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Resumo: Este artigo aborda uma das questões mais interessantes e talvez menos resolvidas da semiótica
estrutural de linha francesa: o princípio de imanência. Por meio da discussão das propostas de Saussure (1970),
Hjelmslev (2009), Greimas (1966, 1975), Greimas e Courtés (2008), Benveniste (2005), reconstituímos, a partir
de três conceitos norteadores, percepção, símbolo e valor, a pertinência e a presença do princípio de imanência
no fazer científico da semiótica de linha francesa. Para confirmar e validar a presença do princípio de imanência
na teoria semiótica no auge de seus desdobramentos, apresentamos e cotejamos duas propostas teóricas: de
um lado, o estudo de Fontanille (2004), que propõe uma concepção de corpo nos estudos do discurso; de outro,
o estudo de Zilberberg (2011), que sustenta uma gradação do e no sentido. No estudo das duas propostas,
observamos que o princípio de imanência se sustenta na epistemologia do fazer científico das duas propostas,
embora elas possuam pontos teóricos bem distintos com relação à imanência metodológica. A distinção entre
imanência metodológica e epistemológica é tomada da proposta de Beividas (2008): a primeira cumpre o papel
de separar o que é próprio da língua(gem) e o que pertence aos outros domínios do humano; a segunda garante
que tanto o que pertence ao linguístico como o que pertence às outras áreas do conhecimento e da vivência
humana compartilhem do mesmo espaço, a humanidade. Em nossas considerações finais, compreendemos
que o caminho que a semiótica francesa deve seguir é: da imanência à transcendência, posto que a imanência
epistemológica e metodológica, quando bem articuladas, jogam luz sobre os fenômenos que reverberam na
transcendência do sentido.
sua vez, se bipartem em significado (conteúdo) e signi- estado) de um sujeito em busca de um objeto;
ficante (imagem acústica), unidades interdependentes. esse agir é um simulacro da ação do homem
Além disso, o mestre suíço demonstrou a arbitrarie- no mundo e de suas relações com outros ho-
dade, a imutabilidade e a mutabilidade do signo; o mens; no terceiro, concretizam-se temática
caráter linear do significante; as relações sintagmáti- ou figurativamente as estruturas narrativas e
cas e paradigmáticas que envolvem as línguas naturais, também elas são actorizadas, temporalizadas
de um lado e, de outro, as sincrônicas e diacrônicas; e espacializadas. O nível discursivo será vei-
e, não menos importante, o conceito de valor, “visto culado por um ou vários planos da expressão,
ser a língua um sistema em que todos os termos são produzindo textos, que são a manifestação
solidários e o valor de um resulta tão-somente da pre- do discurso. Os níveis fundamental e narra-
sença simultânea de outros” (Saussure, 1970, p. 132). tivo são “universais” culturais, são unidades
Portanto, a partir de Saussure (1970, p. 130-141), a discursivas virtuais que estão à disposição
semiótica passou a carregar a noção de valor, segundo do falante para serem atualizadas, por meio
a qual o signo não vale em si, mas pela relação que tece da enunciação, no nível discursivo. A enun-
com os demais signos. Um signo, então, só vale pela ciação é a instância entre essas estruturas e
relação que estabelece com o outro. Por essa razão, as estruturas do discurso.
Greimas e Courtés (2008, p. 502) definem que “toda
Fiorin e Discini (2013, p. 185) também advertem
semiótica não é senão uma rede de relações”.
que “o percurso gerativo de sentido não é uma camisa
De Hjelmslev, a semiótica compartilha a tese de
de força onde se devem enfiar todos os textos, mas é
que “a todo processo corresponde um sistema que per-
um modelo de análise e de previsibilidade, que, apre-
mite analisá-lo e descrevê-lo através de um número
ende de maneira fina, generalizações sócio-hisóricas
restrito de premissas” (Hjelmslev, 2009, p. 8). Com-
(invariantes) e especificidades de cada texto [...]”.
preendemos, portanto, que o objetivo de uma teoria da
Esse alerta dos semioticistas – “não é uma camisa
linguagem é apreender a existência de um sistema sub-
de força” – é um indício do alto custo pago pela se-
jacente ao processo, com base na tese da constância
miótica por privilegiar, como visto nesse breviário de
que subentende as flutuações. Além disso, o linguista
suas bases epistemológicas, a estrutura, a imanência
dinamarquês propõe que a linguística mantenha seu
e a geração de sentido. A opção por esse núcleo duro
ponto de vista centrado nos fenômenos da língua e que
e a consequência de suas inter-relações, que exigem
evite uma perspectiva exterior ao seu próprio sistema,
atenção e cuidado do pesquisador semioticista, podem
como buscar seus princípios teórico-metodológicos na
ora amedrontar o leigo, ora afastar de imediato os es-
biologia, psicologia, antropologia, entre outras áreas
tudiosos mais conservadores de um lado e, de outro,
do conhecimento. Reconhecemos, portanto, que a
os menos tradicionais. Além disso, em seu início, por
semiótica, ao resgatar a orientação hjelmsleviana e
volta da década de 1960, essa ciência da significação
saussuriana, deve ater-se a uma estrutura imanente
teve, de acordo com (Beividas, 2008, p. 5), um “excesso
como metodologia para investigar os domínios da lin-
categorial”. Ela se centrou no quadrado semiótico, o
guagem.
que ocasionou uma demasiada polarização da razão
De Greimas, surgiram as balizas que fundamenta-
lógica (dos contrários, dos contraditórios). Isso impe-
ram a semiótica do discurso. O mestre lituano, para
diu por algum tempo a investigação do gradual, do
descrever a produção e a compreensão dos discursos
contínuo e dos intervalos do sentido.
e suas manifestações textuais, concebeu a geração do
Embora a semiótica tenha se debruçado no qua-
sentido como um percurso que vai do mais simples e
drado semiótico e no exame das modalidades por anos,
abstrato ao mais complexo e concreto. Portanto, para
esse trabalho não foi em vão e ainda carece de um
explicar as abstrações feitas no ato da leitura, o estu-
retorno. O estatuto semiótico não tem como objetivo
dioso propõe não um percurso ontológico dos efeitos
arrematar o ser e sua origem unívoca, diferentemente
de sentido, mas um simulacro metodológico para re-
disso, é o parecer do sentido que interessa ao semi-
cuperar o percurso gerativo do sentido. Esse percurso
oticista. Logo, no dizer de Greimas (1970), a relação
apresenta três níveis de profundidade, a saber: as es-
entre o mundo natural e as línguas naturais (ou com
truturas fundamentais, as narrativas e as discursivas.
os outros sistemas semióticos) não deve ser observada
Conforme Fiorin e Discini (2013, p. 184-185),
no nível das palavras e das coisas, mas no das unida-
No primeiro patamar, estão as oposições des elementares de constituição dos dois sistemas de
semânticas sobre as quais se constrói o significação – também definidas como macrossemióti-
discurso e as operações que se realizam cas1 ).
com elas (negação e afirmação); no segundo, Na semiótica discursiva, tem-se essa compreensão
descrevem-se os fazeres (transformações de do mundo natural em sua relação com o mundo da
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Ressaltamos que mundo natural, na proposta de Greimas, não se opõe a cultural e sim a artificial (cf. Greimas; Courtés, (2008, p. 324
-325)
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língua natural, porque, desde Semântica Estrutural, estados patêmicos. Segundo os semioticistas, “Não é
obra fundante da proposta greimasiana de investiga- mais o mundo natural que vem em direção ao sujeito,
ção do sentido no e pelo texto, renunciou-se a ilusão mas o sujeito que se proclama mestre do mundo. O
dos anos 60 do século XX de “[...] que seria possível mundo dito natural, o do sentido comum, torna-se
fazer uma análise exaustiva do plano do conteúdo das então o mundo para o homem, mundo que se poderia
línguas naturais, uma vez que isso seria fazer uma dizer humano” (Greimas; Fontanille, 1993, p. 19).
descrição completa do conjunto das culturas, o projeto Desde então, o cenário da semiótica tornou-se um
estrutural em semântica busca repensar seu objeto” panteão sem Zeus ou moiras, mas cheio de oráculos,
(Fiorin, 2008, p. 17). cada qual com sua própria vidência. Não nos cabe aqui
De acordo com Fiorin (2008) e Greimas e Courtés fazer um exame exaustivo desse grupo clarividente,
(2008), três condições foram propostas para se perqui- contudo, indicaremos as principais fontes das quais
rir a significação: a) ser gerativo: como vimos acima, alguns desses oráculos têm se servido para delinear
buscam-se os investimentos semânticos e sintáxicos o futuro dessa ciência: em categorias da psicologia
progressivos do texto, indo do mais abstrato e geral (e.g. nos termos interoceptividade, exteroceptividade e
até o mais concreto e particular, de tal maneira que proprioceptividade, já presentes no Dicionário de se-
cada patamar (nível profundo, narrativo e discursivo) miótica I, de Greimas e Courtés); em fundamentações
possa receber uma representação metalinguística ex- filosóficas (e.g. na inserção da percepção e do corpo,
plícita; b) ser sintagmático, procura-se explicar, como principalmente a partir de Merleau-Ponty, como apre-
disse Greimas (1970) acima, não as unidades lexicais senta Zilberberg); em concepções psicanalíticas (e.g.
particulares, mas sim, a produção e interpretação dos nos termos envelope e movimento, de Dedier Anzieu,
discursos e dos textos; c) ser geral equivale a postular resgatados por Fontanille); em acepções sociológicas
a unicidade do sentido – em conformidade com a pers- (e.g. nos desenvolvimentos da sociossemiótica de Eric
pectiva hjelmslevianas apontada acima: buscar-se-á a Landowski a partir das contribuições de Sartre); em
constância nas flutuações, isto é, a partir dessa pro- contribuições da retórica e da neurologia (e.g. as diver-
posta, pode ser investigado, por exemplo, um efeito de sas investigações do grupo µ, em especial nos estudos
sentido manifestado em diferentes planos de expressão de Jean-Marie Klinkenberg), entre outros campos de
ao mesmo tempo, produzido por uma coletividade de estudo.
indivíduos, como os games, as novelas, os filmes, etc. Diante dessa realidade, este artigo objetiva discutir
Por conseguinte, compreendemos que a teoria se- a conservação do princípio de imanência a partir da
miótica, desde o seu nascedouro, já tinha em vista um discussão dos conceitos de símbolo, valor e percepção.
caminho a trilhar: desvelar nas estruturas do texto as Investigar o conceito de símbolo se torna pertinente,
unidades elementares constituintes dos dois sistemas visto que cada vez mais temos um debate acirrado
de significação. A questão impreterivelmente imposta sobre o que seria ou não operacional dentro de uma
após essa dedução vem a ser: como fazer isso? É nesse ciência que busca encontrar uma estrutura no sentido
ponto que o caminho semiótico se torna labiríntico, hjelmsleviano acima citado. Daí questionarmos qual é
pois as três condições, acima apontadas, ganham no a dimensão de análise da semiótica, isto é, ela busca o
fazer pesquisa de cada investigador-semioticista um dado real, o abstrato ou o simbólico? Nessa reflexão,
desdobramento diferente, como veremos. podemos ainda colocar em pauta o desenvolvimento do
Muitos foram os rumos traçados: desde a orientação conceito saussuriano de valor em paralelo com a pers-
do mestre lituano até as propostas mais engenhosas pectiva fenomenológica de Merleau-Ponty concentrada
de seus seguidores. Greimas, em Da imperfeição, abre na entrada da percepção no processo de significação.
um leque de possibilidades. Ao procurar refletir sobre Além disso, o percurso gerativo de sentido, que
a estesia, o estudioso se aproxima da perspectiva fe- procura investigar essas relações internas, desde os
nomenológica de Merleau-Ponty, o que instaura um estudos de Greimas (2002) vem sofrendo modificações,
olhar mais atento à questão do corpo, da percepção como dito anteriormente. Por essa razão, é impor-
e da figuratividade. Essa última, que até então era tante procurarmos entender até que ponto essas al-
tratada com uma função de acabamento do discurso, terações são bem-vindas ao projeto semiótico. Para
ganha novos contornos teóricos, que vão desde o papel entendermos isso, comparemos as propostas de Zilber-
da criação da ilusão do referente até a construção do berg (2011) e Fontanille (2004).
ponto de vista do enunciatário (cf. Farias 2010). Constatamos que essas reflexões semióticas em an-
Observamos com a última publicação de Greimas, damento nos últimos anos devem, conforme alerta
em coautoria com Jacques Fontanille, Semiótica das Beividas (2008), ser examinadas a partir do pilar da
paixões, que essa ciência da significação se abre para o imanência, para, com isso, verificarmos se elas preser-
estudo da semiose para além dos objetos tradicionais: vam as virtudes desse princípio (levando-nos a uma
é incorporada à teoria semiótica a proposta da modali- transcendência) ou, de modo inconsciente ou não, o
zação dos sujeitos de estado, o que permite estudar os deturpam (desequilibrando o quadro epistemológico da
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semiótica, como definido acima por Saussure, Hjelms- nosso olhar cientifico é verificar, no último tópico, em
lev e Greimas) – proposta que, em parte, retomaremos que medida os atuais estudos semióticos preservam
no último tópico de nosso estudo. esses pressupostos.
Hjelmslev, mais do que qualquer outro linguista,
1. Percepção e imanência: entre soube desbravar a perspectiva estruturalista e cons-
o mundo natural e o mundo truir a partir dela uma metodologia para examinar
os domínios da língua. Dessa maneira, quando o es-
linguístico tudioso dinamarquês considera na estrutura o plano
A linha estruturalista, outrora direção-mor dos estu- da expressão (significante saussuriano) e o plano do
dos científicos e, atualmente, corrente mal compreen- conteúdo (significado saussuriano) como compostos
dida em seus atuais desenvolvimentos, lançou seus por forma e substância, é encontrada, como concebe-
alicerces sob uma compreensão simbólica das coisas- mos pelo viés teórico da semiótica francesa: na forma
do-mundo. Como explica Deleuze (1974, p. 272), o do conteúdo, a historicidade inerente a um texto; ao
estruturalismo não buscou seus fundamentos no real passo que, na substância do conteúdo, é encontrado o
nem no imaginário, mas no simbólico: posicionamento social, a voz ideológica.
Em outras palavras, para Hjelmslev (2009), a subs-
Ora, o primeiro critério do estruturalismo tância não é a massa amorfa do pensamento nem as
é a descoberta e o reconhecimento de uma múltiplas possibilidades articulatórias do aparelho fo-
terceira ordem, de um terceiro reino: o do nador. Não é uma realidade extralinguística stricto
simbólico. É a recusa de confundir o sim- sensu, mas uma forma do conteúdo ou da expressão.
bólico com o imaginário, bem como com o Dessa maneira, um conceito ou um som possuem ne-
real, que constitui a primeira dimensão do cessariamente uma forma e, por isso, são substância
estruturalismo. também. Logo, há uma solidariedade entre a fun-
Na cena de fundação da linguística e da semiótica, ção de signo (expressão/conteúdo) e essas duas faces
o símbolo cumpre um importante papel para ratificar (forma/substância). Proposta que, ao ser acolhida por
o conceito de estrutura, posto que define uma terceira Greimas (1975, p. 93), desenvolveu na teoria semiótica
ordem, um terceiro reino, como ressaltado por Deleuze. que “as indicações hjelmslevianas [...] remetem nitida-
Comecemos pelo mestre genebrino. Saussure alerta mente ao aspecto sociocultural das línguas naturais”.
que “não se pode reduzir então a língua ao som, nem Retomando a explicação do dinamarquês, ele ainda
separar o som da articulação vocal [...]” (1970, p. 15) explica que expressão e conteúdo se pressupõem ne-
e que “os signos linguísticos, embora sendo essencial- cessariamente. Uma expressão só é expressão em
mente psíquicos, não são abstrações [...]” (1970, p. 23, virtude de um conteúdo, e um conteúdo só é conteúdo
grifo nosso). Ao fazer essas distinções, o suíço instaura em virtude de uma expressão. Do mesmo modo, a
a língua em um espaço além da realidade e aquém de forma e a substância possuem uma interdependência
uma abstração. Temos, então, um objeto estrutural, recíproca –, o que retoma, por sua vez, a orientação
isto é, segundo (Deleuze, 1974, p. 273), “a estrutura saussuriana que assevera que, na língua, um signo só
se encarna nas realidades e nas imagens segundo sé- se define pelo outro e os dois signos só são pela e na
ries determináveis; mais ainda, elas as constituem, relação que os une.
encarnando-se, mas não deriva delas, sendo mais pro- Assim sendo, compreendemos que Saussure e
funda que elas, subsolo para todos os solos do real Hjelmslev deixam como legado para a semiótica fran-
como para todos os céus da imaginação”. cesa o primado da forma, que, por sua vez, é resultante
Essa leitura de Deleuze (1974) é muito pertinente de uma apreensão simbólica, a qual engendra objetos
para refletirmos sobre a urgência de outra perspectiva estruturais, que não são esvaziados de valores cultu-
epistemológica no cenário dos estudos da linguagem, rais, mas permeados por um “aspecto sociocultural”.
a qual o filósofo denominou “a nova filosofia trans- Portanto, quando Greimas projeta a relação entre as
cendental” que, em muito, se assemelha a proposta duas macrossemióticas, o mundo natural e as línguas
hjelmslevianas de imanência alargada, que desenvol- naturais, ele propõe, como primordial, a relação epis-
veremos abaixo. Cabe ressaltar que para Deleuze o temológica entre símbolo (não centrado nem no signo,
simbólico é um nível epistemológico complexo e articu- nem em suas partes, mas na relação que une os sig-
lado que pode, em algumas partes, elucidar a proposta nos – viés saussuriano a partir da noção de valor) e
hjelmsleviana (como a explicação sobre a relação não estrutura (constância apreensível em meio às flutu-
direta e imediata com o mundo natural, o conjunto de ações – viés hjelmsleviano a partir da concepção de
restrições que o próprio sistema linguístico constrói, imanência).
etc.). Todavia, aqui, restringiremos nosso olhar para os Antes de observarmos essa relação, é necessário
pressupostos saussurianos e hjelmslevianos que sus- dizer que a semiótica discursiva não trata a exterio-
tentam a teoria semiótica, uma vez que o interesse de ridade discursiva como algo externo à língua ou ao
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texto/discurso. Contudo, ela não deixa de examinar, senso comum, portanto, se apreende o mundo natural
sob outro prisma – no caso imanentista – e com ou- e linguístico como um mundo fundado em determi-
tros nomes, aquilo que é denominado exterioridade em nada cultura e sociedade. Entende-se a percepção, de
outros quadros teóricos. Ao procurar os sentidos de acordo com Greimas (1966, p. 15), “como o lugar não
um texto, a teoria semiótica tem dois procedimentos linguístico onde se situa a apreensão da significação.
de exame: a busca pelos dados linguístico-discursivos, Assim procedendo, [...] no seu estatuto particular,
de um lado; e, de outro, as relações com a sociedade uma classe autônoma de significações linguísticas,
e a história. Os dados linguístico-discursivos são res- suspendendo destarte a distinção entre a semântica
gatados principalmente por meio do percurso gerativo linguística e a semiologia saussuriana”. Em outros
do sentido, e as relações com a sociedade e a história termos, não há uma significação pronta e imediata que
podem ser investigadas, metodologicamente, de três possa ser capturada pela percepção de todo e qualquer
formas, segundo Barros (2009, p. 352): homem em qualquer espaço e tempo. A língua recorta
o mundo, bem como o homem, ao escolher seu modo
• pela análise da organização linguístico-discursiva de enunciar, recorta o sentido no mundo.
dos textos, em especial da semântica do discurso,
isto é, de seus percursos temáticos e figurativos,
que revelam, de alguma forma, as determinações Sendo assim, percepção e imanência se comple-
histórico-sociais inconscientes; mentam na teoria semiótica, pois se compreende que
há uma constância nas flutuações – como defendeu
• pelo exame das relações intertextuais e interdis- Hjelmslev (2009) ao propor a imanência nos estudos
cursivas que os textos e os discursos mantêm com da língua(gem) –, mas essa constância se mostra e
aqueles com que dialogam; se constitui a cada nova enunciação do sujeito (por
isso, não há uma percepção pronta e imediata, como
• pela relação entre duas semióticas, a do mundo apontou Greimas); e, em cada língua, ela se faz de
natural e a das línguas naturais (ou mesmo outros uma forma diferente, dada a cultura e a sociedade
sistemas semióticos), que, no dizer de Greimas (por isso, segundo Greimas, não há uma distinção
(1970, p. 52-56), deve ser observada não no nível entre a semântica linguística – que investiga o sentido
das palavras e das coisas, mas no das unidades construído estritamente no aparelho da língua – e a
elementares de constituição dos dois sistemas de semiologia saussuriana – que investiga os mecanismos
significação. do sentido em uso na língua).
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mais profundo, da condição humana: o de suem um caráter relacional, subsidiado pela noção
que não há relação natural, imediata e di- saussuriana de valor. Desenvolvamos essa ideia.
reta entre o homem e o mundo, nem entre o De acordo com Discini (2009, p. 598), por meio da
homem e o homem. É preciso haver um inter- noção de valor, “Saussure oferece base para a concep-
mediário, esse aparato simbólico, que tornou ção do sentido visto no aquém (imanência) da substân-
possíveis o pensamento e a linguagem. Fora cia e no entorno ou além do próprio signo (transcendên-
da esfera biológica, a capacidade simbólica é cia)”. Desse modo, a semiótica, ao resgatar as bases
a capacidade mais específica do ser humano. saussurianas e hjelmslevianas, consegue desdobrar
(Benveniste, 2005, p. 30-31). uma perspectiva sobre os processos de significação:
uma leitura das dependências mútuas que constroem
O exemplo e a explanação de Benveniste nos eluci-
a estrutura gerativa do sentido. Por isso, Greimas e
daram o quão importante é entendermos que não há
Courtés (2008, p. 184) definem estrutura como “uma
uma relação natural, direta e imediata entre o homem
entidade autônoma de relações internas, constituídas
e o mundo, nem entre o homem e o homem. “Porque a
em hierarquias”.
linguagem representa a mais alta forma de uma facul-
O conceito de forma, por sua vez, não é uma abs-
dade que é inerente à condição humana, a faculdade
tração ensimesmada. Diferentemente, é uma forma
de simbolizar” (Benveniste, 2005, p. 27, grifo do au-
valorizada, visto ser a língua um sistema em que todos
tor). No âmbito da semiótica da Escola de Paris, ao
os termos são solidários e o valor de um resulta tão so-
resgatar essa proposta benvenistiana, os semioticista,
mente da presença simultânea de outros, como propõe
como, por exemplo, Discini (2007, p. 201, grifos da
Saussure. Isso se sustenta ainda na recomendação de
autora)), sustentam que “[...] o próprio mundo é en-
Hjelmslev (2009, p. 28), segundo a qual os objetos só
tão considerado um enunciado construído e decifrável
podem ser compreendidos como pontos de interseção
pelo homem: mundo linguageiro, sujeito linguageiro,
de feixes de relações, visto que “o essencial não é divi-
já que dados ambos na e pela linguagem”. Eis, por-
dir um objeto em partes, mas sim adaptar a análise de
tanto, como se tornou primordial a incorporação da
modo que ela seja conforme às dependências mútuas
noção de símbolo nos estudos da semiótica francesa,
que existem entre essas partes, permitindo-nos prestar
pois o sentido do homem e do mundo não está fora da
contas dessas dependências de modo satisfatório”4 .
língua(gem), mas sim, é imanente a ela: está na e pela
Portanto, para que a semiótica se desenvolva e al-
linguagem, como dito pela semioticista.
cance seus objetivos, preservando o princípio de ima-
Para chegar a essa concepção e desenvolvê-la, os
nência, ela deve conservar seu caráter relacional, isto
estudos semióticos percorreram um percurso cauda-
é, ater-se à noção de valor saussuriana e ao conceito de
loso, como explica Barros (2007). De acordo com a
estrutura hjelmsleviano. O que, como advertem Grei-
estudiosa, se os estudos de Saussure – de reconhecida
mas e Courtés (2008, p. 383), “implica a prioridade
importância para situar a linguística entre as ciências
atribuída às relações em detrimento dos elementos:
humanas, para estabelecer seu objeto – limitaram o
uma estrutura é antes de tudo uma rede relacional,
campo de possível interesse do linguista, separando
cujas intersecções constituem os termos”. Logo, obser-
língua de fala, o linguístico do extralinguístico; os
vamos que o princípio de imanência desenvolvido no
estudos posteriores procuraram, de diferentes manei-
projeto semiótico envolve, intrinsecamente, os concei-
ras, recuperar a fala, bem como outros aspectos que
tos de símbolo – desenvolvido, aqui, na faculdade de
permeiam e integram o signo linguístico. O espaço
simbolizar, de Benveniste – e valor – recuperado, aqui,
existente entre as dicotomias saussurianas – língua e
na articulação de Greimas, Saussure e Hjelmslev.
fala, sincronia e diacronia, sintagma e paradigma etc.
– foi, pouco a pouco, sendo investigado e discutido por
outras perspectivas. O caminho delineado para essa
3. Fontanille e Zilberberg:
mudança no quadro de investigação foi estabelecido analisando dois modos de
quando os linguistas passaram a analisar não mais a
frase isolada e descontextualizada, e sim o texto e os
conceber a imanência
processos de enunciação. Os estudos semióticos passaram por diversas etapas.
A semiótica, preocupada com a organização subja- Houve, primeiro, uma onda estruturalista cunhada
cente que produz o sentido dentro do texto (Greimas; a partir dos estudos do conto maravilhoso de Propp
Courtés, 2008, p. 183-187) e herdeira dos pressu- e da pesquisa antropológica de Lévi-Strauss. Depois,
postos de Saussure e Hjelmslev, traça um caminho um avançar do interesse da semiótica pelo estudo das
peculiar nos estudos do discurso. Isso porque a forma paixões, nas relações tensivas e fóricas. Atualmente,
e a estrutura defendidas pela teoria semiótica pos- um tournant fenomenológico que se espraia em diver-
4
Essa perspectiva de Hjelmslev avança diante da sanção saussuriana de que “a entidade linguística só está completamente determinada
quando estiver delimitada, separada de tudo o que a cerca na cadeia fônica” (Saussure, 1970, p. 145). Portanto, a leitura hjelmsleviana traz
à semiótica um horizonte mais amplo para seu projeto de investigação.
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sas vertentes e possibilidades. Nessa última visada, corporal, primeiro lugar das impulsões e das resistên-
destacaram-se os estudos de Fontanille e Zilberberg cias geradoras da ação transformadora dos estados de
(Zilberberg (2011); Fontanille; Zilberberg, 2001 2001; coisas” (Fontanille, 2004, p. 93). Nessa concepção,
Fontanille 2004). Observemos como cada um cons- carne e corpo são distinguidos: na primeira, há uma
trói sua proposta e como o princípio de imanência se resistência à transformação dos estados de coisas ou
sustenta (ou não) nesses trabalhos, principalmente a a participação nela, desempenhando o papel de centro
partir dos pressupostos saussurianos e hjelmslevianos de referência; no segundo, ocorre a semiose, que é
que discutimos até aqui. aquilo que se forma na reunião dos dois planos da
Comecemos pela proposta de Fontanille (2004). Dis- linguagem.
cutindo o desenvolvimento da teoria, Fontanille (2004, Definidas essas bases, Fontanille (2004, p. 94, grifos
p. 91) faz um retorno às bases da semiótica e considera do autor) faz a seguinte convenção:
necessário rever a noção de função semiótica. Em suas
palavras, na tradição saussuriana e hjelmsleviana, é [...] a carne é o substrato do Eu do actante, e
concebido que a relação entre as duas faces do signo que o corpo é o suporte do seu Ele.
ou os dois planos da linguagem é sempre uma relação O Eu é, então, o centro da referência do dis-
lógica, qualquer que seja a formulação – é, assim, que curso, mas é também, uma pura sensibili-
Fontanille vê os pressupostos que desenvolvemos nos dade carnal, submetida à intensidade das
tópicos anteriores: são todos imbuídos de relações ló- pressões e das tensões que se exercem no
gicas. Para esse estudioso, dentro dessa semiótica da campo de presença.
lógica, a relação é necessária ou arbitrária, segundo o O Ele, ao contrário, seria construído interior-
ponto de vista adotado, ou de pressuposição recíproca. mente e pela atividade discursiva.
Não temos, portanto, a necessidade de um operador. As duas instâncias, o Eu e o Ele do actante,
O sujeito fica na narrativa como unidade pressuposta pressupõem-se e definem-se reciprocamente:
pelas relações de enunciação. Essa suposta situação o Ele é a parte de si mesmo que o Eu projeta
muda na acepção do estudioso francês: fora de si para poder se constituir como ac-
tante; o Eu é essa parte de si mesmo a que o
[...] quando se interroga sobre a operação Ele se refere, construindo-se.
que reúne os dois planos de uma linguagem,
o corpo se torna indispensável: que ele seja Ora, se, como propõe Fontanille (2004), a reciproci-
tratado como lugar, vetor ou operador da se- dade e a pressuposição na relação entre os dois planos
miose parece então como a unida instância é uma solução logicista, o que apreendemos de sua
que é comum às duas faces ou aos dois pla- convenção não é tão distante disso. O semioticista de-
nos da linguagem e que pode fundar, garantir seja imprimir um regime mais dinâmico e gradiente ao
ou realizar sua reunião em um conjunto sig- quadro epistemológico da semiótica (?). Contudo, ao
nificante (Fontanille, 2004, p. 91). tomar a noção de actante e desenvolvê-la a partir dos
conceitos de carne e corpo, e depois entre as noções de
Desse modo, a inserção do corpo na teoria semió- Eu e Ele, o estudioso continua a reter a fórmula ante-
tica na proposta de Fontanille (2004, p. 91) é “uma riormente criticada, uma vez que “as duas instâncias,
alternativa evidente para as soluções logicistas: em o Eu e o Ele do actante, pressupõem-se e definem-se
vez de tratar os problemas teóricos e metodológicos reciprocamente” (Fontanille, 2004, p. 94)5 .
como problemas lógicos, somos convidados, hoje em Isso ocorre porque, como estamos asseverando
dia, a tratá-los sob um ângulo fenomenal e, para isso, desde o início, a semiótica é uma rede de relações.
o corpo do operador é necessário”. Eis aí o que o es- Não é uma questão de relação lógica (Se A, logo B;
tudioso constrói como seu desdobramento da teoria A pressupõe B; etc.), é uma questão de epistemolo-
semiótica. gia do crer-ser e do fazer-saber da teoria semiótica.
Para Fontanille (2004), a inserção do corpo nos es- Portanto, o semioticista, invariavelmente, percebe e de-
tudos do discurso, em especial da semiótica, requer preende dos processos discursivos as relações que os
que o actante se encarne, isto é, que tenha um corpo termos carregam, haja vista o princípio de imanência
e seja um corpo. Para isso, o actante concebido nos que implicitamente sustenta o fazer do semioticista,
estudos da semiótica dita standard (Greimas; Courtés, como vimos, nos tópicos anteriores, a partir das no-
2008) como uma posição formal, calculável a partir ções de percepção, símbolo e valor. Isso, desdobrando
de uma classe de predicados, torna-se, a partir de a proposta de Beividas (2008), configura-se como uma
seu desdobramento, “um actante concebido como uma imanência epistemológica e não, simplesmente, uma
posição corporal, isto é, como uma carne e um ícone imanência metodológica. Em outros termos, enxergar
5
Essa observação não é uma crítica ao quadro científico montado pelo semioticista francês, mas um exemplo de como a semiótica, como
teoria e metodologia, imprime sua marca em seus estudiosos, de tal maneira que eles continuando perpetuando suas bases, mesmo quando
as critica.
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Marcos Rogério Martins Costa
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Dados para indexação em língua estrangeira
Abstract: Cet article traite de l’un des problèmes les plus intéressants et peut-être moins résolus de la sémiotique
structurale de ligne française: le principe de l’immanence. Grâce à la discussion de la proposition de Saussure
(1970), Hjelmslev (2009), Greimas (1975, 1966), Greimas et Courtès (2008), Benveniste (2005), nous reconstituer,
à partir de trois concepts-directeurs perception, valeur et symbole, la pertinence et la présence du principe
d’immanence dans le faire scientifique de la sémiotique de ligne française. Pour confirmer et valider la présence
du principe d’immanence dans la théorie sémiotique à la hauteur de ses développements, nous présentons et
comparons deux propositions théoriques: d’une part, l’étude de Fontanille (2004) qui propose une conception
du corps dans les études de discours; l’autre, l’étude Zilberberg (2011) soutient qu’une gradation du et dans le
sens. Dans l’étude des deux propositions, nous avons observé que le principe d’immanence est soutenue dans
l’épistémologie du faire scientifique des deux propositions, même si elles ont tout à fait différente points théoriques
par rapport à l’immanence méthodologique. La distinction entre l?immanence méthodologique et l?immanence
épistémologique sont prises de la proposé de Beividas (2008): la premiére, elle joue le rôle de séparer ce qui est
de la langue/langage elle-même et ce qui appartient à d’autres domaines de l’humain; la deuxième, elle veille
à ce que tous deux appartenant à la langue, comme ce qui a trait à d’autres domaines de la connaissance, et
de l’expérience humaine à partager le même espace, l’humanité. Dans nos conclusions, nous comprenons que
la façon dont la sémiotique français doivent suivre est: l’immanence à la transcendance; parce que immanence
épistémologique et méthodologique, se bien articulé, à faire la lumière sur les phénomènes qui se répercutent dans
la transcendance du sens