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Sermão 13 (excertos)1
(Título: Sermão indispensável nas paróquias)
Sermão 503
(Título: Do dever de desejar mais ardentemente a saúde da alma que a do corpo e de se
guardar de sortilégios)
1. Sabeis, irmãos caríssimos, que todos os homens procuram a saúde corporal, mas
devemos compreender que, ainda que a saúde do corpo seja uma coisa boa, bem melhor é
a do coração. Assim todos os cristãos devem sempre especialmente orar para que Deus se
digne, por sua piedade, conceder-lhes a saúde da alma. Deve-se orar pela saúde do corpo,
mas deve-se suplicar duas vezes, múltiplas vezes, pela saúde da alma. Não é demasiado
prejudicial que a carne seja fraca neste mundo; basta que a alma suba incólume ao céu.
1
SChr 175, 416-429 (texto sobre a unção dos enfermos: n° 3, 422-423.426-429). Tradução Francisco
Taborda S.J.
2
AURÉLIO define assim a palavra “bentinhos”: “Objeto de devoção formado por dois pequenos quadrados
de pano bento, com orações escritas ou uma relíquia que os devotos trazem ao pescoço”. Foi a melhor
forma vernácula que o tradutor encontrou para o latim “phylacteria”.
3
SChr 243, 416-423. Tradução Francisco Taborda S.J.
Cesário de Arles – Sermões – p. 2
Com efeito, quem tem cuidado pela saúdo do corpo somente, é semelhante aos animais e
às feras. E o que é pior: quantos são os que se entristecem se começam a debilitar-se no
corpo, entretanto, se sua alma está não só ferida de morte, mas morta, absolutamente não
o sentem nem se lamentam. Oxalá acorram à Igreja quando seu corpo enfraquece e
solicitem o medicamento da misericórdia de Cristo. Mas alguns, em qualquer doença – o
que é deplorável – se põem a buscar sortilégios, arúspices e consultam encantadores
divinos, penduram no pescoço bentinhos diabólicos e escritas mágicas.
Às vezes recebem esses amuletos até de clérigos e de religiosos; mas esses não são
religiosos ou clérigos, mas auxiliares do diabo. Vede, irmãos, que vos suplico: não acedais
a receber esses objetos maléficos, mesmo quando oferecidos por clérigos, pois não está
neles o remédio de Cristo, mas o veneno do diabo. O corpo não fica curado e a alma
infeliz é decapitada pela espada da infidelidade. E mesmo que vos digam que os
bentinhos contêm coisas santas e textos da Escritura, ninguém o creia, ninguém se fie
neles para recuperar a saúde, pois mesmo que alguns recebam a saúde graças a esses
amuletos, é obra da astúcia do diabo. Se faz às vezes desaparecer a enfermidade física, é
por ter estrangulado a alma.
Com efeito, o diabo não deseja tanto matar o corpo como a alma. Por isso, para
nos pôr à prova, está autorizado a abater nossa carne por alguma enfermidade, para que,
quando depois consentimos na ação de magos e de bentinhos, mate nossa alma. Por isso,
de tempos em tempos, os bentinhos parecem às vezes eficazes e úteis, pois, quando o
diabo golpeia a alma que consente, deixa de perseguir a carne. Quem faz bentinhos e
quem pede que os façam, e os que consentem em trazê-los, demonstram todos que são
pagãos. Se não fizerem penitência adequada, não podem escapar da pena. Mas vós,
irmãos, pedi a saúde a Cristo, que é a luz verdadeira; recorrei à Igreja, ungi-vos com o
óleo bento, recebei a eucaristia de Cristo. Se fizerdes assim, recebereis não só a saúde do
corpo, mas também a da alma.
2. Consideremos nossos atos, meus queridos, com espírito clarividente e
escrutemos com cuidado nossas ações, para que o espírito maligno não se introduza
furtivamente, não nos engane com aparência de bem, se não nos pode enganar
abertamente. Pois ele tem “mil modos de prejudicar” (Virgílio, Eneida, 7, 338) e se serve
de todos esses modos para fraudar o gênero humano. Com efeito, como diz o Apóstolo,
“não ignoramos as intenções dele” (2Cor 2,11). Pois Cristo mesmo atacou os bentinhos
dos fariseus, dizendo: “Usam largos filactérios4 e longas franjas” (Mt 23,5). É preferível
reter no coração as palavras de Deus do que pendurar seus escritos no pescoço. Dos que
carregam tais ligaduras é dito: “Os que se desviam por trilhas tortuosas, que o Senhor os
expulse com os malfeitores” (Sl 125,5). Mas dos outros está escrito: “Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Pois é uma felicidade eterna e uma
eternidade feliz ver numa visão perpétua e louvar com voz incessante a Cristo Deus, na
glória, com seus santos. Então se cumprirá em nós a palavra: “O Deus dos deuses lhes
aparece em Sião” (Sl 84,8). E ainda: “Felizes os que habitam em tua casa, Senhor, eles te
louvarão sem cessar” (Sl 84,5).
4
O que vem sendo traduzido por “bentinhos”, de acordo com o uso vernáculo, é em latim “ phylacteria”. Na
citação do Evangelho, no entanto, mantém-se a tradução “filactérios”, da Bíblia de Jerusalém. Com a
palavra grega phylaktérion o texto remete aos rolos minúsculos, contendo trechos do Êxodo e do
Deuteronômio, como o “Ouve, Israel”, e passagens bíblicas incentivando à observância da Lei. Cf. Max
ZERWICK – Mary GROSVENOR: A Grammatical Analysis of the Greek New Testament. Rome: Biblical
Institute Press, 1981, 74.
Cesário de Arles – Sermões – p. 3
3. Antes de mais, irmãos, não aceiteis ter balanças dolosas e duplas medidas, pelas
quais deis prejuízo a vossos vizinhos e a vossos próximos, pois está escrito: “Com a
medida com que medirdes sereis medidos” (Mt 7,2). Toda vez que ouvis querelas, julgai
com um julgamento justo e não aceiteis suborno em detrimento do inocente, para que não
aconteça que, adquirindo riquezas materiais, percais as recompensas eternas. Estando na
Igreja, não vos ocupeis em contar lorotas uns aos outros. O cúmulo é que alguns homens
– e sobretudo mulheres – tagarelam de tal modo na Igreja que eles próprios não escutam a
palavra de Deus nem permitem que os outros a escutem. Quem age assim, prestará contas
no dia do julgamento por si e pelos outros.
Os filhos que recebeis no batismo, sabei que sois fiadores por eles diante de Deus.
Assim deveis sempre repreendê-los e corrigi-los, para que se esforcem por observar o que
respeita à justiça e à castidade, à sobriedade e à misericórdia. Incitai-os às boas obras, não
só por palavras, mas também por exemplos, a fim de que, imitando-vos no que é justo e
agrada a Deus, mereçam chegar convosco às recompensas eternas.
4. Peço-vos sempre de novo, irmãos caríssimos, e vos advirto com solicitude
paternal e vos suplico com todas as minhas forças, que os bons dentre vós perseverem
sempre fiéis e felizes nas boas obras, pois está escrito: “Quem perseverar até o fim, será
salvo” (Mt 10,22). E os que sabem que fazem o mal, corrijam-se e emendem-se sem
tardar, para que, quando venha o dia do julgamento, tanto os que perseveraram no bem,
como os que se corrigiram do mal, cheguem juntos às recompensas eternas, com a ajuda
daquele que, com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.
Sermão 52 (excertos)5
(Título: Sobre os mártires e o eclipse da lua, bem como sobre os abortos e os bentinhos)
[Tratando dos mártires, Cesário explica que os perseguidores em seu tempo já não são os que
matam o corpo, mas os que induzem a práticas como superstições por ocasião de eclipses lunares, aborto e
o uso de bentinhos. Depois continua:]
5. Também isso, meus queridos, como já dissemos antes, é uma habilidade funesta
do perseguidor oculto: quando os filhos de algumas mulheres são atormentados por
diversas tentações ou doenças, as mães correm, chorando e atônitas, e – o que é pior – não
solicitam remédio da Igreja, nem junto ao autor da salvação, nem pedem a eucaristia de
Cristo, quando deveriam – como está escrito – ungi-los com o óleo bento pelos
presbíteros e pôr toda sua esperança em Deus. Fazem o contrário e, buscando a saúde dos
corpos, encontram a morte das almas.
Oxalá conquistem a saúde, pelo menos pela arte dos médicos. Mas elas dizem:
“Consultemos este arúspice ou este adivinho, aquele lançador de sorte ou esta maga;
sacrifiquemos uma veste do doente, um cinto que possa ser examinado e medido;
ofereçamo-lhe escritas mágicas, penduremos no pescoço fórmulas mágicas”. Por trás de
tudo isso está a mesma persuasão do diabo, quer se trate de matar cruelmente os filhos
pelo aborto, quer de curar mais cruelmente ainda por escritas mágicas.
6. Entretanto, algumas mulheres, ditas sábias e cristãs, quando os filhos adoecem,
costumam responder às amas ou a outras mulheres por intermédio das quais o diabo as
tenta: “Não, eu não mexo com tais coisas, porque li na Igreja: ‘Não podeis beber o cálice
do Senhor e o cálice dos demônios. Não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa
dos demônios’ (1Cor 10, 21)”. Em seguida, como se estivesse desculpada com essa frase,
5
SChr 243, 434-443 (aqui: 438-443). Tradução Francisco Taborda S.J.
Cesário de Arles – Sermões – p. 4
acrescenta: “Mas ide e fazei como sabeis; não vos nego o que for preciso gastar da
dispensa”. Como se por essas palavras pudesse ser tida por inocente de um crime tão
detestável! Mas não é assim, pois não somente a mãe que o permite, também as outras,
quem quer que sejam, que tiverem consentido, incorrerão no crime de sacrilégio. Pois o
Apóstolo fala: “Não só os que fazem assim, mas também os que consentem com os que as
praticam” (cf. Rm 1,32).
Mas vós, tanto homens como mulheres, se quiserdes prestar uma atenção diligente
e vos esforçais fielmente por evitar e fugir de todas as emboscadas do diabo, podereis
chegar com consciência tranquila à felicidade eterna, com o auxílio de nosso Senhor Jesus
Cristo.
Sermão 1846
(Título: Sobre os mártires ou sobre os bentinhos, a propósito de Hb 11)
6
CC.SL 104, 748-752. Tradução Francisco Taborda S.J.
Cesário de Arles – Sermões – p. 5
a mão do médico todo-poderoso não convém jamais desesperar de nenhum pecador. Pois
a imensidão da misericórdia é tão grande que não só outorga o perdão dos pecados aos
que se corrigem de verdade, mas também lhes concede chegar aos prêmios eternos.
7. Portanto, não devemos nem desesperar nem esperar mal. Desespera quem julga
que Deus não perdoa a quem está cheio de muitos pecados, mesmo que faça penitência.
Espera mal quem acredita que, embora queira permanecer nos pecados até o fim da vida,
pode ser digno da misericórdia de Deus. Nosso Deus, como sabe remunerar os méritos,
sabe também punir os pecados. Quem disse: “Quando convertido gemeres, serás salvo”
(Is 30,15 LXX), disse também: “Não demores a voltar para o Senhor e não adies de um dia
para o outro” (Sr 5,7 [Eclo 5,8]). Teme, ó homem, a justiça daquele de quem buscas a
misericórdia. Quanto mais tempo espera que te corrijas, tanto mais gravemente vinga, se
não queres emendar-te mais rapidamente. Pois neste mundo Deus dá preferência à
misericórdia, no mundo futuro exerce a justiça; neste despende o dinheiro de suas
exortações ou de sua paciência, lá exigirá os juros. Assim se cumprirá o que está escrito:
“Então retribuirá a cada um de acordo com suas obras” (Mt 16,27). Não disse, segundo a
misericórdia, mas “segundo suas obras”. O que o apóstolo Paulo confirma, dizendo:
“Todos nós teremos de comparecer perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada um
receba a retribuição do que tiver feito durante a sua vida no corpo, seja para o bem, seja
para o mal” (2Cor 5,10). Com o auxílio do Senhor, atuemos assim, irmãos, para que tudo
o que nos imputou como julgado, quando for julgar, o encontre íntegro, e a solenidade ou
o patrocínio dos santos mártires não nos prepare juízo, mas proveito. E assim nos
apliquemos quanto possível a merecer obter no céu a companhia daqueles, cuja festa
celebramos no mundo. Conceda-nos nosso Senhor Jesus Cristo que vive e reina pelos
séculos dos séculos. Amém.