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Sob o olhar do Pharol

Marconi França de Oliveira Chaves

À Josefa França e Benedito Chaves, meus pais.

2015
O manuscrito
“Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que
o temem, sobre os que esperam na sua
misericórdia” (Salmos 33. 18)

São 12h30min de 31 de março de 2012.

É um sábado. Acabo de digitar um velho diário o qual me foi passado com


carinho que logo explicarei em avançadas linhas. Não muito raro, leio um livro em
algum mirante da Capital. Aprecio de monte as belezas da nossa querida capital. E ler
um livro à frente de um deslumbramento, torna-se um deleite. Gosto de escrever, mas
não à pena ou à caneta, já que minha letra não segue a bela forma. Passo tudo no
Word, esse aplicativo que conheço desde as versões na plataforma MS-DOS. A força
motriz do intento dessa escrita foi um encontro que tive no Mirante D. Ranulpho, o
Mirante da Catedral. Foi surpreendente. Lá estavam eles: Flávio Borges e Anne Laura.
Descansei meus olhos no casal de cervizes branquinhas admirando-os. Ele a segurava
gentilmente pelo braço. Eis um gentleman! O dois volta e meia olhavam para cima.
Não entendi o vago gesto. Olhavam entre si e voltavam a olhar ambos para cima.
Quando chegaram próximo do banco de onde eu estava, ouvi as falas sereníssimas e
carregadas de uma nostalgia que não volta mais - Era ali! – disse ele – Nós ficávamos
bem aqui – disse Anne Laura. Nisso olhei para o casal, foi quando Flávio Borges se
aproximou e, pedindo licença, sentou ao meu lado no banco da praça. Apresentamo-
nos um ao outro e ele perguntou - Não estas lendo hoje Braz Cuba? Eu o vi lendo
ontem. Na verdade, eu o vi aqui lendo obras machadianas a semana toda. – Falou o
simpático senhor com um sorriso afável - Eu também os vi – respondi – Eu vi o Senhor
e sua esposa admirando a paisagem - Estamos visitando nossa cidade - disse ele -
Estamos hospedados no apartamento de minha cunhada, que fica perto daqui.
Atualmente, moramos no Rio. Nós não queríamos deixar essa cidade, mas por causa
das circunstâncias de outrora... E... Ponha outrora nisso! Tomamos tal decisão. E hoje o
que lês? Perguntou - Eu estou lendo um conto: “relíquias da casa velha” – respondi –
Ah, disse ele - vejo que gosta do Joaquim Maria. No Rio, moramos perto da Academia
de Letras, a casa dele. Nunca fui convidado a tomar o chá das quintas! – sorrimos
juntos - Faço poesias desde minha juventude e elas começaram aqui em Maceió e o
sopro inspirador foi ela, Anne Laura, junto com esse lugar. Nisso, pediu para aguardar
um pouco e foi até o carro e apanhou uma cópia de um velho calhamaço. Era o diário
feito por ele e Anne Laura. Contou-me que costumavam presentear um exemplar a
quem gostasse das letras. – São nossas memórias – falou em tom nostálgico. Belo
manuscrito - disse eu. Daria um belo conto! - Então faça um conto – discorreu
entusiasmado Flavio Borges – e ponha um toque machadiano! – nisso, fui eu quem
sorriu sozinho. Despedimo-nos. A Senhora Anne Laura virando-se me disse: Caiam
tardes poéticas, Marconi! Eu sem entender lhe disse: boa tarde! E antes deles
entrarem no carro, fizeram o mesmo gesto da semana toda: olharam para cima. Flávio
Borges ainda apontou ao alto em direção ao céu azul. Eu não entendia até então o
significado disso. Alguns meses depois, resolvi ler todo o velho manuscrito, o diário
deles, e o transformei no conto. E hoje, trinta e um de março, terminei de digitar a
ultima página. E estou encantado! Maravilhado! Agora... Eu... Entendo... Tudo!
Os dois e o Pharol

O farol por trás da Igreja da Catedral na década de 1940


17h45min do dia 27 de maio de 1948

P
ela aprovação de Deus, uma folha cai em curvas suaves diante do
olhar disperso de Flávio Borges. A folha plana lentamente e cai ao
chão. Momentos após, seus olhos miram ladeira abaixo em busca de
uma silhueta feminina, que também, em suaves curvas, sobe delicadamente pela
calçada. Mostrava-se serena, andar elegante que logo esboçou um sorriso ajeitando os
cabelos. Encontraram-se nos olhares. Religiosamente, os caminhos de Anne Laura e
Flávio Borges se confluíam vespertinamente sob o majestoso olhar do farol da ladeira
da Catedral e sob a aprovação de Deus.

Há, leitores amigos, melhores olhares do que estes: De Deus, do Farol e dos
enamorados? Sei que dirão: E os olhares das mães? Mas para essa circunstância, os
olhares das mães de Flávio e Anne, especificamente, seriam severos; no mínimo
receosos. Não seriam aqui oportunos; não em tal encontro. A paisagem era linda junto
com os casais de enamorados que se deliciavam no Mirante do Farol. Mas o nosso foco
é exclusivo. O casal aprovado por Deus: Anne Laura e Flávio Borges. Ela o saúda –
Caiam tardes poéticas, Flávio Borges – De vespertinas poesias, Anne Laura - Ele
segurando nas mãos de Anne a levou próximo ao Farol - Querida Anne, estás linda tal
qual esse cair de tarde! E sempre pontual – elogiou Flávio Borges – desci do bonde na
Rua do Comércio e o relógio oficial marcava 17h40min, quando surgi uma
oportunidade, sempre passo pelo Centro e hoje, só posso ficar ate às 19h – discorreu
ainda um pouco ofegante Anne Laura. Flávio soprando em sua testa... - Estava olhando
o mar e agora navego pela emoção quando te vejo – ah Flávio... Sempre poeta! Será
que sempre vai ser assim? – sempre! Até ao último brilho do teu olhar, quando a
desejada chegar – não quero que a canse, Anne, mas teu olhar me põe em transe –
somos jovens demais, Flávio; tu falas tão sério... Ahh Anne, tua voz emite ternura em
estéreo... Nisso a brisa que sopra do Mar da Avenida maneou os cabelos longos de
Anne Laura, talvez fosse soprado pela boca de um anjo para dar melhor deslumbre a
cena! E o Farol começou a girar seus potentes holofotes transformando a cena num
espetáculo ao ar livre. Já era hora de um beijo! Os dois enamorados inclinado (ele mais
do que ela ) atingem o clímax dos enamorados: o beijo com seus estalos e sussurros!
Sinta e veja a cena leitora amiga: folhas de outono caindo, passarinhos pousando nos
galhos, as cigarras cantando em busca de acasalamento... É a natureza em volta dando
um toque divino. Vamos deixar por um pouco Anne e Flávio, pois agora não há mais
diálogos entre eles. Ambos falam agora tão baixinho, os burburinhos de namorados,
que não os escuto mais. Eu lendo o manuscrito dos dois, o diário, imagino que foi
assim... Não sei. Eu não estava lá, amigos leitores. Flávio Borges, por propósitos seu,
não detalhou em demasia. Deixou os detalhes do desenrolar dos beijos, abraços,
carinhos ao bel prazer de quem os lesse. Pois todos nós temos natos os impulsos dos
enamorados! Mesmo que cada qual com o seu. Os maestros, por mais que se
esforcem, não conseguem exprimir o tanto de sentimento que propuseram Johann
Sebastian Bach ou Heitor Villa Lobos em seus Opus, mesmo com todas as notações
musicais existentes. Assim também são nas letras. As pontuações não exprimem tudo
que o poeta ou autor intenta. Embora chegue bem perto. E bem perto estão Flávio
Borges e Anne desejando que tal momento demorasse mais e mais. Só que os dois
foram interrompidos pelos sinos da Catedral que badalavam para missa das 19h –
vamos indo, não posso mais demorar – vou com você até o bonde – os dois desceram
a ladeira do farol que hoje é a ladeira da Catedral, passaram pela oponente lateral da
Catedral Metropolitana de Maceió, era a Igreja onde Anne congregava com seus pais,
seguiram pela calçada adentrando à direita, passando pelos correios seguindo à Rua
do Sol. Assim que passaram pela Igreja do Rosário, Flávio comentou - ainda vou colocar
sinais nessas facheadas do Centro simbolizando nosso amor – Deixa de exagero, Flávio.
Anne estava apreensiva... Anne Laura Tinha 17 anos apenas. Flávio 18. Jovens demais
para estarem nas ruas dos idos de 1948, numa época que se estimava princípios. E
algumas famílias à porta na calçada, conheciam os pais de Anne – olha o bonde vem
vindo, vou pedir que pare – vendo o braço gesticulado de Flávio Borges, o condutor do
bonde elétrico, que acabara de passar pela Rua do Apolo na praça dos martírios,
parou-o bem devagar. Flávio ajudou Anne Laura a subir no bonde que logo partiu em
direção a ladeira do Brito – Até a próxima tarde poética, Anne, vemo-nos em breve –
Sim, Flávio! Até a nossa próxima vespertina poesia! Eu o amo! Era costume deles
trocarem afetos de palavras e gestos sempre em despedidas, como que aproveitando
cada instante até os últimos. Ela na fileira de trás, em pé no bonde, olhando seu herói
se distanciar cada vez mais e ele correndo a ladeira do acima, passando pelo Instituto
Histórico e chegando ao pé da ladeira Ambrósio Lira, era até onde seu fôlego ia,
proclamava - Eu também te amo Anne Laura! E apontava os feixes de luz dos holofotes
do Farol circuncidando o estrelado céu de começo de noite em Maceió.
O jovem enamorado voltava feliz pelo desejo de rapaz saciado nos idos
1948. Viu Maria da Conceição sentada na calçada na ladeira do Brito no mesmo canto
de sempre, pedindo o cotidiano auxílio. Deu CR$ 2,00 (dois cruzeiros). Ela o agradeceu
– Deus lhe pague Professor Flavinho! E este lhe aconselha: - já é começo de noite,
dona Conceição, já é hora de ir para casa. Dona Conceição sempre chegava à ladeira
do Brito pela manhã e passa o dia todo fazendo sua atividade de pedinte. Mora no
bairro da Levada próximo ao mercado central. Seu marido é pescador da límpida lagoa
Mundaú, que em 1947, suas águas chegavam bem perto do mercado e da linha do
trem e dava até para tirar o sururu com o nível de suas salobras águas no meio da
canela. Dona Conceição se acordava bem cedo. Esperava seu marido chegar da pesca
lagunar. Preparava o café, saindo após para seu serviço de mendicância. Passava pela
rua das cacimbas, atravessava a Rua Ceará, percorria grande parte da rua santo
Antônio. Vez ou outra, ela ia visitar sua tia velha lá na rua do sopapo. Dona Conceição
sempre passava pelo mercado central desejando adquirir os legumes, frutas e carnes
expostos á venda no mercado. Tinha um propósito de por uma banca para vender
sururu que seu marido pescava. Mas para isso, precisava comprar o ponto e uma
banca, que por ocasião, ainda estava longe de seu alcance. Dependendo do
dinheirinho levantado da mendicância, fazia a sua feirinha. O sururu pescado pelo
marido era só para o sustento da família e o que sobrava, ela vendia a porta de casa.
Dona Conceição adentra a rua das árvores e a percorre até a rua do sol, tomando á
direita quando chega à ladeira do brito, local de sua atividade de mendicância diária.
Flávio Borges a via quando ele passava pela ladeira do brito em direção ao colégio
Santíssimo Sacramento, onde Anne Laura concluía o segundo ciclo e lá mesmo
estagiava como professora do ginásio. Foi num dia, depois do habitual auxílio, que os
dois se conheceram formalmente se tornando amigos. Dona Conceição perguntou a
Flavio quando seria o novo recital de poesias lá na Praça Deodoro.
- A senhora gosta de poesias?
- sim! Meu pai foi repentista lá nas Palmeiras dos índios.
- deixe-me ver alguns poemas teus.
- não seio ler, Professor Flavinho.
- ah! Não se preocupe; se a senhora quiser, apareça lá na venda de dona
Eulália, fica em frente à Praça Emílio de Maia. Eu e meus amigos damos aulas iniciais
de Português, Matemática entre outras matérias lá mesmo na Praça entre os belos
jardins.
Começou daí uma parceria na construção de alguns poemas, crônicas de
Flávio. Não digo a vocês que me lêem que os poemas e as crônicas eram tecidos a
quatro mãos. Não. Pois Conceição nem sabia o Bê a Bá. A sacada de Flávio foi avistar
em Conceição uma prendada contadora de histórias, pois fora criada no recinto de
repentistas. Ela tinha um dom de criar estórias de cabeça. Se eram histórias com H ou
E, não se fazia importância. Mas que da contadora de história Conceição dê subsídios
para Flávio. Ela era uma observadora em tanto. Mas é claro! Ela assistia as cenas
sociais da sociedade maceioense da época. Via quando o Dr. Funalo de Tal entrava no
barzinho da esquina e saia a todo trôpego. Via quando seu Joãozinho subia pelo bonde
à ladeira de manhãzinha com dona mariazinha e descia à tardinha com dona
marianinha. Havia um cidadão de seus 40 e poucos anos, meio calvo, de óculos que
morava próximo de lá. Tinha já morado no Rio. Ele era galanteador e se gabava de ter
conhecido os vultos da Literatura na época como Rachel de Queiroz, Clarice Lispector,
Jose Lins do Rego e o nosso Graciliano Ramos. Dizia ele que tivera até um pequeno
flerte com Clarice. Ela ouvia isso de um bar na esquina da Rua do Sol, quando ela ia
pedir água. Marconi era o nome dele. Estudara Economia no Rio e de lá também tinha
concluído o curso de Letras. Ele ensinava Literatura no Colégio Estadual. Vez por outra,
Marconi colaborava com a turma de Flávio, dando aulas na nossa Escola no mercado
central. Passava por Conceição também o professor Diógenes, indo à missa da Igreja
do Rosário. A Dona Marise, Irmã do Marconi, moradora da ladeira transversal a da
ladeira do Brito, a qual, às vezes, dava um auxílio à dona Conceição. A menina moça
que tomava o bonde cedinho para ir ao Colégio Bom Conselho em Bebedouro,
sonhando que a UFAL fosse implantada logo, para não ter que fazer seu curso
universitário no Rio. O Raimundo, morador de um sítio próximo à Igreja de Santa
Terezinha, passava todos os dias bem cedinho para sua corrida na Praia da Avenida.
Vez por outra, Marconi o acompanhava nas corridas na praia da Avenida. Eram tempos
fraternos no qual as pessoas bem mais se conheciam, mesmo que só um olá, um como
vai, um aceno de cabeça. E não faltavam personagens pelos atentos e fecundos olhos
de dona conceição. Dona conceição não queria ser fofoqueira. As cenas é que saltavam
a ela! Não tinha como fechar os olhos. Se assim fizesse, poderia perde a esmola... Mas
o fato é que Conceição observava as ocorrências e as processam como história de
cordel, acrescentando algo ali; tirando um por menor aqui e assim descrevia para seu
comparsa de literatura Flávio Borges que datilografava adaptando, enxugando para só
sair o necessário para tecer suas crônicas mudando os nomes, mudando alguns itens,
para não evidenciar por demasia os personagens reais ( como a cerveja por água ) que
eram lidos nas já famosas crônicas do Borges que ele publicava no Jornal local. E
algumas dessas crônicas eram os causos de Dona Conceição já adaptados. Um amigo
de Flávio era chefe do Jornal e sabendo do talento do amigo, publicava suas crônicas e
poesias. Conceição foi de resoluto estudar com a turma de Flávio. Era a primeira a
chegar à “sala” ao ar livre improvisada nos jardins da Praça Emilio de Maia mercado
central de Maceió. Um dia, Flávio recebeu a paga por ter um coração voluntarioso de
compaixão pelo próximo. Conceição, dessa vez, não mais citou de boca como de
costume seus causos para Flávio; ela mesma escreveu num bloco de papel entregando-
o para as devidas correções e adaptações. Para Flávio, isso é de uma verdadeira
cotação vultosa!
Flávio, após ter deixado Anne Laura no bonde, adentra no Beco São Jose,
entra à direita na rua do comércio e ainda encontra o bar de Seu Miguel aberto que
fica na esquina da rua das árvores com a rua do comércio. Pede um caldo de cana e
segue pela rua das árvores. Passando na loja Cometa, loja de disco de cera de 78 RPM,
encontra seu intelectual amigo Carlinhos. Falam rapidamente sobre a próxima reunião
da confraria que se reuniam à sobra do Relógio do Mercado. Eram em torno de cinco,
oito amigos que se encontravam para falar sobre política, futebol, poesias, tocar
violão, comentar novidades da Capital e apreciar as mulheres. Lutavam por uma
Maceió com água encanada, com rádio difusão e mais lugares de lazer. De lá, Flávio
tomava inspiração para escrever suas crônicas, retratando as pitorescas personagens
da cidade. Um cronista tem que está perto do cotidiano. Sua mente adubada
fertilizava as cenas sociais. Com paciência, vai montando, podando e até mesmo
truncando fatos sociais, dando a luz às suas já famosas crônicas borgianas. Uma
hilariante crônica sua foi sobre dois amigos que trabalhavam nos Correios. Eram o
Toinho e o mulato Jorge. Ambos eram torcedores respectivamente do CSA e do CRB.
Flávio os via discutindo sobre futebol, quando juntos iam para o trabalho. O Toinho
discutia tão alto que até sobrepujava os alaridos da feira do mercado. Não tinha como
deixar de prestar atenção neles. Mas tudo numa boa gozação! Apostavam bebidas e na
semana seguinte ao jogo quem perdesse pagava a birita. Um dos bares onde bebiam
era o bar do peladinho logo na esquina. O bar ficava lotado de torcedores marujos e
argonautas numa fraternidade só! Nos dias de jogo, a rua Siqueira Campos se
transformava na bandeira de Alagoas: de um lado tudo azul, do outro lado tudo
encarnado. Outro que passa constantemente pela turma de Flávio era um carteiro
emblemático com nome pomposo de Estandislau, apesar de ser conhecido por Pareia.
Como ele era divertido! Entregava as cartas pelo centro da cidade, incluindo a região
do mercado. De andar trôpego, parecia o ator comediante Jerry Lewis. Usava um
bigodinho e se gabava em saber todas as ruas de Maceió. Quando lhe perguntava por
uma rua, ele fazia questão de dizer além dessa as transversais e paralelas, só para
mostrar seu conhecimento prodigioso de carteiro. Chegava ao cúmulo de ainda
proferir as numerações das residências de toda rua e dizer os moradores das casas! E
haja paciência para quem perguntou! Diziam até que ele constantemente tropeçava
pelo caminho. As crônicas de Flávio Borges também eram sérias, com teor
socioecológico. Embutia nas crônicas cidadania no seu sentido mais amplo possível,
esforçando-se por uma cidade mais civilizada, mais cidadã.
Rogo-te por escusado, amigos leitores, por não ter situado em detalhes à
época em que se passa o romance de Borges e Laura. Ficam um tanto estranhos aos
seus olhos tais escritos. Baseei-me no manuscrito deles. Então, situemo-nos no palco.
Onde tudo ocorre

Maceió no final da década de 40. Rua do comércio. E o bonde passando...


Maceió tinha quase 150.000 habitantes no final da década de 40. O
presidente da República era o General Eurico Gaspar Dutra. Mas a era Vargas
mantinha ainda influencia nos Governadores dos Estados. O Prefeito era Eustáquio
Gomes de Melo. O governador era Silvestre Péricles. Era um governo arbitrário.
Silvestre Péricles foi repreensivo. Ele prendia quem falassem mal de seu mandato.
Muitos estudantes, jornalistas e políticos foram presos no seu governo. Carlinhos, que
era um da confraria de Borges, fora preso algumas vezes. Tinha idéias socialistas
demais para o gosto da direita. Era subversivo, e sua intelectualidade incomodava as
autoridades da época. O Papa era Pio XII. E uma boa diversão entre os maceioenses
eram os filmes em cartaz no Cine arte da rua do comércio. No rádio ouviam-se a
inigualável voz de Orlando Silva, o timbre do seresteiro Silvio Caldas, a diva Dalva de
Oliveira e o som da sanfona branca de Luiz Gonzaga.
Flávio Borges e Anne Laura viveram na Maceió dos bondes que era o único
meio de transporte regular da época, servindo a vários bairros. Os bondes passavam
pelo Farol, Trapiche, Jaraguá, Centro e Bebedouro. Os bondes dividiam com os carros,
que eram poucos, as ruas do comércio, Livramento, Apolo e outras. Ficar na calçada
era costume dessa nostálgica época, adentrando as profundas horas da noite, com o
cantar dos grilos, sentindo o sereno que era aquentado pela confraternização das
famílias e entre vizinhos. Eram tempos românticos que não poderia deixar de retratar
aqueles ternos, ingênuos amassos no portal! Durante as festas juninas, bairros como o
Prado, Trapiche, Bebedouro e Fernão Velho eram tomados pela fumaça das fogueiras
de São João. Pulavam fogueiras, escreviam o nome da amada ou do amado na
bananeira e até descalço, andavam sobre as brasas! E o arrocha pé fazia subir a poeira
ao som da zabumba, triângulo e sanfona! No bairro de Bebedouro morava dona Eulália
- a amiga da turma de Flávio lá na feira - ela organizava as festas juninas e natalícias.
Com a ajuda da Prefeitura e de moradores do bairro, Eulália promovia os festejos. O
Folclore alagoano é rico em diversidades de folguedos. E dentre estes, os mais
conhecidos são o Guerreiro e o Pastoril. Ambos eram realizados próximo ao natal e
Eulália sempre convidava a turma de Flávio para participar dessas danças e cantigas. As
pessoas participavam ativamente nos dias dos espetáculos. Como era contagiante a
festa! O pastoril era composto exclusivo de meninas. Umas de azul outras de
encarnado. Agregavam-se ao grupo Anna Laura e a Josefa França sua grande amiga.
Eulália punha cada uma encabeçando os cordões azuis e encarnados. E estes eram
formados pela mestra, a 1ª do encarnado e a 2ª do encarnado. O azul, com a
contramestra, a 1ª do azul e a 2ª do azul. Elas eram as pastorinhas. Entre os dois
cordões como elemento neutro, moderando a exaltação do público que torciam uns pelo
azul e outros pelo encarnado, bailava a Diana, que tinha seu vestido com metade de
ambas as cores. Elas levavam um pandeiro feito de latas, com cabo e sem tampa, ornado
de fitas com cores do cordão a que pertencia. Após o pastoril era a vez da apresentação
do guerreiro. Este tinha trajes mais ricos e de maior número de participantes e era
composto tanto rapazes quanto moças. Essas eram as festanças, que além do pastoril e
guerreiro havia outras: chegança, bomba meu boi, fundango, coco de roda, reisado...
Eram realizadas em todos os bairros da cidade, não havendo apenas pelo natal e sim,
distribuídas ao longo do ano
O ápice dos acontecimentos da Cidade era nas Ruas do Centro de Maceió.
Os bailes eram aos sábado no Clube Felix Alagoano onde havia o banho de mar a
fantasia no carnaval. E quando este chegava, blocos percorriam pela Rua do comércio,
do Apolo, Rua das Árvores, com o centro da cidade todo enfeitado. O centro era
efervescente. E os enfeites de carnaval começavam em frente à Igreja de Santa
Teresinha e seus arredores e abarrotavam todas as ruas do comércio inclusive o
relógio oficial, no cruzamento da Rua do Livramento com a Rua do comércio, que
ficava todo enfeitado. O carnaval da periferia, também, era muito animado. E dos
carnavais populares surgiram bons foliões. O mais famoso deles foi o passista Moleque
namorador que vencera vários certames no clube Felix Alagoano e morto de
tuberculose em 1949. Hoje há uma praça com seu nome.
O balneário mais freqüentado na época de Anne Laura era a praia da Avenida.
Costumavam chegar famílias abastardas com seus carros e os estacionavam junto à
praia. Quem ousasse ir longe, teriam que passar por coqueirais e areias e, a pé,
caminhar até chegar à praia de Ponta Verde. Havia uma igrejinha por lá e umas casas e
outras. O acesso de carro era complicado e só chagava ao Bairro de Pajuçara. Um novo
atrativo da Capital era um coqueiro que se assemelhava ao pescoço de uma Ema. Ficou
conhecido como gogo da ema. Ir à praia da Jatiúca era arriscado, pois havia gados por
lá, e por ser um mar violento, muitos garrotes morriam afogados. Outro bairro era o
de Jaraguá que nessa época fora reduto da boemia. As prostitutas usavam vestidos
longos a lá cabaret francês e ficavam aliciando rapazes nas janelas dos sobrados. E o
bonde ligava seus trilhos entre eles.
Flávio Borges por ele mesmo
Nasci em 10 de março de 1930. Anne Laura nasceu em 11 de março de 1931.
Sempre brinco que a festa de seu aniversário é a cura da ressaca do meu. Falo isso só
aos boêmios amigos meus. Para o pároco e as senhoras dos serenos das calçadas e das
missas de Maceió, digo que a coincidência das datas em seqüência é bíblico: Anne é
minha costela tirada pelo Criador. Fez-me dormir na noite para amanhecer com Ela.
Meu coração pulsa por ela e é dela. A promessa do livro de Gêneses em que o Criador
sentencia em não deixar o homem Flávio Borges sozinho foi realizada na mulher Anne
Laura. Nós nos conhecemos em dezembro de 1945 na missa do galo nas escadarias da
Igreja da Catedral. Eram 23 horas de uma segunda feira véspera de Natal. Foram
sublimes nossas primeiras falas. Mas antes das falas, travo a cena, fazendo uma
descrição como se fosse uma aquarela de Michelangelo. A Praça D. Pedro II em frente
à Catedral efervescia. O caprichado brilho das luminárias evidenciava ainda mais os
adornos de Natal. A Majestosa Igreja estava repleta de fieis; um imenso tapete
vermelho se estendia do começo das escadarias adentrado por todo corredor da
Catedral. E o Pharol circulava suas luzes no céu de Maceió. O cenáculo estava
concluído. Creio que nosso quadro fora pintado por um Arcanjo e circunstanciado por
Deus! Parecia até que tínhamos ensaiado tal enlace enamorado. Creio que a cena teve
a produção divina, com os anjos no cast técnico e Deus na direção geral. Já nos
tínhamos visto antes, mas naquele natal de 45, os sinos badalaram sim! Agora
destravo a cena e sigo em narrativa. Eu, de longe, já a tinha visto, em pé, no pátio após
o último degrau das escadarias. Pus meus pés no primeiro degrau da majestosa
escadaria que leva ao pátio frontal da Catedral. Ergui minha face ao alto. Digo melhor,
à berlinda na qual a deusa era Ella! Subi bem devagar para apreciar tão vislumbraste
cena... Anne estava com um vestido longo Berger! Que bom ainda ter degraus para
imaginá-lo nupcial! Em instantes... O último degrau... Enfim... O limiar do Romance!
Iniciei as falas, homenageando o desejado da casa, pois como Ele falou em Sua missão,
a prioridade é do Reino de Deus!
- Daqui a pouco Ele irá nascer!
- Sim, moço! Abrasam-se nossos corações!
- Você não é a Anne do grupo de jovens?
- Sim. Prazer, Flávio! Sempre te vejo com teus pais aqui. Sabemos dos teus
dotes de poeta e cronista.
- Que nada. Apenas me esforço e ando rabiscando por aí.
- Ah... Tu deves ter muitas fãs...
- É... Até que seja... Mas fã não é o mesmo que uma musa!
- Tu já buscas, Flávio teu porto seguro?
- Não mais... O farol já o sinalizou para mim!
Saímos conversando sem darmos conta pelo amplo corredor ao lado até
chegarmos ao farol. Lá, sob o olhar dele, esgotaram-se as falas. Mas aos olhos de Deus,
turbilhões de palavras estavam por vir... Trajados como prosas e poesias! E nesse
ínterim do tácito ao proclamo, era necessário um lindo desfecho! As palavras eram
distas, agora, nos olhares lânguidos. Olhares sem pressa de nada! A não ser... Pelo
epílogo de um beijo! Assim como na metamorfose da lagarta quando se transforma
em borboleta, foi a passagem da nossa amizade para o enlace dos apaixonados
enamorados. O vôo dos enamorados! Um vôo sem sair do chão! A explosão prazerosa
do nosso primeiro beijo! Atrevemo-nos em beijar no impulso de Deus! Dentro em
poucos... O menino que nasceu em Belém, nascerá reiteradamente para sua Santa
memória eterna! ... Simultaneamente nasceu nossa história... E que seja para sempre
aquela frase: “Até quando Ele quiser”...! A caminho de casa dizia para mim mesmo: -
Ela me ama! Ela me ama! Anne Laura me ama! Caminhei à casa com essas palavras em
pensamento, após a ingrata despedida. Ao poucos as missas tornaram-se escusas para
nossos encontros ao pé do farol. Mas tão certo quanto o ocaso do sol, assim foram
nossos vindouros encontros nas tardezinhas sob o olhar do Pharol e o Santo Olhar de
Deus!
Desde que nasci, moro na Rua do Macena, 420. Da minha casa para meu
Colégio é bem perto. Eu só atravesso a Rua do Apolo. Meu colégio, o Diocesano (Atual
Colégio Marista), ocupa quase todo quarteirão situado na Rua do Apolo e a Rua do
Macena. Somos quatro: minha mãe, meu pai, minha irmã Marise e eu. Mora conosco
uma moça que mamãe trouxe para cuidar de mim e de minha irmã. É a Gerusa. É uma
pretinha que gostava de dançar forró quando ia aos festejos. Cantarolava as músicas
de sucesso enquanto lavava as louças. Gel, como a chamávamos, não tinha dois dentes
superiores da frente e quando sorria, levava à mão a boca. Quando criança, eu ficava a
vendo fazer os bolos e quitutes ouvindo suas histórias do seu tempo de menina na
roça. Minto se digo que não temos recursos. Meu pai é mestre na Fábrica de
tecelagem Carmem em Fernão Velho. E minha mãe possui uma Escola de Datilografia
com suas máquinas Olivetti e Ramington. A casa era um tanto grande. Na entrada
tinha a sala onde ficavam as máquinas de datilografia, depois o meu quarto e de minha
irmã e ao lado o de maus pais. Passávamos um corredor até chegar à copa que dava à
cozinha. O banheiro era o ultimo cômodo. Da copa via-se uma escada com seus
degraus de madeira com corrimão que lavam a um sobrado onde dormia a Gerusa.
Nossa vizinhança mantinha uma familiaridade para conosco. Lembro-me bem da
Creusa. Era bem divertida. Tinha duas filhas mais velha do que eu. Costumávamos ficar
à janela conversando à noite. Lembro-me quando a Guerra de 45 acabou, Creusa me
disse: um feliz mundo de paz para você, Flávio Borges!
Uma persona grata que não sairá nunca de minhas memórias é a Tia Nete!
Tia com T Maiúsculo! Foi morar conosco para ajudar mamãe na escolinha de
datilografia. Era professora do magistério. Fora freira em Salvador nos anos 1920,
deixando o convento no começo dos anos 1960. Não chegou a se casar. Havia um
tenente que lhe paquerava e um dia eu constatei numa procissão da padroeira de Maceió
o tal galanteador. Mas era a vocação de tia Nete ser a beata-mor da Igreja de Santa
Luzia no bairro do Tabuleiro. Ela me levava para assistir as missas nessa Igreja. Não
sou católico, mas tenho um profundo carinho pela Igreja de Santa Luzia. Foi lá que tia
Nete me ensinou o catecismo católico me ensinando o sinal da cruz e preparou-me para
a primeira comunhão em 1938 na Igreja da Catedral. Ela era professora de uma
Escolinha próxima da feirinha do Tabuleiro. Levava-me com ela e eu assistia a suas
aulas de alfabetização. Tia Nete corrigia meus deveres de casa e às vezes me levava e
apanhava na Escola na qual estudava. Quando estávamos andando pela calçada, ela me
dizia: “quando você andar com sua namorada, ela deverá ficar no canto da parede.
Sempre a proteja!”, mas por hora ela era que me protegia, pondo-me no canto direito da
calçada. Saudades, tia Nete. Quantas saudades! Ela nos deixou ainda nova em 1943
acometida pela doença do século que não quero relatar nem me lembrar de sua
aparência debilitada. Ela sempre estava presente nos ajudando. Quando fiz operação de
fimose com oito anos, na Santa Casa de Misericórdia, a primeira imagem que vi quando
abri os olhos foi o símbolo do Espírito Santo na volta no pescoço. Tenho convicta
certeza que o Espírito Santo está com ela agora. Tia Nete era uma santa!!! Em 1947, fui
à Igreja de Santa Luzia junto com Anne para recordações. Fui surpreendido por uma
amida da família que auxilia na Igreja – o que tia Nete fazia – Ela se aproximou
perguntando: “você não é o Flavinho o sobrinho da Marinete?” eu me desmanchei.
Pedi licença e saí. Mas quero lembrar-se dela dos momentos de alegria. Ela tem sim
tudo a ver, leitora amiga, com minha formação, pois participou contribuindo e muito
para o meu aprendizado.
Tenho aptidão por restauração de fachadas. Aprendi esse ofício com meu tio
Sulino. Nós fazíamos e reparávamos fachadas. Meu tio era um exímio mestre de obras
e restaurador. Aprendera os ofícios no Rio de Janeiro a Capital do País. Sempre
tínhamos serviços. Fazíamos reparos nos forros e fachadas das Igrejas e lojas do
Centro. Por ser mais leve do que ele, eu era que ia aos cantos mais difíceis, com a
orientação dele.
Outra aptidão minha é a poesia! Com meus amigos, fizemos uma confraria e
quando nos encontrávamos, destacávamo-nos naquilo que fazíamos melhor. Eu era a
poesia. Carlinhos a política. Israel a filosofia esotérica. Reuníamo-nos à sombra do
Relógio do Mercado próximo a Praça Emilio Maia. No Mercado, encontrava-me, às
vezes, com Anne Laura fazendo compras com sua mãe nas organizadas e requintadas
quitandas. A dona de uma das quitandas era Dona Eulália. Esta foi à verdadeira
cúmplice do nosso enlace. Eu sempre contemplei o afeto de Dona Eulália por Anne
Laura. Tinha já trabalhado na casa de Anne e a viu nascer. Sempre, quando nos viam
juntos, abençoava-nos expressando uma divina emoção. Dona Albertina, mãe de
Anne, quando ia ao Mercado, dava preferência à barraca de Dona Eulália. Ela era nossa
amiga em comum. Em época de chuvas, meus amigos e eu fazíamos a confraria em sua
barraca.
Nunca esqueci o dia 22 de janeiro de 1948. Era uma quinta feira. Tinha
comprado um biotônico Fontoura na drogaria Globo na Rua do Comércio. Eu tinha
preferência por essa phamácia, pois apreciava a ferradura na sua fachada feita por
meu tio Sulino e eu como ajudante. Apanhei o bonde em frente ao cine arte e quando
passava pela Praça Rosa da Fonseca – em frente à Igreja do Livramento - deparei com
Carlinhos fazendo um discurso sobre a poluição do riacho salgadinho, as articulações
da classe política para a volta do ditador Getúlio, pois é um absurdo, dizia ele, que a
população alagoana admita um ditador que encarcerou nosso querido Graciliano
Ramos... Saltei do bonde e tentei persuadi-lo a parar com o discurso. Ele relutava e
voltava a se referir sobre a poluição da Praia da Avenida. Dizia que a linda Praia da
Avenida tornar-se-ia imprópria para banho. (ele estava à frente do seu tempo). Puxei-o
pelo braço. Não queria vê-lo novamente na prisão. Ele era um ano mais velho do que
eu. Já havia um aglomerado de gente. Por ser um “agitador” conhecido, policiais
aproximaram de nós. Corremos em direção à Praça Monte Pio dos Artistas. Seguimos
em direção à Estação Ferroviária. Passamos ao lado do Hotel Bela Vista. Passamos pelo
bar do relógio e entramos à direita à Rua Pedro Monteiro e paramos em frente à
futura instalação da Rádio Difusora. Olhamos para trás e não vimos mais a polícia.
Escapamos por pouco. Fomos ao Mercado e ficamos escondidos na quitanda de Dona
Eulália – Essa turma do Flavinho não tem jeito – Dizia ela. E continuava – Vão recitar
poesias! Esqueçam a política.
Nos anos 1940, o palco da badalação, dos recitais, das serestas, era a Praça
Marechal Deodoro. O coração cultural de Maceió. Os alunos dos Colégios Diocesanos,
Sacramento, São Jose e Estadual, se encontravam na Praça em busca de diversão,
flertes, bate papos e passatempos. As meninas desfilavam sempre em bandos para os
deleites dos rapazes sentados nos bancos da Praça. Oh! Outrora época, refreios nas
comedidas paqueras. O glamour era vibrante! Uma garota que fazia sucesso pela sua
beleza era a Priscila; nós a chamávamos apenas de Pri. Gostava de tirar fotos no
lambe-lambe as mostrando as amigas. Priscila insistia com o moço do lambe-lambe
para ele tirar foto dela dentro do Cine-arte. O porteiro do cinema não deixava. Ela era
de vanguarda. Um selfie de lambe-lambe! Tudo de novidade que surgia no Rio, como
os artistas, os filmes, os bastidores de Hollywood, ela nos fazia conhecer. Havia um
coreto na Praça onde eu e outros poetas recitavam poesias. Recitávamo-nos com vista
para o Teatro Deodoro. Foi então que me veio à idéia de por um anjo tocando harpa
no cimo do Tetro Deodoro. Tio Sulino, e a prefeitura, acolheram a idéia. Vez por outra,
havia concursos de poesias. Não tinham vencedores. As mais aplaudidas eram
publicadas nos jornais de circulação da época. Era uma festa a Praça Deodoro. Todas
as árvores da praça estavam repletas de rabiscos dos enamorados. Não havia
tatuagem nas nossas peles, mas tão somente nos caules das árvores. Lá próximo havia
o bar do Doda. Ele tinha à aparência de um frade com coroinha à mostra. Era de um
coração bondoso. Seus freqüentadores eram figuras pitorescas: O Rubens do desértico
bairro da Pitanguinha, contando suas piadas uma após outra, o “índio” que após
tomar uma e outras cantava e chorava pela amada perdida e o mais emblemático era o
“Seu” Dêncio que tinha seus 70 anos e sempre levava uma misteriosa sacola na mão.
Parava em todos os bares do Centro de Maceió. E já embriagado, no bar do Doda,
dizia – Flavinho, eles querem acabar com o planeta! O homem está destruindo as
matas... Você não está entendendo?...Querem destruir o planeta... Entenda... Não
adiantava dialogar com ele. Só ele falava. Era muito divertido. À noite, as luzes da
Praça davam um glamour ímpar para o show não parar, dando vez às serenatas. E nas
noites dos finais de semana, o show se transferia para o palco do Teatro Deodoro.
Maceió esbanjava cultura. Dava até vontade de madrugar na Praça Deodoro, mas
tínhamos que tomar o último bonde...
Em 14 de maio de 1948, numa quinta feira, a convite da madre sacramentina
Celina, um grupo de rapazes do Diocesano foi recitar poesias e cantar no auditório do
colégio Sacramento. O colégio de Anne Laura. E lá estava eu. Comecei com as poesias
do Bilac e depois do Fernando Pessoa. Entre as poesias desses vultos, eu encaixava
humildemente as minhas. Anne com suas amigas Vânia, Ivonete e a Josefa França, no
final da apresentação, subiam no palco do auditório e todos juntos catávamos uma
canção cantada pelos estudantes da época. Era assim:

“A gente vai quem nem sardinha;


O bonde descia;
O bonde subia; REFRÃO
No bagageiro ia o pai do Zacarias;
Estou cansado de esperar;
E o bonde nada de chegar;
Quando chega ai meu Deus que dor;
É tanta gente que faz horror.”

Terminada as cantorias e poesias, íamos passear no Centro: Anne, Ivonete,


Vânia, Josefa França e eu. Entravamos na casa Paris, livraria Castro Alves na Rua
primeiro de março (atual Moreira Lima), na Casa das Esmeraldas, Casa Ramalho
fundada por Manoel Joaquim Ramalho que era badalada pela nata maceioense. Era
também uma editora, eu publiquei meu primeiro livro de poesias lá. Na Rua do
Comércio os estudantes freqüentavam muito a Livraria José de Alencar, cujo dono era
o senhor Enéas. Terminávamos nossos passeios no bonde cantando a canção do
auditório. A Josefa França era a que cantava com maior entusiasmo e muito feliz por
está apaixonada pelo meu amigo Benedito Chaves. Descíamos do bonde para nos
deleitarmos numa bela Praça de Maceió. Praças bem arborizadas com suas árvores de
belos contornos... Verdadeiras obras de arte, podadas pelo jardineiro Gino e pelo seu
escudeiro Clemilton. Parecia até que estávamos em uma cidade da Europa, tal o
vistoso zelo das Praças maceioenses. A minha praça preferida era a Praça Marechal
Deodoro. Já Anne Laura apreciava mais a Praça do Centenário que tinha a estátua da
liberdade e um lago ao redor dela. A Josefa França amava trafegar pelo jardim da Praça
D. Pedro II. Gostávamos também de trafegar na Rua das Árvores; cada um de nós
tínhamos uma árvore de estimação e até dávamos nomes a elas. Adentrávamos nas
Ruas do Centro de Maceió, apreciando as obras de arte dos frontispícios das lojas.
Quando saíamos cedo dos nossos respectivos Colégios, pegávamos o bonde no
Comercio e íamos até os extremos do trajeto. Íamos até o bairro do Trapiche e
voltávamos no mesmo bonde passando pelo bairro do Jaraguá com destino ao deserto
e paradisíaco bairro de Pajuçara. E antes de chegarmos nesses bairros, era uma delícia
quando passávamos pela Avenida da Paz, sentindo a brisa do mar da praia da Avenida.
E divertido mesmo era quando passávamos na arqueada ponte dos Fonsecas – onde
passava antes o riacho Massayo, atual riacho salgadinho - Levantávamos nossos braços
como se estivéssemos num tobogã ou numa montanha russa. Por ser aberto nos
lados, era prazeroso o vento adentrando a nós passageiros, sentados nos bancos de
madeira. Escolhíamos os horários intermediários, pois nos horários de pico, os bondes
eram abarrotados de passageiros e muitos ficavam pendurados. Alguns eram
biguzeiros que pulavam para não pagar ao boleeiro (cobrador). O condutor era
chamado de motorneiro e o mais conhecido dos estudantes na época era o seu Juca
que fazia a linha centro ao bairro de Jaraguá. Seu Juca nos conhecia de nome de tanto
andarmos no seu bonde. Tinha vez que ficávamos somente nós junto com seu Juca e o
boleeiro até o recolhimento do bonde, o ponto final na CFLNB – Leia-se CÊFÊLÊNÊBÊ -
COMPANHIA FORÇA E LUZ NORDESTE DO BRASIL, era a garagem dos bondes. A
Companhia não existe mais. Foi-se junto com as lojas citadas, as fachadas, as lindas
Praças arborizadas, a canção dos estudantes e os bondes.

rua do sol em 1948. E o bonde passando...

Rua das Árvores


TU ÉS...
TU DIZES...
TU ENSINAS...
TU AMAS...
TU ITENS...
“Tu águas a flor do saber?”

Há um item na qual não posso deixar de discorrer. Esse item já se foi e não
volta mais. Era a escola que Flávio e seus confrades fizeram ao ar livre próximo a
lojinha de frutas e hortaliças de dona Eulália. Uma escola dentro da Praça Emilio de
Maia. A semelhança da Escola Pitagórica, por ser ao ar livre. Era a CentralGórica, uma
alusão ao nome da Escola do sábio matemático grego. Uma Escola voltada às pessoas
carentes que não tinham mais como estudar nem pagar. Um peculiar detalhe da Escola
era a inusitada maneira de fazer os intervalos entre uma aula e outra. O trem era a
sirene! A linha do trem atravessa o Mercado de Maceió, como faz até hoje. Ficou
acordado que de um trem a outro era a duração da aula. Com exceção do Damião
Augusto e o Marconi, que eram já formados, todos os outros só tinham o segundo
ciclo. As aulas eram pela manhã no sábado e no domingo. Mas, devido aos fazeres de
cada um, não necessariamente em todos os finais de semana. O objetivo era passar,
pelo menos o mínimo, noções do saber a aquelas sedentas almas. Os discentes eram
jovens e adultos. Havia uma gama de disciplina além da Matemática e do Português.
Os colaboradores, junto com os alunos, sabiam que com uma comum grata satisfação,
cominariam num aprendizado eficaz! Por isso o clima da CentralGórica, de nenhum
custo aos alunos, era tão caloroso e amável. Obedeciam a ordem divina do Mestre:
amar o próximo! Eles exalavam a caridade, da qual Madre Tereza de Calcutá exerceu
tão bem e a definiu como o amor em movimento! Sei que o tema principal do diário
deles foi fichar trechos de uma história de amor! Mas que tal fazermos um parêntese e
xeretarmos tal escola? Anne Laura postou... Digo catalogou (é vício meu lá do face) as
histórias da tão comentada na época da CentralGórica, tanto dos seus colaboradores
professores, como dos animados alunos. O modo como Anne registrava, era como que
tweetando, ou blogando, uma mera coincidente semelhança aos nossos dias. Eu
granjeei alguns fatos relatados por ela e teci ao conto. Percebi que no diário deles,
Anne freqüentemente se dirigia às pessoas utilizando-se do pronome pessoal tu. Anne
abusava desse pronome de segunda pessoa. Seus pensamentos, reflexivos com ela
mesma, discorriam naqueles tus + verbos. Então vamos passear pela gramática desse
capítulo.
O pronome pessoal de segunda pessoa TU, não é muito de uso no Português.
Já o pronome de tratamento VOCÊ é sim de tamanha difusão entre nós. O pronome
Você que foi aglutinado do também pronome de tratamento VOSSA MERCÊ, alcançou
popularidade no uso cotidiano. Vi que Anne Laura tinha pelo pronome Tu preferência
e se referia a determinado episódio tendo como sujeito em seus escritos o tal
pronome. Por isso, denominei o capítulo com esse pronome.
Anne catalogava no diário os acontecimentos escrevendo, como já disse, em
segunda pessoa. Esforcei-me em não macular e, na medida do possível, tecer aqui no
conto a íntegra de suas explanações. E das rotas páginas do diário depreendem-se suas
falas grafadas em letras garrafais. Dizia ela no diário que em certas ocasiões, registrava
sobre as linhas do diário seus pensamentos reflexivos a Flávio ou, a outro receptor,
mesmo este ou aquele estando a sua destra. Vejo uma semelhança as dos jovens de
hoje, comunicando-se em seus smartphones, mesmo estando um ao lado do outro.
Anotava tudo que via, principalmente os sublimes momentos com seu amado. Um
blog de então de Anne Laura. Vejo também uma semelhança com o twitter, esse
badalado mini blog de hoje em dia. Por isso, dei um toque especial, sempre
começando suas reflexões com um @, a semelhança do famoso resumido blog. Eis as

segundas pessoas do twitter, ou melhor, do diário de Anne ................@


Sábado, 08h30min de 1946... Flávio, tu és nobre em dar a mão a essa gente tão
carente... Nossos bravos colaboradores, de prontidão acataram tua idéia inspiradora.
Tu dizes que ainda é pouco, mas já vislumbramos teus frutos... @ Tu Carlinhos ministra
Política; és corajoso, nesses dias tão conturbados, falar sobre tais assuntos espinhosos.
09h45min... @ Israel, tu nos destrinchas as ciências exatas e vez por outra o
esoterismo, mas lembres-te: é por conta tua... @Domingo 08h40min de 1946... Dona
Adalgisa, tu deixas até a missa, mas não negligencia à nossa Escola. Teu sobrinho,
Flávio tem imenso orgulho de ti! Tu segues os cânones da Igreja Católica. Às
jovenzinhas, doutrinas e às senhoras, aconselhas. Só falta tu vires dar a hóstia....... @
Oh minha querida Josefa França, tu nos contribui com as aulas de Português. Tu és um
dicionário vivo dessa nossa Língua tão complexa. As regas do uso do SS, SC, X, Ç... Eu
mesma recorro a ti sobre a correta grafia de uma palavra, quanto tu estás perto. A
lição, tu passas com tão desenvoltura e candice, cativando nossos alunos e a nós.
Voluntariosamente tu vens a nós, alternando com tua obrigação do ensino do
magistério na cidade do Pilar. Teu bondoso, afável, cordial noivo sugeriu aos discentes
uma forma lúdica de memorizar usando a música. Assim como eu e Flávio, tu nasceste
para ele e ele a ti. Deus abençoe teus futuros filhos!......@ E que seria de nós sem ti,
nosso espetacular Rubião Augusto! Teu jeito impar de impactar os alunos andando
entre eles, cantando, gesticulando... É o único pós graduado de nós! Sempre tu os
encorajas a falar, escrever... A produzir textos. É um educador coringa, o coordenador
da Escola e ainda ensinava Português, poesias, gêneros literários... E até psicologia,
quando afirmas que o corpo fala!...@ E tu, Marconi... Eu e Flávio não perdemos tuas
aulas. É empolgante. Por ter tido contato com os Escritores lá no Rio, tu fazes com
chancela tuas aulas de Literatura. Tu atuas como um ator num palco. Os alunos e,
todos nós, adentramos nos contos, crônicas, romances, poemas que tu discorres. É
peculiar a didática tua. Era sabido que no Colégio Estadual, onde também tu ensinas,
tu imergias teus alunos em cada Movimento Literário no qual ministrava. Tu passas,
como atividades para solidificar o aprendizado, atividades para teus alunos escreverem
textos com características dos Movimentos Literários. Assim, teus alunos estavam, de
tempos em tempos, românticos, parnasianos, simbolistas, modernistas, tanto na
poesia como na prosa. Que bom que tu fazes isso também na nossa Escola. Tu tens
jeito pra coisa sim! Quando tu te empolgavas, relatava, quando criança lá pelos anos
1907 no Rio, que tua mãe te levava com freqüência a uma praça onde, vez por outra,
um velho intelectual barbudo que gaguejava com as palavras, brincava com dengo de
avô contigo. Esse Senhor nunca teve filho. Junto com ele, estava sempre presente a
inseparável esposa. Marconi, tu nunca dizes o nome do intelectual, apenas tu deixas
pistas, estas vinham das mais belas páginas da Literatura Portuguesa que algum ser
poderia escrever! E quem insistisse em saber quem era, tu ficavas bem casmurro!!... @
Mas nada é melhor do que te ver ensinando, querido Flávio! Tão jovem e tão
prestativo. As produções de textos saem fáceis de teu quadro negro. Tu arquitetas
versos e orações curtas juntos com os alunos. Cada um dá um palpite, tu dás as dicas e
logo se forma um poema, um texto. Tu amas o que fazes! Quando chove, todos nós
vamos a tua quitanda, Dona Eulália. Tu és tão gentil. E tens uma tremenda paciência
para conosco... @ catorze de fevereiro de 1946: É anunciada publicamente a conclusão
do ENIAC, saiu aqui no Jornal Gazeta. O periódico afirma que irá auxiliar e muito as
atividades de pesquisa científica. Será um grande avanço para a ciência; um dia
poderemos ter um desse em nossas casas... @ Hoje, trinta de abril de 1946. O
Presidente Eurico Gaspar Dutra assina um decreto, que estabelece a proibição dos
jogos de azar em todo o país. O que será agora do Tio José que gosta tanto do jogo do
bicho?... @ vinte de setembro de 1946. Abertura da primeira edição do Festival de
Cannes; espero um dia ir com Flávio a esse evento...
Não poderias eu deixar de registrar nosso corpo discente... @ Tu Dona
Conceição a primeira que chegas aqui na Escola. Tu deves também trazer teu
marido....@ Evilson... O mascote da Escola... Tu após as aulas distribuis bombons as
garotas... Que paquerador Tu és!...@ Zé Augusto... Tu és auxiliar de serviços gerais...
De barba ralada... Suculenta barriga... Ouço-te dizeres aos colegas: “já está no ‘oraro’,
‘vamo’ pra aula!” Aos poucos tu deixarás a ortoepia...@ Dona Emiliana... A mais
experiente dos alunos... Por isso, tens acumuladas sapiências de vida... Tens setenta e
cinco anos... Um exemplo que os estudos são importantes em qualquer fase da vida...
Sempre nos presenteando com teus sábios ditados da roça... "Cada povo com seu uso,
cada roça com seu fuso." “Onde se faz, aí se paga." "Onde tem onça, macaco não
pia"...@ Por que tu não vieste sábado passado meu caro João jóia? Sabemos que tu já
paraste de beber. Que bom! Sentimos sempre tua falta... É teu jeito descontraído e
prestativo...@ hoje são 10 de junho de 1946...está chovendo...hoje não vou poder me
encontrar com Flávio...@
@ Sábado, dezembro de 1946. Esse foi um dia muito especial para nossa
CentralGorica. Flávio, tu estava na reunião com os colaboradores da Escola queixando-
se das dificuldades para a erradicação do analfabetismo no nosso Estado. De súbito, tu
chegas, Marconi, trazendo o ilustre Mestre: O velho Graça!... O cheiro de cigarro
Selma, não deixava dúvida. Era ele sim! Vi, meu querido, que tu fostes tomado pela
emoção. Todos nós fomos, mas pelo teu amor a Literatura, tu foste o que deixou mais
isso transparecer. Tu te contiveste, Ó Marconi ao lado do Mestre! Tu és só alegria com
esse ar de missão cumprida. Brotou então um dos mais belos diálogos que já
presenciei em toda minha vida!... Flávio, tu atreveste em falar primeiro...
- Meu caro Graça, como há angústia em ensinar nas Alagoas!

- O que te põe insônia, Flávio? Parece até que fostes mordido por um são
Bernardo!

- Nosso Estado passa por dificuldades no ensino, mestre Graça. Há linhas


tortas na Educação.

- Ahh, meu rapaz. Isso vem desde minha infância! Um País desprovido de
Educação é a terra de meninos pelados!

- Gostaria de fazer um Projeto Pedagógico que fosse além dos muros da Escola.
Mas não precisa ser premiado como foi Caetés!

Continue em frente, professor! Destrinche os garranchos educacionais do


nosso Estado e País! Você e outros Heróis Professores!!!
- É de se entender o porquê de uma trôpega educação de ensino, pois eles
põem os Mestres nos Cárceres!

- oh, meu rapaz! Por que olha em direção ao infinito mar azul de nossas
lindas praias? É inspiração para uma carta de amor à amada?

- Não por hora; apena almejo a Graça de emergir uma nova baleia!

- Oh meu rapaz! Que viagem! Mostre-me o que você tem na gaveta!

Bem... Agora sou eu que tomo a narração. E narro agora como os homens
normais: em terceira pessoa. No diário, Anne twittou ( há uma grande semelhança
com esse aplicativo ) que após o literário diálogo pelas obras de Graciliano, (cá pra
nós...Foi emocionante!!) o velho Graça ainda discorreu sobre política – a pedido de
Carlinhos - , deu uma categórica aula de literatura – a pedido do Marconi - e
aproveitou o ensejo para anunciar que estava escrevendo as páginas iniciais de seu
próximo Romance que se chamaria “Memórias do Cárcere”, dando detalhes de ante
mão para a CentralGórica sobre essa futura obra. E como os maços de cigarros Selma
se esvaíram com a fumaça, despediu-se. Poucos anos depois, nosso velho Graça veio a
falecer. Como faleceu também a querida Escola CentralGórica! Havia uma saudação
entre os docentes e discentes antes de cada aula. Docentes: “Jardineiro, Tu águas a
flor do saber?” Discentes: “ Eis minha sina enquanto vida!”.
Capítulo intruso
Bem 1º... Esse capítulo foi de ultima hora adicionado neste conto. Um intruso no lindo
escrito de Flávio&Anne. Tal capítulo, leitoras e leitores amigos, é um apêndice, no
conto de amor desse já nosso querido casal apaixonado. Encontramos em literatura
várias obras com textos intercalados, deslocados da ordem cronológica. Tal arranjo,
não distorce o enredo nem a clareza narrativa. No mais importante deles, a Bíblia,
alguns dos seus livros estão deslocados, como o livro de Jó. Como também a retomada
da narrativa do casal Adão e Eva após a descendência de Caim. O texto intercalado da
narrativa de Judá e Tamar na História de José do Egito no livro de Gênese. O Livro de
São Marcos no novo Testamento é o mais antigo dos evangelistas, porém aparece após
o livro de Mateus. E também vós não lembrais, leitores amigos, da narrativa ao revesso
de Brás Cubas? Bem... Se a leitora amiga virtual está ansiosa no desfecho do romance
dos dois jovens enamorados, não querendo ler esse capitulo, então pule! Mas não
aquele pulo lá do Pilates! Use o mouse ou o pagedown do teclado e se livro, o seu
polegar e indicador.
Flávio Borges expressou que essas vindouras palavras eram segredos de
Estado. Mas no fundo de suas letras, senti que havia um desejo em revelá-las. Por Lei,
um documento ultra-secretor prescreve em trinta anos. Um secreto, em vinte anos;
um confidencial em dez; e um reservado, em cinco anos. E já se vão várias décadas. “E
não há nada oculto que não venha a ser revelado”, disse o filho de Deus! Os relatos do
diário não são documentos oficiais. E se fossem, já estariam prescritos. E para o deleite
do leitor e leitora, esses relatos assinalaram história! Assim como a confidencial carta
náutica para as secretas terras confiadas a Pedro Álvares Cabral e, como também, o
segredo vazado pela inconfidência mineira. Aqui, não se trata de segredo de Estado
situação, mas sim, o Estado oposição, ou melhor, não tanto assim, mas um movimento
dos inconformados com o golpe que resultou no Estado Novo em novembro 1937. Pois
seus intrépidos membros, indignados com a repressão do Governo Vargas,
proclamavam, à surdina, uma proteção aos ex-membros dos partidos políticos
oposicionistas – Vargas fechou, oficialmente, todos os partidos - e perseguia
estrangeiros residentes no Brasil ante a ditadura do Estado Novo. Nada de esboçar
uma reação contra a ditadura; nem por longe foi uma guerrilha, apenas uma espécie
de quilombo, só que não tão segregado e combatido como o de Zumbi, e sim,
disfarçados sob os narizes dos golpistas e seus simpatizantes. Como havia risco
iminente, os segredos do movimento eram eminentes. Então, como essa conturbada
época só existe agora nos livros de história, vou revelar, em escala menor e específica,
seus segredos de então. Também não chega a ser a revelação do segredo da arca da
Aliança de Moises, nem onde está submersa a cidade de Atlanta, apenas, e tão
somente, foi um movimento humanitário protecionista a favor dos perseguidos
políticos e dos estrangeiros que se sentiam acuados. Não querendo subestimar as
aulas de História de vocês, mas a perseguição aos estrangeiros residentes no Brasil foi
devido à guerra contra o Eixo: Alemanha, Japão e Itália. O Brasil declarou guerra contra
o Eixo em agosto de 1942, mas as injurias raciais retrocedem à implantação do Estado
Novo; vem desde os primeiros emigrantes. Essa organização nomeada de “Luz do
portal de Deus”, cuja sede se localizava na Capital, teve seus tentáculos em algumas
cidades do país. Onde havia sucursais, seus membros as chamavam de lojinha. Muitos
de seus membros foram remanescentes tenentistas da revolta do Forte de
Copacabana, da Coluna Prestes e da Intentona Comunista. Porém, o movimento não
era militar e, sim, político e pacífico. Não tinha nenhum objetivo de disseminar uma
revolução nacional. Tal movimento tinha como finalidade amparar, proteger os
perseguidos da era Vargas e lapidar cidadãos para conviverem numa ordem de
progresso e harmonia com a sociedade e com Deus. Sua origem remota vem dos
Templários, dos povos vergudos e muitos chegam até mesmo a insinuar sua origem da
época do Templo do Rei Salomão. Seu líder aqui em Maceió era o Senhor Jobson
Moreira, um professor de línguas estrangeiras, dotado de um Q.I. invejado por muitos
o qual dizia falar dezenas de idiomas. A sede “oculta” ficava na Rua do Sol anexo ao
Cine-Teatro Delícia. Jobson chamava a lojinha de Capote. Uma alusão ao crustáceo
sururu de capote das lagoas do Estado. Jobson, às vezes, dava suas aulas à noite na
orla lagunar com sua capa preta, devido ao sereno e levava na coleira uma cadela da
raça Great Dane, chamada miss Black. Muitos alunos seus usavam, também, capas e
ficaram conhecidos na cidade como os capinhas do professor Jobson. Não por acaso, a
sede estava anexa ao Teatro, pois muitos dos líderes do movimento eram atores,
escritores, músicos, todos de renome nacional que desprendiam suas intelectualidades
a causa nobre, influenciando a muitos que postulavam ser um dia iguais a eles.
Professor Jobson, para disfarçar seus briosos reais intentos, colocou uma escola de
línguas no térreo do rústico prédio de três andares, sendo o segundo andar uma
pensão, e o último era reservado para as reuniões fechadas da organização. O
carismático professor Jobson era o testa de ferro da organização aqui em Maceió, mas
por trás havia intelectuais mentes pensantes, bancando e incentivando em
estratégicas sutilezas a execução das engrenagens dessa organização. Tais vultos,
sempre na sombra e residindo no Rio, designavam intelectuais, engajados com o
movimento, às cidades distantes da Capital do país a fim de recrutar membros e
treiná-los para por em aparente segurança os perseguidos do regime. Em outras
regiões do país, a Organização se fazia presente para afastar e ocultar o mais que
possível do Palácio do Catete os perseguidos políticos. E como Flávio Borges entra
nessa história?
Bem 2º... No Cine-Teatro, Anne Laura tinha aulas de artes cênicas, - muito
embora escondida dos pais - já se apresentando em algumas peças. Foi em um desses
dias, como de costume, quando Flávio esperava Anne à porta do Cine-Teatro, ele viu a
placa da escola do Professor Jobson. Ficou estarrecido e curioso em conhecer tal
professor, pois a placa anunciava: “Ensinam-se português, inglês, francês, alemão,
espanhol, latim, italiano, japonês, chinês, russo, etc. A parte hilária disso para Flávio foi
a palavra latina abreviada et cetera, levando a crer a proporcionalidade direta da
placa: quanto maior fosse, mais idiomas caberiam nela. Duvidando e movido de uma
fascinada curiosidade, Flávio adentrou no recinto. Avistou o professor Jobson com uma
indumentária não comum. Ele estava todo de branco a semelhança de uniforme da
Marinha, ostentando no peito várias medalhas. Falante aos montes, pois a cada frase
de inglês que escrevia no quadro negro, virava-se aos alunos e contava uma aventura
que não tinha nada a ver com o assunto tratado. Precisava um aluno intervir para ele
voltar à aula. Flávio ficou no final da sala na última banca. Robson já beirava os setenta
anos, entretanto, afirmava que tinha apenas quarenta e sete. Uma aluna, que estava
próxima a Flávio, murmurou baixinho: “Se esse homem tem quarenta e sete anos, eu
tenho oito”. Flávio se divertia com aquilo tudo. Jobson era de estatura baixa, franzino,
de cabeça achatada. Quando se gabava, reclinava-se para trás , diminuindo
cadenciadamente a voz e concluía o raciocínio com seus chavões de ouro, e após, com
um tique nervoso, batia freneticamente as dentaduras. Era do interior de Alagoas da
cidade de Atalaia. Em mais outra costumeira dispersão durante a aula, afirmou já ter
enfrentado Lampião e seu bando, a tal ponto que Virgulino Ferreira o implorou para
ele fazer parte do bando, mas ele recusou e findava com um chavão: “o cangaço é
monótono e penoso para um intelectual”. – Poxa...Esse cara fugiu do manicômio! -
Ponderou Flávio Borges, admirado com as aventuras que Professor Jobson contava. A
fama de Jobson era de fanfarrão. A sociedade abastarda o tachava como um lunático
inofensivo. Mas era assim mesmo que os mentores do movimento queriam que seus
líderes fossem. E não era uma representação. Por outro lado, Robson foi sim um
professor de línguas, de uma capacidade invejável de memorizar as coisas, de
raciocínio extremamente rápido e bem articulado – apesar de às vezes gaguejar e
expelir gotículas de saliva nos alunos da primeira fila – generoso, carismático e muito
inteligente. Não era a toa que ele foi o testa de ferro do movimento em Maceió e o
mais brilhante de todos! Fazia filantropia, levando seus alunos a distribuir comida aos
pobres às terças feiras. Ele com sua capa e seus alunos com as capinhas, distribuindo
donativos aos pobres. Os alunos carentes não pagavam as aulas. Flávio esperou alguns
minutos e perguntou: - O Senhor fala todas essas línguas do anúncio lá da placa? A
réplica Jobsiniana veio de imediato, inclinando-se para trás e depois do tique nervoso
de bater as dentaduras: - E já estou terminando de aprender turco! – E lançou outro
seu chavão: - Eu não perco tempo. Filho, o tempo urge! - Houve uma celeuma contida
na sala. Esse homem é um gênio, pensou Flávio. Resolveu lhe dar crédito
matriculando-se. Mais tarde, Anne disse a Flávio que vários de seus colegas atores do
Cine-Teatro eram seus alunos e achavam o professor Robson estranho, excêntrico,
colecionando vários relógios de parede e exibindo-se com seu Ford Coupe ano 1940.
Era autodidata, de uma didática rude, muito tecnicista, mas detinha uma fantástica
memória para arquivar verbos e expressões idiomáticas em diversas línguas. Flávio
convidou Israel, Carlinhos e Alexandre para terem aulas de inglês com Robson.
Carlinhos, imbuído de um humor sarcástico, foi logo dizendo quando avistou a
poliglota placa: – quero que ele me ensine javanês – referindo-se ao conto gênero
comédia de Lima Barreto. Jobson, assim que os viu, parou a aula de francês a quatro
alunas freiras do Colégio São José, tão logo escrevendo no quadro negro frases em
japonês, chinês e árabe – Isso, eles descobriram mais tarde, que era para impressionar
os alunos novatos – Israel logo inferiu – Professor, você escreve árabe? É uma língua
difícil, pois é da direita para esquerda – Ah, meu jovem – arrematou Jobson – Digo-te
mais... Falo e escrevo em hebraico também, nisso apontou para uma bíblia escrita em
hebraico. E não ficou só por ai. Jobson mostrou a eles outra bíblia, agora escrita em
japonês, apontou para a parede, mostrando-o com trajes de árabe numa foto no
quadro na parede. Ele ainda mostrou suas habilidades em caratê, fazendo
demonstração dessa arte no curto espaço entre o quadro negro e as cadeiras dos
alunos. – aprendi com um mestre japonês, mas não passo as técnicas a qualquer um
não! É muito perigoso. Certo dia, na Capital, eu usei essa arte marcial em cinco
meliantes que queriam me assaltar. Derrubei os cinco! O policial quando viu me disse:
‘não precisava exagerar tanto!’ - imaginem ele dizendo esse chavão se inclinando para
trás, como já descrito – Flávio e Cia riram bastantes, inclusive as irmãs dos pobres de
Sta. Catarina de Sena, que até se esqueceram da aula de francês, porque Jobson
demonstrara os gestos do caratê, parecendo uma marionete balançando os braços um
após outro rapidamente. Carlinhos perguntou: - Como se diz Alemanha em alemão?
Ele inclinando-se para trás: - Perfeitamente meu caro, é Deutschaland. Francês é
français. Italiano é... E continuou assim com mais de dez idiomas. Israel discorreu
sobre umas primas que iam estudar na Suíça. Ele foi logo interrompendo: - Mande-as
para cá, eu sou o único que fala suíço e austríaco por aqui. - Aquele papo com Jobson
foi muito recreativo para eles. Apostaram no hilariante professor e fizeram a matrícula.
Assim que saíram do prédio, eles foram a um dos quiosques da Praça Dom Pedro II.
Carlinhos, o cético dos três, ainda rindo sarcasticamente: – Esse cara é louco, Flávio!
Acho que você quer mesmo é fazer crônicas dos causos que ele diz. - Eles ficaram na
turma da noite, com aulas uma vez por semana. As aulas eram muito divertidas. Às
vezes, Jobson apanhava seu acordeom e tirava belos hinos desse instrumento. Dizia
que pela melodia se chega mais próximo de Deus! - A Bíblia diz que quando o espírito
maligno vinha sobre o Rei Saul, Davi dedilhava sua harpa e o Rei Saul sentia alívio. Ele
foi o maior compositor de Salmos que o mundo já viu. A música é a oração cadenciada!
– sentenciava ele. Jobson, com seu costume rotineiro de contar seus causos, fugia dos
assuntos, mas não porque não os dominava, e sim, porque sentia necessidade de
conversar, talvez por ser solitário e recluso. Fora casado três vezes. Dizia ele que
gostava de livros e de ensinar, mas tinha as mulheres como sua paixão primeira! – Me
chamem de tudo, só não me chamem de marica – ruminava isso sempre. Havia outras
frases que Jobson ruminava – essa era a palavra que a turma de Flávio se referia de
suas repetitivas frases – e havia muitas outras. Como: “O bravo vai adiante, o covarde
fica pelo caminho” ou “É melhor não aparecer ser e ser do que não ser e querer ser”.
Havia dezenas de frases de efeito Jobsinianas. Elas iam sendo anunciada na medida em
que eles iam às aulas. – Não temos nada a perder; pelo menos iremos nos divertir
muito – ponderava a turma de Flávio. Após um mês de aulas, logo na entrada,
Carlinhos foi o primeiro a observar a mudança na placa de Jobson. Ele já acrescentara
na placa: - O único que ensina suíço e austríaco – foi uma algazarra só entre eles! Esse
Jobson é uma figura – dizia Carlinhos. – É folclórico – adicionava Israel. Mas ele
realmente sabe, pessoal; pelo menos inglês e francês nós o vimos ensinar. Vamos dar
crédito a ele. – ajuizava Flávio. Entretanto, o foco aos poucos foi se desviando do
hilariante mestre e focando nos estrangeiro que adentravam e saiam pelo corredor do
prédio. Alguns deles erguiam o braço, quando avistavam Jobson ou circulavam os
olhos freneticamente para ele. Quem percebeu isso foi Israel, o esotérico da turma de
Flávio. Seria isso algum código? O que o carismático professor ocultava por trás da
escolinha de idiomas? A qual Jobson a chamava carinhosamente de Capote. Eles
começaram a suspeitar das supostas outras atividades de Jobson, e arrazoavam sobre
isso, quando terminava a aula, reunindo-se para bater papo lá nos quiosques da Praça
Dom Pedro II. - Flávio, você não percebeu que a certos alunos, Jobson os tratam como
discípulos? Aqueles recados codificados... Eles sempre ficam após o termino da aula.
Será que Jobson tem outra finalidade além de ministrar aulas? É estranho o barulho
daquelas reuniões no terceiro andar acima da pensão. E aquele som de máquinas
trabalhando pela noite adentro... E aqueles estrangeiros todos? Carlinhos jura que vira
ex - membros do PCB hospedado na pensão no segundo andar. O governo Dutra tinha
cassado o PCB e caçava seus simpatizantes desenfreadamente. O governo de Silvestre
Péricles, aqui em Maceió, também seguida à linha dura de Dutra; desbaratava
reuniões clandestinas partidárias, encarcerando militantes e simpatizantes contrário
ao governo situação. O tio de Carlinhos, que era colunista do jornal “A voz do povo” de
Maceió, um jornal de esquerda, fora já encarcerado na cadeia pública. O sobrinho, que
começara a ter simpatia pelos “inconformados”, constantemente visitava seu tio,
quando este estivera na prisão, crescendo seu interesse pelos movimentos contrário
ao governo opressor. Esses jovens viam nesses movimentos, partidos de esquerda,
veículos para romper com a tirania, na qual eles monstruosamente a enxergavam. O
país que eles almejavam era os das telas dos cinemas de Hollywood. Não tinham seus
ideais fincados nos fundamentos dos Partidos de esquerda, não. Qual era a moda de
então para lutar contra o fascismo e a ditadura? Qualquer partido de esquerda da
época. No fundo, em todos os jovens, já brotava o embrião da Democracia, sem eles
mesmos saberem defini-la plenamente. Ainda com a acepção dela sendo Incipiente,
eles já lutavam pela liberdade dos pensamentos que era esmagadoramente oprimida.
E o professor Jobson, sempre posicionando a favor da liberdade, incutiu essa
liberdade, sobremaneiramente, em seus alunos, fincando neles, sempre, pensamentos
de pensadores da Democracia como o de Benjamin Franklin, um dos seus defensores:
“O amor pela liberdade torna os homens indomáveis e os povos invencíveis”.
A curiosidade foi tomando conta da turma de Flávio de mãos dadas com a
desconfiança. Descobriu-se depois que essas incutidas sobre liberdade, direito de
expressão, pensamento era propositadamente difundia por Jobson, preparando-os
para a inicialização no movimento, para se tornarem seus novos discípulos.
Competência a eles não faltava. O país acabara de passar por uma ditadura. E o
prenúncio desta voltar era muito cogitado pelos intelectuais de então. Na ditadura
Vargas houve pequenos e não poucos movimentos contra o regime. A população, em
sua maioria ingênua, idolatrava o fascista Getúlio Vargas. Os intelectuais, os cabeças
pensantes, tentavam desmistificar a visão distorcida da população nos finais da década
de 1940. O movimento Luz do portal de Deus recrutava jovens para estes
disseminarem ideais de liberdade, exalando esse perfume em todos os cantos. Em
todas as épocas existiram jovens inquietos com tendências revolucionárias. Quanto
mais naqueles anos conturbados, reminiscentes da ditadura Vargas. E o pai dos pobres
iria se eleger em 1951, após quatro anos de uma surdina governabilidade no senado
da República. Muitos não queriam mais que o ditador voltasse ao poder. E da turma de
Flávio Borges, os inconformados e subversivos eram Carlinhos e Israel. Estes,
raramente, ficavam até o término das aulas. Iam espionar os andares de cima em
busca de alguma pista. E não tardou para encontrá-la. No terceiro andar, os dois
rapazes avistaram vários exemplares da Tribuna Popular, um periódico do Rio; era
principal jornal de cunho esquerdista de então. E ouvindo o som de máquinas
trabalhando, Israel e Carlinhos, com sutileza, chegaram ao local da impressão do
periódico A Voz do Povo que estava terminantemente proibido de circular no governo
Silvestre Péricles, o governador de Alagoas de então. O periódico era um tentáculo
comunista do partido PCB em Maceió. A organização não era comunista e sim
oposicionista. Entretanto, abarcava membros de partidos comunistas, pois eles já
eram entidades bem formadas e articuladas. A Ordem nunca fora vermelha. Na
verdade, havia uma expectativa de qual cor o raio do sol resplandeceria em algum
certo dia. Entretanto a cor branca – união de todas as cores e que simbolizava a paz -
era a que prevalecia no simbólico e invisível mastro da ordem. Antes de ser proibida
sua circulação, esse jornal era bem recebido pela turma de Flávio. – Ah! Então é aqui
onde eles rodam o jornal! Exclamou Carlinhos. – E olhe ali... Tem exemplares de jornais
russo, chinês, espanhol... Quem vai traduzir isso tudo aqui? Perguntou Israel,
arrematando longo em seguida: - Mas é claro! O professor Jobson está por trás disso
tudo, Carlinhos! – É elementar, meu caro Israel! Vamos para aula agora – apresou-se
Carlinhos – Vamos levar alguns desses jornais e mostraremos para eles. Nisso, um
senhor que era hóspede da pensão, indagou aos jovens com um forte sotaque russo:
vocês são alunos do professor Jobson? – Sim, somos! – Respondeu Israel – Queremos
saber o preço da hospedagem para um parente meu que vem do Rio – E o que vocês
fazem no terceiro andar? A pensão é um piso a baixo. Vou levá-los ao Sr. Jobson. - O
russo, chegando à sala de aula, esbravejou, no seu idioma, todo o ocorrido no terceiro
andar. Jobson o ouviu atentamente e pacientemente pediu para que Flávio & Cia
ficassem após a aula. E quando essa findou, apenas Flávio, Carlinhos, Alexandre e Israel
ficaram aguardando, cada qual, com seu grau de perplexidade e temor. Jobson tranca
a porta e proclama aos seus pupilos: - Jesus Cristo disse que nada há de oculto que não
venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia. - Ou a luz
do Pharol - Bradou uma voz lá da pensão no segundo andar. Jobson sorriu, e chamou
seus pupilos ao terceiro andar. Nenhum deles abriu a boca um com o outro. Era só
tensão entre eles, para deleite do velho professor Jobson. Já no terceiro andar, a
eletricidade fora desligada. Alguns lampiões foram acesos ritualmente por Jobson no
corredor estreito e arrepiante. Flávio se atreveu a perguntar: - Por que esses lampiões?
Jobson sorrindo disse: - Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem
infatigavelmente, parodiar o sol e associar-se à lua. Quando a sombra da noite
enegrece o poente! – Sei que você é um amante das letras, Flávio! E o Lima também
sabe! – Qual Lima, Jobson? – perguntou Alexandre. Jobson se virou sorrindo e
continuou corredor adentro. O sereníssimo professor chega a uma porta e dá três
toques ritualísticos. Alguém abre a porta. Eles entram numa sala, cuja claridade vinha
do sótão. Uma escada é abaixada de lá. Jobson pede para que eles aguardem um
instante e sobe. Nisso, Israel sussurra para Flávio: - Vejam... Os símbolos dos
cavalheiros templários estão em toda parte! Carlinhos, com um semblante apavorado
e incomum para um cético como ele é, diz: - Ali há um caixão encostado na parede. -
Alexandre que era dotado de uma sutileza cínica, amedrontadamente, brinca: - Será
que vai aparecer o coisa ruim? Surpreendentemente, Carlinhos e Israel fazem juntos o
sinal da cruz. Desde a primeira comunhão, eles não faziam isso. E parece que Israel
nem primeira comunhão fizera. Da escuridão do sótão, Jobson os chama: - Subam,
varões, os degraus da escada de Jacó! - Onde eu fui me meter - pensava Flávio – foi
posto uma venda em cada um. – Ainda tem mais essa, professor Jobson! – exclamou
assustado Carlinhos – sim! Mas ela será tirada logo - disse o professor. - Uma voz não
conhecida deles pronunciou: - O que vocês procuram aqui? – Carlinhos repetia
copiosamente: - Só estamos aqui para estudar inglês – e repetia, e repetia, e repetia.
Era até cômico. Um sussurro vindo de trás entra na cerimônia: - Digam que estão aqui
para o grande espigão alumiar vocês! – sem titubearem, os quatro obedeceram
imediatamente. De súbito, uma lâmina afiada, semelhantemente a uma espada, é
encostada no peito de cada um deles. Novamente Carlinhos com a voz tremula repete
novamente: - Só queremos aprender inglês – sorrisos contidos foram percebidos ao
redor. A voz do Mestre de Cerimônia continuou: - Jurem pela vida de vocês que não
dirão nada do que presenciarão nesse recinto até que tudo esteja perfeito e justo. –
Eles juraram. Instantes depois, várias vozes em uníssono bradaram: - Haja Luz! E de
repente, a luz do Pharol da Catedral foi direcionada a eles por um espaço aberto no
telhado. O mestre de cerimônia cita um versículo de um salmo bíblico: “Tira a venda
dos meus olhos para que veja as maravilhas da TUA Lei.” As vendas foram tiradas. Os
possantes holofotes os deixaram ofuscados por minutos. Uma voz os consolava
dizendo: - Isso não foi nada com o que o Apostolo Paulo vislumbrou com a divina luz
do nosso Senhor Jesus Cristo. Que foi mais forte que a luz do meio dia! – Dez a quinze
minutos depois que a luz do Pharol foi desligada, as luzes da sala foram aos poucos
sendo acessas. – Poxa vida! Vimos parar num ritual dos cavalheiros! – exclamava Israel
- Lá estavam Jobson e alguns seletos colegas das aulas da lojinha: Clemilton,
Raimundo, Aldo, Evilson, dentre outros. E uma grande surpresa eles tiveram. Lá se
encontravam, também, o tio de Carlinhos, Sulino – o tio de Flávio - E o pai de Israel.
Este foi logo dando as boas vindas a seu filho e aos seus três amigos: - Já estávamos de
olho em vocês quatro. Sutilmente, pusemos iscas para vocês chegarem até aqui.
Sabemos das suas atividades com pessoas carentes na escola CentralGória, a
inclinação de vocês para o bem, os ideais de liberdade e o altruísmo nato de vocês. E
vamos ampliar ainda mais os seus horizontes. E como disse um irmão inglês
dramaturgo William Shakespeare “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que
sonha a nossa vã filosofia ”. Todos brindaram os novos membros com vinho. Já se
passava da meia noite. A cerimônia foi ministrada pelo mestre de cerimônia, e este era
o Marconi que colaborava com eles na escola Centralgórica. E haja surpresas nessa
noite de vinte de março de 1948. E o Pharol que parecia apenas exercer seu encanto
entre os enamorados, também, agora, Flávio & Cia foram surpreendidos por mais uma
faceta desse espigão luzeiro que era o símbolo da organização denominada Luz do
portal de Deus.
Havia um senso de incertezas e preocupação nos semblantes de Flávio & Cia.
Qual será a utilidade deles na organização? Eles corresponderão a tal
responsabilidade? E qual será a função deles? Perguntas e conjecturas eram os
assuntos tão somente entre eles. O professor Jobson não tocara no ocorrido durante
as aulas seguintes. Ele não embaralhava seus haveres, pois as aulas eram para todos
seus alunos matriculados e a oculta organização, apenas alguns seletos alunos seus,
denominados discípulos da Luz do Portal de Deus. Mais três semanas se passaram e
nada sobre o assunto. Eles nem mais se divertiam com as fugidas hilárias jobsiniana
dos assuntos durante as aulas. Anne Laura mesma notou seu poeta ausente, mesmo
estando sempre ao seu lado. Mas a demora das atividades era proposital, criando
ansiedade nos rapazes. Mas já estava próximo o dia desses quatro soldados irem para
o campo de batalha. Finalmente, o dia marcado foi numa manhã de sábado do dia dez
de abril de 1948. Dirigiram-se ao terceiro andar. Marconi os recepcionou. Disse ele que
a luz do portal de Deus é um misto de instituições milenares como a Igreja, o exército,
a família, os bons costumes com teorias e práticas. E somos uma família! - disse ele – E
continuou: - Não somos adeptos a partidos nem a religião nenhuma. Aceitamos todas
as religiões e membros de partidos, seja de direita, seja de esquerda. Pegamos
emprestado estratégias, dissimulações, ritos de instituições já bem solidificadas, cujos
alguns de seus membros nos ajudam na manutenção do nosso intento: a liberdade dos
oprimidos e sua exteriorização plena. Ela é afluente dos Templários, dos filhos da
viúva, dos artífices, mascates, dos homens de bons negócios e de bons costumes.
Entretanto, esse braço, esse pequeno afluente é criado especificamente para um
grande desígnio. Findado tal propósito, a organização se desmancha, morrendo
conosco sem deixar vestígios, como uma neblina que se dissipa sob os raios do sol! Os
raios fúlgidos do sol da liberdade que outrora já brilhou no céu da nossa querida Pátria
Brasil! Foi um discurso de boas vindas inesquecível! Flávio relata que nunca se
esqueceu da imagem do Marconi com a voz embargada ao dizer o nome Brasil! E o
grande mestre de cerimônias continuou: - Vou apresentar-lhes o Marcelo e o Cláudio
Maru os quais irão instruir vocês, por enquanto, nos rudimentos da organização... E...
Avante, rapazes! - Uma pergunta Mestre – inquiriu o Alexandre – Quem é o filho da
viúva? - Nisso o Professor Jobson pediu licença, acudindo que qualquer dúvida sobre a
História proibida tanta a nacional quanto daquela além do Atlântico, eles iriam
pesquisar na biblioteca pública que ficava na Rua do Comércio. E continuou: - Lá
procurem pelo Wagner. Ele é dos nossos e irá mostrar histórias secretas nunca ditas
nas escolas. Pesquisem nos livros proibidos pelo arquiteto do templo de Salomão, o
Hiram. Ah sim... Não se esqueçam de pesquisar a parte onde o Rei Salomão coloniza e
constrói as cidades dos Incas e dos Astecas. E o mais surpreendente... De onde vocês
acham que ele extraiu o ouro e os metais preciosos e a madeira para edificar o Grande
Templo? – Professor Jobson, - indagou surpreso o discípulo Flávio – Em qual parte da
Bíblia aborda sobre isso? – Ah! Batendo os dentes um num outro (tac, tac, tac )No
primeiro livro de Reis 10: 11-12 há um versículo embrionário sobre isso. Vocês terão
aulas de História proibida, no qual não é registrada nos livros de ensino regular. Mas
avante! O tempo urge! É... O deles e para os tantos lá fora. A ampulheta de Deus
escorre sem pressa, alvoroçando os homens, cujo seu fim é o seu gênese: O pó da
terra.
Quarta feira, vinte e oito de abril de 1948
A primeira atividade dos rapazes foi distribuir os jornais clandestinos
impressos no terceiro andar, acima da pensão, a algumas repartições públicas, no
mercado público, em instituições de ensino e nas fábricas de tecelagens de Maceió.
Jobson aproveitou o conhecimento em letras e cultural de Flávio & Cia. Para pô-los na
elaboração dos lay outs e revisão dos textos dos periódicos clandestinos. A população
deveria, sim, estar informada dos acontecimentos políticos e sociais do país e do
mundo lá fora. Não apenas ser pobremente informada pelos periódicos do governo,
que eram caprichosamente filtrados por este. A ordem pôs a disposição dos rapazes
para treiná-los o Maru e o Marcelo. Este, o Marcelo, já era bem conhecido de
Carlinhos. Ele era o carcereiro da cadeia pública da cidade no centro, próximo ao
mercado público. Era um comunista convicto. Morara por muitos anos na capital do
país e trouxe de lá uma sólida bagagem de conhecimento em articulação política.
Conheceu de perto Luiz Carlos Prestes. Marcelo estava em Niterói no dia 25 de março
de 1922, quando o partido PCB foi fundado. Em 1935, participou, de maneira discreta,
do levante vermelho denominado Intentona Comunista. Após a insurreição ser
reprimida e derrotada, ele, fugindo, chegou à Maceió. Marcelo vivia realmente sua
ideologia. Era avesso a ostentação e a usura. Vestia-se o mais simples possível. Sua
esposa vendia doces nas Escolas e Praças. Mesmo não possuindo aportes financeiros,
dividia o pouco que tinha com os mendigos e miseráveis. Dizia ele: “precisamos só do
suficiente. O que sobeja, dou a quem não tem”. Por essa sua sinceridade de ideologia e
por ser bem articulado, ele foi convidado pela ordem, o qual o empregou no presídio
do centro da cidade. Marcelo tratava bem os encarcerados e fez amizade com
Carlinhos quando este fora preso por ser um ativista político amador de esquerda. O
segundo instrutor dos quatros rapazes do professor Jobson foi o ex tenente Cláudio
Maru. Ele era da ala dos inconformados, dos que achavam que tudo se resolve com
guerrilha e armas. Marcelo e Maru compartilhavam isso. Maru participou da revolta do
Forte de Copacabana em 1922. Ele fora guarda costa de Hermes da Fonseca que era
primo do Marechal Deodoro da Fonseca. No fatídico cinco de julho de 1922, os
dezenove tenentes saíram do Forte para o confronto com a tropa do Governo. A eles,
juntou mais um civil. Entretanto, a história só registra dezoito tenentes e um civil. Ele
era revoltado não apenas com as oligarquias, mas também com a história, pois não o
colocou entre os tenentes que marcharam em direção ao palácio do catete, a sede do
governo. Percebeu que não tinham a menor chance contra as tropas do governo. Era
suicídio. Logo no posto três, assim que começaram os primeiros tiros, ele fugiu
nadando. Segundo ele, ainda acertou alguns. Ele era especialista em tática de guerra.
Fora bem treinado. Por isso, ele era o encarregado de treinar os novos membros que
se engajavam. Ele era bélico e dizer que Maru tinha pavio curto seria bem oportuno. O
professor Jobson mandara Marcelo e Maru ensinar os meninos os códigos secretos da
ordem. Eram gestos imperceptíveis ao público. E tinham que ser. Jobson apresentava
os gestos e Marcelo e Maru compeliam aos rapazes que os repetissem a exaustão. Era
de suma importância aprendê-los, pois eram com esses códigos que a Ordem e os
membros dos partidos clandestinos e os estrangeiros se comunicavam a distância.
Depois, bem próximo dos “convidados”, vinha a pergunta: “ De onde vens e para onde
vais?”. Réplica: “Estou como uma nau a deriva, precisando do Pharol!”. Tréplica: “Tu
jaz sob o olhar do Pharol!”. Então, emissor e receptor erguiam juntos o indicador ao
céu. E o aperto de mão com o indicador fazendo pressão sobre a nós do dedo
indicador. O professor Jobson encenava cada circunstância com eles, após Marcelo e
Maru terem os instruídos reiteradamente. Eles precisavam dominar bem a situação,
ter cancha. Muitos outros sinais secretos, Flávio não relatou no seu diário. Facilitou,
apenas, os triviais como o hábito de terminarem um escrito pondo um ponto, um

asterisco, outro ponto: .*.


Quarta feira, sete de julho de 1948
No terceiro andar do prédio, na sala de imprensa de precários maquinários,
eles abasteciam o noticiário dos jornais com os periódicos que chegavam,
clandestinamente, do Rio, trazidos pela ordem em navios e caminhões. Muitas vezes,
eles e outros rapazes iam buscar os jornais, perigosamente, quando estes chegavam.
Era a hora se por os treinamentos em prática. Renato, um senhor sem cabelo bem
magro e gentil, era o radio amador que receptava as mensagens vindas da Capital
numa freqüência reservada exclusivamente à ordem. Renato dominava bem o inglês,
idioma fundamental para seu ofício. Outro modo de haver canal de comunicação entre
a matriz no Rio e a lojinha capote era através do carteiro Estandislau, cognominado
Pareia. Era aloprado. O jeito de andar parecia com o do Jerry Lewis e quando falava, as
palavras saiam à metralhadora, às vezes com sentido, outras, não. Pareia tinha uma
capacidade de memorização fabulosa! Conhecia como ninguém os nomes dos
logradouros da cidade. E não só isso. Memorizava, também, poemas dos mais diversos
vultos da nossa literatura. Era comum as pessoas verem Estandislau entregar
correspondência pelo centro da cidade recitando poemas. Não raramente, ele sentava
num banco da Praça Marechal Deodoro para recitar belos poemas e cantarolar
canções da rádio nacional, enquanto descansava do escaldante sol maceioense. Por
sua capacidade em memorizar, ele foi convidado pela ordem. Seus préstimos eram
bem significativos à lojinha capote, pois não havia Rua de Maceió que Pareia não
soubesse. Os membros que vinham de outros Estados, por segurança, se encontravam
com os daqui a lugares que eram constantemente e propositadamente mudados. E as
Ruas desconhecidas dos rapazes, Pareia os levava, para deleites deles, que gostavam
de suas conversas e dos recitais dos poemas. E era bom que eles tivessem essa
companhia tão satisfatória, pois a segunda missão deles tinha um grau de dificuldade
maior, sendo bem mais perigosa. Fora justamente recepcionar os cassados políticos e
os estrangeiros hostilizados. Os forasteiros alemães, italianos e japoneses eram vistos
ainda como espiões pelo atual governo Dutra, mesmo já findada a Segunda Guerra.
Um preconceito que persistiu desde a primeira Guerra em 1914. E quando não
perseguidos pelo governo, simplesmente eram mal vistos pela população. Seria bom
que eles aprendessem a Língua Portuguesa sem o sotaque da Língua materna. E como
o mundo se encontrava na guerra fria entre os EUA e a Rússia, os estrangeiros russos
eram agora o foco do preconceito. A finalidade da pensão, acima da sala de aula de
Jobson, não era mesmo o comércio. Tinha aquele propósito socorrista, muito embora,
estava aberta ao público em geral, pois despercebida tinha que estar. A organização
ensinava o idioma português a esses estrangeiros e os colocava no mercado de
trabalho. Eles tomaram instruções de como proceder, antes de embarcarem para
Maceió. Aprendiam apenas o trivial, sem se aprofundarem pelos meandros secreto da
Ordem. Apenas aqueles que tivessem predisposições natas. Assim que desciam do
ônibus interestadual, eles iam a um lugar, uma Praça já ajustada anteriormente. Tudo
programado desde o embarque. Em duplas, os meninos do professor Jobson eram
encarregados para recepcioná-los. Israel e Alexandre foram recepcionar o austríaco
Emil Schneider na Praça Emílio de Maya próximo ao mercado público. Emil chegara ao
Brasil em 1938, um ano antes de eclodir a segunda guerra mundial. A Áustria já tinha
sido anexada à Alemanha. Nestes dez anos no Brasil, Emil sofrera preconceitos dos
brasileiros e perseguições truculentas dos agentes da Delegacia Especial de Segurança
Política e Social (DESPS). Criada em 1933, a DESPS tinha o objetivo, entre outros, de
coibir comportamentos políticos contrários “à boa conduta do Estado e da segurança
pública”. Eles tinham dossiês de todas as organizações políticas, inclusive às
clandestinas e perseguiam indivíduos considerados suspeitos com ideologias exóticas,
nocivas à pátria. Os tentáculos da Ordem já eram sutilmente investigados pelos
agentes da DESPS. E a Capote, não ficava por menos. Os riscos eram enormes. As lojas
tentáculos amparavam os oprimidos sob o Pharol, bem como sob as barbas deles. A
Ordem apoiava os revolucionários em diversos países. Eles partiam do princípio do
gemido de um povo, baseado em provérbio 29.2 que diz: “Quando os justos governam,
alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme.” Pelo menos o respaldo,
o sonho possível, a organização fomentava. Não importando o que sucederia após. O
foco era o momento vivenciado por esses povos. Se estes estão descontentes, que
venha logo o socorro oportuno. Flávio e Carlinhos foram recepcionar Armando Lopes
um membro do PCB. O local previamente combinado fora na Praça Sergipe. Quanto
mais distante da rodoviária, que na época era na Praça Marechal Deodoro, melhor. Os
sinais e palavras foram enunciados. Tomaram um bonde descendo para a Rua do Sol,
onde localizava a pensão. À noite, os novos hóspedes discorriam, no auditório, sobre
suas vidas, família que deixara, aflições e o obscuro futuro. Israel ficava encarregado
da ata e Flávio fazia um relatório dos percalços de cada hóspede. Esses relatórios se
transformavam em crônicas e contos postos em periódicos regulares. Assim, os
familiares deles eram informados da cidade na qual eles estavam e em qual situação se
encontravam.
Quarta feira, três de novembro de 1948,
16h15min. Flávio e Carlinhos foram deixar, a mando da Capote, Armando
Lopes no distrito de Fernão Velho. O militante do PCB fora designado para trabalhar na
fábrica de tecelagem Carmem. Sua nova identidade já estava confeccionada. Lá ele
passaria a se chamar Jaime Silva Costa. Tomaram um trem na estação central. Os três
se acomodaram no penúltimo vagão no acento a esquerda do corredor. Flávio e
Carinhos tinham a intenção de apresentar a Armando Lopes a bela lagoa Mundaú de
onde vinha o crustáceo sururu do qual o professor Jobson tanto apreciava. Uns trinta
minutos os separavam do distrito de Fernão Velho. Já no bairro de Bebedouro a graça
da lagoa toma conta de olhares reiterados... Quanto mais dos olhares virgens a ela! O
balançar do trem, seu tremendo anúncio pedindo passagem e a brisa lagunar
açoitando frontes delicadamente. Flávio descrevia entusiasmado esse palco a
Armando, mas era redundância, pois tal beleza falava por si só. Viam-se jangadeiros
jogando suas tiaras às salobras águas. À beira da lagoa, mulheres produziam seus
ofícios de lavar roupas. As lavadeiras da lagoa... Lagoas... Alagoas. Ao fundo, o sol já
apresentava o crepúsculo vespertino. Um jovem no banco a frente deles, escrevia num
borrão um poema enquanto apreciava a visão lá fora. Olhou para Flávio circulando
freneticamente os olhos. Era um deles. Cumprimentaram-se entre eles. O jovem era
Walfrido Alencar que desde tenros anos dedicara-se as letras e as coisas do espírito.
Ele tirou um livro de sua pequena mala; autografou-o e pediu que fizessem a gentileza
de entregá-lo na Capote. Era um livro de poemas inspirados na terra dos Marechais.
Walfrido se despediu deles, pois já ia descer na estação da goiabeira. O poeta ainda
falou: - Levo sempre pedaços desse sol entre meus dedos! E foi-se. O trem continuou
sua trepidação copiosa. Os três apreciavam a produção da exuberante natureza.
Súbito! Eles, que eram só encantamentos, agora, pálidos e temerosos! O anacoluto
truculento propicia melhor a cena. Um membro do alto escalão da DESPS, a polícia
especial de Vargas, senta-se no assento à frente de Armando Lopes. – Apreciando a
paisagem, Sr. Cavalheiro de Lenin? – Não é que o Sr. Acabou de estragá-la.- ironizou
Armando – Mas não há problema, dentro em pouco retomá-la-ei novamente. Flávio e
Carlinhos, perplexos sem saber o que fazer, não sabiam que havia no trem membros
ocultos da Capote. Esses membros já tinham, desde a estação, demonstrados a
Armando Lopes um respaldo de retaguarda. Súbito, o trem trava suas rodas.
Aproveitando o solavanco brusco, os três são levados pelos ferroviários ao vagão do
maquinista. Descarilharam este dos outros vagões. Dois ferroviários, o maquinista e
outro tripulante, seguiram com Flávio, Carlinhos e Armando Lopes. Os restantes
ficaram nos outros vagões, acalmando os passageiros e dando explicações, não tão
bem recebidas, aos membros da DESPS. Chegam a Fernão Velho já anoitecendo. Na
estação, Flávio gira seus olhos bem rápidos em busca dos receptivos membros. Braços
são sutilmente erguidos aos céus. Flávio apresentou Fernando Lopes a esses,
indagando depois quem são aqueles ferroviários que os ajudaram tão
destemidamente. - São os Arimatéias - disseram eles. O professor Jobson explicará
melhor a vocês. – Nosso movimento está sendo observado pela polícia secreta do
Governo – disseram eles. E continuando: - Espero que eles nunca cheguem ao porão!
Qual porão? Indagou Flávio. - Rapazes... Perguntem ao Professor! Eles foram bem
acolhidos, passando a noite em Fernão Velho. Foram ao baile no Recreio dos
operários, divertindo-se por toda a noite. Quanto ao Armando Lopes, este já com o
nome de Jaime Silva, integrou-se rápido à comunidade. Posteriormente, trouxe sua
família, trabalhando na fábrica de tecelagem Carmem e principiou uma agremiação
clandestina em prol do direito de expressão com moradores do distrito.

Miss Black

Um adendo nesse capítulo. Não podia deixar de escrever sobre a estimação de Jobson.
A negra cadela miss Black. Não era uma cadela de caça. E nem era necessário. Só em
ver seu imenso tamanho, as raposas fugiam. E o galinheiro da Capote agradecia. Era
pau para toda obra. Seja de dia, seja de noite. Ela possuía missão. Volta e meia, metia-
se comercio a fora para cumpri-la. E nos arredores do Centro, ouvia com sua apurada
audição canina os sons rugidos pelos membros recém chegados. Micro chapas de aço
eram implantadas entre os dentes dos entes que vinham à cidade. Miss Black abanava
o rabo, mostrando a direção com a pata, quando testificava que o ruído era mesmo
articulado pelas mandíbulas dos entes da ordem. Nada em miss Black era notório a
nenhum agente secreto do governo, a não ser seu tamanho agigantado e os seus
brilhantes olhos. Até seu latido era silencioso, decorrência de horas e horas de treino
dos membros da Luz do Portal de Deus no Rio. Chegou à Capote com um ano de idade
e já com um tamanho de alarmar a muitos. Ela era o mascote da Capote. Apesar do
gigantismo da raça Great Dane, ela era extremamente dócil. Já era conhecida dos
maceioenses que sempre a viam ladeada do professor Jobson. Ela "recepcionava" os
recém chegados. A agilidade de miss Black era incomparavelmente eficaz. A Ordem
temia em expor seus membros à procura dos recém chegados. Seria arriscado demais.
E a melhor hora era durante a calada da noite. Miss Black era solta por Jobson e
percorria todo Centro de Maceió e seus arredores em questão de minutos. Todos os
entes da Ordem em visita a nossa capital tinham esse dispositivo inserido nos dentes
em uma freqüência que o serviço secreto não detectava. Fito o contato, discretamente
os entes aqui chegados seguiam miss Bleck até o gesto impar dela: agachava suas duas
patas dianteiras demarcando o lugar a fim de que eles não se afastassem muito dali.
Muitos se escondiam em matas ou entre os densos coqueirais junto à praia. Miss Black
os encontrava, fazia seu gesto intrínseco, voltando para a Capote a fim de indicar o
fato a eles. De imediato era recrutado dois ou três para o encontro. A cadela solitária
de Jobson era de grande valia a ordem. E ela ia alem disso.
Certa vez, um pequeno barco naufragou na lagoa mundaú próximo ao bom
parto. A freqüência rangida nos dentes dos quatro náufragos atiçou miss Bleck. Ela
conduziu a ajuda. Guiou os entes da Capote ao local. Os quatro náufragos foram salvos
por pescadores simpatizantes da Capote. Os feitos de miss Black eram muitos. Os raios
do sol indicam o cocorico do galo. Hora de entrar no galinheiro. Mas miss Black não.
Enquanto houvesse uma alma na espreita a ser socorrida, ela não findava sua missão.
Daí o seu nome. Miss: abreviação de Missão. Black: o seu horário de labor.
Aproveitando isso, os membros anunciavam em jornais de circulação oficial da época:
“Maceió poderá ter um blackout amanhã”. Os entes recém chegados, lendo a noticia,
sentiam-se aliviados pelo socorro anunciado. “blackout” era miss Black. De modo
algum os “visitantes” ficavam a postos nas praças e orla maceioense, nos pontos
pitorescos da cidade. Escondiam-se nos recantos menos prováveis de ser encontrados
pelos agentes secretos. A primeira etapa, a mais perigosa, era de Miss black. A
segunda, o contato com os “visitantes”, já era feito com pelos membros da Capote. A
grosso modo, miss Black era um robô desativador de bomba. Quando não se
encontrava em serviço, nas suas horas de folgas, miss Black era uma cadela normal
como as demais, brincava com hospedes da pensão e com Flávio & Cia. Ajudava os
cegos e idosos a atravessarem às ruas no Centro. E afugentava algum mal
intencionado, quando este tentava subtrair peças das lojas. Mas o sucesso mesmo dela
era como a mascote da turma nas filantropias liderada pelo Professor Jobson. As
crianças amavam miss Black, suas peripécias, seu tamanho, sua cor.

Na segunda feira, Flávio e Carlinhos não compareceram na Capote. Estavam


cansados do baile no clube Recreio dos Operários. Isso é... No diário, Flávio relatou
cansaço ou será que foi ressaca mesmo? Foram na terça, mas já sabendo que iriam
ouvir umas poucas e boas do “titio” Jobson. Este foi logo arrematando: - por que vocês
ficaram até altas horas da noite à mesa dos profanos? E o compromisso com a ordem?
– Flávio, sem ter desculpáveis argumentos, forjou uma assertiva convincente: -
Estávamos cansados... Professor... Não tinha mais trem de volta... E deixamos o
Armando Lopes são e salvo! – Sim, mas não poderiam se deixar ao vinho. O vinho fora
da mesa dos irmãos é escarnecedor. E vocês foram além dele! Provando bebida forte a
qual alvoroça o homem. Vocês apenas confirmaram Provérbio: erraram e não foram
sábios. Há espiões a nossa espreita. Vocês poderiam facilitar os segredos da ordem.
Jobson ficou ralhando por mais alguns minutos com os rapazes. Flavio se lembrou doa
"arimateias" perguntando quem são eles a Jobson. Eram discípulos a distancia. Tinham
seus afazeres normais do dia a dia e assim ajudavam no que podiam a Ordem. e a
Capote não e um formigueiro. A segurança dos membros dos partidos cassados e os
oprimidos estrangeiros protegidos pela Ordem estavam prestes a serem desbaratados
pela polícia secreta. Os cabeças, vindos do Rio, estavam, constantemente, em seguidas
reuniões no terceiro andar resolutos pela mudança das relíquias da humanidade.
Infelizmente, não dava mais para uma cidade, que na época era bem provinciana,
guardar os tesouros dos mais diversos sentidos. Na sexta feira, os rapazes foram
chamados à reunião para a terceira e mais espetacular experiência. A identificação dos
cabeças que Flávio, por precaução, pós no diário eram pelos nomes deles não
conhecidos do público. Os vultosos convivas estavam lá. À mesa principal ficaram os
cabeças, nas cadeiras ao derredor, alguns convidados, incluindo nossos rapazes. O
tema principal foi sobre a transferência do tesouro milenar que, aquela altura, estava
preste a ser desvendado pela polícia secreta. E que ironia! Como toda Sociedade
secreta zelada que se preze, também, há seus delatores. Joaquim Silvério dos Reis não
foi o delator da Inconfidência mineira? A Capote não foi diferente. Teve alguns. Muito
embora, por obra de tortura da DESPS. Ela teria que mudar de endereço o quanto
antes. Não teria mais CEP. Lamentável que o uso do pronome “onde”, não se faria
mais presente na querida Capote do professor Jobson. O movimento continuaria a
cuidar dos estrangeiros e dos membros dos partidos clandestinos, mas de uma forma
dispersa, sutilmente mais discreta. Isso foi debatido a exaustão pelos graúdos do
movimento à mesa. O país era suficientemente grande para conter com zelo todas as
personalidades não gratas do Palácio do Catete. E a reunião dos “Cabeças” adentrou
pela madrugada. Interessante é que Flávio apenas os nomeou com seus não famosos
nomes no diário, para não deixar vestígios póstumos. Ei-los: Teixeira, Ramos, Ferreira,
Jacob, Andrade, Lima, Artigas, Aníbal... Bem... E aí é que vem a terceira e última
atividades dos rapazes do Jobson. Eles eram os melhores. Jovens de talentos e de
caráter ilibado. Era chagado o momento deles submergirem ao porão do Pharol. O que
tanto Flávio&Anne admiravam à luz do sol, ele e seus confrades amigos iriam
contemplar em profundezas à luz elétrica. O grande Luzeiro do bairro planalto da
Jacutinga foi o primeiro Pharol a eletricidade no país. E o único que tinha um porão de
fazer inveja a qualquer antropólogo ou arqueólogo. E por que tanto privilégio? Os
rapazes iriam saber brevemente. Na ata da sessão, ficou relatado que os conteúdos do
sob solo do Pharol teriam de ser transferido mais uma vez.
Mais uma vez? E quais conteúdos são esses? Pairavam essas perguntas nos
pensamentos barulhentos de Flávio & Cia. Em seus pensamentos estremecia o som do
silêncio. No entanto, nenhum pensamento foi articulado pelas suas cordas vocais.
Entraram calados e ficaram assim por toda reunião. E não tinham permissão para
interferências. Ao apagar das luzes, já a saída da Capote, eles foram apresentados ao
faroleiro Gino que vigiava o Pharol tanto externamente, como internamente. Gino já
era conhecido de Flávio. E não só dele, as pessoas que frequentavam o Pharol
conhecia o vigia do Pharol. Era magro, alto, de seus 60 anos, longos cabelos grisalhos
amarrados, sempre de chinelas e tinha uma esquisita mania de tomar cerveja no copo
com canudo. Muito estranho, ou como diziam os freqüentadores do Pharol: esquisito.
Ele cultivava uma grande barba branca a qual a alisava constantemente, daí vindo o
seu cognome: O barba do Pharol. Ninguém ouvia a sua voz. Solitário, Barba acionava as
luzes do Pharol à noite, aguava as plantas em volta e cuidava dos arredores do mirante
do Pharol.
Segunda feira, 15 de novembro de 1948.
Estrategicamente, foi escolhido um feriado para ser discreta a ida ao Pharol.
À noite, quando a cidade dorme, Jobson levou seus meninos de ouro: Flávio, Israel,
Carlinhos e Alexandre ao tão discreto-secreto-sagrado porão do Pharol do Jacutinga,
um pouco atrás da Majestosa Catedral de Maceió. Israel perguntou a Jobson:
- Porque durante à noite, Professor?
- Ah, meu caro QI das centenas – Era assim que às vezes Jobson se referia a
Israel, pelo seu vasto conhecimento em Matemática, Física, Química e Ciências
exóticas – Como foi que Nicodemos chegou pessoalmente a Jesus Cristo? Não foi
durante à noite? Está escrito em (Jo 3: 1- 26). Estamos sendo vigiados e para livrarmos
dos sobressaltos gratuitos da vida, devemos seguir os por menores da Bíblia. Rapazes,
se o mundo seguisse a Bíblia estaríamos num pré céu! Jobson e os rapazes chegam à
porta do imponente Luzeiro. Dá três batidas ritualísticas. Minutos depois, simultâneo
aos chiados da abertura da grande porta do Pharol surge o Barba.
- Quem são e de onde vindes?
- Guardião do Luzeiro de Salomão, como tal tu me conheces, enquanto a
estes, eu vos apresentarei. Alexandre solta mais uma das suas: - lá vêm de novo as
excentricidades do Professor Jobson. A turma ri por dentro.
- Estamos aqui sob o olhar de Deus para preservar a continuidade das riquezas
que vós guardais. - Jobson dá um caloroso abraço no Barba. Apresenta os rapazes a
ele. Mas qual foi a surpresa de todos, o Barba se apresenta de via voz: Bem vindos ao
porão do Luzeiro! Meu nome é Gino. Externamente trabalho na Prefeitura. Há trinta
anos cuidado do Pharol, sendo seu faroleiro. Vamos! Descemos pela escada em caracol
ao subsolo. Impressionante o que estou presenciando! Pensava Flávio. Mas não pelo
que estava vendo, e sim, por ter ouvido o Barba falar, tão conhecido de todos os
freqüentadores como o mudo do Pharol. – Ah rapazes, dizia Gino, não fiquem
confusos. Guardo meus lábios para articular coisas que seus olhos irão ver. E aqui em
baixo, falo e falo muito. Comunico-me com a matriz da Ordem no Rio, Washington,
Paris, Vaticano e do novíssimo Estado de Israel. Subo ao Pharol todas as noites para
orientar todos os navios que vem à cidade e auxilio a Capote, quando a embarcação
contém membros da Ordem ou estrangeiros a fim de abrigarem por aqui.
- Como você faz isso? Perguntou Carlinhos.
- Vocês irão dominar tudo isso, se ainda nos restar tempo. Pois bem, o Pharol
gira suas cores de acordo com os acontecimentos na Cidade. Temos três cores
diferentes no holofote gigante do Pharol: Azul, Branca e Vermelha.
- Jobson nos falou que essas cores fazem referência à bandeira da França, cujo
simbolismo representa o ideal revolucionário: liberdade, igualdade e fraternidade. –
expôs Flávio, já bem empolgado com o simpático Gino.
E mais – disse Israel – A Capote também nos disse que o contorno do Estado
de Alagoas foi cuidadosamente traçado para ter um formado de um esquadro.
Vestígios dos Templários.
Isso mesmo, Israel, mas não vamos misturar as coisas – replicou Gino – E
continuou:
- O movimento Luz do Portal de Deus presenteou o povoado das Alagoas com
sua emancipação por não ter traído D. João VI. A revolução pernambucana foi
temerária, pois eles não esperaram o com-pas-so das “coisas”. Cinco anos depois, em
1822, o Brasil se torna independente de Portugal. Paciência faz bem, meus filhos.
Bem... E assim o Sereníssimo e brilhante Gino falou aos montes tudo que os
rapazes precisavam saber, já para prepará-los à mudança que estava prestes a
acontecer. Não pensem vocês que isso foi apenas em um dia. Não! Dias e mais dias os
rapazes de ouro iam ao subsolo do Pharol para absorver os segredos dos Cavalheiros
Templários que, aqui no Brasil, tinha seu tentáculo chamado Luz do Portal de Deus. O
Brasil tem um litoral imenso e a rota da antiguidade era o mar. Quer melhor local para
fincar segredo? Mas qual segredo vocês devem estar pensando? Só vocês? Os meninos
de Jobson foram metodicamente preparados durante o ano todo para desvendar tudo:
nome da Ordem, o Pharol, litoral paradisíaco e por menores.

Sábado, 25 de dezembro de 1948.

É Natal. Jobson e Gino reuniram os rapazes no porão do Pharol. Um dia bem


especial, não só pelo nascimento do Filho de Deus, mas seria o último Natal da Capote.
Havia um clima de pesar. Mas já estava tudo planejado pelos cabeças no Rio. E o plano
já estava nas mãos de Jobson. Estava também com eles o Clemilton; ele ajudava o Gino
nos belos jardins podados por eles nas Praças de Maceió. Clemilton aprendera a se
virar sozinho desde cedo. Perdeu o pai ainda adolescente que o fez atirar-se pela vida
na busca do sustento da mãe. Era por demais prestativo não só a sua mãe como a
Capote. Era ele quem fazia as compras de Gino no mercado. Pois bem, Jobson
começou:
- Depois de dias aqui, visitado a biblioteca do porão, creio que vocês já têm
uma idéia sobre o Movimento Luz do Portal de Deus. Iremos dar uma aula de História,
ou revelação, como queiram. Vocês na biblioteca estudaram sobre a construção do
Templo de Salomão em Jerusalém e sua destruição total já no anno domini por Tito.
Vocês viram também as civilizações Incas e Maias. Entenderão, agora, que há uma
relação entre essas arquiteturas milenares. Viram tudo sobre eles: seus apogeus até
suas dissoluções dos Incas e Maias pelas invasões espanholas. Os Incas detinham
engenharia hidráulica, agricultura irrigada, metalurgia do cobre e bronze, técnica de
construção com deslocamento e corte de pedras e técnicas de comunicação
assombrando o mundo lá fora que não sabem com eles conseguiram isso. Sei que
vocês leram isso aqui. Os Maias eram notáveis por sua língua escrita semelhante ao
velho mundo. Sabem por que isso? Suas artes, arquiteturas como as pirâmides
semelhantes às pirâmides do Egito e o sistema astronômico. Bem...O filho de Davi,
rapazes fez tudo isso! Ele foi o idealizador, cujo construtor foi Hiram Abiff. Ele foi o
arquiteto do Templo de Salomão. A bíblia não menciona que ele foi realmente o
arquiteto do templo, entretanto, nossos manuscritos em papiro milenar atribuem tão
feito a ele. A bíblia em português chama-o Hirão. Em 1 Reis 10-12 diz: Ele forneceu ao
Rei Salomão toda a madeira de cedro e de pinho de alta qualidade, e todo ouro puro de
que precisou. Contudo Hirão veio de Tiro para supervisionar as cidades que Salomão
lhe havia dado, não gostou do que viu; as terras não lhe agradaram... Por isso, o Rei
Salomão já sabia da existência das Américas. Assim ele povoou o México e o Peru,
dando início a civilização Maia e Inca. Hirão se agradou agora das novas terras e iniciou
as construções semelhantes a do Oriente fornecendo, também, as tecnologias do
Oriente a esses povos. Uma tecnologia daquelas, rapazes, não poderia de surgido do
nada. Caiu sim foi do Céu! Sim, a divina sabedoria de Salomão arquitetava tudo,
enquanto Hirão a fazia sair do papiro.
- Professor Jobson, perguntou Flávio, porque a bíblia não é tão clara a respeito
disso?
- E por que escondem vocês isso tudo do restante do mundo? Indagou Israel.
- A réplica de imediato: - Os conhecimentos ocultos pertencem a YHVH, nosso
Deus. (Det 29:29). E tem mais: A glória de Deus é ocultar certas coisas; tentar descobri-
las é a glória dos homens. ( Prov 25: 2 ). Há muitas respostas na própria bíblia para
isso, Flávio, arremeto só mais um versículo: Todavia, quando chegou a plenitude dos
tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido também debaixo da
autoridade da Lei, para resgatar os que estavam subjugados pela Lei, a fim de que
recebêssemos a adoção de filhos. (Gal 4:4,5). O desejo de Deus, YHVH é que todos
busquem a Jesus Cristo seu único filho. A Luz do Portal de Deus tem só e somente só
esse intuito de preservar a vontade de Deus. Israel, nós mantemos muitos segredos
para esses não irem a mãos erradas. Adolf Hitler, que pertenceu a um dos tentáculos
dos Templários, usou esses poderes passados e guardado há séculos para o mal. vocês
sabem a catástrofe que foi. Vocês não sabem a mão de obra que a outra parte do bem
da Ordem fez para reverter o Grande malefício do século XX. Ou vocês pensam que
apenas de armas bélicas foi findada a Segunda Grande Guerra? Nisso Gino pediu a
palavra:
- Jobson, já está na hora deles adentrarem no compartimento secreto. Com o
tempo serão aplacados os questionamentos deles.
- bem, continuaremos amanhã. Vamos adentrar, agora, além do “véu”.
- Veja pessoal, como professor Jobson está falando diferente. – Percebi isso
também, Alexandre. Ninguém diz que esse é o hilário Jobson que conhecemos. - Mas
os ouvidos e olhos treinados de Jobson perceberam o cochicho.
- Lá, garotos, nós convivemos com profanos. Aqui somos Kadosh! Gino
também pronunciou ainda mais forte: Kadoooosh!
- Prendam o fôlego, rapazes! Todos nós temos nossos cantos prediletos,
nossos refúgios. E sabem vocês qual lugar paradisíaco que Salomão escolheu para
passar férias com sua esposa egípcia?
- Nosso litoral, Mestre Jobson – disse Flávio. – Já estávamos desconfiando
isso, quando íamos conversar no quiosque da Praça Pedro II.
- Sim! E mais precisamente, mais em escala menor: Nossa Alagoas.
Nisso, Gino os levou a uma grande estante de prata onde continha escritos
em idioma hebraico sobre a história oculta do Rei Salomão. E começou a ler em voz
alta em hebraico os conteúdos nos papiros. Robson fazia a tradução simultânea,
falando em bom português as palavras hebraicas de Gino. Os rapazes ficavam inertes e
deslumbrados com o relato da história. Depois de terminado o Templo, o rei Salomão
construiu também uma frota em Esionguéber (hoje Aqaba), que está junto a Elat,
sobre a margem do Mar Vermelho, no país de Edom. Com essa frota enviou Hiram a
seus servos, marinheiros, peritos na navegação, juntamente com os servos de
Salomão. Foram a Ofir, de onde tiraram quatrocentas e vinte moedas de ouro que
trouxeram ao rei Salomão". Onde estava Ofir? Bem, Ofir era designado toda terra
distante onde havia ouro e madeira em farturas. Uma dessas terras privilegiadas era o
nosso Brasil. Salomão vinha, ele próprio, inspecionar os carregamentos de ouro e
madeira. Nessa parte da América, Salomão de deslumbrou com o litoral nordeste do
Brasil. O Rei Salomão reservou para o deleite conjugal dele e de sua esposa as
paradisíacas praias da nossa Capital. Seus marinheiros usavam e abusavam de
utensílios de pratas, já que os utensílios do Palácio de Salomão eram de ouro puro.
Aqui, mais precisamente nas nossas enseadas, o Rei compôs O Cântico dos Cânticos
para sua amada esposa. Salomão se inspirou nos reiterados pedidos da Rainha para
virem passar dias por aqui. No versículo quatro do capítulo primeiro a amada diz:
“leve-me o rei para os seus aposentos”. Já no capítulo primeiro versículo seis a amada
diz: “ Não fiquem me olhando assim, porque estou escura; foi o sol que me queimou a
pele”. De que sol a Rainha está se referindo? – Perguntava Jobson e quase ao mesmo
tempo respondia: - O Sol abençoado de Maceió, meus filhos!!! O Rei Salomão vinha
sempre se deliciar com a Rainha em nossa terra. As Naus do Oriente vinham repletas
de povos que desejavam servir ao sábio Rei Salomão em outras terras. Ele era
cativante. A rainha de Sabá nosso litoral de norte a sul foi sendo povoado por décadas
após a morte de Salomão. Para contrastar com o ouro de Jerusalém, o Rei trazia a
prata era um pedido da Rainha de tanto ver ouro lá em Jerusalém. E desse lugar, ela
não quis mais sair.
- O quê? Não quis mais sair? Sussurrou aos outros, Alexandre.
- Ah é por isso que todos os utensílios aqui em baixo é de prata pura –
admirou-se Israel.
- Sim, meus filhos, mas por hoje chega. Vamos! Na segunda feira, aqui
mesmo, teremos mais História oculta da Ordem: Luz do Portal de Deus!

Segunda feira, 27 de dezembro de 1948

Ao amigo Hirão, Salomão o presenteou primeiro a região de Soconusco, na


costa do Pacífico, entre o México e a Guatemala, estendendo até o norte da América
Central. O limiar do Império Maia. Ao Sul do Continente, o Rei ainda presenteou Hirão
com Tawantinsuyu, mais conhecido por nós como Império Incas. Salomão chamou
essas terras de Cusco que quer dizer umbigo do mundo. Em Cusco, ficava a
administração do Império Inca (atual Peru). Abrangeu uma enorme área. Povos
removidos pelo Rei Salomão para o servir nessas longínquas terras. A Bíblia diz que ele
convocou 70.000 dentre os habitantes do país que não eram israelitas, para
trabalharem como carregadores, e 80.000 como cortadores. A maioria desses
atravessaram os mares para povoarem novas terras. Esses pedreiros que construíram
o Templo de Salomão e a extensão dele nos Maias e Incas passavam seus segredos de
artífices aos descendentes consangüíneos, a fim de ocultarem a sabedoria divina de
Salomão aos profanos. A aula reveladora do Professor Jobson demorou mais de três
horas. Assim Flávio descreve. Mas o que ele não o mais descreveu foram os
pormenores, tais como os símbolos da Ordem, seus cumprimentos, mantras... Flávio
não o revelou em tinta. Fiquei um tanto frustrado, só sei que tudo foi esclarecido aos
meninos de ouro de Jobson no porão do Luzeiro, no porão do Pharol. Bem os
pormenores sim, mas o “Por maior” estava para vir. Confesso que tive medo e um
sobressalto quando o li. Havia a mais secreta das câmeras do porão do Pharol, cuja
fechadura só era aberta com um somatório de chaves. Essas chaves estavam
guardades em seis cidades no mundo. Uma estava aqui em Maceió com Gino. As
outras estavam no Rio, Washington, Cidade do Vaticano, Paris e Jerusalém.
Durante as reuniões no andar acima da pensão na Capote, ficou estabelecido
a imediata desocupação dos utensílios do portão do Pharol e tudo que lá estivesse. Os
Cabeças, Já tinham um plano para onde levariam tudo do porão. Renato, que era o
rádio amador e telegrafista da Capote, nem dormia direito de tantos contatos que
recebia da Capital. Os Cabeças de lá, estavam conciliando uma reunião internacional
da Ordem aqui em Maceió. Ficou confirmada para o dia 31 de dezembro de 1948. Seria
uma maneira de comemorar os séculos no qual ficou guardo dos segredos do porão do
Pharol. Flávio relata que Jobson recebia com júbilo tal festividade da Ordem. Dizia ele:
- Nosso Deus é um Deus festivo. Por três vezes no ano, o povo hebreu festejava uma
festa para honra de Deus. Festa da Páscoa, festa da Ceifa e a festa da colheita.
Continuemos com a sua vontade! - arrematava ele. Ora, os rapazes já sabiam da
importância do Pharol do Jacutinga: Pela história, da presença de Salomão e sua
esposa egípcia em nosso solo e pelos utensílios milenares que lá estavam. O que mais
faltavam saber? Qual seria o “Por maior” ainda não revelado?
Terça feira, vinte e oito de dezembro de 1948.
As páginas dos livros de história não registraram tal evento, nem os
convidados à festividade solene. E nem poderia, pois o leitor e a leitora agora já sabem
que essa trombeta toca “à surdina”. Muitos viam para cá com posições bem diferentes
sobre a erradicação da tirania, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo. Para uns, o
emplasto era a força e táticas de milícia, para outros, os campos das ideias. Os
grandes vultos do movimento “Luz do portal de Deus” estavam prestes a desembarcar
na cidade de Flávio&Cia. Os preparativos já estavam de vento em popa. A linguagem
náutica não foi apenas uma força de expressão. Os convidados vinham mesmo era
pelo mar. Os aeroportos do país tinham seus ferrolhos trancados pela mão do
governo. Mas o infinito azul do mar tinha somente a poderosa Mão de Deus pondo o
ferrolho às suas águas. Porém, sobre a vereda ondulada, livre está para quem quiser
transitar. O portal... A entrada principal... A saída era o velho mar. A rota da
Organização sempre fora o mar. Não havia passagem tão imensa quanto ele. Elencado
são os exemplos na História. Desde a Nau do velho Noé e sua família, as viagens do
apóstolo Paulo levando o perfume de Cristo, as caravelas portuguesas, a de Cabral que
cruzou as águas do Atlântico ancorando no Brasil, as naus comandadas por Cristovão
Colombo que chegaram à América, a primeira circunavegação da Terra por Fernão de
Magalhães, o desembarque das tropas aliadas na Normandia, tornando-se o ponto
crucial da vitória na segunda guerra mundial. E por esse portal, também os desígnios
da ordem foram fomentados e saciados. Como foi saciado o do Rei Salomão e sua
Rainha. O Espigão direcionava as naus com luzes. E por falar em luzes, Gino, à noite,
aciona a luz azul, simbolizando a reunião, o encontro. Os principais Cabeças eram
apanhados pelo prático, antes do navio ancorar no Porto de Maceió. Tudo as ocultas.
Um barco de pequeno porte, cognominado Baleia pela Ordem, ancorava bem próximo
ao navio. Os membros desciam pelas escadas de cordas ou amarrado numa cesta
como o Apostolo Paulo. É apaixonante como a Ordem ama seguir a Bíblia! Barcos,
como esse, eram chamados “baleia” desde tempos obscuros, por serem encarregados
de por a bordo os líderes em alto mar, mantê-los guardados por três dias (como uma
“quarentena”, para ter certeza que o plano está em ordem) e trazê-los à costa são e
salvos. Na areia o barco vomitava-os! ( entendem? Jonas!) impressionante! Fiquei
obstupefato com o que Flávio descreveu. Sinto que ser um Cavalheiro do Luzeiro – Luz
do Portal de Deus – é uma honra divina! Bem... O trajeto do “baleia” seguia as luzes do
Pharol do Jacutinga. Gino, lá do alto, direcionava a luz do grande holofote para os
membros da Ordem, lá no navio, verem o baleia se aproximar. Já no barco, o prático
leva os líderes em direção a boca da Lagoa Mundaú no Pontal da Barra. Adentra pela
Lagoa e fica aguardando os três dias navegando pelas nove ilhas da Mundaú.
Quinta feira, trinta de dezembro de 1948
Do Mirante do Irmão Chaves, que fica por trás da Escola da Perseverança,
anexo com o Instituto Histórico e Geográfico, Flávio & Cia, do mirante, avistavam o
baleia que ancorava próximo ao mercado público. Para as autoridades, ele era apenas
simples barco de pesca. Flávio & Cia se encontram com os líderes nos jardins da Praça
Emílio de Maia que na época as águas da Mundaú chegavam perto. Todos camuflados
durante à noite, e com o auxílio de miss Black, recepcionava-os. Chegam à Capote. Lá
estavam: Ramos, Lima, Ferreira, Bento Renato, Quental Ferreira, Heitor, Leite Lopes,
Souza Andrade e Rego Cavalcante. Flávio, sem ainda entender porque, ouviu Ramos
sussurrar para o amigo Rego Cavalcante: Agora tu sabes por que pus o nome desse
mamífero com aqueles retirantes. Tenho-o por estimação, seja na Lagoa, seja no
sertão. Riram ambos. Esses foram o que Flávio contou. Mas Carlinhos disse ter visto,
também, algumas mulheres e uma que tinha um forte sotaque polonês, húngaro ou
ucraniano, um desses aí, e também, uma que tinha um sotaque forte nordestino
simpatizante pelo socialismo. E havia mais. Contudo, a função deles ali era levá-los a
salvos à Capote. Feito comprido. Os rapazes respiram aliviados. Miss Black, uiva por
mais uma missão comprida, mas como ela é uma deles, uivou à surdina!
Sexta feira, trinta e um de dezembro de 1948

Desconfio como vós, meus caro leitores, mas deixarei assim os conhecidos
nomes que estavam no Baleia. Nós hoje temos o Google, neto do Dicionário. O avô era
pesadão e sisudo. Já o neto é leve, rápido e garoto-sabe-tudo! Um anjo para quem
escreve ou estuda, mas também um diabinho para quem devaneia pela madrugada.
19h30min. A Capote estava repleta de convidados. Não bem a Capote, mas o teatro
adjunto a ela. Agora foi que a ficha caiu para Flávio. A ficha não, ainda não havia
orelhão, digamos que o código Morse tocou nele os ícones que estavam no Baleia.
Vinho e champanhe eram servido a fole. Jobson abraçava os convidados e agradecia
pela responsabilidade lhe concedida de ser o testa de ferro em Maceió. Vultos da
Literatura, Música e Ciência, os melhores, estavam na Capote para a noite de réveillon.
Muitos líderes preferiam ficar à sombra, sendo desconhecido até mesmo de alguns
deles. Era necessário ser assim. Há milênios as engrenagens do relógio trabalhavam
assim. Uma parte intelectual (Literatura, Música, Ciência), outra parte esotérica,
andando pela sobra e uma outra formada por cidadãos comuns de bons costumes.
Isso foi visto nos rapazes, além do caráter deles. Flávio e Carlinhos eram da parte
intelectual, já Israel era o esotérico da turma e Alexandre o ilibado cidadão comum.
Foram feitas várias apresentações e discursos. De repente, uma atriz bem notável
começou a dançar espargindo o aroma “de frutas brasileiras” pelo teatro. Nos
primeiros minutos da madrugada, após a saudação do novo ano, Jobson, chama Flávio
& Cia para o acompanhar ao Pharol, enquanto continuava a festa no teatro. Havia um
caminho da Capote até o Luzeiro que os rapazes não sabiam. Já no porão do Luzeiro,
eles chegam ao compartimento secreto que ainda os rapazes não tinham adentrado.
Justamente o que, para ser aberto, precisava das chaves das seis cidades! Apenas
Jobson e alguns seletos líderes estavam diante dos dois pilares que levavam à Câmera
secreta. A história de Salomão nos Incas, Maias e em nossas terras era conhecida de
todos os membros, mas... Mas... O que estava sob o Pharol, NÃO! Flávio & Cia são
felizardos. Eles viram seis homens espertos vestidos de branco com capuz vindos
dessas cincos cidades e entre eles, o idioma falado era o hebraico. Reconheceram,
pela voz, um sendo o Gino. Os pilares continham seis côvados de largura de um lado e
seis côvados de largura de outro. Os seis dizem um mantra e introduzem suas chaves
na grande fechadura de prata da câmera. Perplexidades nos rapazes. Engrenagens
seculares abrem devagar o portal. In – na – cre – di – tá – vel: A coroa de Salomão,
suas vestes (a qual se referiu Jesus em Mateus 6:29), um fac-símile de seu rosto em
ouro e ao lado a Rainha mumificada. Por minutos, Flávio, Carlinhos, Israel e Alexandre
ficaram atônicos. Flávio jura que vira uma fumaça densa tomando todo a câmera por
cerca de cinco a dez segundos. A Glória de Deus.*. Era como tivessem visto um vestígio
de Deus face a face.*. Vamos rapazes, relaxem – disse Jobson – Temos cinco meses
para tirar tudo isso daqui e levá-los ao Oriente. Vocês se encarregam da arrumação, a
Ordem se encarregará do transporte. Vamos! O tempo urge!

Terça feira, dez de maio de 1949

Flávio dá um salto de cinco meses no seu diário. Nesse ínterim, desde o dia da
grande revelação até essa data, eles fizeram um bom trabalho de embrulhar as peças
do porão cuidadosamente. A conta gotas, semanas após semanas, eles as levavam
para o barco baleia na Lagoa Mundaú. Era a rota mais segura. O baleia levava os
utensílios de prata embrulhados aos navios da Ordem em alto mar. No mês de maio já
se ouvia eco no porão do Pharol. Apenas a tão guardada Câmera secreta das seis
chaves ainda se encontrava lá. Os fascistas, disfarçados, iam voltar ao poder. A Capote
conseguia a trancos e barrancos se desviar do olhar dos profanos. Mas não por muito
tempo. O ano era de eleição. A Ordem deduziu que o país teria anos conturbados pela
frente. (E tinha razão). Os segredos do porão do Luzeiro não estavam mais seguro.
Nessa manhã, a polícia secreta invade a Capote prendendo o Marcelo. Descobrira que
ele era um informante e que fazia articulações com os presos políticos (ele trabalhava
na cadeia da Praça). Fecham a loja de Jobson e a pensão. A inteligência da Ordem já
sabia dessa invasão. Todos foram avisados de antemão. Apenas Marcelo, um idealista
comunista convicto, ficara. O irônico é que Marcelo ficou preso no lugar onde
trabalhara por anos. Enlouqueceu e de fora da cadeia dava para ouvir seus gritos: O
capitalismo merece uma bomba atômica! Maru vai para a região do Araguaia no Pará a
fim de formar novos guerrilheiros. Flávio e Alexandre ainda não tinham ordem de
prisão. E podiam trafegar livremente pela cidade. Eles eram bem discretos, não
levantando suspeitas. Já Carlinhos e Israel não tiveram como: permaneciam
escondidos nos porões do Pharol juntos com outros membros da cidade, protegendo
os Cabeças Jobson e Gino para a seqüência do plano. Israel estava convencido de ir
com os membros da Luz do Portal, junto com a Câmara de Salomão. O certo é que
Israel não sabia para onde, apenas a Ordem sabia. A inteligência da Ordem simulou
um... Digamos álibi para Israel. conseguiu um corpo de um homem recentemente
morto nas enchentes semelhante ao dele, colocou no quarto, lá ficando por três dias.
Assim que a polícia secreta arrombou a porta de sua casa, julgou ser Israel. Ele foi dado
como morto. O único pedido de Israel à Ordem foi para A Luz do Portal de Deus dar
assistência a sua filha de dez anos e assim que ela completasse maior idade, ele iria se
revelar para ela. Enquanto ao Carlinhos, A Luz do Portal o mandaria para o Chile. De lá,
Carlinhos queria ir para Cuba. Era simpatizante de um jovem médico com ideologias
subversivas chamado Ernesto Guevara de la Serna. Eram da mesma idade e membros
da Ordem na argentina falaram sobre ele e seus ideais aos rapazes. Escondidos no
porão do Pharol, os membros da Capote aguardavam para o arrebatamento. Sim! A
Câmera seria alçada. Os mesmos cinco membros guardiães das chaves estavam em
Maceió. O velho mar das Naus da Ordem estava, agora, sendo vigiado. Os profanos,
por ódio, não queriam que ninguém se aproximasse do Pharol. Nem os casais de
namorados podiam está, agora, sob o olhar do Pharol. Como eles iriam sair com a
Câmara? Só um milagre!

Quinta feira, dezenove de maio de 1949

Tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados para a salvação ...” (Rm 8, 28). E o milagre se engenhou no céu de duas
maneiras. A primeira: O sol da cidade de Maceió, que tanto encantou Salomão e sua
Rainha, estava encoberto de nuvens negras. Já tinha chovido torrencialmente por toda
a semana na cidade. A chuva castigava a cidade diariamente. Bairros como Jaraguá,
levada, bom parto ficaram alagados por dias. Durante o mês de maio quase não se via
o sol. Nuvens pesadas e baixas descaracterizava a linda capital das Alagoas. 20h45min.
Chovia copiosamente em Maceió. O dia era esse e a hora também. A profana
inteligência secreta descobrira sobre o porão do Pharol. Não tinham como mais
delongar. Flávio relata no diário que chovia tanto como que nunca antes visto. A
visibilidade não atingia trinta metros mais ou menos. Os contras chegam no Pharol.
Pretendiam dinamitar o porão. A sorte, ou o limiar do milagre, era a torrencial chuva a
qual obstava, confundia os contras profanos para armares os explosivos. Jobson
suplicava a Deus: Ó Senhor, nosso Deus, não te alongues de nós; meu Deus, nosso
Deus, apressa-te em ajudar-nos.
Sejam confundidos e consumidos os que são adversários da nossa alma; cubram-se de
opróbrio e de confusão aqueles que procuram o mal de nossos irmãos.(Sl 71:12,13). O
escape já vinha do alto. Foi tão iminente, quanto eminente! Os guardiães uniram as
chaves na grande fechadura da Câmara de Salomão. Só que dessa vez, eles deram mais
uma volta nas chaves. Abriu-se uma fenda acima deles. Os profanos pensaram que
fosse um terremoto e saíram em disparada ladeira abaixo. De lá de baixo dava para ver
as pesadas gotas de chuva intermitentes, caindo sobre a Câmara do Rei Salomão.
Todos adentraram-na, inclusive miss Black! Ah, Jobson não a ia deixar de jeito
nenhum. Súbito, um dirigível maior do que o Zeppelin num vôo rente, sobrevoou o
morro do Jacutinga, lançando cabos de aço que foram presos na Câmara pelos rapazes
de ouro. Como no arrebatamento futuro, eles foram alçado aos céus. Jobson bradou: -
Não subestimem os membros da Luz do Portal de Deus! Um alarido de alegria
contagiou a todos no dirigível. Lá em baixo, eles não sabiam o que era aquele vulto
enorme entre as nuvens. O Senhor os confundira novamente! Tudo calculadamente
perfeito e justo. Mas os desígnios do Senhor não são como a gente quer. Faltava um
de nós no dirigível. Era Gino. O guardião do Pharol ficou para iluminar o mar da
Pajuçara em busca do barco baleia. Seria o último feito de ambos: do guardião Gino e
do Pharol. O dirigível toma direção do mar. Flávio e Alexandre teriam que saltar. Não
havia para eles planos fora do país. Não no momento. Os poderosos holofotes do
Pharol não viam o pequeno barco baleia esperando por eles, por mais que Gino se
esforçasse. Na torrencial chuva era como achar uma agulha num palheiro. Jobson
pronuncia o versículo seis do Salmo dezessete: - Eu te invoquei, ó Deus, pois me
queres ouvir; inclina para mim os teus ouvidos, e escuta as minhas palavras. – Parte do
morro do Jacutinga desmorona bem sob a base do grande Luzeiro. Terras invade à rua
Barão de Atalaia. O Pharol se inclina quase tombando e seus holofotes conseguem ver,
agora, o barco baleia. O momento é agora! com a luz do Pharol iluminando o barco, o
dirigível plana bem próximo a ele. Flávio e Alexandre saltam ao mar com bóias salva
vidas. Os “pescadores” do baleia vão rapidamente ao socorro deles. Gino não
suportando mais devido a chuva, o forte vento e a inclinação faz um sinal secreto a
Jobson (o sinal milenar dos Templários) e despenca do Luzeiro abaixo. Expira entre as
terras dos porões do Pharol. Qual seria o destino final da Câmara do Rei Salomão?
Seriam Pirâmides do Egito? As Muralhas da China? Ou o subsolo da Cidade do Vaticano
no porão da Basílica de São Pedro? Não sei lhe responder, pois o nosso poeta que
escreveu o diário não foi com eles. Voltou para os braços de sua Anne Laura.

EPIFANIAS
Respiraram bem fundo após a odisséia das páginas anteriores? Voltemos, agora,
nossos olhos à garota saída da costela de Flávio Borges. Lembram? Deixamos Anne
Laura na noite do dia 27 de maio no bonde que já passara pela Praça Sergipe, tomando
rumo à Praça do Centenário. Anne mostrava-se atormentada pelo horário em que ia
chagar em casa. Descera do bonde às 19h30. Morava próximo a Igreja dos
Capuchinhos. Dona Albertina já a esperava ansiosa à porta do casarão de sobrados.
Caros leitores, infelizmente, nosso conto não há somente heróis, lirismos, poetas,
canções e aventuras. Há um vilão. Cel. Galdino Bezerra era o nome do antagonista.
Amigo de políticos e admirador de Vargas. Um militar da reserva que “caçava” os
comunistas. Quando tenente, tinha perseguido a coluna Preste. Era avesso à cultura.
Era um déspota às escuras. Não via cores nas poesias e era desafinado à música.
Nenhuma criada ficava por mais de um mês a seu serviço. E vocês já desconfiam que
esse tirano, maculando o conto lírico de Anne & Flávio é o pai da dona do coração do
nosso poeta. No jantar, Galdino Bezerra diz ter encontrado um partido para Anne
Laura – Anne, no fim de semana teremos uma visita. É o Jorge que vem de
Pernambuco. Ele será um bom partido para você. O pai dele é dono de um engenho lá
pelas terras pernambucanas. É um amigo meu recente. Do partido de Vargas. Gostei
do Jorge filho dele. É homem pra valer! Não é desses que ficam recitando poesias, nem
tocando violão – Disse o velho coronel com a xícara de café à mão – Por que és avesso
a cultura meu pai? – contestava Anne Laura – Veja: a arte está em todos os cantos e
recantos; até mesmo sem percebermos, podemos esculpir artes em nossas vidas e
nem é preciso ser Flávio Borges! Tu mesmo estás expressando artes agora! Seus gestos
com essa xícara, sua entonação de voz já faz do Senhor, meu pai, um emissário da
arte! E essa inscrição com letras góticas na xícara, meu pai? Coronel Galdino olhou

para a imagem na xícara que mostrava: Galdino e Albertina com amor para
sempre. O velho coronel estava agora, além da xícara, também com o coração na
mão. Ele foi levado para um passado há quase trinta anos. O tempo da inscrição. Dona
Albertina não segurou a emoção. As lembranças levaram a descompassar
poeticamente o velho coração do guerreiro. Mas o orgulhoso coronel não queria ser
vencido por uma enamorada de um poeta - Já para o quarto, Anne Laura – bradou um
Galdino quase amolecido. E refazendo-se disse: Esse tal de Flávio Borges fez direitinho
a cabeça de nossa filha. Albertina olhou bem nos olhos do amado e lançou las
palabras: Tu podes vencer a enamorada e seu poeta, mas não e nunca a poesia!

Na manhã seguinte, os alunos da sala de aula onde Flávio era o tutor foram
dispensados mais cedo. O professor das duas últimas aulas não fora naquele dia. Flávio
foi até o Relógio do Marcado, “à sombra do relógio”, como ele mesmo diz e, como de
costume, foi esperar seus confrades. Lá ficou sabendo que dona Eulália, que não ia a
sua quitanda há quase um mês, piorara seu quadro de saúde. Uma irmã de Eulália
deixou um recado para que Flávio e Anne fossem urgentes vê-la. De proto, Flávio foi
esperar Anne em frente ao colégio Sacramento. Por volta das 12h30, Anne o viu no
outro lado da calçada e o saudou na cordial saudação de sempre – Caiam tardes
poéticas, Dr. Flávio Borges! – De vespertinas poesias, Sra. Anne Laura! E os dois
juntos: – que brotem poesias em mim e em ti! Olha Flávio, papai e eu tivermos uma
séria discussão ontem à noite – eu quero falar com ele – disse Flávio – não, não ele não
o recebeu da última vez e não o receberá. Ele não gosta dos poetas. – Acho que teu pai
não gosta é de mim, Anne. Ele quer um melhor partido para você. Mas... Venho aqui,
não para falar sobre isso. É para irmos visitar dona Eulália. Tive um recado da irmã dela
que ela vai de mal a pior. – ela ainda não curou aquela maldita pneumonia – lembrou
Anne - Vamos á Praça dos Martírios esperar o bonde. Descendo a ladeira do farol, eles
olharam para o imponente Pharol que lá do alto observava todos os acontecimentos
na cidade de Maceió. Dona Eulália morava no bairro de Bebedouro. Os olhos do pharol
também chegavam por lá. Apanharam o bonde às 13h10. Estavam tão aflitos que
sentaram na primeira fileira do bonde para chegar mais rápido. Bebedouro na época
possuía casarões na sua avenida principal com vista à lagoa Mundaú e à linha férrea.
Destacava-se por ser um festeiro bairro com as quadrilhas juninas e os pastoris e
reisados pelo Natal. Anne nostalgiava às Festas realizadas por dona Eulália, os ensaios
das quadrilhas e do pastoril na Praça Lucena Maranhão. O bonde parou em frente à
Praça. Os dois foram correndo à casa de dona Eulália que fica a poucos metros da
Praça. Tia, é o Flavinho com a Anne – falou a Natasha, uma das sobrinhas de Dona
Eulália. - Como está ela? – indagou Flávio – ela respira com dificuldade, Flavinho. O Dr.
Disse que o estado dela é muito grave. Será que ela vai morrer? – falou chorando a
irmã de dona Eulália. Tenha paciência e vamos entregar tudo a Deus – conformou-a
Anne Laura. Sabe... - disse a irmã dela - Ela quer falar com você, Flavinho e é muito
importante, mas ela está descansando... – Deixa-a descansar... Eu vou esperar o tempo
que for – disse Flávio, já se conformando.
17h25. Flávio, não posso esperar mais – Disse Anne - Vou apanhar o bonde
das 17h30. Não quero ouvir outro sermão de papai. – Está certo, Anne. Nós
compreendemos. Antes de sair, Anne beijou a testa fria de Dona Eulália. Despediu-se
dos familiares e Natasha foi levá-la até o ponto do bonde. 19h40. Carlinhos, Israel e a
confraria em peso estavam prestando as últimas homenagens a quem tanto os
estimou e admirou-os. Flavinho, Eulália se acordou... Ela quer falar com você agora!
Flávio Borges segurando a mão de Eulália ouviu uma surpreendente, inesperada
confissão: - Flavinho... - Sim Dona Eulália – Seja esse bom rapaz de sempre. Nunca pare
suas poesias... Cuide bem de Anne... - Sim dona Eulália... Eu cuidarei... - Flavinho...
Anne Laura é minha filha! Flávio Borges não segurou as lágrimas. Em prantos soluçava
ao corpo quase moribundo de Eulália. O Padre entrou para dar a extrema unção.
Estavam só esperando o desfecho do poeta com sua sogra. Atordoado, ainda teve
forças para dizer – Seus netos terão muito orgulho da Senhora! Minutos depois, Eulália
espirou profundamente e expirou.

16 de setembro de 1948. 16h10min

A cidade está em festa. É a comemoração do dia da emancipação de Alagoas.


Alunos dos diversos colégios do Estado estão desfilando no Centro de Maceió em volta
da Praça dos Martírios onde eram os desfiles. Flávio tinha acabado de desfilar e foi
esperar sua amada na Praça Gonçalves Ledo. De lá eles iam ao Farol de sempre. Eles
gostavam de fazer esse percurso da Praça Gonçalves Ledo até o farol entre as árvores
de amendoeiras, a fruta preferida de Anne Laura. Flávio estava se lembrando do dia
que revelou a Anne que Eulália era sua verdadeira mãe, dias depois da morte desta.
Eulália foi trabalhar na casa dos Bezerras grávida de Anne. Como não tinha recursos
para criar a filha, a deu a família Bezerra. Albertina foi cordial com Eulália a deixando
criar a filha, enquanto trabalhava na casa. Após ter revelado tudo isso a Anne, ficou
acordado que ela não diria nada aos pais adotivos. Anne era grata aos pais adotivos
que a criara com amor e conforto. De repente, Flávio ouviu a deliciosa saudação –
Caiam tardes poéticas, Flávio Borges! – De vespertinas poesias, Anne Laura! Juntos:
Que brotem poesias em mim e em ti! Estás a esperar por muito tempo? Preocupou-se
Anne – Não, eu estou pensando cá com meus botões – sobre nós? – disse Anne – Sim.
Sobre nós e o nosso futuro. Os dois abraçados tinham por costume ir andando e
empurrando com os pés, compassadamente, as folhas secas das amendoeiras fazendo
um barulho que cobria os sorrisos dos enamorados a caminho do Farol – Pára Flavio, já
estou cansada – implorou divertidamente Anne – As folhas secas das amendoeiras
estão espalhadas por toda a Rua que leva a Igreja de São Gonçalo – disse ludicamente
o menino Flavinho. Chegaram ao pé do Farol. Dessa vez, Flávio ousou subir a torre do
Farol. Gino, sorrindo, acenou de longe com um sim. E lá do alto ambos contemplaram
toda Maceió. – Não podemos ficar por muito tempo aqui, Flávio! – É uma paisagem
deslumbrante: Mar azul, Lagoa Mundaú, as belas fachadas das lojas do Centro da
Cidade...Dizia empolgadamente Flávio Borges – continuas auxiliando teu tio nas
restaurações, Flávio? Sim; hoje mesmo, pela manhã, fizemos uma restauração numa
loja na Rua Barão de Penedo, em frente à Praça Monte Pio: São três anjos. Confira
depois! Fui eu quem sugerir as figuras los Angeles e meu tio as esculpiu. – Você é um
exagerado, Flávio – Não são todos que tem uma Anne Laura insurgindo inspirações.
Sempre que surgi uma oportunidade nas restaurações das fachadas do Centro, eu
ponho uma pista, um símbolo que eternize o nosso amor – Veja, Flávio: o laranja
celeste sobre a Lagoa Mundaú! Que lindo! – Tudo é minúsculo sem você ao meu lado,
Anne. Nisso os holofotes do Farol começam a girar no despedir da tarde. Surgem-se as
estrelas. E como de costume, a brisa sopra meneando os cabelos de Anne que, na
percepção de Flávio, é o sopro de um anjo: A deixa para o beijo! Gostaria agora,
queridos leitores, que vocês mesmos criem as falas de Flávio e Anne. Sim! Todos nós
somos e já tivemos momentos dos enamorados! Imagine-se você, leitora, no lugar de
Anne Laura ou você, meu caro varão, no lugar de Flávio Borges. Tenham uma tomada
de uma filmagem de novela dentro de um helicóptero sobrevoando em círculos o
majestoso Farol! O Semeador saiu a semear... Vamos semear as letras! O público será
os anjos na época da colheita (publicação). Lanço as pontuações. Vocês, lapidores de
las palabras: Flávio_________________________! –
Anne__________________________ ! Flávio____________________________
_________,___________________? – Anne
_______,__________!____________;_________.___________________! Flávio -
_____________,____________!______________._________________? – Anne
_________________;______________!
Não sei o que escreveram, mas sei que agora os dois enamorados, saindo do
Farol, vão à Igreja da Catedral. Ele quer surpreender sua amada com mais um suvenir
de escultura. As flores já eram um suvenir um tanto corriqueiro ao gosto insaciado do
poeta Flavio Borges. O Pároco da Igreja já tinha recomendado a Sulino, o tio de Flávio,
uma nova decoração no interior da Catedral. O exagero poético de Flávio Borges o fez
persuadir seu tio a pintar o teto da Igreja com estrelinhas, simbolizando a noite do
primeiro beijo de Flávio & Anne ao pé do Farol. A outra surpresa foi quando Flávio
mostrou o anjo segurando o lustre no canto esquerdo no alto. Simbolizava o sopro dos
meneios dos cabelos de sua amada feito pelo anjo. – Extraordinário, Flávio. Estou
estupefata! É lindo! Não mereço. – Nós merecemos, Anne! É um agradecimento à
poesia que, para mim, também se chama por Anne Laura! – Flávio, eu vou aproveitar
esse glorioso momento para lhe expor uma extraordinária notícia– Estou notando você
um tanto irrequieta, Anne – Sabe, Flávio... É... Aproveitando tudo isso que você nos
presenteou... Beije-me antes... Beije-me – um brinde a nós! ... Estou esperando um
filho teu, meu poeta Flávio Borges!

Ah!! Não me pergunte como foi isso, amada leitora. Flávio levou muito a sério
o pedido de Eulália; está aqui no diário deles: “dia 16 de setembro, o dia que revelei a
Flávio que ele seria pai”. Nas o certo, leitora virtual amiga, é quando o amor entre duas
pessoas não cabe mais no peito, nasce uma outra vida! Peguei essa frase postada lá do
face. Agora, após a emoção e o deleite da cena, vamos por os pés deles no chão,
porque eles devem estar com os anjos nas Hosana nas alturas. Anne – Mamãe já sabe.
Não tive como esconder isso dela. Ela gosta de você. Sabes que tu és homem de
manter família. O problema é meu pai... Temo pela tua vida, meu poeta! – Que
faremos? Fugiremos? – não, não Flávio. Papai é muito influente. Vargas vai voltar ao
poder e nós seremos perseguidos no país todo. Temos que pensar no bebê... No nosso
bebê, Flavio. Encontraram a solução: Ela teria que se mudar para a Capital; morar na
casa de uma tia materna de Anne. Albertina diria ao marido que Anne rompera o
namoro e daria uma guinada na vida. Tinha o propósito de fazer uma faculdade.
Pronto. Plano traçado. Só falta agora separar a musa do poeta. Simples, não?

Não, não foi simples. Abrupta foi à dor da separação. Como poderia a metade
viver ser a outra? Seca-se a tinta da caneta de Flávio Borges. O dia da partida foi
previsto para outubro. Reduziram-se os encontros. Os lindos encontros tinham as
ladeiras. Menos esforços melhor. O motorista ia apanhá-la sempre por recomendações
da médica de Albertina. Os encontros eram, agora, próximos a casa de Anne e com
todo o cuidado para que Galdino não perceba. E assim foram levando... Até o doloroso
dia da partida.

17 de outubro de 1948. Eram cinco horas da tarde. Os ônibus interestaduais


paravam na Praça Deodoro. O de Anne estava marcado para sair às 17h15. Galdino
Bezerra dava recomendações à Anne de como proceder na cidade grande. Albertina
abraçava-a e cochichava em seu ouvido sobre os cuidados com o bebê. As colegas do
Colégio foram se despedir de Anne. Lá estavam Ivonete, Vânia, Josefa França dentre
outras amigas. Anne senta na poltrona número catorze. O que ela mais queria ter
junto dela naquele momento estava a poucos metros de lá... No coreto... Em pé. Os
olhares se encontraram! Os dois fazendo leituras labiais de ambos disseram pela
última vez: Caiam tardes... Vocês já sabem. Ele ainda apontou para o Farol deles. Ela
teria que se acostumar sem o poeta e o farol. Ele teria que se acostumar sem a musa e
da inspiração que brotava dela. Foi uma tarde sem poesias.
Cinco anos depois
...
Ausência
Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 1953
Querido Flavio,
Como vais de saúde, papai Flávio Borges? Nossa querida Caroline vai muito
bem. Pergunta sempre pelo papai. Ela já está rabiscando algumas palavras. Digo a ela
que o pai é um poeta e que adoraria ver a filha já lendo seus poemas. Tia Tonha é muito
paciente. Tanto comigo quanto com Carol. Por ser viúva e sem filhos, nós somos os
parentes mais próximos a ela aqui no bairro das Laranjeiras. Na tua última carta, fiquei
sabendo da demolição do Pharol da Catedral e da desativação dos bondes para breve. Eles
vão estar no coração meu e teu sempre. Já economizastes bastante. Creio que já está na
hora do poeta reencontrar sua musa. Estamos te esperando ansiosamente, Flávio Borges.
A princípio, tia Tonha quer que você fique aqui com a gente. Busca o calor familiar. A
casa é grande. Ela se sente muito sozinha. Apenas tem a agradável companhia da sua
querida vizinha Dalgísia a acompanhando nas suas idas ao centro da Cidade e a
recreando com suas gargalhadas contagiantes. Ontem, passeando com Carol, passamos
pela Academia brasileira de Letras. Ela apontou para o busto do dono da Casa. Acho
que ela será uma escritora, Flávio. Ela puxou o pai. Dê um abraço nas minhas colegas.
E a todos da CentralGórica. Saudades de Maceió.
Tua eterna enamorada,
Anne Laura
Os preparativos para a ida de Flávio ao Rio já estavam na reta final. O difícil
para ele era deixar seus amigos e seus queridos pais. Mas o poeta estava apático há
anos. Vivia abatido sem inspiração. Sua terapia era por nas fachadas da cidade
vestígios de seu amor por Anne Laura. No dia 22 de dezembro de 1953, próximo do
natal, no coreto da Praça Deodoro, ele recitou o poema feito para a amada distante de
agora que outrora estava em seus braços. Os recitais já não eram mais tão festivos
como antes, pois seu poeta maior queixava-se de ausência. Flávio foi o terceiro a
recitar. Ele recitou seu poema de fronte para a esfinge no cimo do Teatro, que ergueu
em homenagem aos recitais da Praça. Recita poeta o poema! E o poeta falou:
Estou ausente de inspiração;
Busquei em vão à perfeita musa;
Jaz oh poesia do coração;
Encarcerado estou à lusa;
Finjo então, eu estou a fingir;
Como o ele mesmo já fingiu; (Fernando Pessoa )
Cada um ao seu tom a tingir;
O amor, a dor e o que vir!
Eu vou aos cuidados da Métrica;
Ia em vôo livre se com ELLA;(Anne)
Tiro o leite em pedra tétrica;
A ausência dela esfria, gela;
Se não tenho o fio da meada;
Que me impulse o sopro ardo;
Capaz sou a poesia zelada;
Mas sem ela, atravesso o Fardo;
Danço olhando a passo cauto;
Tento ouvir a música clássica;
A pena prática falto;
E a lei e os grilhões da gramática;
Escrevo, busco a tal forma;
A outra em meus braços existia;
Ponho os meus versos na forma;
Só hei livre a POESIA!!!

26 de dezembro de 1953

Nosso poeta parte para o Rio. Na despedida, apenas seus pais e a confraria. O
poeta Flávio Borges deixa sua terra e vai ao encontro de suas amadas. Poucas palavras.
Muitas emoções. Quando o ônibus partiu, um ex-membro da Capote: Vai o iluminete
Flávio Borges. Ficam as suas poesias e as misteriosas fachadas na cidade.
Fez-se um book
Maceió, 04 de abril de 2012. São 17 horas.
Com o conto de Flávio e Anne nas mãos saio pela cidade. Costumo chegar do trabalho
em casa por volta das 16h. E vez por outra, saiu para ler algum livro técnico de
concursos ou romance. Fiquei impregnado da bela história dos enamorados do Farol.
Será que atingi o intento de um conto? Será que Flavio Borge e Anne Laura iriam
gostar do que fiz? Bem, antes que o olhar da crítica o veja, eu teria uma enorme
satisfação que o olhar de VISÃO do nosso querido Mestre Educador Eduardo
Sarmento, que tanto fez a felicidade de gerações, sentencie o capricho literário desse
seu aluno, no qual gostaria ainda de vê-lo em pé numa lousa o ensinando essa
apaixonante e delicadíssima Língua Portuguesa! Fui conferir, ao vivo, os vestígios de
Flávio Borges. Passei descendo a ladeira do Brito e procurei a Maria da Conceição na
calçada tal qual Flávio Borges fazia. Atravessei a Rua do Sol com cuidado não só dos
carros, mas pela virtual passagem de um bonde! Adentrei no Beco São José, dobrei à
esquerda e caminhei pelo Comércio olhando as fachadas em busca de uma pista, de
um símbolo deixado por Flávio para sua eterna amada. Sinto que tais fachadas estejam
cobertas pelas marquises das lojas. Chego até a Praça Deodoro. Olho a cima da
fachada frontal do Teatro Deodoro e vejo as esfinges que Sulino e seu sobrinho Flávio
ergueram em homenagem à poesia. Fitei por um pouco a contemplá-las! Nunca antes
tinha caminhado pela cidade como agora: olhando para os cimos. Chego até o
Mercado, atravesso os trilhos e vou bem junto ao Relógio do Mercado onde a sua
sobra eram realizadas as aulas da CentralGória. De repente, ouço o apitar do trem, que
agora é o moderno VLT. Já é hora da próxima aula! Oh! Divaguei-me por uns instantes!
Volto ao real. Sigo ao calçadão do comercio. Passo em frente à Igreja do Livramento e
ouço o ativista Carlinhos discursando calorosamente. Passo pela Rua Barão de Penedo
quase de esquina com a Praça Monte Pio, vejo Los Angeles um grupo de anjos
esculpido pelo tio de Flávio, com a sua ajuda para Anne. Eu perguntei sobre de quem
foi à autoria dos anjos, disseram que foi na década de 30, outros não sabiam. São os
bem guardados segredos dos iluminetes. Como seriam os jovens Flávio Borges e Anne
Laura hoje? Teriam facebook? Comunicar-se-iam por Smartfones? Será que foi a época
que proporcionou o poeta e sua musa? Será que foi a magia do Pharol? E hoje em dia,
será que surgirão novos casais como eles? Com essas reflexões, chego a Igreja da
Catedral. Refaço a emocionante, compassada subida pelas escadarias. Tal qual o
primeiro encontro de Flávio & Anne. Tento imaginá-los no pátio central. Gostaria tanto
agora dá-los um cordial abraço! Não sou católico, mas seria impossível não apreciar o
teto estrelado da nave da Igreja e seu anjo sustentando o lustre. A pura materialização
do amor de um rapaz por sua enamorada. Os templários irão dizer que tenho a mente
fértil. O Bispo irá dizer que é mais uma história de amor. Mas fiz baseado no diário de
Anne & Flávio que jaz em livro. Agora... A emoção final... Chego ao que foi antes o
Pharol. Agora sou eu quem olha para o vazio. Entendo agora o gesto deles, quando os
vi. Sento no mesmo banco onde meses atrás, o próprio Flávio Borges me presenteou o
manuscrito. Sinto a brisa em meu rosto, ou melhor, o anjo de Anne Laura soprando em
meu rosto. Agora já estou capacitado a responder a saudação que a Senhora Anne
Laura me fez quando entrara no carro. Respondo bem baixinho: De vespertinas
poesias, Anne Laura!!!!!! Uma lágrima escorre pela minha face. Abro o conto: “sob o
olhar do Pharol” e o leio, também, sob a aprovação e o olhar de Deus.

“Porque os olhos do senhor estão sobre os justos” (I Pedro 3,12)

FIM
.*.
marconifoc@bol.com.br
Praça Emilio de Maia. Onde eram as aulas da CentralGótica.

A Catedral e atrás o Pharol de Flávio e Anne.

Palácio dos martírios; detalhe: o bonde cheio e com gente pendurada! Ta qual
a canção dos estudantes!
Dedico aos vírus que roeram a
memória virtual do meu computador a
apagando para sempre; não à aqueles
incompetentes vermes que, apesar de
roerem, foram incapazes de apagar da
imortalidade as memórias de Brás
Cubas!
Marconi .*.

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