tro s, trem eu em
suas b ases. M e ttern ich se d e m itiu e fu g iu p a r a L o n d r e s. O I m p e ­
rad or a b d ic o u .
I m p e r a d o r e s se v ã o m a s o s im p é r io s fic a m . O n o v o Im p e r a d o r ,
188
0 sexo produz F ranz J osef, era u m jov em de d e z o ito anos que r e in o u co m o
d iversid a d e, e a a u to cra ta a té que o im p é r io in stá v el a c a b o u p o r se d e sm a n te la r
d iversid a d e é a
p ro p u lso ra da d u ra n te a P r im e ir a G u e r r a M u n d ia l. A in d a m e lem b ro d e F ran z
e v o lu çã o . D o is é o J o sef em m in h a in fâ n cia ; d a m e sm a m a n e ira q u e to d o s o s H a b s­
n ú m ero m á g ico .
burgos, tin h a o lo n g o lá b io in fe r io r e a s b o c h e c h a s c a íd a s, ig u a is
Por essa razão
a seleção sex u a l e o à s d o s re is e s p a n h ó is p in t a d o s p o r V e lá s q u e z , h o je r e c o n h e c id a s
cortejam ento são c o m o tra ço g e n é tic o d o m in a n te .
a lta m en te
d esen v o lv id o s n a s
d iferen tes esp éc ie s. F ranz J o sef ten d o su b id o ao tr o n o , to d o s o s d isc u r so s p a trio ta s
A p r e s e n ta ç ã o
se c a la r a m ; a a d e sã o a o jo v e m I m p e r a d o r f o i to ta l. N a q u e le m e s-
d o pavão.
A Escalada do Homem

m o m o m en to a e sc a la d a d o h o m em estava to m a n d o u m a n ova
d ireçã o com a chegada de G regor M end el à U n iv e r sid a d e de
V ie n a . N a s c id o J o h a n n M e n d e l e filh o d e c a m p o n e se s ; G r e g o r fo i
o n o m e que recebeu a o s e t o r n a r m o n g e , l o g o a n t e s d e v ir p a r a
V ien a , fu g in d o da p en ú ria e das fru stra çõ es a ca rretad a s p ela
fa lta de um a educação. N a m a n eira p ela qual c o n d u z iu seu
tr a b a lh o , e le nunca ab an d on ou seus h á b ito s de cam p on ês,
ja m a is se c o m p o r t o u c o m o p r o fe s so r o u c a v a lh e ir o n a tu r a lista , à
se m e lh a n ç a d e seu s c o n te m p o r â n e o s in g leses: era u m n a tu r a lista
h o rtelã o .
M e n d e l se to r n o u m onge à procura de ed u cação, e seu abade
o e n v io u à U n iv e r sid a d e d e V ie n a a fim d e q u e e le c o n se g u isse
u m d ip lo m a fo r m a l d e p r o fe sso r . E n tr e ta n to , era n e r v o so e e sta v a
lo n g e de se rev e la r u m estu d an te in te lig e n te . O r e la tó r io d e seu
e x a m in a d o r d iz ia q u e a e le “ fa lta v a m e n t e n d im e n t o e a n e c e s s á ­
r ia c la r e z a d e c o n h e c i m e n t o s ” . F o i r e p r o v a d o . O c a m p o n ê s t o r ­
nado m on ge não tin h a e sc o lh a s e n ã o se r e c o lh e r n o v a m e n te n o
a n o n im a to de u m m o ste ir o em B rno, na M o r á v ia , a tu a lm en te
p a rte d a T c h e c o slo v á q u ia .
A o retorn ar d e V ien a , e m 1 8 5 3 , M en d el co n ta v a tr in ta e u m
a n o s e era u m fracasso. A O r d e m A u g u stin ia n a d e S ã o T o m á s d e
B rn o , q u e o h a v ia e n v ia d o a V ie n a , era d e d ic a d a a o tr a b a lh o e d u ­
c a c io n a l. A o govern o a u str ía c o in teressa v a que os m on ges
in stru íssem o s jo v e n s in te lig e n te s d o c a m p e sin a to . A b ib lio te c a
d e le s m a is se a sse m e lh a à d e u m a o r d e m de educadores do que à
de um m o s te ir o . D e n tr o d essa s c ir c u n stâ n c ia s é q u e M e n d e l h a v ia
fa lh a d o em o b te r su a q u a lific a ç ã o d e p r o fe sso r . A ssim , M e n d e l
tin h a d e se d e c id ir : ou p assar o r e sto de su a v id a c o m o u m p ro­
fessor fraca ssad o ou — o q u ê? . . . D e c id iu -se fin a lm e n te ; m a s,
n esta , fa lo u m u ito m a is a lto o g a r o to c h a m a d o H a n sl p e lo s seu s
a m ig o s d a s fa z e n d a s, o jo v e m J o h a n n , c a m p o n ê s, d o q u e o m o n g e
G r e g o r . V o lt o u seu s p e n s a m e n t o s p a r a a q u ilo q u e h a v ia a p r e n d i­
d o n a v id a d o c a m p o e se m p r e o tin h a fa sc in a d o : as p la n ta s.
E m V ie n a fora in flu e n c ia d o p e lo ú n ic o b ió lo g o d e v a lo r q u e
ja m a is h a v ia e n c o n tr a d o , F r a n z U n g e r , o q u a l a b o r d a v a o p r o b le ­
m a d a h e r e d ita r ie d a d e d e u m a fo r m a p rá tica , c o n c r e ta : n a d a d e
e ssê n c ia s e sp ir itu a is, n a d a de forças v ita is, a tin h a -s e a o s fato s. 189
G regor M endel
M e n d e l, e n tã o , p a s s o u a d e d ic a r su a v id a a e x p e r im e n to s p r á tic o s silen cio sa m en te
em b io lo g ia , e n q u a n to n o m o steiro . U m a d e c isã o o u sa d a , silen ­ im p rim iu u m a nova
d ir eç ã o à e sca la d a
c io sa e secreta , p e n s o eu , u m a v e z q u e o b isp o lo c a l n e m m esm o
380 p e r m itia a o s m o n g e s o e n s in o d e b io lo g ia .
do hom em .
M endel em 1865.
Geração Após Geração

M e n d e l in ic io u seu s e x p e r im e n to s fo r m a is d o is o u três a n o s a p ó s
ter r e to r n a d o d e V ie n a , d ig a m o s, e m 1 85 6. E m su a c o m u n ic a ç ã o
d iz ter tr a b a lh a d o d u ra n te o ito anos. A p la n ta p o r e le e sc o lh id a
m u it o c u id a d o s a m e n te f o i a e r v ilh a -d e -c h e ir o . N e s ta s , s e le c io n o u
sete ca ra cteres para com p a ra ção : form a da sem en te, cor da se­
m e n te , e a ssim p o r d ia n te , e n c e r r a n d o s u a lista c o m ta lo a lto e
ta lo b a ix o . E ste ú ltim o cará ter é o q u e e s c o lh i a fim de nos ser­
v ir d e e x e m p l o : a lt o e b a i x o .
F arem os u m ex p erim en to seg u in d o ex a ta m en te os passos de
M e n d e l. C o m e c e m o s p o r fazer u m h íb r id o d e a lto e b a ix o , e s c o ­
lh en d o as p la n ta s-m ã e s d a fo r m a e sp e c ific a d a p o r M e n d e l:
Em experimentos com esse caráter, a fim de se discriminar, com segurança,
190
os talos longos de seis a sete pés foram sempre cruzados com os baixos de
Tudo égenética moderna,
essencialmente como se Y. pé a ly, pés.
tivesse sido feita hoje, mas
Para que as p la n ta s b a ix a s n ã o se fe r tiliz e m a si m e s m a s, n ó s as
r^^ada há cem anos por
um desconhecido. e m a sc u la m o s . A ssim e la s s e r ã o in s e m in a d a s a r tific ia lm e n te p e la s
P á g in a d e c á l c u l o s s o b r e
p la n ta s a lta s.
as o bservaçõ es d e cam p o
d e M e n d e l e m seu s o ito O p r o c e s so d e fe r tiliz a ç ã o s e g u e seu cu rso . O s tu b o s p o lín ic o s
a n o s d e e x p e r im e n ta ç ã o crescem a p a r tir d o s ó v u lo s . O s n ú c le o s p o lín ic o s (e q u iv a le n te s
c o m e r v i lh a s .
A p r a n c h a à p á g in a o p o s ta ao esp erm a dos a n im a is) d escem a tra v és d o s tu b o s p o lín ic o s e
m o s tr a c a r a c te r e s a n a lis a ­ a lc a n ç a m os ó v u lo s d o m esm o m o d o qu e aco n tece n a fe r tiliz a ­
d o s p o r M e n d e l e m seu
tr a b a lh o e m 1 8 6 6 . E l e ção n o r m a l d e q u a lq u e r e r v ilh a . A s p la n ta s d ã o v a g e n s , as q u a is ,
n o to u d if e r e n ç a s n a s é c la r o , a in d a n ã o r e v e la m su a s c a r a c te r ístic a s.
s e m e n te s m a d u r a s d e
A s e r v ilh a s o b tid a s das vagens são agora p la n ta d a s. Seus
e r v i lh a s : r e d o n d a s o u
en ru ga da s q u a n d o m a d u ­ d e se n v o lv im e n to s, a p r in c íp io , são in d istin g u ív e is de q u a lq u e r
ras, a m a r e la s o u v e r d e s ou tra e r v ilh a -d e -c h e ir o . E n tr e ta n to , e m b o r a r e p r e se n te m o pro­
n as vagen s a m a d u re c e n d o ;
c o lo r a ç ã o c in z a o u b r a n c a d u to d e apenas a p r im e ir a geração de h íb r id o s, qu an d o to ta l­
c o r r e la c io n a v a m ^ s e c o m m en te crescid a s já serã o u m te s te d a id é ia tr a d ic io n a l d a h e r e d i­
flo r e s m a lv a o u b r a n c a s
já n o in íc io d o c ic lo d e tarie d a d e , su ste n ta d a por b o tâ n ico s d a q u e la é p o c a e d e m u ito
d e s e n v o lv im e n to d a te m po d e p o is. A con cep çã o tr a d ic io n a l era d e q u e as c a r a c t m V
p la n ta . C r u z o u p l a n t a s
ticas d e u m h íb r id o rep resen ta v a m u m a m é d ia d a s c a r a c te r ís tica s
p o r ta d o r a s d e v a g e n s
r
g o d a s e a b e rta s e c o n s • d os p a is. M e n d e l tin h a p o n t o d e v ista c o m p le t a m e n t e d i f e i m ^
tr ita s e f e c h a d a s e v a g e n s
e m e s m o u m a teo ria q u e o ju s tifica v a . ^
v e rd e s e a m a r e la s q u a n d o
a in d a n ã o m a d u r a s ; P ara M e n d e l, u m m e s m o cará ter era r e g u la d o p o r d uas p a r U -
ta m b é m p la n ta s c o m cu la s (h o je n ó s as c h a m a m o s g en es). C a d a p la n ta -m ã e co n tr ib u i
flo r e s a o lo n g o d o c a u le e
c o m u m a p a r tíc u la . S e as d u a s p a r tíc u la s ° u g en es fo r e m d ifer e n ­
n a p o n te ir a s o m e n te .
N e s ta p r a n c h a a s v a r ie d a ­ tes, u m a será d o m in a n te e a o u tr a r e c e ssiv a . O cruza m en to de
d e s a lta e b a ix a p o d e m p la n ta s a lta s e b a ix a s er a u m p r im e ir o teste no se n tid o d e v eri­
s e r id e n tific a d a s p e la s
d is tâ n c ia s e n tr e o s n ó s ficar o v a lo r d e s s a a s s e r t iv a . E co m o e ^ tam b ém vocês p od em
n o s c a u le s . M e n d e l b a s e o u v e r ific a r a p r im e ir a g e r a ç ã o d o s h íb r id o s; q u a n d o c r e s c id o s s ã o
su as le is n e s se s s e te
c a r a c te re s .
to d o s a lto s . N a lin g u a g e m d a g e n é tic a m o d e r n a , o ca rá ter a lto é 383
■ <*U,

I
Geração Após Geração

d o m in a n te sobre o ca rá ter b a ix o . O s h íb r id o s n ã o a p resen ta m


a ltu r a m é d i a e n t r e a s d e s e u s p a is: t o d o s s ã o p la n ta s d e ta lo a l t o .
A gora, a etap a seg u in te: o b t e r e m o s a s e g u n d a g e r a ç ã o , a in d a
seg u in d o M e n d e l. F e r tiliz a m o s o s h íb r id o s, m a s , d esta v ez, c o m
seus p r ó p r io s p ó le n s. D e ix a m o s fo rm a r as v ag en s, p la n ta m o s as
s e m e n t e s e e is a s e g u n d a g e r a ç ã o . C e r t a m e n t e não há u n ifo r m i­
dade; a m a io r ia é a lta , m a s um a m in o r ia s ig n ific a n te é b a ix a . A
fraçã o do to ta l de p la n ta s b a ix a s d ev eria poder ser c a lc u la d a a
p a r tir do p a lp ite d e M e n d e l a r e sp e ito d a h e r e d ita r ie d a d e ; p o sto
q u e , se e le e s tiv e s s e c e r t o , n a p r im e ir a g e r a ç ã o c a d a h íb r id o seria
c o m p o sto de u m g en e d o m in a n te e u m g en e r e c e ssiv o . P o r ta n to ,
em u m cru zam en to d en tre c a d a q u a t r o e n tr e o s h íb r id o s d a p ri­
m eira geração, d o is gen es r e c e ssiv o s d e v ia m ter-se ju n ta d o , e,
a ssim , de cada q u a tro p la n ta s u m a d ev eria ser b a ix a . E é isso
m e s m o o q u e a c o n te c e : n a s e g u n d a g era çã o , d e ca d a q u a tr o p la n ­
ta s u m a é b a ix a e tr ê s s ã o a lta s. E s sa é a f a m o s a r e la ç ã o a s s o c ia d a
ao n o m e d e M e n d e l; u m em q u atro o u u m p a ra três, e c o m tod a
a razão, um a v e z q u e , v e ja m o s o r e la to d a d o p o r e le m e s m o :
D e u m to ta l d e 1 0 6 4 p la n ta s, e m 7 8 7 c a s o s o ta lo era a lto , e e m 2 7 7 , b a ix o .
D a í u m a re la ç ã o m ú tu a d e 2 ,8 4 p a ra 1. . . S e o s r e su lta d o s a c u m u la d o s d e
t o d o s o s e x p e r i m e n t o s f o r e m c o n s id e r a d o s , e n t ã o se e n c o n tr a , c o m o n o
c a s o d e o u tr a s fo r m a s c o m c a r a c te r e s d o m in a n te s e r e c e ssiv o s, u m a rela çã o
m é d ia d e 2 ,9 8 p a r a 1 o u d e 3 p a ra 1.
A g o r a p a r e c e c la r o q u e o s h íb r id o s fo r m a m s e m e n te s p o r ta d o r a s d e u m
o u d e o u t r o d o s d o i s c a r a c t e r e s d i f e r e n c i a d o r e s , e, d e s s a s , a m e t a d e irá
n o v a m e n te d e s e n v o lv e r a fo r m a h íb r id a , e n q u a n to a o u tra m e ta d e gera
p la n ta s q u e p e r m a n e c e m c o n sta n te s e r e c e b e m o s caracteres d o m in a n te s
o u r e c e s s iv o s [ r e s p e c t i v a m e n t e ] e m n ú m e r o s ig u a is.

M e n d e l p u b lic o u seu s resu lta d o s em 1 8 6 6 n a R e v is ta d a S o c ie d a d e


d e H is tó r ia N a tu r a l d e B m o e r e c e b e u in s t a n t â n e o e sq u e c in ie n t o .
N in g u é m se im p o r to u . N in g u é m en ten d eu seu tra b a lh o . M e s m °
ten d o e s c r ito a u m a fig u r a e m in e n t e , e u m ta n to p o m p osa n esse
c a m p o , c o m o a de K arl N a g e li, n o t a m o s q u e este p erm an eceu
sem sa b er d o que M end el esta va fa la n d o . E v id e n te m e n te , se
M en d el tiv e sse sid o u m c ie n tista p r o fissio n a l, teria fo rça d o a
d iv u lg a ç ã o d e seu s resu lta d o s, p e lo m en o s p u b lic a n d o -o s e m re­
v ista s fr a n c e s a s o u b r itâ n ic a s, lid a s p o r b o t a n ic o s c b ió lo g o s . N a
191 r e a lid a d e , ele ten to u a tin g ir os c ie n tista s d o e x te r io r e n v ia n d o
O processo da c ó p ias d e seu tra b a lh o , m a s esse era u m m e io i n e f k ie n te e m se
fertiliza çã o se g u e
seu p ró p rio c u r so . trata n d o d e u m d e s c o n h e c id o , p u b li c a n d o e m u m a r e ^ ta des­
M ic r o fo to g r a jla c o n h e c id a . E n treta n to , n este m o m en to a c o n tece um a co isa
e le tr ô n ic a d e p o l e m
d e e r v ilh a ^ d e -c h e ir o .
in e sp era d a na v id a de M e n d e l: é e le ito a b a im de seu m o steiro . 385
A E sca la d a d o H o m e m A p lan ta d esen v o lv e
vagen s q u e a in da
n ã o revelam seu s
caracteres.
Ó v u lo s d e e r v ilh a
n 0 in te r io r d e v a g en s.
E , p e lo r e s to d e s e u s d ia s, le v o u a c a b o su a s o b r ig a ç õ e s c o m u m
z e lo im p e c á v e l, r a ia n d o n o p e r fe c c io n is m o n e u r ó tic o .
E m su a ca rta a N a g eli e x p r e s so u o d esejo d e p a ssa r a r e a liz a r
e x p er im e n to s de cru zam en to em a n im a is. M a s o ú n ic o tip o de
a n im a l q u e tin h a à d isp o siçã o eram a b e lh a s - M en d el sem pre
a c a le n to u a esp erança d e p o d e r e ste n d e r seu s e s tu d o s a o r e in o
a n im a l. A s s im , s e n d o M e n d e l, e le era p o s s u id o r d e u m a e sp lê n d id a
m istu r a d e fo r tu n a in te le c tu a l e m á s o r te n a p rá tica . S u a s a b e lh a s
h íb r id a s deram ex c e le n te m el; m as, por o u tro la d o , era m tão
fe r o z e s q u e fer r o a r a m to d o m u n d o n u m a á rea d e v á r io s q u ilô m e ­
tr o s e tiv e r a m d e ser d e str u íd a s.
M end el parece ter sid o m u ito m a is z e lo so na d efesa de seu
m o ste ir o c o n tr a im p o s to s o fic ia is d o que em s u a lid e r a n ç a r e li­
g io sa . A lé m d isso , h á in d íc io s d e le ter sid o c o n sid e r a d o p e r so n a ­
g em su sp eita p ela P o líc ia S e c r e ta d o Im p e r a d o r . N a cabeça do
a b a d e h a v ia g r a n d e p e s o d e id é ia s p e sso a is.

O e n ig m a d a p e r so n a lid a d e d e M e n d e l é p u r a m e n te in te le c tu a l.
N in g u é m p o d e r ia ter c o n c e b id o a q u e le s e x p e r im e n to s, a n ã o ser
que os r esu lta d o s esp erados estiv essem c la r a m e n te d e lin e a d o s
em sua m en te. U m a tal a fir m a ç ã o p od e p a recer estran h a, m a s
darei provas con cretas em se u fav or.
E m p r im e ir o lu g a r , u m p o n t o p r á tic o . M e n d e l s e le c io n o u e n tr e
a s e r v ilh a s s e te d ifer e n ç a s a ser e m te sta d a s, ta is c o m o ta lo a lto
versu s ta lo b a ix o , e a ssim por d ia n te . A s e r v ilh a s p o s s u e m , n a
r e a lid a d e , sete pares de crom ossom os, de m a n eira q u e n ela s é
p o ssív e l testa r sete d iferen tes tip o s de cara cteres tr a n sm itid o s
por genes lo c a liz a d o s em sete d ifer e n te s crom osso m o s, m as
a c o n te c e ser e sse o n ú m e r o m á x im o d e ca ra cteres q u e p o d e r ia ter
s id o s e le c io n a d o . N ã o se p o d e r ia testa r o it o d ife r e n te s c a r a c te r e s
sem q u e d o is g e n e s e stiv e sse m lo c a liz a d o s e m u m m esm o crom os­
som o, e, p o r ta n to , lig a d o s, p e lo m e n o s p a r c ia lm e n te . N in g u é m
a in d a h a v ia p en sad o em gen es ou em lig á -lo s. N in g u ém h a v ia
m esm o p en sad o em crom ossom os, ao tem p o em que M en d el
r e a liz a v a seu s e x p e r im e n to s .
C o n ven h am os que a lg u é m possa ser d e stin a d o por D eu s ao
cargo de abade de u m m o steiro , m a s n in g u é m p od e te r a q u e la
sorte. M en d el d ev e ter r e a liz a d o m u it a s o b s e r v a ç õ e s e a lg u n s e x ­
p e r im e n to s a n tes de p la n eja r o tr a b a lh o fo rm a l, ta lv ez co m a
in t e n ç ã o d e in tr ig a r e c o n v e n c e r a si p r ó p r io d e q u e a s s e t e q u a li-
3 8 6 dades o u ca ra cteres e r a m tu d o a q u ilo q u e p o d e r ia ser le v a d o e m
Geração Após Geração

co n ta . N isso som os cap azes de, em um r e la n c e , id e n tific a r u m


ic e b e rg d e m e n te o c u lto n a sile n c io sa fa c e d e M e n d e l, d o q u a l se
a p r ..se n to u flu tu a n d o e ex p o sto à v isã o a p e n a s a p u b lic a ç ã o , o
fe ito . C a d a p á g in a do m a n u s c r ito o rev ela - o s im b o lis m o a lg é ­
b rico , os c á lc u lo s e sta tístic o s, a c la r e z a da e x p o siç ã o ; tu d o é
g en étic a m od ern a, e sse n c ia lm e n te co m o se tiv e sse sid o escrito
h o je, m a s r e a liz a d o h á c e m anos, por u m d e sco n h ecid o .
U m d e s c o n h e c id o q u e h a v ia tid o u m a in sp ir a ç ã o fu n d a m e n ta l:
o s ca ra cteres se sep a ra m s e g u n d o u m a lei d e tu d o -o u -n a d a . M en -
deI o co n ceb eu em u m a é p o c a n a q u a l se co n sid era v a a x io m á tic o
en tre o s b i ó l o g o s a f u s ã o d e c a r a c te r ís tic a s d o s p a is n a m a n if e s ­
taçã o dessas m esm as c a r a c te r ístic a s na p r o le . É p ra tica m en te
im p o ssív e l supor a e v e n tu a lid a d e de nunca ter a p a r e c id o um
cará ter r e c e ssiv o , apenas p od em os e sp e c u la r que os c r ia d o r e s
sim p le sm e n te n ão os v ia m por esta rem co n v e n c id o s de que a
h e r e d ita r ie d a d e se tr a n sm itia p o r p r o m e d ia ç ã o .
A fin a l, o n d e fo i M e n d e l b u sca r o m o d e lo d o tip o tu d o -o u -n a d a
p a ra a h e r e d ita r ie d a d e ? E u p e n s o sab er, m a s, e v id e n te m e n te , n ã o
t e n h o m e io s d e o lh a r d e n tr o d a c a b e ç a d ele. E n tr e ta n to , o m o d e lo
e x is t e (e e x is t iu d e s d e t e m p o s im e m o r ia is ) e é t ã o ó b v io q u e ta lv e z
n en h u m c ie n tista lh e desse a ten çã o : m as, um a c r ia n ç a o u um
m o n g e , sim . O m o d e lo é o sex o . A n im a is tê m c o p u la d o p o r m i­
lh õ e s d e a n o s , e, n o e n t a n t o , m a c h o s e f ê m e a s d a m e s m a e s p é c ie
ja m a is p r o d u z ir a m m o n stro s se x u a is, ou h e r m a fr o d ita s: e le s
p ro d u zem o u m a c h o , o u fê m e a . H o m e n s e m u lh e r e s tê m id o para
a c am a desde há cerca de u m m ilh ã o d e a n o s , p e lo m e n o s ; e e le s
p rod u zem - o q u ê ? O u h o m e n s , o u m u lh e r e s. U m ta l m o d e lo tã o
sim p le s e p od eroso de tr a n sm itir c a r a c te r ístic a s d e u m a fo r m a
t u d o -o u -n a d a d e v e ter c h a m a d o a a te n ç ã o d e M e n d e l, d e m a n e ira
que o s e x p e r im e n to s e o s r a c io c ín io s se lh e a p r ese n ta ra m c o m o
u m t o d o c o e r e n te , p e r fe ito s já e m su as gên eses.
P e n so q u e o s m o n g e s sa b ia m d isso . P e n s o ta m b é m q u e e les n ã °
g o sta va m d o tr a b a lh o d e M e n d e l; e o b isp o q u e a p r e s e n to u r e se r ­
v a s a o s e x p e r im e n to s d e h ib r id a ç ã o c e r ta m e n te n ã o o s a p r o v a v a
A e le s n ão a g ra d a v a o in ter e sse d e M e n d e l p ela N o v a B io lo g ia ,
d e m a n eira n e n h u m a — p o r D a rw in , p o r e x e m p l^ lid o e a p r ec ia ­
d o p o r M e n d e l. P or o u tr o la d o , o s r e v o lu c io n á r io s tc h e c o s e seu s
a m ig o s, qu e sem pre en con tra va m a p ro teçã o d o abade em seu
m o s t e ir o , o a d m i r a v a m in c o n d ic io n a lm e n te . M o rreu a o s sessen m
e d o is a n o s , e m 1 8 8 4 . N o seu fu n eral o gran d e c o m p o sito r tc h e c o
L e o s J an á ce k to co u órgão em sua h o m en a g em ;m a s o n o v o abade 387
A Escalada do Homem

e le ito p e lo s m on ges q u e im o u tod os o s e scrito s d e M e n d e l q u e


perm aneceram n o m o ste ir o .
O g r a n d e e x p e r im e n to d e M e n d e l fic o u e sq u e c id o p o r m a is d e
tr in ta a n o s , a té ser d e s c o b e r to (p o r v á r io s c ie n tista s in d e p e n d e n ­
tem en te) em 1 90 0. P o rtan to , suas d esco b ertas p erten cem , em
e fe ito , a e ste sé c u lo , q u a n d o , d e rep en te, o e stu d o d a g en étic a
g e r m in o u a p a rtir d eles.
C o m ecem o s p elo com eço. A v id a n e s te p la n e ta v e m se d e sen ­
ro la n d o p o r três b ilh õ e s d e a n o s o u m a is. E m d o is terços d esse
tem p o os o r g a n ism o s se r e p r o d u z ir a m por d iv isã o c e lu la r . A
d iv isã o p r o d u z , v ia d e regra , p r o le s id ê n tic a s, n o v a s fo r m a s a p a ­
recen d o m u ito rara m en te, a tra v és de m u tações. P o rtan to , no
g er a l, a e v o lu ç ã o c a m in h o u m u ito len ta m e n te . O s p r im e ir o s
o r g a n ism o s a a p resen ta rem reprod ução sexual fo ra m , parece
p r o v á v e l, as a lg a s v e r d e s . I ss o se d e u há m en o s de u m b ilh ã o d e
a n o s. A r e p r o d u ç ã o s e x u a l a p a r e c e p r im e ir o e m v eg eta is e d e p o is
em a n im a is. D e s d e e n tã o o se u s u c e s s o a to r n o u u m a n o r m a b io ­
ló g ic a , d e tal fo r m a q u e, p o r e x e m p lo , d e fin im o s d u a s e sp écies
c o m o s e n d o d iferen tes q u a n d o seu s r e p r e se n ta n te s n ã o se cru za m .
O s e x o p r o d u z d iv e r sid a d e , e a d iv e r sid a d e é a m o la p r o p u ls o r a
d a e v o lu ç ã o . A a c e le r a ç ã o d a e v o lu ç ã o é r e sp o n sá v e l p ela e x is tê n ­
c ia a tu a l d e u m a e s to n te a n te v a r ie d a d e d e fo r m a s , c o r e s , e c o m ­
p o r ta m e n to s d a s e sp écies. A s d ifer e n ç a s in d iv id u a is e n tr e m e m ­
bros de um a m e sm a e sp écie ta m b é m d ev em a e la ser im p u ta d a s .
T u d o isso se m a n ifesto u d e v id o à e m e r g ê n c ia de d o is sexos.
A ssim , p o d e m o s v er, n a g e n e r a liz a ç ã o d a s e x u a lid a d e p o r t o d o o
m u n d o b io ló g ic o , u m a p ro v a d e q u e as e sp éc ie s se a d a p ta m a u m
n o v o a m b ie n te a tra v és d a s e le ç ã o . S e as m u d a n ç a s r e su lta n te s d a
a d ap ta ção ao a m b ie n te por p a rte de u m in d iv íd u o de um a
e sp éc ie p u d essem ser tr a n sm itid a s h e r e d ita r ia m e n te , o s e x o n ã o
seria , sim p le sm e n te , n ecessá rio . N o fin a l do sécu lo X V III
L am arck h a v ia p r o p o s to esse m o d o in g ê n u o , p o r a ssim d izer, e
s o lit á r io d e h e r a n ç a ; m a s , s e e le e x istiss e , a d iv isã o c e lu la r seria
u m v e íc u lo m u it o m a is a p r o p r ia d o .
D o is rep resen ta o n ú m e r o m á g ic o . E ssa é a r a z ã o p ela q u a l a
sele ç ã o se x u a l e o n a m o r o são a lta m e n te d e se n v o lv id o s e m d ife ­
r e n te s e sp é c ie s, c h e g a n d o à fo r m a n a d a m e n o s d o q u e e sp eta c u la r
da d o pavão. E tam b ém n o s escla rece a razã o p o r q u e o c o m p o r ­
ta m en to sexual se a ju sta tão p r e c isa m e n te ao a m b ie n te do
a n im a l. Se o g r u n io n tiv e sse se a d ap ta d o sem o con cu rso da
3 8 8 sele ç ã o n a tu r a l, p o r q u e iria e le s e d a r a o t r a b a lh o d e d a n ç a r n a s
193
A a celeraçã o na
ev o lu çã o é agora
responsável por um a
tr e m e n d a v aried a d e
na f o r m a , na
co lo ra çã o e n o
com p o rta m en to das
esp éc ie s. T u d o isso
fo i p o ssív el graças
à em erg ên cia de
d o is s e x o s .
C o rte e n tre
e le fa n te s e
c o r m o r a n te s
te r r e s tr e s .
A Escalada do Homem

p r a ia s d a C a lifó r n ia a fim d e s in c r o n iz a r a in c u b a ç ã o c o m as fases


d a L ua? P ara esse e p ara to d o s os o u tro s tru q u es d a a d a p ta ç ã o , o
s e x o seria d is p e n s á v e l. O s e x o , p o r si só , r e p r e s e n t a u m a m a n e ir a
d e se le c io n a r n a tu r a lm e n te o m a is a d a p ta d o . O s c e r v o s m a c h o s
n ã o b rig a m para m a ta r, m as a p e n a s para e sta b e le c e r seu s d ir eito s
n a e sc o lh a d as fê m e a s.
A m u ltip lic id a d e d e fo rm a s, c o r e s e c o m p o r ta m e n to s n o s in d i­
v íd u o s e nas e sp é c ie s é p r o d u z id o p ela c o m b in a ç ã o d e g e n e s, da
m a n e ira p r o p o s ta p o r M e n d e l. D e u m p o n t o d e v ista p u r a m e n te
m e c â n ic o os g en es e stã o in cru sta d o s a o lo n g o d o s c r o m o sso m o s,
os q u a is s ó sã o v is ív e is d u r a n te a d iv isã o c e lu la r . E n tr e ta n to , a
q u e stã o im p o r ta n te a se estu d a r n ã o é a d a m a n e ira p e la q u a l o s
g e n e s e s t ã o a r r a n j a d o s ; a q u e s t ã o m o d e r n a é: c o m o e l e s a g e m ? O s
g en es sã o c o m p o s to s p o r á cid o s n u c lé ic o s, e a í é o n d e se v ai e n ­
co n tra r a a çã o .

A m a n e ir a p ela q u a l a m e n s a g e m d a h e r e d ita r ie d a d e é p a ssa d a d e


u m a g era ção para o u tra fo i d esco b erta e m 1 9 5 3 , e se c o n stitu i na
ob ra d e a v en tu ra c ie n tífic a d o séc u lo X X . A c r e d ito q u e a tram a
se in ic io u n o o u to n o de 1 95 1, q u an d o u m jov em d e u n s v in te e
p o u c o s a n o s, J a m e s W a tso n , c h e g a a C a m b rid g e e se a sso cia a u m
h o m em de tr in ta e c in c o a n o s , F r a n c is C rick , no tr a b a lh o de
d e c ifr a r e m a estru tu ra d o á cid o d e s o x ir ib o n u c lé ic o , a b r e v ia d a ­
m en te A D N . N o s a n o s p r e c e d e n te s tin h a s id o d e m o n s t r a d o q u e
o A D N , isto é, o á cid o e n c o n tra d o n a p a rte c e n tr a l d a s c é lu la s,
carregava as m ensagens q u ím ic a s da h e r e d ita r ie d a d e , de u m a
g er a ç ã o p ara o u tra . O s p e sq u isa d o r e s d e C a m b r id g e , e o u tr o s tã o
d ista n te s com o o s d a C a lifó r n ia , e sta v a m face a fa ce c o m duas
q u e s tõ e s . Q u a l é a c o m p o s iç ã o q u ím ic a ? E q u a l é a a rq u ite tu r a ?
A p ergu n ta “ q u al é a c o m p o siçã o q u ím ic a ? ” s ig n ific a “ q u a is
são as p a rtes com p o n en tes d o A D N , e d e q u e m a n e ir a e la s se
agru p a m gerando as d iferen tes v a r ie d a d e s de m o lé c u la s d esse
á cid o ? ” . M as isso já era m u ito b em c o n h e c id o . E sta v a c la r o q u e
o A D N era c o m p o sto d e a ç ú c a r e s, fo s fa to s (h a v ia c e r te z a d e s te s 1 94
esta rem p r e se n te s p o r r a z õ e s e str u tu r a is) e q u a tr o p e q u e n a s m o ­ O s g e n e s se
a lin h a m a o lo n g o
léc u la s e sp e c ífic a s ou bases. D uas d estas são m o lé c u la s m u ito
dos crom ossom os,
pequenas, a tim in a e a c ito sin a , n a s q u a is á to m o s de C arb on o, q u e se to rn a m
d e N itr o g ê n io , d e O x ig ê n io e d e H id r o g ê n io e stã o a rra n jad os e m v isív eis q u a n d o
a c élu la e stá
u m a estru tu ra h e x a g o n a l. A s ou tra s duas são m o lé c u la s b em se d iv id in d o .
m a io r e s, a g u a n in a e a a d e n in a , e m c a d a u m a d a s q u a is á to m o s C ro m o ssom o s
g ig a n te s d e c é lu la s
3 9 0 d a q u e le s m e s m o s e le m e n to s e stã o a rra n ja d o s e m estru tu ra s h ex a - d a c a s c a d e c e b o la .
-
•yv i
MI*V
£í# 30 « y .t

4V. lã*
.

v ■ f .<* 1( 5 ?

‘Cs* ^ •
i •. /
í *à
* £
% •

• v> .
Íív y %
V * - |l
'p
y ,% .
* > *. *V *- V
1
« *v

• * #

: ** • * UI m

a -
k
A Escalada do Homem

g o n a i s e p e n t a g o n a i s l ig a d a s e n t r e si. E m n o ta ç õ e s d e tr a b a lh o s
e str u tu r a is é co m u m rep resen ta r-se q u a lq u e r u m a das b ases
pequenas por u m s im p le s h e x á g o n o , e a s m a io r e s p o r u m a fig u r a
a m p lia d a , ch am an d o, dessa m a n eira , a a ten çã o para as suas
fo rm a s, m u ito m a is d o que para os á to m o s dos e le m e n to s
com p o n en tes.
E a a r q u ite tu r a ? C o m esta p ergu n ta se q u eria saber de que
fo r m a as b a se s se d isp u n h a m n o A D N , d e m o d o a to rn a r p o ssív e l
a exp ressão d as d ifer e n te s m e n sa g e n s g en étic a s. Isso p o r q u e , d a
m esm a form a que u m p réd io n ã o é s im p le s m e n te u m a m on toa d o
d e tijo lo s, o A D N n ã o d e v ia ser u m sim p le s a m o n to a d o d e b a ses.
O q u e , e n tã o , lh e c o n fe r ia su a e str u tu r a e, p o r ta n to , su a fu n ç ã o ?
P or e s s a é p o c a já se sa b ia q u e o A D N era fo rm a d o p or u m a m o lé ­
c u la d e c a d e ia lo n g a , lin e a r , m a s u m ta n to q u a n to r íg id a - um a
e sp éc ie d e c r ista l o r g â n ic o - , a lé m d e h a v er in d íc io s d e a p r ese n ­
tar-se c o m o que em h é lic e (o u e sp ir a l). M a s, q u a n ta s h é lic e s e m
p a r a lelo ? U m a , d u a s, três, q u a tr o ? A s o p in iõ e s e s ta v a m d iv id id a s
em d o is c a m p o s p r in c ip a is: o d a h é lic e d u p la e o d a h é lic e tr íp lic e .
E n tã o, em 1 9 5 2 , L in u s P a u lin g , o g r a n d e g ê n io d a q u ím ic a e s tr u ­
tu ra l, p r o p õ e , n a C a lifó r n ia , u m m o d e lo d e h é lic e tr íp lic e . A o
e sq u e le to d e a çú ca res e fo sfa to s se a g reg a v a m as b a ses e m to d a s
as d ir e ç õ e s. O a r tig o d e P a u lin g c h e g o u a C a m b r id g e e m fev ereiro
de 1 9 5 3 , e lo g o d e in íc io C rick e W a tso n perceberam q u e a lg o
e sta v a e rra d o n ele.
P o d e ter sid o u m m e r o d e s a b a fo o u p o d e ter h a v id o u m toq u e
d e p e r v e r sid a d e m a lic io sa n a d e c is ã o a b r u p ta d e J im W atson em
fa v o r d a h é lic e d u p la . D e p o is d e u m a v isita a L o n d r e s ,

a o t e m p o e m q u e eu reto rn a ra à U n iv e rsid a d e e p u la ra o p o r tã o d o s fu n d o s ,
já h a v ia d e c id id o c o n str u ir m o d e lo s d e c a d e ia s d u p la s. F r a n c is tin h a d e
a ce d e r . M e s m o s e n d o fís ic o , sa b ia q u e o b je to s b io lo g ic a m e n te im p o r ta n te s
sem p re a p a recem a os pares.

M a is im p o r ta n te a in d a , e le e C r ic k c o m e ç a r a m a p r o c u r a r p o r u m a
e str u tu r a c u jo e s q u e le to se o r g a n iz a sse e x te r io r m e n te : u m a e s p é ­
c ie d e e sc a d a e m e sp ir a l, c o m os açú cares e o s fosfato s fo rm a n d o
os co rrim ã o s. A ex p er im e n ta ç ã o se d e sen r o la v a co m grande
d ific u ld a d e ; u sa r a m -se fo r m a s e sp e c ia lm e n te m o n ta d a s a f im de
testar c o m o as b a ses se a ju sta v a m a o s d e g r a u s d o m o d e l o . E e is
que, após u m e n o rm e erro, o m o d e lo m o str o u -se a u to -ev id en te.

O lh e i e m e c e r tifiq u e i n ã o se trata r d e F r a n c is; e n tã o , c o n tin u e i a tr o c a r as


3 9 2 p o s iç õ e s d a s b a s e s e m v á r ia s o u tr a s p o s s ib ilid a d e s d e e m p a r e lh a m e n t o . D e
Geração Após Geração

r e p e n t e , p e r c e b i q u e u m p a r d e a d e n in a -tir n in a , u n id a s e n tr e si p o r d u a s
p o n te s d e H id r o g ê n io , era id ê n tic o à fo r m a d o par g u a n in a -c ito sin a .

C la ro : em cada degrau d e v ia esta r p r e se n te u m a b a se p e q u e n a e


u m a b a s e g r a n d e . E n t r e t a n to , n ã o ser v ia q u a lq u e r b a s e g r a n d e . A
tim in a tin h a d e ser e m p a r e lh a d a c o m a a d e n in a ; m a s, e m se te n d o
c ito sin a , o seu par tin h a de ser a g u a n in a . A s b a se s se o r g a n iz a m
aos pares, nos q u a is a presen ça de um a d e t e r m i n a a d a o u tra.
P o rtan to , o m o d e lo d a m o lé c u la de A D N é rep resen ta d o por
um a escada em e sp ir a l. U m a e sp ir a l a s c e n d e n d o n o s e n t id o a n ti­
-h o r á r io , n a q u a l as e sp ir a s s ã o d o m esm o tam an h o, gu ard am a
m esm a d istâ n c ia e n tr e si e g ir a m m a n ten d o as m e s m a s r e la ç õ e s
— tr in ta e seis g r a u s e n tr e a s e sp ir a s su c e ssiv a s. S e tiv e r m o s u m a
c ito sin a na e x tr e m id a d e d e u m a e sp ir a , e n t ã o v a m o s e n c o n tr a r
u m a g u a n in a na o u tra ; o m esm o a co n tecen d o para o o u tro par
d e b a ses. E ssa o r g a n iz a ç ã o im p lic a o fa to d e q u e ca d a m e ta d e d a
e sp ir a l é p o rta d o ra da m en sagem co m p leta , a o u tra sen d o , de
u m a certa m a n eira , r e d u n d a n te .
C o n stru am os a m o lé c u la co m a a ju d a de um com p u ta d or.
E sq u e m a tic a m e n te é u m par de bases; as lin h a s p on tü h ad as
nas e x tr e m id a d e s rep resen ta m as p o n tes de H id r o g ê n io que
m a n têm a s d u a s b a se s u n id a s . C o m e ç a r e m o s a p a rtir d a p o s iç ã o
te r m in a l e p r o s s e g u ir e m o s a p a rtir d a í. A g o r a a a r q u iv a r e m o s n a
p a r te in fer io r d a fig u r a d a e sq u e r d a d o c o m p u ta d o r , o n d e ir e m o s
co n stru ir a m o lé c u la c o m p leta d o A D N , lite r a lm e n te , degrau
por degrau.
E is u m s e g u n d o p a r; p o d e s e r ta n to d o m e s m o tip o d o p r im e ir o ,
c o m o d o tip o o p o s t o ; e esta r à fa c e d e q u a lq u e r u m d eles. V a m o s
c o lo c á - lo s o b r e o p r im e ir o p a r e im p o r -lh e u m g ir o d e tr in ta e seis
graus. V a m o s r e p e tir as m e s m a s o p e r a ç õ e s c o m u m te r c e ir o par,
195 e a ssim p o r d ia n te.
O A D N é um a
E ssa s e sp ir a s r e p r e s e n ta m u m c ó d ig o que irá d i z e r à s c é lu l a s ,
esp ira l q u e s e e n r o la
à direita, n a q u al etap a por etap a , que p r o te ín a s n e c e ss á r ia s à v id a e la s te r ã o d e
cad a esp ira é d o fa b rica r. O gen e se fo r m a d ia n te d e n o sso s o lh o s, e o s c o r r im ã o s
m esm o tam an h o e
guarda u m â n gu lo d e a ç ú c a r e s e fo s fa to s , d e c a d a la d o , m a n t ê m r íg id a a e sc a d a e m
in v a riá v el d e 36 e sp ir a l. A m o lé c u la em e sp ir a l d o A D N c u m gene, um g ene em
g ra u s e m r e la ç ã o às
a ç ã o , e as e sp ir a s s ã o o s d e g r a u s a tr a v é s d o s q u a is e le e x e r c e su a
outras.
i
G rá f c o g era d o em fu n çã o.
c o m p u ta d o r do N o d ia 2 d e a b r il d e 1 9 5 3 J a m e s W a ts o n e F r a n c is C rick s u b ­
s e q ü ê n c la d a s
u n id a d e s m etera m ao N a tu r e o a rtig o no qual se e n c o n tra d escrita essa
c o m p o n e n te s do estru tu ra d o A D N , u m tra b a lh o d o q u a l se h a v ia m o cu p ad o por
h é lic e d u p la
apenas d e z o ito m eses. M as v eja m o s as p a la v r a s de Jacques 3 93
do AD N .
Geração Após Geração

196
O A D N em ação. M o n o d , d o In stitu to P a steu r de P a ris e do In stitu to S a lk na
E s tá g io s d o C a lifó r n ia :
d e s e n v o lv im e n to
d e u m e m b r iã o o in v a r ia n te b io ló g ic o fu n d a m e n ta l é o A D N . E ssa é a ra zã o p e la q u a l a
d e n tr o d e u m o v o .
d e f m i ç ã ° d e g e n e d a d a p o r M e n d e l c o m o s e n d o o p o r ta d o r in v a r iá v e l d o s
A ilu s tr a ç ã o d o t o p o
m o s tr a u m e s tá g io tra ç o s h e r e d itá r io s, su a id e n tific a ç ã o q u ím ic a p o r A v e r y (e c o n fir m a d a p o r
p r e c o c e , a s e g u in te H e r s h e y ) e a e lu c id a ç ã o p o r W a t s o n e C r ic k d a b a s e r e p lic a tiv a in v a r iá v e l
u m e m b r iã o d e
de sua estru tura, rep resen ta m , sem a m e n o r d ú v id a , as d e s c o b e r ta s m a is
q u a tr o d ia s e a s
o u tr a s d u a s e s tá g io s im p o rta n tes da b io lo g ia . E v id e n te m en te te m o s d e a crescen tar a essas a
s u b s e q ü e n te s . t e o ria d a s e le ç ã o n a tu r a l, m a s s e m n o s e s q u e c e r m o s d e q u e a v a lid a ç ã o ,
b e m c o m o a sig n ific a ç ã o real d e sta ú ltim a fo r a m e sta b e le c id a s p o r a q u e la s
d e s c o b e r t a s p o s t e r i o r e s a ela .

O m o d e lo d o A D N lev a n a tu r a lm e n te a o p r o c e s s o d e r e p lic a ç ã o
q u e, m esm o a n tes d o a p a r e c im e n to d o sex o , era fu n d a m en ta l à
v id a . Q u a n d o u m a c é lu la se d iv id e , a s d u a s e sp ir a is se se p a r a m .
C ada base d e te r m in a a p o siç ã o da 0 l:ltra n o p a r a o q u a l e la p e r ­
ten ce. E ste rep resen ta o p o n to d e r e d u n d â n c ia n a h é lic e d u p la :
c a d a m e ta d e e n c e r r a to d a a m e n s a g e m d e in str u ç õ e s, e, na d iv isã o
c e lu la r , o m esm o gene é r e p r o d u z id o . A q u i, o n ú m e r o m á g ic o
d o is rev ela a m a n e ira a tra v és d a q u a l u m a c é lu la tr a n sm ite su a
id e n t id a d e g e n é t ic a a o se d iv id ir .
A e sp ir a l d o A D N n ã o é u m m o n u m e n t o . E la é u m a in str u ç ã o ,
u m m ó b ile v iv e n te a d iz e r às c é lu la s c o m o d e v e m lev a r a c a b o o
p rocesso d a v id a , e ta p a p o r e ta p a . A v id a s e g u e u m c a le n d á r io , e
as e sp ir a s d a e sp ir a l d o A D N c o d ific a m e sin a liz a m a se q ü ê n c ia
na qual os even to s d evem a co n tecer. A m a q u in a r ia d a c é lu l a lê
as e sp ir a s s e g u in d o u m a o r d e m , u m a a p ó s o u tra . U m a seq ü ê n c ia
d e tr ê s e sp ir a s a g e c o m o sin a l p a ra q u e a c é lu la fa b r iq u e u m á cid o
a m in a d o . C o m o os á cid o s a m in a d o s são sin te tiz a d o s em um a
ord em d e te r m in a d a , e le s se a lin h a m e se u n e m fo rm a n d o p ro teí­
n a s d e n tr o d a s c é lu la s. E as p r o te ín a s sã o o s a g e n te s e as u n id a d e s
d e c o n s t r u ç ã o d a v id a n o in te r io r d a c é lu la .
C a d a u m a d a s c é lu la s d o c o r p o é p o r ta d o r a d e to d o o p o te n c ia l
para gerar o a n im a l in teir o , c o m ex ceçã o d o e sp er m a to z ó id e e
do ó v u lo . O e sp e r m a to z ó id e e o ó v u lo são in c o m p le to s; e, e sse n ­
c ia lm e n te , rep resen ta m c é lu la s p ela m eta d e: são p o rta d o res de
m e tad e d o n ú m ero to ta l d e g e n e s. Q u a n d o o ó v u lo é fe r tiliz a d o
p e lo e sp erm a to zó id e, os genes de cada u m d eles se ju n ta m em
pares, da m a n eira p rev ista p o r M e n d e l, e a to ta lid a d e d a s in fo r ­
m a ç õ es é n o va m en te recuperada. A ssim , o ó v u lo fe r tiliz a d o
ta m b ém é um a c é lu la co m p leta , e, p o rta n to , u m m o d e lo para
q u a lq u e r c é lu la d o c o r p o , u m a v e z q u e to d a c é lu la se d e r iv a d e le 3 95
A Escalada do Homem

p o r d iv isã o , s e n d o id ê n tic o s o s s e u s m a te r ia is g e n é tic o s . A sem e­


lh a n ç a d o e m b r iã o d e g a lin h a , o a n im a l p o s s u i a h e r a n ç a d o ó v u lo
fe r tiliz a d o p o r t o d a a s u a v id a .
A m ed id a q u e o e m b r iã o se d e s e n v o lv e , as c é lu la s se d ife r e n ­
c ia m . A o lo n g o d a fissu r a p r im á r ia a p a r e c e m o s p r im ó rd io s d o
s is te m a n e r v o s o . A c ú m u lo s c e lu la r e s d e a m b o s o s la d o s ir ã o fo r ­
m ar o e sq u e le to . A s c é lu la s se e sp ec ia liz a m : c é lu la s nervosas,
c é lu la s m u sc u la r e s , te c id o c o n e c tiv o (o s lig a m e n to s e o s te n d õ e s ),
c é lu la s s a n g ü ín e a s , c é lu la s v a sc u la r e s. A s c é lu la s se e s p e c ia liz a m
por terem a ce ito as in str u ç õ e s c o n tid a s n o A D N , n o s e n tid o d e
sin te tiz a r e m as p r o te ín a s a d eq u a d a s a o fu n c io n a m e n to d a q u e le
tip o d e c é lu la e d e n e n h u m a o u tra . T a is fe n ô m e n o s r e p r e s e n ta m
o A D N em ação.

O r e c é m -n a sc id o já é u m in d iv íd u o a p a rtir d o n a sc im e n to . O
a co p la m en to d o s g e n e s d o s p a is c o n s t i t u i a f o n t e d a d iv e r s id a d e .
A c r ia n ç a herda d on s tan to d o pai co m o da m ãe, e o acaso
c o m b in o u e ss e s d o n s e m a rr a n jo s n o v o s e o rig in a is. M a s a c r ia n ç a
não é u m a p r isio n e ir a d e s u a h e r a n ç a ; e la m a n t é m sua heran ça
g en ética n a fo r m a d e u m a n o v a c r ia ç ã o q u e se m a n ife s ta r á p o r
in flu ê n c ia d e a ç õ e s fu tu ra s.
A c r ia n ç a é u m in d iv íd u o . A a b e lh a n ã o o é, p o r q u e o z a n g ã o
é u m a u n id a d e d e u m a sér ie d e c ó p ia s id ê n tic a s. E m u m a c o lm é ia ,
a ra in h a é a ú n ic a a b e lh a f ê m e a fé r til. Q u a n d o , e m p le n o ar, e la
se cru za c o m o za n g ã o , o s esp er m a to z ó id e s d este são m a n tid o s
por e la , guardados; en q u a n to o zan gão m orre. A o lib e r a r u m
e sp er m a to z ó id e ju n ta m e n te c o m u m d e seu s ó v u lo s, a ra in h a v a i
d ar o rig e m a um a o b reira - u m a a b e lh a fê m e a . S e , p o r o u tro
la d o , lib e r a r u m ó v u lo d esacom p an h ad o d e e sp er m a to z ó id e , vai
se fo rm a r u m zan gão - u m a a b e lh a m a c h o , e m u m a esp écie d e
c o n c e p ç ã o -v ir g e m . N e sse p a r a íso d o to ta lita r ism o , e te r n a m e n te
lea l e im u tá v e l, a a v en tu ra da d iv e r sid a d e foi e x c lu íd a ; e é a
d iv e r s id a d e a fo r ç a q u e im p e le a e v o lu ç ã o n o s a n im a is m a is d e ­
se n v o lv id o s e n o h o m e m .
U m m u n d o tã o r íg id o q u a n t o o d a s a b e lh a s p o d e r ia s e r c r ia d o 197
E m tod a colm éia a
e n tr e a n im a is s u p e r io r e s, m e s m o e n tr e h o m e n s , p e lo p r o c e s s o d a rain h a é a ú n ic a
c lo n a ç ã o : isto é, g e r a n d o u m a c o lô n ia o u c lo n e d e a n im a is id ê n ­ f ê m e a fértil.
A b e l h a r a in h a
tic o s a p a rtir d e c é lu la s d e u m ú n ic o p r o g e n ito r . C o m e c e m o s c o m
c ir c u n d a d a p o r
u m a p o p u la ç ã o h e te r o g ê n e a d e u m a n fíb io , o a x o lo tle . S u p o n h a ­ s u a s f ilh a s o b r e ir a s .
m o s q u e n o s tiv é sse m o s d e c id id o p o r u m tip o , o a x o lo tle m a n - P u sa A g r ic u ltu r a l
R e s e a r c h I n s titu te ,
3 96 c h a d o . A ssim , to m a m o s a lg u n s o v o s d e u m a fê m e a m a n c h a d a e ín d ia .
198
Um mundo
regim en ta d o, cada
a x o lo tle sen do u m a
c ó p ia id ên tica d o
o u tro , e cada um
u m p a r to d e v irgem .
A f ig u r a d o t o p o à
e sq u e r d a m o s tr a u m
ó v u lo n ã o -fe r tiliz a d o
s e n d o e x tr a íd o d e
u m a a x o lo tle b ra n ca .
A s e g u n d a fig u r a
m o s tr a u m a
m ic r o p ip e ta
in tr o d u z in d o u m a
(d e um n ú m ero d e
c é lu la s id ê n tic a s )
c é lu la d e a x o lo tl e
m anchado em u m
ó v u lo . a p ó s a
rem oção d e
se u n ú c le o .
A te r c e ir a f ig u r a
m o s tr a u m c lo n e d e
v á r io s ó v u lo s n o s
p r im e ir o s e s tá g io s
d e d iv is ã o . e a
ú ltim a f ig u r a
m o s tr a c lo n e s d e
a x o lo tle s d e trê s
m e s e s d e id a d e .
A ilu s tr a ç ã o à d ir e ita
é um a com paração
d ia g r a m á tic a d e
d ife r e n ç a s d e
p o p u la ç õ e s c lo n a d a s
e n o r m a is d e
a x o lo tle s . O s
a x o lo tle s c lo n a d o s
s ã o c ó p ia s id ê n tic a s
d e su a p r o g e n ito r a
m anchada. U m
c r u z a m e n to
m a n c h a d o -b ra n c o
p r o d u z p r o g e n ia
m ista n a s g e r a ç õ e s
s e g u in te s .
A Escalada do Homem

c r ia m o s u m e m b riã o d e stin a d o a ser m an ch ad o. E m seg u id a


sep aram os a lg u m a s c é lu la s que p od em ser tir a d a s d e q u a lq u e r
p orção d o e m b r iã o , u m a v e z q u e , q u a isq u e r q u e seja m , a p r e s e n ­
tarão o m esm o c ó d ig o g e n é tic o , e c a d a c é lu la é c a p a z d e r e p r o ­
d u zir u m a n im a l co m p leto - n o sso p r o c e d im e n to o provará.
V a m o s c r ia r a n im a is id ê n t ic o s , u m a p a rtir d e c a d a c é lu la . N e ­
c e ssita m o s d e u m a m a tr iz o n d e as c é lu la s p o s s a m se m u ltip lic a r :
q u a lq u e r a x o lo tle ser v ir á - poderá ser um a branca. T o m a m o s
ó v u lo s n ã o -fe r tiliz a d o s d a m a tr iz e d e s tr u ím o s o n ú c le o d e c a d a
u m ; d e n tr o d eles in tr o d u z im o s u m a d a s c é lu la s id ê n tic a s iso la d a s
d o d oad or m an ch ad o do c lo n e . O s o v o s a g o ra d a rã o o rig em a
a x o lo tle s m a n ch a d o s.
O c lo n e d e o v o s id ê n tic o s, c o n se g u id o s a tr a v é s d e sse p r o c e d i­
m e n to , sã o d eix a d o s crescer to d o s a o m e sm o tem p o . C ada o vo
se d iv id e n o m e s m o m o m e n to - d iv id e-se u m a , d u a s v e z e s e c o n ­
tin u a a se d iv id ir . T u d o is s o é n o r m a l, e x a t a m e n t e ig u a l a o q u e
a co n tece co m q u a lq u e r ovo. N o está g io seg u in te, a d iv isã o d e
c é lu la s in d iv id u a is já n ã o é m a is v isív e l. C a d a o v o se tr a n s fo r m o u
em u m a e sp éc ie d e b o la d e t ê n is e c o m e ç a a s e v ira r n o a v e s s o -
o u , m a is e x a t a m e n t e , a v ir a r a p a r te d e f o r a p a r a d e n t r o . T o d o s
os ovo s a in d a estã o sin c r o n iz a d o s. C a d a o v o se d o b r a s o b r e si
m esm o a fim de form ar u m a n im a l, se m p r e sin c r o n iz a d o : u m
m u n d o r e g im e n ta d o n o q u a l as u n id a d e s o b e d e c e m id e n tic a m e n te
a ca d a c o m a n d o , e m m o m e n to s id ê n tic o s, e x c e to (c o m o p o d e m o s
ver) u m in feliz que foi e x c lu íd o e vai fic a n d o p a ra trás. F in a l­
m en te tem os u m c lo n e de a x o lo tle s in d iv id u a is, c a d a u m d e les
c ó p ia id ê n tic a d o p r o g e n ito r , e c a d a u m d e le s u m p a r to d e v ir g e m ,
co m o n o caso d o zangão.
D e v e r ia m o s nós fazer c lo n e s de seres h u m a n o s — c ó p ia s d e
u m a lin d a m ã e , ta lv e z , o u d e u m p a i in te lig e n te ? É c la r o q u e n ã o .
M in h a o p in iã o é d e q u e a d iv e r s id a d e é o a le n to d a v id a , e ja m a is
d e v e m o s a b a n d o n á -la e m fa v o r d e q u a lq u e r o u tro e x p e d ie n te q u e
a tr a ia nossa c o m o d id a d e — m esm o que seja n o s s a c o m o d id a d e
g en étic a . A c lo n a ç ã o r e p r e se n ta a e sta b ilid a d e d e u m a form a, e
isso vai co n tra to d a a c o r r e n te d a c r ia ç ã o — d a c r ia ç ã o h u m a n a
a cim a d e tu d o . A e v o lu ç ã o te m se u s fu n d a m e n to s n a v a r ie d a d e e
c r ia d i v e r s id a d e ; e e n t r e t o d o s o s a n im a i s o h o m e m é o m a is c r ia ­
tiv o porque é d ep o sitá rio e exp ressa o m a is a m p lo cabedal da
v a r ie d a d e . Q u a lq u e r te n ta tiv a d e n o s to r n a r u n ifo r m e s b io ló g ic a ,
e m o c io n a l o u in te le c tu a lm e n te , é u m a tr a iç ã o à te n d ê n c ia e v o lu -
4 0 0 tiv a q u e n o s c o l o c o u e m se u á p ic e .
1 99 C o n t u d o , há u m a s in g u la r id a d e n o s m ito s d a c r ia ç ã o d a s c u ltu r a s
E va é c lo n a d a a
h u m a n a s, o s q u a is p a r e c e m t o d o s se r e fe r ir a u m c lo n e a n cestra l.
pa rtir de u m a
co stela d e A d ã o . O sex o é estra n h a m en te s u p r im id o n a s h istó r ia s a n tig a s s o b r e a s
"A C r ia ç ã o d a o r ig e n s . E v a é c lo n a d a a p a rtir d e u m a c o s te la d e A d ã o , e o s p a r to s
M u lh e r" , p o r
A n d r e a P isa n o . d e v ir g e n s s ã o v a lo r iz a d o s d e p r e fe r ê n c ia .
F e liz m e n te n ã o e s ta m o s r e d u z id o s a c ó p ia s id ê n tic a s. N a e s p é ­
c ie h u m a n a o s e x o é a lta m e n te d e s e n v o lv id o . A fê m e a é r e c e p tiv a
a t o d o t e m p o , n u n c a d e ix a d e ter s e io s , q u e t o m a m p a r te a tiv a n a
seleçã o se x u a l. A m a ç ã d e E v a , p o r a ssim d izer, fe r tiliz a a h u m a ­
n id a d e; ou p e lo m e n o s a in c ita a essa p reocu p ação im e m o r ia l.
O b v ia m e n te , o s e x o r e p r e se n ta u m a c a r a c te r ístic a m u ito e s p e ­
c ia l p a r a o s s e r e s h u m a n o s ; in e r e n t e a e le e x is t e u m a c a r a c te r ís tic a
p a rticu la r. M as, t o m e m o s u m c r ité r io s im p le s , terra-a -terra, p ara 401
2 0 0
O sexo com o
in stru m en to
b io ló g ico foi
i n v e n t a d o p e l a s a lg as.
C é l u l a s d a a lg a v e r d e
S p ir o g y r a n o
p ro c e s so d e fu sã o .
A n c e s t r a i s d e s s a a lg a
m a n ife s ta r a m a
p r im e ir a e v id ê n c ia
d e c é lu la s q u e s e
fu n d e m a fim d e
p r o d u z ir u m
ó v u lo fé r til.

201
O d im o rfism o sexual
é d isc r e to na
esp écie hum ana.
O g o r ila m a c h o
a d u lto ch eg a a p esa r
d u a s v e z e s m a is
d o q u e su a
c o m p a n h e ir a .
Â
A Escalada do Homem

ju lg á -lo : s o m o s a ú n ic a e sp é c ie n a q u a l a fê m e a a p r e s e n ta o r g a s m o ,
p o r m a is e str a n h o q u e iss o p o ss a p a recer. T a l e x c e ç ã o in d ic a q u e ,
d e m o d o g er a l, h á m u it o m e n o s d ife r e n ç a s e n tr e h o m e m e m u lh e r
(n o se n tid o b io ló g ic o e n o c o m p o r ta m e n to se x u a l) d o q u e en tre
m a ch o e fê m e a n a s o u tra s esp écies. E m b o r a e ssa a fir m a ç ã o soe
d e s p r o p o s ita d a , p a ra o g o r ila o u o c h im p a n z é , e sp écies ta m b é m
e x ib in d o g r a n d e s d ife r e n ç a s e n tr e m a c h o e f ê m e a , e la seria ó b v ia .
E m lin g u a g e m b io ló g ic a , o d im o r fism o s e x u a l é p e q u e n o n a e sp é ­
c ie h u m a n a .
D e v ía m o s parar p o r a q u i c o m n o ssa s e sp e c u la ç õ e s b io ló g ic a s.
E n treta n to , há u m p o n to na fr o n te ir a e n tr e b io lo g ia e c u ltu r a
q u e r e a lm e n t e s u b lin h a a s im e tr ia d o c o m p o r t a m e n t o s e x u a l; d ir ia
m esm o ser e le m a rcan te. E é ó b v io . S o m o s a ú n ica esp écie a
c o p u la r fa c e a fa c e , e isso é g e n e r a liz a d o e m to d a s a s c u ltu r a s . E m
m in h a m en te ta l p rá tica e x p r e s sa a e x is tê n c ia d e u m a ig u a ld a d e
geral q u e fo i e c o n tin u a sen d o im p o r ta n te n a e v o lu ç ã o d o h o m e m .
E u a situ a r ia a o t e m p o d o A u s tr a lo p ith e c u s e d o s p r im e ir o s fa b r i­
ca n tes d e ferram en tas.
Por que d ig o isso ? B e m , c o n c o r d o q u e a lg o m a is te m d e ser
e sc la r e c id o . T e m o s d e e x p lic a r a r a p id e z d a e v o lu ç ã o h u m a n a a o
lo n g o de u m esp aço de tem p o d e, d ig a m o s, n o m á x im o c in c o
m ilh õ e s d e a n o s . E la fo i te r r iv e lm e n te r á p id a . A s e le ç ã o n a tu r a l
s im p le s m e n te n ã o a tu a a ssim tã o r a p id a m e n te n a s o u tra s e sp é c ie s
a n im a is. N ó s, h o m in íd e o s, d e v em o s ter e n c o n tr a d o u m a fo rm a
d e s e le ç ã o q u e n o s é p a r tic u la r ; e n e s te c a s o , a e s c o lh a ó b v ia seria
a seleçã o sex u a l. A tu a lm e n te , já p o d e m o s d isp o r d e in d íc io s d e
q u e as m u lh e r e s se c a sa m com h o m e n s q u e lh es s ã o in te le c tu a l­
m en te a fin s , e, é c la r o , o c o n tr á r io tam b ém se dá. E sse tip o de
p r e fe r ê n c ia te n d o -se in ic ia d o h á m a is d e u m m ilh ã o d e a n o s p o d e
sig n ific a r q u e a s e le ç ã o d e h a b ilid a d e s s e m p r e f o i im p o r ta n te p a ra
2 02
am b os os sexos.
“ P o is se o a m o r
A cred ito m esm o que tão lo g o os precursores do h o m em se corre e m m istérios
to r n a r a m á g e is c o m suas m ãos, e co m eça ra m a fa b rica r fe r r a m e n ­ n a a lm a , o c o r p o
a in d a é su a f o n t e .”
tas, e in te lig e n te s c o m seu s cérebros, a p o n to de p o d erem p la n e­ A s m ãos de
já -la s, o á g il e o in te lig e n te d e s fr u ta r a m v a n ta g e n s se le tiv a s. E ste s G io v a n n i A r n o lfin i,
c o m e r c ia n te d e
eram c a p a z e s d e m a n te r m a io r n ú m e r o d e c ô n ju g e s e filh o s e m L u c c a , e d e s u a n o iv a ,
m elh o res c o n d iç õ e s d e a lim e n ta ç ã o d o q u e o s o u tro s. A dar cré­ G io v a n n a C e n a m i -
filh a d e u m
d ito à m in h a h ip ó te s e , e la fo r n e c e r ia u m a e x p lic a ç ã o p a r a a r a p i­
c o m e r c ia n te
dez da e v o lu ç ã o h u m a n a ; e s ta te r ia s id o d o m in a d a p o r a q u e le s e s ta b e le c id o e m
P a ris - , p in ta d o e m
e sp éc im e s d e d e d o s á g e is e p e n s a m e n to r á p id o , o s q u a is te r ia m
404 sid o r e sp o n sá v e is p ela a celera çã o observada no caso da n ossa
1 4 3 4 p o r Jan
van E yck.
A Escalada do Homem

e sp écie. U m tal fa to r ta m b é m m o stra q u e, m e s m o e m su a e v o lu ­


ç ã o b io ló g ic a , o h o m e m fo i su tilm e n te o r ie n ta d o p o r seu ta le n to
cu ltu ra l, su a h a b ilid a d e n o fa b ric o d e fe r r a m e n ta s e n o p la n eja -
m en ta co m u n itá rio . A m eu ver, isso está e x p r e s so no c u id a d o
d isp en sa d o p o r t o d a s a s c u ltu r a s a o s p r o b le m a s r e la tiv o s a o c lã e
à co m u n id a d e e, o q u e é p r ó p r io só d a s c u ltu r a s h u m a n a s , a o s
arra n jos, p r o p ic ia n d o o q u e r e v e la d o r a m e n te se c o s tu m a ch a m a r
de u m b o m par.
Ê c la r o que se esse tiv e sse sid o o ú n ic o fa to r in flu e n c ia n d o
n o ssa e v o lu ç ã o te r ía m o s d e ser m u ito m a is h o m o g ê n e o s d o q u e
s o m o s n a r e a lid a d e . E n tã o , a o q u e se d ev eria a tr ib u ir a m a n u t e n ­
ção d a v a r ie d a d e e n tr e o s seres h u m a n o s ? E sse p o n t o tem a ver
co m a cu ltu ra . E m to d a s as su a s e x p r e s sõ e s h á sa lv a g u a rd a s g a r a n ­
tin d o ap reservação d a v a r ie d a d e . A m a is e v id e n t e d e t o d a s ela s
é r e p r e se n ta d a p ela p r o ib iç ã o u n iv e r sa l d o in c e s to (p a ra o c id a d ã o
c o m u m - m a s n e m s e m p r e a p lic á v e l à s fa m ília s r ea is). A p r o ib iç ã o
d o in c esto s ó fa z s e n t id o se e la fo i d e s ig n a d a a f im d e ev ita r a
d o m in a ç ã o das fê m e a s p e lo s m a c h o s id o so s, c o m o a c o n te c e (d ig a ­
m o s) n o s m a c a c o s a n tr o p ó id e s.
N a preocu pação co m a e sc o lh a do par, ta n to por p a rte do
m a ch o co m o da fêm ea , eu id e n tifico a c o n tin u a ç ã o d o eco da
fo r ç a e v o lu tiv a m a is p o d e r o sa , a tra v és d a q u a l e v o lu ím o s . T o d a
a q u e la tern u ra , a p r o r r o g a ç ã o d a h o r a d o c a s a m e n to e n c o n tr a d iç a
em to d a s as c u ltu ra s, são a exp ressão da im p o rtâ n cia que
a trib u ím o s ao d e sco b r im e n to de q u a lid a d e s o c u lta s n o par.
T raços u n iv ersa is que p erm eia m to d a s as cu ltu ra s são raros e
sig n ific a tiv o s. N ossa esp écie é cu ltu ra l; a ssim , a c r e d ito que a
a ten çã o sem p a ra lelo s por nós d ed ica d a à e sc o lh a sexual nos
a ju d o u a m o ld á -la .
A m a io r p a rte da lite r a tu r a m u n d ia l, a m a io r p a rte d a arte
m u n d ia l, é d e v o ta d a a o tem a d o h o m em e n c o n tr a n d o a m u lh e r ,
d e c r ia n ç a s a a d u lto s. N o s s a te n d ê n c ia é a d e to m a r ta l p r e o c u p a ­
ção co m o u m p r o b le m a d e a tr a ç ã o sex u a l q u e n ã o req u er e x p li­
cação. Para m im isso é u m e r r o . A o c o n tr á r io , e la e x p r im e o fa t o
203
m a is p r o fu n d o d e s e r m o s in c o m u m e n te z e lo so s n a e sc o lh a , n ã o U m a exp ressão da
igu a ld a d e
d e q u e m ir e m o s lev a r p a r a a c a m a , m a s , sim , d e c o m q u e g e r a r e m o s
g en era liza d a que
n o s s a p r o le . O s e x o f o i i n v e n t a d o p a r a se r v ir n a q u a lid a d e d e u m te m sid o
in str u m e n to b io ló g ic o p e la s (d ig a m o s) a lg a s v e r d e s . C o n t u d o , im p o rta n te na
e v o lu çã o d o h o m e m ,
co m o in str u m e n to u sa d o n a e sc a la d a d o h o m e m , e q u e é fu n d a ­ e universal e m
m e n ta l à su a e v o lu ç ã o cu ltu ra l, o s e x o fo i in v e n ta d o p e lo p r ó p r io to d a s as cu ltu ras.

406 h om em .
“ O C a s a m e n to " d e
M a r e C h a g a ll.
Geração Após Geração

A m o r e sp ir itu a l e a m o r carnal são in se p a r á v e is. Isso e stá d ito


em u m p o em a de J o h n D o n n e; e le o ch a m o u T h e E x ta s ie ( O
Ê x ta s e ), e d a s o it e n t a lin h a s e u e x tr a í o ito .

A ssim , c a la d o s, p e r m a n e c ía m o s
N a m e s m a a titu d e , o d ia to d o .

M a s, a i, p o r t a n t o t e m p o , n o s s o s c o r p o s ,
P o r q u e r e tê -lo s a ssim tã o d ista n tes?

E ste Ê x ta se d esfaz a a m b igü id ad e


(d is s e m o s ) e n o s rev ela o q u e a m a m o s .

O s m is t é r io s d o a m o r c r e s c e m n a a lm a
M a s é o c o r p o o liv ro e m q u e se tr a d u z e m .
L o u is P a s te u r d ita n d o p a ra
su a e s p o s a M a r ie , e m u m a ca sa
d e fé r ia s e m P o r t G is q u e t,
J a m e s e E l iz a b e th W a ts o n , em 1865.
t r ê s h o r a s a n te s d o c a s a m e n to ,
n a c a sa d o a u to r e m L a J o lia ,
C a lifó r n ia , 1 9 6 8 .

M a r ie C u r ie e s e u m a r id o P ie rr e .
Ludwig Boltzmann com sua esposa Henrietta em 1875.

M a x B o m , su a e s p o s a H e d w ig
e o filh o d o c a s a l e m fé ria s
e m u m a p r a ia , 1 9 2 5 .

204
A p r e o c u p a ç ã o c o m a e sco lh a d o
côn ju ge, tan to p or p a rte d o
h o m e m c o m o da m u lh er, m e
p a r e c e ser a c o n tin u a ç ã o d o e c o
d a p o d e r o s a fo r ç a seletiv a q u e
n o s f e z evo lu ir.
J o h n v o n N e u m a n n e s u a e s p o s a K la r a , 1 9 5 4 .
13 A LONGA INFÂNCIA

In ic io este m eu ú ltim o e n s a io n a Islâ n d ia p e lo fa to d e ser a se d e


da m a is a n tig a d e m o c r a c ia d o N o rte da E uropa. N o a n fite a tr o
n a tu r a l d e T h in g v e llir , q u e ja m a is r e c e b e u q u a lq u e r tip o d e c o n s ­
tr u ç ã o , t o d o a n o r e u n ia -s e o A llth in g d a Islâ n d ia (to d a a c o m u n i­
dade d o s n ó r d ic o s da Islâ n d ia ), a fim d e fa z e r e r e c e b e r leis. T a l
p rá tica d a ta d e 9 0 0 d .C ., a n te s d a c h e g a d a d o c r is tia n is m o , a u m
tem p o em q u e a C h in a a in d a era u m g ra n d e im p é r io , e a E u ro p a
o e s p ó lio d a s q u e r e la s e n tr e p r in c ip a d o s e b a r õ e s rap aces. T e m o s
de con cord ar ter sid o esse um co m eço ex tra o rd in á rio para a
p rá tica d e m o c r á tic a .
E n treta n to , há a lg o de m a is e x tra o rd in á rio sobre este lu g a r
b ru m oso e in c le m e n te . E u o e sc o lh i porque o fa zen d eiro , seu
a n tig o d o n o , foi c o n d e n a d o p o r ter m o r t o n ã o u m o u tro fazen ­
d eiro , m a s u m e sc r a v o . E isso é im p o r ta n te , u m a v ez q u e s a b e m o s
q u e e m c u ltu r a s escra v a g ista s a ju s tiç a r a r a m e n te era tã o im p a rcia l.
C o n tu d o , a ju stiç a está u n iv ersa lm en te p resen te em to d a s as
c u ltu r a s. É c o m o se e la f o s s e um a co rd a estica d a so b re a q u a l o
h o m e m tem d e a n d a r e q u ilib r a n d o , d e u m la d o , o d e se jo d e sa tis­
fa zer su a s a sp ira çõ es e, d o o u tro , a o b e d iê n c ia à su a r esp o n sa b i­
lid a d e so c ia l. N en h u m o u tro a n im a l tem de en fren tar um tal
d ile m a : u m a n im a l o u é so c ia l o u é so litá r io . A p e n a s o h o m e m
a sp ira a ser as d u a s c o isa s a o m e s m o te m p o , u m s o litá r io so c ia l.
P a ra m im , e ssa é u m a c a r a c te r ís tic a b io ló g ic a s u i g e n e r is , c o n s t i­
tu in d o o tip o de p r o b le m a q u e m e en v o lv e n o e stu d o d a e sp eci­
fic id a d e h u m a n a , e o q u a l pre te n d o d iscu tir.

P en sa r n a ju s tiç a c o m o r e p r e se n ta n d o u m a p a rte d o e q u ip a m e n to
b io ló g ic o d o h o m em p od e ser ch o ca n te, de certa form a. N o
en tan to, fo i exa tam en te o p en sam en to q ue. m e le v o u d a físic a à
b io lo g ia , e, desde o in íc io , m e fez c o m p r e e n d e r q u e a v id a do
h o m e m , s e u la r, é o lu g a r a d e q u a d o p a ra se e s tu d a r su a s in g u la r i­
d a d e b io ló g ic a .
2 05
T ra d ic io n a lm e n te , é n a tu r a l q u e a b io lo g ia seja a b o r d a d a de
A cim a de tu d o ,
n o s s a ci^ vilizaçã o um a m a n e ira d i f e r e n t e : i s t o é , a s e m e l h a n ç a e n t r e o h o m e m e os
adora o sím b o lo
a n i m a is é que a d o m in a . H á m u ito t e m p o , lá p e lo s id o s d e 2 0 0
d a cria n ça.
D a V i n c i : “A d .C ., C lá u d io G a le n o , o g ra n d e a u to r c lá ssico d a m e d ic in a , e stu ­
M adona das d o u , p or e x e m p lo , o a n te b r a ç o d o h o m e m . E c o m o o fez? D isse ­
R o c h a s ”. L o u v r e ,
P a ris . c a n d o o a n te b r a ço d e u m m a c a c o a n tr o p ó id e . T a l fo i a a b o r d a g e m 411
A Escalada do Homem

in ic ia l, e n e c e ssá r ia , u s a n d o -s e in d íc io s c o lh id o s e m a n im a is m u ito
a n tes d a teo ria d a e v o lu ç ã o tê -lo s ju stific a d o . A ssim , m e s m o n o s
d ia s d e h o je, o m a r a v ilh o so tra b a lh o d e K o n r a d L o r e n z so b r e o
c o m p o r ta m e n to a n im a l n o s in d u z , n a tu r a lm e n te , a b u sc a r p o n to s
c o m u n s e n t r e o p a t o , o tig r e e o h o m e m ; o u , d a m e s m a f o r m a , o s
estu d o s de B . F . S k in n er c o m o p o m b o e o r a to . T o d o s e le s n o s
d iz em a lg u m a c o isa a r e sp e ito d o h o m e m , m a s n ã o p o d em nos
d iz er tu d o . N ã o p o d e r ia ser d e o u tr a m a n e ira , p o r q u e , se o h o ­
m em não tiv e sse a lg u m a s q u a lid a d e s q u e lh e fo s s e m ú n ica s, o s
p a tos esta r ia m fazen d o c o n ferên cia s sobre L oren z e os rato s
e sc r e v e n d o tr a b a lh o s so b r e S k in n er.
M a s, n ã o fiq u e m o s a tir a n d o a e s m o . O c a v a lo e o c a v a le ir o tê m
em co m u m m u ita s c a r a c te r ístic a s a n a tô m ica s. E n treta n to , é a
c r ia tu r a h u m a n a que m o n ta o c a v a lo e n ã o o c o n tr á r io . E e ste é
u m e x e m p lo m u ito a p ro p ria d o , u m a vez q u e o h o m em não foi
c r ia d o para ca v a lg a r. N ão há n en h u m c ir c u ito d en tro de n osso
cérebro que n o s d eterm in e a m on tar u m ca v a lo . A n d a r a c a v a lo
é u m a in v e n ç ã o c o m p a r a tiv a m e n te r e c e n te , d a ta d e h á m e n o s d e
c in c o m il a n o s. N o en tan to, su a in flu ê n c ia e m n o ssa estru tu ra
so c ia l f o i im e n sa .
A p la stic id a d e do com p o rta m en to h u m an o torn ou p o ssív e l
essa p rá tica . E ssa p la stic id a d e é que n o s c a r a c te r iz a e m n ossas
in s titu iç õ e s s o c ia is , é c la r o , m a s , p a r a m im , e la se e n c o n t r a s o b r e ­
tu d o nos liv ro s, porque estes rep resen ta m o p ro d u to to ta l e
p erm a n en te dos in teresses d a m e n te h u m a n a . Para m im e le s se
a sse m e lh a m à m em ó ria de m eus p a is: Isaac N e w to n , o g ra n d e
h o m em d o m in a n d o a R o y a l S o c ie ty , n o in íc io d o s é c u lo X V II I
e W illia m B la k e, escrevendo S on gs o f In n ocen ce (C a n ç õ e s da
I n o c ê n c ia ) no fin a l do m esm o séc u lo . E les rep resen ta m d o is
a sp ectos de u m a m esm a m en te, e a m b o s são o que os b ió lo g o s
d o com p o rta m en to costu m a m d e n o m in a r “ e sp éc ie -e sp e c ífic a ” .
C o m o p o d e r ia e u e x p o r e sse p r o b le m a d e u m a m a n e ir a m a is
sim p le s? E scr e v i u m liv r o r e c e n te m e n te in titu la d o T h e I d e n tity
2 06
o f M a n (A I d e n tid a d e d o H o m e m ). S ó v i a c a p a d a e d iç ã o in g le sa Apenas o hom em
d e p o is d e o liv ro im p r e ss o . N o e n ta n to , o a rtista a p r e e n d e u c o m a sp ira ser as d u a s
coisas ao m e sm o
e x a tid ã o o q u e estava e m m in h a m e n te , a o c o m p o r a ca p a c o lo ­ tem po - um
can d o u m d esen h o d o cérebro ju n ta m en te co m a M o n a L is a , u m s o litá r io socia l.
O s d o z e d is c íp u lo s ,
sob re o o u tro . E m su a c o m p o s iç ã o , m o s tr o u o q u e o liv r o d iz ia . d e um a cru z d e
A sin g u la r id a d e d o h o m em está n o fa to , n ã o d ele ser c a p a z d e g r a n ito d o s é c u lo
IX , em M oone,
fa z e r c iê n c ia o u d e r e a liz a r tr a b a lh o s a r tís tic o s , m a s , s im , d a c iê n ­
C o u ty K ild a r e ,
412 c ia e d a a rte d e s e r e m e x p r e s s õ e s d e su a m a r a v ü h o s a p la s tic id a d e E ir e .
ie^EvV,’JaMH
V
* ê
5K*,zrr -
mtr/ yy,-t m* ê& *l1
êê '!
v jê JÊÊÊÊÊÊL^/W hLjêè

fi Á s
t C r .«f

Wt¥w£' Wm %
\ff-j O»
U **>\

■ ítfTyv 4^i|ç 1 . ^ ^ n t r r » ^ r ' { nH f '


.. 'v" - t(.
..r r fr f 'P tl/) )H [ vyw * b{ w A w á ;
- - (II'( ""o '♦ -« •te-, ,.4*' *• /

*»■ » t i * * » » * ^
r i à s *sr f
A vP | *<*'/ V -**f H í > 1
■■■■
-*vfv/yv ^ w/fr

w«'

t
^y-V JÍ/íí **3 £»

j fcjpf
tJ Ç jjfL j Sy k>/4~'<?rw ) i ■
,
'A É Ê t^ M " \ • » > »
jg O fQ - ^ n fft in )

V ' J * ■ • rtr r^V


* 1 W * 1 f > ' h iMf*f w
WrftV /T .
K L Z SZ n Z V , j T V i« lf ,J
ij ,
Wri'» • " / a / | , f ; (çj /> ujnf o-1'inp)'*
o
iíl**^***7}'* pf*s4h/r /Wjf tryffr /flH
■ 9 P t* fj "♦ >>*■ V/f / tiU''T
i*$/rn A \ j W rr %t M ll( ^ /vf trtf-ffw* > 9"f A ?rW ^f*V
,*o )/Vf f iv rr f \*rl)**r “f< » h > ^i* rr0 jn
< n r r f íi^ - iV ^ r n r fij f h f *
/ '•Z, / , « * ( ] - f . W » V * W w * ! " '/ ('>•>>* « * ' * A tÍ ^
»■ * /»Nf» «* ! s'v“—
- *1í» i ,
’i ' . . Y ' < /~
,?>!, V K f 4 0 '
..V ,

t i f í á w r t /" r ‘ ' f
" X £? a -í u M ’ « ' » » * • - m o f <« «•«
A Longa Infância

207 m e n ta l. N este co n tex to a M o n a L is a rep resen ta u m b o m e x e m ­


O cérebro e o p lo ; por q ue, a fin a l d e co n ta s, e m que co n sistiu o tra b a lh o d a
r e c é m - n a s c id o se
m a io r p a r te d a v id a d e d a V in c i? D e s e n h a r e s tu d o s a n a tô m ic o s ,
situ a m e x a t a m e n t e
o n d e a p la stic id a d e co m o n o caso da c r ia n ç a n o ú te r o m a te r n o , e x p o s t o n a C o le ç ã o
do com p ortam en to R eal em W in d so r . É no c é r e b r o e n a c r ia n ç a q u e se in ic ia a p la s ­
h u m a n o p rin cip ia.
A n o ta ç õ e s tic id a d e d o c o m p o r ta m e n to h u m a n o .
a n a tô m ic a s s o b re
o fe to h u m a n o p o r
L e o n a r d o d a V i n c i. D en tre as co isa s q u e p ossu o há u m a que m e é p a rticu la rm en te
cara: um m o ld e d o c r â n io d e u m a c r ia n ç a d e há d o is m ilh õ e s d e
a n o s , a c r ia n ç a d e T a u n g (v. p á g in a 2 9 ) . É c la r o q u e n ã o se tr a ta
exa tam cn tc dc um a c r ia n ç a . N o e n t a n t o , s e e la — eu sem pre a

208
O h o m e m é esp ecial
n ã o p o r q u e ele fa z
c iên cia, e e le é
esp ecial n ã o p o rq u e
f a z arte, m a s, sim ,
p o rq u e c iê n c ia e arte
são ig u a lm en te
exp ressõ es de sua
m a ra v ilh o sa
p la sticid a d e m e n ta l.
O a u to r e m s u a ca sa
c o m u m m o ld e d o
c râ n io d a c r ia n ç a
d e Taung.
U m e x e m p Ú lr d e s e u
liv r o " T h e I d e n t i t y
o fM a n " é v is to
so b re a m esa . L a
f o lia , C a lifó r n ia ,
1973.
415
A Escalada do Homem

c o n s id e r o u m a m e n in a — tiv e sse v iv id o o s u fic ie n te , p o d e r ia ter


sid o u m d e m e u s a n cestra is. O q u e d ife r e n c ia s e u p e q u e n o c é r e ­
bro do m eu? O tam an h o, se p e n s a r m o s d e fo r m a s im p lific a d a .
E s s e c é r e b r o , se e la tiv e ss e c h e g a d o à m a tu r id a d e , iria p e s a r e m
to r n o d e m e io q u ü o , ao passo q u e m eu céreb ro h u m a n o m é d io
a tu a l p esa p o u c o m e n o s d e u m q u ilo e m e io .
M as não esp erem que eu vá fa la r s o b r e as estru tu ras neu-
ra is, sobre a con d u ção u n id ir e c io n a l nas fib ra s nervosas, ou
m esm o sobre os cérebros a n tig o s e os recen tes, porque esses
t o d o s s ã o p o n t o s q u e n o s u n e m a o s o u tr o s a n im a is. F a la r e i, sim ,
a resp eito d o cérebro, m as n a q u ilo que o torn a e sp e c ífic o da
c r ia tu r a h u m a n a .
U m a p r im e ir a p e r g u n ta su rg e in e v ita v e lm e n te : o cérebro h u ­
m a n o é u m c o m p u ta d o r a p erfeiço a d o - ou u m c o m p u ta d o r m a is
c o m p lex o ? O s a rtista s e m p a rticu la r te n d e m a pensar n o céreb ro
co m o u m a esp écie de com p u ta d or. A ssim , no P o r tr a it o f D r.
B ron o w sk i ( R e tr a to d o D r. B r o n o w s k i), Terry D u rh am in c lu i
sím b o lo s e sp ec tr a is e de com p u ta ção , re v ela n d o a con cep çã o
que os a rtista s tê m d o c é r e b r o d o s c ie n tista s. C e r ta m e n te , essa
con cep çã o não é correta . F o sse o cérebro u m c o m p u t a d o r , e le
e sta r ia s o m e n te le v a n d o a c a b o u m c o n ju n to d e a çõ e s p ré-d eter-
m in a d a s e e m u m a s e q ü ê n c ia in fle x ív el.
À g u isa d e e x e m p lo , c o n sid e r e m o s o e x c e le n te e stu d o d o c o m ­
p o rta m en to a n im a l, d e s c r ito n a o b r a d o m e u a m ig o D a n Lehr-
m a n , so b re o a ca sa la m en to n o p o m b o (r in g -d o v e ). D e s d e q u e o
m a c h o a rru lh e e se in c lin e d e u m a m a n e ira a p r o p r ia d a , a fê m e a
e x p lo d e em e x c ita ç ã o , se c r e ta n d o h o r m ô n io s e r e a liz a n d o u m a
se q ü ê n c ia c o m p le ta d e c o m p o r ta m e n to s, q u e le v a m à c o n str u ç ã o
de u m n in h o p e r fe ito . A s a ç õ e s d ela sã o e x a ta s n o s d e ta lh e s e n a
ord em , em b ora n ão ten h a m s id o a p r e n d id a s e s e ja m in v a r iá v e is;
esses p o m b o s nunca m u d am o seu com p o rta m en to . N in g u é m
ja m a is d e u a e la u m c o n ju n to d e m a te r ia is p a r a q u e a p r e n d e ss e
a co n stru ir u m n in h o . N o en tan to, o h o m em nunca chegará a
c o n str u ir c o isa n en h u m a se em c r ia n ç a n ã o a p r e n d e r a b r in c a r
co m b lo c o s . D a í su rg ira m o P a r te n o n e o T a j-M a h a l, a c ú p u la d e
S u lta n iy eh e as T o rres d e W atts, o M a c h u P icch u e o P e n tá g o n o .
N ã o s o m o s c o m p u ta d o r e s se g u in d o ro tin a s im p ressa s n a in fâ n ­
c ia . S e f ô s s e m o s u m tip o d e m á q u in a , s e r ía m o s u m a m á q u in a d e
aprender, e n o sso a p r e n d iz a d o se fa ria e m á rea s e sp e c ífic a s d o
cérebro. A ssim , v em os que o cérebro fez m a is do qu e apenas
4 1 6 a u m e n ta r d e d u a s o u três v e z e s o seu ta m a n h o d u r a n te a e v o lu ç ã o .
2 09
A penas o h om em é
capaz de um a
p e r fe ita o p o s iç ã o
e n tr e p o le g a r e
in d ica d o r.
A lb r e c h t D ü rer,
“ A u t o - R e t r a t o "".

S eu crescim en to se d e u em áreas m u ito e sp e c ífic a s: o n d e está o


c o n tr o le das m ã o s , p o r e x e m p lo , o n d e a fa la é c o n tr o la d a , o n d e
há c o n tr o le da p rev isã o e d o p la n e ja m e n to d a s a çõ e s. P ed irei a
v o cês q u e as ex a m in em u m a por um a.

T o m e m o s a m ã o em p r im e ir o lu g a r. A e v o lu ç ã o recen te do h o ­
m em co m eça , certam en te, co m o a v a n ça d o d e se n v o lv im e n to d a
m ã o , e a sele ç ã o d e u m cér e b r o o q u a l é p a r ticu la rm en te a d a p ta d o
à c a p a c id a d e m a n ip u la tó r ia d e se n v o lv id a . E sse p ra zer, n ó s o se n ­
tim o s n a s a ç õ e s q u e p r a tic a m o s , d e tal fo r m a q u e a m ã o se to r n o u
o g r a n d e s ím b o lo p a r a o a rtista : a s m ã o s d o B u d h a , p o r e x e m p lo ,
tr a n sm itin d o aos h o m en s o d o m d a h u m a n id a d e em u m gesto
c a lm o , e x p r im in d o a a u sê n c ia d o m e d o . T a m b é m , p a ra o c ie u tista ,
reserva u m g esto esp ecia l: p o d em o s op or o p o le g a r a o s o u tr o s
dedos. B e m , m a s os a n tro p ó id e s o fa z e m ig u a lm e n te . N ã o ig u a l­
m e n te . A o p o s iç ã o p e r fe ita d o p o le g a r c o n tr a o d e d o in d ic a d o r é
u m a c a r a c te r ís tic a ú n ic a d o h o m e m . E e sse a to p o d e ser r e a liz a d o
p o rq u e há n o céreb ro u m a área tã o gran d e q u e só p od erei d escre­
v ê-la da seg u in te m a n eira : há m a is m a té r ia c in z e n ta cerebral
a lo ca d a a o c o n tr o le d o p o le g a r d o q u e a r e serv a d a a o c o n tr o le d o
tóra x e d o a b d o m e ju n to s.
L em b ro -m e de m in h a a d m ira çã o , de jo v em p a i, debruçado
sobre o b erço d e m in h a p r im e ir a filh a , q u a n d o e la c o n ta v a n ã o
m a is d e q u a tro o u c in c o d ia s. P e n sa v a : “ E s se s d e d in h o s m a r a v i- 417
2 1 0
A fêm ea ex p lo d e em
excitam en to, en tão
e la realiza u m a
seq u ê n c ia d e a to s
q u e lev a m à
con stru ção de um
n in h o p erfeito .
A pom b a tece
seu n in h o
a u tom atica m en te.
D u ran te a corte e a
con stru ção do
n in h o o m a ch o é
um a fon te de
e s t ím u lo s v isu a is e
a u d itiv o s.
D a n ie l L e h rm a n e m
u m a a u la s o b r e o
c o m p o r ta m e n to
sex u a l d o p o m b o ,
m in is tr a d o n o
I n s titu to S a lk e m
fe v e r e ir o d e 1 9 6 7
f c ü £ * t >*''{*

« P » > ^ t >' i *

F * 11

N- M j -ÍP Sy

%
A Longa Infância

lh o s o s , p e r fe ito s e m c a d a ju n ta , a té as u n h a s. N e m se m e d essem
u m m ilh ã o d e a n o s d e p r á tic a e u o s te r ia p la n e ja d o c o m tan to
d e ta lh e ” . M as, n o e n ta n to , fo ra m ex a ta m en te u m m ilh ã o d e a n o s
que g a stei, u m m ilh ã o d e a n o s q u e g a sto u a h u m a n id a d e , para a
m ã o c h e g a r a d ir ig ir o c é r e b r o , o c é r e b r o r e tr o a lim e n ta r a m ã o e
a m b o s a lc a n ça r e m o p resen te e stá g io d e e v o lu ç ã o . E tu d o isso
o co rren d o em u m a reg iã o m u ito e sp e c ífic a d o c é reb ro . T o d o s os
m o v im e n to s d a m ã o sã o c o n tr o la d o s e sse n c ia lm e n te p o r u m a p a r­
te d o c é r e b r o q u e p o d e ser id e n tifica d a p e r to d o to p o d a ca b eç a .

T o m e m o s a go ra u m a o u tr a área, e sp e c ific a m e n te h u m a n a e n ã o
en con tra d a em n en h u m a o u tr a e s p é c ie a n im a l: a d o c o n tr o le d a
fa la . T a l c o n tr o le e s tá lo c a liz a d o e m d u a s á rea s in ter c o n e c ta d a s
d o cérebro h u m an o ; um a d ela s p r ó x im a a o c e n tr o d a a u d iç ã o e
a o u tr a m a is à fr e n te d e s ta e p a ra c im a , n o p ó lo fr o n ta l. E sta r ia m
seus m e c a n ism o s p ré-esta m p a d o s em seu s c ir c u ito s n e u r a is? S im ,
em u m c e r t o s e n tid o , u m a v e z q u e se o s c e n tr o s d a fa la fo r e m
lesa d o s, essa a tiv id a d e se to r n a im p o s s ív e l. C o n t u d o , e la te m de
s e r a p r e n d id a , n ã o ? É c la r o q u e sim . E s to u fa la n d o in g lê s, lín g u a
que só v im a a p r e n d e r a o s tr e z e a n o s ; m a s e u n ã o p o d e r ia fa la r
in g lê s se a n te s n ã o tiv e ss e a p r e n d id o u m a lin g u a g e m . S e u m a c r i­
a n ç a f o r d e ix a d a s e m a p r e n d e r a fa la r a té o s tr e z e a n o s, e n t ã o e la
será p ra tic a m e n te in c a p a z d e a p r e n d e r q u a lq u e r lin g u a g e m . E u
fa lo in g lê s p o r ter a p r e n d id o p o lo n ê s a o s d o is a n o s. E m b o r a te n h a
e s q u e c i d o p r a t i c a m e n t e t u d o d o p o l o n ê s , a p r e n d i u m a lin g u a g e m .
O m esm o a co n tece com o u tro s d o n s q u e o céreb ro h u m a n o tem
a p o te n c ia lid a d e d e a p ren d er.
A s á r e a s d a fa la s ã o sin g u la r e s e m u m a o u tra m a n eira , q u e é
p e c u lia r ao h o m em . V o cês sab em q u e o cérebro h u m a n o não
a p resen ta sim e tr ia e n tr e as su as d u as m e ta d e s o u h em isfério s. A
p ro v a d isso n o s é fa m ilia r , p o s t o q u e, d ifer e n te m e n te d e o u tro s
a n im a is, o h o m em é m a rcad a m en te d estro o u can h oto . A fa la
211 ta m b ém é c o n tr o la d a por apenas um h e m is fé r io c en tra l, m a s o
A m enos que a
cria n ça a p ren d a a la d o n ã o v a r ia . Q u e r s e j a m o s d e s tr o s o u c a n h o t o s o c o n t r o le d a
a ju sta r c o n ju n to s fa la se lo c a liz a q u a se q u e e x c lu s iv a m e n te n o h e m is fé r io e s q u e r d o .
d e b lo c o s , o ser
h u m a n o n ã o será H á e x c e ç õ e s , é c la r o , d a m e s m a fo r m a q u e a lg u m a s p e s so a s tê m
ca p a z d e con stru ir seus corações lo c a liz a d o s n o la d o d ir eito , m a s as e x c e ç õ e s sã o
co isa a lg u m a .
rara s: a s á rea s d e fa la p o d e m , a ssim , ser c o n s id e r a d a s c o m o e s ta n ­
O a u to r e m
G r a n tc h e s te r , d o n a m e t a d e e s q u e r d a d o c é r e b r o . E o q u e e sta r ia n a s á rea s c o r ­
C a m b r id g e , c o m resp o n d en tes da m eta d e d ireita ? A té agora a in d a não áabem os
seu n e to D a n ie l
B r u n o J a r d in e . c o m p r e c isã o . N ã o s a b e m o s e x a ta m e n te q u a l é a fu n ç ã o das á rea s 421
A Longa Infância

cereb ra is d o h e m isfé r io d ir e ito , c o r r e s p o n d e n t e s à s á r e a s d a fa la


n o h em isfé r io esq u erd o. E n treta n to , h á in d ic a ç õ e s d e q u e ela s
tr a n sfo rm a ria m a im a g em b id im e n sio n a l d o m u n d o p ro jeta d a na
r e tin a d o o lh o em um a im a g em com p r o fu n d id a d e , is to é, tr id i­
m e n sio n a l. S e isso fo r c o r r e to , e n tã o , e m m in h a m a n eira d e ver,
e sta r ia c la r o q u e a lin g u a g e m é ta m b ém u m a fo r m a d e o rg a n iz a r
o m u n d o em su a s p a r te s, o u c o n s tr u í-lo p o r c o m b in a ç ã o d e p a la ­
vras, c o m o se e sta s fo s s e m im a g e n s m ó v eis.

A o r g a n iz a ç ã o d a e x p e r iê n c ia a tin g e u m lo n g o a lc a n ce n o h o m e m ,
e seus m e c a n ism o s se a lo ja m n a te r c e ir a á re a d e e s p e c ific id a d e
h u m an a d o cérebro. A o r g a n iz a ç ã o d a a tiv id a d e s u p e r io r d o h o ­
m em se lo c a liz a n o s lo b o s fr o n ta is e p r é -fr o n ta is. E u , ig u a lm e n te
2 1 2 a to d o s o s o u tr o s h o m e n s , te n h o a fr o n te a lta e a testa a r r e d o n ­
A e v o lu çã o recen te
dada, o q u e n ós dá u m p r e te n s o ar in te le c tu a l. M a s a c r ia n ç a d e
do hom em
com eça com o T au n g n ã o a p r e s e n ta essa c a r a c te r ístic a . S e u c r â n io n ã o p o d e ser
d esen v o lv im en to c o n fu n d id o c o m o d e u m a c r ia n ç a q u e m o r r e u e se fo s s iliz o u ; h á
precoce da m ão e de
u m cérebro u m grande co n tra ste en tre os d o is, e v id e n te n a fro n te cu rta e
p a rticu larm en te in c lin a d a d o fó ssil.
ad ap tad o a
com andar a E x a ta m e n te , q u a l é e n tã o a fu n ç ã o d esses g ra n d es lo b o s fro n ­
a tiv id a d e ta is? E la s p o d e m se r v á r ia s, m a s n e n h u m a d e la s m u it o e s p e c íf ic a
m a n ip u la tó ria da
o u im p o r t a n t e s p o r si s ó . E la s n o s p e r m it e m p la n e ja r a ç õ e s fu tu r a s
m ã o . C o n sid e r e ^ e
e m seg u id a u m a área e esp era r p o r r e c o m p e n sa s. E x p e r im e n to s lin d o s fo r a m r e a liz a d o s
e sp ecifica m en te
por W a lter H u n te r s o b r e e ssa c a p a c id a d e d e r e sp o s ta r e ta r d a d a ,
hum ana que não
e x is te e m q u a lq u e r em to rn o de 1 9 1 0 , o s q u a is fo r a m r e fin a d o s p o ste r io r m e n te p o r
o u tro cérebro J acob sen na d écad a de 1 9 3 0 . O que H u n ter fe z fo i o seg u in te :
d e a n im a l: a á re a d a
fala. E sta se lo c a liz a to m a v a u m a recom p en sa q u a lq u e r , m o stra v a ao a n im a l, e, e m
e m d u a s áreas se g u id a , a e sc o n d ia . O s r e su lta d o s e n c o n tr a d o s n o a n im a l p r e d i­
in tercon ectad as do
leto d o s la b o r a tó rio s, o rato , fo ra m típ ic o s. M o str a d a a r e c o m ­
cérebro hum ano;
u m a ju n to a o cen tro pensa p o ste r io r m e n te e sc o n d id a , q u a n d o lib e r to , im e d ia ta m e n te
da a u d içã o e a
e le a e n c o n tr a s e m d ific u ld a d e . E n tr e ta n to , se o r a to fo r m a n tid o
o u tra m a is
a n terion n en te, n o esp eran d o por a lg u n s m in u to s , e n tã o e le n ã o sa b erá e sc o lh er o
lo b o fro n ta l. c a m in h o q u e o lev a ria à r e c o m p e n s a .
D ia g r a m a d o á re a
m o to r a d o c é r e b r o E v id e n te m e n te , c r ia n ç a s a g e m d ife r e n te m e n te . H u n te r r e a liz o u
h u m a n o , m o s tr a n d o o m esm o tip o d e ex p erim en to com c r ia n ç a s, e o r e su lta d o era o
a p r e d o m in â n c ia d o s
m e s m o , se c r ia n ç a s d e c in c o ou seis a n o s e s p e r a s s e m a lg u n s m i­
á re a s r e s p o n s á v e is
p e la a tiv id o d e n u to s, m e ia h o ra o u m e s m o u m a h o ra. U m a das g arota s d o e x p e ­
m a n ip u la tó r ia d o s
r im e n to de H u n ter, q u e e le ten ta v a en treter co m h istó r ia s,
m ã o s e a s á reas d e
W e m ic k e e d e B r o c a en q u a n to d e ix a v a tran scorrer o tem p o program ad o, d e p o is d e
- á re a s d o fa la - , v á r io s m in u to s de con versa fez a seg u in te o b serv a çã o : “ S a b e, eu
n o h e m is fé r io
esq u erd o . a c h o q u e v o c ê está a p en a s te n ta n d o m e fazer e sq u e c er ” . 423
A Escalada do Homem

A h a b ü id a d e d e p la n eja r a ç õ e s n o fu tu r o , p a r a as q u a is a r e c o m ­
p e n sa e stá m u ito d ista n c ia d a n o te m p o , a p a r e c e c o m o e la b o r a ç ã o
d a resp o sta retard a d a, e o s so c ió lo g o s a c h a m a m “ p o sterga m en to
d a g r a tific a ç ã o ” . T r a ta -se d e u m a c a r a c te r ístic a fu n d a m e n ta l d o
cérebro h u m an o , sem n en h u m e q u iv a le n te , m e s m o ru d im en ta r,
nos o u tro s a n im a is, a não ser a q u e le s m a is a v a n ç a d o s n a lin h a
e v o lu tiv a ; é o c a s o d o s n o s s o s p r im o s, o s p r im a ta s n ã o -h u m a n o s.
E sse d e s e n v o lv im e n to h u m a n o s ig n ific a q u e n o ss a e d u c a ç ã o p r e ­
coce tem a ver d e fato c o m o a d ia n ta m e n to d e d e c isõ e s. N o t e m
que esto u d iv e r g in d o u m p o u co d o s s o c ió lo g o s . N ó s te m o s d e
a d ia r o processo d e to m a r d e c isõ e s, d e m o d o a p o d e r a cu m u la r
c o n h e c im e n to s, a fim de nos prepararm os para o fu tu ro . E ssa
a fir m a ç ã o p od e lh es parecer su rp reen d en te; no en tan to, e la
e n cerra o sig n ific a d o d a in fâ n c ia , d a a d o le sc ê n c ia e ta m b é m da
ju v en tu d e.
D e s e jo , a g o ra , dar u m a g ra n d e ê n fa se , d ra m a tiza r m e s m o , a o
a d ia m e n to d e d e c is õ e s — e e ste te r m o t e m d e ser to m a d o e m seu
s e n t id o lite r a l. Q u a l é o m a io r d r a m a d a l ín g u a in g le s a ? É H a m le t.
E a p eça , d o q u e tra ta ? C o n ta a h istó r ia d e u m j o v e m — u m g aroto
— e n f r e n t a n d o a p r im e ir a g r a n d e d e c is ã o d e su a v id a . U m a d e c i­
são a lé m d e su a c a p a c id a d e : m a ta r o a s s a s s in o d e seu p a i. D e n a d a
a d ia n ta a in stig a ç ã o d o E s p e c tr o : “ V in g a n ç a ! V in g a n ç a !” . O fa to
é q u e H a m le t, s e n d o a d o le s c e n te , a in d a n ã o a d q u ir ir a m a tu r id a d e .
I n te le c tu a l e e m o c io n a lm e n t e a in d a n ã o e s t a v a m a d u r o p a r a p o d e r
r e a liz a r o a to q u e d e le se e x ig ia . A p e ç a to d a é u m a s e q ü ê n c ia s e m
fim de a d ia m e n to s de d e c isõ es, en q u a n to H a m le t lu ta c o n sig o
m esm o.
O p o n to a lto d a p e ç a v a m o s e n c o n tr á -lo n o m e io d o te r c e ir o
a to . H a m le t o b se r v a o R ei e n q u a n to este reza. A d isp o siçã o d o
c e n á r io é d e ix a d a d e ta l fo r m a in d e fin id a q u e e le p o d e r ia m e s m o
o u v ir as p r e c e s d o R e i, e n e la s a c o n fis s ã o d o c r im e . E o q u e d iz
H a m le t? “ S im , a go ra te n h o d e fa zê-lo — p r o n to !” M a s n ã o o faz;
sim p le sm e n te n ã o está p rep a rad o para u m a to d essa m a g n itu d e
em su a a d o le sc ê n c ia . A ssim , n o fin a l d a p e ç a , H a m le t é a ssa ssi­
n a d o . E n tr e ta n to , a tr a g é d ia n ã o e stá n a m o r te d e H a m le t; está
n o fa to d e e le m o r r e r e x a t a m e n t e n o m o m e n t o e m q u e está p re­
p a r a d o p a r a s e t o r n a r u m g r a n d e r e i.

N o h o m e m , o céreb ro, a n tes d e ser u m in str u m e n to d e a çã o, te m


d e ser u m in str u m e n to d e p rep a ra çã o . N e sse p r o c e sso sã o en v o l-
4 2 4 v id a s á rea s b a sta n te e s p e c ífic a s ; p o r e x e m p lo , o s lo b o s fr o n ta is
A Longa Infância

n ão p o d em ter s o fr id o le s õ e s . E n tr e ta n to , m u it o m a is im p o r ta n te
é o lo n g o p e r ío d o d e p r e p a r a ç ã o tr a n sc o r r id o d u r a n te a in fâ n cia
d a e sp éc ie h u m a n a .
E m lin g u a g e m c ie n tífic a s o m o s n e o tê n ic o s ; is to é, a in d a g u a r ­
d a m o s c a r a c te r ístic a s e m b r io n á r ia s a o n a scer. E ssa c a r a c te r ístic a
ta lv e z seja a r e sp o n s á v e l p e lo fa to d e n o ss a c iv iliz a ç ã o , n o ss a c iv i­
liz a ç ã o c ie n t íf ic a , p r e fe r ir , s o b r e to d o s os o u tro s, o sím b o lo da
c r ia n ç a . N o ta m o s essa ten d ên cia desde a R en ascen ça: o C risto
m en in o p in ta d o p o r R a fa e l e r e c r ia d o p o r B la ise P a sc a l; o j o v e m
M o z a r t e G a u ss; as c r ia n ç a s d e J e a n -J a c q u e s R o u s s e a u e C h a rles
D ick en s. Q ue ou tra s c iv iliz a ç õ e s p u d essem ser d ifer e n te s ja m a is
h a v ia p assado p ela m in h a cabeça; m as a co n teceu de eu v ia ja r
para m u ito lo n g e, sa in d o d a C a lifó r n ia e n a v e g a n d o n a d ir eç ã o
S u l, n o P a c íf ic o , a té e n c o n t r a r a I lh a d a P á s c o a , e a q u i ser s u r ­
p r e e n d id o p o r u m a d ife r e n ç a h istó r ic a .
É m u ito fr eq ü en te a in v en çã o d e u to p ia s p o r p a r te d e a lg u n s
v isio n á r io s: P la tã o , S ir T h o m a s M o r e , H . G . W e lls. N e s s a s , a c a le n ­
ta -se a e sp e r a n ç a d e q u e a im a g e m h e r ó ic a d u r e , c o m o d isse H itler,
por m ilh a r e s d e a n o s. M a s, n a r e a lid a d e , as im a g e n s h e r ó ic a s a c a ­
b am m a is se a s s e m e lh a n d o à s fig u r a s r ú stic a s, in e r m e s d a s fa c e s
a n c e s tr a is d a s e s tá tu a s d a Ilh a d a P á s c o a — v e ja m q u e e la s a té se
parecem com M u sso lin i! M e s m o e m te r m o s b io ló g ic o s essa r ep re­
sen tação não retra ta a e ssê n c ia d a p e r so n a lid a d e h u m a n a . B io lo ­
g ic a m e n te o ser h u m a n o é m u tá v e l, se n sív e l, p lá stic o , a d a p ta d o
a d ife r e n te s a m b ie n te s , e n ã o e s tá tic o . A v e r d a d e ir a v isã o d o ser
h u m a n o está rep resen ta d a no m istério d a in fâ n c ia , n a V ir g e m e
o M e n in o , na S a g r a d a F a m ília .
Q u a n d o g aroto , em m in h a a d o le sc ê n c ia , c o stu m a v a , n as ta rd es
de sábado, a n d a r d a E x tr e m id a d e L este d e L o n d r e s a té o M u se u
B r itâ n ic o , s o m e n te p a ra c o n te m p la r o ú n ic o e x e m p la r d e e stá tu a
da Ilh a d a P á s c o a q u e, d e a lg u m a fo rm a , a ca b a ra d e n tr o d o M u ­
seu . A ssim , v o c ê s p o d e m a v a lia r m e u in t c r e s s e p o r e ssa s a n tig a s
fa c e s a n c e s tr a is. N o e n t a n t o , n o fin a l d a s c o n ta s , to d a s e la s ju n ta s
n ão ch egam a ter o v a lo r d a fa c e r e c h o n c h u d a de u m a c r ia n ç a .
E m b ora ten h a m e d esv ia d o d o n osso a ssu n to ao fazer essas
c o n sid e r a ç õ es a re sp e ito da Ilh a d a P á s c o a , o fiz c o m p r o p ó sito .
C o n sid e r e m , por e x e m p lo , o in v e stim e n to en orm e d e sp e n d id o
p ela e v o lu ç ã o a té c h e g a r a p r o d u z ir o c é r e b r o d e u m a c r ia n ç a .
M eu cérebro pesa cerca de m il tr e z e n ta s e c in q ü e n ta g ra m a s e
m e u c o r p o c e r c a d e p e lo m e n o s c in q ü e n t a v e z e s m a is d o q u e isso .
E n treta n to , a o nascer, m eu c o r p o era u m m e r o a p ê n d ic e d a ca b e- 425
A Escalada do Homem
213
ça; p e sa v a a p e n a s c in c o o u seis v e z e s m a is d o q u e o c é r e b r o . E s se A im a g e m d o a d u lto
b rilh a n o s o lh o s d a s
en orm e p o te n c ia l tem sid o g r o sse ir a m e n te n e g lig e n c ia d o p ela
cria n ças; e la s
m a io r p a r te d a h istó r ia d a s c iv iliz a ç õ e s. N a r e a lid a d e , a in fâ n c ia c o p ia m a té suas
m a is lo n g a tem s id o d estas m esm as, d as c iv ü iz a ç õ e s, te n ta n d o m a n eira s d e andar.
U z b e k i, p a i e filh o ,
a p r e n d e r o sig n ific a d o d a q u e la . d u r a n te u m
D e m o d o g er a l, à s c r ia n ç a s te m -s e p e d id o q u e i m it e m sim p le s­ in te r v a lo d o B u z
K a sh i, n a p la n íc ie
m e n te a im a g em d o s a d u lto s . V ia j a m o s c o m o s b a k h tia r i d a P é r sia d e M o z a r -i-S h a r if
e n q u a n to r e a liz a v a m a m ig r a ç ã o d a p r im a v e r a . E les se a s s e m e lh a m , n o A fg a n istã o .
tan to q u a n to seria p o s s ív è l, a q u a lq u e r o u t r o p o v o s o b r e v iv e n te
d e v id a n ô m a d e em ex tin ç ã o , e m c o s tu m e s v ig e n te s h á d e z m il
a n o s p a ssa d o s. O f e n ô m e n o e stá c la r a m e n te p r e se n te e m to d a s as
m a n ife s ta ç õ e s d essa c iv iliz a ç ã o u ltra p a ssa d a : a im a g e m d o a d u lto
b r ilh a n d o n o s o lh o s d a s c r ia n ç a s. A s m e n in a s s ã o p e q u e n a s m ã e s
em d e s e n v o lv im e n to . O s m e n in o s se c o m p o r t a m tal e q u a l p e q u e ­
n o s p a s to r e s . M e s m o e m su a s m a n e ir a s d e a n d a r c o p ia m a d o s p a is.
A Longa Infância

A H istó ria , e v id e n te m e n te , n ã o se c o n g e lo u n o p e r ío d o m ed ia n o
en tre o n o m a d is m o e o R e n a s c im e n to . A e sc a la d a d o h o m e m ja ­
m a is se in te r r o m p e u . N o e n ta n to , a e sc a la d a d o j o v e m , a e sc a la d a
d o ta le n to , a e sc a la d a d a im a g in a ç ã o ; e sta s sim , fo r a m , p o r m u ita s
v e z e s , r e p r im id a s n a q u e le in ter v a lo .
G randes c iv iliz a ç õ e s e x istir a m , c e r ta m e n te . N ã o seria e u que
iria d e n e g r ir a s c iv iliz a ç õ e s d o E g it o , d a C h in a , d a í n d ia , e m e s m o
da E u r o p a n a I d a d e M é d ia . C o n tu d o , to d a s e la s fa lh a r a m em u m
p o n to: lim it a r a m a lib erd a d e d e im a g in a ç ã o d o sjo v e n s . R e p r e se n ­
tam c u ltu r a s e stá tic a s, c u ltu r a s d e m in o r ia s. E stá tic a s p o r q u e o
filh o im ita v a o pai e e ste o a v ô . D e m in o r ia s p o r q u e a p e n a s u m a
ín fim a p a rte d o ta len to to ta l da h u m a n id a d e era a p r o v e ita d o ;
a p r e n d e r a ler, a p r e n d e r a e sc r e v e r , a p r e n d e r u m a o u tr a lín g u a , e
e n t ã o su b ir a m o r o s a e sc a la d a d a p r o m o ç ã o .
N a I d a d e M é d ia a e sc a d a d a p r o m o ç ã o p a ssa v a p e la Igreja; n ã o
h a v ia ou tro c a m in h o à e sc o lh a d e u m jo v e m in te lig e n te e p o b r e .
N o fin a l d a e s c a d a , n o ú l t im o d e g r a u , h a v ia s e m p r e a r e c o m e n d a ­
ção da im a g e m d o íc o n e d a d iv in d a d e : “ A g o r a a tin g iste o d e r r a ­
d e iro m a n d a m e n to : n ã o q u e stio n a r á s” .
E rasm o de R o te r d a m , p or e x e m p lo , v en d o -se ó rfã o em 1 48 0,
te v e d e s e p r e p a r a r p a r a a c a r r e ir a e c le s iá stic a . O s r itu a is d e e n t ã o
eram tã o lin d o s c o m o o sã o a tu a lm e n te . O p r ó p r io E r a sm o d e v e
ter to m a d o p a rte na co m o v en te M issa C u m G iu b ila te d o s é c u lo

2 14
P ara E r a s m u s, a v id a
de m o n g e era um a
p o rta de ferro
fech ad a ao
c o n h e c im e n to . S ó
d e p o is d e ler o s
clá ssico s é q u e o
m u n d o se a b riu
p a ra ele.
D e s id e r iu s E r a s m u s :
r e tr a to d e Q u e n tin
M e ts y s , 1 5 3 0 ,
G a le r ia N a c io n a l ,
R om a.
427
A N D R E aE v e s a l i i
m S H l H k i l l , S C H O L AH
inv «J.. o ram I 'm u n ia- prolclT oru/uorum dc
H u n u iii corporu. fábrica librorum
E P l T O M E.

L r. c: T O R 1.

A
B A 5 I L E AE.

X I V , a q u a l e u a ssisti e m u m a ig r e ja a in d a m a is a n tig a , S a n P ie tr o ,
em G r o p in a . E n tr e ta n to , p ara E r a sm o , a v id a d e m o n g e era c o m o
que um a p o rta d e ferro fech a d a a o c o n h e c im e n to . S o m e n te d e ­
p o is de, d esob ed ecen d o as o r d e n s, ter lid o o s c lá ss ic o s é q u e o
m u n d o se r e v e lo u a e le . “ U m h e r é tic o e sc r e v e u esta s c o isa s p ara
h e r é t ic o s ” d iss e e le , “ n o e n t a n t o , e la s r e v e la m ju s tiç a , s a n tid a d e ,
verd ad e” . E eu m al p osso m e c o n te r d e d izer “ S a n to S ó c r a te s,
orai p or m im !” .
E rasm o fe z d u a s a m iz a d e s só lid a s e d u r a d o u r a s, u m a n a In g la ­
terra co m S ir T h o m a s M ore, e a ou tra na S u íça com Joh an n
F r o b e n iu s. D e M o r e , r e c e b e u a q u ilo q u e e u m e s m o r e c e b i q u a n d o
ch egu ei à In g la te r r a : o sen tim e n to d o p ra zer d e c o n v iv er c o m
m en tes c iv iliz a d a s. C o m F ro b en iu s, apren deu o sig n ific a d o d o
p o d e r d o liv r o im p r e s s o . F r o b e n iu s e s u a f a m ília e r a m os grandes
4 2 8 e d ito r e s d o s c lá ss ic o s e m 1 5 0 0 , in c lu in d o c lá ss ic o s d a m e d ic in a .
A Longa Infância

2 15 S u a e d iç ã o d o s tra b a lh o s de H ip ó c r a te s é, em m in h a o p in iã o , u m
A d em o cracia d o
d o s liv ro s m a is lin d o s ja m a is im p r e ss o , n o q u a l a fe lic id a d e d a p a i­
in telecto apareceu
c o m o livro x ã o d o im p r e sso r se rev ela tã o p o d e r o s a q u a n to o c o n h e c im e n to .
im presso. A
O qu e s ig n ific a m e s s e s tr ê s h o m e n s e s e u s liv ro s? - o s trab a ­
felicid a d e d a p a ix ã o
d o im p r e s s o r se lh o s d e H ip ó c r a te s , a U to p ia d e M o r e e O E lo g io d a L o u c u r a d e
revela tã o p o d e r o s a E rasm o ? P ara m im rep resen ta m a d e m o c r a c ia d o in tele c to ; e essa
quan to o
c o n h e c im e n to . é a r a z ã o p e la q u a l E r a s m o , F r o b e n iu s e S ir T h o m a s M o r e p e r m a ­
U m tr a b a lh o d e n ecem em m in h a m e n te c o m o m a r c o s g ig a n te sc o s d e ssa é p o c a . A
E rasm u s e a
A n a to m ia d e d e m o cra cia do in tele c to foi gerada co m o liv ro im p r e s s o , e o s
V e s a l iu s , a m b o s p r o b le m a s p o r e la c r ia d o s e m 1 5 0 0 p e r siste m a in d a h o je na b a se
im p r e s s o s n a
das nossas a g ita çõ es e stu d a n tis. Por que m orreu S ir T h o m a s
B a s i lé i a .
M ore? P orque seu rei o c o n sid e r o u u m d e te n to r d o p o d er. M as,
a fin a l, q u a l era a a sp ir a ç ã o d e M o r e , e a d e E r a sm o o u a d e q u a l­
q u er in tele c to forte, sen ã o a d e ser u m g u a r d iã o d a in teg r id a d e ?

O c o n flito en tre a lid e r a n ç a in telectu a l e a a u to r id a d e c iv il se


perde no tem p o . Q uão a n tig o e am argo e le se m e ap resen to u
q u a n d o , v in d o d e J e r ic ó , p e la m e s m a e str a d a tr ilh a d a p o r J esu s,
d iv isei, n o h o r iz o n te , o s p r im e ir o ss in a is d e J e r u sa lé m , d a m e s m a
form a que deve ter a c o n te c id o a E le n o c a m in h o d e su a m o r te .
M o r te , p o r q u e J e s u s era e n tã o o líd e r in te le c tu a l e m o r a l d e seu
p o v o , m as en fren tan d o u m p o d e r c o n s titu íd o d e tal m a n e ira q u e
a r e lig iã o se torn a ra apenas u m in str u m e n to d o governo. E ssa
c r ise d e c is ó r ia f o i r e it e r a d a m e n t e o p r o b le m a c e n tr a l n a v id a d o s
líd e r e s: S ó cra tes em A te n a s ; J o n a th a n S w ift n a Irla n d a , lu ta n d o
e n tr e a p ie d a d e e a a m b iç ã o ; M a h a tm a G a n d h i n a Ín d ia ; e A lb e r t
E in s te in a o r e c u s a r a p r e s id ê n c ia d o E s t a d o d e Isra el.
M e n c io n o o n o m e d e E in s te in d e lib e r a d a m e n t e p o r q u e e le er a
u m c ie n tista , e e ste s c o n s titu e m a lid e r a n ç a in te le c tu a l d o sé c u lo
X X . E sse fato gera u m p r o b le m a g ra ve, p o r q u e a c iê n c ia ta m b é m
é u m a fo n te d e p o d e r q u e c a m in h a p r ó x im a a o g o v e r n o , e a q u a l
este te n ta d o m in a r . M a s, se a c iê n c ia se p e r m itir c a m in h a r n e ssa
d ireçã o , as a sp ir a ç õ es d o sécu lo X X v ã o se esb o r o a r e m u m a farsa
d e c in is m o s. N ã o n o s d e v e m o s p e r m itir a lim e n ta r n e n h u m a c r e n ­
ça, u m a v e z q u e c r e n ç a a lg u m a p o d e ser c o n str u íd a n e ste sé c u lo ,
a n ão ser q u e e ste ja b a se a d a n a c iê n c ia , n a fo r m a d e u m tá cito
rec o n h ec im e n to d a p e c u lia r id a d e h u m a n a , e n o o rg u lh o d e seu s
d o n s e r e a liz a ç õ e s. A c iê n c ia não cab e h erdar a T erra, m a s, sun,
h erd a r a im a g in a ç ã o m o ra l; p o is, s e m isso , p e r e c e r ã o o h o m e m ,
su a s c r e n ç a s e su a c iê n c ia . 4 29
216
O c o n n i t o e n t r e a lid e r a n ç a in t e le c t u a l e a a u t o r id a d e se p e r d e n o
te m p o . Q u ã o a n tig o e a m a r g o ele se m e a p r e se n to u q u a n d o ,
v in d o d e J r r ic ó , p ela m e s m a e str a d a trilh ad a p o r J esu s, d iv ise i, n o
h o r iz o n t e , o s n r im e ir o s sin a is d e J er u sa lé m .
V i .t u p a n o r â m i c a d a c i d a d e v e l h a d e J e r u s a l é m , I s r a e l .
A Escalada do Homem

217
D e v o tra z e r essa s id é ia s p a ra u m a r e a lid a d e c o n c r e ta , e, p a r a m im , O h o m e m q u e para
m im p erso n ifica
o h o m e m q u e m e lh o r as p e r so n ific a é J o h n v o n N e u m a n n . F ilh o
esses p ro b lem a s:
d e u m a fa m ília ju d ia h ú n g a ra , n a sc e u e m 1 9 0 3 . S e tiv e sse n a s c id o John von N eum ann.
cem a n o s a n te s, ja m a is te r ía m o s o u v id o fa la r n e le ; p o is te r ia p a s ­ P á g in a s d e su a s
a n o ta ç õ e s p e s s o a is .
s a d o su a v id a fa z e n d o o q u e fe z seu p a i e o a v ô a n tes d e ste, isto
é, te c e n d o c o m e n tá r io s r a b ín ic o s so b r e o d o g m a .
E m v e z d iss o , f o i u m a c r ia n ç a p r o d íg io d a m a te m á tic a , “ J o h n -
n y ” , a té o fim d e s e u s d ia s. E m su a a d o le s c ê n c ia j á e sc r e v ia a r tig o s
m a te m á tic o s. A n tes de co m p leta r v in te e c in c o anos tin h a
r e a liz a d o o g ra n d e tr a b a lh o n o s d o is c a m p o s d o c o n h e c im e n to
q u e o to rn a ra m fa m o so .
O s d o is a ss u n to s e stã o r e la c io n a d o s, a c h o e u , c o m a tiv id a d es
lú d ic a s o u jo g o s . N o te m q u e , e m u m c e r to s e n tid o , to d a a c iê n c ia ,
to d o r a c io c ín io h u m a n o , é u m a fo r m a d e b rin q u ed o . O r a c io c ín io
a b stra to é u m a n e o tín e a d o in te le c to , a tra v és d a q u a l o h o m e m
se c a p a c ita a c o n tin u a r le v a n d o a c a b o a tiv id a d e s d e stitu íd a s d e
fin a lid a d e im e d ia ta (o s o u tr o s a n im a is b r in c a m a p e n a s e n q u a n to
jo v e n s ), a fim d e se p rep a rar n a s estr a té g ia s d e lo n g o a lc a n c e e
n o p la n eja m en to .
T r a b a lh e i c o m J oh n n y v o n N e u m a n n n a In g la terra , d u r a n te a
S e g u n d a G u e r r a M u n d ia l. F o i n o in ter io r d e u m táx i em L ondres
q u e e le m e fa lo u p e la p r im e ir a v e z s o b r e s u a T e o r ia d o s J o g o s —
esse era u m d o s seu s lo c a is fa v o r ito s p a ra d isc u ssõ e s so b r e m a te ­
m á tic a . S e n d o u m e n tu s ia sta d o x a d r e z lo g o lh e p e r g u n te i se e le
se r e fe r ia à te o r ia dos jog os a fin s à q u e la m o d a lid a d e . M a s su a
r e s p o s ta fo i n e g a tiv a . “ N ã o ” , d is s e e le . “ O x a d r e z n ã o é u m j o g o .
O x a d r e z é u m a fo r m a b e m -d efin id a d e c o m p u ta ç ã o . V o c ê p o d e
n ã o ser ca p a z d e en co n tra r a so lu ç ã o co rreta , m a s, te o r ic a m e n te ,
sem p re h á u m a so lu ç ã o , u m p r o c e d im e n to c o r r e to p a ra ca d a p o si­
ç ã o .” A g o r a , “ jo g o s r e a is” , c o n tin u o u , “ e m n a d a se a s s e m e lh a m
a isso . A v id a rea l n ã o é c o m o n o x a d r e z . A v id a rea l c o n s is te e m
b le fe s, e m p e q u e n a s tá tica s d e d e s p is ta m e n to , e m p ergu n tar a si
p r ó p r io o q u e o p a rceiro está p en san d o sob re q u a l será n o sso
p r ó x im o m o v im en to . É esse o tip o d e jo g o sobre o q u al m in h a
teo ria se in ter e ssa ” .
S e u liv ro tr a ta e x a t a m e n t e d e s se a s s u n to . N ã o d e ix a d e s e r u m
tan to q u a n to estra n h o en co n tra r e m u m liv r o v o lu m o s o e sério
o títu lo T h e o r y o f G a m e s a n d E c o n o m ic B e h a v io r ( T e o r ia d o s
J o g o s e C o m p o r ta m e n to E c o n ô m ic o ), e n o q u a l d e p a r a m o s c o m
u m c a p ítu lo ch am ad o “ P o k e r e B le f e ” . S u r p r e e n d e n te e d esa n i-
4 3 2 m a d o r , m o r m e n te p o r estar c o b e r to d e e q u a ç õ e s q u e lh e c o n fe r e
A Longa Infância

u m a a p a rên cia p o m p o sa . A p a r ê n c ia a p e n a s , p o is a m a te m a tic a


n ã o é u m a a tiv id a d e p o m p o s a , m e n o s a in d a q u a n d o nas m ã o s d e
u m a m en te ex tra o rd in a ria m en te r á p id a e p e n e tr a n te c o m o a d e
J o h n n y von N e u m a n n . A s p á g in a s são p erco rrid a s p or u m tem a
in tele c tu a l que se d e sen v o lv e tal q u a l u m a m e lo d ia , e m que o
p eso das eq u a çõ es nada m a is r e p r e s e n ta do q u e a o rq u estra çã o
d e fu n d o , n o s to n s m a is g ra v es.

N o s ú ltim o s a n o s d e su a v id a J o h n v o n N e u m a n n trato u esse


a ssu n to d e u m a m a n eira q u e c o n sid e r o ser a su a seg u n d a g ra n d e
id é ia c r ia tiv a . T e n d o -s e co n sc ien tiz a d o d a im p o rtâ n cia te c n o ló ­
g ic a q u e o s c o m p u t a d o r e s ir ia m a d q u ir ir , n ã o d e s c u id o u d e a p o n ­
tar c la r a m e n te q u ão d iferen tes sã o as s itu a ç õ e s e n fr e n ta d a s n a
v id a rea l d a q u e la s s im u la d a s n o s c o m p u ta d o r e s , e x a ta m e n te p o r ­
que a e la s n ã o se p o d e im p o r as s o lu ç õ e s p r e c isa s d o x a d r e z o u
d o s c á lc u lo s d e e n g en h a r ia .

U sa r e i m e u s p r ó p r io s te r m o s n a d e sc r iç ã o d o tr a b a lh o d e J o h n
v o n N e u m a n n , e m v e z d e m e v a ler d e su a lin g u a g e m té c n ic a . E le
fa z ia u m a c la r a d is tin ç ã o e n tr e tá tic a s a c u r to p r a z o e e str a té g ia s
ousadas a lo n g o prazo. A s tá tic a s p od em ser c a lc u la d a s e x a ta ­
m e n te , m a s as estra tég ia s n ã o . O su c e sso m a te m á tic o e c o n c e itu a i
de J o h n n y fo i ju s ta m e n te o d e m o str a r q u e , a d e s p e ito d isso , h á
m a n e ir a s d e se p la n e ja r a s m e lh o r e s e str a té g ia s .

O s e u m a r a v ilh o s o liv r o T h e C o m p u te r a n d th e B r a in ( O C o m ­
p u ta d o r e o C é r e b r o ) fo i e s c r ito n o ú lt im o a n o d e su a v id a ; e r a m
a s S illim a n L e c tu r e s q u e d e v e r ia ter p r o fe r id o , m a s e sta v a m u ito
d o e n te p a ra fa z ê -la s e m 1 9 5 6 . N e la s, o c é r e b r o é a n a lisa d o c o m o
sen d o p o ssu id o r d e u m a lin g u a g e m , n a q u a l as a tiv id a d e s d e su as
d ifer e n te s p a rtes (d o c é reb ro ) tê m d e ser in ter lig a d a s e h a r m o n i­
zadas, de tal form a qu e apareça u m p la n o , u m p r o ce d im e n to ,
in te g r a n d o u m m a je sto so c o n c e r to d e v id a — n a s c iê n c ia s h u m a n a s
r e c e b e r ia o n o m e d e s iste m a d e v a lo res.

N a p e r so n a lid a d e de J oh n n y von N e u m a n n h a v ia a lg o d e a fe ­
tu o s o e sin g u la r . F o i o h o m e m m a is in te lig e n te q u e c o n h e c i, s e m
e x c e ç õ e s. E ra, ta m b ém , u m g ê n io , n a m e d id a e m qu e u m gê in °
é u m h o m e m que te v e d u a s g r a n d e s id é ia s. S u a m o r te e m 195 7
rep resen to u u m a grande tr a g é d ia para to d o s n ó s. C erta fetta
q u an d o tr a b a lh á v a m o s ju n to s d u ra n te a g u erra , e n fr e n ta m o s u m
p r o b le m a , m a s su a r e sp o sta f o i im e d ia ta : “ A h, não, n ^ " d isse
e le , “ v o c ê n ã o está v e n d o . O seu tip o d e v isu a liz a ç ã o m e n ta l n ã o 4 3 3
T eo ria d os J o g o s: o J o g o de D e d o s C h a m a d o M orra

O jo g o r e q u e r d o is jo g a d o r e s e, n a su a v er sã o m a is sim p le s, se d e se n r o la d a m a n e ir a
co m o se g u e . O s m o v im e n to s d o s d o is jo g a d o r e s sã o sim u ltâ n e o s. C a d a u m m o stra o u u m
o u d o is d e d o s, a o m e s m o te m p o q u e a d iv in h a se se u c o m p a n h e ir o e stá m o s tr a n d o u m
o u d o is d e d o s. N o c a so d o s d o is a ce r ta r e m o u erra rem n e n h u m ganha. Se u m d o s jo g a d o res
a d iv in h a c e r to e o o u tr o n ã o , este te m d e p a g a r ta n ta s fic h a s q u a n to fo r o n ú m e r o
tota l d o s d e d o s m o stra d o s.

A s s im , c a d a jo g a d o r p o d e g a n h a r d e q u a tr o m a n eira s:

■ T z ] 1 ' O
(a > S 3 2

S e a d iv in h a certo e seu c o m p a n h e ir o erra; a m a n eira (a) g a n h a r á d u a s fic h a s ; a s m a n e ir a s


(b ) e (c ), tr ê s fic h a s; e a m a n e ir a (d ), q u a tr o fic h a s.

O jo g o é e q u ita tiv o , m a s u m jo g a d o r q u e c o n h e ç a a estra tég ia c o r r e ta g a n h a r á ( t o m


sorte, d en tro d a m é d ia ) sem p re c o n tr a o u tr o q u e n ã o a c o n h e ç a . A estra tég ia c o r r e ta
co n siste e m ig n o r a r a s m a n e ir a s (a) e (d ), e jo g a r a s m a n e ir a s (b ) e (c) n a r e la ç ã o d e
7 :5 . Isto é, a estra tég ia c o r r e ta c o n siste e m , a c a d a 1 2 c h a m a d a s,

U m jo g a d o r q u e jo g u e p o r p a l­
7 vezes 5 vezes
p ite te m p o u c a p r o b a b ilid a d e
em em
d e d e sco b r ir e ssa estra tég ia .
m é d ia m éd ia

A m a te m á tic a n ecessá ria p a ra e n c o n tr a r a m e lh o r estra tég ia é u m ta n to q u a n to


c o m p lic a d a . E n tr e ta n to , n ã o é d ifíc il v er ific a r q u e a e str a té g ia é e fe tiv a ,
d e ix a n d o q u e o o p o n e n t e s e v a lh a d a s m a n e ir a s (a ), (b ), (c) o u (d ).
E x em p lific a n d o ,
r f i b i n / w
das 12 cham adas E m m é d ia e le
e le g a n h a rá 7 v ez e s, g a n h a rá 5 v ezes
e m m é d ia , m a s ga­ em cad a 12, e
nhará apenas 2 ou am bos 4 fic h a s e m cada
fic h a s c a d a v e z ; e n ­ a certa m o u um a das vezes;
q u an to em cada 12 a m b o s er­ m as p erd erá 7
c h ia d a s perderá 5 vezes, e e m cada ram e n e­ v e z e s 3 fic h a s d e ca d a v ez -
u m a d ela s 3 fic h a s - su a p e rd a será, n h u m a fi­ n o v a m en te p erfazen d o u m a
em m é d ia , d e 1 fic h a e m cada 12 ch a m u dará p e r d a m é d ia d e 1 fic h a e m
cham adas. de m ãos. cad a 12 ch am ad as.

C o m u m e n te , a M o rra é jo g a d a e m u m a v er sã o m a is c o m p le x a , n a q u a l c a d a j o g a d o r c h a m a
e m o stra 1, 2 o u 3 d e d o s. A s regras sã o sem e lh a n te s, e ta m b é m a m e lh o r e stratég ia , q u e
a g o ra c o n sis- f j y r "
te em u m a A M orra tam b ém pode ser jo g a d a com a té
m istu ra d e q u a tr o d e d o s d e c a d a la d o , o u c o m q u a lq u e r
n ú m e r o m a io r c o n v e n c io n a d o p e lo s p a rceiro s.
A Longa Infância

2 1 8 lh e p e r m ite ver isto correta m en te. P en se a b stra ta m en te. N esta


A v id a real co n siste
e m b lefes, em fo to g r a fia de u m a e x p lo sã o o c o e fic ie n te d ifer e n c ia l p rim á rio
p e q u e n a s táticas d e desaparece id e n tic a m e n te , em v ista d isso é que o c o e fic ie n te
d e sp ista m e n to , e m
d ifer e n c ia l se c u n d á r io se to r n a v isív e l” .
p erg u n ta r a si
p ró p r io o q u e o
o u tro está p e n sa n d o C o m o e le o b s e r v o u , e s s a n ã o é m in h a m a n e ir a d e p e n s a r . C o n ­
so b r e q u a l será tu d o , d e ix e i-o v o lta r p ara L o n d res. E u fu i p ara m e u la b o ra tó rio
nosso p ró xim o
m o v im en to . no cam p o . T ra b a lh ei in ten sa m en te n o ite a d en tro . P o r v o lta d a
M o rra é u m jo g o m e ia -n o ite h a v ia c h e g a d o à r e sp o s ta q u e e le q u eria . B e m , J o h n v o n
e le g a n te e
N e u m a n n s e m p r e se d e ita v a m u ito ta r d e , a ssim , e u fu i c o m p r e e n ­
e x c ita n te e, ta m b é m ,
b a s ta n te siv o e só o a c o r d e i d e p o is d a s d e z h o r a s d a m a n h ã . A t e n d e u m in h a
r e c o m e n d a v e l. Ã ch am ad a te le fô n ic a a in d a na cam a de seu h o tel. E u lh e d isse:
s e m e lh a n ç a d e
o u tr o s jo g o s “J o h n n y , v o cê está a b so lu ta m e n te c e r to ” . S u a resp o sta ? “ V o c ê
r e a lis ta s , q u e m e a c o r d a tã o c e d o a ssim s ó p a ra c o n fir m a r q u e e s to u c e r to ? P o r
c o n tê m e le m e n to s
fav or, esp ere a té q u e eu c o m e ta u m erro” .
d e s o r te e d e
a d iv in h a ç ã o , n ã o h á
n e n h u m m é to d o E m b o r a isso p o ssa so a r c o m o v a id a d e, n ã o o era. R e p re se n ta ,
q u e g r a n ia a s im , u m a d e fin iç ã o rea l d a m a n e ir a p e la q u a l c o n d u z ia s u a r id a . N o
v itó r ia . A t e o r ia d o s
jo g o s d e vo n e n t a n t o , e la e n c e r r a a lg o q u e m e fa z lem b r a r d e c o m o seu s ú lti­
N e u t^ r r m a p e n a s m o s a n o s d e v id a fo r a m d e sp e r d iç a d o s. N ã o te r m in o u o g ra n d e tra­
p e r m it e a e s c o lh a
d a m e lh o r e s t r a t ^ i b a lh o q u e , d e p o is d e su a m o r te , te m sid o m u ito d ifíc il d e c o n tin u ­
q u e, a lo n g o p ra zo e ar. E a razão d isso e stá n o fa to d e le ter p a r a d o d e p er g u n ta r a si
c o m s o r te m e d ia n a ,
p o d e le v a r m esm o so b r e a m a n e ira d a s o u tra s p e sso a s v er e m a s c o isa s. P a u -
a o su cesso. la tin a m e n te , fo i-se a sso b e r b a n d o d e tr a b a lh o e n c o m e n d a d o p o r
fir m a s p a r tic u la r e s, p e la in d ú str ia e p e lo g o v e r n o . E r a m a tiv id a d e s
q u e o situ a v a m n o c e n tr o d o p o d er, m a s q u e, d e n e n h u m a m a n e i­
ra lh e a c r e s c e n ta v a m c o n h e c im e n to s o u in tim id a d e c o m as p e sso a s
— as q u a is, a in d a h o je , n ã o d e c ifr a r a m a m e n s a g e m d e su a p r o p o s i­
ç ã o s o b r e o q u e fa z e r d a m a te m á tic a d a v id a h u m a n a e d a m e n te .

J o h n n y v on N eu m a n n era u m a m a n te d a a risto cra cia d o in te ­


le c to . M a s e ss a c r e n ç a s ó p o d e d e str u ir a c iv iliz a ç ã o n a fo r m a q u e
a c o n c e b e m o s . S e tiv e r m o s d e o p ta r, q u e seja m o s u m a d e m o c r a c ia
d o in te le c to . N ã o p o d e m o s n o s d ar a o lu x o d e p erecer d e v id o a o
d ista n c ia m e n to en tre o p o v o e o g o v ern o , en tre o p o v o e o p o d er,
que se c o n stitu iu n o fa to r d ete r m in a n te d o fraca sso, ta n to d a
c iv iliz a ç ã o e g íp c ia , c o m o d a b a b ilô n ic a , e d a r o m a n a , ig u a lm e n te .
E sse d ista n c ia m e n to só p o d e ser e v ita d o , só p o d e ser e lim in a d o ,
se o c o n h e c im e n to p e r m a n e c e r n o s la r e s e n a s c a b e ç a s d a q u e la s
p essoas sem n en h u m a a m b iç ã o d e ex ercer c o n tr o le so b re as o u ­
tras; de form a n en h u m a deverá ser e n tr o n iz a d a n o cen tro do
p o d e r d e c isó rio . 435
A Escalada do Homem

N ã o d eix a de ser u m a dura liç ã o . A fin a l d e c o n ta s, e ste é u m


m u n d o d ir ig id o p o r e sp ec ia lista s: m a s n ã o r e p r e se n ta e le o q u e
ch a m a m o s u m a s o c ie d a d e c ie n tífic a ? N ã o , n ã o rep resen ta . E m
u m a s o c ie d a d e c ie n tífic a o p a p e l d o e sp e c ia lista c o n siste e m tare­
fa s ta is c o m o fazer c o m q u e as in sta la ç õ e s e lé tr ic a s fu n c io n e m .
E n t r e t a n to , c a b e a v o c ê , c a b e a m im , s a b e r c o m o a N a tu r e z a f u n ­
c io n a , e d e q u e fo r m a (p o r e x e m p lo ) a e le tr ic id a d e é u m a d e su a s
e x p r e ssõ e s n a lu z e e m m eu cérebro.
N ó s n ã o p r o g r e d im o s n a s o lu ç ã o d o p r o b le m a d a v id a e d a m e n ­
te q u e , p o r u m te m p o , se c o n stitu iu n a p r e o c u p a ç ã o d e J o h n v o n
N eu m an n . Será p o ssív e l e n c o n tr a r fu n d a m e n to s fe liz e s p a ra as
fo rm a s d e c o m p o r ta m e n to s q u e ju lg a m o s co n v e n ie n te s para o h o ­
m em g lo b a l o u a s o c ie d a d e r e a liz a d a ? V im o s q u e o c o m p o r t a m e n ­
to h u m a n o é c a r a c te r iz a d o p o r u m lo n g o a tra so in ter n o , p rep a ra ­
tó r io para o d esen cad ea m en to de ações. A a tiv id a d e b io ló g ic a
su b ja c e n te a essa in ércia se e ste n d e u a o lo n g o d e to d a a p r o lo n g a ­
d a in fâ n c ia e a le n ta m a tu r a ç ã o d o h o m e m . M as, o c o n str a n g im e n ­
t o d a a ç ã o n o h o m e m t e m s ig n if ic a d o m a is a m p lo . N o s s a m a tu r id a ­
d e, n o ssa r e sp o n sa b ilid a d e e n o ssa h u m a n id a d e sã o m e d ia d a s p o r
v a lo r e s, in te r p r e ta d o s p o r m im co m o sen d o e stra tég ia s g lo b a is,
a tr a v é s d a s q u a is e q u ilib r a m o s o s e fe ito s d e im p u ls o s c o n flita n te s .
N ã o é v e r d a d e q u e c o n d u z im o s n o ssa s v id a s à s e m e lh a n ç a d e u m
program a c o m p u ta c io n a l para so lu ç ã o d e p r o b le m a s. S e g u in d o
u m a tal a b o r d a g e m os p r o b le m a s d a v id a se t o r n a m in so lú v e is.
A o c o n tr á r io , m o ld e m o s n ossa con d u ta so b re p r in c íp io s q u e a
o rien ta m . E la b o r a m o s e str a té g ia s é tic a s o u siste m a s d e v a lo r e s,
d e tal fo r m a q u e as reco m p en sa s a cu rto p ra zo seja m p esad a s na
b a la n ç a d o o b je tiv o fin a l, d a s s a tis fa ç õ e s a lo n g o p r a z o .
R e a lm e n te , esta m o s em u m m a r a v ilh o so lim ia r d o co n h eci­
m en to . A e sc a la d a d o h o m em está sem pre o sc ila n d o em u m a
g a n g o r r a . A o e le v a r o p é , n a e s p e r a n ç a d e g a lg a r m a is u m degrau,
h á se m p r e u m a se n sa ç ã o d e in c e r te z a q u a n to a se e sse m o v im e n to
n o s lev a r á r e a lm e n te p a ra fr e n te . E o q u e t e m o s p e la fr e n te ? P e lo
m e n o s a ta r e fa d e o r g a n iz a r t u d o a q u ilo q u e já a p r e n d e m o s , e m
físic a e e m b io lo g ia , n o s e n tid o d e u m e n te n d im e n to d a situ a ç ã o
a q u e c h e g a m o s: e n fim , n o q u e é o h o m e m .

O c o n h e c im e n to n ã o se c o n stitu i e m u m b orrad or d e fato s. A c i­


m a d e tu d o é u m a r e sp o n sa b ilid a d e p ela in teg r id a d e d o q u e so m o s,
p r im a r ia m e n te d a q u ilo q u e s o m o s e n q u a n t o c r ia tu r a s é tic a s. M a s,
4 3 6 u m a in te g r id a d e e sc la r e c id a n ã o p o d e , d e m a n e ir a n e n h u m a , p er-
A Longa Infância

m i tir q u e o u t r a s p e s s o a s d ir ija m o s d e s t in o s d o m u n d o e n q u a n t o
n ó s m e s m o s c o n tin u a m o s a n o s n o rtea r p o r u m a c o lc h a d e reta ­
lh o s de p r e c e ito s m o r a is, e x tr a íd o s d e c r e n ç a s a b so lu ta s. A í está
a q u estã o r e a lm e n te c r u c ia l d o s n o s s o s d ia s. P o d e -se c o n sid e r a r
d isp e n sá v e l a co n se lh a r as p e sso a s a a p r e n d e r e m e q u a ç õ e s d ifer e n ­
c ia is o u a se g u ir c u r s o s d e e le tr ô n ic a o u d e p r o g r a m a ç ã o d e c o m ­
p u ta d or. N o en ta n to , se d aqui a c in q ü e n ta an os não se tiv e r
ch ega d o ao e n te n d im e n to d a s o r ig e n s d o h o m e m , su a h istó r ia ,
se u p r o g r e sso , e se isso n ã o c o n stitu ir m a té r ia c o m u m a q u a lq u e r
liv ro e sc o la r , n ó s s im p le s m e n te d e ix a r e m o s d e ex istir. A m a té r ia
c u r r ic u la r d o s liv ro s e s c o la r e s d e a m a n h ã será te c id a n a a v e n tu r a
d e h o je; e n essa a ven tu ra é q u e e sta m o s en g aja d os.
A c o n te m p la ç ã o d e sta n o ssa p a isa g e m o c id e n ta l a tu a l m e ca rre­
g a d e p r o fu n d a tr iste z a , n a m e d id a e m que d etecto u m a perda de
d e term in a çã o , u m se n tim e n to d e fu ga d o c o n h e c im e n to - fu ga
para on d e? Para o Z en B u d ism o ; p a ra q u e s tio n a m e n to s fa lsa ­
m en te p ro fu n d o s, ta is c o m o “ N ão sería m o s, n o fu n d o , apenas
um a e sp é c ie a n im a l? ” ; p ara p e r c e p ç õ e s e x tra -sen so ria is e m isté ­
r io s. E ssa s p a isa g e n s n ã o fa zem p a rte d o c a m in h o o q u a l agora
e s ta m o s a p to s a p erco rrer, se a isso n o s d e v o ta r m o s : o q u e lev a
ao c o n h e c im e n to d o h o m em . S o m o s o e x p e r im e n to sin g u la r d a
n a tu reza , n o s e n tid o d e p r o v a r q u e a in te lig ê n c ia r a c io n a l é m a is
r ic a e fr u tífe r a d o que o r e fle x o . O c o n h e c im e n to é n osso des­
tin o . O a u to c o n h e c im e n to , reu n in d o fin a lm e n te a e x p e r iê n c ia
d as a rtes e as e x p la n a ç õ e s d a c iê n c ia , n o s esp era à n o ssa fren te.
E ssa s c o n sid e r a ç õ e s p essim ista s so b re u m r e tr a im e n to d a c iv i­
liz a ç ã o o cid e n ta l p o d e m p a recer in só lita s n o co n tex to d a v isã o
e s s e n c ia lm e n te o tim is ta q u e te n h o a d o ta d o e m r e la ç ã o à e sc a la d a
d o h o m em ; m e u e n t u s ia s m o te r ia a r r e f e c id o n e s ta a ltu r a ? É c la r o
que n ã o . A e sc a la d a d o h o m e m co n tin u a rá . M as n ã o se p reten d a
que p r o ssig a em pu rrada p ela c iv ü iz a ç ã o o cid en ta l da m a n eira
c o m o e la h o je se e n c o n t r a . N e s t e m o m e n t o e s ta m o s s e n d o a v a lia ­
d o s n a b a la n ç a . S e d e sistir m o s, se m p r e h a verá u m d eg ra u seg u in te
— m a s n ã o ser á p is a d o p o r n ó s. N ã o r e c e b e m o s n e n h u m a g a r a n tia
q u e n ã o t e n h a s id o f o r n e c id a à A ssír ia , a o E g ito e a R o m a . T a m ­
bém esta m o s esp eran d o n o s torn a r o p a ssa d o d e a lg u é m , e n ã o ,
n ecessa ria m en te, n o sso fu tu ro .
R e p r e s e n ta m o s u m a c iv iliz a ç ã o c ie n tífic a : e is s o sig n ific a u m a
c iv iliz a ç ã o n a q u a l o c o n h e c im e n t o e s u a in te g r id a d e s ã o c r u c ia is.
C iê n c ia é a p e n a s a p a la v r a la tin a p a ra d e sig n a r c o n h e c im e n to . S e
n ã o g a lg a r m o s o p r ó x im o d eg ra u , isso será fe ito p o r o u tr o s p o v o s, 4 3 7
A Escalada do Homem

2 19
d a Á fr ic a , d a C h in a . D e v e r ia e u to m a r e ssa e v e n tu a lid a d e tr iste ­ O co n h e c im e n to
n ã o é u m borrador
m en te? N ão, n ão em si m e sm a . A h u m a n id a d e tem o d ireito d e
d e fa to s esparsos.
m u dar sua cor. N o e n ta n to , lig a d o c o m o e s to u à c iv iliz a ç ã o q u e A cim a de tu d o é
resp o n sá v el pela
m e n u tr iu , e u r e a lm e n te m e sen tir ia in fin ita m e n te tr iste . E u , a
in teg r id a d e d o q u e
q u em a In g la terra fo r m o u , a q u e m e la e n s in o u su a lín g u a e su a som os, m orm en te
to le r â n c ia e e n t u s ia s m o p e la b u s c a in te le c tu a l, c e r t a m e n t e fic a r ia do que som os
e n q u a n t o cria tu ras
m u ito d e so la d o (c o m o v o c ê s ta m b é m ) se, d a q u i a u n s c e m anos, ética s. O
S h ak esp eare e N e w to n fo ssem c o n sid e r a d o s fó sseis h istó r ic o s n a c o m p ro m isso
pessoal de um
e sc a la d a d o h o m e m , à s e m e lh a n ç a d o q u e a c o n te c e c o m H o m ero
h o m e m c o m seu
e E u c lid e s. o fíc io , o
co m p ro m isso
in telectu a l e o
In ic ie i e sta série n o v a le d o O m o , n a Á fr ic a O r ie n ta l, e a q u i r e to r ­ co m p ro m isso
n o p o r q u e a lg o q u e a c o n te c e u n e ste lu g a r p e r m a n e c e u e m m in h a e m o c io n a l, u n id os
em u m só p ro p ó sito ,
m e n te d e s d e a q u e le p r im e ir o e n c o n tr o . N a m a n h ã d o d ia e m que fiz e r a m a E scalad a
éram os para dar in íc io à o rg a n iz a ç ã o d o p r im e ir o c a p ítu lo da do H om em .
P á g in a d e r o s to d e
série, u m p eq u en o a v iã o d e c o lo u d e n o ssa p ista le v a n d o a b o r d o
"C anções da
o c a m e ra m a n e o té c n ic o d e s o m , m a s, s e g u n d o s a p ó s ter su b id o , E x p e r iê n c ia " d e
W i ll ia m B l a k e .
o a v iã o c a iu . M ila g r o sa m e n te , o p ilo to e o s d o is o u tro s h o m e n s
s a ír a m ile so s.
N a tu r a lm e n te , esse e v e n to m a u a g o u r a d o m e m a r c o u p r o fu n ­
d a m e n te . N o m o m e n to e m q u e m e p rep arava p ara fazer o p a ssad o
d e sfila r , o p resen te in sin u a so rra teira m en te su a m ã o n a p á g in a
e sc r ita d a h istó r ia e d iz: “ É a q u i. É a g o r a ” . H istó r ia n ã o s ã o e v e n ­
to s , m a s, sim , p e sso a s. A lé m d isso , n ã o sã o p e sso a s a p en a s r e c o r ­
d ando; é o h o m em v iv en d o seu p a ssa d o n o p resen te. H istó ria é
o a to in sta n tâ n e o d e d e c is ã o d o p ilo to , q u e c r ista liz a e m si t o d o
o c o n h e c im e n to , to d a a c iê n c ia , tu d o a q u ilo que fo i a p r e n d id o
d esd e o su rg im en to d o h o m e m .
P e r m a n e c e m o s in a tiv o s p o r d o is d ia s à e sp e r a d e o u tr o a v iã o .
N esse in terv a lo , em con versa co m o c a m e ra m a n , p e r g u n te i-lh e
d e lic a d a m e n te , m a s , ta lv e z , s e m m u ito ta to , se e le n ã o p r e fe r ia
que a lg u m o u tr o r e a liz a sse a film a g e m aérea. A o resp o n d er-m e,
d isse: “ T en h o p e n s a d o n iss o . V o u s e n tir m e d o d e su b ir a m a n h ã ,
m a s e u v o u fa zer a film a g e m . E sse é m e u d e v e r ” .
E stam o s to d o s co m m ed o — de n ossa p resu n ção, de n o sso fu tu ­
r o , d o m u n d o . T a l é a n a tu r e za d a im a g in a ç ã o h u m a n a . C o n tu d o ,
c a d a h o m e m , c a d a c iv iliz a ç ã o , fo i p a ra a fr e n te e m r a z ã o d e seu
e n g a ja m e n to n a q u ilo q u e h a v ia d e c id id o r e a liz a r . O c o m p r o m is s o
p essoal de u m h o m e m co m seu o fíc io , o c o m p r o m is so in tele c tu a l
e o c o m p r o m is s o e m o c io n a l, u n id o s e m u m só p r o p ó s ito , fiz e r a m
4 3 8 a E sca la d a d o H o m e m .
BIBUOG^RAFIA

c a p ít u l o UM
C a m p b e l l , B e r n a r d G . , H u m a n E v o l u i i o n : A n I n t r o d u c t i o n t o M a n ’s A d a p -
ta tio m , A ld in e P u b lish in g C o m p a n y , C h ic a g o , 1 9 6 6 , e H e in e m a n n E d u -
c a tio n a l, L o n d r e s, 1 9 6 7 ; “ C o n c e p tu a l P ro gress in P h y sic a l A n t r o p o lo g y :
F o s s i l M a n ” , A n n u a l R e v i e w o f A n t r o p o l o g y , I, p p . 2 7 - 5 4 , 1 9 7 2 .
C la r c k , W ilfr id E d w a r d L e G r o s , T h e A n te c e d e n ts o f M a n , E d in b u r g h U n i-
v er sity Press, 1 9 5 9 .
H o w e lls , W illia m , e d ito r , I d e a s o n H u m a n E v o lu tio n : S e le c te d E s s a y s , 1 9 4 9 ­
-1 9 6 1 , H arvard U n iv e rsity Press, 1 9 6 2 .
L e a k e y , L o u is S . B ., O ld u v a i G o r g e , 1 9 5 1 - 6 1 , 3 v o ls ., C a m b r i d g e U n iv e r s it y
P ress, 1 9 6 5 -7 1 .
L e a k e y , R ic h a r d E . F ., “ E v id e n c e fo r a n A d v a n c e d P lio -P le is to c e n e H o m in id
f r o m E a s t R u d o l f , K e n y a ” , N a tu r e , 2 4 2 , p p . 4 4 7 - 5 0 , 1 3 d e a b r il d e 1 9 7 3 .
L e e , R ic h a r d B ., e I r v e n D e V o r e , e d ito r e s , M a n th e H u n te r , A l d i n e P u b ­
lish in g C o m p a n y , C h ic a g o , 1 9 6 8 .

C A PÍT U L O D O IS
K e n y o n , K a t h le e n M ., D ig g in g u p J e r ic h o , E r n e s t B e n n , L o n d r e s , e F r e d e r ic k
A . Praeger, N o v a Iorque, 1 9 5 7 .
K im b er, G o rd o n , e R . S. A th w a l, “ A R e a sse ssm e n t o f th e C o u rse o f E v o lu -
t io n o f W h e a t ” , P r o c e e d in g s o f th e N a tio n a l A c a d e m y o f S c ie n c e s , 6 9 ,
n .o 4 , p p . 9 1 2 - 1 5 , a b r il d e 1 9 7 2 .
P ig g o tt, S tu a r t, A n c ie n t E u r o p e : F r o m th e B e g in n in g s o f A g r ic u ltu r e to
C la s s ic a l A n t iq u it y , E d i n b u r g h U n iv e r s it y P r e s s e A l d i n e P u b lis h in g
C o m p a n y , C h ic a g o , 1 9 6 5 .
S c o t t , J . P ., “ E v o l u t io n a n d D o m e s t ic a t io n o f th e D o g ” , p p . 2 4 3 - 7 5 in
B io lo g y , 2, e d ita d o p o r T h e o d o s iu s D o b z h a n s k y , M a x K .
H ech t, e William C. S teere, A p p le to n -C e n tu r y -C r o fts, N o v a Io rq u e, 1 9 6 8 .
Y o u n g , J . Z ., A n I n tr o d u c tio n t o th e S tu d y o f M a n , O x f o r d U n iv e r s ity
P ress, 1 9 7 1 .
C A PÍT U L O T R Ê S
G i m p e l , J e a n , L e s B â tis s e u r s d e C a th é d r a le s , E d i t io n s d u S e u il, P a r is, 1 9 5 8 .
H e m m in g , J o h n , T h e C o n q u e s t o f th e In c a s, M a c m illa n , L o n d r e s, 1 9 7 0 .
L o r e n z , K o n r a d , O n A g g r e s s io n , M e t h u e n , L o n d r e s , 1 9 6 6 .
M o u ra n t, A rth u r E rn est, A d a C . K o p e c e K a zim iera D o m a n ie w s k a -S o b c z a k ,
T h e A B O B lo o d G r o u p s ; c o m p r e h e m iv e ta b le s a n d m a p s o f w o r ld d is tr i-
b u tio n , B la c k w e ll S c ie n t if ic P u b lic a t io n s , O x f o r d , 1 9 5 8 .
R o b e r ts o n , D o n a ld S ., H a n d b o o k o f G r e e k a n d R o m a n A r c h ite c tu r e , C a m ­
b rid g e U n iv e r sity P ress, 2 .a e d iç ã o , 1 9 4 3 .
W i l l e y , G o r d o n R . , A n I n t r o d u c t i o n t o A m e r i c a n A r c h a e o l o g y , V o l . I, N o r t h
a n d M id d le A m e r ic a , P r e n tic e -H a ll, N e w J e r s e y , 1 9 6 6 .

C A PÍT U L O Q U A T R O
D a lto n , J o h n , A N e w S y s te m o f C h e m ic a l P h ilo s o p h y , 2 v o ls., R . B ic k e r s-
ta ff e G . W ilso n , L o n d r e s, 1 8 0 8 - 2 7 .
D e b u s , A lle n G ., “ A l c h e m y ” , D ic tio n a r y o f th e H is to r y o f I d e a s , C h a r le s
S c r ib n e r , N o v a Io r q u e , 1 9 7 3 .
N e e d h a m , J o s e p h , S c ie n c e a n d C iv iliz a tio n in C h in a , 1 -4 , C a m b r i d g e U n i ­
v er sity P ress, 1 9 5 4 -7 1 .
P a g e l , W a l t e r , P a r a c e ls u s . A n I n t r o d u c t i o n t o P h il o s o p h ic a l M e d i c in e in th e
E r a o f th e R e n a is s a n c e , S. K a rg e r , B a s e l e N o v a I o r q u e , 1 9 5 8 .
S m it h , C y r il S t a n le y , A H is to r y o f M e ta llo g r a p h y , U n iv e r s it y o f C h ic a g o
4 4o P ress, 1 9 6 0 .
C A P ÍT U L O C IN C O
H e a t h , T h o m a s L ., A M a n u a l o f G r e e k M a th e m a tic s , 7 v o l s ., C l a r e n d o n
P ress, O x fo r d , 1 9 3 1 ; D o v e r P u b lic a tio n s, 1 9 6 7 .
M ie li, A l d o , L a S c ie n c e A r a b e , E . J . B rill, L e id e n , 1 9 6 6 .
N e u g e b a u e r , O t t o E d u a r d , T h e E x a c t S c i e n c e s in A n t i q u i t y , B r o w n U n i-
v er sity P ress, 2 .a e d iç ã o , 1 9 5 7 ; D o v e r P u b lic a tio n s, 1 9 6 9 .
W ey l, H e r m a n n , S y m m e tr y , P r in c e to n U n iv e rsity P ress, 1 9 5 2 .
W h ite , J o h n , T h e B irth a n d R e b ir th o f P ic to r ia l S p a c e , F a b e r , 1 9 6 7 .

C A P IT U L O SE IS
D r a k e , S t ^ m a n , G a lile o S tu d ie s , U n iv e r s it y o f M ic h ig a n P r e s s , 1 9 7 0 .
G e b l e r , K a r l v o n , G a lile o G a lile i u n d d ie R o m is c h e C u r ie , V e r l a g d e r J . G .
G o tta 's c h e n B u c h h a n d lu n g , S tu ttg a rt, 1 8 7 6 .
K u h n , T h o m a s S ., T h e C o p e m ic a n R e v o lu tio n , H a rv a r d U n iv e r s ity P ress,
1957.
T h o m p s o n , J o h n E r ic S id n e y , M a y a H is to r y a n d R e lig io n , U n iv e r s it y o f
O k la h o m a P ress, 1 9 7 0 .

C A PÍT U L O SE T E
E in s t e in , A lb e r t, “ A u t o b i o g r a p h i c a l N o t e s ” in A lb e r t E in s te in : P h ilo s o p h e r -
-S c ie n tis t, e d it a d o p o r P a u l A r t h u r S c h ilp p , C a m b r id g e U n iv e r s ity P ress,
2 .a ed içã o , 1 9 5 2 .
H o f f m a n , B a n e s h , e H e le n D u k a s , A lb e r t E in s te in , V ik in g P r e ss, 1 9 7 2 .
L e ib n iz , G o t t f r i e d W ilh e lm , N o v a M e th o d u s p r o M a x im is e tM in im is , L e ip -
zig , 1 6 8 4 .
N e w t o n , I s a a c , I s a a c N e w t o n P h ilo s o p h ia e N a tu r a lis P r in c ip ia M a th e m a tic a ,
L o n d r e s , 1 6 8 7 , e d ita d o p o r A le x a n d r e K o y r é e L B e r n a r d C o h e n , 2 v o ls.,
C a m b rid g e U n iv e rsity P ress, 3 .a e d iç ã o , 1 9 7 2 .

C A P ÍT U L O O IT O
A s h t o n , T . S ., T h e I n d u s tr ia l R e v o l u t i o n 1 7 6 0 - 1 8 3 0 , O x f o r d U n i v e r s i t y
P ress, 1 9 4 8 .
C r o w t h e r , J . G ., B r itis h S c ie n tis ts o f th e 1 9 th C e n tu r y , 2 v o ls ., P e lic a n ,
1 94 0-1 .
H o b s b a w m , E . J ., T h e A g e o f R e v o lu tio n : E u r o p e 1 7 8 9 -1 8 4 8 , W e id e n fe ld
& N ic o ls o n , 1 9 6 2 ; N e w A m e r ic a n L ib rary , 1 9 6 5 .
S c h o f ie l d , R o b e r t E ., T h e L u n a r S o c ie ty o f B irm in g h a m , O x f o r d U n iv e r s ity
Press, 1 9 6 3 .
S m il e s , S a m u e l , L iv e s o f th e E n g in e e r s , 1 -3 , J o h n M u r r a y , 1 8 6 1 ; r e im p .,
D a v id & C h a rles, 1 9 6 8 .

C A PÍT U L O N O V E
D a r w i n , F r a n c is , T h e L if e a n d L e tte r s o f C h a r le s D a r w in , J o h n M u r r a y ,
1887.
D u b o s , R e n é J u le s , L o u is P a s te u r , G o lla n c z , 1 9 5 1 .
M a lt h u s , T h o m a s R o b e r t , A n E s s a y o n th e P r in c ip ie o f P o p u la tio n , a s it
a ffe c ts th e F u tu r e I m p r o v e m e n t o f S o c ie ty , J. J o h n s o n , L o n d r e s , 1 7 9 8 .
S a n c h e s , R o b e r t, J a m e s F erris e L e slie E. O rgel, “ C o n d itio n s fo r p u r in e
s y n t h e s is : D id p r e b io t ic s y n t h e s is o c c u r a t l o w t e m p e r a t u r e s ? ” , S c ie n c e ,
1 5 3 , pp. 7 2 -3 , ju lh o de 1 9 6 6 .
W a l l a c e , A l f r e d R u s s e l , T r a v e is o n t h e A m a z o n a n d R i o N e g r o , W ith a n
A c c o u n t o f t h e N a tiv e T r ib e s , a n d O b s e r v a tio n s o n th e C lim a te , G e o lo g y ,
a n d N a tu r a l H is to r y o f th e A m a z o n V a lle y , W a r d , L o c k , 1 8 5 3 . 441
C A PÍT U L O D E Z
B r o d a , E n g e lb e r t, L u d w ig B o ltz m a n n , F r a n z D e u tic k e , V ie n a , 1 9 5 5 .
B r o n o w s k i, J ., “ N e w C o n c e p t s in t h e E v o l u t io n o f C o m p l e x i t y ” , S y n th e s e ,
2 1 , n .° 2, pp. 2 2 8 -4 6 , j u n h o d e 1 9 7 0 .
B u r b id g e , E . M a rg a ret, G e o ffr e y R . B u r b id g e , W illia m A . F o w le r , e F r e d
H o y l e , “ S y n t h e s is o f th e E l e m e n t s in S t a r s ” , R e v ie w s o f M o d e m P h y s ic s ,
2 9 , n .° 4, pp. 5 4 7 -6 5 0 , o u tu b ro de 1 9 5 7 .
S e g r è , E m í l io , E n r ic o F e r m i: P h y s ic is t, U n iv e r s it y o f C h ic a g o P r e s s , 1 9 7 0 .
S p r o n s e n , J . W . v a n , T h e P e r io d ic S y s te m o f C h e m ic a l E le m e n ts : A H is to r y
o f th e F ir s t H u n d r e d Y e a r s , E lse v ie r , A m s t e r d a m , 1 9 6 9 .

C A PÍT U L O O N Z E
B l u m e n b a c h , J o h a n n F r ie d r ic h , D e g e n e r is h u m a n i v a r ie ta te n a tiv a , A . V a n -
d e n h o e c k , G o ttin g en , 1 7 7 5 .
G illis p ie , C h a r l e s C ., T h e E d g e o f O b je c t iv i ty : A n E s s a y in th e H is to r y o f
S c ie n tific Id e a s, P r in c e to n U n iv e r s ity P ress, 1 9 6 0 .
H e ise n b e r g , W ern er, “ U b e r d e n a n sc h a u lic h e n In h alt d er q u a n te n th e o r e ti-
s c h e n K i n e m a t ik u n d M e c h a n i k ” , Z e its c h r if t f ü r P h y s ik , 4 3 , p. 1 7 2 ,
1927.
S z íla rd , L e o , “ R e m in is c e n c e s ” , e d ita d o p o r G e r tr u d W eiss S z ila rd & K a t h le e n
R . W in s o r in P e r s p e c tiv e s in A m e r ic a n H is to r y , II, 1 9 6 8 .

C A PÍT U L O D O Z E
B r ig g s, R o b e r t W . e T h o m a s J . K in g , from
B l a s t u l a C e l l s i n t o E n u c l e a t e d F r o g s ’E g g s ” , P r o c e e d i n g s th e N a tio n a l
A c a d e m y o f S c ie n c e s , 3 8 , p p . 4 5 5 - 6 3 , 1 9 5 2 .
F is h e r , R o n a ld A ., T h e G e n e tic a l T h e o r y o f N a tu r a l S e le c tio n , C la r e n d o n
P ress, O x fo r d , 1 9 3 0 .
O lb y , R o b e r t C ., T h e O r ig in s o f M e n d e lis m , C o n s t a b le , 1 9 6 6 .
S o o r o d in g e r , E r w in , W h a t is L ife ? , C a m b r id g e U n iv e r s it y P r e s s, 1 9 4 4 ; n o v a
e d ., 1 9 6 7 .
W a t s o n , J a m e s D ., T h e D o u b le H e lix , A t h e n e u m , e W e id e n f e l d & N i c o l s o n ,
1968.

C A PÍT U L O T R E Z E
B r a ith w a ite , R . B ., T h e o r y o f G a m e s a s a to o l f o r th e M o ra l P h ilo s o p h e r ,
C a m b r id g e U n iv e r s ity P ress, 1 9 5 5 .
B r o n o w s k i, J ., “ H u m a n a n d A n im a l L a n g u a g e s ” , p p . 3 7 4 - 9 5 , in T o H o n o r
R o m a n J a k o b s o n , 1 ., M o u t o n & C o . , H a i a , 1 9 6 7 .
E c c le s , J o h n C ., e d i t o r , B r a in a n d t h e U n ity o f C o n s c io u s E x p e r ie n c e , S p r in -
g er-V erla g , 1 9 6 5 .
G reg o ry , R ich a rd , T h e ln te llig e n tE y e , W eid en feld & N ic o lso n , 1 9 7 0 .
N e u m a n n , J o h n v o n , e O sk a r M o r g e n ste r n , T h e o ry o f G a m e s a n d E c o n o m ic
B e h a v io r , P r i n c e t o n U n iv e r s it y P r e ss, 1 9 4 3 .
W o o l d r id g e , D e a n E ., T h e M a c h in e r y o f t h e B r a in , M c G r a w - H ill, 1 9 6 3 .

442
^ÍNDICE REMISSIVO

O s n ú m e r o s e m n eg rito se referem Ar, com p o siçã o d o , 148 B esouro, caça, 143, 293, 294
às ilu stra çõ es A ra d o , in ven çã o d o, 2 7 , 7 4 , 7 9 B e m in i, G ian loren zo (1 5 9 8 -1 6 8 0 ),
A rb uthot, J o h n (1 6 6 7 -1 7 3 5 ), 236 96, 99, 207, 208, 214
A b b o y d a le , C o m p le x o In d u strial, A rco, e v o lu çã o do, 1 0 3 -1 1 0 B eth e, H an s A lb rech t (1 9 0 6 ), 3 4 3 ­
Y o rk sh ire, 2 7 2 A r is tó te le s ( 3 8 4 - 3 2 2 a .C .), 1 4 2 , -344
A b elh a s, m e c a n is m o s d e rep ro d u ­ 194, 197, 208, 224 B íb lia , A , 2 5 , 6 0 - 7 0 , 7 2 , 7 3 , 7 9 ,
ç ã o nas, 1 9 7 , 3 8 6 , 3 9 6 , 4 0 0 A r q u i m e d e s (c. 2 8 7 - 2 1 2 a .C .), 7 4 , 1 6 2 -1 6 4 , 2 0 9 , 2 3 4 , 2 5 6 , 3 0 9 ,
A b óbada, Invenção da, 46, 88, 1 7 7 , 2 0 0 ; O p era , 7 4 , 1 4 2 , 2 0 0 341
11O , 1 1 2 , 165 A str o n o n ú a , c iên cia da, 8 4 , 1 6 4 , B in g h a m , H ira m (1 8 7 5 -1 9 5 6 ), 9 6
Á cid o D eso x ir ib o n u c lé ic o (A D N ), 165, 177, 181, 189, 2 18 , 2 4 0 ­ B io lo g ia , 6 0 -7 9 , 1 6 5 , 3 0 8 , 3 1 ,
2, 2 0 , 178, 1 9 5 , 1 12, 3 1 7 ,3 5 6 , -25 4, 3 5 8 -3 6 0 3 1 7 , 3 7 9 -4 0 9 , 4 1 1 ,4 3 6 ;d iv e r si-
3 9 0 -3 9 5 A tleta, 9, 31-36 d a d e d a v i d a , 2 9 1 ; h u m a n a , v.
A ç o , fab ricaçã o d o , 1 3 1 -1 3 3 A tô n ú c a , estrutura, 2 4 , 9 6 , 1 74 , E v o lu ç ã o cu ltu ral
A c ú stic a e M ú sica, h istó ria da, 6 6 , 1 7 6 , 3 30 ; con cep ção d e B o h r da, B ioq u ín ú ca, 1 40 , 154, 1 5 5 , 3 1 4 ,
156, 157, 169, 176, 179, 379 167, 3 36 -3 3 8; con cep ção de v. tb . á c i d o d e s o x ir i b o n u c l é ic o
A d a p is p a r is ie n s is e A d a p is m a g - D a lto n d a, 1 51 ; c o n ce p çã o d e (A D N ), estrutura d a s red es d e
n u s, 3 7 M en d eleiev da, 3 2 3 -3 2 6 ;c o n c e p - cristais e p r o te ín a s
A d a p ta ç õ e s , a n im a l, 19, 4 8 ; h o ­ ção d e R u th erford da, 334 B i r m in g h a m , I n g la te r r a , c e n t r o in­
m em , 48 A u b r e y , J o h n ( 1 6 2 6 - 1 6 9 4 ) , B r ie f te le c tu a l, 2 7 7 - 2 7 9 ; a p ed reja -
v. t b . E v o l u ç ã o c u l t u r a l L iv e s , 1 6 4 m e n t o da casa d e P r ie stle y e m ,
A d ela rd d e B a th (sé c u lo X II), 6 9 A u s c h w itz (O stw ie c im ), P o lô n ia , 144
A e g y p to p ith e c u s z e u x is, 1 0 , 3 7 , 4 2 186, 1 8 7 ,3 7 4 B isã o, P in tu ra p a le o lític a d o, 18
Á frica, 5 6 , 5 9 , 4 3 7 ; h o m e m na, A u tô m a to Jacq u et-D roz, 127 B la k e , W illia m ( 1 7 5 7 - 1 8 2 7 ) , 9 0 ,
25-29 A u s t r a l o p i t h e c u s a fr ic a n u s , tb . c o ­ 9 1 , 2 5 6 , 2 8 5 ; A u g u r ie s o f ln n o -
A g ressão , T eorias d a , 3 7 0 4 ; c o m o n h e c i d o c o m o H o m o tr a n s v a a - c e n c e , 3 5 1; E u r o p e , A P r o p h e c y ,
^ in stin to n o h o m e m , 88 le n s is , 1 0 , 2 9 , 3 8 , 5 9 , 4 0 1 3 4 ; S o n g s o f E x p e r ie n c e , 2 1 9 ;
Á g u a , c o m o fo n te de p o tên cia , A u s tr a lo p ith e c u s r o b u s tu s , 1 0 , 3 8 , S o n g s o fI n n o c e n c e , 4 1 2
2 6 0 -2 6 2 ; estru tu ra a tô n ú ca , 1 52; 42 B lu m e n b a c h , J o h a n n F ried rich
estrutura da g o ta , 8 1 A u tôrn atos, 1 27 , 1 3 8 , 2 6 5 , 2 6 7 , ( 1 7 5 2 - 1 8 4 0 ) , co leçã o d e crânios,
A lav a n ca, p rin cíp io da, 2 7 ,7 4 ,1 1 8 286, 3 7 4 ,4 1 6 ,4 3 6 G O ttin gen , 1 8 2 , 3 6 7
A lcorã o, 3 3 , 1 6 6 , 1 6 9 A v e b u r y R in g , In glaterra, 1 9 2 B o ccio n i, U m b e r to (1 8 8 2 -1 9 1 6 ),
A f o n s o X , o S á b io , R e i d e C a ste- A v e r y , O sw a ld ( 1 8 7 7 -1 9 5 5 ), 3 9 3 A s F o rça s d e u m a R u a , 3 3 2 ;
la e L eón (1221-84), 75, 176 A v ic e n a ( A b u -A li a l-H asa in ib n D in a m is m o d e u m C ic lis ta , 1 6 5 ,
A lg a , v e r d e , 3 8 8 , 4 0 6 ; S p ir o g y r a , A b id u la h ib n S in a ) (9 8 0 -1 0 3 7 ), 332
200 142 B o h r , N ie ls H e n r ik D a v id ( 1 8 8 5 ­
A lh a m b ra , o , G ran ad a, E sp an h a , B a b i l ô n i a , v. C i v i l i z a ç ã o s u m e r i a n a -1 9 6 2 ), 122, 158, 1 6 3 ,2 0 4 ,3 3 2 ,
7 2 , 7 3 , 20, 1 69 -7 6 B a co n , F ra n cis ( 1 5 6 1 - 1 6 2 6 ) , 1 3 6 , 3 3 4 - 3 4 0 ; O n th e C o n s titu tio n o f
A l h a z e n ( a b u - ’A l i A l H a s e n i b n 3 25 -3 2 6 A t o m s a n d M o le c u le s , 3 3 7
A l - H a y t h a n ) (d. 1 0 3 8 ) , 5 , 1 7 9 ; B acon , R o g er, V isco n d e d e St. B o ltzm a n n , L u d w ig (1 8 4 4 -1 9 0 6 ),
O p tic a e T h e s a u ru s A lh a z e n i, 7 7 A lb a n s (1 2 1 4 -1 2 9 4 ), 1 79 1 7 3 , 2 0 4 , 3 47 -3 5 1
A legri, G reg ó rio ( 1 5 8 2 - 1 6 5 2 ) , 2 0 8 B a k h tia ri, s u d o e s t e d a P érsia , 2 0 , B o rg ra jew icz, S te p h a n ( 1 9 1 0 ) ,
A lq u im ia, 2 0 , 1 2 3 , 1 3 3 , 1 3 4 , 136 , 2 1 ,6 0 ,6 1 ,6 2 ,6 3 ,6 4 , 7 8 ,4 2 5 175, 353, 355
138, 142, 150, 152, 238, 239, B a lística , 8 1 , 1 8 4 , 2 4 9 B o m , M ax (1 8 8 2 -1 9 7 0 ), 1 6 3 ,1 8 0 ,
3 2 1 ,3 4 1 , 343 B a ila, G i a c o m o ( 1 8 7 1 - 1 9 5 8 ) , O 204, 329, 3 60 -3 6 2, 364, 367,
A m a z o n a s , R i o , P e r u e B ra sil, 4 2 , P la n e ta M e r c ú r io p a s s a n d o d ia n ­ 409
9 2 , 2 9 4 , 3 0 1 , 3 0 3 , 3 0 6 ; flo res­ t e d o S o l, 1 6 5 B o sw e ll, J a m e s ( 1 7 4 0 - 1 7 9 5 ) , L ife
tas d o , B ra sil, 1 4 1 , 1 4 4 , 1 4 5 ; e x ­ B arb ari, J a c o p o d e , 8 9 o f Joh n son , 280
p e d iç ã o d e B a te s e W a lla c e às, B a r b e r i n i , M a f f e o , v. U r b a n o V I I I B o u lto n , M a tth e w (1 7 2 8 -1 8 0 9 ),
296 B a te s, H e n r y W alter (1 8 2 5 -1 8 9 2 ), 135, 277, 280
A m e r ín d io s , trib o s, 4 5 , 9 1 - 9 4 ; d a 294, 296, 306 B o u rb o n , F a m flia R eal d o s , F ra n ­
C a lifó rn ia , 1 9 ; T ierra d e i F u e g o , B e a u m a r c h a i s , C o n d e d e , v. C a r o n , ça, 2 6 7 , 2 6 8 , 3 7 9
147, 3 0 3 ; u so d o ferro p e lo s , 1 31 P ierre A u g u s tin Braque, G eorges (18 8 2 -1 9 6 3 ),
A n a to m ia , estu d o da, 1 4 2 , 1 7 2 , B eau va is, C a te d r a l, F r a n ç a , 1 1 0 H o u s e s a t L 'E s ta q u e , 3 3 2
2 0 7 ,4 1 2 B e b ê h u m a n o , 8, 3 1 ; r e fle x o de, B recht, B ertolt (1 8 9 8 -1 9 5 6 ), 3 6 7
v. t b . V e s a l i u s 31 B rid gew a ter, F ra n cis E g erto n , 3 9
A n n e , rain h a d a In glaterra ( 1 6 6 5 ­ B e e th o v e n , L u d w ig van ( 1 7 7 0 ­ D u q u e d e (17 36 -18 0 3), 126,
-17 14 ), 2 3 4 , 236 -18 27 ), 2 88 262, 265
A q u e d u to r o m a n o , S eg ó v ia , 4 1 ,
1 0 4 ,1 0 6
B el^ arn ú n o, c a r d e a l R o b e r t o ( 1 5 4 2 ­
-16 21 ), 205 , 2 07 , 2 1 3 , 214, 216
B rin d ley , J a m es (1 7 1 6 -1 7 7 2 ), 126,
260, 262, 265 443
B ro g ü e, L o u is V icto r, P r ín c ip e d e ev o lu çã o do - h u m a n o , 3 6 , 4 0 , -1934), 163, 2 04
(1892), 163, 338, 364 4 2-46; D a lto n , J o h n ( 1 7 6 6 -1 8 4 4 ), 6 4 ,6 5 ,
B ron ow sk i, J acob (1 9 0 8 -1 9 7 4 ), r ela çõ es c o m a m ã o , 4 2 , 2 1 2 , 1 50 -1 5 3, 322
T h e fd e n tity o f M an , 4 1 2 , 4 1 5 113, 115, 116 D art, R a y m o n d (1 8 9 3 ), 2 9
B r o n z e , 1 3 1 ; calig rafia n o , 5 3 , C h a d w ic k , S ir J a m e s ( 1 8 9 1 - 1 9 7 4 ) , D a r w in , C h arles R o b e r t ( 1 8 0 9 ­
1 2 8 ; té c n ic a d e m o d e la r o , 1 2 7 ; 341, 343, 351 82), 2 4 , 1 4 2 , 1 5 1 , 245, 2 7 9 ,
d e sco b e r ta d o , O rien te M é d io , C h agall, M arc ( 1 8 8 7 ) , 3 6 7 ; O 2 91 , 3 01 -3 0 9, 313, 317, 344 ,
126; bronzes de Shang e de C hou, C a s a m e n to , 2 0 3 351, 387;
5 2 , 126 C h a u c e r , G e o f f r e y (c . 1 3 4 0 - 1 4 0 0 ) , D o w n e H ouse, 148, 149, 306;
B rooke, R upert (18 87 -19 1 5), 337 T r a ta d o s o b r e o A s tr o lá b io , 1 6 6 , c o r r e s p o n d ê n c ia c o m A . R . W al-
B r o w n e , S ir T h o m a s ( 1 6 0 5 - 1 6 8 2 ) , 260 lace, 3 0 8 ;
T h e G a r d e n o f C y r u s , 91 C h in a , 4 1 1 , 4 2 6 , 4 3 7 ; alq u illÚ a n a, V ia g e m d e u m N a tu r a lis ta , 1 4 3 ,
B ru n ellesch i, F ilip p o ( 1 3 7 9 - 1 4 4 6 ) , 1 3 6 ; ad oração d o ancestral na, 293, 303;
179 1 1 8 ; m a te m á tic a na, 6 8 ; D in astia A D e s c e n d ê n c ia d o H o m e m , 2 4 ;
B runo, G iord a n o (1 5 4 8 -1 6 0 0 ), S h a n g na, 1 26 A O rig em d a s E s p é c ie s, 2 4 , 3 0 8
198, 205, 207 C id a d e, o rg an iza çã o d a, 8 8 , 8 9 , D a rw in , E rasm u s (1 7 3 1 -1 8 0 2 ),
B r u tu s, M a r c u s J u n iu s (c. 8 5 - 4 2 100, 102 148, 279, 304
a. C .), 1 1 3 C ivilizaçã o su m eria n a , 7 7 , 1 0 0 , D e fo e , D a n iel (1 6 6 1 ? - 1 7 3 1 ),
B u d h a , G a u ^ m a , P r ín ç ip e S idd- 155, 158, 160, 1 8 9 ,4 3 5 ,4 3 7 R o b in so n C ru so e, 1 9 2
h a r th a ( 5 6 3 - 4 8 3 a .C ), 4 1 7 C lau siu s, R u d o l f J u liu s E m a n n e l D e m o c r a c ia , Ideal da, 2 7 4 , 3 7 9 ,
B u d ism o , n o Im p é r io M o n g o l, 8 8 , (18 22 -18 8 8), 347 3 8 6 ,3 9 0 ,4 1 1 ,4 2 8 ,4 3 5 -4 3 7
4 1 7 ,4 3 7 C o b r e , 1 2 6 , 1 5 0 , 1 8 2 ; n a P érsia D en tes, h u m a n o s, ev o lu çã o d o s,
B u z K a sh i, jo g o d o A fg a n istã o , A n tig a, 1 2 5 ; n o I m p é r io In ca , 29, 3 8 ,4 1
3 2 ,2 1 3 , 82-86, 4 26 1 0 2 ; p o n t o d e fu s ã o , 1 3 2 ; a d el- D escartes, R en é (1 5 9 6 -1 6 5 0 ), 2 1 8
C a lcu la d or, h istó r ic o e m o d e r n o , g a ç a m e n to d o aram e estirado, 51 D e sco b erta cien tífica , 2 0 , 26, 29,
5 6 ,7 1 ,9 1 ,1 6 6 , 1 6 8 ,2 0 0 C ó d igo , 20 94, 9 5, 1 12 , 115, 141, 1 5 3 ,2 0 2 ,
C á lc u lo ,o , I 8 4 - 1 8 7 ,2 2 2 ,2 2 8 , 2 3 9 C o lerid ge, S a m u e l T a y lo r ( 1 7 7 2 ­ 236
C a n a l, 2 6 2 -2 6 5 ; L la n g o lle n , V r o n , - 1 8 3 4 ) , K u b la i K h a n , 8 8 ; R im e D e se n v o lv im e n to em b rio ló g ico ,
G a le s, 1 2 5 ; M a n ch ester a W ors- o f th e A n c ie n t M a rin e r, 2 8 2 2 0 7 , 4 2 4 ; n o g ru n io n , 1 9, 1 3 9 ;
ley, 2 6 2 C o lo m b o , C ristóvão (1 4 5 1 -1 5 0 6 ), n a g alin h a , 1 9 6 , 3 9 5
C a n y o n d e C h elly , M o n u m e n to 96, 140, 169, 190, 194 D e s lo c a m e n to . co n tin e n ta l, teoria
N a cio n a l, A rizo n a , 3 5 , 9 1 -9 6 C o m p o r ta m e n to a n im a l, e stu d o s dO, 7 2 , 9 1
Carbono, 344, 390 do, 210, 4 1 2 ,4 1 6 D ic k e n s , C h arles ( 1 8 1 2 - 1 8 7 0 ) , 4 2 4
C arn ot, N ic o la s L éon ard Sadi C o p ém io o , N icolau (1 4 7 3 -1 5 4 3 ), D ióx id o de carbono, 1 5 1 ,1 5 2 , 314
( 1 7 9 6 - 1 8 3 2 ) , L a P u is s a n c e M o - 8 8 , 1 96 -1 9 8, 2 0 4 -2 1 6 , 2 2 1 ,3 3 4 ; D o m e s tic a ç ã o d o s a n im ais, 2 1 , 2 7 ,
tr ic e d u F e u , 2 8 2 D e r e v o lu tio n ib u s o r b iu m , c o e - 2 4 ,6 0 ,7 7 ,7 9 , 86 ■
C a r o n , Pierre A u g u s tin , c o n d e de le s tiu m , 8 8 , 1 4 2 , 1 9 7 D o n d i, G iov an n i de (1 3 1 8 -1 3 8 9 ),
B eau m a rch ais (1 7 3 2 -1 7 9 9 ), 2 6 5 , C ó rd o b a, G ran d e M esquita, E sp a ­ 8 7 , 1 94 -1 9 6
2 6 7 - 2 6 8 ; A s B o d a s d e F ig a ro , nha, 4 2, 106 D onne, John (1572-1631), The
2 6 5 , 2 6 7 ,2 6 8 C o w p e r , W illia m ( 1 7 3 1 - 1 8 0 0 ) , 2 4 7 E x ta s ie , 4 0 6
C arp accio, V itto re (c. 1 4 5 0 -1 5 2 2 ), C rab b le, G e o rg e ( 1 7 5 4 - 1 8 3 2 ) , 2 6 0 D r y o p i t h e c u s a f i i c a n u s , v. P r o -
S a n to Ü rsu fa , 7 8 , 1 7 9 C r e s c im e n to , an álise m a te m á tic a c o n s u l a fr ic a n u s , D r y o p it h e c u s
C arrara, m á r m o r e , Itá lia , 1 1 5 d o , 8 2 , 1 9 4 , 1 84 -1 8 7 f o n ta n i, D r y o p it h e c u s in d ic iu s e
C a rro ll, L e w is (C h a r le s L u t w id g e C r e sc e n te F értil, 6 8 , 7 0 , 9 1, 9 2 , D r y p o ti h e c u s s iv a le n s is , 1 0 , 3 7 ,
D o d g s o n ) ( 1 8 3 2 - 1 8 9 8 ) , A lic e n o 100 38
P a í s d a s M a r a v il h a s , 2 4 9 C rick , F ra n cis H . C o m p t o n (1 9 1 6 ) , D u p le s sis, J o s e p h S ., R e tr a to d e
C a ta r in a II, A G r a n d e , im p e r a tr iz 3 90 -3 9 3 B e n ja m in F r a n k lin , 1 2 9
d a R ú ssia ( 1 7 2 9 - 1 7 9 6 ) , 2 7 7 C risto, J esu s, 2 4 , 9 1 , 9 4 , 1 2 5 , 1 5 5 , D ürer, A lb rech t (1 4 7 1 -1 5 2 8 ), A
C a v a lo , c o m o a n im a l de tra çã o , 8 0 ; 1 6 4 -1 6 5 , 196, 4 2 5 ,4 2 9 A d o r a ç ã o d o s M a g o s, 80, 1 8 1 ;
d o m estica çã o do, 86; C r o m w e ll, O liv er ( 1 5 9 9 - 1 6 5 8 ) , T r a ta d o d a P e r s p e c tiv a , 7 9 , 1 8 3 ;
n o P e r u , 1 0 1; 222, 374 A u to -r e tr a to , 2 0 9
a m a n sa m e n to para m o n ta ria , 24, C rista l, 3 2 1 - 3 3 2 , 3 5 6 ; d a T a b e la D u r h a m , T e r r y ( 1 9 3 0 ) , R e tr a to
8 0 ,4 1 2 ; P eriódica d e E lem e n to s , 1 5 9 , d o D r. B r o n o w s k i, 4 1 6
c a v a leiro s, 8 2 - 8 4 , 1 3 3 3 2 1 -3 3 0 ; d e m eta is, 1 2 5 , 1 2 6 , E d d i n g t o n , S ir A r t h u r S t a n le y
C a v er n a s d e A ltallÚ ra, S a n ta n d e r , 1 3 3 ; d e pirita, d e flu o r ita , d ia ­ (1882 -19 4 4), 254
E spanha, 18, 50-56 m a n t e , cristal d a Islâ n d ia , 7 4 , E g ito , A n tig o , 1 0 0 ,1 5 9 , 1 6 0 , 1 8 9 ,
C ellin i, B e n v e n u t o ( 1 5 0 0 - 1 5 7 1 ) , 1 7 4 ; v. t b . A c i d o D e s o x i r i b o - 4 2 6 ,4 3 5 ,4 3 7
5 7 ; M e m ó r ia s d e B e n v e n u to n u c lé ic o ( A D N ) E in stein , A lb ert (1 8 7 9 -1 9 5 5 ), 1 17 ,
C e llin i, 1 3 4 , 1 3 6 C ru ik sh an k , G e o r g e ( 1 7 9 2 - 1 8 7 8 ) , 118, 122, 158, 163, 204, 245­
C e lsu s A u reliu s, 1 4 0 G ra v u ra s S a tír ic a s , 1 2 6 , 1 2 7 -256, 321 , 3 28 -3 2 9, 343, 367,
C en ta u ro , len d a grega do, 8 0 C u ltu ra d o s c a ç a d o r e s m a g d a le n ia - 3 7 0 - 3 7 1 , 4 0 8 , 4 2 9 ; E le tr o d in â -
C érebro, 31, 4 0 4 , 4 1 2 -4 2 4 , 436 ; nos, 1 1 ,4 6 m ic a d o s c o r p o s e m m o v im e n ­
444 e lo co m o çã o , 2 0 , 31; C u rie, M a r ie S k l o d o w s k a ( 1 8 6 7 - to , 1 2 1 , 2 5 4 , 2 5 5 ; O M u n d o
c o m o o v e jo , 2 5 5 , 2 5 6 F erro, uso p o r a m erín d io s, 131; G e o r g e III, rei d a In g la te r r a ( 1 7 3 8 ­
E lem en to s q u ím ico s, 1 3 3 , 134, trab a lh o d o , para fab ricaçã o d e 182 0), 271
146, 151, 3 4 3 -3 4 9 ; con cep ção aço, 132 G e ra ld o d e C r e m o n a (c. 1 1 1 4 ­
grega d o s, 1 2 3 , 1 4 4 ; T a b e la P e ­ F ís ic a , h istó ria d a , 1 1 0 , 1 2 5 , 1 6 5 , -11 87 ), 177
rió d ica d o s, 1 6 1 , 3 2 3 -3 2 6 2 21 -2 5 6, 3 2 1 -3 7 4 ,4 1 1 ,4 3 6 G e r m â n io , id en tifica çã o d o , 3 26
E létro n s, 1 6 7 , 2 6 4 , 3 3 0 , 3 3 4 , F ísica a tô m ic a , 2 4 , 3 2 8 - 3 5 1 , 3 5 3 ­ G etsu , artesão na fab ricação d e es­
3 3 6 ,3 6 2 -37 0 pada, 5 4 , 1 31 -1 3 3
E n g e l s , F r i e d r i c h ( 1 8 2 0 - 1 8 9 5 ) , v. F itz.roy , R o b e r t ( 1 8 0 5 - 1 8 6 5 ) , 3 0 3 G h ib erti, L o ren zo (1 3 7 8 -1 4 5 5 ),
M a r x , K arl H e in r ic h F lam steed , J oh n (1 6 4 6 -1 7 1 9 ), 2 43 179
E n g en h aria, 1 3 5 , 1 0 4 , 1 8 9 , 2 6 0 , F o g o , c o m o a n alisad o r, 1 2 5 , 1 4 2 ; G illary, J a m e s ( 1 7 5 7 - 1 8 1 5 ) , 1 30
2 7 7 -2 8 0 , 2 8 6 ,4 3 6 c o m o p r o ce sso , 1 4 2 ; c o m o p u ri­ G o e th e , J o h a n n W olfga n g von
E n tr o p ia , te o r ia física d a , 3 4 7 , fic a d o r, 1 2 3 , 1 3 8 ; n a Id ad e da (1749-1832), 288
3 4 8 -3 5 1 Pedra, 4 1 , 5 0 ; len das d o , 1 2 4 G o ld s m i t h , O liv er ( 1 7 2 8 - 1 7 7 4 ) , A
E n x o fr e , 1 2 4 , 3 4 4 ; s u lfeto s de F o ra m e n m a g n u m , b a se d o crânio, V ila d e s e r t a , 2 6 0
m ercÚ Iio, 1 2 3 , 1 3 8 -1 3 9 29, 37 G récia , c iê n c ia e cu ltu ra na, 7 4 ,
E ra sm u s, D e s id er iu s (c. 1 4 6 6 ­ F r a n c i s c o I, r e i d a F r a n ç a ( 1 4 9 4 ­ 7 7, 112 , 134, 1 5 5 -1 6 2 , 177,
1 53 6), 2 1 4 , 2 15 , 1 41 , 142; O -15 47 ), 1 3 4 ,1 3 6 321 , 351
E lo g io d a L o u c u r a , 4 2 7 , 4 2 9 F ra n k lin , B en ja m in ( 1 7 0 6 - 1 7 9 0 ) , G riffier, R o b e r t ( 1 6 8 8 - 1 7 6 0 ? ) ,
E sp ecificid a d e h u m a n a , 1 9 ,2 9 - 3 1 , 1 2 8 , 1 2 9 , 1 1 6 , 1 4 4 , 1 4 8 , 26&- 113
4 2 , 5 6, 113, 118, 4 0 0 -4 0 7 , -2 7 2 ; P o o r R ic h a r d 's A lm a n a c k , G r is , J u a n ( 1 8 8 7 - 1 9 2 7 ) , N a tu r e z a
4 1 6 -4 2 4 2 6 8 ; r a s c u n h o d a D e c la r a ç ã o d a M o r ta , P ie r r o t, 3 3 2
E spaço, m ed id a d o , 1 55 , 176, In d e p e n d ê n c ia , 2 7 2 , 2 7 9 G r u n i o n , 1, 1 9 , 3 8 8
1 80 -1 8 7, 2 4 0 , 2 4 1 ,2 5 6 F r a n z J o s e f I, i m p e r a d o r d a Á u s ­ G ru p o s sa n g ü ín eo s, h u m a n o , N o ­
E spada jap on esa, 5 4 , 131 , 132, tria ( 1 8 3 0 - 1 9 1 6 ) , 3 7 9 , 3 8 6 vo M u n d o, 9 2 , 94
m arcas d e resfria m en to n a , 5 5 , F reu d , S ig m u n d (1856-1939), G ru ta d e O ld u va i, T a n z â n ia , 29
133 367 G u i l h e r m e II, K a is e r d a A l e m a n h a
E sp ectro , de in fo rm a çã o , 3 5 3 -3 6 4 ; F r o b e n iu s , J o h a n n (c. 1 4 6 0 - 1 5 2 7 ) , (1859 -19 4 1), 362
d a lu z, 1 0 6 , 2 2 4 , 2 4 9 ; d e m o l é ­ 1 4 1 ,4 2 9 H á fn io , iso la m en to d o e le m e n to ,
cu las o rg â n ic a s n a s estrelas, 3 1 8 ; G a le n o , C lá u d io (c. 1 3 0 -2 0 0 ) , 1 7 7 , 337
a tô m ico , 1 67 , 3 3 6 -3 3 9 411 H a lley , Edm ond (16 56 -17 4 2),
E s q u im ó , escu ltu ra, 1 15 G a lile o , G a lilei ( 1 5 6 4 - 1 6 4 2 ) , 9 0 , 232 -2 3 3
E sta b ilid a d e E stra tifica d a , teoria 9 1, 9 3 , 9 4 , 1 98 -2 1 8, 259, 334, H a ló g e n o s, m eta is, 1 5 9 , 3 2 1 ,
da, 3 44 -3 4 9 3 6 7 ; D iá lo g o s o b r e o s g r a n d e s 322
E s ta tístic a , a n á lise, 3 4 8 , 3 5 8 , s is te m a s d o m u n d o , 2 0 9 , 2 1 1 , H arp ão m a g d a len ia n o , 14, 4 6
360 2 1 2 , 2 2 1 ; v. I n d e x ; O m e n s a g e i ­ H arrison, J o h n ( 1 6 9 3 - 1 7 7 6 ) , 1 14 ,
E s te r e o tip ia e m crista is, 1 5 4 , 1 7 3 , r o e s te la r ( S id e r iu s N u n c iu s ), 116, 2 4 1 -2 4 5
313; n o h o m em , 3 1 1 ,4 2 1 2 0 4 -2 0 5 ; ju lg a m e n to de, 2 0 5 , H a y , H . J. ( 1 9 3 0 ) , 2 5 5
E stre ito d e B e r in g , A la sc a , E U A , 2 1 2 - 2 1 7 , 3 3 4 ; D u a s n o v a s c iê n - H e g e l, G e o r g W ilh e lm F ried rich
92 cw s, 2 1 8 (1 7 70 -18 3 1), 360
E u clid es, 1 6 2 -1 6 4 , 1 7 7 , 2 3 3 , 4 3 7 ; G a n d h i, M a h a tm a (1 8 6 9 -1 9 4 8 ), H eisen b erg, W ern er ( 1 9 0 1 ) , 1 6 3 ,
E le m e n to s d e G e o m e tr ia , 6 9 429 337, 340, 362, 364, 365
E v o lu ç ã o , b io ló g ica , 1 9, 4 8 , 5 9, G arstan g, J o h n (1 8 7 6 -1 9 5 6 ), 65 H élio , 3 2 2 , 3 3 0 , 3 4 3 , 3 4 4 , 3 4 9
2 93 -3 0 8, 317 , 4 0 0 , 4 1 1 , 4 2 1 ; G ás d o s P ân tan os (m eta n o ), 1 51 , H e n r iq u e V III, rei d a In glaterra
p o r seleçã o n a tu ral, 4 2 , 5 0 , 5 9 , 314 (1491-1547), 207
388; G a u s s , K arl F r ie d r ic h (1777­ H ersch el, S irW illiam (1 7 3 8 - 1 8 2 2 ) ,
por seleção sex u a l n o h o m e m , 1 85 5), 179, 3 5 8 -3 6 0 , 4 2 4 ; Cur­ 354
4 00 -4 0 6 ; va d e G auss, 3 5 8 , 3 6 4 H ersh ey , A lfred D a y (1 9 0 8 ), 3 9 3
cu ltu ral, 2 0 , 3 6 , 4 0 , 4 8 , 5 6 , 5 9 , G ay, John (1 6 8 5 -1 7 3 2 ), T h e B eg- H er tz , H ein rich R u d o lf ( 1 8 5 7 ­
60; g a r 's O p e r a , 2 3 6 - 2 4 0 ; T h r e e -1894), 354
d a m a téria , 3 0 9 , 3 4 4 ; H o u r s a f te r M a n la g e , 2 3 6 H id ro g ên io , 1 6 7 , 3 2 2 , 3 3 0 , 3 36 ,
v. t b . C é r e b r o e D e n t e s G a zela , de G ran t, 3, 28, 32, 3 5 -3 6 337 , 3 4 1 ,3 4 3 , 349, 390
E y c k , J a n v a n (c. 1 3 9 0 -1 4 4 1 ) , R e ­ G e n é t ic a , h istó ria d a s id éia s d e H i ll , D a v i d O c t a v i u s ( 1 8 0 2 - 1 8 7 0 ) ,
tr a to d o s A m o lf in is , 2 0 2 M e n d e l s o b r e a, 3 8 0 - 3 9 0 ; d o V w d u to d a A m ê n d o a , 1 2 3
F a rad ay , M ich ael ( 1 7 9 1 -1 8 6 7 ), a x o lo tle , 198, 3 9 6 -3 9 9 ; da ce­ H ip ó c r a te s (c. 4 6 0 - 3 7 7 a .C .), 1 7 7 ,
271 g u e ir a d e cores, 1 5 1 ; d o láb io 429
F erm en tação, 155, 3 1 1 , 3 1 4 , 316 d o s H a b s b u r g o s , 3 7 9 ; d a erv ilh a , H iro sh im a , J a p ã o , 1 8 5 , 3 7 0
F erm i, E n rico (1 9 0 1 - 1 9 5 4 ) , 171, 1 9 0 , 3 8 1 -3 8 8 ; d a co r da p ele n o H itler, A d o lf ( 1 8 8 9 - 1 9 4 5 ) , 8 6 ,
172, 1 8 3 , 341, 3 43 -3 4 7, 351, h o m e m , 2 6 ; d o trig o , 6 5 343, 3 6 7 -3 6 9 ,4 2 5
367, 369, 370 G e n g h i s K h a n (1 1 6 2 - 1 2 2 7 ) , 8 0 , H ob b es, T h o m a s (1 5 8 8 -1 6 7 9 ), 164
F e r n a n d o I, i m p e r a d o r d a Á u s t r i a 82, 86-88, 132 H o m e r o (c. 7 0 0 a .C .), 4 3 7 ; A
(1793-1876), 376 G eo lo g ia , 2 5 , 2 6 , 91 l/la d a , 3 4 9
F erram entas, 11, 2 9 , 4 0 , 4 1 , 4 6 ,
6 5 ,9 5 , 1 10, 116, 1 18, 1 5 8 ,3 7 0
G c o r g e I I, r e i d a I n g l a t e r r a ( 1 6 8 3 ­
1760). 3 62
H o m o e r e c tu s , 1 0 , 1 1 , 4 0 , 4 1 , 4 2 ,
4 5 , 124 445
H o m o s a p ie n s , 1 0 , 4 1 , 4 2 , 4 8 , 5 0 , 8 0 ,8 2 ,8 6 ,8 8 ,2 0 5 ,2 6 5 ,3 7 0 Lua, 9 3, 164, 196, 204, 2 22 , 233,
59 J o l i o t - C u r i e , F red eric ( 1 9 0 0 ­ 388
H o m o tra n sv a a le n sis, v . A u s tr a lo - -1958), 369. L u í s X V I , r e i d a F r a ii.,-a ( 1 7 5 4
p it h e c u s a fr ic a n u s J ou le, J a m es P rescott (1 8 1 8 -1 8 8 9 ), 1793), 265, 2 67 , 268
H o ok e, Robert (1 6 3 5 -1 7 0 3 ), 226, 162, 286, 288 L u t e r o , M a rtin h o ( 1 4 8 8 - 1 5 4 6 ) ,
2 32 -2 3 4, 241 K elv in , W illia m T h o m s o n , p r im e i­ 142, 205
H o o k e r , S ir J o s e p h D a lt o n ( 1 8 1 7 ­ ro barão (1 8 2 4 -1 9 0 7 ), 288 L uz, 1 79 -1 8 1, 2 24 -2 2 8 , 247, 248
-1911), 3 06 , 308 K e n y o n , K a th leen M a r y (l9 0 6 ), 70 -256, 353, 355
H u n ter, W alter (1 8 8 9 - 1 9 5 4 ) , 4 2 3 K ep ler, J o h a n n es (1 5 7 1 -1 6 3 0 ), L y e ll, S ir C h a r le s ( 1 7 9 7 - 1 8 7 5 )
H u n tsm a n , B e n ja m in (1 7 0 4 -1 7 7 6 ), 184 , 1 9 8 ,2 2 1 T h e P r i n c i p i e s <>f G e o l o g y , 3 0 6 ,
131 K n e lle r , S ir G o d f r e y ( 1 6 4 6 - 1 7 2 3 ) , 308
H u x ley , A ld o u s L eon ard (1 8 9 4 ­ R e tr a to d e S ir Isa a c N e w to n , M a c a c o a n t r o p ó i d e , c o m p a r a . >■
-1963), 124 104, 107 ao h o m e m , 2 9, 36, 5 9 , 3 0 2 , 4 0 0 ,
Iatro q u ím ica , 1 3 8 , 1 40 K o - H u n g (c . 2 6 0 - 3 4 0 ) , P a o - p 'n 4 1 1 ,4 1 7 ,4 2 3
Ilha d a P á s c o a , 8 6 , 1 9 2 , 1 9 8 , 4 2 5 T zu , 134 M ach, E rnst (1 8 3 8 -1 9 1 6 ), 351
Im a gin açã o, 3 6 , 4 0 , 4 8 , 5 0 , 5 4 , K u b l a i K h a n (c . 1 2 1 5 - 1 2 9 4 ) , 8 8 , M a c h u P i c c h u , c id a d e i n c a d .', P e ­
56, 91, 94, 95, 340, 364, 365, 132 ru, 3 7 , 2 0 , 9 6 - 1 0 3 , 4 1 6
4 3 2 ,4 3 8 L a m a rck , J ea n B a p tiste ( 1 7 4 4 ­ M a ç o n s , t r a b a l h o d o s , 4 4 , 1 o 9 .,
Im p é r io In ca , 9 6 , 1 0 0 , 1 0 1 , 1 0 2 , -18 29 ), 388 110, 112, 113, 2 4 4 ,2 6 8 , 274
1 0 3 , 1 0 6 ; trab alh o e m o u ro d o , L a p ões, 15, 16, 1 7 ,4 8 ,5 9 M a ia s, 2 0 , 1 5 5 , 1 8 9 , 1 9 0 - 1 9 8 ; o s
5 6, 134 Laue, M ax von (1 8 7 9 -1 9 6 0 ), 356 a strôn om os, 20
L a vo isier, A n t o i n e L a u r e n t ( 1 7 4 3 ­ M a lth u s, T h o m a s R o b e r t ( 1 7 6 6 ­
86
Im p ério M o n g o l, 3 0 , 6 1 , 80, 8 4 ,
, 8 8 ; in vasão d o J a p ã o , 1 3 2 , -1 7 9 4 ), 6 2 ,6 3 , 146, 1 48 -1 5 0 1 8 3 4 ) , E n s a io s o b r e a P o p u la ­
1 4 0 ; táticas d e c h o q u e d o , 8 2 L ea k ey , L o u is S e y m o u r B a zett ção H um ana, 305, 306
In certeza , p rin c íp io d a , 3 5 6 -3 6 7 (1903-72), 37 M ann, Thom as (1875-1955), 367
Index, 100, 2 07 , 216 L e a k e y , R ich a rd (1 9 3 7 ), 4 0 M a o m é ( 5 7 0 - 6 3 2 ) , 1 6 5 , 1 6 6 ; v. t b .
ín d ia , sistem a s m a t e m á t ic o s da, L e ã o X , P a p a (G io v a n n i d e M ed i- A lcorã o
155 ci) ( 1 4 7 5 - 1 5 2 1 ) , 1 9 6 M a r c , F r a n z ( 1 8 8 0 - 1 9 1 6 ) , D e e r iii
fn d ios d o A m a zo n a s, 3 0 0 , 3 0 2 , L eh rm a n , D a n iel S a n ford ( 1 9 1 9 ­ a F o r e s t, 3 3 2
3 0 5 ; trib o w a y a n a , 1 2 , 1 4 6 -1972), 2 1 0 ,4 1 6 , 4 19 M a ria A n t o n i e t a , r a in h a d a FranÇ J
Indução, 20, 6 9 ,9 4 , 95, 106, 115, L ei, c ó d ig o s d e , 7 7 ; d e p r o p o r ç õ e s (17 55 -17 9 3), 265
120, 3 25 , 326, 334, 336, 340; c o n sta n te s, 1 5 2 ; d a g ravitação, M a rin i, M a rin o ( 1 9 0 1 ) , 1 1 5
a fala c o m o , 4 2 3 2 3 3 , 2 3 4 ; da natureza, 155; dos M a r x , K arl H e in r ic h ( 1 8 1 8 - 1 8 8 3 ) ,
In fo r m a ç ã o , im p erfeiçã o da, 3 5 3 ­ m o v im e n t o s p la n etá rio s, 2 2 1 ; da O M a n ife s to d o P a r tid o C o m u ­
-37 4 term o d in â m ica , 2 8 2 , 3 4 7 n ista , 3 7 9
In q u isiçã o , R o m a , 2 0 9 , 2 1 4 , 2 1 7 ; L eib n iz, G o ttfr ie d W ilh elm , B aron M a s a m u n e (c . 1 2 6 4 - 1 3 4 3 ) , C u te -
o C o n selh o d a - E sp an h o la , von (1 6 4 6 -1 7 1 6 ), 1 1 5 ,1 8 4 , 226, le ir o d e e s p a d a ja p o n ê s , 1 3 2
1 9 8 ,2 0 7 ,2 1 1 ,2 1 3 , 2 1 4 ,2 1 6 2 2 9 , 2 4 0 -2 4 1 . M a te m á tic a , histó ria da, 3 0 , 1 0 6 ,
I n s t r u m e n t o s , c ie n t í f ic o s , d e G a li- L em u ró id e, 10, 1 3, 3 7 , 45 1 0 9 , 1 1 2 , 1 6 1 , 1 5 5 -1 8 7 , 1 89 ,
le o , 91 ; m o d e r n o s , 1 7 6 , 35 3 -3 5 6 L eon ard o da V in ci (1 4 5 2 -1 5 1 9 ), 2 21 -2 2 3, 2 3 3 , 3 62 -3 6 9
Iron b rid ge G o r g e ,S h r o p s h ir e , 2 7 2 1 8 1 , 4 1 2 ; C r ia n ç a n o ú t e r o , 2 0 7 ; M a téria , e s tr u tu r a d a , 1 2 3 , 1 6 1 ;
Irrigação, 7 7 , 1 0 0 T r a je tó r ia d a s b a la s d e m o r te ir o , in te r c e p ç ã o d a lu z, 2 2 4 , 2 4 8 ,
I sa b e l I, r a in h a d e C a s te la e L e ó n
(14 51 -15 0 4), 169
8 1; M a d o n a d a s ro ch a s, 2 0 5 ; 2 4 9 , 3 53 -3 7 3
M a x w ell, J a m e s C le r k (1 8 3 1 -1 8 7 9 ),
M o n a L is a , 4 1 2
I sfa h a n , Irã, M e s q u it a d a S e x ta - 353 , 354
L e o n e , O c ta v io ( 1 5 8 7 - 1 6 3 0 ) , R e ­
feira , 1 6 5 , 1 6 9 M eca , H ed ja z, A r á b ia S a u d ita , 165
t r a t o d e G a l i l e o G a li l e i , 9 0
Islân d ia, 4 1 1 1 6 6 ,3 6 0
J a c o b s e n , C a rly le F. ( 1 9 0 2 ) , 4 2 3 L igas m e tá lic a s , 1 3 3 ; b r o n z e , 1 2 8 ;
M eiji, im p e r a d o r d o J a p ã o ( 1 8 6 7 ­
J a c q u a r d , J o s e p h M a rie ( 1 7 5 2 ­ ferro, 1 3 1 ; z in co , 126
1 91 2), 132
-1834), 127, 265 L inguagem , 3 0 ,4 5 , 1 3 1 , 2 5 6 , 3 0 I, M en d el, G rego r J o h a n n ( 1 8 2 2 ­
Janácek, L eos (18 54 -19 2 8), 387 332 , 374 , 4 21 ; dos núm eros, 84), 6 8 , 189, 1 9 0 ,3 7 9 -3 9 0 ,3 9 3 ,
Jefferson , T h o m a s (1 7 4 3 -1 8 2 6 ), 155, 156 3 9 5 ; V e rs u c h e ü b e r P fla n z e n h v -
144 L ip ch itz, J a cq u es ( 1 8 9 1 ) , 1 15 b rid e n , 3 8 5
J e r ic ó , Israel, 2 5 , 6 4 , 6 5 , 6 8 , 6 9 , L ith g o w , W illia m (o u L in lith g o w ) M en d eleiev , D m itri Iva n ov ich
7 0 ,4 3 1 ( 1 5 8 2 - 1 6 4 5 ) , T h e T o ta l! D is - 1 83 4 -1 9 0 7 ), 160, 162, 3 22 -3 3 0,
J e r u s a lé m , Israel, 2 1 6 , 4 2 9 , 4 3 1 c o u rs e o f th e R a r e A d v e n tu r e s 334, 3 3 7 ,3 3 9 ,3 4 4 ,3 4 9
J og os: b o lich e, 1 51 ; x ad rez, 8 2 , a n d P a in fu l! P e r e g r in a tio n s o f M ercú rio, su b lim a çã o d o , 1 3 8 ,
4 3 3 ; in fa n tis, 2 0 8 , 1 6 0 ; d e azar, L o n g N in e te e n e Y ea res, 2 1 6 1 3 9 ; q u ím ic a d o , 1 2 4 ; n a C h in a
2 1 8 , 4 3 5 ; m a tem á tico s, 1 58 , L ittlew o od , Joh n E d en sor (1 8 8 5 ), A n tig a , 1 2 3 ; n o s e x p e r im e n to s
1 7 4 ; p a ciên cia, 3 2 3 -3 2 5 ; p o d er, 254 d e L a vo isier, 1 4 8 , 1 5 0
2 9 4 ; T e o r i a d o s , 4 3 2 , 4 3 3 ; v. L o n g itu d e , c á lcu lo s d a , 2 3 9 M e t a is , lig as d e , 2 4 , 7 2 ; p r im e ir o
tb . B u z K a sh i
446 J o g o s d e guerra e estratégias, 3 0 ,
L o re n z, K o n r a d Z ach arias ( 1 9 0 3 ) ,
412
uso d o , 5 4 , 6 2 , 69, 1 23 , 125,
131
Metsys, Quentm (c. 1466-1530), 224, 233; na Casa da Moeda, 68, 104, 155-162, 172, 173,
R e t r a t o d e E r a s m u s . 214;Retra- 107, 111, 234, 236; em Wools- 187, 223, 234; Teorema, 156­
t o d e P a r a c e l s u s , 60 thorpe, 218, 221-223, 233; in­ -162, 173, 339
Mettemich, príncipe Klemens teresses do oculto em, 234; tra­ Pizarro, Francisco (c. 1470-1541),
Wenzel Nepomuk Lothar von balho no Optika, 106, 111, 223­ 101
(1773-1859), 379 228, 332; trabalho nosPrincipla, Planck, Max Karl Ernst Ludwig
Metzínger, Jean (1883-1956), M u ­ 108,233 (1858-1947), 336, 351,365
lh e r a c a v a lo , 3 3 2 Nicolau II, tzar da Rússia (1868­ Planetas, trajetórias dos, 85, 102,
Michelangelo, Buonarroti (1475­ -1918), 326 165, 156, 157, 164, 165, 194,
-1564); B r u t u s , 47, 113-115, Nomadismo, 21, 60, 61, 62, 63, 196, 197, 204, 211, 221, 244,
123, 208; A f r e s c o s n a C a p e l a 64,69, 86, 162, 165 318, 334, 351, 358, 360
S i s t i n a , 341; S o n e t o s , 115, 123 Números, evolução dos sistemas Platão (428-348 a.C), 425
Michelson, Albert Abrxiiani (1852­ modernos, 168, 177 Polícrates, 156
-1931), 247 Oak Ridge National Laboratory, Pope, Alexander (1688-1744), Li­
Migração de aves, 194 Tennessee, 169, 341-34 3, 349 nes Writter in Windsor-Forest,
Milho, cultivo no Novo Mundo, Observatório de Greenwich, 113, 228
68, 94, 100 115, 241,243, 249 Previsão humana, 36, 54, 56, 65,
Miller, Stanley (1930), 314 Oljeitu Khan, 33, 80, 86, 88 113, 369, 370, 416, 423-425,
Milton, John (1608-1674), Paradi- Orno, Vale, Etiópia, 4, 25, 26, 28, 435,436
se Lost, 34, 91; Sanson Agonis- 29,438 Priestley, Joseph (1733-1804), 61,
tes, 218 Orgel, Leslie Eleazer (1927), 155, 144-148,274,277
Mirabeau, Honoré Gabriel Riquetti 314,316 Proconsul africanus, tb. conheci­
(1749-1791), 268 Ostwald, William (1853-1932), 351 do como Dryopithecus africanus,
Monod, Jacques Lucien (1910), O'Sullivan, T. H. (1840-1882), 10, 36, 38,42
Chance and Necessity, 393 Fotografia de Paisagem, 35 Proteína, estrutura da, 76, 348;
Ouro, 56,57, 103, 123, 134, 136, adenina na, 157, 316, 318; evo­
Moore, Henry (1898), 115, 116; 138, 152, 239 lução da, 316; na hemoglobina,
Knife-edge-Two-piece, 48, Oxigênio, descoberta do, 148, 150; 309; na mioglobina, 314; v. tb.
More, Sir Thomas (1478-1535), no ar, 148; no sangue, 32; no ácido desoxiribonucléico (ADN)
425; Utopla, 425 ADN, 390; na atmosfera primiti­ Ptolomeu, Cláudio, 70, 164, 184,
Morley, Edward Williams (1833­ va, 314; no Universo, 344; óxi- 194, 196-198, 204, 208, 209;
-1923), 247 dos de mercúrio, 123; teoria do A lmagesto, 177
Moseley, Henry Gwyn-Jeffreys flogisto, 142, 150 Pueblo, tribo dos, Arizona, 36,
(1887-1915), 168, 337-339 Padrões de Pastilhas, simetria dos, 92-96
Mozart, Wolfgang Amadeus (1756­ 160, 172-174 Qanats, Khuzistan, 77
-1791), 424; A Flauta Mágica, Paestum, Sul da Itália, 39, 104-106 Química, 131, 133, 139-140, 144,
268; As Bodas de Ffgaro, 265­ Paine, Thomas (1737-1809), 130, 317, 321-330
-268 27 2; Os Direitos do Homem, Quipu, 38, 100, 101
Mussolini, Benito (1883-1945), 272, 273 Raios X, 177, 178,248,332,344,
341,425 Paracelsus, Aweolus Philipus 355
Nágeli, Karl Wilhelm von (1817­ Theophrastus Bombastus von Ramapithecus pun/abicus, 10, 38
-1891), 385-386 Hohenheim (1493-1541), 58,59, Raphael, Santi (1483-1520), 425
Napoleão I (Bonaparte) (1769­ 60, 123, 139-144, 321 Rashid al-Din, lamial-rawarikh,
-1821), 268 Pascal, Blaise (1623-1662), 424 30, 80
Napoleão III, imperador da Fran­ Pasteur, Louis (1822-1895), 152, Reforma, A, e A Contra-Reforma,
ça (1808-1873), 311 154, 204, 311-313 141, 142, 205, 206, 207, 221,
Navegação, 115, 192, 194, 224, Paulo III, Papa (1468-1549), 209 222
239, 241, 243, 262 Pauling, Linus (1901), 392 Renascimento, 177-184,197,208,
Neanderthal, homem de, 41, 42, Pedra, forma na, 47, 115, 354;na 286; deslocamento para o Norte
46 arquitetura, 96; Inca, 109 da Europa, 221,424, 425,426
Nervi, Pier Luigi (1891), Palaze((o Pepys, Samuel (1633-1703), 233 República Veneziana, 90, 198-205
dello Sport, Roma, 46 Perspectiva, estudos da, 76, 77, Resposta retardada, 218,435,436
Neumann, Johnvon (1903-1957), 78, 79, 80, 179-184, 196 Revolução biológica, A, 24, 59,
204, 217, 432-436; Teorla dos Peso Atómico, 324, 325, 330 60,66,79
logos e Comportamento Econô­ Peste, A, 222,223,229, 280 Revoluções, Industrial, 124, 137,
mico, 432, 433; O Computador Picasso, Pablo (1881-1973), Les 259-288; científica, 218, 221;
e o Cérebro, 433 Demoiselles dAvignon, Retrato do século XVII, 221, 222; do
Nêutron, 341, 351, 369 de Daniel-Henry Kahnweiler, século XVIII, 144, 148, 259­
Newton, Sir Isaac (1642-1727), 332 -272; do século XIX, 379
109, 184, 218, 221-243, 254, Pirâmides, 112, 131, 158, 349 Rheims, Catedral, França, 43, 45,
259, 332, 334, 336, 337, 412, Pisano, Andrea (c. 1290-1348),A 109-112
437; e cálculo, 184, 222, 223, Crlafão da Mulher, 199 Rift Valley, África Oriental, 25,
233; em Cambridge, 104, 223, Pitágoras (c. 570-500 a.C.), 66, 67, 26, 72 447
R oda, e e ix o , 2 8 , 7 7 ; c o m o m o d e ­ n ean S o ciety , L o n d res, 3 0 8 ; L u ­ Unger, Franz (1 8 0 0 -1 8 7 0 ), 3 80
lo e m c o s m o lo g ia , 7 7 ; in v e n ç ã o nar S o c ie ty o f B irm in g h a m , 2 7 7 ­ U rb an o V III, P apa, M a ffeo B arbe-
da, 7 4 , 7 6 , 1 0 1 , 1 9 4 , 1 9 8 ; - -2 8 0 ; M a n ch ester L itera ry and rin i ( 1 5 6 8 - 1 6 4 4 ) , 9 6 , 9 8 , 2 0 5 ,
d 'ág u a, 2 6 0 P h ilo so p h ica l S o c ie ty , 1 5 0 -1 5 3 ; 2 07 -2 1 8
R o d ia , S im o n (1 8 7 9 -1 9 6 5 ), 118- N atural H isto ry S o c ie ty , B rno, U ssher, J am es, A rceb isp o d e Ar-
- 1 2 1 ; T h e W a tts f o w e r s , 4 9 , 1 2 1 3 8 5 ; R o y a l S o c ie ty o f L o n d o n , m agh (1581-1656), 343
R o m a A n tig a , c u ltu r a e a rq u ite­ 2 2 6 ,2 2 7 ,2 3 3 ,2 5 4 ,4 1 2 V a tic a n o , O , 2 0 7 , 2 0 8 ; A rq u iv o s
tura de, 1 0 9 , 1 1 0 , 1 6 0 , 2 7 4 , S ó c r a te s ( 4 7 0 - 3 9 9 a .C .), 3 6 2 , 4 2 7 , s e c r e t o s , 9 5 , 2 1 4 ; v. t b . I n d e x
4 3 5 ,4 3 7 429 V elásq u ez, D iego R o d rig u es de
R o n tg e n , W ilh elm K o n ra d ( 1 8 4 3 ­ S ó f o c l e s ( c . 4 9 6 - 4 0 6 a .C .), E le c tra , S ilva y (1599-1660), 379
-1923), 177, 332 , 356 197 V e sa liu s, A n d r e a s ( 1 5 1 4 - 1 5 6 4 ) ,
R o o s e v e lt, F ra n k lin D e la n o ( 1 8 8 2 ­ S o l, 1 7 0 , 2 2 4 ,2 4 3 , 3 4 4 , 3 4 9 2 1 5 ; D e H u m a n i C o r p o r is F a ­
-1945), 184, 370 S ta lin , J o s e p h ( 1 8 7 9 - 1 9 5 3 ) , 86 b ric a , 1 4 2
R o u ssea u , Jean-Jacques (1 7 1 2 ­ Stubbs, G eorge (1 7 2 4 -1 8 0 6 ), R e ­ V itó ria , rain h a d a In glaterra ( 1 8 1 9 ­
1 778), 4 2 4 tr a to d e J o s ia h W e d g w o o d , 1 3 4 , -19 01 ), 291
R u d o lf, L a g o , Q u ên ia e E tió p ia, 279 V id a , o rigem da, 1 5 5 , 3 0 9 , 3 8 8 ;
2 5 ,2 6 ,2 8 ,2 9 S tu k e le y , W illia m ( 1 6 8 7 - 1 7 6 5 ) , id en tifica çã o d e, 3 1 8
R u sk in , J o h n (1 8 1 9 -1 9 0 0 ), T h e 103 W a lla ce,A lfred R u ss e l(1 8 2 3 -
S to n e s o f V e n ic e , 1 0 9 S u l t a n i y e h , P érsia , 3 3 , 8 6 - 8 8 , 4 1 6 1913), 142, 151, 2 9 1 -3 0 9 , 313,
R u sse ll, B ertran d ( 1 8 7 2 -1 9 7 0 ), 2 5 4 S u tto n H o o , enterro d e , 1 1 8 3 1 7 ; o o m e ç o d a v id a d e, 2 9 3 ­
R u th e r fo r d , E rn est, P rim eiro B a ­ S w ift, J o n a th a n (1 6 6 7 -1 7 4 5 ), 4 2 9 ; - 2 9 4 ; L in h a d e W allace, A u stra -
rão (1 8 7 1 -1 9 3 7 ), 1 6 3 , 1 66 , 3 2 8 , V ia g e n s d e G u lliv e r , 2 3 6 , 2 7 1 , l á s i a , 3 0 I , 3 0 6 ; N a r r a t i v a d il s
3 34 -3 3 7, 3 5 1 , 3 6 9 364 V ia g e n s p e l o A m a z o n a s e R i o
R y s b r a c k , J o h n M ic h a e l ( 1 6 9 3 ?- S zila rd , L e o ( 1 8 8 9 - 1 9 6 4 ) , 1 8 3 , N eg ro , 2 9 6 -3 0 4 ; S o b re a L ei q u e
- 1 7 7 0 ) , M o n u m e n to a Isa a c 184, 2 5 4 , 3 67 -3 7 4 te m r e g u la d o a I n tr o d u ç ã o d e
N e w t o n , A b a d i a d e W e s tm i n s - T a u n g , crân io d e , 2 0 8 , 2 9 , 3 0 , 3 8 , N o v a s E s p é c ie s , 3 0 6
te r , 1 0 9 , 1 1 1 4 1 5 ,4 2 3 W alter, B r u n o ( 1 8 7 6 - 1 9 5 2 ) , 3 6 7
S a cch i, A n d rea (1 5 9 9 -1 6 6 1 ), 9 7 , T elescó p io , 9 1 , 9 2 , 2 0 0 - 2 0 4 ,2 1 1 , W atson , Jam es D e w e y (1 9 2 8 ),
211 224, 241 2 0 4 ; A D u p la H é lic e , 3 9 0 - 3 9 3
S a lk In stitu te for B io lo g ic a l S tu - T elfo rd , T h o m a s ( 1 7 5 7 - 1 8 3 4 ) , W att, J am es (1 7 3 6 -1 8 1 9 ), 1 3 5 ,
d ies, S a n D ie g o , C a lifórn ia , 2 1 0 , A q u e d u to d e L la n g o llen , 1 2 5 , 2 7 7 ,2 8 0
367, 370, 3 9 3 ,4 1 9 274 W atts T o w e r s, L o s A n g e les, 4 9 ,
Sanchez, Robert (19 38 ), 155, 314 T e m p o , m ed id a d o , 1 8 0 -1 8 7 , 1 89 , 1 1 8 -1 2 1 ,4 1 6
S ch ellin g , F ried erich W ilh elm Jo- 222, 240, 241, 243, 257 W e d g w o o d , H en sleig h (18 03 ­
s e p h v o n ( 1 7 7 5 - 1 8 5 4 ) , N a tu r - T h o m s o n , S ir J o s e p h J o h n ( 1 8 5 6 ­ -1891), 306
p h ilo s o p h ie , 2 8 2 , 2 8 5 -1940), 163, 166, 330, 334, 349 W e d g w o o d , J o sia h ( 1 7 3 0 - 1 7 9 5 ) ,
S ch r o d in g e r , E r w in ( 1 8 8 7 - 1 9 6 1 ) , T o lerân cia, p r in c íp io d a, 3 5 6 -3 6 7 1 2 6 , 1 3 3 , 1 3 4 , 2 7 7 - 2 7 9 , 2 8 2 ; v.
329, 362, 367 T o p i, 3, 26 tb . S o c i e d a d e s C i e n t í f i c a s : S o ­
S elk irk , A le x a n d e r ( 1 6 7 6 - 1 7 2 1 ) , T o p o lsk i, F e!ik s (1 9 0 7 -), 175, c ied a d e L unar e D arw in
192 353
W eUs, H er b e r t G e o r g e ( 1 8 6 6 ­
Seurat, G eorges (1 8 5 9 -1 8 9 1 ), T orn o-de-arco, 2 9 , 79
-1946), 425
J o v e m c o m E s p o n ja d e P ó , L e T o sca n in i, A rtu ro (1 8 6 7 -1 9 5 7 ),
W esley, J o h n (1 7 0 3 -1 7 9 1 ), 2 7 2
B ec, 164, 332 368
W ie lic z k a , M in a s d e S a l, p e r to d e
S h a k e s p e a r e , W illia m ( 1 5 6 4 - 1 6 1 6 ) , T o u r, G eorges d e la (1 5 9 3 -1 6 5 2 ),
C ra có v ia , P o lô n ia, 3 2 1 - 3 2 2 , 3 4 7
1 9 8 , 2 2 8 , 4 3 7 ; H a m le t, 4 2 4 ; O L e s S o u f f l e u r à la L a m p e , 5 0
W ilk in so n , J o h n ( 1 7 2 8 - 1 8 0 8 ) ,
R e i L e a r, 3 6 0 ; O te lo , 1 9 8 ; O T r a ç ã o , a n im a is d e , B a k h tia ri, 7 7 ,
1 3 1 ,2 7 2 ,2 7 4
M erca d o r d e V en eza, 1 98 ; A 7 9 ; an alog ia c o m a m á q u in a , 7 9 ;
W ith er in g . W illia m ( 1 7 4 1 - 1 7 9 9 ) ,
T e m p e sta d e , 1 5 6 renas c o m o , 17, 5 0 , 5 2
279
S h a rp les, E U en (c. 1 7 9 0 ) , R e tr a to T rajan o, M arcus U lp iu s, im p era ­
W o r d sw o r th , W illia m ( 1 7 7 0 -1 8 5 0 ),
d e J o s e p h P r ie s tle y , 6 1 dor de R o m a (98 -1 1 7 ), 106
O P r e lú d io , 2 3 4 ; T in te r n A b b e y ,
S im etria , e stu d o s d a , 8 2 , 1 6 0 , T ran sum ante, 2 1 ,4 6 - 5 0 , 60
161, 1 72 -1 7 6 T r e v ith ic k , R ich a rd ( 1 7 7 1 - 1 8 3 3 ) , 288
W o tto n , S ir H e n r y (1 5 6 8 -1 6 3 9 ),
S k in n er, Burrhus F red eric (1 9 0 4 ), 1 3 9 ,2 8 5 -2 8 7
204
412 , T rig o, 2 2 , 2 4 , 6 4 , 6 5 , 6 7 , 6 8 , 7 0
S o c ie d a d e s c ie n tífic a s: A c a d e m ia T rism eg istu s, H e r m e s, 1 9 7 W r e n , S ir C h r is to p h e r ( 1 6 3 2 ­
d e C iên cia s, S. P etersb u rgo , 3 3 0 ; Turi, J o h a n , A u to b io g r a fia d e u m 1723), 105, 2 2 8 ,2 2 9 ,2 4 1
A ca d em ia C im en to , R o m a , 198; W rig h t, J o s e p h ( 1 7 3 4 - 1 7 9 7 ) , T h e
Lapao, 17, 52, 53
B ritish A s s o c ia t io n for th e U c c e llo , P a o lo (c. 1 3 9 6 - 1 4 7 5 ) , O rrery, 102
A d va n cem en t o f S cien ce, 368; A n álise d a P ersp ectiv a, 2, 8 0 ; A Y e a ts, W illia m B u tler ( 1 8 6 5 - 1 9 3 9 ) ,
448 L in c e a n S o c ie t y , R o m a , 9 2 ; L in- E n c h e n te , 8 0 . 1 81 S a ilin g t o B y z a n tiu m , 2 4
DO N O S SO CATALOGO:

C iv iliz a ç ã o
K . C la rk

U m E stu d o da H istó ria


A . T oynbee

A M ú sic a n o T em p o
J. G a lw a y /W . M a n n

In ic ia ç ã o à H istó r ia d a A rte
H . W . Jan son

A M ú sic a d o H o m e m
Y . M e n u h in /D . W . C u rtis

A V id a n a T erra
D . A tten b o ro u g h

O P la n eta T erra
Jon a th an W e in e r

A r te B r a sile ir a p a r a C r ia n ç a s
M a r ily n D ig g s M a n g e

O N a tu r a lista A m a d o r
G era ld D urrel

C iv iliz a ç ã o O c id en ta l
M a rv in Perry

Potrebbero piacerti anche