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2015
O manuscrito
“Eis que os olhos do Senhor estão sobre os que
o temem, sobre os que esperam na sua
misericórdia” (Salmos 33. 18)
P
ela aprovação de Deus, uma folha cai em curvas suaves diante do
olhar disperso de Flávio Borges. A folha plana lentamente e cai ao
chão. Momentos após, seus olhos miram ladeira abaixo em busca de
uma silhueta feminina, que também, em suaves curvas, sobe delicadamente pela
calçada. Mostrava-se serena, andar elegante que logo esboçou um sorriso ajeitando os
cabelos. Encontraram-se nos olhares. Religiosamente, os caminhos de Anne Laura e
Flávio Borges se confluíam vespertinamente sob o majestoso olhar do farol da ladeira
da Catedral e sob a aprovação de Deus.
Há, leitores amigos, melhores olhares do que estes: De Deus, do Farol e dos
enamorados? Sei que dirão: E os olhares das mães? Mas para essa circunstância, os
olhares das mães de Flávio e Anne, especificamente, seriam severos; no mínimo
receosos. Não seriam aqui oportunos; não em tal encontro. A paisagem era linda junto
com os casais de enamorados que se deliciavam no Mirante do Farol. Mas o nosso foco
é exclusivo. O casal aprovado por Deus: Anne Laura e Flávio Borges. Ela o saúda –
Caiam tardes poéticas, Flávio Borges – De vespertinas poesias, Anne Laura - Ele
segurando nas mãos de Anne a levou próximo ao Farol - Querida Anne, estás linda tal
qual esse cair de tarde! E sempre pontual – elogiou Flávio Borges – desci do bonde na
Rua do Comércio e o relógio oficial marcava 17h40min, quando surgi uma
oportunidade, sempre passo pelo Centro e hoje, só posso ficar ate às 19h – discorreu
ainda um pouco ofegante Anne Laura. Flávio soprando em sua testa... - Estava olhando
o mar e agora navego pela emoção quando te vejo – ah Flávio... Sempre poeta! Será
que sempre vai ser assim? – sempre! Até ao último brilho do teu olhar, quando a
desejada chegar – não quero que a canse, Anne, mas teu olhar me põe em transe –
somos jovens demais, Flávio; tu falas tão sério... Ahh Anne, tua voz emite ternura em
estéreo... Nisso a brisa que sopra do Mar da Avenida maneou os cabelos longos de
Anne Laura, talvez fosse soprado pela boca de um anjo para dar melhor deslumbre a
cena! E o Farol começou a girar seus potentes holofotes transformando a cena num
espetáculo ao ar livre. Já era hora de um beijo! Os dois enamorados inclinado (ele mais
do que ela ) atingem o clímax dos enamorados: o beijo com seus estalos e sussurros!
Sinta e veja a cena leitora amiga: folhas de outono caindo, passarinhos pousando nos
galhos, as cigarras cantando em busca de acasalamento... É a natureza em volta dando
um toque divino. Vamos deixar por um pouco Anne e Flávio, pois agora não há mais
diálogos entre eles. Ambos falam agora tão baixinho, os burburinhos de namorados,
que não os escuto mais. Eu lendo o manuscrito dos dois, o diário, imagino que foi
assim... Não sei. Eu não estava lá, amigos leitores. Flávio Borges, por propósitos seu,
não detalhou em demasia. Deixou os detalhes do desenrolar dos beijos, abraços,
carinhos ao bel prazer de quem os lesse. Pois todos nós temos natos os impulsos dos
enamorados! Mesmo que cada qual com o seu. Os maestros, por mais que se
esforcem, não conseguem exprimir o tanto de sentimento que propuseram Johann
Sebastian Bach ou Heitor Villa Lobos em seus Opus, mesmo com todas as notações
musicais existentes. Assim também são nas letras. As pontuações não exprimem tudo
que o poeta ou autor intenta. Embora chegue bem perto. E bem perto estão Flávio
Borges e Anne desejando que tal momento demorasse mais e mais. Só que os dois
foram interrompidos pelos sinos da Catedral que badalavam para missa das 19h –
vamos indo, não posso mais demorar – vou com você até o bonde – os dois desceram
a ladeira do farol que hoje é a ladeira da Catedral, passaram pela oponente lateral da
Catedral Metropolitana de Maceió, era a Igreja onde Anne congregava com seus pais,
seguiram pela calçada adentrando à direita, passando pelos correios seguindo à Rua
do Sol. Assim que passaram pela Igreja do Rosário, Flávio comentou - ainda vou colocar
sinais nessas facheadas do Centro simbolizando nosso amor – Deixa de exagero, Flávio.
Anne estava apreensiva... Anne Laura Tinha 17 anos apenas. Flávio 18. Jovens demais
para estarem nas ruas dos idos de 1948, numa época que se estimava princípios. E
algumas famílias à porta na calçada, conheciam os pais de Anne – olha o bonde vem
vindo, vou pedir que pare – vendo o braço gesticulado de Flávio Borges, o condutor do
bonde elétrico, que acabara de passar pela Rua do Apolo na praça dos martírios,
parou-o bem devagar. Flávio ajudou Anne Laura a subir no bonde que logo partiu em
direção a ladeira do Brito – Até a próxima tarde poética, Anne, vemo-nos em breve –
Sim, Flávio! Até a nossa próxima vespertina poesia! Eu o amo! Era costume deles
trocarem afetos de palavras e gestos sempre em despedidas, como que aproveitando
cada instante até os últimos. Ela na fileira de trás, em pé no bonde, olhando seu herói
se distanciar cada vez mais e ele correndo a ladeira do acima, passando pelo Instituto
Histórico e chegando ao pé da ladeira Ambrósio Lira, era até onde seu fôlego ia,
proclamava - Eu também te amo Anne Laura! E apontava os feixes de luz dos holofotes
do Farol circuncidando o estrelado céu de começo de noite em Maceió.
O jovem enamorado voltava feliz pelo desejo de rapaz saciado nos idos
1948. Viu Maria da Conceição sentada na calçada na ladeira do Brito no mesmo canto
de sempre, pedindo o cotidiano auxílio. Deu CR$ 2,00 (dois cruzeiros). Ela o agradeceu
– Deus lhe pague Professor Flavinho! E este lhe aconselha: - já é começo de noite,
dona Conceição, já é hora de ir para casa. Dona Conceição sempre chegava à ladeira
do Brito pela manhã e passa o dia todo fazendo sua atividade de pedinte. Mora no
bairro da Levada próximo ao mercado central. Seu marido é pescador da límpida lagoa
Mundaú, que em 1947, suas águas chegavam bem perto do mercado e da linha do
trem e dava até para tirar o sururu com o nível de suas salobras águas no meio da
canela. Dona Conceição se acordava bem cedo. Esperava seu marido chegar da pesca
lagunar. Preparava o café, saindo após para seu serviço de mendicância. Passava pela
rua das cacimbas, atravessava a Rua Ceará, percorria grande parte da rua santo
Antônio. Vez ou outra, ela ia visitar sua tia velha lá na rua do sopapo. Dona Conceição
sempre passava pelo mercado central desejando adquirir os legumes, frutas e carnes
expostos á venda no mercado. Tinha um propósito de por uma banca para vender
sururu que seu marido pescava. Mas para isso, precisava comprar o ponto e uma
banca, que por ocasião, ainda estava longe de seu alcance. Dependendo do
dinheirinho levantado da mendicância, fazia a sua feirinha. O sururu pescado pelo
marido era só para o sustento da família e o que sobrava, ela vendia a porta de casa.
Dona Conceição adentra a rua das árvores e a percorre até a rua do sol, tomando á
direita quando chega à ladeira do brito, local de sua atividade de mendicância diária.
Flávio Borges a via quando ele passava pela ladeira do brito em direção ao colégio
Santíssimo Sacramento, onde Anne Laura concluía o segundo ciclo e lá mesmo
estagiava como professora do ginásio. Foi num dia, depois do habitual auxílio, que os
dois se conheceram formalmente se tornando amigos. Dona Conceição perguntou a
Flavio quando seria o novo recital de poesias lá na Praça Deodoro.
- A senhora gosta de poesias?
- sim! Meu pai foi repentista lá nas Palmeiras dos índios.
- deixe-me ver alguns poemas teus.
- não seio ler, Professor Flavinho.
- ah! Não se preocupe; se a senhora quiser, apareça lá na venda de dona
Eulália, fica em frente à Praça Emílio de Maia. Eu e meus amigos damos aulas iniciais
de Português, Matemática entre outras matérias lá mesmo na Praça entre os belos
jardins.
Começou daí uma parceria na construção de alguns poemas, crônicas de
Flávio. Não digo a vocês que me lêem que os poemas e as crônicas eram tecidos a
quatro mãos. Não. Pois Conceição nem sabia o Bê a Bá. A sacada de Flávio foi avistar
em Conceição uma prendada contadora de histórias, pois fora criada no recinto de
repentistas. Ela tinha um dom de criar estórias de cabeça. Se eram histórias com H ou
E, não se fazia importância. Mas que da contadora de história Conceição dê subsídios
para Flávio. Ela era uma observadora em tanto. Mas é claro! Ela assistia as cenas
sociais da sociedade maceioense da época. Via quando o Dr. Funalo de Tal entrava no
barzinho da esquina e saia a todo trôpego. Via quando seu Joãozinho subia pelo bonde
à ladeira de manhãzinha com dona mariazinha e descia à tardinha com dona
marianinha. Havia um cidadão de seus 40 e poucos anos, meio calvo, de óculos que
morava próximo de lá. Tinha já morado no Rio. Ele era galanteador e se gabava de ter
conhecido os vultos da Literatura na época como Rachel de Queiroz, Clarice Lispector,
Jose Lins do Rego e o nosso Graciliano Ramos. Dizia ele que tivera até um pequeno
flerte com Clarice. Ela ouvia isso de um bar na esquina da Rua do Sol, quando ela ia
pedir água. Marconi era o nome dele. Estudara Economia no Rio e de lá também tinha
concluído o curso de Letras. Ele ensinava Literatura no Colégio Estadual. Vez por outra,
Marconi colaborava com a turma de Flávio, dando aulas na nossa Escola no mercado
central. Passava por Conceição também o professor Diógenes, indo à missa da Igreja
do Rosário. A Dona Marise, Irmã do Marconi, moradora da ladeira transversal a da
ladeira do Brito, a qual, às vezes, dava um auxílio à dona Conceição. A menina moça
que tomava o bonde cedinho para ir ao Colégio Bom Conselho em Bebedouro,
sonhando que a UFAL fosse implantada logo, para não ter que fazer seu curso
universitário no Rio. O Raimundo, morador de um sítio próximo à Igreja de Santa
Terezinha, passava todos os dias bem cedinho para sua corrida na Praia da Avenida.
Vez por outra, Marconi o acompanhava nas corridas na praia da Avenida. Eram tempos
fraternos no qual as pessoas bem mais se conheciam, mesmo que só um olá, um como
vai, um aceno de cabeça. E não faltavam personagens pelos atentos e fecundos olhos
de dona conceição. Dona conceição não queria ser fofoqueira. As cenas é que saltavam
a ela! Não tinha como fechar os olhos. Se assim fizesse, poderia perde a esmola... Mas
o fato é que Conceição observava as ocorrências e as processam como história de
cordel, acrescentando algo ali; tirando um por menor aqui e assim descrevia para seu
comparsa de literatura Flávio Borges que datilografava adaptando, enxugando para só
sair o necessário para tecer suas crônicas mudando os nomes, mudando alguns itens,
para não evidenciar por demasia os personagens reais ( como a cerveja por água ) que
eram lidos nas já famosas crônicas do Borges que ele publicava no Jornal local. E
algumas dessas crônicas eram os causos de Dona Conceição já adaptados. Um amigo
de Flávio era chefe do Jornal e sabendo do talento do amigo, publicava suas crônicas e
poesias. Conceição foi de resoluto estudar com a turma de Flávio. Era a primeira a
chegar à “sala” ao ar livre improvisada nos jardins da Praça Emilio de Maia mercado
central de Maceió. Um dia, Flávio recebeu a paga por ter um coração voluntarioso de
compaixão pelo próximo. Conceição, dessa vez, não mais citou de boca como de
costume seus causos para Flávio; ela mesma escreveu num bloco de papel entregando-
o para as devidas correções e adaptações. Para Flávio, isso é de uma verdadeira
cotação vultosa!
Flávio, após ter deixado Anne Laura no bonde, adentra no Beco São Jose,
entra à direita na rua do comércio e ainda encontra o bar de Seu Miguel aberto que
fica na esquina da rua das árvores com a rua do comércio. Pede um caldo de cana e
segue pela rua das árvores. Passando na loja Cometa, loja de disco de cera de 78 RPM,
encontra seu intelectual amigo Carlinhos. Falam rapidamente sobre a próxima reunião
da confraria que se reuniam à sobra do Relógio do Mercado. Eram em torno de cinco,
oito amigos que se encontravam para falar sobre política, futebol, poesias, tocar
violão, comentar novidades da Capital e apreciar as mulheres. Lutavam por uma
Maceió com água encanada, com rádio difusão e mais lugares de lazer. De lá, Flávio
tomava inspiração para escrever suas crônicas, retratando as pitorescas personagens
da cidade. Um cronista tem que está perto do cotidiano. Sua mente adubada
fertilizava as cenas sociais. Com paciência, vai montando, podando e até mesmo
truncando fatos sociais, dando a luz às suas já famosas crônicas borgianas. Uma
hilariante crônica sua foi sobre dois amigos que trabalhavam nos Correios. Eram o
Toinho e o mulato Jorge. Ambos eram torcedores respectivamente do CSA e do CRB.
Flávio os via discutindo sobre futebol, quando juntos iam para o trabalho. O Toinho
discutia tão alto que até sobrepujava os alaridos da feira do mercado. Não tinha como
deixar de prestar atenção neles. Mas tudo numa boa gozação! Apostavam bebidas e na
semana seguinte ao jogo quem perdesse pagava a birita. Um dos bares onde bebiam
era o bar do peladinho logo na esquina. O bar ficava lotado de torcedores marujos e
argonautas numa fraternidade só! Nos dias de jogo, a rua Siqueira Campos se
transformava na bandeira de Alagoas: de um lado tudo azul, do outro lado tudo
encarnado. Outro que passa constantemente pela turma de Flávio era um carteiro
emblemático com nome pomposo de Estandislau, apesar de ser conhecido por Pareia.
Como ele era divertido! Entregava as cartas pelo centro da cidade, incluindo a região
do mercado. De andar trôpego, parecia o ator comediante Jerry Lewis. Usava um
bigodinho e se gabava em saber todas as ruas de Maceió. Quando lhe perguntava por
uma rua, ele fazia questão de dizer além dessa as transversais e paralelas, só para
mostrar seu conhecimento prodigioso de carteiro. Chegava ao cúmulo de ainda
proferir as numerações das residências de toda rua e dizer os moradores das casas! E
haja paciência para quem perguntou! Diziam até que ele constantemente tropeçava
pelo caminho. As crônicas de Flávio Borges também eram sérias, com teor
socioecológico. Embutia nas crônicas cidadania no seu sentido mais amplo possível,
esforçando-se por uma cidade mais civilizada, mais cidadã.
Rogo-te por escusado, amigos leitores, por não ter situado em detalhes à
época em que se passa o romance de Borges e Laura. Ficam um tanto estranhos aos
seus olhos tais escritos. Baseei-me no manuscrito deles. Então, situemo-nos no palco.
Onde tudo ocorre
Há um item na qual não posso deixar de discorrer. Esse item já se foi e não
volta mais. Era a escola que Flávio e seus confrades fizeram ao ar livre próximo a
lojinha de frutas e hortaliças de dona Eulália. Uma escola dentro da Praça Emilio de
Maia. A semelhança da Escola Pitagórica, por ser ao ar livre. Era a CentralGórica, uma
alusão ao nome da Escola do sábio matemático grego. Uma Escola voltada às pessoas
carentes que não tinham mais como estudar nem pagar. Um peculiar detalhe da Escola
era a inusitada maneira de fazer os intervalos entre uma aula e outra. O trem era a
sirene! A linha do trem atravessa o Mercado de Maceió, como faz até hoje. Ficou
acordado que de um trem a outro era a duração da aula. Com exceção do Damião
Augusto e o Marconi, que eram já formados, todos os outros só tinham o segundo
ciclo. As aulas eram pela manhã no sábado e no domingo. Mas, devido aos fazeres de
cada um, não necessariamente em todos os finais de semana. O objetivo era passar,
pelo menos o mínimo, noções do saber a aquelas sedentas almas. Os discentes eram
jovens e adultos. Havia uma gama de disciplina além da Matemática e do Português.
Os colaboradores, junto com os alunos, sabiam que com uma comum grata satisfação,
cominariam num aprendizado eficaz! Por isso o clima da CentralGórica, de nenhum
custo aos alunos, era tão caloroso e amável. Obedeciam a ordem divina do Mestre:
amar o próximo! Eles exalavam a caridade, da qual Madre Tereza de Calcutá exerceu
tão bem e a definiu como o amor em movimento! Sei que o tema principal do diário
deles foi fichar trechos de uma história de amor! Mas que tal fazermos um parêntese e
xeretarmos tal escola? Anne Laura postou... Digo catalogou (é vício meu lá do face) as
histórias da tão comentada na época da CentralGórica, tanto dos seus colaboradores
professores, como dos animados alunos. O modo como Anne registrava, era como que
tweetando, ou blogando, uma mera coincidente semelhança aos nossos dias. Eu
granjeei alguns fatos relatados por ela e teci ao conto. Percebi que no diário deles,
Anne freqüentemente se dirigia às pessoas utilizando-se do pronome pessoal tu. Anne
abusava desse pronome de segunda pessoa. Seus pensamentos, reflexivos com ela
mesma, discorriam naqueles tus + verbos. Então vamos passear pela gramática desse
capítulo.
O pronome pessoal de segunda pessoa TU, não é muito de uso no Português.
Já o pronome de tratamento VOCÊ é sim de tamanha difusão entre nós. O pronome
Você que foi aglutinado do também pronome de tratamento VOSSA MERCÊ, alcançou
popularidade no uso cotidiano. Vi que Anne Laura tinha pelo pronome Tu preferência
e se referia a determinado episódio tendo como sujeito em seus escritos o tal
pronome. Por isso, denominei o capítulo com esse pronome.
Anne catalogava no diário os acontecimentos escrevendo, como já disse, em
segunda pessoa. Esforcei-me em não macular e, na medida do possível, tecer aqui no
conto a íntegra de suas explanações. E das rotas páginas do diário depreendem-se suas
falas grafadas em letras garrafais. Dizia ela no diário que em certas ocasiões, registrava
sobre as linhas do diário seus pensamentos reflexivos a Flávio ou, a outro receptor,
mesmo este ou aquele estando a sua destra. Vejo uma semelhança as dos jovens de
hoje, comunicando-se em seus smartphones, mesmo estando um ao lado do outro.
Anotava tudo que via, principalmente os sublimes momentos com seu amado. Um
blog de então de Anne Laura. Vejo também uma semelhança com o twitter, esse
badalado mini blog de hoje em dia. Por isso, dei um toque especial, sempre
começando suas reflexões com um @, a semelhança do famoso resumido blog. Eis as
- O que te põe insônia, Flávio? Parece até que fostes mordido por um são
Bernardo!
- Ahh, meu rapaz. Isso vem desde minha infância! Um País desprovido de
Educação é a terra de meninos pelados!
- Gostaria de fazer um Projeto Pedagógico que fosse além dos muros da Escola.
Mas não precisa ser premiado como foi Caetés!
- oh, meu rapaz! Por que olha em direção ao infinito mar azul de nossas
lindas praias? É inspiração para uma carta de amor à amada?
- Não por hora; apena almejo a Graça de emergir uma nova baleia!
Bem... Agora sou eu que tomo a narração. E narro agora como os homens
normais: em terceira pessoa. No diário, Anne twittou ( há uma grande semelhança
com esse aplicativo ) que após o literário diálogo pelas obras de Graciliano, (cá pra
nós...Foi emocionante!!) o velho Graça ainda discorreu sobre política – a pedido de
Carlinhos - , deu uma categórica aula de literatura – a pedido do Marconi - e
aproveitou o ensejo para anunciar que estava escrevendo as páginas iniciais de seu
próximo Romance que se chamaria “Memórias do Cárcere”, dando detalhes de ante
mão para a CentralGórica sobre essa futura obra. E como os maços de cigarros Selma
se esvaíram com a fumaça, despediu-se. Poucos anos depois, nosso velho Graça veio a
falecer. Como faleceu também a querida Escola CentralGórica! Havia uma saudação
entre os docentes e discentes antes de cada aula. Docentes: “Jardineiro, Tu águas a
flor do saber?” Discentes: “ Eis minha sina enquanto vida!”.
Capítulo intruso
Bem 1º... Esse capítulo foi de ultima hora adicionado neste conto. Um intruso no lindo
escrito de Flávio&Anne. Tal capítulo, leitoras e leitores amigos, é um apêndice, no
conto de amor desse já nosso querido casal apaixonado. Encontramos em literatura
várias obras com textos intercalados, deslocados da ordem cronológica. Tal arranjo,
não distorce o enredo nem a clareza narrativa. No mais importante deles, a Bíblia,
alguns dos seus livros estão deslocados, como o livro de Jó. Como também a retomada
da narrativa do casal Adão e Eva após a descendência de Caim. O texto intercalado da
narrativa de Judá e Tamar na História de José do Egito no livro de Gênese. O Livro de
São Marcos no novo Testamento é o mais antigo dos evangelistas, porém aparece após
o livro de Mateus. E também vós não lembrais, leitores amigos, da narrativa ao revesso
de Brás Cubas? Bem... Se a leitora amiga virtual está ansiosa no desfecho do romance
dos dois jovens enamorados, não querendo ler esse capitulo, então pule! Mas não
aquele pulo lá do Pilates! Use o mouse ou o pagedown do teclado e se livro, o seu
polegar e indicador.
Flávio Borges expressou que essas vindouras palavras eram segredos de
Estado. Mas no fundo de suas letras, senti que havia um desejo em revelá-las. Por Lei,
um documento ultra-secretor prescreve em trinta anos. Um secreto, em vinte anos;
um confidencial em dez; e um reservado, em cinco anos. E já se vão várias décadas. “E
não há nada oculto que não venha a ser revelado”, disse o filho de Deus! Os relatos do
diário não são documentos oficiais. E se fossem, já estariam prescritos. E para o deleite
do leitor e leitora, esses relatos assinalaram história! Assim como a confidencial carta
náutica para as secretas terras confiadas a Pedro Álvares Cabral e, como também, o
segredo vazado pela inconfidência mineira. Aqui, não se trata de segredo de Estado
situação, mas sim, o Estado oposição, ou melhor, não tanto assim, mas um movimento
dos inconformados com o golpe que resultou no Estado Novo em novembro 1937. Pois
seus intrépidos membros, indignados com a repressão do Governo Vargas,
proclamavam, à surdina, uma proteção aos ex-membros dos partidos políticos
oposicionistas – Vargas fechou, oficialmente, todos os partidos - e perseguia
estrangeiros residentes no Brasil ante a ditadura do Estado Novo. Nada de esboçar
uma reação contra a ditadura; nem por longe foi uma guerrilha, apenas uma espécie
de quilombo, só que não tão segregado e combatido como o de Zumbi, e sim,
disfarçados sob os narizes dos golpistas e seus simpatizantes. Como havia risco
iminente, os segredos do movimento eram eminentes. Então, como essa conturbada
época só existe agora nos livros de história, vou revelar, em escala menor e específica,
seus segredos de então. Também não chega a ser a revelação do segredo da arca da
Aliança de Moises, nem onde está submersa a cidade de Atlanta, apenas, e tão
somente, foi um movimento humanitário protecionista a favor dos perseguidos
políticos e dos estrangeiros que se sentiam acuados. Não querendo subestimar as
aulas de História de vocês, mas a perseguição aos estrangeiros residentes no Brasil foi
devido à guerra contra o Eixo: Alemanha, Japão e Itália. O Brasil declarou guerra contra
o Eixo em agosto de 1942, mas as injurias raciais retrocedem à implantação do Estado
Novo; vem desde os primeiros emigrantes. Essa organização nomeada de “Luz do
portal de Deus”, cuja sede se localizava na Capital, teve seus tentáculos em algumas
cidades do país. Onde havia sucursais, seus membros as chamavam de lojinha. Muitos
de seus membros foram remanescentes tenentistas da revolta do Forte de
Copacabana, da Coluna Prestes e da Intentona Comunista. Porém, o movimento não
era militar e, sim, político e pacífico. Não tinha nenhum objetivo de disseminar uma
revolução nacional. Tal movimento tinha como finalidade amparar, proteger os
perseguidos da era Vargas e lapidar cidadãos para conviverem numa ordem de
progresso e harmonia com a sociedade e com Deus. Sua origem remota vem dos
Templários, dos povos vergudos e muitos chegam até mesmo a insinuar sua origem da
época do Templo do Rei Salomão. Seu líder aqui em Maceió era o Senhor Jobson
Moreira, um professor de línguas estrangeiras, dotado de um Q.I. invejado por muitos
o qual dizia falar dezenas de idiomas. A sede “oculta” ficava na Rua do Sol anexo ao
Cine-Teatro Delícia. Jobson chamava a lojinha de Capote. Uma alusão ao crustáceo
sururu de capote das lagoas do Estado. Jobson, às vezes, dava suas aulas à noite na
orla lagunar com sua capa preta, devido ao sereno e levava na coleira uma cadela da
raça Great Dane, chamada miss Black. Muitos alunos seus usavam, também, capas e
ficaram conhecidos na cidade como os capinhas do professor Jobson. Não por acaso, a
sede estava anexa ao Teatro, pois muitos dos líderes do movimento eram atores,
escritores, músicos, todos de renome nacional que desprendiam suas intelectualidades
a causa nobre, influenciando a muitos que postulavam ser um dia iguais a eles.
Professor Jobson, para disfarçar seus briosos reais intentos, colocou uma escola de
línguas no térreo do rústico prédio de três andares, sendo o segundo andar uma
pensão, e o último era reservado para as reuniões fechadas da organização. O
carismático professor Jobson era o testa de ferro da organização aqui em Maceió, mas
por trás havia intelectuais mentes pensantes, bancando e incentivando em
estratégicas sutilezas a execução das engrenagens dessa organização. Tais vultos,
sempre na sombra e residindo no Rio, designavam intelectuais, engajados com o
movimento, às cidades distantes da Capital do país a fim de recrutar membros e
treiná-los para por em aparente segurança os perseguidos do regime. Em outras
regiões do país, a Organização se fazia presente para afastar e ocultar o mais que
possível do Palácio do Catete os perseguidos políticos. E como Flávio Borges entra
nessa história?
Bem 2º... No Cine-Teatro, Anne Laura tinha aulas de artes cênicas, - muito
embora escondida dos pais - já se apresentando em algumas peças. Foi em um desses
dias, como de costume, quando Flávio esperava Anne à porta do Cine-Teatro, ele viu a
placa da escola do Professor Jobson. Ficou estarrecido e curioso em conhecer tal
professor, pois a placa anunciava: “Ensinam-se português, inglês, francês, alemão,
espanhol, latim, italiano, japonês, chinês, russo, etc. A parte hilária disso para Flávio foi
a palavra latina abreviada et cetera, levando a crer a proporcionalidade direta da
placa: quanto maior fosse, mais idiomas caberiam nela. Duvidando e movido de uma
fascinada curiosidade, Flávio adentrou no recinto. Avistou o professor Jobson com uma
indumentária não comum. Ele estava todo de branco a semelhança de uniforme da
Marinha, ostentando no peito várias medalhas. Falante aos montes, pois a cada frase
de inglês que escrevia no quadro negro, virava-se aos alunos e contava uma aventura
que não tinha nada a ver com o assunto tratado. Precisava um aluno intervir para ele
voltar à aula. Flávio ficou no final da sala na última banca. Robson já beirava os setenta
anos, entretanto, afirmava que tinha apenas quarenta e sete. Uma aluna, que estava
próxima a Flávio, murmurou baixinho: “Se esse homem tem quarenta e sete anos, eu
tenho oito”. Flávio se divertia com aquilo tudo. Jobson era de estatura baixa, franzino,
de cabeça achatada. Quando se gabava, reclinava-se para trás , diminuindo
cadenciadamente a voz e concluía o raciocínio com seus chavões de ouro, e após, com
um tique nervoso, batia freneticamente as dentaduras. Era do interior de Alagoas da
cidade de Atalaia. Em mais outra costumeira dispersão durante a aula, afirmou já ter
enfrentado Lampião e seu bando, a tal ponto que Virgulino Ferreira o implorou para
ele fazer parte do bando, mas ele recusou e findava com um chavão: “o cangaço é
monótono e penoso para um intelectual”. – Poxa...Esse cara fugiu do manicômio! -
Ponderou Flávio Borges, admirado com as aventuras que Professor Jobson contava. A
fama de Jobson era de fanfarrão. A sociedade abastarda o tachava como um lunático
inofensivo. Mas era assim mesmo que os mentores do movimento queriam que seus
líderes fossem. E não era uma representação. Por outro lado, Robson foi sim um
professor de línguas, de uma capacidade invejável de memorizar as coisas, de
raciocínio extremamente rápido e bem articulado – apesar de às vezes gaguejar e
expelir gotículas de saliva nos alunos da primeira fila – generoso, carismático e muito
inteligente. Não era a toa que ele foi o testa de ferro do movimento em Maceió e o
mais brilhante de todos! Fazia filantropia, levando seus alunos a distribuir comida aos
pobres às terças feiras. Ele com sua capa e seus alunos com as capinhas, distribuindo
donativos aos pobres. Os alunos carentes não pagavam as aulas. Flávio esperou alguns
minutos e perguntou: - O Senhor fala todas essas línguas do anúncio lá da placa? A
réplica Jobsiniana veio de imediato, inclinando-se para trás e depois do tique nervoso
de bater as dentaduras: - E já estou terminando de aprender turco! – E lançou outro
seu chavão: - Eu não perco tempo. Filho, o tempo urge! - Houve uma celeuma contida
na sala. Esse homem é um gênio, pensou Flávio. Resolveu lhe dar crédito
matriculando-se. Mais tarde, Anne disse a Flávio que vários de seus colegas atores do
Cine-Teatro eram seus alunos e achavam o professor Robson estranho, excêntrico,
colecionando vários relógios de parede e exibindo-se com seu Ford Coupe ano 1940.
Era autodidata, de uma didática rude, muito tecnicista, mas detinha uma fantástica
memória para arquivar verbos e expressões idiomáticas em diversas línguas. Flávio
convidou Israel, Carlinhos e Alexandre para terem aulas de inglês com Robson.
Carlinhos, imbuído de um humor sarcástico, foi logo dizendo quando avistou a
poliglota placa: – quero que ele me ensine javanês – referindo-se ao conto gênero
comédia de Lima Barreto. Jobson, assim que os viu, parou a aula de francês a quatro
alunas freiras do Colégio São José, tão logo escrevendo no quadro negro frases em
japonês, chinês e árabe – Isso, eles descobriram mais tarde, que era para impressionar
os alunos novatos – Israel logo inferiu – Professor, você escreve árabe? É uma língua
difícil, pois é da direita para esquerda – Ah, meu jovem – arrematou Jobson – Digo-te
mais... Falo e escrevo em hebraico também, nisso apontou para uma bíblia escrita em
hebraico. E não ficou só por ai. Jobson mostrou a eles outra bíblia, agora escrita em
japonês, apontou para a parede, mostrando-o com trajes de árabe numa foto no
quadro na parede. Ele ainda mostrou suas habilidades em caratê, fazendo
demonstração dessa arte no curto espaço entre o quadro negro e as cadeiras dos
alunos. – aprendi com um mestre japonês, mas não passo as técnicas a qualquer um
não! É muito perigoso. Certo dia, na Capital, eu usei essa arte marcial em cinco
meliantes que queriam me assaltar. Derrubei os cinco! O policial quando viu me disse:
‘não precisava exagerar tanto!’ - imaginem ele dizendo esse chavão se inclinando para
trás, como já descrito – Flávio e Cia riram bastantes, inclusive as irmãs dos pobres de
Sta. Catarina de Sena, que até se esqueceram da aula de francês, porque Jobson
demonstrara os gestos do caratê, parecendo uma marionete balançando os braços um
após outro rapidamente. Carlinhos perguntou: - Como se diz Alemanha em alemão?
Ele inclinando-se para trás: - Perfeitamente meu caro, é Deutschaland. Francês é
français. Italiano é... E continuou assim com mais de dez idiomas. Israel discorreu
sobre umas primas que iam estudar na Suíça. Ele foi logo interrompendo: - Mande-as
para cá, eu sou o único que fala suíço e austríaco por aqui. - Aquele papo com Jobson
foi muito recreativo para eles. Apostaram no hilariante professor e fizeram a matrícula.
Assim que saíram do prédio, eles foram a um dos quiosques da Praça Dom Pedro II.
Carlinhos, o cético dos três, ainda rindo sarcasticamente: – Esse cara é louco, Flávio!
Acho que você quer mesmo é fazer crônicas dos causos que ele diz. - Eles ficaram na
turma da noite, com aulas uma vez por semana. As aulas eram muito divertidas. Às
vezes, Jobson apanhava seu acordeom e tirava belos hinos desse instrumento. Dizia
que pela melodia se chega mais próximo de Deus! - A Bíblia diz que quando o espírito
maligno vinha sobre o Rei Saul, Davi dedilhava sua harpa e o Rei Saul sentia alívio. Ele
foi o maior compositor de Salmos que o mundo já viu. A música é a oração cadenciada!
– sentenciava ele. Jobson, com seu costume rotineiro de contar seus causos, fugia dos
assuntos, mas não porque não os dominava, e sim, porque sentia necessidade de
conversar, talvez por ser solitário e recluso. Fora casado três vezes. Dizia ele que
gostava de livros e de ensinar, mas tinha as mulheres como sua paixão primeira! – Me
chamem de tudo, só não me chamem de marica – ruminava isso sempre. Havia outras
frases que Jobson ruminava – essa era a palavra que a turma de Flávio se referia de
suas repetitivas frases – e havia muitas outras. Como: “O bravo vai adiante, o covarde
fica pelo caminho” ou “É melhor não aparecer ser e ser do que não ser e querer ser”.
Havia dezenas de frases de efeito Jobsinianas. Elas iam sendo anunciada na medida em
que eles iam às aulas. – Não temos nada a perder; pelo menos iremos nos divertir
muito – ponderava a turma de Flávio. Após um mês de aulas, logo na entrada,
Carlinhos foi o primeiro a observar a mudança na placa de Jobson. Ele já acrescentara
na placa: - O único que ensina suíço e austríaco – foi uma algazarra só entre eles! Esse
Jobson é uma figura – dizia Carlinhos. – É folclórico – adicionava Israel. Mas ele
realmente sabe, pessoal; pelo menos inglês e francês nós o vimos ensinar. Vamos dar
crédito a ele. – ajuizava Flávio. Entretanto, o foco aos poucos foi se desviando do
hilariante mestre e focando nos estrangeiro que adentravam e saiam pelo corredor do
prédio. Alguns deles erguiam o braço, quando avistavam Jobson ou circulavam os
olhos freneticamente para ele. Quem percebeu isso foi Israel, o esotérico da turma de
Flávio. Seria isso algum código? O que o carismático professor ocultava por trás da
escolinha de idiomas? A qual Jobson a chamava carinhosamente de Capote. Eles
começaram a suspeitar das supostas outras atividades de Jobson, e arrazoavam sobre
isso, quando terminava a aula, reunindo-se para bater papo lá nos quiosques da Praça
Dom Pedro II. - Flávio, você não percebeu que a certos alunos, Jobson os tratam como
discípulos? Aqueles recados codificados... Eles sempre ficam após o termino da aula.
Será que Jobson tem outra finalidade além de ministrar aulas? É estranho o barulho
daquelas reuniões no terceiro andar acima da pensão. E aquele som de máquinas
trabalhando pela noite adentro... E aqueles estrangeiros todos? Carlinhos jura que vira
ex - membros do PCB hospedado na pensão no segundo andar. O governo Dutra tinha
cassado o PCB e caçava seus simpatizantes desenfreadamente. O governo de Silvestre
Péricles, aqui em Maceió, também seguida à linha dura de Dutra; desbaratava
reuniões clandestinas partidárias, encarcerando militantes e simpatizantes contrário
ao governo situação. O tio de Carlinhos, que era colunista do jornal “A voz do povo” de
Maceió, um jornal de esquerda, fora já encarcerado na cadeia pública. O sobrinho, que
começara a ter simpatia pelos “inconformados”, constantemente visitava seu tio,
quando este estivera na prisão, crescendo seu interesse pelos movimentos contrário
ao governo opressor. Esses jovens viam nesses movimentos, partidos de esquerda,
veículos para romper com a tirania, na qual eles monstruosamente a enxergavam. O
país que eles almejavam era os das telas dos cinemas de Hollywood. Não tinham seus
ideais fincados nos fundamentos dos Partidos de esquerda, não. Qual era a moda de
então para lutar contra o fascismo e a ditadura? Qualquer partido de esquerda da
época. No fundo, em todos os jovens, já brotava o embrião da Democracia, sem eles
mesmos saberem defini-la plenamente. Ainda com a acepção dela sendo Incipiente,
eles já lutavam pela liberdade dos pensamentos que era esmagadoramente oprimida.
E o professor Jobson, sempre posicionando a favor da liberdade, incutiu essa
liberdade, sobremaneiramente, em seus alunos, fincando neles, sempre, pensamentos
de pensadores da Democracia como o de Benjamin Franklin, um dos seus defensores:
“O amor pela liberdade torna os homens indomáveis e os povos invencíveis”.
A curiosidade foi tomando conta da turma de Flávio de mãos dadas com a
desconfiança. Descobriu-se depois que essas incutidas sobre liberdade, direito de
expressão, pensamento era propositadamente difundia por Jobson, preparando-os
para a inicialização no movimento, para se tornarem seus novos discípulos.
Competência a eles não faltava. O país acabara de passar por uma ditadura. E o
prenúncio desta voltar era muito cogitado pelos intelectuais de então. Na ditadura
Vargas houve pequenos e não poucos movimentos contra o regime. A população, em
sua maioria ingênua, idolatrava o fascista Getúlio Vargas. Os intelectuais, os cabeças
pensantes, tentavam desmistificar a visão distorcida da população nos finais da década
de 1940. O movimento Luz do portal de Deus recrutava jovens para estes
disseminarem ideais de liberdade, exalando esse perfume em todos os cantos. Em
todas as épocas existiram jovens inquietos com tendências revolucionárias. Quanto
mais naqueles anos conturbados, reminiscentes da ditadura Vargas. E o pai dos pobres
iria se eleger em 1951, após quatro anos de uma surdina governabilidade no senado
da República. Muitos não queriam mais que o ditador voltasse ao poder. E da turma de
Flávio Borges, os inconformados e subversivos eram Carlinhos e Israel. Estes,
raramente, ficavam até o término das aulas. Iam espionar os andares de cima em
busca de alguma pista. E não tardou para encontrá-la. No terceiro andar, os dois
rapazes avistaram vários exemplares da Tribuna Popular, um periódico do Rio; era
principal jornal de cunho esquerdista de então. E ouvindo o som de máquinas
trabalhando, Israel e Carlinhos, com sutileza, chegaram ao local da impressão do
periódico A Voz do Povo que estava terminantemente proibido de circular no governo
Silvestre Péricles, o governador de Alagoas de então. O periódico era um tentáculo
comunista do partido PCB em Maceió. A organização não era comunista e sim
oposicionista. Entretanto, abarcava membros de partidos comunistas, pois eles já
eram entidades bem formadas e articuladas. A Ordem nunca fora vermelha. Na
verdade, havia uma expectativa de qual cor o raio do sol resplandeceria em algum
certo dia. Entretanto a cor branca – união de todas as cores e que simbolizava a paz -
era a que prevalecia no simbólico e invisível mastro da ordem. Antes de ser proibida
sua circulação, esse jornal era bem recebido pela turma de Flávio. – Ah! Então é aqui
onde eles rodam o jornal! Exclamou Carlinhos. – E olhe ali... Tem exemplares de jornais
russo, chinês, espanhol... Quem vai traduzir isso tudo aqui? Perguntou Israel,
arrematando longo em seguida: - Mas é claro! O professor Jobson está por trás disso
tudo, Carlinhos! – É elementar, meu caro Israel! Vamos para aula agora – apresou-se
Carlinhos – Vamos levar alguns desses jornais e mostraremos para eles. Nisso, um
senhor que era hóspede da pensão, indagou aos jovens com um forte sotaque russo:
vocês são alunos do professor Jobson? – Sim, somos! – Respondeu Israel – Queremos
saber o preço da hospedagem para um parente meu que vem do Rio – E o que vocês
fazem no terceiro andar? A pensão é um piso a baixo. Vou levá-los ao Sr. Jobson. - O
russo, chegando à sala de aula, esbravejou, no seu idioma, todo o ocorrido no terceiro
andar. Jobson o ouviu atentamente e pacientemente pediu para que Flávio & Cia
ficassem após a aula. E quando essa findou, apenas Flávio, Carlinhos, Alexandre e Israel
ficaram aguardando, cada qual, com seu grau de perplexidade e temor. Jobson tranca
a porta e proclama aos seus pupilos: - Jesus Cristo disse que nada há de oculto que não
venha a ser revelado, e nada em segredo que não seja trazido à luz do dia. - Ou a luz
do Pharol - Bradou uma voz lá da pensão no segundo andar. Jobson sorriu, e chamou
seus pupilos ao terceiro andar. Nenhum deles abriu a boca um com o outro. Era só
tensão entre eles, para deleite do velho professor Jobson. Já no terceiro andar, a
eletricidade fora desligada. Alguns lampiões foram acesos ritualmente por Jobson no
corredor estreito e arrepiante. Flávio se atreveu a perguntar: - Por que esses lampiões?
Jobson sorrindo disse: - Lá vem o acendedor de lampiões da rua! Este mesmo que vem
infatigavelmente, parodiar o sol e associar-se à lua. Quando a sombra da noite
enegrece o poente! – Sei que você é um amante das letras, Flávio! E o Lima também
sabe! – Qual Lima, Jobson? – perguntou Alexandre. Jobson se virou sorrindo e
continuou corredor adentro. O sereníssimo professor chega a uma porta e dá três
toques ritualísticos. Alguém abre a porta. Eles entram numa sala, cuja claridade vinha
do sótão. Uma escada é abaixada de lá. Jobson pede para que eles aguardem um
instante e sobe. Nisso, Israel sussurra para Flávio: - Vejam... Os símbolos dos
cavalheiros templários estão em toda parte! Carlinhos, com um semblante apavorado
e incomum para um cético como ele é, diz: - Ali há um caixão encostado na parede. -
Alexandre que era dotado de uma sutileza cínica, amedrontadamente, brinca: - Será
que vai aparecer o coisa ruim? Surpreendentemente, Carlinhos e Israel fazem juntos o
sinal da cruz. Desde a primeira comunhão, eles não faziam isso. E parece que Israel
nem primeira comunhão fizera. Da escuridão do sótão, Jobson os chama: - Subam,
varões, os degraus da escada de Jacó! - Onde eu fui me meter - pensava Flávio – foi
posto uma venda em cada um. – Ainda tem mais essa, professor Jobson! – exclamou
assustado Carlinhos – sim! Mas ela será tirada logo - disse o professor. - Uma voz não
conhecida deles pronunciou: - O que vocês procuram aqui? – Carlinhos repetia
copiosamente: - Só estamos aqui para estudar inglês – e repetia, e repetia, e repetia.
Era até cômico. Um sussurro vindo de trás entra na cerimônia: - Digam que estão aqui
para o grande espigão alumiar vocês! – sem titubearem, os quatro obedeceram
imediatamente. De súbito, uma lâmina afiada, semelhantemente a uma espada, é
encostada no peito de cada um deles. Novamente Carlinhos com a voz tremula repete
novamente: - Só queremos aprender inglês – sorrisos contidos foram percebidos ao
redor. A voz do Mestre de Cerimônia continuou: - Jurem pela vida de vocês que não
dirão nada do que presenciarão nesse recinto até que tudo esteja perfeito e justo. –
Eles juraram. Instantes depois, várias vozes em uníssono bradaram: - Haja Luz! E de
repente, a luz do Pharol da Catedral foi direcionada a eles por um espaço aberto no
telhado. O mestre de cerimônia cita um versículo de um salmo bíblico: “Tira a venda
dos meus olhos para que veja as maravilhas da TUA Lei.” As vendas foram tiradas. Os
possantes holofotes os deixaram ofuscados por minutos. Uma voz os consolava
dizendo: - Isso não foi nada com o que o Apostolo Paulo vislumbrou com a divina luz
do nosso Senhor Jesus Cristo. Que foi mais forte que a luz do meio dia! – Dez a quinze
minutos depois que a luz do Pharol foi desligada, as luzes da sala foram aos poucos
sendo acessas. – Poxa vida! Vimos parar num ritual dos cavalheiros! – exclamava Israel
- Lá estavam Jobson e alguns seletos colegas das aulas da lojinha: Clemilton,
Raimundo, Aldo, Evilson, dentre outros. E uma grande surpresa eles tiveram. Lá se
encontravam, também, o tio de Carlinhos, Sulino – o tio de Flávio - E o pai de Israel.
Este foi logo dando as boas vindas a seu filho e aos seus três amigos: - Já estávamos de
olho em vocês quatro. Sutilmente, pusemos iscas para vocês chegarem até aqui.
Sabemos das suas atividades com pessoas carentes na escola CentralGória, a
inclinação de vocês para o bem, os ideais de liberdade e o altruísmo nato de vocês. E
vamos ampliar ainda mais os seus horizontes. E como disse um irmão inglês
dramaturgo William Shakespeare “Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que
sonha a nossa vã filosofia ”. Todos brindaram os novos membros com vinho. Já se
passava da meia noite. A cerimônia foi ministrada pelo mestre de cerimônia, e este era
o Marconi que colaborava com eles na escola Centralgórica. E haja surpresas nessa
noite de vinte de março de 1948. E o Pharol que parecia apenas exercer seu encanto
entre os enamorados, também, agora, Flávio & Cia foram surpreendidos por mais uma
faceta desse espigão luzeiro que era o símbolo da organização denominada Luz do
portal de Deus.
Havia um senso de incertezas e preocupação nos semblantes de Flávio & Cia.
Qual será a utilidade deles na organização? Eles corresponderão a tal
responsabilidade? E qual será a função deles? Perguntas e conjecturas eram os
assuntos tão somente entre eles. O professor Jobson não tocara no ocorrido durante
as aulas seguintes. Ele não embaralhava seus haveres, pois as aulas eram para todos
seus alunos matriculados e a oculta organização, apenas alguns seletos alunos seus,
denominados discípulos da Luz do Portal de Deus. Mais três semanas se passaram e
nada sobre o assunto. Eles nem mais se divertiam com as fugidas hilárias jobsiniana
dos assuntos durante as aulas. Anne Laura mesma notou seu poeta ausente, mesmo
estando sempre ao seu lado. Mas a demora das atividades era proposital, criando
ansiedade nos rapazes. Mas já estava próximo o dia desses quatro soldados irem para
o campo de batalha. Finalmente, o dia marcado foi numa manhã de sábado do dia dez
de abril de 1948. Dirigiram-se ao terceiro andar. Marconi os recepcionou. Disse ele que
a luz do portal de Deus é um misto de instituições milenares como a Igreja, o exército,
a família, os bons costumes com teorias e práticas. E somos uma família! - disse ele – E
continuou: - Não somos adeptos a partidos nem a religião nenhuma. Aceitamos todas
as religiões e membros de partidos, seja de direita, seja de esquerda. Pegamos
emprestado estratégias, dissimulações, ritos de instituições já bem solidificadas, cujos
alguns de seus membros nos ajudam na manutenção do nosso intento: a liberdade dos
oprimidos e sua exteriorização plena. Ela é afluente dos Templários, dos filhos da
viúva, dos artífices, mascates, dos homens de bons negócios e de bons costumes.
Entretanto, esse braço, esse pequeno afluente é criado especificamente para um
grande desígnio. Findado tal propósito, a organização se desmancha, morrendo
conosco sem deixar vestígios, como uma neblina que se dissipa sob os raios do sol! Os
raios fúlgidos do sol da liberdade que outrora já brilhou no céu da nossa querida Pátria
Brasil! Foi um discurso de boas vindas inesquecível! Flávio relata que nunca se
esqueceu da imagem do Marconi com a voz embargada ao dizer o nome Brasil! E o
grande mestre de cerimônias continuou: - Vou apresentar-lhes o Marcelo e o Cláudio
Maru os quais irão instruir vocês, por enquanto, nos rudimentos da organização... E...
Avante, rapazes! - Uma pergunta Mestre – inquiriu o Alexandre – Quem é o filho da
viúva? - Nisso o Professor Jobson pediu licença, acudindo que qualquer dúvida sobre a
História proibida tanta a nacional quanto daquela além do Atlântico, eles iriam
pesquisar na biblioteca pública que ficava na Rua do Comércio. E continuou: - Lá
procurem pelo Wagner. Ele é dos nossos e irá mostrar histórias secretas nunca ditas
nas escolas. Pesquisem nos livros proibidos pelo arquiteto do templo de Salomão, o
Hiram. Ah sim... Não se esqueçam de pesquisar a parte onde o Rei Salomão coloniza e
constrói as cidades dos Incas e dos Astecas. E o mais surpreendente... De onde vocês
acham que ele extraiu o ouro e os metais preciosos e a madeira para edificar o Grande
Templo? – Professor Jobson, - indagou surpreso o discípulo Flávio – Em qual parte da
Bíblia aborda sobre isso? – Ah! Batendo os dentes um num outro (tac, tac, tac )No
primeiro livro de Reis 10: 11-12 há um versículo embrionário sobre isso. Vocês terão
aulas de História proibida, no qual não é registrada nos livros de ensino regular. Mas
avante! O tempo urge! É... O deles e para os tantos lá fora. A ampulheta de Deus
escorre sem pressa, alvoroçando os homens, cujo seu fim é o seu gênese: O pó da
terra.
Quarta feira, vinte e oito de abril de 1948
A primeira atividade dos rapazes foi distribuir os jornais clandestinos
impressos no terceiro andar, acima da pensão, a algumas repartições públicas, no
mercado público, em instituições de ensino e nas fábricas de tecelagens de Maceió.
Jobson aproveitou o conhecimento em letras e cultural de Flávio & Cia. Para pô-los na
elaboração dos lay outs e revisão dos textos dos periódicos clandestinos. A população
deveria, sim, estar informada dos acontecimentos políticos e sociais do país e do
mundo lá fora. Não apenas ser pobremente informada pelos periódicos do governo,
que eram caprichosamente filtrados por este. A ordem pôs a disposição dos rapazes
para treiná-los o Maru e o Marcelo. Este, o Marcelo, já era bem conhecido de
Carlinhos. Ele era o carcereiro da cadeia pública da cidade no centro, próximo ao
mercado público. Era um comunista convicto. Morara por muitos anos na capital do
país e trouxe de lá uma sólida bagagem de conhecimento em articulação política.
Conheceu de perto Luiz Carlos Prestes. Marcelo estava em Niterói no dia 25 de março
de 1922, quando o partido PCB foi fundado. Em 1935, participou, de maneira discreta,
do levante vermelho denominado Intentona Comunista. Após a insurreição ser
reprimida e derrotada, ele, fugindo, chegou à Maceió. Marcelo vivia realmente sua
ideologia. Era avesso a ostentação e a usura. Vestia-se o mais simples possível. Sua
esposa vendia doces nas Escolas e Praças. Mesmo não possuindo aportes financeiros,
dividia o pouco que tinha com os mendigos e miseráveis. Dizia ele: “precisamos só do
suficiente. O que sobeja, dou a quem não tem”. Por essa sua sinceridade de ideologia e
por ser bem articulado, ele foi convidado pela ordem, o qual o empregou no presídio
do centro da cidade. Marcelo tratava bem os encarcerados e fez amizade com
Carlinhos quando este fora preso por ser um ativista político amador de esquerda. O
segundo instrutor dos quatros rapazes do professor Jobson foi o ex tenente Cláudio
Maru. Ele era da ala dos inconformados, dos que achavam que tudo se resolve com
guerrilha e armas. Marcelo e Maru compartilhavam isso. Maru participou da revolta do
Forte de Copacabana em 1922. Ele fora guarda costa de Hermes da Fonseca que era
primo do Marechal Deodoro da Fonseca. No fatídico cinco de julho de 1922, os
dezenove tenentes saíram do Forte para o confronto com a tropa do Governo. A eles,
juntou mais um civil. Entretanto, a história só registra dezoito tenentes e um civil. Ele
era revoltado não apenas com as oligarquias, mas também com a história, pois não o
colocou entre os tenentes que marcharam em direção ao palácio do catete, a sede do
governo. Percebeu que não tinham a menor chance contra as tropas do governo. Era
suicídio. Logo no posto três, assim que começaram os primeiros tiros, ele fugiu
nadando. Segundo ele, ainda acertou alguns. Ele era especialista em tática de guerra.
Fora bem treinado. Por isso, ele era o encarregado de treinar os novos membros que
se engajavam. Ele era bélico e dizer que Maru tinha pavio curto seria bem oportuno. O
professor Jobson mandara Marcelo e Maru ensinar os meninos os códigos secretos da
ordem. Eram gestos imperceptíveis ao público. E tinham que ser. Jobson apresentava
os gestos e Marcelo e Maru compeliam aos rapazes que os repetissem a exaustão. Era
de suma importância aprendê-los, pois eram com esses códigos que a Ordem e os
membros dos partidos clandestinos e os estrangeiros se comunicavam a distância.
Depois, bem próximo dos “convidados”, vinha a pergunta: “ De onde vens e para onde
vais?”. Réplica: “Estou como uma nau a deriva, precisando do Pharol!”. Tréplica: “Tu
jaz sob o olhar do Pharol!”. Então, emissor e receptor erguiam juntos o indicador ao
céu. E o aperto de mão com o indicador fazendo pressão sobre a nós do dedo
indicador. O professor Jobson encenava cada circunstância com eles, após Marcelo e
Maru terem os instruídos reiteradamente. Eles precisavam dominar bem a situação,
ter cancha. Muitos outros sinais secretos, Flávio não relatou no seu diário. Facilitou,
apenas, os triviais como o hábito de terminarem um escrito pondo um ponto, um
Miss Black
Um adendo nesse capítulo. Não podia deixar de escrever sobre a estimação de Jobson.
A negra cadela miss Black. Não era uma cadela de caça. E nem era necessário. Só em
ver seu imenso tamanho, as raposas fugiam. E o galinheiro da Capote agradecia. Era
pau para toda obra. Seja de dia, seja de noite. Ela possuía missão. Volta e meia, metia-
se comercio a fora para cumpri-la. E nos arredores do Centro, ouvia com sua apurada
audição canina os sons rugidos pelos membros recém chegados. Micro chapas de aço
eram implantadas entre os dentes dos entes que vinham à cidade. Miss Black abanava
o rabo, mostrando a direção com a pata, quando testificava que o ruído era mesmo
articulado pelas mandíbulas dos entes da ordem. Nada em miss Black era notório a
nenhum agente secreto do governo, a não ser seu tamanho agigantado e os seus
brilhantes olhos. Até seu latido era silencioso, decorrência de horas e horas de treino
dos membros da Luz do Portal de Deus no Rio. Chegou à Capote com um ano de idade
e já com um tamanho de alarmar a muitos. Ela era o mascote da Capote. Apesar do
gigantismo da raça Great Dane, ela era extremamente dócil. Já era conhecida dos
maceioenses que sempre a viam ladeada do professor Jobson. Ela "recepcionava" os
recém chegados. A agilidade de miss Black era incomparavelmente eficaz. A Ordem
temia em expor seus membros à procura dos recém chegados. Seria arriscado demais.
E a melhor hora era durante a calada da noite. Miss Black era solta por Jobson e
percorria todo Centro de Maceió e seus arredores em questão de minutos. Todos os
entes da Ordem em visita a nossa capital tinham esse dispositivo inserido nos dentes
em uma freqüência que o serviço secreto não detectava. Fito o contato, discretamente
os entes aqui chegados seguiam miss Bleck até o gesto impar dela: agachava suas duas
patas dianteiras demarcando o lugar a fim de que eles não se afastassem muito dali.
Muitos se escondiam em matas ou entre os densos coqueirais junto à praia. Miss Black
os encontrava, fazia seu gesto intrínseco, voltando para a Capote a fim de indicar o
fato a eles. De imediato era recrutado dois ou três para o encontro. A cadela solitária
de Jobson era de grande valia a ordem. E ela ia alem disso.
Certa vez, um pequeno barco naufragou na lagoa mundaú próximo ao bom
parto. A freqüência rangida nos dentes dos quatro náufragos atiçou miss Bleck. Ela
conduziu a ajuda. Guiou os entes da Capote ao local. Os quatro náufragos foram salvos
por pescadores simpatizantes da Capote. Os feitos de miss Black eram muitos. Os raios
do sol indicam o cocorico do galo. Hora de entrar no galinheiro. Mas miss Black não.
Enquanto houvesse uma alma na espreita a ser socorrida, ela não findava sua missão.
Daí o seu nome. Miss: abreviação de Missão. Black: o seu horário de labor.
Aproveitando isso, os membros anunciavam em jornais de circulação oficial da época:
“Maceió poderá ter um blackout amanhã”. Os entes recém chegados, lendo a noticia,
sentiam-se aliviados pelo socorro anunciado. “blackout” era miss Black. De modo
algum os “visitantes” ficavam a postos nas praças e orla maceioense, nos pontos
pitorescos da cidade. Escondiam-se nos recantos menos prováveis de ser encontrados
pelos agentes secretos. A primeira etapa, a mais perigosa, era de Miss black. A
segunda, o contato com os “visitantes”, já era feito com pelos membros da Capote. A
grosso modo, miss Black era um robô desativador de bomba. Quando não se
encontrava em serviço, nas suas horas de folgas, miss Black era uma cadela normal
como as demais, brincava com hospedes da pensão e com Flávio & Cia. Ajudava os
cegos e idosos a atravessarem às ruas no Centro. E afugentava algum mal
intencionado, quando este tentava subtrair peças das lojas. Mas o sucesso mesmo dela
era como a mascote da turma nas filantropias liderada pelo Professor Jobson. As
crianças amavam miss Black, suas peripécias, seu tamanho, sua cor.
Desconfio como vós, meus caro leitores, mas deixarei assim os conhecidos
nomes que estavam no Baleia. Nós hoje temos o Google, neto do Dicionário. O avô era
pesadão e sisudo. Já o neto é leve, rápido e garoto-sabe-tudo! Um anjo para quem
escreve ou estuda, mas também um diabinho para quem devaneia pela madrugada.
19h30min. A Capote estava repleta de convidados. Não bem a Capote, mas o teatro
adjunto a ela. Agora foi que a ficha caiu para Flávio. A ficha não, ainda não havia
orelhão, digamos que o código Morse tocou nele os ícones que estavam no Baleia.
Vinho e champanhe eram servido a fole. Jobson abraçava os convidados e agradecia
pela responsabilidade lhe concedida de ser o testa de ferro em Maceió. Vultos da
Literatura, Música e Ciência, os melhores, estavam na Capote para a noite de réveillon.
Muitos líderes preferiam ficar à sombra, sendo desconhecido até mesmo de alguns
deles. Era necessário ser assim. Há milênios as engrenagens do relógio trabalhavam
assim. Uma parte intelectual (Literatura, Música, Ciência), outra parte esotérica,
andando pela sobra e uma outra formada por cidadãos comuns de bons costumes.
Isso foi visto nos rapazes, além do caráter deles. Flávio e Carlinhos eram da parte
intelectual, já Israel era o esotérico da turma e Alexandre o ilibado cidadão comum.
Foram feitas várias apresentações e discursos. De repente, uma atriz bem notável
começou a dançar espargindo o aroma “de frutas brasileiras” pelo teatro. Nos
primeiros minutos da madrugada, após a saudação do novo ano, Jobson, chama Flávio
& Cia para o acompanhar ao Pharol, enquanto continuava a festa no teatro. Havia um
caminho da Capote até o Luzeiro que os rapazes não sabiam. Já no porão do Luzeiro,
eles chegam ao compartimento secreto que ainda os rapazes não tinham adentrado.
Justamente o que, para ser aberto, precisava das chaves das seis cidades! Apenas
Jobson e alguns seletos líderes estavam diante dos dois pilares que levavam à Câmera
secreta. A história de Salomão nos Incas, Maias e em nossas terras era conhecida de
todos os membros, mas... Mas... O que estava sob o Pharol, NÃO! Flávio & Cia são
felizardos. Eles viram seis homens espertos vestidos de branco com capuz vindos
dessas cincos cidades e entre eles, o idioma falado era o hebraico. Reconheceram,
pela voz, um sendo o Gino. Os pilares continham seis côvados de largura de um lado e
seis côvados de largura de outro. Os seis dizem um mantra e introduzem suas chaves
na grande fechadura de prata da câmera. Perplexidades nos rapazes. Engrenagens
seculares abrem devagar o portal. In – na – cre – di – tá – vel: A coroa de Salomão,
suas vestes (a qual se referiu Jesus em Mateus 6:29), um fac-símile de seu rosto em
ouro e ao lado a Rainha mumificada. Por minutos, Flávio, Carlinhos, Israel e Alexandre
ficaram atônicos. Flávio jura que vira uma fumaça densa tomando todo a câmera por
cerca de cinco a dez segundos. A Glória de Deus.*. Era como tivessem visto um vestígio
de Deus face a face.*. Vamos rapazes, relaxem – disse Jobson – Temos cinco meses
para tirar tudo isso daqui e levá-los ao Oriente. Vocês se encarregam da arrumação, a
Ordem se encarregará do transporte. Vamos! O tempo urge!
Flávio dá um salto de cinco meses no seu diário. Nesse ínterim, desde o dia da
grande revelação até essa data, eles fizeram um bom trabalho de embrulhar as peças
do porão cuidadosamente. A conta gotas, semanas após semanas, eles as levavam
para o barco baleia na Lagoa Mundaú. Era a rota mais segura. O baleia levava os
utensílios de prata embrulhados aos navios da Ordem em alto mar. No mês de maio já
se ouvia eco no porão do Pharol. Apenas a tão guardada Câmera secreta das seis
chaves ainda se encontrava lá. Os fascistas, disfarçados, iam voltar ao poder. A Capote
conseguia a trancos e barrancos se desviar do olhar dos profanos. Mas não por muito
tempo. O ano era de eleição. A Ordem deduziu que o país teria anos conturbados pela
frente. (E tinha razão). Os segredos do porão do Luzeiro não estavam mais seguro.
Nessa manhã, a polícia secreta invade a Capote prendendo o Marcelo. Descobrira que
ele era um informante e que fazia articulações com os presos políticos (ele trabalhava
na cadeia da Praça). Fecham a loja de Jobson e a pensão. A inteligência da Ordem já
sabia dessa invasão. Todos foram avisados de antemão. Apenas Marcelo, um idealista
comunista convicto, ficara. O irônico é que Marcelo ficou preso no lugar onde
trabalhara por anos. Enlouqueceu e de fora da cadeia dava para ouvir seus gritos: O
capitalismo merece uma bomba atômica! Maru vai para a região do Araguaia no Pará a
fim de formar novos guerrilheiros. Flávio e Alexandre ainda não tinham ordem de
prisão. E podiam trafegar livremente pela cidade. Eles eram bem discretos, não
levantando suspeitas. Já Carlinhos e Israel não tiveram como: permaneciam
escondidos nos porões do Pharol juntos com outros membros da cidade, protegendo
os Cabeças Jobson e Gino para a seqüência do plano. Israel estava convencido de ir
com os membros da Luz do Portal, junto com a Câmara de Salomão. O certo é que
Israel não sabia para onde, apenas a Ordem sabia. A inteligência da Ordem simulou
um... Digamos álibi para Israel. conseguiu um corpo de um homem recentemente
morto nas enchentes semelhante ao dele, colocou no quarto, lá ficando por três dias.
Assim que a polícia secreta arrombou a porta de sua casa, julgou ser Israel. Ele foi dado
como morto. O único pedido de Israel à Ordem foi para A Luz do Portal de Deus dar
assistência a sua filha de dez anos e assim que ela completasse maior idade, ele iria se
revelar para ela. Enquanto ao Carlinhos, A Luz do Portal o mandaria para o Chile. De lá,
Carlinhos queria ir para Cuba. Era simpatizante de um jovem médico com ideologias
subversivas chamado Ernesto Guevara de la Serna. Eram da mesma idade e membros
da Ordem na argentina falaram sobre ele e seus ideais aos rapazes. Escondidos no
porão do Pharol, os membros da Capote aguardavam para o arrebatamento. Sim! A
Câmera seria alçada. Os mesmos cinco membros guardiães das chaves estavam em
Maceió. O velho mar das Naus da Ordem estava, agora, sendo vigiado. Os profanos,
por ódio, não queriam que ninguém se aproximasse do Pharol. Nem os casais de
namorados podiam está, agora, sob o olhar do Pharol. Como eles iriam sair com a
Câmara? Só um milagre!
Tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados para a salvação ...” (Rm 8, 28). E o milagre se engenhou no céu de duas
maneiras. A primeira: O sol da cidade de Maceió, que tanto encantou Salomão e sua
Rainha, estava encoberto de nuvens negras. Já tinha chovido torrencialmente por toda
a semana na cidade. A chuva castigava a cidade diariamente. Bairros como Jaraguá,
levada, bom parto ficaram alagados por dias. Durante o mês de maio quase não se via
o sol. Nuvens pesadas e baixas descaracterizava a linda capital das Alagoas. 20h45min.
Chovia copiosamente em Maceió. O dia era esse e a hora também. A profana
inteligência secreta descobrira sobre o porão do Pharol. Não tinham como mais
delongar. Flávio relata no diário que chovia tanto como que nunca antes visto. A
visibilidade não atingia trinta metros mais ou menos. Os contras chegam no Pharol.
Pretendiam dinamitar o porão. A sorte, ou o limiar do milagre, era a torrencial chuva a
qual obstava, confundia os contras profanos para armares os explosivos. Jobson
suplicava a Deus: Ó Senhor, nosso Deus, não te alongues de nós; meu Deus, nosso
Deus, apressa-te em ajudar-nos.
Sejam confundidos e consumidos os que são adversários da nossa alma; cubram-se de
opróbrio e de confusão aqueles que procuram o mal de nossos irmãos.(Sl 71:12,13). O
escape já vinha do alto. Foi tão iminente, quanto eminente! Os guardiães uniram as
chaves na grande fechadura da Câmara de Salomão. Só que dessa vez, eles deram mais
uma volta nas chaves. Abriu-se uma fenda acima deles. Os profanos pensaram que
fosse um terremoto e saíram em disparada ladeira abaixo. De lá de baixo dava para ver
as pesadas gotas de chuva intermitentes, caindo sobre a Câmara do Rei Salomão.
Todos adentraram-na, inclusive miss Black! Ah, Jobson não a ia deixar de jeito
nenhum. Súbito, um dirigível maior do que o Zeppelin num vôo rente, sobrevoou o
morro do Jacutinga, lançando cabos de aço que foram presos na Câmara pelos rapazes
de ouro. Como no arrebatamento futuro, eles foram alçado aos céus. Jobson bradou: -
Não subestimem os membros da Luz do Portal de Deus! Um alarido de alegria
contagiou a todos no dirigível. Lá em baixo, eles não sabiam o que era aquele vulto
enorme entre as nuvens. O Senhor os confundira novamente! Tudo calculadamente
perfeito e justo. Mas os desígnios do Senhor não são como a gente quer. Faltava um
de nós no dirigível. Era Gino. O guardião do Pharol ficou para iluminar o mar da
Pajuçara em busca do barco baleia. Seria o último feito de ambos: do guardião Gino e
do Pharol. O dirigível toma direção do mar. Flávio e Alexandre teriam que saltar. Não
havia para eles planos fora do país. Não no momento. Os poderosos holofotes do
Pharol não viam o pequeno barco baleia esperando por eles, por mais que Gino se
esforçasse. Na torrencial chuva era como achar uma agulha num palheiro. Jobson
pronuncia o versículo seis do Salmo dezessete: - Eu te invoquei, ó Deus, pois me
queres ouvir; inclina para mim os teus ouvidos, e escuta as minhas palavras. – Parte do
morro do Jacutinga desmorona bem sob a base do grande Luzeiro. Terras invade à rua
Barão de Atalaia. O Pharol se inclina quase tombando e seus holofotes conseguem ver,
agora, o barco baleia. O momento é agora! com a luz do Pharol iluminando o barco, o
dirigível plana bem próximo a ele. Flávio e Alexandre saltam ao mar com bóias salva
vidas. Os “pescadores” do baleia vão rapidamente ao socorro deles. Gino não
suportando mais devido a chuva, o forte vento e a inclinação faz um sinal secreto a
Jobson (o sinal milenar dos Templários) e despenca do Luzeiro abaixo. Expira entre as
terras dos porões do Pharol. Qual seria o destino final da Câmara do Rei Salomão?
Seriam Pirâmides do Egito? As Muralhas da China? Ou o subsolo da Cidade do Vaticano
no porão da Basílica de São Pedro? Não sei lhe responder, pois o nosso poeta que
escreveu o diário não foi com eles. Voltou para os braços de sua Anne Laura.
EPIFANIAS
Respiraram bem fundo após a odisséia das páginas anteriores? Voltemos, agora,
nossos olhos à garota saída da costela de Flávio Borges. Lembram? Deixamos Anne
Laura na noite do dia 27 de maio no bonde que já passara pela Praça Sergipe, tomando
rumo à Praça do Centenário. Anne mostrava-se atormentada pelo horário em que ia
chagar em casa. Descera do bonde às 19h30. Morava próximo a Igreja dos
Capuchinhos. Dona Albertina já a esperava ansiosa à porta do casarão de sobrados.
Caros leitores, infelizmente, nosso conto não há somente heróis, lirismos, poetas,
canções e aventuras. Há um vilão. Cel. Galdino Bezerra era o nome do antagonista.
Amigo de políticos e admirador de Vargas. Um militar da reserva que “caçava” os
comunistas. Quando tenente, tinha perseguido a coluna Preste. Era avesso à cultura.
Era um déspota às escuras. Não via cores nas poesias e era desafinado à música.
Nenhuma criada ficava por mais de um mês a seu serviço. E vocês já desconfiam que
esse tirano, maculando o conto lírico de Anne & Flávio é o pai da dona do coração do
nosso poeta. No jantar, Galdino Bezerra diz ter encontrado um partido para Anne
Laura – Anne, no fim de semana teremos uma visita. É o Jorge que vem de
Pernambuco. Ele será um bom partido para você. O pai dele é dono de um engenho lá
pelas terras pernambucanas. É um amigo meu recente. Do partido de Vargas. Gostei
do Jorge filho dele. É homem pra valer! Não é desses que ficam recitando poesias, nem
tocando violão – Disse o velho coronel com a xícara de café à mão – Por que és avesso
a cultura meu pai? – contestava Anne Laura – Veja: a arte está em todos os cantos e
recantos; até mesmo sem percebermos, podemos esculpir artes em nossas vidas e
nem é preciso ser Flávio Borges! Tu mesmo estás expressando artes agora! Seus gestos
com essa xícara, sua entonação de voz já faz do Senhor, meu pai, um emissário da
arte! E essa inscrição com letras góticas na xícara, meu pai? Coronel Galdino olhou
para a imagem na xícara que mostrava: Galdino e Albertina com amor para
sempre. O velho coronel estava agora, além da xícara, também com o coração na
mão. Ele foi levado para um passado há quase trinta anos. O tempo da inscrição. Dona
Albertina não segurou a emoção. As lembranças levaram a descompassar
poeticamente o velho coração do guerreiro. Mas o orgulhoso coronel não queria ser
vencido por uma enamorada de um poeta - Já para o quarto, Anne Laura – bradou um
Galdino quase amolecido. E refazendo-se disse: Esse tal de Flávio Borges fez direitinho
a cabeça de nossa filha. Albertina olhou bem nos olhos do amado e lançou las
palabras: Tu podes vencer a enamorada e seu poeta, mas não e nunca a poesia!
Na manhã seguinte, os alunos da sala de aula onde Flávio era o tutor foram
dispensados mais cedo. O professor das duas últimas aulas não fora naquele dia. Flávio
foi até o Relógio do Marcado, “à sombra do relógio”, como ele mesmo diz e, como de
costume, foi esperar seus confrades. Lá ficou sabendo que dona Eulália, que não ia a
sua quitanda há quase um mês, piorara seu quadro de saúde. Uma irmã de Eulália
deixou um recado para que Flávio e Anne fossem urgentes vê-la. De proto, Flávio foi
esperar Anne em frente ao colégio Sacramento. Por volta das 12h30, Anne o viu no
outro lado da calçada e o saudou na cordial saudação de sempre – Caiam tardes
poéticas, Dr. Flávio Borges! – De vespertinas poesias, Sra. Anne Laura! E os dois
juntos: – que brotem poesias em mim e em ti! Olha Flávio, papai e eu tivermos uma
séria discussão ontem à noite – eu quero falar com ele – disse Flávio – não, não ele não
o recebeu da última vez e não o receberá. Ele não gosta dos poetas. – Acho que teu pai
não gosta é de mim, Anne. Ele quer um melhor partido para você. Mas... Venho aqui,
não para falar sobre isso. É para irmos visitar dona Eulália. Tive um recado da irmã dela
que ela vai de mal a pior. – ela ainda não curou aquela maldita pneumonia – lembrou
Anne - Vamos á Praça dos Martírios esperar o bonde. Descendo a ladeira do farol, eles
olharam para o imponente Pharol que lá do alto observava todos os acontecimentos
na cidade de Maceió. Dona Eulália morava no bairro de Bebedouro. Os olhos do pharol
também chegavam por lá. Apanharam o bonde às 13h10. Estavam tão aflitos que
sentaram na primeira fileira do bonde para chegar mais rápido. Bebedouro na época
possuía casarões na sua avenida principal com vista à lagoa Mundaú e à linha férrea.
Destacava-se por ser um festeiro bairro com as quadrilhas juninas e os pastoris e
reisados pelo Natal. Anne nostalgiava às Festas realizadas por dona Eulália, os ensaios
das quadrilhas e do pastoril na Praça Lucena Maranhão. O bonde parou em frente à
Praça. Os dois foram correndo à casa de dona Eulália que fica a poucos metros da
Praça. Tia, é o Flavinho com a Anne – falou a Natasha, uma das sobrinhas de Dona
Eulália. - Como está ela? – indagou Flávio – ela respira com dificuldade, Flavinho. O Dr.
Disse que o estado dela é muito grave. Será que ela vai morrer? – falou chorando a
irmã de dona Eulália. Tenha paciência e vamos entregar tudo a Deus – conformou-a
Anne Laura. Sabe... - disse a irmã dela - Ela quer falar com você, Flavinho e é muito
importante, mas ela está descansando... – Deixa-a descansar... Eu vou esperar o tempo
que for – disse Flávio, já se conformando.
17h25. Flávio, não posso esperar mais – Disse Anne - Vou apanhar o bonde
das 17h30. Não quero ouvir outro sermão de papai. – Está certo, Anne. Nós
compreendemos. Antes de sair, Anne beijou a testa fria de Dona Eulália. Despediu-se
dos familiares e Natasha foi levá-la até o ponto do bonde. 19h40. Carlinhos, Israel e a
confraria em peso estavam prestando as últimas homenagens a quem tanto os
estimou e admirou-os. Flavinho, Eulália se acordou... Ela quer falar com você agora!
Flávio Borges segurando a mão de Eulália ouviu uma surpreendente, inesperada
confissão: - Flavinho... - Sim Dona Eulália – Seja esse bom rapaz de sempre. Nunca pare
suas poesias... Cuide bem de Anne... - Sim dona Eulália... Eu cuidarei... - Flavinho...
Anne Laura é minha filha! Flávio Borges não segurou as lágrimas. Em prantos soluçava
ao corpo quase moribundo de Eulália. O Padre entrou para dar a extrema unção.
Estavam só esperando o desfecho do poeta com sua sogra. Atordoado, ainda teve
forças para dizer – Seus netos terão muito orgulho da Senhora! Minutos depois, Eulália
espirou profundamente e expirou.
Ah!! Não me pergunte como foi isso, amada leitora. Flávio levou muito a sério
o pedido de Eulália; está aqui no diário deles: “dia 16 de setembro, o dia que revelei a
Flávio que ele seria pai”. Nas o certo, leitora virtual amiga, é quando o amor entre duas
pessoas não cabe mais no peito, nasce uma outra vida! Peguei essa frase postada lá do
face. Agora, após a emoção e o deleite da cena, vamos por os pés deles no chão,
porque eles devem estar com os anjos nas Hosana nas alturas. Anne – Mamãe já sabe.
Não tive como esconder isso dela. Ela gosta de você. Sabes que tu és homem de
manter família. O problema é meu pai... Temo pela tua vida, meu poeta! – Que
faremos? Fugiremos? – não, não Flávio. Papai é muito influente. Vargas vai voltar ao
poder e nós seremos perseguidos no país todo. Temos que pensar no bebê... No nosso
bebê, Flavio. Encontraram a solução: Ela teria que se mudar para a Capital; morar na
casa de uma tia materna de Anne. Albertina diria ao marido que Anne rompera o
namoro e daria uma guinada na vida. Tinha o propósito de fazer uma faculdade.
Pronto. Plano traçado. Só falta agora separar a musa do poeta. Simples, não?
Não, não foi simples. Abrupta foi à dor da separação. Como poderia a metade
viver ser a outra? Seca-se a tinta da caneta de Flávio Borges. O dia da partida foi
previsto para outubro. Reduziram-se os encontros. Os lindos encontros tinham as
ladeiras. Menos esforços melhor. O motorista ia apanhá-la sempre por recomendações
da médica de Albertina. Os encontros eram, agora, próximos a casa de Anne e com
todo o cuidado para que Galdino não perceba. E assim foram levando... Até o doloroso
dia da partida.
26 de dezembro de 1953
Nosso poeta parte para o Rio. Na despedida, apenas seus pais e a confraria. O
poeta Flávio Borges deixa sua terra e vai ao encontro de suas amadas. Poucas palavras.
Muitas emoções. Quando o ônibus partiu, um ex-membro da Capote: Vai o iluminete
Flávio Borges. Ficam as suas poesias e as misteriosas fachadas na cidade.
Fez-se um book
Maceió, 04 de abril de 2012. São 17 horas.
Com o conto de Flávio e Anne nas mãos saio pela cidade. Costumo chegar do trabalho
em casa por volta das 16h. E vez por outra, saiu para ler algum livro técnico de
concursos ou romance. Fiquei impregnado da bela história dos enamorados do Farol.
Será que atingi o intento de um conto? Será que Flavio Borge e Anne Laura iriam
gostar do que fiz? Bem, antes que o olhar da crítica o veja, eu teria uma enorme
satisfação que o olhar de VISÃO do nosso querido Mestre Educador Eduardo
Sarmento, que tanto fez a felicidade de gerações, sentencie o capricho literário desse
seu aluno, no qual gostaria ainda de vê-lo em pé numa lousa o ensinando essa
apaixonante e delicadíssima Língua Portuguesa! Fui conferir, ao vivo, os vestígios de
Flávio Borges. Passei descendo a ladeira do Brito e procurei a Maria da Conceição na
calçada tal qual Flávio Borges fazia. Atravessei a Rua do Sol com cuidado não só dos
carros, mas pela virtual passagem de um bonde! Adentrei no Beco São José, dobrei à
esquerda e caminhei pelo Comércio olhando as fachadas em busca de uma pista, de
um símbolo deixado por Flávio para sua eterna amada. Sinto que tais fachadas estejam
cobertas pelas marquises das lojas. Chego até a Praça Deodoro. Olho a cima da
fachada frontal do Teatro Deodoro e vejo as esfinges que Sulino e seu sobrinho Flávio
ergueram em homenagem à poesia. Fitei por um pouco a contemplá-las! Nunca antes
tinha caminhado pela cidade como agora: olhando para os cimos. Chego até o
Mercado, atravesso os trilhos e vou bem junto ao Relógio do Mercado onde a sua
sobra eram realizadas as aulas da CentralGória. De repente, ouço o apitar do trem, que
agora é o moderno VLT. Já é hora da próxima aula! Oh! Divaguei-me por uns instantes!
Volto ao real. Sigo ao calçadão do comercio. Passo em frente à Igreja do Livramento e
ouço o ativista Carlinhos discursando calorosamente. Passo pela Rua Barão de Penedo
quase de esquina com a Praça Monte Pio, vejo Los Angeles um grupo de anjos
esculpido pelo tio de Flávio, com a sua ajuda para Anne. Eu perguntei sobre de quem
foi à autoria dos anjos, disseram que foi na década de 30, outros não sabiam. São os
bem guardados segredos dos iluminetes. Como seriam os jovens Flávio Borges e Anne
Laura hoje? Teriam facebook? Comunicar-se-iam por Smartfones? Será que foi a época
que proporcionou o poeta e sua musa? Será que foi a magia do Pharol? E hoje em dia,
será que surgirão novos casais como eles? Com essas reflexões, chego a Igreja da
Catedral. Refaço a emocionante, compassada subida pelas escadarias. Tal qual o
primeiro encontro de Flávio & Anne. Tento imaginá-los no pátio central. Gostaria tanto
agora dá-los um cordial abraço! Não sou católico, mas seria impossível não apreciar o
teto estrelado da nave da Igreja e seu anjo sustentando o lustre. A pura materialização
do amor de um rapaz por sua enamorada. Os templários irão dizer que tenho a mente
fértil. O Bispo irá dizer que é mais uma história de amor. Mas fiz baseado no diário de
Anne & Flávio que jaz em livro. Agora... A emoção final... Chego ao que foi antes o
Pharol. Agora sou eu quem olha para o vazio. Entendo agora o gesto deles, quando os
vi. Sento no mesmo banco onde meses atrás, o próprio Flávio Borges me presenteou o
manuscrito. Sinto a brisa em meu rosto, ou melhor, o anjo de Anne Laura soprando em
meu rosto. Agora já estou capacitado a responder a saudação que a Senhora Anne
Laura me fez quando entrara no carro. Respondo bem baixinho: De vespertinas
poesias, Anne Laura!!!!!! Uma lágrima escorre pela minha face. Abro o conto: “sob o
olhar do Pharol” e o leio, também, sob a aprovação e o olhar de Deus.
FIM
.*.
marconifoc@bol.com.br
Praça Emilio de Maia. Onde eram as aulas da CentralGótica.
Palácio dos martírios; detalhe: o bonde cheio e com gente pendurada! Ta qual
a canção dos estudantes!
Dedico aos vírus que roeram a
memória virtual do meu computador a
apagando para sempre; não à aqueles
incompetentes vermes que, apesar de
roerem, foram incapazes de apagar da
imortalidade as memórias de Brás
Cubas!
Marconi .*.