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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS – UFT

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA


SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO INCRA NO TOCANTINS – SR 26

Termo de Cooperação Técnica - nº 1000/2011

RELATÓRIO ANTROPOLÓGICO DE
RECONHECIMENTO E DELIMITAÇÃO DO TERRITÓRIO DA
COMUNIDADE QUILOMBOLA ILHA SÃO VICENTE

Araguatins - Tocantins

RITA DE CÁSSIA DOMINGUES LOPES

Outubro, 2014
Tocantins
RITA DE CÁSSIA DOMINGUES LOPES

RELATÓRIO ANTROPOLÓGICO DE
RECONHECIMENTO E DELIMITAÇÃO DO TERRITÓRIO DA
COMUNIDADE QUILOMBOLA ILHA SÃO VICENTE
ARAGUATINS – TOCANTINS

Relatório Antropológico de Reconhecimento e Delimitação


da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente apresentado
ao INCRA e à UFT como resultado do Termo de
Cooperação Técnica assinado entre as instituições, nº
1000/2011.

Outubro, 2014
Tocantins
SUMÁRIO

I - INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 6
Embasamento Jurídico................................................................................................. 6
Referencial Teórico ...................................................................................................... 9
Metodologia do Trabalho ............................................................................................ 14

II – DADOS GERAIS ...................................................................................................... 18


Informações gerais sobre a comunidade quilombola ................................................. 18
Descrição do município e região abrangente em termos gerais ................................. 24

III – HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO ................................................................................ 29


Origem da Comunidade ............................................................................................ 30
O Conflito .................................................................................................................. 44
Ocupação atual ......................................................................................................... 55

IV – ORGANIZAÇÃO SOCIAL ....................................................................................... 72


Identidade étnica do grupo – suas marcas de referências ........................................ 72
Estrutura Familiar da Comunidade ............................................................................ 76
Aspectos cosmológicos, religiosos e lúdicos ............................................................. 89

V – AMBIENTE E PRODUÇÃO ..................................................................................... 93


O ambiente local ....................................................................................................... 93
As práticas produtivas ............................................................................................. 102

VI – CONCLUSÃO ...................................................................................................... 110


Considerações Finais .............................................................................................. 117

VII – BIBLIOGRAFIA ................................................................................................... 119


LISTA DE ILUSTRAÇÕES, MAPAS, FOTOS, DOCUMENTOS, DIAGRAMAS E QUADROS

ILUSTRAÇÕES
Ilustrações 1 e 2 - Estado do Tocantins com o município de Araguatins destacado de
vermelho (à esquerda) e o detalhe da cidade de Araguatins (à direita) ............................... 18

MAPAS
Mapa 1 - Imagem de satélite da Ilha São Vicente com a delimitação da área ocupada pela
Comunidade quilombola ...................................................................................................... 19
Mapa 2 - Área da Comunidade Ilha São Vicente dividida em lotes após o despejo ............. 22
Mapa 3 - Pontos de referência histórica da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente ....... 57
Mapa 4 - Comunidade Quilombola Ilha São Vicente, a Cidade de Araguatins/Tocantins e o
Distrito de São Raimundo/Pará............................................................................................ 63
Mapa 5 - Detalhe das edificações da área onde seu Salvador e família moram .................. 69
Mapa 6 - Área requerida pela Comunidade Quilombola Ilha São Vicente .......................... 114

FOTOGRAFIAS
Fotografias 1 à 6 - Tipos de transportes para ter acesso à Ilha São Vicente ........................ 20
Fotografias 7 à 14 - Tipos de casas existentes na Comunidade quilombola ........................ 23
Fotografias 15 à 18 - Cidade de Araguatins ......................................................................... 25
Fotografias 19 à 22 - Praias de Araguatins .......................................................................... 28
Fotografia 23 - Salvador Batista Barros em frente a placa de identificação da Comunidade
quilombola ........................................................................................................................... 31
Fotografias 24 e 25 - Objetos históricos da Comunidade quilombola (baú e mala) .............. 41
Fotografias 26 e 27 - Objetos históricos da Comunidade quilombola (pote de barro)........... 42
Fotografias 28 à 35 - Casas e plantações destruídas após o despejo ................................. 51
Fotografia 36 - Desenho da Ilha São Vicente destacando a área da Comunidade quilombola
e as outras propriedades dos não quilombolas .................................................................... 56
Fotografias 37 e 38 - Barracão de reunião da Comunidade quilombola ............................... 58
Fotografias 39 e 40 - Templo da Assembleia de Deus dentro da Comunidade .................... 58
Fotografias 41 à 46 - Conjunto de fotos que mostram a antiga casa de seu Salvador e
Família ................................................................................................................................. 66
Fotografias 47 à 50 - Locais dos barreiros e os usos do barro ............................................. 67
Fotografias 51 e 52 - Ilha São Vicente (lado direito da foto) vista de Araguatins .................. 75
Fotografia 53 - Placa exposta na Praça dos Pioneiros ......................................................... 77
Fotografia 54 - A Família Batista Barros (4ª geração) .......................................................... 79
Fotografias 55 e 56 - Quadros de dois santos católicos - São José e Santa Luzia .............. 91
Fotografias 57 à 60 - Portos em frente de algumas casas da Comunidade quilombola ....... 95
Fotografias 61 e 62 - Lavagem de objetos/roupas nas águas do rio Araguaia, no período de
cheia e de seca do rio, respectivamente .............................................................................. 95
Fotografias 63 e 64 - Tirando congo do coco babaçu .......................................................... 96
Fotografias 65 à 70 - Diversos usos da palmeira do coco babaçu – tronco, folhas e frutos . 97
Fotografias 71 e 72 - Criação de pequenos animais dentro da Comunidade ..................... 103
Fotografias 73 e 74 - Gergelim plantado na Comunidade .................................................. 105
Fotografias 75 e 76 - Feijão andu produzido na Comunidade ............................................ 105
Fotografias 77 e 78 - Hortas individuais próximas as casas ............................................... 105
Fotografias 79 à 82 - Cestaria produzida na Comunidade ................................................. 107
Fotografias 83 e 84 - Dois tipos de lamparina e o gerador de energia ............................... 108
Fotografias 85 à 88 - Assembleia da Comunidade quilombola que definiu o território
reivindicado ....................................................................................................................... 111

DOCUMENTOS
Documento 1 - Certidão de Óbito de José Henrique Barros................................................. 35
Documento 2 - Certidão de Óbito de Maria Francisca Barros .............................................. 37
Documento 3 - Termo de Audiência de Conciliação: Processo Nº 2.504/01 ........................ 46
Documento 4 - Mandado de Remoção na íntegra................................................................ 48
Documento 5 - Certidão de Autodefinição da Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha
São Vicente emitido pela Fundação Cultural Palmares........................................................ 54
Documento 6 - Certidão negativa do Cartório de Registro de Imóveis e 1º Ofício de Notas de
Araguatins ........................................................................................................................... 71
Documento 7 - Ata da reunião com a Comunidade quilombola que definiu a proposta de
delimitação territorial .......................................................................................................... 112

DIAGRAMAS
Diagrama 1 - Diagrama de Parentesco da Família Barros, a formação inicial – Da 1ª à 3ª
geração................................................................................................................................ 81
Diagrama 2 - Diagrama de Parentesco da Família Barros – Da 1ª à 3ª geração (destacando
a 3ª geração casada) ........................................................................................................... 82
Diagrama 3 - Diagrama de Parentesco da Família Barros – Da 1ª à 4ª geração (destacando
Salvador Batista Barros, na 4ª geração) .............................................................................. 83
Diagrama 4 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros
com seus filhos – 3ª e 4ª geração ........................................................................................ 84
Diagrama 5 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros
com seus filhos casados – 3ª e 4ª geração .......................................................................... 84
Diagrama 6 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros
com seus sete filhos casados e com seus respectivos netos – 3ª à 5ª geração ................... 85
Diagrama 7 - Diagrama de Parentesco da Família Barros, destacando a família de Salvador
Batista Barros – Da 2ª à 6ª geração..................................................................................... 86
Diagrama 8 - Diagrama de Parentesco de Domingas Barros Rocha e Prudêncio Rocha, irmã
de José Henrique Barros com seus quatro filhos casados e com netos – 3ª à 5ª geração... 86

QUADRO
Quadro 1 - Usos tradicionais da fauna e flora da Ilha São Vicente....................................... 99
6

INTRODUÇÃO

Embasamento Jurídico

A realização do Relatório Antropológico de Reconhecimento e Delimitação


do Território da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente tem fundamento na
Constituição Federal Brasileira de 1988, especificadamente no Artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que diz em seu texto: “Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando as suas
terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos
respectivos.” Ressaltam-se ainda os artigos 215 e 216 da Constituição que garantem
os direitos culturais onde o “Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro brasileiras, e de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional”.

Depois da Constituição Federal outras leis e decretos importantes foram


publicados no que se refere às comunidades quilombolas do país. Destacam-se: o
Decreto nº.4.883, de 20 de Novembro de 2003; o Decreto nº.4.887, de 20 de
novembro de 2003; o Decreto Legislativo nº. 143 (do Congresso Nacional, em 20 de
junho de 2002) promulgado pelo Decreto nº. 5.051, de 19 de abril de 2004; e a
Instrução Normativa nº 57, de 20 de Outubro de 2009 do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Assim, o Decreto nº 4.883, de 20 de
Novembro de 2003, é importante por que transfere a competência que menciona
referida na Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização
da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providência, no seu
artigo 1º diz que “Fica transferida do Ministério da Cultura para o Ministério do
Desenvolvimento Agrário a competência relativa à delimitação das terras dos
remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de
suas demarcações”; o Decreto nº.4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos
de que trata o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu
2º artigo considera os remanescentes das comunidades dos quilombos, “... os
grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
7

ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”; o


Decreto Legislativo nº. 143 (do Congresso Nacional, em 20 de junho de 2002) que
ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre
Povos Indígenas e Tribais, posteriormente promulgada pelo Decreto nº.5.051, de 19
de abril de 2004; e a Instrução Normativa nº 57, do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (INCRA) de 20 de Outubro de 2009 que regulamenta o
procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação,
desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do ADCT e o Decreto nº. 4.887,
de 20/11/2003. Esse conjunto de decretos e leis citados acima ratificam o
embasamento jurídico para a realização e elaboração do Relatório Antropológico de
Reconhecimento e Delimitação do Território das Comunidades Quilombolas no
Brasil.

A Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha São Vicente teve seu


reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares (FCP)1 em 09 de dezembro de
2010 e recebeu no dia 27 de dezembro de 20102 a Certidão de Autodefinição
expedida pela mesma Fundação, quando a portaria foi publicada no Diário Oficial da
União, sob o nº 247. Essa certidão representa o reconhecimento oficial do Estado
Brasileiro, de que essa comunidade é de fato e de direito, descendentes das
comunidades quilombolas.

Desta forma, o presente Relatório constitui peça importante no processo de


titulação da terra para a Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha São Vicente,
para tanto foi estabelecido um Termo de Cooperação Técnica3 entre o INCRA
através da sua Superintendência Regional no Estado do Tocantins – SR-26 e a
Universidade Federal do Tocantins (UFT) que tem como finalidade a composição de
equipe técnica destinada a regularização de atividades voltadas para a elaboração
de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação de Território Quilombola no
Estado do Tocantins.

1 A Fundação Cultural Palmares é ligada ao Ministério da Cultura, e é o órgão do Governo Federal


responsável pela certificação das Comunidades Remanescentes de Quilombos. Assim, a
autodefinição das comunidades é certificada pela FCP mediante Certidão de Registro no Cadastro
Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos do referido órgão, nos termos do § 4º, do
art. 3º, do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
2 Registrada no Livro de Cadastro Geral nº 013, registro nº 1.419, fl.35.
3 Publicado no Diário Oficial da União do dia 06 de julho de 2011 entre o INCRA e a UFT.
8

Mas para além da definição legal citada acima se trata também de um


trabalho acadêmico, considerando que o termo de cooperação técnica foi assinado
em parceria com a Universidade Federal, envolvendo assim diversos campos do
conhecimento das Ciências Sociais, mais especificamente, o campo da
Antropologia, de onde parte as observações e reflexões realizadas durante o
trabalho de campo. Esse conhecimento permite compreender as teias de relações
desenvolvidas no território pelo grupo social, ao longo do tempo e em determinada
região.

Segundo O´Dwyer (2002, p.19), os “relatórios não se resumem a peças


técnicas enviadas aos órgãos de governos” posto que existem “questões implícitas
em sua elaboração e as experiências concretas dos pesquisadores”, o que permite
reflexões sobre a atuação dos antropólogos nesta seara, levando-se em
consideração a sua formação.

O trabalho de elaborar um Relatório Antropológico de Reconhecimento e


Delimitação do Território é fundamental para o processo de titulação de terras
necessário para a obtenção do título definitivo da área em que vive a Comunidade
Remanescente de Quilombo Ilha São Vicente, localizada no Município de
Araguatins, microrregião do Bico do Papagaio, norte do Estado do Tocantins, isto é,
uma ilha no rio Araguaia.

Assim, a elaboração do relatório antropológico faz parte do Relatório Técnico


de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente.
A antropóloga que assina este relatório fez parte de uma equipe interdisciplinar
formada por funcionários do INCRA-SR 26 (Unidades Palmas e Araguatins) sendo
que cada técnico ficou responsável pela sua peça técnica de competência que
reunidos formam este RTID.
9

Referencial Teórico

A Comunidade Quilombola Ilha São Vicente vem buscando em suas


memórias, nos elementos identitários e históricos a relação existente com o seu
território físico, ambiental e simbólico demonstrando as relações sociais
estabelecidas dentro e fora da Comunidade. A Comunidade passou pelo processo
de reconhecimento quilombola em 20104, lutando pelos direitos em permanecer no
território, após um conflito gerado por parte de um fazendeiro que possui terras
dentro da ilha.

Assim, os conceitos como identidade, memória, territorialidade e etnicidade


são importantes na luta pelos direitos ao território, partindo do pressuposto que as
identidades são construídas dentro do grupo social, e que cada grupo demonstrará
quais são seus elementos de particularidade que os distingue dos outros grupos
sociais.

Como diria Valle, identidade é uma “categoria que compreende grande


amplitude de fenômenos...” (2012, p. 86), mas de um modo geral, envolve o
indivíduo e a sociedade. Nesse sentido, é um processo de construção de
significados, baseados em um conjunto de atributos culturais que predominam sobre
outras fontes de significado. Castells a define como “fonte de significado e
experiência de um povo” (2006, p. 22). A identidade permite a um indivíduo localizar-
se num dado sistema social e ser localizado por este. Conforme Ronsini a
construção da identidade gera “processos simbólicos de pertencimento em relação a
referentes como cultura, nação, classe, grupo étnico ou gênero” (2002, apud
OLIVEIRA; MORTARI, 2006).

A identidade constitui em função de um grupo que permite ao sujeito sua


inserção num conjunto social, mas também depende das performances individuais
do mesmo sujeito no jogo da realidade oferecida, fazendo-se parte ou não de um
grupo.

Uma dessas construções identitárias como citado acima é de grupo étnico,


que segundo Barth (2000; 2005) são como unidades portadoras de cultura e pode

4A Comunidade Ilha São Vicente teve seu reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares em 09
de dezembro de 2010, e a portaria foi publicada no Diário Oficial da União no dia 27 de dezembro de
2010.
10

ser visto também como tipo organizacional. Desta forma, grupo étnico partindo de
uma visão cultural e organizacional demonstra segundo Barth que cada grupo tem
suas características próprias o que não significa necessariamente isolamento, a
diversidade cultural é percebida, justamente, pelo contato entre diversas e diferentes
culturas. No que se refere ao tipo organizacional, o mesmo autor reforça que “ao se
enfocar aquilo que é socialmente efetivo, os grupos étnicos passam a ser vistos
como uma forma de organização social” (BARTH, 2000, p. 31). Assim,

A afirmação, a manutenção e a contestação das identidades étnicas seriam


aspectos centrais para o entendimento dos processos sociais em que a
etnicidade é construída, em especial em contextos e situações sociais
definidas etnograficamente... É pelas relações entre grupos étnicos que as
identidades podem ser acionadas e aferidas, positiva ou negativamente,
outra maneira de dizer que a objetividade das relações interétnicas se
expressa simbólica e politicamente pelos processos de operação identitária.
(VALLE, 2012, p. 89)

Desta forma, parte-se de que a identidade é construída a partir do contato e


do contraste com outros grupos sociais, onde cada um se firma perante o outro,
enquanto único, e os elementos de identidade próprios são construídos não apenas
por oposição aos demais grupos, mas justamente para opor-se a outro grupo,
reconhecendo as devidas diferenças (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976).

Todo processo de identificação leva, simultaneamente, à inclusão e à


exclusão, isto é, a pessoa identifica aqueles que são iguais perante algum ponto e
os distingue daqueles diferentes. Assim, a identidade depende de um contraponto,
de um processo de diferenciação, de separação, de ruptura para ganhar significado.
As identidades e as divisões a que implicam os sujeitos não são práticas neutras,
estão permeadas por conflito e negociação. Nesse sentido, a identidade é também
uma questão de poder e de política (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976).

A identidade dos moradores da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente


partindo dos pressupostos acima demonstra que são identidades construídas e
acionadas dentro de um contexto social específico, gerado a partir de um conflito por
terra, acionando também elementos da memória e da história do grupo.

Os estudos empreendidos por Maurice Halbwachs (1990) contribuíram para


a compreensão da memória. Para este autor a memória aparentemente mais
11

particular remete a um grupo. O indivíduo carrega em si a lembrança, mas está


sempre interagindo com a sociedade, seus grupos e instituições. É no contexto
destas relações que as lembranças são construídas. A rememoração individual se
faz na tessitura das memórias dos diferentes grupos com quem nos relacionamos.

A memória se modifica e se rearticula conforme posição ocupada e as


relações que são estabelecidas nos diferentes grupos que se participa. Também
está submetida a questões inconscientes, como o afeto, a censura, o silêncio entre
outros. As memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica, e
incluem elementos mais amplos do que a memória construída pelo indivíduo e seu
grupo. Um dos elementos mais importantes, que afirmam o caráter social da
memória, é a linguagem. As trocas entre os membros de um grupo se fazem por
meio de linguagem. Lembrar e narrar se constituem na linguagem. Como afirma
Ecléa Bosi (2007) a linguagem é o instrumento socializador da memória, pois reduz,
unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural, vivências tão diversas
como: o sonho, as lembranças e as experiências recentes.

Já Michael Pollak (1989) entende que a memória, seja ela individual ou


coletiva como processo de construção social, assim, ele aponta três critérios que
compõem este processo de construção, são eles: “acontecimentos, personagens e
lugares,” conhecidos direta ou indiretamente, podem obviamente dizer respeito a
acontecimentos numa sociedade humana, a noção de espaço está associada à ideia
de localização de lugares que são importantes para os quilombolas, não apenas por
estarem associados às atividades de reprodução social, mas por serem referências
importantes para a construção da identidade cultural.

Outro elemento importante citado por Pollak é o silêncio, que diz:

O silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a


resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de
discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as
lembranças dissidentes nas redes familiares e de amizades, esperando a
hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas (1989,
p.3).

Maurice Halbawachs vai defender que as recordações são sempre


originárias no grupo social ao qual o sujeito faz parte. Para ele, a lembrança será
12

evocada na coletividade e pressupõe as histórias de vida das pessoas. São


lembranças que de alguma maneira conta a história da comunidade como afirma:
Mas será que não existem lembranças que reaparecem sem que, de
alguma maneira, seja possível relacioná-las com o grupo, porque o evento
que reproduzem foi percebido por nós enquanto estávamos sós, não em
aparência, mas realmente sós, cuja imagem não desloca no pensamento de
nenhum grupo de homem, e que nós recordaremos deslocando para um
ponto de vista que não pode ser senão o nosso? (HALBWACHS, 1990, p.
37)

A identidade, a memória, as lembranças, as recordações que são acionadas


e contadas pela comunidade quilombola e por aqueles que não são quilombolas
demonstram uma história construída socialmente e localmente.

Desta forma, pode-se dizer que identidade e território são indissociáveis dos
modos de produção, das estratégias de reprodução social, da concepção das
relações com a natureza e de direitos de uso e usufruto dos recursos. O processo de
territorialização não trata da visão sobre um território fixo e delimitado, mas trata sim
do contexto de contato e conflito com a sociedade mais ampla; as formas como o
território é pensado. Igualmente as estratégias de ocupação pelo uso de recursos,
assim como os significados simbólicos produzidos e inventados.

Tratar da(s) identidade(s) e territorialidade(s) das comunidades


remanescentes quilombolas no Brasil hoje, leva-nos,

A tarefa de fundamentar teoricamente a atribuição de uma identidade


quilombola a um grupo e, por extensão, garantir – ainda que formalmente –
o seu acesso a terra trouxe a tona a necessidade de redimensionar o
próprio conceito de quilombo, a fim de abarcar a gama variada de situações
de ocupação de terras por grupos negros e ultrapassar o binômio fuga-
resistência, instaurado no pensamento corrente quando se trata de
caracterizar estas conformações sociais. (SCHMITT; TURATT; CARVALHO
2002, p. 1)

Hoje, os grupos que são considerados remanescentes de quilombos se


constituem uma grande diversidade de processos, de acordo com Schmitt; Turatti e
Carvalho (2002, p. 3) incluem: fugas com ocupação de terras livres e geralmente
isoladas, mas também as heranças, as doações, o recebimento de terras como
pagamento de serviços prestados ao Estado, a simples permanência nas terras que
ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem como a compra
de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto após a sua
13

extinção. Muitas terras ocupadas pelas comunidades remanescentes de quilombos


são chamadas de terras de preto, terras de santo ou santíssimo (MOURA, 2007, p.
3). Ou ainda território negro, indicando coletividades camponesa, definida pelo
compartilhamento de um território e de uma identidade (SCHMITT; TURATTI;
CARVALHO, 2002, p. 4).

A noção de quilombo não necessariamente deve ser associada unicamente


ao isolamento e as fugas de escravos como dito acima, e como foi ensinado pelos
livros antigos de história do Brasil, mas sim reconhecer a variedade de processos
que ocorreu no Brasil, no que concerne a ocupação do território pela população
negra. Posto que o grupo que se vê e é reconhecido como quilombola, segundo
Alfredo Wagner Almeida passa pelo processo de ressemantização do conceito “a
relativização [do conceito de quilombo visto por muitos de maneira arqueológica e
frigorificadas] nos conduz ao repertório de práticas e às autodefinições dos próprios
agentes sociais que vivem e construíram as diversas situações hoje designadas
como quilombo.” (2011, p. 72)

Segundo Eliane O’Dwyer a ideia de espaço territorial no âmbito da


Antropologia não é estranha e, portanto, procura ser relacionado a existência de
outros espaços como: “social, de trocas, colonial e pós-colonial, do Estado-nação,
linguísticos, culturais e religiosos” (2010, p. 47), um lugar simbólico de lutas, de
direitos, de poder.

E diante de tal argumento, Paul E. Little define territorialidade como sendo “o


esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com
uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu
‘território’.” (2002, p. 3) e complementa que há uma “... multiplicidade de expressões,
o que produz um leque muito amplo de tipos de territórios, cada um com suas
particularidades socioculturais.” (2002, p. 4)

Cardoso de Oliveira vai dizer que “o fenômeno da territorialidade (pode


estar) em conexão com o da identidade étnica” (2006a, p. 24). Os argumentos acima
apresentados demonstram que a questão da territorialidade e etnicidade estão
relacionados, pois como diz Eliane O’Dwyer (2010), a etnicidade pode ser vista
como processo social no qual grupos orientam as ações pelo reconhecimento
territorial, mas não de maneira exclusiva.
14

E segundo Barth, outro elemento importante nesta discussão é de fronteira


étnica que “... define o grupo e não o conteúdo cultural por ela delimitado. As
fronteiras sobre as quais devemos concentrar nossa atenção são evidentemente
fronteiras sociais, ainda que possam ter contrapartida territorial.” Para fazer parte de
um grupo, portanto, ter uma identidade e ser pertencente a um lugar, significa que
seus membros interagem com outros grupos, e nesta interação conversam, trocam
ideias, comercializam, e para “não se perderem” nesse contato, o autor trata que
“disso decorre a existência de critérios... maneiras de assinalar o pertencimento ou
exclusão.” (BARTH, 2000, p. 34)

Metodologia do Trabalho

Neste relatório a abordagem aplicada foi a da etnografia e da história da


Comunidade Quilombola Ilha São Vicente. Na tradição antropológica a etnografia é
por excelência o trabalho do antropólogo “... e cabe a ele considerar os dados da
situação social onde realiza a pesquisa, priorizando as categorias nativas de auto-
identificação, sem perder de vista que elas são elaboradas em situações de relações
sociais, que envolvem diferentes grupos e mediadores.” (OLIVEIRA, 2005, p.149).

Além disso, foi realizado um levantamento bibliográfico produzido a respeito


das comunidades rurais negras e/ou quilombolas no Estado do Tocantins, mas
pouco foi encontrado. A pesquisa antropológica seguindo seu método foi realizada a
prática etnográfica a partir da perspectiva de utilizar a observação direta, isto é, olhar
a realidade social das comunidades quilombolas de perto. Como diria Roberto
Cardoso de Oliveira (2006b) no seu livro “O Trabalho do Antropólogo”, que o
antropólogo deve realizar três atos cognitivos que são: o olhar, o ouvir e o escrever.
E conclui que “o olhar e o ouvir constituem a nossa percepção da realidade
focalizada na pesquisa empírica” e que o “escrever passa a ser parte quase
indissociável do nosso pensamento, uma vez que o ato de escrever é simultâneo ao
ato de pensar.” (2006b, p. 31-32)

Seguindo os passos orientados pela ciência antropológica, a pesquisa foi


desenvolvida em duas dimensões para a coleta de dados: (i) o levantamento das
fontes documentais e bibliográficas; e (ii) a realização do trabalho de campo através
de observação direta, reuniões e entrevistas com moradores e lideranças da
15

Comunidade e moradores da cidade de Araguatins; além do mapeamento do


território e o registro audiovisual através de fotografias e gravações feito pela equipe
de trabalho que foi à Comunidade. É necessário ressaltar que durante a realização
do trabalho de campo recorreu-se a memória documental e oral da Comunidade
para registrar sua história, os saberes, as práticas e os elementos identitários que os
marcam naquele lugar, levando à construção de sua etnicidade e territorialidade.

Para tanto, realizou-se dois trabalhos de campo em períodos diferentes:


20/05/2013 à 01/06/2013; e 02/04/2014 à 11/04/2014. Durante o primeiro trabalho de
campo a equipe foi composta por dois grupos: do INCRA-SR 26 (Palmas) - Marcio
Roberto Catelan e Hebert Costa Levi (ambos antropólogos) e Ailton Cardoso
Trindade (técnico agrimensor) e da UFT-Campus Tocantinópolis: formada pela
autora e pelo Prof. Dr. João Batista de Jesus Félix. Agradecimentos à toda a equipe
pelas fotografias e pelo trabalho realizado. As fotos apresentadas neste relatório
foram produzidas por todos os membros da equipe e estão todas identificadas. E
durante o segundo trabalho de campo a equipe foi composta pela autora desta
pesquisa, por Marcio Roberto Catelan e Ailton Cardoso Trindade.

Durante esse tempo, a pesquisa aconteceu na própria Comunidade


quilombola; nos cartórios; na Igreja Católica; nas bibliotecas5 e com os moradores de
Araguatins. Foi obtido ainda documentos repassados pelo INCRA-SR 26 de Palmas,
que tratava do requerimento de regularização fundiária da Comunidade junto ao
órgão e o processo de intervenção na ação judicial em trâmite na vara cível da
comarca de Araguatins.

Durante o período de campo os moradores da Comunidade Quilombola Ilha


São Vicente nos cederam documentos, fotos e gravações deles; e um texto
acadêmico produzido por um quilombola que faz curso superior no IFTO. Além de
duas fontes bibliográficas, uma delas trata do livro de Leônidas G. Duarte6, intitulado
“De São Vicente a Araguatins”, datado de 1970, que conta a história da cidade de
Araguatins, através de vários fatos históricos, políticos e sociais. E a outra
bibliografia foi o trabalho feito por Leonídia Batista Coelho, sendo este mais recente

5
Biblioteca Municipal de Araguatins e na Biblioteca do Instituto Federal do Tocantins (IFTO), Campus
Araguatins.
6 Leônidas Gonçalves Duarte (1890-?), foi neto do fundador da cidade de Araguatins, Vicente

Bernardino Gomes.
16

do ano de 2010, que obteve informações sobre a história com os moradores da


cidade.

Durante a realização do trabalho de campo houve a colaboração total dos


moradores da Comunidade, e vários deles acompanharam o andamento da coleta
de dados pela área da Comunidade e também na cidade de Araguatins. Foram
várias horas de gravação feitas com os quilombolas que nos contaram sobre a sua
história, o modo de viver, os saberes, as práticas e o cotidiano da comunidade.
Também foi tratado sobre o seu passado histórico e recente (como o despejo), o
presente e o futuro da Comunidade, o que pretendem fazer.

Desde já manifesta-se os agradecimentos aos moradores da Comunidade


Quilombola Ilha São Vicente pela paciência, atenção e disposição destinadas à
equipe durante o trabalho e aos colegas técnicos do INCRA-SR 26 que estiveram
conosco durante a etapa de campo e no “pós-campo”.

Para realizar o primeiro trabalho de campo os técnicos do INCRA-SR 26


entraram em contato com as lideranças da Comunidade, onde foi marcada uma
reunião inicial para a apresentação da equipe e do trabalho a ser realizado, não
somente naqueles dias, mas durante todo o processo. Antes de acontecer a reunião
na Comunidade, houve uma reunião preliminar de planejamento com parte da
diretoria da Associação da Comunidade Remanescente de Quilombolas da Ilha São
Vicente (ACREQUISVI) em Araguatins. Depois desta reunião e com a logística
preparada, a equipe seguiu para a Ilha São Vicente de barco, único meio de acesso
à Comunidade. Na reunião previamente marcada estavam presentes os membros
da equipe do INCRA e da UFT, e os quilombolas da Comunidade Ilha São Vicente.

A reunião aconteceu no barracão da Associação7, onde cada membro


presente teve a oportunidade de se apresentar e falar do trabalho que seria
realizado e a Comunidade perguntou, tirou as dúvidas do que seria feito e também
contou-nos inicialmente sua história. Desta ação, resultou uma elevação da
confiança nas ações do INCRA, sentimento compartilhado pelos presentes na

7 A Sede da Associação é uma construção feita pela Comunidade, que consiste em uma armação de
caibros e esteios, cobertura de palha babaçu e paredes baixas levantadas com quatro fiadas feitas de
tijolos da mesma altura de forma horizontal e que serve como bancos, há também alguns bancos
longos de madeira, cadeiras plásticas e carteiras escolares. Há um quadro negro, pois o local
também serviu de escola.
17

reunião. Tal expectativa do trabalho de pesquisa influenciou para ampliar a


colaboração e diálogo com a equipe de pesquisa, assim como favorecer a aceitação
e confiança durante a permanência na Comunidade.

Nessa primeira reunião, do dia 22/05/2013, foi feito o primeiro croqui


elaborado no chão do barracão da Associação, onde foi desenhada a giz toda a ilha,
margeada pelo rio Araguaia, a sede do município de Araguatins e a fronteira com o
Estado do Pará. Desta ação, de tornar visível a área da Comunidade, surgiram as
primeiras narrativas sobre os conflitos e sua história.

Esta foi a etapa inicial do trabalho que para entender a questão da área
territorial para esta Comunidade, isto é, a Ilha São Vicente foi preciso empreender
outras ações para tornar claro o processo histórico, identitário e étnico, dentro desta
territorialidade.

Para esse mapeamento foi utilizado a metodologia supracitada, mas vale


ressaltar neste momento não foi trabalhado somente a memória dos idosos,
indicados como referenciais de memória, sendo a história oral do grupo mas
também com a história escrita nos documentos recolhidos na Comunidade e na
cidade de Araguatins, além da bibliografia sobre a Comunidade e região. Partindo
dos argumentos de Michael Pollak (1992; 1989) tais abordagens possuem a mesma
validade, posto que ambos (história oral e escrita) são subjetivos e foram
construídos a partir de uma dada visão ou interesse.

Neste sentido, considerar identidade, memória, etnicidade e territorialidade


de uma comunidade quilombola fazem-se importante, pois se evidencia as
características do grupo que luta pelo seu direito a terra, a ser quem são, isto é, pelo
seu direito à vida, e que estão assegurados pela Constituição Federal.

Ruben Oliven diz que assegurar tais direitos não se refere somente aos
grupos envolvidos, e sim a toda sociedade brasileira:

A demarcação dos territórios indígenas e a dos remanescentes de


comunidades de quilombos envolve uma dimensão ética e moral. Se não
conseguirmos assegurar os direitos das minorias, nosso país nunca será
uma sociedade plenamente democrática. Por isto, reconhecer a posse das
terras às sociedades indígenas e aos remanescentes de comunidades de
quilombos não é uma questão que diz respeito apenas a índios e negros,
mas a toda a sociedade brasileira. (2005, p. 67)
18

DADOS GERAIS
Informações gerais sobre a comunidade quilombola

A Comunidade Quilombola Ilha São Vicente está localizada no Município de


Araguatins, na microrregião do Bico do Papagaio, Extremo Norte do Estado do
Tocantins. Dista de 625 km de Palmas, a capital do Estado e o município ocupa uma
área de 2.625,286 km (AMADO, 2006; SEPLAN, 2013). A altitude média do território
é cerca de 103 metros. O acesso rodoviário a este município pode ser feito pela
rodovia federal BR-153 até o município de Darcinópolis, em seguida a BR-230
(Transamazônica) e depois por uma rodovia estadual a TO-010 até chegar à cidade
(ilustrações 1 e 2).

Ilustrações 1 e 2 – Estado do Tocantins com o município de Araguatins destacado de vermelho


(à esquerda) e o detalhe da cidade de Araguatins (à direita)

Fonte: Wikipédia e Brasilocal 8, respectivamente.

O território tradicional e original da Comunidade é a Ilha São Vicente


localizada na margem direita do rio Araguaia, que tem seu início em frente à cidade
e possui uma área de 2.502,0437 (dois mil quinhentos e dois hectares, quatro ares e
trinta e sete centiares). Para chegar até a ilha o acesso é feito somente de barco,
saindo do porto de Araguatins leva aproximadamente 20 minutos, pode levar mais
tempo ou menos, dependendo do tipo de motor e de embarcação (mapa 1).

8 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Araguatins#mediaviewer/Ficheiro:Tocantins_Municip_


Araguatins.svg> e <http://www.brasilocal.com/tocantins/bico_do_papagaio/araguatins.html>. Acesso
em: 14/07/2014.
19

Mapa 1 – Imagem de satélite da Ilha São Vicente com a delimitação da área ocupada pela
Comunidade quilombola

Fonte: Trabalho de Campo, maio de 2013, elaborado por Ailton Trindade (INCRA)
20

O transporte é feito por embarcações (fotografias de 1 à 6) de diferentes


tipos: Barcos pequenos de madeira com motor rabeta9, há também um barco de
porte médio de madeira, uma voadeira com motor 25hp. Assim, com tais meios de
transporte a Comunidade mantém “... uma intensa rede de interação com a
sociedade local” (Almeida, 1988, 1998; Gomes, 1996 apud CHAGAS, 2001).

Fotografias: 1 à 6 – Tipos de transportes para ter acesso à Ilha São Vicente

Fonte: Rita Domingues e Marcio Catelan/INCRA (maio/2013), respectivamente.

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

Fonte: Herbert Levi (maio/2013) e Marcio Catelan (abril/2014), ambos do INCRA

9Canoa com um motor de popa que sustenta o eixo de transmissão e em sua ponta a hélice. Tem
pouca potência.
21

A Comunidade leva o nome da ilha onde está localizada. Assim, o território


da Comunidade é a Ilha São Vicente, formada por uma transição de biomas entre o
cerrado e o amazônico, há palmeiras babaçu, sapucaia e outras espécies da flora e
fauna. A ilha, em questão, não é habitada somente pela comunidade quilombola,
além deles há outras 25 propriedades10 em sua extensão que não são quilombolas,
isto é, na ilha moram quilombolas e não quilombolas.

Em maio de 2013, quando foi realizado o primeiro trabalho de campo, havia


12 famílias morando na Comunidade. Durante o segundo trabalho de campo,
realizado em abril de 2014, o número de famílias tinha diminuído para 10 famílias
morando na Comunidade, as outras famílias estão morando na cidade de Araguatins
ou no distrito de São Raimundo, no Pará. O número de pessoas morando na
Comunidade é variável devido à falta de infraestrutura, ao conflito gerado pela posse
da terra e a necessidade de trabalhar e estudar na cidade para sustentar a família.

A área que a Comunidade está hoje, depois do despejo é de 32,574


hectares, o que corresponde a 325,741 m² da Ilha São Vicente e a maneira que a
Comunidade encontrou para efetivamente ocupar toda esta área foi dividi-la em
lotes, com medidas de 50 metros de frente por 150 metros de fundo (mapa 2). Os
lotes foram distribuídos para os membros das Famílias Barros e Noronha.

Durante o trabalho de campo constatou-se que havia 21 construções na


Comunidade. Uma das construções era o barracão da Associação, a outra era o
Templo da Assembleia de Deus, um quiosque na beira do rio e as demais eram
casas dos quilombolas.

As casas são construídas utilizando diversos materiais como: argila,


madeira, palha e tijolos. Há casas construídas de taipa, isto é, com paredes feitas de
barro, socado entre armações de tábuas ou fasquias de madeira e coberto com
telhas de barro; há casas feitas de madeira com cobertura de palha de coco babaçu;
há casas feitas de fasquias do tronco da palmeira de coco babaçu e telhado de
folhas de coco babaçu; há uma casa de tijolos industrializados e coberto de telhas
de barro; casas com paredes de pau a pique rebocadas com adobe e casas feitas
com as folhas da palmeira de coco babaçu (fotografias de 7 à 14).

10 Informação obtida no Relatório Agronômico do INCRA (SILVA, 2014).


22

Mapa 2 – Área da Comunidade Ilha São Vicente dividida em lotes após o despejo

Fonte: Trabalho de Campo, maio de 2013, elaborado por Ailton Trindade (INCRA)
23

Fotografias: 7 à 14 – Tipos de casas existentes na Comunidade quilombola

Fonte: Todas as fotos foram feitas por Herbert Levi/INCRA (maio/2013)


24

As crianças em idade escolar da Comunidade vão estudar nas escolas


localizadas na sede do Município de Araguatins. Em 2013 o transporte escolar até a
cidade era feito de barco e levava em torno de 25 minutos da ilha para chegar à
beira rio em Araguatins e de lá as crianças seguiam a pé até às escolas. Em 2014 o
transporte passou a ser feito de lancha-escolar até a beira rio e de lá as crianças
seguem de ônibus até as escolas. A lancha e o ônibus fazem parte do Programa
Caminho da Escola do governo federal adquiridos por prefeitos e governadores e
devem ser usados exclusivamente no transporte de estudantes das redes públicas.
A manutenção de ônibus e embarcações é de responsabilidade exclusiva do Estado
ou da Prefeitura detentor da posse do veículo.

O atendimento à saúde mais básico na Comunidade é através do


acompanhamento do Programa Saúde da Família feito somente por um agente
comunitário de saúde que é quilombola e quando precisam ser atendidos vão a
Unidade de Saúde em Araguatins.

Não há dados disponíveis sobre as taxas de natalidade e mortalidade da


Comunidade, o que impossibilita a identificação de fatores de desequilíbrio de tais
taxas, assim como qualquer projeção relativa ao crescimento populacional do grupo.

Descrição do município e região abrangente em termos gerais

A história do município de Araguatins começa em 1867, quando a região


onde se ergue a Sede Municipal começou a ser povoada, registrando-se como
primeiro morador Máximo Libório da Paixão. No ano seguinte (1868) estabeleceu-se
no local Vicente Bernardino Gomes, o fundador da povoação, que aproveitando-se
da existência dos frondosos pequizeiros, oitizeiros, fuçareiros e de outras árvores
regionais, deu início à exploração econômica do município. Para tanto, acolheu
trabalhadores vindos de diversas regiões, que passaram a fixar suas residências na
localidade.

O lugarejo foi reconhecido como povoação, pela lei provincial nº 691, de


1872, com o nome de São Vicente do Araguaia, em homenagem a São Vicente
Ferrer, Padroeiro da localidade e ao rio Araguaia, que banha a região (fotografias de
15 à 18).
25

Fotografias: 15 à 18 – Cidade de Araguatins

Fonte: Norte do Tocantins 11 Fonte: Panoramio12

Fonte: Rita Domingues (maio/2014)

Em 1913 pela lei estadual, do então Estado de Goiás, nº 426, de 21 de


junho, o povoado foi elevado a município, com o topônimo de São Vicente. A
instalação não se efetivou permanecendo embrionário até 7 de setembro de 1931,
quando, pelo decreto nº 1.224, de 7 de junho, foi instalado oficialmente.

Em 1945, em viagem pelo interior do Brasil, a visita da Família Imperial (D.


Pedro de Orleãns, D. Pedro Gastão e a Princesa Dona Francisca), fez com que se
alterasse a sede do município. E com o decreto-lei federal nº 7.655, de 18 de junho,
determinou a transferência da Sede do município para o distrito de Itaguatins
efetivada pelo decreto estadual nº 550, de 19 de julho do mesmo ano.

Pelo decreto-lei estadual nº 8.305, de 31 de dezembro de 1943, São Vicente


passou a denominar-se Araguatins, combinação decorrente de Araguaia e
Tocantins, os dois grandes rios que fazem confluência municipal, com a sua

11 Disponível em: <http://www.nortedotocantins.com.br>. Acesso em: 14/07/2014.


12 Disponível em: <htp://www.panoramio.com/photo/6841809>. Acesso em: 14/07/2014.
26

instalação definitiva como município em 01 de janeiro de 1949 e o padroeiro é São


Vicente Ferrer (celebrado no 2º domingo de setembro)13.

Araguatins tem uma área de 2.625,286 Km2 e é formada por distritos,


povoados, assentamentos e ilhas, são eles: 05 distritos (Macaúba, Natal,
Araguanópolis, Transaraguaia e Vila Falcão); 10 povoados (Santa Teresa, Santa
Luzia, Mata Velha, Canto do Barreiro, Novo Sítio, Taquarizinho, São João, Vila
Nova, Boca da Mata e Bacaba); 29 assentamentos do INCRA e 04 ilhas no rio
Araguaia (Ilha São Vicente, Ilha São Bento, Ilha Sapucaia e Ilha da Melancia).

Segundo o IBGE, a população estimada para 2013 era de 33.524


habitantes14. Em 2010, o Censo registrou 31.329 habitantes, sendo 20.135 em áreas
urbanas e 11.194 em área rural. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
(IDM-M) de 2010 é de 0,631 e Araguatins ocupa a 3.469ª posição em relação aos
5.565 municípios do Brasil, sendo que 3.468 (62,32%) municípios estão em situação
melhor e 2.097 (37,68%) municípios estão em situação igual ou pior. Em relação aos
outros 139 municípios do Tocantins, Araguatins ocupa a 78ª posição, sendo que 77
(55,40%) municípios estão em situação melhor e 62 (44,60%) municípios estão em
situação pior ou igual. O seu Produto Interno Bruto (PIB) aumentou em 30% entre
2009 e 2010, ocupando assim a 15ª posição na classificação Estadual do PIB. O
setor com mais destaque no município em 2010 foi o de serviços, correspondendo a
67,7% do valor adicionado total, tendo como atividade de maior evidência a
Administração Pública. A indústria representou 17,7% do valor adicionado total, com
destaque para a construção civil15.

O Sistema de Saúde possuía em 2010, 191 profissionais na área da saúde e


a cidade contava então, com: um Hospital; cinco Centros de Saúde e/ou Unidades
Básicas; duas Unidades de Apoio-Diagnose e Terapia e uma Unidade de Vigilância
em Saúde. Na área da Educação o município em 2012 contava com 69
estabelecimentos de ensino nas esferas federal, estadual, municipal e particular.
Distribuídos da seguinte maneira: 23 unidades do Pré-Escolar, 32 do Ensino

13 Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/dtbs/tocantins/araguatins.pdf> Acesso em:


28/05/2013.
14 Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=170220& search=

tocantins|araguatins|infograficos:-informacoes-completas> Acesso em: 14/07/2014.


15 Disponível em: <http://www.seplan.to.gov.br/Arquivos/download/Municipios_Perfil_2013/Araguatins

.pdf> Acesso em: 14/07/2014.


27

Fundamental, 06 do Ensino Médio, 02 do Ensino Profissionalizante, 05 da Educação


de Jovens e Adultos e 01 Especial com 503 professores e 9.607 alunos. Em 2013
havia o registro de 04 Instituições de Ensino Superior com cursos na modalidade
presencial com 07 cursos e a distância com 09 cursos.16

As atividades que predominam no município são: comércio (varejo);


agricultura (mandioca, milho, arroz, feijão, melancia, abacaxi, cará, batata doce,
banana, laranja, limão, manga, mexerica, cupuaçu, caju entre outros produtos);
produção de farinha de mandioca, a produção aumentou a partir de 2006 quando
foram instalados cinco fábricas elétricas de farinha, há ainda oito despolpadeiras de
frutas e 15 máquinas de beneficiar arroz; pecuária (bovino, suíno, caprino, ovino,
equino e bubalino); avicultura e piscicultura. Outro ramo desenvolvido pelo município
é o turismo. Destacando os elementos da paisagem natural pela própria localização
do município que fica às margens do rio Araguaia, que oferece um roteiro
envolvendo praias, cachoeiras e pescaria.

O período das praias no rio Araguaia corresponde aos meses de junho a


setembro, quando as águas do rio baixam e os bancos de areia aparecem, formando
as praias de rio. O atrativo é temporário. Sua temporada recebe a infraestrutura para
visitação durante o período de junho a agosto, com montagem de área para
camping, bares e restaurantes, comércio, telefonia pública, além de policiamento e
serviço de saúde 24h17. Nesta época do ano surgem os empregos temporários que
duram aproximadamente dois meses (julho e agosto) quando há maior presença de
turistas e a infraestrutura na praia fica montada.

As praias que ficam no rio Araguaia próximo a Araguatins são: praia de São
Raimundo, localizada na Ilha São Vicente e tem aproximadamente 5 km de
extensão, situada a frente do Povoado de São Raimundo, do Município de Brejo
Grande-PA. O atrativo é temporário com alta temporada em julho com a montagem
da estrutura para receber visitantes. O acesso é feito em barco a motor pelo Porto
de Araguatins, descendo rio abaixo, num percurso de uma hora de duração. A praia
fica a 6 km da cidade. Outra praia que fica na margem esquerda do rio é a praia da
Sapucaia, localizada na Ilha do mesmo nome, tem aproximadamente 10 km a

16 Disponível em: <http://www.seplan.to.gov.br/Arquivos/download/Municipios_Perfil_2013/Araguatins


.pdf> Acesso em: 14/07/2014.
17 Disponível em: <http://www.araguatins.to.gov.br/cidade> Acesso em: 14/07/2014.
28

extensão de praia. O percurso dura em torno de 1h45 de barco a motor partindo do


Porto de Araguatins, descendo o rio.

Há também a praia do Noronha, situada na margem esquerda do rio, em


frente à Ilha São Vicente, percurso de aproximadamente 30 minutos de barco a
motor. Excelente local para pesca esportiva e acampamento devido à presença de
uma belíssima flora, areias finas e brancas. A praia da Ponta que é a praia oficial da
temporada em Araguatins, sendo a mais frequentada pelos turistas devido a sua
imensa beleza natural, banhada pelo Rio Araguaia e cercada de grandes árvores da
Floresta Amazônica18. E, por último, a praia do Falcão onde está sendo desenvolvido
o Projeto de Quelônios para a preservação de tartarugas e fica a seis horas da
cidade de Araguatins (AMADO, 2006, p. 37) (fotografias de 19 à 22).

Fotografias: 19 à 22 – Praias de Araguatins

Fonte: Folha do Bico19

Fonte: Prefeitura de Araguatins 20

18 Disponível em: <http://www.araguatins.to.gov.br/cidade>. Acesso em: 14/07/2014.


19 Disponível em: <http://www.folhadobico.com.br>. Acesso em: 14/07/2014.
20 Disponível em: <http://www.araguatins.to.gov.br/lazer-e-esporte>. Acesso em: 14/07/2014.
29

HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO

Quando se trata da descrição do histórico da ocupação da área com base na


memória do grupo envolvido e depoimentos de eventuais atores externos
identificados, temos que levar em consideração que a memória é construída e essa
construção acontece ao longo do tempo, reunindo fatos que formam a história do
grupo, e que essa história não é necessariamente linear, pois tanto a memória
quanto a história são construções humanas e elegem-se fatos que são relevantes
para uma sociedade, uma comunidade, um grupo, muitas vezes os fatos mais
traumáticos são esquecidos para não serem rememorados e, assim, evitam a dor de
sentir/lembrar novamente a situação. Outros exatamente para não se esquecer dos
momentos difíceis da vida o relembram como marcos para não passar novamente
pela mesma situação e assim, a memória vai se constituindo de fatos e situações
marcantes ou não que são relembrados a posteriori.

Dessa forma, memória refere-se às lembranças do passado é tudo aquilo


que está guardado em nosso pensamento, lembranças e recordações, podendo ter
acontecido há muito tempo ou há pouco tempo.

A memória pode ser tanto coletiva quanto individual segundo Halbwachs


(2006) em sua obra “Memória Coletiva” quando diferencia tais conceitos. Para ele na
memória coletiva estão contidas as memórias individuais, mas elas não se misturam,
são as memórias em comum dos indivíduos em relação ao grupo que fazem parte. A
memória individual são as lembranças particulares do indivíduo, sua consciência e
interpretação própria de algum fato acontecido, geralmente são
rememoradas/expostas quando conversadas em grupo.

Quando se faz parte de um grupo “[…] podemos reconstruir um conjunto de


lembranças de maneira a reconhecê-los porque eles concordam no essencial,
apesar de certas divergências” (HALBWACHS, 2006, p. 29). Nossas lembranças
individuais se cruzam com as do grupo o qual fazemos parte, pois como vivemos
muitas situações juntos, há muitos pontos em comum sendo eles os principais na
nossa memória, mas também existem pontos diferentes de lembranças e isso
acontece porque cada pessoa pode ver um aspecto da situação, um ângulo que
30

outro não viu e, assim, as histórias são contadas e repassadas de geração a


geração.

Sendo, assim, a memória é um elemento de ligação entre as gerações que


expressa a identidade de cada indivíduo e do grupo.

[…] a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade,


tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de
uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si. (POLLAK, 1992, p.
5)

Nesta visão, concordando com Pollak (1992) quando diz que a memória é
seletiva, ou seja, nem todos os acontecimentos de nossa vida ficam gravados na
nossa mente, ela sofre modificações de acordo com o momento que ela está sendo
articulada e manifestada.

Origem da Comunidade

A origem da Comunidade decorre da doação da Ilha São Vicente à escravos


depois da abolição da escravatura em 1888. O senhor de escravos Vicente
Bernardino Gomes doou a ilha para seus ex-escravos morarem e assim o fizeram,
os ex-escravos que formaram a família Barros constituíram residência e começaram
a produzir na ilha. Os outros ex-escravos formaram a família Noronha e foram morar
na margem esquerda do rio Araguaia, localizada no Pará. Mesmo morando em lados
diferentes do rio Araguaia, o contato entre as famílias era intenso, dado que havia
relações sociais, econômicas, de compadrio e religiosas.

No primeiro encontro com o seu Salvador (77 anos), em maio de 2013


(fotografia 23) uma das pessoas mais velhas da Comunidade e que foi atingindo
diretamente pelo despejo, disse com muita convicção que são descendentes de
escravo e com a necessidade de provar o que estava dizendo, perguntou-me “tem
um livro que conta a nossa história, a senhora já viu esse livro?”.
31

Fotografia 23 – Salvador Batista Barros em frente a placa de identificação da Comunidade


quilombola

Fonte: Herbert Levi/INCRA (25.05.2013)

O livro que ele estava se referindo é de Leônidas Gomes Duarte21, intitulado


“De São Vicente a Araguatins”, datado de 1970, que conta a história da cidade de
Araguatins, através de vários fatos históricos, políticos e sociais. O autor fez uso de
vários documentos e o transcreveu no livro, o que levou vários anos reunindo e
organizando tais documentos. No centenário da cidade em 1968 o divulgou e em
1970 publicou-o. Há um registro neste livro chamado “Uma dívida resgatada com
seres humanos” onde informa que o fundador da cidade, Vicente Bernardino Gomes
em 1869, enviou um emissário para receber uma dívida no município de Carolina-
Maranhão, e como pagamento recebeu oito escravos sendo dois casais com os
seus filhos, entre eles: Henrique Julião Barros, apelidado de Henrique Cacete.

A seguir, será transcrito o parte do livro que trata deste assunto:

21 Leônidas Gonçalves Duarte (1890-?), neto do fundador da cidade de Araguatins, Vicente


Bernardino Gomes.
32

Quando Vicente Bernardino deixou Carolina e se instalou na Colônia Militar


de S. João do Araguaia, onde o sogro era comandante, deixara dívida a
receber no interior do Município. Com sua transferência da Colônia Militar
para esta localidade em 1868, Vicente Bernardino abriu uma estrada para o
sertão, descobrindo, então, estradas que levavam à Boa Vista do Tocantins.

No ano seguinte, Vicente resolveu mandar um positivo ao 2º Distrito de


Carolina, aproveitando a estrada por ele aberta, para ir receber a
importância de oitocentos mil réis (Cr$ 0,80) que lá ficara em mãos de um
freguês.

O positivo levou a carta de ordem para receber a dívida, a qual, sendo


entregue ao devedor, este alegou que, naquele momento não dispunha de
dinheiro, mas que, tinha escravos com os quais poderia solver a conta.
O procurador não tinha ordem para fazer semelhante transação. O devedor
respondeu que, ou pagaria com os escravos ou marcariam outro prazo
para o credor voltar. Êste, que levara ordem expressa para receber a
conta de qualquer forma, resolveu liquidar com os escravos. Precisavam
acertar o preço ‘per capita’. – Vou fazer um preço ‘camarada’ – disse. Fica a
cem mil réis, alto e malo. Assim combinados, foram chamados todos os
escravos dos quais foram retirados dois casais, com os filhos,
perfazendo oito pessoas em resgate da dívida, regressando no mesmo
dia. Ao chegar a S.Vicente, o portador deixou os escravos encostados à
parede da casa, pelo lado de fora, e levou lá dentro, ao patrão, o resultado
da empresa, dizendo: – Seu capitão, recebi a conta em escravos, porque o
devedor não teve dinheiro e eu não queria voltar sem receber, conforme
como perdida Onde estão os escravos? Estão lá fóra. – Mande-os entrar e
os agazalhe.

Entre os escravos, havia um menino de nome Henrique. Vicente


Bernardino tinha um filho com o mesmo nome. Estabeleceu-se aí uma
confusão interessante: Quando Vicente chamava o filho, o criadinho vinha
atender; quando chamavam o escravo, ia correndo a se apresentar o filho
de São Vicente. Assim, Vicente Bernardino, para evitar ambiguidade,
estabeleceu o seguinte: – De hoje em diante, quando se chamar Henrique.
É o meu filho; e quando se chamar Henrique Cacête, é o escravo. E
assim cresceu o menino com o pitoresco apelido: CACÊTE. (DUARTE, 1970
p. 147-148. Os trechos em negrito foram feitos pela autora da pesquisa,
para destacar os trechos relevantes)22

Esta parte reproduzida diretamente do livro de Leônidas Gomes Duarte é


fundamental para entender que o menino chamado Henrique e que recebeu apelido
de Cacete é Henrique Julião Barros, avô de Salvador Batista Barros. Destaca-se
alguns trechos que merecem ser tratados.

22Esta citação foi compilada igual ao livro, isto é, com a mesma escrita, não houve correção, pois há
palavras que em 1970 possuía acento e hoje não possui mais.
33

Na negociação para o pagamento da dívida que Vicente Bernardino,


fundador do município de Araguatins naquela época chamada de São Vicente, tinha
para receber no município de Carolina-MA em 1869 foi pago com oito (08) escravos
sendo quatro (04) adultos (dois casais) e quatro (04) crianças, uma delas era a
criança chamada Henrique, que recebera um apelido para não ser confundido com o
filho de Vicente Bernardino que também se chamava Henrique. E com a Lei Áurea
assinada em 1888, os ex-escravos foram morar na Ilha São Vicente onde tiveram
seus filhos e netos e de onde tiravam seu sustento.

Em estudo feito por Leonídia Coelho (2010) sobre a mesma Comunidade,


obteve informações sobre a história com os moradores da cidade e registrou alguns
relatos importantes, e deu destaque para os relatos feitos com dois antigos
moradores de Araguatins que contaram a história dos ex-escravos, são eles: Pedro
Duarte Barros e Benvinda M. Correa, reproduzidos a seguir:

Pedro Duarte Barros, nascido em 1926 em Araguatins, filho de Virgilio


Gomes de Barros que era neto do fundador do antigo município de São
Vicente afirma que todos em sua família confirmam o fato que os primeiros
ocupantes da Ilha São Vicente [são] os filhos do ex-escravo Henrique
Cacete [que] mudaram para a ilha, com a intenção de fixar moradia, em
1888. Ele [Pedro Duarte Barros] afirma que se lembra disso porque
vivenciou grande parte do tempo dessa ocupação e o usufruto do lugar
pelos descendentes do casal de escravos que para lá mudaram quando se
tornaram livres. (COELHO, 2010, p. 04. mimeo)

Leonídia Coelho (2010) continua dizendo que:

Com o testemunho de Leônida Gomes Duarte concordaram os moradores


mais idosos da cidade que afirmam terem sido testemunhas oculares de
muitos dos eventos aludidos em seu livro e de ter conhecido intimamente os
atores a quem ele conferiu eternidade considerando que a maioria deles
eram seus parentes. Eles informaram que Henrique Julião Barros, o
Henrique Cacete, após a libertação, em 1888, uniu-se a índia Inês,
descendente dos indígenas Arara da região, e, como na época não havia
problemas em ocupar terras sem que se fizesse o registro ou titulação,
foram morar na ilha de São Vicente do rio Araguaia... Ali criou os filhos
Domingas Barros, Pedro Henrique, Sarafim, Virgilio, Raimunda, Brasilina e
José Henrique Barros, conhecidos como os Henriques. (COELHO, 2010,
p.5. mimeo. Itálico da autora do texto)

Durante o trabalho de campo obteve-se as mesmas informações sobre a


chegada dos ex-escravos, “os Henriques”, na Ilha São Vicente para morar e
34

produzir, e a ligação que eles têm com o outro casal de ex-escravos, que ficaram
conhecidos como “os Tapiocas”, que foram morar na outra margem do rio Araguaia,
no Pará. Os nomes dos filhos de Henrique Julião Barros citados por Coelho (2010)
foram também registrados durante esta pesquisa e será apresentado a seguir.

Outra moradora da cidade de Araguatins entrevistada por Coelho em 2010


foi Benvida M. Correa (80 anos) que disse:

... outros descendentes, provavelmente do outro casal que foi dado em


pagamento a Vicente Bernardino, que foram morar do outro lado do rio,
formando um povoado parente dos Henriques da ilha. Eles ficaram
conhecidos como os ‘tapiocas’, apelido que ironiza a cor da pele deles visto
que a tapioca – produzido com a fécula da mandioca é branca e eles, por
oposto, tem a pele bastante negra. Os Tapiocas, sempre tiveram estreitas
relações com os Henriques, formando alianças nos negócios, no plantio das
lavouras e através dos casamentos entre seus descendentes. (COELHO,
2010, p. 06. mimeo. Itálico da autora do texto)

Esta referência soma-se as informações obtidas durante o trabalho de


campo sendo que as duas famílias são: a Família Barros (os Henriques) e a Família
Noronha (os Tapiocas). A Família Barros descendeu de Julião Barros (escravo que
chegou adulto) e Serafina Benedita Batista (escrava que chegou adulta), que
quando vendidos ao Vicente Bernardino Gomes como escravos para pagamento de
uma dívida, junto foi vendido também o filho que chegou criança, o Henrique Julião
Barros (ex-escravo). Este quando adulto casou com Inês que era uma índia da etnia
Arara, tiveram sete filhos, nascidos e criados na ilha e que ficaram conhecidos como
os Henriques, segundo relatos dos seus descendentes e outros moradores da
cidade. Os sete filhos são: José Henrique Barros, Pedro Henrique Barros, Serafim
Henrique Barros, Virgílio Henrique Barros, Brasilina Batista Barros, Raimunda
Batista Barros e Domingas Batista Barros. O primogênito José Henrique Barros é pai
de Salvador Batista Barros.

Durante o trabalho de campo realizado tanto na Ilha São Vicente quanto na


sede de Araguatins além das informações obtidas oralmente e que foram gravadas
e/ou anotadas, foram obtidos também alguns documentos importantes como:
publicações de livros, estudos feitos sobre a Comunidade Quilombola Ilha São
Vicente, certidões de óbito e nascimento. Lembro que tais documentos tem o
mesmo peso que o relato oral, posto que ambos são mecanismos de registro da
história de um grupo, de uma comunidade, de uma cidade.
35

Na certidão de óbito de José Henrique Barros consta que faleceu no dia 09


de fevereiro de 1964 aos 65 anos de idade (documento 1), desta forma, teria
nascido no ano de 1899, sendo filho de Henrique Julião Barros e de Maria Batista
Barros e não da índia Inês como os relatos informaram. Neste ponto, pode-se
pensar que a história oral está equivocada, mas na verdade não porque é comum
nesta região do país, dá-se apelido e muitas vezes nominal, isto é, outro nome. E
em relação a etnia a certidão não traz nenhuma informação sobre este assunto.

Documento 1 – Certidão de Óbito de José Henrique Barros

Fonte: Cartório de Registro Civil em Araguatins


36

A certidão traz ainda a informação que José Henrique Barros morreu no


Pará, no município de Brejo Grande do Araguaia, demonstrando uma ligação entre
as duas regiões (a Ilha São Vicente e o distrito de São Raimundo, no Pará) como
será demonstrado ao longo deste estudo. A certidão diz ainda que ele deixou sete
filhos adultos.

José Henrique Barros era casado com Maria Francisca Barros e os sete
filhos, são: Eugênio Batista Barros, Maria Batista Barros, Dominga Barros, Juarez
Batista Barros, Vicença Batista Barros, Salvador Batista Barros e Pedro Barros
Sobrinho.

Outro documento importante para ser apresentado é a certidão de óbito de


Maria Francisca Barros, esposa de José Henrique Barros, e consta no item
domicílio/residência “Ilha São Vicente Município de Araguatins-TO” e no outro item
local de falecimento consta “Em domicílio, Ilha São Vicente Município de Araguatins-
TO”, a data de seu falecimento foi 1959 aos 53 anos, o que indica que nasceu em
1906. Era filha de Eugênio Francisco Barros e Inês Francisca da Cruz. Neste
momento, aparece o nome Inês, desta forma, pode-se pensar que o que ficou na
história oral do grupo foi o nome Inês ou a filha, como elencado acima, recebeu o
nome da mãe como apelido. Quem declarou o óbito foi Eugênio Batista Barros, o
filho mais velho. E nesta Certidão (documento 2) consta que ela morou e morreu na
Ilha São Vicente. Informação esta que é documental e que ratifica os depoimentos
dados durante o trabalho de campo.

Durante as entrevistas feitas com os moradores da Comunidade sobre a sua


história, eles fazem alusão tanto ao livro de Leônidas Gomes Duarte quanto às suas
memórias, como diria Halbwachs (2006), memória individuais e coletivas. Assim, a
história é escrita e nunca é completa, pois os grupos sociais fazem sua história dia
após dia, e o que fica na memória de cada um e do grupo muitas vezes se
coadunam, em outros mostram divergências o que é comum visto que tratamos com
pessoas.
37

Documento 2 – Certidão de Óbito de Maria Francisca Barros

Fonte: Cartório de Registro Civil em Araguatins

Durante as entrevistas realizadas com os quilombolas foram enfatizadas


várias vezes que muitos nasceram, foram criados e continuam na Ilha São Vicente.
E que mantém contato com os moradores que são parentes e que moram no distrito
de São Raimundo, pertencente ao município Brejo Grande do Araguaia-Pará, isto é,
atravessando o rio. E também com os parentes que moram em Araguatins-
38

Tocantins. Em algumas certidões de óbito que foram obtidas referem-se a esses


dois municípios como local de residência e falecimento. Como não há cemitérios
dentro da Ilha São Vicente os seus moradores são enterrados no cemitério do
município de Araguatins.

A ocupação da ilha pelos descendentes de Julião Barros (escravo que


chegou adulto em São Vicente, atual Araguatins) e Serafina Benedita Batista
(escrava que chegou adulta em São Vicente, atual Araguatins) vem deste os idos de
1888, quando da assinatura da Lei Áurea, e eles receberam a ilha como local de
moradia e sustento pelo seu antigo dono Vicente Bernardino Gomes. Lembrando
que Julião e Serafina foram um dos casais de escravos dados como pagamento de
dívidas, como visto anteriormente.

Em entrevista feita com Pedro Martins Duarte, 87 anos (bisneto do fundador


da cidade de São Vicente, atual Araguatins, neto de Bernardo Martins e filho de
Virgilio Duarte), afirma que seu bisavô teve escravos vindos de Carolina-MA, como
forma de pagamento de uma dívida, e quando o seu bisavô morreu quem ficou com
os escravos foi seu avô Bernardo Martins e depois da abolição da escravatura,
foram morar na ilha. Abaixo um trecho transcrito da entrevista:

“A história desses escravo foi assim. Meu bisavô veio de Carolina pra cá. Aí
lá ele tinha negócio lá com pessoal, que ficou devendo a ele uma certa
importância. Aí depois que ele tava aqui, era muito difícil porque não tinha
estrada, quase num tinha meio de transporte. Aí ele pegou e mandou um
funcionário dele ir até Carolina [MA] acertar um negócio com o comerciante
que tinha ficando devendo uma certa importância pra ele.

Aí ele foi. Chegou lá e aí o camarada disse que não tinha dinheiro, mas
tinha escravos. Naquele tempo vendia, nera? E compravam. Aí então, se
tivesse ele dava tantos escravos pra ele, pagando a conta. Aí o funcionário
do meu bisavô recebeu. Eram dois casais e cada um tinha uns dois filhos.
Aí onde um dos filhos era o Henrique.

Aí ele trouxe os escravos. Para não ficar indo lá mais atrás do negócio e
recebeu os escravos. Aí chegou, quando foi abolido os escravos. O meu
bisavô morreu e ficaram com meu avô [...] Pois é. Ele assumiu o movimento,
ele era comerciante e fazendeiro. Ficou com os escravos, ficou
administrando as coisas. Aí quando foi abolido a escravatura ele mandou
eles irem para a ilha. Lá num tinha ninguém nessa ilha. Num tinha ninguém.
Aí mandou eles ir para lá: ‘vá pra lá que aí dá pra você viver’. Ele tinha uma
mulher, e ele foi o primeiro morador dessa ilha foi ele [...] O Henrique.
Era Henrique, aí ele tinha um apelido, porque o meu avô tinha um filho
chamado Henrique também. Aí quando ele chamava: Henrique! Aí vinha os
39

dois... Aí ele falou: ‘Assim num dá, vamos fazer uma diferença’. Aí botou um
apelido no escravo Henrique: ‘Cacete’ [...]

Os primeiros foram eles, quando o Henrique que era o escravo foi pra
lá num tinha ninguém nessa ilha, é verdade pura e certo, foi o primeiro
morador dessa ilha foi ele, o Henrique. O primeiro morador dessa ilha foi
o Henrique, palavra de certo.” (Os trechos em negrito foram feitos pela
autora desta pesquisa)

Outro depoimento importante é o da Sra. Benvida M. Correa23 feito em vídeo


e áudio, que se refere a história da Comunidade Quilombola:

“Eu já tô com 84 anos e conheci toda a história, viu? Conheci o tio Zé


Henrique só não conheci o pai dele, mas a geração toda, inclusive tem, tem
parente meu, uma tia minha legítima casada com tio José Henrique, viu?
Pai dos meninos do Juarez, do Salvador, do Eugênio, somos uma família
misturada... eu nasci em Araguatins.

[sobre o despejo]... a situação era muito feia, muito triste e Deus botou
aquele pessoal na minha porta, que eu num tava nem esperando, foi
surpresa pra mim e na mesma hora tive coragem... eu tava dentro da minha
casa, quando eu senti que na minha porta tinha uma porção de gente que
eu saí eram eles e iam ser despejados, aí quando saí na porta, eles
disseram pra mim, disse “olha...” e tinha muita gente de Araguatins
ajudando, dando apoio, viu? Aí disse “olha vamos despejar o Salvador” eu
digo “despejar o Salvador?” “É vamos despejar o Salvador” e digo “mas
porque isso?”, o barco com os soldado já foram... essas horas eles estão
chegando lá, viu? Aí tinha um repórter, eu digo “e aquele moço ali o que é
que é?”, disseram é um repórter, eu digo “pois venha cá entre aqui na
minha casa, viu?” Aí ele entrou, entrou, eu sentei, ele colocou o aparelho
assim, o Pedro tava perto, o Pedro Henrique, viu? Aí eu fui e contei a
história... deles, dos quilombolas da ilha, viu? Até nessas alturas eu não
sabia que nesse livro que o seu Leônidas tinha escrito tinha essa história
deles, eu contei a minha história, e contei que era uma injustiça muito
grande que tavam fazendo...

Eu falei da minha história... essa ilha não pertence ao Estado, essa ilha
pertence a União, viu? e vocês tem paciência e realmente deu tudo certo e
quero que dê certo para sempre, faço tudo para dá certo... Aí conheci todos,
os filhos do Henrique cacete que Vicente Bernardino apelidou de Cacete
porque até hoje tem uns desses menino aí, desses Henrique que tem essa
parte aqui bem comprida, assim os braços dele né, e ele foi e apelidou que
era filho do escravo de cacete, de Henrique Cacete porque quando ele
chamava de Henrique ia os dois, aí ela disse: não, esse aqui, meu filho é o
Henrique e você quando eu chamar Henrique Cacete, é você...

23A Sra. Benvida M. Correa faleceu em abril de 2013, portanto, um mês antes do primeiro trabalho de
campo. Foi cedida pela Comunidade uma gravação em vídeo e áudio feito com ela em fevereiro de
2013 e parte desta gravação está transcrita aqui.
40

Os pais do tio José Henrique, eles foram muitos irmãos, tio José Henrique,
tia Brasilina, tia Raimunda, tio Pedro, e teve o que morou em Brasília que
não to lembrando o nome dele, a tia Dominga, viu?, muitos irmãos, a tia
Brasilina morreu mais de 100 anos a Maria Helena sabe a história da tia
Brasilina e a história deles..., e hoje eu tenho 84 anos e conheci desde
pequena, morava em Araguatins e passeava lá, inclusive essa senhora que
fez essa injustiça, eu gosto de bordar e fazer outras coisa, né, e eu sabia
um bordado que ela não sabia, aí ela foi lá pra casa pra eu ensinar, eu tô
aqui bordando com a fita aí ela foi e disse assim: “É Benvida, o
Salvadorzinho não quer sair não”, eu digo “... que conversa é essa do
Salvadorzinho não quer sair, lá é deles, ele nasceu foi lá, o pai dele, o pai
dele nasceu foi lá, eles são de lá como vocês querem fazer uma coisa
dessas, olha isso não tá certo, mas ela não acreditou”.”

Diante de tais depoimentos tendo por base a memória de atores externos


identificados pelo grupo como importantes, vem se somar aos relatos feitos pelos
moradores da comunidade quilombola e aos levantamentos e análises feitas das
fontes documentais e bibliográficas existentes sobre a história do grupo e da sua
terra que foram obtidas.

O senhor Pedro Martins Duarte (não quilombola) durante a entrevista


também disse que na infância e adolescência costumava ir com os pais e irmãos
para os festejos que aconteciam na ilha, onde havia reza e comida. E que seu pai
(Virgílio Duarte) e o pai de Salvador (José Henrique Barros) eram compadres. E por
essa ligação de afinidade e parentesco fez com que alguns filhos de José Henrique
Barros fossem morar na sede em Araguatins na casa de Virgílio Duarte para
estudar, pois a dificuldade com o transporte para atravessar o rio Araguaia todo dia
para estudar era grande.

Após se instalar na ilha, Henrique Julião Barros já casado construiu sua


casa, plantou para sua subsistência, e os relatos dão conta de que quando chegou
na ilha não tinha morador nenhum e que criou gado solto. Pedro Martins Duarte
disse:

“Foi meu avô que mandou ele ir pra lá, né? Aí deu alguma coisa pra ele, um
dinheirim. Alguma coisa e tal assim, aí na certa ele comprou alguma coisa
né. Aí deve ter comprado algum gado dele, mas pouca coisa, e de certo
pouco num tinha como criar muito.” (Entrevista em maio/2013)

Nesse percurso histórico vivido pela descendência de Henrique Julião o


patrimônio cultural da comunidade acumulado, constituído de seus bens materiais e
imateriais, com relevância na construção de suas identidades e memória e na sua
41

reprodução física, social e cultural são importantes para mostrar o conhecimento


tradicional das formas de uso das matérias-primas e de técnicas para a continuidade
da comunidade que vive em uma ilha. Segundo Inês Virgínia Prado Soares
conhecimentos tradicionais são:

os saberes e técnicas que os índios e outras comunidades locais (tais como


os quilombolas, os caiçaras, os seringueiros, os pescadores, os ribeirinhos,
entre outras) têm e utilizam para sua sobrevivência e para o atendimento de
necessidades culturais, espirituais, materiais e financeiras das presentes e
futuras gerações. São conhecimentos sobre as potencialidades dos
recursos naturais e sobre formas e técnicas de manejo e sua gestão, bem
como sobre métodos de caça, pesca, processamento de alimentos e
propriedades fitoterápicas de elementos da flora. (SOARES, 2009, p.195)

Assim, pode-se listar alguns bens materiais que marcam a identidade da


comunidade passa pela produção do óleo babaçu; pela fabricação de alguns
artefatos de palha como balaio, abano, côfo, esteira, vassoura e cesto entre outros;
pela técnica de fabricação das casas de taipa; pelos métodos e técnicas de pescar e
caçar. Os objetos feitos de palha são para usufruto dentro da própria comunidade. A
produção é feita, segundo informações obtidas durante o trabalho de campo, pela
Dona Maria Barros, e a matéria-prima é recolhida na própria ilha, tiradas da palmeira
de babaçu localizadas nas proximidades das casas.

Outros dois elementos materiais que foram citados pelos quilombolas


marcam sua identidade, foram os objetos deixados pelos seus antepassados, uma
herança que para muitos pode ser simples, mas para eles é muito importante,
guardar e preservar para mostrar uma parte da sua história para os mais novos e
para os de fora, assim, destacaram o baú e a mala feitos de madeira e couro
(fotografias 24 e 25) e o pote de barro (fotografias 26 e 27).

Fotografias 24 e 25 – Objetos históricos da Comunidade quilombola (baú e mala)

Fonte: Herbert Levi e Marcio Catelan, ambos do INCRA (abril/2013)


42

Fotografias 26 e 27 – Objetos históricos da Comunidade quilombola (pote de barro)

Fonte: Rita Domingues (abril/2013)

Já os bens imateriais, não são apenas os elementos que estão no nível das
ideias, pois para fabricar os próprios bens materiais citados acima, precisa do
imaterial para fazê-los, assim:

Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e


domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de
fazer; celebrações; formas de expressão cênica, plástica, musicais ou
lúdicas e nos lugares, tais como mercados, feiras e santuários que abrigam
práticas culturais coletivas. (IPHAN, 2014)

Na Comunidade Ilha São Vicente há entre os bens imateriais a manifestação


de saberes e das celebrações. Entre os saberes está o conhecimento da fauna e
flora da região, este último muito utilizado pelas propriedades medicinais que a
comunidade conhece; a forma, período e o que plantar.

Diante destes elementos percebem-se as características de comunidade, a


Família Barros, descendentes de Julião Henrique Barros, que teve sempre a ilha
como referência, pois nasceram e viveram na ilha. Vale ressaltar que por terem a
ilha como ponto de referência não significa que vivem somente na ilha o contato com
o continente é constante, neste caso específico o contato é com o distrito de São
Raimundo-Brejo Grande do Araguaia/Pará quanto com Araguatins/Tocantins.

Devido não existir na ilha uma infraestrutura onde fixasse toda a


Comunidade, aos poucos alguns membros da família foram se casando e mudando,
e passaram a morar nas sedes dos municípios citados acima. Desta forma,
diminuindo o número de moradores fixos da ilha, mas ter se mudado não significou
perda de vínculos com suas origens, ao contrário, voltar à ilha São Vicente para
43

visitar e/ou passar algum tempo com quem ficou faz com que se sintam
pertencentes ao local, e com isso se sentem bem, pois tem um sentido na vida.
Outro fato interessante é ver os sobrinhos e netos de seu Salvador que moram nas
cidades passando um período na ilha, no intuito de ficarem mais próximos dos
parentes e também de aprenderem de como se vive na ilha, isto é, perto da natureza
tendo que saber nadar, pescar, remar, plantar, brincar entre outros aspectos. Assim,
acontece o ensinamento e o aprendizado de técnicas e de transmissão de saberes.

Segundo o sociólogo Antônio Carlos Diegues

Para quem deixa a ilha para morar no continente, o desaparecimento dos


contornos insulares que delimitam a territorialidade gera a angústia, a
insegurança e o desejo de voltar ao refúgio, aos limites definidos e seguros.
Daí o desejo dos ilhéus migrantes, nem sempre realizados, de, um dia,
voltar a viver na ilha. (1998, p. 101)

Fato este que durante a pesquisa foi relatado por vários membros da família,
de voltar à ilha, mas devido ao conflito preferem continuar morando na cidade e
também à falta de elementos básicos de infraestrutura como energia elétrica dificulta
a permanência constante.

Pelo que se constatou Henrique Julião Barros, foi o primeiro morador da ilha,
teve sete filhos nascidos na Ilha São Vicente, mas que não se isolaram nesse
espaço, pois havia constante contato entre sua família com os outros parentes que
moravam na área do continente. E muitas vezes por não ter condições de produção
e assim, formas de sustentar as famílias dentro da ilha muitos foram trabalhar fora
da ilha, “na rua” como eles chamam. O seu Salvador foi um desses, que passou um
tempo fora, mas voltou e não saiu mais da ilha, onde mora até hoje com sua família.

Assim, os moradores da ilha percebem-se como uma família, como diz


Miriam de Fátima Chagas tem “... uma noção de que eles ‘são dali mesmo’, de ‘uma
mesma família’.” (2001, p. 227) e a partir do conflito gerado houve uma ampliação
dessa visão para comunidade e, segundo os seus membros quem faz parte dela,
além da Família Barros são alguns poucos parentes afins, sendo seu Salvador o
patriarca da Comunidade. A Comunidade está organizada em associação e tem
mais força para lutar pelos seus direitos.
44

Comunidade conceitualmente pode ser visto sob o prisma de:

convencionalmente compreendido ou como um determinado segmento


populacional ocupando uma área territorial contígua, ou como um certo tipo
de relação social evocando os aspectos mais positivos dos processos de
associação humana. As definições explícitas de comunidade têm de certa
forma se ligado mais enfaticamente a um ou outro destes ângulos, algumas
vezes salientando variáveis de natureza ecológica ou demográfica, outras
vezes acentuando processos sociais ou psicológicos catalizadores da
unidade comunitária. (GOLDWASSER, 1974, p. 40)

A Comunidade Quilombola da Ilha São Vicente tem tanto a característica de


ocupar uma área territorial quanto há processos sociais que marcam a identidade do
grupo. Ampliando esse conceito de comunidade, vê-se que a:

Comunidade é sempre o lugar onde podemos encontrar os semelhantes e


com eles compartilhar valores e visões de mundo. Também significa
segurança, e é nela que encontramos proteção contra os perigos externos,
bem como apoio para os problemas pelos quais passamos... Comunidade é
sempre o lugar onde podemos encontrar os semelhantes e com eles
compartilhar valores e visões de mundo. Também significa segurança, e é
nela que encontramos proteção contra os perigos externos, bem como apoio
para os problemas pelos quais passamos. (MOCELLIM, 2011, p. 106)

A Comunidade Quilombola Ilha São Vicente depois que se organizou teve


mais força e seus membros ficaram mais confiantes e seguros na força da
Comunidade para lutar pelos direitos, e um de seus direitos fundamentais é pelo
reconhecimento dos direitos culturais e territoriais como está no Artigo 68 no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988, que consagra o
dever do Estado em atuar efetivamente para que os remanescentes de
comunidades quilombolas obtenham a propriedade definitiva de suas terras.

O Conflito
Após 112 anos vivendo na ilha compreendendo cinco gerações da família
Barros, convivendo com seus vizinhos antigos e mais recentes moradoras também
da ilha que foram se fixando ao longo dos anos, a partir do início dos anos 2000
começa o conflito com Edelves dos Passos de Carvalho Fernandes.

A Comunidade está localizada na margem da Ilha São Vicente do lado


direito do rio Araguaia. Seu Salvador e sua esposa Maria da Luz contou-nos que
desde essa época vem sendo ameaçados por Edelves Fernandes, que se diz dono
45

da área e que não podem plantar nada ou criar animais sem antes falar com ele já
que ele se diz dono de tudo. O irmão de seu Salvador, o seu Pedro Sobrinho, relatou
a mesma situação quando começou a plantar roça e foi advertido por Edelves de
que só poderia começar a plantar se ele o autorizasse. Pedro Sobrinho, falou:

“... Aí quando foi pra eu bota essa rocinha que eu botei ali, sabe aqui é bom
para ligumes, né, eu botei uma roça dali até no Francismar [o último lote da
Comunidade] aí ele chegou aqui, acho que o vaqueiro viu e falou pra ele.
Ele disse ‘Você tá botando roça aí com ordem de quem?’ Pedro respondeu
‘Rapaz, tô botando por ordi minha mermo... que eu tenho que plantar o
arroz e plantar as coisas aqui, porque não tenho outro ramo a num ser
roça.’ Edelves disse ‘Pois você não vai cortar nenhuma vara aí mais’. [Pedro
comentou] ‘aí nós fica com medo, né?’ ” (maio/2013)

Edelves entrou com um processo na justiça local para reintegração de posse


referente à área da Comunidade, mais especificamente onde o seu Salvador e
família moram, que fica ao lado do que diz ser sua propriedade, separado apenas
por uma cerca de arame farpado.

No dia 20 de março de 2002 aconteceu na Comarca de Araguatins uma


audiência para tratar da “Reintegração de Posse que Edelves dos Passos de
Carvalho Fernandes move em desfavor de Salvador Batista Barros” como consta no
Termo de Audiência de Conciliação - Processo Nº 2.504/01 (documento 3), Edelves
foi acompanhado de advogado e Salvador Batista Barros foi sem advogado, onde foi
designado um promotor de justiça para acompanhar o caso. Os termos da proposta
da audiência foram:

“a autora [Edelves] cederá ao requerido, em troca de área em litígio, um


alqueire goiano (quarenta e oito e quatrocentos metros quadrados) de
terras, dentro do perímetro da referida ilha, contudo essa nova cessão será
localizada noutra parte da ilha, ou seja, na parte norte, sendo que 220
metros lineares margeando o rio Araguaia e a mesma medida dividindo com
o posseiro Moacir, o requerido [Salvador] tem um prazo de um ano a contar
desta data [isto é, até 20.03.2002], compromete-se por si, seus herdeiros e
sucessores, a desocupar a área objeto do presente processo mudando-se
para a área retro especificada, comprometendo retirar todo benfeitoria ali
construída, inclusive colheita de cereais de mandioca; que o requerido
[Salvador] está ciente que não receberá nenhuma indenização sobre as
benfeitorias construídas a área em litígio, o requerido está ciente e advertido
que não poderá proceder a derrubada dentro da área da autora [Edelves],
inclusive nem derrubada de nenhum coqueiro...”
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Documento 3 – Termo de Audiência de Conciliação: Processo Nº 2.504/01

Página 02

Página 01

Fonte: Documento obtido na própria Comunidade Quilombola


47

Esse termo de conciliação foi assinado em 2002, mas não foi posto em
prática, o seu Salvador e família continuaram no mesmo local, não saíram. Depois
houve uma conversa entre as partes e decidiram que permaneceriam no local, mas
segundo seu Salvador teria que saber que a terra pertence a eles [a Família
Fernandes], e não aos quilombolas. Depois desse tempo houve uma “calmaria”, mas
enquanto, continuavam morando neste pedaço da ilha, produziam para a
subsistência e o tempo todo com medo das ameaças sofridas.

Em 2010 aconteceu um fato que mobilizou toda família Barros,


descendentes de Julião Henrique Barros (ex-escravo), os amigos e vizinhos
solidários a esta família, que foi o despejo da família do seu Salvador, determinado
pela justiça de Araguatins culminando com a retirada dos mesmos de sua casa e a
destruição de suas casas e plantações.

Em 26 de outubro de 2010, com um mandado de remoção (documento 4,


nas suas quatro páginas, isto é, na íntegra) contra as famílias quilombolas que
moram na ilha, estas foram despejadas, expulsas de suas terras por força de uma
liminar emitida pelo juiz substituto da Comarca de Araguatins, datada de 30 de
agosto de 2010, que atendeu a uma demanda judicial de uma reivindicação de
titularidade da terra, por parte de Edelves dos Passos de Carvalho Fernandes. No
mandado de remoção o juiz escreveu: “... que seja procedida a remoção do
requerido do imóvel descrito no exordial de cumprimento de sentença... caso
necessário, utilizar-se de efetivo policial.”

O despejo, conforme relatado pela Comunidade, foi realizado de forma


violenta e traumática. Um oficial de Justiça acompanhado de vários policiais militares
do destacamento de Araguantins foram deslocados de barcos para realizarem o
despejo. Além dos atos de violência na retirada das famílias, houve também a
violência simbólica, os quilombolas que foram despejados do território onde
nasceram e viveram a vida toda, tiveram suas casas queimadas, casas parcialmente
derrubadas, plantações destruídas e animais de criação subtraídos.
48

Documento 4 – Mandado de Remoção na íntegra

Página 02

Página 01

Fonte: Documento obtido na própria Comunidade Quilombola


49

Página 04

Página 03
50

As famílias despejadas como a de seu Salvador Batista Barros, considerado


o patriarca da comunidade, de seu filho Reginaldo e sua sogra Josefa foram levadas
para a casa de Pedro Barros (irmão de Salvador) localizada na mesma ilha, onde
passaram aproximadamente 30 dias, lutando e aguardando o retorno às suas terras.
Um dia após o despejo as casas foram queimadas, a outra teve as paredes
destruídas e a plantação também, fato que abalou toda a Comunidade. Em 28 de
outubro de 2010 seu Salvador fez um boletim de ocorrência narrando o despejo feito
no dia 26.10.2010.

Segundo seu Salvador, eles foram levados para casa do seu irmão Pedro,
que fica na própria ilha, na parte norte, porque lá foi à área que no Termo de
Conciliação de 2002 foi “cedida em troca da área de litígio”, a área em litígio é a área
onde mora seu Salvador. Confirme relatam durante o despejo seus pertences foram
jogados no barco e transportados de forma inadequada, fazendo com que fossem
quebrados e perdidos vários bens.

Seu Salvador disse o seguinte:

“... tomemos um grande prejuízo, porque pobre não tem nada, mas o pouco
que tem que se acaba é prejuízo... guarda roupa, cama, cadeira, cama
chegou só os pedaços, eles faziam jogar dentro da canoa, até a foto da
Rosangela da formatura se acabou”

Maria da Luz Sousa, esposa do seu Salvador, contou-nos de forma triste,


este momento vivido pela família:

“... nós saimos dia 26 de outubro [2010] quando foi dia 27 de outubro, eles
destruíram eu vim aqui de tarde por umas quatro horas pra dá comida pros
porcos e pra ver se conseguia pegar o resto das galinha, o que podia fazer
pra levar, né, e não deu pra pegar nada, daí fui embora... quando cheguei lá
em baixo fiquei olhando para cá e vi o fumaçeiro... acabou foi com tudo,
com a roça de mandioca e carregaram os nossos porco do chiqueiro”

Observam-se nas fotografias de número 28 à 35 a destruição das casas e


roçados dos quilombolas na Ilha, e que segundo os mesmos, essa crueldade
desumana foi executada por pessoas ligadas ao senhor Edelves Fernades – um dia
depois do despejo – para que não retornassem às suas moradas depois de serem
retirados à força.
51

Fotografias: 28 à 35 – Casas e plantações destruídas após o despejo

Fonte: Fotografias cedidas pela Comunidade quilombola feitas em 2010, logo após o despejo.
52

As fotografias são da casa do seu Salvador, dona Josefa e do local onde


ficavam os animais de criação, todas foram destruídas e/ou queimadas, além da
plantação de mandioca que foi toda destruída. As datas que estão impressas nas
fotografias não correspondem ao ano do despejo, foi um problema na formatação da
máquina digital.

Neste interim, em que seu Salvador e as famílias estavam desalojados na


casa do irmão (Pedro), onde passaram 30 dias entre outubro e novembro de 2010, a
Família Barros se mobilizou, conversou com os moradores antigos de Araguatins
que conheciam sua história, buscou informações sobre sua origem e depois foi
organizado uma assembleia, onde foi redigido um documento assumindo que são
remanescente de quilombo, dizendo: “... nos auto-identificamos como comunidade
remanescente de quilombo”. A lista dos presentes na assembleia foi anexada ao
Processo de Reconhecimento Quilombola na Fundação Cultural Palmares.

Dias antes do despejo seu Salvador foi comunicado do mesmo e que


aconteceria em breve, sem saber o que fazer e sem orientação foi conversar com
Pedro Martins Duarte (87 anos24), amigo de longa data da Família Barros e
conhecedor da história da Comunidade, como foi dito anteriormente o seu bisavô foi
o fundador da cidade de Araguatins, e que teve uma dívida paga com escravos,
sendo estes escravos o bisavô e o avô de seu Salvador. Mantiveram-se próximos a
vida toda, segundo seu Pedro Martins Duarte o contato entre as famílias era grande,
porque ambas as famílias iam e vinham entre Araguatins e Ilha São Vicente com
certa frequência seja para passeio, comemoração de festejos religiosos na ilha ou
em Araguatins para estudar, vender algum produto feito da roça, comprar algum
produto e outros fins.

Pedro Martins Duarte preocupado com a situação em que seu Salvador se


encontrava, chamou um de seus filhos, Francisco de Assis Santana Duarte que é
advogado e conhece também a história da Família Barros para ajudar na causa.
Logo após o despejo ele entrou com uma ação na Comarca de Araguatins, por onde
o processo está tramitando, para que seu Salvador e as famílias voltassem às suas
casas. Depois de 30 dias eles conseguiram uma liminar que autorizou o retorno à

24Bisneto do fundador da cidade de Araguatins, portanto, não quilombola e morador da cidade de


Araguatins. Como foi citado anteriormente na página 36.
53

sua terra. E quando voltaram tiveram que reconstruir as casas que tinham sido
destruídas.

O retorno não significou tranquilidade, ao contrário o clima na região


permaneceu tenso e as famílias com medo, pois receberam várias ameaças da
família Fernandes segundo os depoimentos dos moradores da comunidade
quilombola.

Mesmo sofrendo tais ameaças as famílias quilombolas continuaram no local,


porque segundo eles, além de terem nascido e crescido naquelas terras, não há
outro lugar para eles irem, pois a vida inteira foi na ilha.

Nesse período em que permaneceram desalojados entre outubro e


novembro de 2010, eles não ficaram acomodados, procuraram informações sobre
sua origem quilombola. Além de terem encontrado o livro já citado, foram buscar na
memória dos moradores mais antigos da Comunidade sua própria história. Diante
deste cenário a Comunidade se organizou, mobilizou os membros da família para
fazer parte da associação e entraram com processo de certificação e
reconhecimento quilombola na Fundação Cultural Palmares.

A Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombolas da Ilha


São Vicente (ACREQUISVI) foi constituída em 19 de dezembro de 2010 após sua
assembleia de fundação. E em 27 de dezembro do mesmo ano (2010) a Fundação
Palmares emitiu a Certidão de Autodefinição da Comunidade (documento 5), através
da portaria publicada no Diário Oficial da União, nº 22825.

Seu Salvador quando foi receber a certificação da Comunidade em Palmas,


capital do Estado, disse:

“Esse documento nos dá segurança e força para continuar lutando por


nossos direitos. Fomos despejados o ano passado [2010]. Nunca perdi a
esperança. Hoje voltei e estou trabalhando na terra para sustentar meus
filhos.” 26

25
Cadastro Geral 013, registro 1.420, folha 36 e registro 1419, folha 35.
26
Depoimento retirado do site: <http://www.folhadobico.com.br/01/2011/araguatins-secretario-entrega-
certificacao-da-comunidade-quilombola-ilha-de-sao-vicente.php.> Em: 17.06.2013.
54

Documento 5 – Certidão de Autodefinição da Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha


São Vicente emitido pela Fundação Cultural Palmares

Fonte: Documento cedido pela própria Comunidade Quilombola.

Assim, mesmo após o despejo da família de seu Salvador da ilha, a mesma


se uniu e reuniu forças também dos vizinhos e amigos, que procuraram informações
para contarem sua história. Os documentos utilizados pela comunidade como provas
para dizer que são descendentes de escravos além da memória sendo reativada a
cada momento em que a história é contada, somou-se a “comprovação” do livro, que
para os moradores da comunidade é de extrema importância para o processo da
afirmação de sua identidade.
55

Esta fonte documental serviu de apoio para o recurso que transcorreu na


justiça para o retorno das três famílias que foram despejadas ao seu território de
origem, e assim conseguiram voltar às suas casas, mesmo que destruídas para
continuar vivendo na terra onde sempre viveram.

Ocupação atual

Neste sentido, voltar ao território de origem é uma marca forte de elementos


identitários e diacríticos, pois liga seus moradores ao ambiente físico/ecológico e
social. Na Ilha São Vicente os quilombolas sabem transitar muito bem entre suas
áreas ecológicas que são: os lagos, o varjão, a roça, o rio Araguaia, mas atualmente
não podem andar por toda a ilha, por que estão restritos há uma pequena área.

A Comunidade Quilombola está atualmente ocupando uma área de 32,574


hectares, que corresponde uma pequena parte da Ilha São Vicente. A área que a
Comunidade ocupa, fez com que seus moradores encontrassem uma maneira de
organizar o espaço e essa maneira foi aplicada depois do despejo que seu Salvador
e família sofreram.

Antes de apresentar qual é a atual forma de ocupação da área pela


Comunidade, tem-se que dizer que a Ilha São Vicente “tem seu início em frente à
cidade de Araguatins...”. (AMADO, 2006, p.35) e tem o tamanho da área de
2.502,0437 (dois mil quinhentos e dois hectares, quatro ares e trinta e sete
centiares), área esta medida durante o trabalho de campo pelo topógrafo do INCRA,
Ailton Cardoso Trindade. E verificou-se também durante o trabalho de campo um
total de 27 famílias não quilombolas dentro da ilha.

Feitas tais considerações, é importante frisar que no início da ocupação da


ilha pela Família Barros, conhecida também pela forma de “os Henriques” faziam
uso da ilha toda, mas a moradia sempre foi onde estão hoje, isto é, na margem
direita do rio Araguaia, ao passar dos anos outros moradores foram, aos poucos,
ocupando as outras áreas da ilha, isto é, as extremidades e o outro lado da ilha.

A área ocupada atualmente pela Comunidade representada na fotografia 36


tirada do desenho feito pelos quilombolas está representada pelos papeis cortados
em quadrado, e as outras propriedades dos não quilombolas dentro da Ilha, tem
56

como limites: à direita Edelves Fernandes (com quem estão em conflito) e à


esquerda Moacir, em ambos os lados há cercas de arame farpado para demarcar o
limite.

Fotografia 36 – Desenho da Ilha São Vicente destacando a área da Comunidade


quilombola e as outras propriedades dos não quilombolas

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

A área da Comunidade foi dividida em 36 lotes no intuito de ocupar todo o


território (ver mapa 2 que foi referido na página 22), mobilizando assim, a família
inteira. O seu Salvador e família continuaram na área em que já estavam e o seu
Pedro (irmão de Salvador) também continuou onde estava, isto é, na mesma área
das antigas casas, próximo ao pé de caju plantado por seu pai José Henrique Barros
há 80 anos, a distância entre estas casas é de aproximadamente de 1.500 metros.
As casas são construídas na beira do rio Araguaia.

As referências físicas, visuais e históricas quando perguntadas à


Comunidade, dizem que são: a antiga área onde era a casa do pai de seu Salvador
morava – José Henrique Barros (onde fica a casa do seu Pedro hoje); o pé de caju
que tem 80 anos que fica em frente e as macaúbas que ficam próximos, assim como
o porto (mapa 3).
57

Mapa 3 – Pontos de referência histórica da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente

Fonte: Trabalho de Campo, maio de 2013, elaborado por Ailton Trindade (INCRA)
58

A divisão em 36 lotes referidos acima foi uma forma não só de mobilizar a


família, mas também no intuito de ocupar a área com construções de casas e áreas
para o plantio. Há também lotes para o barracão da Associação quilombola
(fotografias 37 e 38), um lote para reserva ambiental e outro para a igreja da
Assembleia de Deus (fotografias 39 e 40).

Logo depois da divisão em lotes, o primeiro a construir casa foi Virgílio


Barros Rocha (primo do seu Salvador) que também plantou roça, e logo depois
chamou seus filhos Deusivan, Deusivaldo e Dorilene que também construíram suas
casas, cada um em um lote diferente, mas um do lado do outro.

Há lotes que ainda não tem casas construídas, e um dos critérios para
continuar com o lote é a construção da casa, que pode ser feita com qualquer
matéria prima. Segundo informações obtidas durante o trabalho de campo é que a
não construção das casas nos lotes significa que pode haver uma mudança, isto é,
passar para outro membro da família que construa uma casa.

Fotografias 37 e 38 – Barracão de reunião da Comunidade Quilombola

Fonte: Rita Domingues (abril/2014)

Fotografias 39 e 40 – Templo da Assembleia de Deus dentro da Comunidade

Fonte: Herbert Levi/INCRA (maio/2013)


59

Assim, a ocupação atual em lotes foi feita no sentido de organizar a família


dentro do espaço que se tem, pois a demanda era grande para pouco espaço, pois
objetivo principal era ocupar a área da Comunidade para ter gente na ilha, para ficar
mais próximo do seu Salvador para que ele não ficasse sozinho depois do despejo
sofrido.

Em cada lote pode ter uma família, mas pode também ter mais de uma
família, como por exemplo: na casa do Jorlando que divide com suas duas irmãs; na
casa do Elton que compartilha com o pai; na casa do Juacy com suas irmãs. Estes
são apenas alguns nomes que aparecem na ilustração a seguir, mas isso não
significa que são os únicos casos, há mais.

Quando a comunidade foi dividida em lotes, destinou-se um desses lotes,


localizada no meio da Comunidade, para a associação que inicialmente está como
reserva/área de preservação ambiental, mas no futuro caso seja necessário há uma
área destinada à construção de uma escola ou posto de saúde, mas enquanto não
há indicação de construção continua sendo considerada como área de preservação.

No levantamento feito durante o trabalho de campo foram identificados os


seguintes nomes que estão citados nos mapa 2 e 3, e a sequência dos nomes
segue a ordem dos lotes dentro da Comunidade: 1) Maria Rita de Sousa, 2) Josefa
Francisca de Sousa, 3) Salvador Batista Barros, 4) Reginaldo de Sousa Silva, 5)
Barracão da Associação, 6) Rosângela de Sousa Barros, 7) José Neres da Silva, 8)
José Batista Barros, 9) Dorival Ferreira da Silva, 10) Miguel Batista Barros, 11)
Eliésio de Sousa Almeida, 12) Maria Raimunda Francisca de Sousa, 13) Maria
Madalena de Sousa, 14) Igreja Assembleia de Deus, 15) Jorlando, 16) Reserva da
Comunidade, 17) Virgílio Barros Rocha, 18) Deuzivan Ferreira Rocha, 19) Dorivan
Ferreira Rocha, 20) Genivaldo Barros Rocha, 21) Dorilene Ferreira Rocha, 22)
Deusivaldo Ferreira Rocha, 23) Domingo Cruz Noronha, 24) Doriman Ferreira
Rocha, 25) Fabio Barros Santana, 26) Maria Batista Barros, 27) Vicença Batista
Barros, 28) Elton Sousa Barros, 29) Juacy Carvalho Barros, 30) Regina Barros
Rocha, 31) Juacimira Barros Santana, 32) Domingas Batista Barros, 33) Pedro
Barros Sobrinho, 34) Eliane Silva Barros, 35) Simone Silva Barros, 36) Francismar
Araújo Noronha.
60

No que se refere ao modo de produção e atividades econômicas a


Comunidade produz basicamente para subsistência, as famílias vivem do trabalho
agrícola e da criação de pequenos animais como galinha e pato. Criavam
antigamente porcos, mas deixaram de criar depois do despejo porque ficaram
preocupados em acontecer novamente um novo despejo.

As plantações são feitas em lotes individuais e plantam milho, feijão, arroz,


pimenta, hortaliças e mandioca. Frutas como manga, mamão, abacaxi, maracujá e
banana. E da palmeira babaçu, planta típica da ilha, aproveitam tudo: coletam o fruto
– coco babaçu – para extração do óleo e para fazer carvão que usam como
combustível no fogão de barro. As folhas da palmeira de babaçu para cobrir suas
casas e fechar lateralmente nas paredes, portas e janelas. E do tronco da palmeira
babaçu ainda retiram o paú, que é o tronco em decomposição que é utilizado como
adubo, fertilizante natural para planta.

Dentro da Ilha existem três lagos que são: Lago do Pirosca (Pirarucu); Lago
do Pessoa, Lagoa Grande, mas que não são mais utilizados pela comunidade por
ficar fora do que seria sua área, por estarem dentro das outras propriedades que
não são quilombolas existentes na ilha. Assim como a área conhecida como najazal,
isto é, uma área que tem muitas palmeiras da espécie inajá, que quando os frutos
caem dos cachos servem de alimentos para os animais, era uma área que a
Comunidade costuma frequentar para ir pegar alimento para seus animais de
criação como: porco. E que hoje não vão por medo de entrar na área de outra
propriedade e gerar mais conflito com os que se dizem dono da terra.

Toda produção de alimentos é plantada na área da Comunidade, em lotes


individuais ou em lotes familiares, isto é, reúnem-se dois irmãos e plantam juntos, ou
pai e filho, trabalham juntos e colhem juntos. Mas é comum ver nas frentes das
casas pequenas plantações de hortas para consumo próprio.

Como as casas são construídas próximo à beira rio, é comum ver bancos na
frente das casas, girais na beira do rio para lavar roupas e mesmo para tomar
banho, pequenos portos para atracação das rabetas e em algumas casas é possível
ver um jardim com flores e plantas medicinais.
61

Há um caminho linear margeando o rio que liga toda comunidade desde a


casa da Maria Rita Sousa, que fica na área da casa do seu Salvador até a casa do
Francismar Noronha. Há ainda a ligação pelo rio feito em pequenas embarcações,
chamada de rabeta27.

As relações com o rio Araguaia são evidentes, pois é de lá que retiram seu
sustento e é o caminho para chegar na cidade de Araguatins, para atravessar e
chegar do outro lado rio, na margem esquerda onde está o Estado do Pará, onde
moram os parentes da família Noronha. Durante o período das praias 28 na região é o
local para onde muitos se deslocam para acampar, pescar, descansar, enfim, é o
período de lazer para alguns e de trabalho para outros, tanto para quem mora
próximo às praias ou distante.

Durante o trabalho de campo, falou-se muito desse período e que na frente


da Ilha São Vicente forma-se uma praia chamada Praia dos Noronha, que leva esse
nome devido a família Noronha, já citada. Segundo Amado é “Excelente local para
acampamento. Aproximadamente 30 minutos de viagem até à praia.” (2006, p.37).

Outra praia citada foi a Praia da Ponta, que se forma na extremidade da Ilha,
local mais próximo de Araguatins, os moradores mais antigos da Comunidade
contam que no período das praia era possível ir caminhando até Araguatins pelo
leito do rio com suas águas baixas.

O transporte utilizado pela Comunidade para chegar em Araguatins é o


barco, então, muitos tem rabeta há também um barco e uma voadeira com motor 25
hp. Em fevereiro de 2014 chegou a lancha-escolar que agora faz o transporte das
crianças que vão estudar na sede, em Araguatins, ano passado (2013) as crianças
eram transportadas no barco de madeira. Assim, com tais meios de transporte a
Comunidade mantém “... uma intensa rede de interação com a sociedade local”
(Almeida, 1988, 1998; Gomes, 1996 apud CHAGAS, 2001).

27
Canoa com um motor de popa que sustenta o eixo de transmissão e em sua ponta a hélice. Tem
pouca potencia.
28
Como é conhecido na região o período que se estende de julho a setembro, onde as águas dos rios
baixam e formam-se bancos de areia na margem e no meio do rio.
62

Muitos moradores da Comunidade mantêm casa em Araguatins e é


realmente uma intensa relação entre a ilha e a cidade, que eles chamam de rua. “Ir à
rua” significa ir à cidade, para dirigir-se à escola, ou ao hospital, ou ao banco, ao
supermercado, enfim, aos serviços básicos que não existem na Ilha. Ou ainda
vender alguns poucos produtos feitos na comunidade como: o paú e o óleo babaçu.

As idas e vindas entre Comunidade – Araguatins/Tocantins – São


Raimundo/Pará – Comunidade acontecem por alguma necessidade daqueles que
estão na ilha (mapa 4) e que precisam ir até Araguatins e São Raimundo, como foi
dito acima para comprar algum produto, ir à escola, à igreja, ver os parentes, entre
outros.
63

Mapa 4 – Comunidade Quilombola Ilha São Vicente, a Cidade de Araguatins/Tocantins e o Distrito de São Raimundo/Pará

Fonte: Trabalho de Campo, abril de 2014, elaborado por Ailton Trindade (INCRA)
64

Há ainda aqueles que moram na cidade de Araguatins e estão lá porque não


tem como permanecer na ilha integralmente devido as dificuldades de infraestrutura
e também de terra porque não há terra para todas as famílias. Hoje a Comunidade
está numa pequena dimensão do território dentro da ilha e isto foi um dos fatores
determinantes para a saída dos moradores da ilha. Mas que essa saída não significa
rompimento com os laços familiares, com aqueles que ficaram na ilha. Mantêm-se a
memória da Comunidade como uma forma de garantir através da passagem da
informação oral a sua história, que está para além do livro citado, está no dia a dia
dos quilombolas e desse trânsito entre a ilha e Araguatins/TO e distrito de São
Raimundo/Pará.

No mapa acima é possível perceber a distância da Ilha São Vicente com a


cidade de Araguatins e o distrito de São Raimundo/Pará. E tais distâncias são
transcorridas de barcos que foram descritos acima. Dependendo do tipo de
embarcação e da velocidade do motor, o tempo de translado entre os lugares é
variável.

Através das ilustrações pode-se visualmente perceber a realidade da


Comunidade e torna-se mais claro o seu problema, isto é, estão hoje ocupando uma
pequena parte na ilha, onde vivem de maneira precária. Assim, é mister garantir um
território maior para as famílias sobreviverem e conseguirem os seus direitos em
relação a educação, saúde, energia elétrica e moradia.

No que concerne à educação das crianças em idade escolar, elas vão


estudar nas escolas localizadas na sede do município de Araguatins. O transporte
até a cidade é feito de lancha-escolar e leva em torno de 10 minutos para chegar à
beira rio e de lá as crianças seguem de ônibus-escolar para as escolas. Houve uma
mudança no transporte escolar do ano de 2013 para 2014, em 2013 as crianças
eram transportadas de barco que leva em torno de 20 minutos para chegar à beira
rio e de lá as crianças seguiam andando para as escolas, em 2014 o transporte é
feito de lancha-escolar e ônibus escolar.

A Comunidade vive sem infraestrutura básica como energia elétrica, água


encanada, saneamento básico e posto de saúde. Mas para compensar a falta de
energia elétrica, utilizam um gerador de energia movido a gasolina que funciona
somente à noite para assistir televisão e carregar os celulares. Em relação à água,
65

eles consomem do rio para beber, fazer comida, tomar banho, lavar louças e roupas.
Para a água de beber carregam em vasilhas e colocam nos potes de barro e no
garrafão térmico, mas antes colocam hipoclorito de sódico.

Em relação ao saneamento básico, não existe na ilha, mas há uma “casinha”


onde fazem suas necessidades fisiológicas. Nesta “casinha” há um buraco onde é
jogado cinza de carvão para evitar mau cheiro e afastar insetos, muitas vezes são
construídas próximas as casas. Existem casas que ainda não possuem esta
“casinha” e muitos seguem para o mato, e há ainda uma única casa que tem
sanitário com caixa de descarga com engate. Não há posto de saúde, mas o agente
de saúde comunitário, que é um quilombola, cumpre seu papel de orientar às
questões da saúde, pesar as crianças, distribuir o hipoclorito de sódio entre outras
tarefas.

Para finalizar tem-se que tratar da mudança da casa do patriarca da


Comunidade que é seu Salvador. Em entrevista com ele e sua esposa Maria da Luz
de Sousa, mostraram o local onde foi a primeira casa da família e lá moraram por
muitos anos e que mudaram devido a deteriorização da mesma. A construção da
casa nova foi utilizando as madeiras aproveitáveis da antiga casa, madeira novas
tiradas na ilha e compradas em Araguatins, além do barro tirado do quintal de sua
casa. A localização da atual casa é na mesma área da antiga, na verdade, era onde
ficava a roça, isto é, uma área já sem árvores para derrubar, e onde já havia a
plantação de algumas árvores frutíferas (ver as fotografias a seguir).

Nesta área Salvador e Maria da Luz plantaram árvores frutíferas como:


cajueiro em vários tipos, pequizeiro e jurema. Há ainda outra marcação que é o
barreiro, local onde tira barro para construir as casas. E o chiqueiro, local para criar
animais (fotografias de 41 à 46).
66

Fotografias: 41 à 46 – Conjunto de fotos que mostram a antiga casa de seu Salvador e


Família

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

Fonte: Rita Domingues (abril/2014)


67

Outra local importante para demostrar a presença na área são os barreiros


ditos por dona Maria da Luz, isto é, locais de onde se tira barro para fazer as
paredes das casas, forno e fogão de barro, ainda utilizado por ela (fotografias de 47
à 50). Em sua antiga casa tinha forno e fogão de barro, mas depois do despejo com
as casas sendo destruídas, ela construiu somente o fogão porque tem medo de
perder todo o trabalho feito por ela e suas filhas caso ocorra nova destruição.
Portanto, há barreiros espalhados na área próxima e distante da casa de seu
Salvado e dona Maria da Luz demostrando o uso desse recurso natural que é
abundante na ilha, além da casa deles há outras três casas de taipa.

Fotografias: 47 à 50 – Locais dos barreiros e os usos do barro

Fonte: Rita Domingues (abril/2014)


68

Nas fotografias acima é possível ver um barreiro em uso (foto 47) e outro em
desuso (foto 48). E quando um barreiro é desativado se planta bananeira dentro dele
para ocupar o buraco feito ou é utilizado o local para colocar lixo doméstico. Na
sequência de fotos vê-se onde o barro é utilizado, isto é, para fechar as paredes das
casas e ainda fazer fogão.

Nesta área próximo a casa do seu Salvador e dona Maria da Luz, havia
ainda a casa da Divina e a casa da Josefa (mãe da dona Maria da Luz, sogra do seu
Salvador). Hoje, as casas antigas foram desmanchadas e foram construídas outras
em substituição, e assim hoje tem a casa do seu Salvador e família, da dona Josefa
(sogra de Salvador) e Maria Rita (irmã a dona Maria da Luz, cunhada do seu
Salvador). A Divina (sobrinha da dona Maria da Luz) não mora mais na Comunidade
(mapa 5).

Assim, a atual situação de ocupação territorial da Comunidade está limitada


em uma pequena porção do território da ilha, para quem utilizava tempos atrás à ilha
toda, ficar restrito a este espaço é consequência das demais ocupações que existem
dentro da ilha, e cada um foi se dizendo proprietário de um pedaço e fincando
cercas para a divisão, essa ação gerou a diminuição da área da Comunidade, sendo
assim um dos impactos sofridos por ela, e as transformações ocorridas ao longo de
sua história foram a saída de alguns moradores da Comunidade para morar nas
cidades. Até certo momento na história da Ilha São Vicente, a Comunidade e os
demais moradores da ilha tinham uma boa relação, mas depois do conflito gerado
por um deles, o clima na Ilha ficou tenso, pois as ameaças que seu Salvador e
família sofreram ao longo de vários anos, culminando com o despejo, fez com que
buscassem seus direitos através de sua identidade quilombola, sendo assim, uma
comunidade quilombola sendo sujeito de direito.
69

Mapa 5 – Detalhe das edificações da área onde seu Salvador e família moram

Fonte: Trabalho de Campo, abril de 2014, elaborado por Ailton Trindade (INCRA).
70

A seguir apresenta-se uma certidão negativa do Cartório de Registro de


Imóveis e 1º Ofício de Notas de Araguatins, referente àqueles que se dizem
proprietários de terra dentro da Ilha São Vicente. Através deste documento constata-
se a inexistência de registros de imóveis rurais, portanto, não há nenhum registro
oficial de propriedade no cartório da cidade sobre as terras (documento 6).

Não tendo registro dos imóveis rurais das terras, as pessoas listadas na
Certidão Negativa que se dizem proprietárias dentro da Ilha São Vicente na verdade
não estão legalizadas, podem até dizer que tem um documento de compra e venda
das terras feitas entre si, isto é, entre aquele que vende com aquele que compra,
mas na verdade registro oficial dessa negociação certificada por um cartório não
tem, como foi comprovado na documentação apresentada abaixo.
71

Documento 6 – Certidão negativa do Cartório de Registro de Imóveis e 1º Ofício de Notas de


Araguatins

Fonte: Cartório de Registro de Imóveis e 1º Ofício de Notas, Comarca de Araguatins.


72

ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Identidade étnica do grupo – suas marcas de referências

A identidade de um modo geral não é algo inato, portanto, ela não nasce
conosco, ela é construída ao longo da vida de uma pessoa, e essa construção vai
indicar a formação de uma pessoa no meio social onde foi criada e, também, como
foi agregada pelo grupo ao longo de sua vida. Desta forma, vê-se a identidade como
um processo, como uma construção feita ao longo da vida. E também se refere a um
modo de ser no mundo e sua relação com os outros. É um fator importante na
criação das redes de relações e de referências culturais dos grupos sociais.

No cenário encontrado na Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha


São Vicente, as identidades incorporadas são resultado da experiência cotidiana e
da assimilação memorial dos que os antecederam. A identidade e a memória desta
Comunidade partem do pressuposto que suas identidades são construídas dentro do
grupo social, cada grupo demonstra quais são seus elementos de particularidade
que os distingue dos outros grupos.

Assim, a identidade não se prende apenas ao nível da cultura. Ela envolve,


também, os níveis sociopolítico e histórico em cada sociedade. Perpassando
também pelos sinais diacríticos do grupo, que corresponde aos traços culturais que
se expressam através de práticas linguísticas, festivas, rituais, comportamentos
alimentares, tradições populares e uso da terra que constituem em referências
identitárias que marcam a condição humana de um modo geral, e uma condição de
pertença a um grupo étnico, e nesta perspectiva parte-se da definição feita por Barth
quando diz que:

Grupos étnicos são categorias atributivas e identificadoras empregadas pelos


próprios atores; conseqüentemente, têm como característica organizar as
interações entre as pessoas (2000, p. 7).

Assim, cada comunidade quilombola tem uma história de origem, que


compõe aspectos de sua organização, são “grupos sociais cuja identidade étnica os
distingue do restante da sociedade. É importante explicitar que, quando se fala em
identidade étnica, trata-se de um processo de autoidentificação bastante dinâmico e
não se reduz a elementos materiais ou traços biológicos distintivos, como cor da
pele, por exemplo.” (SEPPIR, 2004)
73

As formas de construção e critérios do pertencimento e fronteiras sociais do


atribuídos pelo grupo social, pois

... a auto-atribuição e a atribuição por outros. A atribuição de uma categoria


é uma atribuição étnica quando classifica uma pessoa em termos de sua
identidade básica, mais geral, determinada presumivelmente por sua origem
e circunstancias de conformação. Nesse sentido organizacional, quando
aos atores, tendo como finalidade a interação usam identidades étnicas
para se categorizar e categorizar os outros, passam a formar grupos
étnicos. (BARTH, 2000, p. 32)

Desta forma, a identidade é um dos elementos básicos para essa auto


atribuição, o pertencimento a um grupo não é somente pelos laços de
consanguinidade mais também passa pelos laços de afinidade e afetividade, ainda
mais se há “pessoas que não são parentes de sangue mais são por consideração”, e
se essas pessoas lutam e marcam sua participação na família diante de situações
de conflito, assumem uma identidade de pertencimento para si e perante os demais.

Se um grupo mantém sua identidade quando seus membros interagem com


outros, disso decorre a existência de critérios para determinação do
pertencimento, assim como as maneiras de assinalar este pertencimento ou
exclusão. Os grupos étnicos não são apenas ou necessariamente baseados
na ocupação do território exclusivo; e as diferentes maneiras através das
quais eles são mantidos... A fronteira étnica canaliza a vida social. Ela
implica uma organização... do comportamento e das relações sociais. A
identificação de uma outra pessoa como membro de um mesmo grupo
étnico implica um compartilhamento de critérios de avaliação e julgamento.
(BARTH, 2000, p. 34)

As comunidades negras rurais e/ou urbana habitadas por descendentes de


escravos, mantêm laços de parentesco ou não e em sua maioria vivem de culturas
de subsistência, agricultura familiar, em terra doada, comprada ou ocupada
secularmente pelo grupo. De acordo com esta pesquisa a Comunidade
Remanescente de Quilombo Ilha São Vicente pelo histórico e trajetória da
comunidade as terras foram doadas aos ex-escravos que ocuparam a ilha toda, isso
há 126 anos. Assim, os elementos identitários do grupo são: o pertencimento a um
território, isto é, a ilha São Vicente e a descendência da família que foi trazida como
escrava para Araguatins em 1869. Como demonstra tais características essa
Comunidade não se diferencia de outras comunidades negras rurais espalhadas
pelo Brasil.
74

Como demonstrado acima o pertencimento a um território e a descendência


de uma família através das relações de parentesco e afinidade, marcam suas
identidades. Assim,

Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de


expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre
em relação aos outros grupos com os quais os quilombolas se confrontam e
se relacionam. Estes dois conceitos são fundamentais e estão sempre inter-
relacionados no caso das comunidades negras rurais... parentesco e
território, juntos, constituem identidade, na medida em que os indivíduos
estão estruturalmente localizados a partir de sua pertença a grupos
familiares que se relacionam a lugares dentro de um território maior. Se, por
um lado, temos território constituindo identidade de uma forma bastante
estrutural, apoiando-se em estruturas de parentesco, podemos ver que
território também constitui identidade de uma forma bastante fluída, levando
em conta a concepção de F.Barth (1976) de flexibilidade dos grupos étnicos
e, sobretudo, a idéia de que um grupo, confrontado por uma situação
histórica peculiar, realça determinados traços culturais que julga relevantes
em tal ocasião. É o caso da identidade quilombola, construída a partir da
necessidade de lutar pela terra ao longo das últimas duas décadas.
(SCHMITT; TURATTI; CARVALHO, 2002, p. 4, grifos das autoras)

A ligação da Família Barros com a Ilha São Vicente é clara, ainda mais
quando observa-se a chegada desta família na ilha e a sua permanência nela ao
longo de mais de um século. As relações estabelecidas com a Família Noronha – a
outra família de escravos trazidos à Araguatins junto com a Família Barros – que se
estabeleceu na outra margem do rio Araguaia, isto é, no Pará, são relações de
parentesco, sociais, religiosas, econômicas e de lazer.

Durante o período de trabalho de campo, conversando com os membros da


Família Barros sobre sua história de origem, a Família Noronha era sempre citada. E
quando conversava com os membros desta família havia sempre referência à
Família Barros, demonstrando a ligação entre elas. E um fato importante que
demonstra tal ligação foi a identificação de pessoas da Família Noronha morando na
Comunidade.

Ao longo da história da Família Barros, os netos e bisnetos de Julião Barros


que nasceram na ilha, não tiveram sua permanência unicamente nela, pois alguns
membros da família foram morar na sede do município de Araguatins, como eles
dizem, “na cidade, na rua” justamente por falta de infraestrutura dentro da própria
ilha, pois a dificuldade é grande em permanecer num local sem infraestrutura básica
como água encanada, luz elétrica e saneamento básico. Mas ir morar “na rua”, isto
75

é, em Araguatins não significou distanciamento do seu lugar de origem, muito menos


gerou desvinculo de parentesco, pois sempre que possível àqueles que moram no
continente vão para ilha. E vale ressaltar que a Ilha São Vicente pode ser vista do
cais da beira-rio de Araguatins, o que demonstra uma proximidade como pode ser
visto nas fotografias 51 e 52:

Fotografia 51 e 52 – Ilha São Vicente (lado direito da foto) vista de Araguatins

Fonte: Rita Domingues e Marcio Catelan/INCRA (maio/2013), respectivamente.

Desta maneira, o número de moradores fixos reduziu ao longo do tempo na


ilha, além da citada falta de infraestrutura, foi diminuindo na mesma proporção à
área territorial original da Família Barros. Sendo as outras áreas/partes da ilha
ocupadas por outras pessoas que não são da família e que não são quilombolas.

Com o despejo ocorrido em 2010, como descrito no capítulo anterior, a


comunidade se uniu na busca pelos seus direitos para manter-se na Ilha, o seu local
de origem. A mobilização da comunidade pelo retorno a terra, fez vir à tona a
identidade quilombola. Reforçando, assim, os laços de pertencimento territorial e
familiar.
76

Estrutura Familiar da Comunidade

Segundo informações obtidas durante o trabalho de campo e através de


material bibliográfico, foram identificadas duas famílias geradoras: a Família Barros
(os Henriques) e a Família Noronha (os Tapiocas). Depois da abolição da
escravatura em 1888, Vicente Bernardino Gomes – fundador da cidade de
Araguatins – doou a Ilha São Vicente para seus ex-escravos morarem, e assim o
fizeram. A Família Barros ocupou a ilha e a Família Noronha foi para a margem
esquerda do rio Araguaia, localizada no Pará.

A Família Barros descendeu de Julião Barros (escravo que chegou adulto) e


Serafina Benedita Batista (escrava que chegou adulta), que quando vendidos a
Vicente Bernardino Gomes como escravos para pagamento de uma dívida, junto
chegou também uma criança, seu filho, chamado Henrique Julião Barros (ex-
escravo), apelidado por Vicente Bernardino de Henrique Cacete. Este quando adulto
casou com Maria Batista Barros e tiveram sete filhos, nascidos e criados na ilha e
que ficaram conhecidos como os Henriques, segundo relatos dos seus
descendentes e outros moradores da cidade. Os sete filhos são: José Henrique
Barros, Pedro Henrique Barros, Serafim Henrique Barros, Virgílio Henrique Barros,
Brasilina Batista Barros, Raimunda Batista Barros e Domingas Batista Barros. O
primogênito José Henrique Barros é pai de Salvador Batista Barros.

Durante a realização do trabalho de campo foi observado que na Praça dos


Pioneiros localizada em frente à Igreja Matriz de São Vicente Ferrer há uma placa
feita pela Prefeitura de Araguatins em homenagem às famílias pioneiras da cidade.
E na fotografia tirada da placa é possível observar o reconhecimento à Família
Batista Barros, onde se lê o nome da família na oitava linha (os nomes foram
organizados por ordem alfabética). A Família Batista Barros é o sobrenome da
família descendente quilombola. A placa data de 09 de junho de 2001 (fotografia 53).
77

Fotografia 53 – Placa exposta na Praça dos Pioneiros

Fonte: Rita Domingues (maio/2013)


78

Na certidão de óbito de José Henrique Barros, obtido no cartório da cidade,


consta que faleceu no dia 09 de fevereiro de 1964 aos 65 anos de idade, desta
forma, teria nascido no ano de 1899, sendo filho de Henrique Julião Barros e de
Maria Batista Barros.

Assim, seguem oito diagramas de parentesco para demonstrar as relações


de parentesco e de casamento entre as gerações posteriores a família geradora
Julião Barros e Serafina Benedita Batista.

O primeiro diagrama é para demonstrar os ancestrais (1ª geração), formado


por Julião Barros e Serafina Benedita Batista – escravos que chegaram adultos – e
com seu filho Henrique Julião Barros (2ª geração) que chegou criança e foi
apelidado de Henrique Cacete, depois casou com Maria Batista Barros e tiveram
sete filhos nascidos desta união formando a 3ª geração, entre eles está o pai de seu
Salvador, o José Henrique Barros.

O segundo diagrama é para demonstrar 1ª geração, formado por Julião


Barros e Serafina Benedita Batista; seu filho Henrique Julião Barros (2ª geração) que
casou com Maria Batista Barros e tiveram sete filhos nascidos desta união formando
a 3ª geração, são eles: José Henrique Barros (pai de seu Salvador), Raimunda
Batista Barros; Pedro Henrique Barros; Serafim Henrique Barros; Domingas Batista
Barros; Virgilio Henrique Barros e Brasilina Batista Barros. Neste diagrama destaco a
união/casamento da 3ª geração.

No terceiro diagrama de parentesco destaca-se a família de José Henrique e


Maria Francisca, pais de Salvador Batista Barros. A família de Salvador, assim como
as famílias de seus irmãos formam a 4ª geração da Família Barros, foi destacado em
azul o seu Salvador que é o 6º filho de um total de sete.

O quarto diagrama é para demonstrar a família formada por José Henrique


Barros e Maria Francisca Barros com seus sete filhos, são eles: Eugênio Batista
Barros, Maria Batista Barros, Domingas Barros, Juarez Batista Barros, Vicença
Batista Barros, Salvador Batista Barros e Pedro Barros Sobrinho (fotografia 54).
Durante o trabalho de campo foi constatado que nasceram na Ilha.
79

Fotografia 54 – A Família Batista Barros (4ª geração)

Fonte: Fotografia cedida pela Comunidade Quilombola

O quinto diagrama é para demonstrar a 4ª geração casada. E dois destes


casamentos foram com membros da Família Noronha, assim: o primeiro casamento
de Maria Batista Barros que casou com Felipe Neres Noronha; e o segundo
casamento de Domingas Barros que casou com Marcelino Noronha. Como foi dito
acima, há membros da família Noronha morando na Ilha São Vicente e um dos
motivos perpassa pelos laços de parentesco e afinidade.

No sexto diagrama parte-se novamente de José Henrique Barros e Maria


Francisca Barros (3ª geração) que formou a 4ª geração com seus sete filhos entre
eles, Salvador Batista Barros que casou com Maria da Luz de Sousa com quem teve
filhos formando a 5ª geração, isto é, os bisnetos de Henrique Julião Barros. Este
diagrama mostra ainda os irmãos de Salvador com seus respectivos cônjuges e
filhos. É possível, assim, visualizar da 3ª geração até a 5ª geração.

O sétimo diagrama é para destacar a família ascendente e descendente de


Salvador Batista Barros, assim como, os pais de sua esposa, Maria da Luz de
Sousa. Vale destacar que neste diagrama é possível, visualizar o nome de Henrique
Julião Barros, avô de Salvador.
80

No oitavo diagrama é possível ver a Família Rocha, formada por uma das
irmãs de José Henrique Barros, a Domingas Batista Barros e depois que casou com
Prudêncio Rocha, ela retirou o sobrenome Batista e adotou o Rocha, e passou a se
chamar Domingas Barros Rocha e teve quatro filhos, são eles: Maria Helena Barros
Rocha, Jorge Barros Rocha, Virgilio Barros Rocha e Regina Barros Rocha. Estes
são primos de seu Salvador. E vários membros desta família moram na Ilha e outros
têm casa na Comunidade, mas não moram por falta de infraestrutura e devido ao
conflito.

A relação existente entre os parentes que moram na Ilha São Vicente e os


que moram na cidade pode ser considerada uma via de mão dupla, pois os
irmãos(ãs), primos(as) e sobrinhos(as) de Salvador Barros que moram em
Araguatins tem lote com casa ou não construída, e/ou costumam “passar um tempo”
na Comunidade principalmente nos finais de semana ou no período de praia no rio
Araguaia, que corresponde aos meses de julho a setembro. Enquanto, àqueles que
precisam ir à cidade, tomam como ponto de apoio, abrigo e referência a casa de um
irmão(ã), primo(a) e sobrinho(a).

Assim, demonstrar através de diagramas de parentesco a estrutura familiar


da Comunidade faz-se de extrema importância para entender suas relações de
parentesco através de uma forma visual.

.
81

Diagrama 1 - Diagrama de Parentesco da Família Barros, a formação inicial – Da 1ª à 3ª geração

D. ? D. ?

Julião Barros (escravo Serafina Benedita Batista


que chegou adulto) (escrava que chegou adulta)

D. ? D. ?

Henrique Julião Barros (Henrique Maria Batista


Cacete, chegou criança) Barros

? - 1964 1902 - 1989 1905 - ? D. ? 1907 - 1997 D. ? ? - 2001


87 90

José Henrique Raimunda Pedro Henrique Serafim Domingas Virgílio Henrique Brasilina
Barros Batista Barros Barros Henrique Barros Batista Barros Barros Batista Barros

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


82

Diagrama 2 - Diagrama de Parentesco da Família Barros – Da 1ª à 3ª geração (destacando a 3ª geração casada)

D. ? D. ?

Julião Barros (escravo Serafina Benedita Batista


que chegou adulto) (escrava que chegou adulta)

D. ? D. ?

Henrique Julião Barros (Henrique Maria Batista


Cacete, chegou criança) Barros

? - 1964 D. ? 1902 - 1989 1905 - ? D. ? D. ? 1907 - 1997 D. ? D. ? ? - 2001 D. ?


87 90

José Henrique Maria Francisca Raimunda Pedro Henrique Maria Nazaré Serafim Domingas Prudêncio Virgílio Henrique Brasilina Euzébio
Barros Barros Batista Barros Barros Jardim Henrique Barros Batista Barros Rocha Barros Batista Barros Ribeiro

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


83

Diagrama 3 - Diagrama de Parentesco da Família Barros – Da 1ª à 4ª geração (destacando Salvador Batista Barros, na 4ª geração)

D. ? D. ?

Julião Barros Serafina Benedita


(escravo que Batista (escrava
chegou adulto) que chegou adulta)

D. ? D. ?

Henrique Julião Barros (Henrique Maria Batista


Cacete, chegou criança) Barros

? - 1964 D. ? 1902 - 1989 1905 - ? D. ? D. ? 1907 - 1997 D. ? D. ? ? - 2001


D. ?
90
87

José Maria Raimunda Pedro Maria Serafim Domingas Prudêncio Virgílio Brasilina
Henrique Nazaré Henrique Barros Rocha Batista Euzébio
Henrique Francisca Batista Henrique Ribeiro
Barros Barros Barros Barros Jardim Barros Rocha Barros Barros

1926 - ? 1928 1930 1933 - 2003 1935 1936 1944 1934 D. ? D. ? 1942 - 2012 1944 1948
86 84 70 79 78 70 80 70 70 66

Eugênio Maria Dominga Juarez Vicença Salvador Pedro Henrique Josina Tereza Maria Jorge Virgílio Regina
Batista Batista Barros Batista Batista Batista Barros Jardim Jardim Jardim Helena Barros Barros Barros
Barros Barros Barros Barros Barros Sobrinho Barros Barros Barros Barros Rocha Rocha Rocha
Rocha

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


84

Diagrama 4 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros com seus filhos – 3ª e 4ª geração

D. 1964 D. 1959

José Henrique Maria Francisca


Barros Barros

1926 - ? 1928 1930 1933 - 2003 1935 1936 1944


86 84 70 79 78 70

Eugênio Maria Batista Domingas Juarez Batista Vicença Salvador Pedro Barros
Batista Barros Barros Barros Barros Batista Barros Batista Barros Sobrinho

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.

Diagrama 5 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros com seus filhos casados – 3ª e 4ª geração

D. 1964 D. 1959

José Henrique Maria Francisca


Barros Barros

1926 - ? 1928 1930 1935 1936 1944


1933 - 2003
78 70
86 84 79
70
Eugênio Jovenilha Maria Batista Felipe Neres Domingas Marcelino Cassimira Vicença Cantídio Barros Salvador Maria da Luz Pedro Barros Maria de Nazaré
Juarez Batista
Batista Barros Rodrigues Pereira Barros Noronha Barros Noronha Barros Carvalho Barros Batista Barros Negreiros Batista Barros de Sousa Sobrinho Pereira da Silva

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


85

Diagrama 6 - Diagrama de Parentesco de José Henrique Barros e Maria Francisca Barros


com seus sete filhos casados e com seus respectivos netos – 3ª à 5ª geração

D. 1964 D. 1959

José Henrique Maria Francisca


Barros Barros

1933 - 2003 1936 1944


1926 - ? 1928 1930 1935 D. ?
70
70 78
86 84 79
Jovenilha Juarez Batista Cassimira Salvador Maria da Luz Pedro Barros Maria de Nazaré
Eugênio Maria Batista Felipe Neres Domingas Marcelino Carvalho Barros Vicença Cantídio Barros Sobrinho Pereira da Silva
Batista Barros Rodrigues Pereira Barros Noronha Barros Noronha Barros Batista Barros Negreiros Batista Barros de Sousa

Reginaldo Raimundo Maria Domingos Rosângela Elizângela Eliane Uana Simone


Silva Barros Rita Willian Barros Barros da Silva da Silva da Silva
Eugênio Eugenília Raimunda Maria João Júlio Juacy Juacimira Juacimar Josimar Juacirene
Barros Barros Barros Barros Barros
Barros Filho Barros Barros José Batista Noronha Carvalho Barros Carvalho Carvalho Carvalho
Barros Noronha Barros Barros Santana Barros Barros Barros
Barros de Sousa

1954 1956 1958 1963 1972


41
60 58 56 51

Raimundo Miguel José Jacob Manoel Maria das Cesar Pedro Maria de Cantídio
Batista Batista Batista Barros Batista Graças Batista Batista Fátima Batista Filho
Barros Barros Barros Barros Barros Batista Barros Barros Barros Barros

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


86

Diagrama 7 - Diagrama de Parentesco da Família Barros, destacando a família de Salvador Batista Barros – Da 2ª à 6ª geração.

Henrique Maria Batista Eugênio Inês Francisca


Julião Barros Barros Francisco Barros da Cruz

D. 1964 D. 1959 1937


77

José Henrique Maria Francisca José Getúlio Josefa Francisca


Barros Barros da Silva de Sousa

1936 1961
78 52

Salvador Maria da Luz


Batista Barros de Sousa

1978 1978 1982 1975 1986 1992 1998


36 36 32 39 28 22 16

Reginaldo de Ana Maria Gomes Raimiundo Nonato ? Maria Rita de Dorival Ferreira Domingos Willian Rosângela de Elizângela de
Sousa Silva de Oliveira Souza Barros Sousa Barros da Silva de Souza Barros Souza Barros Souza Barros

Warleson Greiciane Wenderson Caroline Sandra Luciana Divânia Dorival


Gomes da Silva Gomes da Silva Gomes da Silva Barros Junior

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.

Diagrama 8 - Diagrama de Parentesco de Domingas Barros Rocha e Prudêncio Rocha, irmã de José Henrique Barros
com seus quatro filhos casados e com netos – 3ª à 5ª geração
D. ?

Prudêncio Domingas
Rocha Barros
Rocha

D. ?
1942 - 2012 1944 1946 1948
69 68
70 65
Maria Helena João Raimunda Hermes
Jorge Barros Virgílio Maria Rita Regina Lopes
Barros Macedo Rocha Ferreira França Ferreira de Jeus
Barros Rocha Barros Rocha

1978 1982
36 32 1975 1976 1980 1983 1984
39 37 34 31 30
Jorgeane Jorlando Jorgelene
Ferreira Rocha Ferreira Ferreira Maria da Deuzivan Dorivan Deuzivaldo Doriman Dorilene Marilene Genivaldo Emivaldo Valdinei Silvanei Sidnei
de França Rocha Rocha Glória Ferreira Ferreira Ferreira Ferreira Ferreira Ferreira Barros Barros Barros Barros Barros Barros
Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha Rocha

Fonte: Pesquisa de Campo, maio/2013 e abril/2014.


87

Hoje diversos membros da Comunidade estão morando fora da ilha e os


motivos são vários, como: casamentos com pessoas de fora da ilha e acaba indo
morar com seu/sua cônjuge em uma nova localidade; outros ainda por oportunidade
de trabalho; mas destaca-se a falta de infraestrutura dentro da Ilha e o conflito
existente com um dos fazendeiros que também mora na Ilha.

Mas ir morar em outro lugar não significou perda de laços de parentesco


e/ou afinidade, pois as redes de reciprocidade intra e extraterritoriais permanecem
de forma contínua, pois quando os que moram na ilha precisam ir até a cidade de
Araguatins ou ao distrito de São Raimundo, pertencente ao município Brejo Grande
do Araguaia no Pará, para tratar de assuntos como: ir ao banco, ao posto de saúde
ou hospital, fazer compras em mercados, vender alguns de seus produtos entre
outros assuntos, encontram nestes lugares os parentes onde podem se hospedar
caso precisem ficar alguns dias. E vice-versa porque os que moram nestes lugares
frequentemente vão à Ilha em tempos de festa, de praia e também em momentos de
conflito quando a família se reúne para lutar por um bem maior, o direito em
permanecer na llha.

Desta forma, percebe-se que um membro da Comunidade que não mora na


Ilha não está fora da Comunidade e muito menos da Ilha, pois o pertencimento à
Comunidade e ao território perpassa pelo vínculo de sangue que é adquirido quando
se nasce na família. E além do vínculo de sangue há o vínculo por afinidade, que
significa que há pessoas que “não tem o mesmo sangue”, mas compartilham dos
mesmos elementos familiares, pois moram há muito tempo dentro da Ilha, junto a
comunidade quilombola, como é o caso da sogra e cunhada de seu Salvador e de
uma sobrinha da dona Maria da Luz. Há também os membros da Família Noronha
que moram na Ilha que são parentes de sangue e por afinidade.

Portanto, mudar da ilha, mudando de endereço não significa ruptura dos


laços de parentesco e das obrigações decorrentes desses laços. E como foi dito
anteriormente, as relações de reciprocidade são estendidas até o novo local de
morada dos membros da comunidade, tornando, assim, a cidade é uma extensão do
território quilombola.

Presencia-se tal situação em alguns casos ditos acima como também: a


necessidade de estudo, pois qualquer membro da comunidade pode contar com
88

uma base permanente na cidade. Quando as crianças e adolescentes vão à escola


em Araguatins, primeiro pegam a lancha escolar e depois o ônibus escolar para
chegar ao destino que é a escola, caso precisem ficar de um dia para outro sem ter
que voltar à Ilha, eles tem onde ficar, na casa de um(a) tio(a) e/ou um(a) primo(a).

Em algumas situações observadas durante o trabalho de campo pode-se


notar os laços de reciprocidade e solidariedade em ação. Uma das situações foi o
caso de uma pessoa que saiu da Ilha, casou e foi morar em Araguatins, como ela
tem uma casa na Ilha, com certa frequência ela volta para cuidar da mesma e de
seus animais de criação, além de visitar a mãe, a tia e a avó, em uma destas visitas,
foi ferida por uma arraia e levada às pressas ao hospital em Araguatins, como ficou
com o pé enfaixado, precisando descansar, isso provocou certas limitações para as
tarefas domésticas, uma de suas primas adolescentes que estuda em Araguatins foi
para a escola, mas não precisava retornar à Ilha porque ela iria passar alguns dias
em sua casa, ajudando-a em tais tarefas.

Atualmente na Comunidade o vínculo de parentesco e afinidade vem sendo


renovado durante o Encontro de Família, que acontece uma vez por ano, na
segunda quinzena do mês de julho, desde 2011, completando este ano (2014) a 4ª
edição (o 1º Encontro foi em julho de 2011, o 2º foi em 2012, 3º foi em 2013). Esta
festa começou a acontecer depois do despejo que aconteceu com seu Salvador no
intuito de reunir a família, fortalecer os laços, tratar da situação da comunidade.

O Encontro que acontece na Ilha e reúne quem mora perto e quem mora
longe, os que moram longe se programam e planejam com certa antecedência para
estar presente durante o evento. E neste momento, os laços de reciprocidade são
estreitados, pois há aqueles que levam presentes da cidade para os que moram na
Ilha, em contrapartida ganham produtos plantados ou produzidos na própria Ilha.
Assim, o Encontro de Família reúne membros das famílias Barros29 e Noronha,
também se registra a presença de amigos, vizinhos e convidados que vão participar
do Encontro e fortalecer a luta e a organização da Comunidade.

29Depois de apresentado os diagramas de parentesco ficou claro que a Família Batista Barros,
depois dos casamentos que ocorreram foi acrescentado mais um sobrenome. Geralmente as
mulheres adotaram o sobrenome dos maridos, assim, têm-se as famílias: Barros Rocha na 4ª
geração. E na 5ª geração vê-se nos filhos a reunião dos sobrenomes da mãe e do pai, formando:
Souza Barros; Carvalho Barros; Noronha Barros; Silva Barros e Ferreira Rocha.
89

Os laços de pertencimento estabelecidos com a Comunidade, a família e o


território demonstram que estão imbricados, pois fazer parte da Comunidade,
advindo de uma família (reunidos pelo sangue e pela afinidade) situada em um
território que é a Ilha São Vicente, marca elementos identitários de pertença do
grupo, além de ampliar esta visão, pois não precisa ter nascido no território para
fazer parte da Comunidade, o importante é que faça parte da família. Desta forma,
foram registradas durante a pesquisa 48 famílias quilombolas.

Aspectos cosmológicos, religiosos e lúdicos

Durante o trabalho de campo, os aspectos cosmológicos, religiosos e lúdicos


da Comunidade foram pesquisados e seus membros contaram com muita felicidade
que as festas religiosas (católicas) realizadas seguem a tradição das festas de São
José (19/03), N.ª S.ª do Rosário (segundo domingo de outubro) e São Lázaro
(17/12), onde há missa, novena, cantos, café e bolo. A festa mais conhecida na
região é o festejo de São José, que acontece desde o tempo em que o pai de seu
Salvador, José Henrique Barros era vivo.

Pedro Duarte, morador de Araguatins, relata da seguinte forma:

“Era três festejos. Nossa Senhora do Rosário, São Lázaro e São José. Eu
me lembro a gente era garoto, eles festejavam, ele faziam umas festa lá... E
aí meu pai levava a gente. No começo nem tinha motor a gente ia de canoa,
né? Nós era muito filho e enchia uma embarcaçãozinha, aí de rancho pra lá.
Passava o dia na festa lá com eles, eram compadre, né? E muito amigo da
gente, a gente vinha. Tinha almoço, tinha bolo, café com bolo, né? É que
antigamente eles usavam dessas festas, o bolo famoso, que era o bolo de
cacete... grande. E eles faziam muito bolo, a turma ia e comia bolo a
vontade lá com café, com eles lá e quando vinha cada pessoa... a mãe
deles chamava Cota, ela dava e cada pessoa trazia um bucadim de bolo pra
comer em casa, né? (Risos) Eu me lembro disso.” (Entrevista em
maio/2013)

Seu Salvador, disse “... essa festa vem do tronco velho, vem do meu pai... e
tenho gosto de fazer o festejo...” por isso continua fazendo a festa porque além ser
considerada tradição da comunidade, porque vem do pai dele, gosta de fazer por
relembrar o passado e por continuar a tradição, com missa, novena, café, bolo de
tapioca, bolo de macaxeira, bolo de trigo, refrigerante e almoço. Ele ainda tem
esperança em construir uma capela em homenagem ao santo, e ainda não construiu
porque tem medo de fazer e ser destruído como foi a casa dele durante o despejo.
90

Essa é uma lembrança ainda muito presente e dolorosa, por isso, fala com cautela
sobre os planos futuros, pois acredita que a justiça será feita, já que eles são os
moradores mais antigos da ilha, mas enquanto não se tem uma decisão judicial, ele
planeja com cautela.

Quando indagados sobre os festejos religiosos na comunidade, dona Maria,


dona Vicença e seu Pedro (irmãos de seu Salvador) lembram de forma saudosa.
Nas palavras de dona Vicença:

“... ele [o pai] fazia o festejo e era muita gente, sabe... muita gente mermo
que ia de Araguatins, do São Raimundo [no Pará], do outro lado, vinha
gente de todo lado, mas era muita gente, aí teve uma época que passou do
tempo do meu avô para o tempo do papai, eles festejavam andando com
Nossa Senhora do Rosário no andor, que o andor é aquele negocinho
assim que coloca o santo em cima, cheio de florzinha, que passa até na
televisão também e vai um pessoal segurando de um lado, do outro, outro
do outro e outro do outro, formando quatro pessoas para carregar o andor,
então, o pessoal aqui da igreja fazia o festejo e cabava, andava com ela na
rua e depois descia pra coloca no motor e pra descer pra casa do papai,
quando não tinha motor, era na canoa remando mesmo no remo ia bater
lá,... eh, mas isso era uma animação... nesse tempo eu já tinha assim... uns
12 a 13 anos, aí ajuntava, essas meninas, minhas irmãs e as nossas
amigas lá do São Raimundo quando terminava a reza, pra nós era outro
festejo, pra nós era outro festejo, nós ia pro terreiro, era muito café com
bolo, nóis ia pro terrenão que papai capinava, fica muito longe, tudo limpo,
mas era uma beleza, aí saía aquela moçarada, ia dançar de roda e cantava
‘ô lelê, ô lálá, barquinho de inajá’ tudo segurando na mão uma das outras e
cantando na roda, mas nóis se adivertia tanto e depois a gente se
alembrava da dança e ficava esperando ‘tomara que chegue logo a outra
festa de Nossa Senhora do Rosário pra gente dança de roda’ e hoje já não
tem mais isso...” (Entrevista em maio/2013)

Na Comunidade não tem somente católicos há também um grupo que


professa a fé na Igreja da Assembleia de Deus e costuma ter cultos no templo
construído dentro de um dos lotes da Comunidade como foi apresentado na
fotografia do capítulo anterior.

Na observação empreendida na comunidade “... não permite por meio da


religiosidade compartilhada por esses grupos sociais, qualquer análise antropológica
que aponte as diferenças religiosas...” (O’DWYER, 2010, p.29), o que há é existe
uma parte da família que segue a Igreja Católica outra a Assembleia de Deus,
ambas cristãs, mas com óticas diferentes sobre alguns aspectos da vida, nada que
atrapalhe a convivência entre os membros da família.
91

Na casa de seu Salvador e dona Maria da Luz há na parede da sala em


destaque dois quadros de santos católicos – São José e Santa Luzia –
demonstrando a fé que professa (fotografia 55 e 56).

Fotografias 55 e 56 – Quadros de dois santos católicos - São José e Santa Luzia

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

As atividades lúdicas realizadas na Ilha quando a 4ª geração era criança


estava circunscrita a área próximo da casa, e havia também outras brincadeiras
mais distantes da casa. Uma brincadeira lembrada pelas irmãs de Salvador, dona
Maria e dona Vicença era a roda, e a roda era brincadeira de mulher, vinha
acompanhada sempre de uma cantiga, que dona Vicença lembrou de uma delas “ô
lelê, ô lalá, a barquinho de inajá, se papai e mãe souber carambola vira já”. E os
meninos brincavam de bola feita com palha de milho.

Havia também uma dança chamada sussa, dona Vicença disse que “...
antigamente tinha sussa, mas hoje não tem mais, nosso pai não deixava nóis dançar
muito, ele era muito apegado a nóis, mas tinha a sussa, era uma dança de roda”.

No passado as mulheres da ilha – a mãe Maria Francisca Barros apelidada


de Cota e as suas filhas, irmãs de Salvador – costumavam fazer renda de bilro
chamada aqui de “renda de bico”, bordavam e costuravam, e quando chegava
92

próximo do período dos festejos religiosos havia famílias de Araguatins e São


Raimundo (no Pará) que levavam tecido, linha e botão para que costurassem,
faziam vestidos, calças para homens e outras roupas. Hoje, já não fazem mais.

Assim, as práticas tradicionais para as mulheres era fazer renda, costurar,


quebrar coco babaçu, entre outros afazeres, enquanto para os homens era mariscar,
isto é, pescar no rio Araguaia e no lago que tem dentro da Ilha.

A ocupação atual da área destinada à moradia fica em uma parte da ilha


onde originalmente já estavam os pais de seu Salvador e de seus seis irmãos, José
Henrique Barros e Maria Francisca Barros, as margens do rio Araguaia. Nessa área
onde a casa fica era o local de sociabilidade da família, depois que os filhos
cresceram e foram casando, outras casas foram sendo construídas, então a ligação
com o lugar – físico e simbólico – é de extrema importância. Hoje os espaços de
sociabilidade destinados às manifestações culturais podem ocorrer tanto na frente
das casas quando no barracão da Associação.

A forma de representação política do grupo hoje acontece de duas formas:


1) o reconhecimento e o respeito dos membros da comunidade pelo seu Salvador,
por ser considerado o patriarca da família, porque sempre morou na Ilha; e 2) por
constituírem uma associação, com presidente e diretoria, onde são eleitos pelos
seus associados, que são os membros da própria família.
93

AMBIENTE E PRODUÇÃO

O ambiente local

A Ilha São Vicente está situada no município de Araguatins é uma área de


transição entre a floresta amazônica e o cerrado. A Ilha é formada por “... vegetação
secundária, em função da exploração das espécies madeireiras de valor econômico,
especialmente, jatobá e ipê e da ocorrência todos os anos de incêndios florestais
que atingem toda a ilha...” (SILVA, 2014, p. 6-7) e tem uma predominância de
palmeira de babaçu (Orbygnia phalerata mart).

A Comunidade Quilombola Ilha São Vicente está neste território há


aproximadamente 126 anos e durante este tempo produziu um conhecimento
utilizando recursos naturais disponíveis na região, tanto àqueles recursos que estão
dentro da Ilha como: a palmeira babaçu (folhas, fruto, palmito, tronco), o barro, as
plantas medicinais, a caça; quanto àqueles que estão no entorno que compreende o
rio Araguaia (os peixes, as praias, plantação na vazante do rio) e a área de cultivo
(plantação, roça) no distrito de São Raimundo-Pará. Desta maneira, foi elaborado
um saber produtivo, uma etnoclassificação sobre o ambiente local onde vivem,
proveniente da primeira geração moradora da Ilha, sendo repassado, aprimorado,
criado a partir de cada nova geração.

Considerando que a Comunidade mora numa ilha e é dela que retiravam e


ainda retiram parte de seu sustento, de sua sobrevivência, os moradores
respeitando a natureza, conseguiram e ainda conseguem permanecer morando
nela. Tendo essa adaptação do ser humano com o meio ambiente, esta interação
demonstra que a comunidade conseguiu garantir sua reprodução física e social
realizando o uso sustentável dos recursos naturais disponíveis em seu território, isto
é, a ilha e seu entorno.

O saber coletivo da Comunidade Quilombola Ilha São Vicente sobre o seu


meio ambiente, seus recursos hídricos e naturais fazem com que percebam seu
território com as potencialidades nela existentes, divididos em: beira do rio Araguaia,
onde fixaram moradia; a floresta com predominância de palmeira coco babaçu e
outras árvores e plantas; o Najazal, área onde fica uma concentração de palmeira de
inajá; e os lagos onde pescavam.
94

A beira do rio Araguaia foi onde fixaram moradia. E é do rio que retiram parte
do seu sustento alimentar, pois costumam pescar e o peixe faz parte da base
alimentar da comunidade.

O rio Araguaia é um rio caudaloso e sofre variação do nível das águas


durante o ano, conforme o período de muita chuva ou pouca chuva.

O período de chuvas fortes na região Amazônica é compreendido entre


Novembro e Março, sendo que o período de seca (sem grande atividade
convectiva [chuva]) é entre os meses de Maio e Setembro. Os meses de
Abril e Outubro são meses de transição entre um regime e outro. (FISCH;
MARENGO; NOBRE, 1998).

Esse período de chuva e de seca influencia diretamente na vida da


Comunidade, pois durante o período de chuva fica mais fácil retirar água do rio, e
hoje se faz com o auxílio de motor à base de gasolina, mas no passado o transporte
da água do rio até a casa era feito através de baldes, garrafas e vasilhas. No
período da seca, isto é, período de pouca chuva o acesso à água fica mais difícil,
pois o volume de águas do rio Araguaia diminui e tem que ir mais longe para pegar
água.

As águas do rio Araguaia são importantíssimas para a Comunidade, pois


são usadas para vários fins, desde tomar banho, molhar as plantas, lavar roupas/
louças/ferramentas até como controle social de entrada e saída da ilha, pois é
através da movimentação dos barcos de moradores ou não da ilha que se tem a
percepção de algum movimento diferente do habitual (fotografias 57 à 60 /
fotografias 61 e 62). À beira rio serve ainda como espaço de socialização para
adultos e crianças, os adultos costumam sentar frente as suas casas para conversar
e ver a movimentação do rio, já a diversão das crianças é pular frequentemente nas
águas do rio e brincar.
95

Fotografias: 57 à 60 – Portos em frente de algumas casas da Comunidade quilombola

Fonte: Herbert Levi/INCRA (maio/2013)

Fotografias 61 e 62 – Lavagem de objetos/roupas nas águas do rio Araguaia, no período de


cheia e de seca do rio, respectivamente

Fonte: Rita Domingues (abril/2014) e Marcio Catelan/INCRA (maio/2013), respectivamente.


96

Os quilombolas mais velhos disseram que antigamente se costumava fazer


“mariscada”, isto é, pescar com espinhel, hoje se usa a rede de pesca chamada de
malhadeira. E uma das iscas que se costumava usar para pescar o era o bicho do
coco ou congo30 (fotografia 63 e 64).

Fotografias 63 e 64 – Tirando congo do coco babaçu

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

Dentro da ilha há uma predominância palmeira de coco babaçu e outras


palmeiras, como a buritirana, o buriti, a macaúba; e árvores como o caximbeiro,
piranheira e outras consideradas pelos moradores madeiras boas para construção;
há ainda as plantas medicinais muito utilizadas pela comunidade.

Da palmeira de coco babaçu utiliza-se todas as suas partes: as folhas são


usadas tanto para cobrir casas, quanto para fazer paredes; do fruto come-se a
amêndoa e tira-se azeite, e da casca faz-se carvão através da caiera, mas costuma-
se também fazer carvão com o coco babaçu inteiro que já não pode ser mais
aproveitado para retirar azeite; do tronco pode ser retirado o palmito, e quando o
troco apodrece faz-se adubo, chamado localmente de paú, e se costuma vender em
Araguatins (fotografias de 65 à 70).

30Bicho do coco ou Congo são as palavras que denominam a larva encontrada parasitando as
amêndoas do coco de babaçu, muito comum nesta região.
97

Fotografias: 65 à 70 – Diversos usos da palmeira do coco babaçu – tronco, folhas e frutos

Tronco da palmeira do coco babaçu Transformação do coco babaçu em


transformada em paú (adubo). Fonte: carvão dentro do tambor, no inverno.
Herbert Levi/INCRA (maio/2013) Fonte: Rita Domingues (abril/2014)

Transformação do coco babaçu em carvão feito em cova no chão, a caiera, durante o período
de verão. Fonte: Marcio Catelan e Herbert Levi, INCRA (maio/2013), respectivamente.

Uso das folhas da palmeira de coco babaçu.


Fonte: Herbert Levi e Marcio Catelan, INCRA (maio/2013), respectivamente.
98

Entre a área onde está a Comunidade se vê as palmeiras e árvores em pé,


derrubam-nas somente para limpar o terreno para construção de suas casas,
enquanto na propriedade vizinha que não é quilombola, a área é delimitada por uma
cerca de arame farpado e há pastos artificiais para criação de gado, nestas áreas
não se vê mais as palmeiras em pé.

A área conhecida como Najazal, é uma área com concentração de palmeiras


de inajá, e seus frutos servem de alimentos para os animais silvestres que existem
dentro da ilha. E quando havia criação de porco na Comunidade, dona Maria da Luz
(esposa de seu Salvador) informou que costumava ir lá pegar o inajá para alimentar
os animais de criação.

Na Ilha São Vicente há três lagos: o Lago do Pirosca, o Lago do Pessoa e a


Lagoa Grande, atualmente nenhuma está na área da Comunidade, fazem parte da
área de outros moradores da ilha que não são quilombolas, mas no passado
informaram que estes lagos eram utilizados para pescar.

Nas informações obtidas com dona Maria e dona Vicença (irmãs de seu
Salvador) ao buscar na memória como era viver e trabalhar na ilha lembraram que
seu pai, José Henrique Barros, plantava fumo na vazante e que todos os filhos
trabalhavam na preparação do fumo; plantava também milho e roça de mandioca
para fazer farinha de puba, tapioca e goma; o algodão colhido era para fazer linha
para rede e colcha; criava gado e pegava porco do mato. Elas lembraram ainda que
no passado tinha bastante peixe dentro dos lagos, ainda hoje tem peixe, mas
consideram pouco.

Durante o trabalho de campo foram obtidas informações sobre a fauna e a


flora da Ilha São Vicente e quais as relações de usos tradicionais praticados pela
Comunidade com os animais e plantas encontradas dentro Ilha São Vicente.

Os dados foram organizados no quadro 1, em colunas distinguindo: o


elemento natural, o uso tradicional e as espécies encontradas.
99

Quadro 1 – Usos tradicionais da fauna e flora da Ilha São Vicente


Elemento Natural Uso Tradicional Espécie
Cumaru, sapucaia, ipê (pau d’arco), jutaí,
piranheira (são madeiras “pro chão” para
Uso como
fazer esteio, enfiar no chão); embireira,
madeira
Árvore bananinha, menju, cajirana, jacarandá (são
madeiras “pro ar”, para fazer travessa,
caibro), cachimbeiro.
Uso como palha Coco babaçu, inajá, macaúba.
Uso alimentício Buriti, caju, cajá, buritirana, inajá, pequi,
tatarubá, abacate.
Uso comestível Tatu, porco do mato, paca, veado, macaco
Animais guariba, capivara, jabuti.
Não comestível Quati, mambira (espécie de tamanduá),
piolho de cobra
Tucunaré, pacu, bico de pato, piabanha,
aruanã, sardinha gata, piau, barbado,
fidalgo, filhote, pirarara, mapará, tambaqui,
Peixes Uso comestível apapá (sarda), jacundá, surubim, mandi,
avoador, branco, traíra, curimatá, pirosca
(pirarucu), jaraqui, piraíba. Dourada (hoje
não tem mais)
Não comestível Capadinho, iú, cumbá, peixe bola, papuda,
boto, piranha, candiru, arraia.
Uso comestível Mareca, pato, mergulhão, jacu, mutum,
jacamim, amargosa, sangue de boi.
Aves Não comestível Papagaio, curica, arara, tucano, jaó preto,
pomba de galego, bem-te-vi, curió, xexéu,
juruti.
Batata tiú, cana de macaco, fedegoso (raiz),
negramina (folha), alfavacão (folha), jambu
Plantas Uso medicinal (folha), arruda (folha), mastruz, malva do
reino, picão (raiz e folha), maracujá grande
(folha).
Não comestível Poeragem (alimentação para gado31 e fazer
para adubo).
Calango (tamancuaré e papavento),
camaleão, labigó, cobras (iaracuçu,
Repteis e Sem uso cascavel, espada velha, salamandra, jiboia,
aracnídeos surucucu, coral, surucucu de brejo,
papaterra, sucuri32), jacaré, sapo, gia, giona,
rã; Aranha (caranguejeira e outras), piolho
de cobra.
Insetos Sem uso Formiga saúva
Fonte: Trabalho de Campo, maio/2013 e abril/2014.

31 A poeragem era utilizada antigamente na alimentação do gado, mas como a Comunidade não cria
mais gado, a planta se espalhou pela área e hoje tem em abundância, e é usada atualmente para
fazer adubo.
32
A sucuri também conhecida como anaconda, arigbóia, boiaçu, boiçu, boiguaçu, boioçu, boioçuboia,
boiuçu, boiuna, boitiapoia, sucuriju, sucurijuba, sucuriú, sucuruju, sucurujuba e viborão é uma cobra
sul-americana, chega a 10 metros de comprimento e vive nas águas, em rios e lagos, alimentando-se
de peixe, aves e mamíferos (DICIONÁRIO AURÉLIO, 2009, p.1890).
100

Para concluir este tópico, segue uma parte do Relatório Agronômico


elaborado pela equipe técnica do INCRA-SR 26, sobre as características do
território:

5.2- CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E EDAFO-CLIMÁTICAS

5.2.1- Relevo
As formas de relevo apresentadas na região são constituídas basicamente por
dois tipos: Formas Estruturais e Formas de Acumulação.
Formas Estruturais – relevo cuja topografia é condicionada pela estrutura.
Neste caso, processos morfodinâmicos geram formas de relevo em
conformidade com a estrutura geológica. As camadas mais resistentes
sobressaem no relevo.
Formas de Acumulação – relevos resultantes do depósito de sedimentos, em
regiões fluviais, paludais e lacustres, normalmente sujeitos à inundação.

5.2.2- Solos
Predominam na região, os Latossolos, Argissolos, Neossolos Quartzarênicos,
Neossolos Flúvicos, Cambissolos e Gleissolos.

5.2.3- Recursos Hídricos


O território se situa na Bacia do Rio Araguaia.

5.2.4- Clima
De acordo com a regionalização climática do Estado do Tocantins (Método de
Thornthwaite), na região ocorre o clima úmido subúmido com pequena
deficiência hídrica (C2rA'a'), que apresenta evapotranspiração potencial média
anual de 1.600 mm, distribuindo-se no verão em torno de 410 mm ao longo de
três meses consecutivos com temperatura mais elevada.

5.2.5- Temperatura
A temperatura média anual em torno de 28°C.

5.2.6- Precipitação
A precipitação pluviométrica média varia na faixa de 1600 a 1900 mm ao ano.
Existem dois períodos bem distintos, um chuvoso e outro seco, o de maior
concentração das chuvas ocorre nos meses de outubro a maio, no período de
estiagem registra-se a média de 100 mm.

5.2.7- Umidade Relativa


Umidade relativa do ar média anual varia de 75 a 80%.

[...]
101

6- CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DO E BIÓTICAS DO TERRITÓRIO

6.1- Vegetação: A vegetação nativa no território constituía-se originalmente de


floresta ombrófila aberta, no entanto, atualmente há apenas vegetação
secundária, em função da exploração das espécies madeireiras de valor
econômico, especialmente, jatobá e ipê, e da ocorrência todos os anos de
incêndios florestais que atingem toda a ilha. Encontra-se no Território as
seguintes espécies exploradas através do extrativismo, as palmeiras babaçu,
inajá, bacaba, buriti, açaí e buritirana; e, a espécie madeireira sapucaia. Nas
partes mais altas do relevo, foram desmatadas e implantadas pastagens
artificiais.

6.2- Fauna: O território apresenta uma fauna bastante diversificada onde são
encontrados mamíferos: capivara, paca, tatu, cutia, mucura, macaco prego,
macaco capelão, macaco guariba, preguiça, gato do mato; répteis/bratáquios:
jacaré, teiú, camaleão, cascavel, caninana, jaracuçu, coral, jararaca, surucucu,
sucuri; aves: arara, papagaio, curica, nambu, perdiz, jacu, rolinha, jaburu,
mutum, juriti, periquito, marreca, etc. peixes: jaú, surubim, piranha, piau,
pintado, mandi, mandi cabeça de ferro, mandi moela, traíra, piraqué, tambaqui,
matrixã, etc.

6.3- Relevo: Caracteriza-se por ser predominantemente plano a


moderadamente ondulado. Não se encontram na área: montanhas, grandes
morros, escarpas, ocorre em aproximadamente 1% do imóvel uma forma mais
movimentada de relevo.
6.4- Recursos Hídricos: No período chuvoso, o Rio Araguaia inunda grande
parte da Ilha de São Vicente, ficando remanescente apenas os “torrões” (partes
mais elevadas da Ilha) e no período seco são formados vários lagos dispersos
pela Ilha.

6.5- Solos: O território é constituído basicamente de Gleissolos, solos


hidromórficos que ocorrem nas partes mais baixas da Ilha, exceto nos “torrões”,
onde ocorrem a presença de solos não hidromórficos. (SILVA, 2014, p. 3-4; 6-
7)
102

As práticas produtivas
A Comunidade Ilha São Vicente tem um histórico de produção em seu
território, tanto no que concerne a criação de animais quanto de plantação. Em
relação a criação de animais, os mais velhos contam que eles criavam gado em toda
a ilha, a criação era solta na ilha, isso quando o pai de seu Salvador, José Henrique
Barros, ainda era vivo. Ele costumava dá um bezerro para cada filho para cuidar,
assim, ensinava os próprios filhos a tratar dos animais e levaram isso para a vida
adulta, formando, assim, um pequeno rebanho de gado dentro da Ilha.

Na segunda reunião33 com a Comunidade Quilombola dentre vários assuntos


abordados, um deles foi a questão da produção de gado para subsistência da família
dentro da ilha e foi dito que o gado que tinha era do tipo curraleiro que segundo os
homens da comunidade, era um gado muito bom.

“... tinha o gado curraleiro que nóis criava também pro leite... agora que o
gado pastava no varjão que tem aí, que fica muito longe, ele pastava nessa
poeragem que depois tomou conta de tudo... Era uma criação só, cada um
tinha um pouco, cada um tinha um pouquim nós tudim tinha, sabe? era
gado curraleiro, o gado... não era esse gado nerol não... era gado
curraleiro... eles andava nessa ilha quase toda, pastando nesse varjão... o
gado era criado solto na ilha toda...” (depoimento feito por Pedro Sobrinho,
irmão de seu Salvador, em abril/2014)

O tempo passou e com a morte de José Henrique e ocupação da ilha por


outras famílias não quilombolas, reduziu a área da comunidade quilombola para a
criação do gado. E quando questionados sobre a venda do gado no passado foi dito
que era para o consumo tanto a carne quanto o leite, mas em tempo de festejo de
santo na Comunidade se matava um boi para alimentar os convidados da festa, e se
sobrasse alguma carne, era distribuída dentre os convidados, parentes ou não.

Antigamente também criavam galinha caipira, galinha d’angola, peru e pato,


Atualmente a Comunidade não cria mais gado, atualmente criam outros animais
pequenos como galinha caipira e pato (fotografias 71 e 72). Mas antes do despejo
(que ocorreu em 2010) criavam também porcos, desde o acontecido não criam mais
com medo de perder toda a criação.

33A reunião aconteceu no dia 04 de abril de 2014 reunindo vários quilombolas no barracão da
Associação.
103

Fotografias 71 e 72 – Criação de pequenos animais dentro da Comunidade

Fonte: Rita Domingues (maio/2013 e abril/2014)

Antigamente uma das fontes de proteína animal era a carne de caça, hoje
pouco praticada. Os animais mais caçados antigamente na ilha eram: capivara,
catitu, tatu, paca, entre outras. As aves boas de caça eram: mareca, pato,
mergulhão, jacu, mutum, jacamim, amargosa, sangue de boi. Devido à extinção de
alguns animais e a expulsão da área de outros animais devido o desmatamento, a
caça não é mais tão praticada pela Comunidade e quando praticada é para a
sobrevivência, para a alimentação familiar.

Além da caça, outra fonte de alimento que perdura na Comunidade é a


pesca praticada no rio Araguaia. Hoje não pescam mais nos lagos dentro da ilha
porque eles não fazem parte da área da Comunidade. Os tipos de peixes
consumidos pela comunidade são: tucunaré, pacu, bico de pato, piabanha, aruanã,
sardinha gata, piau, barbado, fidalgo, filhote, pirarara, mapará, tambaqui, apapá
(sarda), jacundá, surubim, mandi, avoador, branco, traíra, curimatá, pirosca
(pirarucu), jaraqui, piraíba. Antigamente pescavam dourada, hoje esse tipo de peixe
não tem mais na região.

No passado, como não havia divisão dentro da Comunidade, as plantações


estavam circunscritas próximas às casas, mas nada impedia em plantar em outros
lugares da ilha, desde que escolhesse uma área boa para plantar, uma das
dificuldades para plantar é porque na ilha tem uma praga chamada formiga saúva
que acabou com muitas plantações e esse foi um dos motivos deles irem plantar
mandioca no Pará, nas terras de seus parentes. Contando desde a época de José
Henrique Barros, pai de seu Salvador, costumava-se plantar arroz, milho, algodão,
feijão, melancia e fumo.
104

O que aconteceu com a Comunidade em relação ao despejo sofrido mudou


e muito a forma de suas práticas produtivas, porque os quilombolas sempre fazem
referência de como era antes do despejo e como estão agora.

No que concerne a plantação, antigamente contaram que faziam muita roça


de mandioca para fazer farinha de puba, tapioca, goma e que comercializavam a
produção. A plantação era feita do lado do Pará, na área de seus parentes a Família
Noronha (chamada de Tapioca), a produção era grande e era vendida em Marabá-
Pará, sendo transportada de barco pelos rios Araguaia e Tocantins. Hoje a
plantação de mandioca diminuiu muito, e se planta próximo as casas em áreas
reduzidas. A mandioca colhida é para o consumo interno e serve para comer cozida,
fazer beiju e bolo, não se faz mais farinha na Comunidade porque não tem casa de
farinha.

Há outras plantações feitas na Comunidade e são de responsabilidade de


cada família, não há lote coletivo para plantação, o que há são plantações feitas nos
lotes individuais. Conforme o interesse, condições e disponibilidade plantam o que
consideram necessário, então pode haver diferenças nos produtos plantados em
cada lote, mas algo comum entre as famílias é que plantam próximo das suas casas
e basicamente destina-se à sua alimentação, uma plantação de subsistência como:
feijão andu, arroz, milho, abóbora, gergelim, quiabo, jiló, inhame, entre outros
(fotografias 73 e 74 / fotografias 75 e 76).

Durante o trabalho de campo além de ter observado o interesse em plantar


mais, em ter mais áreas para o plantio, os próprios quilombolas disseram que
gostariam de mais áreas para plantar, hoje não fazem plantações maiores porque
não há terra disponível para isso, pois consideram os lotes pequenos para ampliar
suas produções agrícolas.

Por algum tempo, deixaram de plantar com medo de perder tudo novamente,
por isso, tiveram muita dificuldade alimentar, pois acostumados a plantar e colher
seu próprio alimento, depois do despejo demorou algum tempo para começarem a
plantar novamente, no momento atual as plantações voltaram a ser feitas, mais
próximo às suas casas ou no lote de um dos parentes, em um espaço reduzido e o
que se tem plantado é arroz, feijão e mandioca.
105

Plantam também frutas, cada quilombola tem sua vontade, aprendizado e


afinidade, assim vê-se ao longo da Comunidade plantação de: banana, maracujá,
mamão, caju, goiaba, cana de açúcar, amendoim, limão, laranja, tangerina, acerola,
abacaxi, abacate, cacau, muruci, manga, coco da praia, cupuaçu, açaí, entre outras
frutas. E fazem hortas, em quase todas as casas é possível ver uma horta com
coentro, cebolinha, tomate, quiabo, coentro do Pará (chicória), pimenta e outros
temperos (fotografias 77 e 78).

Fotografias 73 e 74 – Gergelim plantado na Comunidade

Fonte: Rita Domingues (maio/2013)

Fotografias 75 e 76 – Feijão andu produzido na Comunidade

Fonte: Rita Domingues e Marcio Catelan/INCRA (maio/2013 e abril/2014), respectivamente

Fotografias 77 e 78 – Hortas individuais próximas as casas

Fonte: João Batista Félix/UFT e Marcio Catelan/INCRA (maio/2013), respectivamente.


106

A alimentação diária hoje da comunidade é à base de feijão, arroz,


mandioca, peixe; vez ou outra carne de gado comprado na cidade de Araguatins.
Segundo dona Maria da Luz, esposa de seu Salvador, disse “Carne de gado agora
já come mais, por que ele [Salvador] se aposentou. Aqui, aculá no dia em que ele
tira o dinheiro a gente compra, né?”, assim, observou-se que atualmente só se come
carne de gado porque se pode comprar “na rua”, isto é, em Araguatins. Há outros
produtos também comprados nos mercados da cidade como diz dona Maria da Luz
“Tem aqui é comprado o arroz, o açúcar, o café, o sal, o óleo. Tudo. A gente só num
compra água lá.” A água que a comunidade toma vem diretamente do rio Araguaia,
mas antes de beber dona Maria da Luz, costuma coar a água, colocá-la para
descansar de um dia para o outro e segundo ela, a água está pronta para beber,
quando questionada se usava hipoclorito de sódio na água disse que não usava por
que tem gosto ruim. Usam também filtro de barro, e esta água serve para beber e
cozinhar.

Em um dos lotes, um dos moradores está implantando o sistema


diversificado de plantação que consiste em consorciar vários tipos de plantas, tipos
de adubação e irrigação que auxilie na maior produtividade da plantação. Há
tentativa de controlar uma das pragas que afeta a Ilha, que é a formiga saúva
(formiga cortadeira, isto é, que corta material vegetal como folhas e flores) que
impede por vezes em realizar uma plantação, a tentativa de controle é utilizar
produtos naturais evitando o uso de agrotóxico. Mas a forma comum que os
moradores costumam controlar esta praga é através de veneno industrializado, os
agrotóxicos.

Uma das atividades produtivas que acontecia com mais frequência na


Comunidade era a produção de azeite de coco babaçu, dona Maria e dona Vicença,
irmãs de seu Salvador, relataram que quando eram crianças e adolescentes era
prática das mulheres catar o coco babaçu, quebrar o coco para retirar as amêndoas
e fazer o azeite. Dona Maria da Luz, esposa de seu Salvador, traçou o mesmo
trajeto, e disse que atualmente a produção é pouquíssima, por vários motivos: não
há compradores frequentes na cidade; as etapas para retirada do azeite são
trabalhosas e o pagamento sobre o produto beneficiado, isto é, o azeite de coco
babaçu engarrafado é baixo.
107

Outro elemento relevante para ser referido é a cultura material, uma


produção de objetos feitos de palha como: cesto, balaio, vassoura, abano entre
outros (fotografias de 79 à 82). Todos para usufruto dentro da própria Comunidade.
A produção é feita, segundo informações obtidas durante o trabalho de campo, pela
dona Maria Barros e a matéria-prima é recolhida na própria ilha, tiradas da palmeira
de babaçu localizadas nas proximidades das casas. Foi dito por Dona Maria Barros
que “com o olho do coco babaçu faz cofo, faz balaio, faz abano, faz esteira, peneira,
e eu aprendi com o meu irmão mais velho o Eugênio, ele fazia até tapiti 34, que
aprendeu com o nosso tio, irmão de minha mãe.”

Fotografias: 79 à 82 – Cestaria produzida na Comunidade

Fonte: Rita Domingues (maio/2013 e abril/2014)

34 Conhecido também como tipiti é “Utensílio que consiste numa espécie de cesto cilíndrico
extensível, feito de palha, com uma abertura na parte superior e duas alças, entre os povos indígenas
brasileiros para extrair por pressão, o ácido hidrociânico da mandioca brava” (DICIONÁRIO
AURÉLIO, 2009, p. 1952)
108

Pelas fotografias apresentadas acima, há várias técnicas de produção e de


uso do trançado, mais popularmente conhecido como cestaria. É possível observar
um balaio sobre uma estrutura de um banco, um paneiro com roupas sobre a cama,
na cozinha os balaios para guardar carvão e abano para auxiliar no fogão. Na última
fotografia além das paredes da casa ser fechadas com as folhas de babaçu, há
ainda cesto adaptado para servir de local para as galinhas colocarem ovos.

É importante ressaltar neste momento que dentro da ilha não há sistema de


energia elétrica pública, as casas de alguns moradores são iluminadas porque
possuem geradores particulares a base de gasolina com potência de 1.300 watts, o
consumo de combustível é em média de três litros de gasolina que gera energia de
quatro a cinco horas para o consumo de três bicos de lâmpadas de 60 watts, uma
TV de 14’ e carregar os celulares. Costuma-se colocar o gerador para funcionar à
noite para iluminar por algumas horas a casa enquanto assiste-se televisão. Em dias
de jogos de futebol pelo qual torcem ligam o motor durante o horário do jogo para
assisti-lo, mas não há condições financeiras de deixar um motor ligado para
funcionar a geladeira por vários dias. O que interfere na conservação de alimentos e
na permanecia de alguns dos moradores na ilha, que dizem “... se tivesse energia na
ilha, eu não saía da ilha não.”. Mas ao mesmo tempo em que existe o motor gerador
de energia há também a lamparina35, porque quando falta o combustível para o
motor voltam a utilizar a lamparina, mas já faz algum tempo que não é utilizado
(fotografias 83 e 84).

Fotografias 83 e 84 – Dois tipos de lamparina e o gerador de energia

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (abril/2014)

35 De acordo com a definição do Dicionário Aurélio, lamparina é uma pequena lâmpada que fornece
luz de pouca intensidade, “possui um pequeno recipiente com um líquido iluminante/combustível
(óleo, querosene etc.) no qual se mergulha um pequeno pavio que passa por uma pequena rodela de
madeira e se acende na outra extremidade”. (2009, p. 1178)
109

Segue parte do Relatório Agronômico concernente às práticas produtivas,


elaborado pela equipe técnica do INCRA:

7- ASPECTOS SÓCIOECONÔMICOS E CONDIÇÕES DE VIDA DOS


QUILOMBOLAS
7.1- Posse e Uso das Terras: Há 36 famílias quilombolas levantadas neste
trabalho, que ocupam uma área de terras de 32,5741 ha.
[...]
7.8- Entidades de Crédito: A comunidade não tem acesso a esse benefício.
[...]
7.10- Produção Agrícola, Pecuária e extrativismo: As famílias quilombolas
produzem para a sua subsistência o arroz, feijão, abóbora, milho e mandioca;
criam galinhas e porcos; extraem produtos das palmeiras babaçu, inajá,
bacaba, buriti, açaí e buritirana; e, pescam artesanalmente no Rio Araguaia e
nos lagos do interior da Ilha. (SILVA, 2014, p. 9).

Não há obras e empreendimentos existentes dentro da comunidade, o que


há são projetos e planos contando com a influência da área requerida. Desta forma,
o planejamento para o futuro é aumentar a área de cada família dentro da ilha;
planeja-se também a construção de hortas comunitárias; percebe-se a necessidade
de um viveiro de produção de mudas de plantas, haja a vista que há áreas
degradadas dentro da Ilha São Vicente; a comunidade utiliza como combustível
alternativo o coco babaçu, para cozinhar e assar os alimentos, desta forma,
analisou-se a necessidade de construir um forno comunitário para fazer carvão com
coco babaçu; outro ramo produtivo citado pelos quilombolas foi o artesanato
utilizando os recursos naturais disponíveis na ilha. Citaram também a possibilidade
de fazer uma plantação de arroz de forma comunitária do outro lado da lagoa
grande. Outra área importante que pode ser utiliza são os lagos com grande
potencial para manejo de peixe.

Outra referência dita pelos moradores é em relação à casa de farinha, que


não existe hoje nenhuma casa de farinha dentro da comunidade porque a área de
plantação de mandioca é pequena, ampliando esta área há grande possibilidade da
comunidade começar a produzir farinha novamente.
110

CONCLUSÃO

Nos quilombos contemporâneos a memória compõe elemento essencial na


formação da identidade quilombola. Nesse sentido, os moradores da Comunidade, a
organização sociocultural e religiosa, os costumes ocupam papel importante na
discussão sobre identidade, uma vez que disseminam, reforçam, constroem e
desconstroem as representações recebidas dos ancestrais de um dado momento da
história. E oferecem os mapas memoriais nos quais guiam a interpretação e a
constituição de suas próprias identidades e as identidades de outros.

A identidade depende de um contraponto, de um processo de diferenciação,


de separação, de ruptura para ganhar significação. As identidades e as divisões a
que implicam os sujeitos não são práticas neutras, estão permeadas por conflito e
negociação configurando, assim, uma questão de poder e de política. O grupo social
que constrói e dá significado ao lugar, como a Comunidade Ilha São Vicente,
constrói sua identidade a partir dos vínculos com a terra, com a água (rios e lagoas)
vínculos de parentesco que unem as famílias entre si, além dos vínculos de
afinidade. O pertencimento ao lugar, a memória de suas referências históricas e ao
grupo de parentesco/afinidade garante uma identidade que liga as pessoas, e, desta
forma, constroem-se o imaginário e a realidade de pertencimento ao lugar com
direito ao lugar onde vivem que deve ser respeitado e garantido pelo Estado.

O território proposto engloba toda a Ilha São Vicente, que é a ocupação


histórica da comunidade. Conforme foi levantado neste trabalho, evidenciou-se a
origem da Comunidade e da ocupação dentro da ilha, chegando nela em 1888 e
fixando moradia na margem direita do rio Araguaia, próximo da água que é fonte de
vida, e tendo a ilha toda para criar gado, caçar e ao mesmo tempo preservando-a.

Assim, foi em assembleia com a Comunidade Quilombola que se definiu o


território reivindicado, portanto, a área requerida foi estabelecida durante esta
reunião com os membros da Comunidade presentes, como pode ser lida na Ata
elaborada e assinada por todos aqueles que estavam no dia demonstrado nas
fotografias de 85 à 88 e documento 7.
111

Fotografias: 85 à 88 – Assembleia da Comunidade Quilombola que definiu o território


reivindicado

Fonte: João Batista Félix/UFT (maio/2013)

Fonte: Marcio Catelan/INCRA (maio/2013)


112

Documento 7 – Ata da reunião com a Comunidade quilombola que definiu a proposta de


delimitação territorial

Página 1

Fonte: Documento cedido pela própria Comunidade quilombola


113

Página 2

Com as fotografias e a ata dispostas acima, é imprescindível apresentar


neste momento o mapa 6 com a atual proposta de delimitação construída em
consenso pela Comunidade Quilombola Ilha São Vicente que é de 2.502,0437 (dois
mil quinhentos e dois hectares, quatro ares e trinta e sete centiares), visando
recuperar toda a área historicamente ocupada pela Comunidade, isto é, a Ilha São
Vicente.
114

Mapa 6 – Área requerida pela Comunidade Quilombola Ilha São Vicente

Fonte: Trabalho de Campo, abril de 2014, elaborado por Ailton Trindade (INCRA)
115

A área identificada e reivindicada pela Comunidade demonstra que sua


identidade está ligada àquele espaço, isto é, a Ilha São Vicente como um todo, pois
as paisagens apresentadas neste trabalho, assim como seus usos ao longo do
tempo e a constituição da Comunidade reforça a necessidade de voltar ao território
inicial, pois a família originária cresceu e as gerações posteriores aos primeiros
moradores aumentaram de número, registrando durante a pesquisa 48 famílias
descendentes da família originária, e da forma como estão hoje, a área é
considerada diminuta.

Não nos resta dúvida de que a atual proposta além de justa para as
aspirações da Comunidade, efetivamente representa uma garantia de sua
reprodução física e social segundo seus usos e costumes, assim como a sua
sustentabilidade econômica, social, ambiental, cultural e política.

Indica-se tendo como base o estudo realizado e apresentado aqui, que a


Comunidade Quilombola Ilha São Vicente tem potencial para trabalhar na área
requerida, utilizando os saberes e as práticas que conhecem e as propostas feitas
pelos próprios quilombolas que estão no final do capítulo V deste relatório são as
que devem ser aplicadas e apoiadas.

Outro elemento importante que deve ser considerado é levar energia


elétrica36 até a Ilha, isto é, até a Comunidade, pois com a eletrificação além de fixar
os moradores, garantirá as condições mínimas de parte da infraestrutura, pois
provocará mudanças na segurança alimentar com condições de manter o alimento
conservado por mais tempo; condições de comunicabilidade e iluminação à noite,
servindo para segurança, estudo e lazer dentro da comunidade.

Ressalta-se que para maior exatidão da atual proposta há dois trabalhos


técnicos, um externo a equipe de trabalho e outro interno ao INCRA que chegaram
às mesmas conclusões ora apresentadas. A forma de ocupação tradicional do
território exposto pelo trabalho elaborado por Leonídia Batista Coelho (2010) e
citado aqui, e o território igualmente proposto pelo Relatório Agronômico

36 Durante o trabalho de campo obteve-se a informação de que em 2011 foi realizado um


levantamento para a implantação de energia elétrica através do Programa Luz para Todos do
Governo Federal. E ainda, há um projeto de implantação de energia elétrica feito pela Associação dos
Moradores da Ilha São Vicente (formada por quilombolas e não quilombolas) desde 2008, mas por
questões políticas e administrativas ainda não foi concretizado.
116

apresentado pelo técnico do INCRA da SR-26/TO que compõe a equipe de


elaboração do RTID:

9 – Conclusões: Somos favoráveis à regularização fundiária do Território


Quilombola Ilha de São Vicente, situado no município de Araguatins, pois o
quantitativo de área definido, bem como seus aspectos físicos e bióticos são
suficientes para a reprodução suficientes para a reprodução física,
econômica, social e cultural dessa Comunidade. É direito garantido pela
Constituição Federal, que em seu estabelece: ‘... Aos remanescentes das
comunidade3s dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os
títulos respectivos’. Especificamente neste caso, por se tratar de uma ilha,
inserida em um rio Federal, o INCRA e a SPU, deverão definir o instrumento
adequado para a legitimação e cessão das terras às famílias quilombolas.

Cabe ressaltar que o território delimitado abrange as praias da melancia, da


serraria e da ponta, principal ponto turístico de Araguatins e região, que são
bens de uso comum da população e devem permanecer nessa condição
sem que haja prejuízo à coletividade.

Existe a viabilidade de exploração do território com atividades agrícolas,


pecuária, artesanato, pequenas indústrias de farinha, polpas e doces de
frutas, e até mesmo do turismo. Para que essas atividades possam ser
efetivadas de forma sustentável, poderá a comunidade encomendar os
projetos técnicos juntos às entidades especializadas, em face da existência
de recursos orçamentários e financeiros nas várias esferas Ministeriais que
administram o Programa ‘Brasil Quilombola.’

É a garantia do acesso a terra, relacionada à identidade étnica como


condição essencial para a preservação dessa comunidade, é uma forma de
compensar a injustiça histórica cometida contra essa comunidade, aliando
dignidade social à preservação do patrimônio material e imaterial brasileiro.
Alterar as condições de vida na comunidade por meio da regularização da
posse da terra, do estímulo ao desenvolvimento sustentável e o apoio a sua
associação representativa são objetivos estratégicos. (SILVA, 2014, p. 10-
11)

Assim, conclui-se que a regularização territorial da comunidade quilombola é


um dos passos importantes a serem dados na garantia de seus direitos e assim
terem acesso às políticas públicas destinadas a este público e que promovam de
fato a inclusão social.
117

Considerações finais

Neste trabalho foi possível descrever a origem histórica da comunidade


remanescente de quilombo com a chegada dos escravos nesta Região do Bico do
Papagaio e de acordo com os argumentos apresentados por Brandão, Dalt e
Gouveia (2010) quando dizem que há três configurações históricas sobre a origem
histórica das comunidades quilombolas no Brasil, foi identificado durante a pesquisa
que a Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha São Vicente é caracterizada
dentro de uma destas configurações, relacionadas mais especificamente a
aglomerados populacionais rurais construídos a partir da ocupação através da
compra ou doação de territórios e posteriormente da resistência e luta pela
manutenção de suas terras diante das ações de expulsão ou expropriação por
outros sujeitos. Com a transição do regime escravocrata no Brasil para o trabalho
livre, isto é, com o fim do trabalho escravo parte das comunidades quilombolas se
fixou em áreas mais próximas de aglomerados urbanos ou mais acessíveis a estes,
como foi o caso desta Comunidade que recebeu neste período a Ilha São Vicente
para morar doada por Vicente Bernardino (ex-dono de escravos e fundador da
cidade de Araguatins).

Com base no que foi exposto confirma-se a identidade étnica da


Comunidade Quilombola Ilha São Vicente, conforme o processo de
autoidentificação, anteriormente apresentado.

Assim, com este estudo e a legislação vigente voltada para os quilombolas a


proposta de delimitação territorial elaborada e apresentada neste relatório faz-se
relevante. Procurando garantir os direitos de uma Comunidade a viver melhor dentro
do seu território de origem, sem ameaças de despejo e humilhação.

O que se fez nesta pesquisa foi demonstrar a origem comum da


Comunidade partindo do processo histórico da chegada à região e na Ilha São
Vicente, assim como a sua permanência e maneiras de sobreviver morando em uma
ilha. Além do que foram apresentadas as marcas da identidade e os critérios de
pertencimento ao grupo, suas relações econômicas e sociais estabelecidas entre si
e com a sociedade envolvente, no final tratou-se das formas de uso do ambiente e a
mudança de sua produção alimentar ao longo do tempo e com a diminuição de suas
terras.
118

Uma vez finalizado os estudos técnicos, o Estado deve cumprir sua


obrigação constitucional garantindo a Comunidade Quilombola Ilha São Vicente a
apropriação definitiva de seu território e as condições para sua sustentabilidade.
Deste modo, se garantirá as condições para a reprodução e continuidade de uma
comunidade que hoje está sendo ameaçada.

____________________________________________________
Rita de Cássia Domingues Lopes
Antropóloga e Professora na UFT (Matrícula 1353094)
Outubro de 2014
Tocantins
119

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Ministério do Desenvolvimento Agrário
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
Superintendência Regional no Estado do Tocantins – SR(26)
Quadra 302 Norte, Alameda 01, Lote 1/A Plano Diretor Norte - CEP-77006-336 – PALMAS/TO.

FONE 63.3219-5201 FAX-3219-5205

RELAÇÃO DE FAMÍLIAS CADASTRADAS NO CADASTRO DA COMUNIDADE


QUILOMBOLA ILHA DE SÃO VICENTE.

1 - Ana Maria Gomes de Oliveira e Reginaldo de Sousa Silva.

2 – Arcione Rocha dos Santos e Miguel Batista Barros.

3 – Beatriz Francisco de Sousa e Eliésio de Sousa Almeida.

4 – Eugilene de Sousa Barros e Edem Rodrigues Torres.

5 – Domingos Willian de Souza Barros.

6 - Dorilene Ferreira Rocha e Sirley Sousa Martins.

7 – Doriman Ferreira Rocha e Floriano Ribeiro Carvalho.

8 – Dorivan Ferreira Rocha e Constantino Pereira de Sousa.

9 – Elismar da Silva Noronha.

10 – Eva da Silva e Francismar Araújo Noronha.

11 – Expedita Gomes de Oliveira e José Neres da Silva.

12 – Flávia Carvalho Barros de Sousa.

13 – Gildázia Ferreira de Sousa Barros e Elton de Sousa Barros.

14 – Gláucione Barros Santana.

15 – Jorgeane Ferreira Rocha de França e Gegivan Ferreira de França.

16 – Josefa Francisca de Sousa.

17 – Joselha Lima da Silva Ferreira e Jorlando Ferreira Rocha.


18 – Josimar Carvalho Barros.

19 – Juacimira Barros Santana.

20 – Kauana Almeida da Cruz e Jovenilson Barnabé Noronha.

21 – Kariane Maria Almeida de Oliveira e Teófilo Dias Barros.

22 – Lívia Antônia da Silva Noronha e Domingos Lopes Noronha.

23 – Lucilene Lopes Sousa Barros e Eugênio Barros Filho.

24 – Manoel Batista Barros.

25 – Maria Batista Barros.

26 – Maria Dagmar Ferreira dos Santos Silva e Deuzivan Ferreira Rocha.

27 – Maria da Luz de Sousa e Salvador Batista Barros.

28 – Maria de Fátima Batista Barros.

29 – Maria de Nazaré Pereira da Silva e Pedro Barros Sobrinho.

30 – Maria Hilda Lima e Domingo Cruz Noronha.

31 – Marilene Modesto Cruz Barros e José Batista Barros.

32 – Maria Madalena de Sousa.

33 – Maria Rita de Sousa Barros e Dorival Ferreira da Silva.

34 – Maria Rita Ferreira de Jesus e Virgílio Barros Rocha.

35 – Maria Rita Francisca de Sousa e Raimundo Ribeiro do Espírito Santo.

36 – Marinézia dos Santos Andrade e Juacy Carvalho Barros.

37 – Mirian Freitas Barros e André Barbosa Junior.

38 – Natanael Carvalho Barros de Sousa.

39 – Poliana de Matos Medrado e Deusivaldo Ferreira Rocha.

40 – Regina Barros Rocha.

41 – Reyjane Alves de Sousa e Genivaldo Barros Rocha.

42 – Rosângela de Souza Barros.

43 – Silvanei Barros Rocha e Valdeir Rodrigues da Silva.


44 – Sônia Maria dos Santos Ribeiro e Raimundo Batista Barros.

45 – Sueli Freitas Barros.

46 – Tiago da Silva Noronha.

47 – Vânia Maria da Silva Silva e Fábio Barros Santana.

48 – Vicença Batista Barros.


SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO – MDA.
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA
SUPERINTENDENCIA REGIONAL DO TOCANTINS – SR-26.

LEVANTAMENTO DE SITUAÇÃO DE SOBREPOSIÇÃO

Após os devidos levantamentos, a equipe técnica responsável pelo RTID


da Comunidade Quilombola do Ilha de São Vicente concluiu que o território delimitado
constitui-se em sua integralidade de terras públicas Federais administradas pela
Secretaria de Patrimônio da União, pois se trata de uma ilha situada ao longa do Rio
Araguaia, que é um rio Federal. As terras, portanto, estão fora da faixa de abrangência
do Decreto-Lei 1.164/1971, por se tratar de uma ilha fluvial.
Não foi constatado no território delimitado, a incidência de unidades de
conservação, de reservas indígenas, nem terras de faixa de fronteira ou áreas de
segurança nacional.

Palmas, 10 de novembro de 2014

ANTONI CARNEIRO DE PÁDUA


Coordenador do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMETNO E REFORMA AGRARIA
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TOCANTINS SR/26 - TO
DIVISÃO DE ORDENAMENTO DA ESTRUTURA FUNDIÁRIA
SETOR DE CARTOGRAFIA

MEMORIAL DESCRITIVO

IMÓVEL .......: COMUNIDADE QUILOMBOLA ILHA DE SÃO VICENTE


COMARCA...: ARAGUATINS-TO
MUNICÍPIO..: ARAGUATINS-TO
ÁREA.............: 2.502,0437 ha
PERÍMETRO: 27.198,99 m

LIMITES E CONFRONTAÇÕES

NORTE: Rio Araguaia;


SUL......: Rio Araguaia;
LESTE.: Rio Araguaia;
OESTE: Rio Araguaia.

DESCRIÇÃO DO PERÍMETRO

Inicia-se a descrição deste perímetro no vértice P1, de coordenadas UTM :


N=9.384.587,47 m. e E=811.064,68 m., situado no limite com o RIO ARAGUAIA deste,
segue com azimute de 99°23'26" e distância de 132,81 m., confrontando neste trecho com
RIO ARAGUAIA, até o vértice P2, deste, segue com azimute de 105°22'20" e distância de
208,76 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA , até o vértice P3, deste,
segue com azimute de 102°46'23" e distância de 265,05 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA , até o vértice P4, deste, segue com azimute de 101°24'54" e distância
de 200,84 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA , até o vértice P5, deste,
segue com azimute de 101°42'42" e distância de 218,78 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA , até o vértice P6, deste, segue com azimute de 110°58'56" e distância
de 363,21 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA , até o vértice P7, deste,
segue com azimute de 114°44'35" e distância de 442,91 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA , até o vértice P8, deste, segue com azimute de 114°57'58" e distância
de 657,27 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA , até o vértice P9, deste,
segue com azimute de 113°32'03" e distância de 328,25 m., confrontando neste trecho com
RIO ARAGUAIA , até o vértice P10, deste, segue com azimute de 114°47'33" e distância
de 497,20 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA , até o vértice P11, deste,
segue com azimute de 122°36'50" e distância de 408,64 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA , até o vértice P12, deste, segue com azimute de 135°30'04" e
distância de 243,35 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P13, deste, segue com azimute de 140°53'49" e distância de 351,70 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P14, deste, segue com azimute de
135°03'33" e distância de 610,01 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P15, deste, segue com azimute de 125°47'40" e distância de 349,76 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P16, deste, segue com
azimute de 120°51'54" e distância de 401,00 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P17, deste, segue com azimute de 112°35'33" e distância de
429,47 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P18, deste,
segue com azimute de 106°16'33" e distância de 162,74 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P19, deste, segue com azimute de 102°39'52" e distância
de 192,99 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P20, deste,
segue com azimute de 113°30'58" e distância de 166,81 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P21, deste, segue com azimute de 106°52'17" e distância
de 204,77 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P21, deste,
segue com azimute de 102°47'43" e distância de 309,17 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P22, deste, segue com azimute de 112°36'58" e distância
de 205,41 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P23, deste,
segue com azimute de 121°26'26" e distância de 142,65 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P24, deste, segue com azimute de 133°26'51" e distância
de 410,01 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P25, deste,
segue com azimute de 136°03'40" e distância de 475,03 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P26, deste, segue com azimute de 138°43'15" e distância
de 530,20 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P27, deste,
segue com azimute de 142°49'37" e distância de 406,82 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P28, deste, segue com azimute de 153°31'30" e
distância de 327,45 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P29, deste, segue com azimute de 163°04'02" e distância de 337,86 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P30, deste, segue com azimute de
175°53'04" e distância de 320,35 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P31, deste, segue com azimute de 183°24'30" e distância de 470,29 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P32, deste, segue com
azimute de 194°42'42" e distância de 112,74 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P33, deste, segue com azimute de 185°42'37" e distância de
452,88 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P34, deste,
segue com azimute de 195°07'45" e distância de 486,06 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P35, deste, segue com azimute de 208°14'37" e distância
de 447,76 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P36, deste,
segue com azimute de 217°15'20" e distância de 331,42 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P37, deste, segue com azimute de 203°26'59" e distância
de 257,07 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P38,deste,
segue com azimute de 211°49'53" e distância de 391,45 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P39, deste, segue com azimute de 219°47'37" e distância
de 111,51 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P40, deste,
segue com azimute de 207°35'14" e distância de 120,34 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vérticeP41, deste, segue com azimute de 204°41'23" e distância
de 112,62 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P42, deste,
segue com azimute de 195°02'06" e distância de 102,70 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P43, deste, segue com azimute de 214°18'35" e distância
de 104,10 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vérticeP44, deste,
segue com azimute de 225°58'24" e distância de 70,35 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P45, deste, segue com azimute de 216°39'24" e distância
de 71,49 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P46, deste,
segue com azimute de 257°02'37" e distância de 76,58 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P47, deste, segue com azimute de 212°01'31" e distância
de 147,39 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P48, deste,
segue com azimute de 203°46'46" e distância de 96,25 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P49, deste, segue com azimute de 209°52'39" e distância
de 90,47 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P50, de
coordenadas , segue com azimute de 199°19'10" e distância de 72,94 m., confrontando
neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P51, deste, segue com azimute de
214°33'50" e distância de 132,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P52, deste, segue com azimute de 220°06'24" e distância de 62,59 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P53,deste, segue com
azimute de 303°48'13" e distância de 25,16 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P54, deste, segue com azimute de 344°36'03" e distância de
67,71 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P55, deste,
segue com azimute de 329°41'11" e distância de 76,62 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P56, deste, segue com azimute de 335°16'02" e distância
de 78,61 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P57, deste,
segue com azimute de 28°22'41" e distância de 44,25 m., confrontando neste trecho com o
RIO ARAGUAIA, até o vértice P58, deste, segue com azimute de 58°43'53" e distância de
38,67 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P59, deste,
segue com azimute de 343°33'10" e distância de 48,78 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P60, deste, segue com azimute de 334°27'20" e distância
de 47,96 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P61, deste,
segue com azimute de 355°39'51" e distância de 52,38 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P62, deste, segue com azimute de 358°46'58" e distância
de 65,43 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P63, deste,
segue com azimute de 2°37'48" e distância de 34,22 m., confrontando neste trecho com o
RIO ARAGUAIA, até o vértice P64, deste, segue com azimute de 9°04'36" e distância de
46,65 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P65, deste,
segue com azimute de 358°01'41" e distância de 86,89 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P66, deste, segue com azimute de 9°16'50" e distância
de 94,25 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P67,deste,
segue com azimute de 33°42'33" e distância de 91,26 m., confrontando neste trecho com o
RIO ARAGUAIA, até o vértice P68, deste, segue com azimute de 16°22'52" e distância de
76,77 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P69, deste,
segue com azimute de 342°22'21" e distância de 109,04 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P70, deste, segue com azimute de 350°31'35" e distância
de 150,31 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P71, deste,
segue com azimute de 324°58'34" e distância de 82,45 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P72, deste, segue com azimute de 331°36'27" e distância
de 95,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P73, deste,
segue com azimute de 333°44'21" e distância de 192,88 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P74, deste, segue com azimute de 344°36'36" e distância
de 109,54 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P75, deste,
segue com azimute de 342°38'46" e distância de 114,83 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P76, deste, segue com azimute de 356°41'24" e distância
de 107,04 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P77, deste,
segue com azimute de 249°54'40" e distância de 18,52 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P78, deste, segue com azimute de 249°02'38" e distância
de 29,33 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P79, deste,
segue com azimute de 264°34'57" e distância de 34,42 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P80, deste, segue com azimute de 264°12'59" e distância
de 49,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P81, de
coordenadas N 9.376.964,56 m. e E 817.029,92 m.; deste, segue com azimute de
308°36'32" e distância de 51,01 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P82, de coordenadas N 9.376.996,39 m. e E 816.990,06 m.; deste, segue com
azimute de 306°45'21" e distância de 41,23 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P83, de coordenadas N 9.377.021,06 m. e E 816.957,03 m.;
deste, segue com azimute de 296°26'37" e distância de 40,08 m., confrontando neste trecho
com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P84, de coordenadas N 9.377.038,91 m. e E
816.921,14 m.; deste, segue com azimute de 321°37'49" e distância de 71,22 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P85, de coordenadas N
9.377.094,75 m. e E 816.876,93 m.; deste, segue com azimute de 33°09'37" e distância de
19,20 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P86, de
coordenadas N 9.377.110,82 m. e E 816.887,43 m.; deste, segue com azimute de
121°37'39" e distância de 33,75 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P87, de coordenadas N 9.377.093,12 m. e E 816.916,17 m.; deste, segue com
azimute de 127°32'29" e distância de 44,89 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P88, de coordenadas N 9.377.065,77 m. e E 816.951,76 m.;
deste, segue com azimute de 88°09'07" e distância de 31,94 m., confrontando neste trecho
com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P89, de coordenadas N 9.377.066,80 m. e E
816.983,68 m.; deste, segue com azimute de 343°32'04" e distância de 29,81 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P90, de coordenadas N
9.377.095,39 m. e E 816.975,23 m.; deste, segue com azimute de 308°38'44" e distância
de 75,96 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P91, de
coordenadas N 9.377.142,83 m. e E 816.915,90 m.; deste, segue com azimute de
316°24'48" e distância de 68,52 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P92, de coordenadas N 9.377.192,46 m. e E 816.868,66 m.; deste, segue com
azimute de 318°18'45" e distância de 106,95 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P93, deste, segue com azimute de 326°45'34" e distância de
59,75 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P94, deste,
segue com azimute de 322°23'07" e distância de 34,93 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P95, deste, segue com azimute de 333°34'35" e distância
de 72,47 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P96, deste,
segue com azimute de 298°13'02" e distância de 11,17 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P97, deste, segue com azimute de 316°40'34" e distância
de 7,01 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P98, deste,
segue com azimute de 324°15'53" e distância de 52,92 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P99, deste, segue com azimute de 323°39'06" e distância
de 56,69 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P100, deste,
segue com azimute de 329°25'35" e distância de 91,42 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P101, deste, segue com azimute de 327°23'27" e
distância de 101,00 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P102, deste, segue com azimute de 13°15'25" e distância de 63,84 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P103, deste, segue com azimute de
352°55'28" e distância de 84,59 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P104, deste, segue com azimute de 338°24'56" e distância de 117,24 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P105, deste, segue com
azimute de 334°16'52" e distância de 218,92 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P106, deste, segue com azimute de 333°33'43" e distância de
592,55 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P107, deste,
segue com azimute de 331°15'12" e distância de 405,42 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P108, deste, segue com azimute de 321°39'31" e
distância de 156,48 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P109, deste, segue com azimute de 319°44'07" e distância de 260,13 m., confrontando
neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P110, deste, segue com azimute de
320°55'10" e distância de 535,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P111, deste, segue com azimute de 313°21'52" e distância de 284,15 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P112, deste, segue com
azimute de 310°06'07" e distância de 238,27 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P113, deste, segue com azimute de 306°49'33" e distância de
300,83 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P114, deste,
segue com azimute de 311°19'08" e distância de 339,78 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P115, deste, segue com azimute de 297°43'38" e
distância de 483,10 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P116, deste, segue com azimute de 289°25'25" e distância de 276,38 m., confrontando
neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P117, deste, segue com azimute de
299°37'09" e distância de 379,13 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P118, deste, segue com azimute de 303°47'24" e distância de 243,41 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P119, deste, segue com
azimute de 301°33'04" e distância de 385,45 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P120, deste, segue com azimute de 302°28'24" e distância de
324,28 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P121, deste,
segue com azimute de 302°15'06" e distância de 552,24 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P122, deste, segue com azimute de 306°24'12" e
distância de 232,84 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P123, deste, segue com azimute de 312°35'04" e distância de 214,24 m., confrontando
neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P124, deste, segue com azimute de
311°23'03" e distância de 85,89 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P125, deste, segue com azimute de 342°51'47" e distância de 128,56 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P126, deste, segue com
azimute de 345°58'09" e distância de 206,89 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P127, deste, segue com azimute de 315°32'29" e distância de
54,64 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P128, deste,
segue com azimute de 330°32'02" e distância de 70,60 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P129, deste, segue com azimute de 338°32'01" e
distância de 104,47 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P130, deste, segue com azimute de 318°53'50" e distância de 73,35 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P131, deste, segue com azimute de
336°00'17" e distância de 108,03 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA,
até o vértice P132, deste, segue com azimute de 349°35'06" e distância de 68,32 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P133, deste, segue com
azimute de 343°26'24" e distância de 125,85 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P134, deste, segue com azimute de 356°22'37" e distância de
174,07 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P135, deste,
segue com azimute de 359°00'06" e distância de 136,02 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P136, deste, segue com azimute de 23°12'32" e distância
de 73,94 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P137,este,
segue com azimute de 359°21'57" e distância de 103,02 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P138, deste, segue com azimute de 349°39'14" e
distância de 73,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P139, deste, segue com azimute de 359°27'14" e distância de 55,59 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P140, deste, segue com azimute de
24°44'12" e distância de 78,22 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até
o vértice P141, deste, segue com azimute de 342°42'27" e distância de 171,47 m.,
confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P142, deste, segue com
azimute de 332°11'05" e distância de 239,02 m., confrontando neste trecho com o RIO
ARAGUAIA, até o vértice P143, deste, segue com azimute de 340°48'12" e distância de
238,83 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P144, deste,
segue com azimute de 330°06'44" e distância de 283,64 m., confrontando neste trecho com
o RIO ARAGUAIA, até o vértice P145, deste, segue com azimute de 332°30'32" e
distância de 42,89 m., confrontando neste trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice
P146, deste, segue com azimute de 77°25'17" e distância de 21,17 m., confrontando neste
trecho com o RIO ARAGUAIA, até o vértice P147, ponto inicial da descrição deste
perímetro. Todos os azimutes e distâncias, áreas e perímetros foram calculados no plano de
projeção UTM, referenciadas ao Meridiano Central -51 WGr/EGr , tendo como o Datum
o SAD-69.

Palmas/TO, 13 de Outubro 2014.

___________________________
R.T: Ailton Cardoso Trindade
CREA-TO Visto: 170.145-V
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TOCANTINS

RELATÓRIO AGRONÔMICO

1- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O processo de regularização de terras de territórios quilombolas por


parte do INCRA encontra amparo legal no Artigo 68 dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias, nos Artigos 215 e 216 da Constituição Federal, nos
Decretos 4.883 e 4.887 de 20 de novembro de 2003, e na Instrução Normativa n°
57 de 20 de outubro de 2009.
O presente trabalho tem por objetivo identificar e delimitar o território
da comunidade de “Remanescentes de Quilombos denominada Ilha de São
Vicente”, situada no município de Araguatins. Os trabalhos de campo foram
realizados por equipe de técnicos composta por servidores do
INCRA/Superintendência Regional do Tocantins, e da Universidade Federal do
Tocantins, conforme Ordem de Serviço n° 06/2014, e realizados em duas frentes:
uma equipe composta por Antropólogos da Universidade Federal do Tocantins
(UFT) e do INCRA/SR-26/TO e Topógrafo, cujo objetivo foi identificar as famílias
quilombolas e obter informações sobre os hábitos, costumes e produção agrícola
das famílias quilombolas que residem na área; e, outra equipe composta por
Engenheiro agrônomo e Topógrafo para localizar especificamente as ocupações
das famílias não quilombolas inseridas no âmbito da Ilha de São Vicente e
descrever os aspectos físicos, bióticos e socioeconômicos da Ilha de São Vicente.

2- IDENTIFICAÇÃO DA COMUNIDADE E REPRESENTAÇÃO

Nome: Comunidade Remanescente de Quilombo Ilha de São


Vicente.
Representação: Associação Comunitária Quilombola da Ilha de São
Vicente
CNPJ: 13.933.703/0001-14
Presidente: Rosangela de Souza Barros
Endereço para correspondência: No Próprio Território

1
3- IDENTIFICAÇÃO DA ÁREA DA ILHA

Área medida: 2.502,0437 ha


Município: Araguatins
Localização e Acesso: Saindo de Araguatins, pelo cais do porto às margens do
rio Araguaia, segue por embarcação aproximadamente 3,0 Km, até o porto do Sr.
Salvador Batista Barros, sede da Associação do Território Quilombola da Ilha de
São Vicente. Vide Mapa de Situação do Território-Anexo.
Localização Geográfica do Território: Folha Cartográfica MI – 952.

Distâncias das sedes dos municípios: Araguatins........3,0 Km


Araguaina.....240,0 Km
Palmas ........610,0 Km
Imperatriz ......98,0 Km

Limites e Confrontações:
Norte: Rio Araguaia
Sul: Rio Araguaia
Leste: Rio Araguaia
Oeste: Rio Araguaia

4- SITUAÇÃO DOMINIAL DO TERRITÓRIO DELIMITADO

A Ilha de São Vicente constitui-se em sua integralidade de terras


pertencentes à União. As ilhas de várzea, quais sejam aquelas passíveis de
alagamento em determinados períodos do ano, são meras extensões do leito rio,
motivo pelo qual devem ser consideradas de propriedade do ente que for titular do
rio ou lago em que se encontrar, não podendo ser considerada como um bem que
possa ter dominialidade diversa do leito fluvial do qual seja mera parte integrante.
Como o rio Araguaia é um rio federal, pois percorre mais de um Estado da
federação, e especificamente na localização da Ilha de São Vicente, onde o Rio
Araguaia é limite natural entre os estados do Tocantins e Pará, tal território
pertence à União.

Não constatamos no território a ser delimitado, a incidência de


unidades de conservação, de reservas indígenas, nem terras de faixa de fronteira
ou áreas de segurança nacional.

5- CARACTERÍSTICAS GERAIS DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DO TERRITÓRIO

5.1- Localização Geográfica e Divisão Político-administrativa


Segundo a Geografia das Zonas do Estado do Tocantins, apostila
publicada pela SEPLAN, Palmas-TO 2002, foi criada através do Programa de
Zoneamento Ecológico-Econômico (PZEE), instrumento capaz de propiciar a
ocupação ordenada dos espaços e de redirecionar as atividades políticas e
econômicas.

2
A Compartimentação do estado em zonas origina o que se denominou de
unidades escalares de paisagem, onde são considerados para suas
configurações, parâmetros e critérios diversos, que foram analisados de forma
integrada e holística. Foram assim utilizados os aspectos fisiográficos,
sócioeconômicos, culturais, político administrativos, entre outros, havendo
predominância de alguns sobre os demais.

O Território localiza-se no município de Araguatins, neste estado, na


Região I – Araguatins, que abrange os seguintes Municípios: Araguatins,
Cachoeirinha, Esperantina, São Bento do Tocantins e São Sebastião do
Tocantins.

Na região onde está localizado o território, o município de Araguatins é a


cidade polo, tendo como destaque seu comércio, repartições públicas e rede
bancária.

5.2- CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E EDAFO-CLIMÁTICAS

5.2.1- Relevo
As formas de relevo apresentadas na região são constituídas
basicamente por dois tipos: Formas Estruturais e Formas de Acumulação.

Formas Estruturais – relevo cuja topografia é condicionada pela


estrutura. Neste caso, processos morfodinâmicos geram formas de relevo em
conformidade com a estrutura geológica. As camadas mais resistentes
sobressaem no relevo.

Formas de Acumulação – relevos resultantes do depósito de sedimentos,


em regiões fluviais, paludais e lacustres, normalmente sujeitos à inundação.

5.2.2- Solos
Predominam na região, os Latossolos, Argissolos, Neossolos
Quartzarênicos, Neossolos Flúvicos, Cambissolos e Gleissolos.

5.2.3- Recursos Hídricos


O território se situa na Bacia do Rio Araguaia.

5.2.4- Clima
De acordo com a regionalização climática do Estado do Tocantins (Método
de Thornthwaite), na região ocorre o clima úmido subúmido com pequena
deficiência hídrica (C2rA'a'), que apresenta evapotranspiração potencial média
anual de 1.600 mm, distribuindo-se no verão em torno de 410 mm ao longo de três
meses consecutivos com temperatura mais elevada.

5.2.5- Temperatura
A temperatura média anual em torno de 28°C.

3
5.2.6- Precipitação
A precipitação pluviométrica média varia na faixa de 1600 a 1900 mm ao
ano.
Existem dois períodos bem distintos, um chuvoso e outro seco, o de
maior concentração das chuvas ocorre nos meses de outubro a maio, no
período de estiagem registra-se a média de 100 mm.

5.2.7- Umidade Relativa


Umidade relativa do ar média anual varia de 75 a 80%.

5.3- ASPECTOS SÓCIOECONÔMICOS

5.3.1- Saúde.
Segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)
citado no Perfil Socioeconômico dos Municípios do Estado do Tocantins (2013),
a região conta com 10 (dez) Centros de Saúde/Unidade Básica, 2 (duas)
Unidades de Apoio-Diagnose e Terapia, 1 Hospital Municipal, 2 (duas)
Unidades de Vigilância em Saúde e 1 (um) Posto de Saúde. A taxa de
natalidade geral é de 23,74/1.000hab. A Mortalidade infantil é de 4,17/1.000
hab. e a taxa de mortalidade geral é de 1,98/1.000 hab.

5.3.2- Educação.
Região amplamente atendida por estabelecimentos de ensino Pré
Escolar, Fundamental, Médio, Profissionalizante e Superior. Destaca-se na
região a presença do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
(IFTO) em Araguatins, que oferta cursos profissionalizantes de nível médio
(Técnico em Agropecuária e de Informática) e de nível superior (Agronomia,
Biologia e Informática).
Taxa de analfabetismo (População residente maior que 10 anos de
idade): 17,5%.

Tabela 01: Estabelecimento de Ensino na Microrregião I - Araguatins


Estab. de Estab.de
Estab. De Estab. de Ensino Estab. de
Ensino
Município Ensino Pré Ensino Profissional Ensino
Fundamental
Escolar (nº) Médio (nº) (nº) Superior (nº)
(nº)
Araguatins 23 32 6 2 4
Cachoeirinha 2 3 1
Esperantina 11 13 2
São Bento do Tocantins 7 9 2
São Sebastião do 5 8 1
Tocantins
TOTAL 48 65 12 2 4
Fonte: SEDUC/SEPLAN-TO/Diretoria de Pesquisa (2012).

4
5.3.3- Malha Viária
A principal rodovia de acesso à região é a BR – 230, mais conhecida
como Transamazônica que integra a região com o Sul do Pará e demais
estados brasileiros. É servida também por rodovias estaduais e municipais.
TO – 134 - Axixá – São Bento do Tocantins
TO – 404 - Araguatins – Augustinópolis
TO – 201 - Esperantina – São Miguel do Tocantins

5.3.4- Transporte Coletivo -


A região é servida por linhas de ônibus que interligam todos os
municípios à Capital do Estado, Palmas, e às cidades pólos Araguaína,
Imperatriz/MA e Marabá/PA, bem como às capitais dos estados da região
Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e, também, à Brasília-DF, capital federal.

5.3.5- Transporte da Produção –


A produção é transportada por via terrestre, através de carretas e
caminhões para Palmas, Araguaína, Marabá/PA, Imperatriz/MA, São Luiz/MA e
Brasília/DF.

5.3.6- Armazenamento
Na região predomina a pecuária de corte, sendo insignificante a
produção agrícola, onde se produz somente cultura de subsistência. A
microrregião não dispõe de armazéns para disposição final da produção de
grãos. Caso ocorra colheita excedente, em Araguaína existem (03) três
armazéns com capacidade de 4.000 toneladas de grãos.

5.3.7- Eletrificação
Atendida pela ENERGISA/CELTINS - Companhia de Energia Elétrica do
Estado do Tocantins, com todas as cidades e povoados já atendidos com
energia de fonte hidroelétrica; e um grande número de propriedades com
eletrificação rural, através do Programa Luz para Todos, programa de
eletrificação rural do Governo Federal.

5.3.8- Comunicação
A área é atendida por emissoras de rádios AM e FM, canais de televisão,
sendo as repetidoras localizadas em Araguaína e Palmas, como também por
telefonia, inclusive em todos os povoados e ainda com grande quantidade de
telefonia rural.

5.3.9- Instituições Creditícias


Na região encontram-se os seguintes agentes financeiros, citamos os
principais produtos e serviços:

BANCO DO BRASIL S/A - BNDES: PAI, PROSOLO, PROPASTO,


PROFRUTA, PRODAMEL, PROCAMOL, PRONAF (grupos C e D),
Recuperação de Máquinas; FINAME: Agrícola, Prefixado, MODERFROTA,

5
PROLEITE; Custeio: Pré-Custeio, Custeio Agrícola, Custeio/ Pecuário,
PROGER/ PRONAF, Rural Rápido, Agricultura Orgânica; Comercialização:
EGF / AGF, Custeio Alongado, CPR / CPRF, Carregamento de CPR, Desconto
de NPR e DR, Leilão Eletrônico, Balcão Eletrônico.
BANCO DA AMAZÔNIA S/A (FNO) - que financia na Pecuária:
Aquisição de gado de corte e leite; Instalação de projetos de Piscicultura,
Avicultura e Apicultura; Melhoramento Genético; Melhoramento do Manejo e
Alimentação; Incremento à Ovinocultura e Caprinocultura; Feiras
Agropecuárias; na Agricultura: Custeio Agrícola; Fruticultura; Reflorestamento;
na Agricultura Familiar: Assentamentos de Reforma Agrária; Associações de
Produtores Rurais; Incremento ao Extrativismo; Serviços / Obras e
Equipamentos: Infra-estrutura da propriedade; desmatamento, preparo e
correção do solo; aquisição de tratores e implementos; aquisição de utilitários e
caminhões; Agroindústria / Diversos: Agroindústria; Fortalecimento de
Cooperativas; Apoio aos Pólos de Agroindústrias;

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - PRONAF e PRODESA: na área de


Infra-estrutura e Auxilio a Agricultura Familiar.

5.3.10- Atividade Econômica da Região


Destaca-se a agropecuária, com tendência mais significativa
economicamente no setor de pecuária de corte, culturas de subsistência,
produtos hortigranjeiros.
O efetivo pecuário é constituído de 181.620 bovinos, equivalente a
10,71% do efetivo estadual. A produção de leite é 7.385.000 litros/ano, 10,25%
do estado.
Tabela 02: efetivo do Rebanho - 2011

Bovino Caprino Ovino Suíno Aves Bubalino Leite (mil


Município
(cabeça) (cabeça) (cabeça) (cabeça) (cabeça) (cabeça) l)

Araguatins 107.800 190 2.000 6.800 61.600 60 4.698


Cachoeinha 7.540 98 112 973 8.498 - 194
Esperantina 24.720 70 400 300 4.000 - 969
São Bento do 22.590 43 139 839 6.443 - 855
Tocantins
São 18.970 50 300 500 1.00 109 669
Sebastião do
Tocantins
TOTAL 181.620 451 2.951 9.412 80.542 109 7.385
Fonte: IBGE/SEPLAN-TO/Diretoria de Pesquisa (2013)

6- CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DO E BIÓTICAS DO TERRITÓRIO

6.1- Vegetação: A vegetação nativa no território constituía-se originalmente de


floresta ombrófila aberta, no entanto, atualmente há apenas vegetação
secundária, em função da exploração das espécies madeireiras de valor
econômico, especialmente, jatobá e ipê, e da ocorrência todos os anos de

6
incêndios florestais que atingem toda a ilha. Encontra-se no Território as seguintes
espécies exploradas através do extrativismo, as palmeiras babaçu, inajá, bacaba,
buriti, açaí e buritirana; e, a espécie madeireira sapucaia. Nas partes mais altas do
relevo, foram desmatadas e implantadas pastagens artificiais.

Fonte: Diretoria de Zoneamento Ecológico-Econômico (DZE). Base de Dados Geográficos do To-


cantins - atualização 2012. Palmas, SEPLAN/DZE, janeiro/2012.

6.2- Fauna: O território apresenta uma fauna bastante diversificada onde são
encontrados mamíferos: capivara, paca, tatu, cutia, mucura, macaco prego,
macaco capelão, macaco guariba, preguiça, gato do mato; répteis/bratáquios:
jacaré, teiú, camaleão, cascavel, caninana, jaracuçu, coral, jararaca, surucucu,
sucuri; aves: arara, papagaio, curica, nambu, perdiz, jacu, rolinha, jaburu, mutum,
juriti, periquito, marreca, etc. peixes: jaú, surubim, piranha, piau, pintado, mandi,
mandi cabeça de ferro, mandi moela, traíra, piraqué, tambaqui, matrixã, etc.

6.3- Relevo: Caracteriza-se por ser predominantemente plano a moderadamente


ondulado. Não se encontram na área: montanhas, grandes morros, escarpas,
ocorre em aproximadamente 1% do imóvel uma forma mais movimentada de
relevo.

7
Classificação do Relevo
Tabela 3 – Percentual e respectivo quantitativo das classes de relevo Ilha de São
Vicente.
Classe de Relevo Classes de declividade % no imóvel Área (ha)
% Graus
Plano 0–2 0º a 1º8’45” 38,80 970,6879
Suave ondulado 2–5 1º8’45”– 2º51’45” 50,60 1.266,0846
Moderadamente
5 – 10 2º51’45”– 5º42’38” 9,66 241,6888
Ondulado
Ondulado 10 – 15 5º42’38”– 8º31’51” 0,79 19,7361
Forte Ondulado 15 – 45 8º31’51” – 24º13’40” 0,15 3,8463
Montanhoso 45 – 70 24º13’40”– 34º59’31” - ---
Escarpado > 70 > 34º59’31” - ---
Área Total 100,00 2.502,0437
Fonte: Imagem SRTM, obtida no Topodata, sítio do INPE: 05S495, com resolução
espacial de 30 m e processamento no QUANTUM GIS 1.7.3..

6.4- Recursos Hídricos: No período chuvoso, o Rio Araguaia inunda grande parte
da Ilha de São Vicente, ficando remanescente apenas os “torrões” (partes mais
elevadas da Ilha) e no período seco são formados vários lagos dispersos pela Ilha.

6.5- Solos: O território é constituído basicamente de Gleissolos, solos


hidromórficos que ocorrem nas partes mais baixas da Ilha, exceto nos “torrões”,
onde ocorrem a presença de solos não hidromórficos.

Fonte: Diretoria de Zoneamento Ecológico-Econômico (DZE). Base de Dados Geográficos do To-


cantins - atualização 2012. Palmas, SEPLAN/DZE, janeiro/2012.

8
7- ASPECTOS SÓCIOECONÔMICOS E CONDIÇÕES DE VIDA DOS
QUILOMBOLAS

7.1- Posse e Uso das Terras: Há 36 famílias quilombolas levantadas neste


trabalho, que ocupam uma área de terras de 32,5741 ha.

7.2- Saúde: As famílias quilombolas são atendidas nos postos de saúde do


município de Araguatins, que dista cerca de 3 Km do território em estudo.

7.3- Educação: As crianças, jovens e adultos estudantes são atendidos pela rede
escolar disponível em Araguatins. O transporte dos alunos do ensino fundamental
é realizado por barco escolar.

7.4- Transporte: Não existem estradas no interior da Ilha, apenas


caminhos/trilhas para pedestres, ciclistas e por animais. O principal meio de
transporte é por embarcações. Além do barco escolar, há embarcações
particulares e barcos que fazem a linha de São Raimundo/PA para Araguatins.

7.5- Habitação: Em sua maioria as unidades residenciais são precárias,


construídas com palhas, tanto as paredes como os telhados, ou madeiras
cobertas de palha, com piso de terra batida.

7.6- Saneamento: Nenhuma das casas possui banheiro ou mesmo uma privada.

7.7- Eletrificação: Não são atendidos pelo ”Programa Luz para Todos”. Há na
residência do Sr. Salvador Batista Barros um gerador movido a gasolina.

7.8- Entidades de Crédito: A comunidade não tem acesso a esse benefício.

7.9 Festas Típicas: Há 03 anos iniciou-se um resgate cultural do festejo de Nossa


Senhora do Rosário, comemorado no dia 07 de outubro, que conta com procissão
fluvial da cidade para a Ilha de São Vicente, comemoração que conta com a
participação dos moradores da Região.

7.10- Produção Agrícola, Pecuária e extrativismo: As famílias quilombolas


produzem para a sua subsistência o arroz, feijão, abóbora, milho e mandioca;
criam galinhas e porcos; extraem produtos das palmeiras babaçu, inajá, bacaba,
buriti, açaí e buritirana; e, pescam artesanalmente no Rio Araguaia e nos lagos do
interior da Ilha.

8- LEVANTAMENTO FUNDIÁRIO

8.1- PROPRIEDADES INCIDENTES NA ILHA DE SÃO VICENTE

O levantamento de campo foi realizado no dia 26/04/2014 (sábado), para


identificar os proprietários na Ilha de São Vicente, o que não foi possível na sua
totalidade porque a maioria possui residência e trabalha na área urbana de

9
Araguatins, sendo encontrados apenas 07 proprietários e nos 18 restantes a
denominação foi feita por empregados ou informações de vizinhos, por isso a
precariedade em relação à identificação exata; e, também, consistiu de localizar
as ocupações, materializadas através das benfeitorias, utilizando aparelho de
GPS, constantes em mapa anexo. A seguir, relacionam-se os ocupantes da Ilha
de São Vicente e atividade aparente, cujos nomes e identificação pessoal deverão
ser confirmados antes das vistorias para a elaboração dos Laudos de Avaliação
das propriedades incidentes no território.

ORDEM PROPRIETÁRIO ATIVIDADE


1 “JOÃO PRETO” PECUÁRIA
2 GILVANDO PEREIRA DA SILVA E JOSÉ PECUÁRIA
PEREIRA FILHO (“ZÉ NETO”) – “PIAUÍ”
3 ANTONIA CELESTINA DOS SANTOS E PESCA
ANTONIO GOMES DE OLIVEIRA
4 SEM DENOMINAÇÃO
5 ANTONIO NETO (PIAUÍ) PECUÁRIA
6 WANDA BISPO DA SILVA (PIAUÍ) PECUÁRIA
7 MARLON PESSOA LAZER
8 MARIA DA CONSOLAÇÃO ARAÚJO DA LAZER
SILVA
9 JEREMIAS – VALDEREDO
10 JOSÉ PESSOA DA SILVA PECUÁRIA
11 SEM DENOMINAÇÃO
12 SEM DENOMINAÇÃO
13 OZIEL
14 ELIAS
15 JOSUÉ PECUÁRIA
16 PAULO
17 MOACIR
18 VALMIR
19 “DR. MELO” LAZER
20 SEBASTIÃO BARROS DOS SANTOS
21 GEILTON GOMES DE MELO
22 MANOEL FERREIRA LUZ PESCA
23 WALTER ALVES DA SILVA PESCA
24 LUIZ ALVES DE SOUSA PESCA
25 EDELVES DOS PASSOS DE CARVALHO AGROPECUÁRIA
FERNANDES

9- CONCLUSÕES: Somos favoráveis à regularização fundiária do Território


Quilombola Ilha de São Vicente, situado no município de Araguatins, pois o
quantitativo de área definido, bem como seus aspectos físicos e bióticos são
suficientes para a reprodução física, econômica, social e cultural dessa
Comunidade. É direito garantido pela Constituição Federal, que em seu Artigo 68
dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que estabelece: ...”Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando
suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos”. Especificamente neste caso, por se tratar de uma

10
ilha, inserida em um rio Federal, o INCRA e a SPU, deverão definir o instrumento
adequado para a legitimação e cessão das terras às famílias quilombolas.
Cabe ressaltar que o território delimitado abrange as praias da melancia, da
serraria e da ponta, principal ponto turístico de Araguatins e região, que são bens
de uso comum da população e devem permanecer nessa condição sem que haja
prejuízo à coletividade.
Existe a viabilidade de exploração do território com atividades agrícolas,
pecuária, artesanato, pequenas indústrias de farinha, polpas e doces de frutas, e
até mesmo do turismo. Para que essas atividades possam ser efetivadas de forma
sustentável, poderá a comunidade encomendar os projetos técnicos junto às
entidades especializadas, em face da existência de recursos orçamentários e
financeiros nas várias esferas Ministeriais que administram o Programa “Brasil
Quilombola”.
É a garantia do acesso a terra, relacionada à identidade étnica como
condição essencial para a preservação dessa comunidade, é uma forma de
compensar a injustiça histórica cometida contra essa comunidade, aliando
dignidade social à preservação do patrimônio material e imaterial brasileiro. Alterar
as condições de vida na comunidade por meio da regularização da posse da terra,
do estímulo ao desenvolvimento sustentável e o apoio a sua associação
representativa são objetivos estratégicos.

Palmas, 09 de outubro de 2014

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ANEXOS AO RELATÓRIO AGRONÔMICO

A- Memorial fotográfico;
B- Planta e memorial descritivo do imóvel;
C- Planta de Situação e Localização do Imóvel
D- Mapa temático das classes de capacidade de uso do solo;
E- Mapa da bacia hidrográfica;
F- Imagem de satélite georreferenciada;
G- Planta da Área ocupada pelos Quilombos

12

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